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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA
PROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITO
LUÍS ALBERTO GONÇALVES GOMES COELHO
A TUTELA DO CONHECIMENTO E DOS SEGREDOS DE EMPRESA E AS
CLÁUSULAS DE NÃO-CONCORRÊNCIA NO DIREITO DO TRABALHO
CURITIBA
2008
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LUÍS ALBERTO GONÇALVES GOMES COELHO
A TUTELA DO CONHECIMENTO E DOS SEGREDOS DE EMPRESA E AS
CLÁUSULAS DE NÃO-CONCORRÊNCIA NO DIREITO DO TRABALHO
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado
em Direito Empresarial e Cidadania, na linha de
pesquisa Atividade Empresarial e Constituição:
inclusão e sustentabilidade, do Centro Universirio
Curitiba, como requisito parcial para a obtenção
do Título de Mestre em Direito.
Orientador: Prof. Dr. Eduardo Milléo Baracat
CURITIBA
2008
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LUÍS ALBERTO GONÇALVES GOMES COELHO
A TUTELA DO CONHECIMENTO E DOS SEGREDOS DE EMPRESA E AS
CLÁUSULAS DE NÃO-CONCORRÊNCIA NO DIREITO DO TRABALHO
Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do Título de Mestre
em Direito pelo Centro Universitário Curitiba.
Banca Examinadora constituída pelos seguintes professores:
Orientador: _________________________________
Prof. Dr. Eduardo Milléo Baracat
_________________________________
Prof. Dr. Fábio Tokars
_________________________________
Prof. Dr. Roland Hasson
Curitiba, 30 de outubro de 2008.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos aqueles que me ajudaram e me incentivaram a seguir
firme nesta pesquisa.
Ao Professor José Afonso Dallegrave Neto, que me deu as primeiras
orientações sobre o tema e que, mesmo não tendo podido continuar junto na
caminhada, ao longe, ajudou-me com o empréstimo de obras e com valiosas
sugestões.
Ao Professor Eduardo Milléo Baracat, brilhante Juiz e juslaboralista, pela
dedicação e empenho dispensados na sua nobre e ao mesmo tempo difícil
função de orientar e repassar o conhecimento.
Aos colegas e cios do Escritório Gomes Coelho & Bordin, que sabedores
das dificuldades do que é enfrentar um Curso de Mestrado, sempre me apoiaram
e incentivaram, inclusive nas oportunidades em que estive ausente em razão das
aulas e dos estudos.
Agradeço também aos meus familiares, pais e irmãos, que com seus
exemplos ímpares de conduta pessoal e profissional, fazem-me confirmar o que
sempre foi por mim intuído, de que apenas com trabalho e esforço é que o ser
humano alcança os seus objetivos.
Por fim, não poderia deixar de agradecer à minha amada esposa e
companheira Sarah, que mesmo com as horas de convívio privadas e carregando
em seu ventre a benção da nossa primeira filha, Alice, nunca deixou de me
apoiar e incentivar.
Nem tudo o que escrevo resulta
numa realização, resulta mais numa
tentativa. O que também é um
prazer. Pois nem tudo eu quero
pegar. Às vezes, quero apenas
tocar. Depois, o que toco às vezes
floresce e os outros podem pegar
com as duas mãos.
Clarice Lispector
SUMÁRIO
RESUMO.............................................................................................................. 7
ABSTRACT.......................................................................................................... 8
INTRODUÇÃO..................................................................................................... 9
1 DA TUTELA DO CONHECIMENTO E DOS SEGREDOS DA EMPRESA
NO AMBIENTE DO TRABALHO .................................................................. 13
1.1 O CONHECIMENTO COMO BEM E PROBLEMA JURÍDICO.................. 13
1.2 DA SOCIEDADE INDUSTRIAL À PÓS-INDUSTRIAL............................... 17
1.3 DA SOCIEDADE DE RISCO E A GLOBALIZAÇÃO.................................. 20
1.4 AS NOVAS TECNOLOGIAS ANTE O DIREITO ....................................... 26
1.5 DOS BENS JURÍDICOS TUTELÁVEIS..................................................... 30
1.5.1 Dos Segredos de Empresa e do Know-how............................................ 31
1.5.2 Dos Direitos de Patente, de Modelos de Utilidade e de Autor................. 35
2 LIMITES DA CONCORRÊNCIA APÓS A EXTINÇÃO DO CONTRATO
DE TRABALHO............................................................................................. 39
2.1 CONCEITO DE CLÁUSULA DE NÃO-CONCORRÊNCIA ........................ 40
2.2 ADMISSIBILIDADE DA CLÁUSULA DE NÃO-CONCORRÊNCIA............ 41
2.3 DO DIREITO COMPARADO..................................................................... 49
2.3.1 Cláusulas de Não-Concorrência Decorrentes de Regulação Legal......... 50
2.3.2 Cláusulas de Não-Concorrência Decorrentes de Norma Coletiva........... 52
2.3.3 Cláusulas de Não-Concorrência Decorrentes de Previsão Legal e
dos Usos e Costumes.............................................................................. 54
2.4 LIMITES AOS INTERESSES TUTELADOS.............................................. 55
2.5 CONDIÇÕES DE VIABILIDADE E EXEQÜIBILIDADE DA CLÁUSULA
DE NÃO-CONCORRÊNCIA...................................................................... 58
2.6 MODALIDADES: CLÁUSULA DE PERMANÊNCIA,
CONFIDENCIALIDADE, NÃO-SOLICITAÇÃO E CLAWBACK ................. 60
2.6.1 Cláusula de Permanência........................................................................ 61
2.6.2 Cláusula de Confidencialidade ................................................................ 62
2.6.3 Cláusula de Não-Solicitação.................................................................... 63
2.6.4 Clawback................................................................................................. 63
2.7 DO PRINCÍPIO DA BOA-COMO BALIZADOR DA CONCORRÊNCIA
NA RELAÇÃO INDIVIDUAL DE TRABALHO............................................ 64
2.7.1 Cláusula Geral da Boa-Fé ....................................................................... 66
2.7.2 Norma Criadora de Deveres Jurídicos..................................................... 68
2.7.3 Do Dever de Lealdade............................................................................. 70
2.7.4 Dos Deveres de Não-Concorrência e Sigilo............................................ 71
3 DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E DOS PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS INCIDENTES NA RELAÇÃO DE PROTEÇÃO
DO CONHECIMENTO E DOS SEGREDOS DE EMPRESA......................... 73
3.1 DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS TUTELÁVEIS: DA APLICAÇÃO
DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS AOS PARTICULARES....................... 73
3.1.1 Da Liberdade de Trabalho e Profissão.................................................... 77
3.1.2 Do Direito de Propriedade ....................................................................... 80
3.1.3 Da Proteção à Propriedade Intelectual.................................................... 84
3.2 OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS REGULADORES DA ATIVIDADE
ECONÔMICA............................................................................................ 87
3.2.1 A Dignidade da Pessoa Humana............................................................. 89
3.2.2 O Valor Social do Trabalho e a Livre Iniciativa........................................ 92
3.2.3 A Busca do Pleno Emprego..................................................................... 95
3.2.4 Da Propriedade Privada e a sua Função Social...................................... 96
3.2.5 A Livre Concorrência............................................................................... 98
3.3 A LIVRE INICIATIVA E LIVRE A CONCORRÊNCIA COMO
BALIZADORES DA LIBERDADE DE TRABALHO.................................... 101
3.3.1 Da Técnica da Ponderação de Valores Constitucionais.......................... 101
3.3.2 Da Livre Iniciativa e Livre Concorrência como Balizadores da
Liberdade de Trabalho............................................................................. 105
CONCLUSÃO...................................................................................................... 107
REFERÊNCIAS.................................................................................................... 110
ANEXO A - PROJETO DE LEI N.
o
16/2007 DE AUTORIA DO SENADOR
MARCELO CRIVELA....................................................................... 121
ANEXO B - CLÁUSULA DE NÃO-CONCORRÊNCIA. VALIDADE .................... 123
ANEXO C - CLÁUSULA DE SIGILO EO-CONCORRÊNCIA........................ 125
ANEXO D - EMENTA EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS
RELAÇÕES PRIVADAS................................................................... 127
RESUMO
O conhecimento se caracteriza como um bem imaterial e se apresenta sob diversas
formas, tais como base de dados e informações, métodos de produção, sistemas de
organização da empresa, segredos e inventos industriais. O retorno obtido pela empresa
em pesquisas e desenvolvimento dessas novas formas de conhecimento constitui e
constituirá fator determinante de sua competitividade e produtividade, o que aumenta a
necessidade de sua proteção em face dos concorrentes. Hoje, os trabalhadores, pelo
acesso que têm ao conjunto de bens imateriais da empresa, passaram a ser objeto
de desejo e alvo constante dos concorrentes do seu empregador, que muitas vezes
buscam na sua contratação, antes mesmo de um profissional treinado e capacitado,
a obtenção de informações e dados confidenciais. Apesar de a legislação brasileira
considerar a divulgação de segredo de empresa e a concorrência desleal, ilícitos
penais e trabalhistas, o que se percebe, muitas vezes, é que isso, por si só, não inibe
a prática ilícita e lesiva à empresa. A aplicação do princípio da boa-fé e os correlatos
deveres de lealdade, sigilo eo-concorrência, tamm o m se mostrado suficientes
para tutelar esses bens. Em razão disso as empresas podem se valer de cláusulas
de não-concorrência visando a reforçar contratualmente essa proteção durante a
relação de trabalho e, principalmente, após o término dela. Desse modo, a pesquisa
buscará demonstrar a viabilidade de proteção das informações e dos segredos de
empresa através da estipulação de cláusulas de não-concorrência.
Palavras-chave: Conhecimento. Segredos de empresa. Proteção. Cláusula de não-
concorrência.
ABSTRACT
Knowledge is featured as an immaterial good and presents itself under many different
ways, such as data basis and information, methods of production, organization
system of the companies, secrets and industrial invents. The return back obtained by
the company on researches and developing of new ways of knowledge is and will be
a determining factor of its competitiveness and productivity, increasing the protection’s
need in face of other competitor companies. Nowadays, considering the access that
employees have to the immaterial goods of the companies, they have been object of
desire and targets from other competitor companies. Usually, when hiring these
employees, competitors do not only look for an experienced professional, but they
also look for obtaining information and confidential data from the other companies.
Even though Brazilian law consider developing secrets of the companies and unfair
business practices, such as criminal and labor illicit, most of time it can be realized
that they do not inhibit the company from illicit and harmful practices. Application of
the good faith principle and the correlated loyalty, confidential and non competition
duties have not been shown as practices that can sufficiently protect these goods.
Consequently, companies may establish clauses of non competition in order to
reinforce their protection during the labor relation and, mainly, after its rescission.
Therefore, this research pretends demonstrating the viability of protecting information
and secrets of the companies through stipulation of non competition clauses.
Key-words: Knowledge. Company’s secrets. Protection. Non competition clause.
9
INTRODUÇÃO
Apesar de existir desde 1886, ano em que foi apresentada pela primeira vez
ao público, na Jacob's Pharmacy, em Atlanta, nos Estados Unidos, até hoje a rmula
da Coca-Cola não conseguiu ser decodificada ou caiu nasos de seus concorrentes.
Isso demonstra que a empresa, apesar de possuir milhares de fábricas ao
redor do mundo e outras centenas de milhares de empregados, guarda este segredo
a sete chaves.
Mais do que a velha queso capital/trabalho, atualmente, empregados e empre-
gadores discutem temas até então não levados à mesa de negociação, como os
reflexos da automação, da globalização, da informatização, assim como o acesso a
conhecimentos e segredos de empresa.
Não é errado dizer que o recurso econômico preponderante não é mais o
capital, nem os recursos naturais e a mão-de-obra, mas sim o conhecimento e suas
aplicações ao trabalho.
Muito embora não se entenda muito bem como o conhecimento se comporta
como recurso econômico, tem-se por certo que não custa pouco, haja vista os
países desenvolvidos gastarem boa parcela de seu
PIB
na produção e disseminação
de conhecimento por meio de pesquisas e educação.
Com as empresas, em pouco tempo, ainda que se constate tal situação em
algumas delas, o investimento em pesquisas e na produção do conhecimento também
deverá ocorrer nessa mesma proporção.
O conhecimento se caracteriza como um bem imaterial e se apresenta sob
diversas formas, como base de dados e informões, métodos de prodão, sistemas
de organização da empresa, segredos e inventos industriais, dentre outras.
Assim, o retorno obtido pela empresa na aplicão desse conhecimento, constitui
e constituirá fator determinante de sua competitividade e, por assim dizer, a produ-
tividade será decisiva para o seu sucesso econômico e social, bem como para o seu
desenvolvimento como um todo.
Inegavelmente, o que se denota nos dias atuais é que o saber ocupa lugar de
relevo, principalmente o saber criativo oriundo do intelecto humano, capaz de transformar
10
matérias existentes em novas, sistemas preexistentes em novos processos e produtos
antigos em outros aperfeiçoados.
Além disso, a imporncia que se confere aos bens imateriais de uma empresa
se justifica na medida em que a mesma tecnologia que conseguiu desvendar e
decodificar a seqüência genética, que alcançou a clonagem animal e aprofunda
estudos sobre a utilização das células-tronco embrionárias, não conseguiu, até hoje,
decodificar as fórmulas da Coca-cola.
Desse modo, a protão das informações e dos segredos de empresa assumiu
papel de destaque no desenvolvimento dos processos econômicos, sobretudo com o
fenômeno da globalização, que fez aumentar a necessidade de se tutelar o conheci-
mento, acentuando o fenômeno da concorrência industrial, pois, com a abertura das
economias nacionais e o aumento da quantidade de empresas transnacionais, novos
mercados consumidores se abriram para a atuação empresarial e a competitividade
entre empresas se acirrou cada vez mais.
Em razão disso, o investimento em conhecimento por parte da empresa,
em qualquer das modalidades em que se apresenta, necessita de proteção jurídica
justamente em face da tentação dos concorrentes.
Hoje, os trabalhadores, pelo acesso que têm ao conjunto de bens imateriais
da empresa, passaram a ser objeto de desejo e alvo constante dos concorrentes do
seu empregador, que muitas vezes buscam na sua contratação, antes mesmo de um
profissional treinado e capacitado no mercado de trabalho, obter informações e
dados confidenciais que eles adquiriram em razão do emprego mantido.
A legislação brasileira coloca à disposição da empresa as garantias da proprie-
dade intelectual, assim como impõe restrições à concorncia desleal (Leis n.
o
8.884/94
e n.
o
9.279/96), inclusive tipificando-a como crime.
A CLT
, por sua vez, veda ao empregado o cometimento de atos de concorrência
ao empregador durante o contrato de trabalho, sendo possível, dependendo do caso,
até mesmo a aplicação de justa causa, conforme previsão do artigo 482, alíneas "c"
e "g" do Diploma Consolidado.
No entanto, muitas vezes, na prática, pode-se verificar que tais dispositivos
legais, por si só, não inibem a tentação que têm certos trabalhadores de, uma vez
assediados pelos concorrentes, valerem-se dos segredos e das informações adquiridos
11
junto ao seu empregador para negociarem a sua transferência a outra empresa e,
principalmente, uma melhor condição profissional.
Essa nova relação pode causar grandes prejuízos ao ex-empregador, quando
o empregado coloca à disposição de seu concorrente, informações e segredos que
amealhou enquanto esteve a serviço daquele.
Assim, a presente pesquisa buscará responder às seguintes indagações:
pode o empresário se socorrer das cláusulas de não-concorrência visando à
restrição da possibilidade de concorrência e da divulgação de informações e
segredos de empresa durante a relação de trabalho e, principalmente, após o
término dela, a partir de quando o trabalhador se torna muito mais assediado pelos
concorrentes de seu antigo empregador?
A inexistência de legislação específica sobre o tema no Brasil, assim como a
possibilidade da ocorrência de um aparente conflito de direitos constitucionais igualmente
merecedores de tutela (a livre iniciativa e a livre concorncia, de um lado, e a liberdade
de trabalho do outro) podem ser considerados fatores impeditivos à estipulação de
cláusulas de não-concorrência que emanem efeitos pós-contratuais?
Desse modo, a pesquisa buscará demonstrar a viabilidade de proteção das
informações e dos segredos da empresa por meio das cláusulas de não-concorrência,
das nocivas práticas de concorrência desleal, materializadas muitas vezes pelos
empregados que saem de uma empresa e vão imediatamente prestar serviços à
outra, transferindo informações e dados confidenciais ao seu novo empregador,
violandoo só princípio da boa-fé, mas, e principalmente, podendo lhe causar grandes
prejuízos financeiros.
Por outro lado, importante destacar que a presente dissertação não tratará da
disciplina do direito concorrencial e antitruste, mas apenas se valerá de alguns conceitos
e institutos do Direito Empresarial para uma melhor compreensão do tema sob o
enfoque eminentemente trabalhista, relacionado à relação de emprego.
Além disso, a pesquisa apresenta plena aderência tanto à Linha de Pesquisa
escolhida Atividade Empresarial e Constituição: inclusão social e sustentabilidade
como à Área de Concentração do Mestrado – Direito Empresarial e Cidadania.
Isso porque, investigará a possibilidade de atuação conjunta de valores
constitucionais ligados diretamente à sustentabilidade da atividade empresarial (livre
iniciativa e livre concorrência) e à inclusão social (liberdade de trabalho e valor social
12
do trabalho), assim como enfrentará os problemas relacionados à possibilidade de
estipulação de cláusula de não-concorrência com efeitos pós-contratuais que venham
a restringir o exercício do direito ao trabalho, um direito fundamental que visa preci-
puamente à inclusão do indivíduo na sociedade.
Para tanto, o trabalho está estruturado em três partes.
A primeira – Da tutela do conhecimento e dos segredos da empresa no ambiente
do trabalho versa sobre a evolução da sociedade industrial até a sociedade pós-
industrial, passando pelas noções de sociedade de risco e da informação, havendo
também reflexão sobre a influência que as novas tecnologias vêm exercendo sobre
o Direito.
Ainda nesta primeira parte, além de se tratar especificamente dos bens jurídicos
tuteláveis (segredos de empresa e know-how, direitos de patente, modelos de utilidade
e direitos autorais), é feita uma reflexão crítica acerca da importância que o efetivo
resguardo desses bens exerce na competitividade e na produtividade das empresas.
na segunda etapa Limites da concorrência após a extinção do contrato
de trabalho o trabalho discorre sobre o conceito, a admissibilidade, os requisitos e
as condições de viabilidade e exeqüibilidade da cláusula de o-concorrência no
direito brasileiro, trazendo, inclusive, algumas experiências do direito comparado.
Tratará, também, da incidência do prinpio da boa-fé objetiva como balizador da
concorrência na relação individual do trabalho, mencionando os deveres judicos que
dele decorrem e que atuam também como justificadores da estipulação da cláusula
de não-concorrência projetada para viger após a extinção do contrato de trabalho.
Por fim, na terceira e última parte Dos direitos fundamentais e princípios
constitucionais incidentes na relação de proteção do conhecimento e dos segredos
da empresa o trabalho investiga alguns dos direitos fundamentais e princípios
constitucionais que mais diretamente se relacionam com o tema, cuidando de, ao final,
verificar, em concreto, a ocorncia de uma possível colio de valores constitucionais
em jogo, sugerindo, com base na técnica da ponderação de valores constitucionais,
uma solução que entende ser a mais adequada para o caso.
13
1 DA TUTELA DO CONHECIMENTO E DOS SEGREDOS DA EMPRESA NO
AMBIENTE DO TRABALHO
1.1 O CONHECIMENTO COMO BEM E PROBLEMA JURÍDICO
As novas tecnologias, os mercados integrados pela globalização, a acirrada
competição entre empresas, enfim, o que se convencionou chamar de "era da
informatização", implicou grandes transformações na organização da empresa e,
dentro dessa estrutura de integração com as novas formas de conhecimento, as
empresas buscaram e vêm buscando continuamente maiores índices de competitividade
e produtividade.
Vivemos num mundo praticamente dominado pelo conhecimento, que nos é
passado pelo acesso às informações decorrentes, em boa dose, dos grandes avanços
tecnológicos das últimas décadas, daí exsurgindo a imporncia que adquire o saber.
Assim, para uma melhor compreensão do tema, em plena era da informação e
da interatividade evidente, precisamos procurar entender seus componentes históricos
e sociais, para daí, então, podermos analisar seus limites e suas conseqüências.
Da Revolução Industrial à era da informatização, o mundo enfrentou nas
últimas décadas alguns eventos que merecem ser destacados.
Do período áureo do capitalismo organizado do pós-guerra, nos anos 60, passou
por um período de rupturas paradigmáticas com governos totalirios e ditaduras militares
que suprimiram as liberdades individuais e a livre manifestação do pensamento.
1
em meados da década de 1970, Toffler
2
afirmava que o conhecimento
produzido apenas no século
XX
era maior que o somatório daquele obtido em
todos os séculos de civilização anteriores.
Além disso, no final da década de 1970 e início dos anos 80, os choques do
petróleo afetando as grandes economias mundiais e o endividamento excessivo a
que se submeteram os países subdesenvolvidos no afã de tentar superar a crise
1
FARIA, José Eduardo. O direito na economia globalizada. São Paulo: Malheiros, 2002. p.63.
2
TOFFLER, Alvin. O choque do futuro. São Paulo: Record, 1974.
14
petrolífera, causaram uma desorganização dos fluxos de investimentos internacionais e
uma maior necessidade de se buscar novos padrões de produção que aceleraram o
processo de internacionalização dos mercados.
3
Nos anos 90 adveio uma nova divisão do trabalho e da economia mundial,
com a organização institucional do capitalismo que, impregnada dos ideários neoliberais
que defendiam a liberdade de mercado e o Estado Mínimo, fez com que a
sociedade, a fim de superar a crise vivida nos anos 70 e 80, investisse maciçamente
no desenvolvimento tecnológico e científico para descobrir novos materiais, conceber
novos processos e, desse modo, reduzir o impacto que o custo do petróleo causava
na composição do preço final dos bens e serviços.
4
As descobertas e as mudanças trazidas desde a Revolução Industrial fizeram
aumentar a quantidade de bens passíveis de invenção e aproprião, levando o homem
a repensar o direito de propriedade que passaria a tutelar objetos e coisas intangíveis,
porém, com plena possibilidade de aferição econômica.
Esses avanços tecnológicos, principalmente na sociedade capitalista contempo-
rânea, com o advento de modelos de produção como o taylorismo
5
, fordismo
6
e mais
recentemente o toyotismo
7
, revolucionaram o processo de divisão e especializão da
produção, com a fabricação de bens em escala industrial, padronizados e elaborados
em velocidade acelerada.
3
FARIA, op. cit., p.66.
4
Ibidem, p.67.
5
Modelo de administração idealizado por Frederick Winslow Taylor que pretendia definir princípios
científicos para a administração das empresas, tendo por objetivo resolver os problemas que resultam
das relações entre os operários, modificando as relações humanas dentro da empresa. O bom
operário não discute as ordens, nem as instruções, faz o que lhe mandam fazer. A gerência
planeja e o operário apenas executa as ordens e tarefas que lhe são determinadas. (RAGO, Luzia
Margareth; MOREIRA, Eduardo F. P. O que é Taylorismo? o Paulo: Brasiliense, 1996).
6
Modelo de produção em massa idealizado pelo empresário americano Henry Ford (1863-1947),
fundador da Ford Motor Company, que revolucionou a indústria automobilística na primeira metade do
século XX, utilizando à risca os princípios de padronização e simplificação de Frederick Taylor e
desenvolvendo outras técnicas avançadas para a época, implantando a produção verticalizada.
(MAIA, Adinoel Motta. A era Ford: filosofia, ciência, técnica. Salvador: Casa da Qualidade, 2002. p.26).
7
Modelo de produção capitalista que se desenvolveu a partir da globalização do capitalismo na
década de 1950 e surgiu na fábrica da Toyota, no Japão, após a Segunda Guerra Mundial.
O modelo pode ser caracterizado por quatro aspectos: mecanização flexível, processo de
multifuncionalização da mão-de-obra, implantação de sistemas de controle de qualidade total e
sistema just in time (minimização dos estoques). (LIKER, Jefrey K. O modelo Toyota:
14 princípios de gestão do maior fabricante do mundo. Porto Alegre: Bookman, 2005).
15
Isso propiciou a utilização de mão-de-obra especializada dos técnicos que
acabavam por conceber intelectualmente os objetos e processos a serem utilizados
nas grandes linhas de produção pela mão-de-obra operária (semiqualificada).
8
Pode-se afirmar que está em curso a revolução microeletrônica, que envolve
novas formas de automação e robótica e em que a racionalização do processo
produtivo se intensifica e se multiplica. Novas especializações do processo produtivo
são criadas, assim como as relações entre as forças produtivas e entre o trabalho
manual e intelectual sofrem significativas alterações.
9
Nesse contexto de desenvolvimento buscado pela sociedade capitalista
contemporânea, a simples negociação e alocação de bens no mercadoo se mostraram
suficientes para o desenvolvimento e a expansão das empresas na economia de
mercado, tornando necessária a intervenção do direito a fim de estabelecer normas
que visassem ao resguardo das informações e segredos da empresa.
Hoje, em plena era da informação, a incorporação da tecnologia às atividades
econômicas produz impacto na sociedade devido aos avanços tecnológicos das
últimas décadas que superaram praticamente quase tudo o que o homem havia
acumulado ao longo dos tempos em termos de conhecimentos, com conseqüências
diretas no cotidiano e no comportamento das pessoas.
10
Nesse quadro, pode-se verificar que a complexidade do sistema industrial
moderno, a velocidade dos avanços tecnológicos e a vontade de se disponibilizar às
diversas camadas sociais os benefícios das conquistas tecnológicas, impõem uma
perfeita compreensão dos mecanismos disciplinadores da propriedade intelectual e
industrial, que são o resultado da atividade privada.
11
O desenvolvimento de novas tecnologias, traduzidas em valores de comércio
e de mercado cada vez mais expressivos, passou a demandar novas formas de
proteção a esses produtos.
8
DEL NERO, Patrícia Aurélia. Propriedade intelectual: a tutela jurídica da biotecnologia. o Paulo:
Revista dos Tribunais, 2004. p.40 e 41.
9
IANNI, Octavio. A era do globalismo. 4.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999. p.128.
10
PIMENTEL, Luiz Otávio. Direito industrial: as funções do direito de patentes. Porto Alegre:
Síntese, 1999. p.26.
11
FURTADO, Lucas Rocha. Sistema de propriedade industrial no direito brasileiro. Brasília:
Brasília Jurídica, 1996. p.25.
16
Com isso, os avanços científicos e as descobertas tecnológicas das últimas
décadas têm tornado o conhecimento fator determinante da competitividade e da
produtividade das empresas.
Para Edgar Morin, o conhecimento pode ser visto sob três sentidos:
O primeiro significado da palavra conhecimento é informação; é obvio que
quem tiver informação tem vantagens. O segundo significado é conhecimento
que classifica informações. Porém, um conhecimento supersegmentado,
como o de especialistas, incapazes de contextualizá-lo, não é capaz de
atingir o dito de Pascal: necessário conhecer as partes para entender o
todo, mas é necessário conhecer o todo para entender as partes." Estamos
vivendo num peodo em que o conhecimento só se torna significativo quando
está situado no seu contexto. O terceiro significado tem a ver com intelincia,
consciência ou sabedoria. A inteligência é a arte de vincular conhecimento
de maneira útil e pertinente; consciência e sabedoria envolvem reflexão.
12
Para a empresa, o conhecimento se caracteriza como um bem imaterial e
se apresenta sob diversas formas, como base de dados e informações, métodos de
produção, sistemas de organização da empresa, segredos e inventos industriais,
dentre outras.
Da mesma forma, Peter Drucker afirma que "o recurso econômico básico o
é mais o capital, nem os recursos naturais, nem a mão-de-obra, mas sim o
conhecimento e suas aplicações ao trabalho".
13
Muito embora não se entenda bem como o conhecimento se comporta como
recurso econômico, tem-se por certo que não custa pouco, haja vista que os países
desenvolvidos gastam em torno de 20% de seu
PIB
na produção e disseminação
de conhecimento
14
.
Com as empresas – ainda que já se constate tal situação em algumas delas – o
investimento em pesquisas e na disseminão do conhecimento, mediante o laamento
de novos produtos e tecnologias, também ocorrerá nessa mesma proporção.
Dessa forma, o retorno obtido pela empresa na aplicação desse conhecimento,
constitui e constituirá fator determinante de sua competitividade e, por assim dizer, a
12
MORIM, Edgar. Toffler e Morin debatem sociedade s-industrial. Folha de S. Paulo, São Paulo,
12 dez. 1993, Caderno Especial B-4, p.12.
13
DRUCKER, Peter. Sociedade pós-capitalista. 6.ed. São Paulo: Pioneira, 1997. p.16 e 143.
14
Neste aspecto, importante ressaltar que tal percentual engloba tanto os investimentos em pesquisas,
como também em educação nos três níveis. (Ibidem, p.14).
17
produtividade será decisiva para o seu sucesso econômico e social e também para o
seu desenvolvimento na totalidade.
Seja como for, o que se denota nos dias atuais é que o saber ocupa lugar de
relevo, principalmente o saber criativo oriundo do intelecto humano, capaz de transformar
matérias existentes em novas, sistemas preexistentes em novos processos e
produtos antigos em outros aperfeiçoados.
Desse modo, a proteção das atividades criativas na área empresarial assumiu
papel de destaque no desenvolvimento dos processos econômicos, sobretudo com o
femeno da globalização, que veio a dar um novo impulso à concorncia industrial,
pois, com a abertura das economias nacionais e o aumento da quantidade de empresas
transnacionais, novos mercados consumidores se abrem para a atuação empresarial
e a competitividade entre empresas se acirra cada vez mais.
D porque o investimento em conhecimento por parte da empresa, em qualquer
das modalidades em que se apresenta, necessita de proteção jurídica justamente
em face da tentação dos concorrentes.
1.2 DA SOCIEDADE INDUSTRIAL À PÓS-INDUSTRIAL
Com o advento da Revolução Industrial no início do século
XVIII
, na Grã-
Bretanha, um conjunto de mudanças tecnológicas que causaram grandes impactos
no sistema produtivo vigente provocou o rompimento de um período da história.
15
A sociedade, até então majoritariamente rural, começou a migrar para as cidades
e a formar os grandes centros urbanos. Por sua vez, as transformões socioeconômicas
decorrentes do liberalismo econômico, da acumulão do capital e o advento de uma
rie de invenções, principalmente a do motor a vapor, fizeram com que o capitalismo
ascendesse como sistema econômico preponderante.
16
Novas relações sociais se instauraram com as criações das grandes unidades
fabris e com o nascimento da sociedade industrial, marcando a passagem de um
15
DE MASI, Domenico (Org.). A sociedade pós-industrial. 3.ed.o Paulo: Ed. SENAC, 2000. p.14.
16
Idem.
18
momento histórico de progresso e avanços tecnológicos que vinham sendo gestados
na Europa, desde a Baixa Idade Média.
As indústrias se expandiram, verificaram-se as transformações econômicas e
sociais delas derivadas como a superação do trabalho estritamente manual para
uma produção mais mecanizada e de maiores proporções – assim como surgiram os
primeiros problemas relacionados à industrialização (marginalização da classe
operária e deterioração das condições de trabalho).
17
No entanto, apesar de todos esses avanços, ainda não se falava expressamente
de "sociedade industrial". Somente por volta de 1830, com Thomas Carlyle
18
, é que
surgiu a expreso "sociedade industrial" no sentido mais próximo ao que conhecemos
atualmente.
Esse processo de transição paradigmática foi lento e teve como conseqüência
um aumento de renda, do poder de compra, do bem-estar material, o que acabou
por compensar o desconforto causado pela modernização.
Sobre essa questão, é pertinente a observação feita por Peter Drucker:
[...] A velocidade inédita com a qual a sociedade se transformou criou as
tensões e conflitos sociais da nova ordem. Sabemos hoje que era falsa a
crença, quase universal, de que os operários das fábricas no início do
século dezenove eram tratados pior do que teriam sido como trabalhadores
sem terras nas zonas rurais antes da industrialização. Não vidas de
que eles estavam mal e eram tratados com severidade. Mas eles afluíam
para as fábricas precisamente porque nelas estavam melhor do que no
fundo de uma sociedade rural estática, tirânica e que subjugava pela fome.
Nas fábricas a "qualidade de vida" era muito melhor.
19
Domenico De Masi
20
cita as seguintes características da sociedade industrial:
a) concentrão de massas de trabalhadores assalariados nas empresas financiadas e
organizadas pelos capitalistas; b) aplicação das descobertas científicas ao processo
produtivo na indústria; c) reforma dos espaços em função da prodão e do consumo
dos produtos industriais; d) aumento da produção em massa e do consumismo;
e) aparecimento nas fábricas, de partes distintas e contrapostas, os empregadores e os
17
DE MASI, op. cit., p.15.
18
CARLYLE, Thomas. On Heroes, Hero-Worship and the Heroic in History. Lincoln, Nebraska:
University of Nebraska Press, 1966. p.28.
19
DRUCKER, op. cit., p.114/15.
20
DE MASI, op. cit., p.25.
19
empregados; f) predomínio dos critérios de produtividade e de eficiência entendidos
como único procedimento para a otimização dos recursos e dos fatores de produção.
Com a derrocada do Estado Liberal até então vigente na Europa, surgiu o
Estado interventor ou Estado do Bem-Estar Social, caracterizado pela assunção de
responsabilidades sociais crescentes (p. ex: previncia, habitação, assisncia social)
e papel de empreendedor em atividades econômicas (p. ex.: energia, petróleo, aço) e
nas prestações de serviços essenciais (educação, saúde, saneamento), que poten-
cializou o surgimento da sociedade produtora de riscos e acabou por atingir o ser
humano e a vida em sociedade.
21
A transição da sociedade industrial para a pós-industrial pode ser caracterizada
por dois fenômenos que não podem deixar de ser ressaltados: o crescimento das
classes médias no âmbito da sociedade e da estrutura empresarial e a difusão do
consumo de massa e da sociedade de massa.
Com isso, houve a passagem da produção de bens para a economia de serviços;
os trabalhadores especializados ecnicos passaram a ser mais valorizados; o conheci-
mento, gerador da inovação e dos inventos passou a ter papel proeminente; e houve
uma maior necessidade de se controlar as novas tecnologias e suas conseqüências.
A produção dos bens deslocou-se para um segundo plano e aqueles que
administravam o conhecimento e que podiam planejar a inovação e a utilização das
novas tecnologias passaram a ter um papel de destaque.
Desse modo, se a revolução industrial do século
XVIII
marcou a passagem da
ferramenta à máquina-ferramenta, a automação designaria a passagem da máquina-
ferramenta ao sistema de máquinas auto-reguladas, o que representou a possibilidade
das instalações e máquinas automatizadas substituírem não apenas o trabalho
braçal, mas também as atividades intelectuais.
22
Dito de outro modo, a máquina se vigiaria e se regularia por si mesma, havendo
quem chegasse a falar do mito da 'fábrica sem homens'. Entretanto, a intervenção
humana está longe de desaparecer e nunca foi tão importante como agora.
21
DRUCKER, op. cit., p.32.
22
LOJKINE, Jean. A classe operária em mutações. Trad. de José Paulo Neto. Belo Horizonte:
Oficina de Livros, 1990. p.18.
20
O ser humano, a partir de agora, acaba exercendo muito mais atividades
abstratas e que exigem muito mais do seu intelecto, o lhe competindo, como
anteriormente, alimentar a máquina ou vigiá-la passivamente, mas sim lhe compete
controlá-la, prevenir defeitos e, sobretudo, otimizar seu funcionamento.
23
Isso significa dizer que a distância entre o engenheiro e o operio que manipula
as máquinas automatizadas tende a desaparecer ou, pelo menos, deverá diminuir.
Diante de todas essas mudanças ocorridas na sociedade e à supervalorização
do conhecimento, surge a necessidade de se saber em que medida os impactos
causados pelas decisões e os avanços tecnológicos da sociedade repercute na vida
das pessoas.
1.3 DA SOCIEDADE DE RISCO E A GLOBALIZAÇÃO
Inicialmente, importante rememorarmos a periodização da modernidade feita
por Ulrich Beck, que incorpora três estágios de desenvolvimento: a pré-moderni-
dade, a modernidade clássica e a modernidade reflexiva, que vem a ser a sociedade
pós-industrial.
24
A modernidade se caracteriza sempre pela ruptura com a "tradição" consagrada
na pré-modernidade. Para Beck, a sociedade industrial ou modernidade clássica
acabou por dissolver a estrutura feudal.
Hoje, vivemos a "modernidade reflexiva" ou a "sociedade de risco", na termi-
nologia que Beck e Giddens vêm utilizando e que começa a desagregar as estruturas
da sociedade industrial. Para esses dois teóricos, o conceito de risco passa a ocupar
papel de destaque para bem compreender a sociedade contemporânea e, assim, as
23
LOJKINE, op. cit., p.18.
24
BECK, Ulrich; GIDDENS, Anthony; LASH, Scott. Modernização reflexiva: política, tradição e
estética na ordem social moderna. São Paulo: Ed. Universidade Estadual Paulista, 1997. p.7.
21
conseqüências dos riscos ambientais e tecnológicos tornam-se essenciais para
entendermos os processos sociais em curso na sociedade contemporânea.
25
Tal como na modernidade clássica, em que os privigios de hierarquia, baseados
em herança ou em afiliações religiosas, típicas da pré-modernidade, passaram a ser,
pouco a pouco, desmistificados, nos dias atuais, o mesmo acontece, tanto em relação à
compreensão da ciência e da tecnologia como em relação aos modos de ser no
trabalho, no lazer, na família e na sociedade.
Em razão do seu dinamismo, a sociedade moderna está acabando com as
suas formações de classe, camadas sociais, ocupação, papéis dos sexos, família
nuclear, setores empresariais, bem assim com as formas contínuas do progresso
técnico-econômico.
Para Beck, este novo estágio "em que o progresso pode se transformar em
autodestruição, em que um tipo de modernização destrói outro e o modifica"
26
é que
se chama de "modernização reflexiva".
Por isso é que se sue que a "modernização reflexiva" signifique uma mudança
da sociedade industrial ocorrida sub-repticiamente e sem planejamento no início de
uma modernização normal, aunoma e com uma ordem potica e ecomica inalterada
e intacta – implica a radicalização da modernidade, que vai invadir as premissas e os
contornos da sociedade industrial e abrir caminh
os para
outra modernidade.
27
25
Para Daniel Sarmento, discute-se hoje a crise da Modernidade e há quem fale no advento de uma
era Pós-moderna. Afirma-se que a Modernidade falhou nos seus objetivos, pois não conseguiu
resolver ou minimizar os problemas da Humanidade, em dar respostas às questões que são
verdadeiramente importantes para as pessoas. O ideário da Modernidade teria se exaurido no
culo XX, com a constatação da impotência do seu discurso e das suas propostas grandiloqüentes
para enfrentar os problemas emergentes em uma sociedade complexa, globalizada, fragmentada
e descentrada. Na sociedade pós-industrial, característica da era s-moderna, o poder e a riqueza
passam a residir não mais na propriedade dos meios de produção, mas na posse de conhecimento e
de informações, que diante dos avanços tecnológicos, circulam com velocidade impressionante.
No entanto, o volume das informações disponível é tão grande que, como num paradoxo, acabam
todos condenados à superficialidade. A estica substitui a ética e a apancia torna-se mais importante
que o conteúdo. São tantos os caminhos possíveis, tão múltiplas as variáveis, tão complexos os
problemas, que não é factível programar uma direção, um sentido unívoco para o comportamento
individual e coletivo. O pensamento moderno, com sua obsessão pela generalização e racionalizão,
ter-se-ia tornado imprestável para compreender o caos das sociedades contemporâneas.
(SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2.ed. Rio de Janeiro: Livraria
Lúmen Juris, 2006. p.37-38).
26
BECK; GIDDENS; LASH, op. cit., p.12.
27
Ibidem, p.13.
22
Anthony Giddens lembra que a sociedade de risco não eslimitada somente
aos riscos à saúde e ao meio ambiente, mas representa uma série de mudanças dentro
da vida social contemporânea, que acaba por influenciar nos modelos de emprego,
aumentar a insegurança no trabalho, causar um enfraquecimento da tradição e dos
costumes, desgastar os modelos familiares tradicionais e a democratizar os relacio-
namentos pessoais.
28
Ainda para Beck, para que se conceba a modernização como um processo de
inovação autônoma, devemos contar com a obsolescência da sociedade industrial,
que faz emergir a sociedade de risco e designa uma fase de desenvolvimento na
sociedade moderna em que os riscos sociais, políticos, econômicos e individuais
tendem, cada vez mais, a escapar das instituições para o controle e a proteção da
sociedade pós-industrial.
29
Dentro dessa concepção de sociedade de risco, duas fases podem ser apresen-
tadas: a primeira, em que os efeitos e as auto-ameaças são sistematicamente
produzidos, mas que não se tornam questões públicas ou centros de conflitos e de
decisões políticas, isto é, ainda predomina o conceito da sociedade industrial; e a
segunda, quando os perigos
30
e os riscos da sociedade industrial começam a dominar
os debates e conflitos públicos e privados.
Para Beck, nessa segunda fase, as instituões da sociedade industrial tornam-se
as produtoras e legitimadoras das ameaças que não conseguem controlar, fazendo
com que alguns aspectos tornem-se social e politicamente problemáticos.
Isso porque, de um lado, a sociedade ainda toma decisões e realiza ações
segundo o padrão da velha sociedade industrial, mas, por outro, as organizações de
interesse, o sistema judicial e a política são obscurecidos por debates e conflitos que
se originam do dinamismo da sociedade de risco.
31
Com o surgimento da sociedade de risco, os conflitos em relação aos bens, como
renda, emprego e seguro social, e que constituíram o grande debate da sociedade
28
GIDDENS, Anthony. Sociologia. 4.ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001. p.68 e 69.
29
BECK; GIDDENS; LASH, op. cit., p.15.
30
Fala-se de perigo quando os possíveis danos não guardam relação com uma decisão, ao passo
que se trata de risco quando o dano pode ser reputado como conseqüência de uma decisão.
31
BECK; GIDDENS; LASH, op. cit., p.17.
23
industrial clássica, são substituídos pelos conflitos de distribuição dos malefícios
oriundos das pesquisas tecnológicas e da aplicação do conhecimento.
Dito de outro modo: enquanto na sociedade industrial estava-se sujeito à
exigência de se fazer com que as situações do dia-a-dia fossem controláveis por
processos de racionalidade instrumental, manufaturável, disponível e contabilizável,
na sociedade de risco a imprevisibilidade dos acontecimentos e dos seus resultados,
xime em decorncia dos avanços tecnológicos, torna-se uma constante, aceitando,
a sociedade, o alto preço que isso pode lhe custar.
Não por outra razão é que Maria Alice Hofmeister afirma que "a nossa
sociedade é uma sociedade de risco, em razão da velocidade do desenvolvimento
tecnológico em esferas que são cientificamente de competência da sica, da química
e da biologia".
32
Em razão disso é que se faz possível afirmar que o conceito de sociedade de
risco está diretamente relacionado com o de globalização: os riscos afetam nações e
classes sociais sem respeitar limites territoriais, daí surgindo a necessidade de uma
sociedade mais ativa e reflexiva.
Os países vêm enfrentando um processo de reestruturação que corresponde
às novas formas de organização econômica e social, desprovidas de base territorial,
o que pode ser constatado pela existência das grandes corporações multinacionais,
pelos movimentos sociais com atuação mundial e pelas organizações internacionais.
Tanto assim que para Octávio Ianni "a globalização do mundo expressa um novo
ciclo de expansão do capitalismo, como modo de produção e processo civilizatório
de alcance mundial".
33
Ou seja, é um processo de grandes proporções que alcança
diferentes nações, regimes políticos, economias e sociedades.
Assim, na mesma medida em que se movimentam e se dispersam as empresas,
as corporões e os grandes conglomerados, promovendo uma espécie de "desterrito-
rialização" das forças produtivas, verifica-se uma simultânea "reterritorialização"
em outros espaços, com uma polarização de atividades produtivas, industriais,
manufatureiras, gerenciais, decisórias.
34
32
HOFMEISTER, Maria Alice Costa. O dano pessoal na sociedade de risco. Rio de Janeiro: Renovar,
2002. p.40 e 41.
33
IANNI, op. cit., p.11.
34
Ibidem, p.14.
24
A globalização, muito destacada pelo seu viés econômico - que modifica os
processos de produção e de divisão do trabalho - também deve ser compreendida
pela convergência de fatores políticos, sociais, culturais e tecnológicos, que superam
barreiras científicas e tornam possíveis formas inéditas de dominação política ou
produção econômica.
35
Nessa linha de raciocínio, Giddens assevera que a globalização "não é de
forma alguma totalmente econômica em sua natureza, causas ou conseqüências",
36
sendo absolutamente errôneo limitar o seu conceito ao mercado global, pois também
é social, política e cultural.
Para esse autor, a globalizão "é um conjunto desigual de processos, avaando
de forma fragmentária e oposicionista" tanto assim que os desenvolvimentos em
ciência e tecnologia "afetam a vida de pessoas em países pobres e ricos, e de uma
forma mais imediata do que antes".
37
A respeito do impacto que o conhecimento e as inovações tecnológicas vêm
causando na sociedade contemporânea em razão do fenômeno da globalização,
James Rosenau afirma que a tecnologia "eliminou distâncias geográficas e sociais
com o auxílio de aviões supersônicos, computadores, satélites e todas as outras
invenções que permitem hoje, mais do que nunca, que pessoas, idéias e produtos
atravessem tempo e espaço de forma mais segura e mais rápida".
38
É dizer: a tecnologia reforçou a interdependência entre as comunidades locais,
nacionais e internacionais, de uma forma jamais experimentada em qualquer outro
período da história.
É possível afirmar que a globalização foi bastante influenciada pela revolução
da tecnologia da informação, ao passo que a economia do conhecimento também
está sendo globalizada.
Anthony Giddens afirma que "a rápida difuo da informação desintegra a tradição
e os costumes, obrigando-nos a uma abordagem mais ativa e aberta à vida", o que
contribui para a criação de novos riscos.
39
35
RICUPERO, Rubens. A crise dos 500 anos. São Paulo: CIEE, 1999. p.17.
36
GIDDENS, op. cit., p.73.
37
Ibidem, p.30.
38
ROSENAU, James. Turbulence in World Politics. Brighton: Harvester Wheatsheaf, 1990. p.17.
39
GIDDENS, op. cit., p.72.
25
Com isso, a sociedade industrial caracterizada pela produção e distribuição
de bens foi substituída pela sociedade de risco, na qual a distribuição dos riscos
não corresponde mais às diferenças sociais, econômicas e geográficas típicas da
sociedade industrial, mas, ao contrário, desperta nas pessoas um comportamento mais
participativo de forma individual ou coletiva –, passando-se a falar em comunicação
ou coletivização do risco.
40
Beck coloca os riscos ecológicos, químicos, nucleares e genéticos como "produ-
zidos industrialmente, externalizados economicamente, individualizados juridicamente,
legitimados cientificamente e minimizados politicamente".
41
Mais recentemente, houve a incorporação dos riscos econômicos, como as
quedas nos mercados financeiros internacionais, o que geraria "uma nova forma de
capitalismo, uma nova forma de economia, uma nova forma de ordem global, uma
nova forma de sociedade e uma nova forma de vida pessoal".
42
Desse modo, a idéia de sociedade de risco está intimamente ligada com a de
globalização, pois a sua dinâmica social traz embutido um conjunto significativo de
contradições econômicas e sociais que podem ser traduzidas em futuros riscos, tais
como: crescimento da riqueza econômica ao mesmo tempo em que o aumento
da pobreza em massa; crescimento dos nacionalismos e dos fundamentalismos
religiosos capazes de levar aos conflitos mundiais; catástrofes ecológicas e tecnológicas,
como resultantes de um sistema econômico que visa ao lucro imediato e desconsidera
os riscos ambientais; e, por fim, a exacerbada valorização do conhecimento e dos
processos produtivos, que tem resultado no aumento significativo do desemprego
estrutural em todo o mundo.
43
40
DE GIORGI, Raffaele. Direito, democracia e risco: vínculos com o futuro. Porto Alegre: Sérgio
Antônio Fabris, 1998. p.231.
41
GUIVANT, Julia. A teoria da sociedade de risco de Ulrich Beck: entre o diagnóstico e a profecia.
Estudos Sociedade e Agricultura, n.16, p.102, 2001.
42
BECK, Ulrich. World risk society. Cambridge: Polity Press, 1999. p.2.
43
LEOPOLDO DE CAMPOS, Ginez Rodrigo. Globalização e trabalho na sociedade de risco:
ameaças contemporâneas, resistências local-globais e ação política de enfrentamento. Teoria e
Evidência Econômica, Passo Fundo, v.14, n.26, p.142, maio 2006.
26
1.4 AS NOVAS TECNOLOGIAS ANTE O DIREITO
Falar de tecnologia não pode ser considerado um exercício de futurologia.
No entanto, pode-se afirmar que as inquietações sobre o que nos espera
ocupam lugar de destaque no cenário tecnológico em geral e, por conseqüência, na
literatura jurídica.
A tecnologia surge como o conjunto de conhecimentos que o homem utiliza
para atingir suas metas de natureza econômica, ou seja, aparecem como forma de
lhe propiciar uma rápida satisfação de suas necessidades.
44
Por conseqüência, não é
errado afirmar que as inovações tecnológicas possuem o condão de, quase sempre,
determinarem a elevação dos índices de produção industrial, além de um aumento
da produtividade e da competitividade na atividade empresarial.
Na era s-industrial, o desenvolvimento tecnológico se apresenta como um
fenômeno bastante dimico e, de certo modo, imprevisível, o que chama os operadores
do direito a enfrentar e tentar solucionar seus problemas.
Não por outra razão é que Danilo Doneda
45
afirma que o verdadeiro problema
[...] não é saber sobre o que o direito deve atuar, mas sim de como interpretar
a tecnologia e suas possibilidades em relação aos valores presentes no
ordenamento judico, mesmo que isto represente uma mudaa nos paradigmas
do instrumental jurídico utilizado.
46
Nessa mesma linha de idéias, Stefano Rodotá, ao discorrer sobre as relações
existentes entre o direito e a tecnologia, admite que "o direito privado foi salvo pela
tecnologia".
47
44
BOTELHO, Marcos César. Da propriedade industrial e intelectual. Jus Navigandi, Teresina, ano 6,
n.58, ago. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3151>. Acesso em:
24 jan. 2008.
45
DONEDA, Danilo. Da privacidade à proteção de dados pessoais. Rio de Janeiro: Renovar,
2006. p.54.
46
Ainda nessa linha de idéias, Danilo Doneda afirma que "a tecnologia, potente e onipresente, propõe
questões e exige respostas do jurista. Os reflexos desta dinâmica são imediatos no direito, pois
ele deve mostrar-se capaz de responder à novidade proposta pela tecnologia com a reafirmação
de seu valor fundamental a pessoa humana ao mesmo tempo em que fornece a segurança
necessária para que haja previsibilidade e segurança devidas para a viabilidade das estruturas
econômicas dentro da tábua axiológica constitucional." (Ibidem, p.55).
47
RODOTÀ, Stefano. Lo Spechio do Sthendal. Riflessioni sulle reiflessioni dei privatisti. Revista Critca
Del Dirrito Privato, p.5, 1997.
27
Isso porque, justamente quando os velhos esquemas do direito pareciam
ameaçados ou influenciados pela foa da inovação científica e tecnológica, ressurgiu
uma intensa reflexão sob a pessoa e seus direitos, que se projetaram sobre novos
campos, com a criação de novas categorias.
Para Rodo, "é exatamente no duro jogo entre regulação e espontaneidade que
renasce a antiga virtude do direito privado, aquela de oferecer, no interior de um campo
jurídico bem definido, amplos espaços para escolhas e para a autonomia individual."
48
Inegavelmente, vivemos numa sociedade complexa e em constante mudança,
para a qual os modelos jurídicos tradicionais vêm se mostrando insuficientes, o que
impõe ao direito e aos seus operadores a necessidade de construir novas e adequadas
fórmulas que assegurem a realização da justiça e a segurança da vida em sociedade.
Os problemas que envolvem as novas tecnologias se apresentam ao direito
de modo nada unívoco e dão mostras de que o papel dos operadores do direito não
será nada fácil na busca por soluções.
Exemplificativamente, podemos citar que desde a utilização de técnicas de
manipulação genética para os mais variados fins às implicações do processamento de
informações e dados eletrônicos, espaços aentão confinados, tornaram-se públicos,
o que exigiu do direito uma nova postura diante dos problemas relacionados à privaci-
dade e à imagem das pessoas.
De igual modo, no ambiente empresarial, em decorrência do desenvolvimento
tecnológico e científico dos últimos anos, as pesquisas e os investimentos em
conhecimento se avolumaram e, nessa mesma proporção, o número de inventos e
descobertas, o que demanda do Direito não a sua tutela, como também dele se
exige uma nova forma de regulamentação, de modo a efetivamente proteger os
investimentos despendidos em pesquisa e evitar práticas de concorrência desleal.
No âmbito das relações trabalhistas, mais que a velha questão capital/trabalho,
nos dias correntes, empregados e empregadores discutem temas até então o
levados à mesa de negociação, como os reflexos da automação, da globalização e
da informatização.
48
RODOTÀ, op. cit., p.5.
28
Hoje, os trabalhadores, pelo acesso que têm ao conjunto de bens imateriais
da empresa, passam a ser objeto de desejo e alvo constante dos concorrentes do seu
empregador, que buscam na sua contratação, além de um trabalho já especializado,
obter informações e dados confidenciais adquiridos em razão do emprego mantido.
Os modelos jurídicos tradicionais se mostraram insuficientes, o que vem exigindo
do jurista uma aplicação do direito em conformidade com os valores axiológicos
previstos na Constituição, assim como impõe aos legisladores, uma mudança da cnica
legislativa, de molde a dotar a legislação infraconstitucional das cláusulas gerais e
conceitos jurídicos indeterminados, ou seja, fórmulas cuja exata definição do sentido
exige a consideração das circunstâncias concretas e da interpretação valorativa do
julgador para serem implementadas.
Conforme ensina Pietro Perlingieri,
49
ao lado da cnica de legislar com normas
regulamentares, ou seja, mediante previsões específicas e circunstanciadas, coloca-se
a técnica das cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados, por meio da qual
se editam leis que possam assumir características de concreção e individualidade,
que até então eram peculiares aos negócios privados, significando deixar ao juiz
uma maior possibilidade de adaptar a norma às situações de fato.
Essa nova sistemática possibilita a tutela de questões advindas das novas
tecnologias que, na maioria das vezes, são difíceis de serem convertidas em leis ou
integralmente disciplinadas, seja pelas suas constantes e rápidas mudanças, seja
em razão da morosidade do processo legislativo, sempre mais lento e atrasado que
os fatos sociais.
50
49
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direto civil constitucional. Trad. Maria
Cristina de Cicco. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p.27.
50
"As cláusulas gerais, mais do que um "caso" da teoria do direito pois revolucionam a tradicional
teoria das fontes constituem as janelas, pontes e avenidas dos modernos códigos civis. Isto
porque conformam o meio legislativamente hábil para permitir o ingresso, no ordenamento jurídico
codificado, de princípios valorativos, ainda inexpressos legislativamente, de standards, máximas
de conduta, arquétipos exemplares de comportamento, de deveres de conduta não previstos
legislativamente (e, por vezes, nos casos concretos, também não advindos da autonomia privada),
de direitos e deveres configurados segundo os usos do tráfego jurídico, de diretivas econômicas,
sociais e políticas, de normas, enfim, constantes de universos meta-jurídicos, viabilizando a sua
sistematização e permanente ressistematização no ordenamento positivo". (COSTA, Judith
Hofmeister Martins. O direito privado como um "sistema em construção": as cláusulas gerais no
projeto do código civil brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n.41, maio 2000. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=513>. Acesso em: 15 fev. 2008).
29
Para Gustavo Tepedino, as cláusulas gerais o normas queo prescrevem
uma certa conduta, mas, simplesmente, definem valores e parâmetros hermeuticos e
servem "como ponto de referência interpretativo e oferecem ao intérprete os critérios
axiológicos e os limites para a aplicação de demais disposições normativas".
51
Judith Martins Costa, ao discorrer sobre os conceitos jurídicos indeterminados,
assevera que "estes novos tipos de normas buscam a formulação da hipótese legal
mediante o emprego de conceitos cujos termos têm significados intencionalmente
vagos e abertos" o que permite "a incorporação de princípios, diretrizes e máximas
de conduta originalmente estrangeira ao corpus codificado, do que resulta, mediante
a atividade de concreção destes princípios, diretrizes e máximas de conduta, a
constante formulação de novas normas".
52
Em razão disso é que Danilo Doneda afirma caber aos operadores do direito
"a tarefa de atualizar seus paradigmas interpretativos de acordo com uma reflexão
sobre a relação entre o desenvolvimento tecnológico e a pessoa humana, buscando
a harmonização dos poderes privados como elemento fundador desta estrutura".
53
Também nesse sentido Francisco Amaral afirma que "vivemos numa sociedade
complexa, pluralista e fragmentada, para a qual os tradicionais modelos jurídicos
se mostraram insuficientes, impondo-se à ciência do direito a construção de novas e
adequadas 'estruturas jurídicas de resposta'", que permitam a realização da justiça e
da segurança jurídica em uma sociedade em rápido processo de mudança.
54
Com efeito, a verdadeira dificuldade não é saber sobre o que o direito deve
atuar, mas sim como interpretar a tecnologia e as suas inovações em relação aos
valores existentes no ordenamento jurídico, ainda que isso possa representar uma
mudança de paradigmas dentro do sistema jurídico.
51
TEPEDINO, Gustavo. Crise de fontes normativas e técnica legislativa na parte geral do código civil
de 2002. In: _____. A parte geral do novo código civil: estudos na perspectiva civil constitucional.
Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p.19.
52
MARTINS-COSTA, Judith. Boa-fé no direito privado. 2.
a
tiragem. São Paulo. Revista dos
Tribunais, 2000. p.325.
53
DONEDA, op. cit., p.61.
54
AMARAL, Francisco. O direito civil na pós-modernidade. Revista de Direito Comparado, n.21,
p.5, 2002.
30
E quando se fala em risco, tal dificuldade se apresenta como um desafio
ainda maior, na medida em que a sociedade contemporânea, embora ciente de que
algumas de suas decisões implicam um risco, muitas vezes prefere assumir os ônus
dessas decisões, ainda que tal possa custar, individual e coletivamente, um preço
alto para a natureza e para a vida em sociedade.
1.5 DOS BENS JURÍDICOS TUTELÁVEIS
Vivemos atualmente num mundo praticamente dominado pelo conhecimento.
A facilidade do acesso às informões decorrentes dos grandes avanços tecnoló-
gicos das últimas décadas e a existência de um mercado cada vez mais globalizado
e dependente fazem com que as empresas reservem uma fatia considerável de seus
orçamentos em pesquisas e na produção do conhecimento por meio do lançamento
de novos produtos, processos e tecnologias que as diferenciem dos concorrentes.
Inegavelmente, o conhecimento e o saber, cada vez mais, vêm se firmando
como um importante diferencial de competitividade e produtividade nas empresas.
As empresas possuem importantes conhecimentos e informações de natureza
comercial e industrial e se esforçam para mantê-los fora do alcance de terceiros, a
fim de se diferenciar de seus concorrentes e melhorar ou consolidar sua posição
no mercado.
Sempre que se reconhece aos seus titulares o direito de exclusividade,
essas informações e conhecimentos gozam de proteções legais. Essa proteção
pode ser direta, expressamente prevista em dispositivos legais, ou ainda decorrer de
cláusulas contratuais.
Quando desconhecido de terceiros, esse conhecimento reservado assume o
nome de segredo, que no campo empresarial é encontrado em áreas e sob denomi-
nações distintas, dentre as quais segredo industrial, segredo de empresa e segredo
de negócio.
Essas modalidades de conhecimento estão diretamente relacionadas com as
dificuldades que as empresas enfrentam no relacionamento que mantêm com seus
colaboradores e empregados durante e, principalmente, após a o término da relação
31
contratual, quando é necesrio manter e preservar a exclusividade desse conhecimento
de seus concorrentes.
Outra forma de tutela do conhecimento que tem trazido bastante discussão no
âmbito do Direito do Trabalho, diz respeito à tutela dos direitos de patente, dos modelos
de utilidade e dos direitos autorais na relação que as empresas mantêm com
seus empregados.
Isso porque, mesmo decorrendo o direito autoral da atividade inventiva de
pessoas físicas, podem as empresas deter a titularidade de obras e inventos.
1.5.1 Dos Segredos de Empresa e do Know-how
As empresas detêm importantes conhecimentos e informações de natureza
comercial e industrial que as ajudam a se diferenciar umas das outras, seja para
entrar no mercado, seja para disputá-lo ou ainda consolidar sua posição.
Essas informações podem ser compreendidas como: a) os segredos pertencentes
ao setor cnico industrial, como procedimento de fabricão ou práticas manuais, ou
seja, os segredos industriais; b) os segredos relativos ao setor comercial da empresa,
constantes da carteira de clientes, provedores, fornecedores, mais conhecidos como
segredos de necio; e c) segredos correspondentes a outros aspectos de organizão
interna da empresa, como relação entre empresa e empregados, situação financeira,
projetos e políticas adotadas sobre celebração de contratos.
55
A primeira questão que se coloca ao se fazer a análise dos segredos relativos
à atividade empresarial vem a ser a sua denominação. A principal dúvida consiste
em saber se é possível falar numa categoria genérica de segredos de empresa.
A esse respeito, Gomes Segade
56
assevera ser possível falar numa categoria
única e genérica de segredos de empresa, porque todos os segredos relacionados à
55
DOMINGUES, Douglas Gabriel. Segredo industrial, segredo de empresa: trade secret e know-how
e os problemas de segurança nas empresas contemporâneas. Revista Forense, v.85, n.308,
p.31, out./dez. 1989.
56
GOMES SEGADE, Antonio. El Secreto Industrial (Know-how). Madrid: Editora Tecnos, 1974. p.45.
32
empresa possuem características em comum, quais sejam, de se manter desconhecidos
de terceiros e dar ao seu possuidor uma diferenciada condição no mercado.
É dizer: independentemente da área da empresa a que se refiram, todas
essas formas de segredo compreendem o segredo de empresa, que consiste "numa
informação comercial ou industrial valiosa que se pretende manter oculta dos
concorrentes ou do conhecimento público diante da sua importância no âmbito
da competitividade".
57
Para Regiane T. de Mello João, o segredo de empresa tem sentido amplo
estendendo-se a tudo que se relacione ao modo de produção, organização,
dados, informações ou características internas da empresa que a diferencie das
demais, tornando seu negócio viável e lucrativo e que, levado ao conhecimento
de terceiros, poderia trazer prejuízo ao empregador.
58
O principal exemplo de um segredo de empresa é a rmula do refrigerante
Coca-Cola, tão cobiçado pelas concorrentes da The Coca-Cola Company, mas que
jamais chegou ao conhecimento de outras empresas concorrentes.
Por sua vez, o know-how
59
pode ser conceituado como "os conhecimentos
e experiências de natureza técnica, comercial, administrativa, financeira ou outros,
aplicáveis na prática para a exploração de uma empresa ou exercício de uma
profissão"
60
e se apresenta como uma situação de fato relacionada à posição de
uma empresa que tem conhecimentos técnicos e de outra natureza que lhe confere
57
PALITOT, Romulo. Revelação de segredos de empresa por quem tem obrigação legal ou contratual de
guardar reservas: aplicação na Espanha. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n.79, 20 set. 2003.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4312>. Acesso em: 24 jan. 2008.
58
JOÃO, Regiane Teresinha de Mello. Cláusula de não concorrência no contrato de trabalho.
São Paulo: Saraiva, 2003. p.31.
59
Expressão estrangeira, o know how ingressou no Direito Brasileiro por força da Lei n.
o
8.955, de
15 de dezembro de 1994, que dispõe: Art. 3.
o
.XIV - situação do franqueado, após a expiração do
contrato de franquia, em relação a: a) know how ou segredo de indústria a que venha ter acesso
em função da franquia [...].
60
LABRUNIE, Jacques. A proteção do segredo de necio. In: SIMÃO FILHO, Adalberto; DE LUCCA,
Newton (Coord.). Direito empresarial contemporâneo. 2.ed. São Paulo: Juarez de Oliveira,
2004. p.92.
33
vantagem na concorrência, seja para entrar no mercado, seja para disputá-lo em
condições favoráveis.
61
Freqüentemente utilizado como sinônimo de segredo de empresa, Jaques
Labrunie
62
diz que o know-how é gênero do qual segredo é espécie e que nem todo
know-how é secreto, mas todo segredo de empresa constitui um know-how, podendo
outros concorrentes da empresa ter o mesmo segredo e dele fazerem uso, mas o
necessariamente acesso ao know-how.
Além disso, os segredos de empresa podem ser tutelados tanto pela via
contratual como pela via extracontratual.
Para a empresa desenvolver suas atividades, quer do ponto de vista técnico,
quer empresarial ou administrativo, precisa revelar e compartilhar com seus empregados,
senão todos, pelo menos boa parte dos seus segredos e do know-how.
Assim, dependendo da função ou cargo exercidos pelo empregado, o grau de
revelação – disclosure – do segredo ou dos segredos será maior ou menor.
Ilustrativamente, a um mensageiro ou motorista a empresa revelará uma quanti-
dade de dados confidenciais bem menores do que a disponibilizada a um gerente de
produção ou qualidade, por exemplo.
Por sua vez, todo contrato de trabalho presume uma relação de confiança,
cabendo ao empregador, dentre outras obrigações, a do pagamento ao empregado
do salário e contribuições ajustados, bem assim fornecer condições básicas de
trabalho, respeitando as normas de medicina, segurança e saúde previstas na legis-
lação trabalhista.
Já em relação ao empregado, além do dever de comparecimento diário e pontual
para a prestação dos serviços e o cumprimento das determinações do empregador,
cabe-lhe a observância aos deveres de lealdade e não-concorrência ao empregador.
61
Nem sempre a manutenção de uma tecnologia em segredo importa em uso anti-social da propriedade;
podem ocorrer razões justificáveis para o segredo. Freentemente, o detentor de tais conhecimentos
não solicita a exclusividade jurídica de sua utilização porque os conhecimentos de que dispõe não
são mais totalmente secretos, ou absolutamente originais; as informações, embora ainda sendo
escassas, está à disposição de outras empresas. Outras vezes, pelo fato de ser legalmente
impossível conseguir a patente; outras ainda, por não haver competidores tecnológicos ou
econômicos, que o possam ameaçar em sua exclusividade de fato. (Vide WISE, Aaron. Trade
Secret & Know how Throughout the World. New York: Clark Boardman Co. Ltd. v.2. p.31).
62
LABRUNIE, op. cit., p.92.
34
A par disso, podem as partes, empregado e empregador, estipular no próprio
contrato de trabalho ou em outro instrumento contratual um reforço a este dever de
lealdade e não-concorrência, assim como deixar claro que o empregado está tendo
acesso aos segredos empresariais e, por conta disso, manter a salvo de terceiros
tais informações, inclusive podendo as partes pactuar formas e condições em que
isso se dará.
Da mesma forma, extracontratualmente, eso empregado obrigado a observar
o disposto na legislação, tal como o artigo 482, da
CLT
,
63
que inclui no rol das
hipóteses que constituem justa causa à rescisão do contrato de trabalho por culpa
do empregado "a negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do
empregador e quando constituir ato de concorrência à empresa para qual trabalha o
empregado,ou for prejudicial ao serviço" (alínea "c")
64
e a hipótese de "violação de
segredo da empresa" (alínea "g").
65
Além disso, o artigo 195, XI, da Lei n.
o
9.279/96, tipifica como crime de
concorrência desleal o ato do empregado que "divulga, explora ou utiliza-se, sem
63
Art. 482. Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:
[...] omissis
c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando
construir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao
serviço;
g) violação de segredo da empresa;
64
SÃO PAULO, Tribunal Regional do Trabalho da 2.
a
Região, 11.
a
Turma, processo n.
o
01230200608402002,
Relatora Desembragadora Dora Vaz Treviño. Publicado no DOESP do dia 03.06.2008, ementa:
"JUSTA CAUSA CONCORRÊNCIA DESLEAL CLT, ARTIGO 482, "C" "Independentemente
das demais provas existentes nos autos, a confissão do autor manifestada em Juízo, é suficiente
para o recolhimento da justa causa aplicada, posto que, no exercício da função de desenvolvimento e
implantação de sistemas, detinha, de forma privilegiada, informações que, por força de termo de
responsabilidade e confidencialidade firmado, não podia utilizar-se. Muito menos com o objetivo de
constituir empresa com igual ramo de atividade da ré. Não importa a prova de efetivoprejuízo, bastando
ficar demonstrado dano potencial, decorrente da possibilidade de desviar clientes da empregadora
para a empresa da qual é titular. Recurso ordinário do obreiro a que se nega provimento."
65
O PAULO, Tribunal Regional do Trabalho da 15.
a
Região, 1.
a
Turma, processo n.
o
29388/98, Relator
Juiz Eduardo Benedito de Oliveira Zanella. Publicado no DOESP do dia 18.01.2000, ementa:
"JUSTA CAUSA - VIOLAÇÃO DE SEGREDO DA EMPRESA - CONCORRÊNCIA DESLEAL -
Caracteriza justa causa por violação de segredo da empresa e concorrência desleal à prática de atos
consistentes em apropriação e comercialização irregular de programas de informática desenvolvidos
pela empresa."
35
autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, [...] a que teve
acesso mediante acesso contratual ou relação empregatícia, mesmo após o término
do contrato".
66
No entanto, apesar da tutela contratual e extracontratual desses segredos nas
esferas penal e trabalhista, o que se tem observado é que as empresas têm tido
dificuldade de resguardá-los, principalmente quando o empregado, após a rescisão
contratual, passa a prestar serviços na mesma área, para um concorrente do seu ex-
empregador ou se vale do acesso a essas informações para negociar uma melhor
condição em outras empresas.
1.5.2 Dos Direitos de Patente, de Modelos de Utilidade e de Autor
A tutela dos direitos de patente, dos modelos de utilidade e dos direitos
autorais na relação de emprego é outro assunto que tem exigido bastante reflexão
por parte dos operadores do direito.
Embora decorram precipuamente da atividade inventiva de pessoas sicas, as
empresas podem deter a titularidade de inventos, modelos de utilidade e obras, como
no caso da contratação de empregados com essa finalidade (v.g. um profissional de
TI
contratado para desenvolver um software), nas hipóteses de obras coletivas ou
encomendadas, ou ainda, mediante o direito de exploração econômica desses bens
imateriais, por meio das formas autorizadas em lei.
O direito de patente consiste na concessão de um privilégio temporário a um
titular, de excluir os outros da invenção nova e útil, suscetível de trazer benefícios
à sociedade.
67
66
Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem:
[...] omissis
XI - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados
confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que
sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve
acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato;
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.
67
COELHO, bio Ulhoa. Curso de direito comercial. 9.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p.136.
36
o modelo de utilidade é todo o objeto de uso prático, suscetível de aplicão
industrial, que apresente nova forma ou disposição resultante de ato inventivo, que
resulte em melhoria funcional no seu uso ou em sua fabricação.
68
Os direitos de patente e de modelo de utilidade estão regrados na Lei
n.
o
9.279/96, que, em seu capítulo
XIV
, regula os direitos que decorrem da prestação
de serviços.
O artigo 88 da Lei n.
o
9.279/96 estabelece como regra geral que:
a invenção e o modelo de utilidade pertencem exclusivamente ao empregador
quando decorrerem de contrato de trabalho cuja execução ocorrer no Brasil
e que tenha por objeto a pesquisa ou atividade inventiva, ou resulte esta da
natureza dos serviços para os quais foi o empregado contratado.
Esse dispositivo legal, em seu parágrafo 2.
o
, criou, inclusive, uma presunção de
que a invenção ou modelo de utilidade cuja patente for requerida até um ano após a
extinção do vínculo empregatício pertence ao empregador.
69
De igual modo, o direito autoral privilégio temporário conferido a um autor
ou artista com o objetivo de evitar que outras pessoas comercializem pias de sua
expressão criativa
70
apesar de ser próprio por natureza de pessoas físicas, pode
ocorrer no âmbito de pessoas jurídicas.
As empresas podem deter a titularidade de obras, o que se dá, na maioria das
vezes, por meio da obra coletiva – que é criada por ordem e direção de uma pessoa
física ou jurídica e na qual a participação dos colaboradores não pode ser individua-
lizada – ou pela obra encomendada – que é criada por solicitação de uma pessoa física
ou jurídica, que fornece e orienta o tema e cujo pagamento prevê a transferência dos
direitos patrimoniais para quem a encomendou.
68
COELHO, op. cit., p.137.
69
Art. 88. A invenção e o modelo de utilidade pertencem exclusivamente ao empregador quando
decorrerem de contrato de trabalho cuja execução ocorra no Brasil e que tenha por objeto a
pesquisa ou a atividade inventiva, ou resulte esta da natureza dos serviços para os quais foi o
empregado contratado.
§ 1.
o
Salvo expressa disposição contratual em contrário, a retribuição pelo trabalho a que se refere
este artigo limita-se ao salário ajustado.
§ 2.
o
Salvo prova em contrário, consideram-se desenvolvidos na vigência do contrato a invenção
ou o modelo de utilidade, cuja patente seja requerida pelo empregado até 1 (um) ano após a
extinção do vínculo empregatício.
70
BITTAR, Carlos Alberto. Contornos do direito de autor. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais,
1992. p.31.
37
A esse respeito, o magistério de Carlos Alberto Bittar:
De fato, há muito prospera a teoria realista na concepção da pessoa jurídica
que a entende, pois, como ator no cenário jurídico, e suscetível, em conse-
qüência, de ser titular de direitos e obrigações na vida privada.
Ora, desses direitos são reconhecidos à pessoa jurídica – como, ademais, à
pessoa natural, os de natureza incorpórea, como direitos ao nome, à honra,
à imagem, daí por que nenhum óbice se lhe pode antepor à sua titularidade
no plano autoral, desde que concorram os pressupostos de direito. Óbvio que o
fenômeno físico da criação se plasmará sob a ação de executores (pessoas
físicas), como, de resto, qualquer outra ação no mundo material [...]
71
Na legislação brasileira, os direitos autorais estão regulamentados por dois
diplomas legais. A Lei n.
o
9.609/98 trata especificamente dos programas de computador
e a Lei n.
o
9.610/98 estabelece regras gerais sobre os direitos de autor.
A Lei n.
o
9.609/98, dentre outros aspectos, disciplina a criação do direito autoral
sobre o programa de computador criado pelo empregado durante a vigência do contrato
de trabalho.
No caput do artigo 4.
o
, quando a criação do programa de computador resultar
de acerto contratual ou decorrência das atividades inerentes à própria natureza dos
encargos do empregado, o programa pertencerá ao empregador.
72
Será, contudo, de propriedade do empregado, a teor do § 2.
o
, do mesmo
artigo 4.
o
, se a criação não resulta do contrato de emprego e não é fruto da utilização
dos recursos, informões tecnológicas, segredos da empresa, materiais, equipamentos
do empregador.
73
71
BITTAR, op. cit., p.61.
72
Art. 4.
o
, da Lei n.
o
9.609/1998: "Salvo estipulação em contrário, pertencerão exclusivamente ao
empregador, contratante de serviços ou órgão público, os direitos relativos ao programa de
computador, desenvolvido e elaborado durante a vigência de contrato ou de vínculo estatutário,
expressamente destinado à pesquisa e desenvolvimento, ou em que a atividade do empregado,
contratado de serviço ou servidor seja prevista, ou ainda, que decorra da própria natureza dos
encargos concernentes a esses vínculos.
§ 1.
o
Ressalvado ajuste em contrário, a compensação do trabalho ou serviço prestado limitar-se-á
à remuneração ou ao salário convencionado."
73
2.
o
Pertenceo, com exclusividade, ao empregado, contratado de serviço ou servidor os direitos
concernentes a programa de computador gerado sem relação com o contrato de trabalho, prestação
de serviços ou vínculo estatutário, e sem a utilização de recursos, informações tecnológicas, segredos
industriais e de negócios, materiais, instalações ou equipamentos do empregador, da empresa ou
entidade com a qual o empregador mantenha contrato de prestação de serviços ou assemelhados,
do contratante de serviços ou órgão público."
38
Mesmo não dando o legislador igual tratamento aos demais direitos autorais
que podem resultar de atividade intelectual do empregado, não se observa maiores
dificuldades de sua tutela, a mesmo em face da possibilidade de aplicação analógica
do disposto nos artigos 88, da Lei n.
o
9.279/96, e 4.
o
, da Lei n.
o
9.609/98.
No entanto, muitas vezes, na prática, pode-se verificar que tais dispositivos
legais, por si só, não inibem o integral resguardo desses bens imateriais, tampouco a
tentação que têm certos empregados de, uma vez assediados pelos concorrentes,
valerem-se dos segredos de empresa e do acesso aos bens imateriais que tiveram
em razão do contrato mantido com o seu empregador, para negociarem a sua
transferência a outra empresa e, principalmente, numa melhor condição profissional.
39
2 LIMITES DA CONCORRÊNCIA APÓS A EXTINÇÃO DO CONTRATO DE
TRABALHO
O grande desenvolvimento tecnológico e as novascnicas de produção, aliados
ao sistema de alta competitividade entre as empresas e os próprios empregados,
sujeitos às conseqüências do femeno da globalizão, implicaram grandes transfor-
mações na organização da empresa.
E dentro dessa estrutura de integração com as novas formas de conhecimento,
muitos empregados têm hoje amplo e fácil acesso às informações e aos segredos de
empresa, até então restritos a um número muito pequeno de pessoas.
O empregado, ao trabalhar numa empresa, normalmente quando exerce função
técnica altamente especializada, pode tomar conhecimento de segredos de indústria
e de comércio da empresa e até mesmo da própria clientela do seu empregador.
O problema da não-concorrência do empregado ao seu empregador durante a
constância do contrato de trabalho, a princípio, não encontra maiores dificuldades,
na medida em que a legislação pátria põe à disposição dos empregadores meios de
impedir tal concorrência, como nos casos disciplinados na legislação trabalhista de
dispensa por justa causa por concorrência desleal e violão de segredo de empresa.
Além dessas possibilidades, consoante preconiza o parágrafo primeiro, do
artigo 462 da
CLT
,
74
a empresa pode exigir do empregado a reparação do prejuízo
causado ao empregador,
75
sem contar serem deveres ínsitos ao contrato de trabalho
a lealdade, o sigilo e a não-concorrência.
O problema surge, no entanto, quando a obrigação de o-concorrência se projeta
para após o término do contrato de trabalho, havendo dúvidas doutrinárias e jurispru-
denciais a respeito da validade de tais convenções estipuladas pelas partes contratantes.
74
Art. 462/CLT. "Ao empregador é vetado efetuar qualquer desconto nos salários do empregado,
salvo quando este resultar de adiantamentos, de dispositivos de Lei ou de contrato coletivo.
§ 1.
o
Em caso de dano causado pelo empregado, o desconto será lícito, desde que esta
possibilidade tenha sido acordada ou na ocorrência de dolo do empregado".
75
PARÁ, Tribunal Regional do Trabalho da 8.
a
Rego, processo RO 4140/2002, Relator Juiz Convocado
Luis José de Jesus Ribeiro, publicado no DJ de 19.11.2002, ementa:
"DESCONTOS DANOS CAUSADOS PELO EMPREGADO Em caso de dano causado pelo
empregado, previsto no contrato individual e na convenção coletiva de trabalho, fica a empresa
autorizada a efetivar o desconto da importância correspondente ao prejuízo. Inteligência do § 1.
o
do artigo 462 da Consolidação das Leis do Trabalho."
40
Uma das principais formas utilizadas pelo empregador para tentar resguardar seu
patrimônio material e imaterial vem a ser a estipulação de cláusulas de não-concor-
rência ou de sigilo, com efeitos durante e, principalmente, após a extinção contratual.
2.1 CONCEITO DE CLÁUSULA DE NÃO-CONCORRÊNCIA
Muito freqüente no campo do direito empresarial, mais especificamente nos
contratos de sociedade e de compra e venda, a cláusula de não-concorrência é algo
recente no Direito do Trabalho, sendo também denominada "cláusula de proibição
negocial de não-concorrência", "cláusula de sigilo ou confidencialidade" ou ainda
"cláusula de não restabelecimento".
76
Nas palavras de Regiane T. de Mello João "a cláusula de não-concorrência
consiste na pactuação da abstenção do empregado de ativar-se por conta própria ou
para outro empregador, em atividade igual ou semelhante, as o contrato de trabalho".
77
Para Ari Beltran,
pode-se conceituar como de o- concorrência a obrigação em virtude da
qual o empregado se compromete, mediante remuneração, a não praticar,
por conta própria ou alheia, após a vigência do contrato de trabalho, ação
que implique desvio de clientela de seu antigo empregador.
78
Oris de Oliveira, por sua vez, apresenta conceituação de grande conteúdo
técnico-doutrinário, dizendo de não-concorrência
a obrigação em virtude da qual o empregado se compromete, mediante
remuneração, a não praticar, por conta própria ou alheia, após a vigência do
contrato de trabalho, dentro de limites de objeto, tempo e espaço, ação que
implique desvio de clientela de seu empregador, sob pena de responder por
perdas e danos.
79
76
JOÃO, op. cit., p.33.
77
Ibidem, p.33.
78
BELTRAN, Ari Possidonio. Dilemas do trabalho e emprego na atualidade. São Paulo, Ltr, 2001.
p.140-141.
79
OLIVEIRA, Oris de. A exclusão da concorrência no contrato de trabalho. 1982. Tese
(Doutoramento) – na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1982. p.237.
41
Em outros termos, seria a obrigação assumida pelo empregado para ser
cumprida durante e principalmente após a extinção do contrato de trabalho, por meio da
qual se compromete, mediante remuneração e desde que observadas certas condições
de objeto, tempo e espaço, a não praticar atos que impliquem concorrência, desvio
de clientela ou ainda prejuízos diretos ou indiretos a seu antigo empregador, por
informações obtidas em razão do contrato de trabalho.
Para o jurista português Pedro Romano Martinez,
80
essa restrição à liberdade
de trabalho se justificaria de modo especial em algumas atividades e profissões,
principalmente naquelas relacionadas a segmentos empresariais com acentuada
concorrência e grande necessidade de preparação técnica dos trabalhadores.
Assim, pode se depreender claramente que a cusula de o-concorncia tem
por objeto uma obrigão negativa consistente em um não-fazer por parte do empregado,
com tolhimento transitório da liberdade de trabalho, em determinada região geográfica,
por certo período de tempo, em funções idênticas ou semelhantes àquelas exercidas
durante a vigência do contrato de trabalho mantido com o antigo empregador.
2.2 ADMISSIBILIDADE DA CLÁUSULA DE NÃO-CONCORRÊNCIA
Os ideais de liberdade propugnados pela Revolução Francesa e a exploração
da classe trabalhadora a partir da Revolução Industrial, somados à incapacidade de
trabalhadores e empregadores de alcançarem uma solução negociada duradoura
para os conflitos sociais, levaram o Estado a interferir nas relações trabalhistas
mediante a promulgação de Constituições e Leis que assegurassem limites mínimos
de tutela do trabalho.
81
80
MARTINEZ, Pedro Romano. Direito do trabalho: contrato de trabalho. 3.ed. Lisboa: Pedro Ferreira,
1999. v.2. p.7.
81
No início do século XX, houve a constitucionalização inédita de direitos sociais e trabalhistas
(a Carta do México em 1917 limitou a jornada de trabalho, protegeu a maternidade, vedou o trabalho
noturno aos menores, entre outros direitos), assim como a intervenção na atividade econômica
(Constituição de Weimar, em 1919).
42
Essa interferência do Poder Estatal nas relações de trabalho em alguns países
e, em especial no Brasil, teve por reflexo a consolidação do Direito do Trabalho a partir
de normas de origem estatal, decorrentes de uma constante atividade legislativa ao
longo dos anos, o que deixou pouca margem para a atuação direta entre as partes
ou via negociação coletiva.
82
A velocidade das transformações sociais e nas relações de trabalho, sem o
correspondente acompanhamento do processo legislativo, pode criar situações em
que a ausência de autorização legal acaba por acentuar um conflito, simplesmente
em razão da resistência dos atores sociais em preencher os vácuos legais por outras
formas que não de nova norma legal, o que se mostra bastante presente no Direito
do Trabalho brasileiro.
83
Exemplo típico da influência que o positivismo jurídico exerce no âmbito das
relações de trabalho aparece quando se discute a admissibilidade da pactuação das
cláusulas de não-concorrência.
Num primeiro momento, a ausência de norma específica que regulamente as
cláusulas de não-concorrência no Direito do Trabalho pode remeter à idéia inicial de
impossibilidade de sua estipulação, rejeição essa, fundada na maioria das vezes, na
presunção da necessidade de proteção ao empregado que, por ser considerado
hipossuficiente na relação jurídico-trabalhista, poderia ser considerado incapaz de
pactuar direta e livremente com seu empregador certas condições e cláusulas.
84
Não obstante inexista expressa previsão legal que autorize a pactuação da
cláusula de não-concorrência no direito brasileiro, o ordenamento jurídico trio dispõe
de normas legais que, se analisadas em conjunto, dão lugar ao entendimento de que a
cláusula de não-concorncia pode, sim, ser estipulada entre empregado e empregador.
82
JOÃO, op. cit., p.34.
83
Idem.
84
Para Regiane Teresinha de Mello João, "a necessidade de benção legal leva muitos à inversão da
lógica jurídica de que tudo o que não proibido é permitido para a interpretação de que tudo o que
não é expressamente permitido é proibido". (Idem).
43
O ponto de partida para que se entenda pela licitude de cláusula desta
natureza decorre da regra geral que constava do artigo 115 do Código Civil de 1916,
atualmente tratada no artigo 122 do digo Civil de 2002 e que dispõe que
"são lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou
aos bons costumes..."
Portanto, não havendo vedação expressa a respeito, a princípio a cláusula
seria lícita.
Mais, a possibilidade de empregado e empregador pactuarem a inclusão de
cláusula de não-concorrência no contrato de trabalho é corroborada pelo artigo 444,
da
CLT,
que prevê que:
as relações contratuais podem ser objeto de livre estipulação das partes
interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção
ao trabalho, aos contratos coletivos que lhe sejam aplicáveis e às decisões
das autoridades competentes.
Assim, levando-se em conta que as normas coletivas geralmente não tratam
do assunto, não versando a cláusula de não-concorrência sobre normas de proteção
e segurança do trabalho e, ainda, não se tratando também de disposição que
dependa de decisão de autoridade competente, a teor do artigo 444, da
CLT
, tem-se
por perfeitamente pactuável referida cláusula.
No entanto, ao se apreciar a validade da cláusula de não-concorrência à luz
do disposto no artigo 444 da
CLT
, é bastante comum a confusão com a limitação
constante do princípio constitucional da liberdade de trabalho
85
e a restrição sobre
normas de proteção ao trabalho.
86
Num dos únicos casos em que o Supremo Tribunal Federal teve oportunidade
de se manifestar, julgando questão semelhante sob a égide da Constituição de 1967
85
Art. 5
o,
, inciso XIII, da CF/88: "É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão,
atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer."
86
"Constitui-se em interpretação razoável do disposto no art. 444 da CLT, o entendimento segundo o
qual não passa pelo crivo da liberdade de trabalho cláusula que encerre proibição de o
empregado, uma vez desligado da empresa, formalizar ajuste com outra empresa que se dedique
ao mesmo ramo de comércio." Tribunal Superior do Trabalho, Pleno, proc. Ag - E RR 7233/84.
DJ 175/86, Relator Ministro Marco Aurélio Mello. (In Repertório de jurisprudência trabalhista, Rio
de Janeiro: Freitas Bastos, 1989, v. 6, ementa 1692. p.391)
44
e apreciando o parágrafo 23, do artigo 153
87
bastante semelhante ao artigo 5.
o
,
XIII
, da atual Carta Magna proferiu decisão que manteve a invalidade da cláusula
por entender ter havido violação à liberdade de trabalho.
88
No entanto, a liberdade de trabalho não é absoluta e, como qualquer outro
princípio, deve ser entendida em harmonia com os demais preceitos constitucionais.
Arnold Wald e Alberto Xavier afirmam que o princípio da liberdade de trabalho
seria ofendido somente "se estipulassem que alguém não poderia trabalhar em
qualquer setor de atividade, em qualquer lugar e para o sempre. Mas obviamente,
essa liberdade não é atingida se a restrição é temporária, livremente consentida e
justamente retribuída".
89
Tamm nesse sentido Carlos Henrique Bezerra Leite menciona que as cláusulas
de não-concorrência não violam o princípio que assegura a liberdade do exercício de
qualquer trabalho (CF, art. 5.
o
,
XIII
), "na medida em que o próprio dispositivo, em sua
parte final, fixa limitações ao princípio, ao mencionar 'atendidas as qualificações
profissionais que a lei estabelecer'".
90
Por outro lado, não se pode olvidar de que o trabalhador não estará impedido
de exercer seu ofício, trabalho ou profissão em outras atividades que não impliquem
concorrência em relação ao ex-empregador.
Dentre as inúmeras tentativas de criação de um Código do Trabalho no Brasil,
em ao menos três oportunidades a questão da cláusula de não-concorrência foi
acrescida às normas relativas ao contrato individual de trabalho.
91
O artigo 381 do anteprojeto de digo do Trabalho de Evaristo de Moraes Filho,
de 1963, e o anteprojeto do Código do Trabalho de 1965, cuja comissão era formada
87
Artigo 153, par. 23, da Constituição de 1967: livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou
profissão, observadas as condições de capacidade que a lei estabelecer"
88
Brasil. Supremo Tribunal Federal, RE 67.653, Rel. Min. Aliomar Baleeiro, DJ 3.11.70, p.5.294.
Ementa: "Liberdade de trabalho. Cláusula pela qual o empregado, que fez cursos técnicos às
expensas do empregador, obrigou-se a não servir a qualquer empresa concorrente nos 5 anos
seguintes, ao fim do contrato. Não viola o artigo 153, § 23 da Constituição o acórdão que declarou
inválida tal avença."
89
WALD, Arnoldo; XAVIER, Alberto. Pacto de não concorrência: validade e seus efeitos no direito
brasileiro. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 70, v. 552, p.32, 1981.
90
BEZERRA LEITE, Carlos Henrique. Contrato de trabalho e cláusula de não concorrência.
Procuradoria Regional do Trabalho da 17.
a
Região Artigos. Disponível em:
<http://www.prt17.mpt.gov.br/n_nconcor.html#N_11_ >. Acesso em: 29 set. 2008.
91
JOÃO, op. cit., p.37.
45
por Mozart Victor Russomano, Evaristo de Moraes Filho e JoMartins Catharino,
tratavam do "pacto de exclusão de concorrência".
O artigo 381 exigia que o tal "pacto de exclusão de concorrência" deveria ser
celebrado por escrito, dele constando uma indenização ou compensação mensal
durante o prazo de vigência a favor do empregado e conforme certos limites de objeto,
tempo e lugar.
92
De igual modo, o Anteprojeto de Consolidação das Leis do Trabalho de 1979,
no artigo 26 praticamente repetia o conteúdo do artigo 381 do anteprojeto de Código
do Trabalho de Evaristo de Moraes Filho.
93
Em todos os anteprojetos de 1963, 1965 e 1979, as justificativas remetiam à
garantia constitucional de liberdade de trabalho, porém em harmonia com os princípios
da concorrência livre e leal, fundamentando, ainda, a previsão da cláusula de não-
concorrência pela adoção em outros países, desde que atendidos certos requisitos
de prazo, objeto e região e o estabelecimento de indenização pecuniária em prol
do trabalhador.
94
Atualmente, tramita no Senado Federal, o Projeto de lei n.
o
16/2007,
95
de
autoria do Senador Marcelo Crivela, que cria o "Acordo de Proteção de Informações
Sigilosas, adjeto ao contrato de trabalho, para a proteção de segredo comercial e de
informações confidenciais e regulamenta sua aplicação" (ver Anexo A).
92
Art. 381. O pacto de exclusão de concorrência celebrado entre empregado e empregador é nulo de
pleno direito se não for celebrado por escrito, dele constando uma indenização ou compensação
mensal durante o prazo de vigência a favor do empregado e conforme certos limites de objeto,
tempo e lugar.
§ 1.
o
A duração do compromisso não poderá ser superior a 4 (quatro) anos para dirigentes e 2
(dois) anos nos demais casos.
§ 2.
o
O objeto do compromisso deve cingir-se ao desempenho de funções iguais ou análogas às
exercidas anteriormente, dentro de uma área geográfica, tudo de maneira a não anular a liberdade
de trabalho, assegurada no art. 2o deste Código.
93
Art. 26. É válido o pacto de excluo de concorrência, desde que celebrado por escrito, por período
não superior a dois anos, e dele conste uma compensação mensal em favor do empregado durante a
sua vigência.
Parágrafo único. O pacto deve cingir-se ao desempenho das mesmas funções exercidas anteriormente
e limitar-se a determinada área geográfica.
94
JOÃO, op. cit., p.37.
95
Disponível em: <http://www.senado.gov.br/sf/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=79863>.
Acesso em: 02 maio 2008.
46
Dentre os seus dispositivos, merecem destaque os seguintes artigos:
- artigo 1.
o
, que autoriza a estipulação do "pacto" a qualquer momento;
- artigo 3.
o
que prevê a necessidade de se delimitar de forma precisa, quais
segredos e informações serão objeto de proteção;
- artigo 4.
o
que dispõe acerca da necessidade da cláusula ser estipulada
individualmente, vedada sua adoção por Acordo ou Convenção Coletiva
de Trabalho;
- o artigo 7.
o
que autoriza o empregador pleitear judicialmente a dissolução
do contrato de trabalho formado contrariamente aos termos do Acordo de
Proteção de Informações Sigilosas, sem prejuízo da responsabilidade
civil do novo empregador pelos danos ocorridos;
- artigo 8.
o
, que nas ações referentes ao cumprimento ou à dissolução do
Acordo de Proteção de Informações Sigilosas dispõe que o Juiz deverá levar
em conta: I - a existência de dano econômico e moral ao empregador;
II - a liberdade de exercio do trabalho; III - o interesse econômico e social
da coletividade.
Além disso, havendo omiso sobre o assunto na nossa legislão, o artigo 8.
o
da Consolidação das Leis do Trabalho
96
autoriza a aplicação do direito comparado,
desde que o interesse particular não prevaleça sobre o interesse público.
Apesar de o direito comparado ser objeto de reflexão com maior vagar em tópico
próprio, por ora, vale destacar o exemplo de Portugal.
Em Portugal, a Lei n.
o
99/2003, de 27 de agosto, que instituiu o Código do
Trabalho Português, prevê em seu artigo 146, a possibilidade de estipulação do
chamado "pacto de não concorrência", que deverá ser necessariamente escrito, com
duração máxima de dois anos, salvo para aqueles trabalhadores com cargo de
confiança ou que tenham tido acesso às informações confidenciais, quando então o
prazo de duração poderá ser aumentado para três anos.
97
96
Art. 8.
o
- "As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou
contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros
princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo
com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de
classe ou particular prevaleça sobre o interesse público."
97
Artigo 146. Pacto de não concorrência
"1 - São nulas as cláusulas dos contratos de trabalho e de instrumento de regulamentação colectiva
de trabalho que, por qualquer forma, possam prejudicar o exercício da liberdade de trabalho, após
a cessação do contrato.
2 - É lícita, porém, a cláusula pela qual se limite a actividade do trabalhador no período máximo de
dois anos subsequentes à cessação do contrato de trabalho, se ocorrerem cumulativamente as
seguintes condições:
a) Constar tal cláusula, por forma escrita, do contrato de trabalho ou do acordo de cessação deste;
b) Tratar-se de actividade cujo exercício possa efectivamente causar prejuízo ao empregador;
47
Outras particularidades expressamente previstas e relacionadas à licitude
desse "pacto de não concorrência" dizem respeito à obrigatoriedade de se instituir
uma compensação financeira durante o período da limitação e a necessidade de que
seja estipulado em atividades que possam representar risco efetivo ao empregador.
A proteção à liberdade de trabalho presente na legislação portuguesa é muito
mais explícita e efetiva que aquela que alguns juristas pretendem emprestar ao
artigo 5.
o
,
XIII
, da Lei Maior brasileira.
98
Ainda assim, Portugal se apresenta como modelo de ordenamento jurídico que,
apesar de considerar expressamente nula qualquer cláusula de não-concorrência
celebrada mediante acordo individual ou coletivo de trabalho que possam prejudicar o
exercício da liberdade de trabalho, reconhece a validade da celebração de instrumento
contratual nesse sentido.
99
No entanto, nem seria o caso de se socorrer do direito comparado para se
reconhecer, no Brasil, a viabilidade de estipulação de cláusula de não-concorrência,
cujos efeitos se projetam para após a extinção do contrato de trabalho.
Para Regiane T. de Mello João, as cláusulas de exclusão de concorrência
estipuladas para viger após o contrato de trabalho "se caracterizam como convenção
entre empregado e empregador para expandir os efeitos do art. 482, c e g, bem
como se encontram em harmonia com o disposto no art. 195, IX, X e XI, da Lei
n.
o
9.279/96".
100
c) Atribuir-se ao trabalhador uma compensação durante o período de limitação da sua actividade,
que pode sofrer redução equitativa quando o empregador houver despendido somas avultadas
com a sua formação profissional.
3 - Em caso de despedimento declarado ilícito ou de resolução com justa causa pelo trabalhador
com fundamento em acto ilícito do empregador o montante referido na alínea c) do número anterior é
elevado até ao equivalente à retribuição base devida no momento da cessação do contrato, sob
pena de não poder ser invocada a cláusula de não concorrência.
4 - São deduzidas no montante da compensação referida no número anterior as importâncias
percebidas pelo trabalhador no exercício de qualquer actividade profissional iniciada após a
cessação do contrato de trabalho até ao montante fixado nos termos da alínea c) do n.
o
2.
5 - Tratando-se de trabalhador afecto ao exercício de actividades cuja natureza suponha especial
relação de confiança ou com acesso a informação particularmente sensível no plano da concorrência,
a limitação a que se refere o n.
o
2 pode ser prolongada até três anos." (CÓDIGO do trabalho.
Coimbra: Almedina, 2006. p.58).
98
RODRIGUES REVEZ, José Cândido. Noções fundamentais de direito do trabalho. Portugal:
Beja, 2000. p.322.
99
JOÃO, op. cit., p.36/37.
100
Ibidem, 37.
48
Além disso, de acordo com Egon Gottschalk, a repressão à concorrência
desleal se impõe também por força da Convenção da União de Paris, ratificada pelo
Brasil em 1975.
101
No Brasil, apesar de poucos casos terem chegado à apreciação do Poder
Judiciário, alguns, inclusive, inadmitindo as cláusulas de não-concorrência cujos efeitos
se projetam para depois de extinto o contrato,
102
a tendência é que apontem pela
validade da cláusula, desde que cumpridas as condições de tempo, espaço e objeto,
com o ajuste de compensação financeira.
103
Portanto, mesmo sendo a legislação trabalhista omissa a respeito, a jurispru-
ncia e a doutrina brasileira vêm entendendo pela validade da pactuação da cláusula
de não-concorrência, desde que observadas às seguintes condições: a) a cláusula
contenha limitações temporal,
104
espacial e no tocante à atividade que será proibida
ou limitada; b) deve haver um interesse legítimo da empregadora, atendendo-se
aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade, não podendo ser estipulada para
as funções que não demandem restrição, tais como funções administrativas; e
101
GOTTSCHALK, Egon Felix. A cláusula de não-concorrência nos contratos individuais do trabalho.
Ltr, São Paulo, ano 34, p.782, nov. 1970.
102
SÃO PAULO, Tribunal Regional do Trabalho da 2.
a
Região, 8.
a
Turma. Processo RO 2001048710,
Relator Juiz José Carlos da Silva Arouca, publicado no DOESP do dia 05.03.2002, ementa:
"CLÁUSULA DE NÃO CONCORRÊNCIACUMPRIMENTO APÓS A RESCISÃO CONTRATUAL
– ILEGALIDADE A ordem econômica é fundada, também, na valorização do trabalho, tendo por
fim assegurar a todos existência digna, observando dentre outros princípios a busca do pleno
emprego. Pelo menos, assim está escrito no art. 170, inciso VIII, da Constituição. O art. 6.
o
do
diploma deu ao trabalho grandeza fundamental. A força de trabalho é o bem retribuído com o
salário e assim meio indispensável ao sustento próprio e familiar, tanto que a ordem social tem
nele o primado para alcançar o bem-estar e a justiça sociais. Finalmente, o contrato de trabalho
contempla direitos e obrigações que se encerram com sua extinção. Por tudo, cláusula de não
concorrência que se projeta para após a rescisão contratual é nula de pleno direito, a teor do que
estabelece o art. 9.
o
da Consolidação das Leis do Trabalho."
"CLÁUSULA DE NÃO CONCORRÊNCIA. NULIDADE. Nula cláusula de não-concorrência que
impede o exercício de profissão, tendo em vista a vastidão das atividades do ex-empregador, sem
a devida indenização expressiva pelo período de vigência da referida cláusula." (TRT - 2.
a
Região,
proc. 2570/2003/045/002/005, 5.
a
Turma, Rel. Juiz Fernando Antonio Sampaio da Silva, DJSP
16/03/2007) Revista de Direito do Trabalho, Editora Revista dos Tribunais, ano 33, v.127, p.302.
103
"CLÁUSULA DE NÃO-CONCORRÊNCIA. VALIDADE. A cláusula de não-concorrência foi estabelecida
por tempo razoável e houve pagamento de indenização. Logo, está dentro dos princípios da
razoabilidade e da proporcionalidade. É, portanto, considerada válida. Não dano moral a ser
reparado." RO 2003.03.10762, TRT 2.
a
Região, Rel. Juiz Sergio Pinto Martins (Revista LTr, São
Paulo: LTr, v.68, p.854, julho de 2004).
104
Há quem defenda que diante da ausência de previsão legal expressa dispondo acerca da duração da
quarentena, aplicar-se-ia o prazo de dois anos previsto para os contratos por prazo determinado,
previsto na CLT. (ARAUJO, Francisco Rossal de. A boa-fé no contrato de emprego. São Paulo:
LTr, 1996. p.263)
49
c) o empregado deve ter uma compensação financeira diante da limitação contratual
(geralmente o valor do último salário multiplicado pelo prazo de não-concorrência,
que pode ser pago ao término do contrato de trabalho ou mensalmente durante
referido prazo).
105
Assim, o empregado estará livre para o exercício de quaisquer atividades não
constantes da limitação pactuada na cusula de o-concorncia e a vedação atinge,
e não gratuitamente, o "não concorrer", pactuando-se, como definiu Ari Beltran
106
,
uma "espera remunerada".
A exisncia da compensação financeira para fazer frente ao período de vigência
da cláusula vem sendo considerada pela jurispruncia como imprescindível à licitude
da pactuação:
CLÁUSULA DE NÃO CONCORRÊNCIA. NULIDADE. Nula cláusula de não-
concorrência que impede o exercício de profissão, tendo em vista a vastidão
das atividades do ex-empregador, sem a devida indenização expressiva
pelo período de vigência da referida cláusula.
107
Desse modo, tendo por parâmetro o artigo 122 do Código Civil de 2002, os
artigos 8.
o
e 444 da
CLT
, pode-se concluir pela licitude da estipulação da cláusula de
o-concorncia com efeitos pós-contratuais, desde que observados certos requisitos
específicos, como alguns adotados pelas legislações de outros países, que exigem
limitações temporais, de objeto, região geográfica e, ainda, a exisncia de um legítimo
interesse do empregador a ser resguardado.
2.3 DO DIREITO COMPARADO
Como não disposição legal expressa autorizando a pactuação das cusulas
de não-concorrência no Direito do Trabalho brasileiro, a sua abordagem no direito
105
Para o jurista português Antonio Monteiro Fernandes essa compensação financeira é chamada de
contravalor de um trabalho que o trabalhador fica privado de prestar. (FERNANDES, Antonio
Monteiro. Direito do trabalho. 12.ed. Coimbra: Almedina, 2004. p.612)
106
BELTRAN, op. cit., p.146.
107
O PAULO, Tribunal Regional da 2.
a
Região, proc. 2570/2003/045/002/005, Relator Juiz Fernando
Antonio Sampaio da Silva, publicado no DJSP de 16/03/2007.
50
estrangeiro se mostra de grande valia para o balizamento de critérios e parâmetros
na sua estipulação no âmbito das relações de trabalho brasileiras.
Por questões diticas, serão catalogados os casos de países que apresentam
em seu ordenamento jurídico expressa previsão legal das cláusulas de não-concor-
rência, como Portugal, Espanha e Itália, outros que aceitam a pactuação por força
de negociação coletiva, como a Fraa, e, ainda, países que adotam um sistema misto
de previsão legal e dos usos e costumes, como os Estados Unidos.
2.3.1 Cláusulas de Não-Concorrência Decorrentes de Regulação Legal
Como mencionado, o digo do Trabalho Português prevê em seu artigo 146
a possibilidade de estipulação do "pacto de não concorrência", que deverá ser
necessariamente escrito, com duração máxima de dois anos.
Para os trabalhadores com cargo de confiança ou que tenham tido acesso às
informões confidenciais, o prazo de durão poderá ser aumentado para ts anos,
devendo ser instituída uma compensação financeira durante o período da limitação.
De igual modo, o Código do Trabalho Português também prevê, no seu
artigo 147,
108
a possibilidade de estipulação do "pacto de permanência" por meio do
qual as partes convencionam, sem a diminuição dos salários, a obrigatoriedade de
prestação de servo durante certo prazo, não superior a três anos, como compensão
de despesas extraordinárias comprovadamente feitas pelo empregador na formação
profissional do trabalhador, podendo este se desobrigar restituindo a soma das
importâncias despendidas.
109
108
Artigo 147. Pacto de permanência
"1 - É lícita a cláusula pela qual as partes convencionem, sem diminuição de retribuição, a
obrigatoriedade de prestação de serviço durante certo prazo, o superior a três anos, como
compensação de despesas extraordirias comprovadamente feitas pelo empregador na formação
profissional do trabalhador, podendo este desobrigar-se restituindo a soma das importâncias despendidas.
2 - Em caso de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador com justa causa ou quando,
tendo sido declarado ilícito o despedimento, o trabalhador não opte pela reintegração, não existe
a obrigação de restituir as somas referidas no número anterior." (CÓDIGO do Trabalho. Coimbra:
Almedina, 2006. p.58.)
109
Para Antonio Monteiro Fernandes, enquanto o pacto de não concorrência constitui uma limitação
da liberdade de trabalho depois da cessação do contrato, o pacto de permanência atua na
vigência do contrato e destina-se a garantir que ele dure o suficiente para que certas despesas
importantes do empregador fiquem compensadas. (Op. cit., p.613).
51
Na Itália, o art. 2.125
110
do Código Civil prevê a estipulação da cláusula de
não-concorrência (patto di non concorrenza), com o objetivo de limitar a atividade
dos empregados, sobretudo os especializados, após a extinção do contrato de trabalho.
Para o direito italiano, é necessário o estabelecimento de compensação finan-
ceira, bem como limites para a validade do pacto, como o objeto, lugar e tempo
de duração, o que, segundo a doutrina italiana,
111
visa permitir ao trabalhador exercer
concretamente alguma atividade para a qual tenha preparação profissional, de forma a
não ser constrangido ou obrigado a mudar de área de atuão, o que implicaria violão
do direito ao trabalho expressamente garantido no artigo 4.
o
da Constituição Italiana.
A Espanha, de igual modo, possui previsão legal expressa acerca da cláusula
de o-concorrência, chamando a atenção o tratamento diferenciado existente entre
os empregados de alta direção e os demais empregados.
112
A contrapartida também é uma "compensação econômica adequada", sendo
exigido, ainda, que o empregador tenha um efetivo "interesse industrial ou comercial"
em celebrar tal pacto, assim como que o alcance seja limitado: o peodo de abstenção
de concorrência será de seis meses após a extinção do contrato, ou de dois anos
quando se tratar de trabalhador com qualificação técnica.
113
É contemplada, também, a figura do pacto de permanência na empresa, quando
o trabalhador tenha recebido uma especialização profissional, por conta do empregador,
com a finalidade de executar projetos determinados ou realizar um trabalho específico.
A previsão é de um pacto de permanência, limitado a dois anos, sendo que a ruptura
acarretará para o trabalhador a responsabilidade pelos danos causados.
114
110
"Codice Civile Italiano. Art. 2125 Patto di non concorrenza.
Il patto con il quale si limita lo svolgimento dell'attività del prestatore di lavoro, per il tempo successivo
alla cessazione del contratto, è nullo se non risulta da atto scritto (2725), se non è pattuito un
corrispettivo a favore del prestatore di lavoro e se il vincolo non è contenuto entro determinati limiti
di oggetto, di tempo e di luogo.
La durata del vincolo non può essere superiore a cinque anni, se si tratta di dirigenti, e a tre anni
negli altri casi. Se è pattuita una durata maggiore, essa si riduce nella misura suindicata (2557,
2596; att. 198)."
111
PERA, Giuseppe. Compendio di diritto del lavoro. 2.ed. Milano: Giuffrè, 1992. p.165.
112
MELGAR, Alfredo Montoya. Derecho del trabajo. Madrid: Tecnos, 1993. p.320.
113
GARCIA ORTEGA, Jesus et al. Curso Del derecho del trabajo. Valencia: Tirant lo Blanch, 1995. p.532.
114
Idem.
52
O pacto de o-concorrência para trabalhadores de alta dirão é regulado pelo
artigo 8.
o
,
115
do Real Decreto n.
o
1.382/85, enquanto a cláusula de não-concorrência
para os demais empregados está prevista no artigo 21
116
, do Estatuto de los
Trabajadores (Lei n.
o
8/1980, com as alterações do Real Decreto Legislativo 1/95).
2.3.2 Cláusulas de Não-Concorrência Decorrentes de Norma Coletiva
No direito francês, a doutrina vem reconhecendo a possibilidade de estipulão
das cláusulas de não-concorrência.
117
115
"Real Decreto n.
o
1382/85. Artículo 8. Pacto de no concurrencia y de permanencia en la empresa.
Uno. El trabajador de alta dirección no podrá celebrar otros contratos de trabajo con otras
empresas, salvo autorización del empresario o pacto escrito en contrario. La autorización del
empresario se presume cuando la vinculación a otra entidad fuese pública y no se hubiese hecho
exclusión de ella en el contrato especial de trabajo.
Dos. Cuando el alto directivo haya recibido una especialización profesional con cargo a la empresa
durante un período de duración determinada, podrá pactarse que el empresario tenga derecho a
una indemnización por daños y perjuicios si aquel abandona el trabajo antes del termino fijado.
Tres. El pacto de no concurrencia para después de extinguido el contrato especial de trabajo, que
no podrá tener una duración superior a dos años, solo será válido si concurren los requisitos
siguientes: que el empresario tenga un efectivo interés industrial o comercial en ello y que se
satisfaga al alto directivo una compensación económica adecuada."
116
"Artículo 21. Pacto de no concurrencia y de permanencia en la empresa.
1. No podrá efectuarse la prestación laboral de un trabajador para diversos empresarios cuando
se estime concurrencia desleal o cuando se pacte la plena dedicación mediante compensación
económica expresa, en los términos que al efecto se convengan.
2. El pacto de no competencia para después de extinguido el contrato de trabajo, que no podrá tener
una duración superior a dos años para los técnicos y de seis meses para los demás trabajadores,
sólo será válido si concurren los requisitos siguientes: que el empresario tenga un efectivo interés
industrial o comercial en ello, y que se satisfaga al trabajador una compensación ecomica adecuada.
3. En el supuesto de compensación económica por la plena dedicación, el trabajador podrescindir el
acuerdo y recuperar su libertad de trabajo en otro empleo, comunicándolo por escrito al empresario
con un preaviso de treinta días, perdiéndose en este caso la compensación económica u otros
derechos vinculados a la plena dedicación.
4. Cuando el trabajador haya recibido una especialización profesional con cargo al empresario
para poner en marcha proyectos determinados o realizar un trabajo específico, podrá pactarse
entre ambos la permanencia en dicha empresa durante cierto tiempo. El acuerdo no será de
duración superior a dos años y se formalizará siempre por escrito. Si el trabajador abandona el
trabajo antes del plazo, el empresario tendrá derecho a una indemnización de daños y perjuicios."
117
"La protection est donc tout d'abord accordée à l'employeur contre les actes de concurrence
déloyale de ses anciens salariés. Le principe de la liberté du travail fait que tout salarié peut
valablement quitter son emploi et en rechercher un autre, même au service d'une enterprise
concurrente, ou créer une activité identique à celle de son ancien employeur. Cette liberté peut
étre restreinte par une clause cpntractuelle ou conventionelle venant énumérer une série d'actes
interdits. Lorsque aucune disposition formelle n'organise la période postcontractuelle, c'est la
resonsibilité civile délictuelle qui va assurer le respect d'une certaine moralité dans l'exploitation de
l'expérience acquise; les juridictions prud'homales perdront logiquement leur compétence au profit
des juridictions civiles ou commerciales." (RADÉ, Christophe. Droit du travail et responsabilité
civile. Paris: LGDJ, 1998. p.123)
53
No entanto, a auncia de disposição legal sobre a maria remete as discussões
à negociação coletiva e à jurisprudência.
118
As convenções coletivas podem dispor sobre as cusulas de o-concorrência,
disciplinando os seus limites e requisitos, deixando para o contrato individual de trabalho
disciplinar as especificidades das situações concretas, desde que não conflitem com
os limites fixados nas convenções coletivas.
119
Além disso, por meio da negociação coletiva é possível a diferenciação de
efeitos em relação ao tipo de trabalhador envolvido ou ao ramo de atuação da empresa,
assim como o pagamento de retribuição pelo período de restrição ao trabalho não é
considerado condição de validade da cláusula, se tal condição não estiver expres-
samente prevista na convenção coletiva de trabalho.
120
Outro aspecto interessante diz respeito à possibilidade das convenções coletivas
excluírem da incidência da cláusula a ocorrência, certos tipos de rupturas contratuais,
como no caso do fechamento definitivo do estabelecimento e do encerramento das
atividades da empresa, assim como outras apenas reconhecendo a sua admissibilidade
em caso de pedido demissão do empregado.
121
Diferentemente de alguns países em que o tempo máximo de pactuão e a área
geográfica em que a concorrência é vedada são considerados requisitos de validade
e apesar da grande maioria das convenções coletivas preverem uma duração máxima
de dois anos, os Tribunais têm entendido lícita a pactuação por períodos maiores.
122
Segundo Vatinet,
123
a partir de 1992, as Cortes passaram a apreciar se as
cusulas de o-concorrência eram efetivamente necessárias à protão dos interesses
da empresa, de acordo com dois aspectos.
O primeiro deles diz respeito à existência de risco de utilização em proveito de
empresa concorrente de conhecimentos adquiridos em decorrência do contrato de
118
JOÃO, op. cit., p.83.
119
Idem.
120
Ibidem, p.84.
121
VACHET, Gerard. La liberté du travail et l'obligation de non concurrence du salarié: Les droit
fundamentax des salaries face aux interest de l'enterprise. Aux-Masreille: Presses Universitaires
D'Aix-Marseille, 1994. p.68.
122
LYON-CAEN, Gérard; PÉLISSIER, Jean; SUPIOT, Alain. Droit du travail. 18.ed. Paris: Dalloz,
1996. p.220.
123
VATINET, Raymonde. Les principes mis em oeuvre par la jurisprudence relative aux clauses de
non-concurrence em droit du travail. Droit Social, Paris, n.6, p.536, juin 1998.
54
trabalho mantido com o ex-empregador. O segundo versa sobre a questão de ter o
trabalhador mantido estreito contato com a clientela, gerando a possibilidade de
desvio para o novo empregador.
No entanto, duas condições não se dispensam: a demonstração de que haja
o "interesse legítimo do empregador", ou seja, que a atividade objeto da restrição pela
cusula de não-concorncia seja capaz de ensejar concorrência e dano ao empregador
e que a restrição ao trabalho não exclua do direito do empregado exercer alguma
outra atividade para o qual é qualificado.
124
2.3.3 Cláusulas de Não-Concorrência Decorrentes de Previsão Legal e dos Usos e
Costumes
Nos Estados Unidos, apesar de existir uma lei federal dispondo sobre direitos
trabalhistas mínimos, como jornada semanal de 40 horas, remuneração mínima para
algumas atividades e restrições ao trabalho infantil (The Fair Labor Standards Act),
125
em razão do sistema federalista americano, aos estados é autorizado legislar sobre
as demais questões envolvendo as relações trabalhistas e que devem ser observadas
em seus territórios.
Alguns estados americanos dispõem de legislação específica sobre a possibi-
lidade de aplicação e a exeqüibilidade das cláusulas de não-concorrência, enquanto
outros remetem aos usos e costumes a análise de tais cláusulas, cabendo ao Poder
Judiciário a apreciação do caso concreto.
126
O Estado do Texas, em 1989, editou o "Covenant not to Compete Statute",
revisto em 1993, em razão de que os Tribunais texanos não estavam conferindo validade
a nenhuma cláusula de não-concorrência submetida à apreciação do Judiciário.
127
124
GAVALDA, Natacha. Les critères de validité des clauses de non-concurrence em droit du travail.
Droit Social, Paris, n.6, p.588, juin 1999.
125
METTLER, Suzanne B. Federalism, Gender, & the Fair Labor Standards Act of 1938. Polity, v.26,
n.4, p.635-654, 1994.
126
JOÃO, op. cit., p.89.
127
VETHAN, Charles. The new business reality of enforcing non-compete covenants under
texas law. Disponível em: <www.vwtexlaw.com/new-business-reality-of-enforcing-non-compete-
convenants.htm>. Acesso em: 27 set. 2008.
55
Dentre as principais condições de admissibilidade pelos Tribunais, consta a
necessidade de decorrer de um acordo entre as partes sem que haja imposição do
empregador; a existência de um real interesse do empregador em tutelar os conheci-
mentos fornecidos ao empregado para a execão do trabalho; e a razoabilidade das
restrições impostas em relação aos interesses empresariais a serem protegidos.
128
O Estado da Flórida, mediante a lei estadual "Florida Statute", no parágrafo
542.335, estabelece critérios de tempo de duração e objeto da restrição, como
informações confidencias, atos de desvio de clientela e prestação de serviços para
concorrentes do empregador.
129
no estado de Nova Iorque, que não dispõe de lei específica tratando das
cláusulas de não-concorrência, os Tribunais apreciam três aspectos principais: se a
restrão não é maior do que a necessária para proteger aos interesses do empregador;
se não impõe uma injusta restrição ao empregado; e se não traz prejuízos à
sociedade e aos consumidores.
130
2.4 LIMITES AOS INTERESSES TUTELADOS
A segurança dos bens materiais que compõem o acervo de uma empresa
deixou de ser a única preocupação dos empresários.
De nada adianta as empresas investirem grandes somas de dinheiro na
proteção de suas instalações, máquinas, veículos e computadores, pela contratação
de sistemas de segurança e vigilância e, muitas vezes, com a prática de revistas
em empregados e colaboradores, se a tutela dos bens imateriais não recebe a
necessária atenção.
128
TAYON, Jeffrey W. Covenants not to compete in Texas: shifting sands from Hill to Light.
Disponível em: <www.utexas.edu/law/journals/tiplj/vol3iss3/tayon/htm>. Acesso em: 27 set. 2008.
129
AGREEMENTS NOT TO COMPETE: Should You Sign on That Dotted Line? Disponível em:
<//www.lawsguide.com/mylawyer/guideview.asp?layer=3&article=165>. Acesso em: 27 set. 2008.
130
D'AMBROSIO, Nicholas. Courts give employers new basis to enforce non-compete clauses. The
Business Review, New York, 16 Aug. 1999. Disponível em: <http//albany.bcentral.com/albany/
stories/1999/08/16/smallbiz.html> Acesso em: 29 set. 2008.
56
Mais do que a propriedade das máquinas e dos bens de prodão, as informações
e segredos de empresa passam a ser o maior patrimônio empresarial, sendo, muitas
vezes, o bem maior a ser protegido em face da concorrência.
Os bens imateriais que compõem o acervo de uma empresa são diversos,
estendendo-se, como já mencionado, a tudo que se relacione ao modo de produção,
organização, dados, informações ou características internas da empresa, que a
diferencie das demais ou a coloque em condições de destaque no mercado.
Ademais, a importância que se confere aos bens imateriais de uma empresa
se justifica, na medida em que a mesma tecnologia que conseguiu desvendar e
decodificar a seqüência genética, que alcançou a clonagem animal e avança nos
estudos sobre a utilização das células-tronco embrionárias, não conseguiu, até hoje,
decodificar as fórmulas da Coca-cola e do Guaraná Antártica.
131
Uma das possibilidades de proteção jurídica desses bens em face dos concor-
rentes é a decorrente da proteção advinda da patente ou do registro de um modelo de
utilidade. No entanto, o procedimento necessário junto ao
INPI
implica tor-lo conhecido.
Não por outro motivo é que Egon Gottschalk assevera que "a barreira intranspo-
vel da temporariedade da tutela da propriedade industrial faz cair, inexoravelmente,
no domínio público, incessantemente um volume incomensurável de inventos".
132
Por sua vez, a relação decorrente do contrato de trabalho permite ao empregado
conhecer, em razão das atividades exercidas para o empregador, assuntos, informações
e cnicas industriais, desconhecidas doblico em geral e, em especial, do concorrente
do empregador.
O empregado, muitas vezes, tem acesso a inestiveis informões da empresa,
listas de clientes e a pesquisas e projetos nos quais a empresa investiu tempo e recursos.
Outra situação que vem se tornando bastante comum ao longo dos anos é o
investimento significativo do empregador na formação profissional do empregado,
com o financiamento de cursos de especialização e aprimoramento no país e a
mesmo no exterior.
De outra banda, o interesse do empregador em restringir a possibilidade do
empregado estabelecer novo contrato de trabalho com um seu concorrente após a
131
CHIARI, Tatiana. Tecnologia: todos querem a fórmula. Veja, São Paulo, p.72/73, 20 dez, 2000.
132
GOTTSCHALK, op. cit., p.782.
57
extião contratual pode ter por escopo impedir que esse empregado negocie melhores
condições de trabalho ou de remuneração.
Por tudo isso, a estipulação da cláusula de não-concorrência deve ser sempre
apreciada caso a caso, com parcimônia e razoabilidade, a fim de que não sirva de
pretexto à proteção de interesses ilegítimos do empregador em detrimento do empregado.
Não parece ser tarefa fácil delimitar precisamente se o conhecimento obtido
pelo empregado junto ao ex-empregador decorreu diretamente do contrato de trabalho,
até mesmo porque o empregado também adquire experiência pessoal e profissional
ao longo do tempo e investe tempo e dinheiro próprio no seu aprimoramento profissional.
A configuração dos legítimos interesses do empregador deve levar em conta não
os segredos, as informações ou os dados confidenciais que se procuram proteger,
mas se aquele empregado específico, em face do cargo que ocupou e em razão
do acesso que teve a tais informações, pode causar dano potencial ou efetivo ao
empregador ao passar a prestar serviços para a empresa concorrente.
De igual modo, deve-se levar em conta o segmento empresarial e a atividade
em que o empregado atuou, pois, sabidamente, os diversos ramos empresariais
possuem diferenças quanto às condições em que a "quarentena" deve ser pactuada.
A título de ilustração, importante mencionar que no mercado da tecnologia
da informação, um ano pode representar a quase obsolescência de um profissional,
enquanto numa atividade de vendas ou representação comercial, esse mesmo um ano
pode não representar muita coisa, assim como a restrição de atuação geográfica pode
ser o diferencial para se evitar uma concorrência indevida.
Por fim, convém ressaltar que, para a legislação portuguesa
133
, o risco de
prejuízos ao empregador é uma das condições de licitude da cláusula de não-
133
Antonio Monteiro Fernandes, ao comentar o art. 146, 2, alínea "b", do Código do Trabalho de Portugal,
assevera que "esta condição tem que ser encarada com reserva. O prejuízo de que aqui se trata
refere-se aos objectivos econômicos do ex-empregador, à sua clientela e ao seu volume de negócios;
é esse o critério a utilizar na apreciação do caso concreto. O trabalhador aprendeu a dominar certa
cnica, participou na conceão do produto, conhece a fundo a estratégia de gestão delineada pelo
empregador es, obviamente, em condições de causar prejuízos a este último se, de imediato, for
trabalhar para uma empresa do mesmo ramo ou inserida na mesma área de mercado. Mas, para
além disso, há inúmeras situações que esses caracteres diferenciais não ocorrem, e em que, apesar
disso, a saída do trabalhador e a sua passagem para outra empresa pode ter um gerico efeito
prejudicial aos interesses do empregador. Nem por isso esta legitimada a existência de pacto de não
concorrência." (op. cit., p.612).
58
concorrência seja válida, o que pode ser utilizado como parâmetro balizador para se
legitimar a estipulação da cláusula de não-concorrência.
2.5 CONDIÇÕES DE VIABILIDADE E EXEQÜIBILIDADE DA CLÁUSULA DE
NÃO-CONCORRÊNCIA
Uma vez admitida a licitude da cláusula de não-concorrência com vigência
pós-contrato, surge a questão a ser debatida acerca da viabilidade e exeqüibilidade
da referida pactuação.
Nesse sentido, importante entender as expressões viabilidade e exeibilidade
como a possibilidade de a empresa exigir, judicial ou extrajudicialmente, a produção
de efeitos da cláusula, como a cessação da divulgação, exploração ou utilização
indevida dos conhecimentos, informações ou dados confidenciais, bem assim de
outros atos que possam implicar concorrência desleal.
Antes de uma obrigação contratual, a cláusula de não-concorrência encerra
uma vinculação moral a uma obrigação de não concorrer ou praticar atos prejudiciais
ao ex-empregador.
134
No entanto, os efeitos pticos da pactuação é que implicam reconhecimento da
sua viabilidade e exeqüibilidade, pois de nada adiantaria a empresa ter reconhecida
a licitude da obrigação de não-concorrência assumida pelo ex-empregado, se não
dispuser de meios concretos para fazer obstar os atos de concorrência ou ser
ressarcida dos prejuízos causados.
D'outra banda, devem ser assegurados ao ex-empregado os meios de cobrar
os valores ajustados, como a indenização pela "espera remunerada" ou pelo período
de quarentena.
Em alguns países, como os Estados Unidos, as Cortes de Justiça têm apreciado
questões relacionadas à viabilidade e exeqüibilidade dos ajustes, inclusive determinando
134
JOÃO, op. cit., p.64.
59
ao trabalhador a suspensão da prestação dos serviços por conta própria ou para
terceiros, assim como fixando indenizações e reparações.
135
A esse respeito, Regiane T. de Mello João cita decisão do Tribunal Distrital de
Maryland, nos Estados Unidos, proferida no caso Intelus Corp. vs. Bernard Barton.
136
Em 1993, a Intelus, empresa que atuava no ramo de desenvolvimento, vendas e
manutenção de softwares para empresas de assistência médica, contratou Barton
para trabalhar como gerente de conta. Barton atendia clientes em uma região que
abrangia aproximadamente 12 estados americanos, tendo tido papel importante no
desenvolvimento de um dos sistemas da Intelus.
No contrato de trabalho, empregado e empregador haviam estipulado cláusula
de não-concorrência que previa: 1) a proibição de revelação e utilização de infor-
mações confidenciais durante ou após o contrato de trabalho; 2) a proibição por seis
meses após a rescisão contratual de, direta ou indiretamente, trabalhar por conta
própria à pessoa física ou jurídica que concorresse de modo direto com a Intelus;
3) vedação de, por seis meses após o término da relão contratual, assediar clientes,
empregados e pessoas físicas ou jurídicas que prestassem serviços para a Intelus.
A cláusula dispunha que os seus efeitos tinham alcance mundial.
Menos de uma semana após Barton pedir demissão da Intelus, a empresa
MedPlus Inc., que também atuava no mercado de fornecimento de sistemas eletrônicos
para empresas de convênios médicos, informou a contratação de Barton, o que
levou a Intelus a intentar ão para executar a obrigão estipulada, tendo sido provado
que Barton havia mantido contato com antigos clientes da sua ex-empregadora.
A primeira questão suscitada pela defesa de Barton, no sentido de que não
havia limitação territorial na cláusula, foi rejeitada pelo Tribunal que entendeu, no
caso, ser adequada e razoável a pactuação, pois a concorrência entre as empresas
ultrapassava as fronteiras do território americano, alcançando patamares internacionais.
O Tribunal Distrital de Maryland entendeu também que havia risco de danos
irreparáveis à Intelus, reconhecendo o direito de ela de evitar que o seu ex-empregado
usasse sua carteira de clientes para recrutar novos ao seu novo empregador.
135
JOÃO, op. cit., p.64.
136
Ibidem, p.65.
60
Além disso, como Barton o conseguiu provar que sofreria não mais que um
desconforto econômico inerente à mudança de emprego ao ter de formar nova
carteira de clientes e tendo a Intelus indenizado Barton pelo período de quarentena,
a Corte de Maryland o proibiu de prestar serviços para a Medplus por seis meses.
O caso acima demonstra que, mais importante do que se admitir a licitude das
cláusulas de não-concorrência, elas devem ser estipuladas de modo a efetivamente
poder produzir efeitos concretos na proteção da empresa diante de uma situação de
concorrência levada a efeito por ex-empregados.
Com isso, além da estipulação por escrito da cláusula de não-concorrência,
das limitações temporal, espacial, da atividade que será proibida ou limitada e a
previsão de pagamento de uma compensação financeira, a empresa deve cuidar de
fixar de forma clara e precisa obrigões de fazer e o fazer por parte do empregado,
com multas pecuniárias diárias pesadas em caso de descumprimento.
137
Nesse contexto, entende-se que empresa deve estipular a multa pecuniária
diária em valor suficientemente elevado para impedir que o ex-empregado tente
descumprir o fixado, assim como para evitar que o seu concorrente opte por bancar
o empregado, por entender que os riscos compensam a prática do ato de concor-
rência desleal.
Dessa forma, o que deverá ser levado em conta serão os legítimos interesses
do empregador e os riscos de danos irreparáveis ou de difícil reparação.
2.6 MODALIDADES: CLÁUSULA DE PERMANÊNCIA, CONFIDENCIALIDADE,
NÃO-SOLICITAÇÃO E CLAWBACK
Importante ainda se fazer uma distião quanto à forma de atuão das cláusulas
de o-concorrência. Estas podem operar das seguintes formas: a) cláusula de perma-
nência; b) cláusula de não-solicitação; c) cláusula de confidencialidade; d) clawback.
137
Ver minuta de cláusula de sigilo e não-concorrência no Anexo C.
61
2.6.1 Cláusula de Permanência
A cláusula de permanência condiciona a liberdade do empregado em rescindir
o contrato de trabalho, à exceção de justa causa do empregador, obrigando-o a
manter o vínculo por um período mínimo, como contrapartida de investimentos por
parte do empregador em cursos de aperfeiçoamento ou de especialização.
A obrigação de permanência tem sido entendida não como uma obrigação
relativa à execução do contrato de trabalho, mas sim à fixação de um prazo determi-
nado para o empregado o se desligar do empregador justamente por conta de
investimentos feitos pelo empregador naquele empregado específico.
138
A legislação portuguesa admite essa cláusula caso o empregador tenha tido
despesas extraordinárias com a formação do trabalhador, consoante prevê o artigo
147 do Código do Trabalho.
139
Para Antonio Monteiro Fernandes, a cláusula de permanência representa algo
semelhante a um "termo estabilizador", que atua em favor de uma pretensão razoável
do empregador de tirar proveito suficiente do investimento feito na formação e no
desenvolvimento das aptidões profissionais dos trabalhadores.
140
Célio Goyatá, em sentido contrário, entende que tal compromisso representa
violação à liberdade de trabalho assegurada na Constituão Federal, embora considere
válido o direito do empregador pleitear o ressarcimento dos valores gastos com
treinamentos e cursos financiados pelo empregador.
141
138
SANTOS, João Batista dos; SILVA, Juary C. Cláusulas restritivas à liberdade de trabalho. Ltr,
São Paulo, ano 41, p.596, jan. 1977.
139
Artigo 147.
o
Pacto de permanência
"1 - É cita a cláusula pela qual as partes convencionem, sem diminuição de retribuição, a obrigato-
riedade de prestação de serviço durante certo prazo, não superior a ts anos, como compensação de
despesas extraordinárias comprovadamente feitas pelo empregador na formação profissional do
trabalhador, podendo este desobrigar-se restituindo a soma das importâncias despendidas.
2 - Em caso de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador com justa causa ou quando,
tendo sido declarado ilícito o despedimento, o trabalhador não opte pela reintegração, não existe
a obrigação de restituir as somas referidas no número anterior." (CÓDIGO do trabalho. Coimbra:
Almedina, 2006. p.58.)
140
FERNANDES, op. cit. 614.
141
GOYATÁ, Célio. Contrato de estágio e cláusula compromissória no direito do trabalho. LTr, o
Paulo, ano 41, p.1407/1408, jul. 1977.
62
Não compactuamos do mesmo entendimento, na medida em que o empregado
poderá se liberar da obrigão de permanecer vinculado ao empregador se lhe restituir
os valores investidos pelo empregador na formação e no aperfeiçoamento profissionais.
A esse respeito, em 2005, o Tribunal Superior do Trabalho
142
condenou um
Químico a indenizar a Unicamp por descumprimento de compromisso firmado de
permanência de três anos na instituição depois de fazer doutorado na Inglaterra,
com as despesas financiadas pela Universidade de Campinas.
2.6.2 Cláusula de Confidencialidade
Outra modalidade de pacto de não-concorrência é a cláusula de confiden-
cialidade, que encerra a obrigação assumida pelo empregado de não revelar dados
confidenciais após a rescisão do contrato de trabalho.
143
Apesar de esse dever decorrer da aplicação da cláusula geral da boa-fé, que
independente de previsão contratual, pode o empregador reforçá-la descrevendo em
instrumento próprio, de forma clara e precisa, o que e quais são os dados ou
informações confidenciais do empregador
Ainda que possa parecer óbvio, é comum também na celebração de cláusula
de confidencialidade, a previsão expressa de disposição declaratória de que os dados
142
Acesso www.tst.gov.br/notícias, consultado em 02/03/2005.
"Um químico foi condenado a pagar à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) indenização de
R$ 9.126,00, com acréscimo de correção monetária a partir de abril de 2000 e juros de mora.
A Unicamp move ação contra o químico, que exerceu a função de técnico do Centro Pluridisciplinar
de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas, por descumprimento do compromisso firmado de
permanência de três anos na instituição depois de fazer doutorado na Inglaterra. O químico
recorreu no Tribunal Superior do Trabalho contra decisão de segunda instância, mas o mérito da
condenação não foi examinado pela Quinta Turma do TST porque o recurso não foi conhecido
por questão processual. Ele efetuou apenas o depósito das custas judiciais, fixadas em R$ 182,52
na decisão do Tribunal Regional do Trabalho de Campinas (15.
a
Região) que o condenou, e
omitiu-se do depósito recursal.
O químico obteve licença de um ano, entre 1995 e 1996, para fazer doutorado na Inglaterra, no
CSL Food Sciense Laboratory, em Norwich, na área de toxicologia de alimentos. A Unicamp
condicionou o afastamento ao compromisso de ele permanecer na instituição por três anos depois
da especialização no exterior. Em agosto de 1998, antes de cumprir com esse prazo, ele pediu o
desligamento."
143
JOÃO, op. cit., p.51.
63
e as informações sigilosos obtidos ou fornecidos ao empregado serão utilizados
somente a serviço do empregador.
Assim, toda e qualquer pactuação nesse sentido deve observar aos critérios
de razoabilidade, de acordo com as atividades que o empregado exercia e das
informações a que teve acesso, porque algumas atividades sofrem mudanças muito
mais rápidas que outras.
2.6.3 Cláusula de Não-Solicitação
A cláusula de não-solicitação está mais relacionada às atividades comerciais
do empregador, possuindo objeto mais restrito do que as outras.
A o-solicitação consiste na obrigação do ex-empregado de se abster de
aliciar clientes, fornecedores ou empregados de seu ex-empregador, sendo proibida
a procura por antigos clientes do empregador, visando estritamente à proteção da
clientela, justificando-se nos casos em que o ex-empregado tem relação muito
próxima com esta.
144
No entanto, importante referir que apesar desse aliciamento a clientes poder
configurar ato de concorrência para com o ex-empregador, não haveria a restrição de
o empregado empreender, por conta própria ou por intermédio de terceiros, atividade
comercial relacionada à sua antiga ocupação.
2.6.4 Clawback
Muito praticada nos Estados Unidos, por clawback denomina-se a variação da
cláusula de não-concorrência inserida nos programas de distribuição de ações a
empregados, pela qual se permite às empresas a reversão dos benefícios distribuídos
aos empregados que venham a praticar atos considerados prejudiciais à empresa e
144
JOÃO, op. cit., p.52.
64
que impliquem concorrência ao empregador, aliciamento de clientes, ofensas ao
empregador e violação de dados ou informações sigilosas.
145
O prazo estipulado nessas cláusulas varia de seis meses a dois anos a contar
da data do exercício do programa de distribuição de ações ou da rescisão contratual.
Embora não estejam diretamente inseridas no contrato de trabalho, mas sim
em programas de distribuição de ações, constituem verdadeiras cláusulas de não-
concorrência aplicáveis às relações de trabalho.
2.7 DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ COMO BALIZADOR DA CONCORRÊNCIA NA
RELAÇÃO INDIVIDUAL DE TRABALHO
O contrato de trabalho tem por objeto a prestação de serviços de maneira
subordinada, pessoal e continuada, quando o empregado coloca à disposição do
empregador sua força de trabalho em troca de uma contraprestação econômica.
Assim, o empregado fica à disposição do empregador executando ou aguardando
ordens de modo a possibilitar que este alcance seus objetivos econômicos e sociais.
Para Sergio Pinto Martins, "o contrato de trabalho não é, portanto, instantâneo,
como na venda e compra, em que o comprador paga o preço e o vendedor entrega
a mercadoria."
146
A continuidade se revela no fato de que as prestações se renovam constan-
temente, não se exaurindo numa simples contraprestação, devendo o contrato de
trabalho ser entendido sob a concepção de Judith Martins-Costa, ou seja, uma
relação obrigacional "como um processo e como uma totalidade concreta"
147
, que
acaba por romper o modelo tradicional do direito das obrigações, que tinha como
fundamento a valorização da vontade, inaugurando um novo paradigma jurídico que
é a boa-fé objetiva.
145
JOÃO, op. cit., p.53.
146
MARTINS, Sergio Pinto. A continuidade do contrato de trabalho. 1998. Tese (Doutoramento)
Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1998. p.130.
147
MARTINS-COSTA, op. cit., p.394.
65
E dentro dessa concepção de vínculo obrigacional considerado como uma
totalidade, além dos deveres que nascem do próprio contrato e da lei (deveres
principais de prestação), podem surgir outros deveres denominados instrumentais ou
funcionais, decorrentes de princípios e modelos que acabam sendo viabilizados pela
aplicação da boa-fé objetiva.
148
Em outras palavras, pode-se afirmar que o contrato de trabalho, no transcorrer
de sua execução, muitas vezes em razão das dificuldades enfrentadas pelas partes
e por conta da impossibilidade de previsão e regulação de todas as suas hipóteses,
pode gerar outros direitos e deveres que não aqueles expressamente provindos da
declaração de vontade emanada da lei ou do contrato, mas sim decorrentes de
fatores avoluntarísticos.
149
Tais fatores poderão representar a criação de deveres jurídicos à contraparte
(deveres laterais, anexos ou secundários ao principal), cuja existência está dire-
tamente atrelada à incidência de princípios e modelos de conduta de cunho social
e constitucional.
Esses deveres que não derivam necessariamente de ato de vontade ou de
norma legal, mas da aplicação do princípio da boa-fé, poderão se fazer presentes
antes mesmo da conclusão do contrato de trabalho (o que explica, p. ex., o dever de
informar no período pré-contratual), durante a sua execução, ou amesmo após
encerrado o contrato de trabalho, quando pode incidir a chamada responsabilidade
pós-contratual ou culpa post pactum finitum.
Jo Luiz de Los Mozos afirma que os deveres propriamente pós-contratuais se
verificam quando a boa-fé exige, segundo as cisrcunstâncias, que os contratantes,
após o término da relação contratual, omitam toda a conduta mediante a qual
parte se veria despojada ou veria essencialmente reduzidas as vantagens oferecidas
pelo contrato.
150
148
BARACAT, Eduardo Milléo. A boa-fé no direito individual do trabalho. o Paulo: Ltr, 2003. p.180.
149
Expressão reiteradamente utilizada por Judith Martins-Costa para expressar obrigações e deveres
impostos às partes de uma relação jurídico-contratual que não tenham sido objeto de expressa
declaração de suas vontades.
150
BARACAT apud DE LOS MOZOS, José Luis. El principio de la buena fe. Barcelona: Bosch,
Casa Editorial, 1965. p.263.
66
Para Menezes Cordeiro, "a confiança requer protão, no peodo subseente
ao da extinção do contrato, das expectativas provocadas na sua celebração e no
seu cumprimento, pelo comportamento dos intervenientes".
151
Dentro dessa nova concepção do contrato de trabalho em que se destaca a
característica de débito permanente, surgem deveres anexos ou secunrios viabilizados
pela cláusula geral da boa-fé e que transcendem o cumprimento das obrigações
principais, que torna lícita a reponsabilização de uma parte, mesmo já concluída uma
relação contratual.
Assim, por incidência do princípio da boa-fé objetiva, "existem deveres nascem
antes da relação obrigacional e perduram após sua extinção, que independem da
vontade das partes, ou de previsão legal".
152
2.7.1 Cláusula Geral da Boa-Fé
Segundo o magistério de Américo Plá Rodrigues, "a boa-fé constitui um
ingrediente indispensável para o adequado cumprimento do direito".
153
A noção de boa-consiste na obrigação de as partes agirem com confiança e
lealdade recíprocas, de modo a garantir a segurança das relões jurídicas, significando,
ainda, a colaboração mútua na execução e interpretação de um contrato.
154
Para Judith Martins-Costa, a boa-objetiva significa "modelo de conduta social,
arquétipo ou standard jurídico, segundo o qual 'cada pessoa deve ajustar a própria
conduta a este arquétipo, obrando como obraria um homem reto: com honestidade,
lealdade e propriedade'".
155
151
MENEZES CORDEIRO, Antônio Manuel da Rocha. Da boa-fé no direito civil. 2. reimp. Coimbra:
Almedina, 2001. p.630.
152
BARACAT, op. cit., p.264.
153
PLÁ RODRIGUES, Américo. Princípios de direito do trabalho. 6. tir. São Paulo: LTr, 1998. p.271.
154
GOMES, Orlando. Contratos. 26.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p.46.
155
MARTINS-COSTA, op. cit., p.411.
67
A mesma autora preceitua que no conceito de boa-fé objetiva está presente
a idéia de "regra de conduta fundada na honestidade, na retidão, na lealdade e,
principalmente, na consideração para com os interesses do 'alter', visto como um
membro do conjunto social que é juridicamente tutelado", daí se inserindo a "considerão
para com as expectativas legitimamente geradas, pela própria conduta, nos demais
membros da comunidade, especialmente no outro pólo da relação obrigacional".
156
Importante referir que este padrão de conduta deve levar em conta as circuns-
tâncias do caso concreto, tais como a situação pessoal e cultural das partes envolvidas,
não sendo possível uma aplicão mecânica do arquétipo judico, do tipo de subsunção
dos fatos à norma, revestindo-se, pois, de variadas formas e concreções.
157
Por isso mesmo é que a doutrina
158
não admite ser possível se tabular ou se
predeterminar o significado da valoração e dos deveres resultantes da aplicação da
boa-fé, porque se trata de uma norma cujo conteúdo não pode ser rigidamente
fixado, dependendo das circunstâncias do caso, havendo, assim, a necessidade de
sua aplicação num sistema aberto, que enseja permanente construção e reflexão.
Hodiernamente a cláusula geral da boa-fé se encontra expressa previsão
legal no artigo 422 do Código Civil vigente que preconiza que "os contratantes são
obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os
princípios de probidade e boa-fé".
Nessa linha de idéias, dispondo o parágrafo único do artigo 8.
o
, da Conso-
lidação das Leis do Trabalho que "o direito comum sefonte subsidiária do direito
do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais
deste", forçoso é reconhecer que em toda e qualquer relação de emprego, devem as
partes se pautar pela cláusula geral da boa-fé.
A esse respeito, a jurisprudência trabalhista vem reconhecendo a aplicação
da boa-fé objetiva no Direito do Trabalho:
156
MARTINS-COSTA, op. cit., p.412.
157
Idem.
158
BARACAT, op. cit., p.180; COUTO E SILVA, Clovis. A obrigação como processo. São Paulo:
Jose Bushtsky, 1976. p.36; MARTINS-COSTA, op. cit., p.412 e 413.
68
PRINCÍPIO DA BOA OBJETIVA - PREVISÃO POR OCASIÃO DA ADMISSÃO
DE ELEVAÇÃO NÍVEL NA FUNÇÃO CONTRATADA COM O PASSAR DE
DETERMINADA QUANTIDADE DE ANOS DE TRABALHO
- O Direito do Trabalho,
assim como o Direito privado em geral, assenta-se no princípio da boa
lealdade (ou boa objetiva), o qual impõe uma honestidade e honradez no
comércio jurídico, justamente por conter implícita a consciência de o
enganar, não prejudicar, nem causar danos ao outro contratante. A entrega,
pelo empregador contratante ao empregado contratado, de documento em
que se prevê, expressamente, a elevação de nível na função de técnico
com o passar de determinada a quantidade de anos fez surgir para este
último a justa expectativa de que se tratava de típico compromisso contratual
assumido pelo contratante, e ao qual se vinculou juridicamente o empregador,
obrigando-se, pois, ao seu efetivo cumprimento, por força justamente do
citado princípio da boa objetiva. Sentença reformada para se deferir as
diferenças postuladas.
159
Desse modo, no âmbito das relações individuais de trabalho, existem para as
partes não deveres e obrigações de cunho patrimonial, como também e princi-
palmente, de ordem pessoal e ética, atuando a cláusula geral da boa-fé objetiva
como verdadeiro balizador da concorrência na relação individual de trabalho.
2.7.2 Norma Criadora de Deveres Jurídicos
Conforme mencionado, ao se entender o nculo obrigacional como uma
totalidade e um processo, além das obrigações principais que constituem o núcleo
central da relação (p. ex., o de prestar o trabalho, pelo empregado, e a prestação
de pagar os salários, pelo empregador), existem deveres secundários meramente
acessórios da obrigão principal, que se destinam a preparar e a viabilizar o cumpri-
mento da obrigação principal (p. ex., o fornecimento de trabalho pelo empregador e
o comparecimento ao trabalho, pelo empregado).
Existem, também, os deveres secundários como prestação autônoma (p. ex., o
dever de indenizar decorrente da impossibilidade culposa da prestação e indenizão
do seguro contra acidentes do trabalho que o empregador deixa de realizar).
160
159
PARANÁ, Tribunal Regional do Trabalho da 9.
a
Região, processo 03034-2006-028-09-00-6, acórdão
n.
o
8745-2008 - 4A. TURMA, Relatora SUELI GIL EL-RAFIHI, publicado no DJPR em 19-08-2008.
160
BARACAT, op. cit., p.217.
69
Há, ainda, os deveres instrumentais ou laterais, anexos, acessórios de conduta,
de proteção ou chamados de deveres de tutela, que derivam da aplicação da
cláusula geral da boa-fé e se dirigem, indistintamente, a ambos os participantes da
relação contratual.
Tais deveres não estão direcionados diretamente ao cumprimento da prestação
ou dos deveres principais, mas sim ao exato processamento da relação obrigacional,
ou seja, atuam como uma função auxiliar do cumprimento efetivo da finalidade
contratual e como forma de proteção à pessoa e aos bens da outra parte contra os
riscos de danos. Atuam, verdadeiramente, no interesse de conservação dos bens
patrimoniais e pessoais que podem ser afetados por conta da relação contratual.
161
Como adverte Carlos Alberto da Motta Pinto: "são deveres de adoção de
determinados comportamentos, impostos pela boa-fé em vista do fim do contrato [...]
dada a relação de confiança que o contrato fundamenta, comportamentos variáveis
com as circunstâncias concretas da situação".
162
Assim, a boa-fé, que além de atuar como fonte de integração do conteúdo do
contrato, determinando um ou outro comportamento à parte, conforme um padrão
médio de conduta, atua como verdadeira norma criadora de deveres jurídicos.
Isso porque, independentemente de esses deveres laterais ou de conduta terem
merecido expressa previsão legal ou contratual, acabam sendo invocados como
decorrência do resultado do processo de aplicação e interpretação da cláusula geral da
boa-fé objetiva, tendo-se sempre como norte uma idéia de relação de cooperação.
No entanto, a concretização desses deveres instrumentais somente se eviden-
ciará para o julgador, de modo a possibilitar a correção das desigualdades substanciais
surgidas no decorrer de uma relação contratual, se a relação obrigacional for
compreendida de acordo com a idéia de "totalidade e processo", perspectiva essa
muito bem defendida por Vera Maria Jacob de Fradera:
161
MARTINS-COSTA, ob. cit., p.440.
162
MOTTA PINTO, Carlos Alberto da. Cessão de contrato. São Paulo: Saraiva, 1985. p.281.
70
O ponto de partida para a compreensão do dever anexo ou secundário é
analisar a relação jurídica vista como uma 'totalidade' e o vínculo jurídico
que une os participantes da relação entre si, como 'ordem de cooperação',
de que resulta uma unidade. Assim visualizada a relação obrigacional, credor
e devedor deixam de ser antagonistas para se volverem em colaboradores
na consecução do adimplemento, fim que polariza as atividades de ambos
os sujeitos da relação.
163
Dentre os deveres advindos desse processo hermenêutico-integrativo, pode-se
citar, exemplificativamente, os seguintes: deveres de cuidado, previncia e segurança;
deveres de aviso, esclarecimento e informação; colaboração e cooperação; deveres
de proteção e cuidado com a pessoa e o patrimônio da parte contrária; dever de
lealdade; e deveres de sigilo e não-concorrência.
Apesar da relevância de todos eles, apenas os três últimos serão analisados
nos tópicos seguintes, dadas as suas estreitas correlações com o balizamento da
concorrência no âmbito das relações individuais de trabalho.
2.7.3 Do Dever de Lealdade
De acordo com Menezes Cordeiro, os deveres de lealdade "vinculam os
negociadores a não assumir comportamentos que se desviem de uma negociação
correcta e honesta".
164
O dever de lealdade decorre da própria essência do contrato de trabalho,
sendo reflexo máximo do princípio da boa-fé inerente à execução de todo contrato.
O contrato de trabalho, por ser sinalagmático, insere o trabalhador no sistema
organizacional e produtivo da empresa até mesmo para que este possa bem desen-
volver as atividades para as quais foi contratado, sendo essencial, assim, que se
estabeleça uma relação de confiança e lealdade, a chamada fidúcia contratual.
Apesar de não constar expressamente da legislação positivada, a obrigação
de lealdade consiste no ato de o empregado se abster, no desempenho de suas
163
FRADERA, Vera Maria Jacob de. O dever de informar do fabricante. Revista dos Tribunais, São
Paulo,v.4, p.176, 1990.
164
MENEZES CORDEIRO, op. cit., p.583.
71
atividades no ambiente da empresa ou fora dela, de praticar atos que venham ou
possam vir a prejudicá-la.
Nesse sentido, não deve tratar de negócios, por conta própria ou de terceiros,
em concorrência com seu empregador, nem divulgar notícias ou informões relativas à
organização e aos todos de produção da empresa, ou ainda, fazer uso delas
prejudicando a empresa ou para negociar uma melhor condição profissional.
A lealdade é quesito essencial na contratação do trabalho subordinado e está
vinculada à iia de atuação conseqüente do empregado e do empregador, considerando
que ao estipularem um contrato de trabalho, o trabalhador se obriga a colaborar e a
prestar serviços em prol deste. O empregador, por sua vez, repassa-lhe todas as
informações e técnicas necessárias à execução do serviço.
Com isso, esse recíproco dever de lealdade o permite ao empregado fazer
concorrência ao empregador, ou ainda, valer-se de informações e conhecimentos
conseguidos em virtude de sua própria participação no dia-a-dia da empresa.
Dessa forma, pode-se dizer que o dever de lealdade do empregado ao seu
empregador se traduz principalmente em duas obrigações: o dever de guardar os
segredos de empresa e a abstenção de atos de concorrência ilícita.
2.7.4 Dos Deveres de Não-Concorrência e Sigilo
Os deveres de sigilo e não-concorrência decorrem do dever de informação.
A parte que obtém ou obteve uma informação ou acesso a um segredo da
contraparte deve ter todo o cuidado e a obrigação de não divulgá-lo a terceiros,
principalmente se forem concorrentes de seu empregador.
Ao contrário do dever de lealdade, os deveres de não-concorrência e sigilo
constam expressamente da legislação trabalhista quando trata da matéria concernente
à não-concorrência ao empregador.
Como mencionado, o artigo 482 da
CLT
inclui no rol das hipóteses que
constituem justa causa à rescisão do contrato de trabalho por culpa do empregado o
disposto na alínea "c", que tipifica como falta grave do empregado "a negociação
habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador e quando constituir
72
ato de concorrência à empresa para qual trabalha o empregado,ou for prejudicial ao
serviço" e a alínea "g" capitula a hipótese de "violação de segredo da empresa".
Além disso, a Lei n.
o
9.279/96 tipifica como crime de concorrência desleal a
quebra do dever de sigilo mesmo após o término do contrato de trabalho, assim:
Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem:
[...] omissis;
IX - dá ou promete dinheiro ou outra utilidade a empregado de concorrente, para
que o empregado, faltando ao dever do emprego, lhe proporcione vantagem;
X - recebe dinheiro ou outra utilidade, ou aceita promessa de paga ou
recompensa, para, faltando ao dever de empregado, proporcionar vantagem
a concorrente do empregador;
XI - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos,
informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou
prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento blico
ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso
mediante acesso contratual ou relação empregatícia, mesmo após o término
do contrato;
A obrigação de sigilo a que está submetido o empregado por força de relação
empregatícia não inclui, obviamente, a utilizão de sua experncia profissional adquirida
ao longo dos anos, posteriormente repassada em proveito de um novo empregador.
É de se ressaltar, no entanto, que é bastante tênue a habilidade e a experncia
pessoal adquirida ao longo do tempo e o uso de conhecimento de dados, informações
ou técnicas confidenciais do ex-empregador aos quais o empregado teve acesso em
decorrência da prestação dos serviços como empregado e postos à disposição deste
para uso exclusivo nos limites dessas atividades.
73
3 DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
INCIDENTES NA RELAÇÃO DE PROTEÇÃO DO CONHECIMENTO E DOS
SEGREDOS DE EMPRESA
3.1 DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS TUTELÁVEIS: DA APLICAÇÃO DOS
DIREITOS FUNDAMENTAIS AOS PARTICULARES
O advento dos direitos fundamentais teve raízes no liberalismo, contexto em que
se buscaram formas de estimular a livre iniciativa do cidadão (lassez faire) mediante
a limitação do poder do Estado.
A estrutura estatal que naquele momento histórico não conhecia limites e era
tida como poder absoluto (verdadeira summa potestas) passou a estar limitada por
uma rie de premissas fundamentais, o que ocasionou o surgimento do fenômeno
do constitucionalismo (constituições escritas) e das codificações.
O movimento para a criação de direitos fundamentais como limite ao Estado
Absolutista foi permeado de muitas guerras, conflitos e acontecimentos que fizeram
triunfar a plataforma liberal: desde a Revolução Gloriosa Inglesa e o Bill of Rights do
Século
XVII
até a Escola de Direito Público Alemã, que veicula o conceito de "Estado
de Direito" (rechtsstaat)
165
.
Os direitos fundamentais, originariamente considerados como mecanismos
idealizados para conter os poderes estatais, podem ser invocados nas relações entre
estes e os particulares. Tal idéia de eficácia vertical dos direitos fundamentais
constitui-se na gênese dos direitos fundamentais, a razão primeira pela qual foram
criados e que permanece viva aos dias de hoje: libertar o cidadão das amarras do
Estado, para que ele possa exercer a sua livre iniciativa.
Contudo, dada a importância desses direitos – que congregam os direitos à vida,
à propriedade, à privacidade, à dignidade da pessoa humana surgiram movimentos
a partir dos anos 1950, tanto nos Estados Unidos como na Europa (principalmente
165
STEINMETZ, Wilson. A vinculão dos particulares a direitos fundamentais. o Paulo: Malheiros,
2004. p.65.
74
na Alemanha), a fim de justificar a sua aplicação nas relações privadas, àquelas em
que os particulares estão (ao menos teoricamente) em posição de igualdade, e
detêm os mesmos direitos em face do Estado.
166
A tentativa de imprimir eficácia aos direitos fundamentais nas relações entre
particulares a chamada eficácia horizontal dos direitos fundamentais vem até os
dias de hoje sofrendo críticas, já que implica cerceamento e mitigação da liberdade e
autonomia privadas, dogmas da sociedade liberal, tidos até então por inabaláveis.
167
Para os defensores da eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre
particulares, o início da discussão ocorreu com o desencadeamento do Estado Social
de Direito, em que o alcance dos direitos fundamentais transcendeu as relações entre
os indivíduos e o Estado, passando a envolver a sociedade que, com a ampliação
das atividades estatais, participa mais ativamente do exercício do poder.
Por isso, diz-se que os direitos fundamentais perderam a característica de
direito meramente subjetivo do indivíduo, passando a adquirir, ao longo do tempo,
uma dimensão objetiva, que os torna oponíveis não ao Estado, como também
aos particulares.
A primeira corrente – da eficácia indireta ou mediata (mittelbare indirekte
Drittwirkung) – liderada pelo alemão Günter Dürig
e ainda hoje adotada
pela maioria dos
juristas alemães condiciona a eficácia dos direitos fundamentais entre particulares
a um prévio processo de integração das cláusulas gerais e conceitos indeterminados
de direito privado aos direitos fundamentais, uma escie de recepção destes direitos
pelo direito privado.
Para rig,
é preciso a construção de "pontes" entre o direito privado e a
Constituição, para que o primeiro possa legitimamente se submeter aos valores
constitucionais sem que haja o extermínio do princípio da autonomia da vontade.
168
A construção de tais "pontes" ficaria a cargo do Poder Legislativo e não do
Poder Judiciário, justamente como forma de não outorgar demasiados poderes a
este último, o que poderia comprometer a própria liberdade individual/autonomia da
vontade, que ficaria à mercê da discricionariedade dos magistrados.
166
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2006. p.392.
167
SARMENTO, Direitos fundamentais..., p.186.
168
Ibidem, p.198.
75
Portanto, a proteção dos direitos fundamentais seria de incumbência do próprio
direito privado, que se manifestaria por meio da atividade do legislador.
A segunda corrente – da eficácia direta ou imediata (unmittelbare direkte
Drittwirkung) , igualmente com raízes no direito aleo, sendo seu precursor Hans Carl
Nipperdey (início da década de 1950), o tolera a limitação dos direitos fundamentais
pelos dogmas do direito privado ante a supremacia inerente à ordem constitucional.
169
Para essa teoria, há determinados direitos fundamentais que podem ser invocados
diretamente nas relações entre particulares, já que se revestem de eficácia absoluta
170
e "oponibilidade erga omnes"
171
.
Nipperdey justifica a sua teoria com base na constatação de que os perigos
que circundam os direitos fundamentais na sociedade contemporânea não prom
apenas do Estado, mas também de particulares que concentram poder capaz de
sujeitar outros particulares, como ocorre nas relações de consumo e trabalhistas, em
que uma das partes é notoriamente mais forte que a outra.
Ao contrário da teoria da eficácia indireta ou mediata dos direitos fundamentais
nas relações privadas, a tese da eficácia direta pressupõe uma maior atuação do
Poder Judiciário, o que suscita muitas críticas, no sentido de que a sua aceitação
equivaleria a admitir o sacrifício absoluto da autonomia privada que, igualmente,
constitui-se em princípio implícito assegurado no Brasil em diversos dos dispositivos
da Constituição Federal, dentre eles o art. 1.
o
, IV, 5.
o
, caput e incisos
XIII
e
XXII
, e
inúmeros outros.
Referida tese, embora não tenha logrado grande aceitação da Alemanha, é
majoritária em países europeus como a Espanha e Portugal.
172
Diferentemente do que ocorre em Portugal, o constituinte brasileiro não previu
regra expressa de eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre particulares.
Daí advém a dificuldade em se identificar as situações práticas que demandam a
incidência da tese da eficácia dos direitos fundamentais entre particulares.
173
169
SARMENTO, Direitos fundamentais..., p.204.
170
CANOTILHO, Joaquim JoGomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 6.ed. Coimbra:
Almedina, 2002. p.448.
171
SARMENTO, Direitos fundamentais..., p.204.
172
CANOTILHO, Direito constitucional e teoria..., p.449.
173
SARMENTO, Direitos fundamentais..., p.205.
76
Importante ressaltar que a complexidade da situação somente existe quando
se tratar de situações entre particulares em posição de igualdade.
nos casos em que uma das partes é detentora de poder social, um
relativo consenso, no sentido de transportar para a esfera privada a teoria da
eficácia direta dos direitos fundamentais justamente porque essa parte se equivale
em dada relação jurídica, em termos de supremacia, ao próprio Estado (guardadas
as devidas proporções).
174
Essa é, exatamente, a posição adotada pela 2.
a
Turma do Supremo Tribunal
Federal no julgamento do Recurso Extraordinário n.
o
201.819-8/RJ,
175
em que a
Corte entendeu pela eficácia dos direitos fundamentais em relação jurídica travada
entre a União Brasileira de Compositores e Arthur Rodrigues Villarinho, dentre outras
razões, justamente porque tal situação espelhava uma desigualdade latente entre as
partes, que impunha uma maior proteção àquela que se mostrava mais frágil, já que
excluída de uma entidade sem lhe ser franqueada a garantia do contraditório e da
plenitude de defesa.
Então, quando desigualdade entre as partes, como no caso das relações
de consumo, de trabalho, dentre outras, a tendência é a utilização da teoria da
eficácia direta dos direitos fundamentais.
É o que espelha o precedente do Supremo Tribunal Federal, além de outros
oriundos de Tribunais Regionais do Trabalho.
176
Dessa forma, é possível dizer que, no Brasil, a tendência é para a adoção da
teoria da eficácia direta dos direitos fundamentais, já que a Constituição Federal, por
174
SARLET, A eficácia..., p.362.
175
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 201819, da 2.
a
Turma. Recorrente:
UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES – UBC. Recorrido: ARTHUR RODRIGUES VILLARINHO.
Redator do Acórdão Min. Gilmar Mendes. DJU 27/10/2006, p.64. Juris ntese IOB, Porto Alegre,
n. 68, nov./dez. 2007. Não paginado. CD-ROM. (ementa transcrita no Anexo D).
176
RONDÔNIA, Tribunal Regional do Trabalho da 14.
a
Rego, processo RO n.
o
00744.2005.091.14.00-2,
Relatora Juíza VANIA MARIA DA ROCHA ABENSUR, DOJT de 22.12.2005, ementa:
DANOS MORAIS REVISTA ÍNTIMA CONDUTA OFENSIVA À HONRA E À DIGNIDADE DOS
EMPREGADOS INDENIZAÇÃO VIOLAÇÃO A PRECEITOS CONSTITUCIONAIS O poder
fiscalizador do empregador proceder revista em seus empregados encontra limite na garantia de
preservação da honra e intimidade da pessoa física do trabalhador, conforme preceitua o inciso X
do artigo 5.
o
, da Constituição da República. A realização de revista sem a observância de limites
impostos pela ordem jurídica acarreta ao empregador a obrigação de reparar, pecuniariamente,
os danos morais causados.
77
dar grande espaço aos direitos fundamentais, é incompatível com a adoção das
teorias mais radicais, como a alemã da eficácia indireta ou mediata.
Assim, levando-se em conta que na relação trabalhista em que se estipula
cláusula de o-concorrência, alguns direitos fundamentais eso inseridos, importante
destacar aqueles que mais diretamente incidem na relação de proteção do conheci-
mento e dos segredos de empresa, admitindo-se a teoria da eficácia direta dos
direitos fundamentais.
3.1.1 Da Liberdade de Trabalho e Profissão
A liberdade de trabalho e profissão, um dos mais clássicos direitos fundamentais
das pessoas, vem recebendo tratamento constitucional desde a Constituição de 1824.
Entretanto, de uma carta constitucional para outra, algumas alterações em
seus enunciados normativos ocorreram, com amplitude e limites variáveis.
Enquanto a Constituição de 1824 fez refencia a qualquer nero de "trabalho"
(art.179,
XXIV
), os enunciados das Cartas de 1891 e 1934 mencionaram apenas o
livre exercício de qualquer "profissão" (art. 72, § 24, da Constituição de 1891; e
art. 113, n.
o
13 da Constituição de 1934).
a Carta de 1937, em seu art. 122, n.
o
8, referiu-se à liberdade de escolha
de "profissão" ou do gênero de "trabalho", aludindo às terminologias utilizadas pelos
textos constitucionais anteriores.
Por outro lado, a partir de 1934, os textos constitucionais m admitindo expres-
samente a imposição de condicionamentos legais ao exercício do direito. O art. 113,
n.
o
13, da Constituição de 1934, determinava a observância das condições de
capacidade técnica e outras que a lei estabelecesse, ditados pelo interesse público.
As Constituições de 1946 e 1967, no entanto, referiam-se expressamente apenas
a condições de capacidade como restritivas ao exercício do direito, abandonando a
explicitação daquelas ditadas pelo interesse público.
78
Atualmente, o direito ao livre exercio de qualquer trabalho, ocio ou profissão
encontra previsão no artigo 5.
o
, inciso
XIII
, da Constituição Federal de 1988.
177
Tal como as demais liberdades públicas, o direito ao livre exercício de qualquer
trabalho, ofício ou profissão corresponde a poderes de agir atribuídos a todos,
reconhecidos e tutelados pelo ordenamento jurídico.
178
Assim, a norma constitucional visa assegurar aos seus destinatários a prerrogativa
de realizar – ou não – determinadas ações ou atividades.
Por outro lado, proíbe a ingerência, principalmente por parte dos órgãos estatais,
com a finalidade de obstar o seu exercio, impondo, a priori, um dever de abstenção.
Ademais, incumbe o Estado da tarefa de impedir e evitar a inobservância dos
preceitos normativos que enunciam o direito de liberdade, bem assim a de estabelecer
meios para coibir, inclusive judicialmente, eventuais violações.
Para Jorge Miranda, a liberdade de trabalho liberdade de profissão ou liberdade
dirigida a uma actividade com relevância econômica, identificada por factores
objectivos sociais e jurídicos" e que se revela "tanto na liberdade de escolha quanto
na liberdade de exercício de qualquer profissão, visto que uma pressupõe a outra
(embora a primeira tenha um alcance bem maior que a segunda)".
179
O enunciado normativo insculpido no inciso
XIII
do art. 5.
o
da Constituição
Federal assegura, portanto, determinados poderes de agir sem a interferência do
Estado, ressalvados os casos constitucionalmente admitidos.
Então, quais são os principais desdobramentos decorrentes do direito ao livre
exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão?
O primeiro deles representa a prerrogativa conferida aos titulares do direito, de
optar pelo gênero de atividade laboral que considerarem mais conveniente e afeto aos
seus interesses e vocações, ou seja, um verdadeiro poder de escolha profissional.
180
177
Art. 5.
o
, inciso XIII, da CF/88: "É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as
qualificações profissionais que a lei estabelecer."
178
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. o Paulo: Saraiva,
2007. p.28.
179
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 4.ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2008. Tomo IV.
p.439.
180
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à constituição brasileira de 1988. o Paulo,
Saraiva, 2000. v.1. p.28.
79
Outro desdobramento que decorre do direito ao livre exercício de qualquer
trabalho, ofício ou profissão é a garantia de meios e formas à obtenção das condões
necessárias ao exercício das respectivas atividades laborais, principalmente aquelas
atividades que demandam a observância de "qualificações profissionais" exigidas
em lei.
181
Visto de outro ângulo, decorre do direito ao livre acesso às profissões que todos,
desde que possuam as "qualificações profissionais" exigidas, tenham de modo igual
o direito de exercer a profissão escolhida.
Trata-se do que Pontes de Miranda denominou direito à exclusão do privilégio
de profissão, ou seja, as profissões ou determinada categoria de atividades laborais
não podem – como nas antigas corporações de ofício – constituir privilégio de
determinados grupos ou classes.
182
A aquisição do saber, indispensável à formação profissional, bem como o
exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão devem consistir em oportunidades
franqueadas a todos, sem discriminações em razão de sexo, raça, origem, atividade
lícita anteriormente exercida, religião, idéias políticas.
183
Outro desdobramento decorrente do direito ao livre exercício de qualquer trabalho,
ocio ou profiso é a faculdade concedida aos seus titulares de, a qualquer tempo, mudar
de atividade ou profissão, possibilitando à pessoa alterar seus planos profissionais.
184
No entanto, como todas as demais manifestações de liberdade, a liberdade de
trabalho, ofício ou profissão não é absoluta, deve ser entendida em harmonia com
os demais preceitos constitucionais.
Nessa linha de raciocínio, José Afonso da Silva classifica a liberdade de ação
profissional prevista no artigo 5.
o
, inciso
XIII
da Constituição Federal de 1988, como um
direito individual e o como uma liberdade de conteúdo social ou proteção aos traba-
lhadores, já que tal dispositivo não garante o trabalho nem assegura o seu conteúdo.
181
LEAL, Roger Stiefelmann. Atividade profissional e direitos fundamentais: breves considerações
sobre o direito ao livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/revistajuridica/index.htm>. Acesso em: 17 out. 2008.
182
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Comentários à constituição de 1967 com a
emenda n. 1, de 1969. Rio de Janeiro: Forense, 1987. Tomo V. p.536.
183
LEAL, op. cit.
184
MIRANDA, op. cit., p.440.
80
Nessa mesma direção, a doutrina francesa entende que a liberdade de trabalho
está sujeita a certas limitações legais, algumas em relação à pessoa do trabalhador
(de idade, nacionalidade e de aptidão física) e outras em virtude de outros requisitos
específicos de profissões regulamentadas (diplomas ou outras certificações).
185
Dessa forma, apesar de ter o legislador constituinte inserido a liberdade de
trabalho e exercício profissional no rol de direitos fundamentais, emprestando-lhe
forte conteúdo valorativo, o se pode entender que a Constituição lhe emprestou o
conceito de liberdade de trabalho plena, na medida em que está sujeita a certos
condicionamentos legais, alguns em relação à pessoa do trabalhador e outros em
razão de alguns requisitos específicos para poder exercê-la.
3.1.2 Do Direito de Propriedade
O Direito exerce e sofre influência da sociedade, especialmente em razão de
valores por ela considerados relevantes e dignos de tutela num dado momento histórico.
Em razão disso, o direito de propriedade também sofreu mudanças com o
passar do tempo, a fim de tentar acompanhar os fenômenos sociais.
Influenciada pelos movimentos liberais decorrentes da Revolução Francesa,
pela força da Declaração dos Direitos dos Homens e do Cidadão de 1789
186
e pela
codificação ocorrida na Europa no final do século
XIX
, que inclusive refletiu no
Código Civil Brasileiro de 1916, a propriedade assumiu uma feição liberal-individualista.
187
185
Limitations de la liberté du travail. Comme la liberté d'entreprendre, la liberté du travail fait l'objet
de certaines limitations légales qui tiennent, les unes à la personne du travailleur (condition d'âge,
de nationalité et d'aptitude physique) et les autres aux exigences particulières des professions
glementées (diplômes ou autres certifications). (LYON-CAEN; PÉLISSIER; SUPIOT, op. cit., p.79).
186
A Declaração dos Direitos dos Homens e do Cidadão de 1789 conceituou a propriedade como um
direito inviolável e sagrado, do qual ninguém poderia ser privado, salvo se por necessidade pública
comprovada e mediante a devida indenização.
187
CORTIANO JUNIOR, Eroulths. O discurso jurídico da propriedade e suas rupturas. Rio de
Janeiro: Renovar, 2002. p.93.
81
Em decorncia dessa carga valorativa recebida, o conceito do direito de proprie-
dade foi construído sobre uma garantia de exclusividade dos poderes proprietários,
que o afastava de quaisquer interferências alheias.
188
No Brasil, a propriedade sempre foi tratada no âmbito constitucional e o direito
de propriedade, nas Cartas de 1824 e 1981, apesar de ser considerado um dos
direitos fundamentais, restringia-o como direito individual de cada cidadão.
189
A Constituição de 1934, influenciada pelas cartas constitucionais do México e
de Weimar, foi a primeira que condicionou o direito de propriedade ao cumprimento
de um interesse social e coletivo, porém, sem muita eficácia.
190
Em 1946, houve um avanço, porque, além de o legislador constituinte ter se
preocupado em condicionar o uso da propriedade ao bem-estar social, incluiu o
regramento da propriedade no campo da ordem econômica e social.
A Constituição de 1967 limitou-se a incluir o direito de propriedade no caput
do artigo que versava sobre os direitos e as garantias individuais sem especificar
os seus termos, como o faziam as Constituições anteriores –, porém incluiu no seu
artigo 157, que a "ordem econômica tem por fim realizar a justiça social, com base
nos seguintes princípios: [...] III - função social da propriedade".
Mas foi com o advento da Constituição Federal de 1988 que a garantia do
direito de propriedade, expressa em diversos de seus artigos e sob a força do valor
da dignidade da pessoa humana, assumiu a necessidade de estar vinculada a uma
dada destinação.
Quem confirma isso é o próprio texto constitucional quando diz no artigo 5.
o
,
XII
, que garantido o direito de propriedade" e, logo em seguida, proclama que
"a propriedade atenderá a sua função social" (art. 5.
o
,
XIII
).
Além disso, o mesmo texto constitucional autoriza a desapropriação com o
pagamento mediantetulos da dívida pública, de propriedade que não atende sua função
188
CORTIANO JUNIOR, op. cit., p.94.
189
Ibidem, 178.
190
GONDINHO, André Osório. Função social da propriedade, In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.).
Problemas de direito civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p.409.
82
social (art. 182
191
, § 4.
o
e 184
192
) e coloca como princípios da ordem econômica a
propriedade privada (art. 170, II) e a função social da propriedade (art. 170, III).
193
Além disso, existem outras normas constitucionais que interagem com a proprie-
dade mediante provisões especiais (art. 5.
o
,
XXIV
e
XXX
,
194
176,
195
183,
196
186
197
).
Mais importante que essas normas que fazem expressa menção à função
social da propriedade, talvez seja outra ordem de normas, igualmente previstas no
191
Art. 182. § 4.
o
- É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída
no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado,
subutilizado ou o utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
I - parcelamento ou edificação compulsórios;
II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;
III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente
aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais,
iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.
192
Art. 184 - Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o
imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em
títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até
vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.
193
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa,
tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados
os seguintes princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
[...]
194
Art. 5.
o
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade
pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os
casos previstos nesta Constituição;
[...]
XXX - é garantido o direito de herança;
195
Art. 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia
hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e
pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra.
196
Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de a duzentos e cinqüenta metros quadrados,
por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua
família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
197
Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo
critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
83
texto constitucional e que vão servir para que se chegue a uma nova concepção do
direito de propriedade.
198
A nova tábua valorativa trazida com a Constituição Federal de 1988 privilegia
valores existenciais em detrimento de valores patrimoniais.
É o caso do artigo 1.
o
, que coloca como fundamentos da República Federativa
do Brasil a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do
trabalho e da livre iniciativa.
199
Também é o caso do artigo 3.
o
da Constituição Federal que arrola como
objetivos fundamentais da República alcançar uma sociedade livre, justa e solidária;
garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir
as desigualdades sociais e regionais; e promover o bem de todos, sem quaisquer
discriminações.
200
Essas normas constitucionais sobre propriedade implicam o reconhecimento
de que ela não pode mais ser considerada como um direito individual-patrimonial,
nem como uma instituição unicamente de Direito Privado, sofrendo o seu conceito
uma relativização para alcançar interesses proprietários e não-proprietários.
201
A concepção contemporânea de propriedade es bem mais próxima da noção
de obrigação do que da concepção clássica de direito real, já que, a partir da incincia
principiológica da Constituição, o caráter absoluto do direito de propriedade vem
sendo amenizado, a ponto de, hoje, reconhecer-se no direito de propriedade uma
natureza prestacional que se opera entre o proprietário do bem e a sociedade.
198
CORTIANO JUNIOR, op. cit., p.184.
199
Art. 1.
o
A República Federativa do Brasil, formada pela união indissovel dos Estados e Municípios e
do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos
ou diretamente, nos termos desta Constituição.
200
Art. 3.
o
Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação.
201
SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 28.ed. São Paulo: Malheiros,
2007. p.270.
84
Nesse sentido, Silvio Venosa assenta que "o direito de propriedade não pode
ser analisado individualmente, fora do seu contexto social. O bem não utilizado ou
mal utilizado é constante motivo de inquietação social".
202
Pontes de Miranda, por sua vez, diz que a Constituição mantém a instituição
da propriedade sem limites quantitativos, porém não permite que o seu mau uso
prejudique a sociedade.
203
Dessa forma, é preciso entender o direito de propriedade como uma relação
entre um indivíduo (sujeito ativo) e um sujeito passivo universal, integrado por todas
as pessoas, tendo o indivíduo o dever de respeitá-lo e utilizá-lo sem que causa
qualquer dano à coletividade.
204
É justamente dentro desse contexto que o direito de propriedade incide na
relão de proteção do conhecimento e dos segredos de empresa, pois a Constituição
lhe assegura a proteção, ao mesmo tempo em que lhe impõe a necessidade de
estar vinculada a uma destinação útil à sociedade e em proveito de terceiros.
3.1.3 Da Proteção à Propriedade Intelectual
Por ser modalidade específica de propriedade privada e estar inserida no
desenvolvimento econômico e social do país, o legislador constituinte conferiu status
de direito fundamental à tutela da propriedade intelectual.
205
Atualmente, a Constituição Federal de 1988, no artigo 5.
o
, inciso
XXVII
, dispõe
que "aos autores pertence o direito exclusivo de utilizão, publicação ou reprodução de
suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar".
202
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direitos reais. São Paulo: Atlas, 2001. p.141.
203
PONTES DE MIRANDA, op. cit., p.48.
204
SILVA, op. cit., p.271.
205
Importante esclarecer que a propriedade intelectual contempla a propriedade industrial (invenções,
modelos de utilidade, desenhos industriais e marcas) e os direitos de autor (propriedade literária,
científica e artística referentes ao autor e as suas obras (direitos autorais). Para Fábio Tokars,
pode-se, ainda, utilizar um critério meramente legal para a distinção das duas espécies de bens
de propriedade intelectual, estando a propriedade industrial regulada principalmente pela Lei
n.
o
9.279/96 e os direitos autorais regulados especialmente pela Lei n.
o
9.610/98. (TOKARS,
Fábio. Primeiros estudos de direito empresarial: teoria geral, direito societário, título de crédito,
direito falimentar, contratos empresariais. São Paulo: Ltr, 2007. p.32).
85
De igual modo, o artigo 5.
o
, inciso
XXVIII
, dispõe que "são assegurados, nos
termos da lei: "a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à
reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;" e "b) o
direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de
que participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações
sindicais e associativas".
Ainda, o mesmo artigo 5.
o
, no seu inciso
XXIX
, dispõe:
A lei assegurará aos autores dos inventos industriais privilégio temporário
para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade
das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em
vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País.
Aurélio Wander Bastos,
206
ao analisar o viés constitucional da propriedade
intelectual, diz que o exercício dos direitos de propriedade industrial está ligado ao
interesse social e deve ser balizado de modo a propiciar o desenvolvimento econômico
e social do país.
207
Inquestionavelmente, houve o reconhecimento, pelo legislador constituinte, da
importância que a propriedade intelectual exerce no mundo contemporâneo, princi-
palmente em decorrência do desenvolvimento tecnológico e científico alcançado nos
últimos anos,
208
atuando como fator determinante da competitividade e produtividade
empresarial.
209
No entanto, os altos investimentos feitos em pesquisa e desenvolvimento
somente o arcados pelas empresas se elas m a garantia de um retorno financeiro
206
BASTOS, Aurélio Wander. Propriedade industrial: política, jurisprudência, doutrina. Rio de Janeiro:
Liber Juris, 1991. p.20.
207
Robert E. Everson, em estudo estatístico, concluiu que o fortalecimento da proteção à
propriedade intelectual gera um maior investimento em pesquisa e desenvolvimento - P&D setor
da organização empresarial com a função de realizar pesquisas básicas e aplicadas, além de
desenvolver protótipos e processos visando à aplicação comercial), pois existe uma forte
correlação entre o investimentos e o desenvolvimento dos países em que proteção, assim
como que as taxas de retorno do investimento em P&D e de retorno social são elevadas.
(EVERSON, Robert E. Propriedade intelectual e desenvolvimento econômico. Trad. Heloisa
de Arruda Villela. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1992. p.87/88).
208
Para Luiz Otávio Pimentel, do ponto de vista social e econômico, a tecnologia é lida, quando
consegue ser útil ao homem e atender às suas necessidades. (PIMENTEL, Luiz Otávio. Direito
industrial. Chapecó: Unoesc, 1994. p.58)
209
DEL NERO, op. cit., p.40/41.
86
suficiente, não para a cobertura dos custos de produção e de distribuição,
210
bem
como de um sistema legal que efetivamente lhes protege a propriedade intelectual.
Por isso, um adequado sistema de tutela da propriedade intelectual constitui
fator de incentivo a investimentos em atividades de pesquisa e desenvolvimento, na
medida em que protegem os resultados dessas atividades e asseguram às empresas a
viabilidade econômica de seus produtos e serviços.
211
Assim, a regulamentação desses dispositivos constitucionais pelas Leis
n.
o
9.279/96, n.
o
9.609/98 e n.
o
9.610/98, além de tentar assegurar às empresas
brasileiras a garantia de respeito à propriedade intelectual, contribuiu para que as
empresas multinacionais detentoras e financiadoras de grande parte dos processos
de pesquisa e de criação de novos produtos continuem a investir no país,
212
por
encontrarem um sistema de proteção da propriedade intelectual que protege a
pesquisa e o desenvolvimento de produtos e tecnologias.
É dizer: antes mesmo do grande interesse econômico de esmulo às pesquisas
e às novas tecnologias, na proteção da propriedade intelectual outro valor a ser
210
TOKARS, Fábio. Patentes de remédios, proposta de combate aos abusos. Disponível em:
<http://www.parana-online.com.br/colunistas/277/59852/>. Acesso em: 13 out. 2008.
211
SILVEIRA, João Marcos. A proteção jurídica dos segredos industriais e de negócios. Revista de
Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, ano XL, n.121, p.153,
jan./mar. 2001.
212
As empresas multinacionais investiram US$ 959 milhões por ano no Brasil em 2007.
O volume de recursos foi identificado por uma pesquisa realizada pela Sociedade Brasileira de
Estudos e Empresas Transnacionais e de Globalização (Sobeet), que envolveu 85 empresas
multinacionais que atuam no Brasil cerca de 5% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional e 15%
do PIB industrial brasileiro. O estudo aponta ainda US$ 546 milhões em desenvolvimento de
novas tecnologias e pesquisas. "O investimento em pesquisa é uma questão de sobrevivência,
pois as mesmas empresas estão concorrendo no Brasil e no exterior", explica Virene Roxo Matesco,
professora do programa de pós-graduação da Universidade Calica de Pernambuco e da Fundação
Getúlio Vargas. A professora destaca que a preocupação com a realização de pesquisas
contradiz o esteriótipo formado em torno das empresas multinacionais – de que nunca investiriam
no Brasil, apenas importando tecnologia. Em média, cada multinacional investe em pesquisa
3,7% do faturamento obtido no Brasil. A proporção é semelhante à identificada nas unidades das
multinacionais em funcionamento em outros países. No Japão e Estados Unidos, por exemplo,
este investimento é de 4,8%, caindo para 3,3% na França. "Quando incluimos, na amostra,
empresas de origem nacional, o percentual cai, atingindo 1,3%", comenta Virene Roxo Matesco,
que também é diretora da Sobeet. O levantamento da Sobeet identificou, ainda, que as empresas
de maior porte têm no Brasil a mesma tecnologia que usam em seus países de origem. "Isto
porque as concorrentes também estão no Brasil oferecendo o mesmo estágio tecnológico que
dispõem em suas matrizes", ressalta a professora. As empresas de menor porte, por sua vez,
usam ou ofertam produtos e serviços desatualizados em relação à sede. (Disponível no sítio do
Jornal do Comércio em: <http://www2.uol.com.br/JC/_2000/1704/ec1704b.htm>. Acesso em:
02.out. 2008).
87
alcançado, talvez de maior magnitude, que é justamente o de propiciar à sociedade
brasileira condições de alcançar o desenvolvimento econômico e social.
3.2 OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS REGULADORES DA ATIVIDADE
ECONÔMICA
Antes de se tratar especificamente dos princípios constitucionais incidentes
na relação de tutela do conhecimento e dos segredos de empresa, importante trazer
à transcrição o seguinte ensinamento de José Joaquim Gomes Canotilho:
[...] a Constituição é uma lei, configurando a forma típica de qualquer lei,
compartilhando com as leis em geral um certo número de características
(forma escrita, redação articulada, publicação oficial etc). Mas também, é
uma lei diferente das outras: é uma lei específica, que o poder que a gera
e o processo que a veicula são tidos como constituintes, assim como o
poder e os processos que a reformam são tidos como constituídos, por ela
mesma; é uma lei necessária, no sentido de que não pode ser dispensada
ou revogada, mas apenas modificada; é uma lei hierarquicamente superior –
a lei fundamental, a lei básica – que se encontra no vértice da ordem
jurídica, à qual todas as leis têm de submeter-se; é uma lei constitucional,
pois, em princípio, ela detém o monopólio das normas constitucionais.
213
A partir dessa concepção de Constituão como lei fundamental que se encontra
no vértice da ordem jurídica e à qual todas as demais leis têm de se submeter,
Canotilho se reporta à idéia de que a Lei Maior deve representar um sistema aberto,
composto por princípios e regras, o que vem a ser salutar à sociedade.
214
Isso porque, um sistema jurídico constituído exclusivamente de regras exigiria
uma atividade legislativa incessante, sem qualquer lugar para a complementação e o
desenvolvimento do ordenamento jurídico.
Por outro lado, um sistema baseado exclusivamente em princípios também
seria inaceitável, pois a indeterminação e a inexistência de regras precisas poderiam
conduzir a um sistema falho de segurança jurídica.
213
CANOTILHO, JoJoaquim Gomes. Fundamentos da constituição. Coimbra: Almedina, 1991. p.40.
214
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 5.ed. Coimbra: Livraria Almedina,
1991. p.171/172.
88
Assim, Canotilho classifica regras e prinpios constitucionais como duas espécies
de normas que, contudo, apresentam alguns critérios que os distinguem.
215
Enquanto os princípios possuem um grau de abstração relativamente elevado,
as regras possuem uma abstração mais reduzida. Os princípios, por serem vagos e
indeterminados, precisam de uma atuação concretizadora por parte do intérprete,
enquanto as regras são suscetíveis de aplicação imediata.
216
Os princípioso normas que apresentam um papel fundamental no ordenamento
jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes (ex.: princípios
constitucionais) ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico
(ex.: princípio do Estado Democrático de Direito), ao passo que as regras podem ser
normas vinculativas com um conteúdo meramente funcional.
217
Não por outra razão é que Luís Roberto Barroso afirma que os princípios
constitucionais são a síntese dos valores mais relevantes da ordem jurídica e
"consubstanciam as premissas básicas de uma dada ordem judica, irradiando-se por
todo o sistema. Eles indicam o ponto de partida e os caminhos a serem percorridos".
218
De igual modo, Celso Bastos enuncia que "[...] os princípios consagrados
constitucionalmente, servem, a um tempo, como objeto da interpretação constitu-
cional e como diretriz para a atividade interpretativa, como guias a nortear a opção
de interpretação".
219
No âmbito da atividade econômica, a Constituição Federal de 1988 reconhece
um sistema econômico capitalista em que os fatores de produção são detidos pelos
entes privados, que deles dispõem e podem se valer para obter o lucro.
220
No entanto, ainda que o Estado possa intervir na economia mediante a explorão
direta de algumas atividades ou mediante atos normativos ou de gestão, não é isso
que irá desnaturar a essência do modo de produção capitalista conferido pelo legislador
constituinte à ordem econômica, tampouco implica dizer que ela teria recebido
215
CANOTILHO, Direito constitucional, p.172.
216
Idem.
217
Ibidem, p.173.
218
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. São Paulo: Saraiva, 2007.
p.142/143.
219
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 21.ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p.57.
220
MOREIRA, Egon Bockmann. Os princípios constitucionais da atividade econômica.
Disponível em: <calvados.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/direito/article/viewFile/8751/6577>. Acesso
em: 02 out. 2008.
89
um "sopro de socialização",
221
o que pode ser constatado pela rápida leitura dos artigos
1.
o
e 170 da Carta Magna, de onde emanam os fundamentos e os princípios da
ordem econômica.
222
Assim, destacada a imporncia dos princípios constitucionais como vetores de
interpretão e concretizão das normas jurídicas, importante se faz a contextualização
deles no âmbito da atividade econômica, passando a ser adiante tratados aqueles
que incidem mais diretamente na relação de proteção do conhecimento e dos
segredos de empresa.
3.2.1 A Dignidade da Pessoa Humana
A proclamação constitucional do princípio da dignidade da pessoa humana
pela Carta de 1988 foi a oficialização de um direito previsto por civilizações antigas e
a sua expressa previsão no texto constitucional se deu como forma de reação ao
221
SILVA, op. cit., p.786.
222
Art. 1.
o
A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Munipios e
do 'Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[...] omissis
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa,
tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados
os seguintes princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
IV - livre concorrência;
V - defesa do consumidor;
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto
ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;
VII - redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII - busca do pleno emprego;
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras
e que tenham sua sede e administração no País. (Redação dada pela Emenda Constitucional
n.
o
6, de 1995)
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica,
independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
90
autoritarismo militar, às violações freqüentes a direitos e garantias fundamentais que
a sociedade havia enfrentado nas décadas anteriores.
223
A Constituição de 1988, ao incluir a dignidade da pessoa humana como
fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1.
o
,
III
, da
CF
), atribuiu-lhe plena
normatividade, projetando-a para todo o sistema jurídico, político, social e econômico,
fazendo-a o principal alicerce da República e do Estado Democrático de Direito e
permitindo que possua proeminência axiológico-normativa sobre os demais valores
constitucionais.
224
Tanto assim que o legislador constituinte, ao dispor que a ordem econômica
tem por fim assegurar a todos a existência digna (art. 170, caput,
CF
), erigiu-o
também como princípio da atividade econômica.
Dentre os diversos doutrinadores nacionais que discorrem com maestria sobre o
princípio da dignidade da pessoa humana, Ingo Wolfgang Sarlet consegue sintetizar
todo o rol de proteção estabelecido por esse princípio:
A dignidade da pessoa humana corresponde à qualidade intrínseca e distintiva
de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração
por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo
de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra
todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe
garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de
propiciar e promover a sua participação ativa e co-responsável nos destinos da
ppria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.
225
223
RIVABEM, Fernanda Sceffer. A dignidade da pessoa humana como valor-fonte do sistema
constitucional brasileiro. Disponível em: <ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/direito/article/viewPDF
Interstitial/7003/4981>. Acesso em: 09 out. 2008.
224
"Quanto a ela, observam José Joaquim Gomes Canotilho e Vital Moreira, que fundamenta e
confere unidade não apenas aos direitos fundamentais direitos individuais e direitos sociais e
econômicos – mas também à organização econômica. Isso, sem nenhuma dúvida, torna-se
plenamente evidente no sistema da Constituição de 1988, no seio da qual, como se vê, é ela a
dignidade da pessoa humana não apenas fundamento da República Federativa do Brasil, mas
também o fim ao qual se deve voltar a ordem econômica (mundo do ser)." (GRAU, Eros Roberto.
A ordem econômica na constituição de 1988: interpretação e crítica. 12.ed. São Paulo:
Malheiros, 2007. p.176).
225
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. 2.ed. rev. e
ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p.60.
91
Luís Roberto Barroso estabelece o conceito de dignidade da pessoa humana,
considerando o mínimo existencial e os elementos que o constituem como padrão
mínimo para uma existência digna.
226
O princípio da dignidade da pessoa humana fundamenta e confere unidade
não aos direitos fundamentais, como também à organização econômica, impli-
cando reconhecer que a República Federativa do Brasil como entidade política
constitucionalmente organizada ao mesmo tempo em que tem na soberania, na
cidadania, nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa seus fundamentos,
preconiza que a ordem econômica deve ser pautada pelo valor pessoa humana.
227
Em outras palavras, quer dizer que o valor "dignidade da pessoa humana"
assume acentuada relevância na atividade produtiva, comprometendo e interferindo
no exercício da atividade econômica, que deve ser dinamizada de forma a sempre
buscar a concretização de condições materiais que tornem possível o alcance do
valor constitucionalmente consagrado.
Para Eros Grau, todos os atores sociais envolvidos na atividade econômica
sejam do setor público ou da iniciativa privada devem estar empenhados na concre-
tização desse valor, sob pena de violação do princípio duplamente contemplado na
Constituição Federal.
228
Nessa linha de idéias, o princípio da dignidade da pessoa humana deve servir
como um norte referencial a ser levado em consideração por ocasião de uma
discussão a respeito da viabilidade de uma cláusula de não-concorrência, na medida
em que valores econômicos não podem se sobrepor a valores materiais que busquem
alcançar o que é constitucionalmente consagrado.
226
"Dignidade da pessoa humana expressa um conjunto de valores civilizatórios incorporados ao
patrimônio da humanidade. O conteúdo jurídico do princípio vem associado aos direitos fundamentais,
envolvendo aspectos de direitos individuais, políticos e sociais. Seu núcleo material elementar é
composto do mínimo existencial, locução que identifica o conjunto de bens e utilidades básicas
para a subsistência física e indispensável ao desfrute da própria liberdade. Aquém daquele patamar,
ainda quando haja sobrevivência, não há dignidade. O elenco de prestações que compõe o
mínimo existencial comporta variação conforme a visão subjetiva de quem o elabore, mas parece
haver razoável consenso de que inclui: renda mínima, saúde básica e educação fundamental. Há
ainda, um elemento instrumental, que é o acesso à justiça, indispensável para a exigibilidade e
efetivação dos direitos". (BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo
direito constitucional brasileiro: pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo. Revista do
Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, n.46, p.59, 2002).
227
GRAU, A ordem..., p.196.
228
Ibidem, p.198.
92
Por isso, e como reflexo direto da incincia do princípio da dignidade da pessoa
humana, a previsão do pagamento de uma indenizão durante o período de limitão
da atividade exercida pelo ex-empregador, compensaria uma possível redução de
seus ganhos, permitindo a manutenção de suas condições materiais.
3.2.2 O Valor Social do Trabalho e a Livre Iniciativa
O valor social do trabalho e a livre iniciativa, além de serem fundamentos
da República Federativa do Brasil (art. 1.
o
,
IV
, da
CF
), constituem fundamentos da
ordem econômica.
Mais, além de fundamentos, esses valores devem ser entendidos como prinpios
que conformam a estrutura do sistema constitucional e norteiam o sistema econômico.
O trabalho é um componente das relações de produção e, nesse sentido,
tem repercussão econômica e social incomensuráveis, pois é ele o meio de subsis-
tência humana.
Por isso, apesar de ser uma relação jurídica estruturada sob a forma de um
contrato e dele emanarem de forma mais direta efeitos pecuniários, não pode ficar
relegado às questões puramente patrimoniais.
Nessa linha de idéias, da inserção do trabalho como fundamento e princípio
da atividade econômica resulta a necessidade de se reconhecer que a proteção da
pessoa do trabalhador deve prevalecer sob o aspecto patrimonial existente nas
relações de trabalho.
229
Assim, o valor do trabalho quer significar que todos os indivíduos têm direito
ao trabalho, mas não a qualquer trabalho.
Apenas aqueles que sejam dignos e adequados, segundo uma visão que atenda
a uma adequação física, moral e social, não podendo os interesses patrimoniais do
empresário sempre se sobrepor aos interesses sociais.
229
GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elson. Curso de direito do trabalho. Rio de Janeiro:
Forense, 2006. p.34.
93
O trabalho compreendido sob a ótica constitucional de sua valorização,
implica o dever ativo de o Estado intervir na sociedade e na atividade econômica de
molde a fazer ser alcançado o objetivo constitucional.
230
Além disso, conforme preceitua Eros Grau, o enaltecimento do trabalho como
valor social pretende a conciliação e a compatibilização dos titulares do capital e do
trabalho, num potencial transformador da sociedade.
231
a livre iniciativa, princípio elementar do liberalismo econômico,
232
surgiu
como decorrência da luta empreendida pelos agentes econômicos para se libertarem
dos vínculos que sobre eles recaíam por herança do período do mercantilismo.
233
No final do século
XIX
e início do
XX
, a livre iniciativa significava uma garantia
aos proprietários de bens de regular suas relações da forma como entendessem
mais pertinentes, assim como de desenvolverem livremente a atividade escolhida.
No entanto, a evolução das relões de produção e a necessidade de propiciar
melhores condições de vida aos trabalhadores, aliados ao mau uso dessa liberdade
de iniciativa, tal como propugnada pelos defensores do liberalismo econômico,
fizeram surgir mecanismos de condicionamento da iniciativa privada, a fim de que se
alcançasse a realização de justiça social.
234
Modernamente, a livre iniciativa, a par de trazer em seu bojo a idéia de
liberdade de profissão no plano individual as pessoas têm a possibilidade de optar
pela profissão que mais lhe agrade, desde que atendidas às exigências legais,
regulamentares e acadêmicos –, permite ao empreendedor a possibilidade de
230
GRAU, A ordem, p.199.
231
Idem.
232
As teses do liberalismo Econômico foram criadas no século XVIII com a intenção de combater o
mercantilismo, cujas práticas já não atendiam às novas necessidades do capitalismo. O seu
pressuposto básico era a emancipação da economia de qualquer dogma externo a ela mesma,
devendo o Estado apenas dar condições para que o mercado seguisse de forma natural seu
curso. (HUNT, E. K.. História do pensamento econômico. Rio de Janeiro: Vozes, 1999).
233
Mercantilismo é o nome dado por Adam Smith a um conjunto de práticas ecomicas desenvolvidas
na Europa, entre o século XV e os finais do século XVIII, baseadas na crença de que a riqueza de
uma nação residia na acumulação de metais preciosos (ouro e prata), através do incremento das
exportações e da restrição das importações, alcançando uma balança comercial favorável. O estado
desempenha um papel intervencionista na economia, implantando novas indústrias protegidas
pelo aumento dos direitos alfandegários sobre as importações (protecionismo), controlando os
consumos internos de determinados produtos, melhorando as infra-estruturas e promovendo a
colonização de novos territórios (monopólio), o que garantiria o acesso a matérias-primas e o
escoamento de produtos manufaturados. (Ibidem).
234
SILVA, op. cit., p.663.
94
instalar e realizar os seus investimentos, de competir lealmente nos mercados e de
auferir lucros.
235
Manoel Gonçalves Ferreira Filho considera a livre iniciativa como a "[...] a combi-
nação da liberdade de trabalho com a liberdade de associação [...] é a liberdade de
trabalhar num determinado campo ou a liberdade de se associar para trabalhar numa
determinada atividade".
236
Para Celso Ribeiro Bastos, a livre iniciativa
[...] é uma manifestação dos direitos fundamentais e no rol daqueles devia
estar incluída. De fato o homem não pode realizar-se plenamente enquanto
não lhe for dado o direito de projetar-se atras de uma realizão transpessoal.
Vale dizer, por meio da organização de outros homens com vistas à realizão
de um objetivo. Aqui a liberdade de iniciativa tem conotação econômica.
Equivale ao direito que todos têm de lançarem-se ao mercado da produção
de bens e serviços por sua conta e risco. Aliás, os autores reconhecem
que a liberdade de iniciar a atividade econômica implica a de gestão e a
de empresa.
237
Cabe ressaltar a observação feita por Celso Ribeiro Bastos no sentido de que
a liberdade de iniciativa também pressupõe uma liberdade contratual, que permite
aos agentes econômicos atuarem no mercado, comprando, vendendo, negociando
preços e produtos e transferindo tecnologias.
238
Porém, tal como as demais liberdades, essa liberdade de iniciativa não é absoluta
e experimenta algumas limitações de ordem jurídica, econômica e sociocultural.
A limitação de ordem jurídica, pode-se verificar pela existência de setores
exclusivos de atuação estatal, como no caso dos serviços públicos e do monopólio
de exploração de minerais nucleares e do petróleo.
A restrição de natureza econômica se apresenta quando existe mais de um
agente econômico na mesma atividade ou quando encontra óbices tecnológicos
(p. ex. freqüência das ondas de telefonia celular) ou físicos (p. ex. aeroportos, ferrovias
e portos).
235
MOREIRA, op. cit.
236
FERREIRA FILHO, Comentários..., p.106.
237
BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à constituição do Brasil. 2.ed.
São Paulo: Saraiva, 2000. v. 7. p 16.
238
BASTOS, C. R., op. cit., p.117.
95
As limitações de cater sociocultural estão relacionadas aos princípios da
dignidade da pessoa humana e da valorização do trabalho, quando não se permite,
exemplificativamente, a exploração econômica da prostituição alheia e de seres
humanos com peculiaridades e deformidades físicas.
Então, o que o texto constitucional pretendeu ao declarar que a atividade
econômica está fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa?
Pretendeu enunciar que ao mesmo tempo em que consagrou uma economia de
mercado de natureza capitalista, que tem na livre iniciativa um dos seus primados,
priorizou o trabalho humano sobre todos os demais valores da economia de mercado,
orientando a atuação das empresas na economia.
239
Dentro desse contexto, por ocasião da pactuação de cláusula de não-concor-
rência, esses dois princípios também devem ser levados em consideração, aparecendo
como verdadeiros justificadores da necessidade de se prever uma limitação temporal
para a restrição ao exercício da atividade que se quer preservar.
Assim, ao mesmo tempo em que se assegura a livre iniciativa empresarial,
o se retira do trabalhador a oportunidade de trabalhar em outra atividade ou função
que não àquela exercida na empresa, assim como não se lhe impede, ad infinitum, a
possibilidade de voltar a prestar serviços na área em que atuou e na qual possui
experiência profissional.
3.2.3 A Busca do Pleno Emprego
Considerado por JoAfonso da Silva um princípio de integração, na medida
em que busca resolver os problemas da marginalização social, a busca do pleno
emprego é um princípio diretivo da economia e da atuação empresarial, estando
ainda voltado à oposição de políticas recessivas.
240
239
SILVA, op. cit., p.788.
240
Ibidem, p.796.
96
A sua concretização pretende a utilização em grau máximo, de todos os
recursos produtivos disponíveis na sociedade, como meio de propiciar trabalho a
todos àqueles que estejam em condições de exercer uma atividade produtiva.
241
Em harmonia com o valor social do trabalho, o princípio da busca do pleno
emprego impede que as empresas e a economia, de uma forma geral, apenas absorvam
a força de trabalho disponível, tal como o consumo absorve as mercadorias,
impondo uma busca pelo emprego qualitativo e não somente quantitativo.
242
Para Eros Grau, o princípio da busca do pleno emprego consubstancia "[...]
indiretamente, uma garantia para o trabalhador, na medida em que está coligado ao
princípio da valorização do trabalho humano e reflete efeitos em relação ao direito
social do trabalho" decorrendo do seu caráter integrativo, conseqüências marcantes,
dentre elas, a de tornar inconstitucional a implementação de políticas recessivas.
243
Esse princípio reforça a iia de que o trabalho, ao lado da atividade empresarial,
é a base do sistema econômico e, por isso, deve receber tratamento diferenciado,
como principal fator de produção e partícipe do produto e da renda nacionais.
Desse modo, por ocasião da celebração de cláusula de não-concorrência, o
princípio da busca do pleno emprego será violado, se as partes não convencionarem
a área de abrangência territorial em que a restrição/proibição da concorrência irá
operar, assim como deixarem de indicar, de forma clara e expressa, quais atividades
podem ou não ser exercidas pelo trabalhador.
Do contrário, estar-se-ia admitindo que o trabalhador poderia estar impedido
de trabalhar em qualquer lugar e em qualquer atividade.
3.2.4 Da Propriedade Privada e a sua Função Social
A Constituição Federal de 1988 reconheceu a propriedade privada e a sua
função social como princípios da ordem econômica, tal como preceituados no artigo
170, incisos II e III.
241
SILVA, op. cit., p.796.
242
Ibidem, p.797.
243
GRAU, A ordem, p.253.
97
O legislador constituinte, ao inserir a função social da propriedade como um
dos princípios da atividade econômica, ao lado de outros como a valorização do
trabalho humano, a busca do pleno emprego, a defesa do consumidor e do meio
ambiente, demonstrou sua predisposição para considerá-lo no contexto da empresa,
pois no modelo de produção capitalista, é a empresa quem detém a propriedade dos
bens de produção.
244
Eros Grau tamm compartilha da mesma opino, ao asseverar que "na verdade,
ao nos referirmos à função social dos bens de produção em dinamismo, estamos a
aludir à função social da empresa".
245
Fábio Konder Comparato afirma que no exercício da atividade empresarial "há
interesses internos e externos que devem ser respeitados: não os das pessoas
que contribuem diretamente para o funcionamento da empresa, como os capitalistas
e trabalhadores, mas também os interesses da 'comunidade' em que ela atua".
246
Sobre a função social da empresa, Modesto Carvalhosa aduz
Tem a empresa uma óbvia fuão social, nela sendo interessados os empregados,
os fornecedores, a comunidade em que atua e o próprio Estado, que dela
retira contribuições fiscais e parafiscais. Considerando-se principalmente três
as modernas funções sociais da empresa. A primeira refere-se às condições
de trabalho e às relações com seus empregados [...] a segunda volta-se ao
interesse dos consumidores [...] a terceira volta-se ao interesse dos concorrentes
[...]. E ainda mais atual é a preocupação com os interesses de preservação
ecológica urbano e ambiental da comunidade em que a empresa atua.
247
Nessa linha de idéias, para cumprir sua função social, a empresa deve produzir
de modo a contribuir para a melhoria de condições não de seus sócios, como
também a de todos os atores sociais que com ela interagem.
Uma empresa cumpre sua função social quando faz o correto uso de sua
estrutura segundo a sua natureza, alcança a finalidade capitalista de distribuição de
lucros aos seus sócios e, ao mesmo tempo, consegue com as suas atividades
244
SILVA, op. cit., p.814.
245
GRAU, Eros Roberto. Elementos de direito econômico. São Paulo: Revista do Tribunais, 1981. p.128.
246
COMPARATO, Fábio Konder. A reforma da empresa. São Paulo: Saraiva, 1990. p.44.
247
CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei das sociedades anônimas. 3.ed. rev. e atual. São
Paulo: Saraiva. 2003. v.3. p.237.
98
contribuir para o desenvolvimento social, cultural e econômico de todos aqueles que
com ela interagem.
248
De igual forma, ao recolher os tributos devidos, ao empregar com dignidade e
zelar pelas normas de saúde e segurança de seus trabalhadores, bem como ao
comercializar produtos e serviços que respeitem o meio ambiente e os direitos dos
consumidores, a função social também estará sendo cumprida.
Isso também ocorre quando a empresa investe em pesquisa e no desenvol-
vimento de novos produtos, na medida em que contribui para o desenvolvimento
tecnológico e econômico da sociedade.
Importante deixar registrado, contudo, que a função social da empresa não deve
ser encarada como a obrigação de doar, de amparar, de financiar ou, de qualquer
forma, garantir resultados filantrópicos à sociedade, tampouco fazer as vezes do
Estado que não consegue responder aos anseios de seus cidadãos e cumprir com
as suas funções essenciais.
249
Assim, se a Constituição Federal protege a propriedade privada que no exercio
de suas atividades, cumpre com a sua função social, está, igualmente, a reconhecer
que o patrimônio material e intelectual de uma empresa também é merecedor
de tutela.
3.2.5 A Livre Concorrência
Como imanente ao sistema econômico capitalista e à consagração da livre
iniciativa, o texto constitucional, no artigo 170, inciso IV, contempla o princípio da
livre concorrência.
A livre concorncia atua como um dos alicerces da estrutura liberal da economia,
sendo, inclusive, um dos traços diferenciadores das doutrinas socialistas.
250
248
GONDINHO, op. cit., p.413.
249
CAPEL FILHO, Hélio. A função social da empresa: adequação às exigências do mercado ou
filantropia? Disponível em: <http://jusvi.com/artigos/15411>. Acesso em: 15 out. 2008.
250
BASTOS, C. R., op. cit., p.354.
99
Para Luis Alberto David de Arjo e Vidal Serrano Nunes, o dispositivo constitu-
cional em apro "tem por escopo assegurar o regime de mercado no cerio ecomico
nacional" e "qualquer tipo de conduta estatal ou privada que venha a coibir o regime
de livre concorrência estará violando a Constituição".
251
A sua atuação implica reconhecer a inexistência de óbices a que os agentes
econômicos ingressem nos mercados e nele se relacionem com os demais atores
sociais, assim como prestigia a liberdade de ingresso das empresas no mercado,
vedando, contudo, a imposição de barreiras de entrada e saída.
Além disso, enaltece a liberdade de exercício e gestão, celebrando o uso do
poder econômico de cada um dos agentes de forma leal, proibindo violações sob a
forma da conduta dos agentes ou das estruturas empresariais (p ex. dumping).
252
Sendo livre a concorrência, as leis do mercado é que determinarão as circuns-
tâncias em que haverá ou não êxito do empreendedor.
253
Para Carlo Barbieri Filho, a livre concorrência disputar, em condições de
igualdade, cada espaço com objetivos lícitos e compaveis com as aspirações nacionais.
Consiste, no setor econômico, na disputa entre todas as empresas para conseguir
maior e melhor espaço no mercado".
254
Isabel Vaz comenta que a livre concorrência normalmente pressupõe uma
[...] ação desenvolvida por um grande número de competidores, atuando
livremente no mercado de um mesmo produto, de maneira que a oferta e a
procura provenham de compradores ou de vendedores cuja igualdade de
condições os impeça de influir, de modo permanente e duradouro, nos
preços dos bens ou serviços.
255
O princípio da livre concorrência é uma manifestação da liberdade de iniciativa
econômica privada e a Constituição Federal, para garanti-la, dispõe no artigo 173,
251
ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional.
6.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002. p.375.
252
MOREIRA, op. cit.
253
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.254.
254
BARBIERI FILHO, Carlo. Disciplina jurídica da concorrência. São Paulo: Resenha Tributária,
1984. p.27.
255
VAZ, Isabel. Direito econômico da concorrência. Rio de Janeiro: Forense, 1993. p.27.
100
§ 4.
o
, que "a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos
mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros".
256
Para Tércio Sampaio Ferraz Júnior, a liberdade de concorrência a que alude a
Constituão Federal como um dos prinpios da ordem ecomica o é a do mercado
concorrencial oitocentista, em que se exigia a observância estrita da pluralidade de
agentes e a influência isolada e dominadora de uns sobre os outros, mas, sim, a de
um processo comportamental competitivo que admite gradações.
257
Para ele, a competitividade é o que define a livre concorrência que, por sua
vez, é forma de tutela do consumidor, na medida em que induz a uma distribuição de
recursos a preços mais baixos.
Além disso, do ponto de vista político, a livre concorrência é garantia de
oportunidades iguais a todos os agentes, atuando como uma verdadeira forma de
desconcentração de poder.
258
Por fim, Tércio Sampaio Ferraz Júnior assevera que "[...] de um ângulo social,
a competitividade deve gerar extratos intermediários entre grandes e pequenos
agentes econômicos, como garantia de uma sociedade mais equilibrada".
259
Nestas condições, a livre concorrência assume natureza de instrumento de
realização de uma política econômica cujo objetivo não é o de simplesmente reprimir
práticas econômicas e mercadológicas abusivas, mas, também, o de estimular todos
os agentes econômicos tanto as empresas como a classe trabalhadora a
participarem do esforço conjunto de desenvolvimento ecomico e social, dentro de um
contexto que impede práticas concorrenciais desleais e o abuso do poder econômico.
260
256
SILVA, op. cit., p.795.
257
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. A economia e o controle do Estado. O Estado de São Paulo,
edição de 04 jun. 1989.
258
FERRAZ JÚNIOR, op. cit.
259
Ibidem.
260
MARTINS DA SILVA, Américo Luís. A ordem constitucional econômica. Rio de Janeiro: Lumen
Júris, 1996. p.58.
101
3.3 A LIVRE INICIATIVA E A LIVRE CONCORRÊNCIA COMO BALIZADORES DA
LIBERDADE DE TRABALHO
3.3.1 Da Técnica da Ponderação de Valores Constitucionais
Durante muitos anos, a subsunção
261
foi praticamente a única fórmula para a
interpretão do Direito e ainda continua a ser fundamental para a sua correta aplicação.
Ocorre que, recentemente, os operadores jurídicos se deram conta de que o
processo subsuntivo dos fatos à norma encontra limites e não é suficiente para, de
per si, lidar com situações decorrentes, principalmente, da aplicação e interpretação
dos princípios constitucionais, especialmente, quando mais de uma norma constitucional
pode incidir sobre um mesmo conjunto de fatos.
262
Essa afirmação pode ser facilmente confirmada quando se traz o exemplo da
oposição entre a liberdade de imprensa e de expressão, de um lado, e os direitos à
honra, intimidade e à vida privada, do outro.
Como se pode facilmente perceber, as normas envolvidas tutelam valores
distintos e conflitantes, que podem apontar por solões contraditórias para a queso.
Sob a ótica do processo interpretativo tradicional da subsuão, a solução para
esse problema acabaria pela escolha de incidência de apenas uma das normas, com
o descarte das demais.
E isso, do ponto de vista da Constituição não seria adequado, tendo em vista
a incidência do princípio da unidade da Constituição,
263
que impede que o intérprete
simplesmente opte por uma norma e despreze a outra, em tese também aplicável,
agindo como se houvesse hierarquia entre as normas constitucionais.
264
261
Técnica interpretativa em que a premissa maior, a norma, incide sobre a premissa menor, os
fatos, produzindo a aplicação do conteúdo da norma ao caso concreto.
262
BARROSO, Interpretação..., p.357.
263
Como ressalta Canotilho, "o princípio da unidade obriga o inrprete a considerar a constituição em
sua globalidade e a procurar harmonizar os espaços de tensão entre as normas constitucionais a
concretizar"
(
apud SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na constituição federal.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p.99/100).
264
Ibidem, p.237.
102
Como resposta a estas situações, a interpretação constitucional se viu no dever
de desenvolver técnicas capazes de lidar com a constatação de que a Constituição é
um instrumento dialético, que tutela ao mesmo tempo valores e interesses poten-
cialmente conflitantes, e que os princípios nela previstos podem, freqüentemente,
entrar em rota de colisão.
265
É dizer: quando se interpreta a Constituição, não é possível simplesmente
escolher uma norma em detrimento das demais, pois, de acordo com o princípio
da unidade da Constituição, todas as disposições constitucionais têm a mesma
hierarquia e devem ser interpretadas de forma harmônica e sistemática.
Tal também pode acontecer com normas infraconstitucionais que, refletindo
os conflitos internos da Constituição, encontram suporte lógico e axiológico em algumas
normas constitucionais, mas parecem afrontar outras, quando então a verificação da
constitucionalidade dessas normas infraconstitucionais o poderá ser resolvida por
uma mera subsunção.
266
Assim, Luís Roberto Barroso afirma que "será preciso um raciocínio de estrutura
diversa, mais complexo, que seja capaz de trabalhar multidirecionalmente, produzindo a
regra concreta que vai reger a hipótese a partir de uma síntese dos distintos elementos
normativos incidentes sobre aquele conjunto de fatos".
267
Nessa linha de idéias, cada um dos valores incidentes sobre dada relação
fático-jurídica deverá ser utilizado na medida da sua importância e pertinência para a
solução do caso concreto, de modo que a solução final, tal como em um quadro bem
pintado, as diferentes cores podem ser percebidas, ainda que uma ou algumas delas
venham a se destacar sobre as demais.
268
Essa técnica de decisão ou interpretação jurídica se convencionou chamar de
técnica da ponderação de valores.
265
BARROSO, Interpretação..., p.357.
266
BARCELLOS, Ana Paula de. Alguns parâmetros normativos para a ponderação de interesses. In:
BARROSO, Luís Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos
fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p.52.
267
BARROSO, Interpretação..., p.357.
268
Ibidem, p.358.
103
Para Ana Paula de Barcellos, a ponderação pode ser descrita
como uma técnica de decisão própria para casos difíceis (do inglês hard
cases), em relação aos quais o raciocínio tradicional da subsunção não é
adequado. A estrutura geral da subsunção pode ser descrita da seguinte
forma: premissa maior enunciado normativo incidindo sobre a premissa
menor fatos –, produzindo, como conseqüência, a aplicação da norma ao
caso concreto. O que ocorre comumente nos caso difíceis, porém, é que
convivem, postulando aplicação, diversas premissas maiores igualmente
válidas e de mesma hierarquia; estas, todavia, indicam soluções normativas
diversas e muitas vezes contraditórias. A subsunção não tem instrumentos para
produzir uma conclusão que seja de considerar todos os elementos normativos
pertinentes; sua lógica tentará isolar uma única norma para o caso.
269
Dessa maneira, a ponderação de interesses e valores constitucionais se
caracteriza pela preocupação com a análise da situação concreta em que ocorreu o
conflito, dando a um ou mais valores constitucionais um peso específico ou, ao
menos, decidir pela aplicação preponderante de um deles, sem, contudo, desprezar
outras normas constitucionais igualmente merecedoras de tutela.
270
Segundo Daniel Sarmento, a ponderão de interesses se torna necessária
quando, de fato, estiver caracterizada a colisão entre pelo menos dois valores consti-
tucionais igualmente incidentes sobre um caso concreto.
271
De modo simplificado, é possível descrever a estrutura da técnica de ponderação
em três etapas.
A primeira etapa que se impõe ao intérprete, diante de uma possível ponderão,
é a de proceder à interpretação dos dispositivos ou normas envolvidas,
272
para
verificar se eles efetivamente se confrontam na resolução do caso, ou se, ao contrário,
é possível harmonizá-los.
269
BARCELLOS, op. cit., p.55.
270
Ibidem, p.56.
271
SARMENTO, A ponderação..., p.99.
272
Luís Roberto Barroso cuida de fazer referência no sentido de que norma não se confunde com
dispositivo porque às vezes uma norma será o resultado da conjugação de mais de um
dispositivo, ao mesmo tempo em que um dispositivo considerado de forma isolada pode não
conter apenas uma norma, mas até mais do que uma. (BARROSO, Interpretação..., p.358).
104
Nessa tarefa, o intérprete estará dando cumprimento ao princípio da unidade
da Constituição, que lhe demanda o esforço de buscar a conciliação entre normas
constitucionais aparentemente conflitantes, evitando as antinomias e colisões.
273
Oportuno ressaltar que a estrutura aberta e flexível dos princípios, que não
possuem um campo de incidência rigidamente delimitado, torna, por vezes, muito
difícil a tarefa de estabelecer, de início, os seus âmbitos normativos.
Por isso, a análise do caso concreto se revela fundamental para a verificação
da existência ou não do conflito entre os princípios constitucionais em disputa.
Em muitos casos, o trabalho do intérprete acabará nesta fase, diante da
constatação de que não se está presente diante de uma verdadeira colisão de
valores constitucionais.
274
Na segunda etapa, cabe ao intérprete examinar os fatos, as circunstâncias
concretas do caso e a sua interação com os elementos normativos. A importância
que se deverá atribuir a cada um dos elementos normativos indicados na primeira
fase depende em boa dose dos fatos.
Isso porque, não obstante as regras e princípios constitucionais tenham uma
existência autônoma no mundo abstrato dos enunciados normativos, somente no
momento em que interagem com as situações concretas é que o seu conteúdo será
concretizado e os fatos ganharão sentido.
E na terceira fase a fase de decisão – é que a ponderação irá se sobressair
em relação à técnica de subsunção. Nesta etapa, é que se estará examinando
conjuntamente os diferentes grupos de normas e a repercussão dos fatos sobre
eles, a fim de se apurar quais pesos devem ser atribuídos aos diferentes elementos
em disputa e, se um deles, deverá preponderar sobre os demais.
275
273
BASTOS, Luiz Allende-Toha de Lima. Ponderação de interesses: acesso ao emprego público x
garantia de proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa consistente numa
indenização. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n.1406, 8 maio 2007. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9847>. Acesso em: 20 out. 2008.
274
SARMENTO, A ponderação..., p.102.
275
BARROSO, Interpretação..., p.360.
105
Em seguida, é preciso ainda decidir quão intensamente esse grupo de
normas e a solução por ele indicada – deve prevalecer em detrimento dos demais,
ou seja: sendo possível graduar a intensidade da solução escolhida, será necessário
avaliar qual deve ser o grau apropriado ao caso.
No entanto, como em cada uma das três etapas identificação das normas
aplicáveis, seleção dos fatos relevantes e atribuição geral de pesos, chegando-se a
uma conclusão – envolve critérios subjetivos que poderão variar em razão das
circunstâncias pessoais e sociais do intérprete, Luís Roberto Barroso e Ana Paula de
Barcellos sustentam que os princípios da proporcionalidade mediante a vedação
do excesso – e da razoabilidade serão instrumentos importantes para a verificação e
eventual correção dos argumentos apresentados pelo intérprete em suporte a uma
determinada conclusão.
276
3.3.2 Da Livre Iniciativa e Livre Concorrência como Balizadores da Liberdade de
Trabalho
Conforme acima exposto, nas situações em que se verifica a incidência
concomitante de mais de um valor constitucional sobre um mesmo conjunto de fatos,
a doutrina vem se recomendando a utilização da técnica da ponderação de valores
para a resolução do caso concreto.
E quando se fala na estipulação de cláusula de não-concorrência, logo se
pode imaginar na ocorrência de colisão de alguns valores constitucionais envolvidos,
mas todos eles ao mesmo tempo merecedores de tutela.
Seguindo as etapas sugeridas por Ls Roberto Barroso para aplicação dacnica
da ponderação, pode-se, num primeiro momento, identificar ao menos três valores
constitucionais: a livre iniciativa; a livre concorrência e a liberdade de trabalho.
Na segunda etapa, como fatos relevantes, poderiam ser selecionados os
seguintes: (a) detém o empregador o direito de proteger de seus concorrentes, o
conhecimento e os segredos de empresa a que têm acesso os seus empregados por
276
BARROSO, Interpretação..., p.362; BARCELLOS, op. cit., p.58/59.
106
força do contrato de trabalho? (b) pode o empregado ter restringida a sua liberdade
de trabalho? (c) há a necessidade de se estabelecer condições mínimas para se
permitir a celebração de cláusula de não-concorrência? (d) além da empresa, que
celebra com o empregado a cláusula de o-concorrência, há mais alguém interessado
na tutela do conhecimento e dos segredos de empresa?
Na última etapa, com a necessidade da atribuição de pesos e de se chegar a
uma conclusão, o raciocínio seria o seguinte.
O empregador detém, sim, o direito de proteger de seus concorrentes, o conheci-
mento e os segredos de empresa a que têm acesso os seus empregados por força
do contrato de trabalho, na medida em que reserva parcela considerável de seu
orçamento em pesquisa e desenvolvimento de novos produtos.
O empregado, como regra, não deve ser tolhido na sua liberdade de trabalho.
Porém, levando-se em conta que a própria Constituição não admite como absoluta a
liberdade de trabalho, porque ela mesma impõe alguns condicionamentos legais em
relação à pessoa do trabalhador e outros em razão de requisitos específicos para
poder exercer o trabalho, poderá, contratualmente, vê-la restringida.
A empresa deve diligenciar para que a cláusula de não-concorrência contenha
limitações temporal e geográfica, cuidando, ainda, de disciplinar a atividade e o que é
objeto de limitação, bem como prever o pagamento de uma compensação financeira
a ser paga durante o período de limitação dessa atividade
Além da empresa, a sociedade de uma forma geral é interessada na proteção
do conhecimento e do segredo de empresa, na medida em que o adequado sistema
de tutela do conhecimento e dos segredos de empresa constitui fator de incentivo
a investimentos empresariais, o que, por via indireta, implica o desenvolvimento
econômico e social do país.
Assim, fazendo um juízo de ponderação entre os valores "livre iniciativa" e
"livre concorrência" em contraposição à liberdade de trabalho, o peso conferido aos
dois primeiros seria maior do que aquele atribuído à liberdade de trabalho, porque os
benefícios alcançados com a temporária restrição da atividade do empregado
abrangem toda a sociedade, enquanto o empregado pode prestar serviços em outra
atividade e está sendo indenizado pela "quarentena".
107
CONCLUSÃO
Ao final da pesquisa, podem ser sintetizadas as conclusões que dela
decorrem, assim.
Atualmente, em plena era da informação, a incorporação da tecnologia às
atividades econômicas produz um grande impacto na sociedade devido aos avanços
tecnológicos especialmente conquistados nas últimas décadas.
Em pouco tempo, o homem superou praticamente quase tudo o que havia
acumulado ao longo dos tempos em termos de conhecimentos, o que refletiu diretamente
no comportamento das pessoas e, principalmente, na atividade empresarial.
Nesse contexto, pode se afirmar que a complexidade do sistema industrial
moderno, a velocidade dos avanços tecnológicos e a vontade de se disponibilizar às
diversas camadas sociais os benefícios das conquistas tecnológicas, impuseram ao
Direito e aos seus operadores uma mudança de postura.
Mais dicil do que saber sobre o que o Direito deve atuar é interpretar a tecnologia
e as suas inovações em relação aos valores existentes no ordenamento jurídico.
Frente a todas essas mudanças ocorridas na sociedade e à supervalorização
do conhecimento, surge a necessidade de se saber em que medida os impactos
causados pelas decisões e os avanços tecnológicos da sociedade repercutem na
vida das pessoas e nas empresas.
A necessidade se proteger as informações e os segredos de empresa vem
ganhando relevância no desenvolvimento dos processos econômicos, sobretudo com o
advento da globalização, que com a abertura das economias nacionais, criou novos
mercados consumidores e acentuou o fenômeno da concorncia e da competitividade
no mercado.
Em razão disso, o investimento em conhecimento por parte da empresa,
em qualquer das modalidades em que se apresenta, necessita de proteção jurídica
justamente em face da cobiça dos concorrentes.
Os trabalhadores, em razão do contato que têm com bens imateriais de uma
empresa, passaram a ser objeto de desejo das empresas concorrentes do seu
empregador, que antes de um profissional treinado e capacitado no mercado de
108
trabalho, buscam com a contratação, obter informações e dados confidenciais que
eles adquiriram em razão do emprego mantido.
Apesar de a legislação brasileira considerar a divulgação de segredo de
empresa e a concorrência desleal, ilícitos penais e trabalhistas, o que se percebe,
muitas vezes, é que tais dispositivos legais, por si , não inibem a prática ilícita e
lesiva à empresa.
Am disso, ainda que por decorncia da aplicação do prinpio da boa- objetiva,
devam as partes, tanto durante o contrato, como após a sua dissolução, guardar
estrita observância aos deveres de lealdade, sigilo e não-concorrência, podendo,
inclusive, virem a ser responsabilizadas por qualquer dano causado à contraparte por
violação desses deveres, na prática, isso também não tem se mostrado suficiente
para se tutelar as diversas formas de conhecimento de uma empresa.
Dessa forma, as empresas podem se socorrer das cusulas de não-concorncia
visando a reforçar contratualmente as hipóteses de não-concorrência e de o divulgão
de informações e segredos durante a relação de trabalho e, principalmente, após o
término dela, a partir de quando o trabalhador se torna muito mais assediado pelos
concorrentes de seu antigo empregador e não sofre a ameaça de perder o emprego.
Com a investigação feita, verificou-se que, mesmo inexistindo no ordenamento
jurídico brasileiro legislão espefica sobre o tema, as cláusulas de o-concorncia
que emanam efeitos pós-contratuais podem ser estipuladas.
Da conjugação do artigo 122 do digo Civil de 2002, que dispõe serem
citas todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes,
com o artigo 8.
o
da
CLT
, que autoriza a utilização do direito comparado no caso de
lacuna legal ou contratual, juntamente com o disposto no artigo 444 da CLT, que
preconiza que as relações contratuais podem ser objeto de livre pactuação das partes,
desde que não afrontem às normas de protão ao trabalho, aos contratos coletivos de
trabalho e às decisões das autoridades competentes, pôde-se concluir pela licitude
da estipulação da cláusula de não-concorrência com efeitos pós-contratuais.
No entanto, como a interpretação dos dispositivos legais deve ser sempre feita
de acordo com os princípios e valores constitucionais, verificou-se também, com a
análise de alguns direitos fundamentais e princípios constitucionais mais diretamente
relacionados com o tema, que a estipulação de cláusula de não-concorrência deve
ser acompanhada de certos requisitos específicos.
109
Alguns deles, adotados pelas legislações de outros países, como Portugal,
Itália e Espanha, que exigem limitações temporais, de objeto, região geográfica, além
de uma indenização financeira para que o trabalhador possa fazer frente ao período
de limitação da atividade exercida pelo ex-empregador, compensaria uma possível
redução de seus ganhos, permitindo a manutenção de suas condições materiais.
De igual modo, através da técnica da ponderação de valores constitucionais
verificou-se que os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência merecem, no
caso, um maior peso em relação à liberdade de trabalho, na medida em que um
adequado sistema de tutela do conhecimento e dos segredos de empresa constitui
fator de incentivo a investimentos empresariais, o que, por via indireta, implica no
desenvolvimento econômico e social do país, enquanto que a restrição à liberdade
de trabalho é apenas temporária e relativa, que o empregado pode prestar serviços
em outra atividade e está sendo indenizado pela “quarentena”.
110
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120
ANEXOS
121
ANEXO A
PROJETO DE LEI N.
o
16/2007
DE AUTORIA DO SENADOR MARCELO CRIVELA
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1.
o
Esta Lei cria o Acordo de Proteção de Informações Sigilosas, adjeto ao contrato
de trabalho e destinado à proteção de segredo comercial e informações confidenciais.
Pagrafo único. Empregado e empregador poderão estipular, a qualquer momento, o
acordo a que se refere o caput deste artigo, para proteger segredo comercal ou informações
confidenciais pertencentes ao empregador.
Art. 2.
o
Para efeitos desta Lei consideram-se:
I - segredo comercial é todo processo, método, fórmula, dispositivo ou técnica que
não seja de conhecimento público, possua valor econômico para o empregador, ainda que
potencial, e cujo conhecimento, pelo empregado, decorra do desempenho de suas atividades
laborais;
II - informão confidencial é toda informação conhecida pelo empregado, em fuão de
suas atividades laborais, que não configure segredo comercial, mas possua valor econômico
ou estratégico para o empregador e cuja divulgação seja capaz de causar-lhe dano.
Art. 3.
o
O Acordo de Proteção de Informações Sigilosas deve delimitar, de forma
precisa, quais segredos e informações serão objeto de proteção, sob pena de nulidade.
Parágrafo único. Caso ocorram alterações nas condições do acordo, é admitida sua
alteração por meio de aditamento.
Art. 4.
o
O Acordo de Proteção de Informões Sigilosas deve ser firmado individualmente,
vedada sua adoção por Acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho.
Parágrafo único. O empregador não pode obstar, quando requerida pelo empregado,
a interveniência de entidade sindical ou de advogado na formação do Acordo de Proteção
de Informações Sigilosas.
Art. 5.
o
O Acordo de Proteção de Informações Sigilosas pode conter as seguintes
disposições:
122
I - restrições à utilização, divulgação, transmissão e comercialização de segredos
comerciais ou informações confidenciais, ainda que descaracterizados;
II - restrições à contratação do empregado por empresa concorrente do empregador,
pelo prazo máximo de dois anos, a partir da rescisão do contrato de trabalho;
III - restrições ao desempenho da mesma função, ou de função assemelhada, em
empresa concorrente, em área geográfica delimitada e pelo prazo máximo de dois anos;
IV - restrições à abertura, pelo empregado, de empresa que faça concorrência ao
empregador, em área geográfica delimitada e pelo prazo máximo de dois anos;
V - restrições ao aliciamento de clientes ou fornecedores do empregador, pelo prazo
máximo de dois anos.
Parágrafo único. Na hipótese dos incisos II e III é obrigatória a estipulação de
compensação financeira ao empregado, condizente com o grau da restrição imposta.
Art. 6.
o
Rescindido o contrato de trabalho por iniciativa ou culpa do empregador,
torna-se sem efeito o Acordo de Proteção de Informações Sigilosas.
Art. 7.
o
O empregador pode pleitear, judicialmente, a dissolução do contrato de trabalho
formado contrariamente aos termos do Acordo de Proteção de Informações Sigilosas, sem
prejuízo da responsabilidade civil do novo empregador pelos danos ocorridos.
Art. 8.
o
Nas ões referentes ao cumprimento ou à dissolução do Acordo de Proteção
de Informações Sigilosas, o Juiz levará em conta:
I - a existência de dano econômico e moral ao empregador;
II - a liberdade de exercício do trabalho;
III - o interesse econômico e social da coletividade.
Art. 9.
o
A ação referente ao cumprimento e à dissolução do Acordo de Proteção de
Informações Sigilosas correrá, a requerimento da parte, em segredo de justiça.
Art. 10. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
123
ANEXO B
CLÁUSULA DE NÃO-CONCORRÊNCIA. VALIDADE
A cláusula de o-concorrência foi estabelecida por tempo razoável e houve pagamento
de indenização. Logo, está dentro dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
É, portanto, considerada válida. Não há dano moral a ser reparado. A cláusula 1.
a
do
compromisso mostra que o reclamante não poderia prestar serviços em atividades conneres
por um ano. Em compensação, a empresa lhe pagou a quantia de R$ 106.343,00 com
correção monetária, exatamente para que não houvesse o exercício de outra atividade em
empresa concorrente.
A cláusula de não-concorrência envolve a obrigação pela qual o empregado se
compromete a não praticar pessoalmente ou por meio de terceiro ato de concorrência para
com o empregador. Trata-se de uma obrigação de natureza moral, de lealdade.
O empregado deve guardar sigilo em relão às informações que recebe do empregador
ou pelo desenvolvimento do seu trabalho, não podendo divulgá-las, principalmente, a terceiros,
notadamente quando sejam concorrentes do empregador. Deve guardar o dever de fidelidade
para com o empregador.
A confidencialidade é, portanto, essencial nessa relação.
Como não existe norma legal tratando do assunto no Brasil, é o caso de se aplicar as
orientações do direito comparado em relão aos contratos de trabalho que tiverem execução
em nosso país. O empregado pode exercer qualquer outra atividade, menos aquela a que
foi determinada a cláusula de não-concorrência. Logo, não está proibido de exercer outras
atividades, nem de trabalhar.
O estabelecimento da cláusula deve ser feito por escrito no contrato de trabalho. Não
se pode admitir cláusula implícita ou tácita, visando evitar problemas para o empregado,
justamente de não poder trabalhar, pois daria margem a incertezas. Isso ocorreu no caso
dos autos, em que a cláusula foi escrita.
A cláusula de não concorrência deverá ser estipulada por tempo determinado e para
certo local. Não pode ser, portanto, perpétua, pois impediria o empregado de trabalhar na
atividade. Deve a limitação estar balizada dentro do princípio da razoabilidade, de acordo
com o que for pactuado entre as partes. O ideal é que fosse estabelecida por um prazo
máximo de dois anos, que é o período máximo de vigência do contrato de trabalho por
tempo determinado e não seria um prazo muito longo. Certas atividades não precisam de
124
um prazo muito longo de abstenção, como de produtos de bancos e na área de informática,
em que em algumas semanas ou em seis meses os demais concorrentes absorveram o
novo produto ou a nova tecnologia.
Para a validade da cláusula, o empregado deve receber compensação financeira,
que lhe permita fazer face aos seus compromissos, como se estivesse trabalhando.
A cláusula de não concorrência foi estabelecida por tempo razoável e houve
pagamento de indenização, que foi recebida pelo autor no termo de rescisão do contrato de
trabalho. Logo, está dentro dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Não
nulidade.
Dou provimento ao recurso para excluir a indenização por danos materiais e reflexos
relativos ao período de 24.9.98 a 23.9.99.
Sergio Pinto Martins
Juiz Relator
125
ANEXO C
CLÁUSULA DE SIGILO E NÃO CONCORRÊNCIA
Pelo presente instrumento particular de contrato de sigilo e não concorrência, de um
lado _______________________________, pessoa jurídica de direito privado, com sede na
cidade de _____________, Estado do ____________, na Rua _______________________,
n.
o
______, inscrita no CNPJ/MF sob n.
o
___________________ a seguir denominada
CONTRATANTE, e de outro _________________________, brasileiro(a), residente e
domiciliado(a) na Rua ________________________,n.
o
_____, em ___________, Estado do
___________, doravante denominado(a) CONTRATADO(A) têm entre si, justo e contratado
o seguinte:
Considerando que o(a) CONTRATADO(A), antes de sua admissão na CONTRATANTE,
não possuía experiência profissional na área de atuação da CONTRATADA (detalhar a área
de atuação e as atividades);
Considerando que os conhecimentos a serem ministrados e que serão angariados
pelo(a) CONTRATADO(A) durante seu nculo contratual com a CONTRATANTE constituem
inovações técnicas de mercado, know-how e segredos de empresa de titularidade da
CONTRANTE;
Considerando que os referidos segredos constituem o bem mais valioso da
CONTRATANTE, uma vez que permitem a sua diferenciação e consolidação no mercado;
Considerando que a CONTRATANTE deseja transferir esses conhecimentos para o
CONTRATADO(A), de forma a possibilitar sua atuação como seu empregado;
As partes têm justo e contratado o que segue:
1. A CONTRATANTE, em virtude do vínculo com o CONTRATADO(A), se compromete
a revelar, na medida do necessário, os segredos de empresa e conhecimentos de sua
propriedade, de forma a permitir ao(à) CONTRATADO(A) o perfeito desempenho de suas
funções.
2. O(A) CONTRATADO(A) concorda em jamais, seja durante a vigência do vínculo
contratual, seja após o término desse vínculo contratual, sem prévia autorização por escrito
da CONTRATANTE, revelar, divulgar ou se utilizar, sob qualquer forma e pretexto, das
técnicas, segredos e informações obtidos durante ou em razão do vínculo contratual
mantido com a CONTRATANTE.
126
3. O(A) CONTRATADO(A), durante a vigência do vínculo contratual com a
CONTRATANTE e - em até 3 (três) anos após o término desse vínculo (o tempo de duração
da não concorrência deve levar em conta a atividade do empregado e o segmento de
atuação da empregadora), concorda em jamais, sem prévio consentimento por escrito da
CONTRATANTE, se envolver com qualquer outra atividade direta ou indiretamente
relacionada à área de atuação da CONTRATANTE, seja por si mesmo (a) ou por qualquer
meio de outra pessoa ou empresa, seja como empregador, agente, empregado ou qualquer
outra forma, nos Estados de _______________ e ____________ (estado onde o
empregado atuará).
4. Como contraprestação pela obrigação ajustada na cláusula anterior, ajustam as
partes, que durante a vigência da quarentena estipulada, a CONTRATANTE pagará ao(a)
CONTRATADO(A), mensalmente, valor equivalente ao seu último salário-base.
5. Em caso de desobediência às cláusulas acima estipuladas, até a efetiva cessação
da violação, pelo(a) CONTRATADO(A) será devida multa diária no valor de
R$ _________,
277
sem prejuízo do ressarcimento pelas perdas e danos causados e das
sanções previstas na legislação penal em vigor;
Assim, estando justas e contratadas, as partes assinam o presente documento em
duas vias de igual teor, na presença das testemunhas abaixo assinadas.
Local e data.
CONTRATANTE CONTRATADO(A)
testemunhas
277
A multa pecuniária diária deve ser estipulada em valor suficientemente elevado para impedir que
o ex-empregado tente descumprir o que fora fixado, assim como para evitar que o seu concorrente
opte por bancar o empregado, por entender que os riscos compensam a prática ilícita do ato de
concorrência desleal.
127
ANEXO D
EMENTA EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES
PRIVADAS
EMENTA: SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE
COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO
CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS.
RECURSO DESPROVIDO.
I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As
violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre
o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e
jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela
Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando
direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados.
II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À AUTONOMIA PRIVADA
DAS ASSOCIAÇÕES. A ordem jurídico-constitucional brasileira não conferiu a qualquer
associação civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em
especial, dos postulados que têm por fundamento direto o próprio texto da Constituição da
República, notadamente em tema de proteção às liberdades e garantias fundamentais. O
espaço de autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está
imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos
direitos fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que encontra claras
limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com
desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados
em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no
domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as
restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa
também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema
de liberdades fundamentais.
III. SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. ENTIDADE QUE INTEGRA ESPAÇO
PÚBLICO, AINDA QUE NÃO-ESTATAL. ATIVIDADE DE CARÁTER PÚBLICO. EXCLUSÃO
DE SÓCIO SEM GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.APLICAÇÃO DIRETA DOS
DIREITOS FUNDAMENTAIS À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. As associações
128
privadas que exercem função predominante em determinado âmbito econômico e/ou social,
mantendo seus associados em relações de dependência econômica e/ou social, integram o
que se pode denominar de espaço público, ainda que não-estatal. A União Brasileira de
Compositores UBC, sociedade civil sem fins lucrativos, integra a estrutura do ECAD e,
portanto, assume posição privilegiada para determinar a extensão do gozo e fruição dos
direitos autorais de seus associados. A exclusão de sócio do quadro social da UBC, sem
qualquer garantia de ampla defesa, do contraditório, ou do devido processo
constitucional, onera consideravelmente o recorrido, o qual fica impossibilitado de
perceber os direitos autorais relativos à execução de suas obras. A vedação das
garantias constitucionais do devido processo legal acaba por restringir a própria
liberdade de exercício profissional do sócio. O caráter público da atividade exercida
pela sociedade e a dependência do vínculo associativo para o exercício profissional
de seus sócios legitimam, no caso concreto, a aplicação direta dos direitos
fundamentais concernentes ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla
defesa (art. 5.
o
, LIV e LV, CF/88).
IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO.
Agendamento de data de defesa perante Banca Examinadora
Curitiba, ________/________/________
Horário:____________
Indicação dos professores membros titulares e suplente:
Membro Externo:____________________________________
Membro Interno:_____________________________________
Suplente (Interno):___________________________________
Deposite-se na Secretaria do Mestrado.
Curitiba, ________/________/________
___________________________________
Professor (a) Orientador (a)
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