Download PDF
ads:
PONTIFÍCIA FACULDADE DE TEOLOGIA NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO
MESTRADO EM TEOLOGIA SISTEMÁTICA
NÚCLEO DE DOGMA
ALEX VILLAS BOAS OLIVEIRA MARIANO
O SENTIDO DA VIDA NA TRAJETÓRIA POÉTICA DE
CARLOS DRUMOND DE ANDRADE
SÃO PAULO, 2008
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
PONTIFÍCIA FACULDADE DE TEOLOGIA NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO
MESTRADO EM TEOLOGIA SISTEMÁTICA
NÚCLEO DE DOGMA
ALEX VILLAS BOAS OLIVEIRA MARIANO
O SENTIDO DA VIDA NA TRAJETÓRIA POÉTICA DE
CARLOS DRUMOND DE ANDRADE
REFLEXÃO TEOLÓGICA A PARTIR DA ANTROPOLOGIA
CONTIDA NA OBRA DRUMONDIANA
Dissertação apresentada como exigência
parcial para obtenção do Título de
Mestre em Teologia Sistemática na área
de concentração em Dogma, à comissão
julgadora da Pontifícia Faculdade de
Teologia Nossa Senhora da Assunção,
sob orientação do Prof. Dr. Antonio
Manzatto.
SÃO PAULO, 2008
ads:
RESUMO
No presente trabalho sobre Teologia e Literatura permanece o interesse teológico da
pesquisa, ou seja, o que o autor literário tem a contribuir para o pensamento teológico.
Acredita-se que possa haver tal compreensão pelo fato de que, apesar de ser a Revelação o
fundamento de toda Teologia, ela não acontece senão na condição humana, fato que obriga a
Teologia a não somente contemplar o mistério divino, mas também o mistério antropológico,
e como a relação com Deus foi assimilada e traduzida ou não, num modo de ser humano.
Estamos falando, portanto, de uma razão hermenêutica da Teologia sobre a vida que nela
interfere e é interferida por ela, em que a Literatura é testemunha privilegiada dessa vida
interpretada. Nessa perspectiva, a apropriação que se fez da Literatura não é de uma análise
literária propriamente dita, mas sim de uma fenomenologia da obra literária de corte
frankliano sobre a poética drummondiana, com a pergunta sobre o sentido da vida. Nessa
proposta o pensamento poético é expressão literária de uma poesia existencial, em que o
poético é uma mudança qualificada, que altera o modo de ser naquilo que o afeta, a partir de
um sentido que possa dar nova razão de viver. Todavia, uma categoria drummondiana
específica que assume aqui um papel de especial relevância para a percepção do sentido
drummondiano: a paixão. Ela é indicativa de um sentido para a vida, como fenômeno de
identificação pelo “que” se apaixona, e a partir dela é que Deus é recusado, não por uma
rebeldia pecaminosa, como seria comum à época acusar, mas por um sentimento ético que
não combina com o Deus apresentado. É a partir dessas duas categorias, a de um logos
apaixonado da poesia e a imagem clássica de Deus apático/imóvel, dentro da questão do
sentido de ser humano, que se abre o desafio à Teologia: um Deus apático que impõe Sua
vontade é desumano e não serve para a vida, pois em Drummond é a paixão que nos ajuda a
encontrar um sentido para viver, como sentimento de comunhão com essa vida. Há ainda um
agravante, pois o poeta como ser errante pode adquirir consciência de sua parcela de
desumanidade e mudar; um Deus que não muda não tem salvação, e por isso é melhor
deixá-lo. Esse passa a ser o propósito da presente pesquisa teológica que procura apresentar a
reelaboração da Teologia Moderna e Contemporânea sobre a questão do pathos em Deus
como lugar comum de ambas. Nesse movimento se insere a proposta de uma Teologia da
Paixão como possibilidade de razão hermenêutica de uma apaixonante experiência cristã, não
sem depurar o coeficiente de ilusão que carrega toda paixão, e que pode significar para a
América Latina uma distante da realidade, para se transformar em compromisso
apaixonado pela vida
ABSTRACT
The present work about Theology and Literature keeps the theological research
interest, which means, the aspects the literary author has to contribute to a theological
thought. It is believed that there can be such comprehension by the fact that, besides the
Revelation is the fundament of the whole Theology, it does not know anything beside the
human condition, as a fact that obligates the Theology to contemplate not only the divine
mystery but also the anthropologic mystery and how the relationship with God was translated
or not as a way of being human. Therefore we mean a hermeneutic reason of the Theology
which interferes and is interfered by itself in a way that the Literature privilegiously testifies
this interpreted life.In this perspective, the Literature was not taken place as a literary analysis
itself, but by the phenomenology of a literary work with a Franklin type about Drummond’s
poetic, with the question to the meaning of life. In this purpose, the poetic thought is the
literary expression in an existential poetry where the poetic is a qualified change and alters
the way of being in the things that affect it from a meaning that could give a new reason of
being.
Although there is a specific category that answers to a special relevant role to the
perception of Drumond’s meaning: the passion. It indicates a meaning for life, as an
identifying phenomenon for the “one” who is passionate, and from it, God is refused, not
because of a sinful rebellion, as it would be common to the time, but by an ethic feeling which
does not match with the presented God. It is from these two categories, a one from a
passionate logos of the poetry and of the classic image of an apathetic-stuck God, inside the
matter of the meaning of being a human, which opens itself as the challenge to the Theology:
an apathetic God that imposes His will is an inhuman God and it is not worthy for life,
because for Drumond passion is what helps us to give a meaning to live, as a meaning of
communion to this life. There is still an aggravation, because the poet as a mistaken being he
can be conscious of his inhumanity part and change. Otherwise a God that does not change,
there is not salvation, so it is better leaving Him. This starts to be the purpose of the present
theological research that aims to present a new elaboration of the Modern and Contemporary
Theology as the matter of the pathos in God and the common place of both. This movement
inserts the purpose of a Theology of Passion as possibility of hermeneutic reason of a
passionate Christian experience, but not without depurating the coefficient of illusion that has
all the passion, and that can mean to Latin America as a faith so distant from the reality, so
that it can turn to a passionate commitment to life.
RESUMEN
En el presente trabajo sobre Teología y Literatura permanece el interés teológico de la
pesquisa, o sea, aquello que el autor literario puede contribuir para el pensamiento teológico.
Se cree que pueda existir esa comprensión pues, aunque la Revelación es el fundamento de
toda la Teología, ella ocurre apenas en la condición humana, hecho que obliga a la Teología a
no sólo contemplar el misterio divino, sino que obliga a contemplar el misterio antropológico
y como se asimila y se traduce o no la relación con Dios en una manera de ser humano.
Estamos tratando por tanto de una razón hermenéutica de la Teología sobre la vida, que en
ella interfiere y de ella sufre interferencia, en que la Literatura es testigo privilegiado de esa
vida interpretada. Bajo esa perspectiva, la apropiación que se ha hecho de la Literatura no es
la de un análisis literario propiamente, sino de una fenomenología de la obra literaria de tipo
frankliano sobre la poética drummondiana, con la pregunta sobre el sentido de la vida. En esa
propuesta el pensamiento poético es expresión literaria de una poesía existencial, en la que lo
poético es un cambio calificado que altera el modo de ser en lo que afecta a partir de un
sentido que pueda dar nueva razón de vivir.
Sin embargo, hay una categoría drummondiana específica que asume un papel de
especial relevancia para la percepción del sentido drummondiano: la pasión. Ella es indicativa
de un sentido para la vida, como un fenómeno de identificación por el “que” se apasiona, y a
partir de ella es que se rechaza a Dios, no por una rebeldía pecaminosa, como sería natural
acusar en la época, sino por un sentimiento ético que no combina con el Dios que se presenta.
Es a partir de esas dos categorías, la de un logos apasionado de la poesía y la imagen clásica
de Dios apático/inmueble, dentro de la cuestión del sentido de ser humano que se abre el
desafío a la Teología: un Dios apático que impone Su voluntad es deshumano y no sirve para
la vida, pues en Drummond es la pasión que nos ayuda a encontrar un sentido para vivir,
como un sentimiento de comunión con esa vida. Hay un agravante, pues el poeta como ser
errante puede adquirir consciencia de su parcela de deshumanidad y cambiar, mientras que un
Dios que no cambia no tiene salvación, y por eso es mejor echarlo. Ese pasa a ser el propósito
de la presente pesquisa teológica que busca presentar la reelaboración de la Teología Moderna
y Contemporánea sobre la cuestión del pathos en Dios como lugar común de ambas. En ese
movimiento se insiere la propuesta de una Teología de la Pasión como posibilidad de razón
hermenéutica de una apasionante experiencia cristiana, no sin depurar el coeficiente de ilusión
de que está cargada toda pasión y que puede significar para América Latina una fe distante de
la realidad para transformarse en compromiso apasionado por la vida.
________________________________________________________
________________________________________________________
________________________________________________________
________________________________________________________
________________________________________________________
________________________________________________________
________________________________________________________
__________________________________
Orientador
__________________________________
1º examinador
__________________________________
2º. examinador
Dedico esta obra à minha família,
primeira forma de revelação do Mistério de comunhão
da qual participei, e à qual serei eternamente grato,
por me ensinar a força e a fraqueza do amor,
bem como sua capacidade
de se refazer a cada dia.
Agradecimentos
Sendo a vida uma realidade complexa, pode ser que todo esforço de agradecimento,
por mais sincero e generoso que seja, corra o risco de, algum modo, parecer ingrato com
alguém. Deveríamos então agradecer aos mentirosos por nos ensinar a valorizar a verdade,
aos orgulhosos por ajudar apreciar a humildade, e assim por diante. Mas nesse momento,
gostaria de agradecer a todas as pessoas que direta e indiretamente colaboraram não somente
para a conclusão deste ciclo de minha formação de teólogo, mas também me ajudaram a
continuar a busca dessa paixão da qual fiz profissão:
- Agradeço a Deus por sua graça e bondade, paciência e insistência com minha pessoa e pela
comunhão de vida que gratuitamente me oferece;
- Agradeço ao meu orientador, Prof. Dr. Antonio Manzatto e diretor desta casa, em primeiro
lugar por sua grata amizade, e por sua sabedoria e acessibilidade, pessoa fundamental para a
evolução deste trabalho, meu muito obrigado;
- Agradeço ao corpo Docente da Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da
Assunção, de modo especial nas pessoas do Prof. Dr. Ney de Souza, por sua contribuição
metodológica e francos diálogos; à Profa. Dr. Maria Freire da Silva, por sua singela
contribuição de um rosto feminino nesta casa; ao Prof. Dr. Lisaneos Frates, pelas reflexões
propostas e por seu senso de humanismo; ao Prof. Dr. Sérgio Conrado, por apresentar sua
experiência pastoral partilhada. A todos de modo muito especial pelo incentivo dado à minha
pessoa. Agradeço também ao corpo funcional que sempre me acolheu muito bem;
- Agradeço aos Examinadores deste trabalho pelo que contribuíram e ainda poderão
contribuir.
- Agradeço aos colegas de mestrado, que enriquecem esta caminhada com suas vidas e
amizades;
- Agradeço à minha Família, por todo apoio dado às minhas escolhas, à sua presença ímpar e
incondicional nos momentos de incerteza, bem como de efusiva alegria compartilhada em
meus momentos de conquista;
- Agradeço a Dom Eduardo Benes, Arcebispo de Sorocaba, bem como à Diretoria e aos
colegas/amigos de docência do Instituto de Teologia João Paulo II, por acreditarem em
minha vocação de teólogo dando incentivo e apoio à esta empreitada;
- Agradeço a meus velhos amigos e amigas, pela amizade que não mudou e por saberem
respeitar minha ausência. Também agradeço de um modo muito especial a meus novos
amigos e amigas, que me acolheram como uma verdadeira família, nessa experiência ímpar
de comunhão que vivemos entre Universidades Renovadas, Pastoral da Juventude e
Movimento dos Focolares, nos quais desde minha adolescência aprendi a importância de uma
vida de espiritualidade, de compromisso com os pobres e esforço pela unidade, colírio para a
miopia de uma Igreja de partidos que nossa geração herdou;
- Agradeço também à Cristiana Ferraz Coimbra, por sua incomparável amizade e pelo zelo
profissional com que se preocupou com a qualidade textual deste trabalho, bem como a
André Luís Pereira Miatello, pela atenção dada para que o texto atingisse maior clareza e
academicidade;
- Agradeço à comunidade jesuíta da paróquia São Luis Gonzaga, que me acolhe tão
generosamente, de modo especial na pessoa do Pe. Nilson Marostica, por sua carinhosa
paternidade espiritual, juntamente com o Anchietanum na pessoa do Ir. Lucemberg, meu
irmão inaciano, que na medida em que se tornaram “minha” comunidade, constituem o sujeito
hermenêutico de minha vida cristã e de teólogo.
- Agradeço à Sociedade Brasileira de Logoterapia, representada por seus formadores e
colegas de turma, que foi de especial importância para a fundamentação teórica deste trabalho
e escola de vida;
- Agradeço à Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade, nas pessoas de: Maria da
Glória Menezes, Doraci Camargo, Alice Sampaio, Neiva Assunção Barbosa por sua prestativa
contribuição a toda fonte documental, ao Seu Claudio (motorista) pela sua disposição; ao
Memorial Carlos Drummond de Andrade, na pessoa de Maria José Silva Durate; à
Fazenda do Pontal, na pessoa de Ivan de Souza e todos os demais funcionários que me
recepcionaram com sinceros sorrisos e espírito de serviço na cidade de Itabira. Também
agradeço à família Drummond de Andrade, na pessoa de João Mario Avelino e familiares,
que tornou possível a aproximação biográfica e contextual do autor, bem como pelas
divertidas histórias e agradáveis momentos;
- Agradeço a todos os alunos que a Providência nos apresentou, pelo impagável” olhar de
esperança que me presenteiam e com o qual tenho uma dívida eterna.
SIGLAS
AEV Atualidade dos Estudos Vieirinos – Encontro Internacional pelo
Quarto Centenário do Nascimento de Antonio Vieira. Universidade de
São Paulo/São Paulo, 2008.
ALALITE 2007 Associação Latino-Americana de Literatura e Teologia, 1º Colóquio
Internacional de Literatura e Teologia, Pontifícia Universidade
Católica: Rio de Janeiro, 2007.
ALALITE 2008 Associação Latino-Americana de Literatura e Teologia, 2º Coloquio
Internacional de Literatura y Teologia, Pontificia Universidad Catolica
de Chile: Santiago, 2008.
APARECIDA DOCUMENTO DE APARECIDA. Texto conclusivo da V
Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, 2007
DV Dei Verbum
DZ DENZINGER, Henrici. Compêndio dos símbolos, definições e
declarações de fé e moral., 2007.
GS Gaudium et Spes
NAe Nostra Aetate
PAM BESNIER, Bernard; MOREAU, Pierre-François; RENAULT
Laurence. As Paixões Antigas e Medievais – teoria e crítica das
paixões, 2008.
PG Patrologiae Cursus Completus, Patrologiae Graeca.
PL Patrologiae Cursus Completus, Patrologiae Latina
ST Suma Teológica – São Tomás de Aquino
SIGLAS UTILIZADAS PARA AS OBRAS DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
AN O amor natural
AP Alguma Poesia
BA Brejo das Almas
BT Boitempo
CDA&MA CARLOS & MARIO – Correspondência completa entre Carlos Drummond
de Andrade e Mario de Andrade
CE Claro Enigma
DP Discurso de primavera
Far Farewell
FQA A falta que ama
IB As impurezas do branco
Jo José
LC Lição de coisas
RP Rosa do Povo
SM Sentimento do Mundo
Vp Versiprosa
VPL A vida passada a limpo
ÍNDICE
INTRODUÇÃO 10
CAPÍTULO I: A REFLEXÃO ANTROPOLÓGICA NO ENCONTRO
TEOLOGIA E LITERATURA
13
1. O Caminho se faz caminhando - Teologia e Literatura 15
1.1. No meio do caminho tinha uma pedra - Discussões Metodológicas 17
1.1.1. Aproximação antropológica entre Teologia e Literatura 17
1.1.2. Método de correspondência 21
1.1.3. A categoria “encontro” entre Teologia e Literatura 26
1.1.4. Teopoética 28
1.1.5. Literatura como “graça comum” 30
1.1.6. Universo teológico como estudo da linguagem e pesquisa
literária
31
2. A questão do sentido entre Teologia e Literatura 35
3. Por uma Poética de Sentido 39
CAPÍTULO II: A TRAJETÓRIA POÉTICA DE DRUMMOND 45
1. O sentido da vida na poesia de Drummond 46
2. O nascimento de um poeta 49
2.1. Início da trajetória biográfica de Drummond (1902-1930) 49
2.2. Nasce o poeta – início da trajetória bibliográfica 52
2.3. Um possível sentido apreendido em seu início de trajeto 55
3. A poesia irônica de Drummond (1930-1940) 56
3.1. Trajetória biográfica da poesia irônica 56
3.2. Trajetória bibliográfica da poesia irônica 59
3.3. O sentido da vida na poesia irônica de Drummond 61
4. A poesia social de Drummond (1940-1951)
62
4.1. Trajetória biográfica da poesia social 62
4.2. Trajetória bibliográfica da poesia social 63
4.3. O sentido da vida na poesia social de Drummond 64
5. A poesia metafísica de Drummond (1951-1968) 67
5.1. Trajetória biográfica da poesia metafísica 67
5.2. Trajetória bibliográfica da poesia metafísica 68
5.3. O sentido da vida na poesia metafísica de Drummond 71
6. Fim da trajetória drummondiana (1968-1987) 73
6.1. A última pedra no caminho do poeta 73
6.2. O fim da trajetória e bibliografia póstuma 73
6.3. O sentido da vida pulsante no fim da trajetória 74
7. Deus e o Sentido da Vida na poesia de Drummond 76
CAPÍTULO III: O DESMONTE DE UMA TEOLOGIA APÁTICA 83
1. Ser humano – homo patiens 86
2. A questão da Teodicéia revisitada na Modernidade 94
3. Da Teodicéia à patodicéia – o labor da Teologia Moderna 109
3.1. A Teologia Protestante Liberal e Neo-ortodoxa 113
3.2. Process Theology 120
3.3. A Teologia Ortodoxa de Evdokimov 121
3.4. A Teologia Judaica de Heschel 123
3.5. A Teologia Católica Moderna 124
4. A questão do sentido nas Teologias Contextuais Contemporâneas 131
5. À guisa de Conclusão 136
CONCLUSÃO: POR UMA TEOLOGIA DA PAIXÃO 140
1. A crítica do poeta 141
2. As categorias pathos e paixão 143
2. Trindade e paixão 146
3. Comunidade eclesial e paixão 148
4. Kerigma e paixão: por um pensamento poético teológico 150
5. Paixão e Práxis 151
Anexo 156
Bibliografia 158
Introdução
INTRODUÇÃO
Seu livro é uma raivosa consciência de sua própria desumanidade
Mario de Andrade a respeito
de Sentimento do Mundo
Ao se falar de teologia e literatura se supõe um longo caminhar, que se pode dizer
muito mais pavimentado pela pesquisa acadêmica seja por parte da teologia, seja por parte
da Literatura do que um caminho pioneiro de desbravamento incerto. No entanto, no
presente encontro, mesmo consciente das conquistas realizadas e das sendas abertas pelos
viajantes pioneiros deste percurso, acredita-se que não um caminho pronto, tampouco um
rumo certo e que assim acreditar pode mais indicar que se está perdido, prestes a perceber que
aquilo que se tomou como pré-concebido é tão somente um mapa, e como tal não conduz
senão aonde já chegaram, sem avançar, por medo de errar, de ser errante. O caminho de cada
um não é senão a soma de erros e acertos, de tentativas que nem sempre se medem pelo
balanço positivo dos acertos sobre os erros, mas alcança êxito ao tirar dos erros cometidos
lições para corrigir a rota, onde o acerto encontrado pode compensar todo erro da procura.
Em se tratando de trajetória, pretende-se aqui, neste intróito metafórico, atentar para os
possíveis obstáculos que outros viajantes avistaram [debate epistemológico], estabelecer a
melhor rota [método], ou pelo menos a que parece mais adequada para o propósito escolhido,
de percorrer o horizonte e que norteará os presentes passos [propósito da pesquisa].
No que diz respeito ao debate epistemológico sobre Teologia e Literatura, vale a
fórmula calcedoniana de uma “unidade sem confusão”, ou seja: se é verdade que a teologia
não continua a mesma a partir de seu contato com a literatura, bem como a literatura melhor
compreende precisões antropológicas de certos autores a partir de suas respectivas matrizes de
pensamento teológico, como é o caso de Dante ou Pe. Vieira, também é verdade que a
teologia continua seguindo como teologia, como a literatura se mantém literatura. Entretanto,
ainda que o olhar de aproximação dos sujeitos sejam diferenciados, comungam de um mesmo
objeto de análise, a saber, o antropológico. É de um sentimento de responsabilidade com o ser
humano que nasce essa relação trans-subjetiva entre Teologia e Literatura de procurar melhor
entendê-lo. Assim, mesmo que cada área continue a mesma, também é verdade que não
permanecem do mesmo modo, sem que para isso seja necessário que a Teologia batize a
Literatura, ou esta desabone os pressupostos da Teologia, para que seja autêntica literatura. O
propósito de ambas é um só: a vida com toda a sua complexidade. O conhecimento possível
10
Introdução
desta relação se entrevê como num arrebol, de uma visão ímpar que só se realiza quando sol e
noite por um momento se tocam antes de retornarem ao seu próprio ciclo. Muitas são estas
formas de arrebol teológico-literário, e é o que o Capítulo I A Reflexão Antropológica no
Encontro Teologia e Literatura pretende apresentar, o estágio atual da questão do debate
epistemológico. Ainda no capítulo primeiro procura-se estabelecer o método escolhido para
ser percorrido.
Aqui, se afirma que permanece o interesse teológico da pesquisa, ou seja, o que a
literatura eleita tem a contribuir para o pensamento teológico. Acredita-se que possa haver tal
compreensão pelo fato de que, apesar de ser a Revelação o fundamento de toda Teologia, ela
não acontece senão na condição humana, fato que obriga a Teologia a não somente
contemplar o mistério divino, mas também o mistério antropológico, e como a relação com
Deus foi assimilada e traduzida num modo de ser humano. Estamos falando, portanto, de uma
razão hermenêutica da Teologia sobre a vida que nela interfere e é interferida por ela, em que
a Literatura testemunha essa vida interpretada.
Nessa perspectiva, a apropriação que se fará da Literatura não é de uma análise
literária propriamente dita, mas sim de uma fenomenologia da obra literária, entendendo que o
autor literário, antes de ser alguém que fala “de” algo, é alguém que ouve esse” algo, e isso
lhe permite captar qualitativamente a realidade em que viveu. Desta maneira, a questão a ser
aplicada pela fenomenologia não é como pergunta sobre o sentido da obra, mas sobre o
sentido da vida, implicando metodologicamente que a hipótese de trabalho a respeito do
sentido auferido da vida pelo autor se encontra na relação entre sua bibliografia e sua
biografia. Isso delimita e determina o instrumental fenomenológico a ser utilizado sobre a
questão do sentido. A fenomenologia utilizada neste trabalho é, portanto, análise existencial
que tem como fonte a relação bio-bibliográfica, na qual procura captar o pensamento poético
drummondiano, especialmente nas categorias pathos e poiésis. Assim, no tocante ao interesse
pela biografia, não se reduz a contextualização histórica, mas também se procura auscultar o
pathos, aquilo que afeta a vida do autor e que provoca a sua bibliografia, ou seja, sua poiésis,
como modo de elaborar aquilo pelo que é afetado na sua existência. Nessa proposta a poesia é
expressão literária de uma poesia existencial, em que o poético é uma mudança qualificada,
que altera o modo de ser naquilo que o afeta, a partir de um sentido que possa dar nova razão
de viver. Para tanto, a escolha do autor é também oportuna, pela característica auto-
biográfica de sua poética, mas também por servir de hipodigma ao seu tempo, ou seja, por
possuir características básicas do indivíduo moderno. Não existe para o autor, ou pelo menos
11
Introdução
ele não julga fundamental, um Sentido absoluto, mas sim a necessidade de encontrar um
sentido concreto e particular. Essas características pesaram na escolha do aporte
fenomenológico mais adequado, tendo sido eleito um instrumental frankliano por sua
antropologia de homo patiens e sentido entendido como ad personam e ad situationem, que
irá permear o Capítulo II A Trajetória Poética de Drummond. Nele se procura identificar
uma antropologia drummondiana elaborada em seu pensamento poético, ou seja, o objeto da
pesquisa incide sobre como a fenomenologia, de corte frankliano, da poética drummondiana
pode ser interlocutora da Teologia.
Todavia, uma categoria drummondiana específica que assume aqui um papel de
especial relevância para a percepção do sentido drummondiano: a paixão. Ela é indicativa de
um sentido para a vida, como fenômeno de identificação pelo “que” [quid] se apaixona, e a
partir dela é que Deus é recusado, não por uma rebeldia pecaminosa, como seria comum à
época acusar, mas por um sentimento ético que não combina com o Deus apresentado.
É a partir dessas duas categorias, a de um logos apaixonado da poesia e a imagem
clássica de Deus, dentro da questão do sentido de ser humano, que se abre o desafio à
Teologia: um Deus apático que impõe Sua vontade é desumano e não serve para a vida, pois
em Drummond é a paixão que nos ajuda a encontrar um sentido para viver, como sentimento
de comunhão com essa vida. ainda um agravante, pois o poeta como ser errante pode
adquirir consciência de sua parcela de desumanidade e mudar; um Deus que não muda não
tem salvação, e por isso é melhor deixá-lo. Esse passa a ser o propósito da pesquisa presente
no Capítulo III O Desmonte de uma Teologia Apática que procura apresentar a
reelaboração da Teologia Moderna e Contemporânea sobre a questão do pathos em Deus
como lugar comum de ambas. Nesse movimento se insere a proposta de uma Teologia da
Paixão como possibilidade de razão hermenêutica de uma apaixonante experiência cristã, a
fim de depurar o coeficiente de ilusão que carrega toda paixão, e que pode significar para a
América Latina uma distante da realidade, para se transformar em compromisso
apaixonado pela vida.
12
Capítulo I – A Reflexão Antropológica no Encontro Teologia e Literatura
A REFLEXÃO ANTROPOLÓGICA NO ENCONTRO
TEOLOGIA E LITERATURA
Capítulo I – A Reflexão Antropológica no Encontro Teologia e Literatura
CAPÍTULO I
A REFLEXÃO ANTROPOLÓGICA NO ENCONTRO
TEOLOGIA E LITERATURA
Caminante, son tus huellas
el camino, y nada más;
caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.
Al andar se hace camino,
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.
Caminante, no hay camino,
sino estelas en la mar.
Antonio Machado, Proverbios y cantares, XXIX
O presente capítulo visa apresentar o estágio atual da questão em Teologia e
Literatura
1
, em sua diversidade metodológica. Por se tratar da liberdade literária, não
caminho pronto ou rígido, o que significa que tantos serão os métodos quantos forem as
combinações aproximativas dos pressupostos teóricos de quem se aventura a este contato.
um certo princípio de indeterminação na questão Teologia e Literatura. Contudo, pode-se
identificar, em meio a toda multiplicidade metodológica, uma centralidade antropológica, que
1
Atualmente, no Brasil, reconhecem-se muitas formas de aproximação e diálogo entre teologia e literatura, tendo
já vários pesquisadores, sejam literato(a)s, sejam teólogo(a)s, desenvolvido novas formas de expressar, no fundo,
a relação ser humano e Deus, presente nas duas esferas do saber, o teológico como forma presente do
antropológico, no qual uma descrição mais apurada aqui não caberia – tampouco é esse nosso objetivo. Exemplo
concreto dessa interação é a criação da ALALITE - Associação Latino-Americana de Literatura e Teologia,
criada efetivamente em Abril de 2007 [1º Colóquio Latinoamericano de Literatura e Teologia, 26 a 28 de Abril
de 2007, PUC-Rio, Rio de Janeiro], congregando várias instituições acadêmicas a partir de seus membros
fundadores signatários representantes, onde foi possível apresentar suas linhas de pesquisas e abrir portas para
outras mais. Os pesquisadores brasileiros presentes na fundação da ALALITE são (por instituições acadêmicas):
Eliana Lucia Madureira Yunes, Maria Clara Bingemer Luchetti, Cleide Oliveira e Delambe Ramos de Oliveira
(PUC-Rio); Salma Ferraz de Azevedo de Oliveira e Rafael Carmolinga Alcaraz (UFSC); Luís Henrique Dreher e
Eduardo Gross (UFJF); Antonio Manzatto e Alex Villas Boas Oliveira Mariano (Pont. Fac. Teo. N. Sra.
Assunção-SP); Paulo Astor Soethe (UFPR); Jose Carlos Barcelos (UERJ/UFF) e Wanderley Tenório de Lima
(USP). Houve também uma segunda versão do evento em Outubro de 2008 em Santiago do Chile, em que
integram: Suzi Frankl Sperber (UNICAMP); Antonio Carlos Magalhães (UMESP); Juliana Perez (USP); Juliana
Gervason Defilippo (UFJF); Jonas Tenfen e Juliana Steil (UFSC); Nilvanda Barbosa Dantas e Eli Brandão da
Silva (UEPB); Douglas Rodrigues da Conceição (UEPA); Adna Candido de Paula (UFGD); Auricléa Oliveira
das Neves (UEA); Davina Moscoso de Araujo (COR) e Maria Aparecida Rodrigues Fontes (PUC-Santiago). O
trabalho de Soethe também apresenta um Panorama dos estudos em Teologia e Literatura na Alemanha e como
também o encontro destas duas áreas na cultura germânica tem um ativo interesse no momento. Também na
língua inglesa a Teologia tem ganhado interesse sob o ponto de vista da crítica literária, haja vista os trabalhos de
Harold Bloom (O livro de J. Rio de Janeiro: Imago, 1992; O cânone ocidental os livros e as escolas do
tempo. Rio de Janeiro: Objetiva, 1995) e Jack Miles (Deus: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras,
1997). Eagleton vai dizer: “Se existe uma história e uma política ocultas na palavra 'cultura', também uma
teologia” cf. EAGLETON, Terry. A Idéia de Cultura. São Paulo: UNESP, 2003, p. 16.
14
Capítulo I – A Reflexão Antropológica no Encontro Teologia e Literatura
constitui o ponto de unidade entre as propostas e entre os dois cortes epistemológicos. Para a
Teologia esta centralidade antropológica constitui o ponto de partida da reflexão teológica
2
.
Seja lá qual for o caminho a ser percorrido, cada passo será dado na procura do humano.
1. O Caminho se faz caminhando - Teologia e Literatura
Vale lembrar a canção de Geraldo Vandré, poesia cantada em versos e símbolo da
caminhada latino-americana
3
:
Vem, vamos embora que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer
Tais expressões poéticas, como a supracitada de Antonio Machado
4
souberam traduzir
a alma “moderna” e “latino-americana”, na travessia da Tradição face ao descompasso dos
novos tempos, que não fica de braços cruzados esperando que as coisas caiam do céu, mas
entende que lutar pela vida para fazê-la [mais] humana já é participar da vida de um Deus que
se fez [o mais] humano . Assim, não raro na caminhada latino-americana, em busca de vida
plena, muitos passos foram dados no anseio de libertação do caminhante pioneiro e
esperançoso. Nem sempre foram trajetórias orientadas por um guia turístico, profissional que
domina a arte de seu ofício, tampouco não foram os passos de um andarilho, sem rumo, ao
sabor dos ventos. A caminhada do povo latino-americano tinha muito claro o seu horizonte, o
Reino de Deus acontecendo no coração humano e nas estruturas da sociedade para que todos
tivessem vida em abundância.
Entretanto, em meio a percalços e avanços, ora cambaleante, ora em marcha, foi
somente ao pôr os pés em direção ao seu horizonte utópico que aprendeu a andar por suas
próprias pernas. E, por mais tortuosos que em determinados momentos fossem os passos do
caminhante, descobriu [caminhando sempre] que nada pode alterar a retidão do Caminho.
2
“Não é que a história literária seja uma história da teologia, ela é um lugar de encontro (o grifo é nosso),
como dizia o velho Eusébio elogiando o Império Romano, ela é uma preparação para o Evangelho” In CHENU,
Marie-Dominique. Carta de Marie-Dominique Chenu. Concilium. 115. Petrópolis: Vozes. n. 05, ago./set. 1976,
p. 6 [490].
3
VANDRE, Geraldo. Para não dizer que não falei das flores, canção de 1968.
4
MACHADO, Antonio. Poesías completas. 4ª. Ed. Madrid: Espasa-Calpe, 1936. Antonio Machado
(1875-1939) é um poeta sevilhano que integra o Modernismo espanhol. Luis Batlló Buxó-Dulce interpreta a
poesia machadiana: “Caminante, es decir, viajero de la vida, busca tú mismo tu destino, nada está marcado, harás
lo que quieras, pero debes avanzar tú, sin que te obsesione el pasado. No pienses en el futuro, el camino de
hoy es el que importa. Las estelas, de espuma al fin, son el mensaje de las vidas de los otros, de aquellos que
para cada uno— han significado algo. Ésa es la única pista, quizás, que podemos tener en nuestro particular
viaje” cf. Qué significa «camino» para Antonio Machado In Abel Martín Revista de Estudios sobre
Antonio Machado. Disponível em <http://www.abelmartin.com/> Acesso em 01.set.2007. 13h47.
15
Capítulo I – A Reflexão Antropológica no Encontro Teologia e Literatura
Não poderia ser diferente com este novo horizonte teologia e literatura –descoberto
como diário de viagem. Diário, porque não surge a priori da reflexão teórica da severidade
sistêmica do strictu sensu acadêmico, mas da sensibilidade com o cotidiano, na relação do que
se faz com o que se sucede diariamente. O poeta tem seus olhos voltados para vida e se
volta para a escrita quando a vida lhe transborda o olhar. Viagem porque nasceu da trajetória
latino-americana, de uma cultura-reflexo de colônia para um cultura-fonte
5
de um
protagonismo histórico na qual emerge a dinâmica intrínseca do labor teológico deste
continente que se enraizou na existência concreta de um povo marcado pela luta e pela
esperança. Literatura e teologia são dois legados da América do Sul para o Mundo. Mesmo
um olhar mais desavisado é capaz de perceber a grandiosidade e originalidade destes dois
cortes epistemológicos da cultura deste Novo Mundo.
Apesar de se estabelecer de modo bastante concreto como área de pesquisa, o
encontro entre a teologia e a literatura não possui um modo bem definido e consensual de
como podem caminhar juntas. Pergunta-se se haverá um dia tal consenso, uma vez que a
literatura, como obra de arte, define-se como “obra aberta”
6
a novas investidas hermenêuticas.
E, por outro lado ainda, a teologia como peregrina do devir histórico da inteligência da fé,
também é sempre con-vocada a se encarnar na história de seu tempo. Sabe-se, sim, que o
horizonte utópico deste continente pro-voca ambas a ouvir os anseios mais profundos do povo
latino-americano, suas alegrias e tristezas, angústias e esperanças, que emergem da luta por
uma terra mais justa e que inclua os desfavorecidos em suas estruturas políticas, sociais,
econômicas e culturais. Dirá a literatura ao indivíduo que saber ser feliz é saber que sua
felicidade não o aliene da felicidade do outro. Acompanhará em dueto harmônico e
cadenciado, por sua vez, a teologia, re-velando nesta realidade a face do encontro com Jesus
Cristo vivo, caminho para a conversão ao amor de compromisso, fonte para a comunhão de
vida e profunda solidariedade, na medida em que se descobre participante da vida de Deus.
Teologia e Literatura Latino-Americana comungam no horizonte utópico de atingir as
consciências e encontrar no ser humano um sentido mais humano para a existência. Não foi
caminhando que a América Latina se descobriu como Continente de Esperança, e não foi
5
A expressão se inspira na leitura eclesiológica, aqui entendida como participante de um processo análogo de
uma cultura latino-americana de VAZ apud LIBÂNIO, João Batista. Igreja Contemporânea – Encontro com a
modernidade. São Paulo: Loyola, 2000, p. 118.
6
Humberto Eco conceitua a arte em geral, e a obra literária em particular, como “obra aberta”, i.e., quando
permite uma leitura em que se interpenetram a obra e seus referenciais externos, em que a partir de cada
referencial a obra seja capaz de suscitar reações psicológicas correspondentes, ou seja, pode ser arte se a obra
se relacionar com quem a “lê”, devendo, portanto, permitir uma possibilidade de condição plural, ilimitada e
sincrônica de leituras e/ou releituras. Cf. ECO, Humberto. Obra aberta. 8ª. Ed. São Paulo: Perspectiva, 1991.
16
Capítulo I – A Reflexão Antropológica no Encontro Teologia e Literatura
através dos ensinamentos peripatéticos de Jesus de Nazaré, no sequela Christi, que nasceram
as sementes do Cristianismo como portadoras da Esperança da Boa Nova? Não nos resta outra
opção a não ser caminhar, pois só o Caminho dá o sentido.
1.1. No meio do caminho tinha uma pedra - Discussões Metodológicas
7
Em geral, as aproximações produzidas destas duas áreas, não raro em meio a
diversidades de pressupostos escolhidos, desenvolvem-se amalgamando aspectos de outras
produções, devido às sensibilidades diferentes de cada autor, não sendo diferente com o
presente trabalho o mesmo processo sintagmático.
1.1.1. Aproximação antropológica entre Teologia e Literatura
Quem presenteia o cenário latino-americano com a nova rota no universo brasileiro da
teologia é Antonio Manzatto, em 1994
8
, propondo uma leitura teológica da literatura, em que
ensaia a partir do romance na obra de Jorge Amado. Em sintonia com o pensamento
contemporâneo da teologia católica
9
, estabelece uma interface dialógica por meio da
7
O presente tópico não pretende fazer uma análise acurada e exaustiva da interlocução teologia e literatura, mas
apresentar o “estado da questão” e suas discussões metodológicas mais relevantes, bem como suas teorias do
conhecimento, ou seja, os fundamentos dessa interdisciplinaridade. Há vários pólos de pesquisa por todo o Brasil
que desenvolveram a temática em várias nuances; contudo, pretendemos aqui apenas apresentar a questão do
método aplicado.
8
MANZATTO, Antonio. Teologia e Literatura Reflexão Teológica a partir da Antropologia contida nos
Romances de Jorge Amado. São Paulo: Editora Loyola, 1994. Sua obra resulta de sua tese doutoral apresentada
na Faculdade de Teologia Católica da Universidade Católica de Louvaina, Bélgica, em março de 1993. Um
resumo das idéias contidas na última parte se encontra em MANZATTO, Antonio. Teologia e Literatura
Reflexão Teológica a partir da Antropologia contida nos Romances de Jorge Amado In Revista de Cultura
Teológica. São Paulo: 1993, vol. 01, no. 05, pp. 7-39.
9
Em toda época, todo ser humano, de cada cultura, deve poder se encontrar com Jesus Cristo e aceitá-lo a ele e à
sua proposta do Reino, o que exige uma necessidade permanente de inculturação e, portanto, toca diretamente a
questão antropológica, uma vez que a cultura é um produto humano e por meio dela é que se compreende a vida.
Cf. LARAIA, Roque B. Cultura Um Conceito Antropológico. 19ª. Ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
2006, p. 24. Um teólogo que colaborou para esta inculturação teológica do pensamento católico na complexidade
antropológica moderna é Karl Rahner (1904-1984), que dialoga com a modernidade, e, portanto, acompanha o
movimento de refundação ontológica gestado a partir do século XIII, ao se interessar pelas condições de
possibilidade de conhecimento humano, servindo-se da base antropológica para sua teologia, o que consiste em
uma verdadeira “virada antropológica” expressão essa que ficara consagrada na teologia católica –, tendo em
vista a tendência dedutiva da metafísica tomista na questão do conhecimento de Deus. Este teólogo alemão
participou do Concílio Vaticano II, como teólogo “privado”, a pedido do Cardeal König, arcebispo de Viena, e
posteriormente foi nomeado “perito” da Comissão Teológica do Concílio pelo Papa João XXIII. Rahner se
interessou pelas grandes questões de sua época tentando ajudar seus contemporâneos a compreender a
mensagem do cristianismo com “honestidade intelectual”. Rahner afirma a possibilidade de se fazer a
experiência de Deus de forma imediata; contudo, tais experiências não se realizam no campo de uma mística
abstrata, fora da realidade. Para tanto Rahner se interessa pelas condições de possibilidade de o ser humano
acolher a Deus na auto-comunicação que Ele faz de si mesmo. A estrutura “apriorística” do ser humano é que ele
é ouvinte da Palavra divina, ou seja, aberto à Revelação e isso se pelo fato de que o Espírito Infinito pré-
existe no espírito finito, e este espírito finito, portanto, implica que o discurso de Deus se baseie nas estruturas
externas, do ko,smoj, mas baseado nas experiências humanas. A Revelação de Deus acontece a todo o ser
humano, seja a luz natural, seja pela pregação da Palavra, e ainda ocorre no seu agir salvífico na história da
humanidade e na história de cada indivíduo. Deus não excluiu ninguém da abrangência oferecida de seu projeto
salvífico. uma revelação que atinge a todos, inserida no coração da humanidade revelação atemática, pelo
17
Capítulo I – A Reflexão Antropológica no Encontro Teologia e Literatura
antropologia contida em Tenda dos Milagres, uma vez que o “antropológico” tem valor
fundamental para a teologia moderna. Essa por conter um completo discurso
antropológico”
10
11
, estabelece um método de reflexão entre a antropologia literária e a
antropologia teológica.
Destarte, ao escolher a “antropologia amadiana”, Manzatto assume a reflexão sobre o
ser humano contextualizado, “concreto” e “situado”, a saber: o homem pobre,
subdesenvolvido, oprimido, discriminado, mas que busca sua libertação na busca de
felicidade e a vive de modo antecipado a partir da festa, como modo de ser, e da
experiência de amar e ser amado
12
. Neste concreto substrato antropológico da obra de Jorge
Amado, ele reflete sobre o Deus da Revelação que vem ao encontro dessa condição humana, e
se auto-comunica realizando as potencialidades humanas e potencializando outras
possibilidades, impulsionando o ser humano a ser mais em seu devir histórico.
Ao elencar a categoria teologia, apresenta-a não como o intellectus fidei de um Deus
etéreo e/ou abstrato, mas o Deus de um povo e, portanto, o labor teológico se presta a
conhecer Deus por meio de Seu povo, mais especificamente nos atos de Deus no meio desse
povo. Uma intellectus fidei que não privilegia a inter-relação Deus/realidade do povo, a saber,
a condição humana daquilo que é vivido, corre o risco de ser “logologia”, ou seja, “palavras a
respeito de palavras”, o que seria um desserviço à vida
13
. Logo, a teologia é “ato segundo”,
fato de sua criação ser um ato salvífico, pois criar para a comunhão e estabelecer comunhão é salvação.
Contudo, ao sentir-se compelido a encontrar uma resposta satisfatória às contingências e limitações da sua
finitude, pergunta-se que experiências a pessoa vive que a remetem a revelação? Ao constatar os sinais de busca
pelo sentido da vida, de abertura ao outro, de desejo de justiça... ,i.e., ao perguntar pela razão profunda, pela
condição existencial de possibilidade dessas manifestações, abre-se para uma possibilidade de experiência
transcendental, em que pode perceber o Deus revelado por Jesus Cristo, que sentido profundo à existência da
humanidade. A graça salvífica é a auto-comunicação de Deus ao ser humano, como resposta ao questionamento
humano pela vida, que ao encontrar na experiência um Sentido radical, estabelece um círculo hermenêutico entre
a e as experiências humanas. O pensamento de Rahner é referencial para toda a teologia contemporânea
dentro da Tradição Católica. Para uma compreensão mais profunda do esboço apresentado cf. RAHNER, Karl.
Grundkurs des Glaubens – Einfürung in den Begriff des Christentums. Freiburg: Herder, 1984; _________.
Worte Gläubiger Erfahrung. Freiburg-Basel: Herder, 2004; Graça divina em abismos humanos. São Paulo:
EP, 1968.; Este é o Meu Problema Karl Rahner Responde aos Jovens. São Paulo: Edições Loyola, 1985;
Missão e Graça: pastoral em pleno século XX. Petrópolis: Edições Loyola, 1964; O Cristão do Futuro. São
Paulo: Editora Cristã Novo Século, 2004; Palavras de Inácio de Loyola a um Jesuíta de Hoje. São Paulo:
Edições Loyola, 1978; Para pesquisadores mais recentes sobre o autor cf. SEGUNDO, Juan Luis. O Inferno
Como Absoluto Menos Um Diálogo com Karl Rahner. São Paulo: Paulinas, 1998; SANNA, Ignazio. Karl
Rahner. São Paulo: Loyola, 2004; SESBOUÉ, Bernard. Karl Rahner Itinerário Teológico. São Paulo: Edições
Loyola, 2004; OLIVEIRA, Pedro Rubens F. de; PAUL, Claudio. (org.). Karl Rahner em Perspectiva. São
Paulo: Edições Loyola, 2004; VORGRIMLER, Herbert. Karl Rahner Experiência de Deus em sua vida e
em seu pensamento. São Paulo: Paulinas, 2006; “Karl Rahner: Uma vida a serviço da Igreja” In MIRANDA,
Mario de França. A Igreja numa Sociedade Fragmentada. São Paulo: Loyola, 2006, pp. 209-275.
10
MANZATTO, Teologia e literatura In Revista de Cultura Teológica, op.cit., p. 9.
11
Ibidem, op.cit., pp. 36; 38-41.
12
MANZATTO, Teologia e Literatura, op.cit., pp.180-220.
13
“As relações entre Deus e o homem na história, à luz da fé, refletidas de maneira crítica e atualizada, eis o
18
Capítulo I – A Reflexão Antropológica no Encontro Teologia e Literatura
precedida pela experiência de Deus na vida cristã, “ato primeiro”, de modo que a teologia não
é somente reflexão sobre a Palavra de Deus, mas também e com uma atenção especial sobre
quem e em que condições escuta essa Palavra
14
, de modo que deve ajudar o ser humano a
encontrar a verdade de seu existir, i.e., uma vida que não se aliena de sua realidade, numa
falsa visão de e vida que é cega às mazelas de seu tempo e de seu povo. É próprio da
teologia responder e ajudar a pessoa de a dar respostas aos desafios de seu tempo. Essa é
sua condição perene, na qual a Teologia Latino Americana não é senão uma teologia
contextual, “ato segundo de uma vida cristã vivida em um continente rasgado pela pobreza”
15
.
Para a categoria da Literatura, Manzatto não procura estabelecer uma “definição”
desta, mas sim contemplar as relações que se firmam nela entre o estético e sua mensagem
literária, de modo especial no romance. Por ser uma expressão artística a literatura atinge a
realidade, não diretamente como a História ou a Filosofia, mas indiretamente, pelo simbólico,
como relato de uma experiência interna e intensa, cujas palavras exprimem, não raro, o
inefável pelo signo do paradoxo. Por isso, diz não dizendo, não descreve nem interpreta, mas
representa a realidade, captando o radicalmente antropológico da experiência vivida da
condição humana. Por ser analógica
16
e não somente lógica, permite que a ficção seja figura
do real e conter uma “verdade mais profunda e mais verdadeira” que o empírico, porque
penetra a raiz do factum, ou seja, seu sujeito, pois, mais que a análise do objeto de
observação, se porta a analisar o observador, suas predisposições e inquietações, suas
expectativas e fracassos, seus esperanças e desesperos. Enfim, afirma o paradoxo, que foge à
lógica clássica e empírica, e apresenta, assim, a realidade mais premente da condição humana:
sua ambigüidade que faz ceder todo o rigor lógico, sem que, para isso, por ser simbólica,
tenha a literatura que se justificar, mas tão somente expressar e afirmar o caos [presente no
cosmos] que a pretensão humana procura dominar, por temer sua força de desmontar as
provisórias ordens criadas. Nesse sentido a literatura está a serviço do caos desmantelador de
uma ordem que marginaliza tudo o que não cabe em seu estatuto de interesse social, tarefa
que pode ser cumprida pela sensibilidade humana, arte em que a literatura é mestra, “um
conhecimento do que significa ser humano no mundo”
17
. Essa comunicação da literatura é
que a teologia faz. Não sendo antropologia, a teologia tem porém, um discurso antropológico perfeitamente
legítimo. No centro da fé cristã se encontra Jesus Cristo, Deus e homem, revelador de Deus e do homem. E se a
teologia fala de Deus, ela fala aos homens, e fala sobre um Deus que se fez homem e que ama os homens. Ela
está a serviço do humano” In MANZATTO, Ibidem, pp. 40-41.
14
Idem, p. 53.
15
Idem.
16
Idem, p. 22: “As ciências buscam a exatidão, a filosofia se ocupa dos conceitos, a literatura trabalha com
metáforas”.
17
Idem.
19
Capítulo I – A Reflexão Antropológica no Encontro Teologia e Literatura
veiculada pela beleza (pulchrum), e por isso comove o ser em sua existência, seja por
apresentar a forma horrenda da mediocridade, seja por vislumbrar novas formas [mais belas]
de ser e, portanto, mais profundas, na medida em que a estética [Belo] revela a ética [Bem],
até então não percebido, e, por referir-se ao real, revela a veracidade [Vero] desse Bem na
existência e o desejo de unir-se [Uno] a essa verdade, de fazê-la sua, por sua coerência
estética que encanta e espanta, e assim “humaniza o homem”
18
19
.
O autor escolhe a categoria de “aproximação” da teologia com a literatura, uma vez
que esta não implica necessidade, sendo que uma área não depende da outra, mas encontra-se
numa livre decisão de aproximação, por identificarem uma afinidade: o antropológico
20
. Para
a literatura, que se interessa por tudo o que é humano, a teologia como forma de pensar a vida
a partir da experiência de transcendência, do signo de Deus, de demais símbolos, expressões e
valores presentes na cultura, é vista com o interesse de uma realidade humana. Do mesmo
modo, o que a literatura oferece de pertinente à teologia é seu caráter antropocêntrico, em que
se a experiência de Deus e a partir de onde se inicia a reflexão teológica
21
. Para a realidade
latino-americana, a teologia e a literatura colaboram para a busca da identidade de cada nação
e para a busca de uma que fala sua língua, que lance luz sobre seus problemas, que lance
esperança sobre suas angústias. A literatura ajuda a teologia a conhecer o seu povo e esta
ajuda aquela a conhecer um Deus que conhece este povo
22
.
18
“A literatura não fala apenas à razão, mas ao ser humano todo inteiro: compreende-se e sente-se o que o
autor nos diz, vêem-se suas imagens, sentem-se cheiros e gostos ao se ler uma obra literária. A literatura
comunica-se com a razão e com os sentidos humanos. Por isso diz ela que não é feita para ensinar, mas para
deleitar. Entretanto, ela busca também “sensibilizar o leitor, dando-lhe uma visão mais ampla dos problemas
do mundo, uma vez que o compromisso da literatura é com a alma humana, porque a função artística é
registrar a vivência do homem, com suas angústias, glórias e prazeres”. É exatamente nesse sentido que, diante
de uma obra literária, tem-se vontade de dizer: “É verdade!”. Por sua coerência interna, essa obra torna-se
convincente, não no sentido da persuasão retórica, mas como simples representação. Se é verdade que a arte
não se constitui como tal sem o belo, da mesma forma o belo revela novas formas do ser e não se opõe
necessariamente à verdade” Idem, p. 38.
19
Idem, p. 26.
20
Idem, p. 65.
21
“A experiência de fé não se faz independente das outras experiências humanas e da cultura: ela se faz,
sempre, em um contexto determinado. Por outro lado, mesmo se a literatura fala do imaginário, ela o faz
partindo do real vivido, da experiência, como foi dito. Nesse sentido, não é impensável que a teologia utilize
da literatura para aproximar-se desse real vivido, como uma forma de dialogar com os homens e as culturas.
Assim o literário pode dar à teologia ocasião para que seja feita uma reflexão sobre a Palavra de Deus não a
partir do espaço eclesial mas a partir do mundo, e até mesmo fornece-lhe o material para a inculturação da fé,
na medida em que apresenta o homem, a sociedade e a cultura.” Idem, p. 68.
22
Idem, pp.37-38; 43-52.
20
Capítulo I – A Reflexão Antropológica no Encontro Teologia e Literatura
1.1.2. Método de correspondência
Outro método que se apresenta de forma sistematizada para relação teologia e
literatura é o método de correspondência apresentado por Antonio Carlos Magalhães
23
24
, sob
influência da “Teologia da Cultura”, de Paul Tillich
25
, e do “método de análise estrutural”, de
“correlação” e “confrontação”, de Kuschel
26
, que procura “assumir semelhanças” (analogia) e
“definir diferenças”. Assim entende superar a relação de “instrumentalização” da literatura,
por parte da Igreja e da teologia, que reduz a Revelação à um “depósito de respostas prontas”
ao dilema humano
27
. Partindo de tais pressupostos, Magalhães critica a abordagem de
Manzatto na esfera da teologia católica
28
, em que por conseqüência está implícita uma relação
23
Magalhães apresenta uma compilação dos métodos utilizados nos dois pólos epistemológicos [Teologia e
Literatura] e, por fim, apresenta seu “método de correspondência” em MAGALHÃES, Antonio Carlos. Deus no
Espelho das Palavras Teologia e Literatura em Diálogo. São Paulo: Paulinas, 2000. Contudo, sua reflexão
incide mais sobre o debate metodológico, podendo, sim, verificar sua influência nas pesquisas desenvolvidas no
curso de Pós-Graduação da Universidade Metodista de São Bernardo do Campo.
24
Ibidem, “Teologia e Literatura” In Cadernos de Pós-graduação Ciências da Religião n. 9. São Bernardo
do Campo: Editora Umesp, 1997.
25
A “Teologia da Cultura” de Tillich é cooptada por Magalhães distinguindo o “teólogo da cultura” e “teólogo
da Igreja”: “A relação entre o teólogo da cultura e o teólogo da Igreja é dinâmica, sendo que o primeiro bebe
da fonte da tradição eclesiástica, busca nela referenciais para a sua construção sistemática, retira dela
informações importantes, sem contudo, fazer com que a reflexão se torne algo a serviço direto da Igreja, de seus
programas e de suas atividades. É nesse sentido que devemos entender a diferença entre teologia da cultura e
teologia da Igreja”. Deste modo, Magalhães apresenta três posturas eclesiásticas que marcariam a produção da
Teologia e Literatura: 1) Católica: esta interpretaria a cultura como o mundo e a colocaria sob a dimensão
sacramental da Igreja; 2) Protestante ortodoxa: relativiza toda a criação cultural, tendo a arte religiosa ortodoxa
como referencial e expressão da verdadeira arte e mediação para a transmissão de verdades; e 3) Ecumênica: as
diversas expressões culturais revelam aspectos fundamentais dos povos, constituindo-se como “sabedoria de
vida” e instância do “sagrado”, como realidade parcial a ser completada pela prática missionária e ensino da
Igreja. cf. Idem, p. 134.
26
KUSCHEL, Karl-Josef. Os Escritores e as Escrituras – Retratos Teológico – Literários. São Paulo: Loyola,
1999.
27
“É método de correspondência porque não se quer confundir com nenhum dos métodos e modelos teológicos
apresentados no decorrer deste livro, apesar de considerar a importância da grande maioria deles. Se no
método da correlação uma dinâmica pressuposta entre pergunta e resposta, na correspondência parte-se do
princípio de que essa relação precisa ser radicalmente superada na teologia e que precisamos encarar a
possibilidade de propiciar um diálogo no qual, seguindo o conceito de correspondência em matemática, a cada
elemento de um conjunto são associados um ou mais elementos de outro. Numa formulação mais voltada para o
mundo da Bíblia e na tradição teológica, podem ser associados um ou mais na literatura mundial. A cada
narrativa considerada compreensão de fé, que se associar outra dentro da literatura. A cada forma de
anúncio de uma verdade considerada fonte da fé, que se associar outra na experiência das pessoas e nas
interpretações literárias. Com isso, Bíblia e tradição mantêm-se como interlocutoras, sem elas não haveria
correspondência; perdem, entretanto, seu lugar de normatividade única do saber teológico. Abrir mão da Bíblia
e da tradição seria ufanismo literário e desconhecimento dos aspectos performativos da religião e da das
pessoas. Mantê-las como referenciais únicos de análise, aferição e juízo sobre a vida das pessoas significa não
sair do claustro teológico da Igreja.” In MAGALHÃES, Deus no Espelho das Palavras, op.cit., p. 205. O
referido autor resume os métodos de trabalho em dois grupos básicos: a) Leitura teológica de uma obra literária:
aqui a teologia é dependente de uma “tradição normativa”, que cerceia e determina os temas a serem extraídos da
obra literária; b) Leitura teológica na obra literária: aqui a própria literatura engloba temas religiosos, sendo
ela mesma fonte de revelação.
28
Julga-se, no presente trabalho, relevante a reflexão sobre a crítica feita à abordagem antropológica na esfera da
teologia católica em que, por conseqüência, está implícita uma relação com a teologia normativa da instituição
eclesial em questão, uma vez que o desenrolar a que esta pesquisa se propôs necessariamente passa por esse
contexto e faz referência ao método nascido desse meio e orientação metodológica .
21
Capítulo I – A Reflexão Antropológica no Encontro Teologia e Literatura
com a teologia normativa da instituição eclesial em questão, nos quesitos
29
: 1) a revelação de
Deus é “definida”
e “delimitada”
30
, o que resulta numa teologia com respostas prontas; 2) a
literatura como mera “pergunta antropológica”
31
, está incapacitada de provocar “mudanças
significativas na reelaboração de nossas visões de Deus” e; 3) o método de aproximação da
teologia com a literatura, se com a dinâmica “pergunta” (literatura) “resposta”
(teologia)
32
.
A crítica de Magalhães é pertinente no sentido de evitar certos anacronismos,
29
“O trabalho de Manzatto parte de um princípio teológico que pressupõe uma Revelação de Deus já definida e
delimitada, acessível por meio da tradição da Igreja. A questão do divino tem sua resposta, enquanto o
problema humano pode ter na literatura uma mediação importante. A relação que se estabelece a partir desses
pressupostos é que a tarefa teológica não precisa criar meios de diálogo que possibilitem uma reavaliação dos
chamados temas centrais do cristianismo, tais como revelação, encarnação, crucificação etc. a tida
impressão que a teologia em si tem suas respostas tão estabelecidas, que precisaria somente mediar melhor
suas verdades, podendo ter, nesse caso, a literatura como interlocutora. Outra função que serviria ao processo
de catequização da Igreja é o uso da linguagem literária para atingir o “não-crente”, visto que ela serviria
mais a esse propósito do que a linguagem para iniciados da Igreja. A literatura não é, porém, ou melhor, uma
pergunta antropológica que careceria de uma resposta da revelação. Ela pode exercer influência na construção
do próprio método teológico. O que significaria, por exemplo, para a teologia dogmática, a opção por uma
teologia narrativa? Quais seriam as mudanças significativas na reelaboração de nossas visões de Deus? Seria
somente uma adequação do Deus do dogma às narrativas ou uma possível mudança na própria imagem de
Deus? E, por fim, um problema central na obra de Manzatto é sua fixação quanto as formas de conhecimento. A
literatura torna-se algo bastante limitado [...] um esquema baseado na pergunta (literatura) e na resposta
(teologia) [e] uma relação baseada na mediação do conteúdo (revelação) por meio de uma forma mais criativa
(literatura).” In MAGALHÃES, Ibidem, pp. 83-89; 92-93.
30
A crítica não inaudita de Magalhães sobre uma teologia da Revelação que entenda seus conteúdos de modo
“definido” e “delimitado” se mostra relevante, a partir do momento em que se identifica um anacronismo da
práxis teológica católica, o que não somente seria alvo do bom senso e da maturidade intelectual contemporânea
do Ocidente, mas estaria mesmo contrário à teologia normativa da Tradição Católica. Tal modo de labor
teológico deita suas origens na teologia apologética de um momento histórico em que a Igreja se auto-entendia
como transcendente à própria História, se não à própria sociedade que se organiza num imobilismo social
patente. A partir da tomada de consciência de sua [também] natureza histórica, não somente sua organização
sofre uma reavaliação de procedimento, mas seu próprio fazer teológico, inclusive o normativo, em que “certo
modo de exprimir a fé” apresenta-se para a teologia conciliar, não raro, como um “obstáculo para o diálogo” a
ser superado, evitando toda relação entre conteúdo (absoluto) e forma (relativa) arbitrária e unívoca. Ainda que o
Vaticano I tenha “definido” os dogmas como “irreformáveis”, no sentido de que seu valor é permanente não
em sua substância, mas em sua formulação mesma, entende-se por isso a pertinência da significação que o
Espírito sugeriu sem erro à Igreja num determinado momento da história. E por ser histórica, mesmo sendo
dogmática, sua pertinência “revelatória” [capax Dei] é de-limitada e relativa a seu tempo, sendo de-finida a
partir de seu tempo, de modo que a evolução histórica pede que se desenvolva sua condição de “perfectível”, i.e.
aperfeiçoada
a
, como de fato reza o Concílio atual: “Uma coisa é o próprio depósito da Fé, ou as Verdades, e
outra é o modo de enunciá-las” (GS, 62). Entende-se, assim, que a consciência da “evolução dos dogmas”,
prenunciada pelo Vaticano I, inclusive, não permite que a teologia normativa seja uma teologia “epitáfica”, mas
salvaguarde a Tradição Católica como fonte vitalizante de vida e reflexão da fé. É ao mesmo tempo limen
[limiar, por onde se entra, porta] e lumen [luz que ilumina os passos] (DV, 8-9). A teologia normativa, pode-se
assim dizer, é limitada, i.e., é de-limitada a sua periodicidade histórica e, portanto, de-finida para tal momento a
medida que procura estabelecer os traços marcantes de sua identidade eclesial, mas não se pode dizer o mesmo
para a Revelação enquanto mistério que interpela a teologia e a própria Igreja. Enquanto labor teológico, deve
sim ser compreendida dentro do momento histórico. Vale, aqui, ressaltar que a transformação ocorrida através do
Vaticano II não fora reduzida a uma questão formal, mas adota categorias personalistas, na volta às suas fontes,
ao procurar melhor estabelecer sua identidade e, conseqüentemente, melhor evidenciar a pessoa do Revelador do
Pai de modo definitivo, enquanto em Sua pessoa encontra-se a plenitude da Revelação. Esta não se pelo
conhecimento das teorias teológicas, mas sim pelo discipulado de seguir Jesus, e seguindo-o sob a ação do
Espírito Santo, redescobre-se o destinatário da Revelação: a salvação da humanidade. Com isso lança-se um
22
Capítulo I – A Reflexão Antropológica no Encontro Teologia e Literatura
especialmente no que diz respeito às questões que envolveram a teologia normativa católica e
a teologia protestante, tendo em vista que a teologia de Manzatto se encontra no contexto da
Tradição Católica. Nesse aspecto, o olhar para o Magistério católico, do ponto de vista de
Magalhães, carrega a eclesiologia conflitante de épocas da Reforma. Do modo como expõe
sua crítica, pode se identificar uma certa estrutura teológica que conduz o desenrolar de suas
contraposições. Tem-se a impressão de que Magalhães a obra de Manzatto com o
pressuposto tridentino de uma Igreja Católica como Societas Perfecta, herdeira de uma
eclesiologia medieval que está voltada mais para “cristandade-logia” do que para uma
reflexão sobre a Igreja em si e sua missão de construir o Reino de Deus
33
. Não raro, percebe-
se que o catolicismo é visto em enfoques escolásticos-tridentinos pela teologia protestante,
marcantes por ocasião da Contra-Reforma, de modo que não parece ser perceptível a
olhar atento sobre a condição humana no mundo contemporâneo, as situações em que vive, pretendendo co-
operar na descoberta das soluções dos principais problemas do nosso tempo” (DV, 10) valorizando, portanto,
os vínculos existentes entre as inúmeras culturas, podendo, inclusive, “entrar em comunhão” com elas, “donde
resultará um enriquecimento tanto para a Igreja como para as diferentes culturas” (DV, 58), sinal de sua
abertura para o diálogo com o mundo moderno. Cf. BOFF, Clodovis. Teoria do Método Teológico. Ed.
Petrópolis:Vozes, 1999, p. 254; LIBANIO, João Batista. Teologia da Revelação a partir da Modernidade. São
Paulo: Loyola, 1992, pp. 29-76. SCHILLEBEECKX, Edward. História Humana Revelação de Deus. 2ª.
Edição Paulus: São Paulo, 2003, pp. 56-68; WICKS, Jared. Introdução ao Método Teológico. São Paulo:
Loyola, 1999, pp. 9-38.
31
A posição de entender a literatura como mera “pergunta antropológica” equivale à compreensão da filosofia
como “a serviço da teologia” philosofia ancilla theologiae – na qual, apesar de seu sentido existencial, deveria
permanecer cristã. A partir do século XIII, com a entrada definitiva da razão aristotélica no universo teológico
cristão, a filosofia provoca uma “interrogação fontal” à teologia, à medida que um novo e completo sistema de
explicação do mundo, do ser humano e de Deus, independente e autônomo da teologia, i.e., oriundo da filosofia,
ou mais propriamente falando, da razão natural, se consolida no seio de uma sólida cultura cristã e irá orientar os
seus novos rumos. Pergunta-se: qual filosofia é compatível com a teologia enquanto expressão “intelectual” da
fé? Serão oferecidas duas respostas que se contrapõem e uma via média, a saber: 1) Sieger de Brabant e Boécio
da Dácia, mestres da Faculdade de Artes, que defendem a filosofia como saber autônomo da teologia; 2) São
Boaventura, que via a filosofia subordinada à teologia (ancilla theologiae); e 3) Tomás de Aquino, com a via
intermediária que concilia Razão e Fé, sendo Deus a única fonte das duas ordens da verdade, i.e., uma
concordância entre “a doutrina da e a doutrina de Aristóteles”. Essas três grandes “formas de pensamento”,
presentes na origem da crise intelectual do século XIII, preparam a transposição do imaginário da modernidade.
Não obstante, um quarto elemento se insere na querela, contudo de natureza “institucional”, a fim de pôr termo
nos embates, não por “via de argumentos”, mas por “via da autoridade” eclesiástica, em que o bispo de Paris,
Etienne Tempier, assessorado por cerca de dezesseis teólogos de tendência neo-agostiniana, censura 219 (220)
proposições que visavam a atingir os mestres da Faculdade de Arte, e com isso condenam também a tentativa de
conciliação entre Agostinho e Aristóteles, e Razão, em Tomás de Aquino. Apenas aparentemente o decreto
significou o fim das disputas doutrinais entre a Faculdade de Teologia e a Faculdade de Artes, que por sua vez
de modo algum teve uma aceitação pacífica. Tal intervenção corrobora para o crescente distanciamento entre
teologia e filosofia, uma vez que os problemas ali levantados, sendo reformulados e repensados em outros
“universos mentais”, iriam voltar à tona na Renascença e, conseqüentemente, na filosofia moderna. O fato mais
significativo da crise das relações entre filosofia e teologia, que tem suas raízes no século XIII e que dará inicio à
germinação das raízes da modernidade, é a passagem da ontologia da essência para a ontologia da existência,
presente na metafísica do Esse (existir) de Tomás de Aquino, ao introduzir o paradigma criacionista
(agostiniano) no universo das filosofias da essência (aristotelismo da Faculdade de Artes, dito “heterodoxo”,
baseada nos comentários do pensador árabe Averrois). uma inversão do axioma das filosofias da essência
“Toda inteligibilidade reside na perfeição da essência; a existência é, em si, ininteligível” pelo princípio
fundamental das filosofias da existência: “A inteligibilidade originária da essência se atua pelo ato de existir
como fonte radical de toda inteligibilidade”. Em outras palavras, afirma-se o Princípio [Ser] criador como
Existente absoluto, substituindo a inteligibilidade primordial da essênciao que é o ser [divino e/ou humano]?
pela inteligibilidade (sentido/significado) da existência na sua oposição radical ao nada i.e. formula-se a
pergunta do por que existir? Ou o que é existir? não cabível na filosofia da essência. Sendo assim, a
modernidade, no seu pólo intelectual de pensar a existência, veio surgir, sendo transposta do pensar a
essência da filosofia antiga, no lento e trabalhoso desenrolar do pensamento medieval. Tal processo gerou a
alforria por parte da filosofia – cada vez mais distante – em relação à teologia, numa abordagem existencial. Para
a questão da refundação ontológica cf. VAZ, Henrique. C. Lima. Escritos de Filosofia VII Raízes da
23
Capítulo I – A Reflexão Antropológica no Encontro Teologia e Literatura
reviravolta copernicana
34
do Concílio Vaticano II.
Contexto esse que Manzatto parece ter consciência, pois se em seu substrato
teológico uma Revelação testemunhada pelo dogma, este é visto sobre o ponto de vista da sua
evolução histórica
35
, o que de per si pressupõe a superação de uma “definição definitiva”
36
,
bem como parece estar presente no autor, a superação de uma instrumentalização ancilar da
literatura, em consonância com o Vaticano II
37
. Também, a forma de diálogo entre Teologia e
Literatura, parece ser mais ampla do que uma relação unilateral, em que uma detêm as
Modernidade. São Paulo: Edições Loyola, 2002, pp. 39-73; GILSON, Etienne. L'etre et l'essence . Paris: J.
Vrin, 1948; ________. La philosophie au moyen age: des origines patristiques a la fin du XIVe siècle. Paris:
Payot, 1952.
32
A questão levantada do método de aproximação pergunta-resposta corresponde ao método da Apologética,
como um modus operandi próprio da teologia escolástica, também chamada teologia manualística. Tal método
se situa no contexto imediato do Vaticano II, que prefere uma teologia fundamental, e mesmo antes do Concílio
Vaticano II, sofrera alterações em sua aplicabilidade. O elemento catalisador para sua mudança de orientação
vem no espírito do Vaticano I e se encontra na carta encíclica de Leão LXX Aeterni Patris, de 1879, na qual a
filosofia de Tomás de Aquino é elegida philosofia perennis para a lucidior intelligentia dos dados da
Revelação, por meio da demonstratio [religiosa, christiana e catholica], via silogismo, a fim de apresentar o
bom uso da Razão, “ameaçada” pelo racionalismo, pelo ateísmo, e pelo protestantismo apresentando o valor da
religião, do cristianismo [vera religione] e do catolicismo [autêntico cristianismo], tendo como destinatário, de
modo especial o “ateísmo” filosófico. A teologia, neste contexto, reporta-se a três fontes de autoridade, a
Escritura, a Tradição e o Magistério, que por deficiência de metodologia e hermenêutica, para se adentrar nos
conteúdos da Revelação presente nas duas primeiras fontes, acaba por enfatizar a última, que a assume como
teologia oficial, daí sua proximidade com a teologia normativa. É evidente que essa teologia procura responder
aos ataques sofridos, e por sua influência direta na teologia normativa, ganha solidez de princípios magisteriais.
Nesse contexto, apesar de ser um avanço da teologia manualística, continua por demais distante da teologia
protestante, que, desde Lutero, “não estava inclinada a qualquer cosia que viesse da razão”. Não obstante a
mediação da filosofia de Melanchton e a tentativa de uma Ortodoxia Protestante [também chamada de
Escolástica Protestante], sempre houve quem visse os filósofos como “patriarcas da heresia”, uma vez que
desvirtuavam a espontaneidade e a subjetividade da experiência que permeia o tríplice Sola da teologia
protestante, fato que sempre encontrou dificuldade em legitimar uma teologia normativa. Todavia, a teologia
normativa, dentro da Tradição Católica, passa por uma nova auto-compreensão com o Concílio Vaticano II,
tendo sido colocada em crise sua identidade, devido à insuficiência de sua linguagem, face ao problema do mal,
uma fez que fora vilipendiada pelas vicissitudes decorrentes da modernidade histórica. Reconhece-se, portanto,
sua condição histórica de “Povo de Deus” que necessita de “conversão”, substituindo, deste modo, os traços
triunfalistas que a faziam agir mais como Senhora da verdade do que situando-a como desejosa de diálogo e
unidade (UR, 1), valorizando o que de “verdadeiro e santo” presente nas demais religiões, enquanto
colaboram com a missão de construção do Reino de Deus, ao qual se orienta (NAe, 2). FISICHELLA, Rino.
Introdução à Teologia Fundamental. São Paulo: Loyola, 2000, pp.17-35. TILLICH, Paul. História do
Pensamento Cristão. São Paulo: ASTE, 2004, pp. 272-278. ALTMANN, Walter. Experiência e Teologia Na
Tradição Protestante In: ANJOS, Marcio Fabri. (org.). Sob o Fogo do Espírito. São Paulo: Paulinas, 1998, pp.
165-173.
33
LIBÂNIO, João Batista. A Volta à Grande Disciplina. Col. Teologia e Evangelização. São Paulo:Loyola,
1983, pp. 26-38.
34
Sobre a questão da falta de diálogo na teologia católica, sobretudo na teologia normativa, é preciso levarmos
em conta que o século XX foi o palco das grandes decepções dos ideais modernos; decepções essas causadas por
duas grandes guerras mundiais com conseqüências traumáticas para a humanidade e desencanto pela
modernidade. Os pontífices que adentraram o século XX vinham investidos: 1) da Encíclica Quanta cura de Pio
IX em 8 de dezembro de 1864, famosa pelo Sillabo, as 89 proposições de condenação do modernismo; e 2) do
Concílio Vaticano I, que abriu em dezembro de 1869, e proclamava a “infalibilidade papal”. As raízes do “anti-
modernismo” católico se fundem com as raízes da valorização da autoridade papal que tinha por missão a
“consagração do mundo”, i.e., a “cristianização” do mundo, conforme pensava Leão XIII. Mas para os anos
vindouros, cristianizar significaria “combater a modernidade”, como pensara antes Pio IX. Nesse contexto é que
identificamos os posicionamentos dos Pontífices do século XX, majoritariamente anti-modernistas, momento
24
Capítulo I – A Reflexão Antropológica no Encontro Teologia e Literatura
repostas para o questionamento da outra
38
. Para Schultz, teólogo de tradição luterana, o
impasse metodológico entre Magalhães e Manzatto se num problema de pressupostos
39
epistemológicos diferentes, em que o ponto nevrálgico é a questão da admissão ou não de
uma Teologia da Cultura, separada de uma Teologia eclesial, e como cada autor entende cada
uma das esferas, correlacionando-as [Manzatto] ou não [Magalhães]
40
.
conhecido por crise modernista, período em que o Magistério da Igreja assumiu uma posição contrária ao
movimento de renovação da Igreja como forma de adaptação às exigências modernas. O primeiro pontificado do
século XX, é de Pio X (1903-1914), que dedicou seu pontificado a uma renovação ad intra da Igreja, com
cuidados para a formação seminarística e a catequese, bem como uma regularização da eucaristia. Dois
documentos deixam clara a posição do papado em questão: o decreto Lamentabili sane exitu, escrito em 03 de
julho de 1907, condenando 65 afirmações inovadoras sobre a Bíblia e estudos históricos do dogma; e a encíclica
Pascendi dominici gregis, escrita em 08 de setembro de 1907, acenando que o modernismo era uma conspiração
internacional cuja finalidade era destruir a Igreja. A carta considerou ainda que duas coisas moviam os
modernistas no seio católico: o orgulho e a petulância. No final de seu pontificado, em 1913, uma de suas
determinações se torna emblemática para os pontificados vindouros, ao colocar o adjetivo de “suprema” na
Congregação do Santo Ofício, colocando nas mãos do papa um organismo “burocrático centralizador que
procurava e condenava erros”, a fim de reduzir o pluralismo e a diversidade da influência moderna sob pretexto
de erro. O que iria acontecer com Bento XV (1914-1922) se repetiria pelos próximos papas anti-modernistas.
Este último, ao tentar fazer uso das condenações dos valores da modernidade e às questões relativas à I Guerra
Mundial, não obteve sucesso. Quanto mais a Igreja procurava condenar a modernidade, menos era ouvida, e
mais livre caminhavam as sociedades modernas, não sem atacar os cristãos. Nesse contexto se insere o papado
de Pio XI (1922-1939), num entre guerras de uma humanidade oprimida pelo totalitarismo gerado pela sociedade
de massa, com profundas diferenças ideológicas (nazismo, fascismo, capitalismo, totalitarismo stalinista) que
gerariam ainda uma dura guerra civil e hostilizariam e perseguiriam a Igreja e os valores cristãos. Neste
momento dramático da modernidade, os ideais modernos são refutados como incompatíveis para restaurar a
ordem social que viria “por meio do Evangelho” e dos direitos “sobrenaturais” da Igreja no campo da educação.
Obviamente que a mentalidade da sociedade moderna, que abominava a idéia de sobrenatural, jamais concederia
tais direitos e tampouco se engendraria pelo “Evangelho”. Não é um tempo de diálogo, mas de condenações
mútuas. Pio XI quer assim interferir na sociedade pela propagação do Reino de Deus através dos leigos da Ação
Católica, como braço continuador da hierarquia, para combater o tempo em questão. Nesse contexto o laicato se
debateu com os problemas da modernidade e começou a freqüentar diversos de seus ambientes. O laicato
constituiu a primeira forma de contato real com a modernidade, por meio de compromissos políticos,
envolvimento sociais. Tal contato fez com que grandes pensadores como Congar, Maritain e Mounier
desenvolvessem grandes reflexões teológicas e teóricas sobre a presença do leigo cristão na Igreja e no mundo.
Começam, a partir do laicato, não o combate à sociedade moderna, mas as tentativas ad intra Igreja de
dialogar com a modernidade. O último papa anti-modernista, Pio XII, herdara de seus antecessores uma Igreja
fortemente centralizada, e desejava fazer ressurgir um projeto de civilização cristã. Para tanto, combateu fora e
dentro da Igreja, não sem um aspecto autoritário rejeitando todas as doutrinas evolucionistas, existencialistas e
historicistas, bem como interviu na teologia católica, censurando e proibindo de lecionar e/ou publicar obras
teólogos renomados como Maritain, Congar, Chenu, De Lubac, Mazzolari, Milani e os padres operários
franceses. O primeiro livro impresso de Teilhard de Chardin, O fenômeno humano, foi publicado numa editora
não católica, depois de sua morte. Entretanto, as encíclicas do pontífice em questão têm por características um
tom suave e a ausência de condenações pessoais. cf. BOF, Giampiero. Teologia Católica Dois mil anos de
história, de idéias, de personagens. São Paulo: Edições São Paulo, 1996, pp. 177-187; LAFONT, Ghislan.
História Teológica da Igreja Católica Itinerário e Formas da Teologia. São Paulo: Paulinas, 2000, pp.
271-310.
35
A abordagem de Manzatto parece ser diferente do que definido por Magalhães no tocante à Revelação, em
consonância com a teologia conciliar do Vaticano II [normativa, uma vez que apresenta e salvaguarda a
identidade eclesial, procurando ser fiel a seu tempo e ao mistério da Revelação, de modo que a Teologia da
Libertação é um Teologia da Igreja], sendo, portando, a Revelação portadora de um destinatário, a saber, a
salvação da humanidade, entendida e vivenciada em um enfoque existencial, inclusive, realizando a natureza
25
Capítulo I – A Reflexão Antropológica no Encontro Teologia e Literatura
1.1.3. A categoria “encontro” entre Teologia e Literatura
Uma outra proposta metodológica é a de Adilson Schultz
41
, que explora a categoria de
“encontro” da teologia com a literatura. Schultz trabalha três variantes que se encontram
literatura, imaginário religioso e Protestantismo articulando-as com quatro pressupostos
teóricos, a saber: 1) o imaginário religioso é decisivo para a vida da sociedade; 2) o papel do
Protestantismo no imaginário religioso; 3) um maior êxito da tarefa teológica
[agenciadora/articuladora da do povo] compreende uma melhor articulação com esse
humana, completando-a, ultrapassando-a, não como uma reparação, mas um “excesso”.Uma vez que o Deus da
Revelação, se revela salvando e salva revelando-se, Revelação/Salvação são entendidas para além dos limites
[de-limitada] da lógica finita [de-finida]. Essa Revelação, enquanto impulsiona o ser humano a ser mais humano,
plenamente humano, encontra sua “correspondência” [para falar em moldes de Magalhães] na antropologia
amadiana, o que se torna ponto de “encontro”, uma vez que para Jorge Amado o ser humano é um ser em busca
da felicidade, que está em perfeita disposição ao Deus da Revelação que deseja e oferece tal felicidade como
dom salvífico, o que pressupõe a capacidade humana de receber tal dom. Pode-se verificar que o método de
Manzatto não parte de premissas filosóficas, que pré-determinam suas respostas, aprisionando Deus dentro de
uma metafísica que o torna “absoluto demais” e tão distanciado da sua ação na história, mas parte da
antropologia, ou seja, da condição humana. Partir da antropologia contida na literatura, para Manzatto, está em
perfeita sintonia com fazer teologia na América Latina e a partir de uma rota Conciliar. Teríamos, então, um
diálogo entre antropologias, a partir da história concreta, alvo da reflexão de ambas as áreas em questão, ao
passo que a literatura entende sua missão histórica de humanização, lido em teologia como “partilha da vida de
Deus”, de modo que, no contexto, a teologia normativa não é um fardo histórico, mas garantia que fundamenta o
encontro, na medida em que salvaguarda uma Tradição que tem algo a dizer ao ser humano e a sociedade.
“Teologia e literatura” não está contrária a teologia normativa da Tradição Católica, antes a pede, sendo ela
quem vislumbra em primeiro lugar o horizonte da história como “lugar de salvação”: “O caminho metodológico
para se conhecer o Deus que se revela a nós é partirmos do antropológico para chegarmos ao teológico e
nunca ao contrário. A humanidade de Jesus é reveladora de sua divindade. A divindade de Jesus não é evidente,
sua humanidade sim [...] O caminho, pois, é do antropológico ao teológico.” In MANZATTO, Cristologia:
teologia e antropologia In Revista de Cultura Teológica. 53. ed. São Paulo: IESP/PFTNSA. 05, n. 19, p. 08.
Cf. ainda La théologie de la libération, née em Amérique latine, est devenue patrimonie de l’Église
universelle” In MANZATTO, La Théologie en Amérique Latine Resultats Marquants et Défis Actuels In
HAQUIN, Andre; MANZATTO, Antonio; SEVRIN, Jean-Marie. La théologie entre deux siècles bilan et
perspectives : Actes du colloque organisé à l'occasion du 575 anniversaire de l'Université catholique de
Louvain. 1. ed. Louvain-Bélgica: Un. Catholique de Louvain, 2002, pp. 113-126; MANZATTO, Teologia e
Literatura, op.cit., p.17-30; MANZATTO, Teologia tem uma palavra a dizer a sociedade. In O São Paulo.
2577. ed. São Paulo: Arquidiocese de São Paulo, 2006, v. 49, n. 25, p. 08ss, 05 jan. 2005.
36
“Há que reconhecer certamente o caráter limitado das fórmulas dogmáticas, que não exprimem, nem podem
exprimir tudo o que está contido nos mistérios da fé, e que devem ser interpretadas à luz da Sagrada Escritura e
da Tradição” cf. CONGREGAÇÃO PARA DOUTRINA DA FÉ. Notificação sobre as obras do P. Jon
Sobrino. Disponível em <http:// www.vatican.va/>. Acesso em: 14. Mar.2007. 15h39
37
No âmbito da teologia católica, a instrumentalização ancilar é convidada a ser substituída por uma recepção
criativa das contribuições do “engenho humano”, de uma Igreja que se entende em Diálogo e procura de
Comunhão, como testemunha a teologia ‘normativa’ da Gaudium et Spes (GS, 92): “Em virtude de sua missão
que é de iluminar o mundo inteiro com a mensagem evangélica e reunir em um único Espírito todos os homens
de todas as nações, raças e culturas, a Igreja torna-se o sinal daquela fraternidade que permite e consolida um
diálogo sincero. Isto, porém, requer, em primeiro lugar, que promovamos no seio da própria Igreja a mútua
estima, respeito e concórdia, admitindo toda a diversidade legítima [...] Nas coisas necessárias reine a unidade,
nas duvidosas a liberdade, em tudo a caridade [...] O desejo de tal diálogo, que é guiado somente pelo amor à
verdade, observada a devida prudência, de nossa parte não exclui ninguém, nem os que, honrando os bens
admiráveis do engenho humano, contudo não admitem ainda o seu Autor, nem aqueles que se opõem à Igreja e
a perseguem de várias maneiras. Sendo Deus Pai o princípio do todas as coisas, somos todos chamados a ser
irmãos. E por isso, destinados à única vocação, humana e divina, sem violência e sem dolo, podemos e devemos
cooperar para a construção do mundo na paz verdadeira.” Nesta posição é que se enquadra a recepção da
literatura como possuidora de uma verdade antropológica, a dialogar com a teologia na procura de um bem
26
Capítulo I – A Reflexão Antropológica no Encontro Teologia e Literatura
imaginário, e; 4) essa melhor articulação pode acontecer mediante o encontro com a
literatura, que passa, portanto, a ser “interlocutora” da teologia.
Assim, o enfoque central do encontro se na questão do imaginário social e
religioso. Para tanto, esse teólogo de tradição luterana ensaia como ponto” de encontro a
obra de João Guimarães Rosa, por suas múltiplas interpretações do imaginário.
comum, de modo especial para a realidade Latino Americana, que se encontra não somente em sua carência de
pão, mas numa indolência utópica, emergida de um imaginário alienado de o poucas instituições
autonomizadas em relação a sociedade. A literatura tem status de companheira da teologia, ambas com
autênticas críticas e contribuições legítimas, uma vez que comem na mesma mesa [imaginário social latino
americano] e partilham dos mesmos sonhos de libertação e de vida deste continente, sendo, portanto, tributárias
da solidariedade humana. Afirma-se, pois, a partir da teologia normativa da Igreja Católica, que a autonomia das
realidades humanas é preservada, respeitada e não raro tida como colaboradora autêntica da teologia, relação
essa destituída de qualquer condição ancilar, mas envolvida pelo espírito de diálogo e comunhão. Mais ainda,
qualquer aproximação deve ser submetida a tal espírito. Manzatto insere a aproximação da teologia com a
literatura dentro do universo da Teologia da Libertação, ao assumir o método de ver-julgar-agir, e dentro da
tradição do pensamento latino-americano, como por exemplo Las Casas e Montesinos, de manter a preocupação
econômica e todas as suas derivações alinhadas à questão antropológica. E assim, a literatura se insere no “ver”,
que é mais que simples ver: é contemplação, é análise, é ver a partir do contexto, o que também caracteriza como
escuta, teologicamente é o “ver” de Deus que se revela a Moisés a fim de que ele também veja: “Eu vi, eu vi a
miséria do meu povo... Ouvi o seu clamor... Por isso desci a fim de libertá-lo...” (Ex 3,7). Epistemologicamente,
ocorre uma “substituição” da análise sociológica quantitativa da condição humana por uma análise literária
qualitativa. Desse modo, a antropologia contida na obra amadiana não oferece uma linguagem, ou premissas,
para um silogismo, mas é portadora de uma reflexão qualitativa do ser humano concreto, que vive a realidade
latino-americana: “...brasileiro, subdesenvolvido, com seus complexos sociais e sua forma condicionada, mas
que busca libertação”. A literatura não é um questionamento antropológico, mas tem um lugar privilegiado
na sociedade como fonte reveladora da realidade antropológica, à medida que apresenta uma “compreensão do
que significa ser humano no mundo”. Para a relação da “alienação institucional” cf. CASTORIADIS, Cornelius.
A Instituição Imaginária da Sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2000, pp. 159-164. Cf. MANZATTO, La
Théologie en Amérique Latine, op.cit., pp.113-115: “la pensée latine-américaine qui apparaîtra, tôt ou tard,
dans la pensée théologique: la question économique liée à la question antropologique”; __________, Teologia
e Literatura In Revista de Cultura Teológica, op.cit., p. 9.
38
Sobre a aproximação metodológica da teologia com a literatura, deve-se realmente afirmar que a literatura
levanta questões à teologia sim, mas não exclusivamente a ela. Por sua capacidade de percepção do humano, a
literatura é autêntica interlocutora com diversas áreas do saber, como as ciências sociais, a psicologia e a
psicanálise, a filosofia, a história... Resta saber se a posição da teologia na obra de Manzatto, perante os
questionamentos da literatura, é de mera resposta pré-definida como nos moldes da teologia apologética. Uma
vez que a concepção de teologia normativa conciliar na Tradição Católica pede um retorno/recuperação das
fontes teológicas, entende-se que o caminho de acesso ao ser de Deus é o caminho humano, i.e., Deus se revela
através do humano, de modo especial no seguimento de Jesus, enquanto percorre sua historicidade antropológica
testemunhada pelos Evangelhos, sendo leitura privilegiada da caminhada latino-americana. Assim sendo, na
medida em que a compreensão humana se amplia, mais se alargam as vias de recepção da Revelação, uma vez
que descobrir novos e/ou mais profundos aspectos antropológicos pode auxiliar a melhor compreender a pessoa
humana e o alcance antropológico das palavras, atos e gestos de Jesus, nos quais se revelam sua divindade e o
conteúdo por excelência da Revelação. Nesse sentido, a literatura não simplesmente levanta perguntas, mas
oferece mediações antropológicas a questionamentos existenciais concretos, como é o caso da antropologia
contida na obra amadiana, i.e., subseqüentemente latino-americana. Contudo, ainda, a teologia também pode,
mas não somente, oferecer respostas aos questionamentos antropológicos levantados pela literatura, porém não
mais de modo apologético, para endossar uma forma de teologia, mas em forma de parceria e não concorrência,
de co-responsabilidade pela “condição humana”. A resposta que a teologia pode oferecer não procura calar ou
mesmo solucionar, mas sim impulsionar em direção a um horizonte plenamente humano, na confluência
testemunhal de que Deus mesmo é quem responde aos anseios humanos. “Resposta”, aqui, não é mera
27
Capítulo I – A Reflexão Antropológica no Encontro Teologia e Literatura
1.1.4. Teopoética
Verifica-se ainda, uma proposta de Teopoética que, como projeto de
interpretação/criação poética, “encarna” contornos metodológicos
42
diferentes em
sensibilidades diferentes. Por exemplo, para Eliana Yunes, que toca diretamente a área da
literatura, a “teopoética” é uma narrativa poética da fé, na qual a literatura é um material a ser
lido teologicamente, num “diálogo teopoético” entrevisto no pensar a literatura e a teologia à
formulação dogmática, e sim graça de Deus que se revela face aos anseios humanos, como “lugar de encontro”.
Assim podemos enquadrar epistemologicamente o método que Manzatto como proposta de “encontro” da
teologia com a literatura em que, acabado o encontro, a teologia continua sendo teologia e, portanto, reflete
teologicamente sobre a literatura, que, idem, continua sendo literatura. Mas também é verdade, que algo de
poético passa a existir no teólogo, como algo de teológico no poeta. Deste modo, como autêntico “locus
theologicus”, a teologia se posiciona em relação à literatura num auditus fidei, sendo ela momento segundo que
reflete sobre a experiência cristã, que se dá em meio às experiências humanas, das quais a literatura é testemunha
privilegiada por sua antropologia qualitativa. Portanto, a teologia também precisa ouvir [e não somente
responder apologeticamente]: “Para ser atual e para ser salutar, ela [a Teologia] tem de encontrar-se com as
preocupações humanas de hoje, pois senão não terá importância nenhuma para a humanidade contemporânea,
não terá significação, e Jesus não será o Salvador [...] Por isso cada época, cada sociedade, cada comunidade
elabora sua cristologia, fazendo com que suas preocupações se encontrem com a mensagem, a prática, a pessoa
de Jesus [...] A cristologia, com toda sua reflexão teológica, é sempre cultural, social e historicamente situada.
[...] Ao ouvir o discurso literário, a teologia pode se encontrar com antropologias diferentes, vindas de outros
horizontes, mas que se revelam capazes de iluminar a compreensão do mistério de Deus que se revela aos
homens através do humano. Assim, a literatura, por sua antropologia, comporta um real interesse teológico.” In
MANZATTO, Cristologia: teologia e antropologia, op.cit., p. 9; pp. 35-36; cf. ainda FISICHELLA, op.cit., p. 31
39
Schultz identifica na obra de Magalhães problemas com a “normatividade” e a “autoridade”: Antonio
[chamado aqui por Magalhães] parece sonhar com uma espécie de teologia utópica, autônoma, livre de
qualquer tipo de cerceamento: ‘a linguagem teológica usada sem os cerceamentos dos sujeitos ou das
instituições, eis o ideal da teologia’” In MAGALHÃES apud SCHULTZ, Adilson. Agenciamentos teórico-
metodológicos básicos para o estudo do lugar do Protestantismo no imaginário religioso brasileiro a partir do
encontro da Teologia com a Literatura (na Casa de João Guimarães Rosa) In Protestantismo em Revista,
2002, São Leopoldo:NEPP, 2002, v. 01, n.01, out/dez., nota de rodapé lxii.
40
Schultz também observa na obra de Magalhães: “Na verdade, no todo de sua obra sobressai um desconforto
com o método da TdL. Em vários momentos ele critica a ‘Teologia da Libertação e outras teologias do sujeito’.
Para ele, as pessoas e sua condição (o pobre, a mulher, o índio, o convertido, o clero, o negro etc.) não podem ser
determinantes na interpretação da bíblia e formulação da teologia. ‘No primeiro caso [as teologias do sujeito],
Deus estaria no espelho de uma experiência que rapidamente pode ser transformada em processo legitimador de
um determinado movimento. (...) No segundo caso [teologia e literatura enquanto correspondência], Deus seria
visto no espelho das palavras, com seus imaginários e suas representações. (...) Optando pela primeira
possibilidade, a teologia corre o risco de permanecer cativa de um grupo, defendendo sua identidade como
ciência doméstica da Igreja, de elevar a experiência concreta desse grupo a um nível paradigmático tal, que
outras experiências seriam descartadas. Optando pela segunda alternativa, a teologia dá um vôo para ser teologia
da cultura’” cf. MAGALHÃES apud SCHULTZ, op.cit., nota de rodapé lix. Para a teologia católica, não há essa
dicotomia “teologia da cultura”/“teologia da Igreja”, uma vez que a teologia conciliar orienta o labor teológico
para a construção do Reino que tem como destinatária da Revelação a salvação dos homens. A Teologia dita “da
Igreja” é Teologia “da Cultura” e “na Cultura”, de modo que uma expressividade por excelência desta
contigüidade é a Teologia da Libertação.
41
SHULTZ, Ibidem.
42
A questão da teopoética não se reduz a fazer poesia com conteúdos teológicos: “o que se pretende, pelo
contrário, é encontrar na forma literária um novo rigor que permita à teologia prosseguir seu trabalho
peculiar, numa época que não se parece nem com a da abstração nem com a dos sistemas. É evidente, que o que
está em cena, é mais que uma questão de estilo, é uma mudança na própria maneira de pensar, é uma
preocupação dominante em recorrer à experiência cristã, a observação profunda dos intercâmbios incessantes
entre essa experiência e a confissão de fé” In Jossua, Jean-Pierre & Metz, Johann Baptist. “Teologia e Literatura
28
Capítulo I – A Reflexão Antropológica no Encontro Teologia e Literatura
luz do verbo humano que provoca o repensar do Verbo Divino
43
; Maria Clara Bingemer,
através da literatura, acentua a relação de alteridade e transcendência do existir, como
componente antropológico inerente à identidade da mística cristã, em que o Deus da revelação
cristã se revela a partir dessa proximidade e similitude com o profundamente humano,
mostrando a sua diferença como “epifania maior sobre o sentido da vida”, na qual a em
Deus é também no humano
44
. Rubem Alves desenvolve a sua teopoética, inserindo na
própria literatura o elemento teológico, do qual se pode dizer que uma teologia literária
e/ou uma literatura teologal
45
.
Ademais, tal modo de falar de Deus a partir da literatura, que parece ser o ponto em
comum da “teopoética”, está presente de modo bastante expressivo nos trabalhos de Jose
Carlos Barcelos, que trabalha a “aproximação” da teologia com a literatura a partir do
fenômeno das “linguagens de empréstimo” da teologia atual, devido à crise de fé e linguagem
religiosa, bem como à insuficiência dos termos teológicos perante a questão do mal no pós-
guerra. Assim, para Barcelos, a teologia se apóia na literatura como linguagem da “condição
humana”, resultando dessa parceria uma forma de resgate de tal condição, à medida que, ao se
articular no plano sintático e semântico da literatura, a teologia readquire sua importância de
significação a vida
46
. Barcelos reflete sobre a capacidade teológica da literatura como
autêntico locus revelationis
47
para o contemporâneo, devido ao seu potencial “sintagmático”
(Editorial)” In Concilium. 115. Petrópolis: Vozes. n. 05, ago./set. 1976, p.5 [489].
43
YUNES, Eliana. Teopoética. Saberes Cruzados In BINGEMER, Maria Clara & YUNES, Eliana. (org.)
Murilo, Cecília e Drummond 100 anos com Deus na poesia brasileira. São Paulo: Loyola, 2004, pp. 7-9;
Idem, Discípulo de Emaús, O Outro, p. 99-106.
44
Cf. BINGEMER, Maria Clara. “Drummond e as Viagens: Experiência Transcendental” In BINGEMER, Maria
Clara & YUNES, Eliana. (org.) Murilo, Cecília e Drummond 100 anos com Deus na poesia brasileira. São
Paulo: Loyola, 2004, pp. 41-50; ___________. Murilo e Cecília, ou o Espírito Poético In ALALITE
Colóquio Latino-Americano de Literatura e Teologia PUC-Rio, 27 a 29 de Abril de 2007, Rio de Janeiro.
CD-ROM.
45
ALVES, Rubem. Poesia, Profecia, Magia: meditações. Rio de Janeiro: CEDI: Tempo e Presença, 1983;
__________. O que é religião? São Paulo: Ed. Brasiliense, 1984; __________. Um mundo num grão de areia
– O ser humano e seu universo. 6ª. Ed. São Paulo: Verus, 2002; __________. Sobre o Tempo e a Eternidade.
12ª. Ed. São Paulo: Papirus, 2005.
46
BARCELLOS, Jose Carlos. Literatura e teologia: perspectivas teórico-metodológicas no pensamento católico
contemporâneo In Numem: Revista de Estudos e Pesquisa da Religião. Juiz de Fora: Universidade Federal de
Juiz de Fora, v.3 n. 2, jul/dez. 2000, p.9-30.
47
A idéia de locus revelationis imprime o aspecto de que a literatura questiona a teologia, obrigando-a a repensar
sua sistematização da Revelação em função das afirmações literárias, convergentes à antropologia, local por
excelência da Revelação de Deus (Cf. MANZATTO, Teologia e Literatura: aproximações pela antropologia In
ALALITE, 2007). Aqui optamos por locus revelationis, uma vez que Barcelos pensa como Jean-Pierre-Jossua,
sobre os loci theologici, como um “testemunho alheio” que confirma outras fontes, como é entendido na teoria
de Melchior Cano (cf. BOFF, Clodovis, op.cit., pp. 199-201) e mesmo recusa a comparação da literatura em seu
artigo sobre o método. Contudo, ao entendermos a literatura como “local” onde se pode fazer a reflexão
teológica, nós a entendemos como Miranda, como um “lugar” mais bem situado para “captar e experimentar a
salvação de Deus [...] permitindo uma compreensão e vivência da mais autêntica e mais verdadeira” (cf.
MIRANDA, Mario de França. A Igreja numa Sociedade Fragmentada. São Paulo: Loyola, 2006, pp. 151-152)
e, portanto, “local” que obriga a teologia a repensar sua apresentação da Revelação.
29
Capítulo I – A Reflexão Antropológica no Encontro Teologia e Literatura
como fenômeno de linguagem, que pode corroborar para um novo referencial
“paradigmático” da teologia
48
. Aqui a teopoética inclui “uma leitura teológica das obras
literárias”, bem como teologia no próprio discurso literário” no âmbito de uma teologia
hermenêutica
49
. A título de ilustração, Barcelos apropria-se de Guia, de Adélia Prado
50
:
A poesia me salvará.
Falo constrangida, porque só Jesus
Cristo é o Salvador, conforme escreveu um homem
[...]
No entanto, repito, a poesia me salvará.
Por ela entendo a paixão
que Ele teve por nós, morrendo na cruz.
[...]
Ela me salvará. Não falo aos quatro ventos
Porque temo os doutores, a excomunhão
e o escândalo dos fracos. A Deus não temo.
Que outra coisa ela é [a poesia] senão Sua Face atingida
da brutalidade das coisas
1.1.5. Literatura como “graça comum
uma proposta de aproximação da Teologia Reformada, representada, entre outros,
por Carlos Caldas
51
e Gabriele Greggersen
52
, em que, sob a ótica da teologia de Calvino,
enxerga-se a realidade como esfera do sagrado, e, portanto, é competência da teologia a
transformação da cultura. uma interface teológica com a filosofia da estética, que
48
BARCELOS. Literatura e Teologia: Aproximações.[Rio de Janeiro]: [ca. 2007]. Mimeografado:
“[...]consideramos literatura como uma forma específica de uso da língua, em que combinações sintagmáticas
inusitadas (nos níveis fônico, morfológico, lexical, sintático, semântico e, mesmo, gráfico) impliquem
necessariamente a ruptura dos paradigmas habituais em que se constela uma dada visão de mundo e, assim,
desafiem o receptor à construção de novos paradigmas, simultaneamente mais particulares e mais amplos que
os socialmente dados pela linguagem corrente ou pelos discursos especializados da filosofia, teologia, política
etc [...]. cf. ainda BARCELLOS, Jose Carlos. “A terceira margem da ficção: literatura e teologia em Jorge Luís
Borges” In ALALITE, 2007; _________. Entrevista: O milagre da existência. Disponível em
<http://www.amaivos.uol.com.br>. Acesso em: 22. mar.2007. 22h00.
49
Ibidem, A Fé e o Império: Os Lusíadas no contexto da teologia e da espiritualidade católicas do séc. XVI.
2001. Trabalho Final (Pós-Doutorado em Literatura Portuguesa) Faculdade de Ciências e Letras de Assis
UNESP, São Paulo, pp. 33-52.
50
PRADO, Adélia apud BARCELOS, Literatura e Teologia: Aproximações, op.cit.
51
CALDAS FILHO, Carlos R. Teologia e Cultura: Uma Introdução à Estética Filosófica em Perspectiva de
Teologia Reformada, com ênfase em literatura In FIDES REFORMATA vol. 6/1 jan/jun de 2001. Disponível
em <http://www.mackenzie.com.br/teologia/fides/vol06/num01/Carlos_Caldas.pdf> Acesso em 01 de Fevereiro
de 2007 20:00; ____________. Da MPB como Fonte para o Estudo da Religião: Análise do Elemento Religioso
Presente em “Anunciação” de Alceu Valença e “Um Índio” de Caetano Veloso In REVER–Revista de
Estudos da Religião vol. 3 de 2006. Disponível em <http://www.pucsp.br/rever/rv3_2006/t_caldas.htm. Acesso
em: 13. jan. 2007. 20h32.
52
GREGGERSEN, Gabriele. A Poética da Graça Comum In FIDES REFORMATA vol. 6, jan/jun de 2001.
Disponível em <http://www.mackenzie.com.br/teologia/fides/vol06/num01/Gabriele.pdf> Acesso em
01.fev.2007. 21h07.
30
Capítulo I – A Reflexão Antropológica no Encontro Teologia e Literatura
desemboca em uma de suas nuances na proposta metodológica da literatura, na qual a
fundamentação teológica é encontrada na doutrina calvinista da “graça comum”, graça que é
dada para todos, o que entende que toda e qualquer capacidade humana é “dom divino”, em
que a arte em geral e a literatura em particular provocam a contemplação do que de
admirável nas coisas, manifestação da glória de Deus e, portanto, passível de reflexão
teológica.
1.1.6. Universo teológico como estudo da linguagem e pesquisa literária
Nessa linha tem-se a obra de Eliana Branco Malanga, que trabalha A Bíblia Hebraica
como obra aberta. Parte da proposta interdisciplinar de uma semiótica bíblica, destacando a
função poética dos textos bíblicos, salientando dois aspectos que caracterizam a Tanach como
obra aberta
53
: o “rompimento com os padrões correntes do código” e a multivocidade de
significados”, permitindo assim “múltiplas descodificações em virtude da densidade de
significados”, predispondo a Bíblia Hebraica a um processo de atualização e múltiplas leituras
para a organização do pensamento e hermenêutica das experiências concretas, estabelecendo
assim a possibilidade de construção de uma nova realidade
54
.
ainda um núcleo de desenvolvimento na Universidade de Campinas, que alcança
esse universo teológico na pesquisa literária como estudo da linguagem, presente nas ultimas
produções acadêmicas. Tatiane Artioli analisa a influência da Cidade de Deus de Agostinho
na obra de Gil Vicente, e como a interpretação teológica dos quatro sentidos (literal,
alegórico, tropológico e anagógico) aplicada à literatura torna-se elemento cênico e poético
nas referidas peças
55
. Tarsilla Brito de Couto analisa em Murilo Mendes o caos lido em
linguagem apocalíptica, com metáforas do “fim do mundo” para expressar o amor erótico,
analisando as inter-relações entre o essencialismo de Ismael Nery, o surrealismo francês e o
apocalipse bíblico de João, bem como a construção poética de um apocalipse pessoal. A
poesia de Murilo Mendes foi vista, ainda, como “resultado da ação violenta de Deus no
mundo”, como uma “poética de choque” de imagens e de idéias que as transforma e revigora
numa metamorfose poética
56
. Ferreira analisa o Evangelho de Mateus como literatura
alternativa ao criticismo bíblico (sem que, para com isso, despreze o resultado de suas
53
ECO, Ibidem.
54
MALANGA, Eliana Branco. A Bíblia Hebraica como obra aberta uma proposta interdisciplinar para
uma semiologia bíblica. São Paulo: Humanitas/FFLCH-USP/FAPESP, 2005.
55
ARTIOLI, Tatiane. Alegoria e visão teológica da História em três autos vicentinos. Dissertação (Mestrado)
– Campinas: Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade de Campinas, 2005.
56
BRITO, Tarsilla Couto de. A poesia apocalíptica de Murilo Mendes. Dissertação (Mestrado) Campinas:
Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade de Campinas, 2005.
31
Capítulo I – A Reflexão Antropológica no Encontro Teologia e Literatura
pesquisas) focalizando de modo particular o narrador, que enfatiza a permanência de Jesus,
não somente “vivo”, mas vivo entre os seus seguidores” e, portanto, procura construir o
gênero Evangelho como caminho que permite o contato direto com Jesus Cristo, a ser lido
como a atualização da vida de Jesus na existência de seus discípulos, “em qualquer tempo,
tendo o próprio Jesus como orientador e guia”
57
. Claudinei Maria analisa como o personagem
machadiano Brás Cubas a Bíblia com um olhar “puramente existencial”, desprovido de
implicações religiosas e/ou mesmo morais, como ressonância de cosmovisão e inspiração
narrativa, que parece querer demonstrar, na opinião da autora, uma “arraigada imanência de
tudo”, sem espaço de separação entre o banal e o sublime, não havendo um âmbito exclusivo
para o sagrado e outro para o profano; tudo é matéria de vida, como tudo é matéria de
ficção”
58
.
Também na Universidade Federal de Santa Catarina, a pesquisa entre as áreas se
desenvolve no âmbito do universo simbólico onde a teologia se faz presente na literatura.
Rafael Carmolinga retrata a Onipresença do fator religioso na ficção latino-americana, em
que a religião em questão que alimenta o imaginário religioso é o catolicismo romano. Este é
sempre presente no “romance do ditador, do “indigenista” ou “de exploração econômica”,
através da figura do padre, do vigário ou cura, personagem que detêm o poder sacro e que
está em contato com a comunidade, ora apoiando o latifundiário, ora se opondo a ele, ao
coronel ou ao caudillo no poder, refletindo a antiga polêmica travada entre Bartolomeu de las
Casas e Ginés de Sepúlveda, na qual enquanto o primeiro lutava em prol de uma conversão
voluntária e um trato humanitário aos índios, o segundo era em favor de um submetimento
coercitivo e onímodo. Esta personagem na segunda metade do século XIX e primeira do
século XX é vista como sacerdote ganancioso, mulherengo e até sanguinário, o avesso dos
valores evangélicos que prega, revelando a contradição e a crise de valores da instituição
religiosa em si e seu papel na sociedade, cooptados pela literatura. Salma Ferraz, com Judas
Iscariotes: a esfinge pejada de mistérios, estende o horizonte dos estudos de comparação
entre teologia e literatura a todos os personagens bíblicos, e não somente a Deus, elegendo a
controvertida imagem de Judas Iscariotes e traçando-lhe um percurso literário, desde os
escritos canônicos até os apócrifos, passando pelo senso comum de como é conhecido este
personagem na cultura Ocidental até chegar as obras fictícias de Jorge Luis Borges e Julio de
57
FERREIRA, João Cesário Leonel. “E ele será chamado pelo nome de Emanuel” : o narrador e Jesus
Cristo no evangelho de Mateus. Tese (Doutorado) Campinas: Instituto de Estudos da Linguagem da
Universidade de Campinas, 2006.
58
MARIA, Claudinei. “O pão da dor e o vinho da miséria” - o banquete da existência, de a Brás Cubas.
Dissertação (Mestrado) – Campinas: Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade de Campinas, 2007.
32
Capítulo I – A Reflexão Antropológica no Encontro Teologia e Literatura
Queiroz, num movimento do discurso em direção ao silêncio sobre o personagem,
encerrando-se no mistério sobre sua vida, que cabe a Deus.
Verifica-se que tem sido freqüente e crescente a aproximação entre Teologia e
Literatura, em que poiésis literária e fides theologici são duas fontes hermenêuticas para se
melhor compreender a ratio humanorum. Não somente a Teologia alimenta esse desejo de
aproximação como pode se verificar que a recíproca é verdadeira para a Literatura.
Recentemente, por ocasião da 4º. Centenário de Nascimento do Pe. Antonio Vieira,
considerado Imperador da Língua Portuguesa por Fernando Pessoa,
59
a temática Teologia e
Literatura volta à baila. Estas duas áreas de saber se tocam para melhor compreender o
pensamento do grande orador jesuíta. Na Universidade de São Paulo, ainda em agosto desse
ano
60
, houve uma série de debates e apresentações que alinhavam esses dois pólos, como, por
parte da perspectiva literária, os estudos iniciados pela Profa. Elaine Sartorelli, que aborda o
gênero literário profecia de Vieira como proposta historiográfica da tradição profética do
cristianismo em que reside a construção de um sentido (passado) e de um destino (futuro)
61
,
bem como o desenvolvimento de uma literatura comparada, por Kellen Barros, entre os
sermões de Vieira e suas fontes, elegidas pela autora, a saber: Agostinho e Tomás de Aquino,
para enxergar nos sermões do jesuíta lusitano, como dentro de um política de rígido controle
da Igreja Católica no século XVII sobre as instituições e pessoas, em nome Deus
62
. Outra
proposta é a de Martini, que procura, a partir de uma leitura sinótica do barroco católico
ibérico e do barroco protestante inglês, presentes respectivamente nos sermões de Vieira e do
pastor anglicano, que fora católico educado em colégio jesuíta, John Donne e suas concepções
sobre o papel do Espírito Santo na pregação e na conversão
63
. Haveria outras inúmeras
abordagens nas quais, ora mais, ora menos direta e indiretamente, se faz uso da pesquisa das
fontes teológicas para as interpretações hermenêuticas do autor. Nessa ocasião mencionada
foi apresentado, por Villas Boas, dentro da perspectiva teológica de aproximação com a
literatura, um pensamento poético-teológico de Vieira, presente em seus Sermões e na sua
teologia profética da Clavis Prophetarum a partir das influências da teologia escolástica
seiscentista de Francisco Suarez e da dispositio affectus dos Exercícios Espirituais de Santo
59
verso contido no poema Antonio Vieira do poeta português.
60
Atualidade dos Estudos Vieirinos – Encontro Internacional pelo Quarto Centenário do Nascimento de Antonio
Vieira. Universidade de São Paulo/São Paulo, 18 a 20 de agosto de 2008.
61
SARTORELLI, Elaine Cristine. A Profecia como gênero e discurso: A Clavis Prophetarum de Antônio Vieira
In Atualidade dos Estudos Vieirinos, op.cit., Mimeografado, 2008.
62
BARROS, Kellen Dias. Palavra Teológica: Um Olhar sobre os Sermões de Antônio Vieira In Atualidade dos
Estudos Vieirinos, op.cit., Mimeografado, 2008.
63
MARTINI, Marcus de. Padre Antonio Vieira e John Donne: Uma análise retórico-teológica de quatro
sermões sobre o Espírito Santo In Atualidade dos Estudos Vieirinos, op.cit., Mimeografado, 2008.
33
Capítulo I – A Reflexão Antropológica no Encontro Teologia e Literatura
Inácio de Loyola, como elementos resultantes de uma pregação em prol de uma justiça do
Reino de Cristo
64
.
Tais pesquisas indicam que a Tradição cristã não é mais exclusividade da reflexão
teológica e, tampouco, necessidade de se pedir licença para as instituições originárias de
onde nascem as fontes cristãs
65
para que sejam relidas em outras abordagens. De modo
especial isso incide sobre a Literatura, o que pede a maior participação da Teologia nesse
diálogo bastante premente, que no fundo diz respeito a uma profunda preocupação
hermenêutica da condição humana.
64
VILLAS BOAS, Alex. A Teologia Profético-Poética de Antônio Vieira In Atualidade dos Estudos Vieirinos,
op.cit., Mimeografado, 2008.
65
Entre as trinta pesquisas apresentadas e debatidas no supracitado evento que, necessariamente, resvalavam,
pelo menos, sobre a Tradição cristã, Teólogos e a instituição da Igreja Católica, nossa apresentação era a única
que emergia de uma perspectiva teológica.
34
Capítulo I – A Reflexão Antropológica no Encontro Teologia e Literatura
2. A questão do sentido entre Teologia e Literatura
Ao fazer a aproximação pioneira no Brasil entre Teologia e Literatura, pela
antropologia, Manzatto aborda a Revelação a partir do viés da antropologia, o que a faz ser
apresentada como “sentido da vida”
66
, que se identifica com um “sentido mais vivo de
Deus”
67
. A teologia, para Manzatto, tem uma função hermenêutica de refletir sobre o sentido
da vida, em que esta vida é lida sob o signo da experiência de Deus. Contudo, o sentido, para
o autor, diz respeito à questão antropológica. Essa, por sua vez, é contemplada em sua
centralidade fenomenológica da Literatura, em especial da Literatura moderna romanesca. A
Literatura apresenta plasticamente não o sentido da existência, mas o absurdo de uma
existência sem sentido, como reflexão livre sobre esse caos que pede uma descoberta da
ordem do devir e, como tal, convida a Teologia a encontrá-lo numa elaboração crítica e
sapiencial, ambas sob o juízo da verificabilidade da vida acima das idéias pré-formuladas, ou
seja, na concretude da vida humana. E se o que é humano é histórico, e a história está por se
fazer, logo o sentido não é evidente, mas um processo de descoberta e atribuição/apreensão de
sentido dos fatos da vida, de modo que ela deixe de parecer um fundamento absurdo.
O sentido que se esconde nos acontecimentos não é dado por ele, mas apreendido pelo
sujeito e configurado em sua própria história. Assim, o sentido em Manzatto coincide com o
substrato semântico do antropológico, como fundamento da existência humana, como
condição da possibilidade de existência. O que não tem sentido não tem possibilidade de ser
humano e, portanto, tende a ser desumano, absurdo, impossível de se sustentar, como é a
realidade social da América Latina contida na obra de Jorge Amado. A pergunta pelo sentido
surge quando o sentido se vai, lançando o ser humano na angústia da existência e no absurdo
da vida humana
68
. E aqui é que a Literatura e a Teologia têm uma missão específica no
processo de apreensão e construção de sentido, após o desabamento do que até então estava
pré-estabelecido ou nunca esteve. Assim fazem devido às suas respectivas “reservas
simbólicas de sentido”
69
. A Literatura, de per si, se situa na “busca e compreensão do sentido
da vida e do homem”
70
, e assim o faz por trabalhar com o símbolo, portador de um “excesso
de sentido”, que ao aludir ao real faz “apelo à significação”, à “interpretação” da vida, do
66
Cf. FISICHELLA, op.cit., p. 31.
67
DV, 7.
68
O homem se pergunta pelo sentido de ser porque este vai embora” In CRITELLI, Dulce Mara. Analítica de
Sentido Uma aproximação e interpretação do real de orientação fenomenológica 2ª. Ed. São Paulo:
Ed. Brasiliense, 2007, p. 23.
69
MANZATTO, Teologia e Literatura, op.cit., pp. 37; 42.
70
Idem, p. 23; 26.
35
Capítulo I – A Reflexão Antropológica no Encontro Teologia e Literatura
mundo, do humano, buscando apreender o sentido, a “essência das coisas existenciais,
propõe uma “transferência de sentido” por “substituição analógica” com uma “reorganização
do mundo”, que apresenta em termos de metáfora artística
71
, e, portanto, radicalmente estética,
o que permite perceber a vida como mais bela, ou prenhe de valores. Do mesmo modo, e de
modo diferente, a presença de Deus releva o olho que vê, que apreende num determinado fato
a presença de Deus, e isso se chama o olhar da fé, no qual a teologia é uma construção e
atribuição de sentido da afirmação de que diz da presença de Deus. À teologia compete
elucidar o significado da presença de Deus, e se assim está presente, sua condição de
possibilidade infere que seja um acontecimento de salvação, e, portanto, de transformação
significativa a uma coerência ao que é significado [signo de Deus]; do contrário, Deus não
está presente. Destarte, a teologia, que parte da [referencial de sentido] elabora a pergunta
pelo sentido, tendo como referencial o Sentido do sentido
72
. Mas pergunta-se: Todas as
imagens de Deus, ou do Deus apresentado pelo Cristianismo podem conter na sua revelação
esse “excesso de sentido”? Nesse aspecto a Literatura questiona as formas históricas da
Teologia de apresentar Deus.
Nesse contexto, para Barcelos, a questão do sentido abala certezas da Teologia. Tendo
por referência Jorge Luis Borges
73
, com base na teoria do “cristianismo anônimo” de Karl
Rahner, propõe uma “recuperação cristã” das dúvidas, aporias e perplexidades levantadas por
Jorge Luis Borges, criticando uma teologia “satisfeita” em que todas as questões existenciais
possuem correlação, transformando o diálogo em um monólogo, anulando
sistematicamente a alteridade. Barcellos, em sua leitura de Borges, aplica a idéia de Adolf
Gesché, que a antropologia literária como epistemologia da teologia, como instância
reguladora da relevância e pertinência das afirmações teológicas num dado contexto cultural.
Propondo uma desconstrução da imagem desumana de Deus, portanto, sem-sentido. Também
Tenório, em diálogo com a Tradição e Saramago,
74
apresenta uma possibilidade de
reconciliação de Saramago, que é ateu, com Deus, ou, pelos menos, deixa os rastros de um
caminho de diálogo entre a e o ateísmo, como companheiros de compromisso com a vida,
em que Saramago recusa Deus em defesa dos homens. Com isso Tenório ajuda a perceber
como a falta de uma experiência de fé, como experiência de sentido que interpela a
consciência, pode acarretar numa manipulação do signo de Deus. O Deus que Saramago
71
Idem, pp. 20-25.
72
Idem, p. 42.
73
BARCELOS, A terceira margem da ficção, op.cit.
74
TENÓRIO, Waldecy. A paixão religiosa de Saramago: leitura de O Evangelho segundo Jesus Cristo, de Jose
Saramago In ALALITE, 2007.
36
Capítulo I – A Reflexão Antropológica no Encontro Teologia e Literatura
despreza é cruel, ambicioso, cínico e, na mesma medida em que o autor o recusa, aceita Jesus
como paradigma do comportamento humano. Deus fala a Saramago pelo humanismo bíblico
de Jesus. É por seu amor humano que a imagem do amor de Deus vai se tornando menos
ambígua para o ateísmo, em que não somente Deus é um mistério do humano, mas o humano
é um mistério de Deus.
Nessa relação da existência entre Deus e o humano, acrescenta-se o problema do mal,
que Bingemer
75
reflete como mistério e enigma [aquilo que não se entende], do “sem-sentido”,
motivo justamente pelo qual o ser humano sente necessidade de descobrir um sentido para
além do sofrimento da existência. Ou seja: a pergunta pelo mal é também a pergunta pelo
sentido da vida e do mundo. Seguindo Bingemer, Delambre Ramos de Oliveira apresenta com
acento teológico em Grande Sertão: Veredas
76
o mal como momento em que o ser humano
vive uma realidade limite, caos intenso e extenso da vida, momento de salto para a
experiência de sentido, como um poço de perguntas que pede respostas.
Diante do mistério do sem-sentido, Gross, a partir de Lispector,
77
procura implicações
para o pensamento ontológico e a crítica religiosa, em que a experiência de uma mulher de
classe média alta, que se depara com uma barata morta no quarto da empregada, descobre
“um novo modo de ser normal” por um acontecimento que não foi normal. Com a costumeira
linguagem paradoxal de Clarice Lispector, “des-escrevendo” o cotidiano, depara com uma
verdade maior do que se pode entender, encontra-se com Deus no inferno, na ausência total de
sentido, profundo nada, caos primordial, um vazio total. Gross apresenta um revelação pelo
negativo, na qual o nada, o vazio, o caos são fonte de sentido”, uma vez que o sentido é
criado pela incapacidade humana de suportar o nada, resultando em G.H. (abreviatura de
Gênero Humano) a transformação existencial de uma vida fútil pela consciência da
precariedade humana, num processo de autoconhecimento e, conseqüentemente, de
conhecimento do mundo. Yunes segue a dinâmica da experiência teológica, iluminando o
sentido da existência também a partir de Lispector, em que mostra como ocorre uma
“epifania” ou “fulgurações do espírito”, a união com o Todo, fruição do Absoluto, vendo
como “forma não-teórica” de teologia a obra de Clarice Lispector, revelando várias
possibilidades de sentido teológico que se escondem em sua escrita, como a intersubjetividade
75
BINGEMER, Maria Clara. As Escrituras de João: uma leitura teológica de Grande Sertão: Veredas In
ALALITE, 2007.
76
OLIVEIRA, Delambre Ramos de. O mal: a inquietação do poeta e do teólogo. Sobre as trilhas de João
Guimarães Rosa em Grande Sertão: Vereda In ALALITE, 2007.
77
GROSS, Eduardo. A busca do ser e o encontro do nada em A paixão segundo G.H., de Clarice Lispector In
ALALITE, 2007.
37
Capítulo I – A Reflexão Antropológica no Encontro Teologia e Literatura
na descoberta da identidade de um “eu-em-trânsito”, ou o caráter paradoxal que favorece o
mistério quando apresenta o indizível da autora, que “diz não dizendo”
78
.
Dreher apresenta uma interessante relação da visão naturalista de Zola
79
que
transfigura a religião, metamorfoseando-a em um ambiente marginal e marginalizado do
cortiço e no ambiente subterrâneo e ameaçador da mina de carvão, que assume o papel de
personagem central, como um deus, em que o divino é subsumido nas categorias terrestres
dos mortais, pois, uma vez que não desaparecem da narrativa naturalista o terror e a
esperança, não desaparece a religião.
Seguindo o caminho de uma leitura teológica da literatura, Lauand
80
e Perissé
dialogam com o universo artístico em geral e com a literatura em particular, aplicando o
método lúdico-ambital
81
de Alfonso Lopez Quintás, em que, para além da procura da crítica
literária de encontrar o argumento da obra, procura-se o tema, núcleo existencial no qual se
esconde a experiência do escritor, que pode ser encontrado à medida que a revive. O tema
em Lopez Quintás coincide com o sentido profundo
82
. Lauand, apropriando-se da teologia de
Tomás de Aquino, utiliza-se do mirandum, aquilo que “suscita admiração” na natureza
humana, como sinal de portadora do Logos escondido na realidade.
78
YUNES, Eliana. Fulgurações teológicas em Clarice Lispector In ALALITE, 2007.
79
DREHER, Luís Henrique. Naturalismo e religião: o Germinal, de Emile Zola In ALALITE, 2007.
80
Lauand faz uma leitura das obras de arte a partir de categorias tomásicas, como mirandum (o que suscita
admiração e contemplação), e do conhecimento da realidade onde se esconde o Logos. Cf. LAUAND, Jean Luis.
Filosofia, Linguagem, Arte e Educação 20 conferências sobre Tomás de Aquino. São Paulo:
ESDC/Factash Ed./CEMOrOc EDF-FEUSP, 2007, pp. 241-248.
81
Perissé apresenta de modo resumido os passos do método do filósofo de educação espanhol: 1º. Passo: definir
o tema da obra (núcleo de sentido); 2º. Passo: contextualização da obra; 3º. Passo: apontar as experiências
decisivas do relato; 4º. Passo: encontrar as imagens literárias que expressam as experiências fundamentais; e 5º.
Passo: explorar a capacidade expressiva da linguagem empregada nas imagens literárias. Cf. PERISSÉ, Gabriel.
A Teologia Implícita de Carlos Drummond de Andrade In Filosofia, Ética e Literatura Uma proposta
pedagógica. Barueri/SP: Manole, 2004, pp. 105-127; Ibidem, Uma Análise de “LARANJA MECÂNICA”
segundo o Método Lúdico-Ambital In Cadernos Interdisciplinares Luso-Brasileiros. São Paulo: ESDC, n. 1
jul/dez 2006, pp.85-126.
82
“Todo lo que signifique un mundo lleno de sentido puede ser assumido como tema literário” in LOPEZ
QUINTÁS, Alfonso. Como formarse em Ética através de la Literatura Analisis Estetico de Obras
Literarias. 2ª. Edición. RIALP: Madrid, 1994, p. 52.
38
Capítulo I – A Reflexão Antropológica no Encontro Teologia e Literatura
3. Por uma Poética de Sentido
A literatura, como pode-se notar acima nas pesquisas empreendidas, permite que a
questão do sentido seja abordada em todo o seu drama existencial, da necessidade de
encontrar uma razão mais profunda para viver em meio ao caos e sua primeira impressão
humana dele, a angústia. Essa é a experiência diante da facticidade que provoca a perda do
sentido da realidade até então vivida, esvaindo-se o sentido de ser da existência que havia.
Há uma percepção da insuficiência da significação que fora dada às coisas, às pessoas,
às relações, às idéias, às crenças, lançando o ser humano diante da liberdade de procurar um
novo modo de ser, que o identifique particularmente com o entorno, para que seja seu, e não
um mundo inóspito no qual não se encontra, porém sem nenhuma garantia de que suas
tentativas lhe trarão a desejada ordem e segurança da existência.
A angústia, portanto, é a angústia diante do nada, do aqui e agora, da “graça” e da
“terrível” experiência da liberdade em que pesa sobre o “eu” e a responsabilidade da
continuidade de sua existência. O ser humano se pergunta pelo sentido da vida porque este
se vai. A cada experiência de caos, emerge no mais íntimo da existência a pergunta pelo
sentido que não abandona a condição humana, como processo impulsionador do vir-a-ser
constitutivo da vida.
A pergunta pelo sentido que a vida lhe faz, é que permite ao ser humano “ser”
propriamente “humano”, ou seja, escolher o seu “modo de ser” humano, abrindo-se para ele a
possibilidade de conhecimento ou de maior conhecimento das coisas, que mudam, porque
mudam-se os modos de lidar com elas, e, conseqüentemente as idéias que se tem sobre elas.
Logo, as coisas não são ou não coincidem com as idéias que delas se faz, mas são, sim, aquilo
que se atribui a partir do que delas se descobre.
Aquilo que se sabe, portanto, é “assim” até que se sustente uma significação suficiente
para responder os anseios que a existência comporta. Mudando-se as condições do modo de
ser, mudar-se-ão necessariamente as relações significativas e significantes com o entorno, sob
a tônica da perda de sentido desse modo de ser, que apela para o pensar um novo sentido,
servindo de guia no devir da responsabilidade de construir um [novo] mundo habitável e
hospitaleiro para a existência.
A história da liberdade humana é a história da permanente busca de resposta ao
sentido que se lhe escapa de suas idéias e construções, no desdobramento do pensar como
39
Capítulo I – A Reflexão Antropológica no Encontro Teologia e Literatura
pensamento de sentido. A pergunta pelo sentido, portanto, não é uma pergunta que o ser
humano se faz, mas sim que a vida o faz, como sinal de que as coisas mudaram, e/ou precisam
mudar. Ao humano compete a resposta diante dessa dinâmica existencial de ordem/desordem,
conhecimento/desconhecimento, caos/cosmos vivenciados nas experiências limites na
angústia de sua existência. O presente trabalho pretende seguir a rota de Oliva, ou seja, o tema
na literatura será abordada por meio da poética como grande tarefa de re-significar o absurdo
da existência
83.
Entretanto, aqui se propõe uma poética de sentido como interlocutora do labor
teológico. A idéia vem em continuidade com a poética existencial proposta por Heidegger na
última fase de seu pensamento, que acredita ser a “poesia” e não o conceito” capaz de
“fundar” o ser em sua análise existencial [Daseinanalyze]
84
, pois o logos da literatura, tal
como da existência contida nela, não se satisfaz com uma resposta da ratio, mas pede que o
logos ilumine o pathos humano, e mais, que também se deixe ser iluminado por este último. E
a poesia, por excelência, manifesta o pathos, seja em sua alegria e esperança, seja em seu
sofrimento e angústia; portanto, uma poética existencial distancia-se da interpretação
lingüística para uma forma de análise existencial aplicando a fenomenologia
85
na poesia de
83
A autora apresenta a poética de Adélia Prado na grande tarefa existencial de morrer como discurso da alegria,
por ser discurso profético que re-significa o absurdo da existência, numa recusa à dor; por ser a poesia poeira
sagrada que fica nas coisas, e, portanto, portadora de Beleza, que alimenta o mundo e protege da dor, sendo
assim serva da esperança, que persegue os rastros de Deus, deixados por onde passou. Cf. OLIVA, Cleide. O
discurso da alegria na poética de Adélia Prado In ALALITE, 2007.
84
Para Martin Heidegger a questão fundamental da filosofia é o “ser”. Contudo, este é o conceito “mais
universal” [kaqo,lou citando Aristóteles] que pode existir, de modo que o filósofo alemão irá se dedicar a uma
particularidade do ser, ao “ser” humano que tem como modo próprio de ser a existência, ou seja: seu modo se
estar “pres-ente”, de “ai-ser/estar” [Da-sein]. No entanto, não procura repetir a quididatividade da filosofia
clássica [O que é o ser?], mas “ao próprio ser com o qual a presença [Dasein] pode se comportar dessa ou
daquela maneira [modo] e com a qual ela sempre se comporta de alguma maneira”. Logo, como o ser pode ser
de qualquer “modo” [verhalten], a análise existencial pergunta pelo sentido do [modo de] ser como questão
fundamental [Fundamentalfrage], ou seja, que “funda” o ser, que o provoca no seu vir-a-ser, o seu “projetar-se”
no mundo. cf. HEIDEGGER, Martin. Sein und Zeit. Tübingen: Max Niemeyer Verlag, 1967, pp. 2-8.
85
A “fenomenologia” foi criada por Edmund Husserl (1859-1938), lógico e matemático, na tentativa de
superação de uma tendência psicologista e historicista influenciada pelo positivismo. Procura pelo “permanente”
no humano através de um “método da crítica do conhecimento universal das essências”, “ciência da essência do
conhecimento” e, portanto, passa de uma fenomenologia empírica para uma fenomenologia transcendental. Seu
método influenciou a filosofia e a psicologia existencial e pensadores como Karl Theodor Jaspers (1883-1969),
Martin Heidegger (1889-1976), Edith Stein (1891-1942), Gabriel Marcel (1889-1973), Jean Paul Sartre
(1905-1980), Hannah Arendt (1906-1975), Maurice Merleau-Ponty (1908-1961), Viktor Frankl (1905-1997) e
outros. cf. HUSSERL, Edmund. Logique formelle et logique transcendantale : essay d'une critique de la
raison logique. Paris: Presses universitaires de France, 1957, 447 p; _________. Idéia da fenomenologia. Lisboa
: Edições 70, 1990, 133 p; GALEFFI, Dante Augusto. O que é isto? A fenomenologia de Husserl? Ideação.
Feira de Santana, n. 5, jan./jun. 2000, pp. 13-36. Para Heidegger, que foi seu aluno e dedica seu livro Seit und
Zein à Husserl, a fenomenologia é procura do sentido do ser, isto é, uma ontologia fundamental que intenta
responder à questão fundamental sobre o ser, revelando sua estrutura fundamental, como uma hermenêutica
aplicada à existência. Ela diz respeito “às coisas em si mesmas” [zu den Sachen selbst]. Explorando a etimologia
do termo “fenomenologia”, o pensador alemão utiliza faino,menon como “aquilo que traz para a luz do dia, pôr
no claro” [an den Tag bringen, in die Helle stellen] e para lo,goj resgata seu substrato semântico mais profundo,
avpofai,nesqai sinônimo de , aquilo que “deixa e faz ver” [läßt etwas sehen] sobre o que discorre, em que se dá o
discurso autêntico quando retira “o que” [was] diz daquilo “sobre o que” [aus dem] discorre. Devido à sua
função de revelação, tem o caráter de articulação, como rearranjo dos elementos dentro de uma forma estrutural
40
Capítulo I – A Reflexão Antropológica no Encontro Teologia e Literatura
Hölderlin
86
, pois para ambos a existência tem um traço poético. O poeta, na leitura
heideggeriana de Hölderlin, é aquele que funda o ser com sua palavra,
87
na e pela palavra
88
, o
que significa, por um lado, projetar o ser adiante, em sua essência, o que ainda não é, e por
outro, torna-se o memorial do que foi antecipado, uma recordação dessa abertura da essência
do ser
89
, em que a memória passa a ser a fonte de toda poesia
90
como marco que não permite
ao poeta desviar de seu caminho de projetar-se. A poesia não é mera informação estética, mas
é performática na vida do poeta, proveniente não de uma “produção”, mas sim de um
“acontecimento” ao qual ele é convidado a reagir ao que lhe é destinado,
91
em que o ser surge
instaurado por uma decisão
92
diante de seu destino. E essa decisão emerge de uma escuta do
ser, em que o poeta tem o poder de captar por se colocar na fenda da abertura do ser. Seu
sofrimento é conseqüência de sua sensibilidade atenta, e, ao mesmo tempo, a escuta é que
permite suportar o sofrimento. Aliás, é da qualidade da escuta que emerge a qualidade da
de suvnqesij, ou seja, deixa e faz ver algo como algo, numa “re-união” [Beisammen] com outro, na medida em
que se articula em conjunto. Assim é que assume a sua função de “des-cobrir” [avlhqeu,ein] o ente sobre o que
discorre na suvnqesij do que é dito, ao contrário do discurso falso que “en-cobre” [yeu,desqai], no qual a
percepção do que é “verdadeiro”, o “des-coberto” [avlh,qeia] pode ser captada pela noei/n [consciência] e não
pela ai;sqhsij [sentidos], e por isso mesmo nunca poderá ser falsa, “en-cobrir”, pois a consciência não pode
enganar a si mesma. Contudo, não se isenta de sofrer uma “não-percepção”, uma insuficiência para o acesso do
que se “faz e deixa ver” do discurso. Fenomenologia, então, seria “deixar e fazer ver por si mesmo aquilo que se
mostra, tal como se mostra a partir de si mesmo”. O lo,goj pode se estabelecer a partir da própria coisa em
seu modo próprio de ser, a saber na existência humana, em seu claro escuro de “des-cobrir/en-cobrir” o sentido
do ser. Cf. HEIDEGGER, Sein und Zeit, op.cit., pp. 27-39.
86
Heidegger está num momento em que analisa o ser e a linguagem, no qual esta é “casa do ser” (Über den
Humanismus) e pelo “discurso apofântico” [lo,goj] é que ocorre a essencialização [o que leva uma coisa a ser
coisa] do ser num pro-jectum através como uma hermenêutica existenciais que supere os hiatos do “éthos”
humano através de “união de reunião” [Sammlug] própria do poder “sin-t-ético” do lo,goj, que ex-põe o ser
numa “clareira”, o chama [ex] para a luz provocando uma “abertura” [Erschlossenheit] que permite penetrar no
ser. No diálogo com Hölderlin, a linguagem é vista como “poesia”, em sentido essencial como fundadora do
ser, possibilidade da existência humana, operando o mais alto sentido do lo,goj. Se Heidegger a linguagem
como a “casa do ser”, descobrirá, na poesia de Hölderlin, que “poeticamente/ Habita o homem sobre esta terra”.
A existência é uma poie,sij, uma tarefa de criação e criatividade humana, que a poesia capta num “âmbito”
literário.,Nela o ser nasce para nela se encontrar e vir-a-ser. A vida se retira à poesia para voltar à vida com mais
vida, ou seja, mais sentido de viver, uma plenitude da existência. Heidegger enxerga em Hölderlin um
rompimento com a tradição da estética humanística, que não se orienta pela ai;sqhsij [sentidos], incorrendo no
risco de um subjetivismo, mas poetiza para a noei/n [consciência], daí uma “ontologia poética-fundamental”. Cf.
HEIDEGGER, Martin. Cartas sobre o Humanismo. São Paulo: Ed. Moraes, 1991; ____________. Einführung
in die Metaphysik. Tübingen: M. Niemeyer, 1958, p. 98; ____________. Der Ursprung des Kunstwerkes In
Holzwege - herausgegeben von Friedrich-Wilhelm von Herrmann. Frankfurt am Main: Verlag Klostermann,
1994, p. 61; ____________. Hinos de Hölderlin. Lisboa: Instituto Piaget,2004. VATTIMO, Gianni. Heidegger
y la poesía como ocaso del lenguaje. Más allá del sujeto. Nietzsche, Heidegger y la hermenéutica, Paidós,
Barcelona, 1992. GADAMER, Hans Georg. Los caminos de Heidegger. Barcelona: Herder, 2002.
87
NUNES, Benedito. Passagem para o Poético Filosofia e Poesia em Heidegger. São Paulo: Ed. Ática,
1986, p. 274.
88
WERLE, Marco Aurélio. Poesia e Pensamento em Hölderlin e Heidegger. São Paulo: Editora UNESP,
2004, pp. 77-86.
89
HEIDEGGER, Hinos de Hölderlin, op.cit., pp. 17-78. A respeito do poema “Germânia” de Hölderlin.
90
NUNES, Ibidem, op.cit., p. 282; HEIDEGGER, Vorträge und Aufsätze. Pfullingen: Neske, 1959, p. 11.
91
WERLE, Ibidem, p. 78.
92
Idem, p. 78; Heidegger, Hinos de Hölderlin, Ibidem.
41
Capítulo I – A Reflexão Antropológica no Encontro Teologia e Literatura
palavra
93
, como testemunha da decisão, pois na verdade é a escuta que poetiza
94
. Aqui entra
um divisor de águas que pede uma outra escolha metodológica para o presente trabalho. A
poesia de Hölderlin, eleita inicialmente e exemplarmente por Heidegger
95
para sua
hermenêutica existencial, diz respeito ao sagrado como sentido primordial, no qual o poeta a
ele está aberto, inserido “entre” o céu e a terra, deuses e homens, o que o torna intérprete do
sagrado
96
. O sagrado enquanto mistério da existência se encontra “oculto” como uma
“imediação” [Unmitellbare]
97
, mas que em sua natureza quadripartite [envolve céu e terra,
mortais e imortais], constitui a unidade originária de um povo como expressão da unidade na
diferença
98
,e, portanto, é através da descoberta do sagrado, sob a forma de diálogo
99
com o
sentido primordial, que um povo continua a realizar sua missão na história, pois para
Hölderlin o primeiro filho da beleza divina é a arte, e o segundo filho da beleza é a religião,
que é amor à beleza, e sem estas duas, que os atenienses legaram ao Ocidente pela mitologia,
“qualquer estado é um esqueleto ressequido, sem vida nem espírito”
100
.
A temática da poesia de Hölderlin, então, segundo Heidegger, é que os velhos deuses
helênicos morreram com a modernidade e deuses novos querem levantar-se, e nesse advento a
Germânia tem uma missão especial em tal momento da história, em que a poesia ocupa esse
papel de se colocar “entre” o histórico e o a-temporal da existência humana, numa luta para
resgatar o povo da trivialidade cotidiana da linguagem, para a construção poética de sua
morada. É captando o “aceno” dos deuses que se vão, que capta o que lhes é essencial, e o que
fica deles, o sagrado” que institui o Ser, pelos poetas
101.
Contudo, ainda que um dos maiores
comentadores da poesia drummondiana se utilize de categorias heideggerianas para apresentar
o “projeto”
102
da poética de Drummond, eleita para a pesquisa deste trabalho de uma poética
93
WERLE, p. 81.
94
HEIDEGGER, Idem.
95
Heidegger também aplicou sua análise existencial em outros autores, mas em Hölderlin está todo o modelo de
seu método, pois este é considerado por ele como o poeta dos poetas. cf. HEIDEGGER, Ibidem, p. 13.
96
NUNES, Ibidem, p. 270; HEIDEGGER, Martin. Erläuterungen zu Hölderlins Dichtung. Frankfurt am Main:
B. Klostermann, 1951, p. 273.
97
HEIDEGGER, Idem, p. 72.
98
NUNES, Ibidem, p. 271.
99
HEIDEGGER, Hinos de Hölderlin, p. 72.
100
HÖLDERLIN apud HEIDEGGER, Hinos de Hölderlin , p. 29.
101
Idem, pp. 39-40.
102
“Os aspectos metafísicos da poesia de Drummond nos conduzem ao tópico poesia e filosofia. Não compete ao
poeta formular nenhum sistema original de pensamento, isso não impede que as filosofias da época informem
uma ideologia que se encontra no substrato da obra poética. Dante tinha atrás de si um sistema filosófico
coerente e belo (São Tomas de Aquino) enquanto Shakespeare era secundado por pensadores inferiores ao seu
talento (Sêneca, Montaigne, Maquiavel). Como na poesia, também na dialética, o logos se movimenta entre suas
antíteses, para afirmarem numa síntese vital e restauradora [...] No substrato do pensamento poético-metafísico
de Drummond, podem-se assinalar alguns traços de um pensamento existencialista, sem que com isto se diga que
o poeta pertença a esta ou aquela corrente filosófica. No entanto, se, por um lado é possível indicar influência de
uma filosofia de época em seus versos, pode-se dizer também que o existencialismo é um acercamento poético
42
Capítulo I – A Reflexão Antropológica no Encontro Teologia e Literatura
existencial, ou seja, de um pensar poeticamente o sentido da vida, o “sagrado” enquanto
forma de se reportar a Deus como o ser por excelência não está presente. Seria muito tentador
utilizarmos a poética existencial nos moldes como Heidegger a extrai da poesia de Hölderlin,
reintroduzindo o logos como o Verbum encarnado da teologia cristã
103
, em que tudo é feito por
meio dele e para ele. Entretanto, por mais que Deus, o cristianismo, a Igreja sejam sempre
abordados em sua poesia, não na poética drummondiana uma relação da existência com o
sagrado ou Ser Absoluto; pelo contrário, uma razão de recusa do sagrado
104
, e tampouco
está presente a idéia de um sentido primordial como substrato semântico desse sagrado. Para
Drummond o sentido da vida é uma tarefa radicalmente humana, uma luta com os conflitos da
condição humana, em que as únicas armas são a liberdade e a responsabilidade humana, e o
campo desta batalha é o cor inquietum do poeta, em que o logos drummondiano é uma busca,
uma tarefa radicalmente humana, que se envolta entre a confusão e a lucidez do pathos
humano nas escolhas de como suportar/fugir em meio à existência e seu potencial de
absurdidade do nada.
Portanto, por uma questão de honestidade com o pensamento do autor, parte-se, aqui,
de uma interpretação fenomenológica
105
da poesia de Drummond, a fim de que ela fale por si
só, para um diálogo com uma analítica de sentido que privilegia a escuta do pathos
106
as fontes do Ser. E nessa obra a linguagem seria o instrumento pelo qual o Ser desvelaria sua consciência,
abrindo-se para a realidade interior e exterior. Drummond, com efeito, diz: “Pois a linguagem planta suas
árvores no homem e quer vê cobertas/ de folhas de signos, de obscuros sentimentos e avenidas desertas”. Como
colocou Heidegger, a linguagem é o logos que colige, reúne, agrupa. Logos, discurso poético, é uma “reunião re-
velante”, a “reunião originária”. Ora, a poesia de Drummond é toda construída nesse sentido. está Orfeu
reunindo os fragmentos do tempo para instaurar-se além do próprio tempo. O poeta reunindo-se pelo canto. E
não deixa de ser significativo que uma recente coletânea de sua obra tenha aparecido sob o nome de “Reunião”.
Cf. SANT'ANNA, Affonso Romano. DRUMMOND: Gauche no Tempo. Lia, Editor: Rio de Janeiro, 1972, p.
216. Um outro trabalho faz correlações do pensamento do poeta com aspectos filosóficos de outros autores,
como Schopenhauer, Niezstche. cf. ROMAO. Douglas Bernardes. Aspectos filosóficos do pessimismo na
poética de Drummond. Dissertação. UMG - FAFICH. 2004.
103
NUNES, Ibidem, p. 288.
104
BISCHOF, Betina. Razão da Recusa Um estudo da poesia de Carlos Drummond de Andrade. São
Paulo: Nankin Editorial, 2005.
105
Segundo Heidegger sobre a “compreensão e interpretação” do fenômeno: Das Dasein entwirft als Verstehen
sein Sein auf Möglichkeiten”. Trad.: “O ser presente, na compreensão, projeta seu ser para possibilidades” cf.
Sein und Zeit, p. 148. A interpretação é uma elaboração das possibilidades de se compreender, em que o “ser”
se insere no conjunto de compreensão do todo. Assim, a interpretação nunca é “isenta” de pressuposições, mas é
sim chamada a re-elaborar as possibilidades hermenêuticas de quem infere a interpretação dentro do círculo
possível do fenômeno que se compreende numa estrutura de sentido, como estrutura de círculo ontológico da
qual a hermenêutica não pode sair. Assim, dois aspectos devem ser levados em consideração na interpretação do
fenômeno: ela nunca é isenta do universo de quem interpreta, bem como deve respeitar o universo de
possibilidades que o seu círculo ontológico comporta. Cf. HEIDEGGER, Sein und Zeit, pp. 132-155.
106
Critelli apresenta uma analítica de sentido que tenta reunir as principais regras metodológicas dos autores
mais consagrados, de Edmundo Husserl à Paul Ricouer, em que o processo de descoberta do sentido e sua
realização, próprio da fenomenologia, teria os seguintes momentos: 1) Desvelamento: o sentido de todas as
coisas se encontra na condição de velamento, aguardando que se lance luz sobre elas. Nesse estado as coisas
estão no reino do nada ; 2) Revelação: momento de des-velamento das coisas, quando elas ganham “nome”, isto
é, passam a ser conhecidas, sendo integradas no universo de quem “des-cobre” onde a palavra nomeada é
43
Capítulo I – A Reflexão Antropológica no Encontro Teologia e Literatura
drummondiano, na procura do sentido como “humano do humano”, temática recorrente no
autor, que permitiu julgar mais adequado o instrumental frankliano
107
para a percepção de um
pensar poético de sentido, como pensar que faz [poiésis] o humano. O resultado dessa
aproximação fenomenológica e como a “questão Deus” nela esta presente, será a pauta de
interlocução com a teologia.
significativa, contém o sentido percebido do modo de ser que a palavra, enquanto “discurso apofântico” [lo,goj]
revelou ; 3) Testemunho: o des-velado e “expresso” (revelado) na condição da existência, exige que seja
consolidado por outrem, um co-elaborador, a fim de que o des-velado ganhe credibilidade, de modo que a
existência se des-oculta na condição de co-existência, como condição de possibilidade de existir. Pelo outro é
que o indivíduo se reconhece, num feixe de possíveis modos de ser, um advento; 4) Veracização: é uma
atribuição de verdade às coisas, um estabelecimento do que é relevante para a coexistência, um senso do que é
“comum” como verdadeiro a todos, um consenso, não um critério determinantemente conceitual das coisas e do
modo de ser, mas existencial, ou seja: o que é relevante o é para a coexistência, logo o consenso se estabelece no
âmbito da relevância publica, e ele é que aponta o que é realidade. A realidade [veracidade] das coisas nunca o é
por si mesma, mas é consensual; 5) Autenticação: por mais que a realidade seja emergida do consensual da
coexistência, ela não tem o poder anular a existência individual que ponha a “realidade” consensual no crivo da
consistência da experiência individual, de como a realidade é sentida como significativa [portadora de sentido]
ou não, em seu “estado de ânimo” [Stimmung de Stimmen, voto, uma disposição indicativa, daí as opções de
“humor” ou “estado de humor” como indicativo do ser. cf. Seit und Zeit, p. 134] como indicativo daquilo que
afeta, que toca a existência, pois o modo de ser do humano no mundo é sempre de forma “emocionada”,
revelando como as coisas, os outros, as situações da vida afetam a existência e conseqüentemente revelando a si
mesmo neste mundo. Daí o sentido se dar numa “união de reunião” [suvnqesij] em que a realidade nunca está
fora do indivíduo, mesmo dentro de uma forma de alienação, que é, antes, nada mais que uma forma de se
relacionar com a realidade [cf. CASTORIADIS, Cornelius. A Instituição Imaginária da Sociedade. 5ª. Ed. São
Paulo: Paz e Terra, 2000, p.180]. Nesse estar sendo afetado revelador de si em relação ao mundo, nesse pathos,
abre-se a liberdade de “escolha” face ao des-velamento de como as coisas são (ameaçadoras ou protetoras,
nocivas ou benéficas, admiráveis ou repugnantes...). cf. CRITELLI, Ibidem, op.cit., pp. 71-114.
107
A análise existencial de Viktor Frankl tem influência da fenomenologia heideggeriana, em que o logos
frankliniano tem a mesma dinâmica do logos heideggeriano que ilumina/direciona a consciência. Contudo, na
antropologia frankliniana uma re-semantização do logos como “humano do humano”, que se descobre ao
“realizar” [processo de desvelar, revelar, testemunhar, veracizar e autenticar] valores, no qual estes atuam como
os luminares da existência, tendo como critério norteador das escolhas ad personam e ad situationem, tendo o
humano como realidade “trans-subjetiva”, superando a dicotomia inverídica da relação subjetividade-
objetividade como um sentimento do que é mais humano na coexistência. Cf. FRANKL, Viktor Emil.
Fundamentos y aplicaciones de la Logoterapia. Buenos Aires: San Pablo, 2007, p. 23; __________.
Psicoterapia e Sentido da Vida. São Paulo: Quadrante, 2003, p. 159; __________. Fundamentos y
aplicaciones de la Logoterapia. Buenos Aires: San Pablo, 2007, pp. 54-81.
44
Capítulo II – A Trajetória Poética de Drummond
A TRAJETÓRIA POÉTICA DE DRUMMOND
Capítulo II – A Trajetória Poética de Drummond
CAPÍTULO II
A TRAJETÓRIA POÉTICA DE DRUMMOND
Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida
(Jo 14,6)
No meio do caminho tinha uma pedra
Carlos Drummond de Andrade
A idéia de trajetória
108
como hipótese de trabalho para o desenvolvimento de uma
fenomenologia da poesia de Carlos Drummond de Andrade não parece propícia, mas é
também uma temática presente no autor. Sua poesia, que desperta para o mundo o autor
modernista, inicia com uma pedra no meio do “caminho”. Em sua fase mais metafísica,
encontra-se igualmente “caminhando”
109
porque “o sentido das coisas mora longe”
110
. A
trajetória implica a idéia de um caminho percorrido ou a percorrer. Em geometria analítica
pode ser entendido como lugar geométrico ocupado por um móvel. Na ciência balística, a
trajetória é o resultado da observação do fenômeno de um ente em movimento, desde seu
ponto de origem até o ponto em que atingiu ou cessou seu movimento. Num primeiro
momento, portanto, o capítulo se desenvolverá tentando traçar a “trajetória” drummondiana
de sua vida e poesia, para num segundo momento ter uma aproximação fenomenológica, a
fim de extrair uma possível antropologia contida em sua obra.
1. O sentido da vida na poesia de Drummond
O que aqui se diz “sentido da vida” é auferido pela fenomenologia da poética
drummondiana. Como ela se a conhecer por suas temáticas e nuances, bem como sua
forma de apresentação e sua relação biográfica intrínseca. Esta é que permite encontrar a
época própria e sua cultura como lugar da produção de sentido, como amálgama dos
elementos existenciais, com os valores de seu tempo, obras, espírito epocal, situações,
108
A hipótese de trabalhar a categoria da trajetória se fundamenta em comentadores de Drummond que admitem
um desenvolvimento de sua poesia, em pelo menos 3 fases, que tracejam a linha evolutiva do drama existencial
do poeta: 1) irônica; 2) social e 3) metafísica. Essa proposta foi lançada primeiramente por Romano Sant'anna:
“Toda poética de Drummond se num ‘jogo de correlação’ onde o tempo é a categoria que coordena os
tópicos principas de sua obra, e não um amontoado de temas e assuntos desconexos” In SANT'ANNA, Affonso
Romano. Gauche no tempo. op.cit., p. 16; cf. ainda ACHCAR, Francisco. A Rosa do Povo & Claro Enigma -
Roteiro de Leitura. São Paulo: Ed. Atica, 1993; WALTY, Ivete Lara Camargos & CURY, Maria Zilda Ferreira.
Drummond - poesia e experiencia. Belo Horizonte: Autentica Editora, 2002.
109
Máquina do Mundo, CE.
110
Tambor no Escuro, BT.
46
Capítulo II – A Trajetória Poética de Drummond
doutrinas, instituições... Conforme e na forma em que afetam alguém, e na medida em que
“des-cobre” as coisas de seu velamento na imersão da co-existência, identificando o que há de
comum com esta, bem como dialeticamente elege o que lhe é particularmente sentido como
significativo e valoroso numa “totalidade significante”
111
, na qual sua vida se orienta daquilo
que ainda “não é” para o que “pode ser” enquanto projeto de um modo próprio de vida
humana.
A relação da arte com a existência consiste em que o ser humano é afetado por ela,
que ao entrar em contato com uma obra acontece uma “reunião” entre artista, arte e realidade,
gerando um encantamento diante das possibilidades de ser mais humano, a saber, realizar o
modo próprio de ser humano. Nesta relação o artista cria, não porque tem algo a dizer, mas,
antes, porque escuta alguma coisa que lhe fala
112
[“penetra surdamente no reino das
palavras”]
113
e em seu potencial simbólico se reagrupa, re-significando novas sínteses dentro
de uma atitude de consciência diante da realidade que o afeta
114
.
A poesia, nesta perspectiva fenomenológica, é tida como pesquisa e conhecimento da
realidade, que capta o sentimento do mundo através do pathos, aqui entendido como a
capacidade humana de ser afetado pela realidade, revelando naquilo que afeta algo de si. A
partir dessa(s) apreensão(ões) o ser humano se posiciona diante desse mundo dentro de seu
quadro interpretativo, a saber, sua cultura. Em Drummond é possível perceber claramente esse
reagrupamento significativo da vida
115
, bem como as apreensões que retira dela e de seu
tempo, numa dialética entre a trajetória [caminho] e seus obstáculos [pedra], extraindo desse
entrave exatamente a mediação
116
para prosseguir o devir do ser, enquanto tentativa de habitar
poeticamente um mundo hostil e inumano. Lamaison, comentando a poética drummondiana e
sobre a terminologia heideggeriana presente nela, substitui Rilke por Drummond ao citar um
texto de Heidegger
117
como um poeta em “tempos de angústia hölderliniana”, que predizem a
chegada da noite no mundo e que caminha rumo ao “clarão do ser”, deixando seus rastros na
111
EAGLETON, Terry. The Meaning of Life. London: Oxford University Press, 2007, p. 136s.
112
POMPEIA, João Augusto; SAPIENZA, Bilê Tatit. Na presença do Sentido Uma aproximação
fenomenológica a questões existenciais básicas. São Paulo: Paulus/EDUC, 2004, p. 22.
113
Procura da Poesia, RP.
114
RAMOS, Maria Luiza. Fenomenologia da Obra Literária. Rio de Janeiro: Ed. Forense-Universitária, 1969,
p. 12.
115
SANT’ANNA, Ibidem, p. 216.
116
Para Bischof o “obstáculo” é um elemento fundamental da poética drummondiana que percorre toda a sua
obra. Cf. BISCHOF, Ibidem, op.cit., p. 11ss; p. 15ss; 49ss.
117
HEIDEGGER, Martin. Chemins qui mènent nulle part. Paris: Gallimard, coll. Idées,1962, p. 326-327.
47
Capítulo II – A Trajetória Poética de Drummond
poesia
118
. Drummond perceberia muito cedo que havia algo de “torto” nesse mundo
119
, algo
desajustado entre a ordem das coisas e o indivíduo de seu tempo. Uma contradição inquietante
de que a literatura seria o instrumental eleito por ele mesmo para não deixar de prosseguir sua
existência em sua autonomia. A poética drummondiana é acentuadamente marcada pelo
binômio poesia e biografia
120
, e invoca a problemática consciente de que a poesia é sua vida
mais “autêntica”
121
.
118
[Drummond ao invés de Rilke originalmente citato por Heidegger] é um poeta em tempos de angústia? Qual
é a relação do seu dizer poético com a indigência da época? Até que ponto do abismo ele desce? Aonde chega,
uma vez que vai tão longe quanto lhe é possível ir?” cf. LAMAISON, Didier Introduction In ANDRADE,
Carlos Drummond de. Poésie. Paris: Gallimard, 1990, p. 12-13.
119
Poema de Sete Faces, AP.
120
Disse CDA: “Minha vida não tem interesse algum e o que nela pode haver de importante ja contei” In
SARAIVA, Arnaldo Uma Pedra no Meio do Caminho - Biografia de um Poema. Seleção e Montagem:
Carlos Drummond de Andrade. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1967, p. 10.
121
SANT’ANNA, ibidem, p. 28.
48
Capítulo II – A Trajetória Poética de Drummond
2. O nascimento de um poeta
2.1. Início da trajetória biográfica de Drummond (1902-1930)
Filho de Julieta Augusta Drummond de Andrade e Carlos de Paula Andrade, um
fazendeiro e vereador em Itabira do Mato Dentro, como era chamado o pequeno distrito a
duas horas no sentido noroeste da capital do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, recém
fundada em 12 de Dezembro de 1897 nasce Carlito aos 31 de outubro de 1902. Assim era
chamado na família o nono filho do casal, contemporâneo de um novo tempo também
nascente, o século XX. O poeta itabirano nasce junto com a modernidade mineira. A
transferência da antiga capital Ouro Preto para a então “neocapital”, desmembrada de um
arraial do município de Sabará, é sintoma do fim do ciclo do ouro, que teve seu apogeu no
século XVII, inaugurando o ciclo do ferro, um novo e promissor horizonte para o Estado até
então conhecido pelo ouro. O novo ciclo econômico mundial exigia uma capital com
capacidade de expansão e condições logísticas para a extração do minério do Quadrilátero
Ferrífero, uma reserva de aproximadamente 15 bilhões de toneladas de minério de ferro
122
.
Belo Horizonte foi a primeira cidade moderna brasileira planejada, com a qual Drummond,
em sua adolescência, teria seu primeiro contato ao iniciar o primário, em 1910. O poeta
itabirano nasce junto com a capital mineira, ou seja, na transição de uma época.
Mesmo muito cedo, o pequeno Drummond sempre teve um olhar perspicaz de seu
entorno. Em 1910, quando tinha ainda 7 anos, houve a passagem do cometa Halley, causando
na população o desconforto de que seria o fim do mundo. Contaria o poeta mais tarde que
se lembra de ter sido acordado de madrugada, e sem nem mesmo se vestir, o levaram para a
rua desesperadamente, como se fosse iminente o perigo. Ao ver aquela luminescência no céu
com a passagem do cometa, “sem deixar a confiança de exterminarmos”, diria o poeta, foi
tomado de uma sensação de contradição a respeito do mundo, que ficaria para sempre. Esse
mundo tinha muito de alucinação e era um pouco fora dos eixos
123
.
Sua amiga Ninita Castilho, com quem trocava revistas, comenta que Drummond,
desde sua infância, padecia de um vício impune” de leitura, e que aos 10 anos infernizou o
“Coronel” [seu pai] para que lhe comprasse a “Biblioteca Internacional de Obras Célebres”,
de 24 volumes, compilação da cultura humana organizada pela Sociedade Internacional
124
.
122
BARRETO, Abilio. BELO HORIZONTE Memória Histórica e Descriptiva. Belo Horizonte: Editora e
Livraria Rex, 1936.
123
CANÇADO, Jose Maria. Os Sapatos de Orfeu – Biografia de Carlos Drummond de Andrade. São Paulo:
Scritta Editorial, 1993, p. 34.
124
Idem.
49
Capítulo II – A Trajetória Poética de Drummond
Outra influência na vida de Carlito é a casa de Alfredo Duval, um pedreiro vizinho, com
habilidades de construtor. Duval era um sujeito politizado que alimentava largas utopias
políticas, e que, apesar de anticlerical, era também amigo do Padre Olympio
125
. Certa vez,
chamara a atenção de Drummond a construção de um “Senhor Morto” por Duval. O pedreiro
amigo do padre, quando soube de um incidente com a imagem que havia na Igreja e que
impediria a procissão, fez o santo com molas e artifícios mecânicos, que balançava a cabeça e
os braços conforme o ritmo do povo. A estátua do “Senhor Morto” impressionara Carlito, que
passaria a freqüentar diariamente a casa de Duval, onde conheceria também os fascículos de
Alexandre Dumas e as histórias de Nick Carter, um detetive novaiorquino, que tomava
emprestado de Duval. Na casa de Duval, Carlito descobrira uma outra forma de vida, que se
orientava por outro paradigma, outras leis, outros interesses, diferente do mundo do qual ele
vinha: o mundo dos pobres, marcado por uma obscura coragem em enfrentar as necessidades
da vida
126
.
Esse contato com os dois mundos, o da fazenda e o dos pobres, estaria sempre como
as lentes de um par de óculos por meio dos quais sempre enxergaria a contradição humana.
Por ocasião de sua participação no Grêmio Gramático e Literário de Itabira, aos 13 anos o
que obrigou uma alteração de seu estatuto, por influência de seu pai, uma vez que exigia a
idade mínima de 18 tem a impressão que, naquele sobrado, enquanto “lá em cima, a
linguagem se esforçava em ser nobre”, embaixo, na escuridão, artesãos cegos fabricavam
botinas
127
.
Também aos 13 anos, um acontecimento lhe causa uma intuição profunda quando
descobre a experiência da dor moral. A morte de seu primo Neco Andrade, ainda jovem,
causou-lhe a sensação de que somos todos responsáveis pelo que acontece no mundo: “Não
posso representar mais; por todo o sempre e antes do nunca sou responsável, responsável,
responsável, responsável. Como as pedras são responsáveis e os anjos”
128
.
Verifica-se no jovem Carlito um interesse pelos acontecimentos do cotidiano. Em
1915 quis trabalhar no armazém de um parente que era o maior comerciante de Itabira, por 8
meses, mesmo sem receber nada. A razão de tal desejo era o contato com os funcionários da
colônia britânica da mineradora Itabira Iron, para ter informações sobre a guerra de 1914
129
.
125
Via de regra, Drummond em suas poesias sobre Itabira, cita personagens reais. Cf Dois Vigários, LC.
126
CANÇADO, Ibidem, op.cit., pp. 41-43.
127
Idem, p. 49.
128
Morte de Neco Andrade, FA. Cf. ainda CANÇADO, p. 50.
129
O jovem Drummond era germanófilo, não por ser simpatizante da política nazista, isso estava aquém do seu
conhecimento, mas sim pela cultura alemã, fato esse que quisera mais tarde estudar alemão no Colégio Anchieta
50
Capítulo II – A Trajetória Poética de Drummond
Um ano depois, Carlito vai para o Colégio Arnaldo da Congregação Religiosa do Verbo
Divino
130
, como interno, fato esse que deixa o jovem Drummond incomodado. Ele expressaria
em sua poesia esse tempo, desde o momento em que o soube até o ingresso, como um tempo
em que “estava se preparando para sofrer/ assim como os rapazes estudam para médico ou
advogado”
131
. Contudo, parece que Drummond não sentiu na ordem religiosa uma imposição
da fé, mas percebeu um certo humanismo prático. Não obstante, ter ficado somente 4
meses, tendo que voltar a Itabira para se tratar
132
.
Toma aulas particulares em Itabira até que, em 1918, seu pai o envia para Nova
Friburgo, no Rio de Janeiro, para o Colégio Anchieta da Companhia de Jesus
133
, onde
consolidaria sua paixão pela escrita. Ao chegar ao colégio é inquerido pelos demais se ele era
“maximalista” (defendia as transformações máximas [radicais] da sociedade) ou
“minimalista” (transformações pequenas e gradativas da sociedade) e, baseado no que lia nos
jornais de seu pai sobre a guerra a e Revolução Russa, responde, fosse o que isso
significasse: “Eu sou anarquista”, ganhando o respeito de seus colegas como o “diferente”
134
.
O que mais fascinava Drummond no Colégio Anchieta eram os jesuítas, pela sua aura
de intelectualidade em sua busca de conhecimento. Drummond mergulha no universo jesuíta,
aceitando plenamente os valores e as normas do colégio e da instituição, bem como do
catolicismo, comungando e confessando quase diariamente. Dedica-se exemplarmente à sua
vida intelectual, chegando a ganhar em 1918 várias medalhas de “general” por destacamento
nos estudos. Entretanto, por um desentendimento com um professor de gramática, é expulso
do colégio por insubordinação mental”, fato esse que o abalou profundamente. Perto dos 17
anos, Drummond declara: “Perdi a Fé. Perdi tempo. E sobretudo perdi a confiança na justiça
dos que me julgavam”
135
. A salvação tornara-se uma pura “quimera”. O jovem Drummond
descobrira o significado profundo da inscrição latina na entrada do Colégio: Perinde ac
cadaver
136
. Para ele ficara a impressão da Igreja como um lugar que não permite pensar.
Respondendo a uma pergunta de Pedro Bloch sobre a Igreja, pode-se perceber que iria
para ler Goethe, mas que desistira devido a inabilidade didática de seu professor, que sabia até a “arte de dar
cascudos”. cf. CANÇADO, pp. 51-58.
130
Fundada em 1875, pelo Padre Arnaldo Jansen em 1875, com o objetivo de formar os católicos que fossem ao
mesmo tempo propagadores da fé católica e artífices do progresso.
131
Amor, Sinal Estranho, BT.
132
Cançado menciona que a mãe de Drummond apresentou um atestado de “quase tuberculose”, contudo a real
causa parecia ser “mal de galico” uma doença venérea. cf. CANÇADO, Ibidem, p. 60.
133
CRONOLOGIA DA VIDA E DA OBRA, p. LXXV.
134
CANÇADO, p. 67.
135
Entrevista em 1941 à Revista Academia apud Idem, p. 69-70.
136
trad.: “Obedece como um cadáver” cf. Recusa, BT.
51
Capítulo II – A Trajetória Poética de Drummond
revisitar um termo que para ele agora ficaria muito patente e seu significado de alguém
diferente, de alguém que não é adequado à ordem estabelecida: “Anarquista não vai à
Igreja”
137
.
De tal modo a fé católica estava arraigada em sua vida que, mesmo após a expulsão do
Colégio e a ida da família para morar em Belo Horizonte, o imaginário religioso continua
parte de sua existência, ainda que sem a mesma devoção. Comentaria mais tarde não saber se
“rogo perdão a Deus ou peço abrigo ao Tinhoso”
138
, agora que o programa da sua vida era
não ter nenhum programa, resumindo-a em se aproximar da literatura e namorar. Nesse
mesmo ano publica alguns trabalhos no Diário de Minas. Na Livraria Alves e no Café Estrela
era comum encontrar Milton Campos, Abgar Renault, Emílio Moura, Pedro Nava e outros
para socializar idéias e experiências. Tais encontros foram definidos como uma academia
existencialista. Nesse mesmo ano publica alguns trabalhos no Diário de Minas
139
.
2.2. Nasce o poeta – início da trajetória bibliográfica
Seu “vício” pela leitura desembocaria no desejo de escrever, em 1912, em sua
primeira redação escolar, sobre uma viagem ao Pólo Norte, onde avistou um naufrágio e um
vulcão. De tal modo se envolveu com seu escrito que, ao escrever em sua ficção que o
personagem ficara com o “rosto ardendo”, ele mesmo sentiu tal ardência, sensação essa que
nunca o abandonou. Confessaria depois que o poeta teria “nascido ali”, naquele momento,
junto com a nova realidade que descobrira
140
.
Mas seria no colégio jesuíta, com sua participação no Aurora Colegial, um jornal
destinado à interação dos alunos, que consolidaria sua paixão por escrever, chegando mesmo
a ser laureado em “certames literários”. Seu primeiro escrito foi em abril de 1918, quando
escreve “Vida Nova”
141
, um comentário ao início do ano letivo, imbuído do catolicismo em
que havia mergulhado no colégio:
Com a alma cheia de e de esperança, louvamos a Deus cuja bondade paternal nos
proporciona tantas venturas, e abrimos o nosso coração para que nele penetre a chama
do amor divino. Que as nossas preces subam, puras e sinceras, até azul esfera, para
que, no percurso do ano tenhamos a benção de Deus, protetor dos nossos estudos, dos
nossos trabalhos, das nossas esperanças, da nossa vida.
O sucesso de seu escrito fez com que 15 dias depois fosse convidado a escrever para o
137
CANÇADO, Ibidem, p. 88.
138
Adeus ao Colégio, BT.
139
CANÇADO, p. 88.
140
Idem.
141
AURORA COLEGIAL, Nova Friburgo, ano XIV, n. 184, 14-4-1918.
52
Capítulo II – A Trajetória Poética de Drummond
mesmo jornal o poema “Maio”,
142
e em junho foi convidado a escrever “Centenário”
143
, um
pequeno histórico da cidade e de seus moradores, a propósito do centenário de Nova Friburgo.
No ano seguinte foi convidado a se tornar colaborador permanente do jornal escrevendo
“História do Pinto Pelado”
144
; “Extraordinária Visita”,
145
adaptação em prosa em estilo
humorístico do poema “The Raven” (“O Corvo”), de Edgar Alan Poe; “Uma noite na
Sengâmbia”
146
; “Uma data,”
147
escrito comemorativo do número 200 do jornal; “X é um rapaz”
148
, uma crítica sobre um suposto jornal; “Alvorada do Internato”; “Primavera”
149
, com
referência a Emerson e Camões; Calor, exames e o nariz de Cleópatra”,
150
sobre uns
inesperados dias de calor em setembro e uma frase de Pascal sobre o nariz de Cleópatra;
“Conversa Fiada”
151
, uma conversa imaginária com um vagalume, precedida de um exórdio
sobre jornalismo, colaboradores e falta de assunto. Sua prosa “Onda”, aos 16 anos, é
publicada pelo seu irmão Altivo num jornal chamado Maio, de única edição
152
.
Contudo, o jovem escritor sempre se queixava de mudanças introduzidas pelos padres
responsáveis pela publicação, como emendas e acréscimos alheios. Certa vez, na procura de
oxigenar sua liberdade espiritual, escreve uma novela cujo personagem principal era uma
“formiga filósofa” que, segundo Octávio Barbosa da Silva
153
, consistia de uma “verrina aos
padres e parasitas da vida humana”, uma típica novela juvenil voltaireana e anticlerical que
viria à tona. Ele parece ter mais tarde escrito um poema em que citava um dos versos: “Santo
Inácio de Loyola/ fundador desta gaiola”
154
. Ao descobrirem sua novela, num momento de
confusão e medo, tenta atribuir a autoria a um colega, mas de nada adianta Alguns dias depois
é que o jovem Carlito descobriria as conseqüências do que escrevera.
Numa aula de um professor de português, que demostrara bastante apreço por
Drummond e sempre o encorajou a defender as próprias idéias e opiniões em relação à
literatura, o jovem Carlito se permitiu discordar da observação feita pelo professor, que, para
142
Idem, ano XIV, n. 185, 30-4-1918.
143
Idem, ano XIV, n° 187, 7-6-1918.
144
Idem, ano XV, n° 195, 25-5-1919.
145
Idem, ano XV, n° 196, 10-6-1919.
146
Idem, ano XV, n° 199, 31-7-1919.
147
Idem, ano XV, n° 200, 17-8-1919.
148
Idem, ano XV, n° 201, 31-8-1919.
149
Idem, ano XV, n° 202, 18-9-1919.
150
Idem, ano XV n° 203, 30-9-1919.
151
Idem, ano XV, n° 204, 19-10-1919.
152
PY, Fernando. Biografia Comentada de Carlos Drummond de Andrade (1918/1930). Rio de Janeiro: José
Olympio Editora, 1980, p. 11.
153
Octavio Barbosa da Silva, contemporâneo de colégio do poeta itabirano comenta que o jovem Carlito nunca
praticava esportes e andava sempre sério nos recreios, “estudando a valer nas aulas” apud CANÇADO, Ibidem,
p. 67.
154
Verso Proibido, BT.
53
Capítulo II – A Trajetória Poética de Drummond
espanto de Drummond, não gostou nada do que disse e o mandou para fora da sala de aula.
Mas o pior ainda estava por vir, quando da leitura em público das notas dos alunos. Ao lado
da excelência das outras notas, anunciou-se a nota “4” em comportamento, por
“comiseração”, pois talvez a nota devesse ser pior ainda. Achando inadequada a qualificação
atribuída ao seu comportamento, e baseando-se no que aprendera ali mesmo no colégio,
escreve uma carta ao responsável pela nota dizendo que não queria ser avaliado por
comiseração, mas por justiça, e dois dias após receber a ordem de expulsão, juntamente com
uma carta enviada ao seu pai em Itabira comunicando o ocorrido pelo seu pecado de
“insubordinação mental”. O que mais o fazia sofrer era o sentimento de injustiça que se
instaurou por exercer a liberdade de seu pensamento. O castigo que lhe fora dado não se
resumia a uma expulsão, mas a uma profunda mudança no modo de vida que tinha escolhido
para si: “Eu deliberei: a santidade é meu destino”
155
. E mais tarde ainda teria dito ao
ensaísta Arnaldo Saraiva que não tinha nenhuma dúvida de que viria a se tornar padre se
não tivesse sido expulso”
156
. Tal experiência, marcada num âmbito eclesiástico,
inevitavelmente influenciaria sua visão de Deus, que viria registrada em um de seus primeiros
poemas, poucos anos depois
157
:
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco
Ao dar continuidade à sua vocação de escritor, produzindo críticas, poemas e prosas
em jornais do Rio de Janeiro e Belo Horizonte, certa vez deixa entrever a sua visão, agora
criada, a respeito de Poesia e Religião”, num ensaio de mesmo nome, com uma esquisita
ortografia colocando “y” no lugar do “i”, “k” no lugar do “c”, “z” no lugar do s”, “j” ao
invés de g”, como que tentando revelar o papel inadequado e estranho da Igreja em seu
tempo, e comenta: “Seguramente o grande problema da atualidade em poesia é conciliar o
espírito crítico, cada vez mais absorvente e dominador, com as imposições e imperativos do
espírito religioso”
158
.
2.3. Um possível sentido apreendido em seu início de trajeto
Na questão da fenomenologia da poética drummondiana, pretendeu-se verificar as
escolhas do poeta como o que é significativo para o momento de sua vida. Nesse aspecto,
155
Retiro Espiritual, BT.
156
CANÇADO, Ibidem, p. 66-70.
157
Poesia de Sete Faces, AP.
158
CANÇADO, Ibidem, p. 109-110.
54
Capítulo II – A Trajetória Poética de Drummond
portanto, Deus é visto como a razão de seu viver, na imitação da vida dos santos
159
e da vida
de Cristo
160
, num momento que coincide com a sua estada no Colégio Anchieta dos jesuítas e
numa espiritualidade de sua época acentuadamente marcada pela “obediência” cadavérica, de
negar a própria vontade e da condenação ao Inferno
161
. Essa configuração do momento de sua
vida conflituaria com a crescente descoberta da autonomia do autor. Em várias cartas que
envia a Mario de Andrade, uma aceitação tácita desse historicismo teocêntrico, desse
determinismo da história arraigado na “vontade de Deus”
162
. Em Drummond, a autonomia da
vontade humana e a soberania da vontade de Deus entram num erosivo processo de ruptura
quando os que agiram em nome da vontade de Deus também carregaram o signo da injustiça
em sua vida, exigindo do poeta a re-significação de Deus e da razão de seu viver.
159
Retiro Espiritual, BT.
160
Lincoln de Souza faz uma crônica onde afirma ser Oscar Wilde a grande influência do poeta, responsável pela
sua “alma perversíssima de Satã” ao que o itabirano responde que sua leitura preferida era a “Imitação de
Cristo”, de Tomás Kempis. Diário de Minas, 08-04-1921.
161
Igreja, AP.
162
“Foi uma topada minha idéias de estudar farmácia. Agora seja o que Deus quiser” cf. CDA&MA, Carta s/n
de CDA, Belo Horizonte, 06.10.1925; “Até segunda-feira que vem, Belo Horizonte se Deus quiser. Devo seguir
então para a roça, também se Deus quiser (felizmente ele é brasileiro). Cf. CDA&MA, Carta 31 de CDA, Belo
Horizonte, 04-02-1926; “Vou vivendo a vida que Deus quer”.
55
Capítulo II – A Trajetória Poética de Drummond
3. A poesia irônica de Drummond (1930-1940)
3.1. Trajetória biográfica da poesia irônica
Carlos Drummond de Andrade foi filho intelectual do Modernismo brasileiro. Um
movimento de renovação cultural, com uma estética própria, abrangendo um período preciso,
inspirado nas tendências artísticas européias de vanguarda como o cubismo
163
ou o
futurismo
164
, mas dentro de uma dinâmica “antropofágica” em que os elementos assimilados
dos autores europeus são selecionados e ajustados a um nacionalismo cultural. Apesar de
haver sinais precursores do movimento, é com a Semana de Arte Moderna, nos dias 13, 15 e
17 de Fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo, que o movimento ganhará um
maior planejamento e tomada de consciência de sua vanguarda
165
. Neste ano comemora-se o
Centenário da Independência, oportuno para o intuito de divulgar a existência de um grupo de
escritores e intelectuais
166
que lutavam pela renovação e atualização da arte e da cultura
163
O cubismo é um movimento artístico que se originou na obra de Cézanne entre 1907 e 1914. Sua principal
característica está no modo de tratar as formas da natureza por meio de figuras geométricas, representando uma
outra visão da aparência real das coisas, ou seja, sem que fosse a imagem como ela se apresenta à primeira vista,
podendo ter seu próprio processo artístico, deixando de tributar fidelidade ao modo como o mundo é visto, ou
seja, a mera “representação do real” pode ser também uma mera “ilusão do real”, e por isso o cubismo se sente
muito livre em apresentar novas formas de ler a realidade. O interesse antropológico do movimento incide sobre
o drama humano. O cubismo teve como nomes expoentes Pablo Picasso, Georges Braque e no Brasil, Tarsila do
Amaral cf. MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Acervo USP-
MAC. Disponível em: < http://www.mac.usp.br/mac/acervo/frames.asp>. Acesso em: 04 abril 2008, 22h46,
verbete cubismo.
164
O futurismo é um movimento artístico e literário, onde seus adeptos se distinguiam pela rejeição do
moralismo e do passado, tendo como um traço bastante característico de suas obras a velocidade dos
desenvolvimentos tecnológicos do final do século XIX, exercendo grandes influências nas artes em geral. Na
tipografia futurista privilegia-se a onomatopéia e liberdade para as palavras [Le mots en liberté]. Este movimento
surgiu oficialmente com a publicação do Manifesto Futurista, pelo poeta italiano Filippo Tommaso Marinetti, no
jornal francês Le Figaro em 20 de fevereiro de 1909. Os adeptos do movimento rejeitavam o moralismo e os
valores do passado, assumindo como leit motiv a anti-tradição e suas obras baseavam-se fortemente na
velocidade e nos desenvolvimentos tecnológicos do final do século, significando um nova olhar sobre o mundo
em busca de uma expressão mais autêntica do indivíduo contemporâneo. O futurismo é considerado um dos
principais testemunhos da crise que passou a cultura européia no início do século XX cf. MUSEU DE ARTE
CONTEMPORÂNEA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Acervo USP-MAC. Disponível em:<
http://www.mac.usp.br/mac/acervo/frames.asp>. Acesso em: 04 abril 2008, 22h57, verbete futurismo.
165
CANDIDO, Antonio; CASTELLO, José Aderaldo. Presença da Literatura Brasileira Vol. III
Modernismo. Rio de Janeiro/São Paulo: DIFEL, 1977, pp. 7-32.
166
Nessa primeira fase do Modernismo fazem parte do eixo São Paulo e Rio de Janeiro, escritores como Mario
de Andrade, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Guilherme de Almeida, Menotti del Picchia, Ronald de
Carvalho, Ribeiro Couto e alguns mais moços que se destacavam como estreantes como Luís Aranha Pereira,
Sérgio Milliet, Rubens Borba de Moraes, Antonio Carlos Couto de Barros, também esta presente outras formas
artísticas como os pintores Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Emiliano de Cavalcanti, Vicente do Rego
Monteiro, o escultor Vitor Brecheret, o compositor Heitor Vila-Lobos e ainda o historiador Paulo Prado.
Posteriormente a Semana de Arte Moderna unem-se ao grupo outros nomes significativos como Guilherme de
Almeida, José Geraldo Vieira, Carlos da Veiga Lima, José Vieira, Aníbal Machado, Andrade Muricy, Tasso da
Silveira, Murilo Araújo, Adelino Guimarães e Cecília Meireles. Também escritores que estavam iniciando sua
vida literária aderiam ao movimento como Agripino Grieco, Alceu Amoroso Lima, Plínio Salgado, Cassiano
Ricardo e Cândido Mota Filho. Surgem ainda outros grupos modernistas para além de São Paulo-Rio, como em
Minas Gerais, onde se destaca Carlos Drummond de Andrade, Emílio Moura, Abgar Renault, João Alphonsus,
Guilhermino César, Martins de Almeida; no Rio Grande do Sul tem-se Augusto Meyer, Telmo Vergara, Rui
56
Capítulo II – A Trajetória Poética de Drummond
brasileiras, não tanto como um programa “rígido” de idéias, mas como um “estado de espírito
revoltado e revolucionário”. Esse movimento que eclode em 1922 vinha sendo gestado por
idéias novas que vão se amalgamando com um cenário rebuscado de transformações na
sociedade. O Modernismo abrange dois pós-guerras, e portanto, acompanha todo o desmonte
da sociedade tradicional, no rebuliço causado pelo conjunto da economia que adentra na era
industrial e seu progresso acelerado, causando mudanças de mentalidade ao alterar os pólos
de convivência do campo para o centro urbano, mudando com isso também o modo de vida
da população, desde as relações interpessoais até a forma como garantir a sobrevivência
cotidiana
167
. Esse conluio urbano questiona o sistema político dominado pela oligarquia rural,
ganhando expressão concreta no proletariado que exige sua participação na democracia, com
a criação do Partido Comunista em 1930 e sua posterior fase de Guerra-Fria, bipolarizando o
planeta, entre a ideologia Yankee e a Soviética. O Modernismo se revela nesse contexto como
“uma adesão profunda aos problemas da nossa terra e da nossa história contemporânea”
168
. É o
companheiro cultural da caminhada do indivíduo brasileiro em tempos modernos e, portanto,
retrata sua alma e sua visão de mundo
169
. Podem-se distinguir duas fases de tendências do
Modernismo como literatura
170
: 1) Uma fase mais combativa ou de destruição da literatura
tradicionalista, que vai de 1922-1930, e por isso mesmo um período bastante polêmico; e 2)
uma fase de “construção” que consolida a proposta de renovação, de 1930-1945. Drummond
surgiria como elemento de destaque na segunda fase do Modernismo.
Em 1922, Drummond entra no curso de Farmácia. Nunca exerceria a profissão,
alegando querer “preservar a saúde das pessoas”. Nesse ano também ganha 50 mil réis de
prêmio pelo conto “Joaquim do Telhado”, no concurso Novela Mineira. Por meio da Livraria
Alves, aquele grupo de estudantes teria contato com a Semana de Arte Moderna, o que o faria
iniciar uma longa troca de cartas com Mario de Andrade de 1924 até fevereiro de 1945,
quando este vem a falecer
171
. Mário será não somente seu mestre intelectual, mas o grande
amigo confidente de sua vida. Quando Drummond esta prestes a se casar em 1925 com
Dolores Dutra de Morais, comenta em uma carta das inquietações que essa responsabilidade
Cirne de Lima e Raul Bopp; no Norte havia Jorge de Lima (Alagoas), Ascenço Ferreira e Joaquim Inojosa
(Pernambuco), Luís da Camara Cascudo (Rio Grande do Norte) e José Américo de Almeida (Paraíba) e ainda
sob a inspiração de Gilberto Freire, a formação do grupo de Recife. Cf. CANDIDO, Ibidem, p. 12s.
167
TUFANO, Douglas. Modernismo – Literatura brasileira (1922-1945). São Paulo: Paulus, 2003, pp. 17-26.
168
CANDIDO, Ibidem, op.cit., pp. 7-32.
169
Idem, p. 21-22.
170
TUFANO, Ibidem.
171
DRUMMOND DE ANDRADE, Carlos;ANDRADE, Mario de. CARLOS & MARIO Correspondência
entre Carlos Drummond de Andrade e Mario de Andrade Prefácio de Notas de Carlos Drummond de
Andrade e Silviano Santos. Rio de Janeiro: Editora Bem-te-vi, 1988, p. 12.
57
Capítulo II – A Trajetória Poética de Drummond
lhe causa, e do que das infinitas possibilidades de sorte que o matrimônio pode ter, ao que
Mario responde
172
:
É certo que uma pessoa da sua sensibilidade e da sua volúpia de consciência não pode
ter a felicidade comum que é feita de insensibilidade e inconsciência. A felicidade de
você tem de ser espiritual e a melhor maneira de alcançar isso é ter não a vaidade mas
a coragem de si mesmo [...] E creio que nisso está a nossa, a felicidade dos
hipersensíveis, felicidade consciente pode ser mais perdurável que a do homem
comum. Sendo feita de consciência de verificação da realidade, não tem temor nem
inquietação, nem dor que prejudique, tudo se resolve num dado de conhecimento e
num fenômeno psicológico de compreensão.
Com muita gratidão, por sua vez, responde Drummond que sua carta servira muito,
dando-lhe a “imagem exata da vida de casado”, e o papel das “concessões”, que necessitam
ser vividas com “indulgência e doçura”
173
. Entenderá que antes de ser artista é necessário ser
“homem” e agradece as demais cartas com seus conselhos, dizendo: “Deus te pague a boa
palavra”
174
. Seu salário no Diário de Minas lhe condenava à luta pela sobrevivência diária,
levando-o a voltar para Itabira lecionar Geografia e Português no Ginásio Sul-Americano. De
volta a sua terra natal, longe do circuito da capital mineira e dos seus amigos literatos e
intelectuais, vê-se meio desorientado, “zonzo diante da vida”, à mercê dos acontecimentos.
Avaliando a sua trajetória, chega à conclusão de que sua vida se reduz àmiséria”, chegando
mesmo a desistir da poesia: “Talvez eu não tenha nascido mesmo para escrever livros, e
nesse caso me contentarei em ler os livros dos outros. Peço a Deus por mim, pelo meu ser,
pelo futuro do meu espírito”
175
. Contudo, em pouco tempo, volta para a capital para ser
redator-chefe do Diário de Minas. Depois da morte precoce de seu filho, horas depois do
nascimento por complicações respiratórias, nasce no dia 04 de março de 1928, sua filha Maria
Julieta, sua grande companheira e confidente por toda a vida. Nesse mesmo ano publica, pela
Revista de Antropofagia, depois de incentivado por Mario de Andrade,
176
o poema “No meio
do caminho”
177
, um verdadeiro sucesso
178
para o movimento modernista, no qual desponta a
172
CDA&MA, Carta 13 de MA, São Paulo, 27-05-1925.
173
Idem, Carta 14 CDA, Belo Horizonte, 19-07-1925.
174
Temática presente em Mario de Andrade que retoma na Carta 15 de 23-08-1925: “Felicidade na vida me
parece que depende de duas coisas: a gente ser humano em vez de ser indivíduo e ter um conhecimento franco
da vida”. Uma carta de Drummond pode revelar a grande influencia Mario de Andrade exerce no poeta: “Você é
inestimável, e o valor de sua influência em nosso movimento e mesmo na vida intelectual e até moral de nós
todos, ninguém o poderá avaliar senão daqui a cem anos” In CDA&MA, Carta s/n de Drummond, Itabira,
31-01-1926.
175
CDA&MA, Carta 22 de CDA, Belo Horizonte, 06-10-1924.
176
Idem, Carta s/n de Drummond, Itabira, 01-04-1926.
177
No Meio do Caminho, AP.
178
Uma coletânea de textos que o autor recolhe durante alguns anos mostra como o poema adentrou o universo
simbolico da cultura, indo desde a administração pública, na advocacia, na economia, no esporte, na escola, na
linguagem, na moda, na arte, no teatro, no radio, na terra natal, na confusão internacional, na politica... cf.
SARAIVA, Ibidem, op.cit.
58
Capítulo II – A Trajetória Poética de Drummond
genialidade do poeta itabirano. Mais animado com a reação que o poema causou, em 1930
publica seu primeiro livro, Alguma Poesia, financiando as despesas com um empréstimo de
funcionário público, símbolo do que parece ser a superação de sua incerteza de ser literato
179
.
No ano de 1931, morre aos 70 anos o seu pai. Fato que comenta com Mario de
Andrade, por lhe despertar “um grande caso freudiano meio resolvido pelo tempo” num
período espiritualmente calmo” de sua vida. Comenta, porém, numa carta, a morte de seu
pai e sua secura interior
180
:
A verdade é que não sinto dentro de mim nenhum amadurecimento, nenhum perdão
para os homens, a vida [...] E para cúmulo de tudo não creio em Deus, se é possível
ter uma frase tão arrogante como essa.
Em 1934 publica o Brejo das Almas em edição de 200 exemplares. Devido a sempre
ter uma contingência financeira, muda-se para o Rio de Janeiro no mesmo ano, onde passa a
trabalhar como chefe de gabinete de Gustavo Capanema, novo Ministro de Educação e Saúde
Pública. A década de 30 inquietaria a poesia de Drummond, seja pela Segunda Guerra-
Mundial (1939-1945), seja pela ditadura do Estado Novo (1937-1945), o que o faria entrar
numa nova fase.
3.2. Trajetória bibliográfica da poesia irônica
Sant'anna, utilizando uma linguagem heideggeriana, apresenta a poesia de Drummond
como “projeto poético-pensante”, em três momentos
181
: 1) Eu maior que o Mundo [poesia
irônica]; 2) Eu menor que o Mundo [poesia social] e; 3) Eu igual ao mundo [poesia
metafísica], posição básica da obra que apresenta uma vasto sistema de oposições (claro-
escuro; província-metrópole; essência-aparência; vida-morte...) como modelo fundamental.
Essa sua primeira fase abrange os livros Alguma Poesia, de 1930, e Brejo das Almas, de 1934.
O seu primeiro poema de AP, Poema de Sete Faces é uma apresentação da antropologia
drummondiana, o ser gauche:
Quando nasci um anjo torto
desses que vive na sombra
disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida
O poema em 7 estrofes revela a identidade múltipla de um ser fragmentado, traço
presente em toda a sua fase
182
. Cada estrofe revela um aspecto do gauche: o ser de desejo, o
179
“Sempre entendi que um livro deve marcar uma fase encerrada na vida de um cidadão” In CDA&MA, Carta
103 de CDA, Belo Horizonte, 01.01.1931.
180
CDA&MA, Carta 105 de Drummond, 29.09.1931.
181
SANT'ANNA, Ibidem, op.cit., p. 44.
182
Idem.
59
Capítulo II – A Trajetória Poética de Drummond
que se envolve com a massa, o homem sério e de respeito, o da revolta com Deus, aquele que
se acha superior ao mundo dos comuns num momento, mas que logo volta a pisar no mesmo
solo.
A ironia é portadora da contradição que afeta o poeta, e ele pode usar de ironia porque
não mais acredita na veracidade de como as coisas lhe foram passadas: não acredita mais em
sonhos
183
; na sociedade
184
, na sua pátria
185
ou no amor
186
. A ironia traz à luz o que a hipocrisia
dessa “vida besta” tenta camuflar
187
, enganando uns aos outros. É mais coerente assumir que
se perdeu a esperança
188
e, se tudo é inútil,
189
pelo menos resta algo que possa fazer sentido
nessa vida [besta]: é o amor
190
, mesmo não sendo mais uma experiência que enobrece a vida,
pois o poeta não acredita em nada disso. Pelo menos é um produto, com paixões de
“primeira” e de segunda”,
191
que ao menos inebria
192
. Essas experiências resultantes da
descoberta de que, seja qual for o rumo a ser seguido, da boemia (o poeta bêbedo) ou do
religioso (o “general” jesuíta), no meio do caminho há uma pedra, um obstáculo
intransponível que a hipocrisia encobre.
A ironia presente na primeira fase é de alguém que está em seu canto [Fique torto no
seu canto]
193
, contemplando a cena à distância porque se sente desajustado, marginalizado, à
esquerda dos acontecimentos, tipicamente um “ex-cêntrico” que vive um desajuste entre
interior e exterior, envolto em um disfarce de superioridade como se não fosse afetado por
este mundo: “Mundo, mundo vasto mundo/ mais vasto é o meu coração”
194
.
3.3. O sentido da vida na poesia irônica de Drummond
A poesia irônica de Drummond tem em sua raiz uma alteração de percurso da
“devoção à decepção”, de sua poesia devota (a santidade é meu destino)
195
à experiência de
derrota, mas uma derrota marcada não pela sua incapacidade pessoal pois era jovem
exemplar no colégio jesuíta e sim pela falta da liberdade que lhe foi dada e pelo sentimento
183
Sentimental, AP.
184
Papai Noel às Avessas, AP (onde este mbolo cultural que presenteia as crianças aqui as rouba.); Hino
Nacional, BA.
185
Política Literária, AP.
186
Quadrilha, AP.
187
Cidadezinha Qualquer, AP.
188
Soneto da Perdida Esperança, BA.
189
Em Face dos Últimos Acontecimentos, BA.
190
O Procurador do Amor, BA.
191
Necrológio dos Desiludidos do Amor, BA.
192
Aurora, BA.
193
Segredo, BA.
194
Poema de Sete Faces, AP.
195
Retiro Espiritual, BT.
60
Capítulo II – A Trajetória Poética de Drummond
de justiça que lhe foi negada. Mario de Andrade identifica em experiências como essa,
marcada por um sentimento de impossibilidade e fragilidade, a inspiração da “pedra”
drummondiana
196
. Essa pedra no “meio do caminho” fragmenta o ser em “cacos” de ser ao se
chocar com ela, vive fragmentado, ama fragmentado, sofre cada fragmento de seu ser
197
. Essa
“pedra” é inerente à vida sim, mas também está presente em estruturas rígidas da sociedade,
camufladas de tal modo que o acento da culpa não é dado pelo fato de a pedra estar no
caminho, mas recai exclusivamente sobre o indivíduo a responsabilidade de ter topado com
ela. A ironia drummondiana será profética em mostrar como as instituições
198
[Estado, Igreja,
Escola, Família...] também são contraditórias e sofrem do mesmo mal que o indivíduo, e, em
seu “perdido caminho da perdida inocência” se põem contra o indivíduo que se afasta para
um canto seu, como espaço vital para tomada de todas as decisões, ou seja; assume-se o
individualismo, fundamenta-se a existência em si mesmo, uma vez que se está imerso em
malfadadas instituições
199
: “não me arrependo do pecado triste/ que suja minha carne/ [...]
pecarei com humildade, serei vil e pobre/ terei pena de mim e me perdoarei”
200
.
196
ANDRADE, Mario de. Aspectos da Literatura Brasileira. Rio de Janeiro: Americ-Edit., 1943, p. 51.
197
Desdobramento de Adalgisa, BA.
198
Antonio Candido, literato e amigo pessoal de Drummond identifica na idéia de “mundo caduco” que estará
presente em Sentimento do Mundo aquilo que: “é feito de instituições superadas que geram o desajuste e a
iniqüidade, devido aos quais os homens se enrodilham na solidão, na incomunicabilidade e no egoísmo” cf.
Inquietudes na poesia de Drummond In CANDIDO, Antonio. Vários Escritos 3ª. Ed. São Paulo: Duas
Cidades, 1995, p. 122-123.
199
Segredo, BA.
200
Castidade, BA.
61
Capítulo II – A Trajetória Poética de Drummond
4. A poesia social de Drummond (1940-1951)
4.1. Trajetória biográfica da poesia social
Afetado pelas reviravoltas políticas de âmbito nacional e internacional, bem como pela
repercussão na vida cotidiana do indivíduo, Drummond lança o Sentimento do Mundo em
1940, numa tiragem de 150 exemplares, iniciando sua poesia social. Mario de Andrade,
comentando o que se passava com o poeta nesse momento, diz
201
:
Seu livro é uma raivosa consciência de sua própria desumanidade [...] Poesia jogada
no caos lírico do ser [...] Sentimento do Mundo é o resultado de um poeta verdadeiro
cuja vida se transformou. O poeta não muda, é o mesmo, mas as vicissitudes de sua
vida, novos contatos e contágios, novas experiências, lhe acrescentam ao ser
agressivo, revoltado, acuado em seu individualismo irredutível, uma grandeza nova, o
sofrimento pelos homens, o sentimento do mundo [...] este ajuntar às dores do
indivíduo a fecundidade da dor humana.
Nesse período, no qual o individualismo do autor sente-se desajustado face à
sensibilidade de um mundo que o inquieta, o poeta vai progressivamente se envolvendo no
mundo da política, vai saindo de “seu canto” e chegando mesmo, em 1945, ano em que
publica a Rosa do Povo, a se incorporar no Partido Comunista, como “simpatizante efetivo e
atuante”, porém sem se filiar. Acabou por deixar a chefia de gabinete do ministro Capanema
para ser, a convite de Luís Carlos Prestes, co-diretor do diário comunista, Tribuna Popular.
Entretanto, sua experiência foi decepcionante e desencantadora, chegando a sentir o mesmo
que antigamente no Colégio Anchieta quando seus escritos eram alterados sem lhe
consultarem, agora sob a alegação de que “o Partido” decidira. Também o “Partido”, tal como
a Igreja, não tolera a liberdade da autonomia
202
:
Posso entrar na militância sem me engajar num partido? Minha suspeita é que o
partido, como forma obrigatória de engajamento, anula a liberdade de movimentos, a
faculdade que tem o espírito de guiar-se por si mesmo e estabelecer ressalvas à
orientação partidária. Nunca pertencerei a um partido, isso eu decidi. Resta o
problema da ação política em bases individualistas.
Depois de alguns desgastes com membros do Partido e de uma audiência com Prestes,
ainda na prisão, ao comentar que este, “além de patriota, declara-se católico”, arranjou uma
briga com a esquerda que iria denegrir a sua imagem no Partido Comunista. Disso resulta o
seu afastamento definitivo da Tribuna Popular em 05 de Novembro de 1945
203
.
Em 1946, num comentário em seu diário sobre as manchetes do Correio da Manhã de
201
CDA&MA, Carta 143 de MA, 15.08.1942.
202
CDA. O Observador no Escritório (Diário de CDA) In Prosa Seleta. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar,
2003, p. 983.
203
Idem, p. 986.
62
Capítulo II – A Trajetória Poética de Drummond
13 de julho, em meio a tantos outros comentários decepcionados sobre a política, vai
relatando o estado do Brasil dentro da economia mundial pós II Guerra: padeiros de São
Paulo anunciam o câmbio negro da farinha; importadores de trigo querem descarregar no Rio
de Janeiro e não em Santos, por suas vantagens; crise no abastecimento de açúcar em Belém
do Pará; produtores ameaçam suspender o fornecimento de leite se o preço não subir;
elevação dos preços da Light; aumento de preço no conserto de sapatos; aumento de 10% nos
aluguéis... quando finalmente brada sua revolta, Chega!
204
Inquieto em sua sensibilidade humana, e totalmente descrente da política partidária
205
como lugar das grandes transformações, encontrara o caminho de sua cura num movimento de
busca de entender a existência, partindo de sua consciência individual, expandindo para uma
formulação metafísica do homem, que culminaria em uma nova fase de sua poesia.
4.2. Trajetória bibliográfica da poesia social
Mesmo o amor, seja de primeira ou de segunda, acaba por ser relativizado em um
mundo marcado pela hostilidade da guerra e da violência. Diante da morte banalizada e
rotineira, a vida é relativizada, pois a morte nos rouba o tempo, e ela veio mesmo em meio à
mensagem dos que se diziam “camaradas”
206
. A guerra e a luta ideológica do pós-guerra
geram um tempo de medo
207
em que não opção ao indivíduo a não ser nas coisas
supérfluas. Criam-se mitos fantasiosos para se auto-enganar da dura realidade É aqui que o
personagem “José” é exatamente aquele que encarna o sujeito desenganado das promessas
que nunca se cumprem
208
.
A ironia se torna insuficiente para expressar a realidade, e o poeta passa a observar o
que acontece ao seu redor para entender o que se passa com ele mesmo
209
. A individualidade
passa a ser sentida como solidão insuportável
210
e ele começa a se perceber como parte do seu
meio. Se descobre despreparado para a solidariedade com outras liberdades, entrando num
tempo de depuração. E ao se descobrir preso pelas circunstâncias que determinam sua
204
Idem, O Brasil em um dia, pp. 1007-1008.
205
Após a vitória de Dutra para presidente: “Jurei que nunca mais ia consertar nada que estivesse de errado no
Brasil, porque era demais” cf. NETO, Geneton Moraes. Dossiê Drummond.2a. Ed. Rio de Janeiro: Editora
Globo, 2007, p. 133.
206
Sentimento do Mundo, SM.
207
Canção do Berço, SM.
208
José, Jo.
209
Segundo o psicanalista Hélio Pelegrino, numa entrevista em março de 1988: “Se não escrevesse poesia,
Drummond iria precisar de tratamento. [...] o poeta era uma caso consumado de esquizotimia... constituição
mental caracterizada por introversão mais ou menos marcante, certa timidez com reações inadequadas,
tendência à abstração” cf. NETO, Ibidem, p. 175.
210
A Bruxa, Jo.
63
Capítulo II – A Trajetória Poética de Drummond
liberdade, numa sociedade onde não espaço para o indivíduo devido às forças ideológicas
que a guiam, vendo-se confinado à sua contingência, o que lhe causa náusea, vomitando seu
tédio pela cidade de tudo que lhe revolve o estômago
211
, direita e esquerda, estado e
cristianismo... o drama social coincide com o drama existencial do poeta.
Essa interação que vai crescendo com o mundo descobre que o mundo é muito maior
que pensara, pois nele não espaço para colocar os sentimentos do poeta que resiste à
mudança. Em meio à presença concreta do mundo, eis que emerge do povo uma “Rosa”, que
não é perfeita em sua beleza, mas fura o asfalto desse mundo de “concreto armado”
construído pelos homens
212
.
Nesse “tempo partido de homens partidos”
213
não se deseja nenhuma forma de
unidade, mas de impor pela força e pelo medo. Um tempo obscuro, em que vai se percebendo
a insuficiência de simplesmente se viver sem saber porquê
214
e dos infinitos recursos que se
criam para despistar a náusea, mas que nada resolvem
215
. Se o poeta pretende lutar contra
mundo capitalista, mas sem estar nos trajes estreitos do “Partido”, que se entender o
enigma da cidade dos homens e insistir como “áporo”
216
até o tempo que a tudo desgasta e
transforma em ruínas o que agora é uma muralha intransponível
217
.
Se o “Jardim”, sinal da primavera e da vida, é agora negro e ecoa o mal desta vida, em
seus lagos agora cheios de matéria putrescível, que ser cuidado como todo jardim, não
somente com as mãos mecânicas dos tempos modernos, mas também enfeitiçadas no
desenrolar do cuidado devido, e é então que “outras visões se delineiam”, como um
“presságio”
218
para o enigma que tende a barrar o mundo
219
.
4.3. O sentido da vida na poesia social de Drummond
É em Sentimendo do Mundo que se pode falar de uma apreensão do sentido
propriamente dito, como um exercício de consciência que o poeta toma das coisas, dos demais
e de si mesmo
220
. A poesia social de Drummond tem início diante do sofrimento que se agrava
na vida em tempos de guerra, que o deslocam de seu “canto” num indisfarçável sentimento de
211
A Flor e a Náusea, RP.
212
Privilégio do Mar, SM.
213
Nosso Tempo, RP.
214
Uma Hora e mais outra, RP.
215
Passagem do Ano, RP.
216
Áporo, PC.
217
Carta a Stalingrado, RP.
218
Jardim, NP.
219
O Enigma, NP.
220
WALTY & CURY, Ibidem, op.cit., p. 32.
64
Capítulo II – A Trajetória Poética de Drummond
injustiça que brota do choro das crianças
221
e do clamor silenciado dos corpos mortos numa
época em que “a vida é sem importância”
222
. Tal inquietude lança o poeta, para um
compromisso com essa vida que todos fingem não ver
223
. É quando desperta o poeta para sua
poesia social: “Tenho apenas duas mãos/ e o sentimento do mundo”. E com este sentimento é
que se “preso à vida” junto com seus companheiros, recusando fazer poesia deste
“mundo caduco”, a ser “cantor de uma mulher”, de “uma história”, de “paisagens”, de
“suicídio” ou de ser “raptado por serafins”, mas a matéria de sua poesia é “o tempo
presente, os homens presentes, a vida presente”
224
.
Todavia, a experiência de decepção se repete como militante de esquerda, quando
interesses outros que a liberdade da individualidade estariam em jogo: “os camaradas não
disseram que havia uma guerra”
225
e a impossibilidade e fragilidade se fazem sentir
novamente: “Com a chave na mão/ quer abrir a porta/ não existe porta; quer morrer no mar/
mas o mar secou;/ quer ir para Minas/ Minas não mais./ José, e agora?”
226
. Sem
esperança, resta: “O recurso de se embriagar/ O recurso da dança e do grito/ o recurso da
bola colorida/ o recurso de Kant e da poesia/ todos eles... e nenhum resolve”
227
pois não faz
sentido viver sem poder viver. Os álcoois” assumem a falta de um motivo mais profundo
para se viver numa sociedade ao avesso, dizem: “Somos a essência, o logos, o poema”
228
,
criam-se “mitos” para se suportar essa vida
229
, como o da mulher perfeita, que na verdade é
uma “fulana” qualquer. Mas algo indescritível” que caminha junto com o poeta,
230
algo
que insiste e persiste apesar de todas as perdas: “Vamos, não chores.../ A infância está
perdida./ A mocidade está perdida./ Mas a vida não se perderá/ O primeiro amor passou./ O
segundo amor passou./ O terceiro amor passou./ Mas o coração continua. [...] A injustiça
não se resolve./ À sombra do mundo errado/ murmuraste um protesto tímido./ Mas virão
outros...”
231
. O poeta, ainda que se sinta na impossibilidade de um novo mundo,
232
não
consegue conter a inquietação das impossibilidades do sujeito que, como um verme
221
Menino chorando na Noite, SM.
222
Canção do Berço, SM.
223
Privilégio do Mar, SM.
224
Mãos Dadas, SM.
225
Sentimento do Mundo, SM.
226
José, Jo.
227
Passagem do Ano, RP.
228
Noite na Repartição, RP.
229
O Mito, RP.
230
Carrego Comigo, RP.
231
Consolo na Praia, RP.
232
A deformação do indivíduo se articula com a deformação da sociedade, “condicionando-a e sendo
condicionado por ela” cf. CANDIDO, Vários Escritos, op.cit., p. 121.
65
Capítulo II – A Trajetória Poética de Drummond
subterrâneo, cava incessantemente até perfurar a terra
233
e, como uma flor “nasceu na rua”
[...] furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio
234
neste mundo criado pelos homens “de
cimento armado”
235
, “pedra sobre pedra reconstruiremos a cidade”
236
. É preciso que “pare
um momento; continue/ Descubra em seu movimento forças não sabidas, contatos [...] cada
homem é diferente, e somos todos iguais [...] somos todos irmãos, insisto”. de atentar ao
“fato de alguém resistir-lhe/ de outros virem depois, de todos serem irmãos/ no ódio, no
amor, na incompreensão, no sublime/ cotidiano, tudo, mas tudo é nosso irmão [...] Uma parte
de mim sofre, outra pede amor/ outra viaja, outra discute, uma última trabalha [...] A tristeza
não me liquide, mas venha também na noite de chuva, na estrada lamacenta, no bar
fechando-se, que lute lealmente com sua presa
237
.
A fusão de sua consciência individual e social, que desabrocha em esperança como
uma “Rosa” em meio a uma realidade que resiste em mudar, inicio a uma formulação
metafísica de sua poesia, que vai da existência à ontologia, do particular ao universal e
novamente refaz o caminho de volta para encontrar possibilidade de enfrentar a vida real
238
.
Nesse momento a História passa a existir para o indivíduo e este se sente parte dela,
responsável pelas impossibilidades instaladas no devir. A poesia metafísica de Drummond
não é fruto de uma alienação da realidade mas, antes, de um comprometer-se tão profundo
que capta os obstáculos sociais na tensão do ser/não-ser.
233
Áporo, RP.
234
A Flor e a Náusea, RP.
235
Privilégio do Mar, SM.
236
Telegrama de Moscou, RP.
237
Os Últimos dias, RP.
238
SANT'ANNA, Ibidem, p. 95.
66
Capítulo II – A Trajetória Poética de Drummond
5. A poesia metafísica de Drummond (1951-1968)
5.1. Trajetória biográfica da poesia metafísica
Desde 1947, Drummond vem palmilhando a literatura existencial moderna e os
clássicos. Passa por Baudelaire, Marcel Proust,
239
sendo que este parece ter deixado influência
sobre sua poesia nesta fase, com o papel da memória. Detém-se também em Aristóteles e
confronta com Montaigne sobre a paixão da ira, e por fim conclui
240
: “Não encontro nos
livros a condenação formal da paixão a que me entreguei, e que me deixa aniquilado”.
Também lhe chamara muito a atenção a leitura de Le Zéro et l'Infini de Arthur Koestler, de
alguém que perde a própria individualidade no processo revolucionário. Nas palavras de
Drummond, poderia ser ele mesmo o protagonista da obra, “a tragédia do homem que se
imola à política, sacrificado por aquilo mesmo que enchera toda a sua vida, e que se volta
inexoravelmente contra ele”
241
. Revisita as cartas de sua falecida mãe e intitula tal empreita
como “Amar, depois de perder”
242
.
Para Drummond, a poesia que era participação social agora passa a ser participação
dentro da história do próprio indivíduo, relacionando o universal e o particular. Assim
identifica no indivíduo os ideais de seu tempo, ainda que desfigurados entre os fatos
rotineiros, perquirindo metafisicamente o presente numa metamemória, ou memória da
memória, como elemento conformador de sua consciência, ao perguntar pelos outros do
passado, mas indagando de si mesmo, num reprocessamento da existência para reincorporar
um tempo morto num tempo vivo, quando passa a ser um habitante no “país dos andrades”
243
.
Em 1952, um ano depois de escrever Claro Enigma e no dia em que comenta o
lançamento de Viola de Bolso, assume um verso de Victor Hugo como aquilo que o define:
“Une imobilité faite d'inquietude”
244
. Num balanço que faz desse ano, não se sente habilitado
a “julgar a vida” nem a si mesmo
245
. Uma década depois ainda diria: “Que é que tem sentido
afinal?”
246
[...] “para o varejo da vida, acho cada dia mais preferível decidir pelo sentimento
239
A principal obra de Proust se chama À la recherche du temps perdu em sete volumes, publicas em 1913 e
1927. No Brasil foram publicadas pela Jorge Zahar Editor como Em busca do tempo perdido. O autor utiliza a
técnica literária do flashback, fazendo com que o autor recue no tempo, e a partir da teoria da arte de que todos
somos potencialmente artistas, as experiências do passado são revisitadas para serem transformadas em algo de
maturidade e sabedoria.
240
CDA, Observador no Escritório, op.cit., em 20 de Março de 1947.
241
Idem, 31 de Agosto de 1947.
242
Idem, 03 de Janeiro de 1950.
243
No País dos Andrades, RP. Cf. ainda SANT'ANNA, pp. 95-96.
244
CDA, Observador no Escritório, op.cit., 28 de Março de 1952.
245
Idem, 31 de Dezembro de 1952.
246
Idem, 15 de Abril de 1962.
67
Capítulo II – A Trajetória Poética de Drummond
e ter pena de todos, em geral, inclusive de nós mesmos. Aprendi vivendo, e o aprendizado
continua”
247
. Publica, em 1962, Lição de Coisas, resgatando um pouco de sua ironia de
primeira fase, mas que para um de seus biógrafos é uma “película mitológica da
personalidade, da existência e da aventura poética e humana de Drummond”, não deixando
de ser uma certa resposta à crítica da poesia concreta de Haroldo de Campos, Mario Faustino
e Décio Pignatari
248
.
5.2. Trajetória bibliográfica da poesia metafísica
De toda a caminhada trilhada pelo poeta na vida, a única coisa de que tem certeza que
carrega consigo é que: “De tudo quanto foi meu passo caprichoso/ na vida, restará, pois o
resto se esfuma/ uma pedra que havia no meio do caminho”
249
. Um “Não” insensível que se
manifesta nas coisas, dando a impressão de um “sem sentido”
250
. Por isso mesmo de se
revisitar o passado para entender melhor seu futuro e, na sua condição de um desafio que
resiste, não é com claridade que se obtém a resposta enigmática da vida. Tampouco de se
render às mais espessas trevas, mas é um olhar “opaco” que o poeta lança para as coisas, um
olhar de “desencantamento”
251
do mundo, que detém na dificuldade, no escurecimento e no
obstáculo, entrelaçando a melancolia, o fechamento e a recusa simples, como forma de
refutação frente aos entraves do mundo. um recolhimento da utopia para um volta à
memória, uma procura do presente no passado, a fim de saber o que poderá se projetar
também no futuro, não se iludindo com o que não será, e assim, longe de um ilusório “vão
desenho” de si mesmo, pode-se amar o futuro
252
. Para o poeta a viagem pelo tempo
empreende uma pergunta pelo que permanece no tempo.
O poeta se põe em trânsito, mas não quer se apressar para não chegar despreparado, e
se põe a ruminar o tempo. Ao resistir o tempo da vida que se esvai, obriga-se a conviver com
o elemento mortal, implícito na própria vida. Não é ignorar a morte que permite à vida ser
melhor vivida, mas também a admissão da morte é parte da vida. É importante “saber ser” e
“não ser”
253
, pois momentos em que o “mundo não tem sentido”
254
e momentos em que
“tudo tem sentido”
255
. O momento em que mais se vive o “não ser”, quando o ser humano
247
Idem, 16 de Abril de 1962.
248
CANÇADO, Ibidem, pp. 267-280.
249
Legado, CE.
250
Memória, CE.
251
Sobre o desencantamento drummondiano cf. BISCHOF, Ibidem, op.cit., p. 11ss.
252
Contemplação no Banco, CE.
253
Oficina Irritada, CE.
254
Cantiga de Enganar, CE.
255
Maud, FQA.
68
Capítulo II – A Trajetória Poética de Drummond
sente que a sua única possibilidade de absoluto se esvai, é quando a frustração do amor,
pois sua ausência presentifica o “não ser”. A falta de sentido devido à falta do amor torna
pesada a mais ínfima pena. É aí, portanto, que deve-se empenhar a luta da paixão pela vida
contra a apatia de não amar, a luta de Eros contra Tanathos. É preciso “Amar a nossa falta
mesma de amor, e na secura nossa/ amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede
infinita”
256
, transformar o sinal de derrota que se vai consumindo a ponto de/ converter-se
em sinal de beleza no rosto de alguém/ que, precisamente, volve o rosto, e passa...”. O poeta
insiste em enxergar a beleza da vida não só quando o amor cria raízes profundas, mas também
em sua fugacidade [volve o rosto, e passa...], quando ele é uma possibilidade ainda não
concretizada, mas ainda assim presente enquanto possibilidade. Deve-se amar não somente o
amor em “ato”, mas o amor em “potência”, a capacidade humana de amar.
No amor que vence a contradição é que se a insistência da vida, aceitando a
precariedade e as impurezas do amor, mas sem deixar de procurar o que nele de infinito e
mais nobre. Assim, a verdadeira poesia é a que resiste à destruição e que constrói sobre as
ruínas, que desentranha do caos sua ordem, pois ainda “nas cinzas do amor perdura a
flama”
257
. Sant’anna em Drummond uma poesia-logos, que em sua “essencialização da
linguagem” sintetiza o homem e sua vida, permite uma reunião orgânica da existência e não
um amontoado de entulho
258
.
A poesia de Drummond resiste à morte e, como logos que unifica os elementos
caóticos no cosmos, é permanência dentro da destruição, pois a vida é impulsionada por uma
paixão pela vida, seja em seu momento mais sublime, seja em sua dor mais profunda. Por a
vida ser paixão é que somos afetados, e por isso a poesia elide sujeito e objeto”
259
, pois nasce
do envolver-se com aquilo que o afeta, sem coisificar friamente sobre o que poetiza, mas pelo
contrário, “penetrando” no reino das palavras, gerando uma “alquimia severa”
260
entre os
elementos da existência.
Nessa caminhada insistente de superar seus obstáculos [pedras], leva consigo o que é
indispensável para que a jornada não perca sua poesia. Recolhe poemas como uma Viola de
Bolso que carrega, como que canções que ajudam a resistir, sendo tais poemas/canções
dedicadas a grandes amizades, que por excelência permanece a todo tempo. Recolhe nessa
256
II/ Notícias amorosas – Amar, CE.
257
As Rosas do Tempo, Vb.
258
SANT’ANNA, Ibidem, p. 197.
259
Procura da Poesia, RP.
260
Retorno, FA.
69
Capítulo II – A Trajetória Poética de Drummond
fase o que para ele é a metapoesia, pois como “ficou chato ser moderno. Agora serei eterno/
[e] eterno é tudo aquilo que vive uma fração de segundo mas com tamanha intensidade que
se petrifica e nenhuma força o resgata” assim que pode percorrer passado-presente-futuro
como “uma esponja no caos e entre os oceanos do nada”,
261
como “uma tão íntima conexão
de ti mesmo e tua existência”
262
.
Sua poesia nesta fase em que passa a limpo a vida tem como matéria o “nada”
263
, a
pedra do caminho, e sua insistência em amar a vida apesar do “nada” é que permite “começar
a ver no escuro um novo tom de escuro” no enigma do homem
264
“que explode nos jogos
modernos de angústia”
265
.
Em Lição de Coisas, de 1962, volta para a Rosa do Povo ao identificar problemas
ainda não resolvidos daquela época e apela para a consciência de cada um, fazendo uso
consciente de uma “desordem” nos poemas, aspirando a uma “ordem individual”, atônito com
a “impossibilidade humana” de ser humano que anula a existência, a tal ponto que alguém de
fora deste mundo [um alienígena] teria medo
266
. Somado talvez à volta de um tempo ditatorial,
um tempo “sem contraste”,
267
comenta no prefácio:
O mundo de sempre, com problemas de hoje, está inevitavelmente projetado nessas
páginas. O autor participante de Rosa do Povo, a quem os acontecimentos acabaram
entediando, sente-se de novo ofendido por eles, e, sem motivos para esperança, usa
entretanto essa extraordinária palavra, talvez para que ela não seja de todo abolida de
um texto de nossa época.
Tempo esse em que surgem novos “deuses” para suprir a ausência de sentido, deuses
que nascem na “gruta de nossos defeitos”
268
, que criam O Novo Homem, “feito em
laboratório/sem qualquer defeito [mas que] acabou com o Homem”
269
. E “por fazer da glória
ancila de nós todos”
270
nega o irmão e segue “sozinho”, “seco”, “surdo”, “torto espinho”,
sem perceber que mata-se na morte do irmão e os “sonhos dissipam-se no projeto medonho”.
Contudo, diante de tanta desumanização, é das “lágrimas” que “emergem a vida pura”, pois
“a raiz do homem/vai tentar de novo/ o ato de amar/ Vai recomeçar./Vai
261
Eterno, FA.
262
A Luis Maurício, Infante, FA.
263
Nudez, VPL.
264
Especulações em torno da Palavra Homem, VPL
265
Pacto, VPL.
266
Science Fiction, LC.
267
Janela, LC.
268
Vi nascer um deus, LC.
269
O Novo Homem, Vp.
270
Aos Atletas, Vp.
70
Capítulo II – A Trajetória Poética de Drummond
continuar./Continuar.[quando “continua a amar”] “Ninguém mais o pode matar”
271
.
Depois de todas as suas conquistas é que o moderno deverá perceber que lhe resta a
“a dificílima dangerosíssima viagem de si a si mesmo: pôr o no chão [depois de ter posto
os pés na Lua]/ do seu coração/ experimentar/ colonizar/ civilizar/ humanizar/ o homem/
descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas/ a perene, insuspeitada alegria/ de
con-viver”
272
.
5.3. O sentido da vida na poesia metafísica de Drummond
Sua fase metafísica é resultado de uma redescoberta “antieuclidiana”
273
, que foge ao
encadeamento lógico da sociedade para um outra lógica. Aqui cidade e sujeito estão em
oposição: “o edifício barra-me a vista”
274
. Esta é a única certeza que se tem, de que a
impossibilidade e a fragilidade [pedra] estarão presentes
275
, mas não podem apagar as rosas do
tempo, a “flama do amor”
276
. Se a “pedra” da impossibilidade é um enigma indecifrável, o
amor é um “mistério que translumia o rosto”
277
“opacizado” pelas barreiras da vida. O vívido
“rosto”
278
desse “humano milagre do amor”
279
. A antologia do poeta é uma anti-logia
280
que se
pauta pelo amor apaixonado, “acima de toda razão”
281
, o “amor de todos a todos/ ofertando o
sentimento/ de que o mundo tem sentido”
282
, e que a própria busca é o sentido da vida, a
“humana condição no eterno jogo/ sem sentido maior que o de jogar”. O amor é que faz as
rosas [da esperança] florirem “que à vida imprime cor, graça e sentido”
283
, uma “razão
geral”
284
. Sendo o amor que confere sentido à vida, é ele que faz dessa “ilusão maior” [a de
que a vida tem sentido]
285
aquilo que permite “Nascer de Novo”
286
:
271
O Morto de Mênfis, Vp.
272
O Homem; As Viagens, IB.
273
Áporo, RP. O poeta faz menção ao pensador e matemático Euclides de Alexandria (ca 330-295 aC),
considerado pai da geometria por sua teoria de definir os elementos da natureza e suas relações através de
teoremas-mestres, que explicavam como eram as coisas. A geometria euclidiana imutável, simétrica e
geométrica acaba por ser vista como metáfora do saber, onde a verdade das coisas são eternas. Drummond irá
criticar exatamente esse conhecimento que não pode mudar, e essa “ilusão” de ordem do mundo. Disponível em:
<http://www.ime.usp.br/~leo/imatica/historia/euclides.html> Acesso em 03.mar.2007. 20h35.
274
Opaco, CE.
275
Legado, CE.
276
As Rosas do Tempo, VB.
277
Claro Enigma, VB.
278
Comunhão, FQA.
279
A Teresa, VB.
280
Antologia poética, VB.
281
O Seu Santo Nome, Co.
282
O Marginal Clorindo Gato, PM.
283
Amor, AAA.
284
Epitalâmio, AAA.
285
A Suposta Existência, PM.
286
Nascer de Novo, PM.
71
Capítulo II – A Trajetória Poética de Drummond
Eis que um segundo nascimento,
não adivinhado, sem anúncio,
resgata o sofrimento do primeiro,
e o tempo se redoura.
Amor, este o seu nome.
Amor, a descoberta
de sentido no absurdo de existir.
O real veste nova realidade,
a linguagem encontra seu motivo
até mesmo nos lances de silêncio.
72
Capítulo II – A Trajetória Poética de Drummond
6. Fim da trajetória drummondiana (1968-1987)
6.1. A última pedra no caminho do poeta
Nos últimos quase vinte anos de sua vida continuou no Rio de Janeiro, e saiu do
Brasil raríssimas vezes para visitar sua filha, no tempo em que residiu em Buenos Aires. Em
sua idade madura gozou de grande prestígio por sua genialidade poética, recebendo inúmeros
prêmios, e chegou a testemunhar a versão de sua obra para diversos países na América Latina
e na Europa, em países como Alemanha, Holanda e Suécia, dentre outros, havendo inclusive
em latim uma Carmina drummondiana
287
. Ainda em vida, por ocasião de seus 80 anos, houve
uma série de comemorações e o recebimento do título de Doctor Honoris Causa pela
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
288
. Dedica-se neste momento de sua vida às
crônicas jornalísticas.
Com o avanço da idade, sente muito a morte de pessoas queridas e confessa que com
isso “aumenta o vazio em torno”
289
. A doença de Maria Julieta, sua filha, o deixa muito
abatido. Ela vem a morrer em 05 de agosto de 1987, depois de dois meses de internação,
vítima de câncer. Morre junto com sua filha a vontade de viver de Drummond, chegando ao
fim sua existência doze dias depois, com problemas cardíacos.
6.2. O fim da trajetória e bibliografia póstuma
Um traço que se iniciou em sua poética e que continuaria ainda por muito tempo foi o
de “ruminar o tempo”, lançando ainda Boitempo II em 1973 e Boitempo III em 1979. Após os
60 anos, Drummond dedica-se com maior atenção às suas crônicas, e, conseqüentemente, sua
poesia também vai adquirindo um tom mais prosaico, como em Discurso de Primavera, de
1977, pois “a vida quando se recolhe aos livros/ é para voltar mais vida”
290
, e desse cunho
jornalista, “todo jornal/ de ser explosão/ de amor feito lucidez/ a serviço pacífico do ser”,
como uma explosão cósmica no mundo das palavras e dos fatos atingindo o caos e
reestruturando os cacos do cosmos, na palavra que “compõe/ decompõe/ recompõe”
291
.
Inicia aos 80 anos uma fase explicitamente apaixonada, em que a temática do erotismo
e do amor são predominantes, e apesar do amor querendo ser misturado às impurezas do
287
ANDRADE, Carlos Drummond. Carmina Drummondiana. versão para o latim de Silva Belkior. Rio de
Janeiro: Salamandra, 1982.
288
CRONOLOGIA DA VIDA E DA OBRA, p. LXXXI.
289
CDA, Observador no Escritório, op.cit., 11 de Novembro de 1964, sobre a morte de Cecília Meireles.
290
A Um Contemporâneo – I/ O Sábio Sorriso, DP.
291
A Casa do Jornal, Antiga e Nova, DP.
73
Capítulo II – A Trajetória Poética de Drummond
homem”
292
, é mesmo ainda “certo sentido de beleza/ e humanidade companheira”
293
. Mas não
é um amor etéreo, das Idéias, para além do corpo, mas sim no corpo, pois apesar de estar para
além dele, é no corpo que se o “romper” das barreiras da indiferença ao amor. É nele que
se “dá mastigados restos/ à minha fome absoluta”
294
. É o corpo que permite sentir o cosmos,
e a descoberta de um amor “sobre humano”
295
é precedida da descoberta de um amor natural.
Ele é a “estrutura de viver/ e de cumprir os ritos do existir”. Porque o corpo pode haver
“transcendência”, com ele é que o “ser inteiro e único”
296
. Se o corpo é a “prisão do
espírito”, é tal qual o “pássaro é livre/ na prisão do ar”
297
, ou seja, o corpo é a condição de
possibilidade de o espírito humano existir. Sendo a nudez o “último véu da alma”,
298
o amor
sexual é uma relação interior, o que para o poeta é uma grande verdade dizer que a eternidade
“é puro orgasmo”
299
.
6.3. O sentido da vida pulsante no fim da trajetória
Para Drummond este amor é vivido na maior concretude possível, o corpo é onde se
descobre a “linha do sentido universal”
300
. Nele os amantes
301
se fazem um
302
, por ele e com
ele os anônimos deixam de ser “hipóteses não formuladas no caos universal”
303
, “matéria
vã”
304
, e passam a ser irmãos devido à sua proximidade. Do contrário, ao desprezar o corpo na
vida se dirá: “Não amei bastante meu semelhante/ não catei o verme nem curei a sarna”
305
.
No corpo se esconde “a face intemporal de Eros”
306
que luta contra toda a forma de Tanathos,
292
A Festa do Mangue, PM.
293
A Visita, PM.
294
As Contradições do Corpo, Co.
295
Epitalâmio, AAA.
296
Missão do Corpo, Far.
297
Liberdade, Far.
298
O Minuto Depois, Co.
299
Mimosa Boca Errante, AN.
300
A Metafísica do Corpo, Co.
301
Por que é que o senhor não quer publicar os seus poemas eróticos? Responde CDA: “Por uma razão: até
hoje perdura uma onda de pornografia com a qual eu não queria que se confundissem os meus versos – que me
parecem limpos, não tem palavras chulas e vulgares e exprimem um sentimento amoroso que se completa com o
elemento espiritual e platônico e o elemento físico. Eu quis fazer uma síntese de modo a enobrecer as relações
eróticas do amor. E atualmente uma tal liberdade que vejo os grandes jornais burgueses do Rio usando a
palavra “tesão” como se fosse uma coisa normal. Quando eu era rapaz, “tesão” era uma palavra que a gente
dizia na roda de chope, na conversa, mas não se considerava uma palavra de bom português. uma fanzine,
uma dessas revistas alternativas de São Paulo, que se chama ‘Esperma de Baleia’. São coisas desse gênero.
Parece-me que a própria grande imprensa aderiu à pornografia – de uma forma ainda discreta mas, amanhã ou
depois, caminhará para uma abertura. Então a noção de arte, beleza e estética fica prejudicada por esse
conceito vulgar de um uso imoderado da linguagem” cf. NETO, p. 31.
302
Amor – Pois que é a Palavra Essencial, AN.
303
Reconhecimento do Amor, AAA.
304
O Combate da Luz, AAA.
305
Confissão, CE.
306
Eu Sofria quando Ela me dizia, AN.
74
Capítulo II – A Trajetória Poética de Drummond
pois “não pode a fera comigo/ quando estou, quando estou apaixonado”
307
. O corpo é a chave
que abre a porta para que o outro habite em mim, ele abre para o imenso/ Vai-me
empurrando e revelando/ o que não sei de mim e está nos Outros [...] é dentro de nós que as
coisas são”
308
.
A partir dele é que eu descubro a paixão pela vida e a sensibilidade pelo que mata a
vida, pois inocula-me seu patos/ me ataca, fere e condena/ por crimes não cometidos”
309
. O
desprezo pelo corpo se aninha no interior do humano, como verme do inumano, pois “dentro
de nós é que a favela cresce” e a paixão pela vida permite ver nela “gente que nem a
gente/ desejante, suspirante/ ofegante, lancinante./ O mandamento da vida explode em riso e
ferida”
310
. A paixão livra da insensibilidade da vida e convida à fraternidade, que o
comunismo não conseguiu realizar, pois não permite perceber que a “flor [da esperança
humana] sofre, tocada/ por mão inconsciente”
311
daquele que não descobriu o valor do corpo
porque não se apaixonou.
A paixão, essa capacidade de sofrer e amar que possibilita resistir às impossibilidades
do ser, quando descobre que o mundo também não é melhor poque o indivíduo não é melhor,
A pedra [que] é sofrimento/ paralítico, eterno”, passa a ser “a chave de unidade do
mundo”
312
quando descubro que sou responsável pelo sofrimento do outro, que também sofre
“como eu”. Isso é possível quando se sabe ler no outro sua “expressão corporal”
313
. Isso é
sinônimo de que se sabe “reconhecer” no outro a vida e o direito à vida, e por isso a
“instauração da paz [só pode vir com] o advento do amor”
314
entre pessoas/corpos.
307
Perturbação, Far.
308
A Chave, Co.
309
As Contradições do Corpo, Co.
310
Canções de Alinhavo, Co.
311
Candido compara “as mãos” em SM com símbolo da consciência social. cf CANDIDO, Vários Escritos,
op.cit., p. 125.
312
Unidade, Far.
313
Comunhão, FQA.
314
Natal de 1975, PE.
75
Capítulo II – A Trajetória Poética de Drummond
7. Deus e o Sentido da Vida na poesia de Drummond
Na questão da fenomenologia da poética drummondiana, pretendeu-se verificar as
escolhas do poeta como o que é significativo para a vida. Nesse aspecto, a questão Deus é
também abordada, numa tentativa de traçar na trajetória poética de Drummond o lugar que
Deus ocupa na sua poesia em relação ao sentido que conferiu à sua vida.
Em sua experiência de expulsão do colégio por “insubordinação mental”, Drummond
conheceria uma face de Deus até então desconhecida: 1) a de um Deus surdo ao seu clamor:
“Meu Deus, porque me abandonaste” e; 2) insensível à fraqueza humana [“se sabias que eu
não era Deus/ se sabias que eu era fraco”
315
], ou seja, apático à “pedra no meio do caminho”.
Deus é distante, fica no alto
316
, no “alto do morro” para onde se dirige a procissão de romeiros
que sobem a ladeira, também cheia de “pedras”
317
. É um Deus que o povo o procura, mas
procura “tortamente”, pois enquanto os romeiros pedem insistentemente, Jesus “dorme
sonhando com outra humanidade”
318
. uma estranha relação entre o indivíduo e Deus. Este
tem a predominância da vontade sobre todas as coisas, mas ao mesmo tempo parece não
conseguir que ela se realize. também no céu melancolia, “tristeza de Deus”, quando Ele
se pergunta: Por que fiz o mundo? e responde: “Não sei”
319
. O amor está tão imerso nas
impurezas humanas, e Deus é tão estranho e confuso que não se pode dizer com certeza se foi
Deus ou o diabo que “me deu um amor”
320
.
Na antropologia drummondiana, o gauche tem sede de Deus e o procura, mas não
entende por quê Deus não se deixa alcançar ou não o auxilia em seu desejo de ir para o céu.
Abandona-o na contradição humana de seu drama e sua fraqueza: “Perdi o bonde e a
esperança [...] Entretanto há muito tempo/ nós gritamos: sim! ao eterno”
321
; “Essa ânsia de ir
para o céu/ e de pecar mais na terra”
322
; “Vontade de praticar libidinagens, de ser/ infeliz e
rezar”
323
. Por vezes é compreensível que em meio aos pecados Deus me abandone: “Deus me
abandonou no meio da orgia [...] Estou perdido”. Mas em outras horas, simplesmente
abandona: “Deus me abandonou no meio do rio/ Estou me afogando”
324
.
315
Poema de Sete Faces, AP.
316
Igreja, AP.
317
Idem.
318
Idem.
319
Tristeza no Céu, Jo.
320
Campos de Flores, CE.
321
Soneto da Perdida Esperança, BA.
322
O Vôo sobre as Igrejas, BA.
323
Girassol, BA.
324
Um Homem e seu Carnaval, BA.
76
Capítulo II – A Trajetória Poética de Drummond
Num momento de desgaste o poeta também resolve abandonar Deus: “Meu amigo,
vamos/ vamos beber/ vamos ler jornal/ vamos dizer que a vida é ruim/ meu amigo, vamos
sofrer”
325
; “Não ame[...] Não diga nada [...] Não conte [...] Não peça”
326
. O certo é que, no
tempo de tanta dor desumana, esse Deus apático à dor humana é dispensável para o tempo da
desolação: “Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus./ Tempo de absoluta
depuração. /Tempo em que não se diz mais: meu amor./ Porque o amor resultou inútil./ E os
olhos não choram./ E as mãos tecem o rude trabalho./ E o coração está seco.[...]/ A vida
apenas sem mistificação”
327
. Durante toda a sua fase de poesia social, Drummond
praticamente ignoraria a questão Deus
328
.
Abandona Deus para sua tarefa de encontrar um sentido para a vida, e passa a lutar
com as palavras, que é a “luta mais vã”, mas “me desafias” e “aceito o combate”, lutando
“corpo a corpo” em meio a um “sapiente amor me ensina a fluir/ de cada palavra/ a
essência captada [...] ó palavra [...] que toda me envolve/ Tamanha paixão/ e nenhum
pecúlio”
329
. O poeta sabe que as palavras podem também confundir e nada explicar, mas se
descobertas em toda sua “tamanha paixão” que podem carregar, nelas encontra o amor que
dá sentido ao caos da existência.
É somente em seu momento metafísico de revisitar o tempo que irá se deparar
novamente com a questão de Deus, quando apresenta as razões de sua recusa em dois poemas:
Máquina do Mundo, um poema tipicamente dantesco, em versos tercinos que representam o
Deus Tri-Uno dos cristãos. Alusão literária essa, pela qual inicia inclusive sua poesia, como
que rememorando de fato os passos dados, para concluir em Relógio do Rosário, símbolo da
antiga catedral itabirana, que ainda hoje faz divisa com o quintal de sua antiga casa, para ser
utilizado como crítica ao Deus “relojoeiro”
330
de Newton, que cria o universo como um
relógio e não mais interfere em seu curso.
Em Máquina do Mundo o poeta se apresenta palmilhando” as coisas do tempo,
tateando como quem procura em estrada “pedregosa” em toda a estrada percorrida e marcada
pela fragilidade humana diante de toda impossibilidade de ser, num momento de procura de
325
Convite Triste, BA.
326
Segredo, BA.
327
Os ombros suportam o Mundo, SM.
328
As duas únicas vezes que se refere à Deus é em Os Ombros que suportam o Mundo, SM para dispensá-lo e
em Tristeza no Céu, Jo para mostrar como o mundo dos homens se tornou tão caótico, que se houvesse um Deus
ele mesmo se arrependeria de ter feito.
329
O Lutador, Jo.
330
Sobre o Deus de Newton Cf. SEGUNDO, Juan Luis. Que Mundo? Que homem? Que Deus?
aproximações entre Ciência, Filosofia e Teologia. São Paulo: Paulinas, 1995, pp. 165-169.
77
Capítulo II – A Trajetória Poética de Drummond
claridade na escuridão [no céu de chumbo] que vinha dos montes de seu “próprio ser
desenganado”. Nesse tempo, a “máquina do mundo se entreabriu [...] toda uma realidade
que transcende”, convidando-o como ovelha de um novo rebanho a se alimentar desse “pasto
inédito” de uma “natureza mítica das coisas”, da qual havia se desgastado em procurar. A
máquina lhe dizia algo, embora sem emitir “voz alguma”, “sopro” ou “eco”:
O que procuraste em ti ou fora de
teu ser mesmo restrito e nunca se mostrou,
mesmo afetando dar-se ou rendendo,
e a cada instante mais se retraindo,
olha, repara, ausculta: essa riqueza
sobrante a toda pérola, essa ciência
sublime e formidável, mas hermética,
essa total explicação da vida,
esse nexo primeiro e singular,
que nem concebes mais, pois tão esquivo
se revelou ante a pesquisa ardente
em que te consumiste... vê, contempla,
abre teu peito para agasalhá-lo.
O poeta fica atônito com o que entrevê e o chama a participar de seu “reino augusto”,
mas, relutando em responder, mesmo no anseio de ver desvanecida a “treva espessa”, a
aceitação do mistério convoca “defuntas crenças” que passariam a “comandar minha
vontade”. E, como esse “dom tardio” que não conheceu no tempo de sua “busca ardente”
não mais lhe é “apetecível”, desdenha acolher a “coisa oferta que se abria gratuita” a seu
engenho, momento em que a “treva mais estrita” pousa sobre a pedregosa estrada, e o poeta
prossegue “avaliando o que perdera” diante da “máquina do mundo, repelida”.
Drummond parece rejeitar essa total explicação da vida” que se apresenta perfeita
demais numa “estranha ordem geométrica de tudo”. Estranha porque sua poesia é
testemunho de uma esperança antieuclidiana
331
, como no dizer de um poeta conterrâneo seu:
“Tu caminhasdo Caos ao Cosmos – Carlos”
332
. E essa evocação de uma ordem perfeita das
coisas parece ser reflexo das “defuntas crenças” colocadas em questão em Relógio do
Rosário, onde transparece a paixão do poeta pela vida, solidário a toda dor do mundo:
Era tão claro o dia, mas a treva,
do som baixando, em seu baixar me leva
pelo âmago de tudo, e no mais fundo
decifro o choro pânico do mundo,
331
Áporo, CE.
332
ACCIOLY, Marcos. Ó (DE) ITABIRA. Rio de Janeiro: Jose Olympio, 1980, p. 20.
78
Capítulo II – A Trajetória Poética de Drummond
que se entrelaça no meu próprio choro,
e compomos os dois um vasto coro
Oh dor individual [...]
dor de tudo e de todos, dor sem nome [...]
dor do rei e da roca, dor da cousa
indistinta e universal [...]
dor dos bichos [...]
dor do espaço e do caos e das esferas,
do tempo que há de vir, das velhas eras!
A diferença desse Deus, símbolo da ordem e do triunfo como em Camões
333
, tal como
uma máquina, tal como um relógio que funciona perfeitamente, soa ao poeta uma imagem
radicalmente contraditória, sendo Ele um Deus apático à toda dor humana, “insensível
trindade”
334
, diferente do poeta que é profundamente afetado pela dor da existência. Como
pode Deus ser tão distante da dor humana? E o poema prossegue colocando em cheque essa
visão de Deus de uma leitura aristotélica reduzida:
Não é pois todo amor alvo divino,
e mais aguda seta que o destino?
Não é o motor de tudo e nossa única
fonte de luz, na luz de sua túnica?
O amor elide a face... Ele murmura
algo que foge, e é brisa e fala impura.
O amor não nos explica. E nada basta,
nada é de natureza assim tão casta
que não macule ou perca sua essência
ao contato furioso da existência
[...]
a provar a nós mesmos que, vivendo,
estamos para doer, estamos doendo.
Como pode esse “motor” [imóvel]
335
, amor-gerador, ser tão perfeito que a dor de sua
criação não o afeta? Como pode ser luz em meio às trevas, se com delas distante está? Esse
333
Camões em Os Lusíadas, apresenta a máquina do mundo que se abre em momento triunfante aos nautas
lusitanos por concluírem sua empreitada. cf. CAMÕES, Luís Vaz de. Os Lusíadas, pp. 94; 149 In Biblioteca
Virtual do Estudante Brasileiro. Disponível em: <http://www.bibivirt.futuro.usp.br>. Acesso em: 14.abr.2007.
20h44.
334
Tiradentes (Com muita honra), IB.
335
Em Aristóteles (384 322aC) Deus é o “motor imóvel” que gera todo movimento e uma outra expressão que
o filósofo usa para expressar essa imutabilidade de Deus é Qeo,j a``paqikh, cf. Metafísica, XII, 1073. Em outro
poema o poeta também fara menção a esse “Deus-motor” cf. Presépio Mecânico de Piriripau, BT.
79
Capítulo II – A Trajetória Poética de Drummond
amor “casto” que não se permite ser afetado pelo “furioso contato” da dor humana é
impossível, esse amor “que foge” é “fala impura”, pois ser humano é participar da
experiência de doer, e a paixão [humana] sabe o que é sofrer pelo outro. O amor é uma
fogueira a arder no dia findo”, que tal como o fogo é impossível não sentir, ele deixa
“gravado seus hieroglifos”
336
. Um Deus que ama e não sabe o que é o sofrer do amado “não
nos explica” nada pois “nada é de natureza assim tão casta”, portanto, que fique assim “no
alto”, “lá longe” do humano, nessa estranha ordem [geométrica]: “Por que Deus [que dizem
ser amor] se diverte castigando?”
337
. Nem mesmo aqueles que se dizem seus representantes
conseguem viver tal perfeito amor: seus pastores deixam de pastorear para faturar”
338
; se
Deus é apático, a paixão do padre por uma mulher “queima como fogo” e “Deus não os
socorre”
339
. Além do que tais padres parecem estar distantes demais da compreensão do
drama do poeta
340
. Esse amor não é possível na condição humana, porque a indiferença à dor é
desumana. Essa indiferença está na raíz de um tempo marcado pela morte, pelo sofrimento,
pela guerra; essa indiferença foi alvo da poesia social do poeta e por isso trata com “antipatia”
essa visão “apática” de Deus. Essa é a razão de sua “Recusa”, conforme o poema de mesmo
nome, devido a esse “obedecer como um cadáver [que] tanto vale morrer como viver”, pois é
um Deus indiferente à dor humana. Por isso mesmo: Bem faz Padre Filippo: /cansado de
obedecer, vai dar o fora/ para viver num mundo largo/ a fascinante experiência de só receber
ordens/ do seu tumultuoso coração”
341
. a liberdade pode garantir a presença da sua irmã, a
responsabilidade
342
. Essa obediência cadavérica é fruto do medo, da crença defunta em um
Deus infernal
343
: “Seu nome (e tremo [ao ouvir]) é Deus do catecismo”
344
.
O poeta itabirano parece dar por encerrada a questão de Deus ao publicar Claro
Enigma
345
. Entretanto, o que parece realmente eliminar não é Deus em si como um mistério
percebido no “coração de um distraído agnóstico”
346
, pois esse parece transparecer na vida
336
Entre o Ser e as Coisas, CE.
337
O Padre, A Moça, LC.
338
Triste Horizonte, DP.
339
O Padre, A Moça, LC.
340
Vou fazer para você uma confissão geral, que não fiz ao padre, porque embora eu seja católico, acho que
este senhor não tem nada com a minha vida [...]Será o que Deus quiser, sem essa vontade férrea de extrair
felicidade de tudo” sobre ser escritor ou não. cf. CDA&MA, Carta s/n de CDA, Itabira, 01-04-1926.
341
Recusa, BT.
342
Conversa de Amigos, AAA.
343
Desde o primeiro livro, Drummond menciona a pregação do “padre que fala do inferno/ sem nunca ter ido
lá” cf. Igreja, AP; bem como em sua fase metafísica menciona “missionários estrangeiros” que “trazem um
inferno mais terrível”, cf. Sentimento de Pecado, BT.
344
Ele, BT.
345
Sobre o livro como “uma fase encerrada na vida de um cidadão” In CDA&MA, Carta 103 de CDA, Belo
Horizonte, 01.01.1931.
346
Um Lírio, por acaso, DP.
80
Capítulo II – A Trajetória Poética de Drummond
dos santos que ele sempre admirou. Fala das Teresa’s (de Ávila e Teresinha) como humano
milagre do amor”
347
apesar de esta última nunca o ter ouvido
348
. De São Francisco,
349
por seu
amor que o faz inclusive reconhecer sua limitação: “Não creio em vós para vos amar [por
isso] dai-me, Senhor, a só beleza”
350
. Chega até mesmo a reconhecer em Maria, mãe de Jesus,
o “sentimento do universo/ contido em simples escultura”, como pastora daqueles de “passos
incertos”
351
e que a todos acolhe, “entre humildes e poderosos”
352
. Também olha com respeito
e devoção seus amigos católicos poetas, como Alceu Amoroso Lima, que o chama de “servo
de Deus/ servo do amor, que é cúmplice de Deus”
353
. Na poesia de Murilo Mendes parece
enxergar a superação desse “Deus pagão”
354
. O poeta parece ter um certo apreço pela
chamada Igreja “popular” ou da “libertação”, pois ao ler um boletim da Arquidiocese de
Itabira de Dom Marcos Noronha sobre o perigo do comodismo e da ganância, que se dirigia
visivelmente às elites beneficiadas pela Companhia Vale do Rio Doce, reescreve a carta como
crônica chamada “Inventário da Miséria”. Também em um de seus poemas menciona Dom
Hélder como aquele que “pregava a caridade”
355
, bem como acompanha a trajetória de Paulo
VI e o rebuliço episcopal da época
356
357
.
Esse Deus que Drummond irá rejeitar, o “Deus do catecismo” tem várias caricaturas
em sua poesia. Em Impurezas do Branco, junto com toda denúncia de hipocrisia, fala desse
Deus de estranha “Kom Unik Assao”, que precisa ser salvo da sua terrível
“inkomunikhassao”
358
; esse Deus que não sabe o que faz
359
e que põe medo
360
nas pessoas
347
Teresa, VB.
348
Um Lírio por Acaso, DP.
349
“Tenho sentido uma comoção nesses dias do 7º. Centenário de São Francisco de Assis. Que santo gostoso
para gente gostar dele, Mário![...] A vida dele foi um êxtase. E sua vida foi sua melhor poesia. Eu vim a
compreender isso tudo quando li que Pio XII afirmar ser ele, depois de Cristo, o 1º. Cristão do mundo. É isso
mesmo, como sou pouco católico, mas muito religioso, fiquei feliz meditando sobre São Francisco” cf.
CDA&MA, Carta s/n de CDA, Itabira, 07-10-1926
350
Estampos de Vila Rica – II/São Francisco de Assis, CE.
351
Divina Pastora, VB.
352
A Voz, DP.
353
Alceu, Radiante Espelho, AAA.
354
Murilo Mendes Hoje/Amanhã, DP; cf. ainda Reunião em Dezembro, AAA.
355
HF, VP.
356
A Semana foi Assim, AAA.
357
Em seu acervo pessoal, doado ao Memorial Carlos Drummond de Andrade em Itabira, sua terra natal, além
de Imitação de Cristo e de obras de San Juan de la Cruz, havia informativos da Arquidiocese de Itabira; o livro
O Negro e a Igreja de João Evangelista Martins Terra; Igreja Popular de Boaventura Kloppenburg de 1983; As
Aventuras de um Menina Negra em Busca de Deus do escritor, dramaturgo e socialista irlandês Bernard Shaw. A
idéia de uma Igreja mais “progressista” parece ter chamado a atenção do poeta. Em um de seus poemas
menciona a TFP [Sociedade Tradição Família e Propriedade] a combater cursilhos”, bem como menciona que
“teólogos holandeses observam: Jesus jamais se declarou Deus” cf. Diamundo – 24h de Informação na vida do
Jornaledor, IB.
358
Ao Deus Kom Unik Assão, IB.
359
Rifoneiro Divino, PM.
360
Em uma entrevista pergunta-se ao poeta Qual o grande medo de Carlos Drummond de Andrade aos oitenta e
81
Capítulo II – A Trajetória Poética de Drummond
como todas as demais instituições de seu tempo. Portanto, uma fidelidade de “falso amor”
361
faz o povo brasileiro ter o “vício de esperar tudo da oração”
362
e nada fazer para mudar.
Ao rejeitar a defunta crença, conforme entende o poeta, emerge o Mistério da infinita
benevolência de Deus”
363
, pois para ele o “Amor é estado de graça”
364
e “sempre nascemos
pelo amor”
365
e não pela “miopia”
366
da verdade
367
. Esse Deus apático, não há “como entendê-
lo?”
368
, a não ser que Deus seja “canhoto” e “criou com a mão esquerda: Isso explica, talvez,
as coisas deste mundo” torto, um Deus que caminhasse na trajetória do poeta, também
gauche.
cinco anos? A resposta: Medo, propriamente, não tenho, porque não tenho religião. Não tenho partido
político. Vivo em paz com meu critério moral e minha consciência. Cf. NETO, p. 56.
361
HF, Vp.
362
Prece do Brasileiro, Vp. Talvez Mario de Andrade também tenha influência para essa crítica, pois coincide
com o conteúdo de uma de suas cartas enviadas ao poeta mineiro:“nada de esperar a graça divina de braços
cruzados [...] a graça divina depende da nossa cooperação, dizem os tratadistas católicos” cf. CDA&MA,
Carta 4 de MA, São Paulo de 1924.
363
Deus, Brasileiro?, PE.
364
Flor Experiente, Co.
365
O Cachorrinho de Poliéster, PE.
366
Verdade, Co.
367
Sobre a pergunta “Deus existe?”, responde: A mim é que você pergunta? [Ri] O que é que eu posso dizer? Eu
sei lá! Não tenho nenhuma prova de que ele existe. Você acha que ele existe? É opinião sua. Quem afirma que
ele existe ou não existe emite uma opinião puramente pessoal, porque não nenhuma base científica para
afirmar ou para negar a existência de Deus. O que se pode verificar imediatamente é que existe uma ordem
natural, uma organização do universo físico. E essa organização por uns é atribuída a um espírito superior
chamado Deus. Por outros é atribuída a um mistério que a natureza vai sucessivamente deslindando mas
ainda está muito longe de esclarecer de todo. Fico no meio. Considero-me agnóstico. Sou uma pessoa que não
tem capacidade intelectual e competência para resolver o problema infinito que é se existe ou não existe uma
divindade”. Cf. NETO, p. 57.
368
Deus e suas Criaturas, Co.
82
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
O DESMONTE DE UMA TEOLOGIA APÁTICA
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
CAPÍTULO III
O DESMONTE DE UMA TEOLOGIA APÁTICA
O cristianismo deve defender o humano e o poético
Karl Rahner
Como se viu, o tema de Deus encerra a trajetória poética de Carlos Drummond de
Andrade. E apesar de ser ter uma imagem positiva da divindade, de um Deus que perdoa
369
,
permanece no poeta, não uma visão clara deste Deus, tampouco um olhar tenebroso, mas uma
visão opaca Dele. Esse olhar sobre Deus é obscurecido pela contradição que entre Seu
modo harmonioso e euclidiano de ser e a duvidosa soberania de sua vontade. Tal vontade,
longe de ser soberana, é a priori ignorada pela grande maioria das pessoas, que com ela não
se importam, quando muito admitem-na como forma de resignação do momento de
“provação”, de pedra no meio do caminho. Esse Deus deve ser chamado de Brasileiro ou
talvez carioca. Por Brasileiro é possível ler, em paralelo, uma metáfora da imagem de Deus
cunhada em Impurezas do Branco, livro de clara intenção crítica ao pensamento metafísico,
no qual o próprio Deus havia sido aprisionado numa mania de lógica. Na estrofe em que
afirma tal brasilidade de Deus, Drummond menciona que “...quando o sol de ouro irrompe/
na ressurreição do dia e da carne/ sentimo-nos puros, pecadores/ privilegiados por Deus,
que é brasileiro ou talvez carioca”
370
. Essa passagem corresponde a parte do poema
denominado Brasil, uma mescla profunda que envolve todas as aparentes contradições que
renasce em confuso amanhecer, de alma ofertante/ e angústias sofreadas/ injustiças e fomes
e contrastes [...] meu passo vai seguindo/ no zigue-zague dos equívocos”
371
. A possibilidade
de Deus ser carioca parece corroborar à idéia aqui apresentada de um “atrapalhado Rio de
Janeiro”
372
, logo, um Deus atrapalhado, ou melhor, amalgamado de contradições em seu
modo de agir nada lógico apresentado na seqüência de “Deus, Brasileiro?”: “Somos
pecadores, porém Cristo/perdoa [...]/Somos pecadores, mas prostramo-nos/ ante a infinita
benevolência/de Deus[...]. Esta expressão antes de parecer uma lógica de misericórdia de
Deus, parece ser sinal de contradição, pois quando o sol irrompe “sentimo-nos puros” e
“pecadores”. Essa aparente “misericórdia” não representa o nascer de uma nova vida, mas
um “confuso amanhecer”
373
, como é próprio da imagem de Deus em Impurezas do Branco.
Ora a grande contradição diante das ilusórias afirmações puramente positivas da vida
369
Deus, Brasileiro?, PE.
370
Idem.
371
Canto Brasileiro, IB.
372
Textos mínimos, PC.
373
Canto Brasileiro, IB.
84
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
[branco] é não perceber ou não querer perceber seus contrários [impurezas] presentes de um
modo todo especial dentro deste momento da história que relativiza toda afirmação pois
“todo lugar é ponto de ver e não de ser”
374
. Um Deus apresentado “euclidianamente”, que
funda toda a sociedade, tem como problema raiz o fato de estar “lá do alto da montanha”
375
,
e é de que “Cristo perdoa”, acima de todas as pedras
376
, “no “mais alto ramo [...]
indiferente as coisas [pois pensa que] tudo se acomoda à sua vontade”
377
.
Para o poeta, “graça” é o amor que necessariamente pede o corpo de um outro e tem
os pés sob o chão em que pisa; nesse caso o amor humano é coisa da terra, muito distinta do
casto amor de um Deus distante e indiferente, uma vez que amar também é sofrer. Se Deus
não conhece o sofrimento, também não conhece a obra de suas próprias mãos, e, sendo
bondade, não consegue eliminar aquilo de que se arrepende de ter criado, e vai perdoando os
seus pecados de seus filhos. Numa distância tão grande entre céu e terra “como viver o
mundo/ em termos de esperança?/ E que palavras é essa/ que a vida não alcança?”
378
. Tendo
os pés na terra é “com leveza e graça/ [que] o homem pensa Deus” a fim de chegar “no mais
alto ramo/ [onde] Deus está pousado com uma garra apenas”
379
? Que ajuda pode oferecer
esse Deus à vida tão concreta?
Este é o grande impasse da questão de Deus tal qual apresentada pelo Cristianismo.
Como um Deus “acima de todas as pedras” pode ser o fundamento da sociedade e do devir
humano que é marcado sempre por uma “pedra no meio do caminho”? Esta “pedra [que] é
sofrimento/ paralítico, eterno”
380
impede que o ser humano, em seu claro-escuro existencial,
de conhecer a Deus, como tampouco parece que esse Deus cristão-metafísico demonstra ter
algum conhecimento do ser humano: “Que coisa é o homem? [...] um ser metafísico? [...]
Sabe Deus do homem?”
381
. Uma vez que esse Deus não conhece o ser humano e este
obviamente também não, a atitude mais sensata é ser agnóstico
382
. Um Deus apático,
indiferente a todas as coisas e ao desejo humano precisa ser removido. Ora, o poeta sabe que
com isso está removendo os pilares da sociedade tradicional, para que sobre aquilo que
permanecer [o essencial], possa ser reconstruído [As ruínas/ formaram outra cidade em
374
Origem, LC.
375
Deus, Brasileiro?, IB.
376
O poeta parece retomar em Impurezas do Branco a imagem prototípica de Deus em sua poesia, presente na
primeira fase em Igreja, AP.
377
Versos de Deus, PM.
378
Viver, IB.
379
Versos de Deus, PM.
380
Unidade, Far.
381
Especulações em torno da palavra Homem?, VPL.
382
Um Lírio, Por Acaso, DP.
85
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
ordem definitiva
383
] uma nova sociedade e um novo ser humano e, quem sabe “criar [um
novo] Deus”
384
. A vontade apática de Deus não serve para outra coisa senão para gerar a
angústia da vida e a resignação com o sofrimento, pois nem mesmo o Filho de Deus pareceu
comover o próprio Deus. A religião, nesse caso, com todas as suas expressões, atua como
“funcionário desse Deus”
385
para continuar sua empresa malfadada. Por hora, esse Deus
apático e sua vontade igualmente apática são a grande pedra do caminho da humanidade
386
:
O único assunto é Deus
o único problema é Deus
o único enigma é Deus
o único possível é Deus
o único impossível é Deus
o único absurdo é Deus
o único culpado é Deus
e o resto é alucinação
1. Ser humano – homo patiens
Para a teologia parece que o indivíduo e seu desejo de autonomia, sejam a maior
invenção da modernidade e, ao mesmo tempo, seu mais alto desafio por inaugurar uma nova
complexidade de problematização. Disso resulta um divisor de águas que trarão implicações
em toda sociedade, como um novo modo (do latim: modus, modernum, modernitas) de viver
e significar o presente.
Essa ruptura se deu no próprio universo simbólico antigo-medieval que configura
basicamente a realidade do homem, do mundo e da transcendência, atingindo a estrutura de
seu sistema teórico teológico, traduzindo-se numa inversão da ordem dos símbolos de sua
orientação transcendental para uma radical imanência. A razão moderna, embora não se
restrinja a mera transposição das categorias teológicas cristãs, retira do espaço da
transcendência, os arquétipos teológicos tradicionais e os mergulha na imanência do
acontecer histórico
387
. A história do poeta itabirano traça o mesmo movimento que a História
do Ocidente dispensando o Qeo,j a``paqikh, para fundamentar a existência a partir de uma
383
Desabar, IB.
384
Idem.
385
Funcionário de Deus é como chama Antonio Francisco Lisboa, mais conhecido como “Aleijadinho” e o
compara a uma “angústia em forma de gente”, essa “angústia em forma tosca de gente” cf. CDA. Cadeira de
Balanço In Prosa Seleta. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 2003, pp. 515-516.
386
Único, IB.
387
Aqui segue-se a posição de Vaz cf. VAZ, Ibidem, op.cit., pp. 26-27; pp. 171-191; cf. ainda como a origem do
advento da modernidade pode ser relacionada ao século XII, numa espécie de “pré-modernidade” a partir da
reforma gregoriana, num contexto de conflito entre os juristas pontifícios e os imperiais, na busca de
“autonomia” da Igreja face o Império, em que a prática do direito e da reflexão jurídica uma vez que a
autoridade do direito não vem do acumulo de textos, ou da autoridade dos redatores, mas sim do julgamento
probo da razão habituam a razão a descobrir e utilizar seus próprios recursos, inclusive no referente a fé. cf.
LAFONT, Ibidem, op. cit., 2000, pp. 113-168.
86
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
essência analogamente apática, bem como também recusa a fortituto cartesiana
388
de uma
razão forte [também apática] para dominar a paixão humana. Essa visão cartesiana
demasiadamente otimista da razão, foi gravemente questionada por Sigmund Freud, ao
descobrir o inconsciente e toda a força colossal que esse exerce sobre o comportamento do
indivíduo. Essa descoberta põe em cheque a pretensão da autonomia individual, chegando
mesmo a identificá-la como uma espécie de “inimigo da civilização” [Feind der Kultur]
389
.
Devido as “paixões instintivas” do indivíduo que são mais fortes que os “interesses
razoáveis”, a “civilização [modernidade]
390
tem de utilizar esforços supremos a fim de
estabelecer limites para os instintos agressivos do homem”. Tal civilização/modernidade
teve que defender-se contra o indivíduo através de regulamentos, instituições e obrigações
391
.
O “impulso de liberdade”, portanto, acaba se voltando contra as “formas e exigências
específicas da civilização” ou contra a “civilização em geral”, dando a “impressão” de que
civilização é algo “imposto” a uma “maioria” por uma “minoria [que] compreendeu como
obter a posse dos meios de poder e coerção”, gerando para primeira uma espécie de “mal-
estar” [Unbehagen], proveniente de um excesso de ordem imposto sobre sua liberdade
392
.
Apesar de Freud desmascarar essa ilusão da autonomia racional do indivíduo, o pai da
psicanálise a “paixão” [Leidenschaften] reduzindo-a ao desejo da libido, sendo ela como
que o pivô da psico-patologia, da qual os “argumentos” da razão nada podem contra ela
393
, e
portanto, o Super-Ego [Über-Ich] é responsável por interiorizar todo o mecanismo externo de
repreensão da sociedade, conscientizando o indivíduo sobre um modo de viver mais
388
René Descartes (1596-1650) propõe como remédio da paixão, a dominação pela fortituto da vontade. Essa
força determinada tem por fonte a reta razão, que ao criar consciência do melhor juízo deve se lançar em
cumprir o que compreendeu como melhor para a retidão da vontade até se atingir o habitus, que deve ser
acompanhado pela generosidade na estima de si mesmo, por saber-se falível. Tem-se conseqüentemente, com a
aceitação do modelo cartesiano de pensamento e metodologia científica, um neo-estoicismo onde tudo deve ser
subordinado à razão, e de modo especial a paixão, por ser ela não raro aquela que faz o homem perder a razão,
uma espécie de doença intelectual que lança a alma num conflito de opiniões falsas. Quando Descartes se
apropria da fortituto ele o faz tomando de empréstimo de Tomas de Aquino, que por sua vez extrai de Cícero
(De Inventione, II, 54: Fortituto est considerata periculorum susceptio et laborum perpessio”) e Aristóteles
(Ética a Nicômaco, III, 9, tendo como equivalente da fortituto latina a andrh,a [coragem] grega sendo peri taj
u;pomonaj), ou seja, uma espécie de coragem militar e virtude heróica ciceroniana combinada a uvpomonh,
[esperança] aristotélica como ação de resistir e ter audácia de suportar. DESCARTES, René. As Paixões da
Alma Um tratado sobre as emoções humanas em 212 temas. São Paulo: DPL Editora, 2004; SOLÈRE,
Jean-Luc. Remediar as paixões: da fortituto antiga e medieval à “resolução”cartesiana In PAM, pp. 243-283.
389
FREUD, Sigmund. Die Zukunft einer Illusion In Kulturtheorische Schriften. Frankfurt am Main: S. Fischer
Verlag, 1974, p. 140.
390
Bauman identifica em Freud no conceito de civilização [Kultur] a modernidade cf. BAUMAN, Zigmunt. O
Mal-Estar da Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998, pp. 7-11.
391
Idem: “Die Kultur muß also gegen den Einzelnen verteidigt werden, und ihre Einrichtungenm Instituitionen
unde Gebote stellen sich in den Dienst dieser Aufgabe”.
392
FREUD, Sigmund. Das Unbehagen in der Kultur In Kulturtheorische Schriften. Frankfurt am Main: S.
Fischer Verlag, 1974, pp. 191-270.
393
“Daß Argumente nichts gegen ihre Leidenschaften vermögen”cf. FREUD, Die Zukunft einer Illusion, op.cit.,
p. 142.
87
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
adequado [civilizado] aos valores civilizacionais da sociedade
394
.
Drummond sabe onde chega a contradição dessa sociedade moderna: “O pensamento
é livre, está se vendo/ mas não se deve usá-lo nem dizê-lo/ [ao passo que] des-pensar rende
alto dividendo”
395
. Exatamente por isso admira personalidades como “D. Hélder Câmara”,
esse “perigoso agitador” que “pregava a caridade”
396
. A sociedade cheia de seus ideais, que
foram os ideais do próprio poeta, não atingiu seus propósitos, ao contrário, pareceu caminhar
contra o ser humano, sendo responsável por duas Guerras Mundiais, o enriquecimento do
ricos à custa do maior empobrecimento dos pobres, a destruição do planeta pela ganância do
lucro... Drummond acompanhou todo desencanto dos ideais modernos. O poeta com seu
envolvimento com a esquerda militante sabe que “promessa aqui é ópio”
397
. Vale dizer que
para ele, tanto a fides quanto a ratio moderna são insuficientes para o devir humano. Via ele
na fides a imagem da Igreja Católica como inadequada
398
para os novos tempos de
individualidade, pois sabe fazer o indivíduo ser resignado
399
a um Deus confuso, que nem
mesmo Ele sabe sabe o que faz. Tampouco a ratio da sociedade moderna obscura em seus
interesses [“É Berlim coisa russa? Americana? Ou tudo é confusão, em meio à vana verba
de conferências e tratados?], pouco parece fazer por esse indivíduo: o edifício [símbolo da
civilização moderna] barra-me a vista”
400
.
A vana verba da polis com sua ratio obscura e esse sermão resignado da fides
tradicional são incompatíveis com a missão que o poeta concebe de dar sentido à existência,
uma “ilusão”da vida que o amor pode conferir, pois o “caos” não é senão “essa coleção
de objetos de não-amor”
401
. Para que esse amor seja encontrado deve-se abandonar uma
cega e uma ciência de interesses escusos, para livremente mergulhar
402
na paixão pela vida,
vista como mais que uma mera pulsão do desejo
403
:
Nós, guerreiros nucleares, não isolamos
o núcleo de paixão de onde se espraia
pela praia infinita essa abstrata
superação do tempo e do destino
394
Ibidem, pp. 144-145.
395
Tripé, Vp.
396
Hf, Vp.
397
Correio Municipal, Vp.
398
“São Pedro dorme” In Casamento do Céu e do Inferno, AP; “Um sino canta a saudade de qualquer coisa
sabida e já esquecida” In Igreja, AP.
399
“Éramos resignados, ei-nos ajustados” In O Som da Sineta, BT.
400
Opaco, CE.
401
Quero, IB.
402
O poeta encerra o poema comparando a Apassionata de Beethoven a um “mar de música” na qual ele se
“afoga”.
403
BEETHOVEN, IB.
88
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
que é razão de viver, razão florente
e grave.
[...]
Quem comporá a Apassionata do nosso tempo
quem removerá as cinzas, despertará a brasa,
quem reinventará o amor, as penas de amor
quem sacudirá os homens de seu torpor?
Essa paixão pode ser traduzida como uma capacidade de sair de si e sentir a vida. E de
tal modo ser afetado por essa vida a ponto de assumir toda a sua ambigüidade, de enfrentá-la
em sua selvageria ou deixar-se ser vencido por sua singeleza
404
:
Quando estou , quando estou apaixonado
tão fora de mim eu vivo
que nem sei se vivo ou morto
quando estou apaixonado.
Não pode a fera comigo
quando estou, quando estou apaixonado,
mas me derrota a formiga
Para o pensamento poético, a paixão é a fonte de sua escrita, pois é próprio da missão
do poeta a “comunicação dos seres pelo amor/ que exclui injustiça e as formas todas/ de
inumano tornar o ser humano”
405
. Para isso ele precisa se inserir nesse “caos” [coleção de
objetos de não-amor] com solidariedade a fim de abrir caminhos para o amor, exatamente
esses caminhos em que se encontra a condição limite da fragilidade humana [pedra], porque
“o Amor é o que se aprende no limite”
406
. O poeta pode captar o sentimento do mundo, não a
partir da perspicácia da ratio, e nem a partir da contemplação de uma fides infantil e
heterônoma [“amor é privilégio de maduros”
407
], mas sim captando o “o sentimento de seu
pensamento”
408
, “depois de se arquivar toda ciência”
409
, é que pode apreender a
complexidade do amor em sua pureza mais forte unida as impurezas do egoísmo humano. O
poeta pensa com o coração, mas não fica ao sabor dos ventos das meras paixões de segunda
classe, de “escrever sem pensar, sentir sem compreender”
410
, e sim à procura da grande
paixão pela vida de fazer “cada ser humano mais humano”
411
, e perseguindo esse caminho
vai “recriando o universo a cada verso”
412
.
404
Perturbação, Far.
405
Alceu na Safira dos Ointet’Anos, DP.
406
Amor e seu Tempo, IB.
407
Idem.
408
Desligamento do Poeta, IB.
409
Idem.
410
A Consciência suja, BT.
411
Nova Rua São José, AAA.
412
Mosaico, Vp.
89
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
Para a fenomenologia frankliana
413
, Drummond realiza o caminho da patodicéia
414
, isto
é, a busca de sentido que se inicia com inquieta cordis
415
na procura do que de mais
humano
416
. O sentimento de falta de sentido da existência, não raro, corresponde a uma
necessidade metafísica de fundamentar essa mesma existência. Para o indivíduo
particularizado em sua existência histórica não é significante descobrir o sentido do “todo”
417
da vida, pois a busca do sentido absoluto está fora do alcance do ser humano. O sentido há de
ser sempre concreto, o mais concreto possível, ad personam e ad situationem, pois, se um
sentido universal, ele é captado como sentido particular
418
. A patodicéia da antropologia
frankliana substitui a leitura freudiana como “desejo de libido”, pela vontade de sentido
419
, e
com isso, se livre de uma visão de humano fundamentada no princípio do prazer e
ausência de dor, propícios caminhos de fuga e medo. Para a análise existencial de Frankl é
necessário aprender a suportar o sofrimento, enfrentá-lo em nome de algo maior, a saber
aquilo que descobre como sentido à vida. Para concepção de existência frankliana, perceber
aquilo que sempre se buscou, mesmo inconsciente [tal qual o desejo da libido é inconsciente],
diz respeito à descoberta de sentido. Tal descoberta vai ficando clara como desejo daquilo
que faz o humano mais humano, e portanto, a existência é uma “autocriação” em que o
sofrer, ao invés de impedir o humano, significa agir, crescer, amadurecer. Uma vez que vai
desfazendo as ilusões dos objetos de desejo, para atingir a profundidade do que é dar à vida
por algo que revela um sentido a própria existência
420
. No pensamento frankliano, essa busca
ainda inconsciente de sentido não se como um impulso e, tampouco, como mera busca de
satisfação compensatória do desejo por um outro objeto; ao contrário se na consciência
humana, que vai se desenvolvendo a partir da vontade inconsciente
421
em sua busca de
transcender seus limites. Esse desenvolvimento se na medida em que cada escolha sobre
413
A fenomenologia frankliana não pretende configurar como duplo objeto de pesquisa mas antes fornecer
elementos teóricos aproximativos para melhor apropriação da fenomenologia drummondiana, e portanto, julga-
se necessário ilustrar as afinidades e diferenças entre ambas.
414
FRANKL, Viktor. Fundamentos Antropológicos da Psicoterapia. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978, p.
283s.
415
Expressão tomada de Agostinho. Cf. FRANKL, Ibidem, op.cit., p. 191.
416
Ibidem, p. 192.
417
Para Frankl, o todo não tem “sentido” mas “supersentido”, ou seja, esta para além [sobre] das condições
imanentes do humano. cf. Ibidem, pp. 231-235.
418
Idem.
419
FRANKL, Viktor. Psicoterapia Y Humanismo Tiene Un Sentido La Vida. México: Fondo de Cultura
Econômica, 1992, p. 29; _________. Sede de Sentido. 3 ed. São Paulo: Quadrante, 2003b, pp. 13-52.
420
Ibidem, p. 177; p. 241.
421
A similaridade das teorias do inconsciente entre psicanálise e logoterapia, reside no fato de que
Ego/Consciência tem sua origem no Id/Inconsciente [espiritual], sendo este infinitamente maior que aquele.
Diverge entre as teorias, o fato de que a psicanálise restringe a realidade inconsciente [Id] a facticidade psíquica,
ao passo que o Inconsciente na logoterapia é uma realidade que transcende a facticidade, sendo interpretada na
existencialidade. Cf. PETER, Richard. Viktor Frankl: A Antropologia Como Terapia. 2 ed. São Paulo:
Paulus, 2005, pp. 47-63.
90
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
algo é também a escolha de si e sobre como ser humano. A ontologia realiza a existência
humana na consciência, quando a particularidade da existência “escuta” um sentido
particular, ad personam e ad situationem de um sentido absoluto não perceptível aos limites
humanos. Onde a escuta do logos [que] é mais profundo que a lógica”
422
se intui essa
profundidade irracional, que particularizada e racionalizada na consciência pode estar sendo
motivada por uma dinâmica moral [da procura do Bem], amorosa [da escolha de quem
ama]
423
, ou estética [da percepção de uma beleza profundamente humana]
424
.
Nessa escuta do inconsciente está a presença de Deus que aponta para o melhor
caminho, o mais humano, que nem sempre é sinônimo de satisfação, como é o caso da
“sublimação” que substitui o objeto de prazer, sempre fugindo do sofrimento. Trata-se aqui
de um senso de responsabilidade, própria da liberdade, que se alcança quando se tem um
sentido mais profundo para viver.
Essa presença de Deus não significa que o inconsciente seja divino, ou que seja
onisciente, pois a logoteoria não pretende tratar do conceito de “Deus”, que compete a
teologia, mas sim das estruturas antropológicas constitutivas da pessoa humana, e, portanto,
afirma que o relacionamento com o transcendente é imanente ao ser humano, uma
característica ontológica
425
. Fato é que esse relacionamento [presença] diferentemente de
impulso, pode ser ignorado, distinguindo entre o religioso e o irreligioso, onde as religiões
são constituídas como diferentes idiomas para expresar esse Deus. O não religioso ignora
essa expressividade transcendental, bem como esta “transcendência da consciência
426
.
Nessa dinâmica, a busca de sentido supera o “mal-estar” causado pelo impedimento
do livre desejo do prazer como concebeu Freud. Para esse, a frustração da realização do
“desejo” o faz fugir para a mera troca de objeto, ao passo que para Frankl o sofrimento
422
FRANKL, Viktor. Em Busca de Sentido: Um Psicólogo No Campo de Concentração. 21 ed. São
Leopoldo: Editora Sinodal; Petrópolis: Editora Vozes, 2005, p. 105.
423
Frankl distingue a imago “id-ificada” de alguém enquanto resultado de um impulso, e a escolha livre de uma
pessoa. Enquanto mero impulso não pode se tratar de amor. Cf. FRANKL, Viktor. A Presença Ignorada de
Deus. 8 ed. São Leopoldo: Editora Sinodal; Petrópolis: Editora Vozes, 2004, p. 29.
424
Ibidem, pp. 28-29.
425
Idem, pp. 23-24; 48s.
426
“A consciência é a voz da transcendência e, por isso, ela mesma é transcendente. O homem irreligioso,
portanto, é aquele que ignora essa transcendência da consciência. Com efeito, também o homem irreligioso
“tem” consciência, assim como responsabilidade; apenas ele não questiona além, não pergunta pelo que é
responsável, nem de onde provém sua consciência [...] O homem irreligioso se deteve antes do tempo no seu
caminho em busca de sentido, que não foi para além da sua consciência, não perguntou para além dela. É
como se tivesse chegado a um pico imediatamente inferior ao mais alto. Por que não vai adiante? É porque não
quer perder o “chão firme sob seus pés”, pois o verdadeiro pico não está visível para ele, está oculto na
neblina, e nesta neblina, nesta incerteza, ele não se arrisca a penetrar. Somente a pessoa religiosa assume este
risco. O que, porém, impediria que ambos, naquele lugar onde um pára e outro parte para o último pedaço do
caminho, se despeçam um do outro sem rancor” cf. Ibidem, p. 42-43.
91
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
provoca na busca de sentido um novo agir naquilo que se busca, e exatamente por isso que a
“paixão” está entre o que de mais profundo na existência humana. O ser humano além de
Homo faber ou Homo sapiens, é também Homo patiens
427
, posto que a realidade o afeta, o
sofrimento faz parte da vida.
Nisso a “sensibilidade do sentimento é muito maior do que a perspicácia da razão”
porque sente para além da lógica, um logos: “O acesso a Deus poder ser encontrado a
partir do homem. Se tivermos de indicar a outro o caminho que leva a Deus, não podemos
tomar por base o racional, mas o emocional”
428
.
Exatamente nesse ponto é que se lança a inflexão da fenomenologia da poética
drummondiana. Para a logoteoria de Frankl, o conhecer a Deus é possível na procura de
uma “autocompreensão da vida a partir de uma aspiração”
429
que atinge seu ápice em Deus.
Entretanto Drummond trilha todos os passos da fenomenologia frankliana, mas diverge na
percepção do ápice dessa trajetória.
O poeta itabirano é: 1) dono de uma consciência artística, e antes, de uma
inconsciência estética que permite “escutar” uma razão mais profunda; 2) portador de uma
grande aspiração de encontrar um sentido para a vida; 3) sensível a realidade como Homo
patiens; 4) assume a necessidade da reflexão metafísica; 5) deixam-se guiar pela paixão do
logos poético que aponta caminhos para o humano ser mais humano como auto-poiésis.
Entretanto, em seu pensamento poético, essa aspiração mais profunda de descobrir um
sentido para a existência o conduz à uma metafísica que o leva à recusa de Deus e não ao seu
encontro.
O ápice da busca do poeta coincide com o amor e este não coincide com Deus. Isso
põe em cheque não a realidade de Deus mesmo, que o poeta prefere se calar, mas a tradição
bíblica-cristã de que “Deus é amor” (1 Jo4,8).
O poeta admite como única forma de amor possível na condição humana, o amor
imperfeito, ou seja, aquele que está por se fazer. O amor perfeito de Deus, se existe não se
na vida, tampouco naqueles que o seguem, e sendo reduzido a uma misericórdia que sufoca
427
Ao Homo sapiens contrapomos o Homo patiens; pretendemos substituir o imperativo “sapere aude” por
“pati audi” “atreve-te a sofrer””. Homo patiens é o termo utilizado por Frankl para expressar a capacidade
humana de sofrer e não submergir ao sofrimento, e sim enfrentá-lo em nome do que descobre como sentido da
sua vida. Cf. FRANKL, Fundamentos Antropológicos da Psicoterapia, op.cit., p. 243.
428
Ibidem, p. 274.
429
“No fundo do nosso ser uma aspiração tão irresistível que não pode ser referida senão a Deus. Vemos,
por conseguinte, que não é a autocompreensão da existência como processo de pensamento que é capaz de nos
levar à realidade de Deus, mas sim a autocompreensão da vida em termos de uma aspiração. A aspiração, o
anseio, têm uma relevância metafísica, dignidade ontológica” cf. Idem.
92
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
todo o dinamismo moral que o cristianismo julga ter, por endossar a hipocrisia
430
. Pergunta-
se: Se Deus não é amor tendo sido constatado por alguém que encontrou o sentido da vida no
amor, quem é esse Deus? Esse Deus do catecismo que exige uma obediência cadavérica de
defuntas crenças? A essa questão o poeta se recusa a responder porque julgou não ser
essencial para a busca do essencial e sua paixão pela vida.
430
Neste ponto de vista moral, pode-se pensar num niilismo drummondiano muito próximo ao Deus de Friedrich
Nietzsche (Assim falou Zaratustra. 11ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000) porém se para o
filósofo alemão, a compaixão é um defeito desprezível, para o poeta é tida como virtude de um conseguir ser
solidário ao sentimento do mundo.
93
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
2. A questão da Teodicéia revisitada na Modernidade
A antiga questão da Teodicéia
431
é revisitada na modernidade a partir da questão da
“refundação ontológica”
432
. Como refundação entende-se a lenta transposição, no labor
intelectual dos medievais no Ocidente, do pensar a essência da filosofia antiga para o pensar a
existência que irá marcar a filosofia moderna. A ontologia faz a passagem da metafísica do
Ens (ser) para o Esse (existir). A teologia tem um papel fundamental nesse processo, uma vez
que é partir da matriz de pensamento teológico que Tomás de Aquino relacionando a essência
com a existência que germinará o pensamento moderno, substituindo a pergunta essencial [o
que é o ser?] para a pergunta existencial [o que é existir?]. Tal relação nos remete diretamente
ao problema ontológico da relação de identidade e diferença entre o Uno e o múltiplo, i.e., da
relação do Ser absoluto como Existente absoluto e a participação dos esse/existentes relativos.
Aqui se traz a questão não como foco do problema, mas como rota por onde a paixão chega
adquirir suas características hodiernas.
431
Teodicéia é um termo criado por Gottfried Wilhelm von Leibniz (1646-1716) que pretende mostrar a qeo,j
dikh, (justiça de Deus), ou seja, a justificativa de Deus em relação a presença do Mal no mundo. Leibniz concebe
o mundo como projetado por Deus para ser o melhor dos mundos possíveis, de um modo rigorosamente racional.
O mal nele presente é resultado da imperfeição inerente à própria essência da criatura, pois Deus é perfeito.
Essa limitação constitutiva do ser humano é o que lhe falta para a perfeição do bem, e o mal é esta ausência do
bem, que se manifesta de três modos: metafísico, físico e moral. O mal metafísico, raiz do mal moral e do mal
físico, por sua imperfeição inerente, é inevitável na criatura, pois o mundo, como finito, é naturalmente
imperfeito para distinguir-se de Deus, contudo pelo livre-arbítrio o mal moral e o físico podem ser evitados pelas
escolhas responsáveis que a razão indicar. A matemática divina responsável pela determinação das leis do
equilíbrio, exerce-se na própria origem das coisas. Assim numa espécie de equação lógica, a perfeição se alcança
numa visão de conjunto, pois para que haja o bem é necessário que haja o mal, mas na bondade de Deus , o mal
que existe no mundo é o mínimo necessário para que haja o máximo de bem, o que não implica, portanto, em
Deus nenhuma contradição, dando Ele condições de o mal ser superado com o triunfo do bem, pois
potencialmente o mundo comporta esse bem maior. Cf. LEIBNIZ, Gottfried Wilhelm. Essais de Théodicée sur
la bonté de Dieu, la liberté de l'homme et l'origine du mal : suivi de La monadologie. Paris: Aubier, 1962.
Entretanto, apesar do termo ser cunhado em 1710 pelo filósofo, não raro atribui-se retroativamente ou
posteriormente ao seu surgimento, servindo de nomenclatura à questão da providência divina e o modo de Deus
agir nesse mundo em que o mal está presente, e quem fale de uma Teodicéia Patrística [como em Irineu e
Agostinho], uma Teodicéia Medieval [p.ex.,Tomás de Aquino], uma Teodicéia Moderna [desde Descartes e
Leibniz, passando por Karl Barth até Teilhard de Chardin] e contemporânea [McGrath, p.ex., considera a
Teologia da Libertação uma forma de Teodicéia contemporânea] cf. McGRATH, Alister. Teologia
Sistemática , Histórica e Filosófica Uma Introdução à Teologia Cristã. São Paulo: Shedd Publicações,
2005, pp. 344-348.
432
Aqui adota-se a posição de Vaz para aquilo que é tido por “refundação ontológica” como passagem da
ontologia da essência para a ontologia da existência, presente na metafísica do Esse (existir) de Tomás de
Aquino, ao introduzir o paradigma criacionista (agostiniano) no universo das filosofias da essência (aristotelismo
da Faculdade de Artes, dito “heterodoxo” baseada nos comentários do pensador árabe Averrois), onde uma
inversão do axioma das filosofias da essência: “Toda inteligibilidade reside na perfeição da essência; a
existência é, em si, ininteligível” pelo princípio fundamental das filosofias da existência: “A inteligibilidade
originária da essência se atua pelo ato de existir como fonte radical de toda inteligibilidade”. Em outras
palavras, afirma-se o Princípio [Ser] criador como Existente absoluto, substituindo a inteligibilidade primordial
da essência o que é o ser [divino e/ou humano]? pela inteligibilidade (sentido/significado) da existência na
sua oposição radical ao nada – i.e. formula-se a pergunta do por que existir? Ou o que é existir? não cabível na
filosofia da essência. cf. VAZ, Ibidem, pp. 31-128.
94
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
Ontologicamente, o “ser” é um transcendental, ou seja, uma noção que transcende ou
ultrapassa todas as categorias de ser em que se aplica tudo o que é ou pode ser, abrangendo o
Ser infinito (que a filosofia medieval chamou Deus) que está acima de todas as categorias. A
categoria por excelência da questão é a participação do múltiplo (categorias finitas de ser) no
Uno (Ser infinito). Para Tomás de Aquino, a noção de participação está intrinsecamente
ligada à noção de analogia, de modo que não pode haver uma sem a outra. Análogo é o termo
que designa uma essência que se realiza de maneiras diferentes em seus inferiores. Assim o
conceito de ser é análogo, ou seja, Deus (Uno) e as criaturas (múltiplo) sempre realizam o
conceito de ser algo de modo análogo, embora diversamente, pois a criatura não é/existe
como Deus é/existe, apesar de ambos serem/existirem. A participação implica a imanência do
Absoluto no relativo e a analogia postula a transcendência do Absoluto sobre o relativo,
havendo, portanto, um hiato ontológico entre o Absoluto e os seres finitos
Entretanto, Duns Scot é que vai dividir o que parecia estar unido, com a “refundação”
da metafísica, assumindo o modelo ontoteológico, no qual a noção universal de ser (ens
commune ser enquanto ser) apresenta Deus e as criaturas na univocidade lógica, ou seja, no
mesmo espaço conceitual, sendo o ser idêntico em qualquer sujeito, eliminando o hiato
ontológico. A universalidade unívoca “iguala” do ponto de vista da forma do ser o Absoluto e
o relativo, Infinito e finito, Deus e as criaturas
433
. Na tentativa de traçar espaços autônomos
respectivamente para a Teologia revelada e a metafísica, Duns Scot diverge de Tomas de
Aquino no problema de Deus. Para este o fundamento do ser é o intelecto, portanto é possível
apreender Deus pelo logos e pelo intelecto pode-se chegar a Ele. Para aquele Deus é vontade,
e, portanto, um caminho para se chegar até Ele, o da autoridade, i.e., a Sua vontade.
Deste modo, o caminho da revelação é recebido pela autoridade da Igreja, posto que não nos é
dado conhecer a Deus cognitivamente. Para Tillich, é seguindo Scot, um século depois, que
Guilherme de Ockham afirmava que Deus só poderia ser alcançado sujeitando-se a autoridade
da Igreja, por meio da ação da graça. O conhecimento cultural (científico) é totalmente livre e
autônomo. Em Tomas de Aquino, a razão era capaz de expressar a revelação, para Duns Scot
não e para Ockham a revelação está ao lado da razão, e até mesmo em oposição a ela. Assim
em fins da Idade Média, o religioso e o secular se separam
434
.
Esse será o sistema de significação da metafísica moderna. O ens commune de Scot
inverte o modelo de participação vertical (transcendental) de inspiração platônica, pelo
433
Idem, pp. 171-191.
434
TILLICH, Paul. Teologia Sistemática. São Paulo: Sinodal, 1967, pp. 186-196.
95
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
modelo horizontal. Na modernidade a participação vertical tende a desaparecer, na medida em
que o horizonte da imanência torna-se para o homem moderno o único horizonte possível
para englobar a realidade. Somado com a distância das esferas de saber na teoria do
conhecimento de Guilherme de Ockham, o multiplo, uma vez igualado ontologicamente ao
Uno, tende a se absolutizar nas diversas formas de expressões modernas, como o Eu
transcendental na filosofia, o Estado na teoria política, a Comunidade na teoria ética, o
Mercado na teoria econômica, bem como os unificadores universais do múltiplo: a Razão
operacional, a Ciência e o Progresso e suas respectivas formas de participação: cultural
(esfera do saber), política (esfera da representação), jurídica (esfera do direito), econômica
(esfera das necessidades) e outras
435
.
A imanentização do universo simbólico transcendental, extraída da dimensão
metafísica, somada ao advento do existente humano, como fonte de auto-transcendência,
desdobra-se na esfera da imanência: nas instituições políticas, na construção da técnica, na
concepção autonômica do agir ético, ou seja, em uma nova visão de mundo, onde essa ruptura
do novo com o antigo, atravessa todo o tecido social e cultural permeando as crenças, idéias,
mentalidades, atitudes e práticas sociais. Se antes toda possibilidade de ser, o que podia e o
que não se podia fazer, deveria passar pela anuência da vontade de Deus, relida na autoridade
da Igreja, agora, com a transposição, o ser humano é o unico senhor de todas as
possibilidades.
Tal inversão da participação, ao distanciar-se do Uno de modo análogo e em situação
de relatividade a Ele, propicia a um vazio de sentido resultado do esgotamento da capacidade
explicativa do antigo sistema teológico
436
, exigindo apostar numa nova estrutura que
435
Idem, pp.189-191.
436
O esfacelamento de um sentido único tutelado pela instituição religiosa, i.e., o Cristianismo mediado pela
Igreja Católica, tem sua origem, não tanto no fato de ser religiosa, mas no fato de ser universal, sem levar em
conta a grande invenção da modernidade, o indivíduo. O devir da modernidade passo a passo, foi enterrando o
sentido transcendental da história, como o caso de Galileu Galilei (1564-1642) inaugurou nova fase na história
da ciência ao defender o racionalismo matemático dando início à ciência moderna, onde parte de um pensar livre
e não depende da autoridade da Igreja que se baseava na Tradição e na Escritura literalmente entendida. Surge
assim duas “cosmovisões”, sendo uma delas contrária ao ensinamento oficial da Igreja da época. Dado o pontapé
inicial da separação, os filósofos modernos declaram verdadeira guerra contra esse sobrenatural metafísico, sob a
insigne da liberdade humana na escolha de suas possibilidades: René Descartes (1596-1650), considerado pai da
filosofia e matemática moderna é a grande influência de pensamento que irá catalizar o movimento moderno
crescente de subjetividade. Em sua expressão clássica Cogito ego sum contém no sum a inteligibilidade
radical do existir do sujeito pensante, alicerçada pela auto-reflexão do sujeito (cogito) sobre sua própria
existência. Descartes, através da dúvida, descarta o próprio sentido do mundo em que vive a fim de construir um
mundo totalmente outro, baseando-se não no “absoluto”, mas a partir de única realidade concreta perceptível, a
sua existência. Assim ele gera a autonomia do indivíduo moderno. A antropologia cartesiana afirma que o
homem é um ser autônomo; François-Marie Arouet, mais conhecido como Voltaire (1694-1778) uma das figuras
mais influentes do pensamento europeu no século XVIII, é notável por seu combate ao clericalismo e à
intolerância; Ludwig Andréas Feuerbach (1804-1872) influenciou os pensadores socialistas e existencialistas do
96
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
assegurasse o universo simbólico então abalado, onde a sociedade não saberá dizer o que se
pode o que não se pode, mas faz isso tendo antes defendido a autonomia individual contra a
heteronomia eclesial. Surge assim a estrutura nevrálgica da modernidade, o pilar de
sustentação do edifício simbólico da modernidade, a auto-afirmação do indivíduo como
“absolutização” dentro das esferas da vida humana, em outros termos liberdade
incondicionada para o existir humano.
Se para a Antiguidade a existência é participar do Uno, Vero e Bonum, isto é, do ser de
Deus, para a modernidade, o “sentido existencial individual” (que nasce agora com a invenção
do indivíduo) será, sentido como significativo, participar em uma de suas esferas (saber,
política, direito...) tendo suas raízes de legitimação na universalidade unívoca do “ser
enquanto ser” (ens commune). A modernidade é index sui, em igualdade com o Absoluto. O
social é o lugar da realização da autonomia do homem moderno. Com a crise instaurada da
Modernidade e seu mal-estar causado entre civilização e indivíduo, a pergunta o que é
existir? é de fundamental importância para a filosofia moderna, chegando mesmo a
desinência maior de se perguntar: por que existir? Exatamente no locus legitimador do
indivíduo percebe-se sua contradição em termos, entre indivíduo e sua participação na
sociedade.
Nessa refundação, a liberdade surge em forma desafiadora, uma vez que a Liberdade
(absoluta) é atributo do Esse Absoluto. Como então pensar tal Liberdade [absoluta] na
inversão imanente da modernidade? Como relacionar o sujeito histórico e contingente com a
século XIX, com sua crítica das religiões e o conceito de alienação; Friedrich Nietzsche (1844-1900), será um
dos críticos mais contundentes à religião, à moral e a tradição filosófica tradicional do Ocidente, propondo uma
transvaloração radical; Jean Paul Sartre fundamentara uma doutrina existencialista, precedendo-a da essência e
com isso relativizando a grande questão da filosofia antiga, e deixando de ser fundamento da existência, e
fundamentando o ateísmo; Com Karl Marx (1818-1883) a Igreja é vista como “entorpecente do povo”, ou seja, é
um produto do próprio ser humano que o mantém alienado da própria realidade, impedindo uma transformação
das estruturas opressoras da sociedade, e por isso é vista como grande empecilho para uma Sociedade livre dos
interesses da Burguesia, que com a Revolução Bolchevista bane a Igreja da então recém-nascida União
Soviética; Também a Revolução Francesa bane a igreja de qualquer influência no poder. Sigmund Freud
(1856-1939) via a religião como feita para pessoas infantis, e sua descoberta do inconsciente e a influência que
exerce na liberdade dos atos humanos levam a abandonar o conceito de pecado; Theodor Adorno (1906-1969)
fundador da escola de Frankfurt, dedicou-se ao estudo da produção e do consumo da arte, regidos pela economia
de mercado, apresenta a história da humanidade em estágios, sendo o primeiro, o estágio da mitologia, o
segundo da religião e o terceiro da razão. A idade da razão é tida como a substitutiva da idade da religião, ou
melhor, do cristianismo e conseqüentemente de sua cosmovisão e sentido existencial transcendental proposto.
Em suma pode-se ver a modernidade como a idade em que a humanidade abandona a sua minoridade, i.e., a
tutela da Mater Ecclesia. Para abordagem desse desenvolvimento da história do pensamento moderno e sua
relação com o Cristianismo cf. VILLAS BOAS, Alex. Descrição e reflexão acerca da experiência de Deus
como experiência de sentido na Teologia do Logos e na Logoterapia de Viktor Frankl na pós-modernidade
(TGI) Programa de Convalidação do Bacharelado São Paulo: Mackenzie, 2006; BORNHEIN, Gerd A. O
Que É A Existência? In: CASTRO, Dagmar Silva Pinto de. (org). Fenomenologia e Análise do Existir. São
Paulo: Universidade Metodista de São Paulo/ Sobraphe, 2000, pp. 14-16.
97
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
Liberdade absoluta? Como pensar na realidade antropocêntrica, o ser absolutamente livre,
próprio de Deus? Uma das tentativas foi a criação do Estado moderno, como poder político
“absoluto” da sociedade. Sendo a esfera do social, o campo por excelência da participação do
moderno, a esfera do político emerge como englobante último da existência social do
indivíduo. É ela que irá garantir a liberdade do indivíduo como “extensão institucionalizada”
das mesmas prerrogativas individuais, devendo encontrar na sociedade política a própria
imagem ampliada. A sociedade política é “imagem e semelhança” do homem moderno, sendo
reservada a ela o direito de usufruir da liberdade absoluta da imanência moderna. Deveras,
salienta-se que essa liberdade de peso “absoluto” para o indivíduo moderno é que mais tarde
iria emergir como fonte plural de sentido, sendo ele livre para tomar suas escolhas e significar
sua vida de acordo com seu livre-arbítrio.
A importância do tema da “refundação ontológica” se pelo fato de que nesse do
surgimento do indivíduo, vem acompanhada a sua forma de conceber a paixão. Em Duns Scot
a paixão por residir na vontade humana, se encontra na parte intelectiva da alma
437
, e portanto,
é essencial ao ser humano. O aspecto que se ressalta em Scot que estará presente na
modernidade, é que sendo a paixão parte da alma, e portanto, porta um traço intelectivo,
permite que a alma possa se auto-afetar por si mesma no exercício da razão e descoberta de
idéias. Doutro modo, pode-se dizer que as idéias apaixonam a razão humana, fato que esteve
presente na modernidade no modo apaixonado
438
pelo qual o indivíduo moderno lutou por
suas causas, ideais e ideologias. Numa espécie de paixão intelectual acompanha o movimento
de absolutização, “endeusando” a razão como causa de tudo, chegando a assumir condições
paradoxas, próprias de uma divindade por sua absolutização. Ao mesmo tempo em que se
apregoa a dominação da paixão pela razão
439
, para o indivíduo moderno a Razão é sua grande
437
Para essa análise seguimos o trabalho de Boulnois segundo o qual em Scot um nódulo noético da paixão,
que permite uma auto-afetação da alma por si mesma, partindo do princípio que a essência da alma é o intelecto,
e a essência do intelecto é a vontade, i.e., o essencial do ser humano para o teólogo franciscano. Cf. BOULNOIS,
Olivier. Duns Scot: existem paixões da vontade? In PAM, pp. 321-336.
438
Descartes dizia-se “arrebatado pelo entusiasmo” ao descobrir os fundamentos de uma ciência admirável. Tal
entusiasmo do novo está desde a primeira hora da modernidade. Todos os seu valores (nação, razão, ciência,
técnica, progresso, revolução) precisaram do fogo criador da paixão. Por outro lado este fogo era retroalimentado
pelas crenças da modernidade. Os séculos XVI e XVII são marcados pela paixão religiosa da Reforma. O século
XVIII pela paixão dos ideais da Revolução Francesa e do romantismo. O século XIX explode com todo tipo de
paixões: nacionalista e cultural (idealismo, positivismo, naturalismo, historicismo), estética (poesia, romance,
folhetins, musica, sinfonia e operística), pelo poder (a figura de Napoleão como herói épico, a burguesia em
expansão), política (liberalismo, socialismo, anarquismo). O “mal do século” que atormentava poetas e músicos.
Vale reproduzir a frase de Kujawski: “Quem ignorar até que ponto a modernidade foi passional, desconhece
tudo sobre o moderno; e quem estranhar como a paixão se concilia com a razão e com a ciência, nada sabe
sobre a condição humana”. Cf. KUJAWSKI, Gilberto M. A Crise do Século XX. 2 ed. São Paulo: Editora
Ática, 1991, pp. 100-133.
439
DESCARTES, op.cit., ibidem.
98
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
paixão. Essa aceitação tácita da paixão, como ponto cego, não perceptível pelos condutores do
pensamento, porém inerente ao movimento, é um dos motivos também pelo qual um visão
apática de Deus, era no mínimo vista como na contra-mão da História. Entretanto, da visão
apática do Deus da cristã, paradoxalmente passou-se a “apaixonada” razão apática, que
elabora o modelo de ciência supostamente objetivo. Não se aboliu a paixão do
comportamento, mas sim do pensamento, fundamentando a verdade “absoluta” como resposta
para todas as coisas quando ela não esta presente na conclusão do cientista. Transfere-se
também, com isso, a teodicéia para uma antropodicéia, em que a questão da justificação do
sofrimento em Deus, passou-se a ser a pergunta pelo sentido da vida e o “porque” da
participação do indivíduo nessa sociedade.
Para François Dubet a tentativa de fundar um “sentido” moderno para a existência
incia-se com o programa de “socialização”
440
que visa assegurar a continuidade entre a
estrutura social (valores e princípios) e personalidade, dando solidificação a sociedade. O
modo como irá fazer isso está inscrito no “programa institucional”. Este se fundamenta em
dois níveis: um “alto” [haut] e um “baixo” [bas]. O nível “alto” diz respeito a
“extraterritorialidade” institucional, ou seja, seus valores e princípios não são meros reflexos
da comunidade e de seus costumes, mas antes são construídos sobre um princípio universal,
que habita mais ou menos fora do mundo” (hors du monde). Assim, o que significa Deus
para a Igreja, será a Razão para a escola republicana e para a Ciência, a Caridade para o
hospital, a Justiça para o Direito, etc. Diz-se “extra-territorial” porque se situa “acima” da
diversidade dos grupos e das classes, dos interesses privados e do particularismo dos
costumes. Na instituição, portanto, a vocação se define pelo “alto” (valores e princípios
universais). Dado tal princípio central, o profissional legítimo para o programa institucional,
não é avalizado por sua técnica de “saber fazer”, mas pela adesão aos princípios universais
desta instituição. O “vocacionado”, segundo Dubet, que se apropria da semântica da Tradição
para uma transposição fundante da Modernidade, mais que um profissional a obedecer, é
440
Para a complexa questão do papel das instituições sociais na descoberta e criação de sentido seguimos Dubet
que apresenta as instituições não somente como os “fatos” e as práticas coletivas, mas também as “molduras”, ou
“disposições” [cadres] cognitivas e morais, nas quais se desenvolvem os pensamentos individuais”. Deste modo,
a principal função de uma instituição social é o dever de “socialização”, ou seja, o processo de “interiorização”
das normas e valores da sociedade, formando a consciência do indivíduo, como se tais normas e valores fossem
próprias, transformando-o indivíduo moderno comum em “sujeito autônomo”, através de um “programa
institucional”, que é a própria ação institucional, ou seja, o “instituir” de fato, como interiorização do social e da
cultura de uma “maneira” particular. O “programa institucional” pode ser definido como o processo social que
transforma os valores e os princípios em ação e subjetividade” por meio de um trabalho profissional específico e
organizado. A instituição socializa o indivíduo ao mundo, i.e., inculca nele um habitus e uma identidade
conforme as exigências da vida social. Tem-se assim a fórmula:Valores/princípios → Profissional (Vocação) →
Socialização: indivíduo e sujeito. Cf DUBET, François. Travail et Socialisation. In: ________ . Le Declin de
L'Institution. Paris: Edition du Seuil, 2002, pp. 9-83.
99
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
capaz de se anular, de se sacrificar por uma causa superior. A legitimidade dos profissionais
não é estritamente técnica e instrumental, mas portadora de valores aos quais os profissionais
são, pouco ou muito, identificados. Em outras palavras, é necessário mais que saber ler e
escrever para ensinar, mais que saber fazer curativos para ser bom enfermeiro, que conhecer
as leis para ser juiz, é necessário amar as crianças, compartilhar a dor dos enfermos, desejar a
justiça, etc.
Oferece-se, mais que um “saber-fazer” técnico-instrumental, e sim uma doação à
vocação do que se faz, como “garantia moral”(garanties morales). Ai está a definição por
“baixo” da vocação institucional, onde os valores “imanentes” são concebidos como um
“traço da personalidade” (trait de personnalité) em que “o indivíduo deve ser orientado por
sua própria bússola”. No programa moderno, a consciência de si mesmo como indivíduo
próprio, não acarreta em oposição à instituição, pois resulta do mesmo processo civilizador, o
que pede sim, uma forte interiorização das normas e dos valores. Portanto, o indivíduo
moderno elabora sua própria moral, torna-se juiz de si mesmo, à medida que se supõe a “auto-
nomia” (lei própria), que a instituição “ heterô-noma” lhe capacitou.
Teoricamente em sua obrigação de ser livre está contida a obrigação de ser seu próprio
censor. A Razão o orienta para tanto, devendo a moral ser tributária da inteligência, em
consonância a disciplina institucional, como relação social, que moldam o indivíduo no
“controle de si”, mediante os valores e princípios instituídos (subjetivamente falando, o
“sentido existencial”), constituindo-o como “sujeito”. Sendo assim, a modernidade fundara
seu “sentido” em seu programa de institucionalização da sociedade, o que implica uma
coerência suposta entre “cultura”, “estrutura social” e as “personalidades”, em que as
instituições exercem um papel fundamental na disposição do indivíduo para a aceitação do
modo moderno de ser.
Para este sociólogo francês da educação, a geração francesa de “Maio de 68” exerce
um grande papel ao denunciar a real imagem da instituição moderna, tendo como modelo o
“Estado soberano”, e suas instituições, essas “maquinas de disciplinar e destruir toda
individualidade”. Para Dubet, o programa institucional da modernidade recebem duas críticas
fundamentais de 68, que põe em cheque a visão auto-romanceada da apatia do pensamento
moderno: 1) uma reificação das instituições, substituindo o desejo de ensinar e curar à
astúcia de dominação e de poder. As instituições de socialização são vistas na forma de
“hospícios” e “prisões”, gerando total desencanto em relação as mesmas; 2) Opõe-se o
100
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
fechamento das instituições à diversidade das demandas sociais, dentro de um hermetismo
institucional, em que não poucas vezes, o indivíduo não se enquadra, pois programas
institucionais são eregidos em gidas burocracias. A grande força do programa da
modernidade, que visava substituir o universo simbólico da Tradição, ao ser sentida de forma
paradoxal pelas “contradições culturais do capitalismo” [por exemplo, a ética dos burgueses
e a realidade dos trabalhadores da sociedade industrial]
441
começa a ruir. O monopólio das
instituições, revelando não somente não portarem a resposta cabal para o sentido de viver,
revelam nas instituições razões obscuras, convertendo o ideal dos orgulhosos das “luzes” de
eliminar as classes sociais para eliminação das classes sociais em lúgubres campos de
concentração”
442
, seguidas de uma tensão e uma neurose social bipolar de uma guerra fria. Em
Auschwitz, descobriu-se do que as instituições modernas eram capazes e em Hiroshima, o
que estava em jogo
443
. No mundo capitalista a promoção do “sujeito ético” é substituída pelo
“indivíduo utilitarista”, uma vez que os valores e princípios da modernidade não cumpriram
o papel de salvaguardar as “garantias morais” no relacionamento social.
A grande paixão moderna, a Razão, em sua forma de progresso e técnica, e em sua
busca apaixonada de eficácia, deram por sua vez, ao cidadão comum, a impressão de que o
mundo não tinha mais concerto. Põe-se assim para o indivíduo, em questão sobre o sentido da
vida, quando o seu cotidiano parece absurdo, desordenado e injusto, sem haver ordem
aparente para tal, pois ao menos na antiguidade podia–se atenuar a tensão atribuindo o
sofrimento aos deuses ou a Deus, o que agora não mais é possível com honestidade
intelectual. Onde as promessas do progresso resultaram no extermínio do ser humano e na
destruição da natureza, à medida que a exploravam de modo irracional e suicida, geraram a
grande desilusão da modernidade.
As instituições perderam suas credibilidades por não cumprirem o que prometeram,
deixando ao indivíduo um sentimento de desamparo, não podendo contar com as mesmas,
sem saber para onde ou para que dedicar sua vida, o que resulta na sensação de salve-se quem
441
Ao quadro da crise da modernidade, originadas nas promessas não cumpridas do progresso se acrescentaram
novos e dramáticos problemas: [(...)] o imprevisto agravamento da questão ecológica, o aumento das
desigualdades entre Norte e Sul do planeta, no risco contínuo de desembocar em conflitos sanguinolentos, a
proliferação dos armamentos e a conexa ameaça de destruições nucleares ou químicas, a reprodução de novas
e velhas pobrezas também dentro das sociedades do mais elevado bem-estar, o surgimento de doenças
epidêmicas, como a AIDS, não facilmente curáveis em termos de medicina, mas somente pela auto-regulação
ética; finalmente os riscos de manipulação da vida, conexos com as novas possibilidades oferecidas pelas
biotecnologias, colocam de novo as questões sobre os limites éticos das experiências genéticas[(...)]. Cf.
MARTELLI, Stefano. A Religião na Sociedade Pós-Moderna. São Paulo: Paulinas, 1995, p. 454.
442
GASTALDI, Ítalo. Educar e Evangelizar na Pós-Modernidade. São Paulo: Editora Salesiana Dom Bosco,
1994, pp. 13-42.
443
FRANKL, Em Busca de Sentido, op.cit., p. 129.
101
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
puder. É interessante a leitura de Dubet da depressão como “doença da liberdade”, da
obrigação que o indivíduo tem de se motivar por si mesmo, desacreditado na sociedade, por
perceber a incoerência entre a estrutura social (valores e princípios modernos), sua cultura
(burocrática, na busca cega da eficácia, passando por cima do próprio indivíduo) e sua vida
pessoal
444
.
A chamada crise da modernidade, iniciada no século XX e legada ao terceiro milênio
pode ser vista em primeiro lugar, como a crise do cotidiano, isto é, a crise de sentido é sentida
no dia-a-dia, por ser a “crise dos fundamentos humanos”
445
, perceptível na necessidade de
articulação organizada, nos moldes próprios que se experiência a vivência do dia-a-dia. Aqui
o indivíduo é lançado diretamente para o confronto imediato e primário da crise: o cotidiano
enquanto instância espaço-temporal onde se familiariza com as circunstâncias [nossas
circunstâncias], estabelecendo quais delas são significativas para quem vive, ou como se diz,
que fazem sentido. E justamente nessa capacidade de organizar possibilidades de ser que a
pessoa se projeta. é que se estabelece o modo de viver: de habitar, trabalhar, conversar,
divertir, comer, desenhar o futuro, etc. Na refundação ontológica, ser é o modo de estar nas
circunstâncias, articulando “ordenadamente” o cotidiano em um sentido que fundamente essa
“ordem” da existência
446
.
Um dos traços marcantes da institucionalização moderna da sociedade, bem como da
tradicional, veio marcada pela impessoalidade e diferenciação funcional das instituições
447
. O
indivíduo não estava em primeiro plano na ação das instituições, mas o programa
institucional, o que conseqüentemente com a intensificação da autonomia do indivíduo, houve
uma crescente auto-percepção de que o indivíduo não se sente parte das instituições e
tampouco querido por elas no que toca a sua real participação em sua funcionalidade
específica. Em outras palavras mais ilustrativas, o aluno não se sente parte da missão da
escola, o cidadão não se sente parte das decisões políticas do estado, o consumidor não se
sente parte da organização econômica vigente, ou seja, não se enxerga a possibilidade de que
444
DUBET, op.cit.
445
KUJAWSKI, op.cit., p.34.
446
““Ordem” significa um meio regular e estável para os nossos atos; um mundo em que as probabilidades dos
acontecimentos não estejam distribuídas ao acaso, mas arrumadas numa hierarquia estrita de modo que
certos acontecimentos sejam altamente prováveis, outros menos prováveis, alguns virtualmente impossíveis.
um meio como esse nós realmente entendemos. nessas circunstâncias podemos realmente “saber como
prosseguir”. podemos selecionar apropriadamente nossos atos isto é, com uma razoável esperança de
que os resultados que temos em mente serão de fato atingidos. Só aí podemos confiar nos hábitos e expectativas
que adquirimos no decorrer da nossa existência no mundo” cf. BAUMAN, O Mal-Estar da Pós-
Modernidade, op.cit., pp.15-16
447
LUHMANN, Niklas. Sociedad y sistema: la ambición de la teoría. Barcelona: Ediciones Paidós Ibérica,
1991.
102
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
a vontade do indivíduo altere o papel e o modo funcional dos programas institucionais. O
mesmo se deu com a Igreja e a participação do laicato
448
, que não faz parte das decisões da
instituição eclesial desde a Reforma Gregoriana e a questão das investiduras laicas
449
. A Igreja
apesar de sua procura de liberdade dos interesses escusos da nobreza deixa um traço,
operacional e de mentalidade
450
, que adentra a modernidade vendo o fiel leigo como objeto do
programa institucional [alguém a ser salvo]. Tal mentalidade não foi perceptível como uma
impessoalidade, no sentido moderno de exclusão do indivíduo, pelo fato de que no Ocidente
Cristão tradicional dos tempos medievos, não havia a idéia fundante de indivíduo como
sujeito autonomo, resistindo até o advento desta questão, quando foi inevitável o
distanciamento da autonomia do indivíduo da heteronomia das instituições quer laicas, quer
religiosas.
A apaixonada modernidade não foi paixão pelo humano, mas por suas idéias e por elas
matou e morreu o próprio humano. Assim, não se trata de que o indivíduo contemporâneo não
acredite em verdades e valores absolutos, mas sim que esta esfera universal do conhecimento
passe pelo crivo do particular, pela verificação do indivíduo. A cosmovisão precisa ser antes a
antropovisão e o sentido da história é antes o sentido da história pessoal para que possa gozar
do status de verdade, ainda assim relativa àquele que faça a mesma experiência de
verificabilidade. Para o poeta itabirano tal busca é expressa como um palmilhar, um andar
que se faz como que tateando as coisas para senti-las
451
. Não admitindo valores absolutos
apregoado pelas instituições portadoras de razões obscuras, não se confia em “razões”
[causas] para se dedicar a vida, e, portanto, viver é “experimentar” sensações
452
. O sentido da
vida fora substituído pela busca de um sentimento da vida que possa confirmar algum sentido
448
Aquí vale a apreciação de Congar sobre a clericalização da Igreja que reduziu a “eclesiologia” a uma
“hierarcologia” cf. CONGAR, Yves. Sainte Église Études et approches ecclésiologiques. Col. Unam
Sanctam. Paris: Ed. Du Cerf, 1963; __________. Jalones para una teologia del laicado. Barcelona: Estela,
1961.
449
Sobre a questão da eclesiologia medieval e a hierarquia como forma fundante da vida e organização cristã. Cf
LAFONT, op.cit., pp. 81-98.
450
Gerken mostra como a questão do laicato não fora somente uma exclusão social, mas uma questão de
mentalidade onde o fiel laico é visto como forma inferior de ser cristão. A Sacra Virginitas, ou a vida religiosa
dos Conselhos Evangélicos, fundada preferencialmente da leitura de Mt 19,16-22, em que o Jovem Rico que
queria ser “perfeito” é “aconselhado” por Jesus a vender suas coisas, viver a pobreza e seguir Jesus, somado ao
texto paulino de 1Cor 7,29-31, onde surgem a prática de viver os votos da castidade [que coincide com a
compreensão do celibato], pobreza e da obediência [entendida em primeiro lugar àquele que chama e depois
transferida para aquele que representa Cristo, o superior], como meio preferível de santidade cristã em
detrimento da vida leiga, ou mundana, mentalidade reforçada com o anti-modernismo papal, que acaba
indiretamente alimentando a idéia de uma forma de superioridade “moral” da vida religiosa por estarem
afastados do mundo, em detrimento ao laicato que vive no mundo. cf. GERKEN, John. Teologia do Laicato.
Herder: São Paulo, 1968.
451
Maquina do Mundo, CE.
452
Cf. GASTALDI, op.cit., pp. 13-42.
103
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
em relação a vida do indivíduo.
A modernidade, seja como época seja com estilo de vida, concebeu sua “ordem”
concomitantemente ao desmantelamento da ordem tradicional”. Assim, em sua idéia de
ordem, está inerente a idéia do novo. Este se sobrepõe àquele na chamada “pós-
modernidade”
453
. A novidade precede a ordem. O mal-estar da modernidade histórica se dava
com uma excessiva busca de ordem a fim de garantir o progresso [Ordem e Progresso],
resultando numa liberdade mínima. O mal-estar da “pós-modernidade” é proveniente de uma
liberdade que dispensa a segurança da ordem, em nome da busca de algo que diminua a
percepção angustiante da falta de sentido ou de uma motivo para se empenhar a vida.
Entretanto, uma das forma elegidas por excelência foi a busca de prazer, entendida
“freudianamente” como paixão, o que torna o prazer personalizado de um desejo nunca
satisfeito e por isso pedindo sempre o próximo prazer, a ditadura do novo. Portanto o reinado
do efêmero não é sentido como depreciativo, mas condição natural da vida. Nada é durável
porque nada garante eternamente a eficácia do prazer/paixão enquanto intensidade afetiva.
Uma vez que este liga-se diretamente ao novo, como fuga da frustração do impedimento do
desejo ser realizado, a “paixão” pode substituir seu “objeto” por um outro [e novo]
desejo/paixão. Essa busca de desejo e oferta de novidades que substituam o desejo [já
realizado/ ou não] é assumido pelo sistema econômico que produznovo” desejo e oferece a
realização deste em forma de produto de consumo
454
, apresentado em forma de espetáculo,
que incentiva a substituir o que não mais realiza esse sentimento prazeroso eleito como
fugacidade salvífica. Essa necessidade criada de substituir o que me” incomoda vem ao
encontro da instabilidade condicional no âmbito do cotidiano, de estar e não-estar, vivida na
tensão de instalar-se e des-instalar-se. O que parece poder se falar de “pós” tem algo haver
com des-modernidade
455
, como a desinstalação da ordem apregoada pela Modernidade.
Sentida, porém pouco refletida, como sintomática nos fenômenos cotidianos de des-
empregado, des-habitado, des-compromisso... Hoje estou na empresa X, na cidade Y, com
fulano Z... amanhã, talvez não, seja por um des-prazer do indivíduo, seja porque ele se tornou
des-prazeroso e/ou des-gosto, ou ainda uma des-pesa des-necessária por ter-se tornado des-
ajustado a ordem econômica, social e política de uma cultura efêmera que opta pela
453
Aqui adota-se a expressão “pós-modernidade” não como expressão cabal, mas como uma “hipótese” presente
nas atuais discussões, porém a ser verificada como objeto de debates ainda em aberto.
454
BAUMAN, Zygmunt. Globalização As Conseqüências Humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
1999, p.91.
455
A idéia se fundamenta na discussão da discutida expressão “pós-modernidade” na tese da existência de uma
“descontinuidade”entre as presentes condições sócio-culturais e as da sociedade moderna. Cf. MARTELLI,
op.cit., 416-417.
104
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
substituição como lei do menor esforço. Lida em esfera econômica, entenda-se como redução
de custos, eliminação de problemas, possibilidade de novidade como novas experiências.
Antes de ser um juízo de valores, acredita-se que isso deve ser visto como característica de
uma cultura que encontra meios de ler a vida em uma sociedade em processo de instabilidade
na ordem do cotidiano, espaço onde o sentido se constitui, e só a partir daí é que um avaliação
axiológica cabe. A substituição é antes uma maneira de dar continuidade a vida e superar suas
frustrações e impossibilidades de ser, enquanto forma de pensar. Contudo, pode-se dizer que a
“criação” do desejo é um sintoma de que o pathos foi capitalizado como um produto salvífico
prático.
Do ponto de vista da antropologia cristã, um juízo de valores quando o humano
passa a ser des-cartado nessa dinâmica de substituição como mais um elemento efêmero, e
portanto, visto na esfera da “exterioridade” [produto/objeto/obstáculo], na medida em que não
cria raízes as relações humanas, carecendo de profundidade nessas relações [relação inter-
interioridade], o que gera uma redução antropológica das relações humanas e sociais. O outro
não é visto na alteridade do ser, mas reduzindo as relações a duração de sua
satisfação/lucro/conveniência. Sente-se que por nada vale a pena se sacrificar [nem mesmo
por uma pessoa] quando a cultura lhe incita a substituir. Somando uma confusão intelectiva
456
em que o indivíduo esta inserido numa sociedade plural que coexiste com diferentes polos de
cultura constituídos em sistemas de auto-referência. Luhmann chama essa capacidade de
cada um se diferenciar em relação ao ambiente de autopoiética, de criar a partir de si mesmos
suas estruturas e seus próprios elementos constitutivos em relação a outros sistemas: família é,
em certo sentido, “autonoma” em relação a escola, por exemplo, e assim o publico em relação
ao privado, a economia em relação a escola, as diversas culturas em relação as outras etc.
457
.
Constitui-se um mundo onde se oferece inúmeras possibilidades de rotas, não somente
distintas umas das outras, mas também indiferentes umas as outras.
Não obstante a “interiorização” não ser desejada, pela sociedade de consumo, porque
valores existenciais resistem serem reduzidos a valores mercadológicos, o filósofo de
Frankfurt observa que na coexistência da sociedade contemporânea, mesmo em um crescente
456
“Cada vez menos pessoas agem na base da orientação pessoal e de valores interiorizados... Mas por que
cada vez menos pessoas assim? Obviamente porque a atmosfera econômica, política e social se tornou difícil de
entender intelectualmente, e de cumprir moralmente, e porque ela muda num passo acelerado... Num mundo em
que tais coisas prosseguem, qualquer crença em princípios de orientação constantes corre o perigo de recusar
esse nimo de confirmação externa sem o qual ela não pode sobreviver” cf. GEHLEN apud BAUMAN,
op.cit., 1998, p. 220.
457
LUHMANN, Niklas. Organización y decisión: autopoiesis, acción y entendimiento comunicativo.
Barcelona : Anthropos, 1997.
105
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
nível de relações impessoais, ocorre concomitante a isso, uma intensificação das relações
íntimas, como possibilidade de aumentar a relação entre ego e seu alter, dentro de um código
próprio. Tal código exige uma comunicação de mensagens altamente personalizadas,
responsável pela comunicação da individualidade, recebida pelo outro numa crescente
dinâmica de confiança, que é o amor em forma de paixão
458
. Diferente do amor
desinteressado, a paixão como forma de comunicação identifica no interlocutor algo de si,
uma comunicação personalizada que permite a interpenetração inter-humana ou relação
íntima, onde o interlocutores apaixonados não são descartáveis, mas percebidos em sua
exclusividade interior. O amor como paixão não se reduz a um sentimento, mas constitui-se
um código que possibilita esse sentimento na medida em que o interlocutor tem um papel de
destaque e identificação mesmo em sua alteridade, sendo a paixão o meio de comunicação por
excelência responsável pela comunicação entre indivíduos, não vulnerável ao reducionismo
cultural e mercadológico. O locus investigativo de Luhmann que permite decodificar essa
comunicação é a literatura
459
.
Nesse contexto é que o poeta em questão desse trabalho pode ser visto como
resistência depurativa de uma cultura desumanizante, pois apesar de admitir o prazer como
constitutivo da vida e da paixão, entende também que viver é “doer” superando a ditadura do
prazer. A paixão para o poeta é uma paixão pela pessoa, onde tem a sua fonte de
humanismo. Por ela e com ela se alegra, bem como por ela e com ela se sofre. de se
entender que prazer e a alegria são próprios da paixão, como também é o sofrer e não pode ser
reduzida a um de seus aspectos (alegria ou dor) sob risco de ilusão. A poesia de Drummond é
des-vestida da poesia parnasiana, de uma “arte pela arte”
460
, para ser uma poesia humanizante
do indivíduo, em que a paixão é a capacidade humana de sofrer e de encontrar novo sentido
na vida, e pelo o que se sofre da paixão e o que se re-encanta na paixão é que se conduz a
poesia, pois a paixão é um remédio à indiferença do outro
461
. É pelo pathos da poesia, por sua
capacidade de sofrer e se alegrar, que a poesia é autopoiésis da vida.
A paixão é a capacidade de se identificar com a vida e personalizá-la. É pela paixão
que o indivíduo estabelece uma seleção identitária de elementos de sua autopoiésis no
universo de elementos sócio-político-culturais de sua existência particular.
458
Ibidem, O Amor como Paixão – Para a Codificação da Intimidade. Lisboa: DIFEL, 1991.
459
O ponto de partida de Luhmann é a literatura romântica na França do século XVII, que estabelece um código
nitidamente distinto do amor que prevaleceu na Idade Média de amor cortês, superando inclusive as rígidas
divisões estamentais. Cf. Idem.
460
CANDIDO, Antonio; CASTELLO, José Aderaldo. Presença da Literatura Brasileira Vol. II Do
Romantismo ao Simbolismo. 7ª. Edição. Rio de Janeiro/São Paulo: DIFEL, 1978, pp. 99-103
461
LUHMAN, O Amor como Paixão, op. cit., pp. 11-17.
106
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
A “pós-modernidade” pode ser entendida como “crise da modernidade”, não como
uma “contínua superação” desta, e portanto, (não necessariamente como recusa de seu projeto
de sujeito ético, colocado em risco reducionista pela cultura de mercado a mero consumidor)
mas é vivida numa espécie de co-presença com o moderno. Esse fato tende a misturar os
imaginários sociais acarretando uma verdadeira “implosão de sentido”, inferindo que tudo e
nada faz sentido à medida que, num relativismo, alimenta ou não a experiência individual. Se
de fato esse é um fator generativo de uma “cultura de massa”
462
, é também a matéria prima da
qual se constitui a personalidade do indivíduo contemporâneo, onde a escolha dos elementos
se dá a partir de uma percepção de capacidade significativa que o ajude a ser mais humano, ou
mais apaixonado pelo “que” se identifica mais profundamente que a superficialidade das
estruturas sociais permeadas pelo interesse especulativo.
Deste modo, a questão antropológica apresenta-se como elemento central para a
modernidade, tendo a “experiência” e o “sentido” que se pode auferir delas como formas
básicas da condição “pós-moderna”. Esta se fez recepção crítica daquela, tendo como critério
principal para a escolha de seus valores a vida pessoal como maior valor da história, pois as
idéias não valem mais que a vida, o que permite que as diferenças ideológicas coexistam no
mesmo espaço e tempo.
Nesta disposição é que se percebe o despertar religioso (situação social fundamental
para a tradição e alvo principal da crítica da modernidade), porém em outros parâmetros do
que a sua forma histórica, sem “meta-narrativas” ou grandes relatos, mas somente “relatos”,
i.e., uma narrativa que transmite “experiências”. Nisso pode-se verificar que tais formas de
pensar não se orientam para uma busca de fundamentos, ou origem e destino das coisas, e
com isso rejeita a cosmovisão cristã que pretende dar um “sentido último” e totalizante a
vida. Ao “pós-moderno” lhe interessa o “sentido pessoal” da sua história e não da
História
463
. Resulta disso uma religiosidade que não é uma “religião-de-Igreja”, ou seja, não
se sente uma necessidade de pertencer a uma instituição religiosa, por não se sentir a
necessidade de compactuar com os sistemas doutrinários (meta-narrativas), tidos como
sistemas de pensamento que aprisionam a liberdade do indivíduo, valendo-se mais de
histórias e exemplos edificantes (relatos ou narrativa pessoais) presentes em qualquer nicho
462
Baudrillard entende o termo “massa” como “[...]um conjunto no vácuo de partículas individuais, de resíduos
do social e de impulsos indiretos: opaca, nebulosa cuja densidade crescente absorve todas as energias e feixes
luminosos circundantes, para finalmente desabar sob seu próprio peso. Buraco negro em que o social se
precipita” cf. BAUDRILLARD, Jean. À sombra das maiorias silenciosas : o fim do social e o surgimento
das massas. tradução Suely Bastos. São Paulo : Brasiliense, 1985, pp. 9-51; ________. Simulacres et
simulation. Paris : Galilée, 1981.
463
LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. 8ª. Edição. Rio de Janeiro : José Olympio, 2004.
107
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
religioso. Há uma tendência de ressurgir do sem religião [institucional]
464
por uma necessidade
de religião personalizada.
Em outras palavras, a incapacidade da modernidade de constituir um horizonte utópico
único para todas as aspirações humanas e sociais, faz com que o “pós-moderno” reproponha a
transcendência como “horizonte último de sentido”, até mesmo se reapropriando de símbolos
e conteúdos religiosos da tradição cristã, uma vez que os sistemas religiosos são um
“reservatório inexorável de significados utópicos”
465
. Tais significados, porém, são vividos
como “traços” selecionados que se acomodam à experiência pessoal, e não raro
“distorcidos” de seus ambientes originários e originais, porém profundamente presentes
466
.
Ou seja, o que importa é que o valor, como “universal de sentido”, se particularize para
fundamentar a minha” experiência, i.e., o Sentido (enquanto valor) faz sentido se for o
“meu” sentido, a partir daquilo que me afeta profundamente re-orientado para uma nova
possibilidade de ser
467
.
É nesse sentido, por exemplo, que a questão Deus é assumida por Drummond, de
modo fragmentado, na medida em que o pathos de seu pensamento poético se permitia afetar
por algo de significativo [uma certa ordem de beleza no mundo criado por Deus] e rejeitar o
que lhe era sentido como contraditório [a apatia da imagem do Deus cristão] na patodicéia
humana, o que significa que essa imagem cristã de Deus não favorece a experiência dotada de
sentido humanizante, que rejeita uma antropodicéia como justificadora do sofrimento na
modernidade em prol da civilização, para uma construção do próprio sentido da vida.
464
MARTELLI, op.cit., pp. 124-125; pp. 415-451.
465
HERVIEU-LEGER, Daniele. Vers un nouveau christianisme? [S.l.]: Du Cerf, 1986, p. 198.
466
VATTIMO, Gianni. La società transparente. Milano: Garzanti, 1989, pp. 58-59.
467
“O “pós-moderno", a nosso ver, é exatamente isso: a re-interpretação de significados e símbolos presentes
tanto na tradição como na modernidade e até no arcaico, mas de maneira seletiva e mediata, sem ilusões sobre
a existência de atalhos míticos em direção ao 'paraíso perdido', e guiada pela intenção de tornar a vida
cotidiana mais 'dotada de sentido'” cf. MARTELLI, op.cit., p. 419.
108
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
3. Da Teodicéia à patodicéia – o labor da Teologia Moderna
Como foi, dito a questão da Teodicéia não é nova. Chega mesmo a ser anterior à
própria cunhagem do termo, desde as questões do cristianismo primitivo, como o
patripassionismo
468
e o teopasquismo
469
, tidas como controvérsias teológicas que caíram em
desuso, possivelmente pela forte aceitação, porém não homogênea, da questão da apatheia
470
no tocante à gnosiologia ontológica do mundo helênico. Ao encetar o cristianismo esse
inevitável contato, ele conseqüentemente incorporou termos metafísicos da filosofia grega e
468
O patripassionismo surge no final do século II e está associado inicialmente a Noetus de Esmirna, que leva
esse pensamento a Roma, mas também pode-se relacionar a Praxeas, que o leva a África do Norte, e Sabélio para
o Egito, ambos no início do século III. Mais tarde seria encontrado ainda no século IV, em Marcelo de Ancira,
na Ásia Menor, tendo como semelhança entre esses autores o que se chamou de modalismo, que vê em Deus Pai
e Filho apenas diferentes modos de manifestação do Deus único. A questão de fundo, que perdura no
cristianismo primitivo por quase dois séculos, é que o Pai sofre na cruz sobre a figura do Filho, contudo o
problema se imiscui na questão do reducionismo trinitário, mais que na questão do sofrimento de Deus. cf.
DROBNER, Hubertus. Manual de Patrologia. Petrópolis: Ed. Vozes, 2003, p. 123; SIMONETTI, M. In
BERARDINO, Angelo Di (org.). Dicionário Patrístico e de Antiguidades Cristãs. Petrópolis: Ed. Vozes,
2002, verbete patripassianos; CROUZEL, Henri In LACOSTE, Jean Yves. Dicionário Crítico de Teologia. São
Paulo: Editora Paulinas; Edições Loyola, 2004, verbete modalismo; McGRATH, op.cit., p. 329.
469
O teopasquismo surge no século IV com João Maxêncius, expressa na fórmula de que um da Trindade
conheceu o sofrimento: “unus ex Trinitate passus est” (DZ 401) que foi interpretada como ortodoxa por Leôncio
de Bizâncio. Entretanto, no século VI, caiu em desuso por ter sido considerada potencialmente enganosa para a
época, devido ao risco de confusão como o monofisitismo de Pedro Fullone, de uma Trindade crucificada em
Cristo. Preocupado que a confusão atingisse os monges teopasquistas que se inspiravam na teologia de
Maxêncio, o Papa Hormisdas (534) escreve uma carta a fim de apresentar a ortodoxia da questão de que o Cristo
é “um da Trindade” e que sofreu “segundo a carne”, mas que segundo a divindade “manteve-se impassível”:
“Iesus Christus Deus et Dei Filius passionem crucis tantummodo secundum carnem sustinuit deitate autem
impassibilis mansit”. O que seria herético então era a afirmação de que a divindade de Cristo teria sofrido,
expresso na fórmula passível de anátema: passionem crucis secundum deitatem (DZ 636) cf. ainda McGRATH,
op.cit., p. 329; p. 657.
470
A apaqe,ia diz respeito em primeiro lugar à gnoseologia do mundo helênico e ao papel que o pa,qoj exerce
nesse processo que, antes de implicar em uma teologia pura, implica mutuamente uma antropologia e uma
cosmologia, em que a teologia é o ápice de um sistema. A questão tem suas raízes em Platão (428[7] 347aC)
onde a parte irracional [a;logon] da alma é vista como paqh,tikon, definido na República, IV, 439 d, porém
distinta da evpiqumhtiko,n, a parte desiderativa da alma, presa às necessidades do corpo a fim de satisfazê-las. A
areth, , ou seja, o caminho da excelência humana, consiste, por sua vez, no governo do paqh,tikon pelo nouj
[parte racional da alma], pois diferente da evpiqumi,a [desejo], que é absolutamente irracional, o pa,qoj pode ser
modificado, dirigido ou mesmo suscitado pelo nouj, pois é uma afecção intermediária da alma, entre o desejo e a
razão, sendo a própria existência uma tendência a “sentir”[pa,scein], pois o pa,qoj é a afecção que alma
experimenta ao atingir aquilo que busca, sendo o “espanto” ou a “admiração” o pa,qoj por excelência do filósofo
e a origem de toda a filosofia (ma,la ga.r filoso,fou tou/to to. pa,qoj( to. qauma,zein ouv ga.r a;llh avrch.
Filosofi,aj cf. Teedeto, 155 d 1-3). É pela percepção afetiva [aquilo que afeta o filósofo], transmitida nos
sentidos do corpo, que a alma percebe, formando um juízo [do,xa] em forma de “sensação” [paqh,mata], que será
objeto do raciocínio [logistiko,n] da alma intelectiva, ou seja, do intelecto, cf. Timeu, 61. O pa,qoj é que permite
ao filósofo entrar em contato com a “realidade”, seja ela “sensível” [pa,qh] ou “inteligível” [ouvsi,a], porque antes
de ser uma afecção psicológica, é uma “potência” que qualifica o modo de ser e a determinação de toda a
realidade, pois tudo que existe possui a aptidão a “sentir”e a “produzir” (tou/ pa,scein kai. poiei/n duna,mewj, cf.
Sofista, 248; Górgias, 476; Republica IV, 436; Fedro, 270; Teeteto, 156). Por isso a mudança “produzida” (poiei/
n) das coisas acontece na medida em que são “afetadas” (pa,scein) por outras, e aquelas recebem/sofrem as
qualidades sensíveis e/ou inteligíveis destas, sendo as alteradas “participantes” [me,qexij] das qualidades das que
alteram. Daqui é que se parte para a idéia de uma hierarquia de perfeição, em que as coisas que menos são
afetadas, menos sofrem a recepção das qualidades de outra coisa, ou seja, menos mudam, e por isso são as mais
perfeitas, estando nos extremos dessa hierarquia, de um lado o a;peiron , enquanto condição não portadora [a] da
109
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
helenística, sendo uma das questões principais a impassibilidade de Deus de origem platônica,
sendo melhor formulada na filosofia aristotélica
471
como sinônimo da imutabilidade divina,
mas que chega ao cristianismo pela leitura estóica
472
da questão.
Por conseguinte, de uma posição neutra da teologia platônico-aristotélica passa-se a
uma visão negativa da apatheia do ponto de vista da psicologia estóica, tida como contrária à
razão, contudo ainda passando por uma releitura médio-platônica, especialmente de Fílon
experiência que lhe comunica o essencial [pei,rar, do verbo peira,w experimentar, provar, sofrer, seduzir] e
portanto, uma “ilimitada ignorância” [o termo apei,,rwn comporta tanto a idéia de “ignorância” como não-
conhecimento, como a idéia de multiplicado ao infinito], como indica Fédon, 14-18; 23-27, ao passo que do
outro lado da extremidade das coisas está a realidade das formas inteligíveis, ou as idéias, perpetuamente
idênticas a si mesmas, desprovidas de pa,qoj enquanto nada as afeta. Porém, a tudo afeta, na forma do Belo
[kalo,j] ao qual o filósofo deve se ligar “afetivamente” para orientar o lo,goj (Republica V, 476b) de modo a ser
seduzido pelo Belo e assim se afastar do a;peiron [que poderia ser traduzido aqui por não sedução pelo que é
perfeito]. Nessa perspectiva, a principal virtude do filósofo é buscar tornar-se o “semelhante a Deus segundo sua
potência” (omoiwsij Qew kata to dunaton, Teedeto, 176b), e tal “semelhança” consiste em ficar “justo e santo
em sabedoria”, pois Deus não muda de opinião [do,xa] como mudam os deuses a respeito da justiça e do Bem,
estando ele acima de todas as coisas, de toda “sensação” [paqh,mata] que faz os homens mudarem suas opiniões.
Assim, na Republica, as “virtude cardeais” [avreta,i] da temperança, coragem, sabedoria e justiça são o
resultado da educação que o filósofo, orientado pelo Belo e na semelhança ao ser divino, realiza a partir das
“paixões cardeais” (cólera, medo, arrependimento, luto, amor, inveja, ciúme, e tudo que se assemelha às “dores”
[pa,qoj] da alma) que precisam ser deslocados da ignorância ilimitada para atingir, para por meio de uma atinge
uma vai metriopaqe,ia onde o a;peiron vai recebendo a “medida” das avreta,i, como capacidade de não se deixar
mudar de “opinião” uma vez conhecido o caminho da justiça e do Bem (Republica, 47e-48d). Apesar de as
realidades inteligíveis não serem suscetíveis a afecções, deixar de sentir levaria à destruição da realidade,
enquanto incapacidade de atingi-la. E por meio do pa,qoj e do logo,j que se vão transformando a praxis e a polis
para se atingir a maior proximidade possível da realidade inteligível. Cf. PRADEAU, Jean François. Platão,
antes da invenção da paixão In PAM, pp. 23-36; REALE, Giovanni. Platão História da Filosofia Grega e
Romana vol. III. 9ª. Ed. São Paulo: Loyola, 2007; PEREIRA, Isidoro. Dicionário Grego-Português/
Português-Grego. Coimbra: [s.d.];para as obras de Platão cf. PLATO. Platonis Opera Omnia. New York :
Garland, 1980. 10 v. (Philosophy, Ancient: 26); PLATÃO. A República. São Paulo: Matins Fontes, 2006;
POPPER, Karl. A Sociedade Aberta e seus Inimigos Vol. O Fascínio de Platão. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo/Editora Itatiaia Limitada, 1974.
471
É partir da teologia platônica que Aristóteles (384-322aC) formula a questão de Deus como aquele que,
estando acima de todas as coisas, em tudo pode causar mudança [o “motor imóvel” por excelência], mas não
pode ser mudado por elas, ou seja, o Qeo,j a``paqikh, cf. Metafísica, XII, 1073. Contudo, há uma sutil diferença na
ontologia aristotélica que resultará nas distintas psicologias. Se para Platão o pa,qoj é uma das características de
toda a realidade, ou seja, sentir a realidade coincide com a realidade, ainda que não totalmente, para Aristóteles
uma dissociação entre a realidade [ouvsi,a] e aquilo que dela advém e afeta [pa,qoj]. O pa,qoj é na Física
aristotélica um “movimento”, ou seja, um processo que ainda não atingiu seu resultado, ainda que o
direcionamento para ele esteja inscrito no processo. Como tal, essa relação paciente/agente está integrada na
relação potência/ato, em que a qualificação atual está presente no pa,qoj, ou seja, a causalidade motriz, ou ainda,
o “motor imóvel” da Física, como aquilo pelo qual se provoca/excita o movimento das coisas. O fato de as
paixões serem experimentadas em união com o corpo, e na dependência dele, é que une a Física com a
Psicologia aristotélica (ouvqe.n a;neu soma, toj pa,scein ou,de. poiei/n cf. De anima, I, I, 403 a 1-7). Para psicologia
de Aristóteles não é a paixão uma disposição para o vício, pois ele julga ser mais grave que uma atitude
explosiva em um estado passional, como no caso da “ira”, do que a deliberação “fria” de cometer o mesmo ato,
pois essa disposição deliberada pode não acompanhar o arrependimento, e pior, pode-se acrescentar à sua fria
deliberação a influência da paixão. Contudo, o vicioso age primeiro deliberadamente, podendo acrescentar um
estado passional a sua escolha racional. A paixão não está em oposição à virtude (isso é de competência do
vício), mas serve ainda para ilustrar as conseqüências extremadas da falta de virtude. Aproveitando o conceito da
física do pa,qoj, a psicologia afirmará que a mudança ocorre quando o movimento iniciado por uma estimulação
110
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
de Alexandria
473
. Esse redescobre a metafísica platônica, mantendo várias características da
psicologia estóica, como aproximação hermenêutica da sabedoria hebraica, estando a
origem da apatheia cristã
474
num entreposto da metafísica com a psicologia mediando a
hermenêutica testamentária do cânon bíblico para a busca da verdadeira gnose cristã. Tudo
isso não sem um desenrolar histórico de difícil equilíbrio
475
476
477
entre logos e pathos. Com o
neoestoicismo moderno e seu racionalismo, este pathos foi visto em detrimento do logos,
inclusive pela teologia, reforçando a questão da impassibilidade de Deus num período em que
a imagem do “nazista” é mais adequada a ser “imagem e semelhança” de um “Deus apático”, em
causada por um objeto ou circunstância “exterior” [motor imóvel] encontra correspondência “idêntica” na
faculdade desiderativa “interior”, na potência do “desejo” [motor movido], seja por intermédio do intelecto [o
lo,goj enquanto processo do nou/j], seja por intermédio da “sensação” [fantasi,a] a respeito daquilo que afeta a
percepção, em que o movimento se completa na deliberação [proai,ereisj] que pode ser a de anuência ao
movimento, ou bloquear o movimento, bem como “infletir” na pessoa a necessidade de um novo juízo sobre a
realidade. Ou seja, estabelece-se a crise. Se para o Estagirita o pa,qoj é um movimento irracional da alma, não o é
exclusivamente, podendo ser entendido como excesso de desejo, mas não exclusivamente passional, na medida
em que também pode acompanhar uma deliberação e uma disposição voluntária, como assentimento racional,
como é o caso da noção geral de pa,qoj no livro II da Retórica. Aqui o pa,qoj é aquilo pelo qual mudam-se os
juízos”(e;sti de. ta. pa.qh div o;sa metaba,llontej diafe,rousi pro.j ta.j kri,seij cf. Cap. I, 1378ª 19-210). É esse
processo (utiliza-se para esse processo pelo qual o paciente sofre a ação de um agente externo o neologismo
paqh,sij, como correlato de poih,sij ou pra,xij cf. Fisica, III, iii, 202) que o “orador” e o “poeta” devem ter em
mente enquanto são agentes da “purificação das paixões” (kaqa,rsij tw/n paqhma,twn cf. Poética, 6, 1449b 24-28;
Política, Q 6, 1341 a 21-24) de modo a unir o desejo do Belo [ka,lon] ao “objeto de desejo” [a;gaqon] por meio da
“reta razão” [ovrqo,j lo,goj], e fazer da ética a “arte de viver”, incutindo um habitus [evqismo,j]. O modo como o
filósofo peripatético entende essa poética enquanto as artes para se conduzir a vida, é de experimentar a “paixão”
[enquanto processo que afeta e conduz a um movimento] de um modo “apático” (pwj pa,scein h; avpaqei/j eivnai
cf. Ética a Eudemo, II, II 1220 b 10). PRADEAU, Jean François. Platão, antes da invenção da paixão In PAM,
p. 34; BESNIER, Bernard. Aristóteles e as paixões In PAM, pp. 37-108; REALE, Giovanni. Aristóteles
História da Filosofia Grega e Romana vol. IV. ed. São Paulo: Loyola, 2007; LAUAND, Luiz Jean. Ética
e Antropologia Estudos e Traduções Série Acadêmica. São Paulo: Editora Mandruvá, 1997, pp. 39-64;
JAEGER, Werner Wilhelm. Aristóteles: bases para la historia de su desarrollo intelectual. México: Fondo de
Cultura Económica, c1946; para as obras de Aristóteles cf. ARISTÓTELES. Aristotelis opera omnia graece et
latine. Parisiis : Firmin-Didot et Sociis, 1927; _________. ARISTÓTELES. The complete works of Aristotle -
the revised Oxford translation. Princeton, N.J. : Princeton University Press, 1984; _________. Metafísica.
texto em grego com tradução e comentário de Giovanni Reale. São Paulo : Edições Loyola, 2002.
472
Com a ascensão de Alexandre Magno e o início do helenismo entram, em crise as idéias relacionadas à polis e
às virtudes cívicas. Uma vez que vigora uma política imperial, o pensamento filosófico se deslocará das
preocupações políticas para se voltar para o “indivíduo” helênico, o que configura o programa filosófico do
estoicismo fundado por Zenão de Citio (340 - 264aC) que, aspirando a descobrir as leis universais da conduta
humana e conduta da consciência, redireciona o horizonte da filosofia clássica do século IV, entendendo que a
investigação acerca da natureza das coisas não tem um fim em si mesma, senão na procura de uma praxis que
realize a harmonia do cosmos como forma de reverter o caos social para ser semelhante à ordem do universo, o
que implica no labor do pensar também a disciplina moral como forma de assimilar a verdade já encontrada pela
razão. Assim procedendo, rompem com a especulação platônica para uma aproximação do empirismo
aristotélico, tendo como primeira característica diferencial que a tradição platônica abria questões, e os estóicos
estão preocupados em encerrar questões. Com efeito, ao assumir a empiria o racionalismo estóico rejeita a
metriopatia, para assumir a apatheia como principal virtude do filósofo. Contudo o faz sem depender da teologia
aristotelica, reelaborando a questão de Deus e, conseqüentemente, reelaborando a cosmologia e a antropologia
até então vigentes. É de se esperar que os estóicos rejeitem os deuses Olímpicos da mitologia popular, que
reconheciam em Dionísio um deus, cujas mortes e renascimentos periódicos davam um ritmo à vida dos seus
fiéis. A fé diz respeito uma espécie de associação ao drama divino. Sofrendo e gozando de algum modo a paixão
de deus, o crente se identifica com ele mediante a orgia mística, ou ainda no culto báquico em que os deuses
permitem que o homem se eleve até eles. Contudo, também os estóicos rejeitam o Deus platônico-aristotélico,
que, em sua perfeição está situado acima de todas as coisas e que, apesar de ser o ideal do ser humano racional,
111
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
comparação com a daquele que morre na câmera de gás, no campo de batalha e tem as casas
bombardeadas. Vítimas de uma modernidade em que os alvos políticos são alvos humanos de
políticas desumanas e apáticas
478
.
Sob esse signo de contradição a Teologia Moderna se debruçou a fim de resgatar uma
hermenêutica verdadeiramente cristã de um Deus decidido a salvar o ser humano e que ama
este mundo, criado por Ele. Exatamente porque ama, consegue ver a beleza e a bondade
ignora as vicissitudes da humanidade e do mundo, não atuando sobre eles a não ser pela atração de sua beleza,
pois sua vontade perfeita nada tem a ver com as imperfeições da vontade do mundo sensível no qual se encontra
o ser humano. Platão chega mesmo a criticar aqueles que crêem que pode comovê-lo com preces. A perfeição de
Deus não é vista como bondade moral, mas sim uma perfeição intelectual da qual a ordem do mundo é uma
irradiação. Por outro lado, o Deus dos estóicos vive em sociedade com os homens (seres racionais), e dispõe
todas as coisas do universo em favor deles. A teologia estóica introduz no mundo antigo a idéia de providência,
segundo a qual a potência de Deus penetra todas as coisas sem lhe escapar nenhum detalhe sequer, sendo ele
mesmo o autor do mundo, cujo plano foi concebido em seu pensamento. A apatheia, enquanto virtude do sábio,
não é nem a assimilação de Deus que sonhava Platão, nem a simples virtude cívica e política que apregoava
Aristóteles, em conformidade com a ordem de Deus, mas é a aceitação da obra divina e a forma de colaboração
desta obra graças à inteligência do sábio. Pode-se verificar que traços dessa teologia no demiurgo do Timeu e
das Leis de Platão que se ocupam dos homens e dirigem o Universo em todos os detalhes, bem como no deus de
Sócrates e de Xenofonte, que deu aos homens seus sentidos, inclinações e inteligência, e assim os guia também
mediante os oráculos e a adivinhação. Contudo, o providencialismo de Zenão será a chave-mestra de leitura de
sua teologia, nos moldes do racionalismo proposto, de eliminar qualquer operação irracional, obstáculo para que
a pura razão atue na natureza e na conduta. O racionalismo estóico tem uma peculiaridade indispensável para ser
compreendido: o da mistura total, conceito por meio do qual pode-se entender que dois corpos podem se unir e
mesclar por justaposição, mas também podem se unir numa mistura total, ou seja, estendendo-se um através do
outro, sem perder nada de sua substância e propriedades, de tal forma que encontremos ao mesmo tempo estes
dois corpos, em qualquer porção de seu espaço comum. Brehier exemplifica na imagem do incenso que se
expande através do ar, e do vinho através da massa de água com a qual se mistura, ainda que fosse do mar
inteiro. Aqui não se trata de ultrapassar os dados imediatos e sensíveis, tampouco algum progresso do
sensível para o racional, mas, pelo contrário, procurar que a razão tome corpo neles, pois não se diferenças
entre eles. Para o estoicismo, é precisamente nas coisas sensíveis que a razão adquire a plenitude de sua
realidade, daí que captar a razão da marcha dos acontecimentos do universo, ao mesmo tempo, é realizar a razão
de sua própria conduta. Esse conhecimento se com uma “representação impressa na alma”, como diz Zenão,
ou imagem (phantasia), que é a impressão que um objeto real deixa na alma, como pura passividade, mas capaz
de produzir o assentimento verdadeiro e a percepção. Essa representação compreensiva, portanto, é comum ao
sábio e ao ignorante, porém oferece assim um primeiro grau de certeza. A ciência, própria do sábio, não é mais
do que acréscimo desta certeza, que não muda de domínio, mas é completamente sólida. A ciência é a
"percepção sólida, estável, inabalável pela razão". Essa representação indica a função e não a natureza da
imagem, por possuir um caráter próprio (idioma), segundo Sexto Empírico, que distingue sempre um objeto de
todos os demais, ou, segundo Cícero, a que manifesta uma maneira particular das coisas que representa, ainda
que esta distinção não tenha sido muito bem esclarecida pelo estóicos. Essa segunda fase do conhecimento, que
supera a compreensão comum até chegar ao grau de ciência, está penetrada pela razão de modo a reunir as
percepções pela empiria ,tencionando um fim particularmente útil à vida, de modo que a razão agrupe as certezas
isoladas e momentâneas da percepção, elevando-a ao status de saber científico, como percepção segura, porque é
total, o que equivale a dizer que é sistemática e racional. A física estóica tem a preocupação de representar, pela
imaginação, um mundo totalmente dominado pela razão, sem nenhum resíduo irracional, de modo que nada
depende do azar ou da desordem, como em Aristóteles ou em Platão, mas tudo está incluído na ordem universal
e, porque movido pela razão, cada movimento é um ato e não uma passagem ao ato. A racionalidade do mundo
não consiste na imagem de uma ordem imutável que se reflita nele tanto quanto a matéria permite, mas na
atividade de uma razão que tudo submete a seu poder, onde através do sopro material (pneuma), que atravessa a
matéria para animá-la, está disposto a converter-se em espírito puro, em prol de uma simpatia universal de um
mundo em que "tudo atua com o mesmo fim". Na sua totalidade, o universo não é a realização mais ou menos
imperfeita, contingente e instável de uma ordem matemática, e sim o efeito de uma causa que atua conforme
112
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
potencial “Deus viu tudo o que tinha feito: e era muito bom”
479
mesmo em sua
desfiguração, bem como está no olhar apaixonado de quem as e, por estar apaixonado,
opera pela esperança que não engana naquilo que procura
480
.
3.1. A Teologia Protestante Liberal e Neo-ortodoxa
A teologia acadêmica percebendo a inadequação de manter o teísmo, essa tentativa de
provar somente com os meios racionais a existência de Deus
481
, com uma metafísica que
causara incongruências com a psicologia própria do indivíduo moderno, marcado por um
uma lei necessária pela Razão universal, também tida como inteligência ou vontade de Deus, que dirige todos os
fatos. Tudo o que acontece está de acordo com a natureza universal, e falamos das coisas contrárias à natureza
somente relativas a um ser particular separado do conjunto, numa teodicéia onde o mal, por ser o contrário, é que
permite existir o bem. É um mal necessário que, dentro da sabedoria de Deus, que quer naturalmente o bem, para
chegar a ele, se obrigado a empregar meios, que, tomados em si mesmos, são inconvenientes, em que a
apatheia é uma espécie de resignação à sabedoria de Deus, Razão que rege todas as coisas para bem, mesmo as
aparentemente más. A razão, particular à alma humana, consiste num assentimento que introduz entre a
representação e a tendência ou inclinação; o caráter próprio da alma racional é, com efeito, que a atividade da
tendência não é engendrada diretamente pela representação, mas somente depois que a alma lhe doou
voluntariamente sua adesão ou assentimento. Uma vez que toda a substância da alma é racional, e a alma é “pura
razão”, a paixão é vista como uma “razão irracional”. Ela é um juízo a respeito de um bem que gera prazer no
presente ou desejo no futuro, ou ainda acerca de um mal presente e um temor futuro. Uma vez que a paixão é
uma razão para os estóicos, ela só opera a partir de um assentimento. Por isso a apatheia é uma forma de não ser
conduzido por essa “crença débil” que deforma e deprava as inclinações primitivas da razão, que de natureza
passageira e instável sob influência do meio social, predispõe a uma conduta exagerada e desmedida, como é
próprio de uma razão conduzir para a direção que indica, transformando em um mal da alma. A apatheia implica
uma mudança de conduta, uma espécie de conversão para a razão pura, que funciona como espécie de remédio
da paixão, tida como razão debilitada, ou seja, uma doença da alma, por meio de uma meditação preventiva
acerca dos juízos irracionais das paixões, mediante máximas racionais que servirão de base para a vida moral,
predispondo a escolhas espontâneas para a conservação no bem. Ou seja, viver segundo a razão, é viver segundo
o conhecimento científico das coisas que se medem de acordo com a natureza. Este conhecimento científico é
alcançado pela Física que revela como tudo acontece segundo a razão universal, a vontade de Deus e o destino.
A Psicologia estóica predispõe a aceitar o destino, atitude interior da vontade a obedecer o que se lhe impõe
como resultado da Razão universal que ordena todas as coisas para a harmonia do mundo. A paixão, enquanto
razão extraviada, tenta resistir a esse destino e lhe opor ao bem universal, ua fantasma de juízo de um bem
próprio: saúde, riqueza, honra... ao passo que o sábio aceita com reflexão os fatos que resultam do destino, tendo
como diferença que, aonde o apaixonado vai pela força, o sábio vai voluntariamente, aceitando o que o destino
lhe impõe, consentindo naquilo que Deus decide. Assim o ideal da apatheia é um único ideal visto de três
maneiras: seguir a natureza; seguir a razão [empírica, como forma de analisar a natureza das coisas], seguir Deus
[Razão que rege o universo e os fatos]. Contudo, não se deve pensar que esta psicologia estóica leva uma
passividade, mas a uma moral de ação, depreendida da contemplação da ordem da natureza, e que por isso
mesmo é uma ação que visa a manter a ordem estabelecida das coisas, indiferente a saúde ou doença, riqueza ou
pobreza. Ainda que o pathos lhe indique um juízo de bem, a apatheia é que permite tratar as coisas preferíveis
como não-preferíveis e vice-versa, desde que desejada pelo destino que a Razão impôs [Deus]. Brehier comenta
que caso o estóico não consiga viver seus deveres (cuidado do corpo, exercícios de amizade e de beneficência,
deveres da família, funções políticas) conforme a natureza dos fatos, sofrendo em excesso de coisas contrárias a
natureza, o estóico perfeito se distingue do imperfeito pela procura da “boa morte” [eu-thanasia], numa espécie
de querer eliminar a imperfeição do mundo. Um outro traço que a moral estóica aponta é o abandono do dever
social em face da sua desordem, tal como no cinismo radical. O sábio é uma razão encarnada, um “verbo” no
qual se verifica a ação da razão, e portanto ele não deve cometer nenhum erro, e tudo o que faz, por menor que
seja, deve conter a sabedoria de sua conduta, de modo que desconheça arrependimento, tristeza, temor,
possuindo a felicidade perfeita por seus atos. BRÉHIER, Émile. Histoire de la Philosophie - Tome Premier -
L'Antiquité et le Moyen Age. Paris: Presses Universitaires de France, 1948; COOPER, John Madison. Reason
and emotion: essays on ancient moral psychology and ethical theory. Princeton University Press, c1999;
LÉVY, Carlos. Crisipo nas Tusculanas In BESNIER, Bernard. op.cit., pp. 151-165; LONG, Anthony. La
filosofia helenistica: estoicos, epicureos, escepticos. Madrid: Alianza, 1984; ________. Problems in stoicism.
113
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
tempo de injustiças e sofrimentos que estavam para além de sua capacidade de afastá-los,
começa a realizar um verdadeiro desmonte dos caracteres helenísticos da Tradição cristã que
corroboram para uma contradição em termos de uma realidade sofrida e um Deus apático. A
primeira reação
482
é da teologia protestante com Adolf von Harnack (1851-1930) que
redireciona a teologia cristã do dogmatismo para seu desenvolvimento da história, relendo a
patrística a partir do método histórico-crítico e propondo um Evangelho social, a partir da
essência do cristianismo, que é a pessoa de Jesus Cristo e sua mensagem soteriológica,
London: Atlantic Highlands/ New Jersey: Athlone Press, 1996; SALLES, Ricardo. Los estoicos y el problema
de la libertad. México: UNAM. Instituto de Investigaciones Filosóficas, 2006.
473
lon de Alexandria (25aC c.42dC), ao tentar harmonizar Moisés, Platão e Zenão, assume um traço de
dualismo platônico entre matéria e espírito, de superar o mundo sensível em virtude de se alcançar o mundo
inteligível, que salvaguarda sua Revelação que contrapõe o homem protagórico como “medida de todas as
coisas” com o Deus Criador que é “medida de tudo”. Ele também assume o traço de Zenão de que somente pelo
Logos [Razão] se conheceria a Deus e a realidade de todas as coisas, e é pelo Logos [Palavra de Deus] que se
conhece a Deus e todas as coisas porque Deus é tão “gigantesco” que o logos humano não pode conhecê-lo em
profundidade se ele não se revelar pelo Seu Logos eterno. Entretanto, pode ainda o ser humano conhecer o
melhor e optar pelo pior, se não tiver liberdade e vontade de escolher o bem e recusar o mal. Por isso deve se
desligar de todas as coisas sensíveis pela avpaqe,ia para se alcançar o Deus que se revela em seu Logos [palavra]
como um Deus perfeito, ou seja, não suscetível às mudanças [movimentos], sinônimos de imperfeição, no
sentido de ainda não ter completado o movimento de atualização. Assim a avpaqe,ia é vista como sinônimo de
perfeita, que, uma vez aceita, não muda o seu caminho de libertação do “corpo”, essa “prisão infamante” que
tem como carcereiros os prazeres e desejos, caracteres pertencentes ao pa,qoj; dos “sentidos” que atraem para os
desejos; e da “linguagem” [logos] que nos engana com a aparente beleza dos nomes, que mais escondem que
revelam a beleza real das coisas Cf. Philon d’ Alexandrie. De gigantibus. Quod Deus sit immutabilis Les
Ouvres de Philon d’ Alexandrie: 7-8. Paris: Éditions du Cerf, 1963; ____________. De virtutibus Les
Ouvres de Philon d’ Alexandrie: 26. Paris: Éditions du Cerf, 1962; ____________. Quis rerum divinarum
heres sit Les Ouvres de Philon d’ Alexandrie: 15. Paris: Éditions du Cerf, 1966; ____________. De
mutatione nominum Les Ouvres de Philon d’ Alexandrie: 18. Paris: Éditions du Cerf, 1964; BRÉHIER,
Emile. Les idées philosophiques et religieuses de Philon d'Alexandrie - Études de philosophie médiévale: 8.
Paris: Librairie philosophique J. Vrin, 1950; BIGG, Charles. The Christian Platonists of Alexandria : the
1886 Bampton lectures. Oxford: Clarendon Press, 1968; RÉVILLE, Jean. La doctrine du Logos dans le
quatrième Évangile et dans les oeuvres de Philon. Thesis (licencié en théologie). Paris: Faculté de théologie
protestante de Paris, 1881; McGRATH, op.cit. , pp. 325-326; REALE, Giovanni. Renascimento do Platonismo
e do Pitagorismo História da Filosofia Greca e Romana Vol. VII. Ed. Loyola: São Paulo, 2007, pp.
229-266; DROBNER, Ibidem, op.cit., pp. 137-139.
474
A avpaqe,ia cristã tem início com a escola de Alexandria, primeiramente com Clemente (140/150 – c.215/216) e
a influência da teologia de Fílon, que coloca no livro III do Stroma,teij(cf. ainda II, 59,6; 131,5 In PG 07) um
discurso sobre a relação da “ética” e da “gnose” cristã, tendo como o ideal a avpaqe,ia estóica, nitidamente
dissociando paqh, do a;gape, vendo inclusive a metriopaqe,ia como um estágio anterior da perfeição da ética cristã,
semelhante ao modo de agir do Deus [Qeopoi,hsij] clementiano, resgatando a “assimilação a Deus” [o``moiou/sioj
qeou/] do medioplatonismo. A poih,sij de Deus, para Clemente, depende de Fílon de um agir que não é movido por
nada, e que move todas as coisas pelo Logos. Para Clemente, portanto, para seguir o movimento do Logos não é
suficiente a moderação das afeições, mas a indiferença absoluta a elas, devendo estar o cristão contente com a
gnose que recebeu de Deus, sem se deixar atrair pelos bens externos. Essa “semelhança de Deus” [o``moiou/sioj
qeou/] que o cristão deveria viver, conforme concebiam Fílon e Clemente como ausência de afetividade [avpaqe,ia],
também é defendida por Orígenes em sua teologia espiritual, dizendo que o cristão deve alcançar “sentidos
interiores” para libertar-se das pa,qh. Orígenes interpreta o amor do Cântico dos Cânticos, como um a;gape
desapaixonado e espiritualizado (cf. PG 16b, VIII, 6). De modo particular, essa “ausência de afetividade” foi
vivenciada de modo dramático por Orígenes, ao ponto de não, conseguindo vivê-la, praticar a auto-mutilação.
Dessa necessidade de encontrar ‘sentidos’ interiores que substituam os ‘sentidos’ exteriores do corpo, a avpaqe,ia
foi bastante acolhida na tradição monástica, vendo nessa possibilidade de catarsis na h`suci,a, o repouso interior
para iniciar a luta contra as pa,qh, a h`suci,a que seria o remédio para as pa,qh e também para a avkedi,a, o tédio
114
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
desviada pelas preocupações cristológicas advindas do helenismo
483
. Seguindo o método
histórico-crítico aplicado as fontes, Rudolf Bultmann (1884-1976) faria o mesmo movimento
no Novo Testamento, optando por um eixo hermenêutico existencialista a fim de apresentar
um Jesus significativo a vida, pois acredita que o existencialismo foi possível devido ao
Novo Testamento que demonstra uma preocupação ôntica com o ser humano, Lutero que
enxerga o “Deus crucificado” que não desconhece a angustia humana e Kierkegaard, pai
desse movimento de análise da existência, vendo, portanto, na uma existência escatológica,
como sempre abertura a novas possibilidades e que o conceito neo-testamentário que melhor
espiritual. Assim, o monge teria uma vida perfeita, estando ele na h`suci,a “externa” [tranqüilidade proveniente da
recusa dos bens e do matrimônio tida como avmerimni,a] e na h`suci,a “interna” [a tranqüilidade proveniente da
recusa das paixões, tida como avpaqe,ia]. Tal como Deus é imutável, a perfeição do monge é encontrar o repouso
[do verbo h`sucazw , tranquilizar, repousar, deixar imóvel], sendo esse traço ao mesmo tempo uma virtude
mística, também uma tentação de procurar estar acima do mundo, sem considerar que se está dentro do mundo. Já
Gregório de Nissa, mesmo sem ter um visão propriamente dita positiva de pa,qoj avalia ser prejudicial essa
eliminação da afetividade, ou a ausência total das paixões, pois, na tentativa de banir todo o desejo da alma, pode-
se inclusive banir o desejo de Deus, sendo essa avpaqe,ia possível somente na glória de Deus em que, na posse do
bem, pode cessar o desejo (PG 46; cf. 65 A-B; 96 A). DROBNER, op.cit., pp. 139-155; 376-380; MORESCHINI,
Claudio. História da Filosofia Patrística. São Paulo: Loyola, 2008, pp. 117-136; 626-636; ORÍGENES.
Homélies sur le Cantique des cantiques - Col. Sources Chrétiennes: v. 37. Paris: Editions du Cerf, 1966;
LILLA, S. Apatheia In BERARDINO, Dicionário Patrístico e de Antiguidades Cristãs, op.cit. pp. 125-126;
CLARK, Elizabeth Ann. Clement's use of Aristotle: the Aristotelian contribution to Clement of
Alexandria's refutation of Gnosticism. New York: E. Mellen Press, c1977; PG 8-9.
475
Além de Gregório de Nissa, que como negativa a anulação afetiva, também encontra-se em Agostinho, no
Capítulo IX da Civitas Dei, uma reflexão da herança estóica sobre os “movimentos da alma” (animi motus),
affectiones ou, como parece preferir, passiones (parecendo evitar a nomenclatura de Cícero de perturbationes)
que os gregos chamavam pa,qh e que por vezes também estará associada a libido. A paixão é vista também como
um movimento irracional da alma, que pode tornar-se hegemônico sem a direção da razão. Contudo, Agostinho
não identifica que as paixões (desejo, temor, alegria, tristeza) desordenadas têm sua raiz na matéria, pois
desordens propriamente humanas que não se encontram nos animais irracionais, como o amor à glória, ou o
desejo de dominar, que derivam do espírito, donde também deriva a principal desordem, o orgulho, responsável
por envolver as paixões e as corromper (o que mantém o caráter de subordinação da paixão à razão, que conduz
as paixões quer para o bem, quer para o mal). No capítulo X das Confissões (35,55), ele apresenta a paixão
envolta na desordem sob o signo da curiosidade como “paixão/desejo de experimentar e conhecer” (experiendi
noscendique libido). Mas também é pelo cor inquietum de seu íntimo que procurou a Deus, e, portanto, a graça
que opera pela Paixão de Cristo regenera todas as paixões humanas, sendo o próprio Cristo aquele que desejou
vir ao mundo e ordenar todas as paixões pela sua “verdadeira paixão” (verissima affectiocf. Civitas Dei, XIV, 9,
3.). Bermon menciona que Agostinho chega a citar Crantor, dizendo que uma vida sine affectione resulta na
“crueldade do espírito e o estupor do corpo”. Agostinho acredita que viver sem a dor e o sofrimento
(impassibilitas como tradução da avpaqe,ia dos gregos) parece ser bom e desejável no mais alto grau, mas isso não
pertence a essa vida, e por isso deve ser evitado nessa vida se deseja-se viver segundo Deus, pois se é verdade
que a beatitude perfeita não comportará medo ou tristeza, não é verdade que não haverá amor e alegria (De
Civitas Dei, XIV, 9, 4-5). Cf. ainda BERMON, Emmanuel. A teoria das paixões em santo Agostinho In PAM,
pp. 199-226. Para as obras de Agostinho cf. AUGUSTINUS. De civitate Dei. ed. Stuttgart : Teubner, 1993;
___________. A Cidade de Deus (contra os pagãos) Parte I. Bragança Paulista: Ed. Universitária São
Francisco, 2007, pp. 346-360; ___________. A Cidade de Deus (contra os pagãos) Parte II. Bragança
Paulista: Ed. Universitária São Francisco, 2006, pp. 129-170; ___________. Confissões. São Paulo: Paulus,
1997; GILSON, Étienne. Introdução ao estudo de Santo Agostinho. São Paulo: Discurso Editorial/Paulus,
2007, pp. 252-259; PL 32; 41.
476
Tomás de Aquino, ao retomar a metriopaqe,ia platônico-aristotélica, o faz na continuidade de Agostinho, sem
contudo ceder à leitura de um agostinianismo de sustentar três almas (racional, irascível, vegetativa), valorizando
a alma espiritual em detrimento das outras inferiores, pois estariam as paixões, ligadas ao corpo, retornando
assim ao neoplatonismo. O Aquinate, por sua vez, ao sustentar a unidade da alma tripartite, dignidade às
paixões e mantém a posição de que elas carecem não de per si de virtude, mas resultante da concupiscência da
115
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
descreve essa existência é a soma [marca da historicidade cristã] e não o pneuma dos gregos
que estavam preocupados com a imortalidade e como superação do temporal e da história,
prova disso é a mensagem de Ressurreição do Cristianismo. Diante da angústia que revela a
facticidade dos limites, Deus pode ser encontrado por sua palavra [kerigma] e graça, deixa do
de lado amundanização”, a auto-suficiência para entregar a existência e confiar o futuro das
possibilidades em Deus. Deus nos encontra onde a possibilidade humana é nada
484
.
A teologia protestante continuará dando atenção a significar a existência a partir da
mensagem do cristianismo com a teologia de Paul Tillich (1886-1965) onde aborda a questão
debilidade humana, e que com a graça pode ser dirigidas e impulsionar para o Bem (Summa Theologica, I-II, q.
22-25). Gilson afirma que, sob a analogia da Física, uma enorme diferença metafísica entre Aristóteles e
Tomás de Aquino, e afirma esse ter superado aquele. O Deus de um é amado pelo mundo, ao passo que o do
outro ama o mundo. “Quando lemos, nos comentários da Divina Comédia, que o último verso do grande poema
traduz o pensamento de Aristóteles, estamos longe da verdade, porque o amor que muove il Sole e l’altre stelle
só tem em comum com o primeiro motor imóvel o nome. O Deus de São Tomás e de Dante é um Deus que ama,
o de Aristóteles é um Deus que se deixa amar; o amor que move o céu e os astros, em Aristóteles, é o amor do
céu e dos astros por Deus, ao passo que o amor que os move em São Tomás e Dante é o amor de Deus pelo
mundo. Entre as duas causas motoras, há toda a diferença que separa a causa final da causa eficiente. E há que
ir mais longe ainda” cf. GILSON, Étienne. O Espírito da Filosofia Medieval. São Paulo: Martins Fontes, 2006,
p. 102; pp. 85-113; cf. ainda MENESES, Paulo Gaspar de. O conhecimento afetivo em Santo Tomás
Coleção CES. São Paulo: Loyola, 2000; TOMAS DE AQUINO, ST I-II, q. 22-25.
477
A escolástica jesuítica seiscentista, de modo especial na teologia de Francisco Suarez, irá elaborar
sistematicamente a dinâmica afetiva dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio: “Porque não é o muito saber
que sacia e satisfaz a alma, mas o sentir e saborear as coisas internamente” (n. 2). Suarez, a título de defesa das
acusações dominicanas de não seguirem rigorosamente o tomismo e a suspeita de assemelhar-se à teologia
protestante de uma experiência imediata de Deus, desenvolverá um traço de teologia que compreende a
dispositione affectus, na qual o desejo dentro de uma espiritualidade afetiva [spiritualitatem affectus] serve de
instrumenta virtutis para a eleição do melhor caminho de vida para Deus. Essa influência também pode-se
verificar na teologia poético-profética do Pe. Vieira. Cf. SUAREZ, Francisco. Los exercícios Espirituales de
San Ignacio Una defesa. Bilbao: Ed. Mensajero/Santander: Sal Terrae, 2003, p.14; VILLAS BOAS, Alex.
Padre Antonio Vieira: 4º. Centenário de um Teólogo desconhecido In Revista de Cultura Teológica, vol. 16 ,
n. 64, jul/set., 2008, pp. 147-182.
478
VILLAS BOAS, Alex. Fides et Passio: Pode existir sem paixão?In Café Filosófico-Anchietanum, SJ.
Disponível em <http://www.anchietanum.com.br/site/lerDownload.php?intIdCategoria=8> Acesso em
23/08/2008 10h47. ; SEGUNDO, Que mundo? Que homem? Que Deus?, op.cit., pp. 165-175.
479
Gn 1, 31.
480
Rm 5,5s.
481
ROLFES, Helmuth, verbete Ateísmo/Teísmo In EICHER, Peter (dir.). Dicionário de Conceitos
Fundamentais de Teologia. São Paulo: Paulus, 1993, pp. 24-32.
482
Para cada “escola” e/ou “tradição teológica inúmeros nomes que o presente trabalho não comporta,
limitando a apresentação de nomes responsáveis por novas tendências teológicas para o desenvolvimento da
questão naquilo que colabora para a presente pesquisa.
483
Harnack menciona que os discípulos estavam certos de que o mistério da divindade em Jesus acompanhava o
sofrimento (cf. Luke XXIV, 26; Joh. XX, 29), e esta era a principal característica de distinção entre o
cristianismo primitivo e o gnosticismo. Clemente Romano apresenta o Filho de Deus como paqh,mata tou/ qeou/
(1Clement 2,1) e Inácio de Antioquia diz que a encarnação do verbo foi prw,ton pa,qhtoj kai tote. avpaqh,j (Eph.
18,2), sendo que a apathia [apathetic] de Deus como incapaz de sofrer e livre de todas as afeições aparece
primeiro no pensamento heterodoxo de Marcião. Essa teologia de negação dos atributos humanos é também
própria dos gnósticos, especialmente dos valentinianos neoplatônicos, que farão Inácio falar constantemente do
pa,qoj e insistir que Cristo assumiu nossas dores (hvmw/n paqou/sa cf. Smyr 7,1) a ao assumir a “carne sofrida”
[sarx paqou/sa cf. Philad. 5] e segundo, a Carta de Barnabé, com admirável clareza assumiu por “ele mesmo de
vontade própria o sofrimento” [auto.j de. hvqele,sen o`utw paqei,n]. Também se pode encontrar afirmações
semelhantes em Meltião de Sardes (Frag. XII). Harnack identifica, no primeiro volume de sua obra, mais de
vinte citações literais que unem a encarnação e o sofrimento à compreensão soteriológica do agir de Deus em
116
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
ontológica do ser como questão ética da natureza da “coragem”, passando pela questão em
Platão, Aristóteles, os estóicos, Tomás de Aquino, Espinosa, Nietzsche, e passando assim
pela montagem e desmontagem metafísica do Ocidente para numa aproximação crítica do
existencialismo. Partindo de Kierkegaard, apresentar o específico do existencialismo cristão
onde o abandono da permite encontrar Aquele que não abandona o ser humano em sua
angústia, mas potencializa o ser, concedendo pela graça a “coragem de ser” dentro de uma
ontologia dialética para uma criatividade da vida através de uma constante conquista do não-
ser entendendo a salvação[Heil]/cura[Heilung] como simpatia [Sympathein], participação em
um outro ser pelo conhecimento e ação, onde a participação de Deus na vida humana é que
permite a superação de todo o limite, ambigüidade e sofrimento
485
.
Por outro lado, um teólogo reformado contemporâneo de Tillich, Karl Barth
(1886-1968) critica a “correlação” da teologia liberal no diálogo entre a fé e a cultura humana,
como programa de sua reformulação doutrinária vendo um demasiado otimismo na condição
humana correndo o risco de reduzir o cristianismo a pouco mais que uma experiência
religiosa. Reformulando o método histórico-crítico, de uma leitura puramente racional das
fontes, as Escrituras como o documento de Revelação, do qual por meio dele pode-se
conhecer a Deus, elaborando uma Teologia da Palavra de Deus dialética de forte influência
kierkegaardiana entre “Deus e o humano”, “tempo e eternidade”, “cultura e Reino de Deus”.
Enfatizando a transcendência e a teologia dos Reformadores Lutero e Calvino retoma as
questões dogmáticas, afirmando não ser possível conhecer a Deus se este não se der a
conhecer e isso só é possível com uma base trinitária, herança da fé que nenhuma cultura pode
atingir de per si, o que lhe conferiu a sua teologia o título de neo-ortodoxia, de uma pregação
conforme a Revelação não “do que Deus é” [Verkündigung], mas “do que vai realizar”
[Ankündigung]. Sendo assim, portanto, a pregação é constituída como um movimento, o
movimento da encarnação do Verbo, que vem para realizar “já” no crente o que está por
realizar no seio da história humana
486
.
Jesus Cristo. HARNACK, Adolf von. History of Dogma vol. Eugene: Wipf & Stock Publishers, 2000 pp.88;
109ss; 124ss; 140ss; 198; 248; ___________. Wesen des Christentums für die christliche Gemeinde
geprüft. Geog Böhme: Leipzig, 1901, pp. 153-164.
484
BULTMANN, Rudolf. Jesus Cristo e mitologia. São Paulo: Novo Século, 2000; __________. Teologia do
Novo Testamento. São Paulo: Teológica, 2004; __________. Histoire et eschatologie – col. Foi Vivante – vol.
115. Paris: Delachaux et Niestlé, 1959; PIRES, Frederico Pieper. Bultmann, leitor de Heidegger In Revista
Eletrônica Correlatio, n. 04, dezembro/2003. Disponível em http://www.metodista.br/ppc/
correlatio/correlatio04/bultmann-leitor-de-heidegger/> Acesso em 01/09/2008 20h32.
485
TILLICH, Paul. A Coragem de Ser. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1972; __________. Dinâmica da fé . São
Leopoldo: Sinodal, 1985; __________. Teologia sistemática. São Paulo: Sinodal, 1967; HIGUET, Etienne.
Saúde, cura e salvação no pensamento de Paul Tillich In Sociedade Paul Tillich do Brasil. Disponível em
<http://www.angelfire.com/sc/paultillich/artigo3.html> Acesso em 15/08/2008 20h13.
486
BARTH, Karl. Introdução à teologia evangélica. 3. ed. São Leopoldo: Sinodal, 1981; _________. BARTH,
117
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
É com Dietrich Bonhoeffer (1906-1945) que haverá uma proposta de unir o
movimento da teologia liberal iniciado com Harnack e a neo-ortodoxia de Karl Barth, que o
teólogo protestante, apesar de seguir o teólogo “moderno”, julga ter desprezado as intenções
válidas da teologia liberal, propondo uma Dogmática diferente da de Barth, exatamente na
exclusão desinência Eclesial da expressão que caracteriza seu autor preferido
487
, enquanto é
reduzida a “religião”, como a diferença básica entre os dois, que fará toda a diferença em
Bonhoeffer
488
. Para ele, o processo de assimilação metafísica da cultura helênica por parte do
cristianismo, não foi somente uma questão teológica, no sentido de transfigurar o rosto de
Deus, mas também uma questão eclesiológica, que transformou o cristianismo em “religião”
suprimindo a radicalidade da encarnação e da transformação da realidade, para lançar a
“salvação” para o além morte. Re-sacralizando o mistério e separando o sagrado do profano,
converteu os gestos concretos de Jesus e dos cristãos em ritos distantes da realidade, dividiu a
comunidade criando uma classe especializada, que não tratam mais das pessoas senão do
culto, transformou a pregação existencial da Palavra de Deus numa doutrina metafísica que
fez do Deus conosco” um Deus super-poderoso, visto como interventor e tapa-buracos, um
Deus ex machina, do qual tudo se espera. Dessa transformação metafísica do cristianismo
também se resulta a submissão da Igreja ao Estado, pois este é visto por Aristóteles como
tendo fundamento na natureza humana, sendo a “consumação máxima da natureza racional do
ser humano”, “onde servir-lhe é a suprema finalidade da vida humana”, e uma vez que em
Tomás de Aquino o pressuposto da natureza pela graça o “Estado cumpre a destinação da
natureza humana”, onde a Igreja se tornou alienada de sua responsabilidade de transformação
ética, a tal ponto de nenhuma Igreja cristã se manifestar contra o Reich de Hitler. O que
Bonhoeffer identifica de virtuoso na teologia liberal e neo-ortodoxa protestante é que aquela
com Bultmann permite uma leitura não-religiosa da Bíblia, des-mitificando o cristianismo e
procurando o essencial e o mérito de Barth é de opor pneuma contra sarx, rejeitando ao
mesmo tempo a fusão da com o mundo, própria do limite que enxerga na teologia liberal,
que faz perder sua capacidade de transformação. Nesse ponto não supera a idéia de “religião”,
bem como rejeita a idéia de que a Bíblia se interpreta por si mesmo, criticando o Sola
Karl. Church dogmatics - the doctrine of the word of God. Edinburgh. T. & T. Clark, 1977, pp.; _________.
A palavra de Deus e a palavra do homem. São Paulo: Novo Século, 2004; _________. A Proclamação do
Evangelho. Diocese Anglicana de São Paulo: São Paulo, [s.d.]. Disponível em <http://www.dasp.org.br/codigos/
artigos/proclamacao_evangelho.htm> Acesso em 16/08/2008 21h07; McGRATH, Ibidem, op.cit., pp. 138-145.
487
A teologia de Barth é também conhecida como Dogmática Eclesial [Kirchliche Dogmatik].
488
BONHOEFFER, Dietrich. Ética. 7ª. Ed. São Leopoldo: Ed. Sinodal, 2005; _________. El precio de la
Graça El seguimiento. ed. Salamanca: Ediciones Sígueme, 2004; VELASCO, Reinaldo Jesús. El
Cristianismo sin Religíon en la Teología de Dietrich Bonhoeffer In Labor Theologicus, v. 16, n. 33, jul./dez,
Caracas: Publicaciones Universidad Católica Santa Rosa, 2004, pp. 53-104.
118
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
Scriptura barthiniano, que anuncia ao mundo uma Verdade, que este mundo não sabe o que
fazer com ela e se é que pode fazer alguma coisa com ela, para a proposta de uma teologia
que sem perder a radicalidade transformadora da Palavra cria uma ponte até o mundo e a
situação do ser humano. A ponte que Bonhoeffer julga necessária para com o mundo moderno
é a autonomia” [Mündig] o estado de velar por si mesmo” sem depender de um tutor
[Vormund], o ser humano dirige sua própria vida, e é responsável por si mesmo, tendo
chegado a início de sua liberdade com a Modernidade que descobriu não precisar da Igreja e
nem de sua proteção, chegando a sua “Maior Idade”, situação essa que o teólogo protestante
julga positiva numa espécie de purificação, porque permite re-descobrir a verdadeira face de
Deus que é “impotente”, é o “Deus que nos abandona” (Mc 15,34) para que o ser humano
chegue a suamaioridade” como dono de seu próprio destino, ou seja, responsável por ele. O
crente deve então compreender a presença de Deus num mundo ausente de Deus, e o
compreende na participação do “sofrimento de Deus na vida do mundo”, resistindo a força de
evolução do mundo, pois a debilidade humana foi vista com interesse pelas Igrejas que
fazendo o ser humano se crer como débil, ou seja, descrer de si, poderia incliná-lo a crer em
Deus. A participação dos sofrimentos de Deus pelo mundo em Cristo é a unica coerência
neotestamentária da fé, e é isso que permite uma Igreja para os outros”, esse é o “preço da
graça” que “não tem preço”, o seguimento deste Cristo crucificado pelas leis do mundo, que
não coincidem com as leis do Evangelho, pois a polis para o Estado é vista como comunidade
ordenada, e a autoridade é quem cria a ordem entre governantes e governados, ao passo que a
polis neotestamentária é escatológica, a cidade futura de Deus, mais abrangente que toda
autoridade e por isso organiza a polis do Estado, “de cima”. “Teologicamente só o conceito
de autoridade é aproveitável, o de Estado não”
489
, por isso a autoridade do Evangelho pode e
deve recusar a autoridade secular (a saber, Hitler), para viver e anunciar o Reino de Deus e
sua justiça. Essa graça que “não tem preço”, é “graça cara” porque “chama ao seguimento de
Jesus Cristo” e “é cara porque custa ao homem a vida, é graça porque o agracia a vida”
sobretudo porque custou a Deus a vida de Seu Filho
490
e por isso mesmo é que é estabelecido o
preço, ou seja, seguir seus passos é que permite encontrar como graça a meta-morfosis
[Gestaltung] de se tornar a imagem de Cristo, graça que vem ao encontro do espírito
489
Ibidem, Ética, p. 184.
490
“es cara porque condena el pecado, es gracia porque justifica al pecador. Sobre todo, la gracia es cara
porque ha costado cara a Dios, porque le ha costado la vida de su Hijo – hábeis sido adquiridos a gran precio
y porque lo que ha custado caro a Dios no puede resultarnos barato a nosotros. Es gracia, sobre todo, porque
Dios no ha considerado a su Hijo demasiado caro con tal de devolvermos la vida, entregándolo por nosotros.
La gracia cara és la encarnación de Dios” cf. BONHOEFFER, Ibidem, El precio de la Graça El
seguimiento, pp. 16-17.
119
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
angustiado e coração abatido, para a transformação da vida. Quando o cristão não sabe dar o
valor que Deus deu a essa graça e tampouco se importa com o seguimento, a graça é
considerada como “mercadoria”, essa “graça barata” é inimiga mortal da Igreja, porque se
manifesta em forma de sistema de doutrina de verdades universais, a idéia” do amor de
Deus, a justificação do pecado, sem ser a dor do pecador, graça que consola e conforta,
substituindo o deslocamento do seguimento, que prega o perdão sem arrependimento, que
endossa a administração dos sacramentos sem disciplina eclesiástica (batismo sem
compromisso, eucaristia sem confissão dos pecados, absolvição sem confissão pessoal) a
“graça barata” é a graça sem seguimento de Jesus Cristo “vivo e encarnado”
491
.
3.2. Process Theology
Outra reação ao teísmo foi a da chamada Process Theology iniciada pelo filósofo
Alfred Nort Whitehead (1861-1947), que ao invés de desmontar o cristianismo de sua
influência metafísica, tenta dar novo significado à metafísica do ponto de vista do
desenvolvimento natural das teorias de conhecimento, no qual a religião está incluída. Uma
vez que adotou o dialogo com a ciência, a saber, a metafísica clássica, deve evoluir tal qual o
modelo de ciência evolui, não tendo porque permanecer estática se a ciência não permaneceu.
Assim, mostra como posicionamentos e frases dos primeiros três séculos tidos como certos,
podiam no século V ser condenados como heréticos, pois mesmo as idéias mais tradicionais
nunca são estáticas e são transformadas pela razão crítica, por evidências emocionais
vivenciadas fortemente, e ainda pelas frias constatações da percepção científica
492
. A tarefa da
metafísica é oferecer uma compreensível e plausível hipótese da natureza da realidade, o mais
ampla possível, de modo sinótico e num nível abrangente. Assim, a aproximação que a
process philosophy faz para existência natural consiste em ser entendida como processo
[modo de mudança de todas as coisas: físico, orgânico, psicológico] e não como coisas ou
substâncias [estabilidades fixas]. Processo é um complexo, uma unidade de estágios ou fases
distintas, que atinge sua coerência na sucessão temporal, dentro de uma estrutura, um formato
genérico em virtude do qual todo processo concreto recebe seu formato, de modo que a cada
nível o todo se torna uma unidade. A diferença básica da Process Theology das metafísicas
clássicas aristotélica e tomista é que nestas Deus, que inicia o processo, está fora dele, ao
passo que para a nova proposta de metafísica, Deus está inserido na ordem processual das
491
Idem, p. 16.
492
WHITEHEAD, Alfred Nort. Process and Reality: An Essay in Cosmology. New York: Free Press, 1985, pp.
337-352; __________. Science and the Modern World. New York: The Macmillan Company, 1954, pp.
259-276; COBB, Jr. John; GRIFFIN, David. Process Theology An Introductory Exposition. Westminster:
John Knox Press, 1976, pp. 63-79.
120
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
coisas, não fisicamente, mas na ordem imaterial do mundo como a difusão do conhecimento e
a emergência de ordem. Sob este ponto de vista Deus não é onipotente no sentido coercitivo,
mas sim persuasivo, e deve ser entendido como Deus não exercendo um controle unilateral
das coisas, pois estas possuem auto-determinação. Ou seja, Deus tem sua vontade em tudo,
como estrutura básica, mas nem tudo o que acontece é vontade de Deus. Com isso acaso e
providência não se excluem. No mal ocasionado do mundo, Deus está presente junto ao
sofredor, é afetado por ele, e o afeta persuasivamente a superar todo o mal que é parcial em
relação ao seu bem universal, integrando-o dentro de uma nova ordem. Assim é que Deus é
“poeta do mundo”
493
: não uma lei que tudo rege, mas representa um altíssima aventura de
esperança
494
, conduzindo a um amor responsável, processualmente, dentro da estrutura
imutável de sua bondade.
3.3. A Teologia Ortodoxa de Evdokimov
Paul Evdokimov (1901-1970) uma especial atenção ao mal como percebido pelo
olhar de Dostoievski, na indignação de Ivan Karamazov contra a “idéia de Deus”.Na recusa
em aceitar que o sofrimento de uma criança inocente pudesse ser justificado. Essa foi sua tese
de filosofia, Dostoyevsky e o problema do Mal, em 1942, retomando depois a questão em
1973 na perspectiva teológica
495
. O teólogo ortodoxo coloca dois problemas que agravam a
percepção de Deus em seu silêncio: 1) a mediocridade cristã, que se alimentou de um Deus
“útil”, seja para as ignorâncias humanas (cita o “tapa-buracos” de Bonhoeffer), projetando
suas respostas/hipóteses para o além, seja para garantir o edifício social e político das
monarquias cristãs ao forjá-lo na imagem do rei terrestre de dignidade, majestade e poder,
convertendo os povos à ponta de espada em nome do seu Reino. Política essa que estava
construída sob a rocha firme da petrificação da eternidade divina” elaborada pela teologia
acadêmica: um Deus imóvel para uma sociedade de relações sociais igualmente imutáveis
496
.
Esse fator faz do ateísmo uma purificação moral da fé; 2) o desconhecimento da teologia
negativa (apofática) por parte das teologias modernas, citando inclusive Tillich e Bultmann,
pois a teologia positiva se aplica somente aos atributos revelados, às manifestações de Deus
493
He is the poet of the world, with tender patient leading it by his vision of truth, beauty and goodness” cf.
WHITEHEAD, Process and Reality, p. 346
494
Ibidem, Science and the Modern World, p. 276.
495
EVDOKIMOV, Paul. O Silêncio Amoroso de Deus. Aparecida: Ed. Santuário, 2007; cf. ainda _________. O
Espírito Santo na Tradição Ortodoxa. São Paulo: Ave-Maria Edições, 1996, pp. 30-45; _________. Vocação
Litúrgica do Homem In Antropologia (capítulo da obra “Sacramento do Amor”). Disponível em
<http://www.ecclesia.com.br/biblioteca/teologia/paul_evdokimov_a_antropologia.html#47> Acesso em
21/08/2008 07h23.
496
Ibidem, O Silêncio Amoroso de Deus, p. 8; 19.
121
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
no mundo, e nada pode dizer de seu Silêncio, radicalmente absoluto e incomparável, que
transcende a qualquer sistema de pensamento.
A via negativa se a conhecer, exatamente, por meio de suas negações a uma
percepção paradoxal do Inconcebível, numa “abordagem intuitiva, primordial e simples”,
conhecendo para além de toda inteligência, que, longe de distanciar da imanência, mais a ela
se enraíza quando consegue transcender seus limites de inteligência, práxis e conflitos. Pois
Deus, de fato, está acima de todas as coisas, e por isso o ideal da mística oriental é a hesiquia,
o “repouso” em Deus quando todo movimento cessa, “paz que ultrapassa toda paz”
497
.
Todavia, na teologia oriental, a inascibilidade do Pai é a fonte de todo movimento trinitário.
A grande diferença, como o “motor imóvel” que move todas as coisas, é que para a teologia
ortodoxa movimento” coincide com “relação”, e por isso o Pai é a fonte de toda relação que
culmina em eterno movimento de amor
498
. Ao invés de permanecer inacessível, Deus deseja
no Espírito Santo, por suas energias, unir o ser humano ao Filho e, por meio dele, ao Pai. E
então, acima de toda palavra, se pode conhecer qual o verdadeiro silêncio de Deus, o
silenciamento de todas as inquietações que permite a verdadeira gnose da sua misericórdia,
que é a “fraqueza de Deus”. Aí se encontra o Filho, “por mais profundo que seja o inferno em
que os homens se descobrem, mais profundo ainda se encontra Cristo, à espera”, que
permite tirar o homem de seus infernos pelo “poder invencível da Cruz”, que é o Espírito
Santo. Se de fato não mais é possível crer em um Deus “sem entranhas e impassível”, também
não se deve reduzir Deus a novas afirmações que descem ao nível da linguagem, correndo
inclusive um perigo real de rebaixar a mensagem. É o homem que precisa elevar”
499
, “em
todo pensamento sobre Deus é Deus que se pensa no espírito humano; esse é o verdadeiro
sentido do argumento teológico”
500
, por isso as afirmações da ortodoxia devem antes ser
doxologia, nas quais o ser humano descobre na liturgia, sua vocação litúrgica
501
, sua relação
com Deus. Portanto, é a apófase, o silenciar que acolhe a presença daquilo que simboliza, sem
colocar questões, que permite descobrir no silêncio a “linguagem do mundo futuro”. Essa
deve fazer os “teólogos menos gratuitos em suas afirmações demasiadamente sumárias [e]
mais sensíveis ao homem concreto, que sofre, e cujo acesso a Cristo muito freqüentemente é
obstruído pela desordenada confusão especulativa”, para se tornar “co-poeta com Deus” da
497
Ibidem, O Silêncio Amoroso de Deus, p. 57.
498
Citando São Gregório de Nissa: “Qualquer atividade vem do Pai, progride pelo Filho e conclui-se no
Espírito Santo” cf. GREGORIO DE NISSA apud EVDOKIMOV, O Espírito Santo na Tradição Ortodoxa, p.
34; cf. ainda pp. 38-43.
499
Ibidem, op. cit., pp. 29-37; 159.
500
Idem, p. 31.
501
Ibidem, Vocação Litúrgica do Homem, op. cit.
122
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
“Poesia” divina inscrita em sua própria existência, a theosis, o mistério interiorizado
502
, que
não pode ser verbalizado efetivamente, mas ao qual se é conduzido numa espécie de teologia
mistagógica, que não se pauta nem no objeto da teologia clássica, nem no sujeito da teologia
moderna, mas na liturgia, “lugar trans-subjetivo” da fé-revelação
503
.
3.4. A Teologia Judaica de Heschel
Abraham Joshua Heschel (1907-1972), teólogo judeu alemão, perseguido pela
Gestapo, escritor de poesias em Yiddish e especialista em literatura profética e numa teologia
liberal para o judaísmo compreende que a inspiração profética não cessou com a destruição do
Segundo Templo de Jerusalém, mas permaneceu durante os tempos do medievo e podem
chegar até mesmo aos tempos modernos. Foi solidário às causas de Martin Luther King,
auxiliou como teólogo convidado no Concílio Vaticano II para as questões inter-religiosas
influenciando a elaboração da Nostra Aetate. Heschel, em sua obra The Prophets
504
vai dizer
que os profetas do Antigo Testamento não tinham uma “idéia” de Deus mas sim um
“entendimento” que não era fruto de especulações teóricas, mas uma apresentação de um
Deus preocupado com o ser humano
505
, revelando em suas atitudes mais que idéias sobre
Deus. A atitude por excelência de ser profeta da justiça é fruto do pathos de Deus. O teólogo
judeu distingue entre pathos e paixão, sendo esta apresentada como uma “embriaguez da
mente”, uma “agitação da alma” que opera cegamente, ao passo que pathos não deve ser
entendido como uma emoção irracional, mas um ato formado com intenção, em que é
necessária a anuência da vontade. Deste modo o profeta precisa consentir, entretanto, o
pathos não se reduz a intencionalidade, mas é algo transitivo [que transita de Deus ao profeta
a partir de seu sim] e sempre expressa a relação de Deus com o ser humano. Segundo Heschel
a idéia de um Deus “totalmente Outro” [Wholly Other] é uma “alienação ao pensamento
hebraico”, pois o Deus proclamado dos profetas não é “remoto”, mas “envolvido”, e se o
silêncio parece a antitese do homem, por outro lado a profecia é Deus “encontrando” o ser
humano em seu mistério de cuidado pelo humano
506
.
Os profetas são aqueles que proclamam o “pathos de Deus” em sua preocupação com
o mundo que constitui o ethos divino. Em Deus pathos e ethos estão em unidade
507
, é a paixão
502
Idem, p. 163; 106; 114.
503
Idem, p. 27.
504
HESCHEL, Abraham Joshua. The Prophets – vol. I-II. Peabody: Hendrickson Publishers, 2007.
505
“pathos is not an attribute but a situation” cf. Ibidem, Prophets - vol II, p. 5.
506
“The God they proclaim is not the Remote One, but the One Who is involved, near and concerned. The Silent
One may be the antithesis of man, but prophecy is God meeting man”. cf. Idem, p. 7.
507
Idem, pp. 1-11.
123
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
pelo humano que pede o cuidado por ele. Heschel chega mesmo a identificar que a inspiração
poética e a percepção da revelação divina acontecem do mesmo modo, como um raptus
mentis
508
que inebria o pathos do poeta/profeta com o pathos de Deus. Essa relação sin-
pathica que se estabelece entre o profeta e o Deus que se revela, testemunhada nas Escrituras
vinha ao encontro do mais profundo desejo de justiça e indignação com a injustiça daquele
que a percebia. Deus manifesta seu pathos [sua capacidade de se deixar afetar] no pathos
daquele que o percebia onde coincidia o mesmo ethos, elevando o sentimento e a percepção
de quem descobria Deus como aquele que “sentia junto” [sym-pathos] a miséria do Povo, e
elevava o com-padecimento” da pessoa à coragem de ser profeta/poeta onde as Escrituras
serão a gramática utilizada para a profecia/poesia
509
.
3.5. A Teologia Católica Moderna
A Teologia Católica assumiu várias nuances para a questão do teísmo e sua vinculação
metafísica. Talvez a primeira grande resposta tenha sido a de Pierre Teilhard de Chardin
(1881-1955), filósofo, teólogo e paleontólogo. Nos moldes da Process Theology e a seu modo
estabeleceu a ponte de rigor científico para um autêntica metafísica, reelaborando a teologia
de modo auscultável pela ciência, sobre o problema da evolução, origem de sua obra mais
importante
510
, concluída em 1940, mas publicada postumamente, em 1955. Para Chardin, o
cosmos é dinâmico, i.e., o universo é uma grande evolução e tem seu ápice no ser humano.
Tal evolução passa por “pontos críticos”. Nesses momentos dá-se um salto qualitativo, como
p.ex.: da “cosmogênese” (surgimento do universo) chega-se a “biogênese” (surgimento da
vida) e desta para a “antropogênese” (surgimento do ser humano).Esse salto evolutivo se
pela lei da “complexificação-interiorização”, ou seja, no momento limite do universo, ele
seria impelido a uma nível de “complexidade externa”, desenvolvendo uma “interiorização”,
fato esse que gera a vida. O ápice dessa complexidade seria a interiorização mais complexa do
universo, que é a “consciência humana”, uma vez esta surgida, ainda de modo fragmentado,
seria conduzida a uma Consciência Universal e Total, o Ponto Ômega, o momento conclusivo
e de profunda comunhão do universo.
508
“The prophet is like a poet who is frequently overcome by a raptus mentis. At times the poet is overcome
unexpectedly, at other times he prepares himself for the creative moment, with a pen in his hand and a inkstand
on his desk. With his attention concentrated upon a specific content, a certain excitement enters his soul, with
thoughts and images flowing upon him. The enigma is solved. The prophet is a poet. His experience is one
known to the poets. What the poets know as poetic inspiration, the prophets call divine revelation” cf. Idem, p.
147.
509
Ibidem, Prophets - vol I, pp. 210-212.
510
CHARDIN, Pierre Teilhard. O fenômeno humano. São Paulo: Ed. Herder, 1970; __________. O meio
divino. Lisboa: Presença, [s.d.] [19-]; __________. L'avenir de l'homme. [S.l.]: Du Seuil, 1959.
124
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
As implicações morais e religiosas desse sistema foram desenvolvidas numa série de
obras como Le Milieu divin e L'Avenir de L'homme, em que a lei de complexificação-
interiorização é apresentada como a lei de amorização, ou seja, o universo seria regido e
fundado pelo Amor, sua Consciência Universal, e a conclusão da história é uma conclusão
universal do Amor. Assim esse amor que vem de Deus [Ponto Alfa], deixa sua marca em tudo
o que existe no universo, se manifesta tomando consciência de si mesmo e do que lhe envolve
e tudo conduz envolvendo de volta a Deus [Ponto Ômega].Em Cristo se revela toda a potência
e criatividade do amor, seu mistério, sua consciência, sua fragilidade e sua força, pois Ele é o
Alfa e o Omega desse Universo envolto em amor. Tal lei de amorização também é chamada
por Chardin de cristificação, e portanto, Cristo estaria presente em tudo e em todos, de modo
especial revelando o mistério de amor na consciência humana. Por isso, toda vez que alguém
é conduzido pelo nobre amor, é Cristo quem o conduz. Uma mãe nativa, que nunca tenha
ouvido falar de um tal Cristo, ao dedicar sua vida a seu filho, está em profunda sintonia com o
cosmos e portanto em sintonia com Cristo. Sua encarnação é para iluminar os caminhos desse
e provocar o último salto qualitativo, o derramamento da sua graça, a energia” que conduz e
sustenta o universo, a interiorização que penetra todas as consciências, o Espírito Santo. Por
isso Chardin via o mundo em seu pan-en-teísmo, i.e., Deus está em tudo, e tudo merece
respeito por sua vocação divina
511
. Sob esse ponto de vista o Ômega existe atualmente e
opera no mais profundo do se humano, em vias de “depurar”, “dirigir”, de “sobreanimar” a
“ascensão geral das consciências”. Por uma “ação perene de comunhão e de sublimação,
agrega a si próprio o psiquismo Total da Terra”, a fim de alcançar tudo, reunir e transformar
fazendo do Universo uma síntese de centros. Deste modo o fenômeno humano deve convergir
para o fenômeno cristão, em sua existência e realidade por seu valor qualitativo de uma
consciência nova, o “amor cristão”, quando o coração humano “bate pelo seu próximo” com
uma verdadeira caridade, revelando-se psicologicamente possível a praticamente operante. A
Evolução, que num primeiro momento assustou o cristianismo permite agora perceber esse
movimento de convergência do Universo por sua energia crística intrínseca à própria
evolução [e não um poder extrínseco e sobreimposto], capaz de unir a epopéia humana de sua
história marcada pelo estigma do Mal à Via-Sacra
512
do Cristo Cósmico.
511
“Pan-en-teísmo” deve ser distinguido de “pan-teísmo”, segundo o qual tudo é Deus, cosmos e Deus se
confundem, o que pode gerar a indiferença para com a criação O panteísmo nega as diferenças, inclusive sociais,
o panenteísmo reconhece as diferenças e as assume, especialmente as diferenças sociais, uma vez que por serem
reflexo do Mistério exigem o cuidado especial para não serem profanadas.
512
Ibidem, O Fenômeno Humano, p. 345-348.
125
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
Também no período entre-guerras
513
surge o movimento dos teólogos austríacos de
Innsbruck a Teologia Kerigmática que se propunha a criar e a desenvolver duas teologias uma
erudita, destinada à formação de professores e uma ordenada à pregação contextualizada e
com ênfase no caráter salvífico de Deus na história, servindo à evangelização. Um dos
grandes nomes desse movimento, talvez eclipsado pela revolução teológica do irmão, é Hugo
Rahner (1900-1968)
514
, e o que se acentua dessa Teologia Kerigmática
515
para o presente
trabalho é o aporte patrístico de revelar como a salvação não acontece nas alturas da “pura
espiritualidade”, mas na “condição carnal” da vida, proveniente da encarnação do Verbo em
que o invisível e o visível estão “indissociavelmente unidos”, mostrando que a heresia sempre
foi “o intento de separar isto que é inseparável”. A plenitude teológica do Kerigma depende
da medida em que ocorre uma pregação da unidade divino-humana”, pois a palpabilidade
histórica” da teologia da vida terrena de Jesus
516
é o “começo da maravilhosa palpabilidade da
vida divina sobre a terra”. Tudo no Cristo vive entre pneuma e carne, “a cada instante, a cada
gesto, em toda palavra” numa “pneumática terrenidade”, que sob os viéses do temporal
escondem o “ímpeto, entusiasmo, êxtase, ardor e júbilo arrebatador” que podem ser
conhecidos no mais profundo de nós pelo contato com “poesia e pregação”, capazes de nos
fazer arrebatados poetas, inebriados da sobriedade do Espírito
517
Por fim menciona-se dois nomes de grande envergadura na teologia católica moderna
que depois de um período passaram a se distanciar, e mesmo com pontos divergentes, cada
um a partir de seus pressupostos teóricos
518
, têm algo a dizer sobre a questão. Menciona-se
aqui primeiramente a Teodramática de Hans Urs von Balthasar (1905-1988)
519
. Parte central
513
LIBANIO, João Batista; MURAD, Afondo. Introdução à Teologia Perfil, Enfoques, Tarefas. São Paulo,
1996, pp. 143-145.
514
RAHNER, Hugo. Kirche und staat im fruhen christentum. Munique-Alemanha: Kosel, 1961; _______.
Teologia de la Predicación. Buenos Aires: Plantin, 1950. Essas duas obras de Hugo Rahner revelam o espírito
do movimento de Innsbruck, a primeira mostra a densidade de sua pesquisa nas fontes patrísticas, a segunda
resume-se em preleções de tom existencial como desenvolvimento do colóquio dogmático.
515
cf. Ibidem, Teologia de la Predicacion, op.cit., pp. 139-165
516
É presente no prensamento do teólogo de Innsbruck os Exercícios Espirituais de Santo Inácio como “cambio
universal” em que mediante a contemplação dos mistérios da vida de Jesus se desperta na piedade o “sentido
para el todo, para lo humano” . cf. Idem, p. 144.
517
Idem, p. 49.
518
Para uma aproximação sobre os debates e as diferenças entre Balthasar e Karl Rahner cf. SESBOÜÉ, Bernard.
Karl Rahner – Itinerário Teológico. São Paulo: Ed. Loyola, 2004, pp. 149-166.
519
BALTHASAR, Hans Urs von. Theo-Drama: Theological Dramatic Theory vol. I Prolegomena. San
Francisco: Ignatius Press, 1988, pp. 89-133; 259-479; ________. Mysterium Paschale the Mystery of
Easter. San Francisco: Ignatius Press, 2000; ________. O cristão e a angústia. São Paulo: Duas Cidades, 1963;
________. Sólo el Amor és digno de . Salamanca: Sígueme Ediciones, 2006; RIBEIRO, Clarita Sampaio
Mesquita. Mysterium Paschale A quenose de Deus segundo Hans Urs von Balthasar. São Paulo: Loyola,
2004; PALUMBO, Cecília Inés Avenatti. Lenguajes de Dios para el siglo XXI Estética, teatro y literatura
como imaginarios teológicos. Juiz de Fora: Edições Subíaco/ Buenos Aires: Publicaciones de la Facultad de
Teología Universidad Católica Argentina, 2007, pp. 339-353
126
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
de sua Trilogia que reflete sobre o modo de agir de Deus, a Teoestética, que versa sobre a
contemplação do Pulchrum e sua relação com os aspectos da teologia clássica do Bem, da
Verdade e do Uno, e a Teológica que aborda a relação cristologia e ontologia. A
Teodramática é onde se revela a particularidade do mistério Trinitário. Lida em chave
kenótica, a Cruz não somente afeta Deus, mas é a revelação do mais íntimo de Deus
520
, pois a
kenosis envolve todas as relações trinitárias, num abandono da forma Dei depreendida da
Revelação que antecede toda a reflexão sobre o absoluto de Deus, pois uma kenosis
intratrinitária e uma kenosis econômica. Na primeira se pode ter presente o modo de agir
da segunda. Na kenosis intradivina, a geração do Filho implica uma kenosis do Pai, pois
um movimento do Pai em relação ao Filho, um distanciamento [hiatus] pelo qual o Pai se
desapropria de sua divindade (trans) apropriando no Filho o que é seu
521
. O Pai, por ser esse
movimento de doação estabelece uma eterna distância na qual todo o drama da segunda
kenosis está contido na primeira. Contudo na primeira, o Espírito Santo é a ponte geradora
do amor, que permite que o distanciamento não seja vivido sem o amor do Pai e do Filho,
superando-o. A criação é vista como imagem e semelhança da encarnação, que é a kenosis
do Filho. Porém ao ser marcada pelo pecado, a criação perde essa ponte geradora da filiação
que é o Espírito, fazendo dessa distância filial um inferno sem proporções, pois deixa de ser a
distância no amor, para ser a distância do amor, sem contudo deixar o desejo de amar. A
kenosis do Filho, portanto, se insere nesse drama de separação de Deus e o Mundo que sem
sua dupla natureza desce aos infernos humanos, mas em sua natureza divina não rompe a
geração eterna do Espírito, que o Ressuscita, redimindo a humanidade e permitindo a kenosis
do Espírito, ou seja, a sua vinda e habitação no humano, restabelecendo a comunhão desejada
pelo Pai, na kenosis-eucarística do Filho
522
de se entregar ao Pai pelo Espírito. O sofrimento
da cruz só pode ser compreendido dentro da kenosis do Deus unitrino, pela qual Deus odeia o
pecado que distancia criatura e Criador, experimentando Ele mesmo todo o abismo dessa
distância, se lançando no risco de se doar. O movimento da Trindade é subcontrário ao
movimento do Absoluto aristotélico, que a teologia escolástica assumiu, deixando de lado
uma teologia afetiva, segundo o teólogo suíço, o que pede a união de uma teologia e mística,
uma teologia de “joelhos”, a única possível para compreender que o Deus perfeito é também
um movimento” de descida onde o Mistério Pascal revela o modo de ser de Deus
523
. Com
520
Ibidem, Mysterium Paschale, p. 23-35.
521
Idem, pp. 49-51
522
Idem, pp. 89-99
523
Idem, pp. 41-44.
127
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
isso Balthasar retoma a antiga idéia de que “Um da Trindade sofreu”
524
pela qual a paixão
revela o caminho da felicidade de Deus, a morte revela o Seu modo de agir, a Ressurreição
quem Ele é, e a eucaristia o que somos chamados a ser. Com isso toda angústia e sofrimento
humano assumem um novo valor, tendo a possibilidade de ser “participação” da angústia
fecunda da Cruz
525
e, pela experiência transcendente do amor de Deus a superação de toda
contingência transfigura a angústia humana em solidariedade, fonte de toda a alegria, que a
transfigura em “angústia cristã”, ou seja, superada em sua contingência converte-se em desejo
de solidariedade salvífica
526
. Para que haja essa transformação do amor trinitário “só o amor é
digno de fé” e só “uma Palavra compreendida como amor pode suscitar a resposta de amor”,
uma “Revelação que não fosse amor seria desumana e indigna de Deus”
527
. A cena do pathos
trinitário no teo-drama divino serve de chave hermenêutica para significar o pathos da
tragédia no cenário da História
528
.
E por último, Karl Rahner (1904-1984) talvez o maior nome da moderna teologia pela
revolução no modo de fazer teologia que propôs
529
. Tal como Barth, Rahner vinculou a
Revelação à Trindade como um agir salvífico em que Deus se auto-comunica. Mas diferente
de Barth, que centra sua teologia na cristologia, Rahner propõe a virada antropológica, ou
seja, Deus se a conhecer [fala] partindo da experiência humana
530
, sem Se rebaixar a nossa
finitude, mas pelo contrário, elevando o ser humano ao conhecimento transcendental
531
a
partir de suas “experiências concretas”[konkreten Dasein] nas experiências em que ele é
“arrancado de si para o interior do mistério inefável” [Sich-selbst-weggenommem-Seins]
532
.
Rahner entende que o ser humano vai descobrindo o Existencial sobrenatural no dinamismo
de transcender que é inato ao ser humano.
524
DZ 401.
525
Ibidem, O cristão e a angústia, p. 52.
526
Ibidem, Sólo el Amor és digno de Fé, p. 97.
527
Idem, p. 79.
528
PALUMBO, Ibidem, op.cit., pp.- 340-341.
529
RAHNER, Karl. Grundkurs des Glaubens, op. cit.; _________. Das Wort der Dichtung und der Christ In
Schriften zur Theologie Band IV Neure Schriften. Zürich: Benzinger/Köln: Einsiedeln, 1967, pp.
441-454; _________. Priester und Dichter In Schriften zur Theologie Band III zur Theologie des
Geistlichen Lebens. Zürich: Benzinger/Köln: Einsiedeln, 1967, pp. 349-375; _________. Passion und Aszece
In Schriften zur Theologie Band III zur Theologie des Geistlichen Lebens. Zürich: Benzinger/Köln:
Einsiedeln, 1967, pp. 73-104; _________. Appels au Dieu du Silence 10 Meditations par Karl Rahner.
Casterman/Paris/Tournai: Éditions Salvator, Mulhouse, 1966; _________. O Dogma Repensado. São Paulo:
Paulinas, 1970; MIRANDA, Mário de França. O Mistério de Deus em nossas vidas A Doutrina Trinitária
de Karl Rahner Col. e Realidade vol. 1. São Paulo: Loyola, 1975; VORGRIMLER, Herbert. Karl
Rahner – Experiência de Deus em sua vida e em seu pensamento. São Paulo: Paulinas, 2006;
530
O’DONNELL, John. Introdução à Teologia Dogmática. São Paulo: Loyola, 1999, pp. 35-42.
531
RAHNER, Karl, Grundkurs des Glaubens, op.cit., pp. 67-70.
532
Idem, p. 68.
128
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
Portanto, todo ser humano é orientado a Cristo e por Ele à comunhão com a Trindade,
onde o Espírito vai anonimamente provocando a condição humana à esta transcendência, para
que a Palavra cumpra sua tarefa de sinalizar “exteriormente” na identificação do humano com
a humanidade evidente do Filho, o que o Espírito opera interiormente, a fim de que o
indivíduo des-vele esse Mistério que o envolvia para a abertura à comunhão. Esta palavra
para Rahner não é qualquer palavra, mas um palavra poética
533
. Porque para para poder
ouvir a palavra do Evangelho” [das Wort des Evangeliums hören könne] é necessário: 1) que
o ser humano tenha ouvidos abertos para “ouvir o inominável” e é a poesia que educa para o
silêncio contemplativo da palavra, para aquilo que ela quer dizer além do que disse; 2) de
capacidade de ouvir as palavras que toquem ao “centro” do ser humano, portanto precisa
aprender a ouvir as proto-palavras” ou “palavras primordiais”
534
[que escapam a toda
definição] do coração” e é próprio da poesia ser a palavra “certeira” porque brota de uma
“veneração do coração” [Ehrfurcht des Herzens]; 3) ouvir a palavra que une”, que
“reconcilia” e “liberta o individual de sua ilhada solidão”, e é a palavra poética, enquanto
palavra autêntica que penetra o interior do humano, falam humanamente, de modo familiar a
ele, fala conhecendo sua dor e seu íntimo e por isso, está unida ao que ouve, e por fim; 4)
descobrir o mistério inefável “em meio a cada palavra” [mitten im einzelnen Wort], de
perceber a Palavra que se fez carne na realidade humana. Saber ouvir essa palavra na
realidade humana é estritamente “graça da fé” mas é a graciosidade da poesia que pode ajudar
a ler o profundo do humano, como “finitude de um mistério infinito” que é seu interior
535
.
A sensibilidade para a palavra poética é um “pressuposto para ouvir a palavra de
Deus”, a “poesia fundamental da existência eterna” [stiftende Dichtung des ewigen Daseins],
pois a palavra divina leva em si, o ser mais íntimo da palavra poética”. Cristianismo e
poesia não podem viver separados, porque o humano é também o poético.
Unindo a Trindade e a antropologia rahneriana, pode-se dizer que a poética em Deus é
expressão de seu desejo salvífico, da poiésis do Pai que emite sua Poesia [Logos] penetrando
profundamente no ser humano pela Inspiração do Espírito, que vai ensinando o ser humano a
ouvir o centro do seu coração, e começa a converter-se em alguém que não pode ser
completamente insensível a toda palavra poética, verbal ou silenciosa
536
, pois seu silêncio não
533
Ibidem, Das Wort der Dichtung und der Christ, op.cit., p. 449.
534
O texto se refere a Urworte que da a idéia de primeira, primordial. A opção de “proto-palabra” é da tradução
espanhola cf. RAHNER, Karl. Escritos de Teología Tomo IV Ed. Madrid: Ediciones Cristiandad, 2002,
p. 414.
535
RAHNER, Ibidem, Das Wort der Dichtung und der Christ, op.cit., pp. 442-447.
536
Ibidem, O Dogma Repensado, op.cit., pp. 217-253.
129
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
é senão um apelo a escuta de sua palavra misteriosa e transformadora
537
.
Por isso, todo sacerdote é poeta, ou deveria ser, pois capta as “proto-palavras”, os
desejos mais íntimos do ser humano, e os transubstancia na Palavra de Deus que deve ser
dada como palavra poética que funda o ser , ou seja, “introduz o amor de Deus no âmbito
existencial do ser humano como um amor que busca correspondência”.
Por isso pode-se dizer que o poeta é o sacerdote da palavra e o sacerdote deve ser
poeta. Quando um vem a ser o outro, quando o “sacerdote for também poeta e quando o poeta
se fizer sacerdote”, tem-se a plenitude da Palavra, pois a Palavra de Deus faz a sua kenosis na
palavra humana como poesia que penetra o coração e derrama no seu mais profundo, a efusão
do seu amor. A Palavra de Deus é poética porque as proto-palavras do ser humano,
sublimadas pelo Espírito podem chegar a ser Palavra de Deus. É então que o “poeta se fez
sacerdote”[ein Dichter Priester sein darf]
538
537
Appels au Dieu du Silence, op.cit., pp. 71-81.
538
Ibidem, Priester und Dichter, op. cit., p. 367.
130
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
4. A questão do sentido nas Teologias Contextuais Contemporâneas
539
Uma teologia muito contextual nasceu do foco de uma nação que sofreu
emblematicamente uma dor imposta pela Idade Moderna, pedindo uma aproximação muito
particular, como a do teólogo luterano japonês Kazoh Kitamori (1916-1998) e sua Teologia
da Dor de Deus
540
. O autor trilha a redescoberta luterana da teologia da cruz e resgata seus
princípios bíblicos da teologia protestante para tenta penetrar o “coração do Evangelho” com
uma sensibilidade que Deus pode proporcionar, porque é um mistério que esta acima de
qualquer especulação teológica: um Deus que cura nossa dor por sua dor, nossas feridas por
suas próprias (1Pe 2,24). A “dor de Deus” é reflexo de sua vontade de amar o objeto de sua
ira
541
, pois sendo pai da humanidade, experimenta a dor quando sofremos. A personificação
dessa dor é Jesus Cristo, que o amor do Pai na ação do Espírito se manifesta como “amor
omniabarcante”
542,
que tudo abraça aquilo que o Filho assumiu. Kitamori propõe uma teologia
cristã “não ocidental” para dialogar com o a cultura do extremo oriente de um Buda que sofre
junto com seu povo por pura benevolência
543
, muito distante do “Deus que não sente dor”
ocidental. Contudo, sabe guardar a sua tradição luterana e apresenta a dor de Deus não como
uma natureza” de Deus mas um “conceito de relação” que é próprio da natureza do “amor
de Deus”
544
, e por isso a dor de Deus e a dor humana são qualitativamente diferentes, sendo a
dor humana “improdutiva”, “obscuridade sem luz” e a dor de Deus “produtiva”, “obscuridade
com luz de salvação”. A dor de Deus é sinônimo de seu amor
545
.
O teólogo ocidental que mais trabalha, salvo melhor juízo, a questão de superar um
Deus apático que pudesse oferecer sym-pathos, e conseqüentemente um sentido a vida, é
Jürgen Moltmann (1926)
546
. Esse teólogo alemão retoma a pergunta de seu compatriota,
539
A distinção aqui proposta entre teologia moderna e teologia contemporânea, obviamente não é uma dicotomia
rígida, mas se pauta pela proximidade de época da produção teológica do autor, a saber em torno de 30 anos após
a data de nascimento como início da produção teológica e o seu decorrer se estabelecer-se-á nesse tempo de
elaboração de uma teológia própria a proximidade maior do século XX ou XXI, bem como a exigência de
“contextualidade” que vai se tendo o labor teológico, o que servem de parâmetros distintivos entre um termo e o
outro para a presente classificação.
540
KITAMORI, Kazoh. Teologia del dolor de Dios. 5a. Ed. Sígueme: Salamanca, 1975
541
Idem, p. 22.
542
Idem, p. 240.
543
“La verdadera enfermedad del hombre surge del amor estúpido; la correspondiente enfermedad de Buda
surge de su gran misericordia. Su misericordia sufriente es el vicio del hombre: la enfermedad del hombre. La
enfermedad de la gran misericordia salva el pueblo asimilando su enfermedad. La enfermedad es salva por la
enfermedad” comentando um ensinamento do princípe Shotoku cf. Idem, p. 31.
544
Idem, p. 18.
545
Idem, p. 240.
546
MOLTMANN, Jürgen. El Dios Crucificado La Cruz de Cristo como base y crítica de toda teologia
cristiana Ed. Salamanca: Ed. Sígueme, 1977; ___________. Paixão pela vida Ciclo de palestras
proferidas no Brasil em Setembro/1977. São Paulo: ASTE, 1978;___________. Teologia da Esperança
Estudos sobre os Fundamentos e as Conseqüências de uma Escatologia Cristã. São Paulo: Editora
131
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
Bonhoeffer, na qual influências teóricas e éticas
547
de em sua obra
548
: “Quem é realmente
Cristo hoje para nós?”
549
E sua resposta tem como ponto de partida o Cristo Crucificado
resgatando o Deus crucificado da tradição luterana que se auto-limita”
550
diante da liberdade
que concedeu ao ser humano e a toda a criação. Integra a influência das teologias trinitárias de
Balthasar e Rahner
551
e fundamenta uma Teologia Política exatamente a partir da dimensão
política da Cruz de Cristo, enquanto Servo sofredor tipológico do povo
552
. Estabelece um
diálogo com Ernest Bloch, que afirmar ter o cristianismo um pathos transcendental alienante,
pois alimenta uma “pulsão para cima”, um “eros voltado para o imutável”
553
, que se verifica na
covardia do próprio Jesus quando diante de Pilatos não tentou sequer construir um álibi para
si que pudesse mudar a situação
554
. Para Moltmann a paixão” cristã tem sua fonte na
Escatologia
555
, que não é um apêndice da doutrina, mas constitui total e visceralmente o
Cristianismo, pois sua esperança não se baseia na consciência que vão tomando as classes da
sociedade [Bloch], mas sim o Cristo Ressuscitado que indica o modo de vida do cristão que
não é desamparado por Deus [paixão transcendental]. Com isso, ao contrário de ser
alienação, o cristianismo está em perspectiva e tendência para frente e transformação do
presente pela implantação do Reino. A escatologia cristã, longe de alienar por ser paixão do
“alto” é a esperança da paixão que compartilha da paixão de Deus de transformar o mundo, e
aqui se pode auferir o sentido da vida cristã, “pois sem paixão definha a resistência”, e da
comunhão com este “Deus apaixonado” que se pode “sofrer com o sofrimento de Deus no
mundo” e se alegrar com suas alegrias
556
.
Também Hans Küng (1928)
557
na teologia católica parte da revolta de Ivan Karamazov
Teológica, 2003; ___________. Trindade e Reino de Deus Uma contribuição para a teologia. Petrópolis:
Editora Vozes, 2000; ___________. Ciência e Sabedoria Um diálogo entre ciência natural e teologia. São
Paulo: Loyola, 2007; GOMES, Paulo Roberto. O Deus im-potente – o sofrimento e o mal em confronto com a
Cruz. São Paulo: Loyola, 2007, pp. 108-203.
547
Com efeito o impacto de Bonhoeffer que por sua ousadia e perspicácia teológica seriam suficientes para
reviravoltas na teologia protestante são reforçados com seu martírio em 09 de abril de 1945.
548
O pastor luterano Dietrich Bonhoeffer fuzilado pelos nazis, é uma referência para si?”[Responde
Moltmann]: “Sim. E influenciou também, pelo seu exemplo, muitos teólogos latino-americanos, no sentido de
resistirem, mesmo activamente” In Jürgen Moltmann Uma entrevista a ler. Disponível em:
<http://prasinal.blogspot.com/2007/05/jrgen-moltmann-uma-entrevista-ler.html> Acesso em 20. ago.2008.
549
MOLTMANN, El Dios Crucificado, op.cit., p. 276.
550
Ibidem, Ciência e Sabedoria, op.cit., pp. 77-93.
551
Ibidem, El Dios Crucificado, pp. 333-353; Ibidem, Trindade e Reino de Deus, p. 139-195.
552
Ibidem, Trindade e Reino de Deus,pp. 197-224.
553
BLOCH, Ernest. O Princípio Esperança – vol. I. Rio de Janeiro: Contraponto/Ed. UERJ, 2005, p. 65s.
554
Ibidem. vol. II. Rio de Janeiro: Contraponto/Ed. UERJ, 2006, p. 55s
555
MOLTMANN, Teologia da Esperança, op.cit., p. 22.
556
Ibidem, Paixão pela vida, op.cit., pp. 14-15.
557
KÜNG, Hans. L’Homme, La Souffrance et Dieu Col. Méditations Théologiques. Bruges: Desclée de
Brouwer, 1969; _______. Teologia a Caminho Fundamentação para o Diálogo Ecumênico. São Paulo:
Paulinas, 1999.
132
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
e do questionamento de Epicuro de um Deus todo poderoso que ou não pode ou não quer
combater o mal, para a crítica da Teodicéia de Leibniz, insuficiente para compreender o
sentido dessa vida
558
, ao passo que vai mostrando como Jó, Paulo e Jesus Cristo, pela fé, foram
descobrindo um Deus em quem se pode confiar, e que não é indiferente à dor da Cruz
559
. Tais
indicativos revelam que a inteligência da se funda na ação escatológica do Deus de Jesus
Cristo, que faz uma “oferta de sentido” resultando numa postura mais radicalmente humana,
que se manifesta na solidariedade “ecumênica” à vida, e isso é o Cristianismo
560
.
Outra proposta da teologia católica européia é de Adolphe Gesché (1928-2003)
561
sobre o papel que a teologia exerce na busca de sentido. se isenta a questão da
dependência de Deus
562
, como se as coisas não pudessem ter sentido em si mesmas,
desrespeitando a autonomia das coisas, desejada pelo próprio Deus
563
. Em Deus, face ao
grande mistério do Mal que tudo questiona
564
, sub-existe um “excesso de sentido” que a
encarnação do Verbo permite a participação da condição humana limitada nesse “sentido
ilimitado” porque em Cristo se revela um Deus “capaz do ser humano”
565
e não somente um
ser humano “capaz de Deus”. Entretanto, não se deve reduzir Deus a uma espécie de
“funcionário do sentido”, como se sentido fosse Deus. Reflete-se sobre os possíveis lugares
de sentido (liberdade, identidade, destino, esperança, imaginário) onde a teologia, enquanto
modo de pensar, pode oferecer um excesso de sentido diante dos limites, convidando o ser
humano a novas possibilidades. Esse excesso, que se manifesta por sua beleza, pode ser
percebido em sua força e amplitude pelo pathos, pelo zôon pathètikon, dimensão de igual
importância à do zôon logikon que constitui o ser humano. Faz se necessário re-apaixonar o
humano, pois sem a paixão não se pode reabilitar a experiência de Deus, experiência
iminentemente escatológica, porque carregada de esperança de novas possibilidades, e que
igualmente pede a paixão que torna possível a moral, pois “não se parte para a guerra, a não
ser para salvar Helena”
566
.
558
Ibidem, L’Homme, La Souffrance et Dieu, pp. 9-24.
559
Idem, pp. 39-61.
560
Ibidem, Teologia a Caminho, pp. 228-260.
561
GESCHÉ, Adolphe. O Mal col. Deus para Pensar vol. 1. São Paulo: Paulinas, 2003; ________. O Ser
Humano col. Deus para Pensar vol. 2. São Paulo: Paulinas, 2003; ________. Deus col. Deus para
Pensar vol. 3. São Paulo: Paulinas, 2004; ________. O Cosmo col. Deus para Pensar vol. 4. São Paulo:
Paulinas, 2004; ________. O Cristo col. Deus para Pensar – vol. 6. São Paulo: Paulinas, 2004; ________. O
Sentido – col. Deus para Pensar – vol. 7. São Paulo: Paulinas, 2005.
562
Ibidem, Deus, op.cit., pp. 44-68.
563
Idem, pp. 69-106.
564
Ibidem, O Mal, op.cit., pp. 41-57.
565
Ibidem, Cristo, op.cit., pp. 201-225; Ibidem, O Ser Humano, op.cit., pp. 123-147.
566
Ibidem, O Sentido, op.cit., pp. 96- 98.
133
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
Pode-se ainda incluir dentro do contexto europeu, não sem uma sensibilidade ao
“Terceiro Mundo”, a teologia de Bruno Forte (1949)
567
, que apresenta um traço de se debruçar
sobre o sofrimento no mundo, o silêncio de Deus e o sentido da História. Forte diz que parece
ser a face mais dolorosa do sofrimento, o silêncio de Deus, pois têm-se a impressão de que
Ele não escuta o clamor do sofredor. Contudo o teólogo napolitano mostra o silêncio de Deus
como possibilidade de toda mudança, pois o Silêncio é modo próprio de se dizer” sobre o
mistério de um Deus que não interfere na liberdade que é dada ao humano, sem que com isso
abandone o sofredor. No silêncio está uma “escuta da revelação”, pois a Palavra [da
Revelação] sai do Silêncio eterno do Pai, sem esgotá-lo, permanecendo sempre um mistério.
Em seu silêncio diante do sofrimento também está presente Seu juízo de valores
silenciosamente, para que o clamor daquele que sofre não seja silenciado aos seus
responsáveis. Ademais, também ao romper o silêncio convida ao encontro do “futuro” na
esperança escatológica do Espírito Santo, que “já” comunica o sentido da vida nova que
“ainda” não é plena, e porque está presente, pode-se avançar na história e não por ela
sucumbir, e assim o “cristão vive na Trindade”
568
. No silêncio trinitário a “esperança” é
vivida como “paixão”, como “elemento do pathos daquele amor doloroso e alegre”
569
,
paradoxo próprio de Deus mas conhecido pelo humano em forma de amor, e por isso capaz de
unir o ser humano à Deus por aquilo que tem mais profunda saudade e expectativa, uma vida
plena de sentido.
Para a América Latina, a questão da superação de um Deus apático, segue a esteira da
Teologia Política européia com Gustavo Gutierrez (1928)
570
como reflexão crítica da
sociedade de um Deus solidário ao seu povo e de modo especial ao pobre, categoria bíblica
que indica aquele que foi empobrecido, de quem foi retirado o necessário para viver,
marginalizando-o às situações inumanas de sobre-existência
571
. Aqui a teologia tem a missão
de Libertação, característica privilegiada da dimensão salvífica nos acontecimentos
históricos
572
. Tal teologia se baseia num Deus da Vida, ou seja, um Deus que tem o desígnio
de vida para todos, de modo a transformar a história, porque é um Deus de amor, e amor é um
567
FORTE, Bruno. Teologia da História Ensaio sobre a Revelação, o início e a consumação. São Paulo:
Paulus, 1995; ________. A Guerra e o Silêncio de Deus Comentário teológico na atualidade. São Paulo:
Paulinas, 2004.
568
Ibidem, Teologia da História, op.cit., pp. 37-201; p. 334ss.
569
Ibidem, A Guerra e o Silêncio de Deus, op.cit., p. 26.
570
GUTIERREZ, Gustavo. Teologia da Libertação. Ed. Petrópolis: Vozes, 1983; ___________. O Deus da
Vida. Ed. São Paulo: Loyola, 1992; ___________. Beber em seu próprio poço Itinerário Espiritual de
um Povo. São Paulo: Loyola, 2000.
571
Ibidem, Teologia da Libertação, op.cit., pp. 234-250.
572
Idem, pp. 28-45.
134
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
pathos, “uma paixão” que “implica ter necessidade e, por conseguinte, depender de algo ou
alguém”. Por isso não se pode atribuir amor” ao “ser perfeito” de “inspiração aristotélica”,
tendo um modo próprio para Dele se “aproximar”
573
, nas experiências “vitais” da “oração” [ao
Deus da vida] e também do “compromisso” [com a vida]. Na oração, porque toda autêntica
teologia nasce como ato segundo de uma experiência de encontro com Jesus, que revela o Pai
como Deus fraco, inaugura o Reino para transformar a morte em vida nova, na força do
Espírito. Esse encontro com Cristo está inserido sempre numa realidade concreta onde nasce
um modo próprio de ser cristão, pois este deve “beber de seu próprio poço”
574
, e esse poço é a
América Latina, preenchido pelas lágrimas do sofrimento de um povo que lhe é negado a
dignidade da vida. A teologia latino-americana pede uma ortopráxis adequada ao seu
contexto, como forma de coerência a ortodoxia de um Deus a favor da vida.
573
Ibidem, O Deus da Vida, op.cit., pp. 14ss.
574
A expressão é de São Bernardo de Claraval cf. Ibidem, Beber de seu próprio poço, op.cit., p. 53ss.
135
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
5. À guisa de Conclusão
A “questão da paixão” levantada pelo poeta em sua busca de sentido para a vida não se
reduz a mero emocionalismo ou sentimentalismo, ou mesmo impulso descontrolado, apesar
de também tratar de todos esses temas. Diz respeito também a um elemento distintivo da
contemporaneidade, como se pode verificar, por exemplo, em Luhmann ou em outros,
ganhando re-significação semântica de meros impulsos” para atingir o fórum de uma
epistemologia própria
575
. De modo fundamental, porém, a paixão se insere como elemento
constitutivo do pensamento poético, radicalmente distinto da gênese do logos metafísico
responsável pela moldagem clássica da fides e da ratio.
A questão da refundação ontológica transpõe a participação ontológica vertical para
uma participação horizontal. No entanto, sua transposição manteve formas absolutas de ser. A
razão, grande paixão da Modernidade, vista como específica do ser humano, é uma questão
que culminou em conflitos bélicos até então desconhecidos pela humanidade, bem como em
governos ditatoriais marcados pelo sangue de não poucos. A teologia moderna, sensível a seu
tempo, empenhou-se em mostrar que todo esse sofrimento não era desconhecido por Deus.
Aqui arrisca-se a dizer que Harnack, Tillich e Bonhoeffer construíram suas teologias como
“mestres da suspeita” metafísica, numa dialética que opunha vontade salvífica de Deus contra
a teodicéia cristológica; a pregação existencial contra a dogmatização da Palavra de Deus; a
simpatia divina com o mundo criado, contra a imagem contraditória de um Deus que despreza
o próprio mundo que criou por amor.
Sob o influxo da passio, a teologia moderna debruçou-se sobre a desmontagem do
Deus a-pático aristotélico para a apresentar uma nova face de Deus, mas não uma imagem
qualquer, e sim uma imagem mais fiel a suas fontes. Pode-se verificar que a tradição judaica e
a protestante sentem-se mais livres em afirmar que Deus “sofreu”, ao passo que a tradição
ortodoxa e católica, de modo especial a teologia jesuíta, optam por afirmar que cada pessoa da
Trindade tem uma relação diferente com o sofrimento, o que tende a dizer que Deus tem
“compaixão”. Todas, porém, são uníssonas em rejeitar um Deus a-pático. Isso talvez pudesse
levar à afirmação de que a teologia moderna apresenta um Deus que “conhece” o sofrimento
humano, e esse “conhecer” está dentro da perspectiva Bíblica, de um conhecimento íntimo e
não externo, não como alguém que observa, mas como alguém que realmente, a partir de sua
vida interina vivencia um sym-pathos.
575
NOVAES, Adauto (org.) Os Sentidos da Paixão. São Paulo: FUNARTE/Companhia das Letras, 1988.
136
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
Esse traço comum atinge inclusive um fórum de importância ecumênica, que se
concentra ora mais diretamente, ora mais tangencialmente na pergunta pelo sentido na
dinâmica existencial, que parece ter substituído a quidditas da pergunta pela essência. Essa
pergunta-proposta das teologias contemporâneas nem sempre tem formulado a questão do
pathos de modo explícito, mas traz em seus contextos questões limites que infringem a
dignidade da vida, a saber, seu sentido. Portanto, a teologia moderna de um Deus que
“conhece” o sofrimento humano está na base de toda teologia que, de um modo ou outro,
procura contextualmente partir desse logos sym-pathos e oferecer alguma mensagem que
venha ao encontro das “alegrias e esperanças, angústias e tristezas”
576
do indivíduo moderno.
Nesse aspecto é que se apresentou uma leitura sinótica das propostas que incidiram sobre a
categoria do pathos. Categoria essa em que a ambivalência do termo pede um maior
esclarecimento de seu uso, pois não raro foi comum na história da teologia patrística e
clássica uma confusão entre paixão e paixões. Estas são vistas como movimentos da alma,
sinônimos de imperfeição, provocados por algo, o que representa descontrole
577
. Não raro, as
paixões são classificadas em “quatro paixões cardeais” (medo, tristeza, alegria, coragem)
passíveis de ordenação por meio de uma ascese informada pela lei natural que a razão
descobre. A fé, por sua vez, auxilia pela graça a dominá-las progressivamente como num
“adestramento”, tal qual se faz com um cão, pois as paixões não são vistas como propriamente
humanas, mas pertencendo à esfera animal da vida. Essa leitura será, dentro de um sistema
próprio, assumida por Sigmund Freud, que as equipara aos “desejos” e/ou pulsões” que
fogem ao controle do humano. Vistas, por assim dizer, como parte do animalesco, sendo de
competência do Super-Ego cobrar a ordem dessas pulsões, auxiliado pela razão analítica a
encontrar seus significados simbólicos, a fim de que, numa visão mecanicista, encontrando-se
a causa, cessem os efeitos. Inicia-se, então, o processo de “sublimar” ou “canalizar” o desejo
para outro objeto apropriado às condutas moralmente aceitas pela sociedade. Essa ótica
psicanalista corrobora, de um modo sublimado, com o movimento da ascese cristã como
historicamente se construiu, com os castigos ao corpo como forma de dominá-lo, assim como
suas paixões. A leitura cartesiana, que reduz o “essencial” humano a seu espírito sendo a
razão o guia de sua vontade, reforça a idéia de domínio das paixões. Tanto o cristianismo, o
racionalismo e a psicanálise de alguma forma pensavam em dominar as paixões, ou pelo
menos adestrá-las. Nessa perspectiva “paixão” e “paixões” são confundidas sobre a mesma
576
GS, 1.
577
Para uma leitura onde paixão e paixões coincidem cf. MONACO, Nicola. As Paixões e os caracteres. ed.
São Paulo: Paulinas, 1967.
137
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
matriz de pathos, quando seria mais adequado a estas últimas o vocábulo pathe.
Se por um lado a teologia moderna conseguiu superar a confusão semântica dos
termos, por outro lado não conseguiu superar a semântica unilateral de um passionalismo
cristão, ou seja, da paixão” utilizada em forma singular, vista como “sofrimento”, aplicada
de modo especial à pessoa de Jesus e que permeia todo o período barroco como
“resignação”
578
. Nessa perspectiva nem mesmo um teólogo da envergadura de Rahner superou
essa unilateralidade da leitura do pathos
579
, apesar de se utilizar da categoria da poiésis como
palavra que funda o ser.
É a teologia contemporânea que vai explorar um pouco mais outras possibilidades do
pathos, como experiência comovente e movimento amoroso de predileção. Kitamori
apresenta esse pathos como uma relação amorosa; Moltmann, que vai dar continuidade às
relações trinitárias apaixonadas compartilhadas com ser humano, como sofrimento e alegria;
Küng vincula o tema ao movimento de Deus que vem ao encontro do ser humano, e portanto
pede da teologia também uma responsabilidade de humanização; Gesché e Forte, também
nessa linha, apresentam a paixão como movimento mobilizador do humano, sendo que o
primeiro enfatiza a antropologia e o segundo a Trindade. Perceber-se-á na teologia européia
contemporânea a questão do pathos vinculada ao ser trinitário de Deus, revelado em sua
dinâmica escatológica, traduzida existencialmente em esperança. A paixão não pertence à
natureza strictu sensu de Deus, mas à natureza humana com que a Trindade se envolve por
livre decisão. Por isso a paixão de Deus é sentida não como radicalmente diferente, mas
qualitativamente diferente, sendo esta paixão um mover salvífico de Deus em direção à
humanidade. Na teologia ortodoxa contemporânea, o pathos vivenciado na experiência cristã
mística e eclesial é um tema privilegiado, como única forma legítima de “conhecer” os
dogmas e conseqüentemente a paixão teandrica
580
.
Se a Europa tende a desenvolver uma Teologia como razão hermenêutica, percebida
como sabedoria de vida
581
, na qual o pathos de Deus pode lançar luz sobre o pathos humano,
a teologia latino-americana sem necessariamente desprezar tais caracteres
582
irá antes relê-
578
AZZI, Riolando. A Teologia Católica na Formação da Sociedade Colonial Brasileira. Petrópolis: Vozes,
2005, pp. 185-214.
579
Para Rahner a “paixão” diz respeito ao sofrimento: “Verstand Schmerz, Leiden, Sorge, Angst, Tod usw” In
RAHNER, Passion und Aszese, op.cit., p. 85.
580
FEHRNY, Karl Christian. Teología Ortodoxa Actual. Salamanca: Ed. Sígueme, 2002.
581
GEFFRÉ, Claude. Como Fazer Teologia Hoje Hermenêutica teológica. São Paulo: Paulinas, 1989;
__________. Crer e Interpretar – A virada hermenêutica da teologia. Petrópolis: Vozes, 2004; __________;
REFOULÉ, François; POHIER, Jacques; DUQUOC, Christian. Futuro da Teologia Col. Teologia Hoje
vol. 4. São Paulo: Duas Cidades, 1970.
582
Sobre o momento hermenêutico da teologia latino-americana cf. BOFF, Clodovis. Teologia e prática
138
Capítulo III – O Desmonte de uma Teologia Apática
los no enfoque do pathos como práxis comovida pela realidade, coincidente com o pathos de
Deus que assim deseja essa práxis, fonte de toda esperança e resiliência humana e social.
Pode-se constatar como cabível a afirmação de que, desde os auspícios da teologia
moderna, assim como na teologia contemporânea, a preocupação pelo pathos foi tema das
grandes tradições da cristã. Arriscaria ainda dizer que foi e é um lugar comum do labor
teológico, estando presente nas mais variadas escolas teológicas o desafio de superar a
Teodicéia insensível à dor humana, para assumir solidariamente a caminhada da patodicéia
dos sofrimentos surgidos na Idade Moderna, até a assunção da re-significação semântica da
paixão, típico exemplo dos giros teológicos em relação à teologia clássica e tradicional. A
questão está presente mesmo na agenda dos embates teológicos atuais
583
.
Contudo, ainda, a crítica levantada pelo poeta recebe uma resposta” parcial da
teologia, pois o tema ainda é visto de modo tangencial, sem status de epistemologia e,
conseqüentemente, sem sistematização. Mesmo na proposta da teopoética ainda carece de
uma teopatia, pois o pensamento poético tem sua origem no pathos e não no logos. Isso pede
ainda uma logopatia do labor teológico, sob risco de reduzir a teopoética a mera questão de
linguagem
584
quando, na verdade, é um código de comunicação que vai para além desta a fim
de atingir a inter-interioridade entre Deus e o ser humano e deste com sua alteridade. A paixão
é um critério de identificação com o Deus da revelação e o ser humano revelado
585
por ele e a
partir dele como dom e tarefa de si e de seu entorno.
teologia do político e suas mediações. Petrópolis-RJ: Vozes, 1978, pp. 131-271.
583
Mesmo em teologias conflitantes como as de Ratzinger e Sobrino encontra-se a questão do pathos. Em
Ratzinger a compaixão não vem em forma de explicação do sofrimento, mas amor que transforma o mundo,
estando Deus no mais íntimo do ser humano, pois o eros de Deus também é agape cf. RATZINGER, Joseph. El
Dios de los Cristianos meditaciones coleccion imagen e verdad n. 20. Salamanca: Ed. Sígueme, 2005,
pp. 25-56; como Bento XVI. Carta Encíclica Deus Caritas est. São Paulo: Paulus/Loyola, 2006, nn. 3-8; Em
Sobrino o pathos é que permite um “honradez do real” para além das lentes ideológicas, ao passo que sem ele
cai-se na ignorância, no esquecimento, na indiferença para com a realidade social, razão de o ateísmo combater a
forma histórica do Deus cristão, por ter assumido a paixão pela “verdade” sem olhar para a “verdade” da
realidade cf. SOBRINO, Jon. Onde está Deus? São Leopoldo: Editora Sinodal, 2007, pp. 63-84.
584
BARCELLOS, Literatura e Teologia, op.cit., pp. 25-27; __________. Literatura e Teologia:
Aproximações, op.cit.
585
LATOURELLE, René. Teologia da Revelação. São Paulo: Paulinas, 1972, pp. 431-435; SCHILLEBEECKX,
Ibidem, op.cit., pp. 41-68; FISICHELLA, Ibidem, op. cit., pp. 89-92; WALDENFELS, Hans. Teologia
Fundamental Contextual. Salamanca: Ediciones Sígueme, 1994, pp. 173-205; pp. 210-212.
139
Conclusão: Por uma Teologia da Paixão
POR UMA TEOLOGIA DA PAIXÃO
Conclusão: Por uma Teologia da Paixão
CONCLUSÃO
Quem comporá a Apassionata do nosso tempo
quem removerá as cinzas, despertará a brasa,
quem reinventará o amor, as penas de amor
quem sacudirá os homens de seu torpor?
Beethoven, Carlos Drummond de Andrade
O pensamento poético é apaixonado, pensa a partir daquilo que o afeta essencial e
profundamente. O lo,goj poético não é arredio à paixão tal qual a razão clássica aristotélica,
mas, por meio do pa,qoj é que o lo,goj penetra na realidade humana, revelando algo de si
mesmo através do espelho do outro, dando-lhe a percepção, seja do que é mais humano, seja
do que lhe é sentido como desumano. Portanto uma poética de sentido orienta o ser humano
em seu devir à procura da excelência. no pensamento fenomenológico no qual está a
gênese do pensamento poético, como convebido por Heidegger, o pa,qoj corresponde ao
momento fundante das possibilidades de ser.
Do ponto de vista do propósito da pesquisa pode-se constatar que houve uma colossal
produção teológica a fim de superar o teísmo e remodelar a imagem do Deus apático para um
Deus que conhece e se deixa afetar pelo sofrimento humano. Entretanto, a trajetória poética
de Drummond não somente rejeitou Deus, mas ao retomar os versos de Dante Alighieri, Nel
Mezzo di camin di nostra vita, que iniciam a viagem que percorrerá a trajetória do inferno,
purgatório e paraíso, o poeta re-significa o sistema teológico do qual o italiano compartilha
para, em No meio do Caminho, transpor tais categorias ontológicas em trajetória existencial
de um fechamento em si [inferno], para o sofrimento que permite sentir as dores do mundo
[purgatório], atingindo um amor apaixonado [paraíso]. Aqui parece que é incipiente uma
teologia que atenda a paixão enquanto experiência performática da busca de sentido e
conseqüentemente, caminho possível de humanismo e superação da indiferença, o que sugere
uma conclusão ao modo de ensaio teológico na perspectiva de encontrar fundamentos para
tal. Acredita-se que uma teologia da paixão que permeia todo o cristianismo, e que
condicionada a uma razão hermenêutica apática não foi percebida devidamente.
1. A crítica do poeta
A trajetória da poética drummondiana despe Deus de sua linguagem de amor, no
tocante à possibilidade de que o amor de Deus possa ser significativo e significante à vida
humana quando este amor não é encarnado. Isso implica que passe pela condição humana de
ser afetado pela realidade, de sofrer e se alegrar com ela, o que corresponde a um amor
141
Conclusão: Por uma Teologia da Paixão
imperfeito, que “não está feito”. Portanto, se esse amor está feito em Deus, então nunca
poderá ser solidário ao ser humano, pois não sabe que viver é também doer. E esta dor é
proveniente da condição do amor imperfeito que exige cuidado e responsabilidade.
Um amor perfeito incide sobre um amor construído unilateralmente, o que faz com
que Deus seja apático porque não se permite saber o que é o sofrer pela perda de alguém que
ama, mas somente se preocupa com o capricho de que sua vontade se realize a qualquer
preço. Em suma, um Deus egotista que justifica o que acontece nessa vida pelo que virá a
acontecer em outra vida mas como saberá o poeta que ela existe? Pode-se desprezar essa
vida presente e concreta em nome de uma futura e incerta? Para o poeta a apatia poderia
desprezar o valor dessa vida. Um apaixonado jamais deixaria de viver. O poeta descobre a
paixão como caminho de continuar a vida, tendo o seu mundo religioso desabado quando a
justiça não foi feita por seus representantes.
Drummond apresenta uma visão positiva da paixão como um sentimento que vale a
pena viver, e por essa paixão também se descobre que pelo que vale a pena viver, vale a pena
sofrer. É por uma paixão pela vida que capta o sentimento do mundo, identificando-se com o
mundo. Por ser a paixão reveladora de si mesmo, algo do apaixonado no “que” [quid] se
apaixona, a saber aqui, sua forma personalizada de ser humano, espelhada nesse que”. Um
Deus que não sofre, portanto, não é um Deus apaixonável, porque em nada se identifica com
a vida concreta do ser humano. Um Deus que não sofre é um Deus que não valoriza a vida, e
sim tão somente a sua vontade. Por isso é contraditório e distante de seus filhos (talvez
semelhante à experiência paterna que Drummond experimentara, mas que com certeza não
reproduzira). Esse Deus dos teólogos escolásticos em nada ajuda a viver. Nisso se percebe
uma incompatibilidade do contexto entre pensamento poético e pensamento teológico, um
procura essencialmente aprender a viver, o outro procura apreender a essência da vida.
Partem, assim, de cortes epistemológicos distintos para verificabilidades de sentido/essência,
sendo um afetivo e o outro, na esteira da modernidade, racional. Nesse momento, portanto,
um emerge do lado de quem sofre; o outro, não raro, do lado de quem foi responsável pelo
sofrimento.
A crítica percebida na trajetória poética de Drummond é emblemática de um tempo
em que se sente a insuficiência do sistema teológico face a uma refundação do modo de ser.
Daí que não se fundamenta obrigatoriamente no ser de Deus, mas no próprio ser humano em
sua busca de sentido do que é viver como humano. Também condena um Deus que não
coincide com o amor humano, porque é tão distante e perfeito que chega a ser desumano. Se
142
Conclusão: Por uma Teologia da Paixão
esse amor perfeito existe não serve para a vida. Contudo, o poeta não o mata, preferindo
simplesmente não procurar entendê-lo. É nessa imprecisão teológica do poeta que se insere o
papel do teólogo, pois a experiência não é auto-explicativa: ela exige uma interpretação para
que seja acolhida ou rejeitada. É próprio do ser humano experimentar interpretando, e se pede
da teologia uma razão hermenêutica que saiba apresentar um Deus que se move junto ao
devir humano, a saber: que faça parte de sua busca de sentido. A antropologia drummondiana
é de um ser em movimento não linear, que pede um Deus co-movido e co-movente, que não
somente se compadece mas que mobiliza o ser humano e assim o faz não pelo discurso
moralista, mas pelo encanto de uma vida apaixonada e apaixonante.
2. As categorias pathos e paixão
O que aqui se entende por pathos difere, não radicalmente, mas significativamente, do
que foi atribuído como “paixões” conforme seus usos históricos, em que as literaturas
“profanas e religiosas” sempre reservaram certa carga semântica de descontrole, pulsão, uma
tensão desordenada, causa da recorrente confusão entre paixões indesejadas com a
capacidade humana de se apaixonar, conduzindo ambas a serem combatidas pela apatheia.
Tampouco reduz o pathos à unilateralidade de seu caráter de sofrimento. Do mesmo modo,
não se paira sobre a superficialidade da ilusão emotiva. O que aqui se pretende por pathos é
distinto de pulsão, ilusão ou sofreguidão para ser visto como momento distintivo da análise
existencial em busca do sentido pessoal, em que pathos é um momento de descoberta do que
faz sentido para si, enquanto assemelha-se ou descobre afinidade pela razão de sua paixão
586
como fenômeno tipicamente humano. Entendendo o sentido como humano do humano a
paixão aponta para ele enquanto é radicalmente humana e humanizadora experiência de
sentido. Este caminho funda nova possibilidade de ser, ou seja, dispõe-se como razão
ordenadora [e não dominadora] de todo ser em prol do que lhe faz sentido.
A relação que entre pathos e paixão presente neste trabalho difere de um ponto em
Heschel, onde aqui se vê na paixão não uma ação irracional, mas sim um ação consentida, em
nível de maior ou menor receptividade da paixão, dependendo da capacidade de liberdade de
quem a consente. Apesar de o pathos se configurar como experiência passiva de quem
“sofre” a experiência, também pode se configurar como atividade acolhida quando um
consentimento em acolher [passivamente] por livre decisão [ativamente]. O sujeito, de
alguma maneira, decide a sua entrega, ou seja, confessa-se apaixonado, se rendido. Como
586
Aqui se opta por distinguir razão da paixão pelo Stimmung heideggeriano [“humor” ou “estado de ânimo”],
por conferir a expressão não só o elemento de análise, mas motivação ordenadora.
143
Conclusão: Por uma Teologia da Paixão
diria Camões “é o estar-se preso por vontade/ É servir a quem vence o vencedor” ou ainda o
Profeta: “Seduziste-me Senhor, e me deixei seduzir”
587
. Essa liberdade de acolhida/rejeição
está ligada à interpretação dessa experiência. Na medida em que vai deixando os coeficientes
de ilusão que a recepção primeira da experiência sofrida [pathos] impactou e vai ganhando a
claridade que permite a identificação com o que se experiencia [paixão], vendo como
experiência particularizada, e portanto, muito própria de si, como possibilidade de ser a ser
acolhida ou recusada, na medida em que carrega um sentido ou não convergente ao anseio
mais íntimo como possibilidade de ser.
A paixão é um indicativo de vocação, e por isso, a experiência apaixonada de Deus
pede uma compreensão esclarecedora dele e de si para que haja identificação entre os desejos
de Deus e do ser humano. O projeto “de” Deus de uma nova humanidade
588
é também o
“meu” projeto de um novo ser humano. A verdadeira paixão não é desvio da razão a ser
dominada por esta, mas é o desejo de ser, enquanto pathos, que procura nas paixões” essa
concretude, e que, não encontrada revela a face do sofrimento. Para o cristianismo, expurgada
a visão apática, a paixão não deve ser dominada pela razão, o que acarretaria também em
conter o desejo de ser, condição propícia a mediocridade, em contentar-se em ser metade do
que se pode ser. Mas a paixão é sim vencida por uma paixão maior, a saber, o próprio Deus,
fonte de toda a paixão e escola de todo apaixonar-se, pois lança luz sobre todo o pathos. Essa
acolhida do pathos divino implica um pathos visceralmente ligado ao ethos pela vida, e é
assim que a paixão por Deus é também paixão pela vida, por seguir os passos de Jesus Cristo,
de sua Paixão [pela vida e pelo humano], Morte [de tudo o que desumaniza a vida] e
Ressurreição [de um novo projeto de humanidade e, conseqüentemente, de vida]. Se a paixão
de Cristo deve ser vista como sofrimento, muito mais ainda deve ser vista como desejo
apaixonado de Deus pela vida, pois o sofrimento vem da impossibilidade desse desejo, não
tendo razão em si. O Cristo que muito sofreu o fez por sua grande paixão de assumir o pathos
divino em sua condição humana.
Entendido o pathos como desejo de ser que é afetado por possibilidades de ser, ou
seja, possibilidades de paixão enquanto acolhida dessa possibilidade, o modo próprio de ser
da existência é o humano como um ser em construção [e não o divino acabado] do modo
mais humano de ser que é o amor. Esse pode ser descoberto por uma razão apaixonada,
pois o amor desapegado não é senão um estágio de maturidade que permite a doação de si,
587
Cf. Jr 20, 7.
588
LOHFINK, Gerard. Como Jesus queria as Comunidades? A dimensão social da cristã. São Paulo:
Paulinas, 1985, pp. 183-202.
144
Conclusão: Por uma Teologia da Paixão
tendo descoberto o valor do amor e da vida, ou seja, foi afetado radicalmente por ambos.
Se é verdade que a paixão ainda não coincide com o ágape, mas caminho para ele, muito
mais distante está o ágape em relação a apatia. É aqui que pode haver uma afinidade entre
humano e divino, onde a razão da paixão do humano coincide identicamente como relação, e
não natureza, que encontra reciprocidade na paixão e passa a ser configurada como razão de
ser. A razão da paixão de Deus é a mesma razão da paixão humana enquanto experiência
que descobre o sentido de ser humano. O que vale para as naturezas entre o Pai e o Filho,
vale para a paixão humana e divina: são homoousios
589
, de igual substância, ou seja, o mesmo
desejo do amor. Sendo assim, fazer a vontade de Deus não é um anular a vontade humana,
mas um processo conjunto de experiências de descoberta e eleições concretas que vão
integrando o projeto de vida de Deus ao projeto de vida do sujeito, como uma vida a serviço
do Reino, numa relação de comunhão profunda na qual Deus “me” conquista irradiando o seu
pathos sobre a existência, aparando os coeficientes de ilusão que estão contidos em meus
desejos, e assumindo a paixão de Deus e por Deus. Nessa escultura do desejo a teologia
exerce seu papel fundamental de razão hermenêutica ao apresentar o desejo de Deus
convergente ao desejo humano. O Deus que Moisés experimentou, Aquele que via a injustiça
e o sofrimento do povo, era um Deus que via o que o profeta também via
590
. Contudo, Seu
olhar era muito mais penetrante e por isso suas propostas eram diferentes. Moisés mata o
egípcio; Deus propõe o caminho da Aliança e da Justiça. Ambos desejam a mesma coisa, a
liberdade. Em Cristo essa afinidade de vontades fica clara, pois diante do clamor do leproso
que lhe diz: “Se queres, pode me purificar”, e comovido em seu mais íntimo
[splagcnisqei.j]
591
responde: “Eu quero, purificado”
592
. A vontade de Deus é catharsis da
vontade humana, quando percebida em sintonia com desejo do amor que o humano possui, e
nessa identidade é que se funda a paixão, como afinidade do pathos divino e humano, numa
relação de homeo-pathia
593
em que na medida em que participa da paixão de Deus, abre-se
589
A fórmula calcedoniana reza que o Filho é consubstancial ao Pai em relação a natureza e consubstancial a nós
em relação a humanidade: cf o`moou,sion tw|/n patri. Kata. Qeo,thta( kai. o`moou,sion h``mi/n to.n auvto.n kata. th.n
avnqrwpo,thta, DZ 301.
590
Cf. Ex 2,11s em relação a Ex 3,7.
591
O verbo splagcni,zomai corresponde em seu substrato semântico ao ~ymix]r: hebraico. Ambos têm em seus
radicais a idéia do íntimo, do ventre, do sentimento que emerge do mais profundo.
592
Cf. Mc 1, 41: kai. splagcnisqei.j evktei,naj th.n cei/ra auvtou/ h[yato kai. le,gei auvtw/|\ qe,lw( kaqari,sqhti
593
A expressão não é estranha ao Cristianismo. A Carta de Tiago menciona que Elias vivia a mesma condição
dos cristãos, ele era homeopático à nós, ou seja, que sofria as mesmas paixões: VHli,aj a;nqrwpoj h=n o`moiopaqh.j
h`mi/n (Tg 5,17). Na segunda fase do arianismo, algumas Igrejas antioquenas foram chamadas de homeo-
ousianas, devido ao modo como usavam a fórmula nicena na tentativa de evitar um rompimento radical com os
vinham da ariana. Julgando ser fruto de uma confusão, propunham que não ficasse nem tanto ao lado de
Atanásio, nem tanto ao lado de Ário, mas que homo e homoi fossem vistos como homeo. cf. DROBNER, op.cit.,
pp. 242-252.
145
Conclusão: Por uma Teologia da Paixão
espaço para que o “outro” seja incluído dentro da dinâmica do amor. Esse não é o amor
humano, mero resultado de uma conscientização racional, pois assim era entendido na
filosofia clássica como homoiousios. O amor cristão é teândrico, onde o Espírito participa
com sua graça alterando a qualidade do amor humano, transubstanciando em uma relação
sacramental, que comunica o amor de Deus que se expressa, como homoousios do qual o
Filho participa plenamente e a communicatio idiomatica qualifica pelo Seu Espírito.
Contudo, a fenomenologia da poética drummondiana não permite a absolutização da
experiência como se o resultado dela fosse o mesmo para todos, mas a relativiza em
dependência da hermenêutica oferecida, pois é esta que permite a liberdade de aceitar a
experiência como razão da paixão. Uma interpretação diferente resulta em uma experiência
diferente porque, na condição humana, experimentar é interpretar
594
. Na poesia auto-
biográfica de Drummond, dir-se-ia que, ao menos em algum momento, houve uma
experiência com Deus, mas atrelada a uma hermenêutica que o autor associa a um Deus do
catecismo, que vinha na contramão do seu desejo de sentido e devir humano.
A paixão por Deus é a aceitação/rendição ao Deus da experiência sofrida [pathos],
interpretada a partir da tradição cristã, como um Deus que se comove [Paixão] a todo limite
humano [Morte], revelando uma nova esperança de vida concreta [Ressurreição]. Ademais, o
amor em sua condição humana não é “perfeito”, mas es em construção e sob vigília do
cuidado. Aqui o pathos humano é envolvimento com a razão desse cuidado, no qual o pathos
divino comunga dessa razão fundante do sentido de ser humano e sua condição de
responsabilidade comum. Assim, a vontade de Deus passa pela vontade humana. Esta,
estando livres das desordenadas ilusões [como classificava a antigüidade de paixões], pode
enxergar a verdadeira paixão de sua vida que Deus também enxerga e deseja, pois é o início
de seu caminho salvífico como êxodo de seu “ensimesmamento”.
Sendo o pathos desejo de ser, é também sentimento de falta do ser, de que algo lhe
falta eterna falta, que o empenha em eterna busca do seu fazer humano. O humano é
chamado eternamente a ser humano, ou seja, poeta de si mesmo, sob inspiração de um Deus
que se fez humano.
2. Trindade e paixão
Reabilitar a questão do pathos é dar-lhe toda a profundidade que lhe foi negada. A
primeira coisa a ser considerada é que o pathos de Deus é resultado de uma decisão, portanto
594
MIRANDA, Mario Franca. A Experiência Cristã e suas Expressões Históricas In ANJOS, Márcio Fabri dos
(org.) Experiência Religiosa – Risco ou Aventura? São Paulo: Paulinas, 1998, pp. 93-106.
146
Conclusão: Por uma Teologia da Paixão
escapa a toda lógica linear para ser visto dentro da logopatia de Deus, a saber, a lógica de seu
amor. O Deus dos primeiros teólogos cristãos que procuravam a fides quaerens intellectum é
também é o do credo quia absurdum.
O pathos divino resulta de sua kenosis, de um Deus que se co-move em direção àquele
que ama, o ser humano, sua grande paixão. Criado para o amor, o pathos está no mais íntimo
do coração humano que, em sua patodicéia, procura por esse amor que radicalmente deseja.
Nessa aventura, é por não encontrar ou perder as rotas desse amor, que o desejo se torna
sofrimento, a causa de felicidade se transubstancia em causa de tristeza, bem como o
encontro delineia a rota a ser seguida. Não mapas, mas tão somente o desejo de encontrar.
Desse pathos é que procede toda poiésis, ou seja, todo agir. Sendo o pathos divino originado
na sua decisão kenótica, ele esvinculado à liberdade dada ao ser humano, que pode desejá-
lo ou rejeitá-lo. Como desejo de ser, é também falta do que deseja, constituindo-se a relação
Deus-ser humano como eterno desejo de encontro/re-encontro. Para a questão do pathos de
Deus, vale lembrar a categoria hebraica que se recusa a dizer quem “é” Deus, sabendo que
toda afirmação será tão distante que chega a ser uma blasfêmia. O que se pode afirmar é que
Deus “conhece” o sofrimento humano
595
e também sabe conduzir para a felicidade. Tanto um
quanto o outro são conseqüências desse conhecimento, lido em categoria bíblica de um
conhecimento entranhado, íntimo; não como uma substância de si, mas como uma relação.
O sofrimento que Deus conhece é o mesmo do humano, real, e não um simulacro
docetista da dor, em que o pathos humano passa a ser a razão da poiésis divina, e o pathos
divino a possibilidade da poiésis humana. Na communicatio idiomatica das duas naturezas, o
pathos do Pai acontece na geração do Filho pelo Espírito. O Filho, esvaziando-se de sua
natureza, assume na encarnação o pathos humano sem perder a relação com o pathos divino.
Pelo Espírito e no Filho a dor ou aspiração humana é elevada ao Pai, que retorna ao humano
como poiésis da ressurreição, a ser escuta na procura do realizar o ser próprio do humano do
qual a encarnação do Filho é o Caminho. A vida humana se torna poética divina pela ação do
Espírito. Se para o Pai tudo é possível, mas por seu amor se auto-limita, assim como para o
Filho, por sua liberdade, tudo é limitado à condição humana, para o Espírito, que é a relação
do Pai e do Filho, todo limite (condição do Filho) pode ser superado (desejo incondicionado
do Pai) em prol do Reino. O Pai, ao conhecer a dor humana, responde com seu Espírito que
con-forta, ou seja, une-se ao humano e o faz outro Cristo que, em seu limite mortal “já” pode
conhecer que o mal nunca é a palavra final para Deus, mas sim a esperança.
595
Ex 3,7.
147
Conclusão: Por uma Teologia da Paixão
Mais que simplesmente compadecer, a sym-pathia é um co-mover da ação trinitária. O
mesmo se com a alegria humana, que é envolvida na poética trinitária como gratidão e
disposição a Deus. Todo pathos humano co-move a Trindade como inspiração de sua poesia
humanizadora. A poesia trinitária é a humanização do humano, tendo como “estilo” próprio a
ressurreição escatológica que “já” se faz presente, lançando o devir humano face a seu
impedimento ou sua aspiração profundamente humana a seguir a sua realização nos passos da
esperança de que “ainda” não aconteceu brotando da confiança em Deus. A estrutura do
pathos divino é a Trindade Escatológica, de um Deus que se “move junto” com o humano na
direção de um horizonte de esperança. O pathos resignifica a questão ontológica ascendente,
sem necessariamente negá-la, para ampliá-la em uma ontologia também descendente, em que
não somente o humano participa do ser de Deus, mas o próprio Deus participa da vida do ser
humano, partilhando ambos da aventura da esperança do Reino. Essa esperança do Reino
quando descoberta pelo humano, torna-se a razão de sua paixão e fonte de toda paixão,
participando da paixão de Deus, que liberta a paixão de seu histórico cárcere romântico, para
se ampliar em uma paixão por toda a vida que permeia as relações que superam a cegueira de
indiferença ao humano.
3. Comunidade eclesial e paixão
É próprio da paixão a entrega à sua razão da paixão, ou seja, configurar a vida a essa
apaixonada razão, culminando no desejo de comunhão pelo “que” se apaixona. Nos moldes
da razão cartesiana, poder-se-ia dizer que a paixão se com um sujeito apaixonado e um
objeto de sua paixão. Todavia, tal linguagem pode tender a uma reificação da paixão quando
vista a relação de um sujeito e um objeto, e enquanto o objeto carece de personalidade,
conseqüentemente impede a identificação que se exige da paixão portadora de sentido. Daí se
aufere a possibilidade de ser uma mera pulsão, um objeto de desejo irracional envolto nas
tramas do inconsciente. Como aqui se emprega “paixão” na tentativa de devolver seu status
de fenômeno humano e não infra-humano. A paixão exige inter-pessoalidade, uma relação de
identidade de dois sujeitos, uma verdadeiro diá-logos, como partilha de sentidos. E sendo o
sentido percebido pelo pathos, a comunhão de sentido, que é na verdade comunhão de vida, é
um sym-pathos. Este não é mero com-padecimento por seu viés unilateral de sofrimento, e
tampouco mera simpatia que acabou sendo reduzida sua compreensão a predisposições
temperamentais, mas trata-se de verdadeira comunhão de pathos, em que o apaixonado co-
respondido é na verdade co-apaixonado. Aqui inaugura-se uma dialética da paixão, de
encanto, como descoberta da identificação, des-encanto em que o coeficiente de ilusão é
148
Conclusão: Por uma Teologia da Paixão
reduzido pela alteridade que impede a fusão de identidade, e re-encanto em que se firma a
comunhão pelo que de comum, o sentido de vida que, redescoberto em comum, reaviva a
co-paixão. Enquanto paixão tipicamente humana, é processo de superação de mecanismos
inconscientes em vista de uma consciência do mais humano, tendo por ápice o agape, perfeita
comunhão entre alteridade e identidade, tal qual na Trindade. Nesse sentido a paixão é um
amor imperfeito, pois é um amor em construção. E a crítica do poeta aponta que, se Deus é
amor ao ser humano, precisa ser um amor também imperfeito
596
, tendo em vista que ele
também precisa construir uma relação, pois o amor humano nunca é pronto, o que tenderia a
ser mera ilusão.
Imperfeição aqui não é falta moral, mas processual, no sentido de que o desejo de ser
é também falta de ser que procura ser construída. Falta não é um erro, mas vontade a ser
realizada. Dentro dessa perspectiva a relação de amor nunca está pronta, acabada, mas exige
sempre o cuidado de ser construída e sustentada. Na encarnação do Filho, a kenosis Trinitária
também assume essa condição permanente em que Deus nunca deixa de se auto-comunicar.
Entretanto, a metafísica clássica do ser pode dar a impressão de uma insuficiência que
fundamente uma comunidade eclesial. Se é possível na experiência de transcendência
encontrar no Uno uma participação fundante do ser, qual o papel do multiplo eclesial? Seria
um mero idioma que traduz um mistério? Uma mera interpretação cristã do mistério comum
da vida?
Ao se pensar em uma razão hermenêutica que seja razão da paixão cristã, pensa-se
num processo de inter-pessoalidade, o que não comporta a res escolástica aplicada a Deus,
que a Nouvelle Theologie havia superado, vendo Deus como Sujeito de toda teologia.
Contudo, como mistério da vida, esse sujeito deve ser visto como trans-subjetivo que não é
somente o polo oposto da relação mas também a própria relação. Aqui parece ser mais
oportuna para o esclarecimento do modo de ser cristão a metafísica dos padres orientais, que
não partem da ousia mas das hipóstasis; não da substância para chegar as pessoas, mas da
contemplação da apófase da relação entre as pessoas de Deus
597
.
Em sua tri-unidade, Deus se recusa ser Deus sozinho, “insensível”, para ser sempre
596
A questão do amor perfeito e imperfeito pode vir na esteira da concepção de amor físico e extático da mística
medieval, privilegiando este último, ao passo que metafísica drummondiana apresenta o êxtase como possível
no amor físico. Para essa questão é muito interessante a obra de Gilson sobre o amor de Heloísa e Abelardo. Cf.
GILSON, Étienne. Heloísa e Abelardo. São Paulo: EDUSP, 2007, pp. 79-96; ainda sobre a mística cisterciense
que elabora uma mística em analogia ao amor físico, cf. Ibidem, O Espírito da Filosofia Medieval, op. cit., pp.
521-536.
597
EVDOKIMOV, O Espírito Santo na Tradição Ortodoxa, op.cit., p. 38s.
149
Conclusão: Por uma Teologia da Paixão
relação, e, portanto, enquanto mistério trans-subjetivo, está presente em toda relação de amor
entre sujeitos. Isso funda o ser eclesial como sujeito hermenêutico
598
da experiência do Deus
de Jesus Cristo como experiência de sentido.
A mediação eclesial do ponto de vista de uma teologia da paixão não é instituição de
mediação impeditiva, mas sim-pathos
599
, privilegiada condição de se conhecer o Deus cristão,
como processo catársico da paixão que tende ao amor como forma de comunhão. É a
Trindade que funda o ser de comunhão, que coincide com a ekklesia. A ação sacramental
desta comunidade eclesial são relações transubjetivas, que permeiam as relações humanas ao
participarem de uma busca de sentido de vida. Cristo, em seu modo de ser, funda o agir
sacramental como agir relacional que qualifica o amor.
O sacramento é poesia trinitária sobre o pathos humano. A Igreja, enquanto sujeito
histórico de um agir relacional, precisa não raro acompanhar o movimento da auto-percepção
do indivíduo, que não é mero traço cultural modista, mas refundação ontológica que
perpassa pelo menos sete séculos. Ou seja, ela precisa ser co-movida e co-movente do pathos
do humano. Considerando que enquanto a paixão é um processo, outrora a Igreja fora Mãe,
agora precisa ser também amiga, pois a criança quando adulta re-significa sua relação
materna para uma amizade filio-maternal.
Quando este processo não acontece corre-se o risco quer de infantilidade filial, quer
de imaturidade materna, que não percebeu a mudança do contexto e insiste ilusoriamente em
manter uma autoridade que não mais lhe é consentida.
4. Kerigma e paixão: por um pensamento poético teológico
A teologia como ato segundo constitui-se como aprofundamento da experiência
salvífica gerada pelo kerigma
600
, e portanto, tem o mesmo fundamento do ato poético: o
mirandum, o olhar para aquilo que suscita admiração
601
. A teologia enquanto pensamento
poético se diferencia pelos olhos, pelo olhar apaixonado Não se faz teologia para qualquer
coisa. Ela não é uma flecha lançada a esmo, mas uma flecha lançada por Deus na direção do
coração humano. O teólogo aqui é o cupido de Deus, pois deve encontrar os caminhos para o
kerigma cristão atingir o pathos humano, e a única palavra que cabe aqui é a poesia.
598
MOLARI, Carlo. A Comunidade Eclesial como Sujeito Hermenêutico Tradição oriunda da Experiência
Judaico-Cristã In Concilium – Revelação e Experiência, vol. 3, n. 133, 1978, pp. 93-106.
599
Cf. 1Pe 3,8: To. de. te,loj pa,ntej o`mo,fronej( sumpaqei/j( fila,delfoi( eu;splagcnoi( tapeino,fronej
600
RAHNER, Das Wort der Dichtung und der Christ, op.cit., pp. 445s.
601
Tomás de Aquino diz: admiratio est principium philosophandi” cf. ST I-II, 41, 4 ad 5. Cf ainda LAUAND,
Filosofia, Linguagem, Arte e Educação, idem.
150
Conclusão: Por uma Teologia da Paixão
A poesia não tem forma normatizada, pois a sua forma depende da profundidade com
que seu conteúdo é captado, e isso se no pathos do poeta, que, antes de falar algo sobre a
realidade mirada, escuta o que essa realidade lhe diz para fundar o ser pela poiésis que abre
novas possibilidades de ser, mais profundas.
O kerigma é o anúncio salvífico de um novo sentido de vida, mais humano e
humanizador, proposto pelo Evangelho. É também a lucidez da apresentação dos
condicionamentos que limitam ou impedem esse devir de sentido, ao mesmo tempo que é um
convite para acolher o Espírito que encarna a esperança e inicia um outro caminho possível,
na condição cristã de ressurreição escatológica. Assim entendido, kerigma e poesia
coincidem. O kerigma é a poesia da esperança de uma nova vida, que capta o pathos humano
e o pathos divino que nele opera insistentemente como proto-palavra poética, dando-lhe o
signo fundante de uma nova possibilidade de ser. Possibilidade essa que é perceptível a partir
da razão hermenêutica da tradição cristã como sabedoria de vida, que traduz em palavra o que
acontece em seu interior pelo ação do Espírito, e por isso o kerigma é poético, porque implica
identificação. A poesia atinge seu papel quando é “minha” poesia, assim como o quando o
kerigma é para “mim”. O kerigma é acolhido quando portador de uma esperança concreta, e
por isso deve ser poesia, que é palavra concreta, mesmo sendo simbólica, pois incide sobre
uma realidade concreta. Portanto, compete a um pensamento poético-teológico ser
investigador da esperança, da qual o kerigma se alimenta. A pesquisa teológica alimenta a
aljava da pregação kerigmática, enquanto cupido de Deus, com propostas concretas. O
Kerigma faz do Evangelho uma paixão quando se torna poesia.
5. Paixão e Práxis
A teologia latino-americana configura-se como teologia contextual de um continente
que deve levar em conta suas características precisas, a partir das quais motiva uma práxis
adequada
602
. É impensável aprofundar uma cristã que não seja afetada pela realidade
injusta, miserável, vulnerável e fatal, resultado de um processo em que o humano não é o
centro das decisões e sim o benefício próprio. Nada que se pense como autenticamente
cristão pode levar esse nome se despreza essa realidade, como já dizia Santo Alberto
Hurtado: “El gran enemigo de Cristo en Chile es la apatía, la indolencia, la superficialidad
con que se miran todos los problemas”
603
. Ademais, parece oportuno uma teologia
602
SOUZA, Ney de (org.) Temas de Teologia Latino-Americana. São Paulo: Paulinas, 2007.
603
HURTADO, Alberto. ¿ És Chile un país católico? In Escritos de San Alberto Hurtado. Centro de Estudios
San Alberto Hurtado de la Pontificia Universidad Católica de Chile. Santiago: Ediciones Universidad Católica
de Chile, 2007. CD-ROM.
151
Conclusão: Por uma Teologia da Paixão
apaixonada para América Latina. O documento de Aparecida diz que “o discípulo é alguém
apaixonado por Cristo”
604
e faz mais de 10 menções à paixão quando fala da missão de cada
um
605
.
Aliás, a teologia deste continente nasce primeiramente de um pathos latino-
americano, de uma percepção co-movente da realidade e à realidade, revelando a
insustentabilidade das estruturas ideológicas da sociedade, dententoras das esferas de decisão
política. Semanticamente, práxis e poesia combinam em seus respectivos substratos, ambos
como ação elaborada. Historicamente, poesia e práxis tempos caminham juntas neste
continente de esperança, onde não raro a poesia, por sua densidade antropológica, serviu de
catharsis para a redução ideológica da práxis. Drummond mesmo é um exemplo claro disso,
de que modelos antropológicos podem ser implodidos se assim se desviam de suas missões
de potencializadores do devir humano. E assim acusou o poeta tanto a Igreja como com a
Esquerda. Contudo, apesar de todos os modelos antropológicos serem relativos e passíveis de
serem descartados, até o presente momento, nunca se conseguiu destruir o mistério da vida, e
enquanto o ser humano responde ao chamado divino, consciente dele ou não, de ser guardião
da vida, a práxis sempre precisará ser pensada. Neste momento histórico de apatia da
esperança histórica, o que soa como absurdo redundante, julga-se que o pensamento poético
é de grande valia, quando a razão científica esta obnubilada por inúmeras ideologias
confusas, e necessário é sentir a realidade.
Pensa-se que a práxis cristã é corroborada com um pensamento poético-teológico não
como mera linguagem de empréstimo à teologia, mas como processo poético do cristianismo,
em que a linguagem é expressão desse processo. Se enquanto mera linguagem ela pode ser
vaga, ou limitada às condições cognitivas do universo cultural onde a prática poética foi
produzida, enquanto expressão de um processo é alentadora do Reino. O pensar poético
enquanto forma da práxis tem início na fidelidade ao pathos da realidade, proto-palavra
poética e silenciosa, que não infringe mas inquieta a liberdade humana, pedindo
transformação e esperança, da qual emerge o anúncio. A práxis enquanto poesia é um
processo humanizador, no qual a poiésis da tradição cristã ilumina a hermenêutica da ação
contemplativa que vislumbra o horizonte do devir mais humano [Logos] em Cristo, que
traduz não somente em sentimentos, mas realização concreta do desejo de Deus em toda a
604
APARECIDA, n. 277.
605
O Documento fala do discípulo (laico(a)), religioso(a), ordenado como apaixonados e apaixonadas por Cristo
e da missão que participam: “só um sacerdote apaixonado pelo Senhor pode renovar uma paróquia”, n. 201;
“a vida consagrada é chamada a ser uma vida discipular, apaixonada por Jesus-Caminho ao Pai
misericordioso”, n. 220 Cf. ainda APARECIDA, nn. 146; 152; 167; 195; 201; 220 (3x); 275 e 277.
152
Conclusão: Por uma Teologia da Paixão
sociedade. Poesia e Praxis cristãs são as duas faces da moeda do pathos cristão, enquanto
vividas na relação do pathos humano com o divino. A práxis é a poesia da existência, é o
kerigma poético encarnado. Contudo, como para a poesia, sem pathos não pode haver
mudança de práxis, pois é a paixão de Deus que co-move o ser humano a partilhar de sua
paixão, ou seja, a identificar-se com seu outro.
Na refundação ontológica horizontal, o pathos ganha o status de categoria cognitiva
da realidade humana e divina, no qual pede transposição de participação ontológica para
participação holística da realidade, como convite à responsabilidade e à identificação com a
criação e o Criador. Essa refundação é possível quando a relação do pathos divino e
humano que permite ao humano enxergar a face de Deus em seu próximo, e a face de Deus
desfigurada que continua a brilhar no horizonte escatológico.
Num momento de descrédito da política partidária, começa a crescer a consciência
política de uma democracia participativa. Assim, para o poeta é sobre as ruínas dos ideais que
falharam que se reconstrói outra sociedade, como um re-encanto depois do des-encanto.
Todavia, a democracia é frágil não por seu sistema estrutural em si, mas pelo sistema de
valores culturais onde está imersa, de uma luta de interesses igualitários, como se a sociedade
tivesse necessidades iguais. A democracia não faz a opção pelos que mais precisam, porque a
população assim não o faz. um problema comportamental na psicologia do indivíduo
contemporâneo anterior ao espaço de decisão política, em sua estrutura cognitiva
ensimesmada e individualista
606
. A comunidade eclesial que se permite afetar pelo pathos da
realidade faz da opção pelos pobres uma razão de sua paixão, pois sua paixão tem fonte na
paixão de Cristo, que primeiro fez tal opção. Uma cultura de comunhão e sua tradução social
de solidariedade é uma alternativa concreta para revolucionar uma cultura de morte, apática
para com a injustiça humana, em uma cultura de vida, que necessariamente pede uma paixão
por essa vida, num novo ideal de ego, pois como disse o poeta: “é dentro de nós que nasce a
favela”. Se este é o Continente da Esperança, é preciso redescobrir a praxis como poesia
existencial da ressurreição que se pauta por um Logos apaixonado. A paixão é própria do
pensamento poético, laboratório da esperança
607
na participação e escuta honesta do pathos de
Deus e a razão de sua paixão: o ser humano.
A poesia de Drummond rejeita a associação a-patia/razão [teológica inclusive] como
606
Sobre a relação do comportamento psicológico e o modelo de democracia cf. ALLPORT, Gordon.
Desenvolvimento da personalidade. São Paulo: Herder, 1962, pp. 128-130; MARIOTTI, Humberto. As
Paixões do Ego – Complexidade, Política e Solidariedade.2ª ed. São Paulo: Palas Athena, 2002, pp. 273-294.
607
Lepargneur indica em Tomás de Aquino a esperança teologal como correspondente à paixão fundamental da
psique humana. Cf. LEPARGNEUR, Hubert. Esperança e Escatologia. Paulinas: São Paulo, 1974, pp. 29-42.
153
Conclusão: Por uma Teologia da Paixão
uma combinação desumanizante, da qual nem mesmo a cristã conseguira imunizar-se. Em
rigor, pode-se dizer que a poesia do autor itabirano não rejeita, em absoluto, o “mistério” de
Deus, mas sim sua mediação hermenêutica, quer apática, quer de uma paixão barroca
unilateral de resignação ao sofrimento provocado pela caducidade do mundo do qual se
procura escapar. Por isso mesmo, em seu fundamento hermenêutico, deixa margem para uma
descompromissada com os séculos, razão pela qual o poeta, num movimento exatamente
contrário, une-se ao sentimento do mundo e rejeita essa insensível Trindade
608
do Deus
cristão, esse Deus que não ouve o clamor dos que sofrem para realizar Sua vontade.
A teologia moderna procurou superar essa teologia “barroca” da paixão, dissociando-
se do Deus apático para um Deus que conhece o sofrimento humano e a ele se une para
superá-lo. Contudo, de se ir além da superação barroca da paixão para afirmar uma
teologia apaixonada, ou seja que parte de um pensamento poético. Com efeito, parte da
capacidade de escutar o fenômeno propriamente humano de buscar um sentido para viver, em
que o pathos tem seu momento privilegiado de revelação de si, ponto de partida para o
mistério de Deus que se revela. A partir da percepção de si mesmo é que o ser humano
[re]orientará suas escolhas e passos rumo à possibilidade de ser que se abre. Uma teologia da
pathos como uma teologia em que o fazer teológico se assemelha ao poetar teológico de um
Logos que se deixa afetar pela realidade humana, a ponto de se unir a ela e nela oferecer sua
poiésis.
Dentro de uma teologia do pathos, Cristo pode ser visto e sentido como o Humano do
humano [Logos], Aquele que penetra profundamente na vida e na razão de ser do humano,
reconduzindo-o a novas possibilidades de humanizar a própria existência na medida em que
participa da vida de Deus, nos passos de Cristo e de sua Paixão [pelo humano]-Morte [do que
é desumano]-Ressurreição [de recomeçar uma história mais humana]. Uma teologia da
praxis circunscrita aos limites da razão corre o risco de ir somente até onde a esperança pode
ser calculada, até onde pode vislumbrar um projeto concreto de remodelagem da sociedade,
correndo o risco de tornar a esperança tributária de uma ideologia. O poeta brasileiro atingiu
tal limite e sua insuficiência, mas não perdeu a paixão pelo humano, tornando-se elemento
crítico da ideologia. Não raro a teologia latino-americana ficou circunscrita a um modelo
político econômico que, com sua queda, obrigou-a a olhar para suas fontes, para uma
espiritualidade da libertação, como um modo de ser próprio da América Latina de lutar com
608
Tiradentes (Com muita honra), As impurezas do branco.
154
Conclusão: Por uma Teologia da Paixão
uma cultura de morte. A teologia do pathos procura reavivar a brasa
609
de uma teologia da
praxis, inicialmente percebendo que a libertação, antes de atingir as estruturas sociais latino-
americanas, emerge de uma “alma” latino-americana; que antes de pensar politicamente,
sente o sofrimento do continente e a alegria da esperança de descobrir o ser humano como
indestrutível, sendo impulsionado por seu desejo de sentido, redescobrindo-o toda vez que
este se esvai, tal como o poeta em cada fase de sua poesia/vida. E, porque é próprio do ser
humano a resistência, este pode reconstruir, sobre as ruínas de sua ilusão, uma nova
realidade. O desgaste da existência num processo dialético serve de elemento corretivo das
falsas esperanças para re-fundar a esperança na paixão pelo humano, amparada pelo Cristo
encarnado que irradia a paixão humana com sua paixão, purificando-a do desejo e da tentação
pelo desumano de dominar, para superar os momentos infernais da vida com a esperança de
uma nova vida germinada na responsabilidade histórica de uma nova humanidade.
A teologia do pathos interpenetra-se com a teologia da praxis, redescobrindo-a no
locus theologicus mais profundo, o da espiritualidade, como um modo de ser cristão latino
americano, em sua paixão pelo humano e aversão pelo desumano, em que o sensus humanus
do poeta parece estar mais afinado a uma teologia que parte do mistério antropológico,
resgatando e re-afirmando ao sensus fidei do teólogo sua missão de salvar o humano e não
condená-lo. Então a poesia pode reconciliar-se com a teologia, quando o sonho de ambas é o
de uma nova humanidade.
609
A “brasa” [h'yp,v'r>] pode ser vista como símbolo da paixão na Bíblia. Cf . VILLAS BOAS, Alex. Dos teus
lábios aos meus LAUAND, Jean (org.). Estudos de Filosofia e Educação. Vol. 8 Edição Especial VIII
Seminário Internacional CEMOrOc: Filosofia e Educação. São Paulo: CEMOrOc/EDF-FEUSP/Factash
Editora, 2008, pp. 73-85.
155
ANEXO
A OBRA DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
1. Poesia
Alguma poesia; 1930
610
.
Brejo das Almas; 1934.
Sentimento do Mundo; 1940.
José; 1942.
A Rosa do Povo; 1945.
Novos Poemas; 1948.
Claro Enigma; 1951.
Viola de Bolso; 1952.
Fazendeiro do Ar; 1954.
A Vida passada a Limpo; 1958.
Lição de Coisas; 1962.
Versiprosa; 1967.
A Falta que Ama; 1968.
As Impurezas do Branco; 1973.
Discurso de Primavera; 1977.
Boitempo; 1968, 1973; 1979.
A Paixão Medida; 1980.
Corpo; 1984.
Amar se aprende Amando; 1985;
O Amor Natural; 1992.
Farewell; 1996.
Obras dispersas: Viola de Bolso III; Poesia errante.
610
Nos referimos aqui a apenas suas obras maiores, não incluindo artigos, contos prefácios, matérias de jornal.
Ao lado do título da obra mencionamos a data da composição da poesia, seguindo a compilação de sua obras
pela Editora Nova Aguilar, Rio de Janeiro. Também pode-se encontrar no Brasil seus livros pela Editora
Record, Rio de Janeiro.
156
ANEXO
2. Prosa
Contos de Aprendiz
Contos plausíveis
Confissões de Minas
Passeio na Ilha
Fala, Amendoeira
A Bolsa e a Vida
Cadeira de Balanço
Caminhos de João Brandão
O Poder Ultrajovem
O Observador no Escritório
Moça deitada na grama
Tempo Vida Poesia.
Confissões no Rádio
157
BIBLIOGRAFIA
I. FONTES PRIMÁRIAS
1.1. FONTES PRINCIPAIS
DRUMMOND DE ANDRADE, Carlos. Poesia Completa. Rio de Janeiro: Nova
Aguilar, 2006. 1599 p.
____________. Prosa Seleta. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2003. 1259 p.
____________. Carlos & Mário: correspondência completa entre Carlos Drummond
de Andrade e Mário de Andrade – Prefácio de Notas de Carlos Drummond de
Andrade e Silviano Santos. Rio de Janeiro, RJ : Bem-Te-Vi, [2002]. 613 p.
____________. AURORA COLEGIAL, Nova Friburgo, ano XIV-XV, nn. 184-204,
1918-1919.
MORAES NETO, Geneton. Dossiê Drummond – A última entrevista do poeta, fotos
inéditas e a transcrição das fitas que deixou gravadas num apartamento em
Ipanema. 2a. ed. Rio de Janeiro: Editora Globo, 2007. 287 p.
1.2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
FRANKL, Viktor Emil. A Presença Ignorada de Deus. 8 ed. São Leopoldo: Editora
Sinodal; Petrópolis: Editora Vozes, 2004. 101p. ( Coleção Logoterapia ).
_______________. Em Busca de Sentido: Um Psicólogo No Campo de Concentração.
21 ed. São Leopoldo: Editora Sinodal; Petrópolis: Editora Vozes, 2005. 136p. ( Coleção
Logoterapia ).
_______________.Fundamentos Antropológicos da Psicoterapia. Rio de Janeiro:
Zahar Editores, 1978. 288 p.
_______________.Fundamentos y aplicaciones de la Logoterapia. Buenos Aires: San
Pablo, 2007. 175 p.
_______________. Psicoterapia e Sentido da Vida. 4 ed. São Paulo: Quadrante, 2003.
352p.
_______________.Psicoterapia Y Humanismo Tiene Un Sentido La Vida. México:
Fondo de Cultura Econômica, 1992. 218p.
_______________.Sede de Sentido. 3 ed. São Paulo: Quadrante, 2003. 69p.
MANZATTO, Antonio. Teologia e Literatura Reflexão Teológica a partir da
Antropologia contida nos romances de Jorge Amado. São Paulo: Editora Loyola,
1994, 387p.
158
BIBLIOGRAFIA
___________________.; HAQUIN, André; SEVRIN, Jean - Marie. La théologie entre
deux siècles bilan et perspectives Actes du colloque organisé à l'occasion du 575
anniversaire de l'Université catholique de Louvain. Louvain: Un. Catholique de
Louvain, 2002. 187 p. (Cahiers de la Revue Theologique, v. 34).
___________________. Teologia e Literatura: aproximações pela antropologia In
ALALITE, 2007.
GEFFRÉ, Claude. Como Fazer Teologia Hoje Hermenêutica teológica. São Paulo:
Paulinas, 1989. 322 p.
______________. Crer e Interpretar – A virada hermenêutica da teologia. Petrópolis:
Vozes, 2004. 230 p.
______________. REFOULÉ, François; POHIER, Jacques; DUQUOC, Christian.
Futuro da Teologia. São Paulo: Duas Cidades, 1970. 105 p. (Col. Teologia Hoje, vol. 4).
1.3. BIBLIOGRAFIA ESPECÍFICA DE LITERATURA
ACCIOLY, Marcos. Ó (DE) ITABIRA. Rio de Janeiro: Jose Olympio, 1980. 111 p.
ACHCAR, Francisco. A Rosa do Povo & Claro Enigma - Roteiro de Leitura. São
Paulo: Ed. Atica, 1993. 86 p.
DRUMMOND DE ANDRADE, Carlos. Carmina Drummondiana. versão para o latim
de Silva Belkior. Brasilia: UnB, 1982. 143 p.
ANDRADE, Mario de. Aspectos da Literatura Brasileira. Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, 1943. 250 p.
BISCHOF, Betina. Razão da RecusaUm estudo da poesia de Carlos Drummond de
Andrade. São Paulo: Nankin Editorial, 2005. 156 p.
CANÇADO, Jose Maria. Os Sapatos de Orfeu Biografia de Carlos Drummond de
Andrade. São Paulo: Scritta Editorial, 1993. 372 p.
CANDIDO, Antonio. Vários Escritos – 3ª. Ed. São Paulo: Duas Cidades, 1995. 358 p.
_________________.; CASTELLO, José Aderaldo. Presença da Literatura Brasileira
Vol. II Do Romantismo ao Simbolismo. 7ª. Edição. Rio de Janeiro/São Paulo:
DIFEL, 1978. 290 p.
_________________.; CASTELLO, José Aderaldo. Presença da Literatura Brasileira
– Vol. III – Modernismo. Rio de Janeiro/São Paulo: DIFEL, 1977. 374 p.
Diário de Minas, Belo Horizonte, 08-04-1921.
ECO, Humberto. Obra aberta. 8ª. Ed. São Paulo: Perspectiva, 1991. 284p. (Série
Debates, 4)
159
BIBLIOGRAFIA
LAMAISON, Didier Introduction In ANDRADE, Carlos Drummond de. Poésie. Paris:
Gallimard, 1990, pp. 12-13.
PY, Fernando. Biografia Comentada de Carlos Drummond de Andrade (1918/1930).
Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1980. 176 p.
RAMOS, Maria Luiza. Fenomenologia da Obra Literária. Rio de Janeiro: Ed. Forense-
Universitária, 1969. 198 p.
ROMAO. Douglas Bernardes. Aspectos filosóficos do pessimismo na poética de
Drummond. Dissertação (Mestrado). UFMG - FAFICH. 2004. 174 p.
SANT'ANNA, Affonso Romano. DRUMMOND: Gauche no Tempo. Lia, Editor: Rio
de Janeiro, 1972. 282 p.
SARAIVA, Arnaldo Uma Pedra no Meio do Caminho - Biografia de um Poema.
Seleção e Montagem: Carlos Drummond de Andrade. Rio de Janeiro: Editora do
Autor, 1967.194 p.
TUFANO, Douglas. Modernismo Literatura brasileira (1922-1945). São Paulo:
Paulus, 2003. 94 p.
WALTY, Ivete Lara Camargos & CURY, Maria Zilda Ferreira. Drummond - poesia e
experiencia. Belo Horizonte: Autentica Editora, 2002. 191 p.
1.4. BIBLIOGRAFIA ESPECÍFICA DE TEOLOGIA E LITERATURA
ALALITE - Associação Latino-Americana de Literatura e Teologia, Colóquio
Internacional de Literatura e Teologia, Pontifícia Universidade Católica: Rio de Janeiro,
2007 CD-CD-ROM.
_________ - Associação Latino-Americana de Literatura e Teologia, Coloquio
Internacional de Literatura y Teologia, Pontificia Universidad Catolica de Chile:
Santiago, 2008 CD-ROM.
ALVES, Rubem. O que é religião? São Paulo: Ed. Brasiliense, 1990. 132 p.
_________. Poesia, Profecia, Magia: meditações. Rio de Janeiro: CEDI: Tempo e
Presença, 1983. 79 p.
_________. Sobre o Tempo e a Eternidade. 12ª Ed. São Paulo: Papirus, 2005. 164 p.
_________. Um mundo num grão de areia O ser humano e seu universo. 6ª. Ed.
São Paulo: Verus, 2002. 121 p.
ARTIOLI, Tatiane. Alegoria e visão teológica da História em três autos vicentinos.
2005, 129f. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade
de Campinas, Campinas.
160
BIBLIOGRAFIA
BARCELLOS, José Carlos. A e o Império: Os Lusíadas no contexto da teologia e
da espiritualidade católicas do séc. XVI. Trabalho Final (Pós-Doutorado em Literatura
Portuguesa) – Faculdade de Ciências e Letras de Assis – UNESP, São Paulo, 2001. 140p.
BINGEMER, Maria Clara & YUNES, Eliana. (org.) Murilo, Cecília e Drummond
100 anos com Deus na poesia brasileira. São Paulo: Loyola, 2004. 143 p.
BLOOM, Harold. O livro de J. Rio de Janeiro: Imago, 1992. 366 p.
BRITO, Tarsilla Couto de. A poesia apocalíptica de Murilo Mendes. 2005, 100f.
Dissertação (Mestrado) – Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade de
Campinas, Campinas.
CONCILIUM. 115. Petrópolis: Vozes. n. 05, ago./set. 1976.
FERREIRA, João Cesário Leonel. E ele será chamado pelo nome de Emanuel : o
narrador e Jesus Cristo no evangelho de Mateus. 2006, 453f. Tese (Doutorado) –
Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade de Campinas, Campinas.
GREGGERSEN, Gabriele. A Poética da Graça Comum In FIDES REFORMATA vol.
6/1 jan/jun de 2001.Disponível
em<http://www.mackenzie.com.br/teologia/fides/vol06/num01/Gabriele.pdf> Acesso em
01.fev.2007. 21h07.
KUSCHEL, Karl-Josef. Os Escritores e as Escrituras Retratos Teológico
Literários. São Paulo: Loyola, 1999. 230 p.
LOPEZ QUINTÁS, Alfonso. Como formarse em Ética através de la Literatura –
Analisis Estetico de Obras Literarias. 2ª. Edición. RIALP: Madrid, 1994. 348 p.
MAGALHÃES, Antonio Carlos. Deus no Espelho das Palavras Teologia e
Literatura em Diálogo. São Paulo: Paulinas, 2000. 213 p.
_____________. Teologia e Literatura In Cadernos de Pós-graduação Ciências da
Religião n. 9.São Bernardo do Campo: Editora Umesp, 1997, 157p.
MALANGA, Eliana Branco. A Bíblia Hebraica como obra aberta – uma proposta
interdisciplinar para uma semiologia bíblica. São Paulo: Humanitas/FFLCH-
USP/FAPESP, 2005. 335 p.
MARIA, Claudinei. O pão da dor e o vinho da miséria - o banquete da existência, de
a Brás Cubas. 2007, 81f.. Dissertação (Mestrado) Campinas: Instituto de Estudos
da Linguagem da Universidade de Campinas, Campinas.
MILES, Jack. Deus: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. 500 p.
PERISSÉ, Gabriel. Filosofia, Ética e Literatura – Uma proposta pedagógica. Barueri/
SP: Manole, 2004. 314 p.
161
BIBLIOGRAFIA
PERISSÉ, Gabriel. Uma Análise de “LARANJA MECÂNICA” segundo o Método
Lúdico-Ambital In Cadernos Interdisciplinares Luso-Brasileiros. São Paulo: ESDC, n.
1 jul/dez 2006, pp.85-126.
SCHULTZ, Adilson. Agenciamentos teórico-metodológicos básicos para o estudo do
lugar do Protestantismo no imaginário religioso brasileiro a partir do encontro da
Teologia com a Literatura (na Casa de João Guimarães Rosa) In Protestantismo em
Revista, v. 01, n.01, out/dez., São Leopoldo:NEPP, 2002.
VILLAS BOAS, Alex. A Teologia Profético-Poética de Antônio Vieira In AEV.
II. FONTES CRISTÃS
2.1. FONTES ESCRITURÍSTICAS
BIBLEWORKS for Windows version 6.0 by HERMENEUTIKA Computer Bible
Research Software, 2003 CD-ROM.
BÍBLIA DE JERUSALÉM – 5
a
Edição. Paulus: São Paulo, 1985.
BÍBLIA SACRA – Utriusque Testamenti – Editio Hebraica et Graeca. Deutsche
Bibelgeselschaft: Stuttgart, 1993.
SEPTUAGINTA – Id est Vetus Testamentum graece iuxta LXX interpretes edidit Alfred
Rhalfs – Duo volume in uno – Deutsche Bibelgeselschaft: Stuttgart, 1979.
2.2. FONTES PATRÍSTICAS
AGOSTINHO. A Cidade de Deus (contra os pagãos) Parte I. Bragança Paulista: Ed.
Universitária São Francisco, 2007. 414 p.
___________. A Cidade de Deus (contra os pagãos) Parte II. Bragança Paulista: Ed.
Universitária São Francisco, 2006. 589 p.
___________. Confissões. São Paulo: Paulus, 1997. 401 p. (Col. Patrística, vol. 10).
___________. De civitate Dei. ed. Stuttgart: Teubner, 1993. 2 v. (Bibliotheca
Scriptorum Graecorum et Romanorum Teubneriana) [s.d.] [s.l.].
DENZINGER, Henrici. Compêndio dos símbolos, definições e declarações de e
moral. São Paulo: Paulinas/Loyola, 2007. 1467 p.
MIGNE, Jacques-Paul. Patrologiae graeca. Montreal: J.- P. Migne, 1965. 174 v.
________________.Patrologiae latina. Montreal: J.- P. Migne, [19-]. 206 v.
162
BIBLIOGRAFIA
ORÍGENES. Homélies sur le Cantique des cantiques . Paris: Editions du Cerf, 1966.
160 p. (Col. Sources Chrétiennes: v. 37).
2.3. DOCUMENTOS MAGISTERIAIS
BENTO XVI. Carta Encíclica Deus Caritas est. São Paulo: Paulus/Loyola, 2006. 52 P.
COMPÊNDIO DO VATICANO II. constituições, decretos, declarações, 28ª edição,
Ed. Vozes, Petrópolis, 2000. 743 p.
CONGREGAÇÃO PARA DOUTRINA DA FÉ. Notificação sobre as obras do P. Jon
Sobrino. Disponível em <http:// www.vatican.va/>. Acesso em: 14. Mar.2007. 15h39.
DOCUMENTO DE APARECIDA. Texto conclusivo da V Conferência Geral do
Episcopado Latino-Americano e do Caribe. São Paulo: Paulus, 2007.
III. BIBLIOGRAFIA
3.1. BIBLIOGRAFIA ESPECÍFICA DE TEOLOGIA
3.1.1. OBRAS TEOLÓGICAS FUNDAMENTAIS
BALTHASAR, Hans Urs von. Mysterium Paschale the Mystery of Easter. San
Francisco: Ignatius Press, 2000. 324 p.
_____________. O cristão e a angústia. São Paulo: Duas Cidades, 1963. 125 p.
_____________. Sólo el Amor és digno de . Salamanca: Sígueme Ediciones, 2006.
141 p.
_____________. Theo-Drama: Theological Dramatic Theory vol. I Prolegomena.
San Francisco: Ignatius Press, 1988. 684 p.
BARTH, Karl. Introdução a teologia evangélica . 3a. ed. São Leopoldo: Sinodal, 1981.
125 p.
____________. Church dogmatics the doctrine of the word of God. Edinburgh: T.
& T. Clark, 1977. 552 p.
____________. A palavra de Deus e a palavra do homem. São Paulo: Novo Século,
2004. 247 p.
BONHOEFFER, Dietrich. Ética. 7ª. Ed. São Leopoldo: Ed. Sinodal, 2005. 217 p.
______________. El precio de la Gracia – El seguimiento. 6ª ed. Salamanca: Ediciones
Sígueme, 2004. 238 p. (Verdad e Imagen, v. 95)
163
BIBLIOGRAFIA
BULTMANN, Rudolf. Jesus Cristo e mitologia. São Paulo: Novo Século, 2000. 80 p.
______________. Histoire et eschatologie. Paris: Delachaux et Niestlé, 1959. 206 p.
(col. Foi Vivante – vol. 115).
______________. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Teológica, 2004. 925 p.
CHARDIN, Pierre Teilhard. O fenômeno humano. São Paulo: Ed. Herder, 1970. 355 p.
__________. O meio divino. Lisboa: Presença, [s.d.] [19-]. 180 p.
__________. L'avenir de l'homme . [S.l.]: Du Seuil, 1959. 349 p.
EVDOKIMOV, Paul. O Silêncio Amoroso de Deus. Aparecida: Ed. Santuário, 2007.
175 p.
_____________. O Espírito Santo na Tradição Ortodoxa. São Paulo: Ave-Maria
Edições, 1996. 110 p.
FORTE, Bruno. Teologia da História Ensaio sobre a Revelação, o início e a
consumação. São Paulo: Paulus, 1995. 378 p.
_____________. A Guerra e o Silêncio de Deus Comentário teológico na
atualidade. São Paulo: Paulinas, 2004. 93 p.
GESCHÉ, Adolphe. O Mal. São Paulo: Paulinas, 2003. 173 p. (col. Deus para Pensar, 1).
____________. O Ser Humano. São Paulo: Paulinas, 2003. 149 p. (col. Deus para
Pensar, 2).
____________. Deus. São Paulo: Paulinas, 2004. 143 p. (col. Deus para Pensar, 3).
____________. O Cosmo. São Paulo: Paulinas, 2004.183 p. (col. Deus para Pensar, 4).
____________. O Cristo. São Paulo: Paulinas, 2004. 237 p. (col. Deus para Pensar, 6).
____________. O Sentido. São Paulo: Paulinas, 2005. 188 p. (col. Deus para Pensar, 7).
GUTIERREZ, Gustavo. Teologia da Libertação. 4ª Ed. Petrópolis: Vozes, 1983. 275 p.
___________. O Deus da Vida. 2ª Ed. São Paulo: Loyola, 1992. 239 p.
___________. Beber em seu próprio poço Itinerário Espiritual de um Povo. São
Paulo: Loyola, 2000. 172 p.
HARNACK, Adolf von. History of Dogma vol. Eugene: Wipf & Stock Publishers,
2000. 7 v.
__________. Wesen des Christentums für die christliche Gemeinde geprüft.
Leipzig: Georg Böhme, 1901. 168 p.
164
BIBLIOGRAFIA
HESCHEL, Abraham Joshua. The Prophets – vol. I-II. Peabody: Hendrickson
Publishers, 2007.2 v. (287 p.; 235 p.)
KITAMORI, Kazoh. Teologia del dolor de Dios. 5a. Ed. Sígueme: Salamanca, 1975.
241 p.
KÜNG, Hans. L’Homme, La Souffrance et Dieu. Bruges: Desclée de Brouwer, 1969.
105 p. (Col. Méditations Théologiques).
___________. Teologia a Caminho Fundamentação para o Diálogo Ecumênico.
São Paulo: Paulinas, 1999. 300 p.
MOLTMANN, Jürgen. Ciência e Sabedoria Um diálogo entre ciência natural e
teologia. São Paulo: Loyola, 2007. 247 p.
____________. El Dios Crucificado La Cruz de Cristo como base y crítica de toda
teologia cristiana – 2ª Ed. Salamanca: Ed. Sígueme, 1977. 477 p.
____________. Paixão pela vida Ciclo de palestras proferidas no Brasil em
Setembro/1977. São Paulo: ASTE, 1978. 112 p.
____________. Teologia da Esperança Estudos sobre os Fundamentos e as
Conseqüências de uma Escatologia Cristã. São Paulo: Editora Teológica, 2003.432 p.
____________. Trindade e Reino de Deus Uma contribuição para a teologia.
Petrópolis: Editora Vozes, 2000. 224 p.
RAHNER, Karl. Grundkurs des Glaubens Einführung in den Begriff des
Christentums. Freiburg-Basel: Herder, 1984. 448p.
______________. Worte Gläubiger Erfahrung. Freiburg-Basel: Herder, 2004. 127p.
______________. Graça divina em abismos humanos. São Paulo: EP, 1968. 235 p.
______________. Missão e Graça: pastoral em pleno século XX. Petrópolis: Edições
Loyola, 1964. 231 p.
______________. O Cristão do Futuro. São Paulo: Editora Cristã Novo Século, 2004.
99p.
______________. Palavras de Inácio de Loyola a um Jesuíta de Hoje. São Paulo:
Edições Loyola, 1978. 48p.
______________. Este é o Meu Problema Karl Rahner Responde aos Jovens. São
Paulo: Edições Loyola, 1985. 102p. (Coleção: Juventude e Participação).
______________. Schriften zur TheologieIV Neure Schriften. Zürich: Benzinger/
Köln: Einsiedeln, 1967. 508 p.
______________. Schriften zur Theologie Band III – zur Theologie des Geistlichen
Lebens. Zürich: Benzinger/Köln: Einsiedeln, 1967. 472 p.
165
BIBLIOGRAFIA
______________. Appels au Dieu du Silence 10 Meditations par Karl Rahner.
Casterman/Paris/Tournai: Éditions Salvator, Mulhouse, 1966. 129 p.
______________. O Dogma Repensado. São Paulo: Paulinas, 1970. 253 p.
RAHNER, Hugo.Teologia de la Predicacion. Buenos Aires: Plantin, 1950. 286 p.
______________.Kirche und staat im fruhen christentum. Munique-Alemanha: Kosel,
1961. 493 p.
TILLICH, Paul. História do Pensamento Cristão. São Paulo: ASTE, 2004. 293 p.
____________. A Coragem de Ser. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1972. 146 p.
____________. Teologia Sistemática. São Paulo: Sinodal, 1967. [s.n.]
____________.Dinâmica da fé. São Leopoldo: Sinodal, 1985. 87 p.
WHITEHEAD, Alfred Nort. Process and Reality An Essay in Cosmology. New
York: Free Press, 1985. 392 p.
____________. Science and the Modern World. New York: The Macmillan Company,
1954. 304 p.
3.1.2. DEMAIS OBRAS TEOLÓGICAS
ANJOS, Márcio Fabri dos (org.) Experiência Religiosa Risco ou Aventura? São
Paulo: Paulinas, 1998. 167 p.
______________. Sob o Fogo do Espírito. São Paulo: Paulinas, 1998. 344 p.
BESNIER, Bernard; MOREAU, Pierre-François; RENAULT Laurence. As Paixões
Antigas e Medievais – teoria e crítica das paixões. São Paulo: Loyola, 2008.350 p.
BOF, Giampiero. Teologia Católica Dois mil anos de história, de idéias, de
personagens. São Paulo: Edições São Paulo, 1996. 279p.
BOFF, Clodovis. Teologia e prática teologia do político e suas mediações.
Petrópolis-RJ: Vozes, 1978. 408 p.
______________. Teoria do Método Teológico. 2ª Ed. Petrópolis:Vozes, 1999. 758p.
CLARK, Elizabeth Ann. Clement's use of Aristotle: the Aristotelian contribution to
Clement of Alexandria's refutation of Gnosticism. New York: E. Mellen Press, c1977.
182 p.
COBB, Jr. John; GRIFFIN, David. Process Theology An Introductory Exposition.
Westminster: John Knox Press, 1976. 190 p.
166
BIBLIOGRAFIA
CONGAR, Yves. Jalones para una teologia del laicado. Barcelona: Estela, 1961. 594 p.
(Eclesia viva).
______________. Sainte Église Études et approches ecclésiologiques. Paris: Ed. Du
Cerf, 1963. 695 p. (Col. Unam Sanctam)
DROBNER, Hubertus. Manual de Patrologia. Petrópolis: Ed. Vozes, 2003. 653 p.
FEHRNY, Karl Christian. Teología Ortodoxa Actual. Salamanca: Ed. Sígueme, 2002.
349 p.
FISICHELLA, Rino. Introdução à Teologia Fundamental. São Paulo: Loyola, 2000.
159 p. (Coleção Introdução às Disciplinas Teológicas).
GERKEN, John.Teologia do Laicato. Herder: São Paulo, 1968. 186 p.
GILSON, Étienne. Heloísa e Abelardo. São Paulo: EDUSP, 2007. 218 p.
______________. Introdução ao estudo de Santo Agostinho. São Paulo: Discurso
Editorial/Paulus, 2007. 542 p.
GOMES, Paulo Roberto. O Deus im-potente – o sofrimento e o mal em confronto com
a Cruz. São Paulo: Loyola, 2007.246 p.
HURTADO, Alberto. Escritos de San Alberto Hurtado. Centro de Estudios San
Alberto Hurtado de la Pontificia Universidad Católica de Chile. Santiago: Ediciones
Universidad Católica de Chile, 2007. CD-ROM.
LAFONT, Ghislan. História Teológica da Igreja Católica Itinerário e Formas da
Teologia. São Paulo: Paulinas, 2000. 372 p.
LATOURELLE, René. Teologia da Revelação. São Paulo: Paulinas, 1972. 592 p.
LEPARGNEUR, Hubert. Esperança e Escatologia. Paulinas: São Paulo, 1974. 293 p.
LIBÂNIO, João Batista. A Volta à Grande Disciplina. São Paulo:Loyola, 1983. 194 p.
(Col. Teologia e Evangelização).
______________. Igreja Contemporânea Encontro com a modernidade. São Paulo:
Loyola, 2000. 194 p.
______________. A Volta à Grande Disciplina. São Paulo:Loyola, 1983. 173 p. (Col.
Teologia e Evangelização).
______________. Teologia da Revelação a partir da Modernidade. São Paulo:
Loyola, 1992. 479p. (Coleção Fé e Realidade 31).
______________.; MURAD, Afondo. Introdução à Teologia Perfil, Enfoques,
Tarefas. São Paulo, 1996. 372 p.
167
BIBLIOGRAFIA
LOHFINK, Gerard. Como Jesus queria as Comunidades? A dimensão social da
cristã. São Paulo: Paulinas, 1985. 256 p.
McGRATH, Alister. Teologia – Sistemática , Histórica e Filosófica – Uma Introdução
à Teologia Cristã. São Paulo: Shedd Publicações, 2005. 659 p.
MENESES, Paulo Gaspar de. O conhecimento afetivo em Santo Tomás Coleção
CES. São Paulo: Loyola, 2000. 120 p.
MIRANDA, Mario de França. A Igreja numa Sociedade Fragmentada. São Paulo:
Loyola, 2006, pp. 151-275.
______________. O Mistério de Deus em nossas vidas A Doutrina Trinitária de
Karl Rahner – Col. Fé e Realidade – vol. 1. São Paulo: Loyola, 1975. 218 p.
O’DONNELL, John. Introdução à Teologia Dogmática. São Paulo: Loyola, 1999. 118
p.
OLIVEIRA, Pedro Rubens F. de; PAUL, Claudio. (org.). Karl Rahner em Perspectiva.
São Paulo: Edições Loyola, 2004. 270p.
PALUMBO, Cecília Inés Avenatti. Lenguajes de Dios para el siglo XXI Estética,
teatro y literatura como imaginarios teológicos. Juiz de Fora: Edições Subíaco/ Buenos
Aires: Publicaciones de la Facultad de Teología Universidad Católica Argentina, 2007.
815 p.
RATZINGER, Joseph. El Dios de los Cristianos meditaciones coleccion imagen e
verdad – n. 20. Salamanca: Ed.Sígueme, 2005, pp. 25-94.
RIBEIRO, Clarita Sampaio Mesquita. Mysterium Paschale A quenose de Deus
segundo Hans Urs von Balthasar. São Paulo: Loyola, 2004. 205 p.
SANNA, Ignazio. Karl Rahner. São Paulo: Loyola, 2004. 118p.(Coleção Teólogos do
Século XX).
SCHILLEBEECKX, Edward. História Humana Revelação de Deus. 2ª. Edição
Paulus: São Paulo, 2003. 334 p.
SEGUNDO, Juan Luis. O Inferno Como Absoluto Menos Um Diálogo com Karl
Rahner. São Paulo: Paulinas, 1998. 253p.
SEGUNDO, Juan Luis. Que Mundo? Que homem? Que Deus? aproximações entre
Ciência, Filosofia e Teologia. São Paulo: Paulinas, 1995. 581 p.
SESBOÜÉ, Bernard. Karl Rahner Itinerário Teológico. São Paulo:Loyola, 2004,
171p.
SOBRINO, Jon. Onde está Deus? São Leopoldo: Editora Sinodal, 2007. 171 p.
168
BIBLIOGRAFIA
SOUZA, Ney de (org.) Temas de Teologia Latino-Americana. São Paulo: Paulinas,
2007. 249 p.
SUAREZ, Francisco. Los exercícios Espirituales de San Ignacio – Una defesa. Bilbao:
Ed. Mensajero/Santander: Sal Terrae, 2003. [s.n.].
TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. I-II, q. 22-25. Vol. III. São Paulo: Loyola,
2003. 543 p.
VILLAS BOAS, Alex. Descrição e reflexão acerca da experiência de Deus como
experiência de sentido na Teologia do Logos e na Logoterapia de Viktor Frankl na
pós-modernidade, 2006, 262f. (TGI) Programa de Convalidação do Bacharelado
Universidade Mackenzie: São Paulo.
VORGRIMLER, Herbert. Karl Rahner Experiência de Deus em sua vida e em seu
pensamento. São Paulo: Paulinas, 2006. 415 p.
CONCILIUM. Revelação e Experiência, vol. 3, n. 133, 1978.
WALDENFELS, Hans. Teologia Fundamental Contextual. Salamanca: Ediciones
Sígueme, 1994. 751 p. (Col. Verdad e Imagen, 125).
WICKS, Jared. Introdução ao Método Teológico. São Paulo: Loyola, 1999.123 p.
3.2. BIBLIOGRAFIA EM GERAL
ALLPORT, Gordon. Desenvolvimento da personalidade. São Paulo: Herder, 1962. 130 p.
ARISTÓTELES. Aristotelis opera omnia graece et latine. Parisiis : Firmin-Didot et Sociis,
1927. 5 v.
_____________. Metafísica. texto em grego com tradução e comentário de Giovanni Reale.
São Paulo : Edições Loyola, 2002. 3 v.
_____________. Poética/ PERI POIHTIKHS. Ed. Bilíngüe. São Paulo: Ars Poetica, 1993.
149 p.
_____________. The complete works of Aristotle - the revised Oxford translation.
Princeton, N.J. : Princeton University Press, 1984. 2 v. (2487 p.).
BARRETO, Abilio. BELO HORIZONTE Memória Histórica e Descriptiva. Belo
Horizonte: Editora e Livraria Rex, 1936. [s.n.].
BAUDRILLARD, Jean. À sombra das maiorias silenciosas : o fim do social e o
surgimento das massas. São Paulo : Brasiliense, 1985. 86p.
______________.Simulacres et simulation. Paris : Galilée, 1981. 235p.
169
BIBLIOGRAFIA
BAUMAN, Zygmunt. Globalização As Conseqüências Humanas. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor, 1999. 145p.
______________. O Mal-Estar da Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
1998. 272p.
BIGG, Charles. The Christian Platonists of Alexandria: the 1886 Bampton lectures.
Oxford: Clarendon Press, 1968. 386 p.
BLOCH, Ernest. O Princípio Esperança vol. I. Rio de Janeiro: Contraponto/Ed. UERJ,
2005. 433 p.
_____________. O Princípio Esperança vol. II. Rio de Janeiro: Contraponto/Ed. UERJ,
2006. 477 p.
BRÉHIER, Émile. Histoire de la Philosophie - Tome Premier - L'Antiquité et le Moyen
Age. Paris: Presses Universitaires de France, 1948. [s.n.].
______________. Les idées philosophiques et religieuses de Philon d'Alexandrie. Paris:
Librairie philosophique J. Vrin, 1950. 336 p. (Études de philosophie médiévale: 8).
CASTORIADIS, Cornelius. A Instituição Imaginária da Sociedade. 5ª. Ed. São Paulo: Paz
e Terra, 2000. 418 p.
CASTRO, Dagmar Silva Pinto de. (org). Fenomenologia e Análise do Existir. São
Bernardo do Campo: Universidade Metodista de São Paulo, 2000. 368 p.
COOPER, John Madison. Reason and emotion: essays on ancient moral psychology and
ethical theory. Princeton University Press, c1999. 588 p.
CRITELLI, Dulce Mara. Analítica de Sentido Uma aproximação e interpretação do
real de orientação fenomenológica – 2ª. Ed. – São Paulo: Ed. Brasiliense, 2007. 158 p.
DESCARTES, René. As Paixões da Alma Um tratado sobre as emoções humanas em
212 temas. São Paulo: DPL Editora, 2004. 139 p.
DUBET, François. Le Declin de L'Institution. Paris: Edition du Seuil, 2002. 421 p.
EAGLETON, Terry. A Idéia de Cultura. São Paulo: UNESP, 2003. 204 p.
___________. The Meaning of Life. London: Oxford University Press, 2007. 187 p.
FREUD, Sigmund. Kulturtheorische Schriften. Frankfurt am Main: S. Fischer Verlag,
1974. 653 p.
GADAMER, Hans Georg. Los caminos de Heidegger. Barcelona: Herder, 2002. [s.n.].
GASTALDI, Ítalo. Educar e Evangelizar na Pós-Modernidade. São Paulo: Editora
Salesiana Dom Bosco, 1994. 98 p.
GILSON, Étienne. La philosophie au moyen age: des origines patristiques a la fin du
XIVe siècle. Paris: Payot, 1952. 782 p.
170
BIBLIOGRAFIA
_____________. L'etre et l'essence . Paris: J. Vrin, 1948. 382 p.
_____________. O Espírito da Filosofia Medieval. São Paulo: Martins Fontes, 2006. 591 p.
HEIDEGGER, Martin. Cartas sobre o Humanismo. São Paulo: Ed. Moraes, 1991. 50 p.
____________. Chemins qui mènent nulle part. Paris: Gallimard, 1962. 313 p. (coll.
Idées).
____________. Erläuterungen zu Hölderlins Dichtung. Frankfurt am Main: B.
Klostermann, 1951. 144 p.
____________. Sein und Zeit. Tübingen: Max Niemeyer Verlag, 1967. 437 p.
____________. Vorträge und Aufsätze. Pfullingen: Neske, 1959. 283 p.
____________.Einführung in die Metaphysik. Tübingen: M. Niemeyer, 1958. 156 p.
____________.Hinos de Hölderlin. Lisboa: Instituto Piaget,2004. 283 p.
____________. Holzwege - herausgegeben von Friedrich-Wilhelm von Herrmann.
Frankfurt am Main: Verlag Klostermann, 1994. 380 p.
HERVIEU-LEGER, Daniele. Vers un nouveau christianisme? [S.l.]: Du Cerf, 1986. 387 p.
HUSSERL, Edmund .Idéia da fenomenologia. Lisboa : Edições 70, 1990. 133 p.
_________. Logique formelle et logique transcendantale: essay d'une critique de la
raison logique. Paris: Presses universitaires de France, 1957. 447 p.
JAEGER, Werner Wilhelm. Aristóteles: bases para la historia de su desarrollo
intelectual. México: Fondo de Cultura Económica, c1946. 556 p.
KUJAWSKI, Gilberto. M. A Crise do Século XX. 2 ed. São Paulo: Editora Ática, 1991.
207 p.
LARAIA, Roque. Cultura Um Conceito Antropológico. 19ª ed. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor, 2006. 117p.
LAUAND, Luis Jean. Filosofia, Linguagem, Arte e Educação 20 Conferências sobre
Tomás de Aquino. São Paulo: ESDC/Factash Editora/CEMOrOc EDF-FEUSP, 2007. 276 p.
__________. Ética e Antropologia – Estudos e Traduções Série Acadêmica. São Paulo:
Editora Mandruvá, 1997. 143 p.
LEIBNIZ, Gottfried Wilhelm. Essais de Théodicée sur la bonté de Dieu, la liberté de
l'homme et l'origine du mal : suivi de La monadologie. Paris: Aubier, 1962. 522 p.
LONG, Anthony. La filosofia helenistica: estoicos, epicureos, escepticos. Madrid: Alianza,
1984. 255 p (Alianza Universidad, 379).
___________. Problems in stoicism. London: Atlantic Highlands/ New Jersey: Athlone
171
BIBLIOGRAFIA
Press, 1996. 257 p.
LUHMANN, Niklas. O Amor como Paixão Para a Codificação da Intimidade. Lisboa:
DIFEL, 1991. 250 p.
___________. Organización y decisión: autopoiesis, acción y entendimiento
comunicativo. Barcelona : Anthropos, 1997. 138 p.
___________. Sociedad y sistema: la ambición de la teoría. Barcelona: Ediciones Paidós
Ibérica, 1991. 144 p.
LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. 8ª. Edição. Rio de Janeiro : José
Olympio, 2004. 131 p.
MACHADO, Antonio. Poesías completas. 4ª. Ed. Madrid: Espasa-Calpe, 2005. 529 p.
MARIOTTI, Humberto. As Paixões do Ego Complexidade, Política e Solidariedade.2ª
ed. São Paulo: Palas Athena, 2002. 350 p.
MARTELLI, Stefano. A Religião na Sociedade Pós-Moderna. São Paulo: Paulinas, 1995.
493 p.
MONACO, Nicola. As Paixões e os caracteres. 2ª ed. São Paulo: Paulinas, 1967. 227 p.
MORESCHINI, Claudio. História da Filosofia Patrística. São Paulo: Loyola, 2008. 779 p.
NIETZSCHE, Friedrich. Assim falou Zaratustra. 11ª ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2000. 344 p.
NOVAES. Adauto (org). Os Sentidos da Paixão. São Paulo: FUNARTE/Companhia das
Letras, 1988. 508 p.
NUNES, Benedito. Passagem para o Poético Filosofia e Poesia em Heidegger. São
Paulo: Ed. Ática, 1986. 304 p.
PETER, Richard. Viktor Frankl: A Antropologia Como Terapia. 2 ed. São Paulo: Paulus,
2005. 119 p.
PHILON D’ ALEXANDRIE. De gigantibus. Quod Deus sit immutabilis. Paris: Éditions
du Cerf, 1963. 151 p. (Les Ouvres de Philon d’ Alexandrie: 7-8).
_____________. De mutatione nominum. Paris: Éditions du Cerf, 1964. 159 p. (Les
Ouvres de Philon d’ Alexandrie: 18).
_____________. De virtutibus. Paris: Éditions du Cerf, 1962. 159 p. (Les Ouvres de Philon
d’ Alexandrie: 26).
_____________. Quis rerum divinarum heres sit. Paris: Éditions du Cerf, 1966. 346 p.
(Les Ouvres de Philon d’ Alexandrie: 15).
PLATÃO. A República. São Paulo: Matins Fontes, 2006. 419 p.
172
BIBLIOGRAFIA
________. Platonis Opera Omnia. New York : Garland, 1980. 10 v. (Philosophy, Ancient :
26).
POMPEIA, João Augusto; SAPIENZA, Bilê Tatit. Na presença do Sentido Uma
aproximação fenomenológica à questões existenciais básicas. São Paulo: Paulus/EDUC,
2004. 246 p.
POPPER, Karl. A Sociedade Aberta e seus Inimigos – 1º Vol. – O Fascínio de Platão. São
Paulo: Editora da Universidade de São Paulo/Editora Itatiaia Limitada, 1974. 394 p.
REALE, Giovanni. Aristóteles. 9ª ed. São Paulo: Loyola, 2007. 195 p. (História da Filosofia
Grega e Romana – vol. IV)
REALE, Giovanni. Platão. 9ª. Ed. São Paulo: Loyola, 2007. 309 p. (História da Filosofia
Grega e Romana – vol. III).
REALLE, Giovanni. Renascimento do Platonismo e do Pitagorismo. Ed. Loyola: São
Paulo, 2007. 398 p. (História da Filosofia Greca e Romana – Vol. VII)
RÉVILLE, Jean. La doctrine du Logos dans le quatrième Évangile et dans les oeuvres de
Philon. Thesis (licencié en théologie). Paris: Faculté de théologie protestante de Paris, 1881.
SALLES, Ricardo. Los estoicos y el problema de la libertad. México: UNAM. Instituto de
Investigaciones Filosóficas, 2006. 192 p. (Colección Estudios Clásicos).
VATTIMO, Gianni. Heidegger y la poesía como ocaso del lenguaje. Más allá del sujeto.
Nietzsche, Heidegger y la hermenéutica. Paidós: Barcelona, 1992. [s.n.].
____________. La società transparente. Milano: Garzanti, 1989. 99p. (I Coriandoli).
VAZ, Henrique C. Lima. Escritos de Filosofia VII Raízes da Modernidade. São Paulo:
Edições Loyola, 2002. 291p. (Coleção Filosofia).
WERLE, Marco Aurélio. Poesia e Pensamento em Hölderlin e Heidegger. São Paulo:
Editora UNESP, 2004. 212 p.
3.3. ARTIGOS
BARCELLOS, Jose Carlos. Literatura e teologia: perspectivas teórico-metodológicas no
pensamento católico contemporâneo In Numem: Revista de Estudos e Pesquisa da
Religião. Juiz de Fora: Universidade Federal de Juiz de Fora, v.3 n. 2, jul/dez. 2000,
p.9-30.
MANZATTO, Antonio. Cristologia: teologia e antropologia In Revista de Cultura
Teológica . 53. ed. São Paulo: IESP/PFTNSA v. 05, n. 19, abr./jun. 1997, pp. 07-15.
173
BIBLIOGRAFIA
____________. Manzatto: teologia tem uma palavra a dizer a sociedade In O São Paulo
. 2577. São Paulo: Arquidiocese de São Paulo, 2006, v. 49, n. 25, p. 08ss, 05 jan. 2005.
____________.. Teologia e literatura. Uma reflexão teológica a partir da antropologia
contida nos romances de Jorge Amado In Revista de Cultura Teológica . 53. ed. São
Paulo: IESP/PFTNSA. n. 05, out./dez. 1993, pp. 7-39.
VELASCO, Reinaldo Jesús. El Cristianismo sin Religíon en la Teología de Dietrich
Bonhoeffer In Labor Theologicus, v. 16, n. 33, jul./dez, Caracas: Publicaciones
Universidad Católica Santa Rosa, 2004, pp. 53-104.
VILLAS BOAS, Alex. Padre Antonio Vieira: 4º. Centenário de um Teólogo
desconhecido In Revista de Cultura Teológica, vol. 16 , n. 64, jul/set., 2008, pp.
147-182.
3.4. DICIONÁRIOS
BERARDINO, Angelo Di (org.). Dicionário Patrístico e de Antiguidades Cristãs.
Petrópolis: Ed. Vozes, 2002. 1483 p.
COENEN, Lothar; BROWN, Colin. Dicionário Internacional de Teologia do Novo
Testamento vol. I. São Paulo: Ed. Vida Nova, 2004. 1360 p. (verbete conhecimento)
pp. 392-408.
EICHER, Peter (dir.). Dicionário de Conceitos Fundamentais de Teologia. São Paulo:
Paulus, 1993. 1033 p.
LACOSTE, Jean Yves. Dicionário Crítico de Teologia. São Paulo: Editora Paulinas;
Edições Loyola, 2004. 1965 p.
PEREIRA, Isidoro. Dicionário Grego-Português/ Português-Grego. Coimbra: [s.d.].
310 p.
3.5. SITIOS ELETRÔNICOS
BARTH, Karl. A Proclamação do Evangelho. Diocese Anglicana de São Paulo: São
Paulo, [s.d.]. Disponível em <http://www.dasp.org.br/codigos/artigos/proclamacao_
evangelho.htm> Acesso em 16/08/2008 21h07.
BUXÓ-DULCE, Luis Batlló. Qué significa « camino » para Antonio Machado In Abel
Martín Revista de Estudios sobre Antonio Machado. Disponível em
<http://www.abelmartin.com/> Acesso em 01.set.2007. 13h47.
CAMÕES, Luís Vaz de. Os Lusíadas In Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro.
Disponível em: <http://www.bibivirt.futuro.usp.br>. Acesso em: 14.abr.2007.
174
BIBLIOGRAFIA
CALDAS FILHO, Carlos R. Da MPB como Fonte para o Estudo da Religião: Análise do
Elemento Religioso Presente em “Anunciação” de Alceu Valença e “Um Índio” de Caetano
Veloso In REVER–Revista de Estudos da Religião vol. 3 de 2006. Disponível em
<http://www.pucsp.br/rever/rv3_2006/t_caldas.htm. Acesso em: 13.jan. 2007. 20h32.
_______________. Teologia e Cultura: Uma Introdução à Estética Filosófica em
Perspectiva de Teologia Reformada, com ênfase em literatura In FIDES REFORMATA
vol. 6/1 jan/jun de 2001. Disponível em
<http://www.mackenzie.com.br/teologia/fides/vol06/num01/Carlos_Caldas.pdf> Acesso em
01 de Fevereiro de 2007 20h00;
EVDOKIMOV, Paul. Vocação Litúrgica do Homem In Antropologia (capítulo da obra
“Sacramento do Amor”). Disponível em <http://www.ecclesia.com.br/biblioteca/teologia/
paul_evdokimov_a_antropologia.html#47> Acesso em 21/08/2008 07h23.
GALEFFI, Dante Augusto. O que é isto? A fenomenologia de Husserl? In Ideação. Feira
de Santana, n. 5, jan./jun. 2000, pp. 13-36.
HIGUET, Etienne. Saúde, cura e salvação no pensamento de Paul Tillich In Sociedade
Paul Tillich do Brasil. Disponível em
<http://www.angelfire.com/sc/paultillich/artigo3.html> Acesso em 15/08/2008 20h13.
Jürgen Moltmann Uma entrevista a ler. Disponível em:
<http://prasinal.blogspot.com/2007/05/jrgen-moltmann-uma-entrevista-ler.html> Acesso
em 20. ago.2008.
MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO.
Acervo USP-MAC. Disponível em: < http://www.mac.usp.br/mac/acervo/frames.asp>.
Acesso em: 04 abril 2008, 22h46.
PIRES, Frederico Pieper. Bultmann, leitor de Heidegger In Revista Eletrônica Correlatio,
n. 04, dezembro/2003. Disponível em http://www.metodista.br/ppc/correlatio/correlatio04/
bultmann-leitor-de-heidegger/> Acesso em 01/09/2008 20h32.
VILLAS BOAS, Alex. Fides et Passio: Pode existir sem paixão?In Café Filosófico-
Anchietanum, SJ. Disponível em <http://www.anchietanum.com.br/site/lerDownload.php
?intIdCategoria=8> Acesso em 23/08/2008 10h47.
175
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo