Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
Lídia Domingues Peixoto Prado
A POLÍTICA EXTERNA DO PRIMEIRO GOVERNO LULA
(2003-2006)
Dissertação de mestrado apresentada ao
Programa San Tiago Dantas
(UNESP/UNICAMP/PUC-SP), sob a
orientação do Prof. Dr. Shiguenoli Miyamoto,
como parte dos requisitos para obtenção do
título de mestre em Relações Internacionais,
na área de Política Externa Brasileira
Campinas, 2007
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
ii
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA
BIBLIOTECA DO IFCH - UNICAMP
Título em inglês: Lula’s first foreign relations (2003-2006)
Palavras chaves em inglês (keywords) :
Área de Concentração: Relações Internacionais
Titulação: Mestre em Relações Internacionais
Banca examinadora:
Data da defesa: 19-12-2007
Programa de Pós-Graduação: Relações Internacionais
Interna
tional relations
Brazil Foreign relations
Brazil Politics and government, 2003-2006
Manduca
Prado, Lídia Domingues Peixoto
P882p A política externa do primeiro governo Lula (2003-2006) /
Lídia Domingues Peixoto Prado. - - Campinas, SP : [s. n.], 2007.
Orientador: Shiguenoli Miyamoto.
Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas,
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.
1. Silva, Luis Inácio Lula da, 1945-
. 2. Relações internacionais.
3. Brasil Relações exteriores. 4. Brasil Política e governo, 2003-
2006. I. Miyamoto, Shiguenoli. II. Universidade Estadual de
Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. III.Título.
(cn/ifch)
ads:
iii
A política externa do primeiro governo Lula
(2003-2006)
Lídia Domingues Peixoto Prado
Banca Examinadora:
Prof. Dr. Shiguenoli Miyamoto (Orientador)
_______________________
Prof. Dr. Andrei Koerner (Membro)
_______________________
Prof. Dr. Paulo César Manduca (Membro)
_______________________
Prof. Dr. Valeriano Mendes Ferreira Costa (Suplente)
_______________________
Prof. Dr. Suzeley Kalil Mathias (Suplente)
_______________________
Campinas, 2007
iv
v
RESUMO
A análise da política externa do primeiro governo Lula (2003-2006) pode ser
relacionada a três fatores fundamentais: a ideologia partidária do Partido dos
Trabalhadores - PT, o contexto internacional e a tradição diplomática brasileira.
Nesse sentido, o estudo das principais ações em âmbito externo realizadas
durante o período considera tais questões, com a finalidade não só de constatar a
atuação do governo Lula no panorama internacional, como também os reais
motivos que levaram a essa atuação.
O objetivo da presente dissertação consiste em verificar se as diretrizes
propostas pelo governante para a política exterior de seu primeiro mandato foram
consolidadas, para, assim, indicar os motivos dos êxitos e revezes da diplomacia
petista. As intenções de Lula podem ser associadas às seguintes temáticas:
processos de integração regional, instâncias multilaterais e economia
internacional, já habituais nas escolhas diplomáticas brasileiras. No entanto, a
grande inovação do governo correspondeu à imagem projetada do Brasil no
sistema internacional, de país capaz de exercer liderança, sejam nos foros
multilaterais ou regionalmente.
Tendo em vista que a principal finalidade da política externa de Lula foi a
ampliação do espaço brasileiro no cenário internacional, com a conquista de
melhor posicionamento diante das relações de poder existentes entre os países,
pretendeu-se relacionar as preferências do governante para as relações
internacionais de acordo com esse objetivo. Ainda que os resultados efetivos da
vi
diplomacia de Lula não tenham sido integralmente favoráveis ao país, as ações do
Brasil no sistema internacional promoveram uma imagem mais atuante e enérgica
à diplomacia nacional.
vii
ABSTRACT
The analysis of the foreign policy in the first Lula’s government (2003-2006)
can be related with three basic factors: the ideology of the Partido dos
Trabalhadores - PT, the international context and the Brazilian’s traditional
diplomacy. In this direction, the study of the most important actions in external
scope during the designated period considers these questions, with the purpose
not only to show the actions of the government Lula in the international system, but
also the real reasons to have this type of performance.
The objective of this work consists in verifying if the directions proposed by
the government for the foreign policy in the first mandate had been consolidated, in
order to indicate the reasons of the successes and failures of this diplomacy .
Lula’s intentions can be associated to these subjects: processes of regional
integration; multilateral instances and international economy, already usual in the
Brazilian’s diplomatic choices. However, the great innovation of the government
was related to the projected image from Brazil in the international system, as a
powerful country, capable to be a leader, in international instances or regionally.
Knowing that the main purpose of Lula’s foreign policy was the
increasement of Brazilian’s space in the international scene, with a of better
positioning on relationship of power existing between the countries, was intended
to relate the preferences of the government for the international relations to the
above-mentioned desire. Although the results of Lula’s diplomacy have not been
viii
integrally favorable to the country, the Brazilian’s actions in the international
system had promoted a better image to the national diplomacy.
ix
Ao meu amor, Daniel,
o engenheiro mais politizado
que eu já conheci.
x
xi
AGRADECIMENTOS
A finalização desse trabalho simboliza a concretização de mais uma etapa
acadêmica cumprida. O processo de desenvolvimento da dissertação
correspondeu a um momento de amadurecimento intelectual muito importante, e
eu não poderia deixar de agradecer àqueles que, de alguma maneira, tornaram
esse momento ainda mais especial.
Agradeço primeiramente à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de
São Paulo - FAPESP, pela bolsa concedida.
Gostaria de agradecer, em especial, ao meu orientador, Professor
Shiguenoli Miyamoto, pela sua grande amizade e por ter acreditado no meu
trabalho, desde a graduação, com a Iniciação Científica e a Monografia. Obrigada
pelo apoio e pelos ensinamentos de longa data.
Agradeço também a todos os colegas do Programa de Pós-Graduação em
Relações Internacionais San Tiago Dantas, particularmente à Giovana, Secretária
do Programa, pela paciência e a presteza em todos os momentos. Registro
também minha gratidão a todos os professores do Programa.
Ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, sobretudo à Secretaria de
Pós-Graduação, agradeço pelo auxílio e disposição.
xii
Com especial atenção, destaco o agradecimento ao Professor Andrei
Koerner e ao Professor Paulo César Souza Manduca, pelas contribuições
especiais durante o exame de Qualificação. Sou imensamente grata às sugestões
e críticas recebidas.
Finalmente, agradeço aos amigos que me auxiliaram nessa jornada, me
dando apoio e carinho, sempre: Romis, Dilmara, Clara, Alim, Carolina e Inácio,
muito obrigada pelo companheirismo!
À minha família, querida e amada, que sempre esteve presente, apesar da
distância. Pai, Mãe, Fábio, Ciça, Vovô, Vovó, Tia Wilsa, Elisa, Vitor, Kwal...(ufa, é
muita gente!!!), o meu MUITO OBRIGADA não seria suficiente para agradecer
todo o amor que vocês me dão. Agradeço também à Lume, que, com seu bom
senso canino, apoiou e alegrou meus dias de estudo.
E, como não poderia deixar de ser, por último gostaria de agradecer o
carinho, o amor, a compreensão, a amizade, as faxinas e as roupas passadas...
Daniel, esse trabalho é dedicado a você. Obviamente, os erros contidos nele não
fazem parte do script, mas toda a dedicação já vale a pena. Todo o esforço se
tornou mais simples com a sua ajuda.
xiii
SUMÁRIO
RESUMO ............................................................................................................... v
ABSTRACT .......................................................................................................... vii
AGRADECIMENTOS ............................................................................................ xi
SUMÁRIO ........................................................................................................... xiii
LISTA DE SIGLAS .............................................................................................. xv
Introdução ............................................................................................................ 1
Apresentação do Tema de Pesquisa ................................................................ 10
Capítulo 1 ............................................................................................................ 17
1.1 A diplomacia brasileira de Sarney a Fernando Henrique Cardoso:
adaptações à nova realidade internacional ...................................................... 20
Capítulo 2 ........................................................................................................... 41
2.1 A política externa de Lula e a manutenção dos ideais petistas: da campanha
eleitoral ao governo .......................................................................................... 51
Capítulo 3 ........................................................................................................... 59
3.1 Os setores prioritários e as questões polêmicas: a consolidação da
diplomacia petista ............................................................................................. 66
3.1.1. Processos de integração regional ..................................................... 67
3.1.2. Atuação nas instâncias multilaterais .................................................. 76
3.1.3. Bilateralismo e desenvolvimento econômico ..................................... 81
Capítulo 4 ........................................................................................................... 91
4.1 Resultados efetivos da política exterior de Lula ........................................ 97
xiv
Considerações finais ....................................................................................... 105
Bibliografia ....................................................................................................... 113
xv
LISTA DE SIGLAS
ALCA - Área de Livre Comércio das Américas
ALCSA - Área de Livre Comércio Sul Americana
BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento
CASA - Comunidade Sul-Americana de Nações
ECO 92 - nome dado à Conferência das Nações Unidas para o Meio ambiente e
Desenvolvimento realizada em 1992 no Rio de Janeiro
EUA - Estados Unidos da América
FARC - Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia
FHC - Fernando Henrique Cardoso
FMI - Fundo Monetário Internacional
G-20 - Grupo de países emergentes criado para combater os subsídios agrícolas
da Rodada Doha da OMC. Composto pelos seguintes países: África do Sul,
Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, China, Cuba, Egito, Equador, Filipinas,
Guatemala, Índia, Indonésia, México, Nigéria, Paquistão, Paraguai, Peru,
Tailândia, Tanzânia, Uruguai, Venezuela e Zimbábue.
IBAS - Diálogo Índia, Brasil e África do Sul (também conhecido como G-3)
MERCOSUL - Mercado Comum do Sul
MINUSTAH - Missão das Nações Unidas para a estabilização no Haiti
NAFTA - North America Free Trade Agreement
OIT - Organização Internacional do Trabalho
OMC - Organização Mundial do Comércio
xvi
ONU - Organização das Nações Unidas
PL - Partido Liberal
PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PRN - Partido da Reconstrução Nacional
PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira
PT - Partido dos Trabalhadores
TEC - Tarifa Externa Comum
UIT - União Internacional de Telecomunicações
URSS - União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
1
Introdução
A análise da política externa de um país corresponde a uma das mais
expressivas vertentes de estudo nas Relações Internacionais. Juntamente com
áreas como a história e teoria das Relações Internacionais, questões de
segurança internacional, temas de integração regional e organizações
multilaterais, o campo da política exterior compõe a disciplina, e exige estudos
pormenorizados.
Para uma reflexão acadêmica sobre política externa, faz-se necessária a
introdução de termos relacionados ao tema, o que permite uma análise plena e
baseada nos princípios teóricos apropriados. As terminologias utilizadas para
compor um texto são determinadas de acordo com a escola de pensamento
adotada como base. Nas Relações Internacionais, as principais correntes de
2 Introdução
estudo são o liberalismo, realismo, marxismo, teoria crítica, construtivismo e pós-
modernismo
1
.
Entre as abordagens supracitadas, o realismo, cujas premissas serão
utilizadas para analisar o objeto de estudo da presente dissertação, corresponde a
uma das mais clássicas e expoentes nos estudos de política externa. O
surgimento da escola realista remonta às idéias de TUCÍDIDES
2
, que narrou a
guerra do Peloponeso (431a.C a 404 a.C), conflito bélico envolvendo Esparta e
Atenas. Já no século XVI, os fundamentos da escola foram manifestados em
MAQUIAVEL (1532)
3
, sendo aprimorados no século seguinte, com as idéias de
HOBBES (1651)
4
, e obtendo respaldo apropriado no clássico de MORGENTHAU
(1948)
5
. Após esse marco bibliográfico, outras obras foram lançadas, envolvendo
também outras correntes das Relações Internacionais, e criando novas formas de
análise, como o neo-realismo. Entretanto, o realismo continua sendo, de fato, uma
abordagem tradicional e muito utilizada no meio acadêmico.
A obra de TUCÍDIDES (465 a.C - 395 a.C) inaugura a utilização de aspectos
realistas para narrar um conflito. A guerra de Peloponeso, que durou vinte anos,
foi retratada com racionalidade pelo autor, o que foi considerado uma inovação à
época, quando as obras possuíam tom romântico e religioso. Tucídides
1
Para informações sobre cada escola de pensamento, consultar MESSARI, Nizar & NOGUEIRA, João Pontes. Teoria das
relações internacionais - correntes e debates . Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.
2
TUCÍDIDES. História da guerra do Peloponeso. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1982.
3
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1969.
4
HOBBES, Thomas. Leviatã - ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. São Paulo: Editora Martin Claret,
2001.
5
MORGENTHAU, Hans. A política entre as nações - a luta pelo poder e pela paz. Brasília: Editora Universidade de Brasília:
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo: Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, 2003.
3 Introdução
demonstrou o caráter realista de sua obra ao narrar o conflito em termos de poder,
isto é, o autor caracterizou as relações diplomáticas como um campo onde os
países que têm poder comandam aqueles que não o possui, os quais, por sua
vez, se subordinam, por temerem as conseqüências de uma eventual colisão.
A partir da obra de MAQUIAVEL (1532), deu-se a separação, nas ciências
humanas, entre a esfera política e preceitos morais (religiosos), até então
agregados. Surgiram, dessa forma, os fundamentos da política moderna, e a
célebre citação maquiavélica de que os fins justificam os meios, essencial à teoria
realista, foi difundida a partir dos séculos subseqüentes.
Essa separação entre política e moral foi essencial para o estabelecimento
da vertente realista nas Relações Internacionais. A partir dessa visão, a política
passou a ser tratada como um domínio próprio, independente de outros âmbitos,
como a religião, dando a ela, dessa forma, fundamentos específicos para
caracterizar ações e escolhas, entre as quais a diplomacia se enquadra.
O autor subseqüente cuja obra deve ser mencionada é HOBBES (1651). Em
seu Leviatã, ele apresentou o Estado Moderno, que corresponderia ao ator
fundamental do sistema internacional na perspectiva realista. O autor descreveu
também o estado de natureza, isso é, a sociedade na ausência de um poder
legítimo para controlar as tendências egoístas dos indivíduos. Esse poder seria o
Leviatã. O panorama do estado de natureza hobbesiano foi retratado no
paradigma realista, quando se caracteriza o cenário global, onde os países
buscam a maximização dos próprios interesses, o que gera anarquia, uma vez
que não existe um poder supremo, acima do direito soberano dos Estados (um
4 Introdução
Leviatã), no sistema internacional. Nesse sentido, a descrição do cenário global,
de acordo com o paradigma realista, busca ilustrar a incessante disputa por
interesses particulares (no caso, entre os países) característico de um sistema em
que os atores agem com o intuito de maximizar poder e concretizar seus objetivos.
Outro autor expressivo é CARR
6
(1939). Sua obra correspondeu a um marco
teórico importante, por esboçar um debate entre as idéias realistas e idealistas das
Relações Internacionais. No entanto, Carr pode ser considerado tanto realista
quanto liberal
7
: existem preceitos de ambas as escolas em seu texto. O autor
analisa quais seriam as causas do insucesso do Tratado de Versalhes (e o
conseqüente início da Segunda Guerra Mundial) e, nesse sentido, sua
contribuição realista está relacionada à subordinação dos princípios diplomáticos à
política.
Porém, embora Carr tenha divulgado o realismo como escola das Relações
Internacionais, e apesar das contribuições de autores clássicos nos séculos XVI e
XVII, foi somente na década de 1950 que essa vertente de fato se difundiu. O ciclo
de maior prestígio de tal abordagem iniciou-se após o fim da Segunda Guerra
Mundial, vindo a persistir ainda hoje, nas diversas análises de conjunturas,
principalmente com outras roupagens, ao se relacionar a outras vertentes da
disciplina, como já foi dito.
6
CARR, Edward Hallett. Vinte anos de crise: 1919-1939. Uma introdução ao estudo das relações internacionais. Brasília:
Editora Universidade de Brasília, 2001.
7
MESSARI, Nizar & NOGUEIRA, João Pontes. Teoria das relações internacionais - correntes e debates. Rio de Janeiro:
Elsevier, p. 32, 2005.
5 Introdução
Anteriormente às duas grandes guerras do século XX, o realismo já se
constituía em uma importante influência no campo das Relações Internacionais,
vindo a ser substituído pelo paradigma idealista (ou liberal) no entre-guerras, e
retornando nas discussões da disciplina no período da Guerra Fria.
A obra de MORGENTHAU (1948), A política entre as nações
8
, foi o marco da
influência realista nas ciências humanas. Ao redigir tal obra, o autor apresentou as
principais características e os temas norteadores da abordagem, disseminando
assim a concepção realista das Relações Internacionais. Temas como os objetivos
da diplomacia, o conceito de poder e de política externa foram explorados no livro,
de caráter histórico.
A escola realista possui um grupo de premissas, as quais fundamentam e
identificam tal abordagem. Essas características gerais estão presentes nos textos
que utilizam o realismo como base teórica, e podem ser determinadas da seguinte
maneira:
a teoria realista propõe o estadocentrismo, isso é, a centralidade do
Estado no sistema internacional, situando-o como principal ator do cenário
global. O Estado, nesse caso, é soberano, e tem por objetivo máximo
garantir sua sobrevivência no sistema, através da maximização de
interesses, os quais são relacionados à ampliação de poder: “os realistas
8
MORGENTHAU, Hans. A política entre as nações a luta pelo poder e pela paz. Brasília: Editora Universidade de
Brasília: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo: Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, 2003.
6 Introdução
consideram que o Estado é um ator unitário e racional, o que significa que o
Estado age de maneira uniforme e homogênea e em defesa do interesse
nacional”
9
;
os Estados, na teoria realista, definem seus interesses no sistema
internacional em termos de poder (“pode-se afirmar que os realistas
consideram o poder como o elemento central da sua análise das Relações
Internacionais”
10
), de forma racional concepção racional das Relações
Internacionais. Tais interesses correspondem aos chamados interesses
nacionais, os quais, para Morgenthau
11
, determinam as ações políticas dos
países;
o sistema internacional, de acordo com os realistas, é anárquico e
competitivo, uma vez que os Estados agem com o intuito de maximizar
interesses particulares, que muitas vezes são concorrentes com os
objetivos de outros.
Apesar de existirem outras definições presentes na abordagem realista, elas
são alteradas, de acordo com a visão de cada autor. Entretanto, são essas as
premissas peculiares da escola, as quais foram alistadas com o propósito de
9
MESSARI, Nizar & NOGUEIRA, João Pontes. Teoria das relações internacionais - correntes e debates. Rio de Janeiro:
Elsevier, p. 25, 2005.
10
MESSARI, Nizar & NOGUEIRA, João Pontes. Teoria das relações internacionais - correntes e debates . Rio de Janeiro:
Elsevier, p. 28, 2005.
11
MORGENTHAU, Hans. A política entre as nações - a luta pelo poder e pela paz. Brasília: Editora Universidade de
Brasília: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo: Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, p.18, 2003.
7 Introdução
apontar a idéia geral da teoria, de maneira elucidativa. Os autores considerados
clássicos da literatura realista, nas Relações Internacionais, possuem percepções
próprias acerca dos diversos conceitos existentes. Tais conceitos realistas foram
utilizados para estabelecer as suposições e hipóteses da presente dissertação,
uma vez que a base teórica é fundamental à pesquisa científica, para corroborar
os resultados práticos da mesma. Supondo que a análise da política externa do
primeiro mandato de Lula ainda não pode ser de fato completa (Lula foi reeleito
em 2006 e parece dar continuidade à sua atuação na esfera internacional), cabem
às premissas teóricas das Relações Internacionais estabelecerem as explicações
para os resultados práticos da diplomacia brasileira do período.
Assim, de acordo com o realismo, a política externa dos países corresponde
à consolidação de seus interesses nacionais
12
, estabelecidos de acordo com
princípios como: a proteção territorial (a questão da segurança); o resguardo da
soberania e independência; a concretização de políticas econômicas (através do
comércio exterior); a busca por poder
13
, dependendo de seu projeto nacional e de
suas aspirações, além da assinatura de acordos bilaterais e/ou multilaterais com
outros países, organismos internacionais e blocos regionais.
12 Segundo STOESSINGER, a “política exterior de uma nação é a expressão de seu interesse nacional relativamente a
outras nações”. In STOESSINGER, John. O poder das nações. A política internacional de nosso tempo. São Paulo: Editora
Cultrix, p. 48, 1978.
13 Entende-se por poder a capacidade que uma nação possui de influenciar e definir a conduta de outras nações e/ou os
desdobramentos do cenário internacional. Segundo STOESSINGER, poder é “a capacidade que uma nação tem de influir
no comportamento de outras” In STOESSINGER, John. O poder das nações. A política internacional de nosso tempo. São
Paulo: Editora Cultrix, 1978. p. 48. Para outro ator realista, o poder corresponde à capacidade de determinado Estado de
alterar o status quo de outro Estado ou mesmo do sistema internacional como um todo. In MORGENTHAU, Hans. A política
entre as nações - a luta pelo poder e pela paz. Brasília: Editora Universidade de Brasília: Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo: Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, p. 49, 2003.
8 Introdução
Os objetivos para a política externa são definidos em função dos interesses
nacionais e das conjunturas internacionais e são elaborados visando, por
exemplo, atender aos interesses de aliados (para que haja um equilíbrio de
vontades nas políticas diplomáticas) ou satisfazer os requisitos concernentes ao
projeto governamental determinado.
Os interesses nacionais e as conseqüentes metas dos governantes para as
relações exteriores variam, portanto, de acordo com suas intenções: as aspirações
dos Estados no sistema internacional estão relacionadas a diversos objetivos,
como a segurança internacional (integridade territorial); questões econômicas
(maximização de acordos econômicos com países e/ou blocos regionais, por
exemplo) e manutenção ou modificação do status quo das relações de poder. No
caso do Brasil, os governantes seguem certos parâmetros tradicionais ao
elegerem os objetivos do país para a política externa. Entretanto, os propósitos
específicos de cada governo são determinados de acordo com os contextos
internacional e nacional, além das reais possibilidades de efetivação dos mesmos
no sistema internacional e, por esse motivo, podem ser diferentes. Outro fator de
distinção corresponde à ideologia partidária do governante: no caso do atual
governo brasileiro, o PT formulou sua política externa baseando-se também em
ideais de esquerda, típico de um partido de bases sociais.
A política externa de um país é responsável pela manutenção da
independência e segurança nacionais, além da promoção de interesses no
9 Introdução
sistema internacional
14
, e constitui um requisito fundamental para o
desenvolvimento dos Estados em um cenário globalizado e interdependente. É
fundamental aos governos estabelecerem sua política exterior de acordo com
suas estratégias, visando o fortalecimento de alianças entre os mesmos, além de
acordos com organismos multilaterais e blocos regionais. Essas estratégias são
constantemente modificadas, de acordo com os objetivos dos governantes, uma
vez que em determinados momentos os objetivos da política externa podem ser
mutáveis, devido à instabilidade internacional, comportando-se de forma agressiva
ou não, em nome dos interesses do país
15
(para adaptar-se à conjuntura
internacional vigente). Através da política externa, os países estabelecem relações
de conflito e cooperação, que determinam seu papel no mundo, estabelecendo as
diferenças de poder para com isso influenciar o sistema global.
Dessa forma, estudar como determinado país age no panorama internacional
é essencial para entender o governo em sua totalidade, à medida que a política
externa deve fazer parte de um amplo projeto nacional: através da análise de suas
ações diplomáticas, é verificado como o governo Lula agiu no sistema mundial.
Após a breve contextualização teórica do objeto de pesquisa, pode-se
apresentá-lo de modo mais específico, avaliando, dessa forma, os objetivos do
14
DEUTSCH, Karl. Análise das relações internacionais. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1979, pp. 117. Para
Deutsch, a política externa dos países visa a preservação da independência e segurança nacionais, além da promoção e
proteção dos seus interesses econômicos.
15
O governo Lula, por exemplo, adotou uma postura agressiva no sistema internacional, devido ao interesse de conquistar
um papel mais influente no mundo.
10 Introdução
presente trabalho. A análise da política externa do primeiro governo Lula (2003-
2006), comporta duas requisições: a especificação das intenções diplomáticas do
país e os motivos pelos quais tais intuitos foram ou não alcançados. Assim, os
limites e possibilidades do Brasil no sistema internacional contemporâneo podem
ser visualizados.
Apresentação do tema de pesquisa
A análise da política externa do governo Lula requer, além de especificar-lhe
as intenções, descobrir suas motivações e por que determinados projetos não
foram plenamente alcançadas, de acordo com as tendências diplomáticas atuais.
Em discurso de posse, apresentado no Congresso Nacional, em Brasília, no
dia 01º de Janeiro de 2003
16
, Luiz Inácio Lula da Silva propôs, para o âmbito
externo, alternativas baseadas no aumento de poder e influência mundial, com a
ampliação da inserção brasileira no cenário internacional. Entre essas medidas
constavam: a busca da vaga permanente no Conselho de Segurança da
Organização das Nações Unidas - ONU; a revitalização do Mercado Comum do
Sul - Mercosul; a aproximação econômico-comercial com médias e grandes
potências, além da atuação ativa do país em negociações com os Estados Unidos
da América - EUA e União Européia.
16
LULA DA SILVA, Luiz Inácio. Discurso do presidente Lula. In: SESSÃO DE POSSE NO CONGRESSO NACIONAL.
Brasília, 01/01/2003.
Disponível em: http://www.mre.gov.br/portugues/politica_externa/discursos/discurso_detalhe.asp?ID_DISCURSO=2029
Acesso em 04/12/2006.
11 Introdução
O governo Lula sugeriu ainda a proximidade com países semelhantes ao
Brasil no que se refere ao nível de desenvolvimento econômico e sua posição no
sistema internacional. Esse aspecto foi definido por CERVO (2004)
17
como um
universalismo de ação: o governo desejava expandir a política exterior,
estabelecendo alianças multilaterais com diferentes países, com a intenção de
ampliar as relações entre o Brasil e países em desenvolvimento, como África do
Sul, China, Índia, Sudeste Asiático e Oriente Médio. Tal medida, proposta na
consolidação da nova geografia comercial, correspondeu a um dos sustentáculos
do comércio exterior brasileiro, durante o primeiro mandato de Lula.
Outra questão da política externa brasileira no período analisado
correspondeu ao ativismo internacional, com a participação de autoridades, como
o Ministro Celso Luiz Nunes Amorim, o Secretário-Geral Samuel Pinheiro
Guimarães Neto e o Assessor Marco Aurélio Garcia, em eventos que interessaram
ao país
18
, em busca de novas alternativas diplomáticas. Essa característica pode
ser avaliada como a intensa participação partidária na esfera internacional. É bem
verdade que, durante algum tempo, sobretudo no início do governo, criou-se uma
dubiedade sobre quem efetivamente coordenaria as Relações Exteriores do Brasil.
Essa questão deve ser ressaltada para indicar a intensa participação do governo
em eventos internacionais.
17
CERVO, Amado Luiz. Os objetivos da política exterior de Lula. Disponível em:
http://www.relnet.com.br/Arquivos/html/2004/A_7873.html
Acesso em 27/04/2005.
18
VILLA, Rafael Duarte. Política externa do governo Lula: continuidades e rupturas. Revista Adusp. São Paulo, p. 16, Maio
2005,.
12 Introdução
A política externa de Lula correspondeu a um dos maiores esforços do
governo, uma parte fundamental de um projeto maior de desenvolvimento
nacional, como uma tentativa de superação da vulnerabilidade do país no sistema
internacional. Para o governo, as relações diplomáticas constituiriam uma maneira
de inserir o Brasil no cenário internacional e equilibrar as diferenças de poder
existentes nesse ambiente, para, dessa forma, abarcar os objetivos de
crescimento interno.
De acordo com pronunciamentos das autoridades brasileiras, a ação
diplomática do governo possuiu, também, caráter humanista
19
, o que conduziu a
gestos como a tentativa de mobilização de recursos financeiros, provenientes das
grandes potências, para a criação de um fundo para combater a fome e a miséria
nos países em desenvolvimento
20
. Esse ideal democrático foi retratado pelo
chanceler Celso Amorim:
O Brasil terá uma política externa voltada para o desenvolvimento e para a paz, que buscará
reduzir o hiato entre nações ricas e pobres, promover o respeito da igualdade entre os povos e a
democratização efetiva do sistema internacional. Uma política externa que seja um elemento
essencial do esforço de todos para melhorar as condições de vida do nosso povo, e que esteja
19
AMORIM, Celso. Conceitos e estratégias da diplomacia do governo Lula. Diplomacia, estratégica e política, ano 1, n. 1, p.
41, 2004.
20
A criação de um Fundo internacional para o combate à miséria e à fome nos países em desenvolvimento é citada no
discurso de Lula. LULA DA SILVA, Luiz Inácio. Discurso do presidente Lula. In: XXXIII FÓRUM ECONÔMICO MUNDIAL.
Davos, Suíça, 26/01/2003. Disponível em http://www.mre.gov.br
Acesso em 10/04/2005.
13 Introdução
embasada nos mesmos princípios éticos, humanistas e de justiça social que estarão presentes em
todas as ações do governo Lula.
21
Essas questões, entre outras, como as alianças com potências médias; a
investida nas negociações internacionais dentro de instâncias multilaterais
(disputas na Organização Mundial do Comércio - OMC, com a formação do G-
20
22
); a busca pelo assento permanente no Conselho de Segurança da ONU; a
tentativa de aumentar a influência brasileira na América do Sul (através da
cooperação com países sul-americanos e esforço na revitalização do Mercosul,
integrando a região, para a liberalização dos fluxos comerciais)
23
; e a inserção
global do país em busca de posição mais ativa, serão analisadas na pesquisa,
para se verificar a maneira como o governo Lula atuou no sistema internacional,
além dos fatores determinantes das prioridades de sua política externa.
Esses temas serão estudados na presente dissertação, a fim de analisar
como o governo se comportou no cenário internacional, a partir de tais apostas
21
AMORIM, Celso. Discurso do embaixador Celso Amorim. In: TRANSMISSÃO DO CARGO DE MINISTRO DAS
RELAÇÕES EXTERIORES. Brasília, 01/01/2003.
Disponível em: http://www.mre.gov.br
Acesso em 10/04/2005.
22
O G-20 é um grupo criado para atuar nas disputas da OMC, composto por países em desenvolvimento, com o objetivo de
lutar pela extinção dos subsídios internos e das subvenções às exportações de produtos agrícolas, além de um maior
acesso aos mercados protecionistas das potências mundiais.
23
Essa investida significou, inclusive, o financiamento brasileiro de projetos dos países latino-americanos, com a
transferência de recursos nacionais, como o BNDES, para essas nações. Outra atitude do governo, neste sentido, foram as
intervenções políticas, como no caso da Colômbia e Venezuela, para solucionar, de forma pacífica, suas crises internas.
Foram adotadas algumas diretrizes no sentido de ampliar o espaço do Brasil no sistema mundial, como: fortalecer as
relações interestatais tanto com grandes potências quanto com países médios; conferir maior representatividade em
organismos internacionais e apostar na revitalização do Mercosul, além de possibilitar melhores negociações com a ALCA,
com a união de interesses dos países sul-americanos e a conseqüente obtenção de benefícios (o chamado acordo 4 + 1 -
Mercosul-EUA).
14 Introdução
para a política externa. Nesse sentido, a política externa será analisada no que diz
respeito à comparação entre os interesses do país para a esfera internacional e os
resultados obtidos, de acordo com as investidas diplomáticas de Lula.
Para um melhor aproveitamento teórico do tema, o texto está disposto em
quatro capítulos: A política externa brasileira e a redemocratização: as
transformações da década de 1990; O Partido dos Trabalhadores e a política
externa; A diplomacia e o governo Lula: diretrizes e questões polêmicas e A
realidade do sistema internacional e as possibilidades do Brasil: os resultados da
política externa de Lula.
O primeiro capítulo contém uma breve revisão bibliográfica da política
externa brasileira, desde 1985, com o processo de redemocratização da política
nacional e o governo José Sarney, até 2001, quando o segundo mandato de
Fernando Henrique Cardoso foi concluído, e Luiz Inácio Lula da Silva eleito o novo
governante. Através da análise das principais contribuições diplomáticas de cada
governo, pode-se compreender a escolha de determinadas diretrizes na política
exterior do país. A opção pela continuidade dos propósitos, em alguns momentos,
ou mesmo pela alteração dos desígnios diplomáticos do governo anterior,
influencia as possibilidades e aspirações do governante subseqüente.
No segundo capítulo é elaborada a discussão a respeito da influência do PT
no estabelecimento das diretrizes adotadas pelo governo Lula na política externa.
O Partido dos Trabalhadores, fundado na década de 1980 por militantes de
esquerda, entre eles o próprio Lula, apresenta nos fundamentos partidários uma
ideologia própria no que se refere à maneira pela qual o Brasil deve se comportar
15 Introdução
no cenário global. Dessa forma, faz-se necessário o exame da presença das
diretrizes do PT nos objetivos diplomáticos do governo como determinantes às
escolhas para essa área.
O terceiro capítulo apresenta os interesses nacionais do governo Lula, bem
como um balanço das pretensões brasileiras (principalmente as que geraram
polêmica) no âmbito internacional e a concretização das mesmas. Tal capítulo
aborda, igualmente, a discussão dos possíveis motivos que podem ter prejudicado
a consolidação de determinadas diretrizes diplomáticas do governo.
Finalmente, o capítulo quatro avalia os resultados efetivos das ações
brasileiras no sistema internacional, durante o primeiro mandato de Lula. Nesse
sentido, destaca-se o debate sobre os fatores responsáveis pela efetivação ou não
dos objetivos propostos para o âmbito internacional.
Nas considerações finais são estabelecidas as conclusões da pesquisa, bem
como as contribuições teóricas da presente dissertação ao estudo da política
externa do primeiro governo Lula.
16 Introdução
17
Capítulo 1
A política externa brasileira e a redemocratização:
as transformações da década de 1990
A década de 1990 correspondeu a um marco temporal importante para a
transformação do sistema internacional em geral e para os rumos da política
externa brasileira em particular. O fim da Guerra Fria desarticulou a bipolaridade
existente (entre EUA versus União das Repúblicas Socialistas Soviéticas - URSS)
e possibilitou o rearranjo das relações de poder.
A bipolaridade característica da Guerra Fria foi substituída por outro modelo
de organização do poder, que se caracterizou pela ausência de pólos específicos
de hegemonia no sistema internacional. Na realidade, a potência norte-americana
foi fortalecida pela queda do socialismo como forma política antagônica ao
18 Capítulo 1. A política externa brasileira e a redemocratização: as transformações da década de 1990
capitalismo e o encerramento da Guerra Fria, o que se manifestou na
preeminência da potência no contexto internacional que eclodiu nesse processo
de fragmentação do bipolarismo mundial. Ainda que a transformação do sistema
internacional tenha se iniciado no século passado, as conseqüências são notadas
ainda hoje, com a aceleração da interdependência global e o processo de
globalização econômica.
Nesse sentido, o Brasil, assim como outros países emergentes, necessitou
alterar a tônica de sua política exterior, a fim de buscar um papel mais relevante
no cenário global, já que durante a Guerra Fria se manteve marginalizado por não
ter se alinhado a um dos pólos de poder.
Aliado a isso, o fim do Regime Militar no país, vigente de 1964 a 1985,
permitiu alterações políticas que foram fundamentais ao desenvolvimento
nacional, além de promover um novo sentido à política externa brasileira, que, a
partir da década de 1990, precisou ser adaptada à nova realidade do sistema
internacional.
O retorno dos governos democráticos no Brasil teve início com o governo de
José Sarney, a partir de 1985, e a readaptação política do país foi estabelecida de
acordo com os princípios neoliberais, numa tentativa de estabilizar a economia
nacional (marcada pelas conseqüências negativas da década anterior “década
perdida”) e ajustá-la às necessidades advindas da globalização (abertura
econômica).
19 Capítulo 1. A política externa brasileira e a redemocratização: as transformações da década de 1990
A política externa brasileira atravessou um período de adaptações por dois
fatores distintos: primeiramente, devido ao momento político nacional, com a
transição do Regime Militar para a redemocratização, estreada por José Sarney e
a Nova República. Além disso, as mudanças acarretadas pelo processo
transitório mundial também exigiram inovações na condução da política externa
brasileira.
A diplomacia brasileira foi alterada de forma mais enfática somente a partir
do governo Collor (1990-1992). Por questões práticas, uma vez que se tratou de
um período transitório, a Nova República deu continuidade, na medida do
possível, às diretrizes diplomáticas adotadas durante o autoritarismo militar.
Todavia, a partir da década de 1990 iniciou-se a implantação das políticas
neoliberais no país, o que alterou intensamente suas relações econômicas e o
comércio exterior.
O processo de redemocratização brasileira teve início com a vitória de
Tancredo Neves (do Partido do Movimento Democrático Brasileiro - PMDB) no
colégio eleitoral em Janeiro de 1985. Entretanto, o Presidente eleito faleceu em 21
de Abril de 1985, sendo substituído, assim, pelo seu vice, José Sarney (também
do PMDB). Dessa forma Sarney tomou posse, exercendo o primeiro mandato
após a cessação do autoritarismo militar, entre 1985 e 1989.
Os governos brasileiros subseqüentes foram responsáveis pela
transformação dos fundamentos da política externa do país, que se tornou
20 Capítulo 1. A política externa brasileira e a redemocratização: as transformações da década de 1990
universalista e recebeu outros propósitos condizentes com a nova realidade do
Brasil no sistema internacional.
1.1 A diplomacia brasileira de Sarney a Fernando Henrique
Cardoso: adaptações à nova realidade internacional
O governo que se seguiu após o fim do Regime Militar inaugurou uma fase
política importante no Brasil. A redemocratização, após três décadas de
autoritarismo, foi recebida pela população brasileira com esperança de melhores
condições ao país.
O colégio eleitoral criado para promover as eleições de 1984 indicou
Tancredo Neves para ocupar o cargo de presidência da República. Porém, a
morte de Tancredo, em Abril de 1985, conferiu a posse de seu vice, José Sarney,
para comandar o primeiro mandato democrático, desde o Golpe Militar de 1964.
Durante os cinco anos de governo Sarney (1985-1989), optou-se por
conservar características, na esfera política, do período anterior, uma vez que se
tratou de um período transitório na política brasileira. A partir de Março de 1985, o
Brasil passou a vivenciar transformações tanto internamente quanto no âmbito
internacional.
No contexto interno, a maior alteração se deu na própria transição de um
regime autoritário para a democracia: uma nova Constituição foi promulgada em
21 Capítulo 1. A política externa brasileira e a redemocratização: as transformações da década de 1990
Outubro de 1988, o que demonstrou o espírito de mudanças (e ruptura com o
passado) transferido à sociedade nacional
24
.
O Plano Cruzado, criado para tentar conter a inflação (com o congelamento
dos preços) e estabilizar a economia do país, correspondeu a um marco
importante da política econômica brasileira. Ainda que Sarney tenha resgatado
algumas características dos governos anteriores (já que a transição não seria
possível sem a manutenção de certos princípios, sobretudo políticos
25
), a
mudança da moeda brasileira (de Cruzeiro para o Cruzado), seguida de políticas
econômicas de congelamento dos preços correspondeu a uma mudança
importante para dar início à transformação econômica, tão necessária ao país.
Entretanto, o Plano Cruzado, em vigor a partir de Fevereiro de 1986, não diminuiu
os elevados índices inflacionários: em termos práticos, não rompeu com a
condição econômica nacional do período autoritário. No ano seguinte, o Brasil
decretou a moratória, o que disparou ainda mais a inflação, alargando a crise
financeira.
Em relação à política externa, a situação do governo de Sarney também era
delicada, posto que, no plano internacional, a crise da Guerra Fria pressionava as
grandes potências, as quais não se detinham nos problemas enfrentados pelos
países em desenvolvimento, que, por sua vez, sofriam com a fragilidade
24
CORRÊA, Luis Felipe de Seixas. “A política externa de José Sarney”, in ALBURQUERQUE, José Augusto Guilhon (org.).
Sessenta anos de política externa brasileira (1930-1990), crescimento, modernização e política externa. São Paulo: Cultura
Editores Associados, p. 361, 1996.
25
PEREIRA, Analúcia Danilevicz. A política externa do governo Sarney. A Nova República diante do reordenamento
internacional (1985-1990). Porto Alegre: Editora da UFRGS, p. 94, 2003.
22 Capítulo 1. A política externa brasileira e a redemocratização: as transformações da década de 1990
econômica. À medida que o bilateralismo dava indícios de cessação, o
neoliberalismo se tornava uma realidade necessária ao Brasil, para se adequar às
condições do comércio exterior e estabilizar a economia nacional.
Para tanto, o governo Sarney, cujo Ministro das Relações Exteriores foi
Abreu Sodré, optou pela mudança gradativa das diretrizes da política externa
brasileira, de forma a facilitar a maior inserção do país no cenário global. O
governante rompeu com o quadro vigente quando ampliou os laços diplomáticos
do Brasil para além dos laços com os EUA: as relações com a América Latina,
além de países como China e África do Sul (dentro da Cooperação Sul-Sul)
26
,
foram reformuladas, e o universalismo brasileiro fora novamente consolidado.
A Argentina, principal parceiro regional do Brasil, também passara por
transformações internas, com a redemocratização, o que aprofundou as relações
entre os dois países, uma vez que, além dos interesses em comum (ampliação do
processo de integração regional), o contexto interno era similar a ambos os
governos (Sarney e Alfonsín).
Como foi explicitado, a política externa de Sarney intensificou, além da
aproximação regional, o universalismo diplomático, o que significou a transferência
do momento político interno para a esfera internacional: a diplomacia brasileira
desse período enfatizou relações com o maior número de países possível, o que
não agradou, de certa forma, o governo norte-americano (de Ronald Reagan),
26
VIZENTINI, Paulo Fagundes. Relações internacionais do Brasil - de Vargas a Lula. São Paulo: Fundação Perseu Abramo.
Cap. 3: “A crise do Projeto Nacional - a resistência num contexto adverso (1979-1990)”, p. 70, 2003.
23 Capítulo 1. A política externa brasileira e a redemocratização: as transformações da década de 1990
habituado ao alinhamento do Brasil aos seus interesses. Sarney elegeu um
relacionamento com os EUA pautado no respeito mútuo e na garantia das
diretrizes nacionais, porém iniciou o processo de abertura diplomática, ao valorizar
a ampliação de laços com outros países.
As diretrizes diplomáticas adotadas durante o governo Sarney, portanto,
estabeleceram por vezes a dicotomia entre a inovação e a continuidade ao
período ditatorial. Tal característica pode ser considerada peculiar ao momento
político no qual o mandato estava inserido, de transformações intensas no
contexto interno. Somente no prosseguimento da redemocratização, com o
governo Collor, o Brasil consolidou de fato as mudanças necessárias, tanto em
âmbito nacional quanto diplomático.
Nas primeiras eleições diretas do Brasil desde 1961, ocorridas em 1989, o
candidato Fernando Collor de Mello (do Partido da Reconstrução Nacional - PRN)
saiu vitorioso nas urnas. O desejo maior da sociedade brasileira era eleger um
governante capaz de estabilizar a economia do país, passada a euforia da
redemocratização. A inflação galopante desestruturou a economia, e as
conseqüências eram sentidas por toda a população.
Collor tinha como meta reorganizar o setor econômico brasileiro e
modernizar o país, consolidando no sistema internacional a imagem de um
promissor mercado emergente. Para tanto, o governante introduziu na política
24 Capítulo 1. A política externa brasileira e a redemocratização: as transformações da década de 1990
econômica as reformas neoliberais, através da sujeição aos dez pontos
fundamentais do Consenso de Washington
27
:
disciplina fiscal: os altos e contínuos déficits fiscais contribuiriam para a
inflação e fugas de capital. Nesse caso, pretendia-se fazer com que os
países latino-americanos tivessem maiores condições de administrarem
as dívidas externas deles;
priorização dos gastos públicos: as políticas públicas deveriam ser
pontuais, de modo a diminuir o ônus do Estado;
reforma tributária: a base de arrecadação tributária deveria ser ampla;
taxas de juros: os mercados financeiros domésticos deveriam
determinar as taxas de juros do país: taxas de juros reais e positivas
desfavoreceriam fugas de capitais e aumentariam a poupança local);
busca e manutenção de taxas de câmbio competitivas: países em
desenvolvimento deveriam adotar uma taxa de câmbio competitiva que
27
BATISTA, Paulo Nogueira. O Consenso de Washington: a visão neoliberal dos problemas latino-americanos. In Em
defesa do interesse nacional: desinformação e alienação do patrimônio público. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994.
25 Capítulo 1. A política externa brasileira e a redemocratização: as transformações da década de 1990
favorecesse as exportações, tornando as mercadorias mais baratas no
exterior;
abertura comercial: as tarifas seriam minimizadas e não deveriam incidir
sobre bens intermediários utilizados como insumos para as exportações
(liberalização comercial e financeira ao mercado externo);
liberalização do investimento direto estrangeiro: investimentos
estrangeiros poderiam introduzir o capital e as tecnologias que faltavam
no país e deveriam, portanto, ser incentivados;
privatização das empresas estatais: as estatais deveriam ser
privatizadas;
desregulação: a regulação excessiva poderia promover a corrupção e a
discriminação contra as empresas menores com pouco acesso aos
maiores escalões da burocracia. Os governos precisariam, dessa forma,
desregular a economia;
26 Capítulo 1. A política externa brasileira e a redemocratização: as transformações da década de 1990
fortalecimento do direito de propriedade: os direitos deveriam ser
aplicados (sistemas judiciários e leis frágeis reduziriam os incentivos
para poupar e acumular riqueza).
As políticas neoliberais implementadas no Brasil tiveram como objetivo
estabilizar a economia e encerrar o ciclo de crises inflacionárias, que perdurava
desde a década de 1980. Através do Plano Collor, decretado desde o primeiro dia
do mandato, o congelamento dos preços e o bloqueio das poupanças (o dinheiro
circulante diminuíra sensivelmente) deveriam extinguir a inflação.
Collor iniciou, juntamente com o seu plano, o processo de privatizações de
estatais, além da abertura ao mercado internacional e liberalização econômica.
Nesse sentido, a política externa do governo teve que ser adequada às
transformações neoliberais, uma vez que se tornou via de acesso às políticas
econômicas internas (relacionadas ao mercado externo).
As mudanças nas diretrizes da política exterior do Brasil haviam sido
anunciadas ainda no governo anterior, de José Sarney. As condições do cenário
internacional possibilitavam a inserção mais ativa do país no sistema global, o que
fora utilizado pelo governante para tentar alterar a imagem do Brasil: de um país
terceiro-mundista, Collor almejava destacar a imagem do Brasil mundialmente. O
seu primeiro Ministro das Relações Exteriores, Francisco Rezek, optou pelo
atrelamento diplomático do país aos interesses econômicos, tendo em vista a crise
nacional e a necessidade de inserir o Brasil no comércio internacional, em
27 Capítulo 1. A política externa brasileira e a redemocratização: as transformações da década de 1990
constante transformação. Para tanto, elegeu o alinhamento aos EUA como a
melhor opção para conquistar o novo mercado.
Assim, os propósitos da política externa de Collor estiveram relacionados ao
crescimento da economia nacional. A abertura econômica, apesar dos problemas
que gerou, atraiu novos investidores e modernizou o campo industrial brasileiro,
permitindo assim o prosseguimento das políticas de privatizações e empréstimo
de organismos de fomento, como o Fundo Monetário Internacional - FMI e Banco
Interamericano de Desenvolvimento - BID. Nesse sentido, a chancelaria elegeu a
ampliação das relações (fundamentalmente comerciais) apenas com países que
trariam benefícios ao Brasil, uma vez que a liberalização do mercado nacional era
interessante apenas com parceiros em estágio de desenvolvimento econômico
passível de gerar saldos positivos à economia brasileira
28
.
Com os EUA, principal incentivador da abertura do mercado nacional, o
governo adotou uma política diplomática favorável à aproximação entre os países.
Entretanto, devido às diferenças de interesses que persistiam entre os mesmos (o
governo brasileiro não era favorável às restrições comerciais e medidas
protecionistas adotadas pelos EUA), a convergência de interesses de fato não
existiu.
Uma questão importante na política externa brasileira a partir da década de
1990 foi a crescente aproximação com os países sul-americanos. Particularmente,
28
SENNES, Ricardo. As mudanças da política externa brasileira nos anos 80. Uma potência média recém -industrializada.
Porto Alegre: Editora da UFRGS, p. 124, 2003.
28 Capítulo 1. A política externa brasileira e a redemocratização: as transformações da década de 1990
a partir da condução da pasta das Relações Exteriores de Collor por Celso Lafer,
em Abril de 1992, a integração regional se desenvolveu dada a tendência
provocada pela transformação do sistema internacional Pós-guerra Fria, com a
criação de blocos econômicos, como o Tratado Norte-Americano de Livre
Comércio - NAFTA (entrou em vigor em 1994). A conseqüência da priorização
regional, não apenas pelo Brasil, como também pelos vizinhos latino-americanos,
foi a criação do Mercosul: em 1991 foi assinado o Tratado de Assunção,
estabelecendo a aliança comercial entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai,
que se concretizou na criação do bloco em 1995. Na realidade, a temática da
integração regional e sub-regional (Mercosul) se consolidou como o eixo principal
da política externa brasileira, a partir da década de 1990.
As mudanças no cenário mundial, trazidas pela reformulação do sistema,
geraram a necessidade de atualizar a agenda internacional de acordo com o novo
contexto. Alguns temas surgiram no debate internacional e foram introduzidos nas
políticas exteriores dos países: questões como a defesa dos direitos humanos,
proteção do meio-ambiente e não-proliferação de armas nucleares passaram a ser
discutidas em âmbito global, principalmente nos foros dos organismos
internacionais.
O governo brasileiro investiu nas novas discussões em pauta no cenário
global, inserindo-os na agenda internacional do país. Nesse sentido, Collor se
destacou com a realização da Conferência das Nações Unidas para o Meio
Ambiente e o Desenvolvimento - ECO-92, que ocorreu no Rio de Janeiro entre 03
29 Capítulo 1. A política externa brasileira e a redemocratização: as transformações da década de 1990
a 14 de junho de 1992. Apesar da boa repercussão internacional concedida ao
Brasil, a ECO-92 não obteve resultados concretos, o que fez da conferência
apenas uma denúncia à devastação ambiental
29
.
Em suma, o breve governo Collor, que foi interrompido em 1992 pelo
processo de impeachment, devido aos escândalos de corrupção aliado às crises
desencadeadas pelo fracasso do Plano Collor, deu à política externa brasileira um
novo rumo, ao alterar as diretrizes diplomáticas do país para adequá-las às
transformações do sistema internacional e às aspirações próprias do governante.
Ainda que tenha constituído um triste marco da política nacional, o mandato de
Collor foi crucial para as mudanças de rumo no âmbito diplomático, causadas pela
transição interna (retorno da democracia) e externa (fim da bipolaridade EUA
versus URSS).
Com a extinção do governo Collor, o seu vice, Itamar Franco (PRN), assumiu
a presidência da República em Dezembro de 1992. Apesar dos escândalos,
Itamar não participava ativamente do mandato, visto que possuía idéias distintas
do governante (no que se refere à preferência de Collor pelas políticas
neoliberais
30
), e por esse motivo sua imagem não havia se desgastado perante a
sociedade brasileira.
29
BATISTA, Paulo Nogueira. A política externa de Collor: modernização ou retrocesso? Política Externa, ano 1, n. 4, p.117,
Março de 1993.
30
VIZENTINI, Paulo Fagundes. Relações internacionais do Brasil - de Vargas a Lula. São Paulo: Fundação Perseu Abramo.
Cap. 4: “Um gigante à deriva - globalização neoliberal, Mercosul e abandono do Projeto Nacional (1990-2004)”, p. 85, 2003.
30 Capítulo 1. A política externa brasileira e a redemocratização: as transformações da década de 1990
Embora o novo governo tenha alterado algumas esferas de atuação
governamental, as quais possuíam elevado grau de personalismo durante o
período governado por Collor, as propostas de liberalização econômica, inseridas
no Consenso de Washington, foram mantidas, assim como as privatizações.
Estrategicamente, o governo Itamar lançou, em 1994, o Plano Real, para
conter a inflação galopante dos últimos anos. Seu estabelecimento valorizou a
moeda nacional, o que, juntamente com as políticas de liberalização comercial,
diminuiu a vulnerabilidade externa do país (em troca de outros problemas). O
plano econômico representou o grande marco do mandato de Itamar Franco, uma
vez que suscitou resultados favoráveis à estabilização monetária.
Na política exterior, o governo Itamar não atuou em todas as esferas de
atuação as quais Collor direcionou suas ações diplomáticas, por questões de
cunho prático:
Frente a um quadro político doméstico problemático, o governo Itamar teve início sem dar
prioridade à agenda externa, mostrando pouco interesse em dedicar-se a uma diplomacia
presidencial. A política externa foi então delegada a atores de reconhecido prestígio de fora ou de
dentro da corporação diplomática
31
Dessa forma, apesar de não priorizar a esfera internacional, o governo de
Itamar Franco foi caracterizado, em relação à política externa, por certa
31
HIRST, Mônica e PINHEIRO, Letícia. A Política Externa do Brasil em Dois Tempos. Revista Brasileira de Política
Internacional , ano 38, n. 1, p. 10, 1995.
31 Capítulo 1. A política externa brasileira e a redemocratização: as transformações da década de 1990
continuidade ao governo anterior, apesar do distanciamento da figura presidencial
do cenário internacional e a adoção de diretrizes próprias (de acordo com sua
chancelaria).
Durante o governo Itamar, o Ministério das Relações Exteriores foi ocupado
por Fernando Henrique Cardoso (que permaneceu na chancelaria mas logo foi
remanejado para o Ministério da Fazenda) e por Celso Amorim. Deu-se prioridade
a questões relacionadas aos novos temas da agenda internacional (direitos
humanos; meio-ambiente; crítica à proliferação nuclear e à intervenção a outros
países sem respeitar a soberania
32
).
Na realidade, a política exterior de Itamar Franco tinha como objetivo central
a revitalização da imagem do Brasil no cenário internacional. Nesse sentido, o
governo brasileiro participou ativamente dos foros e atividades de organizações
multilaterais, como a ONU e a OMC. No âmbito das Nações Unidas, o Brasil
reiterou, com maior intensidade, o interesse em participar do Conselho de
Segurança como membro permanente, apoiando, dessa forma, as discussões
sobre uma possível reforma do órgão.
Em relação à atuação na OMC, o governo brasileiro também trabalhou de
maneira intensa na Rodada Uruguai, para defender os interesses comerciais do
país (liberalização do mercado dos países desenvolvidos).
32
HIRST, Mônica e PINHEIRO, Letícia. A Política Externa do Brasil em Dois Tempos. Revista Brasileira de Política
Internacional , ano 38, n. 1, p. 12, 1995.
32 Capítulo 1. A política externa brasileira e a redemocratização: as transformações da década de 1990
Com o Mercosul já consolidado, em 1994, a integração regional passou a ser
ainda mais prioritária na diplomacia nacional. A estratégica posição ocupada pelo
Brasil no bloco regional proporcionou melhores condições comerciais ao país, que
passou a se esforçar no sentido de consolidar a união aduaneira da América
Latina, no âmbito do Mercosul. O governo Itamar também promoveu a formação
da Área de Livre-Comércio Sul-Americana - ALCSA, como um plano de união
comercial que deveria ser concretizado em um prazo de dez anos
33
.
Apesar dos avanços, as relações entre Brasil e Argentina foram abaladas
entre os anos de governo Itamar, devido às diferenças de prioridades entre os
países: enquanto o Brasil apostava na integração regional, o governo Menem
permanecia focado no fortalecimento das relações com os EUA, num contexto
pós-Guerra Fria. Ainda assim, o Mercosul foi fortalecido, através da união de
forças (que ambos possuíam) em âmbito regional.
Com o governo norte-americano, o principal aliado econômico do mercado
brasileiro, as relações foram, de fato, alteradas, como uma tentativa do governo de
garantir maior autonomia ao Brasil no sistema internacional. A partir da gestão de
Celso Amorim na chancelaria, os parâmetros do multilateralismo foram retomados
e o alinhamento aos interesses dos EUA foi minimizado, tendo em vista a
necessidade de ampliar as relações diplomáticas brasileiras.
33
HIRST, Mônica e PINHEIRO, Letícia. A Política Externa do Brasil em Dois Tempos. Revista Brasileira de Política
Internacional , ano 38, n. 1, p. 15, 1995.
33 Capítulo 1. A política externa brasileira e a redemocratização: as transformações da década de 1990
Assim sendo, a política externa do governo de Itamar Franco retomou
algumas diretrizes do breve mandato anterior, de Collor. Outras questões, de
cunho ideológico, não foram endossadas, devido aos preceitos do novo
governante e sua chancelaria.
Com o fim do período governado por Itamar Franco, as eleições
presidenciais de 1994 garantiram a vitória ao candidato Fernando Henrique
Cardoso (Partido da Social Democracia Brasileira - PSDB), que havia sido ministro
no governo anterior. E, em 1998 o mesmo foi reeleito, estendendo o período de
governo para oito anos.
Durante os anos em que foi governante FHC prosseguiu com as idéias
neoliberais de Collor, para desenvolver o projeto econômico do Plano Real,
articulado por ele (juntamente com a equipe do Ministério da Fazenda) durante o
governo anterior, de Itamar Franco. O sucesso do plano econômico e as
conseqüências positivas que vinha acarretando ao Brasil desde 1994 contribuíram
para o apoio da sociedade brasileira à adoção de medidas neoliberais, que, em
um primeiro momento, estabilizaram a moeda nacional e conteve a inflação.
Entretanto, já nos últimos anos do primeiro governo de FHC, e
principalmente durante o segundo mandato, o Plano Real não conseguiu manter
os índices positivos que havia conquistado durante sua fase inicial, e as
implicações negativas da adoção das medidas apregoadas pelo Consenso de
Washington foram realçadas.
34 Capítulo 1. A política externa brasileira e a redemocratização: as transformações da década de 1990
O país, durante o governo FHC, foi adaptado, através do Plano Real e das
medidas neoliberais, às novas necessidades do sistema internacional, e a
dinâmica do comércio exterior foi alterada para se ajustar à velocidade das
transformações. Para países em desenvolvimento, como o Brasil, o fenômeno da
globalização possibilitou maiores condições de acesso e participação no mercado
global. Por outro lado, a interdependência do mercado tornou a economia
brasileira ainda mais dependente dos países detentores de poder.
Com o novo ordenamento do sistema internacional e a necessidade de
desenvolvimento econômico pelas vias diplomáticas (através do comércio global),
o governo brasileiro adotou um novo padrão para a política exterior: a autonomia
pela integração
34
.
O novo paradigma estabelecido pela diplomacia de FHC tinha como objetivo
inserir o Brasil no sistema internacional globalizado (para acompanhar as
transformações mundiais), porém de uma maneira autônoma, valorizando o
multilateralismo e diversificando os parceiros comerciais, de modo a conquistar
novos mercados. Ao mesmo tempo, a integração (regional ou global) foi
priorizada, para possibilitar ao país um papel mais ativo nos blocos econômicos e
organismos internacionais.
FHC tinha por objetivo introduzir o Brasil no cenário mundial através da
imagem de um global trader, isto é, um país relevante no mercado globalizado.
34
OLIVEIRA, Marcelo Fernandes de e VIGEVANI, Tullo. A política externa brasileira na era FHC: um exercício da autonomia
pela integração. Tempo Social , São Paulo, ano 15, n. 2, p. 2, Novembro de 2003.
35 Capítulo 1. A política externa brasileira e a redemocratização: as transformações da década de 1990
Para tanto, o governante instituiu como aspectos prioritários da agenda externa
brasileira, nos oito anos de mandato, aqueles que garantissem a autonomia do
país (porém sem isolá-lo do mundo), além de resultados favoráveis ao
crescimento econômico nacional e a ampliação da segurança nas articulações
com o sistema global.
O governante, que havia sido Ministro das Relações Exteriores no governo
Itamar Franco, era figura conhecida no meio diplomático. Juntamente com seus
chanceleres Luiz Felipe Lampreia (1995 - 2000) e Celso Lafer (2001 - 2002), FHC
conduziu as ações diplomáticas brasileiras nos foros internacionais para os temas
inseridos no sistema mundial a partir dos anos 1990: direitos humanos;
democracia e questão ambiental, de modo a dar prosseguimento aos governos
anteriores.
Tais tópicos estiveram constantemente presentes nos discursos
presidenciais, e, juntamente com outras diretrizes, fizeram parte das prioridades
da política externa brasileira entre os anos de 1995 a 2002.
Entre os principais objetivos de FHC para o âmbito internacional estavam: a
integração regional, através do aprofundamento do Mercosul (envolvimento
brasileiro nas discussões da agenda do bloco regional, que já estava consolidado);
a diversificação e ampliação das relações bilaterais do Brasil, tendo em vista o
interesse nacional em angariar novas parcerias comerciais; e a participação
intensa do país nos foros das organizações internacionais (em especial na OMC e
36 Capítulo 1. A política externa brasileira e a redemocratização: as transformações da década de 1990
ONU esse último com o objetivo de conquistar vaga permanente no seu
Conselho de Segurança)
35
.
Nesse sentido, o reconhecimento da América do Sul como alvo prioritário da
diplomacia brasileira, realidade desde o governo Collor, foi agregado ao momento
de maturidade vivenciado pelo Mercosul, o que trouxe a intensificação da
importância da integração regional à agenda brasileira. O bloco, já em pleno
funcionamento, garantiu ao Brasil novas possibilidades comerciais e a perspectiva
de participar da evolução do sistema internacional (que se caracterizou pela
consolidação dos blocos regionais).
Para assegurar parcerias comerciais variadas, o governo FHC diversificou as
relações bilaterais, estabelecendo laços com países como África do Sul, China,
Índia, Oriente Médio e Rússia, além dos países sul-americanos, a União Européia
e os EUA.
Embora esses países já fizessem parte da diplomacia brasileira, algumas
alterações foram realizadas, de acordo com a postura adotada pelo governante
para o âmbito internacional. Nesse sentido, destacaram-se as relações com os
EUA: apesar de possuírem interesses divergentes, ambos os países iniciaram um
processo de maior entendimento, e centraram as discussões em torno da
consolidação da Área de Livre-Comércio das Américas - ALCA, já que a
credibilidade do Brasil perante o governo norte-americano havia se reestruturado.
35
VIZENTINI, Paulo Fagundes. Relações internacionais do Brasil - de Vargas a Lula. São Paulo: Fundação Perseu Abramo.
Cap. 4: “Um gigante à deriva - globalização neoliberal, Mercosul e abandono do Projeto Nacional (1990-2004)”, p. 90, 2003.
37 Capítulo 1. A política externa brasileira e a redemocratização: as transformações da década de 1990
Através da imagem de um país autônomo e participante do sistema
internacional, o governo brasileiro adaptou suas diretrizes para realizar a inserção
ativa do país e, para tanto, elegeu os organismos multilaterais para manifestar
seus interesses nacionais.
No âmbito da OMC, o Brasil se empenhou por melhores condições de
mercado ao país. Em 2001, teve início a Rodada Doha, e o governo passou a
negociar pela abertura dos mercados agrícolas, principalmente dos países
desenvolvidos, para possibilitar melhores condições para os países em
desenvolvimento, a maioria exportadores de produtos primários.
Em relação às Nações Unidas, a política exterior de FHC tinha como um dos
objetivos ocupar uma vaga permanente no Conselho de Segurança. Assim, o
governo definiu tal posição com argumentos relacionados à dimensão territorial do
país (e sua população) e à condição de décimo maior contribuinte da ONU
36
,
deixando claro, nos discursos da chancelaria, o anseio pela reforma democrática
do organismo internacional.
No entanto, embora a postura diplomática do governo brasileiro tenha sido
modificada, nos mandatos de FHC, essas questões arroladas não são inovadoras
na agenda internacional do país. De outro modo, um assunto importante foi
introduzido pelo governante, no âmbito da política externa: a questão da
segurança internacional.
36
VIZENTINI, Paulo Fagundes. Relações internacionais do Brasil - de Vargas a Lula. São Paulo: Fundação Perseu Abramo,
Cap. 4: “Um gigante à deriva - globalização neoliberal, Mercosul e abandono do Projeto Nacional (1990-2004)”, p. 94., 2003.
38 Capítulo 1. A política externa brasileira e a redemocratização: as transformações da década de 1990
Com os ataques terroristas ocorridos nos EUA em 11 de Setembro de 2001,
a preocupação dos países com a defesa nacional foi intensificada. Assim, inserida
nos chamados novos temas erigidos no sistema internacional a partir dos anos
1990, a preocupação com o desarmamento e a campanha pela não-proliferação
de artefatos nucleares aumentou significativamente. Durante o governo FHC essa
questão foi priorizada, de modo a indicar o ponto de vista brasileiro frente aos
conflitos internacionais.
Durante os mandatos de FHC, a economia nacional foi estabilizada
(fundamentalmente no primeiro mandato de FHC), embora de forma problemática:
as metas neoliberais provocaram a dependência do comércio internacional e a
vinculação do crescimento econômico à conquista de novos mercados.
A política externa, atrelada ao desenvolvimento nacional, teve como objetivo
principal a inserção do Brasil no sistema internacional como global trader,
inaugurando a imagem de um ator influente. Independentemente dos avanços
concretos das diretrizes estabelecidas para o âmbito internacional, os governos
FHC estabeleceram um novo papel ao Brasil, o que esteve entre os propósitos
brasileiros desde o governo Collor. Ao ser adequado às condições da globalização
econômica, o país pôde se alinhar ao mercado global.
Entretanto, as conseqüências da economia liberal conduziram o cenário
político brasileiro ao descontentamento da população e ao desejo de mudanças na
esfera política, o que seria supostamente confirmado com a conquistada
presidência da República por de Luiz Inácio Lula da Silva, nas eleições de 2002.
39 Capítulo 1. A política externa brasileira e a redemocratização: as transformações da década de 1990
Lula conseguiu a vitória ao derrotar o principal adversário, o candidato José Serra,
do PSDB, e se reelegeu em 2006.
A partir de Janeiro de 2003, portanto, a presidência do Brasil passou a ser
ocupada por um governante de origem sindical, fundador de um partido de
tradição de esquerda, o que alterou os rumos do país, refletindo também na
política externa.
Os propósitos da diplomacia empregados pelo governo subseqüente foram
designados de acordo com a conjuntura internacional e os motes tradicionais da
política externa, desde o governo Sarney (que inaugurou uma nova fase da
política nacional, e por esse motivo foi eleito como marco histórico na presente
dissertação) aos mandatos de FHC. Visto que o objetivo da pesquisa acadêmica
consiste em analisar a política exterior do primeiro mandato de Lula, a descrição
dos governos anteriores, no que se refere às ações no âmbito internacional, foi
imperativa para uma melhor apreciação do tema. A partir do exame do período
pós-Regime Militar, desde 1985, até o governo anterior ao de Lula, é possível
relacionar certas escolhas diplomáticas às atuações precedentes, além de
apreender historicamente os limites e possibilidades do Brasil.
Nos próximos capítulos, a temática da política externa de Lula será explorada
a fim de verificar as tradições petistas para a área (e se elas foram mantidas
durante o governo), bem como os campos prioritários e as questões polêmicas as
quais o país esteve envolvido. Através desse exame, pode-se constatar que as
40 Capítulo 1. A política externa brasileira e a redemocratização: as transformações da década de 1990
ações diplomáticas tiveram a pretensão de fazer o Brasil angariar posição mais
expressiva no sistema internacional.
41
Capítulo 2
O Partido dos Trabalhadores e a política externa
O Partido dos Trabalhadores, fundado no Brasil em 10 de Fevereiro de
1980
37
por militantes de esquerda, incluindo filósofos, estudiosos e representantes
de movimentos sociais (como líderes sindicais), possui uma trajetória ímpar na
história política brasileira.
Criado como reação ao Regime Militar vigente no país (a Ditadura Militar foi
extinta em 1985), o PT corresponde ao principal partido de base de massa do
país. Suas aspirações estão relacionadas, dessa forma, ao desenvolvimento
nacional baseado nos valores democráticos e de defesa da classe trabalhadora.
Nesse sentido, cabe ressaltar a expressiva afinidade do partido com os
37
Para maiores informações históricas sobre o partido, consultar http://www.pt.org.br
Acesso em 27/10/2007
42 Capítulo 2. O Partido dos Trabalhadores e a política externa
movimentos sindicais e sociais em geral, o que demonstra a preocupação com a
manutenção das diretrizes do mesmo.
No momento da criação do partido, seus ideais estavam pautados na defesa
do socialismo como regime político, uma vez que a Ditadura Militar gerava
problemas sociais e repressão ao pensamento de esquerda. Porém, com o passar
dos anos, o PT alterou a tônica dos seus discursos, para conquistar novos
eleitores. Assim, ao longo do tempo a aspiração socialista foi substituída por ideais
de maior aprovação popular.
Logo na Reunião Nacional de fundação do PT, em Junho de 1980, as
propostas políticas foram estabelecidas de acordo com cada área de atuação do
poder público: saúde, educação e economia, entre outras.
No que diz respeito às diretrizes petistas para a política externa, os dirigentes
do partido criaram alguns itens cujos objetivos eram a consolidação de uma
posição soberana do Brasil no cenário mundial, o fim da internacionalização da
economia nacional (fim da “dominação imperialista”
38
), o não-alinhamento às
potências globais, (as quais dominariam e controlariam o sistema de acordo com
seus interesses), e a defesa de uma “política internacional de solidariedade entre
38
PARTIDO DOS TRABALHADORES. Programa e Plano de ação. Documento aprovado na reunião de fundação do PT, p.
5, em 01 de Junho de 1980. Disponível em http://www.ptgte.org.br/pt25anos
Acesso em 09/03/2007.
43 Capítulo 2. O Partido dos Trabalhadores e a política externa
os povos oprimidos e de respeito mútuo entre as nações, que aprofunde a
cooperação e sirva à paz mundial”
39
.
Em 1980, no documento aprovado na reunião de criação do PT, o partido
expôs as intenções para a esfera internacional:
O PT tomará posição sobre os grandes temas nacionais a partir da perspectiva
daqueles que constroem a riqueza do País, defendendo uma linha de ação na qual o
desenvolvimento nacional reflita os interesses dos trabalhadores e não os interesses do
grande capital nacional e internacional. O PT combate a crescente dívida externa, ao
mesmo tempo que submete a classe trabalhadora a uma exploração ainda mais
desenfreada. Os trabalhadores brasileiros são os grandes prejudicados pela crescente
dependência externa, econômico-financeira, tecnológica e cultural.
40
Assim, logo na primeira declaração oficial do partido, a política externa
brasileira foi elucidada sob uma ótica própria, e as diretrizes petistas para essa
esfera já indicavam o tom ideológico e a representatividade da classe
trabalhadora. Nesse documento, o âmbito internacional aparece como espaço de
comércio desigual controlado pelas grandes potências: para o PT, o combate à
entrada ilimitada do capital internacional no Brasil seria uma das apostas para o
desenvolvimento nacional, sendo a política externa, assim como todas as esferas
39
PARTIDO DOS TRABALHADORES. Programa e Plano de ação. Documento aprovado na reunião de fundação do PT, p.
4, em 01 de Junho de 1980. Disponível em http://www.ptgte.org.br/pt25anos
Acesso em 09/03/2007.
40
PARTIDO DOS TRABALHADORES. Programa e Plano de ação. Documento aprovado na reunião de fundação do PT, p.
3, em 01 de Junho de 1980. Disponível em http://www.ptgte.org.br/pt25anos
Acesso em 09/03/2007.
44 Capítulo 2. O Partido dos Trabalhadores e a política externa
de atuação política, responsável por defender os interesses da classe
trabalhadora.
Entretanto, apenas em 1984, em registro que relata as concepções do
partido para cada âmbito governamental, a política externa passou a ter destaque
nas teses partidárias. Nesse documento, em sub-item intitulado Questão
Internacional, a ideologia socialista na diplomacia foi assim justificada:
Como partido político que aspira ao socialismo, o PT deve defender uma política
internacional em favor dos interesses dos povos que lutam por sua libertação. Devemos
recusar todas as formas de submissão do País à dominação imperialista, como as que
impõem restrições nas relações internacionais. Uma política externa independente implica,
hoje, a ampliação das relações comerciais e diplomáticas com os países socialistas e do
Terceiro Mundo. A luta do povo brasileiro é inseparável das lutas dos outros povos latino-
americanos, pela semelhança das condições econômicas, históricas e culturais. Daí nossa
prioridade para o fortalecimento de laços com os movimentos de libertação latino-
americanos, que têm, hoje, como pontos principais a Nicarágua, El Salvador e Cuba.
41
A influência de esquerda no partido se fundamentou através da defesa do
socialismo e dos movimentos revolucionários latino-americanos da década de
1980, por parte dos ideólogos petistas. Dessa maneira, a política externa, que
também é influenciada por elementos conjunturais, serviu ao PT como espaço de
41
PARTIDO DOS TRABALHADORES. Teses para a atuação do PT. Documento aprovado no 3°Encontro Nacional do PT,
p. 8, em 08 de Abril de 1984. Disponível em: http://www.ptgte.org.br/pt25anos
Acesso em 09/03/2007.
45 Capítulo 2. O Partido dos Trabalhadores e a política externa
denúncia à exploração capitalista das grandes potências, em evidência naquele
momento.
Por outro lado, o tom revolucionário das perspectivas para a área
internacional gerou, somado às outras áreas de atuação, o respaldo negativo da
população brasileira, como foi demonstrado nas eleições presidenciais de 1989,
1994 e 1998.
Em 1989 foi redigido um texto contendo as bases do plano de ação de
governo para as eleições daquele ano, quando o candidato petista sofreu a
primeira derrota presidencial, e Fernando Collor de Mello se tornou presidente.
Para as eleições de 1989, o PT lançou como propostas para a política externa o
não-pagamento da dívida externa (considerada pelo partido “ilegítima e
impagável”
42
), além da condução de uma diplomacia voltada para a ampliação do
espaço do Brasil no sistema internacional
43
e o apoio ao socialismo em escala
global. Tais diretrizes, equivalentes àquelas descritas nas declarações oficiais
anteriores, continham intensa influência de esquerda nas suas intenções, o que
demonstrou a relação estreita com a vocação revolucionária do partido.
Entretanto, a adoção de uma política internacional baseada no reconhecimento
42
PARTIDO DOS TRABALHADORES, As bases do PAG [Plano de Ação do Governo] - Campanha 1989, p. 9. Disponível
em http://www.pt.org.br/pt25anos/anos80/documentos/89_as_bases_pag.pdf
Acesso em 27/10/2007.
43
De acordo com o documento, “o governo do PT mobilizará esforços para que o País ocupe, no cenário internacional,
posição compatível com sua real dimensão econômico-social, geográfica, cultural”. In PARTIDO DOS TRABALHADORES,
As bases do PAG [Plano de Ação do Governo] - Campanha 1989, p. 19. Disponível em
http://www.pt.org.br/pt25anos/anos80/documentos/89_as_bases_pag.pdf
Acesso em 27/10/2007.
46 Capítulo 2. O Partido dos Trabalhadores e a política externa
das lutas latino-americanas contra o capitalismo desagradou à maioria dos
eleitores.
De acordo com ALMEIDA, “em 1989, em sua primeira disputa, a
característica do candidato Lula era sua identificação com a luta dos oprimidos da
América Latina”
44
. No discurso oficial, Lula propunha uma
política externa independente e soberana, sem alinhamentos automáticos, pautada
pelos princípios de autodeterminação dos povos, não-ingerência nos assuntos internos de
outros países e pelo estabelecimento de relações com governos e nações em busca da
cooperação à base de plena igualdade de direitos e benefícios mútuos
45
.
Além disso, sugeria a
política antiimperialista, prestando solidariedade irrestrita às lutas em defesa da
autodeterminação e da soberania nacional, e a todos os movimentos em favor da luta dos
trabalhadores pela democracia, pelo progresso social e pelo socialismo
46
.
44
ALMEIDA, Paulo Roberto de. “A política internacional do Partido dos Trabalhadores: da fundação do partido à diplomacia
do governo Lula”. Sociologia e Política. Curitiba: UFPR, n° 20, p. 2, Junho 2003.
45
PARTIDO DOS TRABALHADORES, As bases do PAG [Plano de Ação do Governo] - Campanha 1989, p. 19. Disponível
em http://www.pt.org.br/pt25anos/anos80/documentos/89_as_bases_pag.pdf
Acesso em 27/10/2007.
46
PARTIDO DOS TRABALHADORES, As bases do PAG [Plano de Ação do Governo] - Campanha 1989, p. 19.
http://www.pt.org.br/pt25anos/anos80/documentos/89_as_bases_pag.pdf
Acesso em 27/10/2007.
47 Capítulo 2. O Partido dos Trabalhadores e a política externa
O discurso do candidato petista para a área diplomática ilustrava o perfil do
seu partido, ao defender ideais revolucionários e pretender adotar uma política
externa sem alianças com potências mundiais (principalmente com os EUA,
considerado um país imperialista pelos petistas), além de apoiar
incondicionalmente os países socialistas. O discurso enérgico de Lula, não só
para as ações diplomáticas, pode ter prejudicado o candidato nas eleições de
1989: além das manobras políticas para desgastar a imagem do líder sindical,
realizadas pelos agentes de Fernando Collor de Melo, a população temia a
exclusão do país em relação ao resto do mundo, com a vitória de um governo de
tradição de esquerda.
De tal modo, em 1994 o tom da campanha eleitoral foi alterado, como
tentativa de atrair a população receosa dos objetivos revolucionários do partido.
Nessas eleições, o partido optou por excluir a luta pela implantação do regime
socialista das pautas. O interesse de inserção soberana do Brasil no mundo foi
mantido, porém, o repúdio às relações desiguais no sistema internacional,
controladas pelas potências imperialistas foi substituído pela aspiração de
modificar as relações de força nesse sistema
47
.
O programa de governo criado para as eleições de 1994 também destacava
a ênfase dada pelo PT à ampliação da Cooperação Sul-Sul, isto é, a aproximação
econômica com países médios localizados, assim como o Brasil, no hemisfério
47
ALMEIDA, Paulo Roberto de. “A política internacional do Partido dos Trabalhadores: da fundação do partido à diplomacia
do governo Lula”. Sociologia e Política. Curitiba: UFPR, n° 20, p. 4, Junho 2003.
48 Capítulo 2. O Partido dos Trabalhadores e a política externa
sul: China, Índia, Rússia, África do Sul, entre outros. Além disso, o partido indicou
como eixo da economia internacional do seu governo a ampliação das relações
com os países vizinhos, em âmbito regional, destacando a importância do
Mercosul.
A plataforma de governo estabelecida pelo PT propunha
desenvolver uma política externa que buscará simultaneamente uma inserção soberana do
Brasil no mundo e a alteração das relações de força internacionais contribuindo para a construção
de ordem mundial justa e democrática
48
.
Nessas eleições, o candidato petista deu muita ênfase à área diplomática,
relacionando-a ao projeto de desenvolvimento nacional para o fortalecimento
democrático do país. Dessa forma, corroborou a máxima de que a política externa
não pode ser separada da política interna, uma vez que ambas faziam parte de
um projeto nacional amplo, e estavam interligadas.
Em outro documento, para a campanha eleitoral daquele ano, o partido
indicava como metas para a política externa brasileira
Faremos da soberania nacional um valor tão caro quanto o da soberania popular.
Buscaremos uma integração soberana do Brasil no mundo para enfrentar as grandes
transformações políticas, econômicas e sociais hoje em curso.
48
PARTIDO DOS TRABALHADORES, Bases do programa de governo. Documento aprovado no 9° Encontro Nacional do
PT, em 01 de Maio de 1994. Disponível em http://www.ptgte.org.br/pt25anos
Acesso em 09/03/2007.
49 Capítulo 2. O Partido dos Trabalhadores e a política externa
O Brasil afirmará sua vocação universal, em suas relações internacionais, defenderá o meio
ambiente e os direitos humanos, lutará pela democratização das relações internacionais,
propugnará por uma reestruturação econômica internacional em proveito dos países do Sul, na
defesa do emprego e de uma cooperação científica e tecnológica.
O Brasil enfatizará as relações com a América Latina, em especial a América do Sul,
fortalecerá políticas de integração continental, dentre as quais o Mercosul reformulado, e fará de
sua política externa um componente essencial do seu projeto nacional de desenvolvimento
49
.
Apesar de mais concreto em todas as esferas de atuação política, o discurso
petista de 1994 não agradou, mais uma vez, a população brasileira, e o candidato
Fernando Henrique Cardoso venceu as eleições.
Em Maio de 1998, o diretório lançou os propósitos para as eleições daquele
ano, os quais continham as perspectivas para a política externa, entre outras
temáticas. Para essa área, o partido colocou novamente a questão do resguardo
da soberania brasileira e da necessidade de criação de uma ordem internacional
justa.
Para a ampliação do papel do Brasil no mundo, o documento propôs maior
atuação do país nos organismos internacionais e a articulação da integração
regional, através do Mercosul. De acordo com o texto, a política externa do PT:
49
PARTIDO DOS TRABALHADORES, Lula presidente - uma revolução democrática no Brasil. Documento aprovado no 9°
Encontro Nacional do PT, p. 4, em 01 de Maio de 1994. Disponível em
http://www.pt.org.br/pt25anos/anos90/documentos/94_revolucao_democratica_brasil.pdf
Acesso em 09/03/2007.
50 Capítulo 2. O Partido dos Trabalhadores e a política externa
...buscará definir as bases da construção do Brasil como Nação, a partir de uma
presença soberana do Brasil no mundo, que orientará as bases de nossa política externa.
Propugnamos por uma política de paz e de busca de construção de uma ordem econômica
internacional justa e democrática. Lutaremos pela reforma de organismos multinacionais,
como a ONU [Organização das Nações Unidas], FMI [Fundo Monetário Internacional],
BIRD [Banco de Reconstrução e Desenvolvimento], BID [Banco Interamericano de
Desenvolvimento], OMC [Organização Mundial do Comércio], hoje a serviço do
hegemonismo norte-americano. Nossa política externa privilegiará as relações com a
América Latina e África Meridional, além de buscar uma articulação com países como a
China, Índia, Rússia e África do Sul. Uma política mais ativa em relação à União Européia
permitirá aproveitar as contradições desta com os Estados Unidos e abrir mais espaços
internacionais. O princípio de reforçamento da soberania nacional não se confunde com
uma posição autárquica, de fechamento para o mundo. Ao contrário, para viabilizar nosso
projeto nacional deveremos ter uma forte e ativa presença internacional, buscando alianças
táticas e estratégicas capazes de alterar a correlação de forças atual, desfavorável aos
países do sul.
50
Outras questões foram debatidas nesse documento, como a recusa à
iniciativa norte-americana da criação da ALCA (por ferir a soberania brasileira, na
visão dos petistas), e o apoio a Cuba (“em sua luta contra o bloqueio
econômico”
51
). Tais propostas demonstraram, mais uma vez, a tendência de
50
PARTIDO DOS TRABALHADORES. Diretrizes para o programa de governo. Documento aprovado no Encontro
Extraordinário, p. 4, em 24 de Maio de 1998. Disponível em: http://www.ptgte.org.br/pt25anos
Acesso em 09/03/2007.
51
PARTIDO DOS TRABALHADORES. Diretrizes para o programa de governo. Documento aprovado no Encontro
Extraordinário, p. 5, em 24 de Maio de 1998. Disponível em: http://www.ptgte.org.br/pt25anos
Acesso em 09/03/2007.
51 Capítulo 2. O Partido dos Trabalhadores e a política externa
esquerda do PT, mesmo que de uma maneira mais branda, numa espécie de
denúncia ao controle do sistema internacional pelas grandes potências.
Contudo, apesar das perceptíveis mudanças do partido, no que se refere aos
objetivos diplomáticos, as eleições de 1998 foram vencidas pelo candidato
Fernando Henrique Cardoso, que foi reeleito. Mas em 2002, o Brasil elegeu Lula
para a presidência, após as consecutivas derrotas.
2.1 A política externa de Lula e a manutenção dos ideais petistas:
da campanha eleitoral ao governo
Uma das figuras políticas mais significativas do PT é o Presidente da
República, Luiz Inácio Lula da Silva.
A vida política de Lula
52
sempre fora vinculada ao seu partido de origem: ele é
um dos seus fundadores, e através do mesmo iniciou sua carreira pública. O
pernambucano, que foi para São Paulo ainda criança em busca de melhores
condições de vida, filiou-se em 1968 ao Sindicato dos Metalúrgicos de São
Bernardo do Campo e Diadema, para, em 1975, ser eleito Presidente da
associação (e em 1978 ser reeleito). Assim, através da sindicância, o atual
governante do Brasil foi introduzido na esfera política, ao ser um dos criadores do
principal partido de oposição do país, o Partido dos Trabalhadores.
52
Informações disponíveis em http://www.presidencia.gov.br/presidente/ Acesso em 29/01/2007.
52 Capítulo 2. O Partido dos Trabalhadores e a política externa
A partir de 1982, Lula passou a disputar eleições no país, primeiramente para
o governo de São Paulo, sendo derrotado. Já em 1986, foi eleito Deputado
Federal, sempre pela legenda do PT. Em 1989, o líder sindical disputou, pela
primeira vez, a presidência, mas foi derrotado por Fernando Collor de Mello.
Em 1994, Lula novamente foi candidato na eleição presidencial, sendo mais
uma vez derrotado, dessa vez por Fernando Henrique Cardoso, que se reelegeu
em 1998, vencendo novamente o candidato petista.
Entretanto, nas eleições de 2002, o candidato Lula, que até então era
conhecido pelos discursos inflamados e enérgicos, deu novos rumos à campanha,
despontando-se com prédicas mais amenas. Dessa forma, conseguiu a vitória nas
urnas, derrotando José Serra, do PSDB, o que se repetiu em 2006, com a
reeleição (e a derrota de Geraldo Alckmin, também do PSDB).
Em 2002, ano da vitória de Lula nas urnas, o PT estabeleceu as propostas
para a política externa no programa governamental composto para as eleições
daquele ano, o qual indicava uma ruptura com o passado político do país. Nesse
sentido, se propôs a inovação da política brasileira, com a alteração dos moldes
governamentais estabelecidos na década de 1990.
Para tanto, Lula assumiu um discurso ainda mais moderado na campanha, o
que foi refletido também nas ações estipuladas para o país internacionalmente: a
ideologia petista, já desgastada com as derrotas eleitorais para presidência, foi
substituída por um realismo político. As alianças com partidos como o Partido
53 Capítulo 2. O Partido dos Trabalhadores e a política externa
Liberal - PL, do vice-presidente José Alencar, contribuíram para essa nova
imagem petista. De acordo com ALMEIDA,
O candidato do PT e o próprio partido foram desta vez extremamente cautelosos na
formulação das bases da campanha política, a começar pelas alianças contraídas com
vistas a viabilizar um apoio ‘centrista’ ao candidato
53
.
Cabe observar que, assim como o candidato Lula alterou significativamente a
postura nas eleições de 2002, as intenções referentes à esfera internacional
também foram reformuladas (em relação aos princípios do partido). Portanto,
desde 1989, ano da primeira disputa de Lula ao cargo presidencial, as propostas
do PT para a política externa foram se alterando ao longo do tempo, para, em
2002, surgirem objetivos menos agressivos para o plano internacional, além do
abandono gradual das denúncias imperialistas e a defesa do socialismo em escala
global.
Desde o discurso de posse, em 01 de Janeiro de 2003
54
, Lula indicava os
principais objetivos de seu mandato para a área internacional: a política externa do
seu governo, dessa forma, foi popularizada, e passou a freqüentar os veículos de
comunicação do país, os quais indicaram os êxitos e fracassos de um projeto de
53
ALMEIDA, Paulo Roberto de. “A política internacional do Partido dos Trabalhadores: da fundação do partido à diplomacia
do governo Lula”. Sociologia e Política. Curitiba: UFPR, n° 20, p. 6, Junho 2003.
54
LULA DA SILVA, Luiz Inácio. Discurso na Sessão de Posse, no Congresso Nacional. Brasília: 01/01/2003. Disponível em
http://www.mre.gov.br/portugues/politica_externa/discursos/discurso_detalhe.asp?ID_DISCURSO=2029
Acesso em 04/12/2006.
54 Capítulo 2. O Partido dos Trabalhadores e a política externa
inserção internacional do Brasil baseado na conquista de mais espaço no cenário
mundial. Entre os principais objetivos da política externa do governo Lula,
indicadas na campanha presidencial de 2002
55
, estavam:
maior altivez do país no sistema internacional: de acordo com o chanceler
Celso Amorim, a política externa do governo Lula pretendia ser altiva e
ativa
56
, tendo em vista os interesses nacionais e a manutenção da
soberania acima de tudo, sem vinculações diplomáticas específicas. O
objetivo principal, nesse sentido, seria a diminuição da vulnerabilidade
externa;
a prioridade em relação à América do Sul, seja na revitalização do
Mercosul
57
; na criação da Comunidade Sul-Americana de Nações - CASA,
ou mesmo no aprofundamento das relações com os países vizinhos. De
acordo com o documento, o governo Lula daria prioridade ao
fortalecimento e ampliação do Mercosul e à retomada do projeto de
55
PARTIDO DOS TRABALHADORES. Diretrizes do programa de governo do PT para o Brasil - A ruptura necessária.
Documento aprovado no 12° Encontro Nacional do PT, p. 19, em 16 de Dezembro de 2001. Disponível em
http://www.pt.org.br/pt25anos/anos00/documentos/02_diretrizes_prog_governo.pdf
Acesso em 27/10/2007.
56
ALMEIDA, Paulo Roberto de. Uma nova “arquitetura” diplomática? Interpretações divergentes sobre a política externa do
governo Lula (2003-2006). Revista Brasileira de Política Internacional, ano 49, n. 1, p. 5, 2006.
57
O Brasil teve a oportunidade de presidir a presidência pro tempore do Mercosul em 2004 e 2006, quando reforçou (ao
menos na retórica) seus objetivos de ampliar a legitimidade do bloco e garantir a integração sul-americana.
55 Capítulo 2. O Partido dos Trabalhadores e a política externa
verdadeira integração latino-americana.”
58
Esse interesse brasileiro, por
vezes caracterizado como uma tentativa de exercer o papel de liderança
regional, pode ser exemplificado com o episódio ocorrido ao final de 2002
(quando Lula ainda não havia tomado posse): a Venezuela vivenciava uma
crise interna, gerada por uma greve convocada pela oposição a Hugo
Chávez, que ficou enfraquecido. O Brasil auxiliou o país vizinho e criou o
Grupo de Amigos da Venezuela. Tal ocorrência foi caracterizada como uma
tentativa de aprofundar as relações entre os países, além de demonstrar a
capacidade brasileira de conduzir os problemas da região;
multilateralidade do comércio exterior brasileiro: tentativa de criação de uma
nova geografia comercial, através da Cooperação Sul-Sul, de
aprofundamento das relações bilaterais com países do hemisfério sul e
países médios como Rússia, China e países do Oriente Médio;
relações pautadas nos interesses do Brasil, com os EUA;
58
PARTIDO DOS TRABALHADORES. Diretrizes do programa de governo do PT para o Brasil - A ruptura necessária.
Documento aprovado no 12° Encontro Nacional do PT, p. 21, em 16 de Dezembro de 2001. Disponível em
http://www.pt.org.br/pt25anos/anos00/documentos/02_diretrizes_prog_governo.pdf
Acesso em 27/10/2007.
56 Capítulo 2. O Partido dos Trabalhadores e a política externa
em relação à União Européia, o Brasil tinha um interesse especial em
efetuar acordos interblocos, no âmbito do Mercosul;
projeção internacional do Brasil, com a candidatura de brasileiros a vagas
de direção de organizações internacionais;
busca de uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU: o
país tenta se tornar membro permanente do Conselho de Segurança da
ONU desde a criação da mesma, no fim da Segunda Guerra Mundial. Para
isso, seria preciso reformular o organismo internacional, o que é defendido
pelo Brasil;
luta por uma ordem internacional mais justa, com a cooperação de todos os
países. De acordo com as intenções do PT,
trata-se de formular um projeto que incorpore a defesa da nação e se proponha a
transformá-la e a lutar por uma outra ordem internacional. Deve-se valorizar o Fórum Social
Mundial e, ainda, fortalecer o movimento de defesa da Taxa Tobin e pela constituição de um
fundo internacional de combate à pobreza, pelo fim dos paraísos fiscais, pela criação de novos
mecanismos de controle do fluxo internacional de capitais e pelo estabelecimento de
mecanismos de autodefesa contra o capital externo especulativo. A campanha internacional
pelo cancelamento das dívidas externas dos países pobres deverá ter forte participação do
57 Capítulo 2. O Partido dos Trabalhadores e a política externa
Brasil e deve ser acompanhada pela perspectiva de auditoria e renegociação das dívidas
públicas externas dos demais países do “Terceiro Mundo”
59
.
Tendo em vista as diretrizes do governo Lula para a política externa, é
perceptível a transformação dos objetivos fundamentais do PT para a esfera
internacional, desde a fundação do partido, em 1980, até as eleições de 2002.
Além das modificações no tom dos discursos, as intenções do partido para a
política externa foram alteradas durante o mandato, para que pudessem ser
atingidas, devido à conjuntura internacional em vigor. Em alguns momentos
diplomáticos, Lula abdicou das diretrizes ideológicas propostas para essa área, de
maneira a facilitar as negociações.
É certo que algumas mudanças realizadas nos programas eleitorais do PT,
desde 1989, ocorreram devido às adaptações necessárias para angariar votos,
uma vez que a base revolucionária do partido pode ter prejudicado os resultados
das eleições de 1989, 1994 e 1998. Entretanto, cabe ressaltar a diferença
fundamental entre plano de governo (isto é, as propostas feitas para cada área de
atuação antes das eleições) e objetivos do governante após vencer as eleições.
No caso do governo Lula, os objetivos diplomáticos indicados pelo candidato,
ainda que tenham sido mantidos nos seus discursos já como Presidente da
República, tiveram que ser adaptados à realidade brasileira, de acordo com a
59
PARTIDO DOS TRABALHADORES. Diretrizes do programa de governo do PT para o Brasil - A ruptura necessária.
Documento aprovado no 12° Encontro Nacional do PT, p. 23, em 16 de Dezembro de 2001. Disponível em
http://www.pt.org.br/pt25anos/anos00/documentos/02_diretrizes_prog_governo.pdf
Acesso em 27/10/2007.
58 Capítulo 2. O Partido dos Trabalhadores e a política externa
conjuntura internacional e as possibilidades do país no cenário global. Nesse
caso, propósitos como a criação de um Fundo Internacional de combate à
pobreza, almejado pelo PT na candidatura de 2002, não puderam ser convertidos
em medidas concretas, o que constatou a distinção entre ideais partidários e
interesses governamentais.
Portanto, ainda que se tenha verificado que as metas petistas para a política
externa variaram durante as campanhas eleitorais, elas também foram
modificadas para se adaptarem às condições e interesses do governo. Posto que
estejam em constante transformação (são alteradas devido a fatores como
contexto nacional e internacional, por exemplo), devem ser analisadas
separadamente, de acordo com os discursos e a realidade prática.
Logo, após o exame histórico das propostas do PT para a esfera
internacional, além da constatação de que o discurso partidário tenha sido
alterado nas campanhas, a análise da política externa do primeiro governo Lula
pode estabelecer o que de fato foi concretizado, a partir do momento em que as
pretensões teóricas passaram a ser convertidas em ações.
59
Capítulo 3
A diplomacia e o governo Lula: diretrizes e
questões polêmicas
Durante o primeiro mandato de Lula, a política externa desempenhou
importante papel na exposição do governo, tanto no Brasil quanto no mundo. As
crescentes discussões acerca das escolhas e atitudes do governante na esfera
internacional, além da intensa atuação da chancelaria, estabelecendo acordos
com diferentes países, contribuíram para a popularização da política externa
durante o período analisado.
O Presidente Lula realizou muitas viagens diplomáticas, participando
ativamente de foros internacionais e debates multilaterais, e consolidando a
imagem do Brasil como país atuante no cenário global.
60 Capítulo 3. A diplomacia e o governo Lula: diretrizes e questões polêmicas
Além disso, a figura emblemática do governante foi intensamente projetada
nos discursos diplomáticos: a diplomacia presidencial foi desenvolvida, juntamente
com a atuação mais ativa de outros atores da política externa brasileira: além do
chanceler, Celso Amorim, houve o intenso envolvimento do Secretário-Geral das
Relações Exteriores, Samuel Pinheiro Guimarães, e do Assessor Especial para
assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia, nos assuntos diplomáticos.
Com o propósito de concretizar o projeto governamental para a política
externa, o qual objetivou, em última instância, a ampliação do papel do Brasil no
sistema internacional e a manutenção da soberania nacional, foram colocadas
pelo governo as seguintes diretrizes diplomáticas:
a aproximação com países vizinhos, visando o fortalecimento do Mercosul e
a integração sul-americana;
a ampliação de acordos com países localizados no eixo sul (Cooperação
Sul-Sul);
a aproximação comercial com países médios: a chamada nova geografia
comercial proposta por Lula;
61 Capítulo 3. A diplomacia e o governo Lula: diretrizes e questões polêmicas
relações pautadas no respeito mútuo à soberania e interesses nacionais
com as potências mundiais (fundamentalmente EUA e países da União
Européia);
diplomacia ativa no cenário internacional, destacando a atuação do Brasil
em diversos foros diplomáticos, para aumentar o espaço do país no sistema
internacional.
Essas propostas, semelhantes àquelas adotadas tradicionalmente pelo
Itamaraty, fizeram parte também das intenções do governo Lula para a política
externa brasileira. As alterações significativas das diretrizes para a área
internacional estiveram relacionadas aos novos temas inseridos devido ao
contexto mundial vigente, além do tom das prédicas do governo nas declarações
diplomáticas, que se tornaram mais enérgicas, como forma de demonstrar o
caráter incisivo de sua política externa. Desse modo, apesar dos objetivos do
primeiro governo Lula serem semelhantes àqueles estabelecidos historicamente
pela chancelaria brasileira, a maneira pela qual a diplomacia foi conduzida foi
inovadora, por conter princípios político-partidários, diferenciando-a do tradicional
aspecto moderado adotado pelo país. Tal característica esteve presente durante
os quatro anos do governo Lula, moldando-se de acordo com o contexto do país
(no início do governo, a política externa foi mais agressiva, porém o discurso de
Lula ganhou tom mais moderado).
62 Capítulo 3. A diplomacia e o governo Lula: diretrizes e questões polêmicas
No que se refere ao interesse brasileiro de ampliação das relações com os
países vizinhos, no âmbito da integração regional, o objetivo era conquistar a
liderança sul-americana. O Brasil, país mais expressivo da região, foi visto pelo
governo como capaz de exercer papel de líder sobre os países vizinhos e, dessa
forma, aumentar seu espaço no sistema internacional (que corresponderia ao
intuito máximo da política externa de Lula).
Apesar de criticada, principalmente pelos países que supostamente
estariam sob a liderança brasileira, a postura do governo Lula para a América do
Sul foi idealizada desde o início do mandato e gerou uma série de problemas para
o país, quando não teve apoio nas investidas diplomáticas aos organismos
multilaterais, por exemplo.
De acordo com LIMA (2003)
60
, a questão da liderança regional se deteve,
entre outros fatores, nos interesses dos demais países, os quais, ao se sentirem
ameaçados, não apoiaram o governo brasileiro. O exemplo da Argentina foi
explanado pela autora: a tentativa de liderança da região não agradou os vizinhos
argentinos, os quais se sentiram incomodados com a eventual inferioridade de
poder em relação ao Brasil. Essa idéia foi igualmente debatida por SARAIVA
(2005)
61
, ao comparar, em seu artigo, as políticas externas da Argentina e do
Brasil, desde a década de 1990 até a atualidade (ou seja, governos Nestor
60
LIMA, Maria Regina Soares de. Na trilha de uma política externa afirmativa. Observatório da Cidadania. Rio de Janeiro,
IBASE, 2003, Relatório n. 7, Panorama brasileiro, p. 99, 2003. Disponível em
http://www.socialwatch.org/en/informeImpreso/pdfs/panorbrasileirog2003_bra.pdf
Acesso em 31/01/2007.
61
SARAIVA, Miriam Gomes. Brasil e Argentina: política externa para América Latina em tempos recentes. Cena
Internacional , ano 7, n. 2, p. 130, 2005.
63 Capítulo 3. A diplomacia e o governo Lula: diretrizes e questões polêmicas
Kirchner e Lula). Ambos os países passaram por um período de baixo
relacionamento, uma vez que os interesses e a forma de agir foram bem distintos.
A Argentina adotou, para a região sul-americana, uma política exterior de caráter
globalista, cujos interesses estiveram relacionados à adoção de uma agenda
global comum, rumo ao estabelecimento de relações equilibradas. Já o Brasil
assumiu, no governo Lula, um caráter autonomista para a região, em busca da
consolidação dos interesses nacionais e presença soberana no sistema
internacional: para tanto, o país pretendeu exercer o papel de liderança regional.
Porém, a política brasileira de liderar a América Latina não foi avaliada, de acordo
a autora, como positiva pela Argentina, o que gerou o conseqüente afastamento
dos países, quando poderia haver a consolidação de interesses comuns, já que se
trata de dois países com características semelhantes no sistema internacional.
Em relação à concretização da nova geografia comercial, apregoada pelo
governante petista como alternativa de acesso dos países médios ao comércio
mundial, a sua concepção correspondeu a uma tentativa de aumentar as relações
comerciais com países fundamentais ao sistema global atual, como China, Índia,
África do Sul, Rússia e Países Árabes. Nesse sentido, a cooperação bilateral teve
relevância econômica e estratégica, como o apoio dos países à conquista
brasileira de um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU ou à
criação do G-20, para empenhar-se por melhores condições comerciais aos
países em desenvolvimento, na Rodada Doha da OMC. Inserida nesse contexto, a
chamada Cooperação Sul-Sul, já tradicional nas diretrizes diplomáticas brasileiras,
também esteve presente durante o governo Lula. A ampliação de acordos com os
64 Capítulo 3. A diplomacia e o governo Lula: diretrizes e questões polêmicas
países localizados no eixo sul fez parte do projeto maior de alteração do sistema
comercial global, para a sua democratização e inserção de países menores como
parceiros importantes do mercado internacional.
As relações do Brasil com os EUA e os países da União Européia também
foram temas prioritários da agenda diplomática de Lula. As relações entre os EUA
e o Brasil fora pautado nos debates acerca da consolidação da ALCA, os quais
terminaram em impasse. Porém, o governo havia proposto, desde o início do
mandato, o estabelecimento de relações caracterizadas pelo respeito mútuo aos
interesses nacionais de cada país.
Em relação à União Européia, o objetivo do Brasil se concentrou no
estabelecimento de acordos comerciais interblocos, envolvendo, assim, o
Mercosul. A ampliação dessas relações comerciais poderia ser benéfica para o
Brasil, o país mais influente do bloco sul-americano.
Em discurso de posse, em 01 de Janeiro de 2003, Lula explicitou, nesse
sentido:
Procuraremos ter com os Estados Unidos da América uma parceria madura, com
base no interesse recíproco e no respeito mútuo. Trataremos de fortalecer o entendimento
e a cooperação com a União Européia e os seus Estados-Membros, bem como com outros
importantes países desenvolvidos, a exemplo do Japão. Aprofundaremos as relações com
65 Capítulo 3. A diplomacia e o governo Lula: diretrizes e questões polêmicas
grandes nações em desenvolvimento: a China, a Índia, a Rússia, a África do Sul, entre
outros.
62
O comércio exterior do governo Lula, portanto, englobou muitas
possibilidades ao país, inclusive, no aspecto diplomático, a aproximação do Brasil
com uma ampla rede de países foi positiva para auxiliar nas investidas que
necessitavam apoio multilateral.
Por último, a consolidação de uma diplomacia ativa no cenário
internacional, com a participação do país em diversas frentes de atuação, também
teve como objetivo a ampliação do espaço brasileiro no sistema global. Para tanto,
o governo Lula investiu no multilateralismo e na cooperação internacional em
diversas áreas, como a tecnológica, cultural e de infra-estrutura.
As ações diplomáticas durante o primeiro mandato de Lula podem ser
analisadas de acordo com as áreas prioritárias, uma vez que as questões
polêmicas e os interesses nacionais estiveram concentrados em setores
específicos, que foram centrais para a consolidação dos intuitos do governo no
âmbito internacional: através deles, os propósitos da política exterior de Lula
podem ser compreendidos.
62
LULA DA SILVA, Luiz Inácio. Discurso na Sessão de Posse, no Congresso Nacional. Brasília: 01/01/2003.
Disponível em http://www.mre.gov.br/portugues/politica_externa/discursos/discurso_detalhe.asp?ID_DISCURSO=2029
Acesso em 04/12/2006.
66 Capítulo 3. A diplomacia e o governo Lula: diretrizes e questões polêmicas
3.1 Os setores prioritários e as questões polêmicas: a
consolidação da diplomacia petista
O governo Lula foi caracterizado, na área internacional, por ideais próprios
do partido, aliados às tradições da política externa brasileira. Optou-se pela
heterogeneidade nas ações, pautadas pelo tom altivo dos discursos diplomáticos.
Apesar de baseadas na ideologia partidária, as diretrizes para a área
internacional foram estabelecidas de forma a englobar o maior número de frentes
de atuação possível: o investimento em várias questões diplomáticas poderia ser
mais proveitoso para o Brasil, uma vez que o objetivo principal das escolhas nessa
esfera era a conquista de maior espaço no sistema internacional. Para tanto, o
governo adotou, quando possível, medidas que não afetariam a imagem do país,
em um cenário global caracterizado por intensos jogos de poder e disputas por
influência. Nesse sentido, o Brasil se portaria de uma forma neutra e sem
alinhamentos.
Entretanto, em determinados momentos o país não conseguiu se manter
distante de questões polêmicas que surgiram no período, sejam problemas
internos de países ou impasses envolvendo o Brasil. As escolhas diplomáticas do
governo Lula que foram alvos de críticas e análises aprofundadas, por terem
gerado reações diversas, estiveram concentradas em três áreas prioritárias da
esfera internacional: a América do Sul, os organismos internacionais e o comércio
exterior.
67 Capítulo 3. A diplomacia e o governo Lula: diretrizes e questões polêmicas
3.1.1 Processos de integração regional
Alguns meses antes da posse presidencial, no final de 2002, Lula já havia
iniciado suas atividades diplomáticas, ao auxiliar na crise venezuelana motivada
pela greve geral naquele país, imposta pela oposição ao Presidente Hugo Chávez.
Ao optar pela criação do Grupo de Amigos da Venezuela
63
, o Brasil indicou a
tônica das diretrizes que seria adotada em âmbito regional. Porém, o governo Lula
acabou sendo exposto, quando o grupo de apoio à crise venezuelana, composto
por vários países do mundo, foi abalado pela postura de Chávez: em Fevereiro de
2003 o governante mostrou-se intransigente, ao exigir a inclusão de outros países
ao grupo, como França e Cuba, o que irritou os países-membros e demonstrou os
limites de atuação diplomática no país conflituoso. O Brasil, que havia instituído o
Grupo de Amigos da Venezuela, foi pressionado por aqueles países insatisfeitos
com a atitude de Chávez, quando não reagiu às provocações do governante
venezuelano
64
.
No contexto regional, o Brasil se envolveu em muitas questões polêmicas.
Além da ajuda para solucionar a crise venezuelana, o governo agiu de maneira
semelhante no conflito envolvendo a Colômbia e, mais uma vez, a Venezuela, no
início de 2005: para o governo de Hugo Chávez, um guerrilheiro das Forças
63
O Grupo de Amigos da Venezuela foi idealizado pelo Brasil para auxiliar o país na crise interna, e teve a participação de
países como Espanha, Portugal, México e Chile.
64
Intransigência de Chávez irrita o Brasil (04 de Fevereiro de 2003). Folha de S. Paulo. Disponível em
http://www.mre.gov.br/portugues/noticiario/nacional/selecao_detalhe3.asp?ID_RESENHA=368
Acesso em 30/10/2007.
68 Capítulo 3. A diplomacia e o governo Lula: diretrizes e questões polêmicas
Armadas Revolucionárias da Colômbia - FARC foi preso pelas forças colombianas
em seu território, o que corresponderia à violação da soberania venezuelana.
Porém, para a Colômbia, governada por Álvaro Uribe, a prisão do guerrilheiro teria
ocorrido dentro do território colombiano. Dessa forma, criou-se um contencioso
entre países sul-americanos, e o Brasil foi o mediador do mesmo: o Presidente
Lula foi ao encontro de Álvaro Uribe, enquanto o Assessor Especial Marco Aurélio
Garcia reuniu-se com Hugo Chávez, para iniciarem o processo de trégua do
conflito bilateral. Mais uma vez a atitude brasileira foi considerada uma tentativa
de exercer um papel de líder regional, o que desagradou alguns países.
Alguns meses após a resolução do incidente entre Venezuela e Colômbia, o
Brasil também se envolveu na crise política vivida pelo Equador (Abril de 2005),
concedendo asilo político ao Presidente Lucio Gutierrez.
Além desses auxílios em problemas de países vizinhos, os quais não
envolviam outro interesse que não a ampliação do papel hegemônico na América
do Sul, o governo brasileiro participou de um incidente específico como
personagem afetado: as relações entre o país e a Bolívia foram desgastadas, a
partir da decisão boliviana de nacionalização das reservas de gás natural e
petróleo, o que afetou o abastecimento do produto no Brasil. Tal situação gerou
intensos debates, inclusive na esfera acadêmica, e as opiniões versavam, em sua
maioria, contra a posição adotada pelo governo Lula.
A Bolívia havia decretado, desde 2003, o desejo de nacionalizar seu gás
natural e petróleo, o que significaria perdas expressivas para o Brasil, que importa
gás boliviano, e principalmente para a Petrobrás, que possuía refinarias naquele
69 Capítulo 3. A diplomacia e o governo Lula: diretrizes e questões polêmicas
país. O governo brasileiro ofereceu apoio à Bolívia, concedendo perdão de mais
de US$ 50 milhões da dívida boliviana
65
, além de prometer investir mais de US$
600 milhões para auxiliar na crise do gás. A Petrobrás também aceitou abdicar,
em Setembro de 2004, de duas refinarias de petróleo localizadas no território
boliviano, compradas em 1988.
Apesar das vantagens oferecidas pelo governo brasileiro à Bolívia, a posse
de Evo Morales à presidência (que ganhou as eleições em 2005) gerou desgaste
nas relações entre os dois países, devido à crise da nacionalização do gás natural.
Segundo Morales, os contratos da Petrobrás na Bolívia não eram equilibrados,
havendo a necessidade de revisá-los. A reação do governo Lula passou a ser
mais enérgica somente a partir da declaração oficial da nacionalização das
reservas de gás natural e petróleo da Bolívia, decretada pelo governante em 01º
de Maio de 2006
66
.
Porém, mesmo com o endurecimento diplomático do Brasil, a Bolívia
manteve sua decisão, e Lula optou por acatá-la, gerando críticas da opinião
pública nacional. Para a chancelaria, a posição adotada em relação às
provocações bolivianas contribuiu para a consolidação da preponderância
brasileira na América do Sul.
65
Brasil na ajuda à Bolívia (25 de Outubro de 2003). O Estado de S. Paulo. Disponível em
http://www.mre.gov.br/portugues/noticiario/nacional/selecao_detalhe3.asp?ID_RESENHA=20385
Acesso em 30/10/2007.
66
Bolívia nacionaliza petróleo e gás; Exército ocupa Petrobrás (02 de Maio de 2006). O Estado de S. Paulo. Disponível em
http://www.mre.gov.br/portugues/noticiario/nacional/selecao_detalhe3.asp?ID_RESENHA=221965
Acesso em 30/10/2007.
70 Capítulo 3. A diplomacia e o governo Lula: diretrizes e questões polêmicas
Dessa forma, apesar de ter sido prejudicado com a decisão de nacionalizar
as reservas de gás natural, o governo brasileiro manteve o bem-estar diplomático
(o que não significa que o governo não tenha sido pressionado para agir de modo
a impedir a ação boliviana). Na realidade, a posição assumida pelo Brasil
correspondeu a um esforço para a consolidação da liderança brasileira no âmbito
regional: para tanto, o país precisou abdicar de certos interesses com o intuito de
preservar a imagem positiva entre os países sul-americanos.
As relações do Brasil com a Argentina, principal parceiro diplomático
regional, também foram motivo de polêmica diplomática para o país. Nestor
Kirchner condenou a pretensão brasileira de exercer liderança sul-americana: o
governo argentino declarou que a preponderância brasileira não seria benéfica
para seus interesses, e por esse motivo não apoiaria Lula. Apesar de manter
relações amistosas com o Brasil de Lula, o governo argentino não apoiou a
investida brasileira de se tornar líder regional, o que propiciou constrangimentos
diplomáticos entre os países
67
.
Além disso, no âmbito comercial as relações bilaterais foram alvos de
discórdia durante o primeiro mandato petista: a Argentina se mostrou insatisfeita
com o déficit no saldo comercial com o Brasil, dando início a uma repressão contra
uma suposta invasão de produtos brasileiros naquele país. Embora os países
tenham, inclusive, viabilizado relações amistosas, com a criação do Consenso de
67
LIMA, Maria Regina Soares de. Na trilha de uma política externa afirmativa. Observatório da Cidadania. Rio de Janeiro,
IBASE, 2003, Relatório n. 7, Panorama brasileiro, p. 99, 2003. Disponível em
http://www.socialwatch.org/en/informeImpreso/pdfs/panorbrasileirog2003_bra.pdf
Acesso em 31/01/2007.
71 Capítulo 3. A diplomacia e o governo Lula: diretrizes e questões polêmicas
Buenos Aires
68
, (lançado em Outubro de 2003 para estabelecer uma agenda
comercial comum e o estreitamento das relações entre os principais
representantes do Mercosul), os impasses nos acordos bilaterais demonstraram
os limites diplomáticos de Argentina e Brasil. As salvaguardas adotadas pela
Argentina sobre produtos brasileiros não foram aceitas pelo governo Lula, e os
impasses afetaram outras esferas da política externa de Lula, como a falta de
apoio da Argentina à pretensão brasileira de ocupar vaga permanente no
Conselho de Segurança da ONU.
O governo argentino também se posicionou contrário aos interesses
brasileiros de ocupar cargos de direção em organismos internacionais, como nos
casos das candidaturas à OMC e BID. Em relação a outras questões, como a
consolidação da ALCA, os países também não conseguiram estabelecer
propostas comuns.
Todavia, apesar de algumas divergências entre os interesses brasileiros e
argentinos, a chancelaria de Lula declarou, durante todo o mandato, suas
preferências em relação à Argentina como aliada diplomática regional (a Argentina
foi o primeiro país a ser visitado por Lula).
O governo Lula optou pela ampliação das relações diplomáticas com os
países vizinhos, no âmbito da América do Sul, com vistas a consolidar a
integração regional e associar-se como líder, por ser o principal país sul-
68
Consenso de Buenos Aires será lançado hoje (16 de Outubro de 2003). O Estado de S. Paulo. Disponível em
http://www.mre.gov.br/portugues/noticiario/nacional/selecao_detalhe3.asp?ID_RESENHA=18600
Acesso em 30/10/2007.
72 Capítulo 3. A diplomacia e o governo Lula: diretrizes e questões polêmicas
americano inserido no sistema internacional. Para isso, o país se viu diante de
situações delicadas, e nem sempre pôde agir de acordo com seus interesses
particulares.
Em Agosto de 2004, o Brasil foi vetado na proposta de inclusão de Cuba no
Grupo do Rio
69
, o que causou constrangimento diplomático, uma vez que, para a
maioria dos membros do grupo, Cuba não é um país democrático. O governo
brasileiro, no entanto, justificou sua proposta como uma oportunidade de
estabelecimento de um diálogo conciliatório na América Latina e Caribe, mas foi
criticado pelos países contrários ao regime cubano.
Outro fator de condenação às atitudes diplomáticas brasileiras no âmbito
regional, com base nos preceitos ideológicos do governante, refere-se à relação
pessoal de Lula com o Presidente venezuelano Hugo Chávez. Além do auxílio do
Brasil na crise da Venezuela em 2002, o governo brasileiro fez diversas visitas
presidenciais ao país. Dessa forma, o personalismo de Lula prejudicou a
diplomacia brasileira, quando o governante abdicou da imagem positiva do país
em função das suas escolhas pessoais.
Lula viajou para a Venezuela em Novembro de 2006, para apoiar o
Presidente venezuelano nas eleições daquele país, depois da reeleição petista, e
foi julgado negativamente por ter utilizado a imagem do Brasil para garantir a
vitória de Chávez nas urnas.
69
Grupo do Rio veta idéia de diálogo com Cuba (21 de Agosto de 2004). O Estado de S. Paulo. Disponível em
http://www.mre.gov.br/portugues/noticiario/nacional/selecao_detalhe3.asp?ID_RESENHA=70770
Acesso em 30/10/2007.
73 Capítulo 3. A diplomacia e o governo Lula: diretrizes e questões polêmicas
No que diz respeito ao interesse brasileiro de revitalizar o Mercosul,
desgastado pelos problemas inerentes aos seus países-membros, além da falta
de legitimidade no cenário internacional, o país apoiou o acesso da Venezuela, e
em Julho de 2006, o país vizinho aderiu ao bloco, suscitando intensos debates.
A Venezuela, assim, formalizou a sua entrada como membro pleno do
Mercosul. O acesso de um país que, abertamente, marcha para o socialismo do
século XXI, gerou incertezas acerca do futuro do bloco, que já vive uma situação
delicada com contendas entre os membros devido às assimetrias e impasses
internos. Um dos principais empecilhos refere-se à cláusula democrática, a qual
estabelece a vigência plena da democracia nos países-membros. Sendo assim, a
manutenção dessa norma pode ser ameaçada pela Venezuela, cujo governo
bolivariano é taxado de antidemocrático.
Em relação ao Brasil, a entrada da Venezuela pode prejudicar um dos
principais objetivos da política externa de Lula: a liderança regional, através do
papel de destaque no Mercosul. Chávez pode valer-se do bloco para promover
concepções esquerdistas na região, e, assim, tornar-se um líder sul-americano, o
que também faz parte dos planos brasileiros. Por esse motivo, o estreito
relacionamento entre o governo brasileiro e Hugo Chávez pode trazer
conseqüências negativas à política externa nacional.
Outra importante investida brasileira no domínio regional correspondeu à
criação, com o apoio de alguns países sul-americanos, da CASA. A primeira
74 Capítulo 3. A diplomacia e o governo Lula: diretrizes e questões polêmicas
reunião do grupo, sediada no Brasil em Setembro de 2005
70
, não obteve respaldo
esperado, e o presidente argentino Nestor Kirchner não compareceu. Hugo
Chávez discursou diversas vezes indicando sua posição contrária à CASA, que
não conta com Cuba como membro, o que é almejado pelo governante
venezuelano. A comunidade, apesar de difundida excessivamente pelo Brasil, não
consolidou resultados práticos, e, até o presente momento não possui legitimidade
internacional, pelos problemas e impasses para implementar os objetivos de
integração regional.
O Mercosul, também inserido nesse propósito, correspondeu a um tema
bastante discutido no âmbito da política externa do primeiro governo Lula. Em
2004 e 2006, o governo brasileiro ocupou a presidência pro tempore do bloco
regional, e indicou diretrizes a serem cumpridas para consolidar, além dos
objetivos econômicos (como o estabelecimento da Tarifa Externa Comum - TEC),
o chamado Mercosul político. Para Lula, o bloco tem condições de, a longo prazo,
se tornar um espaço de unidade política, onde os países-membros fortaleçam
suas decisões, tomadas conjuntamente, no sistema internacional.
Porém o governante brasileiro, ao sugerir o desenvolvimento do Mercosul
nos novos moldes, não considerou o principal problema do bloco, que não possui
legitimidade sequer entre os países-membros. Apesar de não serem diretamente
relacionados, o projeto de criação do Mercosul político não pode ser consolidado
70
Cúpula trata da integração total entre os sul-americanos (29 de Setembro de 2005). Jornal de Brasília. Disponível em
http://www.mre.gov.br/portugues/noticiario/nacional/selecao_detalhe3.asp?ID_RESENHA=168844
Acesso em 30/10/2007.
Para maiores informações sobre o evento, consultar: REUNIÃO DE CHEFES DE ESTADO DA COMUNIDADE SUL-
AMERICANA DE NAÇÕES. 1ª Reunião de Chefes de Estado da Comunidade Sul-Americana de Nações . Brasília:
Fundação Alexandre de Gusmão, 2005.
75 Capítulo 3. A diplomacia e o governo Lula: diretrizes e questões polêmicas
sem que as bases de origem do bloco estejam concretizadas. No entanto, a
proposta do governo Lula de investir na consolidação de um Mercosul político
deveria considerar a relevância do bloco para seus membros, os quais não
demonstram interesse em solucionar dos impasses existentes.
As negociações em torno da criação de acordos interblocos com a União
Européia, considerados pelo governante, inclusive, mais importantes que aqueles
que poderiam ser efetivados com os EUA
71
, corresponderam a uma tentativa de
expandir o espaço do Brasil no cenário global, através da consolidação da
liderança regional almejada pelo governo. O governo brasileiro, ao negociar
diretamente tal relação, exerceu a função de mediador e representante dos países
sul-americanos, numa tentativa de consolidar o papel de líder regional perante as
relações econômicas interblocos.
O Brasil se empenhou na conquista de credibilidade entre os países sul-
americanos, o que em alguns episódios significou abrir mão de outros interesses
nacionais, como o desenvolvimento econômico nacional com base no mercado
regional. Assim, as críticas dirigidas ao governo petista, apesar de coerentes, não
consideraram que o contexto da liderança sul-americana, ambicionada desde o
início do mandato de Lula, exigia esforços que nem sempre seriam benéficos ao
Brasil, num primeiro momento.
71
O Brasil sugeriu, durante as negociações em torno da consolidação da ALCA, a realização de acordos com o
MERCOSUL (o chamado acordo 4 + 1 - MERCOSUL-EUA), envolvendo, dessa forma, todos os países-membros do bloco
regional. Entretanto, o governo norte-americano não aceitou a proposta brasileira. As negociações terminaram em impasse.
76 Capítulo 3. A diplomacia e o governo Lula: diretrizes e questões polêmicas
3.1.2 Atuação nas instâncias multilaterais
Uma outra esfera de atuação da diplomacia brasileira foi alvo de polêmicas,
durante o primeiro governo Lula: a intensa busca de cargos de direção em
organismos internacionais.
Como já fora explicitado, o objetivo principal da política externa do governo
Lula correspondeu à ampliação do papel do Brasil no cenário internacional. Para
tanto, o governo investiu em alternativas em todas as áreas de atuação
diplomática, visando à abertura de novas frentes onde o país pudesse se
destacar. Entre essas diretrizes estava o aumento da participação brasileira nos
foros mundiais, inseridos nas organizações multilaterais como a ONU e suas
subdivisões.
O governo Lula, portanto, optou pela busca de cargos nesses organismos, os
quais, desse modo, contariam com a presença de um representante brasileiro em
posição de destaque.
Durante o primeiro mandato, o governante apostou em candidatos para os
seguintes organismos: Organização Internacional do Trabalho - OIT; OMC; União
Internacional de Telecomunicações - UIT e BID, além do esforço para a
candidatura do país a uma vaga permanente no Conselho de Segurança das
Nações Unidas.
No que diz respeito à candidatura brasileira na OIT, em 2003 o ex-Ministro do
Trabalho Ricardo Berzoini foi indicado pelo governo para ocupar a vaga de
77 Capítulo 3. A diplomacia e o governo Lula: diretrizes e questões polêmicas
presidência da Assembléia Mundial do órgão, mas também não obteve sucesso, e
foi derrotado por um candidato da República Dominicana.
Em relação à vaga pleiteada na OMC, o país lançou a candidatura de Luiz
Felipe de Seixas Correa para a Direção-Geral, em 2004. Contudo, os atritos
gerados com o Uruguai, que já havia indicado um candidato, Carlos Pérez del
Castillo, e esperava apoio dos países sul-americanos, fez o Brasil retirar a
candidatura própria.
Já a candidatura de João Sayad à presidência do BID, em Junho de 2005,
gerou impasses com a Argentina: o Brasil havia sugerido o lançamento de um
nome representando os dois países, o que o fortaleceria, uma vez que o apoio
seria mais amplo. Porém, o governo argentino não aprovou a proposta brasileira, e
indicou seu próprio candidato, Aldo Ferrer.
Para a UIT, o governo lançou Roberto Blois, em Novembro de 2006, para
ocupar o posto de Secretário-Geral do organismo, mas não conquistou o cargo.
A investida do governo Lula na revitalização do Conselho de Segurança da
ONU e a conseqüente conquista de um assento permanente correspondeu a uma
das mais polêmicas atuação diplomática no primeiro mandato. O Brasil, desde a
criação do organismo, em 1945, pleiteia uma vaga permanente no seu Conselho
de Segurança.
Porém, durante o governo petista, tal diretriz tradicional foi revestida de maior
pragmatismo para sua consolidação, uma vez que o cargo possibilitaria um novo
papel ao Brasil, no sistema internacional.
78 Capítulo 3. A diplomacia e o governo Lula: diretrizes e questões polêmicas
Contudo, o país não conquistou nenhuma vaga pela qual se candidatou e, no
caso da ONU, as apostas pela reforma do Conselho de Segurança e um possível
assento permanente para o país não renderam os resultados esperados.
Inclusive, a atuação do governo brasileiro nos organismos multilaterais foi a
mais criticada, devido aos resultados negativos e à exposição do país no sistema
global, causada pela incessante busca por cargos de direção nas organizações
internacionais supracitadas e as contendas geradas pelas disputas de candidatos
regionalmente.
A criação do G-4, grupo formado por Brasil, Índia, Alemanha e Japão
72
, para
discutir as reformas do Conselho e a democratização das Nações Unidas,
correspondeu a uma iniciativa do governo Lula para efetivar a participação do país
nesse processo, mas também não obteve respaldo internacional.
Ainda no contexto da busca de apoio constante para a investida na ONU, o
Brasil optou, além da associação com diversos países, pelas ações dentro das
instâncias da organização. Para isso, insistiu na presença brasileira para o auxílio
na solução da crise do Haiti
73
, conquistando a missão de chefiar as Forças de Paz
no país em conflito. A Missão das Nações Unidas para a estabilização no Haiti -
MINUSTAH foi instaurada em 2004, após a deposição do presidente Jean-
Bertrand Aristide, pela ONU, para controlar as insurreições internas e proteger a
72
Encontro cria o G4, por reforma no Conselho de Segurança (22 de Setembro de 2004). O Estado de S. Paulo. Disponível
em http://www.mre.gov.br/portugues/noticiario/nacional/selecao_detalhe3.asp?ID_RESENHA=78032
Acesso em 30/10/2007.
73
Conselho da ONU aprova força de paz para o Haiti (01 de Maio de 2004). Correio Braziliense. Disponível em
http://www.mre.gov.br/portugues/noticiario/nacional/selecao_detalhe3.asp?ID_RESENHA=46340
Acesso em 30/10/2007.
79 Capítulo 3. A diplomacia e o governo Lula: diretrizes e questões polêmicas
população haitiana. O Brasil enviou tropas do exército, apesar das limitações
financeiras do país, como forma de se envolver nas responsabilidades das Nações
Unidas, uma vez que sofre pressão por possuir uma dívida de aproximadamente
US$100 milhões
74
com o organismo, (o que prejudica a imagem brasileira). Nesse
episódio, o fundamental seria demonstrar capacidade de participação.
Ao discursar nas Assembléias Gerais da ONU, Lula fez questão de debater a
necessidade de democratização do organismo, indicando a importância da
participação dos países em desenvolvimento no sistema internacional como um
todo. Nessas ocasiões, endossou as pretensões de ampliar o papel brasileiro no
cenário internacional, uma das principais diretrizes da política exterior petista.
Dessa forma, o governo enfatizou uma política externa voltada para a conquista
de maior espaço internacional por um país médio e estratégico, seja na posição de
destaque na América do Sul ou mesmo na crescente participação na economia
mundial:
O Brasil está pronto a dar a sua contribuição. Não para defender uma concepção
exclusivista da segurança internacional. Mas para refletir as percepções e os anseios de
um continente que hoje se distingue pela convivência harmoniosa e constitui um fator de
estabilidade mundial. O apoio que temos recebido, na América do Sul e fora dela, nos
74
Vaga no CS da ONU trará custo extra ao Brasil (13 de Julho de 2003). Folha de S. Paulo. Disponível em
http://www.mre.gov.br/portugues/noticiario/nacional/selecao_detalhe3.asp?ID_RESENHA=1938
Acesso em 30/10/2007.
80 Capítulo 3. A diplomacia e o governo Lula: diretrizes e questões polêmicas
estimula a persistir na defesa de um Conselho de Segurança adequado à realidade
contemporânea.
75
No âmbito da OMC, organismo internacional cuja direção o Brasil buscou
conquistar, o governo atuou de maneira incisiva no sentido de ampliar suas
vantagens comerciais no mercado global.
Logo no início do mandato, em 2003, o país se envolveu ativamente nas
disputas comerciais travadas na Rodada Doha
76
de Cancun, destacando-se nas
negociações relacionadas aos subsídios agrícolas aplicados pelos países para
proteger o mercado nacional, em detrimento das exportações dos outros.
Nesse sentido, o Brasil liderou a criação do G-20
77
, grupo de países em
desenvolvimento que almejou, dentro dos foros da OMC, maior equilíbrio no
comércio exterior e melhores condições para suas exportações. Nesse sentido, o
G-20 protestou contra os subsídios agrícolas e os mecanismos de salvaguarda
impostos principalmente pelas grandes potências, que desequilibram a balança
comercial mundial.
75
LULA DA SILVA, Luiz Inácio. Discurso de abertura do presidente Lula. In: 58ª ASSEMBLÉIA GERAL DA ONU. New
York: 23/09/2003.
Disponível em
http://www.mre.gov.br/portugues/politica_externa/discursos/discurso_detalhe3.asp?ID_DISCURSO
=2153
Acesso em 25/03/2007.
76
A Rodada Doha teve início em 2001, ainda sob o governo FHC. A Rodada da OMC começou em Doha, no Qatar, mas as
negociações subseqüentes já foram realizadas em diferentes países, como México, Suíça, França, China e Alemanha.
77
Brasil quer unir emergentes (05 de Setembro de 2003). Correio Braziliense. Disponível em
http://www.mre.gov.br/portugues/noticiario/nacional/selecao_detalhe3.asp?ID_RESENHA=11583
Acesso em 30/10/2007.
81 Capítulo 3. A diplomacia e o governo Lula: diretrizes e questões polêmicas
A atuação brasileira no âmbito da Rodada Doha foi elogiada, inclusive por
representantes da União Européia e EUA. As expressivas vitórias do país,
destacando os pareceres favoráveis nas disputas com União Européia (contra os
subsídios aplicados ao açúcar) e com os EUA (contra os subsídios aplicados ao
algodão) demonstraram a capacidade do país em criar condições igualitárias de
competição nas reuniões do organismo, ainda que as negociações da Rodada
Doha tenham fracassado (a lentidão dos acordos e negociações travadas entre os
países em disputa nos foros da rodada foram relacionados, entre outros fatores,
aos inúmeros embates exigidos pelo Brasil). Para os representantes brasileiros, no
entanto, as propostas indicadas pelas grandes potências que não favoreciam as
economias em desenvolvimento, e por isso não foram acatadas, deixaram claro
que os países em desenvolvimento, unidos em torno do G-20 (liderado pelo
governo brasileiro) conseguiram fazer valer parte de seus interesses.
Ainda que não tenha conquistado os cargos de direção nas organizações
internacionais, a chancelaria brasileira se destacou em algumas investidas, apesar
da falta de apoio de alguns parceiros e rusgas diplomáticas causadas por disputas
regionais por representantes nas eleições à presidência das organizações
internacionais.
3.1.3 Bilateralismo e desenvolvimento econômico
A diplomacia brasileira durante o primeiro governo Lula investiu, além das
esferas já explicitadas, na economia como fator de desenvolvimento no sistema
82 Capítulo 3. A diplomacia e o governo Lula: diretrizes e questões polêmicas
internacional. O comércio exterior serviu de base para a conquista de novos
mercados e a consolidação de relações de cooperação tecnológica, ou mesmo de
apoio aos objetivos brasileiros (como a criação do G-4).
Para tanto, o governo indicou como metas para a política exterior a criação
de uma nova geografia comercial, que seria estabelecida como alternativa de
inserção dos países em desenvolvimento no mercado global. Como fora apontado,
essa idéia esteve relacionada à outra investida nacional para a área econômica: a
Cooperação Sul-Sul, que integra os países situados no hemisfério sul.
Uma questão polêmica foi introduzida quando o governo brasileiro insistiu no
estreitamento dos vínculos comerciais com a China, país inserido na proposta da
nova geografia comercial. A China, importante país para a economia mundial, foi
reconhecida politicamente pelo Brasil como economia de mercado, o que foi
considerada uma atitude precipitada do país, que buscava apoio para conquistar
maior espaço no âmbito das Nações Unidas, além de aprimorar as relações
comerciais com aquele país. Após visitas diplomáticas e o estabelecimento de
acordos econômicos, o Brasil até mesmo optou por reconhecer a China como
membro da OMC
78
.
Todavia, o país oriental não respeitou os interesses brasileiros, e, em
meados de 2005, declarou, juntamente com os EUA, que não era favorável à
concretização de reformas para ampliar os membros permanentes do Conselho de
78
Brasil reconhece China na OMC afinal (24 de Setembro de 2005). O Globo. Disponível em
http://www.mre.gov.br/portugues/noticiario/nacional/selecao_detalhe3.asp?ID_RESENHA=167384
Acesso em 30/10/2007.
83 Capítulo 3. A diplomacia e o governo Lula: diretrizes e questões polêmicas
Segurança da ONU
79
. Tal medida irritou o governo brasileiro, que havia pregado
desde o início a democratização do organismo. Em seguida, o Brasil passou a
adotar medidas de salvaguardas contra produtos chineses e o chanceler Celso
Amorim declarou publicamente a decepção do governo em relação às atitudes
chinesas. A China, por sua vez, justificou sua decisão como uma represália à
tentativa do Japão de conquistar, assim como o Brasil, vaga permanente no
Conselho de Segurança das Nações Unidas, mas o incidente registrou que a
opção por relações diplomáticas com países não-tradicionais ao Itamaraty coloca
em planos secundários países familiarizados com a diplomacia brasileira e muitas
vezes mais importantes em termos econômico-estratégicos.
Durante o primeiro mandato de Lula, as relações do Brasil com os países
Árabes também foram inseridas no contexto da alteração do eixo econômico, na
área de comércio exterior. Entre os dias 10 e 11 de Maio de 2005 o país sediou
em Brasília a Cúpula América do Sul-Países Árabes, que correspondeu ao
primeiro evento internacional desse porte, reunindo representantes de países
médios e fundamentais ao desenvolvimento econômico mundial. O objetivo central
do evento foi ampliar as relações bilaterais dos países sul-americanos com o
Oriente, e, apesar dos parcos resultados práticos, a reunião contribuiu para a
promoção dos objetivos do governo brasileiro de criação de novas redes
comerciais, em escala global
80
.
79
Brasil mais longe do Conselho de Segurança (05 de Agosto de 2005). O Globo. Disponível em
http://www.mre.gov.br/portugues/noticiario/nacional/selecao_detalhe3.asp?ID_RESENHA=154606
Acesso em 30/10/2007.
80
Para maiores informações, consultar http://www2.mre.gov.br/aspa/ Acesso em 12/11/2007.
84 Capítulo 3. A diplomacia e o governo Lula: diretrizes e questões polêmicas
Outro ponto de reflexão relacionado à nova geografia comercial do primeiro
governo Lula diz respeito à consolidação, através do esforço brasileiro, do G-3,
também conhecido como Diálogo Índia, Brasil e África do Sul - IBAS. Tal proposta
fez parte da chamada Cooperação Sul-Sul, e teve como objetivo, além do
estreitamento dos laços diplomáticos entre esses países, o desenvolvimento de
parcerias com países interessados na reforma da ONU, para angariar aliados ao
desejo brasileiro de um assento permanente no Conselho de Segurança da
instituição. Esses países se mostraram estratégicos para a pretensão de Lula e as
relações diplomáticas entre eles, inclusive, consistia em um dos objetivos da
política exterior petista.
Entretanto, apesar de interessante, o IBAS não surtiu os efeitos desejados,
de pressionar pela reforma do Conselho de Segurança da ONU, uma vez que os
países-membros, apesar de importantes, não possuem poder suficiente para
influenciar o contexto global. Logo, a iniciativa do governo brasileiro recebeu
críticas, mas nem sempre se pode julgar determinada proposta diplomática pelos
seus resultados práticos: o IBAS ainda está se consolidando, e no segundo
mandato de Lula pode ampliar e estreitar ainda mais os laços entre seus países-
membros, contribuindo para o desenvolvimento de novas perspectivas à política
externa brasileira.
Em relação aos EUA, a questão expressiva presente no primeiro mandato de
Lula esteve relacionada à consolidação da ALCA, uma vez que o governo norte-
americano passou a pressionar o país para a concretização da área de livre
85 Capítulo 3. A diplomacia e o governo Lula: diretrizes e questões polêmicas
comércio. Porém, o governante petista, ainda nas propostas para as eleições de
2002, indicava a seguinte reflexão:
Quanto à ALCA, tendo em conta a avaliação já efetivada, não se trata de uma
questão de prazos ou de eventuais vantagens nesse ou naquele setor. Tal como está
proposta, a ALCA é um projeto de anexação política e econômica da América Latina aos
EUA, cujo alvo principal, pela potencialidade de seus recursos e do seu mercado interno, é
o Brasil. O que está em jogo, então, são os interesses estratégicos nacionais, é a
preservação de nossa capacidade e autonomia para construir nosso próprio futuro como
nação. Em outras palavras, rechaçar essa proposta, tal como está sendo apresentada, é
um requisito essencial para viabilizar o objetivo de redução de nossa dependência e
vulnerabilidade externas.
81
Desde o início das discussões sobre a implantação da ALCA, na década de
1990, Lula, ainda como candidato à presidência brasileira, havia se posicionado
contra o seu estabelecimento nos moldes propostos pelos EUA. A criação de uma
área de livre comércio com o principal parceiro brasileiro no mercado internacional
não traria benefícios econômicos, de acordo com a proposta norte-americana,
salvo em algumas áreas industriais. Assim, o governo brasileiro optou por colocar
como prioridade, no debate sobre a ALCA, a necessidade de propor acordos mais
equilibrados, os quais defendessem o mercado nacional e possibilitassem o
81
PARTIDO DOS TRABALHADORES. Diretrizes do programa de governo do PT para o Brasil. In: DOCUMENTO
APROVADO NO 12° ENCONTRO NACIONAL DO PT. [S.I]: 16 de Dezembro de 2001.
Disponível em: http://www.ptgte.org.br/pt25anos
Acesso em 09/03/2007.
86 Capítulo 3. A diplomacia e o governo Lula: diretrizes e questões polêmicas
crescimento das exportações brasileiras, inserindo o país no comércio global de
maneira segura e independente da economia norte-americana. Durante o primeiro
mandato, Lula defendeu alternativas benéficas para o Brasil, como o acordo 4 + 1,
isso é, entre os EUA e o Mercosul, de forma a garantir maiores possibilidades para
os países latino-americanos, os quais teriam seus interesses comuns
representados pelo bloco regional.
Contudo, no decorrer do período, as discussões sobre tal tema tornaram-se
infrutíferas, apesar do grande interesse norte-americano em consolidar a ALCA. A
não-aceitação por parte do Brasil das condições propostas pelos EUA e o
insucesso nas tentativas de estabelecer acordos alternativos suscitaram o
impasse das negociações. A implicação dessa medida correspondeu ao fim do
primeiro mandato sem uma definição sobre a questão. Ainda que o mercado
norte-americano seja essencial à economia brasileira, a consolidação da ALCA,
aos olhos do governo Lula, não era uma prioridade, o que ditou as relações com a
potência. Por outro lado, os EUA apoiaram as investidas brasileiras de se tornar
líder regional: de acordo com o secretário de Estado adjunto para a América
Latina, Roger Noriega, em pronunciamento após a visita diplomática ao Brasil, em
Abril de 2005, “aplaudimos o novo papel do Brasil como líder regional e mundial e
vemos o País como um parceiro valioso nos esforços de promover a segurança, a
estabilidade e a prosperidade neste hemisfério e além”
82
.
82
Aplaudimos papel do Brasil como líder regional (04 de Maio de 2005). O Estado de S. Paulo. Diposnível em
http://www.mre.gov.br/portugues/noticiario/nacional/selecao_detalhe3.asp?ID_RESENHA=130544
Acesso em 30/10/2007.
87 Capítulo 3. A diplomacia e o governo Lula: diretrizes e questões polêmicas
Certamente o interesse do governo norte-americano em apoiar o Brasil na
aspiração de se tornar líder regional fez parte das investidas dos EUA contra o
avanço dos governos de esquerda na América do Sul, em especial em relação à
Venezuela de Hugo Chávez. No entanto, apesar de ter sido pressionado para
mediar crises norte-americanas com Venezuela e Cuba, o Brasil não cedeu, e não
prejudicou os laços diplomáticos com nenhum país, nesse sentido.
As relações brasileiras com os países da União Européia, durante o primeiro
governo Lula, foram pautadas em negociações interblocos, visando acordos entre
o Mercosul e o bloco europeu. Nesse sentido, Lula chegou a declarar que as
relações diplomáticas brasileiras com a União Européia eram mais importantes
que aquelas firmadas com os EUA.
Porém, embora o país tenha insistido nas negociações entre os blocos
econômicos, foi no âmbito da OMC que se concretizaram os acordos, mesmo que
através de disputas: o G-20, grupo liderado pelo Brasil, lutou durante toda a
Rodada Doha por condições melhores aos países emergentes, no comércio
internacional. Alguns contenciosos fizeram parte dessa disputa, como a questão
do açúcar (quando o Brasil saiu vitorioso), mas o bloco europeu pressionou as
negociações no organismo multilateral, não acatando os pedidos brasileiros. Por
conseguinte, a Rodada Doha acabou sem resultados concretos, uma vez que os
países não conseguiram chegar a um acordo. Apesar de ter sido elogiado pelos
representantes europeus, por conquistar expressivo desempenho na OMC, o
governo brasileiro também foi responsável pelo fracasso da Rodada, já que não
cedeu às pressões internacionais e insistiu na conquista de seus interesses.
88 Capítulo 3. A diplomacia e o governo Lula: diretrizes e questões polêmicas
Finalizando, constata-se que as três grandes áreas as quais o primeiro
governo Lula se concentrou, na esfera internacional, foram alvos de polêmica,
ainda que os resultados tenham sido aquém dos objetivos. O governo brasileiro,
ao investir na ampliação do espaço do país no sistema internacional, atuou em
cada setor com vistas a conquistar tal interesse maior.
Em relação ao domínio regional e sub-regional (representado pelo Mercosul),
o Brasil almejou a posição de líder e, para tanto, se viu em situações delicadas,
onde a consolidação de determinados interesses nacionais foram deixados de
lado, para conquistar apoio político e a hegemonia regional. Embora alguns países
vizinhos ainda não reconheçam a supremacia brasileira, a atuação do primeiro
governo Lula propiciou novas oportunidades ao Brasil, além de ter ampliado o
papel do país regionalmente. No âmbito do Mercosul, o governo deixou claro a
pretensão de revitalizar o bloco, nas duas ocasiões em que ocupou a presidência
pro tempore do mesmo: o Mercosul político foi anunciado, como uma alternativa à
integração sul-americana.
No que se refere às aspirações do governante à conquista de cargos em
organismos multilaterais, ou mesmo um assento permanente no Conselho de
Segurança da ONU, mais uma vez com a intenção final de galgar posições no
cenário internacional, o país não conseguiu resultados expressivos, sendo
derrotado em todas as disputas a cargos de direção que participou. No entanto,
com a atuação intensa do governo brasileiro, essas investidas foram importantes
para que os interesses do país fossem expostos globalmente. Seja nos discursos
nas Assembléias-Gerais das Nações Unidas, ou mesmo no envio de tropas ao
89 Capítulo 3. A diplomacia e o governo Lula: diretrizes e questões polêmicas
Haiti, o governo Lula tentou divulgar a capacidade e os interesses do Brasil,
contribuindo para o avanço do país no sistema internacional.
E, por último, cabe indicar que o desempenho do primeiro mandato de Lula
nas relações bilaterais do país, bem como no comércio exterior, almejou a
conquista de novos parceiros econômicos, bem como a busca de novas
oportunidades, para, consequentemente, angariar um papel mais relevante do
país no mercado global. Investiu-se, para isso, em projetos como a nova geografia
comercial, e em eventos como a Cúpula América do Sul-Países Árabes para
ampliar os laços diplomáticos com o Oriente. A ALCA não foi efetivada, e o
primeiro governo foi encerrado com impasses nesse sentido, assim como ocorreu
com as negociações na Rodada Doha. Porém, tais resultados não foram
infrutíferos para o Brasil: ao contrário, demonstraram a altivez do governo nas
situações em que seus interesses não seriam efetivados. Apesar de não ter
conquistado novos mercados como almejava, o governo Lula abriu novas
perspectivas de comércio exterior, principalmente com países emergentes.
No próximo capítulo, os resultados da política externa do primeiro governo
Lula serão retomados, para que sejam analisados de acordo com as
possibilidades e os limites que o Brasil possui no sistema internacional.
90 Capítulo 3. A diplomacia e o governo Lula: diretrizes e questões polêmicas
91
Capítulo 4
A realidade do sistema internacional e as
possibilidades do Brasil: os resultados da política
externa de Lula
Os propósitos do governo Lula para a área diplomática foram sistematizados
de acordo com três fatores: a ideologia petista, as diretrizes tradicionais à política
externa brasileira e o contexto internacional vigente. Desse modo, a junção dos
objetivos diplomáticos partidários àqueles já conhecidos na política externa do
país e a conjuntura global possibilitou o estabelecimento de metas diplomáticas
plausíveis de serem concretizadas.
92 Capítulo 4. A realidade do sistema internacional e as possibilidades do Brasil: os resultados da política externa de Lula
Determinados interesses nacionais durante o governo Lula representaram a
tônica do partido representado e, por esse motivo, muitas vezes foram alvo de
críticas. Entretanto, os objetivos tradicionais da política externa brasileira tiveram
espaço nas ações diplomáticas de Lula: à busca de inserção no sistema
internacional foram inseridos determinados propósitos no sentido de manter as
pretensões habituais do país, de modo a conciliá-los ao novo contexto global.
Assim, não se pode afirmar que os objetivos do governante petista para a
política exterior foram determinados de acordo apenas com os ideais do seu
partido. Considerou-se, além disso, aquelas diretrizes tradicionais do país: a busca
por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU; a participação
ativa do Brasil no Mercosul; a integração regional; a Cooperação Sul-Sul e
princípios como a não-intervenção em outros países sem o consentimento prévio
dos mesmos.
Na realidade, a grande alteração na política externa de Lula esteve no tom
enérgico dado às ações na esfera internacional e não propriamente aos objetivos
para esse campo, que se mantiveram, em sua maioria, de acordo com a tradição
brasileira. As modificações se deram apenas em função da conjuntura externa
vigente, além do aumento significativo da atuação diplomática brasileira,
característica do PT para a esfera internacional (política externa ativa).
No entanto, percebe-se que algumas dessas diretrizes não foram
alcançadas, apesar de terem feito parte de um projeto político embasado nos
93 Capítulo 4. A realidade do sistema internacional e as possibilidades do Brasil: os resultados da política externa de Lula
princípios supracitados (ideologia partidária, tradição diplomática brasileira e
conjuntura externa).
Determinadas questões, como o interesse brasileiro em ocupar cargos de
direção em organismos internacionais, a tentativa de consolidar relações bilaterais
com países médios ou a polêmica busca pela liderança regional estiveram
profundamente interligadas. Essa interdependência de fatores, por um lado, foi
positiva, no sentido de ampliar as possibilidades de sucesso na política externa
nacional, já que a concretização de um propósito conduz a outros êxitos. Porém,
por outro lado, o fracasso em certo intuito poderia dificultar a concretização de
outras metas, o que prejudicaria toda a estabilidade diplomática do governo.
Tal constatação explica, em parte, os limites da efetivação das diretrizes
brasileiras para o âmbito internacional durante o primeiro mandato de Lula, uma
vez que seus principais desígnios não-consolidados estiveram interligados. Outro
elemento que dificultou a plena realização dos propósitos da política externa
petista esteve relacionado a uma problemática mais complexa: a realidade do
sistema internacional.
Para a compreensão plena dos resultados obtidos na área internacional
durante o primeiro governo Lula, faz-se necessário um balanço dos reais objetivos
do governante, as possibilidades de sucesso que o país possuía e os resultados
efetivos da diplomacia nacional. Através da análise da política externa sob a ótica
do sistema internacional e a conjuntura em vigor, consegue-se apreender os
94 Capítulo 4. A realidade do sistema internacional e as possibilidades do Brasil: os resultados da política externa de Lula
motivos pelo quais alguns objetivos não foram concretizados, ao menos no
primeiro mandato de Lula.
O cenário internacional em vigor desde a década de 1990 é caracterizado, de
acordo com as premissas realistas destacadas anteriormente, pela concentração
de poder pelas grandes potências. Dessa forma, a possibilidade de administrar o
status quo do sistema internacional independe da pretensão dos países: ela é
determinada pelas relações de poder existentes.
Durante o primeiro governo Lula, o sistema global esteve controlado pelos
grandes países detentores de poder, os quais não estiveram interessados em
modificar a conjuntura vigente, ou, ao menos, não a alteraram. Sendo assim, o
Brasil não conseguiu realizar todas as metas propostas pelo governante (aquelas
que dependiam da transformação do status quo internacional), já que o país não
possui poder suficiente para alcançá-las. Para CRUZ e STUART (2004)
83
, assim
como MAIOR (2004)
84
, o governo Lula contou com propostas interessantes, no
que diz respeito às aspirações para essa área. Apesar de ambiciosos (MAIOR), os
objetivos diplomáticos de Lula eram coerentes e válidos
85
. Porém, a realidade do
sistema internacional não foi favorável à efetivação de todas, por questões
83
CRUZ, Sebastião C. Velasco e STUART, Ana Maria. Mudando de rumo: a política externa do governo Lula. São Paulo:
[s.n], 2004.
84
MAIOR, Luiz A. P. Souto. Dois anos de “presença soberana”: uma reflexão sobre a política externa do governo Lula.
Cena Internacional, ano 2, n. 6, p. 54, 2004.
85
MAIOR, Luiz A. P. Souto. Dois anos de “presença soberana”: uma reflexão sobre a política externa do governo Lula.
Cena Internacional, ano 2, n. 6, p. 56, 2004.
95 Capítulo 4. A realidade do sistema internacional e as possibilidades do Brasil: os resultados da política externa de Lula
conjunturais, o que prejudicou os resultados da política externa brasileira do
mandato.
Contudo, apesar das limitações brasileiras no sistema internacional,
característico de um país não detentor de poder suficiente para atingir seus
objetivos independentemente dos interesses alheios, o contexto internacional
esteve favorável a um dos principais propósitos da política externa do governo
Lula: ampliar o papel do Brasil no cenário mundial.
Com as transformações da ordem mundial, no final do século XX, os países
se depararam com o surgimento da globalização econômica, processo que
resultou do desenvolvimento do comércio mundial e tornou as economias
nacionais interdependentes. Assim sendo, as Relações Internacionais se
ajustaram às necessidades do novo contexto global e aqueles países que até
então não estavam inseridos no sistema por limitações (sejam elas de ordem
econômica ou crédito internacional) foram associados a ele. Os atores
marginalizados eram fundamentalmente os países emergentes, entre eles o Brasil.
Logo, a oportunidade de se tornar membro atuante da arena internacional foi
priorizada pelo país, para tentar galgar melhor posição no cenário internacional.
Durante o governo Lula, tal interesse foi intensificado, dadas as
possibilidades que a ampliação do espaço brasileiro no mundo proporcionaria ao
país (e à concretização dos outros objetivos diplomáticos do governo). No entanto,
embora tenha conquistado o privilégio de possuir maior espaço no cenário
internacional, o país não adquiriu poder para modificar o sistema de forças,
96 Capítulo 4. A realidade do sistema internacional e as possibilidades do Brasil: os resultados da política externa de Lula
permanecendo subordinado às condições impostas pelas preferências das
grandes potências. Assim, embora o governo brasileiro tenha conquistado, de fato,
melhores possibilidades ao país, o papel angariado pelo Brasil no sistema
internacional não proporcionou a capacidade de determinar as relações existentes
de acordo com seus interesses particulares.
Infere-se, nesse sentido, que a conjuntura internacional pode tanto auxiliar
quanto prejudicar os países, no que se refere aos interesses nacionais. No caso
do Brasil, o contexto permitiu uma maior inserção do país no sistema global, mas
não possibilitou ao governo brasileiro a capacidade de alterar o seu status quo, o
que dependeria também das pretensões dos grandes países. Tal relação
representa os limites da realidade internacional impostos ao Brasil, que mesmo
tendo conseguido uma melhor posição no sistema, não adquiriu aptidão para
transformá-lo, como almejava o governo brasileiro.
Ainda que tenha optado pela manutenção das metas diplomáticas
tradicionais, o governo inovou, ao adotar uma postura mais emblemática nos
discursos e ações diplomáticos, o que foi extremamente válido para a política
externa do país. O principal objetivo da diplomacia do primeiro governo Lula, como
já fora explicitado, foi alcançar maior poder no sistema internacional (e faculdade
para alterá-lo, de modo a permitir sua inserção plena). Para tanto, as metas para
essa área garantiriam como finalidade a ampliação do papel brasileiro nas várias
frentes de atuação internacionais, nas organizações internacionais, comércio
exterior e processos de integração regional. Apesar de não ter alcançado todos os
97 Capítulo 4. A realidade do sistema internacional e as possibilidades do Brasil: os resultados da política externa de Lula
propósitos, a política externa do primeiro governo Lula desenvolveu novas
perspectivas ao Brasil no âmbito internacional, ao incitar um novo estilo
diplomático, altivo e audacioso.
4.1 Resultados efetivos da política exterior de Lula
Durante o primeiro mandato de Lula, os três pontos determinantes de sua
política externa, já destacados anteriormente, contribuíram para a criação de
propostas para a esfera internacional, as quais foram almejadas de maneira
incisiva pelo governo. No entanto, devido a uma série de fatores, como a
conjuntura global vigente e o caráter ideológico (tom agressivo) dos objetivos
diplomáticos do governo Lula, os desígnios brasileiros não puderam ser efetivados
(ao menos a curto prazo, no intervalo de quatro anos).
A busca pela vaga permanente no Conselho de Segurança das Nações
Unidas, por exemplo, não dependia exclusivamente do esforço brasileiro, sendo
fundamental o apoio das grandes potências, influentes e capazes de alterar o
status quo global, o que, no caso, não existiu durante o primeiro governo Lula.
Apesar dos avanços do país nesse sentido, com a criação do G-4, a
participação na solução da crise haitiana, ao chefiar as Forças de Paz no país
(MINUSTAH), e a incessante campanha pela revitalização da ONU, o país não
conseguiu mobilizar as potências detentoras de poder: os EUA, juntamente com a
China, declararam, em Agosto de 2005, a posição contrária às reformas no
98 Capítulo 4. A realidade do sistema internacional e as possibilidades do Brasil: os resultados da política externa de Lula
organismo, o que tornou o objetivo brasileiro ainda mais distante de ser
concretizado.
A Cooperação Sul-Sul, baseada no vínculo diplomático e acordos em
variadas áreas, como educação e tecnologia, foi representada na política exterior
do primeiro governo Lula através da criação do IBAS, um fórum de Diálogo entre
Índia, Brasil e África do Sul. O IBAS foi importante para o país em vários aspectos,
como no apoio à candidatura do Brasil a uma vaga permanente no Conselho de
Segurança das Nações Unidas e nas disputas comerciais travadas na OMC.
Embora a cooperação internacional, de fato, não tenha resultado no sucesso
esperado, o grupo de países em desenvolvimento correspondeu a um passo
importante na diversificação diplomática (e esteve envolvido na consolidação da
nova geografia comercial).
Em relação à integração regional e a participação dinâmica do Brasil no
Mercosul, diretrizes prioritárias da política externa brasileira, o país alcançou
resultados expoentes durante o mandato petista. Tais desígnios também foram
considerados preeminentes na diplomacia de Lula e a tentativa de exercer a
idealizada liderança sul-americana contribuiu para os avanços regionais. O
governo brasileiro investiu no estreitamento das relações político-econômicas com
os países vizinhos, além de ocupar por duas vezes a presidência pro tempore do
Mercosul, indicando as metas e prioridades para o bloco regional de acordo com
seus interesses. A aproximação do Mercosul com a União Européia foi incentivada
pelo Brasil, na busca pelo estabelecimento de acordos comerciais interblocos e
99 Capítulo 4. A realidade do sistema internacional e as possibilidades do Brasil: os resultados da política externa de Lula
melhores resultados para a região nas disputas ocorridas na Rodada Doha, no
âmbito da OMC.
A união de interesses comuns dos países sul-americanos também foi
utilizada nas negociações entre o governo Lula e os EUA, para a efetivação da
ALCA. O Brasil propôs a criação de uma área de livre comércio entre os EUA e o
Mercosul, para possibilitar melhores condições aos países-membros do bloco. Tal
alternativa, contudo, não foi aceita pelo governo norte-americano, mas a iniciativa
brasileira de representar os países vizinhos demonstrou o interesse de conquistar
a liderança sul-americana. Nesse sentido, o país comprovou a capacidade de
representação da região em outros momentos diplomáticos, como na defesa por
melhores possibilidades comerciais ao criar o G-20 ou mesmo nos discursos nas
Assembléias Gerais da ONU, quando indicou a necessidade de assegurar
melhores condições aos países em desenvolvimento no sistema internacional. O
objetivo de se tornar líder sul-americano não foi efetivado, mas as atitudes do país
nas esferas de atuação foram fundamentais para atingir outro propósito: a
ampliação do espaço do Brasil no mundo.
Alguns objetivos da política externa do governo Lula foram alvos de debates
e discussões, os quais foram elucidados no capítulo anterior. Porém, houve outros
propósitos, os quais não se tornaram alvo de polêmicas: a busca por maior espaço
no cenário internacional ilustra a ausência de ideais especificamente petistas. A
necessidade de desenvolvimento do papel brasileiro no mundo remonta à
realidade de um país importante regionalmente, cuja economia, apesar dos baixos
100 Capítulo 4. A realidade do sistema internacional e as possibilidades do Brasil: os resultados da política externa de Lula
índices de crescimento, se mostra fundamental ao mercado externo. Dessa forma,
os interesses nacionais do Brasil estiveram sempre, na história da política exterior,
vinculados à estratégia de conquistar mais poder no sistema internacional.
Por outro lado, o primeiro governo Lula foi responsável por um grande
avanço na política exterior brasileira: o reconhecimento por parte da sociedade
brasileira das ações do país no cenário internacional possibilitou uma nova função
para a diplomacia na política nacional. Devido ao caráter incisivo de sua política
externa, o primeiro mandato de Lula proporcionou o conhecimento à população
sobre as questões as quais o país esteve envolvido. A intensa atuação do
governante no âmbito externo proporcionou resultados favoráveis ao Brasil não só
em relação à imagem do país no mundo, como também na opinião pública
nacional.
O desgaste dos escândalos envolvendo membros do governo petista gerou a
necessidade de buscar resultados positivos em outra esfera de atuação
governamental e o âmbito externo surgiu como campo de neutralidade à crise
política do governo.
Além disso, a diplomacia brasileira vivenciou um momento favorável aos
países emergentes, devido ao contexto internacional vigente, onde as grandes
potências buscavam novas alternativas comerciais e expansão das relações com
países estratégicos para o sistema global.
Apesar de a retórica ter superado, em alguns momentos, os resultados
efetivos, em determinadas questões, o Brasil conquistou saldos positivos durante
101 Capítulo 4. A realidade do sistema internacional e as possibilidades do Brasil: os resultados da política externa de Lula
o primeiro governo Lula: basta indicar que o objetivo final da sua política externa
(a ampliação do espaço brasileiro no sistema internacional) pôde ser, embora de
maneira limitada, consolidado. De acordo com CERVO (2004)
86
, o governante
agiu de maneira correta quando colocou entre os objetivos de sua política exterior
a busca de um papel mais importante para o Brasil no sistema internacional, não
aceitando, portanto, as limitações impostas para os países em desenvolvimento.
Para o autor, ao aperfeiçoar a imagem do país no cenário global, a diminuição da
vulnerabilidade externa brasileira foi garantida.
Como foi analisado, tais prioridades diplomáticas estiveram presentes em
todas as ações do governo no âmbito externo, como forma de atingir suas
pretensões. Apesar da busca pela democratização do Conselho de Segurança da
ONU, por exemplo, não surtir os efeitos desejados, outros objetivos puderam ser
efetivados, como a ampliação de laços diplomáticos com países diversificados (o
que foi usado pelo governo como apoio à investida nas Nações Unidas).
Entretanto, os resultados das investidas nacionais no campo regional e na
integração com os países médios foram favoráveis à política externa, uma vez que
possibilitaram a ampliação da diplomacia brasileira na América do Sul e a
diversificação do comércio exterior.
Além disso, o apoio desses países ao Brasil, como, por exemplo, durante
as candidaturas a cargos de direção nos organismos multilaterais ou nas disputas
86
CERVO, Amado Luiz. Os objetivos da política exterior de Lula, p.3. Disponível em:
http://www.relnet.com.br/Arquivos/html/2004/A_7873.html
Acesso em 27/04/2005.
102 Capítulo 4. A realidade do sistema internacional e as possibilidades do Brasil: os resultados da política externa de Lula
nos foros da OMC por melhores condições comerciais, foi fundamental para a
propagação dos interesses nacionais no sistema internacional.
Outro resultado positivo da política externa do governo Lula correspondeu ao
pagamento adiantado ao FMI, em 2004, e a não-renovação de novos acordos. O
PT posicionou-se, desde o estabelecimento de relações com o Fundo,
fundamentalmente na década de 1990, contrário à atitude brasileira. Porém, o país
só se desvencilhou dos acordos durante a administração petista, quando Lula
optou por adotar medidas econômicas conservadoras no sentido de efetivar tal
intuito. O pagamento ao FMI, portanto, correspondeu a um ponto positivo na
agenda internacional brasileira, promovendo novos rumos à economia nacional.
Por fim, percebe-se, através de um balanço das ações diplomáticas
realizadas durante o primeiro mandato de Lula, que os resultados obtidos nesses
quatro anos não corresponderam inteiramente àqueles almejados pelo governo,
quando várias investidas do país não tiveram respaldo internacional necessário
para serem efetivados. Contudo, de acordo com o realismo, é esperado, em um
cenário competitivo e anárquico, que os países não cooperem com os interesses
alheios, principalmente quando esses limitam ou prejudicam os seus próprios
objetivos diplomáticos. Dessa forma, os propósitos que não puderam ser
consolidados não dependiam apenas do esforço brasileiro e, por tal motivo, a
grande prioridade do primeiro mandato de Lula foi ampliar o poder do Brasil no
sistema internacional: somente assim um país consegue alterar as relações de
poder mundiais de acordo com seus próprios interesses.
103 Capítulo 4. A realidade do sistema internacional e as possibilidades do Brasil: os resultados da política externa de Lula
A política externa do primeiro governo Lula foi permeada por inovações (tom
altivo e intensa atividade diplomática), críticas e adequações do país à conjuntura
internacional vigente. A pretensão maior do governante para o âmbito diplomático
correspondeu à ampliação do espaço brasileiro no sistema internacional, à medida
que sua imagem fosse fortalecida e transpusesse os limites de um país médio em
desenvolvimento. Sendo assim, a principal finalidade das metas para essa área foi
atingir a posição de grande potência, em um cenário global caracterizado pela
centralização de poder e limitações àqueles países que não o possuem, a fim de
alterar o status quo de acordo com os interesses particulares.
Embora não tenha atingido todos os objetivos, a política exterior de Lula
possibilitou a abertura de novos caminhos diplomáticos ao Brasil. Ao maximizar o
contexto diplomático favorável aos grandes países emergentes, o governo se
esforçou no sentido de alcançar maiores recursos aos interesses nacionais,
optando pela atuação enérgica no sistema. A avaliação dos resultados dessa
inovação diplomática não seria integral no momento, quando se inicia o segundo
mandato de Lula (teve início em Janeiro de 2007), e as conseqüências da
inserção mais plena do Brasil no cenário internacional ainda não podem ser
ponderadas. Entretanto, as oportunidades favoráveis ao país permanecem, e,
apesar da continuidade dos escândalos políticos envolvendo membros do PT, a
política externa prossegue com a intenção de promover melhor posição ao Brasil
perante a ordem mundial.
104 Capítulo 4. A realidade do sistema internacional e as possibilidades do Brasil: os resultados da política externa de Lula
105
Considerações finais
A política externa de um país corresponde ao projeto governamental que
determina a maneira pela qual são conduzidas as ações e escolhas no âmbito
internacional. Os objetivos diplomáticos são definidos de acordo com os
interesses nacionais, os quais estão relacionados a questões de caráter
econômico, de cooperação interestatal e de segurança internacional, entre outras;
as tradições diplomáticas do país e a conjuntura global em vigor. Juntamente com
outros temas, a política externa se insere nos estudos das Relações Internacionais
e pode tanto se restringir a algum assunto específico (isso é, temas peculiares),
como comércio exterior, cooperação bilateral de determinado país, apreciações
históricas e comparativas entre governos, quanto analisar determinado contexto
ou um mandato específico.
106 Considerações finais
Nesse sentido, o exame mais amplo da política exterior deve conter
elementos que avaliem integralmente o objeto de estudo: quando se analisou a
política externa do primeiro mandato de Lula, fez-se necessária a contextualização
do governo, através da descrição das políticas exteriores adotadas pelos
governantes anteriores (estabelecendo, assim o estado da arte da diplomacia
brasileira no momento estudado), além da análise do contexto internacional
vigente e das diretrizes petistas para a esfera internacional. A inovação do tema
(o primeiro mandato foi encerrado em Dezembro de 2006) trouxe consigo a
suposição de certos parâmetros, o que nem sempre é positiva em uma pesquisa
acadêmica. Por outro lado, o estudo pormenorizado da política externa de Lula
possibilitará novas indagações e frentes de pesquisas.
A análise do primeiro mandato de Lula, no que se refere à diplomacia,
relacionou os reveses e conquistas do Brasil no sistema internacional entre 2003 e
2006. O período governado por Lula correspondeu a um momento importante na
história política brasileira: pela primeira vez, o PT, partido representante da
esquerda operária nacional, conquistou a presidência, o que denotou
transformações, ainda que ideológicas, em todos os setores.
O caminho percorrido pela presente pesquisa partiu do objetivo de destacar
os principais objetivos e contribuições da política externa do primeiro governo Lula
à diplomacia brasileira. Partiu-se da constatação de que o período analisado foi
importante para a história diplomática do país, uma vez que o governante trazia
consigo o caráter ideológico do seu partido de origem, o PT, o que significou o
107 Considerações finais
início de uma fase altiva e agressiva no cenário internacional, tendo em vista a
valorização do país tanto regional quanto globalmente.
O encaminhamento desse trabalho demandou a análise das principais
contribuições dos governos anteriores, na esfera internacional, a partir da
redemocratização brasileira. Dessa forma, as ações da política externa do primeiro
mandato de Lula puderam ser estudadas através da conjuntura diplomática
brasileira, ou seja, considerando os avanços do país até o período a ser analisado.
Além disso, foi feito um balanço da temática da política externa a partir do
PT. Desde a fundação do partido, em 1980, a tônica dos objetivos traçados pelo
mesmo para as campanhas eleitorais em que participou foi se alterando, o que
indica a evolução petista para a atuação internacional: a defesa do socialismo em
escala mundial, presente nas eleições de 1989, foi substituída por um realismo
político em 2002, ano da vitória de Lula nas urnas.
Paralelamente à análise dos dois fatores determinantes à concretização dos
objetivos do governo Lula para a área internacional (a tradição diplomática
brasileira e a ideologia partidária), foi desenvolvida a apreciação das principais
questões diplomáticas as quais o Brasil esteve envolvido durante o primeiro
mandato de Lula. Examinaram-se as ações polêmicas e os resultados obtidos nas
investidas brasileiras, bem como a relações entre elas e o principal objetivo do
governante: a ampliação do papel do país no cenário internacional.
108 Considerações finais
Por fim, relacionaram-se os saldos das ações diplomáticas brasileiras do
período à realidade do sistema internacional vigente, sobretudo àquelas que não
puderam ser concretizadas, devido ao contexto e às limitações do país.
Em relação à política externa, o primeiro governo Lula foi caracterizado tanto
por propósitos inovadores quanto pelo prosseguimento de algumas diretrizes
tradicionais à diplomacia brasileira. Entretanto, a grande alteração ocorreu na
postura adotada pelo país em âmbito internacional, que se tornou mais altiva,
tendo em vista o interesse de ampliar o espaço do Brasil no cenário global. Dessa
forma, a inovação substancial do governo petista na diplomacia esteve
relacionada à maneira pela qual o Brasil foi inserido no sistema internacional,
através da participação incisiva nos foros multilaterais e o esforço para conquistar
uma posição relevante no mundo.
Apesar das limitações do Brasil em galgar posições no sistema e angariar
papel mais influente, as ações diplomáticas desenvolvidas durante o primeiro
mandato de Lula possibilitaram novas perspectivas ao país, ao serem
desenvolvidas em um momento internacional propício aos países médios, como o
Brasil. Embora as implicações das inúmeras investidas brasileiras ainda não
tenham sido completamente divulgadas, devido à atualidade do governo e o início
do segundo mandato de Lula, em Janeiro de 2007, vislumbram-se resultados
favoráveis ao país. As falhas atribuídas à política externa do primeiro governo
Lula, no entanto, fizeram parte de aspirações nacionais pretensiosas, as quais
109 Considerações finais
tinham como propósito final a conquista de maior espaço no cenário internacional,
mas acabaram por gerar rusgas diplomáticas e prejudicar os interesses do Brasil.
Percebe-se, nesse sentido, que o intuito máximo da diplomacia petista
provocou ora resultados positivos, ora negativos na imagem do país. Ainda que o
Brasil tenha conquistado expressiva performance em algumas investidas, como o
respaldo regional e a criação do G-20, no âmbito da OMC, em determinados
momentos o país sofreu desgaste devido à exposição demasiada. Para ampliar o
papel brasileiro no sistema internacional, o governante optou por divulgar
excessivamente os interesses nacionais do país, o que implicou em reações
negativas de outros países. Por conseguinte, algumas intenções do Brasil para o
âmbito internacional, embora tenham sido amplamente divulgadas, não tiveram
resultados pertinentes aos propósitos iniciais, ao menos durante o primeiro
mandato.
Na realidade, através das políticas de ampliação do espaço de atuação do
país no mundo, o governo Lula objetivou elevar sua posição no sistema
internacional. Entretanto, embora os avanços brasileiros sejam perceptíveis, o
país não conquistou a pretendida posição no sistema, o que pode ser explicado
tanto pelas escolhas do governante quanto pelos limites impostos pelo sistema
internacional.
Ainda que a conjuntura internacional fosse propícia e o governo tenha se
empenhado para ampliar o espaço brasileiro no mundo, as restrições de ordem
hierárquica impediram tamanho avanço do Brasil no sistema internacional. Por
110 Considerações finais
outro lado, não se pode avaliar os resultados plenos da política externa do
primeiro governo Lula quando o governante foi reeleito em 2006 e, portanto,
poderá dar prosseguimento aos seus propósitos diplomáticos. Mesmo que os
objetivos da política exterior do governo petista, além da sua atuação durante o
primeiro mandato de Lula, tenham sido explorados na presente dissertação, o
objeto de estudo não se esgotou, uma vez que haverá novas perspectivas para o
segundo governo.
A política externa correspondeu a um setor essencial durante o primeiro
governo Lula por estar afastada dos escândalos de corrupção ocorridos no
período. Além disso, deu-se prioridade às questões diplomáticas pela importância
do comércio exterior na economia brasileira, além da necessidade de adaptar o
Brasil às crescentes transformações da ordem internacional, inserindo-o de
maneira mais incisiva para possibilitar melhores condições ao país. Posto que as
conseqüências das atitudes brasileiras no âmbito externo poderão ser definidas no
segundo mandato de Lula, através das apreciações desse trabalho estabelecem-
se parâmetros de análise para o próximo período governado por Lula, no que se
refere às questões diplomáticas.
Desse modo, as perspectivas para a política externa brasileira dos próximos
anos são de continuidade às diretrizes estabelecidas para o primeiro mandato de
Lula. Certamente algumas questões serão modificadas, dadas a conjuntura
internacional e as possibilidades que o Brasil terá no cenário global, mas o
objetivo fundamental da política exterior de Lula deverá permanecer: o de angariar
111 Considerações finais
nova posição no sistema internacional, transpondo posições hierárquicas e
conquistando novas perspectivas de atuação diplomática.
112 Considerações finais
113
Bibliografia
ALBUQUERQUE, José Augusto Guilhon. A política externa do Brasil sob o
governo Lula-primeira fase: 2003-2005. Projeto de pesquisa desenvolvida no
NUPRI/USP;
ALBUQUERQUE, José Augusto Guilhon. Economia política e política externa no
governo Lula: as três agendas de um ativismo inconseqüente. Plenarium, ano 2, n.
2, p. 84-93, Novembro de 2005;
ALMEIDA, Paulo Roberto de. A política externa do novo governo do presidente
Luis Inácio Lula da Silva - retrospecto histórico e avaliação programática. Revista
Brasileira de Política Internacional, ano 45, n. 2, p. 229-239, 2002;
114 Bibliografia
ALMEIDA, Paulo Roberto de. A política internacional do Partido dos
Trabalhadores: da fundação do partido à diplomacia do governo Lula. Sociologia
e Política. Curitiba, n. 20, Junho 2003;
ALMEIDA, Paulo Roberto de. Uma nova “arquitetura” diplomática? Interpretações
divergentes sobre a política externa do governo Lula (2003-2006). Revista
Brasileira de Política Internacional, ano 49, n. 1, p. 95-116, 2006;
ALMEIDA, Paulo Roberto. Uma política externa engajada: a diplomacia do
governo Lula. Revista Brasileira de Política Internacional, ano 47, n.1, p. 162-184,
2004;
AMORIM, Celso Luiz Nunes. A diplomacia do governo Lula.
Disponível em: http://www.mre.gov.br
Acesso em 14/04/05;
AMORIM, Celso. A política externa do governo Lula: dois anos. Plenarium, ano 2,
n. 2, p. 50-59, Novembro de 2005;
AMORIM, Celso. Conceitos e estratégias da diplomacia do governo Lula.
Diplomacia, estratégica e política, ano 1, n. 1, p. 41-48, 2004;
115 Bibliografia
AMORIM, Celso. Discurso do embaixador Celso Amorim. In: TRANSMISSÃO DO
CARGO DE MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. Brasília, 01/01/2003.
Disponível em: http://www.mre.gov.br
Acesso em 10/04/2005;
ARON, Raymond. Paz e Guerra entre as nações. Brasília: Universidade de
Brasília, 1981;
AYLLÓN, Bruno. Dos años de gobierno Lula: estabilidad interna y política exterior
altiva. Política Exterior, ano 19, n. 103 p. 103-113, Madrid, Janeiro de 2005;
BATISTA Jr., Paulo Nogueira. A ALCA e o Brasil. Estudos Avançados, ano 48,
n.17, 2003;
BATISTA Jr., Paulo Nogueira. A América do Sul em movimento. In: 1ª
CONFERÊNCIA NACIONAL DE POLÍTICA EXTERNA E POLÍTICA
INTERNACIONAL. Rio de Janeiro, 06 de Julho de 2006;
BATISTA Jr., Paulo Nogueira. A política externa de Collor: modernização ou
retrocesso? Política Externa, ano 1, n. 4, Março de 1993;
116 Bibliografia
BATISTA Jr., Paulo Nogueira. O Consenso de Washington: a visão neoliberal dos
problemas latino-americanos. In Em defesa do interesse nacional: desinformação
e alienação do patrimônio público. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994;
BEDIN, Gilmar Antônio (org.). Paradigmas das relações internacionais. Ijuí:
Editora Unijuí, 2004;
CARVALHO, Leonardo Arquimimo de. Limites à política externa brasileira:
perspectivas para o governo Lula. In: CARVALHO, Leonardo Arquimimo de, LIXA,
Ivone F. Morcilo e NETO, Francisco Quintanilha Véras (orgs.). Política
internacional, política externa e relações internacionais. Curitiba: Editora Juruá, p.
77-85, 2003;
CARR, Edward Hallett. Vinte anos de crise: 1919-1939. Uma introdução ao estudo
das relações internacionais. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001;
CERVO, Amado Luiz. Os objetivos da política exterior de Lula. Disponível em:
http://www.relnet.com.br/Arquivos/html/2004/A_7873.html
Acesso em 27/04/2005;
117 Bibliografia
CERVO, Amado Luiz. Política exterior e relações internacionais do Brasil: enfoque
paradigmático. Revista Brasileira de Política Internacional, ano 46, n. 2, p. 5-25,
2003;
CERVO, Amado Luiz. Relações internacionais do Brasil: um balanço da era
Cardoso. Revista Brasileira de Política Internacional, ano 45, n. 1, p. 5-35, 2002;
CORRÊA, Luis Felipe de Seixas. “A política externa de José Sarney”, in
ALBURQUERQUE, José Augusto Guilhon (org.). Sessenta anos de política
externa brasileira (1930-1990), crescimento, modernização e política externa. São
Paulo: Cultura Editores Associados, 1996;
CRUZ, Sebastião C. Velasco e STUART, Ana Maria. Mudando de rumo: a política
externa do governo Lula. São Paulo: [s.n], 2004;
DELLA VECHIA, Renato da Silva. Anotações a respeito da atual política externa
do governo brasileiro. Ver. Esc. Direito, ano 4, n.1, p.7-17, Pelotas, Dezembro de
2003;
DEUTSCH, Karl. Análise das relações internacionais. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 1979;
118 Bibliografia
GUIMARÃES, Samuel Pinheiro. Desafios brasileiros na era dos gigantes. Rio de
Janeiro: Editora Contraponto, 2005;
HIRST, Mônica e PINHEIRO, Letícia. A Política Externa do Brasil em Dois
Tempos. Revista Brasileira de Política Internacional, ano 38, n.1, 1995;
HOBBES, Thomas. Leviatã - ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico
e civil. São Paulo: Editora Martin Claret, 2001;
LAMPREIA, Luiz Felipe. A política externa do governo FHC: continuidade e
renovação. Revista Brasileira de Política Internacional, ano 42, n.2, p.5-17, 1998;
LIMA, Maria Regina Soares de. A política externa brasileira e os desafios da
cooperação Sul-Sul. Revista Brasileira de Política Internacional, ano 48, n. 1, p.
24-59, 2005;
LIMA, Maria Regina Soares de. As Américas na política externa do governo Lula.
Anuario Social y político de América Latina y el Caribe Nro. 6.
Flacso/Unesco/Nueva Sociedad, Caracas, p. 49-54, 2003;
119 Bibliografia
LIMA, Maria Regina Soares de. Autonomia, não-indiferença e pragmatismo:
vetores conceituais da política exterior. Revista Brasileira de Comércio Exterior, n.
83, p. 16-20, Abril-Junho de 2005;
LIMA, Maria Regina Soares de. Na trilha de uma política externa afirmativa.
Observatório da Cidadania. Rio de Janeiro, IBASE, 2003, Relatório nº. 7,
Panorama brasileiro 2003. p. 94-100. Disponível em:
http://www.socialwatch.org/en/informeImpreso/pdfs/panorbrasileirog2003_bra.pdf
Acesso em 31/01/2007;
LISBOA, José Silva. Populismo diplomático. Disponível em:
http://institutomillenium.org/2006/03/07/populismo-diplomatico/
Acesso em 31/01/2007;
LULA DA SILVA, Luiz Inácio. Discurso de abertura do presidente Lula. In: 58ª
ASSEMBLÉIA GERAL DA ONU. New York: 23/09/2003.
Disponível em
http://www.mre.gov.br/portugues/politica_externa/discursos/discurso_detalhe3.asp
?ID_DISCURSO=2153
Acesso em 25/03/2007;
120 Bibliografia
LULA DA SILVA, Luiz Inácio. Discurso do presidente Lula. In: SESSÃO DE
POSSE NO CONGRESSO NACIONAL. Brasília, 01/01/2003.
Disponível em:
http://www.mre.gov.br/portugues/politica_externa/discursos/discurso_detalhe.asp?I
D_DISCURSO=2029
Acesso em 04/12/2006;
LULA DA SILVA, Luiz Inácio. Discurso do presidente Lula. In: XXXIII FÓRUM
ECONÔMICO MUNDIAL. Davos, Suíça, 26/01/2003. Disponível em
http://www.mre.gov.br
Acesso em 10/04/2005;
MAIOR, Luiz A. P. Souto. Dois anos de “presença soberana”: uma reflexão sobre
a política externa do governo Lula. Cena Internacional, ano 2, n. 6, p.53-72, 2004;
MARKWALD, Ricardo Andrés. Política comercial do governo Lula: o caso do
Mercosul. Revista Brasileira de Comércio Exterior, n. 83, p. 21-31, Abril-Junho de
2005;
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira,
1969;
121 Bibliografia
MERCADANTE, Aloizio. Brasil: primeiro tempo. Análise comparativa do governo
Lula. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2006;
MESSARI, Nizar & NOGUEIRA, João Pontes. Teoria das relações internacionais -
correntes e debates. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005;
MORGENTHAU, Hans. A política entre as nações - a luta pelo poder e pela paz.
Brasília: Editora Universidade de Brasília: Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo: Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, 2003;
OLIVEIRA, Marcelo Fernandes de e VIGEVANI, Tullo. A política externa brasileira
na era FHC: um exercício da autonomia pela integração. Tempo Social, São
Paulo, ano 15, n. 2, p. 31-61, Novembro de 2003;
PARTIDO DOS TRABALHADORES, As bases do PAG [Plano de Ação do
Governo] - Campanha 1989. Disponível em
http://www.pt.org.br/pt25anos/anos80/documentos/89_as_bases_pag.pdf
Acesso em 27/10/2007;
PARTIDO DOS TRABALHADORES. Bases do programa de governo. In:
DOCUMENTO APROVADO NO 9° ENCONTRO NACIONAL DO PT. [S.I]: 01 de
Maio de 1994. Disponível em: http://www.ptgte.org.br/pt25anos
122 Bibliografia
Acesso em 09/03/2007;
PARTIDO DOS TRABALHADORES. Diretrizes para o programa de governo. In:
DOCUMENTO APROVADO NO ENCONTRO EXTRAORDINÁRIO. [S.I]: 24 de
Maio de 1998. Disponível em:
http://www.ptgte.org.br/pt25anos
Acesso em 09/03/2007;
PARTIDO DOS TRABALHADORES. Diretrizes do programa de governo do PT
para o Brasil. In: DOCUMENTO APROVADO NO 12° ENCONTRO NACIONAL DO
PT. [S.I]: 16 de Dezembro de 2001.
Disponível em: http://www.ptgte.org.br/pt25anos
Acesso em 09/03/2007;
PARTIDO DOS TRABALHADORES. Programa de governo - 1994. Apud
ALMEIDA, Paulo Roberto de. A política internacional do Partido dos
Trabalhadores: da fundação do partido à diplomacia do governo Lula. Sociologia e
Política. Curitiba, n. 20, Junho 2003;
123 Bibliografia
PARTIDO DOS TRABALHADORES. Programa e Plano de ação. In:
DOCUMENTO APROVADO NA REUNIÃO DE FUNDAÇÃO DO PT. [S.I]: 01 de
Junho de 1980. Disponível em: http://www.ptgte.org.br/pt25anos
Acesso em 09/03/2007;
PARTIDO DOS TRABALHADORES. Programa, manifesto, estatuto - 1984 . Apud
ALMEIDA, Paulo Roberto de. A política internacional do Partido dos
Trabalhadores: da fundação do partido à diplomacia do governo Lula. Sociologia
e Política. Curitiba, n. 20, p. 3, Junho 2003;
PARTIDO DOS TRABALHADORES, Lula presidente - uma revolução democrática
no Brasil. Documento aprovado no 9° Encontro Nacional do PT, em 01 de Maio de
1994. Disponível em
http://www.pt.org.br/pt25anos/anos90/documentos/94_revolucao_democratica_bra
sil.pdf
Acesso em 09/03/2007;
PARTIDO DOS TRABALHADORES. Teses para a atuação do PT. In:
DOCUMENTO APROVADO NO 3° ENCONTRO NACIONAL DO PT. [S.I]: 08 de
Abril de 1984. Disponível em: http://www.ptgte.org.br/pt25anos
Acesso em 09/03/2007;
124 Bibliografia
PECEQUILO, Cristina Soreanu. Cancun, ONU e a ALCA: reflexões sobre a nova
política externa brasileira. Porto Alegre: UFRGS, 2003;
PEGORARO, Joana Cristina. A política externa brasileira no primeiro ano do
governo Lula. Mapeando a (nova) organização mundial. Porto Alegre: UFRGS,
Fevereiro de 2004;
PEREIRA, Analúcia Danilevicz. A política externa do governo Sarney. A Nova
República diante do reordenamento internacional (1985-1990). Porto Alegre:
Editora da UFRGS, 2003;
REUNIÃO DE CHEFES DE ESTADO DA COMUNIDADE SUL-AMERICANA DE
NAÇÕES. 1ª Reunião de Chefes de Estado da Comunidade Sul-Americana de
Nações. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2005;
SARAIVA, José Flávio Sombra. Política exterior do governo Lula: o desafio
africano. Revista Brasileira de Política Internacional, ano 45, n. 2, p. 5-25, 2002;
SARAIVA, Miriam Gomes. Brasil e Argentina: política externa para América Latina
em tempos recentes. Cena Internacional, ano 2 n. 7, p. 122-133, 2005;
125 Bibliografia
SEITENFUS, Ricardo. O Mercosul e a penhora da Casa. Estudos Avançados, ano
55, n. 19, p. 75-84, 2005;
SENNES, Ricardo. As mudanças da política externa brasileira nos anos 80. Uma
potência média recém-industrializada. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2003;
STOESSINGER, John. O poder das nações. A política internacional de nosso
tempo. São Paulo: Editora Cultrix, 1978;
TUCÍDIDES. História da guerra do Peloponeso. Brasília: Editora Universidade de
Brasília, 1982.
VEIGA, João Paulo Cândia. A negociações comerciais no governo Lula. Revista
Brasileira de Comércio Exterior, n. 83, p. 10-15, Abril-Junho de 2005;
VEIGA, Pedro da Motta. A política comercial do governo Lula: continuidade e
inflexão. Revista Brasileira de Comércio Exterior, n. 83, p. 2-9, Abril-Junho de
2005;
VILLA, Rafael Duarte. La democracia sudamericana em la agenda de la política
exterior brasileña del gobierno de Luis Inácio Lula da Silva. In: MEETING THE
126 Bibliografia
LATIN AMERICAN STUDIES ASSOCIATION. Las Vegas, 7-9 de Outubro de
2004;
VILLA, Rafael Duarte. Política externa do governo Lula: continuidades e rupturas.
Revista Adusp. São Paulo, Maio 2005;
VIOLA, Eduardo. Transformações na posição do Brasil no sistema internacional
(1990-2005). Plenarium, ano 2, n. 2, p. 94-119, Novembro de 2005;
VIZENTINI, Paulo Fagundes. Relações internacionais do Brasil - de Vargas a Lula.
São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2003.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo