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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: SOCIEDADE E REGIÃO
CORPO, GASTROPLASTIA E RECONSTRUÇÃO
IDENTITÁRIA EM MULHERES NA CIDADE DE GOIÂNIA
Autor: Rogério José de Almeida
Orientador: Prof. Dr. Luiz Mello de Almeida Neto
GOIÂNIA – GO
JULHO – 2005
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1
ROGÉRIO JOSÉ DE ALMEIDA
CORPO, GASTROPLASTIA E RECONSTRUÇÃO
IDENTITÁRIA EM MULHERES NA CIDADE DE GOIÂNIA
Dissertação de mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Sociologia
da Faculdade de Ciências Humanas e
Filosofia da Universidade Federal de Goiás
como parte dos requisitos para a obtenção do
título de Mestre em Sociologia.
GOIÂNIA – GO
JULHO – 2005
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2
ROGÉRIO JOSÉ DE ALMEIDA
CORPO, GASTROPLASTIA E RECONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA
EM MULHERES NA CIDADE DE GOIÂNIA
Dissertação defendida e aprovada em 08 de Julho de 2005, pela banca examinadora
constituída pelos (as) professores (as):
Prof. Dr. Luiz Mello de Almeida Neto (Presidente – UFG)
Prof. Dr. João Gabriel Lima Cruz Teixeira (UnB)
Profa. Dra. Joana Aparecida Fernandes Silva (UFG)
GOIÂNIA – GO
JULHO – 2005
3
AGRADECIMENTOS
Agradeço...
Aos meus pais, pelo apoio e pela confiança em todas as decisões que tomei em
minha vida.
À minha esposa Érika, pela compreensão de que esse era um importante passo em
nossa vida. E por acreditar, assim como eu, no sonho de construirmos um futuro
melhor juntos. Essa vitória é nossa.
Ao meu amigo Prof. Luiz Mello de Almeida Neto, que, antes de se tornar somente
um orientador, tornou-se um amigo que acreditou que eu era capaz. Caro orientador,
obrigado por tudo.
À Profa. Joana Aparecida Fernandes Silva, por toda a ajuda bibliográfica e tamm
pelas valiosas contribuições no meu exame de qualificação.
À Profa. Maria Cristina Teixeira Machado, pela importante contribuição no exame de
qualificação.
4
Ao Prof. João Gabriel Lima Cruz Teixeira, pela disposição em participar de minha
defesa de mestrado.
Ao Serviço Integrado de Cirurgia da Obesidade (SICO), por permitir a realização
dessa pesquisa e por toda a ajuda dispensada a mim. Obrigado em especial a
Raquel Soares de Faria e ao Dr. Samir Mahmud Siviero.
Ao meu amigo, Prof. Danilo Rabelo, pelas valorosas conversas que tivemos
enquanto fazíamos exercícios na academia e pela tradução do resumo para a língua
inglesa. Obrigado pelo apoio.
Aos meus amigos, Hermerson e Arquimedes que gentilmente transcreveram as fitas
com as entrevistas.
Ao meu amigo, Rogério de Souza Borges, pela importante tradução de um texto do
idioma francês para o português.
À Profa. Silvana Krause, por toda a ajuda ao longo desses dois anos que
trabalhamos juntos.
E a todos que direta ou indiretamente contribuíram para a realização desse projeto
de vida. Obrigado a todos.
5
Dedico essa dissertação a
Daniela, Diene, Fabiana, Hanna,
Júnia, Márcia, Mirela, Paula e Simone.
6
RESUMO
No mundo contemporâneo, o peso corporal além dos padrões ratificados pela
ciência como normais passa a ser considerado como uma doença crônica.
Entretanto, a obesidade severa não se configura somente como um sério problema
de saúde, pois é fato que as pessoas avaliam a própria imagem corporal em função
de normas sociais e culturais de saúde e estética. Com o advento da cirurgia de
redução de estômago, indivíduos outrora obesos severos, num curto período de
tempo, passam a ser enquadrados como fisicamente aceitáveis pela sociedade. A
pesquisa para esse trabalho foi realizada a partir de visitas de campo a um hospital
privado da cidade de Goiânia e de entrevistas com mulheres submetidas à cirurgia
de redução de estômago. O objetivo do trabalho foi compreender a identidade social
da mulher com obesidade severa e da mulher não mais obesa severa após a
gastroplastia, ou seja, como se configura o processo de reconstrução identitária
dessas mulheres que se submeteram à cirurgia.
Palavras-chave: Identidade social, mulheres, preconceito.
7
ABSTRACT
In the contemporary world, the body weight out of the accepted patterns by science
as normal becomes considered as a chronic disease. However, severe obesity does
not configure itself only as a serious problem of health, since it is a fact that people
evaluate their self body image through social and cultural rules of health and esthetic.
With the advent of the stomach reduction surgery, individuals who formerly were
obese, in a short period of time, have been considered physically acceptable by the
society. The research for this dissertation was realized by field visits to a private
hospital in the city of Goiänia and by interviews with women submitted to the stomach
reduction surgery. The purpose of the work was to understand the social identity of
the female with severe obesity and that one no more severely obese after the
gastroplasty, i. e., how the process of identity reconstruction of these women is
represented.
Key-words: Social identity, women, prejudice.
8
SUMÁRIO
Introdução...................................................................................................................09
1 – Esclarecimentos iniciais.......................................................................................15
1.1 – As características da pesquisa....................................................................15
1.2 – Instrumentos da coleta de dados e a análise qualitativa.............................18
1.3 – O recorte empírico.......................................................................................22
1.4 – Apontamentos sobre o trabalho de campo..................................................32
2 – Corpo e obesidade severa na sociedade contemporânea...................................37
2.1 – Corpo e cultura............................................................................................37
2.2 – O processo de estetização dos corpos.......................................................42
2.3 – O corpo moldado: os padrões estéticos ocidentais contemporâneos.........50
2.4 – Em pauta: a obesidade severa....................................................................59
3 – Identidade e obesidade severa............................................................................67
3.1 – Uma questão de identidade.........................................................................67
3.2 – Implicações da obesidade severa: estigma e preconceito..........................83
4 – Um processo de reconstrução identitária...........................................................103
2.1 – Por que se submeter à gastroplastia?.......................................................103
2.2 – Um novo corpo, uma nova imagem...........................................................110
2.3 – Aos novos magros.....................................................................................117
Considerações finais................................................................................................124
Referências Bibliográficas........................................................................................132
9
INTRODUÇÃO
Certa vez, uma amiga, professora, me contou um fato que ocorreu com ela e
que a deixou muito chateada. para situar o leitor, essa minha amiga tem
obesidade severa (IMC>40), passando para super obesidade (IMC>50). Durante
um longo período de tempo, ela fez um tratamento para emagrecer, que envolvia
basicamente reeducação alimentar e aplicação de enzimas. O tratamento deu muito
certo e ela emagreceu muito, tanto é que teve que se submeter a cirurgias plásticas
para a retirada de pele, principalmente o avental da barriga e nas costas. Todos
ficaram impressionados (cidade pequena do interior, todo mundo conhece todo
mundo, ainda mais se tratando de uma professora renomada) com o emagrecimento
dela
1
. Também devo mencionar que o marido dela mora e trabalha nos Estados
Unidos há uns cinco anos.
De modo que, um certo dia, um dia normal de trabalho, uma outra professora
muito impressionada com seu emagrecimento falou: Nossa Paula, como você está
bem! Desse jeito vou telefonar para o Pedro nos Estados Unidos, para ele voltar o
mais rápido possível. Você não pode ficar bonita e sozinha aqui no Brasil! O Pedro
que se cuide”.
Ao me contar esse fato, minha amiga relatou que era freqüente esse tipo de
comentário e disse: “Quando eu era muito gorda, não chegava ninguém para falar
1
É importante destacar que essa amiga perdeu muito peso com o tratamento. Passou de 148 Kg
para 83 Kg. Embora ela tenha emagrecido muito, ainda faltavam cirurgias plásticas da cintura para
cima e nos seios. Ela não se submeteu a essas cirurgias, parou o tratamento e agora engordou
novamente. Está hoje com 118 Kg.
10
que eu estava bonita ou que era perigoso o Pedro ficar nos Estados Unidos e eu
aqui no Brasil. Será que quando eu era muito gorda, eu não era bonita? Será que
quando eu era muito gorda, o Pedro não precisava ficar preocupado, pois ninguém
iria me querer?”
Embora a intenção da professora fosse tecer elogios ao corpo que minha
amiga apresentava depois da dieta e do tratamento, ela deixa transparecer um
preconceito relativo ao antigo corpo gordo. Este tipo de preconceito ocorre quase
que de forma inconsciente, permeando todas as interações sociais, colocando-nos
na posição de preconceituosos e/ou de vítimas.
Esse relato reflete bem a construção da identidade social tendo como
referência uma estética corporal considerada como a ideal pela sociedade. Há certos
padrões de estética que variam de cultura para cultura. O fato de o obeso severo
destoar muito do que é considerado esteticamente ideal significa que ele possui um
atributo que atrapalha sua aceitação social plena e atrai atitudes de preconceito. Ele
é enquadrado em uma categoria socialmente depreciativa, com estereótipos pré-
estabelecidos culturalmente e é sempre apontado e avaliado na sociedade pelo fato
de ser “o gordo”.
O problema da obesidade es crescendo vertiginosamente no mundo
ocidental. Para se ter uma idéia, de acordo com Segatto e Pereira (2003), o
programa Fome Zero do governo brasileiro pretende atingir cerca de 44 milhões de
pessoas. Por outro lado, o contingente com excesso de peso no Brasil ultrapassa
a marca dos 70 miles
2
. Ao mesmo tempo em que cresce a preocupação mundial
com o alastramento desse problema de saúde, que está sendo considerado como
2
Ver artigo, SEGATTO, Cristiane; PEREIRA, Paula. “Obesidade zero”. Revista Época, Rio de
Janeiro, n. 275, ago. 2003. Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT590194-
1653,00.html>. Acesso em: 21 mar. 2004.
11
uma epidemia global, cresce também o preconceito para com esses indivíduos
obesos, principalmente aqueles que possuem obesidade severa, pois este é o
indivíduo que sofre mais por se desviar muito do corpo que a nossa sociedade
esteticamente valoriza.
Apesar de ser preocupante do ponto de vista médico essa crescente
incidência da obesidade, precisamos nos atentar também para o problema do
convívio social de quem possui esse estigma, que é muito mais antigo do que a
preocupação médica atual. Esses indivíduos são freqüentemente rejeitados em seus
grupos (família, trabalho, escola) e privados de fazerem muitas coisas, por não se
enquadrarem nos parâmetros corporais aceitáveis socialmente. Na era da lipofobia,
uma crescente pressão em favor do corpo magro e saudável (se der, deve ser
sarado) advinda de recomendações científicas para os males da obesidade e da
insistente difusão pelos meios de comunicação de um padrão de estética magro
como sendo o bonito, desejado e alcançável a todos.
Para os indivíduos obesos severos emagrecerem, além das tradicionais
dietas e tratamentos com poucos resultados, já existe uma solução para seus
problemas que pode ser definitiva e que está sendo muito procurada atualmente: a
cirurgia de redução de estômago ou gastroplastia. Quais as implicações desse
emagrecimento na vida desses indivíduos? Após o emagrecimento proporcionado
pela cirurgia de redução de estômago, o que ocorre com a identificação social
desses indivíduos, quando a aquisição de um novo corpo que se enquadra nos
padrões de estética das sociedades ocidentais contemporâneas? Ocorreria, talvez,
uma reconstrução da identidade social desses indivíduos?
O trabalho de campo foi feito no Serviço Integrado de Cirurgia da Obesidade
(SICO) de um hospital privado da cidade de Goiânia, dentre aqueles que realizam a
12
gastroplastia. Optou-se por entrevistar somente mulheres, das quais foram
selecionadas um total de oito.
O objetivo geral dessa dissertação remete-nos, portanto, às mulheres que se
submeteram à cirurgia de redução de estômago, tentando identificar, por meio de
entrevistas, as conseqüências sociais e identitárias que esta cirurgia acarretou em
suas vidas, ou seja, quais as implicações sociais decorrentes da cirurgia, no tocante
às interações e/ou relações empreendidas por essas mulheres em seus cotidianos.
É objetivo compreender tamm as implicações da obesidade severa na vida
dessas mulheres. Procura-se analisar o lugar da obesidade severa e a produção de
identidades e suas conseqüências para o convívio em sociedade, para
posteriormente identificar uma eventual reconstrução da identidade social, tendo
como referência a aquisição de um novo corpo pós gastroplastia.
A presente dissertação está estruturada em quatro capítulos. O primeiro visa
situar o leitor para questões práticas que envolveram a pesquisa. Deste modo,
procura-se apresentar algumas considerações sobre os métodos utilizados no
decorrer de toda a pesquisa. Nesse capitulo, ainda são discutidas questões relativas
à pesquisa qualitativa, suas características e implicações. uma breve discussão
sobre a técnica de entrevista semi-estruturada utilizada na coleta das informações,
bem como, a forma com que foi feita a análise qualitativa das entrevistas. Tamm é
apresentado o recorte empírico, com uma caracterização da instituição (Serviço
Integrado de Cirurgia da Obesidade SICO) em que as mulheres entrevistadas se
submeteram à cirurgia de redução de estômago. São expostos, ainda, alguns
apontamentos sobre o processo de seleção, de contato e características de cada
uma das mulheres entrevistadas.
13
O segundo capítulo tem por objetivo direcionar a discussão para a
problemática relacionada ao corpo e suas manifestações na sociedade ocidental
contemporânea. Procura-se situar o problema da estética corporal em relação ao
excesso de gordura. Sabe-se que o corpo não é somente um organismo biológico,
mas que também é moldado pela cultura em que está inserido. Nesse sentido, esse
capítulo mostra como se dá essa influência cultural sobre os padrões estéticos
corporais. É realizada, ainda, uma incursão na história, procurando identificar o
processo cultural de estetização dos corpos em direção a formas que valorizam
contornos mais retos e sem excessos de gorduras. Com esse processo chega-se a
era da lipofobia, que induz, principalmente as mulheres, a buscarem um padrão de
estética, beleza e saúde associado a um corpo magro e, se possível, esculpido. E os
corpos dos obesos severos nesse contexto? É discutido esse tema, apontando para
o número crescente de indivíduos que estão sofrendo desse problema social e
médico e tamm para um dos tratamentos mais eficazes nesses casos, que é a
cirurgia de redução de estômago.
No terceiro capítulo, discute-se o conceito de identidade, mostrando como as
relações que envolvem os corpos são construtoras de identidades sociais. O objetivo
é situar o indivíduo obeso severo e seu lugar nessa sociedade que exclui as
diferenças. Para se chegar nesse objetivo, são discutidos os conceitos de diferença,
de normalização de determinadas identidades e a importância do reconhecimento de
um outro, diferente de s, que compartilha conosco a realidade cotidiana. Toda
essa discussão serve para apontar para as conseqüências sociais de ser portador
do estigma do excesso de gordura que leva ao preconceito e a discriminação.
Portanto, nesse terceiro capítulo, uma discussão do conceito de estigma, e com
base na análise das entrevistas, passa-se a identificar e discutir as conseqüências
14
sócio-culturais que o estigma da obesidade severa acarretava na vida dessas
mulheres antes de se submeterem à cirurgia de redução do estômago.
No quarto e último capítulo, procura-se compreender, com base na análise
qualitativa das entrevistas, as implicações da cirurgia de redução de estômago. Para
tanto, são identificadas as preocupações e motivações que levaram essas mulheres
a se submeterem à cirurgia e a importância desse procedimento em suas vidas.
Também é problematizada a aquisição de um novo corpo e, conseqüentemente, de
uma nova imagem social que se enquadra nos padrões de normalidade impostos
pela sociedade. E, por fim, procura-se analisar a reconstrução identitária dessas
mulheres, mostrando o que ocorre quando o estigma é corrigido e as conseqüentes
alterações de suas identificações sociais.
15
1 ESCLARECIMENTOS INICIAIS
Parece-me que o ponto central não é a discussão de
como proceder para atingir a imparcialidade, mas antes o
de explicitar, sempre que possível, o modo como foi
conduzido o trabalho de campo (SALEM, 1978, p. 64).
1.1 As Características da Pesquisa
A pesquisa aqui empreendida possui eminentemente uma dimensão
qualitativa. Segundo Richardson (1999), a pesquisa qualitativa pode ser
caracterizada como a tentativa de uma compreensão detalhada dos significados e
características apresentados pelos entrevistados, em lugar da produção de medidas
quantitativas de características ou comportamentos. O autor considera como um
problema na pesquisa qualitativa o fato de que uma tendência de adotar uma
atitude não crítica diante das concepções de seus entrevistados.
Faz-se necessário que o cientista social faça uma distinção entre reconhecer
e julgar, cumprindo, idealmente, seu dever crítico como pesquisador ao relativizar
seus próprios ideais. Faz-se necessária uma compreensão consciente do papel que
o investigador desempenha no processo de pesquisa, ou mais especificamente,
adote uma postura questionadora perante o discurso coletado com seus
entrevistados. Sendo assim,
16
no coração da aproximação qualitativa está a suposição de que a
pesquisa está influenciada pelos atributos individuais do investigador
e suas perspectivas. A meta não é produzir um conjunto unificado de
resultados que outro investigador meticuloso teria produzido, na
mesma situação ou estudando os mesmos assuntos. O objetivo é
produzir uma descrição coerente e iluminadora de uma situação
baseada no estudo consistente e detalhado dessa situação (WARD-
SCHOFIELD, 1993, p. 202 apud RICHARDSON, 1999, p. 94).
Esta autora procura mostrar que o propósito de se ter uma postura
questionadora e, principalmente, uma reflexão mais densa sobre o problema de
pesquisa e os dados coletados não é produzir um relato objetivo ou não valorativo
do fenômeno, mas, sim, constitui uma estratégia pessoal de cada pesquisador para
administrar a análise dos discursos dos entrevistados e o uso dos conceitos que
considera válidos para explicação do fenômeno.
A pesquisa empírica para esta dissertação se baseia na análise qualitativa
das entrevistas com mulheres que se submeteram à cirurgia de redução de
estômago. Quando se pretende fazer uma pesquisa, em particular quando a base da
análise e da discussão se encontra no discurso dos indivíduos, sempre estará
presente essa encruzilhada dicotômica apresentada por Max Weber (1997) entre
objetividade/subjetividade.
Nesse sentido, a questão da pesquisa qualitativa nos remete ao ponto central
de compreender em que medida o que o cientista social analisou e interpretou como
realidade não passa apenas de sua percepção do que julga ser o real. Tal fato
ocorre não somente pelas paixões arraigadas do pesquisador, mas sobretudo por se
fazer análises apressadas ou por não desconfiar até de seus próprios entrevistados.
Assim, “precisamos desconfiar da única coisa digna de confiança de que dispomos
para descrever nossa história e para escrever a História: o testemunho” (MORIN,
1986, p. 24).
17
Para Morin (1986), a influência das paixões ou da emoção pode vir a enganar
as percepções da realidade, mas também influências de componentes
aparentemente lógicos e racionais. Em primeiro lugar, é preciso desconfiar, na
própria percepção, não somente daquilo que se julga um absurdo, mas do que
parece evidente. Em segundo lugar, também é preciso ser cauteloso não somente
em relação aos depoimentos dos entrevistados, mas também quanto àquele que se
apresenta mais digno, que é o próprio discurso do cientista social.
Uma crítica que por tempos perdurou com relação à pesquisa qualitativa se
refere à quantidade de entrevistas, ou seja, à representatividade amostral exigida
pela pesquisa quantitativa. Para Michelat (1982), numa pesquisa qualitativa,
somente uma pequena quantidade de pessoas precisa ser interrogada. São
escolhidas em função de critérios que nada têm de probabilistas e não constituem
de modo algum uma amostra representativa no sentido estatístico. É, sobretudo,
importante escolher indivíduos os mais diversos possíveis.
Segundo Michelat (1982), encontra-se, em cada indivíduo, um modelo cultural
assumido por personalidades diferentes, com histórias de vida diferentes, nas quais
as necessidades, as expectativas, as participações foram tamm diferentes. Têm-
se, dessa forma, diferentes processos de socialização e de vivência, mas com traços
distintivos culturais em comum. Assim, é a partir do que de mais individual e de
mais afetivo que se tenta alcançar o que é sociológico. E acrescenta ainda:
a partir dos discursos das pessoas interrogadas que exprimem a
relação delas com o objeto social do qual lhes pedem que fale, nosso
objetivo é passar pelo que há de mais psicológico, de mais individual,
de mais afetivo, para atingir o que é sociológico, o que é cultural
(MICHELAT, 1982, p. 196).
18
Nesse sentido, se a pesquisa possui uma dimensão eminentemente
quantitativa, eminentemente qualitativa ou mesmo com ambas as dimensões, o
importante é que os cientistas sociais tenham em mente que o conhecimento
cientifico, principalmente, não fornece uma certeza absoluta e acabada: é somente o
conhecimento religioso que tem essa pretensão.
1.2 Instrumento da Coleta de Dados e a Alise Qualitativa
Dentre as várias técnicas qualitativas de investigação, optou-se neste trabalho
por utilizar a entrevista semi-estruturada
3
. Utiliza-se essa técnica de entrevista, de
acordo com Richardson (1999), particularmente para descobrir que aspectos de uma
determinada experiência podem produzem mudanças nas pessoas expostas a ela.
Segundo Gil (1999), essa entrevista é recomendada, sobretudo, nas situações em
que os entrevistados não se sintam à vontade para responder a indagações
formuladas com maior rigidez.
Para Gil (1999), a entrevista semi-estruturada apresenta um certo grau de
estruturação, que uma orientação por uma relação de pontos ou temas de
interesse que o entrevistador vai explorando ao longo da entrevista. Seguindo essa
concepção, Richardson (1999) aponta que a entrevista semi-estruturada permite ao
entrevistador utilizar um roteiro de temas, previamente confeccionado, que devem
ser explorados durante a entrevista.
Essa técnica, na concepção de Richardson (1999), visa a que o entrevistado
possa discorrer livremente, nas suas próprias palavras, em relação aos temas que o
entrevistador coloca para iniciar o processo de interação. Não há, porém, o
3
Também denominada de “entrevista guiada” (RICHARDSON, 1999, p. 210) ou ainda “entrevista por
pautas” (GIL, 1999, p. 120)
19
estabelecimento de uma relação rigidamente estruturada de perguntas ou mesmo
dos temas. Depende, assim, do entrevistador orientar e estimular a discussão dos
temas pré-estabelecidos para entrevista, enquanto o entrevistado tem total liberdade
de expressar-se como ele quiser, a partir do roteiro de temas.
Nesse tipo entrevista, as perguntas não estão pré-formuladas, sendo feitas
durante o processo e a ordem dos temas tampouco está pré-estabelecida. Assim, o
entrevistador, na perspectiva de Gil (1999), faz poucas perguntas diretas, deixando o
entrevistado falar livremente à medida que se refere aos temas previamente
assinalados. Entretanto, quando o entrevistado se afastar demais do assunto a se
discutir, o entrevistador deve intervir, de maneira sutil, para preservar a
espontaneidade do processo. Nesse sentido, de acordo com Gil (1999), à medida
que o pesquisador conduza com habilidade o processo da entrevista semi-
estruturada e seja dotado de boa memória, poderá, após o término, reconstruí-las de
uma forma mais estruturada, tornando possível uma melhor análise, pois, tão
importante quanto os discursos, são os gestos, emoções, expressões que ocorrem
durante a entrevista.
Para esta pesquisa, o roteiro utilizado nas entrevistas contemplava dois temas
principais: auto-imagem das entrevistadas e imagem dos outros sobre elas. No
contexto de cada tema, foram adicionados alguns sub-temas: família, trabalho e
amizade. O processo de entrevista foi dividido em dois momentos: no primeiro, o
objetivo foi levantar informações da vida das mulheres entrevistadas antes da
gastroplastia. No segundo, buscar informações de suas vidas após a cirurgia.
Para a análise qualitativa, todas as entrevistas foram codificadas tomando-se
por base os temas que foram abordados no roteiro de entrevista. Com essa
codificação, emergiram duas categorias de análise, no tocante ao processo de
20
reconstrução identitária, em torno das quais se situa a discussão para este trabalho:
1) as implicações da obesidade severa; 2) as implicações da gastroplastia. Essas
duas categorias correspondem ao eixo que norteou a compreensão do objeto
pesquisado. Em torno dessas duas categorias de análise, utilizando-se dos temas e
sub-temas, criou-se uma matriz analítica de todas as entrevistas destacando do
discurso das entrevistadas os pontos mais importantes a serem analisados.
Uma crítica que por vezes é feita com relação a essa técnica de entrevista diz
respeito à possibilidade de ocorrer uma incitação dos sujeitos entrevistados a
produzirem um discurso baseado em percepções fantasiosas de suas realidades,
dada a ampla liberdade que o entrevistado tem de expressar suas opiniões e
sentimentos. Ora, como destaca Michelat (1982), é evidente que os artefatos verbais
ou discursos embelezados permeados de fantasias existem.
Por um lado, de acordo com Morin (1986), o cientista social deve ficar atento
a esses depoimentos embelezados. É importante que os cientistas sociais tenham
em mente que precisam lidar com testemunhos falsos ou mesmo com narrações
permeadas de fantasias. Conclui-se desta forma que, “não basta uma investigação
para colher os depoimentos, é preciso fazer uma investigação sobre os próprios
depoimentos” (MORIN, 1986, p. 29). O autor acrescenta ainda que:
a estratégia de pesquisa do verdadeiro deve, então, esforçar-se para
determinar o verídico a partir do verossímil. É preciso fazer a crítica
dos testemunhos. Mas uma crítica que desqualifica um testemunho
por ele conter alguns erros deve ser criticada também (1986, p. 30).
Por outro lado, segundo Serra e Santos (2003), a escola francesa acredita
que quem engendra os discursos não tem uma autonomia, a sua fala é determinada
por convenções e interesses político-ideológicos. Foucault (2004), por sua vez,
21
acredita que a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada,
organizada e redistribuída por um certo número de procedimentos
4
.
Foucault (2004) procura tratar os discursos como práticas descontínuas, que
se cruzam por vezes, mas que também, por outras, se ignoram ou se excluem. Ou
seja, não uma linearidade discursiva, mas uma descontinuidade ou mesmo
uma constante ruptura dos discursos ao longo do tempo. Por exemplo, o discurso
sobre a estética corporal da Idade Média é diferente do de hoje. Muitas vezes os
vários discursos, médico, religioso, político, se cruzam por contemplarem pontos
comuns de pensamento, mas tamm por vezes se excluem por expressarem
opiniões contrárias. É fato que a todo o momento estamos sendo bombardeados por
informações vindas de toda parte da sociedade, seja pela televisão, jornais, revistas,
outdoors ou mesmo numa simples conversa que temos com o vizinho. Nessa
perspectiva, o nosso discurso é fortemente influenciado por outras práticas
discursivas na sociedade.
Para Fischer (2004), precisamos nos desprender de um aprendizado que
ainda nos faz olhar os discursos apenas como um conjunto de signos que se
referem a determinados conteúdos, carregando tal ou qual significado, quase
sempre oculto, dissimulado, distorcido, intencionalmente deturpado, cheio de reais”
intenções, conteúdos e representações, escondidos e não imediatamente visíveis. É
como se no interior de cada discurso, ou num tempo anterior a ele, se pudesse
encontrar, intocada, a verdade, desperta então pelo estudioso.
4
Foucault (2004) aponta três diferentes categorias de procedimentos de controle, organização,
seleção e redistribuição dos discursos na sociedade: (1) Procedimentos externos, que visam à
submissão do poder e do desejo (a palavra proibida, a segregação da loucura e a vontade de
verdade); (2) Procedimentos internos, que visam à submissão do acaso (o comentário, o autor e as
disciplinas); (3) Procedimentos que determinam as condições de seu funcionamento, que visam à
submissão dos sujeitos que falam (os rituais da palavra, as sociedades de discurso, os grupos
doutrinários e as apropriações sociais).
22
Salem (1977), em notas sobre sua experiência com o trabalho de campo,
salienta que seja um tanto difícil impor, a priori, padrões rígidos à interação entre
entrevistado e entrevistador, pois uma atitude por parte desse último pode ocasionar
efeitos diversos no decorrer da entrevista. Nesse sentido, a superposição de papéis,
de classes sociais, de tipos de linguagem, bem como os envolvimentos são
características inerentes e mesmo inevitáveis à relação entre entrevistado e
entrevistador, embora, devam ser, de certa forma, controlados.
Em geral, a técnica de entrevista utilizada é muito valiosa, particularmente
para o que se propôs a fazer neste trabalho, pois permite detectar as atitudes,
motivações e, principalmente, os códigos simbólicos interiorizados pelos sujeitos
entrevistados ao longo de suas vidas.
1.3 O Recorte Empírico
O recorte estabelecido nesta pesquisa situa a coleta de dados a partir de um
hospital privado da cidade de Goiânia, dentre aqueles em que o realizadas
cirurgias de redução de estômago. As mulheres selecionadas para as entrevistas
são pacientes do Serviço Integrado de Cirurgia da Obesidade (SICO) criado no ano
de 1999. Este é um serviço particular, que atende e realiza cirurgias particulares,
90% das quais pagas por planos de saúde privados.
Segundo o projeto “Cirurgia da Obesidade (redução de estômago)”
5
, o SICO é
um serviço multidisciplinar de assistência médica, composto de serviços
5
Este é um documento (projeto) elaborado em julho de 1999 para se começar o funcionamento do
Serviço Integrado de Cirurgia da Obesidade. Segundo este documento, o projeto visa ao
esclarecimento público e à prestação de assistência médica especializada na área de cirurgia
digestiva, em seu mais amplo espectro de atuação, que inclui cirurgia convencional
eletiva/emergência e cirurgia vídeo-laparoscópica, satisfazendo a demanda crescente da população
metropolitana de Goiânia.
23
EQUIPE MULTIDISCIPLINAR
Enfermeiro
Clínico Geral Nutricionista
Psicólogo
Endócrino
Psiquiatra
Outros
Anestesista Pneumologista Cardiologista
Cirurgião
Fisioterapeuta
Cirurgião Plástico
interdependentes voltados para o melhor atendimento ao paciente com obesidade
severa, com máxima qualidade possível. Por ser um serviço multidisciplinar de
assistência médica, o SICO deve integrar diferentes especialidades, como mostra o
organograma a seguir:
* Médicos: cirurgiões, anestesistas, cardiologistas, pneumologistas, clínicos gerais,
infectologistas, angiologistas, psiquiatras, endocrinologistas, ginecologistas,
cirurges plásticos e “outras” especializações que se façam necessárias, variando
de caso para caso.
* Enfermeiros: enfermeiro-chefe, instrumentador cirúrgico.
* Outros Profissionais: psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas.
A partir do projeto de estruturação do SICO (1999), vê-se que os principais
objetivos a serem alcançados com a prestação desse serviço são:
24
* Divulgar, no meio médico local, os atuais avanços da cirurgia digestiva
convencional, do obeso e vídeo-laparoscópica”
6
, suas possibilidades e limitações de
acordo com os recursos médico-hospitalares existentes, indicações das técnicas.
* Reduzir “custos totais” de tratamento cirúrgico especializado em “cirurgia digestiva
convencional, do obeso e vídeo-laparoscópica”, por meio do aproveitamento de
recursos humanos médicos e para-médicos locais, bem como de suas estruturas
médico-hospitalares, visando a abrangência de uma clientela beneficiada ainda
maior (em alguns casos do interior do Estado).
* Suscitar o interesse, tecnicamente orientado, de uma população potencial de
pacientes, privados do acesso às informações e da prestação de serviços na área de
“cirurgia digestiva convencional, do obeso e vídeo-laparoscópica”.
* Prestar serviços médicos especializados em “cirurgia digestiva convencional, do
obeso e vídeo-laparoscópica”, com suporte integral aos pacientes, nos estágios pré,
trans e pós-operatório de sua evolução.
* Orientar e treinar o corpo médico local disponível para a participação ativa na
detecção, orientação e triagem de clientela potencialmente consumidora
7
de
assistência médica em “cirurgia digestiva convencional, do obeso e vídeo-
6
Essa denominação engloba todos os tipos de cirurgias de redução de estômago que existem, tanto
aquelas feitas com um corte na barriga (digestiva convencional) quanto às realizadas por vídeo
(vídeo-laparoscópica). Entretanto, o SICO, até o momento da pesquisa, só realizava um tipo de
cirurgia digestiva convencional (cirurgia de Capella).
7
O fato de os pacientes serem denominados de “clientela” pressupõe uma tendência crescente de
racionalização, mercantilização e, principalmente, privatização da saúde, vide o grande mero de
planos de saúde privados existentes atualmente e a precariedade do sistema público de saúde. O
custo total da gastroplastia para pagamento particular, situando o processo desde a primeira consulta
até as cirurgias plásticas, gira em torno de R$ 35.000,00.
25
laparoscópica”, ficando a cargo do SICO os encaminhamentos para a equipe de
cirurgia plástica.
* Divulgar, entre a população local, os atuais avanços técnicos desta especialidade
médica, suas indicações, possibilidades terapêuticas e intercorrências.
* Orientar e treinar o corpo médico local disponível para o “acompanhamento-
assistido”, execução de curativos e orientação aos pacientes submetidos a
procedimentos cirúrgicos naquela instituição.
A equipe do SICO começou a planejar suas atividades em maio de 1999, num
processo ainda de montagem e organização do serviço. O primeiro passo do
cirurgo responsável pelo SICO foi ir para São Paulo (porque somente nesta cidade
que se realizava a cirurgia) e aprender a cnica cirúrgica. A primeira cirurgia de
redução de estômago foi realizada em setembro deste mesmo ano. Para as dez
primeiras operações realizadas em Goiânia, veio um cirurgião de São Paulo para
fazer todo o acompanhamento e atestar a competência adquirida pela equipe
multidisciplinar que o SICO estava montando.
Até julho de 2004 foram realizadas pela equipe do SICO um total de 422
cirurgias de redução de estômago. Deste total, 338 eram do sexo feminino cerca
de 80% dos operados e 84 do sexo masculino, que corresponde à cerca de 20% dos
indivíduos submetidos à cirurgia. A grande diferença encontrada no número de
mulheres operadas e de homens contribuiu para que se optasse nesse trabalho por
realizar entrevistas somente com mulheres. A idade dos pacientes operados no
SICO varia de 15 a 63 anos, o índice de massa corpórea (IMC), de 35,7 Kg/m
2
a
26
101 Kg/m
2
, o tempo de operação de 1 hora e 25 minutos a 3 horas e 40 minutos e
o tempo de permanência no hospital de 3 a 58 dias de internação.
Com relação às complicações que podem advir da cirurgia de redução de
estômago, até a data da pesquisa na instituição (julho de 2004) foi contabilizado pelo
SICO um total de 266 casos que tiveram algum tipo de complicação, ou seja, dos
422 procedimentos cirúrgicos realizados, em cerca de 63% foi observado algum tipo
de complicação
8
. Entretanto, o alto índice de complicações se refere, na maior parte
dos casos, a simples problemas, pois, dos 266 casos de complicações, 186 (44%)
são de seroma (liquido retido no subcutâneo que precisa ser drenado). Todas as
complicações já ocorridas até o momento da pesquisa no SICO são destacadas na
listagem abaixo, devendo ser observado o número reduzido de óbitos, apesar de se
tratar de uma cirurgia delicada
9
.
1 – Colelitíase (cálculo na vesícula).............................................................05 (1,18%)
2 – Deiscência (ruptura de uma sutura)..........................................................14 (3,3%)
3 – Desnutrição.............................................................................................02 (0,47%)
4 – Embolia pulmonar...................................................................................01 (0,23%)
5 – Esplenectomia (retirada do baço)...........................................................04 (0,94%)
6 – Estenoses (estreitamento de algum orifício).............................................01 (0,2%)
7 – Fístulas (comunicação anormal de duas estruturas ou de dois órgãos)..01 (0,2%)
8 – Hérnia incisional (ruptura de um tecido).................................................18 (4,26%)
9 – Infecção F.O (infecção da incisão).........................................................12 (2,84%)
8
Tais complicações não são atribuídas exclusivamente ao procedimento cirúrgico em si mesmo, mas
na maioria dos casos aos próprios pacientes, que não seguem todas as recomendações médicas
exigidas para o pós-operatório.
9
Outras duas complicações que são freqüentes nesse tipo de cirurgia, mas que ainda não ocorreram
com a equipe do SICO, o: deslizamento ou deslocamento do anel e erosão ou rompimento do anel
de contenção na parte superior do estômago.
27
10 – Óbito.......................................................................................................03 (0,7%)
11 – Obstrução por alimentos.........................................................................11 (2,6%)
12 – Ulceras (ferida, exemplo gástrica, na parte interna do órgão)..............08 (1,89%)
13 – Seroma (líquido retido no subcutâneo)..................................................186 (44%)
Nesta instituição, o paciente, num primeiro momento, faz uma consulta com o
cirurgo responsável pelo SICO (médico que realiza a cirurgia) para uma avaliação
geral e preliminar. Depois, esse indivíduo realiza um exame chamado “endoscopia
digestiva alta (E.D.A)”
10
e, em seguida, é atendido pela enfermeira-chefe, a qual i
avaliar o exame realizado, preencher um extenso prontuário, responder todas as
dúvidas do paciente que estejam ainda pendentes e fazer os próximos
encaminhamentos. Segundo consta na apostila
11
fornecida aos pacientes, após as
consultas, os passos básicos para a realização da cirurgia, cujo tempo depende dos
laudos de cada especialidade requisitada, podem ser identificados no seguinte
esquema:
10
A endoscopia digestiva alta (E.D.A), tamm chamada de gastroenteroscopia ou simplesmente
endoscopia, permite ao médico examinar a mucosa da parte superior do trato gastrintestinal, que
inclui esôfago, estômago e duodeno (primeira porção do intestino delgado). Disponível em: <http://
www.edo.com.br/eda.htm>. Acesso em: 18 abr. 2005.
11
Apostila do Serviço Integrado de Cirurgia da Obesidade (SICO) em Goiânia, s/d.
28
1º Passo
Fazer E.D.A
2º Passo – Fazer os exames solicitados e ir ao fisioterapeuta e outros.
Passo – Obter laudo do nutricionista, que é dado quando o paciente atinge metas
e peso estabelecidos pela mesma ou cirurgião.
Passo Ir ao cardiologista e pneumologista para fazer o risco cirúrgico
12
. Pegar
também a indicação cirúrgica do endocrinologista, do nutricionista, e parecer do
psicólogo e demais solicitados.
Passo Consultar-se com o cirurgião: levar todos os exames e pareceres
solicitados, para assim marcar a cirurgia. Entregar o Termo de Consentimento
Informado assinado e reconhecido firma em cartório.
CIRURGIA
A apostila fornecida aos pacientes nas consultas contém informações sobre o
que é obesidade severa e suas conseqüências, as orientações para o pré, pós-
operatório e para o dia da cirurgia, os riscos e complicações possíveis devido à
cirurgia, a anestesia, o papel do psicólogo, do fisioterapeuta, o nome de todos que
fazem parte da equipe e seus respectivos números de telefone, informações de
12
Risco cirúrgico é um laudo que atesta os riscos e benefícios do paciente se submeter à cirurgia de
redução de estômago. Em todos os casos é obrigatório o parecer do cardiologista e do
pneumologista. Dependendo do caso, pode ser necessário apresentar o laudo de outras
especialidades. Se um paciente tiver muitas varizes, por exemplo, é preciso do risco cirúrgico do
angiologista.
Enfermeira
Nutricionista Outros Psicóloga Endocrinologista
Cirurgião
29
todos os exames que devem ser feitos pelo candidato à cirurgia, tanto no pré quanto
no pós-operatório, bem como uma descrição do tipo de gastroplastia que será
realizada e em que casos ela é indicada.
Com relação às cirurgias de redução de estômago, existem basicamente três
procedimentos cirúrgicos ou categorias de cirurgias para o tratamento da obesidade
severa
13
: restritivas, má absortivas e as híbridas. As primeiras cirurgias para
obesidade iniciaram-se na década de 50 e eram do tipo má absortiva, ou seja,
diminuíam o tamanho do intestino delgado de cerca de 6 a 7 metros para 35 a 45 cm
de extensão, fazendo com que os alimentos não fossem adequadamente digeridos e
absorvidos, levando à diarréia e má absorção. A perda de peso com este método era
alta, cerca de 60% a 70% do peso, porém complicações graves surgiram com o
tempo, provocando altas taxas de mortalidade, fazendo com que fossem quase que
totalmente abandonadas.
Nos anos 80, iniciou-se a era das cirurgias restritivas, ou seja, aquelas que
restringem a ingestão alimentar por diminuição do volume do estômago, de
aproximadamente dois litros para algo em torno de 20 ml, promovendo, assim,
saciedade precoce. Com esta técnica a perda de peso média ao final de um ano é
de 20 % a 25%, pom, a partir do segundo ano os pacientes novamente voltam a
ganhar peso, principalmente aqueles que ingerem alimentos líquidos e pastosos
altamente calóricos, como sorvete, leite condensado e pudins.
Baseando-se no mesmo princípio restritivo estão as bandas, ou prótese de
silicone, inicialmente colocada por cirurgia aberta e ultimamente por vídeo-
laparoscopia. Estas bandas “estrangulama parte superior do estômago, formando
13
Ver artigo, “Cirurgia para Obesidade Mórbida: o tratamento cirúrgico para obesidade que não se
resolve de outra forma”. Disponível em <http://www.agendasaude.com.br/materias/index.asp?cod=
391>. Acesso em: 06 jun. 2003.
30
um “estômago em ampulheta”, dificultando o esvaziamento do compartimento
superior para o inferior, levando à saciedade precoce e promovendo perda de peso
também na ordem de 20% a 25 % e reganho de peso a partir do segundo ano, pois
esse tipo de cirurgia restringe a quantidade e não a qualidade dos alimentos,
podendo assim, o paciente ingerir alimentos com alto teor calórico
14
.
No final dos anos 80 e início dos anos 90, surgiu o tipo brido de cirurgia
para obesidade severa, o qual associa a restrição através da redução do estômago
com uma leve má absorção através da diminuição de apenas um metro do intestino.
Esta cirurgia foi desenvolvida pelo cirurgião colombiano Rafael Capella, radicado nos
Estados Unidos e leva o seu nome. Com essa cnica a perda de peso média após
um ano chega a 40 % do peso pré-operatório e mantém-se assim com o passar dos
anos. Esta é atualmente a técnica mais utilizada em todo o mundo, inclusive no
Brasil, sendo considerada no momento o padrão ouro do tratamento cirúrgico da
obesidade mórbida.
Dentre os três procedimentos cirúrgicos para o tratamento da obesidade
severa apresentados (restritivo, má absortivo e brido), estão incluídos alguns tipos
de cirurgias de redução de estômago. Atualmente, de acordo com Arasaki (2004), os
tipos mais conhecidos são:
Banda gástrica ajustável (restritiva): a mais facilmente reversível, não mutila o
paciente, já que o estômago não é cortado, é apenas abraçado por um anel, que o
aperta até chegar ao diâmetro necessário, de cerca de 15 ml, com uma perda média
de 25% do peso.
14
Esse tipo de gastroplastia restringe a quantidade de alimentos que pode ser ingerida. Entretanto,
apesar de haver todo um trabalho multidisciplinar, principalmente, envolvendo uma participação do
nutricionista para se fazer uma reeducação alimentar, nada impede que o indivíduo ingira alimentos
de baixa qualidade e com alto teor de calorias e gorduras, como leite condensado, doces em geral,
frituras e alimentos gordurosos.
31
Balão intragástrico bariátrico (restritiva): um balão siliconizado com cerca de
400 ml é colocado por via endoscópica dentro do estômago, proporcionando
constante sensação de saciedade. Deve ser retirado em até seis meses e leva à
perda de 15 kg, em média. Costuma ser uma etapa intermediária para outro
tratamento (para, por exemplo, emagrecer pacientes com mais de 200 kg que
podem ter problemas cardio-respiratórios numa cirurgia).
Marca-passo gástrico (restritiva): é considerado o menos eficiente. A ponta do
eletrodo fica mergulhada no estômago. O marca-passo leva estímulos que fazem a
pessoa sentir constante saciedade. Perda de cerca de 15% do peso.
Derivação bileopancreática ou cirurgia de Scopinaro (má absortiva): é a mais
radical. Cerca de 2/3 do estômago são mutilados. Um desvio intestinal em Y é feito
para eliminar a maior parte dos alimentos ingeridos. A pessoa consegue comer
quase tudo, mas, quanto mais comer, mais vai defecar. Alimentos gordurosos
produzem gases malcheirosos, e o paciente que não seguir a dieta sofrerá de
diarréia. Perda média de 40% a 50% do peso.
Gastroplastia em Y de Roux ou cirurgia de Capella (híbrida): essa é a cirurgia
utilizada pela equipe do Serviço Integrado de Cirurgia da Obesidade (SICO). Nessa
técnica, o estômago é "grampeado" e seu volume fica reduzido a, no máximo, 30 ml
(o "normal" comporta até um litro). É feito ainda um desvio intestinal em forma de Y,
que diminui a absorção de nutrientes, e coloca-se um anel de contenção, para evitar
que o estômago se dilate. Pode levar à perda de cerca de 40% do peso. É
reversível, mas complicado.
32
1.4 Apontamentos Sobre o Trabalho de Campo
Num primeiro momento, foi realizada uma pesquisa de campo no SICO,
procurando conhecer todo o processo por que passam os candidatos à cirurgia.
Foram realizadas entrevistas com profissionais envolvidos neste processo, como o
médico responsável e a enfermeira-chefe.
Num segundo momento, optou-se por entrevistar um total de 8 (oito)
indivíduos, sendo todas do sexo feminino. Tal decisão se deu pelo fato de que, como
já explicitado, a grande maioria dos pacientes que se submeteram à cirurgia de
redução de estômago no SICO é mulher (cerca de 80%). A seleção das mulheres a
serem entrevistadas ocorreu entre as pacientes que se submeteram à cirurgia
mais de um ano e que se enquadravam no perfil estabelecido. Ou seja, deveriam ser
mulheres, de camadas médias urbanas, todas com curso superior concluído ou
ainda cursando e residentes na cidade de Goiânia.
A seleção das prováveis candidatas à entrevista foi feita com o auxilio da
enfermeira-chefe, que indicou, dentre as centenas de prontuários, aqueles que se
aproximavam do perfil traçado para as prováveis entrevistadas. Por fim, foram
selecionadas doze mulheres, ficando quatro de excedente. O contato inicial com as
oito selecionadas na lista principal foi feito pela enfermeira-chefe por telefone, que
pediu uma autorização preliminar para que eu fosse entrevistá-las, avalizando,
dessa forma, a pesquisa junto às entrevistadas.
A maioria das entrevistadas é solteira (total de cinco), três são casadas (com
duas no segundo casamento) e apenas duas possuem filhos. Suas idades variaram
de 22 a 47 anos. Todas essas mulheres são economicamente ativas e estavam
trabalhando na época das entrevistas. Cinco entrevistadas se declararam católicas,
33
duas evangélicas e apenas uma não tinha uma religião definida. Para uma melhor
apresentação, segue-se uma rápida descrição, em ordem alfabética, de cada mulher
entrevistada:
Daniela: Tinha 22 anos de idade e se submeteu à cirurgia aos 20 anos. O peso
máximo alcançado foi 121 Kg, estando à época da entrevista com 68 Kg. Tem curso
superior em Terapia Ocupacional, trabalhava como terapeuta ocupacional. Era
evangélica, filha de pais separados. Estava morando com o pai.
Diene: Tinha 24 anos e se submeteu à cirurgia aos 23 anos. O peso máximo
alcançado foi 103 Kg, estando à época da entrevista com 59 Kg. Tem curso superior
em Direito, trabalhava como funcionária pública. Era católica, foi criada por pai e
mãe. Estava morando com os irmãos.
Fabiana: Tinha 34 anos e se submeteu à cirurgia aos 33 anos. O peso máximo
alcançado foi 131 Kg, estando à época da entrevista com 83 Kg. Tem curso superior
em Direito e é uma empresária. Era católica, foi criada por pai e mãe. Estava
morando sozinha.
Hanna: Tinha 39 anos e se submeteu à cirurgia aos 37 anos. O peso máximo
alcançado foi 122 Kg, estando à época da entrevista com 70 Kg. Tem curso superior
em Biblioteconomia, trabalhava como bibliotecária. Era católica, filha de pais
separados. Estava morando com a mãe e dois filhos.
34
Júnia: Tinha 25 anos e se submeteu à cirurgia aos 23 anos. O peso máximo
alcançado foi 107 Kg, estando à época da entrevista com 60 Kg. Tem curso superior
em Turismo, trabalhava como assessora (funcionária pública). Era católica, filha de
pais separados. Estava morando com o pai.
Márcia: Tinha 47 anos de idade e se submeteu à cirurgia aos 46 anos. O peso
máximo alcançado foi 120 Kg, estando à época da entrevista com 77 Kg. Tem curso
superior em Ciências Contábeis, trabalhava como agente administrativo (funcionária
pública federal). Era católica, foi criada por pai e mãe. Estava morando com o marido
e um casal de filhos.
Mirela: Tinha 34 anos de idade e se submeteu à cirurgia aos 33 anos. O peso
máximo alcançado foi 133,5 Kg, estando à época da entrevista com 61 Kg. Tem
curso superior em Direito, trabalhava como gerente de marketing de uma revista. Era
evangélica, foi criada por pai e mãe. Estava morando com o segundo marido.
Simone: Tinha 25 anos e se submeteu à cirurgia aos 21 anos. O peso máximo
alcançado foi 138 Kg, estando à época da entrevista com 70 Kg. Tem curso superior
em Direito, trabalhava como advogada. o tem religião definida, foi criada pelos
avós. Estava morando com o segundo marido.
O período das entrevistas se estendeu de agosto de 2004 a janeiro de 2005.
As entrevistas demandavam um ambiente de silêncio (estava utilizando um
gravador), um lugar em que ninguém ficasse por perto (poderia constranger a
entrevistada) e não ter a preocupação com tempo (as entrevistas tiveram uma
35
duração que variou de quarenta minutos a duas horas). Sete entrevistas foram
realizadas na própria residência da entrevistada e apenas uma ocorreu em seu
escritório.
No início de cada entrevista foram dadas todas as informações necessárias
para que a entrevistada tomasse conhecimento da pesquisa, de seus objetivos e da
seriedade exigida nesse tipo de projeto
15
. Foi fornecido para as entrevistadas o
“Termo de Consentimento Livre e Esclarecido” com os dados do projeto para que
lessem e, se concordassem, assinassem como participantes voluntárias da
pesquisa. Nenhuma se negou a assinar o termo
16
.
Antes de ligar o gravador, foi preenchida uma ficha de inscrição para a
entrevista, contendo informações básicas da entrevistada, como: data da entrevista,
idade, escolaridade, profissão, religião, criada por quem, morando atualmente com
quem, número de filhos, endereço e telefone para contato.
Todas as entrevistadas foram muito atenciosas, facilitando, assim, um
ambiente de interação e confiança no decorrer da entrevista. Não houve nenhum
momento de conflito ou de desavença entre pesquisador e entrevistada, nem de
constrangimentos diante de uma ou outra pergunta.
O objetivo desse capítulo foi fornecer um panorama geral acerca da pesquisa
realizada para este trabalho. Procurei apresentar uma breve apresentação das
implicações de se empreender uma pesquisa qualitativa. Discutiram-se também as
características da técnica de entrevista (semi-estrutura) utilizada para a coleta de
informações, suas vantagens e críticas. No recorte empírico deu-se atenção especial
15
Essa pesquisa foi autorizada pelo cirurgião responvel pelo Serviço Integrado de Cirurgia da
Obesidade (SICO), bem como foi apreciada, com parecer favorável, pelo Comitê de Ética em
Pesquisa da Universidade Federal de Goiás (UFG).
16
Em uma das entrevistas, o marido pediu para ler o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
antes que sua esposa o assinasse. Contudo, no momento da entrevista, ele se ausentou da sala
onde estávamos.
36
para a caracterização da instituição pesquisada, com informações de todo o serviço
prestado, dos procedimentos pelos quais os candidatos à cirurgia devem passar e
um breve histórico das cirurgias de redução de estômago, mostrando os
procedimentos e os tipos de gastroplastia mais comuns hoje em dia. Por fim, segue
um relato de como se deu o trabalho de campo, bem como uma breve apresentação
de características gerais de cada entrevistada.
O próximo capítulo se iniciará com uma discussão sobre corpo e cultura e o
processo de estetização dos corpos em direção ao padrão de magreza. Será
analisado tamm como a sociedade o corpo na contemporaneidade, cuja
estética privilegia o magro, levando a uma era da lipofobia. Encerra-se com uma
discussão sobre o lugar da obesidade severa na sociedade ocidental, expondo
primeiro uma descrição do que vem a ser obesidade e, sobretudo, a obesidade
severa e identificando o que se está discutindo sobre esse tema e seu crescente
tratamento com a indicação da cirurgia de redução de estômago.
37
2 CORPO E OBESIDADE SEVERA NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA
Sob a moral da “boa forma”, um corpo trabalhado,
cuidado, sem marcas indesejáveis (rugas, estrias,
celulites, manchas) e sem excessos (gorduras, flacidez)
é o único que, mesmo sem roupas, está decentemente
vestido (GOLDENBERG e RAMOS, 2002, p. 29).
2.1 Corpo e Cultura
Um marco no pensamento sociológico acerca das questões que norteiam as
reflexões sobre as relações corporais se deu a partir da célebre obra de Marcel
Mauss (1974), na qual trata das técnicas corporais. Com ela, viu-se que a forma
como os corpos são manuseados e representados varia de sociedade para
sociedade, e, mais ainda, de cultura para cultura, pois numa mesma sociedade
podem conviver diferentes culturas. Nesse sentido, pode-se afirmar que o corpo
humano é mais do que um sistema biológico. Cada cultura tem suas próprias
maneiras e atitudes para com o corpo. Isso pode ser bem visto em se tratando das
práticas corporais, tais como: a forma de andar, de falar, dos gestos e da estética
corporal predominante.
muito tempo sabe-se que o corpo humano não é simplesmente um
complexo de fatores biológicos ou fisiológicos. Segundo Porter (1992), o corpo não
pode ser tratado dessa forma, mas deve ser encarado como mediado por sistemas
de sinais e significações culturais. Nesse caso, é evidente que devemos enxergá-lo
38
da maneira como ele tem sido vivenciado, ou seja, expresso no interior de sistemas
culturais particulares e por eles mesmos alterados ao longo dos tempos.
Para Villaça e Góes (1998), pensar as questões corporais é pensar suas
performances e seus limites de atuação, numa visão que contemple o corpo como
um dos elementos constitutivos de um amplo e intrincado universo de significações,
no qual o produzidas as subjetividades. Seguindo com essa concepção, segundo
Carvalho (2002), o corpo humano é constituído e representado simbolicamente na
sociedade. Nesse caso, o corpo é visto como um portador de significados sociais,
não sendo somente um depositário de processos biológicos e fisiológicos. Aos
atributos anatômicos e também aos fatores biológicos são imputados significados
construídos pela sociedade em que se está inserido, como por exemplo, as
diferentes interpretações para uma “piscadela”, como bem aponta Geertz (1978).
Assim, “o corpo humano é um objeto ao qual a sociedade atribui significados,
expectativas e sensações, ditando-lhe normas, seja em relação à estética, à
expressão, à saúde, à higiene e à sexualidade” (CARVALHO, 2002, p. 27).
Nessa mesma linha de argumentação, Victora (2001) procura mostrar que é
importante compreendermos que nosso corpo é como uma matriz que carrega
consigo uma gama de significados atribuídos na interação que temos com outros
indivíduos, ou seja, nas relações sociais
17
. Entretanto, ao mesmo tempo em que o
nosso corpo adquire significados na interação, ele próprio é um discurso, passível,
de leituras as mais diversas por cada indivíduo na sociedade.
17
Tomando como referência à concepção weberiana, “por relação social entendemos o
comportamento reciprocamente referido quanto a seu conteúdo de sentido por uma pluralidade de
agentes e que se orienta por essa referência. A relação social consiste, portanto, completa e
exclusivamente na probabilidade de que se aja socialmente numa forma indicável (pelo sentido), não
importando, por enquanto, em que se baseia essa probabilidade” (WEBER, 2000, p. 16, grifos do
autor).
39
Deste modo, é por isso que sempre se encontrará alguém que, por exemplo,
numa festa, gostou da maneira que você estava vestido, enquanto outras pessoas
podem o ter gostado de suas roupas; que concordaram com determinado
comportamento e outras não; pessoas que acharam você um pouco feio por estar
acima do peso, ao mesmo tempo em que outras pessoas te acharão lindo desse
jeito. Pode-se dizer, então, que:
O corpo é um corpo coberto por signos distintivos (...) O corpo é um
valor que identifica o indivíduo com determinado grupo e,
simultaneamente, o distingue de outros (...) O corpo, como as roupas,
surge como um símbolo que consagra e torna visíveis as diferenças
entre os grupos sociais (GOLDENBERG e RAMOS, 2002, p. 38).
As diferenças culturais de cada sociedade se expressam também nas
maneiras como os corpos são vistos e apreciados. Por exemplo, de acordo com
Helman (1994), por um lado, em algumas regiões da África Ocidental, os ricos
freqüentemente enviavam suas filhas para “clínicas de engorde”, onde eram
alimentadas à base de gorduras e faziam o mínimo de exercícios físicos para
ficarem “rechonchudas” e pálidas, uma forma culturalmente definida que indica
riqueza e fertilidade
18
. Por outro lado, a cultura ocidental a gordura com um sinal
de problema de saúde. Portanto:
A cultura do grupo em que crescemos nos ensina como perceber e
interpretar as muitas mudanças que podem ocorrer em nossos
corpos ao longo do tempo, assim como nos corpos das outras
pessoas. Aprendemos a distinguir um corpo “jovem” de um “idoso”,
um corpo “doente” de um corpo saudável”; a definir “uma febre” ou
“uma dor”, uma sensação de “inabilidade” ou de “ansiedade”.
Aprendemos também a considerar algumas partes do corpo como
“públicas” e outras “privadas”; e a entender algumas funções
corporais como aceitáveis socialmente e outras, moralmente impuras
(HELMAN, 1994, p. 31).
18
Rodrigues (1986) também discorre sobre essa prática cultural que identifica beleza com obesidade,
sendo a moça, à época de sua puberdade, submetida às mais diversas técnicas capazes de fazê-la o
quanto mais gorda possível.
40
Depreende-se desse argumento que as diferentes culturas, cada uma a seu
modo, projetam certos padrões e ideais, não de beleza e estética (corpo magro),
mas de comportamentos (não arrotar em público, desligar o celular no teatro),
valores morais (não roubar), ritos (casamento, batismo) e tabus (incesto), que a
grande maioria das pessoas de uma determinada sociedade procura buscar e
seguir. É por isso que, segundo a concepção de Rodrigues (1986), o corpo é pouco
mais que uma massa de modelagem à qual a sociedade imprime forma segundo
suas próprias disposições, ou seja, as delineações estéticas culturalmente
consideradas como as “normais” ou como as mais “bonitas” por grande parte da
população.
Ainda de acordo com Rodrigues (1986), os indivíduos utilizam-se de inúmeros
recursos para se aproximarem do ideal de estética corporal que a sociedade define
como o padrão. Concordando com esse argumento, Carvalho (2002) mostra que a
adaptação corporal ao padrão sico e estético considerado ideal é perseguida em
umarie de procedimentos e produtos disponibilizados aos indivíduos, como dietas
variadas, academias de ginástica que possuem inúmeras maneiras de se exercitar,
SPAs, remédios, cirurgias cosméticas e plásticas.
Helman (1994) argumenta que, nas sociedades industrializadas ocidentais, as
mulheres, em particular, praticam diversas formas de alteração corporal para se
adequarem aos padrões de beleza definidos culturalmente. As mais comuns são o
uso de aparelhos ortodônticos para corrigir a posição dos dentes; a cirurgia plástica
de nariz, orelhas e queixo; próteses de silicone nos seios e glúteos; dentre outras.
Nesse sentido, ao mesmo tempo em que a sociedade elege determinadas
configurações estéticas, ela tamm cria as diferentes maneiras de se enquadrar
41
nesses padrões, seja por meio de cirurgia plástica, pintando o corpo, colocando
argolas no pescoço ou mesmo enfiando palitos de bambu na cavidade do nariz.
Na perspectiva de Almeida (2001), temos que levar em consideração os
discursos culturais que cercam o corpo. Ainda que se dissesse que o corpo tem sua
cultura, ou que a cultura é uma lente por meio da qual podemos enxergar o
movimento dos corpos, tudo isso permanecia em um profundo silêncio, até que
finalmente uma palavra fosse pronunciada. Entretanto, antes que a palavra seja
pronunciada, antes que a elevemos ao nível do simbólico, é preciso um corpo-
falante, um corpo discurso.
Nessa mesma perspectiva analítica da relação entre corpo e cultura acima
apontada, Droguett (2001) procura apresentar que o corpo que fala também suscita
sentimentos, é um corpo imagem, mas não a própria imagem, senão a imagem do
outro. É o outro que nos veste com seu olhar. A imagem que temos de nossos
corpos é o olhar do olhar do outro. Nesse sentido, nós reduzimos o corpo a um
objeto, que é necessário tornar estético, de acordo com padrões culturais, para que
nos represente da melhor maneira aos olhos dos outros.
Mas, de onde vem esse padrão de estética cultural das sociedades
contemporâneas ocidentais? Por que na estética atual prevalece como padronização
os corpos magros e, conseqüentemente, uma repulsa aos corpos mais gordos?
Essas e outras perguntas terão suas respostas no desenvolvimento desse capítulo,
no qual serão discutidas questões como o processo que levou essa
supervalorização do que é magro, o padrão de corpo, principalmente feminino, na
sociedade contemporânea e a obesidade severa nesse contexto.
42
2.2 O Processo de Estetização dos Corpos
alguns anos, mais especificamente da Idade Média a Idade Moderna, o
ganho de peso e o acúmulo excessivo de gordura ainda eram vistos e representados
socialmente como sinais de saúde e prosperidade pelos nobres europeus da época.
Contudo, não podemos incorrer no equívoco de pensarmos que todas as pessoas,
nesta época, tinham excesso de gordura ou que eram obesas severas e que, por
sua vez, eram idolatradas, como a figura do “Rei Momo”. É importante deixar claro
que sempre houve as pessoas mais magras e também pessoas cujo corpo tinha
uma gordura mais proeminente. Nesse sentido, a diferença se encontra no padrão
cultural com o qual, nas diferentes épocas, os povos encaram essas categorias da
estética corporal.
Vincent (1992) observa que, nas cidades italianas da Idade Média, popolo
grosso designava a aristocracia dirigente e popolo magro designava a plebe
19
.
Nesse sentido, Fischler (1995) destaca que a distribuição social da gordura, nos
países desenvolvidos, mudou totalmente. No passado, nesses países, o popolo
grosso ocupava os extratos superiores, e o popolo magro, as camadas mais baixas
da hierarquia social. Hoje, essa concepção acerca do corpo mudou: são os pobres
que são gordos e os ricos que são magros. De acordo também com Tonial (2001), o
corpo gordo enquanto representação social já foi outrora símbolo de êxito social e
econômico. Mira (2004), por sua vez, mostra que a gordura já foi sinônimo de festa,
fartura de comida e de bebida, barriga cheia, um ideal inatingível pelos pobres, cujo
cotidiano era marcado pela fome, o frio e o abandono.
19
Povo gordo e povo magro.
43
Para Elias (1994), na Idade Média se encontra uma preocupação da
sociedade de corte com os comportamentos e excessos do corpo. Baseados no
conceito de cortesia, vários tratados ou manuais
20
de boas maneiras foram escritos
para homogeneizar as diversas regras de “cortesia”, pelo menos entre os nobres
europeus. São freqüentes, como destaca o autor, os lembretes para que as pessoas
não se coçassem ou caíssem vorazmente sobre os alimentos ou para evitar pegar
os melhores pedaços no prato e cortar, sem excessos, os pedaços de pão.
Mira (2004) enfatiza que a nobreza européia do século XVI a XVIII, com a
ascensão do conceito de civilidade, é a primeira a se afastar de alguns hábitos da
Idade Média. Muitos dos gestos e atitudes corporais, notadamente em relação às
funções corporais, antes correntes, começariam a ser condenados pelos manuais de
etiqueta que ensinavam os preceitos adotados pela nobreza e de acordo com os
quais deveriam ser educados aqueles que almejassem alcançar um refinamento
pessoal. De acordo com essa autora, os manuais de etiqueta têm um lugar de
destaque na história do adestramento do corpo na modernidade e todo o conjunto
de hábitos corporais ligados à expulsão das secreções e excrementos e das
relações entre os sexos.
Para melhor explicitar essa transição, no decorrer do século XVI, de acordo
com Elias (1994), vê-se que o uso do conceito de courtoisie diminuiu lentamente
enquanto o de civili torna-se mais comum e, finalmente, assume a preponderância,
pelo menos na França do século XVII. Para o autor, a sociedade de corte foi à
espinha dorsal da nova formação social que estava surgindo. A situação, a auto-
imagem e as características dessa nova sociedade encontram sua expressão no
conceito de civilité.
20
Como, por exemplo, Cortesias de Bonvicino da Riva.
44
Esse conceito, segundo Elias (1994), recebeu seu cunho e suas funções
específicas no segundo quartel do século XVI. Seu ponto de partida individual pode
ser determinado com exatidão. Deve ele o significado adotado pela sociedade a um
tratado de boas maneiras de autoria de Erasmo de Rotterdam, De civilitate morum
puerilium (Da civilidade em criança), que veio à luz em 1530. Esse livro trata de um
assunto muito simples: o comportamento das pessoas em sociedade e acima de
tudo, embora não exclusivamente, “do decoro corporal externo”. É dedicado a um
menino nobre, filho de príncipe, e escrito para a educação de crianças.
Dentre os rios comportamentos inadequados citados por Elias (1994),
baseado no tratado de Erasmo de Rotterdam, destacam-se alguns a seguir: as
pessoas mal sentam e metem as mãos nas travessas, lobos e glutões fazem isso.
Algumas pessoas devoram em vez de comer, como se estivessem prestes a serem
levadas para a prisão, ou fossem ladrões se fartando do produto da pilhagem.
Outros colocam tanta comida na boca que as bochechas se enchem como foles.
Outros ainda arreganham os dentes quando comem e assim produzem ruídos como
se fossem porcos. Comer e beber com a boca cheia nem é elegante nem seguro.
Resumindo essa transição, Elias diz:
O que faltava nesse mundo courtois [Idade Média], ou no mínimo não
havia sido desenvolvido no mesmo grau, era a parede invisível de
emoções que parece hoje se erguer entre um corpo humano e outro,
repelindo e separando, a parede que é freqüentemente perceptível à
mera aproximação de alguma coisa que esteve em contato com a
boca ou as mãos de outra pessoa, e que se manifesta como
embaraço à mera vista de muitas funções corporais de outrem, e não
raro a sua mera menção, ou como um sentimento de vergonha
quando nossas próprias funções são expostas à vista de outros, e
em absoluto apenas nessas ocasiões (1994, p. 82).
Mira (2004), seguindo a perspectiva de Elias, destaca que a ascensão do
conceito de civilidade nas sociedades de corte marca o início da condenação aos
45
excessos corporais, dentre eles a embriaguez, a comilança, a gordura. Começa a se
delinear outro ideal de corpo, contido, refinado e esbelto.
Com essas colocações, percebe-se que não se trata apenas da mudança de
um padrão de estética corporal, mas, também, de uma transformação das relações e
comportamentos entre os indivíduos. Os diversos tratados de boas maneiras, com
todas as suas regras de cortesia ou civilidade, acarretaram mudanças o
importantes quanto às normas de convivência em sociedade, engendraram toda
uma tendência que foi crescendo ao longo dos tempos, de controle sobre os corpos,
sobre suas funções orgânicas e seus “excessos”.
Um retrato dessa época de valorização de padrões de civilidade e de uma
estética corporal que o discriminava quem possuía excesso de gordura e o
idolatrava quem era magro pode ser visto também na literatura, mas principalmente
nas obras de arte, onde as mulheres eram retratadas e/ou descritas ressaltando
suas rechonchudas e arredondadas formas físicas. Um exemplo apresentado por
Pope Jr., Phillips e Olivardia (2000) é o quadro “Vênus e Adônis”, pintado pelo
italiano Tiziano Vecellia di Gregório. Nesta obra, esse pintor da renascença mostra
Adônis prestes a ir caçar com seus cães e com Afrodite em seus braços. O Adônis
de Tiziano parece gordo e fora de forma (em se comparando com o modelo estético
contemporâneo ocidental) e Afrodite se destaca por seu excesso de gordura.
De acordo com Mira (2004), no final século XVII já se começa a sentir os
impactos das novas descobertas cientificas, principalmente aquelas relativas à
mecânica industrial (máquinas a vapor, tear mecânico, etc.). A chamada Revolução
Industrial, viabilizada por essas descobertas, mudou diretamente a vida de milhões
de pessoas por todo o mundo. É nesse contexto do desenvolvimento do capitalismo
do século XVIII que o debate em torno das questões corporais começaria a se
46
acirrar. Neste século, o excesso de comida começaria a ser apontado pelo discurso
médico como o causador de doenças e mortes prematuras.
Seguindo a lógica de desenvolvimento do capitalismo industrial, como salienta
Soares (1994), na Europa do século XVIII e início do século XIX vai se desenvolver,
por meio de políticas de saúde, formas de controle das populações urbanas, onde o
corpo dos indivíduos e o “corpo social” são tomados como objetos úteis ao
desenvolvimento do capital. Os “corpos saudáveispassaram a ser uma exigência
do mundo capitalista. As concepções da medicina social (higienistas de caráter
moralizador, normativo e educativo) se constituíram nos instrumentos de intervenção
na sociedade, impondo hábitos, costumes e valores.
A estetização dos padrões de beleza, convergindo para a magreza, iniciou-se
no Brasil, embalado pela experiência européia, quando se começou o processo
higienista burguês no século XIX. Segundo Soares (1994), com os conhecimentos
gestados na Europa, criou-se um novo modelo para a sociedade brasileira, para
construção de um novo homem para uma nova ordem social, onde o pensamento
higienista apoiado pelo poder do Estado iria ocupar um lugar de destaque.
Além desse “projeto burguês de sociedade” que foi importado da Europa,
outra influência externa, tamm européia, foi decisiva para o delineamento de um
ideal de beleza magro no Brasil. Essa influência deve-se aos inúmeros viajantes,
principalmente ingleses, que aqui desembarcavam. De acordo com Stenzel (2002), a
partir dos relatos desses viajantes pode-se perceber de forma bem clara uma
redefinição quanto aos valores e padrões vigentes em direção aos padrões
europeus. “Esses viajantes criticavam a corpulência das brasileiras e ridicularizavam
seus costumes tendo como corretos os seus padrões de beleza e de estética, que
traziam o corpo magro como referência” (STENZEL, 2002, p. 34). Os relatos desses
47
viajantes mostram um choque com as diferenças em relação ao padrão estético das
brasileiras, comparado com o das inglesas:
(...) Os viajantes reconhecem que a tendência à engorda acabava
por corresponder ao ideal de beleza dos brasileiros (...) Afirma-se
que o maior elogio que se podia dirigir a uma dama do país é dizer
que está ficando, a cada dia mais gorda e mais bonita, coisa que
cedo acontece à maioria delas (...) Cheias e arredondadas quando
mocinhas, ao chegarem aos trinta anos eram matronas
corpulentas, incapazes de exercer qualquer fascínio sobre nossos
visitantes (QUINTANEIRO, 1995, p. 195 apud STENZEL, 2002, p.
34).
A dissertação de mestrado de Rabelo (1997) tem como tema a história da
normatização (pode-se dizer que muitas vezes de caráter higienista e influenciada
por culturas externas como dos viajantes) dos comportamentos, como exemplo, das
relações familiares e da disciplinarização do trabalho e do tempo, na Cidade de
Goiás, durante o período imperial (1822-1889). O autor analisa os vários discursos,
médico, jurídico e religioso, tendo como objetivo identificar a sujeição dos indivíduos
às normas e padrões considerados os mais racionais e eficientes, voltados para a
maximização da produção de riquezas, do bem-estar físico, da saúde e do progresso
da sociedade.
Observa-se a partir do trabalho de Rabelo (1997) que já existe, se não uma
estética corporal definida a favor da magreza, pelos menos um discurso apontando
para essa direção. Identifica-se que a preferência, ao menos “discursiva”, pelo que é
magro também se faz presente no interior longínquo do Brasil, especialmente,
nesse caso, na antiga capital do Estado de Goiás na segunda metade do culo
XIX. Numa crônica retirada de um jornal (O commercio de 09/10/1879) e reproduzida
no trabalho desse autor, pode-se notar bem essa tendência à desvalorização do
48
excesso de gordura e a tendência crescente da supervalorização da magreza, ao
menos em relação às mulheres:
Magras e Gordas
A magreza representa geralmente a poesia, o sentimento e delicadeza distinta.
A gordura é a prosa, e aborrecimento, o mau gosto, a desconfiança e tédio.
A mulher magra é capaz de sacrificar-se até o delírio pelo homem.
A mulher gorda raras vezes o fará.
A mulher magra come para viver.
A mulher gorda vive para comer.
A mulher magra declara seu amor.
A mulher gorda não diz que ama.
A mulher magra é crédula como uma criança.
A mulher gorda é desconfiada e exigente.
A mulher magra ama para sofrer.
A mulher gorda gosta de alguém só para casar.
A mulher magra sonha.
A mulher gorda tem pesadelos.
(O COMMERCIO, 1879 apud RABELO, 1997, p. 153)
Ainda de acordo com Rabelo (1997), com a inserção da mulher nos saraus,
bailes e teatros, a partir da segunda metade do século XIX, onde ela deveria mostrar
suas habilidades em conversar e ser elegante, havia aqueles homens que
defendiam a importância da beleza da mulher, especialmente da magra,
condenando a tradicional matrona obesa descrita pelos viajantes europeus no início
daquele século. A moda do espartilho exaltou a figura longilínea da mulher,
desvalorizando a mulher gorda. Sob o olhar masculino, a diferença entre a mulher
gorda e a mulher magra atingiria o seu comportamento e o seu caráter com sérias
desvantagens para esta última.
Até o século XIX, o cuidado com o corpo se justificava sempre por servir à
consecução de valores morais higienistas, e principalmente, patrióticos. Entretanto, é
somente a partir do século XX que os padrões culturais de corpo no Brasil se fixam
num novo ideal cultural, o da magreza, cuja tendência ao longo de todo o século foi
sempre de crescimento. Segundo Lipovetsky (1998 apud Mira, 2004), década após
49
década, o padrão de magreza se torna cada vez mais exigente. A partir dos anos 20
empreendeu-se uma verdadeira cruzada contra tudo o que é mole e relaxado.
Agora, o corpo deve ser firme, tônico e musculoso.
Fischler (1995) analisa essa mudança no padrão estético dos corpos,
mostrando que, sem dúvida, a percepção social da gordura mudara. Nosso modelo
dominante afastou-se daquele que reinava noculo XV ao XIX e daquele que ainda
impera hoje em certas culturas. Mas isso, salienta o autor, não significa que nossos
ancestrais amavam somente os gordos. Assim,
o acordo parece hoje quase unânime em torno da seguinte
proposição: um culo, nos países ocidentais desenvolvidos, os
gordos eram amados; hoje, nos mesmos países, amam-se os
magros (...) As sociedades modernas, é claro, não amam nem a
gordura nem as pessoas muito gordas. No tempo em que os ricos
eram gordos, uma rotundidade razoável era muito bem vista. Ela era
associada à saúde, à prosperidade, à respeitabilidade plausível, mas
também ao capricho satisfeito. Dizia-se de um homem gordinho que
ele era “bem feito”, enquanto que a magreza não sugeria mais do
que a doença (o definhamento), a maldade ou a ambição
desenfreada (1995, p. 78).
Nesse sentido, na perspectiva analítica de Mira (2004), o que houve foi uma
poderosa confluência histórica entre o discurso estético importado de outras regiões
do mundo, principalmente dos europeus e norte-americanos, onde já no século XIX
o padrão estético do corpo magro se firmava como a regra e o discurso médico-
higiênico, levando ao atual e aparentemente obsessivo culto ao corpo esbelto e à
magreza. Agora, estamos na era da lipofobia
21
.
21
Nesse contexto, lipofobia significa uma aversão que é cultural ao excesso de gordura ou ainda o
medo de se afastar do ideal do corpo magro.
50
2.3 O Corpo Moldado: os padrões estéticos ocidentais contemporâneos
Aqueles corpos (principalmente femininos) de formas rechonchudas, que um
dia foram imortalizados nas pinturas renascentistas, passam a dar lugar, hoje, a
corpos magros, por vezes até esculpidos. Tudo isso no intuito de não se distanciar
dos padrões de estética considerados “normais” e, conseqüentemente, para não
destoar daquilo que é insistentemente apresentado pelos meios de comunicação
como o “bonito de se ver”.
De acordo com Goldenberg e Ramos (2002), no Brasil, no fim do século XX e
início do XXI, estamos assistindo a uma crescente “glorificação do corpo”, com
ênfase, sobretudo, cada vez maior na exibição pública do que antes era escondido
e, aparentemente, mais controlado. Nesse sentido,
devido a mais nova moral, a da “boa forma”, a exposição do corpo,
em nossos dias, não exige dos indivíduos apenas o controle de suas
pulsões, mas também o (auto) controle de sua aparência física. O
decoro, que antes parecia se limitar a não-exposição do corpo nu, se
concentra, agora, na observância das regras de sua exposição
(GOLDENBERG e RAMOS, 2002, p. 25).
Numa pesquisa recente sobre a mulher brasileira nos espaços público e
privado
22
, foram apresentados dados que revelaram um índice relativamente alto,
cerca de 75% de mulheres, de quinze anos de idade ou mais, que se declararam
satisfeitas com sua aparência física. Entretanto, quando se refere à insatisfação com
o corpo de mulheres que não estão totalmente satisfeitas, são claramente apontados
aqueles elementos que se relacionam diretamente com o medo do excesso de
gordura. Um total de 29% declarou que estavam insatisfeitas por estarem acima do
peso e 26% estavam insatisfeitas com a barriga. Essas duas respostas juntas
22
Ver Venturi, Recamán e Oliveira (2004).
51
correspondem a mais da metade (55%) de todos os elementos de insatisfação
apontados pela pesquisa
23
.
Chacham e Maia (2004), interpretando os dados obtidos por essa pesquisa,
apontam que o alto nível de satisfação declarado pelas mulheres com sua aparência
física se contrapõe à enorme demanda das mulheres brasileiras por serviços
estéticos (cosméticos, cirurgias plásticas, tratamentos para perda de peso, diversos
produtos para não aumentar gordura, etc.). Associa-se a isso o aumento do relato de
ocorrências de distúrbios alimentares como a bulimia nervosa e a anorexia nervosa,
ambos relacionados com a pressão cultural por um modelo estético relacionado com
a magreza.
Esses dados m apenas confirmar o que muito tempo tem se discutido e
analisado, ou seja, a lipofobia ou o medo irracional do excesso de gordura como um
mal a ser combatido nos países ocidentais mais desenvolvidos. A era da lipofobia
encontra-se no culo XXI com uma tendência crescente de racionalização,
medicalização e, principalmente, de uma intervenção, muitas vezes desenfreada no
corpo, afetando tanto mulheres quanto homens.
Nos Estados Unidos, segundo Kilbourne (1994 apud Mckinley, 2004), a
magreza é um dos mais importantes componentes de aparência aceitável para o
sexo feminino. As mulheres indicam que perder peso é uma meta importante na vida
e freqüentemente esta opção está acima de outras metas, como seguir em frente
com suas carreiras e trabalhos ou ainda ter sucesso nas relações.
23
Foi perguntado para o percentual de mulheres que não estavam totalmente satisfeitas com o corpo:
Quais os elementos de insatisfação com a aparência/corpo? (com respostas espontâneas e
múltiplas). Além dos citados (acima do peso e barriga), os outros elementos de insatisfação
apontados na pesquisa foram: cabelos, seios, pernas, abaixo do peso, rugas no rosto, nariz, celulite,
bunda, flacidez, cor da pele e outras respostas.
52
Joan Brumberg (1997 apud Adelman, 2003), interpretando diários de
adolescentes no período de um século, observa que as meninas de outras épocas
escreviam principalmente sobre os desafios de amadurecimento do caráter e que
hoje em dia a preocupação central gira em torno da aparência física e da
apresentação do corpo para os outros. Para as meninas de hoje, o estar bem
consigo mesma parece depender muito mais do tamanho do nariz, da cintura, das
pernas ou do peso corporal do que da maneira como desenvolvam capacidades de
relacionamento com o mundo.
Essa preocupação com a estética e, principalmente, com o medo do excesso
de gordura o ostensivos em nossa sociedade. Num livro de Cudia Matarazzo
(1998), podemos observar bem esse fato. O objetivo desta autora foi tentar
classificar os diferentes tipos de beleza que podem ser encontrados nas mulheres de
uma maneira geral, procurando dar dicas” para que as mulheres se conheçam e
cuidem melhor de seu corpo ou de sua beleza própria. Sendo assim, dividiu a beleza
feminina em 10 categorias básicas: a beleza clássica, a natural, a madura, a
elaborada, a étnica, a exótica, a superlativa, a beleza teen, a moderna e a
andrógena.
Chamou-me a atenção, em especial, dois tipos de beleza: a elaborada e a
superlativa. Com relação à beleza elaborada, a autora começa o texto colocando a
seguinte frase: “hoje, é feio quem quer”, seguida de uma explicação de que hoje
em dia uma gama de tecnologias e tratamentos para que as mulheres cheguem
mais perto do que consideram como belo. Bem, o interessante é que para as
mulheres que se enquadram na beleza elaborada não se descarta intervenções
mais radicais no corpo. A autora pontua que existem muitos tipos de cirurgias e
microcirurgias, mas o medo do excesso de gordura é o mais preocupante, pois as
53
formas de retirar a gordura são as principais intervenções citadas, como: retirada de
bolsas de gordura sob as pálpebras, lipoaspiração e lipoescultura.
Com relação à beleza superlativa, que, segundo a autora, é aquela das
chamadas de mulherões”, com traços exagerados, como as altas demais, as
gordinhas irresistíveis ou ainda aquelas com traços exagerados e características
marcantes, como longas cabeleiras, lábios muito carnudos, coxas grossas, dentre
outras. Aqui mais uma vez podemos observar manifestações da lipofobia. De acordo
com a autora, a mulher de beleza superlativa freqüentemente se depara com um
fantasma: a gordura. Outro medo é a celulite, que aumenta com o excesso de
gordura. Outra preocupação para quem tem formas generosas é a flacidez, que,
conseqüentemente, pode aumentar com aumento de gordura. Sem falar nas estrias,
que podem aparecer com o ganho e perda de peso (efeito sanfona).
Dentre os dez tipos de beleza propostos por Cláudia Matarazzo, não foi
observada nenhuma referência aos indivíduos obesos severos, mulheres
principalmente, cujo excesso de gordura desvia-se muito do que é colocado como
padrão estético. Podemos, quem sabe, encaixá-las na beleza superlativa, mas,
como se viu, mesmo nesse tipo de beleza de traços exagerados o excesso de
gordura deve ser rigidamente controlado, por medo do aparecimento de celulite,
flacidez, estrias, dentre outras mazelas estéticas surgidas na cultura contemporânea
ocidental.
Vale ressaltar que um viés de gênero implícito nesse processo de culto a
estética magra, pois se observa na nossa cultura uma pressão exercida com relação
ao culto do corpo e, principalmente, da magreza que se faz muito mais presente
entre as mulheres do que entre os homens. De acordo com Powdermaker (1997), o
54
desejo contemporâneo de modificar ou mesmo de cultuar os corpos e a juventude
aparecem mais fortemente entre as mulheres do que em homens.
Contudo, sem generalizar esse argumento, vê-se, atualmente, que a busca da
juventude eterna e do corpo perfeito não é única e exclusivamente um desejo ou
uma obsessão das mulheres. Mais e mais estamos vendo o crescimento de uma
indústria especializada no corpo masculino. De acordo com Pope Jr, Phillips e
Olivardia (2000), há milhões de homens que se preocupam porque não são bastante
magros. Esses homens m constantemente lutando para reduzir sua gordura
corporal, o que pode causar diversos distúrbios alimentares, como as citadas
bulimia nervosa e anorexia nervosa.
Para Crandall (1994 apud Mckinley, 2004), o enfoque no desejo pessoal pela
magreza, muito difundido, nas palavras e expressões da moda atual, como auto-
estima, atitude e gostar de si mesmo, esconde as pressões sociais que as mulheres
sofrem para serem magras, esbeltas e femininamente sensuais. A cultura dominante
associa a gordura como o feio e o moralmente prejudicial. Atualmente, de acordo
com Adelman (2003), o corpo feminino idealmente almejado é aquele magro e firme,
embora o musculoso demais (ao contrário dos homens), corpo esse que requer
muitas horas de trabalho (na academia ou na clínica de estética), de investimento
em tempo e em dinheiro, que não estão à disposição de muita gente no Brasil.
Nesse ponto é importante atentarmos para o papel que as formas de difusão
da cultura, como os meios de comunicação, a indústria cultural e as diversas
ciências, estão tendo na era da lipofobia. Villaça e Góes (1998) identificam que os
atuais desenvolvimentos das ciências da vida oferecem a possibilidade aos
indivíduos de modificarem seu corpo tanto na sua aparência física exterior quanto
nos elementos fundamentais de sua estrutura orgânica. Dessa forma, a identidade
55
social deve ser pensada frente ao contexto da alta tecnologia contemporânea, que é
influenciada pelo desejo de se alcançar um padrão estético corporal.
Intimamente ligado com essa busca por uma estética corporal, está
crescendo vertiginosamente uma indústria que procura fornecer subsídios,
principalmente hedonistas, para se chegar ao padrão ideal de corpo. Ribeiro (2004)
argumenta que está havendo um crescimento bem rápido de academias de ginástica
e musculação, linhas de produtos diet-light, suplementos nutricionais e hormônios
para aumentar massa muscular e diminuir gordura, dentre outros. Para esta autora,
esse conceito muito difundido de culto ao corpo vem percorrendo há tempos as
diferentes formas de mídia, em muitos momentos de maneira até crítica, mas quase
sempre vem atuando como construtoras e legitimadoras de determinadas práticas,
principalmente quando procuram enaltecer o padrão de magreza e transformar o
conceito de beleza numa configuração de corpos perfeitos, ou seja, corpos que não
apresentem ou que tenham em pouca quantidade estrias, celulites, rugas, tudo
muito durinho e sem sinais de desleixo.
O que se nota com relação ao papel dos meios de comunicação nesse
processo, segundo Stenzel (2002), é que, ao abordarem o tema obesidade versus
magreza, as mídias se apresentam extremamente ambivalentes, pois ao mesmo
tempo em que reforçam o ideal de magreza, parecem estimular o aumento do
excesso de gordura por meio do apelo ao consumo de diversos produtos,
principalmente da linha fast food.
Nessa linha argumentativa, Donna Haraway, em seu famoso “Manifesto
Ciborgue”, retrata muito bem essa situação e a influência de duas ferramentas
essenciais na difusão cultural que apontam, na contemporaneidade, para uma
56
reconstrução dos corpos em direção a um modelo hegemônico de magreza. De
acordo com a autora:
As tecnologias de comunicação e as biotecnologias são ferramentas
cruciais no processo de remodelação dos nossos corpos. Essas
ferramentas corporificam e impõem novas relações sociais para as
mulheres no mundo todo (2000, p. 70).
Nesse sentido, segundo Lucero (1995), facilmente pode-se verificar a
velocidade incrível impressa pelo consumo de massa no mundo da moda, dos
gostos, da estética corporal, dos comportamentos e até dos objetos domésticos.
também uma mudança intensa nos valores produzidos, modificados e consumidos
na sociedade, principalmente por meio das comunicações.
Antes de uma ação no sentido da garantia da autonomia dos
indivíduos em relação a seus corpos, verificamos, sim, toda uma
ação estratégica no sentido de que o conhecimento do corpo seja
perpassado pela funcionalidade requerida pelo consumo (LUCERO,
1995, p. 53).
De acordo com Serra e Santos (2003), num artigo cujo objetivo principal é
analisar as estratégias discursivas adotadas pela mídia quanto às práticas
alimentares de emagrecimento entre adolescentes, procurando identificar como os
meios de comunicação veiculam as notícias, as representações e as expectativas
para os indivíduos. As inúmeras propagandas, informações e noticiários estimulam,
por um lado, o uso de produtos dietéticos e práticas alimentares para
emagrecimento e ao mesmo tempo instigam, por outro lado, o consumo de lanches
tipo fast food. Contudo, não se trata de uma decisão ou ação exclusiva das
empresas midiáticas, que elas integram um contexto de cultura empresarial e um
sistema de crenças em que uma estreita relação entre uma suposta verdade
biomédica e um desejo social e individual.
57
As práticas alimentares de emagrecimento, segundo Serra e Santos (2003),
inserem-se numa lógica de mercado impregnada por um padrão estético de corpo
ideal. A indústria cultural do consumo move-se articulando diferentes campos, como
empresas produtoras de mercadorias, instrias de aparelhos e equipamentos,
setores financeiros e a indústria médica. É nessa lógica que se produzem os
paradigmas estéticos e, por conseqüência, discursos sobre práticas alimentares para
emagrecimento que almejam alcançar o corpo perfeito.
Nesse contexto e mais especificamente, foi no decorrer da década de 80 do
século passado que, de acordo com Courtine (1995), o ocidente conheceu um
desenvolvimento considerável do mercado do músculo e do consumo de bens e
serviços destinados à manutenção e construção dos corpos. Ergueram-se grandes
impérios industriais que ocuparam esse promissor mercado do suor, produzindo
tanto aparelhos de musculação quanto suplementos nutricionais ou mesmo
divulgando por meio da mídia comum e especializada as vantagens da boa forma,
da saúde, dos regimes alimentares e do desenvolvimento corporal em direção a um
padrão de saúde e beleza.
Giddens (2002) trata essa discussão colocando que, atualmente, o que
parece ser um movimento geral em direção ao cultivo narcisista da aparência
corporal expressa na verdade uma preocupação muito mais profunda com a
construção e o controle ativo dos indivíduos sobre seus corpos e influenciados pelos
meios de comunicação. E complementa seu argumento dizendo: seria muita miopia
ver esse fenômeno apenas em termos dos novos ideais de aparência corporal, ou
apenas como produzido pela influência da mídia” (GIDDENS, 2002, p. 98). Não
como negar que atualmente se difunde uma grande exacerbação de culto ao corpo,
muitas vezes verdadeiramente narcisista e hedonista. É fato que há e que são
58
disponibilizados meios que propiciam um maior autocontrole dos indivíduos sobre
seus corpos. E não como negar tamm que existem certas determinações
culturais de padrões de comportamento, de estética e beleza que são impostos a
todo o momento pela mídia e pela indústria do bem-estar e que, conseqüentemente,
são legitimados pelas diversas ciências.
Precisamos compreender que essas determinações culturais não são
exigências exclusivas, como discutem Goldenberg e Ramos (2002), apenas para as
atrizes que vemos na televisão ou para aquelas modelos fotográficas e manequins
de passarela. Por intermédio do cinema, da televisão, da publicidade e de
reportagens de jornais e revistas, essa exigência acaba atingindo os simples
mortais, que são bombardeados cotidianamente por imagens de rostos e corpos
colocados como os perfeitos e saudáveis.
Portanto, há, de acordo com Pinto (1999), uma influência muito grande da
mídia e da indústria do emagrecimento frente aos indivíduos, determinando os
parâmetros oficiais e midiáticos da beleza, criando mitos e gerando deusas, bem
como estereotipando gestos, atitudes, estilos de vida e, sobretudo, supervalorizando
a juventude eterna e a estética da magreza, enaltecida por meio do mito do corpo
perfeito e saudável, transbordante de sedução e erotismo e, conseqüência disso,
estigmatizando os indivíduos que não se enquadram nesses preceitos de beleza,
entre estes os obesos severos.
Vê-se, nesse sentido, que o corpo moldado vem, segundo Bruch (1997), de
uma obsessão do mundo ocidental pelo padrão estético da magreza. uma
condenação por parte da sociedade para qualquer grau de aumento de peso que
destoe dos padrões, pois essas distorções são vistas como indesejáveis e feias para
uma apresentação social do corpo. É isto que prevalece nos dias de hoje.
59
2.4 Em Pauta: a obesidade severa
No mundo contemporâneo, o ganho de peso além dos padrões ratificados
pela ciência como ideais, ou seja, o que se chama de obesidade mórbida ou
severa
24
, passa a ser considerada como uma doença crônica
25
, que está afetando
boa parte da população dos países do ocidente. Para alguns, o problema da
obesidade severa tem alcançado índices cada vez mais alarmantes, sendo até
considerado como pandemia, já que sua prevalência vem crescendo
acentuadamente nas últimas décadas, tanto em países ricos quanto em países
pobres
26
.
Entretanto, opiniões diferentes que contestam essas informações, como
salienta Jeffrey Friedman, o cientista que descobriu o gene da obesidade
27
, em
entrevista ao jornal norte-americano New York Times
28
. Para ele, é preciso ter
cuidado em sair divulgando que está em curso uma pandemia ou epidemia
generalizada da obesidade. A obesidade, segundo Friedman, é um problema,
24
Segundo Ribeiro et al (2003), devido ao aspecto estigmatizante e pejorativo que o termo
“obesidade mórbida” carrega, essa denominação está sendo substituída por “obesidade severa”.
25
No presente trabalho não o interesse de discutir se a obesidade severa é uma doença stricto
sensu ou não, nem de questionar a validade do discurso médico nesse caso. Ora, é fato que as
concepções de doença são influenciadas por fatores sócio-culturais, como mostram alguns autores.
Para Ferreira (1994), por exemplo, as noções de saúde e doença são também construções sociais,
pois o indivíduo é doente segundo a classificação de sua sociedade e de acordo com critérios e
modalidades que ela fixa. Isto implica que o saber médico também está intimamente articulado com o
social. Herzlich (1984 apud Carrara, 1994) mostra que a sociologia americana da década de
cinqüenta, tomando como objeto à doença, assumia e aceitava plenamente as concepções médicas
do fato patológico. Tamm segundo Carvalho (2002), o indiduo é considerado doente, mutilado ou
deficiente conforme critérios e modalidades fixados pela sociedade da qual ele faz parte.
26
Pandemia é um termo utilizado na epidemiologia para especificar quando uma epidemia atinge
diferentes nações. Ver artigo, BRAGA, Maria José. “Obesidade alcança status de pandemia”. O
popular, Goiânia, 15 nov. 2003. Disponível em: <http://www2.opopular.com.br/anteriores/15nov2003/
cidades/13.htm>. Acesso em: 15 nov. 2003.
27
Segundo Kolota (2000), Jeffrey Friedman acreditou ter encontrado a chave do mistério quando
identificou um gene defeituoso que fazia ratos ficarem obesos. O gene faz aslulas adiposas
produzirem uma proteína, a leptina. A idéia era de que se sem leptina você é gordo, ela pode mantê-
lo magro. Com injeções de leptina os ratos emagreceram. Mas, em seres humanos, ela foi uma
decepção.
28
Ver artigo, KOLATA, Gina. “Cientista que descobriu o gene da obesidade contesta epidemia”. New
York Times. Disponível em:<http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/nytimes/ult574u409 3.jhtm>. Acesso
em: 08 jun. 2004.
60
porque as pessoas gordas o ridicularizadas e possuem riscos de saúde como
diabetes e doença cardíaca. Não faz bem a ninguém exagerar a extensão da
obesidade ou culpar os obesos severos por serem gordos. Antes de chamar de
epidemia, as pessoas precisam realmente entender o que os números dizem.
De uma forma geral, a obesidade pode ser entendida como um excesso de
peso sob a forma de tecido adiposo, o qual pode acarretar diversas doenças, que
são as chamadas comorbidades, ou ainda o alto risco de vir a adquiri-las. Mais
especificamente e de forma também mais técnica:
A obesidade é definida como um aumento do peso corporal às
custas de tecido adiposo, acima de 20% do peso considerado ideal,
ou seja, um número de quilogramas equivalentes ao número de
centímetros acima de um metro quando considerado os valores da
estatura (MARCHESINI, J., 2001, p. 19).
Para se graduar a obesidade, é adotado pela Organização Mundial da Saúde
(OMS) o chamado Índice de Massa Corporal (IMC), que é encontrado pela rmula:
IMC= Peso em quilogramas dividido pelo resultado da multiplicação da altura em
metros por ela mesma. Sendo assim, de acordo com a tabela abaixo são
classificadas as diferentes categorias de peso corporal:
Resultados em Kg/m
2
Categoria
IMC
Abaixo do Peso Abaixo de 20
Peso Normal 20 – 24
Obesidade Leve 25 – 29
Obesidade Moderada 30 – 39
Obesidade Severa 40 – 50
Super Obesidade Acima de 50
Fonte: Apostila do Serviço Integrado de Cirurgia da Obesidade (SICO) em Goiânia, s/d.
61
Como exemplo de aplicação desse referencial para se graduar a obesidade,
vê-se que uma pessoa com 1,80m de altura, pesando 75 Kg, apresenta um IMC de
23,15 Kg/m
2
, sendo considerada com um peso normal. Por outro lado, tomando essa
mesma pessoa com 1,80m de altura, mas agora pesando 133 Kg, seu IMC será de
41,04 Kg/m
2
. Nesse caso, essa pessoa se encontra num nível de obesidade
severa.
Em entrevista ao site da Blue Life News, o presidente da Sociedade Brasileira
de Cirurgia da Obesidade e professor livre-docente de Cirurgia do Aparelho
Digestivo da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Dr. Arthur
Garrido, conceitua obesidade severa como sendo:
Uma obesidade tão intensa que geralmente causa doenças, como
dificuldade respiratória, hipertensão arterial, problemas articulares,
artroses, problemas de sustentação do peso e varizes, dificuldades
de se locomover e de se adaptar emocionalmente e socialmente e,
por fim, de fazer as coisas mais corriqueiras, como sentar numa
cadeira, passar numa roleta, andar de bicicleta
29
.
De acordo com Repetto, Rizzolli e Bonatto (2003), nos Estados Unidos, a
prevalência da obesidade severa é estimada em 4,7% da população. No Brasil,
estes dados ainda não estão bem definidos, porém estima-se que sejam em torno de
0,5 a 1% da população adulta. Porto et al (2002), por sua vez, mostram que no Brasil
estima-se que 26,5% das mulheres e 22% dos homens tenham excesso de peso,
11,2% das mulheres e 4,7% dos homens têm obesidade leve e moderada e que
0,5% das mulheres e 0,1% dos homens apresentam obesidade severa. Então, em
se considerando que a população brasileira seja na ordem de 180.000.000, há cerca
de 900.000 mulheres e 180.000 homens com obesidade severa.
29
Ver artigo, GARRIDO, Arthur. Obesidade em questão”. Blue Life News. Disponível em: <http://
www.bluelife.com.br/bluenews.htm#Páginas%20Azuis%20%20Obesidade%20em%20questãoDr.%20
Arthur%20Garrido>. Acesso em: 18 abr. 2004.
62
Essa grande diferença nos meros do excesso de gordura (em qualquer
grau) entre homens e mulheres, segundo Campos (2001), se dá porque as mulheres
têm uma maior predisposição para acumular gordura por dois motivos: (1) os
homens m mais massa muscular que as mulheres, o que os torna
metabolicamente mais ativos. (2) as alterações hormonais na mulher são mais
drásticas e favorecem mais o armazenamento de gordura do que nos homens.
Dessa forma, afirma o autor, os músculos são metabolicamente mais ativos do que a
gordura; como os homens possuem mais músculos, eles queimam de 10 a 20%
mais calorias que as mulheres, durante o repouso.
De acordo com Aureliano Biancarelli, em reportagem da Folha de São
Paulo
30
, pesquisas indicam que as crianças estão engordando mais rapidamente
que seus pais. Ele cita que, no Brasil, estima-se que, na população de 6 a 18 anos,
existam ao menos 6,7 milhões de obesos, se mantidas as taxas do último
levantamento de 1997. Vários estudos revelam que o número de crianças e
adolescentes acima do peso aumentou de 3% para 15% de 1975 a 1997, chegando
a 6,5 milhões de crianças obesas, na época.
Num artigo sobre a indicação da gastroplastia entre adolescentes, Capella e
Capella (2003) afirmam que talvez tão devastadores quanto às conseqüências
orgânicas da obesidade severa são seus efeitos sociais. Complementam dizendo
que adolescentes obesos severos têm muito mais chance de manter a obesidade na
vida adulta.
30
Ver artigo, BIANCARELLI, Aureliano. “Cresce obesidade infanto-juvenil no país”. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/ fsp/cotidian/ff1711200301.htm>. Acesso em: 17 nov. 2003.
63
Nesse sentido, segundo relatos médicos
31
, o tratamento mais conservador da
obesidade, por meio de mudanças no hábito alimentar, comportamental, exercícios
físicos e medicamentos têm o seu lugar, porém, se apresenta ineficaz quando se
trata de obesidade severa, ou seja, casos onde o Índice de Massa Corporal (IMC) é
maior que
40 Kg/m
2
, como no exemplo mostrado acima. Estudos demonstram que,
mesmo com emprego de novos medicamentos emagrecedores que m surgindo a
partir da década de 90, a cada 100 pacientes tratados apenas 34 conseguem uma
certa redução de seu peso ao final de 12 meses, perda esta que é muito pequena
em se considerando o obeso severo.
Complementando esses dados, Segal e Fandino (2002) mostram que a
orientação dietética, a programação de atividade física e o uso de fármacos anti-
obesidade são os pilares principais do tratamento convencional. Entretanto, para a
obesidade severa continua produzindo resultados insatisfatórios, com 95% dos
pacientes recuperando seu peso inicial em até dois anos. Além destes maus
resultados na perda de peso, o tratamento falha na manutenção desta perda com o
passar do tempo, sendo que a quase totalidade dos pacientes recupera o peso
perdido e, muitas vezes, ultrapassam-no após cinco anos de acompanhamento.
Esse é um problema grave, chamado “efeito sanfona”, que atinge quase todo obeso
severo que tenta perder peso. Num primeiro momento, é perdida uma certa
quantidade de peso, a qual, tempos depois, é recuperada, e, como foi dito, chega a
ultrapassar o peso que esse indivíduo tinha antes.
31
Ver artigo, “Cirurgia para Obesidade Mórbida: o tratamento cirúrgico para obesidade que não se
resolve de outra forma”. Disponível em <http://www.agendasaude.com.br/materias/index.asp?cod=
391>. Acesso em: 06 jun. 2003.
64
De acordo com o Consenso Mundial sobre Tratamento da Obesidade
32
,
organizado pelo Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos no ano de 1991,
ficou estabelecido que o tratamento mais eficaz, não o único, na perda e
manutenção do peso corporal com relação ao obeso severo é por meio de
intervenção cirúrgica de redução de estômago ou, simplesmente, gastroplastia. Essa
indicação é tamm corroborada pela Organização Mundial da Saúde (OMS)
33
:
“Estimamos hoje que a cirurgia gástrica é o tratamento mais eficaz para fazer perder
peso e manter este peso no caso de indivíduos que a obesidade é grave (IMC>35)
ou muito grave (IMC>40)”
34
.
Apesar de se estabelecer que a cirurgia gástrica é indicada para obesos
severos, ou seja, indivíduos com IMC acima de 40 Kg/m
2
, essa intervenção cirúrgica
é eventualmente feita em indivíduos com IMC menores que o estabelecido. São
casos em que o indivíduo tem IMC maior ou igual a 35 Kg/m
2
, mas apresenta
comorbidades sérias e um histórico de tratamentos mal sucedidos buscando o
emagrecimento.
Vale ressaltar, na atualidade, que o obeso severo sofre inúmeras
discriminações por não aderir aos mandamentos da sociedade, sendo inferiorizado e
relacionado ao perigo. Faz-se crer que ele é relapso, e, conseqüentemente, portador
de sérios problemas, tornando-se, em situações extremas, até percebido como um
inútil para o trabalho. Desta forma, a obesidade severa está se configurando não
somente como um rio problema médico, mas tamm como uma questão social e
32
Ver Gastrointestinal Surgery for Severe Obesity. NIH Consens Statement Online 1991. Mar 25-27
[citado em 06 de janeiro de 2004]; 9(1):1-20.
33
OMS. Obésité: prévention et prise en charge de l’épidémie mondiale: rapport d’une consultation de
l’OMS. Genève: OMS, 2003. 300 p. (Série de Rapports Techniques; 894).
34
No original, “on estime aujourd’hui que la chirurgie gastrique est le traitement le plus efficace pour
faire perdre du poids et maintenir cette perte de poids chez des sujets dont l’obésité est grave (IMC
>35) ou très grave (IMC >40)” (2003, p. 249).
65
cultural, envolvendo também componentes genéticos, metabólicos, hormonais,
comportamentais e psicológicos.
Na maior parte das vezes, a cirurgia é executada considerando que a
obesidade severa é definida como uma doença, mas pode-se dizer que tal cirurgia
também vem sendo realizada por outras motivações sócio-culturais. Não é demais
lembrar queum descontentamento generalizado relacionado ao peso e à estética
corporal, o que muitas vezes pode levar a uma imagem negativa do corpo e do eu.
Daí para a gastroplastia como panacéia para os males do corpo talvez seja apenas
um passo.
Percebe-se na sociedade contemporânea ocidental que cada vez mais está
havendo uma emergência de instrumentos de intervenção no corpo, o que constitui
uma tendência progressiva à racionalização de práticas que visam não somente o
tratamento de males físicos, mas também a adequação da imagem corporal às
normas culturais indicadas pela sociedade. A cirurgia de redução de estômago se
constitui, assim, em uma prática racionalizada de intervenção no corpo e uma de
suas conseqüências é desencadear um processo de transformação da identidade
social do individuo que a ela se submete.
Neste capítulo procurou-se estabelecer o ponto de partida para uma melhor
compreensão teórica relacionada ao corpo e à obesidade. Para tanto, iniciou-se com
uma discussão acerca da influência cultural nas determinações de padrões
corporais. Foi problematizado o processo de estetização das formas, ou seja, em
que ponto da história a gordura e seu excesso passaram a ser ruins na sociedade
ocidental. Seguiu-se com a apresentação do corpo, principalmente feminino,
influenciado por padrões culturais de estética e beleza na contemporaneidade. E,
por fim, foi apresentada uma discussão sobre as questões que envolvem a
66
obesidade severa, sua tendência atual de crescimento e de seu mais eficaz
tratamento, que é a cirurgia de redução de estômago.
No capítulo seguinte, procuro fazer uma discussão conceitual de identidade e
as dimensões que esse conceito abarca, tomando como princípio norteador a
condição de obeso severo. Ao longo da análise desse conceito, outros, igualmente
importantes e relacionados entre si, também o discutidos, como o conceito de
diferença e de normalização. E, por fim, discute-se o conceito de estigma e o lugar
dos corpos obesos severos no contexto de sociedades que definem a magreza
como sinônimo de beleza e ideal de perfeição.
67
3 IDENTIDADE E OBESIDADE SEVERA
Respeitar a diferença não pode significar “deixar que o
outro seja como eu sou” ou “deixar que o outro seja
diferente de mim tal como eu sou diferente (do outro)”,
mas deixar que o outro seja como eu não sou, deixar
que ele seja esse outro que o pode ser eu, que eu não
posso ser, que não pode ser um (outro) eu; significa
deixar que o outro seja diferente, deixar ser uma
diferença que não seja, em absoluto, diferença entre
duas identidades, mas diferença da identidade, deixar
ser uma outridade que não é outra “relativamente a mim”
ou “relativamente ao mesmo”, mas que é absolutamente
diferente, sem relação alguma com a identidade ou com
a mesmidade (PARDO, 1996, p. 154 apud Silva, 2000,
p. 101).
3.1 Uma Questão de Identidade
Segundo Villaça (1999), ocorreu uma crise identitária que se aguçou a partir
da década de oitenta do século XX. Um dos motivos que desencadeou essa crise foi
a crescente abertura e interdependência dos países aos mercados globais e aos
processos de integração regional, que reduziram o papel das culturas nacionais. A
globalização da informação merece destaque nesse contexto, pois propiciou uma
maior aproximação entre as culturas
35
.
35
Sobre esse argumento, Castells (2001) destaca que a influência dos meios de comunicação está
crescendo cada vez mais e ainda que os governos tenham influência sobre a mídia, boa parte de seu
poder foi perdida, salvo os casos em que os veículos de comunicação estão sob o controle de
Estados autoritários. Sendo assim, a globalização informacional, de acordo com o autor, equivale à
desnacionalização e desestatização da informação.
68
Todo esse processo propiciou uma tendência ao aparecimento de novos e
mais singulares atributos que podem produzir identidades, como, por exemplo, corpo
e sexualidade. Identidades tradicionalmente consolidadas (etnia, nação e classe
social) passam a não compor uma identidade, única e acabada. Atualmente, uma
determinada pessoa não é só brasileira, mas pode ser tamm mulher, negra,
nordestina, homossexual, analfabeta, obesa severa, imigrante e catadora de lixo, ou
seja, ampliou-se o leque de identificação e, conseqüentemente, de construção de
identidades sociais. Nesse contexto, o corpo se apresenta como um importante
produtor de identidades, pois é o primeiro a se impor num contexto de interação
social. Segundo a concepção de Villaça e Góes:
Os atuais movimentos de identificação e representação se dão
paradoxalmente por meio da transmutação do corpo (...) Quando
fatores de organização das identidades sociais como nação, etnia e
classe perdem crescentemente seu poder aglutinador, o corpo, suas
expressões, envelopes e próteses principiam análises mais
singulares fora da ótica ‘macro’ dos grandes sistemas classificatórios,
e uma nova ordem se processa (1998, p. 30)
Na perspectiva de Haraway (2000), as identidades parecem contraditórias,
parciais e estratégicas. Hoje em dia, fatores como as relações que envolvem os
corpos (o tamanho, a forma, as transformações, as marcas) passam a ter um
importante papel na construção e reconstrução das identidades. “O corpo é um dos
locais envolvidos no estabelecimento das fronteiras que definem quem somos,
servindo de fundamento para a identidade” (WOODWARD, 2000, p. 15).
Seguindo com essa perspectiva, Giddens (2002) aponta que o corpo não é
uma entidade física que possuímos, é um sistema de ação, um mundo de práxis e,
deste modo, sua imersão prática nas interações da vida cotidiana é uma parte
essencial da manutenção de um sentido coerente de auto-identidade.
69
De uma maneira geral, o conceito de identidade, segundo Cuche (1999),
remete-nos a uma norma de vinculação, baseada em oposições simlicas. De
modo que a identidade social de um indivíduo se caracteriza pelo conjunto de suas
vinculações em um sistema social, ou seja, a uma classe sexual, a uma classe de
idade, a uma classe social ou a uma nação. Assim, a identidade permite que o
indivíduo se localize em um sistema social e seja localizado socialmente” (CUCHE,
1999, p. 177).
Seguindo nessa perspectiva apontada por Cuche (1999), a identidade social
não diz respeito unicamente aos indivíduos, ou seja, todo grupo também é dotado de
uma identidade, que significa ao mesmo tempo inclusão e exclusão. uma forte
distinção, que não é fixa, entre nós/eles, que é baseada nas diferenças culturais, ou
seja, não identidade em si, nem mesmo unicamente para si, a identidade existe
sempre em relação a uma outra. Assim, identidade e alteridade
36
são ligadas, e o
fato de haver uma identificação implica, por sua vez, uma diferenciação.
De acordo com a concepção de Hall (2001), o conceito de identidade se
apresenta demasiadamente complexo, muito pouco desenvolvido e muito pouco
compreendido na ciência social contemporânea. Para esse autor, três são as
concepções de identidade que foram se sucedendo ao longo do tempo na ciência
social. Essa cronologia do conceito de identidade começa no sujeito do iluminismo,
passando pelo sujeito sociológico e, hoje em dia, sob o impacto crescente do
processo de globalização, se configura como sendo um sujeito “pós-moderno”.
36
“A experiência da alteridade (e a elaboração dessa experiência) leva-nos a ver aquilo que nem
teríamos conseguido imaginar, dada a nossa dificuldade em fixar nossa atenção no que nos é
habitual, familiar, cotidiano, e que consideramos ‘evidente’. Aos poucos, notamos que o menor dos
nossos comportamentos (gestos, mímicas, posturas, reações afetivas) não tem realmente nada de
‘natural’. Começamos, então, a nos surpreender com aquilo que diz respeito a s mesmos, a nos
espiar” (LAPLANTINE, 2000, p. 21, grifos do autor).
70
O sujeito do iluminismo é um indivíduo totalmente centrado, unificado, dotado
das capacidades de razão, de consciência e de ação própria. Assim, o centro
essencial do “eu” era a identidade de uma pessoa. Segundo o autor, esta é uma
concepção muito individualista do sujeito e da sua identidade.
O sujeito sociológico, por sua vez, refletia a crescente complexidade do
mundo moderno e a consciência de que o sujeito não é autônomo e auto-suficiente,
mas formado na relação com outras pessoas”. Nesse caso, a identidade é
constituída na “interação” entre o “eu” e a sociedade. Entretanto, o sujeito ainda
possui um núcleo ou uma essência interior que é o “eu real”, e este é formado e
modificado num diálogo contínuo com os mundos culturais “exteriores” e as
identidades que esses mundos oferecem. Nessa concepção, a identidade tende a
costurar o sujeito à estrutura.
Para esse autor, na atualidade, estamos vendo a emergência do sujeito pós-
moderno, onde a identidade unificada e estável está se tornando fragmentada e
descentrada. O sujeito é composto não de uma única, mas de várias identidades,
algumas vezes contraditórias ou não resolvidas. Nesse sentido, Stuart Hall nos
apresenta sua perspectiva de pensar a identidade como sendo “identidades
descentradas”, isto é, deslocadas ou fragmentadas. Portanto, o autor utiliza o
conceito de identidade:
Para significar o ponto de encontro, o ponto de “sutura”, entre, por
um lado, os discursos e as práticas que tentam nos “interpelar”, nos
falar ou nos envolver para que assumamos nossos lugares como os
sujeitos sociais de discursos particulares e, por outro lado, os
processos que produzem subjetividades, que nos constroem como
sujeitos nos quais se pode falar”. As identidades o, pois, pontos
de apego temporário às posições-de-sujeito que as práticas
discursivas constroem para nós (HALL, 2000, p. 111-112).
71
Segundo a concepção de Hall (2001), a partir do final do século XX,
transformações nas sociedades estão cada vez mais fragmentando as paisagens
culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça, nacionalidade e estética
corporal. Essas transformações estão também mudando nossas identidades
pessoais, abalando a idéia que temos de nós próprios como indivíduos integrados.
Sendo assim, o sujeito pós-moderno de Stuart Hall não possui uma identidade fixa,
essencial e, sobretudo, permanente.
Essa linha de argumentação leva-nos a pensar que, na medida em que os
sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos
confrontados por uma variedade desconcertante e cambiante de identidades
possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar (ao menos
temporariamente) e sermos identificados socialmente. Sendo assim, em todo o
contexto social de interação estamos nos posicionando e sendo posicionados na
sociedade, nos assumindo e nos identificando, constituindo nossas identidades.
Nessa perspectiva, de acordo com Woodward (2000), em todas as situações
da vida cotidiana, podemos nos sentir, literalmente, como sendo a mesma pessoa,
mas nós somos, na verdade, diferentemente posicionados pelas expectativas e
restrições sociais envolvidas em cada uma dessas situações, representando-nos,
diante dos outros, de forma diferente em cada um desses contextos. Em um certo
sentido, somos posicionados e tamm posicionamos a nós mesmos, de acordo
com os “campos sociais”
37
nos quais estamos atuando em interação com os outros
indivíduos.
37
Na perspectiva de Bourdieu, “o espaço social global seria como um campo, isto é, ao mesmo
tempo como um campo de forças, cuja necessidade se impõe aos agentes que nele se encontram
envolvidos, e como um campo de lutas, no interior do qual os agentes se enfrentam, com meios e fins
diferenciados, conforme sua posição na estrutura do campo de forças, contribuindo assim para a
conservação ou a transformação de sua estrutura” (1996, p. 50, grifo do autor).
72
Esse argumento nos possibilita compreender a obesidade severa e a situação
do indivíduo obeso severo num contexto mais amplo, num processo que envolve
identificação e categorização no âmbito da sociedade. Como exemplo, num círculo
de amizades ou mesmo num campo das relações íntimas, o chamado, em geral de
forma pejorativa, “gordo”, é muitas vezes visto e, conseqüentemente, identificado
como aquele que é o bem humorado da turma ou o ombro amigo. Como destaca
Fischler, “as pessoas com um físico um pouco arredondado, são via de regra,
percebidas como de convívio mais amável, mais abertas à comunicação e à empatia
do que as magras” (1995, p. 69). Contudo, mudando de campo ou de
posicionamento na sociedade, como exemplo, para conseguir um emprego, o obeso
severo é identificado como um funcionário cuja aparência sugere problemas, como
baixa produtividade, faltas ao trabalho e altas despesas trabalhistas. Segundo
Fischler (1995), em 1984, na França, um eletricista foi despedido porque seu peso
de 123 Kg tornava-o, de acordo com o empregador, “inapto para o trabalho”. Por
tudo isso, as chances dos obesos severos no mercado de trabalho diminuem, pois,
marcados pelo estereótipo do perigo e da improdutividade, diminuem suas
possibilidades ao concorrer com pessoas culturalmente e cientificamente definidas
como sendo magras e saudáveis.
Sem querer generalizar esse argumento, essa, muita das vezes, é a visão
social que marca a carreira biográfica do indivíduo obeso severo: se, por um lado,
ele é o “gordo bonachão”, amigo e bem humorado, por outro, é aquele indivíduo
descuidado, relaxado em sua aparência e, principalmente, improdutivo em qualquer
setor de trabalho. As seguintes passagens refletem bem essa realidade: da mesma
forma que ser ‘gordo’ é freqüentemente associado com a preguiça e uma falta de
autocontrole, ser ‘magro’ é visto como evidência de motivação e auto-disciplina,
73
duas características altamente valorizadas na sociedade ocidental”
38
. E também:
“nós temos a crença de que as pessoas gordas são agradáveis, contentes,
agradáveis, engraçadas, mas tamm que são tolas, ‘gordurosas’ e avarentas
39
.
O que ocorre, como podemos observar com os exemplos, é a criação de uma
multiplicidade de estereótipos dos indivíduos que possuem obesidade severa,
coerente com o fato de que, em diferentes campos ou diferentes posicionamentos
na sociedade, estão a todo o momento nos identificando, a partir de atributos, por
vezes depreciativos, e mbolos padronizados de nossa cultura, fazendo com que
assumamos diferentes e fragmentadas identidades sociais. Essa identificação se
sempre em relação a um padrão cultural ou a uma identidade específica que serve
como parâmetro para que outras identidades sejam identificadas.
Seguindo com a mesma linha argumentativa, Silva (2000) concebe o conceito
de identidade tamm como uma construção, que é instável, fragmentada e
contraditória. Nas suas palavras:
A identidade não é uma essência, não é um dado ou um fato (seja da
natureza, seja da cultura). A identidade não é fixa, estável, coerente,
unificada, permanente. A identidade tampouco é homogênea,
definitiva, acabada, idêntica, transcendental. Por outro lado,
podemos dizer que a identidade é uma construção, um efeito, um
processo de produção, uma relação, um ato performativo. A
identidade é instável, contraditória, fragmentada, inconsistente,
inacabada. A identidade está ligada a estruturas discursivas e
narrativas (SILVA, 2000, p. 96-97).
Anselm Strauss, assim como Silva (2000) e outros autores
40
, tamm rejeita
uma visão estática da identidade. Para ele,
38
No original, “just as being ‘fat’ is often associated with laziness and a lack of self-control, being ‘thin’
is viewed as evidence of one's motivation and self-discipline, two characteristics highly valued in
western society” (CRANDALL & SCHIFFHAUER, 1998 apud GREENLEAF et al, 2004, p. 374).
39
No original, “we have the beliefs that fat people are good-natured, contented, likable, funny, and
also that they are foolish, ‘greasy’, and greedy” (POWDERMAKER, 1997, p. 208).
40
Ver (Hall, 2000, 2001; Woodward, 2000; Bento, 2003).
74
A identidade está associada às avaliações decisivas feitas de nós
mesmos por s mesmos ou pelos outros. Toda pessoa se
apresenta aos outros e a si mesma, e se nos espelhos dos
julgamentos que eles fazem dela. As máscaras que ela exibe então e
depois ao mundo e a seus habitantes são moldadas de acordo com o
que ela consegue antecipar desses julgamentos. Os “outros” se
apresentam também; usam as suas próprias marcas de máscara e,
por sua vez, são avaliados (1999, p. 29, grifo meu).
Com relação a esses “outros” que destaco no texto de Anselm Strauss, na
perspectiva de Berger e Luckmann (1978), a realidade da vida cotidiana é partilhada
por todos os indivíduos e não podemos existir nessa vida sem estar continuamente
em interação e comunicação com os outros. Numa situação de interação ou de
relação social face a face, a subjetividade do outro fica acessível por meio de
inúmeros símbolos, principalmente corporais, pois é o corpo que primeiro ime sua
presença. Tais símbolos podem ser e são muitas vezes interpretados
erroneamente por todos que se encontram em interação social. É claro, tamm,
que durante o processo de interação ou da pronúncia dos discursos as
interpretações simbólicas podem mudar e adesviarem o foco daquilo que primeiro
chamou a atenção que foi o corpo. Depreende-se desse argumento que, “a
realidade da vida cotidiana contém esquemas (tipificadores) em torno dos quais os
outros são apreendidos, sendo estabelecidos os modos como (lidamos) com eles
nos encontros face a face” (BERGER e LUCKMANN, 1978, p. 49).
De acordo com Placer (1998), o “outro” se constitui em sua alteridade, em sua
diferença e, dessa forma, em sua identidade, não por algo como sua intrínseca
natureza, mas como um efeito dos tratos que lhe propiciamos, isto é, que são
nossas formas de fazer, de ver e de dizer que permitem construir e, principalmente,
implantar na realidade da vida cotidiana figuras e categorias sociais tão variadas
como o louco, o estrangeiro, o selvagem, o gordo e o nerd.
75
Também nessa perspectiva, segundo Larrosa e Lara (1998), somos s que
definimos o outro, especialmente quando essa definição se apresenta ratificada
pelos aparatos técnicos dos distintos campos do saber, como as ciências. Somos
nós que decidimos como é o outro, o que é que lhe falta, de que necessita, quais
são suas carências e suas aspirações. Somos nós que construímos suas imagens
para classificá-los, para excluí-los, para proteger-nos de sua presença incômoda,
para enquadrá-lo em nossas instituições e, conseqüentemente, para finalmente
submetê-los em nossas práticas. Sendo assim, os outros não são outra coisa que
aquilo que nós fizemos e vamos fazendo deles. Justamente isto e não outra coisa é
o que nós somos: aquilo que os outros fizeram e estão fazendo de nós” (LARA,
1998, p. 186).
Seguindo com essa perspectiva, a nossa alteridade permanece como que
reabsorvida em nossa identidade, torna-a, se possível, mais arrogante, mais segura
e mais satisfeita de si mesma. A partir deste ponto de vista, o louco vem confirmar e
reforçar nossa razão (o que nos faz sentir ainda mais satisfeitos com a nossa razão);
a criança, a nossa maturidade; o selvagem, a nossa civilização; o estrangeiro, a
nossa nação; e o obeso severo, o nosso corpo saudável. Isso tudo é possível,
porque é evidente que uma interdependência socialmente construída entre a
figura do Eu e do Outro.
O Eu é o Um que não é denominado, que sabe isso por meio do
trabalho do outro; o outro é o Um que carrega o futuro, que sabe isso
por meio da experiência da dominação, a qual desmente a
autoridade do Eu. Ser o Um é ser autônomo, ser poderoso, ser Deus;
mas ser o Um é ser uma ilusão e, assim, estar envolvido numa
dialética de apocalipse com o outro. Por outro lado, ser o outro é ser
múltiplo, sem fronteira clara, borrado, insubstancial. Um é muito
pouco, mas dois (o outro) é demasiado (HARAWAY, 2000, p. 99-
100).
76
Com relação à categorização social do outro, pode-se dizer que, no mesmo
momento em que identificamos alguém ou alguma coisa, nós estamos criando no
processo de interação uma identificação para esse outro. Portanto, é imprescindível
reconhecermos a existência desse “outro” diferente de nós e que a identidade não é
o oposto da diferença, mas, ao invés, a identidade depende da diferença. Neste
caso, se, por um lado, alguém se identifica dizendo sou magro”, implica também
dizer, por outro lado, “eu não sou gordo”. Deste modo, percebe-se que a relação
entre o conceito de identidade e o de diferença é de estreita dependência. Pode-se
dizer que “a diferença é aquilo que separa uma identidade da outra, estabelecendo
distinções, freqüentemente, na forma de oposições” (WOODWARD, 2000, p. 41).
Na perspectiva de Woodward (2000), a identidade depende, para existir, de
algo fora dela. A identidade é, assim, marcada pela diferença. As identidades são
fabricadas por meio da marcação da diferença. Essa marcação ocorre tanto por
meio de sistemas simbólicos de representação quanto por meio de formas de
exclusão social. Esses sistemas simlicos fornecem novas formas de se dar
sentido à experiência das divisões e desigualdades sociais e aos meios pelos quais
alguns grupos são excluídos e estigmatizados. Tamm seguindo com essa
concepção, Silva (2000) destaca que a afirmação de uma identidade e a marcação
da diferença implica, sempre, operações de inclusão e de exclusão. De modo que a
identidade e a diferença se traduzem, assim, em declarações sobre quem está
incluído e quem está excluído.
Sendo assim, de acordo com Silva (2000), a identidade e a diferença
partilham uma característica essencial, por serem o resultado de atos de criações
lingüísticas. Identidade e diferença não são parte do mundo natural, mas do mundo
cultural e social. Nós as fabricamos, num contexto de relações sociais e culturais.
77
Segundo Strauss (1999), qualquer discussão sobre identidade tem como
ponto central a linguagem. Nessa mesma perspectiva, Silva (2000) analisa que a
questão da identidade e da diferença tem sentido no interior de uma cadeia de
diferenciação lingüística que não é fixa, ou seja, “ser isto” significa “não ser isto” e
“não ser aquilo” e não ser mais aquilo” e assim por diante. Somos nós que
empreendemos a eleição daqueles que pertencem a um grupo identitário e ao
mesmo tempo daqueles que não pertencem. Dividimos a sociedade entre nós e eles,
identificamos os indivíduos “normais” e os indivíduos “desviantes”. Deste modo, a
identidade e a diferença são tão indeterminadas e instáveis quanto à linguagem da
qual dependem” (SILVA, 2000, p. 80).
O fato de se identificar alguém requer que esse indivíduo a que se está
referindo seja colocado dentro de uma categoria socialmente determinada. Essa
categoria carrega em si uma variedade de mbolos e de estereótipos pré-
estabelecidos culturalmente. Como no exemplo do criminoso, apresentado por
Woodward (2000), cuja transgressão o exclui do convívio com a sociedade
convencional, produzindo uma identidade que, por estar associada com a
transgressão da lei, é, geralmente, vinculada ao perigo, sendo, por este motivo,
marginalizado pela sociedade. A produção da identidade do criminoso tem como
referência a identidade do indivíduo que não comete crimes.
Podemos ver um exemplo claro relacionado ao corpo na passagem que se
segue: “mesmo as crianças de 6 anos descrevem a silhueta de uma criança obesa
com adjetivos tais como: sujo, estúpido, feio, mentiroso e trapaceiro”
41
. A passagem
citada refere-se a um trecho de um livro da OMS sobre obesidade. Nela pode-se
perceber que a categoria “obesidade” carrega consigo uma grande variedade de
41
No original, “même des enfants de 6 ans décrivent la silhouette d’un enfant obèse avec des
adjectifs tels que paresseux, sale, stupide, laid, menteur et tricheur” (OMS, 2003, p. 63).
78
estereótipos negativos pré-estabelecidos socialmente e que o culturalmente
inculcados nas crianças via processos de socialização.
Esses estereótipos contribuem de uma forma muito objetiva para a
construção de uma imagem totalmente negativa da categoria “obesidade” e,
conseqüentemente, dos indivíduos que possuem obesidade severa. De fato, um
sofrimento desses indivíduos por causa de sua condição de obeso severo, pois têm
suas identidades sociais construídas com base no estereótipo do excesso de
gordura. O ponto central do argumento desenvolvido é que a construção da
identidade dos indivíduos obesos severos tem como referência a identidade do
padrão de corpo culturalmente dominante, ou seja, o corpo magro.
Tomemos também, como exemplo, um indivíduo que é ex-presidiário pobre.
Num determinado contexto social de interação, se esse indivíduo estiver em um
restaurante “chic” e for identificado como um ex-presidiário pobre, mesmo tendo o
dinheiro necessário para pagar, ele certamente não poderá entrar. Então, quando
identificamos e categorizamos, nós estamos dizendo “aqui você é bem-vindo” e “aqui
você não é bem-vindo”. Assim, como o mbolo do excesso de gordura traz em si
estereótipos de sujo e desleixado, o fato de ser enquadrado na categoria de ex-
presidiário traz consigo estereótipos como de marginal, bandido e assassino.
O fato de estereotipar um atributo e colocá-lo em uma categoria socialmente
marginalizada, carregada de símbolos depreciativos, pode trazer inúmeras
conseqüências negativas para a produção de determinadas identidades sociais,
como a do obeso severo. Nesse sentido, depreende-se da linha de argumentação
exposta que: a identidade o existe a priori, mas ao invés surge da interação. Em
resumo, indivíduos não têm identidade; eles fazem identidade
42
.
42
No original, “the identity does not exist a priori, but instead arises from interaction. In short,
individuals do not have identity; they do identity” (MULLANEY, 1999, p. 270).
79
De acordo com Silva (2000), são os próprios indivíduos que elegem de forma
arbitrária uma identidade específica como parâmetro ou padrão cultural em relação à
qual as outras identidades são avaliadas e identificadas. Assim, a produção da
identidade está inserida num contexto de hierarquização e poder, ou seja, a
categoria “normal” sempre vai implicar a existência de uma outra categoria, o
“anormal, como já vimos anteriormente.
Este se apresenta como um processo chamado de “normalização”, ou seja,
atribui-se a uma identidade específica todas as características positivas possíveis,
restando para as outras identidades, os aspectos negativos e pejorativos, como na
relação entre o obeso severo (doente, preguiçoso) e o indivíduo magro (saudável,
bem disposto). O que nos leva a concluir que, como a identidade depende da
diferença, a definição do que é considerado normal pela sociedade depende da
definição do que não é considerado. Nas palavras de Silva:
A identidade normal é “natural”, desejável, única. A força da
identidade normal é tal que ela nem sequer é vista como uma
identidade, mas simplesmente como a identidade. Paradoxalmente,
são as outras identidades que são marcadas como tais. Numa
sociedade em que impera a supremacia branca, por exemplo, “ser
branco” não é considerado uma identidade étnica ou racial. Num
mundo governado pela hegemonia cultural estadunidense, “étnica” é
a música ou a comida dos outros países. É a sexualidade
homossexual que é “sexualizada”, não a heterossexual. A força
homogeneizadora da identidade normal é diretamente proporcional à
sua invisibilidade (2000, p. 83, grifos do autor).
Émile Durkheim, em suas Regras do Método Sociológico”, discute essa
relação entre o que é normal e o que é patológico (anormal). Para o autor, os fatos
normais são gerais em toda a extensão da espécie e que o encontrados, se não
em todos os indivíduos, pelo menos na maioria deles e, se não se repetem idênticos
em todos os casos em que o observados, variam entre limites muito próximos de
um para outro indivíduo. Os fatos patológicos (anormais, desviantes, diferentes), por
80
sua vez, são excepcionais, encontrados numa minoria de vezes. Se tomarmos como
exemplo o corpo do obeso severo, na perspectiva durkheimiana, este pode ser
considerado como patológico ou anormal, pois, em se tratando da população
brasileira, esse tipo de compleição corporal é uma exceção. Reportando a dados
apresentados no segundo capítulo, no Brasil tem-se cerca de 0,5% das mulheres e
0,1% dos homens que apresentam obesidade severa. Com uma população de
aproximadamente 180.000.000, há cerca de 900.000 mulheres e 180.000 homens
com obesidade severa
43
.
Quem durante a vida não ouviu ou mesmo pronunciou a frase: “fazer isso é
normal” ou “este que é o normal”. Mas, o que significa dizer que alguma coisa é
normal? Por que o normal é o ideal? Esta palavra, quando proferida, envolve todo
um contexto de aceitação e negação, pois se existe o normal é porque existe o
anormal, desviante, diferente. Numa entrevista concedida à Folha de São Paulo, a
cantora Preta Gil, quando perguntada se ela sempre foi gordinha, respondeu que na
época da adolescência era “normal”
44
. Nesse caso específico, a cantora em questão
está se reportando à condição do seu corpo na adolescência, ou seja, nessa época,
ela não estava fora dos padrões de corpo considerados como os ideais, como
estava quando da entrevista.
O termo normal é amplamente utilizado pelo senso comum com o intuito de
legitimar determinadas práticas. O fato de a cantora citada apontar seu corpo magro
da adolescência como o normal implica enquadrar, discursivamente, todos os outros
corpos com excesso de gordura, principalmente os obesos severos, como os
desviantes ou os que se afastam de um padrão cultural de normalidade da estética
43
Ver Porto et al (2002).
44
Ver entrevista, “Preta Gil desafia os padrões de beleza atuais ao assumir suas curvas a mais”.
Folha de São Paulo. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/folhatee/fm2209200311.htm>.
Acesso em: 22 set. 2003.
81
corporal. Desde que nascem, os indivíduos são condicionados, evidentemente que
de diferentes maneiras e de acordo com sua cultura, a distinguirem o que é
considerado ou não socialmente como normal. Como por exemplo, hoje em dia para
a sociedade ocidental, o normal é um casamento heterossexual e não homossexual;
o normal é ser magro e não obeso severo. Uma das entrevistadas descreve bem
essa situação de ser uma pessoa fora dos padrões de normalidade:
Toda vida eu fui gordinha. Assim, fazia regime, emagrecia. Mas até
os 18 anos eu era normal, pesava 67 kg, 70 kg vivia de dieta (...)
Mas, assim, é gico que eu tinha vontade de ser normal (...) É uma
coisa fora do normal, fora dos padrões normais somente pra
sociedade (...) Assim, que a gente fala normal, igual as outras
pessoas. Porque quem é um pouco diferente é discriminado
socialmente, né. (Simone)
O termo normal não existe desde o princípio dos tempos, nem tampouco é
uma palavra nova surgida do acaso, mas se constitui, sobretudo, em uma
construção social. De acordo com Milkolci (2003), o processo de normalização teve
um intuito disciplinar, cujo desenvolvimento se relaciona diretamente com a
ascensão da sociedade burguesa e do capitalismo. O modo de vida da sociedade
burguesa, segundo este autor, engendrou um poder baseado na disciplina e na
imposição de normas.
Para Foucault (1999), o poder disciplinar se baseia na normalização social,
caracterizado por um processo de intervenção e controle sobre os indivíduos,
ditando regras e normas para se viver em sociedade. Os dissidentes passam a ser
classificados, corrigidos e categorizados como os anormais. Esse poder disciplinar
alcançou seus objetivos a partir do século XVIII e consolidou-se no século XIX com a
família como sendo a principal protagonista, pois, na concepção de Foucault (2001),
seria na intimidade familiar que começaria a se empreender uma verdadeira cruzada
82
para se distinguir entre o que era normal e anormal, mais especificamente a função
dos pais estava ligada às questões que envolviam o desenvolvimento sexual,
principalmente relacionado aos filhos. Sendo assim, as atenções dos pais dentro do
lar se voltavam diretamente para dois “perigos” específicos, o incesto e a
masturbação:
O temor do incesto e dos perigos da masturbação infantil que se
disseminou a partir de fins do século XVIII criou a necessidade do
recurso à medicina para racionalizar o espaço familiar. Assim, na
família, os cônjuges tornam-se agentes da normalização social
através do dispositivo de sexualidade que associa a ordem familiar
aos médicos, pedagogos e, mais tarde, aos psiquiatras e psicólogos
(MISKOLCI, 2005, p. 5).
Nesse contexto, progressivamente todo o padrão de comportamento que não
se enquadrava nas regras burguesas passou a ser visto como sendo anomalia e
desvio. Como exemplo, tem-se a criança masturbadora, o louco, a ninfomaníaca, o
homossexual, o criminoso, a prostituta, os deficientes e suicidas que formam
algumas das anormalidades criadas pela sociedade do século XIX. Em seu artigo
“Reflexões sobre normalidade e desvio social”, Miskolci (2003) enfatiza que essas
categorias de anormalidade citadas o existiam como problemas sociais antes da
hegemonia social da burguesia. Nesse sentido, o anormal:
É uma criação histórica levada a cabo pela sociedade burguesa. Ele
não é um desvio de um hipotético tipo original nem uma aberração
da natureza, antes a construção teórica e prática de uma sociedade
fundada na normalização dos indivíduos. O anormal foi criado por um
discurso sobre a anormalidade (MISKOLCI, 2003, p. 122).
A partir da ascensão da burguesia e de seu processo de normalização, o
mundo ocidental se desenvolveu incentivando a dicotomia entre o normal e o
diferente. Sendo assim, segundo a concepção de Villaça (1999), houve a criação de
83
inúmeras verdades que balizassem os referenciais dessa sociedade, garantindo um
padrão cultural fundado nos princípios de perfeição, estabilidade, permanência,
normalidade e racionalidade. Partindo do modelo considerado como o normal,
construiu-se um padrão de corpo ideal (normal) em oposição a um padrão de corpo
anormal. Nessa oposição, o segundo (corpo anormal) fica com uma desvantagem
social, como já visto antes no decorrer desse capítulo.
Torna-se relevante sublinhar, portanto, que muitas vezes reforçarmos a
negatividade de uma determinada identidade e nem percebemos, como, por
exemplo, quando utilizamos palavras como “balofo”, “gordão” ou “rolha de poço”
para nos referirmos a um indivíduo obeso severo. Com esses termos, o estamos
descrevendo a compleição corporal desse indivíduo, mas, ao contrário, estamos
inserindo-o em um sistema discursivo que contribui ainda mais para produzir de
forma negativa sua identidade social.
3.2 Implicações da Obesidade Severa: estigma e preconceito
Segundo Schwartz e Brownell (2004), a cultura ocidental contemporânea,
além de enfatizar a magreza e discriminar o excesso de peso, estigmatiza os
indivíduos obesos severos. Tudo isso faz com que esses indivíduos interiorizem
estas mensagens e sintam-se mal quanto a presença física que os marca
definitivamente na vida. Ao longo deste trabalho, foram apresentadas evidências
claras que a obesidade severa está intimamente ligada com uma imagem social
negativa do corpo, contudo, é sempre bom relativizar e entender que não são todos
os indivíduos obesos severos que dizem sofrer intensamente por terem essa
84
imagem negativa ou que o igualmente vulneráveis às conseqüências sociais por
não estarem de acordo com o padrão estético de corpo culturalmente estabelecido.
Esse fato pode ser constatado claramente nos discursos das entrevistadas,
pois nota-se uma diferença na forma como as oito mulheres encaravam o fato de
serem obesas severas. Num primeiro momento, algumas mulheres, mesmo que
tenham passado a vida inteira procurando uma forma de emagrecer, o que culminou
em uma intervenção cirúrgica para perderem peso, relataram que não sentiam as
conseqüências de possuir um corpo que resulta em uma imagem social negativa e
que não se deixavam levar muito por opiniões e/ou pressões advindas da sociedade,
como podemos identificar nos trechos das entrevistas de Júnia e Diene.
Eu não era aquela gorda que se escondia e que não saía de casa.
Então, eu sempre tive minha vida social normal. (Júnia)
Nunca tive nenhum problema de preconceito. Eu sou gorda, não vou
sair de casa por causa disso. Não, pelo contrario! (Diene)
Entretanto, num segundo momento, analisando mais profundamente as
entrevistas, percebe-se uma certa ambivalência nos discursos dessas entrevistadas
mencionadas. Todas as mulheres, mesmo estas que disseram não sentirem as
conseqüências do estigma, direcionam seus discursos principalmente em torno das
pressões sociais que elas sofreram para se enquadrarem nos padrões de
normalidade estética. Voltando a Júnia e Diene citadas acima, a ambivalência está
no fato de que, durante toda a vida, fizeram de tudo para emagrecer e, mesmo
assim, disseram o terem “sofrido” por serem obesas severas. Ora, atentando para
este fato, nota-se no desenrolar de suas entrevistas que elas, assim como as outras
entrevistadas, sentiam as conseqüências por serem portadoras de um estigma, claro
que umas mais, outras menos, como vemos nas seguintes passagens:
85
A gente tem que ter senso. Mas chegava ao ponto, voimagina eu
com 107 kg, com 101 Kg. Chegava ao ponto que eu falava: “Agora
eu vou ter que fazer um regime”, aí eu emagrecia uns 15, 20 Kg e
ficava com uns 80 Kg. Eu continuava gorda, mas não me preocupava
porque eu tava mais abaixo, quando eu voltava para os 100 Kg
de novo, eu voltava a fazer regime. Era assim, minha vida era uma
sanfona. (Júnia)
Eu cobrava muito de mim. Eu nunca importei (...). Mas voacaba:
“Eu sou a única gorda do grupo, eu sou a única da sala”, entendeu?,
“Sou a única gorda do setor”. Sabe, se não existisse a cirurgia, o fato
de eu poder emagrecer com essa cirurgia, eu não sei, porque eu já
fiz a cirurgia, eu não sei como é que seria a minha vida se eu não
tivesse feito. Mas com toda a certeza eu levaria numa boa. Então, é
uma questão, assim, de cobrança da sociedade, a sociedade leva a
você a cobrar de você. (Diene)
Nesse contexto, destaco uma entrevistada em especial: Daniela. Em sua
entrevista, ela relatou que não sofria pelo fato de ser obesa severa e nunca se
envergonhou ou mesmo se percebia negativamente por ter um corpo desviante dos
padrões normais difundidos. Analiso que este é um caso especial, porque,
diferentemente das outras entrevistadas, o primeiro tratamento relacionado à
obesidade que ela fez foi psicológico, o que explica um alto nível de aceitação frente
ao estigma de ser obesa severa. Em suas próprias palavras:
Eu nunca fui muito complexada, eu tratava isso como uma coisa que
era minha mesmo e que se eu não desse um jeito, eu ia ter que
conviver com aquilo. Eu acho que é porque desde pequena, desde
quando eu comecei a ter o problema, que meu pai me levou na
psicóloga (...) Ela fazia um trabalho de conscientização, de que era
fato que eu tava obesa e que para eu tomar uma atitude, eu que
tinha que querer (...) Eu acho que ela fez um trabalho muito bom
comigo. Até elevou demais minha auto-estima. (Daniela)
Contudo, o fato de Daniela ter esse nível de aceitação não afetava sua
percepção da realidade social sobre as implicações e conseqüências de ser uma
obesa severa. Ou seja, ela tinha plena consciência de que, ao longo de sua vida,
86
sofreu preconceito
45
e discriminação por possuir um estigma, como podemos notar
nesse trecho de sua entrevista:
Quando eu era adolescente, eu sempre ficava brincando aqui em
baixo do prédio (...) Um dia, um [amigo] pegou e em tom de
brincadeira, e eu também levei na brincadeira (...) Ele me chamou de
“azeitona preta”
46
. Mas eu sabia que ele tava falando isso porque eu
tinha um problema, porque se eu fosse magra ele não ia me chamar
disso. (Daniela)
Portanto, fica claro que nos discursos de Júnia, Diene e Daniela um maior
grau de aceitação do fato de possuir um estigma e os problemas que este pode
acarretar. Mas, assim como as outras entrevistadas, há uma repetição clara do que
já é dominante, internalizado e, principalmente, difundido pela sociedade, ou seja,
aquele discurso que identifica o corpo do obeso severo como o diferente a ser
corrigido e o corpo magro como o saudável e almejado.
Importante ressaltar, como bem destaca Menezes (2004), que existem
diversas percepções sociais acerca da gordura e da obesidade e suas gradações,
todas relacionadas a uma referência contextual onde a imagem social do indivíduo é
negociada, diminuindo, eventualmente, as conseqüências do estigma. O autor
coloca que se a imagem do apresentador e humorista Soares não estivesse
associada ao contexto artístico, sua gordura seria muito mais questionada do que é
atualmente. De acordo com Fischler (1995), a classificação social de um obeso
resulta de uma relação entre os traços físicos e a imagem social da pessoa, como
exemplo, sua profissão. Com certeza uma diferenciação da percepção social dos
45
O preconceito que me interessa e que é o mais comum é aquele, segundo a concepção de Fraga,
que é “cometido quase de forma involuntária, que permeia todas as relações da sociedade, e que, em
maior ou menor grau, com maior ou menor crueldade, todos nós estamos sujeitos, às vezes algozes,
às vezestima” (2000, p. 69).
46
O termo “azeitona preta” se deve ao fato de se tratar de uma mulher negra.
87
distintos estados corporais, que varia de acordo com o posicionamento do indivíduo
na sociedade.
Contudo, quando se trata, como neste trabalho, dos indivíduos obesos
severos, sejam ricos, pobres, famosos ou inteligentes, todos carregam consigo um
grande excesso de gordura que os destaca, que os torna “referenciais” no âmbito da
sociedade, ou seja, todos obesos severos, por mais que alguns lidem bem com o
fato de terem esse atributo, carregam um estigma. Essa constatação é fortemente
observável nos discursos das entrevistadas:
O obeso é sempre assim: “Tá vendo aquele gordo ali, atrás dele”. Ele
é um ponto de referência. (Hanna)
Então, eu sempre fui referencial da turma. Você tá assim num lugar e
dizem assim: “Oh, depois daquela gorda lá”. (...) Eu sempre tive o
ouvido muito aguçado, então isso aí de longe eu ouvia e isso é
prejudicial pra você, você se sente mal. (Márcia)
No trânsito, no trabalho, as pessoas, por exemplo, vão me indicar em
vez de falar: “A Fabiana, que tem o cabelo vermelho ou então:
“Aquela que fica sentada em tal mesa”. Enfim, um outro exemplo de
você dá uma indicação pra pessoa: “Ah, aquela gorda lá” ou então, a
gerente... Não, a indicação é a mais pejorativa possível: “Aquela
gorda lá”. (Fabiana)
Nesse sentido, o fato de ser considerado como uma referência, de ser
observado e, conseqüentemente, de ser avaliado negativamente em muitos lugares
na sociedade, por causa do estigma, é crucial para o desenvolvimento social dos
indivíduos obesos severos. Ser uma referência, de acordo com as entrevistadas,
significa ter cada movimento sendo observado constantemente pelas outras
pessoas. Isto faz com que o indivíduo obeso severo procure controlar suas ações
para não chamar ainda mais a atenção para seu atributo que é visível na interação
88
social, ou seja, o grande excesso de gordura, como bem podemos observar nos
discursos de Diene e Simone:
Mas eu lembro assim que eu não colocava comida em restaurante,
eu não colocava. Nos meus 15, 16 anos eu não colocava, minha mãe
que tinha que servir meu prato. Porque eu não, não vou pôr, todo
mundo vai me olhar e eu não quero. (Diene)
Eu não ia ao Bouganville
47
. No Bouganville tem uma cadeira que era
assim, um oco, se eu me enfiasse dentro depois na hora que eu
levantava minha bunda ficava presa. Então não tinha condições de ir.
(...) Ficava com vergonha de sentar naquelas cadeiras de bar, de
plástico, eu morria de medo de quebrar. Meu quadril enfiava nelas
assim sabe, era difícil. (Simone)
Na perspectiva analítica de Marchesini, S. (2001), a obesidade severa,
insistentemente, condena os indivíduos a viverem em um mundo onde há sempre o
envolvimento de uma grande carga de discriminação e uma compreensão
preconceituosa sobre a figura do chamado “gordo”. Essa interpretação dos
indivíduos obesos severos, muita das vezes feita de forma apressada, por
conseqüência do estigma visível do excesso de gordura, pode ser notada nas
passagens que se seguem que destaco do discurso das entrevistadas:
Eu entrei várias vezes pra comprar um presente e a pessoa te
atente tipo assim: “Nossa, não tem roupa aqui pra você, não tem
roupa aqui que te serve”, você fala: “Olha, querendo ver essa
roupa aqui”. “Olha, mas vai até quarenta e... quarenta e quatro”.
“Não, mas eu quero número quarenta pra presente”. (Mirela)
Uma vez eu escutei uma pessoa falando assim, nós estávamos com
uns casais, eu escutei uma falar assim: “Ela não representa perigo
pra você, seu marido não vai olhar para aquele tamanho”. Fiquei
quieta e não falei nada, mas isso marcou. (Hanna)
47
Bouganville é um shopping center da cidade de Goiânia.
89
Estas são situações preconceituosas semelhantes as que ocorrem com
indivíduos negros. Um exemplo claro pôde ser visto em uma propaganda veiculada
na mídia televisiva, onde um rapaz negro estava manobrando um carro na garagem
para sair e no banco de trás estavam uma mulher e um bebê. Uma antiga amiga
dessa mulher se aproxima do carro e diz: “Nossa amiga, voestá bem, tem aum
motorista!”. E a mulher responde: “Não, ele é meu marido!”.
Portanto, tanto nos exemplos relacionados ao estigma da obesidade severa
quanto do estigma de ser negro, percebe-se claramente que uma discriminação
das mulheres obesas severas e um preconceito para com o homem negro por se
desviarem do padrão considerado como o normal pela sociedade e, principalmente,
pelas mulheres obesas severas e o homem negro carregarem um estigma que
direciona a atenção e a interpretação dos outros indivíduos, baseando-se
unicamente em sua forma física ou em sua cor da pele.
Contudo, não podemos generalizar o argumento acima, pois é evidente que,
como já explicitado anteriormente, uma interpretação preconceituosa e apressada
pode mudar no decorrer do processo de interação social. Com o início da
comunicação entre os envolvidos no contexto de interação, as interpretações acerca
dos indivíduos estigmatizados podem mudar, direcionando a atenção para outros
atributos que esses indivíduos provam possuir, o que pode levar o estigma a ficar,
pelo menos temporariamente, em segundo plano.
Um exemplo dessa perspectiva é destacado no seguinte trecho da entrevista
de Simone, cuja característica de relacionar-se bem com as pessoas e de manter
uma conversação interessante, fazia com que a interpretação dos outros sobre si,
muitas vezes, não ficasse apenas baseada no estigma:
90
Depois que eu separei, muitas vezes assim, eu tinha um grupinho de
amigas, eu saía com as minhas amigas, umas amigas bonitinhas,
magrinhas e tal. Aí, chegava aquele grupinho de homens, né.
assim, é lógico que chegava já flechando as outras que eram
bonitas. Aí, começava conversar, conversar, conversar. Aí, começou
a conversar comigo, passava um pouco, tava assim, as minhas
amigas de um lado quietas e eu conversando com os três homens
que tinham chegado. Então, aí acabava virando o jogo e muitas
vezes dava namoro. (Simone)
Num estudo de Felippe et al (2004), procurou-se avaliar a discriminação
social veiculada contra indivíduos obesos em jornais e revistas. Constatou-se que
aparecem em um número muito mais significativo mensagens e textos de conotação
negativa e discriminatória do que textos que levantassem os aspectos que tratem da
obesidade como uma doença. Os autores identificaram na mídia pesquisada que as
mensagens veiculadas impõem um estereótipo de beleza inalcançável e que
estimulam os indivíduos a uma exigência para alcançá-lo.
Para Pinto (1999), ao desviar-se desses padrões de corpo saudável
apresentado pela mídia, o obeso severo torna-se, de certa forma, um rejeitado
desde muito cedo. É freqüentemente vítima de gozações e seu percurso existencial
é marcado por atitudes preconceituosas, humilhações, piedade, hostilidade e uma
grande variedade de apelidos pejorativos. Em relação a esse aspecto, todas as
entrevistadas se manifestaram a respeito. Por isso, destaco aqui quatro exemplos de
como essas mulheres já foram tratadas (lê-se: discriminadas) tanto por indivíduos
desconhecidos (no trânsito e dentro do ônibus) quanto por conhecidos (no trabalho e
na faculdade), apenas pelo “simples” fato de serem portadoras de um estigma:
A gente desde criança, você sendo sempre motivo de chacota,
sempre sendo achincalhado gratuitamente (...) O pessoal faz uma
barbeiragem no trânsito com você, você vai reclamar, a pessoa
volta te xingado, te agredindo só pela sua condição física. (Fabiana)
91
Uma semana antes da minha cirurgia, eu fui pegar um ônibus e tinha
um lugar vago, o rapaz na hora que ele me viu, ele colocou a
mochila em cima do banco. Aí, entrou uma mulher, uma morena
muito bonita, magrinha, ajeitadinha, ele foi e tirou a mochila pra ela
sentar. Eu pensei: “Daqui uns tempos você vai me dar o lugar”. Isso
doeu, mas isso doeu tanto, eu chorei tanto. (Hanna)
Teve uma vez que eu estava em reunião né, porque estava fazendo
a distribuição das mesas, estava o pessoal pra estudar uma forma de
fazer a distribuição e tal. Aí, em plena reunião, né, teve um colega
que virou e falou assim: “Tem que tomar muito cuidado com isso aí,
porque senão a Márcia não passa”. Então isso aí, assim... foi horrível
né. (Márcia)
Uma vez, eu entrei na faculdade, eu fiquei tão chateada com a
menina que até hoje eu não gosto da cara dela. Eu sentei na cadeira
e ajeitei assim, tal. Aí, ela virou e falou assim: “Nossa, Simone, você
tem que emagrecer, olha aí pra você ver, você não nem cabendo
na cadeira. Daqui alguns dias, você deixa de vir pra faculdade, de
tanto que apertado. Você nem cabe na cadeira”. Aquilo me deixou
tão chateada. (Simone)
Segundo Pinto (1999), o convívio precoce com esses tipos de discriminações,
difamações e preconceitos, por mais rotineiros que possam parecer em se tratando
do senso comum, pode prejudicar o bem-estar social presente e futuro de indivíduos
obesos severos. As dificuldades, segundo o autor, de viver em sociedade são várias,
como ingressar no mercado de trabalho, principalmente se for mulher, pois muitos
empregos dependem de uma “boa aparência”.
Com relação a esse último argumento, apesar da bibliografia pesquisada
apontar o mercado de trabalho como uma das dificuldades sociais para os obesos
severos, tal fato não foi totalmente corroborado nas entrevistas. Todas as mulheres
disseram que trabalhavam desde a adolescência e que nunca tiveram maiores
problemas para arrumarem empregos, mesmo aqueles que, supostamente,
demandavam uma boa aparência, como o exemplo de Mirela, que trabalhava como
gerente de marketing de uma revista ou de nia, que era assessora (secretária).
Nesse aspecto, somente Simone destacou que em um determinado período de sua
92
vida, principalmente nas fases em que se encontrava com um maior peso, teve
dificuldades para conseguir emprego e, em alguns casos, até mesmo uma entrevista
de trabalho:
Eu não conseguia uma entrevista de emprego (...) A maioria do
tempo que eu estava gorda, a não ser a fase que eu trabalhei com
eventos, eu não trabalhei. Eu só procurava. (Simone)
Carvalho (2002) enfatiza que o preconceito e, conseqüentemente, a
discriminação ocorrem à medida que um indivíduo é segregado ou diferenciado dos
demais membros da sociedade ou ainda de seu grupo, por possuir uma
característica que o inabilite a aceitação plena. Essa característica que venho
procurando explicitar ao longo da discussão e que torna possível o preconceito e a
discriminação é o estigma.
No intuito de compreender o universo dos indivíduos que possuem um
estigma, Erving Goffman (1988) escreveu seu livro “Estigma: notas sobre a
manipulação da identidade deteriorada”. Para ele, o fato de um indivíduo carregar
um estigma social, como é o caso do obeso severo, implica carregar consigo um
atributo que pode desviar a atenção, num contexto de interação social, para seu
aspecto mais marcante, nesse caso, o grande excesso de gordura.
O conceito de estigma se apresenta, assim, como um termo importante para
compreendermos a situação de um indivíduo obeso severo e sua relação com a
sociedade. Goffman mostra que o estigma é “um tipo especial de relação entre
atributo e estereótipo” (1988, p.13). O autor utiliza o termo relacionando-o a atributos
que são profundamente depreciativos. É preciso, porém, além de um atributo,
estabelecer uma “linguagemde relações. Isto quer dizer que, se, por um lado, um
93
atributo estigmatiza alguém, por outro lado, pode também servir para confirmar a
normalidade de outro. De forma mais precisa:
Um indivíduo que poderia ter sido facilmente recebido na relação
social quotidiana possui um traço que se pode impor à atenção e
afastar aqueles que ele encontra, destruindo a possibilidade de
atenção para outros atributos seus. Ele possui um estigma, uma
característica diferente da que havíamos previsto (GOFFMAN, 1988,
p. 14).
De acordo com Goffman (1988), são os indivíduos vivendo em sociedade que
estabelecem os meios de categorizar as pessoas e o total de atributos considerados
como comuns, naturais ou normais para os membros de cada uma dessas
categorias. São os diversos ambientes sociais que estabelecem as categorias de
pessoas que têm probabilidade de serem neles encontradas. As chances de
encontrarmos, por exemplo, um fisiculturista em um grupo de vigilantes do peso o
bem remotas.
O termo estigma, segundo Goffman (1988), oculta uma dupla perspectiva: a
do indivíduo desacreditado e a do indivíduo desacreditável. O desacreditado assume
que a sua característica distintiva ou já é conhecida ou é imediatamente evidente na
interação e o desacreditável assume que sua característica distintiva não é
conhecida pelos presentes nem imediatamente perceptível por eles. Os indivíduos
obesos severos são, na perspectiva analítica de Goffman, desacreditados, pois
possuem uma característica ou um atributo totalmente visível que se impõe, o
excesso de gordura, na interação social direta.
Como foi dito ao longo desse trabalho, é fato que em nossa sociedade o
indivíduo obeso severo não é categorizado como se enquadrando num padrão de
normalidade estética, nem pela ciência, nem pela sociedade. Nossos padrões de
cultura estética contemplam como o saudável, o bonito ou, na perspectiva de
94
Goffman (1988), o normal, sempre aquele indivíduo que possui um corpo magro e,
se possível, esculpido e esbelto. O obeso severo, sendo o indivíduo desviante
48
desses padrões, torna-se o estigmatizado ou, mais ainda, o desacreditado por ter
um estigma físico visível. O indivíduo normal”, na concepção de Goffman (1988), é
aquela pessoa que não se afasta negativamente das expectativas particulares. As
atitudes que os normais têm com relação a uma pessoa com um estigma e os atos
que empreendem em relação a ela são bem conhecidos na medida em que são as
respostas que a ação social benevolente tenta suavizar e melhorar
De acordo com Goffman (1988), a característica fundamental do indivíduo
desacreditado, por ser portador de um estigma totalmente visível, é possuir um traço
que pode se impor à atenção dos outros indivíduos e que, conseqüentemente, pode
afastar aqueles que ele encontra, destruindo a possibilidade de atenção para outros
atributos seus. De modo que a visibilidade do estigma se configura como de suma
importância, pois a informação cotidiana disponível sobre o obeso severo é a base
para decidir qual o plano de ação a empreender quanto a este estigma.
Nesse sentido, destaco dois exemplos dessa perspectiva no discurso das
entrevistadas: Hanna que se trancava em casa no final de semana no intuito de se
esconder e Mirela que deixava de tomar sorvete enquanto passeava pelo shopping.
Elas faziam isso, por conhecer a visibilidade do estigma que possuíam e por
temerem críticas. Percebe-se que há nessas entrevistadas uma consciência da
grande visibilidade de seus estigmas e de suas conseqüências sociais, por esse
motivo se “auto-privavam, de certa forma, de fazerem determinadas coisas.
48
Mais informações, ver Velho (1977).
95
Eu fazia [trabalhar] porque eu tinha que fazer. Eu saía porque eu
tinha que sair. teve época deu entrar em casa sexta-feira a
tardezinha, porque eu chegava do serviço, e saía segunda-feira.
Antes eu não via isso, hoje eu vejo que eu me escondia. Isso era
uma forma de eu me esconder, “deixa eu quieta aqui, que melhor
assim”. (Hanna)
O magro sempre pode tomar sorvete, comer o que for andando no
shopping, as pessoas nem vêem, passa despercebido. Agora, se for
um gordo com um sorvete na mão pode ter certeza que todo mundo
te olha e ainda critica. Certeza, as pessoas olham com a cara de
cinismo (...) Eu passei inúmeras vezes vontade no shopping, meu
esposo adora aqueles sorvetes do McDonald, todo mundo adora
aquilo, eu também adorava aquilo. Ele compra e toma
normalmente... Eu nunca, nunca comprei sorvete pra ir tomando
dentro do shopping. Comprei pra ir tomando, nunca! Porque a
pessoa olha pro gordo tomando soverte é motivo de crítica, eu
falava: “Eu não vou dar esse gosto pra ninguém”. (Mirela)
Partindo do principal pressuposto de que o obeso severo é um individuo com
uma identidade social estigmatizada e que por isso é difícil sua aceitação em
determinados lugares da sociedade, cria-se toda uma imagem socialmente negativa
desses indivíduos, que pode ser constatada nas piadas do dia-a-dia e nos
programas de TV, principalmente naqueles de cunho humorista. Quando se precisa
de uma mulher feia, geralmente se apresenta uma pessoa gorda. De acordo com
Pinsky (2000), imagens televisivas, como vistas em alguns programas, deveriam nos
fazer meditar sobre o assunto, em vez de nos fazer aceitar iias preconceituosas
como verdades definitivas. Nesse sentido, tem gente que leva o preconceito na
brincadeira, achando que piadinhas e gozações sobre as minorias não têm maior
significado. Errado” (PINSKY, 2000, p. 8).
Os programas que usam indivíduos estigmatizados (obesos severos,
homossexuais, negros, deficientes, etc.) como fonte de piadas e de chacota, com
certeza, contribuem para a difusão cada vez mais de um preconceito que está
enraizado em nossa sociedade. No caso do obeso severo, é freqüente vermos em
programas e filmes um link direto entre feiúra e obesidade severa, acarretando uma
96
disseminação e, conseqüentemente, uma internalização da compreensão de que
indivíduos que se encontram nessa situação são feios. Com relação a essa
perspectiva, constata-se, inclusive na maioria das entrevistadas, uma concepção da
obesidade severa relacionada diretamente com o ser ou estar feio.
É uma marmota [gordo], é uma marmota, que nem diz minha tia.
Uma roupa num gordo não fica bom, o “trem” não assenta. Não
falando de gordinho não, falando de 150 Kg, tô conversando de
150 Kg. É uma coisa diferente, é uma coisa que choca na hora que
você olha, na minha opinião. “Cara, ele é gordo demais”. A manga de
uma camisa curta dá no meio do braço, por exemplo. Ou o trem é
grande demais. É uma coisa meio que feia, pra não falar a palavra
feia. É uma coisa que você olha com outro olho mesmo. (Diene)
Eu tinha uma prima que nós éramos quase a mesma idade, e era
assim, eu falava assim: “Nossa, fulano tão bonitinho” e ela ia e
namorava ele. Entendeu como que era? Ela era a bonita e eu era a
feia. Eu mesmo me discriminava. (Márcia)
Seguindo com a perspectiva de Goffman (1988), os indivíduos acreditam que
alguém com um estigma não seja completamente humano. Com base nisso, são
feitos e criados vários tipos de discriminação, constrói-se toda uma teoria do
estigma, uma ideologia para explicar a sua inferioridade social. Desta forma,
utilizam-se termos específicos para o estigma, com forte apelo pejorativo (aleijado,
retardado, gordo, analfabeto, bicha, etc.) no discurso diário como fonte de metáfora
e apresentação desses indivíduos.
Nessa ideologia do estigma, há uma tendência em inferir uma série de
imperfeições a partir da “imperfeição” original. Num artigo que discute Aids, estigma
e corpo, Seffner (2001) explicita bem essa problemática. O autor procura mostrar
que o estigma de ser HIV positivo ou ser categorizado como um indivíduo portador
dessa doença traz consigo outros estigmas “virtuais”, como o de homossexual,
usuário de drogas, etc.
97
Não como negar que, em nossa sociedade contemporânea, os indivíduos
obesos severos são confrontados todos os dias com inúmeras dificuldades práticas
impostas pela sociedade. Torna-se relevante destacar, como bem podemos
identificar nas entrevistas abaixo, as várias privações e as discriminações sofridas
pelos indivíduos com obesidade severa, seja para ir ao cinema, se divertir, para
passar na catraca do ônibus, para dirigir um carro ou mesmo comprar uma roupa.
Minha vaidade tava nula, pra mim tanto fazia sair como não sair, ou
aprontar ou não aprontar, aprontar pra quê? Não tinha uma roupa
que caía bem, não tinha uma nada que eu olhasse e falasse: “Tá
legal” (...) Para comprar uma roupa, quando você acha é caríssima.
(Hanna)
Você vai ao cinema, se senta na poltrona e você fica no incômodo.
Sabe, você vai num parque da Disney, vo senta na montanha
russa e não te cabe. Não te cabe! E olha que é um país de gordos.
Quando eu fui para os Estados Unidos, eu sentei na montanha russa
eu achei que eu não ia sair, e eu não tava... eu tava com 90 Kg, quer
dizer, não era tão.. Eu sentei, eu achei que eu ia ficar presa lá, não
tava tão gorda assim. Avião! O mulo do absurdo, o avião. Ônibus!
É o cúmulo do absurdo um ônibus. (Mirela)
Segundo Brodie, Drew e Jackman (1996 apud Almeida, Loureiro e Santos,
2002), essa tendência estereotipada de avaliar a imagem corporal baseada em
padrões culturais da estética da magreza podem acarretar graves conseqüências,
como por exemplo, uma tendência crescente a insatisfação com o próprio corpo e
imagem. Quando estes se configuram diferentes dos padrões aceitáveis de peso e
estética, cresce a preocupação com o "ser/estar diferente", que passa a se fazer
presente na vida dessas pessoas que, por fim, sofrem ainda mais pela sua
obesidade severa.
Goffman (1988) explica essa situação destacando que, quando normais e
estigmatizados se encontram na presença imediata uns dos outros, ambos os lados
enfrentam diretamente as causas e os efeitos do estigma. O indivíduo estigmatizado
98
pode descobrir que se sente inseguro diante os normais, nesse caso, surge no
estigmatizado a sensação de não saber aquilo que os outros estão realmente
pensando dele. Mesmo sem esse conhecimento, as mulheres entrevistadas tendem
a se auto-excluírem, achando ou imaginando o que os normais estariam pensando
delas. Como na constatação da Organização Mundial da Saúde: “a maioria dos
obesos tem uma imagem ruim deles mesmos, eles dizem que são feios e pensam
que os outros almejam excluí-los das relações sociais”
49
. Tamm nas palavras das
entrevistadas:
Nessa época dos quinze eu era muito gordinha, então eu me sentia
feia (...) Eu ouvia muito aquela velha história: “Nossa você tem o
rosto tão bonito” e quase falava: “Mas o corpo é triste”. Mas, eu ouvia
isso demais, ouvia isso demais. Agora, a visão que eu acho que as
pessoas tinham de mim era essa, assim, de “nossa, mais é tão, tão
legal, tão assim, mas que pena que é gorda”. (Mirela)
Agora, o que te passa, na maior parte do tempo, que você é feio, que
você deslocado daquele espaço. Se você tem uma pessoa magra,
uma pessoa meio obesa – ta um pouco acima do peso – e entra uma
pessoa, no meu caso, que tá com uma obesidade severa, pré-super
obesidade, destoa. Então, naturalmente chama a atenção, as
pessoas vão te reparar, porque é uma adelas se sentirem melhor
(...) Então, a impressão que dá é que não está agradando. Não que
agradar, porque não era agradável pra mim, a minha imagem.
(Fabiana)
A característica central da situação de vida do indivíduo portador de um
estigma é a questão da “aceitação social”. É fato que todas as pessoas que vivem
em sociedade necessitam serem aceitas, pelo menos em seu grupo. No caso de
estigmatizados essa necessidade é ainda maior, pois são “naturalmente”
discriminados. Nesse sentido, foi observado que os indivíduos “informados” e os
49
No original, “de nombreux sujets obèses ont une mauvaise image d’eux-mêmes, c’est-à-dire qu’ils
se trouvent laids et pensent que les autres souhaitent les exclure des rapports sociaux” (2003, p. 64).
99
“iguais”, basicamente nas relações de amizades e na família das entrevistadas
exerciam um papel importante para ajudar na busca por esta aceitação.
Na concepção de Goffman (1988), os indivíduos estigmatizados descobrirão
que pessoas dispostas a adotar seu ponto de vista e a compartilhar o sentimento
de que ele é humano e essencialmente normal, apesar das aparências e a despeito
de suas próprias dúvidas. São dois esses tipos de pessoas: os iguais, que o
aqueles que compartilham o seu estigma e sabem por experiência própria o que
sentem os portadores de um estigma em particular, e os informados, que são
indivíduos normais diante dos quais o estigmatizado não precisa se envergonhar ou
mesmo se autocontrolar, porque sabe que será considerado como uma pessoa
comum.
Com relação às amizades, constatou-se com os depoimentos das
entrevistadas que uma tendência a se manterem os “amigos de verdade”,
informados ou iguais. Ou seja, de se manter aqueles amigos que não possuem
preconceitos em relação ao estigma e que, geralmente, são nculos de amizade
existentes já há algum tempo. De acordo com a entrevista de Márcia, os seus
amigos verdadeiros podiam até no fundo estar pensando alguma coisa sobre sua
obesidade, mas, ainda assim, na sua opinião, existia algum receio por parte deles
que procuravam se policiarem para não constrangê-la. Uma vez que a aceitação
social se torna imprescindível para qualquer indivíduo, um grupo de amigos, sejam
informados ou iguais, constituído algum tempo se torna ainda mais importante
para estigmatizados, como podemos identificar num trecho da entrevista de Fabiana:
Eu sempre procurei ter amigo pelo que eu sou, não pelo que eu
estou, ou porque eu pareço ter ou deixar de ter. Entendeu? Então, foi
escolha pessoal, isso é pessoal. Eu nunca procurei andar com
pessoas que me valorizassem pelo meu lado exterior e sim pelo meu
lado interior. (Fabiana)
100
Os membros da família (mãe, pai, irmãos, maridos, filhos, avós, tios,
cunhados, etc.) se constituem em outros tipos de indivíduos informados e muitos
também são iguais, pois foi observada uma tendência à obesidade em todas as
famílias das mulheres entrevistadas. A família exerce um papel bem mais importante
para o obeso severo do que as próprias amizades. No seio da família a aceitação
tende a ser plena, ou seja, sem nenhum tipo de preconceito ou autocontrole.
Na família das entrevistadas que não eram casadas, em geral, não havia
muita pressão por parte de seus pais para que elas emagrecessem. Quando ocorria
essa pressão, ela é justificada pelas entrevistadas como sendo uma preocupação
com o futuro aparecimento de doenças. Este é o caso de Daniela, cujo pai descobriu
que era diabético e temia que a filha também adquirisse a doença. também
casos como o de Júnia, que freqüentava os “vigilantes do peso” ou fazia algum
regime para acompanhar o seu pai obeso.
Com relação às entrevistadas casadas ou que tinham namorados cujos
relacionamentos eram lidos e constituídos algum anos, observou-se que esses
maridos ou namorados exercem um papel importante para o acolhimento, dando um
suporte emocional para essas mulheres estigmatizadas. Essa aceitação que ocorre
nos relacionamentos envolve um contexto mais amplo que engloba a sexualidade
dessas mulheres. Márcia nos fornece um bom exemplo desse tipo de relação:
E ele [marido] nunca, eu tenho 25 anos de casada, ele nunca pediu
pra eu emagrecer e ele nunca falou assim, por exemplo, que eu era
gorda, nunca. Ele sempre falava que eu tava bem, que eu tava
bonita, só que aquilo não era verdade, mas ele falava. (Márcia)
Embora a argumentação coloque os informados e iguais do cleo familiar
como importantes na busca pela aceitação social, houve uma entrevistada em
especial cuja família agia de forma inversa das demais. A família de Simone era
101
praticamente formada de obesos e obesos severos e a maior cobrança para se
buscar o emagrecimento recaía preferencialmente sobre ela. A cobrança por parte
de seus pais era a que mais lhe chateava:
Sua casa [família], que você ama, te põe pra baixo. Isso também
magoa muito, principalmente minha família. Meu pai falava assim:
“Nossa, Simone! Pelo amor de Deus! Você gorda demais, minha
filha, para de comer”. E minha mãe também falava. Então, isso me
deixava triste. E todo mundo: “Você é tão nova, tão bonita, pelo amor
de Deus Simone, para de comer”
50
. Você vai ficando triste. (Simone)
No caso dessa entrevistada, chegava a haver, em determinados casos mais
extremos, uma intenção mesmo de difamar a pessoa ou ainda de atitudes totalmente
preconceituosa por parte de membros de sua família:
Uma vez, a minha ex-cunhada, ela era cheinha, eu falei assim:
“Paula, larga de ser boba, para com isso, agora você vai deixar de
usar as coisas, deixar de sair por causa de um pouquinho de
gordurinha a mais. Imagina se você fosse igual eu”. Aí, ela falou:
“Deus me livre! Se eu fosse igual a você eu não punha nem o na
porta de casa”. (Simone)
Portanto, como o indivíduo estigmatizado responde à situação de ter que
conviver a vida inteira com um atributo tão marcante e depreciativo que pode
acarretar problemas para sua aceitação social? Em alguns casos lhe seria possível
tentar corrigir o que considera a base objetiva de seu problema? Se este é um
defeito físico, faz-se uma cirurgia plástica; se o indivíduo é analfabeto, procura
estudar. Nesse sentido, para Goffman (1988), não ocorre a aquisição de um status
completamente normal, mas uma transformação do ego.
50
É unânime entre as entrevistadas a compreensão de a comida tem relação direta com o excesso
de gordura. Muitas relataram que “comiam bem”, outras que comiam muito errado (beliscavam muito
e a toda hora), outras viam na comida uma forma de descarregar a ansiedade ou a tristeza e teve
uma entrevistada que tinha compulsão por comer. De acordo com Hanna: “Já teve dia de eu sair
procurando o que comer, de eu comer farinha pura”.
102
Será que o estigma (da obesidade severa), após todo o processo da
gastroplastia que se encerra pós cirurgias plásticas, continuaria a estar presente na
vida das mulheres submetidas à cirurgia de redução de estômago? Será que
somente uma alteração da situação de desacreditado para desacreditável, uma
vez que o estigma não será mais visível, mas pode aparecer num contexto de
interação social abrindo uma brecha na identidade social virtual e na identidade
social real
51
dessas mulheres submetidas à gastroplastia?
Neste capítulo, procurei focar a discussão na condição social do indivíduo
obeso severo. Para tanto, a argumentação se pautou na questão do reconhecimento
do outro na sociedade e, conseqüentemente, da produção social da identidade, da
diferença e da normalização social de determinados atributos, causando
conseqüências para os indivíduos que não se enquadram no padrão normal
apresentado. Por fim, ressaltei o conceito de estigma e o caráter discriminatório da
obesidade severa, relacionando a argumentação com as entrevistas realizadas e,
dessa forma, procurando analisar as implicações da obesidade severa na vida das
entrevistadas antes da gastroplastia.
No último capítulo, procura-se, por fim, analisar e compreender as
conseqüências cio-culturais acarretadas pelo emagrecimento, decorrentes da
cirurgia de redução de estômago. O objetivo principal é conhecer as implicações do
procedimento cirúrgico sobre a vida das mulheres e, conseqüentemente, sobre
eventuais reconstruções identitárias.
51
De acordo com Goffman (1982), a identidade social virtual se refere à identidade que imputamos ao
indivíduo, pois estamos a todo o momento fazendo algumas afirmativas, caracterizando o indivíduo
que está a nossa frente aprioristicamente. A identidade social real, por sua vez, se refere à categoria
e aos atributos que o indivíduo, na realidade, prova possuir.
103
4 UM PROCESSO DE RECONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA
Eu não gostava de ser o centro das atenções porque eu
pesava 150 Kg. Eu não gostava. Eu preferia ser o centro
das atenções porque eu conversava alto, porque eu era
estourada. Eu prefiro assim, como é assim hoje (...) Eu já
sofri discriminação demais, demais. “Nossa, aquela
gordinha” ou “a menina ta interessada em você... não!
aquela gordinha?” É ruim (...) Então, tem a Diene antes
do dia 30 de Julho de 2003 e a Diene depois de 30 de
julho de 2003 (Diene, 24 anos).
4.1 Por que se Submeter à Gastroplastia?
O processo de reconstrução identitária se inicia a partir do momento em que o
obeso severo toma a decisão de se submeter à cirurgia. Esta não é uma decisão
fácil e que envolve toda a família. Na mente de quem toma essa decisão, nesse
instante é a perspectiva de uma nova vida, de um novo corpo e de uma nova
imagem social que se abre em seus horizontes. Pode-se identificar essa perspectiva
desse novo renascimento no seguinte depoimento:
Eu disse: “Mãe, eu tenho uma coisa para falar para senhora. Não
estou pedindo, não estou pedindo opinião e não estou pedindo
autorização. Estou comunicando que vou fazer a cirurgia de redução
de estômago”. Aí, ela começou a chorar. Aí, eu falei: “Mãe, não
chora... Essa é a decisão mais feliz que eu já tomei na minha vida. A
senhora não tem noção do quanto eu estou feliz” (...) Eu entrei na
sala de cirurgia feliz. Se eu morresse naquela cirurgia, eu estaria
feliz. Isso eu falo para qualquer um (...) Eu fui para a sala assim, a
mais feliz das criaturas. (Mirela)
104
Nesse sentido, os motivos que levaram a essa decisão precisam ser
compreendidos, para que possamos identificar motivações e preocupações que
levaram essas mulheres a procurar um tratamento definitivo para o problema do
excesso de peso que tanto prejudicava suas vidas.
“Por que você resolveu se submeter à gastroplastia”? Das poucas perguntas
direcionadas no processo de entrevista, essa foi uma das mais importantes feita
para todas as entrevistadas. As respostas foram muito convergentes, as quais
sintetizo a seguir, juntamente com um breve histórico dos tratamentos que elas já se
submeteram buscando o emagrecimento:
Daniela: Começou a engordar com oito anos. Fez tratamento psicológico, dieta com
acompanhamento de nutricionista, vigilantes do peso, tomou remédios receitados
por endocrinologista e tamm já foi para um SPA onde ficou por um mês.
Submeteu-se à gastroplastia porque tinha vontade de emagrecer e de reduzir os
riscos de doenças.
Diene: Começou a engordar desde criança. Fez todos os tipos de dietas “possíveis,
impossíveis e imagináveis”. tomou remédio controlado, falsificou receita, roubou
receita para comprar remédio controlado do tipo tarja preta para tirar apetite e para
perder gordura. Submeteu-se à gastroplastia porque tinha sérios problemas de
saúde (hipertensão) e tamm, segundo ela, em função da cobrança da sociedade,
“que leva você a cobrar de você mesmo”.
Fabiana: Começou a engordar desde os quatro anos. Passou a vida inteira fazendo
dietas, dos mais variados tipos e qualidades. foi para uma SPA em duas
oportunidades, com 17 anos (período de dois meses) e com 21 anos (durante duas
105
semanas). Submeteu-se à gastroplastia para se enquadrar aos padrões de estética
e para se sentir bem, porque estava começando a fazer mal para sua saúde.
Hanna: Começou a engordar com dezesseis anos, depois do nascimento do
primeiro filho. Fez dietas, tomava remédios à base de anfetamina e bromazepan.
Conhece quase todos os endocrinologistas da cidade. Submeteu-se à gastroplastia
“para não morrer de tristeza” de se ver tão deformada esteticamente e para não
morrer de alguma doença.
Júnia: Começou a engordar com doze anos. Já freqüentou vigilantes do peso,
tomou inúmeros tipos de remédios, fazia exercícios físicos em academia,
acompanhamento com nutricionista. Submeteu-se à gastroplastia por questões
estéticas e por medo de futuras doenças. Segundo ela, seria uma motivação de 50%
para cada um desses fatores.
Márcia: Começou a engordar desde criança. Ela passou a vida fazendo dietas. Em
cada endocrinologista que ia, tomava remédios e fórmulas os mais diversos.
Submeteu-se à gastroplastia porque tinha uma vontade muito grande de emagrecer
e, apesar de não possuir doenças decorrentes da obesidade severa, tinha uma
preocupação com o futuro aparecimento delas.
Mirela: Começou a engordar desde os três anos. Com doze anos iniciou o consumo
de remédios e fórmulas para emagrecer. Fez várias dietas, por fim, tomou um
remédio muito forte, com uma alta dosagem que quase culminou em sua morte. Por
isso, teve que fazer tratamento de dois meses com psiquiatra e com remédios
106
antidepressivos para sair da dependência. Submeteu-se à gastroplastia, segundo
ela, por motivo puramente relacionado à questão da estética corporal, visto que ela
não possuía nenhuma doença ou problema de saúde relacionado à obesidade
severa.
Simone: Começou a engordar muito a partir dos dezoito anos. Ela freqüentou
vigilantes do peso, fez as mais variadas dietas (da sopa, de Beverly Hills, da USP,
comer alface e ovo). Foi para um SPA por duas oportunidades, tomava fortes
remédios para emagrecer, fez acupuntura. Segundo ela, tudo quanto é tratamento
imaginável já fez. Submeteu-se à gastroplastia porque se preocupava praticamente
com a questão estética, pois queria comprar roupas bonitas, se olhar no espelho
com uma roupa bonita e também porque sofria muita cobrança da sociedade e de
sua própria família.
Uma pergunta direta com respostas diretas. O que se analisa dessas
respostas vem corroborar aquilo que discuto ao longo deste trabalho, ou seja,
diversas maneiras que a sociedade usa (diferentes mídias, indústrias do bem-estar,
ciências) para propagar e legitimar regras e padrões de adequação corporal que
motivam os indivíduos a fazerem determinadas coisas e a seguirem certas normas
de enquadramento social. No caso desta pesquisa, procurei compreender o quanto
se faz presente nas entrevistadas a motivação de se enquadrarem num padrão de
estética corporal, levando-as a se submeterem à cirurgia de redução de estômago.
Observa-se nas respostas que, em todas as entrevistadas, a vontade de emagrecer
de um forma definitiva é muito forte, se sobressaindo asobre a preocupação com
doenças ou o futuro aparecimento delas.
107
Destaco o caso específico de Diene, pois fica claro em sua entrevista que não
uma preocupação estética tão presente quanto no discurso das outras mulheres.
Entretanto, apesar dessa entrevistada apresentar sérios problemas de saúde,
constata-se que a cobrança por parte da sociedade também é muito presente em
sua vida cotidiana e tamm de qualquer outro indivíduo obeso severo. Essa
cobrança da sociedade reflete-se muito mais na maneira como são tratadas essas
pessoas no meio social. Para exemplificar esse argumento, destaco um trecho da
entrevista de Simone que corrobora com o que Diene aponta em sua entrevista:
Agora, o gordinho, se ele for colocar um tanto de comida fica todo
mundo olhando, todo mundo preocupado. “Nossa, mais você anda
comendo, fulano!(...) Eu queria ter mais liberdade. O povo parar de
preocupar com minha vida. (Simone)
Voltando a Diene, em seu caso específico, ela admite que tomar a decisão de
ir contra esses padrões estéticos considerados ideais significa travar uma séria
batalha contra a sociedade. Fiz a seguinte pergunta a ela: “Você acha que é melhor
se adequar aos padrões corporais que você disse que a sociedade tem do que ir
contra eles?” E ela me respondeu:
É, a luta é mais difícil. A luta é bem mais difícil. o é que você não
possa ganhar, você ganha a batalha, mas tem caminho mais fácil pra
você: a cirurgia. (Diene)
Também para Daniela é mais fácil procurar uma solução definitiva do que
ficar parada e, segundo ela, atualmente, é melhor ser obeso severo do que ser
somente obeso, pois para os primeiros a cirurgia de redução de estômago que
acaba definitivamente com o problema.
108
Hoje em dia tem tanta solução, por isso que eu te falo que o obeso
severo hoje tem a solução da cirurgia que pra mim foi 100%. Então,
eu fico com de quem é obeso e não pode fazer a cirurgia.
(Daniela)
Apesar de haver uma vontade de emagrecer em definitivo, visto que essas
mulheres tiveram uma vida de “sanfona”
52
, não como deixar de observar que a
preocupação e o medo de adquirir doenças por causa da obesidade severa são
bastante recorrentes em seus depoimentos.
Você não é mais uma criança. Então, o que pode acontecer? Pode
vir mil... acontecer alguma doença, que a obesidade não é saúde, a
obesidade não é saúde (...) A obesidade é uma doença e uma
doença que hoje, através dessa cirurgia você pode resolver o seu
problema. (Márcia)
Vale ressaltar que várias entrevistadas não tinham problemas de saúde
relacionados com a obesidade severa e, tirando Diene que tinha hipertensão, as que
tinham algum problema, não possuíam um alto grau de seriedade
53
. Nesse sentido,
aponto uma forte vontade de emagrecer, motivada por um padrão de corpo difundido
e em decorrência de uma cobrança externa da sociedade, a qual todos estamos
sujeitos, como a principal motivação para as mulheres entrevistadas se submeterem
à cirurgia de redução de estômago.
E se os indivíduos optarem por ir contra as normas de estética corporal
estabelecidas pela sociedade? Para responder a essa pergunta, é sempre bom
52
Esse termo visa apontar para uma realidade que atinge a grande maioria dos obesos severos, ou
seja, o efeito sanfona. Freqüentemente, esses indiduos fazem algum tratamento e conseguem
emagrecer, depois de algum tempo engordam tudo de novo. Eles enfrentam novo tratamento,
emagrecem e engordam tudo de novo. Em muitos casos, essa nova engorda ultrapassa o peso que
tinha antes de emagrecer.
53
Importante deixar claro que essa constatação decorre dos depoimentos das mulheres entrevistadas
e, por isso, não se relaciona com o fato de que a obesidade severa é uma doença que, se não
tratada, pode causar no futuro inúmeras outras doenças e problemas de saúde muito sérios em
decorrência do aumento excessivo de peso, como diabetes, hipertensão e doenças neuro-
musculares.
109
lembrar de Durkheim (1977), quando nos mostra que grandes dificuldades para
aqueles que procuram não se submeter a uma convenção mundana. Como citado,
há uma cobrança da sociedade para um padrão de corpo magro, que age no sentido
de fazer com que os indivíduos procurem meios para se enquadrar, assim, como
fizeram essas mulheres por meio da gastroplastia.
De acordo com Durkheim (1977), as tentativas empreendidas pelos demais
membros da sociedade para impedir esse desvio de conduta são várias: as
punições, a censura, o riso, o opróbrio, o preconceito e outras tantas restrições.
Estas o suficientes para nos advertir que estamos diante de algo que não
depende somente de s, o que vem comprovar essa cobrança que age sobre os
indivíduos obesos severos.
Entretanto, isso não significa que as pessoas ficam totalmente estáticas
diante dessa força externa da sociedade que age sobre elas. a possibilidade de
um comportamento inovador, como a criação de grupos organizados de obesos
severos para reivindicar os seus direitos
54
e, nesse caso, o principal direito que
exigem é o de ser como o. Mas, como citado no trecho da entrevista de Diene,
para não ter que travar uma difícil batalha contra a sociedade, muitos obesos
severos procuram um caminho mais cil, rápido e, medicamente legitimado: a
cirurgia de redução de estômago.
54
Um exemplo desses grupos vem dos Estados Unidos. É a National Association to Advance Fat
Acceptance (NAAFA). De acordo com Evans (2003), nos Estados Unidos o número de obesos cresce
e eles não se intimidam mais: defendem com todas as forças os seus direitos, movendo ações contra
companhias aéreas, academias, empresas e agências de publicidade.
110
4.2 Um Novo Corpo, Uma Nova Imagem
Depois da cirurgia, uma mudança de tratamento das outras pessoas para
com as entrevistadas que reflete uma alteração mais geral de comportamento
relacionada basicamente com a aquisição de um novo corpo e de uma nova imagem
que é transmitida à sociedade. “Você tem o rosto tão bonito!”. Essa era a frase que
as entrevistadas mais ouviam durante o período que eram obesas severas e que,
por sua vez, odiavam. “Como você está bonita!ou “Você magra, tá linda!”. Essas
são algumas das frases que as entrevistadas mais passaram a escutar após a
gastroplastia e que, por sua vez, adoram. O trecho abaixo, retirado da entrevista de
Júnia, vem destacar bem essa diferenciação baseada unicamente na forma física do
antes e depois da gastroplastia:
“A Júnia é uma menina boa”, nunca que ela era bonita. “A Júnia era
uma menina boa”. Hoje, a Júnia é boa e bonita (...) Ainda elas
[pessoas] falavam assim: “Não que você era feia, mas hoje vo
linda”, dão uma corrigida. (Júnia)
As entrevistadas relataram que, quando eram elogiadas na época em que
ainda tinham obesidade severa, tais elogios quase nunca eram direcionados para o
corpo como um todo. As pessoas falavam do rosto, dos cabelos, das unhas, das
habilidades, mas, quase nunca, dos traços corporais gerais. Como foi citado ainda
no capítulo dois, é fato que na atual era da lipofobia há uma condenação da
sociedade para o aumento excessivo de peso. Deste modo, os corpos dos
indivíduos gordos são vistos como indesejáveis e feios para uma apresentação
social aceitável.
As próprias entrevistadas relataram que a mudança de padrão corporal foi
uma alteração para melhor. Até entre as mulheres que relataram não se sentirem
111
feias pelo fato de serem obesas severas apontaram que após a gastroplastia houve
ainda mais um realce em suas belezas, como podemos ver nos depoimentos de
Daniela e Júnia:
Eu falo pra todo mundo que foi a melhor coisa que eu fiz na minha
vida. Eu me achava bonita, agora eu acho que eu sou mais bonita
ainda (...) Eu gostei de me ver magra, eu nunca tinha visto. (Daniela)
Depois que eu fiz a cirurgia, que hoje eu tô magra, eu vi o tempo que
eu perdi, que eu podia assim muito tempo (...) Hoje eu vejo
minhas fotos e não acredito que era eu. (Júnia)
Até agora, procurei tratar da mudança da imagem social, ou seja, a
apresentação do corpo aos outros indivíduos na sociedade, por meio da aquisição
de uma nova compleição corporal que passa a ser inserido num padrão aceitável de
estética. Relembrando Droguett (2001), são os próprios indivíduos que reduzem o
corpo a um objeto com vistas a sua apresentação social. Assim, procura-se ficar de
acordo com os padrões culturais, para que o corpo nos represente da melhor
maneira nas relações sociais, ou seja, aos olhos das outras pessoas.
Nesse sentido, num contexto de interação social o que se apresenta
primeiramente aos outros é a imagem física de um corpo coberto por roupas. Assim,
os indivíduos avaliam uns aos outros com base, dentre outros tantos atributos que
geram significados sociais (cor da pele, cor e tipo de cabelo, tipo de roupa), tamm
no tamanho e volume que este corpo possui. Assim, após a gastroplastia, estando
tudo dentro das convenções estéticas corporais, significa que as mulheres outrora
constantemente avaliadas o possuem mais nenhum atributo visível ou estigma
que possa criar-lhes uma identidade social virtual baseada em uma característica
física que as deprecie ou ainda canalizar em suas direções certas atitudes
preconceituosas.
112
Mas, se tivéssemos os poderes do super-homem e fôssemos capazes de ver
através das coisas, o que veríamos no caso das mulheres entrevistadas são suas
seqüelas ocasionadas pela obesidade severa. Vale lembrar que na época do
trabalho de campo (período de realização das entrevistas), apenas uma das
entrevistadas (Simone) havia feito cirurgia plástica. De modo que os depoimentos
refletem o momento de cada entrevistada, não fazendo alusão generalizada a um
possível pós-cirurgia plástica.
É importante deixar claro que após o emagrecimento, em muitos casos,
uma grande quantidade de pele que deve ser retirada por meio de cirurgia plástica,
assim como algumas áreas do corpo que ficam flácidas, como os seios e embaixo
dos braços. A quantidade de cirurgias e os locais onde se deve fazer variam em
cada caso. Alguns pacientes precisam mais e outros menos, dependendo do grau
da obesidade de cada um. Das entrevistadas, a que menos precisava de correções
plásticas era Diene, pois iria fazer somente nos seios.
Com uma média de um ano de pós-operatório, todas as entrevistadas ainda
faziam planos para futuras cirurgias plásticas, que são intrínsecas à cirurgia de
redução de estômago. Nesse período antes das plásticas, há, segundo algumas
entrevistadas, certa vergonha por causa das seqüelas. De acordo com Fabiana, não
ocorreram mais problemas relacionados a preconceitos ou mesmo de aceitação
social em relação ao corpo coberto. Entretanto, ela diz que tem certo incômodo por
debaixo dos panos. Nas suas palavras:
Eu me sinto muito bem. Me vejo bem, mas eu ainda não estou de
bem comigo. Porque meu corpo com a seqüela da obesidade.
Pelanca, excesso de pele, e isso me incomoda. A mama caiu.
(Fabiana)
113
Com relação a essa questão, Simone foi a entrevistada com mais problemas
a esse respeito. Segundo ela, as cirurgias plásticas a que se submeteu não ficaram
perfeitas, o que faz com que ela tenha que tentar esconder as cicatrizes na barriga e
no braço para as outras pessoas não ficarem perguntando, o que se torna um
entrave no processo de interação e na sua identificação social. Nas condições que
se encontrava seu corpo cheio de cicatrizes, ela revela, me mostrando algumas
marcas no seu braço, que preferiria estar do jeito quando era obesa severa, como
podemos observar em seu depoimento:
Sabe que eu preferia meu corpo quando eu era gorda, porque, às
vezes assim, eu acho bom quando eu ponho roupa, eu acho ótimo.
Quando eu ponho roupa saio, fica ótimo, meu corpo fica uma
gracinha. Mas, sem roupa eu acho horrível, porque assim, que nem
eu tô te falando, fica cheio de marcas. Antigamente era gordo, mas,
tudo arrumadinho. Do jeito que eu era gorda, todo mundo sabia que
eu era gorda, eu era gordinha e tudo. Agora hoje ficam essas
cicatrizes, essas coisas assim, minha pele mole e flácida, é muito
feio. É mais feio do que, se a pessoa for gordinha assim normal.
Agora hoje fica essa pelancuda, sabe? Eu acho mais feia do que
quem é gordinha (...) Já fiz duas plásticas. Fiz a plástica normal de
esticar a perna, depois a plástica para os sinais, reconstruir, ficou
tudo a mesma bosta, não prestou. (Simone)
Entretanto, observa-se no decorrer da entrevista de Simone, que o fato de
estar magra lhe traz outros benefícios sociais que um corpo dentro dos padrões
estéticos normais pode usufruir, como usar certas roupas, etc. Logo após ela me
responder o trecho acima citado, perguntei a ela: “Atualmente, você se acha mais
bonita?” E ela me respondeu:
Igual eu te falei, de corpo assim, o corpo mesmo eu não acho. Mas,
quando eu tiro foto, quando eu vejo. Eu tava vendo minhas fotos, aí
eu fico asimpática, né? Então, aí eu assim arrumadinha tal, ou
então, a roupa fica justinha, fica aquela golinha sobrando, eu gosto
mais. (Simone)
114
É certo que todas as entrevistadas terão que se submeter a algumas cirurgias
plásticas, até mesmo Simone quefez duas, planeja se submeter a mais. Contudo,
o fato de estarem esteticamente magras para a sociedade, podendo usufruir de
todas as facilidades do mundo dos indivíduos magros já vale um certo
constrangimento de terem que conviver com essas marcas até a conclusão de todas
as cirurgias psticas. Digo conclusão, porque somente Simone havia se submetido
a algumas cirurgias plásticas, tendo ainda que se submeter a outras, de modo que,
espera-se que as seqüelas sumam após as cirurgias necessárias. Assim, procuro
analisar a reconstrução identitária dessas mulheres tendo como referência uma
situação ideal baseada no que preconiza as ciências médicas, ou seja, com as
cirurgias plásticas, essas seqüelas “temporárias” irão desaparecer, não restando,
portanto, marcas que as mulheres precisem muito esconder. Segundo Hanna, a
cirurgia plástica é importante, mas não essencial quanto era emagrecer:
E se eu for fazer [cirurgia plástica], vai ser barriga e seio, mais
nada. E não é uma coisa que me incomodando também (...) Eu
olho assim e falo: “Isso aqui caiu, mas jóia, não tem problema” (...)
Têm pessoas que cai um avental, eu não tive esse problema desse
avental. Pra te falar a verdade, eu vou fazer a plástica, mas não é
uma coisa essencial na minha vida como era emagrecer. (Hanna)
Além de facilitar a aceitação social, o novo corpo e a nova imagem social
permitem que lugares outrora até evitados, possam agora fazer parte dos planos
para uma possível visita ou divertimento. Com o novo corpo que não chama mais a
atenção quando aparece e que, diferentemente do obeso severo, “cabe em qualquer
lugar”, as privações impostas pela sociedade deixam de existir. Ora, depois do
emagrecimento, essas mulheres passam a se enquadrarem, se não num modelo
estético perfeito de beleza e saúde, pelo menos, se encaixam nas regras básicas de
perimetria corporal. Esse enquadramento da perimetria a que me refiro permite não
115
a possibilidade de pegar um ônibus ou dirigir um carro para ir comprar novas
roupas e de se acharem mais bonitas com essas roupas, mas também de saírem
para se divertir com essas roupas, se sentarem, cruzarem as pernas e não terem
medo de quebrar a cadeira ou ficarem presas nela, como destaco nos três exemplos
a seguir:
Nada substitui o prazer de voir à uma loja comprar uma calça
jeans e você pedir o mero quarenta e ela ficar grande. Aí, a moça
traz uma trinta e oito e você vestir e ficar perfeita. Nada substitui isso,
pra mim. (Mirela)
Você acaba sendo mais despachada. Você não tem tantos medos.
Você não tem tantas barreiras. Hoje, eu vejo que eu não tenho tantas
barreiras. Tipo assim, de sentar, chegar numa boate, ter uma
cadeira: “Ah, eu não vou sentar nessa cadeira, porque ela não vai
agüentar”. “Ah, não vou colocar um vestido, porque vai ficar ridículo”.
“Ah, eu o vou dançar, porque eu sou gorda”. Não, hoje eu sou
mais despachada. (Diene)
Hoje, minha vaidade foi pra cima. Eu visto uma roupa e ela fica
bem. Eu tenho prazer em aprontar e sair. Eu tenho prazer em falar
assim: “Hoje, eu vou comprar uma roupa”, coisa que eu não tinha,
porque o dia de comprar roupa era dia de chorar, porque não
achava. Hoje não, qualquer lugar que eu entro tem uma roupa que
me sirva. Eu tenho facilidade de locomoção e eu morria de medo de
entalar na catraca de ônibus. (Hanna)
De acordo com Bruch (1977), não raramente pacientes que tiveram
obesidade severa por um longo período de tempo não se vêem como magras depois
de uma redução considerável de peso, como nos casos da gastroplastia. Para o
autor, esses indivíduos que emagreceram carregam com eles a imagem do tamanho
que tinham anteriormente como um fantasma. Foi observado nas entrevistas de
Diene e Hanna essa colocação. Diene, em especial, quando se olha no espelho, ela
ainda o se reconhece como uma pessoa esteticamente magra. Segundo essa
116
entrevistada, ela ainda não conseguiu adquirir uma nova consciência mais realista
do tamanho que ela realmente tem hoje.
Eu olho no espelho, eu não me vejo essa Diene. Chego num lugar
para comprar roupa: “Me essa calça”. “Essa calça vai ficar
grande”. “Eu quero essa caa”. “Não, Diene. Leva essa que te
serve”. “Não, essa não me serve, essa vai ficar apertada”. Eu olho no
espelho, eu não me vejo a Diene. Eu no espelho me olhando, eu não
vejo um corpo magro. Mas de quem que é aquele corpo, eu ainda
não consegui me ver. (Diene)
Pra mim hoje é muito difícil eu falar assim: “Eu sou magra”. Eu não
me vejo magra. Muita gente fala assim: “Nossa, você muito
magra”. Mas eu não me sinto magra, eu me sinto bem, mas magra
não. (Hanna)
Portanto, o processo de reconstrução identitária, no caso dos indivíduos
obesos severos, passa indiscutivelmente por uma mudança da estética corporal e,
como conseqüência disso, uma nova imagem social se cria, atuando na produção
das fragmentadas e múltiplas identidades sociais que nos são imputadas pelos
outros indivíduos nas interações sociais. A partir do momento em que os corpos
dessas mulheres adquirem novas formas que lhes permitem não serem mais
consideradas e nem apontadas como referências pelos outros indivíduos, sua
imagem social não mais suscita uma atenção voltada para elas pautada por atitudes
de preconceito.
Nesse sentido, apesar de ficarem algumas marcas no corpo em decorrência
da obesidade severa, que são retiradas com cirurgias plásticas, mas que em casos
extremos pode ser para sempre, o importante para essas mulheres foi o fato de ter
conseguido emagrecer e ter um corpo aceitável para os padrões culturais atuais,
sem doenças e que, por sua vez, não monopolize toda a atenção por onde ele
passar. Esse novo corpo, sem o atributo estigmatizante do excesso de gordura,
proporciona o aparecimento de uma nova imagem para a sociedade, que viabiliza a
117
reconstrução de sua identidade social. Portanto, a forma de tratamento das outras
pessoas se altera basicamente motivada pela mudança da percepção corporal
proporcionada pelo emagrecimento via gastroplastia, como podemos constatar no
seguinte trecho da entrevista de Simone:
Eu acho engraçado, sabe? Como as pessoas são levadas pela
aparência, são volúveis, mudam da opinião assim. Acho que as
mesmas pessoas que me criticavam antes, que tão hoje babando.
“Nossa, como a Simone diferente”. Eu acho que o as mesmas
pessoas, que me criticavam, porque as pessoas são meio hipócritas
nesse ponto. Elas vão muito pela estética só mesmo e não percebem
as outras coisas. (Simone)
Importante tamm para essas mulheres é poderem fazer coisas que antes
não seria possível pela condição física, poderem ser elogiadas como um todo e não
por algumas partes e, principalmente, poderem sair na rua sem que outra pessoa
fique olhando com curiosidade ou mesmo tendo um alívio momentâneo por ter uma
confirmação de sua normalidade aparente.
4.3 Aos Novos Magros
55
Terminei o capítulo três deixando algumas perguntas para serem respondidas
neste momento, envolvendo a correção do estigma e o possível enquadramento das
mulheres que se submeteram a cirurgia de redução de estômago num status de
normais. Ressaltei que Goffman (1998) considera que uma das formas de adquirir,
pelo menos, uma transformação do ego é por meio da correção direta do atributo
que estigmatiza o indivíduo.
55
Pego de empréstimo a expressão apresentada primeiramente por João Batista Marchesini em seu
livro “Aos novos magros...”.
118
De acordo com Goffman (1988), as pessoas que se descobrem livres de um
estigma podem ser consideradas por si mesmas e pelos outros como pessoas que
alteraram o seu ego, uma alteração em direção ao padrão aceitável para se viver em
sociedade, sem que isso as tenha transformado automática e completamente em
normais. Então, podemos considerar que, uma vez estigmatizado, sempre
estigmatizado?
Agora, tendo como referência a discussão conceitual sobre identidade
56
, esta
se apresenta como sendo fragmentada, múltipla e instável. A identidade social é
construída e reconstruída dependendo da forma como os indivíduos são
identificados socialmente numa relação de linguagens. Essa identificação situa os
indivíduos em categorias socialmente construídas, imputando, assim, estereótipos
pré-estabelecidos, que valorizam ou que depreciam as pessoas, na produção de
suas identidades sociais.
Nesse sentido, analiso que, a partir do momento em que o estigma não se faz
mais presente na interação social, foi constatado que as mulheres entrevistadas não
mais tiveram suas identidades sociais produzidas com base no estigma do excesso
de gordura. Isto se deu pelo simples fato de que não existe mais o atributo corporal
que as depreciava, as identificava e as enquadrava na categoria pejorativa “gordas”.
Assim, avanço nesta argumentação, apontando para uma constatação: as
entrevistadas passam a se sentirem num status de normalidade, na medida em que
deixaram de ser “referência” para a sociedade.
Você é discriminado e, quando voemagrece, você deixa de ser
discriminado. (Márcia)
56
Ver, (Bento, 2003, Hall, 2000, 2001; Woodward, 2000; Silva, 2000; Strauss, 1999).
119
Quando eu quero que me vejam, eu me produzo. Mas, não sou mais
um ponto de referência. Eu já não sou mais ponto de referência.
(Hanna)
Como citado, essas mulheres que tiveram o seu atributo corrigido não o
mais identificadas e categorizadas socialmente como sendo as gordas”. Com
certeza são colocadas em outras categorias, como nós todos somos, mas não nessa
especificamente. Portanto, isto implica dizer que, além de uma transformação do
ego, como aponta Goffman, e de uma substancial elevação da auto-estima, uma das
identidades sociais dessas mulheres, antes produzida com referência ao padrão de
estética corporal prevalecente, se modifica.
Na concepção de Silva (2000), nesse caso, a identidade social relativa à
imagem corporal se torna simplesmente uma “identidade normal”, pois ela se torna
“natural” para a sociedade. Portanto, essas mulheres passam a conhecer o outro
lado, onde agora elas têm a “normalidade” de suas identidades sociais confirmada
na identidade social dos indivíduos obesos severos, ou seja, dos chamados
“gordos”. Com essa mudança, toda a carga de preconceito e discriminação a que
essas mulheres estavam expostas desaparece na multidão que não tem mais aquela
referência para apontar.
Outra pergunta que deixei no capítulo anterior diz respeito à permanência do
estigma após todo o processo que envolve a gastroplastia, que termina com a
conclusão das cirurgias plásticas. Ou seja, se este continuaria a estar presente, não
de forma corporificada, mas como lembranças, muitas vezes desagradáveis, trazidas
à tona por outras pessoas. A hipótese colocada refere-se à alteração da situação de
desacreditado para desacreditável, uma vez que não há mais um estigma totalmente
visível, mas que pode aparecer como uma lembrança num contexto de interação
120
social, abrindo uma brecha na identidade social virtual e na identidade social real
das mulheres submetidas à cirurgia de redução de estômago.
Esta é uma hitese que não foi confirmada, pois o atributo estigmatizante de
ter tido obesidade severa, em nenhuma das entrevistadas, reapareceu como um
possível criador de uma identidade social virtual. Embora não sendo observado nas
entrevistas, não descarto, porém, a possibilidade de que o fato de terem tido esse
estigma retorne numa interação social, causando até certos preconceitos e
discriminações em menor grau, como por exemplo, em brincadeiras de mau gosto.
Uma outra situação de mudança de desacreditado para desacreditável pode
ser analisada no fato de haverem seqüelas da obesidade severa. Antes das cirurgias
plásticas, como vimos anteriormente, pode-se considerar que as mulheres ainda
possuem um estigma por “debaixo dos panos”, que são as marcas que algumas
entrevistadas relataram ter e, no caso de Simone, até esconder para as pessoas não
ficarem perguntando a respeito. Entretanto, analiso esse processo de reconstrução
identitária partindo do pressuposto das ciências médicas de que após as cirurgias
plásticas grande parte das seqüelas deixadas pela obesidade severa desaparecerá.
Sem a conclusão de todo o processo da gastroplastia, é um tanto apressado afirmar
que essas mulheres não são desacreditáveis. Assim, compreendo que há uma
correção do estigma e, desse modo, não há essa mudança, tendo como base um
modelo ideal preconizado pelas ciências médicas.
Marchesini S. (2001) prefere utilizar a expressão “novo magro”, em detrimento
de “ex-gordo”. Para essa autora, a palavra “gordo”, muito usada de forma pejorativa,
deve ser exorcizada também da mente de cada pessoa que conseguiu emagrecer.
Na opinião da autora, isto seria o ideal. Entretanto, na prática, o que se observou foi
que as mulheres submetidas à gastroplastia não fazem questão de esquecer seu
121
passado recente
57
, muito menos se importam de revelarem que foram obesas
severas.
Foi constatado que, em nenhum caso, as entrevistadas procuram esconder
que se submeteram à gastroplastia e que um dia foram obesas severas. Muito pelo
contrário, os novos magros gostam de falar sobre o assunto e, principalmente,
procuram passar adiante suas experiências com a cirurgia. Como é o caso de
Márcia, que faz questão de falar sobre todo o processo porque passou para ser
operada e tamm sobre a pós-cirurgia. Ela passou por uma séria complicação
teve fístula
58
– no início de seu pós-operatório.
Eu conto pra todo mundo, falo com todo mundo, porque eu tive
fístula e eu não tenho vergonha de falar pra ninguém que eu fiz. Eu
acho bom para as pessoas saberem que hoje a gente tem essa
possibilidade, que a medicina tá bem evoluída. (Márcia)
Muito longe de esconderem seus passados, em torno dessas mulheres
operadas cria-se, de certa forma, toda uma rede de troca de experiências. As pós-
operadas fazem questão de darem todas as informações sobre a cirurgia, tanto em
palestras dirigidas pelo SICO quanto na rua mesmo, principalmente quando se trata
de obesos severos. Podemos ver um bom exemplo desse argumento num trecho da
entrevista de Hanna:
Eu nunca falo pra ninguém: “Faça a cirurgia”. Geralmente, as
pessoas até brincam que aqui em casa é consultório. As pessoas me
ligam, uma conta pra outra e as pessoas me ligam, eu dou total
liberdade para as pessoas me ligarem. Eu falo da minha experiência,
o que eu passei, como foi pra mim, mas eu não falo pra ninguém:
“Vai, opera!”. Eu acho que isso é muito pessoal. (Hanna)
57
Destaco “passado recente” pelo fato de que essa constatação refere-se às circunstâncias que
envolveram o trabalho de campo, ou seja, o tempo de operação das mulheres selecionadas girou em
torno de um ano de pós-operatório. Nesse sentido, não posso fazer essa afirmação para indivíduos
com muito mais tempo que já foram operados.
58
Comunicação anormal de duas estruturas ou de dois órgãos. Ver, capítulo 1.
122
Agora, essas novas magras passam a ser as informadas em relação aos
outros obesos severos com os quais elas tenham relações mais próximas, como
amigos e parentes. O sentimento mais freqüente que as novas magras entrevistadas
relataram que têm em relação aos obesos severos é de dó e pena. Todas falaram de
uma vontade de chegar nessas pessoas e aconselhar para procurarem conhecer as
implicações da cirurgia de redução de estômago, pois esta intervenção cirúrgica se
apresenta, aos olhos das novas magras, como um tratamento altamente eficaz
quando se refere a obesos severos.
Quando eu vejo um [obeso severo], que eu vejo que aquela
obesidade tá incomodando ele, eu tenho muita dó. Porque eu sofri
aquilo. Eu sei que por mais que a pessoa fale: “Ah, eu não importo
nada”, no fundo, no fundo, ela tem algum problema com aquela
obesidade dela. Então, eu fico com dó. Eu tenho muita, muitas vezes
assim, eu fico com vontade de chegar na pessoa e conversar: “Ah, o
senhor ouviu falar da cirurgia e tal?” Às vezes, eu até tive
oportunidade de chegar e começar a conversar com a pessoa e ela
mesma fala sobre o problema dela ou que vai se submeter à cirurgia.
(Simone)
O fato de não se importarem em revelar que o novas magras não significa
sair alardeando para os quatro cantos que elas se submeteram à cirurgia de redução
de estômago. Contudo, o que fica evidente em todas as entrevistadas é a
importância dada para se explicitar todos os benefícios que a cirurgia acarretou em
suas vidas. Como salientado, cria-se toda uma rede de troca de experiências,
como podemos ver no depoimento de Simone:
Eu fico assim na minha, se alguém pergunta (...) E depois, quando
eu tenho intimidade, igual uma pessoa que eu conheço agora, vamos
supor, se eu te conhecesse na rua, eu nunca iria comentar com você.
Aí, depois que eu teria uma certa intimidade (...) Sempre que eu
conheço alguém que fala que quer fazer, que quer operar, eu sempre
dou meu telefone e falo: “Olha, se você tiver alguma dúvida você me
liga” (...) Eu gosto de passar minha experiência pra pessoa, as boas
e as ruins, mais boas, . Pra pessoa, às vezes, animar pra fazer
também. Porque eu sei que vai melhorar a vida dela. (Simone)
123
Portanto, é fato que a mudança na identificação social dessas mulheres após
o emagrecimento ocorre. Isso é evidenciado simplesmente porque uma alteração
no tratamento dispensado a essas novas magras em suas interações sociais. Como
podemos ver nas seguintes entrevistadas:
Pessoas que não conversavam com você no elevador, vizinhos,
agora, puxam assunto. Talvez [o fato de ter emagrecido], é até uma
forma de se abrir um diálogo. (Mirela)
Eu lido com o público, então, é um outro tratamento que você recebe.
Parece que quando a gente emagrece, a gente é até mais
respeitado. (Hanna)
O processo de reconstrução identitária, cujas conseqüências produzem uma
nova identidade social sem a presença do excesso de gordura, proporcionada pelo
emagrecimento e pela aquisição de um novo corpo que se enquadra nos padrões
estabelecidos pela sociedade, não se concretiza somente por meio do tratamento
vinculado à cirurgia de redução de estômago, pois é bom salientar que outros
tipos tratamentos que podem também acarretar esse emagrecimento e,
conseqüentemente, essa reconstrução identitária. A gastroplastia foi o meio que
escolhi para tratar desse assunto.
Neste capítulo, o objetivo foi analisar e compreender as conseqüências sócio-
culturais acarretadas pelo emagrecimento, decorrentes da cirurgia de redução de
estômago. Ou seja, as implicações da gastroplastia num contexto geral de
reconstrução da identidade social.
124
CONSIDERÕES FINAIS
Os símbolos e significados socialmente imputados aos atributos corporais são
recorrentes em qualquer sociedade. Baseando-se nesses símbolos e significados,
os corpos dos indivíduos estão sujeitos as mais diversas interpretações nas
interações sociais. Ora, se, por um lado, ser portador de determinados atributos é
uma garantia de estar bem representado aos olhos dos outros, podendo usufruir de
benefícios no âmbito social, por outro lado, o indivíduo que possui atributos
corporais considerados negativos pode ter diversos problemas para viver em
sociedade, como, por exemplo, ser vítima de preconceito e discriminação. Assim, a
construção e a reconstrução das identidades sociais encontram no corpo um
importante fator para a delimitação de fronteiras entre os indivíduos.
Em todas as culturas, certas delineações estéticas que são consideradas
por grande parte da população como as ideais. Os indivíduos são socializados de
maneira a tomarem conhecimento das regras e normas a serem seguidas e também
das diferentes maneiras de se enquadrarem. Para os atributos corporais também
normas que estabelecem uma apresentação socialmente aceitável. Na sociedade
ocidental contemporânea, o ajustamento a uma estética corporal se configura como
uma importante meta na vida dos indivíduos. Isto ocorre não porque desejemos “do
nada” esse enquadramento, mas porque sofremos uma pressão exterior para termos
esse desejo. A todo o momento da vida cotidiana estamos sendo bombardeados por
inúmeras mensagens e apelos para a busca incessante de um padrão cultural de
125
corpo, que no magro o seu ideal e cujo fantasma, o excesso de gordura, está
sempre presente e precisa ser combatido. Este modelo de corpo pode ser bem
observado nas diferentes formas de mídia.
Na atualidade, o bombardeio para a adequação a um padrão de estética
corporal ainda tem um direcionamento muito mais focado nas mulheres. A mulher,
ao que parece, continua sendo o alvo mais visado desse imperativo para se adquirir
um corpo dentro de normas rígidas. Os modelos de beleza propagados como os
mais bonitos reforçam ainda mais um padrão dado como obrigatório. Estamos,
assim, gradativamente reduzindo o leque de representações sociais dos corpos
femininos a critérios de estética baseados unicamente no modelo hegemônico, ou
seja, o modelo das atrizes, das top-models, cujos corpos o muitas vezes
construídos pela medicina estética. Nesse contexto, qualquer indício de excesso de
gordura (estrias, celulites, flacidez, varizes, etc.) é amplamente condenável, o que
tem como conseqüência, por exemplo, o grande número de mulheres com
problemas como bulimia e anorexia nervosa.
Esse enfoque e essa importância dispensados aos atributos corporais têm
conseqüências diretas para o convívio em sociedade, principalmente no que
concerne à construção e reconstrução de identidades sociais. Na realidade da vida
cotidiana, o corpo é o primeiro a se impor num contexto de interação social, de modo
que ele aparece como um importante fator na busca por adequação numa sociedade
que propaga ansiedades estéticas e cria estereótipos identitários negativos com os
quais os indivíduos são identificados e categorizados socialmente.
Como vimos, os corpos que são aceitáveis socialmente existem em
relação aos corpos daqueles indivíduos que se desviam dos padrões considerados
como os ideais. Corroborando esse entendimento, observa-se que a identidade
126
social do obeso severo é produzida a partir da identidade que serve de parâmetro,
ou seja, a do indivíduo que possui um corpo dentro dos padrões ideais, um corpo
magro, que não chame a atenção ou ainda que o seja identificado e categorizado
baseando-se em estereótipos depreciativos. Sendo assim, todas as características
negativas recaem sobre a identidade social do chamado “gordo” e, nesse contexto,
se apresenta a estreita relação entre a identidade e a diferença como um processo
de inclusão e exclusão.
Um dos aspectos que podemos observar nas entrevistadas, independente do
tipo de motivação para se submeter à gastroplastia, é uma vontade incessante de se
tornarem pessoas magras. Isto não quer dizer necessariamente possuírem corpos
magros como os das modelos, mas, sim, corpos que o aceitáveis socialmente e
que suscitam a construção de uma identidade social acompanhada de uma
categorização cujos estereótipos são vistos como positivos na sociedade. Em
contrapartida, foi observado nos discursos das entrevistadas, de forma recorrente,
que a construção da identidade social tem como referência atributos corporais muito
depreciados socialmente, como por exemplo, o excesso de gordura. As
entrevistadas sentiram na pele as conseqüências de possuírem esse atributo
estigmatizante.
Algumas entrevistadas começaram a travar a batalha contra o excesso de
peso desde crianças, outras iniciaram uma galopante caminhada em direção à
obesidade severa na adolescência. Percebe-se que desde muito cedo o estigma e
suas conseqüências estão presentes em suas vidas. Os efeitos negativos desse
excesso de gordura fizeram com que essas mulheres passassem boa parte de seus
anos de vida procurando por um tratamento, muitas vezes milagroso, que
127
viabilizasse a transformação do corpo gordo em magro e, como conseqüência disso,
a reconstrução de suas identidades sociais.
Embora a obesidade severa acarretasse conseqüências negativas para suas
vidas, algumas entrevistadas relataram que lidavam bem com a situação de serem
obesas severas e de serem pessoas desacreditadas por terem um estigma
totalmente visível. Entretanto, isso o significa que elas não sentiam tais
conseqüências socialmente negativas; pelo contrário, foi identificado que quem
possui esse estigma é constantemente apontado e avaliado de forma impiedosa na
sociedade.
A percepção que permeia o relato das entrevistadas é o de terem sido por
muito tempo consideradas como referências para os outros indivíduos, que
literalmente costumavam apontá-las. Freqüentemente precisavam controlar suas
ações em público, deixavam de sair ou de fazer determinadas coisas por causa da
reação dos outros à sua gordura, e muitas praticamente deixavam de viver por
estarem dependentes dos tratamentos sem resultados duradouros.
Algumas entrevistadas tinham uma visão totalmente preconceituosa da
própria imagem corporal, que internalizaram o olhar do opressor. Muitas delas se
sentiam feias e pensavam que os outros tamm tinham esse pensamento, o que
confirma o que vemos nos meios de comunicação, ou seja, um preconceito
estereotipado da figura de mulheres gordas relacionado à feiúra, em contraste com
mulheres magras, consideradas belas.
Com relação à aceitação social das entrevistadas, quando ainda eram obesas
severas, verificou-se que tanto os indivíduos informados quanto os iguais são
importantes em suas relações. Nesse caso, estou falando da aquisição de amigos
de verdade, dos maridos compreensivos e da família protetora. Como vimos, em
128
apenas um dos relatos identificou-se que a família agia de forma intolerante e
agressiva em relação à obesidade severa da entrevistada.
E após o emagrecimento proporcionado pela cirurgia de redução de
estômago? O que se observou, quando as entrevistadas se referiam a um momento
anterior à gastroplastia, foi sua total confiança e certeza de que após todo o
processo que envolve a cirurgia uma nova vida começaria. O fato de vislumbrarem
ter um corpo dentro dos padrões ideais e aceitáveis e a esperança de deixarem de
ser apontadas e avaliadas negativamente motivaram muitas entrevistadas a se
submeterem a esta cirurgia para emagrecer.
Constatou-se nas entrevistas que a vontade de emagrecer em definitivo, por
motivações estéticas, é bem maior do que a relacionada ao medo de adquirem
doenças por causa da obesidade severa. Muitas mulheres não tinham doenças e
quase todas vinham travando uma séria batalha contra a balança desde muito cedo.
Nesse sentido, pode-se afirmar com esse trabalho, que uma mudança radical na
estética corporal implica indiscutivelmente em uma reconstrução identitária. Com a
aquisição de um novo corpo, dentro dos padrões aceitáveis, uma alteração na
forma como as mulheres entrevistadas se percebem e no tratamento que os outros
dispensam a elas. Agora, o corpo é elogiado como um todo, pois, quando obesas
severas, recebiam elogios direcionados apenas para partes específicas, como o
rosto e os cabelos.
Para as entrevistadas, muito mais do que apenas se livrarem de um peso que
carregavam, uma das principais conseqüências positivas do emagrecimento via
gastroplastia é poderem usufruir de determinadas coisas que, em seus
entendimentos, somente pessoas mais magras podem. O fato de comprarem
roupas, sem precisarem ir a lojas especializadas para obesos, é algo muito
129
importante para elas. O medo de quebrarem uma cadeira desaparece, o medo de
serem identificadas e avaliadas de forma negativa tamm se dilui.
Tudo isso é possível porque não existe mais o atributo que as estigmatizava,
ou seja, o grande excesso de gordura. Essas mulheres deixam de ser notadas por
onde passam e dizem ser também mais respeitadas. As novas magras adquirem um
novo corpo e, conseqüentemente, uma nova imagem social. As novas magras,
porém, não exorcizam da mente o fato de terem sido obesas severas. Para elas, é
muito importante afirmar e divulgar os benefícios advindos do emagrecimento em
definitivo via gastroplastia. Tanto é que os sentimentos mais recorrentes quando
vêem um obeso severo é de e pena, acompanhados, porém, da crença de que a
cirurgia de redução de estômago poderia mudar sua vida, como ocorreu com elas.
Tenho, porém, consciência de que no estudo desse objeto, outros
desdobramentos que poderiam se enfatizados, principalmente no que se refere à
questão de gênero, uma vez que há uma distinção na forma como homens e
mulheres concebem as representações sociais para os inúmeros atributos
corporais. Com certeza, agregando num só estudo empírico os discursos de
homens e mulheres que se submeteram a essa cirurgia poderiam ocorrer novas
percepções e outras características importantes com relação à forma como se dá a
reconstrução identitária poderiam emergir. Não com relação a uma perspectiva
de gênero, mas outros tantos estudos comparativos poderiam vir a ser realizados,
como por exemplo, entre indivíduos de diferentes níveis sócio-econômicos, de
diversos graus de instrução, etc.
Seria interessante retornar a entrevistar essas mulheres daqui a alguns
anos, considerando que nessa pesquisa as mulheres entrevistadas tinham um
tempo médio de um ano de pós-operatório, período em que se estabiliza o peso
130
corporal, mas que, geralmente, o processo não está concluído, pois ainda não se
submeterem às cirurgias plásticas. Será que, assim como ocorreu com uma das
entrevistadas, as plásticas não conseguiriam eliminar as seqüelas deixadas pela
obesidade severa? Que conseqüências essas seqüelas acarretariam para suas
identidades sociais caso não desaparecessem por completo?
E com relação à auto-representação dessas mulheres após um período mais
longo de emagrecimento? Talvez elas percebessem que o emagrecimento via
gastroplastia não é aquela varinha de condão que acaba de uma vez com todos os
seus problemas. Talvez elas passassem a compreender que somente um corpo
magro não é garantia de aceitação social, mas que muitos outros atributos
corporais são apontados e avaliados negativamente pelos outros e, quem sabe, a
obesidade severa não era o maior problema que tinham em suas vidas.
Um outro importante estudo seria analisar os discursos de indivíduos que
utilizaram outras formas ou tratamentos para emagrecimento e que deram
resultados satisfatórios. Ou seja, até que ponto o processo de reconstrução
identitária de uma pessoa que faz um tratamento a longo prazo difere do processo
de uma pessoa que, num curto período de tempo, via gastroplastia, já está magra
do ponto de vista social?
Essa pesquisa me fez pensar a partir de uma outra perspectiva sobre os
significados de certos fenômenos que antes passavam despercebidos, assim como
passam para a maioria das pessoas. Agora, relembrando o caso de minha amiga
Paula, mencionada na introdução desse trabalho, consigo perceber claramente em
seu processo de emagrecimento que, quanto mais ela se aproximava de um padrão
de corpo magro aceitável socialmente, mais sua identificação social ia se alterando.
Lembro-me que os elogios em relação ao seu novo corpo iam aumentando no
131
mesmo passo em que perdia peso e também recordo que ela já estava sendo
colocada, tomando como base as falas de nossos alunos em comum, em uma
outra categoria, ou seja, da categoria gorda para magra.
Como a Paula parou o tratamento e voltou a engordar novamente,
infelizmente constato que essa transição em seu processo de reconstrução
identitária foi interrompida. Digo infelizmente, porque vejo novamente minha amiga
sendo vítima de preconceito e discriminação somente pelo fato de ter um corpo que
difere muito dos padrões ideais de estética. Mas ela não se submeteu à
gastroplastia. O que aconteceria com sua auto-representação caso se submetesse
a essa cirurgia? Provavelmente o mesmo que me relataram Daniela, Diene,
Fabiana, Hanna, Júnia, Márcia, Mirela e Simone: uma reconstrução identitária que
as coloca em outras categorias que não a das gordas.
132
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