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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA
PROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITO
ADEMAR NITSCHKE JÚNIOR
A ATIVIDADE EMPRESARIAL NO BRASIL E A ORDEM ECONÔMICA NA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 – A NECESSÁRIA HARMONIA PARA A
PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E REDUÇÃO DAS
DESIGUALDADES SOCIAIS
CURITIBA
2008
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ADEMAR NITSCHKE JÚNIOR
A ATIVIDADE EMPRESARIAL NO BRASIL E A ORDEM ECONÔMICA NA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 – A NECESSÁRIA HARMONIA PARA A
PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E REDUÇÃO DAS
DESIGUALDADES SOCIAIS
Dissertação apresentada ao Programa de
Mestrado em Direito Empresarial e
Cidadania do Centro Universitário Curitiba,
como requisito parcial para a obtenção do
Título de Mestre em Direito.
Orientador: Professor Doutor Fábio Tokars
CURITIBA
2008
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ADEMAR NITSCHKE JÚNIOR
A ATIVIDADE EMPRESARIAL NO BRASIL E A ORDEM ECONÔMICA NA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 – A NECESSÁRIA HARMONIA PARA A
PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E REDUÇÃO DAS
DESIGUALDADES SOCIAIS
Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do Título de
Mestre em Direito pelo Centro Universitário Curitiba.
Banca Examinadora constituída pelos seguintes professores:
Presidente: ___________________________________________
Prof. Dr. FÁBIO TOKARS
___________________________________________
Profª. Dra. MARCIA CARLA PEREIRA RIBEIRO
___________________________________________
Prof. Dr. FRANCISCO CARDOZO OLIVEIRA
Curitiba, de de 2008.
DEDICATÓRIA
Dedico esta dissertação aos meus
queridos pais, pelo esforço e
dedicação dispensados na minha
educação.
AGRADECIMENTOS
Aos meus familiares e amigos por suportar a ausência nos momentos de elaboração
deste trabalho.
Aos meus sócios pelo apoio dispensado para que pudesse cumprir com o objetivo
traçado.
Aos meus colegas de mestrado pelo companheirismo, amizade e colaboração.
Ao meu orientador, amigo e professor Dr. Fábio Tokars por, brilhantemente, conduzir
minha conduta acadêmica na elaboração deste trabalho, trazendo, a cada dia, novos
ensinamentos que muito enriqueceram minha pesquisa e motivaram sua
continuidade.
Aos professores Dr. Francisco Cardozo Oliveira e Dra. Márcia Carla Pereira Ribeiro
pelos apontamentos e orientações apresentadas na banca de qualificação do projeto
que resultou nesta Dissertação de Mestrado.
A todos os professores do programa de Mestrado em Direito do UNICURITIBA.
EPÍGRAFE
O comércio civiliza as nações, enriquece os povos e
constitui poderosas as monarquias, que se arruínam
com a sua decadência e abatimento da cultura; mas
é preciso que nele se pratique com mútua fidelidade.
A alma do comércio consiste na liberdade.
(Alvará do Rei de Portugal, de 17 de agosto de
1758)
SUMÁRIO
RESUMO ..................................................................................................................... 10
ABSTRACT ................................................................................................................. 11
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 12
1 OS PRINCÍPIOS REGENTES DA ATIVIDADE ECONÔMICA................................. 15
1.1 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ........................................ 15
1.2 O PRINCÍPIO DA BUSCA DO PLENO EMPREGO............................................... 23
1.3 O PRINCÍPIO DA LIVRE INICIATIVA .................................................................... 33
1.4 O PRINCÍPIO DO TRATAMENTO FAVORECIDO ÀS ATIVIDADES DE
PEQUENO PORTE...................................................................................................... 39
1.4.1 A classificação dos empreendedores.......................................................... 39
1.4.2 A proteção constitucional às empresas de pequeno porte.......................... 43
1.4.3 A proteção às microempresas e empresas de pequeno porte
conferida pela Lei Complementar 123/06 a abertura do caminho para
mudanças............................................................................................................. 46
1.5 O PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE.................................... 51
1.5.1 O movimento de funcionalização dos direitos da propriedade no
Brasil após a Constituição Federal de 1988......................................................... 51
1.5.2 A formação histórica do princípio da função social e sua previsão
no ordenamento jurídico brasileiro....................................................................... 53
1.5.3 A função social do Direito Empresarial........................................................ 56
1.5.4 A função social da empresa........................................................................ 61
1.6 O PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA............................................... 68
2 A IMPORTÂNCIA DA ECONOMIA DE MERCADO PARA A
MATERIALIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA ..................................................................................................................... 78
2.1 A INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ORDEM ECONÔMICA E SOCIAL ............... 78
2.1.1 A importância da economia de mercado para a promoção do
desenvolvimento econômico................................................................................ 78
2.1.2 As tradicionais formas de intervenção do Estado na Ordem
Econômica e Social.............................................................................................. 82
2.1.3 A atuação do Estado no século XXI............................................................ 85
2.2 A PROPOSTA APRESENTADA POR JEFFREY D. SACHS PARA A
REDUÇÃO DA MISÉRIA MUNDIAL COMO ELEMENTO DE VALORIZAÇÃO
DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA............................................ 87
2.2.1 A experiência profissional de Jeffrey D. SACHS e a aplicabilidade
de seu estudo para a promoção do desenvolvimento econômico e
valorização da dignidade humana........................................................................ 88
2.2.2 A redução da miséria mundial como elemento de valorização do
princípio da dignidade da pessoa humana a proposta para o fim da
pobreza ................................................................................................................ 89
2.3 A REGULAMENTAÇÃO ECONÔMICA NO BRASIL, COM BASE NO
RELATÓRIO DOING BUSINESS 2008, E SEUS DESDOBRAMENTOS PARA
O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE EMPRESARIAL.......................................................... 98
3 A INFLUÊNCIA EXERCIDA PELO DIREITO NO EXERCÍCIO DA
ATIVIDADE EMPRESARIAL E SUA RELAÇÃO COM O
DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO.......................................................................... 106
3.1 PROBLEMAS ENVOLVENDO A LIMITAÇÃO DA RESPONSABILIDADE
DO(S) SÓCIO(S).......................................................................................................... 106
3.1.1 A autonomia patrimonial e a limitação da responsabilidade dos
sócios................................................................................................................... 106
3.1.2 Abusos na aplicação da desconsideração da personalidade
jurídica.................................................................................................................. 111
3.1.3 A limitação da responsabilidade do empresário individual.......................... 122
3.2 A PROTEÇÃO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL E O
DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO.......................................................................... 128
3.2.1 A regulamentação jurídica da propriedade industrial no Brasil.................... 130
3.2.2 A aplicação prática da proteção aos direitos da atividade inventiva............ 135
3.3 TRESPASSE DE ESTABELECIMENTO................................................................ 137
3.3.1 A definição de estabelecimento, os elementos que o compõem e a
sua importância econômica.................................................................................. 137
3.3.2 A transferência de titularidade do estabelecimento – a operação de
trespasse e a disciplina do código civil de 2002................................................... 140
3.4 A FALÊNCIA E A RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS ............................................ 148
3.4.1 A importância da tutela do crédito para a promoção do
desenvolvimento econômico................................................................................ 148
3.4.2 Histórico e fundamentos básicos do Direito Falimentar .............................. 151
3.4.3 A disciplina do Direito Falimentar no Brasil e a reforma promovida
pela Lei nº. 11.101/2005....................................................................................... 152
3.4.4 A aplicabilidade dos preceitos da Lei nº. 11.101/2005 e as
possibilidades de contribuição para a promoção do desenvolvimento
econômico............................................................................................................ 160
CONCLUSÃO ............................................................................................................. 167
REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 173
RESUMO
A atividade empresarial é reconhecida como um dos mais importantes elementos na
promoção do desenvolvimento econômico no mundo contemporâneo, pois gera
empregos, recolhe tributos, contribui com pesquisas científicas, promove a criação e
a circulação de riquezas, etc. É pelo exercício da atividade empresarial que se torna
possível materializar os princípios constitucionais relativos à Ordem Econômica e
Social, conferindo-se condições de vida mais dignas aos seres humanos e
caminhando-se em busca da promoção de melhorias sociais. Para que seja possível
desempenhar adequadamente o exercício da atividade empresarial, faz-se
necessário que o Estado atue coibindo eventuais abusos e promovendo os
necessários incentivos ao desenvolvimento das atividades, retirando obstáculos
indevidos e fomentando o florescimento da economia de mercado. É nesse sentido
que as barreiras burocráticas para a realização de negócios no Brasil precisam ser
superadas. Paralelamente, surge a influência exercida pelo Direito na realização da
atividade empresarial. Problemas envolvendo a limitação da responsabilidade dos
sócios, a proteção da propriedade industrial, a operação de trespasse de
estabelecimento e o regime de recuperação de empresas e de falências podem
prejudicar o desenvolvimento das atividades empresariais e inibir os investimentos
privados, o que, consequentemente, contraria os objetivos de promoção do
desenvolvimento econômico e de redução das desigualdades sociais.
Palavras-chave: atividade empresarial; incentivos; desenvolvimento; dignidade
humana; melhorias sociais.
ABSTRACT
The corporate activity is recognized as one of the most important elements in
economic development promotion in contemporaneous world, because it generates
jobs, collects taxes, contributes with scientific researches, etc. Due to the corporate
activity’s exercise that constitutional principles related to Social and Economic Order
can materialize, conferring worthier life conditions to the human beings and marching
in search of social improvement’s promotion. To be possible execute properly the
corporate activity’s exercise, it’s necessary that the State acts, repressing occasional
abuses and promoting the necessary incentives to the development of activities,
removing improper obstacles and encouraging the market economy’s prospering.
Therein the formal barriers to the business accomplishment in Brazil need to be
overcome. In parallel, the influence exerted by the Law in the corporate activity
arises. Problems involving the partners responsibility’s limitation, the protection of the
copyrights, the operation of establishment’s transfer and the business and
bankruptcy recuperation’s regime can prejudice the corporate activities development
and inhibit the privates investments, what, consequently, opposes the objectives of
economic development’s promotion and social inequality’s reduction.
Key-words: corporate activity; incentives; development; human dignity; social
improvements
12
INTRODUÇÃO
Ao se analisar determinadas disposições da Constituição Federal de 1988
torna-se evidente que o legislador constituinte procurou estabelecer as diretrizes
para que o Brasil consiga construir uma sociedade desenvolvida, igualitária e justa.
É nesse sentido que os princípios constitucionais, dispostos no título da Ordem
Econômica e Social da Carta Magna, objetivam a construção de um sistema
econômico livre e que promova as melhorias sociais almejadas pelo legislador
constituinte originário.
Cumpre destacar que o texto constitucional em debate reflete a realidade
histórica e social que o país vivia no final da década de 80, quando acabara de
superar um período ditatorial e de iniciar uma nova fase democrática. Naquela
época, boa parte dos símbolos da velha esquerda estava desaparecendo, tendo
como principal demonstração desta afirmação a queda do Muro de Berlim.
Foi diante de tal contexto que a Carta Magna brasileira procurou direcionar
os caminhos para que a economia do país alcançasse o desenvolvimento que vinha
sendo obtido pelos países com IDH mais elevado, ainda que esta iniciativa tenha
ocorrido tardiamente no Brasil.
Com base nessas premissas, o legislador constituinte dispôs, por exemplo,
sobre o tratamento favorecido às empresas de pequeno porte, sobre a busca do
pleno emprego e consagrou como diretriz fundamental a valorização da dignidade
da pessoa humana, indicando que o desenvolvimento econômico deve ser utilizado
com vistas a reduzir as desigualdades sociais.
Nessa mesma linha de raciocínio, a legislação infraconstitucional procurou
incentivar o binômio incentivo-desenvolvimento, exemplificativamente (i) ao proteger
a propriedade industrial, fomentando-se a pesquisa e o desenvolvimento, (ii) ao
proteger a propriedade privada, incentivando-se a sua utilização de acordo com os
anseios da sociedade; (iii) ao proteger as atividades empresariais de pequeno e
médio porte, incentivando a sua criação e existência por intermédio de concessões
de benefícios fiscais.
Mesmo percebendo-se que toda a sistemática principiológica da nossa
legislação adota viés desenvolvimentista, se avaliarmos as possibilidades existentes
e o que vem sendo aproveitado pelo país, não é difícil identificar que o Brasil
13
caminha a passos muito lentos para o cumprimento dos objetivos estabelecido pelo
legislador.
Realiza-se esta afirmação porque não é segredo que o Brasil é um dos
países no mundo mais favorecidos por riquezas naturais, amplo território, excelente
localização geográfica, grande volume de mão-de-obra qualificada, dentre outras
características que muito são lembradas quando se pretende avaliar o potencial de
crescimento econômico de um país.
Todavia, quando esses elementos são confrontados com os resultados
práticos alcançados pela sociedade brasileira, nota-se que a base principiológica
inserta na Carta Magna, em muitas vezes, não produz para a sociedade os
resultados que foram almejados.
Fatores como a utilização do dinheiro público, o excesso de
burocratização das instituições que em muitas vezes leva à corrupção, a falta de
incentivos às atividades essenciais e de infra-estrutura básica e, no que importa à
presente dissertação e que será objeto central deste trabalho, a influência negativa
da ciência do Direito na economia, inibem a efetiva materialização dos preceitos
constitucionais.
Antes de se analisar diretamente a influência que o Direito exerce no
desenvolvimento das atividades empresariais, o que será objeto do último capítulo
desta dissertação, é importante construir o referencial teórico que fundamenta a
pretensão da pesquisa.
Por isso, no primeiro capítulo analisaram-se alguns dos importantes
princípios regentes da atividade econômica dispostos na legislação brasileira, como
os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, do pleno emprego, da
livre iniciativa, do tratamento favorecido às atividades de pequeno porte e da função
social da propriedade, que foram analisados em conjunto com o princípio da
preservação da empresa para demonstrar as bases sob as quais esta dissertação foi
construída.
Demonstrou-se a relação umbilical que os referidos princípios possuem com
a tutela da atividade empresarial privada, trazendo à baila a importância desta para
a promoção do desenvolvimento econômico e redução das desigualdades sociais.
no segundo capítulo procurou-se comprovar a importância da economia
de mercado para contribuir com os objetivos apresentados, abordando-se
14
aspectos sobre a atuação do Estado na Ordem Econômica e Social e fixando-se a
orientação doutrinária seguida por esta pesquisa acadêmica.
Além disso, o estudo de Jeffrey D. SACHS, que objetiva acabar com a
miséria mundial nos próximos vinte anos, e o relatório Doing Business 2008,
elaborado pelo Banco Mundial para avaliar o ambiente de negócios em 178 (cento e
setenta e oito) países ao redor do mundo, foram analisados para identificar, com
fatos e dados, determinados problemas conjunturais que precisam ser corrigidos em
nosso país, assim como propostas de soluções que possam ser aplicadas.
Por fim, no último capítulo desta dissertação analisou-se a influência
exercida pelo Direito na atividade empresarial, procurando-se apontar aspectos
práticos da ciência jurídica que prejudicam o desenvolvimento do
empreendedorismo e, consequentemente, dificultam a promoção do
desenvolvimento econômico.
Explanou-se neste último capítulo como problemas envolvendo (i) a limitação
da responsabilidade dos sócios, (ii) a proteção da propriedade industrial, (iii) a
operação de trespasse de estabelecimento e (iv) o regime de recuperação de
empresas e de falências podem influenciar na promoção do desenvolvimento
econômico por intermédio da atuação do ente empresarial.
Certamente não se trata de pesquisa que apontará todos os problemas da
ciência jurídica que interferem negativamente no desenvolvimento da atividade
empresarial, até porque isso seria tarefa inviável para qualquer estudo acadêmico.
Nada obstante, pretende-se que seja um passo adiante em uma necessária
caminhada no constante processo de evolução social.
Por essas razões, torna-se natural compreender que a temática desta
dissertação encontra-se de acordo com a área de concentração do Programa de
Mestrado em Direito do UNICURITIBA (Centro Universitário Curitiba), qual seja
“Atividade Empresarial e Cidadania”, pois se objetiva com esta pesquisa fomentar os
incentivos à atividade empresarial para que se reduzam as desigualdades sociais, o
que evidentemente encontra-se diretamente ligado à noção de cidadania e de
sustentabilidade.
15
1 OS PRINCÍPIOS REGENTES DA ATIVIDADE ECONÔMICA
1.1 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Em quase todos os ordenamentos jurídicos modernos a discussão sobre os
direitos fundamentais vem ocupando os estudos doutrinários, sendo que a
justificativa para tal fenômeno remonta à história percorrida pela humanidade e à
significativa evolução que esta passou, especialmente, no final do culo XX.
Pequenos exemplos históricos mostram como a preocupação social vivida no final
do século passado, e neste início de século XXI, cada vez mais se distancia dos
modelos de conduta adotados como regra pelas sociedades que nos antecederam.
No período da Inquisição a história conta que pessoas eram queimadas em praça
pública como se o valor da vida humana não representasse nada aos seus
semelhantes; no século XIX, o trabalho escravo tomava conta de boa parte das
lavouras existentes no Brasil, sendo os escravos submetidos a tratamento parecido
com aquele dispensado aos animais; no século XX, as duas guerras mundiais
mostraram como ideologias e planos de conquista de poder exterminaram milhares
de vidas e promoveram a desgraça em países, sendo estes apenas alguns
exemplos do que se passou ao longo dos séculos.
A partir da segunda metade do século XX, notadamente após a Segunda
Guerra Mundial, a humanidade passou a tratar os direitos humanos de maneira
diversa daquilo que até então se aplicava
1
, pois a traumática experiência vivida no
período dos conflitos mostrou que as barbáries cometidas contra a humanidade
neste período, em nome de um suposto “bem maior”, não poderiam ser novamente
suportadas
2
. Defendendo determinados pontos de vista, líderes promoveram
1
Como nos ensina Carlyle POPP: “Na verdade, o respeito ao ser humano o personalismo ético e a
dignidade não é a mola mestra somente do Direito Civil, mas sim, do ordenamento como um todo,
principalmente a partir da 2ª. guerra mundial, quando os diversos países do mundo, sobretudo os
europeus, inseriram em suas cartas magnas tal preocupação.” (POPP, Carlyle. Responsabilidade
civil pré-negocial: o rompimento das tratativas. Curitiba: Juruá, 2001. p. 54).
2
Por isso que, como nos ensina Rizzatto NUNES, a Constituição Federal da Alemanha Ocidental do
pós-guerra trouxe, logo em seu artigo de abertura, a intangibilidade da dignidade da pessoa humana,
prevendo que o respeito e a proteção à dignidade da pessoa humana é obrigação de todo o poder
público. A normatização do tema demonstra, claramente, como foi a experiência desumana
decorrente do nazismo que criou a preocupação de que se deve preservar, a qualquer custo, a
dignidade da pessoa humana. O autor sintetiza seus ensinamentos ao afirmar que: “se torna
necessário identificar a dignidade da pessoa humana como uma conquista da razão ético-jurídica,
16
genocídios, torturas, perseguições a pessoas de determinada raças, classes ou
etnias, o que hoje vemos como inaceitável.
De olhos abertos para uma nova e verdadeira realidade, as sociedades
passaram a disciplinar os direitos fundamentais em seus ordenamentos jurídicos,
tentando, com isso, conceder aos seres humanos melhores condições de vida e
existência, o que se entende como parte de um processo de significativa evolução
da raça humana.
Não se está afirmando, com isso, que acabaram os problemas contra os
direitos fundamentais no mundo, eis que em alguns países a democracia não
evoluiu suficientemente. Todavia, o que merece destaque é que na maioria dos
países encontra-se, na sistemática jurídica atual, a proteção aos direitos dos
cidadãos, servindo isso como um marco na busca pela melhoria nas condições de
vida dos seres humanos.
Observe-se que são vários os direitos tutelados pela moderna doutrina dos
direitos fundamentais
3
, sendo que, na sua essência, todas as demandas nesta
esfera gravitam, direta ou indiretamente, em torno dos tradicionais e perenes valores
da vida, liberdade, igualdade e fraternidade (solidariedade).
Nada obstante, um desses direitos, qual seja a dignidade da pessoa
humana, que sustenta os demais
4
, e que, por isso, é considerado como a mola
fruto da reação à história de atrocidades que, infelizmente, marca a experiência humana”. (NUNES,
Luiz Antônio Rizzatto. O princípio da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência.
São Paulo: Saraiva, 2002. p. 48).
3
Nesse sentido, Gisela Maria BESTER, compilando classificações de diversos autores, ensina que os
(i) “Direitos de Primeira Geração” compreendem as liberdades civis básicas e clássicas, como por
exemplo: liberdades físicas, liberdades de expressão, liberdades de consciência, direito de
propriedade, direito da pessoa acusada e as garantias dos direitos; por sua vez, os (ii) “Direitos de
Segunda Geração” referem-se aos direitos políticos, como por exemplo: direito ao sufrágio universal,
direito a constituir partido político, direito ao plebiscito, ao referendo e à iniciativa popular legislativa;
os (iii) “Direitos de Terceira Geração” compreendem aqueles econômicos, sociais e culturais, como
por exemplo: os relativos ao homem trabalhador e ao homem consumidor; por fim, como última
categoria, os (iv) “Direitos de Quarta Geração” são aqueles inerentes aos direitos de solidariedade,
como por exemplo: direito ao desenvolvimento, direito ao meio ambiente sadio, direito à paz e o
direito à descolonização. (BESTER, Gisela Maria. Direito constitucional, v. 1, São Paulo: Manole,
2005. p. 588 e sgts). Destaque-se que a doutrina não é uníssona em aceitar esta classificação, sendo
que parte dela subdivide as gerações dos direitos fundamentais de outra forma, ou ainda, acredita na
existência de uma quinta e, até mesmo, de uma sexta geração, como nos ensina Ingo Wolfgang
SARLET, in verbis: “Costuma-se, neste contexto marcado pela autêntica mutação histórica
experimentada pelos direitos fundamentais, falar da existência de três gerações de direitos, havendo,
inclusive, quem defenda a existência de uma quarta geração e até mesmo de uma quinta e sexta
geração.” (SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. . ed. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2007. p. 54).
4
Idem. Ibidem. p. 60.
17
mestra de todo o ordenamento, como nos ensina Carlyle POPP: Toda a concepção
de direitos fundamentais, individuais, sociais ou coletivos passa por uma origem
comum: a dignidade. Este ponto intangível é a mola mestra de todo o
ordenamento
5
.
Assim, em que pese a elevada importância que reveste a principiologia dos
direitos fundamentais, e sua relevância jurídico-constitucional, é no princípio da
dignidade humana que reside o cerne das discussões envolvendo as condições da
vida humana
6
, sendo que neste ponto o desenvolvimento econômico pode trazer
resultados práticos, razão pela qual se passa a traçar maiores considerações a
respeito.
É sabido que a dignidade nasce com o indivíduo. O ser humano é dotado de
dignidade simplesmente porque existe, não havendo nenhum fator condicionante
para que o indivíduo possa fruir da dignidade humana
7
. Como afirma Carlyle POPP:
a dignidade da pessoa humana significa a superioridade do homem sobre todas as
demais coisas que o cercam; é o homem como protagonista da vida social.
Representa, então, a subordinação do objeto ao sujeito de direito
8
.
José Joaquim Gomes CANOTILHO ensina que o princípio da dignidade da
pessoa humana acolhe a idéia pré-moderna e moderna de dignitas-hominis, isto é,
do indivíduo conformador de si próprio e da sua vida segundo o seu próprio projeto
espiritual. Diante das experiências históricas de aniquilação dos seres humanos
(inquisição, escravatura, nazismo, stalinismo, polpotismo, genocídios étnicos), a
dignidade da pessoa humana significa o reconhecimento do indivíduo como limite e
fundamento do domínio político do Estado. Nesse sentido, a República funciona
como organização política que serve ao homem, e não o contrário
9
.
Logo, não é por acaso que o ser humano representa o ápice de toda a
cadeia evolutiva das espécies vivas e, por isso, a própria dinâmica da evolução vital
5
POPP, Carlyle. (Responsabilidade civil ...). Op. cit. p. 57.
6
CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital. Fundamentos da constituição. Coimbra:
Coimbra, 1991, p. 72.
7
A existência de uma vida digna é característica fundamental para a satisfação do ser humano. Por
mais diversa que possa ser a posição ideológica e doutrinária defendida, adotando-se viés mais
liberal ou mais conservador, é inegável que todos os posicionamentos científicos sérios pretendem
promover melhorias sociais. A diversidade dos pensamentos encontra-se, exatamente, no modo que
este objetivo final pode ser alcançado.
8
POPP, Carlyle. Ibidem. p. 54.
9
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da constituição. 5ª. ed.
Coimbra: Almedina, 2002. p. 225.
18
se organiza em função do homem
10
, levando-nos a uma única conclusão: o homem
voltou a ter um lugar de destaque no mundo jurídico, não permanecendo como mera
justificativa para o suposto bem comum
11
. Por isso, a dignidade humana vem sendo
cada vez mais valorizada pelos sistemas jurídicos das modernas democracias
12
.
Quanto à sua aplicabilidade, cumpre destacar que a dignidade humana faz
parte de um conjunto de princípios que devem ser aplicados sistematicamente, em
conjunto
13
, não podendo ser fracionada em hipóteses, mas devendo ser enfrentada
como um problema unitário, como bem aponta Maria Celina Bodin de MORAES:
A tutela da pessoa humana não pode ser fracionada em isoladas hipóteses,
microssistemas, em autônomas fattispecie não-intercomunicáveis entre si,
mas deve ser apresentada como um problema unitário, dado o seu
fundamento, representado pela unidade do valor da pessoa. Esse
fundamento não pode ser dividido em tantos interesses, em tantos bens,
como é feito nas teorias atomísticas. A personalidade é, consequentemente,
não um ‘direito’, mas um valor, o valor fundamental do ordenamento, que
está na base de uma série (aberta) de situações existenciais, nas quais se
traduz a sua incessante mutável exigência de tutela.
14
Notadamente a aplicação de princípios conflitantes, no caso concreto, pode
levar o operador do Direito a valorizar um princípio em detrimento do outro, sendo
natural e aceitável esta ocorrência. Todavia, vale dizer que a dignidade humana, na
maioria dos casos em que ocorrem conflitos entre princípios, caracteriza-se como
10
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva,
2001. p. 04.
11
POPP, Carlyle. Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e a liberdade negocial a
proteção contratual no direito brasileiro. In: LOTUFFO, Renan (org.). Direito Civil Constitucional.
São Paulo: Max Limonad, 1999. p. 152.
12
Sobre o valor da vida humana no mundo moderno muito bem afirma Jean BAUDRILLARD que:
“Hoje, a vida é preservada na medida em que tem valor, isto é, valor de troca. Mas se a vida é
preciosa, é justamente porque ela não tem valor de troca porque é impossível trocá-la por um valor
final. O mundo não pode ser negociado como mercadoria, nem trocado por qualquer outro mundo,
sobretudo um mundo virtual. O humano não pode ser trocado como mercadoria por qualquer espécie
artificial, como os clones, mesmo que estes tenham maior desempenho, tenham ‘mais valor’.”
(BAUDRILLARD, Jean. A ilusão vital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p. 34).
13
Luiz Antônio Rizzatto NUNES ensina que para se alcançar a dignidade da pessoa humana faz-se
necessário assegurar os direitos sociais previstos no art. 6º. da Constituição Federal, que, por sua
vez, atrelado ao art. 225, formam um conjunto que assegura os direitos sociais como educação,
saúde, trabalho, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância,
assistência aos desamparados, proteção ao meio ambiente equilibrado, etc. (NUNES, Luiz Antônio
Rizzatto. Op. cit. p. 51).
14
MORAES, Maria Celina Bodin de. O conceito de dignidade humana: substrato axiológico e
conteúdo normativo. In: Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. SARLET, Ingo
Wolfgang (org.). 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 146.
19
fundamento de maior valoração
15
sobre os demais, merecendo a proteção dos
operadores do Direito, especialmente pelo valor que a vida humana, exercida com
dignidade, assume nos tempos modernos.
No ordenamento jurídico pátrio, a dignidade da pessoa humana, tal como os
demais direitos fundamentais que a acompanham, depois de mais de duas décadas
de período ditatorial, foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, fazendo
parte da base que sustenta o nosso Estado Democrático de Direito
16
. Ainda que
tardia, eis que muitos países recepcionaram esse princípio em seus ordenamentos
em momento anterior ao ocorrido no Brasil, vale afirmar que a mencionada mudança
fez parte de todo o processo de construção de uma nova sociedade estruturada sob
o manto da Carta Magna de 1988.
A Carta Magna, em seu art. 1º, III, consagrou o princípio e atribuiu-lhe
valoração de fundamento da República
17
. Isto é, considerada a iminência do
postulado, a Constituição Federal proclamou a dignidade da pessoa humana dentre
os princípios fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro, atribuindo-lhe valor
supremo de alicerce da ordem jurídica democrática brasileira
18
. Em linha com estas
afirmações, Maria Celina Bodin de MORAES ensina que:
[...] o atual ordenamento jurídico, em vigor desde a promulgação da
Constituição Federal de 5 de outubro de 1988, garante tutela especial e
privilegiada a toda e qualquer pessoa humana, em suas relações
extrapatrimoniais, ao estabelecer como princípio fundamental, ao lado da
soberania e da cidadania, a dignidade humana. Como regra geral daí
decorrente, pode-se dizer que, em todas as relações privadas nas quais
venha a ocorrer um conflito entre uma situação jurídica subjetiva existencial
15
Como ensina Ana Paula de BARCELLOS: “[...] Em suma: o princípio da dignidade da pessoa
humana há de ser o vetor interpretativo geral, pelo qual o intérprete deverá orientar-se em seu ofício.”
(BARCELLOS, Ana Paula. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da
dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 146).
16
Nesse sentido, Ingo Wolfgang SARLET traça paralelo que trata sobre as mudanças trazidas pelo
perfil constitucional da Carta Magna de 1988 quanto aos direitos fundamentais, in verbis: Traçando-
se um paralelo entre a Constituição de 1988 e o direito constitucional positivo anterior, constata-se,
numa primeira leitura, a existência de algumas inovações de significativa importância na seara dos
direitos fundamentais. De certo modo, é possível afirmar-se que, pela primeira vez na história do
constitucionalismo pátrio, a matéria foi tratada com a merecida relevância. Além disso, inédita a
outorga aos direitos fundamentais, pelo direito constitucional positivo vigente, do status jurídico que
lhes é devido e que não obteve o merecido reconhecimento ao longo da evolução constitucional.”.
(SARLET, Ingo Wolfgang. (A eficácia...). Op. cit. p. 75).
17
Art. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios
e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[...]
III - a dignidade da pessoa humana;
18
MORAES, Maria Celina Bodin de. Op. cit. p. 117.
20
e uma situação jurídica patrimonial, a primeira deverá prevalecer,
obedecidos, dessa forma, os princípios constitucionais que estabelecem a
dignidade da pessoa humana como valor cardeal do sistema.
19
A adoção deste princípio pelo legislador constituinte se deu em consonância
com toda a construção do Estado Democrático de Direito elaborada pela
Constituição Federal de 1988. Além disso, também pode-se afirmar que o legislador
constituinte originário procurou equilibrar, em um mesmo sistema, a valorização do
trabalho humano
20
, a livre iniciativa, o pleno emprego, a construção de uma ordem
econômica com a finalidade de assegurar a todos uma existência digna e justa,
assim como uma rie de outros elementos que compõem a nossa atual sistemática
jurídica constitucional. Em consonância e complementaridade com o que se afirmou,
ensina Eros Roberto GRAU:
[...] sem nenhuma dúvida, torna-se plenamente evidente no sistema da
Constituição Federal de 1988, no seio do qual, como se vê, é ela – a
dignidade da pessoa humana não apenas fundamento da República
Federativa do Brasil, mas também o fim ao qual se deve voltar a ordem
econômica (mundo do ser).
21
Portanto, nota-se que o legislador tanto estabeleceu a dignidade da pessoa
humana como fundamento da República, quanto prescreveu que o seu alcance deve
se dar com a construção de uma ordem econômica que assegure a todos uma
existência digna e pautada em um conjunto de princípios que a sustentam,
caracterizando a existência do mundo do ser. O equilíbrio entre esses dois pilares
é muito bem destacado e abordado por Eros Roberto GRAU, quando afirma que:
19
MORAES, Maria Celina Bodin de. Op. cit. p. 145.
20
Nesse sentido é oportuna a lição de Andréia Pereira ZANELLA, in verbis: A dignidade da pessoa
não é algo que pode ser mensurado em valores, mas é um sentimento, algo que faz com que o
indivíduo sinta-se respeitado nas suas opções e na sua condição de pessoa. É algo indefinível em
uma única forma, mas manifesta-se em várias maneiras na vida do indivíduo e pode ser encontrado
inserto em diversos preceitos constitucionais, de forma implícita, e, ainda, consta na Constituição
Federal, explicitamente como preceito (norma positivada). Ressalte-se que a proteção do princípio da
dignidade da pessoa humana vai muito além da sua menção como princípio inserto nas relações de
trabalho e como direito do trabalhador legalmente regulamentado e protegido. Trata-se de um
princípio que visa proteger bem imaterial de todo o ser humano, inerente à sociedade democrática de
direito.” (ZANELLA, Andréia Pereira. A dignidade da pessoa humana nas relações de trabalho. In:
Direito do Trabalho: reflexões atuais. POMBO, Sérgio Luiz da Rocha; DALLEGRAVE NETO, José
Affonso; GUNTHER, Luiz Eduardo (coords.). Curitiba: Juruá, 2007, p. 41).
21
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988, 5ª. ed, São Paulo:
Malheiros, 2000, p. 221.
21
Tal significa, por um lado, que o Brasil República Federativa do Brasil
define-se como entidade política constitucionalmente organizada, tal como a
constituiu o texto de 1988, enquanto assegurada, ao lado da soberania, da
cidadania, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e do
pluralismo político, a dignidade da pessoa humana. Por outro lado, significa
que a ordem econômica mencionada pelo art. 170, caput do texto
constitucional isto é, mundo do ser, relações econômicas ou atividade
econômica (em sentido amplo) deve ser dinamizada tendo em vista a
promoção da existência digna de que todos devem gozar.
22
Na presente pesquisa partiu-se da premissa de que o alcance de uma vida
digna pode ser otimizado com a adoção de políticas de incentivo à atividade
empreendedora. Ainda mais, entende-se que cabe ao Direito a tarefa de procurar
reduzir os obstáculos para o desenvolvimento da atividade empresarial privada, eis
que ela é uma das principais fontes de sustento e renda da população mundial nos
dias de hoje, sendo, assim, fundamental para a existência de uma vida digna aos
cidadãos.
Nesse sentido, interessante trazermos à baila os ensinamentos de Gisela
Maria BESTER e Renata Cristina OBICI ao tratarem sobre a existência da dignidade
da pessoa humana aplicável aos empreendedores, entendimento que se alinha com
os objetivos da presente pesquisa, in verbis:
Ao se conceber a dignidade enquanto vetor do sistema jurídico, tendo
sempre em vista os direitos fundamentais, tem-se que o desenvolvimento
econômico e social do país encontra-se agregado a esse valor, de maneira
que a tutela à saúde, à educação e ao trabalho, entre outras garantias da
pessoa humana, engloba o fomento e a transparência das relações
mercantis, enquanto forma de desenvolvimento do indivíduo e da própria
sociedade. Da necessidade de o vetor dignidade agregar o pleno acesso
do indivíduo ao mercado econômico, tanto por meio da prestação de
serviços de forma assalariada, quanto pelo desenvolvimento de uma
atividade empresarial lícita. E para a efetivação desses direitos, compete
aos indivíduos exigir do Estado tanto atuações negativas (direitos de
defesa), quanto positivas (direitos a prestação), sempre tendo em vista a
promoção do desenvolvimento social e econômico para todas as partes
envolvidas: empregados, empregadores (entre eles, os empreendedores) e
o próprio Estado. É por isso que os artigos 1º, III e 170, da Constituição
Federal brasileira, tutelam o valor social da livre iniciativa, da livre
concorrência e do trabalho, sendo esses princípios formas de realização da
dignidade da pessoa humana, do indivíduo inserido no mercado de
trabalho, que desenvolve atividade empresarial e é responsável pelo
fomento da economia, local, regional, nacional e, muitas vezes,
transnacional. Assim, o vetor da dignidade da pessoa humana deve voltar-
se para a realização de uma variada gama de direitos, o apenas
individuais, mas também daqueles que beneficiam a sociedade como um
todo, ao promover o fomento da economia, a movimentação de mercados e
22
GRAU, Eros Roberto. Op. cit. p. 222.
22
proporcionar, com isso, o desenvolvimento pessoal do indivíduo, da
coletividade que a ele se liga, direta ou indiretamente, e, ainda, do próprio
Estado.
23
Os ensinamentos supramencionados são de grande valia para o presente
estudo, confirmando a importância que o empreendedorismo exerce para a
promoção do desenvolvimento. É neste ponto que esta dissertação pretende
contribuir com a valorização da dignidade humana, sendo esta alcançável, dentre
outras medidas, pelo incentivo à atividade empreendedora. Com efeito, apresentam-
se os ensinamentos de Joseph A. SCHUMPETER, in verbis:
O empresário bem-sucedido ascende socialmente e, com ele, a sua família,
que adquire, a partir dos frutos do seu sucesso, uma posição que não
depende imediatamente de sua conduta pessoal. Esse representa o fator
mais importante de ascensão na escala social, no mundo capitalista
24
.
Viu-se que o referencial teórico que fundamenta a valorização da dignidade
humana em nosso ordenamento jurídico encontra-se muito bem construído e
incentivado pela Lei Maior. Porém, não podemos apenas nos limitar em aceitar a
disposição normativa deste princípio sem tratarmos de perseguir a sua
materialização social.
Quando o legislador constituinte dispôs sobre o referido princípio, assim o
fez com o objetivo de que a sua efetivação fosse alcançada pela sociedade, não
bastando que sua previsão estivesse disposta no texto da norma sem que a sua
aplicação fosse materialmente possível
25
.
23
BESTER, Gisela Maria. OBICI, Renata Cristina. Aplicação do princípio da dignidade da pessoa
humana à figura do empreendedor. Anais do XVI Encontro Preparatório para o CONPEDI.
Florianópolis: Fundação Boiteux, 2007. p. 07/08.
24
SCHUMPETER, Joseph A. Teoria do desenvolvimento econômico: uma investigação sobre
lucros, capital, juro e o ciclo econômico. 2ª. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985. p. 104.
25
Nesse sentido, tornam-se interessantes as lições de Konrad HESSE, ao abordar a relação
existente entre a norma constitucional e a realidade social, in verbis: “A norma constitucional não tem
existência autônoma em face da realidade. A sua essência reside na sua vigência, ou seja, a situação
por ela regulada pretende ser concretizada na realidade. Essa pretensão de eficácia
(Geltungsanspruch) não pode ser separada das condições históricas de sua realização, que então, de
diferentes formas, numa relação de interdependência, criando regras próprias que não podem ser
desconsideradas. Devem ser contempladas aqui as condições naturais, técnicas, econômicas e
sociais. A pretensão de eficácia da norma jurídica somente será realizada se levar em conta essas
condições. de ser, igualmente, contemplado o substrato espiritual que se consubstancia num
determinado povo, isto é, as concepções sociais concretas e o baldrame axiológico que influenciam
decisivamente a conformação, o entendimento e a autoridade das proposições normativas. [...] A
Constituição não configura, portanto, apenas expressão de um ser, mas também de um dever ser; ela
significa mais do que o simples reflexo das condições fáticas da sua vigência, particularmente as
23
De que modo, então, pode ser factível contribuir com a materialização da
dignidade humana por meio da atividade empreendedora?
Partindo-se da premissa, já antecipada, de que esta é a principal mola
propulsora do desenvolvimento, como adiante sevisto, torna-se evidente que sua
existência contribui com a criação de postos de trabalho, geração de novas riquezas,
etc, realizando, assim, a materialização da dignidade humana, como será visto ao
longo desta dissertação.
Necessário, portanto, perseguir-se a concretização da dignidade da pessoa
humana no mundo real, não bastando apenas a retórica do legislador e da doutrina
que o acompanha
26
. É por isso que a equilibrada e planejada aplicação do Direito
27
torna-se importante para a promoção do desenvolvimento econômico, que ora
defende-se que seja alcançável pelo exercício da atividade empreendedora, o que,
consequentemente, tende a reduzir as desigualdades sociais. Essa redução, por sua
vez, confere vida mais digna aos seres humanos, conseguindo-se, assim, atingir o
resultado almejado pelo legislador constituinte, fechando-se um ciclo virtuoso.
1.2 O PRINCÍPIO DA BUSCA DO PLENO EMPREGO
Tal como a dignidade humana, o princípio da busca do pleno emprego
constitui um dos objetivos fundamentais que orientam a Ordem Econômica e Social
da República Federativa do Brasil
28
, como previsto no art. 170, VIII, da Constituição
Federal.
forças sociais e políticas. Graças à pretensão de eficácia, a Constituição procura imprimir ordem e
conformação à realidade política e social.” (HESSE, Konrad. A força normativa da constituição.
Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 2001. p. 14/15).
26
Nesse sentido, destaquem-se os ensinamentos de Eros Roberto GRAU, senão vejamos: “Observe-
se, ademais, neste passo que a dignidade da pessoa humana apenas restará assegurada se e
enquanto viabilizado o acesso de todos o apenas às chamadas liberdades formais, mas,
sobretudo, às liberdades reais.” (GRAU, Eros Roberto. Op. Cit. p. 223).
27
Sobre o papel do Direito na proteção e promoção da dignidade humana, Ingo Wolfgang SARLET
ensina que: “Assim, vale lembrar que a dignidade evidentemente não existe apenas onde é
reconhecida pelo Direito e na medida que este a reconhece, já que constitui dado prévio, não
esquecendo, todavia, que o Direito poderá exercer papel crucial na sua proteção e promoção, não
sendo, portanto, completamente sem razão que se sustentou até mesmo a desnecessidade de uma
definição jurídica da dignidade da pessoa humana, na medida em que, em última análise, se cuida do
valor próprio, da natureza do ser humano como tal.”. (SARLET, Ingo Wolfgang. (A eficácia...). Op. cit.
p. 41/42).
28
Terminologicamente, desde logo cumpre destacar que a expressão mais correta a ser adotada,
quando se trata de discutir o pleno emprego, é denominá-lo de busca do pleno emprego. Isso porque,
como ensina De Plácido e SILVA: “pleno, na terminologia jurídica é o adjetivo empregado em seu
24
A compreensão dos motivos que conduziram o legislador constituinte a
estabelecer a busca do pleno emprego como um dos elementos basilares da
sistemática jurídica brasileira é tarefa bastante simples, pois é a atividade laboral
que confere ao trabalhador a remuneração que por ele será utilizada para a digna
subsistência sua e de sua família
29
. É do montante pecuniário recebido pelo
trabalhador que depende o sustento familiar, a educação dos filhos, os
investimentos em moradia, saúde, lazer e, inclusive, o pagamento de tributos que
serão utilizados pelo Estado para a manutenção da máquina pública, bem como
para a realização de novos investimentos.
Há também a importância social e pessoal da empregabilidade, pois as
pessoas que exercem atividade laborativa tendem a interferir positivamente na
sociedade, auferindo renda, consumindo, promovendo a circulação de riquezas,
gerando e recolhendo tributos, isto é, dando continuidade a um ciclo virtuoso de
melhorias sociais.
Nesses termos, seguindo a sistemática acima apresentada, parte-se da
premissa de que o emprego traz diversos benefícios sociais, e que o aumento nos
níveis de empregabilidade possui relação direta com a promoção da dignidade
humana, e com o desenvolvimento econômico e social, objetivos perseguidos pela
presente pesquisa e pelo legislador constituinte de 1988.
Todavia, quando analisados os índices de empregabilidade no Brasil
30
, as
políticas públicas de geração de empregos, e a realidade enfrentada no mercado de
sentido literal, para exprimir o que vem completo, por inteiro, total” (SILVA, De Plácido e. Vocabulário
jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 1048). É praticamente utópico acreditar-se que a
empregabilidade pode ser tão satisfeita a ponto de se alcançar a efetividade do pleno emprego, em
seu sentido de totalidade, haja vista a vastidão de elementos sociais que precisam ser harmonizados
para que isso ocorra. Nesse sentido afirmam Celso Ribeiro BASTOS e Ives Gandra MARTINS que:
“[...] o pleno emprego é uma condição utópica jamais atingível” (BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS,
Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988, v. 7.
São Paulo: Saraiva, 1990. p. 34). Não é por acaso, então, que o próprio legislador constituinte dispôs
sobre a busca do pleno emprego, acertadamente aplicando a terminologia mais adequada.
29
Como aponta Manoel Gonçalves FERREIRA FILHO: “[...] a oportunidade de trabalho para todos é
indispensável para uma ordem econômica atenta para a justiça social”. (FERREIRA FILHO, Manuel
Gonçalves. Comentários à Constituição brasileira de 1988. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 176).
30
Nos últimos anos tem-se apresentado à população brasileira uma suposta melhoria nos índices de
empregabilidade, como se o caminho ao pleno emprego estivesse sendo alcançado. Contudo, como
aponta José Carlos de ASSIS, os índices de desemprego no Brasil não são confiáveis e são
maquiados por limitações estatísticas. Como afirma o autor: “O IBGE, responsável pela apuração do
índice oficial de desemprego urbano, o faz regulamentar para as seis maiores regiões
metropolitanas. Assim mesmo, o que o Instituto apura é mais do que o governo usa como orientação
de política e a grande imprensa divulga para a sociedade. O índice oficial mensal de desemprego
refere-se ao que se poderia chamar de desocupação absoluta, isto é, a situação na qual, no período
25
trabalho brasileiro, nota-se que a intenção do legislador constituinte em relação à
busca do pleno emprego não vem sendo atendida
31
. uma somatória de fatores
que inibem a geração de novos postos de trabalho, ou, ainda, contribuem para que
sejam fechadas as vagas já existentes.
no Brasil um sistema jurídico de proteção aos empregados que
apresenta elevados custos para a geração de um emprego, onerando-se
excessivamente o empregador. Naturalmente, os elevados custos oriundos da
excessiva proteção legal – tendem a dificultar, quando não inviabilizar, a contratação
formal dos trabalhadores, lançando boa parte da mão de obra para a informalidade,
ou causando o desemprego.
Com maestria, Fábio TOKARS sintetiza a relação de causa e efeito que
move a geração de empregos e os riscos enfrentados pelos empreendedores,
afirmando que:
A existência de boa oferta de empregos (condição necessária ao
desenvolvimento social), depende de estímulos para que os potenciais
empreendedores efetivamente se dediquem à exploração econômica de
seus projetos. E isto somente ocorrerá se os riscos assumidos pelos
empreendedores forem razoáveis. Riscos elevados (com envolvimento de
seu patrimônio pessoal em caso de quebra) desestimulam o empreendedor.
E, se este não aplicar seus recursos na atividade produtiva, toda a
coletividade estará prejudicada.
32
de referência (semana ou mês), a pessoa não exerceu nenhuma atividade. Se tiver vendido pastéis
na praia no fim de semana, é considerada ocupada. Este índice atingiu 7,7% da população
economicamente ativa (PEA) em maio de 2002, para a média das seis maiores regiões. É claro que
ele subestima a realidade, ao nos colocar em situação melhor do que, por exemplo, França,
Alemanha, Itália e Espanha, onde o desemprego tem estado em torno de 9%.” (ASSIS, José Carlos
de. Trabalho como direito: fundamentos para uma política de promoção do pleno emprego no
Brasil. Rio de Janeiro: Contraponto, 2002. p. 96).
31
Nesse sentido, em análise bastante cética, Uadi Lammêgo BULOS afirma que: Na verdade, se
algum estrangeiro, sendo desconhecedor da realidade nacional, e decidisse analisar a vida
econômica brasileira, pelo que esna Constituição de 1988, ficaria espantado com o elevado grau
de maturidade que conseguimos alcançar. Bastaria ler o preceito em epígrafe para chegar à
constatação de que o nosso ordenamento prestigia a valorização do trabalho humano, assegurando a
todos existência digna. Ficaria, sobremodo, estarrecido, vendo a garantia do pleno emprego, o meio
ambiente tutelado, sem falar da redução das desigualdades regionais e sociais. Tudo isso, conforme
ditames da justiça social. Sabemos que nada disso existe. Aliás, nunca existiu. Talvez, jamais exista.
Todas essas ilusões constitucionais afiguram-se plenamente inócuas, porquanto não desempenham
efeitos palpáveis, não se realizam na vida diária dos homens. A Constituição perde o seu prestígio, o
sentido constitucional fica frustrado. Ninguém leva a sério a Lei das Leis. Ela passa a ser vista como
uma simples portaria!”. (BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. São Paulo:
Saraiva, 2002. p. 1144/1145).
32
TOKARS, Fábio. Primeiros estudos de direito empresarial.o Paulo: LTr, 2007. p. 131.
26
Mesmo restando claro que a presente dissertação não pretende adotar
posicionamento favorável a uma classe ou a outra
33
, é essencial observar que a
realidade social enfrentada por aqueles que desejam ofertar vagas de emprego é
desmotivante.
Como ponto inicial de partida para se demonstrar o cenário apontado,
cumpre avaliar e interpretar os dados obtidos pelo sociólogo JoPASTORE em
pesquisa
34
em que se estudou a regulamentação jurídica da proteção ao empregado
no Brasil e o custo médio para manter este empregado regularmente (atendendo-se
ao que preceitua a legislação brasileira).
A conclusão da pesquisa é alarmante, pois o custo médio para se manter um
empregado, regularmente registrado e recolhendo todos os encargos previstos na
Lei, representa 103,46% sobre o salário que a ele é pago. Ou seja, segundo a
pesquisa apresentada pelo autor
35
, o empregador gasta mais de duas vezes o
salário do empregado para poder remunerá-lo e para cumprir com todas as
formalidades que a Lei determina
36
.
33
Em decorrência lógica dos problemas sistêmicos apresentados no Brasil é bastante comum
encontrarmos economistas, empreendedores e sindicatos patronais defendendo a realização de uma
reforma trabalhista, em sentido genérico. Afirmam que a sistemática jurídica protetiva do empregado
no Brasil não contempla a realidade social do século XXI e que se faz necessária uma reforma
urgente na legislação trabalhista brasileira (Consolidação das Leis do Trabalho e demais leis
esparsas). Não cabe aqui, pela vastidão da matéria, analisar com profundidade os posicionamentos
que são favoráveis ou contrários à realização de uma reforma na legislação trabalhista, nem cabe,
também, assumir posicionamento em favor de alguma das classes, porquanto fugir-se-ia da
característica acadêmica da presente pesquisa. Todavia, não é possível abandonar-se a realidade,
observando-se que as duas classes fazem parte de uma sistemática que movimenta a economia
moderna, sendo que do esforço delas depende o sucesso econômico de um país. Portanto, mesmo
se considerado como natural e aceitável a existência de conflitos entre os seus ideais, eis que
contrapostos em sua essência, é necessário partir-se da premissa de que sem a devida harmonia
entre as duas classes será muito difícil conseguir alcançar o que ambos almejam.
34
PASTORE, José. Reforma trabalhista: o que pode ser feito? Disponível em:
<http://www.josepastore.com.br/artigos/rt/rt_136.htm>. Acesso em 10 de junho de 2008, às 08:15 hs.
35
Os dados apresentados pela pesquisa utilizaram como base os direitos assegurados aos
empregados pela CLT e pela Constituição Federal, analisados em uma categoria específica adotada
pelo autor. Neste momento, aqueles que discordam do que se está afirmando aduziriam que a
pesquisa do autor pode não refletir a totalidade do mercado de trabalho, ou que os percentuais
podem variar para baixo, etc. Pode ate assistir razão parcial aos que assim defendem, não
merecendo a pesquisa de José PASTORE servir como única e salvadora forma de se corrigir a
sistemática de emprego no Brasil. Com efeito, o que se pretende é que a referida pesquisa seja
enfrentada como um aviso de alerta de que a conjuntura apresentada pelo Brasil está longe daquilo
que preceitua o legislador constituinte ao proteger a busca do pleno emprego, não exaurindo
completamente a matéria.
36
Ainda, enfatize-se, como bem apontado na pesquisa, que no percentual apurado não estão
incluídas despesas compulsórias, que certamente aumentam a onerosidade sobre as contratações,
tais como auxílio transporte, alimentação, creche, assim como licenças para alistamento militar,
casamento, doação de sangue, etc.
27
Com o objetivo de conferir maior transparência e imparcialidade à pesquisa,
utilizando o mesmo critério do estudo realizado no Brasil, José PASTORE
37
confrontou o cenário local ao de outros países. Enquanto no Brasil as despesas com
contratação representam os mencionados 103,46% do salário do empregado, na
França elas correspondem a 79,70%, na Argentina 70,27%, na Alemanha 60%, na
Inglaterra 58,80%, na Itália 51,20%, no Uruguai 48,06%, no Paraguai 41%, no Japão
11,80%, nos Tigres Asiáticos 11,50% (em média), e, por fim, nos Estados Unidos
9,03%. Não se trata, portanto, de diferença apresentada frente a um ou outro país
desenvolvido, pois se analisou amplo rol de nações abarcando tanto aquelas
desenvolvidas, quanto as subdesenvolvidas e(ou) em desenvolvimento, mostrando-
se a péssima situação enfrentada pelo Brasil.
Assim, pertinentes as lições de Fábio TOKARS ao analisar a importância da
regulação das relações trabalhistas no mercado global
38
, in verbis:
O rigorismo de nossas normas deixa de ser um problema apenas para os
empresários brasileiros, e passa a ser mais um potencial fator de
desvantagem comparativa com outros países menos regulados no plano
trabalhista. Se a estrutura do emprego mudou, o direito deve acompanhar
as mudanças.
39
A derivação lógica advinda desta discrepância, que os números apontados
comprovam, naturalmente, é a redução no volume de postos de trabalho e – para os
casos em que os empregos não possam ser substituídos por trabalho automatizado
o aumento da informalidade. Isso porque, na medida em que a norma jurídica
exige demais daqueles que a devem seguir, torna-se desinteressante o seu
cumprimento
40
.
37
PASTORE, José. Op. cit.
38
Sobre a regulamentação trabalhista e a oferta de empregos, Thomas FRIEDMAN traz interessantes
considerações: “Os Estados Unidos também têm uma das leis trabalhistas mais flexíveis do mundo.
Quanto mais fácil é demitir alguém numa indústria que está morrendo, mais fácil é contratar alguém
numa indústria que cresce, que cinco anos antes ninguém sabia que existiria. Esta é uma grande
vantagem, principalmente quando você compara a situação dos Estados Unidos a mercados de
trabalho inflexíveis e rigidamente regulados, como o da Alemanha, cheio de restrições do governo a
contratações e demissões. Flexibilidade para deslocar trabalho e capital para onde a melhor
oportunidade existir, e capacidade de rapidamente deslocá-los de novo, se o primeiro deslocamento
deixar de ser lucrativo, é essencial num mundo que se torna plano”. (FRIEDMAN, Thomas. O mundo
é plano: uma breve história do século XXI. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007. p. 243/244).
39
TOKARS, Fábio. O Individualismo e o Futuro do Emprego. O Estado do Paraná - Caderno Direito
e Justiça, 27 de abril de 2008, Curitiba. p. 12.
40
Idem. Ibidem.
28
Um simples questionamento demonstra como esta afirmação goza de
pertinência, pois: qual o interesse que um empreendedor terá em gerar um emprego
devidamente formalizado, que lhe trará encargos, riscos e insegurança jurídica,
quando pode substituir o trabalhador por máquinas ou enfrentar a informalidade? É
evidente que, diante desse quadro, o empreendedor tentará substituir o emprego por
alternativa menos custosa, mecanizando a sua produção/prestação de serviço, ou
assumindo e planejando os riscos da informalidade.
Como bem ensinam Armando Castelar PINHEIRO e Fábio GIAMBIAGI, a
proteção legal ao empregado possui relação direta com o seu
cumprimento/descumprimento, in verbis:
A evidência internacional mostra que uma forte relação entre o grau de
proteção legal e o seu efetivo cumprimento: em geral, quanto mais intensa a
regulação do mercado de trabalho, maior o grau de informalidade, menor a
participação na força de trabalho e maior o desemprego, especialmente
entre os trabalhadores mais jovens. O impacto da regulação sobre o
mercado depende, portanto, de quão ajustada ela é à realidade econômica.
Quanto menos ajustada, mais ela tenderá a ser ignorada, com uma
conseqüência importante: exigir que as partes negociem e adotem as suas
próprias regras, ao mesmo tempo que buscam escapar da fiscalização do
setor público.
41
.
Maílson da NOBREGA aponta como opera e quais são os motivos que
aumentam os índices de informalidade no Brasil:
A economia informal está em toda a parte, mas é mais comum nos países
em desenvolvimento. Mancur Olson comenta que, nos países de Terceiro
Mundo pessoas de baixa renda ganham seu sustento mediante venda de
mercadorias nas ruas, conserto de carros e equipamentos em locais não
registrados, fornecimento de serviços para vizinhos e amigos, transporte
clandestino de passageiros em ônibus velhos e vans usadas etc. São
atividades comuns e disseminadas
42
.
Por isso, a informalidade no Brasil pode ser considerada, ao mesmo tempo,
como causa e efeito de vários problemas na economia brasileira, pois ela reduz a
produtividade, encarece o investimento físico, inibe o investimento em capital
humano, aumenta o custo do crédito, dificulta a implementação de políticas, o
41
PINHEIRO, Armando Castelar; GIAMBIAGI, Fábio. Rompendo o marasmo: a retomada do
desenvolvimento no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. p. 166.
42
NÓBREGA, Maílson da. O futuro chegou: instituições e desenvolvimento no Brasil. São Paulo:
Globo, 2005. p. 32.
29
desenvolvimento das pequenas empresas, etc
43
, fatores esses que são
acompanhados por outros reflexos econômicos e sociais.
Segundo dados apresentados em pesquisa formulada por Lauro RAMOS e
Valéria FERREIRA, no Brasil, apenas 48,3% dos empregados seguem a regra da
informalidade
44
. Isto é, enquanto 51,7% pagam e contribuem para um sistema
obrigatório, 48,3% encontram-se no mercado informal de trabalho. A explicação para
esses dados remonta às conclusões obtidas na pesquisa de JoPASTORE citada
anteriormente, comprovando-se que o excesso de regulamentação o insere as
pessoas no mercado de trabalho. Muito pelo contrário, funciona prejudicando os
próprios empregados ao diminuir a oferta de empregos e o incentivo à
empregabilidade
45
.
Cumpre enfatizar que os reflexos dessa excessiva proteção também
assumem outra roupagem e aparecem quando da solução de litígios perante a
Justiça do Trabalho, inibindo o desenvolvimento da atividade empreendedora, e
diminuindo o interesse pela realização de novas atividades, o que,
consequentemente, reduz a oferta de vagas de emprego.
Confirmando essas afirmações, o resultado de outra pesquisa, também
realizada pelo sociólogo José PASTORE, identificou que o Brasil conseguiu
abocanhar mais um título para a sua extensa lista de conquistas negativas, desta
vez relativo ao volume anual de ações trabalhistas.
Segundo aponta a pesquisa realizada pelo autor
46
, o Brasil processa,
atualmente, cerca de 2.000.000,00 (dois milhões) de ações trabalhistas por ano,
enquanto que nos Estados Unidos este número não passa de 75.000 (setenta e
cinco mil) ações, na França de 70.000 (setenta mil) ações e no Japão de 2.500
(duas mil e quinhentas) ações por ano. Os reflexos sociais deste quadro caótico não
podem ser mensurados com números, mas alguns dados merecem reflexão, como,
por exemplo, que para cada R$ 1.000,00 (um mil reais) julgados, a Justiça do
43
PINHEIRO, Armando Castelar; GIAMBIAGI, Fábio. Op. cit. p. 172.
44
RAMOS, Lauro; FERREIRA, Valéria. Padrões espacial e setorial da evolução da informalidade
no Brasil: 1991-2003. Texto para discussão IPEA, nº. 1.099, 2005. Apud: PINHEIRO, Armando
Castelar; GIAMBIAGI, Fábio. Rompendo o marasmo: a retomada do desenvolvimento no Brasil. Rio
de Janeiro: Elsevier, 2006. p. 165.
45
Registre-se, inclusive, que não essob análise o reflexo previdenciário e de assistência social
advindo da informalidade, o que também é bastante prejudicial à sociedade.
46
Pesquisa divulgada no Jornal Gazeta do Povo, 12 de fevereiro de 2007, caderno “Brasil”, Curitiba.
p. 13.
30
Trabalho gasta R$ 1.300,00 (um mil e trezentos reais) em despesas do processo,
segundo os cálculos apresentados pela pesquisa.
Tal estudo não constitui trabalho isolado. Paralelamente, tem-se, por
exemplo, os dados apontados pelo relatório Doing Business 2008, em que o Brasil
47
se encontra classificado na 119ª posição em “dificuldade para a contratação de
funcionários” (num rol de 178 países), apresentando um “índice de rigidez
trabalhista” da ordem de 46% e “encargos sociais” de 37% dos salários.
Enquanto isso, o Chile
48
, outro país em desenvolvimento da América do Sul,
encontra-se na 68ª. posição em “dificuldade para a contratação de funcionários”,
apresenta um “índice de rigidez trabalhista” da ordem de 24% e “encargos sociais”
de 3% dos salários, situação muito melhor do que a brasileira.
O Canadá
49
, como exemplo de país desenvolvido, encontra-se na 19ª.
posição em “dificuldade para a contratação de funcionários”, apresenta um “índice
de rigidez trabalhista” da ordem de 4% e “encargos sociais” de 13% dos salários. E
assim são inúmeros os casos de comparação que demonstram a necessidade de se
corrigir as distorções que tempos acompanham a sistemática de proteção ao
empregado no Brasil.
Com efeito, um cenário como este não pode ser benéfico ao
desenvolvimento do empreendedorismo, assim como não tende a aumentar o
volume de vagas de emprego, o que, sem nenhuma dúvida, segue em sentido
oposto ao que pretende o princípio da busca do pleno emprego.
Como será visto no segundo capítulo desta dissertação, conclui o relatório
Doing Business
50
que (i) as leis criadas para proteger os empregados muitas vezes
os prejudicam; (ii) muitos países erram pelo excesso de rigidez, em detrimento das
empresas e também dos trabalhadores; (iii) regulamentos trabalhistas menos rígidos
promovem a criação de empregos, sem que isso signifique abrir mão de proteções,
podendo, segundo estudos realizados, incrementar o número de postos de trabalho
em 1,5% ao ano. Tais apontamentos/soluções apresentadas pelo estudo parecem
razoáveis e adequados para que se inicie o processo de mudanças pelo qual o
Brasil precisa passar.
47
DOING BUSINESS IN 2008. São Paulo: Nobel, 2008. p. 110.
48
Idem. Ibidem. p. 114.
49
Idem. Ibidem. p. 113.
50
Idem. Ibidem. p. 19.
31
Por fim, cumpre mencionar que parte daqueles que defendem a
imutabilidade nos direitos trabalhistas assim o fazem sustentando que os direitos do
trabalhador o fundamentais, que eles não podem ser renunciados, e que são
necessários para o reconhecimento do trabalho digno, etc
51
. De fato, há parcela de
razão nessas afirmações, eis que o trabalho, sem dúvida nenhuma, dignifica o ser
humano.
Porém, parece-nos que a questão precisa ser analisada com maior
profundidade e ceticismo, assim como fez Fábio GIAMBIAGI ao afirmar que a
imutabilidade e a irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas se trata de uma grande
hipocrisia e que os chamados direitos “sagrados” são simplesmente ignorados pelas
partes quando ingressam em um litígio na Justiça do Trabalho
52
.
O convívio com a advocacia empresarial na área trabalhista, ou o
desempenho da atividade empresarial, permite, com facilidade, que se chegue a
essa conclusão. Com o objetivo de clarificar a afirmação realizada, o mesmo autor
cita um exemplo que é bastante comum na Justiça do Trabalho, em que a renúncia
dos chamados “direitos sagrados” ocorre com freqüência. E o pior, segundo o autor,
com a anuência do Poder Judiciário, senão vejamos:
É simples de entender. Tomo come exemplo o caso de um empregado de
uma loja que trabalhe na informalidade, portanto sem carteira assinada, em
um comércio no centro do Rio de Janeiro. Ele trabalha por três anos,
preferindo receber ‘na mão’ um pouco mais do que ganharia em valor
líquido se fosse formalizado, pois o patrão lhe propôs dividirem a diferença
do que ele deixa de pagar ao não assinar a carteira. Depois de três anos,
um dia um desentendimento e o empregado é despedido. Tempos
depois, um advogado amigo de um conhecido se apresenta e se diz
disposto a representá-lo em uma ação trabalhista contra o antigo patrão.
Poucos dias após esse encontro, a Justiça encaminha o pleito à outra parte,
reclamando o pagamento de dívidas trabalhistas no valor de, por exemplo,
R$ 5.000,00, por conta dos direitos que o teriam sido reconhecidos ao
longo de três anos de trabalho. O juiz chama as partes e pergunta: ‘Há
acordo?’. O patrão contrapõe um valor muito baixo, que não é aceito pelo
ex-empregado e após uma rápida negociação acordam um ressarcimento
no valor de R$ 1.500,00, pagos mediante três cheques de R$ 500,00, a
serem quitados 30, 60 e 90 dias depois. Essa é uma situação corriqueira na
Justiça brasileira. Temos então um flagrante e duplo desrespeito à
Constituição. Primeiro, porque durante três anos ambas as partes
ignoraram os dispositivos referentes aos direitos trabalhistas por completo.
E, segundo, porque no momento de brigar na Justiça a posteriori por seus
direitos, o empregado acaba assinando diante do juiz por um valor muito
51
GIAMBIAGI, Fábio. Brasil, raízes do atraso: paternalismo versus produtividade. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2007. p. 129.
52
Idem. Ibidem. p. 132.
32
inferior ao que a Constituição lhe garante, pois sabe que ‘mais vale um
pássaro na mão do que dois voando’, já que a alternativa a receber
imediatamente uma proporção de x% do valor pleiteado é insistir com o
valor integral, com riscos de a ação levar entre 5 e 10 anos para ser
julgada. Note-se então que estamos diante de uma grande hipocrisia. Os
críticos da tese de flexibilização alegam que os direitos são sagrados e
devem ser respeitados, mas diante do exposto, de duas uma: ou eles são
de fato sagrados e então por coerência a Justiça deveria impedir todos os
acordos trabalhistas por um valor inferior ao que implica o pleno
reconhecimento de direitos ou não são e nesse caso a negociação
ocorrida após o rompimento do vínculo poderia se dar antes de seu
começo. Tal negociação seria muito mais sadia para ambas as partes, pois
levaria em consideração o interesse do empregador de ter algum grau de
proteção social embora menor do que o das regras atuais e o da firma
de poder investir em um empregado, visando ao aumento da produtividade,
sem a fragilidade do vínculo de ter um empregado que trabalha
informalmente na empresa.
53
Não se defenda que, no caso apresentado pelo exemplo, estaria o Poder
Judiciário contribuindo com a tutela do empregado. A intenção até poderia ser esta,
mas, na prática, cria-se um ambiente de negociação, facilmente comparado a um
balcão de negócios, em que os empregados muito pedem em um processo para que
possam barganhar no futuro. Também, não se pretende que os direitos dos
empregados deixem de ser tutelados. Muito pelo contrário, é necessário atingir-se o
ponto de equilíbrio em que a oferta de empregos e a proteção aos empregados
estejam contempladas.
Os trabalhadores dependem do emprego oferecido pelo empreendedor, ao
passo que o empreendedor depende da força de trabalho do empregado para o
sucesso de seu empreendimento. É por isso que parte da doutrina entende que é
necessário que as duas partes sacrifiquem um pedaço da sua fatia para obter um
resultado mais proveitoso no futuro.
Nesse sentido, em singela comparação, Fábio
GIAMBIAGI e Armando Castelar PINHEIRO definiram o fenômeno que ocorre no
Brasil. Para os autores, o povo brasileiro está lutando com todas as forças para
dividir um bolo que ainda não foi ao forno e sequer começou a crescer
54
.
Ao invés de discutir como serão divididos os frutos futuros, advindos da
soma dos investimentos com o trabalho, preferem se limitar a brigar por aquilo que
ainda não foi conquistado. é possível dividir os frutos futuros quando houver
planejamento com objetivos muito bem delimitados, como vem sendo comprovado
com sucesso por economias com as do Chile, da Índia, da China, dentre outras.
53
GIAMBIAGI, Fábio. Op. cit. p. 132/134.
54
PINHEIRO, Armando Castelar; GIAMBIAGI, Fábio. Op. cit. p. 66.
33
Isso implica em afirmar que não basta a Constituição Federal valorizar a
busca pelo pleno emprego em seu texto, estabelecendo como regra matriz a ser
seguida pela ordem econômica e social. Faz-se necessário, também, que a
sistemática jurídica brasileira, como um todo, esteja direcionada para a
materialização deste princípio
55
, corrigindo-se os entraves que dificultam a busca do
pleno emprego
56
e procurando-se, com isso, promover o desenvolvimento
econômico e reduzir as desigualdades sociais.
1.3 O PRINCÍPIO DA LIVRE INICIATIVA
Como adiantado nos tópicos antecedentes, o art. 170 da Constituição
Federal de 1988, em seu caput, prevê que a Ordem Econômica, fundada na
valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos
existência digna, conforme os ditames da justiça social.
Nota-se, claramente, pela leitura do texto constitucional que o legislador
procurou construir um sistema equilibrado em que coexistem elementos de cunho
econômico, como a livre iniciativa, e aspectos de ordem social, como a valorização
do trabalho humano, ambos funcionando como membros estruturantes
57
das normas
55
Com efeito, Fábio GIAMBIAGI e Armando Castelar PINHEIRO apresentam os principais elementos
que, em seu entendimento, deveriam ser mudados no cenário trabalhista/emprego no Brasil: “A
eliminação da cobrança de contribuições para instituições como Sesi, Senai e Sebrae; a redução da
alíquota do FGTS, que se tornaria, adicionalmente, uma modalidade de poupança com liberdade de
aplicação dos recursos por parte do trabalhador; o aumento da idade e dos requisitos mínimos de
contribuição para que uma pessoa seja elegível aos benefícios da assistência social, [...]; a
transferência para acordos coletivos, negociados diretamente entre trabalhadores e empresas, da
fixação de certos benefícios. Em princípio, para regras cuja aceitação pelas partes é pouco clara, é
mais fácil elas negociarem o que fazer do que o legislador arbitrar o conflito sem dispor de boas
informações.” (PINHEIRO, Armando Castelar; GIAMBIAGI, Fábio. Op. cit. p. 170).
56
Cumpre transcrever os ensinamentos de Fábio TOKARS ao abordar a busca do pleno emprego:
“Contudo, antes de analisar os modelos aplicados com sucesso em outros países, é necessário rever
uma tradicional forma de interpretação jurídica dos fatos sociais. Os aplicadores do Direito vêem os
empresários como os culpados pelas mazelas sociais, quando deveriam percebê-los como parceiros
do Estado na busca pela realização do princípio constitucional da busca do pleno emprego. Sem
apoio ao empresariado, não há geração de empregos, não possibilidade de combate à pobreza. E
esta realidade não pode ser alterada por simples propaganda governamental, que gera belos
resultados eleitoreiros, mas condena o país ao atraso”. (TOKARS, Fábio. A visão do governo federal
a respeito do princípio constitucional da busca do pleno emprego. O Estado do Paraná - Caderno
Direito e Justiça, 23 de março de 2008, Curitiba. p. 06).
57
Ao comentar o caput do art. 170 da Constituição Federal, Celso Ribeiro BASTOS e Ives Gandra
MARTINS afirmam que: “Encontramos no caput do artigo referência a quatro princípios: valorização
do trabalho humano, livre iniciativa, existência digna, conforme os ditames da justiça social. Do
contexto extrai-se que o Brasil filia-se ao modelo capitalista de produção também denominado
economia de mercado, embora a Lei Maior só vá fazer referência ao mercado no art. 219. De
34
disciplinadoras da Ordem Econômica e Social da Carta Magna de 1988. A
importância desse equilíbrio na aplicação principiológica
58
, buscando-se construir um
sistema constitucional em que os princípios não são interpretados individualmente, é
muito bem destacada por Eros Roberto GRAU quando afirma que:
[...] ao que tudo indica, as leituras que têm sido feitas do inciso IV do art. 1º.
são desenvolvidas como se possível destacarmos de um lado ‘os valores
sociais do trabalho’, de outro a ‘livre iniciativa’, simplesmente. Não é isso,
no entanto, o que exprime o preceito. Este em verdade enuncia, como
fundamentos da República Federativa do Brasil, o valor social do trabalho e
o valor social da livre iniciativa. Isso significa que a livre iniciativa não é
tomada, enquanto fundamento da República Federativa do Brasil, como
expressão individualista, mas sim no quanto expressa de socialmente
valioso. Já no art. 170, caput, afirma-se dever estar a ordem econômica
fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa. Note-se,
assim, que esta é então tomada singelamente e aquele o trabalho
humano – é consagrado como objeto a ser valorizado.
59
No mesmo sentido são os ensinamentos de Eduardo Teixeira FARAH, in
verbis:
Fundamentada no princípio da livre iniciativa, a Carta Magna brasileira
reconhece a propriedade privada e a reserva da atividade econômica aos
particulares, porém condiciona-as à dignidade da pessoa humana e à
valorização do trabalho, e as dirige à construção de uma sociedade livre,
justa e solidária. Isso deve ocorrer porque propriedade e livre iniciativa são
apenas princípios-meios, e desta forma devem estar balizados no
reconhecimento do valor da pessoa humana como fim.
60
A consagração da liberdade de iniciativa no texto constitucional significa que
é pela realização da atividade econômica socialmente útil – a que se dedicam
qualquer sorte, fica clara a filiação do nosso país a esse modelo econômico que é um dos
fundamentais encontráveis na nossa era. Ao lado dele encontra-se o sistema de direção central da
economia, também denominado socialista.” (BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Op. cit.
p. 12).
58
Assim aduz André Zacarias Tallarek de QUEIROZ, in verbis: Os princípios constitucionais não
podem ser antagônicos. Caso aparentemente conflitantes, eles devem ser mutuamente ponderados.
Tais premissas se aplicam ao princípio da livre iniciativa, contemplado nos arts. 1º, inc. IV, 3º, e art.
170 da Constituição do Brasil, que pondera e limita outros princípios constitucionais e é por eles
igualmente limitado.” (QUEIROZ, André Zacarias Tallarek de. O princípio da liberdade de iniciativa e a
intervenção direta do Estado na economia delimitações. In: Revista de Direito Empresarial, nº. 8,
jul/dez 2007, Curitiba: Juruá, 2007).
59
GRAU, Eros Roberto. Op. cit. p. 226.
60
FARAH, Eduardo Teixeira. A disciplina da empresa e o princípio da solidariedade social. In:
MARTINS-COSTA, Judith (coord). A reconstrução do direito privado. São Paulo: RT, 2002. p. 676.
35
livremente os indivíduos que se procurará a realização da justiça social e, da
mesma forma, do bem-estar social
61
.
A livre iniciativa, deste modo, como desdobramento expresso do princípio da
liberdade
62
, é elemento fundamental para a construção de uma economia de
mercado, eis que se trata de mecanismo de incentivo à criação de uma sociedade
competitiva. Basicamente, aqueles que se esforçam para conseguir alcançar
determinados objetivos são premiados com os frutos decorrentes do trabalho por
eles desempenhado. Recompensam-se aqueles que se dedicaram, em sentido
análogo àquilo que, popularmente, é conhecido como meritocracia
63
.
O reconhecimento e a validade da livre iniciativa
64
conferem ao particular a
possibilidade de constituir sua própria riqueza, com o seu trabalho e recebendo, por
isso, os louros e méritos pela conquista obtida. É sob esta lógica que se encontra a
sustentação da economia de mercado, como muito bem ensina Washington Peluzo
ALBINO DE SOUZA, apontando, inclusive, sobre o insucesso obtido pelos países
que adotaram o modelo socialista, in verbis:
A liberdade de iniciativa [...], constitui o elemento primordial de todo o
regime capitalista, sobretudo na atribuição e garantia de ambiente próprio à
ação individual nos negócios e nas realizações econômicas. Sua abolição
total seria a implantação drástica do socialismo. As formas de transição
encontradas na tentativa do legislador, buscando conciliação entre a ação
do Estado cada vez maior e a manutenção da iniciativa individual, ainda que
61
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Op. cit. p. 173.
62
Idem. Ibidem. p. 173.
63
Trata-se da liberdade de iniciativa, permitindo a existência da liberdade de concorrência, que, por
sua vez, tende a contribuir com a eficiência econômica.
64
Destaque-se, desde logo, que a livre iniciativa não é assunto inaugurado em nosso ordenamento
jurídico pela Carta Magna de 1988. Aponta a doutrina que: “A essência da liberdade de iniciativa,
embora não colocada nesses precisos termos, se fazia presente desde a Constituição do Império,
quando esta, em seu art. 179, inc. XXIV, declarava: ‘Nenhum gênero de trabalho, de cultura,
indústria, ou comércio pode ser proibido, uma vez que não se oponha aos costumes públicos, à
segurança, e à saúde dos cidadãos’.” (TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico.
São Paulo: Metido, 2003. p. 245). Da mesma forma, interessante colacionar os ensinamentos de
Alvacir Alfredo NICZ, quando ensina que as Constituições de 1967 e 1969 já consagravam a
liberdade de iniciativa em seus textos. Além disso, mesmo sem a previsão constitucional, a liberdade
de iniciativa já poderia ser aplicada como sendo implícita nos textos constitucionais, em virtude de ser
o princípio da liberdade aquele que a fundamenta. Nesse sentido, em obra do início da década de
1980, Alvacir Alfredo NICZ leciona que: “Se sob o manto da doutrina liberal a liberdade de iniciativa
encontrava-se já implícita nos textos constitucionais, em razão de ser a liberdade o fundamento
básico destes, ainda que limitada às fronteiras do direito do próximo, com as imposições pelo Estado
de normas necessárias a atender ao bem-estar geral, através de dispositivos disciplinados por
princípios definidos na ordem econômica das Constituições, a liberdade de iniciativa sofreu não
apenas uma diversificação interpretativa, como também passou a ser vista com uma preocupação
maior por parte do Estado no relacionamento com o particular.”. (NICZ, Alvacir Alfredo. A liberdade
de iniciativa na constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981. p. 104).
36
em decréscimo, constitui um os pontos mais interessantes da pesquisa na
legislação predominante no mundo em nossos dias. Isto porque, mesmo os
países socialistas não encontraram a maneira de realizar, sob a
responsabilidade e iniciativa total do Estado, as tarefas de natureza
econômica. Assim sendo, precisam recorrer constantemente à técnica da
legislação das velhas constituições capitalistas para satisfazer a
necessidade de atender à realidade
65
.
A livre iniciativa é exercida quando as pessoas livremente desempenham
suas atividades econômicas, depositando recursos e esforços na consecução de
determinados empreendimentos, com o objetivo final de auferir lucro
66
. O lucro, por
sua vez, é o resultado obtido como recompensa pela realização de um bom trabalho.
Como ensina Joseph A. SCHUMPETER, o lucro é o excedente recebido pelos
empresários, servindo como prêmio por terem empregado os meios de produção
existentes de modo diferente, inovador
67
; além disso, o lucro representa o produto
final do desenvolvimento; sem o desenvolvimento não lucro, sem lucro não
desenvolvimento
68
.
É sabido que o empreendedorismo é uma das principais forças motrizes da
economia de mercado e que depende umbilicalmente da livre iniciativa, pois é com
liberdade que os empreendedores conseguem desenvolver invenções, desbravar
mercados, buscar soluções econômicas para a sociedade e contribuir com o
desenvolvimento social. Nessa linha de raciocínio Carlyle POPP ensina que:
[...] não se pode negar que construir uma sociedade livre, justa e solidária;
garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização
e reduzir as desigualdades sociais e regionais; bem como promover o bem-
estar de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação, passa por um necessário
desenvolvimento econômico, e este somente pode ser alcançado, de forma
democrática, através da liberdade de iniciativa
69
.
65
ALBINO DE SOUZA, Washington Peluso. Do econômico nas constituições vigentes. Revista
Brasileira de Estudos Políticos, v. 2., Belo Horizonte, 1961. p.137. Apud: NICZ, Alvacir Alfredo. A
liberdade de iniciativa na constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981. p. 105.
66
Assim temos os ensinamentos de Maria Helena DINIZ: “Não pode haver atividade empresarial sem
um regime econômico de livre iniciativa e liberdade de concorrência por serem imprescindíveis para a
conquista da clientela e obtenção do lucro. Sem elas ter-se-ia a estagnação na produção e circulação
de bens e serviços. São necessárias para o fomento da economia e o desenvolvimento da atividade
empresarial no mercado.” (DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v. 8. São Paulo:
Saraiva, 2008. p. 19).
67
SCHUMPETER, Joseph A. Op. cit. p. 90.
68
Idem. Ibidem. p. 103.
69
POPP, Carlyle. Liberdade negocial e dignidade da pessoa humana: aspectos relevantes. In: NALIN,
Paulo; VIANNA, Guilherme Borba (Coords.). Direito em movimento. Curitiba: Juruá, 2007. p. 70.
37
Buscando-se que a aplicação da livre iniciativa o se limite meramente à
retórica legal e acadêmica, cumpre destacar que ela não pode figurar socialmente
apenas em seu sentido formulado, ou seja, estrita ao que previu o legislador
constitucional, sem que a sua aplicação seja efetivamente materializada. É
fundamental que o princípio tenha aplicabilidade em termos materiais, absolutos, isto
é, surtindo efeitos práticos à sociedade que dela depende
70
.
Cumpre ao Direito, como ciência social organizativa da vida em sociedade,
atentar para os principais obstáculos enfrentados para a aplicação material do
princípio da livre iniciativa, intervindo, sempre que possível, para superá-los.
É assim que o princípio da livre iniciativa, como alavanca para o
desenvolvimento da atividade empreendedora e, consequentemente, da economia
de mercado, deve ser fomentado pelo Estado na realização de suas políticas
públicas, seguindo os moldes da moderna função do ente estatal.
Todavia, conforme preceituado pelo próprio texto constitucional, essa
liberdade de iniciativa deve ser usufruída pelo particular em consonância com os
ditames da justiça social. o pode a liberdade de iniciativa servir para justificar
apenas o interesse individual daqueles que a utilizam, sob pena de macular toda a
sistemática que a fundamenta. Deve sim, a livre iniciativa, ser exercida com a
finalidade desbravadora supracitada, mas sempre se atentando para que esses
objetivos estejam de acordo com o interesse social.
Por exemplo, é lícito e deve ser incentivado ao pesquisador científico que
desenvolva novas rmulas que combatam pragas agrícolas. Nada obstante, esse
interesse econômico não pode ser exercido pelo particular sem se preocupar com os
70
Interessante destacar que a livre iniciativa permeia a materialização da dignidade da pessoa
humana, sendo que devem funcionar como instrumentos aliados para se promoverem as melhorias
sociais desejadas pelo legislador constituinte. Nesse sentido tomem-se as lições de Sérgio Luiz
Soares MARIANI, in verbis: “Assim, começa-se a delinear uma área de contato mais extensa entre a
livre-iniciativa e a dignidade da pessoa humana, área essa que permite uma melhor visualização dos
motivos que levam os dois princípios a um entrelaçamento tão íntimo. Ora, a partir do instante em
que a ordem econômica brasileira fundada na livre-iniciativa, como encerra o art. 170, caput é
integralmente subordinada a uma finalidade a existência digna de todos nada mais lógico que a
livre-iniciativa receba uma concepção mais elaborada e precisa: a de que se rege, e última análise,
pela liberdade, aqui tomada em seu sentido mais amplo. Destruindo-se as noções rudimentares de
que a livre-iniciativa (e, de forma complementar, livre concorrência) seria o estandarte vulgarmente
conhecido ‘capitalismo selvagem’, alcança-se a noção não apenas de complementaridade entre livre-
iniciativa e dignidade da pessoa humana, mas também a de subordinação da primeira à segunda.”
(MARIANI, Sérgio Luis Soares. Dignidade da pessoa humana e livre-iniciativa. In: POMBO, Sérgio
Luiz da Rocha; DALLEGRAVE NETO, José Affonso; GUNTHER, Luiz Eduardo. Direito do Trabalho:
reflexões atuais. Curitiba: Juruá, 2007. p. 91).
38
danos ambientais decorrentes do uso de seus produtos. Da mesma forma, deve-se
estimular a criação e o uso de novas ferramentas da tecnologia da informação, mas
não se deve admitir que a liberdade concedida ao particular para desenvolver
máquinas e programas torne a sociedade refém destas invenções.
É necessário enfatizar que o exercício da livre iniciativa pode interferir na
tutela da concorrência. Isso ocorre quando, por exemplo, a exploração da atividade
econômica passa a ser exercida com a concentração excessiva do mercado nas
mãos de um determinado agente econômico, permitindo que este dite as regras do
mercado de acordo com seus interesses pessoais, evidentemente em detrimento de
seus concorrentes e da sociedade que depende da atividade por ele exercida
71
.
Sendo assim, quando a livre iniciativa é exercida com abusividade, e em sentido
prejudicial ao mercado, neste caso entendido como concorrência e consumidores,
cabe ao Estado a tarefa de intervir diretamente para a solução do problema,
restabelecendo o equilíbrio do mercado e protegendo os interesses coletivos.
Por sua vez, esse equilíbrio consiste em não se permitir o cometimento de
abusos diante da baixa regulamentação, ao mesmo tempo em que não se podem
admitir elevados níveis de proteção que inibam o desenvolvimento das atividades e,
consequentemente, prejudiquem os consumidores. Pretende-se alcançar o ponto de
equilíbrio existente entre a falta e o excesso de regulamentação, como muito bem
leciona Heloísa CARPENA:
Se é verdade que a estrutura do mercado com baixos níveis de competição
cria condições para toda sorte de violações e abusos aos direitos do
consumidor, é igualmente verdadeiro afirmar que baixos níveis de proteção
desses direitos propiciam abusos de posição dominante e lesões à
concorrência. A soberania do consumidor no mercado somente será
alcançada a partir do reconhecimento de que a proteção dos seus
interesses constitui o fim precípuo da tutela da concorrência, e como tal
deve orientar a aplicação de suas normas, tornando mais efetiva e coerente
a implementação desses novos direitos.
72
71
Nesse sentido ensina Uadi Lammêgo BULOS, quando afirma que: “O princípio da livre iniciativa
não se compactua com o abuso do poder econômico. Aliás, a Constituição de 1988 não combate,
nem nega, o exercício legal do poder econômico. Porém, o seu uso desmensurado e anti-social
enseja a intervenção do Estado para coibir excessos. Práticas abusivas, portanto, derivadas do
capitalismo monopolista, dos cartéis, dos oligopólios, não encontram respaldo constitucional. A
inovação constitucional, contida nesse inciso, é correlata à economia de mercado, à igualdade de
concorrência, à liberdade de contratar e à liberdade de instalação do estabelecimento comercial,
observados os limites impostos pela legislação ordinária.” (BULOS, Uadi Lammêgo. Op. cit. p. 1142).
72
CARPENA, Heloisa. O consumidor no direito da concorrência. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.
p. 248.
39
Resta, assim, evidenciado que a livre iniciativa, em seu sentido material, é
um dos elementos que precisam e devem ser fomentados pelo Estado para a
promoção do desenvolvimento econômico, perseguindo-se, sempre que a sua
implementação se dê em sentido material e em conjunto com os demais preceitos
informadores da ordem econômica
73
. Paralelamente, nas hipóteses de abuso,
cumpre ao Estado o dever de limitar o seu exercício para que ela não seja
desempenhada em desacordo com os demais preceitos constitucionais
estabelecidos pela Carta Magna de 1988. Seja pela prática de atos que atentem
contra a livre concorrência, contra atos que tragam prejuízos ambientais à
sociedade, ou qualquer outra modalidade de prejuízo social, cabe ao Estado o dever
de intervir diretamente para restabelecer o bom funcionamento e o equilíbrio do
mercado.
1.4 O PRINCÍPIO DO TRATAMENTO FAVORECIDO ÀS ATIVIDADES DE
PEQUENO PORTE
1.4.1 A classificação dos empreendedores
Quando se estudam as atividades empreendedoras de pequeno porte
74
,
verifica-se que é bastante comum a subdivisão dos pequenos empreendedores em
duas categorias: (i) empreendedores por oportunidade, (ii) empreendedores por
necessidade. Esta subdivisão consiste em premissa de elevada importância para
que se compreenda quem são os empreendedores que desenvolvem as atividades
de pequeno porte.
73
ALBUQUERQUE, Fabíola Santos. Liberdade de contratar e livre iniciativa. In: RAMOS, Carmem
Lúcia Silveira (coord.). Direito civil constitucional: situações patrimoniais. Curitiba: Juruá, 2002. p.
109.
74
A Lei Complementar 123/06 traz o conceito jurídico de microempresas e empresas de pequeno
porte, in verbis: “Art. 3º. Para os efeitos desta Lei Complementar, consideram-se microempresas ou
empresas de pequeno porte a sociedade empresária, a sociedade simples e o empresário a que se
refere o art. 966 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, devidamente registrados no Registro de
Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, desde que: I no
caso das microempresas, o empresário, a pessoa jurídica, ou a ela equiparada, aufira, em cada ano-
calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais); II – no caso
das empresas de pequeno porte, o empresário, a pessoa jurídica, ou a ela equiparada, aufira, em
cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais) e igual
ou inferior a R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais) [...]”.
40
Na primeira categoria encontram-se aqueles que, naturalmente, observaram
determinada situação cotidiana colocada em seus caminhos, seja por pesquisas ou
por acaso, aproveitando-se desta oportunidade para dar início a um novo
empreendimento. Normalmente, aqueles que se enquadram nesta categoria
possuem mais chance de êxito, pois partem para a disputa existente no mercado
com algum diferencial competitivo e maior preparação, o que tende a ser bastante
útil na obtenção do êxito econômico. Nesse sentido ensina Carlos João Santos
PEREIRA:
As chances de sucesso estão intimamente ligadas ao conhecimento que se
tiver sobre o desdobramento da atividade. Não existe atividade empresarial
sem dificuldade, ainda mais numa economia de mercado como a nossa. O
risco cresce quando as pessoas, por estarem em uma fase mais difícil da
vida, acham que abrir uma empresa é a solução, e, na maioria das vezes,
fazem-no de maneira abrupta, sem um planejamento adequado,
prejudicando consideravelmente as possibilidades de sucesso e, muitas
vezes, acabando por perder tudo o que possuíam.[...] não fórmula
mágica de se dizer com absoluta certeza que determinada empresa vai ou
não dar certo; porém, é prudente e mais garantido para o seu investimento
que o assunto seja amplamente estudado e conhecido. Somente quando o
planejamento apresentar conclusões satisfatórias para a implantação do
projeto, é que deverá existir uma definição final. Depois da partida não
existe volta sem prejuízo. A empresa é como uma peça de precisão; se
houver falhas no seu projeto, com certeza haverá problemas em seu
funcionamento.
75
Cite-se, por exemplo, dois analistas de sistemas que, tendo vasto
conhecimento em informática e pensando em dividir arquivos pessoais de imagens
com seus amigos, resolvem disponibilizar na rede mundial de computadores
(internet) alguns vídeos próprios, em um primeiro momento, visando facilitar aos
seus amigos o download e visualização desses arquivos digitais.
A idéia passa a ter grande aceitação e eles decidem ampliar as diretrizes de
sua pequena descoberta. Em pouco tempo os inventores popularizam seu invento
na internet, criando um sítio eletrônico para armazenar os vídeos de pessoas pelo
mundo inteiro, e, de repente, percebem que seu pequeno empreendimento passou a
valer milhões, ou bilhões, de dólares. Trata-se da descrição que relata a criação e
desenvolvimento do conhecido sítio eletrônico You Tube, demonstrando-se caso de
empreendedorismo por oportunidade.
75
PEREIRA, Carlos João Santos. Como ser um empresário e ter sucesso. o Paulo: Mercosul,
1998. p. 28/29.
41
Já na segunda categoria encontram-se aqueles que foram praticamente
“obrigados” a partir para o exercício da atividade empreendedora. Isto é, a primeira
opção de vida que, voluntariamente, eles desejariam fazer não seria o
desenvolvimento de uma atividade empreendedora. Mas, diante das circunstâncias
que a vida lhes impôs, e por questões de necessidade
76
, o lançados a tentar
construir uma oportunidade para si e para seus familiares por meio da atividade
empreendedora.
Fábio TOKARS define assim os empreendedores por necessidade:
Mas também os empreendedores por necessidade. Estes são os que
ingressam em uma atividade empresarial como última alternativa de
sustento de sua família. Normalmente se tratam de pessoas que não
tiveram acesso ao mercado de trabalho formal, ou que perderam seu
emprego e encontram dificuldades na recolocação profissional. Esta
segunda hipótese é infelizmente bastante encontrada no Brasil, onde a
experiência perde em valor para os baixos custos salariais de um
empregado em começo de carreira, criando-se um ambiente econômico de
pouca assimilação de pessoas que perdem seus empregos. O caminho
natural, neste caso, é a utilização das verbas trabalhistas rescisórias para
iniciar um negócio próprio. Normalmente, estes empreenderes obtêm sua
formação técnica com os erros que advêm da experiência.
77
É neste grupo que inserimos, por exemplo, aqueles que passaram algum
tempo desempregados e o conseguem obter uma nova colocação, ou aqueles
que construíram uma vida dentro de uma companhia e, depois terem sido
desligados de seus empregos, não se encontram preparados para voltar ao mercado
76
A classificação dos empreendedores por necessidade é bastante comum nos estudos sobre
empreendedorismo realizados pela ciência da Administração de Empresas. Em um desses estudos,
citaram-se diversos casos de insucesso nas atividades profissionais, especialmente ocorridos após a
década de 90, que levaram o autor à seguinte conclusão: “[...] o avanço tecnológico, a rapidez das
mudanças, tudo isso traz ganhos para o consumidor, mas também gera um problema social: o
desemprego. E se observarmos os outros países, inclusive os chamados desenvolvidos ou de
primeiro mundo, vamos perceber que esta crise nunca foi tão grave. E não é muito difícil prever que a
crise do emprego está longe de ser resolvida. Realmente não sei quantos empregos existirão e
quando a geração que nasce hoje chegará ao mercado de trabalho. Fica uma pergunta: qual o
destino dessa crescente massa de desempregados? A resposta parece óbvia: a grande maioria vai
partir para um negócio próprio, para um pequeno negócio. Porém, quando realizamos pesquisas com
novos segmentos de micro e pequena empresa, descobrimos que a maior parte não sabe que abriu o
seu próprio negócio por falta de opção. As respostas mais constantes são: oportunidade oferecidas
pelo mercado; ter uma boa idéia, uma idéia de um novo serviço ou negócio; a família atuar no
ramo, ou a experiência no ramo; ser dono do próprio nariz (não ter patrão); buscar a realização
profissional; ficar rico. Por outro lado, uma pesquisa realizada pela GD Perfil de Belo Horizonte junto
a mil empresas mostrou que 65% deles preferiam estar empregados com bons salários do que ter
negócio próprio.” (CENNI, Marcelo. Montando uma empresa. Belo Horizonte: Autêntica, 1998, p.
21/23).
77
TOKARS, Fábio. Quem é o empresário brasileiro? O Estado do Paraná - Caderno Direito e
Justiça, 03 de fevereiro de 2008, Curitiba. p. 06.
42
de trabalho (cada vez mais competitivo e especializado). Os membros que se
encaixam neste grupo, normalmente, não possuem o conhecimento necessário para
o desenvolvimento da atividade empreendedora e não podem arriscar a totalidade
de seus recursos porque deles dependem para viver. Isto é, estão em posição
competitiva de extrema inferioridade e despreparo para enfrentar os obstáculos
existentes no mercado.
Em um país com elevados índices de desemprego, e com dificuldades para
instituir políticas eficazes de desenvolvimento, como é o caso do Brasil, não é difícil
identificar um grande mero de pessoas que se encaixam no rol dos
empreendedores por necessidade
78
. Um simples passeio pelas grandes metrópoles
mostra o grande volume de vendedores ambulantes, de pequenos estabelecimentos
comerciais em bairros, distribuidores de produtos, pequenas lanchonetes, etc. Todos
fazem parte da realidade social em que a falta de oportunidades conduz ao
empreendedorismo.
A classificação acima adotada não é a única que pode ser formulada
79
, nem
pretende exaurir a divisão existente entre os empreendedores, havendo também
aqueles que se encaixam em algum ponto entre os extremos das duas categorias,
mas serve para sintetizar o funcionamento natural das atividades empreendedoras,
subsidiando-se aquilo que se passa a expor.
Independentemente da categoria em que o pequeno e o médio
empreendedor se enquadrem, a sua importância econômica e social é
incontestável
80
.
78
Naturalmente, pela vastidão da matéria, não serão analisados os efeitos que esta classe de
empreendedores traz à informalidade, mas cumpre consignar que a interferência exercida é bastante
elevada. Nesse sentido, muito bem aponta Maílson da NÓBREGA, ao afirmar que: “Em países como
o Brasil, a carga tributária excessiva e caótica faz com que pequenas e médias empresas prefiram
operar na informalidade. Pela lei, todos praticam crime de sonegação fiscal, mas não são criminosos
comuns. Vivem na informalidade porque não conseguiram comerciar e sobreviver de outra forma”.
(NÓBREGA, Maílson da. Op. cit. p. 32).
79
Como exemplo de outra classificação adotada tem-se as lições de Carlos MONTAÑO, que as
subdivide em duas outras formas: “aquela que produz certa mercadoria ou serviço para o consumidor
direto ou para o distribuidor”; ou “aquela que produz certa mercadoria ou serviço para uma grande ou
média empresa.” (MONTAÑO, Carlos. Micro empresa na era da globalização: uma abordagem
crítica. São Paulo: Cortez, 1999. p. 21).
80
Nesse sentido têm-se as lições de Carlos MONTAÑO: “[…] assim, como categoria heterogênea e
contraditória, que absorve cada vez maior massa de assalariados, a PeMe (Pequena e
Microempresa) acaba por reduzir as potencialidades político-econômicas da maioria trabalhadora.
[…] Poderíamos dizer, pois, que a PeMe (Pequena e Microempresa) satélite constitui num elemento,
numa engrenagem, do desenvolvimento econômico; ela é parte de uma alternativa específica da
atual fase do desenvolvimento capitalista, a alternativa que, visando à reestruturação produtiva e à
43
Segundo lições de bio TOKARS, o pequeno e o médio empresário
brasileiros geram cerca de 97% dos postos de trabalho no Brasil
81
. Por isso, diante
de tamanha representatividade, quando se pretende promover o desenvolvimento
econômico, a redução das desigualdades sociais, a busca do pleno emprego
82
e a
materialização do princípio da dignidade da pessoa humana, não como se negar
que a atividade empreendedora de pequeno e médio porte assume papel de elevada
importância nesse cenário, merecendo ser incentivada.
1.4.2 A proteção constitucional às empresas de pequeno porte.
Foi com esse escopo, objetivando-se a redução dos obstáculos enfrentados
pelos pequenos empreendedores, que se passou a defender o tratamento
favorecido às empresas de pequeno porte, materializado como princípio no texto do
art. 170, IX, da Constituição Federal de 1988.
O princípio do tratamento favorecido às empresas de pequeno porte, como a
sua própria nomenclatura denota, subsidia o pensamento daqueles que desejam
extirpar do cotidiano dos pequenos agentes econômicos as barreiras ao exercício da
atividade econômica. É sabido que eles se encontram em posição desfavorável
83
e,
globalização político-econômica, constitui uma estratégia da classe hegemônica expressa no projeto
neoliberal.” (MONTAÑO, Carlos. Op. cit. p. 94).
81
TOKARS, Fábio. (Quem é... ). Op. cit. p. 06.
82
Nesse sentido, interessantes as lições de Fábio TOKARS: “[...], hoje é simples perceber que o
desenvolvimento dos padrões sociais depende de apoio institucional ao empreendedorismo, que a
geração de empregos é o primeiro passo para o combate à pobreza. Para tanto, é importante
perceber tanto que o empreendedor não é um agente contrário à ordem social, quanto ele também
merece um tratamento diferenciado, que o estimule à manutenção e ampliação de suas atividades”.
(Idem. Ibidem. p. 06).
83
É bastante claro que os pequenos empreendimentos sofrem com as dificuldades impostas pelo
mercado, seja pela burocracia, pela falta de recursos financeiros, pela falta de capacitação e
orientação técnica, dentre um grande rol de fatores que os prejudicam. Situação diversa é enfrentada
pelas atividades de grande porte, pois figuram em posição privilegiada no mercado e até em relação
ao Estado, tendo a sua disposição uma série de elementos que lhes confere maior poder perante os
operadores do mercado. Partindo-se da premissa de que as grandes empresas são agentes
econômicos capazes de influenciar políticas públicas, de interferir no mercado consumidor, de, em
algumas vezes, ditar regras em oligopólios, monopólios, cartéis, etc., resta ao Estado a necessidade
de assumir uma postura de controle de atividades de algumas dessas empresas. É evidente que
neste momento está se referindo apenas aos casos em que as grandes empresas utilizem de seu
poderio econômico-financeiro para interferir no mercado, sendo, nesses casos, insofismável o dever
do Estado de intervir. quanto às menores, a lógica se inverte e os incentivos são necessários,
cabendo ao Estado o poder/dever de interferir diretamente para beneficiar as empresas de pequeno e
médio porte.
44
em decorrência disso, precisam receber tratamento diferenciado do Estado, como
afirma Débora SOTTO:
Devido à sua menor capacidade econômica, em face dos demais agentes
econômicos, micro e pequenas empresas são mais vulneráveis a sofrer
abusos de poder na disputa por mercados. Por outro lado, é assente o
relevante papel desempenhado pelos pequenos empresários na geração de
empregos, na diminuição das desigualdades sociais e regionais e mesmo
no desenvolvimento de novas tecnologias nacionais. Daí, a necessidade de
o Estado intervir no domínio econômico, determinando medidas protetivas
às pequenas empresas, visando corrigir desigualdades e garantir o
equilíbrio do mercado.
84
Assim, interpretando-se a finalidade da norma constitucional e seguindo-se a
pretensão esboçada pelo seu legislador, pode-se afirmar que o princípio do
tratamento favorecido às empresas de pequeno porte deriva do princípio da
isonomia
85
, em seu sentido material
86
, quando procura dispensar tratamento
desigual para os desiguais, na exata medida das suas desigualdades, contribuindo
para a superação de obstáculos que seriam intransponíveis pelos pequenos
empreendedores em condições normais. Isso, indubitavelmente, é fator de
discriminação positiva e se encontra de acordo com o mais adequado sentido
hermenêutico
87
de interpretação da Carta Magna de 1988.
Nesse sentido, vejam-se as lições de Débora SOTTO, in verbis:
Isso posto, verificamos que o princípio contido no artigo 179 da Constituição
funda-se no princípio maior da igualdade, visto que o tratamento favorecido,
a ser conferido às micro e pequenas empresas, decorre logicamente da
necessidade de lhes proporcionar condições igualitárias de competição, em
prestígio a outros valores constitucionalmente consagrados.
88
84
SOTTO, Debora. Tributação da microempresa e da empresa de pequeno porte. São Paulo:
Quartier Latin, 2007. p. 54.
85
HENARES NETO, Halley. Comentários à Lei do Supersimples. São Paulo: Quartier Latin, 2007.
p. 29/30.
86
Sobre a isonomia em seu sentido material, também denominado substancial, Celso Ribeiro
BASTOS afirma que: ”Desde priscas eras tem o homem se atormentado com o problema das
desigualdades inerentes ao seu ser e à estrutura social em que se insere. Daí ter surgido a noção de
igualdade que os doutrinadores comumente denominam igualdade substancial. Entende-se por esta a
equiparação de todos os homens no que diz respeito ao gozo e fruição de direitos, assim como à
sujeição a deveres. [...] A igualdade substancial postula o tratamento uniforme de todos os homens.
Não se trata, como se vê, de um tratamento igual perante o direito, mas de uma igualdade real e
efetiva perante os bens da vida.” (BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. São
Paulo: Celso Bastos, 2002. p. 317).
87
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p.
259.
88
SOTTO, Debora. Op. cit. p. 54.
45
Tanto em sua redação original
89
, quanto no novo texto do inciso IX, do artigo
170, da Constituição Federal, alterado pela Emenda Constitucional n° 06/95,
identifica-se claramente que o princípio do tratamento favorecido às empresas de
pequeno porte foi valorizado pelo legislador constituinte
90
, mostrando-se que este se
encontrava atento à realidade social e muito bem inseriu o referido princípio no rol
daqueles que fundamentam a Ordem Econômica e Social do Brasil
91
.
Nada obstante, mesmo restando claro que esta matéria sempre encontrou
guarida no texto normativo, tem-se que a realidade prática colocada ao dispor do
empreendedor no Brasil confronta diretamente com o que preceitua a Carta Magna.
Dispensar tratamento favorecido às empresas de pequeno porte demanda
incentivo, criação de mecanismos de inserção dessas no mercado, financiamento
em condições especiais, etc. Tudo isso passa, também e especialmente –, por um
necessário ambiente favorável à realização de negócios, o que, infelizmente, não
vem sendo encontrado.
Sucessivamente, ano após ano, o Brasil “conquista” fama perante a
comunidade mundial por ser um dos países mais burocráticos do mundo, e com um
dos maiores índices de corrupção, o que traz resultados negativos diretos à
atividade econômica, com a retração dos investimentos e dificuldade na obtenção de
mercados consumidores externos. Tal rotulação não se faz desmotivadamente, pois
basta apenas observar as estatísticas de pesquisas que qualificam os ambientes de
negócio ao redor do mundo para se perceber que o Brasil, em comparação com os
demais países analisados, caminha a passos muito lentos na escala da busca pelo
desenvolvimento.
89
O texto original da Constituição Federal de 1998, em seu art. 170, IX, assim dispunha: Art. 170. A
ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes
princípios: [...] IX- tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno
porte.
90
o novo texto do inciso IX, do art. 170, da Constituição Federal, alterado pela Emenda
Constitucional 06/95, assim dispõe: [...] IX - t ratamento favorecido para as empresas de pequeno
porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Em
essência, modificou apenas a terminologia do texto legal, restando devidamente tutelada a atividade
de pequeno porte.
91
Não se olvide, também, da previsão do artigo 179 da Constituição Federal, que determina que a
União, Estados, Distrito Federal e Municípios dispensem às microempresas e empresas de pequeno
porte tratamento jurídico diferenciado para que estas sejam incentivadas.
46
Como será visto no segundo capítulo da presente pesquisa, o relatório Doing
Business 2008 avaliou as economias e as oportunidades de negócio em 178 (cento
e setenta e oito) países ao redor do mundo, tendo o Brasil obtido classificação
insatisfatória quando comparado com os demais países em desenvolvimento.
Contudo, no tocante às pequenas empresas, objetivando-se demonstrar que
formas de se modificar os entraves existentes no Brasil, torna-se importante
analisar algumas das modificações trazidas pelo legislador infraconstitucional por
meio da Lei Complementar nº. 123/06, que dispõe sobre o tratamento favorecido às
microempresas e às empresas de pequeno porte, como se passa a abordar.
1.4.3 A proteção às microempresas e empresas de pequeno porte
conferida pela Lei Complementar 123/06 a abertura do caminho
para mudanças
Em recente reforma legislativa a tutela das microempresas e empresas de
pequeno porte recebeu tratamento especial do legislador, em uma tentativa clara de
se materializar o princípio constitucionalmente estabelecido do favorecimento às
atividades de pequeno porte.
Foi assim que a Lei Complementar n° 123/06 revogou as normas anteriores
que disciplinavam a matéria
92
e dispôs sobre o tratamento diferenciado e favorecido
às Microempresas e às Empresas de Pequeno Porte
93
, sendo denominada,
popularmente, de Estatuto Nacional das Microempresas e Empresas de Pequeno
Porte, em referência clara ao objeto de que trata o texto legal.
Como bem preceitua a referida Lei, em suas disposições preliminares, deve
ser dispensado tratamento diferenciado e favorecido às microempresas e às
empresas de pequeno porte, devendo esse tratamento ser conferido tanto pela
92
Fran MARTINS ensina que mesmo antes da entrada em vigor do texto constitucional de 1988, por
meio da Lei Ordinária 7256/84, o legislador infr aconstitucional já se mostrou atento à necessidade
de abordar o incentivo à atividade de pequeno porte. Passados alguns anos, e após a promulgação
da Constituição Federal de 1988, tentando-se contribuir com a redução dos entraves ao
empreendedorismo de pequeno porte, houve por bem o legislador infraconstitucional em
regulamentar o assunto novamente, o que foi feito pelas Leis Ordinárias . 8864/94 e 9841/99.
(MARTINS, Fran. Curso de direito comercial: empresa comercial, empresários individuais,
microempresas, sociedades comerciais, fundo de comércio. 31ª. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2008. p. 148/149).
93
Estas nomenclaturas foram utilizadas pelo legislador infraconstitucional e utilizam como critério de
diferenciação o faturamento das empresas, tal como previsto no texto da referida Lei Complementar.
47
União, quanto pelos Estados e Distrito Federal, assim como, também, pelos
Municípios. Ainda em seu preâmbulo, o texto preceitua em que âmbitos devem se
implementar as facilitações às empresas, quais sejam: (i) na apuração e
recolhimento de impostos e contribuições, (ii) no cumprimento de obrigações
trabalhistas e previdenciárias, (iii) no acesso a crédito e ao mercado, gozando os
micro e pequenos empresários, por exemplo, de preferências para fornecer ao
Poder Público
94
.
Nota-se que alguns dos problemas que afetam os pequenos
empreendimentos no Brasil, como muito bem apontado pelo Relatório Doing
Business 2008, foram objeto de previsão do legislador complementar
95
, que trouxe
novas ferramentas para, ao menos no âmbito das micro e pequenas empresas,
reverter os desconfortáveis problemas existentes no país, abrindo-se caminho para
a redução da informalidade que tanto marca os pequenos empreendimentos
desenvolvidos no Brasil. É nesse sentido que a norma merece destaque, como
apontado pela doutrina:
Essa dura verdade, por certo, sensibilizou as autoridades, as quais,
acossadas tempos, no bom sentido, pelos órgãos e pelas entidades de
classe representantes dos segmentos das microempresas e empresas de
pequeno porte, saíram do discurso fácil para a concretização das medidas
legais que tivessem por fim, entre outros privilégios, facilitar a vida desses
micro e pequenos empresários, assim como dos empresários individuais,
além de, e especialmente, trazer para a regularidade aqueles mais de dez
milhões que vivem na clandestinidade.
96
Primeiramente, em seu artigo 4º, a Lei Complementar nº. 123/06 determina
que, no âmbito dos três governos, deverá ser facilitada a inscrição e baixa das
empresas, impondo que esses processos sejam considerados em sua unicidade
para que não sejam onerados aqueles que desejam empreender
97
. Para tanto,
94
Com efeito, percebe-se que os três pontos em que o legislador embasou a Lei fazem parte dos
problemas identificados pelo relatório Doing Business 2008 como deficiências existentes no Brasil.
95
Não se está afirmando, com isso, que os motivos que justificaram a promulgação da Lei
Complementar remontam ao relatório, mas que apenas uma convergência entre as conclusões de
um e a ação do outro.
96
SILVA, Renaldo Limiro da; LIMIRO, Alexandre. Manual do Supersimples: Comentários à Lei
Geral das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte. Curitiba: Juruá, 2007. p. 21.
97
Destaque-se que em vários momentos do texto da Lei previu-se a integração entre as três esferas
de governo, a simplificação e unicidade dos procedimentos, etc. Aos olhos do leitor comum poderia
se refletir que isso se trata de questão tão essencial que a previsão legal seria dispensável. Todavia,
por mais absurdo que possa parecer, a realidade prática nos mostra situação diversa. Não é nada
incomum, quando da realização de novos projetos e empreendimentos no Brasil, o cidadão ficar a
48
complementa o artigo 5º., da mesma Lei, dispondo que sejam amplamente
divulgados os requisitos, documentos e orientações sobre os processos de registro e
legalização dos pequenos empreendimentos visando-se clarificar as etapas pelas
quais o empreendedor precisará passar.
Tratam-se de modificações com firme propósito de corrigir as distorções
existentes, como há tempos se fazia necessário à nossa realidade prática. Nesse
sentido, aponta e elogia a doutrina:
O novo Estatuto Nacional não deixa a menor dúvida de que todos os
envolvidos deverão se acertar reciprocamente para que os procedimentos
tanto da inscrição quanto da respectiva baixa dos atos dos segmentos
beneficiados seja uno. Assim, na elaboração de normas de sua
competência, as entidades e os órgãos envolvidos na abertura e no
fechamento de empresas, dos três âmbitos do governo, deverão considerar
a unicidade do processo de registro e de legalização de empresários e de
pessoas jurídicas. Para tanto, deverão articular as competências próprias
com aquelas dos demais membros e buscar, em conjunto, compatibilizar e
integrar procedimentos, de modo a evitar a duplicidade de exigências e
garantir a linearidade do processo, conforme a perspectiva do usuário (art.
4º.) [...] É como se o legislador estivesse dizendo aos interessados que, a
partir de agora, se findaram as peregrinações deles pelos diversos órgãos
dos três âmbitos do governo, seguidas de tantas outras peregrinações, para
refazerem os trabalhos que os servidores públicos, salvo exceções, o
fazem bem feito ou informam deficientemente. E, ainda que, se a
preocupação dos empresários, das microempresas e das empresas de
pequeno porte era o altíssimo desembolso financeiro que se fazia para
remunerar despachantes, isso também acabou.
98
Além da facilitação no registro e baixa das empresas, também se preocupou
o legislador em determinar a simplificação e uniformização dos procedimentos para
concessão de alvarás de funcionamento, permitindo, consoante disposição do artigo
7º, a emissão de alvará provisório para os casos de empreendimentos que não
envolvam risco elevado, podendo-se iniciar as atividades logo após o registro da
empresa sem que seja necessário aguardar pelos procedimentos municipais de
concessão do alvará.
Da mesma forma, atento para a burocracia que move os processos de
segurança sanitária, alvarás de bombeiros e de controle de segurança
sanitária/ambiental, o legislador determinou, em seu artigo 6º, a simplificação,
mercê de procedimentos e burocracias em que esferas federais, estaduais e municipais parecem não
se entender, fazendo-se o popularmente conhecido “jogo de empurra” em que ninguém assume
responsabilidades e sempre se encontram obstáculos para que algo não se materialize. Prendem-se
na burocracia, no meio, ao invés de contribuir com o resultado planejado, o fim.
98
SILVA, Renaldo Limiro da; LIMIRO, Alexandre. Op. cit. p. 42/43.
49
racionalização e uniformização dos requisitos para esses procedimentos, o que
torna as regras do jogo mais claras para o particular que deseja empreender.
Diminuem-se as possibilidades de corrupção, na medida em que as tarefas e
exigências tornam-se mais simples e públicas, ao mesmo tempo em que se tornam
mais fáceis os procedimentos, evitando-se que a burocracia consuma tempo e
recursos financeiros que movem a corrupção.
Outro aspecto merecedor de análise é a simplificação tributária que o texto
legal trouxe aos micro e pequenos empresários, matéria que havia sido prevista
pela Constituição Federal
99
de 1988, em seu artigo 179 e que é apontada pela
doutrina como o ponto de maior destaque da nova legislação
100
.
O art. 12 da Lei Complementar 123/06 institui o Regime Especial Unificado
de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas microempresas e
empresas de pequeno porte, denominado de SIMPLES NACIONAL
101
. o art. 13,
da mesma Lei, dispõe como deve ser procedido o pagamento mensal, mediante
documento único de arrecadação, de diversos impostos, como: IR (Imposto de
Renda), IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), CSLL (Contribuição Social
sobre o Lucro Líquido), COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade
Social), ICMS (Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e
sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de
Comunicação), ISS (Imposto sobre Serviços de qualquer natureza), etc.
99
Mais recentemente, a matéria foi objeto de reforma constitucional, operacionalizada pela Emenda
Constitucional nº. 42/03, mas que, na opinião da doutrina, não trouxe inovações ao que já preceituava
a essência do texto constitucional, senão vejamos as afirmações de Debora SOTTO: “Pelo exposto
acima, depreendemos que as normas constitucionais constantes do inciso III, alínea ‘d’ e parágrafo
único do artigo 146, introduzidas pela Emenda Constitucional nº. 42.2003, vieram, na verdade,
apenas explicitar o que de certa forma já se encontrava contido implicitamente no texto constitucional.
Desse modo, não se vislumbra nenhuma inconstitucionalidade material nas previsões abstratas
contidas nesses novos dispositivos.” (SOTTO, Debora. Op. cit. p. 72).
100
Nesse sentido: “O ponto de maior destaque dessa nova legislação do SUPERSIMPLES é a
instituição de um único regime arrecadatório dos principais tributos que cercam as atividades das
microempresas e das empresas de pequeno porte, em todos os âmbitos do governo (União, Estados,
Distrito Federal e Municípios), o que, sem dúvida, além de facilitar o exercício da atividade
empresarial, proporcionará a redução de custos e o recolhimento de impostos em menor quantia, é
claro, analisando-se, especificamente, caso a caso.” (SILVA, Renaldo Limiro da; LIMIRO, Alexandre.
Op. cit. p. 7).
101
Destaque-se que o programa SIMPLES já existia desde o advento da Lei n.º 9.317/96. Todavia,
esta apresentava limitações que foram supridas pela nova Lei, como a unicidade dos procedimentos
de arrecadação.
50
Tal sistemática de arrecadação diferiu do sistema anterior por tornar
obrigatória a simplificação também no tocante aos tributos estaduais e municipais
102
,
outrora colocados como facultativos pela norma pretérita, o que, em essência, trouxe
maior aplicabilidade prática para se materializar aquilo que a Constituição Federal há
muito tempo já dispôs.
Nada obstante, uma breve consideração não pode deixar de ser feita
quando são analisados os dispositivos da Lei Complementar nº. 123/06. Como
determina o artigo 9º da Lei em questão, visando-se facilitar o procedimento de
baixa das empresas, as microempresas e empresas de pequeno porte ficam
dispensadas de apresentar determinadas certidões para a baixa nos registros
públicos
103
.
O legislador procurou facilitar a atuação dos pequenos empreendedores.
Todavia, ao deixar de exigir as certidões negativas para baixa das empresas, nos
parece que o legislador criou um mecanismo de moratória constante ao fisco,
permitindo-se que se dê baixa ao registro da empresa sem que os tributos tenham
sido efetivamente pagos. É indubitável que o legislador complementa as disposições
afirmando que, antes ou após a baixa, o responsáveis por eventuais obrigações
os sócios e administradores, mas isso tende a criar situações de prejuízo ao fisco
que, a nosso ver, terá dificuldades para reverter os atos praticados e receber
eventuais créditos.
Excetuada esta breve observação, pode-se afirmar que iniciativas como o
incentivo às microempresas e empresas de pequeno porte, nos termos da Lei
Complementar nº. 123/06, devem ser incentivadas e muito bem recepcionadas pela
sociedade e pelo mundo jurídico, visto que contribuem para melhorar os índices de
desenvolvimento econômico e social ao se incentivar os principais agentes
102
De acordo com as afirmações de Renaldo Limiro da SILVA e Alexandre LIMIRO tem-se que: “[...]
em um leque muito mais favorável ao empresário ou à sociedade empresária que se enquadrar na
definição de microempresa e empresa de pequeno porte, a Lei Complementar 123/06, que também
estabelece normas gerais relativas ao tratamento diferenciado e favorecido a esses mesmos
segmentos, ultrapassa o âmbito do Poder da União, adentrando, impositivamente e de forma
significativa, nos Poderes dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios brasileiros, naquilo de
mais precioso que o legislador entendeu como agregação de benefícios aos respectivos destinatários
desse novo diploma legal.” (SILVA, Renaldo Limiro da; LIMIRO, Alexandre. Op. cit. p. 24).
103
Certidão unificada de tributos federais, certidão unificada de tributos estaduais, do FGTS e do
INSS.
51
econômicos geradores de empregos no Brasil: os pequenos e médios
empreendimentos.
1.5 O PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL
1.5.1 A constitucionalização do Direito Privado
Até o início do século XXI as relações de direito privado no Brasil
encontravam-se regidas pelo Código Civil de 1916, notadamente patrimonialista, e
que, com o passar do tempo, deixou de ser adequado ao modelo social brasileiro.
Isso porque a sociedade do final do século XX, que acabara de sair de um período
ditatorial, clamava por soluções mais humanas, não se limitando apenas aos
elementos patrimoniais da relação jurídica.
Refletindo os anseios da sociedade brasileira do final da década de 80, o
legislador constituinte originário quebrou alguns paradigmas do Estado Liberal que
ainda se mantinham em nossa sistemática jurídica e deslocou maior atenção ao seu
aspecto social, atentando-se à necessidade de que o Direito não permanecesse
restrito, tão somente, ao caráter econômico e financeiro das relações jurídicas. Foi
assim que a Constituição Federal de 1988 trouxe em seu texto alguns princípios que
fundamentaram a construção do direito privado moderno, embasado, em sua
essência, na tentativa de equilibrar o caráter patrimonial existente nas relações
jurídicas de Direito Privado com o elemento humano e social também existente nas
referidas relações.
A Carta Magna de 1988 passou, então, a permear os ideais humanísticos no
direito privado brasileiro, o que foi denominado pela doutrina de constitucionalização
do direito privado, e que significa, em suma, a interpretação deste ramo do Direito de
acordo com os preceitos estabelecidos na Constituição Federal de 1988. Assim
ensina Paulo NALIN, quando muito bem afirma que o fenômeno de
constitucionalização representa um dos caminhos possíveis para a eleição de um
novo paradigma de renovação dos institutos privados. Para o autor, esta tese não é
52
somente nova, mas é imprescindível para quem sustenta a legalidade
constitucional
104
.
Foi nessa linha que, como ensina Daniel Sica da CUNHA, a Constituição de
1988 inaugurou uma nova ordem pública, estabelecendo os valores de justiça
fundamentais do ordenamento centrado na dignidade humana, afirmando ser
necessário que toda a ordem jurídica, inclusive o direito privado, se ancore no
“projeto constitucional”, que lastreia o navegar da vida em comunidade
105
.
Paulo VELTEN, oportunamente, aponta que esta nova forma de interpretar o
Direito Privado não exprime uma nova categoria do Direito Civil ou uma disciplina
diversa. Adjetivá-lo de Direito Civil constitucional tem apenas o propósito de reforçar
para o intérprete a idéia de que se operou uma profunda mudança na forma de ver e
interpretar o Direito, o que hoje se faz, obrigatoriamente, por meio da Constituição
Federal
106
. Toda essa transformação, que sucedeu um período de revoluções
políticas e sociais no país, contribuiu para a renovação das diretrizes a serem
seguidas pela sociedade, valorizando-se a vida humana e a cidadania, como
abordado no tópico referente à dignidade humana nesta dissertação.
Com base nessa mudança dos elementos norteadores da hermenêutica
jurídica, trazida pela Constituição Federal
107
de 1988, que se intensificou a
discussão e se deu início à aplicação da função social no direito privado. A temática,
no presente trabalho, merece análise especialmente por ter sido objeto de recentes
teses que impõem à empresa um comportamento positivo, defendendo, dentre
outras argumentações, que esta deve cumprir com sua função social ao pagar
impostos, gerar empregos, etc.
Antes disso, no entanto, procurando-se estabelecer a melhor compreensão
para a temática da função social, faz-se necessária uma abordagem que investigue
as suas origens e demonstre como deve se dar a sua aplicabilidade no Direito
brasileiro.
104
NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na
perspectiva civil-constitucional. Curitiba: Juruá, 2001. p. 32.
105
CUNHA, Daniel Sica da. A nova força obrigatória dos contratos. In: MARQUES, Claudia Lima. A
nova crise do contrato – estudo sobre a nova teoria contratual. São Paulo: RT, 2007. p. 249.
106
VELTEN, Paulo. Função social do contrato – cláusula limitadora da liberdade contratual. In: NERY,
Rosa Maria de Andrade. Função do Direito Privado no atual momento histórico. v. 1. São Paulo:
RT, 2006. p. 415.
107
STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da
construção do Direito. 6ª. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 259.
53
1.5.2 A formação histórica do princípio da função social e sua
previsão no ordenamento jurídico brasileiro
O princípio da função social tem sua origem remontada ao movimento de
funcionalização dos direitos subjetivos, ocorrido no final do século XIX. Surgida para,
inicialmente, impor limites ao abuso de direito, a função social procurou reconstruir
os institutos centrais do direito moderno, fazendo parte da transição entre o modelo
de Estado Liberal para o Estado Social.
No início do século XX o princípio da função social foi positivado no Direito
alemão, especificamente no artigo 133 da Constituição de Weimar
108
.
Progressivamente, na segunda metade do século XX, com a ampla difusão dos
ideais do Estado Social pelo mundo, as constituições de outros países
recepcionaram a função social como princípio em seus ordenamentos jurídicos,
atrelando-se, quase como regra – neste primeiro momento –, à propriedade privada.
Assim aconteceu no direito brasileiro, tendo a função social sido
recepcionada em nosso ordenamento jurídico pelo texto da Carta Magna
109
de 1988.
108
Art. 133: A Constituição garante a propriedade. O seu conteúdo e os seus limites resultam da lei.
[...] A propriedade obriga e o seu uso e exercício devem ao mesmo tempo representar uma função no
interesse social.”
109
Cumpre transcrever alguns trechos em que se identifica a função social no texto da Constituição
Federal de 1988:
Art. 5: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
XXII - é garantido o direito de propriedade;
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;
[...]
Art. 170: A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem
por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os
seguintes princípios:
[...]
III - função social da propriedade;
[...]
Art. 182: A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme
diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais
da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.
[...]
§ - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de
ordenação da cidade expressas no plano diretor.
Art. 184: Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel
rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da
dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a
partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.
54
Destaque-se, desde logo, que, tal como ocorrido nas outras legislações apontadas,
boa parte da previsão atinente à função social trazida pelo legislador constituinte de
1988 refere-se à utilização da propriedade privada
110
, especialmente à utilização da
propriedade rural, tema bastante discutido em âmbito acadêmico. Alguns anos
depois, com a edição do novo Código Civil, o legislador infraconstitucional também
dispensou tratamento à função social
111
, sendo especialmente na matéria contratual,
positivando este princípio em seu texto
112
.
Nada obstante, não é a aplicação da função social à propriedade rural,
urbana ou aos contratos que nos importa analisar no presente momento. Com efeito,
o que merece maior destaque neste estudo é a inserção da função social como valor
fundamental que sustenta a Ordem Econômica e Social do país, como disposto no
art. 170, III, da Carta Magna de 1988.
A positivação do princípio dentre os pilares da Ordem Econômica e Social
torna evidente o desejo do legislador constitucional de construir uma sociedade mais
igualitária e justa, pretendendo levar ao juiz da causa uma nova ferramenta para
decidir os casos práticos. Todavia, como adverte Carlyle POPP, este poder
conferido pelo Direito deve ter controle efetivo e a discricionariedade conferida não
pode ser confundida com arbitrariedade, in verbis:
O operador do direito não deve temer o poder dos magistrados, desde que
haja controle efetivo e esta discricionariedade não se confunda com
arbitrariedade. Consegue-se isto com uma conjugação entre pensamento
sistemático e tópico, defendido aqui neste trabalho. Para que isto ocorra, o
Art. 185: São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária:
[...]
Parágrafo único. A lei garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e fixará normas para o
cumprimento dos requisitos relativos a sua função social.
Art. 186: A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo
critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
110
Para as propriedades rurais e urbanas que não cumprem com a sua função social o legislador
estabeleceu critérios para seu cumprimento e impôs penalidades e sanções para o descumprimento.
111
Conforme preceitua o Código Civil de 2002: Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em
razão e nos limites da função social do contrato.
112
Sobre a disciplina da função social aplicada aos contratos muito bem escreveu Márcia Carla
Pereira RIBEIRO (RIBEIRO, Márcia Carla Pereira. Século XXI, a era do não-contrato?. Revista de
Direito Mercantil. nº. 139, jul/set 2005, São Paulo: Malheiros, 2005, p. 127/143), assim como Fábio
TOKARS. (TOKARS, Fábio. Função social dos contratos empresariais. O Estado do Paraná -
Caderno Direito e Justiça, 16 de março de 2008, Curitiba. p. 12).
55
juiz deve estar atento à realidade que o cerca, ou seja, deve ser um homem
da realidade vivida e não apenas um senhor do gabinete.
113
Isso permite afirmar que tal ferramenta que o Direito coloca a disposição dos
magistrados não pode servir como cláusula aberta e abstrata para fundamentar
decisões que atentem contra a segurança jurídica, ignorando-se assim toda a
sistemática legal e a realidade social que permeia a relação por eles decidida.
Deve, sim, servir como elemento orientador para a prática dos operadores
do Direito, mas desde que isso não signifique utilizar da função social como uma
carta curinga
114
para fundamentar uma decisão que esteja contaminada por excesso
de subjetivismo. É fundamental que sua aplicação seja feita com cautela
115
, como se
pretende esclarecer neste tópico da pesquisa.
Naturalmente isso não é tarefa simples de se atingir, até porque o texto
disposto pelo legislador constituinte é demasiadamente aberto (impreciso
116
) e
113
POPP, Carlyle. (Responsabilidade civil ...). Op. cit. p. 135.
114
Em linha com essas afirmações, Jeanne BLANCHET traz brilhante consideração que merece ser
observada: “Percebe-se, hodiernamente, que ao adjetivo ‘social’ está presente nos discursos e
legislações. A socialização de institutos e instituições tem se tornado uma regra e fala-se
constantemente em ‘função social’, seja ela da propriedade, do contrato ou da empresa. Fato é que a
expressão ‘função social’ tornou-se, por sua conotação vasta e imprecisa, como que uma ‘carta
curinga’ a ser apresentada em qualquer fase do jogo, isso se fosse permitido chamar a vida social de
jogo e, nós operadores do Direito, juízes, juristas ou acadêmicos, bem sabemos que não o é.
Percebo que esta expressão está sendo conspurcada, distorcendo-se o seu significado primeiro, o
qual não está defasado.” (BLANCHET, Jeanne. O novo código civil e a função social. In: NALIN,
Paulo. Contrato e sociedade: princípios de direito contratual, v. 1, Curitiba: Juruá, 2004. p. 63).
115
Nesse sentido, em recente trabalho sobre o direito à propriedade, Denis Lerrer ROSENFIELD
enfrenta a função social no Direito brasileiro com bastante serenidade e bom senso, estabelecendo
crítica ao mau uso da função social nas discussões envolvendo a propriedade privada, in verbis: O
imaginário brasileiro é em muito estruturado em função de idéias de tipo anticapitalista, com severas
restrições ao livre uso da propriedade privada. A propriedade privada é, freqüentemente, defendida
apenas condicionalmente, como se a sua relativização fosse a condição da justiça social.
Constitucionalmente, há o dispositivo da função social da propriedade que deveria valer tanto para a
cidade quanto para o campo. Em torno dele, terminou se criando uma mentalidade jurídica e política
que se contenta com recitar esse preceito, como se, a partir dele, qualquer atentado contra a
propriedade privada estivesse justificado, podendo contar com a benevolência da opinião pública, de
promotores e de juízes. [...] um país possuído por um imaginário anticapitalista, antieconomia de
mercado, antipropriedade privada, poderia suscitar a idéia de que os ganhos de propriedade feitos
pela iniciativa privada deveriam ser penalizados e transferidos a outrem. Subjaz a essa posição a
idéia de que o lucro foi indevido, de que cabe ao Estado se apropriar daquilo que ele estima
exorbitante. De onde pode bem surgir essa idéia de que o Estado pode atentar tão claramente contra
a propriedade privada senão de uma mentalidade burocrática e distributivista, inspirada em velhas
idéias socialistas?” (ROSENFIELD, Denis Lerrer. Reflexões sobre o direito à propriedade. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2008. p. 27/29). É inegável que a crítica formulada pelo autor merece observação
cautelosa e reflexão por parte dos operadores do Direito, ainda mais em um país como o Brasil em
que a reforma agrária deixa de ser uma questão fundiária, como deveria ser, para se tornar questão
envolvendo massas de manobra e elemento de manipulação política, como bem apontado pelo autor.
116
Eloete Camilli OLIVEIRA menciona sobre a dificuldade em se converter o conceito da função
social em conceito jurídico, mas que, mesmo assim, tornou-se comum o seu uso, in verbis: [...]
56
permite diversas interpretações, o que, como adverte Márcia Carla Pereira RIBEIRO
pode configurar duas possibilidades indesejadas: a sua não utilização ou a
excessiva utilização de algo indefinido, in verbis:
O esforço da doutrina em identificar o sentido da expressão é plenamente
justificado. Quando a lei opera com conceitos indeterminados, duas
possibilidades indesejadas podem configurar-se: a o utilização do
conceito, ante a dificuldade de sua identificação, ou a excessiva utilização
de algo indefinido, a ponto de comprometer outros valores que também são
caros à sociedade a ao Direito
117
Exatamente por esta indeterminação dos conceitos sobre como a função
social se aplica em alguns ramos do Direito que o imaginário da doutrina fez
surgirem estudos defendendo a funcionalização de determinados direitos, dentre
eles a polêmica função social da empresa, que, como será exposto no tópico 1.5.4,
é diferente de se afirmar que o direito empresarial deve atender à sua função social,
tema objeto do próximo tópico.
1.5.3 A função social do Direito Empresarial
Como se viu, e será exaustivamente relembrado no decorrer desta pesquisa,
a atividade empresarial exerce cada vez mais importância perante a sociedade,
gerando interesse social
118
e sendo fundamental para a promoção do
desenvolvimento econômico e redução das desigualdades sociais. Viu-se, também,
que a função social é elemento principiológico do texto da Carta Magna de 1988,
trazido pelo legislador constituinte ao dispor sobre a Ordem Econômica e Social,
sendo evidente que as relações jurídicas empresariais devem atender ao
mencionado princípio.
Apesar da imprecisão da expressão função social e, sobretudo, da dificuldade de convertê-la num
conceito jurídico, tornou-se corrente o seu uso na lei, preferencialmente nas Constituições, sem a
univocidade, mas com expressiva carga psicológica, recebida, sem precauções, pelos juristas.”
(OLIVEIRA. Eloete Camilli. A função social da empresa. In: HASSON, Roland (coord.). Direito dos
Trabalhadores e Direitos Fundamentais. Curitiba: Juruá, 2003. p. 203).
117
RIBEIRO, Márcia Carla Pereira. (Século XXI ... ). Op. cit. p. 133.
118
Nesse sentido afirma Fábio TOKARS: “Da resumida análise destes fundamentos (que são objeto
de longas e bem urdidas teses), deflui a conclusão de que a empresa gera interesse social, ainda que
não esteja obrigada ao cumprimento da alegada função social. O fato de existir a empresa gera
benefícios à sociedade: empregos são criados, tributos são recolhidos, incentiva-se a inovação,
incrementa-se a concorrência (e a conseqüência busca pela eficiência). Benefícios que são obtidos
independentemente da motivação do empresário.” (TOKARS, Fábio. (A visão ... ). Op. cit. p. 12).
57
É com base nessas premissas que a função social precisa ser enfrentada
pelo Direito Empresarial, cabendo, neste momento, a tarefa de esclarecer de que
modo deve se dar a aplicação do princípio da função social do Direito Empresarial.
É sabido que o Direito Empresarial é a disciplina que tutela a maior parte das
relações jurídicas envolvendo as empresas, cabendo a esse ramo tanto a tarefa de
regulamentar as referidas relações quanto de promover a redução dos entraves
jurídicos para o desenvolvimento da atividade empresarial
119
. Nesse sentido, pode-
se afirmar que a função social do Direito Empresarial é atingida quando se estimula
o empreendedorismo e se criam mecanismos para que a empresa possa promover o
desenvolvimento econômico, contribuindo-se com a materialização da dignidade
humana (como já abordado no primeiro tópico deste capítulo).
Contudo, ao se afirmar que a aplicação do direito empresarial deve ser
pautada na função social não se está afirmando que a empresa, figurando neste
caso como sujeito de direito, deve cumprir uma chamada função social e que o
Poder Judiciário deve decidir em favor da parte mais fraca do litígio, seguindo-se o
efeito chamado “Hobin-Hood”
120
, conforme defendido por parte da doutrina.
Significa, sim, que as decisões judiciais devem ser tomadas em favor da segurança
jurídica, fazendo com que o magistrado esteja atento à realidade social quando da
tomada de sua decisão, observando-se que, para além das paredes dos seus
gabinetes de trabalho
121
, existe um mundo em que a atividade empresarial ocupa
posição de destaque.
119
Não restam dúvidas de que as decisões tomadas em âmbito judicial interferem no
desenvolvimento das atividades empresariais. Por isso, é das soluções jurídicas advindas do direito
empresarial que depende a existência e a manutenção das atividades empresariais que se
desenvolvem em nosso país.
120
TOKARS, Fábio. Piedade e função social do direito. O Estado do Paraná - Caderno Direito e
Justiça, 25 de maio de 2008, Curitiba. p. 09.
121
Nesse sentido, destaquem-se algumas conclusões da pesquisa realizada por Armando Castelar
PINHEIRO com 741 magistrados das Justiças Federal, Estadual e do Trabalho, buscando-se
entender a visão dos magistrados sobre os problemas enfrentados pelo Judiciário e as suas relações
com a economia. “Conclui-se dessas duas pesquisas que o magistrado brasileiro não acredita que
cabe ao Judiciário ser neutro na aplicação da lei, não se identificando com o papel clássico que se
supõe ser o de um juiz em um sistema de civil law, o de intérprete de um direito produzido pelo Poder
Legislativo. Pelo contrário, o magistrado brasileiro acredita majoritariamente que também é seu papel
‘produzir’o direito”. (PINHEIRO, Armando Castelar. Magistrados, judiciário e economia no Brasil. In:
SZTAJN, Rachel; ZYLBERSZTAJN, Décio (orgs.). Direito & economia. Rio de Janeiro: Elsevier,
2005. p. 249). “A ‘politização’ também resulta, como observado anteriormente, da tentativa de alguns
magistrados de favorecer certos grupos sociais vistos como a parte mais fraca nas disputas levadas
aos tribunais. Os próprios magistrados, com freqüência, se referem a esse posicionamento como
refletindo um papel de promotor da justiça social que cabe aos juízes desempenhar, como
discutido. Para examinar a relevância desse fator, perguntou-se aos juízes por qual de duas posições
58
O ponto nevrálgico que diferencia o presente estudo daqueles que defendem
a existência da função social da empresa consiste no fato de que para estes passa a
função social a interferir na forma de agir da atividade empresarial. Defendem que
deve a empresa ser gerida sob a influência do princípio da função social,
misturando, muitas vezes, o conceito de responsabilidade social das empresas com
o que chamam de função social da empresa.
No tocante à confusão mencionada, veja-se o que afirma Dinaura Godinho
PIMENTEL ao sustentar que as dispensas coletivas de funcionários atentam contra
a chamada função social da empresa:
A dispensa coletiva, como ato socialmente injustificado, deixa de ser
caracterizada decorrente do exercício do poder de organização, ínsito no
poder de direção do empregador, por afrontar normas constitucionais que
resguardam a dignidade da pessoa humana e condicionam o exercício da
livre iniciativa à função social da empresa, no sentido de “assegurar a todos
existência digna conforme os ditames sociais” (CF, art. 173, caput). Assim,
o ato da dispensa coletiva não apenas causa a privação do emprego como
afasta a empresa de sua função social, proclamada e exigida pelo
ordenamento jurídico vigente, além de atentar contra a função social do
contrato (CC, art. 421). Ao Estado-juiz incumbe bem sopesar o grau de
sofrimento e de humilhação do trabalhador sumetido a essa atitude ilícita e
arbitrário, no proposto de resgatar a tomada de consciência a respeito da
observância do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana,
bem como da função social da empresa e do contrato.
122
Tais conclusões decorrem de a empresa ser confundida pela doutrina com o
patrimônio do empreendedor, sendo equivocadamente definida como elemento de
propriedade
123
e que, por esta razão, deveria atender a função social que a Carta
Magna determina que seja cumprida pela propriedade privada.
extremas eles optariam, se necessário: respeitar sempre os contratos, independentemente de suas
repercussões sociais (A), ou tomar decisões que violem os contratos, na busca da justiça social (B).
Uma larga maioria dos entrevistados (73,1%) disse que optaria pela segunda alternativa (Tabela
10.15)”. (Idem. Ibidem. p. 265).
122
GOMES, Dinaura Godinho Pimentel. Direito do trabalho e dignidade da pessoa humana no
contexto da globalização econômica: problemas e perspectivas. São Paulo: LTr, 2005. p. 134.
123
Nesse sentido, afirma Dinizar DOMINGUES: “A maior parte da doutrina nacional inicial o estudo da
função social da empresa partindo da análise da função social da propriedade, mas sempre
ponderando que a aplicação da função social da propriedade aplicar-se-ia aos meios de produção de
que é detentora a empresa ou de que dispõe o seu sócio ou gestor.” (DOMINGUES, Dinizar. A
responsabilidade de criar, manter e aprimorar um meio ambiente do trabalho adequado:
função social da empresa moderna. Dissertação de Mestrado. Curitiba: UNICURITIBA, 2008. p.
130).
59
Todavia, ao contrário do que afirmam os estudos citados, não pode ser
esquecido que a empresa não é propriedade de seu empreendedor, de seus
sócios
124
, assim como a doutrina do Direito Empresarial construiu o entendimento.
A natureza jurídica da empresa é diversa, pois, pelos ensinamentos do
ilustre comercialista Rubens REQUIÃO, quando se analisa a noção econômica e
jurídica da empresa, conclui-se que a empresa é uma abstração
125
. Em seus
estudos, depois de avaliar a forma com que a doutrina conceitua a empresa o autor
leciona que esta, como entidade jurídica, não pode ser tratada como elemento de
propriedade, pura e simplesmente.
Adverte Rubens REQUIÃO que é tentadora a figuração que o leigo faz a
respeito da empresa, considerando-a como elemento de propriedade, senão
vejamos:
Em primeiro lugar, cumpre-nos desfazer uma série de equívocos e
preconceitos que perturbam a exata compreensão do fenômeno econômico
e jurídico que é a empresa. A figuração que o leigo faz de empresa é no
sentido objetivo de sua materialização. D a confusão entre empresa e
estabelecimento comercial (art. 1.142 do Cód. Civil), e, no mesmo sentido,
entre empresa e sociedade. É comum o empresário referir-se ao seu
estabelecimento comercial, ou à sociedade de que é titular ou sócio
proeminente, como ‘a minha empresa’. Os conceitos, no entanto, são
inconfundíveis.
126
Da mesma forma, a empresa o deve ser compreendida como sujeito de
direito
127
, nem como objeto de direito. Não pode ser sujeito de direito porque este é
124
Como será visto no tópico sobre o princípio da preservação da empresa, o conceito técnico de
empresa vai muito além da esfera patrimonial ocupada pelas quotas que o sócio detém.
125
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. v. 1, 25ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 59.
126
Idem. Ibidem. p. 59.
127
Sobre o assunto Francisco Wildo Lacerda DANTAS ensina que: “Em razão da importância da
noção empresa para o direito, passou-se a admitir a existência de um movimento fragmentário e
inacabado de dissociação do centro de interesse da empresa e diverso da sociedade que a
representa, a que Michek Despax denominou de sujeito de direito nascente. Desde então vem-se
acentuando a tendência de personificar-se a empresa mesma, para considera-la como sujeito de
direito, havendo quem afirme entre nós que ela deve ser assim considerada, em razão de
constituir uma instituição que exerce função social reconhecida até mesmo no atual texto
constitucional. Essa concepção repousa na idéia de procurar-se personificar a empresa por
considerá-la uma instituição e deita raízes no institucionalismo. Como se sabe, esse movimento
busca explicar a formação do direito em dois momentos: um pré-jurídico, onde desponta a instituição
como ente que se impõem naturalmente, por atender à necessidade social com caráter de
permanência e outro jurídico, quando o direito é definido pela norma. [...] Ainda que se perceba o
enorme alcance social da concepção, não conseguimos entender como se pode admitir, no atual
estágio do nosso direito, a existência de duas personalidades jurídicas atribuídas a um mesmo ente:
à sociedade que representa a empresa e à atividade em si mesma”. (DANTAS, Francisco Wildo
Lacerda. Manual jurídico da empresa. Brasília: Brasília Jurídica, 1998. p. 61/62).
60
a pessoa (física ou jurídica) que desempenha as atividades da empresa; assim
como não pode ser objeto de direito, confundindo-se com o patrimônio que a
compõe, pois os dois conceitos tratam de elementos diversos.
Para além das conversas informais, a natureza jurídica de empresa diverge
daquilo que costumeiramente se afirma. Precisa ser compreendida sob um amplo
prisma econômico e social, não se limitando a pensar a empresa como se fosse
apenas um dos elementos que a compõem. Nesse sentido Francisco Wildo Lacerda
DANTAS corretamente adverte: “A empresa não é o empresário, não é a
atividade e não é só o estabelecimento”
128
É desta diferenciação que decorre o fato de a empresa, como entidade
jurídica, dever ser compreendida como uma abstração, conforme ensina a doutrina:
É preciso compreender que a empresa, como entidade jurídica, é uma
abstração. A muitos tal afirmativa parecerá absurda e incompreensível,
dado aquele condicionamento de que a empresa é uma atividade material e
visível. Brunetti, professor italiano de alto conceito, chegou à conclusão da
abstratividade da empresa, observando que ‘a empresa, se do lado político-
econômico é uma realidade, do jurídico é un’astrazione, porque,
reconhecendo-se como organização de trabalho formada das pessoas e
dos componentes da azienda, a relação entre a pessoa e os meios de
exercício não pode conduzir senão a uma entidade abstrata, devendo-se na
verdade ligar à pessoa do titular, isto é, ao empresário’”
129
.
Portanto, por o se confundir com o seu patrimônio, fragilizam-se os
argumentos que propugnam pela aplicação da função social à empresa por
derivação da aplicação da função social da propriedade privada. Tal entendimento
apega-se a conceitos desatentos à realidade do Direito Empresarial, confundindo a
aplicação da função social do direito empresarial às relações jurídicas, que existe,
com uma suposta aplicação da função social à empresa, que, pelo que se viu, não
existe.
Sabe-se que os objetivos de ambas as correntes o os mesmos, isto é,
promover as melhorias sociais utilizando-se da empresa como mecanismo propulsor.
Todavia, é fundamental destacar que isso não seobtido apenas trazendo novas
obrigações ao ente empresarial, como se propugna pela aplicação da função social
à empresa.
128
DANTAS, Francisco Wildo Lacerda. Op. cit. p. 49.
129
REQUIÃO, Rubens. (Curso de ... ). Op. cit. p. 59.
61
A atividade empresarial precisa ser vislumbrada como mecanismo
importante para a promoção do desenvolvimento econômico, mas isso não
acontecerá com imposições de cada vez mais ônus aos agentes econômicos, como
defendem as teses que propõem a existência da função social da empresa.
Como será visto ao longo desta dissertação
130
, o papel a ser desempenhado
pela empresa vai adiante da simples delimitação territorial ocupada pela sede e
pelas filiais da empresa. Sua importância social é sentida por todos aqueles que dela
dependem direta ou indiretamente. A própria existência da empresa e o
cumprimento das obrigações determinadas pela lei são o suficiente para atender o
seu papel perante a sociedade, pois geram empregos, recolhem tributos, produzem
riquezas e operam positivamente na economia de mercado em que figuram. São
importantes organismos sociais que, vivos e operantes, ao existirem e
desenvolverem suas atividades, têm poderes de contribuir com o desenvolvimento
econômico e social.
Por essas razões, ao se afirmar que a empresa não está sujeita a cumprir
uma função social, não se está afirmando que as relações tuteladas pelo Direito
Empresarial não devem ser orientadas pelo princípio da função social. Pelo
contrário, deve o princípio da função social ser aplicado ao Direito Empresarial para
a solução dos litígios, sem que isso, naturalmente, sirva como a referida carta
curinga na solução das demandas.
1.5.4 A função social da empresa
Os pressupostos estabelecidos nas linhas anteriores (diferenciando-se a
função social na aplicação do direito empresarial da suposta função social da
empresa) fazem-se presentes nesta pesquisa porque tem sido característica comum
em recentes estudos a defesa de que a empresa deve cumprir uma função social.
130
Será visto no terceiro capítulo que o estímulo à atividade empresarial ocorre, por exemplo, (i) com
o incentivo à limitação da responsabilidade dos empreendedores; (ii) com o incentivo à proteção dos
direitos de propriedade industrial; (iii) com a facilitação da operação de trespasse dos
estabelecimentos empresariais; (iv) com a tentativa de se recuperar as empresas em crises
econômico-financeiras, fazendo-se com que as falências sejam operadas apenas nos casos em que
não seja possível a recuperação (e, quando impossível a recuperação, operar com rapidez a falência
e a liquidação dos ativos com o objetivo de minimizar os prejuízos dos credores), etc.
62
É com este viés de interpretação que JoAffonso DALLEGRAVE NETO
entende que a empresa é uma instituição social e, com base no que dispõe o art.
170 da Constituição Federal, a ela cabe o dever de valorizar o trabalho, deixando
claro que entende que a empresa deve cumprir uma função social, senão vejamos:
Quando o constituinte estabeleceu que a ordem econômica deve atentar
para o princípio da função social da propriedade (art. 170, inc. III), atingiu a
empresa que é uma das unidades econômicas mais importantes no
hodierno sistema capitalista. [...] Indubitavelmente, essa imposição de
comportamento positivo ao titular da empresa, quando manifestada na
esfera trabalhista, significa um atuar em favor dos empregados, o que, na
prática, é representado pela valorização do trabalhador, por meio de um
ambiente hígido, salário justo e, acima de tudo, por um tratamento que
enalteça a sua dignidade enquanto ser humano (CF, art. 1º, 3º, 6º, 7º, 170 e
193). A partir desta concepção solidarista reconhecimento do outro
(alteridade) e não numa visão isolada, mas antes relacionada, o trabalho
de ser tutelado como valor supremo. Aqui, lido afirmar, em concreto,
que se a empresa vai mal, então, que prefira diminuir a margem de lucro, do
que implementar, por exemplo, o downsize e a dispensa em massa. Ainda,
nesse compasso, a empresa deve partilhar seus lucros (art. 7º, inc. XI) com
todos aqueles que para eles concorreram, assegurando um ambiente de
trabalho seguro e digno do trabalhador, mesmo que isso possa implicar
decréscimo (imediato) da sua rentabilidade. Em tempos de desemprego
estrutural, a função social da empresa é também representada pelo
cumprimento dos direitos trabalhistas (art. 7º) e pela política de geração de
empregos (art. 170, inc. VIII), procurando evitar, na medida do possível, a
substituição do trabalhador pela automação (art. 7º, inc. XXVII).
131
São louváveis as intenções do autor ao proferir tais palavras, eis que a
finalidade pretendida pela sua linha de defesa é, notadamente, a tentativa de
promoção da dignidade humana
132
. Todavia, o pensamento exteriorizado pelo autor
parece que vislumbra apenas um cenário absolutamente favorável, em que as
empresas auferem rendimentos astronômicos, e, paralelamente, que o empresário
sempre será aquele ser individualista que explora a atividade do trabalhador, o que,
na verdade, sabe-se que foge bastante da realidade prática e do perfil da maioria
dos empreendedores. Primeiramente porque, como analisado no tópico sobre o
tratamento favorecido aos pequenos empreendedores, viu-se que a maioria dos
empregadores do Brasil é composta por pequenos e médios empreendedores que,
quase como regra, não pretendem explorar ou deixar de dignificar o trabalho
131
DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade civil no direito do trabalho. 3ª. ed. o
Paulo: LTr, 2008. p. 392.
132
Concorda-se com o fim pretendido, mas o meio defendido pelo autor para que isso se materialize
inviabiliza a sua plenitude ao tratar a atividade empreendedora como se inimiga fosse dos
empregados.
63
humano. Muito pelo contrário, dependem da atividade para dignificar o seu trabalho
e, muitas vezes, fugir do desemprego. E, além disso, porque é sabido que as
empresas costumeiramente passam por crises e que os riscos da atividade são
assumidos pelos empreendedores.
Assim, a linha de raciocínio sustentada pelo autor, com tantos ônus impostos
aos empreendedores, pode levar à sociedade a um fim indesejado tanto por aqueles
que defendem a ampliação dos encargos sociais das empresas, quanto para
aqueles que são mais céticos a esse respeito, qual seja: a retração dos
investimentos na atividade empregadora, com investidores procurando alternativas
menos arriscadas para investir o seu capital, e, por conseguinte, a diminuição no
volume de vagas de empregos ofertadas
133
.
Também se manifestam a favor da existência da chamada função social à
empresa Frederico Augusto Monte SIMIONATO e Luiza Maria Thomazoni LOYOLA.
O primeiro entende que:
A função da empresa seria certamente o desenvolvimento da sociedade em
que ela atua, promovendo o crescimento econômico, empregando pessoas,
pagando os tributos. Ela não é nada mais que um centro de interesses
convergentes que comanda a economia moderna e seria ilógico que esse
centro fosse criado para desrespeitar os ditames da função social. [...] Com
efeito, a grande empresa não é uma organização de interesse privado, mas,
sobretudo, é um fator da economia nacional que deve estar a serviço do
interesse público. O problema da empresa em si é colocado não somente
para a sociedade comercial, como para a atividade comercial individual.
Partindo da noção funcional da empresa como comunidade de trabalho e
produção, especialmente a disciplina dos trabalhadores e do controle
133
Nesse sentido adverte Fábio TOKARS: Para construir esta triste conclusão, basta partir de um
exemplo concreto. Imaginemos um empresário que tem um capital elevado investido em uma
atividade industrial, onde trezentas pessoas são empregadas. Após gastar os dedos na calculadora,
este empresário percebe que seu dinheiro renderia mais, com muito menos risco, se ele desativasse
uma determinada área de produção, vendesse os equipamentos e aplicasse os recursos obtidos em
renda fixa. No meio deste processo, duzentos funcionários perderiam seus empregos. No plano
moral, talvez seja indefensável a atitude de um empresário que, para maximizar seus ganhos, coloca
duzentas pessoas na berlinda. Não justificativa ética. Mas, se realmente existir uma função social
da empresa, com forma normativa, o direito deve fornecer instrumentos de proteção efetiva aos
interesses dos trabalhadores, que determinem a manutenção da linha de produção e a preservação
dos contratos de trabalho. Se estes instrumentos jurídicos existirem, haverá função social da
empresa. Contudo, sabemos, para a tristeza de todos os que desejam uma sociedade menos
dependente dos frios postulados capitalistas, que o instrumentos jurídicos que permitam aos
interessados obstaculizar a estratégia do empresário que deseja produzir menos (e empregar menos)
para ganhar mais. E, exatamente por tal razão, perde materialidade aquilo que chamamos de função
social da empresa.” (TOKARS, Fábio. (A visão ... ). Op. cit. p. 12).
64
sobre o exercício da empresa. Isso evidencia o assim chamado perfil
institucional da empresa.
134
Já a segunda afirma que:
A função social da empresa consiste na conformação jurídica para a
legitimação da atividade empresarial. A empresa, no neoliberalismo, passou
a ser o centro do sistema econômico e da sociedade. Principal ator social
para o desenvolvimento social e a construção de uma sociedade digna e
solidária. No entanto, não compete às empresas desenvolver as funções do
Estado. Porém, indiretamente acaba por contribuir em muitas das funções.
Como agente empregador, auxilia na distribuição de renda. Como agente
produtor, produz mercadorias que atendem às necessidades sociais. Como
atividade, paga tributos. Por isso, não pode o administrador desviar a
empresa de uma dessas funções sob pena de estar descumprindo um
princípio constitucional. Deve então a gestão, como diretriz de execução da
atividade, adequar a busca do lucro a uma atuação coerente com a função
social.
135
Em decorrência da conclusão dos autores
136
, alguns questionamentos
podem ser formulados: (i) cumpre a empresa com sua função social quando sua
administração age de acordo com as obrigações legais a ela imposta
137
? (ii) a
função social da empresa apenas pode ser alcançada quando ela deixa de buscar o
lucro e socializa os seus ganhos? (iii) se impositivo o seu cumprimento, como
134
SIMIONATO, Frederico Augusto Monte. A função social e o poder de controle nas companhias.
Revista de Direito Mercantil. nº. 135, jul-set 2004, São Paulo: Malheiros, 2004. p. 99/100.
135
LOYOLA, Luiza Maria Thomazoni. A função social e a gestão empresarial no modelo
econômico neoliberal. Dissertação de Mestrado. Curitiba: UNICURITIBA, 2008. p. 174.
136
Ainda que de forma menos enfática, Giselle Luciane de Oliveira Lopes MELO traz posicionamento
favorável à aplicação da função social ao cotidiano das empresas, mas que adverte sobre os perigos
de sua aplicação: “A função social da empresa tem que ser trabalhada no caso concreto. Tentar
estabelecer, abstratamente, quais os parâmetros que a empresa deve seguir para atingir sua função
social seria desastroso, na medida em que necessariamente não seriam capazes de captar as várias
vertentes da realidade que cercam a atividade empresarial. Somente no momento da avaliação do
juiz a respeito de algum problema no tocante à empresa é que se pode perquirir qual decisão seria a
mais adequada para manutenção ou atendimento da função social da empresa. [...] Entretanto, o
mesmo Judiciário tão aclamado nas perspectivas das teorias tanto procedimentalista como
substancialista (conforme veremos a seguir), não está preparado para pensar os conflitos surgidos na
sociedade moderna, estando ainda atados e um modo de produção do Direito ‘instituído/forjado para
resolver disputas interindividuais’[...]“ (MELO, Giselle Luciane de Oliveira Lopes. A função social da
empresa como parâmetro de legalidade. Revista de Direito Empresarial. nº. 4, jul/dez 2005,
Curitiba: Juruá. p. 282).
137
Nesse sentido, vejam-se as afirmações de Luiza Maria Thomazoni LOYOLA: A função social da
empresa deve ser corretamente interpretada a fim de não produzir ineficiência econômica no longo
prazo. A função social da propriedade deve ser vista como poder-dever do empresário no exercício
da atividade econômica, realize-a de maneira compatível com o interesse social, tendo em vista que
este é manifestado pelas leis. Assim, o empresário que desenvolve a sua atividade conforme o
ordenamento jurídico estará ao mesmo tempo cumprindo a função social da empresa.”. (LOYOLA,
Luiza Maria Thomazoni. Ibidem. p. 216).
65
defendido, qual a sanção que a empresa receberá se não cumprir a chamada função
social?
A resposta para o primeiro questionamento remonta apenas a uma questão
de terminologia, eis que chamar de função social o cumprimento das obrigações
impostas ao empresário nos parece apenas atribuir um novo nome às obrigações
legais que a empresa já deve cumprir. Por isso, ao cumprir com as obrigações que a
lei determina às empresas, estas não estão fazendo nada mais do que o mínimo que
delas se espera, sendo desnecessária, portanto, a tarefa de denominar este atuar
como uma função social da empresa, mas, apenas, como o cumprimento das
obrigações jurídicas que a elas foram impostas.
Para responder o segundo questionamento, torna-se interessante trazer o
entendimento da parcela da doutrina que entende pela inexistência da aplicação da
função social às empresas, senão vejamos.
Como bem adverte Fábio TOKARS, a função social da empresa vem sendo
caracterizada por aquilo que a ciência política nomina de “válvula de escape
psicossocial”
138
em que se descarregam todos os anseios da sociedade como se às
empresas incumbisse o ônus de preencher as lacunas deixadas pela atuação do
ente estatal. Por isso, segundo defende o autor, crer na função social da empresa
seria fechar os olhos ao mundo, in verbis:
Se em alguns princípios clássicos, como o pilar da democracia, a realidade
concreta tende a se afastar da pretensão normativa, no campo da função
social da empresa este distanciamento é extremo. Conforme poderemos
concluir após alguns aportes teóricos, crer na função social da empresa
significa fechar os olhos ao mundo, construir um paliativo retórico aos
efeitos concretos de nossas políticas econômicas.
139
138
Fábio TOKARS ensina que: “De acordo com as premissas supra-evidenciadas, as normas
previsoras da função social da empresa constituem-se em determinação abstrata, contraditória com a
realidade do intento lucrativo e carecedora de sanção específica. [...] Abandonando esta visão, o
jurista pode perceber que as muitas premissas da nossa organização constitucional não passam
daquilo que a ciência política nomina de válvula de escape psicossocial, a qual pode ser definida
como instrumento de aparente conquista social que, em realidade, acaba por atuar exatamente de
forma oposta, mantendo privilégios ou impedindo a real conquista de interesses sociais.” (TOKARS,
Fábio. Função Social da Empresa. In: RAMOS, Carmem Lúcia Silveira (coord.). Direito Civil
Constitucional: Situações Patrimoniais. Curitiba: Juruá, 2002. p. 95).
139
Idem. Ibidem. p. 80.
66
Em linha com as afirmações trazidas pelo autor, Jeanne BLANCHET adverte
sobre a cautela que deve ser tomada ao se defender a aplicação do princípio da
função social, quando afirma que:
A função social, seja ela do contrato, da propriedade ou da empresa, não
pode ser árdua a ponto de desconfigurá-los. Não sentido, por exemplo,
em admitir que a função social de um instituto de direito inutilize ou anule o
próprio instituto. Se se pugna verdadeiramente por construir uma sociedade
justa, baseada na valoração da dignidade humana, o caminho a ser seguido
não é nem o do cós legislativo, nem tão pouco o do desrespeito aos direitos
consagrados. A função social, tal como a encontramos em nossa atual
legislação, carece de definição e de critérios para o seu cumprimento, não
servindo assim ao bem comum, mas sim, muitas vezes, como retórica de
cunho meramente político-ideológico. Contudo, juízes, operadores do
direito, juristas e acadêmicos têm a responsabilidade de evitar que o Direito
seja manipulado em prol de objetivos que não visem ao autêntico bem
comum.
140
As palavras acima transcritas demonstram, com maestria, que a defesa de
uma chamada função social da empresa pode ser prejudicial ao próprio interesse
daqueles que supostamente estariam sendo beneficiados pela atuação socialmente
funcionalizada do agente econômico (empregados, Estado, empresário, etc.)
141
.
Como afirmado pela autora, isso ocorrerá quando ela for utilizada para sustentar
retóricas político-ideológicas.
Por isso, respondendo-se o segundo questionamento, é incoerente afirmar
que passa a empresa a ter que cumprir com mais um ônus imposto pela sociedade,
devendo ser administrada sob um novo prisma em que seus lucros devem ser
proporcionalmente divididos entre os seus participantes, até porque a mesma lógica,
140
BLANCHET, Jeanne. Op. cit. p. 71.
141
A promoção de justiça social às custas da onerosidade excessiva sobre determinada classe cria
nova injustiça que, consequentemente, desatende a finalidade primordial que justificou a sua criação,
trazendo efeitos futuros contrários como, por exemplo, a retração de investimentos privados. A lógica
que sustenta os investimentos privados é bastante simples: quase como regra absoluta, quanto maior
for o risco assumido pelo investimento, maior será a rentabilidade buscada pelo investidor. Da mesma
forma, quanto menor o risco assumido pelo investimento, menor será a rentabilidade buscada pelo
investidor, sendo essa mecânica, costumeiramente, denominada de custo do crédito. No mundo
globalizado e da economia de mercado do século XXI sabemos que a promoção do desenvolvimento
ocorre com a realização de investimentos, os quais dependem diretamente do capital privado.
Este, por sua vez, segue a sistemática de risco/rentabilidade apontada no parágrafo anterior. Assim,
não dúvidas de que os países que apresentam maiores riscos ao investimento privado
internacional encontram-se em posição de inferioridade com relação aos demais. Isso porque, das
duas uma: ou o investidor tentará obter altos índices de lucratividade, a custo daqueles que vivem no
país, ou ele deixará de investir naquele país, procurando outras oportunidades que lhe tragam um
binômio risco/rentabilidade mais interessante.
67
certamente, não ocorreria na hipótese de se auferir prejuízo na operação da
empresa.
quanto ao terceiro questionamento, a resposta não demanda muito
esforço, pois é evidente que, por o haver qualquer espécie de sanção para o
descumprimento da função social da empresa, a sua eficácia se restringe apenas à
efeito moral. Por esta razão Fábio TOKARS, inclusive, compara a função social da
empresa a uma norma que determine que, a partir de um determinado momento,
todas as pessoas passam a ser felizes e realizadas
142
, o que se sabe que é
afirmação de conteúdo meramente retórico.
Nesse sentido o autor endossa a resposta apresentada ao terceiro
questionamento, senão vejamos:
Muitos afirmam que o cumprimento da função social da empresa seria uma
decorrência do atendimento às normas que impõem aos empresários uma
série de deveres trabalhistas, tributários, ambientais e de diversas outras
naturezas. Deve-se considerar, contudo, que o descumprimento de tais
normas não motiva a aplicação de sanções com fundamento central no
descumprimento do princípio da função social da empresa. As sanções
derivam das normas específicas que foram desrespeitadas. Ou seja:
mesmo que a conclusão venha no sentido da inexistência de uma função
social da empresa, o empresário que desrespeitar uma norma trabalhista
sofrerá exatamente as mesmas sanções que sofreria se todos
concordassem que a atividade empresarial em nosso país é regida por
aquele princípio.
143
É por essas razões, e com base nas afirmações dos tópicos antecedentes,
que a presente dissertação se filia à corrente doutrinária que entende que a defesa
da função social como elemento impositivo às empresas funciona apenas como
elemento de retórica
144
, e de uma falsa expectativa coletiva de promoção da justiça
social.
142
TOKARS, Fábio. Função (ou interesse?) social da empresa. O Estado do Paraná - Caderno
Direito e Justiça, 17 de agosto de 2008, Curitiba. p. 12.
143
Idem. Ibidem. p. 12.
144
Márcia Carla Pereira RIBEIRO muito bem adverte sobre a possibilidade de que os elementos da
constitucionalização do Direito Civil se resumam a um esforço retórico: “Não é incomum em nosso
país que medidas efetivas sejam substituídas por um processo de constitucionalização. Afinal,
apregoar-se a existência de uma consagração no texto constitucional poderá ter efeitos analgésicos
quando contrastado com a realidade. Infelizmente, a simples previsão constitucional não produz a
mudança, mas também pode resumir-se a um esforço retórico. Desta feita, a constitucionalização das
relações privadas e a consagração do seu caráter social não podem tomar todas as atenções de
forma a concentrar toda a esperança e atuar como principal mecanismo de implementação de
políticas públicas que conduzam aos objetivos centrais elencados na Constituição Federal, isentando-
68
Ao invés de se compreender que a empresa gera interesse social; que o
incentivo dispensado às atividades empresariais é necessário para a promoção das
melhorias sociais; e que a função social deve ser utilizada não como elemento de
piedade para decidir em favor da parte mais fraca, mas como mecanismo de
promoção indireta da justiça social; procura-se impor cada vez mais ônus aos
empreendedores, caminhando em sentido antagônico ao que se deveria.
1.6 O PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA
Como um organismo social vivo e operante, a empresa exerce papel
representativo no mundo contemporâneo, seja gerando empregos, recolhendo
tributos, contribuindo com pesquisas científicas ou promovendo a criação e a
circulação de riquezas
145
.
É em torno desta lógica que se torna fundamental compreender o valor da
preservação da empresa, princípio de elevada importância para o Direito
Empresarial e que merece aprofundamento. Para tanto, desde logo, torna-se
interessante estabelecer a distinção conceitual entre os termos “empresa” e
“sociedade”, delineando-se aquilo que o princípio pretende que seja preservado.
Quando se trata a respeito empresa não se está vinculando à modalidade
societária por ela adotada, aos ativos que compõem o seu patrimônio ou aos
empreendedores que a desempenham. Tecnicamente, a expressão “empresa”
designa a atividade exercida e não a sociedade
146
.
É possível a existência de sociedade sem empresa, bastando, para isso, que
seus atos constitutivos sejam inscritos na Junta Comercial sem, de fato, entrar em
se, por exemplo, o Poder Público de sua missão”. (RIBEIRO, Márcia Carla Pereira. (Século XXI ...).
Op. cit. p. 132).
145
Logo nas linhas inaugurais de sua obra, Fábio Konder COMPARATO destaca a importância
exercida pela empresa, sendo fundamental a transcrição de seus ensinamentos:Se se quiser indicar
uma instituição social que, pela sua influência, dinamismo e poder de transformação, sirva de
elemento explicativo e definidor da civilização contemporânea, a escolha é indubitável: essa
instituição é a empresa. É dela que depende, diretamente, a subsistência da maior parte da
população ativa deste país, pela organização do trabalho assalariado. A massa salarial equivale,
no Brasil, a 60% da renda nacional. É das empresas que provém a grande maioria dos bens e
serviços consumidos pelo povo, e é delas que o Estado retira a parcela maior de suas receitas fiscais.
É em torno da empresa, ademais, que gravitam vários agentes econômicos não-assalariados, como
os investidores de capital, os fornecedores, os prestadores de serviço.”. (COMPARATO, Fábio
Konder. Direito empresarial: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 3).
146
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v. 1, 8ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 64.
69
atividade
147
. Segundo ensina Rubens REQUIÃO pode haver sociedade sem
empresa quando, por exemplo, duas pessoas juntam seus cabedais, formam o
contrato social, e o registram na Junta Comercial. Eis a sociedade, e, enquanto
estiver inativa, a empresa não surge
148
. Da mesma forma, é possível a existência da
empresa sem a sociedade, como nos casos dos empresários individuais.
com relação à natureza da pessoa que a desempenha, a empresa pode
ser exercida tanto por uma pessoa física, que reúne seus recursos e esforços para a
consecução de determinada atividade como empresário individual, assim como por
uma pessoa jurídica, formada pela união de recursos e esforços entre os sócios para
a realização de um objetivo comum.
Na mesma linha de raciocínio reside a distinção entre os termos
“empresário” e “empreendedor”. Empresária é a sociedade que exerce a atividade
empresarial, e não os seus cios, que pela linguagem comum são erroneamente
denominados de empresários. Por isso, a denominação “empresa” vai além da
simples formalização contratual estabelecida pelos sócios, ou das pessoas que dela
fazem parte, pois ela engloba todos os elementos do exercício da atividade
empresarial.
Para alguns essas diferenciações podem parecer absurdas e
incompreensíveis, dada àquela predisposição popular de que a empresa é uma
atividade material e visível
149
, fato bastante comum na realidade prática das
empresas e no convívio daqueles que desconhecem as raízes do Direito
Empresarial
150
.
Como ensina Fábio Ulhoa COELHO, a confusão aumenta pela distância
existente entre os conceitos técnicos do direito e a linguagem natural. Nesta a
pessoa jurídica empresária é cotidianamente denominada “empresa”, e os seus
sócios são chamados “empresários”. Em termos técnicos, contudo, empresa é a
147
CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa à luz do novo código civil. 6ª. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2005. p. 11/12.
148
REQUIÃO, Rubens. (Curso de ...). Op. cit. p. 61.
149
Idem. Ibidem. p. 59.
150
Como exemplo de equívoco no uso da terminologia, em sua linguagem natural, veja-se a seguinte
classificação adotada: “Ser empreendedor não é a mesma coisa que ser empresário. Empresário é
aquele que chegou, por uma razão qualquer, à posição de dono de empresa, e desta tira seus lucros.
Apenas uma parcela dos empresários é constituída por legítimos empreendedores, aqueles que
realmente disputam e sabem vencer o jogo”. (CUNHA. Cristiano J. C. de Almeida. Iniciando seu
próprio negócio. Florianópolis: IEA, 1997. p. 16).
70
atividade, e não a pessoa que a explora; e empresário não é o sócio da sociedade
empresarial, mas a própria sociedade. É necessário acentuar, de modo enfático, que
o integrante de uma sociedade empresária não é empresário
151
, sendo mais correto
denominá-lo de sócio.
Cumpre destacar inclusive que, por diversas vezes, o próprio texto produzido
pelo legislador pátrio confunde esta terminologia, o que torna ainda mais tortuosa a
temática para aqueles operadores do Direito mais afastados da disciplina do Direito
Empresarial.
Nesse sentido, ao discorrer sobre tal confusão terminológica cometida pelo
legislador brasileiro, Fábio TOKARS
152
aponta alguns exemplos de falhas cometidas,
como a previsão do art. 948 do Código Civil de 2002, momento em que o legislador
regulou a alienação de bens integrantes do patrimônio da empresa e, com isso,
considerou esta como detentora de patrimônio; portanto, como sujeito de direito,
enquanto na verdade trata-se de abstração
153
validamente criada e aceita pelo
Direito.
na legislação trabalhista, o autor aponta que a empresa chega a ser
tratada de forma clara como sujeito de direito, como no texto do art. 2º. da CLT:
“considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os
riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal do
serviço”. Os exemplos citados demonstram como, na prática, a confusão
terminológica desorienta os menos acostumados com o cotidiano do Direito
Empresarial.
O certo é que o conceito de empresa é bem diferente do que demonstra o
conhecimento popular e os equívocos cometidos pelo legislador. Para Fábio
TOKARS
154
, a empresa abarca tudo o que esteja vinculado ao desenvolvimento da
atividade empresarial. Em síntese, o autor aponta os elementos que identifica como
sendo os principais componentes da estruturação de uma empresa.
A listagem não é exaustiva, mas abrange o suficiente para a percepção da
correta significação do termo “empresa”, correspondendo ao conjunto que contém os
seguintes elementos:
151
COELHO, Fábio Ulhoa. (Curso de ...). Op. cit. p. 63.
152
TOKARS, Fábio. Sociedades limitadas. São Paulo: LTr, 2007. p. 428.
153
REQUIÃO, Rubens. Ibidem. p. 59.
154
TOKARS, Fábio. Ibidem. p. 430.
71
a) a estrutura jurídica do empresário, seja como empresário individual, seja
em virtude da adoção de alguma das modalidades de sociedades
empresárias;
b) a reunião dos elementos materiais necessários ao desenvolvimento da
atividade empresarial, envolvendo maquinário, equipamentos, mobiliário,
instalações, etc.
c) a celebração de contratos de naturezas diversas, envolvendo desde os
de locação, de arrendamento mercantil ou de franquia (contratos
empresariais típicos) até os contratos de trabalho;
d) a busca de reconhecimento e proteção jurídica aos elementos criativos
que impulsionam a atividade empresarial, como marcas e invenções;
e) o trabalho no sentido da máxima adequação dos elementos materiais
envolvidos no desenvolvimento da atividade, possibilitando o seu maior
aproveitamento possível;
f) a proximidade de fontes de matéria-prima e de vias de escoamento de
produtos; e, sem encerrar;
g) o aperfeiçoamento técnico dos administradores, bem como a busca por
administradores qualificados.
Tais considerações contribuem para se estabelecer uma das principais
premissas do Direito Societário, assim como para identificar-se qual é a real
finalidade do princípio da preservação da empresa e a sua pertinência para a
presente pesquisa.
Quando se trata de preservar, de valorizar, a empresa não se está
defendendo apenas o resguardo dos interesses particulares dos sócios, ou,
individualmente, de determinada categoria de envolvidos naquilo que a empresa
possui/oferece, sejam eles componentes de qualquer uma das classes dos
stakeholders
155
. A problemática deve ir mais afundo para se alcançar a solução
155
Termo técnico utilizado pela ciência da Administração de Empresas para denominar aqueles que
possuem interesses nas atividades da empresa, como, por exemplo, os sócios, os empregados, o
fisco, os fornecedores, etc. Assim ensinam Maurício FERREIRA, Anton HEMERIJCK e Marthin
RHODES: “Os stakeholders são todas as partes ou pessoas envolvidas com uma instituição ou
empresa: administradores, funcionários, acionistas, parceiros, clientes, usuários, beneficiários, etc.“
(FERREIRA, Maurício; HEMERIJCK, Anton; RHODES, Marthin. O futuro da Europa Social:
remodelando o trabalho e o bem-estar social na nova economia. In: GIDDENS, Anthony (org.). O
debate global sobre a terceira via. São Paulo: Unesp, 2007. p. 184).
72
desejada
156
. A preservação da empresa é do interesse dos empreendedores,
investidores, trabalhadores, governantes, consumidores, vizinhos, etc
157
.
Independente da modalidade societária adotada pela empresa, é
imprescindível centrar-se na realidade econômica que a envolve
158
. Por isso,
pretende-se que a empresa, compreendida em seu termo técnico, seja valorizada
com a maximização dos esforços no sentido de se evitar o seu encerramento,
especialmente pela elevada quantidade de interesses que gravitam em torno dela.
Em linha com essas afirmações leciona Fábio Ulhoa COELHO:
A tecnologia jurídica e a jurisprudência estão construindo, a partir
principalmente dos anos 1970, o princípio da preservação da empresa. Em
seus fundamentos valorativos, encontra-se a percepção de que, em torno
da exploração da atividade econômica gravitam muitos interesses, não
apenas os dos capitalistas (empreendedores e investidores).
159
A finalidade primordial deste princípio, naturalmente, é o interesse coletivo.
Quantos empregos sumariamente desaparecem quando há o encerramento das
atividades de uma empresa? Quanto se deixa de produzir? Qual o reflexo na
arrecadação de impostos advindos deste acontecimento? Qual o impacto social
trazido? Responder estes questionamentos é tarefa bastante simples, mas nem um
pouco agradável para a sociedade.
Com o encerramento das atividades de uma empresa
160
, um significativo
grupo de pessoas perde seus empregos, os produtos e serviços por ela produzidos
156
Nesse sentido, tornam-se bastante interessantes as palavras de Carlos Roberto CLARO, in verbis:
“Com efeito, a empresa é uma instituição social de extrema relevância para o país. É a mola
propulsora para a geração de bens e serviços. A bem da verdade, estando ela inserida na
comunidade é ela que tem ciência nos problemas diários vividos pelas pessoas. (...) Sem as
empresas o país não logra êxito na busca de destaque internacional e, o que é pior, sem as
empresas a nossa própria subsistência estará seriamente comprometida.” (CLARO, Carlos Roberto.
Revocatória falimentar. 3ª. Ed. Curitiba: Juruá, 2005. p. 230).
157
COELHO, Fábio Ulhoa. A sociedade limitada no novo código civil. São Paulo: Saraiva, 2003. p.
04.
158
SALOMÃO FILHO, Calixto. O novo direito societário. 3ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 41.
159
COELHO, Fábio Ulhoa. Ibidem. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 152.
160
Sobre a importância da empresa na atualidade, assim ensina Waldirio BULGARELLI: “Já se tornou
notório que a empresa domina o panorama da economia moderna, principalmente porque é ela a
responsável pela produção e comercialização em massa; mas também pelos progressos tecnológicos
verdadeiramente revolucionários que utiliza e, consequentemente, pela dimensão extraordinária que
alcançou. De um lado tem-se, pois, as chamadas macroempresas, dotadas de um poder econômico
inimaginável, chegando a ignorar a fronteira dos países, no que converteu-se na chamada
multinacional. De outro, tanto a pequena e a média empresa completam o ciclo de produção e
distribuição dos produtos no mercado, do que resulta que a economia moderna está estruturada em
73
deixam de circular, prejudicando uma cadeia produtiva, seus distribuidores e
consumidores. Além disso, diminui-se a arrecadação de tributos e,
consequentemente, diversos prejuízos sociais acompanham os acontecimentos
narrados
161
.
É então que, na prática, os operadores do Direito devem pautar suas
condutas com o intuito de se materializar o princípio da preservação da empresa,
naturalmente quando esta for possível. Identifica-se a necessidade de se valorizar o
princípio da preservação da empresa, por exemplo, nos casos (i) de dissolução das
sociedades, (ii) de trespasse de estabelecimentos e, também, (iii) nas hipóteses de
crises econômico-financeiras nas empresas que sejam recuperáveis, por meio da
recuperação judicial e extrajudicial.
Nos casos de dissolução das sociedades, é sabido que existem as
modalidades de dissolução parcial
162
e dissolução total. Esta ocorre quando os
problemas enfrentados pela sociedade não possuem meios de solução, como, por
exemplo, nos casos de encerramento das atividades por impossibilidade de se
realizar o objeto social, ou pela extinção da autorização de funcionamento (para as
atividades que dela dependem, como bancos, seguradoras, etc.).
a dissolução parcial, como ensina Waldirio BULGARELLI, ocorre quando
o que se pretende não é a extinção da sociedade, mas apenas corrigir determinado
volta das empresas que constituem o seu centro, o pólo irradiador dos bens e serviços.
(BULGARELLI, Waldirio. Sociedades comerciais. 9ª. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 291).
161
Novamente, os ensinamentos de Fábio Ulhoa COELHO servem para subsidiar o que ora
afirmamos, senão vejamos: “Enquanto a empresa é ativa, os trabalhadores mantêm seus empregos,
o fisco arrecada e os consumidores têm acesso aos bens e serviços de que necessitam. Além deles,
pode depender da manutenção da atividade empresarial uma série de pequenas outras empresas,
geradoras não de renda, para pequenos e médios empreendedores, mas também de empregos
indiretos. Existem, inclusive, exemplos de cidades que se formam e crescem graças ao
estabelecimento de uma grande indústria. O princípio da preservação da empresa aponta para a
existência desse amplo e difuso conjunto de pessoas, que não o empreendedores nem
investidores, mas desejam também o desenvolvimento de certa atividade empresarial.” (COELHO,
Fábio Ulhoa. (A sociedade ...). Op. cit. p. 152).
162
Sobre a terminologia “dissolução parcial”, Fábio TOKARS bem adverte que: “A expressão
‘dissolução parcial da sociedade’ é uma criação doutrinária. Não há referência à mesma no Código
Civil ou na legislação societária anterior. Considerada de forma genérica, a dissolução parcial
significa o afastamento de um ou mais sócios do quadro societário, seguida de liquidação parcial,
com a manutenção da atividade empresarial. A impropriedade semântica da expressão criada pela
doutrina foi destacada por diversos doutrinadores. Afinal, na operação não há a dissolução da
sociedade, que continua íntegra, buscando o desenvolvimento da atividade social. O que ocorre é
uma simples diminuição do número de sócios. Daí por que a doutrina já tenha proposto a utilização
da expressão ‘dissolução do vínculo entre o sócio e a sociedade, com liquidação parcial’. No campo
normativo, optou-se pela utilização da expressão ‘resolução da sociedade em relação a um sócio’ na
seção V do capítulo que rege as sociedades simples. (TOKARS, Fábio. (Sociedades limitadas ...).
Op. cit. p. 347).
74
problema surgido no decorrer da sua existência, retirando-se ou excluindo-se o sócio
causador do impasse, mas mantendo-se a empresa operante, em homenagem ao
princípio da preservação da empresa
163
.
A doutrina defende a aplicação da dissolução parcial para as seguintes
hipóteses
164
: falecimento de sócio (quando impossível ou inviável de admitir os
sucessores do sócio no quadro societário); exercício do direito de retirada; expulsão
do sócio; ou liquidação de quota a pedido de credor do sócio, sendo perceptível que
em todos esses casos a continuidade da empresa é medida que possui
aplicabilidade, eis que apenas um dos elementos componentes da sociedade é que
está deixando de figurar no quadro societário.
Deste modo, suscitando-se o princípio da preservação da empresa, sempre
que possível, como nas oportunidades acima narradas, importa-se em converter os
pedidos de dissolução total das sociedades em dissolução parcial
165
, mantendo-se a
estrutura da empresa operante
166
. É assim que o Direito pode contribuir com o
desenvolvimento empresarial e como, inclusive, a prática vem confirmando, senão
vejamos o que afirma Fábio Ulhoa COELHO:
O princípio da preservação da empresa orientou a consolidação, na
doutrina e na jurisprudência, da figura da dissolução parcial. Por meio dela,
superam-se os problemas surgidos entre os sócios, sem o
163
Antes mesmo da promulgação da Nova Lei de Falências, que positivou o princípio da preservação
da empresa no ordenamento jurídico brasileiro, a doutrina já tratava sobre a existência deste princípio
para as hipóteses de dissolução das sociedades. Ao invés de se dissolver totalmente a sociedade,
nos casos em que for possível, torna-se mais adequado e interessante para a sociedade a sua
dissolução parcial, que, na verdade, constitui uma forma de manutenção da atividade, corrigindo-se
apenas determinada distorção temporária. Nesse sentido, muito bem ensina Waldirio BULGARELLI:
“Deve-se ter presente, na análise do tema de dissolução social, que toda a orientação da moderna
doutrina e, em muitos casos, da própria jurisprudência, tem sido no sentido de evitar a dissolução,
sempre que possível, a fim de manter a empresa em funcionamento, tendo em vista, conforme
verificamos no capítulo referente à empresa, a série de interesses que se concentram nessa unidade
econômica, Argumenta-se, e com razão, que o seria justo eu se provocasse a extinção de um
organismo econômico produtivo que empregos, que paga impostos, que contribui, enfim, para a
economia nacional, tão-somente por alterações no quadro societário. Tanto mais que tal orientação
se estende, até mesmo aos casos de falência, falando-se hoje em recuperação da empresa, em vez
de se extingui-la sem mais considerações, como se fazia no passado.” (BULGARELLI, Waldirio. Op.
cit. p. 221/222).
164
COELHO, Fábio Ulhoa. (A sociedade ...). Op. cit. p. 156/158.
165
Naturalmente, isso ocorrerá nos casos em que houver contestação ao pedido de dissolução da
sociedade, residindo neste ponto a possibilidade de conversão ora apontada.
166
Nas lições de Fábio Ulhoa COELHO: “O princípio da preservação da empresa orientou a
consolidação, na doutrina e na jurisprudência, da figura da dissolução parcial. Por meio dela,
superam-se problemas surgidos entre os sócios, sem o comprometimento da existência da
sociedade, e, em conseqüência, garantindo a preservação da atividade econômica da empresa por
ela explorada.” (Idem. Ibidem. p. 153).
75
comprometimento da existência da sociedade, e, em conseqüência,
garantindo a preservação da atividade econômica da empresa por ela
explorada. [...] A aceitação do primado é, hoje, tão expressiva que as ações
de dissolução total não são procedentes quando demonstrado que a
sociedade explora regularmente a atividade econômica circunscrita em seu
objeto. Nesse caso, tem prevalecido a determinação judicial de solução dos
conflitos intra-societários por meio de apuração de haveres do sócio
descontente. Somente no caso de limitadas nativas costuma-se ainda
conceder a dissolução total a pedido de sócio não majoritário.
167
Trata-se de significativo amadurecimento atingido pela doutrina e pela
jurisprudência, que, atentas à realidade prática da atividade empresarial,
contemplam, com precisão, aquilo que preceitua o princípio da preservação da
empresa.
nos casos de trespasse de estabelecimento o que se pretende com a
aplicação do princípio da preservação da empresa é que a transmissão do
estabelecimento seja juridicamente possível e economicamente viável. Isso porque
hipóteses em que o estabelecimento empresarial o está servindo ao seu titular
ou não está sendo bem utilizado por este, podendo ser transferido para terceiro que
melhor aproveitará a estrutura em questão.
Quando isso ocorre, com base no princípio da preservação da empresa,
natural é que se espere a transferência de titularidade do estabelecimento com a
manutenção da estrutura operacional ativa, conservando-se as relações comerciais
do estabelecimento, os empregados que nele desempenham suas funções laborais,
assim como as demais atividades comerciais que dependem dos elementos
componentes do estabelecimento.
Nada obstante, como será melhor abordado no último capítulo da presente
pesquisa, a recente modificação legislativa, promovida com a promulgação do
Código Civil de 2002, segue em sentido completamente diverso ao que pretende o
princípio da preservação da empresa. A previsão legal do novo Código Civil tornou
operação de trespasse de estabelecimento como praticamente inviável, transferindo
tantas obrigações ao adquirente que, em plena consciência e sabendo-se dos riscos
envolvidos, poucos serão corajosos a ponto de realizar esta modalidade de
operação.
167
COELHO, Fábio Ulhoa. (A sociedade ...). Op. cit. p. 153/154.
76
Como terceira hipótese em que o princípio da preservação da empresa
merece destaque, tem-se os casos de crises econômico-financeiras enfrentadas
pelas empresas. Este assunto, por sua elevada importância no mundo da atividade e
do Direito Empresarial, também receberá análise mais aprofundada no último
capítulo da presente dissertação. Todavia, desde logo, com o objetivo delimitar a
linha de análise que se pretende alcançar com a presente pesquisa, cumpre
destacar a importância que o princípio da preservação da empresa exerce nas crises
econômico-financeiras das empresas, e os resultados econômico-sociais que podem
ser obtidos com a sua aplicação.
É sabido que as empresas podem passar por crises econômico-financeiras e
que estas podem acarretar o encerramento das atividades por ela desenvolvidas,
culminando-se com a sua falência. Naturalmente, os efeitos advindos do
encerramento da atividade empresarial foram apresentados neste tópico, sendo,
portanto, facilmente perceptível que tal acontecimento não é desejado pela
sociedade e por aqueles que dependem da atividade empresarial, seja direta ou
indiretamente.
casos em que as empresas que passam por crises econômico-
financeiras chegaram a esse ponto porquanto o negócio por elas exercido tornou-se
inviável, ou porque escolhas equivocadas de seus gestores tornaram impossível a
continuidade do negócio
168
. Nada obstante, não é razoável generalizar que todas as
empresas que se encontram em crises econômico-financeiras são irrecuperáveis e
que os seus negócios devem ser encerrados.
Não podem ser esquecidas aquelas empresas que se encontram diante de
determinadas dificuldades, dentre elas a crise econômico-financeira (como
desdobramento lógico de outras crises e efeitos extrínsecos ao negócio), mas que
possuem condições de se recuperar, desde que tomadas medidas cautelosas para
isso e que haja participação dos terceiros interessados em atingir este objetivo. É
168
Tal fenômeno não é recente, sendo inclusive afirmado por Jorge LOBO que, desde os períodos do
mercantilismo, e, depois, o liberalismo econômico, o laissser faire, o laisser passer, a orientação do
legislador sempre foi no sentido de que subsistam no mercado apenas as empresas mais
competitivas e rentáveis, permanecendo na competição apenas os agentes econômicos mais
capazes. (LOBO, Jorge. Direito concursal: direito concursal contemporâneo, acordo pré-
concursal, concordata preventiva, concordata suspensiva, estudos de direito concursal. Rio de
Janeiro: Forense, 1999. p. 05).
77
neste ponto, principalmente, que reside a aplicabilidade do princípio da preservação
da empresa para as empresas em processo de crises econômico-financeiras.
Quando identificada a insolvência de uma empresa, a posição mais correta a
se adotar não é aquela que sumariamente liquida a empresa, executa o que sobrou
do seu patrimônio e paga alguns credores. Precisa-se ir mais afundo na investigação
da viabilidade, ou não, da continuidade das operações daquele agente econômico, e
do interesse do mercado na sua atuação.
Por isso, torna-se fundamental que o Direito apresente solução para esses
casos, o que sevisto com maior profundidade no terceiro capítulo da presente
dissertação.
78
2 A IMPORTÂNCIA DA ECONOMIA DE MERCADO PARA A MATERIALIZAÇÃO
DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
2.1 A INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ORDEM ECONÔMICA E SOCIAL
2.1.1 A importância da economia de mercado para a promoção do
desenvolvimento econômico
São comuns os estudos acadêmicos que pretendem contribuir com a
superação das desigualdades sociais e com a redução da miséria no mundo. O que
difere a maioria desses estudos é o método proposto para que a mesma finalidade
seja alcançada.
Enquanto uma corrente ideológica entende que as desigualdades sociais
serão superadas com a transferência de riquezas dos ricos para os pobres
169
, a
linha contrária demonstra que esta proposta não consegue cumprir com o objetivo
pretendido, sendo necessário que se criem novas riquezas para a melhoria das
condições sociais, o que a segunda corrente entende que pode ser feito pela
economia de mercado.
É por isso que Amartya SEN traça severas críticas àqueles que o contra a
economia de mercado, afirmando que a contribuição desta para o crescimento
econômico é de grande valia:
Ser genericamente contra os mercados seria quase tão estapafúrdio quanto
ser genericamente contra a conversa entre as pessoas (ainda que certas
conversas sejam claramente infames e causem problemas a terceiros ou
até mesmo aos próprios interlocutores). A liberdade de trocar palavras,
bens ou presentes não necessita de justificação defensiva com relação a
seus efeitos favoráveis mas distantes; essas trocas fazem parte do modo
como os seres humanos vivem e interagem na sociedade (a menos que
sejam impedidos por regulamentação ou decreto). A contribuição do
mecanismo de mercado para o crescimento econômico é obviamente
169
Sobre a ocorrência deste fenômeno na América Latina, Plínio Apuleyo MENDOZA traz
interessantes considerações que demonstram que, rançosamente, esses ideais ainda persistem em
aplicação em significativa parte dos países latino-americanos, senão vejamos: “Em geral, os latino-
americanos, ou uma fração considerável deles, acham que a função principal do governo é repartir as
riquezas para alcançar sociedades mais justas e equitativas. Fizeram-nos acreditar, depois de muitas
décadas de populismo, que são sociedades pobres que vivem em países ricos nos quais alguns
roubam ou monopolizam a riqueza. Quase ninguém prega a necessidade de trabalhar
responsavelmente para criar riqueza em benefício próprio e da coletividade”. (MENDOZA, Plinio
Apuleyo. A volta do idiota. Rio de Janeiro: Lexicon, 2007. p. 215).
79
importante, mas vem depois do reconhecimento da importância direta da
liberdade de troca – de palavras, bens, presentes.
170
Historicamente, os ideais da corrente contrária à economia de mercado
foram colocados em prática em alguns países, sendo que em nenhum dos casos o
resultado se aproximou da finalidade pretendida. É inegável que se trata de
ideologia nobre
171
, e que, em muitas vezes, é apaixonante pela finalidade buscada.
Nada obstante, a referida ideologia perde a direção pela inoperância de seus
métodos, como se notou nos fracassos
172
ocorridos nas economias do Leste
Europeu, de Cuba, da antiga União Soviética, e que, mais recentemente, tem
contaminado as economias boliviana e venezuelana.
Em sentido diverso, são inúmeros os exemplos de países que aderiram ao
modelo de economia de mercado e que conseguiram elevados índices de êxito em
suas políticas públicas. E a justificativa para o êxito do modelo de economia de
mercado não é difícil de ser compreendida, pois é sabido que o modelo econômico
de mercado gera riquezas e empregos, o que permite que a promoção de melhorias
sociais seja materializada, funcionando como um constante ciclo evolutivo
173
.
170
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia da Letras, 2000. p. 21.
171
É sabido, também, que em muitos casos esta nobreza não está presente nos ideais dos líderes
que utilizam desta ideologia para chegar ao poder, servindo este modelo de pensamento para
sustentar planos de dominação política em detrimento do bem-estar coletivo. Nada obstante, pela
vastidão do tema, o presente estudo limitar-se-á apenas a analisar o aspecto ideológico puro que
move a corrente contrária à economia de mercado.
172
Nesse sentido adverte Belmiro Valverde Jobim CASTOR ao contrapor a economia de mercado ao
regime que a condena: “O que a economia de mercado demonstrou sobejamente, ao longo de três
séculos, é que decisões econômicas (ou seja, de alocação de recursos econômicos) tomadas
isoladamente por indivíduos, guiados por seus interesses egoístas de maximizar seus ganhos ou
utilidades econômicas, são muito mais eficazes que decisões tomadas por funcionários
administrativos e agentes governamentais, agindo em nome de supostos interesses coletivos. O
comportamento “do mercado” indica as preferências e as prioridades das pessoas com muito mais
clareza do que a opinião e o julgamento de tecnoburocratas e políticos, por melhores que sejam as
suas intenções. Como corolário, o mercado é o guia mais eficaz que existe para a alocação de
recursos econômicos. O que a história demonstrou é que, invariavelmente, a tentativa de definir
politicamente onde alocar recursos escassos resultou na criação de grandes burocracias em que
surgem invariavelmente a ineficácia, o desperdício, o corporativismo, o favoritismo; o exemplo
histórico mais eloqüente é o caso das economias planificadas da União Soviética e da Europa do
Leste”. (CASTOR, Belmiro Valverde Jobim. O Brasil não é para amadores: estado, governo e
burocracia na terra do jeitinho. Curitiba: IBQP, 2000. p. 218/219).
173
Segundo relata Angus MADDISON, em estudo que explica a performance econômica do milênio,
os avanços sentidos no final do referido período podem ser considerados como decorrentes de três
importantes classes de fatores: (i) inovação tecnológica, (ii) comércio internacional e circulação de
capitais, e (iii) conquista e aproveitamento de áreas férteis, novos recursos biológicos, etc.
(MADDISON, Angus. The world economy: a millennial perspective. USA: OECD, 2001. p. 18)
80
Além disso, destaquem-se os ensinamentos de Maílson da NÓBREGA, ao
afirmar que a economia de mercado gera eficiência, que por sua vez incentiva a
competitividade, aumentando-se a qualidade dos produtos e reduzindo-se os seus
preços; por conseguinte, aumenta-se o consumo e criam-se novas riquezas,
contribuindo-se com a promoção do crescimento econômico, senão vejamos:
O sucesso permanente do sistema de mercado depende crucialmente do
funcionamento do sistema de preços, estabelecidos mediante livre
concorrência. Esse sistema promove a eficiência por meio da
competitividade, tendendo a aumentar a qualidade dos produtos e reduzir
os seus preços. No sistema socialista, os preços não constituíam
sinalização para a busca da eficiência, pois eram fixados arbitrariamente
pelos planejadores. A eficiência também depende de outros fatores, como
educação, gestão, e tecnologia. É preciso também que exista o ambiente
apropriado para o investimento, sem o qual não se ganha nem haverá
crescimento econômico
174
.
No mesmo sentido, vejam-se os ensinamentos de Anthony GIDDENS sobre
a importância e o poder da economia de mercado para promover a prosperidade e a
eficiência econômica, in verbis:
[...] Uma economia de mercado efetiva é a melhor maneira de promover a
prosperidade e a eficiência econômica, trazendo ainda outros benefícios.
Os mercados permitem a escolha por parte do consumidor e o livre e não
violento intercâmbio de bens a curta e longa distância. Desde que os
monopólios sejam efetivamente controlados, os mercados permitem uma
livre concorrência em que todos, em princípio, podem participar
175
.
É em decorrência de tal sistemática de raciocínio que na presente
dissertação optou-se por partir da premissa que a economia de mercado é
fundamental para a promoção do desenvolvimento econômico e para a redução da
pobreza no Brasil
176
e no mundo.
No modelo de economia de mercado incentiva-se o desenvolvimento da
atividade empresarial, e, como conseqüência natural, seguindo-se o pensamento
174
NÓBREGA, Maílson. Op. cit. p. 46/47.
175
GIDDENS, Anthony. O debate global sobre a terceira via. São Paulo: Unesp, 2007. p. 25.
176
É nesse sentido que Maílson da NÓBREGA apresenta sua manifestação sobre como o Brasil pode
crescer: “Se o Brasil quiser ficar rico, terá, a meu ver, de aceitar a idéia de mercado. Será preciso
remover obstáculos ao seu funcionamento e acelerar a construção das instituições que tornam o
mercado mais eficiente e reduzem seus defeitos. É claro que a escolha e as medidas dependem do
apoio da sociedade e de como respondemos a uma indagação fundamental: queremos mesmo ficar
ricos? Deixo a resposta aos leitores, mas, se ela for positiva, teremos de fazer uma longa viagem
para entender o mercado, deixar para trás os preconceitos e construir os consensos favoráveis às
medidas a adotar”. (NÓBREGA, Maílson. Ibidem. p. 30).
81
sistematizado no primeiro capítulo deste estudo, contribui-se com a promoção da
dignidade humana, com a criação de empregos e com a circulação de riquezas.
Trata-se de ciclo evolutivo conhecido pelos seres humanos e que mostrou êxito
em significativa parte dos países que optaram por segui-lo.
Cumpre realizar uma breve intervenção explicativa para destacar que, na
seqüência deste capítulo, tratar-se-á sobre a investigação que Jeffrey D. SACHS
realizou em alguns países no mundo, demonstrando-se exemplos práticos em que a
economia de mercado conseguiu contribuir com o desenvolvimento econômico de
países pobres.
É em decorrência disso que se afirma que, ao mesmo tempo em que
funciona para contribuir com o desenvolvimento econômico, a economia de mercado
é importante instrumento para diminuir os efeitos da miséria no mundo ao criar
novas fontes de riqueza, o que, segundo Maílson da NÓGREGA, pode livrar milhões
de pessoas da pobreza
177
e da miséria, senão vejamos:
[...] a pobreza atinge grande parte da sociedade mundial e chega a ser
abjeta nos países miseráveis. Paralelamente, jovens bem nutridos e bem-
vestidos comparecem a reuniões internacionais para protestar, às vezes
violentamente, contra o capitalismo e a globalização. No seu entusiasmo
ingênuo, não percebem que serão esses dois elementos os que,
adequadamente conduzidos, poderão livrar milhões da pobreza e da
miséria
178
.
Mesmo sabendo que se trata da mais adequada e mais tangível proposta de
modelo econômico para que se consiga obter melhorias sociais, não como se
ignorar que o sistema da economia de mercado apresenta problemas, pois, de fato,
isso ocorre, como bem adverte
179
Francisco Cardozo OLIVEIRA:
177
Enfatize-se que o próprio legislador constituinte originário de 1988 determinou que a pobreza seja
combatida pela União, pelos Estados e Municípios, consoante art. 23, X, da Constituição Federal de
1988, in verbis: Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios: (...) X - combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a
integração social dos setores desfavorecidos; (...)
178
NÓBREGA, Maílson da. Op. cit. p. 152.
179
No mesmo sentido são os ensinamentos de Joseph STIGLITZ ao afirmar que: “[...] Sem
regulamentação nem intervenção apropriada do governo, os mercados não levam à eficiência
econômica”. (STIGLITZ, Joseph. Globalização: como dar certo. São Paulo: Companhia das Letras,
2007. p. 46). Em linhas análogas, Anthony GIDDENS trata sobre as imperfeições dos mercados,
advertindo que estas requerem a intervenção ou regulação do governo para serem controladas, in
verbis: “mercados geram inseguranças e desigualdades que requerem a intervenção ou regulação do
governo para serem controladas ou minimizadas. (GIDDENS, Anthony. (O debate ...). Op. cit. p. 25).
82
Embora o modelo econômico do capital tenha, de fato, se revelado o mais
dinâmico em relação a modelos econômicos históricos anteriores, não pode
ser negligenciada a circunstância de que ele impõe uma certa perda de
controle social sobre os processos de tomada de decisão, que produz
efeitos tanto no âmbito da própria atividade empresarial, dos interesses
ditos privados, como na esfera mais ampla de interesse de natureza
pública. [...] No plano social, a perda de controle de decisões pode conduzir
a desigualdades estruturais, com o aumento do desemprego, a utilização
inadequada de recursos naturais e a devastação do meio ambiente. [...] Daí
o papel do Estado na economia capitalista de recomposição da atividade
empresarial como forma de evitar a anomia e manter a coesão da vida
social
180
.
Em decorrência dessas imperfeições, naturalmente existentes no mercado, é
que se pode afirmar que a regulamentação e o funcionamento da economia de
mercado dependem do Direito, pois, como bem ensina Arnoldo WALD: “[...] se
houver um mercado sem direito, teremos uma selva selvagem. Se, ao contrário,
tivermos um direito sem o funcionário do mercado, haverá a paralisação do país, e
não haverá desenvolvimento”
181
.
Surge, então, a necessidade de se investigar como deve se dar a
intervenção do Estado para contribuir com o desenvolvimento da economia de
mercado e corrigir eventuais distorções que dele possam surgir.
2.1.2 As tradicionais formas de intervenção do Estado na Ordem
Econômica e Social
Tradicionalmente, a doutrina ensina que o Estado pode intervir na economia
de diversas maneiras, mas que estas podem ser subdivididas em duas formas
principais
182
: intervenção direta ou indireta
183
.
No primeiro caso o Estado age diretamente ao desempenhar a atividade
econômica, seja por intermédio de uma empresa pública ou por uma sociedade de
180
OLIVEIRA, Francisco Cardozo. Uma nova racionalidade administrativa empresarial. In: GEVAERD,
Jair; TONIN, Marta (coords.). Direito empresarial & cidadania: questões contemporâneas.
Curitiba: Juruá, 2006. p. 115/116.
181
WALD, Arnoldo. Informativo Iasp, nº. 72, abr/mai 2005. p. 3. Apud: PINHEIRO, Armando
Castelar; SADDI, Jairo. Direito, economia e mercados. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. p. 5.
182
Observe-se que esta classificação não é exauriente nem definitiva, havendo autores que
classificam a intervenção do Estado de maneira diversa, como Eros Roberto GRAU que entende que
a classificação da intervenção se em três categorias: a) por absorção ou participação, b) por
direção e c) por indução. (GRAU, Eros Roberto. Op. cit. p. 82).
183
FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito econômico. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p.
244/245.
83
economia mista, ocupando o papel do agente econômico nos empreendimentos.
Normalmente, utiliza-se este modelo nas atividades de infra-estrutura básica e de
exploração de riquezas naturais, buscando-se apresentar uma suposta proteção aos
cidadãos sob a justificativa de que uma empresa pública é quem está
desenvolvendo as atividades
184
. No Brasil temos exemplos do Estado como
empresário em setores de extração de riquezas naturais, de energia, de
comunicações, bancário, etc.
na segunda hipótese a atuação indireta do Estado se faz por meio de
normas, que pretendem fiscalizar, incentivar ou planejar o funcionamento da Ordem
Econômica, conforme previsto no art. 174 da Constituição Federal
185
.
Em cada país o modelo econômico adotado faz com que essas modalidades
de intervenção do Estado sejam dosadas de acordo com os ideais que orientam a
política econômica de seus gestores, havendo alguns mais interventores, outros
menos.
A presente dissertação não pretende apresentar uma fórmula definitiva de
como deve ser feita a participação do Estado na economia de mercado, até porque a
defesa de um mecanismo mágico de intervenção nos parece como simples fantasia.
Todavia, o que se pode afirmar é que alguns modelos de intervenção
historicamente adotados não lograram êxito, razão pela qual parte-se do
184
A justificativa acima explanada pode até ser bem vista pela nobreza dos motivos que levam o
Estado a atuar diretamente na exploração da atividade econômica, tendo em vista que o ente estatal
não visa o lucro e permite que a exploração da atividade seja feita em benefício da sociedade. Nada
obstante, uma análise mais apurada sobre o tema mostra que tal motivação não encontra guarida na
realidade prática, eis que não é de hoje que a máquina pública e reconhecida pela sua ineficiência
decorrente de elementos políticos e do monopólio que normalmente se cria em torno daquela
atividade. Voltando-se alguns anos na história do Brasil torna-se imediata a lembrança dos tempos
em que o setor de comunicações encontrava-se, exclusivamente, nas mãos do Estado. Naquela
época, o particular que desejasse obter uma linha telefônica precisava esperar por longos períodos
em filas de espera das empresas estatais. Além, é claro, de elevados preços para a prestação dos
serviços. A privatização ocorrida na década de 1990 admitiu que a concorrência entre os particulares
se instalasse em alguns setores, permitindo-se a evolução tecnológica e o barateamento da maioria
dos serviços. Consequentemente, os consumidores foram os maiores beneficiados desta virada de
paradigmas.
185
Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na
forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o
setor público e indicativo para o setor privado. § - A lei estabelecerá as diretrizes e bases do
planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos
nacionais e regionais de desenvolvimento. § - A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras
formas de associativismo. § - O Estado favorecerá a organização da atividade garimpeira em
cooperativas, levando em conta a proteção do meio ambiente e a promoção econômico-social dos
garimpeiros. § - As cooperativas a que se refere o parágrafo anterior terão prioridade na
autorização ou concessão para pesquisa e lavra dos recursos e jazidas de minerais garimpáveis, nas
áreas onde estejam atuando, e naquelas fixadas de acordo com o art. 21, XXV, na forma da lei.
84
pressuposto de que os gestores públicos devem fugir da tentação de aplicar os seus
ideais, por mais apaixonantes que possam ser.
É nesse sentido que se afirma, primeiramente, que o modelo de Estado
Dirigista, intervindo
186
como agente econômico puro, é um modelo fracassado e que
não consegue cumprir com os objetivos por ele pretendidos, tal como se percebeu
nos países socialistas da segunda metade do século XX. O atraso tecnológico em
que se inseriram e o afastamento perante as outras nações fizeram com que a
economia desses países estacionasse, mostrando que o caminho para a promoção
do bem-estar social não é aquele que centraliza no Estado a produção das riquezas
e o sustento de seus cidadãos.
A mesma lógica se aplica ao Estado Liberal, pois este modelo em sua
concepção ideológica inicial nunca existiu. Nas economias que mais se
assemelharam ao modelo liberal, viu-se que sua aplicabilidade é inviável porque os
mercados não têm o poder de se auto-regulamentar, consequentemente, não tendo
a mão invisível, defendida por Adam SMITH, o poder de resolver automaticamente
as deficiências do mercado.
Superadas as breves apresentações de cunho conceitual dos modelos
econômicos, resta então a tarefa de apontar de que modo o Estado pode propiciar
condições para que se viabilize o desenvolvimento da economia de mercado, eis
que, durante todo o transcorrer do século XIX, importantes transformações
186
No tocante a intervenção do Estado, Celso Ribeiro BASTOS traz oportuna síntese que merece
destaque: “O intervencionismo tem a sua origem ligada ao advento do Estado de Bem-Estar (Welfare
State), sendo um sistema estatal intermediário entre o liberalismo e o marxismo. Diante do fracasso
do Estado Liberal ante os problemas sociais do pós-guerra miséria e desemprego –, e diante do
Estado Socialista como titular exclusivo da atividade econômica, sucumbindo por completo com a
iniciativa privada e a livre concorrência, surge o Estado Intervencionista. É dizer, ele surge, em parte,
em razão da teoria liberal de Adam Smith, de que o mercado regula-se por si próprio, o ter sido o
bastante para conter os abusos da época (século XIX). Diante disso surge a necessidade de o Estado
intervir na economia através do ordenamento jurídico, utilizando-se, para tanto, de normas
constitucionais e infraconstitucionais. O Estado passa a atuar como um empresário, através da
criação de empresas públicas e sociedades de economia mista que passaram a concorrer com a
iniciativa privada. Ele também passou a fomentar a economia por meio de incentivos fiscais,
empréstimos e subsídios. Pode-se concluir, portanto, que, no Estado Intervencionista, o ente estatal
assume uma dupla função na economia, qual seja, a de suprir as deficiências do sistema de mercado
e a de implementar objetivos de política econômica definidos em nível político. Nele, a propriedade e
a atividade econômica são reservadas à iniciativa privada como instrumento assegurador do bem-
estar social. Incumbe a ele também a função de incentivar e regular a economia, com o intuito de
manter o bom funcionamento do mercado e dos mecanismos de concorrência. Cria-se, portanto, uma
Constituição Econômica no sentido mais pleno da palavra, na medida em que se pode encontrar
dentro da Constituição um conjunto de prerrogativas para o Estado”. (BASTOS, Celso Ribeiro.
(Direito econômico ...). Op. cit. p. 83/84).
85
econômico-sociais alteraram o pensamento das relações jurídicas
187
, o que torna
mais relevante a importância da interferência do Estado na atividade econômica.
2.1.3 A atuação do Estado no século XXI
A presente pesquisa parte da premissa de que o Estado no culo XXI deve
atuar
188
na regulação da atividade econômica de duas maneiras: (i) cortando os
excessos cometidos no exercício da atividade; e (ii) propiciando e melhorando as
condições para que se viabilize a economia de mercado.
Ao cortar os excessos cometidos, o Estado incentivará os bons agentes
econômicos a permanecerem ativos, contribuindo com a evolução da sociedade,
como, por exemplo, na tutela dos atos da concorrência e na regulação
macroeconômica.
Paralelamente, ao manter a economia bem regulada, surge a necessidade
de intervir para incentivar a viabilização da atividade econômica, o que permitirá que
se melhorem as condições para o exercício das atividades privadas e contribuirá
para que o processo de evolução social seja acompanhado do desenvolvimento
econômico, seguindo-se a lógica construída ao longo do primeiro capítulo.
Neste momento, tornam-se interessantes os ensinamentos de Francisco
Cardozo OLIVEIRA ao advertir que:
[...] ao contrário do que apregoa a filosofia liberal mais radical, na economia
capitalista, o Estado não atua contra a atividade empresarial. O papel do
Estado é o de justamente assegurar a viabilidade da atividade empresarial e
o processo de acumulação de capital
189
.
Em decorrência disso que se afirma que quando o Estado propicia
mecanismos suficientes e eficazes de regulamentação econômica (para conter os
187
VENÂNCIO FILHO, Alberto. A intervenção do estado no domínio econômico: o direito público
econômico no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 8.
188
Nesse sentido, são válidas as considerações trazidas por Fábio NUSDEO ao diferenciar os termos
atuação e intervenção para refletir o papel do Estado na Ordem Econômica. Para o autor é mais
correto utilizar-se o termo atuação do Estado na Ordem Econômica do que o termo intervenção. Isso
porque intervenção traz idéia de um agir temporário em que se invade uma posição que não é sua.
a atuação remonta ao caráter permanente da ação, em papel próprio e previamente definido para
isso. Destarte, seguindo-se a sugestão apresentada pelo autor, utiliza-se a expressão atuação do
Estado. (NUSDEO, Fábio. Significado e alcance da Ordem Econômica Constitucional. In: VII
Simpósio Nacional de Direito Constitucional. Curitiba: ABDCONST, 2008). (informação verbal).
189
OLIVEIRA, Francisco Cardozo. Op. cit. p. 116.
86
abusos) e, ao mesmo tempo, promove incentivos ao desenvolvimento da atividade,
ele cumpre significativa parcela do seu papel na promoção do desenvolvimento
econômico
190
.
Naturalmente, é necessário buscar-se o ponto de equilíbrio na atuação do
Estado (ou se aproximar ao máximo deste ponto), pois se atuar em excesso o
Estado fará com que o florescimento econômico seja engessado, e, por outro lado,
se pouco agir permitirá que exageros sejam praticados e que crises econômicas e
sociais possam surgir.
É então que o Direito pode contribuir com a tutela do Estado na promoção
do desenvolvimento econômico, como será visto no terceiro capítulo da presente
dissertação, ao, por exemplo, incentivar a limitação da responsabilidade daqueles
que querem empreender; tutelar corretamente a proteção da propriedade industrial e
permitir a acessibilidade da proteção à todos aqueles que têm potencial inventivo;
regulamentar e permitir que os processos de falência não prejudiquem o mercado
em demasia, evitando-se que o custo do crédito se eleve; assim como incentivando
a operação de trespasse de estabelecimento empresarial em decorrência de sua
importância econômica e social.
Antes disso, porém, cumpre analisar dois fatores relevantes para a
promoção do desenvolvimento econômico e que merecem espaço na presente
pesquisa.
O primeiro deles é a análise do estudo realizado por Jeffrey D. SACHS, que
é importante para esta dissertação por ter avaliado com profundidade a economia de
alguns países (por exemplo: China e Índia como países em que se adota a
190
Ao se defender a promoção do desenvolvimento econômico, como ora se faz, não se pretende
que o incremento numérico de aumento da renda ou do PIB seja suficiente. Quando, na presente
dissertação, se buscam ferramentas para promover o desenvolvimento econômico, está sendo
seguida a linha definida por Fábio NUSDEO para o conceito de desenvolvimento, in verbis: “A
conclusão a se tirar é a de que o desenvolvimento é, sem dúvida, um processo como o acima
enunciado, mas não é apenas isso. Ele é mais envolvente e mais exigente, não podendo se limitar a
um dado quantitativo, muito embora a variável escolhida – renda per capita – represente uma
grandeza complexa, no sentido de abarcar toda uma gama de indicadores e de situações. Mas não é
isso. O desenvolvimento envolve uma série infindável de modificações de ordem qualitativa e
quantitativa, de tal maneira a conduzir a uma radical mudança de estrutura da economia e da própria
sociedade do país em questão. Mesmo quando tais mudanças são quantitativamente expressas, elas
traem ou revelam uma massa substancial de alterações de natureza qualitativa, inclusive de ordem
psicológica, cultural e política. Daí surge a diferença entre desenvolvimento e crescimento. Este
último seria apenas o crescimento da renda e do PIB, porém sem implicar ou trazer uma mudança
estrutural mais profunda”. (NUSDEO, Fábio. Curso de economia: introdução ao direito
econômico.. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 344/345).
87
economia de mercado) e demonstrado como foi possível contribuir com o
desenvolvimento de países
191
que apresentavam IDH absurdamente baixo, como
será visto no tópico seguinte.
Já o segundo elemento que merece observação é o relatório Doing Business
2008, elaborado pelo Banco Mundial para avaliar o ambiente de negócios em 178
(cento e setenta e oito) economias ao redor do mundo, pois o referido estudo guarda
grande pertinência com a presente pesquisa por avaliar o ambiente econômico
propiciado para o desenvolvimento da atividade empresarial nos países, permitindo,
com isso, que se compare a realidade brasileira com a dos demais países.
Em ambos os casos será possível identificar formas de atuação do Estado
na economia que mostrarão, com fatos e dados, como é possível contribuir com a
promoção do desenvolvimento econômico.
2.2 A PROPOSTA APRESENTADA POR JEFFREY D. SACHS PARA A
REDUÇÃO DA MISÉRIA MUNDIAL COMO ELEMENTO DE VALORIZAÇÃO
DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Tendo por objetivo acabar com a miséria mundial nos próximos vinte anos, a
obra de Jeffrey D. SACHS
192
chama especial atenção porque o autor apurou dados
concretos dos países que estudou e, com base no método de investigação por ele
191
Interessante destacar a relação que Jeffrey D. SACHS faz com o fim da pobreza e com o
desenvolvimento econômico, afirmando que: “O fim da pobreza, nesse sentido, não é apenas o fim do
sofrimento extremo mas também o começo do progresso econômico, da esperança e da segurança
que acompanham o desenvolvimento”. (SACHS, Jeffrey D. O fim da pobreza: como acabar com a
miséria mundial nos próximos vinte anos. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p. 51).
Também são interessantes os ensinamentos do autor quando avalia a posição do governo para a
promoção do desenvolvimento: “O desenvolvimento econômico requer um governo para ele
orientado. O governo tem muitos papéis a desempenhar. Ele deve identificar e financiar os projetos
de alta prioridade de infra-estrutura e disponibilizar os necessários serviços sociais e de infra-
estrutura para toda a população, não para uns poucos seletos. O governo deve criar um ambiente
conducente aos investimentos de empresas privadas. Esses investidores precisam acreditar que
poderão operar seus negócios e manter seus lucros futuros. O governo deve exercer controle sobre
as demandas de suborno ou de pagamentos paralelos. Deve também manter a paz e a segurança
interna, de tal modo que a segurança de pessoas e propriedades não seja indevidamente ameaçada,
manter sistemas judiciários que possam definir direitos de propriedade e fazer cumprir honestamente
contratos, além de defender o território nacional para mantê-lo a salvo de invasões. Quando o
governo fracassa em uma dessas tarefas deixando enormes falhas na infra-estrutura, ou elevando
a corrupção a níveis que prejudicam a atividade econômica, ou não conseguindo garantir a paz
interna , a economia certamente vai fracassar e, com freqüência, fracassar redondamente”. (Idem.
Ibidem. p. 88/89).
192
Idem. Ibidem.
88
denominado de economia clínica, identificou os reais problemas que assolam as
economias e as sociedades. A análise realista do autor, na busca do objetivo
pretendido, aparece como grande destaque de sua obra que, além de apontar os
problemas existentes nos países estudados, apresenta as soluções
possíveis/necessárias para a promoção de melhorias sociais.
2.2.1 A experiência profissional de Jeffrey D. SACHS e a
aplicabilidade de seu estudo para a promoção do desenvolvimento
econômico e valorização da dignidade humana
Nascido em novembro de 1954, Jeffrey David SACHS é considerado como
um dos mais reconhecidos economistas em atividade, tendo sido recentemente
incluído em relatório da Revista Time como uma das cem pessoas mais influentes
no mundo. Um breve relato de sua vida profissional e acadêmica mostra a
experiência obtida pelo autor nos últimos 30 (trinta) anos, credenciando-o para
realizar um profundo estudo que tem por objetivo contribuir com o fim da pobreza no
mundo.
Entre 1978 e 1980 tornou-se mestre e doutor pela Universidade de Harvard,
local em que passou quase duas décadas produzindo conhecimento científico, pelo
que recebeu diversos prêmios. Logo nos anos seguintes, em 1985, foi convidado
pelo governo da Bolívia para tentar sanar uma das mais graves crises econômicas já
vividas naquele país, que apresentava índices astronômicos de inflação e não
encontrava soluções. Nesta oportunidade, fez ajustes seguindo seu estilo de
solucionador de problemas (tal como o autor é conhecido) aplicando no país o
modelo de economia clínica por ele desenvolvido.
Posteriormente, diante do significativo êxito obtido no país da América
Latina, realizou trabalhos semelhantes na Polônia, 1989, e na Rússia, 1990,
contribuindo com o desenvolvimento econômico e social desses países.
Também ocupou o cargo de assessor especial do secretário-geral da ONU,
Kofi Annan, sempre como crítico corajoso e persistente às políticas adotadas pelo
Fundo Monetário Internacional (FMI), pelo Banco Mundial e pela Organização
Mundial do Comércio (OMC) quanto à orientação aos países ricos em relação à
dívida externa dos pobres.
89
Em 2002 foi convidado pela Universidade de Columbia para assumir a
Direção do Instituto da Terra e a função de professor do Departamento de Economia
da mesma universidade.
Mais recentemente, em 2005, após anos acumulando conhecimento
acadêmico e prático invejável, Jeffrey D. SACHS publicou a obra intitulada: “O Fim
da Pobreza: como acabar com a miséria mundial nos próximos vinte anos”. A obra
traduz-se na materialização do trabalho do autor, acumulado ao longo dos anos,
sendo considerado como o teste impiedoso das teorias e idéias acadêmicas na
aplicação no terreno prático, abandonando-se a proteção dos laboratórios
universitários.
Tal estudo merece análise e possui relevância com a presente dissertação
uma vez que ambos possuem em comum a tentativa de promover a dignidade
humana por intermédio do desenvolvimento econômico.
2.2.2 A redução da miséria mundial como elemento de valorização
do princípio da dignidade da pessoa humana – a proposta para o fim
da pobreza
Para explicar como é possível acabar com a miséria mundial nos próximos
vinte anos, Jeffrey D. SACHS relata sua caminhada ao redor do mundo e ensina
sobre a experiência vivida em alguns dos países em que trabalhou. Com o objetivo
de demonstrar que a escala do desenvolvimento é percorrida em degraus, o autor
apresenta análise detalhada sobre o estudo realizado em quatro países: Malauí,
Bangladesh, Índia e China.
Primeiramente, partindo do exemplo de Malauí, localizado no sul da África, o
autor relata a vida em um país em que a sobrevivência é privilégio de poucos.
A AIDS e a malária vêm devastando boa parte do país há vários anos
193
, os
investimentos estrangeiros
194
servem apenas como analgésicos para epidemias
193
SACHS, Jeffrey D. Op. cit. p. 32.
194
Nesse sentido, interessante colacionar os ensinamentos de Plinio Apuleyo MENDOZA sobre a
importância e a limitação do investimento estrangeiro, in verbis: “O investimento estrangeiro, por si só,
nunca tirou nenhum país da miséria. Jamais isso será possível, se não houver o desenvolvimento de
um mercado nacional forte, com poupança e investimento doméstico, sob uma cultura de liberdade.
Mas esse investimento estrangeiro, neste mundo de competição frenética e de geografia universais, é
90
incontroláveis (mais de 900 mil malauianos estão contaminados pelo vírus HIV e
estão morrendo por falta de tratamento), a produtividade das terras no país não
serve nem para a subsistência mínima da população local (faltam sementes,
insumos agrícolas e a terra está degradada), a freqüência das crianças na escola é
questão aleatória (as crianças entram e saem devido a doenças)
195
, as famílias
não têm estrutura educacional (grande parte das crianças é órfã de pai), etc.
Trata-se de um triste relato de um país em que os cidadãos não conseguem
viver uma vida com um mínimo de dignidade sequer, pois quando muito
dependem da sorte para permanecerem vivos.
De acordo com as informações trazidas pelo autor, os investimentos
internacionais no país o ínfimos e servem apenas para minimizar os efeitos das
epidemias em uma pequena parte privilegiada da população
196
. Os valores doados e
investidos não servem nem para o controle das epidemias nem para tentar
desenvolver economicamente o país e colocá-lo nos rumos da satisfação social.
Diante de tal quadro, é irrefutável que os malauianos não podem contar com
uma vida digna, e o pior: a esperança de dias melhores está muito longe de suas
vidas.
Como segundo estágio na escala de evolução, Jeffrey D. SACHS analisa o
contexto econômico e social de Bangladesh, país que, na década de 1970,
apresentava taxa de mortalidade infantil de 145/1000 e expectativa de vida de 44
anos. A situação originária de Bangladesh era bastante próxima à realidade em
Malauí, observadas as peculiaridades de cada país/região.
Bangladesh era vista como uma causa perdida, que parecia sem esperança,
e que boa parte dos estudiosos apontava como sendo uma luta que seria em vão.
uma das formas de acelerar a modernidade.” (MENDOZA. Plínio Apuleyo. Manual do perfeito idiota
latino-americano. Rio de Janeiro: Bertrand, 2007. p. 88).
195
SACHS, Jeffrey D. Op. cit. p. 35.
196
Nos dizeres do autor: Os governos doadores – entre eles, o americano e os europeus
mandaram o Malauí diminuir acentuadamente a escala de sua proposta porque ela era ‘ambiciosa e
cara demais’. A proposta seguinte foi cortada para o tratamento de apenas 100 mil pessoas no final
de cinco anos. Mesmo isso foi considerado demais. Em um tenso período de cinco dias, os doadores
mais uma vez saíram ganhando e obrigaram o Malauí a cortar mais 60% da proposta, baixando para
40 mil em tratamento. Esse plano atrofiado foi submetido ao Fundo Golbal de Combate à Aids,
Tuberculose e Malária. Por incrível que pareça, os doadores que controlam o fundo consideraram
adequado fazer novo corte. Depois de uma longa batalha, o Malauí recebeu financiamento para
salvar apenas 25 mil pessoas no final de cinco anos uma condenação à morte promulgada pela
comunidade internacional contra a população desse país”. (Idem. Ibidem. p. 36).
91
Nada obstante, em 2002 a taxa de mortalidade infantil caiu para 48/1000 e a
expectativa de vida subiu para 62 anos
197
.
Tais resultados foram conseguidos com as mudanças promovidas após a
independência do país (ocorrida em 1971), que incentivou a migração da o-de-
obra do campo para a indústria, ainda que de forma precária, objetivando
desenvolver o segmento industrial no país e fomentando o florescimento da
economia de mercado em Bangladesh.
As mulheres do campo, que não tinham nenhuma oportunidade para
melhorar suas condições de vida (que, por sua vez, eram ssimas), passaram a
contar com a possibilidade de trabalhar na indústria têxtil do país
198
, desenvolvida
para fabricar produtos de grandes marcas internacionais a um custo muito baixo.
É neste ponto que o estudo do autor se destaca, pois, enquanto muitos
críticos limitam-se a afirmar que os países pobres são explorados pelo capital trazido
pela globalização
199
, criticando a economia de mercado, o autor demonstra que esta
afirmação, em muitos casos, pode estar errada, e como esses investimentos podem
ser importantes para contribuir com a superação de algumas barreiras que seriam
intransponíveis pelos países extremamente pobres, relatando o que ocorreu nos
últimos anos em Bangladesh:
Esses empregos em sweatshops (fábricas em que os trabalhadores são
explorados) são alvos de protestos blicos nos países desenvolvidos, os
quais ajudaram a melhorar a segurança e a qualidade das condições de
trabalho. Porém, os manifestantes dos países ricos deveriam apoiar o
aumento desse tipo de trabalho, embora sob condições mais seguras,
protestando contra o protecionismo em seus países que impede a
exportação de roupas de países como Bangladesh. [...] As sweetshops são
o primeiro degrau da escada que tira as pessoas da miséria. [...] Por pior
197
SACHS, Jeffrey D. Op. cit. p. 41.
198
Sobre a mudança das oportunidades concedidas às mulheres, Jeffrey D. SACHS ensina que: Os
empregos para as mulheres nas cidades e nas microempresas rurais fora da lavoura; uma nova
consciência dos direitos das mulheres, de sua independência e empoderamento (empowerment); a
enorme redução das taxas de mortalidade infantil; o crescimento da alfabetização das meninas e das
mulheres jovens; e, em especial, a disponibilidade de contraceptivos e planejamento familiar fizeram
toda a diferença para essas mulheres”. (Idem. Ibidem. p. 40).
199
THE CORPORATION (documentário). Direção: ACHBAR, Marc; Autoria: BAKAN, Joel. EUA:
2003. (DVD). Contrariamente ao posicionamento trazido pelo referido documentário, Anthony
GIDDENS adverte que: “[...] A velha esquerda atribui boa parte dos problemas do mundo às
atividades das grandes empresas. O poder das corporações certamente precisa ser controlado pelo
governo e por uma legislação internacional. Todavia, quando ninguém conhece nenhuma alternativa
viável para uma economia de mercado, não se faz sentido demonizar as corporações. [...]”
(GIDDENS, Anthony. A terceira via e seus críticos. Rio de Janeiro: Record, 2001. p. 59).
92
que seja, essa vida é um passo adiante no caminho para a oportunidade
econômica, que era inimaginável no campo em gerações passadas.
200
Em linha com essas afirmações, a doutrina ensina como um clima
institucional propício para o desenvolvimento da atividade empresarial estimula o
desenvolvimento econômico e contribui para a redução da miséria, in verbis:
Quando houver em nossos países um clima institucional propício para a
empresa, sedutor de investimentos, estimulante para a poupança, onde o
êxito não será daqueles que voam como moscas em volta do governo para
obter monopólios (a maioria das privatizações latino-americanas são
concessões monopolizadoras com pagamento antecipado de propinas), os
pobres começarão a deixar de ser pobres. Isso não significa que os ricos
deixarão de ser ricos. Numa sociedade livre a riqueza não se mede em
termos relativos, mas sim absolutos, e não coletivos, mas individuais. De
nada serviria distribuir entre os pobres, em cada um de nossos países, o
patrimônio dos ricos. As somas que caberiam a cada um seriam pequenas
e, portanto, não garantiriam uma subsistência futura, pois a divisão por si
teria dado cabo do patrimônio existente.
201
Certamente os habitantes de Bangladesh preferem submeter-se a essas
condições (com a expectativa de que isso seja temporário) a ter que enfrentar a
fome, a desnutrição, altos índices de doenças, e os demais problemas que estavam
acostumados a viver (e que nenhuma perspectiva tinham de reverter tal situação).
Complementa o autor, concluindo e apontando qual seria o desastroso
resultado obtido com o fechamento dessas fábricas:
Alguns manifestantes dos países ricos argumentaram que as fábricas de
roupas de Daca deveriam pagar salários mais altos ou ser fechadas, mas
fechá-las em conseqüência de salários forçados acima da produtividade das
operárias equivaleria para essas mulheres a pouco mais do que uma
passagem de volta à miséria rural. A essas jovens, tais fábricas oferecem
não somente oportunidades para a liberdade pessoal como também o
primeiro degrau da escada de aumento das habilidades e de renda para
elas e, dentro de poucos anos, para seus filhos. Praticamente todos os
países pobres que conseguiram se desenvolver passaram por esses
primeiros estágios da industrialização.
202
É nesse sentido que Jeffrey D. SACHS defende que mesmo não estando
longe da miséria Bangladesh vem se desenvolvendo nos últimos anos em
decorrência da utilização de sua o-de-obra barata, e que o sacrifício por que os
200
SACHS, Jeffrey D. Op. cit. p. 37/38
201
MENDOZA. Plínio Apuleyo. (Manual do ...). Op. cit. p. 102.
202
SACHS, Jeffrey D. Ibidem. p. 38/39.
93
trabalhadores de Bangladesh estão passando é necessário para superar a primeira
barreira ao desenvolvimento. Trata-se apenas da conquista do primeiro degrau que
precisa ser superado pelo país, o que, na visão do autor, foi alcançado por
Bangladesh
203
.
É evidente que os passos seguintes na escala do desenvolvimento
dependem de uma política econômica e social pautada na continuidade do
crescimento. O que importa analisar é que, ao invés de enfrentar o capital e a
economia de mercado como sendo elementos maléficos às sociedades, o autor
demonstra como os investimentos internacionais podem contribuir para superar os
primeiros obstáculos enfrentados por um país subdesenvolvido.
Não se pretende, com isso, que daqui para diante se admita toda e qualquer
forma de exploração do trabalho humano que tenha por objetivo promover o
desenvolvimento econômico. Todavia, ainda que em um primeiro momento possa
parecer em condição degradante, essas oportunidades permitem que novos vôos
sejam alçados pelos países subdesenvolvidos, o que jamais seria possível se não
houvesse o ato que por muitos é criticado.
Analisando-se em uma perspectiva de médio e longo prazo, as medidas
adotadas no país tendem a contribuir com a promoção da dignidade humana, com o
crescimento da economia industrial do país e com a capacitação da mão-de-obra,
situação muito diferente daquela enfrentada em Malauí.
Em continuidade com o exemplo de Bangladesh e para demonstrar que a
sua proposta é, de fato, possível de se materializar o autor prossegue o estudo
demonstrando o êxito que foi obtido nos países da Índia e da China.
Na Índia, como decorrência de investimentos em educação profissional, o
país desenvolveu um enorme segmento de Tecnologia da Informação (TI), gerando
203
Nos dizeres de Jeffrey D. SACHS: “Bangladesh conseguiu pôr um no primeiro degrau da
escada do desenvolvimento e alcançou crescimento econômico e melhorias na saúde e na educação
graças, em parte, a seus esforços heróicos, em parte à engenhosidade de ONGs como o BRAC e o
Grameen Bank, bem como por meio dos investimentos que foram feitos, muitas vezes em escala
significativa, por vários governos benfeitores que, com razão, não consideraram o país uma causa
perdida, mas uma nação digna de atenção, cuidado e ajuda para o desenvolvimento.[...] O setor de
vestuário de Bangladesh não esestimulando o crescimento econômico do país em 5% anuais
em anos recentes como também está aumentando a consciência e o poder das mulheres numa
sociedade extremamente preconceituosa contra as chances que elas têm na vida. Como parte de um
processo mais geral e dramático de mudança em toda a sociedade bengali, essa mudança e outra
darão ao país a oportunidade de se colocar numa trilha segura de crescimento econômico”. (SACHS,
Jeffrey D. Op. cit. p. 41).
94
milhares de postos de trabalho, empregando, capacitando e conferindo uma vida
mais digna à significativa parcela da sua população.
Em 1991 a Índia entrou para a onda mundial de reformas no mercado dando
início a um processo de abertura econômica. De para o país investiu
fortemente em educação de base e profissionalizante, criando-se uma significativa
massa de trabalho para operar com a tecnologia da informação e com a exportação
de serviços.
Fábio TOKARS explica o processo pelo qual a Índia passou:
Na última década, a Índia revelou seu lado empreendedor para o mundo,
com sucessivas taxas de crescimento perto da casa dos 10% ao ano. O
país deixou de ser um exemplo de pobreza conformista para se tornar um
dos mais dinâmicos pólos econômicos do mundo, estruturado
principalmente sobre a prestação internacional de serviços e sobre o
desenvolvimento de tecnologia de informação. Seu sucesso econômico o
foi fruto de geração espontânea, mas resultado do trabalho de um grupo de
pensadores que, cerca de 15 anos, estruturaram um projeto de
desenvolvimento sustentável para a Índia. Um projeto que, naquela época,
estava mais próximo da utopia do que do sonho possível
204
.
Facilitando o ingresso de capitais estrangeiros que desejassem participar do
processo de crescimento do país e investindo em novas tecnologias, basicamente,
foi assim que o governo local conseguiu tornar a Índia como centro de exportações
em larga escala do setor de serviços e de Tecnologias da Informação (TI), nos
termos que Jeffrey D. SACHS afirma:
No final dos anos 1990, os centros de operações de TI nas cidades de
Bangalore, Chennai, Hyderabad e Mumbai eram os novos destinos de
empresas importantes que buscavam engenharia de software, serviços de
transcrição de dados, computação gráfica, processamento de back-office,
design computadorizado e uma miríade de outras atividades baseadas em
TI.
205
Para exemplificar o que aduz, o autor cita um caso prático do mundo
globalizado que permitiu a inserção de milhares de pessoas em postos de trabalho
na Índia. Trata-se de uma empresa de Tecnologia da Informação (TI) que processa
204
TOKARS, Fábio. Aprender com a Índia. O Estado do Paraná - Caderno Direito e Justiça, 19 de
julho de 2008, Curitiba. p. 11.
205
SACHS, Jeffrey D. Op. cit. p. 216/217.
95
dados para um hospital localizado nos EUA, em demonstração clássica de que
estamos em um mundo globalizado, senão vejamos:
Essa empresa tem um acordo notável com um hospital de Chicago, onde os
médicos ditam os seis relatórios e os transmitem por satélite para a Índia
como arquivos de voz no final de cada dia de trabalho. Devido à diferença
de fuso horário de dez horas e meia, o final do dia de trabalho em Chicago
é o começo de um outro em Chennai. Quando os arquivos de voz são
recebidos, dezenas de jovens que fizeram um curso de transcrição de
dados médicos sentam-se diante de telas de computador com fones de
ouvido e digitam rapidamente os relatórios médicos dos pacientes que
estão a quase 16 mil quilômetros de distância. Escutei por alguns instantes
a transcrição. As trabalhadoras de lá conhecem o jargão médico muito
melhor do que eu, graças ao treinamento intensivo e à experiência. Elas
ganham cerca de US$ 250 a US$ 500 por mês, dependendo do grau de
experiência, cerca de um décimo a um terço do que alguém com a mesma
função nos Estados Unidos.
206
Ainda que também não tenha sido extirpada a miséria e a pobreza da
sociedade indiana, considerando-se o elevadíssimo índice demográfico apresentado
no país
207
, é inegável que muitos benefícios já foram alcançados. Isso porque,
quando comparada a sociedade indiana de 1980, empobrecida e incapaz de se
alimentar
208
, com a Índia do século XXI evidencia-se que significativas mudanças
(benéficas) recentemente aconteceram naquele país.
206
SACHS, Jeffrey D. Op. cit. p. 42. Destaque-se que o autor, logo na seqüência, enfatiza que: “São
mulheres cuja mãe foi a primeira da família a se alfabetizar e ganhar um na vida urbana (talvez
como costureiras em sweatshops), e cujas avós eram, quase com certeza, trabalhadoras da
economia esmagadoramente rural de duas gerações antes.”
207
Nesse sentido, interessantes os apontamentos trazidos por Mira KAMDAR ao afirmar que milhões
de postos de trabalho foram criados com a revolução da tecnologia da informação ocorrida na Índia,
assim como houve uma mudança no modo de pensar dos jovens indianos. Todavia, isso ainda não
foi suficiente para resolver todos os problemas daquela sociedade, eis que, como é sabido, o país
está entre o rol dos mais populosos do mundo, senão vejamos os ensinamentos da autora: “O setor
de TI da Índia atrai a atenção internacional e gerou uma mudança no modo de pensar dos jovens
indianos, para quem o mérito e o trabalho árduo podem levar ao reconhecimento e ao sucesso.
Contudo, apesar de toda a visibilidade da Bangalore high-tech, as empresas indianas de TI geraram
diretamente apenas 1,3 milhão de empregos, com outros 3 milhões gerados indiretamente. Isso o
se aproxima nem de longe da escala de geração de emprego que a população em crescimento
demanda. A indústria vai gerar alguns dos empregos de que a juventude indiana tanto necessita.
Novos produtos de crédito, sobretudo em microfinanças, irão permitir a geração de outros, com a
criação de pequenas empresas. Possivelmente o desenvolvimento da Índia rural, onde vivem 850
milhões de indianos, irá melhorar a vida dos proprietários rurais e criar novas oportunidades nas
cidades pequenas e médias. A Índia precisará de tudo isso, e também terá de atender às
necessidades básicas de seu povo e às aspirações que ultimamente ele vem nutrindo.” (KAMDAR,
Mira. Planeta Índia: a ascensão turbulenta de uma nova potência global. Rio de Janeiro: Agir,
2008. p. 33).
208
SACHS, Jeffrey D. Ibidem. p. 207.
96
Remontando-se ao exemplo de Bangladesh, e do que se afirmou
anteriormente, é intuitivo concluir que tais medidas são importantes para os países
que as adotaram. Tal como Bangladesh, a Índia saiu de um grau de extrema
pobreza; admitiu sacrifícios temporários pensando em obter êxito no futuro, o que
vem conseguindo, em parte pelo incentivo ao florescimento da economia de
mercado.
É evidente que a situação econômica do país ainda não pode ser
comparada com a dos países desenvolvidos do primeiro mundo, mas os índices de
desenvolvimento e a quantidade de pessoas que tem saído, anualmente, da miséria
chamam a atenção de qualquer estudo que tenha por objetivo a promoção do
desenvolvimento econômico.
Outro exemplo exituoso analisado pelo autor é a China. Com uma população
aproximada de 1.300.000.000 (um bilhão e trezentos milhões) de pessoas, que
constitui mais de um quinto da humanidade no mundo, a China vem chamando a
atenção do mundo inteiro em decorrência dos resultados econômicos obtidos nas
duas últimas décadas
209
.
As reformas promovidas pela China, desde o ano de 1978, alcançaram um
sucesso espetacular, contribuindo com o crescimento da economia em taxas mais
rápidas e jamais vistas em uma grande economia, como bem ilustra o festejado
autor:
Desde 1978 a China tem sido a economia mais bem-sucedida do mundo,
crescendo a uma taxa média per capita de quase 8% ao ano. Nesse ritmo,
a renda média dobrou a cada nove anos e assim havia aumentado quase
oito vezes em 2003, em comparação com 1978. A redução da miséria no
país foi tremenda, como mostra a figura 2. Em 1981, 64% da população
vivia com uma renda abaixo de US$1 por dia. Em 2001, esse número foi
reduzido para 17%. Os motores do desenvolvimento ainda estão potentes,
com o crescimento per capita atual apenas um pouco mais lento do que
alguns anos.
210
A China está caminhando em passos largos para acabar com a miséria no
país, revertendo séculos de declínio que assolaram sua economia. E pergunta-se,
como o país tem conseguido isso? A resposta é prontamente apresentada por
209
Sobre a evolução verificada no continente asiático, na segunda metade do século XX, ver o estudo
realizado por Angus MADDISON. (MADDISON, Angus. Op. cit. p. 292)
210
SACHS, Jeffrey D. Op. cit. p. 189.
97
Jeffrey D. SACHS ao relatar o ritmo de trabalho e de empenho da população
chinesa, in verbis: “Fiquei sabendo o que significa uma taxa de crescimento de 9%:
uma economia que cresce 24/7 [24 horas por dia, sete dias por semana], com turnos
de trabalho dia e noite, recuperando o tempo perdido.”
211
Não se pretende, com isso, exaurir a análise econômica dos países
apontados, pois se trata de assunto demasiadamente vasto e que não poderia ser
trabalhado em apenas um tópico de uma pesquisa acadêmica.
Todavia, utilizou-se dos subsídios coletados por Jeffrey D. SACHS, dada a
respeitabilidade acadêmica do autor e a seriedade de seu estudo, com o intuito de
demonstrar que o desenvolvimento econômico e social pode ser alcançado com
políticas sérias de incentivo à economia de mercado, ainda que temporariamente
possa parecer que o país está sendo utilizado pela força do capital. Isto é, o estudo
mostra que o processo de promoção da dignidade humana segue além da
obviedade de retóricas que defendem a promoção do princípio como se um ato de
mágica fosse.
Complementando o posicionamento trazido por Jeffrey D. SACHS, cumpre
destacar os ensinamentos de Maílson da NÓBREGA ao analisar elementos como a
pobreza mundial, o progresso e a forma de geração de novas riquezas, in verbis:
As sociedades capitalistas desfrutam atualmente um elevado padrão de
vida, que é essencialmente a conseqüência do processo de acumulação de
capital e conhecimentos, particularmente nos últimos dois séculos. Teorias
conspiratórias atribuem a riqueza das nações desenvolvidas à exploração
do trabalho e das matérias-primas dos países não desenvolvidos. Ou seja,
a culpa pela pobreza estaria na riqueza dos países opulentos. Não há
sustentação para a teoria. Os estudos mais recentes das causas do
desenvolvimento indicam que o principal motor do progresso foi o conjunto
de instituições que criaram os incentivos para os indivíduos identificarem
oportunidades, assumirem riscos e assim promoverem a geração de
riqueza. Fundamental para esse processo foram a consolidação dos direitos
de propriedade e o respeito aos contratos, assegurados por governos
sólidos e responsáveis e por um Poder Judiciário independente e eficaz
212
.
É necessário que seja desenvolvido um trabalho que não se limite ao
elemento retórico para que este objetivo se materialize. No caso desta pesquisa, e
da realidade econômica existente no Brasil, sustenta-se que a promoção da
dignidade humana pode ser conseguida pelo incentivo do Estado à atividade
211
SACHS, Jeffrey D. Op. cit. p. 207.
212
NÓBREGA, Maílson da. Op. cit. p. 152.
98
empreendedora
213
e ao desenvolvimento da economia de mercado que, por
conseguinte, tende a ser um fator de elevada relevância para a promoção do
desenvolvimento econômico.
2.3 A REGULAMENTAÇÃO ECONÔMICA NO BRASIL, COM BASE NO
RELATÓRIO DOING BUSINESS 2008, E SEUS DESDOBRAMENTOS
PARA O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE EMPRESARIAL
Segundo aponta o relatório Doing Business 2008, publicado pelo Banco
Mundial e aplicado em 178 (cento e setenta e oito) economias do mundo
214
, o Brasil
se encontra no 122° lugar mundial
215
dentre os melhores ambientes para se fazer
negócios, ficando, vergonhosamente
216
, atrás de países como Arábia Saudita (23º),
Botsuana (51º), Colômbia (66º), Eslováquia (32º), Índia (120º), México (44º), Peru
(58º) e Rússia (106º).
Na América do Sul, dentre o rol de países pesquisados, posicionou-se à
frente apenas do Equador (128º), da Bolívia (140º) e da Venezuela (172º).
Não se está afirmando, com isso, que o Brasil se encontra em situação
econômica pior do que alguns dos países que apresentam melhores índices para se
fazer negócios em suas economias, eis que o índice não implica garantia de
sucesso econômico. Porém, o indicativo é de que o vasto potencial econômico,
humano e natural existente no Brasil encontra-se sub-utilizado, servindo esses e
outros dados comparativos para reflexão sobre o que se espera do futuro de nosso
país.
213
Em linha com as afirmações exaradas, ensina Mira KAMDAR: É preciso por em ação a força
comprovada do empreendedorismo nos problemas mais difíceis, mas não supor que o investimento
privado pode sozinho fazer tudo o que precisa ser feito na escala e velocidade necessárias. Devem-
se criar parcerias entre empresas, governo e ONGs. Alimentar redes e relações de mentoração entre
os que têm conhecimento e os que querem aprender; entre os que têm o capital e os que precisam
de dinheiro para iniciar um empreendimento”. (KAMDAR, Mira. Op. cit. p. 37.)
214
DOING BUSINESS IN 2008. Op. cit.
215
Idem. Ibidem.
216
Não se pretende, com isso, desqualificar os demais países da América Latina, mas sabe-se de
suas realidades socioeconômicas e é inconcebível que o Brasil, com o potencial de recursos naturais
e de mão de obra que possui, limite-se a essa posição de tamanha inferioridade perante as outras
nações do mundo, quando é sabido que os elementos causadores desses resultados podem ser
modificados.
99
Aprofundando-se a análise do estudo em questão, nota-se que a
classificação geral do ambiente de negócios decorre de uma somatória de fatores
que, em conjunto, colocam o Brasil nesta incômoda posição.
Vejamos, então, de maneira mais apurada, quais foram os fatores
analisados pela pesquisa
217
:
(i) tempo para abertura de empresas;
(ii) tempo para obtenção de alvarás e licenças de funcionamento;
(iii) facilidade para contratar funcionários;
(iv) facilidade no registro de propriedades;
(v) obtenção de crédito;
(vi) proteção dos investidores;
(vii) facilidade no pagamento de impostos;
(viii) facilidade no comércio internacional;
(ix) facilidade no cumprimento de contratos;
(x) facilidade no fechamento de uma empresa.
Com relação ao critério (i) tempo para a abertura de uma empresa, identifica-
se um grande obstáculo ao pequeno e médio empreendedor no Brasil, eis que, em
determinados estados brasileiros, chega-se a esperar por 152 dias
218
para que se dê
a abertura de uma empresa, o que decorre, diretamente, do elevado volume de
procedimentos burocráticos existentes no país
219
. Comparando-se a realidade
brasileira neste quesito com a de outros países, como: Arábia Saudita
220
, Austrália,
Canadá, Nova Zelândia, Dinamarca, Estados Unidos, Porto Rico e Cingapura,
percebe-se que o Brasil está muito distante desses países, eis que neles o tempo
217
Destaque-se, desde logo, que a apuração dos dados se deu com base na média daquilo que
normalmente – se encontra nos países estudados. É possível que existam variações regionais, como,
de fato, existe, por exemplo, no Brasil.
218
DOING BUSINESS IN 2008. Op. cit. p. 110.
219
Cabe então transcrever um trecho do relatório em discussão, o qual muito bem sintetiza os
aspectos extrínsecos que movimentam e, em muitos casos, parecem motivar a manutenção de toda
essa burocracia: “Em todos os países, procedimentos de abertura complicados estão associados a
maior corrupção. Cada procedimento é um ponto de contato e uma oportunidade para suborno.
Análises empíricas mostram que regulamentos complicados o elevam a qualidade dos produtos,
nem tornam o trabalho mais seguro ou reduzem a poluição. Eles afastam os investimentos privados,
jogam mais pessoas na economia informal e elevam os preços ao consumidor.” (Idem. Ibidem. p. 05)
220
A Arábia Saudita foi o maior destaque com relação a esse aspecto na análise do período
2006/2007. Eliminaram-se algumas exigências, reduziram-se e simplificaram-se procedimentos, o que
resultou na diminuição do tempo de abertura de uma empresa de 39 (trinta e nove) dias para 15
(quinze) dias, redução acompanhada pela diminuição do custo para a realização do referido
procedimento.
100
para a realização da mesma atividade é quinze vezes menor do que no Brasil,
ficando abaixo dos 10 (dez) dias.
Com relação ao (ii) tempo para obtenção de alvarás e licenças de
funcionamento, o Brasil ocupa a 107ª posição, sendo exigidos 18 (dezoito)
procedimentos para se conseguir as necessárias autorizações, além de ser
necessário dispensar 411 (quatrocentos e onze) dias para que isso tudo aconteça,
demandando elevados custos, espera e desgaste por parte daqueles que pretendem
desenvolver um empreendimento. Muitos, em decorrência da excessiva burocracia,
preferem operar na informalidade ou desistem do negócio.
No critério (iii) facilidade para contratar funcionários, o Brasil encontra-se
classificado na 119ª. posição, apresentando um índice de dificuldade de contratação
que representa 78 (setenta e oito) pontos (em um critério de 0 a 100 pontos), com
alto índice de rigidez trabalhista, elevados encargos sociais, etc, como adiantado
no tópico relativo à busca do pleno emprego.
Infelizmente, isso implica em afirmar que a regulamentação trabalhista no
Brasil dificulta a contratação de mão-de-obra, desestimula a abertura de novas
vagas e onera, excessivamente, os empreendedores, inibindo-se a contratação de
empregados, como se analisou no tópico sobre o princípio do pleno emprego
(primeiro capítulo desta dissertação).
Quanto à (iv) facilidade no registro de propriedades, o Brasil foi classificado
na 110ª posição, sendo exigidos 14 (quatorze) procedimentos para que uma
propriedade seja registrada, com demora de 45 (quarenta e cinco dias) para que
isso ocorra, custando o equivalente a 2,8% do valor do imóvel. A adoção de
procedimentos eletrônicos, a estatização de cartórios de registro de imóveis, bem
como a unificação de bancos de dados é apontada pelo relatório como sendo
necessária e importante para melhorar esses índices.
No tocante à (v) obtenção de crédito, o Brasil se encontra em posição
intermediária no ranking das 178 economias, ocupando a 84ª colocação. Mesmo o
Brasil tendo obtido melhor colocação neste critério do que nos anteriores, isso não
significa que o país está em situação confortável quanto a concessão e obtenção de
crédito, pois, dentre outros motivos, apresenta baixo índice de eficiência dos direitos
legalmente previstos e baixa cobertura de órgãos e registros públicos de proteção ao
crédito, o que, pelas dificuldades de recuperação dos créditos, resulta em aumento
101
do custo para sua obtenção
221
, ainda muito elevado em comparação com o restante
do mundo
222
.
No quesito (vi) proteção aos investidores, o Brasil apresenta a sua melhor
colocação na pesquisa, 64º lugar, sendo isso de acordo com o relatório
decorrente de um bom índice de transparência nas contas das grandes empresas e
de grande comprometimento dos diretores das empresas consultadas, o que, com
relação aos pequenos e médios empreendedores, assume posição coadjuvante, eis
que se aplica diretamente apenas às companhias de capital aberto.
Com relação à (vii) facilidade no pagamento de impostos, o Brasil conseguiu
obter mais um título para o seu extenso rol de conquistas negativas. É o campeão
mundial em tempo despendido para o recolhimento e pagamento de tributos. As
empresas gastam 2.600 (duas mil e seiscentas) horas por ano com a realização
desta atividade. Este tempo poderia ser utilizado com o desenvolvimento de novos
produtos, conquista de novos mercados, ou qualquer outra atividade produtiva para
a empresa e para a sociedade, especialmente para as pequenas empresas, uma
vez que são as que mais sentem os efeitos de um sistema fiscal pesado
223
. Isso sem
contar a elevadíssima carga tributária apontada pelos resultados da pesquisa que,
por se tratar de tema extremamente denso e polêmico, não seenfrentado com
maior profundidade pela presente dissertação.
Nada obstante, cumpre trazer à baila uma observação positiva no tocante ao
pagamento de impostos pelos pequenos empreendedores, mas que ainda não
trouxe resultados ao relatório
224
. Isso porque, em 2006, com o advento do Estatuto
Nacional das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, Lei Complementar .
123/06, criaram-se mecanismos de facilitação para o pagamento de tributos das
microempresas e empresas de pequeno porte, como se analisou no primeiro
221
HALFELD, Mauro. Investimentos. 3ª. ed. São Paulo: Fundamento Educacional, 2007. p. 121.
222
É sabido que o custo da obtenção de crédito encontra-se diretamente ligado aos riscos que os
fornecedores de crédito enfrentam na recuperação de seus ativos. O que aparece como sintoma é o
elevado custo para a obtenção do crédito, mas, por traz disso, um conjunto de fatores que geram
risco aos investidores e aumentam o custo de obtenção do crédito, o que, notadamente, é prejudicial
ao desenvolvimento da atividade econômica.
223
DOING BUSINESS IN 2008.Op. cit. p. 39.
224
Mesmo assim, a pesquisa já apontou sobre a realização desta reforma e sobre o aumento do
registro de empresas, in verbis: “No Brasil, por exemplo, o estabelecimento do programa Simples, que
amenizou as exigências fiscais para pequenas empresas, aumentou o número de registro de
empresas no setor do varejo em 13%, comparado com o ano anterior do início do programa.” (Idem.
Ibidem. p. 39).
102
capítulo desta pesquisa, o que, por sua vez, facilitou a vida dos pequenos
empreendedores. Acredita-se que tal iniciativa, no médio e longo prazo, tende a
modificar os resultados que serão obtidos com as próximas pesquisas.
Quanto à (viii) facilidade no comércio internacional, o relatório aponta um
exemplo de caso prático que muito bem ilustra a importância do comércio
internacional e, em que ponto, as mudanças promovidas pelos países podem trazer
resultados:
Tarik, um exportador de peixes do Iêmen, conhece os benefícios das
reformas: ‘Se eu exporto atum fresco para a Alemanha, recebo U$ 5,20 por
quilo. Se exporto atum congelado para o Paquistão, recebo U$ 1,10 por
quilo. Eu adoraria que tudo fosse para a Alemanha, mas, leva tanto tempo
para cumprir todos os procedimentos de exportação que muitas vezes o
atum fresco se estraga. Assim, somente 15% dos peixes são enviados à
Alemanha. Minha empresa exporta 2.000 toneladas de atum por ano. Faça
o cálculo’. Aqui está: Tarik perde U$ 7 milhões por ano porque exportar
desde o Iêmen leva em média 33 dias”.
O que isso significa? Políticas públicas tomadas em incentivo à exportação
podem contribuir, e muito, para incrementar o faturamento das empresas locais.
Neste quesito o Brasil foi classificado pelo relatório na 93ª. posição. O fraco
desempenho decorreu, principalmente, dos elevados custos para a exportação, que,
como é sabido, são resultados imediatos da sucateada infra-estrutura apresentada
pelo Brasil. O tempo médio apresentado, e os documentos exigidos para se
exportar, não fogem da média mundial, mas o custo é quase duas vezes maior do
que na China e no Chile, o que dificulta a realização das operações.
Com relação à (ix) facilidade no cumprimento de contratos, o relatório coloca
o Brasil na 106ª posição, com a demora esperada para o cumprimento forçado de
um contrato estimada em 616 (seiscentos e dezesseis) dias, demandando-se 45
(quarenta e cinco) procedimentos para isso, com um custo de 16,5% da dívida
discutida
225
.
Como bem aponta o relatório: O principal papel do Judiciário é promover a
justiça, a imparcialidade e a igualdade. Mas, os tribunais eficientes fazem muito mais
ajudam a economia a crescer.
226
Tal afirmação é bastante pertinente e reflete a
mais pura realidade em que se vive. Esperar-se do Poder Judiciário apenas a
225
DOING BUSINESS IN 2008. Op. cit. p. 110.
226
Idem. Ibidem. p. 49.
103
solução dos conflitos não basta. Faz-se necessário que a sua conduta se em
tempo e de forma eficiente, atendendo-se ao que preceitua o princípio da razoável
duração do processo que, inclusive, recentemente foi positivado no texto
constitucional brasileiro.
Mas não como se esperar uma postura eficiente do Judiciário no
cumprimento de contratos quando se tem um sistema legislativo, caracterizado por
procedimentos protelatórios, que não fornece ferramentas para que os operadores
do Direito atuem em favor do crescimento social.
Nesse sentido, as recentes reformas processuais ocorridas no Brasil
fizeram-se importantes para dar o pontapé inicial nas mudanças necessárias em
nosso processo, conferindo novas ferramentas para que os magistrados tornem os
processos mais ágeis. Note-se que as facilidades no processo de execução e
liquidação de bens, o aumento das garantias aos credores, as multas criadas para o
descumprimento de decisões, etc, isso tudo veio a contribuir com a melhora no
cenário jurídico-econômico do Brasil, especialmente nos últimos 3 (três) anos, o que,
inclusive, mereceu elogios no texto do relatório analisado, nos seguintes termos:
Na América Latina, o Brasil prosseguiu com seus esforços para tornar mais
fácil o cumprimento dos resultados dos julgamentos permitindo a venda de
ativos através de vendas ou leilões privados ao invés somente de leilões
públicos. Dessa maneira os credores frequentemente podem conseguir
preços mais altos. Agora o Brasil também obriga os devedores a revelar aos
credores onde estão os seus bens. Caso não cooperem, eles correm o risco
de uma penalidade equivalente a 20% da dívida.
227
Por isso, mesmo que a posição obtida pelo Brasil neste quesito não tenha
sido tão satisfatória, os evidentes sinais de reforma e melhoria apresentados
parecem trazer novo fôlego ao cenário de um futuro próximo, acompanhado de
novas e necessárias reformas.
Como último elemento analisado pelo relatório, tem-se a (x) facilidade no
fechamento de uma empresa, o que remonta imediatamente ao primeiro item da
pesquisa (tempo para a abertura de uma empresa). Viu-se que no Brasil demora-se
demais para conseguir abrir uma empresa. Infelizmente, o desafio se repete quando
do encerramento de suas atividades. Segundo aponta o relatório, no Brasil, demora-
se 4 (quatro) anos para se fechar uma empresa regularmente, com o custo
227
DOING BUSINESS IN 2008. Op. cit. p. 51.
104
equivalente a 12% do valor patrimonial investido, o que coloca o país na 131ª
posição no quesito em debate.
Ao se dificultar a abertura e o fechamento das empresas, algumas
conseqüências são imediatas: inibe-se o registro das atividades empresariais;
aumenta-se a informalidade; e torna-se comum a dissolução irregular das empresas
constituídas, porquanto custoso e dispendioso demais o seu encerramento,
mantendo-se diversas empresas como formalmente existentes quando não
operam há muito tempo. Isso tudo segue na contramão da construção de uma
economia sólida e bem estruturada, mantendo-se um sistema precário e prejudicial
ao desenvolvimento.
Infelizmente, não como se mensurar, de modo imediato e preciso, quais
são os efeitos que o quadro apontado pelo relatório traz à sociedade brasileira, nem
se pode afirmar que um elemento é mais, ou menos, prejudicial do que o outro, pois
fazem parte de um sistema inter-relacionado em que a causa de um, comumente,
gera efeitos ao outro.
Todavia, é evidente que são enormes os prejuízos sociais advindos desse
somatório de problemas apontados, pois, em um mercado mundial competitivo,
torna-se cada vez mais fácil abandonar operações em países que dificultam a
realização das atividades econômicas e procurar ambientes mais propícios ao
desenvolvimento das atividades, o que ocorre, especialmente, com os grandes
empreendimentos e empresas multinacionais/transnacionais.
Naturalmente, a fuga de capitais e investimentos que decorre desse fato
prejudica os pequenos e médios empreendedores, que, direta ou indiretamente,
dependem das grandes atividades para fornecer produtos e prestar serviços. Por
isso, invariavelmente, chega-se a conclusão de que os problemas conjunturais no
Brasil prejudicam muito mais os pequenos empreendedores do que os grandes,
pois, ao contrário dos grandes, os pequenos não possuem força para transpor estes
obstáculos e precisam enfrentar a situação caótica a eles imposta.
Não se imagina que esta situação seja impossível de ser resolvida, mas,
para que sejam efetivamente alcançados os objetivos instituídos pelo legislador
constituinte, faz-se necessária a adoção de medidas integradas pelo Poder
105
Legislativo, pelo Poder Executivo e pela sociedade, convergindo em prol do
benefício da coletividade e do incentivo ao empreendedorismo
228
.
228
Nota-se que a presente pesquisa adotou posicionamento crítico frente a alguns aspectos que se
encontram em descompasso com a promoção do desenvolvimento econômico e redução das
desigualdades sociais. Nada obstante, não se tratam de críticas desmotivadas e(ou) sem razão de
existência, pois pretendem apontar elementos jurídico-econômicos que precisam sofrer intervenção
para que se promovam as mudanças necessárias.
106
3 A INFLUÊNCIA EXERCIDA PELO DIREITO NO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE
EMPRESARIAL E SUA RELAÇÃO COM O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
3.1 PROBLEMAS ENVOLVENDO A LIMITAÇÃO DA RESPONSABILIDADE
DO(S) SÓCIO(S)
3.1.1 A autonomia patrimonial e a limitação da responsabilidade dos
sócios
A autonomia patrimonial corresponde a um dos efeitos da personificação
que é atribuída à sociedade empresária, que, adquirindo personalidade jurídica
quando do arquivamento de seu ato constitutivo no registro que lhe é peculiar
229
,
passa a ter patrimônio próprio. Trata-se de uma derivação da personificação da
sociedade, criada no mundo jurídico para individualizar o patrimônio da sociedade
empresária do(s) patrimônio(s) do(s) sócio(s) que dela fazem parte. Nesse sentido
Alfredo Assis Gonçalves NETO aponta que:
Autonomia patrimonial da sociedade significa patrimônio distinto e
inconfundível com o de seus sócios. Ou seja, os sócios não são
condôminos ou co-proprietários dos bens que formam o patrimônio social.
Os bens que os sócios trazem para a formação do patrimônio social deixam
de lhes pertencer, pois transferem à sociedade o título de propriedade.
Assim, o patrimônio social não responde pelas dívidas dos sócios; só pelas
dívidas da sociedade. O princípio de que o patrimônio do devedor é garantia
comum de seus credores não ultrapassa esse limite: não garante a
satisfação de credores de nenhum dos sócios.
230
O princípio da autonomia patrimonial constitui um dos principais pilares de
sustentação do Direito Empresarial, sendo que dele decorre a distinção patrimonial
entre o patrimônio da sociedade e o dos cios. Desta forma, o patrimônio da
sociedade é responsável pelas obrigações oriundas do exercício da atividade
empresarial, enquanto que o patrimônio dos sócios permanece como responsável
229
Fábio Ulhoa COELHO leciona que: O contrato social é espécie de ato constitutivo de pessoa
jurídica, e apresenta a particularidade marcante do gênero: os participantes do ato assumem
obrigações e titularizam direitos, uns perante os outros (como em qualquer negócio jurídico), mas
também criam um novo sujeito (a pessoa jurídica), com o qual passam a manter, de imediato,
vínculos obrigacionais, como devedores ou credores.(COELHO, Fábio Ulhoa. (A sociedade ...). Op.
cit. p 3).
230
GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Lições de Direito Societário. 2ª ed. São Paulo: Juarez de
Oliveira, 2004. p. 28.
107
pelas obrigações que estes contraem em suas vidas privadas
231
. Como regra, os
patrimônios não se comunicam
232
, sendo esta a mais importante característica
decorrente do princípio ora analisado.
A lógica que fundamenta a existência da limitação da responsabilidade dos
sócios é simples de ser compreendida. A atividade empresarial, por sua própria
natureza, envolve uma série de riscos aos seus participantes, que, como regra,
avaliam esses riscos antes de ingressar em uma nova empreitada. Quando os riscos
são elevados, o ingresso na atividade depende de uma expectativa de retorno maior
ao investimento. Quando os riscos são minimizados, torna-se mais fácil viabilizar a
realização do empreendimento e, portanto, aumentam-se as chances de que o
negócio obtenha êxito
233
.
Por isso, para incentivar o exercício da atividade empresarial e promover o
desenvolvimento econômico, é importante que os riscos à realização dos
empreendimentos sejam suportáveis e razoavelmente equilibrados. A imposição de
riscos elevados prejudica tanto os que desejam desempenhar uma nova atividade,
quanto aqueles que dela dependem (trabalhadores, Estado, fornecedores, etc.). Foi
em virtude desse raciocínio lógico que se deu o surgimento das sociedades
limitadas.
No final do século XIX, e início do século XX, o empreendedor que
desejasse desenvolver alguma espécie de negócio teria a obrigatoriedade de optar
por algum dos seguintes tipos societários que naquele momento eram aceitos pelos
231
Assim ensina Fábio Ulhoa COELHO: “A personalização da sociedade limitada implica a separação
patrimonial entre a pessoa jurídica e seus membros. Sócio e sociedade são sujeitos distintos, com
seus próprios direitos e deveres. As obrigações de um, portanto, não se podem imputar ao outro.
Desse modo, a regra é a da irresponsabilidade dos sócios da sociedade limitada pelas dívidas
sociais. Isto é, os sócios respondem apenas pelo valor das quotas com que se comprometem, no
contrato social. É esse o limite da sua responsabilidade.”. (COELHO, Fábio Ulhoa. (A sociedade ... ).
Op. cit. p. 4).
232
Como bem aponta Fábio TOKARS: “Segundo o princípio da autonomia patrimonial, é o patrimônio
da sociedade, distinto do patrimônio dos sócios, que deve responder pelo pagamento das dívidas
sociais. Trata-se de uma decorrência lógica da atribuição de personalidade jurídica às sociedades.”.
(TOKARS, Fábio. (Primeiros estudos ... ). Op. cit. p. 131).
233
Fazendo uma breve intervenção exemplificativa, formulamos o seguinte questionamento: Qual o
interesse que um empreendedor, o qual possui um patrimônio pessoal de U$ 100.000,00 (cem mil
dólares), apresentaria em investir U$ 10.000,00 (dez mil dólares) de seu patrimônio em um
empreendimento, correndo riscos de perder a totalidade de seus recursos na hipótese de insucesso
do investimento? Qualquer indivíduo que tenha um pouco de bom senso não demoraria a identificar
que haveria poucas chances de o empreendimento ser realizado, a não ser que a expectativa de
lucratividade fosse astronômica (o que não se vislumbra na maioria dos casos). Via de regra, para o
investidor, seria melhor buscar alguma alternativa que envolvesse menor risco ao seu patrimônio, o
que deve ser considerado natural.
108
ordenamentos jurídicos: (i) sociedade em nome coletivo, (i) sociedade em comandita
simples, (iii) sociedade em conta de participação e (iv) sociedade anônima
234
. Dentre
os modelos disponíveis, apenas as anônimas admitiam a limitação da
responsabilidade dos sócios.
Nada obstante, tratava-se de estrutura societária demasiadamente complexa
e que estava apenas ao alcance de grandes empreendimentos. Para a constituição
de uma sociedade anônima, exigia-se a autorização da Coroa, número mínimo de
sócios, volume de capital, etc. Naturalmente, estes requisitos não podiam ser
atendidos pelos pequenos empreendimentos, restando aí um vazio que precisava
ser preenchido.
Os pequenos empreendedores desejavam investir o seu capital na atividade
produtiva, mas assim o faziam em decorrência dos elevados riscos apresentados
pelos tipos societários que por eles poderiam ser adotados. Waldo FAZZIO JUNIOR
ensina sobre a realidade enfrentada pelos pequenos e médios empreendedores da
época:
A sociedade limitada nasceu da necessidade de se criar um tipo societário
que permitisse à pequena burguesia européia, sobretudo a germana e a
inglesa, escapar à responsabilidade ilimitada e solidária das sociedades em
nome coletivo, sem cair na draconiana e complexa estruturação legal das
sociedades por ões. Em outras palavras, o que se pretendia era uma
sociedade contratual composta por sócios de responsabilidade mitigada,
restrita à respectiva quota de participação social.
235
No mesmo sentido, Fábio TOKARS:
Percebeu-se que até então inexistia uma forma societária que atendesse
aos interesses dos pequenos e médios empreendedores. Afinal, as
sociedades anônimas sempre estiveram voltadas às atividades econômicas
de grande porte, razão pela qual se sujeitam a um regime legal mais
intrincado, com uma complexidade de administração que não se coaduna
com a realidade dos pequenos e médios empreendedores. De outro lado, a
opção por alguma das demais formas societárias (sociedade em nome
coletivo, sociedade em comandita, sociedade de capital e indústria) também
não atendia plenamente aos anseios dos empreendedores, em vista do
elevado risco pessoal assumido na hipótese de insucesso nas operações
comerciais (na medida em que todos os sócios, ao menos uma classe,
tinham responsabilidade pessoal e ilimitada em face das dívidas sociais). A
234
LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. 6ª. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 4.
235
FAZZIO JUNIOR, Waldo. Sociedades limitadas. São Paulo: Atlas, 2003. p 26.
109
mesma razão tornava desaconselhável o registro como comerciante
individual.
236
O impasse em questão clamava por uma solução advinda do Direito, o que,
de fato, começou a acontecer na virada do século XIX para o século XX, quando
surgiram os primeiros modelos societários em que a limitação da responsabilidade
dos sócios estava ao alcance, também, dos pequenos e médios empreendedores. A
doutrina
237
aponta a existência de divergências relativas ao surgimento deste
modelo societário, sendo afirmado por alguns que este se deu na Inglaterra e, por
outros, na Alemanha.
O fato é que tal confusão tem razão de existir. Isso porque foi, efetivamente,
na Inglaterra que surgiu a primeira modalidade societária que se assemelha ao
modelo atual de sociedade limitada, como afirma Alfredo Assis GONÇALVES NETO:
[...] as primeiras sociedades com essa conformação começaram a surgir na
prática do comércio inglês, graças ao sistema de direito vigente, com a
evolução das chamadas private companies, que não se caracterizavam
propriamente como um tipo autônomo de sociedade, mas como um
derivativo das public companies, contendo algumas particularidades
estatutárias como as que limitavam o número de sócios a 50, proibiam a
livre transferência de ações e excluíam o convite para subscrição pública de
ações. Referidas sociedades, por isso, passaram a ter sua constituição
permitida sem a antes indispensável outorga da coroa para sua
constituição.
238
Contudo, foi na Alemanha, no ano de 1892, que ocorreu o primeiro registro
histórico de positivação das sociedades limitadas no ordenamento jurídico, como
ensina José Waldecy LUCENA:
Coube ao gênio jurídico alemão, interpretando esse anseio dos
comerciantes, que não eram somente alemães, mas de inúmeros outros
países, legislar pioneiramente sobre a sociedade de responsabilidade
limitada, [...]. De fato, na segunda metade do século XIX, sentia-se na
236
TOKARS, Fábio. (Sociedades limitadas ...). Op. cit. p. 25.
237
Nesses moldes ensina Waldirio BULGARELLI, in verbis: “Na análise da origem histórica da
sociedade por quotas de responsabilidade limitada (que em outros países é denominada
simplesmente de sociedade de responsabilidade limitada), depara-se a controvérsia entre os autores,
uns afirmando que ela proveio da Inglaterra e outros, da Alemanha. Deve-se ter presente, nessa
aparente contrariedade de pontos de vista, que legislativamente, sem dúvida, a primazia cabe à
Alemanha, com a lei de 20 de abril de 1892, mas os elementos básicos conformadores desse tipo
societário surgiram muito tempo antes, na Inglaterra, pela força dos costumes, e o fato de bem
mais tarde ter sido regulada pelo legislador e com evidentes diferenças em relação ao modelo
europeu-continental não lhe tira o pioneirismo.” (BULGARELLI, Waldirio. Op. cit. p. 116).
238
GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. (Lições de ...). Op. cit. p. 188.
110
Alemanha que os tipos de sociedade existentes não atendiam aos anseios
e preocupações de grande faixa de comerciantes, que não sendo
portadores de vultuosos capitais, nem querendo correr os riscos da
responsabilidade ilimitada, não podiam, ou não lhes convinha, adotar a
forma de sociedade anônima, de constituição difícil, dependente de
autorização, dispendiosa e extremamente burocratizada. O ideal seria então
um tipo social que, embora limitando a responsabilidade dos sócios, tal
como na anônima, desta diferiria, no entanto, na vedação da cessibilidade
das quotas sociais a estranhos, na forma de constituição mais simplificada e
na direção pessoal dos negócios pessoais.
239
De para esse modelo de limitação de responsabilidade societária foi
adotado por outros países, tendo sido admitido em Portugal (1901), na Áustria
(1906), no Brasil (1919)
240
, na França (1925) e na Argentina (1932) ainda nas
primeiras décadas do século XX. na Itália e na Espanha a recepção em seus
ordenamentos jurídicos foi mais tardia, tendo ocorrido, respectivamente, em 1942 e
1953.
Com efeito, analisando-se a conjuntura econômica dos países que foram
precursores na defesa desse instituto, percebe-se que a criação deste modelo
societário decorreu da necessidade existente no mercado empresarial da época em
fomentar as atividades empresariais
241
, resultado que foi sentido no período seguinte
às modificações em questão.
Em nossa atualidade, é inegável a representatividade alcançada pelo
modelo societário de responsabilidade limitada, eis que aproximadamente 97%
(noventa e sete por cento) das sociedades registradas no Brasil
242
adotam esta
modalidade societária, número bastante expressivo e que demonstra a importância
que este merece receber da doutrina.
239
LUCENA, José Waldecy. Op. cit.. p. 4.
240
Marcelo M. BERTOLDI e Márcia Carla Pereira RIBEIRO explicam sobre a disciplina jurídica da
matéria no Brasil, in verbis: “Identificamos em 1911, com o projeto do novo Código Comercial
elaborado por Inglês de Souza, a primeira tentativa de trazer para nosso direito aquele modelo de
sociedade que tanto interessava aos pequenos e médios empresários. No entanto, com o objetivo de
poupar o tempo que levaria para a aprovação do referido projeto que, aliás, nunca chegou a lograr
êxito –, o deputado Joaquim Luiz Ozório, baseando-se na proposição de Inglês de Souza, apresentou
à Câmara dos Deputados projeto de criação das sociedades por quotas de responsabilidade limitada,
que acabou por ser aprovado, dando surgimento ao Dec. 3.708, de 10.01.1919, que vigorou até o
surgimento do Código Civil de 2002, quando foi tacitamente revogado”. (BERTOLDI, Marcelo M.;
RIBEIRO, Márcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 4ª. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2008. p. 189).
241
LUCENA, José Waldecy. Ibidem. p. 12.
242
TOKARS, Fábio. O direito empresarial e sua função de (des)estímulo ao empreendedorismo. In:
Revista de Direito Público da Economia, ano 5, nº. 19, jul/set 2007. p. 42.
111
Todavia, a aplicação da limitação da responsabilidade no direito brasileiro,
do final do século passado e início deste século XXI, não vem sendo feita nos
termos que preceitua a doutrina especializada no tema, sendo comumente superada
por decisões judiciais em alguns segmentos do Direito, com a ampla
desconsideração da personalidade jurídica. Paralelamente, também não se permite
a limitação de responsabilidade do empresário individual, conforme se passa a
analisar.
3.1.2 Abusos na aplicação da desconsideração da personalidade
jurídica
Ao mesmo tempo em que a limitação da responsabilidade dos sócios
confere aos detentores de capital a relativa segurança para se lançarem no mercado
em busca do desenvolvimento de seus empreendimentos, ela também permite que
fraudes
243
sejam cometidas e escondidas sob o manto da separação patrimonial
244
.
Basicamente, as referidas fraudes podem ser cometidas de duas formas: na
primeira delas a pessoa jurídica é utilizada para esconder bens do devedor, evitando
seu atendimento nas execuções promovidas contra os sócios, enquanto que na
segunda forma identifica-se a ordem inversa, sendo o passivo direcionado à pessoa
jurídica enquanto o ativo é desviado para a pessoa do sócio (ou de pessoa que age
pelo mesmo)
245
.
243
Dispõe Fábio TOKARS sobre a possibilidade de cometimento de fraudes: “É evidente, no entanto,
que a limitação da responsabilidade gerou também um efeito adverso, que possibilitou o
cometimento de abusos. Imediatamente surgiram casos em que os empreendedores usavam a
separação patrimonial como instrumento para se furtar ao pagamento de obrigações, gerando uma
clara crise no crédito, outro pilar do desenvolvimento da economia. Afinal, da mesma forma com que
o estímulo à empresariedade decorre da limitação dos riscos impostos aos empreendedores, deve-se
ter em consideração que não desenvolvimento de atividade empresarial sem uma sólida proteção
ao crédito”. (TOKARS, Fábio. (Sociedades limitadas ...). Op. cit. p. 449/450).
244
Maria Helena DINIZ leciona que: “Se a pessoa jurídica não se confunde com as pessoas naturais
que a compõem; se o patrimônio da sociedade personalizada não se identifica com o dos sócios, fácil
será lesar credores, ou ocorrer abuso de direito, para subtrair-se a um dever, tendo-se em vista que
os bens particulares dos sócios podem ser executados antes dos bens sociais, havendo vida da
sociedade. Ante a sua grande independência e autonomia devido ao fato da exclusão da
responsabilidade dos sócios, a pessoa jurídica, às vezes, tem-se desviado de seus princípios e fins,
cometendo fraudes e desonestidades, provocando reações legislativas, doutrinárias e jurisprudenciais
que visam coibir tais abusos, desconsiderando-se sua personalidade jurídica”. (DINIZ, Maria Helena.
Op. cit. p. 534).
245
TOKARS, Fábio. (O direito ...). Op. cit. p. 42.
112
Nesse sentido, Ana Carolina Santos CEOLIN explica de que modo ocorre o
mau uso da pessoa jurídica e da separação patrimonial:
O mau uso do ente personificado ocorre quando os indivíduos que o
integram, acobertados pela garantia de que seu patrimônio pessoal não é
alcançado por dívidas da sociedade, utilizam-se abusivamente do princípio
segundo o qual a pessoa jurídica não se confunde com os seus membros.
Sob o véu de tal autonomia, os sócios procuram se isentar da
responsabilidade pessoal por negócios que, na verdade, são de seu direto
interesse e não da entidade coletiva.
246
Com o intuito de coibir tais abusos decorrentes do mau uso da separação
patrimonial a doutrina concebeu o mecanismo da desconsideração da personalidade
jurídica
247
que, na formulação inicial de sua teoria, era uma exceção ao princípio da
autonomia patrimonial aplicável somente aos casos em que houvesse o
cometimento de fraudes por meio da pessoa jurídica
248
.
José Edwaldo Tavares BORBA, ao tratar sobre a doutrina da
desconsideração da personalidade jurídica, didaticamente, sistematiza o
funcionamento da teoria da desconsideração da personalidade jurídica:
246
CEOLIN, Ana Caroline Santos. Abusos na Aplicação da Teoria da Desconsideração da
Pessoa Jurídica. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 01/02.
247
O primeiro caso que a doutrina noticia como tendo sido levantada a questão da desconsideração
da personalidade jurídica remonta ao século XIX, no House of Lords britânico. No caso prático o
empresário Aaron Salomon constituiu uma sociedade de responsabilidade limitada com mais 6 (seis)
integrantes de sua família. Cedeu seu fundo de comércio para a sociedade constituída e recebeu
20.000 (vinte mil) ações representando sua contribuição com o capital social. Cada outro integrante
da família, e da sociedade, recebeu unicamente 1 (uma) ação. Aaron Salomon simulou um
empréstimo com garantia real em que ele figurava, pessoalmente, como cedente e a Salomon,
Salomon & Company Ltd. figurava como tomadora do empréstimo. Depois de um certo tempo de
atividade a sociedade começou a atrasar seus pagamentos e, posteriormente, entrou em processo de
falência. Foi constatado que não havia bens suficientes para adimplir todas as obrigações contraídas
pela sociedade e que tinha sido aplicada uma fraude, contra os credores, por parte do Sr. Aaron
Salomon. Assim inaugurou-se a teoria da disregard doctrine pelo juiz que conheceu o caso,
acolhendo a solicitação dos credores de que a sociedade era uma extensão da atividade pessoal de
Aaron Salomon e adotando a desconsideração da personalidade jurídica. O juízo de última instância
(House of Lords), porém, reformou a decisão inicial legitimando o ato praticado pelo empresário e
mantendo a estrutura da pessoa jurídica em sua forma original. Infelizmente, no primeiro caso em que
a teoria da desconsideração da personalidade jurídica foi adotada, a decisão final conferida foi
contrária ao que se esperava, maculando-se a história da teoria. Todavia, é inegável que o caso
cumpriu papel fundamental ao inserir a temática em discussão doutrinária e proporcionar a evolução
do entendimento conferido pelo Direito aos casos que o sucederam.
248
Como afirma João CASILLO os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica devem se
aplicar apenas aos casos em que a fraude seja identificada, limitando-se a decisão ao caso concreto
em que ela foi tomada, in verbis: “Apenas para esta atuação valerá a decisão, sob pena de corrermos
o risco de as vantagens trazidas pela teoria da desconsideração da pessoa jurídica serem anuladas,
face aos prejuízos que poderiam acarretar se seus efeitos fossem ampliados de forma gigantesca,
desmedida”. (CASILLO, João. Desconsideração da Pessoa Jurídica. In: Revista dos Tribunais, o
Paulo: Revista dos Tribunais, v. 528, out/1979. p. 25).
113
Por essa doutrina, surgida na Inglaterra e desenvolvida nos Estados Unidos
e na Alemanha, uma vez caracterizada a utilização abusiva da forma
societária, com prejuízos para terceiros, desconsidera-se a personalidade
jurídica, alcançando-se os sócios ou acionistas.
249
Da mesma forma, Luciano AMARO muito bem explica o funcionamento da
referida técnica:
A desconsideração da pessoa jurídica é uma técnica casuística (e, portanto,
de construção pretoriana) de solução de desvios de função da pessoa
jurídica, quando o juiz se em situações em que prestigiar a autonomia e
a limitação da responsabilidade de pessoa jurídica implicaria sacrificar um
interesse que ele reputa legítimo. São, portanto, situações para as quais a
lei não contemplaria uma solução justa, ou melhor, seria injustiça a solução
decorrente da aplicação do preceito legal expresso. Sintomaticamente, essa
solução jurisprudencial desenvolveu-se em países de direito não escrito
(Estados Unidos e Inglaterra), em que os juízes, não encontrando solução
legal (ou por considerarem injusta a solução legal), procuraram construir
uma solução jurídica baseada na eqüidade, para reprimir o abuso e a fraude
que pudessem ser perpetrados com a utilização artificiosa (embora
formalmente legal) de uma pessoa jurídica. Com a desconsideração da
pessoa jurídica, o juiz ignora, no caso concreto, a existência da pessoa
jurídica, e decide como se ela não existisse. A personificação é afastada e,
com ela, a separação patrimonial, fazendo com que os atos ou patrimônios
da pessoa jurídica e do sócio se confundam. O ato da pessoa jurídica é
imputado ao sócio, que responde dessa forma, pela conduta da pessoa
jurídica, como se ela não existisse.
250
No Brasil, o tema foi introduzido nas discussões acadêmicas e doutrinárias,
na década de 70, por Rubens REQUIÃO
251
e por José Lamartine Correia de
OLIVEIRA
252
. Durante toda a década de 80 a doutrina e a jurisprudência aplicaram a
teoria da desconsideração da personalidade jurídica em sua formulação original, isto
é, nos casos de abusos ou cometimento de fraudes sob o manto da personificação,
tal como ensinado pelos ilustres doutrinadores.
249
BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. 8ª. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 23.
250
AMARO, Luciano. Desconsideração da Pessoa Jurídica no Código de Defesa do Consumidor. In:
Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, fev/1993. p. 173.
251
Conforme lições de Rubens REQUIÃO: “Recentemente, porém, tendo em vista fraudes
promovidas através da personalização de sociedades anônimas, seja em problemas de âmbito
privado, seja em relações de direito público, se foi elaborado por construção jurisprudencial uma
doutrina para coibir os abusos verificados. Surgiu, assim, a doutrina do Disregard of Legal Entity no
direito anglo-saxão, espraiando-se para o direito germânico e mais recentemente repercutindo na
literatura jurídica da Itália. Esse palpitante assunto merece uma análise especial, pois será inevitável
sua influência em nosso moderno direito societário”. (REQUIÃO, Rubens. Aspectos modernos de
direito comercial. 2ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 377).
252
Destaque-se a obra de sua autoria intitulada: “A dupla crise da personalidade jurídica”. (OLIVEIRA,
José Lamartine de. A dupla crise da personalidade jurídica. São Paulo: Saraiva, 1979).
114
Por isso, pode-se afirmar que, mesmo antes da positivação do tema em
nosso ordenamento jurídico, a doutrina e a jurisprudência brasileiras, por vias
transversas, alcançavam os mesmos resultados daqueles decorrentes da
aplicação da desconsideração da personalidade jurídica
253
. Utilizava-se como base
para isso algumas previsões do Código Civil, do Código Tributário e da legislação
esparsa tratando sobre a distinção entre a figura das pessoas jurídicas e dos seus
sócios, assim como a responsabilidade solidária dos sócios ou administradores
perante a ordem tributária quando praticados atos com excesso de poderes ou
infração de lei, contrato social ou estatuto.
Durante muitos anos foi assim que se aplicou o mecanismo de solução aos
casos de fraude, tendo a doutrina e a jurisprudência firmado posicionamentos
bastante maduros sobre o tema
254
.
Ocorre que, em 1990, a desconsideração da personalidade jurídica deixou
de ser uma teoria doutrinária e recebeu a atenção do legislador ordinário quando da
promulgação do Código de Defesa do Consumidor (Lei . 8.078/90), tendo o
legislador previsto que:
Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade
quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de
poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou
contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver
falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa
jurídica provocados por má administração.
§ 1° (Vetado).
§ As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades
controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações
decorrentes deste código.
§ As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas
obrigações decorrentes deste código.
§ 4° As sociedades coligadas só responderão por cul pa.
§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurí dica sempre que sua
personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de
prejuízos causados aos consumidores.
A aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, que, até então,
era feita nos moldes da teoria da disregard of legal entity, passou a contar com uma
inovação do legislador brasileiro ao dispor, no parágrafo 5º, do artigo em epígrafe,
253
CASILLO, João. Op. cit. p. 37.
254
HENTZ, Luiz Antônio Soares. Direito de Empresa no Código Civil de 2002. Ed. São Paulo:
Editora Juarez de Oliveira, 2003. p. 94.
115
que a desconsideração também poderá ser aplicada sempre que a personalidade
jurídica for obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos causados ao consumidor,
assim como nos casos de falência ou má-administração
255
previstos no caput do
artigo.
Isto é, a regra foi invertida e as hipóteses de aplicação da desconsideração
da personalidade jurídica foram ampliadas pelo legislador consumerista, sem se
preocupar com os efeitos desta mudança ao mercado e ao próprio consumidor. Tal
conduta, além de contrariar a cautela que justificou a criação do mecanismo
jurídico
256
, traz efeitos econômicos desastrosos e que contrariam o que dispôs o
legislador constituinte quando pretendeu incentivar o desenvolvimento da atividade
econômica, conforme disposto no art. 170 e seguintes da Carta Magna.
Mesmo assim, não faltam posicionamentos doutrinários defendendo a
mudança estabelecida pela referida norma, como por exemplo, Cristina Tereza
GAULIA que, ao analisar a modificação promovida pela lei consumerista, defende a
amplitude da abordagem do art. 28 do CDC como sendo uma evolução
hermenêutica em favor da defesa dos consumidores
257
, afirmando, inclusive, que
entende como incabíveis as críticas ao Código, in verbis: “Não cabem aqui, portanto,
críticas ao Código por fugir este à dogmática dominante. É preciso, sim, olhar o novo
horizonte legislativo como parte da nova realidade social que o mesmo veio a
defender e preservar. Para tanto uma mudança de paradigmas é essencial.”
258
A previsão consumerista passou também a fundamentar a aplicação do
referido mecanismo em outros segmentos que, avidamente, pretendiam satisfazer
255
Sobre a má-administração inserida no texto do Código de Defesa do Consumidor, Luciano
AMARO apresenta crítica que merece atenta observação: “Em suma, parece-nos mal posta a
hipótese legal, pela falta de nexo entre a qualidade de sua administração e os eventuais prejuízos
do consumidor, pela falta de isonomia entre o tratamento dado ao consumidor da empresa
encerrada por má administração, e o conferido ao consumidor que tenha tido a infelicidade de ser
cliente de uma empresa bem administrada que encerrou suas atividades. Não é por que deve se
buscar a proteção do consumidor, que seria talvez melhor servido se o dispositivo não contivesse o
adendo em exame”. (AMARO, Luciano. Op. cit. p. 178).
256
Conforme ensinamentos de Rubens REQUIÃO: “É uma constante nos julgamentos dos tribunais
americanos, como nos germânicos, que o levantamento do véu da personalidade jurídica, pela
aplicação da disregard doctrine, é feito com extrema cautela e em casos excepcionais. Não se
transformou, nas várias décadas em que tem sido usada, numa panacéia, aplicável ao talante de
paixões, dúvidas e interesses momentâneos e menos graves”. (REQUIÃO, Rubens. (Aspectos
modernos ...). Op. cit. p. 78).
257
GAULIA, Cristina Tereza. A desconsideração da pessoa jurídica no Código de Defesa do
Consumidor eficácia das decisões judiciais. In: Revista de direito do consumidor, nº. 43, jul/set
2002, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 166.
258
Idem. Ibidem. p. 166.
116
os créditos de determinados credores
259
, como ocorreu no âmbito trabalhista,
segundo afirma Hermelino Oliveira SANTOS:
A Justiça do Trabalho, com certa facilidade e muita freqüência,
desconsidera a limitação da responsabilidade dos sócios quotistas, para
alcançar seus bens pessoais na execução trabalhista. E o faz com muito
acerto, pois o se pode o credor trabalhista ser tratado juridicamente da
mesma forma que outros credores, a começar pela natureza alimentar de
seu crédito, justificador do privilégio de satisfação. Ademais, não pode o
trabalhador cercar-se das mesmas garantias que os parceiros negociais,
por ocasião da contratação, caberia à legislação trabalhista suprir esta
deficiência legislativa diante da omissão da CLT nesse aspecto
.
260
O aumento das hipóteses de aplicação da desconsideração da
personalidade jurídica promovida pelo texto do Código de Defesa do Consumidor
261
permitiu que outros ramos do direito, ávidos por superar a autonomia patrimonial a
todo o custo, passassem a aplicar a desconsideração da personalidade jurídica para
as hipóteses de ausência patrimonial das sociedades para o cumprimento de suas
obrigações, independentemente dos motivos que levaram a isso.
Com o devido acatamento ao posicionamento defendido pelos autores,
torna-se fundamental expor que esta não é a forma mais adequada de se
compreender o tema
262
quando analisado todo o contexto social que envolve a
259
Nesse sentido Ana Caroline Santos CEOLIN ensina que: “Apesar de seu caráter excepcional, a
teoria da desconsideração da pessoa jurídica vem sendo larga e indiscriminadamente aplicada pelos
magistrados pátrios. Após a sua introdução no direito positivo brasileiro, com o advento do Código de
Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), os juízes passaram a adota-la nos casos concretos mediante a
simples alegação de fraude. Basta a constatação de que o patrimônio social é insuficiente para
satisfazer os débitos assumidos pela sociedade, para que a teoria em comento seja sumariamente
empregada pelos magistrados, com desprezo, até mesmo, da garantia constitucional do contraditório
e da ampla defesa (art. 5, LV, CF). (CEOLIN, Ana Caroline Santos. Op. cit. p. 171).
260
SANTOS, Hermelino de Oliveira. Desconsideração da personalidade jurídica no processo do
trabalho. São Paulo: LTr, 2003. p. 60.
261
Luciano Amaro critica a amplitude adotada pelo legislador consumerista no parágrafo 5º., do art.
28 do digo de Defesa do Consumidor, senão vejamos: “O enunciado do parágrafo é tão genérico,
abrangente, ilimitado, que, aplicado literalmente, dispensaria o caput do artigo, e tornaria inócua a
própria construção teórica da desconsideração, implicando em derrogar (independentemente de
qualquer abuso ou fraude) a limitação da responsabilidade dos sócios de todos e qualquer empresa
fornecedora de bens ou serviços no mercado de consumo”. (AMARO, Luciano. Op. cit. p. 178).
262
Fábio TOKARS, com maestria, avalia a forma como se deu a modificação do entendimento
aplicado à desconsideração da personalidade jurídica no Direito brasileiro, in verbis: “Ampliaram-se
os fundamentos para a desconsideração. Além da fraude, que era o pressuposto clássico, passou a
figurar a má-administração. Como o conceito de má-administração é meta-jurídico e essencialmente
vago (afinal, uma sociedade insolvente presumivelmente foi levada à derrocada econômica em razão
de má-administração), criou-se um fundamento jurídico para uma ampliação do campo material de
aplicação da desconsideração. Indicou-se o caminho para uma corrente de julgadores que acreditava
que a desconsideração deveria ser a regra, e não a exceção, autorizando-se o direcionamento da
117
atividade econômica. Isso porque a análise formulada pelos autores limita sua
preocupação ao imediatismo de soluções judiciais em relações consumeristas e
trabalhistas, esquecendo de que estas se encontram em um cenário econômico
muito mais complexo e que não pode ser controlado conforme pretendido pela
mencionada autora.
A ampliação da responsabilização pessoal dos sócios, tal como defendido
por essa parcela da doutrina, faz com que nosso regime jurídico se assemelhe aos
das medievais sociedades em nome coletivo
263
, protegendo-se a determinada
parcela de credores de maneira bastante eficiente, mas acarretando, por outro lado,
o desincentivo ao desenvolvimento da atividade empresarial, paralisando a
economia e impondo prejuízos a toda a sociedade
264
.
Isso, por conseguinte, contraria os preceitos constitucionais abordados no
primeiro capítulo da presente pesquisa e portanto merece reflexão por parte dos
operadores do Direito
265
para que se promova o desenvolvimento econômico e se
consiga reduzir as desigualdades sociais
266
.
execução contra os bens dos sócios sempre que a sociedade não apresentasse suporte econômico
para o pagamento de suas dívidas. Os efeitos desta ampliação do âmbito de aplicação são
desastrosos. Amplificaram-se os riscos impostos aos empreendedores. Em certas áreas, e
especialmente na Justiça do Trabalho, nem mesmo se considera mais a existência de autonomia
patrimonial, havendo confusão entre os bens dos sócios e os da sociedade para que se garanta a
efetividade ao pagamento dos credores. E tudo em nome da alegada função social do direito.
(TOKARS, Fábio. (O direito ...). Op. cit. p. 42/43).
263
Para Fábio TOKARS: “A desconsideração é sempre uma exceção, e a autonomia patrimonial a
regra. Somente quando houver a efetiva comprovação de fraude é viável a desconsideração. Quando
a sociedade está em situação de insolvência, se os sócios têm em seus patrimônios bens de elevado
valor, não se está necessariamente diante de uma situação fraudulenta. Os bens pessoais podem ter
vindo de diversas origens lícitas. Atacá-los pelo pagamento de dívidas sociais, como regra,
significaria transformar as sociedades limitadas em nome coletivo, com todas as conseqüências
sócio-econômicas derivadas da exagerada imposição de riscos aos investidores.” (TOKARS, Fábio.
Primeiros estudos ... ). Op. cit. (p. 131).
264
TOKARS, Fábio. (O direito ...). Op. cit. p. 44/45.
265
É sabido que a sistemática que movimenta a economia de mercado funciona como a lei da física
de ação e reação, sendo que, ao se adotar ou defender a aplicação jurídica de alguma medida, faz-se
necessário analisar os possíveis efeitos decorrentes da adoção desta medida. Um passo em falso
pode trazer prejuízos para aqueles que se está tentando proteger.
266
Nesse sentido Eduardo Viana PINTO traça um paralelo entre a aplicação ampla da
desconsideração e a contribuição das empresas ao mundo dos negócios, concluindo que: “A
desconsideração da personalidade jurídica não pode ser levada ao exagero, acabando por destruir o
instituto da pessoa jurídica, anulando-se este ente coletivo de extraordinária contribuição ao mundo
dos negócios e assim produzindo um resultado injusto e inaceitável. Apenas no caso em que a fraude
ou abuso de direito se revelam à calva é que autoriza o levantamento do u da personalidade, para
colher a pessoa do sócio ou os bens envolvidos, para não se consumar a iniqüidade”. (PINTO,
Eduardo Viana. Desconsideração da Personalidade Jurídica no Novo Código Civil. Porto alegre:
Síntese, 2003. p. 23).
118
É em decorrência desses apontamentos que se pode afirmar que os
mecanismos jurídicos que interferem nas relações econômicas devem ser aplicados
com cautela, sob pena de causar maiores prejuízos à sociedade do que o benefício
que – supostamente – poderiam trazer. Nesse sentido, Fábio TOKARS corretamente
adverte sobre os efeitos causados à sociedade pela aplicação exagerada da
desconsideração da personalidade jurídica em determinados ramos do Direito:
Neste panorama, cumpre questionar se o exagero na aplicação da
desconsideração garante uma atribuição de função social ao direito. Para
tanto, deve-se partir da premissa de que a busca pela função social não
consiste em simplista identificação do pólo mais frágil em uma lide, para
então julgar a seu favor. A isto se chama piedade, que faz muito bem para a
consciência de quem a pratica, mas muitas vezes impõe um tributo pesado
a outras pessoas, que podem estar em situação ainda mais frágil do que a
do beneficiado pela decisão judicial. Quando se busca uma análise quanto
ao atendimento da função social do direito, deve-se visualizar os efeitos que
a decisão judicial provoca na sociedade como um todo, de modo difuso. No
caso das execuções trabalhistas, este efeito difuso é facilmente
identificável. Ao se responsabilizar de forma direta aos sócios da pessoa
jurídica empregadora (ou qualquer outra pessoa de alguma forma ligada ao
empreendimento), pode-se estar a beneficiar aos exeqüentes de
determinados créditos trabalhistas, mas ocorrerá a imposição de um grave
prejuízo social, consistente na diminuição da oferta de empregos.
267
Na mesma linha de raciocínio, cumpre destacar os ensinamentos e as
conclusões de Márcio Tadeu Guimarães NUNES:
Em suma, temos o seguinte quadro desalentador diante do cenários acima
descrito: os empresários que mais se expõem assumem os riscos de uma
carga tributária/encargos trabalhistas que beiram a imoralidade e, como
regra, estão sujeitos a toda sorte de exceções ao princípio da limitação da
responsabilidade. Tais agentes produtivos são forçados, em muitos casos, a
caminhar para uma atividade quase informal, ficando, em qualquer das
hipóteses (e a legalidade aí passa a não ser o diferencial), órfãos das
garantias (mínimas) da separação entre o seu patrimônio e o da pessoa
jurídica por ele criada, e dos limites de responsabilidade que, desde
sempre, são alguns dos alicerces mais firmes do sistema capitalista. [...]
Qual seria, portanto, o incentivo que o sistema brasileiro confere aos
empreendedores que desejam se pautar nos estritos limites da legalidade,
mas que precisam do anteparo da pessoa jurídica a não lhes expor
pessoalmente? A aplicação desmedida do instituto em tela afugenta e
muito aqueles poucos que ainda se propõem a aplicar no Brasil,
acreditando nas regras do jogo, sobretudo nas de caráter jurídico.
268
267
TOKARS, Fábio. (O direito ...). Op. cit. p. 43.
268
NUNES, Márcio Tadeu Guimarães. Desconstruindo a desconsideração da personalidade
jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 261.
119
O operador do Direito mais atento à realidade social, e que não tenha
interesses econômicos que justifiquem a defesa de algum dos posicionamentos em
favor de determinada classe, não enfrenta dificuldade em perceber que os
resultados econômicos da adoção desses posicionamentos são desastrosos.
Aumentam-se os riscos dos empreendedores e, por conseqüência, os custos do
fornecimento de produtos e serviços se elevam, contrariando diretamente aquilo que
pretende a norma e a doutrina que protege os direitos do consumidor; assim como
os trabalhistas também, inibindo os investidores a destinar os seus capitais à
atividade produtiva e contrariando-se os objetivos constitucionais que disciplinam a
Ordem Econômica e Social no Brasil.
Em linhas opostas com o que defende a parcela da doutrina que pugna pela
ampla aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, Fábio Ulhoa
COELHO traz análise que clarifica e resume a gica que move os investimentos
privados e que, por si , justifica a limitação da responsabilidade dos sócios,
demonstrando-se a preocupação que deve ser observada pelos operadores do
Direito ao se aplicar a desconsideração da personalidade jurídica:
A limitação da responsabilidade dos sócios, na limitada, corresponde a
regra jurídica de estímulo à exploração de atividades econômicas. Seu
beneficiário indireto e último é o próprio consumidor. De fato, poucas
pessoas ou nenhuma dedicar-se-iam a organizar novas empresas se o
insucesso da iniciativa pudesse redundar na perda de todo o patrimônio,
amealhado ao longo de anos de trabalho e investimento, de uma ou mais
gerações. A limitação da responsabilidade do empreendedor ao montante
investido na empresa é condição jurídica indispensável, na ordem
capitalista, à disciplina da atividade de produção e circulação de bens ou
serviços. Sem essa proteção patrimonial, os empreendedores canalizariam
seus esforços e capitais em empreendimentos consolidados. Os novos
produtos e serviços somente conseguiriam atrair o interesse dos capitalistas
se acenassem com altíssima rentabilidade, compensatória do risco de
perda de todos os bens. Isso significa, em outros termos, que o preço das
inovações, para o consumidor, acabaria sendo muito maior do que costuma
ser, sob a égide da limitação da responsabilidade dos sócios, que estes
preços deveriam cobrir o custo e gerar lucros extraordinários, capazes de
remunerar o risco pela perda total do patrimônio, a que se expôs o
empreendedor. A limitação da responsabilidade dos sócios pelas
obrigações sociais é, em suma, direito-custo.
269
Não se está, com isso, defendendo a “institucionalização do calote” operado
pela proteção do patrimônio das pessoas jurídicas. Pelo contrário, o que se pretende
269
COELHO, Fábio Ulhoa. (A sociedade ...). Op. cit. p. 4.
120
é que o mecanismo da autonomia patrimonial, que demorou séculos para ser
construído pela doutrina e muito bem serve para incentivar o desenvolvimento
econômico, não seja relativizado com a desconsideração da personalidade jurídica
sendo adotada como regra em determinados ramos do Direito.
Por isso, pode-se afirmar que precisamos no Brasil, com urgência, operar
uma mudança nos ideais de justiça social supostamente aplicados em poucos
casos práticos para que o objetivo central das políticas públicas deixe de ser
apenas a solução de determinado caso concreto, passando a pensar no
desenvolvimento de toda a sociedade. Proteger as partes hipossuficientes nas
relações jurídicas, como consumidores e trabalhadores, é medida necessária e que
deve ser tomada. Todavia, não se podem praticar exageros ao se realizar a
concretização dessa tutela, sob pena de que as próprias classes que se pretende
proteger sejam prejudicadas pelas medidas tomadas.
Com base nessas informações, pode-se afirmar que a desconsideração da
personalidade jurídica no Direito brasileiro precisa voltar a ser tratada como exceção
à regra
270
, aplicando-se apenas aos casos de abuso do ente personificado
271
.
270
Assim afirma Alfredo de Assis GONÇALVES NETO, in verbis:É preciso que isso fique bem claro:
a simples prática de ato ilícito pela pessoa jurídica não tem anda a ver com a teoria da
desconsideração. Se a pessoa jurídica age dentro dos propósitos para os quais foi constituída, mas
pratica um ilícito (vende uma mercadoria que não possui, por exemplo), deve responder normalmente
por este ato, como qualquer agente que assim o pratica. Para que se aplique a teoria da disregard of
legal entity é preciso que haja desvio de sua função econômico-social, isto é, da causa do seu
nascimento, do papel que a pessoa jurídica deve preencher e que justificou sua criação para atuar à
semelhança de uma pessoa natural”. (GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. (Lições de ...). Op. cit.
p. 34).
271
Outro aspecto que merece observação é a diferenciação entre o sócio administrador da sociedade
e o sócio investidor. Este é elemento que, via de regra, apenas contribui com o desenvolvimento da
atividade ao dispor seu capital em favor da empresa, sem praticar atos que envolvam a gestão da
sociedade. Portanto, não interfere diretamente na administração da empresa. o sócio
administrador é aquele que toma as decisões pela empresa e gere os negócios. Caso a doutrina, de
fato, quisesse responsabilizar amplamente alguma classe de sócios, seriam os administradores os
que até poderiam sofrer tais ônus. Em linha com essas afirmações a doutrina apresenta
posicionamento que merece ser observado: “O direito positivo brasileiro é bastante insatisfatório na
disciplina da matéria. Em primeiro lugar, deveria dispensar aos sócios da limitada tratamentos
diferentes, segundo o vínculo de interesse que os une à sociedade. Os empreendedores majoritários
quer dizer, os que interferem na gestão da empresa deveriam responder ilimitadamente perante
os credores não negociais da sociedade, mas não assim os investidores minoritários – isto é, aqueles
que apenas prestam capital, e o participam, nem indiretamente, da administração dos negócios
sociais. Essa salutar distinção, com efeito, se encontra na disciplina legal dos débitos fiscais da
limitada. Por outro lado seria conveniente descartar as inapropriadas referências à desconsideração
da personalidade jurídica (teoria menor), ao proteger consumidores (CDC, art. 28), estruturas do livre
mercado (Lei n. 8.884/94, art. 18) e valores ambientalistas (Lei n. 9.605/98, art. 4). Nesses casos, e
nos demais relacionados a titulares de direito à indenização, o tecnologicamente seria a
responsabilização ilimitada dos sócios empreendedores majoritários, sem referência à
desconsideração da personalidade jurídica”. (COELHO, Fábio Ulhoa. (A sociedade ...). Op. cit. p. 9).
121
Um significativo passo para tal mudança foi tomado pelo legislador brasileiro
ao dispor sobre o tema no Código Civil de 2002 que, voltando às bases da previsão
originária da teoria da desconsideração da personalidade judica, limitou as
hipóteses de sua aplicação. Segundo dispõe o texto do art. 50 do referido código,
em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo (i) desvio de
finalidade, ou pela (ii) confusão patrimonial, pode o juiz decidir que os efeitos de
certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens
particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
Nota-se que o legislador limitou as hipóteses de desconsideração da
personalidade jurídica apenas aos casos em que se identifique algum desvio de
finalidade
272
da pessoa jurídica ou confusão patrimonial, nitidamente, seguindo os
moldes construídos pela doutrina durante o século XX e prestigiando a aplicação da
desconsideração da personalidade jurídica apenas aos casos em que elementos de
fraude sejam identificados.
A previsão do Novo Código Civil embasou posicionamentos doutrinários que
defendem, inclusive, a revogação do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor
pelo Código Civil de 2002, como afirma Fábio TOKARS:
Com a entrada em vigor do Código Civil, revogou-se a norma presente no
art. 28 do Código de Defesa do Consumidor. Poderiam alguns argumentar
que a disposição consumerista cuida-se de norma especial, que não
poderia ter sido revogada por lei posterior de conteúdo geral. A prevalecer
tal entendimento, conviveriam no direito brasileiro dois sistemas de
desconsideração. Nas relações de consumo, a desconsideração estaria
fundada no art. 28 do Código de Defesa do Consumidor, e incidiria tanto na
hipótese de fraude quanto na de má administração. Já nas relações
obrigacionais diversas das de consumo, seria aplicável o art. 50 do Código
Civil, para o que seria necessária a comprovação de fraude, não se
cogitando de desconsideração por má administração.
273
Compartilhamos do otimismo do autor e, certamente, a adoção do
posicionamento por ele sustentado muito contribuiria para o desenvolvimento das
atividades econômicas, beneficiando, inclusive, a classe consumidora. Todavia,
ainda que possa ser considerado como válido o primeiro passo tomado pelo
272
Oksandro GONÇALVES define o conceito de desvio de finalidade: “Por desvio de finalidade deve-
se entender aquela pessoa jurídica que pratica atos incompatíveis com o seu contrato social ou
estatuto, gerando obrigações que não guardam relação com a finalidade para a qual foi instituída”
(GONÇALVES, Oksandro. A Disregard Doctrine e o princípio da eticidade no novo código civil. In:
Revista de Direito Empresarial, nº. 1, jan/jun 2004, Curitiba: Juruá, 2004. p. 154).
273
TOKARS, Fábio. (Sociedades limitadas ...). Op. cit. p. 459/460.
122
legislador ordinário com o texto do Código Civil de 2002, é inegável que será árdua a
tarefa de modificar o posicionamento defendido por algumas classes de credores,
como anteriormente esboçado, eis que o individualismo no adimplemento de
determinados créditos supera o pensamento em prol da coletividade.
Nada obstante, trata-se de um dos objetivos que a presente pesquisa
persegue como sendo de significativa importância para que se incentive o
desenvolvimento da atividade econômica no Brasil, e, com isso, de acordo com as
premissas definidas no primeiro capítulo desta dissertação, promova-se o
desenvolvimento econômico e contribua-se para a redução das desigualdades
sociais.
3.1.3 A limitação da responsabilidade do empresário individual
A limitação da responsabilidade dos empresários individuais também é
elemento que merece análise ao se debater a limitação da responsabilidade em
nosso Direito. Isso porque, como visto no primeiro capítulo da presente dissertação,
os empreendimentos de pequeno e médio porte são responsáveis pela criação e
manutenção de boa parte dos empregos existentes no Brasil.
Cabe, então, analisar como a limitação da responsabilidade aos pequenos
empreendedores está disposta no ordenamento jurídico brasileiro, verificando-se os
erros e acertos da nossa sistemática jurídica frente a alguns ordenamentos jurídicos
do direito comparado.
Quando se analisam as sociedades limitadas de pequeno porte no Brasil é
bastante comum encontrar sociedades em que um sócio possui mais de 95%
(noventa e cinco por cento) das quotas sociais, sendo este o único membro
diretamente envolvido na exploração da atividade empresarial (empreendedor),
enquanto que o restante das quotas sociais permanece sob a titularidade de
pessoas que dela fazem parte apenas para cumprir o requisito da multiplicidade de
sócios. São, muitas vezes, pessoas da própria família do empreendedor que figuram
como “laranjas” no quadro societário para atender os requisitos impostos pela lei.
Tais medidas o justificadas em decorrência das exigências apresentadas
pela legislação brasileira que, como será adiante examinado, exige a pluralidade de
sócios para se constituir uma sociedade de responsabilidade limitada, o que força os
123
empreendedores a, de alguma forma, encontrar um caminho alternativo para cumprir
com este requisito.
Usualmente, essas estruturas societárias compostas por mais de um cio
em sua parte formal, mas que na realidade operam como empresas individuais, são
denominadas de sociedades de palha, sociedades de favor ou sociedades de
cômodo. Na visão de Fábio TOKARS, estas sociedades são um sinalizador da
necessidade de os empreendedores individuais recorrerem ao formato da sociedade
limitada para melhor equalizar os riscos que lhes são impostos
274
.
Por se tratarem as sociedades de palha como prática institucionalizada no
Brasil, e reconhecida como válida pelo ordenamento jurídico, doutrinadores que
defendem ser inútil a regulamentação das sociedades unipessoais com
responsabilidade limitada. Nesse sentido, Ângelo GRISOLI afirma que a empresa
individual seria apenas um instrumento, que em alguns aspectos seria inútil e em
outros inadequado. Inútil, pois não asseguraria resultados lícitos diferentes daqueles
alcançados pela constituição de uma sociedade de palha, e inadequado porque
não permitiria outros resultados já alcançados mediante a sociedade fictícia
275
.
Todavia, esta não é a posição manifestada pela maioria da doutrina
276
, pois
a regulamentação da sociedade unipessoal de responsabilidade limitada pode retirar
grande quantidade de empresários individuais da informalidade, como ensina a
professora espanhola Josefina Boquera MATARREDONA
277
, corrigindo-se,
moralmente, aquilo que a prática já resolveu às avessas, senão vejamos:
Hasta el momento, como es sabido, para poder ejercer el comercio con el
beneficio de la responsabilidad limitada, disfrutando de los privilegios de las
personas jurídicas sin soportar riesgos, se utilizaba abusiva y ficticiamente
el esquema de a sociedad anónima y de la sociedad de responsabilidad
limitada mediante la intervención de testaferros. Con ele reconocimiento de
la posibilidad de constituir originariamente una sociedad unipersonal
desaparece la necesidad de que el empresario individual recurra a personas
que actúen como testaferros para cumplir los requisitos exigidos para la
fundación ordinaria de una sociedad de capital.
274
TOKARS, Fábio. (O direito ...). Op. cit. p. 37.
275
GRISOLI, Ângelo. Las sociedades de un solo socio. Madrid: Editora de Derecho Provado, n° 21,
1976. Apud: ISFER, Edson. Sociedades unipessoais & empresas individuais – responsabilidade
limitada. Curitiba: Juruá, 1996. p. 137.
276
TOKARS, Fábio. Ibidem. p. 37.
277
MATARREDONA, Josefina Boquera. La sociedad unipersonal de responsabilidad limitada.
Madrid: Civitas, 1996. p. 60.
124
Se considerarmos que o ordenamento jurídico não precisa ser modificado
porque a prática empresarial já corrigiu a questão, assim como defendido por Ângelo
GRISOLI, aceitaremos, cotidianamente, a violação da moral e da ética, sendo a
ordem jurídica superada pelos costumes.
Em sentido contrário, Antônio Pereira de ALMEIDA ensina que muito
tempo a doutrina portuguesa vem procurando responder à necessidade econômico-
social da limitação da responsabilidade do comerciante individual, que é atestada
pelo elevadíssimo número de sociedades fictícias criadas apenas para cumprir os
requisitos legais. Sendo assim, não se mais razão para que, se duas pessoas
podem limitar a sua responsabilidade, admitindo determinado patrimônio de
afetação, uma sozinha não pode fazer
278
.
De fato, a preocupação manifestada pelo autor segue a sistemática lógica
que procurou-se construir na presente pesquisa, servindo as sociedades
unipessoais de responsabilidade limitada como importantes agentes para a
promoção do desenvolvimento econômico e redução das desigualdades sociais
279
.
No Direito brasileiro, até a entrada em vigor da Lei das Sociedades
Anônimas de 1976 não havia previsão legal admitindo a validade jurídica das
sociedades unipessoais. Foi então que no artigo 251, da Lei 6.404/76, legitimou-se a
existência das sociedades unipessoais, restringindo-se, apenas, à modalidade da
sociedade unipessoal subsidiária integral, que é assim denominada porque possui
em seu quadro societário apenas uma outra sociedade. Trata-se de modalidade
societária utilizada por grandes grupos empresariais ao estruturarem seus
planejamentos societários, mantendo as sociedades com autonomia jurídica entre
278
ALMEIDA, Antonio Pereira de. A limitação da responsabilidade do comerciante individual:
Novas perspectivas do direito comercial. Coimbra: Almedina, 1988. p. 271. Apud: BRUSCATO,
Wilges Ariana. Empresário individual de responsabilidade limitada. São Paulo: Quartier Latin, 2005.
p. 260.
279
Sérgio CAMPINHO muito bem ensina os motivos que fundamentam a legitimação da sociedade
unipessoal de responsabilidade limitada, in verbis: “[...] O escopo fundamental da sociedade limitada
com um único sócio reside em subtrair a parcela restante do patrimônio de seu instituidor, não
comprometida no exercício da atividade empresarial, da ão dos credores sociais, estatuindo uma
rigorosa separação entre o patrimônio qualificado como social e o privado do sócio único, o qual
somente viria a responder em caso de conduta irregular ou manifesto abuso de direito. Consagra-se,
assim, a defendida concepção mercantil, segundo a qual o patrimônio do negócio do comerciante,
modernamente intitulado de empresário, deva estar rigorosamente separado de seu patrimônio
particular, refletindo em seu patrimônio pessoal um bem, com afetação específica.” (CAMPINHO,
Sérgio. (O direito ...). Op. cit. p. 127).
125
elas
280
. Isso, evidentemente, não serve para contribuir com o desenvolvimento das
atividades de pequeno porte.
Após a introdução do tema, trazida pela lei anonimária ao direito trio,
imaginou-se que o próximo passo seria a admissão da limitação da responsabilidade
do empresário individual, aprimorando-se o instituto da unipessoalidade. Nada
obstante, isso não ocorreu, limitando-se a previsão do direito brasileiro apenas à
existência da subsidiária integral.
Havia grande expectativa por parte da doutrina de que o Código Civil de
2002 poderia trazer novidades em relação à disciplina da matéria, mas, infelizmente,
o novo regramento não contemplou o assunto em suas disposições.
O artigo 981 do Novo Código Civil, nos moldes da legislação anterior, impôs
como fator essencial para a regularidade das sociedades que estas sejam formadas
por mais de um sócio
281
, exigindo-se a multiplicidade de sócios. Da mesma forma,
estabelece o artigo 1033, IV, também do Código Civil de 2002, que a sociedade será
dissolvida quando a pluralidade de sócios não for reconstituída no prazo de 180
(cento e oitenta) dias, tratando-se, especificamente neste caso, da sociedade
unipessoal derivada
282
.
Assim, nota-se que a legislação brasileira continua não permitindo aos
empresários individuais a limitação de suas responsabilidades pela autorização das
sociedades unipessoais, caminhando em sentido diverso daquilo que ocorre em boa
parte dos ordenamentos jurídicos do direito comparado, especialmente nos países
do continente europeu.
Como bem ensina Alfredo de Assis GONÇALVES NETO, há uma forte
tendência em se admitir a existência e a manutenção da sociedade com um único
280
PRADO, Viviane Muller. Conflitos de interesses nos grupos societários. São Paulo: Quartier
Latin, 2006. p. 41.
281
Veja-se que ao longo de todo o texto do Código Civil de 2002, ao tratar dos requisitos das
sociedades, a expressão utilizada é de “pessoas” que formam as sociedades, sempre se referindo no
plural. Da mesma forma, há vedação expressa.
282
As sociedades unipessoais, como o próprio nome já deixa claro, são aquelas constituídas por uma
única pessoa, podendo esta ser física (empresário individual) ou jurídica (subsidiária integral). No
tocante ao tempo em que se verifica a unipessoalidade, subdividem-se em sociedades unipessoais
originárias ou sociedades unipessoais derivadas. Nas originárias a unipessoalidade ocorre desde a
sua formação. nas sociedades unipessoais derivadas a unipessoalidade surge no decorrer da sua
existência, seja por falecimento de sócio, retirada, cisão ou qualquer outro motivo que reduza a
sociedade, durante a sua existência, a apenas um sócio. Tanto as originárias quanto as derivadas
podem ser constituídas por pessoas físicas ou jurídicas, não havendo nenhuma espécie de fator
condicionante que vincule uma classificação à outra.
126
sócio. A sociedade unipessoal tem sido admitida em diversos países como forma de
organização que objetiva ora à limitação da responsabilidade do comerciante
individual, ora à necessidade de separação patrimonial
283
.
Atualmente, no velho continente, países como Alemanha, lgica,
Dinamarca, Espanha, França, Holanda, Itália, Portugal e Reino Unido já reconhecem
a limitação da responsabilidade das sociedades unipessoais. A forma com que a
unipessoalidade é recepcionada em cada ordenamento jurídico varia de acordo com
as especificidades do sistema legal de cada um dos países. Alguns, fiéis à
concepção contratualista da sociedade, optaram por adotar a forma não-societária
de limitação da responsabilidade para o empresário individual (por exemplo:
Portugal), enquanto outros optaram pela modalidade societária (por exemplo:
Alemanha, Bélgica, França e Itália)
284
.
A grande aceitação da limitação da responsabilidade do empresário
individual no ordenamento jurídico Europeu decorreu, especialmente, dos bons
resultados econômicos obtidos inicialmente pela Alemanha a pela França quando
foram precursoras no assunto
285
. Posteriormente, após o amadurecimento da
matéria
286
, e com a edição da XII Diretiva da Comunidade Econômica Européia, os
países integrantes da Comunidade foram obrigados a alterar seus ordenamentos
283
GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. (Lições de ...). Op. cit. p. 326.
284
CHAVES, Natália Cristina. O menor empresário na sociedade limitada unipessoal. Revista de
Direito Empresarial, n. 3, jan/jun 2005, Curitiba: Juruá, 2005. p. 146.
285
Leciona Sérgio CAMPINHO que, hoje, na Alemanha, 25% (vinte e cinco por cento) das sociedades
limitadas são de caráter unipessoal. (CAMPINHO, Sérgio. (O direito ...). Op. cit. p. 127).
286
Da mesma forma como ocorrido no século XIX, quando se deu o reconhecimento da limitação da
responsabilidade às sociedades de pequeno porte, tivemos na Alemanha um dos primeiros
ordenamentos jurídicos que reconheceu a sociedade unipessoal com responsabilidade limitada. Em
1980, na reforma da legislação societária ocorrida na Alemanha, o legislador trio recepcionou esta
ferramenta no seu ordenamento jurídico, tendo o mesmo fenômeno ocorrido na França no ano de
1985. Devido ao sucesso obtido pelos dois países, o assunto passou a demandar estudos e chamar a
atenção dos demais países membros da Comunidade Européia. Alguns foram reticentes em aceitar a
solução proposta, enquanto outros aderiram com maior facilidade. Ao longo da década de 80 muito
foi discutido na doutrina européia quanto à possibilidade ou não de ser reconhecida a limitação da
responsabilidade nas sociedades unipessoais. Então, em 21 de dezembro de 1989, a 12ª. Diretiva da
Comunidade Econômica Européia foi aprovada pelo conselho da Comunidade Européia. Visava
orientar os seus membros quanto à importância do reconhecimento da limitação da responsabilidade
nas sociedades de um único sócio, indicando que todos os seus membros deveriam adaptar seus
ordenamentos jurídicos de modo a recepcionar esta modalidade de limitação de responsabilidade do
empreendedor individual. Gradativamente, os países membros foram inserindo em seus
ordenamentos jurídicos a limitação da responsabilidade do empreendedor individual, conforme
compromisso selado pela diretiva, atingindo-se uma quantia considerável de países que admitem
este mecanismo de incentivo à atividade econômica. Na Alemanha e na França o legislador
introduziu na sistemática jurídica um modelo constituído por meio de uma forma societária. em
Portugal, o legislador recepcionou a limitação da responsabilidade do empreendedor individual por
intermédio de forma não-societária.
127
jurídicos internos para criar mecanismos de limitação da responsabilidade dos
empresários individuais, nos moldes da Alemanha e da França. Assim, a referida
diretiva, com a uniformização do regramento da disciplina e com a imposição do
reconhecimento aos países que ainda não o faziam, constitui mais uma modalidade
de incentivo às pequenas e médias empresas
287
.
Na América do Sul temos o exemplo do Brasil, que, como mencionado em
epígrafe, não admite a limitação da responsabilidade nas sociedades unipessoais,
mas também temos dois bons exemplos de ordenamentos jurídicos que
reconheceram a sistemática da unipessoal com a limitação de responsabilidade do
empresário individual, quais sejam o Peru e, mais recentemente, o Chile
288
.
na América Central e do Norte, países como México, Panamá e alguns
estados componentes dos EUA admitem a sociedade unipessoal de
responsabilidade limitada em seus ordenamentos jurídicos.
As informações acima colacionadas servem para ilustrar como a temática
vem evoluindo nos últimos anos no Direito Comparado, tendo sido recepcionada por
boa parte dos países em desenvolvimento. Note-se, inclusive, que significativa parte
desses países vem apresentando elevados índices de crescimento econômico e,
paralelamente, índices sociais, no mínimo, satisfatórios
289
.
Não pretendemos afirmar, com isso, que o reconhecimento da limitação da
responsabilidade nas sociedades unipessoais é a chave mágica para que um país
melhore seus índices de desenvolvimento econômico. Todavia, é inegável que esta
forma de incentivo ao empreendedorismo contribui, e muito, para fomentar a
economia de base e reduzir a informalidade nos países que a admitem, criando
incentivos para que os pequenos empreendimentos estejam dentro da legalidade e
cumprindo o seu papel social.
Por esta razão, partindo-se da premissa que os pequenos empreendimentos
são as principais fontes de geração de empregos e inclusão social, espera-se que
sejam superados os obstáculos existentes à limitação da responsabilidade nas
sociedades unipessoais no Brasil, realizando-se uma reforma legislativa futura que
287
SALOMÃO FILHO, Calixto. A sociedade unipessoal. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 11.
288
BRUSCATO, Wilges Ariana. Empresário individual de responsabilidade limitada. São Paulo:
Quartier Latin, 2005. p. 255.
289
A comprovação dessas afirmações pode ser feita quando da análise dos dados apontados pelo
relatório Doing Business 2008 (DOING BUSINESS IN 2008. Op. cit.).
128
contemple a necessidade ora apontada e que contribua com o projeto de
desenvolvimento social estabelecido para a Ordem Econômica e Social brasileira.
3.2 A PROTEÇÃO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL E O
DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
É sabido que as pesquisas científicas são importantes para acelerar o
processo de desenvolvimento da sociedade, trazendo inovações, aprimorando os
procedimentos e servindo como molas propulsoras para a implementação de
melhorias sociais. Em todas as áreas das ciências a pesquisa exerce função
desbravadora e, por isso, a proteção jurídica outorgada aos pesquisadores constitui
um dos principais pilares que devem ser sustentados pelo Direito, recompensando-
se aqueles que a desenvolvem para tornar os processos de melhoria científica
constantes, assim como nos ensina Fábio TOKARS:
Faz parte da cartilha básica da propriedade industrial: sua regulação tem
como objetivo central garantir o direito de exploração econômica exclusiva
ao criador de uma invenção, modelo de utilidade, desenho industrial ou
marca. Da eficiência deste sistema depende a inovação tecnológica
(elemento central para o desenvolvimento econômico de uma nação), na
medida em que os altos custos com pesquisa e desenvolvimento somente
serão suportados se o investidor contar com a garantia de retorno financeiro
suficiente à cobertura não dos custos de produção e distribuição, como
também daqueles relativos ao desenvolvimento do novo produto.
290
É nesse sentido que a proteção da propriedade industrial
291
funciona como
instrumento que confere uma posição jurídica (titularidade) e outra econômica
(exclusividade). A primeira serve para garantir ao seu titular a recuperação de
investimentos na pesquisa e desenvolvimento tecnológico, enquanto que a segunda
permite ao seu detentor a exclusividade no processo industrial, de comercialização
do produto ou do serviço
292
, etc. Por essas razões afirma-se que a proteção à
290
TOKARS, Fábio. Patentes de remédio uma proposta de combate aos abusos. O Estado do
Paraná - Caderno Direito e Justiça, 07 de setembro de 2008, Curitiba. p. 10.
291
A presente pesquisa limitou-se a abordar a propriedade industrial por se tratar daquela que,
profundamente, encontra-se ligada à atividade empresarial privada. Mesmo sabendo-se da
importância da proteção dos direitos autorais, preferimos nos abster de analisar também esta
categoria, sob pena de ampliação excessiva da temática proposta.
292
PIMENTEL, Luiz Otávio. Direito de propriedade intelectual e desenvolvimento. In: BARRAL,
Welber (org.). Direito e desenvolvimento: análise da ordem jurídica brasileira sob a ótica do
desenvolvimento. São Paulo: Singular, 2005. p. 290.
129
propriedade industrial é uma característica fundamental da atividade empresarial
organizada, servindo como elemento que, dentre outras atribuições: (i) gera serviços
importantes para o sustento de pessoas na sociedade; (ii) auxilia o consumidor a
satisfazer suas necessidades e desejos de consumo; (iii) qualifica os produtos
provenientes das pesquisas realizadas pelas empresas e, com isso, contribui com a
filtragem que o consumidor pode fazer ao adquirir produtos e serviços no mercado.
De acordo com os ensinamentos de Gabriel Di BLASI, Mario Soerensen
GARCIA e Paulo Parente M. MENDES, a proteção da propriedade industrial justifica-
se por quatro principais razões/aspectos: (i) do direito, (ii) da economia, (iii) da
técnica e (ix) do desenvolvimento. As razões de direito referem-se à gratificação pelo
esforço criativo do inventor, estando a sociedade obrigada a reconhecer este direito
como meio de defesa contra a apropriação indevida por parte de terceiros. As
razões econômicas encontram-se na garantia aos inventores de que seus interesses
econômicos encontram-se devidamente tutelados, sendo justo que os inventores
lucrem com o seu trabalho; inexistindo esta proteção, os investidores deixariam de
destinar seus capitais para novos estudos e pesquisas. As razões de técnica
consistem na forma de ampliação do domínio técnico, eis que, ao tornar-se pública a
idéia trazida pela invenção, permite-se a formação de novos pacotes de técnica
que utilizam a anterior e que podem ampliar os domínios da pesquisa científica.
Por fim, as razões de desenvolvimento referem-se ao consenso geral entre as
nações de que a sistemática trazida pela proteção à atividade inventiva é fator de
desenvolvimento, parecendo evidente que a ausência de proteção torna a atividade
desinteressante aos particulares e, consequentemente, reduz o processo de
melhoria científica que sustenta o desenvolvimento
293
.
293
DI BLASI, Gabriel; GARCIA, Mario Soerensen; MENDES, Paulo Parente M. A propriedade
industrial: os sistemas de marcas, patentes e desenhos industriais analisados a partir da Lei
nº. 9.279/96, de 14 de maio de 1996. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 29.
130
É nesse sentido que se enfrenta a proteção da propriedade industrial
294
como importante mecanismo criado pelo Direito para contribuir com o
desenvolvimento econômico. Ao protegerem-se aqueles que desenvolvem a
atividade inventiva e incentivá-los para que, com a realização de novas
combinações
295
, tenham a possibilidade de recompensar o seu trabalho, estimula-se
a atividade econômica e contribui-se para a obtenção dos bons resultados
socioeconômicos que a acompanham
296
. Então, compreendidas as razões que
justificam a proteção da propriedade industrial, cumpre analisar o tratamento jurídico
dispensado à matéria pelo Direito brasileiro.
3.2.1 A regulamentação jurídica da propriedade industrial no Brasil
Desde muito tempo a propriedade industrial recebe atenção do legislador
brasileiro. No início do século XIX, mais precisamente com o Alvará de 1809, editado
pelo Príncipe Regente Dom João VI, noticia-se o primeiro regramento dispondo
sobre a proteção da atividade inventiva, outorgando-se privilégio de exclusividade
aos inventores e introdutores de novas máquinas e invenções, especialmente
294
Desde logo, cumpre destacar que a lógica jurídica que sustenta a proteção da propriedade
industrial segue a mesma sistemática adotada para as demais modalidades de propriedade.
Basicamente, protege-se o direito daqueles que se esforçaram para conquistá-lo, servindo esta
proteção como recompensa pelo esforço despendido e como prêmio pela poupança realizada pelo
particular, o que se confirma com as seguintes lições de Richard A. POSNER: “(...) Imagine a society
in which all property rights have been abolished. A farmer plants corn, fertilizes it, and erects
scarecrows, but when the corn is ripe his neighbor reaps it and takes it away from his use. The farmer
has no legal remedy against his neighbor’s conduct since he owns neither the land that he sowed nor
the crop. Unless defensive measures are feasible (and let us assume for the moment that they are
not), after a few such incidents the cultivation of land will be abandoned and society will shift to
methods of subsistence (such as hunting) that involve less preparatory investment.”. (POSNER,
Richard A. Economic Analysis of Law. New York: Aspen Publishers, 2002. p. 32).
295
SCHUMPETER, Joseph A. Op. cit. p. 91.
296
Joseph E. STIGLITZ apresenta entendimento diverso. Para o autor: “A inovação é importante: ela
transformou a vida de todos. E as leis da propriedade intelectual podem e devem desempenhar um
papel de estímulo à inovação. Porém, em geral não é correta a alegação de que direitos de
propriedade intelectual mais fortes sempre impulsionam o desenvolvimento econômico. Trata-se de
mais um exemplo de como os interesses especiais daqueles que se beneficiam com isso utilizam
uma ideologia simplista para defender suas causas.”. (STIGLITZ, Joseph. E. Op. cit. p. 196). Em que
pese as considerações do autor merecerem reflexão e, em alguns casos, de fato, reduzirem o acesso
da população às melhorias, a presente pesquisa prefere se limitar àquilo que o autor entende como
sendo prejudicial à sociedade, visto que a proporção de melhorias que são obtidas com as pesquisas
versus os prejuízos da redução de acesso apontados pelo autor demonstram esmagadora vantagens
dos benefícios obtidos em relação à dominação criticada.
131
manufaturas de tecidos, ferro e aço
297
, servindo tal proteção como incentivo à
indústria e às artes. Dentre outras medidas, este alvará reconheceu ao inventor o
privilégio de exclusividade por 14 (quatorze) anos sobre as invenções levadas a
registro na Real Junta do Comércio
298
. Tal norma colocou o Brasil em posição de
destaque quanto à regulamentação da matéria
299
, tendo sido um dos primeiros
países do mundo a dispor sobre os direitos decorrentes da atividade inventiva, ainda
que estas diretrizes tenham apenas se limitado à amplitude territorial brasileira.
Em decorrência desta limitação territorial, e com a força do desenvolvimento
industrial, iniciado no século XIX e fortalecido no século seguinte, tornou-se
necessária a extensão e unificação da proteção da propriedade industrial entre os
países desenvolvidos.
Após vários encontros internacionais para discutir a temática, no ano de
1980, na França, realizou-se a Convenção de Paris para a Proteção dos Direitos da
Propriedade Industrial, tendo como produto final um texto de normas com adesão,
originariamente
300
, dos seguintes países: Bélgica, Brasil, Portugal, França,
Guatemala, Itália, Holanda, El Salvador, Sérvia, Espanha e Suíça.
Atualmente o mais de 130 países participantes
301
que, como se
formassem um bloco econômico, contam com um sistema unificado de proteção da
propriedade industrial.
No Brasil
302
, a proteção da propriedade industrial hoje segue os termos da
Lei nº. 9.279/96. Mesmo havendo parcela da doutrina que considera a atual
297
CERQUEIRA, João da Gama. Tratado de propriedade industrial, v. 1. Rio de Janeiro: Forense,
1946. p. 27.
298
COELHO, Fábio Ulhoa. (Curso de ...). Op. cit. p. 136.
299
Assim muito bem ensinam Luiz Otávio PIMENTEL e Welber BARRAL, in verbis: O
estabelecimento de um regime jurídico de proteção da propriedade intelectual para servir de alavanca
ao crescimento econômico nacional não é recente na história do direito no Brasil. Antes mesmo da
independência de Portugal, vigorava o Alvará de 1809, do Príncipe Regente Dom João VI, que previa
a concessão do privilégio de exclusividade aos inventores e introdutores de novas máquinas e
invenções, como um benefício para a indústria e as artes. Esta norma e outras promulgadas a partir
de 1822 colocaram o Brasil entre os primeiros países do mundo a regularem os direitos de
propriedade intelectual.” (PIMENTEL, Luiz Otávio; BARRAL, Welber. Propriedade Intelectual e
Desenvolvimento. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2006. p. 13).
300
Posteriormente, a convenção foi revista em Bruxelas (1900), em Washington (1911), em Haia
(1925), em Londres (1934), em Lisboa (1958) e em Estocolmo (1967).
301
BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Márcia Carla Pereira. Op. cit. p. 114.
302
No âmbito dos tratados internacionais firmados pelo Brasil, destaque-se também o TRIPS (Trade
Related Aspects on Intellectual Property Rights), que incorpora os resultados da Rodada Uruguai de
Negociações Comerciais Multilaterais do GATT, assinado pelo Brasil em 12 de abril de 1994 e
referendado com a promulgação do Decreto. nº. 1355/94, sendo, atualmente, uma das mais
importantes fontes de disciplina da matéria em nosso país.
132
legislação incompleta em relação às definições estabelecidas pela Convenção de
Paris, eis que não trata especificamente do nome empresarial (o que é feito pela Lei
nº. 8.934/94), com o devido acatamento ao posicionamento defendido
303
,
entendemos que a legislação vigente é bastante evoluída no tratamento dispensado
à matéria, disciplinando corretamente as mais importantes e usuais formas de
proteção da propriedade industrial, o que torna eventuais omissões ao conteúdo da
Convenção de Paris ou dispersões do conteúdo em mais de uma Lei como
sendo pouco relevantes ao enfrentamento prático da matéria.
O texto da Lei de Propriedade Industrial traz a proteção para as 4 (quatro)
principais modalidades de atividades inventivas para a pesquisa industrial, quais
sejam: (i) as invenções
304
, (ii) os modelos de utilidade
305
, (iii) as marcas
306
e (iv) os
desenhos industriais
307
, as duas primeiras protegidas pelas patentes e as duas
últimas por meio de registros
308
.
303
É nesta linha de raciocínio que Fábio Ulhoa Coelho afirma: “Mas o conceito amplo de propriedade
industrial , estabelecido pela União de Paris, nunca foi integralmente incorporado nas muitas reformas
legislativas que se seguiram (1945, 1967, 1969, 1971 e 1996). A vigente Lei da Propriedade Industrial
(LPI: Lei n. 9.279/96), por exemplo, aplica-se às invenções, desenhos industriais, marcas, indicações
geográficas e à concorrência desleal, mas não trata do nome empresarial, instituto cuja disciplina é
feita pela lei do registro de empresas (Lei n. 8.934/94). (COELHO, Fábio Ulhoa. (Curso de ...). Op.
cit. p. 136).
304
A invenção é o único bem da propriedade industrial protegido pela Lei que não teve sua
conceituação estabelecida no texto legal, até pela lógica inovadora que acompanha a sua
denominação. Ao invés de definir o que seria a invenção, o legislador optou, no art. 10 da Lei
9.279/96, por apresentar uma listagem daquilo que não se considera invenção, in verbis: (i)
descobertas, teorias científicas e métodos matemáticos; (ii) concepções puramente abstratas; (iii)
esquemas, planos, princípios ou métodos comerciais, contábeis, financeiros, educativos, publicitários,
de sorteio e de fiscalização; (iv) as obras literárias, arquitetônicas, artísticas e científicas ou qualquer
criação estética; (v) programas de computador em si; (vi) apresentação de informações; (vii) regras
de jogo; (viii) técnicas e métodos operatórios ou cirúrgicos, bem como métodos terapêuticos ou de
diagnóstico, para aplicação no corpo humano ou animal; e (ix) o todo ou parte de seres vivos naturais
e materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados, inclusive o genoma ou
germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos biológicos naturais.
305
Definido pela Lei 9.279/96, art. 76, como sendo o objeto de uso prático, ou parte deste, suscetível
de aplicação industrial, que apresente nova forma ou disposição, envolvendo ato inventivo, que
resulte em melhoria funcional no seu uso ou em sua fabricação.
306
Definida pela Lei 9.279/96, art. 122, como sendo os sinais distintivos visualmente perceptíveis, não
compreendidos nas proibições legais.
307
Definido pela Lei 9.279/96, art. 95, como sendo a forma plástica ornamental de um objeto ou o
conjunto ornamental de linhas e cores que possa ser aplicado a um produto, proporcionando
resultado visual novo e original na sua configuração externa e que possa servir de tipo de fabricação
industrial.
308
Além disso, interessante enfatizar que a Lei também dispõe sobre as regras para concessão das
patentes e dos registros, os prazos, bem como estabelece os demais critérios necessários para a
regulamentação da matéria. Merece atenção daqueles que estudam a matéria que os critérios
utilizados para que seja determinada a patenteabilidade, ou registrabilidade, da propriedade industrial
dependem de elementos bastante subjetivos na apreciação dos pedidos e, por isso, o texto legal
procurou orientar a sua forma de análise e aplicação.
133
É fácil notar pela leitura do texto da Lei de Propriedade Industrial que o
legislador infraconstitucional pretendeu assegurar proteção à atividade inventiva
industrial
309
, equilibrando esta proteção em dois principais pontos: (i) o
desenvolvimento tecnológico e econômico do país; e (ii) a garantia da preservação
do interesse social.
A linha de proteção estabelecida pelo legislador ordinário segue a mesma
sistemática adotada pelo legislador constituinte de 1988 especialmente quando
este trata sobre a Ordem Econômica e Social pois, como apontado no primeiro
capítulo da presente pesquisa, o texto da Carta Magna de 1988 segue diretrizes
fortemente marcadas pela busca do desenvolvimento econômico e pela tentativa de
redução das desigualdades sociais.
Por isso, pode-se afirmar que ao vincular o uso e gozo da proteção da
propriedade industrial ao cumprimento de determinadas expectativas sociais o
legislador pretendeu compelir o particular que realiza a atividade inventiva a
direcionar seus esforços para que os inventos por ele produzidos tragam benefícios
à sociedade. Trata-se de contraprestação que o particular deve trazer para a
sociedade como recompensa pelo uso da proteção de sua atividade inventiva.
O correto funcionamento desta sistemática é importante para o
desenvolvimento econômico, pois gera um círculo virtuoso que funciona como
mecanismo eficiente para a sua promoção e a conquista do bem-estar social, como
leciona Viviane Perez de OLIVEIRA:
Não é de difícil percepção o papel das patentes para o desenvolvimento.
Em análise sistemática, pode-se dizer que a invenção, uma vez patenteada,
gera o título que possibilita a exploração de forma exclusiva; esta, por sua
vez, gera o lucro que permite o investimento em pesquisa, originando novas
invenções. Por outro lado, a aplicação industrial do invento e a
comercialização dos seus resultados geram o desenvolvimento industrial e
econômico, propiciando, ao fim, o bem-estar social.
310
É evidente que, além das diretrizes básicas que determinam a exploração da
propriedade industrial com o cumprimento de expectativas sociais, o uso da
309
Como, por exemplo, o caput do art. 2, in verbis: “A proteção dos direitos relativos à propriedade
industrial, considerado o seu interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País,
efetua-se mediante: [...]”
310
OLIVEIRA, Viviane Perez de. Exploração patentária e infração à ordem econômica. Revista de
direito público da economia. abr/jun. 2003. p. 268.
134
proteção da atividade inventiva o pode ser protegido pelo Direito quando
cometidos abusos no gozo desta proteção. Tal situação, inclusive, foi bem tutelada
pelo legislador infraconstitucional, Lei nº. 9.279/96, ao dispor sobre a aplicação das
licenças compulsórias
311
quando, por exemplo, os direitos decorrentes da
propriedade industrial forem exercidos de forma abusiva, quando identificada prática
de abuso do poder econômico pelo uso da proteção outorgada, quando a patente
concedida deixa de ser explorada por falta de fabricação (ou fabricação incompleta)
do produto, ou, também, quando a comercialização dos produtos não satisfizer as
necessidades do mercado
312
.
É em decorrência disso que Viviane Perez de OLIVEIRA afirma que as
patentes são instrumentos para que se cumpra a função dos inventos industriais.
Todavia, isso não significa que possa o proprietário exercer seu direito de forma livre
e sem controle. Ele não está apenas sujeito à limitação temporal para o uso da
proteção, mas encontra-se também condicionado ao uso de acordo com o interesse
social, sendo aplicáveis os mecanismos de repressão ao abuso de direito, como, por
exemplo, a imposição da licença compulsória
313
.
Observa-se, com base nas informações acima apontadas, que a proteção à
propriedade industrial encontra-se muito bem regulamentada pela legislação pátria,
merecendo elogios por estar em consonância com os princípios constitucionais da
Ordem Econômica e com o objetivo de promover o desenvolvimento econômico,
protegendo-se a sociedade contra a prática de eventuais abusos. Estando a
proteção à propriedade industrial devidamente tutelada pelo Direito brasileiro, por
que, então, enquadrá-la dentre os principais aspectos que interferem no exercício da
atividade empresarial e do desenvolvimento econômico?
Tal enquadramento decorre de alguns fatores que envolvem a aplicação
prática da proteção à propriedade industrial e que, por divergirem dos objetivos de
desenvolvimento objetivado pelo Brasil, merecem análise.
311
Destaque-se que o texto da Lei 9279/96 possui dispositivos que tratam especificamente da licença
compulsória que pode ser aplicada às patentes nos casos de abuso em seu uso, ou abuso do poder
econômico. Parta tanto, os artigos 68 e seguintes da mencionada lei prevêem várias hipóteses em
que a propriedade industrial será licenciada compulsoriamente, bem como determinam de que forma
ocorrerá este procedimento.
312
Note-se que todas as hipóteses trazidas pela lei como sendo possíveis de se aplicar a licença
compulsória versam sobre o mau uso da proteção aos inventos, seguindo a mesma lógica que
justifica a proteção da atividade inventiva.
313
OLIVEIRA, Viviane Perez de. Op. cit. p. 273.
135
3.2.2 A aplicação prática da proteção aos direitos da atividade
inventiva
Como primeiro elemento a ser observado tem-se o excesso de burocracia
para se obter uma patente ou um registro junto ao INPI (Instituto Nacional da
Propriedade Industrial). Isso porque, conforme informado pela própria instituição
314
,
para que uma atividade inventiva seja devidamente protegida perante o órgão
governamental, são exigidos mais de 10 (dez) procedimentos, internos e externos,
que no mínimo desmotivam os inventores a buscar a proteção de suas
atividades inventivas, quando não inviabilizam a proteção dos inventos de pequenos
e médios empreendedores.
Em estudo sobre o tema, Analice GARCIA aponta que, em algumas
pesquisas realizadas em nosso país, tal burocracia consome entre 8 (oito) e 10 (dez)
anos para que seja conferido o andamento completo ao processo de registro de
patente, sendo que neste intervalo de tempo tornam-se possíveis algumas violações
ao direito que se busca proteger
315
, senão vejamos:
Para que a pesquisa desenvolvida na universidade e em centros
tecnológicos seja introduzida no mercado e transferida para a sociedade ela
precisa ser submetida a um processo de registro de patente, que serve para
regular sua propriedade intelectual. Esse processo, no Brasil, dura entre
oito e dez anos, o que pode causar prejuízos à pesquisa, pois a burocracia
atua como entrave à inovação, gerando incertezas para os investidores,
além de possibilitar que outras pessoas aproveitem-se indevidamente de
inventos e idéias que aguardam o registro.
316
314
Como informado pelo próprio INPI: 1- Avaliação prévia para se determinar se a atividade é
patenteável; 2- Distinguir se a proteção da atividade inventiva está sujeita a patente ou registro; 3-
Realizar buscas para saber se a atividade inventiva tem novidade; 4- Fazer o requerimento de
proteção; 5- Depositá-lo perante o INPI (de acordo com os requisitos impostos pelo órgão); 6-
Solicitar o pedido de exame; 7- Acompanhar o andamento do pedido; 8- Cumprir com eventuais
exigências técnicas apresentadas pelo INPI; 9- Se deferida a patente, solicitar a expedição de carta
patente; 10- Manutenção do pagamento das anuidades em dia. Disponível em:
<http://www.inpi.gov.br/menu-esquerdo/patente/pasta_garantir> Acesso em 11/09/2008, às 15:47hs.
315
Mesmo sendo conferida a proteção aos pedidos que estão sob análise, infelizmente esta não
serve para garantir que novos investimentos não serão frustrados, ou assegurar que a proteção ao
invento será concedida. Consequentemente, o sentimento de insegurança jurídica prejudica o
inventor, fazendo com que a invenção não seja tão explorada como poderia ser.
316
GARCIA, Analice. Burocracia atrasa registro de patentes no Brasil. Disponível em :
<http://143.107.180.237/iea/index.php/news_site/textos/reportagens/burocracia_atrasa_registro_de_p
atentes_no_brasil> Acesso em 11/09/2008, às 18:35hs.
136
Além disso, como segundo elemento de nossa análise, é inegável e lógico
que toda essa burocracia encontra-se acompanhada de elevados custos para
proteção da propriedade, o que, como apontado pelo relatório Doing Business 2008,
e analisado nos capítulos anteriores, coloca o Brasil em situação de desvantagem
quando comparado com outros países.
Assim, ao somarem-se a burocracia e os custos para se proteger a
propriedade industrial, determinados desdobramentos são inevitáveis.
Primeiramente, diminuem-se os volumes de pedido de proteção, estando esta
limitada àqueles que possuem recursos/estrutura para participar do procedimento
formal. Diminuindo-se a proteção, reduz-se o interesse em se investir e deixa-se de
obter novos inventos. Paralelamente, a diminuição da proteção e a burocratização
também permitem que os direitos sejam facilmente violados, aumentando-se o
fenômeno da “pirataria”
317
e da informalidade, fenômenos bastante indesejados para
um país que procura construir uma base desenvolvimentista.
Para que se comprovem essas afirmações, interessante mencionar as
conclusões obtidas pelo “Relatório 2007” da Organização Mundial de Propriedade
Industrial (INPI), o qual mostrou que, no ano de 2007, o pedido de patentes do
Brasil, em comparação com o ano de 2006, caiu 5,6%, enquanto a Coréia do Sul
avançou 24,6% e a China 56,4%. Até a África do Sul superou o número de pedidos
de patentes do Brasil
318
, mostrando-se que em um período de crescimento
mundial notoriamente sentido o Brasil caminhou a passos mais lentos em alguns
aspectos do que os demais países em desenvolvimento.
Os dados não permitem conclusão diversa à de que mudanças o
necessárias no procedimento de aplicação da proteção da propriedade industrial,
tanto assim que o próprio INPI reconhece esta deficiência em seus procedimentos
burocráticos. Por isso, a instituição iniciou alguns projetos de mudança,
modernização e contratação de novos profissionais para agilizar os procedimentos
317
Cumpre enfatizar que esta não é a única causa de o Brasil ser tão contaminado pela pirataria. A
dificuldade na fiscalização, a corrupção, dentre outros problemas endêmicos do país, servem como
subsídio para o cometimento desta modalidade de violação de direitos. Todavia, por se tratar de tema
amplo e complexo, o presente estudo se limita apenas a citar a causa, deixando de procurar os
efeitos em decorrência de sua vastidão e da abrangência que o estudo demandaria.
318
Pesquisa divulgada no Jornal Gazeta Mercantil, 14 de maio de 2007, caderno “A”, São Paulo. p.
02.
137
internos da instituição
319
, procurando melhorar sua performance e corrigir parte dos
problemas apontados pelas pesquisas. Nesse sentido, Analice GARCIA relata a
tentativa de evolução por que passa o INPI nos últimos anos:
Para reverter essa situação, o INPI desenvolve um projeto de modernização
com a finalidade de reforçar o quadro de profissionais e informatizar os
sistemas de marcas e patentes. Desde setembro de 2006 o sistema
começou a funcionar via internet. De acordo com a assessoria de imprensa
do INPI, com a modernização do sistema está previsto que o tempo de
espera de uma patente passe dos dez anos para aproximadamente quatro
anos. Para aumentar a agilidade do órgão, novos funcionários foram
contratados. São cerca de 500 servidores, dos quais 320 serão
examinadores de patentes. Atualmente, 130 mil pedidos em trâmite. O
setor de indústria de máquinas é um dos que mais geram patentes. Entre
1994 e 2001, obteve 555 registros oriundos de 176 empresas.
320
Espera-se que as tentativas de mudança buscadas pelo INPI sejam, de fato,
implementadas, eis que, com a realidade prática existente no tocante à proteção da
propriedade industrial no Brasil, dificulta-se a materialização dos direitos previstos na
Constituição Federal e na legislação infraconstitucional que protegem e incentivam a
atividade inventiva.
3.3 TRESPASSE DE ESTABELECIMENTO
3.3.1 A definição de estabelecimento, os elementos que o compõem
e a sua importância econômica
319
Conforme aponta a assessoria de imprensa do INPI, a instituição vem fazendo constantes visitas a
outros países para conhecer soluções adotadas e que possam contribuir para a melhoria nos
procedimentos no Brasil, sendo tal projeto denominado “Solução Brasil. Veja-se como a instituição se
manifesta sobre as melhorias que estão sendo buscadas em outros países: “Em qualquer processo
de informatização, é necessário aprender com quem conhece. Com este objetivo, dirigentes do INPI
estiveram na Espanha e em Portugal no mês passado para conhecer as soluções tecnológicas
adotadas nos procedimentos que envolvem marcas e desenhos industriais. Todas as informações
apresentadas serão úteis para o desenvolvimento das soluções que atendam melhor às
necessidades do INPI e dos brasileiros. ‘Estamos buscando a solução Brasil. Para isso, vamos
aproveitar as idéias de várias fontes para encontrar o nosso modelo e usar a informática como um
recurso essencial para aumentar a eficiência e a qualidade dos serviços’, comentou Celso Sampaio
da Silva, coordenador-geral de Modernização e Informática do INPI, que foi um dos integrantes da
missão na Europa. Disponível em: <
http://www.inpi.gov.br/noticias/em-busca-da-solucao-brasil>
Acesso em 11/09/2008, às 18:35 hs.
320
GARCIA, Analice. Op. cit.
138
O estabelecimento empresarial
321
é o conjunto de bens e elementos,
corpóreos e incorpóreos, organizados pelo empresário para o desenvolvimento da
atividade empresarial. O número de elementos que compõem o estabelecimento,
assim como a sua natureza, pode variar de acordo com a atividade desempenhada
pelo empresário que detém o fundo de comércio. Por isso, afirma-se que o
estabelecimento relativo a uma empresa prestadora de serviço será diferente do
estabelecimento de uma outra que explore a atividade de comércio. Este, por sua
vez, terá características diferentes de um fundo voltado à atividade industrial
322
.
Didaticamente, com o objetivo de clarificar a compreensão daqueles que
desconhecem a composição do estabelecimento, ainda que seja formado por uma
universalidade de bens, a doutrina leciona que determinados elementos podem ser
arrolados como sendo comuns dentro da organização do fundo de comércio, como
classificou Rubens REQUIÃO ao assim arrolar os principais itens do
estabelecimento: (i) mercadorias, (ii) instalações, (iii) máquinas e utensílios, (iv)
contratos, (v) ponto comercial, (vi) créditos e dívidas, (vii) títulos de estabelecimento,
(viii) privilégios de invenção, de modelo de utilidade e de desenho industrial
323
.
Isso não implica afirmar, todavia, que determinado elemento possui maior
escala valorativa dentro da composição do estabelecimento. Pode sim ser mais
relevante para o desempenho diário da atividade, mas o que importa para a
composição do estabelecimento é que todos os elementos estejam organizados
para a realização do objeto pretendido.
Considerado como uma universalidade de fato
324
, não se autoriza a
existência de uma confusão entre o(s) referido(s) bem(ns) e a universalidade
321
O estabelecimento empresarial também é denominado de fundo de comércio (por influência da
doutrina francesa) ou de azienda (por influência da doutrina italiana). Sobre o seu surgimento,
Rubens REQUIÃO leciona que: “O fundo de comércio surgiu como categoria jurídica moderna no
século XIX, na França, através de dispositivo de lei fiscal. A primeira menção feita ao fonds de
commerce em preceito legislativo ocorreu na lei francesa de 28 de fevereiro de 1872, cujo art. 7º.
Submetia ‘as transferências de propriedade a título oneroso do fundo de comércio ou de clientela’ a
uma alíquota de 2%. O fundo de comércio tomou configuração própria, impondo-se ao direito
comercial, que passou a ocupar-se dele detidamente”. REQUIÃO, Rubens. (Curso de ...). Op. cit. p.
270.
322
TOKARS, Fábio. (Estabelecimento empresarial ...). Op. cit. p. 58.
323
REQUIÃO, Rubens. (Curso de ...). Op. cit. p. 282/288.
324
Sobre o tema ensina Alfredo de Assis GONÇALVES NETO que: “O empresário, ao iniciar sua
atividade e no decorrer dela, mantém reunidos não por determinação legal, mas por necessidade
prática (a seu critério e pelo modo que mais lhe convém) –, os bens de que necessita ou que julga
necessitar para desenvolvê-la (alguns necessários, outros úteis e, outros ainda, supérfluos),
formando, com eles, o seu estabelecimento. Trata-se, portanto, de uma universalidade de fato, de um
139
apontada
325
, pois os bens continuam a existir isoladamente, mas o seu principal
valor econômico existe em razão de estarem organizados para a realização de uma
atividade específica.
É com base nessas premissas que a doutrina fixou entendimento de que o
estabelecimento é um amplo conjunto de elementos distintos, organizadas pelo
empresário, que compõem uma universalidade de fato e que ganham valor
patrimonial por estarem ligadas finalisticamente
326
, como bem aponta Waldo FAZZIO
JÚNIOR:
Ninguém discute mais a natureza jurídica do estabelecimento empresarial.
É uma universalidade de fato, porque conjunto de coisas distintas, com
individualidade própria, que se fundem num todo, pela vontade de seu
titular. São fatores autônomos que ganham valor patrimonial pelo fato de
estarem ligados e organizados, finalisticamente. Em outras palavras, o
estabelecimento transcende à soma dos bens que o compõem,
constituindo-se bem móvel incorpóreo, objeto de direitos e suscetível de
negociação.
327
Oscar BARRETO FILHO, em obra clássica sobre o assunto, complementa
os ensinamentos acima expostos ao afirmar que:
[...] para a consecução do objetivo econômico, faz-se mister aplicar o capital
em bens adequados ao exercício do comércio (máquinas, matérias-primas,
mercadorias, etc.) . Da transformação do capital num complexo de bens
apropriados para o exercício da atividade mercantil resulta o
estabelecimento comercial. Não é suficiente, contudo, o elemento estático,
representado pelo capital, para formar o estabelecimento comercial, como
unidade econômica. Faz-se mister juntar-lhe o elemento dinâmico,
representado pelo trabalho, que se converte em serviços, por sua vez
adequados aos objetivos que s tem em mira alcançar. Esses bens (oriundos
do capital) e serviços (provenientes do trabalho) são conjugados em função
do fim colimado, e aí surge o elemento estrutural: a organização. Não basta,
com efeito, a coexistência desordenada de fatores da produção em uma
quantidade qualquer; é preciso que os diversos elementos se encontrem em
certa proporção, consoante sua finalidade.
328
conjunto de bens predispostos, pela vontade do empresário, ao exercício da atividade empresarial
(ao fim por ele almejado) um conjunto de bens, portanto, organizado de modo propício para a
atuação empresarial.” (GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Manual de direito comercial. 2ª. ed.
Curitiba: Juruá, 2003. p. 143).
325
TOKARS, Fábio. (Estabelecimento empresarial ...). Op. cit. p. 58.
326
É exatamente pela união e organização desses bens por um único detentor que o estabelecimento
possui maior valor do que os bens que dele fazem parte teriam se fossem vendidos isoladamente.
327
FAZZIO JUNIOR, Waldo. Direito comercial. 7ª. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 17.
328
BARRETO FILHO, Oscar. Teoria do estabelecimento empresarial. 2ª. ed. São Paulo: Saraiva,
1988. p. 62.
140
Viu-se nos tópicos antecedentes, e no primeiro capítulo da presente
pesquisa, que a atividade empresarial é uma das principais molas propulsoras do
desenvolvimento econômico na sociedade moderna, sendo responsável por gerar a
maioria dos postos de trabalho, por recolher impostos e por contribuir com a
promoção do desenvolvimento econômico.
Sabendo-se que o estabelecimento empresarial é um dos principais
elementos para a exploração de uma atividade econômica
329
, e com base nos
apontamentos acima elencados, torna-se fundamental que a sua tutela esteja
construída de maneira coerente. Por isso, faz-se necessário que a sistemática
jurídica proteja os elementos de propriedade que compõem o estabelecimento
(privilégios da atividade inventiva, contratos, segurança jurídica no desenvolvimento
das atividades, etc.), incentive a atividade econômica e bem regulamente a
transferência de titularidade do estabelecimento empresarial. Os primeiros
elementos ora apontados foram abordados no decorrer desta pesquisa, cabendo,
então, a tarefa de analisar o último deles, qual seja: a transferência de titularidade do
estabelecimento empresarial.
3.3.2 A transferência de titularidade do estabelecimento a
operação de trespasse e a disciplina do código civil de 2002
Como o estabelecimento é composto por uma universalidade de bens que
podem ser negociados, em conjunto ou isoladamente, natural é concluir que a
transferência de titularidade
330
envolvendo este bem é admitida pelo Direito
331
, o que
329
Como ensina Idevan César Rauen LOPES: Não pode o empresário ou a sociedade, por mais
singela que seja a atividade, exercê-la sem um pequeno estabelecimento, seja ele material, como,
por exemplo, balcões de demonstração de mercadorias, ou imaterial, como, por exemplo, o know how
a ser empregado na produção de um determinado produto ou na prestação de um serviço”. (LOPES,
Idevan César Rauen. Compra de empresas: um bom negócio? In: Revista de direito empresarial.
nº. 5. jan/jun 2006, Curitiba: Juruá, 2006. p. 78).
330
Sobre a utilização da expressão titularidade” ao invés de “propriedade”, Fábio TOKARS afirma
que: “Na busca pela precisão terminológica, a doutrina tradicionalmente indica ser mais propícia a
utilização da expressão ‘titularidade do estabelecimento’ em vez de ‘propriedade’ do mesmo.
Podendo ser o fundo de empresa composto de elementos que não fazem parte do patrimônio do
empresário, tornar-se-ia impróprio referir-se à propriedade de toda a universalidade. É o caso dos
direitos de crédito, que não são de propriedade de seu titular, bem como dos contratos, que não são
considerados como bens ou direitos, residindo num campo do direito obrigacional. De fato, não se
como cogitar em um proprietário de um contrato”. (TOKARS, Fábio. (Estabelecimento empresarial
...). Op. cit. p. 94).
141
pode ser feito pela sua locação, pelo seu arrendamento, pela instituição de usufruto
ou, por fim, pela transferência definitiva de sua titularidade, operação que,
tecnicamente, é denominada pela doutrina de trespasse do estabelecimento.
A expressão trespasse é utilizada em vez de compra e venda de
estabelecimento pelo mesmo motivo que justifica a distinção entre titularidade e
propriedade
332
. Observe-se que é comum encontrar na doutrina autores que
amplamente utilizam a expressão compra e venda
333
como sinônimo ao
trespasse
334
; contudo, pela precisão terminológica e científica, optou-se no presente
estudo pela utilização da denominação tecnicamente mais correta, procurando-se
conferir maior cientificidade ao estudo.
331
Nos ensinamentos de Nicola Aquiles CARIOLA: “Entretanto, também o estabelecimento comercial,
como um complexo de coisas corpóreas, valores incorpóreos e serviços pode ser objeto unitário de
negócios jurídicos translativos ou constitutivos, que sejam comparáveis com a sua natureza. [...] Tais
negócios podem ser de compra e venda de estabelecimento, a cessão de direitos, o usufruto, a
locação ou arrendamento, a doação, etc. O estabelecimento comercial pode ser transferido no seu
todo, sucessivamente, porque é uma universalidade de fato, ou seja, um complexo de bens, direitos e
serviços reunidos pela vontade de seu proprietário e submetido à sua administração. Trespasse é o
ato de trespassar, passar além, passar a outrem, dar, ceder, alheiar, a título oneroso ou gratuito,
escreveu o professor Waldemar Ferreira. Quando se diz um certo comerciante trespassou seu
estabelecimento, o que se afirma é que este foi transferido”. (CARIOLA. Nicola Aquiles. Lições de
direito empresarial: estabelecimento comercial, propriedade industrial, lei de luvas, contratos.
São Paulo: Bushatsky, 1980. p. 109/110).
332
Nesse sentido, ensina Oscar BARRETO FILHO que: “Composto, como é, de elementos
heterogêneos quanto à natureza, quanto à origem e quanto ao regime jurídico, o estabelecimento
constitui uma unidade complexa definida como universitas facti. É certo que, como universalidade de
fato, o estabelecimento é objeto de direito; mas esse direito não se analisa como direito de
propriedade. O estabelecimento integra-se no patrimônio do comerciante, que detém a titularidade;
mas essa relação de pertinência subjetiva não se reveste do caráter de propriedade ou de outro
direito real. Para admitir-se a propriedade do estabelecimento, seria mister aceitar a possibilidade da
incidência do direito de propriedade sobre direitos de crédito, o que constitui uma evidente
contradição em termos. A palavra titularidade, em sua acepção genérica, se refere a todos os direitos
subjetivos, qualquer que seja a sua natureza, e, portanto, é o mais adequado para exprimir a relação
de pertinência que existe entre o estabelecimento e o empresário”. (BARRETO FILHO, Oscar. Op. cit.
p. 139/140).
333
CARIOLA. Nicola Aquiles. Ibidem. p. 110.
334
Além disso, cumpre destacar que a operação de trespasse do estabelecimento comercial não
pode ser confundida com a operação de cessão de quotas, pois são mecanismos juridicamente
diferentes. Fábio Ulhoa COELHO muito bem diferencia as operações em comento: “O trespasse não
se confunde com a cessão das quotas sociais de sociedade limitada ou alienação de controle de
sociedade anônima. São institutos jurídicos bastante distintos, embora com efeitos econômicos
idênticos, na medida em que são meios de transferência da empresa. No trespasse, o
estabelecimento empresarial deixa de integrar o patrimônio de um empresário (o alienante) e passa
para o de outro (o adquirente). O objeto da venda é o complexo de bens corpóreos e incorpóreos,
envolvidos com a exploração de uma atividade empresarial. na cessão de quotas de sociedade
limitada ou na alienação de controle de sociedade anônima, o estabelecimento empresarial não muda
de titular. Tanto antes quanto após a transação, ele pertencia e continua a pertencer à sociedade
empresária. Essa, contudo, tem a sua composição de sócios alterada. Na cessão de quotas ou
alienação de controle, o objeto da venda é a participação societária”. (COELHO, Fábio Ulhoa. (Curso
de ...). Op. cit. p. 116/117).
142
A finalidade primordial que justifica a operação de trespasse é a
possibilidade de substituição do agente econômico responsável pela atividade sem
que se paralisem as operações desempenhadas pelo estabelecimento. Tal
justificativa trata de derivação lógica e remonta imediatamente ao princípio da
preservação da empresa, especialmente pela tentativa de se manter vivo e operante
o agente econômico desempenhado por intermédio do estabelecimento. Não se faz
necessário discorrer novamente sobre a importância de se manter em operação uma
atividade empresarial que econômica e socialmente seja relevante para a
sociedade, eis que o assunto já foi abordado no primeiro capítulo da presente
dissertação. Com efeito, vale apenas reiterar que é em decorrência desta simples
constatação que a operação de trespasse merece ser incentivada, eis que se
mantém operante o estabelecimento, acompanhado de seus empregos e dos
benefícios sociais que dele advém, ao invés de se liquidar separadamente os
bens que dele fazem parte.
É nesse sentido que a doutrina muito bem reconhece a importância
econômica da transferência da titularidade do estabelecimento empresarial,
conforme pode ser extraído dos ensinamentos de Gian Franco CAMPOBASSO:
Il transferimento a titolo definitivo (ad esempio, vendita) o temporaneo (ad
esempio, usufrutto ed affitto) dell`azienda comporta infatti peculiari effetti
(divieto di concorrenza del cedente, successione nei contratti aziendali,
ecc.) inspirati dalla finalità di favorire la conservazione dell`unitá economica
e del valore di avviamento dell`azienda, [...]
335
.
As regras que permitem a negociação do estabelecimento visam facilitar a
circulação deste como complexo unitário de bens, que assume valor econômico
considerável, sobretudo quando possui bom aviamento a recomendar sua
negociação em bloco
336
. Tal negociação é bastante interessante quando o titular não
possui plenas condições de gerenciar o estabelecimento, o que ocorre pelas mais
diversas razões, tornando-se possível que outro agente o substitua e tenha a
335
CAMPOBASSO, Gian Franco. Manuale di diritto commerciale. 3ª. ed. Torino: UTET, 2004. p. 59.
Tradução: “A transferência em caráter definitivo (por exemplo, venda) ou temporário (por exemplo,
usufruto ou locação) do estabelecimento empresarial é acompanhada de efeitos peculiares (proibição
de concorrência do cedente, sucessão nos contratos, etc.) inspirados na finalidade de conservação
da unidade econômica e no valor do aviamento do estabelecimento empresarial, [...]”.
336
GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa: comentários aos artigos 966 a
1.195 do Código Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 574/575.
143
oportunidade de melhor conduzir os negócios. Conferem-se idéias inovadoras,
acompanhadas de esforços do novo titular do estabelecimento, permitindo-se que o
negócio receba novas oportunidades para se desenvolver.
Até a entrada em vigor do Código Civil de 2002 a matéria relativa aos
estabelecimentos comerciais não estava disposta na legislação brasileira
337
, assim
como as operações de trespasse, ficando a encargo da doutrina e da jurisprudência
a definição quanto aos estabelecimentos e quanto à transferência de sua
titularidade, como ensina Rubens REQUIÃO ao analisar a regulamentação do
estabelecimento pelo Código Civil:
O direito brasileiro até a sanção do Código Civil encontrava-se
extremamente atrasado na construção legislativa do moderno instituto. o
tínhamos leis que regulamentassem a matéria, com enormes prejuízos para
o comércio e para a estabilidade das relações jurídicas. Poucas leis a ele se
referiam, sendo que uma delas protege o ‘ponto’, regulando o direito à
renovação do contrato de locação comercial (arts. 51 a 57 da Lei . 8.245,
de 18-10-1991);
338
O Novo Código Civil, além de, pela primeira vez, definir em texto normativo o
conceito de estabelecimento comercial
339
, trouxe ampla regulamentação sobre a
referida matéria, conforme se depreende da análise dos arts. 1.142 a 1.149 do
Código Civil de 2002. Todavia, a disposição legislativa o foi adequada ao
disciplinar o tema, especialmente no que tange à operação de trespasse, e parece
alheia àquilo que a doutrina tempos discute e firmou posicionamento.
Endossando tais afirmações, Fábio Ulhoa COELHO dispõe que:
No Brasil, até a entrada em vigor do Código Civil de 2002, considerava-se
que o passivo não integrava o estabelecimento (Barreto Filho, 1969:
228/229); em conseqüência, a regra era a de que o adquirente não se
tornava sucessor do alienante. [...]. Com a entrada em vigor do Código Civil
de 2002, altera-se por completo o tratamento da matéria: o adquirente do
estabelecimento empresário responde por todas as obrigações relacionadas
ao negócio explorado naquele local, desde que regularmente
337
Observando-se, contudo, que a Lei de Falências dispunha sucintamente a respeito do tema
relativamente ao processo falimentar, como adiante será mencionado.
338
REQUIÃO, Rubens. (Curso de ...). Op. cit. p. 275.
339
Como primeira conceituação de estabelecimento trazida no texto legal brasileiro, dispôs o
legislador ordinário, no art. 1.142 do referido digo, que se considera estabelecimento todo
complexo de bens organizados para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade
empresária. O conceito trazido pela norma reflete aquilo que tempos a doutrina tinha definido,
servindo apenas para clarificar em texto normativo a referida matéria.
144
contabilizadas, e cessa a responsabilidade do alienante por essas
obrigações no prazo de um ano (art. 1.145).
340
Até o início da vigência do Novo Código, a construção doutrinária majoritária
deu-se no sentido de que o trespasse do estabelecimento não era acompanhado
dos débitos materialmente vinculados ao fundo, havendo apenas teses minoritárias
que defendiam que a referida operação gerava ao adquirente a transferência de
todos os débitos vinculados à azienda
341
. É com relação a esse aspecto, então, que
surge o grande impasse relativo ao estabelecimento empresarial e a tutela de sua
transferência disposta no Código Civil de 2002, como será adiante examinado.
Antes disso, porém, cumpre realizar breve intervenção para analisar o que
dispôs o legislador no art. 1.145 do Código Civil de 2002 sobre a eficácia da
transferência do estabelecimento.
Inspirado naquilo que dispunha a Lei de Falências (art. 52, VIII, do Decreto-
Lei 7.661/45) sobre a transferência do estabelecimento, o legislador civil condicionou
a eficácia da alienação do estabelecimento à anuência de todos os credores do
alienante ou ao pagamento dos respectivos créditos, quando, em virtude da
operação de trespasse, não restarem no patrimônio do devedor bens suficientes
para solvê-lo
342
. É assim que dispõe o art. 1145 do Código Civil de 2002 quando diz
que: se ao alienante não restarem bens suficientes a solver o seu passivo, a eficácia
da alienação do estabelecimento depende do pagamento de todos os credores, ou
do consentimento destes, de modo expresso ou tácito, em trinta dias a partir de sua
notificação.
Com relação ao que dispôs o artigo do referido código, o elevado risco
imposto ao comprador é evidente, eis que se não conseguir comprovar uma das
três excludentes legais (pagamento da totalidade dos credores, existência de bens
suficientes no patrimônio do devedor ou notificação de todos os credores) – o
mesmo pode vir a perder o estabelecimento adquirido e o investimento que nele foi
realizado, tornando-se ineficaz o negócio celebrado entre as partes, ainda que de
boa-fé.
340
COELHO, Fábio Ulhoa. (Curso de ...). Op. cit. p. 118.
341
TOKARS, Fábio. (Estabelecimento empresarial ...). Op. cit. p. 115.
342
GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. (Direito de ...). Op. cit. p. 575.
145
Como bem adverte a doutrina, poderia então alguém afirmar que caberia ao
comprador se preparar e no momento da aquisição reunir documentação
suficiente para comprovar alguma das três excludentes legais apontadas no
artigo
343
. Todavia, a lógica do raciocínio apresentado esbarra na “virtual
impossibilidade de reunião desses elementos probatórios se o vendedor agir de má-
fé, com a gravidade da situação ampliando-se na medida em que a boa-fé das
partes é irrelevante na hipótese de declaração de ineficácia”
344
.
É forçoso notar-se que, ao ampliar em excesso a declaração de ineficácia do
trespasse, o legislador acabou com qualquer espécie de incentivo para o adquirente
do fundo de comércio, que sabendo-se dos riscos existentes deixará de realizar
a referida operação em decorrência dos elevados riscos que a envolvem. Será mais
vantajoso, e menos arriscado, ignorar-se a preservação da atividade produtiva e dar-
se início a um novo empreendimento
345
, ignorando-se a importância exercida pelo
estabelecimento.
Além desse aspecto, decorrente da previsão do art. 1.145, não podemos
olvidar – também – do que dispõe o art. 1146 da referida norma ao prescrever que: o
adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores à
transferência, desde que regularmente contabilizados, continuando o devedor
primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos
vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento.
Ao se onerar o adquirente do estabelecimento com a responsabilidade de
pagamento dos débitos do vendedor, o legislador contrariou, diretamente, a natureza
jurídica do estabelecimento, eis que, enquanto o art. 1.142 conceitua o
estabelecimento como universalidade de fato (seguindo o entendimento doutrinário
343
TOKARS, Fábio. (O direito ...) Op. cit. p. 54.
344
Idem. Ibidem.
345
Filiamo-nos ao que afirma Fábio TOKARS como os possíveis efeitos decorrentes do excesso de
regulamentação, in verbis: “O regramento assim construído deverá conduzir a dois efeitos jurídicos:
ou ocorrerá uma simples fuga da realização desta modalidade negocial, com claros e expostos
danos a toda uma coletividade, ou as partes tentarão burlar a aplicação destas regras, seja por meio
a celebração de contratos parciais, que não abrangem um trespasse de estabelecimento, seja no
âmbito de processos forjados de recuperação judicial do empresário vendedor (já que a nova
legislação falimentar preque a venda de um estabelecimento na liquidação de uma falência ou no
cumprimento de um plano de recuperação judicial, é feita sem que ao adquirente sejam transferidos
os ônus vinculados ao fundo de empresa, nos termos do art. 141, II, da Lei 11.101/2005). Ambos
os efeitos (afastamento do negócio ou sua realização por caminhos que beiram à fraude) são
evidentemente expúrios, e devem motivar um movimento urgente de revisão das referidas regras
jurídicas, sob pena de, também por esta via, tornar absolutamente insustentável o fardo a ser
suportado pelos geradores de emprego em nosso país”. (Idem. Ibidem. p. 56).
146
dominante), os artigos subseqüentes (1.143 a 1.146) o consideram como
universalidade de direito, como os dizeres de Alfredo Assis GONÇALVES NETO
confirmam:
Na égide da legislação anterior ao digo Civil de 2002 prevalecia o
entendimento de que a presunção era de ser tomado como universalidade
de fato. Ocorre que o novo regime estabeleceu que, na alienação do
estabelecimento, as dívidas transferem-se para o adquirente (CC, art.
1.146), o mesmo acontecendo com os contratos estipulados para sua
exploração, salvo se tiverem caráter pessoal (CC, art. 1.148), sendo
proibida a concorrência do alienante sem autorização expressa do
adquirente (CC, art. 1.147). Ora, essas disposições revelam que o
estabelecimento está sendo considerado não só como o conjunto de
bens em que se decompõem, tal como definido no art. 1.142, mas como
estrutura funcional ou se permitida a expressão como uma unidade
‘exploracional’. Da conjugação desses dispositivos, forçoso é concluir que o
estabelecimento, sob essa perspectiva, passa a ter na universalidade de
direito sua natureza jurídica
346
A previsão do referido artigo tanto vai de encontro com o que foi construído
ao longo dos anos pela doutrina, quanto representa indevida elevação dos riscos
impostos ao adquirente em uma operação de trespasse, criando-se mais um
obstáculo para a sua realização.
Com base na análise dos referidos artigos, nota-se que as intenções do
legislador até podem ter sido louváveis para se proteger os credores que tenham
realizado negócios com o titular do estabelecimento, colocando-se apenas duas
hipóteses ao adquirente: ou pagam-se todos os credores antes da transferência do
estabelecimento
347
ou será o adquirente responsável pelo pagamento dos débitos
anteriores.
Todavia, com uma leitura mais apurada da norma, e com os olhos abertos à
realidade que envolve as atividades empresariais, não é difícil notar que as
imposições realizadas pelo digo Civil tornaram a operação de trespasse onerosa
346
GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. (O direito ...). Op. cit. p. 569.
347
O festejado autor Alfredo Assis GONÇALVES NETO adverte sobre a excessiva onerosidade de se
condicionar o pagamento de todos os credores: “A condicionante de pagamento dos credores pode
ser extremamente onerosa e, em certas circunstâncias, impeditiva da alienação. É que podem existir
créditos a saldar a longo prazo e, nesse caso, a antecipação do pagamento exigirá a alocação de
recursos superiores ao capital de giro destinado a responder pelo fluxo normal do caixa. Imagine-se
um financiamento para a instalação de um parque industrial, por exemplo, que normalmente é feito
com prazos de 10 a 20 anos para possibilitar o retorno do investimento: nesse caso, seria
praticamente impossível alienar o estabelecimento com o pagamento antecipado do valor financiado”.
(Idem. Ibidem. p. 576).
147
demais para o adquirente, elevando-se, em excesso, o risco a ser enfrentado pelas
partes, como leciona Fábio TOKARS:
A mudança no tratamento jurídico da matéria não abrange somente a
supressão das lacunas normativas, mas também a alteração na forma de
solução de alguns problemas que podem decorrer do trespasse. A
operação passou a ser regulada com muito maior rigidez, com clara
elevação dos riscos impostos às partes, o que por certo se refletirá no
afastamento dos empresários desta modalidade negocial. Optou-se por
uma forma de regulação em que se presume que a operação de trespasse
é uma modalidade de fraude contra os credores do adquirente, em favor
dos quais se criou um grande aparato jurídico para a defesa de seus
interesses. Como conseqüência óbvia, os empresários bem informados não
se sujeitarão às condições legais para a realização do negócio, e tenderão
a evitar a aquisição de estabelecimentos já formados.
348
Resta evidenciado, portanto, que o legislador não atentou para o necessário
equilíbrio entre a tutela dos interesse dos credores e a real necessidade de estímulo
ao desenvolvimento da atividade empresarial
349
, como exaustivamente foi afirmado
ao longo da presente pesquisa. Limitou-se à excessiva proteção dos credores,
deixando de pensar nos reflexos que essas medidas podem trazer ao ambiente
prático da atividade empresarial.
Infelizmente, por essas razões, é forçoso concluir que a previsão do Código
Civil de 2002 diverge daquilo que preceitua o princípio da preservação da empresa,
eis que inviabiliza a transferência do estabelecimento
350
e, com isso, torna mais
interessante a venda, isoladamente, dos bens e ativos componentes do
estabelecimento, do que de sua efetiva transferência
351
. Por conseqüência, muitas
348
TOKARS, Fábio. (O direito ...). Op. cit. p. 53.
349
Idem. Ibidem. p. 55.
350
Conforme afirma Fábio TOKARS: [...], a função do direito no campo da empresariedade o se
resume à tutela do crédito. Para que um sistema econômico prospere, a necessidade de também
se criar regras que estimulem a iniciativa do empreendedor em desenvolver novas atividades,
caminho pelo qual geração de novos empregos, recolhimento de mais tributos e maior
movimentação financeira no mercado. Desta forma, deve-se buscar uma tutela equilibrada, que, de
um lado, proteja o quanto possível os direitos do credor, viabilizando-se a concessão de créditos em
melhores condições e menores custos. Mas, de outro lado, esta proteção não pode ser tão extremada
a ponto de obstar materialmente a realização de um negócio jurídico que, ao contrário, deveria ser
largamente incentivado como mecanismo de materialização do princípio da preservação da
empresa.”. (TOKARS, Fábio. (Estabelecimento empresarial ...). Op. cit. p. 121).
351
Em linha com essas afirmações, considera Fábio TOKARS que: “A regra, como colocada, torna o
negócio de aquisição do estabelecimento tão oneroso que os empresários naturalmente evitarão esta
forma contratual. Daí decorrem tanto um ataque à preservação da empresa (já que o vendedor, sem
encontrar comprador para seu estabelecimento, deverá liquidá-lo) quanto um claro incentivo ao
cometimento de fraudes (mediante negócios que, por vias diversas e obscuras, intentem o mesmo
resultado de uma operação de trespasse)”. (Idem. Ibidem. p. 121).
148
oportunidades de continuidade dos negócios mediante o trespasse de
estabelecimento deixarão de ser celebradas, contrariando-se toda a lógica
construída nas linhas iniciais deste tópico.
3.4 A FALÊNCIA E A RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS
3.4.1 A importância da tutela do crédito para a promoção do
desenvolvimento econômico
Recentemente, no Brasil, com a redução dos índices de taxas de juros
352
adotada como parte da política econômica pelo Banco Central, dando-se
continuidade a um processo de estabilização econômica iniciado em meados da
década de 90 notou-se significativo incremento de consumo no mercado. O
mercado imobiliário, por exemplo, que se encontrava estagnado havia anos, passou
a receber novos recursos de investidores. As indústrias automotivas bateram
sucessivos recordes de venda com a redução do custo do crédito e com o
elastecimento dos prazos para pagamento, assim como a indústria de
eletroeletrônicos e bens de consumo
353
.
A breve análise de nosso cenário econômico vivido nos últimos meses/anos
mostra como o crédito é importante para o desenvolvimento de uma sociedade, pois
incrementa o consumo e promove a circulação de riquezas. A mesma gica que
move o consumo também se aplica ao desenvolvimento das atividades
empresariais, funcionando o crédito como importante elemento de fomento aos
negócios das empresas.
Quando se iniciam as atividades da empresa, não é suficiente que os
empreendedores tenham boas idéias. Faz-se necessário que eles encontrem
alguma forma de financiar o capital que será investido. São comuns os casos em
que os empreendedores não detêm a totalidade dos recursos para iniciar seus
352
A taxa SELIC (índice oficial de juros determinado pelo Comitê de Política Monetária do BACEN)
que em fevereiro de 2003 estava em 26,5%, no primeiro semestre de 2008 esteve sempre abaixo dos
12,5%. Naturalmente, para que os resultados obtidos sejam duradouros, faz-se necessário que a
política econômica seja pautada em elementos sólidos. Caso a redução da taxa de juros seja
promovida artificialmente, é possível que reflexos negativos sejam sentidos no futuro.
353
Tudo isso só foi possível com a redução do custo do crédito, sendo acompanhado de um
significativo crescimento da economia do país, aumento da oferta de empregos e sucessivos
recordes de arrecadação de impostos.
149
empreendimentos. Logo, precisam se dirigir ao mercado de crédito para buscar os
recursos de que necessitam para, então, poder implementar o seu negócio no
mundo concreto.
No decorrer do desenvolvimento das atividades da empresa o crédito
também figura com significativa importância. Seja pelo surgimento de novas
oportunidades de negócio, que demandam investimentos para serem
implementadas, ou por crises econômico-financeiras, que precisam de injeções de
capital para equilibrar as contas da empresa, é natural que elas precisem de crédito
para se desenvolver.
Por isso, é importante que o custo do crédito seja baixo, funcionando como
mola propulsora de incentivo ao desenvolvimento das atividades empreendedoras.
Quando os detentores do crédito analisam o negócio que requer a
concessão de seu capital, alguns fatores são importantes para se mensurar a
remuneração que será aplicada à operação. Elementos como risco
354
, prazo de
retorno, custos para se recuperar o investimento, rentabilidade oferecida por outras
aplicações, etc, são sopesados pelos detentores de capital na avaliação sobre quais
são as melhores opções para empregar os seus investimentos.
É evidente que elevados riscos e despesas para se recuperar os ativos
concedidos a terceiros, com a conseqüente demora em seu recebimento, elevam o
custo de obtenção do crédito. Por conseguinte, a tutela eficiente da recuperação do
crédito, minimizando os riscos de perda nas operações em que ele é concedido,
tende a diminuir o seu custo, o que, evidentemente, é benéfico para aqueles que
dele dependem.
É por isso que, partindo-se da premissa de que o crédito é um eficiente
mecanismo de incentivo ao desenvolvimento econômico
355
, faz-se necessário que o
354
Como ensina Edward CHANCELLOR: “O nome dado à incerteza é risco”. (CHANCELLOR,
Edward. Salve-se quem puder: uma história de especulação financeira. São Paulo: Companhia
das Letras, 2001. p. 13).
355
Nesse sentido Trajano de Miranda VALVERDE aduz sobre a importância do crédito para a
circulação de riquezas: O mecanismo de circulação das riquezas tem no crédito um dos elementos
principais de propulsão. As organizações comerciais modernas, quaisquer que sejam, sem ele não
podem desenvolver com amplitude os seus negócios, atuar com eficácia no campo largo e aberto da
concorrência. [...] O crédito não é, porém, instituição nova. Praticaram-no os povos antigos, logo que
as necessidades do meio, pela sua crescente complexidade, provocaram a expansão das relações
comerciais e acentuaram a divisão natural do trabalho, que especializa as funções dos indivíduos, no
atormentado progredir das coletividades. Troca, moeda e crédito, eis os marcos que assinalam o
150
Direito confira a efetiva proteção a ele, buscando-se a redução de seus custos. Tal
aspecto representa fator de elevada importância ao Direito Empresarial,
especialmente no que tange ao ramo de Falências e Recuperação de Empresas
356
.
Para as empresas em crise econômico-financeira, mas que se encontram
em condição de se recuperar, a concessão de crédito para a sua capitalização em
muitas vezes é condição imprescindível à continuidade dos negócios. Neste caso,
vislumbra-se a dependência de um baixo custo do crédito para se materializar a
recuperação da empresa. Do contrário, com elevados custos para se obter capital, o
negócio, que se encontra em crise econômico-financeira, poucas chances terá de
se recuperar.
Também não há como se esquecer que as empresas podem atingir o estado
terminal de crise econômico-financeira, culminando-se com a falência. Neste
momento os ativos da empresa não conseguem suprir o passivo, sendo assim
necessária a decretação da falência para que se coloquem os credores em um
processo de execução universal e se procure minimizar os efeitos da quebra. Com
efeito, o interesse dos credores precisa estar bem protegido para que se procure, de
fato, diminuir os prejuízos advindos do insucesso do negócio e evitar que perdas
aumentem a aversão do investidor em circular os seus créditos.
A lógica que justifica tal preocupação é simples: quanto menores forem as
perdas, ainda que inevitáveis, decorrentes da falência, maior será a segurança que
os credores terão para circular os seus ativos em novos procedimentos de
concessão de crédito. Consequentemente, as riquezas permanecem circulando,
trazendo os já observados benefícios à sociedade.
Por isso se faz necessário que os procedimentos falimentares sejam rápidos,
que as custas envolvendo os atos do processo não consumam significativa parcela
dos ativos da empresa, que seja permitida a fiscalização por parte dos credores
interessados, dentre outros atos necessários para o bom funcionamento do rmino
da relação entre credor e devedor.
processo evolutivo do comércio.” (VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à lei de falências,
v. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1948. p. 5).
356
É evidente que o custo do crédito não depende apenas da influência exercida pela proteção aos
credores conferida pelo Direito Falimentar. Todavia, os demais elementos componentes do custo do
crédito, como, por exemplo, o spread bancário, não apresentam relevância direta com o tema da
presente pesquisa, razão pela deixaremos para analisá-los em oportunidade futura.
151
Com base nessas afirmações, entende-se que um bom sistema falimentar,
que garanta a tutela dos credores com a minimização de seus prejuízos, contribui
com o funcionamento do mercado e com a redução do custo do crédito. Ao se
reduzir a insegurança e os eventuais prejuízos daqueles que concedem o crédito,
torna-se mais interessante a realização dos negócios, incentiva-se o auxílio às
empresas em crise econômico-financeira, criam-se empregos, etc.
É nesse sentido que, procurando-se minimizar o custo do crédito às
empresas no Brasil, convém analisar-se a sistemática do Direito de Falências e
Recuperação, sua evolução em nosso Direito e alguns aspectos recentes que
devem ser analisados quando se procura promover o desenvolvimento econômico.
3.4.2 Histórico e fundamentos básicos do Direito Falimentar
Seja por infortúnios nos negócios (problemas enfrentados por seus
produtos/serviços no mercado, atrasos de pagamentos, falta de insumos, contratos
mal sucedidos, etc), ou por escolhas equivocadas de seus gestores, é admissível
que as empresas enfrentem dificuldades, não sendo raras as hipóteses de
insucesso dos empreendimentos que ocasionam crises econômico-financeiras
357
nas empresas.
Vale dizer que as crises nas empresas não o fenômeno recente na vida
em sociedade, sendo que desde a Antiguidade (Índia, Egito e Grécia Antiga) a
relação credor/devedor enfrentava as crises e a cobrança forçada dos débitos,
formando-se um esboço do mercado de crédito que hoje encontramos.
357
Para Sérgio CAMPINHO as crises econômico-financeiras podem ser episódicas ou não;
voluntárias ou involuntárias. As episódicas são aquelas geralmente motivadas por falta de liquidez
momentânea, mas que podem ser solucionadas com certa facilidade, em sentido evidentemente
contrário às crises não episódicas. Sabe-se que em muitas vezes as crises episódicas são
voluntárias, fazendo parte da estratégia do empresário que opta por atrasar o cumprimento de
determinadas obrigações, assumindo o ônus para tanto e planejando o endividamento de modo a
trazer menores prejuízos futuros. as crises involuntárias são mais agudas, sendo que nestas o
empresário se depara com a falta de recursos essenciais para a geração de renda, para o pagamento
de dívidas e para a oxigenação” do negócio. O empresário não paga porque não tem condições de
assim fazê-lo, não desfrutando de crédito no mercado e mergulhando em um estado de crise extrema
denominado insolvência. Forma-se, então, um ciclo como o das progressões geométricas que
assume efeitos semelhantes ao das bolas de neve. (CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação da
empresa: o novo regime de insolvência empresarial. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p.
121).
152
Naquela época o devedor estava sujeito a uma execução de natureza
privada, podendo o credor até mesmo dispor de sanções corporais ao devedor em
decorrência do caráter pessoal da obrigação
358
. Poderia ser escravizado,
aprisionado ou morto em decorrência do débito. na Idade Média, a obrigação
deixou de recair sobre a pessoa do devedor e passou ao seu patrimônio, mas,
mesmo assim, as penalidades tinham nítido objetivo de punir
359
, de humilhar e
também podiam até alcançar à prisão ou à morte do devedor
360
.
A doutrina aponta que, como terceiro estágio
361
de evolução, a falência
nos tempos modernos , a partir do século XIX, talvez devido ao avanço das idéias
individualistas e utilitaristas que a economia liberal deflagrava, passou a ser vista
sob uma nova mentalidade humanista e liberal. Procurou-se aperfeiçoar as normas
legais, sucedendo-se reformas legislativas em vários países. Estas reformas
objetivaram a criação de novas diretrizes, quebrando-se os paradigmas do antigo
Direito Falimentar e caminhando-se para um novo sentido na relação entre credor e
devedor, naturalmente menos gravoso em sanções corporais e(ou) morais. Nota-se
que o caminho seguido pela civilização para aperfeiçoar as execuções patrimoniais
foi custoso e trouxe árduas conseqüências para os devedores
362
, tendo a sociedade
evoluído sistematicamente até se chegar ao modelo de proteção judicial que hoje
temos disponível.
3.4.3 A disciplina do Direito Falimentar no Brasil e a reforma
promovida pela Lei nº. 11.101/2005
No Brasil, as raízes do Direito Falimentar remontam ao século XIX. Segundo
nos ensina Trajano Miranda VALVERDE, o Direito Falimentar no Brasil atravessou
quatro fases importantes
363
. A primeira delas inaugurou-se com o Código Comercial
de 1850 que, em sua parte terceira, tratou sobre a matéria falimentar, notadamente
para o comerciante, figura então protegida pelo antigo Código. A segunda fase se
deu com o Decreto Republicano nº. 917 de 1890, da lavra do eminente jurista Carlos
358
LOBO, Jorge. Op. cit. p. 03.
359
Idem. Ibidem. p. 04.
360
Idem. Ibidem. p. 05.
361
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 12/13.
362
Idem. Ibidem. p. 06.
363
VALVERDE, Trajano de Miranda. Op. cit. p. 15/19.
153
de Carvalho. A terceira fase se iniciou com a Lei nº. 2.024 de 1908, norma marcada
por conceder aos credores elevada autonomia na organização falimentar. Por fim,
com o Decreto-Lei 7.661 de 1945, iniciou-se a quarta fase do Direito Falimentar,
apontada pela doutrina como o momento em que a matéria sofreu maiores
mudanças
364
.
O Decreto Lei 7.661/45 vigorou em nosso ordenamento jurídico durante toda
a segunda metade do século passado, sendo que apenas no início do corrente
século, no ano de 2005, a matéria passou por nova reforma no Direito brasileiro,
tendo a Lei 11.101/2005 modificado significativamente a regulamentação atinente às
empresas em crise econômico-financeira, revogando-se a Lei anterior
365
.
É sabido que o Decreto-Lei nº. 7661/45 disponibilizava às empresas em
crise apenas duas possibilidades, a concordata ou a decretação de sua falência,
fosse esta requerida pelos credores ou pelo próprio devedor. O regime da
concordata era considerado como mecanismo ineficaz de saneamento da saúde
financeira da empresa, sendo raríssimos os casos de empresas que entravam nesse
regime e que se recuperavam. O pior é que, em muitos casos em que se aplicava o
regime da concordata, a utilização do mecanismo não era feita com o objetivo de
recuperar a empresa. Muito pelo contrário, aqueles que dela faziam uso pretendiam,
tão somente, lesar terceiros, pois havia circunstâncias econômicas (como elevados
índices de inflação) que tornavam interessante protelar os débitos mediante a
utilização da concordata enriquecendo fraudulentamente os devedores
366
. Tal
fenômeno chegou a ser denominado de indústria da concordata, caminhando em
sentido completamente diverso daquele socialmente esperado.
Por longos anos permanecemos como reféns de um deficiente sistema
legislativo em que, quando uma empresa atingia a insolvência e iniciava o processo
falimentar, reuniam-se os ativos de seu patrimônio para então dividi-los entre alguns
credores privilegiados, normalmente o fisco, a previdência, os empregados e os
credores com garantia real (quase como regra: as instituições financeiras). Isto é, na
364
GUERRA, Érica; LITRENTO, Maria Cristina Frascari. Nova Lei de Falências: Lei 11.101 de
09/02/2005, comentada. Campinas: LZN, 2005. p. 16.
365
Ousamos afirmar, seguindo a mesma lógica da classificação apresentada por Trajano Miranda
VALVERDE, que a Nova Lei de Falências e Recuperação (Lei 11.101/05) caracteriza-se pelo início
da quinta fase do Direito Falimentar no Brasil.
366
COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova Lei de Falências e de recuperação de empresas.
3ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 115.
154
maioria dos casos, dava-se por encerrada a história da empresa com a liquidação
total de seu patrimônio, independentemente da possibilidade de ser o negócio
recuperável ou não. Eram muito pequenas as chances de uma empresa em crise
econômico-financeira recuperar-se e voltar a operar com êxito
367
. Basicamente o
processo falimentar se limitava a um concurso de credores, distribuídos em um
processo de execução e de divisão dos ativos, que, quase nunca, interessava a
todas as classes de credores. Quando muito, apenas poucos felizardos,
participantes das classes privilegiadas, conseguiam receber a totalidade de seus
créditos, sobrando aos credores menos privilegiados o ônus de assumir os prejuízos
decorrentes da falência da empresa.
Evidencia-se, portanto, como que a sociedade precisava de modificações no
mundo jurídico do Direito Falimentar, pois a sistemática falencial brasileira então
vigente era demasiadamente ultrapassada e pouco se preocupava com a salvação
das empresas
368
, limitando-se a poucos atos punitivos e à expropriação dos bens
dos devedores. Tais medidas conduziam tanto os credores quanto os devedores a
situações desvantajosas, pois aqueles poucas chances tinham de receber seus
créditos, enquanto estes em raras hipóteses conseguiam recuperar as empresas.
Notadamente, a insegurança no recebimento dos créditos fazia com que o seu custo
se tornasse elevado, trazendo os mencionados reflexos indesejáveis àqueles que
do crédito dependiam para desenvolver suas atividades.
A recente reforma legislativa trouxe novo lego, ao menos em tese, para as
empresas em crises econômico-financeiras, procurando corrigir boa parte dos
problemas enfrentados por aqueles que dependiam da Lei anterior. O texto da Lei
nº. 11.101/2005 demonstra que o legislador almejou a minimização dos prejuízos
367
Assim Carlos Roberto CLARO afirma: “No Dec-Lei 7.661/45 poucas, pouquíssimas eram as saídas
para a tentativa de tirar a empresa da situação deficitária. As possibilidades de reabilitação eram
mínimas, a começar até pelo critério de nomeação de síndico, cujo texto do art. 60 expressamente
previa a necessidade de escolha dentre os três maiores credores com residência ou domicílio no
lugar da falência.”. (CLARO, Carlos Roberto. (Revocatória falimentar ...). Op. cit. p. 232).
368
Assim ensina Márcia Carla Pereira RIBEIRO, in verbis: “Seja porque se limitava à concessão de
prazos e descontos, seja por atingir apenas a categoria de credores quirografários, somados ao
notório caráter precário do regime, passível de ser convertido em falência e, portanto, sujeito ao risco
de incidência de regime desfavorável aos empresários, a possibilidade de concessão de concordata e
os efeitos daí decorrentes não se mostravam suficientes ao reerguimento da empresa e à retomada
de um estado de normalidade.” (RIBEIRO, Márcia Carla Pereira. Empresa, fazenda blica e a nova
lei de recuperação. In: Revista de Direito Empresarial, nº. 3, jan/jun 2005, Curitiba: Juruá, 2005. p.
27).
155
sociais advindos das crises empresariais
369
. Com efeito, a nova Lei de Recuperação
e Falência de Empresas permite o enquadramento do empresário em 4 (quatro)
diferentes modalidades de procedimentos: (i) recuperação extrajudicial
370
; (ii)
recuperação judicial
371
; (iii) recuperação judicial de microempresas e empresas de
pequeno porte; (iv) falência. As três primeiras constituem meios de se buscar a
manutenção das atividades, preservando-se a empresa, enquanto que a quarta
continua sendo a forma de liquidação do patrimônio do empresário que não possui
condições de se recuperar. É notável que a maior inovação trazida pela reforma em
questão reside na tentativa de restabelecimento do empresário ao mercado, que se
torna atingível com a recuperação das empresas
372
, e, por conseguinte, mantendo-
se a empresa como agente econômico vivo que tanto contribui com a sociedade
373
,
atendendo-se o que preceitua o princípio da preservação da empresa
374
.
369
Art. 75. A falência, ao promover o afastamento do devedor de suas atividades, visa a preservar e
a otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da
empresa.
Parágrafo único. O processo de falência atenderá aos princípios da celeridade e da economia
processual.
370
Segundo Luiz TZIRULNI: ”a recuperação extrajudicial é instituto previsto em lei que, a partir de um
plano homologado judicialmente, permite ao devedor negociar diretamente com credores
selecionados, ressalvadas algumas categorias de créditos, no intuito de promover a sua
recuperação.” (TZIRULNIK, Luiz. Direito falimentar. 7ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
p. 51).
371
Como ensina Sérgio CAMPINHO: “A recuperação judicial, segundo perfil que lhe reservou o
ordenamento, apresenta-se como um somatório de providências de ordem econômico-financeiras,
econômico-produtivas, organizacionais e jurídicas, por meio das quais a capacidade produtiva de
uma empresa possa, da melhor forma, ser reestruturada e aproveitada, alcançando uma rentabilidade
auto-sustentável, superando, com isso, a situação de crise econômico-financeira em que se encontra
o seu titular – o empresário –, permitindo a manutenção da fonte produtora, do emprego e a
composição dos interesses dos credores (cf. artigo 47).” (CAMPINHO, Sérgio. (Falência e ...). Op. cit.
p. 10).
372
O texto do art. 47 da Lei nº 11.101/2005 define claramente o objetivo de recuperação da empresa:
“Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise
econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego
dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa,
sua função social e o estímulo à atividade econômica”.
373
É nesse sentido que o instituto da recuperação da empresa vem desenhado justamente com o
objetivo de promover a viabilização da superação do estado de crise econômico-financeira, motivado
pelo interesse na preservação da empresa. A empresa, por sua vez, vislumbrada sob a ótica de uma
unidade econômica que tem sua manutenção justificada em decorrência de seu papel como centro de
equilíbrio econômico-social, pois ela é fonte produtora de bens, serviços, empregos e tributos que
garantem o desenvolvimento econômico e social de um país, sendo que a sua manutenção objetiva
conservar o “ativo social” por ela gerado.
374
É sob este viés que Rubens REQUIÃO afirma que deve ser compreendida a questão da falência
nas empresas, in verbis: Vivemos, assim, em um terceiro estágio, no qual a falência passa a se
preocupar com a permanência da empresa e não apenas com a sua liquidação judicial”. (REQUIÃO,
Rubens. (Curso de direito falimentar ...). Op. cit. p. 12).
156
Além disso, é imperioso lembrar que a empresa não interessa somente ao
seu titular o empresário –, mas também aos trabalhadores, investidores,
fornecedores, instituições de crédito, ao Estado e a todos os agentes econômicos
que exerçam, ou eventualmente venham a exercer, negócios com a empresa. Nesse
sentido, ensina Carlos Roberto CLARO:
Há, pois, o verdadeiro interesse público quanto à regularidade da
continuidade da atividade econômica organizada (ou não, no caso da
sociedade simples, por exemplo), sendo que o próprio Estado tem
(também) o interesse efetivo de que a empresa contribua com o
recolhimento mensal de tributos e produza bens e serviços, a fim de que
ocorra o necessário e indispensável desenvolvimento econômico do
Brasil.
375
Portanto, torna-se simples compreender que as soluções para as crises
econômico-financeiras das empresas dependem do equilíbrio de interesses públicos,
coletivos e privados que nela convivem
376
, claramente buscando-se o
desenvolvimento econômico e a redução das desigualdades sociais.
É evidente que não se trata de formulação mágica. Como parcela do
processo de recuperação, algumas partes precisam abrir mão de parte seus
interesses, mesmo que temporariamente, procurando-se conferir um novo fôlego à
empresa que demanda a recuperação. Para tanto, credores são chamados para
negociações
377
, as demandas contra o devedor (recuperando) são suspensas,
prazos são elastecidos para que ocorram os pagamentos, salários podem ser objeto
de redução, etc. Isso conduz a, momentaneamente, que cada um abra mão de parte
375
CLARO, Carlos Roberto. Recuperação Judicial: sustentabilidade e função social da empresa.
Dissertação de Mestrado. Curitiba: UNICURITIBA, 2008. p. 170.
376
Nesse sentido, ensina Sérgio CAMPINHO que: “[...]. A empresa não interessa apenas a seu titular
o empresário –, mas a diversos outros atores do palco econômico, como os trabalhadores,
investidores, fornecedores, instituições de crédito, ao Estado, e, em suma, aos agentes econômicos
em geral. Por isso é que a solução para a crise da empresa passa por equilíbrio dos interesses
públicos, coletivos e privados que nela convivem.” (CAMPINHO, Sérgio. (Falência e ...). Op. cit. p.
122).
377
Nesse sentido, Jorge LOBO ensina que: “[...] a virtude capital do Projeto de Lei recuperação da
Empresa’ foi tornar o credor um protagonista no esforço de reestruturação, saneamento e
recuperação da empresa em crise e não, como ocorre hoje, um sujeito passivo e inerte manietado da
iniciativa do devedor quando se confessa sem condições de cumprir suas obrigações e dívidas da
forma contratada.” (LOBO, Jorge. Ação de recuperação judicial da empresa, Migalhas, nº 1.054, de
24/11/2004. Apud: MACHADO, Rubens Approbato. Comentários à nova lei de falências e
recuperação de empresas. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 247).
157
de sua fatia para que todos possam, ao final, servir-se dos benefícios que a
recuperação da empresa pode trazer para a sociedade
378
.
A moderna postura adotada pelo legislador, que muito tempo era
reclamada pela doutrina clássica do Direito Falimentar, é apontada como uma das
principais mudanças trazidas pela nova Lei de Recuperação e Falência. Nesse
sentido Marcelo M. BERTOLDI e Márcia Carla Pereira RIBEIRO ensinam que:
O foco primordial da nova lei deixa de ser a satisfação dos credores e se
desloca para um patamar mais amplo: a proteção jurídica do mercado, o
qual, desenvolvendo-se de modo sadio, potencialmente atua em benefício
da sociedade como um todo e do crescimento do País. O princípio da
preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade
econômica figuram como cânones interpretativos expressamente previstos
no texto legal (art. 47), tornando imperativa a manutenção do agregado
empresarial sempre que possível e viável ao bom funcionamento do
mercado. A par dessa significativa mudança na gica informativa da lei,
outros princípios enunciados como parâmetros de análise já no projeto e em
suas modificações: recuperação dos empresários recuperáveis e retirada do
mercado dos empresários não recuperáveis; separação entre o conceito de
empresa e o de empresário; celeridade e eficiência dos processos judiciais;
maximização do valor dos ativos do falido; rigor na punição de crimes
relacionados à falência e à recuperação judicial, entre outros.
379
A síntese apontada pelos autores é precisa ao demonstrar a nova
sistemática adotada pelo legislador. Destaque-se que o texto da referida lei é
bastante claro em prever que a manutenção da estrutura operacional da empresa
deve se dar nas hipóteses em que seja possível e viável ao bom funcionamento do
mercado, o que comprova a existência de limites para a tentativa de recuperação
das empresas apenas às oportunidades em que a sua recuperação seja, de fato,
possível. Inclusive, para as tentativas de recuperação judicial que, em seu curso,
demonstrarem-se infrutíferas, o próprio texto da Lei dispensou a forma com que
se deve dar a convolação da recuperação em falência, confirmando-se que o
interesse em se buscar a recuperação da empresa depende de análise casuística.
378
Volta-se, neste momento, a lembrar a lógica apresentada por Armando Castelar PINHEIRO e
Fábio GIAMBIAGI quando tratam da singela metáfora da divisão do bolo que ainda não foi ao forno e,
por isso, não cresceu. No processo falimentar (e de recuperação) a lógica apresentada faz todo o
sentido, eis que não recursos suficientes para distribuir entre todos os interessados. Portanto, é
fundamental que as partes, temporariamente, abdiquem de seus direitos para pensar em recebê-los
no futuro, depois que a empresa tenha se recuperado, assim como o bolo tenha ido ao forno e
crescido. (PINHEIRO, Armando Castelar; GIAMBIAGI, Fábio. Op. cit. p. 66).
379
BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Márcia Carla Pereira. Op. cit. p. 471.
158
Por isso, defender a preservação da empresa não se trata de defender a sua
eternização no mercado. O mercado é seletivo e escolhe apenas aqueles que m
capacidade de se manter operantes e competitivos. Nesse sentido Carlos Roberto
CLARO afirma que “não se pode buscar a permanência de determinada empresa no
mercado a todo custo, mesmo que ela seja antiga em seu segmento
380
. É
necessário que a avaliação da circunstância que motiva a salvação da empresa seja
muito bem realizada
381
, sob pena de servir o instrumento da recuperação
empresarial para protelar débitos e cometer fraudes em empresas que não têm
condição de recuperação, tal como bastante foi feito com o regime da antiga
concordata, tornando-a inócua.
Para as hipóteses em que se identifique a dificuldade/impossibilidade de
recuperação das empresas, deve-se operar com rapidez e segurança na liquidação
dos ativos e pagamento do passivo aos credores
382
, visando-se reduzir os custos
processuais com a falência e, também, evitar com que os bens se desvalorizem,
diminuindo ainda mais os valores dos ativos e trazendo maiores prejuízos aos
credores. As perdas na falência precisam ser minimizadas para garantir o bom
funcionamento do mercado.
Deste modo, torna-se natural esperarmos uma filtragem realizada pelo
mercado, sendo igualmente esperado que os agentes econômicos despreparados
sejam excluídos da competição no mercado, inclusive mediante a falência, pois nem
toda falência é um mal. As empresas tecnologicamente atrasadas, descapitalizadas
ou dotadas de organização administrativa precária, devem mesmo ser encerradas
para o bem da economia como um todo. Para essas empresas a recuperação não
merece vultosos esforços. Os recursos empregados nessas atividades devem ser
realocados para aperfeiçoar a capacidade de produzir riqueza por outros agentes
econômicos.
Como leciona Fábio Ulhoa Coelho:
380
CLARO, Carlos Roberto. (Revocatória falimentar ...). Op. cit. p. 232.
381
Note-se que é exatamente neste aspecto que a Nova Lei se diferencia da norma anterior, sendo
fundamental que os esforços sociais caminhem nesse sentido.
382
Nesse sentido Carlos Roberto CLARO afirma: “Por isso é que sempre insistimos na tese de que o
processo de falência, ou mesmo o de recuperação judicial (agora com a nova nomenclatura e
estrutura diferenciada) devem ser dinâmicos, com atos coerentes e harmoniosos com a realidade”.
(Idem. Ibidem. p. 232).
159
Assim, a recuperação da empresa não deve ser vista como um valor
jurídico a ser buscado a qualquer custo. Pelo contrário, as más empresas
devem falir para que as boas não se prejudiquem. Quando o aparato estatal
é utilizado para garantir a permanência de empresas insolventes, inviáveis,
opera-se uma inversão inaceitável: o risco da atividade empresarial
transfere-se do empresário para os seus credores.
383
Com as mencionadas mudanças, nota-se que o legislador pretendeu
colaborar com o bom funcionamento do mercado e incentivar os agentes
econômicos preparados que nele operam, o que se entende como acertado e de
acordo com o princípio da preservação da empresa.
Grande parte das inovações trazidas pela Lei 11.101/2005, ao menos em
tese, contempla aquilo que a doutrina muito tempo clamava como sendo
necessário para que o Direito Falimentar pudesse, de fato, não apenas liquidar
ativos e saldar parte dos passivos, mas preocupar-se com a importância social das
empresas e com a continuidade dos negócios das empresas em crises econômico-
financeiras.
Dentre as principais alterações trazidas pela nova Lei, Rubens Approbato
MACHADO resumindo o relatório apresentado pelo senador Ramez Tebet, relator
da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal afirma que 12
(doze) princípios nortearam a elaboração da Nova Lei, quais sejam
384
: (i) a
preservação da empresa, (ii) a separação dos conceitos de empresa e empresário,
(iii) a recuperação das empresas e dos empresários recuperáveis, (iv) a retirada do
mercado de sociedades ou empresários não recuperáveis, (v) a proteção aos
trabalhadores, (vi) a redução do custo do crédito no Brasil, (vii) a celeridade e
eficiência dos processos judiciais, (viii) a segurança jurídica, (ix) a participação ativa
dos credores no processo, (x) maximização dos ativos do falido, (xi)
desburocratização da recuperação de microempresas e empresas de pequeno porte
e, por fim, (xii) rigor na punição de crimes relacionados à falência e à recuperação
judicial.
383
COELHO, Fábio Ulhoa. (Comentários à ...). Op. cit. p. 116.
384
MACHADO, Rubens Approbatto. Comentários à nova lei de falências e recuperação de
empresas. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 25/26.
160
3.4.4 A aplicabilidade dos preceitos da Lei nº. 11.101/2005 e as
possibilidades de contribuição para a promoção do desenvolvimento
econômico
Passados três anos do início da vigência da Lei nº. 11.101/2005, persiste
significativa divergência doutrinária sobre as expectativas e os resultados advindos
da Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. Há aqueles que apresentam
perspectivas favoráveis às mudanças trazidas pela nova Lei, como, por exemplo,
Sérgio CAMPINHO que entende que a visão encampada pela legislação atual
mostra-se satisfatória e que se trata de uma resposta às críticas tecidas ao instituto
da concordata, tal qual concebido em nossa legislação pretérita. Afirma o
doutrinador que: “A filosofia é preservar a empresa por todos os meios disponíveis e,
na sua impossibilidade, liquidar imediatamente o ativo para o pagamento do
passivo”
385
. O autor destaca que o primado, por óbvio, não vai, no mundo concreto,
assegurar um número de recuperações maior do que o de falências, mas manifesta
significativo otimismo quanto aos resultados que serão obtidos com a aplicação
prática da nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas
386
, especialmente
por vislumbrar na recuperação uma ferramenta que não existia na lei pretérita e que
surge como uma luz no fim do túnel para se materializar o princípio da preservação
da empresa.
Em contrapartida, posicionamentos doutrinários mais céticos com relação
à aplicabilidade e à qualidade do texto normativo da nova Lei. Nesse sentido,
Manoel Justino BEZERRA FILHO mostra entendimento crítico ao tratar sobre as
mudanças trazidas pela Nova Lei. O autor entende que esta favoreceu o capital
financeiro em prejuízo da atividade produtiva e que a Lei 11.101/05 dificulta o
financiamento da atividade empresária ao estimular, por parte do credor, a
existência de garantias reais. Isso porque, ao se colocar o capital financeiro em
posição privilegiada, a norma induz o banco a, dentro da lógica da economia de
mercado, forçar a falência da sociedade em crise, para que receba os valores
decorrentes da realização da garantia, sobre o qual pesará apenas o valor dos
385
CAMPINHO, Sérgio. (Falência e ...). Op. cit. p. 122.
386
Idem. Ibidem. p. 123.
161
salários em atraso, até o limite de 150 salários mínimos
387
, relegando posição
subalterna aos créditos trabalhistas
388
.
De fato, em parte entendemos que o autor tem razão ao afirmar que a nova
Lei de Falências e Recuperação sofreu forte influência das entidades financeiras, eis
que o aumento da segurança aos credores com garantia real realmente ocorreu,
sendo, portanto, inegável que o peso do “lobby” das instituições financeiras foi
exercido no trâmite legislativo.
Todavia, essa proteção às entidades financeiras não nos parece prejudicial à
sociedade, tal como sustentado pelo autor, pois, como introduzimos nas primeiras
linhas deste tópico, é sabido que o custo do crédito depende diretamente do risco
que ele oferece ao detentor do capital
389
. Portanto, protegendo-se as entidades que
concedem o crédito, com um sistema falimentar equilibrado e organizado, abre-se
caminho para que seu custo seja reduzido. Este pode ser um dos primeiros passos
para retirar o Brasil da lista dos países com maior custo financeiro para se obter
crédito no mundo, mesmo sendo o argumento desconsiderado, ou desacreditado,
pelo ilustre autor.
com relação à limitação dos créditos trabalhistas ao montante de 150
(cento e cinqüenta) salários mínimos, instituída pelo art. 83, I, da Lei 11.101/05, e
criticada pelo autor, ousamos discordar de seu entendimento. É sabido que a
inserção dos credores trabalhistas dentre aqueles mais privilegiados no processo
falimentar decorre da natureza alimentar do crédito em questão. Protege-se a parte
hipossuficiente da relação jurídica e que depende do valor financeiro remuneratório
de seu trabalho para a subsistência mínima de sua família.
Até a reforma trazida pela Lei 11.101/05 não havia qualquer limitação ao
valor dos créditos trabalhistas no processo falimentar, o que permitia o cometimento
de fraudes com indenizações mediante acordos judiciais de elevado valor
financeiro.
A norma pretérita admitia que, quando a empresa começasse a enfrentar
crises econômico-financeiras, os sócios capciosamente criassem uma suposta
387
BEZERRA FILHO, Manoel Justino. O Estado, a empresa e o mercado: novas tendências de direito
econômico e comercial. In: Revista de direito bancário e do mercado de capitais. Ano 11, nº. 39,
jan/mar de 2008. p. 31.
388
Idem. Ibidem. p. 29.
389
TOKARS, Fábio. (Sociedades limitadas ...). Op. cit. p. 449/450.
162
relação de emprego com alguém de sua confiança e não cumprissem com as
obrigações trabalhistas desta contratação. O suposto empregado poderia ingressar
com uma reclamatória trabalhista em juízo, reclamado as obrigações trabalhistas
não adimplidas, e as partes firmariam então um acordo judicial para o pagamento da
indenização. Parte dos valores ficaria com os cios e a outra parte com o suposto
empregado que participou da fraude. Formalmente tudo parecia muito cristalino e a
situação dificilmente seria revertida. Porém, credores poderiam ser severamente
lesados com este tipo de ação, mas o ato praticado cumpria com as formalidades
legais necessárias para obter eficácia jurídica. E o pior, contando com informações
privilegiadas dos controladores do negócio, as lides poderiam tramitar mais
rapidamente, com a formalização por acordos judiciais (reduzindo-se o tempo do
curso processual), conseguindo privilégio, inclusive, sobre os demais credores
trabalhistas.
Então, por essas razões, ao atribuir a limitação dos valores de indenizações
trabalhistas
390
, o legislador dificultou, e muito, a realização desta modalidade de
fraude, cumprindo a lei com a finalidade que dela se espera
391
e protegendo-se os
trabalhadores na relação jurídica.
Adotando posicionamento mais equilibrado, encontramos parcela da
doutrina que reconhece a importância das mudanças, ou ao menos da tentativa de
mudanças, trazidas pelo legislador ordinário, mas que paralelamente não
manifesta grandes expectativas quanto ao resultado que será obtido com a Nova
Lei. Nesta linha, Fábio Ulhoa COELHO mostra pessimismo quanto à aplicação da
nova norma aos pedidos de recuperação judicial
392
. Para o autor: “o modelo da
390
Destaque-se que a Nova Lei não limitou a proteção dos créditos trabalhistas apenas à falência,
isso porque, também, a previsão legal protegeu o interesse dos empregados nas modalidades de
recuperação das empresas, determinando expressamente os prazos máximos para o pagamento das
verbas trabalhistas, etc. Naturalmente os trabalhadores, como os demais credores, também precisam
abrir mão ao menos temporariamente de seus direitos, mas, como visto, isso ocorrerá com a
finalidade de se buscar a manutenção da empresa e, consequentemente, do emprego.
391
Poderia o legislador ter sido um pouco mais flexível na fixação dos valores de indenização, crítica
esta que mereceria maior aceitação, eis que o montante de 150 (cento e cinqüenta) salários mínimos
hoje representa significativo valor, mas, ao longo do tempo, pode sofrer variações de indexação que
tornem o teto das indenizações demasiadamente baixo. Todavia, entendemos que esta distorção
pode ser facilmente corrigida com alteração da legislação ordinária, quando verificado que o
montante – em salários mínimos – fixado pelo legislador não corresponde com a realidade econômica
e social, razão pela qual ousamos discordar das críticas formuladas pelo autor a esse respeito.
392
Nas notas introdutórias de sua obra o autor afirma que: “Para mim, o instituto da recuperação
judicial corre sério risco de insucesso enquanto o juiz for obrigado a decretar a falência do requerente
que a não obtém. O argumento em favor da vinculação parece ser forte: a lei, ao vincular o
163
recuperação judicial é vulnerável porque, ao manter a vinculação entre o
indeferimento do benefício e decretação de falência, cria o ambiente propício ao
nascimento da ‘indústria da recuperação judicial”
393
. Por esta razão os credores
tendem a aprovar qualquer rabisco malfeito como plano de recuperação judicial,
pois, se não o fizerem, o juiz terá que decretar a falência do devedor, sendo
possivelmente trágicos os efeitos desta medida. Como conseqüência, poucas são as
chances de se conseguir obter a recuperação das empresas. A observação
apontada pelo autor parece válida e merece atenção do legislador derivado em
eventuais reformas que possam ser feitas no texto da Lei nº. 11.101/05.
Em que pese ainda ser cedo para afirmar com precisão sobre os resultados
que a Nova Lei alcançará no futuro em decorrência da jovialidade de sua vigência
–, alguns indícios advindos da aplicação prática da norma nos mostram que não
houve significativo avanço, ao menos nesses primeiros anos de vigência.
Faz-se esta afirmação quando se analisam os dados oficiais fornecidos
pelas Juntas Comerciais do Estado do Paraná e do Rio Grande do Sul
394
quanto aos
pedidos de Falência e de Recuperação Judicial. Com base nas informações
analisadas, nota-se que no Paraná, no ano de 2006, não houve nenhum pedido de
Recuperação Judicial levado à registro na Junta Comercial. Em 2007, foram apenas
2 (dois) pedidos, enquanto que em 2008 o número subiu para apenas 8 (oito). Isto é,
analisando-se os últimos três anos, tem-se que apenas 10 (dez) empresas, em todo
o Estado do Paraná, levaram a registro os pedidos formulados em juízo.
Já no Rio Grande do Sul, em 2006 foram levados à registro na Junta
Comercial do estado 9 (nove) pedidos de Recuperação Judicial, enquanto que em
2007 e 2008 não se registrou nenhum pedido de Recuperação Judicial perante o
órgão estadual
395
.
indeferimento da recuperação judicial à decretação da falência, impediria que alguém solicitasse o
benefício se não estivesse realmente necessitando dele; sendo grande o risco (decretação da
falência), apenas os devedores que se encontrassem mesmo em sérias dificuldades econômicas,
financeiras ou patrimoniais se encorajariam a postular a recuperação judicial. (COELHO, Fábio Ulhoa.
(Comentários à ...). Op. cit.)
393
Idem. Ibidem. p. 114/115.
394
De todas as Juntas Comerciais existentes no Brasil, apenas a do Estado do Paraná e a do Estado
do Rio Grande do Sul coletam/disponibilizam publicamente essas informações.
395
Destaque-se que tanto no Paraná quanto no Rio Grande do Sul, a análise do ano de 2008
compreendeu apenas o primeiro semestre do ano. Por isso, quando do fechamento dos dados
anuais, completos, a estatística pode variar.
164
Em ambos os casos trata-se de volume muito pequeno de pedidos de
Recuperação Judicial, o que demonstra que a ferramenta trazida pela Nova Lei
pouco vem sendo utilizada em âmbito prático, em sentido diverso daquele
pretendido pelo legislador ordinário e pela doutrina.
Poderia ser afirmado, em contraposição à conclusão obtida, que o momento
econômico disponibiliza melhores condições para o desenvolvimento das atividades
empresariais, o que significaria que as empresas não estão passando por crises.
Todavia, ao se analisar o volume de pedidos de falência, fornecidos pelos mesmos
órgãos estaduais, mostra-se que isso não é verdade.
No mesmo período referente aos dados sobre as Recuperações Judiciais,
nos anos de 2006, 2007 e 2008, foram registrados, respectivamente, 134 (cento e
trinta e quatro), 135 (cento e trinta e cinco) e 49 (quarenta e nove) pedidos de
Falência perante a Junta Comercial do Estado do Paraná, enquanto que, no Rio
Grande do Sul, foram registrados, no mesmo período, 250 (duzentos e cinqüenta),
129 (cento e vinte e nove) e 36 (trinta e seis) pedidos de Falência, respectivamente.
Isto é, as crises não deixaram de existir, mas a tentativa do legislador de se
preservar a empresa por intermédio da sua recuperação parece o estar sendo
contemplada. Seja por desconhecimento dos operadores do Direito sobre o tema, o
que se espera que seja reduzido com o passar do tempo, ou pelas dificuldades
impostas àqueles que desejam ingressar com o pedido de recuperação, é inegável
que os dados numéricos obtidos comprovam que o mecanismo da Recuperação
Judicial pouco tem sido utilizado pelos operadores do Direito.
É nesse sentido, como possível explicação para o problema identificado, que
Fábio TOKARS traz suas considerações. Para o autor, as principais razões para
esta tímida utilização de um importante instrumento legal (Recuperação Judicial)
são: (i) a imposição de pesados requisitos formais para o pedido de recuperação, (ii)
a improbabilidade da concordância dos credores com a proposta apresentada pelo
devedor e (iii) a exigência de plena regularidade quanto às obrigações fiscais
396
,
senão vejamos:
De fato, é muito nobre imaginar que os credores devem se colocar na
condição de parceiros de seu devedor em dificuldades financeiras, dando-
396
TOKARS, Fábio. (O direito ...). Op. cit. p. 63.
165
lhes condições de recuperação para que se possa saldar o seu passivo.
Mas, na prática negocial, não cremos que esta mentalidade prevalecer
sobre as lembranças dos muitos infortúnios advindos de processos de
concordata, que invariavelmente terminavam em convolação em falência,
com sensível diminuição dos ativos do empresário. Ainda que o
consentimento expresso dos credores não seja necessário na recuperação
judicial, temos que a tendência destes será negar os planos apresentados,
como forma de estancar a sangria patrimonial do devedor, maximizando os
pagamentos proporcionais a serem obtidos com a liquidação do devedor.
397
Efetivamente, é inegável que com a dificuldade burocrática enfrentada pelo
particular no Brasil, como visto nos picos antecedentes, e com a quantidade de
exigências impostas pela Nova Lei
398
, a tarefa de se conseguir promover uma
Recuperação Judicial não é nem um pouco simples.
Apenas aqueles que possuem condições financeiras de contratar bons,
preparados e, consequentemente, caros escritórios de advocacia conseguirão
preencher os requisitos da Lei e obter o mínimo de sucesso em seus planos de
Recuperação Judicial (somente nas hipóteses em que a recuperação seja viável, é
claro). Isso sem contar todos os custos burocráticos, os encargos administrativos e
os demais custos judiciais para a realização do plano, o que restringe ainda mais o
alcance da norma.
Por isso, analisando-se algumas críticas formuladas em recentes estudos
acadêmicos
399
, faz-se necessário observar os principais pontos deficientes da nova
397
TOKARS, Fábio. (O direito ...). Op. cit. p. 65.
398
Basta, para chegar a essa conclusão, analisar os requisitos impostos pelo legislador falimentar
para a instrução de uma petição inicial de Recuperação Judicial, conforme dispõe o artigo 51 da Lei
11.101/05: a petição inicial de pedido de recuperação judicial deverá ser instruída com: (i) a
exposição das causas concretas da situação patrimonial do devedor e das razões da crise
econômico-financeira; (ii) as demonstrações contábeis relativas aos 3 (três) últimos exercícios sociais
e as levantadas especialmente para instruir o pedido; (iii) a relação nominal completa dos credores;
(iv) a relação integral dos empregados, em que constem as respectivas funções, salários,
indenizações e outras parcelas a que têm direito; (v) certidão de regularidade do devedor no Registro
Público de Empresas, o ato constitutivo atualizado e as atas de nomeação dos atuais
administradores; (vi) a relação dos bens particulares dos sócios controladores e dos administradores
do devedor; (vii) os extratos atualizados das contas bancárias do devedor e de suas eventuais
aplicações financeiras de qualquer modalidade, inclusive em fundos de investimento ou em bolsas de
valores, emitidos pelas respectivas instituições financeiras; (viii) certidões dos cartórios de protestos
situados na comarca do domicílio ou sede do devedor e naquelas onde possui filial; (ix) a relação,
subscrita pelo devedor, de todas as ações judiciais em que este figure como parte, inclusive as de
natureza trabalhista, com a estimativa dos respectivos valores demandados. (omitiu-se).
399
Em linhas conclusivas, Carlos Roberto CLARO traz posicionamento bastante cético quanto a
mudança da regra falimentar, afirmando que a Lei 11.101/05 o contribuirá para a tentativa de
soerguimento da empresa em crise, senão vejamos: “Diante de todos esses argumentos,
considerando o efetivo jogo de interesses que norteou o processo legiferante, bem como a vontade
do legislador de conferir (mais) segurança jurídica aos detentores de capital (instituições financeiras),
com a busca da preservação das garantias, é possível delinear, como dito alhures, um provável
166
norma para que se promovam as mudanças desses mecanismos
400
e alcance-se,
antes que se repita o fracasso do regime jurídico anterior (concordatas), o êxito no
sistema de recuperação de empresas no Brasil.
caminho para a Lei 11.101/05: certamente não contribuirá para a tentativa de soerguimento da
empresa em crise. Pelo contrário, emprestará mecanismos para o devedor inescrupuloso se escudar
no processo de reorganização e, por outro lado, não reunirá condições mínimas para evitar a falência
da empresa”. (CLARO, Carlos Roberto. (Recuperação Judicial ...). Op. cit. p. 262).
400
Assim conclui bio TOKARS: “Principalmente em vista de tais razões, temos que o processo de
recuperação infelizmente não tende a atingir os nobres objetivos indicados pelo legislador, razão pela
qual se faz urgente uma reforma da legislação específica”. (TOKARS, Fábio. (O direito ...). Op. cit. p.
65).
167
CONCLUSÃO
No decorrer da presente dissertação demonstrou-se que a atividade
empresarial é demasiadamente importante para o desenvolvimento da sociedade,
pois ao gerar empregos, desenvolver produtos e recolher tributos funciona como
mecanismo de inclusão social, de promoção da dignidade humana, de inserção das
pessoas no mercado de trabalho e de movimentação econômica da sociedade.
Fixaram-se algumas premissas relativas aos princípios regentes da atividade
empresarial, o que se fez com o objetivo de demonstrar que, por intermédio da
desta, pode-se promover a dignidade humana, melhorar as condições sociais e
otimizar a utilização de recursos disponíveis na sociedade.
É nesse sentido que o princípio da livre iniciativa funciona como elemento
que permite (e incentiva) o particular a desempenhar suas atividades, gerando
riquezas, novos postos de trabalho e contribuindo para a concretização do princípio
da busca do pleno emprego. A mesma lógica se aplica ao princípio do tratamento
favorecido às atividades de pequeno porte, pois, como se viu, são elas as principais
geradoras de emprego no Brasil.
A proteção legal conferida às atividades de pequeno porte, tanto pela
Constituição Federal de 1988 quanto pelo legislador complementar, permite afirmar
que a temática encontra-se muito bem tutelada pelo ordenamento jurídico pátrio,
especialmente pelas recentes modificações promovidas por intermédio da Lei
Complementar nº. 123/06, que simplificou procedimentos burocráticos e de
recolhimento tributário para as micro e pequenas empresas.
Viu-se, também, que o princípio da função social deve ser tratado com
cautela no Direito Empresarial, não devendo ser aplicado como se elemento de
piedade fosse, ou de distribuição de riquezas – pura e simplesmente.
O direito empresarial deve sim ser aplicado de acordo com o princípio da
função social, procurando-se construir uma sociedade mais igualitária e justa.
Todavia, isso não implica afirmar que a empresa deve cumprir com uma chamada
função social como se nova obrigação fosse, ou que a função social passa a ser
utilizada como carta curinga para fundamentar qualquer decisão judicial que decida
em favor da parte mais fraca.
168
Com base nesses pressupostos construídos, compreendeu-se que a
empresa precisa e deve ser preservada quando a manutenção das suas operações
for possível e viável ao bom funcionamento do mercado, lembrando-se sempre da
importância social que a atividade empresarial exerce e da sua importância para a
materialização da dignidade humana.
Superadas as considerações principiológicas iniciais, surgiu, então, a
discussão sobre a interferência que o Estado exerce no desenvolvimento da
atividade econômica.
Nesse sentido, observou-se que a atuação do Estado, neste início de século
XXI, deve ser pautada para coibir eventuais excessos cometidos no exercício da
atividade econômica, ao mesmo tempo em que o ente estatal deve propiciar as
condições para o florescimento da economia de mercado. Não pode atuar em
excesso, sob pena de engessar a economia, como também não pode deixar que o
mercado se auto-regulamente, sob pena de que o absenteísmo estatal excessivo
possa comprometer a sociedade.
Além disso, enfatizou-se que a economia de mercado o precisa ser
enfrentada como se fosse um elemento maléfico à sociedade, lembrando-se os
ideais da velha esquerda. Ao invés de vislumbrá-la como meio de exploração dos
países pobres pelos países ricos, merece ser vista como importante mecanismo
para a promoção da dignidade humana. Ao se incentivar a exploração das
atividades econômicas, paralelamente, estar-se-á fomentando a criação de novas
riquezas que, por sua vez, servirão para melhorar as condições sociais das pessoas,
dando-se continuidade a um ciclo evolutivo.
Problemas na economia de mercado existem, mas ao invés de refutá-la,
pura e simplesmente, é mais interessante fazer uso dela como ferramenta em
benefício da sociedade, corrigindo-se os erros que possam surgir.
Foi então que, partindo-se do estudo de Jeffrey D. SACHS, demonstrou-se
que a economia de mercado pode funcionar como excelente mecanismo de
promoção da dignidade humana na tentativa de acabar com a pobreza no mundo,
conferindo novas oportunidades aos países que sem o investimento estrangeiro
não teriam outra oportunidade de desenvolvimento.
Com a análise dos dados apontados pelo relatório Doing Business 2008,
elaborado pelo Banco Mundial, notou-se que diversos problemas burocráticos (e
169
estruturais) contaminam o cenário para o desenvolvimento de atividades no Brasil, o
que precisa ser revisto para que o país possa crescer nos próximos anos. A
dificuldade na abertura e fechamento de empresas, a regulamentação excessiva e
os elevados custos para se contratar/demitir empregados, a burocracia exigida para
se pagarem impostos, a falta de estrutura para o comércio internacional, dentre
outros elementos, mostram que o país precisa passar por reformas estruturais
urgentes, sob pena de deixar de aproveitar seu potencial natural de crescimento.
Superadas essas premissas que delimitaram a principiologia aplicável ao
Direito Empresarial, bem como a análise de aspectos econômicos e conjunturais
para o desenvolvimento da atividade empresarial, coube avaliar algumas das
hipóteses em que o Direito interfere no exercício da atividade empresarial,
objetivando-se relacionar a temática com o desenvolvimento econômico.
Para tanto, viu-se que a limitação da responsabilidade dos empreendedores
que é matéria de elevada importância para o desenvolvimento da atividade
empresarial – vem sendo pouco respeitada nos últimos anos pela ampla e excessiva
desconsideração da personalidade jurídica operada, principalmente, em âmbito
trabalhista, tributário e consumerista.
A limitação da responsabilidade dos sócios, que deveria ser tratada como
regra, passou a ser simplesmente ignorada por recentes decisões judiciais
interessadas, tão somente, em adimplir obrigações entre as partes litigantes.
Muitas vezes com fulcro no art. 28, e parágrafos, do Código de Defesa do
Consumidor, aplica-se a desconsideração da personalidade jurídica simplesmente
na hipótese de inexistência de bens, presumindo-se a ocorrência de fraude e
deturpando-se a construção doutrinária realizada ao longo de diversos séculos.
Em um primeiro momento esta conduta pode parecer acertada,
supostamente acreditando-se que o juiz da causa está fazendo com que os créditos
sejam recebidos. Todavia, ao refletir sobre a temática, torna-se evidente que tal
conduta inibe a realização de investimentos privados, tornando-se intuitivo perceber
que ela prejudica todos aqueles que dependem das atividades empresariais para o
seu sustento, sejam eles empreendedores, trabalhadores, fornecedores, fisco, ou
qualquer outro elemento que tenha interesse no desenvolvimento da atividade
empresarial.
170
Por essas razões, faz-se necessário que o mecanismo da limitação da
responsabilidade dos empreendedores volte a ser aplicado de acordo com a
tradicional construção doutrinária, devendo a desconsideração da personalidade
jurídica ser aplicada apenas nos casos em que se verifique a ocorrência de atos
fraudulentos escondidos sob o véu da pessoa jurídica, deixando-se de aplicá-la
apenas pela presunção.
Também no tocante à limitação da responsabilidade dos sócios, outra
medida que pode contribuir com o desenvolvimento econômico e, em especial,
reduzir os índices de informalidade no Brasil é a limitação da responsabilidade do
empreendedor individual, que, no ordenamento jurídico brasileiro, não é admitida.
Recentemente, no continente europeu, adotou-se a limitação da
responsabilidade para as sociedades unipessoais e para os pequenos
empreendedores, tendo esta medida sido apontada pela doutrina estrangeira como
significativo avanço e, por isso, merecendo ser observada pela doutrina e pelo
legislador brasileiro.
Outro aspecto que se apontou sobre a interferência do Direito na atividade
empresarial é a proteção da propriedade industrial e sua relação com a promoção do
desenvolvimento econômico. Isso porque a proteção à propriedade industrial
funciona como importante mecanismo de incentivo a novas invenções e,
consequentemente, permite que melhorias sociais sejam idealizadas.
Para que a sua exploração seja incentivada, é fundamental que a matéria
esteja bem regulamentada, assim como a proteção outorgada deve ser acessível (e
efetiva) aos inventores. Viu-se que, no Brasil, a temática foi muito bem
regulamentada pelo legislador ordinário, tendo a Lei nº. 9.279/96 contemplado boa
parte dos requisitos para que se proteja a atividade inventiva.
Paralelamente, viu-se que a proteção à atividade inventiva não se encontra
ao acesso de muitos inventores e que a burocracia contamina, também, este
segmento no Brasil. O próprio INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial)
reconhece tal deficiência apontada por pesquisas, o que pode ser um significativo
passo para a condução de melhoras.
com relação à operação de trespasse de estabelecimento, viu-se que
esta funciona como importante instrumento de transferência da titularidade do
estabelecimento empresarial, permitindo-se que um novo titular opere os bens que
171
foram organizados para a exploração de determinada atividade. A justificativa para
tal procedimento remonta, imediatamente, ao princípio da preservação da empresa e
da importância na continuidade dos negócios, mantendo-se os bens organizados
para a exploração da atividade econômica.
Até a entrada em vigor do Código Civil de 2002, a construção doutrinária
majoritária deu-se no sentido de que a operação de trespasse de estabelecimento
não era acompanhada dos débitos vinculados ao fundo, assim como não se fazia
necessária a anuência dos credores para a eficácia da transferência de titularidade.
Nada obstante, no texto do Código Civil de 2002, o legislador disciplinou a
matéria de forma diversa, impondo-se elevados riscos e encargos ao adquirente do
estabelecimento empresarial, praticamente inviabilizando a operação de trespasse.
Com o nobre objetivo de proteger os credores, o legislador desequilibrou
exageradamente a relação entre as partes, tornando a operação de trespasse
extremamente insegura e onerosa para o adquirente do estabelecimento, sendo
bastante provável que esta operação seja pouco utilizada, senão inutilizada, no
cotidiano do Direito Empresarial.
No tocante ao Direito Falimentar, viu-se que a Lei 11.101/05 trouxe novas
expectativas aos operadores do Direito que, com a figura da recuperação da
empresa em crise econômico-financeira, passaram a contar com uma nova
ferramenta na tentativa de se preservar o devedor que tenha condições de se
manter no mercado, homenageando-se o princípio da preservação da empresa.
Trata-se de excelente instrumento que o legislador trouxe aos operadores do Direito
Empresarial para substituir o fracassado (e protelatório) regime da concordata.
anos a doutrina esperava pela mudança recentemente promovida, pois a
sistemática falencial brasileira não correspondia com a realidade social e econômica
existente no país. Eram raríssimos, senão inexistentes, os casos em que uma
empresa em crise econômico-financeira conseguia se recuperar e manter as
atividades.
Contudo o elevado índice de requisitos para o processamento de um pedido
de recuperação judicial, assim como o desconhecimento técnico da matéria por
parte dos profissionais do Direito, podem ser apontados como barreiras que
dificultam a utilização do mecanismo de recuperação empresarial, o que se
172
comprovou com a demonstração de números oficiais do Estado do Paraná e do Rio
Grande do Sul.
Esses fatores apontados, em conjunto ou isoladamente, inibem a realização
de investimentos privados na atividade empresarial. A conseqüência gica advinda
desta retração de investimentos é simples de ser compreendida, pois o investidor
(detentor de recursos), que tiver consciência dos riscos assumidos, dificilmente se
arriscará na realização da atividade econômica sem que os lucros esperados
compensem a incerteza assumida.
Paralelamente, aqueles agentes econômicos que não tenham recursos a
perder não hesitarão em aventurar-se no desenvolvimento das atividades, fazendo
com que os mecanismos de proteção excessiva aos credores funcionem em sentido
exatamente contrário àquele que foi pretendido. Trata-se de apontamento que
merece reflexão por parte dos operadores do Direito para que seja, de fato, possível
construir uma economia desenvolvida e com menores índices de desigualdades
sociais.
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