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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA
A Constituição de um Campo Científico: a genética na UFRJ – prática
e visão de mundo de dois docentes-pesquisadores de genética.
Dissertação de Mestrado
Autor: Rodrigo Della Côrte
Goiânia 2006
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RODRIGO DELLA CÔRTE
A Constituição de um Campo Científico: a genética na UFRJ – prática
e visão de mundo de dois docentes-pesquisadores de genética.
Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Sociologia da Faculdade de
Ciências Humanas e Filosofia da
Universidade Federal de Goiás,
para obtenção do título de Mestre
em Sociologia.
Goiânia 2006
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Lista de Quadros
Quadro 1 Estrutura de distribuição de capital científico no Departamento de Genética-I___ 90
Quadro 2 Financiamentos por docente-pesquisador do Departamento de Genética para o
período 1994-2004_________________________________________________________177
Quadro 3 Publicação de artigos por docente-pesquisador do Departamento de Genética
no período 1971-2006______________________________________________________ 180
Quadro 4 Distribuição de capital científico por laboratório do Departamento de Genética_101
Quadro 5 Estrutura de distribuição de capital científico no Departamento de Genética-II__111
Quadro 6 Média de artigos de acordo com o vínculo com o Departamento de Genética
e com o laboratório________________________________________________________ 114
Quadro 7 Média de autores por Artigo para os docentes-pesquisadores do Departamento
de Genética_______________________________________________________________181
Quadro 8 Acumulação de capital em educação dos professores vinculados à linha de pesquisa
“Educação em Genética” da pós-graduação em genética do Departamento_____________182
Resumo
A prática científica de dois docentes-pesquisadores do departamento de genética do Instituto
de Biologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro permitiu a constituição de um campo
científico na linha da teoria do campo de Pierre Bourdieu. Em um primeiro momento destaco
algumas perspectivas de análise em sociologia da ciência, trazendo à discussão a teoria de
Merton, Programa Forte em Sociologia da Ciência, e Latour. Posteriormente, dialogo com
Bourdieu apontando os elementos definidores de sua teoria do campo científico. Em seguida
apresento a pesquisa de campo, realizada nas dependências do Instituto de Biologia da UFRJ.
A pesquisa empírica, em sua parte quantitativa, foi realizada a partir do cruzamento de
informações disponíveis nos relatórios do departamento de genética, no currículo Lattes, no
sistema sigma do endereço eletrônico da UFRJ, no diretório dos grupos de pesquisa do CNPq,
e na seção de ensino do Instituto de Biologia. Tais informações contribuíram para que se
pudesse construir a estrutura de distribuição de capital no departamento de genética. as
informações qualitativas foram construídas a partir da minha presença nas aulas da disciplina
genética básica, das entrevistas, e das visitas que realizei nos laboratórios dos pesquisadores
Caio e Beatriz. Assim, pôde-se conferir que a chefia do laboratório aparece como princípio de
acumulação desigual de capital no campo, e que as tomadas de posição destes dois docentes-
pesquisadores são balizadas por seu capital acumulado na área.
SUMÁRIO
Lista de quadros - - - - - - - - 03
Apresentação - - - - - - - - 06
A Genética como Objeto da Sociologia - - - - 13
PARTE I - A Sociologia da Ciência: Perspectivas de Análise 20
A Contribuição de Robert King Merton - - - - - 21
Programa Forte – a sociologia da ciência volta à cena - - - 27
Latour e Woolgar: a microsociologia da ciência micro - - - 35
PARTE II - A Teoria do Campo Científico de Bourdieu - 46
O Campo Científico - - - - - - - - 47
Interesse e Desinteresse no campo - - - - - - 52
O Conflito Regulado - - - - - - - - 59
O Trabalho de Objetivação e as duas Formas de Capital Científico - 60
O Campo Científico como Sujeito da Ciência - - - - 69
PARTE III – A Constituição do Campo Científico - - 78
Estrutura de Distribuição de Capital Científico - - - - 80
Tomadas de Posição no Campo - - - - - - 117
Habitus na Pesquisa em Genética - - - - - 119
Disposição para o Ensino - - - - - - 131
Visão de mundo - - - - - - - - 143
Genética Clássica - - - - - - - 143
Sistema Simbólico e Experimento - - - - - 146
Manipulação e Substancialização da Matéria - - - 152
Considerações finais - - - - - - - - 166
Referências Bibliográficas - - - - - - - 170
Anexo 1 - - - - - - - - - 174
Anexo 2 - - - - - - - - - 179
Anexo 3 - - - - - - - - - 180
Anexo 4 - - - - - - - - - 183
5
Apresentação
Dentre as várias modalidades do estudo biológico, a genética
1
tem se destacado como
a ciência que permitirá ao homem o conhecimento e domínio de sua materialidade biológica.
As pesquisas em genética m sido base para vários discursos que postulam as possibilidades
de superação de limites impostos ao homem, seja pela composição corporal humana (entenda-
se; forma e elementos que constituem o homem como ser biológico), ou pela falta de
conhecimento sobre o próprio corpo humano. A genética que pode ser definida, grosso modo,
como o estudo das características hereditárias como também o estudo dos genes
2
, atualmente,
deixou de ser somente uma ciência para se tornar também uma técnica utilizada por outras
ciências que estudam o corpo humano (GRIFFITHS et al. 2001). O conhecimento genético,
amparado como está agora na biologia molecular, está na base de inúmeros discursos que
ressaltam que ele pode resolver certos problemas sociais que não se resumem apenas a
interações, variações ou mutações genéticas. Assim, por exemplo, as várias técnicas de
manipulação de espermatozóides e gametas podem ajudar um casal que busca, sem sucesso,
ter filhos; pais que têm dúvida sobre sua paternidade podem recorrer a exames de DNA para
confirmá-la ou não; a doença de Alzheimer ou o mal de Parkinson, que são creditadas a
“falhas” na codificação do(s) gene(s), podem ser resolvidas determinando e alterando, antes
de sua manifestação, o(s) gene(s) que os cientistas acreditam ser os responsáveis pelo
aparecimento de tal doença; o tratamento do nanismo pode ser incrementado tanto com a
inserção de genes específicos no indivíduo como pela manipulação genética de bactérias ou
fungos afim de que produzam uma quantidade maior do hormônio necessário para o
crescimento, permitindo assim um maior acesso a esses tratamentos. Ressalta-se, nestes casos,
1
Ramo da Biologia que trata da hereditariedade, se ocupa das diferenças entre os seres vivos, das suas causas e
dos mecanismos e leis da transmissão dos caracteres individuais (relativos a matéria biológica). Ciência que trata
da hereditariedade, tem início na primeira década do século XX, quando são redescobertos os trabalhos de
Mendel publicados em 1865.
2
“Os genes são compostos por uma macromolécula de dupla hélice, semelhante a uma aspiral, chamada ácido
desoxirribonucléico, abreviado para DNA. O DNA, o material hereditário que passa de uma geração à seguinte,
dita as propriedades biológicas inerentes a uma espécie. A informação codificada no DNA está sob a forma de
uma seqüência de subunidades químicas chamadas nucleotídeos. Cada célula em um organismo contém,
tipicamente, um ou dois grupos do complemento básico do DNA, chamado de genoma. O genoma é constituído
de uma ou mais moléculas de DNA extremamente longas agrupadas em estruturas denominadas cromossomos.
Os genes são as unidades funcionais do DNA cromossômico. Cada gene não codifica a estrutura de algum
produto celular, como também transporta consigo os ‘botões’ de controle que determinam quando, onde e quanto
de cada produto será sintetizado”. (GRIFFTHS, A. J. F. et al.2001: 02). Os genes estão contidos nos
cromossomos, organelas que se individualizam durante a divisão celular. Na espécie humana o número diplóide
de cromossomos é 46, sendo 22 pares de autossomos e 1 par de cromossomos sexuais, XX na mulher e XY no
homem. Cada cromossomo contém centenas de genes, sendo o total do genoma humano composto por cerca de
50.000 genes estruturais, além de genes reguladores. Fonte:
<http://www.fcm.unicamp.br/departamentos/genetica/definicao.html> Acesso em: 05 ago. 2006.
6
os benefícios que tais procedimentos podem trazer para as estruturas psicológicas dos
indivíduos que sofrem tais doenças, por meio de sua (re)inserção no meio social. Percebe-se
nestes discursos, que a genética tem sido elevada à posição de ciência que tem respostas para
questionamentos que envolvem determinadas condutas e comportamentos sócio-culturais.
As técnicas de mapeamento do DNA, de transferência de núcleo, de constituição de
organismos transgênicos, de identificação de genes específicos, etc., são desenvolvidas em
contextos que, acredito, são fortemente influenciados por estruturas estabelecidas, tais como:
laboratórios com infra-estrutura física que suporte tais experimentos, a necessidade de
aparelhos específicos para desenvolver estes estudos, pessoal técnico que saiba operar tais
aparelhos, grande volume de financiamentos, que por sua vez envolve uma publicação estável
de artigos, o peso, crédito e/ou o reconhecimento pelos pares, do laboratório ou instituição e
dos cientistas que desenvolvem tais pesquisas. Da mesma forma, a construção de aparelhos
utilizados para medir, detectar, “purificar” uma substância
3
, não são resultados de uma forma
específica de ver o corpo humano, portanto, de uma visão de mundo? a reprodução desta
prática (científica) não implica a transmissão dessa forma de conceber o objeto, não implica
uma forma específica de conceber e transmitir essa concepção sobre o corpo, sobre essa
matéria orgânica? A ciência (genética) constrói, portanto, uma forma específica de se lidar
com o corpo físico, com conseqüências corporais para os sujeitos, ou seja, a genética serve-se
do corpo humano (MAUSS, 2003) pela ótica da intervenção na materialidade corpórea dos
seres vivos. Enfim, o conhecimento em genética é produzido na relação entre as estruturas
objetivas e formas simbólicas que se reproduzem e, ao se reproduzir, reproduzem as estruturas
objetivas implicadas nesta reprodução. Produção que se sob o pano de fundo da doxa, ou
seja, sob a crença nos fundamentos da ciência, das formas de arbitragem específicas e das
formas legítimas de se fazer ciência, no acordo tácito que funda e rege o trabalho de
objetivação (BOURDIEU, 2004a: 33).
Com o rápido crescimento das pesquisas em biologia molecular os cientistas
constroem uma série de teorias e técnicas de intervenção na matéria orgânica
4
que tem
possibilitado novas formas de se pensar os homens e as relações entre estes. Estas novas
formas têm alterado determinados códigos, condutas, comportamentos sócio-culturais
construídos pelos homens pra viver em sociedade. A sociologia deve acompanhar estas
mudanças e questionar estas novas formas de se lidar com nossos corpos que estão instalando-
3
Para manipular, utilizamos instrumentos que são concepções científicas condensadas e objectivadas num
conjunto de aparelhos que funciona como um obstáculo(...)” Bourdieu, 2004b:61-2.
4
Contudo, tais pesquisas não são realizadas somente por biólogos geneticistas, mas também por pesquisadores
de várias outras áreas, como por exemplo, bioquímica, biofísica e microbiologia.
7
se no seio da sociedade proporcionando a construção de teorias, conceitos e modelos que
possam vir a explicar a lógica implicada na produção de conhecimentos genéticos sobre o
corpo humano.
Estes questionamentos de ordem mais geral orientaram a escolha do objeto desta
pesquisa. Contudo, questionar a produção do conhecimento genético, neste caso, envolveu
uma escolha entre partir para a análise de clínicas que oferecem serviços que se utilizam da
genética molecular ou biologia molecular (clínicas que oferecem serviços de manipulação de
espermatozóides e ou gametas em nível molecular), ou escolher algum centro, instituição ou
laboratório onde haja produção, construção de conhecimento na área de pesquisa em genética.
Ao definir o estudo da produção de conhecimento em genética ao mesmo tempo delimitei
estruturalmente a escolha do objeto empírico, que no Brasil a pesquisa em genética
acontece, em sua maioria, em instituições públicas de ensino superior
5
. Portanto, sendo eu
estudante de mestrado e tendo passado vinte e cinco dos meus trinta anos de vida na escola
(dos quais seis na universidade), adentrar uma instituição de ensino e pesquisa se mostrou
mais fértil (do ponto de vista de minha inserção no campo, como conseguir informantes,
acompanhar as atividades implicadas no objeto, etc.), que na universidade eu estou em um
campo que não me é totalmente estranho
6
.
Assim, elegi duas características básicas para definir o objeto: produção de
conhecimento em genética, e visão sobre o corpo humano. Tais características concorreram
para que a escolha se desse em torno de uma instituição pública de ensino superior, tanto pelo
fato de que a pesquisa em genética no Brasil vem sendo realizada em instituições públicas,
como pelo fato de que a universidade pública aqui se organiza em torno da tríade ensino,
pesquisa e extensão, o que me permitiu trabalhar a visão de mundo sobre o corpo que emerge
nas práticas dos pesquisadores. Desta forma, tomei como objeto empírico de pesquisa, a
prática científica de dois docentes-pesquisadores do departamento de genética da UFRJ.
Utilizo como ponto de inserção no campo, minha presença na disciplina genética básica,
ministrada pelo departamento de genética para o período do curso de biologia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Minha presença nas práticas teóricas e de laboratório
5
Conferir o testemunho do pesquisador Carlos Bloch Jr. para a revista comciência. A despeito de sua visão sobre
as relações instituições públicas x instituições financeiras, a entrevista mostra que no Brasil as universidades
públicas são o centro de desenvolvimento de pesquisas em genética. fonte:
<http://www.comciencia.br/entrevistas/genetico/bloch.htm> Acesso em: 10/out. 2005.
6
Por situar meu estudo no universo acadêmico-científico, as práticas do curso de biologia não me foram tão
estranhas. Todavia, estar em contato com um objeto que tem dimensões que me são familiares e que podem, de
certa forma, interferir em um necessário estranhamento com ele, requer uma postura controlada (a vigilância
epistemológica) para que não se atropele os acontecimentos com antecipações oriundas da experiência
acadêmica.
8
desta disciplina foi o ponto de partida para o questionamento das práticas em que estão
envolvidos os pesquisadores e também os alunos. Foi a partir deste contato com os
pesquisadores e os alunos nas práticas teóricas e de laboratório das aulas de genética básica
que puderam ser construídas as tomadas de posição de Beatriz e Caio
7
no campo do
departamento (docentes-pesquisadores que ministram a disciplina genética básica). Foi a
partir destes primeiros contatos que pude conhecer meus interlocutores e apreender também
sua visão sobre o corpo.
O referencial teórico norteador desta pesquisa encontra-se em Bourdieu, mais
especificamente em sua teoria sobre o campo científico. Neste trabalho, os questionamentos
sobre o conhecimento genético convergiram, pela ótica da teoria do campo, primeiramente,
para a necessidade de construir a lógica de acumulação de capital científico no espaço
concorrencial construído pelos agentes na disputa pelo monopólio do capital científico, para,
em seguida, focar a trajetória dos docentes-pesquisadores Caio e Beatriz. Construir a estrutura
de distribuição do capital científico é construir o campo de possibilidades de ação dos agentes
circunscrito pelo capital acumulado (tanto em volume como pelo tipo específico), pela
posição do agente no espaço das posições e pelo habitus (BOURDIEU, 2004b).
Dessa forma, a pesquisa se orientou em um primeiro momento para a construção da
estrutura de distribuição de capital, para isso, tomei diversos elementos do campo como
indicadores das formas objetivadas e institucionalizadas do capital. Este trabalho permitiu
compreender a lógica de acumulação e distribuição de capital no departamento de genética,
apontando a chefia do laboratório como princípio de acumulação desigual no campo.
Posteriormente, passo a analisar a prática científica dos docentes-pesquisadores citados acima.
O primeiro contato com estes dois professores deu-se com minha participação nas práticas
teórica e de laboratório da disciplina genética. Em seguida, estendi este contato para algumas
visitas nos laboratórios onde eles pesquisam, sucedidos de duas entrevistas realizadas com
cada um deles.
A disciplina genética básica foi escolhida justamente por transmitir os conceitos
básicos da disciplina, sendo, ainda, o primeiro contato dos alunos com a ciência genética no
curso de biologia. Durante toda a pesquisa (realizada em 2005 e começo de 2006), três
professores ministraram a genética básica, são eles: Beatriz, Caio e Liana. Ao passar para a
construção da estrutura de distribuição de capital no Departamento de Genética, verifiquei que
Liana havia passado em recente concurso, em 2006, para o Instituto de Microbiologia.
Somando a isso o fato de que era professora substituta no Departamento de Genética e que
7
Nesta pesquisa, os nomes de todos os docentes-pesquisadores do Departamento de Genética foram trocados.
9
havia começado a lecionar genética básica em 2005, decidi por focar minha análise da prática
e visão de mundo, nos docentes-pesquisadores Beatriz e Caio.
As entrevistas foram realizadas em sua maioria no CCS Centro de Ciência da Saúde
–, exceto a entrevista com o docente-pesquisador Ovídio, que foi realizada no INCA. Como
os professores me conheciam das aulas que eu vinha assistindo, marcar as entrevistas foi
um processo que ocorreu sem problemas. O roteiro para as entrevistas foi elaborado de acordo
com questões teóricas, e também por aquelas suscitadas pelo trabalho de campo, na primeira
entrevista com cada docente-pesquisador, ele é dividido em quatro eixos temáticos: histórico
acadêmico, pesquisa, ensino e prática pedagógica. Posteriormente, elaborei um roteiro para
Beatriz e outro para Caio com três eixos temáticos: produção de conhecimento em genética,
pesquisa e prática teórica.
Para realizar o processo de entrevistar os docentes-pesquisadores, me referenciei em
Alonso (2003). Assim a entrevista toma a forma de um processo comunicativo. Falar em
processo implica dizer, neste caso, que o ato de entrevistar uma pessoa será parte constitutiva
do texto, do discurso criado pelo entrevistado. O entrevistador e o entrevistado constroem
esse processo no momento mesmo em que a entrevista se realiza. As informações colhidas no
ato da entrevista podem ser vistas como uma reelaboração do coletivo, do grupal, pelo
indivíduo. Problematizar este instrumento de coleta de informações é percebê-lo como campo
intermediário entre o campo puro da conduta e o lugar puro da lingüística (ibid:72). O
entrevistado reelabora as representações coletivas, grupais, sendo esta, portanto, a sua
interpretação do objeto que o pesquisador estuda. A entrevista aberta deve servir como
elemento complementar do processo de investigação de um objeto. No caso da pesquisa que
se propõe a coletar discursos, Bourdieu diz que “pode-se e deve-se coletar os mais irreais
discursos, mas com a condição de ver neles, não a explicação do comportamento, mas um
aspecto do comportamento a ser explicado” (BOURDIEU, 2005b).
A dissertação está organizada em três partes. Primeira parte: através de três diferentes
abordagens faço uma introdução à sociologia da ciência. Segunda parte: entre artigos,
conferências, aulas, e livros, apresento a teoria do campo científico de Bourdieu. A terceira
parte traz a construção do objeto, a pesquisa de campo.
Na primeira parte apresento as perspectivas de Merton, Programa Forte e Latour na
pesquisa em sociologia da ciência. Considero Merton como marco no desenvolvimento
teórico da sociologia da ciência. Em um primeiro momento, Merton se preocupa em trazer
para a discussão sociológica uma abordagem da ciência como uma instituição social que se
encontra em relação com outras instituições sociais. Em diversos estudos, Merton se volta,
10
por exemplo, para definir qual a estrutura social apresenta o melhor contexto institucional
para o desenvolvimento da ciência: como o nazismo, na época de seu aparecimento,
influencia a ciência da Alemanha, como a ética protestante foi decisiva para o
desenvolvimento da ciência no século XVII, etc. Posteriormente, ele passa desta perspectiva
externalista para o interior da comunidade científica, desenvolvendo estudos sobre a
ambivalência das ações dos cientistas e sobre a competição por prioridade. Entre suas
contribuições para a sociologia da ciência, estão a noção de ethos da ciência e ambivalência
dos cientistas. O programa forte em sociologia da ciência tem em David Bloor e Barry Barnes
seus principais teóricos. Bloor e Barnes ligam-se à Escola de Edinburgo e vão levar o
relativismo para as análises da ciência. Assim, todo conhecimento deve ser abordado como
produto social, como produto de interesse de grupos específicos que compõem a sociedade. A
perspectiva de análise do programa forte em sociologia da ciência tem com eixo analítico
quatro princípios básicos que devem orientar o pesquisador no estudo de seu objeto, são eles:
princípio da causalidade, princípio da imparcialidade, princípio da simetria e princípio da
reflexividade. Latour diz que é preciso ir a campo para se analisar a ciência, e que esta se
realiza no laboratório, adota este como objeto empírico de análise para discutir o fato
científico e o contexto de sua produção. Latour adentra o laboratório para estudar a produção
da ciência da forma como se estuda uma tribo exótica, para isso adota uma escala micro-
sociológica de análise. Para analisar a perspectiva construtivista de Latour, que afirma serem
os fatos científicos construídos no laboratório e sujeitos a todas as variáveis contextuais,
utilizo sua obra A vida de laboratório: a produção dos fatos científicos (1997).
Na segunda parte, faço uma leitura de Bourdieu enfatizando como ele apresentou sua
teoria do campo científico desde sua primeira formulação, em 1975, até o livro Para uma
Sociologia da Ciência publicado em Lisboa (Portugal) em 2004 (tradução de Science de la
Science et Reflexivité (2001)). Em sua primeira formulação da teoria do campo científico, em
1975, Bourdieu apresenta os aspectos mais gerais do campo, posteriormente detalhados por
ele ao longo de sua trajetória. Nos escritos posteriores a 1975, ele passa a focar sua atenção no
desenvolvimento de questões como: interesse, desinteresse, os lucros na universalização, a
autonomia do campo, os tipos de capital científico, o habitus científico, a produção da
objetividade, etc.
Na terceira parte apresento a pesquisa de campo. Esta parte se subdivide em três
tópicos: Estrutura do Departamento, Tomadas de Posição e Visão de Mundo. No primeiro,
através das informações coletadas em diferentes fontes, construí a estrutura de distribuição de
capital no departamento, tomando o princípio de organização do espaço social de Bourdieu
11
(BOURDIEU, 2005a), como princípio desta construção. Este recurso me permitiu organizar
as diferentes formas que o capital se apresenta (objetivado, institucionalizado, incorporado), e
construir a hierarquia de acumulação de capital no departamento de genética. A partir daí,
demonstro a lógica de acumulação de capital no campo, estabelecendo como os elementos
hierarquizados se relacionam a partir do princípio de acumulação desigual de capital, a saber;
a chefia de laboratório. Nos outros dois utilizo as informações qualitativas que construí a
partir das entrevistas, da participação nas práticas teóricas e de laboratório, e nas conversas
que mantive com Caio e Beatriz, para demonstrar como o habitus científico em sua forma
geral, toma formas particulares nas trajetórias destes dois pesquisadores. Para isso, primeiro
trabalho com as disposições mais diretamente relacionadas ao capital vinculado à pesquisa e
em seguida me concentro em demonstrar como Beatriz apresenta uma trajetória particular em
relação aos outros pesquisadores do departamento, acumulando capital na área de educação
concomitante com o desenvolvimento de uma disposição para a prática pedagógica. Na última
parte trabalho as metáforas utilizadas por Caio e Beatriz nos diversos momentos em que tive
contato com eles. Identifico a partir das metáforas que os dois usam, como eles vêem o corpo
e que tipo de prática se vincula a esta visão de corpo. Dessa forma, resgato os diversos
momentos em que estas metáforas surgem, vinculando-as tanto a práticas empíricas como ao
sistema simbólico que dá lhes dá sustentação.
A Genética como Campo Científico
12
O referencial teórico norteador desta pesquisa encontra-se em Bourdieu, mais
especificamente em sua teoria sobre o campo científico. Os questionamentos sobre o
conhecimento genético convergem, pela ótica da teoria do campo, para a necessidade de
construir a lógica de acumulação de capital científico no espaço concorrencial construído
pelos agentes na disputa pelo monopólio do capital científico. A teoria do campo constrói a
estrutura objetiva do espaço de posições, constrói os esquemas de pensamento e ação que
contribuem para a (re)produção daquela prática, estabelece de que forma os elementos do
campo se relacionam. Pode-se, a partir daí, buscar as tomadas de posição empíricas dos
agentes envolvidos neste campo, de modo que tal construção da estrutura evite a
substancialização da prática dos cientistas por meio de uma identificação mecânica entre a sua
prática e sua suposta
8
posição no campo (BOURDIEU, 2005a:16). Com efeito, ao buscar
construir a estrutura de distribuição do capital científico, estabelece-se o campo de
possibilidades de ação dos agentes circunscrito pelo capital acumulado (tanto em volume
como pelo tipo específico), pela posição do agente no espaço das posições e pelo habitus. Tal
perspectiva é relacional, haja vista que é possível construir a posição do(s) agente(s) no
campo construindo a estrutura de distribuição de capital científico no mesmo, ou seja,
relacionando todos os agentes entre si, em suas posições, em seu capital acumulado, e em suas
disposições
9
.
Assim, fui para o campo, entendendo como problema central nesta pesquisa, o
estabelecimento da estrutura de distribuição do capital científico no departamento de genética,
e mais especificamente, da construção das tomadas de posição dos docentes-pesquisadores
Beatriz e Caio, que lecionam a disciplina genética básica.
8
Se não há a construção da estrutura de distribuição de capital científico no campo, não se pode falar da posição
efetiva ocupada pelos(s) agente(s) e das respectivas tomadas de posição.
9
Ibdem:16-23.
13
O Instituto de Biologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro
10
(UFRJ) está
localizado no CCS Centro de Ciências da Saúde na Cidade Universitária ou Ilha
do
Fundão
11
. O CCS é constituído por 21 unidades entre Institutos, Faculdades, Núcleos e
Hospitais, dentre estes pode-se destacar: o Instituto de Biofísica, fundado em 1946, e sob o
comando do pesquisador Carlos Chagas Filho foi pioneiro no Brasil no uso de técnicas da
física moderna aplicadas à biologia, ou o Instituto de Microbiologia, que tendo a sua frente o
pesquisador Paulo de Góes é “considerado a matriz e o celeiro de uma geração inteira de
microbiologistas brasileiros” (FÁVERO, 2000:64).
O CCS é composto por sete pavilhões interligados por dois corredores com três pontos
de acesso; as entradas que chamarei de Norte1 e Norte2 e a entrada Oeste. O Instituto de
Biologia está localizado no pavilhão A, primeiro pavilhão da entrada Oeste. O pavilhão A que
tem sua planta idêntica à de todos os outros pavilhões, possui três pisos sendo um
subterrâneo. O lado esquerdo do pavilhão no subsolo, térreo e andar fica reservado para os
laboratórios, e secretarias dos departamentos (existem desse lado 1 ou 2 salas onde podem
ocorrer aulas práticas). Do lado direito do pavilhão, no subsolo, está um centro de estudos do
NUTES Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde laboratórios dos departamentos
da Faculdade de Farmácia, Ecologia e Biologia Marinha. No térreo encontram-se as salas para
as práticas teóricas, a secretaria da seção de ensino, a secretaria do departamento de ecologia e
algumas salas do NUTES. No andar temos as salas de aula, os laboratórios e três dos
10
A Universidade do Brasil foi criada por lei oriunda do Poder Legislativo em 5 de julho de 1937, ainda antes
do Estado Novo. Dava continuidade à antiga Universidade do Rio de Janeiro, criada na década de 1920 como
uma reunião das escolas superiores existentes na cidade. A novidade havia sido anunciada em 1931, quando
Francisco Campos estava à frente do Ministério da Educação e assinou decreto estabelecendo que o sistema
universitário deveria ser preferencial ao conjunto de escolas superiores isoladas. O ministro Gustavo Capanema,
dando continuidade ao projeto de Francisco Campos, formou em julho de 1935 uma comissão encarregada de
estudar a ampliação da Universidade do Rio de Janeiro, que em 1937 passaria a denominar-se Universidade do
Brasil. A comissão era composta de 12 membros, incluindo professores e intelectuais de diferentes tendências
ideológicas, como Inácio Azevedo Amaral, Edgar Roquete Pinto e Lourenço Filho. Ao ser criada, a
Universidade do Brasil reuniu 15 escolas ou faculdades que receberam a denominação de "nacionais" e 16
institutos, alguns dos quais existentes, além do Museu Nacional. A Universidade do Brasil, com a reforma
universitária iniciada em 1965, transformou-se na Universidade Federal do Rio de Janeiro”.
Fonte: <http://www.cpdoc.fgv.br/nav_historia/htm/anos37-45/ev_ecp_ub.htm> Acesso em: 15 abr. 2005.
11
“A idéia da construção de um campus único que concentrasse as atividades da universidade data de 1935.
Após dez anos de estudos (de 1935 a 1945) elaborados por diversas comissões para diferentes locais, em 1948
optou-se por situar a cidade universitária em uma ilha artificial na baía de Guanabara, no Estuário de
Manguinhos, na Enseada de Inhaúma - formada pelos rios Jacaré, Farias e Timbó. Assim, no período de 1949 a
1952, nove ilhas (Cabras, Pindaí do Ferreira, Pindaí do França, Baiacu, Fundão, Catalão, Bom Jesus, Pinheiro e
Sapucaia) foram interligadas, totalizando uma superfície de 4,8 milhões de metros quadrados, para abrigar a
Cidade Universitária. Atualmente, a Ilha da Cidade Universitária possui um conjunto de edificações que
congregam 60 unidades acadêmicas e instituições afins conveniadas, além de setores técnicos, esportivos e
administrativos da Universidade do Brasil”. Fonte: <http://www.ufrj.br/institucional/ahistoria/home.php>
Acesso em: 15 abr. 2005.
14
quatro departamentos do curso de farmácia. As salas onde se realizam as práticas de
laboratório do curso de biologia ficam no bloco D.
O Instituto de Biologia foi criado em 1968 a partir do departamento de História
Natural da Faculdade Nacional de Filosofia. O Instituto congrega cinco departamentos
vinculados ao curso de Biologia, são eles; Departamento de Biologia Marinha (Biomar),
Departamento de Botânica, Departamento de Ecologia, Departamento de Genética,
Departamento de Zoologia. O curso de Biologia é oferecido no período matutino/vespertino
(Bacharelado em Biologia) ou noturno (Licenciatura em Biologia). No período m/v, após o
quarto semestre, os alunos realizam uma opção de curso, se irão fazer bacharelado em uma
das cinco áreas citadas acima, ou, ainda, se vão seguir a licenciatura em Biologia. No período
noturno o curso é de licenciatura em Biologia, mas como o regime de créditos é semestral,
existem alguns alunos que optam pelo curso noturno, mas cursam disciplinas no bacharelado,
como é o caso de João, Leonardo e Tássia, alunos que são do noturno, mas que estavam
assistindo disciplinas no bacharelado. Segundo João, ele pretende adiantar algumas
disciplinas para quando se formar na licenciatura diminuir o tempo para conseguir seu
diploma de bacharel. Na Pós-Graduação o Instituto sedia os Programas de Pós-Graduação em
Ecologia e Genética (Mestrado e Doutorado). Os professores dos cinco departamentos do
Instituto mantêm pesquisas em parcerias com outros Institutos, Centros, Faculdades,
Universidades e laboratórios, tanto do Brasil como do exterior. As atividades de pesquisa são
desenvolvidas através de mais de setenta e cinco linhas de pesquisa. Juntos, os dois programas
de pós-graduação concederam mais de 250 títulos de mestre e mais de cem títulos de
doutor.
Em termos de estrutura administrativa o Instituto está organizado da seguinte forma:
pela direção do Instituto e por uma congregação que é constituída por um representante de
cada departamento, um representante de cada uma das pós-graduações do Instituto,
representantes de professores adjuntos, representantes dos professores assistentes, dos alunos
e dos funcionários. Quando a congregação se reúne, ela se torna o órgão máximo de decisão.
A presidência da congregação é assumida pela diretora ou pela vice-diretora do Instituto.
O Instituto de Biologia nasce do antigo Departamento de História Natural da
Faculdade Nacional de Filosofia, onde se realizava pesquisa em genética. De acordo com
Fávero a pesquisa em genética no Brasil recebe contributos valorosos a partir de 1948, através
das pesquisas de Cavalcanti na FNFi e da vinda de Theodosius Dorbzahansky,
Na área de história natural, apesar da precariedade das condições de trabalho
oferecidas pela UB, houve iniciativas desenvolvidas na Faculdade Nacional de
15
Filosofia que marcaram em termos de estudo e pesquisa. Entre seus professores e
pesquisadores, o nome de maior destaque é o de Antonio Lagden Cavalcanti, que
publica, em 1948, um estudo no periódico Genetics, à época, a mais importante revista
especializada em genética nos Estados Unidos. Nesse mesmo ano, o cientista
Theodosius Dorbzahansky vem ao Brasil e reúne uma equipe de 12 geneticistas,
constituídas por brasileiros, argentinos, chilenos e suíços, sob o patrocínio da
Fundação Rockfeller. (FÁVERO, 2000:66)
As dificuldades com as precárias condições de trabalho na FNFi continuaram no
Instituto de Biologia, como pode-se perceber no discurso de Ovídio, um dos pesquisadores do
departamento.
Eu comecei quando ainda era o antigo posto de história natural, eu comecei a fazer
história natural e terminei no Instituto de Biologia. Mas o Instituto de Biologia
também ele não era nada comparado àquilo que a gente faz hoje (...) não havia as
pesquisas, os laboratórios... era pouca gente que fazia pesquisas nos laboratórios,
quase não havia pesquisas, então a formação do pessoal era uma formação mais
teórica do que prática, uma ou outra coisa se fazia [em pesquisa] (OVÍDIO, entrevista
1
12
)
Ovídio realiza sua graduação entre 1964 e 1968, portanto, passa a maior parte de sua
graduação na Faculdade Nacional de Filosofia, que o Instituto de Biologia surge em 1968.
Segundo Ovídio, em 1975, o pesquisador Antônio Cordeiro
13
é convidado para estruturar o
departamento de genética. Contando com o apoio dos professores do departamento e dos
professores do Instituto de Biofísica, Cordeiro consegue realizar um concurso no
departamento que trouxe diversos pesquisadores, além de ter criado a pós-graduação em
genética. As “coisas começaram a mudar com a chegada de Antônio Cordeiro”, diz Ovídio.
Sendo Cordeiro, pesquisador reconhecido, foi-lhe dada certa autonomia para montar um
grupo de pesquisadores em genética. Cordeiro introduz o capital científico internacional no
departamento, traz pesquisadores estrangeiros, promove a cooperação nas pesquisas e
consegue a aprovação do Mestrado em Genética apenas um ano após sua chegada. Em 1983
ele cria o laboratório de genética molecular vegetal, que será posteriormente chefiado por
Débora, e desde 1998 pelo pesquisador Mauro.
Ovídio diz que quando começou a pesquisar no departamento ele não começou em um
laboratório, ele começou em um espaço “... não foi pra um laboratório que eu fui, foi pra um
espaço”. Ele desconhece como andam as outras áreas, mas diz que de uma maneira geral fazer
pesquisa em genética é mais caro que em outras áreas, além da pesquisa ser mais demorada.
Dessa forma um pesquisador em zoologia poderia ir pra campo e encontrar três novas
12
A partir daqui todas as entrevistas serão identificadas pela letra “e”, em minúsculo, seguida do numero da
entrevista, que por sua vez, indica a ordem em que as entrevistas foram realizadas.
13
Cordeiro foi um dos 12 pesquisadores que integrou a equipe chefiada pelo russo Dorbzahansky financiada
pela Fundação Rockfeller em 1948.
16
espécies e escrever assim três novos artigos, mas em genética os resultados são mais
demorados. A genética para ele é por “natureza” mais competitiva do que outras áreas,
tornando, assim, mais prolongado o tempo de publicação de um artigo.
O departamento de genética, de acordo com Ovídio, começa ministrando somente
duas disciplinas para o curso de Biologia. Atualmente, no currículo do básico, a genética
ministra três disciplinas
14
. No entanto, o departamento de genética é o único departamento do
Instituto que ministra disciplinas para outros cursos da UFRJ, são elas: genética e evolução
para Enfermagem, genética e evolução para Nutrição, genética e evolução para Odontologia,
genética e evolução para Medicina, genética para Fonoaudiologia, genética para farmácia e
genética para Psicologia.
Inicialmente, no curso de biologia, as duas disciplinas que o departamento lecionava
eram genética básica e evolução. Atualmente, a disciplina biologia geral também está sob a
responsabilidade do departamento de genética. Minha inserção no campo deu-se a partir de
minha participação nas práticas teóricas e de laboratório da disciplina genética básica. Entre
1994 e 2004 a genética básica foi ministrada por 10 professores. Entre estes o pesquisador
Telles se destaca, ele começa a lecionar a disciplina em 1994 como professor assistente
convidado, em 1998 é efetivado como professor adjunto com regime de quarenta horas.
Infelizmente quando a pesquisa teve início este pesquisador estava se transferindo para a
Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
A disciplina genética básica, como se disse, é oferecida pelo departamento de genética
para o curso básico em biologia, que compreende quatro semestres e antecede a escolha do
aluno sobre qual departamento escolherá para realizar seu bacharelado. A disciplina é
ministrada em setenta a cinco horas que se dividem em trinta horas teóricas e quarenta e cinco
horas práticas. As aulas acontecem sempre às quartas e sextas das 13:00 às 17:00, e são
divididas em duas partes: A primeira parte são duas horas de prática teórica em que toda a
turma
15
se encontra reunida. Na segunda parte, metade da sala vai para a aula de prática de
laboratório e a outra metade fica na sala de prática teórica realizando uma espécie de aula de
reforço, onde o professor pode dar mais atenção aos alunos de forma individual, pois a turma
se encontra reduzida. Contudo, ao participar do estudo dirigido percebi que tanto os alunos
como o professor ou o monitor encaravam esta parte da aula de forma mais livre, que não
lista de chamada, os alunos freqüentemente saíam e voltavam no final para pegar
mochila, cadernos, etc., não havia também “tarefas” ou temas específicos para serem tratados
14
O departamento de botânica ministra 4 disciplinas, o de biologia marinha nenhuma, o de ecologia duas, o de
genética três disciplinas e o de zoologia 4.
15
Na primeira turma que acompanhei havia 46 alunos, na segunda 54.
17
ali, salvo listas de exercícios que os alunos ficam resolvendo, e até isso parecia não ser
obrigatório, sendo comum os alunos ficarem na sala estudando outras disciplinas,
conversando ou ficarem na porta da sala batendo papo.
Beatriz e Caio entram para o departamento como docentes-pesquisadores,
respectivamente, em agosto de 1997 e fevereiro de 1998. Beatriz começa a lecionar a
disciplina genética básica sete meses após passar no concurso do departamento. Caio começa
a lecionar a mesma a partir do ano 2000. A disciplina está dividida em dois módulos, por sua
vez, cada módulo é dividido em prática teórica e a prática de laboratório. O módulo I ou
genética clássica é ministrado pela professora Beatriz, o módulo II ou biologia molecular é
ministrado por Caio. Os respectivos programas são elaborados por eles, e de uma forma geral,
são fiéis à ementa da disciplina, pelo ao menos no papel. O caso é que Caio prepara suas aulas
também para os alunos que não vão fazer genética e que podem utilizar a genética como
ferramenta na sua área, ele realiza diversas intervenções no quadro desenhando processos
moleculares ao longo de todas as aulas. Beatriz se preocupa com o processo de ensino-
aprendizagem e por isso investe em técnicas de exposição, e também passou a adotar
dinâmicas diferentes para sua aula, coisas como: dar teoria e mandar realizar um exercício em
grupo, depois pedir pra algum aluno apresentar a resposta no quadro, passar um exercício
individual que vale “x” décimos na nota, apresentar uma animação em datashow ou
transparência no retroprojetor, etc. Beatriz ministra tanto a prática teórica como a prática de
laboratório. Caio lecionou, durante o período em que estive em campo, somente a parte de
prática teórica ficando a professora substituta Liana
16
responsável pela prática de laboratório.
Durante a pesquisa acompanhei as práticas teóricas e de laboratório da disciplina genética
básica, ministrada para duas turmas, respectivamente, no primeiro e segundo semestres de
2005. Também realizei visitas aos laboratórios dos docentes-pesquisadores Beatriz e Caio e
aos laboratórios onde João e Leonardo são bolsistas.
O departamento de genética, atualmente, é constituído por sete laboratórios, mais a
incubadora de laboratórios, são eles: laboratório de malformações congênitas, laboratório de
genética molecular bacteriana, laboratório de virologia molecular, laboratório de
biodiversidade molecular, laboratório de genética de populações de drosophila, laboratório de
genética molecular vegetal, laboratório de genética molecular de eucariontes. Na incubadora
de laboratórios existem os laboratórios de ictiogenética e o laboratório de genética humana.
Caio é pesquisador do laboratório de genética molecular de eucariontes, e Beatriz pesquisa no
16
Liana entra no departamento em 2004 como professora substituta. Em 2005 ministra a prática de laboratório da
disciplina genética básica. No começo de 2006 ela passa no concurso realizado pelo Instituto de Microbiologia e
assume como professora adjunta com carga horária de 40 horas.
18
de populações de drosophila. Caio desenvolve pesquisas na área de interação de
microorganismos desde sua graduação. Beatriz pesquisa na área de evolução em populações
de drosophilas também desde sua graduação. Os laboratórios do departamento de genética
ocupam quase todo o andar do lado esquerdo do bloco A, pela entrada oeste. São nestes
laboratórios que 29% dos alunos e alunas do curso de biologia (maior índice de recrutamento
entre todos os departamentos do Instituto de Biologia), entre 2001 e 2005, cursaram seu
bacharelado.
Assim, tomei como objeto empírico de pesquisa, a prática científica de dois docentes-
pesquisadores do departamento de genética da UFRJ, utilizando como ponto de inserção no
campo, minha presença na disciplina genética básica, ministrada pelo departamento de
genética para o 3º período do curso de biologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Os
laboratórios de genética molecular de eucariontes, e de populações de drosophila, locais onde
Caio e Beatriz realizam suas pesquisas, são fundados no início dos anos 80, pelos
pesquisadores Ovídio e Klazcko. Caio recebe a chefia de laboratório do próprio Ovídio em
2004, e Beatriz retorna ao laboratório onde pesquisou durante sua graduação, mestrado e
doutorado.
19
Parte I
A Sociologia da Ciência: Perspectivas
de Análise
20
A contribuição de Robert King Merton
Considero os trabalhos de Merton como marco teórico na sociologia da ciência. Em
“Sociologia: Teoria e Estrutura” Merton propõe dois objetivos para a sociologia da ciência:
primeiro, tratar da interdependência entre estrutura social e ciência, em outras palavras, a
ciência é uma instituição social como outras instituições sociais e se relaciona com estas de
formas diversas; segundo, realizar uma análise funcional desta interdependência (MERTON,
1970:634). Assim a sociologia da ciência proposta por Merton, em um primeiro momento,
oferece uma abordagem da ciência como uma instituição social que se encontra em relação
com outras instituições sociais. Merton percebe que as análises sociológicas sobre a ciência,
até aquele momento, se preocuparam em estudar as influências da ciência sobre as estruturas
sociais, deixando de lado o problema do caminho inverso, ou seja, como a estrutura social,
por meio de suas diversas instituições pode influenciar a ciência. Inaugura-se, desta forma,
uma perspectiva da análise sociológica da ciência que permite questionar como as diversas
relações entre ciência e instituições sociais podem influenciar o desenvolvimento da ciência.
Merton inicia seus estudos universitários em 1930, em Harvard, onde tem a
oportunidade de ingressar em uma pesquisa ficando responsável pelo estudo do
desenvolvimento da ciência. Como resultado dessa participação escreve, em 1933, a
dissertação “Ciência, tecnologia e sociedade na Inglaterra do século XVII” (LIMA,2002:154).
Esse é o primeiro trabalho de Merton onde a ciência é objeto de análise. Em 1937 apresenta
na American Sociological Society Conference, o trabalho “A Ciência e a Ordem Social”
(MERTON, 1970:637), para, a partir daí, desenvolver outros estudos nessa mesma linha de
pesquisa.
No capítulo “A Ciência e a Estrutura Social Democrática
17
”, Merton deixa claro que
não quer estudar os métodos da ciência em sua dimensão técnica, mas sim os costumes que
circundam estes métodos. É uma análise da estrutura cultural da ciência e, portanto, “de um
aspecto limitado da ciência como instituição” (MERTON, 1970:652). E para não haver
dúvidas sobre qual “estrutura social” fornece o melhor “contexto institucional” para o
17
Merton, Robert K. Sociologia: Teoria e Estrutura. São Paulo, Mestre Jou, 1975.
21
desenvolvimento da ciência, é neste capítulo que ele introduz a noção de “ethos” com seus
quatro imperativos institucionais; universalismo, comunismo, desinteresse e ceticismo
organizado.
O ‘ethos’ da ciência se refere a um complexo de tom emocional de regras, prescrições,
costumes, crenças, valores e pressupostos, que obrigam moralmente os cientistas.
Algumas fases desse complexo podem ser metodologicamente desejáveis, mas a
observância das regras não é dita somente por considerações metodológicas. Este
‘ethos’, como os códigos sociais em geral, é apoiado pelos sentimentos daqueles a
quem se aplica. A transgressão é reprimida por proibições admitidas pelo grupo e por
reações emocionais de desaprovação, posta em movimento pelos que apóiam o
‘ethos’. (MERTON, 1970:641).
O universalismo vai se expressar em critérios impessoais pré-estabelecidos, as
“pretensões à verdade” devem ser submetidas a esse critério para serem científicas. O
imperativo do universalismo tanto se aplica aos critérios impessoais que dizem respeito “A
circunstância de que as formulações cientificamente verificadas se referem a seqüências e
correlações objetivas [...]” (MERTON, 1970:654), como também à questão da seleção dos
pesquisadores ou cientistas. De acordo com Merton
O universalismo encontrou nova expressão, ao exigir que todas as carreiras fossem
abertas ao talento. A base racional é fornecida pela meta institucional. Restringir as
carreiras científicas por outros motivos que a falta de competência é prejudicar a
promoção do saber. O livre acesso às atividades científicas é um imperativo
institucional. (MERTON, 1970:656).
O comunismo diz respeito à produção e obras científicas, onde estas devem ser
socializadas. No entanto, a socialização dos produtos da ciência não acontece somente entre
os pares de determinada disciplina científica, a produção e as obras científicas devem ser
compartilhadas com a sociedade, devem ser de uso público,
O comunismo do ‘ethos’ científico é incompatível com a definição da tecnologia
como ‘propriedade privada’ numa economia capitalista [...] As patentes registram
direitos exclusivos de uso e, muitas vezes, de não uso[...] Como medida defensiva
muitos cientistas chegaram a patentear sua obra para garantir que seria posta à
disposição do uso público. Enstein, Millikan, Compton, Langmuir tiraram patentes.
(MERTON, 1970:661-2).
O desinteresse como imperativo institucional quer dizer “um padrão típico de controle
institucional de uma ampla margem de motivações [...]” (MERTON, 1970:660). Merton ao
falar de desinteresse alicerça-o no “caráter público e testável da ciência” onde a instituição
impõe uma atividade desinteressada ao cientista restando a este “conformar-se sob pena de
22
sanções e, na medida em que a norma foi assimilada, sob pena de conflito psicológico”
18
. A
dimensão “testável” diz respeito ao julgamento pelos pares em “um policiamento rigoroso,
sem paralelo, talvez, em qualquer outro campo de atividade”
19
O imperativo institucional, ceticismo organizado, refere-se a uma atitude cética do
cientista, questionar as bases consagradas da rotina e da esfera do sagrado é fundamental para
alicerçar o conhecimento científico. O cientista deve questionar qualquer área da sociedade,
“o pesquisador cientista não respeita a separação entre o sagrado e o profano, entre o que
exige respeito sem crítica e o que pode ser objetivamente analisado” (MERTON, 1970:662).
Sobre o universalismo que proporciona o livre acesso às carreiras científicas como
meta institucional, creio que Merton não atenção ao fato de que o processo de seleção dos
cientistas não é nada imparcial. Uma forma mais eficaz de enxergar o que acontece é perceber
que os sujeitos que postulam uma carreira científica passaram ao longo de sua trajetória
social e acadêmica por um processo de seleção, de tal forma que, aqueles que pretendem à
carreira científica devem ter adquirido as disposições necessárias para tal. Merton enuncia
as noções de “talento” e “competência” (MERTON, 1970:634) em sua argumentação, mas,
apesar de o “ethos” ser o “ethos” da ciência, o que o leva a perceber que os cientistas poderão
“assimilar normas de casta e cerrar suas fileiras a indivíduos de classe julgada inferior”
20
,
Merton não enxerga que a seleção de cientistas não pode, de forma alguma, ser “universal”
pelo simples fato de que os que ali estão foram selecionados pelo sistema escolar, onde a
competência ou talento relaciona-se com disposições trazidas de casa, evidenciadas no capital
cultural incorporado. Nas palavras de Bourdieu,
Através de uma série de operações de seleção, ele [sistema escolar] separa os
detentores de capital cultural herdado daqueles que não o possuem. Sendo as
diferenças de aptidão inseparáveis das diferenças sociais conforme o capital herdado,
ele [sistema escolar] tende a manter as diferenças sociais preexistentes. (BOURDIEU,
2005a:37).
Assim o acesso universal às carreiras científicas passa pela série de exclusões e
seleções que o sistema escolar coloca em movimento. Dizer “sistema escolar” na concepção
de Bourdieu não é perder de vista o agente, caindo na antinomia estrutura-agente, mas sim
perceber que o habitus como disposição adquirida, permite analisar a prática científica como
um ofício, ou seja, “um sentido prático dos problemas a tratar, das maneiras adaptadas para os
tratar, etc.” (BOURDIEU, 2004b:59).
18
Ibidem.
19
Ibidem.
20
Ibidem: 656.
23
Quando Merton enuncia o comunismo como imperativo institucional amplia a idéia de
comunismo da produção e obras científicas para além do meio científico, incluindo a esfera
pública nesta socialização. No entanto, o acesso público a esse conhecimento não será
determinado exclusivamente pela ciência, pois o processo de implementação de uma política
pública de acesso ao que é produzido no laboratório ultrapassa este. Neste caso, outras
instituições terão peso na decisão e efetivação deste acesso (o que indica que a ciência não é
um “laboratório isolado” entre outros campos sociais, mas que é, também, nesta relação com
outras instituições sociais que a ciência se legitima). Dizer isso talvez seja radicalizar a
hipótese geral levantada por Merton das relações entre ciência e outras instituições sociais. No
entanto, como contribuição, creio que análise deva levar em consideração, também, os
diversos outros elementos que podem ter alguma relação com a questão do comunismo nos
termos colocados por Merton. Desta forma, seguindo a proposta de Hochman (2002), diria
que as disputas que envolvem os cientistas e também os não cientistas sobre os direitos de
propriedade intelectual, devem ser trazidas para o debate.
Em oposição ao desinteresse como “padrão típico de controle institucional” Bourdieu
introduz, primeiro, a noção de interesse e depois a substitui pela noção de illusio ou libido,
A illusio é estar preso ao jogo, preso pelo jogo, acreditar que o jogo vale a pena ou, para
dizê-lo de maneira mais simples, que vale a pena jogar [...]” (BOURDIEU, 2005a:139-140).
Merton, portanto, radicaliza ao ver somente “conformação sob pena de sanção” (MERTON,
1970:660), existe um interesse no desinteresse, um interesse pelo objeto que ocupa uma
posição na estrutura das posições hierarquizadas dos objetos de pesquisa.
Para Merton a meta institucional da ciência é “a ampliação dos conhecimentos
comprovados” (MERTON, 1970:653). Postular tal meta à ciência é no mínimo complicado.
Primeiro, porque se a meta institucional da ciência é a ampliação dos conhecimentos
comprovados, o sociólogo que estuda a ciência, acreditando nisto, pode se limitar a uma
análise interna da mesma. Segundo, perde por não perceber as vantagens que um laboratório e
seus pesquisadores podem obter no campo científico, com a realização de uma pesquisa que
tenha sido tomada pelos pares como relevante para determinada área da ciência, por exemplo,
um aumento nas verbas para pesquisa, aumento do capital científico dos pesquisadores
envolvidos na pesquisa, aumento do crédito da Faculdade, Instituto, Centro, Laboratório, etc.,
onde se desenvolve a pesquisa, junto a outras instituições de pesquisas ou instituições que
financiam pesquisas. Terceiro, porque as Instituições Científicas (re)produzem uma visão de
mundo, um ponto de vista sobre a realidade que postula a legitimidade do seu discurso no
espaço dos pontos de vista. (BOURDIEU, 2004a: 43-48). Quarto, porque não se pode
24
esquecer a problemática que existe nas ciências sociais a respeito da operacionalização dos
conceitos. Assim, reflexivamente, diria que se a meta institucional da ciência for a ampliação
dos conhecimentos comprovados, dificilmente a sociologia seria considerada ciência dada as
dificuldades em apreender na realidade construída pelo pesquisador conceitos como, por
exemplo, desinteresse ou democracia.
Quando analisa a ciência na Inglaterra do século XVII, Merton percebe que a ciência,
ali, não surgiu em um vazio social, mas que deve à religião muito de seu desenvolvimento. A
ciência é constituída por homens religiosos e, claro, cientistas. A ética puritana do trabalho
sistemático, metódico, onde a “perda de tempo, portanto, é o primeiro e o principal de todos
os pecados” (WEBER, 2001:125) expressa a racionalidade na construção das obras; caminho
para a salvação do indivíduo, já que “A reforma havia transferido da igreja para o indivíduo o
peso da salvação individual” (MERTON, 1970:680). Ora, a racionalidade e o empirismo
formam para Merton a “essência do espírito da ciência moderna” (MERTON, 1970:680). A
ética puritana serviu para orientar para a ciência indivíduos que congregavam ideais e práticas
religiosas. Para Merton subjaz ainda um outro tipo de comportamento mental com grande
relevância para a constituição da ciência, a saber; a crença em uma ordem das coisas, uma
ordem da natureza, mas, mesmo sendo “requisito prévio da ciência moderna” não era
suficiente para manifestar a ciência, era ainda necessário um interesse ativo pelo mundo
em conjugação com uma “estrutura mental específica”, e, com o protestantismo isso pôde
acontecer (MERTON, 1970:682-3). Vê-se, portanto, que a ciência em Merton é feita por
homens que congregam valores em comum. Merton sustenta a tese weberiana de que “a
crença no valor da verdade científica não procede da natureza, mas é um produto de
determinadas culturas” (MERTON, 1970:637), assim, a comunidade científica constitui-se
com base no ethos científico que, constituído por crenças, valores, normas, prescrições
orientam a ação do cientista. Todavia, como aponta Lima, citando Gieryn,
os valores constitutivos do ethos devem ser compreendidos como construtos analíticos
que ligam o objetivo institucional da ciência que, para Merton, é a extensão do
conhecimento estabelecido a certos padrões prescritos de comportamento que
facilitam o alcance desse objetivo. (Kropf; Lima, 1999).
Ao passar do enfoque das influências de outras instituições no desenvolvimento da
ciência, para o interior da comunidade científica, com estudos que “versam especialmente
sobre competição por prioridade e ambivalência nas atitudes dos cientistas” (KROPF; LIMA,
2002:155), Merton traz a comunidade científica para o debate, ainda que não tenha realizado
25
estudos específicos sobre este tema
21
. Contudo a sociologia da ciência de Merton não chega a
questionar o núcleo hard das ciências: sua teoria, negando-se, desta forma, a determinação
social do conhecimento em prol de uma “determinação social do comportamento dos
produtores de conhecimento científico” (SILVA, 1985:17-8).
A proposta de Merton se apresenta como uma abordagem externalista e duplamente
reducionista da ciência. Externalista porque busca, na interdependência entre as instituições,
as causas da mudança na ciência. Reducionista porque, em primeiro lugar, limita a análise da
sociologia à estrutura cultural da ciência, deixando de discutir o conteúdo do conhecimento
científico produzido pelas (diversas) disciplinas científicas. Em segundo lugar, porque mesmo
quando passa de uma análise externa para uma análise do meio científico, ou nas palavras de
Lima “do contexto sociocultural para o interior da comunidade” (LIMA,2002: 162), continua
dando ênfase à dimensão institucional no estudo da ciência ignorando a importância dos
agentes, ou para dizer de outra forma, dos cientistas. Merton não conseguiu fugir da
dicotomia instituição-indivíduo, ele a estrutura, mas não as disposições internalizadas
nos agentes que os levarão às suas estratégias, como se pode perceber no trecho abaixo, onde
Bourdieu crítica a visão de Merton sobre a ciência.
O estrutural-funcionalismo revela deste modo a sua verdade de finalismo das
entidades colectivas: a ‘comunidade científica’ é uma dessas entidades colectivas, que
alcança seus fins através de mecanismos sem sujeito orientados para fins favoráveis
aos sujeitos ou, pelo menos, aos melhores entre ele. ‘Parece que o sistema de
recompensas em física age de forma a atribuir as três espécies de reconhecimento
prioritariamente à investigação importante’ (MERTON, 1973:387). Se os grandes
produtores publicam as investigações mais importantes é porque o ‘sistema de
recompensa age de forma a encorajar os investigadores criativos a serem produtivos e
a desviar e a desviar os investigadores menos criativos para outros caminhos’
(MERTON, 1973:388) (...) Muito objectivista, muito realista, (não se duvida da
existência do mundo social, da existência da ciência, etc.), muito clássica (utilizam-se
os instrumentos mais clássicos do método científico), esta abordagem não faz a menor
referência à forma como são resolvidos os conflitos científicos. Aceita, de facto, a
definição dominante, logicista, da ciência à qual entende limitar-se (mesmo que possa
ferir um pouco esse paradigma). Seja como for, tem o mérito de colocar em evidência
algo que não pode ser percebido à escala do laboratório (BOURDIEU, 2004b:24-5).
Todavia, Kropf & Lima (1999) defendem que Merton “Em vez de fazer do ator social
um suporte para papéis estruturalmente determinados (...) mostra que as diferentes posições
ocupadas na estrutura social da ciência predispõem e motivam os cientistas a fazerem diversas
adaptações possíveis entre esses objetivos institucionais e os meios para realizá-los” (KROPF;
LIMA, 1999). Assim, Merton seria precursor em análises que buscam identificar diferentes
21
“(...) embora não tenha sido objeto de estudos específicos por parte de Merton, [a comunidade científica]
perpassa toda sua obra, além de que foi um tema comumente explorado por pesquisadores muito próximos dele.
A comunidade científica é menos estudada sob a perspectiva de grupo organizado que na perspectiva de sua ação
e do sistema de recompensas que proporcionam à sua dinâmica” (RABÊLO, 1993:42).
26
estratégias dos cientistas a partir de posições que ocupam na estrutura social da ciência. Dessa
forma, sua análise permite contrapor normas e valores institucionalizados na ciência, a uma
distribuição desigual de oportunidades entre os cientistas, antecipando-se, portanto, ao próprio
Bourdieu, na consideração das estratégias versus distribuição desigual de oportunidades para
explicar o comportamento dos cientistas.
Programa Forte – a sociologia da ciência volta à cena
O programa forte em sociologia da ciência tem em David Bloor e Barry Barnes seus
principais teóricos. Bloor e Barnes ligam-se a Escola de Edinburgo e vão levar o relativismo
para as análises da ciência, assim, todo conhecimento deve ser abordado como produto social,
como produto de interesse de grupos específicos que compõem a sociedade. A perspectiva de
análise do programa forte em sociologia da ciência tem com eixo analítico quatro princípios
básicos que devem orientar o pesquisador no estudo de seu objeto, são eles: princípio da
causalidade, princípio da imparcialidade, princípio da simetria e princípio da reflexividade.
O princípio da causalidade diz respeito à necessidade de leis para explicar os nexos
existentes entre o conhecimento cientifico e as estruturas sociais. Estas leis, dizem respeito às
“regularidades que se manifestam nos vários tipos de conhecimento e que permitirão a
construção de teorias explicativas” (RABÊLO, 1993, p. 87).
A imparcialidade propõe que o cientista deva ser imparcial em relação à sua análise
das crenças ou dos conhecimentos. Análise esta que não deverá distinguir o falso do
verdadeiro, o certo do errado, no momento de explicar os fenômenos.
A simetria implica a aplicação dos mesmos procedimentos analíticos às crenças ou
conhecimentos que possam ser vistos como verdadeiros, falsos, eficazes ou não.
O princípio da reflexividade implica aceitar todas as premissas acima como aplicáveis
à sociologia.
Com Rabêlo (1993) pôde-se perceber que o programa forte em sociologia da ciência é
tributário da teoria de diversos autores. Da sociologia do conhecimento de Manheim e
Durkheim ao network model de Hesse, da filosofia de Wittgenstein para a antropologia de
Douglas, Bloor e Barnes vão incorporando a teoria destes autores no movimento de
construção de sua própria meta-teoria, pois, o programa forte não pode ser considerado uma
teoria que “não constrói um sistema teórico cujo objeto consista em certa classe de
27
fenômenos sociais (...) trata-se, pois de uma orientação meta-teórica geral (...) sobre o que
deve ser uma teoria sociológica do conhecimento” (SILVA, 1985: 48).
Silva (1985) diz que a sociologia do conhecimento, da qual o programa forte é
tributário, vai se distinguir de outras abordagens do conhecimento pelo seu caráter
eminentemente empírico. Para ele a sociologia do conhecimento se distingue das abordagens
epistemológicas por perceber o conhecimento como fenômeno do mundo empírico. O
conhecimento, que até então era objeto privilegiado da análise da epistemologia como
disciplina filosófica, com a sociologia, passa a ser analisado não mais aprioristicamente, mas
a partir de um método empírico que permita apreender sua base social. Para Silva a sociologia
do conhecimento realiza um manifesto pró-empirismo que expressa nada mais do que um
objetivo básico, ou antes, uma orientação bastante geral, “(...) sobre o modo pelo qual
poderiam e deveriam ser realizados estudos científicos, de caráter empírico, sobre o
conhecimento” (SILVA, 1985:13). Esta orientação geral de se investigar as bases empíricas
do conhecimento, ou, de outra forma, de considerar a dimensão empírica como elemento
necessário para uma abordagem sociológica do conhecimento, fica, para Silva, marcada como
uma fase onde se criou um “amálgama de teorias e níveis de linguagem”, que se encontravam
sob o mesmo rótulo; sociologia do conhecimento (SILVA, 1985:15). E aqui, o autor sente
dificuldades em estabelecer as continuidades entre o programa forte em sociologia da ciência
herdeiro da sociologia do conhecimento e os autores e teorias da sociologia do
conhecimento que dão fundamento ao programa. Mas, se lhe é difícil determinar os autores e
teorias da sociologia do conhecimento que tiveram influência para o surgimento do programa
forte, o mesmo parece não ocorrer com a filosofia e a epistemologia que são, segundo o autor,
as verdadeiras bases do programa forte
22
. Para Silva “a formulação do programa forte depende
de subsídios que não se encontram apenas na tradição sociológica, mas inserem-se numa
tradição genuinamente filosófica” (SILVA, 1985: 8). Quando Silva argumenta sobre a
descontinuidade entre o programa forte e a sociologia da ciência, falta-lhe revisar a
bibliografia de Bloor até aquele momento para afirmar se as teses de Bloor têm ou não
continuidade com as teses de Mannheim, Durkheim e Douglas. De outra forma, Bloor não
tem publicado um artigo sobre Wittgenstein e Mannheim
23
como a tese central de seu livro
Knowledge and Social Imagery (1976) incorpora a análise de Mannheim sobre a ideologia,
como podemos perceber com Palácios,
22
Silva baseia-se em Lakatos para determinar as escolas da epistemologia contemporânea que em sua opinião
são a base do programa forte, são elas: o ceticismo, o demarcacionismo e o elitismo.
23
Bloor, D. Wittgenstein and Mannhein on the Sociology of Mathematics. In: Studies in History and Philosophy
of Science. v. 4, n°2, p. 173-91.
28
A influência de Mannheim é menos explicita, mas talvez seja mais difusa e relevante
que a do próprio Durkheim. Knowledge and Social Imagery poderia, sem exageros
retóricos, ser qualificada como uma obra de inspiração Mannheimiana. De fato, a tese
central do livro sustenta a correspondência entre imagens simplificadas da sociedade –
ideologias e teorias do conhecimento, inspirando-se explicitamente na famosa
análise de Mannheim sobre o pensamento conservador (Palácios, 2002: 179).
A incorporação das teses de Durkheim, primeiramente, podem até se dar de forma
acrítica em Knowledge and Social Imagery (RABÊLO, 1993:122-3), mas é notório que Bloor
revisa e incorpora as teses de Durkheim em seu artigo Durkheim and Mauss Revisited:
Classification and the Sociology of Knowledge escrito em 1982 e publicado na revista Studies
in History and Philosophy of Science.
Desta forma, esta breve controvérsia tem o intuito de afirmar que neste estudo o
programa forte em sociologia da ciência será visto como um programa metateórico para
pesquisas em sociologia da ciência, herdeiro da sociologia do conhecimento, que tem como
fundamento as teses de Mannheim, Durkheim, Kuhn, Douglas, Hesse e Wittgenstein.
A incorporação pelo programa forte de seus quatro eixos analíticos citados acima, do
problema da indeterminação e incomensurabilidade das teorias
24
e da filosofia da linguagem
terminam por redefinir os estudos sociais da ciência (RABÊLO, 1993:45-50). que no
programa forte o conhecimento científico, o conteúdo das teorias científicas torna-se objeto de
análise, Bloor e Barnes dialogam com sociólogos, antropólogos, filósofos, filósofos da
ciência, psicólogos, físicos, matemáticos, etc. Palácios (2002) descreve o debate que ocorreu
entre o programa forte e cientistas da área da cognição humana psicologia cognitiva,
inteligência artificial, neurociências e lingüística
25
, o que configura, a meu ver, uma disputa
pela autoridade científica dentro do campo das ciências sociais e uma disputa entre pontos de
24
A indeterminação tem a ver com a relação entre teoria e “dados” empíricos, onde estes podem ser
reconstruídos teoricamente de várias formas. A questão da incomensurabilidade “remete ao fato de que a
maneira como se usa corretamente as categorias não se insere na natureza das coisas, da linguagem ou do uso
consagrado, mas a fatores sociais, desse modo, são incomensuráveis” (BROWN apud RABÊLO, 1993:47).
25
“A edição de Social Studies of Science de novembro de 1989 publicou um ensaio de Peter Slezak Scientific
Discovery by Computer as Empirical Refutation of the Strong Programme –, respondido na mesma edição da
revista por uma série de seis artigos, incluindo ainda a resposta de Slezak a seus críticos. Em fevereiro de 1991, a
revista publica um pequeno artigo de Herbert Simon Comments on the Simposium on ‘Computer Discovery
and the Sociology of Scientific Knowledge pesquisador em ciências da cognição, certamente de índole mais
moderada, corroborando algumas das observações de Slezak. A controvérsia prosseguiu com um artigo de
Robert Nola Ordinary Human Inference as Refutation of the Strong Programme publicado na edição de
fevereiro de 1992 da revista, em que o autor reforça a crítica original de Slezak, mobilizando outros argumentos.
Este último artigo foi respondido por David Bloor na mesma edição da revista Ordinary Human Inference as
Material for the Sociology of Knowledge. Por ocasião da segunda edição de Knowledge and Social Imagery, de
1991, Bloor inclui um adendo à obra, respondendo às críticas formuladas por Slezak. Nada indica que a
controvérsia esteja próxima do fim. Os artigos mencionados encontram-se nas seguintes edições de Social
Studies of Science: vol. 19, n. 4, novembro de 1989; vol. 21, n. 1, fevereiro de 1991; vol. 22, n. 1, fevereiro de
1992” (PALÁCIOS, 2002:182).
29
vista dentro do campo das disciplinas científicas de uma forma mais ampla (BOURDIEU,
2004a).
Com base em Rabêlo (1993) delineio abaixo, de maneira esquemática, os fundamentos
dos pressupostos do programa forte.
A estrutura das revoluções científicas de Kuhn será utilizada por Bloor e Barnes para
justificar “o caráter de construção teórica e convencional do conhecimento científico”
(RABÊLO, 1993:99). A noção de comunidade científica em Kuhn, assim, assume um papel
importante na sociologia da ciência do programa forte quando permite uma leitura da
realidade onde os cientistas são capazes de se organizar e construir ou produzir conhecimento
com base em um vínculo que inclui crenças e valores (incluindo também os desenvolvimentos
teóricos em cada disciplina científica em particular) e, ainda, no “princípio de que nem
mesmo as revoluções científicas estão isentas de determinação social que faz com que o
trabalho de Kuhn tenha o interesse que tem para a sociologia da ciência [...]” (RABÊLO,
1993:99). É uma primeira aproximação da relação entre conhecimento e cultura que será
ampliada com a ajuda dos antropólogos, mais especificamente, com Douglas. Nas palavras de
Rabêlo, Douglas
resolve o dilema durkheimiano da relação natureza/sociedade, ao colocar que o uso
social dela (natureza) funde de tal forma os dois pólos que permitiria, em segundo
lugar, a abordagem de uma e outra nos mesmos termos. De outra forma, que o sistema
de classificação que os homens fazem da natureza reproduz o sistema de classificação
social. (RABÊLO, 1993:101).
Assim, o programa forte em sociologia da ciência vai abordar o conhecimento como
um fenômeno natural, e isto vai implicar em um tipo de abordagem derivada das ciências
naturais, mas, não se trata somente disto, a referência ao conhecimento como natural diz
respeito também a uma relação ontológica, “isto é, conhecimento e natureza participam da
mesma ‘natureza’, pois são mediados pelo uso prático que os homens fazem deles”
(RABÊLO, 1993:87). O programa forte ainda incorpora o diagrama criado por Douglas para
“enquadrar os sistemas de classificação social”, utilizando-o, além da sua capacidade para
“apreender a estrutura complexa da vida social”, para “estabelecer regularidades e formular
nexos causais”. Na construção do diagrama de Douglas pelo programa forte, Bloor, de certa
forma, realiza um trabalho de químico, pois consegue fundir: um recurso técnico de uma
autora; uma inspiração durkheimiana na base da construção do próprio diagrama todo
sistema de classificação é produto de relações sociais; e aplicá-lo aos jogos de linguagem e
formas de vida de Wittgenstein (RABÊLO, 1993:100-4).
30
O programa forte baseia-se em Hesse primeiramente para fundamentar sua perspectiva
indutivista (RABÊLO, 1993:105), que o conhecimento não pode mais ser visto como
dependente de regras de racionalidade a priori, torna-se necessário investigar as situações
concretas de construção/produção de conhecimento para formular as hipóteses que permitam
realizar o vínculo entre conhecimento e base social. Em Durkheim and Mauss Revisited:
Classification and the Sociology of Knowledge”, Fica clara a intenção de Bloor: atualizar as
proposições de Durkheim e Mauss e tomá-las como fundadoras da sociologia do
conhecimento, incorporando a noção de network model ao esquema. Tal noção de Hesse
busca superar a questão de existência de duas linguagens na ciência; a observacional e a
teórica. Bloor na teoria de Hesse além de uma concepção unitária da linguagem científica,
uma teoria geral do conhecimento científico. Seguindo com Rabêlo podemos perceber que
A formulação da linguagem científica, tal como qualquer outra, passaria por dois
processos: o primeiro através do qual os dados da experiência são registrados e, o
segundo, através do qual estes dados devem ser ordenados e classificados,
denominados respectivamente de postulado da correspondência (correspondence
postulate) e das condições de coerência (coherence conditions
26
), compondo um todo
orgânico ou um sistema de associações. (RABÊLO, 1993:107).
O network model postula que o “conhecimento não é construído fora dos fatos”, que o
“modelo classificatório não pode ser construído pelo que o mundo é”, e, “que não há nenhuma
coisa como classificação natural ou excepcionalmente objetiva” (BLOOR, apud RABÊLO,
1993:108). Assim, todo sistema de classificação, em sua constituição, agrega um componente
social. Desta forma, quando nomeamos algo ao nosso redor o que importa é a característica de
convenção desta designação, seu caráter comum e de domínio público. Mas, ao explicitar que
o sistema estaria sujeito a mudanças, Bloor sustenta que a permanência de uma lei ou teoria
científica nunca poderia ser justificada pela realidade ou pela verdade, o que daria a
estabilidade a um sistema de classificações seriam os interesses sociais envolvidos na sua
conservação. Fica claro então que Bloor pretende atualizar a noção de representações
coletivas de Durkheim substituindo-a pela noção de network model de Hesse, “E no network
model a noção de coherence conditions pode ser identificada com a de interesses sociais, com
a anuência da autora” (RABÊLO, 1993:108-12).
No entanto, quando Hesse diz que a formulação da linguagem científica, passa por
dois processos, o de registro e o de classificação, ela não percebe que registrar é uma forma de
classificar, que a operação de registro envolve a seleção daquilo que se registra. Dessa
forma, o processo de classificação não se apresenta, na formulação da linguagem científica,
26
Em negrito no original.
31
posterior ao registro, mas é inerente a ele. Contudo, tal crítica em nada muda o fato de Hesse
ter conseguido explicitar que o conhecimento não pode ser entendido fora dos fatos, que todo
sistema de classificação agrega um componente social.
Pode-se dizer que As Regras do Método Sociológico de Durkheim contém, de uma
forma lógica, os pressupostos do programa forte, seja “na natureza da abordagem (abordagem
naturalista) e da explicação (causalidade), na atitude do cientista (imparcialidade), quer no
tratamento que se aos fenômenos em geral, sem distinção entre o que seja verdadeiro e
falso, racional e irracional, o que remete à tese da simetria” (RABÊLO, 1993:115-6). Mas, As
Regras do Método Sociológico não podem servir como fundamento de uma sociologia do
conhecimento, haja vista, que elas não tomam como objeto de estudo o conhecimento. No
entanto, a perspectiva empírica de Durkheim em prol de uma abordagem que comprove a
importância da regularidade dos fenômenos no estabelecimento da vida em sociedade,
imprime na análise sociológica uma preocupação com a formulação de leis que expliquem os
fatos sociais, permitindo que o programam forte se aproxime da obra de Durkheim mesmo
que haja diferenças entre as duas perspectivas
27
.
As contribuições da obra As Formas Elementares da Vida Religiosa aparecem via
analogia entre religião e ciência. As categorias de sagrado e profano são aplicadas à ciência,
onde “Bloor tenta responder a duas questões básicas. Eis a primeira: por que o conhecimento
deve ser pensado através das categorias de sagrado e profano? E a segunda: o que torna o
conhecimento e a ciência sagrados?” (RABÊLO, 1993:120). A primeira pergunta será
respondida com base em uma analogia entre a dualidade alma e corpo que a religião
estabelece, onde cada elemento desta dualidade estaria ligado a uma esfera; a saber, sagrado
ou profano. Seguindo esta lógica, Bloor afirma que a ciência também incorpora essas
dualidades, mas que se expressam na forma de pura/aplicada, ciência/tecnologia,
teoria/prática. Tanto na religião como na ciência tais dualidades seriam produtos da divisão da
sociedade. A resposta da segunda questão remete à sacralidade da religião, sacralidade esta
assentada em seu caráter de “maneira de perceber e tornar inteligível a experiência da vida
social”
28
. A ciência, segundo Bloor, assumiria também este papel. Mas a sacralidade da
ciência não se deve somente a esse fator, assim como a religião que manipula imagens da
sociedade presente aqui a idéia de sociedade real e sociedade ideal a ciência seria
sacralizada por manipular também imagens da sociedade. A incorporação das teses de
Durkheim pelo programa forte, com se disse, será realizada com a conseqüente
27
“Há, no entanto, um elemento complicador em Bloor que é o da relação entre teoria, lei e pesquisa empírica,
pouco desenvolvida em Durkheim” (RABÊLO, 1993:119).
28
Ibidem.
32
incorporação do network model de Hesse, mas, também, “pela dimensão do balanço crítico a
que são submetidas as teses durkheimianas e pela sua reconstituição em bases empíricas
novas” (RABÊLO, 1993:123).
Motivo de várias críticas ao programa forte a revisão e incorporação das teses de
Wittgenstein deram-se, primeiramente, de forma indireta através de Kuhn e Winch em
Knowledge and Social Imagery
29
(1976), mas é na obra Wittgenstein: a Social Theory of
Knowledge (1983) que Bloor definitivamente incorpora as teorias do autor de forma crítica
para o programam forte. Bloor vai argumentar que Wittgenstein realizara obra com
abordagem de cunho sociológico e naturalista ao construir sua teoria do conhecimento
(RABÊLO, 1993:127). Assim, Bloor retoma a teoria de Wittgenstein presente nas noções de
jogos de linguagem e formas de vida para poder sociologizar por completo a explicação das
ciências, postulando definitivamente a conexão entre bases sociais e o núcleo hard das
ciências; a teoria.
O programa forte em sociologia da ciência adota a postura wittgensteiniana de que a
natureza do significado não reside nem nas nomeações oferecidas a partir da imagem,
propriedade ou do próprio do objeto teoria da imagem e nem em atos mentais que
nomeariam tais objetos teoria dos atos mentais. O uso das palavras em “sistemas
particulares de linguagem” (WITTGENSTEIN apud PALÁCIOS, 2002:188) define o seu
significado. Assim sendo, a investigação deve analisar todos os significados dados a uma
palavra/conceito em contextos de uso específicos; Os jogos de linguagem. Tais jogos de
linguagem devem ainda ser referidos às formas de vida – padrões de atividade dos indivíduos
para serem compreensíveis, o que demonstra o vínculo do significado com as práticas
cotidianas dos indivíduos. O que conduziria, segundo Palácios
a um tipo de semântica caracterizada como finitismo. O uso determina o significado
das palavras a partir das funções que estas desempenham nas atividades coletivas dos
indivíduos. O conjunto de situações em que uma palavra é empregada por uma
coletividade determina um universo finito de aplicações reconhecidas. (Palácios,
2002:188).
Os indivíduos usam as palavras com base em um repertório de significados radicados
nos diversos contextos de uso a que esta palavra está sujeita. Os jogos de linguagem, desta
forma, se caracterizam por ser sistemas em que o significado de cada termo relaciona-se de
alguma forma com o significado de todos os outros termos. Segundo Bloor os jogos de
linguagem “são sistemas completos de comunicação humana” (apud Palácios, 2002:190), isso
29
Bloor já havia publicado, em 1973, o ensaio Wittgenstein and Mannheim on the Sociology of Mathematics.
33
porque encontram seu sentido nas formas de vida, nas atividades concretas dos indivíduos. De
outra forma, as atividades práticas dos indivíduos determinam de uma forma finita as diversas
aplicações reconhecidas para aquela palavra/conceito.
Bloor aproxima Wittgenstein de Durkheim quando este, “ao analisar a causa das
religiões primitivas, revela seu caráter social. Da mesma forma Wittgenstein, ao explicar a
natureza psicológica do significado, acaba revelando a sua natureza social” (RABÊLO,
1993:129). É claro que Bloor simplesmente não incorpora a teoria de Wittgenstein, ele busca
aprimorá-la, atualizá-la para os objetivos do programa forte, assim, por exemplo, quando vai
discutir os padrões de uso estabelecidos pela interação e apreendidos pela noção de jogos de
linguagem, o “papel das necessidades”, que é para Wittgenstein um dos componentes dos
jogos, transforma-se em “interesses sociais” no programa forte.
Após o programa forte incorporar as teses dos jogos de linguagem e das formas de
vida, Bloor passa a discuti-las com a psicologia e o raciocínio matemático. O resultado deste
debate permite a Bloor sustentar, primeiro, que a validade lógica e/ou as regras de inferência
“são convenções lingüísticas que expressam as exigências da vida prática” e, segundo, que a
“estabilidade ou alteração de um jogo de linguagem vai depender dos interesses dos grupos
envolvidos” (RABÊLO, 1993: 137).
Quando Wittgenstein coloca nos termos dos jogos de linguagem a questão da rejeição
da extensão
30
ele está sendo coerente com sua teoria, pois aceitar a extensão seria dizer que é
possível atribuir à determinada coisa ou objeto todos os seus predicados, o que iria contra sua
tese do significado radicado no uso. Bloor uma complicação nisso, que “compromete
qualquer aplicação futura do conceito” pelo fato de não se poder “incluir no pensamento
aquilo que não foi obtido na prática”. A saída que Wittgenstein encontra vem através do
componente ar de família dos jogos de linguagem, onde ele tenta apreender “as relações que
se estabelecem entre um e outro objeto e por diversas maneiras” (RABÊLO, 1993:132). Bloor
neste componente uma sugestão de que existem coisas que vão além dos jogos de
linguagem, essa questão será respondida com noção de anomalia em Douglas, e concorrerá,
como disse anteriormente, para a utilização do diagrama de Mary Douglas para criar uma
tipologia dos jogos de linguagem, das formas de vida e das respostas às anomalias.
Para Bloor “um jogo de linguagem incorpora a picture of the world, em outros
termos, incorpora as cosmologias, ao mesmo tempo que faz a mediação entre elas e a vida
30
A idéia de extensão “(...) se refere à classe de todos os predicados conhecidos ou não, que podem ser
atribuídos a uma determinada coisa e, portanto, vai além dos limites das aplicações existentes de uma palavra”
(RABÊLO, 1993:131).
34
social real (needs)”
31
. O que se coloca nesta discussão, segundo Bloor, é uma teoria do uso
social da natureza que revela a estreita relação entre natureza e vida social. O que permite que
Bloor faça uso da abordagem naturalista ao indicar “que o uso social da natureza proporciona
a chave para a interpretação do sistema de conhecimento” (RABÊLO, 1993:141).
Em Para uma Sociologia da Ciência, Bourdieu critica o uso dos conceitos formas de
vida e jogos de linguagem de Wittgenstein por David Bloor. Segundo Bourdieu, Bloor associa
os conceitos imaginários construídos por Wittgenstein para explicar o fundamento de todo
pensamento sobre a realidade, a práticas socioculturais de grupos específicos. De acordo com
Bourdieu,
para fundar uma teoria da ciência segundo a qual a racionalidade, a
objectividade e a verdade são normas socioculturais locais, convenções
adotadas e impostas por grupos particulares: retoma os conceitos
wittgensteinianos de ‘language games’ e ‘form of life’, que desempenham um
papel central nas Philosophical Investigations, são interpretados como
referindo-se a actividades sociolingüísticas associadas a grupos socioculturais
particulares em que as práticas são reguladas por normas convencionalmente
adoptadas pelos grupos envolvidos. (BOURDIEU, 2004b:33).
Bourdieu diz que Bloor não poderia fundar sua teoria da ciência baseada em exemplos
imaginários oriundos de uma filosofia essencialmente não empírica, e recorre a Wittgenstein,
para sustentar a posição de que este não pretendia, ao construir os conceitos de formas de vida
e jogos de linguagem, referir-se a ciência natural. Como diz Bourdieu, Wittgenstein concebe
sua filosofia como essencialmente não empírica,
e seu trabalho não diz respeito como ele não deixa de lembrar à ‘ciência
natural’, nem mesmo à ‘história natural’, uma vez que está em posição de
‘produzir uma história natural fictícia’ para as necessidades de sua
investigação. Apenas descreve os múltiplos usos da linguagem na nossa única
comunidade linguística (e não em comunidades sócio-cognitivas em
concorrência (BOURDIEU, 2004b:112-3).
Latour e Woolgar: a microsociologia da ciência micro
Em contraposição à erudição do programa forte, Latour diz que é preciso ir a campo
para se analisar a ciência, e que esta se realiza no laboratório, adota este como objeto
empírico de análise para discutir o fato científico e o contexto de sua produção. Em A vida de
laboratório: a produção dos fatos científicos (1997), Latour adentra
32
o laboratório para
estudar a produção da ciência da forma como se estuda uma tribo exótica, para isso adota uma
31
Em negrito no original.
32
Latour se junta a Woolgar para escrever o livro.
35
escala micro-sociológica de análise. Sua única bagagem, em suas palavras, é o livro de Marc
Augé Théories des pouvoirs et idéologies. Latour fundamenta sua pesquisa na perspectiva
construtivista o fato científico deve ser entendido pelas variáveis do contexto no qual é
produzido e elege uma regra de higiene: “não usar o discurso dos cientistas para explicar o
que fazem (...) desconfiar ao máximo do discurso filosófico que o saber necessariamente tem
(...)” (LATOUR; WOOLGAR, 1997:28-9). Latour não pretende realizar uma pesquisa
etnometodológica e muito menos se filiar as interpretações vigentes à época sobre o
conhecimento científico. O observador neste caso ocupa “uma posição intermediária entre a
do noviço (caso ideal inexistente) e a do membro da equipe (quanto mais ele se integra,
menos consegue se comunicar produtivamente com a comunidade de seus colegas
observadores)”
33
. Os pressupostos da reflexividade e da simetria, herdados do programa forte
em sociologia da ciência, orientam a pesquisa. Assim, Latour abstêm-se da distinção entre
falso e verdadeiro entre ciências naturais e sociais, com implicações para o estatuto do relato
que ele faz “Se os fatos construídos são científicos, os nossos também o são. Se a descoberta
de um pulsar (...) ou de um hormônio são relatos, então nosso relato não pretende ser mais
verdadeiro”
34
, e propõe a mesma explicação (princípio da simetria) para compreender o fato e
o artefato, o sucesso ou o fracasso de um cientista em converter formas de crédito, etc.
Os autores demonstram como os fatos e artefatos são construídos no laboratório,
que deve ser abordado com a noção de rede
35
. Os aparelhos que realizam leituras em
substâncias materiais dando o resultado em forma de figuras ou diagramas são vistos como
inscritores
36
, e é sobre esta escrita que os cientistas se debruçam para construir um fato. As
substâncias que o laboratório produz são construções totalmente sociais. As formas lógicas do
raciocínio constituem apenas uma parte de um fenômeno bem mais complexo (LATOUR;
WOOLGAR, 1997:160). A realidade não é causa dos fenômenos, mas seu produto. Os
cientistas realizam investimentos em um ciclo de credibilidade. Estes investimentos em um
tipo de crédito ou capital específico podem ser convertidos em outros tipos, por exemplo, um
cientista que tem uma credibilidade em construir informações – porque segundo os autores é a
33
Ibidem:1997:36.
34
Ibidem:1997:30.
35
“As malhas dessa rede muitas vezes são laboratórios, mas podem ser também escritórios, fábricas, hospitais,
gabinetes de advogados de negócios, residências privadas todos os lugares em que se faz e desfaz a existência
dos hormônios do cérebro. Porque então parar em um local determinado e não sair dele?” (LATOUR;
WOOLGAR, 1997:32). Costa (2005) diz que latour propõe que a ciência seja vista como produto ou efeito de
uma rede de materiais heterogêneos, incluindo agentes, instituições sociais, máquinas e organizações.
36
Iremos mais precisamente designar com este vocábulo todo elemento de uma montagem ou toda combinação
de aparelhos capazes de transformar uma substância material em uma figura ou em um diagrama diretamente
utilizáveis por um daqueles que pertencem ao espaço do ‘escritório’” (Latour, 1997:44). Cabe perceber nesta
definição, que o inscritor não transforma uma substância material em figura ou diagrama, mas que ele realiza
uma leitura na substância que sai em forma de diagrama ou figura.
36
capacidade dos cientistas de produzirem informação que é a moeda de troca no ciclo de
credibilidade pode conseguir ser chefe de um laboratório porque ele obteve e ao mesmo
tempo foi lhe dado confiança, crédito para gerenciar tal laboratório
37
.
O fato científico é o resultado de operações que excluem o caráter de construção do
próprio fato. De acordo com Latour e Woolgar “A estabilização de um enunciado faz com que
ele perca qualquer referência ao processo de sua construção. É desse modo que se caracteriza
a construção de um fato” (LATOUR; WOOLGAR, 1997:192). Deve-se perceber então, que o
fato é o resultado de uma série de operações que se realizaram sobre enunciados particulares
visando aumentar seu grau de facticidade.
Os pesquisadores de um laboratório passam seu tempo efetuando operações sobre
enunciados: acréscimos de modalidades, citações, aprimoramentos, subtrações,
empréstimos, proposição de novas combinações. Cada uma destas operações pode
resultar em um enunciado diferente ou mais apropriado. Por sua vez, cada enunciado
torna-se um foco de atenção para o desenvolvimento de operações similares em outros
laboratórios. É assim que os membros de uma equipe ordenam conscienciosamente o
que acontece com seus próprios enunciados: como são rejeitados, tomados de
empréstimo, citados, ignorados, confirmados ou suprimidos pelos outros. (Latour;
Woolgar, 1997: 90).
O fato científico para os autores é, pois, um enunciado estabilizado. Além das
operações que eles citam no trecho acima, a estabilização dar-se-á, também, com a ajuda dos
inscritores, que possuem a característica de extrair da substância uma inscrição que parece
provir dela mesma, como se a própria substância imprimisse sua marca nas folhas que saem
dos testes (LATOUR; WOOLGAR, 1997:60). Mas eles percebem que estes aparelhos são o
produto de reificações que ocorreram em outras áreas da ciência, e, portanto, foram também
estes inscritores produtos de enunciados que foram estabilizados e transformados em
equipamentos de laboratório. Neste ponto usam a noção de fenomenotécnica de Bachelard
para explicar este processo de reificação,
Na verdade os fenômenos dependem do material, eles são totalmente constituídos
pelos instrumentos utilizados no laboratório. Construiu-se, com a ajuda do inscritores,
uma realidade artificial, da qual os atores falam como se fosse uma entidade objetiva.
Essa realidade, que Bachelard (1953) chama de ‘fenomenotécnica’, toma a aparência
do fenômeno no próprio processo de sua construção pelas técnicas materiais.
(LATOUR; WOOLGAR, 1997:61)
38
.
O laboratório vai distinguir-se pela configuração específica de determinados
aparelhos, mas, um teste depende da habilidade dos técnicos experientes. O teste, portanto, é
37
Como é o caso relatado por Latour do pesquisador Vale. A palavra “gerenciar” vem dos escritos de Latour que
aplica as leis da oferta e procura e da produção de valor na ciência.
38
Em itálico no original.
37
um processo idiossincrático e, de acordo com Latour, “é por esse motivo que a existência das
substâncias é um assunto estritamente local (LATOUR; WOOLGAR, 1997:63)
39
.
Quando um fato é estabilizado ele integra-se ao corpo de conhecimentos tácitos da
área e os cientistas não o colocam mais em dúvida, aceitam-no. Falar que o fato é construído
pelos enunciados estabilizados e pelos inscritores implica dizer que os fatos não existem por
si estando à espera de serem descobertos, mas que eles são construídos na relação entre
criatividade ou capacidade de lidar com os aparelhos e nos processos de transformação de
enunciados.
Como os autores afirmam que o princípio da simetria de Bloor é a base moral da
pesquisa, eles não vêem fatos e artefatos como enunciados verdadeiros ou falsos, mas aplicam
o mesmo raciocínio para chegar à conclusão que na construção da ciência os cientistas não
tem condição de distinguir entre enunciados verdadeiros e falsos, e que esta distinção vai se
dar pós a estabilização do fato. No momento em que o fato está sendo construído os
enunciados estão sujeitos a modificações, supressões, inversões, etc. No momento em que o
fato é estabilizado opera-se uma distinção entre o enunciado e o objeto. Para os autores
antes da estabilização, os cientistas ocupavam-se de enunciados. No momento em que
ela se opera, aparecem ao mesmo tempo objetos e enunciados sobre esses objetos. Um
pouco depois, atribui-se cada vez mais realidade ao objeto e cada vez menos
enunciados sobre o objeto. Produz-se, conseqüentemente, uma inversão: o objeto
torna-se a razão pela qual o enunciado foi formulado na origem. No começo da
estabilização o objeto é a imagem virtual do enunciado; em seguida, o enunciado
torna-se a imagem no espelho da realidade ‘exterior’. (Latour; Woolgar, 1997:193).
Fica claro que o enunciado constrói o objeto, sendo que a cisão entre fato e artefato
pode ocorrer posteriormente à estabilização do fato, porque é neste momento em que se pode
dizer que o objeto é aquele enunciado. A conclusão disso para Latour e Woolgar é que “a
distinção entre realidade e condições locais existe depois que um enunciado estabilizou-se
como fato” (LATOUR; WOOLGAR, 1997:199). A exterioridade do fato científico é, pois,
“conseqüência do trabalho científico, e não sua causa”
40
.
Mas como fica a questão de que o enunciado científico também é aceito fora do
laboratório, por exemplo, em hospitais e indústrias? que a cisão entre o fato e a coisa
objetiva, segundo os autores, foi conseqüência do trabalho do laboratório, quando o fato for
aceito nestes locais não se poderá questionar sua validade, para questioná-lo será necessário
recorrer ao laboratório. Assim, o que ocorre nestes casos é uma extensão de certas práticas
laboratoriais para outros campos sociais. Para Latour e Woolgar “é impossível provar que um
39
Em itálico no original.
40
Ibid:199.
38
dado enunciado é verificável fora do laboratório, uma vez que a própria existência desse
enunciado depende do contexto do laboratório” (LATOUR; WOOLGAR, 1997:201). Aqui ele
lança mão da noção de rede (melhor desenvolvida por ele em sua obra Ciência em Ação:
como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora) para explicar que estes fatos existem
dentro de redes de práticas sociais.
Latour e Woolgar tomam o conceito de crédito utilizado por Bourdieu e ampliam seu
uso, passam então a usar a noção de credibilidade, que a pesquisa demonstrou ser a noção
mais adequada à situação dos cientistas investidores. Para os autores as noções de crédito e
reconhecimento de outros autores não conseguem dar conta da realidade complexa que é o
ciclo de credibilidade, onde podem ocorrer conversões entre diversas formas de capital.
Aspectos tradicionalmente classificados como epistemológicos, sociológicos ou econômicos
são unidos com a noção de credibilidade. Todavia, ao escrever o artigo, O Campo Científico,
publicado na revista Actes de la Recherche en Sciences Sociales, em 1976, Bourdieu
problematiza esta dupla dimensão do campo científico, a saber: a existência inseparável, no
campo científico, entre o que se pode chamar de epistemológico e o que se considera como
político (BOURDIEU, 1994:124).
Os autores dizem que as noções de crédito e investimento afloram no discurso dos
cientistas ao longo das discussões sobre suas carreiras. Neste contexto as metáforas
econômicas e comerciais contrastam com a simplicidade dos argumentos que fazem
referência às normas como balizadoras do comportamento dos cientistas. Tais metáforas ou
referências, segundo os autores, são misturadas com informações quantitativas, com
orientações epistemológicas e com a trajetória profissional, em um modelo que não faz
distinção entre fatores internos e externos ao laboratório (LATOUR; WOOLGAR, 1997:221).
O crédito visto como reconhecimento não abrange a complexidade que envolve o
comportamento dos cientistas. O crédito-reconhecimento diz respeito a uma dimensão
normativa da ciência onde cada cientista busca o reconhecimento de seus trabalhos pelos
pares em um sistema de publicações, premiações, comunicações, reconstruções de provas
experimentais, enfim em um “sistema de reconhecimentos e de prêmios que simbolizam o
reconhecimento, pelos pares, de uma obra científica passada” (Latour; Woolgar, 1997:220).
É preciso distinguir esta noção de crédito-reconhecimento do crédito-credibilidade. Os
autores vinculam noção de crédito à crença, confiança, poder e atividade econômica e
reconhecimento/recompensa. Dessa forma, eles sugerem uma ampliação da simples noção de
crédito para credibilidade, “a credibilidade baseia-se na capacidade que os pesquisadores têm
para efetivamente praticar a ciência (...) A mesma noção de credibilidade pode ser aplicada às
39
estratégias de investimento dos pesquisadores, às teorias epistemológicas, ao sistema de
reconhecimentos científicos e ao ensino científico” (LATOUR; WOOLGAR, 1997:220-1).
Tal noção vai incorporar o processo contínuo de (re)investimento que os cientistas fazem,
caracterizando o que Latour e Woolgar chamam de ciclo de credibilidade, que contrasta com
os modelos econômicos de Hagstrom e Bourdieu
41
. Segundo Latour e Woolgar
O sucesso de cada investimento é avaliado em função da rapidez com a qual ele
favorece a conversão de credibilidade e a progressão do pesquisador no ciclo. O sinal
de um investimento bem sucedido para um pesquisador pode ser, por exemplo, o
número de telefonemas recebidos, a aceitação de seus artigos, o interesse que os
outros demonstram pelo seu trabalho, o fato de que ele seja mais facilmente acreditado
ou ouvido com maior atenção, que lhe proponham melhores ocupações, que seus
testes dêem resultado, que seus dados se acumulem de maneira mais confiável e
formem um conjunto mais digno de crédito. (Latour; Woolgar, 1997:233).
Os autores apresentam um modelo das relações entre cientistas, próximo a um modelo
de relações de mercado entre pequenas empresas que medem seu sucesso de acordo como o
aumento de suas operações e a velocidade da circulação de seu capital (Latour; Woolgar,
1997:233). A necessidade da troca de informações confiáveis é o elemento explicativo do
interesse dos cientistas pelo trabalho dos outros. A produção de informação (confiável) gera
valor porque servirá para outros cientistas produzirem novas informações. A troca, dessa
forma, facilitaria o (re)investimento que os pesquisadores fazem na área. A noção de
informação confiável existe na confluência dos procedimentos laboratoriais (teste e
aparelhagem), do número de pesquisadores e técnicos envolvidos e do montante de capital
investido na pesquisa. De acordo com Hochman por meio de uma descrição detalhada de
como o fato científico é produzido, os autores conseguem refinar a proposta de Bourdieu,
demonstrando empiricamente como se a imposição da autoridade científica no campo
(HOCHMAN, 2002:215). O caso da disputa do TRF(H)
42
demonstra como o grupo do
pesquisador Guillemin conseguiu reformular as regras do jogo ao propor uma busca da
estrutura da substância nos termos da físico-química. A conseqüência disso, segundo os
autores, é a eliminação dos concorrentes pelo aumento dos investimentos necessários a tal
empreendimento:
Assim as novas exigências da pesquisa foram definidas pelo novo objeto e pelos
meios que deviam ser postos em operação para determinar a estrutura das substâncias.
41
Os modelos de Hagstrom e Bourdieu, segundo Latour e Woolgar, não explicariam: o interesse que um cientista
tem na produção de outro cientista, nem a demanda, nem a produção de valor no campo científico.
42
Tyrotropin Releasing Factor – Hormone, ou Fator de Liberação da Tirotropina (hormônio). A tirotropina é um
hormônio que promove o crescimento da glândula tireóide e estimula a síntese dos hormônios tiroidianos e a
liberação de tiroxina pela glândula tireóide. Fonte: Acesso em 31 ago. 2006.
<http://regional.bvsalud.org/php/decsws.php?tree_id=D12.644.548.691.525.883&lang=pt&PHPSESSID=ab1>.
40
Daí resultou a exclusão de pesquisadores como Schibuzawa, Schreiber e Harris. Caso
não tivesse obtido um apoio das organizações financeiras, Guillemin poderia ter
passado por um simples detrator de trabalhos alheios. (LATOUR; WOOLGAR,
1997:125).
As novas exigências econômicas, tecnológicas (em aparelhagem) e humanas (pessoal
qualificado) necessárias para determinar a estrutura da substância influenciaram também a
estrutura das posições no laboratório. Os novos cientistas uniram-se em torno da
determinação da estrutura do TRF(H) e, segundo Latour e Woolgar, alguns conseguiram
aumentar sua credibilidade em produzir informação confiável convertendo esta em cargos de
direção, como os exemplos do Químico Burgus que se tornou diretor da nova parte do
laboratório e do pesquisador Vale que conseguiu ser nomeado diretor da seção de fisiologia.
O ciclo é dinâmico, portanto, estas posições não são estáveis. Essa forma de descrição
da atividade científica acentua, assim, que os cientistas devem sempre estar (re)investindo
nesse mercado de troca de informações confiáveis, segue-se daí que o que se compra não é
necessariamente a informação, mas a capacidade dos cientistas em produzir estas informações
confiáveis (LATOUR; WOOLGAR, 1997:233). A trajetória dos cientistas fica, dessa forma,
marcada por uma constante avaliação das informações que chegam a ele que permitirão
produzir novas informações, possibilitando assim conversões: entre o capital ou crédito
acumulado por ele e novas formas de capital ou crédito, por exemplo, a credibilidade de
produzir informações confiáveis em novas oportunidades de trabalho, cargos de direção,
chefia, participação em sociedades e vice-versa.
Gostaria de realizar algumas considerações em relação a esta obra de Latour, uma de
ordem metateórica, e duas de ordem metodológica. Primeiro a crítica de ordem teórica.
O fato científico para Latour é um enunciado destituído das características particulares
de sua construção. O fato é um enunciado que, após passar pelos inscritores e por inúmeras
operações que Latour chama de modalidades, se estabiliza. Latour diz que o fato constrói o
objeto, a substância, e que a distinção entre fato e artefato aparece nas discussões,
posteriormente a estabilização do fato científico. Ao relatar a construção do fato, Latour
explica que uma substância passa por inúmeros testes nos inscritores e na seção de química
(purificação), e a partir destes testes os cientistas realizam suas leituras sobre o que realmente
“é” aquela substância. Tanto os testes como as leituras dos cientistas constroem a substância,
e Latour relata, de forma descritiva e densa, esta série de testes que passa uma substância
qualquer (no caso de sua pesquisa, a Tyrotropin Releasing Factor – Hormone).
Latour comete o equívoco teórico quando vai conceituar o que é um fato científico:
um enunciado estabilizado e livre das condições particulares e contextuais de sua produção.
41
Mas não é o próprio Latour que relata a existência de uma substância que passa por uma série
de testes? E onde está esta substância na enunciação do fato? Se existe uma matéria (pó
branco retirado do cérebro de ratos) e se os inscritores e as leituras que os cientistas fazem
constroem essa matéria em uma forma específica (a substância TRF(H)), porque enunciar o
fato somente como um enunciado? Latour se esquece que a substância que os cientistas
manipularam durante todo o processo de construção do fato, existe de fato, tem existência
material, física. De outra forma, a substância TRF(H) a partir do momento em que foi
construída passou a ser inoculada em seres humanos, passou a ser prescrita pelos responsáveis
em prescrevê-la para pacientes, essa substância passou a ser produzida em escala industrial
para que pudesse atender a diversas demandas. O fato científico, portanto, também é a
substância construída durante todo o processo relatado por Latour. Se se quiser poderia
mesmo invocar: quantos ratos não foram mortos para que esta substância estivesse disponível
no mercado? Ao conceituar o fato como um enunciado, Latour elimina toda essa série de
questões em favor de uma construção textual. Poder-se-ia dizer: mas não havia esta demanda
na construção do fato, não havia produção em larga escala. Claro, mas também não havia
somente modalidades textuais, havia também uma micro-partícula extraída de cérebros de
ratos, que foi manipulada por aparelhos que são teoria reificada, como diz Bourdieu, ou
fenomenotécnica, como diz Latour. Postular o fato científico como um enunciado, é eliminar
da prática científica a relação entre a matéria e a construção do fato como matéria
manipulada. O fato científico não se reduz a artigos e/ou teorias, o fato científico construído
também diz respeito a uma manipulação da matéria. Tal como a penicilina ou quaisquer
outras substâncias produzidas em laboratório, o TRF(H) é o resultado da manipulação da
matéria orgânica de ratos. Sendo assim, ao se conceituar o fato científico como enunciado,
perde-se em não perceber a dimensão ou importância que a matéria orgânica representa nesta
construção. Latour diz que os cientistas se ocupam dos enunciados. Dizer isso é eliminar a
importância do objeto que os cientistas estudam: a matéria. Mesmo ela sendo construída os
cientistas se interessam por ela
43
. Como construir o objeto na intenção de compreender a
lógica de uma prática, sendo que, na formulação, na construção desta lógica eu elimino o
objeto que os agentes deste campo constroem? Isso porque do laboratório saem enzimas,
bactérias, vacinas, ou seja, matéria orgânica que tem existência física, material e que pode ser,
por exemplo, inoculada em outras pessoas.
A crítica de ordem metodológica. Latour diz que se trata de fazer no laboratório aquilo
que fazem todos os etnólogos: “familiariza-se com um campo, permanecendo independente
43
Conferir, por exemplo, a fala de Schally na página 118 em A Vida de laboratório (1997).
42
dele e à distância” (LATOUR; WOOLGAR, 1997:26). Ele coloca em discussão, como se
manter a distância e a independência de julgamento sendo também um pesquisador ocidental,
um intelectual. Segundo Latour
Certamente é sobre esse ponto que se deve trabalhar a questão, disciplinar o olhar,
manter a distância. Aí está o verdadeiro desafio, e não na aquisição de conhecimentos,
cuja dificuldade é claramente superestimada. O etnógrafo dessa pesquisa foi ajudado
por vários fatores em sua busca de distância: ele era verdadeiramente ignorante em
ciência e quase analfabeto em epistemologia (Latour; Woolgar, 1997:27).
A despeito de sua demasiada modéstia em dizer-se “verdadeiramente ignorante em
ciência e quase analfabeto em epistemologia”, Latour se preocupa em se desvencilhar das
análises em etnometodologia, diz ele, “exigimos uma profunda desconfiança em relação aos
nossos informantes no próprio momento em que, em outros lugares, tanto na antropologia
exótica como na sociologia, o informante está plenamente reabilitado” (LATOUR;
WOOLGAR, 1997:28). Mais a frente Latour volta a discutir a posição do observador, e diz o
seguinte:
O observador ocupa, portanto, uma posição intermediária entre a do noviço (caso ideal
inexistente) e a do membro da equipe (quanto mais ele se integra, menos consegue se
comunicar produtivamente com a comunidade de seus colegas observadores). É
provável que, em certos estágios de avanço de sua pesquisa, o observador experimente
uma tendência irresistível com relação a um ou outro dos extremos (LATOUR;
WOOLGAR, 1997:36).
A questão que se coloca aqui, é que Latour não percebe que ele, como filósofo que é,
não pode de maneira alguma oscilar entre os dois extremos que ele enuncia. Primeiro, porque
os dois extremos que ele cita dizem respeito somente a sua integração no campo da
endocrinologia (noviço, ou membro da equipe
44
), mas não diz nada sobre o outro pólo que é o
da filosofia. Assim, Latour passa a impressão de que seu diálogo não é, prioritariamente, com
a filosofia, ou antropologia, ou sociologia. Ele não se coloca como filósofo, mas prefere estar
na posição de novato ou membro da equipe. Segundo: porque o conhecimento que Latour se
44
Latour inicialmente se mostra consciente de sua posição de filósofo quando diz que não pode ser integralmente
um noviço porque o observador traz uma carga cultural específica, no caso dele a filosofia. Mas ao mesmo
tempo ele abandona o ponto de vista do filósofo quando postula oscilar entre dois extremos que dizem respeito à
sua inserção no campo. Esse é um falso problema, que Latour não estava interessado em ser noviço ou
membro da equipe, mas realizar um estudo sobre o laboratório. Portanto, não poderia de forma alguma oscilar
entre os dois extremos que cita. Na verdade, tanto a colocação do problema: “adentrar um laboratório”, como sua
inserção no laboratório, dependeram de sua posição no campo da filosofia: como conseguiu ser aceito no
Instituto Salk, quem financiou seu estudo ali, a bagagem teórica que suas pesquisas anteriores lhe
proporcionaram, porque escolher o laboratório com objeto privilegiado para o estudo da ciência, etc., e também
como ele mesmo declara, em utilizar os métodos da etnografia para estudar a prática científica de
neuroendocrinólogos.
43
propõe a construir, demonstra que ele não se vincula à endocrinologia, portanto, deveria estar
conscientemente colocado antes mesmo de sua ida ao campo, afinal, Latour não estava ali
para descobrir um fato científico na área de neuroendocrinologia, mas de construir um relato
que não pretende ser mais verdadeiro do que um relato da construção de um pulsar, mas que
dele se distingue. Como ele mesmo não deixa de esquecer: “faça o quiser, mas a linguagem
deles não pode se tornar sua metalinguagem”.
Em relação também à metodologia Latour ignora um princípio básico discutido por
Bourdieu em O Ofício de sociólogo (2005b), quando este diz “Quanto menos consciente for a
teoria implicada em determinada prática – teoria do conhecimento do objeto e teoria do objeto
maiores são as possibilidades de que ela seja mal controlada, portanto, mal ajustada ao
objeto em sua especificidade” (BOURDIEU, 2005b:53). Latour demonstra desconhecer o
fundamento da construção de informações quantitativas quando utiliza um “dado”
homogeneizado, como as informações sobre números de artigos escritos por área, para
afirmar algo diverso do que está na base da construção dessa informação, a saber: uma
informação passível de ser coletada e classificada de forma idêntica em relação a objetos
diversos, no caso da pesquisa de Latour, em relação a áreas científicas diversas. Transcrevo
um trecho um pouco longo abaixo, mas que servirá para esclarecer esta questão. Segundo
Latour,
A importância destes textos que apresentavam a estrutura dos fatores de liberação
pode ser atestada pelo grande número de artigos que a eles se seguiram. Os artigos
escritos por outros autores constituem a literatura externa que alimenta além das
inscrições que saem do laboratório – o processo de criação de novos artigos. Na figura
2.2 pode-se ver como o número de artigos sobre diversas substâncias subiu
rapidamente depois que elas foram definidas por um artigo inaugural. De repente, a
proporção das publicações em neuroendocrinologia que tratam dos fatores de
liberação passou de 17%, em 1968, para 38%, em 1975. Isso indica que a
‘especialidade’ dos fatores de liberação contribuiu para valorizar a
neuroendocrinologia em seu conjunto. A parte que o laboratório representa nas
publicações especializadas caiu de 42%, em 1968, para 7%, em 1975, em razão
mesmo do sucesso de suas pesquisas, porque o interesse pela questão desenvolveu-se
amplamente fora do laboratório. Para recolocar esses dados em seu contexto, é
importante notar que, em 1975, os artigos sobre os fatores de liberação figuravam em
39% das publicações em neuroendocrinologia; a neuroendocrinologia representava
apenas 6% de toda endocrinologia, sendo que esta é somente um dos diversos ramos
da biologia. Isso quer dizer que as publicações do laboratório representavam, em
1975, 0,045% do total das publicações em endocrinologia. É preciso, portanto, ser
extremamente prudente quando se tenta generalizar as características do laboratório
em particular para a atividade científica em seu conjunto (LATOUR; WOOLGAR,
1997:51-2)
Latour primeiro entrelaça os artigos na área de fatores de liberação com a área de
neuroendocrinologia, dizendo que os primeiros fortaleceram a segunda: “De repente, a
44
proporção das publicações em neuroendocrinologia que tratam dos fatores de liberação passou
de 17%, em 1968, para 38%, em 1975. Isso indica que a ‘especialidade’ dos fatores de
liberação contribuiu para valorizar a neuroendocrinologia em seu conjunto”. Posteriormente,
ele diz que a neuroendocrinologia é apenas uma área da endocrinologia, que por sua vez é um
dos diversos ramos da biologia. E finalmente ele consegue terminar esse argumento
contradizendo toda sua argumentação anterior quando diz que se deve ser “extremamente
prudente quando se tenta generalizar as características do laboratório em particular para a
atividade científica em seu conjunto”. Mas onde se encontra esta contradição? No fato de que
Latour utiliza “dados”, informações que foram coletadas em uma forma específica, de
maneira que pudessem ser comparadas, homogeneizadas (por exemplo: “os artigos sobre os
fatores de liberação figuravam em 39% das publicações em neuroendocrinologia; a
neuroendocrinologia representava apenas 6% de toda endocrinologia” ou, “A parte que o
laboratório representa nas publicações especializadas caiu de 42%, em 1968, para 7%, em
1975”) para afirmar uma prudência em não generalizar estas informações. Contudo, tais
informações são generalizações, que colocam sob a mesma ótica, a da quantificação do
número de artigos, a produção de cada área por ele citada. Assim, Latour não percebe que ele
nega o princípio de construção destas informações quantitativas, haja vista, que comparar
artigos pressupõe que as áreas citadas por ele, escrevam artigos e os publiquem em algum
lugar. Dessa forma, a existência de artigos que podem ser quantificados indica um mínimo
de acordo dos pares na divulgação e comunicação científica. De outra forma, Latour deixa
escapar que quando os cientistas mandam seus artigos para as revistas eles estão aceitando
as regras de produção e comunicação científica, sendo, portanto, os artigos publicados,
resultados de generalizações tanto no que diz respeito à forma de apresentação destes artigos,
como no que diz respeito à prova experimental, ou seja, os cientistas não apresentam
informações alheias, estranhas aos seus pares, que terão o poder de validar ou invalidar as
pesquisas que os artigos invocam. Sendo assim, os artigos representam a generalização de
métodos, técnicas e formas de regular o diálogo concorrencial entre os cientistas. Talvez não
se possa generalizar “as características do laboratório em particular para a atividade científica
em seu conjunto”, mas com certeza não será comparando artigos que se poderá afirmar isso.
45
Parte II
A Teoria do Campo Científico de Pierre
Bourdieu
O campo científico
45
A noção de campo científico apresentada por Bourdieu em artigo publicado na revista
Actes de la Recherche en Sciences Sociales, em junho de 1976, diz que o campo científico é o
45
Artigo publicado na revista Actes de la Recherche en Sciences Sociales, n. 2/3, jun. 1976: 88-104, e que
compõe o livro organizado por Renato Ortiz: Pierre Bourdieu: Sociologia. São Paulo, Ática, 1994.
46
sistema de relações objetivas entre posições adquiridas (em lutas anteriores), é o lugar,
o espaço de jogo de uma luta concorrencial. O que está em jogo especificamente nesta
luta é o monopólio da autoridade científica definida, de maneira inseparável, como
capacidade técnica e poder social; ou se quisermos, o monopólio da competência
científica, compreendida enquanto capacidade de falar e de agir legitimamente (isto é,
de maneira autorizada e com autoridade), que é socialmente outorgada a um agente
determinado. (BOURDIEU, 1994:122).
Falar em campo científico como lugar de luta pela aquisição da autoridade científica, é
percebê-lo produtor de interesses específicos, determinados (que aparecem como desinteresse
somente quando referidos a interesses constituídos em outros campos). As noções de interesse
e autoridade científica concorrem para que se afaste das leituras científicas sobre a ciência a
distinção entre dimensão simbólica e dimensão técnica na mesma. Bourdieu rompe, em sua
primeira formulação do campo, com a noção de desinteresse de Merton (“um padrão típico de
controle institucional de uma ampla margem de motivações” que impõe a atividade
desinteressada ao cientista, restando a este “conformar-se sob pena de sanções”
46
), ao propor
uma definição de ciência onde o interesse é constitutivo das relações entre cientistas.
O interesse na autoridade científica definida como capacidade técnica e poder social
–, de acordo com Bourdieu, nunca é somente interesse político ou interesse cientificamente
puro, mas sempre inseparavelmente político e epistemológico. A luta (política) pela obtenção
de capital (seja simbólico ou na forma de instrumentos, mão-de-obra) envolve sempre uma
luta pela definição do que seja a ciência, portanto, luta epistemológica. Segundo Bourdieu
aqueles que estão à frente das grandes burocracias científicas poderão impor sua
vitória como sendo uma vitória da ciência se forem capazes de impor uma definição
de ciência que suponha que a boa maneira de fazer ciência implica a utilização de
serviços de uma grande burocracia científica, provida de créditos, equipamentos
técnicos poderosos, de uma mão-de-obra abundante (BOURDIEU, 1994:124).
Assim, aqueles que dominam o campo impõem uma definição de ciência, uma
“medida de toda prática científica”, adequada às suas “capacidades intelectuais e
institucionais” (BOURDIEU, 1994:124). Segue-se daí que os conflitos com aparência
epistemológica ou política serão sempre conflitos que envolverão estas duas dimensões. Para
Bourdieu sendo o campo científico o lugar, o espaço de uma luta (política) entre os agentes
pela dominação científica, é o campo
que designa a cada pesquisador, em função da posição que ele ocupa seus problemas,
indissociavelmente políticos e científicos, e seus métodos, estratégias científicas [...]
não escolha científica do campo da pesquisa, dos métodos empregados, do lugar
de publicação; ou, ainda, escolha entre uma publicação imediata de resultados
parcialmente verificados e uma publicação tardia de resultados plenamente
46
Merton, 1970:660.
47
controlados que nção seja uma estratégia política de investimento objetivamente
orientada para a maximização do lucro propriamente científico (...) (BOURDIEU,
1994:127).
A autoridade científica é um tipo particular de capital social e aqueles que acumulam a
autoridade obtêm poderes sobre os mecanismos de reprodução do campo. Esse capital pode
ser acumulado, transmitido e reconvertido em outros tipos de capital e, quanto mais autônomo
for o campo mais a acumulação e reconversão dar-se-á pelo julgamento dos pares, ou seja,
pelos concorrentes que também buscam acumular capital científico. As estratégias dos que
procuram legitimar sua ciência passam pelo julgamento dos pares-concorrentes e têm tanto
mais chance de ser bem-sucedida quanto maior for o capital previamente acumulado. Capital
que concorre, de acordo com as regras do jogo, com o aumento das possibilidades do agente
impor sua definição de ciência. Mas como ficaria um biólogo novato em um laboratório ou
um sociólogo em uma instituição de ensino e pesquisa, em uma situação onde ainda não
acumularam capital científico? Ora, cientistas não são “produzidos” da noite para o dia, “nós”
passamos pela escola, fomos treinados, inculcados em habitus específicos. Não perceber a
hierarquia dos centros de tecnologia, escolas de ensino médio, etc., que produzem agentes
previamente adaptados às universidades, faculdades que formam os cientistas, é crer que
alunos formados em centros de excelência concorrerão em condições de igualdade com
aqueles que não tiveram acesso a estes locais de excelência de ensino. Decorre daí que o
capital cultural e escolar não pode ser excluído das estratégias de acumulação, sendo, pois, o
capital inicial do cientista no campo científico.
Bourdieu propõe um campo científico hierarquizado, tanto mais quanto mais desigual
for a distribuição de capital no interior do campo. A prática e o discurso legítimos são
impostos por aqueles que dominam o campo, que detêm maior capital (cargos mais altos,
mais publicações, participações em sociedades reconhecidas, etc.). Nesse quadro a ciência
legítima é aquela que é imposta pelos dominantes do campo, mas as estratégias dos cientistas
dependem da posição que ocupam na estrutura de distribuição de capital, e se esta posição não
permite aos dominados “a utilização de serviços de uma grande burocracia científica, provida
de créditos, de equipamentos técnicos poderosos, de uma mão de obra abundante”
47
, como
eles podem ascender à posição de dominantes? Como veremos mais à frente, o caminho mais
rápido é aquele adotado pelas estratégias de sucessão que permitirão, a longo prazo, o acesso
aos lucros simbólicos por meio da aceitação da definição de ciência imposta pelos
dominantes. A base da mudança de posição, seja por meio de uma estratégia de sucessão (que
47
Ibidem:124.
48
visa conservar o estado de forças do campo) ou de subversão, radica-se na força relativa dos
grupos que constituem o campo. Assim, diz Bourdieu,
Tanto no campo científico quanto no campo das relações de classe não existem
instâncias que legitimam as instâncias de legitimidade; as reivindicações de
legitimidade tiram sua legitimidade da força relativa dos grupos cujos interesses elas
exprimem: à medida que a própria definição dos critérios de julgamento e dos
princípios de hierarquização estão em jogo na luta, ninguém é bom juiz porque não
juiz que não seja, ao mesmo tempo, juiz e parte interessada. (BOURDIEU, 1994:130).
Percebe-se, portanto, que no campo científico a definição das regras do jogo, faz parte
do jogo de relações de força entre os grupos do campo. Se existe um jogo onde as regras se
jogam, não tem sentido o que Latour diz ao apresentar o ciclo de credibilidade como sendo
elemento que o diferenciaria, dentre outros, da análise de Bourdieu. Apoiando-se na análise
da Fred Reif sobre a física, afirma Bourdieu,
onde a posse de capital científico tende a favorecer a aquisição de capital suplementar
e onde a carreira científica ‘bem-sucedida’ torna-se um processo contínuo de
acumulação no qual o capital inicial representado pelo título escolar, tem um papel
determinante (...) esse processo continua com o acesso aos cargos administrativos, às
comissões governamentais, etc. (BOURDIEU, 1994:130-1).
Vê-se que o mérito de Latour foi ser fiel ao modelo bourdieusiano, o que fica mais
claro com as afirmações de Bourdieu de que o capital específico que é a autoridade científica,
pode ser acumulado, reconvertido e transmitido, em um processo continuo de acumulação
(BOURDIEU, 1994:130).
No campo científico acumular capital é ao mesmo tempo tornar-se (re)conhecido,
dotando-se de uma distinção, uma marca diferencial. A escolha do objeto tem a característica
de tornar importante e interessante aos olhos dos pares o cientista que construiu esse objeto,
contudo a escolha do objeto é uma estratégia de investimento que se organiza como
antecipação das chances de lucro. Decorre daí que o cientista, na escolha do objeto, procura
aquelas áreas possíveis de lhe trazer um lucro simbólico maior. Por conseguinte, uma
competição acirrada em uma área tende a abaixar as taxas de lucro (simbólico e material) na
mesma, levando alguns cientistas tanto a migrarem para outras áreas como escolherem objetos
novos onde a competição é menor. Mudando para uma área onde a competição é menor (em
relação a outras áreas) as chances de aparecer como interessante e importante são maiores
48
(BOURDIEU, 1994:125).
48
Pode-se entender uma área com menor competição como uma especialidade dentro de uma disciplina, por
exemplo, dentro da genética a genética de populações, dentro desta, a população de drosophilas que, por sua vez,
pode ser analisada a partir dos cruzamentos (genética clássica) ou da biologia molecular.
49
As estratégias científicas se definem pela posição que o cientista ocupa na distribuição
do capital no campo, por conseguinte, pelo capital acumulado (e pelo habitus). Por sua vez,
A estrutura do campo científico se define, a cada momento, pelo estado das relações
de força entre os protagonistas em luta, agentes ou instituições, isto é, pela estratégia
da distribuição do capital específico, resultado das lutas anteriores que se encontra
objetivado nas instituições e nas disposições e que comanda as estratégias e as
chances objetivas dos diferentes agentes ou instituições. (BOURDIEU, 1994:133).
A posição que cada agente ocupa no campo científico é o resultado do conjunto das
estratégias anteriores desse agente que, dados os casos, serão estratégias de conservação ou de
subversão. O título escolar assume a posição de capital adquirido e este será tanto maior
quanto mais prestigiosa for a instituição escolar de origem que encerrará uma trajetória
provável por meio de ‘aspirações razoáveis’ ligadas a trajetórias escolares distintas. É dessa
forma que as ‘ambições científicas’ serão tanto mais altas quanto maior for o capital
previamente acumulado sob a forma de “título raro” obtido em escolas e universidades
reconhecidas (BOURDIEU, 1994:134).
A estrutura de distribuição de capital científico no campo, segundo Bourdieu, varia
entre dois limites ideais: o monopólio do capital e a distribuição eqüitativa deste capital entre
os concorrentes. O campo será, portanto, o lugar o espaço de uma “luta mais ou menos
desigual” entre agentes que acumularam desigualmente capital, estando, portanto, em
condições de utilizar de forma diferenciada o “conjunto dos meios de produção científica
disponíveis” (BOURDIEU, 1994:136). O campo organiza-se, assim, entre dominantes e
dominados. Os dominantes ocupando os cargos mais altos, de maior decisão, envolvidos em
pesquisas com financiamentos vultosos, controlando o acesso aos meios de produção e
reprodução do campo e os dominados que possuem o capital escolar (que tanto pode ser o
“título raro” como o “título médio” e que irá influenciar tanto as próprias estratégias dos
novatos como o julgamento dos estabelecidos no campo) e o capital que incorporam da
instituição que adentram (a posição que a instituição ocupa na estrutura de distribuição de
capital no campo). Na luta pela autoridade científica as estratégias dos dominantes e dos
dominados opõem-se. Segundo Bourdieu as estratégias dos dominantes visam conservar a
ordem científica existente e as estratégias dos novatos orientam-se para estratégias de
sucessão (e por extensão de conservação) ou para estratégias de subversão. A sucessão
garante, ao longo da trajetória científica, os lucros por realizar a ciência legítima imposta
pelos dominantes. A subversão para Bourdieu requer
50
investimentos infinitamente mais custosos e arriscados que podem assegurar os
lucros prometidos aos detentores do monopólio da legitimidade científica em troca de
uma redefinição completa dos princípios de legitimação da dominação. Os novatos
que se recusam as carreiras traçadas só poderão ‘vencer os dominantes em seu próprio
jogo’ se empenharem um suplemento de investimentos propriamente científicos sem
poder esperar lucros importantes, pelo ao menos a curto prazo, posto que eles têm
contra si toda a lógica do sistema. (BOURDIEU, 1994:138).
Esta oposição entre estratégias de conservação e estratégias de subversão, no entanto,
tende a se enfraquecer à medida que se elevam os requisitos de acesso ao campo,
homogeneizando os novatos ou dominados e à medida que o capital acumulado pelo campo
aumenta. Esse movimento propicia uma autonomia relativa ao campo onde “as grandes
revoluções periódicas” cedem lugar para as “inúmeras pequenas revoluções permanentes”
(BOURDIEU, 1994:137). À medida que o campo se torna autônomo as condições necessárias
para uma revolução científica dependem, cada vez mais, de equipamentos científicos
adquiridos no campo. Os requisitos para uma revolução científica podem “ser adquiridos
na e pela cidadela científica” (Bachelard apud Bourdieu, 1994:143). A acumulação de capital
científico no campo, na medida em que aumenta, restringe o acesso à luta científica pelo fato
de ser necessário ao cientista ter incorporado determinado capital para poder ter acesso aos
problemas, instrumentos e métodos da ciência. Para Bourdieu “a antinomia entre ruptura e
continuidade” cede lugar a rupturas contínuas que são “o verdadeiro princípio de
continuidade” do campo
49
. É dessa forma que as rupturas não cabem aos mais desprovidos,
mas sim, “entre os novatos, os mais ricos cientificamente”, em um quadro onde o mercado
dos produtos científicos é cada vez mais restrito àqueles que possuem os instrumentos
necessários para poder criticar e desacreditar os outros cientistas, possibilitando que o
“antagonismo anárquico dos interesses particulares” transmute em dialética científica na
medida em que cada cientista encontra em todos os pares concorrentes, agentes capazes de
colocar os mesmos meios que ele a serviço das mesmas intenções (BOURDIEU, 1994:143-4).
Nas lutas dentro do campo científico, “as teorias da ciência e de suas transformações”
exercem funções ideológicas porque universalizam propriedades de estados particulares do
campo e, são tanto mais lutas inseparavelmente contra a ordem científica e contra a ordem
social quanto menos estiverem inscritas nos mecanismos do campo as condições
institucionais para as lutas (BOURDIEU, 1994:141-2).
Para Bourdieu, o fundamento da ciência é a crença coletiva nos próprios fundamentos
que o campo produz, supõe, inculca e impõe. Os esquemas práticos internalizados pelo
ensinamento e pela familiarização erigem-se em mecanismos institucionais que concorrem
49
Ibidem:143.
51
para a “seleção social e escolar dos pesquisadores”, para a “formação dos agentes
selecionados” e para o “controle do acesso aos instrumentos de pesquisa e publicação”
(BOURDIEU, 1994:145). A crença nos fundamentos da ciência inclui tanto dominantes como
dominados no campo (o mesmo é dizer ortodoxos e heterodoxos), o que significa que as lutas
no campo científico implicam sempre um fundo de acordo tácito: conjunto dos pressupostos
tomados como evidentes. Assim, as tomadas de posição são sempre tomadas de posição
previstas, porque pertencer ao campo é admitir certas regras pelo “simples fato de pertencer
ao campo”
50
.
Interesse e Desinteresse no Campo
No artigo tratado anteriormente nota-se que Bourdieu não desenvolve de maneira mais
detalhada a questão do habitus científico. Neste e nos demais textos que tomei como objeto de
análise, como ficará demonstrado, Bourdieu sempre se preocupa em destacar determinado
ponto de sua teoria e explicitá-lo, refiná-lo. Mais abaixo explicitarei que ele passa da noção de
interesse para a noção de Illusio e chega a usar também libido. Para entender sua teoria da
ciência torna-se necessário compreender a tríade conceitual habitus/campo/capital, que torna
possível enxergar o campo como espaço de jogo, onde se luta pela acumulação de capital
científico ou autoridade científica.
Nas linhas que se seguem vou expor, primeiro, como Bourdieu atualiza a noção de
interesse introduzindo a noção de illusio e também e de libido. Segundo, como ele refuta as
interpretações que postulam a ação consciente do cientista com objetivos conscientemente
colocados e também aquelas interpretações que vêem na ação dos cientistas ações orientadas
para o lucro econômico. Terceiro, vou explicitar que forma o desinteresse toma para ele neste
texto.
No texto É Possível um ato Desinteressado? (transcrição de dois cursos do Collège de
France oferecidos na Faculdade de Antropologia e Sociologia da Universidade Lumière-Lyon
II em 1988 e que compõe o livro Razões práticas Sobre a Teoria da Ação), Bourdieu diz que
primeiro a noção de interesse se apresenta para ele como um instrumento de ruptura com a
visão encantada e mistificadora das condutas humanas. A noção de interesse pode e deve ser
colocada como instrumento de explicação de ações concebidas como racionais, conscientes e
orientadas para o lucro, assim como para as ações que ocorrem em universos que apresentam-
se, nas representações dos participantes deste universo, como desinteressadas. Bourdieu ao
50
Ibid:145-6.
52
propor uma interpretação da ciência onde o interesse é constitutivo das relações entre
cientistas, como já se disse, rompe com a noção de desinteresse de Merton e ao mesmo tempo
com as noções que vêem, na ação dos agentes, uma ação racional, consciente e orientada para
o lucro. Segundo Loyola “a dupla redução intencionalista e utilitarista obscurece o
movimento analítico paradoxal que Bourdieu efetua por meio da tríade conceitual
habitus/capital/campo, que consiste justamente em estender a esfera de interesse, reduzindo
aquela da utilidade e da consciência” (Loyola, 2002:84).
Como diz Loyola a tríade conceitual é o que permite a Bourdieu construir sua noção
de interesse ao mesmo tempo em que rompe com as interpretações estabelecidas que ora
explicam a ação do cientista como desinteressada, ora como consciente, racional e com vistas
ao lucro econômico. Como foi demonstrado atrás cada campo produz interesses
específicos, sendo espaços de acumulação de capital específicos (no caso do campo científico
veremos mais à frente que este capital pode ser do tipo puro e/ou do tipo institucional). A
noção de habitus permite tratar as ações como resultado de esquemas de ação e interpretação
internalizados pelos agentes ao longo de sua trajetória social (com peso maior para o capital
adquirido na família e na escola), desvinculando, dessa forma, a obrigatoriedade destas ações
serem ora desinteressadas ora conscientes, racionais e orientadas para o lucro. Bourdieu diz
que os agentes sociais “não agem de maneira disparatada, que eles não são loucos, que eles
não fazem coisas sem sentido” (BOURDIEU, 2005a:138). Assim os cientistas “podem ter
condutas razoáveis sem serem racionais”, eles podem agir de forma que será classificada pelo
sociólogo como racional sem ter a racionalidade no princípio de sua ação. Quando os
cientistas agem eles poder ter razão em ter agido daquela forma, mas o “cálculo racional das
probabilidades” não precisa ser o princípio da sua escolha em agir daquela maneira, de outra
forma, os agentes sociais não realizam atos gratuitos (Ibidem). Assim,
a sociologia postula que uma razão para os agentes fazerem o que fazem (no
sentido em que falamos de razão de uma série), razão que se deve descobrir para
transformar uma série de condutas aparentemente incoerentes, arbitrárias, em uma
série coerente, em algo que se possa compreender a partir de um princípio único ou de
um conjunto coerente de princípios. Nesse sentido a sociologia postula que os agentes
sociais não realizam atos gratuitos. (BOURDIEU, 2005a:138).
O interesse dos cientistas liga-se, pois, ao campo científico, e a forma com que se
reveste o interesse não se limita aos lucros materiais. É neste sentido que Bourdieu diz que os
agentes sociais não realizam atos gratuitos. Existem outras formas de interesse que não
passam pela maximização do lucro econômico.
53
No artigo de 1976, Bourdieu propõe a ação dos cientistas como orientadas por um
interesse específico produzido no campo, na luta entre os agentes pelo monopólio do capital
científico, que assim impõem uma definição de ciência. O interesse aparece ligado à luta no
campo, luta que é inseparavelmente política e epistemológica. Mas cabe perceber que o
interesse em sua forma específica vincula-se à posição que o indivíduo ocupa na estrutura de
distribuição de capital científico. Dessa forma, o interesse produzido no campo favorece
estratégias diferentes dependendo da posição ocupada pelo agente na estrutura das posições
do campo científico. O cientista pode oscilar entre duas posições típicas
51
: a de dominante e a
de dominado, podendo ter, portanto, duas estratégias: de conservação (e a de sucessão que
também concorre para conservar) e de subversão. O investimento ou desinvestimento dos
cientistas em áreas específicas é determinado pelas chances de lucro que aparecem como
possibilidade em função do capital adquirido. Dessa forma o interesse do cientista é orientado
para a acumulação de capital que possa trazer lucros simbólicos maiores ou menores
dependendo tanto da posição que ocupa (que na entrada no campo será influenciada pela
trajetória escolar e acadêmica), da estratégia utilizada (de conservação ou subversão), do
habitus, da posição que a instituição ocupa na estrutura de posições das instituições científicas
e da capacidade em maior ou menor escala de utilizar equipamentos/aparelhos e mão-de-obra.
No final deste artigo, no subtítulo “a ciência e os doxósofos” Bourdieu trabalha a idéia
de que a crença no fundamento da ciência é uma crença coletiva (para quem está no campo)
que o próprio campo produz. A luta pelo monopólio da autoridade científica implica que os
dominantes e dominados ou ortodoxos e heterodoxos, concordem sobre o que é e como deve
ser a luta no campo, acordo que toma a forma tácita evidente e por isso não se discute.
Quando Bourdieu introduz a noção de doxa “conjunto de pressupostos que os antagonistas
admitem como sendo evidentes, aquém de qualquer discussão, porque constituem a condição
tácita da discussão” (BOURDIEU, 1994:145), de certa forma deixa o caminho aberto para
introduzir a noção de illusio que é a substituta atualizada da noção de interesse. Segundo
Loyola
O uso que ele faz do conceito de interesse noção que substitui cada vez mais
freqüentemente por aquela de illusio e, mais recentemente por aquela de libido
responde a dois objetivos: primeiro, romper com a visão encantada da ação social que
se agarra à fronteira artificial entre a ação instrumental e ação expressiva e normativa
e que recusa reconhecer as diversas formas de lucro ou interesses não materiais que
guiam os agentes que se apresentam como desinteressados; segundo, sugerir a idéia de
que os agentes são retirados de um estado de in-diferença pelo estímulo enviado por
certos campos, e não por outros, pois cada campo preenche a garrafa vazia do
interesse com um vinho diferente. As pessoas se pré-ocupam com certos resultados
51
No sentido weberiano de tipo ideal.
54
futuros inscritos no presente na medida em que seu habitus as dispõe a percebê-los e
persegui-los. (Loyola, 2002:85).
Com efeito, Bourdieu constrói sua explicação sobre a noção de illusio refutando ao
mesmo tempo tanto a visão utilitarista que reduz a ação do agente a ações conscientes e
racionais e ao interesse pelo lucro econômico, como aquelas visões que apresentam a
atividade do cientista como desinteressada. Como não poderia ser de outra forma, o que
subjaz e perpassa toda esta discussão é a noção de habitus, que permite, como se disse,
vincular estrutura e agente.
Bourdieu diz que illusio (derivada da raiz ludus que significa jogo) “é estar preso ao
jogo, preso pelo jogo, acreditar que o jogo vale a pena ou, para dizê-lo de maneira mais
simples, que vale a pena jogar” (BOURDIEU, 2005a:139). A noção de interesse que Bourdieu
apresenta em 1976 é revestida e recheada por elementos políticos e epistemológicos. O
interessante é aquilo que traz um lucro (simbólico), que permite acumular capital, reconvertê-
lo, ser (re)conhecido. Se interessar é, portanto, entrar no jogo, assumir uma posição (não
necessariamente consciente), reconhecer os objetos (com características para serem)
reconhecidos, em suma, interesse é illusio: é tomar como evidentes os objetos da discussão
sem discuti-los, é estar em um jogo que se faz esquecer que é um jogo. Para Bourdieu a
illusio “é essa relação encantada com um jogo que é produto de uma relação de cumplicidade
ontológica entre as estruturas mentais e as estruturas objetivas do espaço social”, e aqueles
jogos que são vistos como importantes/interessantes o são “porque eles foram impostos e
postos em suas mentes em seus corpos, sob a forma daquilo que chamamos de o sentido do
jogo” (BOURDIEU, 2005a:139-0). Bourdieu utiliza também a noção de libido para expressar
também o que ele chama de illusio. Bourdieu diz que a libido biológica ou pulsão
indiferenciada é transformada em libido social específica pelo trabalho de socialização. Como
sua teoria dos campos implica em universos com leis relativamente autônomas (como se verá
adiante), haveria tantos tipos de libido quantos fossem os campos. O trabalho de socialização
“transforma as pulsões em interesses específicos, interesses socialmente constituídos que
apenas existem na relação com um espaço social no interior do qual certas coisas são
importantes e outras são indiferentes (...)”
52
.
Note-se que a noção de illusio e libido implicam uma disposição incorporada,
adquirida, para reconhecer os alvos, os objetos e objetivos do campo científico. Estratégia ou
investimento, neste caso, aparecem como antecipações pré-perceptivas de “um futuro que é
52
Ibid:141-2.
55
quase um presente”
53
, e são produtos do habitus que induz práticas fundadas em experiências
anteriores. Segundo Bourdieu o habitus
é um corpo socializado, um corpo estruturado, um corpo que incorporou as estruturas
imanentes de um mundo ou de um setor particular desse mundo, de um campo, e que
estrutura tanto a percepção desse campo como a ação nesse mundo [...] e quando as
estruturas incorporadas e as estruturas objetivas estão de acordo, quando a percepção é
construída de acordo com as estruturas do que é percebido, tudo parece evidente, tudo
parece dado. É a experiência dóxica pela qual atribuímos ao mundo uma crença mais
profunda do que todas as crenças (no sentido comum) que ela não se pensa como
uma crença. (BOURDIEU, 2005a:144).
Os agentes, portanto, estabelecem relações com o campo (seja o campo científico,
artístico, burocrático, etc.) que Bourdieu chama de illusio relação encantada que reconhece os
alvos, aceita os objetivos, encontra importância em determinados objetos construídos porque
são produtos da crença de que perseguir tais objetivos e objetos vale a pena, merecem ser
buscados e perseguidos. Ao mesmo tempo a noção de doxa demonstra que essa busca, esse
sentido do jogo constitui-se na crença indiscutível dos pressupostos tidos como tácitos,
evidentes, por isso não discutidos: relação de cumplicidade ontológica entre as estruturas
objetivas e as estruturas mentais dos agentes. A noção de habitus sedimenta esta cumplicidade
ontológica porque a coloca como resultado de antecipações na ação do agente, que encontra
na ciência um conjunto coerente de significados e práticas que confirmam suas estruturas
mentais, porque sua percepção e ação foram estruturadas em práticas anteriores que
concorreram para que o cientista internalizasse os esquemas mentais e mesmo uma hexis
corporal de tais práticas. Percebe-se que os conceitos bourdieusianos entrelaçam-se
constituindo uma tessitura conceitual (para fugir da moda da noção de rede), no duplo sentido
de uma configuração estabelecida de linhas (conceitos) e de algo que se tece, se constrói, onde
os conceitos (linhas) encontram pontos de convergência.
É esta a base da crítica à visão utilitarista que os cientistas prontos a colocar
conscientemente os objetivos da sua ação e retirar daí o máximo de eficácia. Para Bourdieu a
relação de cumplicidade entre as estruturas mentais e as estruturas objetivas do mundo social
não se apresenta conscientemente ao agente. A ação do cientista é produto do habitus, que
53
“As análises comuns da experiência temporal confundem duas relações, com o futuro e com o passado, que,
em ideem, Husserl distingue claramente: à relação com o futuro, que podemos chamar de projeto, e que coloca o
futuro como futuro, isto é, como possível constituído como tal, e, portanto, podendo acontecer ou não, opõe-se a
relação com o futuro, que ele chama de protensão ou antecipação pré-perceptiva, relação com um futuro que não
é um futuro, com um futuro que é quase presente. Ainda que eu não veja os lados ocultos do cubo, eles estão
quase presentes, eles são ‘apresentados’ através da crença que temos em uma coisa percebida. Eles não são
visados em um projeto, como igualmente possíveis ou impossíveis, eles estão lá, na modalidade dóxica do que é
diretamente percebido” (BOURDIEU, 2005a:143-4).
56
une as estruturas objetivas e o agir do cientista. As estratégias, dessa forma, “raramente estão
assentadas em uma verdadeira intenção estratégica” (BOURDIEU, 2005a:145).
Para refutar a segunda redução (tradicionalmente chamada de economicismo) que
enxerga o interesse econômico como motivação da conduta dos agentes, primeiro Bourdieu
localiza o princípio do erro que consiste em considerar que as leis do funcionamento do
campo econômico são válidas para todos os campos. A crítica sustenta-se na constatação
54
de
que o mundo social passa por um processo de diferenciação progressiva. No entanto, os
universos ou campos que hoje são diferenciados, em sociedades antigas e em muitas
sociedades pré-capitalistas eram indiferenciados apontando uma polissemia e uma
multifuncionalidade de condutas que eram ao mesmo tempo religiosas, econômicas, estéticas
(BOURDIEU, 2005a:147). Na constituição do campo econômico postula-se justamente sua
irredutibilidade a outros campos por meio do processo de diferenciação que passam os
universos ou campos sociais. Processo diverso do que acontece agora, onde os agentes do
campo econômico pretendem a aplicação universal, entre os campos sociais, das leis de
funcionamento de seu campo, ignorando a diferenciação que se encontra em sua própria
origem.
O processo de especialização ou diferenciação concorre para que os campos se
tornem autônomos, com leis de funcionamento específicas, portanto não redutíveis às leis de
outros campos. À medida que os campos se diferenciam, diferenciam-se suas leis de
funcionamento, leis próprias são constituídas, interesses específicos que podem parecer
desinteresse se vistos por um agente que pertence a um campo diferente, isso porque as
“categorias de percepção, os princípios de visão e divisão, os sistemas de classificação, os
esquemas classificatórios, os esquemas cognitivos, que são, em parte, produto da
incorporação das estruturas objetivas do campo considerado (...)”
55
, não são os mesmos para
todos os campos, cada campo é o lugar de interesses específicos, de luta por um capital
específico, de constituição de um habitus próprio. Assim, falar em interesses econômicos na
ciência se apresenta como uma imposição das leis de um campo em outro, operando, por meio
desta transposição teórica e prática, um poder empírico (porque as ações que são alvo de
universalização têm que se reproduzir materialmente, fisicamente) e simbólico (porque
assume formas mentais, esquemas de pensamento, categorias de percepção) imposto ao
sistema de relações entre os campos, imposto ao campo social.
54
Bourdieu diz que “na fundamentação da teoria dos campos, temos a constatação (já encontrada em Spencer,
em Durkheim, em Weber...) de que o mundo social é lugar de um processo de diferenciação progressiva”
(BOURDIEU, 2005a:147).
55
Ibidem:149.
57
Após refutar a visão intencional e utilitária da ação, Bourdieu retoma a questão que
nome ao texto “é possível um ato desinteressado?”. Ele diz radicalizar, ao lançar mão do
conceito de capital simbólico, porque coloca as condutas ou “ações mais santas” como
possíveis de buscar um lucro simbólico. Novamente a noção de habitus é utilizada para fazer
compreender que podem existir condutas desinteressadas sem ter como princípio o cálculo do
desinteresse. O argumento toma a seguinte forma geral: “Se o desinteresse é sociologicamente
possível, isso ocorre por meio do encontro entre habitus predispostos ao desinteresse e
universos nos quais o desinteresse é recompensado” (BOURDIEU, 2005a:153).
Nos campos onde o desinteresse é a norma oficial, tão logo esta disposição se torne
habitus sistema de disposições adquiridas, esquemas de percepção ela se transforma em
fundamento real das práticas. A representação oficial transformada em habitus é tão forte que
a ação (o agir) é “por fidelidade ao grupo e fidelidade a si mesmo, como digno de ser membro
do grupo” (BOURDIEU, 2005a:152). Cabe ressaltar que os universos onde constituem-se
formas desinteressadas de ação devem seu estado à possibilidade de encontrar “condições
objetivas de reforço constante, tornando-se o fundamento de uma prática permanente (...)”
56
.
Ao tratar dos lucros na universalização Bourdieu problematiza as condutas que se
submetem às práticas que se pretendem universais, mas que são também determinadas por
interesses particulares. Diz Bourdieu,
Se é verdade que toda sociedade oferece a possibilidade de se obter um lucro do
universal, as condutas com pretensão universal serão universalmente expostas às
suspeitas. Esse é o fundamento antropológico da crítica marxista da ideologia como
universalização do interesse particular: ideólogo é aquele que toma por universal,
desinteressado, o que está de acordo com seu interesse particular. (BOURDIEU,
2005a:154).
Depreende-se daí que a existência de lucros no universal, que de fato é uma conduta
determinada por interesse particular, fundamenta a importância histórica das condutas que
submetem-se à universalidade, recebendo seu crédito justamente por terem se submetido. É
assim que em certos campos a conduta oficial do agente desinteressado aparece como mais
aceitável do que a representação do agente interesseiro ou egoísta. A “existência universal do
lucro na universalização” calca-se em comportamentos particulares (estratégias) que reforçam
e legitimam as normas e as formas oficiais que se apóiam no universal, dando a estas condutas
ou práticas “probabilidades diferentes de zero de se concretizar” (BOURDIEU, 2005a:155).
Posto isto, na análise sociológica, a conduta desinteressada aparece tanto como prática
convertida em habitus, como também um comportamento que obtém lucro na
56
Ibidem:153.
58
universalização. Ora, Bourdieu havia apresentado o desinteresse como “sistema de
interesses específicos” (BOURDIEU, 1994:141), agora oferece uma leitura radical (no sentido
de raiz) e pensa em termos de habitus: uma disposição incorporada, de reprodução e produção
de uma prática que postula sua universalidade a ciência, por exemplo mas que tem uma
origem particular, específica (abro mão de usar a palavra contexto e evocar outras
perspectivas ou pontos de vista
57
que dariam um sentido diverso à aquele utilizado aqui) um
interesse em universalizar estados particulares, um interesse no lucro simbólico do
desinteresse universalizado, portanto, um interesse no desinteresse.
O Conflito Regulado
No texto A Dupla Ruptura
58
(Publicado na obra Razões Práticas Sobre a Teoria da
Ação) Bourdieu critica a sociologia da ciência de Merton, o programa forte em sociologia da
ciência (em especial David Bloor) e Latour e Woolgar
59
, para depois dizer que uma análise
científica do campo científico torna-se difícil porque exige uma dupla ruptura com
representações que são desejadas e socialmente recompensadas:
ruptura com a representação ideal que os intelectuais têm e oferecem de si mesmos;
ruptura com a representação ingenuamente crítica que, reduzindo a moral profissional
a uma “ideologia profissional” por meio de uma fácil inversão da visão encantada,
esquece que a libido sciendi é uma libido scientifica. (BOURDIEU, 2005a:87).
Bourdieu retoma a idéia de que a ciência produz interesses que são regulados por leis
do próprio campo científico e que não se reduzem às leis de outros campos. Como todos os
outros campos ou universos sociais a ciência é um lugar, um espaço onde se trata “de poder,
de capital, de relações de força, de lutas para conservar ou transformar essas relações de força,
de estratégias de manutenção ou de subversão de interesses etc.” (BOURDIEU, 2005a:88).
Em campos com alto grau de autonomia as normas cognitivas podem ser impostas pela lei da
oferta e da procura das atividades, equipamentos, e obras científicas, levando “as pulsões da
libido dominandi a se submeterem à censura do campo. A definição do que é a ciência
legitima, em determinado momento do tempo, impõe que o triunfo sobre um adversário
pode ocorrer nas “regras da arte”, dentro das regras do jogo, em mecanismos do campo. É
57
Por exemplo, o programa forte em sociologia da ciência e o construtivismo de Latour e Woolgar.
58
Também publicado em inglês com o título Animadversiones in Mertonem, In: J. Clark, C. e S. Modgil (eds.)
Robert K. Merton: consensus and controversy. Londres e Nova York, Falmer press, 1990, pp 297-301.
59
Tais críticas foram incorporadas nesta dissertação na seção respectiva a cada um dos autores citados acima.
59
assim, diz Bourdieu, que o “apetite de reconhecimento” transforma-se em “interesse de
conhecimento” (BOURDIEU, 2005a:89), um verdadeiro conflito regulado.
O Trabalho de Objetivação e as Duas Formas de Capital Científico
A obra Os Usos Sociais da Ciência
60
toma a forma de primeiro trabalho empírico com
um objeto delimitado (o INRA
61
), onde Bourdieu visa evidenciar a lógica do mundo
científico, a forma específica que ele toma no caso do INRA e contribuir, assim, para uma
“auto-análise coletiva” (BOURDIEU, 2004a:17-8).
O que Bourdieu traz de novo em relação a seus escritos anteriores sobre o campo
científico? Primeiro, ele refina suas explicações sobre a especificidade do campo científico.
Segundo, explicita as duas formas de poder que correspondem a duas espécies de capital no
campo científico; terceiro, traz à discussão a necessidade de perceber o campo como um
espaço dos pontos de vista. É esta a forma que toma a exposição nas linhas a seguir.
Bourdieu vem ao longo dos anos em que escreveu sobre o campo científico rompendo
gradativamente com a noção de desinteresse. Se para Merton era possível falar em
desinteresse como norma, como padrão típico de controle institucional, para Bourdieu tem
sentido falar em desinteresse falando ao mesmo tempo de interesse. A forma como Bourdieu
apresenta o interesse e o desinteresse em sua última formulação do campo científico não
difere da primeira, seus últimos escritos sobre o campo científico são coerentes com sua
primeira formulação sobre o mesmo. Nas obras Bourdieu destaca pontos, refina sua
explicação, ora enfatiza a noção de campo, ora o interesse, em alguns momentos destaca a
noção de capital, em outros a noção de habitus.
Com a noção de campo, que por definição constitui formas específicas de interesse, o
desinteresse passa a ser visto como um sistema de interesses específicos, forma que pode
aparecer como desinteressada para quem está fora do campo, para quem não adquiriu as
disposições exigidas pelo campo científico. Posteriormente Bourdieu destaca o papel do
habitus para dizer que o desinteresse é possível como disposição incorporada no habitus e
nas relações objetivas que recompensarão este desinteresse. Agora falar em desinteresse é
possível se se falar em interesse desinteressado e interesse pelo desinteresse. Nestes termos o
desinteresse pode ser considerado com uma das diversas formas que pode tomar o interesse.
60
Publicado em 1997 com o título: Les Usages Sociaux de la Science. Por une sociologie clinique du champ
scientifique.
61
Institut National de la Recherche Agronomique (Instituto Nacional de Pesquisa Agronômica).
60
As descrições que postulam a ação desinteressada e a ação como consciente e/ou orientada
para o lucro, Bourdieu chama respectivamente de hagiográfica e cínica
62
. Note-se que essas
visões erram ao tratar a questão do desinteresse/interesse de forma isolada, uma analisando o
desinteresse como norma imposta sob pena de sanção, outra analisando o interesse como
interesse consciente e/ou orientado para o lucro econômico.
Ora, se o desinteresse é uma forma eufemizada do interesse transformado em interesse
particular pelo trabalho de socialização que ocorre no campo (o processo de transformação da
libido social em libido particular), segue-se que os campos teriam moedas de troca
específicas, particulares. Os agentes cientistas ou instituições que se apresentam como
desinteressados obtém lucro (material e simbólico) nessa representação e da prática implicada
nela. Tal representação e prática são apresentadas (impostas no jogo de forças do campo)
como definições legítimas da ciência. O agente no campo científico que busca conservar a
relação de forças no campo, na luta que ocorre entre os cientistas por meio da acumulação
desigual de capital entre eles, pode submeter-se/internalizar a mercadoria simbólica oferecida
(imposta) pelo grupo que oficialmente detém os meios de produzir e reproduzir a ciência,
portanto, pode submeter-se e internalizar a representação e prática do agente desinteressado.
Cabe dizer que mesmo as estratégias de subversão no campo acontecem sob o pano de fundo
da doxa que estabelece os limites da discussão, os limites daquilo que se discute e daquilo que
não se discute porque tomado como evidente, como condição tácita da discussão.
Bourdieu propõe, com a noção de campo, que não basta na ciência da ciência referir-se
ao conteúdo textual e às determinações sociais (com análises que enfatizam ora o aspecto
interno como se a ciência fosse produzida, concebida e reproduzida somente por elementos
intracampo, ora apresentando a ciência como produto de um contexto social e econômico
externo). Nem mesmo a relação direta que às vezes se faz entre esses dois termos interno e
externo é suficiente. O campo deve ser visto como um universo intermediário entre esses
dois pólos, onde se localizam os agentes e as instituições que (re)produzem e difundem a
ciência. O campo é um universo social como os outros, portanto, sujeito a leis mais ou menos
específicas. A noção de campo permite escapar das alternativas da “ciência pura” e da
“ciência escrava”, trazendo para a compreensão da análise sociológica que a ciência é um
campo social como a religião, a arte, e possui leis relativamente independentes de outros
campos sociais (BOURDIEU, 2004a:18-21).
62
A visão mertoniana que apresenta como desinteressada a ação do agente e a visão dos economistas que vêem
na ação do cientista ações conscientes e/ou orientadas para o lucro econômico.
61
Essa relativa independência é resultado do processo de autonomia por que passam os
campos sociais
63
. O campo encontra em seu poder de refração o principal indicador de seu
grau de autonomia. O poder de refração é a capacidade do campo de refratar, retraduzir as
demandas externas sob uma forma específica. As demandas externas, em um campo
autônomo, estão submetidas à lógica deste campo, que retraduz sob uma forma particular
estas demandas. Ao contrário, a heteronomia indica um estado em que as demandas, os
interesses externos ainda podem intervir nas decisões do campo sem serem desqualificadas
(BOURDIEU, 2004a:22). O poder de refração, dessa forma, filtra as demandas externas e será
tanto menos permeável quanto mais forem os processos de depuração existentes no campo
científico.
De acordo com Bourdieu todo campo “é um campo de forças e um campo de lutas
para conservar ou transformar esse campo de forças” (BOURDIEU, 2004a:22-3). Apresentar
o campo como campo de forças, implica percebê-lo como um mundo físico, com suas
relações de força e dominação. São os agentes que nesse caso podem ser instituições e as
relações objetivas entre eles que criam o espaço ou campo. O campo está sujeito a
deformações maiores ou menores dependendo do peso de seus agentes
64
- cientistas ou
instituições. Para Bourdieu é necessário construir as relações objetivas que são constitutivas
da estrutura do campo para se poder saber de onde o agente fala. Conhecer a posição que ele
ocupa no campo é necessário para compreender o que diz ou faz um agente engajado num
dado campo. Pode-se determinar a estruturas do campo pela distribuição de capital entre os
agentes. Para Bourdieu
os agentes (indivíduos ou instituições) caracterizados pelo volume de seu capital
determinam a estrutura do campo em proporção ao seu peso, que depende do peso de
todos os outros agentes, isto é, de todo o espaço. Mas, contrariamente, cada agente age
sob a pressão da estrutura do espaço que se impõe a ele tanto mais brutalmente quanto
seu peso relativo seja mais frágil” (BOURDIEU, 2004a:24).
Segundo Bourdieu o construtivismo idealista não percebe que os agentes fazem e
constroem o campo, mas sempre a partir de uma posição neste campo. Construir a posição do
agente no campo implica relacionar a força relativa do agente (capital acumulado), com a
força relativa de todos os outros agentes do campo. O capital que um cientista possui
63
Ver discussão sobre o processo de diferenciação ou especialização realizada nas páginas atrás.
64
“No campo científico, Einstein, tal como uma grande empresa, deformou todo o espaço em torno de si. Essa
metáfora ‘einsteiniana’ a propósito do próprio Einstein significa que não físico, pequeno ou grande, em
Brioude ou em Harvard que (independentemente de qualquer contato direto, de qualquer interação) não tenha
sido tocado, perturbado, marginalizado pela intervenção de Einstein, tanto quanto um grande estabelecimento
que, ao baixar seus preços, lança fora do espaço econômico toda uma população de pequenos empresários”
(BOURDIEU, 2004a:23).
62
“proporciona autoridade e contribui para definir não somente as regras do jogo, mas também
suas regularidades, as leis segundo as quais vão se distribuir os lucros nesse jogo (...)”
(BOURDIEU, 2004a:25-7). Dessa forma o campo se apresenta como o espaço onde os
agentes lutam, estabelecem relações de força “que implicam tendências imanentes e
probabilidades objetivas”
65
. As lutas acontecem não somente no plano da realidade mas
também no plano da representação. A acumulação de capital e as reconversões entre diversos
capitais aumentam as probabilidades que o cientista tem de definir o que é ciência, portanto,
de definir tanto em sua realidade como simbolicamente, a prática identificada como ciência
legítima
66
. Segundo Bourdieu
a especificidade do campo científico é aquilo sobre o que os concorrentes estão de
acordo acerca dos princípios de verificação da conformidade ao ‘real’, acerca dos
métodos comuns de validação de teses e de hipóteses, logo sobre o contrato tácito,
inseparavelmente político e cognitivo, que funda e rege o trabalho de objetivação. Em
conseqüência, aquilo que se defronta no campo são construções sociais concorrentes,
representações (com tudo que a palavra implica de exibição teatral destinada a fazer
ver e a fazer valer uma maneira de ver), mas representações realistas que se pretendem
fundadas numa ‘realidade’ dotada de todos os meios de impor seu veredito mediante o
arsenal de métodos, instrumentos e técnicas de experimentação coletivamente
acumulados e coletivamente empregados, sob a imposição das disciplinas e das
censuras do campo e também pela virtude invisível da orquestração do habitus
(BOURDIEU, 2004a:33).
O campo científico é, portanto, o campo que objetiva, que realiza o trabalho de
objetivação. A luta colocada em movimento pela definição legítima de ciência, pela
legitimidade do discurso e da prática, impõe ao mesmo tempo uma luta simbólica pela
imposição da representação do que seja a “realidade” deste jogo. Os agentes, dessa forma, se
confrontam no interior de um campo onde tanto o que se pode identificar como “realidade”
quanto aquilo que se pode definir como “simbólico”, são objetos de luta.
Estudar o campo científico, portanto, é objetivar o sujeito objetivante. É lutar para
aplicar àquele que objetiva as categorias analíticas que permitam objetivá-lo, trabalho que
é possível por uma tomada de posição (e também de consciência) do pesquisador. O
sociólogo que estuda a ciência tem que perceber que está em um jogo para “fazer reconhecer
uma maneira de conhecer” (BOURDIEU, 2004b:89), tem que perceber que lida, portanto,
com concorrentes pelo monopólio da objetivação (BOURDIEU, 1990:116).
Bourdieu diz que o campo científico, assim como o campo econômico conhece lutas
por concentração de capital, relações de força, disputas para controlar os meios de
(re)produção do campo. A luta científica, diz Bourdieu, implica um custo econômico e o grau
65
Ibidem:27.
66
Ibidem:29.
63
de autonomia do campo depende de três elementos que podem se configurar de maneira
diversa: “grau de necessidade de recursos econômicos que a ciência exige para se concretizar
(...) grau em que o campo científico está protegido contra as intrusões (...) grau em que é
capaz de impor suas sanções positivas ou negativas” (BOURDIEU, 2004a:34-5). Lembrando
que o indicador deste grau de autonomia é o poder de refração, ou seja, os mecanismos
constituídos pelo campo para retraduzir cada elemento descrito acima na lógica do campo.
Se antes Bourdieu falava em capital no campo científico de uma forma genérica, ou
seja, de uma forma que pode ser utilizada para explicar o capital em qualquer campo, agora
ele passa a desenvolver a especificidade do capital científico definindo duas formas que ele
assume. De acordo com Bourdieu no campo científico existem duas formas de poder que
correspondem a duas espécies de capital científico, um poder político, institucional e
institucionalizado, que se liga à ocupação de cargos de chefia, de direção, de pertencimento a
comissões, etc., e ao poder sobre os meios de produção e reprodução (contratos, créditos,
poder de nomeação, de concessão de bolsas, etc); e um poder que provém de um prestígio e
que repousa quase exclusivamente sobre o reconhecimento que os pares, na concorrência pela
legitimidade, consagram a determinados cientistas. Temos, portanto, um capital científico
institucional (poder político- temporal específico ao campo) e um capital científico puro, com
estratégias de acumulação que se devem a leis diferentes, o primeiro se adquire,
essencialmente, por estratégias políticas, o segundo, principalmente, por contribuições
reconhecidas ao progresso da ciência, como as invenções, descobertas, publicações, etc.
Sendo o interesse no campo ao mesmo tempo interesse político e epistemológico, no
momento em que ocorrem inovações (as pequenas revoluções cotidianas que interessam
sempre aos mais “ricos” cientificamente, porque acumularam, internalizaram os
instrumentos teórico-metodológicos complexos do campo) o capital científico puro, em sua
fase inicial de acumulação, estará mais sujeito a críticas e contestações do que o capital
científico institucional (BOURDIEU, 2004a:35-6). Ocorre que mesmo não sendo possível
uma ruptura radical (dado que para vencer um matemático ou um sociólogo dentro do campo,
é possível, como diz Bourdieu, dentro das regras do jogo, opondo um teorema a outro
teorema), a inovação traz consigo interesses políticos e epistemológicos que, se não se opõem
radicalmente aos interesses dos dominantes no campo, podem aparecer como conflitantes. Por
isso toda inovação, com possibilidade de injetar na luta pelo poder interesses políticos e
epistemológicos que não são os interesses do grupo dominante no campo, deve ser exposta à
critica, à contestação, à controvérsia.
64
Se a acumulação dos dois tipos de capital científico se de forma diferente, sua
transmissão segue o mesmo princípio. De acordo com Bourdieu,
O capital científico ‘puro’, que, fragilmente objetivado, tem qualquer coisa de
impreciso e permanece relativamente indeterminado, tem sempre alguma coisa de
carismático (na percepção comum está ligado à pessoa, aos seus ‘dons’ pessoais, e não
pode ser objeto de uma ‘portaria de nomeação’); desse aspecto, é relativamente difícil
de transmitir na prática [...] Ao contrário, o capital científico institucionalizado tem
quase as mesmas regras de transmissão que qualquer outra espécie de capital
burocrático, ainda que, em alguns casos, deva assumir a aparência de uma ‘eleição’
‘pura’, por exemplo, por meio de concursos que podem, de fato, estar muito próximos
dos concursos de recrutamento burocrático, no qual a definição do posto está, de
algum modo, pré-ajustada à medida do candidato desejado (BOURDIEU, 2004a:35-
6).
A transmissão do capital científico puro “é extremamente difícil”, mesmo com a
possibilidade que o pesquisador tem, por um lado, de transmitir a parte mais formalizada de
sua competência científica por um trabalho de cooperação ao longo dos anos e, por outro,
como detentor do capital simbólico de consagrar outros pesquisadores por meio desta mesma
cooperação (BOURDIEU, 2004a:37).
Dizer que o capital científico puro é uma espécie de capital “fragilmente objetivado”
que tem “qualquer coisa de impreciso e permanece relativamente indeterminado”, é o mesmo
que dizer: este capital é formado, assim como os interesses no campo, por elementos políticos
e epistemológicos. O acordo tácito que funda e rege trabalho de objetivação, especificidade do
campo científico, é inseparavelmente político e epistemológico, toda estratégia, todo interesse
têm essa dupla dimensão. Segue-se que a acumulação do capital científico puro ou
institucional, também é constituída no jogo de interesses (inseparavelmente) políticos e
epistemológicos. Por isso Bourdieu diz “principalmente
67
e não “unicamente” ou
“exclusivamente”, porque ele enxerga que a estratégia de acumulação do capital científico
puro não se encerra em contribuições ao progresso da ciência invenções e descobertas. Esta
estratégia pode ser política
68
(uma posição política específica ao campo) e epistemológica.
Conclui-se que o fato do capital científico puro aparecer como “fragilmente objetivado” com
“qualquer coisa de impreciso” e que “permanece relativamente indeterminado” pode ser
resultado de relações políticas que ultrapassam os limites meramente epistemológicos das
invenções ou descobertas que concorrem para o progresso da ciência. Os mecanismos
utilizados para reconhecer “invenções ou descobertas” que contribuem com o progresso da
67
“(...) o capital científico ‘puro’ se adquire, principalmente, pelas contribuições reconhecidas (...)”
(BOURDIEU, 2004a:36). Grifo meu.
68
Como se disse acima, áreas com forte concorrência abaixam as taxas de lucro, levando os cientistas a
escolherem novos objetos e migrarem para áreas onde a competição é menos intensa e onde podem obter um
lucro (simbólico e material) maior.
65
ciência, são os mecanismos políticos (e epistemológicos) que permitem aos dominantes
perpetuar seu poder. De outra forma, são os mecanismos que permitem conservar as forças
relativas dos grupos do campo.
A acumulação do capital científico puro e sua conversão em capital político
institucional ocorre de forma continua e lenta, a recíproca, no entanto, não é verdadeira, já que
a conversão do capital institucional em poder científico puro “é (infelizmente) mais fácil e
mais rápida, sobretudo para os que ocupam posições médias nas duas distribuições (do
prestígio e do poder)” (BOURDIEU, 2004a:38-9). Ao dominar os meios de produção e
reprodução da ciência, portanto, das instâncias e mecanismos de consagração, o poder
científico institucional pode chegar a “produzir o efeito de halo quase carismático”
69
sobre os
novatos no campo. Quanto mais o campo for dominado por forças heterônomas, mais o poder
institucional servirá de retransmissor dos poderes externos, nesse quadro o capital
institucional se apresenta como a propriedade específica ao campo que sofre uma dupla
influência: interna e externa. Segundo Bourdieu
O que é certo é que, quanto mais a autonomia adquirida por um campo for limitada e
imperfeita e mais as defasagens forem marcadas entre as hierarquias temporais e as
hierarquias científicas, mais os poderes temporais que se fazem, com frequência, os
retransmissores dos poderes externos poderão intervir em lutas específicas,
especialmente mediante o controle sobre os postos, as subvenções, os contratos, etc.
que permitem à pequena oligarquia dos que permanecem nas comissões manter suas
clientelas (BOURDIEU, 2004a:41).
A autonomia de um campo em relação aos poderes externos nunca é total, e sendo o
campo o lugar de duas formas de poder (que se ligam a dois tipos de capital), segue-se que as
estratégias dos cientistas são sempre caracterizadas por essa ambigüidade estrutural, que
elas podem ser ao mesmo tempo políticas (especificas ao campo) e científicas (BOURDIEU,
2004a:41-2). A explicação deve, portanto, considerar estas duas dimensões. No entanto, ao
falar de autonomia e heteronomia, Bourdieu não explica se o capital científico puro também
está sujeito às influências externas, no trecho acima essa influência ocorre via poder político
institucional. Neste quadro, dizer que o campo se torna autônomo, é dizer que o poder
científico institucional desenvolveu (por intermédio de seus agentes) mecanismos de refração
das demandas externas. Mas, se todas as tomadas de posição são ao mesmo tempo política e
epistemológicas, em um momento em que o grau de autonomia do campo é baixo, não é
possível prever uma dimensão política de uma tomada de posição epistemológica, portanto,
relativa à capital científico puro? De outra forma, o capital científico puro também está sujeito
a ser produto de estratégias políticas? Se Bourdieu não explicita esta possibilidade, mesmo
69
Ibidem:39.
66
tendo descrito que o acordo tácito que funda e rege o trabalho de objetivação (especificidade
do campo científico) é sempre inseparavelmente político e epistemológico, penso que acaba
por dar a entender que, mais do que o capital institucional, a especificidade da ciência liga-se
ao capital científico puro, de outra forma, o capital científico puro pode ser identificado como
o capital que concorre, de forma mais eficaz, para o trabalho de objetivação, que segundo
Bourdieu, constitui a especificidade do campo científico. Na acumulação do capital
institucional, para Bourdieu, é difícil dizer se “sua acumulação é o princípio (a título de
compensação) ou o resultado de um menor êxito na acumulação da forma mais específica e
mais legítima do capital científico”
70
. A própria denominação dos dois tipos de poderes
específicos ao campo científico com seus tipos de capital demonstra isso: um poder político,
temporal e institucional com um capital institucional ou da instituição, e um poder científico
com um capital puro.
Ao definir o espaço social “como estrutura de posições diferenciadas, definidas [as
posições], em cada caso, pelo lugar que ocupam na distribuição de um tipo específico de
capital” (BOURDIEU, 2005a:29), Bourdieu diz que este espaço social se organiza segundo
três dimensões fundamentais com um princípio em sua base, a saber: os tipos de capital e sua
distribuição no espaço social. Ao aplicar à ciência o princípio de organização segundo os tipos
de capital e sua distribuição têm-se o seguinte quadro: primeiro os cientistas se organizam de
acordo como o volume global do capital que possuem, nesse primeiro momento o campo
científico se divide então entre aqueles cientistas que detêm um volume maior de capital puro
e institucional e aqueles que detêm um volume menor de capital puro e institucional. Na
segunda dimensão os agentes se organizam segundo o peso relativo dos diferentes capitais no
volume global do capital que possuem, neste caso os cientistas se organizam entre aqueles que
possuem um volume maior de capital puro e aqueles que tem um volume maior de capital
institucional no seu capital global. A terceira dimensão traz o fator histórico para a análise e
organiza o mundo social de acordo com o volume e a estrutura do capital que o agente detêm
ao longo do tempo e ao longo de sua trajetória social
71
.
Se, por um lado, as posições dos agentes, suas estratégias e os princípios de
acumulação dos capitais no campo se apresentam, nas três dimensões acima, como
conflitantes (por meio de dualismos como: volume maior x volume menor, estratégias de
sucessão x subversão ou estratégias ortodoxas x heterodoxas), são ao mesmo tempo pólos de
um sistema, de uma estrutura específica. Por isso as conversões entre diversos tipos de capital
70
Ibidem:36.
71
Ibidem:30.
67
são possíveis, porque se apresentam como mudanças de posição, deslocamentos estratégicos
que podem oscilar entre dois extremos, um de monopólio do capital científico e outro de
distribuição eqüitativa deste. Novamente é necessário recorrer à noção de doxa para relembrar
que, embora as estratégias dos agentes apareçam como opostas (estratégias de subversão e de
sucessão/conservação) elas acontecem sobre o acordo tácito, tido como evidente, de que jogar
vale a pena, de que perseguir os objetos científicos é válido, portanto, em essência, tais
estratégias não se opõem, ao contrário, são dimensões de um mesmo fenômeno, pólos de uma
estrutura ou sistema.
Mas se o programa forte em sociologia da ciência pretende ser uma metateoria que a
despeito de seus princípios apresenta uma única possibilidade de análise do social, a saber: a
análise forte proposta pelo programa, Bourdieu, ao contrário, afirma que a teoria do campo
permite romper com o conhecimento parcial e arbitrário produzido por um ponto de vista.
Segundo Bourdieu a análise produzida por um ponto de vista particular em um ponto
específico do campo deve ser superada pela construção da estrutura de posições na ciência
com as respectivas possibilidades objetivas conferidas a cada posição em particular. Bourdieu
demonstra, dessa forma, a importância da análise relacional na ciência, que é através da
construção do espaço de relações objetivas que se pode escapar às tentações de se pensar a
realidade em termos substancialistas. Pensar relacionalmente é construir o “conjunto das
posições sociais, vinculado por uma relação de homologia a um conjunto de atividades (...) ou
de bens (...), eles próprios relacionalmente definidos” (BOURDIEU, 2005a:18). Em artigo
sobre o campo científico, datado de 1976, escreve Bourdieu,
A sociologia da ciência é tão difícil porque o sociólogo está em jogo no jogo que
ele pretende descrever (seja, primeiramente, a cientificidade da sociologia e, em
segundo lugar, a cientificidade da forma de sociologia que ele pratica); ele poderá
objetivar o que está em jogo e as estratégias correspondentes se tomar por objeto não
somente as estratégias de seus adversários científicos, mas o jogo enquanto tal, que
comanda também suas próprias estratégias, ameaçando governar subterraneamente
sua sociologia, e sua sociologia da sociologia. (BOURDIEU, 1994:155).
O campo como conjunto dos pontos de vista emerge em uma consideração
epistemológica sobre a dificuldade de se fazer uma sociologia da ciência sem estar ciente das
posições dos outros agentes e da própria posição no campo. A saída é perceber que aquele que
estuda a ciência, neste caso o sociólogo, deve objetivar o jogo do qual ele mesmo faz parte.
Em Os Usos Sociais da Ciência (2004a) Bourdieu diz que se deve opor às representações e
objetivações parciais a construção da estrutura de distribuição de capital científico no campo,
para, a partir daí, considerar as tomadas de posição como resultantes: da posição ocupada na
68
estrutura de distribuição de capital mediada pelo habitus. Tal esquema permite, segundo
Bourdieu, objetivar aquele que objetiva (já que uma das especificidades do campo científico é
o trabalho de objetivação), ficando esta postura do sociólogo caracterizada como “tomada de
posição objetivante” (BOURDIEU, 2004a:44-5). Neste quadro, os pontos de vista devem ser
referidos ao espaço das tomadas de posição, tornando possível destituir as pretensões
‘absolutistas’ à objetividade ao inseri-las no campo das possibilidades objetivas de estratégia,
e, ao mesmo tempo das tomadas de posição ideológica.
Por conseguinte, ao ponto de vista particular, que não se inserido em um ponto do
campo, e à sua conseqüente representação parcial da atividade científica, Bourdieu propõe
então
uma colocação em perspectiva sistemática de visões perspectivas que os agentes
produzem para as necessidades de suas lutas práticas no interior do campo, e que, a
despeito de tudo o que eles fazem para ‘universalizá-las’ (...) encontram seu princípio
nas particularidades de uma posição no próprio interior do campo. (BOURDIEU,
2004a:47-8).
No caso desta pesquisa, ao se construir a estrutura de distribuição de capital no campo
do departamento de genética foi possível localizar a posição dos pesquisadores que lecionam
a disciplina genética básica, e, a partir daí vincular esta posição a uma disposição científica
específica.
O Campo Científico como Sujeito da Ciência
Para uma Sociologia da Ciência
72
(2004b) é a compilação de um curso que Bourdieu
ofereceu no Collège de France entre os anos 2000 e 2001. Segundo Bourdieu publicar este
curso tem a intenção de trazer à compreensão científica os mecanismos sociais que orientam
tal prática permitindo que os cientistas se tornem ‘donos e senhores não da natureza’ mas
também do mundo social em que se produz o conhecimento desta natureza.
É em Para uma Sociologia da Ciência que Bourdieu apresenta seu pensamento sobre
a ciência em seu formato mais maduro. Contudo, tal amadurecimento demonstra a solidez de
sua teoria da ciência, que desde os primeiros escritos em 1975 até esta última obra sobre o
campo científico, seus argumentos erigem-se sobre o mesmo referencial teórico: campo,
habitus, capital, doxa, illusio, etc. Seguindo o método de exposição explicitado no começo
deste capítulo, destaco nesta parte, o capital científico como capital simbólico, o habitus
72
Do título em francês: Science de la Science et Reflexivité, 2001.
69
científico, o processo de autonomização do campo científico, e a objetividade como produto
social do campo.
Invoco Bourdieu em passagem da obra Razões práticas Sobre a Teoria da Ação
(2005a) para trazer à discussão a noção de capital simbólico.
O capital simbólico é uma propriedade qualquer – força física, riqueza, valor guerreiro
que, percebida pelos agentes sociais dotados das categorias sociais de percepção e
avaliação que lhes permite percebê-la, conhecê-la e reconhecê-la, torna-se
simbolicamente eficiente, como uma verdadeira força mágica
73
: uma propriedade que,
por responder às ‘expectativas coletivas’, socialmente constituídas, em relação às
crenças, exerce uma espécie de ação à distância, sem contato físico. Damos uma
ordem e ela é obedecida: é um ato quase mágico (...) Para que o ato simbólico tenha,
sem gasto visível de energia, essa espécie de eficácia mágica, é preciso que um
trabalho anterior, freqüentemente invisível e, em todo o caso, esquecido, recalcado,
tenha produzido naqueles submetidos ao ato de imposição, de injunção, as disposições
necessárias para que eles tenham a sensação de ter de obedecer sem sequer se colocar
a questão da obediência (BOURDIEU, 2005a:170-1).
O capital científico é, assim, um tipo específico de capital simbólico, que, fundado em
atos de conhecimento e reconhecimento exerce seu poder sobre aqueles que possuem as
estruturas ou categorias de percepção que permitem reconhecê-lo como tal e, portanto, de
estar suscetível de agir em acordo com ele. Assim, as formas de manifestação dos dois tipos
de capital do campo científico recebem seu poder simbólico pelo fato de haver uma
concordância das mentalidades (o capital científico tem esse poder porque exerce a função
de estrutura estruturada e estrutura estruturante) ou um consenso em torno de determinados
objetos, práticas, comportamentos. Dessa forma, acumular capital científico é estar
predisposto (no sentido de ter uma propensão a algo) a validar as relações de reconhecimento
e comunicação implicadas no poder simbólico, de outra forma, “Na troca científica o cientista
um ‘contributo’ que lhe é reconhecido por atos de reconhecimento público tais como,
nomeadamente, a referência como citação das fontes do conhecimento utilizado
(BOURDIEU, 2004b:80). O capital científico é, assim, produto do diálogo concorrencial
entre os agentes do campo. Os cientistas na luta pelo monopólio da definição legitima da
ciência, na luta pela definição legitima da prática considerada científica, estabelecem formas
de conhecimento e reconhecimento que implicam o julgamento, pelos pares, do produto
construído pelos cientistas. O cientista é reconhecido pelos pares e recebe seu peso simbólico
tanto do valor de seu contributo aos olhos dos que o julgam como também, segundo
Bourdieu, da originalidade de sua contribuição. Assim, os que têm mais peso simbólico estão
mais aptos a acumular capital de forma mais rápida que os outros cientistas que tenham dado
73
Em itálico no original.
70
sua contribuição à ciência, mas que não tenham colocado em jogo os problemas ou objetos
dominantes do campo.
Segundo Bourdieu conhecer e reconhecer esse capital simbólico do tipo científico, ao
mesmo tempo é contribuir para constituí-lo, de forma que, ao construir a estrutura do campo
científico tomando como medida desta construção as formas objetivadas e institucionalizadas
desse capital no campo (títulos, lugar de publicação, cargos ocupados, número de artigos, etc.)
contribui-se para a constituição desse capital (BOURDIEU, 2004b:87) a partir da aceitação de
sua validade como símbolo distintivo do cientista.
Mas as categorias de percepção, que no movimento dialético reproduzem, reafirmam e
constituem o capital científico (simbólico), não são tomadas pelos indivíduos como categorias
conscientes, ou seja, os cientistas conhecem e reconhecem o poder simbólico do capital por
uma adesão ou submissão dóxica às propriedades distintivas do campo. Segue-se que os
cientistas estão envolvidos em uma luta, que não se coloca como tal, para adquirir e conservar
o capital produzido no campo. Daí, também, o poder simbólico envolvido na produção deste
capital, que implica, ao mesmo tempo que conhecimento e reconhecimento, o
desconhecimento destas relações de poder. Desconhecer é reconhecer porque no
desconhecimento se ratifica a arbitrariedade da imposição a que os cientistas se sujeitam.
Bourdieu apresenta, assim, uma síntese entre os modelos energéticos “que descrevem as
relações sociais como relações de força” e os modelos cibernéticos, que fazem das relações de
força relações de comunicação, ao perceber que as relações de força são dissimuladas e
transfiguradas fazendo-se assim “ignorar-reconhecer a violência que elas encerram
objetivamente (...)” (BOURDIEU, 2003:15).
A critica que Bourdieu faz às teorias que postulam a ação consciente do cientista, é
utilizada por ele para introduzir a noção de habitus aplicada ao universo científico. Diz
Bourdieu que a noção de habitus leva à percepção da dimensão prática da atividade científica,
enfatizando essa prática como modus operandi e não somente como opus operatum. De
acordo com ele habitus são
disposições adquiridas que fazem com que a ação possa e deva ser interpretada como
orientada em direção a tal ou qual fim, sem que se possa, entretanto, dizer que ela
tenha por princípio a busca consciente desse objetivo (...) O melhor exemplo de
disposição é, sem dúvida, o sentido do jogo: o jogador, tendo interiorizado
profundamente as regularidades de um jogo, faz o que faz no momento em que é
preciso fazê-lo, sem ter a necessidade de colocar explicitamente como finalidade o
que deve fazer (BOURDIEU, 2005a:164).
A prática científica sugere sempre uma dimensão implícita, um domínio prático
transmitido por exemplos e não por preceitos. Bourdieu deixa claro que a dimensão normativa
71
da ciência não deve ser desconsiderada (afinal escreve um livro dedicado as preliminares
epistemológicas), mas que a adesão a regras não se faz por um ato psicológico consciente,
mas “deixando-se levar por um sentido do jogo científico”, sentido este que se adquire por
meio do contato prolongado com estas mesmas práticas científicas em sua dimensão tanto
prática como normativa (BOURDIEU, 2004b:61-2). Bourdieu diz que
Reintroduzir a idéia de habitus remete as práticas científicas, não para o princípio de
uma consciência cognitiva que age de acordo com as normas explícitas da lógica e do
método experimental, mas para a idéia do ‘ofício’, ou seja, um sentido prático dos
problemas a tratar, das maneiras adaptadas para os tratar, etc.” (BOURDIEU,
2004b:59).
Assim, para Bourdieu, o verdadeiro princípio da prática científica assenta-se neste
“sistema de disposições duradouros e transponíveis” que tendem a generalizar-se. Todavia,
existem habitus em formas diferenciadas, vinculados a áreas ou especialidades dentro do
campo científico. Bourdieu cita as passagens da física para a química e da física para a
biologia, que geram habitus particulares, específicos, na forma de esquemas de pensamento e
de ação que podem ser encontradas nos ofícios dos bioquímicos, biólogos, ou geneticistas
moleculares, por exemplo. O que indica que o habitus não é o resultado somente das forças do
campo científico sobre os cientistas, mas também de “princípios secundários” como o trajeto
escolar e social. A noção de habitus, desta forma, deve ser compreendida como “princípio
geral da teoria da ação” e como “princípio específico, diferenciado e diferenciador, de
orientação das ações de uma categoria particular de agentes, ligado a condições particulares
de formação” (BOURDIEU, 2004b:64).
Mas, o habitus científico tem a característica especial de ser “teoria incorporada”,
teoria em estado prático, daí, ser necessário para se iniciar em uma prática científica, a
“aquisição de estruturas teóricas extremamente complexas que podem ser colocadas em
fórmulas, especialmente matemáticas, e que podem se adquirir de maneira acelerada graças à
formalização”, mas não basta adquirir esse saber formalizado é necessário transpô-lo para a
prática, na forma de sentido do jogo, de “habilidade, ‘golpe de vista’, etc., e não fique no
estado de metadiscurso a propósito das práticas” (BOURDIEU, 2004b:61).
O laboratório como lócus da prática dos cientistas (dos cientistas que lidam com
manipulação da matéria) é o lugar de trabalhos eminentemente manuais, práticos, rotineiros,
que envolvem tanto o saber formalizado como a manipulação da matéria por meio de
instrumentos, aparelhos construídos para tal (BOURDIEU, 2004a:60). Bourdieu nos
instrumentos, nos aparelhos que os cientistas utilizam, saber formalizado feito coisa,
72
concepções científicas condensadas. Apoiando-se em Ian Hacking ele expõe a
correspondência entre a teoria e os instrumentos ou aparelhos, “criamos um conjunto de
aparelhos que fornecem dados que confirmam as teorias; avaliamos este conjunto de
aparelhos segundo sua capacidade de produzir dados que se ajustam” (Hacking apud
Bourdieu, 2004b:104). Portanto, a análise do uso dos instrumentos ou dos aparelhos na
ciência deve realizada levando-se em consideração que são produtos de teorias e que
recebem sua função a partir do sentido que os homens lhes conferem.
Em Os Usos Sociais da Ciência (2004a) Bourdieu também discute a autonomia dos
campos científicos, no entanto, ali ele fala de campos científicos estabelecidos tomando
como dado o processo de diferenciação ou especialização do mundo social já discutido por ele
na obra Razões Práticas Sobre a Teoria da Ação (2005a). Aqui Bourdieu refere-se
especificamente ao processo de autonomização que ocorreu na ciência e que concorreu para
que os campos científicos se apresentem na forma como se encontram hoje.
Ao analisar o processo de autonomização do campo científico Bourdieu traz à
discussão a matematização da ciência, a criação de diferentes disciplinas nas universidades e
os requisitos de admissão no campo. Por sua vez a matematização traz três conseqüências
para a ciência: primeiro, limita a discussão àqueles que têm o “domínio das matemáticas”;
segundo, transforma-se a idéia de explicação; terceiro, ocorre um processo de
dessubstanciação.
A matematização, diz Bourdieu, exclui do campo aqueles que não dialogam nestes
termos, ou seja, ela separa os “insiders e os “outsiders”, cria um fosso entre aqueles que têm
condições de discutir a ciência com base nos princípios matemáticos e aqueles que não têm
esse capital. A matemática, portanto, concorre para se criar um campo autônomo onde o
diálogo (e a produção) dá-se entre os que detêm esse capital, ou seja, entre sujeitos dotados de
uma mesma formação, o que concorre também para que o exercício do controle do que seja
científico seja realizado cada vez mais por indivíduos que comungam esta crença na
matemática. A conseqüência é a mudança na forma da explicação. Como diz Bourdieu: “É
através do cálculo que o físico explica o mundo, que engendra as explicações que depois tem
de confrontar pela experimentação com as coisas previstas tal como o dispositivo
experimental permite compreendê-las” (BOURDIEU, 2004b:71-2). Ao mesmo tempo essa
matematização da ciência traz um efeito de dessubstanciação, ou seja,
a ciência moderna substitui as substâncias aristotélicas pelas relações funcionais, pelas
estruturas, e é a lógica da manipulação dos símbolos que guia o físico a conclusões
necessárias. A utilização de formulações matemáticas abstractas enfraquece a
73
tendência para conceber a matéria em termos substanciais e leva a destacar os
aspectos relacionais (BOURDIEU, 2004b:72).
Percebe-se, a partir dos exemplos dados por Bourdieu, que ele toma a física como
modelo de ciência
74
, todavia, este processo também ocorre na genética clássica, que utilizando
os cruzamentos como instrumento de análise se apóia na matemática para validá-los,
exemplificando esse processo de dessubstanciação onde a explicação resulta da operação
sobre símbolos matemáticos. No entanto, o docente-pesquisador Caio, que se vincula à
biologia ou genética molecular, apresenta uma visão diferente desta, sem destaque para
aspectos relacionais. Ele diz ver a matéria, diz ver o DNA ali no gel, demonstrando
justamente uma visão substancialista. Não digo que ele não trabalhe com os modelos
matemáticos que proporcionam essa dessubstancialização, mas digo que ele enfoca os
procedimentos que fazem aparecer o gene (trato desta questão na parte III, em Manipulação e
Substancialização da Matéria).
Contudo, a matemática contribui para o processo de fechamento do campo sobre si-
mesmo, mas não para a objetividade na ciência (que destaco mais abaixo) que os positivistas
lógicos dizem se sustentar na matemática. Bourdieu se apóia em Poincaré e em Carnap para
afirmar que a matemática deve ser vista como linguagem e não como construção a priori ou
lei eterna. Diz Bourdieu:
Os positivistas lógicos continuam a afirmar que a objectividade científica só é possível
graças a uma construção matemática a priori que deve ser imposta à natureza para que
uma ciência empírica da natureza seja possível. Mas esta estrutura matemática
subjacente não é, como pretendia Kant, a expressão de leis eternas e universais do
pensamento. Estas construções a priori devem ser descritas como linguagens”
(BOURDIEU, 2004b:110).
O processo de autonomização efetiva-se também na criação de realidades distintas ou
de disciplinas científicas no universo acadêmico. Tal processo envolve a luta pela imposição
destas novas disciplinas, envolvendo, ao mesmo tempo, a luta por dotações orçamentárias,
cargos, espaço físico, capital humano, etc. A criação destas disciplinas acontece nos termos
dos dois princípios do campo científico: o princípio temporal e o princípio propriamente
científico, como pode-se conferir no seguinte trecho onde Bourdieu discute a competição
entre físicos e engenheiros no mercado industrial, “de um lado, a construção de uma
disciplina científica, com suas associações, reuniões, revistas, medalhas e representantes
oficiais, e, de outro, a delimitação de uma profissão que monopoliza o acesso aos títulos e aos
cargos correspondentes” (BOURDIEU, 2004b:74).
74
Na página 93 deste livro Bourdieu crítica a postura dos que tomam a física como modelo de ciência, no
entanto, basta ler seu livro para ver que a maioria dos exemplos que ele usa são sobre a física.
74
Os requisitos de admissão também concorrerão para a autonomização do campo
científico a partir do momento em que, para entrar no campo, torna-se necessária a aquisição
do saber formalizado e da habilidade em aplicar este saber na prática, que, como se disse,
podem ser adquiridos por um processo de contato prolongado como as práticas e com os
esquemas mentais que elas implicam: “aquilo que o campo exige é um capital assimilado de
tipo particular, e em especial todo um conjunto de recursos teóricos de âmbito prático, de
sentido prático” (BOURDIEU, 2004b:75). Bourdieu ressalta ainda que sendo a lógica de um
campo ou disciplina irredutível à lógica de outro campo ou disciplina, este caráter arbitrário se
enuncia, de maneira geral, “(...) na forma de tautologias como, por exemplo, na sociologia,
‘explicar o social pelo social’, ou seja, explicar sociologicamente as coisas sociais” (Ibidem).
Bourdieu retoma rapidamente a questão do desinteresse para dizer que, no surgimento
do campo científico, os experimentos eram feitos nos public rooms das casas nobres, ou
seja, das residências dos gentlemen. O conhecimento é validado, “homologado”, quando
acede a este espaço público freqüentado por outros gentlemen que, sendo cavalheiros que
dispõem de autonomia financeira, testemunham os experimentos validando-os em um
“compromisso entre homens de honra, ou seja, entre homens independentes que estudam
livremente fenômenos experimentais e que criam o facto comprovado” (BOURDIEU,
2004b:76). É desta forma, portanto, que o desinteresse é incorporado no processo de
autonomização da atividade científica, como traço distintivo daqueles que organizavam e
produziam os experimentos
75
. Assim, diz Bourdieu que, “aquilo que produz a virtude
científica é uma certa disposição socialmente constituída, em relação a um campo que
recompensa a livre investigação e sanciona as falhas (principalmente as fraudes científicas
76
)”.
Complementando Bourdieu diria que não o desinteresse como traço distintivo dos
cientistas é incorporado à ciência nesse momento em que os experimentos eram realizados
nos ‘public rooms’ das residências dos gentlemen, mas também a avaliação pelos pares já que
era necessário o testemunho de outros gentlemen para validar o produto, obra ou experimento
que ali se realizava.
Após realizar este exercício de destacar a lógica e os elementos do processo de
autonomização, Bourdieu retoma suas afirmações, presentes em Os Usos Sociais da
Ciência, sobre as especificidades do campo científico e reafirma que as características
75
Isso vale para o processo de autonomização do campo científico ocorrido em seu surgimento. Para os dias
atuais, diz Bourdieu: “Em geral, o desinteresse pelo lucro não é de modo algum o produto de uma espécie de
‘geração espontânea’ ou uma dádiva da natureza: pode-se afirmar que, no estado actual do campo científico, é
produto da ação do sistema escolar e da família, o que faz dele uma disposição parcialmente hereditária”
(BOURDIEU, 2004b:77).
76
Ibidem:77.
75
singulares do campo científico estão assentadas no fechamento do campo sobre si-mesmo, no
trabalho de objetivação que tem o “real” como árbitro e no “imenso equipamento coletivo de
construção teórica e de verificação ou falsificação empírica cujo domínio é exigido a todos os
participantes na competição” (BOURDIEU, 2004b:97). Cabe relembrar que a arbitragem do
“real” refere-se a uma realidade construída a partir do equipamento teórico e experimental
disponível no campo, portanto, ao falar em “realidade”, em “real”, Bourdieu deixa claro que
esta realidade, ou o que se pode chamar de real, é produto do trabalho de objetivação,
resultante do instrumental teórico e do equipamento de verificação ou falsificação que, como
veremos adiante, são definidos em um processo de validação coletivo.
A ciência que daí se depreende é uma ciência que produz uma verdade trans-histórica,
livre das condições históricas de sua produção e emergência. O sujeito da ciência, portanto,
não poderia ser o cientista singular com todas as idiossincrasias vinculadas tanto a ele como
ao “contexto” de produção que os estudos de laboratório têm destacado. Para Bourdieu o
sujeito da ciência é o campo científico “como universo de relações objectivas de comunicação
e de concorrência reguladas em matéria de argumentação e verificação (...) Em suma, a
ciência é um imenso aparelho de construção coletiva utilizado coletivamente” (BOURDIEU,
2004b:98-100).
Sendo assim, a objetividade é o resultado desse processo coletivo de construção de um
fato científico. A objetividade não se sustenta em regras transcendentes, em princípios
universais de validade, mas é o resultado da cooperação competitiva regulada segundo os
princípios da comunicação dialética. De acordo com Bourdieu, “A objectividade é um
produto social do campo que depende dos pressupostos admitidos nesse campo,
principalmente no que respeita à forma legítima de regular os conflitos (...)” (BOURDIEU,
2004b:101). Da mesma forma, a transcendência das regras epistemológicas, da validade
universal das formas lógicas, “mais não são do que as regras e as regularidades sociais
inscritas nas estruturas e/ou nos habitus, sobretudo no que respeita à forma de conduzir uma
discussão (as regras de argumentação) e de regular um conflito” (Ibidem). Assim, a visão
bachelardiana do trabalho científico, que Bourdieu resume na fórmula: o fato é conquistado,
construído, constatado, deve ser complementada com noção de que toda e qualquer
construção científica deve ser coletivamente validada através do processo de comunicação e
verificação, realizado de acordo com o aparato teórico e instrumental do momento. O fato é
construído não somente na dialética entre a hipótese e a experiência, mas também no processo
de negociação, de homologação do conhecimento.
76
Definir a ciência como um aparelho de construção coletiva leva a se perceber a
objetividade não como produto de operações realizadas por indivíduos isolados, mas como o
resultado do entendimento coletivo sobre as operações experimentais, incluído um juízo
sobre o que é registrado nos aparelhos de medição. Dessa forma, Bourdieu diz que o que se
manifesta sob as condições de sua observação conserva um caráter de objetividade
(BOURDIEU, 2004b:104). De acordo com Bourdieu,
A objetividade é um produto intersubjectivo do campo científico: fundada nos
pressupostos partilhados nesse campo, é resultado do acordo intersubjectivo no
campo. Cada campo (disciplina) é o lugar de uma legalidade específica (nomos) que,
produto da história, está encarnada nas regularidades objectivas do funcionamento do
campo e, mais precisamente, nos mecanismos que regem a circulação da informação,
na lógica da distribuição de recompensas, etc., e nos habitus científicos produzidos
pelo campo que são a condição do seu funcionamento (BOURDIEU, 2004b:115)
Enfim, objetividade é aquilo que é verificado, coletivamente validado e consagrado
pela homologein – acordo racional produto da discussão submetida às regras de dialética.
77
Parte III
A Constituição do Campo Científico
Este capítulo se subdivide em três tópicos: Estrutura do Departamento, Tomadas de
Posição e Visão de Mundo. O primeiro apresenta as informações relativas à estrutura de
distribuição de capital no departamento de genética. Nos outros dois utilizo as informações
qualitativas que construí a partir das entrevistas, da participação nas práticas teóricas e de
laboratório, e nas conversas que mantive com os docentes-pesquisadores Caio e Beatriz, para
demonstrar como o habitus científico em sua forma geral, toma formas particulares nas
78
trajetórias destes dois pesquisadores. Para isso, primeiro trabalho com as disposições mais
diretamente relacionadas ao capital vinculado à pesquisa e em seguida me concentro em
demonstrar como Beatriz apresenta uma trajetória particular em relação aos outros
pesquisadores do departamento, acumulando capital na área de educação concomitante com o
desenvolvimento de uma disposição para a prática pedagógica. Na última parte trabalho as
metáforas utilizadas por Caio e Beatriz nos diversos momentos em que tive contato com eles.
Identifico, a partir das metáforas que os dois usam, como eles vêem o corpo e que tipo de
prática se vincula esta visão de corpo. Dessa forma, resgato os diversos momentos em que
estas metáforas surgem, vinculando-as tanto a práticas empíricas como ao sistema simbólico
que dá lhes dá sustentação.
Na primeira parte (Estrutura do Departamento) construo a partir das informações
coletadas (nos relatórios anuais do departamento de genética, no currículo Lattes, no sistema
sigma do endereço eletrônico da UFRJ, no diretório dos grupos de pesquisa do CNPq e na
seção de ensino do Instituto de Biologia), a estrutura de distribuição de capital no
departamento de genética. Tal estrutura é condição sine qua non para que se possa falar em
tomadas de posição e disposições. Assim, foi possível construir o espaço das posições no
departamento de genética e o princípio geral de acumulação de capital no campo. Somente a
partir daí é que passei a discutir as tomadas de posição e as disposições de Beatriz e Caio.
Para isso, tomei certos elementos do campo (artigos, artigos como primeiro autor, orientações,
financiamentos, etc.), e os hierarquizei de acordo com um princípio quantitativo, permitindo,
assim, que se pudesse falar em acumulação de capital, e, dessa forma, discutir a lógica de
acumulação deste capital no campo científico (neste caso, no departamento de genética).
Em seguida demonstro como o habitus científico em sua forma geral, se apresenta nas
trajetórias de Beatriz e Caio. Para isso descrevo a trajetória destes dois pesquisadores no
departamento: áreas de pesquisa que se vinculam, local onde se formaram, laboratório(s) onde
pesquisaram, método que utilizam na abordagem do objeto, estratégias de ensino, disposições.
Nesta parte, em alguns momentos, retomo os “dados” quantitativos da seção anterior,
buscando integrar informações quantitativas e qualitativas.
Na terceira parte deste capítulo desenvolvo a visão de corpo que estes professores
apresentam. Em um primeiro momento, problematizo o uso, por Beatriz, do termo indivíduo
para nomear imagens e representações alfabéticas do gene, e também como ela apresenta duas
noções polares sobre o corpo. A seguir, trabalho a idéia de que para se entender um
experimento de laboratório deve-se atentar para a dimensão deste como sistema simbólico.
Finalizando, discuto que Caio apresenta uma visão de corpo derivada do mecanicismo
79
cartesiano. Assim, identifico as metáforas mecanicistas presentes em seu discurso, e também
aquelas que demonstram que a prática de Caio está assentada no exercício de “fazer aparecer
os genes”, ou seja, construir a corporeidade, a existência física, o corpo material dos genes.
ESTRUTURA DE DISTRIBUIÇÃO DE CAPITAL CIENTÍFICO
Os biólogos geneticistas Caio e Beatriz são os pesquisadores responsáveis pela
disciplina genética básica. Beatriz leciona no módulo I genética clássica tanto a prática
teórica quanto a prática de laboratório. Caio Leciona somente a prática teórica do módulo II
biologia molecular e Liana a prática de laboratório. Liana começou a lecionar a prática de
laboratório em 2005, ano em que Telles se transfere para a Universidade Federal de Alagoas.
Fernando Telles lecionou a disciplina genética básica de 1994 a 2004, desde este período ele
lecionou tanto o módulo I como o II, infelizmente quando a pesquisa teve início este
pesquisador estava se transferindo para a UFAL. Ao definir a disciplina genética básica como
ponto de inserção no campo, defini ao mesmo tempo que a partir dali eu poderia questionar a
prática daqueles agentes envolvidos com a disciplina. Foi dessa forma que comecei a assistir
as aulas de genética básica, tendo sempre em mente que a partir dali eu poderia interrogar a
prática científica dos pesquisadores/professores. As informações construídas revelam a
dimensão que as pesquisas, os experimentos tomam na trajetória destes pesquisadores, que de
acordo com Caio recebem dos cientistas uma importância maior que o ensino porque as
instituições que financiam as pesquisas não o fazem com base em horas-aula, mas pela
produção de artigos, que recebem seu peso dependendo do peso do periódico na área em que
foi publicado
77
. Assim, os cientistas que resolvem ir para a universidade pública em busca de
pesquisa, conhecem as formas de competição oriundas das especificidades do campo como
espaço de luta concorrencial (BOURDIEU, 1994) e do tratamento secundário que as
pesquisas recebem no Brasil, tanto do poder público como das diversas entidades que também
financiam a pesquisa.
A pesquisadora Liana, como foi dito, assume a prática de laboratório do módulo II em
2005. que o trabalho que realizo de construção da estrutura do departamento leva em
consideração somente os professores com vínculo empregatício com o departamento, a
pesquisadora Liana foi incluída nas entrevistas, mas não entra na construção da estrutura do
departamento, haja vista que: era professora substituta entre 2004 e final de 2005, havia
77
A CAPES disponibiliza uma classificação dos periódicos científicos chamada QUALIS, Possível de acessar no
endereço eletrônico: <www.capes.gov.br>.
80
começado a ministrar a prática de laboratório no ano de 2005, e que passou no último
concurso realizado pelo departamento de microbiologia do Centro de Ciências da Saúde
(CCS) em 2006, com carga horária de 40 horas. Portanto, ela não realiza suas atividades de
ensino e pesquisa no departamento de genética. Assim a análise será focada na prática dos
pesquisadores Caio e Beatriz.
Caio começa a lecionar a prática teórica da disciplina genética básica em 1995, como
professor substituto para a turma do noturno. Em 1996 seu contrato não é renovado e ele
volta como pesquisador concursado do quadro permanente do departamento em 1998, no
entanto, somente em 2000 volta a lecionar genética básica. Dessa vez ele começa ministrando
o módulo II para a turma matutino/vespertino, onde segue até o ano corrente de 2006. Caio
fez o ensino médio na Escola Técnica Federal de Química (ETFQ) do Rio do Janeiro, sua
graduação, mestrado e doutorado foram realizados no Instituto de Biologia. Sua trajetória o
leva a passar por três departamentos do Instituto, ele gradua-se em biologia marinha, faz seu
mestrado em ecologia e seu doutorado em genética. Caio realiza ainda um doutorado em
doutorado sanduíche na University of Michigan (EUA) e um pós-doutorado no Center for
Disease Control and Prevention CDC (EUA).
Seu curso de química realizado na escola técnica pode e deve ser tomado como seu
capital inicial no campo. Seu capital previamente acumulado em química permite unir sua
trajetória nos três departamentos citados em dois eixos: a área de interação de
microorganismos e também a biologia molecular. A respeito de sua identidade de pesquisador
diz Caio
Toda a graduação foi biologia marinha, me especializei em biologia marinha. Depois,
meu mestrado foi em ecologia, também fui bolsista, mas sempre trabalhando com a
parte de microbiologia marinha né, interação de microorganismos e vertebrados
marinhos. E no doutorado eu vim pra genética, trabalhar com a parte de molecular das
interações. (...) A área que eu trabalho, ela é uma interface muito grande dentro da
biologia, por isso eu nem me considero geneticista, nem me considero um ecólogo,
nem um biólogo marinho, eu me considero um biólogo, eu trabalho na parte de
interação, enfim, parte molecular, então eu mexo com várias facetas na biologia
(Caio, e2)
É assim que Caio diz ter organizado seu módulo, sempre de acordo com a ementa da
disciplina, mas ao mesmo tempo sempre tentando realizar ganchos, links com as outras áreas
da biologia, sempre “pensando nos alunos de biologia que não vão fazer genética também pra
mostrar a importância da genética como ferramenta” (Caio, e2).
Do total (09) de seus artigos, 78% (07) estão na área de genética molecular e de
microorganismos. De acordo com Caio ele não tem conseguido verba para pesquisa dos
81
órgãos financiadores, exceto por um projeto que conseguiu aprovar pelo Programa de Apoio
ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PADCT), parceria da FAPERJ com o CNPq,
para compra de equipamento. No entanto, Caio recebe reagentes do Center for Disease
Control and Prevention (CDC) EUA, local onde realizou seu pós-doutorado e onde é
colaborador em pesquisas. Caio realiza seu doutorado de 1994 a 2000 no próprio
departamento de genética. Neste período, entre 1996 e 1997, ele faz um doutorado em
doutorado na University of Michigan (EUA), tendo como orientador Victor J. Dirita um
colaborador de pesquisa de sua orientadora, que realizara ali em 1993 um estágio com o
mesmo.
No final de 2004 o então chefe do laboratório de genética molecular de eucariontes se
aposenta pela UFRJ, e Caio torna-se o chefe do laboratório. Essa transmissão de poder dá-se
de forma personalista, ou seja, Ovídio elege Caio como seu sucessor no laboratório.
Transmissão quase hereditária nos casos em que o pesquisador foi bolsista no laboratório que
depois assume como chefe. Dos sete laboratórios “oficiais” do departamento, quatro ainda
estão sob a chefia dos pesquisadores que criaram estes laboratórios na década de 80 e início
da década de 90, são eles: o laboratório de malformações congênitas criado em 1981 e
chefiado por Yasmin, o laboratório de genética molecular bacteriana criado em 1982 e
chefiado por Andréia, o laboratório de virologia molecular criado em 1991 e chefiado por
Arthur e o laboratório de biodiversidade molecular também criado em 1991 e chefiado por
André. Dos outros três laboratórios, dois são chefiados agora por pesquisadores que outrora
foram bolsistas ali: o laboratório de genética de populações de drosophila que agora é
chefiado por Armando e o laboratório de genética molecular vegetal chefiado por Mauro. O
caso de Caio é um pouco diferente, ele realiza seu doutorado com Andréia, mas após receber
seu título de doutor se transfere para o laboratório de genética molecular de eucariontes, onde
agora é chefe, a convite do próprio Ovídio.
Entretanto, existem mais dois laboratórios no departamento que compõem o que eles
chamam de incubadora de laboratórios. Todavia, tal incubadora não é citada quer nos
relatórios, quer no site do departamento ou da pós-graduação, e nem mesmo foi citado na aula
em que a pesquisadora Beatriz apresentou para os alunos da genética básica os laboratórios do
departamento de genética. A incubadora foi uma saída política para os pesquisadores que,
segundo Beatriz e Caio, não trabalhavam da mesma forma. Creio ser esta uma forma
eufemizada de dizer: a luta pela definição de ciência neste campo, envolve uma forma
específica de cooperação entre pesquisadores, aqueles que por algum motivo tiveram algum
atrito e não querem ficar pesquisando no mesmo laboratório, com a falta de espaço, têm a
82
incubadora. A luta em torno dos espaços físicos do departamento demonstra que aqueles
pesquisadores que controlam estes espaços, ou seja, que controlam os laboratórios,
conseguem acumular capital de forma mais acelerada que os pesquisadores que não são
chefes de laboratório, da mesma forma, os pesquisadores que compõem os sete laboratórios
“oficiais” apresentam uma acumulação superior à dos pesquisadores que se encontram na
incubadora. São laboratórios da incubadora: o laboratório de ictiogenética comandado por
Cinthia e o laboratório de genética humana comandado por Fernão.
Beatriz começa suas aulas no departamento em 1998, o concurso que realizara no ano
anterior fora para preencher uma vaga no laboratório de populações de drosophila, assim ela
retorna para o laboratório onde realizou sua graduação, mestrado e doutorado sob a orientação
do pesquisador Klaczko. Ela começa a lecionar a disciplina genética básica desde sua entrada
no departamento, ao mesmo tempo leciona também genética para outros cursos da UFRJ.
Segundo Beatriz é comum as aulas para outros cursos serem ministradas pelos professores
mais novos do Instituto “(...) eu mesma comecei dando aulas de genética para a psicologia,
enfermagem e fonoaudiologia”. Beatriz fez sua graduação, mestrado e doutorado na UFRJ,
seu enquadramento funcional é de professora adjunta com regime de dedicação exclusiva. Ela
foi bolsista em sua graduação pelo CNPq, e pela CAPES no mestrado e doutorado.
A acumulação de capital científico por Beatriz se dá, desde o início, em uma única
especialidade dentro da genética: biologia evolutiva, onde estuda a evolução morfológica do
organismo, utilizando as drosophilas como modelo. O laboratório onde pesquisa agora, é
chefiado por um ex-colega de mestrado e doutorado, Armando. Os dois são os únicos
pesquisadores que compõem o laboratório de drosophilas. Nos últimos anos, ela tem se
dedicado à área de ensino-aprendizagem de genética, acumulando capital também nesta área
que, em suas palavras, tem sido uma área na qual tem obtido mais sucesso nos pedidos de
verba que tem mandado para as instituições que financiam pesquisas. Beatriz está envolvida
em um projeto de educação superior à distância do Centro de Educação Superior a Distância
do Rio de Janeiro (CEDERJ), exercendo a função de coordenadora e professora da disciplina
genética, onde publicou em 2003 e 2004 o livro Genética (volume I e volume II,
respectivamente), em parceria com mais dois pesquisadores que eram seus orientandos de
mestrado na época da publicação. O livro compõe a bibliografia da disciplina e foi fonte para
várias aulas.
À medida que o capital acumulado por Beatriz na área de pesquisa em genética de
populações de drosophila se estabiliza, pela dificuldade de conseguir financiamento, seu
capital na área de ensino aumenta gradativamente, configurando uma tomada de posição
83
dentro do departamento, que irá colocar em jogo a definição da disciplina genética básica, e
também concorrerá para que se inclua entre as linhas de pesquisa da pós-graduação a linha
“Educação em Genética”. Abaixo transcrevo um trecho da entrevista onde ela fala de sua
formação acadêmica.
Eu entrei na comunidade em 79... e fiz aqui, comecei um laboratório na biofísica,
num tempo curto em que eu fiz um estágio na parte de biologia celular, bem pouco
tempo, e depois tive experiência num laboratório aqui de biologia, que foi com aves.
Ai eu sofri um pequeno acidente, fiquei perdida no mar (risos) e ai acabei me
afastando (risos) nós fomos a uma ilha, vimos uns ninhos e acabou que eu fiquei
sozinha no barco, o barco perdeu, meu professor ficou na ilha, e eu fiquei a deriva
(risos). E ai, eu me assustei um pouco, e... bom, Parei com isso. casei, fui pra
Natal, de Natal pedi transferência, fiz uma parte lá, depois fui pra USP, porque meu
marido foi transferido, então tive um tempo na USP, na graduação, mas ele acabou
transferindo, novamente pro Rio de Janeiro, e eu comecei aqui e terminei aqui. Eu fui
e voltei, então prolongou um pouco a minha graduação tudo isso. Eu tive a minha
filha! E quando eu voltei, eu comecei nesse laboratório que eu até hoje, que é um
laboratório de genética de população de drosophilas numa iniciação científica com o
professor Louis Bernard Klaczko, que hoje ele é Vice-Diretor no Instituto de Biologia
na UNICAMP. aqui comecei, tinha uma bolsa de iniciação científica, do CNPq,
depois eu me formei, ia entrar no mestrado, mas eu tinha filha pequena resolvi fazer
aperfeiçoamento, consegui uma bolsa de aperfeiçoamento, fiquei mais um ano
fazendo aperfeiçoamento. Depois, então, eu fiz o mestrado, aqui também sob a
orientação do Louis Bernard, e terminando o mestrado eu entrei aqui como professora
substituta, depois eu fiz um concurso na USP, e passei pra lá, e fiquei como
professora. Na época chamava Departamento de Biologia. Hoje acho que chama
Departamento de Genética e Biologia..., mudou o nome pouco tempo. Então eu
fiquei quatro anos como professora. E eu era professora lá, mas estava fazendo
doutorado por aqui, pelo Departamento de Genética daqui e meu orientador estava na
UNICAMP. Então eu ficava nesse caminho. Então, eu acabei terminando o doutorado
e assim foi minha formação. Voltei pra cá. Teve um concurso aqui, eu fiz o
concurso pra cá e eu voltei. Então eu fiquei quatro anos professora na USP e em
97 eu voltei aqui pro Rio e estou aqui desde essa época. Terminado o doutorado,
então essa foi minha formação. Então tanto mestrado, quanto doutorado eu fiz com o
mesmo orientador e aqui no Brasil (Beatriz, e3).
Em uma primeira aproximação o trecho acima se apresenta como desencantador da
prática científica: os cientistas são pessoas comuns, a prática da ciência é compatível com o
exercício materno, a trajetória de um cientista tem oscilações como qualquer outra trajetória
social. Uma segunda aproximação revela aspectos do cotidiano de um cientista que irão
ajudar na caracterização da posição de Caio e Beatriz, de uma forma geral, no campo do
departamento de genética do Instituto de Biologia, e mais especificamente, no laboratório
onde pesquisam e na disciplina genética básica.
A posição de Beatriz e Caio na estrutura de distribuição do capital científico no
departamento de genética será definida a partir do princípio de construção do espaço social
que, de acordo com Bourdieu (2005a), se organiza segundo três dimensões fundamentais, que
por sua vez, constituem-se na relação com os tipos de capital existente e sua distribuição neste
84
espaço. O quadro “Estrutura de Distribuição de Capital Científico no Departamento de
Genética-I”, representa a primeira dimensão
78
onde o espaço é organizado de acordo com o
volume total do capital científico puro e institucional dos cientistas. Ao aplicar este princípio
ao departamento, deparei-me com a problemática de hierarquizar os elementos que utilizei
para quantificar os dois tipos de capital científico. Cada professor oferece ao pesquisador uma
rica trajetória social e científica que apresenta variações em números de artigos, bolsistas que
orienta, número de artigos como primeiro autor, etc., assim, ao construir estas informações
sobre o departamento, segundo o volume de capital global, decidi organizar a posição dos
pesquisadores no quadro/hierarquia de acordo com o número de artigos em que os cientistas
aparecem como primeiro autor. Contudo, tal critério deve ser entendido dentro do princípio
maior do volume global de capital acumulado. Dessa forma, foi possível construir uma
hierarquia onde os sete primeiros colocados da lista são os chefes de seis dos sete laboratórios
do departamento de genética.
A linha representa uma fronteira simbólica que separa os chefes de laboratório dos
outros cientistas do departamento, ao mesmo tempo ela também indica uma nítida diferença
nas quantidades de capital acumulado pelos agentes do campo. Assim, percebe-se que os
chefes de laboratório publicaram mais artigos, como também apareceram mais vezes em
primeiro autor nestes artigos, orientaram mais pesquisadores na pós-graduação, sendo que
dentre estes, orientaram também mais pesquisadores com bolsa de pesquisa. Os chefes de
laboratório receberam também um volume maior de financiamentos e ocuparam mais
posições administrativas/políticas de direção e chefia.
Para as médias de publicação de artigos em periódicos, foi necessário estabelecer um
corte a partir de uma data específica. Foi cogitada a data do término da graduação ou
mestrado
79
, por exemplo, mas, como a intenção era apreender diferenças de acumulação de
capital entre os professores efetivos do departamento, o critério que utilizei para estabelecer a
data a partir da qual eu realizei a média da produção de cada pesquisador foi a data em que ele
passa a fazer parte do quadro de professores permanentes do departamento de genética. Dessa
forma passo a tomar a data do vínculo profissional com o departamento para construir a
média das publicações de artigos em periódicos, já que as informações estão se encaminhando
78
Os quadros foram construídos a partir do cruzamento de informações constantes no: currículo Lattes dos
professores, no diretório dos grupos de pesquisa do CNPq, na seção de ensino do Instituto de Biologia, no
sistema sigma da UFRJ (sistema de informações sobre as atividades de ensino, pesquisa e extensão da UFRJ
oferecido no endereço eletrônico: <www.sigma.ufrj.br>) e nos relatórios anuais do departamento de genética
cedidos pela pesquisadora Cibele referentes aos anos 1994, 1995, 1996, 1998, 1999, 2000, 2002, 2003, 2004.
79
Do total dos 20 pesquisadores, 52% (10) publicaram seu primeiro artigo no mestrado, 39% (8) no doutorado e
9% (2) na graduação.
85
no sentido de apontar uma acumulação maior de capital pelos chefes de laboratório (dos
atuais chefes de laboratório do departamento, cinco entram para o quadro de pesquisadores
permanentes como chefes de laboratório), com diferenças de acumulação entre laboratórios.
Quadro 1: Estrutura de Distribuição de Capital Científico no
Departamento de Genética-I
Vínculo
Institucional
Doutorado
80
Artigos
81
Artigo
s como
1ºautor
Orientaçõe
s
na Pós-
Graduação
Orientaçõe
s
Com Bolsa
na Pós-
Graduação
Disciplinas
ministradas
Graduação
1994/2005
82
Disciplinas
ministradas
PósGraduação
1994/2005
83
Heitor S. 1978 20hs. 1977* 122 24 28 22 16 07
80
Cada asterisco representa um Pós-Doc.
81
Somente artigos completos publicados em periódicos.
82
Faltam informações sobre o 1º semestre de 2005.
83
Faltam informações sobre o 1º semestre de 2005.
86
André S. 1991 D.E 1986** 65 23 22 22 19 19
Arthur T. 1991 D.E 1990* 66 16 24 18
17 10
Armando B. 1990 D.E 1994* 19 14 11 07
21 08
Yasmin O. 1977 D.E 1976* 60 12 15 10
25 21
Débora O.
84
1981 D.E 1985* 47 09 26 15
04 01
Andréia C. 1982 D.E 1981* 23 09 18 14
22 28
Martha M.
85
1994 D.E 1993*** 38 08 20 12
21 17
Cibele R. 1997 D.E 1995* 24 06 18 13
19 17
Rafael B. 1994 D.E 1999 23 06 06 04
42 01
Beatriz B. 1997 D.E 1998 12 06 08 07
20 06
Marco S. 2001 D.E 2000* 35 05 17 14
09 02
Ovídio L.
86
1980 D.E 1977 25 05 20 16
22 18
Renato M.N. 1984 20hs 1985* 14 05 05 03
32 04
Caio S. 1998 D.E 2000* 09 05 05 04
20 05
Fernão F.
87
1988 D.E 1991 06 05 0 0
25 04
Mauro F. 1998 D.E 1997* 14 03 17 12
15 07
Cinthia A. 1998 D.E 2001 08 03 01 01
32 0
Gustavo S. 1998 D.E 1995*** 17 02 19 13
11 10
FernandoT
88
.
1998 40hs 1998 06 01 01 0
37 03
Posições e cargos administrativos
ocupados pelos docentes-pesquisadores NO
Departamento de Genética.
Posições e cargos administrativos
ocupados pelos docentes-pesquisadores FORA do Departamento
de Genética
Financiamentos
para o período
1994-2004
Heitor
1978-1984: Chefe do laboratório de citogenética.
1981-1983: coordenador da pós em genética.
1977-1978: Pesquisador do Medical Research Council (MRC) na área
da citogenética humana e biologia da reprodução. Inglaterra.
1984-atual: Chefe da divisão de genética do Instituto Nacional do
Câncer (INCA) Rio de Janeiro.
2005-atual: Presidente da comissão do plano de ciência e tecnologia
do INCA.
2005-atual: Vice-coordenador da pós em oncologia.
155.800,00 R$
28.500,00 US$
André
1991-atual: Chefe do laboratório de
Biodiversidade Molecular
96-98: Chefe do departamento de genética.
2005: Vice-chefe do dep. de genética.
2006: chefe do dep. de genética.
1979-80: Diretor da divisão de pesquisas em biologia dos laboratórios
Silva Araújo Roussel.
1987-1990: Professor-pesquisador da Universidade Federal
Fluminense (UFF) .
510.000,00 R$
6.800,00 US$
Arthur
1991-atual: Chefe do laboratório
de virologia molecular animal
1995: Coordenador da pós em genética.
1994: Consultor da EMBRAPA.
2002-04: Coordenador do programa nacional DST/AIDS do
Ministério da Saúde.
2005: Pesquisador do Programa Global de Aids do CDC.
2.528.000,00 R$
136.000,00 US$
84
Aposentou-se em 2000. O último artigo publicado e registrado no Lattes é de 2003. Sem informações sobre
disciplinas lecionandas.
85
Vinculada a UFRJ até final de 2005.
86
Aposentou-se pela UFRJ em 2003, mas ainda mantém suas atividades de pesquisa no INCA.
87
Sem informações sobre orientação e bolsistas.
88
Vinculado a UFRJ até final de 2005.
87
Armando
1990-atual: Chefe do laboratório de
populações em drosophila.
2002-04: Vice-chefe do dep. de genética.
97: Vice-chefe do dep. de genética.
134.223,00 R$
120.397,00 US$
Yasmin
1981-atual: Chefe do laboratório de
malformações congênitas.
1982-83: Coordenadora de ens. dep. de genética.
1989-93: Coordenadora de ensino dep. de genética.
2004: Presidente da associação técnico científica ECLAMC
(Estudo Colaborativo Latino Americano de Malformações
Congênitas).
1977: Professora convidada na UNB. Ensino de genética.
280.521,84 R$
21.997,00 US$
Débora
1990-1997: Chefe do laboratório de genética
molecular vegetal.
1993-1995: Professora-pesquisadora da Universidade Estadual do
Norte Fluminense (UENF).
16.000,00 R$
219.862,72 US$
Andréia
1982-atual: Chefe do laboratório de genética
molecular bacteriana.
95-97: Coordenadora da pós em genética.
1998-2004: Webmaster do departamento.
2001-04: Coordenadora da pós em genética.
1994-1995: Professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro na
fundação do curso de pós-graduação em microbiologia.
2005-atual: Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC)
– Ministério da Ciência e Tecnologia. Ensino na pós-graduação.
244.600,00 R$
Martha
1996: Vice-chefe do dep. de genética.
1999-01: Coordenadora de ens. dep. de genética.
2006: Pesquisadora da UFRGS.
1986-1987: Professora Assistente da Faculdade de Medicina de Volta
Redonda.
1987-1988: Professora auxiliar da UERJ
485.000,00 R$
121.194,00 US$
114.000,00 EUR$
Cibele
1999-2005: Chefe do departamento de genética.
2003-atual: Vice-coord. da pós em Genética.
2005-atual: Vice-chefe do dep.de genética.
454.000,00 R$
Rafael
Nenhum cargo. 2003: Coordenador do programa DST/AIDS-SVS/Ministério da
Saúde.
1.948.504,00 R$
988.000,00 US$
Beatriz
1998-2001: coordenadora de ensino do
dep. de genética.
2002-2006: Vice-diretora do Inst. de Biologia
1993-1997: Professorra-pesquisadora da Universidade de São Paulo.
Instituto de Biociências.
2001-atual: Coordenadora da disciplina genética do CEDERJ.
16.951,00 R$
Marco
2004-atual: coordenador da pós em genética. 1995-2000: Assistente de Pesquisa. University of Alabama at
Birmingham EUA.
2004-atual: representante brasileiro no programa Brasil-França
DST/AIDS, na Área de Resistência do HIV aos Anti-Retrovirais.
195.500,00 R$
400.000,00 US$
Ovídio
1980-atual: Chefe do laboratório de genética
molecular de eucariontes.
1980-81: coordenador de ens. dep. de genética.
1986-88: chefe do dep. de genética.
1990-93: Vice-diretor do Instituto de Biologia.
2004-atual: líder de grupo de pesquisa no Inca. 47.600,00 R$
Renato
1991-93: chefe do dep. de genética. 190.461,00 R$
Caio
2004-atual: Chefe do laboratório de
genética molecular de eucariontes.
1985: Desenvolvimento de produtos, análise química. Freitas L.
Comércio e Indústria.
1985-86: Supervisor de Produção. Sorvetes Hébon.
1986: análises químicas e supervisão de produção. Indústria
alimentícia Beira Alta.
1992-93: Diretor de criação e administração do Instituto Estadual de
Florestas do Rio de Janeiro.
43.509,00 R$
Fernão
1998-99: Chefe do departamento de genética. 7.100,00 R$
Mauro
1998-atual: Chefe do laboratório de genética
molecular vegetal.
2003: Pesquisador no Califórnia Institut of Tecnology (CALTECH)
EUA.
36.000,00 R$
Cinthia
2004-atual: Coordenadora de ensino dep.
de genética.
5.000,00 R$
Gustavo
Nenhuma função administrativa no departamento. 1993:1998: Professor-pesquisador no Centro Biomédico do Instituto
de Biologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
551.510,00 R$
52.000,00 EUR$
Fernando
Nenhuma função administrativa no departamento. 2005-atual: Professor-pesquisador do Centro de Ciências Biológicas
da Universidade Federal de Alagoas.
Sem financiamentos
Mas por que quantificar artigos, orientações e bolsistas na pós-graduação? Os artigos,
porque representam o exercício do diálogo concorrencial entre os agentes do campo,
representando, portanto, aqueles que têm mais ou menos acesso a esta forma de diálogo
segundo sua capacidade em colocar a seu serviço os mesmos meios que todos os outros
cientistas (BOURDIEU, 1994:142), ou seja, segundo seu acesso ao instrumental técnico,
humano e simbólico necessário para produzir tais artigos. As orientações e as bolsas, porque
indicam o poder que o pesquisador detém (em conjunto com seu laboratório e no conjunto de
seu laboratório, e que vão demonstrar também seu peso relativo no campo do departamento),
88
de garantir a reprodução da sua área dentro do campo. De acordo com o artigo 39, parágrafo
único, do regimento da pós-graduação em genética, estabelece-se:
A dissertação de Mestrado não será necessariamente original, podendo demonstrar
apenas a habilidade do candidato na execução de técnicas experimentais em sua área
de especialização. A tese de Doutoramento será obrigatoriamente original, devendo
demonstrar a independência intelectual e habilidade de experimentação e/ou análise
do candidato (Artigo 39, § único, Regulamento do curso de pós-graduação em
genética).
Dessa forma a pós-graduação organiza-se eminentemente voltada para a pesquisa.
Dadas as dificuldades com a escassez de pessoal técnico levantada tanto por Ovídio, quanto
por Beatriz e por Caio, e sendo a prática experimental realizada também pelos alunos de
iniciação científica, de mestrado ou doutorado, o instrumental humano envolvido nas
orientações e nas bolsas, se torna elemento importante na acumulação de capital. No extremo
das possibilidades do campo, o professor ou laboratório que não se reproduz, corre o risco de,
sem garantir sua (re)produção, cair na hierarquia do departamento. Essa queda na hierarquia
do campo pode estar sendo influenciada, ao mesmo tempo, por questões de âmbito macro.
Como exemplo, posso citar que todos os laboratórios do departamento de genética utilizam
técnicas de biologia molecular, mesmo aqueles que trabalham com cruzamentos.
Dois casos que representam tomadas de posição diferentes em relação às novas
exigências da pesquisa em genética, advindas do rápido desenvolvimento da biologia
molecular (possíveis até certo ponto pelas peculiaridades do campo em questão, ou seja, pelas
características que resultam do fato deste campo, em específico, ser uma instituição pública)
podem ilustrar como os cientistas respondem a estas demandas estruturais. O pesquisador
Armando realizou seu bacharelado, mestrado e doutorado no departamento de genética do
Instituto de biologia da UFRJ, seu pós-doutorado é realizado na Pennsylvania State
University (EUA), desde sua graduação tem como orientador o mesmo pesquisador. Sua área
de pesquisa está ligada a populações de drosophila. O mesmo laboratório em que foi bolsista
na graduação, no mestrado e no doutorado, é o laboratório em que, ao entrar para o quadro de
professores permanentes do departamento em 1990, assume como chefe. É no pós-doutorado
que aparece em seu currículo a palavra molecular, tão comum nos artigos e currículos dos
outros professores do departamento. Em uma análise mais detalhada de sua produção de
artigos delineou-se um interesse pela análise molecular que surge em seus escritos a partir de
2000, dez anos após sua entrada no campo (o que indica que alguns anos antes já começava a
se atualizar na pesquisa em biologia molecular). Armando publicou 19 artigos, destes, 14
são como primeiro autor. Ele escreve a quase totalidade de seus artigos 95% (18) como
89
pesquisador em regime de dedicação exclusiva, do departamento de genética. Desde 2000
escreveu 9 artigos, sendo que 8 são resultados de pesquisas que envolvem também biologia
molecular. Ao examinar sua média anual de publicação de artigos desde sua entrada no
departamento como membro do quadro efetivo de pesquisadores, registra-se 1,2 artigos
escritos ao ano. Sua média de publicação de artigos pode ser considerada baixa se relacionada
com a média dos outros pesquisadores chefes de laboratório. Ao acessar as informações sobre
os financiamentos das pesquisas, constantes no relatório anual do departamento de genética,
vê-se que Armando se encontra, entre os chefes, dentre os que apresentam um grau de
acumulação menor. O fato do pesquisador de drosóphilas que trabalha com a genética
clássica, com os cruzamentos, ver sua posição no campo declinar devido tanto à crença de que
a genética molecular reproduz uma realidade mais realista que a genética dos cruzamentos
89
, e
também devido ao desvio e concentração dos interesses, portanto, de investimentos, de capital
(humano, técnico, simbólico, etc), pode assumir a forma de um recompromisso com o jogo,
ou seja, de aceitação das novas regras, e, dentro das possibilidades do (campo) departamento,
de se apropriar também desse capital vinculado à pesquisa em biologia molecular.
Diverso é o caso do pesquisador Fernão. Ele conclui seus estudos de graduação
(biologia com bacharelado em genética) e mestrado também no próprio departamento de
genética do Instituto de Biologia. Seu doutorado é realizado no Instituto de Biofísica da
UFRJ. Entra para o quadro de pesquisadores do departamento em 1988, daí para 2006
publicou 6 artigos, nestes é primeiro autor em cinco. Visto pelo ângulo do número de artigos
totais em que teve participação, apresenta uma média baixa em relação aos outros
pesquisadores do departamento (dadas suas características de ano de doutoramento e tempo
de entrada no campo), do ponto de vista do número de artigos que escreveu como primeiro
autor e em relação aos que se encontram abaixo da linha, sua produção está dentro dos valores
regulares encontrados na produção dos outros pesquisadores, que oscilam entre 6 e 1 artigo
publicado. Uma leitura mais atenta revela que Fernão escreveu seu último artigo na área de
genética em 1998, desde esse período escreve dois artigos na área de arqueologia, publicados
nas revistas “CLIO - Série Arqueológica” e “Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro”. Juntando a estas duas publicações um outro artigo escrito em 1997, e veiculado
na “Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP”, metade dos seus artigos estão na
área de arqueologia. Ao buscar as informações sobre Fernão no departamento, no seu
currículo Lattes, no sistema “sigma” do site da UFRJ e nos relatórios do departamento de
genética, deparei-me com a problemática de não encontrar nenhuma informação sobre
89
Sobre isso conferir parte III em “Manipulação e Substancialização da matéria”.
90
orientações e orientações com bolsa. Nos relatórios as únicas informações sobre Fernão são
sobre as disciplinas lecionadas na graduação e na pós-graduação, seu currículo, segundo
indica o site do CNPq, foi atualizado em 2006. Ao buscar as datas das disciplinas que Fernão
lecionou na pós-graduação, vê-se que sua última aula na pós foi em 1999, data próxima à do
último artigo escrito na área de genética. Sua média anual de artigos desde que entrou para o
quadro de pesquisadores efetivos do departamento é a menor média, 0,33 artigos anuais.
Assim, no conjunto de seu capital, Fernão apresenta uma trajetória que o coloca na base da
hierarquia de distribuição de capital no departamento de genética. Na construção das
informações, dependendo dos elementos que se ressalte sua posição pode subir ou descer, mas
sempre limitada ao seu peso em relação ao peso de todos os outros pesquisadores do campo.
Para ainda exemplificar a trajetória de Fernão é que cito sua presença em 2004 e 2006 nas
bancas de defesa de dissertação dos alunos Gustavo S. Roquette e Eduardo Silva de Freitas,
do Núcleo de Tecnologia Educacional Para a Saúde (NUTES) localizado no mesmo pavilhão
do Instituto de Biologia, com os títulos respectivos de: A Representação Social de
‘Natureza’ entre estudantes da oitava série e o papel da educação ambiental na escola
fundamental” e O Discurso Do Sujeito Coletivo e a Representação Social do Parque
Natural Municipal da Freguesia: O que os Amigos do Bosque Contam? Fernão sofre,
portanto, a ação de dois elementos que o empurram para mais baixo na hierarquia, tanto seu
baixo volume da acumulação global de capital dado seu tempo no campo, como pelo tipo
especifico de seu capital acumulado na área de Arqueologia, qualitativamente diferente do
capital acumulado em genética, haja vista que seus escritos em arqueologia não remetem a
análises genéticas.
Após construir este quadro o argumento toma a seguinte forma: os chefes de
laboratório apresentam um grau de acumulação de capital global superior ao dos outros
pesquisadores do departamento. Ao construir a estrutura do campo, esta primeira dimensão de
acumulação segundo o volume global de capital dos cientistas já indica, portanto, que o poder
sobre os meios de produção e reprodução da área (sobre o laboratório, portanto, sobre outros
professores que ali pesquisam), aumenta a capacidade de acumulação de capital dos cientistas.
No Quadro, abaixo da linha, dois cientistas se destacam no volume de financiamentos
conseguidos, Rafael e Marco, os dois são pesquisadores do laboratório de virologia molecular
chefiado por Arthur que, como se nota, entre os chefes, foi quem mais recebeu recursos no
período. Rafael e Marco foram orientandos de Arthur na graduação, mestrado e doutorado. Os
dois realizam a pós-graduação sem intervalo de tempo entre o mestrado o doutorado e o pós-
doutorado. Rafael passa no concurso para o departamento de genética antes mesmo de
91
terminar seu doutorado, já, Marco, termina seu pós-doutorado em 2001 e entra para o
departamento em 2002. Dessa forma, para esses dois praticamente não rupturas entre a
vida acadêmica e a vida como cientista no departamento. Arthur ocupou entre 2002 e 2004,
dentre outros cargos, a posição de consultor do programa DST/AIDS do Ministério da Saúde,
órgão responsável por 68% da verba em reais para o laboratório no período 1994-2004
90
(dos
financiamentos neste período, 82% dos valores em reais e 97% em dólares, são para pesquisas
na área de AIDS). Por sua vez, em 2003 Rafael assume a posição de coordenador do
programa DST/AIDS do Ministério da Saúde e Marco desde 2004 assume a posição de
representante brasileiro no programa Brasil-França DST/AIDS também do Ministério da
Saúde. Os financiamentos para pesquisas na área de AIDS também possibilitaram a ampliação
do laboratório onde Arthur, Rafael, Marco e Renato pesquisam. Como o laboratório está
localizado no final do corredor onde se encontram os laboratórios do departamento, construiu-
se um anexo de três andares (as instalações do instituto, com se disse, compreendem um
subsolo, térreo e primeiro andar) para dar infra-estrutura às pesquisas que ali se realizam. Tal
ampliação segue as normas para se trabalhar em segurança com organismos infecciosos,
estando o laboratório em processo de credenciamento para funcionar em NB3
91
(Nível de
Biossegurança 3) junto à CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança).
Ainda abaixo da linha, Mauro e Gustavo
92
se destacam devido ao número de
orientandos e bolsistas. Mauro entra para o departamento em 1998, retornando como chefe ao
laboratório onde realizou seu doutorado. Quem lhe passa a chefia do laboratório é sua ex-
orientadora na graduação e doutorado a pesquisadora Débora. Gustavo também entra para o
quadro de pesquisadores permanentes do departamento em 1998, retornando também ao
laboratório onde foi bolsista na graduação e doutorado sob a orientação de Débora. O
laboratório de genética molecular vegetal é fundado por Cordeiro em 1983 e tem a maioria de
90
Conferir no Anexo 1, quadro 2 “Financiamento por Docente-pesquisador do departamento de genética para o
período 1994-2004”.
91
Desde 2004, a SVS (Secretária de Vigilância em Saúde/Ministério da Saúde) vem implantando a rede
nacional de laboratórios de saúde pública de Nível de Biossegurança 3 (NB3). Esses laboratórios, que têm
arquitetura especial, equipamentos de última geração e normas de conduta rígida, serão capazes de analisar
materiais biológicos que possam representar alto risco de contaminação humana e ambiental. Os laboratórios de
nível de Biossegurança 3, ou de contenção, destina-se ao trabalho com agentes de risco biológico da classe 3, ou
seja, com microrganismos que acarretam elevado risco individual e baixo risco para a comunidade”. “É aplicável
para laboratórios clínicos, de diagnóstico, ensino e pesquisa ou de produção onde o trabalho com agentes
exóticos possa causar doenças sérias ou potencialmente fatais como resultado de exposição. A equipe
profissional deve possuir treinamento específico no manejo de agentes patogênicos, potencialmente letais,
devendo ser supervisionados por profissional altamente capacitado e que possua vasta experiência com estes
agentes”.
Fontes: <http://portal.saude.gov.br/portal/svs/visualizar_texto.cfm?idtxt=22451> Acesso em: 15 jul. 2006.
<http://www.fiocruz.br/biosseguranca/Bis/lab_virtual/nb3.html> Acesso em: 15 jul. 2006.
92
Tanto Mauro como Gustavo saem direto da graduação para o doutorado.
92
suas linhas de pesquisa na área de transgênicos. O número alto de orientandos destes dois
pesquisadores deve ser explicado, em parte, pelo peso do laboratório no departamento, ou
seja, o laboratório de genética molecular vegetal apresenta uma acumulação alta de capital
(percebido nos pesquisadores, no número de técnicos e orientandos
93
, objetivado em
instrumentos e aparelhos, no espaço físico do laboratório, pois é o segundo maior laboratório
do departamento, etc), de modo que foi possível para estes pesquisadores receber os lucros do
capital do laboratório. Tal capital possibilita que o grupo mantenha várias pesquisas
associadas com cientistas de outras instituições, dentre estes, do Brasil, pode-se citar os
pesquisadores Martha
94
e Rogério do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul.
A exceção entre os sete primeiros pesquisadores do quadro Estrutura de Distribuição
de Capital Científico... que não é chefe de laboratório no departamento, é o pesquisador
Heitor S. As particularidades da trajetória deste cientista ajudam a explicar sua posição no
campo. Heitor é graduado em medicina pela Gonzaga University (EUA) e pela Facultad de
Medicina de La Universidad de La República (Uruguai), ele ainda realiza mais uma
graduação em biologia pela Facultad de Humanidades e Ciencias de la Universidad de la
República antes de realizar seu doutorado e pós-doutorado em genética, respectivamente na
University of Edinburgh e pelo National Câncer Institute (EUA). Heitor vincula-se ao
departamento em 1978 como chefe do laboratório de Citogenética. Em 1984 recebe uma
proposta para trabalhar no Instituto Nacional de Câncer (INCA) também na cidade do rio de
janeiro. A proposta o leva a abandonar a dedicação exclusiva com a UFRJ e se tornar chefe da
divisão de genética do INCA, posto que ocupa até os dias atuais. Sua posição de chefe de
laboratório foi mantida durante todos estes anos, o que talvez explique sua produção constante
ao longo de 30 anos de carreira. As cinco bases que utilizei dão uma dimensão de seu trabalho
na UFRJ, mas não trazem nenhuma informação sobre seus trabalhos no INCA além dos
artigos publicados, por isso, as informações sobre orientações e bolsas sobre Heitor terminam
por subvalorizar sua trajetória científica. Cabe perceber, portanto, que Heitor passa de uma
situação em que é chefe de laboratório em uma universidade pública para uma outra em que
comanda 18 pesquisadores, 3 bolsistas de iniciação científica e 1 técnico de nível superior, em
uma outra instituição pública
95
. Heitor ainda é professor adjunto com carga horária de 20
93
Segundo informações que constam no site do diretório dos grupos de pesquisa do CNPq, o laboratório tem 4
técnicos e 11 alunos. Fonte: <http://dgp.cnpq.br/buscaoperacional/detalhegrupo.jsp?grupo=0202202JDDL0S9>
Acesso em: 11mai. 2006.
94
Martha, como se sabe, até o final de 2005 era pesquisadora do laboratório de genética molecular vegetal.
95
Fonte: <www.inca.gov.br> Acesso em: 21 mai. 2006.
93
horas no departamento de genética, sua trajetória tanto na UFRJ como no INCA traz lucros
tanto materiais (sempre com três a quatro bolsas de pós-graduação cedidas pelo programa de
bolsas do INCA ao programa de pós-graduação em genética da UFRJ) e não materiais (onde
se constrói um intercâmbio entre o INCA e o departamento de genética, permitindo que o
conhecimento produzido nas duas instituições circule entre pesquisadores e alunos das duas
instituições) para o departamento de genética.
Beatriz e Caio encontram-se abaixo da linha que separa o volume maior de capital
acumulado pelos chefes de laboratório em relação aos outros pesquisadores do departamento.
Vê-se nitidamente que os dois apresentam desempenhos, na hierarquia, que permitem
distinguir as diferenças quantitativas em relação a artigos, artigos como primeiro autor,
orientações e orientações com bolsa, no período compreendido pela pesquisa, em relação aos
chefes de laboratório. Mas se Caio também é chefe de laboratório, porque se encontra na
porção inferior do quadro?
Com a saída de Ovídio e sua ida para o INCA no final de 2004, Caio torna-se chefe do
laboratório. Ao buscar as datas das publicações dos artigos
96
de Caio, encontra-se as seguintes
informações: 67% (6) são posteriores a 2004, ou seja, a maior parte de seus artigos foram
publicados nos dois últimos anos, portanto, depois que se tornou chefe de laboratório, o que
fica melhor exemplificado quando se percebe que seu vínculo com o departamento acontece
em 1998 e entre este período e 2004 ele não publica nenhum artigo
97
. Seus outros três artigos
foram escritos antes de entrar para o departamento nos anos de 1993, 1995 e 1997.
Caio apresenta uma média de publicação de 0,75 artigos ao ano desde sua vinculação
ao quadro de pesquisadores concursados do departamento de genética. A média de Caio está
96
Conferir no Anexo 1, quadro 3 “Publicação anual de Artigos por Docente-pesquisador para o período 1971-
2006”.
97
O campo do departamento de genética do Instituto de Biologia encontra-se em uma universidade pública, o
que traz certos problemas ao se tentar caracterizar as trajetórias e estratégias dos cientistas do ponto de vista de
que: a luta pela definição legitima de ciência pode fazer desaparecer dos anais da ciência um cientista que
publica ou publicou muito pouco, ou um outro que nunca teve sucesso em seus experimentos, contribuindo
para a ciência à medida que reproduziu toda a série longa de comportamentos práticos e simbólicos que
constituem o habitus do cientista, mas ela não elimina ou exclui do campo um pesquisador que tem um vínculo
permanente com o campo, como é o caso dos pesquisadores que fazem parte do quadro de professores
concursados do departamento de genética. Fernão é o exemplo mais próximo de um cientista que participa do
campo do departamento de genética, mas seu peso é tal que não deforma o campo, ao contrário, sofre a força do
peso de todos os outros professores (de cada um em particular e de todos no geral) já que seu capital em genética
apresenta características diferentes daquelas requeridas pelo departamento. Ainda assim Fernão continua suas
aulas na graduação e mesmo sem informações, podemos certamente supor que deve orientar também alguns
alunos do departamento. O fato da grande maioria destes pesquisadores não serem pesquisadores de meio-
período em ciência ou porque a ciência não é uma espécie de hobby na vida destes agentes, autoriza a dizer que a
relativa estabilidade que a instituição pública ao pesquisador pode assumir formas diversas, como é o caso
dos pesquisadores citados, chegando ao extremo de haver grupos abertamente opostos dentro de um
departamento, ou um pesquisador que apresente um capital moderadamente diferente em relação aos outros
agentes do campo.
94
entre as 6 médias mais baixas (menos de 1 artigo escrito anualmente desde a entrada como
docente-pesquisador do departamento) do conjunto dos pesquisadores. Quando se busca quem
são os outros cinco pesquisadores com média abaixo de 1 artigo anual desde sua entrada no
departamento como quadro efetivo, dois pertencem ao laboratório em que Caio agora é chefe.
O pesquisador que antes era chefe do laboratório apresenta uma média menor que a de Caio,
0,73 artigos ao ano. Assim, o fato de Caio estar em um laboratório onde a publicação de
artigos é baixa e o financiamento é pequeno influencia sua acumulação, limitando suas
pesquisas por falta de verba, pelo número de orientandos, e pelo número reduzido de bolsas
que teve. De outra forma, a trajetória do agente é determinada, em parte, pelo peso do capital
acumulado pelo laboratório a que pertence em relação aos outros laboratórios do
departamento.
Beatriz assume seu lugar no laboratório de drosophilas logo que entrou para o
departamento em 1998. Os artigos escritos desde essa data até 2006 correspondem a 83% (10)
do total (12) de seus artigos publicados. Sua média anual de publicação de artigos, desde que
entrou para o quadro de pesquisadores do departamento é de 1,1 artigos. Em termos de
financiamento de pesquisa, Beatriz recebe um valor inferior ao valor recebido por Caio. Por
que Caio apresenta uma média anual de artigos menor que Beatriz, sendo ele chefe de
laboratório? Em parte pelo baixo grau de acumulação de capital de Caio e em parte porque a
pesquisa em genética clássica ser mais barata do que a pesquisa em genética molecular, como
atesta Beatriz neste trecho onde fala sobre seu futuro na academia.
(...) tenho uma parte que é minha pesquisa né, que eu gosto muito de fazer, que eu
acho muito importante (...) tem meus projetos, tenho alunos de iniciação científica do
laboratório né, de mestrado, doutorado, desenvolvendo e me ajudando a desenvolver
essa pesquisa aí, avançando na carreira deles, né! Então essa é uma parte que eu
pretendo continuar e, se possível, ir crescendo nisso. Essa parte é muito difícil porque
muitas vezes a gente tem muita dificuldade de financiamento, tem grupos que tem
grandes financiamentos e tem grupos que trabalham com coisas que não são tão
importantes para os órgãos financiadores, então recebem financiamentos menores,
então como minha pesquisa não é tão cara, eu vou conseguindo avançar com ela, que
tem vários alunos interessados e isso também movimenta a sua pesquisa (Beatriz , e4)
Beatriz acentua neste trecho tanto o fato de sua pesquisa ser mais barata que a
pesquisa em biologia molecular como a importância dos orientandos no desenvolvimento da
pesquisa. Se compararmos o número de orientandos e o número de bolsistas entre Beatriz e
Caio, ver-se-á que Caio apresenta um número menor tanto de orientandos como de bolsistas,
o que confirmaria o fato de que Beatriz mesmo não sendo chefe de laboratório apresenta
números maiores que caio para sua produção de artigos (levando-se em consideração também
95
o fato de que os dois entram no departamento com apenas sete meses de diferença. Beatriz
começa suas atividades no departamento em agosto de 1997 e Caio em fevereiro de 1998).
Ao considerar a média de publicação de artigos dos atuais chefes de laboratório, mas
somente a partir do momento em que se tornaram chefes, quatro apresentam uma média de
publicação superior a 2 artigos por ano (3,8 / 3,6 / 3 / 2) dois apresentam uma média de 1,4 e
1,2 artigos por ano e um de 0,8 artigos publicados anualmente. Para aqueles que não são
chefes de laboratório, os que apresentam as maiores médias são Marco e Martha, com 5 e 2,6
artigos publicados anualmente desde sua entrada no departamento como pesquisadores. Estes
dois pertencem aos dois laboratórios que tiveram um número maior orientandos, bolsistas,
artigos publicados em periódicos e financiamentos no período compreendido pela pesquisa.
Deve-se destacar que as pesquisas do laboratório de Marco, como disse, estão na área de
virologia, com um total de 89% do volume total dos investimentos em pesquisas sobre AIDS.
Martha é pesquisadora do laboratório de Genética Molecular Vegetal fundado pelo
pesquisador Antônio R. Cordeiro em 1983. O laboratório trabalha com duas linhas de
pesquisa mais gerais, Cultura de Tecidos e Biologia Molecular de Plantas. Infelizmente, para
os financiamentos deste laboratório não havia informações completas sobre a área de pesquisa
contemplada
98
. No entanto, dentre as 12 linhas de pesquisa discriminadas nos currículos dos
pesquisadores e nos relatórios, 75% (09) estão na linha de manipulação genética de alimentos
e plantas para: aumento da produtividade, resistência a organismos patógenos, melhoramento
genético de cana de açúcar para uso do bagaço na industria de celulose, etc. além de que
Martha segue a linha de pesquisa em transgênicos reproduzindo, de certa forma, a área de
pesquisa iniciada por Cordeiro.
Dessa forma, percebe-se que os dois laboratórios, que receberam uma verba bem
superior aos outros quatro, são laboratórios que realizam pesquisas aplicadas na área de AIDS
e na área de transgênicos
99
. Áreas de grande importância comercial tanto para a indústria
alimentícia como para a indústria farmacêutica, por exemplo. Abaixo apresento a distribuição
de capital científico no departamento discriminada por laboratório e pesquisador.
98
Os financiamentos em dólar e euro estão especificados como “comunidade européia” ou CEE.
99
Mas os pesquisadores do laboratório não pesquisaram somente na área vegetal. O professor Cordeiro em
licença da UFRJ foi à Rússia com o Prof. Arthur em 1994 onde escolheram 25 pesquisadores dentre os
interessados a trabalhar por algum tempo no Brasil, foi assim, segundo o histórico de Cordeiro disponível no site
da Academia Brasileira de Ciências, que introduziu-se no Brasil as pesquisas orientadas a obter animais
transgênicos de interesse médico. Fonte:
<http://www.abc.org.br/sjbic/curriculo.asp?consulta=cordeiro> Acesso em: 25 nov. 2005.
96
Quadro 4 – Estrutura de Distribuição de Capital Científico por
Laboratório do Departamento de Genética
Nome, nº de
pós-doutorado
e vínculo com
departamento
Arti
gos
Artigos
como
1ºautor
Orientações
na pós-
graduação
Bolsistas
na pós-
graduaçã
o
Financiamentos
para o período
1994-2004
Sem vínculo c/ Laboratório
no departamento.
Heitor¹ 1978 20hs.
122 24 28 22
155.800,00 R$
28.500,00 US$
Laboratório de Virologia
Molecular
Arthur¹ 1991 D.E
66 16 24 18
2.528.000,00 R$
136.000,00 US$
Rafael 1994 D.E
23 06 06 04
1.948.504,00 R$
988.000,00 US$
Marco¹ 2001 D.E
35 05 17 14
195.500,00 R$
400.000,00 US$
Renato¹ 1984 20hs
14 05 05 03
190.461,00 R$
Capital do Laboratório
138 32 52 39
4.862.465,00 R$
1.524.000,00 US$
97
Laboratório de Genética
Molecular Vegetal
Débora¹ 1981 D.E
47 09 26 15
16.000,00 R$
219.862,72 US$
Martha³ 1994D.E
38 08 20 12
485.000,00 R$
121.194,00 US$
114.000,00 €$
Gustavo³ 1998 D.E
17 02 19 13
551.510,00 R$
52.000,00 €$
Mauro¹ 1998 D.E
14 03 17 12
36.000,00 R$
Capital do Laboratório
116 22 82 52
1.088.510,00 R$
341.056.00 US$
166.000,00 €$
Laboratório de
Biodiversidade Molecular
André² 1991 D.E
65 23 22 22
510.000,00 R$
6.800,00 US$
Cibele¹ 1997 D.E
24 06 18 13
454.000,00 R$
Capital do Laboratório
89 29 40 35
964.000,00 R$
6.800,00 US$
Laboratório de
Malformações Congênitas
Yasmin¹ 1977 D.E
60 12 15 07
280.521,84 R$
21.997,00 US$
Capital do Laboratório
60 12 15 07
280.521,84 R$
21.997,00 US$
Laboratório de Genética de
Populações de Drosophila
Armando¹ 1990D.E
19 14 04 04
134.223,00 R$
120.397,00 US$
Beatriz 1997 D.E
12 06 08 07
16.951,00 R$
Capital do Laboratório
31 20 12 12
151.174,00 R$
120.397,00 US$
Genética Molecular
Bacteriana
Andréia¹ 1982 D.E
23 09 18 14
244.600,00 R$
Capital do Laboratório
23 09 18 14
244.600,00 R$
Genética Molecular de
Eucariontes
Ovídio 1980 D.E
25 05 20 16
47.600,00 R$
Caio¹ 1998 D.E
09 05 05 04
43.509,00 R$
Tellles 1998 40hs
06 01 01 0
SemFinanciamento
Capital do Laboratório
40 11 26 20 91.109,00 R$
Incubadora
de
Laboratórios
Laboratório de
Ictiologia
Cinthia 1998 D.E
08 03 01 01
5.000,00 R$
Laboratório de
genética
humana
Fernão 1988 D.E
06 05 0 00
7.100,00 R$
98
Nome, nº de
pós-doutorado
e vínculo com
departamento.
Posições e cargos administrativos
ocupados pelos pesquisadores NO
Departamento de Genética.
Posições e cargos administrativos
ocupados pelos pesquisadores FORA do
Departamento de Genética.
Sem vínculo
c/ Laboratório
no
departamento.
Heitor¹ 1978
20hs.
1978-1984: Chefe do laboratório de citogenética.
1981-1983: coordenador da pós em genética.
1984-atual: Chefe da divisão de genética do Instituto Nacional do
Câncer (INCA) Rio de Janeiro.
2005-atual: Presidente da comissão do plano de ciência e
tecnologia do INCA.
2005-atual: Vice-coordenador da pós em oncologia.
1977-1978: Pesquisador do Medical Research Council (MRC) em
citogenética humana e biologia da reprodução. Inglaterra.
Laboratório de
Virologia
Molecular.
Arthur¹ 1991 D.E
Chefe do laboratório de virologia molecular animal,
1995: Coordenador da pós em genética.
1994: Consultor da EMBRAPA.
2002-04: Consultor do programa nacional DST/AIDS do
Ministério da Saúde.
2005: Pesquisador do Programa Global de Aids do Centro de
Controle e Prevenção de Doenças (EUA) em Moçambique.
Rafael 1994 D.E
Nenhuma função administrativa no departamento. 2003: Coordenador do programa DST/AIDS-SVS/Ministério da
Saúde.
Marco¹ 2001 D.E
2004-atual: coordenador da pós em genética. 1995-2000: Assistente de Pesquisa. University of Alabama at
Birmingham EUA.
2004-atual: representante brasileiro no programa Brasil-França
DST/AIDS - Ministério da Saúde, na Área de Resistência do HIV
aos Anti-Retrovirais.
Renato¹ 198420hs 1991-93: chefe do dep. de genética.
Laboratório de
Genética
Molecular
Vegetal.
Débora¹ 1981 D.E
Chefe do laboratório de genética molecular vegetal.
Até final de 1997.
1993-1995: Professora-pesquisadora da Universidade Estadual do
Norte Fluminense (UENF).
Martha³ 1994 D.E
1996: vice-chefe do dep. de genética.
1999-01: coordenadora de ensino do dep. de genética.
1986-1987: Professora Assistente da Faculdade de Medicina de
Volta Redonda.
1987-1988: Professora auxiliar da Universidade Estadual do Rio
de Janeiro.
Gustavo³ 1998
D.E
Nenhuma função administrativa. 1993:1998: Professor-pesquisador noCentro Biomédico do
Instituto de Biologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
Mauro¹ 1998 D.E
1998-atual: Chefe do laboratório de genética molecular
vegetal.
2003: Pesquisador no Califórnia Institut of Tecnology
(CALTECH) EUA.
Laboratório de
Biodiversidad
e
Molecular.
André² 1991 D.E
Chefe do laboratório de Biodiversidade Molecular.
96-98: Chefe do departamento de genética.
2005: Vice-chefe do dep. de genética.
2006: chefe do dep. de genética.
1979-80: Diretor da divisão de pesquisas em biologia dos
laboratórios Silva Araújo Roussel.
1987-1990: Professor-pesquisador da Universidade Federal
Fluminense (UFF) .
Cibele¹ 1997 D.E
1999-2005: Chefe do departamento de genética.
2003-atual: Vice-coordenadora da pós em Genética.
2005-atual: Vice-chefe do departamento de genética.
Laboratório de
Malformações
Congênitas.
Yasmin¹ 1977
D.E
Chefe do laboratório de malformações congênitas.
1982-83: Coordenadora de ensino do dep. de genética.
1989-93: Coordenadora de ensino do dep. de genética.
1977: Professora convidada na UNB. Ensino de genética.
2004: Presidente da associação técnico científica ECLAMC
(Estudo Colaborativo Latino Americano de Malformações
Congênitas).
Laboratório de
Genética de
Populações de
Drosophila.
Armando¹ 1990
D.E
Chefe do laboratório de populações em drosophila.
2002-04: Vice-chefe do departamento de genética.
97: Vice-chefe do departamento de genética.
Beatriz 1997 D.E
2002-2006: Vice-diretora do Instituto de Biologia 1993-1997: Professorra-pesquisadora da Universidade de São
Paulo. Instituto de Biociências.
2001-atual: Coordenadora da disciplina genética do CEDERJ.
Genética
Molecular
Bacteriana.
Andréia¹ 1982
D.E
Chefe do laboratório de genética molecular bacteriana.
2001-04: Coordenadora da pós em genética.
1995-97: Coordenadora da pós em genética.
1994-1995: Professora da Universidade Estadual do Rio de
Janeiro na fundação do curso de pós-graduação em microbiologia.
1998-2004: Webmaster do departamento.
2005-atual: Professora na pós-graduação do Laboratório Nacional
de Computação Científica (LNCC) – Ministério da Ciência e
Tecnologia.
Genética
Molecular de
Eucariontes.
Ovídio 1980 D.E
1980-2004: Chefe do laboratório de genética molecular de
eucariontes.
1980-81: Coordenador de ensino do dep. de genética.
1986-88: Chefe do dep. de genética.
1990-93: Vice-diretor do Instituto de Biologia.
2004-atual: líder de grupo de pesquisa no Inca.
Caio¹ 1998 D.E
2004-ATUAL: Chefe do laboratório de genética molecular
de eucariontes.
05/1985-08/1985: Desenvolvimento de produtos e análise
química. Freitas L. Comércio e Indústria
09/1985-01/1986: Supervisor de Produção. Indústria de sorvetes
Hébon.
06/1986-07/1986: análises químicas e supervisão de produção.
Indústria alimentícia Beira Alta.
1992-93: Diretor de criação e administração do Instituto Estadual
de Florestas do Rio de Janeiro.
Tellles 1998 40hs
Nenhuma função administrativa no departamento. 2005-atual: Professor-pesquisador do Centro de Ciências
Biológicas da Universidade Federal de Alagoas.
Laboratório de
Ictiologia.
Cinthia 1998D.E
2004-atual: Coordenadora de ensino do dep. de genética.
Laboratório de
GenéticaHumana.
Fernão 1988 D.E
1998-99: Chefe do departamento de genética.
99
Assim começam a se delinear as características gerais que permitem àqueles que são
chefes de laboratório apresentar um volume maior de acumulação global de capital no campo.
Chefiar o laboratório permite ao pesquisador aumentar suas colaborações em pesquisa,
permite aumentar sua capacidade de realizar pesquisas associado com outros cientistas. Os
orientandos não realizam somente sua pesquisa para o mestrado ou doutorado (que, claro,
deve estar vinculada ao que se pesquisa no laboratório, portanto, ao que o chefe, ou os outros
cientistas do laboratório pesquisam) eles desenvolvem também os vários projetos que os
cientistas do laboratório mantêm com outros pesquisadores. A problemática dos técnicos
havia sido levantada por Ovídio na ocasião de sua entrevista, retornou na fala de Beatriz, mas
sob a ótica da importância do capital humano para a pesquisa e agora ela toma existência na
forma de informações quantitativas que indicam um número elevado de orientandos naqueles
laboratórios que publicaram mais artigos e que também receberam mais verba. Beatriz
demonstra a importância dos orientandos para desenvolvimento das pesquisas dos
professores.
esses alunos, eles entram e vão desenvolver algum projeto, técnicas, alguns
procedimentos, justamente tentando ajudar nos trabalhos desse professor (...) E o
resultado que ele produz, é um resultado em geral muito relevante porque é um
resultado, né, é um trabalho que aquele professor muitas vezes não tem tempo de ir
pra bancada pra fazer tudo isso. Então chega num nível que o professor tem vários
alunos e os alunos vão pra bancada. O que não pode acontecer é o aluno ir pra
bancada pra fazer a técnica sem estar entendendo o problema. Ele vai fazer a
técnica, mas no laboratório precisa entendendo porque que ele vai estar fazendo
(Beatriz, e4).
Todavia, convém ler estas informações tendo como pano de fundo o princípio do
volume de capital acumulado, o que facilita visualizar também os outros elementos que
constituem o capital global do laboratório, impedindo, dessa forma, de se tomar somente as
publicações, orientações ou os financiamentos, por exemplo, como suficientes para definir o
capital científico do pesquisador. Da mesma forma, para se construir a estrutura de
distribuição de capital no departamento, não se pode levar em consideração somente
desempenhos individuais, que tais desempenhos seriam fruto da trajetória do agente,
portanto, de acordo com Bourdieu, seriam variações do habitus do grupo
100
. Bourdieu nos
alerta para os riscos da análise de laboratório realizada em escala microssociológica, como
têm feito os estudos em laboratório
101
100
“cada sistema de disposição individual é uma variante estrutural dos outros, na qual se expressa a
singularidade da posição no interior da classe e da trajetória” (apud Bonnewitz, 2003:80).
101
Bourdieu (2004b) refere-se a Gilbert & Mulkay, Opening Pandora’s Box, Knorr-Cettina, Towards a
Constructivist Interpretation of Science, Medawar, Is the Scientific Papers Fraudulent? e Latour, Vida de
Laboratório, Ciência em Ação, The Pasteurization of France, Le Dernier des Capitalistes Sauvages.
100
Ora, percebe-se imediatamente que o laboratório é um micro-cosmo social situado
num espaço que abrange outros laboratórios constitutivos de uma disciplina (...) e que
deve uma parte muito importante das suas características à posição que ocupa nesse
espaço” (BOURDIEU, 2004b:51-2).
Portanto, tomo os laboratórios como agentes que influenciam o campo dependendo do
seu peso, entenda-se: o capital acumulado pelo laboratório objetivado nos pesquisadores, a
quantidade de aparelhos necessários parar realizar os experimentos, o histórico do laboratório
junto aos órgãos financiadores de pesquisa, a posição do laboratório na hierarquia dos
laboratórios, etc.
Heitor ainda se encontra no topo da hierarquia, porque mesmo sem as informações
sobre as pesquisas que desenvolve no INCA, os financiamentos que recebe, o número atual de
bolsistas, pesquisadores e pessoal técnico sob o seu comando ali, ele ainda ocupa as posições
de chefe da divisão de genética, de Presidente da comissão do plano de ciência e tecnologia e
de Vice-coordenador da pós em oncologia no INCA. Como disse, ele abandona a dedicação
exclusiva com o departamento em 1984 quando se transfere para o INCA. O fato dele não ter
mais um laboratório no departamento de genética não impede que pesquise em colaboração
com vários professores dali, em especial, Yasmin e Marco. Heitor publica mais artigos,
apresenta a maior média de artigos como primeiro autor dentro do departamento, orienta mais
alunos na pós-graduação e também mais alunos com bolsa de pesquisa. Heitor é um dos
pesquisadores que Cordeiro trouxe do exterior para compor o departamento de genética na
década de 70. Desde que entra para o departamento em 1978, publica, em média, 4 artigos
anualmente (deve-se atentar para o fato de que sendo professor do departamento com carga
horária de 20hs desde sua transferência para o INCA em 1984, a maioria de seus artigos
78% ou 95 artigos são escritos como chefe da divisão de genética do Instituto Nacional do
Câncer).
O laboratório de virologia molecular criado por Arthur em 1991 se destaca dos demais
laboratórios do departamento, tanto pelo alto valor de financiamentos - quase quatro vezes o
valor do laboratório de genética molecular vegetal como pelo postos ocupados pelos seus
pesquisadores. O alto valor dos financiamentos se explica justamente pelos cargos ocupados
pelos cientistas deste laboratório. Dos quatro pesquisadores que ali estão, dois ocuparam
cargos temporais (político-administrativo) no Ministério da Saúde e um ainda ocupa. Tais
cargos constituem o capital institucional ou poder político temporal dos pesquisadores do
laboratório, o que lhes dá uma nítida diferença entre os outros pesquisadores do
departamento. O acesso aos poderes temporais a estes pesquisadores tal peso, que lhes
101
permite, de certa forma, modificar o campo. Modificação que chega a ser física no caso da
construção do anexo do laboratório.
Segue abaixo trechos das entrevistas de Beatriz e Ovídio que ilustram o problema do
espaço físico no departamento. Beatriz relata a dificuldade em criar novos laboratórios no
departamento e Ovídio sobre a divisão espacial dos laboratórios.
O problema é espaço físico na verdade. Porque se eu tenho um pesquisador que
queira criar um novo laboratório, se ele tiver financiamento, se ele tem uma boa
produção cientifica, consegue um financiamento, ou da CAPES, ou CNPq, ou de
qualquer outro órgão, tem condição de manter um laboratório, financiar o aluno de
mestrado, de doutorado, de iniciação. O departamento ou o instituto ele tem todo o
interesse em contribuir, O problema é que as pessoas e a demanda são tantas que não
tem espaço. Às vezes tem até nas reuniões a gente tenta fazer um remanejamento, um
laboratório que era muito grande; porque tinha vários professores, vários
pesquisadores que atuavam ali, uns são transferidos pra cá, outros vão pra e
acaba que fica um espaço muito grande pra um grupo que encolheu, eles têm uma
nova negociação que abre um novo espaço, né. nesse espaço poderia ter uma
pessoa que se interessa, né, o caminho é esse, mas a gente tem realmente um
problema grande que é o problema de espaço, porque não faltam pessoas querendo
ampliar, mas a gente não tem espaço (Beatriz, e3).
Ah meu filho isso ai é briga de foice, é briga de departamento e vamos ver quem é
que tem mais poder, ai eu não falo nada porque não dá! ... Eu tive sorte porque eu
cheguei e tava saindo um cara, então me deixou um espaço, se eu tivesse que lutar por
um espaço ali a coisa ia ser feia (Ovídio, e1).
Assim, o capital temporal implicado nas posições assumidas pelos pesquisadores do
laboratório de virologia permitiu uma redefinição do espaço (tanto no sentido físico, quanto
no sentido de lugar de disputa pelo monopólio do capital) no departamento, de forma que o
laboratório de virologia molecular, hoje, é o laboratório que ocupa a posição de laboratório
dominante no campo.
Ao construir as informações tendo como referencial a acumulação global de capital
pelos agentes do campo, pôde-se conferir o poder da teoria do campo e dos conceitos de
capital científico puro e institucional. Com efeito, afirmar que o laboratório de virologia
molecular é dominante no campo, é o mesmo que dizer que a acumulação global de capital
científico se na intersecção das estratégias de acumulação e transmissão do capital
científico puro e do capital científico institucional, de outra forma, para o laboratório de
virologia molecular se encontrar hoje na posição de laboratório dominante no campo, houve a
acumulação do poder temporal e de poder cientifico puro. O caso dos pesquisadores Marco e
Rafael, do laboratório citado, é exemplar, eles realizam toda a trajetória acadêmica tendo
Arthur como orientador, Marco apresenta uma média de publicação de artigos em periódicos
idêntica à de Arthur, Rafael recebe financiamentos superiores ao de Arthur no período, no
102
entanto, Marco pôde publicar o número de artigos que publicou porque estava em um
laboratório que lhe deu o suporte para tal (capital humano, aparelhos, bolsistas, etc.) e Rafael
conseguiu os financiamentos porque está no laboratório de Arthur (descarto qualquer
hipótese de coincidência no fato de três dos quatro pesquisadores do laboratório terem
assumido postos no Ministério da Saúde).
De fato, a média de Rafael e Marco aumenta depois que entram para o departamento
como professores concursados e, na verdade, ela sofre uma aceleração entre 2002 e 2006,
Marco apresenta 72% de suas publicações neste período e Rafael 52 %. E é também neste
período em que assumem posição político-temporal no Ministério e que se encontra o maior
parte da verba que receberam para o período 1994-2004, com 85% do volume total para reais
e 97% em dólares. Os artigos invocam pesquisas, e, se aqui tomam a forma de capital
científico puro eles não puderam ser escritos sem os financiamentos decorrentes do acesso
que estes pesquisadores tiveram aos poderes temporais. Da mesma forma as pesquisas que
dão sustentação aos artigos não poderiam ser realizadas sem um laboratório equipado com
aparelhagem adequada e capital humano em forma de orientandos, estagiários, iniciação
científica, técnicos, monitores. Conclui-se que o capital científico puro, no caso dos
pesquisadores do laboratório de virologia molecular, não poderia ser acumulado sem a
intervenção do capital político temporal ou capital institucional. De fato Bourdieu duas
formas diferentes de acumulação dos dois tipos de capital no campo científico, o capital
científico puro “adquire-se, principalmente, pelas contribuições reconhecidas ao progresso da
ciência, as invenções, ou as descobertas (as publicações, especialmente nos órgãos mais
seletivos e mais prestigiosos à moda de bancos de crédito simbólico, são o melhor indício)”
(BOURDIEU, 2004a:36). Ora, logo se percebe que o capital científico dos pesquisadores do
laboratório pôde ser acumulado devido aos financiamentos que permitiram equipar o
laboratório (como foi destacado no caso da ampliação do laboratório, que não é uma simples
ampliação que se destina a dar àquele espaço as características que venham a defini-lo
como capacitado para realizar pesquisas com matéria biológica que possa representar alto
risco de contaminação humana e ambiental), recrutar mais estagiários, mais orientandos,
enfim realizar mais pesquisas. Dessa forma, tem sentido falar nas “contribuições
reconhecidas ao progresso da ciência” realizadas por estes pesquisadores caso se leve em
consideração o acesso que tiveram aos cargos político-administrativos fora do departamento.
O que vem a confirmar a dupla dimensão das estratégias ou tomadas de posição dos agentes,
que para alcançar a posição que ocupam no departamento, no que diz respeito às
contribuições à ciência (evidenciadas nos artigos), tiveram que recorrer a poderes temporais.
103
Como se pode perceber houve algumas alterações na hierarquia quando vincula-se os
pesquisadores aos laboratórios onde pesquisam. Para colocar os laboratórios na ordem que se
encontram, me orientei pelo mesmo princípio de acumulação global de capital. Por isso o
laboratório que André chefia está em terceiro e não em segundo (posição que deveria ocupar
ao se levar em consideração somente artigos como primeiro autor). Da mesma forma o
laboratório de populações de drosophila se encontra abaixo do laboratório de malformações
congênitas chefiado por Yasmin, mesmo apresentando valores maiores para financiamento e
artigos como autor, além de ocuparem cargos que podem ser considerados de chefia no
departamento.
Yasmin gradua-se em medicina em 1969 pela Universidade Federal Fluminense.
Realiza seu mestrado e doutorado na USP, e seu pós-doutorado no Children's Hospital Of
Philadelphia (EUA). Todas as pós-graduações são na área de genética humana. Ela torna-se
pesquisadora do departamento em 1977, onde cria o laboratório de malformações congênitas
em 1981, e em 1989 se torna a única professora titular do departamento. Yasmin ocupou o
cargo de coordenadora de ensino do departamento de genética duas vezes e assumiu em 2004
a Presidência da associação técnico-científica ECLAMC, posição política fora do
departamento. A associação técnico-científica de que Yasmin é presidente é um programa de
investigação clínica e epidemiológica, de base hospitalar e também laboratorial. Esta
associação mantém uma base de dados sobre recém-nascidos com malformação congênita na
América Latina desde 1967. Yasmin realiza estudos moleculares sobre malformação
congênita em colaboração com este grupo e também mantém um disque-gestante desde 1992,
que orienta os familiares sobre os riscos de exposição do feto a determinados ambientes e
materiais. A colaboração de Yasmin com o ECLAMC permite que ela associe às suas
pesquisas no departamento suas funções nesta organização, que o disque-gestante tem sua
sede no departamento de genética, e sua área de pesquisa, desde a fundação do laboratório,
também é em malformação congênita, o que lhe permite manter colaborações com a entidade
dentro de seu campo de pesquisa. Vê-se, portanto, que Yasmin une a pesquisa de base com a
pesquisa clínica
102
o que lhe permite assumir posições que tragam lucro não para sua
trajetória como médica, mas também como geneticista, ampliando assim as suas
possibilidades de tomada de posição dentro do campo. Neste ponto cabe relembrar as
observações de Bourdieu (2004a)sobre a especificidade do Institut National de la Recherche
Agronomique (INRA - que é uma instituição pública) no livro Os Usos Sociais da Ciência.
102
Yasmin participa em conjunto com a Fiocruz da manutenção de um banco de DNA no Brasil para os
pesquisadores do ECLAMC.
104
Ao apontar que o INRA reúne duas lógicas de produção, a da ciência e a da economia, com
pesquisas de base e pesquisas aplicadas, Bourdieu ressalta que essas duas lógicas no fundo
acabam obedecendo à mesma lógica que é a da Instituição Pública, livre da “pressão direta do
mercado”
Um dos grandes paradoxos dos campos científicos é que eles devem, em grande parte,
sua autonomia ao fato de que são financiados pelo Estado, logo colocados em uma
relação de dependência de um tipo particular, com respeito a uma instância capaz de
sustentar e de tornar possível uma produção que não está submetida à sanção imediata
do mercado (...) Essa dependência na independência (ou o inverso) não é destituída de
ambigüidades, uma vez que o Estado que assegura as condições mínimas de
autonomia também pode impor constrangimentos geradores de heteronomias e de se
fazer de expressão ou transmissor das pressões de forças econômicas (...) das quais
supostamente ele libera. (BOURDIEU, 2004a:55).
Sendo assim, Yasmin também colhe os frutos (como todos os pesquisadores do
departamento) de estar um uma Instituição Pública, sendo ainda a única professora-
pesquisadora titular do departamento, o que, unido à sua antiguidade ali
103
lhe o poder de
se manter sozinha em seu laboratório, mesmo com a problemática do espaço, que segundo
Ovídio “é o problema de longa data do Instituto de Biologia”.
Mas e os pesquisadores que se encontram na base da hierarquia? A saída política para
os atritos entre os pesquisadores, como se disse, resultou na criação da incubadora de
laboratórios e pode-se ver nitidamente que os dois pesquisadores que se encontram na
incubadora apresentam valores inferiores em quase todas as variáveis utilizadas para construir
a distribuição de capital no departamento de genética. Fernão e Cinthia são os dois
pesquisadores que se encontram atualmente na incubadora de laboratórios. Como foi
descrito o caso de Fernão passo para Cinthia.
Cinthia gradua-se em genética pelo Instituto de Biologia da UFRJ em 1989, seu
mestrado e doutorado também são realizados no departamento de genética, mas tendo como
orientador o pesquisador da Universidade Federal de São Carlos, Galetti Júnior. Cinthia entra
no departamento em 1998, desde esse período publicou 5 artigos, o que lhe a segunda
menor média de publicação de artigos, 0,6 artigos escritos anualmente. Até o momento ela
ocupou um cargo no departamento de genética, o de coordenadora de ensino e orientou
somente um aluno. Deve-se ressaltar o fato de Cinthia não foi orientada por nenhum professor
do departamento, o que possivelmente pode ter dificultado sua inserção nos laboratórios dali.
Entre os docentes-pesquisadores que são ou foram chefes de laboratório três realizaram seus
estudos de graduação, mestrado e doutorado no departamento (Armando, Caio e Mauro) e um
103
Dentre os atuais professores do departamento de genética, Yasmin é a que está ali há mais tempo.
105
realizou sua graduação ali. Entre os que não são chefes de laboratório somente três não
tiveram como orientadores na graduação, mestrado e doutorado, pesquisadores do
departamento (Cinthia, Renato e Martha), portanto, dos atuais pesquisadores em regime de
dedicação exclusiva do departamento de genética, que não são chefes de laboratório, somente
Cinthia não foi orientada em nenhum dos três níveis (graduação, mestrado e doutorado) por
pesquisadores dali.
Retornado ao quadro Estrutura de Distribuição de Capital Científico no Departamento
de Genética-I, no caso dos pesquisadores que se encontram na base do quadro percebe-se uma
inversão quase completa em relação à pesquisa e ao ensino, de outra forma, para as disciplinas
lecionadas tanto na graduação quanto na pós-graduação, os chefes de laboratório apresentam
médias anuais que oscilam entre 1,3 e 3,5 (incluindo as médias dos dois últimos
pesquisadores que vieram a se tornar chefes de laboratório em 1998 e 2004, Mauro e Caio
104
.
As suas médias são as maiores entre os chefes, com Mauro lecionando 3,1 disciplinas e Caio
3,5 disciplinas anualmente desde a entrada no departamento), já Cinthia apresenta uma média
de 4,5 disciplinas ministradas anualmente (segunda maior média entre todos os
pesquisadores), todas na graduação, o que lhe deixa ainda mais baixo na hierarquia,que é a
única pesquisadora do departamento com dedicação exclusiva que não ministrou aulas na pós-
graduação em genética. Se incluirmos na análise somente os chefes de laboratório que se
encontram acima da linha, a média de disciplinas ministradas oscila entre 1,6 e 2,7. Abaixo da
linha somente 3 cientistas apresentam valores menores que 2,7 disciplinas ministradas
anualmente, são eles, Ovídio com 1,3 disciplinas (que até 2004 era chefe do laboratório de
genética molecular de eucariontes), Renato com 1,7 (que tem vínculo com o departamento
com carga horária de 20 hs) e Fernão também com 1,7 disciplinas ministradas anualmente. Na
ocasião da entrevista de Caio ele problematiza a dicotomia pesquisa x ensino, e revela sua
escolha pela pesquisa, apesar de dizer que gosta de dar aula.
Eu, claro, escolhi biologia mais pela pesquisa. Mas eu gosto de dar aula também. Por
mais que a gente reclame de algumas fases de dar aula; corrigir prova, essas coisas.
Quando a gente em sala de aula é muito bom. Eu gosto de dar aula, é muito
estressante você levar duas coisas em um nível que hoje em dia é exigido. A
pesquisa é muito tensa e... enfim, ela exige muito da gente, às vezes você tem que
parar dias, preparar aula, corrigir provas, é um sacrifício. desse sacrifício que vem
de repente essa vontade de “seria bom se fosse só pesquisa”. Não é porque dar aula é
ruim, é porque acaba tomando muito tempo e começa a comprometer o lado da
pesquisa (Caio, e2).
104
Ao excluirmos estes dois pesquisadores do rol dos chefes as médias oscilam entre 1,3 e 2,7.
106
Em uma leitura global das disciplinas ministradas pode-se perceber, portanto, que os
chefes de laboratório gastam menos tempo ministrando disciplinas do que os outros
pesquisadores do departamento. Em relação somente às disciplinas ministradas na graduação
para os que se encontram acima da linha os valores oscilam entre 0,9 e 1,4. Para aqueles que
se encontram abaixo da linha somente um pesquisador apresenta média menor, Ovídio, que
também foi chefe de laboratório até 2004. Excluindo Ovídio os valores oscilam entre 1,4
(Fernão) e 5,2 (Telles). Pode-se imaginar, portanto, que a distribuição de capital no
departamento toma a forma de que quanto mais alto se encontra na hierarquia menos se ensina
na graduação e mais se pesquisa nos laboratórios. Como pôde ser inferido a partir do
regulamento, a pós-graduação organiza-se eminentemente em torno da pesquisa, daí os que se
encontram acima da linha lecionarem mais disciplinas na pós do que os que se encontram
abaixo da linha. Também esta é uma questão de distribuição de capital no campo: que a
pós-graduação organiza-se para a pesquisa, e o capital acumulado com a pesquisa
105
é o
capital de dominante no campo (aqueles professores que não pesquisam se encontram na base
da hierarquia construída), as estratégias dominantes são orientadas para uma maior
acumulação deste capital.
Seguindo com Bourdieu apresento abaixo o quadro “Estrutura de Distribuição de
Capital Científico no Departamento de Genética-II”, referente a segunda dimensão do
princípio de diferenciação social, organizada de acordo com o peso relativo dos diferentes
capitais no volume global do capital. Os cientistas se organizam agora entre aqueles que
possuem um volume maior de capital puro e aqueles que m um volume maior de capital
institucional no seu capital global. No entanto, tal construção poderia rebaixar, por exemplo, o
chefe de laboratório Armando (que também foi vice-chefe do departamento duas vezes)
devido aos poucos cargos que ocupou, assim, apresento na quarta coluna as posições e cargos
administrativos ocupados pelos pesquisadores, e na quinta discrimino entre estes cargos quantos são de
chefia ou de direção.
105
Aqui cabe lembrar que o capital acumulado na área de pesquisa pode ser tanto do tipo puro como do tipo
institucional.
107
Quadro 5: Estrutura de Distribuição de Capital Científico no
Departamento de Genética-II
Artigos Artigos como
1ºautor
Posições e cargos
administrativos
ocupados pelos
pesquisadores do
departamento.
Posições e cargos
administrativos
de chefia ou direção.
Heitor©
106
122 24
****** *****
André©
65 23
****** ****
Arthur©
66 16
***** ****
Armando©
19 14
*** *
Yasmin©
60 12
***** **
Débora©
47 09
** *
Andréia©
23 09
****** ***
Martha
38 08
****
Cibele
24 06
*** *
Rafael
23 06
* *
Beatriz
12 06
*** *
Marco
35 05
*** *
Ovídio©
25 05
***** ****
Renato
14 05
* *
Caio©
09 05
***** **
Fernão
06 05
* *
Mauro©
14 03
** *
Cinthia
08 03
*
Gustavo
17 02
*
Fernando
06 01
*
O quadro acima demonstra que os chefes de laboratório, de uma maneira geral,
ocuparam mais cargos, e dentre estes ocuparam mais cargos de chefia ao longo de sua
trajetória como cientista. Débora e Armando podem descer um pouco na hierarquia e Caio e
Martha podem subir
107
. Os chefes de laboratório apresentam acumulação dos dois tipos de
capital científico, o que leva à discussão do que Bourdieu diz sobre a acumulação desses dois
tipos de capital. Segundo Bourdieu,
106
O símbolo significa que foi ou é chefe de laboratório. Heitor é chefe de laboratório no INCA, Débora e
Ovídio se aposentaram pela UFRJ respectivamente nos anos em 2000 e 2004.
107
O princípio de organização ainda são os artigos como primeiro autor.
108
Por razões práticas, o acumulo das duas espécies de capital é, como
indiquei, extremamente difícil (...) tendo num extremo, os detentores de um
forte crédito específico e de um frágil peso político e, no extremo oposto, os
detentores de um forte peso político e de um frágil crédito científico (em
especial os administradores científicos) (BOURDIEU, 2004a:38).
Ocorre que no departamento de genética aqueles pesquisadores que apresentam um maior
acesso a cargos temporais são também os que apresentam, de uma forma geral, mais
contribuições à ciência na forma de artigos, portanto, na forma de acumulação de capital
científico puro. Ora, a acumulação de capital científico pelos chefes de laboratório mostra que
acumular os dois capitais é possível. Entretanto, ao mesmo tempo em que Bourdieu diz que a
acumulação dos dois tipos de capital é extremamente difícil, ele diz que a conversão do
capital político em capital científico é mais fácil e mais rápida, terá sido esse o princípio da
acumulação dos chefes de laboratório do departamento? se disse que a chefia do
laboratório permite aos pesquisadores se beneficiar do capital humano e físico do laboratório
e, por conseguinte, aumentar suas pesquisas em colaboração ou associação com outros
pesquisadores, nestes termos pode-se dizer que Bourdieu estava correto ao afirmar o que
afirmou, que o grau de acumulação maior de capital científico puro pelos chefes de
laboratório em relação aos outros pesquisadores, a partir do momento em que passam a fazer
parte do quadro permanente do departamento, se mostra possível a partir do acesso aos
poderes ligados à chefia do laboratório. Sobre essa dualidade na acumulação dos dois tipos de
capital diz Bourdieu
Não é possível deixar de lamentar o que pode ter de ‘funcional’, não para o
progresso da ciência, mas para o conforto dos pesquisadores menos ativos e
menos produtivos, o fato de que o poder temporal sobre o campo científico
seja muito freqüentemente partilhado por uma tecnocracia da pesquisa, isto é,
por pesquisadores que não são, necessariamente, os melhores do ponto de
vista dos critérios científicos (BOURDIEU, 2004a:40).
Bourdieu está correto ao afirmar que a conversão do capital político para o capital
puro é mais fácil e mais rápida, no entanto ele erra ao dizer que a acumulação dos dois é
extremamente difícil que dos 10 pesquisadores que foram ou são chefes de laboratório sete
apresentam cargos de chefia ou direção além da chefia de laboratório, e destes, seis ocupam
estes cargos simultaneamente
108
com a chefia do laboratório.
As informações construídas indicam que os pesquisadores que têm acesso aos poderes
temporais são justamente aqueles que apresentam maior acumulação de capital científico
108
Conferir quadro “Estrutura de Distribuição de Capital Científico no Departamento de Genética-I”.
109
puro, mas, será que o grau de acumulação de capital científico puro que os chefes de
laboratório apresentam existia antes deles assumirem o posto de chefe? Sendo assim, cabe
indagar: no momento em que os pesquisadores assumiram a chefia de laboratório, que tipo de
capital científico eles tinham acumulado? O quadro
109
abaixo mostra a média de artigos
publicados antes de entrar para o departamento e depois de entrar para o departamento, e a
média, para os chefes de laboratório, de artigos publicados antes de se tornarem chefes de
laboratório e como chefes de laboratório.
109
Os pesquisadores estão hierarquizados de acordo como o princípio de organização do espaço social descrito
anteriormente.
110
Quadro 6: Média de artigos de acordo com o vínculo com o
Departamento de Genética e com o laboratório
Média de
artigos antes de
entrar para o
departamento.
Média de
artigos depois
que entra para
departamento.
Média de artigos
depois que entra
no departamento e
antes de se tornar
chefe de
laboratório.
Média de
artigos
como chefe
de
laboratório.
Heitor©
4,5 4
entra no dep. como
chefe.
4
André©
1 3,6
entra no dep. como
chefe.
3,6
Arthur©
0,9 3,8
entra no dep. como
chefe.
3,8
Armando©
1 1,1
entra no dep. como
chefe.
1,1
Yasmin©
0,2 2 2,3 2,1
Débora©
Começa a publicar
depois que entra p/
o departamento.
2,1 0,7 3,4
Andréia©
1 0,8
entra no dep. como
chefe.
0,8
Martha
2 2,6 ------------- -----------
Cibele
1,3 1,7 ------------- -----------
Rafael
1,3 1,6 ------------- -----------
Beatriz
0,2 1,1 ------------- -----------
Marco
1 5 ------------- -----------
Ovídio©
0,7 0,8
entra no dep. como
chefe.
0,8
Renato
Começa a publicar
depois que entra p/
o departamento
0,6 ------------- -----------
Caio©
0,6 0,7 0 3
Fernão
Começa a publicar
depois que entra p/
o departamento
0,3 ------------- -----------
Mauro©
0,5 1,4
entra no dep. como
chefe.
1,4
Cinthia
0,5 0,6 ------------- -----------
Gustavo
1 1,7 ------------- -----------
Fernando
0,6 0,5 ------------- -----------
Existem exceções tanto para os chefes como para os outros pesquisadores, ou seja, dos
chefes de laboratório, Heitor apresenta uma média de artigos publicados antes de entrar para o
departamento que é superior a sua média como chefe depois que entra para o departamento,
esta média destoa das médias dos outros chefes. para os pesquisadores que não são chefes,
Martha também apresenta uma média de artigos publicados antes de entrar para o
departamento maior que os outros e também maior que a maioria dos chefes. No entanto, de
uma forma geral, antes de entrar para o departamento as médias dos chefes de laboratório e
dos outros pesquisadores são muito próximas, o que indica que a chefia de laboratório não foi
111
o resultado da acumulação de capital científico puro. Percebe-se que dos 10 pesquisadores
que foram ou são chefes de laboratório do departamento, sete entraram como chefes. A
chefia de laboratório, portanto, é uma posição que não foi conquistada pelas contribuições ao
progresso da ciência, mas sim por meios políticos. Essa transmissão do poder de chefia
permite àqueles que são chefes escolherem seus ‘herdeiros’, permitindo aos que foram
escolhidos ampliar seu poder de acumulação tanto de capital científico puro como
institucional. A chefia de laboratório, portanto, toma a forma de princípio de acumulação
desigual no campo.
Quando Latour e Woolgar (1997) apresentam o ciclo de credibilidade eles enfocam a
necessidade que os cientistas têm de utilizarem informações que são confiáveis para
realizarem seus experimentos, sendo assim, o que se troca no mercado científico é a
capacidade dos pesquisadores em produzir estas informações confiáveis (que são base para a
produção de mais informação confiável), e é a partir da avaliação pelos pares de que o
pesquisador tem capacidade para produzir estas informações confiáveis que o cientista pode
reconverter essa credibilidade que ele conseguiu em cargos, participação em sociedades,
revistas, etc. No entanto, a pesquisa empírica demonstra que o acesso aos cargos de chefia ou
direção deve mais a princípios específicos ao campo particular que se estuda do que a um
ciclo de credibilidade como diz Latour
110
. Tal é o caso do departamento de genética, onde a
maioria dos chefes de laboratório ascendeu a este posto por fatores que não tem a ver com
produção de informações confiáveis, mas com relações políticas. O modelo de Bourdieu é
mais eficaz ao trazer para a explicação sociológica elementos que não dependem somente da
produção de informação confiável. Assim, a chefia dos laboratórios devem ser vista, no caso
do departamento de genética, como princípio de acumulação desigual de capital no campo, de
forma que os chefes de laboratório conseguem acumular mais capital científico puro e
também institucional. Da mesma forma, os pesquisadores que não são chefes e que se
encontram nos laboratórios que têm uma acumulação global de capital científico puro e
institucional maior que outros laboratórios, terão mais chances de acumular estes capitais de
forma mais rápida que aqueles que se encontram em laboratórios com um volume menor de
acumulação global de capital científico (puro e institucional). Sendo assim, o modelo de
Bourdieu consegue explicar o princípio geral de acumulação no campo do departamento de
genética.
110
Como já se disse, Bourdieu (1994) antecipa a Latour tanto a idéia de conversão entre os capitais de um campo
como também a questão da dimensão inseparavelmente política e epistemológica do campo científico.
112
O fato de que no Departamento de Genética os pesquisadores acumulam
simultaneamente os dois tipos de capital se deve à características particulares da organização
da pesquisa científica no Brasil, ou seja, tanto ao fato da pesquisa científica no Brasil estar
fortemente ligada às Universidades públicas como ao fato de uma forma peculiar do Estado
financiar estas pesquisas, e também como se disse, ao fato de que, sendo funcionários
públicos e tendo certa estabilidade nesta ocupação (diferentemente do caso do pesquisador
Guillemin descrito por Latour), podem ser excluídos dos anais das inovações ou construções
científicas (para Bourdieu descobertas), mas não podem ser excluídos do campo, portanto, da
distribuição de capital neste. Essa peculiaridade na forma como o Estado organiza e financia a
pesquisa científica no Brasil pode ser percebido tanto por meio das instituições que financiam
estas pesquisas (o que no caso do departamento de genética quer dizer 86,1% do montante
total dos financiamentos em reais e 10,4% dos financiamentos em dólares são das instituições
governamentais CAPES, CNPq e FAPERJ), como dos requisitos necessários para conseguir
estes financiamentos. Caio demonstra a dificuldade em conseguir financiamentos por causa
dos requisitos exigidos pelas instituições públicas financiadoras das pesquisas.
Porque a gente é muito cobrado, consegue fazer pesquisa num bom nível se você
tem uma boa produção, pra ter uma boa produção tem que fazer muita pesquisa pra
conseguir recurso, aprovação do projeto, ninguém vai aprovar um projeto seu porque
você deu 100 horas de aula. Seria até bom se isso fosse considerado, entendeu? É por
isso que a pesquisa acaba sendo mais valorizada, porque é pela produção científica
que tu é cobrado pelos órgãos financiadores. Fala pô, o laboratório agora sem
dinheiro, pra conseguir verba tem que ter esse projeto, pra ganhar esse projeto tem
que ter 10 artigos publicados, sei lá. Não tem que ter 100 horas de aula. Você acaba se
identificando mais com a pesquisa também muito por causa disso (Caio, e2)
Isso é o que medindo nossa eficiência, quantidade de artigos né! Nem sempre
qualidade. Mas enfim... tem que se preocupar com isso. Tem que publicar também
para colocar seu conhecimento, sua produção disponível para a comunidade
científica. E também para conseguir recursos, é assim que as agências financiadoras
reconhecem sua competência (Caio, e5).
Neste ponto cabe introduzir a questão do grau de autonomia do departamento de
genética. Segundo Bourdieu “A autonomia em relação aos poderes externos jamais é total”
(BOURDIEU, 2004a:41). Bourdieu ao analisar o INRA diz que um dos paradoxos dos
campos científicos é o fato deles serem financiados pelo Estado o que lhes permite (aos
campos) se livrarem da lógica da pressão direta do mercado. Tal é a característica do
departamento de genética, instituição de ensino e pesquisa vinculada a um curso universitário
de uma instituição pública federal. Ao mesmo tempo em que estas instituições de pesquisa e
ensino financiadas pelo Estado se livram da pressão direta do mercado, se submetem às
113
formas de financiamento, com todos os ‘constrangimentos’ ou requisitos necessários para tal,
impostos pelo Estado (como fica claro na fala de Caio). Todavia, o campo tem leis
especificas, sendo assim, ao Estado não compete, por exemplo, determinar com quais
instituições, laboratórios, ou pesquisadores os cientistas do departamento mantêm pesquisas
associadas, ou determinar em qual laboratório será integrado os pesquisadores concursados, e
nem mesmo as linhas de pesquisa destes laboratórios ou as revistas em que publicam (no caso
das revistas o Estado exerce uma pressão externa quando começa a utilizar os critérios de
classificação das revistas como mais um item para classificar, tanto o curso como os
pesquisadores). Não poderia ser de outra forma, já que pela teoria do campo as
especificidades do departamento de genética como campo científico não poderiam ser
explicadas pela submissão completa as imposições do Estado e nem pelas características,
também particulares, das universidades brasileiras e nem mesmo pelas demandas que o
mercado impõe a produção científica (tais demandas, segundo Bourdieu poderiam mesmo ser
impostas ao campo pelo Estado, como é o caso, por exemplo, do desenvolvimento de
pesquisas tanto para desenvolver organismos transgênicos para a agricultura como para
avaliar o nível de risco destes). Assim é que Bourdieu diz que o campo sempre apresenta uma
autonomia relativa em relação aos poderes externos.
De acordo com Bourdieu a internacionalização do campo é “um dos bons índices do
grau de autonomia”, porque permite contrabalançar os poderes temporais ou capital científico
institucional. Dessa forma, “o processo de universalização tomará necessariamente a forma de
uma internacionalização como desnacionalização” (BOURDIEU, 2004b:106). A
internacionalização, que toma a forma de indicador do grau de refração do campo, segundo
ele, pode ser medida pela língua em que se está publicando e pelos lugares de publicação, e,
também, complementando Bourdieu, diria que pelas instituições, laboratórios ou cientistas
que o campo se relaciona por meio de pesquisas associadas. No caso do departamento de
genética, levando-se em consideração os lugares de publicação
111
e a língua em que se tem
publicado, pode-se dizer que o campo tem um alto grau de autonomia. Dos 633 artigos
publicados pelos pesquisadores do departamento, as revistas brasileiras são o destino de
somente 169 ou 26,7 % do total. Quando se analisa a língua em que o artigo foi escrito
percebe-se que somente 7% ou 44 artigos foram escritos em português e 91, 4% (579)
112
foram escritos em inglês. Nota-se ainda, que dos artigos publicados em revistas brasileiras
somente 27,2% são escritos em português.
111
Grande parte das revistas em que os pesquisadores do departamento de genética publicam, receberam
conceito A pela avaliação da CAPES para o triênio 2004-2006.
112
Os outros 1,6 % (10 artigos) são escritos em espanhol (8), francês (1) e alemão (1).
114
Diferentemente das ciências sociais onde os artigos são escritos, em sua maioria, por
apenas um autor, no caso dos docentes-pesquisadores do departamento de genética, os casos
indicam que a cooperação com outros pesquisadores
113
, recebe um peso maior na produção
científica do departamento. O caso das pesquisas associadas foi levantado por Ovídio como
fator que possibilitou alavancar a pesquisa no departamento quando do seu surgimento. A
pesquisa associada é praticamente uma obrigação para o cientista novato no campo. Ao entrar
no campo o cientista não tem outra opção senão se juntar a outros pesquisadores, vinculando-
se assim a um laboratório. Sem essa associação o cientista não terá como pesquisar, que
não terá um laboratório para isso. Se para o novato associar-se com os pesquisadores
estabelecidos do campo se torna uma obrigação no início da carreira como docente-
pesquisador, ao longo de sua trajetória e para os estabelecidos, a pesquisa associada com
pesquisadores de outros departamentos e instituições (nacionais e internacionais) é um
instrumento que permite aumentar o poder de acumulação de capital. Tendo o cientista acesso
ao capital humano (na forma de bolsistas de iniciação científica, estagiários, orientandos de
mestrado e doutorado, técnicos, etc.), financiamentos e laboratório equipado, ele pode
maximizar estas cooperações, fazendo valer a importância de cada um destes elementos para a
produção científica.
A pós-graduação aparece então como elemento que permite aos pesquisadores
aumentarem suas colaborações em pesquisa, que ela envolve uma pesquisa que o cientista
realizará em outra instituição, com outros cientistas. Nada diz que essa colaboração poderá
seguir adiante após o cientista terminar sua s-graduação, mas, o departamento tem
incentivado a colaboração internacional, como demonstra o relatório de auto avaliação da pós
de 2005, que consta no sistema sigma da UFRJ.
É importante notar que as interações internacionais do corpo docente vêm se
refletindo sobre o corpo discente. Os alunos vêm buscando fazer parte da tese no
exterior, através de colaborações dos próprios grupos, ou pelas fontes financeiras
regulares (...) Uma tendência recente tem sido a participação de nossos pesquisadores
em projetos multiusuários e multiinstitucionais. Temos participado de todos os editais
lançados, tais como Pronex, Projeto Genoma, Rêde Proteoma, PADCT/FAPERJ,
Projetos de Bioinformática e os Editais Universais, entre outros (relatório de auto-
avaliação institucional, 2005)
114
.
As pesquisas associadas permitem ampliar as possibilidades de investimento, e ao
mesmo tempo se apresenta como elemento que permite legitimar, validar, consagrar tanto o
113
Conferir no Anexo I, quadro 7: Média de Autores por Artigo para os Docentes-pesquisadores do
Departamento de Genética.
114
Fonte:<http://www.sigma.ufrj.br/UFRJ/SIGMA/programas_pos_grad_ss/consulta/relatorio.stm?app=PROGR
AMAS_POS_GRAD_SS&codigo=78&buscas_cruzadas=ON> Acesso em: 02 jul. 2006.
115
pesquisador como ao campo de uma forma geral. O trecho acima permite dizer que campo
estabelece certos requisitos, impõe níveis de produção, formas de cooperação. Contudo, no
que diz respeito aos editais acima citados, eles são iniciativas das agências financiadoras, mas
como estas agências têm entre os formuladores destes editais diversos cientistas na função de
consultores, fica difícil dizer se estes projetos são demandas externas ao campo científico (no
sentido mais amplo e não somente se referindo ao campo do departamento de genética) ou se
são resultados da forma legítima de se fazer ciência, que, através das várias entidades que
congregam cientistas também podem exercer uma pressão na formulação destas políticas de
financiamento, que a ciência tem conseguido, nas últimas décadas, influenciar várias áreas
da sociedade, como por exemplo, a agricultura, a industria de armamentos, a farmacêutica ou
a industria de alimentos.
A ciência, nestes termos, ou seja, do ponto de vista da teoria do campo não sofre
somente a ação do campo econômico, político, etc., ela também tem o poder de impor
agendas de pesquisa, de impor determinadas práticas consideradas legitimas para além do
campo científico. A ciência como um campo relativamente autônomo, tem regras próprias,
leis específicas. O caso dos exames de dna utilizados em perícias policiais para identificar
autores de crimes, os pedidos de exame de dna para se poder provar a paternidade, ou a
discussão sobre a soja transgênica
115
, são exemplos de práticas científicas consideradas
legítimas por outros campos sociais. Assim, uma técnica científica é a responsável por apontar
respostas nestas situações. A produção desta técnica se realiza no laboratório, por meio de
um aparato humano, teórico e técnico. A ciência está sujeita, no espaço social, a sofrer o peso
dos campos econômico, religioso, cultural, político, etc., mas ao mesmo tempo ela também
sujeita os outros campos à sua lógica. Neste caso falar em ciência implica perceber toda uma
série de práticas de laboratório, que por sua vez, implicam uma série de outras necessidades
tais como, aparelhagem, concepções teóricas, matéria orgânica, reagentes, etc., enfim todo um
aparato humano, material e simbólico que dê suporte a essa produção.
115
No caso dos transgênicos não está sob discussão se a ciência tem a capacidade de produzir organismos
geneticamente modificados (OGM) ou não, isso parece ser um fato, o que se discute são os efeitos ou reações
que a introdução destes organismos podem trazer ao meio ambiente e ao ser humano.
116
TOMADAS DE POSIÇÃO NO CAMPO
Desde seus primeiros escritos sobre o campo científico, Bourdieu demonstra que as
estratégias ou tomadas de posição dos agentes devem ser entendidas dentro de uma lógica que
leve em consideração tanto as estruturas objetivas do campo, como o habitus do agente. As
tomadas de posição são, pois, o resultado da confluência entre estas estruturas objetivas do
campo e o os esquemas de pensamento e ação geradores de práticas adaptadas a estes
esquemas (que são esquemas que foram internalizados ao longo do processo de socialização
dos indivíduos). Para entender as tomadas de posição é preciso construir o espaço das
posições, onde a distribuição de capital pode oscilar entre a distribuição eqüitativa e seu
completo monopólio. Sendo assim, o trabalho que realizei na parte anterior é sine qua non
para discutir as tomadas de posição de Beatriz e Caio. Ao mesmo tempo recorrerei a estrutura
do espaço das posições como recurso metodológico ou vigilância epistemológica para que a
explicação comporte sempre as possíveis divergências ou contradições entre a posição e a
tomada de posição, que existe a possibilidade das disposições de Caio e Beatriz não
estarem ajustadas às exigências do campo (como o caso do pesquisador Fernão citado
anteriormente).
Em Para uma Sociologia da Ciência Bourdieu traz à discussão sociológica que a
relação entre o espaço das posições e as tomadas de posição não se de forma mecânica,
segundo ele
O espaço das posições atua de algum modo sobre as tomadas de posição
por intermédio dos habitus dos agentes que apreendem este espaço, a sua
posição neste espaço e a percepção que os outros agentes envolvidos neste
espaço têm de todo ou de parte do espaço. O espaço das posições quando
percebido através de um habitus adaptado (competente, dotado do sentido do
jogo), funciona como um espaço de possíveis, das formas possíveis de se
fazer ciência, entre as quais se pode fazer uma escolha; cada um dos agentes
envolvidos no campo têm uma percepção prática das diferentes realizações
da ciência, que funciona como uma problemática (...) A relação entre o
espaço de possibilidades e as disposições pode funcionar como um sistema de
censura, excluindo de facto, sem sequer impor interdições, vias e modos de
investigação; o efeito restritivo é tanto maior quanto mais desprovidos os
agentes de capital simbólico e de capital cultural específicos (alguns podem
ser levados a excluir como impossíveis ‘isso não é para mim’ escolhas
que podem impor-se naturalmente a outros) ( Bourdieu, 2004b:85-6).
Portanto, para se compreender a relação entre a posição ocupada pelo cientista na
estrutura de distribuição de capital e suas tomadas de posição deve-se lançar mão da noção de
habitus, que permitirá tratar os esquemas de pensamento e ação dos pesquisadores como um
habitus em forma específica (científico). É necessário perceber a importância do domínio da
117
prática no comportamento destes cientistas, haja vista que falar em habitus científico, é falar
em teoria em estado prático, em estado incorporado (BOURDIEU, 2004a:61), e implica trazer
à discussão a relação estrutura-agente de forma que as tomadas de posição sejam derivadas
tanto de um habitus específico (adaptado ou não a posição que o agente ocupa no espaço das
posições) como pelo efeito das estruturas objetivas do campo. É assim que se pode falar em
possibilidades de ação ou tomadas de posição.
A estrutura do campo, definida pela distribuição desigual do capital, ou seja,
das armas ou dos trunfos específicos, faz-se sentir, não por interacção directa,
intervenção ou manipulação sobre todos os agentes, mas regulando as
possibilidades que lhe estão abertas conforme estejam pior ou melhor
situados no campo, ou seja, nesta distribuição (BOURDIEU, 2004b:53).
Estando ou não o agente dotado de um habitus adaptado’ ao campo e a posição em
que se encontra, suas tomadas de posição devem, necessariamente, ser explicadas na relação
entre este habitus e a posição ocupada pelo cientista na estrutura de distribuição de capital
(que implica tomar também o efeito de todas as outras posições ou peso dos agentes existentes
no campo e com isso o capital que estes cientistas acumularam).
Todavia não se deve tomar esta disposição incorporada, este habitus científico como
um destino, ou uma disposição imutável. Ao mesmo tempo é necessário perceber que ele
tende a se reforçar e se reproduzir em situações onde encontre agentes predispostos a apreciá-
lo positivamente. Como diz Bourdieu
Uma postura que poderia ser vista como leviandade superficial (...) pode ser
também vista como um desembaraço prometedor se tiver encontrado, de
alguma maneira, o seu ‘lugar natural’, ou seja, uma região do campo ocupado
por pessoas predispostas, devido à suas posições e habitus, a apreender
positivamente e a apreciar favoravelmente os comportamentos em que esse
habitus se mostra, se revela (em parte, também a si mesmo) e, por isso,
predispostas a reforçá-lo, confirmá-lo e conduzi-lo assim ao pleno
desenvolvimento (...) (BOURDIEU, 2004b:66).
Mas ainda fica algo de vago nessa definição de disposição incorporada, sistemas de
disposição duradouros ou esquemas de pensamento e ação que compõem o conceito de
habitus. Como operacionalizar estas noções de forma que fosse possível, a partir das práticas
de laboratório e teórica, das entrevistas, da visitas ao laboratório e dos contatos informais que
tive com Caio e Beatriz, perceber ali, em sua prática, tais conceitos? Creio que o primeiro
passo é tornar estas noções mais claras, mais definidas ao sociólogo. Assim, cito Lahire que,
118
em Retratos Sociológicos: disposições e variações individuais (2004) discute esta noção de
disposição
116
, diz ele
A ocorrência única, ocasional, de um comportamento não permite, em nenhum caso,
que se fale de disposição para agir, sentir ou pensar dessa ou daquela maneira. A
noção de disposição contém, portanto, a idéia de recorrência, de repetição relativa, de
série ou de classe de acontecimentos, de práticas (...) como uma disposição é o
produto incorporado de uma socialização (explícita ou implícita) passada, ela se
constitui através da duração, isto é, mediante a repetição de experiências
relativamente semelhantes. A incorporação de hábitos ou de disposições (discursivas,
mentais, perceptivas, sensório-motoras, apreciativas...) não se realiza de uma vez.
Não se adquire uma disposição por meio de uma conversão brutal e miraculosa e,
portanto, as disposições não são todas equivalentes do ponto de vista de precocidade,
da duração, da sistematicidade e da intensidade de sua incorporação (Lahire, 2004:27-
8).
Dessa forma, ao construir as tomadas de posição de Beatriz e Caio, não pretendo
realizar um detalhamento exaustivo de todas as disposições destes pesquisadores, e muito
menos construir um habitus científico em sua forma geral. Nesta parte da pesquisa, identifico,
no discurso construído nas entrevistas, nas práticas teóricas e de laboratório e nos contatos
informais que tive com estes pesquisadores, os elementos que permitem falar em um habitus
científico na forma definida por Bourdieu e destaco ainda, suas tomadas de posição e a
forma específica que o habitus científico toma em suas trajetórias.
Habitus na Pesquisa em Genética
O laboratório em que Beatriz pesquisa lhe deu o suporte para realizar suas pesquisas
na graduação, mestrado e doutorado. Beatriz desde sua graduação desenvolve pesquisas na
área de biologia evolutiva, tomando as drosophilas como modelo de estudo para a evolução
morfológica do organismo. Suas pesquisas estão na área de genética clássica, que utiliza os
cruzamentos como ferramenta para analisar a transmissão das características hereditárias. A
genética clássica não realiza análises moleculares no estudo da transmissão destes caracteres,
mas se baseia na observação das características fenotítipicas das proles de drosophila,
resultado de cruzamentos, para, a partir daí, inferir as características genotípicas dos parentais.
Beatriz diz estar desenvolvendo atualmente uma pesquisa sobre a forma das asas da
drosophila, utilizando pela primeira vez, as técnicas de biologia molecular. Todavia, Beatriz
116
A despeito de sua visão de que a socialização, em um contexto cultural complexo, seria heterogênea, o que o
leva a afirmar que podem existir disposições múltiplas e contraditórias (Lahire, 2004:30), divergindo de
Bourdieu que vê no habitus esquemas ou sistemas de disposição, que mesmo não sendo orquestradas, compõem
um todo coerente, Lahire consegue detalhar, refinar a noção de disposição, daí invocar ele aqui.
119
não se dedica somente à manipulação da corporalidade das drosophilas, por meio de
experimentos sobre a evolução morfológica destes insetos, ela também tem investido na
educação em genética, onde publicou dois volumes do livro Genética destinado ao ensino da
genética a distância para professores de biologia do ensino médio, programa mantido pelo
CEDERJ. Desenvolveu em conjunto com um aluno de pós-graduação, em 2003, um software
para o ensino de genética com o nome Redescobrindo a Genética, começou a participar de
eventos apresentando trabalhos na área de educação em genética e, por fim, coordena a nova
linha de pesquisa na pós-graduação na área de educação em genética.
Caio entra para o departamento em 1998, e com a aposentadoria de Ovídio, torna-se o
pesquisador chefe do laboratório de genética molecular de eucariontes em 2004. Desde sua
graduação caio vem trabalhando com microorganismos. Na graduação em biologia marinha
ele estuda as leveduras e as bactérias associadas a um tipo de molusco (chamado
popularmente de berbigão ou papa-fumo, com nome científico de Anomalocardia brasiliana).
Em seu mestrado na área de ecologia, Caio mantém a mesma linha de pesquisa estudando
comunidades de leveduras associadas a bivalves
117
em manguezais. No doutorado ele continua
estudando os bivalves, mas como agora está em um doutorado na área de genética, utiliza a
genética molecular para analisar identificar os genes desses bivalves. Sua tese de doutorado
ainda comporta um outro estudo sobre o Vibrio cholerae El Tor
118
. Ao entrar para o
laboratório de genética molecular de eucariontes a convite de Ovídio
119
, chefe dali até então,
Caio redefine as linhas de pesquisa do laboratório, que a própria denominação deste indica
que ali se pesquisava sobre eucariontes, ou seja, seres formados por células que apresentam
membrana plasmática, citoplasma e núcleo, sendo este (o núcleo) delimitado por uma
membrana denominada carioteca, e estando o material genético organizado nos cromossomos,
dentro do núcleo. Caio realiza estudos de interação entre seres eucariontes e procariontes. Os
seres procariontes são seres que não possuem uma membrana envolvendo os cromossomos e
117
“Bivalves, também chamados de Lamellibranchia ou Pelecypoda, são a segunda maior classe de moluscos
com aproximadamente 15.000 espécies. São um grupo exclusivamente aquático, bilateralmente simétricos,
caracterizados por um corpo comprimido lateralmente com uma concha externa composta por duas valvas.
Algumas espécies, contudo, como as que vivem presas a algum substrato, como as ostras, não são bilateralmente
simétricas e umas poucas possuem uma concha interna”. Exemplos de moluscos bivalves: mexilhão e ostras.
Fonte: <http://www.conchasbrasil.org.br/materias/bivalvia/bivalvia.asp> Acesso em: 05 jul. 2006.
118
O Vibrio cholerae El Tor é um microrganismo em forma de bastão curto ou curvo que pertence ao gênero
Vibrio e é o agente causador da cólera. Distribuído no meio ambiente, principalmente nos reservatórios aquáticos
(mares e rios). A Cólera é uma síndrome causada pela ingestão destas bactérias de Vibrio cholerae, que causam
uma diarréia aquosa que pode ser muito intensa e levar a morte, se não tratada. Fonte: <
http://www.sfdk.com.br/ciencias_cholerae.asp#A > Acesso em 05 jul. 2006.
119
Na parte anterior foi explicado que Soares fez seu doutorado sob a orientação de Andréia, mas ao receber seu
diploma se transfere para o laboratório de Ovídio.
120
separando-os do citoplasma, compreendendo principalmente as bactérias, e algumas algas que
também são consideradas bactérias.
Com a entrada de Caio, que desde sua graduação vem pesquisando então sobre as
interações entre bactérias (seres procariontes), leveduras (seres eucariontes) e bivalves (seres
também eucariontes), inicia-se neste laboratório uma nova linha de pesquisa chefiada por ele.
Com a aposentadoria de Ovídio pela UFRJ em 2004, Caio então assume a chefia do
laboratório, e com a saída de Telles no final deste mesmo ano, ele se torna o único
pesquisador ali.
Para entrar no campo, ou seja, para ser contratado como docente-pesquisador, é
necessário ter determinadas características gerais que dizem respeito a titulação e histórico no
campo acadêmico-científico (cobrado por meio de artigos publicados, pesquisas
desenvolvidas, local onde se formou, etc.) que irão “contar” para que o pesquisador seja
classificado em um concurso público para um departamento de uma Universidade Federal que
busca integrar pesquisa, ensino e extensão. Não se deve esquecer que o histórico no campo
específico do departamento também conta, e ainda mais, no caso deste objeto, que dos
atuais docentes-pesquisadores somente 4 não realizaram nenhuma parte de formação
acadêmica ali (graduação, mestrado, doutorado). Todos os quatro pesquisadores que não
realizaram seus estudos ali são chefes de laboratório. Portanto, Beatriz, que não é chefe de
laboratório, tem as características de 100% dos pesquisadores que não são chefes de
laboratório, no que diz respeito a sua trajetória ou histórico no departamento, ou seja, ela
retorna ao local onde realizou sua formação acadêmico-científica. Tal fato serve para definir
que a reprodução do corpo docente e das linhas de pesquisa do departamento tem se dado de
forma ortodoxa, ou seja, conservadora. Isso indicaria que Beatriz e Caio, assim como todos os
outros pesquisadores dali, utilizar-se-ão de estratégias de sucessão e não de subversão, que
retornaram ao campo onde realizaram, em alguns casos, toda sua formação acadêmica, e em
outros, parte dela? Em alguns casos sim, em outros não. O caso de Fernão é exemplar, e
mesmo com as poucas informações que consegui sobre ele, nota-se, que de certa forma, ele
subverte o princípio de acumulação geral do campo (acumular o capital que circula no
campo), ao passar a acumular capital na área de arqueologia (Fernão é chefe do laboratório de
genética humana que localiza-se na incubadora de laboratórios, isso poderia levar a pensar
que sua estratégia também é ortodoxa, que a chefia de laboratório se mostrou como
princípio de acumulação desigual no campo, entretanto, a incubadora foi uma saída
encontrada justamente para dar o mínimo de condições àqueles pesquisadores que ali
estivessem por algum motivo político, ou seja, que estivessem em desacordo com os chefes
121
do laboratório onde foram alocados quando de sua entrada no departamento
120
). No caso
específico de Beatriz ela apresenta tanto estratégias de sucessão como de subversão.
Ao falar do teste de hipóteses na genética clássica, Beatriz apresenta em sala de aula
na prática teórica o seguinte quadro:
Teste de Hipóteses Verdadeira Falsa
Aceita Ok Erro β ou erro tipo 2
Rejeita Erro α ou erro tipo 1 Ok
Em um momento da entrevista em que conversávamos sobre a transmissão do
conhecimento genético em aula de prática teórica, coloquei a questão do teste de hipótese e
pedi para que ela me esclarecesse este teste, neste momento ela deixa transparecer que toma o
“cientificamente dado” como base para desenvolver suas pesquisas.
aqui você tem o erro tipo 1 é a probabilidade que você tem de estar rejeitando uma
hipótese verdadeira, tá. O dois é a probabilidade de estar aceitando uma hipótese em
questão [falsa], então o que acontece, você pode... Se você diminui a probabilidade de
rejeitar uma verdadeira, você vai automaticamente aumentado à probabilidade de
estar aceitando uma falsa. Então eles estão relacionados. Eu não sei porque... é uma
coisa estatística, não tem como aprofundar, mas ficou convencionado que seria um
bom nível pra esse erro do tipo um, alfa, esse índice de 5% (...) Em geral a gente não
trabalha com esse tipo de erro [erro tipo 2]. A gente trabalha com o erro do tipo 1.
Você tem estatísticas aprofundadas que trabalham com esse tipo de erro [tipo 2], Mas
em biologia, a gente trabalha com o erro do tipo 1. E você pode definir a sua
probabilidade de rejeitar, ou de definir no nível que você quiser, isso é uma
convenção, se eu quiser ser mais rigorosa eu posso definir que o meu alfa vai ser de
10% no meu experimento. Se eu tiver um interesse de ser mais rigorosa eu posso
aumentar esse índice, mas o que a gente faz é seguir a convenção, o que todo
mundo usando (...) (Beatriz, e3).
Porque digo que ela realiza suas pesquisas tomando o “cientificamente dado” como
base e apresento um quadro que ela usou em uma aula de prática teórica? Ora, Bourdieu
define como característica do habitus científico “a aquisição de estruturas teóricas
extremamente complexas” (BOURDIEU, 2004b:61). Assim, ao utilizar a referência à prática
teórica, quero ressaltar esta característica do habitus científico, qual seja, a que Beatriz nos
seus experimentos colocará em movimento, em uso, tais concepções teóricas. Mas não são
quaisquer concepções teóricas, são aquelas que concorrem para definir sua disciplina
científica e a ciência de uma forma geral. Como foi dito, Beatriz pesquisa na área de genética
clássica, esta ciência utiliza a estatística e a teoria da probabilidade para prever a incidência
dos casos estudados. De seus 12 artigos publicados em periódicos, 6 incluem a genética
120
Ver na parte anterior sobre a construção da estrutura a posição que os pesquisadores da incubadora se
encontram no espaço das posições do departamento.
122
quantitativa como ferramenta de análise. Beatriz publicou 6 artigos como autora, destes, 4
utilizam a genética quantitativa (com cálculos de probabilidades).
Durante as aulas de prática teórica Beatriz passa cálculos de probabilidades, trabalha
com freqüências, fórmulas para identificar correlações, etc. Cabe lembrar que os alunos estão
entrando cada vez mais cedo nos laboratórios, por volta do terceiro período, como diz Beatriz,
Olha, em geral, embora tenha exceções né, aqui no meu laboratório tem exceção né...
em geral, eles entram no terceiro, quarto período. Anteriormente, eles estão entravam
um pouquinho mais tarde (...) Mas tem tido uma procura cada vez mais cedo dos
alunos por esses laboratórios. Aqui mesmo tem aluna que [está] no primeiro período
que já estagiando (Beatriz, e4).
Nas práticas teóricas do módulo biologia molecular, pode-se perceber a diferença entre
esta e a genética clássica. Caio não apresenta modelos estatísticos ou matemáticos para
transmitir o conhecimento molecular sobre o corpo. Ele apresenta inúmeros desenhos que
representam processos celulares: transcrição, tradução, replicação, desenhos de ligações
químicas, etc. Ele sequer fala em estatística ou probabilidade. Ao discutir o habitus científico
Bourdieu se apóia em Pierre Lazlo para dizer que
o laboratório de química é um lugar de trabalho manual onde se fazem
manipulações, onde se utilizam sistemas de esquemas práticos transponíveis
para situações homólogas e que se aprendem progressivamente segundo
procedimentos laboratoriais. De forma geral, a competência do cientista é, em
grande parte, composta por uma série de rotinas, a maioria delas manuais
como a transformação em solução, a extracção, a filtragem, a evaporação,
etc. – que exigem destreza e envolvem instrumentos delicados (BOURDIEU,
2004b:60).
Vê-se que Caio não faz uso da matemática da forma como Beatriz. A genética clássica
oferece o exemplo perfeito de ciência que realiza uma dessubstanciação, ou seja, que deixa a
lógica dos símbolos enfraquecer a visão da matéria em termos substanciais, que a concebe
por meio de fórmulas matemáticas, de aspectos relacionais (BOURDIEU, 2004b:72). Mas tal
afirmação deve ser usada com cuidado para a biologia molecular, que esta busca localizar a
matéria, fazer aparecer o gene, torná-lo concreto, visível, daí as metáforas que Caio utiliza na
prática teórica: “vamos dar um zoom no gen “x” e ver a cara dele”, “[...] ainda mais em
genética molecular, tem muita coisa espacial”. Contudo, isso não quer dizer que a matemática
não esteja presente na biologia molecular, mas que os esquemas visuais que representam
processos moleculares, receberam maior atenção na transmissão do conhecimento no módulo
123
biologia molecular, indicando a existência uma visão mecanicista de corpo (desenvolvo este
ponto no capítulo seguinte).
Ao realizar os cruzamentos no laboratório, Beatriz não a manipulação da matéria
por meio destes cruzamentos, da forma como a biologia molecular a realiza. Em alguns
momentos chega mesmo a dizer que a genética busca somente o entendimento dos
mecanismos de transmissão hereditários “A gente está interessado em conhecer os
mecanismos, como é que isso acontece (...) (Beatriz, e3). Mas logo em seguida quando fala
sobre as semelhanças entre a genética clássica e a genética molecular, aponta a manipulação
também como possibilidade da genética clássica.
Então não é diferente da clássica [a biologia molecular], porque se você trabalha com
as ferramentas como eu disse, que é os cruzamentos, mas você entendendo um
pouco dos cruzamentos, você usa os cruzamentos pra conseguir, por exemplo, uma
espécie de cachorro desse tamanho e outra desse. Ou qualquer outra coisa (...)
(Beatriz, e3).
Talvez Beatriz tenha dificuldade em denominar de manipulação, as manipulações que
a genética clássica realiza pelo fato de que na genética clássica os genes são entendidos a
partir de uma teoria que os explique, portanto, de forma abstrata. Diferente da genética
molecular que busca a materialidade deles, sua existência como matéria com peso, e
localização espacial. Diz Beatriz
a genética clássica ela trabalha com cruzamento, ela faz as análises... inclusive ela é
muito mais difícil dos alunos entenderem porque ela é abstrata! Isso aqui a gente não
vê, a gente o que? A gente o individuo com determinado fenótipo, e ai você
conclui que se ele tem aquele fenótipo, o genótipo dele que esta no cromossomo,
que esta lá, o alelo que está seria esse [nesse momento ela faz um desenho em
uma folha] (...) Porque o que vocêé a pessoa ou o cachorrinho, ou a drosóphila
(...) (Beatriz, e3).
Vê-se que a forma como a genética clássica manipula a matéria é através dos
cruzamentos, onde utiliza como controle destes experimentos (dos cruzamentos) a estatística e
a teoria da probabilidade. Tanto Beatriz como Caio passam nas práticas teóricas aquilo que
Bourdieu considera serem os requisitos de admissão ao campo: uma competência como
recurso teórico-experimental na forma de sentido do jogo, de domínio prático, de golpe de
vista na transposição destes esquemas teóricos complexos para a prática (BOURDIEU,
2004b:74-9). Não se esquecendo que essa competência, como recurso teórico-experimental,
implica a aquisição da matemática, no caso da genética clássica, e da química ou bioquímica,
no caso da biologia molecular. Assim, os alunos que venham a postular a entrada no campo,
124
devem saber lidar com as formalizações matemáticas, no caso da genética clássica, e com a
forma concreta de conceber a matéria, no caso da biologia molecular, ou seja, com peso,
localização espacial, estrutura física, etc.
Todavia, como diz Caio, na prática “você tem que pegar a mão... a gente fala pegar a
mão daquela metodologia, né? Você pega habilidade de fazer aquilo num grau mais refinado.
Isso a prática dá, entendeu?” (Caio, e5). Como os alunos estão entrando mais cedo nos
laboratórios, estão tendo o contato com a prática de forma quase concomitante com a teoria.
Beatriz destaca que os estagiários, bolsistas e monitores, estão envolvidos com pesquisas e
que muitas vezes começam a lidar com a prática antes mesmo de entendê-la. Beatriz diz que
os alunos
até passam pra parte prática sem entender muito bem o porquê de estarem fazendo
aquilo. Mas esse aluno, além dele aprender a técnica, ele vai aprender porque que
ele está fazendo aquela técnica, qual o problema que está sendo abordado, vai
estudando, vai lendo artigo sobre aquilo, começa a se especializar em alguma coisa
(Beatriz, e4).
Mas Beatriz e Caio têm um habitus adaptado ao campo e à posição em que se
encontram na estrutura de distribuição de capital?
De certa forma sim. Beatriz realiza sua graduação, mestrado e doutorado como
bolsista no mesmo laboratório onde hoje é pesquisadora. Ela é orientada, nestes três níveis,
pelo mesmo docente-pesquisador, e ainda, suas pesquisas desde a graduação são na área de
biologia evolutiva. Beatriz leciona a disciplina genética básica (módulo genética clássica) e
não evolução. No entanto, desde seu primeiro contato com a docência na USP, quando era
doutoranda, ela tem ministrado genética básica, o que possivelmente contribui para que ela
tenha o sentido do jogo, o que neste caso toma a forma de antecipação ou de uma facilidade
em identificar “problemas” tanto no aprendizado, por parte dos alunos, como na transmissão,
por sua parte.
Beatriz está vinculada ao laboratório de genética de populações de drosophila que,
como se pôde ver, localiza-se, em termos de acumulação de capital, abaixo dos laboratórios
de: virologia molecular, genética molecular vegetal, biodiversidade molecular e malformações
congênitas. Abaixo do laboratório de Beatriz se encontram os laboratórios de genética
molecular bacteriana e o laboratório de genética molecular de eucariontes, além, é claro, dos
laboratórios que compõem a incubadora que, no entanto, como foi demonstrado é o resultado
de desacordos entre os pesquisadores, e não do desenvolvimento de pesquisas em áreas ou
linhas diferentes daquelas já existentes nos outros laboratórios.
125
Nos últimos anos Beatriz diz que não conseguiu muita verba para seus projetos na área
de evolução. Se se levar em consideração que o único laboratório do departamento que tem a
genética clássica como método prioritário
121
de análise da transmissão dos caracteres
biológicos hereditários é o laboratório onde Beatriz pesquisa, e, como foi apontado, que as
pesquisas em biologia molecular começam a ser realizadas ali a partir do ano 2000, com o
pesquisador-chefe Armando, pode-se pensar em uma estratégia possível para ela. Armando
recebe em 1998 uma bolsa da fundação Pew Charitable Foundation, que além de financiar
seus estudos de pós-graduação na Pennsylvania State University EUA, lhe garante mais
trinta mil dólares para equipar seu laboratório. É a partir desta pós-graduação que Armando
começa a utilizar a genética molecular no estudo das drosophilas. Em 2001 Armando volta a
conseguir um novo financiamento de noventa e seis mil dólares
122
pelo National Institutes of
Health EUA, onde consegue adquirir mais equipamentos para seu laboratório. Dos artigos
que Armando publicou em periódicos, 60 % são escritos entre 1999 e 2006, portanto, entre
um período de sete a oito anos. Os outros 40% são escritos entre nove e dez anos (1989 e
1998). Percebe-se, assim, que sua produção aumentou a partir do período em que realizou sua
pós-graduação. Todavia, Beatriz desde sua entrada no laboratório não publica nenhum artigo
e nem participa de nenhuma linha de pesquisa com Armando. Como a chefia do laboratório se
mostrou como princípio de acumulação desigual no campo, explica-se a ascensão de
Armando no que diz respeito a acumulação de capital. Ao mesmo tempo o fato de Beatriz não
utilizar o instrumental molecular para analisar as drosophilas, diminui suas possibilidades de
acumular o capital específico vinculado à pesquisa em biologia molecular, aumentando a
distância entre ela e Armando dentro do laboratório. Mas, como ela mesmo diz: “minha
pesquisa não é tão cara, eu vou conseguindo avançar com ela, que tem vários alunos
interessados e isso também movimenta a sua pesquisa (Beatriz, e4). Assim, ela consegue se
manter em um nível competitivo com os outros pesquisadores do departamento, mas no
que diz respeito ao número de artigos e orientandos que conseguiu até o momento. Os valores
dos financiamentos de Beatriz são maiores que os dos pesquisadores da incubadora e
também de Telles, que não teve financiamentos. Dessa forma, como Armando, ela passa a se
orientar também pelos lucros
123
advindos da pesquisa em biologia molecular. Na segunda
entrevista que realizei com Beatriz ela diz estar começando uma pesquisa em que utiliza a
biologia molecular.
121
Outros três laboratórios, segundo Caio, também utilizam conceitos da genética clássica para conceber o
objeto, mas a prova experimental será dada pela biologia molecular.
122
Liberados a partir de 2002 em três parcelas anuais de trinta e dois mil dólares.
123
Como disse anteriormente, de acordo com Bourdieu, os lucros não são somente econômicos.
126
Olha só, agora eu tenho interesse, como eu disse, em evolução morfológica... porque
que tem essas modificações nos organismos, na sua forma? Por que no chimpanzé é
assim e na gente não? Que genes controlam isso? Agora que tem esse Projeto Genoma
a gente vê, que em termos de seqüência de DNA, o genoma é muito semelhante (...)
eu não trabalho com chimpanzé nem com humano, nem nada disso (...) Então o que eu
estou estudando agora é justamente... tentando identificar algum gene que modifica a
forma das asas nas “drosophilas” (Beatriz, e4).
Assim, Percebe-se que ela continua estudando a evolução, mas agora utilizando
também a biologia molecular. Importa perceber que sua estratégia se a partir do momento
em que Armando aparelha o laboratório e ainda assim ela vem de forma tardia, que
Armando começa equipar o laboratório logo após sua volta do pós-doutorado em 2000. Ao
mesmo tempo, a estratégia de Beatriz de investir na pesquisa em biologia molecular deriva
também do fato de todos os outros pesquisadores do campo (departamento) utilizarem a
biologia molecular como instrumento de análise, e dos financiamentos, como ela diz, estarem
difíceis de conseguir. Beatriz pode passar a cooperar com Armando daqui para frente? Eu
prefiro colocar a questão de que mesmo não cooperando com Armando ela vai colher os
lucros da análise em biologia molecular, que era a única pesquisadora do departamento que
usava somente a genética clássica em suas pesquisas. Esclareço que Beatriz não abandona a
genética clássica, mas passa a utilizar a biologia molecular em suas análises de drosophilas.
Dessa forma, ela aumenta suas possibilidades de acumular capital, que mantém suas
pesquisas em genética clássica e inclui a biologia molecular aí. Assim, ela agora tem um leque
maior de revistas em que pode publicar artigos, maior possibilidade de conseguir verba,
possibilidade de continuar recrutando alunos que queiram pesquisar em genética clássica, e
passar a recrutar aqueles que se interessam pela genética molecular, além de poder, agora, ter
acesso à aparelhagem utilizada nas análises moleculares em genética.
Anteriormente havia dito que de certa forma os dois apresentam habitus adaptados ao
campo, mas porque de certa forma? Porque Beatriz terá que desenvolver uma competência na
pesquisa em biologia molecular que é diferente da competência em genética clássica, que lida
com cruzamentos, com a matemática e com a estatística. Beatriz tem as disposições mais
gerais do ofício de cientista, ela lida com modelos, desenvolve uma hexis no tratamento das
drosophilas, porque tem que manipular estruturas minúsculas, por meio de microscópios,
pipetas e pinças, ela desenvolve um olhar clínico para reconhecer as diferenças morfológicas
das minúsculas asas destas drosophilas, ela apresenta um “golpe de vista” (BOURDIEU,
2004b:61) ao identificar estas diferenças anatômicas prescritas pela teoria, enfim, ela tem
todas as características mais gerais do ofício científico. Todavia, ao passar a utilizar em suas
pesquisas a biologia ou genética molecular, ela terá que desenvolver uma competência
127
vinculada à manipulação da matéria em escala molecular, ou seja, ela terá que acessar a
matéria, Beatriz terá que aprender as técnicas de manipulação da matéria utilizadas na análise
de material molecular. Não é simplesmente operar a aparelhagem, ou interpretar as
informações produzidas por estes aparelhos, ela terá que desenvolver o mesmo “golpe de
vista”, o mesmo olhar clínico para saber transpor a teoria da biologia molecular para a prática
da biologia molecular, para seus experimentos e análises.
Caio faz seu ensino médio em química
124
, na graduação trabalha com
microorganismos, no mestrado continua nesta área e no doutorado amplia esta análise para os
aspectos moleculares. Como Beatriz ele realiza toda sua graduação, mestrado e doutorado no
departamento de genética, onde retorna em 1998 como professor assistente, para ascender a
professor adjunto logo que recebe seu título de doutor em 2000. A disciplina genética básica,
que Caio começa a lecionar em 2000, permite que ele reforce as estruturas teóricas que
havia adquirido ao longo de sua trajetória? Sim. que o módulo que ele leciona (biologia
molecular) fundamenta-se, em grande parte, em análises bioquímicas da matéria orgânica e a
maioria dos exemplos que ele usa na prática teórica são de estudos sobre bactérias, área que
ele vem pesquisando desde a graduação. Além disso, como foi dito anteriormente, ele busca
sempre ensinar a biologia molecular “pensando nos alunos de biologia que não vão fazer
genética também pra mostrar a importância da genética como ferramenta” (Caio, e2),
podendo, neste caso, fazer uso de seu conhecimento em biologia marinha e ecologia.
Caio realiza seu doutorado tendo como orientadora a docente-pesquisadora Andréia.
Logo após receber seu título de doutorado ele se transfere para o laboratório de Ovídio.
Quando eu terminei o doutorado nesse outro laboratório [laboratório de Andréia] eu me
desvinculei dele e vim pra esse laboratório [de Ovídio] que tinha um outro professor.
Então vim pra como professor pra juntar meus esforços junto com esse outro
professor que era responsável pelo laboratório. Ele se aposentou e eu sozinho
agora aqui, com meu grupo (Caio, e2).
O laboratório de genética molecular de eucariontes, na estrutura de distribuição de
capital, encontra-se acima somente dos laboratórios da incubadora. Ovídio recebe o “espaço”
onde construiu seu laboratório no início da década 80, estando sozinho ali até a entrada de
Telles em 1998. No quadro Estrutura de Distribuição de Capital Científico no Departamento
de genética-I percebe-se que Ovídio se destaca dos que não são chefes de laboratório (abaixo
da linha) pelas aulas ministradas na pós-graduação e pelo número de orientandos e de
bolsistas na pós. No entanto, dado seu ano de entrada no departamento, ele apresenta valores
124
Ele é o único professor que coloca em seu currículo Lattes sua formação no ensino médio.
128
inferiores que a maioria dos chefes de laboratório. Caio, terá um decréscimo em sua
acumulação de capital a partir da baixa acumulação de capital do laboratório onde pesquisa. É
assim que, entre 1998 e 2003 ele não publica nenhum artigo. Mas porque 1998 e não 2000,
que é o ano em que ele se transfere para o laboratório de Ovídio? Porque Andréia também
apresenta uma acumulação de capital inferior à maioria dos chefes de laboratório. Caio,
portanto, pesquisa nos dois laboratórios que apresentam o menor grau de acumulação dentre
os laboratórios do departamento (excluídos os laboratórios da incubadora). Daí ele ser, dentre
os chefes, aquele que tem as menores médias em relação a orientandos, orientandos com bolsa
e artigos publicados.
Contudo, Caio recebe a chefia do laboratório somente em 2004. Entre 2005 e 2006 ele
publica 6 artigos. Isso corresponde a 67% do total de sua publicação em periódicos. Os outros
33% foram resultados de suas pesquisas de mestrado e foram publicados respectivamente em
1993, 1995 e 1997. Dos 6 artigos publicados entre 2005 e 2006, dois são com pesquisadores
da University of Michigan onde realizou um doutorado em doutorado sanduíche e com sua
orientadora de doutorado Andréia, três são em colaboração com pesquisadores do Center for
Disease Control onde realizou sua pós-graduação entre 2003 e 2004, e um artigo é com seus
orientandos e com Ovídio. Fica definida assim a importância das colaborações internacionais
na produção de Caio, que após se tornar chefe de laboratório pôde fazer valer o poder de
utilizar os orientandos, o técnico, e a aparelhagem de seu laboratório em prol de suas
pesquisas, que destes seis artigos escritos entre 2005 e 2006, ele é primeiro autor em 4.
Cabe ressaltar que a colaboração entre Caio e Ovídio se resume a 1 artigo publicado em 2006.
Como disse, Caio permite uma redefinição das linhas de pesquisa do laboratório,
que o laboratório de Ovídio pesquisava na área de eucariontes e Caio pesquisa na área de
interação entre eucariontes e procariontes. Não se deve reduzir, no entanto, o papel de Ovídio
na produção de Caio, que ele o aceitou em seu laboratório mesmo tendo conhecimento que
Caio pesquisava em uma área diferente da sua. Caio a indicativa do motivo de sua
mudança no trecho: “Eu acho que profissionalmente seria melhor eu sair de lá... seguir uma
linha mais específica minha de interação” (Caio, e5).
No laboratório de Andréia, Caio tinha a possibilidade de pesquisar as bactérias e a
interação destas com invertebrados marinhos
125
, ou seja, ele continuaria na linha de pesquisa
de interação entre eucariontes e procariontes, mas não pesquisaria leveduras. No laboratório
onde Ovídio é chefe, ele tem a possibilidade de pesquisar leveduras, mas Ovídio não trabalha
com bactérias e nem com interação, ele faz pesquisa básica em biologia molecular na área de
125
O molusco que Caio pesquisa é um invertebrado marinho.
129
drosophilas e leveduras, ele estuda a evolução e estrutura de genes. Porque Caio se transfere
então para o laboratório de Ovídio, logo após defender sua tese de doutorado? Seria lógico
Caio continuar no laboratório de Andréia, que como o próprio nome diz, genética molecular
bacteriana, teria mais a ver com as pesquisas que ele desenvolve, que também estão na área de
bactérias e interação?
Quando Caio diz “eu acho que profissionalmente seria melhor eu sair de lá”, ele se
refere não à pesquisa, mas ao fato de que no laboratório de Ovídio ele tinha a indicação do
mesmo, que se tornaria o novo chefe dali. Assim, a transferência de Caio para o laboratório de
genética molecular de eucariontes deve ser analisada de acordo com o princípio de
acumulação desigual de capital: a chefia de laboratório. Tendo os cientistas o sentido prático
do jogo, a illusio, suas estratégias se orientarão para que possam maximizar a acumulação de
capital, e mesmo sem verbalizar que a chefia de laboratório toma a forma de princípio
desigual de acumulação, Caio, tendo consciência de que se tornaria chefe do laboratório
quando Ovídio se aposentasse, escolhe se transferir de um laboratório que trabalha
especificamente na sua área de pesquisa, para um outro, que trabalha somente uma parte de
sua área de pesquisa (as leveduras). Mas Caio não precisa esperar Ovídio se aposentar para
continuar suas pesquisas na área de interação, ele inicia três linhas de pesquisa entre julho de
2001 e julho de 2002, todas na área de interação entre bactérias e moluscos. Isso reforçaria a
idéia de que Ovídio não faz um simples convite a Caio para conjugar esforços no laboratório,
mas o convida para ser o “herdeiro” do laboratório que construiu no começo da década de 80.
Porque digo que não foi um simples convite para conjugar esforços em pesquisa, como Caio
diz? Porque eles têm somente um artigo escrito em colaboração e não é na área de leveduras,
mas sim na área de bactérias. Entre as linhas de pesquisa que Ovídio coordena nenhuma delas
trabalha com bactérias, e ele não tem nenhum artigo escrito sobre bactérias salvo o publicado
com Caio e seus orientandos. Com a referência a “herdeiro” quero ressaltar que a transmissão
da chefia de laboratório é personalista, o chefe escolhe seu sucessor, não dependendo nesta
escolha, do aval dos outros pesquisadores do departamento.
Retomo rapidamente, a título de conclusão desta parte, outro elemento de vital
importância na definição de um habitus adaptado ao campo. Beatriz retorna para o
departamento onde realizou seus estudos acadêmicos de graduação, mestrado e doutorado. Ela
realiza toda sua formação acadêmica, desde sua graduação, passando por um
aperfeiçoamento, indo para o mestrado, até receber o título de doutora em 1998, no
laboratório de genética de populações de drosophila. Em todas estas etapas de sua formação
ela foi bolsista. Caio, realiza toda sua formação acadêmica no Instituto de Biologia, mas passa
130
por três departamentos: de Biologia Marinha (graduação), Ecologia (mestrado) e Genética
(doutorado). Após terminar seu mestrado em 1994, começa a cursar o doutorado, que concluí
em 2000. Em 1995, ele é aprovado em concurso e se torna professor substituto no
departamento de genética por 1 ano. Em 1998 passa em concurso também no departamento de
genética e assume como professor assistente, para ascender a adjunto logo após receber seu
título de doutor. Esse histórico, demasiado resumido, serve para lembrar que Beatriz tem toda
sua trajetória ligada ao departamento de genética e ao laboratório de populações de
drosophila, e que Caio, também realiza sua formação acadêmica (graduação, mestrado e
doutorado) no Instituto de Biologia. Assim, eles estão em um ambiente propicio para reforçar
o habitus que adquiriram (BOURDIEU, 2004b:66), pois são reconhecidos, legitimados,
consagrados pelos pesquisadores do departamento, já que entraram ali na condição de alunos,
e hoje são docentes-pesquisadores.
Disposição para o Ensino
Anteriormente havia dito que Beatriz apresenta tanto estratégias de sucessão como de
subversão. Creio que a estratégia de sucessão fica clara quando falo de seu vínculo com o
laboratório de genética e quando trato de seu interesse na pesquisa em biologia molecular. A
partir daqui mostrarei como Beatriz investe na área de ensino-aprendizagem e leva a uma
redefinição da disciplina genética básica e ao reconhecimento de mais uma linha de pesquisa
na pós-graduação.
Ao entrar para o departamento, em 1997, Beatriz não tem o poder ou capital
necessário para decidir que disciplina irá lecionar, ficando, desta forma, sujeita às
deliberações dos outros pesquisadores do departamento (consenso). Assim, ela diz:
Na verdade quando a gente entra tem uma... onde está precisando mais é assim que a
gente fica, onde estão precisando mais você fica. Você não tem assim muita escolha.
Então tanto na USP como aqui, acabou que falaram assim: olha é dessa área que a
gente está precisando.que minha área de pesquisa é na área de evolução, então no
inicio, se eu fosse escolher eu ia escolher da evolução, na minha área, mas acabei
caindo na genética, tanto na USP (...) E aqui também, quando eu vim pra
designaram que eu deveria dar genética básica. E daí eu comecei, nem pra biologia,
mas foi pra enfermagem, psicologia e fisioterapia (Beatriz, e3).
Como docente-pesquisadora novata no departamento ela sofre a ação do campo (por
intermédio de seus pesquisadores claro). Seu peso, o capital que ela havia acumulado na
USP acaba contribuindo, de certa forma, para que ela não comece do zero, que na USP
131
também lecionou a disciplina genética básica. O capital acumulado na forma de experiência
em prática teórica, lhe permite continuar a desenvolver o trabalho de acumulação e ao mesmo
tempo de interiorização do sentido do jogo, da illusio, mas não da illusio requerida em um
laboratório, onde é necessário transformar em sentido prático, em “golpe de vista”, as
estruturas complexas do saber teórico (BOURDIEU, 2004b:61), mas aquele sentido do jogo
(illusio) que antecipa os problemas a serem tratados, os pontos a serem desenvolvidos, tanto
dos alunos, como de sua parte. De acordo com Beatriz,
Eu sempre fui muito tímida, então quando eu entrei como professora substituta, que
foi em 92, 93 [na USP], me falaram assim: “Você tem que dar um curso de
genética pra enfermagem” que o curso tava atrasado, porque custaram a fazer
concurso. Então, vai pro auditório, e tem aluno. E eu não tinha experiência
nenhuma e eu entrei naquele auditório e tinha um monte de gente, e eu tive que dar
aula. E eu não devia ter didática nenhuma, eu tava naquela de guardando, decorando,
eu estava mais preocupada com o que eu sabia do que o que eu estava passando para
eles. Então toda vez que eu tinha que dar aula eu não dormia, mas foi dando certo
porque eu fui tendo mais experiência. E foi muito boa a época que eu passei na
USP. Porque eles valorizam muito à parte do ensino, das aulas, muito mais que a
gente aqui. Então eu aprendi muito também. E eu comecei realmente a melhorar
a aula, depois que eu me acalmei. E aí uma das coisas que a gente descobre é o quanto
os alunos realmente sabem, então a gente para de querer dar aula de cima. E
procura ver qual é a estrutura fundamental que o aluno precisa ter para que ele
entenda o fundamento daquela disciplina de forma que a partir dali ele possa pegar
qualquer livro mais avançado e entender o que está escrito ali. Um dos problemas que
foram verificados é que os alunos não tinham esse entendimento do que é
fundamental. Então, você fica todo tempo falando de divisão celular, de uma coisa
que aparentemente é bastante simples, mas se você soubesse a dificuldade de fazer
com que os alunos entendam... ai eles decoram as coisas, a coisa fica decorada. Como
descobrir? Na hora que o aluno deu aquela resposta certa você não sabe se ele
decorou ou se ele entendeu realmente, porque às vezes ele não entendeu, ele decorou
e ai quando você faz uma pergunta um pouco diferente você percebe que não está
claro esse entendimento. Então as minhas aulas agora são trabalhadas em cima desse
conceito que eu considero importante e fundamental. Então sempre que eu dando
uma coisa mais difícil, eu procuro sempre mostrar como, aonde está aquele conceito
básico ali (Beatriz, e3).
Nota-se que Beatriz passa de uma dificuldade sua em ministrar aulas de prática
teórica, para as dificuldades que os alunos m em entender a disciplina. Ela “capta” as
deficiências”, os “problemas” que os alunos apresentam em relação ao entendimento da
disciplina genética básica, quando se “acalma”.
com a experiência também você começa a ter uma facilidade maior naquela
disciplina. Porque você começa a conhecer onde estão realmente os problemas. Os
problemas dos alunos, aonde o aluno tem dificuldade que você tem que cutucar, isso
vem com o tempo (...) Eu conheço muito... assim... onde estão os problemas
maiores que os alunos têm, as maiores dificuldades. Então têm varias coisas, aquelas
atividades que a gente faz, né. Então nos vamos montar tudo né, vamos montar o
núcleo interfase com barbantinho, vamos fazer a meiose com a massinha, vamos
mexer nisso, fazer aquilo. Então são atividades que são feitas pra ir ao ponto onde
eu sei que os alunos têm dificuldade, que às vezes a gente está falando ali e parece
132
que eles estão entendendo, mas quando você vai olhar o resultado de uma prova você
vê que não entenderam nada (Beatriz, e3).
Beatriz vai demonstrando como ela se adaptou ao ensino no Instituto de Biologia da
UFRJ, como ela conseguiu desenvolver uma disposição para o ensino que vem desde sua
primeira experiência na USP,
Na USP o tipo de aula é dada assim: você o texto e os alunos lêem os textos e a
gente discutia na aula. Então eu trabalhei um tempo com esse tipo de metodologia,
agora aqui eu não faço isso. Porque o que eu acabo vendo é que muitos alunos não
lêem, e a gente vai com uma aula preparada, que é uma aula diferente pra uma
turma que leu, daquela que não leu.você percebe quem leu, quem não leu. E eu
desisti desse tipo de trabalho. No curso do básico. Quando a gente está num curso
mais avançado, no bacharelado ou na pós-graduação, a gente trabalha muito com
isso. Tem a leitura e a discussão. Mas os alunos têm outra maturidade. No
terceiro período eu desisti. Acho que assim a gente aproveita mais (Beatriz, e3).
Ela acumula um capital no ensino da genética básica a ponto de começar a identificar,
segundo os trechos acima, os pontos em que os alunos têm mais dificuldade em entender a
disciplina. Suas aulas de prática teórica também comportam exercícios práticos, não se trata
de resolução de exercícios estatísticos, mas de trabalhos empíricos com barbantes, massas,
recortes, onde os alunos modelam os vários tipos de cromossomos, representam as fases da
meiose e mitose, enfim, interagem exercícios teóricos com exercícios práticos, e não soaria
estranho dizer que Beatriz realiza uma tentativa de introduzir esquemas teóricos na prática.
Para demonstrar como Beatriz vem desenvolvendo técnicas de didática ao longo de
sua trajetória como docente-pesquisadora, transcrevo abaixo trechos um pouco longos, mas
que conseguem dar uma dimensão de como Caio e Beatriz organizam a transmissão do
conhecimento genético. O primeiro trecho é de Beatriz.
O que eu procuro fazer é variar bem a dinâmica da aula, né. tem uns... é muito
fácil, né, tem aluno que senta ali na frente, discute, conversa entre eles ou até comigo
às vezes. A gente logo que esse aluno está interessado. O que não está interessado
em nada também é fácil de ver, porque às vezes ele não aparece, às vezes ele dorme.
você também percebe facilmente. E têm os outros, que dependendo se você muda
a atividade, se você bota uma atividade onde ele é mais ativo, você consegue
perceber, e é isso que eu fazendo né, você consegue perceber aqueles que estão
mais interessados ou não. Então quando eu estou dando aula, no geral eu falo um
pouco, depois eu paro um pouco e faço uma atividade que estimula a prática (...). De
vez em quando eu parava e dava alguma coisa para eles fazerem, então eles fazem
em grupo e eu circulo pela sala de aula e vou vendo aqueles que estão realmente
discutindo e outros não né. Porque ficam alguns mexendo, tentando resolver e tem
aquele que sentado de lado, esperando. Então com isso a gente quem está
interessado e quem não está. Mas também tem aqueles que estão interessados, entre
esses interessados alguns tem a facilidade e outros estão com dificuldade. Aqueles
que têm facilidade em geral não precisa muito da gente, a gente orienta um pouco e
eles vão embora. O papel do professor é trazer aqueles que estão interessados, mas
133
tem dificuldade e às vezes perdem o interesse porque tem tanta dificuldade e acaba
perdendo o interesse. Então é descobrir quem são esses e dar aquele empurrãozinho
que está faltando, porque às vezes é realmente uma bobagem... uma coisinha que tá na
cabeça dele né, na rede conceitual dele que está incorreto e se você organiza aquilo,
mostra o caminho certo, as coisas passam a fazer sentido e ele passa a entender e
avança... e vai sozinho, né? Então eu acho que o ponto importante é esse. Então
essas atividades, que de vez em quando eu paro a aula pra fazer, é justamente pra
tentar... de uma turma que você vê que é enorme, 50, quase entre 50 e 60 alunos que a
gente tem a cada semestre, né, O que é muito difícil. Se a gente tivesse uma turma de
10, 15 alunos era mais fácil. Mas naquela turma enorme como que a gente consegue
fazer uma coisa mais individual? Então a maior dificuldade realmente é essa. (...) E
tem uns que não querem mesmo, não estão interessados, aí a gente .... Têm outros que
são tão bons, que vão lá, que conversam, que contribuem e puxam a aula né, e coisas
nesse sentido Mas meu papel é pequeno em relação a esses né (Beatriz, e4).
Eu acho o visual fundamental. Não estou falando de ir ao quadro e tudo mais. O
visual é fundamental, o oral também. Agora, o oral eu destaco é que você tem que
saber passar pro aluno o estímulo quando você falando com ele. Eu acho que eu
tenho uma facilidade porque eu tenho uma personalidade assim, bem jovem e tal,
entendeu? Então eu falo assim, na linguagem deles, e eu realmente gosto daquilo. Eu
sei que eu falo com muito ânimo e tal, muita energia. E aquilo mantém o cara
acordado, sabe, em ali prestando atenção. Você pode ter sei lá, um oral que você
fala naquele ritmo, assim, desanimado, num ritmo que sono, você não pode né.
Tem que ter aquela coisa cheia de energia, tipo manter um palco, você manter a turma
ali acesa e tudo mais. eventualmente você coloca uma questão de curiosidade, de
aplicação daquilo pra outras áreas de biologia e aquilo mantém a turma sintonizada
(Caio, e2).
Percebe-se que Beatriz demonstra um discurso mais elaborado que Caio para explicar
sua didática em sala. Caio fica preso à sua postura diante dos alunos(as) enquanto Beatriz
identifica posturas diferentes neles. Enquanto no discurso de Caio aparecem elementos que o
identificam com os alunos(as): “tenho uma personalidade assim, bem jovem”, “então eu falo
assim, na linguagem deles”. corroborando com a análise de Bourdieu em As Categorias do
Juízo Professoral (2005), onde este diz: “Tudo se passa como se, no interior desse universo
de qualidades hierarquizadas que o corpo professoral reconhece como suas reconhecendo-as
nos melhores dos seus, cada agente se encontrasse objetivamente situado pela qualidade de
suas virtudes” (BOURDIEU, 2005:206). No discurso de Beatriz aparecem elementos que
buscam identificar no comportamento dos discentes, diferenças, marcadores, distinções, para,
a partir daí, focar sua atenção no que ela considera ser a função do professor: “O papel do
professor é trazer aqueles que estão interessados, mas tem dificuldade e às vezes perdem o
interesse porque tem tanta dificuldade e acaba perdendo o interesse. Então é descobrir quem
são esses e dar aquele empurrãozinho que está faltando (...)”. Assim, Beatriz apresenta uma
disposição para o ensino, para as questões pedagógicas que problematizam a relação
134
professor-aluno(a), ou ensino-aprendizagem de evolução, sendo esta uma de suas linhas de
pesquisa.
Beatriz aplica técnicas diferenciadas em sala, de modo que a relação ensino-
aprendizagem esse o título de sua linha de pesquisa na área de educação) possa ser mais
eficaz, tanto para ela, que tem a oportunidade de experienciar uma relação de “confiança”
como o aluno(a), como para o aluno(a) que tem a oportunidade de aprender “realmente” o que
ela está transmitindo. Sobre isso, o trecho abaixo é exemplar.
A minha prova... a prova não... na minha prova, cada semestre eu aplico uma
estratégia diferente, para que a prova não seja só essa cobrança e chance nenhuma. Eu
acho que a prova é um momento também para eles aprenderem. Então tem vezes que
eu dou a prova, deixo eles lerem a prova e depois deixo ele discutirem, ninguém pode
escrever nada, mas deixo eles discutirem em grupo, a prova. Então ali, quem estudou,
mas quem tem um pequeno probleminha querendo resolver, que ele não conseguia
resolver, ele resolve ali. Porque que ele pode aprender até cinco minutos antes, e
cinco minutos depois ele não tem direito de aprender... não é o caso né! Se ele
aprendeu, ele agora vai conseguir fazer a prova. Se ele não estudou nada, não adianta
discutir que não vai resolver nada, mas quem tinha uma pequena dúvida, resolve ali
né! Durante um tempo eu apliquei a prova assim. Nesse semestre, eu também resolvi
mudar porque aluno é danadinho. Então eles começaram a aprender que eu fazia
isso, aí já estudavam de uma maneira que eu comecei a achar que aquilo já não estava
funcionando tão bem. Agora eu mudei. Ninguém conversa nada, cada um faz a
prova sozinho. que eu devolvia a prova a eles depois de uma ou duas semanas... e
eles corrigiram a própria prova né. E eu dava o gabarito e eles tinham que
colocar... foi a primeira experiência, mas foi boa, eles tinham que dar a nota correta, e
se eles corrigissem, colocassem a resposta certa em caneta de outra cor né, eles
recebiam a metade do ponto que eles perderam. Então vamos supor que a prova valia
1,0, se eles tiraram 0,5, se eles corrigissem certinho, ganha 0,75. E.... rs... olha é
incrível, primeiro a relação de confiança que se cria. Eles ficam com o compromisso
também de corrigir corretamente. eles ficam lendo.... E eles aprendem muito...
eu dou o gabarito, né, começo explicar a questão e eles ficam falando: “mas eu
escrevi isso?”, “Ih isso aqui eu errei mesmo”, e discute cada questão. Os alunos
fixam... ele aprende realmente, porque quando tem nota ele muito interessado. E a
experiência que eu tive é assim: eles têm compromisso, eles sabem que depois, “puxa
me dei mal, não sei o quê, pá, ainda bem que vai aumentar um pouquinho”.
Quer dizer, a nota que ele deu para ele mesmo foi uma nota justa. Agora vai aumentar
um pouco, justamente porque ele discutiu, aprendeu, resolveu e tal, então tem um
retorno disso, né! (Beatriz, e4).
Caio apresenta um ponto de vista e uma postura diferente de Beatriz, e como as
disposições estruturam o discurso, ele destaca outras questões. Mas deixa perceber que o
discurso reflexivo sobre a prática pedagógica não está entre seus questionamentos. Diz ele,
Eu uso muito o quadro. Eu gosto de usar o quadro porque a gente vai explicando a
coisa, desenhando na velocidade que o cara olhando ali e absorvendo aquela
informação. E quando você desenhando no quadro significa que você
apresentando a coisa de uma forma que o aluno sabe, copiando o que você
fazendo no quadro, sabe como alocar aquela informação pra ele, entendeu. Se eu de
repente, mostrasse um filme, né, de uma coisa molecular acontecendo, o aluno
entende, mas ele não sabe como anotar aquilo, ele não sabe como anotar aquela
135
informação no caderno entendeu. Então eu sinto que didaticamente, nada substitui
você ir ao quadro. Assim, acho fundamental o cara entendendo passo-a-passo da
coisa. E mais, de uma forma que o cara vai saber anotar no caderno, porque é
exatamente como tá anotado no quadro, você também tá desenhando (Caio, e2).
Ora, Caio ainda está no esquema básico quadro-oralidade, enquanto Beatriz se
preocupa em trazer para sua prática docente, outras técnicas, métodos que dêem ao aluno(a)
uma possibilidade de “aprender”, não nos momentos legitimados para isso, como as aulas
ministradas diariamente, mas também naqueles outros que, como ela mesmo diz, podem
igualmente ser momentos em que o aluno(a) aprenda, como as provas. Caio além de não
apresentar essa reflexividade sobre sua prática docente acaba utilizando a oralidade como
recurso primeiro na transmissão do saber. Pinto em Práticas Acadêmicas e o Ensino
Universitário (1999), chama a atenção para a prática pedagógica que se sustenta na oralidade.
Segundo ele, as aulas fundamentadas exclusivamente na exposição do professor, como as de
Caio, revelam que o professor interpreta, em uma forma específica, as informações que
constituem o arcabouço coletivamente construído de determinada ciência ou disciplina. E no
processo desta interpretação, o docente acaba reforçando a sua autoridade como detentor
legítimo daquele saber (Pinto, 1999:82). É claro que Beatriz não foge a este esquema, todavia
ela introduz técnicas e métodos que permitem explorar outras formas de se transmitir o
conhecimento.
Mas o capital que Beatriz acumulou na área de educação, não será definido somente
pelo discurso sobre as experiências que teve em prática teórica, ele também está objetivado
em seu currículo, sob a forma de cargos, cursos, trabalhos publicados em congressos,
orientações, livros publicados, etc. A linha de pesquisa da pós-graduação “Educação em
Genética” é composta por Beatriz, Cibele e André. André não tem capital acumulado na área
de educação, salvo o livro Evolução, volumes I e II, direcionados para o ensino médio e
publicados pelo CEDERJ. Cibele participa de uma banca de defesa de monografia (curso de
aperfeiçoamento) na Universidade Federal Fluminense em 2002, com o título “A
desatualização do ensino/aprendizagem sobre a origem da vida nas escolas de ensino
fundamental e médio no Estado do Rio de Janeiro”. Publica o livro Diversidade dos Seres,
volume I, em 2003 e os volumes II e III, em 2005, também direcionado para o ensino médio,
e publica ainda um resumo expandido sobre o “Ensino de Evolução nas Escolas” nos Anais
do Encontro Nacional de Ensino de Biologia em 2005. André nem chega a incluir em suas
linhas de pesquisa ou áreas de atuação, a área de educação. Cibele tem seis áreas de atuação, a
área de educação em evolução é apenas uma delas.
136
O capital que Beatriz acumula na área de ensino vai bem além do que o capital que
André e Cibele apresentam. O currículo de Beatriz apresenta 25 itens que se referem a
educação ou ensino de genética e evolução e se concentram entre 2000 e 2005. Quando
Beatriz fala dos projetos que vem desenvolvendo, ela confirma o que Bourdieu diz sobre a
acumulação dos tipos de capitais ser extremamente difícil
126
, e ao mesmo tempo, mostra que
tem conseguido verba na área de ensino.
Na verdade, nesse momento eucom um projeto bem especifico. Mas eu tô na vice-
direção [do Instituto de Biologia], com muitos problemas de administração e nessa
questão da pesquisa eu bastante reduzida, e tem a questão do número de alunos
eu tava com muitos alunos também, tô reduzindo o numero de alunos... quatro alunos
fazendo mestrado, dois terminaram, praticamente todos terminaram. Agora tem uma
aluna só, agora tenho uma aluna fazendo iniciação cientifica. Então eu numa fase
de dar uma esfriada pra recomeçar. Agora no final do ano deve acabar esse mandato,
e a minha expectativa é de renovar né. Mas nesse momento (...) enviei projeto pra
FAPERJ, enviei pro CNPq, mas não tenho tido sucesso nisso. E... Assim... uma
área onde tive mais sucesso que tive projetos aprovados tanto na CAPES quanto na
FAPERJ, que é na área de ensino. Então eu tive um aluno de mestrado que
desenvolvia softwares pra estudo...pra genética né, pra serem oferecidos nos cursos de
genética e tal, e desenvolveu isso, e eu tive financiamento sem problemas (Beatriz,
e3).
As fontes das informações sobre os financiamentos, infelizmente não discriminam o
tipo nem a área do projeto financiado, portanto não como saber qual o montante dos
financiamentos relativos a projetos na área de educação que Beatriz recebeu. No entanto,
como disse, os financiamentos que ela conseguiu ultrapassam os financiamentos dos três
docentes-pesquisadores que estão na base da hierarquia: Cinthia, Fernão e Telles. Mas se
Beatriz vem acumulando capital na área de educação ela não deveria manter as tentativas de
financiamentos nesta área, que segundo ela é uma área onde teve mais sucesso? O trecho
abaixo pode responder esta pergunta.
(...) tenho uma parte que é minha pesquisa né, que eu gosto muito de fazer, que eu
acho muito importante (...) tem meus projetos, tenho alunos de iniciação científica do
laboratório né, de mestrado, doutorado, desenvolvendo e me ajudando a desenvolver
essa pesquisa aí, avançando na carreira deles, né! Então essa é uma parte que eu
pretendo continuar e, se possível, ir crescendo nisso. Essa parte é muito difícil porque
muitas vezes a gente tem muita dificuldade de financiamento, tem grupos que tem
grandes financiamentos e tem grupos que trabalham com coisas que não são tão
importantes para os órgãos financiadores, então recebem financiamentos menores,
então como minha pesquisa não é tão cara, eu vou conseguindo avançar com ela, que
tem vários alunos interessados e isso também movimenta a sua pesquisa. Na parte de
126
Demonstrei na parte anterior que essa dificuldade em acumular os dois tipos de capitais não se configura
como “lei” no campo. Os docentes-pesquisadores podem sim acumular os dois tipos de capital, e ainda de forma
simultânea. Nessa acumulação podem ocupar tanto os cargos mais altos no espaço das posições, como também
estar no topo da hierarquia construída com base no número de artigos publicados, de pesquisas realizadas, de
cooperações com outros cientistas. Enfim, de estar posicionado também no topo da hierarquia de distribuição de
capital científico puro.
137
ensino, bom, tem as aulas que isso é uma obrigação que eu tenho, embora seja uma
obrigação, mas como você diz, é também um prazer, que são as aulas das
disciplinas... Mas eu também desenvolvo diversos projetos na área de... junto aos
professores de ensino médio, né,... melhoria dos professores de ensino médio. Agora
nessa (...) daqui pela UFRJ com o apoio do MEC do Rio, eu participei coordenando a
área da Biologia. Então isso era um curso, na parte de extensão, né? Isso me interessa
muito essa parte de ensino, de auxiliar quem no ensino médio para que nossos
alunos cada vez fiquem melhores, com conhecimentos cada vez mais. Então essa é
uma área que eu gosto muito também e que eu pretendo continuar desenvolvendo em
pesquisa, né (Beatriz, e4).
O que Beatriz fala acima pode ser dividido em duas partes, na primeira, ela enfoca sua
produção científica vinculada à pesquisa em genética, na segunda, fala de suas atividades na
área de educação. Sua fala chega mesmo a se inverter: para a produção científica diz: “eu
gosto muito de fazer”, “eu acho muito importante”, para depois complementar “Essa parte é
muito difícil”. Quando vai falar sobre o ensino ela inverte: “é uma obrigação”, mas é uma
obrigação que “é também um prazer”. Tudo bem que ela se refere na primeira parte as
dificuldades impostas pelas agências de financiamento, mas se não fosse por estas
dificuldades, seu discurso só comportaria o “gostar” e o “importante”. Já na segunda parte, ela
sente, primeiro, “a obrigação” e não “prazer”. Deve-se ressaltar que assim como a pesquisa é
imposta, porque a universidade se organiza em torno da tríade pesquisa, ensino e extensão, as
práticas teóricas também o são, portanto, a “obrigação” a que Beatriz se refere não pode dizer
respeito às regras que instituem a tríade citada acima. Assim, Beatriz demonstra que o capital
vinculado a pesquisa e teoria em genética é o capital dominante em sua escala de valores (e
também o capital dominante no campo), por isso, ela não busca financiamentos na área de
ensino, mas deixa claro que quando tentou, conseguiu. Caio também deixa claro a dominância
do capital vinculado à pesquisa e teoria em genética, quando diz que o docente-pesquisador
não é cobrado pelas horas-aula que deu, mas sim pela produção medida em termos de artigos
publicados. Em outro trecho diz ele,
Eu, claro, escolhi biologia mais pela pesquisa. Mas eu gosto de dar aula também (...)
é muito estressante você levar duas coisas por um nível que hoje em dia é
exigido (...) É um sacrifício. desse sacrifício que vem de repente essa vontade de
“seria bom se fosse pesquisa”. Não é porque dar aula é ruim, é porque acaba
tomando muito tempo e aí começa a comprometer o lado da pesquisa (Caio, e2).
O capital vinculado a pesquisa e teoria em genética é o capital dominante no campo.
Logo, as estratégias de Caio e Beatriz visam acumular este capital. O que Caio e Beatrizm
em comum no trecho acima, é o fato de expressarem no discurso, essa relação de dominância
do capital vinculado à pesquisa laboratorial e à teoria em genética, legitimando as práticas que
138
produzem este capital. Dessa forma, o capital vinculado às pesquisas será mais importante
para estes professores do que o capital que se vincula à educação, ao ensino. Se Beatriz
acumula o capital na área de educação, mas parece não reconhecê-lo, Caio nem mesmo chega
a enunciar essa possibilidade, até porque a sua trajetória acadêmica e a composição de seu
capital são qualitativamente diferentes das de Beatriz, e não indicam disposição ou habitus na
área de educação.
Pode-se estabelecer a relação de dominância do capital vinculado à pesquisa e teoria
em genética, também, através dos locais onde Beatriz publica sua produção. Beatriz não tem
nenhum artigo publicado em periódicos na área de educação. Os periódicos são os lugares
consagrados pelo campo científico para o diálogo concorrencial. Não é somente através dos
periódicos que os cientistas dialogam, mas os periódicos são os locais que ocupam o topo da
hierarquia dos locais de publicação, e, como disse Caio, do critério estabelecido pelas
agências financiadoras para liberação de verba. Beatriz não tem nenhuma publicação em
periódicos na área de educação. Seu capital nesta área
127
discrimina-se em: cargos (1),
trabalhos completos publicados em anais de congressos (1), trabalhos técnicos (2), trabalhos
apresentados em eventos (2), cursos (3), desenvolvimento de material didático (2 livros, 1
software para o ensino de genética e 1 apostila), participação em bancas examinadoras (2 de
mestrado e 1 de graduação), participação em eventos (2), participação em bancas de
comissões julgadoras (2), organização de evento (1), orientações (2), bolsistas (2).
Ao contrastar quantitativamente o capital acumulado na área de educação com aquele
vinculado a produção em genética (tanto pesquisa em laboratório como pesquisa teórica),
confirma-se a dominância do segundo. Sem ser exaustivo apresento alguns valores do capital
de Beatriz na área de pesquisa e teoria em genética: artigos publicados em periódicos (12),
trabalhos apresentados em congressos (11), trabalhos técnicos (13), participação em bancas
examinadoras (mestrado 24, doutorado 10, graduação 25), participação em eventos (15),
organização de eventos (3), orientações (25), bolsistas (14)
128
.
Resgatando Bourdieu: o que está em jogo no campo científico é o monopólio da
autoridade científica, é a luta pela definição legítima de ciência, definição de uma prática
legítima e de uma representação legítima desta prática. Aceitando a “arbitragem do real (tal
como poder produzido pelo equipamento teórico e experimental efectivamente disponível no
momento considerado)” (BOURDIEU, 2004b:98). Beatriz passa a acumular capital na área de
127
Conferir no Anexo 2, quadro 8: Acumulação de capital em educação dos docentes vinculados à linha de
pesquisa “Educação em Genética” da pós-graduação em genética do departamento.
128
Cabe lembrar que nesta parte foram incluídos todos os orientandos e bolsistas. Na construção da estrutura do
departamento somente foram incluídos os orientandos e bolsistas da pós-graduação.
139
educação, de forma ainda dispersa, e talvez inconsciente de que a composição de seu capital
global tem características que a diferenciam de todos os outros pesquisadores do
departamento. Mas isso não impede que ela busque o monopólio do ensino da genética básica,
como fica evidente no trecho abaixo, onde ela fala sobre sua escolha em permanecer
lecionando genética básica.
hoje posso [lecionar outra disciplina]. Tem assim uma negociação e tal, porque
tem outros professores também e tal. Mas não sou mais tão nova, então eu posso
conversar e falar “Eu gostaria de dar certa disciplina” e tem o argumento que eu
poderia contribuir mais, eu poderia reivindicar uma mudança. Mas agora eu não quero
mais (...) eu já conheço muito, assim, onde estão os problemas maiores que os alunos
têm, as maiores dificuldades (...) (Beatriz, e3).
Ela acumula capital no ensino de genética e requer agora o monopólio da disciplina,
junto com esse monopólio vem uma tentativa de separar os dois módulos da disciplina
genética básica em: genética clássica básica e genética molecular básica, que passariam a ser
então duas disciplinas diferentes.
Olha! Desde que eu comecei, em 93... na verdade, eu tava lecionando na USP. Então
de 93 até 97 eu dei aula na USP. E aí, depois, eu voltei pra cá, e antes de lecionar eu
tinha esse currículo né, então, na época [na USP], o currículo, ele era bastante
diferente porque tinha parte, mesmo, da genética clássica que é a parte que eu sou
responsável. Mas aqui a gente mudou pra esse módulo 1 e 2. Porque a gente tinha
uma disciplina que chamava genética, mas com o tempo a genética foi tendo um
avanço muito rápido. Foi muito rápida a mudança, as mudanças na genética. Então o
que foi acontecendo é que cada vez mais precisava introduzir a parte de biologia
molecular e isso não mudou o currículo oficialmente, mas mudou muito aquilo que a
gente apresentava na sala de aula, então acaba tendo uma disciplina que chama
genética, mas hoje a gente considera que poderia ser dado em duas disciplinas, que é
a genética mais clássica, e a outra que seria a parte de genética molecular. Tanto que
agora a gente está fazendo uma revisão do currículo no Instituto e vai criar essas duas
disciplinas separadas (Beatriz, e3).
O trecho acima se refere a uma parte da entrevista em que peço para os ela e Caio
relatarem se foram eles que decidiram lecionar a disciplina genética básica ou se foram
escolhidos para tal. Caio diz o seguinte:
No início, assim, a gente cobre meio que as disciplinas que estão precisando. Então eu
dava genética básica pros cursos do Centro de Saúde que era enfermagem,
odontologia, farmácia, fonoaudiologia, fisioterapia. Eu dava genética pra esse povo. E
é claro, eu dava também, nessa época eu também dava disciplina para bacharelado de
genética, que era genética de microorganismos. E então dei isso de 98 a 2000. em
2000 teve a proposta de dar genética pra biologia e eu topei, porque realmente é
diferente dar genética básica pra biólogo né, eles são mais interessados, a gente vai
mais a fundo. E a genética básica pra biologia eu dou a parte molecular que é
realmente meu trabalho. Então pra mim é mais prazeroso, tem o retorno maior dos
alunos (Caio, e2).
140
Mesmo que a separação dos dois módulos, criando-se duas disciplinas distintas, não
possa ser identificada unicamente como um movimento ou uma estratégia de Beatriz, e apesar
de ser ela e Caio os que podem tanto lucrar como sofrer as conseqüências dessa mudança, é
Beatriz quem enuncia esta possibilidade. É Beatriz quem levanta a problemática da divisão
dos dois módulos, de revisão de currículo, logo, é o que interessa a ela. Caio foca seu discurso
em outros elementos que, inclusive, demonstram a hierarquia das disciplinas. Lecionar
genética básica pra fonoaudiólogos(as), fisioterapeutas, enfermeiros(as) não tanto prazer a
Caio do que lecionar genética básica para os biólogos, que são mais interessados. Seria uma
situação análoga àquela em que um sociólogo que desenvolve pesquisas na área de sociologia,
e que leciona para um curso de administração ou turismo, passa a lecionar em um curso de
sociologia ou ciências sociais, ou seja, as disciplinas lecionadas para o curso de biologia e do
departamento de genética, recebem, na hierarquia de Caio, maior importância do que aquelas
lecionadas em outros cursos.
Ao acumular capital na área de ensino, Beatriz contribui, mesmo que de forma
inconsciente, para que suas tomadas de posição aconteçam da forma que aconteceram. De
outra forma, acumular capital na área de ensino-aprendizagem permitiu que Beatriz se
distinguisse dos outros docentes-pesquisadores ao adquirir um habitus específico, e a partir
das disposições vinculadas a esse habitus e das condições ou possibilidades objetivas, tomar
suas decisões. Ora, Beatriz postula aquilo que suas disposições e as condições objetivas
encerram. Se outros docentes-pesquisadores também requerem o monopólio de disciplinas,
Beatriz parece ter sucesso em manter sua posição, que diz querer lecionar sempre genética
básica. Beatriz acumulou capital em uma disciplina que não é vinculada diretamente às suas
linhas de pesquisa em evolução. Mas, mudar de disciplina agora implicaria um esforço para
acumular capital na nova disciplina a lecionar. Afinal, para acumular o capital que acumulou
na genética básica, em uma outra disciplina, mesmo que seja uma que tenha status maior
dentro do campo do departamento, ou que possa ser mais diretamente vinculada a sua área de
pesquisa, vai demorar mais alguns anos. Isso indica que as conversões nem sempre envolvem
somente lucros para os cientistas, mas também um trabalho de acumulação específica do
capital na nova área, no caso de Beatriz, na nova disciplina.
Ao buscarmos o número de discentes no curso de biologia, e os agruparmos de acordo
com a opção de curso, temos a seguinte tabela:
141
Tabela 1: Número de discentes de biologia por opção de curso para o
período 2001-2005
Ano
Opção de curso
2001 2002 2003 2004 2005 Total de
alunos/curso
% total
Genética 28 26 33 28 32 147 29 %
Licenciatura 23 21 33 46 14 137 27 %
Ecologia 18 10 24 28 18 98 19,3 %
Zoologia 18 10 04 10 17 59 11,5 %
Biologia marinha 18 11 14 09 05 57 11,2%
Botânica 02 01 03 01 04 11 2 %
Total de alunos/ano 107 79 111 122 90 509 100%
Vê-se que a licenciatura se encontra em segundo lugar no recrutamento de alunos no
curso de biologia entre os anos 2001 e 2005. O departamento de genética encabeça a lista com
quase trinta percentuais dos alunos(as) recrutados(as). Mas, apesar da escolha pela
licenciatura ser a segunda maior opção dos discentes de biologia, apenas no ano de 2005,
Beatriz vai conseguir incluir a linha de pesquisa “Educação em Genética”, nas linhas de
pesquisa da pós-graduação do departamento de genética. Dado a composição do capital dos
outros dois professores que participam desta linha de pesquisa, Cibele e André, é de se esperar
que Beatriz seja realmente quem vai colher os lucros com esta nova linha de pesquisa, até
porque foi ela que, até o momento, em todo departamento, orientou dois alunos na área de
ensino-aprendizagem.
Assim, é que a disposição para o ensino fez a diferença na trajetória da docente-
pesquisadora Beatriz. Os efeitos do capital que acumulou durante anos na área de educação,
permitem a Beatriz passar de uma timidez que sentiu na primeira vez que entrou em uma sala
de aula para lecionar genética básica em um curso de enfermagem na USP, para o exercício
do monopólio desta disciplina (com conseqüências para a definição da disciplina ao postular a
criação de duas disciplinas distintas a partir dos dois módulos existentes) e para líder de uma
linha de pesquisa em “Educação em Genética”.
VISÃO DE MUNDO
142
A Genética Clássica
A professora Beatriz foi conceituada por vários alunos como uma professora muito
didática, que explica tudo sempre nos mínimos detalhes. Em suas aulas percebi que o uso do
retroprojetor e do datashow era recorrente. Em todas as aulas Beatriz utilizava o datashow
para apresentar gravuras, imagens, fotos de homens, mulheres, cachorros, plantas, aves, assim
como apresentava inúmeras transparências de alelos, cromossomos, meiose com permuta e
sem permuta, etc. Todas as vezes que uma ave, um rato, uma melancia, um cachorro
apareciam ora no retroprojetor, ora no datashow eles eram indicados como indivíduos, o que
era estranho para mim, no entanto mais intrigante era essa mesma denominação para
representações alfabéticas de fenótipos, imagens de cromossomos ou genes. Ao entrevistar
Beatriz levantei esta questão para ela. Enquanto ela desenhava em uma folha de papel, que
arrancara de um caderno sobre a mesa, um par de cromossomos homólogos
129
, me disse:
Eu tenho um indivíduo que tem um determinado genótipo, o genótipo dele é AA
(azão, azão) e bb (bezinho, bezinho). É lógico que esse individuo não tem dois
genes, ele tem vários, mas eu não estou analisando todos, estou analisando dois gens
desse indivíduo, e interessa que o indivíduo vai estar cruzando com outro, e este aqui
está representando uma pessoa, é uma pessoa que tem esse cromossomo, e nesse
cromossomo tem esse gen. Mas aqui nesse caso eu estou me atendo a esta
característica desse individuo, então eu falo: “esse indivíduo” por isso né, porque esse
gene ele não no nada, eles são partes de um indivíduo, aquele indivíduo que eu
analisando, que eu estou analisando aquelas características [...] isso na genética
não perdido, pelo menos na genética clássica, porque na biologia molecular você
pode tirar o gen e colocar na plaquinha e sequenciar o gen, mas aqui não, mas na
clássica não, porque a genética clássica ela trabalha com cruzamento, ela faz as
análises... inclusive, ela é muito mais difícil dos alunos entenderem porque ela é
abstrata! Isso aqui a gente não vê, a gente o que? A gente o individuo com
determinado fenótipo, e ai você conclui que se ele tem aquele fenótipo, o genótipo
dele que esta lá no cromossomo, que já esta lá, o alelo que está lá seria esse. Porque o
que você é a pessoa ou o cachorrinho, ou a drosóphila né, é aquele individuo que
vai cruzar com aquele outro, por isso que a gente trabalha com isso, com
cruzamentos. Na biologia molecular é uma coisa diferente, porque pode chegar,
extrair, pegar um pouco de sangue aqui, extrai, você tem o gen. E aqui você não
tem, isso aqui é o que você está imaginando o que está por trás daquele individuo que
você tá vendo. Você tem que fazer cruzamentos [...] Se você for AA ou bb, eu só vou
saber disso se você cruzar com uma mulher e ai dependendo dos filhos que vocês
tiverem eu possa inferir que o seu genótipo é aquele, como a gente fez com as
drosophilas. Ali não tinha nada escrito na perninha das drosophilas eu sou AA (azão,
azão) bb (bezinho, bezinho). A gente foi cruzando os indivíduos e dependendo da
prole, da seqüência com que aparecem esses indivíduos da prole, a gente vai poder
inferir qual é o genótipo dos parentais. Então por isso é difícil a genética clássica
(Beatriz, e3).
129
Conferir desenho A no anexo 3 “Cromossomos homólogos são aqueles que se emparelham na metáfase, e são
semelhantes em tamanho, forma e, supostamente, em função, sendo um derivado do pai e o outro, da mãe”.
Fonte: <http://www.biotecnologia.com.br/bioglossario/h.asp>. A metáfase é uma das fases do processo de
divisão celular chamada mitose. Nesta divisão os cromossomos são replicados de forma idêntica, tanto em
número como em informação. Fonte: <http://www.ufv.br/dbg/labgen/divcel.html> Acesso em: 05 mai. 2006.
143
Gostaria de chamar a atenção para os seguintes elementos do discurso de Beatriz que
indicam como o corpo vem sendo visto por ela. Primeiro: quando a genética é abstrata a
genética clássica, que usa a ferramenta dos cruzamentos para estudar a transmissão da herança
biológica o “indivíduo” deve ser concreto, tornando-se necessário um ser exemplar para
análise genética, por isso o uso recorrente de imagens de homens, mulheres, cachorros, frutas,
ratos, etc., em suas aulas. Segundo: os casos em que a metáfora do indivíduo foi utilizada para
apontar representações simbólicas de genes e cromossomos (tanto aquelas representações que
utilizam letras; AA, Aa, BB, Bb, como aquelas que utilizam imagens de um alelo, de um
cromossomo, de fases da mitose, etc.) indicam um simbolismo em que a explicação resulta
não da observação dos casos empíricos, mas das regras inventadas para operar sobre os
símbolos (Russel apud Bourdieu, 2005b), levando a um efeito de dessubstanciação, onde os
aspectos relacionais são destacados, em detrimento dos aspectos substanciais (BOURDIEU,
2004b:72). Assim, na genética clássica a herança biológica é vista como informação, dado
que o simbolismo que Beatriz apresenta em sala, apoiado na matemática e estatística
130
, é
fato estabelecido na transmissão do conhecimento nessa área da biologia. Os genes, neste
caso, apresentam-se como um modelo teórico onde sua materialidade pode ser entendida
por uma teoria que o explique (Solha; Silva, 2004).
Os casos em que Beatriz apresenta imagens de homens e mulheres demonstram duas
noções polares sobre o corpo. Primeiro: o corpo é apresentado como resultado da ação dos
“natural” dos genes, segundo: o corpo é apresentado como resultado de uma intervenção. No
primeiro caso as metáforas são de um corpo doente, defeituoso, imperfeito, problemático: “O
problema é esse né: O que é herança biológica e como ela se transmite. Por que que isso às
vezes um problema? Por que que um defeito?” (Beatriz, e3). No segundo caso, e em
oposição ao primeiro, o corpo aparece como saudável, perfeito, modificado, alterado, um
corpo geneticamente engenheirado e melhorado: “É isso, a gente tentando fazer isso
mesmo, entender esse processo tem essas questões, usar ele, mudar ele, fazer de acordo como
você quer”; “Essa questão das células tronco, com a parte que trabalha com embriões... a
maneira como eles estão propondo, são pesquisas muito importantes né, que vai resolver uma
porção de problemas que às vezes não tem como resolver.” (Beatriz, e4).
Neste trecho, pode-se perceber também que Beatriz expressa uma idéia de autonomia
do cientista, apontando uma ideologia individualista onde o cientista teria o poder e o direito
130
Se a genética clássica não pode abrir mão da estatística, a biologia molecular parece seguir o mesmo caminho
em relação à bioinformática. A bioinformática tem sua base na nas ciências da computação, estatística e biologia
molecular.
144
de conhecer, e, por extensão, na sua ótica, de intervir. Beatriz utiliza a noção de indivíduo
porque diz basear suas análises em indivíduos reais, concretos.
Dumont em O Individualismo: uma perspectiva antropológica na ideologia moderna
(1985) indica que o termo indivíduo remete a um sujeito empírico e também a um ser moral.
Segundo ele,
Assim, quando falamos de ‘indivíduo’, designamos duas coisas ao mesmo tempo: um
objeto fora de nós e um valor. A comparação obriga-nos a distinguir analiticamente
esses dois aspectos: de um lado, o sujeito empírico que fala, pensa, e quer, ou seja, a
amostra individual da espécie humana, tal como a encontramos em todas as
sociedades; do outro, o ser moral independente, autônomo e, por conseguinte,
essencialmente não-social, portador dos nossos valores supremos, e que se encontra
em primeiro lugar em nossa ideologia moderna do homem e da sociedade (Dumont,
1985:37).
Em um primeiro momento pode-se pensar que Beatriz fala somente do primeiro tipo
de indivíduo, do ser com características físicas/corporais como todos os outros. Contudo, ao
aproximar a análise para como ela este “indivíduo”, descobre-se que ela também fala do
individuo na segunda acepção, ao indicar a existência de uma visão que estabelece padrões de
normalidade para estes genes, “por que que isso as vezes dá um problema, por que que um
defeito?”, “entender esse processo tem essas questões, usar ele, mudar ele, fazer de acordo
como você quer”. Assim, o indivíduo para Beatriz se refere tanto ao ser empírico, e se
confunde com ratos, cachorros, melancias, etc., devido à sua dimensão única circunscrita pela
corporalidade, como também ao indivíduo moral, neste caso, porque identifica naqueles
cromossomos ou genes, indivíduos sociais potenciais, aplicando-lhes o modelo do que é
considerado normal. Como a sociedade moderna, de acordo com Dumont, é uma sociedade
individualista, no sentido do segundo termo da acepção de indivíduo, pode-se ver que os
genes terão algumas das características do indivíduo moderno: são vistos como independentes
(“eles transmitem determinadas características hereditárias”), autônomos (têm uma lógica
própria na transmissão das características hereditárias
131
) e com uma corporalidade
identificada por letras que os diferenciam, A (azão), a (azinho), B(bezão), b (bezinho), daí, na
simbologia dos genes e cromossomos, chamá-los de indivíduos.
Sistema Simbólico e Experimento
131
A grande busca da genética ou biologia molecular, não é justamente entender esta lógica da transmissão dos
caracteres hereditários? Podendo a partir deste “entendimento” manipular este processo?
145
Como a pesquisa foi realizada em um ambiente acadêmico-científico, a visão de
mundo dos biólogos geneticistas não deriva somente das aulas de prática teórica. Com efeito,
Durkheim em As Formas Elementares da Vida Religiosa (2000)demonstra que, “Conceber
uma coisa é, ao mesmo tempo, apreender seus elementos essenciais, situá-la em um conjunto
[...]” (Durkheim, 2000:484). De fato, Douglas apóia-se em Durkheim e Mauss para realizar
seus estudos em cosmologia, onde busca “tendencias y correlaciones entre el tipo de sistemas
simbólicos y el de sistemas sociales (Douglas, 1978:14). De acordo com ela, La sociedad
no es sencillamente un modelo que ha seguido el pensamiento clasificador; son las divisiones
de la sociedad las que han servido de modelo para el sistema de clasificación
132
. Como em
As Formas Elementares da Vida Religiosa, para Douglas, a sociedade é o modelo para o
sistema de classificação, onde las categorías de acuerdo com las cuales percibimos cada
experiencia se derivan recíprocamente unas de outras y se refuerzan entre si
133
. Assim, a
visão de mundo deve ser vista como um sistema simbólico, onde cada elemento ou símbolo
adquire sentido na relação com outros elementos ou símbolos do sistema, não podendo ser
entendido isoladamente. Torna-se necessário então trazer para a discussão o que se depreende
da prática laboratorial. Aqui passo para a descrição de uma prática de laboratório do módulo
II, biologia molecular.
De uma maneira geral, para se realizar uma análise em laboratório é necessário seguir
um protocolo de técnica
134
, sem o qual, seria impossível refazer todo o processo de construção
de uma substância. Os protocolos podem variar até para uma mesma análise, por exemplo,
para se extrair um dna plasmidial pode-se usar vários tipos de tampão: em linhas gerais, a
definição de uma solução tampão seria aquela que é capaz de atenuar a variação do valor de
seu “ph”, resistindo à adição, dentro de limites, de reagentes ácidos ou alcalinos. A ação
promovida pelo ácido e sua base conjugada tende a reduzir as modificações na concentração
hidrogeniônica de uma solução, formando por isso, um sistema denominado "tampão" ou
buffer
135
. Um dos experimentos realizados na prática de laboratório, do módulo biologia
molecular, foi a extração do dna plasmidial, orientado pela professora/pesquisadora Liana.
Nesse experimento o dna do plasmídeo passa por uma série de testes até se conseguir isolá-lo.
Os passos abaixo estavam escritos no quadro-negro para orientação da pesquisa:
132
Ibidem:14.
133
Ibidem:93.
134
São protocolos de técnicas, grosso modo, os passos técnico-instrumentais que devem ser seguidos na análise
da substância. Segundo Caio, na pesquisa em genética existem protocolos de pesquisa que englobam uma
perspectiva teórica e um ou vários protocolos de técnicas aplicadas em momentos diversos durante a pesquisa.
135
Fonte: <www.ucs.br/ccet/defq/naeq/material_didatico/textos_interativos_34.htm> acesso em: 5 mai. 2006.
146
Isolar o DNA plasmidial de Escherichia coli a partir de um pequeno volume de
cultura (minipreparação de plasmídeo). A técnica fundamenta-se na remoção
seqüencial de barreiras e na precipitação seletiva de moléculas de ácidos nucléicos.
Para a ótima precipitação do DNA cromossômico, faz-se a remoção seqüencial de
barreiras como a parede celular (com lisozima) e membrana plasmática (com SDS,
detergente), evitando-se a fragmentação do DNA cromossômico. Em uma primeira
etapa é precipitado o DNA genômico na presença de SDS em pH alcalino. O DNA
plasmidial, que permanece em solução, é posteriormente precipitado por adição de
etanol (Liana, prática de laboratório sobre extração de dna plasmidial).
Após estes procedimentos o dna irá para a eletroforese em gel de agarose: método que
consiste em separar o dna através de sua migração em uma matriz (gel de agarose). Quando
submetido a um campo elétrico, as moléculas migram a uma taxa que é dependente de sua
carga elétrica e de seu peso molecular
136
.
Fica claro que estes procedimentos visam separar um elemento: o dna. O experimento
citado é um exemplo do que Latour em Vida de Laboratório (1997) chama de ciclo de
purificação: procedimento necessário para isolar uma substância. Nas palavras de Latour um
“ciclo de purificação tem por finalidade isolar a entidade que julgamos responsável pela
diferença de dois traços registrados” (Latour, 1997:55). Ora, esse ambiente construído, onde
se busca uma substância (uma entidade nas palavras de latour), erige-se na idéia de objetivar,
de materializar, de tornar concreta esta substância, ao invés de vê-la como uma relação
fenomênica dinâmica, portanto, deliberadamente construída (Bachelard, 2000). Se a
substância passa por testes que visam purificá-la, logo, ela deveria ser vista como uma
substância pura. No entanto, a substância que resulta deste processo, será considerada pura
quando o ciclo de manipulação for completo. Resulta daí que, quando se tem em mente
alterar, modificar, acessar uma determinada matéria, a pureza não se limitaria aos testes
químicos relatados por Latour em Vida de Laboratório. A idéia de pureza implica a noção de
impureza, e, no caso do laboratório, também a idéia de contaminação.
Douglas em Pureza e Perigo (1976) sugere que as noções de sujeira e perigo estão
relacionadas com a questão da ordem, no sentido de que devemos organizar nossas
experiências no mundo. Dessa forma, ao mundo ordenado, organizado, vincula-se uma noção
de pureza, e, qualquer ação, comportamento ou prática que entre em contradição com esta
“ordem” é considerada um perigo e denominada de sujeira, poluição, impureza. A Pureza
deve ser vista como um sistema simbólico, onde a impureza representa um perigo à violação
deste sistema, desta ordem. Pureza e impureza estão, pois, associadas, haja vista que, a
“Sujeira é um subproduto de uma ordenação e classificação sistemática das coisas” (Douglas:
136
Fonte: <http://www.cib.org.br/glossario.php?letra=E> acesso em 5 mai. 2006.
147
1976:50). Assim, as idéias de sujeira (penso aqui em contaminação ou impureza no
laboratório) têm a ver com sistemas simbólicos de pureza. Segundo ela,
Como observadores, selecionamos, de todos os estímulos que caem em nossos
sentidos, somente aqueles que nos interessam, e nossos interesses são governados por
uma tendência a padronizar, chamadas alguma vez de schema [...]. Num caos de
impressões movediças, cada um de nós constrói um mundo estável no qual os objetos
têm formas reconhecíveis, são localizados a fundo, e tem permanência. Percebendo
estamos construindo, tomando certas pistas e deixando outras. As pistas mais
aceitáveis são aqueles que se ajustam mais facilmente ao padrão que está sendo
construído. Algumas, ambíguas, tendem a ser tratadas como se se harmonizassem com
o resto do padrão. As discordantes tendem a ser rejeitadas. Se elas são aceitas, a
estrutura de pressupostos tem que ser modificada (Douglas, 1976:51).
Temos uma crença em um sistema simbólico, qualquer ato, comportamento, ou prática
que contradiz a classificação implicada no sistema simbólico representa um perigo a esse
sistema, portanto, é vista como impura, contaminada, suja. Assim, a pureza deve ser
concebida na intersecção de todos os procedimentos laboratoriais, e não somente nos
processos de depuração química ou “ciclo de pureza” como diz Latour. O ato perigoso, aquele
que contradiz a classificação do sistema simbólico, deve ser ampliado, na experimentação em
laboratório, para incluir também o que se pode considerar como “erro técnico”, desta forma,
qualquer manipulação que não seja de acordo com o que se convenciona chamar de “bem
sucedida” inviabilizará a amostra, tornando-a impura, contaminada, sendo por isso,
descartada
137
.
A existência de aparelhos e de reagentes químicos com a finalidade de purificar uma
substância, deve ser entendida como resultado de uma classificação, assim, a noção de
purificação antecede tais reagentes e aparelhos. De outra forma, tais aparelhos e reagentes
químicos são entendidos como produtos de uma teoria, e devem ser analisados em relação
ao sentido que os homens lhes conferem. Bourdieu vai dizer que a atividade do laboratório
implica a aprendizagem ou internalização de “estruturas teóricas extremamente complexas”
que podem ser traduzidas em fórmulas matemáticas e adquiridas de forma acelerada graças à
formalização (BOURDIEU, 2004b:61). Sobre os instrumentos do laboratório diz Bourdieu,
Em relação aos instrumentos é a mesma coisa: para manipular, utilizamos
instrumentos que são concepções científicas condensadas e objectivadas num conjunto
de aparelhos que funciona como um obstáculo, e o domínio prático que Polanyi evoca
traduz-se pela assimilação tão perfeita dos mecanismos do instrumento que nos
relacionamos intimamente com ele, fazemos o que ele espera, é ele que controla: é
137
E não é isso que acontece nas técnicas de intervenção em embriões, onde um erro técnico coloca tudo a
perder: tanto o embrião que, quando considerado vida, então é morto, como as expectativas dos pais por um filho
livre daquele “erro” genético, ou por não conseguirem que o filho tivesse o traço que buscavam ou mesmo a
expectativa de ter um filho.
148
necessário ter assimilado muita teoria e bastantes procedimentos para estar à altura das
exigências de um ciclotrão (BOURDIEU, 2004b: 61-2).
Assim os procedimentos que visam purificar uma substância, são o resultado
objetivado de classificações e teorias implicadas em um sistema simbólico de pureza, sendo,
pois, estes aparelhos, “saber formalizado feito coisa” (BOURDIEU, 2004b:61).
O pensamento científico constrói o objeto estabelecendo regras para construí-lo,
controlando sua observação, objetivando seus propósitos em aparelhos, retificando seus erros
ao longo da construção. Enfim, o ambiente científico, com ênfase no laboratório, é um
ambiente altamente controlado, sujeito a regras que devem ser seguidas por exemplo, os
protocolos de técnicas. Em Símbolos Naturales Douglas propõe, de uma forma geral, “[...]
averiguar que condiciones sociales constituyen el protótipo de las distintas actitudes respecto
al cuerpo humano [...]” (Douglas, 1978:15). Para isso sugere a seguinte hipótese sobre a
relação entre a experiência simbólica e a socialuno de mis argumentos será que cuanto más
valor conceda un grupo a las restricciones sociales, mayor valor asignará también a los
símbolos relativos al control corporal
138
.
Assim, cabe evidenciar como e em que momentos, Caio expressa esse controle.
Transcrevo um pequeno trecho da entrevista de Caio, onde fica destacado o controle das
operações no laboratório sob a forma de normas, regras e técnicas
139
.
É preciso planejamento, planejar bem, pensar em todas as possibilidades de dar
errado, de dar certo, pensar nos controles corretos, nos seus objetivos... entendeu?
Usar uma estratégia de você fazer responder a tua pergunta, se está usando a melhor
metodologia, a melhor forma de fazer aquilo, se está cercando por todos os lados para
responder aquela questão né! Quais são as possibilidades daquilo? Aquele
experimento pode dar o produto A ou pode dar o produto A, B e C? Saber das
possibilidades que aquele experimento pode te dar, entendeu? Você pegar técnica
certa, abordar da forma certa e colocar os controles adequados. O controle é
fundamental. Um controle positivo e um controle negativo para todos os
experimentos que você fizer. Para você saber que aquilo que tu fazendo é fruto da
variável tal, pra você chegar onde tá querendo chegar né (Caio, e5).
É claro que este controle também se exercerá, por exemplo, no recrutamento dos
alunos que o pesquisador considera serem os mais aptos a estarem ali realizando
experimentos. E diferente do controle sobre o experimento, onde as regras metodológicas
exercem seu peso na produção científica, no recrutamento de estagiários, bolsistas de
iniciação científica, mestrandos e doutorandos, os critérios de seleção são estabelecidos pelo
138
Ibidem:17.
139
Em Vida de Laboratório Latour consegue descrever, com riqueza de detalhes, essa preocupação em controlar
todas as informações construídas no laboratório.
149
docente-pesquisador com base mais em esquemas de percepção, em disposições, do que em
normas ou critérios técnicos.
Assim, o docente-pesquisador Caio diz ser “o chefe de seu laboratório” e o
responsável direto por aceitar bolsistas, mestrandos e doutorandos, definindo características
para aceitá-los.
Eu considero principalmente o interesse da pessoa e a capacidade que eu percebo da
pessoa de se relacionar com os companheiros de laboratório. Pra mim, a nota do cara,
do aluno... eu não acho que o bom cientista necessariamente tem que tirar 10. Claro, é
importante o cara ter conhecimento, mas é importante também o cara ter interesse,
iniciativa, e bom relacionamento, ser uma pessoa tranqüila. Então, por exemplo, é
claro que se tiver uma pessoa nota 10 e tenha tudo isso ótimo. Mas, por exemplo, eu
não aceitei alguns alunos que eram muito bons em termos de nota, mas eram
pessoas difíceis de lidar, pelo o que eu conhecia. Eram pessoas extremamente
competitivas. Eu não acho que a pessoa que seja extremamente competitiva
necessariamente seja boa, de uma saúde boa pro laboratório. Eu gosto de pessoas
colaborativas. Então, por exemplo, eu tenho alunos atualmente que quando eles eram
alunos de iniciação na graduação, eles eram alunos de nota média, ali na média. Mas
eram pessoas muito interessadas, que tinham aquela vontade, tinham um pouco
daquela essência do cara que faz pesquisa realmente porque gosta demais. E tudo isso
fez com que eles crescessem muito e agora eu vejo alguns desses alunos que estão
no mestrado, por exemplo, como eles amadureceram. Eles são pessoas realmente
bem-preparadas na minha opinião (Caio, e2).
O recrutamento é restritivo para aqueles que não são considerados por Caio como
“interessados”, “tranqüilos”, de “bom relacionamento”, “colaborativos”. O que restringe ainda
mais a seleção é o fato de que todos os membros do laboratório, na condição de doutorandos,
mestrandos, estagiários, e bolsistas de iniciação científica, terem sido alunos dele na
graduação: “Tenho... no meu laboratório, eu tenho seis alunos. Tenho cinco de pós-graduação
e um de iniciação científica, que é graduação (...) Todos os meus alunos de pós foram um dia
alunos meus, tenho alunos que estão no doutorado já”. Mesmo sem regras claramente
definidas, Beatriz não foge ao esquema “interesse-relacionamento” descrito anteriormente por
Caio, mas agrega a ele, a vocação, conceito demasiado abstrato que ela diz ter que sentir no
aluno.
A gente tem que avaliar o conhecimento né. O que que ele fez, o currículo dele,
como que ele foi nessa disciplina. Então tem essa parte de conteúdo onde ele faz uma
prova escrita. Então é o conteúdo. Mas tem outra parte importante: o quanto ele gosta
de ciência, e sentir realmente se ele tem aquela vontade, aquela vocação, pela
pesquisa pelo trabalho de laboratório. Então isso conta muito também. As vezes tem
aquela pessoa que tem essa vontade, é muito mais fácil você ensinar e fazer com que
ele aprenda a parte do conteúdo mais especifico, do que uma pessoa que não tem
muito interesse, não tem interesse na prática. Então tem a entrevista né. é
conversa... falo um pouco também do que que eu faço, vejo se ele tem interesse
naquela área, que às vezes eles vêm muito jovens e querem fazer logo estágio, mas
tem tantas possibilidades aqui no instituto e a gente precisa mostrar o que que
150
fazemos realmente para que ele tenha uma idéia do que ele quer fazer. Em geral, eu
faço uma seleção, pego mais alunos do que na verdade eu preciso. Se preciso de um,
eu pego dois ou três. Porque, em geral, alguns realmente não se interessam. acaba
ficando aquele que realmente vai valer a pena. Eu adoro ensinar, adoro conversar,
mas a gente precisa ter aquela pessoa que está interessada (Beatriz, e4).
Desta forma, sendo o laboratório um espaço onde é exercido um controle minucioso
das operações, processos, e dos que ali estão, a visão que os professores/pesquisadores terão
do corpo será expressa na forma que Beatriz explicita: um corpo passível de ser controlado,
alterado, sem defeitos e, claro, um corpo asséptico, já que, transformando em defeito um traço
que difere daquele considerado como normal, ou seja, o que se considera uma disposição ou
localização padrão dos genes em uma estrutura: o genoma, a genética estaria oferecendo uma
prática asséptica aos indivíduos, dado seu potencial para construir, identificar, intervir em
estados patológicos no organismo
140
. É assim que Sibilia traz para a discussão o dispositivo
genético, um entrelaçamento de “elementos anatômicos, funções biológicas, condutas,
sensações e prazeres” que está reconfigurando o princípio de normalidade, onde os erros são
“suscetíveis de reprogramação, a partir do padrão ideal estatisticamente definido como
normal” (Sibilia, 2003:182-3).
Manipulação e Substancialização da Matéria
Nas aulas de prática teórica, do módulo biologia molecular, lecionadas pelo docente-
pesquisador Caio, não há o recurso às imagens de homens, mulheres, plantas, aves, cachorros,
etc., como houve nas aulas de genética clássica, mas o recurso visual não deixa de ser
explorado. Caio, no entanto, prefere utilizar uma didática diferente daquela utilizada por
Beatriz, ele vai ao quadro e desenha, apaga, desenha de novo, apaga novamente para voltar a
desenhar. Essa foi a rotina das aulas que assisti. Se as imagens também são exploradas nas
aulas de prática teórica de biologia molecular, que imagens são estas? De uma forma geral,
são desenhos de processos celulares de replicação, transcrição, tradução
141
do dna, ligações
químicas, etc., que o próprio Caio se encarrega de desenhar no quadro. Não houve nas aulas
140
Veja, por exemplo, o caso citado no jornal o globo on line, seção ciência de 13/05/2006 – “casal britânico será
o primeiro a ter bebê selecionado para não ter o gene de um tipo de câncer”, onde um casal recorreu a
manipulação genética para “aniquilar” um gene considerado causador da doença retinoblastoma. O
retinoblastoma é considerado o tumor intra-ocular maligno mais freqüente na criança, ocorrendo em 1/20.000
nascidos vivos. Origina-se de células embrionárias da retina. Manifesta de forma hereditária, não hereditária e
por deleção cromossômica, que é perda de uma determinada região de um cromossomo, que pode ocorrer
durante a divisão celular, resultando na perda de informações genéticas. Fonte:
<http://oglobo.globo.com/online/ciencia/plantao/2006/05/13/247166348.asp>. Acesso em 13 mai. 2006.
141
Conferir os desenho B e C no anexo 3.
151
de biologia molecular expressões que indicavam espanto, surpresa ou mesmo repugnância,
como nas aulas de genética clássica. Com a ausência de imagens de homens, mulheres,
cachorros, ratos e aves os alunos pareciam se comportar como verdadeiros cientistas tomados
pelo princípio do desinteresse
142
, comportamento oposto ao que apresentavam nas aulas de
genética clássica, com expressões do tipo: “Nossa! Que lindo!”, “Que fofo!”, “Argh!”, “Que
nojento!” e até mesmo uma recusa a olhar para as imagens em uma preocupação visível com a
forma dos seres.
Que metáforas emergem nas práticas teóricas, nas entrevistas e nas conversas
informais que tive com Caio? Em vários momentos ele utiliza a expressão “Vamos dar um
zoom no gen “x” e ver a cara dele”. Quando ele apresenta a transparência com uma imagem
do gen, a “cara dele” é realmente sua estrutura física, com forma, peso e localização espacial
no dna. E desta forma seguem-se:
a genética na verdade não é a abstrata, pelo contrário, pra mim na biologia é a parte
mais... é a biologia mais concreta que tem, você pode ver o gen ali no gel, o dna.
Você tá vendo o dna” (Caio, e2).
“o cara metendo a mão na massa ele vai entendendo aquilo” (Caio, e2).
“ainda mais em genética molecular, tem muita coisa espacial” (Caio, e2).
“Vamos falar agora sobre a maquinaria de reprodução da célula” (Caio, prática
teórica).
“Botar a mão na massa pra fazer um experimento” (Caio, e5).
“Vamos colocar a questão do plasmídeo
143
de uma forma ontológica (Caio, prática
teórica).
“Você tem que pegar a mão. A gente fala pegar a mão daquela metodologia, né? Você
pega habilidade de fazer aquilo num grau mais refinado. Isso a prática
entendeu!” (Caio , e5).
Motor da transcrição” (Caio, prática teórica).
“Porque ela é reconhecida por diferentes maquinarias de transferência [sobre a
expressão Ori-T] (Caio, prática teórica).
Percebe-se nos trechos acima uma recorrência a metáforas sobre a materialidade do
gen, sua concretude, algo que existe como matéria e se encontra em um locus
144
. A biologia
como concreta, o gen como massa visível, que localiza-se em um espaço determinado.
Existe um local específico para o gene, se não gene ali, houve uma mutação. O gene é
concreto, podemos vê-lo, manipulá-lo, modificá-lo.
142
Em oposição ao desinteresse como “padrão típico de controle institucional” (Merton, 1970), Bourdieu
introduz primeiro a noção de interesse e depois a substitui pela noção de illusio. Grosso modo, illusio refere-se
“à cumplicidade ontológica entre as estruturas mentais e as estruturas objetivas do espaço social” (BOURDIEU,
2005:139-0), onde os agentes estão presos ao jogo, por acreditarem que vale a pena jogar.
143
Molécula de dna circular presente em muitos microrganismos, como bactérias e leveduras, capaz de se
duplicar autonomamente.
144
Locus em genética corresponde ao sítio ou lugar onde se situam genes específicos.
152
Caio vê a matéria, o corpo materializado e concreto do gene. Sua visão de ciência e do
corpo parece eleger a manipulação da matéria orgânica como traço essencial da biologia
molecular. Para além das noções apresentadas de corpo manipulável, passível de ser
construído, modificado, o que a biologia molecular na visão de Caio indica, é a manipulação
molecular do orgânico, assentada em uma ontologia genética da matéria de que somos
constituídos. Bachelard em O Novo Espírito Científico (2000) critica a postura materialista
145
,
O materialismo, com efeito, procede de uma abstração inicial que parece dever mutilar
para sempre a noção de matéria. Esta abstração (...) é a localização da matéria num
espaço preciso. Num outro sentido, o materialismo tende ainda a limitar a matéria:
recusando-lhe qualidades a distância pela proibição de agir onde ela não está
(Bachelard, 2000:59).
Identifico a visão e a prática científica de Caio como materialistas. Primeiro, porque
busca a manipulação da matéria orgânica, segundo, porque localiza a matéria em um espaço
preciso. Ele diz ver a matéria, mas a matéria estática, sem movimento. Transcrevo abaixo um
trecho em que Caio me explica sobre a conjugação
146
nos plasmídeos, e que também pode
elucidar sua postura.
Rodrigo: Tem uma expressão: “Ori-T promíscua”. Porque “promíscua”?
Caio: Porque ela é reconhecida por diferentes maquinarias de transferência.
Promíscua no sentido de... enfim, isso foi usado provavelmente quando eu tava dando
aula de conjugação, falando de conjugação, que uma Ori-T pode ser reconhecida por
diferentes maquinarias TRA de transferência, diferentes grupos de TRA podem
reconhecer aquela Ori-T, entendeu?
Rodrigo: Promíscua no sentido de...
Caio: Ela funciona com diferentes maquinarias. Diferentes maquinarias de
conjugação são capazes de reconhecer aquela Ori-T como uma Ori-T. É reconhecida
por maquinarias diferentes (Caio, e5).
Percebe-se que, antes de ser um traço único de Caio, essa postura materialista que
funda os fenômenos em realidades estáticas e localizadas espacialmente, é uma perspectiva de
toda uma disciplina científica
147
. O trecho acima mostra como a substancialização, o
materialismo impede de dar contornos dinâmicos ao processo de transmissão de caracteres
145
Neste capítulo, Bachelard está discutindo como se pode passar de uma postura materialista substancializadora
dos fenômenos, para uma visão que leve em consideração a matéria e a energia, “Em resumo, de um modo ao
mesmo tempo geral e positivo, as relações da matéria e da energia são muito próximas para nos mostrar como a
cooperação das noções científicas acentua seu valor ontológico” (Bachelard, 2000:65).
146
“Processo de transferência de DNA de uma bactéria para outra, envolvendo o contato entre as duas células
(descoberta por Tatum & Lederberg, 1946). A conjugação está associada à presença de plasmídeos de natureza
F. Estes plasmídeos contêm genes que permitem a transferência do DNA plasmidial de uma célula para outra ou,
em outras palavras, a capacidade conjugativa”. Fonte:
<http://www.unb.br/ib/cel/microbiologia/genetica/genetica.html#conjugacao> Acesso em:15 jul. 2006.
147
Não se deveria abusar das generalizações dessa forma, contudo, com tal afirmação quero relevar o acordo
tácito sobre determinados conteúdos e as habilidades consideradas necessárias para se pesquisar em uma
determinada área.
153
hereditários. Quando uma Ori-T (origem de transferência) é reconhecida por muitas
maquinarias de transmissão, chama-se essa origem de transferência de promíscua,
demonstrando todo o peso dessa visão substancialista, que busca fenômenos estáticos. Ori-T é
o lugar, no gene, de onde se inicia a transferência do material genético. Quando duas células
entram em contato, e uma delas têm um plasmídeo chamado de plasmídeo F, inicia-se a
transferência de material genético, que sempre começa pela Ori-T. A Ori-T promíscua, como
o gene, tem existência física, corpórea: ela é uma região do gene. A Ori-T promíscua não é
uma anomalia dentro de um modelo, é uma das possibilidades apontadas pelos estudos para
iniciar uma transferência de material genético. O que indica que a metáfora “promíscua” tem
a ver com uma postura substancialista que nas relações mais dinâmicas, um problema,
senão resolvido, definido dentro do arcabouço do conhecimento maior da área: a Ori-T é
promíscua quando estabelece relações com diversas maquinarias de transferência. Esta versão
do que seja a Ori-T Promíscua, chega mesmo a eliminar a função que as maquinarias de
transferência têm neste processo, enfatizando, como disse, a localização espacial, material da
Ori-T.
Quando Caio diz “Vamos colocar a questão do plasmídeo de uma forma ontológica”,
ele está acentuando a identidade dos processos moleculares que ocorrem tanto em uma
bactéria, como em um ser vivo qualquer. Segundo ele, a referência à questão ontológica tem a
ver com sua visão da genética. Caio um exemplo de seu materialismo ontológico citando
uma pesquisa que está realizando: “Uma bactéria simbionte num vertebrado marinho que
produz um composto que pode ser usado num tratamento anticâncer. você vê, quer dizer
isso é biologia marinha, é microbiologia, é zôo?” (Caio, e5). Para ele a genética pode e deve
dialogar com outras ciências. Diz ele,
A genética dentro da Biologia como um todo. Não a genética em genética, mas
como a genética pode ser vista dentro da Ecologia, da zoologia... Essa é uma
preocupação que eu tenho. Mostrar a genética não pela genética em si, mas como
uma grande ferramenta para poder responder perguntas diárias, a princípio não
relacionadas à genética, mas no fundo tudo relacionado. Eu acho que a
compartimentalização da biologia tem esse problema. Se um cara gosta de ecologia
ou zôo, fala: eu odeio genética. Mas isso não cabe, porque a genética é uma grande
ferramenta para responder questões aparentemente de zoologia ou de ecologia (Caio,
e5).
Nas aulas de Caio, a explicação sobre os processos de transmissão de material
genético, são sempre de forma muito detalhada. Ele desenha várias vezes um mesmo
processo, um mesmo momento deste processo, e acredita que os alunos ganham mais com
seus desenhos, do que vendo um vídeo animado ou lendo um livro sem antes ter ouvido sua
154
explicação. Segundo ele “O visual é fundamental. Ainda mais em genética molecular, tem
muita coisa espacial, muito desenho que explica o processo” (Caio, e2), ou também, quando
diz
Eu uso muito o quadro. Eu gosto de usar o quadro porque a gente vai explicando a
coisa, desenhando na velocidade que o cara olhando ali e absorvendo aquela
informação. E quando você desenhando no quadro significa que você
apresentando a coisa de uma forma que o aluno sabe, copiando o que você
fazendo no quadro, sabe como alocar aquela informação pra ele, entendeu (Caio, e2).
Assim, nas aulas de prática teórica, Caio desenha diversos processos moleculares no
quadro, e sua explicação é sempre no sentido de realçar os movimentos de cada elemento
constituinte daqueles desenhos. Como na explicação de Descartes para o funcionamento da
circulação do sangue no corpo
148
, Caio também decompõe os elementos constituintes de seu
desenho em formas simples: cada elemento de seu desenho tem uma função, uma forma, uma
localização e a partir do momento em que o processo se inicia, todos os elementos têm sua
“tarefa” ajustada, bem definida, senão bem definida, pelo ao menos esperada
149
. Descartes é o
precursor desta visão mecânica do corpo. De acordo com Descartes
148
“Mas, para que se possa ver a maneira pela qual tratava este assunto, quero dar aqui a explicação do
movimento do coração e das artérias, pois, sendo o primeiro e o mais geral que se observa nos animais, por ele
se julgará mais facilmente o que se deva pensar de todos os outros. E para que se tenha menor dificuldade para
entender o que a esse propósito direi, desejaria que os que não são versados em Anatomia se dessem ao trabalho,
antes de ler isso, de mandar cortar diante deles o coração de um animal grande que possua pulmões (pois esse
coração é, em tudo semelhante ao do homem) e peçam para ver as duas câmaras ou cavidades que ali existem
(...) Com efeito, depois disto, nada tenho a dizer para explicar o movimento do coração, a não ser que, quando
suas cavidades não estão cheias de sangue, este flui necessariamente da veia cava para a direita e da artéria
venosa para a esquerda, visto estes dois vasos estarem sempre cheios e as suas aberturas voltadas para o coração
não poderem estar então fechadas. Mas logo que duas gotas de sangue entram, uma em cada uma destas
concavidades, essas gotas – que não podem deixar de ser muito grossas porque as aberturas por onde entram são
muito largas e os vasos de onde vêm estão muito cheios de sanguese rarefazem e se dilatam pelo calor que ali
encontram; deste modo, fazendo inchar todo o coração, empurram e fecham as seis outras portas que se acham
na entrada dos dois outros vasos de onde vêm, impedindo assim que desça mais sangue para o coração.
Continuando a se rarefazer cada vez mais, as gotas empurram e abrem as seis outras portinholas que se
encontram à entrada dos dois vasos, por onde saem, fazendo inchar deste modo todos os ramos da veia arteriosa
e da grande artéria quase ao mesmo instante que o coração, o qual incontinenti se desincha, do mesmo modo que
as artérias, porque o sangue que ali teve entrada se esfria. As suas seis portas voltam tornam a fechar-se e as
cinco da veia cava e da artéria venosa se reabrem a dão passagem a duas outras gotas de sangue que, de novo,
fazem inchar o coração e as artérias, do mesmo modo que as precedentes. E como o sangue que assim entra no
coração passa por essas duas bolsas chamadas suas orelhas, daí resulta que o movimento destas é contrário ao
daquele e que elas desincham quando ele incha. De resto, a fim de que os que não conhecem a força das
demonstrações matemáticas, e não estão acostumados a distinguir-se as verdadeiras razões das verossímeis, não
se aventurem a negar isto sem exame, desejo adverti-los de que o movimento que acabo de explicar resulta
necessariamente apenas da disposição dos órgãos que podem ser vistos no coração e do calor que ali se pode
sentir com os dedos,assim como da natureza do sangue que pode ser conhecida por experiência, como o
movimento de um relógio resulta da força da situação e da forma de seus contrapesos e rodas” (Descartes,
1960:106-110).
149
Conferir no anexo 3 o desenho D sobre a iniciação da síntese protéica dos eucariotos.
155
Do mesmo modo que um relógio feito de rodas e pesos observa, não menos
cuidadosamente, todas as leis da natureza, tanto quanto é mal fabricado e não indica
direito as horas, quanto quando satisfaz de todos os votos de seu artífice; assim
também, se considero o corpo do homem como um mecanismo feito de ossos, nervos,
músculos, veias, sangue e peles, ajustado e composto de tal maneira que, mesmo que
nele não existisse nenhuma mente, ele teria, contudo, todos os movimentos que nele
agora não procedem nem do império da vontade e, nem, portanto, da mente, mas
somente da disposição dos seus órgãos, facilmente reconheço que lhe seria tão natural,
se fosse, por exemplo, hidrópico, sofrer de secura na garganta, - que costuma
significar à mente a sensação de sede, ficando em conseqüência disso disposto a
mover seus nervos e suas outras partes para tomar uma bebida que, neste caso,
aumentará seu mal, em prejuízo, pois, dele mesmo, - quanto é natural que, não
havendo nele tal vício, seja levado pela secura da garganta a tomar uma bebida que lhe
é útil. (apud Monteiro, 2005:68).
Monteiro (2005) destaca a importância do mecanicismo para a concepção de corpo
biotecnológico.
A ruptura operada por Descartes de certa forma tornou possível o ‘corpo
biotecnológico’, exatamente por tornar a matéria ontologicamente diferente do
espírito. Pois as ciências experimentais, libertas de amarras de cunho religioso e
outros, puderam ver na matéria as regras universais da física, realizando cada vez mais
o ideal cartesiano de uma explicação única que reduziria todos os fenômenos
complexos a princípios simples. Com o advento da genética, o corpo informacional
regulado pela bioquímica torna-se a realidade principal do corpo na ciência
institucional. Ou seja, sem a separação ontológica entre matéria e espírito seria
impossível a compreensão atual do corpo como conjunto complexo de reações
químicas reguladas pelo DNA, sem intervenção nenhuma do espírito. A explicação
cartesiana para a matéria, feita exclusivamente a partir da compreensão do choque
entre partículas, atinge na biologia atual o seu ápice e talvez a sua superação
(Monteiro, 2005:64).
Frezzatti Jr. (2003) indica que Descartes foi o precursor de uma série de visões
mecanicistas, e que o mecanicismo não pode ser apreendido de forma simplista. Vários outros
cientistas desenvolveram visões específicas sobre o mecanicismo cartesiano
150
. Estando fora
dos objetivos dessa dissertação discutir as várias abordagens mecanicistas, apenas destaco
algumas características das perspectivas mecanicistas discutidas por Frezzatti Jr. De acordo
com ele, em Descartes encontram-se três princípios fundadores do mecanicismo na biologia: a
mesma lei mecânica explica máquinas e humanos; a causa da ação das partes está dentro do
próprio corpo; mantidas as condições de manifestação do fenômeno as respostas são as
mesmas. Ao longo dos anos o mecanicismo foi identificado com o determinismo causal dos
fenômenos vitais, o qual dizia que tais fenômenos seguem uma ordem determinada de
acontecimento. Por sua vez, em 1869, Helmholtz prega a redução dos fenômenos orgânicos
aos processos físico-químicos, Loeb diz que o corpo é uma “máquina química”, mas que não
150
La Mettrie (1748), Schwann (1839), Helmholtz (1847), Bunge (1887), Klebs (1903), Loeb (1913).
156
deve ser entendida somente neste aspecto, e que ao estudo dos processos físico-químicos
deve-se agregar um estudo sobre sua estrutura e organização (Frezzatti Jr, 2003:438-440).
Fica claro que Caio apresenta uma visão de corpo, de certa forma, típica do
mecanicismo. Ele enfoca a matéria em sua realidade substancial, o que não quer dizer que,
nas várias formas em que ele transmite os diversos processos moleculares, ele não fale
também de aspectos relacionais. Mas suas atenções são direcionadas para “fazer aparecer” o
dna, o gene. Contudo, tais metáforas que ele usa nas aulas de prática teórica e de laboratório, e
também para dialogar sobre biologia molecular, devem ser vistas, antes, como uma linguagem
específica da área em que ele pesquisa, e não como um traço particular dele.
É assim que ele fala “você pode ver o gen ali no gel, o dna. Você tá vendo o dna”. São
claras as metáforas mecânicas em expressões do tipo: “maquinaria de transferência”,
“maquinaria de reprodução”, “a transferência de todo um dna vai depender de quão estável é
o casal: a célula receptora e a doadora. Se o pareamento se estabilizar...”, “Isso é um
emaranhado de regulações que se entrelaçam”, “Para cada proteína regulatória você tem uma
sequência específica”, “a capacidade de edição do Dna Polimerase II, é sempre no sentido 5’,
3’ [cinco linha, três linha]”, “Gente isso aqui é uma hipótese sobre a entrada de dna em uma
célula por uma maquinaria de competência natural”, “Motor da transcrição”.
E assim seguem-se aquelas que fazem aparecer o dna, o gene: “Botar a mão na massa
pra fazer um experimento”, “[...]a genética na verdade não é a abstrata, pelo contrário, pra
mim na biologia é a parte mais... é a biologia mais concreta que tem, você pode ver o gen ali
no gel, o dna. Você vendo o dna”, “Você tem que pegar a mão. A gente fala pegar a mão
daquela metodologia, né? Você pega habilidade de fazer aquilo num grau mais refinado. Isso
a prática entendeu!”, “o cara metendo a mão na massa ele vai entendendo aquilo”,
“mas essa molécula é rígida”, “Vamos dar um zoom no gen “x” e ver a cara dele”, “todo
tRNA tem uma sequência espacial idêntica, mas pode ter sequências diferentes de seus
elementos”
151
.
A trajetória de Caio foi marcada pelo contato com três diferentes áreas da biologia
(biologia marinha, ecologia e genética). Isso lhe uma visão ontológica sobre os processos
moleculares dos corpos orgânicos. E é justamente nesta visão ontológica que Caio julga ver a
dinâmica. De acordo com ele
O genoma é uma coisa muito dinâmica. Em que sentido? Existem recombinações, o
genoma não é uma coisa estática, surgiu uma espécie a acabou, mas é uma coisa
muito dinâmica e existem processos de transferência de gens na natureza, inúmeros.
151
Trechos retirados das entrevistas 2 e 5, das aulas de prática teórica e das conversas informais que tivemos nas
visitas que fiz ao laboratório onde Caio pesquisa.
157
A última parte do curso eu resumo em uma frase, falando com que os alunos
entendam que o ambiente é um reservatório de gens. Mais do que um reservatório de
espécies, ele é um reservatório de gens. Quando você fala em um reservatório de gens
noção... noção de que existe um potencial no meio ambiente acumulado ali
dentro. Que é o potencial de que, com o tempo, a cada momento surgir coisas novas
(Caio, e2).
Dessa forma, os genes continuam sendo, através de sua corporalidade aparente, o
veículo que possibilita tanto a existência como a transmissão das características hereditárias.
Recombinam-se genes, o ambiente é um reservatório de genes, os genes são potencialidades.
Ora, esta idéia de dinâmica recombinante (idéia construída, em parte, pelos cientistas)
aplicada ao meio ambiente, postula uma explicação legítima das relações entre diversos seres
vivos: humanos, plantas, insetos, bactérias, etc. A despeito disso, essa visão de dinâmica
recombinante entre as espécies, não deixa de localizar o fenômeno no gene, mas ao contrário,
o defende de forma contundente, haja vista, ser necessário postular a existência do gene
dentro dos processos corporais em nível molecular, construindo, para isso, sua corporeidade.
É preciso construir o que se considera ser o material genético a ser transmitido e como ele se
transmite. A forma encontrada para explicar este processo é o gene.
Todavia, se com a genética clássica a herança biológica pode ser vista como
informação, na biologia molecular radicaliza-se esta posição. Os processos de replicação,
transcrição e tradução da fita de dna são concebidos como modelos de transmissão de
informação/material genético. Santos denuncia essa apropriação do biológico como
informação
O homem não é mais a medida de todas as coisas, porque ao privilegiarmos o plano da
informação, ao tomá-la como referência última, passamos a valorizar o molecular o
infra-individual, comprometendo a noção de indivíduo e questionando a de
organismo. Quando nos damos conta de que na ótica do biotecnólogo uma planta, um
animal ou até mesmo um ser humano reduz-se a um pacote de informações – porque o
que interessa é o agenciamento de suas informações genéticas percebemos melhor a
mudança de perspectiva (Santos, 2003:86).
Os desenhos B, C e D (Anexo 3) são desenhos que representam os mesmos processos
desenhados por Caio nas aulas de prática teórica. A simbologia presente nestes desenhos
indica que, se por um lado pode-se falar em mecanicismo devido aos movimentos, funções,
estruturas e materialidade do que se chama gene, por outro, estão estreitamente ligados à idéia
de o que acontece ali, são processos de transmissão de informação genética, que, explicados
pelo formalismo matemático computacional também invocam descartes e o mecanicismo. O
simbolismo na biologia molecular, encontra na bioinformática, o desenvolvimento de
modelos que permitem interpretar a grande quantidade de informação necessária aos biólogos
158
para compreender os processos celulares. Assim, a biologia molecular também sofre os
efeitos da matematização de que Bourdieu fala em Para uma Sociologia da Ciência (2004b).
Ora, a biologia molecular não abandona o simbolismo da genética clássica, mas desenvolve
todo um sistema de símbolos que, do ponto de vista do biólogo molecular, se apresenta como
lógico, coerente e suscetível de mensuração.
Grosso modo, o modelo informacional, segundo Monteiro, tem sua base em Wiener e
Shannon. O primeiro introduz a noção de informação como o conteúdo da permuta que o
indivíduo faz com o mundo em um processo contínuo de ajustamento neste mundo. O
segundo introduz a separação entre informação e significado, mas diz ser o significado
irrelevante para a engenharia, o que importa é a seleção de uma dada informação dentre um
rol de mensagens possíveis (Monteiro, 2005:81-3). A radicalização destes modelos
cibernéticos é explicitada, por Sibilia. Segundo ela,
A linguagem decifrada a menos de cinqüenta anos é universal: todas as células de
todos os seres vivos contém um “manual de instruções” escrito no mesmo código, o
que lhes permite reproduzir-se conservando intacta a sua informação genética. O
código é idêntico para todos os seres vivos, enquanto as instruções nele escritas
variam para cada espécie: em cada caso, elas conformam um conjunto específico de
informações chamado genoma. Assim, o tão alardeado Projeto Genoma Humano, que
contribuiu grandemente para a popularização dos termos e de toda retórica ligada à
biologia molecular e à engenharia genética, apresenta o corpo humano como uma
sorte de programa de computador a ser decifrado. Nesse código aparentado como o
software, uma diferença mínima nas instruções da seqüência um erro na
programação genética pode determinar a presença ou a ausência de uma
determinada doença ou de um traço da subjetividade (Sibilia, 2002:75-6).
A bioinformática, segundo Sibilia, chega mesmo a apresentar a dicotomia cartesiana
entre mente e corpo: sendo a informação o substrato que daria forma e vida aos seres, postula-
se o rompimento entre corpo e informação, de outra forma, postula-se ser possível transferir a
informação para um outro suporte que não o corpo, tornando o corpo obsoleto (Sibilia,
2002:55-6).
Monteiro (2005) ao realizar pesquisa sobre marcadores moleculares para câncer de
próstata (os microarrays
152
) no Instituto de Matemática e Estatística da USP e no Instituto
Ludwig/Hospital do Câncer, se depara com diferentes visões sobre o corpo. Diz ele,
Entre conversas, entrevistas e tempo passado nos laboratórios e corredores das
instituições, alguns pontos comuns entre os pesquisadores se mostraram claramente
perceptíveis e uniformes, sendo reforçados, não obstante as raras exceções a esses
padrões que foram encontradas. O ponto central foi poder avaliar, de forma bastante
152
“O microarrays é uma técnica de medição da expressão gênica, de uma forma comparativa, a partir da
quantidade de mRNA que foi produzido por cada gene” (Monteiro, 2005:116).
159
segura, o quanto a dicotomia entre corpo/mente, calcada na tradição cartesiana
(Descartes, 1999; ver também Des Chene, 2001 e Donatelli, 2000), mesmo que em
convivência com outros tipos de concepção do corpo, ainda permeia o imaginário e o
discurso dos pesquisadores (Monteiro, 2005:108-9).
Monteiro demonstra que a dicotomia cartesiana corpo-mente, no caso de seu objeto,
aparece, “Por exemplo, quando vários dos pesquisadores mencionavam que o limite para as
explicações objetivas do corpo era a mente quando indagavam da impossibilidade de
quantificar o pensamento, ou ainda quando questionavam sobre como elaborar modelos que
explicassem de forma satisfatória os processos mentais” (Monteiro, 2005:111-2).
Monteiro relata que existem desentendimentos entre biólogos e bioinformatas, que
disputam a importância de suas contribuições para o desenvolvimento dos marcadores
moleculares. Os primeiros dizem ser eles que proporcionam os “dados”, que experienciam,
que tem o contato com o empírico. Os que se vinculam à bioinformática
153
, por se basearem
na matemática e na computação, destacam o papel que a construção de modelos matemáticos
tem no desenvolvimento de explicações que comportem o funcionamento “real” do
organismo. Todavia, Monteiro deixa claro que não é o caso de se falar em
substituição de uma visão por outra, ou de uma evolução linear que leva
necessariamente de um tipo de corpo a outro. Pode-se, a partir dos dados levantados,
articular o debate que ocorre na ciência em torno dos biomarcadores como um debate
também sobre como se deve pensar a prática clínica e o corpo. Ou seja, pode-se
compreender melhor os processos conflituosos e múltiplos que articulam uma visão
com outra(s) emergente(s). As novas tecnologias abrem espaço para uma gama de
novos acessos ao corpo, e as possibilidades assim engendradas levam a conflitos em
torno da definição de quais seriam as melhores formas de lidar com as mesmas
( Monteiro, 2005:115).
E aqui invoco Bourdieu, que lembra que essas disputas que acontecem nos contatos
entre ciências, revelam habitus diferenciados. As disputas, segundo Bourdieu, devem-se à
composição do capital de uns e outros: “nas equipas que reúnem físicos e biólogos, os
primeiros, por exemplo, dispõe de forte competência matemática, os segundos de maior
competência específica, simultaneamente mais livresca e prática (...)” (BOURDIEU,
2004b:63). E a formalização matemática ao invés de opor bioinformatas e biólogos servirá
como princípio unificador “ao impor a incorporação de regras que presidem à sua utilização
(protocolos de utilização)”
154
. É dessa forma que Monteiro diz que, a despeito das diferentes
153
A bioinformática, segundo Setúbal (2003), tem dois problemas, que auxiliam a entender a relação entre
matemática e biologia, relação essa que fundamenta os embates em torno dos usos e aplicações das tecnologias:
1) interpretar o DNA como linguagem, ler a informação dos genes; 2) entender os efeitos da informação
genética” (Monteiro, 2005:111).
154
Ibidem: 94.
160
visões do corpo que encontrou ali, todos crêem estar contribuindo para a compreensão “da
realidade do funcionamento do corpo” (Monteiro, 2005:113).
Monteiro acentua que estas novas leituras sobre o corpo têm buscado mais do que a
representação do corpo e de seu funcionamento, “no sentido de um modelo explicativo que
fosse a reprodução exata do real. O modelo explicativo atualmente vem se confundindo com o
real, atravessando a matéria, e as representações a respeito do corpo são cada vez mais parte
do corpo ele mesmo” (Monteiro, 2005:111). Ora, uma prática que visa, como disse
anteriormente, “fazer aparecer o gene”, constrói esse gene, existência corporal ao gene,
física. De outra forma, a prática do geneticista molecular não visa somente construir modelos
interpretativos do funcionamento do organismo, das células, do dna, do gene, das proteínas,
ela constrói o gene, o gene é o resultado da(s) prática(s) que busca(m) fazê-lo aparecer. O
discurso de Caio é produto de interpretação, de visão de mundo. Ao mesmo tempo essa visão
de Caio interfere, intervém na corporeidade de seus objetos de pesquisa através da
manipulação da matéria orgânica dos mesmos, construindo materialidades orgânicas
adaptadas à sua visão, à sua interpretação do que seja a “realidade” ou “verdade” do
funcionamento de tais organismos.
No caso de Caio diria que não somente seu discurso comporta aspectos do
mecanicismo, mas que sua prática também está embebida desta visão. Mesmo que alguns
procedimentos laboratoriais de Caio, possam vir a destacar o aspecto matemático-formal, por
meio da aparelhagem, por exemplo, Caio acentua o aspecto mecanicista: as funções, os
ajustes, a maquinaria, o motor. É dessa forma que a genética ou biologia molecular apresenta
uma visão mais realista da realidade, porque fundada em crenças e instrumental técnico que
buscam fazer aparecer a realidade, neste caso, os genes.
Retomando Bourdieu, diria que as disputas entre biólogos e bioinformatas dizem
respeito à característica mais geral do campo científico, a saber, a disputa pelo monopólio da
autoridade científica, ou seja, pelo monopólio de poder discursar sobre o mundo de forma
legítima, válida. Quando Bioinformatas reclamam para si o reconhecimento da importância
dos marcadores moleculares para desenvolver a pesquisa em câncer, eles estão ao mesmo
tempo, legitimando os modelos formais, matemáticos de interpretação da realidade. Como
discuti anteriormente, Bourdieu demonstra que a matematização foi um dos fatores que
contribuíram para o fechamento do campo científico sobre si-mesmo. Os biólogos também
reclamam para si o reconhecimento, mas embasados em esquemas práticos, manuais, na
manipulação da matéria orgânica. Não seria o caso de discutir qual visão é mais legitima que
a outra, mas de destacar o movimento que vem contribuindo para unir especialidades
161
diferentes, áreas adjacentes, como o caso da biofísica, bioquímica, neuroquímica,
neuroendocrinologia, etc. Nestes casos percebe-se que o sujeito da ciência, como diz
Bourdieu, não são os cientistas enquanto indivíduos, mas sim o campo científico “como
universo das relações objectivas de comunicação e de concorrência (...)” (BOURDIEU,
2004b:99).
Bachelard identifica no mecanicismo cartesiano o exemplo de ciência materialista. A
esta visão de ciência opõe uma ciência do movimento, uma ciência dialética. Sobre a ciência
nos moldes cartesianos diz:
Não somente Descartes crê na existência de elementos absolutos no mundo objetivo,
mas ainda pensa que estes elementos absolutos são conhecidos em sua totalidade e
diretamente [...] a evidência é completa precisamente porque os elementos simples
são indivisíveis. Vemo-los completos porque os vemos separados. Assim como a idéia
clara e distinta é totalmente depreendida da dúvida, a natureza do objeto simples é
totalmente separada das relações com outros objetos (Bachelard, 2000:126).
É assim que a noção de gene como “coisa” concreta, com massa, estrutura física,
materialidade, corporalidade vincula-se a uma ciência que substancializa fenômenos. A
biologia molecular, orientada por uma ontologia materialista apoiada na química,
substancializa os fenômenos moleculares em realidades físicas qualitativamente distintas que
são vistas como causadoras dos fenômenos (Bachelard, 2000:62). Abaixo veremos com Solha
e Silva (2004) que o gene passou de um momento em que era visto como construção teórica
para um outro momento em que passa a ter existência material.
Desde Mendel até os dias atuais, é inequívoco que as definições de gene têm se
modificado. Os genes, que no início eram pares de fatores mendelianos, constituíam-
se desta forma, em objetos construídos, sendo sua existência material entendida
dentro de uma teoria. Estes pares de fatores começaram a ganhar materialidade com a
teoria cromossomial da herança, como “contas em um colar”, até que a elucidação da
estrutura do DNA lhes deu um corpo molecular. É assim, que estes pares de fatores
ganham materialidade. A perspectiva molecular parecia destinada a uma menor
instabilidade (Solha; Silva: 2004: 65).
Esse momento da materialização dos genes, segundo Solha e Silva, está sendo
superado por correntes dentro da própria genética que estão incorporando a noção de processo
na conceituação do gene, desta forma, o gene pode novamente se desmaterializar, sendo
entendido não como uma entidade, mas como um processo, como um fenômeno construído
por uma lógica dialética. De acordo com os autores isso só acontecerá,
Com a adoção de uma lógica que permita uma visão mais ampla e aberta, que
reconheça o gene como um processo, que assuma a contradição e a totalidade, a
mediação recíproca e o movimento; que enxergue a realidade dos fenômenos e não
162
das coisas. Em síntese, uma lógica dialética; percebendo que o gene volta às suas
origens, ou seja, pode ser entendido como objeto construído racionalmente. Sua
real existência é dependente dos modelos teóricos que lhe dão sentido. Fora destes
modelos este objeto não se sustenta. Sua utilidade teórica se dissipa. (Solha; Silva,
2004).
Para finalizar, destaco algumas aproximações e diferenças entre as visões de mundo de
Beatriz e Caio. Beatriz demonstra toda a força de sua perspectiva relacional e
dessubstancializadora, ao falar de cruzamentos. Ela mostra como seu objeto é concebido na
relação.
Porque o que você é a pessoa ou o cachorrinho, ou a drosóphila né, é aquele
individuo que vai cruzar com aquele outro, por isso que a gente trabalha com isso,
com cruzamentos. Na biologia molecular é uma coisa diferente, porque pode chegar
extrair, pegar um pouco de sangue aqui, extrai, você tem o gene. E aqui você não
tem. Isso aqui [apontando para um desenho que representa o genótipo de um ser
qualquer] é o que você está imaginando, o que está por trás daquele individuo que
você tá vendo. Você tem que fazer cruzamentos (Beatriz, e3).
Se você for AA ou bb, eu vou saber disso se você cruzar com uma mulher e ai
dependendo dos filhos que vocês tiverem eu possa inferir que o seu genótipo é aquele,
como a gente fez com as drosophilas (Beatriz, e3).
Em um primeiro momento pode-se pensar que ela ainda substancializa, porque parte
da identificação dos fenótipos
155
, mas a manipulação dar-se á na seleção, no cruzamento. Da
mesma forma, o uso da matemática e da estatística fortalece a simbologia dos genes, dando
ênfase em aspectos relacionais e enfraquecendo a concepção da matéria em termos
substanciais. Beatriz analisa seu objeto em uma série indeterminada, é assim que tem sentido
estudar evolução em populações de drosophila. A ciência de Beatriz é abstrata porque ela não
lida diretamente com seu objeto: os cromossomos. Ela lida com os seres vivos, utilizando os
cruzamentos e a identificação do fenótipo da prole para se chegar aos genótipos dos parentais.
Contudo, Beatriz faz questão de destacar a identidade entre a genética clássica e a biologia
molecular “Porque uma coisa depende da outra, porque quando eu falo: dna ou cromossomo
ou gene ou cruzamento, no final a gente falando da mesma coisa né. A matéria é a mesma,
às vezes com abordagem diferente” (Beatriz, e3). Como indicaram Solha e Silva, o gene como
corpo molecular (material) é um traço comum dentro da disciplina científica, biologia
molecular. No entanto, segundo os autores, existem correntes que estão trazendo para o
conceito de gene a lógica dialética. Neste caso, digo que Caio está vinculado à perspectiva
155
Conjunto de características observáveis, aparentes, de um indivíduo, de um organismo, que exprime tanto
fatores hereditários (genótipo) como também modificações trazidas pelo meio ambiente.
163
que ainda os genes dentro de um conceito estático, localizado em um espaço determinado,
com funções definidas e/ou esperadas
156
.
Vê-se que Beatriz e Caio trabalham com a idéia de uma ontologia da matéria de que
são formados os seres vivos e dos processos de transmissão da hereditariedade. A explicação,
nestes casos, vale tanto para uma drosophila, uma bactéria, um ser humano ou uma ovelha,
por exemplo. É isso que Caio quer dizer quando diz tratar dos plasmídeos de uma forma
ontológica. É claro que a manipulação que Beatriz opera não se confunde com a manipulação
que Caio realiza diretamente no que eles consideram ser a chave para desvendar a existência,
funcionamento e transmissão das características hereditárias: os genes. Enquanto para Beatriz
a manipulação acontece, principalmente, na seleção dos casos e na manipulação dos
cruzamentos, em Caio ela acontece acessando a matéria, construindo um fenômeno material,
dando existência corpórea aos genes, ao dna, através dos diversos experimentos de
manipulação molecular. O simbolismo também é um aspecto que as duas disciplinas (genética
clássica e biologia molecular) herdaram do processo de autonomização do campo
(BOURDIEU, 2004b:70). No entanto, Beatriz tem na estatística e na teoria da probabilidade,
grande parte de seu poder de explicação e previsão, enquanto que a Caio prioriza as técnicas e
procedimentos que possibilitem construir materialmente os genes, fazer os genes aparecer
157
.
Enfim, essa busca maximinimizada
158
pela decomposição do corpo em entidades
isoladas, concretas, aproxima a genética dos modelos da física mecânica. De acordo com
mudanças que vêm sendo realizadas no conceito de gene, talvez o modelo mecânico de corpo
(daí a maquinaria de reprodução da célula), seja suplantado por um modelo quântico: novo
paradigma para a biologia molecular. Com efeito, cabe aos cientistas sociais antecipar esta
mudança de movimento, antecipando também o debate a respeito das implicações éticas
envolvidas em pesquisas que tomam o corpo como objeto, para, quem sabe, nos livrar da ética
a posteriori que tem dominado esse campo de conhecimento.
156
No sentido de que as funções são (supostamente) conhecidas pelos cientistas e/ou são esperadas dentro de
um rol de possibilidades de funções. O que difere, por exemplo, se for mudada a forma como se tem entendido
os genes como falam Solha e Silva, podendo abrir novos leques de entendimento deste processo chamado gene.
157
Contudo, nada impede que um outro docente-pesquisador qualquer, se for lecionar o módulo biologia
molecular, possa enfocar, por exemplo, a bioinformática. Relevando, dessa forma, os símbolos e as operações
matemáticas que possam equilibrar a balança das perspectivas material e relacional.
158
O conceito diz respeito ao desenvolvimento de métodos, técnicas e de uma visão sobre o objeto que privilegia
a dimensão molecular nas análises. Maximinimizar quer dizer: a existência de uma crença de que no molecular,
no aspecto físico-químico está o segredo do domínio da vida, assim constitui-se todo um aparato teórico que
sustentação a esta crença. Concomitantemente (e também a base real para a crença) ocorre a construção de
estruturas cada vez menores e mais complexas (o desenvolvimento de chips é exemplar neste caso) e
desenvolvimento de aparelhos que analisem a matéria em nível molecular.
164
Considerações finais
Em primeiro lugar, a pesquisa realizada permitiu um aprofundamento da teoria do
campo de Bourdieu. Ao confrontar seu modelo com a construção de um caso particular (a
prática de dois docentes-pesquisadores do departamento de genética da UFRJ), foi possível
perceber que, embora para Bourdieu, acumular os dois tipos de capital científico puro e
institucional seja extremamente difícil, no caso do objeto desta pesquisa, essa acumulação
se mostrou possível sim, e ainda de forma simultânea, a partir da relação entre elementos
externos e internos ao campo, como por exemplo, a forma como se organiza a pesquisa
científica nas universidades públicas brasileiras, os requisitos impostos pelas instituições que
financiam estes pesquisadores, e também, da forma como os cientistas se organizam nos
laboratórios do departamento. Da mesma forma, segundo o que a análise da trajetória de
Beatriz indicou, a mudança de área sempre trará para aquele que se transfere de uma área para
outra, um acréscimo de trabalho, devido ao processo de acumulação do capital específico que
circula naquela área para a qual mudou. Isso demonstra que as conversões entre áreas não
trazem somente lucro para o cientista. Mesmo que estas conversões forem para áreas que se
situam, na hierarquia das ciências, abaixo da que o cientista se encontra, ele terá que
165
desenvolver a libido própria ao campo, ou seja, incorporar os esquemas de pensamento e de
ação que permitem falar em interesse neste campo, que este interesse, como interesse
particular, envolve o acordo tácito sobre valer ou não valer a pena lutar pelas coisas que estão
em jogo ali.
A pesquisa empírica possibilitou tornar mais claros os nexos entre os diversos
elementos que concorrem para que um docente-pesquisador do departamento de genética se
encontre na posição em que se encontra na distribuição de capital no departamento. A chefia
de laboratório sendo o princípio de acumulação desigual de capital no campo, investe os
pesquisadores do poder de dominar os meios de produção e reprodução da área, permitindo,
dessa forma, que o cientista maximize as contribuições dos diversos elementos (penso nos
orientandos, técnicos, aparelhagem, espaço físico, colaborações, artigos, cargos,
financiamentos, etc.) que, em conjunto, concorrem para a consagração do cientista no campo.
O acesso à chefia permite ao cientista figurar como líder em várias linhas de pesquisa dentro
do laboratório. Cada aluno que desenvolve sua própria pesquisa (de iniciação científica,
mestrado ou doutorado) contribui, também, para a consagração do professor junto aos
institutos de financiamento, que, de acordo com o que se demonstrou, a lógica das
instituições de financiamento na liberação de verba para pesquisa é baseada no número de
publicações em periódicos, que, por sua vez, são avaliados de acordo com critérios que visam
hierarquizá-los em A, B, ou C
159
. Sendo assim, cada pesquisa desenvolvida no laboratório por
alunos, contribui para aumentar o crédito do chefe de laboratório, haja vista, que todas as
pesquisas resultam em artigos (mas não somente em artigos) que levarão o nome do chefe do
laboratório.
A estrutura de distribuição de capital que construí não deve ser tomada de forma
estática, mas sim como uma configuração específica, determinada, que se erigiu com base em
certos elementos do campo, dentro de um período delimitado. Por isso, deve-se dar mais valor
à lógica de acumulação do capital e às diversas formas que este assume (chefia de laboratório,
artigos, títulos, aparelhagem, orientações, financiamentos, etc.), e como estas formas se
relacionam, do que à estrutura fixa como se apresenta nos quadros. Assim, por exemplo,
sendo a chefia de laboratório o princípio de acumulação desigual de capital no campo, em
uma situação hipotética onde um dos chefes de laboratório perde a chefia deste, é de se
esperar que sua produção sofra um decréscimo pela perda do monopólio das condições de
(re)produção da área, neste caso, o laboratório e os outros elementos vinculados a ele e
descritos acima. Ou ainda, um Laboratório que tenha uma redução em sua verba, verá sua
159
Conferir Qualis das áreas no endereço eletrônico da CAPES: <http://qualis.capes.gov.br/>.
166
produção cair, seu número de artigos ser reduzido, e o recrutamento de discentes também
diminuir.
Sendo o campo o lugar de uma luta pelo monopólio da autoridade científica
(BOURDIEU, 1994), quanto mais alto estiver o pesquisador na hierarquia construída, maior
será a probabilidade de impor a seus pares uma definição das formas legítimas de se fazer
ciência. O caso do laboratório de virologia molecular, onde pesquisam Arthur, Marco, Rafael
e Renato, é exemplar. Através de uma série de vultosos financiamentos, conseguidos por meio
do acesso a cargos temporais fora do departamento de genética, estes pesquisadores chegam a
subverter a problemática do espaço ali, construindo um anexo de três andares ao laboratório.
Este laboratório agora é um dos poucos no Brasil, reconhecidos pela CTNBio (Comissão
Técnica Nacional de Biossegurança), para lidar, de forma segura, com vírus e bactérias que
envolvam perigo de contaminação. Com alta produção em artigos, grande número de
orientandos, bolsistas, estagiários, verba, espaço e aparelhagem adequada, o laboratório de
virologia molecular, por meio de seus pesquisadores, consegue balizar as formas de se fazer
ciência no departamento, seja recrutando mais discentes, realizando mais pesquisas em
associação (conferir no anexo 1, quadro 7: Média de Autores por Artigo para os Docentes-
pesquisadores do Departamento de Genética), seja trabalhando com novos aparelhos que,
conjugados com outros, oferecem novas formas de se analisar a matéria orgânica.
A trajetória de Caio e Beatriz não foge ao esquema que Bourdieu propõe, que a
tomada de posição de ambos retira sua lógica do capital acumulado (por exemplo, quando
Beatriz requer o monopólio da disciplina e abre uma linha de pesquisa na pós-graduação, ou
quando Caio usa o capital que acumulou na biologia marinha, ecologia e genética, para propor
pesquisas na área da interação), da posição que ocupam no espaço das posições (quando
Beatriz se apóia na aparelhagem conseguida por Armando para iniciar suas pesquisas em
biologia molecular, ou quando Caio, a partir dos contatos que teve em seu doutorado e pós-
doutorado com pesquisadores do CDC e da University of Michigan, estende estes contatos
para suas colaborações como chefe de laboratório) e das disposições ou habitus (quando Caio
continua a pesquisar na área que vem pesquisando desde sua graduação em biologia marinha,
fazendo uso de seus conhecimentos em química, e sendo o único pesquisador do
departamento que coloca sua formação técnica em química em seu currículo Lattes. Ou
quando Beatriz passa toda sua formação acadêmica pesquisando na área de evolução em
drosophilas no mesmo laboratório onde hoje é pesquisadora, e nem percebe que vem
acumulando capital e desenvolvendo disposições também na área de educação).
167
A visão de mundo de Caio e Beatriz, que emergiu nas práticas teóricas e de
laboratório, nas entrevistas, e nas visitas que fiz aos laboratórios onde pesquisam, demonstra
que ambos têm visto o corpo como algo que pode ser manipulável. Se Beatriz apresenta mais
elementos discursivos que indicam a força dessa visão de corpo manipulável, construído (já
que a genética clássica não acessa a matéria, mas se vale dos cruzamentos e da seleção dos
casos para manipular), Caio demonstra vincular-se a uma perspectiva que busca construir o
corpo material do gene, através de técnicas que buscam “fazer aparecer” o gene. As metáforas
que ambos utilizam para definir o corpo, indicam, por um lado, que o discurso sobre o corpo
tem se tornado cada vez mais abstrato (os desenhos que Caio apresenta, ou os símbolos que
Beatriz utiliza para definir os indivíduos demonstram isso) e, por outro, que a manipulação
tem sido cada vez mais influenciada por uma visão mecanicista, materialista. Visão de corpo
que não fica somente na dimensão de representação, mas que se tem mostrado cada vez mais
uma visão intimamente vinculada a uma perspectiva de intervenção na matéria orgânica. Por
isso o corpo está sendo cada vez mais construído a partir de nossas
interpretações/representações (sociais) de homem.
Como disse anteriormente, sendo o laboratório um local onde é exercido um controle
minucioso das operações, processos, e dos que ali se encontram, o corpo que emerge na visão
de corpo dos pesquisadores, será um corpo sujeito ao controle, portanto, um corpo construído
entre os procedimentos experimentais e os esquemas de teóricos que dão sustentação a estes
procedimentos. Aqui tem todo o sentido falar de fato científico, mas não como Latour, que o
reduz a sua dimensão textual. O corpo, de fato, que emerge na prática e no discurso de Caio e
Beatriz é o próprio fato científico. Mas o fato não se reduz ao corpo construído, diz também
respeito à dimensão textual, teórica, de que Latour fala. E não seria esse corpo manipulado
que Beatriz apresenta em suas drosophilas com asas pequenas, resultado de uma longa seleção
dos casos? Ou quando Caio apresenta os processos moleculares da célula na forma de um
construto mecânico com ênfase em “fazer aparecer os genes”, em construir sua corporeidade
através de uma série de processos de interpretação, seleção, depuração química,
espectrometria?
A genética, dessa forma, tem oferecido uma prática asséptica aos indivíduos, por meio
da exclusão de traços ou evidências genéticas consideradas anômalas ou na construção de
uma corporeidade orgânica (o gene por exemplo). Construção que, possibilitada pelas técnicas
atuais de manipulação da matéria orgânica em escala molecular, se cada vez mais de
acordo com nossas representações do que deva ser o corpo. E aqui percebe-se que, na
genética, as representações e a matéria estão de tal forma entranhadas que o laboratório se
168
apresenta como o local onde a representação do corpo, e o corpo construído a partir dessa
representação, cada vez mais se confundem.
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Anexos
172
173
Anexo 1
Quadro 2: Financiamentos por docente-pesquisador do Departamento de
Genética para o período 1994-2004*
Heitor André Arthur Armando Yasmin Débora Andréia
1994
INCA
22.500,00US$
CNPq
4.400,00US$
CAPES
2.400,00 US$
PADCT
33.000,00 US$
CNPq
5.250,00 US$
CAPES
2.700.00 US$
FAPERJ
5.450,00 US$
FUJB
1.500,00 R$
CNPq
2.363,00 R$
CNPq
397,00 US$
CAPES
1.360,00 R$
CNPq
397,00 US$
CNPq
763,00 R$
CAPES
1.360,00 R$
UFRJ
250,00 R$
CNPq-PADCT
84.526,72 US$
CEE
75.000,00 US$
F. Rockfeller
16.000,00 US$
Reino Unido
20.000,00 US$
FAPERJ
20.000,00 R$
CNPq
2.000,00 R$
CNPq
1.600,00 R$
CAPES
1.500,00 R$
1995
INCA
6.000,00 US$
CAPES
3.893,00 R$
UFRJ
500,00 R$
PAEP
2679,02 R$
PADCT
40.336,00 US$
1996
PNUDDST/AIDS
160.000.00R$
FAPERJ
15.000.00 R$
FUJB
5.000,00 R$
CNPq
10.000,00 R$
1998
CAPES
6.000,00 R$
CNPq
145.000,00 R$
FAPERJ
10.000,00 R$
UFRJ
6.400,00 R$
CNPq
1.600.00 US$
FUJB
20.173,00 R$
CAPES
1.287,48 R$
CNPq
2.142,84 R$
1999
FAPERJ
2.000,00 R$
PRONEX
8.000,00 R$
2000
FAPERJ
48.000,00 R$
CNPq
49.000,00 R$
PEW
30.000,00 US$
FAPERJ
15.000,00 R$
2002
FAPERJ
24.000,00 R$
NIHAIDS
90.000,00 US$
M.S.
1.010.000,00 R$
ANVISA
31.000,00 R$
CNPq-
Bioinformática
62.000,00 R$
NIH-FIRCA
32.000,00 US$
CNPq
15.000,00 R$
FAPERJ
14.631,00 R$
CNPq
50.000,00 R$
FAPERJ/Genoma
30.000,00 R$
FAPERJ/Proteoma
30.000,00 R$
2003
PRONEX
40.000,00 R$
INCA
90.000,00 R$
CNPq
7.800,00 R$
INCA-bolsas de
Pós-graduação
18.000,00 R$
CNPq
49.900,00 R$
FAPERJ
56.000,00 R$
CNPq
45.000,00 R$
NIH
270.000,00 R$
PNDST/AIDS-M.S.
180.000,00 R$
FAPERJ
48.000,00 R$
CDC-Global AIDS
50.000,00 R$
FAPERJ
100.000,00 R$
Laboratórios
privados
240.000,00 R$
CNPq
20.000,00 R$
CNPq-Bioinformática
27.000,00 R$
NIH/FIRCA
32.000,00 US$
FAPERJ
20.000,00 US$
CNPq
50.000,00 R$
CNPq
5.200,00 R$
PROAP
4.053,00 R$
CNPq
50.000,00 R$
CNPq
1.500,00 R$
FAPERJ
20.000,00 R$
FAPERJ
15.000,00 R$
PROAP
3.000,00 R$
2004
FAPERJ
54.000,00 R$
CNE-IV
24.000,00 R$
CNPq
11.000,00 R$
CNPq
3.000,00 R$
FAPERJ
3.000,00 R$
NIH/FIRCA
32.000,OO US$
CAPES
50.000,00 R$
CNPq
46.800,00 R$
CNPq
20.000,00 R$
FAPERJ
15.000,00 R$
FAPERJ
24.000,00 R$
174
Martha Cibele Rafael Beatriz Rafael Renato Marco
1995
CEE
56.194,00 US$
1996
CEE
15.000,00 US$
FUJB
5.000,00 R$
1998
CAPES (PROIN)
120.000,00 R$
CNPq
5.000,00 R$
CNPq/PADCT
120.000,00 R$
1999
CEE
15.000,00 €
FAPERJ
8.000,00 R$
FAPERJ
6.000,00 R$
FUJB
2.872,00 R$
FUJB
8.000,00 R$
2000
FAPERJ
15.000,00 R$
CEE
9.000,00 €
CEE
28.000,00 €
2002
CEE
40.000,00 €
CNPq/FAPERJ
PADCT
105.000,00 R$
FAPERJ
48.000,00 R$
FAPERJ
7.000,00 R$
CAPÉS /
PAPED
5.000,00 R$
2003
FUJB
5.835,00 R$
CNPq
50.000,00 R$
EMBRAPA
200.000,00 R$
FAPERJ
24.000,00 R$
CNPq
88.855,00 R$
CODEPE
240.000,00 R$
PNDST/AIDS/SVS/MS
230.000,00 R$
CAPES
(PAPED)
4.951,00 R$
CODEPE
240.000,00 R$
MS
230.000,00 R$
FAPERJ
181.589,00
R$
FAPERJ/CNPq
28.000,00 R$
2004
CNPq,
CAPES,
FAPERJ
28.000,00 R$
EMBRAPA
130.000,00R$
CEE
60.000,00 R$
CEE
140.000,00 €
FAPERJ
16.000,00 R$
CNPq/
Bioinformática
31.000,00 R$
CNPq
9.000,00 R$
PEPFAR-CDC
938,000,00 US$
FINEP/M.S.
1.322.504,00 R$
UNESCO/M.S.
156.000,00 R$
NIH
50.000,00 US$
PEPFAR –CDC
613.000,00 US$
PEPFAR-CDC
325.000,00 US$
FINEP/SICT/SE/SAS
Ministerio da Saúde
156.000,00 R$
UNESCO/M.S.
156.000,00 R$
NIH-USA
50.000,00 US$
175
Gustavo Caio Ovídio Fernão Cinthia
1994
CNPq
4.300,00 R$
FUJB
4.000,00 R$
FUJB
3.400,00 R$
CAPES
800,00 R$
CNPq
700,00 R$
1995
CNPq
2.300,00 R$
Taxa Bancada
3.000,00 R$
FUJB
2.200,00 R$
1999
CEE
28.000,00 €
2000
FAPERJ
15.000,00 R$
CEE
24.000,00 €
CNPq
15.000,00 R$
2002
CNPq
25.000,00 R$
FAPERJ
15.000,00 R$
FAPERJ
40.000,00 R$
CNPq
4.000,00 R$
UFRJ/SR3
3.639,00 R$
PADCT/RIO
35.870,40 R$
CNPq
12.000,00 R$
2003
CNPq
24.970,00 R$
FAPERJ
69.540,00 R$
CNPq/FAPERJ (PADCT-RIO)
350.000,00
CAPES
12.000,00 R$
CNPq
7.000,00 R$
2004
FUJB
5.000,00 R$
* Alguns pesquisadores não conseguiram financiamentos em determinados anos. Por isso, no quadro, alguns anos foram
pulados.
Lista de siglas:
ANVISA: Agencia Nacional de Vigilância Sanitária. CAPES: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoas de Nível Superior
CDC: Center for Disease Control and Prevention. CEE: Comunidade dos estados europeus. CIPRA: Programa Internacional
Abrangente de Pesquisa em Aids. CNPq: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. ECLAMC:
Estudio Colaborativo Latinoamericano de Malformaciones Congênitas. EMBRAPA: Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária. FAPERJ: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro. FINEP: Financiadora de Estudos e
Projetos. FIRCA: Projetos Fogarty International Center. FUJB: Fundação Universitária José Bonifácio. INCA: Instituto
Nacional do Câncer. NIH: National Institutes of Health. PADCT: Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e
Tecnológico. PAEP: Programa de Apoio a Eventos no País. PAPED: Programa de Apoio à Pesquisa em Educação a Distância.
PEPFAR: President's Emergency Plan for AIDS Relief. PEW: Pew Charitable Trust. PNDST: Programa Nacional de Doenças
Sexualmente Transmissíveis. PNUD: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. PROAP: Programa de Apoio à
Pós-Graduação. PRODOC: Programa de Apoio a Projetos Institucionais com a Participação de Recém-Doutores. PROIN:
Programa de apoio à integração Graduação-Pós-graduação. PRONEX: Programa de Apoio a Núcleos de Excelência. SVS:
Secretária de vigilância sanitária. UFRJ: Universidade Federal do Rio de Janeiro. UNESCO: Organização das Nações Unidas
para a educação, a ciência e a cultura.
176
Quadro 3: Publicação anual de artigos por docente-pesquisador do
Departamento de Genética no período 1971-2006
Yasmin
Ovídio
Heitor
Andréia
André
Débora
Arthur
Renato
Fernão
Armando
Beatriz
Mauro
Cinthia
Rafael
Cibele
Marco
Martha
Caio
Telles
Gustavo
1971 1
1972 1
1973 2
1974 1
1975 1
1976 6
1977 1 3
1978 3 1
1979 1 1
1980 5 2 1
1981 2 2 1 2 2 2
1982 3 4 9 1 1 1
1983 2 2 1
1984 2 1
1985 2 1 1 1 1
1986 2 2 1 1 1 1
1987 1 3 2 1
1988 1 1 5 1 2 1
1989 10 2 1 1 1 1
1990 1 1 4 1 2 1 1
1991 5 6 1 1 2 2 2 3
1992 1 3 4 2 1 1 2 2 2 1
1993 3 1 1 6 2 1 2 1
1994 3 2 2 5 1 1 1 2 2
1995 3 2 2 4 3 1 1 1 1 1 1
1996 2 1 7 1 1 5 2 1 1 1
1997 1 3 1 3 5 2 1 1 2 2 1 1 3 1 1 2
1998 1 1 5 1 2 5 9 1 1 1 1 1 1 1 1
1999 3 1 9 1 5 2 4 1 2 3 2 2 2 1
2000 3 1 4 1 4 4 7 1 1 1 3 1 3 1 2
2001 3 1 6 1 1 3 2 2 1 2 1 4 1 5
2002 4 4 1 3 2 5 3 1 2 1 2 1 3 2
2003 6 1 6 2 1 5 3 2 1 2 4 3 4 4 1
2004 4 6 1 5 9 1 1 1 3 5 1 7 6 2
2005 3 6 2 8 5 1 2 2 1 5 6 2 2 1 1
2006 3 1 2 4 6 2 2 2 1 7 2 3 1
177
Quadro 7: Média de autores por artigo para os docentes pesquisadores do
Departamento de Genética
Média de autores
por artigos.
Heitor S. 4,7
André S. 3.3
Arthur T. 6,4
Armando B. 3,4
Yasmin O. 4,9
Débora O. 4,4
Andréia C. 3,6
Martha M.
5,1
Cibele R. 3,9
Rafael B. 8,2
Beatriz B. 4,1
Marco S. 8,6
Ovídio L. 3,4
Renato M.N. 3,8
Caio S. 5,5
Fernão F. 4
Mauro F. 5,7
Cinthia A. 3
Gustavo S. 6,2
Fernando. T.
4,3
178
Anexo 2
Acumulação de capital em educação dos professores vinculados à linha de
pesquisa “Educação em Genética” da pós-graduação em genética do
Departamento.
Beatriz Cibele André
Cargos. 1
Trabalhos completos publicados
em anais de congressos.
1
Trabalhos técnicos. 2
Apresentação de trabalho
em eventos.
2 1
Cursos. 3
Desenvolvimento de material
didático.
4 3 2
Participação em bancas
examinadoras.
3 1
Participação em eventos. 2
Participação em bancas de
comissões julgadoras.
2
Organização de eventos. 1
Orientações. 2
Bolsistas. 2
179
Anexo 3
Desenho A
Fonte: ilustração retirada do livro Biologia da Células, e disponível no endereço eletrônico:
<http://www.moderna.com.br/didaticos/em/biologia/temasbio/transparencias/> Acesso em: 12 jul. 2006.
180
Desenho B
Fonte:<http://www.virtual.epm.br/cursos/biomol/biom.htm> Acesso em 23 ago. 2006.
Desenho C
Tradução: refere-se a todo o processo pelo qual a sequência de bases de um mRNA é usada para unir
aminoácidos para a formação de uma proteína.
Fonte:<http://www.virtual.epm.br/cursos/biomol/biom.htm> Acesso em 24 ago. 2006.
181
Desenho D
Iniciação da síntese protéica em eucariotos.
Fonte: <http://www.virtual.epm.br/cursos/biomol/biom.htm> Acesso em: 23 ago. 2006.
182
Anexo 4
Roteiro para as entrevistas com os pesquisadores Caio e Beatriz.
Histórico acadêmico
- Histórico no Instituto de Biologia e no Departamento de Genética
-Formação acadêmica: se foi bolsista em Instituições financiadoras de pesquisa na graduação,
mestrado e doutorado.
-Exerceu ou exerce algum cargo administrativo no Instituto/Departamento? Qual cargo?
Período? Como conciliou sala de aula e função administrativa?
-O Instituto está formando que tipo de profissionais? Pode-se perceber isso a partir de que?
Pesquisa
-Todos os professores são pesquisadores? Todos os pesquisadores são professores?
-Quantas pesquisas você está desenvolvendo atualmente? Quantos bolsistas, monitores e
pessoal técnico estão envolvidos nestas(s) pesquisa(s)?
-O laboratório recebe verba/incentivo de entidades, ONGs, empresas, Instituições, bancos,
para a realização de alguma destas pesquisas?
-Qual é a estância superior do instituto?
-Os pesquisadores têm de buscar verba p/ os laboratórios, ou os departamentos fazem isto
(sozinhos ou em conjunto com os pesquisadores?)
-O que leva em consideração p/ escolher um bolsista, um monitor que vai trabalhar com você?
-Sobre os profs. pesquisadores que não tem laboratório próprio, qual o caminho para eles
conseguirem seus laboratórios?
-Como institucionalizou-se o laboratório de ....(para o laboratório da Beatriz e Caio)? Esse é o
caminho comum?
-Se você fosse criar uma hierarquia dos laboratórios do departamento de genética, como
ficaria essa hierarquia? E para os departamentos como ficaria essa hierarquia? (perguntar o
que ele(a) levou em consideração p/ hierarquizar os laboratórios e os departamentos:
recursos, reconhecimento dos pesquisadores, pesquisas em andamento ou desenvolvidas, etc.)
(não esquecer de levar em conta o nº de pesquisadores por laboratório)
-No laboratório (para cada professor) existe uma biblioteca ou uma pequena biblioteca para
uso dos pesquisadores, bolsistas, monitores, pessoal técnico?
183
-Pergunta sobre o posicionamento em relação à: pesquisa com células-tronco, mapeamento
genético, clonagem, alimentos modificados geneticamente, possíveis terapias com DNA,
reprodução assistida, etc.
Ensino
-Você foi indicada para lecionar a disciplina genética básica?
-Há quantos anos está lecionando a disciplina genética básica?
-Sobre o retro e o datashow: quando eles começaram a ser usados como recursos didáticos de
uma maneira mais recorrente?
-Como você tem sentido as respostas dos alunos ao uso das transparências e do datashow?
-Como recurso didático, você tem obtido resultados positivos com as transparências (como
você tem percebido? Quais os indicadores utilizados para isso?)
-Sobre o programa de aula: quem o define? Houve mudanças? Quando? Por quê? Os livros do
programa estão acessíveis aos alunos?
Teste de hipóteses (figura 1 – em folha separada)
-Qual o percentual do erro tipo 2 b?
-Perguntar sobre o sentido de se ler o quadro (horizontal ou vertical) para, posteriormente
questionar se o “verdadeiro” fica ressaltado, haja vista que, mesmo sendo o erro tipo 1 uma
rejeição de uma hipótese “verdadeira” o percentual é muito baixo, isso não passaria uma idéia
de que diante de um “fato” considerado “verdadeiro”, dificilmente o pesquisador se
enganaria?
Sobre o cromossomo (figura 2 – em folha separada)
-Quais as possíveis denominações para este desenho?
-Qual a finalidade de se buscar leis ou regularidades nos processos que ocorrem a nível
celular ou molecular?
Prática pedagógica
-Qual o formato de prática pedagógica mais adequada para a biologia: aulas expositivas do
professor(a), seminários, aulas práticas, aulas de discussão de textos/teoria, etc.?
-Qual a importância da aula prática no ensino de genética básica?
184
-Você pede ou pedia a leitura antecipada da matéria?
Roteiro para entrevista com a pesquisadora Beatriz
Produção de conhecimento em genética
1)Onde produz-se conhecimento em genética no pais? Em que tipo de instituições isso vem sendo feito.
Públicas, privadas, ong’s?
2)Como anda o mercado de trabalho na área de genética?
Pesquisa
3)Quando eu falo em “trabalho de bancada” o quê que lhe vem à mente?
4)Os protocolos de técnicas podem ser aprendidos por meio de teoria ou eles necessariamente estão
ligados à prática empírica da pesquisa?
5)Os alunos de uma forma geral, na sua opinião, estão entrando nos laboratórios em que período?
6) A prática de laboratório, ministrada para o terceiro período, consegue passar algo do cotidiano de um
laboratório?
7)Os alunos estão presentes nos laboratórios! eles produzem ciência?
a)os alunos (bolsistas, monitores, estagiários) têm seus nomes em artigos?
8)Em quantos laboratórios do departamento de genética, a genética clássica (que usa os cruzamentos
como ferramenta) está presente?
9)Em todos os laboratórios tem um professor/pesquisador que é o chefe?
10)Dentro do laboratório, qual a diferença entre o chefe do laboratório e outro professor/pesquisador que
está ali?
11)Gostaria que me falasse um pouco sobre os cuidados que devem ser tomados para que um
experimento saia da forma como foi planejado. Ver questão da pureza, da contaminação, da assepsia.
12)Que aparelhos o laboratório dispõe?
13)Qual sua posição em relação a pesquisas com células-tronco? O embrião é vida? Alimentos
trangênicos?
Prática Teórica
14)O ensino da genética também é ciência?
15)Pensando no desempenho dos alunos na sua disciplina! Existem diferenças entre os alunos? Como isso
é visível?
16) tem alguma atividade extra-universidade?
185
Roteiro para entrevista com o pesquisador Caio
Produção de conhecimento em genética
1) Onde produz-se conhecimento em genética no pais? Em que tipo de instituições isso vem sendo feito.
2) Como anda o mercado de trabalho na área de genética?
Pesquisa
3) Relação da matemática com a ciência genética?
4) Quando eu falo em “trabalho de bancada” o quê que lhe vem à mente?
5) Os protocolos de técnicas podem ser aprendidos por meio de teoria ou eles necessariamente estão
ligados à prática empírica da pesquisa?
6) Qual a diferença entre protocolos de técnicas e protocolos de pesquisa?
7) Os alunos de uma forma geral, na sua opinião, estão entrando nos laboratórios em que período?
8) A prática de laboratório, ministrada para o terceiro período, consegue passar algo do cotidiano de um
laboratório? Até que ponto?
9) Os alunos estão presentes nos laboratórios. Eles produzem ciência?
a)os alunos (bolsistas, monitores, estagiários) têm seus nomes em artigos?
10) Em quantos laboratórios do departamento de genética a biologia molecular está presente?
11) Em todos os laboratórios tem um professor/pesquisador que é o chefe?
12) Dentro do laboratório, qual a diferença entre o chefe do laboratório e outro professor/pesquisador que
está ali?
13) Gostaria que me falasse um pouco sobre os cuidados que devem ser tomados para que um
experimento saia da forma como foi planejado. Ver questão da pureza, da contaminação, da assepsia.
14) Que aparelhos o laboratório dispõe?
Prática Teórica
15) O ensino da genética também é ciência professor?
16) Alguns processos que ocorrem na edição da fita de DNA são simultâneos, como escolher por onde
começar?
17) Pensando no desempenho dos alunos na sua disciplina. Existem diferenças entre os alunos? Como
isso é visível?
18) Colocar a questão do plasmídeo de uma forma mais ontológica. O que significa dizer isso?
19) Você pretende lecionar outras disciplinas? Basta você querer, como é essa questão?
20) Como você tem pensado suas aulas?
21) Qual é sua posição em relação a pesquisas com células-tronco? O embrião é vida? Alimentos
transgênicos?
22) Quando você fala em caixa-preta isso quer dizer o quê?
23) Sobre a conjugação. Tem uma expressão “ORI.T Promíscua”, porque promíscua?
24) Atividade extra-universidade?
186
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