Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
FACULDADE DE MEDICINA
PAULO EDUARDO XAVIER DE MENDONÇA
(LUTA) EM DEFESA DA VIDA: tensão e conflito, reconhecimento e
desrespeito nas práticas de gestão do Sistema Único de Saúde.
RIO DE JANEIRO
2008
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
Paulo Eduardo Xavier de Mendonça
(LUTA) EM DEFESA DA VIDA: tensão e conflito, reconhecimento e desrespeito
nas práticas de gestão do Sistema Único de Saúde.
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Clínica
Médica da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como requisito parcial a obtenção
do título de Mestre em Medicina (Clínica
Médica - Micropolítica do Trabalho e o
Cuidado em Saúde)
Orientadores: Emerson Elias Merhy
Marcelo Gerardan Poirot Land
RIO DE JANEIRO
2008
ads:
FICHA CATALOGRÁFICA
M539I
Mendonça, Paulo Eduardo Xavier de.
(LUTA) EM DEFESA DA VIDA: tensão e conflito,
reconhecimento e desrespeito nas práticas de gestão do
Sistema Único de Saúde. Paulo Eduardo Xavier de
Mendonça – Rio de Janeiro, 2008.
143 f.
Dissertação: (Mestrado em Medicina) Universidade
Federal do Rio de Janeiro.
Orientadores: Dr. Emerson Elias Merhy.
Dr. Marcelo Gerardan Poirot Land.
1. Luta por Reconhecimento. 2. Desrespeito. 3.
Gestão do cuidado. 4. Micropolítica. 5. Trabelho vivo em
ato. 6. Gestão hospitalar. 7. Desadministração. I Título
CDU: 616-084:658(043.3)
FOLHA DE APROVAÇÃO
Paulo Eduardo Xavier de Mendonça
(LUTA) EM DEFESA DA VIDA: tensão e conflito, reconhecimento e desrespeito
nas práticas de gestão do Sistema Único de Saúde.
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Clínica
Médica da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como requisito parcial a obtenção
do título de Mestre em Medicina (Clínica
Médica - Micropolítica do Trabalho e o
Cuidado em Saúde)
Aprovada em
_____________________________________________________
Dr. Marcelo Gerardan Poirot Land
Universidade Federal do Rio de Janeiro
______________________________________________________
Dr. Emerson Elias Merhy
Universidade Federal do Rio de Janeiro
_____________________________________________________
Dr. José Roberto Lapa e Silva
Universidade Federal do Rio de Janeiro
_____________________________________________________
Dra. Victoria Maria Brant Ribeiro Machado
Universidade Federal do Rio de Janeiro
________________________________________________________
Dr. Luiz Carlos de Oliveira Cecílio
Universidade Federal de São Paulo
DEDICATÓRIA
Aos meus pais, José Mendonça e Zoraide, que me ensinaram a reinventar a
vida; aos meus filhos Pedro, Maria, Bárbara, Ana Luiza e Lucas, que
amorosamente enchem de sentido minha estada e luta no mundo; a Regina
pela companhia genial, que pude ter enquanto foi possível e; a Nilza (in
memoriam), que com seus sorrisos gostosos e afetuosos, transcendeu espaço
e tempo, deixando mais desejo de luta pela vida, do que saudade.
AGRADECIMENTOS
É necessário assumir a impossibilidade de trilhar estes caminhos e elaborar
minimamente um pensamento capaz de pelo menos arranhar os meus saberes
instituídos, sem a companhia produtiva que os orientadores Emerson Merhy e
Marcelo Land, amorosamente dedicaram. Não seria possível esta produção sem o
apoio fantástico de duas mulheres fundamentais para a minha sobrevivência e
reinvenção da vida num momento de morte epistêmica, e aqui falo de Débora
Bertussi, que me abriu possibilidades de novos espaços de construção de vida e Lu
Morales, que amorosamente cuidou de mim no mais temível de minhas fragilidades
permitindo um encontro profundo e vital comigo mesmo. A força do carinho
comprometido e paciente de Laura Macruz, com seu olhar atento e cheio de
disponibilidade foi sempre encorajadora para seguir adiante. Não dá para esquecer a
importância para mim e minha produção, que a querida Teresa Gouda e o estimado
professor Lapa tiveram ao demonstrar concretamente que dava para apostar
solidariamente em alguém em franca crise. Mas também tenho que admitir, esta
empreitada não seria possível sem os companheiros da linha de pesquisa, de fato
existe mais que alteridade neste espaço, existe generosamente co-autoria militante.
Por fim, a turma de João Pessoa, mesmo sem saber direito participou de forma
intensa deste processo de produção de saber sobre e para a vida, muitas vezes
peripateticamente em eventos, reuniões, caminhadas e boas conversas de fim de
tarde.
Reconheço por fim, que sou o que vivi, o que li, o que troquei e por isso, de
forma agradecida também reconheço meus livros não explicitados, mas
identificáveis a cada parágrafo, a cada construção. Ao trabalhador de saúde, que
busca em sua militância construir dignidade na produção do cuidado, agradeço e
mais, assumo que suas indagações, queixas e protestos sobre as dificuldades não
sanadas por gestores também são produtoras do saber que tento validar.
RESUMO
Mendonça, Paulo Eduardo Xavier de. (Luta) Em Defesa da Vida: tensão e
conflito, reconhecimento e desrespeito nas práticas de gestão do Sistema
Único de Saúde. Rio de Janeiro, 2008. Dissertação (Clínica Médica) – Faculdade
de Medicina, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2008.
O estudo é uma investigação filosófica acerca da gestão no Sistema Único de
Saúde dialogada com a Teoria da Luta por Reconhecimento de Axel Honneth e os
principais autores da formulação do modelo tecnoassistencial Em Defesa da Vida.
Parte-se da análise da insuficiência de conceitos no campo da saúde coletiva para
aproximação às tensões constitutivas que se apresentam como potência na gestão
do cuidado, e para uma abordagem compreensiva da cinética do conflito. Apresenta-
se a teoria da Luta por reconhecimento de Axel Honneth e propõe-se uma
intercessão do conceito de desrespeito com as práticas e estruturas de gestão no
Sistema Único de Saúde no Brasil. Empreende-se uma confrontação entre tais
conceitos e a memória do pesquisador - epistemicamente militante e implicado com
os processos gestores – e, com base na análise de um processo concreto de
planejamento e formulação de um hospital, utilizando-se a matriz conceitual
desenvolvida, identifica-se possibilidade de enfrentamento das lacunas verificadas
no campo da saúde coletiva, particularmente para a compreensão do conflito e da
dinâmica entre ego e alter, na produção e na gestão do cuidado. Como principais
resultados, se pôde verificar: pertinência no conceito de desrespeito como potente
analisador a ser empregado nas caixas de ferramentas de gestores e trabalhadores
e, essencialmente, para o campo de saber em si, abriu-se caminho para novas
reflexões acerca do processo de trabalho e sua micropolítica, particularmente do
ponto de vista dos agires militantes na construção da defesa da vida.
Palavras-chave: Luta por Reconhecimento. Desrespeito. Gestão do Cuidado.
Micropolítica. Trabalho Vivo em Ato. Gestão Hospitalar. Desadministração.
10
ABSTRACT
Mendonça, Paulo Eduardo Xavier de. (Struggle) In Defense of Life: tension
and conflict, recognition and disrespect in the practices of the Brazilian’s
Single Health System’s management. Rio de Janeiro, 2008. Dissertation
(Medical Clinic) – Medical School, Federal University of Rio de Janeiro, 2008.
The study is a philosophic investigation concerning the management of
the Brazilian’s Single Health System in a dialogue with Axel Honneth’s Theory
of the Struggle for Recognition and the main authors of the formulation of the
tecnoassistencial model In Defense of Life. Starting from the analysis of the
insufficiency of concepts in the fields of the collective health to the
approximation to the constitutive tensions that present themselves as potency in
the care management, and for a comprehensive approach of the conflict
kinetics. Presenting the theory of the Struggle for Recognition of Axel Honneth
and proposing an intercession of the disrespect concept with the practices and
the management structures of the Single Health System of Brazil. Undertaking
a confrontation between such concepts and the researcher memory
epistemologically militant and implicated with the managing processes and from
an analysis of a concrete process of planning and making of a hospital utilizing
the developed conceptual matrix, identifying the possibilities of confrontation of
the verified gaps in the collective health field, particularly to the understanding of
the conflict and the dynamics between ego and alter, at the production and
management of care. As main results, the verification of the pertinence in the
concept of disrespect as a potent analyzer to be used in the toolbox of
managers and workers and, essentially to the knowledge field it self, the path to
new reflections about the work process and its micro politics was opened,
11
particularly from the militants actions point of view in the construction of life’s
defense.
Keywords: Struggle for recognition. Disrespect. Care Management. Alive Work
in Act. Hospital Management. Deadministration.
12
SUMÁRIO
Folha
RESUMO 9
ABSTRACT 10
INTRODUÇÃO 14
LUTA POR RECONHECIMENTO: O DESRESPEITO COMO
ANALISADOR POTENTE DO TRABALHO VIVO EM ATO NA
GESTÃO
28
Desrespeito 42
GESTÃO: TERRITÓRIO DE RECONHECIMENTO E DESRESPEITO
ENTRE SUJEITOS
49
OLHANDO EM ALGUMAS SITUAÇÕES DE GESTÃO NA SAÚDE
NA SUA COTIDIANEIDADE OS ANALISADORES
RECONHECIMENTO E DESRESPEITO: O COMPLEXO
HOSPITALAR DE MANGABEIRA GOVERNADOR TARCÍSIO
BURITY
65
A LUTA EM DEFESA DA VIDA OU CONSTRUÇÃO DO COMUM NO
CUIDADO. UMA GESTÃO SOLIDÁRIA PARA UMA MULTIDÃO
CUIDADORA
85
BIBLIOGRAFIA
93
ANEXO 1
95
ANEXO 2
117
13
O Violêro
Vô cantá no canturi primero
as coisa lá da minha mudernage
qui mi fizero errante e violêro
eu falo séro i num é vadiage
i pra você qui agora está mi ôvino
juro inté pelo Santo Minino
Vige Maria qui ôve o qui eu digo
si fô mintira mi manda um castigo
Apois pro cantadô i violero
só hai treis coisa nesse mundo vão
amô, furria, viola, nunca dinhêro
viola, furria, amô, dinhêro não
Cantadô di trovas i martelo
di gabinete, ligêra i moirão
ai cantadô já curri o mundo intêro
já inté cantei nas portas di um castelo
dum rei qui si chamava di Juão
pode acriditá meu companhêro
dispois di tê cantado u dia intêro
o rei mi disse fica, eu disse não
Si eu tivesse di vivê obrigado
um dia inantes dêsse dia eu morro
Deus feis os homi e os bicho tudo fôrro
já vi iscrito no Livro Sagrado
qui a vida nessa terra é u'a passage
i cada um leva um fardo pesado
é um insinamento qui derna a mudernage
eu trago bem dent' do coração guardado
Tive muita dô di num tê nada
pensano qui êsse mundo é tud'tê
mais só dispois di pená pelas istrada
beleza na pobreza é qui vim vê
vim vê na procissão u Lôvado-seja
i o malassombro das casa abandonada
côro di cego nas porta das igreja
i o êrmo da solidão das istrada
Pispiano tudo du cumêço
eu vô mostrá como faiz o pachola
qui inforca u pescoço da viola
rivira toda moda pelo avêsso
i sem arrepará si é noite ou dia
vai longe cantá o bem da furria
sem um tustão na cuia u cantadô
canta inté morrê o bem do amô.
(Elomar)
Prá alembrar que nóis tudo, nus avêsso qui discobre, tem um qui di sê
violêro!
14
ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES
Quadro 1 - Estrutura das relações sociais de reconhecimento F. 41
Quadro 2: Burocracia versus Adhocracia F. 80
ABREVIATURAS E SIGLAS
SUS – Sistema Único de Saúde
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
AIDS – Síndrome de Imunodeficiência Adquirida
IMS – Instituto de Medicina Social
CHMGTB – Complexo Hospitalar de Mangabeira Governador Tarcísio Burity
SAMU – Serviço de Atendimento Móvel de Urgência
DPOC – Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica
PB - Paraíba
15
INTRODUÇÃO
Em tempos de disputas vivas entre trabalhadores de saúde por modelos
tecnoassistenciais que possibilitem um enfrentamento renovado do mundo de
necessidades de saúde dos usuários, sejam inseridos nesta luta no lugar do
cuidador, seja naquele do gestor, todos são militantes: a construção do
Sistema Único de Saúde – SUS pressupõe implicação.
Para introduzir o tema a ser dissertado faz sentido apresentar um pouco
de minhas implicações, tanto em relação ao processo histórico e social de
produção da Reforma Sanitária no Brasil, como ao tema em si.
Nasci e cresci em meio e no entre instituições fortes, família, na qual se
sabe quem foi o tataravô, nos ensinamentos e engajamento na igreja católica,
na vida interiorana experimentada a partir do pioneirismo de meu pai,
enraizado nas fileiras do Banco do Brasil, outra instituição de grande tamanho
que não dá para desprezar. Experimentei ser adolescente em tempos de
ditadura militar e, nas dobras destas instituições, fiz parte de movimentos de
resistência, nos porões das igrejas, no pátio do Colégio Pedro II, no seminário
agostiniano. Conheci de perto, de dentro, as Comunidades Eclesiais de Base, li
e conheci Carlos Mesters, Leonardo Boff, Dom Hélder Câmara, Dom Pedro
Casaldáliga. Participei de rodas com teólogos da Teologia da Libertação,
estudei Paulo Freire, debati, apliquei, bebi nos ensinamentos que a abertura
para o novo e popular me traziam. Fazer medicina não estava apartado disto
tudo, dos filtros inevitáveis que a vida militante produzia.
16
Aprendia medicina, fazia massagens terapêuticas, partilhava com minha
companheira Regina, alfabetizadora e educadora uma vida militante, na qual
educávamos os filhos que iam chegando. Tentamos cursar Teologia à noite
com outros leigos, engajados e indisciplinados. Tudo era desejo de liberdade,
de emancipação, de querer uma vida feliz, comunitariamente partilhada. A
medicina era uma perspectiva de cuidado e antes de querer ser médico, queria
cuidar. Apaixonadamente queria cuidar.
Ao conhecer de perto os manicômios em processo de abertura,
estagiando na Colônia Juliano Moreira, entendi que para cuidar, também havia
que se compreender como o sistema de saúde, como seus modelos
funcionavam. A anti-psiquiatria e a Rede de Alternativas à Psiquiatria me
cativaram e capturaram para a saúde coletiva. Ingressei no internato em
pediatria (naquele tempo escolhia-se uma área básica para realizar o ano e
meio de internato) com meu filho Pedro nos braços e a Residência em
Medicina Preventiva e Social com Maria Gabriela. Residente, fiz concurso para
professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e, com Bárbara
no colo, me vi professor. Também nos 80 e começo dos 90, chorei a morte de
tantos amigos vítimas da AIDS: mais do que saudades, generosamente com
suas mortes deixaram um desejo vivo de lutar pela preservação da vida.
A UFRJ foi outra instituição poderosa em minha vida, pessoal e
profissional. Talvez a universidade e a militância no Partido dos Trabalhadores,
ao qual sou filiado desde 1980, tenham produzido as minhas experiências
institucionais mais fortes e onde se estabeleceu uma forte indagação sobre a
questão da assimetria entre sujeitos. Defendia junto com vários companheiros
17
a construção do socialismo por meio de lutas autônomas e autogestionárias,
queríamos, de fato, como ironicamente argüiu Vladimir Palmeiras na
Convenção Municipal do Rio de Janeiro em 87, creio eu, construir o socialismo
nas esquinas. Mas nestes dois lugares, a assimetria entre sujeitos era
profundamente cultivada, seja na meritocracia e práticas políticas da
universidade, seja nas inclusões diferenciadas das pessoas nas funções e nas
escutas dentro do partido. Era duro enfrentar o processo de profissionalização
dos quadros (inclusive remunerados, ou liberados, como se dizia à época)
partidários dentro de uma concepção de construir um partido de base.
Eu, sanitarista, me tornando um epidemiologista (opção no mestrado
em medicina social do Instituto de Medicina Social – IMS, cursado entre 1990 e
1992 e não concluído) e ouvindo Madel Luz naqueles corredores, tentava
entender com profundidade o pedido que ela havia me feito: “que (eu) fosse
um epidemiologista que conseguisse não ser um chato positivista”. Migrei para
São Paulo, fui trabalhar na direção de um grande hospital municipal, Luiza
Erundina governava com o lema de “Inverter Prioridades”. A gestão hospitalar,
desafiava o sanitarista e seus conhecimentos. A luta por fazer público o espaço
hospitalar privatizado por inúmeros interesses, sejam os corporativos, sejam os
privados em si, me levou, tanto quanto aos meus companheiros, a estabelecer
uma gestão com braço de ferro, com resultados assistenciais positivos, mas
com completa negligência das possibilidades de encontros felizes com os
trabalhadores de saúde: não ficou quase nada, nossos desejos de publicização
produziram mais privatização.
Foram várias outras militâncias profissionais, escolas, fábrica, porta de
18
emergência, Unidade Básica de Saúde, maternidade, entre derrotas e
frustrações, novos desejos e desafios, reinventava a vida, prestando contas
aos outros de mim mesmo: minhas poderosas instituições.
O saber militante que ia experimentando e acumulando habitava a
minha caixa de ferramentas e esta, partilhava com companheiros de projetos
de mudança na saúde, particularmente na condução de grandes hospitais
públicos. Em meio às tentativas de compreender a linguagem subjacente aos
posicionamentos estratégicos, faltava uma gramática do conflito, para avançar
para além das memórias, em direção à formalização e validação de um saber
constituído a partir das implicações de um sujeito epistêmico militante (Merhy,
2002 b.).
Para a formalização de um objeto complexo, de difícil captura em
documentos e falas oficiais, havia que se empreender uma investigação
conceitual, que partisse de um diálogo com minha própria experiência. Foi
necessário estabelecer uma matriz conceitual explícita e considerar as
implicações da autoria, longe da neutralidade, mas marcada pelo
reconhecimento da alteridade que a linha de pesquisa poderia produzir neste
encontro produtor de conceitos.
Assim, ao longo da construção reflexiva que busco empreender na
dissertação, experimento um debate entre meus registros de memória e a
formulação de Axel Honneth, sempre em relação com as proposições e
contribuições de autores implicados com o modelo tecnoassistencial em defesa
da vida.
19
Pretendi nesta caminhada a elaboração e a aproximação do conceito de
desrespeito e como o mesmo pode ser um analisador potente dos processos
de gestão e produção do cuidado em saúde e como poderia contribuir para,
dentro de diversos dilemas da gestão pública, a formulação de propostas de
intervenção organizacional. Isto significou em primeiro lugar sobrevoar a mim
mesmo, transitar nas dobras do sujeito militante implicado com a gestão do
cuidado no Sistema Único de Saúde, com o ensino e formações de
trabalhadores de saúde, com minha clínica e, neste processo, avaliar se a
construção pode fazer sentido, para além de mim.
É importante frisar, que o tema do desrespeito e da luta por
reconhecimento fez sentido para mim, na confrontação com um déficit
epistêmico e de saber no campo da saúde coletiva. Há muito tempo, desde a
experiência já citada de estar em São Paulo, em um grande hospital publico,
que me interessou, dentro da temática formal do conflito, o como colocar em
discussão e avançar sobre a construção de um saber validado, originário de
experiências habitualmente não relatadas. Falei durante muito tempo dos
jardins secretos da gestão, daquele lugar sem registro formal, sem escrita da
memória, mas fundamental nos processos de tomada de decisão. Durante
anos guardei bilhetes e papeizinhos que circulavam em atividades de direção,
recados, tarefas, ordens, comentários até o dia em que os transformei em
registro seguramente destruído. Pautado pela minha memória, tentei iniciar a
construção de um romance, já que esta seria uma forma de comunicar aos
outros as minhas reflexões e observações acerca do conturbado ambiente que
um núcleo de poder e seus processos de invenção da mudança podem
20
produzir. Qual o quê; a cada página, a cada fala, explicitavam-se os
desrespeitos vivenciados por mim e pelos meus companheiros de forma tão
clara e vívida, que eticamente seria impossível prosseguir. Os jardins secretos
que experimentei continuariam intangíveis, não concretizáveis como relato que
interessasse à produção de conhecimento.
Como abordar os segredos contidos naquele ”jeito petista de governar”,
como se dizia à época? E mais, as experiências de gestão em seus diversos
matizes, variando do normativo ao estratégico, findavam-se no frigir dos ovos,
no desejo de superação do pensamento e do agir do sujeito diferente. A
diferença se constituía no impedimento, no obstáculo a ser superado em meio
à construção de poderosas máquinas de guerra governamentais. Mesmo com
a apropriação dos conceitos do agir comunicativo, via-me envolvido numa
idealização do consenso, que como tal é resultado do consentir, ação que o
produz. A superação do outro continuava assim a produzir os modos de operar
máquinas de guerra, cada vez mais sofisticadas e, ao invés de equipar a caixa
de ferramentas, por vezes me via mais a preparar arsenais mortíferos para a
produção dos nossos desejos discursivos, de produção da intersubjetividade e
construção de interdisciplinaridades. Neste sentido, muitas vezes a experiência
do interdisciplinar não se dava em encontros entre sujeitos com diferentes
saberes, mas entre as instituições normativas construtoras destes saberes,
que nomino aqui de núcleos de saber.
As normatividades dos núcleos de saber, bem como aquelas dos
projetos de governo se apresentavam como disputantes no campo da saúde e,
nas insuficiências de poder normativo e capacidade de governo, o
21
posicionamento estratégico se apresentava com diversos truques para produzir
governabilidade e disputas de posições na construção de hegemonia. No
interior das disputas, em suas tensões e conflitos, ainda restava uma
linguagem subjacente, mas marcada pelo indizível. Indivíduos, mesmo plenos
do reconhecimento de direitos, se desrespeitam, produzem vexação e
paralisia, disputam por vezes a vida, produzindo morte e destruição.
Meus orientadores me ofertaram uma tensão insuportável e produtiva,
Marcelo Land me apresentou Axel Honneth, que mais adiante apresentarei
para com ele estabelecer um diálogo intenso; e minha filha Ana Luiza, de cinco
anos, arquivista de nascença, sob o olhar divertidamente perplexo de Lucas,
então com quatro, me incitou ao uso da filosofia. Conto melhor: um dia
perguntei em meio aos meus encontros de pai separado se eles gostariam que
os buscassem para irmos de Metrô à minha casa e, assim, iniciou-se um
debate que vale a pena reproduzir.
Melhor não, pai!
Por que minha filha?
Por causa da polização e da microlização, ela respondeu sem pestanejar.
Perplexo e sob as risadas gostosas do Lucas, perguntei o que era
polização e microlização e ela respondeu:
Pai, polização, é quando a gente está lá no Metrô, embaixo da terra e lá
tem outra cidade, embaixo da cidade que está aqui em cima e são muitas. A
gente não vai saber onde está, nem para onde está indo, e vira muitas
coisas...
22
- E microlização, o que é? Perguntei mais perplexo ainda, enquanto o
Lucas brincava, mostrando que não havia nenhum absurdo na fala da irmã.
- Microlização, pai, é claro! Se a gente não sabe onde está, nem para
onde ir, a gente se dissolve na cidade que existe embaixo da outra cidade
Bem, se minha filhinha podia criar conceitos para explicar o que temia
diante do que não conhecia direito, por que eu não poderia apenas usá-los, os
tais conceitos, para interessadamente dar conta de falar de meus desejos de
saber.
Assim, inicio uma discussão, partindo da explicitação do sentimento da
lacuna de saber que procurarei apresentar seguindo uma apresentação do
campo, muito interessada na defesa da vida.
Ainda que a crítica aos modelos tenha produzido um movimento de
deslocamento da compreensão dos agires em saúde em direção ao espaço de
produção do trabalho vivo em ato, em sua micropolítica (Merhy, 1997; 2002),
percebe-se uma captura dos agires de gestão, pelas máquinas
governamentais e por predomínio de saberes-fazeres estruturados, marcados
pela centralidade administrativa do controle, e por manejos do processo de
distribuição e concentração de poderes, em estruturas marcadamente
burocráticas e verticalizadas.
Os esforços de construção de relações vinculadas entre usuários e
trabalhadores de saúde, expressos nas práticas de acolhimento e construção
solidária de saídas criativas na busca permanente de autonomia, imergem em
estados de mal-estar no espaço de produção do cuidado. O desencaixe da
23
ação de saúde desenvolvida nas práticas cuidadoras em relação às práticas
gestoras se expressa como conflito, como enfrentamentos.
Nas tentativas de decodificação da linguagem do conflito, tem sido
apontado seu caráter de expressão de tensões constitutivas (Merhy, 1999),
tensões entre autonomia e controle dos trabalhadores (Cecílio, 1999) ou como
recurso para a interpretação dos fenômenos derivados da discordância, sendo
assim, inclusive, instrumentalizáveis em prol de uma gestão aprimorada, seja
por seu manejo (McIntyre, 2007), seja como analisador (Cecílio, 2005).
Neste sentido, buscou-se aqui, com auxílio da teoria da luta por
reconhecimento de Axel Honneth (2003), proceder-se um diálogo entre a
defesa da vida e sua micropolítica do trabalho vivo em ato e o desrespeito
como categoria central de uma gramática do conflito social. É claro que para
tanto parte-se do pressuposto de que a produção da saúde é produção social
(Donnangelo, 1979; Gonçalves, 1994).
Neste sentido, a primeira parte desta dissertação apresenta o
pensamento de Axel Honneth acerca da luta por reconhecimento e as diversas
formas de desrespeito possíveis. Caminha apresentando a constituição da
individualidade até a auto-referência como sujeito, da construção da
autoconfiança conquistada pelo amor experimentado, passando pelo auto-
respeito dado pelo reconhecimento jurídico até a auto-estima profundamente
vinculada e reconhecida na experienciação da solidariedade (Honneth, 2003).
Ainda que existam críticas à formulação de Honneth, particularmente a
de Feres Jr. (2002), apontando para a datação e a localização na filosofia
24
alemã contemporânea, e atentando para outras possibilidades, para além de
um olhar centrado nas questões européias, sem desconsiderá-las, restringimos
a utilização do suporte teórico de Honneth para esta análise compreensiva das
relações e produções disparadas nos encontros entre gestores e trabalhadores
cuidadores, sem entrar na discussão da validação da “Luta por
Reconhecimento”, como uma teoria geral da ação social. Porém, tal qual Feres
Jr., que não joga a bacia com a água fora e a criança dentro, partimos da
premissa que faz sentido utilizar a categoria desrespeito na análise dos
processos gestores, e mais, demonstraremos ao longo deste trabalho, que tal
uso também permitiu uma abordagem de outras relações envolvidas na
produção do cuidado.
Feres Jr. (2002) prefere a concepção de Koselleck do desrespeito como
fenômeno lingüístico. O que nos interessa nesta construção que se está a
apresentar é que: seja como tipos de desrespeito ou como reconhecimentos
assimétricos, faz sentido proceder-se uma leitura dos conflitos verificados
particularmente no desenvolvimento do modelo tecnoassistencial em defesa da
vida.
Neste sentido, uma primeira compreensão demonstrou, que seja pelo
viés interpretativo de Honneth, ou pela crítica de Feres Jr., o que faz sentido é
a abertura de possibilidades analíticas que o conceito de desrespeito pode
produzir. Para tanto se apresenta um pouco do que formula criticamente o
segundo autor:
Segundo Koselleck, essas formações geralmente ocorrem na
forma de “pares de contraconceitos assimétricos”. Cada par é
composto por um conceito positivo e um negativo, sendo este
25
definido em mera oposição ao elemento positivo. O adjetivo
“assimétrico” provém do fato de a relação de definição não ser
mútua: enquanto o Eu define o Outro como pura negação de
sua auto-imagem, o Outro não se reconhece naquela definição.
Aí reside um problema capital de reconhecimento, pois o Outro
toma a definição que lhe é impingida como ofensa, insulto e/ou
privação. Estamos, portanto, em um terreno muito familiar, pois
Koselleck, assim como Honneth, está interessado em examinar
o desrespeito como fenômeno lingüístico (Feres Jr, 2002 p.
561).
No mesmo sentido dos fenômenos lingüísticos, já se havia bebido nesta
fonte, desde a teoria da ação comunicativa de Habermas, com a crítica da
razão instrumental e o apelo a uma práxis no mundo da vida a partir de
posturas compreensivas e comunicativas (Habermas, 2003), bem como as
aplicações desta teoria na tentativa de compreensão das empresas e
organizações como fenômeno lingüístico (Flores, 1991). Em outra discussão
nesta mesma abordagem, até como um arejamento dentro do Planejamento
Estratégico, particularmente voltada para a invenção da mudança na saúde,
Cecílio aposta centralmente tanto na compreensão dos coletivos em processo
de constituição, bem como na formulação de novas estruturas hospitalares
baseadas na desconcentração de poderes e apostas em unidades funcionais e
colegiados gestores, tendo como caso índice a Santa Casa de Belém do Pará
(Cecílio, 1994).
Enfim, procurou-se, com este encontro com Honneth e sua teoria, abrir
caminhos para uma compreensão que possa permitir reduzir a lacuna teórica
acerca das tensões constitutivas e sua potência, e dos conflitos como sua
expressão cinética e lingüística.
No segundo capítulo aborda-se a gestão do cuidado como território de
reconhecimento e desrespeito, tratando as particularidades experienciadas,
26
com base na opção ético-política pela defesa da vida. O uso livre e intensivo da
teoria de Honneth, em franco diálogo com alguns autores fundadores do
modelo tecnoassistencial em análise foi surpreendente. Pode-se abordar o
desencaixe existente entre uma concepção do trabalho vivo em ato em sua
micropolítica, bastante desenvolvida e as estruturas organizacionais, que ainda
que contando com atores comprometidos com o mesmo ethos encontram-se
capturados por estruturas que não propiciam o desenvolvimento de um agir
gestor colaborativo com a inundação de afetos experienciados pelos
trabalhadores desterritorializados pelo encontro vivo com os usuários, liberados
de seu aprisionamento e alienação, pelo estabelecimento de novos vínculos,
cuidadores e solidários.
Discutem-se neste capítulo as características organizacionais do
processo de trabalho, enquanto se tenta propor outra formulação possível das
organizações de saúde pautadas pela constituição de mecanismos de
desadministração, enquanto se assume, ainda que parcialmente, a natureza
adhocrática que a complexidade do trabalho de saúde pressupõe. Jorge (2002)
já havia salientado este aspecto adhocrático que habita os fazeres em hospitais
universitários, num lugar que também fez opção pelo estabelecimento de
gestão baseada em coletivos gestores e unidades funcionais de produção.
Por fim, no terceiro capítulo, relatam-se elementos do processo de
elaboração e constituição de uma unidade hospitalar em particular, procurando-
se neste empírico possível aplicar-se a matriz conceitual desenvolvida e, com
isto, verificar a sua pertinência.
O objetivo do trabalho desenvolvido referia-se a uma investigação
27
conceitual e não empírica, no sentido de se avaliar a pertinência dos conceitos
de Honneth para enfrentamento de uma lacuna teórica e falta de um dispositivo
de análise, que pudesse, ao ser incorporado à caixa de ferramentas dos
gestores, funcionar como chave de abertura dos portões dos jardins secretos
da gestão. Neste sentido, pode ser verificado que a categoria desrespeito não
havia sido citada como eixo de análise nem das organizações de saúde, nem
das relações entre os trabalhadores de saúde e seus gestores. Ainda que o
conflito já habitasse a bibliografia especializada na gestão de serviços de
saúde, nem de longe arranhava a temática do reconhecimento e do
desrespeito. Como um presente, surgiu a possibilidade de se aplicar a matriz
em discussão em um processo de formulação de uma estrutura hospitalar, e
optou-se por não se perder esta oportunidade. Não mais haveria tempo para se
processar a formulação de instrumentos de coleta de opiniões,
experienciações, sentimentos, percepções e discursos; porém, dado o limite,
utilizaram-se apenas os relatos produzidos no decorrer do processo. Assim, as
fontes das informações acerca dos processos de construção teórica e prática
deste hospital são secundárias e utilizaram-se situações hipotéticas
engendradas para dar clareza aos aspectos mencionadas nas oficinas e
relatados formalmente.
Neste sentido, anexou-se, ao final da dissertação, o relatório da
consultoria que sintetiza o modelo formulado (Mendonça, 2008), bem como a
Lei Municipal que consolida a estrutura organizacional proposta (João Pessoa,
2008).
Para buscar um esforço de conclusão, avalio a pertinência deste
28
sobrevoo conceitual sobre construções e experiências praticadas no campo
complexo da saúde. Passando pelo desafio dos functivos habituais do processo
de formação normativa, a que nós os médicos somos submetidos, tento
abordar as possibilidades de se construir ambientes mais propícios à
construção do comum no cuidado. Assim, espero poder contribuir com mais
uma peça neste mundo demandante de abordagens complexas para produção
da vida.
29
LUTA POR RECONHECIMENTO: O DESRESPEITO COMO ANALISADOR
POTENTE DO TRABALHO VIVO EM ATO NA GESTÃO
Partindo-se das premissas que o trabalho em saúde é por excelência
trabalho vivo em ato, o que me inspira, motiva e coloca em marcha o processo
de investigação diz respeito aos processos de gestão deste trabalho.
Particularmente, a questão do conflito e o lugar por ele ocupado na construção
de soluções e novos problemas nas instituições de saúde também muito
animou este processo investigativo. Neste sentido, se propôs neste trabalho,
trazer para o campo da saúde coletiva uma discussão com alguns dos autores
mais implicados na questão da construção de modelos tecnoassistenciais em
defesa da vida, uma discussão com Axel Honneth e sua teoria social da luta
por reconhecimento, a fim de testar frente às experiências de gestão, o papel
do conflito social, ou seja, a particularização de um fenômeno demonstrado
como geral na sociedade, para o exercício da gestão do trabalho em saúde.
Axel Honneth é um dos principais expoentes da Teoria Crítica da Escola
de Frankfurt e dos principais pensadores da Alemanha contemporânea.
Professor da Universidade de Frankfurt, e diretor do Instituto de Pesquisa
Social desde 2001, despontou entre os pensadores contemporâneos ao
levantar a existência de um possível “déficit sociológico” nas teorias crítica e da
ação comunicativa de seu antecessor e orientador, Jürgen Habermas, do qual
foi assistente, em sua tese de doutorado em que escreve a Crítica do Poder
(Kritik der Macht) . Para Honneth, Habermas não resolve a teoria da ação
comunicativa ao estabelecer o diferencial entre o mundo da vida e o sistema,
30
desenvolvendo aí a crítica da razão instrumental, orientada aos fins. Ainda que
compartilhe com os demais autores da Escola de Frankfurt o posicionamento
em uma filosofia crítica, alinhada com pressupostos referentes ao caminho
emancipatório da comunidade humana, ao contrário dos seguidores de uma
concepção hobbesiana de sociedade e estado, ele busca a construção de uma
teoria da ação social que, partindo da idéia do conflito social como motor do
desenvolvimento e do progresso da humanidade, apresente uma compreensão
da teoria crítica para além do capitalismo administrado. Para Honneth, o
conflito social está em um entre, como médium entre sistema e mundo da vida.
Busca, numa reinterpretação do pensamento de Hegel, particularmente
no período de Jena em sua juventude, a força de uma teoria de luta por
reconhecimento. Na concepção hegeliana da luta inter-humanos, parte-se de
um posicionamento crítico a Maquiavel e Hobbes na construção de uma luta
por autoconservação sem negar a existência de tal conflito, mas sem deixá-lo
se perder na liberação de caráter normativo da ação do soberano ou no
sacrifício dos conteúdos liberais do contrato social, frente à forma autoritária de
sua realização política (Honneth, 2003, p.16).
Hegel, ao contrário de Hobbes, vai definindo que o contrato social não
põe fim a uma luta precária de todos contra todos pela autoconservação, mas
ao contrário, esta luta, como médium moral, pode levar a um amadurecimento
da relação ética (Honneth, 2003, p. 48). Em contraposição à construção do
Estado Leviatã, ao invés de iniciar com a linha de argumentação de uma luta
de todos contra todos, inicia a formulação de uma eticidade natural a partir de
formas elementares de reconhecimento inter-humano (Honneth, 2003, p. 56).
31
Honneth vai encontrar em Hegel os fundamentos de uma teoria social de base
normativa, partindo do modelo conceitual de luta por reconhecimento. Este
reconhecimento intersubjetivo encontra em Hegel uma distinção em três
esferas, segundo o objeto do reconhecimento: para o indivíduo (carências
concretas) o amor; para a pessoa (autonomia formal) o direito e; para o sujeito
(particularidade individual) a solidariedade.
Considerando que Hegel no desenvolvimento de sua filosofia
comprometeu-a com o retorno à metafísica e à filosofia do espírito, e sua
discussão acerca do amor partiu de uma concepção familial vinculada à sua
época, ou seja, patriarcal e burguesa, Honneth vai buscar em George Herbert
Mead e no pragmatismo da psicologia social estadunidense uma inflexão
materialista e empírica da luta por reconhecimento. Por outro lado, busca na
Psicanálise e, particularmente, em Winnicott o estabelecimento nas relações
primárias, de relações intersubjetivas na construção do amor maduro.
Honneth vai construir a noção de luta por reconhecimento na esfera
afetiva primária no processo de diferenciação e autonomização entre a criança
e sua mãe ou seu equivalente e vice e versa. Tendo em vista que não é só a
criança que experiencia a liberação de sua onipotência em relação à sua mãe-
ambiente, mas a mãe também reconhecendo em seu filho um outro
individualizado, constroem a relação de confiança que será a base da
construção do amor maduro do adulto. Ou seja, na luta pelo reconhecimento
de suas autonomias, o amor constrói este reconhecimento intersubjetivo que
permitirá o viver só, indispensável para a produção das relações amorosas e
de amizades, em que se reconhece o outro como outro de si mesmo,
32
estabelecendo a autoconfiança. Esta relação de reconhecimento vai se basear
na tensão ou luta permanente entre dedicação e individualidade necessárias
para as relações afetivas futuras.
Aqui Honneth aponta, mas não aprofunda, algo que apresenta um
interesse particular para esta investigação centrada nos processos de gestão
do trabalho vivo em saúde, referente às possibilidades futuras da manutenção
da onipotência da criança ao não experimentar sua diferenciação da mãe e,
portanto, constituindo a estrutura narcisística.
Assim, a agressividade pertinente às tentativas de destruição da mãe,
não seria resultado de frustrações da criança, mas sim testes visando o
reconhecimento da mãe como um outro autônomo e individualizado, que
mediante sua resposta de negativas deste processo permite a desilusão
essencial para a construção de um amor liberado da onipotência narcisística.
Sintetizando nos termos propostos por Honneth:
Se o amor representa uma simbiose quebrada pela
individuação recíproca, então o que nele encontra
reconhecimento junto ao respectivo outro é manifestamente
apenas sua independência individual; em razão disso, poderia
surgir a miragem de que a relação amorosa seria
caracterizada somente por uma espécie de reconhecimento
que possuiria o caráter de uma aceitação cognitiva da
autonomia do outro. Que não se trata de algo assim é o que já
se depreende do fato que aquela liberação para a
independência ser sustentada por uma confiança afetiva na
continuidade da dedicação comum; sem a segurança emotiva
de que a pessoa amada preserva sua afeição mesmo depois
da autonomização renovada, não seria possível de modo
algum, para o sujeito que ama, o reconhecimento de sua
independência. Uma vez que esta experiência tem de ser
múltipla na relação do amor, o reconhecimento designa aqui o
duplo processo de uma liberação e ligação emotiva
simultâneas da outra pessoa; não um respeito cognitivo, mas
sim uma afirmação da autonomia, acompanhada ou mesmo
apoiada pela dedicação, é ao que se visa quando se fala do
33
reconhecimento como um elemento constitutivo do amor. Toda
relação amorosa, seja aquela entre pais e filho, a amizade ou
o contato íntimo, está ligada, por isso, à condição de simpatia
e atração, o que não está à disposição do indivíduo; como os
sentimentos positivos para com outros seres humanos são
sensações involuntárias, ela não se aplica indiferentemente a
um número maior de parceiros de interação, para além do
círculo social das relações primárias. Contudo, embora seja
inerente ao amor um elemento necessário de particularismo
moral, Hegel fez bem em supor nele o cerne estrutural de toda
eticidade: só aquela ligação simbioticamente alimentada, que
surge da delimitação reciprocamente querida, cria a medida
de autoconfiança individual, que é a base indispensável para a
participação autônoma na vida pública.
(Honneth, 2003, p.
178).
Assim, pode então fazer uma distinção da forma de reconhecimento do
amor frente à relação jurídica. Ambas são coincidentes na dependência de
uma relação recíproca; porém, no caso do direito, já percebeu em Hegel e
Mead a relação frente ao “outro generalizado”, ou seja, para poder
compreendermo-nos como portadores de direitos o fazemos defrontando-nos
exatamente com os direitos do outro.
Honneth vai tratar o sistema jurídico em sua forma pós-convencional,
moderno e pretensamente assentado sobre princípios universais e não sobre
estamentos e castas,
Pois, com a passagem para a modernidade, as categorias
pós-convencionais, que já antes foram desenvolvidas na
filosofia e na teoria política, penetram no direito em vigor,
submetendo-o às pressões de fundamentação associadas à
idéia de um acordo racional acerca das normas controversas;
o sistema jurídico precisa ser entendido de agora em diante
como expressão dos interesses universalizáveis de todos os
membros da sociedade, de sorte que ele não admita mais,
segundo sua pretensão, exceções e privilégios.
(Honneth,
2003, p. 181).
Esta concepção remete a uma idéia de igualdade, em que os homens
podem olhar para si e para os outros e se sentirem iguais, aceitos como tal.
34
Como conseqüência, esta dignidade atribuída a si e aos demais caracteriza de
forma contundente a noção de validade das pretensões, ou seja, ser portador
de direitos equivale a possuir o poder de colocar pretensões aceitas. No dizer
de Honneth, vai além de Mead, em sua fundamentação:
Visto que possuir direitos individuais significa poder colocar
pretensões aceitas, eles dotam o sujeito individual com a
possibilidade de uma atividade legítima, com base na qual ele
pode constatar que goza do respeito de todos os demais. É o
caráter público que os direitos possuem, porque autorizam
seu portador a uma ação perceptível aos parceiros de
interação, o que lhes confere a força de possibilitar a
constituição do auto-respeito; pois, com a atividade facultativa
de reclamar direitos, é dado ao indivíduo um meio de
expressão simbólica, cuja efetividade social pode demonstrar-
lhe reiteradamente que ele encontra reconhecimento universal
como pessoa moralmente imputável.
(Honneth, 2003, p.
197).
Chama a atenção para a discussão que nos colocamos, do ponto de
vista da gestão do trabalho em saúde, para a questão das pretensões válidas e
do sentimento de imputabilidade moral, visto que os gestores contemporâneos
em nosso sistema de saúde deparam-se, em suas experiências práticas, com
a questão da incapacidade de tratar quase qualquer pretensão das pessoas
que trabalham como válidas, ou não, e, por outro lado, dadas as características
do modelo derivado de um direito administrativo confuso, trabalhadores são
considerados inimputáveis, muitas vezes sendo colocados à margem do
processo de trabalho, ao invés de se defrontar sujeitos, de um lado
responsáveis pelo atendimento a demandas sociais, e de outro responsáveis
pela produção do trabalho.
Honneth, então, em seqüência, avança para a questão da formação da
vontade, para uma primeira conclusão de
35
(...) que um sujeito é capaz de se considerar, na experiência
do reconhecimento jurídico, como uma pessoa que partilha
com todos os outros membros de sua coletividade as
propriedades que capacitam para a participação na formação
discursiva da vontade; e a possibilidade de se referir
positivamente a si mesmo desse modo é o que podemos
chamar de “auto-respeito”.
(Honneth, 2003, p. 197).
Um problema apontado por Honneth em questão ao auto-respeito
refere-se à difícil comprovação empírica de sua existência que, de certa forma,
é demonstrada pela sua face negativa, do desrespeito, da denegação do
direito e, complementando e antecipando a discussão do desrespeito, coloca a
questão do sentimento paralisante da vergonha envolvido nos casos de
tolerância a subprivilégios jurídicos, “do qual só o protesto ativo e a resistência
poderiam libertar”. (Honneth, 2003, p. 198).
Na investigação filosófica empreendida por Honneth, este também
verificou que tanto Hegel quanto Mead apontavam outra forma de
reconhecimento para além do amor e do reconhecimento jurídico,
aproximando-se do conceito de estima social. Para Hegel, vinculava-se esta
idéia à questão da eticidade e, para Mead, a mesma se dava por meio da
divisão cooperativa do trabalho (Honneth, 2003, p. 198). Porém, a questão da
estima social, numa leitura da história das sociedades, aponta grandes
mudanças em relação aos mais de duzentos anos transcorridos desde os
primeiros escritos de Hegel em Jena, e cerca de cem anos, desde os de Mead.
Para a construção de um reconhecimento dado pela estima social, para ambos
há um pressuposto de partilha intersubjetiva de horizonte de valores comuns
entre os sujeitos, ou seja,
(...) o Ego e o Alter só podem se estimar mutuamente como
pessoas individualizadas sob a condição de partilharem a
36
orientação pelos valores e objetivos que lhes sinalizam
reciprocamente o significado ou a contribuição de suas
propriedades pessoais para a vida do respectivo outro.
(Honneth, 2003, p. 199).
Em seu entender, a diferenciação entre reconhecimento jurídico e
“estima social se aplica às propriedades particulares que caracterizam os seres
humanos em suas diferenças pessoais” (Honneth, 2003, p. 199). A partir daí,
coube o estabelecimento de uma diferenciação entre os media, “onde o direito
moderno se caracteriza como um medium de reconhecimento que expressa
propriedades universais de sujeitos humanos de forma diferenciadora”
(Honneth, 2003, p. 199) e, a seu par, a estima social, uma forma de
“reconhecimento que requer um medium social que deve expressar as
diferenças de propriedades entre os sujeitos humanos de maneira universal,
isto é, intersubjetivamente vinculante” (Honneth, 2003, p. 199). Aponta, assim,
uma singularização final de um conjunto de prerrogativas inicialmente universal
para o caso do direito moderno e, ao contrário, em se tratando da estima
social, parte-se de uma singularização inicial, dadas propriedades e
capacidades individuais, para ao fim considerar-se justo nisto, o
universalmente aceito. É na singularidade que está a chave da valoração
individual para que dentro de uma autocompreensão da sociedade se efetue
um “julgamento” intersubjetivo das capacidades e realizações, no sentido da
contribuição para atingir-se os objetivos comuns e a construção dos valores
culturalmente definidos. “Neste sentido, essa forma de reconhecimento
recíproco está ligada também à pressuposição de um contexto de vida social
cujos membros constituem uma comunidade de valores mediante a orientação
por concepções de objetivos comuns” (Honneth, 2003, p. 200). Sendo assim, é
37
de se esperar que tal qual o reconhecimento jurídico, pode ser esperada uma
grande variabilidade histórica nos padrões de estima social. Refere, assim,
uma dependência direta da estima social ao grau de pluralização de horizontes
de valores socialmente definidos:
Quanto mais as concepções dos objetivos éticos se abrem a
diversos valores e quanto mais a ordenação hierárquica cede
a uma concorrência horizontal, tanto mais a estima assumirá
um traço individualizante e criará relações simétricas.
(Honneth, 2003, p. 200).
Para avançar sobre este tema, parte da transição histórica das
sociedades tradicionais de características estamentais, em que o
reconhecimento dado pela estima é pertinente ao grupo social no qual o
indivíduo está inserido, ou seja, a estima é de grupo, é particular a uma
comunidade fechada de valores e caracteriza-se pela noção de “honra”. Nesta
transição histórica e cultural para a modernidade, há a migração da honra para
os conceitos de “reputação” ou “prestígio” social (Honneth, 2003, p. 201).
A honra é atingida pelo indivíduo quando este, na verticalidade deste
sistema social, consegue cumprir as formas específicas de conduta de grupo
de seu estamento ou como apresentou Max Weber, “no plano do conteúdo, a
honra estamental encontra sua expressão normalmente na imposição de uma
conduta de vida específica a qualquer um que queira pertencer ao círculo”
(Weber, apud Honneth, 2003, p. 201). É neste sentido que afirma que a honra
não é atribuível ao indivíduo biograficamente individuado: o valor se aplica ao
todo do grupo ao qual possui relação de pertença, ou seja, o cumprimento
honroso das expectativas coletivas honra seu grupo; a si, garante apenas a
participação no círculo desejado. Daí advém a constatação de que a estima
38
apresenta uma forma de reconhecimento, dentro da sociedade estamental, de
“relações simétricas por dentro, mas assimétricas por fora, entre os membros
tipificados” (Honneth, 2003, p. 202).
Com a passagem para a modernidade, pode-se verificar uma quebra
não só na hierarquia valorativa da honra, mas também de uma migração de
processos decisórios e comportamentais para a esfera “intra-mundana”,
afastando-se dos suportes da religião e da metafísica. As medidas da honra
deixam de possuir uma escala valorativa, dentro de uma “honra social”.
Ancorou-se aí também a luta da burguesia, procurando-se afastar de qualquer
pré-definição de comportamentos esperados dentro da ordem feudal.
No curso das transformações descritas, uma parte não
desconsiderável do que os princípios de honra, escalonados
segundo o estamento, asseguravam até então ao indivíduo
em termos de estima migra para a relação jurídica reformada,
onde alcança validade universal com o conceito de “dignidade
humana”
(Honneth, 2003, p. 204).
Para além da questão da obscuridade que resta ao sistema jurídico na
garantia de defesa da reputação dos indivíduos, Honneth também aponta a
incapacidade de tratar de maneira inteira as capacidades e propriedades das
pessoas e sua implicação na estima social, já que: “uma pessoa só pode se
sentir ‘valiosa’ quando se sabe reconhecida em realizações que ela justamente
não partilha de maneira distinta com todos os demais” (Honneth, 2003, p. 204).
Pois, de encontro às sociedades estamentais, a burguesia luta pelo
estabelecimento de um não condicionamento a priori das condutas que podem
se edificar eticamente em relação aos seus fins, e, nesta luta, a questão da
honra vai se deslocando do espaço público para o espaço particular, dada a
consolidação de uma nova forma de conceber a sociedade e nela a inscrição
39
de seus membros.
O novo padrão de organização, imposto pela modernidade, faz com que
esta forma de reconhecimento se refira a uma camada estreita em que restam
aos indivíduos, por um lado, a universalização jurídica da honra em “dignidade”
e uma privatização da honra até tornar-se “integridade” (Honneth, 2003, p.
206). O “prestígio” ou a “reputação” referem-se a graus de reconhecimento
social que o indivíduo merece em sua forma de “auto-realização”, dado que
esta, de alguma forma contribuiu para a consecução dos objetivos comuns,
agora definidos de forma abstrata.
Dentro desta nova situação, uma tensão vai impregnar esta forma
moderna de organização da estima social, pois, definidas abstratamente as
finalidades da sociedade e individualmente as noções de prestígio e reputação,
os indivíduos vão em seus movimentos buscar uma práxis exegética, capaz de
demonstrar o quanto suas definições de auto-realização são de todo
pertinentes para a construção dos caminhos para se atingir as finalidades
comuns.
(...)quanto mais os movimento sociais conseguem chamar a
atenção da esfera pública para a importância negligenciada
das propriedades e das capacidades representadas por eles
de modo coletivo, tanto mais existe para eles a possibilidade
de elevar na sociedade o valor social, ou mais precisamente,
a reputação de seus membros. (...) os confrontos econômicos
pertencem constitutivamente a esta forma de luta por
reconhecimento.
(Honneth, 2003, pp. 207 e 208)
Um impasse encontrado neste desenvolvimento diz respeito à referência
de que a estima social exatamente é pertinente à existência de estamentos na
sociedade, visto que esta será sempre uma forma de reconhecimento
40
associada ao caráter de relação assimétrica entre sujeitos biograficamente
individuados. Ou parte-se para uma complexificação abstrata na qual, ao fim,
todo indivíduo terá chance de auto-realização e conseqüentemente de obter
reputação social ou, como apresenta Honneth ao lançar mão do conceito de
solidariedade, vai buscar um “genérico” capaz de dar conta de uma
compreensão prática.
Fica importante definir com precisão o que o autor em questão vai
definir como solidariedade; assim,
(...) por “solidariedade” pode se entender, numa primeira
aproximação, uma espécie de relação interativa em que os
sujeitos tomam interesse reciprocamente por seus modos de
vida, já que eles se estimam entre si de maneira simétrica.
Essa proposta explica também a circunstância de o conceito
de “solidariedade” se aplicar até o momento precipuamente às
relações de grupo que se originam na experiência da
resistência comum contra a repressão política; pois aqui é a
concordância no objetivo prático, predominando sobre tudo,
que gera de súbito um horizonte intersubjetivo de valores no
qual cada um aprende a reconhecer em igual medida o
significado das capacidades e propriedades do outro.
(Honneth, 2003, p. 209).
Fica patente o deslocamento axiológico das finalidades abstratas
contidas nos objetivos comuns de grupos ou da sociedade, para uma
compreensão prática, dada pelos “acontecimentos”. Não de forma casual,
numa tentativa de ampliação do horizonte de visão, Honneth referiu os
momentos de guerra, enfrentamento de fardos pesados ou de grandes
privações, como “acontecimentos” com capacidade de disparar
intersubjetivamente este reconhecimento de estima mútua e simétrica, nas
diferenciações individuais. Ainda mais, esta dá origem a uma renovação
valorativa permissiva aos sujeitos de uma estima mútua, por realizações e
41
capacidades anteriormente sem importância social (Honneth, 2003, p. 210).
Este processo de individualização permite, ao contrário do modelo
estamental, uma modificação também referente à “relação prática consigo
próprio em que ela faz entrar os sujeitos” (Honneth, 2003, p. 210). O respeito
social atingido deixa de se referir ao grupo e passa a ser atributo de si próprio,
que ao lado, então, da autoconfiança, dada pelo amor e do auto-respeito
reconhecido no direito, produz a percepção de “auto-realização prática” ou
“sentimento do próprio valor” ou ainda mais em paralelo com os demais
reconhecimentos, “auto-estima” (Honneth, 2003, p. 210). “Na medida em que
todo membro de uma sociedade se coloca em condições de estimar a si
próprio dessa maneira, pode-se falar então de um estado pós-tradicional de
solidariedade social” (Honneth, 2003, p. 210).
Sujeitos autônomos e individualizados estimam-se simetricamente,
desde que isto signifique um “considerar-se reciprocamente à luz de valores
que fazem as capacidades e as propriedades” (singulares) “do respectivo outro
aparecerem como significativas para a práxis comum” (Honneth, 2003, p. 210).
A relação solidária é então, para além da tolerância para com a singularidade
do outro, o interesse afetivo por essa particularidade. Esta compreensão e
posicionamento práticos apresentam-se como condicionante da realização de
interesses comuns, já que para Honneth: “só na medida em que cuido
ativamente de que suas propriedades, estranhas a mim, possam se desdobrar,
os objetivos que nos são comuns passam a ser realizáveis” (Honneth, 2003, p.
211). Por fim, cabe a ressalva do caráter não quantitativo que a “simetria”
apresenta, já que simétrico não significa “na mesma medida”, visto que não
42
seria possível imaginar objetivos comuns em escalas quantitativas de valor. Se
todo sujeito apresenta a mesma chance de sentir-se valioso para a sociedade,
sem gradação coletiva de valores definidos, as relações sociais que têm em
vista a “solidariedade” “podem abrir o horizonte em que a concorrência
individual por estima social assume uma forma isenta de dor, isto é, não
turvada por experiências de desrespeito” (Honneth, 2003, p. 211).
Com o objetivo de apresentar uma síntese até este momento e ao
mesmo tempo amalgamar com o passo seguinte, no estudo do desrespeito e
da “motivação” do conflito social, insiro o quadro referencial com a estrutura
das relações de reconhecimento, apresentadas por Axel Honneth.
Quadro 1 - Estrutura das relações sociais de reconhecimento (Honneth, 2003, p. 211).
Modos de
Reconhecimento
Dedicação
Emotiva
Respeito Cognitivo Estima Social
Dimensões da
Personalidade
Natureza carencial
e afetiva
Imputabilidade
moral
Capacidades e
propriedades
Formas de
Reconhecimento
Relações primárias
(amor, amizade)
Relações jurídicas
(direitos)
Comunidade de
valores
(solidariedade)
Potencial
Evolutivo
Generalização,
materialização
Individualização,
igualização
Auto-Relação
Prática
Auto-confiança Auto-respeito Auto-estima
Formas de
Desrespeito
Maus-tratos e
violação
Privação de Direitos
e exclusão
Degradação e
ofensa
Componentes
ameaçados da
personalidade
Integridade física Integridade social “honra”, dignidade
43
Desrespeito
Honneth aponta um saber evidente inscrito na linguagem cotidiana que
a integridade se deve de maneira subterrânea a padrões de assentimento e
reconhecimento e que existe percepção negativa tal qual o experienciado na
“ofensa” e no “rebaixamento”. O grave não seria apenas a privação da
liberdade de levar a própria vida dispondo de seu corpo, mas o rompimento
com o resseguro esperado do outro no estabelecimento da auto-realização
prática. Mead e Hegel puderam estabelecer como sendo do entrelaçamento
interno entre individualização e reconhecimento, que resulta aquela
vulnerabilidade humana identificada com o conceito de “desrespeito”. As
experiências relacionadas ao desrespeito e à ofensa podem escalonar-se em
diversos níveis de profundidade de lesão psíquica no indivíduo. Fazem-se
necessárias estas distinções, dado que a observância de fenômenos, tão
díspares quanto a privação de meios mínimos de viver, e as ameaças sutis à
integridade pessoal possam terminar por uma anulação dada, a gravidade de
um, sem contar-se com a importância do outro.
Assim, poderiam também ser identificadas formas fenomênicas
negativas de reconhecimento, dadas pela sua privação e medidas pelos
diversos graus, que podem afetar ou abalar a auto-realização prática
comprometendo pela privação, o reconhecimento de pretensões de identidade.
O central na investigação de Honneth não está em simplesmente
identificar mecanismos de construção do reconhecimento e de sua negativa,
mas em como as experiências negativas podem se constituir na “motivação” do
movimento dos indivíduos humanos pelo desenvolvimento da sociedade, ou
44
em suas próprias palavras quando indaga:
Como a experiência de desrespeito está ancorada nas
vivências afetivas dos seres humanos, de modo a que possa
dar, no plano motivacional, o impulso para a resistência social
e para o conflito, mais precisamente, para uma luta por
reconhecimento?
(Honneth, 2003, p. 214).
O tipo mais elementar de rebaixamento se dá pelos maus tratos,
quando são retiradas do indivíduo todas as possibilidades de livre disposição
sobre o seu corpo. Não se trata apenas da dor física, mas da ruptura destrutiva
da expectativa, em relação ao outro, com a submissão total à sua vontade,
sem proteção.
As conseqüências são as perdas da confiança em si mesmo e no
mundo, além de produzir “vergonha social”. Se, desta feita é negado o
reconhecimento da individualidade corporal, justo onde se inicia um processo
emotivo de socialização, é ferida de morte a confiança em si mesmo. Esta
noção de violação é um invariante histórico, visto que não há fundamentação
que possa ser construída para um acontecimento que opera negativamente na
construção intersubjetiva de fusão-delimitação.
Adiante da perda da autoconfiança, uma segunda forma de desrespeito
dá-se na denegação de direitos ou na exclusão social. A denegação de um
direito garantido institucionalmente, resultado de um processo intersubjetivo de
construção, atinge moralmente o sujeito, ou seja, vai produzir uma distinção
negativa no sentido de reconhecer-se como sujeito ou indivíduo não imputável
e não capaz de assumir pretensões válidas diante do outro. Não se trata aqui
de não se conseguir algum aspecto de universalização de alguns direitos, mas
é exatamente na negação daquilo que está assumido como integralmente
45
garantido, que se articula a “ofensa” que levará a destruição do auto-respeito.
O terceiro tipo de rebaixamento seria referente negativamente ao valor
social dos indivíduos ou grupos. É aí que se experimentam na linguagem
contemporânea as sensações de ofensa e degradação, pois é nesta relação
negativa que se atinge a honra, a dignidade, ou em termos mais atuais, o
status que, uma vez conferidos, ao serem denegados, acertam em cheio a
auto-estima dos indivíduos e grupos. Ser tratado diferencialmente em função
de modos de vida ou crenças vai produzir a inserção do sujeito como incapaz
ou deficiente, não partilhando nesta valoração os pressupostos de igualdade
de participação na vida social. O indivíduo deixa de entender a si próprio como
portador de capacidades e características importantes para os demais,
afetando sua auto-estima pessoal.
Portanto, o que aqui é subtraído da pessoa pelo desrespeito
em termos de reconhecimento é o assentimento social a uma
forma de auto-realização que ela encontrou arduamente com
o encorajamento baseado em solidariedades de grupos.
Contudo, um sujeito só pode referir essas experiências de
degradação cultural a si mesmo, como pessoa individual, na
medida em que os padrões institucionalmente ancorados de
estima social se individualizam historicamente, isto é, na
medida em que se referem de forma valorativa às
capacidades individuais, em vez de propriedades coletivas;
daí essa experiência de desrespeito estar inserida também,
como a privação de direitos, num processo de modificações
históricas (Honneth, 2003, p. 218).
O como a experiência individual do desrespeito, em qualquer uma de
suas formas, transita da vivência individual para o âmbito dos movimentos
sociais é o que vai conduzindo a investigação de Honneth. Como se trata de
uma análise do quê motivacional, o qual está agenciado nos processos de
degradação do indivíduo, este autor busca em uma teoria das emoções, e
46
particularmente em John Dewey, sustentação para esta continuidade
necessária e particularmente importante para a investigação que aqui tento
produzir.
Nem em Hegel nem em Mead havia-se encontrado uma
referência à maneira como a experiência de desrespeito social
pode motivar um sujeito a entrar numa luta ou num conflito
prático; faltava de certo modo o elo psíquico que conduz do
mero sofrimento à ação ativa, informando cognitivamente a
pessoa atingida acerca de sua situação social. Gostaria de
defender a tese de que essa função pode ser cumprida por
reações emotivas negativas, como as que constituem a
vergonha ou a ira, a vexação e o desprezo; delas se
compõem os sintomas psíquicos com base nos quais um
sujeito é capaz de reconhecer que o reconhecimento social
lhe é denegado de modo injustificado. A razão disso pode ser
vista, por sua vez, na dependência constitutiva do ser humano
em relação à experiência do reconhecimento: para chegar a
uma auto-relação bem sucedida, ele depende do
reconhecimento intersubjetivo de suas capacidades e de suas
realizações; se uma tal forma de assentimento social não
ocorre em alguma etapa de seu desenvolvimento, abre-se na
personalidade como que uma lacuna psíquica, na qual entram
as reações emocionais negativas como a vergonha ou a ira.
Daí a experiência de desrespeito estar sempre acompanhada
de sentimentos afetivos que em princípio podem revelar ao
indivíduo que determinadas formas de reconhecimento lhe
são socialmente denegadas (Honneth, 2003, p. 220).
Do ponto de vista da ação, ou de uma teoria da ação, os
enfrentamentos se dão no sentido das tentativas instrumentais de se atingir
seu êxito. Neste meio, o agente se depara com obstáculos que a dificultam ou
impedem. Por outro lado, a ação do indivíduo que se lança em direção ao êxito
pode esbarrar em normativas morais previamente assentidas que, apesar
disso, lhe negam prosseguimento. Quando o enfrentamento, com resultado
negativo, refere-se simplesmente a barreiras e dificuldades eventuais, surge
uma emoção ligada a obstáculos técnicos; porém, quando a ação é impedida
por enfrentamento a normas morais, este sentimento vai referir-se a conflitos
morais no mundo da vida social.
47
De forma bastante elementar, as diferenças entre as diversas
reações emotivas se medem conforme a violação de uma
norma, que refreia a ação, seja causada pelo próprio sujeito
ativo ou por seu parceiro de interação: no primeiro caso, a
pessoa vivencia o contra-choque de suas ações com
sentimento de culpa; no segundo caso, com sentimentos de
indignação moral (Honneth, 2003, p. 222).
A ação rechaçada nestes termos desloca a atenção em direção ao
agente, às suas próprias expectativas, que neste tempo toma consciência de
seu elemento cognitivo, isto é, no saber moral está a condução de sua ação e
o seu refreamento. Este posicionamento do indivíduo em relação à
transgressão da norma vai produzir o sentimento de vergonha:
O conteúdo emocional da vergonha consiste, como constatam
em comum acordo as abordagens psicanalíticas e
fenomenológicas, em uma espécie de rebaixamento do
sentimento do próprio valor; o sujeito, que se envergonha de
si mesmo na experiência do rechaço de sua ação, sabe-se
como alguém de valor menor do que havia suposto
previamente; considerando-se de uma perspectiva
psicanalítica, isto significa que a violação de uma norma
moral, refreando a ação, não atinge aqui negativamente o
superego, mas sim os ideais de ego de um sujeito (Honneth,
2003, pp. 222-223).
A vergonha assim colocada é vivenciada apenas na presença dos
parceiros de interação, sejam eles reais ou imaginários. Se a transgressão
moral ocorreu por causa da própria pessoa, o sujeito se vivencia como de
menor valor, já que estes pressupostos morais já estavam constitutivamente
em seus ideais de ego; mas, por outro lado, se causado por outrem, o sujeito
vai vivenciar a opressão por um sentimento de falta do próprio valor, pois seus
parceiros de interação vão ferir normas que, antes de tudo, pela sua
observância, o sujeito faz-se valer “como a pessoa que ele deseja ser
conforme seus ideais de ego” (Ib., p.223). Manifestamente, esta vergonha
moral vai paralisar a ação e produzir no indivíduo vivência semelhante a
48
possuir sentimento de dependência constitutiva do reconhecimento do outro.
Honneth acredita que estas reações emocionais ligadas à degradação
como a vergonha podem impulsionar motivacionalmente uma luta por
reconhecimento. Entende que “a tensão afetiva em que o sofrimento de
humilhações força o indivíduo a entrar só pode ser dissolvida por ele na
medida em que reencontra a possibilidade da ação ativa” (Honneth, 2003, p.
224).
Para que a ação ativa se torne resistência política é necessário existir,
no entorno da vida social, capacidade de articulação em movimentos sociais. O
ser humano não reage de forma emocionalmente neutra às experiências de
desrespeito, sejam elas referentes a maus-tratos, privações de direitos ou
degradações. E, neste sentido, Honneth também adverte que
(...) a injustiça do desrespeito não tem de se revelar
inevitavelmente nestas reações afetivas, senão que apenas o
pode: saber empiricamente se o potencial cognitivo inerente
aos sentimentos da vergonha social e da vexação, se torna
uma convicção política e moral depende sobretudo de como
está constituído o entorno político e cultural dos sujeitos
atingidos – somente quando o meio de articulação de um
movimento social está disponível é que a experiência do
desrespeito pode tornar-se uma fonte de motivação para
ações de resistência política. No entanto, só uma análise que
procura explicar as lutas sociais a partir das dinâmicas das
experiências morais instrui acerca da lógica que segue o
surgimento desses movimentos coletivos (Honneth, 2003, p.
224).
Na terceira parte de seu estudo, Honneth busca discutir “perspectivas
de filosofia social: moral e evolução da sociedade”, partindo da tentativa de
executar aproximações históricas que tornasse defensável teoricamente “que é
uma luta por reconhecimento que, como força moral, promove
desenvolvimentos e progressos na realidade da vida social do ser humano”
49
(Honneth, 2003, p. 227).
O objeto deste processo de investigação não diz respeito a uma
tentativa de afirmação ou negação de uma teoria da ação social, mas sim, ao
trazer o pensamento e formulações de Honneth, verificar a utilidade do
conceito central do desrespeito às caixas de ferramentas dos gestores na
saúde. Neste sentido, tanto pela dobra interna do processo de gestão em si,
como na externalidade do resultado deste esforço de gestão para a construção
da cidadania, mediante ganhos de autonomia para se andar a vida, por parte
dos usuários, pretendeu-se verificar a pertinência do conceito de desrespeito
como ativador de processos de mudança e de práticas afirmativas.
Esta discussão pode contribuir para aprofundar o debate acerca do
papel do conflito nas estruturas de gestão - ainda pairando em torno de uma
compreensão e preocupação, por um lado, e pelas tentativas de uso
instrumental como categoria - que poderia permitir aprimoramentos e avanços
dos processos administrativos e de gestão (Cecílio, 2005; McIntyre, 2007).
Outra questão que se coloca neste momento diz respeito às tensões
constitutivas do ato de governar (Merhy, 1999): entendemos aqui que se as
tensões são potência, muitas vezes o conflito é sua cinética; o conflito como
movimento, como produção e consumo energético, pode ser até
desconfortável, mas pode se dar em produção afirmativa de inovações, porém
também pode se dar em sua forma específica de agir em práticas de
desconhecimento, desrespeito, humilhação e vexação, ou paralisia e perda de
potência.
50
GESTÃO: TERRITÓRIO DE RECONHECIMENTO E DESRESPEITO
ENTRE SUJEITOS
A gestão se coloca neste estudo como campo de prática social no qual
acontece o processo de coordenação do trabalho em saúde. Atentando para a
questão particular do trabalho vivo em ato com conseqüente manifestação dos
auto-governos dos trabalhadores (Merhy, 1999; 2002), que, ao manejar suas
clínicas, seus saberes tecnológicos e estabelecer tentativas de controle dos
cuidados realizados, o fazem de forma autônoma, pretende-se aqui colocar
uma perspectiva crítica aos pressupostos modelares que vêm conformando as
formas como são produzidas matrizes conceituais que orientam o processo de
gestão no interior do Sistema Único de Saúde – SUS.
Uma primeira questão que se coloca é que existe uma tensão em si na
produção de atos de saúde, uma vez que estes podem ou não estar inseridos
em uma lógica cuidadora de diferentes composições, esteja vinculada a uma
produção que pode estar simplesmente centrada nos procedimentos
profissionais, ou no interesse e necessidade do usuário. Ou seja, há tensão na
definição se procedimentos a serem realizados organizam uma rede de
cuidados, ou se as demandas, necessidades e construção de autonomias
possíveis organizam entre outras coisas a disponibilidade de realização de
certos procedimentos (Merhy, 1999). Por óbvia que tal discussão possa
parecer, faz-se necessário explicitar que a prática do trabalho em saúde pode
ser baseada apenas nos atos profissionais. Por exemplo, os dois grupos
profissionais mais arredios a uma proposta de horizontalização do cuidado em
João Pessoa, como em tantos outros lugares pelos quais já passei, são
51
exatamente os anestesistas e ortopedistas, e ambos, médicos, entendem as
suas práticas como (exatamente) pontualmente definidas pelos procedimentos
que executam. Não tem antes nem depois, cada procedimento é ato em si: o
Dr. A pode fazer a consulta pré-anestésica (se houver) e o Dr. B a anestesia
(procedimento anestésico), bem como o Dr. C cuida da recuperação pós-
anestésica; tudo bem, para este grupo, isto funciona; O Dr. D pode indicar a
cirurgia ortopédica (semiotécnica, definição de conduta), o Dr. E pode fazer o
pré-operatório, por sua vez o Dr. F realiza o procedimento cirúrgico
(procedimento ortopédico) e os Drs. G, H, F e G, realizam a cada dia em que
estão de plantão os procedimentos pós-operatórios (visitas); o Dr. H pode
realizar uma consulta de follow-up. Chamam a isto de trabalho em equipe,
trabalho produtivo, pois quem sabe operar, opera e quem sabe acompanhar,
acompanha. Chama-se genericamente isto de usuário institucional, melhor
definido, como usuário do hospital e não do médico em si. Enquanto a gestão
tenta discutir o cuidado, cirurgiões debatem a defesa da fragmentação total do
cuidado, da clínica fragmentada, do cuidado fragmentado, da submissão do
cuidado às clínicas específicas. Mais, o discurso da qualidade fica chapado,
decalcado em guidelines - guias de referência, protocolos e rotinas, materiais
adequados e disponíveis prontamente, profissionais específicos para cada
procedimento - e, na fantasia do acompanhamento padronizado, o
acompanhamento a-pessoal em relação ao usuário e ao restante da equipe de
saúde, mera condutora das prescrições definidas por tais procedimentos. Dado
que um diagnóstico é produzido pelo raciocínio clínico, um procedimento
padrão é sacado do arquivo terapêutico e, assim, dado o seguimento e
52
conduta padronizados, ou normativamente concebidos.
Estas questões são também enfatizadas em discussão de Gastão
Wagner (Campos & Amaral, 2007), quando descreve a verticalização do
trabalho em saúde. Ao se adotar disponibilidades dos trabalhos em saúde e de
suas jornadas de trabalho em regime de plantão em caráter universal, esta
predominância de regime de trabalho inverte a concepção da prática de saúde,
pois que esta disponibilidade, que fora concebida como alternativa para dar
conta das necessidades de cobertura assistencial nas 24 horas do dia, aparece
como padrão dos exercícios profissionais.
Cecílio (1999) também discute a questão que se coloca entre autonomia
e controle dos trabalhadores, situando esta tensão essencial em proximidade
ao conceito do poder e de seu manejo nas organizações. Nos encontros entre
trabalhadores estabelecem-se relações de cooperação, mas também de
submissão e mando, carregadas de intencionalidades acerca do como
conduzir as tarefas do cotidiano. Chama a atenção o conceito de autonomia
elástica, explicitando a plasticidade e a maleabilidade características do como
se dá o controle do próprio trabalho. Crê mesmo, este autor, que o
estabelecimento de estruturas mais horizontalizadas e com quebras explícitas
de linhas de mando verticais podem subestimar os mecanismos prementes de
estabelecimento de relações verticalizadas, mesmo que não estabelecidas
pelas novas estruturas organizacionais.
Merhy (1999) discute as tensões constitutivas do agir, e presença da
gestão do cotidiano, entendida por ele não apenas como gestão
governamental, mas como aquela prática inerente a todo trabalhador inscrito
53
no processo de fabricar práticas em seu dia-a-dia. Para esta abordagem,
esquematiza seu pensamento em três campos, para analisar a operação do
conjunto de ações de saúde.
O primeiro é demarcado pelo fato de que o território das
práticas de saúde é um espaço de disputa e de constituição
de políticas, cuja característica é a multiplicidade, desenhado
a partir da ação de distintos sujeitos coletivos, que conforme
seus interesses e capacidades de agir, aliam-se e/ou
confrontam-se, na tentativa de afirmar, ou mesmo impor, uma
certa conformação de um bem social – a saúde – como objeto
de ação intencional de políticas – portanto, como uma questão
social – que lhe faça sentido, enquanto parte do seu universo
de valores de uso e como tal apareça como base para
representar, de modo universal, o mundo das necessidades
dos outros nos planos coletivo e individual.
(Merhy, 1999 p.
308)
Discutindo esta concepção apresentada por Merhy com as questões
formuladas por Honneth, referente ao caráter imprescindível do
reconhecimento do outro, não apenas como válido em seu pensar e
posicionar-se no mundo, mas como necessário exatamente em sua diferença,
a multiplicidade num ambiente não solidário, ou mesmo numa prática de
gestão do cotidiano não solidária, torna-se potência para medidas de
contenção de conflito e, dentre as possibilidades de exclusão da divergência, o
desrespeito e sua ação desrespeitosa apresenta-se como possibilidade. Neste
sentido, a multiplicidade é produtora de tensão-potência na direção da defesa
da vida na perspectiva de construção de formas de gerir o cotidiano
assentadas pelo desejo solidário, ou seja, pelo desejo da presença da
singularidade desejante do outro. Merhy continua discutindo a questão da
multiplicidade:
a multiplicidade dos atores envolvidos tem mostrado a
54
impossibilidade de se ter, nas políticas instituídas, o
abarcamento do conjunto dos interesses constitutivos do setor
saúde, a não ser por pactuação social, expressa das formas
mais distintas: por mecanismos mais amplos de envolvimento
e negociação, ou mesmo por práticas mais impositivas e
excluidoras. (Merhy, 1999 p. 308)
Discute que no instituído como política é difícil não fazê-lo, ou por
mecanismos negociais e de construção de possibilidades consensuais,
derivadas de grande envolvimento, ou pela possibilidade de resolução por
meio de práticas a priori desrespeitosas, tais como a pura e simples imposição
e a exclusão. Cabe ressaltar que o princípio constitutivo e constitucional do
Sistema Único de Saúde, marcado pela alta definição de cidadania
reconhecida, opera como um paradoxo insustentável para práticas de não
reconhecimento dos atores em si envolvidos, bem como pela denegação do
direito de divergência acerca das políticas públicas possíveis, em si território
tensional.
Ainda neste primeiro campo tensional, Merhy (1999) nos apresenta a
questão dos três focos possíveis na construção da direcionalidade das políticas
de saúde, quais sejam: nos usuários; em certos trabalhadores de saúde e; nos
governantes e sua tecnoburocracia. As diferenças de interesses contidas nos
focos apresentados alimentam o jogo e neste processo de definição de
políticas estarão a interrogar os arranjos instituídos. É importante salientar que
o caráter interrogador que o campo tensional, em si, aponta a possibilidade da
dimensão conflituosa, porém esta não implica obrigatoriamente em denegação
do outro, mas, ao contrário, o reconhecimento da existência deste outro, pode
levar a possibilidade de pensar e agir com a possibilidade de se operar em
outro foco que não o próprio.
55
O segundo campo apresentado por Merhy refere-se ao caráter
hegemônico da produção de atos em saúde no terreno do trabalho vivo em ato
(1997; 1998; 1999). A operação deste agir em saúde é carregada de incertezas
e marcada pelo encontro entre trabalhadores e usuários em um espaço
intercessor, onde se manifestam as compreensões e necessidades de ambas
as partes (Merhy, 1997; 1999). Dialogando com Túlio Franco e Débora Malta
(Franco et all., 1998; Malta, 1998 apud Merhy,1999) explicita:
Esta centralidade do trabalho vivo, no interior dos processos
de trabalho em saúde, define este como um espaço em aberto
para exploração das potências nele inscritas, para a ação de
dispositivos que possam funcionar como agentes
disparadores de novas subjetivações, que conformam as
representações da saúde como bem social, e de novos modos
de agir em saúde que busquem articulações distintas do
público e do privado, nele presentes. (Merhy, 1999, p. 309)
Estes encontros entre trabalhadores e usuários – e aqui não se
diferencia quem está envolvido nas tarefas de gestão da organização e
sistema de saúde e quem está a operar o cuidado - dão-se em um espaço de
interseção, onde particularmente o usuário pode se constituir no outro do
trabalhador de saúde. Procurando uma formulação mais clara: quando o
trabalhador de saúde encontra-se frente a uma doença, um evento patológico,
uma disfunção orgânica, um distúrbio ou mesmo um evento coletivo, tal qual
um fenômeno epidêmico de determinado agravo, depara-se consigo próprio,
em seu conhecimento peculiar do núcleo profissional ao qual tem relação de
pertença e desafia-se a elucidar e manejar com suas ferramentas e assim ser
capaz de demonstrar a si mesmo, sua capacidade; quando se depara com o
outro concreto, que chega a sua frente com seus sofrimentos, explicações,
saberes e crenças, oportuniza-se a construção de vínculos, pois já não se
56
depara com a alteridade dada pela formação normativa recebida no processo
instrucional, mas com as afecções oriundas do encontro com este outro. No
típico desenho do que significa efetivamente o campo do cuidado como o
mundo das relações possíveis a operar o conjunto das práticas de saúde,
estruturadas ou não, profissionais ou não, tecnológicas leve-duras ou não,
esse campo de produção do cuidado se revela desse modo intensamente
relacional e micropolítico.
O encontro no terreno relacional pode assim disparar novos processos
de subjetivação. Articulando o pensamento com a filosofia prática espinosista,
na leitura deleuziana (Deleuze, 2002), seriam estas afecções que, em um
encontro alegre entre trabalhador e usuário, poderiam lançar adiante o desejo
de que outro possa ser feliz, ou seja, que tenha ao máximo sua autonomia
preservada para andar a própria vida e tenha seu sofrimento diminuído até
onde der. Esta é a mudança de pressuposto ético-político: produzir o que é
bom para o outro, implicado profundamente com ele, dentro da leitura de
Deleuze dos legados de Espinosa. Já não se trata daquele antológico desejo
carencial de derrotar morte e doença, mas de, na humanidade do outro,
reconhecida como a própria humanidade nas suas diferenças, construir desejo
de felicidade e assim estimar-se. A prática do agir em saúde encontra, assim,
sua potência, se destecnifica e humaniza-se na solidariedade e auto-estima
preservadas: sai do domínio do saber tecnológico e entra no mundo das
tecnologias leves que operam a partir do lugar ético-político do trabalhador e
do usuário no uso de seus saberes e sabedorias; se posiciona para além da
clínica; está na mais pura prática do cuidado, e assim, da política. O cuidado,
57
destarte, é pura prática política do cuidado. Esta intervenção solidária junto ao
outro e seus problemas responsabiliza, mediante o vínculo construído, o
profissional, que, então, busca os recursos que não detém para encontrar a
felicidade pretendida.
Permite-se, assim, o estabelecimento de um encontro não só alegre e
produtor do que é bom, mas o estabelecimento do agir em saúde como prática
amorosa, em que a intensidade do bom para os dois, trabalhador e usuário, se
mantém.
O trabalhador de saúde ao abrir mão de uma relação objetal, que
estabelece entre o seu saber e o usuário, pela presença e desafio em ato
deste, seu defrontante, pode liberar-se de seus pressupostos tecnológicos e
saberes estruturados, e, sem negá-los, ser nesta relação libertado de sua
alienação. Esta dinâmica reforça o caráter educacional presente no exercício
prático no mundo do trabalho e apresenta de forma contundente que ali onde
se produz este encontro, a partir dele se dão as possibilidades de educação
permanente. Em paralelo com a teoria prática de Paulo Freire (Freire, 1977;
1978), só o usuário pode libertar o trabalhador de saúde de sua alienação e de
seu aprisionamento pela alteridade abstrata da normatividade de sua
formação.
Pois bem, esta micropolítica do trabalho vivo e suas implicações
também se referem à gestão dos processos assistenciais, integralmente
pertinentes ao ato de cuidar. Não seria difícil construir uma analogia entre os
trabalhos vivos em ato produzidos nos atos cuidadores e nos atos de gestão e
coordenação do trabalho de saúde. Apesar da aparente dureza do processo de
58
gestão, este é operado no terreno do trabalho vivo. Não pretendo com esta
afirmação iniciar mais uma tentativa de biologização naturalizante da
administração. É trabalho vivo porque tanto a decisão como a coordenação se
dão com utilização de trabalho morto, mas são igualmente centradas nos
aspectos relacionais envolvidos no relacionamento entre indivíduos e inter-
equipes.
Pelo exposto anteriormente, apontam-se aqui as questões pertinentes à
gestão como sendo indissociáveis do ato cuidador, seja do ponto de vista da
gestão dos processos em que estão contidos os atos de cuidar, seja daquele
pertinente à gestão do cotidiano que é produzida por qualquer trabalhador de
saúde. Aqui se apresenta de forma contundente o conflito entre autonomia e
controle, pois que, para o cuidado existir, há que se desenvolverem diálogos
entre clínicas, saberes, sabedorias, tecnologias, arranjos institucionais,
decisões públicas, decisões privadas. Este lugar próprio da gestão do cuidado,
no qual estamos inseridos, é território fértil para as distintas práticas de
resolução de conflitos que, na formulação de Honneth, poderia levar a
correntes formas de desrespeito, já que a diferenciação entre sujeitos pode ser
ou não suportada pelos agentes da gestão.
No âmbito da construção de processos de coordenação do trabalho em
saúde, dadas particularmente as decisões tomadas em função de políticas
públicas estabelecidas, nem sempre se apresentam medidas centradas na
participação formuladora dos atores envolvidos com os processos cuidadores,
ou na construção intelectual dos pressupostos dos modelos que estão em
implantação ou implementação.
59
Os pressupostos de cidadania contidos no Sistema Único de Saúde,
operados pelos atores envolvidos em sua gestão, tal qual o descrito em
relação àqueles agentes do cuidado direto, também estão a tensionar os
trabalhadores dos processos de coordenação, dado que o discurso de ganhos
de cidadania e participação confronta-se com a participação excludente que
administrações tradicionais imprimem. Repare-se aqui, que ao assumir uma
postura de sujeito em relações de iguais, os trabalhadores tendem a imprimir
uma tensão maior sobre as capacidades de provisionamento de soluções por
parte dos que manejam as estruturas de gestão.
As estruturas de gestão, muitas vezes, atribuem tarefas a trabalhadores
no sentido de organizarem coletivos na prática do cuidado e na sua gestão,
mas estes vêem-se surpreendidos por deliberações que não contaram com
sua participação, ou mesmo são contraditórias em relação ao mesmo
pressuposto de construção coletiva da gestão do cotidiano. A percepção do
conflito enfrentado entre ser potente para isto, impotente para aquilo, pode
significar uma auto-percepção de diminuição do próprio valor. Note-se que ao
inscrever este tipo de acontecimento como uma prática de desrespeito, não se
atribui a intencionalidade da prática por parte dos superiores, mas sim que as
estruturas, com seus sujeitos em ato, permeadas pelo divórcio entre gestão
dos macro-processos e gestão do cuidado no âmbito das relações de produção
da saúde no encontro entre usuário e trabalhadores, por si, podem produzir
atos desrespeitosos.
Esta questão, pertinente ao desencaixe entre a prática da gestão dos
macro-processos e a micropolítica do trabalho vivo em ato, não consegue ser
60
resolvida pelos pressupostos de uma ação comunicativa simplesmente, pois
que as concepções derivadas da crítica da razão instrumental de Habermas
(2003) produzida originalmente em 1981, e a aplicação de Flores (1991) para a
discussão da administração de empresas, propõem uma maior interação entre
as pessoas no mundo da vida, a partir de agires comunicativos, liberados da
razão e agir instrumentais, mas sem levar ainda em conta um
reposicionamento ético-político necessário aos indivíduos que se
comprometem com novas possibilidades de agires includentes.
Eis que aqui a contribuição de Honneth é particularmente interessante,
dado que não apenas afirma a possibilidade de ser eficaz uma ação positiva na
construção de mecanismos mais solidários de gerir o cotidiano, mas também
que a denegação do outro no ato de desrespeito pode motivar o agir humano
e, em caso de existência de movimento social capaz, pode construir a partir do
desrespeito, novos acontecimentos no sentido e direção de um mundo
emancipado.
Neste sentido, o terceiro campo tensional presente nas organizações,
proposto por Merhy, irá discutir a constitutividade dos autogovernos na área da
saúde e a potência existente no conflito entre autonomia e controle:
O mundo das próprias organizações de saúde forma-se como
território tensional em si, pois se constitui em espaço de
intervenção de sujeitos coletivos inscritos a partir de suas
capacidades de se autogovernarem, disputando o caminhar do
dia-a-dia, com as normas e regras instituídas para o controle
organizacional.
Esta condição, a de que em qualquer organização produtiva o
autogoverno dos trabalhadores é constitutivo de seu cerne, no
terreno da saúde está elevada a muitas potências. Nos
serviços isto é muito perceptível, a partir do fato de que todos
podem exercer o seus trabalhos vivos em ato, conforme seus
61
modos de compreender os interesses em jogo e de dar sentido
aos seus agires. A tensão entre autonomia e controle é sem
dúvida um lugar de tensão e, portanto, de potência,
constituindo-se em um problema para as intervenções que
ambicionam governar a produção de um certo modelo tecno-
assistencial. (Merhy, 1999 p. 309).
Quando se fazem apostas de produção de saúde centradas nos
usuários e suas necessidades, tal qual no modelo em defesa da vida (Merhy,
1999; 2002), busca-se a ativação, mediante o uso de diversos dispositivos, de
processos de construção de vínculo e responsabilidade, de desenvolvimento
de educação permanente e autonomização dos agentes, para que estes
possam, mediante relações maduras, estabelecer pactos de auto-gestão. Este
processo é produtor de empoderamento e ganho de potência por parte dos
trabalhadores de saúde. Para praticar o cuidado é necessário ser potente, é
imprescindível ter poder para realizar as negociações necessárias para a
articulação, produção e garantia de realização dos projetos terapêuticos,
elaborados com os demais trabalhadores e com os usuários. Note-se que a
afirmação anterior pressupõe o igual empoderamento do usuário, ou o
reconhecimento desta potência. A potência do trabalhador de saúde precisa
ser ativada pela potência do usuário, já que se este está destituído de sua
individualidade, se não conta para a elaboração de seu projeto terapêutico,
este será simplesmente objeto de aplicação de conhecimentos e saberes do
trabalhador de saúde: o ato cuidador não se encerra em prescrições ou
procedimentos, vai além, num caminho construído intersubjetivamente.
Se o olhar produzido pelos trabalhadores envolvidos na gestão dos
macro-processos está filtrado por elementos tecnológicos duros ou leve-duros,
62
tais quais as avaliações a partir de parâmetros de produção de procedimentos,
custos, ou mesmo pelo cumprimento puro e simples da política pública
proposta, será inevitável o conflito. Trabalhadores em franca
responsabilização, autônomos e auto-gestores dos processos cuidadores em
que estão inseridos, exigem canais e espaços de negociação e decisão com
todos os lugares da gestão. Fabricar espaços coletivos de análise, negociação
e decisão onde a autoridade de um, e todos tem autoridade, é alteridade para
o outro parece ser indispensável para uma relação produtiva em que o
reconhecimento do outro é motor para o encontro de possibilidades e soluções
para problemas portados pelos trabalhadores nas duas direções. Aqui,
também, a potência do dirigente necessita da ativação por parte da potência do
trabalhador. O poder constitutivo do ato cuidador re-significa a potência do
gestor e dá sentido ao seu exercício de poder: este território pleno de potência
pode também ser pleno de privação e denegação de direitos, pois que ao
movimentar conjuntos de trabalhadores e usuários no sentido da construção
plena de processos cuidadores auto-geridos e potentes, a privação da
participação destes nos processos de formulação e tomada de decisão
significarão desrespeito, dadas as contradições insuportáveis entre poder e
submissão, entre potência e impotência, entre auto-gestão e espera
dependente pela decisão do outro.
Por outro lado, o ato de desrespeito encontra, em seu revés, um
conjunto de trabalhadores comprometidos com seus atos cuidadores e, dadas
as possibilidades de construção de alto nível de comprometimento entre si e
destes com os usuários, com possibilidades e potência para a articulação de
63
movimentos de enfrentamento e mudança de situação.
Caso a experiência do desrespeito encontre indivíduos sem esta
capacidade de ação política, a possibilidade de resultar em imobilização e
sofrimento pessoal com estima diminuída é expressiva. Mesmo assim, existirá
a possibilidade da manifestação solidária dos iguais, solidariamente afetados,
criando campos de oposição às atitudes desrespeitosas. Esta cinética do
conflito, expressada na gramática da luta por reconhecimento, pode ser
potente motor do desenvolvimento conflituoso e tenso, portanto portador de
potências de novas possibilidades de re-invenção da gestão.
Neste aspecto, quero inferir que a defesa da vida pressupõe uma luta.
O usuário luta por reconhecimento de suas necessidades e suas capacidades,
o trabalhador cuidador, também, e, por outro lado, para dar conseqüência às
políticas pública traçadas, os gestores com G maiúsculo, igualmente lutam
buscando reconhecimento.
As estruturas verticalizadas de gestão propiciam, deste ponto de vista,
os atos desrespeitosos, são fabricadores de desrespeito e privação de
reconhecimentos. Um exemplo bem peculiar desta questão refere-se às
experiências de acolhimento em unidades de saúde. Espera-se, com esta
medida, que os conjuntos ou equipes de trabalhadores se responsabilizem
pelos usuários com os quais se defrontam independentemente das
capacidades e possibilidades de estabelecerem nestes locais os projetos
terapêuticos individuais mais adequados. Esta prática pressupõe autoridade
para produzir os desfechos necessários para uma condução segura do cuidado
ao usuário. Se um médico ou enfermeiro de uma Equipe de Saúde da Família
64
identifica uma situação de emergência com potencial risco de vida para o
usuário, este trabalhador deveria poder acionar de forma direta e precisa o
suporte de atenção pré-hospitalar, qualificando este procedimento. Eis que ao
ser negado ou ser submetido a uma abordagem protocolar de classificação de
risco, o sistema pressupõe a incapacidade do trabalhador, seu exercício
profissional tem o reconhecimento denegado e seu lugar assistencial é
desqualificado desrespeitosamente.
Este exemplo supracitado cumpre o objetivo de clarear que as práticas
de gestão que aqui se reportam não são apenas aquelas dedicadas à macro-
gestão. Tenta-se, enfim, estabelecer uma análise por dentro da micropolítica do
trabalho vivo em ato seja qual for seu lugar na estrutura de gestão e operação
da saúde, pois em todos estes, em sua molecularidade, há micropolítica e, em
todos os nichos, a questão do cuidado é a alma do negócio.
Assim, a luta em defesa da vida pressupõe um exercício crescente de
práticas emancipatórias e libertadoras que, para além do encontro entre
trabalhadores e usuários, produza encontros entre trabalhadores e
trabalhadores, uns no encontro direto com usuários, outros responsabilizados
pela condução processual da administração, mas todos, inclusive os próprios
usuários, operadores e decisores do cuidado em saúde. Esta prática
educacional, como prática da liberdade, retornando aos dizeres de Paulo
Freire, liberta os usuários e trabalhadores, enquanto liberta os gestores (Freire,
1977; 1978).
Horizontalizar as estruturas gestoras não é apenas ganho de
democracia, é também, neste sentido, propiciar novos encontros entre sujeitos,
65
reduzir a capacidade de inibição de processos de decisão que levem em conta
as diferentes compreensões do processo cuidador e neste campo, prenhe de
olhares distintos, desejarem todos, mutuamente, a diferença, como o
complemento essencial para a melhor condução de gestões comprometidas
com a defesa da vida individual e coletiva.
O trabalhador de saúde, engravidado pelo universo de necessidades
de seus usuários concretos, convida os seus gestores a responderem de forma
solidária a estas dificuldades e, por seu turno, o gestor, ao ser mantido em
encontro com estas singularidades, pode também destecnificar-se, deslocando
a alteridade do eixo do cumprimento das promessas de governo, dos êxitos
das políticas públicas pretendidas, ou de suas ferramentas e saberes na
direção do sofrimento dos usuários, encontrando-se com estes numa gestão
cuidadora. Trataria, portanto, do estabelecimento de uma modalidade solidária
de gestão, onde efetivamente as diferenças de olhar e de conduta seriam,
então, não só necessárias, mas desejáveis. A gestão neste caso, tal qual o
cuidado seria exercício de pura Política.
66
OLHANDO EM ALGUMAS SITUAÇÕES DE GESTÃO NA SAÚDE NA
SUA COTIDIANEIDADE OS ANALISADORES RECONHECIMENTO E
DESRESPEITO: O COMPLEXO HOSPITALAR DE MANGABEIRA
GOVERNADOR TARCÍSIO BURITY
Esta unidade hospitalar apresenta uma história de conformação
bastante singular e vale a pena uma descrição. O início das discussões sobre
a sua formulação deu-se em novembro de 2007, quando as suas obras e
aquisições de equipamentos já estavam em estágio avançado. Paralelamente
a isto, no seio do curso de especialização em gestão do cuidado, realizado em
parceria entre a Secretaria Municipal de Saúde de João Pessoa e a
Universidade Federal da Paraíba, foi identificada a necessidade de se
estabelecer uma dinâmica de reformulação da atenção hospitalar no âmbito do
município de João Pessoa. Neste curso, pensado como um eixo fundamental
para o processo de educação permanente para os trabalhadores de saúde do
município, particularmente os envolvidos com as práticas de gestão, contou-se
com a participação de dirigentes das quatro estruturas hospitalares do
município.
Neste ínterim, fui convidado a prestar consultoria para a atenção
hospitalar municipal, com o desafio de, em conjunto aos gestores, colaborar
com este processo de formulação, de intenções claramente mudancistas e,
alinhado ao pensamento de defesa da vida. Cabia não apenas pensar e
formular para hospitais em si, mas para um horizonte de equipamentos
pertencentes à rede de serviços de saúde, para além do conceito fragmentado
67
de rede de atenção hospitalar ou rede hospitalar, pura e simplesmente. Foram,
para tanto, realizadas três oficinas de formulação das linhas gerais de um
modelo tecnoassistencial e de gestão, três de formulação de estrutura de
funcionamento e apuração de perfil do Complexo Hospitalar de Mangabeira
Governador Tarcísio Burity - CHMGTB e duas de acompanhamento da
implantação do processo de gestão do hospital.
Para o início dos trabalhos, diante da questão principal colocada pelos
atores em ato, referente à necessidade de ganhos de autonomia, decidiu-se
centrar os trabalhos sobre um eixo construtor de alteridade, ou seja, pensar a
autonomia do ponto de vista do reconhecimento dos diversos vínculos que as
instituições de saúde possuem e dos compromissos mútuos que se desenham
a partir disto. Assim, utilizamos uma mesma ferramenta já testada no processo
de planejamento de outras unidades hospitalares, (Mendonça, 2003; 2004) de
colocação dos atores em relação à externalidade da demanda, oportunizando
a participação de atores situados em outras organizações da Secretaria de
Saúde.
As questões colocadas foram as seguintes:
- O que a população de João Pessoa espera de sua instituição?
- O que sua Instituição pode atender?
- O que deveria poder atender?
-O que os seus pares (SAMU, Atenção Básica, Regulação, Atenção
Hospitalar, Prefeitura Municipal de João Pessoa) esperam de vocês?
- O que falta (material, político/organizacional, tecnológico, pessoal)
68
para poder atender?
Com estas questões procurou-se cartografar a capacidade do
equipamento proposto, mas não apenas frente às suas intenções de ofertas,
mas estas diante de uma leitura do “outro” lugar da rede com um todo. Neste
sentido o grupo que analisava este hospital respondeu da seguinte maneira:
O que a população de João Pessoa espera de sua
instituição?
A população de João Pessoa espera ser atendida nas suas
necessidades de saúde, de forma acolhedora e integral.
O que sua Instituição pode atender?
Hoje no Hospital de Mangabeira a unidade que funciona é a
Maternidade Santa Maria com atendimento hospitalar em
obstetrícia de baixo risco e atendimento ambulatorial de
ginecologia, puericultura e pré-natal de baixo risco.
O que deveria poder atender?
Centro de Ortotraumatologia:
Serviço de Artroplastia e Reconstrução Articular (quadril,
joelho, tornozelo, ombro e mão);
Serviço de Tratamento do Trauma Ortopédico
Referenciado;
Serviço de Tratamento Ortopédico de Doenças
Congênitas;
Serviço de Cirurgia Buco-maxilo-facial;
Serviço de Tratamento das Doenças da Coluna;
Serviço de Cirurgia de Mão;
Serviço de Reabilitação;
Serviço de Dor Crônica;
Serviço de Diagnóstico por Imagem (tomografia
computadorizada, radiologia e ultra-sonografia).
Hospital Geral:
Atendimento de urgência clínica e cirúrgica;
Unidade Santa Maria (antiga Maternidade):
Artrites sépticas e osteomielites.
Ambulatório
Egressos de cirurgia geral e ortopedia / traumatologia.
O que os seus pares (SAMU, Atenção Básica,
Regulação, Atenção Hospitalar, Prefeitura Municipal de
João Pessoa) esperam de vocês?
69
SAMU:
Ser ouvido; ter garantia de vaga zero e ambulância
qualificada (pessoal e equipamentos) para transferência
inter-hospitalar.
Atenção Básica:
A garantia da continuidade do projeto terapêutico com
construção de linhas do cuidado.
Regulação:
Que as pactuações sejam cumpridas;
Que a rede seja reestruturada e o perfil dos serviços
seja redefinido.
Atenção Hospitalar:
A diminuição da sobrecarga dos demais hospitais;
Otimizar o fluxo de atendimento na rede hospitalar;
Ampliar o acesso em procedimento eletivo de ortopedia
e traumatologia;
Garantia ao atendimento em urgência clínica e cirúrgica.
Prefeitura Municipal de João Pessoa
Atender a necessidade dos usuários do
município,adequando as instalações físicas e
promovendo a reflexão dos processos de trabalho e
transformações das ações em saúde.
O que falta (material, político/organizacional,
tecnológico, pessoal) para poder atender?
Término da reforma da estrutura física do Hospital
Geral, e da construção do Centro de Ortotraumatologia.
Licitação e aquisição de equipamentos hospitalares,
materiais permanentes, (de) hotelaria, materiais médico
hospitalares, insumos e medicamentos.
Definição do modelo de gestão.
Missão do hospital com foco no usuário e nos princípios
do SUS, democratização do processo de decisão e
planejamento, profissionalização dos gestores, política de
avaliação e desempenho, a integralidade do cuidado
como eixo da gestão e autonomia administrativo
financeira.
Implantação de acolhimento com classificação de risco,
linhas de cuidado, protocolos clínicos, sistema de
informação gerencial, indicadores hospitalares,
fluxos/rotinas, engenharia clínica (manutenção preventiva
e corretiva de equipamentos)
Equipe gestora e corpo funcional com qualificação
técnica para atuar neste novo perfil.
70
Logo em sua primeira resposta o grupo aponta entre questões gerais o
problema da integralidade, numa concepção que aponta o atendimento do
hospital como integral, sutilmente distinto da visão do hospital, conferindo, em
sua especificidade, integralidade na rede de serviços de saúde (Cecílio &
Merhy, 2003; Merhy & Cecílio 2003). Esta resposta era esperada, já que os
hospitais, e mesmo a rede, por vezes espera encerrar nestes equipamentos o
sistema de saúde como um todo, apostando em definições como busca de
inserção ou capacidade de articulação com a rede e não como pertencimento a
ela (Mendonça, 2003).
Não houve problemas em identificar o perfil na época atual para o seu
funcionamento, ou seja, uma pequena unidade de maternidade, que apesar do
escopo de atendimento a casos não complicados e de baixo risco, possuía em
suas equipes enfermeiros, ginecologistas, anestesistas e pediatras, e as
pessoas apresentavam uma idéia geral referente à oportunidade de se
transferir este componente maternidade para a outra existente no município,
com reconhecimento de capacidade para operar situações assistenciais de alto
risco.
Quanto à capacidade futura ou desejada, foi apresentado o projeto
existente, ou seja, um complexo hospitalar composto de um centro de
ortotraumatologia, um hospital geral envolvido com emergências clínicas e
cirúrgicas e uma unidade específica dedicada aos casos de artrites sépticas e
osteomielites. A estrutura proposta para o centro de ortotraumatologia
apresentava um desenho tradicional, com divisões por origem do problema, ou
seja, defeitos congênitos ou traumas, por localização geográfica, ou se por tipo
71
de solução, como um serviço de artroplastia. Por outro lado, também separava
as abordagens tecnológicas com distinção ao propor um serviço de reabilitação
e outro de dor crônica. Esta estrutura de serviços é organizada a partir das
habilidades específicas de cirurgiões, ou pela intensidade do uso de insumos
ou de manejo de tecnologias duras como a artroscopia, produzindo
redundância e conflito, pois todo agravo possui uma localização, independente
da origem e do ponto de vista do uso das tecnologias centradas nas
necessidades dos usuários; cada “caso” a ser atendido, demanda o emprego
de múltiplas tecnologias e múltiplas habilidades, em suas particularidades.
Outro aspecto que chamou muita atenção nestas discussões iniciais foi a
destinação de um “outro lugar” na rede ou no próprio complexo, para a
colocação dos casos “infectados”, que impedem o bom giro das atividades
ortopédicas. Ora, tal construção admite que exista uma terminalidade do
tratamento clínico cirúrgico no ato operatório, e tudo o que sai do previsto,
como sucesso, é transferido para um lugar de manejo clínico, não mais
pertinente ao mesmo grupo de trabalhadores. Tal concepção apresenta um
grave risco de redução das possibilidades de responsabilização e construção
de vínculos entre equipes e usuários.
Vê-se nesta organização típica de serviços, e com o elemento de
descarga dos casos de “insucesso”, o centro do modelo pensado e
apresentado nos procedimentos médicos. O hospital se organizaria, assim, a
partir das habilidades de consumo de tecnologias dos ortopedistas, de acordo
com seus saberes estruturados, e, aos usuários, caberia transitar pelos
serviços de acordo com as ofertas de possibilidades terapêuticas pré-definidas.
72
A idéia de um ambulatório de egressos, em si bastante óbvia, traduz a
insatisfação com as estruturas assistenciais atuais, onde os dois hospitais
públicos que produzem cirurgias e atendimentos ortopédicos em João Pessoa
não possuem ambulatórios para o seguimento posterior ao pós-operatório
imediato, nem a revisão ou alta dos demais procedimentos traumato-
ortopédicos: os usuários-pacientes procuram o seu cirurgião no dia de seu
plantão na urgência, para as revisões necessárias na pós-alta, gerando uma
enorme aglomeração na porta de entrada do Pronto Socorro.
Quanto ao relacionamento com os outros lugares da rede de serviços de
saúde, bem como as instâncias de gestão do sistema de saúde, são apontadas
necessidades de comprometimento da capacidade a ser instalada com os
desenhos modelares do sistema como um todo. Assim, apresentou-se, como
esperado, que a unidade seja parceira do SAMU, basicamente fazendo a sua
parte, ou seja, recebendo e desenvolvendo a assistência no momento adiante
ao pré-hospitalar, sem querelas acerca das vagas, capacidades etc. A Atenção
Básica foi representada pela idéia de um demandante por continuidade, sem
quebras das linhas de cuidado que estão sendo desenvolvidas pela política
municipal de saúde, ou seja, que o hospital contribua por meio de sua
especificidade para a construção de integralidade na rede. As pessoas em
discussão nesta oficina também manifestaram a compreensão de que os
projetos da saúde, e particularmente o referente à reorganização da atenção
produzida pelos hospitais, são objetos de interesse do executivo municipal.
Esta noção de pertencimento às ações estratégicas de governo é uma das
melhores situações de produção de alteridade por parte da gestão, visto que
73
permanentemente são pressionados a construir manejos que possam
apresentar resultados dentro da política pública municipal como um todo.
Em relação à última questão, foram apresentados elementos
diagnósticos de faltas, ou deficiências, nos diversos aspectos que envolvem a
governabilidade do desenvolvimento do projeto. Um primeiro aspecto disse
respeito ao atraso nos processos administrativos necessários para a conclusão
das obras, bem como das aquisições de equipamentos e instrumentais
específicos para o hospital, o que comprometeria a previsão de entrega para
março e início de operação por volta do mês de maio seguinte. Do ponto de
vista dos recursos políticos e organizacionais, foi apontada a inexistência de
um modelo de gestão para esta nova organização, confrontada com a noção
de que as atuais estruturas organizacionais são inadequadas e não garantiriam
uma gestão democrática e eficiente. Nos discursos correntes dos membros da
gestão das diversas instâncias de governo, existe uma preocupação com um
acréscimo de democracia, pairando sempre no ar que existe necessidade de
se estabelecerem mecanismos concretos de desenvolvimento de discussões e
decisões, que levem em conta a multiplicidade de olhares oriundos dos
diversos lugares da rede.
Aqui se coloca claramente um enfrentamento de situações, em que
pessoas se sentem desrespeitadas pela não escuta ou pelo fato de ter
posicionamentos julgados como importantes, não sendo levados em
consideração nos processos de tomada de decisões, dado inclusive pela
inexistência de espaços formais de elaboração processual da decisão. Esta
questão é bastante pertinente, e em relação ao exposto nos capítulos
74
anteriores a construção coletiva da vontade é, por um lado, discursivamente
enaltecida, mas a inexistência de espaços regulares de debate e decisão
coletiva a impede. Esta situação, aparentemente, levaria a uma percepção de
diminuição do valor próprio.
Os dirigentes hospitalares e outros cumpriram previamente uma agenda
de visitas a outras organizações hospitalares públicas e filantrópicas,
particularmente em Belo Horizonte, onde conheceram experiências que
optaram por modelos baseados em unidades de negócios, ou unidades de
produção, denominadas unidades funcionais, porém estas visitas não
chegaram a produzir uma proposição modelar para os hospitais da rede
municipal.
Ainda em relação ao modelo de gestão, foi apresentado como
necessário o desenho de um arranjo que permita processos de planejamento e
de gestão mais democráticos, objetivando a construção de um projeto
institucional, ou missional, que apontasse para uma inserção no sistema de
saúde, com foco no usuário e comprometido com a construção da
integralidade.
Foi salientada a importância da construção de autonomia administrativa
e financeira. Este ponto é particularmente importante para a compreensão do
processo, pois esta autonomia é compreendida como possibilidade de alívio
institucional para as mazelas produzidas pela estrutura insuficiente da gestão
de materiais da Secretaria de Saúde, e não um desejo de gestão de
organizações responsáveis que respondam com práticas de reconhecimento
da alteridade necessária, que poderia re-significar a organização como um
75
todo.
Enfim, também é colocada de forma importante a necessidade de
construir uma gestão profissionalizada, o que na verdade traduz um desejo de
potência, de ganho de capacidade, e são vistos como particularmente
importantes os processos de formação, ainda que não tenha sido explicitada a
demanda de disparo de processos de educação permanente neste âmbito da
gestão.
Quanto às tecnologias, é apontada a necessidade de estabelecimento
de acolhimento e classificação de risco, sem aprofundar o quanto esta
atividade diz respeito às relações solidárias de compartilhamento de
responsabilidade com os demais equipamentos da rede de serviços. As demais
tecnologias apresentadas como insuficientes, são leve-duras e dizem respeito
ao controle gerencial das atividades. Talvez a situação atual de falta de
informações precisas sobre o funcionamento, sobre os sistemas
administrativos básicos e quanto mais acerca dos processos de trabalho
estivesse operando um desejo de controle, como parte da construção da
potência necessária para a boa prática de gestão.
Como resultado desta primeira oficina, percebeu-se que mesmo o
projeto de funcionamento do complexo hospitalar, aparentemente bem
resolvido, mereceria passar pelo crivo de um processo mais amplo de
discussão, o sentido de checagem sua adequação de perfil, dentro do projeto
político público para a saúde em processo de reconstrução permanente.
Para a continuidade deste processo de formulação de um novo desenho
76
de organização das estruturas hospitalares, foi proposta uma oficina para
aprofundar a questão dos perfis das unidades hospitalares. Para esta
abordagem, lançou-se mão de dois passos, um bastante tradicional tal qual a
apresentação de informações epidemiológicas, e de produção de
procedimentos dos serviços, ofertando um mapa da demanda atendida, e a
análise do padrão de mortalidade registrado nos sistemas formais. No passo
seguinte foi proposto construir a imagem invertida dos objetivos sociais
pretendidos pela rede de serviços de saúde, ou seja, partir-se não da
afirmação de que saúde é direito de todos e dever do estado, mas no onde
esta imagem afirmativa do direito à saúde é denegada pela sua privação. Com
isto objetivou-se construir uma análise crítica dos resultados assistenciais e, a
partir daí, afirmar-se uma estratégia de enfrentamento de problemas que
pudessem levar a um processo de garantia de tal direito. Com isto, trabalhou-
se a construção de “linhas de descuidado”, especificamente falando, da
construção de uma memória de histórias de vida, em que a imagem afirmativa
das linhas de cuidado resultou em fracasso terapêutico e incapacidade de
atuação da rede como garantia do direito.
Ainda que estas dinâmicas de trabalho tenham sido construídas
utilizando-se parte do suporte teórico da luta por reconhecimento e sobre o
conceito central do “desrespeito”, fazendo uso do núcleo central da teoria de
Honneth, estes não foram explicitados em nenhum momento das oficinas.
Assim, a elaboração do grupo se deu sem a intenção de se averiguar se existe
uso de tal conceito nas formulações discursivas. Porém, a proposição da
análise, com base nas linhas de descuidado, se deu sobre o plano de fundo da
77
denegação de direitos, ou seja, do desrespeito ao direito explicitado nas
diretivas constitucionais do Brasil.
A percepção do desrespeito ao usuário, em seu lugar de cidadania, se
aguçou pela compreensão de que os sujeitos da gestão também têm seu lugar
de usuários (Merhy, 2002), pois todos os trabalhadores de saúde,
experienciam em suas vidas este duplo lugar.
Assim, quando ao se verificar, em uma apresentação acerca da
morbidade e mortalidade de João Pessoa, que mais se morre de infarto agudo
do miocárdio e outras doenças isquêmicas do coração do que se interna pelas
mesmas razões, não se produz um sentimento de piedade em relação aos
usuários em questão, mas uma percepção de risco que atinge aos
profissionais de saúde e suas famílias e amigos. A percepção imediata de que
existe insuficiência na capacidade de intervenção disponível na rede de
cuidados de saúde produziu uma relação solidária: os produtores do resultado
social do funcionamento do sistema de saúde também estão inscritos no rol de
usuários; são identificados sujeitos da ação de saúde e objetos do cuidado daí
derivado; a promessa de cidadania não cumprida atinge a todos igualmente,
porque todos são iguais, diante das possibilidades de sofrimento e morte.
Outra percepção solidária que despontou no decorrer do exercício, diz
respeito ao relacionamento da rede, ou seja, ao compartilhamento de
responsabilidades entre os diversos equipamentos e destes com o nível central
da secretaria de saúde, pois para o enfrentamento da situação de precariedade
do cumprimento de direitos, não existiria a possibilidade de intervenção
solitária desta ou daquela unidade de saúde, seja qual fosse o seu nível de
78
complexidade.
As linhas de descuidado escolhidas pelos membros da oficina para
serem trabalhadas foram:
Infarto Agudo do Miocárdio
Diabetes e predomínio de ocorrência de amputações altas na rede
Prematuridade
Internação por Transtornos Mentais (Esquizofrenia)
Morte Materna
Pneumonia e DPOC
Para o enfrentamento das questões suscitadas, marcadas pelas perdas
de oportunidade de intervenção cuidadora, os participantes do processo de
planejamento, pautados pelas suas experiências de matriciamento de
capacidades em franco uso no município, e colocados em situação de análise
pela observância dos descuidados produzidos na e pela rede serviços de
saúde, formularam enquanto rede:
No âmbito geral da rede hospitalar, pôde ser desenvolvida a
idéia de uma rede articulada entre si e com os demais
equipamentos componentes do SUS, ou seja, pela estrutura
municipal, mas também pelas estaduais e federais. Além disto,
verifica-se certa pretensão de autonomia pelos dirigentes das
organizações hospitalares. O conceito de autonomia que
passamos a trabalhar foi no sentido da capacidade de
reconhecimento das alteridades institucionais e de manejo no
dia a dia, particularmente em relação ao trato com as
demandas do cotidiano. (Mendonça, 2008 p. 2)
Esta concepção expressa por um lado a noção de pertencimento à rede
e, por outro, de que a unidade hospitalar é simplesmente um tipo de unidade
da rede, nem cabeça, nem centro, nem topo da rede, e isto dentro de uma
79
concepção de que as definições de atenção básica, especializada e hospitalar
é tão somente uma distinção de lugares, já que em todos estes se praticam as
mesmas clínicas e se jogam com os mesmos saberes tecnológicos e
sabedorias presentes, por parte dos trabalhadores de saúde e por parte dos
usuários destes serviços de atenção.
O reconhecimento de autonomias possíveis expressa o
reconhecimento de capacidades presentes em todos os âmbitos da rede de
serviços, num desejo de construir um enunciado de vontade coletiva de
funcionamento harmonioso e cooperativo, que nas singularidades (e
diferenças), não só reconhecidas como desejadas, poder-se-ia construir uma
imagem objetivo de rede solidária.
Para dar conta desta pretensão de relacionamento respeitoso e
solidário entre equipamentos e por dentro da estrutura hospitalar, formulou-se
em linhas gerais para a organização:
Quanto à questão organizacional, no que diz respeito à
estrutura
e funcionamento propriamente dito, foi proposta uma
estrutura matricial do ponto de vista da gestão da organização
e, matriz esta, dada pelo relacionamento transversal entre
funções e responsabilidades diante das demandas e
necessidades dos usuários da rede de serviços. (Mendonça,
2008 p. 2)
As estruturas matriciais de organização representam a forma mais
elaborada de organização burocrática, e segundo CHIAVENATO “é uma
espécie de remendo na velha estrutura funcional para torná-la mais ágil e
flexível às mudanças” (2000 p. 622). O mesmo autor seguindo, ainda, afirma
de forma bem humorada que esta estrutura é “uma espécie de turbo em um
motor velho e exaurido para fazê-lo funcionar com mais velocidade”.
80
(Chiavenato, 2000 p. 622)
As estruturas formais, burocráticas e verticais apresentam um
desencaixe básico em relação ao funcionamento e processo de trabalho em
estruturas de produção de cuidados, já que nestes processos o que se dá
efetivamente é uma composição de grupos de trabalho, organizados para o
“aqui e agora”, ou seja, a necessidade do usuário de certa forma desloca os
agentes técnicos
1
de seus lugares departamentais para constituir uma força-
tarefa envolvida e implicada com a solução de ganho de autonomia e felicidade
para um demandante específico. Esta definição se aproxima do conceito de
“adhocracia” formulado por Toffler (apud Chiavenato, 2000) e já manifesto na
tese de doutoramento de Alzira JORGE (2002) quando de sua investigação
acerca da gestão hospitalar sob a perspectiva da micropolítica do trabalho
vivo. Do que se fala exatamente: para Chiavenato “para poderem acompanhar
o ambiente turbulento, as organizações precisarão ser orgânicas, inovadoras,
temporárias, isto é, antiburocráticas” (Chiavenato, 2000 p. 619).
A adhocracia se caracterizaria, assim, como desadministração, ou seja,
abre-se mão do controle, do planejamento, da coordenação centrais para, por
meio dos pactos de responsabilidade e comprometimento, equipes sejam
constituídas e destituídas a todo tempo e hora, em uma dinâmica adequada
para o enfrentamento de situações e problemas singulares que exigem
descompartimentalização das capacidades produtivas.
Para CHIAVENATO (2000 p. 620) a adhocracia se caracteriza por:
z Equipes temporárias e multidisciplinares de trabalho,
1 Utilizo agentes técnicos para diferenciar dos outros produtores do cuidado em saúde, já que partimos
da premissa de que este trabalho é produzido em uma relação entre sujeitos, e assim, o próprio usuário
é um dos agentes deste processo produtivo.
81
isto é, autônomas e auto-suficientes.
z Autoridade totalmente descentralizada, ou seja, equipes
auto-gerenciáveis e auto-administradas.
z Atribuições e responsabilidades fluidas e mutáveis
z Poucas regras e procedimentos, ou seja, muita
liberdade de trabalho
Seguindo, o mesmo autor procura fazer um quadro resumo das
estruturas burocráticas versus as adhocráticas e reproduzimos aqui:
Quadro 2: Burocracia versus Adhocracia (Chiavenato, 2000 p. 620)
Práticas
Administrativas
Burocracia Adhocracia
Planejamento
Detalhado e abrangente
Situado a longo prazo
Envolve políticas,
procedimentos, regras e
regulamentos
Genérico e amplo
Situado a curto prazo
Envolve apenas situações
rotineiras e previsíveis
Organização
Apenas a organização formal
Especialização e
responsabilidades específicas
Departamentalização
funcional
Centralização da autoridade
Algumas vezes informal
Responsabilidades
vagamente definidas
Departamentalização por
produto ou por cliente
Descentralização da
autoridade
Direção
Diretiva e autoritária
Supervisão fechada
Autoridade estrita e
impessoal
Centrada na tarefa
Participativa e democrática
Supervisão genérica e
ampla
Centrada na pessoa e na
tarefa
Controle
Controles compreensivos
Para assegurar cumprimento
dos procedimentos
Acentua e reforça as regras
Controles genéricos
Orientados para resultados
Acentua e reforça o
autocontrole
Características
Formal, especializado e
centrado nas regras
Informal, baseado em
equipes temporárias
A caracterização de uma estrutura hospitalar, proposta como
organização matricial, não nega o caráter adhocrático do hospital, mas
reconhece a existência de tempos e pessoas, concordante com CECÍLIO
(1999), que elabora que a passagem de estruturas burocratizadas e rígidas
marcadas pelo controle da autoridade, para organizações de arranjos leves
82
pautadas no aqui e agora, com distensão do conflito entre controle e
autonomia, não é tranqüila. Esta compreensão inspirou a formulação de uma
estrutura em rede, mas com o estabelecimento mínimo de responsabilidades
derivadas de autoridade delegada, num matriciamento entre oferta, demanda e
gerenciamento de espaços produtivos. Neste sentido, conceitualmente
dialogando com a física e a geometria analítica, as decisões não são
definições, mas vetores: decisão é força e movimento, direção e sentido
pretendidos.
A estrutura proposta não carrega em si a intenção de produzir
reconhecimento e minimização de possibilidades de desrespeito, mas sim de
se propiciar possibilidades de encontros mais reconhecedores das autonomias
e subjetividades e, com isto, pela exposição dos trabalhadores aos seus
usuários e vice-versa, estar sujeita a novos acontecimentos e por que não
dizer, propiciar o surgimento de novos personagens no ato (Sader, 1995), na
cena, na micropolítica do produzir em ato o cuidado.
Reconhecer a tensão-potência constitutiva destes encontros é por si
desconstrutora das possibilidades de desrespeito, visto que passadas as
tensões iniciais da lacuna de poderes-saberes estruturados, poder-se-á, ainda
que em ambientes de disputa destes mesmos poderes-saberes (Carapinheiro,
1998), constituírem-se espaços de colaboração solidária, resgatados pela
desterritorialização dos mesmos poderes e conseqüente colaboração na
construção de projetos terapêuticos individuais, centrados nos indivíduos,
demandantes e defrontantes, protagonistas da intenção de recuperação de
suas próprias autonomias.
83
Assim, mais do que a abertura para possibilidades de reconhecimento
das diversas capacidades técnicas em diálogo com os protagonismos dos
usuários, as estruturas matriciais, modificadas pela compreensão do processo
de produção do trabalho de saúde, sob a perspectiva de sua micropolítica, ou
seja, centradas no encontro entre usuário e trabalhador, liberam as
capacidades de gestão em direção à produção global de cuidados e permitem
que se estabeleçam campos claros de disputa, sem temer, assim, a tríplice
linha de comando que o modelo proposto pressupõe.
Em continuidade,
Para o estabelecimento do perfil da unidade em questão,
trabalhou-se conceitualmente e de forma confrontada à
informações epidemiológicas disponíveis na inteligência da
própria Secretaria Municipal de Saúde. Com estes elementos
travaram-se discussões no sentido da montagem de linhas de
“descuidado”, ou seja, com a noção de que forma, estrutura e
funcionamento da rede produzem vida e redução do
sofrimento, porém também podem contribuir para
agravamentos, falta de soluções e sofrimento nos usuários do
Sistema Único de Saúde. (Mendonça, 2008 p. 2)
O descentramento da programação hospitalar das ofertas de
procedimentos, dadas pelas capacidades potenciais presentes em direção ao
sofrimento e necessidade dos usuários, colocou em questão o perfil
necessário, ou seja, frente às lacunas assistenciais dos cuidados ofertados,
quais outros deveriam ser ofertados e quais, dos já pensados, deveriam passar
por um processo de crítica, no sentido de seu aprimoramento de qualidade e
de intensidade. Assim, as quatro linhas de cuidado propostas para o hospital
foram: cuidados em emergência clínica; emergência cirúrgica; traumato-
ortopedia e; atenção ao sofrimento psíquico (Mendonça, 2008 p.3).
84
As apostas enunciadas pelo grupo em análise e planejamento
demandaram a construção de um modelo organizacional constituído de um
centro em unidades de produção, ou de funcionalidades denominadas de
Unidades Funcionais – UF, em que nichos de intensidades de cuidados
estariam arranjados e articulados de forma contundente. Nestes espaços
cuidadores, equipes multiprofissionais poderiam desenvolver sob coordenação
única os cuidados demandados pelos usuários. A modelagem organizacional
está apresentada na íntegra no Anexo I.
Estas UF estão atravessadas por duas linhas de intercessão: a gestão
do cuidado e as supervisões técnicas, com prevalecimento da gestão do
cuidado sobre a supervisão técnico-assistencial. No decorrer do processo de
implantação ficou clara a necessidade de atuação solidária, visto que a gestão
do cuidado e a gestão das capacidades técnicas constituem um mesmo núcleo
de governabilidade no campo de práticas cuidadoras. Novamente o que pauta
este movimento constitutivo é o desejo da prática comum, ou do comum da
prática, por meio do reconhecimento do outro, da capacidade do outro frente à
demanda do usuário defrontante: harmonia entre alter e ego, capacidades
reconhecidas no acolhimento não simplesmente à individualidade do usuário,
mas à sua singularidade.
A construção modelar não representa a novidade, mas sim o
movimento de constituição do comum. O processo de discussão e formatação
da estrutura organizacional foi dispositivo de ativação de um processo
cooperativo de construção do comum e, neste, de possibilidade de
singularização não só dos usuários, mas dos próprios trabalhadores, não
85
apenas com seus saberes-fazeres e tecnologias, mas com o disparo de novas
possibilidades de subjetivação, de constituição de coletivos não mais de
individualidade, mas de sujeitos.
Por fim, a organização do hospital, seus coletivos decisórios, seu
mundo do trabalho sem chefias e amalgamado pelos auto-reconhecimentos de
responsabilidades e vínculos construídos constitui-se em dispositivo ativador
de desejos de mudança na rede hospitalar, colocando o campo da produção de
trabalho de saúde nos hospitais como espaço de franca disputa entre projetos
ético-políticos.
86
LUTA EM DEFESA DA VIDA OU CONSTRUÇÃO DO COMUM NO
CUIDADO. UMA GESTÃO SOLIDÁRIA E AMOROSA PARA UMA MULTIDÃO
CUIDADORA
A defesa da vida, com seu modelo tecnoassistencial, usuário centrado
pede reflexões acerca do processo de gestão. A luta por reconhecimento de
Honneth contribuiu ao disponibilizar a categoria do desrespeito como
dispositivo potente de análise dos processos de construção do cuidado,
considerando aqui as experiências cuidadoras e suas gestões intervenientes.
Eis que, se por um lado a construção de um referencial ético-político de
reconhecimento da singularidade do usuário, bem como as estratégias de
exposição a este como sujeito, produz desterritorialização do espaço de
atuação e significação do trabalhador de saúde, esta modelagem-movimento
enfrenta formas tradicionais de gestão e divórcios entre gerir e discurso, que
pedem construção de coletivos, mas privam os mesmos de espaços de
construção do comum na gestão. Marcadamente, o pensamento estratégico
contribui para esta deficiência de compreensão processual, dada pela tentativa
permanente de superação do diferente.
Ainda que não tenha sido possível uma abordagem empírica de
percepções e representações de formas, tipos e experiências de desrespeito,
para além de meus registros de memória, a abordagem, com base na matriz
conceitual ofertada por Honneth e aplicada ao processo de planejamento
particular de uma unidade hospitalar em João Pessoa, permitiu verificar a
pertinência do uso do conceito na tentativa de se produzir uma análise
87
compreensiva das relações intersubjetivas construídas neste processo de
gestão. Isto não quer dizer que se procurou aqui validar a luta por
reconhecimento como uma teoria geral da ação social, mas sim que se fez uso
de seu conceito central para melhor entender processos de gestão, seus
fatores limitantes e conflituosos e, com isto, trabalhar coletivamente na
formulação de propostas mais potentes em direção à construção do comum
(Hardt & Negri, 2005) que reside no cuidado.
Pode-se verificar que existe, nas disputas por modelos e
posicionamento ético-político, uma tensão essencial, constitutiva, que é
potência, energia potencial e que, em sua cinética, energia cinética, se
expressa o conflito: tal qual na produção ofertada por Honneth, o conflito tem
nesta luta por reconhecimento, construída sobre tentativas e movimentos de
desrespeito e construção do respeito, uma gramática moral. A tensão
constitutiva da gestão em ato, e do cuidado em ato, que lhe é consubstancial, é
potência de mudança e dentro da micropolítica onde se inscreve é pura
política, puro movimento. Espaço e tempo, tempo-movimento.
A força do movimento de desalienação e desalgemação, que o
encontro intersubjetivo realizado entre usuário e trabalhador na construção de
seu projeto terapêutico singular produz, libera a ambos que, em construção de
uma relação intersubjetivamente liberada, os reúnem e os re-significam, como
companheiros cooperativos, que de forma potente podem, com tudo o que
possuem de conhecimentos, saberes e sabedorias, construir caminho comum
para os ganhos possíveis de autonomia, que amorosamente ambos desejam.
Este encontro alegre, produtor de vida na concepção espinosista, é
88
fundamental, porém produtor de conseqüências sobre atitudes e motivações
de ambos.
Dentro da micropolítica do trabalho vivo em ato de saúde, a
responsabilização mutuamente vinculada produz desejos pela vida e neste
anima, requerem ação política na comunidade dos humanos. A gestão
necessita complexificar-se, dado que extrapola dos resultados preconizados
em saídas padronizadas, para também singularizar respostas frente a
condições, reconhecidamente singulares. Como diriam os garotos de hoje,
“quem não sabe brincar, não desce para o play!”, ou seja, se os gestores
desejam lutar em defesa da vida, se desejam centrar a produção de saúde no
usuário, preparem-se para este defrontamento, ele é produtor de uma prática
libertária, já que caminham para a produção de novas possibilidades, novos
desejos de autonomia e felicidade.
Ora, por vezes a força das políticas públicas centra-se numa
qualificação e quantificação da produção e, para tanto, se produz nos gestores
um desejo de potência, desejo de controle do tempo-produção. Eis que a
iniciativa de controle da produção no tempo é fiel antagonista da liberdade, a
qual é requerida na construção de saídas criativas capazes de produzir
respostas singulares. Mais, as estruturas burocratizadas, pautadas pela
delegação de competência em estruturas verticais e orientadas ao controle dos
fins e dos meios, não propicia o encontro entre os trabalhadores prenhes de
projetos de produção de vida, com os provedores dos recursos adicionais
necessários para tal.
Estes encontros entre trabalhadores envolvidos no cuidado e
89
trabalhadores envolvidos na gestão são conflituosos essencialmente, dado que
são governados por diferentes lógicas e diferentes afetações. Um se afeta pelo
encontro com o usuário, outro com a resposta global produzida frente a uma
promessa pública de construção de política de governo. A confrontação
assimétrica, por qualquer uma das partes, irá resultar em possíveis
desrespeitos, ou seja, pelo não reconhecimento do lugar de onde o outro
analisa e constrói possibilidades. Neste sentido, de acordo com as teorias
expostas ao longo desta dissertação, somente seria possível uma prática
respeitosa, a partir da construção de espaços de encontro, onde as
singularidades dadas pelas diferentes vivências experienciadas fossem
desejadas.
Para contribuir para este processo de liberação e construção
cooperativa do trabalho em saúde, cujo anima é o cuidado, foi demonstrada
potência no investimento em processos de desadministração, assumindo-se,
ainda que parcialmente, os fluxos e intensidades que governam organizações
consideradas adhocráticas. Expor os trabalhadores da saúde à sua alteridade
essencial, o usuário que demanda cooperação, que afeta e que dispara
possibilidades amorosas de mútua interação, romper as centralidades na
autoridade administrativa de controle, para revelar e elaborar o comum do
cuidado, permitir o encontro entre trabalhadores-gestores e trabalhadores-
cuidadores, catalisados pela singularidade do usuário, e assim revelar o
singular, o diferente desejado dada a inserção em diferentes lugares desta
produção do trabalho: produzir possibilidades de solidariedade no território da
gestão do cuidado.
90
Esta diferenciação mutuamente desejada torna-se não mais
impedimento, mas favorecimento de movimentos sinérgicos: rompe o
paradigma da administração do controle, na observância de que nos fluxos
incontroláveis da produção do trabalho de saúde, estas organizações são
biopolíticamente governadas, ou seja, na sua cotidianidade estão na superfície
da produção da vida.
Por isto, às vésperas da abertura das portas ao público externo, o
hospital que me emprestou o empírico que faltava, encontra-se no centro da
disputa do referencial ético-político na trama de fluxos que permeia a vida da
cidade. Acompanhar no tempo e nas intensidades os fluxos que ali irão se
processar já se apresenta como um desejo implicado, a pedir continuidade
desta investigação, já que longe de fechar as questões aqui colocadas, estas
se abrem em novas perguntas. A aposta é que este processo produzido a
tantas mãos e corações, ainda está por demonstrar sua força e potência. Uma
gestão solidária pode estabelecer novas possibilidades para as máquinas
governamentais, para além das práticas paranóides, centradas no controle da
produção e territórios de desrespeito e ofensa.
Merece também um registro, que neste diálogo da produção teórica
implicada que faço com minhas poderosas instituições, também percebi o
deslocamento de minha alteridade, e ao invés de prestar contas para o
aparelho formador normativo, com o qual sempre estive implicado, reconheci
na linha de pesquisa em micropolítica do trabalho e gestão do cuidado um
Outro Epistêmico, amorosamente vinculado na concepção espinosista. Este
deslocamento de alteridade na produção teórica com pretensão de validade
91
científica coloca o desejo da produção, para além de validação e
reconhecimento de capacidade, na direção do compartilhamento solidário do
que foi experienciado e formulado. Dada a possibilidade de construção
epistemologicamente apropriada, permite-me indagar se o que é proposto faz
sentido para a construção do comum na gestão do cuidado, ou seja, se faz
sentido para os demais sujeitos epistêmicos, em suas singularidades, também
militantes implicados.
Desta feita, dialogo com o que produzi a partir da percepção inicial de
lacuna do conhecimento no campo da saúde coletiva e procuro verificar se a
elaboração teórica conseguiu apresentar uma novidade que estava faltante.
Verifico que a contribuição de Honneth permitiu abrir o enferrujado portão de
meus jardins secretos, e no encontro com a humanidade dos pequenos atos do
trabalho em saúde, particularmente em sua gestão, igualmente permitiu
compreender que, para além de humanizar o humano, cabe à saúde coletiva
propiciar uma nova abertura.
Este debate tenso, quase insuportável, mas muito produtivo, que
experimentei me parece permitir afirmar algumas possibilidades de respostas:
z Uma episteme militante e implicada produz saber válido, e o resultado
das tensões essenciais necessariamente vividas ao percorrer este
caminho fazem sentido para a discussão do campo da saúde coletiva.
z O desrespeito é fenômeno próprio de nossas humanidades e o desejo
de sua superação é motor social para que, no encontro intersubjetivo
mutuamente reconhecido, se produzam novas possibilidades do agir em
92
saúde.
z Investir no encontro entre trabalhadores e usuários pode produzir o
deslocamento da alteridade na direção e no sentido do outro concreto,
liberando da alienação produzida pela força da relação produzida na
normatividade do processo de formação experienciado pelos
trabalhadores de saúde.
z O trabalho em saúde, vivo em ato, produz a partir dos encontros
mutuamente vinculantes e solidarizantes, necessidades de encontros
igualmente solidários na condução do processo de gestão, para adiante
da idealização do bem e do mal, naquilo que é bom para todos, para o
comum, manejar e não operar, contornar e não controlar.
z A administração oferta a possibilidade da desadministração e parece
fazer sentido que a horizontalização e estabelecimento de mútuos
compromissos elaborados no território do comum podem permitir a
elaboração de mudanças na organização de equipamentos de saúde,
mais coerentes com a delicadeza do reconhecimento dos muitos
sujeitos em ação.
z Por fim, este diálogo convida sair da idealização de que é possível
humanizar estruturas e processos, já humanos em suas essências, para
a enunciação de um devir humano, no qual não existe o fim da política,
mas a plenitude do agir em saúde, como Política.
Uma última nota diz respeito ao saber militante e sua construção: quero
também afirmar que, além das experiências com o vivido, muitos encontros
93
produziram esta dissertação, salas de aula, debates, leituras, mesas de bares,
praias, caminhadas e sessões de terapia esquizo-analítica. A produção se deu
em atividades acadêmicas e na produção da vida, lá onde produzimos o viver
e, é claro, o saber e, nestes termos, talvez o que aqui se coloca seja útil,
principalmente porque é produção de uma militância que no, coletivo, labuta
pela defesa da vida.
94
BIBLIOGRAFIA
Campos GWS & Amaral MA. A clínica ampliada e compartilhada, a gestão
democrática e redes de atenção como referenciais teórico-operacionais para
a reforma do hospital. Rio de Janeiro, Ciência & Saúde Coletiva, 12(4):
849-859, 2007.
Carapinheiro G. Saberes e Poderes no Hospital: uma sociologia dos
serviços hospitalares. 3ª Ed. Porto: Edições Afrontamento, 1998.
Cecílio LCO. Inventando a mudança no hospital: o projeto “Em Defesa da Vida”
na Santa Casa do Pará. In: CECÍLIO LCO (Org.) Inventando a mudança na
saúde. São Paulo: Hucitec, 1994. Cap. 5, p.187-234.
____________.Autonomia versus controle dos trabalhadores: a gestão do
poder no hospital. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 4(2): 315-329,
1999.
__________. É possível trabalhar o conflito como matéria-prima da gestão em
saúde? Cadernos Saúde Pública, Rio de Janeiro, 21(2): 508-516 mar - abr,
2005.
Cecílio LCO. & Merhy EE. A Integralidade do Cuidado como Eixo da Gestão
Hospitalar, in: PINHEIRO R e MATTOS RA. (Org.). Construção da
Integralidade: cotidiano, saberes e práticas em saúde. Rio de Janeiro:
UERJ/IMS: Abrasco, 2003.
Chiavenato I. Introdução à Teoria Geral a Administração, 6ª Ed. Rio de
Janeiro: Editora Campus, 2000, 700 p.
Deleuze G. Espinosa: filosofia prática. São Paulo: Editora Escuta, 2002, 144
p.
Donnangelo MCF & Pereira L. Saúde e Sociedade. São Paulo: Livraria Duas
Cidades, 1979.124 p.
Gonçalves RBM. Tecnologia e Organização Social das Práticas de Saúde:
Características tecnológicas de processo de trabalho na rede estadual de
Centros de Saúde de São Paulo. São Paulo: Hucitec/ABRASCO, 1994. 278
p. (Saúde em Debate, 76).
Feres Jr. J. Contribuição a uma Tipologia das Formas de Desrespeito: Para
Além do Modelo Hegeliano-Republicano. DADOS – Revista de Ciências
Sociais, Rio de Janeiro, 45, (4): 555-576, 2002.
Flores F. Inventando la Empresa del Siglo XXI. 3ª Edición. Santiago:
Hachette, 1991, 107 p. (colección HACHETTE / comunicación).
Freire P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1977.
_______. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
95
Habermas J. Teoría de la Acción Comunicativa I & II. 3ª Edición. Madrid: Taurus
Humanidades: versión castellana de Manuel Jiménez Redondo. 2003,
1135 p.
Hardt M & Negri A. Multidão - guerra e democracia na era do império.
Editora Record. Rio de Janeiro e São Paulo. 2005.
Honneth A . Luta por Reconhecimento: a gramática moral dos conflitos
sociais. Tradução de Luiz Repa. São Paulo: Editora 34, 2003. 296 p.
João Pessoa. Lei Nº 11457 / 2008, de 18 de Junho de 2008: cria e instala o
Complexo Hospitalar de Mangabeira Governador Tarcísio Burity, modificando
dispositivos da Lei Municipal nº 10.429, de 14 de fevereiro de 2005 e dá
outras providências. João Pessoa: Câmara Municipal de João Pessoa,
Anexo 2, 2008.
Jorge, AO. A Gestão Hospitalar sob a Perspectiva da Micropolítica do
Trabalho Vivo. Campinas: Tese de Doutorado apresentada à FCM/UNICAMP,
2002.
McIntyre SE. Como as pessoas gerem o conflito nas organizações: Estratégias
individuais negociais. Análise Psicológica, 2 (XXV): 295-305, 2007.
Mendonça PEXM. Singularizando o Hospital Universitário Clementino
Fraga Filho: uma proposta de Plano Diretor. Rio de Janeiro, mimeo. 2003,
124 p.
_______________. Oficina de Planejamento: Hospital de Praia Brava – FEAM.
Angra dos Reis, mimeo, 2004, 8 p.
_______________. Diretrizes para a Implantação do Complexo Hospitalar
de Mangabeira Governador Tarcísio Burity. João Pessoa, mimeo. Anexo
1, 2008.
Merhy EE. Em busca do tempo perdido: a micropolítica do trabalho vivo em
saúde. In: MERHY EE & ONOCKO R (Org.). Agir em saúde: um desafio
para o público. 2ª Ed. São Paulo – Buenos Aires: Hucitec - Lugar Editorial,
1997. Cap. 2, p.71-112.
______________. O ato de governar as tensões constitutivas do agir em saúde
como desafio permanente de algumas estratégias gerenciais. Ciência &
Saúde Coletiva, 4(2): 305-314, 1999.
____________. Saúde: cartografia do trabalho vivo de saúde em ato.
Hucitec, 2002.
____________. O Conhecer Militante do Sujeito Implicado: o desafio de
reconhecê-lo como saber válido. Campinas: mimeo, 2002 b.
Merhy EE & Cecílio LCO. O Singular Processo de Coordenação dos Hospitais.
Rio de Janeiro: Saúde em Debate, v.27 (64), p. 110-122, 2003.
Sader E. Quando Novos personagens Entram em Cena: experiências e
lutas dos trabalhadores da Grande São Paulo 1970-1980. 2ª Ed. São
Paulo: Paz e Terra, 1995, 329 p.
96
ANEXO 1
Consultoria Especializada para a Reorganização
da Atenção Hospitalar no Âmbito da Rede
Própria do Município de João Pessoa – PB:
Diretrizes para a
Implantação do Complexo Hospitalar de
Mangabeira Governador Tarcísio Burity.
Junho de 2008
Paulo Eduardo Xavier de Mendonça
2
2 Documento apresentado como produto parcial da consultoria produzida para a reorganização da rede
hospitalar do município de João Pessoa e base para a constituição dos estatutos de implantação do
Complexo Hospitalar de Mangabeira Governador Tarcísio Buriti.
97
Introdução
Este relatório objetiva apresentar de forma condensada as discussões
ocorridas nas oficinas de novembro e dezembro e o trabalho continuado com a equipe
do HMM até maio de 2008. Para tanto, trabalhou-se com os conceitos básicos de
necessidades de saúde, linhas de cuidado e rede de serviços. Ressalte-se a
importância da participação dos trabalhadores de saúde e dirigentes dos distritos de
saúde regulação e SAMU, passo fundamental para a construção de propostas
hospitalares articuladas e coordenadas pelo lado de dentro da gestão do sistema
único de saúde.
Este primeiro momento de consolidação de debates, foca no Complexo
Hospitalar de Mangabeira Governador Tarcísio Burity ou simplesmente Hospital
Municipal de Mangabeira, tal qual é nomeado pelas pessoas no decorrer das reuniões
e debates.
No âmbito geral da rede hospitalar, pôde ser desenvolvida a idéia de uma
rede articulada entre si e com os demais equipamentos componentes do SUS, ou seja,
pela estrutura municipal, mas também pelas estaduais e federais. Além disto, verifica-
se certa pretensão de autonomia pelos dirigentes das organizações hospitalares. O
conceito de autonomia que passamos a trabalhar foi no sentido da capacidade de
reconhecimento das alteridades institucionais e de manejo no dia a dia,
particularmente em relação ao trato com as demandas do cotidiano.
Quanto à questão organizacional, no que diz respeito à estrutura e
funcionamento propriamente dito, foi proposta uma estrutura matricial do ponto de
vista da gestão da organização e, matriz esta, dada pelo relacionamento transversal
entre funções e responsabilidades diante das demandas e necessidades dos usuários
da rede de serviços.
Para o estabelecimento do perfil da unidade em questão, trabalhou-se
conceitualmente e de forma confrontada à informações epidemiológicas disponíveis na
inteligência da própria Secretaria Municipal de Saúde. Com estes elementos travaram-
se discussões no sentido da montagem de linhas de “descuidado”, ou seja, com a
noção de que forma, estrutura e funcionamento da rede produzem vida e redução do
sofrimento, porém também podem contribuir para agravamentos, falta de soluções e
sofrimento nos usuários do SUS.
98
1. Perfil
Diante das discussões operadas pelo grupo, propõe-se o estabelecimento de
um perfil de assistência com três eixos, a saber:
Atenção de Emergência Clínico-Cirúrgica com enfoque na traumatologia
Atenção ao sofrimento psíquico
Atenção eletiva em ortopedia
Estas definições irão permitir um reposicionamento das tarefas assistenciais
das demais unidades hospitalares da rede tendo em vista que ficam ainda por
definirem-se os lugares adequados para as internações eletivas em situações clínico-
cirúrgicas, que não as relacionadas com agravos traumato-ortopédicos.
Para dar-se conta desta definição, a unidade conta com uma porta de entrada
de cuidados de emergência, onde está também o centro de imagens, sala de
procedimentos com imobilização e repousos para observação e avaliação de
terapêuticas de efeito agudo.. Estas atividades seriam instaladas no proposto Centro
de Ortotraumatologia.
No atual espaço da maternidade Santa Maria, seriam criados dois espaços
após a transferência de suas atividades hospitalares para o Instituto Cândida Vargas e
de suas atividades ambulatoriais para outras unidades do Distrito III, quais sejam a
implantação de um Pronto Atendimento Psiquiátrico e de um núcleo de cuidados
fisioterápicos.
No espaço do Centro de Ortotraumatologia – COT serão estabelecidos os
procedimentos de internação emergencial e eletiva em ortopedia e traumatologia com
pelo menos 38 leitos dedicados a esta atividade. No pavilhão Prof. Humberto Nóbrega
será instalado uma área específica de hospital dia, visando conferir agilidade a
procedimentos terapêuticos e diagnósticos que demandam permanência no ambiente
hospitalar, porém sem necessidade de internação, espaço de grande importância para
o giro de pacientes demandantes de cuidados cirúrgicos.
Também no Pavilhão Humberto Nóbrega, funcionará a Unidade de Terapia
Intensiva e a de Cuidados ao Paciente Grave, com perfil de Semi-Intensiva, com pelo
menos dez leitos.
99
Ocorreu também a oportunidade de elaboração de projeto específico de
estabelecimento e implantação de uma equipe de atenção domiciliar, modalidade de
internação, como suporte e integrada aos Distritos de Saúde do município nos moldes
preconizados pelo Ministério da Saúde.
As portas teriam entradas próprias, duas de emergência abertas 24 horas,
sendo uma de Pronto-Socorro Geral e outra de Pronto Atendimento Psiquiátrico e a da
unidade de atenção eletiva aberta 8 horas em horário comercial.
Quanto ao processo de trabalho, desenvolveu-se o conceito de um hospital
fortemente horizontalizado, com equipes trabalhando em rotinas de trabalho como
diaristas e com a participação de todos os ocupantes das funções públicas nas
escalas do plantão geral da unidade, definidas em dias fixos. Tal manejo dos tempos
do trabalho permitiria o estabelecimento de equipes fixas, com maior possibilidade de
trocas entre si, aprimoramento profissional e responsabilidades e vínculos
compartilhados. Tal relação proporcionaria uma redução do quadro de pessoal, porém
com maior participação horária, visto que os trabalhadores operariam suas atividades
e ações em regime de 40 horas.
2. Estrutura Organizacional
Para o funcionamento desta estrutura complexa e com a assunção de um
modelo distinto de operação do trabalho em saúde, as discussões encaminharam-se
no sentido do estabelecimento de uma estrutura organizacional e administrativa
adequada para a gestão do novo cotidiano.
Em período anterior ao início deste trabalho de consultoria, houve um
acúmulo por parte dos gestores e de alguns trabalhadores de saúde em relação a
diferentes estruturas organizacionais operadas em hospitais, particularmente em
Minas Gerais. Diante da percepção das vantagens da organização matricial, optou-se
pelo aprofundamento da discussão nesta direção.
Outra discussão já ocorrida com um bom nível de acúmulo dizia respeito ao
gerenciamento do cuidado. A rede básica como um toda havia feito a opção pelo
gerenciamento por linhas de cuidado, que expressa uma expectativa de se
estabelecer uma modelagem do modus operandi da rede a partir de conjuntos de
demandas de usuários percebidas pelo conjunto assistencial, numa tentativa de
100
centrar o modelo tecnoassistencial no usuário.
Os fundamentos do estabelecimento do modelo foram:
Reconhecimento do alto nível de autonomia e auto-governo que os
trabalhadores de saúde dispõem;
Existência de espaços de produção em ato do cuidado em saúde;
Necessidade de se produzir encontros que decidam e elaborem o
cotidiano da organização;
Necessidade de construírem-se arranjos, que facilitem e contribuam
para a produção de alto vínculo e alta responsabilidade;
Necessidade de se alcançar eficiência no trabalho de saúde.
Vários trabalhos de estudiosos consagrados na saúde coletiva indicam o
grande nível de autonomia e autogoverno com que os trabalhadores de saúde operam
suas práticas. Ainda que hoje se tenha uma concordância razoável acerca da
necessidade de padronização das práticas, cabe reconhecer que as autonomias
podem estabelecer grandes desgovernos das organizações de saúde. Ao que tudo
indica, porém, os esforços de aprisionamento das autonomias mais contribuem para o
desgoverno, nestes casos, a excepcionalidade torna-se regra. Pois bem, acolher as
autonomias e reconhecendo-as, ativar mecanismos de negociação de crenças e
conhecimentos dos saberes tecnológicos têm sido um caminho mais frutífero para a
condução de práticas um pouco mais gerenciadas.
O hospital é um conjunto de espaços dedicados a assistência direta aos
usuários, bem como outros de processamentos diagnósticos, preparos e estoques,
além de diversos espaços dedicados à operação de uma infra-estrutura pesada e
outros às atividades administrativas e gerenciais. O estabelecimento de uma
programação assistencial determina o uso dos espaços, e este estabelecido organiza
a sua gestão. Neste sentido, dentro do pressuposto de uma estrutura de gestão
matricial, o primeiro passo a ser dado é o estabelecimento dos espaços de produção,
tendo em, vista que estes é que serão relacionados aos diversos âmbitos de
gerenciamento.
101
Unidades Funcionais
Como estes espaços produtivos são arranjos de diversas áreas tecnológicas
que envolvem o cuidar e o disponibilizar recursos diretos para que tal aconteça, coube
aqui chamá-los de Unidades Funcionais, privilegiando o encontro de funcionalidades e
não apenas as características básicas do quê e do como as tarefas são produzidas.
São então, as seguintes Unidades Funcionais propostas:
A Unidade Funcional de Suporte à Vida reúne as atividades dedicadas ao
paciente crítico, ou àquele que poderá demandar, face à complexidade do ato de
cuidado, atenção pronta e monitoramento permanente. Fala-se aqui do Pronto
Socorro, seja para adultos ou para crianças, para usuários em emergências ou
urgências clínicas e cirúrgicas ou que estejam em sofrimento psíquico agudo, também
refere-se aos espaços aí dedicados à observação e intervenção terapêutica com vista
à mediata ou imediata devolução ao seu ambiente de origem, ou aos internados em
enfermaria de pacientes graves, ou a Unidade de Cuidados Intensivos. Mas também
estão aí relacionados o Bloco Cirúrgico, com seus espaços de intervenção direta e
sala de recuperação pós-anestésica. Para a operação do cotidiano, propõem-se a
criação de três gerências, uma de Pronto Socorro, dada a sua magnitude e duas para
a UTI, tendo em vista as definições legais pertinentes, constituindo uma dupla de
médico e enfermeiro para o desempenho desta gerência compartilhada. O
relacionamento entre as atividades contidas nesta UF é crítico, pois a desarticulação
de um setor com outro, tem redundado na experiência hospitalar brasileira em graves
impedimentos para o funcionamento adequado e eficiente.
Figura 1: Unidades Funcionais do HMM
Unidade Funcional de Suporte à Vida
Unidade Funcional de Cuidados a Pacientes Externos
Unidade Funcional de Cuidados a Pacientes Internos
Unidade Funcional de Diagnóstico e Terapêuticas
Especiais
Uni dade Funcional de Los tica Hospitalar
Gerência de
Supr i m ent os
cnicos
Gerência de
Nutrição
Gerênci a de
Enf er m agem
de UTI
Gerênci a
Médi ca de UTI
Gerênci a de
Pronto Socorro
Gerência de
Patol ogi a
Clíni ca e
H em ot erapi a
102
A Unidade Funcional de Cuidados a Usuários Internos reúne os recursos
assistenciais dedicados aos usuários em regime de internação, passado o seu
momento crítico. Estão aí incluídas as enfermarias de internação, exceto a de
pacientes graves, já relacionada à unidade funcional anterior. Nestes espaços estão os
usuários que demandam menor grau de intervenção e monitoramento, porém não
estão prontos para usufruir e conduzir sua autonomia em seu domicílio. Os leitos
serão indiferenciados tanto quanto possível, porém para a garantia de que esteja
pronto para a realização de procedimentos eletivos de ortopedia, serão definidos 38
leitos dedicados à ortotraumatologia. Verificou-se no processo, que grande parte das
intervenções derivadas dos traumas diversos, termina por demandar um processo de
preparação, o que torna por vezes a sua resolução em caráter eletivo.
A Unidade Funcional de Cuidados aos Usuários Externos agrega tarefas
tipicamente realizadas para pacientes que não necessitam obrigatoriamente de
internação hospitalar. Estão aí as atividades de hospital dia, dedicada a pacientes que
demandam uma curta permanência para a realização de uma intervenção eletiva com
segurança, porém podem retornar ao seu ambiente no mesmo dia. Está também o
ambulatório que será dedicado ao seguimento dos pacientes já em processo de alta
hospitalar. Envolve a clínica geral, ortopedia, cirurgia geral e fisioterapia e por fim, a
unidade de internação domiciliar nos moldes preconizados pelo Ministério da Saúde
do Brasil, para atender usuários que demandam uma continuidade assistencial com
razoável intensidade de cuidado, mas que pode ser realizada em seu domicílio.
A Unidade Funcional de Diagnósticos e Terapêuticas Especiais é
composta pelo centro de imagens, onde funcionarão inicialmente a tomografia
computadorizada, radiologia, ultra-sonografia e eco-cardiografia e posteriormente a
ressonância magnética, pelo laboratório de análises clínicas e patologia, pela
endoscopia e pela hemoterapia, incluindo a unidade transfusional. Caracteristicamente
esta unidade é demandada pelas demais de atuação direta, e voltadas para a clientela
internada e para os sob intervenção no pronto-socorro. Como podem existir eventuais
disponibilidades excedentes, esta unidade poderá também trabalhar com oferta e
agendamento de seus recursos a partir das demandas da Central de Regulação.
A Unidade Funcional de Logística Hospitalar é composta pelos estoques,
tanto gerais, como os específicos referentes ao material médico-hospitalar, fármacos,
imunobiológicos e alimentos, como também pelas áreas de operação da infra-
estrutura, manutenção, e hotelaria, com as áreas de limpeza e conservação, zeladoria,
103
portarias e vigilância patrimonial, transporte interno e externo. As gerências
específicas de algumas destas áreas estão subordinadas ao Diretor Administrativo,
enquanto instância de integração. Outras, como a de nutrição e dietética e
suprimentos técnicos, ainda que fortemente relacionadas ao Diretor Administrativo,
reportam-se obrigatoriamente às áreas técnicas assistenciais. Cabe esta ressalva por
serem seguimentos fortemente pressionados pelo processo de incorporação
tecnológica em saúde e por isto mesmo, estão em permanente diálogo com os
operadores do cuidado.
Gerências Integradas às Unidades Funcionais
Para cumprir o papel de gerenciamento e integração das UF, são propostas
gerências de âmbitos técnicos e operacionais. Algumas vinculadas diretamente aos
coordenadores das UF e outras a diretores de grandes áreas. As vinculadas aos
coordenadores das UF pressupõem sua subordinação no plano da gestão à estas
coordenações, que as integra e organiza o trabalho. Já aquelas subordinadas aos
diretores de áreas gerais, seja no caso da Diretoria Assistencial, seja no caso da
Diretoria Administrativa, a estes, delega-se a tarefa de coordená-los e integrá-los em
suas práticas gerenciais. Note-se que todas as gerências operam seu trabalho na
estrutura de gestão dentro das UF, apenas sugere-se que sejam estabelecidas estas
pequenas diferenças para uma maior agilidade e sincronicidade nos respectivos
trabalhos.
São as seguintes as gerências operacionais:
Figura 2 – Gerências Operacionais
Unidade Funcional de Suporte à Vida
Unidade Funcional de Cuidados a Pacientes Externos
Unidade Funcional de Cuidados a Pacientes Internos
Unidade Funcional de Diagnóstico e Terapêuticas
Especiais
Unidade Funcional de Logística Hospitalar
Gerência de
Enf erm agem
Gerência de
C ui dados
Terapêut i cos
Gerênci a de
Engenhari a
H ospi t al ar
Gerência de
Informática
Gerência de
Hotelaria
Gerênci a
Fi nancei r a
Gerência de
Supr i m entos
cnicos
Gerência de
Nutrição
Gerência
Educão e
Trabal ho em
Saúde
Gerência de
Enf erm agem
de UTI
Gerênci a
Médica de UTI
Gerência de
Pronto Socorro
Gerência de
Pat ol ogi a
Cl íni ca e
H em oterapi a
104
As atribuições específicas de cada gerência encontram-se descritas no
Regimento do HMM, em anexo.
Gerência de Enfermagem
Esta gerência é eminentemente técnica e é responsável pelo gerenciamento
do trabalho de enfermagem. Este gerenciamento diz respeito à conformação e trato
das rotinas assistenciais e dinâmicas do cuidado aos usuários sob responsabilidade
assistencial do hospital. Observa e acompanha atentamente o exercício profissional
como mecanismo de garantia do cumprimento de relações de produção do trabalho
em saúde para o cuidado eticamente preservado. Dadas as peculiaridades do trabalho
de enfermagem na organização, bem como as dimensões deste corpo funcional, esta
gerência também colabora com a confecção das escalas profissionais, alocação das
pessoas nas UF e produção do trabalho de educação permanente. Por fim, o gerente
cumprirá o papel formal da responsabilidade técnica do trabalho de enfermagem.
Gerência de Cuidados Terapêuticos
A gerência de cuidados terapêuticos, tal qual a referente à enfermagem,
organiza o trabalho técnico dos demais trabalhadores de saúde, excetuando-se
aqueles e o dos médicos, gerenciados por instâncias específicas, conforme
determinações legais. Os demais trabalhadores de saúde compõe um corpo funcional
de menores dimensões, porém sem menor importância. Afinal, as duas gerências
técnicas (contidas na Diretoria Assistencial) e a Diretoria Técnica, compõe o Corpo
Clínico do hospital.
Gerência de Educação e Trabalho em Saúde
Trabalho e educação em saúde formam um binômio indissociável, desde que
é na operação do trabalho que se aprimora e desenvolve o trabalhar. Assim, esta
gerência dedica-se às tarefas simples do acompanhamento do trabalho, do ponto de
vista das freqüências, do desempenho e dos processos de pagamentos até àquelas
mais complexas como o reconhecimento de potencialidades contidas nas pessoas e
no desenvolvimento da política de educação permanente, particularmente em
consonância com os mesmos processos nos âmbitos da SMS e do Distrito Sanitário.
Além disto, ainda irá comandar o processo de alocação das pessoas em acordo com
as coordenações das UF e gerências técnicas profissionais.
Gerência de Hotelaria
105
Tem sido aplicado na última década no Brasil o conceito de hotelaria nas
unidades hospitalares. Isto remete a construção de um conjunto de processos
administrativos articulados que possam garantir ambiência adequada e segura para os
usuários sob intervenção diagnóstica e terapêutica. Esta incorporação conceitual,
termina por trazer áreas tradicionalmente consideradas secundárias nas organizações
hospitalares para o conjunto definido como trabalho de saúde. Assim, roupa
adequada, controlada, ambiente higienizado e agradável, bem conservado e zeladoria
e transportes seguros são reconhecidos como fundamentais para o manejo dos planos
de cuidado.
Gerência de Informática
Na saúde e particularmente nas organizações hospitalares, vem ocorrendo
um processo intenso de incorporação tecnológica, notadamente no que diz respeito
aos equipamentos médicos, mas também aos processos administrativos e sistemas de
informações cada vez mais precisos e integradores de informações entre vários níveis
do sistema de saúde. São máquinas, tecnologias de redes, equipamentos de
informática, sistemas, programas e aplicativos cada vez mais complexos, que
interferem mesmo no processo de cuidado. Por tal configuração, advoga-se que se
constitua nestas organizações complexas uma instância particular de gerenciamento,
ainda que o trabalho desenvolvido nestes, seja difuso por todas as áreas do hospital.
Este gerenciamento não pode ser confundido com as antigas estruturas do tipo “CPD”,
onde o hospital-cliente demandava informações a serem atendidas na “fila”. Hoje o
conceito de informática pressupõe uma ação de trabalho de suporte ao usuário dos
diversos recursos, e mais, a participação ativa nos processos de educação
permanente, dado que para a construção do trabalho no dia-a-dia, hoje, requisita
algumas capacidades mínimas de execução de tarefas informatizadas.
Gerência Financeira
Hoje não existe uma definição clara no âmbito da administração municipal de
João Pessoa quanto ao nível de descentralização administrativa e financeira. Mesmo
assim, propõe-se aqui, que se prepare a organização para tal empreitada. Mesmo com
a manutenção da centralidade, o acompanhamento e preparação locais dos processos
que envolvem as compras, a execução orçamentária, contas a receber e contas à
pagar, pode permitir maior controle e maior capacidade decisória para a gestão do
hospital. Seria desejável estabelecer certo nível de delegação de competência para a
execução do orçamento, garantidos processos homologatórios em instâncias
106
superiores, particularmente nos processos pertinentes ao sistema de suprimentos e
aos pequenos reparos. Não perder a economia de escala no processo de
abastecimento é sempre uma questão a ser colocada, mas isto não impede que uma
unidade pratique bons registros de preços e com isto venha a beneficiar o sistema de
abastecimento da rede como um todo.
Gerência de Engenharia Hospitalar
Os hospitais hoje em dia são muito mais que instalações físicas. São campos
produtivos com grande carga de incorporação tecnológica, que demandam contratos
muito específicos, com exigências de controle e administração contratual, que as
máquinas burocráticas tradicionais não dão conta. A engenharia hospitalar ainda é
incipiente no país, mas tem demonstrado força de resolução no emaranhado
tecnológico que se constituem os hospitais. Mesmo as instalações físicas apresentam
hoje maior complexidade, com suas redes de gases, água, vapor, transmissão elétrica
dentro de padrões que não prejudiquem equipamentos de grande sensibilidade e de
manutenção onerosa. Talvez, por tratar-se de hospitais de médio porte, possa ser
construída uma ação cooperada e sinérgica entre várias unidades para a construção
desta estrutura de gestão da infra-estrutura.
Gerência de Nutrição
A nutrição é um componente complexo do processo assistencial, já que
intervêm no plano de cuidados, pois é seu componente, mas também se assemelha a
um processo fabril de escolha, planejamento, guarda e estocagem, manipulação e
produção do que será dispensado aos usuários sob cuidados. Ou seja, é mais do que
dieta, é mais do que cozinha. O controle das dietas, das sobras e da qualidade e
aceitabilidade pressupõem reconhecimento de uma atividade gerenciada por si.
Gerência de Suprimentos Técnicos
Para além dos suprimentos de víveres e de almoxarifado geral, existe a
especificidade do material médico-hospitalar e produtos farmacêuticos e
imunobiológicos. As tarefas a serem gerenciadas incluem desde a guarda e
estocagem até a administração da dispensação/distribuição e controle da qualidade
dos materiais utilizados. Na conceituação atual, materiais e medicamentos são
dispensados previamente agregados e pré-manipulados, ou em kits para
procedimentos cirúrgicos e diagnósticos. Estas medidas não proporcionam apenas
controle e economias, mas também qualidade nos cuidados, vez que a existência de
107
sobras ou faltas denunciam na prática cotidiana erros de administração, que não vale
a pena negligenciar. A participação desta gerência nos processos de definição de
compras e especificações é fundamental, bem como a administração do banco de
dados de produtos recusados ou sob suspeição.
Gerência de Patologia Clínica e Hemoterapia
Diagnóstico e terapêutica envolvidos, a aplicação de um depende da
precisão do resultado do trabalho do outro. Ainda que não seja a mesma coisa, e não
são mesmo, a proposta desta gerência que integra laboratório de patologia clínica com
unidade transfusional e dispensação de hemoderivados, busca racionalidade e
agilidade nos dois processos assistenciais
Gerência Médica e Gerência de Enfermagem da UTI
Inicialmente proposta por determinação legal, estas gerências de
funcionamento conjunto e sinérgico podem dar potência ao processo de cuidado ao
paciente crítico, sob cuidados intensivos ou com certa intensidade. Assim articulam,
não somente os usos dos recursos dos leitos da UTI, como também supervisionam o
trabalho clínico a ser desenvolvido com os usuários alocados na enfermaria de
críticos, onde no mínimo, estão submetidos a monitoramento intensivo. Manejar o
ingresso e saída dos usuários entre estes espaços e entre estes e o restante dos
nichos assistenciais do hospital exige maestria e treino permanente, bem como
discussão dos protocolos e rotinas de entrada e saída. Articular também a capacidade
de supervisão aos outros trabalhadores dos demais ambientes hospitalares para a
transferência segura pode providenciar uma abertura saudável na capacidade
assistencial do hospital como um todo.
Gerência do Pronto Socorro
As portas de pronto-socorro sempre foram importantes no Brasil. Ainda hoje,
ainda que existam grandes esforços de organização das entradas no sistema, estas se
constituem em imagem de resolução de problemas de saúde no senso comum e no
imaginário da população. Para além do gerenciamento administrativo da atividade de
pronto-socorro, o que parece ser demanda real é a necessidade de gerenciamento do
cuidado e do fluxo das demandas que se apresentam nesta porta. Gerenciar o
cuidado, acolher os usuários, implantar e acompanhar a classificação de risco são as
grandes tarefas desta gerência.
108
Coordenadores de Linhas de Cuidado
A proposta de organização do hospital a partir de linhas de cuidado está em
sintonia com os arranjos que vêem sendo produzidos na atenção básica do município.
Assim, após longos debates estabeleceu-se que o HMM deveria dar conta de
atendimentos de urgência e emergência, para adultos e crianças, particularmente aos
traumas e deveria também dispor de uma capacidade particular de enfrentamento de
problemas mio-ósteo-articulares, dada a atual situação de repressão de demanda no
âmbito municipal. Por outro lado, a partir da análise do andamento do processo de
produção de práticas substitutivas em saúde mental, imputou-se ao HMM a produção
de uma porta para atenção de urgência aos usuários em sofrimento psíquico agudo.
Com isto, se definiu um conjunto de problemas, pertinentes não só ao hospital, mas a
toda a rede de serviços, os quais darão origem a quatro linhas de cuidado.
O hospital é uma estação na linha de cuidados produzida na rede de serviços
de saúde. Ele, não é em si o sistema e, apesar de sua complexidade, na verdade
presta a conferir potência cuidadora para a rede. A atenção hospitalar deve ser
sinérgica aos esforços de promoção de saúde e como tal deve ter seus recursos de
cuidado, agenciados pelas linhas definidas prioritariamente pela municipalidade. É
claro, que no caso da atenção de urgência e emergência, o hospital apresenta uma
capacidade em si, porém, mesmo neste caso, como haverá quase obrigatoriamente
um processo de transferência de responsabilidade terapêutica em direção à atenção
básica, no pós-alta hospitalar, esta inclusão nas linhas de cuidado se faz
absolutamente indispensável.
Quando se fala em linhas de cuidado, fala-se em gerenciamento do cuidado,
no agenciamento de recursos tecnológicos pertinentes ao acolhimento, diagnóstico e
tratamento das pessoas, assim, coube estabelecer na estrutura de gestão da unidade
uma nova transversalidade que chamou-se aqui de coordenações de linhas de
cuidado.
Estas coordenações são responsáveis por um gerenciamento do uso de
disponibilidades de recursos, de encontro entre demandas assistenciais e ofertas e
produção de novas ofertas dentro do possível organizacional. É como se fosse
estabelecido um lugar-gerente de complexas tramas de compromisso e petição entre
setores e unidades. Esta é a imagem que compõe o que seria uma regulação interna,
por isso a inserção destes coordenadores no complexo regulatório do município.
109
Os usuários que se encontram sob intervenção assistencial, atravessam toda
a estrutura cuidadora do hospital, consumindo recursos e capacidades e, para a
garantia de uma atenção integral, sem os riscos de produção de fila na fila, ou seja,
ser incluído em esperas por recursos indispensáveis para a tomada de decisão
assistencial ou manejo terapêutico, já estando em atendimento de sua demanda, induz
esta inovação na tecnologia de gestão do cuidado. Trata-se, antes de qualquer coisa,
de formalizar em certo grau as mesas de negociação informal que são operadas pelos
cuidadores e pelos manejos de influência, que sempre caracterizaram o
patrimonialismo brasileiro. Interferir dentro da capilaridade por onde trafegam os
manejos cuidadores sem a pretensão de moldá-la ou destruí-la, eis a tarefa.
Enfim, após vários debates, as linhas propostas são:
Linha de Cuidado em Emergência Clínica
Atenção às demandas clínicas de adultos e crianças, sendo que em relação
às crianças, passado o primeiro atendimento e período em observação, não haverá
internação pediátrica na unidade. Neste caso, a integralidade será garantida com o
uso de outros recursos assistenciais da rede de serviços do SUS em João Pessoa.
Linha de Cuidado em Emergência Cirúrgica
O perfil da atenção cirúrgica a ser desenvolvido no HMM, refere-se às
demandas de urgência, em cirurgia geral e identificadas a partir dos atendimentos de
pronto-socorro, dos Pronto Atendimentos, do SAMU, mediados pela Central de
Regulação.
Linha de Cuidado em Orto-Traumatologia
O início da operação do HMM significará um ganho de capacidade na área
do trauma e do enfrentamento dos padecimentos de problemas ortopédicos, que se
encontram hoje em uma situação de repressão de demanda. Esta repressão não
existe apenas por insuficiência de recursos leito, bloco cirúrgico, ou terapia intensiva.
Há também a questão de como estes problemas são processados hoje na rede. O
hospital é constituído pelo desejo de sanar, de avançar sobre esta questão específica,
de forma a se caracterizar dentro de si um Centro de Orto-trauma, atendendo em
regime de urgência e em caráter eletivo.
Linha de Cuidado para Sofrimento Psíquico
Hoje não existe de fato capacidade regulatória para as demandas de
110
internação psiquiátrica, o que pode significar um conjunto de procedimentos realizados
sem controle por parte da gestão do sistema. Com a implantação da atenção ao
sofrimento psíquico agudo, espera-se poder regular a porta de entrada à internação
psiquiátrica e conferir potência a rede no enfrentamento do problema do sofrimento
psíquico de forma mais adequada aos diplomas legais, que antes de tudo tem
buscado conferir cidadania aos usuários demandantes de atenção, porém dentro do
ponto de vista da substitutividade necessária.
Estas coordenações estão vinculadas à Diretoria de Cuidados e estabelecem
o lugar do duplo comando sobre as estruturas assistenciais disponíveis no hospital.
Assim, este grupo de quatro coordenadores, geridos pelo diretor responsável pelo
processo de regulação interna e relacionamento com a regulação do sistema de
saúde, devem produzir a “alma” do hospital, já que o cimento simbólico deste é reduzir
o sofrimento e prolongar a vida.
Figura 3 – Coordenações de Linha de Cuidado do HMM
Unidade Funcional de Suporte à Vida
Unidade Funcional de Cuidados a Pacientes Externos
Unidade Funcional de Cuidados a Pacientes Internos
Unidade Funcional de Diagstico e Terapêuticas
Especiais
Unidade Funcional de Lost ica Hospitalar
Linha de
Emergência
Cl ín i c a
Lin ha de
Cuidados ao
So f r i me nt o
Ps íqui c o
Linha de Orto-
tr auma to l o gi a
Linha de
Emergência
Cirúrgica
Gerência de
Supr i ment os
cnicos
Gerência de
Nutrição
Gerência de
Enf er magem
de UTI
Ger ênci a
Médica de UTI
Gerência de
Pronto Socorro
Gerência de
Patologia
Clínica e
Hemoterapia
Diretoria
O HMM será provido de cinco diretorias, uma geral e quatro específicas,
tratando assim de dar coordenação e direcionalidade para o funcionamento do hospital
como um todo. As diretorias representam três grandes matizes para a organização, um
olhar técnico-profissional, um olhar administrativo-funcional e um do agenciamento dos
recursos necessários para respostas às demandas do usuário. O olhar técnico-
profissional se faz presente através da Diretoria Técnica e Diretoria Assistencial, num
lugar dos poderes-saberes, dos arranjos tecnológicos que conformam as capacidades
111
de intervenção diagnóstica e terapêutica ou uma espécie de coração das tecnologias
leve-duras e duras. No plano do administrativo-funcional, dentro da Diretoria
Administrativa enredam-se as tecnologias administrativas e a manutenção da
operação hospitalar, está aí o zelo pela infra-estrutura necessária ao pleno
funcionamento. Por fim, Na Diretoria de Cuidados, com as suas coordenações de
linhas, estão: o olhar apreendido do usuário; suas dores e sofrimentos e; seus
problemas e suas expectativas. Daí o seu lugar de negociador de potencialidades, de
comprometedor de capacidades. Olhar marcado pelas tecnologias leves, pertinentes
aos processos de negociação esta direção compromete-se exaustivamente com a
integralidade da atenção, não apenas no hospital, mas na rede de serviços de saúde
do SUS. A Diretoria de Cuidados exerce também a tarefa de supervisão permanente
aos coordenadores das UF, reduzindo assim as dificuldades inerentes ao advento de
um duplo comando nestas. Não se trata com isto de se construir a idéia de um super-
diretor, mas de se estabelecer com clareza, que o eixo que organiza a funcionalidade
do hospital é o cuidado centrado no usuário.
Ao Diretor Geral, compete coordenar este trabalho matricial, acompanhar de
perto, nas discussões colegiadas e na escuta permanente das vozes, muitas vezes
ruidosas e tratar de dar ritmo e consistência ao trabalho de saúde a ao trabalho de
gestão da organização, buscando potência máxima, compromisso, vínculos e
responsabilidades, além é claro, de todo um papel externo à organização que envolve
a negociação das capacidades do hospital e das fontes de financiamento e disputas
de projetos, o que é absolutamente saudável para a construção do SUS.
No ponto em que a discussão está há uma pendência acerca da autonomia
ou do nível de autonomia que poderia ser negociado com a gestão do poder público
municipal. Seria precipitado esperar esta definição no curto prazo. Porém, o que se
pretende encorajar aqui, é que a unidade, enquanto organização, já nasça com a
possibilidade de aportes crescentes de autonomia e para isso, que já vá, independente
de seu nível formal de autonomia, construindo seus mecanismos de controle,
acompanhamento e decisão, ainda que inicialmente em caráter complementar à
máquina administrativa já existente.
Para auxiliar as tarefas de direção superior, será constituída uma gerência de
vigilância à saúde, que além de cuidar das questões pertinentes à biossegurança,
deverá ser um participante ativo no processo de planejamento, não como quem
elabora planos teóricos, mas daquele que dá suporte e viabilidade, para que o
112
processo de construção coletiva do projeto institucional se dê da melhor maneira
possível.
Figura 4 – Organograma do HMM
Diretor Geral
Diretoria
Administrativa
Diretoria Assistencial
Diretoria de Cuidados
Diretoria Técnica
Unidade Funcional de Suporte à Vida
Unidade Funcional de Cuidados a Pacientes Externos
Unidade Funcional de Cuidados a Pacientes Int ernos
Unidade Funcional de Diagnóstic o e Terapêuticas
Especi ais
Unidade Funcional de Logíst ica Hospitalar
Ger ência de
Enfer magem
Ger ência de
Cuidados
Ter apêuticos
Ger ência de
Engenharia
Hospitalar
Ger ência de
Informática
Ger ência de
Hotel aria
Linh a de
Emergência
Clí nica
Linha de
Cuidados ao
Sofr imento
Psíquico
Linh a de Orto-
trau mat ologi a
Linha de
Emergência
Ci rú rg ic a
Ge r ê n c ia
Financeira
Ger ência de
Suprimentos
cnicos
Ger ência de
Nutr iç ão
Conselho Gestor
Ger enc i a de
Vigilânc ia à
Saúde
Ge r ê n c ia
Educação e
T rabalho em
Saúde
CCIH
COMISSÃO DE ÓBITO
COMISSÃO DE ÉTICA MÉDICA
COMISSÃO DE REVISÃO DE PRONTUÁRIO S
C OMISSÃO DE FARMACOVIGILÂNCIA
COMISSÃO DE PADRONIZAÇÃO DE MEDICAMENTOS E
MATERIAL MÉDICO HOSPITALAR
COMISSÃO DE TECNOVIGILÂNCIA
COMISSÃO DE DOCUMENTAÇÃO MÉDICA
SAÚDE DO T RABALHADOR
Gerência de
Enfer magem
de UT I
Ge r ê n c ia
Médica de UTI
Gerência de
Pr onto Socor ro
Ger ênc i a de
Patologia
Clínica e
Hemoter apia
Estruturas Colegiadas de Gestão
A organização hospitalar contará com estruturas colegiadas para a sua
gestão. Desde os níveis mais operacionais, onde o conjunto de gerentes e
trabalhadores envolvidos numa determinada UF, conforma seu o colegiado interno,
responsável pela gestão do cotidiano do trabalho até o Conselho Gestor, onde se
opera os problemas e soluções no debate entre responsáveis pelas atividades
hospitalares.
Assim, entre os colegiados internos das UF e o Conselho Gestor, existem
113
duas instâncias colegiadas, o Conselho Geral da unidade, composto pelos gerentes,
coordenadores assessoria e diretores, ou seja, pelo corpo diretivo da unidade e o
Conselho Diretor, composto pelos diretores, assessoria e gerente de vigilância em
saúde.
Mais importante do que a construção de instâncias decisórias para uma
organização complexa é o estabelecimento de um modo produzir a gestão. Ao invés
de se estabelecer simplesmente atribuições delegadas a cargos e funções, o quem se
almeja é que os trabalhadores de saúde, organizados em coletivos exerçam suas
autonomias, não apenas em função de suas compreensões sobre o cotidiano, mas
encontrando-se com os demais olhares incidentes sobre as mesmas questões.
Espera-se com isto a permanente construção de uma alteridade, possibilitando
produção de decisão, acompanhamento e avaliação em encontros marcados pelo
estabelecimento de redes de petição e compromissos.
Um pressuposto importante desta modelagem é que não se inventa o
encontro no hospital. Eles são inerentes ao espaço de produção complexa. Os
encontros se dão em todas as tramas que se moldam em meio a uma extensa rede de
capilaridade, construídas sobre as relações existentes entre os trabalhadores de
saúde, tal qual, também nas equipes gestoras. A princípio, isto não é bom nem ruim,
apenas é como as coisas funcionam.
O hospital é uma grande mesa de negociação, que funciona independente
dos mecanismos de gestão, ocorre, porém, que as estrutura de gestão, muitas vezes,
não encontra nela seu assento, ou se encontra, decide por não participar. Vejamos, as
estruturas gestoras marcadas por uma atuação normativa tendem a encontrar sucesso
nas suas proposições, quando estas se encontram com o senso comum, com o
estabelecido, ou seja, seria uma atuação de encontro com o instituído, dentro de uma
lógica conservadora de posicionamentos, de manutenção do status quo. Os
portadores de um projeto mudancista de futuro não têm alternativa, ou comportam-se
como forças instituintes e neste caso, há muito que debater, convencer e construir ou
apegam-se ao desejo de potência e poder e tentam construir um governo com data
para acabar.
É neste contexto, neste plano de fundo que se inscreve a proposta
construída de gestão colegiada. É uma tentativa pragmática de se estabelecer em
meio às tramas existentes alguns canais e locais de encontros entre os atores da
organização. Reconhecer o hospital como um território de permanentes (e boas)
114
disputas, exige capacidade para a produção da ação institucional. Os gerentes,
coordenadores, diretores e assessores, devem possuir capacidades e habilidades
para manejar esta operação complexa. Devem ser articuladores das capacidades e
potências que existem em seu território e áreas de atuação. Estas capacidades e
potências estão inscritas individual e coletivamente nos trabalhadores de saúde e não
apenas nos atores do processo de gestão. Isto coloca para a equipe designada para a
gestão, o caráter laborioso da tarefa de construir dentro da perspectiva de um agir
comunicativo, uma gestão-resultado da equação entre vetores diversos, produzindo
uma resultante afinada com as intenções derivadas de uma opção pela defesa da
vida.
Por vezes, quando se menciona a idéia de uma gestão colegiada, o que vem
a habitar o senso comum é a imagem de reuniões intermináveis, de baixa
resolubilidade, de desgaste particularmente pela ocorrência de discussões em paralelo
às demandas graves de tomadas de decisão frente a problemas prementes, que não
podem esperar. Isto pode ser uma questão de modo, de metodologia, de manejo.
Um aprendizado de organizações, que optaram por estruturas assim nos
legam, é aprender a separar um pouco as tomadas de decisão dos processamentos
de problemas. Reuniões de instâncias colegiadas são ótimas para o debate sobre
soluções, acerca de encaminhamentos, mas nem sempre para o processamento de
problemas, particularmente daqueles mais ricos, tais quais os chamados problemas
semi-estruturados, que demandam um considerável esforço de explicação,
fundamental para a compreensão, descrição e proposição de ações objetivas de
enfrentamento.
Uma dinâmica de processar, à parte das reuniões colegiadas, os problemas
complexos e não estruturados, permite agilidade para a tomada de decisões, pois
posiciona a atividade decisória frente aos leques de alternativas de solução e não
diante de discussões laboriosas de explicação e compreensão acerca das diversas
naturezas que compõe tais questões.
Com isto, o que se propõe aqui, é um manejo preciso das agendas que
conduzem o trabalho da gestão. Por outro lado, há que se estabelecerem com clareza
os modos de processar problemas. Problemas complexos por vezes demandam
grandes consumos de energia e informação e por vezes capacidade adicional de
formulação de propostas de solução, outros, de menor complexidade podem
demandar simplesmente um preparo, uma análise clara de fatores envolvidos e de
115
soluções alternativas já de domínio neste território. Desta feita, ao passo que é
fundamental o manejo da agenda para tornar esta estrutura ágil e capaz, definir quem
e em qual espaço se processa problemas faz-se necessário para que a agenda
decisória decida sobre alternativas factíveis e potentes.
Ao longo do processo de implantação do HMM serão estabelecidos alguns
protótipos de instrumentos para tais processamentos, tendo em vista que algumas
ferramentas específicas de formulação e outras de acompanhamento podem ser
bastante importantes para que se conduza agilmente a agenda da organização e se
tenha um acompanhamento mais preciso das conduções realizadas e dos seus
empecilhos e dificuldades.
Estas questões estão longe de se portarem como receita de bolo, as coisas
vão se estabelecendo na condução do processo. Neste sentido vale frisar que os
atores envolvidos diretamente na gestão são antes de tudo, os formuladores da
própria prática gestora. Mais, eles são também os agenciadores de desejos e
intenções, normalmente manifestas na capilaridade institucional. As capacidades
contidas no conjunto de sujeitos que compõe a instituição estarão mais ou menos
disponíveis para a organização de acordo com a capacidade de agenciamento que o
time gestor terá. Isto define, que para além das definições de instrumentos formais que
agilizam elaborações, estes atores devem ser providos de uma caixa de ferramentas,
que contenham dispositivos adequados para a realização da ação de governo.
3. Processo de Trabalho em Saúde
Talvez a discussão mais importante travada no decorrer da modelagem do
Hospita
l seja a referente ao processo de trabalho em saúde. As oficinas preparatórias
apontaram com importante fator contribuinte para um resultado aquém do esperado na
rede de serviços de saúde, particularmente no setor hospitalar a total fragmentação do
trabalho em saúde. As estruturas operacionais são completamente baseadas em
escalas de plantão, pouquíssimos diaristas e uma assistência sem horizontalidade.
Planos e projetos terapêuticos descontinuados, vínculos não construídos, insegurança
para profissionais de saúde e para usuários. Efetivamente observam-se permanências
aumentadas, complexidade de ações de saúde diminuídas e resultados na construção
da autonomia dos usuários comprometidos.
116
Em continuidade a estes problemas, não se consegue construir trabalho nem
multiprofissional e muito menos em equipes. As aproximações do que seria trabalho
em equipe são dadas pelas relações existentes entre os sujeitos que operam o
cuidado, nas tramas da capilaridade institucional e sob o comando de um corpo de
enfermagem, sem nenhuma surpresa em muito inchado para dar conta de tal arranjo.
Os processos de educação permanente ainda não chegaram aos
trabalhadores de saúde dos hospitais, porém pôde ser verificado nestes encontros que
tal demanda já vai se estruturando, ficando clara. Assim ao elaborar-se a proposta
inicial de quadro de lotação, com um cálculo de volume e quantidade, intensidade de
cuidados e gestão do processo de trabalho, foi apontada a importância do
estabelecimento de mecanismos de identificação destas demandas de educação e
qualificação de capacidades profissionais. A cada melhoria de definição do processo
assistencial, vai sendo estabelecido o que é demandado das pessoas em seus
processos de trabalho e isto, exige a coragem de se colocar em discussão as
capacidades, presentes e ausentes e as possibilidades de solução para que a vida
esteja garantida.
117
ANEXO 2
118
LEI Nº11457/ 2008 DE 18 DE JUNHO DE 2008.
CRIA E INSTALA O COMPLEXO
HOSPITALAR DE
MANGABEIRA GOVERNADOR
TARCÍSIO BURITY,
MODIFICANDO DISPOSITIVOS
DA LEI MUNICIPAL Nº 10.429,
DE 14 DE FEVEREIRO DE 2005
E DÁ OUTRAS
PROVIDÊNCIAS.
O PREFEITO DO MUNICIPIO DE JOÃO PESSOA (PB) FAÇO SABER
QUE O PODER LEGISLATIVO DECRETA E SANCIONO A SEGUINTE LEI:
CAPÍTULO I
COMPLEXO HOSPITALAR DE MANGABEIRA GOVERNADOR TARCÍSIO
BURITY
SEÇÃO I
DA SUA CRIAÇÃO
Art. 1º – Fica criado e instalado no âmbito do Município de João Pessoa
o Complexo Hospitalar de Mangabeira Governador Tarcísio Burity, como órgão
integrante da Rede Hospitalar Municipal, vinculado à Secretaria Municipal de
Saúde - SMS.
SEÇÃO II
DOS CARGOS EM COMISSÃO
Art. 2º - A estrutura administrativa do Complexo Hospitalar de
Mangabeira Governador Tarcísio Burity é a constante dos Anexos I, II, III, IV e
V da presente Lei.
119
Art. 3º - Fica acrescida à estrutura administrativa da Secretaria de
Saúde do Município - SMS os cargos em comissão, de livre provimento e
exoneração, criados na forma dos anexos II, III, IV e V da presente lei.
§ 1º - Fica acrescido o item 4.2.6.1.5.2. ao item 4.2.6.1.5.1. –
HOSPITAIS - NÍVEL DE ATUAÇÃO DESCONCENTRADA, art. 7º, 4.2.6 –
Secretaria de Saúde e os anexos II, III e IV, Anexo I, Tabela A, Quadro Único,
art. 20, item 4.2, da Lei Municipal nº 10. 429, de 14 de fevereiro de 2005.
§ 2º – Os cargos em comissão de Gerência de Hospital possuem
simbologia DAS-1, conforme previstos no Capítulo IV, Seção XI, art. 32 e
anexos II, III e IV, da presente lei.
SEÇÃO III
DOS OBJETIVOS
Art. 4º - O Complexo Hospitalar de Mangabeira Governador Tarcísio
Burity, dedica-se à atenção de Emergência e Urgência, Clínica, Cirúrgica e
Psiquiátrica no Município de João Pessoa além da atenção específica aos
casos de traumato-ortopedia, em situações de urgência e eletivas.
§ 1º - O Complexo Hospitalar de Mangabeira Governador Tarcísio
Burity integra o Sistema Único de Saúde de João Pessoa, fazendo parte da
rede municipal de saúde.
§ 2º - O Complexo Hospitalar de Mangabeira Governador Tarcísio
Burity é composto pelo Hospital de Orto-Traumatologia, Hospital Humberto
Nóbrega, Pronto Atendimento Psiquiátrico e Maternidade Santa Maria.
Art. 5º – O Complexo Hospitalar de Mangabeira Governador Tarcísio
Burity, enquanto hospital de referência tem por objetivos:
I – Na qualidade de campo de ensino e educação permanente:
a) Oferecer campo para o ensino de graduação na área da saúde e
afins;
b) Oferecer campo para programas de pós-graduação destinados a
profissionais de saúde e afins;
c) Favorecer e incentivar o desenvolvimento da investigação
científica tecnológica no campo das ciências da saúde, respeitadas as
limitações financeiras e questões éticas;
d) Constituir equipes de saúde de acordo com as normas éticas e
legais do exercício profissional;
e) Oferecer campo para a qualificação em administração hospitalar
120
e de serviços de saúde;
f) Buscar e manter intercâmbio com instituições nacionais e
internacionais, nos âmbitos da educação e da saúde.
II – Na qualidade de hospital de referência na assistência, sob
responsabilidade de sua estrutura diretiva, a nível secundário e terciário:
a) Cumprir e fazer cumprir as leis vigentes que regem e
regulamentam as políticas de saúde para os hospitais do Sistema
Único de Saúde;
b) Garantir a integralidade do cuidado através de práticas
interdisciplinares e multiprofissionais, bem como pelo
funcionamento harmônico e sinérgico das diversas unidades
funcionais;
c) Ser parte integrante ao Sistema Único de Saúde, nos âmbitos
loco-regional e de acordo com as políticas estratégicas definidas
em nível nacional;
d) Garantir equilíbrio entre qualidade e custo através da
implementação de ações gerenciais e assistenciais;
e) Participar no desenvolvimento, implantação e implementação
de novas tecnologias aplicadas à área da saúde;
f) Oferecer-se como campo de validação de novas tecnologias
a serem aplicadas ao Sistema Único de Saúde;
g) Prestar serviços de saúde, qualificação profissional e de
educação permanente à sociedade, respeitando a legislação
vigente e a contratualização com os gestores do SUS.
CAPÍTULO II
DAS DIRETRIZES DA GESTÃO
Art. 6º - Constituem diretrizes norteadoras das estratégias de gestão do
Complexo Hospitalar de Mangabeira Governador Tarcísio Burity:
I - Aprimorar continuamente os processos de gestão e de trabalho em saúde, a
fim de exercer uma administração profissional com qualidade, utilizando,
gerenciando e agenciando os recursos disponíveis, com o máximo de
efetividade, eficácia e eficiência;
II - Promoção de educação permanente, buscando a capacitação do
quadro de trabalhadores, em todas as suas categorias nos níveis gerencial,
técnico, auxiliar e apoio, necessários à plena operação de todas as unidades;
III - Busca permanente de aprimoramento e disseminação dos
modelos de gestão em unidades complexas de saúde, para o fortalecimento do
Sistema Único de Saúde;
121
CAPÍTULO III
DOS RECURSOS FINANCEIROS
Art.7º – Constituem recursos financeiros do Complexo Hospitalar de
Mangabeira Governador Tarcísio Burity:
I - As transferências consignadas nos orçamentos da SMS;
II - Os recursos provenientes de convênios e ajustes;
III - Receitas operacionais;
IV - Auxílios e subvenções internacionais atendidas as prescrições
legais;
V - Doações e legados que lhe forem feitos;
VI - Outras receitas.
CAPÍTULO IV
DA ORGANIZAÇÃO
SEÇÃO I
DA ORGANIZAÇÃO GERAL
Art. 8ºA administração do Complexo Hospitalar de Mangabeira
Governador Tarcísio Burity será realizada por órgãos de gestão superior e
intermediária.
Art. 9º – Compõem a gestão superior:
I - Conselho Gestor;
II - Diretor Geral;
III - Conselho Diretor;
Art. 10 – Compõem a gestão intermediária:
I - Diretoria Técnica;
II - Diretoria Assistencial;
III - Diretoria Administrativa;
IV - Diretoria de Cuidados;
V - Conselho Geral;
122
SEÇÃO II
DO CONSELHO GESTOR
Art. 11 – O Conselho Gestor do Complexo Hospitalar de Mangabeira
Governador Tarcísio Burity é um órgão com funções deliberativas, normativas e
consultivas.
Parágrafo Único: Constituem componentes do Conselho Gestor:
I - Secretaria Municipal de Saúde de João Pessoa - SMS, que o preside
e tem voto de qualidade;
II - Diretoria de Atenção à Saúde da SMS;
III - Diretoria Geral;
IV - Representação das Diretorias;
V - Diretoria do Distrito Sanitário III;
VI - Representação da sociedade civil representativa da sociedade civil e
usuários definidos em número de 04 (quatro), definidos através de
regulamento;
VII - Representação dos trabalhadores de saúde definidos em número
de 04 (quatro), definidos através de regulamento.
Art. 12 – Em caso de vacância a substituição far-se-á no mesmo setor,
em caráter complementar, na forma estabelecida na presente lei e no decreto
regulamentador.
Art. 13 – O Conselho Gestor reunir-se-á uma, vez a cada trimestre
ordinariamente, e extraordinariamente quando convocado pelo seu Presidente,
ou quando requerido pelo Diretor Geral ao Presidente, ou ainda, por maioria
simples de seus membros.
Parágrafo ÚnicoAs convocações extraordinárias do Conselho Gestor
deverão ser comunicadas aos seus membros no prazo mínimo de 48 (quarenta
e oito) horas antes da sua realização.
Art. 14 – O Conselho Gestor deliberará por maioria simples dos votos
dos membros presentes, tendo o Presidente direito a voto quantitativo e de
qualidade em caso de empate.
Art. 15 – O Conselho Gestor reunir-se-á com um mínimo de 1/2 dos
seus membros.
Art. 16 – Compete ao Conselho Gestor:
I - Definir a política hospitalar segundo as diretrizes da Secretaria
Municipal de Saúde;
II - Aprovar o plano anual de trabalho;
III - Opinar sobre contratos e convênios a serem firmados;
IV - Estabelecer medidas que visem à melhoria técnica e administrativa
123
do Hospital;
V - Propor alterações a serem feitas no Regimento Interno do Hospital;
VI - Apreciar, anualmente, a proposta orçamentária apresentada pela
Direção Geral;
VII - Deliberar sobre toda a matéria que lhe for submetida;
VIII - Aprovar as normas internas de serviços;
IX - Elaborar o seu próprio Regimento;
X - Emitir parecer sobre os projetos de ensino, pesquisa que se
pretendem realizar no hospital;
XI - Sugerir normas para seleção de pessoal;
XII - Apreciar o relatório anual apresentado pelo Diretor Geral;
SEÇÃO III
DA DIRETORIA GERAL
Art. 17Ao Diretor Geral do Complexo Hospitalar de Mangabeira
Governador Tarcísio Burity compete, sem prejuízo de outras atribuições
designadas no Regimento Interno:
I - Gerir o Complexo Hospitalar de Mangabeira Governador Tarcísio
Burity;
II - Representar o Complexo Hospitalar de Mangabeira Governador
Tarcísio Burity junto à Administração Superior da Secretaria Municipal de
Saúde de João Pessoa e do Distrito Sanitário III;
III - Representar o Complexo Hospitalar de Mangabeira Governador
Tarcísio Burity, quando designado pelo Secretário Municipal de Saúde, em juízo
ou fora dele;
IV - Convocar e presidir as reuniões do Conselho Diretor e do Conselho
Geral;
V - Baixar, no âmbito de suas atribuições, atos oficiais necessários à
execução das atividades do Complexo;
VI - Assinar os pedidos de materiais e equipamentos necessários ao
Complexo e que devem ser encaminhados à SMS;
VII - Atestar os documentos de freqüência do pessoal técnico e
administrativo lotado no Complexo e que devem ser encaminhados a SMS;
VIII - Cumprir e fazer cumprir o as deliberações do Conselho Gestor,
bem como as normas constantes da presente lei e do Regimento Interno.
IX - Delegar atribuições na sua área de atuação;
X- Encaminhar ao Conselho Gestor a proposta orçamentária anual do
124
Complexo;
XI - Elaborar um relatório anual das atividades do hospital para
apreciação do Conselho Gestor;
XII - Zelar pelos bens patrimoniais e financeiros do Complexo hospitalar.
SEÇÃO IV
DA DIRETORIA TÉCNICA
Art. 18 – São atribuições da Diretoria Técnica, sem prejuízos de outras
definidas no Regimento Interno:
I - Gestão das questões específicas pertinentes ao trabalho profissional
dos médicos;
II - Responsabilidade Técnica perante os Conselhos específicos;
III - Organização e acompanhamento do Corpo Clínico;
IV - Auxiliar as atividades pertinentes à Direção Assistencial visando a
garantia da existência do trabalho multi-profissional;
V - Auxiliar a atividade de Gestão junto à Direção Geral;
VI - Participação no Processo de Planejamento e de Organização;
VII - Elaborar e apresentar à Diretoria Geral o Relatório Anual de suas
atividades;
VIII - Assistir à Diretoria Geral em assuntos relativos à sua área de
atuação;
IX - Participação no Conselho Gestor da Unidade, quando designado;
X - Participação no Conselho Geral da Unidade;
XI – Cumprir e fazer cumprir as normas e rotinas do Complexo
Hospitalar;
XII - Participação no Conselho Diretor da Unidade;
XIII - Organização e acompanhamento do Corpo Clínico;
SEÇÃO V
DA DIRETORIA ASSISTENCIAL
Art. 19 – Compete à Diretoria Assistencial zelar pelo cumprimento da
conduta ético-profissional de todos os profissionais de saúde no âmbito do
Complexo Hospitalar; e:
I - Gestão das questões específicas pertinentes ao trabalho profissional
dos trabalhadores de saúde;
125
II – Auxiliar a Direção Geral;
III - Gestão das questões pertinentes ao exercício técnico-profissional,
com auxílio da Diretoria Técnica, visando à garantia da existência do trabalho
multi-profissional;
IV - Coordenar as comissões e serviços sob sua responsabilidade, assim
como os programas transversais e multidisciplinares desenvolvidos no âmbito
do Complexo Hospitalar;
V - Participar do Processo de Planejamento da Organização;
VI - Coordenar de forma integrada com as demais diretorias o
planejamento e a normalização das ações dos profissionais que atuam no
HMM, objetivando a padronização e definição de protocolos assistenciais,
clínicos, terapêuticos e diagnósticos dos processos de trabalho;
VII - Participação no Conselho Geral da Unidade;
VIII – Estabelecer em conjunto com a Diretoria Técnica e a Diretoria
Administrativa localização dos quadros profissionais nas diversas unidades do
Complexo Hospitalar.
IX - Participação no Conselho Gestor da Unidade, quando designado;
X - Integrar ações e programas com a Diretoria Administrativa a fim de
obter a eficiência da gestão dos recursos necessários aos processos
assistenciais;
XII - Participação no Conselho Diretor da Unidade.
SEÇÃO VI
DA DIRETORIA DE CUIDADOS
Art. 20A Diretoria de Cuidados é responsável pela coordenação dos
processos de atenção desenvolvidos a partir das demandas e necessidades
dos usuários do Sistema Único de Saúde.
Art. 21 - Compete à Diretoria de Cuidados:
I - Gestão do processo de regulação interna para atendimento às
demandas das linhas de cuidado;
II - Participação no Conselho Geral da Unidade;
III - Coordenação do processo de relacionamento entre as Unidades
Funcionais - UF;
IV - Participação no processo de regulação do SUS;
V - Auxiliar a Tarefa de Gestão junto à Direção Geral;
VI - Participação no processo de planejamento da organização;
VII - Agenciamento e negociação dos recursos assistenciais nas
instâncias internas e externas ao HMM, com vistas ao atendimento das
126
demandas dos usuários;
VIII - Participação no Conselho Diretor da Unidade;
IX - Participação no Conselho Gestor da Unidade, quando designado;
SEÇÃO VII
DA DIRETORIA ADMINISTRATIVA
Art. 22A Diretoria Administrativa é responsável por acompanhar,
promover e potencializar o desenvolvimento do Complexo Hospitalar, através
de ações coordenadas e voltadas para a área de gestão bem como, pelo seu
planejamento financeiro e controle orçamentário.
Art. 23 - Compete ao Diretor Administrativo-Financeiro:
Gestão do processo administrativo da Unidade;
I - Execução orçamentária da Unidade;
II – Participação no Conselho Geral da Unidade;
III - Colaboração com a gerência de planejamento na elaboração do
Plano de Trabalho Anual e Orçamento;
IV - Auxiliar a atividade de Gestão junto à Direção Geral;
V - Participação no processo de planejamento da organização;
VI - Coordenação dos processos de gestão da biossegurança, conforto e
logística;
VII - Participação no Conselho Diretor da Unidade;
VIII - Propor alternativas econômicas e financeiras, para a busca da
operação equilibrada e com qualidade do Complexo;
IX - Coordenar o processo de padronização e normalização, avaliação e
revisão das diversas rotinas, assistenciais e administrativas do Complexo;
X - Elaborar projetos, programas e ações integrados com as demais
diretorias, que visam a busca de eficiência no uso de recursos;
XI – Participação no Conselho Gestor, quando designado;
XII - Propor políticas financeiras;
XIII - Autorizar, por delegação da Diretoria Geral, o pagamento das
despesas efetuadas para o pleno funcionamento do Complexo;
XIV - Coordenar a execução orçamentária do Complexo, de acordo com
a peça orçamentária definida e elaborada em conjunto com a Assessoria de
Desenvolvimento Institucional.
SEÇÃO VIII
127
DO CONSELHO DIRETOR
Art. 24 – O Conselho Diretor é constituído pelas Diretorias e a Gerência
de Vigilância à Saúde e tem caráter deliberativo frente à operacionalização da
atividade hospitalar.
Parágrafo Único: O Conselho Diretor deverá reunir-se semanalmente
para avaliar e propor medidas decisórias que visem resolver problemas do
quotidiano da administração hospitalar.
SEÇÃO IX
DAS UNIDADES FUNCIONAIS
Art. 25 - Unidade Funcional é a agregação de atividades assistenciais e
de infra-estrutura visando o atendimento integral e de qualidade ao usuário.
§ 1º - As unidades funcionais poderão ser unidades administrativas ou
assistenciais encarregadas de operacionalizar e integralizar a assistência e o
ensino no Complexo.
§ 2º - Cada Unidade Funcional é dirigida em caráter participativo, por um
Coordenador, assessorado por seu colegiado interno.
§ 3º - Os Coordenadores das Unidades Funcionais serão nomeados
pelo Diretor Geral, preferencialmente em consenso com os colegiados internos.
SEÇÃO X
DO CONSELHO GERAL
Art. 26 – O conjunto de coordenadores das Unidades Funcionais, a
Diretoria do hospital, a Assessoria de Desenvolvimento Institucional, a
Gerência de Vigilância em Saúde e os demais gerentes, bem como a
presidência da CCIH, constituem o Conselho Geral do Complexo.
§ 1º - O Conselho Geral – CG é um fórum consultivo e deliberativo para
definição de estratégias de gestão mais adequadas aos cenários interno e
externo do hospital, buscando efetividade, eficácia e eficiência das ações,
frente aos valores, princípios e objetivos do Complexo.
§ 2º - O CG é presidido pelo Diretor Geral do Complexo e reúne-se
ordinariamente uma vez por mês ou mediante sua convocação, em caráter
extraordinário.
§ 3º - As Unidades Funcionais se fazem representar no CG pelo seu
coordenador ou substituto eventual.
§ 4º - As Diretorias serão representadas pelos seus titulares e em caso
de impedimento, por seu substituto eventual.
128
§ 5º - O CG discute, analisa as situações direcionadas e delibera
propostas alternativas para a direção e na hipótese da Diretoria Geral se julgar
impedida de executar a ação proposta, a questão será submetida ao Conselho
Diretor.
§ 6º - O Diretor Geral poderá convidar membros ad hoc para
participação em reuniões do CG, com direito à voz.
Art. 27 – São atribuições do CG:
I - Reunir-se periodicamente para discutir e avaliar questões relativas ao
planejamento e à organização do Complexo;
II - Compatibilizar o plano de ação e da aplicação de recursos de cada
UF com a missão e prioridades definidas para o Complexo como um todo;
III - Articular o trabalho e as atividades das UF entre si, visando o
estabelecimento de uma rede de compromissos internos que possibilitem o
melhor desempenho de todos;
IV - Monitorar o desempenho das UF, apoiando e incentivando a
melhoria da qualidade da assistência prestada;
V - Estimular a busca por eficiência dos serviços oferecidos, articulando
incentivos profissionais e institucionais de acordo com as diretrizes gerais do
HMM, na forma da legislação municipal e de acordo com o Plano de Cargos,
Carreira e Remuneração;
VI - Constituir-se em fórum consultivo e deliberativo para negociação
interna para alocação de eventuais excedente;
Art. 28 – Compete ao Presidente do Conselho Geral:
I - Fixar o dia das reuniões ordinárias, agendar a pauta e convocar
reuniões extraordinárias;
II - Presidir os trabalhos;
Art. 29 - Compete ao Secretário ad hoc do Conselho Geral:
I - Colher as assinaturas dos conselheiros presentes à reunião;
II - Redigir e lavrar atas das reuniões;
III - Colher nas atas aprovadas, as rubricas e assinaturas dos
conselheiros aptos à sua aprovação;
IV - Encaminhar as atas aprovadas à secretaria da Diretoria Geral, para
seu arquivamento;
V - Acompanhar o desenvolvimento das matérias deliberadas.
Art. 30 – São Unidades Funcionais do Complexo Hospitalar, com suas
constituições:
I - Unidade de Suporte à Vida;
a. Pronto Socorro;
b. UTI;
129
c. Centro Cirúrgico;
d. Centro de Material Esterilizado;
e. Unidade de Usuários Críticos;
II - Unidade de Usuários Internos;
f. Enfermarias Clínicas;
g. Enfermarias Cirúrgicas;
III - Unidade de Unidade de Usuários Externos;
h. Ambulatório Geral;
i. Ambulatório de Fisioterapia;
j. Hospital Dia;
k. Internação Domiciliar;
IV - Unidade de Diagnóstico e Terapêuticas Especiais;
l. Tomografia Computadorizada;
m. Ressonância Magnética;
n. Radiologia;
o. Ultra-sonografia;
p. Eco-cardiologia;
q. Endoscopia;
r. Gerência de Patologia Clínica e Hemoterapia;
s. Laboratório de Análises Clínicas;
t. Patologia Clínica;
u. Hemoterapia;
v. Unidade de Logística Hospitalar:
w. Suprimentos Técnicos;
x. Nutrição e Dietética;
y. Limpeza e conservação;
z. Rouparia;
aa. Vigilância;
bb. Transportes;
cc. Almoxarifado;
dd. Infra-estrutura;
ee. Manutenção Predial;
ff. Hidráulica;
gg. Elétrica;
130
hh. Mecânica;
ii. Civil;
jj. Refrigeração;
kk. Manutenção de Equipamentos Biomédicos;
ll.Informática e Rede;
mm. Arquivo Médico;
nn. Faturamento;
oo. Compras;
pp. Contratos;
qq. Patrimônio;
rr. Administração Financeira;
SEÇÃO XI
DAS GERÊNCIAS
Art. 31 – Para a operacionalização do trabalho em saúde desenvolvido
pelas UF, serão constituídas a Assessoria de Desenvolvimento Institucional e
as seguintes gerências:
I - Assessoria de Desenvolvimento Institucional:
a. Auxiliar e facilitar a elaboração do Plano de Trabalho Anual, pelas
Diretorias, para apresentação e discussão junto aos Conselhos da
Unidade e para apreciação da Direção Geral e aprovação pelo
Conselho Gestor;
b. Auxiliar na elaboração do Orçamento da Unidade junto à Diretoria
Administrativa;
c. Acompanhamento dos indicadores de desempenho e execução do
Plano de Trabalho Anual, discutindo-os com os membros da diretoria
e demais coordenadores e gerentes;
d. Facilitação do processo de planejamento da Unidade;
II - Gerência de Vigilância à Saúde:
a. Comissões Especiais;
b. Gerenciamento de Risco;
c. Fármaco-vigilância;
d. Técno-vigilância;
e. Hemo-vigilância;
f. Vigilância Epidemiológica;
131
g. Gerência de Enfermagem;
h. Coordenação do trabalho técnico do pessoal de enfermagem;
i. Coordenação dos processos de garantia do exercício ético-
profissional do pessoal de enfermagem;
j. Auxílio na preparação das escalas e deslocamentos do pessoal de
enfermagem, em colaboração com as coordenações das UF e
Diretoria Administrativa;
k. Responsabilidade técnica pelo trabalho de enfermagem no
Complexo;
III - Gerência de Cuidados Terapêuticos:
a. Coordenação do trabalho técnico do pessoal das demais áreas do
conhecimento técnico do hospital;
b. Coordenação dos processos de garantia do exercício ético-
profissional do pessoal técnico;
c. Auxílio na preparação das escalas e deslocamentos do pessoal
técnico, em colaboração com as coordenações das UF e Diretoria
Administrativa;
IV - Gerência de Educação e Trabalho em Saúde;
a. Acompanhamento de freqüências, desempenho e pagamentos do
pessoal alocado no hospital;
b. Desenvolvimento das potencialidades dos trabalhadores de saúde
do hospital;
c. Coordenação do processo de educação permanente no hospital,
em consonância com a SMS e o Distrito Sanitário III;
d. Coordenação do processo de alocação de trabalhadores nas
diversas UF do hospital;
e. Colaboração frente aos processos de seleção e recrutamento de
pessoal para o hospital;
V - Gerência de Hotelaria:
a. Articulação dos recursos necessários para a garantia de
ambiência hospitalar adequada e de qualidade para os usuários do
Complexo;
b. Gerenciamento dos processos técnico-operacionais de:
i. Rouparia e Lavanderia;
ii.Limpeza e conservação;
iii.Camareiros;
iv.Transporte interno e externo de usuários;
v.Zeladoria
132
VI - Gerência de Informática:
a. Gerenciamento dos processos de incorporação de
equipamentos de informática;
b. Gerenciamento do uso de aplicativos, programas e sistemas;
c. Administração da rede;
d. Gerenciamento dos processos de manutenção de
equipamentos, rede e sistemas;
VI - Gerência Financeira:
a. Gerenciamento das contas a pagar, nos termos das
delegações de competência do Executivo Municipal;
b. Gerenciamento da execução orçamentária e financeira nos
termos da delegação de competência do Executivo Municipal;
c. Acompanhamento e avaliação do desempenho da execução
orçamentária da unidade;
VII - Gerência de Engenharia Hospitalar;
a. Gerenciamento dos processos operacionais e tecnológicos
relacionados com a infra-estrutura hospitalar;
b. Gerenciamento dos contratos de manutenção preventiva e
corretiva, relacionados com a infra-estrutura operacional do
hospital;
c. Assessoria técnica ao processo de incorporação de novas
tecnologias demandadas pela execução dos cuidados prestados
pelo hospital;
d. Assessoria técnica aos processos de especificação de
equipamentos, instalações e serviços a estes relacionados;
VIII - Gerência de Nutrição:
a. Prescrição dietética em consonância com os demais trabalhadores
de saúde;
b.Gerenciamento do processo de produção de alimentos e sua
distribuição;
c. Guarda e controle dos estoques de gêneros alimentícios;
d. Controle, avaliação e acompanhamento da qualidade dos
alimentos dispensados aos usuários do hospital;
e. Assessoria técnica para estabelecimento das especificações dos
materiais e gêneros alimentícios a serem adquiridos pelo hospital;
XIX - Gerência de Suprimentos Técnicos:
a. Guarda e controle dos estoques de material médico-hospitalar,
medicamentos e imunobiológicos;
b.Preparação, manipulação e distribuição dos materiais em blocos ou
133
sob dispensação unitarizada de medicamentos e imunobiológicos;
c. Assessoria técnica para estabelecimento das especificações dos
materiais a serem adquiridos pelo hospital;
d. Acompanhamento e avaliação da qualidade dos materiais e
administração do banco de especificações e materiais recusados;
X - Gerência de Patologia Clínica e Hemoterapia:
a. Gerenciamento do laboratório de patologia clínica;
b. Gerenciamento das atividades de anatomia patológica;
c. Gerenciamento dos processos de estocagem e dispensação
de hemoderivados;
XI - Gerência de Enfermagem da UTI:
a. Gerenciamento do cuidado nas unidades de UTI e de
Usuários Críticos em articulação com a Gerência Médica de UTI;
XII - Gerência Médica da UTI:
a. Gerenciamento do cuidado nas unidades de UTI e de
Usuários Críticos em articulação com a Gerência de Enfermagem
da UTI;
XIII - Gerência do Pronto Socorro:
a. Gerenciamento do cuidado na unidade de Pronto Socorro;
b. Implantação e acompanhamento do processo de acolhimento
nas portas de urgência e emergência;
c. Implantação e acompanhamento da qualidade da
classificação de risco nas portas de urgência e emergência
SEÇÃO XII
DAS COORDENAÇÕES DE LINHAS DE CUIDADO
Art. 32A estrutura organizacional matricial do Complexo contém
coordenações por linhas de cuidado em situação transversal às unidades
Funcionais, refletindo o duplo comando sobre as atividades de produção
assistencial.
Art. 33As linhas de Cuidado refletem a capacidade instalada na
unidade assistencial e o padrão epidemiológico a ser enfrentado pelo Sistema
Único de Saúde e, portanto, podem ser acrescidas, reduzidas ou
transformadas ao longo do tempo, mediante decisão da Gestão do Sistema.
Art. 34 As Linhas de Cuidado estabelecidas são:
I - Emergência Clínica;
II - Emergência Cirúrgica;
134
III - Orto-Traumatologia;
IV - Sofrimento Psíquico;
Art. 35 – Cada Linha de Cuidado terá sua gestão realizada por um
coordenador e serão suas atribuições:
I - Agenciar os recursos necessários para a atenção adequada aos
usuários inseridos em sua Linha;
II - Acompanhar o processo de regulação interna e articulá-lo ao
Complexo Regulatório do Município de João Pessoa, sob comando do Diretor
de Cuidados;
III - Participar do processo de coordenação das diversas UF do hospital,
mantendo o equilíbrio e harmonia do duplo comando das atividades
assistenciais.
SEÇÃO XIII
DAS COMISSÕES
Art. 36 – O Complexo e sua Diretoria contarão com comissões em
caráter permanente e temporário visando aprimoramento de processos
assistenciais, de ensino, pesquisa e extensão.
Art. 37 – São comissões permanentes:
I - CCIH;
II - Comissão de Óbito;
III - Comissão de Ética Médica;
IV - Comissão de Revisão de Prontuários;
V - Comissão de Fármaco-vigilância;
VI - Comissão de Padronização de Medicamentos e Material Médico
Hospitalar;
VII - Comissão de Tecno-vigilância;
VIII - Comissão de Documentação Médica;
IX - Saúde do Trabalhador.
CAPÍTULO IV
DO EXERCÍCIO SOCIAL
Art. 38 – O Exercício Social do Complexo Hospitalar corresponderá ao
ano civil, levando-se, obrigatoriamente, o seu balanço em 31 de dezembro de
cada ano, para todos os fins de direito.
135
CAPÍTULO V
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS
Art. 39 – Os cargos em comissão da estrutura do Complexo Hospitalar
Professor Humberto Nóbrega e da Maternidade Santa Maria – Secretaria de
Saúde do Município - ficam extintos na forma prevista no Anexo I da presente
lei.
Art. 40 – Decreto do Chefe do Executivo Municipal disporá sobre o
Regimento Interno do Complexo Hospitalar de Mangabeira Governador Tarcísio
Burity, disciplinando as atividades das Comissões, das Gerências e das
Coordenações de Linha de Cuidado e Unidades Funcionais, em conjunto com
seus colegiados internos, detalhando as atribuições e competências dos postos
de trabalho.
Art. 41A Gerência de Educação e Trabalho em Saúde deverá elaborar
o Quadro de Localização de Pessoal e discussão do Processo de Trabalho da
Equipe, com finalidade de potencializar os mecanismos de gestão das
pessoas.
Art. 42 – Fica autorizada a reprogramação dos créditos orçamentários
constantes do Orçamento do Exercício de 2008, de acordo com a Lei Municipal
nº 11.100/2008 – LDO - Lei das Diretrizes Orçamentárias e LOA - Lei
Orçamentária Anual 11.387/2008, e do Quadro de Detalhamento da
Despesa – QDD, exercício de 2008, Decreto Municipal nº 6.154, de 23 de
janeiro de 2008, visando satisfazer as despesas com a publicação da presente
lei.
Art. 43 – Esta lei entra em vigor na data da sua publicação.
Art. 44 - Revogam-se as disposições contrárias.
JOÃO PESSOA (PB), PAÇO MUNICIPAL, em 18 de JUNHO de 2008.
RICARDO VIERA COUTINHO
PREFEITO
136
ANEXO I
3.3. SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE – SMS
3.3.6. CARGOS EXTINTOS
3.3.6.2. COMPLEXO HOSPITALAR PROFESSOR HUMBERTO
NOBREGA
CARGO Quantidade
Diretor do Complexo Hospitalar “Professor Humberto Nóbrega" DHP-2 1
Chefe da Divisão de Administração Hospitalar DAI-1 1
Chefe da Seção de Economato DAI-1 1
Chefe da Seção de Arquivo Médico Especializado DAI-1 1
Chefe da Seção de Almoxarifado DAI-1 1
Chefe da Seção de Pessoal e Patrimônio DAI-1 1
Chefe da Seção de Pessoal e Patrimônio DAI-1 1
Chefe da Seção de Informação e Informática DAI-1 1
Chefe da Seção de Contas Médicas DAS-1 1
Chefe da Seção de Compras e Controle de Adiantamento Financeiro DAS-2 1
Chefe da Divisão Técnica da Maternidade Santa Maria DAI-1 1
137
Chefe da Seção de Neonatalogia DAÍ-1 1
Chefe do Serviço Cirúrgico-Obstétrico DAS-2 1
Chefe do Serviço de Cirurgia Geral e UTI DAS-1 1
Chefe da Divisão Técnica do Hospital Prof. Humberto Nóbrega DAS-2 1
Chefe do Serviço de Atendimento Ambulatorial e de Internação DAS-2 1
Chefe da Seção de Psicologia DAS-1 1
Chefe da Divisão Multiprofissional de Saúde DAI-1 1
Chefe da Seção de Assistência Social DAI-1 1
Chefe da Seção de Nutrição DAI-1 1
Chefe da Seção de Farmácia Hospitalar DAI-1 1
Chefe da Seção de Laboratório de Análises Clínicas DAI-1 1
Chefe da Seção de Enfermagem DAI-1 1
Chefe da Seção de Apoio ao Centro Cirúrgico DAI-1 1
Chefe da Seção de Controle de Esterilização de Material DAI-1 1
Chefe da Seção de Apoio às Enfermarias DAÍ-1 1
TOTAL 26
138
ANEXO II
3.3. SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE – SMS
3.3.6. NÍVEL DE ATUAÇÃO DESCONCENTRADA
3.3.6.2. COMPLEXO HOSPITALAR DE MANGABEIRA
GOVERNADOR TARCÍSIO BURITY
CARGO Símbolo Quantidade
Diretor - Geral DHP -2 1
Diretor Técnico DHP-4 1
Diretor Assistencial DHP-4 1
Diretor Administrativo DHP-4 1
Diretor de Cuidados DHP-4 1
Assessor de Desenvolvimento Institucional DAE-2 1
Coordenador de Unidade funcional de Suporte à Vida DAE-2 1
Coordenador de Unidade Funcional e Cuidados à Pacientes Internos DAE-2 1
Coordenador de Unidade Funcional de Cuidados à Pacientes Externos DAE-2 1
Coordenador de Unidade Funcional de Diagnóstico e Terapêutica
Especiais
DAE-2 1
139
Coordenador de Unidade Fun. de Logística Hopitalar DAE-2 1
Coordenador de Linha de Emergência Clínica DAE-2 1
Coordenador de Linha de Emergência Cirúrgica DAE-2 1
Coordenador de Linha de Orto-traumatologia DAE-2 1
Coord.de Linha de Cuidados ao Sofrimento Psíquico DAE-2 1
Gerente de Hospital DAS-1 14
Assessor Técnico DAE-3 05
TOTAL 34
140
ANEXO III
3.1. SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE– SMS
4.2.6.1.5.2. COMPLEXO HOSPITALAR DE MANGABEIRA GOVERNADOR
TARCÍSIO BURITY
4.2.6.1.5.2.1 Diretoria - Geral
4.2.6.1.5.2.1.1. Diretoria Técnica
4.2.6.1.5.2.1.2. Diretoria Assistencial
4.2.6.1.5.2.1.3. Diretoria Administrativa e Financeira
4.2.6.1.5.2.1.4. Diretoria de Cuidados
4.2.6.1.5.2.1.5. Assessoria de Desenvolvimento Institucional
4.2.6.1.5.2.1.6. Coordenação de Unidade Funcional de Suporte à Vida
4.2.6.1.5.2.1.7. Coordenação de Unidade Funcional de Cuidados à Pacientes Internos
4.2.6.1.5.2.1.8. Coordenação de Unidade Funcional de Cuidados à Pacientes Externos
4.2.6.1.5.2.1.9. Coordenação de Unidade Funcional de Diagnóstico e Terapêuticas
Especiais
4.2.6.1.5.2.1.10. Coordenação de Unidade Funcional de Logística Hospitalar
4.2.6.1.5.2.1.11. Coordenação de Linha de Emergência Clínica
4.2.6.1.5.2.1.12. Coordenação de Linha de Emergência Cirúrgica
4.2.6.1.5.2.1.13. Coordenação de Linha de Cuidados ao Sofrimento Psíquico
4.2.6.1.5.2.1.14. Coordenação de Linha de Orto-traumatologia
4.2.6.1.5.2.1.15. Gerências de Hospital
4.2.6.1.5.2.1.16 Assessoria Técnica
141
ANEXO IV
Organograma do Complexo Hospitalar de Mangabeira
Governador Tarcísio Burity
Diretor Geral
Diretoria
Administrativa
Diretoria Assistencial
Diretoria de Cuidados
Diretoria Técnica
Unidade Funcional de Suporte à Vida
Unidade Funcional de Cuidados a Pacientes Externos
Unidade Funcional de Cuidados a Pacientes Internos
Unidade Funcional de Diagnóstico e Terapêuticas
Especiais
Unidade Funcional de Logística Hospitalar
Gerência de
Enfermagem
Gerência de
Cuidados
Terapêuticos
Gerência de
Engenhar ia
Hos pital ar
Gerência de
Informática
Gerência de
Hotelar ia
Linha de
Emergência
Clínica
Linha de
Cuidados ao
Sofrimento
Psíquico
Linha de Orto-
tr au ma t o lo gi a
Linha de
Em er g ê nci a
Cirúrgica
Ge rê n cia
Financeira
Gerência de
Supr imentos
cnicos
Gerência de
Nutriç ão
Conselho Gestor
Gerencia de
Vigilância à
Saúde
Gerência
Educ ação e
Tr abalho em
Saúde
CCIH
COMISSÃO DE ÓBITO
COMISSÃO DE ÉTICA MÉDICA
COMISSÃO DE REVISÃO DE PRONTUÁRIO S
COMISSÃO DE F ARMACO - VIGILÂNCIA
COMISSÃO DE PADRONIZ AÇÃO DE MEDICAME NTOS E
MAT ERIAL MÉDICO HOSP ITA LAR
COMISSÃO DE T ECNO - VIGINCIA
COMISSÃO DE DOCUMENT AÇÃODICA
SAÚDE DO TRABALHADOR
Gerência de
Enfermagem
de UTI
Gerência
Médic a de UTI
Gerência de
Pr onto Socor ro
Gerência de
Patologia
Clínic a e
Hemoterapia
Assessoria de
Desenvolvimen
to Institucional
142
ANEXO V
FUNÇÃO VENCIMENTO
GRATIFICAÇÃO
PELO EXERCÍCIO
DO CARGO EM
COMISSÃO
TOTAL (R$)
DHP-2 900,00 3.400,00 4.300,00
DHP-4 700,00 2.300,00 3.000,00
DAE-2 33,33 656,25 689,58
DAE-3 33,33 566,67 600,00
DAS-1 33,33 492,19 525,52
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo