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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
SÍLVIA LETÍCIA D’OLIVEIRA DA LUZ
A VALORIZAÇÃO DO PROFISSIONAL DA EDUCAÇÃO E A
CARREIRA DOCENTE: A EXPERIÊNCIA DO GOVERNO DE
FRENTE POPULAR EM BELÉM DO PARÁ
Belém (PA)
2008
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SÍLVIA LETÍCIA D’OLIVEIRA DA LUZ
A VALORIZAÇÃO DO PROFISSIONAL DA EDUCAÇÃO E A
CARREIRA DOCENTE: A EXPERIÊNCIA DO GOVERNO DE
FRENTE POPULAR EM BELÉM DO PARÁ
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Gra
duação em
Educação, da Universidade Federal do
Pará, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de
Mestre em Educação, na linha de
Políticas Públicas, sob orientação da
Profª Drª Olgaíses Cabral Maués.
Belém (PA)
2008
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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) –
Bibliot eca Prof a. Elc y Rod rigues Lacerd a / Institu t o d e C iência s da
Educaç ão/UF PA, Be l ém-P A
Luz, Sílvia Letícia DOliveira da.
A valorização do profissional da educação e a carreira docente: a
experiência do governo de frente popular em Bem do Pará;
orientadora, Profª. Drª. Olgses Cabral Mas. _ 2008.
Dissertação (Mestrado em Educação) Universidade Federal do Pará,
Instituto de Ciências da Educação, Programa de Pós-Graduação em
Educação, Belém, 2008.
1. Educação e Estado Belém (PA). 2. Direitos dos trabalhadores
Belém (PA). 3. Professores de ensino fundamental Belém (PA). I.
Título.
CDD - 21. ed.: 379.2098115
SÍLVIA LETÍCIA DOLIVEIRA DA LUZ
A VALORIZAÇÃO DO PROFISSIONAL DA EDUCAÇÃO E A
CARREIRA DOCENTE: A EXPERIÊNCIA DO GOVERNO DE
FRENTE POPULAR EM BELÉM DO PARÁ
Dissertação de Mestrado apresentada
ao Programa de Pós-
Graduação em
Educação da Universidade Federal do
Pará, como parte
necessários à obtenção do título de
Mestre em Educação na linha de
Políticas Públicas Educacionais.
Aprovada em 28 de março de 2008.
Profª Drª Olgaíses Maués. UFPA.
Orientadora
Prof. Drª Dalila Andrade Oliveira. UFMG.
Prof. Dr. Gilmar Pereira da Silva. UFPA.
A vida pode ser vivida dignamente,
quando se ousa construir,
coletivamente,
os caminhos necessários
à liberdade e à igualdade.
DEDICO este trabalho aos inúmeros
profissionais da educação,
de Belém do Pará,
que lutam, cotidianamente,
pela qualidade da educação pública.
Torna-se fabuloso um espaço como esse, onde construímos o
momento especial do agradecimento, e tenho-o como um pequeno e belo
presente.
Agradeço aos meus pais, Ademir e Osmarina, pela persistência na
orientação para as dificuldades da vida e pela torcida diária. Mãe, você é
uma guerreira inconteste, te amo. Eu vos amo.
Aos meus queridos filhos, Gabriel e Beatriz, que suportaram
minhas ausências e impaciências, mas que me fizeram dormir todas as
noites com os afagos motivadores que só a mim pertenciam,
rejuvenescendo os ideais da luta cotidiana.
Ao meu companheiro de vida e de sonhos, Douglas Diniz, pelo
cuidado, o amor e o apoio incansável que não permitia o desânimo
duradouro.
À minha orientadora, Olgaíses Maués, que foi duramente
paciente e provocadora, ajudando a materializar um momento novo em
minha profissão: o de fazer pesquisa, o de qualificar meus ideais e
minhas certezas militantes.
Um agradecimento especial aos meus camaradas da Corrente Socialista
dos Trabalhadores (CST) que me ensinam e encorajam a descobrir o
verdadeiro significado da luta pelo socialismo e pela liberdade; que
assumiram muitas tarefas que não pude cumprir nos momentos da
construção dessa pesquisa.
Finalmente, um agradecimento especial a todos os que lutam e
sonham e que organizam o bom combate, como os da resistência
palestina e iraquiana, das insurreições no campo e na cidade, dentre
outras, que fazem crescer o enfrentamento antiimperialista e
anticapitalista e que patrocinam as células que contribuem para a
construção da sociedade socialista.
A variedade de determinadas
formas de trabalho pode influir na
consciência, coesão ou atividade
econômica e política da classe
trabalhadora, mas não afeta a
existência dela como classe.
Harry Braverman
(1987, p. 347)
RESUMO
LUZ, Silvia Letícia D’Oliveira da. A valorização do profissional da educação e a carreira
docente: a experiência do governo de frente popular em Belém do Pará. 2008. Dissertação
(Mestrado em Educação)–Centro de Educação–Universidade Federal do Pará. Belém (PA), 2008.
O Estatuto do Magistério de Belém, que regulamenta a carreira e, portanto, a vida funcional dos
profissionais da educação é o tema desta pesquisa, que tem como objetivo analisar as políticas
implementadas para a carreira docente e suas implicações para o desenvolvimento do trabalho do
docente, em Belém (estado do Pará), nos anos de 1997 a 2004. Esse período é considerado
relevante, na pesquisa, porque a prefeitura de Belém esteve sob o comando de um governo que se
autodenominou “governo do povo”, que, para as finalidades deste estudo, chamamos “governo de
frente popular”. Este apresentou, entre outros, um programa que apontava para a valorização dos
profissionais da educação, com ênfase nas garantias do Estatuto do Magistério, ao mesmo tempo
em que sofreu pressões por parte desses profissionais pelo cumprimento de direitos contidos no
referido Estatuto. Para analisar as políticas sobre a carreira docente emanadas desse tipo de
governo, no período de referência, buscamos compreender, de um lado, o macro contexto de uma
realidade de crise do sistema capitalista, a inserção do Brasil nessa realidade, e a realização de
contra-reformas no Estado brasileiro orientadas para auxiliar na superação dessas crises. De outro,
compreender a concepção e o papel de um governo de frente popular, as influências das citadas
contra-reformas em suas políticas, a localização política e econômica de tal gestão, construindo,
assim, o entendimento dos efeitos da dinâmica desses fatores sobre o trabalho docente, em Belém.
Assim, os objetivos específicos que definimos para a investigação foram: 1) identificar as
conseqüências da crise sistêmica do capital e do papel do Estado no processo de trabalho docente;
2) analisar as contra-reformas do Estado brasileiro, a partir de 1990, e os seus efeitos sobre o
trabalho docente; 3) identificar algumas características do governo de Frente Popular, em Belém,
e suas perspectivas programáticas para a valorização dos profissionais da educação; 4) avaliar as
políticas emanadas por tal governo e os efeitos de sua implementação para a carreira docente, em
Belém. Partimos da análise histórica do fenômeno estudado, fundamentando-nos nas elaborações
de Antunes (1995; 1999; 2004), Brzezinski (2007), Chesnais (1996), Engels (1977),Enguita
(1991), Lênin (1986; 1986a), Marx (1980), Maués (2003; 2005; 2006), Moreno (2003; 2003a),
Oliveira (2003), entre outros. Valemo-nos, ainda, de documentos jurídicos e governamentais, bem
como de publicações do movimento docente, como os da Confederação Nacional dos
Trabalhadores da Educação (CNTE) e do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do
Pará (SINTEPP), que nos permitiram compreender as categorias de análise carreira,
remuneração, formação e condições físicas do trabalho no espaço educacional. Coletamos dados e
informações documentais e empíricos, buscando algumas respostas que permitissem identificar,
mesmo nas relações contraditórias apresentadas, as políticas que envolveram a carreira docente, o
governo de frente popular e o movimento docente. Por isso, os sujeitos das entrevistas semi-
estruturadas foram selecionados em função de sua localização funcional e política. Funcional, no
caso dos sete profissionais da educação e de um representante do governo que exercia função de
coordenação, na Secretaria Municipal de Educação; e pela atuação política e sindical no
movimento docente organizado no SINTEPP, em entrevista com dois de seus dirigentes. A partir
do referencial bibliográfico e dos procedimentos metodológicos indicados, pudemos concluir que
o cumprimento de direitos contidos no Estatuto do Magistério de Belém possibilitaria o
desenvolvimento e a valorização da carreira docente, sobretudo quanto a salário e condições
físicas de trabalho, ressaltando que o período analisado foi de efervescência sindical e política
sobre as demandas dos profissionais da educação que buscaram assegurar seus direitos na
realidade de um governo considerado progressista.
Palavras-chave: carreira docente, governo de frente popular; movimento docente.
ABSTRACT
LUZ, Silvia Letícia D’Oliveira da. A valorização do profissional da educação e a carreira
docente: a experiência do governo de frente popular em Belém do Pará. 2008. Dissertação
(Mestrado em Educação)–Centro de Educação–Universidade Federal do Pará. Belém (PA), 2008.
The Statute of the Education Profession which rules the career, and therefore the functional life of
Education professionals, is the theme of this research intended to analyze policies on
teachers’career as well as their implications in the development of teachers’work, in the
municipality of Belém (State of Pará, Brazil), from 1997 through 2004. This time period is
relevant to the research for the city of Belém was under the administration of a self-nominated
“people’s government” which will be called Popular Front government” for the purposes of this
study. The “Popular Front government” program brought forward the valorization of Education
professionals, stressed the guarantees established in the Statute; at the same it time was pressured
by those professionals demanding the government to enforce the Statute, specially teachers’s
rights therein stated. In order to analyze the policies issued by such government within the
mentioned timeframe, we should understand, on the one side, the macro context within which the
crisis of the capitalist system occurs and shapes reality; the insertion of Brazil in this reality and
context; and the counter-reforms carried out in the Brazilian State designed, oriented to help
overcome that crisis. On the other side, to understand the conceptual framework, and the role of a
“Popular Front government”; the influence of the counter-reforms upon its policies; its political
and economic stands concerning management. In this way, we expected to construe the effects
upon teachers’work from the dynamics of those factors, in Belém. Therefore, specific research
objectives were defined, namely: (1) to identify the consequences of the systemic crisis of
capitalism, and those of the State’s role upon teachers’labor; (2) to analyze the counter-reforms of
the Brazilian State from 1990 on, and its effects upon teachers’work; (3) to identify some
characteristics of the Popular Front government, in Belém, as well as its program prospects
regarding valorization of Education professionals; (4) to assess both the policies made by such
government, and the outcomes of its implementation related to the teachers’career in Belém. We
departed from a historical analysis of the phenomenon under investigation based upon the
theoretical support of selected authors, mostly Antunes (1995; 1999; 2004), Brzezinski (2007),
Chesnais (1996), Engels (1977), Enguita (1991), Lênin (1986; 1986a), Marx (1980), Maués
(2003; 2005; 2006), Moreno (2003; 2003a), Oliveira (2003), among others. Besides, we resorted
to a number of legal and governmental documents, as well as to pertinent publications issued by
two labor unions, namely the National Confederation of Workers in Education (CNTE) and the
Union of Workers in Public Education of [the State of] Pará (SINTEPP), that helped to analyze
the chosen categories career, remuneration, teachers education, and working conditions in the
schools environment. Data and information were obtained also from empirical research, in order
to sense, within a contradictory set of relations, the policies affecting teachers’ career, the popular
front government, and the teachers organized movement. For this purpose some Education
professionals were selected for semi-structured interviews, on the grounds of functional as well as
political criterea; as for the functional ones, seven professionals were selected, one of them having
a coordination position in the Municipal Department of Education; as for the political criteria two
Education professionals participated in the research who held leadership positions in the
SINTEPP. The literature review, and the methodological procedures mentioned above allowed for
the conclusion that the enforcement of the Statute of the Education Profession, specally the
teachers rights stated in it, and due, assured by law, would make it possible career development
and valorization, mainly with respect to salary, education, and working conditions. The period of
time examined was marked by effervescence in both labor and political terms as Education
professionals chose to struggle for their rights boldly challenging a progressist government.
Key-words: teachers’ career; Popular Front government; teachers organized movement.
LISTA DE TABELAS
Tabela 1.
Número de greves, grevistas e média de trabalhadores por greve (1992-
1997).
42
Tabela 2.
Indicadores de Desenvolvimento Humano – 2000.
73
Tabela 3.
Distribuição de renda, porcentagem de famílias por faixa de renda,
população urbana.
74
Tabela 4.
Comparação entre as receitas correntes e as despesas com pagamento de
pessoal, da PMB, de 1997 a 1999.
92
Tabela 5.
Gastos da PMB com pagamento de pessoal da SEMEC, nos meses de
janeiro, fevereiro e março de 1999.
93
Tabela 6.
Comparação entre gastos com trabalhadores da educação e os gastos
gerais com pessoal da PMB, em 1999.
93
Tabela 7.
Comparação entre o salário base de professores da educação básica, na
rede municipal de ensino de Belém, e o salário mínimo vigente no
período de 1997 a 2004.
95
Tabela 8.
Reposição salarial e abono pecuniário do funcionalismo municipal, em
2002.
110
Tabela 9.
Distribuição dos professores entrevistados, conforme a situação
funcional (1997-2004).
122
Tabela 10.
Composição dos cargos de provimento efetivo do Grupo Ocupacional
Magistério.
136
Tabela 11.
Composição salarial do Professor Pedagógico, com 8h diárias de
trabalho ou 40h semanais e formação em nível médio.
145
Tabela 12.
Valores das despesas com Educação, considerando os 25%, nos
exercícios de 1999.
147
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABI
Associação Brasileira de Imprensa
ANFOPE
Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação
APEPA
Associação dos Professores do Estado do Pará
BIRD
Banco Interamericano de Reconstrução e Desenvolvimento
CB Ciclo Básico
CELPA Centrais Elétricas do Pará
CEPAL Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe
CINBESA
Companhia de Informática de Belém
CNE Conselho Nacional de Educação
CNTE Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação
CONED Congresso Nacional de Educação
COSANPA
Companhia de Saneamento do Pará
CUT Central Única dos Trabalhadores
CVRD Companhia Vale do Rio Doce
DIEESE
Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos
FAOR Fórum da Amazônia Oriental
FEPPEP Federação dos Professores Públicos do Estado do Pará
FHC Fernando Henrique Cardoso
FMI Fundo Monetário Internacional
FPM Fundo de Participação do Município
FPE Fundo de Participação Estadual
FUNDEF Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério
FUNPAPA
Fundação Papa João XXIII
GATS Acordo Geral de Tarifas e Serviços [General Agreement on Trade and Services]
GFP Governo de Frente Popular
HP Hora Pedagógica
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICMS Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços
IDH
Índice de Desenvolvimento Humano
INPC Instituto Nacional de Preços ao Consumidor
INSS Instituto Nacional de Seguridade Social
IPAMB Instituto de Previdência e Assistência do Município de Belém
IPIExport
Imposto sobre Produtos Industrializados de Exportação
IPMB
Instituto de Previdência do Município de Belém
LDB Lei de Diretrizes e Base da Educação
LRF Lei de Responsabilidade Fiscal
OMC Organização Mundial do Comércio
ONG Organização Não Governamentais
ONU Organização das Nações Unidas
OP Orçamento Participativo
OTAN Organização do Tratado do Atlântico Norte
PAE Programa de Ajuste Estrutural
PCB Partido Comunista Brasileiro
PCdoB Partido Comunista do Brasil
PCCR Plano de Cargos Carreira e Remuneração
PCCS Plano de Cargos, Carreira e Salários
PIB Produto Interno Bruto
PMB Prefeitura Municipal de Belém
PNAD Pesquisa Nacional por Amostras Domiciliares
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PPS Partido Popular Socialista
PSB
Partido Socialista Brasileiro
PSDB Partido Social Democrata do Brasil
PSTU Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados
PT Partido dos Trabalhadores
SEFIN
Secretaria Municipal de Finanças
SEMAD Secretaria Municipal de Administração
SEMEC Secretaria Municipal de Educação e Cultura
SINTEPP Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública no Estado do Pará
UEI Unidade de Educação Infantil
UEPA Universidade do Estado do Pará
UFPA Universidade Federal do Pará
SU MÁRI O
INTRODUÇÃO
13
CAPÍTULO 1
CRISE DO CAPITAL E LOCALIZAÇÃO DO ESTADO: AS
REPERCUSSÕES SOBRE O PROCESSO DE TRABALHO
DOCENTE
24
1.1
A crise sistêmica do capital e seus efeitos sobre o mundo trabalho
27
1.1.1 As mudanças no mundo do trabalho e suas implicações para
o trabalho docente
33
1.2
O papel do Estado na sociedade neoliberal 38
1.2.1 Definição classista de Estado 39
1.2.2 A democracia participativa como legitimadora das políticas
do Estado neoliberal
41
1.3
Experiências de governos neoliberais no Brasil: mudanças no
Estado, mudanças no trabalho
53
1.3.1 As implicações das contra-reformas no Estado sobre o
trabalho docente
62
CAPÍTULO 2
UM GOVERNO DE FRENTE POPULAR NO CONTEXTO
DO CAPITAL: CONSIDERAÇÕES SOBRE AS POLÍTICAS
PÚBLICAS DE VALORIZAÇÃO DO TRABALHO
DOCENTE EM BELÉM DO PARÁ DE 1997 A 2004
68
2.1
A capital do estado do Pará em disputa 69
2.1.1 A localização político-administrativa e social da cidade de
Belém e do estado do Pará
71
2.2
Um governo de Frente Popular no contexto do capital 79
2.2.1 A concepção de governo democrático-popular em Belém 82
2.2.2 As bases programáticas do governo de Frente Popular em
Belém.
89
2.3
Do programa de governo às políticas para a valorização do
trabalho docente.
96
2.3.1 As políticas para a valorização dos profissionais da
educação: desafios e contradições.
97
CAPÍTULO 3
A CARREIRA DOCENTE NO MUNICÍPIO DE BELÉM NO
PERÍODO DE 1997 A 2004.
116
3.1
A localização dos docentes a partir da estruturação da carreira 121
3.2
A carreira como categoria essencial da valorização do trabalho
docente em Belém: os documentos e as falas dos profissionais da
educação, do governo de Frente Popular e do movimento docente.
124
3.3
O Estatuto do Magistério de Belém: os direitos na carreira
docente
134
3.3.1 A formação como componente da carreira do magistério e
da valorização docente.
135
3.3.2 Carreira e valorização salarial docente 140
3.3.3 As condições de trabalho docente em Belém 150
3.4
O tratamento dado pelo governo da Frente Popular em Belém à
carreira docente.
158
CONSIDERAÇÕES FINAIS
176
REFERÊNCIAS
188
ANEXOS
199
ANEXO 1. Roteiro das entrevistas.
200
ANEXO 2. Lei Municipal Nº 7.528, de 5 de agosto de 1991. Estatuto do Magistério de
Belém.
202
ANEXO 3. Prefeitura de Belém. Programas de governo sobre Valorização dos
Profissionais da Educação (1996 e 2000).
210
ANEXO 4. Prefeitura de Belém. Receitas e Despesas. (1997; 1998).
215
ANEXO 5. Prefeitura de Belém. Gastos com pagamento de pessoal 1999 (janeiro,
fevereiro e março).
219
ANEXO 6. Prefeitura de Belém. Tabelas salariais dos profissionais da educação –1997
a 2004.
223
ANEXO 7. Prefeitura de Belém. Termos de Acordos Coletivos–2002; 2003; 2004.
232
ANEXO 8. SINTEPP. Pautas de reivindicações das campanhas salariais de 2000, 2001,
2002, 2003 e 2004.
239
ANEXO 9. Partido dos Trabalhadores, Executiva Municipal de Belém. Nota sobre a
greve dos trabalhadores da educação de 2002.
246
13
INTRODUÇÃO
A efetivação de políticas públicas que valorizassem a ação docente, em aspectos como
salário, carreira, formação e condições de trabalho, foi uma exigência presente em inúmeras
manifestações de luta e reivindicação dos professores, desde a década de 1980, no Brasil.
Esse período, pós-ditadura militar, foi marcado por mobilizações nacionais de
trabalhadores que tinham como eixo os direitos democráticos e as melhorias salariais. Essa
dinâmica de mobilização envolveu categorias profissionais, nos estados e municípios do país,
que exigiam direitos trabalhistas e sociais. Entre essas mobilizações, ressaltamos aquelas
realizadas por professores e técnicos da Educação Básica, em Belém do Pará.
A aprovação do Estatuto do Magistério, dispondo sobre a organização das atividades
dos profissionais da educação, do município de Belém, foi uma das conquistas que es
associada a esse período de efervescência social e política.
O Estatuto do Magistério do Município de Belém, que regulamenta a carreira e,
portanto, a vida funcional desses profissionais, é o tema da pesquisa que ensejou esta
dissertação e que teve como objetivo analisar as políticas implementadas para a carreira
docente, em Belém, no período de 1997 a 2004, verificando as implicações destas sobre o
trabalho docente.
Para os profissionais da educação, o Estatuto do Magistério, do município de Belém,
instituído pela Lei 7.528, de 05 de agosto de 1991, assegurou uma série de direitos no
sentido de organizar o trabalho do professor e do técnico da educação, em especial sua
carreira. Essa era uma demanda que, posteriormente, foi fortalecida com a aprovação da Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que
orientou, no artigo 67, a elaboração de planos de carreira para o magistério público, nas
esferas da federação, como política de valorização profissional.
Um plano de carreira para os profissionais da educação significaria a regulamentação
de direitos e deveres reconhecidos pelo Estado, enquanto promotor político dos interesses que
14
envolvem toda a sociedade. Mas também daria maior reconhecimento ao trabalho docente, no
interior da categoria, asseguraria uma legislação específica referente à profissionalização e
regulamentaria os requisitos necessários à valorização desse profissional.
O Estatuto do Magistério é o único instrumento legal que viabiliza, em Belém, alguma
regulamentação para a carreira, mas que ainda é insuficiente, por não contemplar algumas
demandas que surgiram no interior da profissão e que são imprescindíveis como, por
exemplo, a estruturação e unificação dos cargos que supere a fragmentação da categoria; a
questão do piso salarial profissional; a dedicação exclusiva para todos docentes da rede; a
questão da formação, entre outros.
Apesar de tais limitações, o cumprimento das regulamentações do Estatuto do
Magistério, que é um instrumento fundamental para a vida funcional dos profissionais da
educação, na capital paraense, possibilitaria a valorização docente. Infelizmente, sofreu, ao
longo dacada de 1990, certa estagnação, principalmente nos aspectos relacionados à
carreira.
Diante dessa situação de quase paralisia no cumprimento do Estatuto do Magistério,
foi com muitas expectativas que os profissionais da educação acompanharam as eleições
municipais de 1996, em Belém. Esse processo culminou com a vitória eleitoral, para a
prefeitura de Belém, de um professor e ex-dirigente sindical do movimento docente,
representante dos interesses políticos da esquerda paraense.
Aquele momento político é considerado relevante para esta pesquisa e delimita o
período investigado porque, de 1997 a 2004, esteve no comando da prefeitura de Belém um
governo que se autodenominou Governo do Povo
1
e que apresentou um programa de
valorização dos profissionais da educação, que dava ênfase às garantias do estatuto do
magistério e se propunha a reformulá-lo e a elaborar o Plano de Cargos, Carreira e
Remuneração dos profissionais da educação.
A vitória da esquerda, nessas eleições de 1996, em Belém, esteve associada ao
movimento geral de mobilização que, desde a década de 1980, demonstrou efervescência e
1
Denominação cunhada pelo governo municipal de Belém, eleito em 1996, que dizia: O Governo do Povo
assume a administração de Belém, em janeiro de 97, graças a um movimento de articulação entre várias forças
políticas do campo progressista e de esquerda [...].” (BELÉM, 1999, p. 1).
15
posições contrárias aos interesses dirigentes ligados às oligarquias e burguesia industrial, no
país e no estado do Pará.
Dessa forma, foi uma vitória pautada, essencialmente, pelas perspectivas de
aprofundamento dos questionamentos sobre a forma de se fazer política, no município, que
era definida pelo distanciamento das classes populares sobre as decisões de quem governava e
marcada por políticas de exclusão que aprofundavam as desigualdades sociais.
O novo governo de Belém estava envolvido com expectativas políticas de melhorias
de condições de trabalho, salariais, educacionais, na saúde, na urbanização, entre inúmeras
demandas, e de respeito às classes populares. Ou seja, foi a eleição, para a prefeitura, de um
representante dos interesses sociais da população pobre de Belém, na medida em que defendia
a superação da miséria e da exclusão social.
A combinação desse processo político eleitoral com a referência que é, para os
profissionais da educação, o Estatuto do Magistério de Belém, e nele as formulações sobre a
carreira docente, foi a principal motivação para esta pesquisa, que visa apresentar algumas
análises sobre as políticas emanadas do governo de frente popular
2
para o trabalho docente,
buscando encontrar os efeitos percebidos no salário e na remuneração, na ascensão
profissional, na formação e nas condições estruturais para o desenvolvimento do trabalho.
A necessidade de investigação sobre essa situação econômica e social dos
profissionais da educação e sobre as demandas dos docentes, em meio a um governo que
afirmava ser o representante da classe trabalhadora, surgiu da relação entre duas experiências
vivenciadas, pela pesquisadora, em Belém.
A primeira se refere ao esforço profissional, em sala de aula, na rede municipal de
ensino de Belém, que fez emergir inquietações relacionadas ao trabalho do professor da
educação básica como, por exemplo, a lotação das turmas; a carência de materiais didáticos; o
acúmulo de atividades desenvolvidas pelo professor; as exigências feitas ao profissional a
cada mudança de currículo; os salários insuficientes, a falta de mobilidade na carreira, dentre
outros aspectos.
2
Termo usado, nesta pesquisa, para denominar o governo que administrou Belém, no período de 1997 a 2004.
Esse governo se autodenominou governo do povo”, governo democrático e popular”, dentre outras. Com o
programa democrático e popular desenvolvido, a partir das concepções de um governo dito de esquerda e do
papel de conciliação no contexto do sistema capitalista, concordamos com Moreno (2003) e escolhemos utilizar
a denominação governo de frente popular.
16
Um segundo momento se relaciona à experiência no movimento sindical e político, a
partir da participação na direção do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública no
Estado do Pará (SINTEPP), de 1998 a2005, e durante militância orgânica, no Partido dos
Trabalhadores, de 1990 até 2003.
Essas duas experiências possibilitam a qualquer pessoa uma compreensão mais geral
dos problemas dos educadores e da educação num contexto municipal. Da mesma forma,
oportunizou a inúmeros militantes políticos e sindicais a percepção das contradições que
ocorreram na relação do governo de frente popular com os movimentos sociais, em especial
com o SINTEPP e sua base social; assim como as contradições que emergiram no
desenvolvimento de políticas que estivessem vinculadas às perspectivas programáticas do
governo.
Essa experiência sindical e profissional, no período de desenvolvimento de um
governo que reivindicava um programa mais popular, possibilitou diagnosticar que o referido
governo se efetivou sobre uma realidade na qual as condições de trabalho dos professores, nas
escolas de Belém, apresentavam problemas de todas ordem, que referenciadas pela
dinâmica das mudanças no mundo do trabalho. Destacam-se, como exemplos, as condições
estruturais inadequadas de espaço escolar e de instrumentos de trabalho; a diminuição da
composição salarial; a estagnação da carreira do magistério; a insuficiência no quadro de
professores e, portanto, a sobrecarga de trabalho; o adoecimento crescente; a falta de
autonomia, no espaço escolar, e um aparente desânimo na ação docente, dentre outras
situações.
O governo que assumiu a gestão de Belém, em 1996, sofreu inúmeras pressões, por
parte dos profissionais da educação, para encaminhar as resoluções dos problemas mais
imediatos da categoria, visto que evidenciava, em seu Programa de Governo, propostas de
valorização no trabalho dos referidos profissionais.
O desenvolvimento das políticas educacionais iniciava pelo discurso da reversão de
prioridades e da participação popular. Por isso, torna-se essencial conhecer os caminhos
trilhados para compreender quais as contribuições efetivas desse governo, no que foi possível
avançar, e se, realmente, as políticas implantadas significaram alguma mudança qualitativa no
desenvolvimento do trabalho docente.
17
Com as mudanças no mundo do trabalho, que impõem um novo paradigma produtivo
de acumulação flexível, constata-se, segundo Neves (2000), que existem mudanças na
formação técnica, ética e política da força de trabalho, e, também, na maneira de pensar e agir
do homem contemporâneo. São mudanças impostas pela conjuntura mundializada, com ações
políticas e econômicas que pretendem manter a hegemonia do capitalismo por meio de um
projeto estratégico chamado de neoliberalismo, que demonstram em todos os aspectos que
não têm dado certo para os setores menos favorecidos do sistema, na medida em que não
resolvem uma questão social elementar: a de desenvolver as forças de trabalho humano.
O trabalhador está economicamente mais pobre, na sociedade neoliberal, com baixos
salários, aumento da carga-horária, desvalorização da carreira, contratos temporários etc.
O 1% mais rico do mundo aufere tanta renda quanto os 57% mais pobres. A
proporção, no que se refere aos rendimentos, entre os 20% mais ricos e os
20% mais pobres no mundo aumentou de 30 para 1 em 1960, 60 para 1 em
1990 e 74 para 1 em 1999, e estima-se que atinja os 100 para 1 em 2015. Em
1999-2000, 2,8 bilhões de pessoas viviam com menos de dois dólares por
dia, 840 milhões estavam subnutridos, 2,4 bilhões não tinham acesso a
nenhuma forma aprimorada de serviço de saneamento, e uma em cada seis
crianças em idade de freqüentar a escola primária não estava na escola.
Estima-se que cerca de 50% da força de trabalho não-agrícola esteja
desempregada ou subempregada. (MÉSZÀROS, 2005, p. 73-74).
São dados impressionantes que revelam a grande concentração de riqueza nas mãos de
poucos e a redução de muitos a uma condição de vida precária e desumanizadora. Tomando
por base tais dados, fica evidente que o dito progresso industrial, científico e tecnológico o
beneficia a todos. Os bens materiais e culturais não estão igualmente ao alcance de todos.
A fase atual do capitalismo é de extrema concentração de riqueza nas mãos de poucos
bilionários, enquanto mundializaram a miséria para aqueles que valorizam o capital pelo seu
trabalho. Essa dinâmica de desenvolvimento do capitalismo não se sem desequilíbrios
econômicos e políticos, e podemos evidenciar crises profundas e estruturais no sistema de
acumulação capitalista.
A realidade de crise foi objeto de análises, exatamente para nos permitir caracterizar o
atual desenvolvimento do sistema capitalista e, a partir daí, compreender as políticas
implementadas pelos Estados nacionais, na perspectiva de superação dessa realidade.
18
Partindo dessa necessidade de análise, na pesquisa, verificamos que vários
mecanismos foram desenvolvidos pelo sistema e incorporados pelo Estado, como a
mundialização do capital, para permitir novas formas de acumulação; a reestruturação no
mundo do trabalho, para diminuir os custos com o trabalho, aumentando a exploração e a taxa
de lucro do capitalista; e o neoliberalismo, como instrumento econômico, político e
ideológico, que permite livre desenvolvimento do mercado para beneficiar a acumulação.
Nesse sentido, diante das novas configurações no Estado e no mundo do trabalho,
percebe-se uma supremacia do capital sobre o trabalho e a relevância que tem o Estado como
agente fundamental garantidor dessa supremacia, exigindo novas formas de gerenciamento e
controle e diminuindo a oferta de serviços sociais. Assim, compreendendo a dinâmica que
subsidia a implementação das políticas públicas no Brasil, verificaremos suas influências
sobre o trabalho docente, em Belém do Pará.
Os efeitos das mudanças no mundo do trabalho, no Brasil, produziram conseqüências
alarmantes para os trabalhadores, dentre as quais o enorme desemprego estrutural que,
segundo Antunes (1999) , provoca um crescente contingente de trabalhadores em condições
precarizadas de trabalho, seja na forma de contratação, seja na restrição aos direitos
trabalhistas, dentre outros aspectos.
Esses e outros elementos que configuram a chamada precarização do trabalho são
visíveis, também, no desenvolvimento do trabalho docente, por meio dos baixos salários, do
desrespeito a direitos trabalhistas; do aumento de horas de trabalho; do descumprimento do
que reza a legislação sobre a valorização da carreira; da política de aumento salarial via
gratificação de desempenho; e das múltiplas e flexibilizadas funções quando da divisão por
especialidades, enfraquecendo o trabalho como atividade totalizante. Assim, é possível
perceber certo estranhamento dos professores em relação ao próprio trabalho: sentem-se
impotentes, defasados, despreparados para responder às atuais demandas da profissão.
Os objetivos que definimos para esta investigação foram: 1) identificar as
conseqüências da crise sistêmica do capital e do papel do Estado sobre o processo de trabalho;
2) analisar as contra-reformas no Estado brasileiro, a partir de 1990, e os seus efeitos sobre o
trabalho docente; 3) identificar algumas características do governo de frente popular, em
Belém, e suas perspectivas programáticas para a valorização do trabalho docente; 4) avaliar as
políticas emanadas do governo de frente popular que influenciaram a carreira dos
19
profissionais da educação, em Belém; e 5) identificar os efeitos da implementação de tais
políticas para o trabalho docente.
Com vistas a perceber as contradições internas desenvolvidas na relação entre o
governo de frente popular e as políticas para os docentes em Belém, tivemos a convicção de
que, como afirma Bruyne (1982), a dialética é o movimento concreto, natural e sociohistórico
da realidade estudada, favorecendo a percepção de seus processos históricos, de mudanças e
de conflitos sociais. Portanto, a pesquisa procurou identificar os aspectos globais do
fenômeno trabalhado e buscou relacioná-los a suas perspectivas e conflitos.
Os conceitos de quantidade e qualidade, nesta pesquisa, não são dissociados, na
medida em que, como afirma Mazzotti (1998), de um lado, a quantidade é uma interpretação,
uma tradução, um significado que é atribuído à grandeza como um fenômeno se manifesta
(portanto é uma qualificação dessa grandeza); e de outro, ela precisa ser interpretada
qualitativamente pois, sem relação a algum referencial, não tem significação em si.
Nesse sentido, além dos aportes teóricos que favoreceram a compreensão do fenômeno
pesquisado e outros documentos jurídicos, técnicos e políticos determinantes da nossa
compreensão do objeto de estudo, como o Estatuto do Magistério, os dois programas de
governo da frente popular; os documentos de resoluções das conferências e congresso da
educação, em Belém; os jornais e panfletos elaborados pelo SINTEPP etc., buscamos
descobrir, empiricamente, por meio de entrevistas semi-estruturadas, as principais
interferências do referido governo, em Belém, na carreira do profissional da educação.
O estudo minucioso dos conteúdos, das palavras e frases que compõem tais
documentos foi fundamental para o que enfatiza Minayo (2003), de que a verificação das
hipóteses e(ou) a descoberta do que es por trás de cada conteúdo manifesto precisa ter,
como ponto de partida, a análise do que está escrito, falado, mapeado, figurativamente
desenhado e(ou) simbolicamente explicitado.
Os sujeitos das entrevistas foram selecionados a partir de sua localização funcional e
política. Funcional, no caso dos sete profissionais da educação e de um representante do
governo que exercia função de coordenação, na Secretaria Municipal de Educação, e pela
atuação política e sindical no movimento docente do Sindicato dos Trabalhadores em
20
Educação Pública no Estado do Pará (SINTEPP), com dois membros da respectiva direção
entrevistados.
Os profissionais da educação selecionados estavam na seguinte condição funcional: -
dois técnicos da educação; - cinco professores, em seus dois níveis, diferenciados pela
qualificação; ou seja, dois professores pedagógicos, com formação em nível médio, e três
professores licenciados plenos, com formação em nível superior; - esses profissionais
desenvolviam atividades na educação básica, em ciclos de aprendizagem, em unidades de
educação infantil (antigas creches), anexos (ambiente educacional afastado da escola) e
escolas.
Os temas centrais das entrevistas foram a valorização profissional que envolve a
carreira, a remuneração, a formação e as condições físicas do trabalho no espaço educacional;
o governo de frente popular e o movimento docente. Esses temas estão relacionados às
categorias de análise pensadas, inicialmente, para a pesquisa que foram: carreira docente,
governo democrático e popular e movimento docente.
A análise dos dados coletados ocorreu à luz das referências teóricas que as
subsidiaram, como as elaborações de Ricardo Antunes (1995; 1999; 2004), Iria Brzezinski
(2007), Mariano Enguita (1991), Olgaíses Maués (2003; 2005; 2006),Lúcia Neves (2000),
Dalila Oliveira (2003), Marisa Vorraber (1995), entre outros, além de revistas e documentos
do movimento docente, como os da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação
(CNTE) e do SINTEPP, que nos permitiram compreender melhor tais categorias.
O relato da pesquisa, que ora apresentamos, esestruturado em três capítulos, onde
estabelecemos relações entre a análise macroscópica sobre o desenvolvimento do sistema
capitalista e as políticas implementadas, pelo governo municipal de Belém, para o trabalho
docente, evidenciando o tratamento dado à carreira dos profissionais da educação.
Entendemos que entre a cor preta e a branca existem várias tonalidades cinzas e, por isso, as
análises não têm a pretensão de responder ao conjunto dos fatores e questionamentos que
envolveram a pesquisa, mas sugere questões presentes na realidade do trabalho docente.
No primeiro capítulo, apresentamos a análise da crise do sistema capitalista e o papel
do Estado. Para isso, relacionamos a situação de crise do capitalismo na fase atual, que
recorre à reorganização política e ideológica ancorada no neoliberalismo, com as mudanças
21
no mundo do trabalho, para uma nova organização da produção, e com a mundialização do
capital, para as novas demandas na acumulação de lucros, com as tarefas exigidas aos
Estados, principalmente os periféricos.
Essa contextualização exigiu uma discussão sobre a concepção de Estado e o
entendimento sobre suas funções, a partir de conceitos importantes como democracia,
governo e regime político, na tentativa de compreendermos a dinâmica de um Estado que
implementa políticas públicas vinculadas às perspectivas de consolidação do neoliberalismo e
do fortalecimento do capitalismo.
A compreensão do papel do Estado favoreceu a das contra-reformas
3
implantadas no
Estado brasileiro e suas conseqüências para o trabalho docente, na medida em que os
governos federais que se instalaram no Brasil, a partir de 1990, incorporaram as prescrições
dos organismos internacionais. O Estado operacionalizou mudanças em sua estrutura jurídica
e política, e tais mudanças refletiram sobre a carreira dos profissionais da educação.
A análise dessas novas configurações do sistema capitalista está relacionada à do
conjunto dos fatores que favorecem ou interferem em sua dinâmica, compreendendo seus
elementos centrais que envolvem a produção de mercadorias e a valorização do capital.
Com essa perspectiva, recorremos às elaborações de Ricardo Antunes (1999), Elaine
Behring (2003), Bresser-Pereira (1996), François Chesnais (1996), Osvaldo Coggiola (2002),
Friedrich Engels (1977), Vladimir Lênin (1986; 1986a), Karl Marx (1980), Nahuel Moreno
(2003; 2003a), Brasilio Sallum Jr (2003), Ilse Silva (2003), Nilson Araújo Souza (1995), e
outros.
No segundo capítulo, analisamos o desenvolvimento do governo de frente popular, em
Belém do Pará, no período de 1997 a 2004, iniciando com um esboço sobre a localização
político-econômica e geográfica do município de Belém, no Estado do Pará, avaliando os
desdobramentos das políticas orientadas nacionalmente e como foram desenvolvidas, na
capital paraense, buscando compreender as características de tal governo e de suas ações,
3
Utilizamos essa expressão, na concepção adotada por Behring (2003): fala-se em mudanças constitucionais,
com o rótulo de “reformas”, mas têm sido elas um sistemático desmonte da estrutura estatal, com o objetivo de
atingir e fazer retroceder direitos sociais, cuja construção foi produto da história de trabalhadores lutando contra
a total mercantilização.
22
tanto em relação às bases programáticas orientadas pelos Programas de Governo, de 1996 e de
2000, e outros documentos elaborados pela prefeitura.
Analisar o governo e suas políticas ajudou a compreender o seu entendimento sobre a
valorização do trabalho docente, a partir da carreira do profissional da educação, enfatizando
suas políticas para o salário, a formação e as condições estruturais do trabalho na escola. Para
isso, foi necessário trabalharmos sobre a concepção de um governo de frente popular,
ressaltando algumas de suas características, principalmente, quando tal experiência resulta de
uma reação democrática, ou seja, de um processo eleitoral.
As diferentes características assumidas por um governo do tipo popular, como o de
Belém, envolvem uma relação vinculada à história dos movimentos sociais, dentre os quais os
sindicatos, que adotam posição frente à realidade concreta de suas categorias, o que favoreceu
o debate sobre a atuação do SINTEPP em face das demandas dos profissionais da educação.
Nesse segundo capítulo trabalhamos com os documentos elaborados pela prefeitura de
Belém, pelo Partido dos Trabalhadores e pelo SINTEPP, recorrendo, para nossas
interpretações, às posições de Ricardo Antunes (1999), Marta Harnecker (2000), Karl Marx
(1980), Istvan Mészàros (2005), Nahuel Moreno (2003), Ilse Silva (2003), dentre outros.
A análise de tais documentos exigiu algumas discussões sobre o objeto da pesquisa,
no Capítulo 2, na medida em que foram aparecendo respostas que possibilitaram
compreender, mesmo de maneira parcial, o tratamento dado pelo governo aos direitos
relacionados à carreira docente.
No terceiro capítulo analisamos, fundamentalmente, as categorias centrais de análise
da pesquisa, na tentativa de apresentar alguns resultados que respondessem, em menor ou
maior grau, às inquietações motivadoras da pesquisa. Portanto, na tentativa de compreender as
políticas implementadas para a carreira docente, em Belém, no período de 1997 a 2004,
elegemos o tema da valorização profissional para, por essa via, identificarmos algumas
categorias que pudessem ajudar na compreensão do desenvolvimento de tais políticas. Assim,
priorizamos trabalhar com a carreira docente; o governo de frente popular e o movimento
docente.
Como os resultados não podem ser definitivos, o esforço de tratamento do material
trabalhado tem a dimensão da inconclusão, na medida em que os questionamentos levantados
23
e suas análises extrapolam este espaço de elaboração, mas cada descoberta precisa ser um
reforço ao compromisso com o desenvolvimento do trabalho docente e sua valorização.
O profissional da educação que se depara com uma realidade de desvalorização do seu
trabalho precisa acreditar que a contribuição coletiva e autônoma de suas organizações de
classe poderá apontar para o que sugere szàros (2005): o desenvolvimento das condições
necessárias de ruptura com a lógica do capital, na perspectiva da superação da exploração do
trabalho e do empobrecimento.
24
CAPÍTULO 1
CRISE DO CAPITAL E LOCALIZAÇÃO DO ESTADO: AS
REPERCUSSÕES SOBRE O PROCESSO DE TRABALHO DOCENTE
A análise do contexto de desenvolvimento da atual fase do capitalismo será a base
para a verificação das políticas implementadas para o trabalho docente, em Belém (Estado do
Pará), no período de 1997 a 2004, objetivando identificar o tratamento dado à carreira do
professor, na rede municipal de ensino daquela cidade.
O período analisado envolve a experiência de gestão, no município de Belém, de um
governo de Frente Popular, cuja concepção e cujo papel aprofundaremos nessa pesquisa. Por
isso, torna-se relevante a referência ao papel e à presença do Estado na realidade política e
econômica global, hegemonizados pela lógica do capital, que se apresenta com discurso
revigorado, a partir dos ideais neoliberais, com mudanças na organização do trabalho e de
novos meios de sustentabilidade do lucro capitalista.
A relevância das dinâmicas que envolvem a relação do capital com o trabalho,
advindas da nova configuração da sociedade capitalista, es pautada nesta pesquisa. O
processo de reorganização econômica e política que configura a mundialização, o
neoliberalismo e as mudanças no mundo do trabalho envolvem mecanismos alternativos de
reversão, pelo sistema, das crises que se apresentam em seu desenvolvimento.
Diante das redefinições apontadas pelas forças hegemônicas na sociedade atual, o
sistema criou os instrumentos necessários ao pleno desenvolvimento da livre circulação do
capital, reforçando o papel de seu principal agente político, o Estado.
Esse debate macroscópico pode nos oferecer os elementos fundantes que norteiam as
políticas públicas, atualmente desenvolvidas para o trabalho docente. Isso, porque as
orientações mais gerais de desenvolvimento do capitalismo, discutidas pelos organismos
internacionais, estão colocadas para os governos e Estados, principalmente para os da
periferia do capital.
25
A experiência com um governo que reivindicou um programa denominado
democrático e popular, em Belém do Pará, nos instiga a maiores reflexões sobre o papel que
esse governo e suas políticas públicas desempenharam, em especial para o trabalhador
docente. Esse programa apontava para uma relação de contraposição ao neoliberalismo, num
Estado em processo de mudanças estruturais que, todavia, pautava o ajuste fiscal, a
privatização e a descentralização das ações como molas propulsoras da modernização do país,
sendo, portanto, um Estado comprometido com o desenvolvimento do sistema capitalista.
Na sociedade capitalista neoliberal, o debate sobre o papel do Estado assume
importância preponderante. Diversas concepções de Estado foram apresentadas, no Brasil,
desde a década de 1990, pelas forças políticas que guerreavam pela apropriação da máquina
administrativa do Estado para a implementação de seu projeto ideológico.
Uma delas defendia que o Estado brasileiro deveria desenvolver ações de
contraposição às orientações neoliberais, significando um abandono da ortodoxia monetarista,
pautando ações mais desenvolvimentistas, ou algo semelhante, para que o Estado fosse o
planejador e orientador da vida econômica do país, controlando os setores produtivos e
financeiros essenciais. Essa posição estava expressa nas elaborações do Partido dos
Trabalhadores (2005).
Uma outra concepção ressalta o fortalecimento da lógica capitalista e do Estado
neoliberal, para a qual, segundo Petras (1997), o mercado, e não o Estado, deverá ser o único
alocador de salários e capital e que o papel do Estado está relacionado às ações de
desregulamentação total, com derrubada de barreiras comerciais, a livre circulação de bens, de
trabalho e de capital. Essa posição política está formulada, segundo Petras (1997), pelas
classes incrustadas em instituições como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial
etc.
Finalmente, uma terceira abordagem pautava-se num Estado social-liberal, que dizia
querer estabelecer um equilíbrio na relação do Estado com o mercado para o atendimento das
demandas sociais, posição defendida pelo governo Fernando Henrique Cardoso, quando
ressalta, no Plano Diretor para a Reforma do Estado (BRASIL, 1995), que, num sistema
capitalista, Estado e mercado são duas instituições centrais que operam na coordenação dos
sistemas econômicos e que precisam estar em equilíbrio.
26
Com os elementos mais gerais de orientação da política mundial, poderemos
compreender a organização política do governo de Frente Popular, em Belém, e as possíveis
similitudes com algumas dessas forças de opinião e concepções. Além disso, com base em
uma visão macroscópica, poderemos analisar as políticas públicas e as influências destas no
desenvolvimento das condições do trabalho docente, a partir das ações definidas para a
carreira do professor.
As experiências de gestão do Estado, em âmbitos municipal e estadual, por governos
eleitos com grande apoio popular indicam que esses governos pautaram, em seus programas,
a contraposição ao neoliberalismo e a defesa da ampliação da capacidade de planejamento
do setor público e de canais de fiscalização do próprio governo (FRENTE BELÉM
POPULAR, 1996, p.12). E as contradições que podem surgir entre os pontos programáticos e
os anseios dos movimentos sociais por saídas ao neoliberalismo precisam ser elementos de
análise, quando se discutem políticas públicas nos marcos da hegemonia do capital.
Uma tarefa extremamente complexa, neste contexto de hegemonia, e que se incorpora
à dinâmica mais geral do sistema, sentida pela classe trabalhadora, é o entendimento sobre as
mudanças na organização, na gestão e no resultado da produção. Tais mudanças indicam a
completa submissão do trabalho ao capital, no aprofundamento da alienação do trabalhador e
no enfraquecimento da organização coletiva, tanto no interior do espaço de trabalho quanto no
interior da classe explorada.
Essa dinâmica da sociedade capitalista e de suas crises econômicas, políticas e sociais
podem nos oferecer as condições para uma análise consistente e coerente do contraditório, do
dialético, do possível, na tentativa de desvelar as reais circunstâncias de desenvolvimento do
sistema, mas também de compreender as possibilidades reais de sustentação política dos
mecanismos de resistência à exploração imposta pelo capital.
O duelo histórico entre os que exploram a força de trabalho e os que resistem à sua
exploração permanece, na atual etapa do sistema capitalista. Até porque esse duelo é uma
característica importante do sistema e determinante da existência de crises. Estas últimas estão
associadas ao desequilíbrio existente na imensa acumulação de mercadoria que, segundo
Marx, em seu livro O Capital (1980), é a forma elementar da riqueza capitalista. Crises que
exigem imediatas mudanças na relação do capital com o trabalho, elaborando e re-elaborando
conceitos que reforcem a supremacia do primeiro sobre o segundo.
27
1.1 A crise sistêmica do capital e seus efeitos sobre o mundo trabalho
O sistema capitalista se desenvolve sob o princípio de criar e fazer crescer o lucro.
Para isso, produz mercadorias com significativo valor de troca. Essa ação não se sem
atritos provocando crises no sistema. A crise, segundo Coggiola (2002), surge quando um
acúmulo brutal de mercadorias, ou seja, de superprodução, na medida em que o consumo de
mercadorias é baixo, provocando forte desequilíbrio entre a produção e a demanda, e seus
sintomas são identificados com o baixo investimento e fraco crescimento econômico; com o
desemprego; os baixos salários, a diminuição da rentabilidade do capital, a retirada de direitos
sociais e trabalhistas, dentre outros.
Essa dinâmica do capitalismo interfere no conjunto do sistema, principalmente, no
trabalho. Este, que, segundo Marx, é a substância social comum à produção de todas as
mercadorias: [...] todo trabalho é de um lado, dispêndio de força humana de trabalho, no
sentido fisiológico, e, nessa qualidade de trabalho humano igual ou abstrato, cria valor das
mercadorias.” (MARX, 1980, p. 54).
Marx (1980) ressalta, ainda, que toda a história tem mostrado que, sempre que
acontece uma depreciação do dinheiro, isto é, uma crise, os capitalistas aproveitam a
oportunidade para espoliar ainda mais a força de trabalho.
Obviamente, o processo capitalista de produção não é simplesmente produção de
mercadoria, mas sim, concordando ainda com Marx (1980), é um processo que absorve
trabalho não pago, que transforma os meios de produção em meios de extorsão de trabalho
não pago.
Um aspecto central e expressão mais evidente da crise estrutural do capitalismo,
principalmente nas décadas de 1970 e 1980, foi, segundo Duménil e Lévy (2003), o aumento
exagerado do desemprego e sua causa fundamental foi a diminuição da acumulação do capital
(do investimento) e o crescimento da produção.
Essa redução da acumulação foi ela própria o efeito da diminuição mais
sensível da rentabilidade do capital. As taxas de lucro, que atingem mais de
20% no início dos anos 1960, caem para cerca de 12% em 1982 ou 1983.
Visto que os lucros realizados pelas empresas, são tanto uma fonte de
financiamento interno quanto um incentivo ao investimento, a queda da taxa
de lucro acaba por desencorajar a acumulação e prejudicar o crescimento do
emprego. (DUMÉNIL; LÉVY, 2003, p. 18).
28
A queda da taxa de lucro do capitalista é fator determinante para diagnosticar a crise
do sistema. Segundo Campos (2001), essa é uma tendência que acompanha o
desenvolvimento das forças produtivas e das forças destrutivas como resultado do padrão
contraditório de acumulação do capital.
Na exacerbação da busca de lucro e da forte crise que leva a um aumento descomunal
de desemprego e situação de desequilíbrio extremada, o capitalismo busca mecanismos para
superar suas crises, dentre os quais, segundo Coggiola (2002), a violenta destruição de grande
quantidade de forças produtivas e a conquista de novos mercados consumidores, além da
violenta exploração dos mercados existentes.
A realização de guerras, por um lado, principalmente no século XX, foi e tem sido
determinante para o cumprimento da regulação na recomposição da acumulação e do lucro,
levando-se em consideração que as forças produtivas resistiram e resistem, sobremaneira, à
sua destruição. Como acontece, atualmente, na guerra de países imperialistas contra o Iraque.
Sem pensar em abranger todas as múltiplas relações de um fenômeno em seu
desenvolvimento, torna-se necessário buscar alguns traços fundamentais que se aproximam de
características da atual fase do sistema capitalista.
1) a concentração da produção e do capital levada a um grau tão elevado de
desenvolvimento que criou os monopólios, os quais desempenham um papel
decisivo na vida econômica; 2) a fusão do capital banrio com o capital
industrial e a criação, baseada nesse capital financeiro, da oligarquia
financeira; 3) a exportação de capitais, diferentemente da exportação de
mercadorias, adquire uma importância particularmente grande; 4) a formação
de associações internacionais monopolistas de capitalistas, que partilham o
mundo entre si, e 5) o termo da partilha territorial do mundo entre as
potências capitalistas mais importantes. (LÊNIN, 1986a, p. 642).
Tais características foram elaboradas por Lênin no início do século passado e por isso,
caberia um esforço para alguma atualização histórica da atual fase do capitalismo, na medida
em que, vemos que o capitalismo deste século é também composto pela dominação dos
monopólios e do capital financeiro, com forte exportação de capitais, que partilha o mundo
entre os países capitalistas mais importantes que concentram em suas contas bancárias o
capital acumulado em todo planeta e organizados mundialmente por insituições internacionais
de cunho financeiro, político e militar.
29
Esse capitalismo imperialista, para efetivar suas políticas, conta com as
regulamentações feitas pelos Estados nacionais que possibilitam o ambiente propício para a
progressão das forças do mercado para a exploração capitalista.
Para ter aumentadas suas taxas de lucro, o capitalismo organizou um processo de
reestruturação econômica e política, amparada, por um lado, no desenvolvimento de novas
formas de acumulação da riqueza com o processo de mundialização do capital, com a
expansão de atividades especulativas e financeiras; e por outro, com as mudanças nos
mecanismos de produção. Um elemento importante foi o surgimento do modelo de
acumulação flexível, como denominou Harvey (1992).
Como resultado desse processo de mundialização da economia, os capitalistas
buscaram acumular ainda mais, através do capital financeiro, valendo-se de organizações
multinacionais ou multilaterais e de empresas transnacionais que operam em várias nações.
Segundo Chesnais (1996), essas organizações beneficiam-se, simultaneamente, da
liberalização do comércio, da adoção de novas tecnologias e do recurso a novas formas de
gerenciamento da produção.
Configura-se, no metabolismo da acumulação de reprodução capitalista, o
fortalecimento do capital portador de juros, com caráter universal e permanente, e de
processos financeiros especulativos, baseados na política de juros de empréstimos, dividendos
e outros pagamentos recebidos a título de posse de ações; ou seja, de lucros nascidos de
especulação financeira bem sucedida.
Mas essa dinâmica financeirizada do capitalismo estaria incompleta se não a
combinássemos com o capital industrial dos monopólios capitalistas, ou seja, “a concentração
da produção; monopólios que resultam da mesma; fusão ou junção dos bancos com as
indústrias: tal é a história do aparecimento do capital financeiro e daquilo que este conceito
encerra.” (LÊNIN, 1986a, p. 610).
Ressaltando as etapas que originaram o processo de acumulação financeira, a partir da
constituição de instituições especializadas em realizar tais transações, com o objetivo de obter
lucros rápidos, as empresas, de posse de seu capital excedente ou de renda não consumida,
30
começaram a valorizá-las, através de aplicações em ativos financeiros
4
, por fora da produção
de bens e serviços.
Essa característica de acumulação financeira mundializada é um aspecto importante,
no sentido de garantir a transferência de recursos financeiros das economias dominadas para
as economias dominantes do centro do sistema, e apresenta relações econômicas
extremamente desiguais; ou seja, o capitalismo globalizou o trabalho e a precarização deste
último globalizou a miséria, mas continua concentrando riqueza, nos países ricos do sistema.
Por isso, existem condições para relacionarmos essa análise com as considerações de
Martins (1999) sobre a preponderância da acumulação dos lucros industriais na atual fase de
acumulação capitalista.
Atualmente, a ação do capital financeiro é apenas uma forma secundária
dentro da exploração imperialista. A principal é a geração, acumulação e
centralização dos lucros industriais criados nas incontáveis indústrias de
transformação espalhadas pelo mundo. (MARTINS, 1999, p. 24).
Essa referência à preponderância do capital produzido nas indústrias é fundamental
porque norteia a dinâmica da acumulação, considerando que esta última cresce à medida que
nascem e crescem os lucros produzidos na relação entre capital e trabalho. Para Martins
(1999), a taxa de juros nunca foi tão subordinada à taxa de lucro como nos tempos atuais de
aprofundamento da globalização do desenvolvimento capitalista.
Tal aprofundamento se combinou com os empréstimos de valores significativos aos
países do terceiro mundo, a partir da década de 1970, com o aumento do preço do petróleo,
quando os países produtores passaram a dispor de excedentes monetários.
Houve forte investimento em contas bancárias que possibilitou aos bancos
transformarem-se em vigorosos grupos de pressão junto aos ministros das
Finanças de países pobres [...] que fizeram muitos empréstimos, mas tiveram
dificuldades para reembolsar esses créditos, que se acumularam até que o
serviço da dívida atingisse veis intoleráveis. (WALLERSTEIN, 2003, p.
79).
4
Ativos caracterizados por direitos decorrentes de obrigações assumidas por agentes econômicos, normalmente
negociados no mercado financeiro. Compreendem, principalmente, títulos públicos, certificados de depósitos
bancários. (SANDRONI, 2005, p. 50).
31
Esse mecanismo lançou as bases para as dívidas dos países da periferia do sistema e,
com elas, uma forte transferência de recursos dos países pobres para os países ricos, o que deu
o tom na crise da dívida, na América Latina, em 1980.
Segundo Chesnais (2005), o pagamento dos juros devidos sobre o principal da dívida
pública, denominado ‘serviço da dívida’
5
, absorve uma quantia sempre maior do orçamento
do Estado, das receitas das exportações e das reservas do país, o que ocasiona, em muitos
casos, novos empréstimos. O que é mais interessante, no endividamento dos países, é o
desencadeamento de exigências políticas e econômicas que fazem com que os Estados
materializem medidas de maior liberalização econômica, flexibilização trabalhista e acesso à
garantia permanente de novos mercados.
A política de condicionalidades imposta aos países endividados, em especial aos da
América Latina, ocorreu com grande veemência a partir da Conferência de Bretton Woods,
realizada em 1944, no Estado de New Hampshire, Estados Unidos que, segundo Silva (2002),
gerou um código de conduta para as políticas econômicas dos países endividados, definindo
um Programa de Ajuste Estrutural (PAE)
6
como condição para a renegociação da dívida
externa” (SILVA, 2002, p. 10) dos países periféricos.
As determinações dos organismos internacionais do capital influenciaram as políticas
públicas no Brasil, em especial na cada de 1990. Na educação, por exemplo, as orientações
seguidas pelos governos federal e estaduais reorganizaram a educação básica pública,
ajustando, na visão de Silva (2002), suas novas demandas sociais às políticas ditadas pelos
órgãos internacionais dirigentes que definiram o sentido, a finalidade, a forma, os conteúdos e
a direção do processo educacional, que experimentou a redução e o controle de investimentos
para o setor.
A política de estreita relação entre a educação básica pública e o mercado de trabalho
determina a formação de um trabalhador reflexivo e criativo, para favorecimento da produção
e do lucro capitalista, e, por isso, introduz conceitos como empregabilidade, flexibilidade e
adaptabilidade, tendo como objetivo, segundo Silva (2002), a educação profissional nas
modalidades básica, técnica e tecnológica.
5
o os pagamentos feitos pelo devedor para amortizar e pagar os juros correspondentes a um empréstimo.
(SANDRONI, 2005, p. 766).
6
Programa de Ajuste Estrutural imposto pelo Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial, a partir da
década de 1980, aos paises em desenvolvimento para a renegociação da dívida externa (SILVA, 2002, p. 10).
32
As determinações para a educação básica envolvem desde os aspectos da formação,
currículo, avaliação, gestão, financiamento até o salário, as condições de trabalho e carreira
docente. Importa ressaltar que as influências de tais determinações sobre a carreira docente
tornam esse direito restrito.
A implementação das medidas de ajuste nos países periféricos objetivam ambientar
uma economia de mercado, onde os bens e serviços são destinados à troca. Assim, a educação
e todos os bens sociais são tratados como serviços que podem ser ofertados, por qualquer
setor, no mercado consumidor.
As políticas de ajuste estrutural, pautadas mundialmente, definiram ofensivas à
retirada de direitos sociais e trabalhistas, ganhando a antipatia de organizações dos
movimentos sociais a tal ponto que a década de 1990 também acompanhou, no
desenvolvimento do neoliberalismo, a realização de atividades mundiais anti-imperialistas,
organizadas para fortalecer a luta contra os interesses dos governantes dos países ricos.
Uma dessas atividades foi o I Encontro Internacional pela Humanidade e contra o
Neoliberalismo, realizado, em 1996, no Estado de Chiapas, no México. Sobre o ânimo que
envolvia as pessoas, nesse primeiro Encontro, em Chiapas, podemos ressaltar que:
De um lado está o neoliberalismo, com todo o seu poder repressivo e
maquinaria mortal; do outro lado, o ser humano. Existem aqueles que se
conformam em ser um número a mais na imensa troca de poder... Mas
existem aqueles que não se conformam... Em qualquer lugar no mundo, a
todo o momento, cada homem ou mulher se rebela a ponto de rasgar as
roupas que a resignação teceu para eles e o cinismo tingiu de cinza. Todo
homem ou mulher, de qualquer cor, em qualquer língua, fala e diz para si
mesmo: Já chega! Ya Basta! (KINGSNORTH, 2006, p. 48).
Três anos depois, o Brasil organiza o II Encontro Americano pela Humanidade e
Contra o Neoliberalismo, realizado em Belém do Pará, em 1999, durante o governo de Frente
Popular, ressaltando, inclusive, a contribuição de tal governo ao fortalecimento do sentimento
anticapitalista no mundo.
Esses dois Encontros foram impulsionadores da construção de diversos Fóruns Sociais
Mundiais, iniciados em 2001, na cidade de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul (Brasil), e que
aconteceram simultaneamente ao Fórum Econômico Mundial, que, iniciado em DAVOS, na
Suíça, reúne, até os dias de hoje, os países mais ricos do mundo.
33
A dinâmica e ânimo de luta internacionalista contra o capitalismo evidenciaram o
desenvolvimento de lutas sociais de contraposição aos mecanismos e políticas de ofensiva do
capital sobre o trabalho e são elementos que identificam e reforçam a crise do capitalismo,
não só econômica, mas também política, e sua mais evidente conseqüência: a miséria.
Marx (1989) salienta que a razão última de toda verdadeira crise é a pobreza e a
capacidade restringida de consumo das massas, contrastando com a tendência da produção
capitalista em o desenvolver as forças produtivas, como se o seu limite fosse apenas a
capacidade absoluta de consumo.
As crises, com características típicas do sistema capitalista, explicam a necessidade da
configuração de um novo tipo de trabalhador para uma produção mais flexível, incorporada à
busca de mercados consumidores dos produtos gerenciados pelo centro capitalista
mundializado, onde está pautada a liberalização econômica para a exploração mais rápida e
sem empecilhos de matérias primas e a diminuição dos custos com a produção e com a força
de trabalho.
1.1.1 As mudanças no mundo do trabalho e suas implicações para o trabalho
docente
Os países centrais do capitalismo adotam, nas décadas de 1970 e 1980, um modelo de
desenvolvimento do trabalho baseado na “flexibilização da produção pela especialização
flexível, por novos padrões de busca de produtividade, por novas formas de adequação da
produção à lógica do mercado.” (ANTUNES, 1995, p.16).
Esse modelo é adotado em contraposição à rigidez do fordismo, pois este não
conseguia mais assegurar aos capitalistas as condições de extensão de seus lucros, fato que
ocorreu na denominada Era de Ouro.
A Era de Ouro pertenceu essencialmente aos países capitalistas
desenvolvidos, que, por todas essas décadas, representaram cerca de três
quartos da produção do mundo, e mais de 80% de suas exportações
manufaturadas. (HOBSBAWM, 1995, p. 255).
34
Uma característica marcante desse período de crescimento econômico de uma
economia de guerra foi a existência de uma economia de consumo de massa, com base no
pleno emprego e rendas reais em crescimento constante.
Também se baseou num consenso tácito ou explícito entre patrões e
organizações trabalhistas para manter as reivindicações dos trabalhadores
dentro de limites que não afetassem os lucros, e as perspectivas futuras de
lucros suficientemente altos para justificar os enormes investimentos sem os
quais o espetacular crescimento da produtividade da mão-de-obra da Era de
Ouro não poderia ter ocorrido. (HOBSBAWM, 1995, p. 276).
Como a lógica de produção da riqueza do sistema capitalista é a busca cada vez maior
do lucro, ao mesmo tempo em que os trabalhadores avançavam em suas conquistas
trabalhistas eram incansáveis na busca por um aumento cada vez maior de direitos sociais. A
contradição entre capital e trabalho floresceu, com uma força cada vez maior, pois fatores
econômicos importantes, como a alta da inflação e o superaquecimento da economia,
combinados ao desgaste político da derrota dos Estados Unidos no Vietnã, possibilitaram que
um sistema monetário baseado no dólar-ouro desabasse. E, segundo Hobsbawm (1995), as
décadas a partir de 1973 seriam, de novo, uma era de crise.
Logo, o debate que se desenvolveu foi de que o Estado deveria mudar suas funções de
interlocutor direto de demandas sociais e de serviços, passando essa interlocução ao mercado,
que daria uma nova dinâmica ao processo produtivo, o qual, segundo os capitalistas, precisava
ser dinamizado.
A dinâmica para as relações produtivas, adotada após a recessão instalada a partir de
1973, segundo Antunes (1995, p.16), início a um processo de transição, no interior das
relações de acumulação do capital. Apresenta-se, com muita força, nesse processo, um novo
modelo, chamado ‘toyotismo’ por Coriat (1994), que se implantou duramente no Japão, a
partir de 1949/50, ao fim de uma longuíssima greve que terminou com a demissão em massa
dos operários. A partir disso, é possível levantar a reflexão de que, sem a destruição dos
sindicatos por categoria e sua substituição por organizações de grêmios debilitadas e
circunscritas ao âmbito de cada empresa, as inovações trabalhistas japonesas não teriam ido
adiante.
O toyotismo japonês, para Coriat (1994), implicaria uma substituição do sistema de
designar e impor tempos pelo novo método grupal do tempo compartilhado. Essa metodologia
35
de produção, que encontra espaço no Ocidente, a partir de 1973, possibilitou o advento de
um trabalhador mais qualificado, participativo, multifuncional, polivalente e dotado de
maior realização no tempo de trabalho” (ANTUNES, 1999, p. 48).
Esse processo sugere mudanças na forma de produção capitalista e impõe novos
mecanismos para o mundo do trabalho, os quais, operados para a superação da crise sistêmica
do capital, ocorrem pela necessidade que o sistema exige de aproximação da classe
trabalhadora dos ideais do capital para a maior intensificação da exploração do trabalho e,
conseqüentemente, da obtenção de maiores lucros. Tais mudanças devem ser elementos de
nossas análises para compreendermos a natureza atual do trabalho docente e como ele se
desenvolve.
A nova forma de organizar o trabalho e de gerenciar a produção sugere uma estrutura
de empresa enxuta, que prevê o mínimo de custo na produção com o ximo de
produtividade. Antunes nos auxilia na melhor compreensão sobre o toyotismo, com algumas
considerações:
Ele se fundamenta num padrão produtivo organizacional e tecnologicamente
avançado, resultado da introdução de técnicas de gestão da força de trabalho
próprias da fase informacional, bem como a introdução ampliada dos
computadores no processo produtivo e de serviços. Desenvolve-se em uma
estrutura produtiva mais flexível, recorrendo freqüentemente à
desconcentração produtiva, às empresas terceirizadas etc. Utiliza-se de novas
técnicas de gestão da força de trabalho, do trabalho em equipe, das células de
produção, dos times de trabalho, dos grupos de semi-autônomos, além de
requerer, ao menos no plano discursivo o envolvimento participativo dos
trabalhadores, em verdade uma participação manipuladora e que preserva, na
essência, as condições do trabalho alienado e estranhado. O trabalho
polivalente, multifuncional, qualificado, combinado com uma estrutura mais
horizontalizada e integrada entre diversas empresas, inclusive nas empresas
terceirizadas, tem como finalidade a redução do tempo de trabalho. De fato,
trata-se de um processo de organização do trabalho cuja finalidade essencial,
real, é a intensificação das condições de exploração da força de trabalho.
(ANTUNES, 1999, p. 52).
Essas características são bastante evidentes, na organização do trabalho; mas é
possível perceber, ao mesmo tempo, características do taylorismo/fordismo, ainda presentes
na relação de produção, como, por exemplo, a questão da intensificação na produção e na
carga horária de trabalho.
36
Ao referendar esse processo transacional, Harvey (1992) refere-se à acumulação
flexível como uma forma própria do capitalismo direcionada ao seu crescimento, apoiada na
exploração do trabalho vivo no universo da produção. Segundo o autor, o capitalismo tem
uma dinâmica de avanço tecnológico e organizacional que lhe é intrínseca, e afirma que o
desenvolvimento de novas tecnologias gerou excedentes de força de trabalho, que tornaram o
retorno de estratégias absolutas de extração de mais-valia mais viável mesmo nos países
capitalistas.” (HARVEY, 1992, p.179).
As conseqüências desse tipo de organização, ou as mais importantes percebidas nas
transformações no processo de produção, e de que forma essas transformações afetam o
mundo do trabalho estão relacionadas, ainda, por Antunes (1991), quando enfatiza, como
conseqüência, a diminuição do operariado manual e fabril; o aumento da precarização do
trabalho com a expansão do trabalho parcial, temporário e terceirizado; o aumento do trabalho
feminino, com salários geralmente mais baixos; o aumento do assalariamento no setor de
serviços; a exclusão de jovens e velhos do mercado de trabalho; aumento da exploração do
trabalho infantil; aumento de desemprego estrutural e maior diversificação na produção em
escala mundial de mercadorias.
Dessa forma, é possível salientarmos que, no mundo do trabalho, não se caminha para
um processo de eliminação da classe trabalhadora, e sim, segundo Antunes (1991) se caminha
para a sua precarização, intensificação e diversificação.
Isso, na verdade, é uma constatação feita por Antunes, pois é fato que, na busca de
maiores lucros, a sociedade do capital, na sua fase imperialista, está impondo mudanças de
forma e conteúdo à classe trabalhadora que está fragmentada, passa por um processo de
heterogeneização e de complexificação, de desqualificação e de precarização, é polivalente e
multifuncional. São termos que temos que buscar melhor compreensão. Mas desde já é
possível percebermos os resultados imediatos desse processo para os trabalhadores.
Os aspectos que configuram a chamada precarização do trabalho são visíveis, também,
no desenvolvimento do trabalho docente, por meio dos baixos salários, do desrespeito aos
direitos trabalhistas; do aumento de horas de trabalho; do não-cumprimento da valorização da
carreira; visíveis, ainda, na política de aumento salarial via gratificação de desempenho e nas
múltiplas e flexibilizadas funções – quando da divisão por especialidades que descaracteriza o
37
trabalho como atividade totalizante e salienta a fragmentação no interior da classe
trabalhadora.
Esses são aspectos visíveis e que exigem muitas discussões sobre o papel da classe
trabalhadora nessa configuração gerenciada pelo capital, pois não são poucos os autores
7
que,
embebidos pela dinâmica do avanço tecnológico, favorecem os apelos neoliberais sobre o fim
da centralidade do trabalho e da classe trabalhadora como agentes mortais da superação da
ordem do capital. Uma reflexão que desenvolveremos no próximo capítulo. Assim como,
merecerá destaque a discussão sobre a configuração do trabalho docente e sua categorização
que poderá refletir, em nossa opinião, as perspectivas de sua natureza assalariada e
profissional.
Diante dessa análise da crise do capitalismo e das mudanças no mundo do trabalho,
como parte dos mecanismos utilizados para superação da crise sistêmica
8
, assumem o cenário
de nossas considerações o Estado e o seu papel no processo de regulação, controle e dos
mecanismos de garantia de maior acumulação do capital.
As definições do chamado Consenso de Washington, em 1989, significaram a
consolidação das políticas econômicas defendidas por alguns economistas, pelo governo dos
Estados Unidos, pelo Fundo Monetário Internacional e pelo Banco Mundial para a América
Latina. Isto, segundo Tavares (2002), após uma década de crise financeira por que passou a
região diante da crise da dívida externa.
Essas definições levaram muitos Estados nacionais a assumir a responsabilidade pela
aplicação de um rigoroso esforço de equilíbrio e austeridade fiscal máxima, o que passou,
inevitavelmente, por programas de reformas administrativas, previdenciárias e fiscais, e cortes
violentos no gasto público.
Os Estados assumiram, mesmo com contradições, como no Brasil, uma feição
neoliberal, na medida em que o Consenso de Washington concebeu uma estratégia de ajuste
7
Para autores como Gorz, Offe e Habermas, a utopia da sociedade do trabalho teria chegado ao fim e, com ela, o
pleno emprego e o Estado de bem-estar social (ORGANISTA, 2006, p. 31).
8
Segundo Bobbio, no Dicionário de Política, quando nos referimos a sistema, não significa referência à
totalidade dos aspectos de um fenômeno, mas somente a um certo mero deles, mais precisamente àqueles que
definem o modo como as várias partes interagem reciprocamente. Com isso, as crises de mudanças no limite do
sistema envolvem a área de influência do próprio sistema no caso estudado, o Estado, as relações de produção
e de acumulação.
38
das contas externas e de reformas orientadas para o mercado a partir de uma espécie de
receituário a ser adotado pelos governos latino-americanos, por meio do qual tentariam
estabilizar suas economias para que, assim, pudessem honrar seus compromissos financeiros
com os organismos internacionais, afastando o risco de calotes.
1.2 O papel do Estado na sociedade neoliberal
O Estado brasileiro ampliou suas funções de regulação e controle do desenvolvimento
de políticas sociais e, a partir das definições do Consenso de Washington, iniciou um processo
de abertura maior às condições de acesso do capital estrangeiro aos bens e matérias-primas
nacionais, bem como de sua permanência, promovendo a desregulamentação das barreiras que
impedem o desenvolvimento pleno do capital, no país.
Esse é um princípio importante para a materialização de feições do projeto neoliberal,
no Estado, e, por isso, buscaremos explicitar o significado do neoliberalismo para a atual
etapa imperialista do capital.
Um dos objetivos do Estado neoliberal, segundo Harnecker (2000), é destruir as
conquistas dos trabalhadores: a estabilidade no trabalho e a segurança no emprego, salários
que permitam condições de vida adequadas, carreira que valorize a vida funcional, e
segurança social, dentre outras, e atingir as organizações de classe, para eliminar toda a
resistência aos propósitos do livre jogo do mercado.
Para cumprir tais tarefas, o neoliberalismo postulou as mudanças na estrutura do
Estado que, de provedor, passou a gestor e avaliador. Tais mudanças objetivaram transferir
para o mercado as funções do setor de serviços, facilitando o processo de reprodução do
capital.
A partir dessa perspectiva, o papel que cumpre o Estado, na atual etapa de
desenvolvimento do sistema capitalista, precisa ser um elemento de nossas análises, na
medida em que cria as condições de funcionamento do sistema.
39
1.2.1 Definição classista de Estado
Na busca da materialização das demandas neoliberais, o Estado cumpre papel
determinante e assume sua função, pautado pela constituição das relações de poder e do seu
caráter político de classe, considerando as definições Engels:
O Estado não é pois, de modo algum, um poder que se impôs à sociedade de
fora para dentro; tampouco, é “a realidade da Idéia moral”, nem “a imagem e
a realidade da razão”, como afirma Hegel. É antes um produto da sociedade,
quando esta chega a um determinado grau de desenvolvimento; é a confissão
de que essa sociedade se enredou numa irremediável contradição com ela
própria e está dividida por antagonismos inconciliáveis que não consegue
conjurar. Mas para que esses antagonismos, essas classes com interesses
econômicos colidentes não se devorem e não consumam a sociedade numa
luta estéril, faz-se necessário um poder colocado aparentemente por cima da
sociedade, chamado a amortecer o choque e a mantê-lo dentro dos limites da
“ordem”. Este poder, nascido da sociedade, mas posto acima dela se
distanciando cada vez mais, é o Estado. (ENGELS, 1977, p. 191).
Essa concepção de Estado é reforçada por Marx e Engels, no Manifesto do Partido
Comunista (1998), obra de grande valor histórico, para quem o Estado surge como produto do
antagonismo entre as classes sociais e se configura como gerenciador dos negócios da
burguesia. Segundo Lênin (1986), esta é a idéia fundamental do marxismo no que concerne ao
papel histórico e à significação do Estado; ou seja, o Estado é produto e manifestação do
antagonismo inconciliável das classes.
Essa análise é fundamental para revelar a natureza do Estado, pois ele não é órgão de
conciliação entre as classes sociais que compõem o sistema capitalista. Ao contrário, “o
Estado é o órgão de dominação de classe, de submissão de uma classe por outra; é a criação
de uma ordem que legalize e consolide essa submissão amortecendo a colisão das classes
(LÊNIN, 1986, p. 10).
O Estado trabalha, também, com a noção de força força que vem da sociedade, mas
que é superior a ela e dela se afasta cada vez mais. Essa força é a dos homens armados que
utilizam sua autoridade para a coerção e prisões. Isso, combinado com as questões de
arrecadação dos impostos e com a dívida pública, pode determinar a manutenção do poder
político do Estado.
O Estado é a instituição de um poder político que já o corresponde
diretamente à população e se organiza também como força armada. Esse
40
poder público separado é indispensável, porque a organização espontânea da
população em armas se tornou impossível desde que a sociedade se dividiu
em classes. Esse poder público existe em todos os Estados. Compreende
homens armados, materiais, prisões e instituições coercivas. (LÊNIN, 1986,
p. 16).
Nesse sentido, o Estado é classista e torna-se uma ferramenta para que uma
determinada classe exerça, por meio das relações de propriedade e de produção, domínio
sobre a outra, mantendo a atual estrutura de classes e de dominação imperialista. Assim,
podemos definir o caráter de um Estado pela classe que o dirige para continuar explorando
outra classe. Segundo Moreno (2003), existiram, até hoje, alguns tipos de Estado, sendo
importante ressaltar:
O Estado Asiático, que defendia a casta burocrática, com seus faraós, e
oprimia os agricultores; o Estado Escravista, que defendia os donos de
escravos, e oprimia os escravos; o Estado Feudal, que defendia os senhores
feudais e as propriedades da igreja, e oprimia os servos; o Estado Burguês,
que defende os capitalistas e oprime os operários; o Estado Operário, não
capitalista ou transacional, é um Estado que surgiu com a Revolução Russa
de outubro de 1917. É um Estado que não serve à exploração por parte da
classe exploradora dominante no mundo, a burguesia e o imperialismo.
(MORENO, 2003, p. 16).
Ancorados nessas definições, e atualizando-as segundo cada momento histórico, é
possível pactuarmos que o Estado moderno representativo apresenta suas características como
instrumento de exploração do trabalho assalariado pelo capital. Algumas excepcionalidades
emergem, em períodos históricos, as quais não significam mudanças no caráter do Estado,
mas sim flexões no desenvolvimento de suas funções.
Sobre essas flexões, ressalta Lênin (1986) que momentos excepcionais em que as
classes em luta atingem um equilíbrio tal de forças, que o poder público adquire,
momentaneamente, certa independência em relação às mesmas e se torna uma espécie de
árbitro entre elas.
Essa excepcionalidade, nas condições atuais, com o desenvolvimento de instrumentos
de democracia nos países, ou seja, quando há o instrumento do sufrágio universal, das
eleições gerais, se apresenta como mecanismo aparente de disputa entre projetos antagônicos,
no sentido da garantia da governabilidade neoliberal.
41
Nesse sentido, analisaremos a questão da democracia, no Estado moderno, pois é
muito forte a concepção moldada pelos neoliberais de que o voto e as eleições podem
manifestar e impor, verdadeiramente, a vontade da maioria dos trabalhadores, mesmo nos
espaços institucionais.
1.2.2 A democracia participativa como legitimadora das políticas do Estado
neoliberal
Neste momento, buscaremos analisar o princípio que norteia a visão democrático-
participativa a partir dos preceitos neoliberais, os quais consideram o discurso do espaço
democrático de participação popular um mecanismo de poder ilusório concedido às classes
populares de modo a assegurar a legitimidade do Estado neoliberal para interesses nada
universais, posto que garante melhor desenvolvimento do capital.
É necessário que se identifique o conceito de democracia, no âmbito do
neoliberalismo, e a importância que esta representa no atual contexto político-ideológico que
vive grande parte da humanidade. Essa análise permitirá que se estabeleça uma relação com o
conceito de democracia utilizado pelo governo de Frente Popular, em Belém, buscando, com
isso, os elementos norteadores do debate sobre a participação popular assumida pelo referido
governo.
A aplicação das políticas neoliberais, tanto em países centrais como em periféricos,
tem favorecido as desigualdades econômicas e sociais que asseguram grandes privilégios
econômicos a uma minoria da população, em detrimento de uma maioria cada vez mais
pauperizada e excluída do acesso a bens materiais.
Na maioria dos países sul-americanos o PIB se estancou ou se reduziu,
aumentaram as taxas de desemprego aberto e diminuíram as remunerações
reais. Dessa forma, houve um recrudescimento da incidência da pobreza na
região, com a previsão de 220 milhões de pessoas pobres na região para
2002. Em termos proporcionais, a CEPAL aponta que no final dos anos 90
cerca de 44% da população latino-americana estava em situação de pobreza
(percentual mais alto do que o de 1980) e cerca de 19% em situação de
indigência. Mesmo em países como o Chile, a indigência se manteve em
torno de 6%. Vale a pena registrar que apesar da pobreza rural continuar
superando a urbana em termos relativos, em termos absolutos a pobreza
urbana era o dobro da rural, com 135 milhões de pobres urbanos.
(TAVARES, 2002).
42
Essa realidade não tem passado imune às pressões e protestos de movimentos sociais
organizados da sociedade, mesmo na década de 1990, que demonstrara uma ação sindical
mais defensiva frente à ofensiva neoliberal.
No tocante à práxis sindical dos anos 1990, constatamos o predomínio de
uma nova burocracia sindical, representada, no campo da esquerda social-
democrata, pela CUT, e no campo da direita, pela Força Sindical, que
passaram a incorporar práticas sindicais defensivistas de novo tipo, buscando
resistir, de modo propositivo (ou de adesão sistemática, como é o caso da
Força Sindical), à ofensiva neoliberal. (ALVES, 2002, p. 89).
Mesmo sob essas condições na organização sindical, os trabalhadores, no Brasil,
desenvolveram greves e lutas importantes que questionaram as políticas neoliberais como
demonstra a tabela abaixo:
TABELA 1.
Número de greves, grevistas e média de trabalhadores por greve (1992-1997)
Anos Greves Grevistas
Média de
grevistas por greve
1992 557 2 562 385 4 600
1993 653 3 595 770 5 507
1994 1 034 2 755 619 2 665
1995 1 056 2 277 894 2 157
1996 1 258 2 534 960 2 015
1997 630 808 925 1 284
Fonte: DIEESE apud ALVES (2002, p.89).
A diminuição, no final de 1997, do número de grevistas e de greves não significou a
ausência de mobilização dos trabalhadores contra a política de ajuste estrutural; por isso,
tornou-se fundamental, para a manutenção das políticas neoliberais, o desenvolvimento de
discursos e ações com viés democrático, que legitimasse um falso consenso na implementação
de suas políticas. E assim, o mecanismo da reação democrática tem sido um instrumento
primordial na constituição do regime dos ricos.
Vale ressaltar que a classe dominante, no afã de garantir sua legitimidade, passou a
aceitar a democracia somente quando percebeu que ela poderia ser uma forte aliada na
43
dominação de classe. “Uma única condição impõem os liberais burgueses para aceitar o jogo
democrático: que possam domesticar o rebanho perplexo controlando os meios para fabricar
o consenso.” (CHOMSKY, 1992, p. 8).
Logo, os diversos modelos de democracia que possam existir no sistema capitalista
têm um conteúdo classista que se expressa nos limites e na forma de controle da participação
das classes populares nos processos decisórios.
Para melhor desenvolvermos a compreensão sobre a democracia e como esse
mecanismo é trabalhado, no regime atual, discutiremos os conceitos das chamadas
democracia elitista, democracia participativa e democracia direta.
O modelo elitista foi sistematizado, em 1984, por Joseph Shumpeter, no livro
Capitalismo, Socialismo e Democracia. Esse autor ressalta que a sociedade é formada por
indivíduos consumidores de bens políticos, que se associam em distintos grupos em busca de
melhorar significativamente seus interesses.
Caberia ao sistema democrático equilibrar a procura e a oferta de tais bens políticos.
Para Shumpeter (1984), as elites políticas exercem um total controle sobre o regime
democrático, pois elas próprias organizam o processo eleitoral, propondo ao eleitorado um
estreito leque de opções. Ou seja, na visão do autor, democracia, na realidade, nada tem a ver
com a concretização da vontade geral, o que, segundo Bobbio, no Dicionário de Política, seria
a verdadeira vontade da soberania popular.
Para o modelo elitista, portanto, a soberania, o poder do eleitor consiste em escolher,
periodicamente, entre os competidores que se apresentam no mercado político, aquele
supostamente mais qualificado para governar e, depois, fornecer os benefícios de bens
políticos. Essa escolha qualifica o governo através da busca do consenso como regra para
manter a estabilidade do sistema e de legitimar as decisões de quem dirige.
Esses preceitos estariam assegurados pela democracia representativa ou democracia
indireta que, segundo Dias (2007), é aquela onde o povo, fonte primária de poder, se governa
por meio de representantes eleitos periodicamente por ele, que tomam em seu nome e no seu
interesse as decisões políticas, envolvendo assim o instituto da representação
44
Consideramos que esse tipo de democracia, a representativa, hegemonizada no Brasil,
que a cada dois anos se organiza para processos de eleições gerais, está associada à
democracia elitista, na medida em que quem dirige, governa e decide é a classe que detém o
poder econômico e o político.
Isso é assim porque a participação do indivíduo depende de seu poder de
competitividade no mercado, de seu poder econômico e político, e, nesse marco, é assegurado,
aos quem essa capacidade de gerar riquezas, o espaço democrático para a disputa.
O modelo de democracia participativa, segundo Silva¹ (2003), foi gestado na Europa,
durante os anos de 1960, por ocasião de fortes pressões, com mobilizações políticas e
sindicais, dos trabalhadores contra os resultados dos regimes no Leste Europeu.
Esses regimes políticos eram de Estados ditos socialistas, sob a definição de
socialismo real, coordenados por partidos únicos. Baseavam-se num partido único
fortemente hierárquico e autoritário, que monopolizava o poder do Estado.(HOBSBAWM,
1995, p. 365). Esses sistemas sociais, em determinada altura da década de 1960, vieram a ser
chamados, na terminologia da ideologia soviética, países de socialismo realmente existente;
um termo ambíguo que implicava, ou sugeria, que podia haver outros e melhores tipos de
socialismo, mas na prática esse era o único que funcionava.(HOBSBAWM, 1995, p. 364).
Na prática, esse tipo de socialismo era o que existia, na União Soviética.
Mas a democracia participativa, tão reivindicada a partir desse contexto de orientação
autoritária, é um tipo de democracia semi-direta, pois, segundo Dias (2007), caracteriza-se
pela coexistência de mecanismos da democracia representativa com outros, da democracia
direta, como referendos, plebiscitos, revogação, iniciativa popular etc. Ou seja, não seria a
democracia direta, que é aquela onde o povo exerce, por si, poderes governamentais, fazendo
leis, administrando e julgando, isto por meio de assembléias, plenárias da coletividade;
também, não seria a democracia representativa e indireta, mas algo transitório e que
implicasse o exercício direto e pessoal da cidadania nos atos do governo. É como se fosse
uma convivência harmônica entre dois modelos, com distinções.
A discussão sobre a democracia participativa está voltada para os mecanismos ou
instrumentos que devem ser desenvolvidos pelo Estado, com a finalidade de assegurar as
responsabilidades dos gestores, dos legisladores e do judiciário junto à população para a
45
resolução de problemas centrais. A falta desses instrumentos democráticos de participação
impediria a participação efetiva dos indivíduos no processo democrático.
Essa teoria da abertura de canais de participação da população sobre as políticas do
Estado estaria embasada em dois problemas centrais que, segundo Silva (2003), seriam a
questão das desigualdades econômicas, que impedem a participação em iguais condições da
vida social e política do país, e a contraposição à teoria elitista de democracia, envolvendo a
noção de indivíduos consumidores, substituindo-a pela percepção de executores e de agentes
do desenvolvimento de suas capacidades.
Segundo Harnecker (2000), a classe dominante transforma a política num mercado de
idéias e monopoliza, através da propaganda, a manufatura do consenso, tendo as armas para
conduzir o cidadão comum para os partidos encarregados de salvaguardar os seus interesses.
isto explica que sejam os partidos mais conservadores, defensores dos
interesses de uma ínfima minoria da população, que tenham conseguido
transformar-se quantitativamente em partidos de massa e que a base social de
apoio dos seus candidatos, pelo menos na América Latina, sejam os setores
mais pobres da periferia das cidades e dos campos. (HARNECKER, 2000, p.
216).
A partir desses conceito de democracia elitista e de democracia participativa, no
âmbito da sociedade capitalista, verificamos que limitações e restrições à participação dos
setores sociais excluídos das decisões centrais de uma gestão governamental; que essa
população é chamada a votar e a legitimar uma democracia representativa ou elitista.
Para esse fim, são estabelecidos inúmeros fatores, como, por exemplo, a manipulação
da propaganda, que favorece o discurso, dito democrático, da existência de espaços de
participação instituídos pelo Estado como, por exemplo, os conselhos de controle social ou de
discussão sobre as demandas sociais; mas eles, de fato, apenas legitimam a existência
consensuada da exploração do trabalho e do descaso do Estado com as reivindicações dos
trabalhadores.
Isso significa que presenciamos uma democracia representativa, no Brasil, com forte
viés eleitoralista, mas que sinaliza contradições, ao combinar esse mecanismo à existência de
espaços como conselhos de controle social, mesas de negociações sindicais, dentre outros, que
contribuem para um discurso da existência de uma democracia participativa. Cabe, portanto,
assinalar a inexistência de democracia direta.
46
O desenvolvimento desses conceitos é importante, quando nos propomos a
acompanhar as políticas que se deram no governo de Frente Popular, em Belém, no período
de 1997 a 2004, pois pode nos ajudar a analisar a aplicação de tais conceitos, em especial
aquele de democracia participativa.
Inicialmente, não é possível desconectar nossas análises da discussão da democracia
representativa, no desenvolvimento da sociedade capitalista e de um Estado burguês. E, por
isso, Silva¹ (2003) enfatiza da dificuldade, e a mesmo a impossibilidade, do
desenvolvimento de uma democracia verdadeira, que ressalte a participação dos excluídos nas
decisões políticas que signifiquem a inversão plena de seu quadro de exclusão, submetida aos
princípios do Estado moderno capitalista.
Vale indagar sobre a necessidade de participação nos espaços ditos decisórios das
políticas estatais, pois o envolvimento da classe proletária num processo de participação
constituído pelo Estado parece não ter patrocinado avanços ou mudanças significativas,
quanto à superação de desigualdades sociais.
A existência de governos cujo mote é a participação popular, como o que vigorou, em
Belém, de 1997 a 2004, que denominava-se governo do povo, possibilitou a ampliação de
canais de participação, para além das instituições centrais da democracia elitista; como foi a
política de orçamento participativo; de conselhos distritais; de fóruns municipais de discussão
política, como as conferências e congresso municipal. Esse conjunto de iniciativas significou
um processo rico de aprendizagem, mas que reforça nossa posição inicial de existência, no
Brasil, de uma democracia representativa, que desenvolve, pelo desgaste de tal tipologia junto
à classe excluída, ações que se combinam à democracia participativa.
Isto significa que há contradições na implementação da democracia representativa, que
podem estar relacionadas a desgastes entre representantes e representados; mas também, ao
adotar a democracia participativa, a atuação em mecanismos de controle social ou de
discussão sobre as políticas públicas pode não possibilitar controle algum sobre os rumos da
política nacional, mesmo que, ao participar, os indivíduos estejam submetidos a um processo
pleno de aprendizagem, por meio do qual se tornariam capazes para intervir,
organizadamente, nas questões que lhe fossem solicitadas.
47
A democracia participativa inova ao ampliar os espaços de atuação para além
da escolha do governo e ao colocar na agenda política formas de autogestão
ou de democracia direta, mas conserva o interesse de controle. De certa
forma, não rompe com a noção de que a política deve ser para os
especialistas ou de que as classes populares somente estão aptas a participar
se forem educadas de modo a não oferecer riscos ao poder das classes
dominantes. (SILVA¹, 2003, p. 20).
Nesse sentido, o Estado tem papel preponderante na materialidade do discurso e das
ações de legitimação do sistema capitalista, em função de ser o representante oficial da
unidade política de todo o povo. Para isso, seus mecanismos de participação representativa ou
de participação democrática precisam incorporar outras classes que não apenas a dominante,
pois essa incorporação é a única garantia de que os interesses das classes dominantes sejam
apresentados como interesse geral, de todo o povo.
Essas medidas ajudam na manutenção da supremacia política do Estado, como
representante máximo, para os neoliberais, da unidade política entre as classes, pois essa
condição ideológica favorece seu papel de gerenciador político da dominação de classe
Para ajudar no debate sobre a democracia, convém analisar a posição, que ora
referendamos, e o significado de um outro tipo de democracia, a chamada democracia direta.
Recorrendo a Marx e Engels (1998), encontraremos elementos fundantes da relação de
poder que inclui a democracia como instrumento na superação da sociedade capitalista.
O proletariado utilizará sua supremacia política para arrancar pouco a pouco
todo capital à burguesia, para centralizar todos os instrumentos de produção
nas mãos do Estado, isto é, do proletariado organizado em classe dominante,
e para aumentar, o mais rapidamente possível, o total das forças produtivas.
É o advento do proletariado como classe dominante, a conquista da
democracia. (MARX; ENGELS, 1998, p. 51).
Marx nos elementos para elaborar sobre sua formulação de democracia, ou seja, a
formulação da ditadura do proletariado, pois o tipo de Estado defendido por ele nada mais é
do que o proletariado organizado como classe dominante. Portanto, afirma Lênin (1986), a
doutrina da luta de classes aplicada por Marx ao Estado conduz ao reconhecimento da
supremacia política da ditadura do proletariado, isto é, do poder político exercido sem
partilha. Esse poder pode ser traduzido pela supremacia da maioria sobre minoria. Essa seria a
essência da verdadeira democracia.
48
Isso significa, para Lênin (1986), que a derrubada da burguesia é realizável pela
transformação do proletariado em classe dominante, capaz de sobrepor-se à resistência
inevitável e desesperada da burguesia e de organizar todas as massas trabalhadoras exploradas
para um novo regime econômico.
Assim, a democracia participativa, mesmo oportunizando espaços de participação, não
significa espaço de decisão para a superação dos problemas da maioria da população pobre
em busca dos serviços básicos do Estado. Exatamente, pelo antagonismo dos interesses entre
dominantes e dominados e pela realidade de gerenciamento do Estado pela classe do capital, é
que, objetivamente, esta última se organiza para garantir sua hegemonia econômica e política,
mantendo os princípios da defesa da propriedade privada, da naturalização da exploração do
homem pelo homem, e da maximização dos interesses no mercado, dificultando ou afastando
qualquer perspectiva de transformação.
Esse percurso pelo desenvolvimento do conceito de democracia, mesmo que precário,
diante das imprecisões sobre as suas manifestações e ações, principalmente, ressaltando o
papel do Estado, nos remete à tentativa de compreensão de novos conceitos, para que
avancemos em nossas análises.
Na sintonia com o debate sobre o papel do Estado, nos marcos do regime capitalista,
faz-se necessário estabelecer algumas diferenciações conceituais sobre Estado, regime e
governo. Isto contribui para que possamos entender melhor o funcionamento do poder
político de uma classe e os meios utilizados por essa classe para governar determinado
período, o que é um dos focos desta investigação.
Compreendendo que a chegada, pela via eleitoral, de um membro da classe
trabalhadora e explorada ao governo central de um país ou município, como ocorreu em
Belém do Pará, no período de 1997 a 2004, nos marcos da sociedade capitalista, não significa,
em nenhuma hipótese, a tomada do poder político pela sua classe de origem; mas pode
significar, pelas contradições que o levaram à direção do Estado, o fortalecimento permanente
das mobilizações concretas contra o regime explorador.
Vale ressaltar que os trabalhadores continuam sendo fonte de mais-valia, no
capitalismo mundializado; portanto, sua condição de classe não se altera, mesmo
compreendendo que o trabalho e as contradições sociais transformam e modificam as formas
49
de constituição da classe trabalhadora, fazendo emergir novos sujeitos e novas lutas. Esses
novos sujeitos, possuidores apenas de sua força de trabalho e submetidos à espoliação,
começam a perceber seus interesses comuns. Nesse processo, a luta pela sobrevivência unifica
e dá sentido à sua condição de classe.
Isso ocorre porque as condições econômicas transformaram, em primeiro lugar, os
trabalhadores em classe social. A dominação do capital sobre os trabalhadores criou a
situação comum e os interesses comuns dessa classe e, portanto, os interesses que ela
defende tornam-se interesses de classe.” (MARX, 1982, p. 5).
Marx afirma, também, que é histórica a luta que se desenvolve entre as duas principais
classes sociais configuradas no sistema capitalista. São classes diametralmente opostas e com
interesses antagônicos. E define queser capitalista significa ocupar não somente uma
posição social, mas também uma posição social na produção.” (MARX; ENGELS, 1998, p.
45). Da mesma forma, cita que o preço médio que se paga pelo trabalho assalariado é o
mínimo de salário, isto é, a soma dos meios de subsistência necessária para que o operário
viva como operário.” (MARX; ENGELS, 1998, p. 45).
Essa é parte das intenções do capitalista, em sua relação social com a classe que vende
sua força de trabalho: a de explorar, para que haja a produção constante de lucro, e, por isso,
pagar o mínimo por ela, para que o assalariado sobreviva para esse fim. Dessa forma, é
fundamental assegurar-lhe o menor valor e o mínimo necessário.
A partir de tais perspectivas do capital, situamos o debate na relação entre a burguesia
capitalista e o Estado. Como afirma Marx, em O 18 Brumário de Luís Bonaparte, é
precisamente com a manutenção dessa dispendiosa máquina estatal em suas numerosas
ramificações que os interesses materiais da burguesia francesa estão entrelaçados da
maneira mais íntima.” (MARX, 1961, p. 235).
Buscaremos esse debate para compreendermos o significado da dinâmica política que
se instala, quando um membro da classe trabalhadora se torna governo, como ocorreu em
Belém do Pará (1997 a 2004), e, portanto, comandante de atribuições, sejam elas impostas
pelo capital ou alinhadas com as necessidades de sua classe. Isso poderá nos proporcionar
grandes discussões sobre as perspectivas e interesses comuns de tal governo com sua classe
de origem.
50
Quando avançamos no entendimento do caráter do Estado, ou seja, de quem governa e
que classe governa ou que setor de classe tem o poder político, relacionamos, nesse debate,
um conceito que pode nos ajudar a compreender a relação do Estado com a classe que dirige a
sociedade do capital: o regime político.
O regime político es alinhado com as inquietações sobre como a classe política
dirigente mantém-se na condição de dirigente e por meio de que instituições governa. Esse é o
conceito fundamental do que seja um regime. Ou seja, o regime político é a combinação ou
articulação específica das instituições estatais, utilizadas pela classe dominante, ou por um
setor dela, para governar.” (MORENO, 2003, p. 17).
O Estado é composto por um conjunto de instituições, e a sua classe dirigente define,
desse conjunto, sua principal instituição para governar, e, a partir dela, articula as demais.
Tais instituições podem ser definidas pelas relações de domínio que se apresentam, segundo
Marx (2004), num plano superestrutural jurídico, como direito; no plano político, como
Estado, no plano ideológico, como ideologia dominante etc. Sendo o Estado, escreve Marx,
a forma que a burguesia faz valer os seus interesses, é por isso que todas as instituições
passam pela mediação do Estado e recebem uma forma política.” (MARX, 2004, p. 98).
O direito se apresenta, segundo o dicionário político de Bobbio (2007), por um lado,
como lei; de outro, como conteúdo de lei. O caráter impessoal da lei é que permite exprimir os
conteúdos específicos do domínio de uma classe sobre a outra, na forma de vontade geral.
Segundo Bobbio (2007), quando Althusser aborda o problema das estruturas materiais
do domínio ideológico, ele separa os aparelhos repressivos (governo, administração, exército,
polícia, tribunais, cárceres etc.) dos aparelhos ideológicos (a escola, a igreja, os meios de
comunicação de massa, o parlamento, os partidos políticos etc.).
Assim, é possível perceber a existência das instituições do regime atual do capitalismo
que se desenvolve no Brasil pelos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário em relação
direta com a sociedade civil, os partidos políticos, a igreja, os meios de comunicação de
massa, dentre outros.
A figura do presidente da República, por exemplo, é preponderante, no Estado burguês
existente no Brasil e na forma como conduz a democracia burguesa através do funcionamento
51
e das articulações institucionais. Por isso, podemos ressaltar que nosso regime é democrático-
burguês-presidencialista.
Essa definição reflete nossa orientação sobre a relação do governo com o regime
político, porque, mesmo que tenhamos vivenciado o revezamento de vários presidentes no
poder Executivo, ou seja, vários governos
9
, inclusive de partidos diferentes, se manteve um
regime democrático, na sociedade burguesa, cuja principal instituição é o executivo, ou seja, a
figura do presidente da República, considerando que quem governa são homens ou mulheres,
respaldados por grupos políticos ou partidos políticos que tomam as decisões necessárias nas
instituições do regime e do Estado.
Um exemplo importante sobre políticas que visam fortalecer o regime democrático
burguês presidencialista foi o Plano Diretor da Reforma do Aparelho Estado, apresentado
pelo governo de Fernando Henrique, em 1995, quando é proposta “uma administração pública
gerencial” (BRASIL, 1995, p. 8). Esse tipo de gerenciamento teria como estratégia a definição
dos objetivos que o administrador público deverá atingir para a garantia de autonomia do
administrador, na gestão dos recursos humanos, materiais e financeiros, e para o controle ou
cobrança posterior dos resultados, tendo no plano da estrutura organizacional, segundo o
Plano Diretor, a descentralização e a redução dos níveis hierárquicos como fatores essenciais.
Essa elaboração do Plano de Reforma demonstra um discurso contraditório entre o
controle e a descentralização, mas que resulta num processo de maior controle da máquina
estatal e das instituições por parte de quem dirige o Estado, num regime hegemonizado pela
burguesia.
Diferente do Estado que se define pelas classes, o regime se define pelas instituições
que o compõem. O exemplo de Moreno (2003) nos ajuda a compreender um pouco tais
elaborações:
O Estado Burguês deu origem a muitos regimes políticos: monarquia
absoluta, monarquia parlamentar, repúblicas federativas e unitárias,
repúblicas com uma câmara ou com duas (uma de deputados e uma muito
reacionária de senadores), ditaduras bonapartistas, ditaduras fascistas, etc.
Em alguns casos são regimes com ampla democracia burguesa, que até
permitem que os operários tenham seus partidos legais e com representação
9
Collor de Melo (governou entre 1990 e 1992), Itamar Franco (entre 1992 e 1995), Fernando Henrique Cardoso
(1995 a 2002), Luís Inácio Lula da Silva (governa o país desde 2003, sendo reeleito em 2006).
52
parlamentar. Em outros casos dá-se ao contrário, não existe nenhuma
liberdade nem mesmo para os partidos burgueses. Mas, através de todos
esses regimes, o Estado continua burguês, porque quem continua no poder é
a burguesia, que utiliza o Estado para continuar explorando os operários.
(MORENO, 2003, p. 18).
O capitalismo requisita contra-reformas ao seu Estado, para que possa redefinir e
redistribuir as atividades, na perspectiva de sair de suas crises, criando mecanismos de
administração e controle que assegurem a efetiva aplicação de sua política.
A utilização do termo contra-reforma está alinhada à concepção adotada por Behring
(2003), referindo-se a mudanças constitucionais com o rótulo de “reformas”, mas que têm
sido um sistemático desmonte da estrutura estatal, com o objetivo de atingir e fazer retroceder
direitos sociais, cuja construção foi produto da história de trabalhadores lutando contra a total
mercantilização.
Por isso, a burguesia se organiza para manter o regime. Inclusive, na atual etapa
imperialista, aposta no funcionamento de organismos financeiros que foram os pilares da
ordem econômica internacional do pós-guerra e continuam sendo os meios políticos, jurídicos
e financeiros pelos quais o capitalismo tem assegurado sua supremacia.
Alguns desses organismos foram criados a partir das conferências de Bretton Woods,
como o Banco Interamericano de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), em 1944,
instituição essa que, hoje, é parte do grupo Banco Mundial; o Fundo Monetário Internacional
(FMI), criado em 1945, e o Acordo Geral de Tarifas e Serviços (GATS), que foi o embrião do
que é, hoje, a Organização Mundial do Comércio (OMC) , fundada em 1995. Ainda, a
Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), que é um forte aparato militar, desde
1949; a Organização das Nações Unidas (ONU), que também foi criada no pós-guerra, em
1945, dentre outras.
Cada uma dessas organizações, funcionando como uma orquestra, ainda que com
muitos problemas internos, e o conjunto delas orientam, regulamentam e fazem cumprir as
determinações necessárias a uma vida longa ao sistema capitalista.
Tais organismos têm orientado as políticas públicas, no Brasil, no sentido de que as
ações governamentais sejam adequadas às novas configurações de desenvolvimento do
capitalismo.
53
Esses organismos, como é ocaso do Banco Mundial, têm exigido dos países
periféricos programas de ajuste estrutural visando à implantação de políticas
macroeconômicas, que venham a contribuir para a redução dos gastos
públicos e a relocalização de recursos necessários ao aumento de superávits
na balança comercial, buscando com essas medidas aumentar a eficiência do
sistema econômico. Para que esses países sejam incluídos no processo de
globalização capitalista, essas exigências básicas m uma influência direta
sobre a determinação das políticas públicas, sobretudo àquelas de caráter
social, tendo em vista os cortes no orçamento e a diminuição dos gastos
públicos que as medidas recomendadas representam. (MAUÉS, 2003, p. 10).
Essas medidas foram adotadas pelos sucessivos governos brasileiros que agilizaram
um processo de regulação social e de ajuste estrutural, como, segundo Maués (2003), um
mecanismo formal, pelo papel do Estado, e informal, determinado pelo papel da sociedade
civil, que estruturam o conjunto de setores da vida social, política e econômica, nas dimensões
pública e privada, e que apontam para uma concepção produtivista e mercantilista de
educação, onde os sujeitos precisam desenvolver habilidades e competências definidas pelo
mercado, para que se mantenham empregáveis.
Vale ressaltar algumas experiências importantes, no Brasil, de governos que
implantaram o projeto neoliberal, desde 1990, e, a partir de tal análise, descobrir as
interferências que se deram sobre as configurações do Estado e do trabalho.
1.3 Experiências de governos neoliberais no Brasil: mudanças no Estado,
mudanças no trabalho.
No Brasil, os governos que estiveram no poder central, em especial os que governaram
a partir de 1990, alinharam-se sobremaneira às instâncias de decisão do regime burguês e
assumiram a implantação de políticas neoliberais, no país.
Antes de iniciarmos as análises sobre os tipos de governos neoliberais, no Brasil,
faremos uma ressalva preliminar, para reafirmar que temos acompanhado o desenvolvimento
de experiências, em estados e municípios de governos ditos democráticos e populares. Tal tem
sido a definição programática de governos petistas (constituídos, no Brasil, sob a legenda do
Partido dos Trabalhadores – PT), que sustentam um programa democrático-popular, no Brasil,
sobre o qual diziam ser de contraposição às concepções neoliberais.
54
O desenvolvimento desse programa está pautado pela defesa de um plano alternativo
de caráter democrático-popular, articulado em torno de reformas, na sociedade e no Estado,
e de promoção de valores anti-capitalistas e democráticos (PARTIDO DOS
TRABALHADORES, 1998, p. 516), que podem explicar alguma diferenciação em relação ao
modelo instituído. Mas somente um estudo sobre a realidade mais específica desses governos
poderá elucidar nossas inquietações, o que faremos a partir da gestão real desse tipo de
governo, em Belém do Pará.
No desenvolvimento dos debates sobre as características de tais governos, a partir da
experiência, em Belém do Pará, no período de 1997 a 2004, não adotaremos a denominação
‘governo democrático popular’ que vem sendo atribuída pelos idealizadores do programa, no
Brasil, desde 1990.
A nomenclatura e a concepção que adotaremos se expressam em governos de frente
popular’, que consideramos mais coerentes com as elaborações que estão sendo
desenvolvidas nesta pesquisa, de crise do capitalismo e do papel do Estado. Por isso,
compreendemos que a existência de tais governos tem relação direta com essa realidade de
crise do sistema.
Assim, os governos de Frente Popular podem apresentar características semelhantes às
experiências daqueles que se desenvolveram desde o início da histórica revolução socialista,
na União Soviética, em 1917.
Obviamente, cada governo e sua época apresentam características próprias, na
dinâmica capitalista, inclusive os de frente popular; por isso, não é possível a transferência
automática e a-histórica de uma concepção clássica para uma análise contemporânea. Mas é
possível a análise de características que apresentem alguma similitude entre esses governos e
que nos permita certa atualização do debate.
A expressão frente popular se aplica aos governos democráticos e populares, devido
à sua composição e ao papel que assumem. Na concepção de Moreno (2003), o governo de
frente popular de Mitterrand, na França, por exemplo, foi um governo no qual partidos de
esquerda, de origem operária, ocuparam a maioria dos ministérios, e os mais importantes, e
um lugar preponderante, nesse caso, a presidência. Mas tornaram-se colaboracionistas na
administração das crises do capitalismo.
55
Na definição de Moreno (2003), esses são governos que coincidem com uma etapa
importante de ascenso da luta de classes, sendo um tipo diferente de governo, nos marcos da
sociedade burguesa, mas que não apresentam, por si mesmos, nenhuma incompatibilidade
com o regime capitalista-imperialista. Têm grande apoio no movimento de massas e, por isso,
podem adotar posições distintas, a depender das circunstâncias de mobilização, apoiando-se
nesse prestígio político.
É a partir dessas definições iniciais que desenvolveremos nossas análises, mais à
frente, sobre esse tipo de governo, o que nos possibilitará verificar a aplicação de suas
políticas, em Belém do Pará. Antes, precisaremos aprofundar a discussão sobre a dinâmica
dos governos que iniciaram a aplicação do neoliberalismo, no Brasil.
Os sucessivos governos centrais, no país, que ocorreram desde 1990, citados
anteriormente, alinharam suas políticas à nova fase do capitalismo imperialista, por isso,
foram agentes construtores de meios necessários à superação das crises do sistema.
Esse alinhamento ideológico apresentou-se, com força, no governo de Fernando Collor
de Melo (1990-1992), mas foi nos mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso
(1995-2002) que os ideais do neoliberalismo ganharam amplitude e aprofundamento, no
Brasil. Por esse motivo, e pelo fato de que foi o período em que se desenvolveu, no município
de Belém, o governo de frente popular, vamos analisar, mais detidamente, o de Fernando
Henrique Cardoso.
O governo de Cardoso aplicou, no país, um neoliberalismo que tentava conectar-se
com a realidade, a partir de cinco pontos fundamentais:
Em primeiro lugar, a globalização da economia, ou seja, estaria se formando
um mundo sem fronteiras econômicas, o mundo estaria virando um só.
Segundo, a revolução científico-técnica, ou seja, estaria se dando a terceira
revolução tecnológica e industrial a partir da fusão da ciência com a
tecnologia. Terceiro, a falência do Estado, ou seja, o Estado estaria
financeiramente quebrado e teria esgotado seu papel desenvolvimentista. Em
quarto lugar, o fim da história, isto é, a Humanidade teria chegado ao seu
desiderato, formando o homem perfeito, vivendo numa sociedade pronta e
acabada e, portanto, o haveria mais lugar para a evolução histórica. Por
último a idéia-força, subjacente a tudo isso, é a eficiência do mercado,
retomando a idéia da liberdade, como elemento chave da ideologia burguesa,
mas, desta vez, é, sobretudo, a liberdade de mercado. (SOUZA, 1995, p. 16).
56
Essa concepção norteou um processo de reestruturação das políticas de funcionamento
do Estado brasileiro, na Era de FHC (Fernando Henrique Cardoso), tendo como princípio o
neoliberalismo que é uma ideologia da classe dominante, na etapa atual do capitalismo, de
tentativa de superação de suas crises; para isso, elabora discursos e ações políticas que visam
manter a supremacia da classe burguesa capitalista sobre a classe trabalhadora dominada.
Essa posição política é importante, na medida em que o discurso do governo de
Cardoso estava vinculado à concepção de um Estado social-liberal.
Social porque continua a proteger os direitos sociais e a promover o
desenvolvimento econômico; liberal, porque o fará usando mais os controles
de mercado e menos os controles administrativos, porque realizará seus
serviços sociais e científicos principalmente através de organizações públicas
não-estatais competitivas, porque tornará os mercados de trabalhos mais
flexíveis, porque promoverá a capacitação dos seus recursos humanos e de
suas empresas para a inovação e a competição internacional. (BRESSER-
PEREIRA, 1997, p. 18).
Mas a própria verificação de tal discurso aponta para o enquadramento do país às
prescrições neoliberais, inclusive quanto à flexibilização do mercado de trabalho e a
convivência “equilibrada” entre o público e o privado. Isto significava que,
programaticamente, o governo estaria submetido às tais prescrições, desenvolvendo, de fato,
um Estado neoliberal. E o governo reforça:
A globalização, longe de marcar o fim da história”, é o começo de algo
novo [...] oferece oportunidades, que precisamos saber aproveitar, para
afirmarmos o Brasil como país e avançarmos mais rápido na realização das
nossas aspirações de prosperidade e justiça social. (CARDOSO, 1998, p. 13).
Esse discurso sobre a globalização da economia mundial, sem negar, obviamente, que
existe a tendência à internacionalização da economia, deveria explicar porque os lucros do
sistema capitalista não chegam às diversas partes do globo, de modo a permitir que os Estados
mais pobres se desenvolvam, pois o que ocorre é a concentração do lucro das grandes
empresas e das produções nacionais nas mãos dos sete ou oito países mais ricos do mundo.
Para Souza (1995), os dados da ONU (2001), na Agenda 21, são claros: existem, no
mundo, cerca de 157 bilionários (com fortunas medidas em dólar), ao lado de 1,5 bilhão de
pessoas vivendo num nível abaixo do limite da pobreza.
57
Isso significa que o desenvolvimento de políticas neoliberais, no país, está associado à
garantia da sustentabilidade dos capitalistas, o que se por meio de ações estatais
facilitadoras de acesso ao mercado consumidor sem barreiras; de novas formas de produção,
de novas relações trabalhistas e de ajustes econômicos que impedem o investimento em
políticas públicas sociais, tudo o que prescreve o neoliberalismo.
Na visão de Sallum Júnior (2003), a plataforma de Fernando Henrique Cardoso
demonstra os compromissos com o novo ideário.
As características centrais desse ideário podem ser assim resumidas: o
Estado deveria transferir quase todas as suas funções empresariais para a
iniciativa privada; teria que expandir suas funções reguladoras e suas
políticas sociais; as finanças públicas deveriam ser equilibradas e os
incentivos diretos à companhias privadas seriam modestos; haveria também
restrições aos privilégios existentes entre os servidores públicos; e o país
deveria intensificar sua articulação com a economia mundial, embora dando
prioridade ao Mercosul e às relações com os demais países sul-americanos.
(SALLUM JR., 2003, p. 44).
As idéias relacionadas programaticamente parecem querer desenvolver um Estado
com um liberalismo moderado, ou uma terceira opção no processo de configuração de Estado,
superando, por um lado, as políticas macroeconômicas keynesianas e as idéias de
planejamento estatal. As duas últimas provocaram o surgimento do Estado, que assumiu três
formas, na visão de Bresser-Pereira (1997): o Estado de Bem-estar, nos países desenvolvidos,
principalmente na Europa; o Estado Desenvolvimentista, nos países em desenvolvimento
como o Brasil; e o Estado Comunista, nos países em que o modo de produção estatal tornou-
se dominante.
Mas os ideais de Cardoso diziam querer, também, superar o objetivo do Estado
Mínimo e do pleno controle da economia pelo mercado. Em decorrência era necessário
privatizar, liberalizar, desregular, flexibilizar os mercados de trabalho.”. E ainda afirma o
ministro de Cardoso: sua política industrial, nenhuma, e sua política social, na versão mais
pura do neoliberalismo, também nenhuma, dados os efeitos inesperados e perversos que as
políticas sociais teriam.” (BRESSER-PEREIRA, 1997, p. 16).
O governo de Fernando Henrique Cardoso buscou localizar, como faz o discurso
neoliberal, a saída para a crise do capitalismo, diagnosticando um problema de gerenciamento
do Estado e de denominação unilateral e simplista de uma crise no Estado brasileiro
58
capitalista, baseada, esta última, nas experiências que os governos anteriores desenvolveram
com as diversas formas econômicas e de Estado.
Bresser-Pereira (1996) diagnosticou que o Brasil e a América Latina foram atingidos
por uma dura crise fiscal, nos anos 1980, acirrada pela crise da dívida externa, e que esse
contexto exigiu a disciplina fiscal, a privatização e a liberalização comercial.
Para o governo, era necessário reconstruir um Estado que mantivesse suas
responsabilidades na área social, acreditando no mercado, do qual contrata a realização de
serviços. Ou seja, se a crise é de insolvência fiscal
10
, torna-se necessário reformar o Estado:
que a causa fundamental da Grande Crise econômica dos anos 80 foi a crise do Estado, o
mais acertado é reconstruí-lo ao invés de destruí-lo.” (BRESSER-PEREIRA, 1997, p. 51).
Esse argumento visava recuperar a governabilidade, ou seja, a legitimidade do Estado,
frente a novas demandas econômicas e políticas. Estas foram lançadas para o fortalecimento
de uma estratégia que pensava em se diferenciar tanto do Estado de desenvolvimento que o
seria possível materializar-se, na concepção de FHC; e também seria diferente do
neoliberalismo clássico, que transferia a regulação social para o mercado. Assim, tornava-se
necessário reformar o Estado, para assegurar ao governo a capacidade financeira e
administrativa de governar.
Para Bresser-Pereira, o lugar da política social, no Estado social-liberal, tinha que ser
deslocado: os serviços de saúde e educação, dentre outros, deveriam ser contratados e
executados por organizações públicas competitivas e não estatais. E reforça:
O Estado é social-liberal, porque está comprometido com a defesa e a
implementação dos direitos sociais definidos no século XIX, mas também
liberal porque acredita no mercado, porque se integra no processo de
globalização em curso, com o qual a competição internacional ganhou uma
amplitude e uma intensidade historicamente novas, porque é resultado de
reformas orientadas para o mercado. (BRESSER-PEREIRA, 1996, p. 21).
Esse Estado social-liberal preconizava, no governo Cardoso, um Estado pequeno e
forte, com as seguintes tarefas: garantir a propriedade e os contratos, promover o bem-estar e
os direitos sociais e realizar uma política industrial e de promoção das exportações.
10
Segundo Sandroni (2005), insolvência fiscal é a situação em que o Estado é incapaz de pagar seus
compromissos, afetando o poder aquisitivo dos diferentes setores da economia e da sociedade. A insolvência
permite que seja decretada a falência.
59
Obviamente, este novo Estado resultará de uma “estratégia pragmática” (BEHRING, 2003, p.
175), que reconheça a importância da crise fiscal, a necessidade de reformas orientadas para o
mercado e da manutenção da disciplina fiscal, a necessidade da redução das dívidas interna e
externa, entre outros pontos.
Nesse sentido, segundo Behring (2003), o projeto de Fernando Henrique Cardoso
configurou um novo pacto político, envolvendo o Estado brasileiro; por isso, sugeriu uma
plataforma de modernização, em torno dessa proposta, que iniciou com a liberalização
comercial, as privatizações e o programa de estabilização monetária (Plano Real) e prosseguiu
com a reforma da administração pública: a chamada reforma gerencial do Estado.
O plano de reforma do Estado, de Bresser-Pereira, também previa a manutenção do
Estado regulador que reduz a prestação direta de serviços, como educação, saúde, cultura e
pesquisa científica, visando a descentralização e o deslocamento desses serviços para o “setor
público não-estatal” (BRESSER-PEREIRA, 1997, p.26), através de parcerias com a sociedade
para o financiamento e o controle social. Mesmo desresponsabilizando-se de parte dos
serviços, o Estado, na visão do ministro, buscou manter o máximo de controle dos serviços
prestados, garantindo a eficiência da máquina estatal:
Reformar o Estado significa transferir para o setor privado as atividades que
podem ser controladas pelo mercado. Daí a generalização dos processos de
privatização de empresas estatais. Neste plano, entretanto, salientaremos um
outro processo tão importante quanto, e que, no entanto, não está tão claro: a
descentralização para o setor público não-estatal da execução de serviços que
não envolvem o exercício do poder de Estado, mas devem ser subsidiados
pelo Estado, como é o caso dos serviços de educação, saúde, cultura e
pesquisa científica. Chamaremos a esse processo de “publicização”.
(BRASIL, 1995, p. 12).
O Ministério da Reforma do Estado nos apresenta, nesse ponto, as intenções do
governo de destinar às empresas privadas que atuam no mercado o acesso ao desenvolvimento
de serviços como os educacionais. Isso com financiamento público, utilizando o discurso da
descentralização ou mesmo publicização dos serviços, processo esse para o qual a expressão
mais apropriada é privatização. Essa foi uma política prioritária, no governo de Fernando
Henrique Cardoso, cabendo ainda ao Estado o papel de regular os resultados dos serviços
oferecidos e de sua produtividade.
Nesse sentido, as medidas adotadas pelo governo Cardoso foram extremamente
regressivas dos direitos sociais e interferiram na natureza do trabalho, encontrando medidas
60
de contraposição, na sociedade, por parte das organizações sociais dos trabalhadores, tanto no
setor público, quanto no privado. Isso foi determinante, na disputa eleitoral de 2002, que pôs
fim ao mandado do presidente Fernando Henrique Cardoso, e foi preponderante, na eleição de
um dos maiores dirigentes sindicais e políticos do país, Luís Inácio Lula da Silva.
Iniciou-se, no Brasil, o primeiro mandato do presidente Luís Inácio Lula da Silva
(2003 a 2006), com uma vitória eleitoral de 40 milhões de votos absolutos, representando
46,4% dos votos válidos. Um mandato cercado de expectativas de mudanças, tanto pela
história política do Partido dos Trabalhadores e de seu programa, quanto pelo fato de chegar
ao poder um ex-operário, ex-sindicalista e membro da classe trabalhadora.
Mas, o referido governo da mudança seguiu na mesma direção política de
subordinação aos organismos internacionais e de consolidação de um pacto social [...] dando
uma guinada à direita.” (LIMA, 2004, 28).
Essa guinada à direita, segundo Lima (2004), estava pautada, ideologicamente, quando
o Partido dos Trabalhadores tira da agenda de ações do partido a luta pelo socialismo, que foi
substituída pela conciliação de classes, pela necessidade de um novo contrato social”, que
estabeleceria um “pacto entre as classes”. Essa subordinação se expressa através da seguinte
pauta:
“Superávit primário de 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB) para
pagamento da dívida externa; aprovação de reformas estruturais
(previdenciária, fiscal, tributária, trabalhista, sindical); autonomia do Banco
Central e implementação de políticas sociais focalizadas no “alívio à
pobreza”. Estes elementos compõem o eixo articulador do discurso
“neoliberal requentado” pautado no horizonte político da humanização do
capitalismo, Terceira Via, nova esquerda, nova social-democracia ou
governança progressista, ao “gosto do freguês”, ou seja, a conjugação de
“crescimento econômico com justiça social” ou “estabilidade econômica
com coesão social.”” (LIMA, 2004, p.29).
Retomamos, neste momento, ao analisar o governo Lula da Silva, o conceito
trabalhado, inicialmente, quando ressaltarmos a existência de governos que apresentam
características de frente popular, no Brasil, por sua composição política, quando a
candidatura Lula foi ampliando o arco de suas alianças para a garantia de apoio de setores
do capital, destacando a subserviência de sua política às exigências dos acordos financeiros
e políticos com os organismos do capital.” (LIMA, 2004, p. 29). Ou quando compõe seu
governo um dos maiores empresários têxteis do país, seu vice-presidente, dentre outros.
61
Também podemos caracterizá-lo como uma frente popular, quando verificamos ser um
governo de extremo respaldo nos movimentos sociais, que vêem esse tipo de governo como
sendo o seu governo, assegurado pela história política e sindical do dirigente, agora gestor, e
pelo seu partido.
O governo Lula adequou os preceitos programáticos de seu partido, o Partido dos
Trabalhadores, às determinações dos organismos internacionais criados pelo capital para
superar suas crises, por meio da substituição dos preceitos anteriormente observados, nos
programas do partido, pelas regras que beneficiam as grandes empresas e oligarquias
dominantes, como observa Antunes:
“Com o enorme processo de desertificação social do país, resultado das
transformações ocorridas ao longo dos anos 1990 (neoliberalismo,
financeirização da economia, reestruturação produtiva do capital,
desregulamentação, informalidade e precarização do trabalho, privatização
da res pública etc.), o PT também acabou por converter-se num partido da
ordem societal, para se qualificar como gestor dos interesses dominantes no
país. O PT se converteu num partido que sonha em humanizar o nosso
capitalismo.” (ANTUNES, 2004 p. 126).
Isso significou a incorporação de Lula e do PT a um projeto societário, no dizer de
Lima (2004), construído pela burguesia internacional em resposta à crise estrutural do capital,
e que não consegue alterar o cenário de empobrecimento e estagnação econômica no mundo.
Essas políticas neoliberais, iniciadas pelo presidente Collor de Melo, implantadas nos
governos de Fernando Henrique Cardoso e continuadas, de forma “requentada” pelo
presidente Luís Inácio Lula da Silva, foram assumidas e incorporadas, mesmo com
contradições, à realidade dos estados e municípios do país.
No estado do Pará, houve uma série de privatizações, principalmente, de setores
estratégicos, como a da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD)
11
, as Centrais Elétricas do
Pará (CELPA), no setor de telefonia, dentre outras empresas.
Em 1996, com a eleição do governo de Frente Popular para a prefeitura de Belém, a
privatização de empresas e setores não foi a sua política prioritária, apesar da manutenção da
política de terceirização de serviços do município, da contratação precária e temporária de
trabalhadores; da aplicação, no município, da reforma da previdência, aprovada pelo governo
federal, quando houve a separação entre as alíquotas para a aposentadoria e para a assistência
11
É uma das maiores empresas de mineração e metais do mundo.
62
à saúde, e, principalmente, quando houve a transferência das contas-salário dos servidores
públicos municipais de um banco estatal para um banco privado.
Foram medidas mais gerais, adotadas pelos novos governantes, que confirmam,
provisoriamente, algumas análises anteriores sobre o caráter do Estado e do governo no
regime capitalista em vigor.
1.3.1 As implicações das contra-reformas no Estado sobre o trabalho docente
O Plano Diretor para as reformas no Estado, implementado, com vigor teórico e
metodológico, no governo Fernando Henrique Cardoso (1995 a 2002), trabalhou na
perspectiva gerencial e introduziu a eficiência e a qualidade como cultura, na administração
pública. As medidas foram inspiradas em elementos de gestão empresarial, regulamentação
do trabalho, no setor público, que era visto como protecionista, pelo governo, e a
desarticulação das políticas públicas de Previdência, Saúde e Assistência Social.
Para garantir eficiência e os resultados almejados pelo governo e pelos capitalistas, o
Plano Diretor previa a formulação de contratos combinados a políticas de incentivos e planos
de carreira, ao lado de previsão de demissão, em caso de desempenho insatisfatório; ênfase na
seleção de pessoas qualificadas; fiscalização institucional por quem detém a autoridade;
estabelecimento da competição entre as agências estatais e as privadas; descentralização dos
serviços do Estado, dentre outros.
O ministro Bresser-Pereira enfatizou que a reforma administrativa era benéfica para os
servidores públicos, pois a flexibilização da estabilidade do funcionalismo pretendia
valorizar o servidor público, com motivação profissional, remuneração condizente com o
mercado de trabalho nacional, além de razoável segurança no emprego.” (BRASIL, 1995, p. 7).
Mas o eixo da sustentação, digamos, o núcleo duro da estratégia de implementação das
chamadas “reformas estruturais”, foi a idéia da governabilidade e o discurso de que a não-
viabilidade das reformas levaria à ingovernabilidade, no país, e possível insolvência do
Estado, que o Plano Diretor tinha como mola propulsora a afirmação de que a crise era do
Estado e não do sistema capitalista.
63
Assim, o Estado brasileiro desenvolveu, ao longo do governo de Fernando Henrique
Cardoso (1995 a 2002), uma forte incorporação das políticas públicas à lógica neoliberal do
sistema capitalista, primando pelo fortalecimento da concepção neoliberal de Estado
monopolista. Suas políticas se refletiram nos estados e municípios do país. Por isso, torna-se
relevante expor algumas de suas medidas mais gerais:
a) o fim da discriminação constitucional ao capital estrangeiro; b) a
exploração, o refino e o transporte de petróleo e gás, monopolizados pela
companhia de petróleo (Petrobrás), foram transferidos para a União e
convertidos em concessão do Estado às empresas, principalmente a estatal,
que manteve grandes vantagens em relação a outras concessionárias
privadas; e c) o Estado foi autorizado a conceder os direitos de exploração
dos serviços de telecomunicação (telefonia fixa e celular, exploração de
satélites, etc) a companhias privadas (anteriormente as empresas públicas
tinham o monopólio dos serviços). Também fez aprovar no Congresso a lei
de concessões de serviços públicos à iniciativa privada, autorizada pela
Constituição (eletricidade, estradas, ferrovias, etc.). Dentre outras medidas.
(SALLUM JR., 2003, p. 44-45).
Essas políticas ganharam materialidade durante os oito anos de mandato de FHC, no
Brasil, onde os trabalhadores também viram, como ponto-chave do governo, a flexibilização
do mercado de trabalho.
A flexibilização do mercado de trabalho seria o ponto para outras medidas
que fariam o Brasil crescer 5% ao ano, índice necessário na caracterização de
um crescimento sustentado nos próximos vinte e cinco anos. Flexibilidade no
mercado de trabalho, na legislação trabalhista e na previdenciária é, na
realidade, extinção dos direitos trabalhistas. (SOUZA, 1995, p. 158).
Nesse sentido, a lógica do governo foi a flexibilidade como individualização e
privatização das relações de trabalho, como campo de competitividade, precisando, para isso,
anular direitos sociais e enfraquecer a organização sindical. E junto a essa lógica, o Estado
ofereceu melhores condições ao setor privado, inclusive, destinando subsídios, isenções
fiscais, créditos e recursos.
O tratamento dado aos funcionários públicos, pelo governo Cardoso, foi em demasia
autoritário e nocivo, impondo-lhes, durante os seus dois mandatos, enorme arrocho salarial,
aumentando a idade para a aposentadoria, retirando a estabilidade, instituindo contratos
temporários e gratificações produtivistas, dentre outras medidas.
64
Essa mesma lógica de flexibilização e competitividade para o mercado foram
introduzidas, por Fernando Henrique, na educação, na medida em que as escolas e suas
regulamentações precisariam ser mais flexíveis para serem mais eficientes.
Combinado a essa lógica, o grande desafio das contra-reformas educacionais,
desenvolvidas no Brasil, estaria voltado para a flexibilização do trabalho do professor, como
bem pontuam Barreto e Leher (2003), quando capturam, no discurso do governo, as suas
verdadeiras intenções:
O discurso dos anos de 1990 foi monocórdio. Em sintonia com a
descentralização, avaliava-se que não bastaria fragmentar o sistema em
unidades escolares relativamente autônomas, se os professores e os
currículos não fossem flexíveis. Afinal, todos sabem” que as escolas não
são reformadas facilmente porque os professores são avessos às mudanças,
não querem assumir responsabilidades e compromissos com os pais e os
alunos pobres. Ademais, os planos de cargos e salários engessam a
administração. Os custos da folha de pagamento aumentam ano a ano,
mesmo quando não há reajuste, em função de critérios de progressão que não
premiam o mérito e porque os professores podem-se aposentar com o salário
integral, um privilégio descabido. Professores de carreira tendem a se
acomodar e os seus sindicatos, em geral, oposicionistas, articulam-se com
partidos de esquerda para proteger os seus privilégios. (BARRETO; LEHER,
2003, p. 40).
Esse discurso, construído no governo Cardoso e denunciado por Barreto e Leher
(2003), é a demonstração da tentativa de desmoralização, por parte dos agentes
governamentais, dos professores e do movimento docente que se posicionou, desde o primeiro
momento, quando da construção dos Congressos Nacionais de Educação (CONED),
questionando as contra-reformas neoliberais na educação.
Quando o governo critica o posicionamento dos professores contra as mudanças, na
escola, esquece que não se constrói a educação de maneira estática, sem a participação direta
nos conflitos que se apresentam no espaço escolar. E os profissionais da educação o os que
estão diretamente envolvidos com a administração de tais conflitos, e suas posturas sustentam
a valorização do processo educacional, diariamente, no espaço público.
Por isso, seria pouco provável a legitimação de políticas públicas que, ao flexibilizar,
unilateralmente, o corpo social e político da escola, para atender às vontades e necessidades
do mercado, os docentes não se posicionassem contrariamente, já que defendem uma
educação pública, gratuita, laica e socialmente referenciada, como expressam, segundo Maués
65
(2005), as resoluções dos Congressos Nacionais de Educação e os debates, em diversos fóruns
públicos de discussão.
Outro elemento a ser considerado é o que trata da regulamentação da carreira. O
governo entende o pagamento dos profissionais e as demandas econômicas das escolas como
“custo”; e isso é outro ponto de inflexão, na medida em que os profissionais da educação
lutam pela valorização de seu trabalho, por melhores salários, por respeito aos direitos às
licenças, à aposentadoria, à qualificação e à formação continuada. O que não se traduziria em
“privilégios”, como afirmou o governo, mas em investimento e direitos que, ao longo de
décadas de mobilização e organização da categoria profissional, conseguiram conquistar.
No entanto, pelo menos, ao que se vê, existe, na verdade, na educação sica, em
especial, certa paralisia no desenvolvimento da carreira docente. Os governos têm sido
inflexíveis no descumprimento dos preceitos assegurados no Estatuto do Magistério e na
carreira do magistério, mesmo que sejam determinações legais.
O presidente Fernando Henrique Cardoso, seguindo as orientações dos organismos
internacionais, primou pela desvalorização do trabalho docente e, por isso, instituiu uma série
de regulamentações para tal:
Materialmente, os professores foram forçados a aceitar gratificações de
desempenho que, pretensamente, premiam os “mais capazes” e “produtivos”.
Com isso, os salários permaneceram sem reajuste ou com correções muito
inferiores à inflação, e somente a fração variável teve alguma recomposição.
Assim, por meio de estratégia de avaliação, o controle da disciplina do
trabalho pelos governos tornou-se muito mais intenso, e as lutas dos
sindicatos tornaram-se mais complexas. Do ponto de vista simbólico, os
professores foram reiteradas vezes acusados de corporativismo, em um
processo desqualificador que resultou na construção de uma imagem
extremamente negativa para a categoria. (BARRETO; LEHER, 2003, p. 40).
O ideal neoliberal, que fragmenta o trabalho e suas funções e tenta desconfigurar sua
natureza, busca enfraquecer toda e qualquer organização social e categoria de trabalhadores
que ouse questionar sua legitimidade. Portanto, o profissional docente e sua função são
requisitados para ajudar na nova sociabilidade do capital, com a tarefa de desenvolver
competências, conhecimentos e atitudes necessárias à sustentação dessa lógica utilitarista e
mercadológica.
66
As reformas do ensino, desenvolvida no Brasil, nos seus diversos níveis e
modalidades, estão alinhadas às perspectivas de satisfação de tais demandas do capital, sendo
considerada um instrumento de homogeneização para numa racionalidade técnica e
mercadológica, promover um consenso que tenha no mercado a sua principal e única
referência.” (MAUÉS, 2003, p. 23).
Para assegurar a eficácia de tal política para o trabalho docente, buscamos a pesquisa
coordenada pelos professores Gentili e Suárez (2004), onde apontam que as reformas
educacionais foram responsáveis pela configuração de uma nova regulação do trabalho e da
carreira profissional dos docentes, na América Latina, vista, pelos professores e pelo
movimento docente, como uma ameaça às conquistas alcançadas durante anos anteriores.
Entre as transformações promovidas pelas reformas, os pesquisadores identificaram:
a) As tentativas de modificação das carreiras profissionais dos docentes,
através de alterações nas normas e estatutos que regulamentam a ascensão
dentro da carreira magisterial;
b) As mudanças implementadas na estrutura salarial do setor;
c) A incorporação diferencial de incentivos por desempenho como parte do
salário real dos docentes;
d) As políticas de descentralização da administração e gestão das
instituições educacionais, as que redefinem e desconcentram a arena de
negociações entre sindicatos docentes e Estado;
e) As políticas curriculares, de formação e aperfeiçoamento docente e de
avaliação do desempenho profissional, que serviriam como instrumentos de
implementação top-down de reformas que tendem a proletarizá-los, a
desautorizar suas experiências, práticas convencionais e saberes
profissionais, e a requalificá-los como executores de pautas e prescrições de
especialistas externos e alheios à cultura escolar. (GENTILI; SUÁREZ,
2004, p. 27).
A partir da constatação de que um processo contínuo e acelerado de desvalorização
real do trabalho docente, é possível entender o porquê de o movimento docente ter
patrocinado mobilizações, em toda América Latina, contra a aplicação das reformas
neoliberais na educação. Segundo a referida pesquisa, no período entre 1998 e 2003, os
países nos quais os conflitos educacionais tiveram maior duração foram a Argentina, com
1.491 jornadas de protesto [...] em segundo o Brasil com 1.118 dias de ação sindical docente.
Em terceiro o México, com 978 dias.” (GENTILI; SUÁREZ, 2004, p. 37).
Esses processos de mobilização estão concretamente relacionados ao contexto mais
amplo dos conflitos sociais, no Brasil e na América Latina, advindos da intensificação da
67
exploração da força de trabalho pelos capitalistas, que geram a deterioração das condições de
vida dos setores empobrecidos, dos assalariados, dos proletarizados, da classe trabalhadora.
Pelo compromisso que o movimento docente e os trabalhadores da educação mantém
com a defesa da escola pública, no Brasil, é que se continua lutando contra os vetos ao Plano
Nacional de Educação; pelo aumento de verbas; pelas melhorias nas condições de trabalho;
pela valorização do profissional da educação.
A partir das premissas que orientaram nossa elaboração teórica sobre a crise do
capitalismo e as requisições feitas ao Estado; a partir, também, do entendimento de que este
último adotou as prescrições neoliberais, organizadas no Plano de Reformas do Estado
Brasileiro e que marcaram enormes cicatrizes na dinâmica da oferta dos serviços sociais
públicos e no processo de regulação da produção de bens necessários à população, temos a
clareza da contribuição que tem dado esse Estado para o desenvolvimento pleno da busca de
lucro pelo capitalista, fortalecendo o capital, e para as relações flexibilizadas e precarizadas na
produção, enfraquecendo o trabalho.
Nesse sentido, os governos que se desenvolveram, no Brasil, desde 1990, estiveram
comprometidos com a administração de um Estado neoliberal, onde a regulação e o controle
das políticas públicas objetivam enfraquecer as organizações sindicais e, em decorrência,
consigam, com maior sucesso, retirar os direitos sociais e trabalhistas da classe trabalhadora.
Partindo das características iniciais assentadas, tanto nos governos neoliberais quanto
no projeto democrático e popular, e das perspectivas de sua realização, no sentido da
valorização do trabalho docente, no âmbito das políticas desenvolvidas para a carreira do
magistério, demos início às análises e elaborações teóricas, que se inscrevem na realidade do
município de Belém do Pará, de 1997 a 2004. Buscamos nos documentos oficiais e políticos
do governo e do movimento docente, na realidade empírica dos atores envolvidos e em suas
considerações, respostas que pudessem explicar os inúmeros descasos para com o profissional
da educação e sua carreira, que muitas das vezes culminam na desmotivação para o trabalho e
no adoecimento profissional.
68
CAPÍTULO 2.
UM GOVERNO DE FRENTE POPULAR NO CONTEXTO DO
CAPITAL: CONSIDERAÇÕES SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE
VALORIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE, EM BELÉM DO PARÁ, DE
1997 A 2004.
O esforço realizado, no capítulo anterior, de localizar as ações mais gerais que
nortearam as políticas públicas, no Brasil, na década de 1990, de modo a compreender o papel
do Estado no contexto e na lógica do capitalismo, em sua fase imperialista, de crises, com
premissas neoliberais e que impulsionou novas configurações ao trabalho, permitirá
desenvolver nossas considerações sobre a relação do governo que se autodenominou
‘Governo do Povo em Belém do Pará’, no período de 1997 a 2004, e suas políticas para o
trabalho docente, no contexto dessa lógica orientada para a superação de crises do sistema
capitalista.
Para essa análise, é relevante uma consideração sobre a dinâmica política, econômica e
administrativa da cidade de Belém, a partir do diagnóstico mais geral sobre as principais
políticas públicas desenvolvidas, a começar pela década de 1990, em nosso país. Esse
contexto nos possibilitará verificar o quadro social e político em que se desenvolveu o
governo da Frente Belém Popular
12
, na cidade de Belém.
A partir desse percurso, é possível que encontremos as diretrizes gerais norteadoras
das políticas públicas que incidiram sobre o trabalho docente, na rede municipal de ensino de
Belém, no período de 1997 a 2004, verificando a interferência de tais políticas na valorização
da carreira profissional, prevista no Estatuto do Magistério de Belém. Esse documento foi
regulamentado pela Lei 7.528, de 05 de agosto de 1991, e é fundamental, pois organiza as
atividades do magistério do Ensino Fundamental e outros veis de ensino, estrutura a
respectiva carreira e estabelece o regime jurídico de pessoal daquela rede de ensino.
As ações governamentais realizadas a partir de Belém, assim como os inúmeros
processos de mobilização social vinculados às lutas sindicais, estudantis e populares por
direitos e conquistas; bem como os processos de disputas e mobilização, dentro do calendário
12
Frente eleitoral, em 1996, composta pelos seguintes partidos: PT, PCdoB, PPS, PSTU, PCB.
69
eleitoral, tornavam-se referências importantes para todo o estado do Pará. Isso porque a
capital parecia ser o coração político de todo o estado. Um coração que pulsou forte, durante a
história política e administrativa da cidade e do estado do Pará, marcada por fortes conflitos e
disputas políticas.
Um processo extremamente relevante ocorreu com a vitória eleitoral da Frente Belém
Popular para a prefeitura de Belém, em 1996, coordenada por um professor e ex-sindicalista
do sindicato de classe dos trabalhadores da educação, no estado do Pará. Uma vitória
recheada de significações positivas sobre possibilidades de mudanças econômico-sociais e
políticas para os segmentos historicamente excluídos das decisões e dos benefícios gerados
pela riqueza produzida no estado.
Esse fato político importante, na capital paraense, vai exigir uma análise, mesmo que
inicial, do caráter e das concepções políticas de tal governo, compreendendo sua proximidade
da materialização das perspectivas que o cercaram e que refletiram suas bases programáticas
para as eleições, por meio de suas políticas para a valorização do trabalho docente.
2.1 A capital do estado do Pará em disputa.
A cidade de Belém, também conhecida como “cidade das mangueiras”
13
, cantada em
versos e prosas por ser a cidade do cheiro-cheiroso do Pará, de uma densa riqueza cultural e
do Círio de Nazaré
14
que, hoje, é uma das maiores festas religiosas do país, foi também palco
de numerosos conflitos sociais, econômicos e políticos.
Um grande exemplo que marcou a história da capital e que tem reflexos até os nossos
dias foi a Revolução dos Cabanos
15
, ocorrida de 1835 a 1840, que demonstrou a relação
pouco harmoniosa da cidade de Belém com a metrópole, Portugal, mas também ressaltou as
13
Devido à quantidade de mangueiras encontradas em suas ruas.
14
Uma das maiores festas religiosas do Brasil, o Círio de Nossa Senhora de Nazaré, considerado o Natal dos
paraenses, é realizado no segundo domingo de outubro, com grande procissão em direção à Basílica de Nazaré,
cumprindo um ritual de mais de 200 anos.
15
Esse nome indicava a origem social de seus integrantes, os cabanos, moradores de casas de palha chamadas
“cabanas”. (Di Paolo, 1990).
70
inquietudes de um povo que vivia subjugado pelo poder imperial, como salienta o sociólogo
Di Paolo (1990):
Belém do Pará viveu na sombra da história oficial desde sua fundação até a
metade do século XVIII por conta do forte abandono de Lisboa. Em 1655 foi
elevada à categoria de cidade. Assim, sua vida administrativa não decorreu
tranqüila: seus primeiros cem anos foram constantemente agitados. Mas,
neste período incubado de sua história, modelaram-se as relações sociais da
estrutura política e econômica da Amazônia: uma história marcada pelo
colonialismo selvagem dos conquistadores e pelas lutas dos índios em defesa
de sua terra e de sua dignidade. (DI PAOLO, 1990, p. 63).
Esse pequeno relato histórico demonstra que Belém foi uma cidade onde, desde o
início, seu povo viveu condenado à precariedade econômica e ao abandono por parte do poder
oficial, e que isso estimulou, sobremaneira, a revolta dos cabanos, em 1835. Essa luta, a
Cabanagem, foi uma luta popular que, pela sua importância histórica, tornou-se referência
para o governo da Frente Belém Popular, a partir de 1997, que nomeou o seu principal projeto
educacional Escola Cabana, como pontua, no prefácio, o Caderno de Educação nº 1, da
Secretaria Municipal de Educação:
A Escola Cabana resgata no seu nome a Cabanagem. [...] A Cabanagem foi
um dos mais legítimos, revolucionários e populares movimentos que
marcaram o século XIX em nosso país. [...] A Cabanagem é uma página
especial desta história. Depois de abrir mão de sua autonomia para constituir
um só país, o povo paraense viu desfazerem-se todos os sonhos de liberdade,
democracia e inclusão social que a incorporação ao Império Brasileiro trazia.
Os mesmos governantes, inclusive de origem portuguesa, continuavam a
mandar, com os mesmos privilégios e métodos. O povo humilde e valoroso
de nossas cabanas, principalmente dos lugares à beira de nossos rios se
levantaram em armas, milhares, como uma onda humana clamando por
justiça, fim da escravidão e participação política. (PMB: SEMEC, 1999, p.
1).
O projeto Escola Cabana, desenvolvido em Belém, foi ousado e iniciou com muito
esforço de ambos os setores, governo e trabalhadores da educação, pois, realmente, foi um
projeto que exigiu muitas mudanças pedagógicas e políticas em diversos aspectos do ensino-
aprendizagem, com inúmeras limitações em sua materialização, porque não poderia ser feito
por alguns coordenadores pedagógicos iluminados, mas deveria sê-lo por todo o corpo de
trabalhadores envolvidos, tanto no ensino, quanto na aprendizagem.
As considerações sobre esse envolvimento do denominado Governo do Povo com os
aspectos da Cabanagem o importantes para a análise das principais características do
71
governo e da situação do povo de Belém, na década de 1990. Essa importância emerge menos
pelas perspectivas históricas de uma nova revolução popular na cidade considerando que a
vitória do governo da Frente Belém Popular foi uma vitória eleitoral e que o denominado
Governo do Povo o se engajava na perspectiva de ser um governo do povo pobre, mas um
governo de todos e mais pelo fato de a cidade das mangueiras ainda apresentar índices
enormes de descasos sociais e fortes embates políticos.
O resgate histórico da memória da luta do povo cabano e da Cabanagem, pelo novo
governo, sem dúvida merece ser ressaltada, na medida em que a cultura das lutas populares e
da resistência, desenvolvida pelo povo mais pobre no estado do Pará, esteve marcada por
conflitos tão fortes, na história brasileira, que os inúmeros governantes trataram de suplantar
tais referências.
2.1.1 A localização político-administrativa e social da cidade de Belém e do estado
do Pará
A cidade de Belém está situada na Região Amazônica. Uma região que tem uma área
de 5.217.423 km², ou 61% do território brasileiro, e possui a maior bacia hidrográfica do
mundo (que se estende por sete países vizinhos), tendo no rio Amazonas (7.100 km de
extensão) o seu eixo, para o qual convergem mais de sete mil afluentes.
É uma região composta por 9 (nove) estados, sendo 7 (sete) localizados na Região
Norte, que tem a mais baixa taxa de urbanização do país (57,8%, comparada à média
nacional, de 75,5%). Por outro lado, a Região Norte, que é parte da grande Região
Amazônica, teve uma taxa de crescimento anual de 3,9%, entre 1980 e 1991, e de 2,4%, no
período 1991/1996
16
. Esses são os maiores índices nacionais registrados pelo Fórum da
Amazônia Oriental – FAOR (Texto online, s.d.).
Segundo dados do IBGE (2001), o Pará é o segundo maior estado da Região Norte.
Tem uma área de 1.253.165 Km², a maior parte dessa extensão é coberta por florestas (73%).
16
É importante ressaltar que esta pesquisa trabalha, cronologicamente, com um período que vai de 1996 a 2004 e
por isso, inúmeros dados, fazem referência a esse período, principalmente ao seu início.
72
Possui uma população de 6.192.307 habitantes; uma densidade demográfica de 4,94
habitantes e uma taxa de crescimento em torno de 2,94% ao ano.
O estado foi contemplado com a construção de grandes indústrias de minério e,
principalmente, de capitalização de recursos hídricos, como a Hidroelétrica de Tucuruí que,
segundo Novaes e Chaves (2006), responde por 90% da energia consumida no Pará,
oferecendo apoio e infra-estrutura aos grandes projetos minerais na região.
Contraditoriamente, apesar de deter as maiores reservas de água doce do mundo e ser
o quinto maior produtor de energia elétrica do planeta, segundo dados do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatísticas (2001), apesar de os 143 municípios do Pará contarem, por
exemplo, com serviços de abastecimento de água, o total de domicílios contemplados, no
estado, é de apenas 42%. Além disso, a captação e a qualidade da água ainda deixam a
desejar, pois a Companhia de Saneamento do Pará (COSANPA) atende a apenas 1% da
população total do estado com a coleta de esgoto sanitário. Os avanços no serviço de esgoto
sanitário não foram muito significativos, pois constatou-se que mais da metade dos domicílios
não contava sequer com um banheiro.
O estado do Pará possui a maior economia da região, segundo os dados da pesquisa de
Novaes e Chaves (2006), com significativa participação no Produto Interno Bruto (PIB) total
da Amazônia Legal: 31,4%. E dentro do estado, a cidade de Belém possui a terceira colocação
entre os municípios com maiores participações no PIB per capita, com US$ 6.782.
O crescimento econômico da região, no entanto, foi direcionado
essencialmente para o mercado externo, gerando reduzidos efeitos de
multiplicação de renda e emprego no contexto regional. Apesar da
implantação dos grandes projetos econômicos voltados para a
industrialização de minérios, a maior parte das atividades econômicas
desenvolvidas na região e que representam um montante considerável de
geração de renda e emprego, com grande potencial de expansão, é
constituída de pequenos negócios, desde a pequena produção agrícola até a
transformação de bens primários em pequenas unidades produtivas (setor
alimentar, de rmacos, de cosméticos, de metais, de madeira, etc.) ou de
comércio. (NOVAES; CHAVES, 2006, p. 27).
Essas informações demonstram que o estado do Pará tem, na produção agrícola e no
desenvolvimento do setor de serviço, um potencial considerável, que poderia ser direcionado
para a ampliação da geração de emprego e renda.
73
Na grande Belém, os dados do IBGE (2003) mostraram que, enquanto as taxas médias
de desemprego giravam em torno de 18,6% , o desemprego entre os jovens alcançou taxas de
32,00%. Essa situação tende a piorar, uma vez que a população juvenil vem crescendo a uma
taxa média de 1,68% ao ano – taxa superior à de expansão do emprego.
Nesse sentido, vale ressaltar que há contradições entre a produção de riquezas geradas,
no estado, e a situação social que aflige a população urbana e rural, no sentido de acesso aos
bens econômicos produzidos.
Assim, mesmo com o potencial de produção econômica, o Índice de Desenvolvimento
Humano – IDH, que expressa o acesso da sociedade a recursos básicos como poder de compra
da coletividade, que se refere ao PIB per capita corrigido pelo custo de vida; o acesso à vida
longa e saudável de todas as pessoas (expectativa de vida) e o acesso à educação (medida pela
taxa de alfabetização de adultos), ainda está abaixo da média nacional como mostra tabela
abaixo:
TABELA 2
Indicadores de Desenvolvimento Humano - 2000
Regiões IDH municipal IDH educação IDH longevidade IDH Renda
Brasil 0,766 0,849 0,727 0,723
Região Norte 0,640 0,679 0,654 0,559
Pará 0,723 0,815 0,725 0,629
Fonte: INEP, 2006.
O que necessita de maior atenção é a situação da renda, na Região Norte, que é a
menor de toda a média nacional. Além dos problemas na educação e na saúde, a Amazônia
Legal tem também apresentado deficiências em outros indicadores sociais, tais como
habitação, emprego, saneamento e segurança pública. Ressaltam, inclusive, no Pará, os
conflitos fundiários e todos os problemas a eles associados.
Na área educacional, o analfabetismo ainda é grande, considerando que no
Brasil, em 2004, 10,5% da população com 10 anos ou mais de idade era
analfabeta, o que equivale a 15.755.656 brasileiros. Na Região Norte o
número de analfabetos era de 1.308.829 da população residente. As taxas de
74
analfabetismo funcional das pessoas de 15 anos ou mais de idade é mais alta,
com 24,8% no Brasil, 23,8% na Região Norte e 26,3% no Pará. (NOVAES;
CHAVES, 2006, p. 30).
A capital, Belém, tem uma área territorial de 1.064,918 Km². Seu corpo populacional
no, Censo de 2000, era de 1,28 milhões de habitantes. Apresentava um Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,806 (PNUD, 2000) e um Produto Interno Bruto (PIB)
de R$7.286.512.179,00. Os dados do IBGE mostram um nível de desenvolvimento abaixo da
média nacional, que chega a 3%, apesar de apresentar um PIB razoável, no sentido de
arrecadação financeira.
Em termos econômicos, Belém, segundo Martins (2003), ainda que com um PIB e
uma renda média familiar das mais baixas entre as capitais brasileiras, é um importante centro
regional, centralizando toda a atividade comercial e de serviços especializados de ampla
região, particularmente no que se refere à indústria extrativa, no estado do Pará. Isso envolve
desde serviços de informática a financeiros, médico-hospitalares e educacionais, delineando,
assim, sua principal atividade econômica, tanto em termos de movimentação de recursos
quanto de emprego. Também são consideráveis a produção de açaí, de hortifrutigranjeiros e a
indústria de móveis.
A tabela 3 resume a distribuição de renda, em Belém do Pará, e a qualidade de vida, a
partir do levantamento apresentado por Martins (2003).
TABELA 3
Distribuição de renda, porcentagem de famílias por faixa de renda,
população urbana
Total de
famílias
0 - 2 SM 2 - 5 SM 5 - 10 SM 10 -20 SM + 20 SM
Sem
informação
1996 257.153 25,2 29,1 21,4 13,1 10,1 1,1
1998 268.305 31,9 30,6 17,2 10,7 8,2 1,3
1999 270.690 33,5 29,8 18,8 10,3 6,7 0,9
Fonte: PNAD, 1996; 1998; 1999 apud Martins, 2003.
Em termos de distribuição de renda, é possível verificar que, em 1996, 25,2% da
população sobrevivia com até 2 salários mínimos, ou seja, R$234,00, e 23,2%, com mais de
75
10 salários mínimos, ou seja, R$ 1.120,00, demonstrando que a distribuição de renda
também era uma das características da cidade.
Em 1996, segundo dados indicados no Programa de Governo da Frente Belém
Popular, apenas 2,19% dos habitantes tinham acesso a esgoto sanitário e 30% não dispunham
de água tratada, e a falta de saneamento atingia 80% da cidade. No caso da educação, a
situação também era deficitária, na rede municipal de Belém:
Do total de 375.300 crianças em idade escolar, 90.988 estão fora da escola,
apresentando um déficit educacional de 25% para o Ensino Fundamental e de
29,06% para a Educação Infantil (0 a 6 anos). Quanto às crianças que
conseguem ter acesso ao sistema de ensino, 38,4% evadem-se sem estarem
alfabetizadas e, de cada 100 que se matriculam na rie, apenas 11
conseguem chegar à 8ª série em tempo hábil, sendo que somente na 1ª série a
reprovação é superior a 50% e o índice de evasão chega à 13%. (FRENTE
BELÉM POPULAR, 1996, p. 19).
Esse diagnóstico, feito pela Frente Belém Popular, em 1996, considerava a existência,
no ano em que se deu a eleição para a nova gestão municipal de Belém, das seguintes
instituições de ensino, na rede municipal de Belém: 59 escolas, 32 anexos, 34 unidades de
educação infantil (UEI), cerca de 226 turmas de alfabetização de jovens e adultos, e atendia
cerca de 172 crianças com necessidades educativas especiais.
O número de docente efetivos
17
, na Educação Infantil, era de 333; no Ensino
Fundamental, 1.704; e, no Ensino Médio, 16; totalizando 2.053 docentes, com carga horária
de trabalho de, no máximo, 40 horas semanais. O salário dos professores com nível superior,
ainda segundo dados da Frente Belém Popular (1996), era, em 1996, de R$ 3,15 (três reais e
quinze centavos) por hora-aula trabalhada, e os com nível médio, ou seja, com grau e
habilitação no Magistério, recebiam R$ 2,24 (dois reais e vinte e quatro centavos), por hora-
aula trabalhada.
Esse quadro mais geral já nos apresenta certa escassez, na área social, diante das
dimensões populacionais da cidade de Belém, principalmente no setor educacional,
possibilitando-nos vincular a realidade social da cidade de Belém e do estado do Pará ao
quadro nacional brasileiro.
17
Refere-se aos professores que tiveram provimento aos cargos do magistério dependendo de prévia
aprovação em concurso público de provas e títulos”, conforme art. 14, da Lei nº 7.528/1991(Estatuto do
Magistério do Município de Belém).
76
Durante as décadas de 1980 e 1990, as condições objetivas de precariedade e
aprofundamento de necessidades sociais provocaram um quadro geral de inquietações e
questionamentos dos movimentos sociais, no Pará. Como parte da situação nacional,
desenvolveram-se ações importantes por parte de categorias como as dos educadores,
estudantes, rodoviários, bancários, petroleiros, docentes e funcionários das universidades
públicas, que protagonizaram grandes mobilizações, nessas décadas. Foram mobilizações por
garantias democráticas de participação política e pela garantia de direitos sociais.
Uma conquista desse período foi a regulamentação de aspectos da carreira docente
expressa no Estatuto do Magistério de Belém, sancionado em 1991, que assegurou conquistas
significativas para o trabalho do professorado, no município, ao garantir direitos como férias,
licenças, aposentadoria especial, carga horária específica, estímulo à formação inicial e
continuada, progressões na carreira, dentre outras.
O estado do Pará e sua capital, Belém, apresentam um histórico de governos com
fortes características oligárquicas, intransigentes e impositivas, que se revezavam no poder
durante muito tempo. Governos acostumados às relações de mando, com garantias de
inúmeros privilégios aos seus apadrinhados; com traços mais ou menos populistas,
demagógicos ou declaradamente autoritários, mas comumente acostumados ao poder
econômico pela autoridade do estado do Pará.
O desempenho administrativo e político desses governos à frente da estrutura do
estado gerava desconfianças sobre as possibilidades de beneficiamentos pessoais, sustentados
pela má utilização dos recursos públicos, que pareciam ser administrados pelos referidos
gestores em interesse próprio, numa acepção patrimonialista.
Inúmeras denúncias confirmam um quadro de corrupção em órgãos federais e
estaduais, no Pará, como, por exemplo, as denúncias, no relato do enviado especial Rodrigo
França Taves (1999), sobre um ex-governador do estado, suspeito de estar envolvido no
desfalque de US$ 1 milhão (um milhão de dólares), no Banco do Estado do Pará, durante seu
primeiro mandato como governador, em 1984, sendo acusado de utilização indevida de
recursos e manipulação de procedimentos operacionais e contábeis, caracterizando fraude
contábil.
77
Esses governos apresentavam desgastes junto a diversos setores sociais, inclusive em
suas campanhas eleitorais, marcadamente envolvidas na dinâmica de currais eleitorais e da
compra de votos. Para dar um exemplo, segundo dados da Associação Brasileira de Imprensa
(texto on-line, s.d.), nas eleições de 2004, o maior número de cassações realizadas por
comprovação de compra de votos, foi no Pará, onde, de um total de 143 municípios, 22
prefeitos perderam seus mandatos.
Além desse elemento, que referenda a ausência de transparência sobre a utilização dos
recursos arrecadados pelos cofres estaduais, as políticas pouco desenvolveram a área social,
mesmo nos governos com características populistas. As políticas sociais estiveram muito
aquém das enormes demandas e carências da população mais pobre.
A experiência com esses governos e suas políticas de descaso com o social e de
resolução dos conflitos políticos por meio da força policial estimulou as mobilizações que
possibilitaram a queda da ditadura militar que ocorreu no Brasil, entre 1964 e 1985, e um
aumento qualitativo dos questionamentos aos governos oligárquicos.
As mobilizações nacionais e estaduais pelos direitos democráticos e por conquistas
trabalhistas possibilitaram que, em toda a década de 1980 e início da década de 1990, a classe
trabalhadora brasileira, obtivesse vitórias importantes em suas reivindicações.
Essas mobilizações também estiveram expressas nas disputas eleitorais que ocorreram,
no Brasil, desde a abertura política, em 1985, que fortaleceu os movimentos políticos e
sindicais de oposição aos governos instituídos. Esse foi um período que impulsionou a
construção e o fortalecimento da Central Única dos Trabalhadores CUT e do Partido dos
Trabalhadores PT. Central sindical e partido político criados a partir de tais mobilizações
nacionais.
A prefeitura dirigida pelo PT, em Belém do Pará, por dois mandatos, o primeiro, de
1997 a 2000, e, o segundo, de 2001 a 2004, foi uma vitória que expressou o processo de
crescimento das lutas operárias, estudantis e populares, desencadeadas desde a década de
1980. Tais mandatos, de viés democrático e popular, se desenvolveram no período de governo
do presidente Fernando Henrique Cardoso e ainda experimentaram a vitória de seu então
78
aliado político e administrativo no poder central, o governo de Luís Inácio Lula da Silva,
também do PT.
Com esse impulso eleitoral que poderia significar o fortalecimento, a concretização
das demandas sociais da classe trabalhadora, foram experimentadas vitórias eleitorais, em
estados e municípios brasileiros, de governos ditos democráticos e populares, antes mesmo da
chegada de Luís Inácio Lula da Silva e do PT ao poder central. Foram experiências
desencadeadas, na década de 1990, que tiveram como princípio o modo petista de governar.
Essa expressão, era utilizada, segundo Andrade (1999), pelos partidários, para denominar as
diversas experiências de governos estaduais e prefeituras petistas e as relações que
estabeleciam com a democracia e com os processos participativos, como base de experiências
de governos democráticos e populares.
O PT, que surgiu de mobilizações operárias, defendia um sindicalismo combativo e
autônomo, e esboçou isso na Carta de Princípios, feita em 1979 e transcrita na ‘Coletânea de
Resoluções’ dos encontros e congressos do PT. Nesse documento, enfatizava-se que a
emancipação dos trabalhadores era obra dos próprios trabalhadores, que sabiam que a
democracia era a participação organizada e consciente e que, como classe explorada, jamais
deveria esperar da atuação das elites privilegiadas a solução de algum de seus problemas. E
ainda ressaltava:
O PT proclama também que sua luta pela efetiva autonomia e independência
sindical, reivindicação básica dos trabalhadores, é parte integrante da luta
pela independência política destes mesmos trabalhadores. Afirma, outrossim,
que buscará apoderar-se do poder político e implantar o governo dos
trabalhadores, baseado nos órgãos de representação criados pelas próprias
massas trabalhadoras com vistas a uma primordial democracia direta.
(PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998, p. 5).
Esse foi o caráter inicial programático do PT e das perspectivas de seus objetivos de
poder. E assim, foi se impondo como alternativa de governo nas disputas políticas, no país e,
também, no estado do Pará, ampliando o número de parlamentares e de prefeituras sob sua
direção. Mesmo que tenhamos constatado, a partir da experiência do PT no poder central, a
incorporação desse partido ao regime capitalista e à defesa de seus preceitos, na sua gênese
era um partido que carregava uma simbologia histórica de defesa dos interesses da classe
excluída e explorada pelo capital.
79
Nas eleições municipais, em Belém, no ano de 1996, o PT se apresentou, novamente,
para mais uma disputa e encabeçou uma frente de partidos de esquerda, a Frente Belém
Popular, composta pelo Partido dos Trabalhadores (PT); Partido Comunista do Brasil (PC do
B); Partido Popular Socialista (PPS); Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU)
e Partido Comunista Brasileiro (PCB). A Frente, depois de enfrentar os candidatos
representantes do poder instituído, consegue a maioria dos votos do povo de Belém, elegendo
o gestor municipal, com fortes perspectivas de mudanças.
Em 2000, com nova eleição municipal, há uma reedição da Frente Belém Popular (PT,
PSB, PCdoB, PPS e PCB), com a presença do Partido Socialista Brasileiro e a ausência do
PSTU. Essa frente de partidos garante um segundo mandato governamental, numa eleição
muito disputada.
No marco da situação nacional, a nova prefeitura petista e de esquerda assume
pontuando restrições às concepções políticas que comandavam o país, desde 1990, que o
poder central desenvolve um programa político e econômico neoliberal e o novo Programa de
Governo da Frente Belém Popular (1996), em Belém, afirmava ser oposição ao
neoliberalismo, que defende o Estado mínimo e a privatização dos bens públicos, enquanto o
programa da Frente reivindicava uma concepção de administração democrática e popular. A
análise sobre essa concepção de governo e sua política para o trabalho docente,
desenvolveremos na seqüência.
2.2 Um governo de Frente Popular no contexto do capital
Em que pese a toda sua fanfarronice democrática, o
programa está todo ele infectado até a medula da servil
da seita lassalliana no Estado; ou - o que não é muito
melhor da superstição democrática; ou é, mais
propriamente, um compromisso entre estas duas
superstições, nenhuma das quais nada tem a ver com o
socialismo. (KARL MARX, 2006, p. 21).
Iniciamos esse tópico de análise e discussão, a partir de um trecho do texto de Marx
escrito, em 1875, sob o título Crítica ao Programa de Gotha, onde faz observações sobre o
Programa do Partido Operário Alemão. O trecho nos parece estar adequado às análises que
80
expressamos, anteriormente, sobre Estado, regime e governo, que nos conduzem a algumas
hipóteses sobre o programa de governo desenvolvido, no município de Belém, no período de
1997 a 2004.
A primeira hipótese se refere à possibilidade de o governo dito democrático-popular
ter assumido características de um programa de Frente Popular, ressaltado, antes, nesta
pesquisa, como um programa de conciliação entre os interesses da classe dirigente e
dominante e os interesses da classe dominada e explorada. Esse fato poderia significar que os
professores da rede municipal de ensino estariam submetidos, no debate da carreira docente,
às condições econômicas e políticas da nova gestão e dos responsáveis pelo financiamento do
seu trabalho e que, a partir daí, estes últimos teriam que elaborar sua política com base no
possível, dentro da situação financeira avaliada e(ou) determinada por quem dirige.
A segunda hipótese que formulamos, em relação à elaboração do programa de
governo, é que o discurso da participação popular, que pode significar, na democracia
representativa, aspectos de implantação de ações de participação democrática, mas não
significando uma participação direta dos excluídos na definição das políticas do governo, na
medida em que se no sistema capitalista, num Estado neoliberal que reforça o controle e a
regulação das políticas públicas. O que implicaria que, mesmo com a participação dos
docentes na elaboração propositiva de políticas para a carreira docente, isso estaria
condicionado à vontade geral do Estado e à sua condição econômica.
A terceira hipótese levantada é a possibilidade de tal governo, mesmo com discurso
socialista, não ter desenvolvido um programa socialista, que seria de ruptura com a ordem
capitalista estabelecida. Esse discurso socialista está associado ao respeito por parte do
governo aos mecanismos e normatizações instituídas pelo Estado para o desenvolvimento das
políticas públicas. Dessa forma, a materialização da valorização da carreira do professor
estaria associada ao cumprimento, por exemplo, da Lei de Responsabilidade Fiscal.
A partir dessas considerações, pode-se dizer que já seria um programa já “infectado
até a medula da servil” de um Estado neoliberal, desenvolvido pelo capitalismo, que utiliza
instrumentos democráticos para legitimar uma política de exploração do trabalho que em nada
se assemelha à construção do socialismo.
81
Em 1997, ano que se inaugurou o governo de Frente Popular, Belém comemorava seus
381 anos de fundação. O município apresentava uma visível contradição entre a riqueza
produzida e a distribuída, que se refletia em precárias políticas sociais para a população. Tal
realidade desafiou a experiência de um governo de caráter popular, que anunciou a inversão
de prioridades orçamentárias na realização das políticas sociais. Esta pesquisa buscou
compreender o papel e o encaminhamento de tais políticas, em especial, para o trabalho
docente.
Essa perspectiva programática é importante porque o Partido dos Trabalhadores
comandava a Frente eleitoral, em Belém, e esteve em interlocução direta com o movimento
dos trabalhadores da educação, no município.
O dirigente político da Frente Popular, candidato a prefeito, apresentava, em sua
trajetória política, o envolvimento direto com o movimento sindical e com as mobilizações
políticas encabeçadas pelo PT, no estado do Pará. Foi professor de escola pública, em Belém,
e combateu, inclusive como deputado estadual do Pará, pelo PT, em 1986, e reeleito em 1990,
a política de desmonte da educação pública, no estado.
Vale ressaltar que, enquanto sindicalista e parlamentar, lutou pelo Estatuto do
Magistério do Estado do Pará; foi dirigente da entidade de classe dos trabalhadores da
educação e primeiro presidente, em 1983, da Federação dos Professores Públicos do Estado
do Pará (FEPPEP) que, em novembro de 1988, transformou-se em Sindicato dos
Trabalhadores em Educação Pública do Pará (SINTEPP). Pautou sua trajetória política pela
defesa dos direitos dos profissionais da educação.
Da mesma forma, torna-se parâmetro importante a atuação política e governamental
do prefeito de Belém (1996 a 2004), em face do quadro nacional de desenvolvimento de
políticas para a reforma do Estado brasileiro. O PT, partido daquele gestor municipal,
apresentava-se comumente contrário às diversas ões governamentais anteriores, no país, e
anunciava as reformas de caráter democrático-popular, como ficou pontuado no 10º Encontro
Nacional, em 1995, e expresso nas respectivas Resoluções.
A oposição popular que o PT vai desenvolver contra o Governo FHC é
global. [...] As políticas propostas por FHC não podem constituir um projeto
de desenvolvimento que atenda às grandes maiorias nacionais. Elas carecem
de uma dimensão nacional e social. Não visam a realização de um processo
82
de integração nacional, a incorporação de todos os brasileiros à cidadania,
mas apenas a acumulação de capital e a integração de uma minoria de
consumidores ao Primeiro Mundo, enquanto a imensa maioria da população,
miserável e pobre, é condenada à privação e à marginalidade. (PARTIDO
DOS TRABALHADORES, 1998, p. 618).
A partir dessa análise, o PT relacionou, ainda nesse 10º Encontro, o que denominou
“Uma Política Alternativa e uma Agenda Democrática e Popular”:
Nossa oposição ao projeto neoconservador do governo deve se articular com
a luta por uma agenda alternativa para o País, a partir de três eixos centrais:
uma nova política econômica com as reformas sociais; a defesa da Nação; a
defesa da democracia. (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1998, p.
618).
Dessa forma, o PT ressaltou, em seu 10º Encontro, a defesa de uma articulada agenda
que qualifica como “alternativa” e tem como eixos a construção de uma nova política
econômica, seguida de reformas sociais, além da defesa da democracia e da nação. Esses
preceitos parecem reforçar o trecho do texto de Marx, ao qual nos referimos ao iniciar esta
subseção, pois a conjuntura de rearticulação do capitalismo mudou, na década de 1990, com o
neoliberalismo, as alterações no mundo do trabalho e a mundialização do capital. Parte das
resoluções – que vimos de sintetizar – do 10º Encontro Nacional do PT, que ocorreu em 1995,
exatamente no ano em que o governo Cardoso apresentou as reformas no Estado brasileiro,
parece não se diferenciar do discurso de campanha do candidato dos neoliberais, Fernando
Henrique Cardoso.
2.2.1 A concepção de governo democrático-popular em Belém
As perspectivas de muitos setores organizados da sociedade que se identificavam
ideologicamente com o governo da Frente Popular, em Belém, desde 1997, estavam
assentadas, também, nas perspectivas de um governo, segundo Genro (1999), com espaço
para a construção de uma estratégia socialista-democrática, que permitisse recompor a relação
entre Estado e sociedade, numa nova base, com o controle público do Estado.
Portanto, um governo orientado para “abrir o Estado”, a fim de que, por meio
de mecanismos de controle público não-estatal (que vêm da base da
sociedade), façamos com que o Estado saia da lógica tradicional da
democracia formal e fique cada vez mais determinado por essa nova
83
dialética, por essa nova tensão, que é a tensão que vem da sociedade civil
organizada. (GENRO, 1999, p. 15).
Para a população, de um modo mais geral, as perspectivas em relação ao novo
governo, em Belém, alinhavam-se ao atendimento de suas necessidades mais imediatas de
emprego e renda; de educação para os filhos, de saúde pública eficaz, de melhoria nos
transportes, no abastecimento de água, no asfaltamento da rua, dentre inúmeras reivindicações
que o PT e seu candidato ao governo de Belém adotaram.
A partir dessa concepção mais ampla, que buscava aproximar o Estado da sociedade,
as instâncias do PT e seus dirigentes elaboram, com mais consistência, a definição de governo
democrático e popular que seria um governo em que os setores democráticos e populares
organizados da sociedade comungam com nosso governo uma mesma concepção de um
mesmo programa de ação.” (DIRCEU, 1999, p. 22). Esse governo daria o significado e o
caráter do modo petista de governar que foi a elaboração mais geral assumida pela sociedade,
quando da referência aos governos do PT e assim se consubstanciava:
Nosso modo de governar deve ser uma luta coletiva na qual o próprio
governo assume, necessariamente, o caráter de instrumento político de
construção do poder popular. Um governo petista, um modo petista de
governar, não pode abrir mão de, por dentro da estrutura do governo,
possibilitar os mais amplos espaços para a participação do povo, para o
debate democrático, para o controle popular do Estado, para a construção,
pelo povo na luta, do poder popular. [...] deve negar a alternativa social-
democrata, que se expressa na ideologia da possibilidade de humanização do
capitalismo. (RODRIGUES, 1999, p. 31 e 33).
Em Belém, esses eram os princípios programáticos que determinavam o referido
governo democrático e popular, que envolveu a participação do povo, a transformação da
cultura política local, a democratização do Estado e a inversão de prioridades.
O Programa de Governo da Frente Belém Popular está fundamentado na
democratização da gestão pública e propõe um projeto de sociedade onde a
democracia assuma valor estratégico, um projeto que visa redefinir a relação
entre o poder público e a população, inverter prioridades e criar uma nova
identidade social no município, assim como uma nova cultura política. O
governo será centrado na participação da população na gestão pública. [...]
Sem uma renda mínima e sem educação básica, as classes populares
permanecem alienadas de qualquer participação real. É necessário, portanto,
reverter as prioridades do investimento público, priorizando políticas sociais
voltadas para o atendimento de demandas populares. (FRENTE BELÉM
POPULAR, 1996, p. 4).
84
No bojo de tais definições programáticas, o denominado Governo do Povo ou
Governo Democrático Popular ou Governo Cabano, dentre outras tantas autodenominações,
instituiu uma série de mecanismos que buscassem envolver o povo mais pobre nas discussões
mais gerais sobre as demandas do município.
Referimo-nos às discussões mais gerais pelo fato de tais mecanismos não terem sido
sugeridos quando, por exemplo, da nomeação de seus Secretários e agentes públicos, ou seja,
os educadores e seu Sindicato não foram ouvidos sobre a possibilidade de indicação de nome
para assumir a Secretaria Municipal de Educação. E assim ocorreu com as outras categorias
profissionais.
Isso ocorre na medida em que o modo petista de governar trabalha com um conceito
limitado de democracia, mesmo que, segundo Buarque (1999), o seu objetivo mais imediato
seja o de completar a democracia; ou seja, avançar uma maior democratização de espaços de
participação dos setores populares no governo, pois estaríamos, segundo o autor, vivendo a
democracia, mas ainda que ainda precise ser aperfeiçoada.
Ressaltamos que há inúmeras limitações num programa democrático-popular, que quer
ampliar o espaço de participação para que o Estado capitalista se torne mais democrático, e
que sua ação acaba sendo restritiva, pois Pouco se obtém elegendo mandatários que
exprimam a vontade popular se eles tiverem um campo de ação tão restrito que poderão
atuar no âmbito do insubstancial.” (HARNECKER, 2000, p. 223).
A rebeldia e a insubordinação deveriam marcar esse pólo político; mas, caso fossem
também limitadas ou não aflorassem, nada teria valido a pena, pois um governo com essas
características, para tornar-se um governo dos trabalhadores, estaria engajando-se,
inicialmente, como agente direto da mobilização concreta contra a ação da exploração
capitalista e seus mecanismos de sobreposição ao trabalho.
Na essência, a existência de governos democráticos e populares tem a ver com a
própria necessidade do sistema capitalista de superar suas crises, pois seus gestores se
apresentam como os melhores administradores das crises do sistema, ou, em alguma medida,
como define Genro (1999), são “bons de governo”.
85
Essa elaboração baseia-se na realidade que envolve um governo dito democrático-
popular, pois ocorrem por dentro da estrutura e do regime do capital, sem que, na essência e
na política, apresentem qualquer incompatibilidade com o regime, como vimos no capítulo
anterior.
Verificamos que, conforme o debate que desenvolvemos, anteriormente, nesta
pesquisa, sobre a democracia, esta estaria consubstanciada num governo da maioria sobre a
minoria, onde identificaríamos a realização de uma democracia direta.
Os governos referenciados programaticamente à esquerda apresentam fatores que nos
permitem identificar contradições quanto à superação da encruzilhada entre a legitimação
econômica, política e ideológica do capitalismo e a construção de um programa que não só
administre as crises do sistema, mas que avance na garantia de direitos democráticos para
setores mais pobres da população.
Cabe, nesse momento, o resgate das definições sugeridas por Moreno (2003),
referindo-se a governos de Frente Popular que existiram na história do desenvolvimento do
capitalismo no século XX, quando pontua:
Do Governo Provisório russo, passando pelos governos da França e da
Espanha na década de 30, pelos governos da social-democracia nos países
nórdicos e Inglaterra, por governos dessa natureza em países semicoloniais,
como o de Allende no Chile, até Mitterrand na França verá que tais governos
têm invariavelmente uma natureza burguesa. [...] e que são governos que
constituem-se como governos burgueses diferentes e que geram uma
tremenda confusão no movimento operário, pois os trabalhadores tendem a
vê-los como o seu governo. (MORENO, 2003, p. 10).
Segundo essa compreensão, esses foram governos que estabeleceram relações
anômalas com a consciência, tanto das massas trabalhadoras, como também dos capitalistas, e
sua existência, na história atual, é extremamente relevante. Isso porque eles têm o apoio e a
confiança dos setores populares, dos trabalhadores, ao mesmo tempo em que não têm total
confiança da burguesia; e, a partir disso, podem se abrir momentos de muita instabilidade
política para a superação das crises capitalistas, mas que não alteram os padrões
normatizados.
Afirmava Moreno (2003) em 1935, o stalinismo introduziu um elemento decisivo na
história, quando impôs, como estratégia mundial de todos os partidos comunistas, uma nova
86
política, batizada com o nome de Frente Popular. Tratava-se de toda uma teoria para impedir
o surgimento de governos operários de ruptura com a burguesia.
Contudo, é preciso ressaltar que são governos que se apresentam de forma
diferenciada, com dinâmicas diferentes, muitas das vezes de atrito com a burguesia
dominante; que buscam realizar políticas sociais, mesmo que de ões focalizadas, mas que
abrem a perspectiva do possível, num quadro de extremas impossibilidades.
Tornam-se relevantes na medida em que estimulam setores da população excluída que
reivindicam, como seu, o governo. Obviamente, a experiência da população mais pobre e dos
movimentos sociais com tais administrações conduzem, em dado momento, à percepção de
suas limitações e contradições.
No bojo de suas reflexões internas, no campo das políticas sociais, a professora
Aldaíza Sposati (1999) ao constatar, a partir das experiências de governos petistas, que as
políticas sociais de tais governos ainda atuavam de forma fragmentada; que não se poderia
reduzir as responsabilidades dos governos por estabelecer parcerias com as Organizações Não
Governamentais (ONG) e o terceiro setor; e que deveriam superar o equívoco de reduzir as
ações de assistência social a ações compensatórias assistencialistas. A autora se perguntava:
Seria o desejo petista de reeditar o Welfare State? Ou um bem estar tardio?
Seria o de consagrar uma política compensatória alternativa? Enfim, qual é o
modelo político que o PT tem por intenção implantar para as políticas sociais
na relação Estado-mercado-sociedade? (SPOSATI, 1999, p. 83).
Procurando responder a essas indagações, a própria autora, em suas análises, pontua
que devemos ousar pensar um social-socialismo incorporando qualidades e avanços dos
modelos socialistas e social-democratas. Este é um dos desafios que se apresenta o Partido
dos Trabalhadores. (SPOSATI, 1999, p. 87). Ao que se percebe, o PT poderia estar
construindo um novo modelo econômico, social e político para o Brasil.
O governo municipal de Belém obtinha a confiança política de inúmeros setores e
categorias profissionais, na medida em que utilizava métodos democráticos e diferenciados
dos governos conservadores de outrora, na relação com as categorias e os setores de classe e,
também, porque a trajetória histórica dos dirigentes da Frente, em especial do PT, respaldava
o governo, politicamente.
87
As contradições que surgiam no debate das limitações impostas pelo capital
ressaltavam, sobremaneira, o velho debate sobre as possibilidades de reformas democráticas
na sociedade do capital e de como a esquerda poderia atuar.
A escritora chilena Marta Harnecker, estruturou algumas idéias que tratam de
importantes desafios aos governos de caráter popular que se desenvolvem em âmbito local, na
América Latina. Consideramos relevante ressaltá-las, para subsidiar nossas análises.
Um governo de esquerda, segundo Harnecker (2000), não pode governar por governar,
nem simplesmente administrar a crise, mas, sim, deve governar de maneira diferente.
Deve dotar as instituições democráticas de uma potencialidade
transformadora; como fortalecer o valor da democracia sem legitimar o
capitalismo. [...] Conseguir ser um partido de governo sem deixar de ser um
partido de luta. [...] Ser consequentemente democrático, ou seja, a conferir
realmente poder de decisão às pessoas. Os governos populares devem ser
completamente transparentes e estar dispostos a submeter-se ao controle
público tanto no que se refere às finanças, e ao uso dos recursos estatais,
como na contratação de pessoal. [...] Devem aceitar a autonomia das
organizações populares [...] ser capaz de combater o desvio eleitoralista. [...]
e combater os mandatos individualistas. (HARNECKER, 2000, p. 422-424).
As considerações da militante e investigadora são acolhidas com grande entusiasmo
pela esquerda brasileira, como expressa Jorge Hereda (1999), quando ressalta que o governo
petista local não pode fugir ao seu dever de articular as condições objetivas para que se atinja
um equilíbrio que permita, pelo menos, tornar esse embate menos desigual.
Viabilizar planos que possam ser considerados da sociedade é o grande
desafio. A participação da sociedade é fundamental. É necessário que, sem
discriminação, todos os grupos sociais existentes tragam para a mesa,
democraticamente, seu projeto de cidade. Por isso, é preciso ir além da
participação popular e garantir a adesão de toda a sociedade. (HEREDA,
1999, p. 150).
A garantia de governabilidade e viabilidade de um governo de Frente Popular pode ser
assegurada pela incorporação de setores da burguesia considerados progressistas ou de aliados
do governo, como elemento chave para a participação de todos os setores existentes na
sociedade, para que, democraticamente, discutam e decidam sobre as demandas sociais.
Essa lógica pode ser comprometedora da vitória da supremacia do trabalho sobre o
capital, na medida em que não exclui com uma irreversibilidade categórica, a possibilidade
88
de legitimar o conflito entre as forças hegemônicas fundamentais rivais. (MÉSZÀROS,
2005, p. 26).
Tal processo democrático, desenvolvido nos marcos da sociedade democrático-
burguesa, pode fragilizar sobremaneira a ação autônoma dos movimentos sociais e dos
trabalhadores, que acabam apostando na busca de um consenso que o existe de fato, pois a
sociedade capitalista explora o trabalho em busca de maiores lucros.
Assim, ao produzir a miséria e a exclusão da maioria da população, de forma
consensuada, o capitalismo tenta acabar com a utopia revolucionária da esquerda que sustenta
as razões de sua superação, a partir do que pontua Lênin:
Para que o povo livre e esclarecido aprenda a administrar ele próprio os seus
assuntos e, sobretudo, para que a classe operária possa lutar sem peias pelo
socialismo, por uma ordem social sem ricos nem pobres, em que toda a terra
e todas as fábricas e empresas pertençam a todos os trabalhadores. (LENIN,
1986, p. 29).
O desafio da esquerda e de seus partidos, na situação atual imperialista do capital, é
maior do que o desafio de ser governo, nas condições dadas pelo capital. Esse desafio precisa
materializar-se no fortalecimento autônomo e independente dos organismos da classe
trabalhadora para que, no campo da luta de classes, seja uma oposição clara à sociedade do
capital.
Um desafio que vem pautado pelas condições que nos apresenta essa sociedade de
exploração e miséria e pela razão que apresenta Mészàros (2005), quando pontua que o
motivo do fracasso de todos os esforços anteriores consiste, e isso é mais presente do que
nunca, no fato de as determinações fundamentais do sistema do capital serem irreformáveis. E
isso porque se destinavam a instituir grandes mudanças na sociedade, por meio de reformas
reconciliadas com o ponto de vista do capital.
E na emergência da construção dos mecanismos de negação do sistema, está colocado
o debate sobre o papel da esquerda democrática, pois o existe possibilidade de avançarmos
na criação de uma alternativa socialista, concordando com Mészàros (2005), sem a necessária
ruptura com a lógica do capital.
89
A partir desse ideário, cabe um breve esforço de análise sobre as considerações
programáticas apresentadas pelo governo de frente popular, em Belém, desde 1996, até o final
de seu segundo mandato, em 2004, buscando compreender as políticas para a valorização da
carreira docente, na capital paraense.
2.2.2 As bases programáticas do governo de Frente Popular, em Belém.
Os programas de governo de 1996 e de 2000, apresentados pela Frente Belém Popular,
esboçavam, para as políticas sociais, planos de ações na área da saúde, com diretrizes de
atenção à saúde da mulher e da criança, saúde mental, saúde do trabalhador e saúde bucal. Na
educação, o programa apresentou a discussão sobre a democratização de acesso e
permanência com sucesso, na escola, a gestão democrática e a valorização dos profissionais
da educação, dentre inúmeros outros pontos importantes, que apresentaremos nesta subseção.
Sobre o desenvolvimento econômico, o ponto mais forte do Programa de 1996, foi a
discussão sobre a geração de emprego e renda, principalmente com programa de transferência
de renda, na forma de Bolsa Escola, destinada às famílias cadastradas que não possuíam
renda. Essa medida administrativa visava garantir o acesso à educação de crianças em
situação de risco.
O Programa Bolsa Escola é um pacto entre o Governo Municipal e a
população de Belém. O Programa consiste em garantir à família, cuja renda
per capita seja inferior ou igual a ½ salário mínimo, residente em Belém pelo
menos três anos, receber um salário mínimo por mês, tendo como
contrapartida manter suas crianças e adolescentes na faixa de 04 a 14 anos na
escola com freqüência nima de 90% e fora do trabalho infantil. (BELÉM,
1999, p. 10).
Esse programa foi uma marca importante, durante as duas gestões do governo de
Frente Popular, em Belém, e, também, é parte dos mecanismos instituídos por organismos
internacionais, como o Banco Mundial, que orientam a adoção de programas compensatórios
para parcela da população miserável. Ou seja, há uma acentuada ênfase na política de
focalização social, na educação.
Ao instituir a bolsa-escola, como política não universalizante, o governa mantém a
exclusão social, obrigando o indivíduo e sua família a aguardar a transferência mensal de
90
renda feita pelo Estado, ao mesmo tempo em que diminuem as possibilidades de acesso ao
trabalho. Essa obrigação, pela espera, era importante para o governo, que pagava um salário
mínimo mensal vigente, a quem fosse selecionado, no crivo da disputa entre os mais pobres,
cujo critério se relacionava à condição de desempregado e à existência de filho(os)
matriculado(s) na rede municipal de ensino.
Segundo as ‘Diretrizes Programáticas da Frente Belém Popular - 2001/2004’, “o
Governo do Povo através da marca Dar Um Futuro a Criança implantou a Bolsa Escola que
já beneficiou mais de 26.713 (vinte e seis mil, setecentos e treze) crianças.” (FRENTE
BELÉM POPULAR, 2001, p. 10).
Vale ressaltar os preceitos que norteiam a concepção de um programa de focalização,
como o da bolsa-escola:
A focalização dos recursos disponíveis nos setores de extrema pobreza
justifica a tese de Milton Friedmann para o qual a responsabilidade da esfera
pública deve abarcar apenas os programas dirigidos aos segmentos
estritamente pobres. (SIMIONATTO; NOGUEIRA, 2001, p. 23).
Os autores destacam que o fato de serem “programas” já envolve limitações no sentido
da universalização, principalmente, quando tais programas são dirigidos aos seguimentos
pobres o que obviamente, e que isso não significa tirar dos ricos para dar aos pobres, num
papel robinwoodiano, mas ampará-los na pobreza. Os programas são parte de políticas mais
gerais com referência a algum aspecto da realidade; não são políticas gerais e
universalizantes, a partir de concepções estratégicas sobre o desenvolvimento das ações do
governo, na educação, por exemplo.
O governo de Frente Popular desenvolveu mecanismos de participação como, por
exemplo, o orçamento participativo (OP) que pretendia, segundo o Programa de Governo da
Frente Belém Popular (1996), estimular a atuação dos cidadãos, por meio de representações
surgidas em plenárias temáticas e regionais, que constituíam os diversos Fóruns de
Delegados, que se reuniam em encontros semestrais para sugerir e debater as demandas de
seus setores. Tais demandas eram enviadas para aprovação da Câmara de Vereadores, como
proposta para a Lei Orçamentária, que deveria ser acompanhada, desde a aprovação a a
execução, pelos conselheiros e delegados eleitos.
91
A partir daí, discutiam o espaço urbano de Belém, quando surgiam inúmeras
propostas, como as de estímulo a sistemas de cooperativas habitacionais, saneamento,
abastecimento de água e drenagem em áreas de baixada; questões do meio ambiente e de
transporte coletivo. Enfim, discutiam políticas de infra-estrutura.
Esse mecanismo de participação, instituído pelo governo municipal de Belém, em
1997, balizou a administração pública, acentuando o debate sobre a gestão regionalizada, com
descentralização organizacional e o estabelecimento de fóruns de diversos setores e canais de
participação via Orçamento Participativo OP, onde a população era chamada a reunir-se em
assembléias de bairros, a fim de discutir ações estruturais que a prefeitura poderia realizar.
No segundo mandato do governo de Frente Popular, em Belém, houve uma
redefinição de forma do OP, que passou a integrar o Congresso da Cidade, e este, na visão do
governo, era “o mais amplo espaço de planejamento” (RODRIGUES; NOVAES, 2002).
De fato, o governo municipal atuou no sentido de democratizar o estado,
incorporando, em alguma medida, a nova cultura de busca de consenso trazida com a lógica
neoliberal. A busca de consenso sobre um programa que deveria, na concepção
governamental, ser assumida por todos os agentes sociais; ou seja, os setores eram chamados
a compreender os limites impostos pela sociedade do capital a um governo que se postulava
como oposição ao regime do capital.
As contradições do governo também eram facilmente percebidas quando, por
exemplo, da discussão de sua política salarial. Na medida em que o neoliberalismo impunha
mecanismos de contenção de gastos com pessoal, para assegurar o ajuste fiscal, a prefeitura
anunciava não poder reajustar os salários e, portanto, não poder atender às reivindicações
salariais dos movimentos sociais, porque estaria impedido pela Lei de Responsabilidade
Fiscal
18
. Uma Lei que estabelecia limites, segundo Bemerguy (2001), principalmente, à
contratação de pessoal pelo Estado, ao aumento do valor real da massa dos salários do
funcionalismo, ao endividamento público e aos gastos sociais. Essa discussão esteve presente
na maioria das mesas de negociação salarial entre representantes da prefeitura e sindicatos,
como o SINTEPP.
18
Lei Complementar 101, de 4 de março de 2000, que, no campo normativo, tem o objetivo de regulamentar
os artigos 163 (finanças públicas) e 169 (gastos com pessoal), da Constituição Federal.
92
Verificamos que o denominado Governo do Povo orientou a política salarial a partir
dos mecanismos inibidores de reajuste no vencimento, com base na Lei de Responsabilidade
Fiscal. Essa opção governamental, certamente, foi um impeditivo de avanços na política de
valorização profissional da educação.
Cabe uma verificação, mesmo que parcial, sobre o orçamento do governo municipal
de Belém, no que concerne à receita geral e às despesas com pagamento de pessoal da rede,
considerando alguma referência à educação.
TABELA 4
Comparação entre as receitas correntes e as despesas com pagamento de
pessoal, da PMB,* de 1997 a 1999
ANO RECEITAS DESPESAS COM
PESSOAL **
%
1997 215.935.514,84 112.918.519,87 52,29%
1998 262.544.727,34 129.100.519,87 49,17%
1999 250.508.742,96 149.059.463,42 59,50%
* Prefeitura Municipal de Belém (PA).
** Despesas com servidores no teto permitido em lei.
Fonte: Jornal do IPAMB, 1999.
O quadro disponibilizado pela PMB, em seu jornal informativo, apresenta o orçamento
e os gastos com pessoal, no período indicado, demonstrando que o dito Governo do Povo
gastou, com o pagamento do funcionalismo público municipal, o correspondente ao teto
estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal, que exige com pagamento de pessoal até
60% do total da receita, significando o cumprimento dessa norma.
Essa decisão exige uma consideração sobre os limites assumidos pelo governo, nessa
política: ela considera a impossibilidade orçamentária para o cumprimento de exigências
necessárias ao desenvolvimento qualitativo de direitos previstos no Estatuto do Magistério,
como por exemplo, o pagamento da carreira docente. Essa opção orçamentária também
considera a legitimação, por parte do governo de Frente Popular, das exigências dos
parâmetros do sistema capitalista para o funcionalismo público.
Da mesma forma, é sugestiva a análise sobre o desenvolvimento da receita para o
pagamento dos salários para os trabalhadores da educação, quando observamos os valores
93
apresentados, pela Prefeitura de Belém, no ano de 1999, último ano do primeiro mandato do
governo.
TABELA 5
Gastos da PMB com pagamento de pessoal da SEMEC,
nos meses de janeiro, fevereiro e março de 1999
MESES Nº SERVIDORES
ESTATUTÁRIOS
DA SEMEC
VALOR BRUTO
DA FOLHA DA
SEMEC
TOTAL GERAL
MENSAL DA PMB
%
JANEIRO 4.224 2.860.220,23 11.090.955,69 25,7%
FEVEREIRO 4.177 2.470.211,92 10.835.491,77 22,7%
MARÇO 4.235 2.588.162,25 10.993.844,24 23,5%
Fonte: CINBESA, 1999
A tabela trabalha com o montante do pagamento dos salários do pessoal da ativa da
SEMEC e demonstra, a partir do total da folha de pagamento de toda a rede, que os valores
gastos com o salário dos trabalhadores da educação não atingiu 26% da folha mensal.
Dessa forma, cabe uma visão ainda mais detalhada sobre os gastos com a SEMEC.
TABELA 6
Comparação entre gastos com trabalhadores da educação
e os gastos gerais com pessoal da PMB, em 1999 (em R$).
ANO RECEITA GERAL
DA PMB
DESPESA C/ PESSOAL
DA PMB
MÉDIA DE GASTOS
COM PESSOAL DA
SEMEC
%
1999 250.508.742,96 149.059.463,42 2.588.162,25 1,74%
Fonte: CINBESA, 1999
Quando comparamos, pelos dados anteriores, a folha geral do funcionalismo público
municipal com a folha de pagamento da SEMEC, em 1999, verificamos que o percentual
pago aos trabalhadores da educação chegou a menos de 2% da folha geral pessoal da PMB,
demonstrando que os salários dos trabalhadores da educação não consomem valores
significativos no conjunto das despesas da Secretaria.
94
Essa comparação de gastos com pessoal se expressou, em Belém, no teor dos debates
sobre as possibilidades e acúmulos no desenvolvimento do governo que pautou suas
prioridades e desafios a cada processo decisório. Para os educadores de Belém, as
perspectivas foram enormes, e o fortalecimento de suas reivindicações – que foram pautadas a
cada audiência e negociação; a cada assembléia de base organizada pelo Sindicato, a cada
reunião nas escolas – precisavam ser consideradas.
No campo das políticas educacionais, houve um esforço enorme, por parte dos
profissionais, de assumir o novo projeto educacional denominado Escola Cabana
19
, um
projeto que redefinia diversos critérios educativos, desde a avaliação, considerando o apelo ao
acompanhamento individual e diário do aluno, até as definições do projeto político
pedagógico.
Um projeto que, teoricamente, expressava os anseios dos profissionais da educação
por uma educação de qualidade socialmente referenciada, mas apresentava debilidades
quando submetido, na prática, às precárias condições de trabalho e salariais dos trabalhadores
da educação. Essa realidade exigiu mobilizações na rede municipal de ensino, como
demonstraremos mais adiante, quando da realização da greve de 54 dias, em 2002, e de uma
nova greve de 8 dias, em 2004.
O governo assumiu muitos compromissos com os trabalhadores da educação,
relacionados no Programa de Governo de 1996, principalmente quanto à valorização
profissional, como a garantia do cumprimento do Estatuto do Magistério e iniciar sua
reformulação para adequá-lo a novas demandas dos profissionais de Educação.” (FRENTE
BELÉM POPULAR, 1996, p. 24).
Os maiores debates e as mobilizações apontavam a necessidade do cumprimento de
tais acordos estabelecidos, na medida em que as normatizações expressas no Estatuto eram
desrespeitadas pelos governos anteriores. Uma das principais reivindicações era a elaboração
do Plano de Cargos Carreira e Remuneração do Magistério de Belém.
O debate de maior sensibilidade, envolvendo os profissionais da educação e o governo
democrático e popular, foi exatamente sobre a política salarial dos docentes, na medida em
19
Expressa uma concepção política de educação, sintonizada com o projeto de emancipação das classes
populares, pautada pelos princípios da inclusão social e da construção da cidadania, tendo como diretrizes
básicas: a democratização do acesso e a permanência com sucesso; a gestão democrática do sistema municipal
de educação; a valorização profissional dos educadores e a qualidade social da educação. (PMB:SEMEC, 1999,
p. 01).
95
que os setores envolvidos pautavam suas necessidades orçamentárias pelas condições
objetivas apresentadas.
Se fizermos uma rápida comparação, resumida na Tabela 7, entre o vencimento-base
do professor pedagógico, que possuía o curso de Magistério de nível médio, o vencimento-
base do licenciado pleno, que é o professor com formação em nível superior, e o salário
mínimo vigente, teremos, no período de 1997 a 2004, a seguinte realidade.
TABELA 7
Comparação entre o salário-base de professores da educação básica,
na rede municipal de ensino de Belém,
e o salário mínimo vigente no período de 1997 a 2004
CARGO JORNADA*
SALÁRIO
BASE**
SALÁRIO MÍNIMO
(ano e valor)
DIFERENÇA
118,27 1997 – 120,00 - 1,73
131,28 1998 – 130,00 1,28
137,33 1999 – 136,00 1,33
144,96 2000 – 150,00 - 5,04
186,03 2001 – 180,00 6,03
203,76 2002 – 200,00 3,76
203,76 2003 – 240,00 - 36,24
PROFESSOR
PEDAGÓGICO
100h
256,86 2004 – 260,00 - 3,14
157.41 1997 – 120,00 37,41
174,72 1998 – 130,00 44,72
182,79 1999 – 136,00 46,79
193,90 2000 – 150,00 43,90
207,60 2001 – 180,00 27,60
227,38 2002 – 200,00 27,38
227,38 2003 – 240,00 - 12,62
PROFESSOR
LICENCIATURA
PLENA
100h
286,63 2004 – 260,00 26,63
* A jornada de 100h mensais corresponde a 20h semanais ou um turno de 4h diárias de trabalho.
** O valor do referido vencimento base não inclui os 20% de hora atividade.
Fonte: PMB. Secretaria Municipal de Administração (1997 a 2004).
DIEESE (1997 a 2004)..
A tabela 7, construída a partir da comparação entre o salário base dos professores da
rede, sem incluir os demais profissionais da educação, e o salário mínimo vigente, mostra que
96
houve, comparativamente, um achatamento salarial no vencimento dos professores. Isso sem
considerar os valores referentes à cesta básica.
É preciso considerar, com isso, que tal defasagem salarial tem a ver com vários
aspectos, inclusive a paralisia da carreira docente que impede a ascensão funcional. Esse
quadro também não leva em consideração as perdas salariais acumuladas, historicamente, nos
governos anteriores.
Os trabalhadores da educação viam a possibilidade de avanços no desenvolvimento da
carreira profissional, no governo da Frente Popular. Isso exigiu um processo doloroso entre as
possibilidades de rupturas e continuidades, que o governo se pautava por restrições
orçamentárias legalmente instituídas e por diversas contradições impostas pelo próprio
sistema capitalista.
2.3 Do programa de governo às políticas para a valorização do trabalho
docente
As políticas que são estabelecidas, nacionalmente ou em nível estadual, quando
incorporadas pelos gestores municipais, parecem ter um efeito mais perceptível e imediato
junto aos servidores públicos, responsáveis em executar tais políticas, e à população de um
modo geral. Isso ocorre porque a gestão municipal está realmente mais próxima da população.
Portanto, esta última pode perceber, facilmente, que as políticas implementadas nos
municípios estão, necessariamente, recheadas de soluções imediatas.
Torna-se importante, nesse momento, fazermos algumas considerações sobre o que o
governo de Frente Popular esboçava, no seu Programa de Governo, tanto no primeiro, de
1996, quanto no segundo, de 2000, e, também, no desenvolvimento de sua gestão, o que foi
expresso em documentos resolutivos fundamentais construídos pelo governo nos espaços
coletivos instituídos. Essa análise vai ajudar na percepção dos avanços e das limitações que
ocorreram no exercício de suas ões políticas, tendo como prioridade as políticas salariais.
Também é importante considerarmos, no caso, a ação desenvolvida pelos trabalhadores da
educação, em Belém, juntamente com sua organização sindical, o SINTEPP.
97
Na relação da percepção do contraditório, como condição para a análise dos fatores
implicados na relação entre capital e trabalho, identificaremos o debate sobre a valorização do
trabalho na sociedade atual e suas perspectivas. Tal dinâmica nos provocará,
sistematicamente, a discussão sobre a natureza, a valoração e as limitações do nosso foco
maior que é o trabalho docente e sua constituição. Mas centraremos nossas análises sobre as
perspectivas programáticas do governo de Frente Popular para o trabalho docente e a
efetivação de políticas para a área de educação que puderam ser percebidas no
desenvolvimento de tal governo.
2.3.1 As políticas para a valorização dos profissionais da educação: desafios e
contradições.
O Governo da Frente Popular, em Belém, enfatizava, no Programa de Governo (1996,
p. 20), que a política educacional da Prefeitura Municipal de Belém estará voltada para os
interesses emancipatórios e dignificantes da população, relacionando a educação com o
projeto de desenvolvimento e de sociedade que almejamos.”.
Para isso, esse mesmo Programa pautava a discussão da valorização dos profissionais
da educação e, para atender às demandas dessa categoria, relacionava as seguintes metas:
Implantar um piso salarial profissional municipal resultante de ampla
negociação entre Governo Popular e as entidades de classe;
Construir um Fundo de Valorização dos Profissionais da Educação,
composto por recursos previstos na Constituição e orçamentados com base
no princípio da prioridade da educação; verbas advindas de fontes
internacionais e contribuições de entidades estatais, públicas ou privadas
comprometidas com a educação pública de qualidade. O fundo será
administrado pelo Fórum de Educação do Município de Belém.
Garantir o cumprimento do Estatuto do Magistério e iniciar sua
reformulação para adequá-lo a novas demandas dos profissionais de
Educação.
Incentivar à Habilitação em todos os níveis que implique em progressão
vertical.
Garantir a Formação continuada para todos os trabalhadores da Educação
como instrumento que contribua para a reflexão e a transformação da prática
educativa. Será assegurada em serviço e deve partir das experiências
vivenciadas por estes, para a construção da educação pública de qualidade.
Criação do Fundo de Valorização dos Trabalhadores em Educação.
(FRENTE BELÉM POPULAR, 1996, p. 24).
98
Essa base programática foi vitoriosa, nas eleições de 1996, e tanto no primeiro
mandato (1997-2001), como também no segundo (2001-2004), o governo democrático-
popular buscou expressar em inúmeros fóruns de debates essas mesmas diretrizes
programáticas inicias para a valorização dos profissionais da educação.
É importante frisar que, para o governo, a formação continuada é um elemento
essencial, ao admitir que uma política de formação continuada insere-se numa perspectiva
de valorização dos profissionais da educação e trabalhadores atuantes na educação
municipal.” (BELÉM, 1997, p. 29).
Cabe uma digressão sobre o que representa a expressão valorização dos profissionais
da educação, acima citada, que abre um debate ainda polêmico no movimento docente. A
legislação vigente expressa, na Resolução nº 3, de 08 de outubro de 1997, do Conselho
Nacional de Educação, que são considerados profissionais do magistério aqueles que exercem
atividade de docência e os que oferecem suporte pedagógico direto a tais atividades, incluídas
as de direção ou administração escolar, planejamento, inspeção, supervisão e orientação
educacional.
O governo municipal apresenta seu entendimento sobre o conceito de profissionais da
educação sob a seguinte definição:
Considerar ‘profissional da educação’ todos os profissionais formados pela
Escola Normal e pelos Cursos de Licenciaturas em nível universitário (seja o
Curso de Pedagogia, sejam os Cursos de Licenciaturas específicas em áreas
de conhecimento definidas). Isto, obviamente, não inclui todos os
profissionais que trabalham na escola. (BELÉM, 1997, p. 29).
A Secretaria Municipal de Educação, em Belém, compreende a valorização docente,
principalmente, no âmbito da formação dos profissionais da educação, constituído por
docentes e técnicos de apoio pedagógico.
Diferentemente do que considera a Confederação Nacional dos Trabalhadores em
Educação CNTE e seus sindicatos filiados, de representação estadual e municipal, como o
Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Estado do Pará SINTEPP, que
utilizam o termo trabalhadores da educação, porque compreendem tratar-se de todos os
envolvidos com o trabalho na escola: professores, técnicos pedagógicos, os de apoio técnico-
99
administrativo, serventes, merendeiras, vigilantes etc. devem ser considerados profissionais da
educação.
A CNTE tem conceitos bastante distintos. Os profissionais da educação são
todos aqueles que atuam dentro do ambiente da educação escolar. Todos e
todas. Não os que se afirmam e os que são negados. Não entre os que
se afirmam aqueles que se afirmam mais porque são “especiais”. Existe uma
tarefa que é do conjunto da escola, de todos os que contribuem na sua função
social e no seu funcionamento de maneira processual e articulada. Não é
possível compreender que quem faz e serve a merenda, inclusive a refeição
mesmo, não tem também caráter educativo. Não como conceber que um
secretário de escola não tem nada a ver com alunos e comunidades que dia a
dia solicitam dele e confiam-lhe serviços imprescindíveis para a inclusão na
vida moderna. (CNTE, 1999, p. 11).
Essa expressão, trabalhadores da educação, é ampla, no sentido de que tenta envolver
os diversos agentes funcionais do espaço escolar, fortalecendo a identidade de tais
profissionais com o conjunto da classe trabalhadora. A ênfase, na pesquisa, foi dada aos
profissionais da educação, à valorização que envolve a questão da carreira, das condições
físicas de trabalho, dos salários e da formação.
O profissional da educação buscou desenvolver, no interior da escola, e até fora dela,
com o processo de sindicalização e organização, a sua identidade profissional, valorizando e
qualificando o seu processo de trabalho.
Essa busca está relacionada com alguns critérios que Nóvoa (1991) sugere e tem a ver
com o exercício da atividade em tempo integral, o estabelecimento do suporte legal para o
exercício da profissão, a constituição de associações de classe, o conjunto de normas e valores
(ética profissional) e a formação técnica, instrumental e política. Tudo isso exige a construção
de instrumentos necessários à operacionalização de tais eixos, que materializam da profissão
docente.
Mas o reconhecimento do arcabouço jurídico e político, alinhavado pelo estatuto
profissional do docente, encontrou resistências no âmbito do Estado neoliberal, e, por isso,
desencadeou-se a luta do movimento docente pelo Estatuto do Magistério, Plano de Cargos,
Carreira e Salários (PCCS) e Regime Jurídico.
A análise da profissionalização docente será desenvolvida com maior profundidade,
no próximo capítulo deste trabalho. Mas é importante frisar, antes de qualquer coisa, que o
professor é parte da classe trabalhadora, porque vende sua ‘mercadoria’ – sua força de
100
trabalho para sobreviver. Essa compreensão está de acordo com a formulação ampliada,
desenvolvida por Antunes: a classe-que-vive-do-trabalho; tal definição inclui a totalidade
daqueles que vendem a sua força de trabalho, tendo como núcleo central os trabalhadores
produtivos (no sentido dado por Marx).”. (ANTUNES, 1999, p. 88).
Ainda ousaria arriscar uma pequena enunciação para esse debate sobre a ampliação da
classe trabalhadora – a classe-que-valoriza-o-capital –, na medida em que só o trabalho
humano e a classe que vende a sua força de trabalho valoriza o capital, a classe
trabalhadora produz valor de uso e tem a capacidade de transformar esse produto em valor de
troca, em mercadoria, gerando lucro ao capitalista.
No processo de trabalho a atividade do homem efetua, portanto, mediante o
meio de trabalho, uma transformação do objeto de trabalho, pretendida desde
o princípio. O processo extingue-se no produto. Seu produto é um valor de
uso; uma matéria natural adaptada às necessidades humanas mediante a
transformação da forma. O trabalho se uniu ao seu objetivo. O trabalho está
objetivado. (MARX, 1983, p. 149).
Essa referência a Marx tem a ver com a consideração que fazemos sobre os
trabalhadores que, no processo de trabalho, produzem valor de uso, cujas formas são
utilizadas como serviço, seja para o uso público ou para o capitalista. Marx (apud Antunes,
2004) ainda ressalta que, com o desenvolvimento da produção capitalista, todos os serviços se
transformam em trabalho assalariado e, todos os seus executantes, em assalariados, tendo,
pois, essa característica em comum com o trabalhador produtivo.
O trabalho docente assume a significação elaborada por Marx; mas as políticas para
sua valorização ainda são bastante precárias. Por isso, os profissionais da educação, em
especial os docentes e técnicos da educação, pelas diversas conquistas alcançadas, no sentido
da valorização profissional, unificaram vozes, nos diversos espaços de discussão, com o
denominado Governo do Povo para assegurarem as políticas orientadas para a valorização.
Neste momento, relacionamos os esforços desenvolvidos pela entidade sindical dos
trabalhadores da educação junto ao governo, tendo como palco os fóruns governamentais e as
sucessivas campanhas salariais desenvolvidas pela categoria. Os momentos de conflito entre
as perspectivas de cada setor tiveram como base os documentos elaborados pelos seus pares,
no processo de discussão da educação, em Belém.
101
Assim, em 1998, iniciou-se o debate entre a Prefeitura de Belém e o SINTEPP, no
sentido da reformulação do atual Estatuto do Magistério e da formulação do Plano de Cargos
Carreira e Salários do Magistério.
Em 1999, a prefeitura de Belém realizou a I Conferência Municipal de Educação, com
o tema ‘Escola Cabana: dando um futuro às crianças’. Esse evento, segundo documento-base
para debate (1999a), apresentou como objetivo mais geral consolidar o Projeto Político
Pedagógico da Escola Cabana. O documento dizia que o projeto vinha contribuindo para o
avanço do processo democrático na educação municipal em oposição às políticas
neoliberais”, pois buscava:
Promover a Democratização do Acesso e Permanência com Sucesso; a
construção da Escola Cabana; uma nova Organização da Ação Educativa
Escolar e a Gestão Democrática, eixos temáticos centrais desta I
Conferência, que trazem à discussão as políticas de Financiamento da
Educação; de Educação Ambiental e de Valorização do Profissional da
Educação, subtemas não menos importantes para se compreender a gica
que orienta O Projeto Político Pedagógico da Escola Cabana da Secretaria
Municipal de Educação, que esperamos ser de todos os educadores e
munícipes de Belém. (BELÉM, 1999a, p. 4).
A relevância desse debate, sobre o significado da valorização do trabalho docente,
esteve presente nos espaços da I Conferência Municipal de Educação de Belém, mas seus
eixos de discussão giravam em torno, principalmente, dos aspectos políticos e pedagógicos na
escola.
Essa I Conferência fortaleceu as discussões sobre o projeto de Escola Cabana, que
estava em vias de implantação, em Belém, mas que exigia ainda muitos debates, na medida
em que carecia de maior compreensão e ação sobre as questões que envolviam os agentes
essenciais na viabilidade do projeto, os docentes, que passavam por mudanças no seu fazer e
pensar o ensino: eles precisavam, agora, fazer e sistematizar, diariamente, o acompanhamento
individual do aluno em fichas-síntese e procuravam entender o desenvolvimento do ensino-
aprendizagem, em ciclos de aprendizagem, que passava por uma nova organização da ação
educativa escolar” (BELÉM, 1999a, p. 23).
As exigências advindas do novo projeto pedagógico eram assumidas como
compromissos de trabalho pelo docente e demandavam maior envolvimento de sua função na
escola, pois a nova organização da estrutura escolar está sendo construída, a partir do
102
repensar das práticas pedagógicas” (BELÉM, 1999a, p. 7), o que significava uma ampliação
do trabalho na escola.
Para a Escola Cabana, segundo o documento referido (BELÉM, 1999a), o trabalho
precisaria se dar na perspectiva interdisciplinar, aproveitando os saberes do cotidiano do
aluno. A organização do processo escolar deveria ser em ciclos de formação para uma escola
inclusiva, e a avaliação ser emancipatória, utilizando instrumentos como o arquivo de
atividades discentes, o diário de classe e o registro-síntese de acompanhamento individual do
aluno.
Esse projeto exigiu do professor, além do horário em sala de aula, a participação
cotidiana no planejamento e na elaboração das ações na escola, nas reuniões pedagógicas com
gestores e outros docentes; em reuniões com os país e comunidade, além das reuniões de ciclo
entre gestores, docentes, alunos e pais de alunos. O conjunto das atividades especificadas pelo
Projeto Político Pedagógico configuravam uma ampliação das tarefas docentes, no interior
tanto da escola quanto da Secretaria.
Essa realidade, de ampliação das atividades dos professores, como aponta a
pesquisadora Maria Emília Pereira da Silva (2003), ocasiona sobrecarga de funções alheias à
tradicional, de ensino, isso ocasionado pela propalada descentralização, que, na sociedade do
capital, delega poderes e funções e é uma das linhas de ação desenvolvidas na mercantilização
do sistema educativo.
Através desse enfoque, segundo a referida autora, na descentralização das funções, o
professorado tem que se encarregar de funções como: atenção para novos conteúdos culturais
e para problemas sociais, educação contra as drogas, prevenção da AIDS, educação
vocacional, educação para o consumo, educação para a saúde, manutenção do patrimônio
cultural e ecológico, dentre outras atividades. Todas essas questões são transferidas para a
responsabilidade do professor, sem o respectivo aumento dos proventos, em função da falta de
recursos financeiros necessários para enfrentar tais encargos.
Nessa visão, há uma notável intensificação do trabalho docente, o que tem contribuído
para corroer o clima do trabalho e o valor das pessoas que atuam no sistema educativo. E
essas medidas de extensão da ação docente eram percebidas na organização e na realização
103
das tarefas para a viabilidade do projeto de Escola Cabana, em Belém, que foi o principal eixo
para a educação, no primeiro mandado do governo dito democrático e popular.
Em 2003, ocorreu I Congresso Municipal de Educação. Encontramos as mesmas
formulações programáticas, expressas no programa de governo do primeiro mandato (1997-
2001) , para a valorização do profissional da educação.
Assim, o I Congresso trabalhou na construção de um Plano Municipal de Educação,
em Belém enfatizando no documento síntese, o Acesso e Permanência com Sucesso; a
Qualidade Social da Educação; Inclusão Social na Educação; Gestão Democrática da
Educação; Formação e Valorização dos Profissionais da Educação e Financiamento da
Educação.” (BELÉM, 2003a, p. 8).
Esse evento era parte da política de Congresso da Cidade, instituído pelo governo
como um espaço político não estatal de debate e planejamento das demandas da cidade, como
apontam Rodrigues e Novaes (2002). Essa política foi uma das principais ações para a
concretização do projeto de democratização do estado do Pará e de suas políticas.
Nas propostas sobre a valorização dos profissionais da educação, apontadas no I
Congresso, novamente encontramos referência à elaboração do Plano de Carreira dos
Profissionais da Educação, além de outras metas expressas no primeiro mandato e as
construídas para o segundo mandado do governo de Frente Popular. São elas:
1. Melhorar a qualificação dos profissionais, pensando de forma qualificada
e melhoria da qualidade de vida pessoal e de trabalho de todos os
segmentos profissionais que atuam na escola;
2. Vincular a formação continuada à formação acadêmica, com orçamento
e convênios para garantir a graduação e pós-graduação dos profissionais
da educação;
3. Financiar a pós-graduação dos profissionais da educação;
4. Implantar a organização de uma categoria única de trabalhadores da
educação, discutindo nessa perspectiva formação inicial, continuada e
carreira;
5. Garantir horários para estudo e planejamento dentro da carga horária
remunerada do/a professor/a;
6. Implantar e exigir o cumprimento legal do plano de carreira, com ampla
divulgação entre os profissionais;
7. Investir numa campanha de valorização para a sociedade. Ampliar
campanha para trabalhar uma imagem positiva da escola e do professor
envolvendo as diversas redes e a mídia;
8. Formalizar convênios e estreitar as relações comas instituições
formadoras, para discutir de forma articulada, formação continuada e
104
currículo da formação inicial que contemple as demandas da Educação
Básica;
9. Garantir espaço e condições adequadas aos processos de trabalho
(espaço físico, transporte, recursos, acesso a equipamentos e materiais);
10. Implantar o piso salarial;
11. Garantir orçamento destinado ao apoio, divulgação e socialização de
trabalhos e experiências das escolas e de educadores/as;
12. Garantir acompanhamento com qualidade ao trabalho das escolas
(formação, planejamento, estudos, etc.). (BELÉM, 2003a, p. 33).
A ênfase nessas propostas, estabelecidas no I Congresso Municipal de Educação, em
Belém, em 2003, também estava relacionada com as sistematizações anteriores, em especial
as expressas no Programa de Governo de 1996, e é possível perceber que, em 2003, ou seja,
no penúltimo ano do segundo mandato do Governo de Frente Popular em Belém, questões
como a implantação do Plano de Cargos Carreira e Salário (PCCS) do Magistério ainda o
haviam alcançado a formulação e a disposição necessárias, para a sua viabilidade.
Entendemos a elaboração do PCCS como uma exigência constitucional, prevista na
Emenda Constitucional nº 14/96, além das determinações infraconstitucionais, na Lei de
Diretrizes e Base da Educação Lei 9.394/96, especialmente no Título VI Dos
Profissionais da Educação, artigos 61 e 67; no Parecer 10/97 e na Resolução 03/97, da
Câmara de Educação Básica, do Conselho Nacional de Educação, que fixa diretrizes para os
Novos Planos de Carreira e Remuneração do Magistério Público. Essas, dentre outras
regulamentações, criadas a partir da LDB, amparam a constituição do Plano de Cargos,
Carreira e Salários do Magistério.
As perspectivas programáticas foram, em sua maioria, debatidas com efervescência,
na rede municipal de ensino, considerando que, ao final do primeiro mandato, em 2000, e
do segundo mandato, em 2004, alguns pontos pareceram secundarizados pela gestão
municipal, no campo da efetivação e da implementação da política, mesmo que tenham sido
pautados, discutidos e votados nos diversos Fóruns instituídos pelo denominado Governo do
Povo.
Tais debates giraram em torno da necessidade de decisões sobre: a implantação do
piso salarial municipal, a construção do Fundo de Valorização dos Profissionais da Educação
e do Fundo de Valorização dos Trabalhadores da Educação; a garantia da Progressão Vertical,
que leva em consideração a titulação; a Formação Inicial; os Cursos de Pós-Graduação.
105
Essas metas eram passíveis de execução, pela prefeitura e pela Secretaria Municipal de
Educação,o porque estavam presentes no Programa de Governo e nas pautas do
SINTEPP, desde o início da gestão do Governo de Frente Popular, mas também porque eram
exigências impostas pelo arcabouço jurídico existente no país, como, por exemplo, pela
mencionada Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
A seguir relacionamos alguns exemplos das reivindicações dos profissionais da
educação, expressas em algumas das campanhas salariais que se desenvolveram, em Belém,
durante o governo de Frente Popular.
Em 1997, em Assembléia Municipal dos Trabalhadores da Educação, um dos eixos
importantes, além da questão salarial, foi a reformulação do Estatuto do Magistério e a
construção do Plano de Cargos, Carreira e Salário do Magistério.
Essa reivindicação esteve presente, também, na campanha salarial de 1998. Nessa
campanha, foi acatada pelo governo municipal a idéia da conformação de uma equipe de
Reformulação do Estatuto, composta pelo Governo e pelo Sindicato. Diante disso, o
SINTEPP elaborou, a partir de reuniões e debates nas escolas, uma cartilha que dispunha
sobre a proposta de reformulação do Estatuto e do Plano de Cargos, Carreira e Remuneração
do Magistério, do Município de Belém, para que fosse elemento de discussão junto à
Secretaria Municipal de Educação.
Em 1999, a campanha salarial dos profissionais da educação municipal foi permeada
de novos conflitos, e nos jornais se viu a notícia: “Professores contestam a Semec”, onde se
lia:
O Sintepp (Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Pará)
reivindica 10% de reposição salarial e o enquadramento imediato dos
funcionários, que passariam a ter direito à progressão salarial estipulada por
Lei. A Prefeitura acena com o enquadramento apenas a partir de setembro e
com um reajuste de 4,62%. (O LIBERAL, 1999, p. 6).
Em 2000, também, encontramos problemas no desenvolvimento da pauta apresentada
pelo Sindicato à Prefeitura de Belém e, no jornal da entidade, encontramos uma nota que se
referia à campanha salarial em Belém, com o título SINTEPP X SEMEC X SEMAD, novas
negociações, mandato de segurança por não cumprir acordo da campanha salarial de 2000.
E a matéria dizia:
106
Já estamos chegando ao final do ano e infelizmente o Acordo assinado
durante a Campanha Salarial em maio com SEMEC e SEMAD, não vem
sendo cumprido: O vale transporte, não está sendo entregue junto com o
contra-cheque e na Progressão Horizontal, servidores da década de 70 e 80,
ainda não tiveram a elevação de uma referência. O SINTEPP vem
verificando o desrespeito ao acordo que garantia essas conquistas, tão
importantes para os trabalhadores (as). (SINTEPP, 2000).
É possível verificar, na nota, que o Sindicato ressalta um item importante na carreira
docente, relativo à progressão horizontal dos servidores do magistério. A progressão foi
regulamentada no Estatuto do Magistério de Belém, de 1991, por meio da Lei 7.528/1991,
que, no Art. 19, diz que a progressão funcional se de forma automática: a progressão
funcional por antiguidade far-se-á pela elevação automática à referência imediatamente
superior a cada interstício de dois anos de efetivo exercício no Município de Belém.”, o que,
segundo o SINTEPP, não vinha sendo cumprido pelo governo.
Cabe, ainda, uma ressalva sobre a nota do Sindicato, que parece ter concordado com a
possibilidade de progressão na carreira, em uma referência, para os docentes que teriam
direito ao seu enquadramento, desde a década de 1970. Ou seja, se a Lei regulamenta a
elevação automática à referência imediatamente superior, a cada interstício de dois anos, e os
docentes, ainda em 2000, não haviam sido efetivados, desde a década de 1970, isso indica que
havia uma defasagem salarial provocada pela falta de mobilidade na carreira.
Esses fatos aumentam a responsabilidade do Governo de Frente Popular, em Belém,
em relação aos compromissos estabelecidos, nas campanhas eleitorais, no sentido de corrigir
o fosso que parecia existir entre os que se encontram em período de aposentadoria, porque
trabalharam vinte cinco anos ou mais na docência, que precisariam se aposentar, mas que
farão isso com uma grande defasagem em seus salários, ou continuarão trabalhando por
consecutivos anos, aguardando a possibilidade da aposentadoria com salários corrigidos.
Pelo que se percebe entre as informações apresentadas, a Prefeitura não vinha
assegurando, ainda em 2000, a garantia do direito ao desenvolvimento da carreira do
magistério, constante do Estatuto. E isso demonstra enormes contradições com as metas
estabelecidas e, depois, aprovadas, em espaços de discussão e deliberação, como vimos
anteriormente.
107
Na pauta de reivindicações dos trabalhadores da educação, em Belém, na campanha
salarial de 2001, em ofício protocolado em 09 de janeiro de 2001, observa-se que, dos treze
itens constantes na pauta, seis estavam relacionados à questão da carreira docente: a
reformulação do Estatuto do Magistério, o concurso público, a discussão do Plano de Cargos,
Carreira e Salário do Magistério; o enquadramento na carreira dos trabalhadores em educação
da década de 1980, e a lotação.
A campanha salarial de 2002 iniciou em 13 de março de 2002 e finalizou depois de
uma greve dos trabalhadores, iniciada em 18 de abril e com término, segundo a SEMEC
(2002), no dia 11 de junho. Foram 54 dias de greve, numa campanha que comportou muitos
debates políticos e sindicais e, também, muitas contradições, tanto do Sindicato quanto do
Governo.
Na pauta do SINTEPP, divulgada em nota da entidade para a campanha salarial de
2002, constavam as seguintes reivindicações:
1 Resíduo Salarial de 1991 e 1992 que é igual a 65%: pagamento imediato
para todos os servidores; Reposição salarial da inflação de maio/2001 a
abril/2002;
2 Reposição das perdas do Plano Real para professores e funcionários;
3 Progressão Horizontal e Vertical com enquadramento imediato na
carreira do magistério;
4 Recesso Escolar Remunerado para os funcionários de apoio e
administrativo;
5 Vale transporte entregue junto com o contra-cheque, cumprimento do
acordo de 2001;
6 Pagamento de insalubridade para merendeiras e serventes;
7 Lotação: nenhum corte de carga horária em função do novo desenho
curricular;
8 Formação Inicial Superior através de convênios com a UEPA e UFPA;
9 Enquadramento das monitoras que terminaram o Ensino Normal,
cumprindo a Lei 7.973.
10 Prestadores de Serviços: pagamento em dia, com direito a vale-
transporte;
11 IPAMB: rediscussão do funcionamento do Instituto;
12 Discussão sobre o caráter essencial das Unidades de Educação Infantil.
(SINTEPP, 2002a, p.1).
A partir da pauta, ocorreram, em abril, diversas mesas de negociação, e o governo
respondeu, segundo o SINTEPP (2002a), da seguinte maneira à pauta: sobre o item 1 (um),
ressaltou que não era exeqüível, financeiramente; no item 2 (dois), disse que o reajuste seria
dado pelo índice do Instituto Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), e que o governo
108
afirmou que o salário do mês de abril vigoraria com o novo valor de R$ 200,00 (duzentos
reais) mais a permanência do abono, que poderia ser incorporado; e que o restante da pauta
poderia ser respondido num prazo de dez dias.
Sobre o desenrolar da campanha salarial e da greve, vários aspectos podem ser
abordados para ressaltar o papel do governo de Frente Popular e suas relações com os
movimentos sociais. O SINTEEP ressaltava:
Nossa greve se configurou num grande processo político-pedagógico, onde
foram realizados vários Fóruns das UEI’s, dos servidores operacionais e
administrativos, reuniões distritais, etc. com desafios a cada dia, a cada
assembléia. Somos vitoriosos, conseguimos reavivar em nós o espírito de
luta, mesmo sem o apoio da Central Única dos Trabalhadores e demais
organizações sociais. O comando de greve teve um papel fundamental e todo
o processo, com companheiros da base da categoria e um setor da direção do
sindicato, que fez a opção pela autonomia sindical e não pelo atrelamento ao
governo municipal. (SINTEPP- SUBSEDE BELÉM, 2002, p. 1).
Verificamos, no documento do sindicato, a expressão de contradições que parecem ter
permeado o desenvolvimento da greve: por um lado, o esforço de envolvimento da categoria
na mobilização e, por outro, os conflitos na diretoria da entidade, que parece não ter assumido
em conjunto o enfrentamento direto com o governo municipal. Ainda assim, a informação
de ganhos políticos, mesmo na existência de um quadro de isolamento do movimento, no
sentido de não ter sido assumido por outras organizações sindicais, no estado, como a Central
Única dos Trabalhadores.
Da mesma forma, o movimento grevista obteve a posição do Partido dos
Trabalhadores – PT, sobre a mobilização que se desenvolveu em Belém:
O Partido dos Trabalhadores, com suas experiências de governos
democráticos e populares em vários lugares do País onde atingem mais de 50
milhões de pessoas, tem contribuído para a redução da miséria, das
desigualdades e para a formação de sujeitos políticos coletivos conscientes
de seu papel histórico. Nesses espaços institucionais se tem reforçado a
organização e a luta do povo, criando desta forma os germes da sociedade
futura. Tem da mesma forma respeitado a autonomia dos movimentos
sociais, e viabilizado conquistas a determinadas categorias e ao povo em
geral, como ocorre em Belém [...] o que nos estranha são práticas de
movimentos e grupos políticos que se propõem a mudar o curso da história
em favor da humanidade que corroboram com os intentos e desejos odiosos
das classes dominantes em verem destruídos todos esses avanços em favor
do povo [...] assim, conclama seus militantes à unidade e a defesa do Partido
e das conquistas que o povo de Belém tem garantido nesses últimos anos em
nossa cidade. Também manifesta a sua solidariedade ao Prefeito Edmilson
Rodrigues e renova seu apoio ao nosso governo, ao Governo do Povo.
(PARTIDO DOS TRABALHADORES, 05 jun. 2002).
109
A nota da executiva do Partido dos Trabalhadores de Belém (Anexo 9) demonstrou
sua opção, no momento da greve dos trabalhadores da educação em 2002, que foi de irrestrito
apoio ao “Governo do Povo”, tido, por aqueles, como seu governo. Pontuou seu respeito à
autonomia dos movimentos ao mesmo tempo em que parece sugerir que o movimento
grevista, ou sua direção, tinham as mesmas intenções que a classe dominante de destruição
dos avanços em favor do povo. Esses elementos podem nos levar a inferir que a ação do PT
foi de desacordo com o movimento grevista dos trabalhadores da educação, em Belém,
inclusive desconhecendo a direção do movimento.
O PT que foi um dos maiores, se não o principal articulador das mobilizações da
categoria e da organização do SINTEPP, em anos anteriores, e, naquele momento, era o
partido que majoritariamente dirigia a entidade de classe, não deu o apoio necessário ao
movimento grevista. Assim, parece-nos que havia pouca clareza na relação entre os interesses
do governo, do partido e dos movimentos sociais.
Os trabalhadores da educação obtiveram o seguinte resultado da greve e da campanha
salarial de 2002:
1 Garantia de 9,53% para parte da categoria, que corresponde à perda
inflacionária; 2 – Progressão em uma referência na carreira para os da década
de 70; 3 política de abono salarial; 4 pagamento de vale-transporte junto
com contra-cheque; 5 formação continuada no programa da SEMEC com
certificação de carga-horária; 6 enquadramento das monitoras na categoria
do magistério 01 em duas etapas; 7 pagamento de prestadores de serviço
até o dia 10 de cada mês; 8 rediscussão do funcionamento do IPAMB
[Instituto Previdência e Assistência do Município de Belém]; 9 garantia de
incentivo a estudos adicionais: especialização, mestrado e doutorado, com
liberação de jornada de trabalho para os estudos; 10 retomada imediata da
comissão Paritária (governo e sindicato) para que avance quanto a PCCS,
Estatuto do Magistério, questão da Insalubridade, UEI’s, e outros; dentre
outros pontos. (BELÉM.SEMEC, 2002, p. 2).
Ainda que a campanha salarial não tenha resultado no compromisso do governo com o
conjunto da pauta apresentada pelo movimento, houve conquista de aspectos importantes,
mesmo com atendimento ainda precário como, por exemplo, a reposição salarial do índice da
inflação do período; o enquadramento dos monitores no grupo do magistério e a garantia de
incentivo para a formação continuada e qualificada. O restante está relacionado a aspectos
administrativos, que ajudam no desenvolvimento do trabalho docente, assim como à
110
possibilidade da retomada dos debates sobre a carreira docente. Parece-nos que muito ainda
precisaria ser feito diante das exigências do movimento docente.
Em seguida, demonstramos a configuração salarial dos trabalhadores da educação, a
partir do que foi possível conquistar com a greve, como disposto no Termo de Acordo
Coletivo de 2002, entre a Prefeitura Municipal de Belém e os sindicatos municipais, entre eles
o SINTEPP:
TABELA 8
Reposição salarial e abono pecuniário do funcionalismo municipal, em 2002.
SALÁRIO-BASE
REAJUSTE
ABONO
R$ 200,00 XXXXXXX R$ 24,00
R$ 208,00 Reposição de 9,53% R$ 19,24
R$ 219,00 Reposição de 9,53% R$ 17,06
R$ 243,00 Reposição de 9,53% R$ 14,92
R$ 251,00 Reposição de 9,53% R$ 13,82
R$ 328,00 Reposição de 9,53% R$ 11,79
Acima de R$ 328,50 Reposição de 9,53% XXXXX
Fonte: PMB. Termo de Acordo Coletivo de Trabalho, 2002.
Nos termos do acordo, houve a reposição integral do INPC do período de maio de
2001 a abril de 2002, considerando os vencimentos-base de R$208,00 (duzentos e oito reais) a
R$328,50 (trezentos e vinte e oito reais e cinqüenta centavos) e mais a garantia de abono
salarial, que varia de R$11,79 (onze reais e setenta e nove centavos) a R$24,00 (vinte e quatro
reais). Os que ganhavam R$200,00 (duzentos reais) receberam um abono de R$24,00 (vinte e
quatro reais) e não receberam o reajuste de 9,53%; e os que recebiam acima de R$ 328,50
(trezentos e vinte e oito reais e cinqüenta centavos) não receberam o abono salarial.
Isso significa que a reposição salarial acordada não foi linear e sim diferenciada pelas
faixas salariais, assim como os valores do abono salarial concedido. Vê-se que os funcionários
de escola que receberam apenas o reajuste do salário mínimo normatizado pelo governo
federal não receberam reajuste no vencimento-base da Prefeitura. Também é possível
111
perceber que houve um processo de realinhamento dos salários, na faixa do salário mínimo
estabelecido nacionalmente.
No Acordo de 2002, a Prefeitura Municipal de Belém PMB ressaltava que o abono
concedido somente seria retirado mediante sua incorporação ao salário dos servidores, e que
os servidores ocupantes de cargos comissionados da PMB obteriam reajuste de 4% (quatro)
sobre seus vencimentos atuais.
Novamente, o documento faz referência à garantia da composição de uma Comissão
Paritária e Específica, para discussão e elaboração de proposta de Plano de Carreira, Cargos e
Salários, com a participação da Administração Municipal e das Entidades Representativas dos
diversos setores e(ou) categorias dos servidores públicos de Belém.
A PMB comprometeu-se a realizar seminários para debater a questão do Instituto de
Previdência e anunciou a realização de novas mesas permanentes de negociação para outras
discussões da pauta dos trabalhadores, além de apresentar outros assuntos, como a
manutenção de linha de crédito para os servidores.
Na campanha seguinte, de 2003, o Acordo Coletivo, também assinado pelo SINTEPP,
apresentou pontos sobre a política salarial que incluíam a reposição parcelada das perdas
salariais dos trabalhadores e uma cláusula que assegurava novamente a composição de um
grupo de Trabalho Específico para discussão e elaboração de proposta de novo plano de
carreira, cargos e salários.” (BELÉM, 2003, p. 1).
A pauta do SINTEPP, apresentada na Campanha Salarial de 2004, último ano de
mandato do Governo de Frente Popular, ressaltava pontos importantes e nem o estranhos à
categoria do magistério:
1 – Pagamento de Progressão Horizontal com aumento real de salários;
2 – Progressão Vertical;
3 – Pagamento de perdas históricas;
4 – Incorporação do Abono nos vencimentos;
5 – Vale transporte para prestadores de serviço;
6 – Recesso escolar remunerado para todos os funcionários;
7 Pós-graduação e graduão para todos os trabalhadores em educação,
para melhorar a formação dos docentes e funcionários;
8 – Pagamento de insalubridade;
9 – Reformulação do Estatuto do Magistério;
10 – Criação do cargo de coordenadores (as) das UEIs por decreto;
11 – Incorporação de hora-pedagógica aos vencimentos dos docentes;
112
12 – Vale transporte para os efetivos, sem cobrança dos 6%;
13 – Aumento de percentual destinado à Farmácia;
14 – Melhoria do atendimento do IPAMB. (SINTEPP, 2004, p. 1).
Os pontos relacionados para a campanha salarial de 2004 apresentam muitas
similitudes com as reivindicações apresentadas nas campanhas salariais anteriores,
principalmente no aspecto da reformulação do Estatuto do Magistério e da elaboração do
Plano de Cargos, Carreira e Salários do Magistério. Esses pontos também apareceram nos
programas de governo de 1996 e de 2000, da Frente Belém Popular.
No termo de Acordo Coletivo de 2004, vimos relacionados os pontos salariais, com
parcelamento do percentual de 5,61% de reposição para os trabalhadores municipais que
possuíam vencimentos acima de R$ 240,00. Os valores do parcelamento eram depagamento
de 3,08% em maio e 2,45%, em novembro”. O Acordo também mantinha o valor diferenciado
e sem reajuste dos abonos salariais; a garantia um grupo de trabalho para a discussão e
elaboração do Plano de Cargos, Carreira e Salário, a manutenção de linha de crédito e a
permanência de mesas de negociação.
O SINTEPP fez o seguinte relato à categoria, em seu Jornal Informativo:
Com a presença de 1.400 trabalhadores da rede, cerca de 60% dos presentes
deliberaram por iniciar um movimento radicalizado, deflagrando a greve na
rede de ensino em Belém. Entre as principais reivindicações do movimento
paredista estava pautada: 47% de reajuste salarial, em que elevava para R$
4,00 reais a hora aula; recesso remunerado aos funcionários de escola;
incorporação de abonos e progressão horizontal, entre outras [...] após 8 dias
em greve, a categoria optou pela proposta de reajuste do INPC que ficou em
5,61%, além de garantir a integralidade também nos pagamentos dos
prestadores de serviço. (SINTEPP, 2004, p. 6).
Diante da reivindicação de 47% de reposição salarial, a categoria, em greve, obteve,
segundo informativo do sindicato, a reposição de 5,61% sem parcelamento.
Algumas considerações sobre a relação do governo de Frente Popular com o sindicato
e os trabalhadores da educação são pertinentes, a partir da análise dos documentos citados,
pois, desde o início do governo, as campanhas se desenvolveram com conflitos. É possível
percebermos que, na configuração das pautas e na dinâmica das negociações, a carreira
docente esteve em debate, em todos os anos da administração do governo da Frente Popular,
em Belém.
113
Ressaltar essa situação é importante, na medida em que as reivindicações sobre a
carreira docente mantiveram-se pouco alteradas durante os oito anos de governo, mas a PMB
reafirmava, em todos os Termos de Acordos, uma Comissão ou um Grupo de Trabalho para
elaborar o Plano de Carreira e Salário e o Estatuto do Magistério.
No desenvolvimento das campanhas salariais dos trabalhadores da educação, foi
possível verificar algumas contradições relativas à posição de um governo de Frente Popular
no âmbito dos preceitos capitalistas neoliberais.
Tais contradições foram evidenciadas por setores do movimento social organizado sob
a ótica dos trabalhadores, que parecia não acreditar nos limites econômicos, políticos e
administrativos que pautaram as ações institucionais do governo e que se mobilizava para
pressionar por suas reivindicações, com a radicalidade que lhe é peculiar. Ao mesmo tempo,
outros setores no interior do movimento organizado dos trabalhadores buscavam elementos
que justificassem tais limites.
O partido político que, desde 1980, advogara interesses das classes exploradas chegou
ao poder central, na cidade de Belém, com apoio de tais trabalhadores. Mas diante de uma
mobilização radicalizada dos profissionais da educação, por meio do órgão de classe, que
pressionou o governo por reajuste salarial, melhorias nas condições de trabalho e valorização
profissional, optou pelo apoio incondicional ao governo.
O governo, também, apresentou contradições, pois dizia ser um agente de
contraposição ao neoliberalismo, mas em certa medida acabou tendo que utilizar discursos e
mecanismos legitimadores do Estado capitalista para implementar as suas políticas, como foi
o caso da aplicação da Lei de Responsabilidade Fiscal ou da aplicação da reforma da
Previdência.
As medidas nacionais exigiram uma espécie de reformulação da organização do
Instituto de Previdência e Assistência de Belém para adequação à reforma da Previdência e
administrativa, aprovadas pelo governo federal, desde 1995.
Foram propostas soluções importantes para, num ato de ousadia, resistir à
crise. Uma consultoria realizou o cálculo atuarial do Instituto, enquanto o
colegiado dirigente deste elaborou estudos com vistas à manutenção do
Regime Próprio de Previdência, em detrimento da adesão ao INSS. Os
estudos indicaram que a melhor opção era efetivar a reestruturação do IPMB.
(RODRIGUES; NOVAES, 2002, p. 130).
114
Essa discussão sobre a reestruturação do Instituto próprio de previdência dos
servidores municipais e de como a prefeitura se adequaria às reformulações constitucionais
não ocorreu de fato, no sentido de que os servidores deveriam aderir ao Regime Geral de
Previdência, mas no sentido de que deveriam legitimar as alterações em seu Regime Próprio.
A reforma da Previdência, regulamentada na Emenda Constitucional 20, de
dezembro de 1998, apontava modificações que buscaram fortalecer o caráter contributivo e
atuarial do sistema de Previdência, estreitando-se a relação entre o que os segurados
contribuíam e o valor que deveriam receber em benefícios; e para isso, a reforma da
Previdência separou a contribuição para a Previdência da assistência à saúde.
As principais mudanças na Previdência determinaram, segundo Pinheiro (2001), a
eliminação gradual da aposentadoria proporcional; a restrição à conversão de tempo especial
trabalhado em atividades consideradas penosas para a aposentadoria por tempo comum
por tempo de contribuição; a restrição às aposentadorias especiais e a mudança na regra de
cálculo do benefício, com introdução do fator previdenciário.
No limite, os professores não conseguiam mais se aposentar com 25 anos de
contribuição, por causa do fator previdenciário, que relacionava o tempo de contribuição com
a idade mínima estabelecida para a aposentadoria. Além disso, a prefeitura de Belém alterou a
alíquota de contribuição previdenciária, que passou a ser separada da assistência à saúde: os
servidores públicos municipais deixaram de pagar os 8% de contribuição previdenciária e
passaram a pagar os 8% para a Previdência mais 4% de assistência à saúde, ou seja, passaram
a pagar 12% para o novo Instituto de Previdência e Assistência Municipal de Belém –
IPAMB.
É importante ressaltar que os trabalhadores municipais, em Belém, pagam, desde
2006, 11% para a Previdência e mais 4% para a assistência à saúde devido à última versão da
reforma previdenciária aprovada pelo governo federal e adequada ao município.
Mas a prefeitura de Belém, em 1999, considerou uma vitória dos trabalhadores a
aprovação, por unanimidade, em Assembléia Geral com mais de 3000 (três mil) servidores, da
reestruturação do IPAMB:
115
Cerca de 3000 (três mil) servidores aprovou por unanimidade a
reestruturação do IPMB de forma a assegurar legalmente a Previdência, a
Saúde e a Assistência Social, com gestão financeira em separado, por meio
de contribuições específicas, compulsórias para os servidores da ativa e
facultativa para os aposentados e pensionistas. (RODRIGUES, 1999, p. 130).
Após esse processo, o projeto de reestruturação do Instituto de Previdência foi
aprovado, segundo Rodrigues e Novaes (2002), também por unanimidade na Câmara
Municipal de Belém, criando o IPAMB, segundo a Lei nº 7.984, de 30 de dezembro de 1999.
Essas medidas pontuaram o debate sobre as condições de trabalho do servidor
municipal e, particularmente do docente, na medida em que foram subtraídas do debate
medidas importantes para melhorias dos serviços de saúde prestados aos trabalhadores que,
obrigatoriamente, pagavam pelos serviços prestados pelo Instituto, inclusive os terceirizados.
Outra medida de impacto para os profissionais da educação foi a transferência das
contas bancárias para recebimento dos salários de servidores municipais de um banco
nacional público para um banco nacional privado. Os servidores municipais, desde outubro de
2004, passaram a receber seus salários por meio do acesso a um banco privado.
No bojo das políticas implementadas, em Belém, pelo Governo de Frente Popular, o
debate efervescente se deu em relação ao cumprimento do Estatuto do Magistério e quanto à
reformulação e a estruturação do Plano de Cargos, Carreira e Salário do Magistério, pela
Prefeitura de Belém. Um debate que, desde o início do governo, foi marcado por tensões e
expectativas, já que as campanhas eleitorais de 1996 e a de 2000 enfatizaram a necessidade da
valorização dos profissionais da educação.
As considerações sobre a valorização do trabalho docente serão elementos de análise e
discussão, no próximo capítulo desta dissertação, quando, a partir dos sujeitos envolvidos no
processo educacional e na aplicação das políticas pela prefeitura de Belém, discorreremos
sobre as inferências e interferências de tais políticas para a carreira docente. Para tanto, será
importante a discussão sobre a identidade do professor, sua profissionalização e sua
constituição política e social, além do conhecimento sobre as regulamentações do Estatuto do
Magistério de Belém.
116
CAPÍTULO 3
A CARREIRA DOCENTE NO MUNICÍPIO DE BELÉM NO PERÍODO
DE 1997 A 2004
O desenvolvimento da profissão docente está presente no debate sobre a valorização
profissional, feita pelos educadores, ao longo do governo da Frente Popular, em Belém.
Considerar o professor um profissional implica levar em conta o conjunto de problemas que
ele enfrenta, ao exercer suas atividades, quando, no dia-a-dia, toma decisões sobre as
situações concretas, por meio dos conhecimentos que adquire e das relações que estabelece na
escola.
Tal debate abre o espaço para que sejam discutidas as condições viabilizadoras do
desenvolvimento profissional dos professores, as quais são insatisfatoriamente resolvidas
pelas políticas educacionais, no país, como carreira docente, jornada de trabalho; salário;
condições de trabalho e bem-estar dos professores; espaços coletivos para enfrentar as
questões educacionais e profissionais, dentre outros. Esses aspectos constituem mecanismos
de desenvolvimento profissional dos docentes.
Neste capítulo, aprofundaremos a análise de um mecanismo fundamental da
valorização dos profissionais da educação: a carreira docente. Para tanto, torna-se necessário
identificar as políticas implementadas para o trabalho docente, no governo de Frente Popular,
em Belém, no período de 1997 a 2004. Essa análise será feita a partir dos documentos
emanados da Prefeitura Municipal de Belém, no período estudado, e da fala dos sujeitos
envolvidos.
Os dados empíricos foram acumulados a partir de entrevistas semi-estruturadas,
realizadas com dez sujeitos vinculados à rede municipal de ensino e ao movimento docente.
Esse número de entrevistados permitiu identificar as informações necessárias para a pesquisa.
Dos dez sujeitos que participaram das entrevistas, sete eram professores da rede
municipal de ensino; um era representante governamental que atuava como coordenador de
117
educação, na Secretaria Municipal de Educação (SEMEC); e dois eram membros da direção
estadual do Sindicato dos Trabalhadores da Educação Pública do Estado do Pará (SINTEPP).
Os professores entrevistados apresentavam o seguinte perfil funcional: três eram
professores pedagógicos, assim denominados porque tinham formação no magistério, em
nível médio, e desenvolviam atividades no Ciclo Básico I CB I (referência à educação
infantil e às e séries do ensino fundamental) com atendimento a crianças de seis, sete e
oito anos; e no Ciclo Básico II CB II (referindo-se às e séries do ensino fundamental),
atendendo crianças de nove a dez anos; eram efetivos no cargo, tendo sido selecionados via
concurso público, e faziam parte do quadro permanente do município; desenvolviam as
atividades de docência em escola, anexo de escola e unidade de educação infantil (antigas
creches) , em dois turnos de trabalho, com jornada de 40 horas semanais; dois haviam
concluído o nível superior e eram sindicalizados, sendo filiados ao SINTEPP.
Dos outros quatro professores, dois eram formados em nível superior, em curso de
licenciatura plena, pertencentes ao quadro permanente de funcionários do município;
exerciam docência, em escola, com 40 horas semanais de trabalho, na rede: atuavam no Ciclo
Básico III (referente às e séries, do ensino fundamental), que atendia alunos de 11 e 12
anos, e no Ciclo Básico IV (referente às e séries), com atendimento a alunos de 13 e 14
anos; pertenciam, também, à rede estadual de ensino do Pará; tinham 15 e 24 anos de trabalho
e eram sindicalizados, no SINTEPP.
Os outros dois docentes realizavam função técnica, na escola, com especialidade em
orientação educacional e supervisão escolar, pertencentes ao quadro efetivo na rede municipal
de ensino, com cargas horárias de 30 horas semanais; trabalhavam em escolas e, também, na
rede estadual de ensino, como professores; tinham 5 e 21 anos de trabalho e eram filiados ao
SINTEPP.
Esse número de docentes foi suficiente para as finalidades da pesquisa, pelo fato de
apresentarem, na mesma função, situações diferentes no desenvolvimento da profissão, como:
a formação inicial, as faixas etárias de alunos atendidos; os ambientes educacionais
distribuídos em escolas, anexos e unidades de educação infantil; a faixa salarial; o tempo de
118
serviço; o tratamento dado aos espaços educacionais considerados centrais dos periféricos,
dentre outros.
Mas, também, situações semelhantes, na vida funcional, pelas conseqüências da falta
de mobilidade na carreira, como: o arrocho salarial; a falta de incentivo e valorização, no
trabalho e no processo de aposentadoria; a diversificação na formação profissional; o aumento
na jornada de trabalho; a precariedade no tempo para planejamento; desânimo; adoecimento
profissional, dentre outros fatores.
Os temas centrais das entrevistas foram a valorização profissional que envolve a
carreira, a remuneração, a formação e as condições físicas do trabalho no espaço educacional;
o governo de frente popular e o movimento docente. Esses temas estão relacionados às
categorias de análises pensadas, inicialmente, na pesquisa, que foram: carreira docente,
governo democrático e popular e movimento docente.
Essas categorias serão analisadas no sentido de possibilitar a verificação do tratamento
dado, pelo governo municipal de Belém, no período de 1997 a 2004, à carreira docente como
um dos mecanismos centrais na profissionalização, articulando-as, para a análise, a alguns
componentes do trabalho docente, como a valorização salarial e as condições estruturais do
trabalho.
Como suporte para a análise da carreira docente, buscamos o Estatuto do Magistério
de Belém, que regulamenta a organização do exercício da função docente; as contribuições da
Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação CNTE (1997), no que se refere às
diretrizes para a carreira docente, como política de valorização do profissional da educação;
as análises de Brzezinski (2007) sobre as regulamentações para a carreira docente e seus
efeitos na vida real.
Os trabalhos desenvolvidos por Oliveira (2003), sobre as interferências que um
conjunto de reformas exerceu sobre o processo de trabalho na escola e os procedimentos
normativos que determinam a carreira e a remuneração docente, nos serviram também de
referencial; e tiveram um papel importante, no nosso estudo, as análises de Enguita (1991),
119
que relaciona os elementos de ambivalência entre a profissionalização e a proletarização
docente.
A carreira docente está compreendida como um instrumento coletivo de valorização
profissional que repercute, imediatamente, na qualidade do ensino, pois uma carreira supõe
uma lógica de organização do trabalho, num movimento progressivo da profissão.
As informações obtidas, nas entrevistas, vindas das falas dos professores, do governo e
do sindicato de classe, foram fundamentais para essas análises, porque permitiram verificar os
impactos conflitantes ou consensuais sobre as políticas desenvolvidas, em Belém. Assim, foi
vital, para esta pesquisa, a fala de tais sujeitos, que vivenciaram essa experiência e suas
contradições, e que buscaram o reconhecimento dos direitos dos profissionais da educação.
Ao combinar tais depoimentos, construímos este capítulo com duas partes centrais
para o tema da carreira docente: a primeira está relacionada às análises sobre o Estatuto do
Magistério de Belém e suas regulamentações para a carreira, o que permitiu o
desenvolvimento de conceitos como a profissionalização docente e a valorização do trabalho
docente, buscando, nas falas dos sujeitos entrevistados e nos documentos, as compreensões
necessárias para o entendimento da natureza de tal função.
Num segundo momento, buscamos distinguir as políticas implementadas para a
carreira docente e a valorização profissional, pelo governo municipal de Belém, no período de
1997 a 2004, identificando, a partir das análises do movimento docente, do governo e dos
professores, o tratamento dado ao estatuto social docente e à sua carreira.
A carreira docente encontra-se regulamentada em estatutos profissionais e (ou) planos
de carreira. O estabelecimento, segundo Brzezinski (2007), de suporte legal para o exercício
da profissão é componente de primordial significado no processo de profissionalização.
Infelizmente, em muitos estados e municípios brasileiros, o suporte legal inexiste, ou ainda é
precário, assim como a construção democrática de tal mecanismo. O ideal seria a viabilidade
de diretrizes nacionais que referendassem a regulamentação desse aparato jurídico-político,
em todas as esferas de governo.
120
No período entre 1997 e 2004, em Belém, o poder público municipal esteve envolvido,
juntamente com o movimento docente, no debate sobre a reformulação do Estatuto do
Magistério de Belém, além da construção do Plano de Cargos e Carreira do magistério, o que
provocou a elaboração de propostas que poderiam ter contribuído no fortalecimento da
profissão, caso tivessem sido objeto de aprovação pelos poderes do Estado. Mas esse processo
oportunizou a disputa política pelo cumprimento das regulamentações existentes no estatuto
em debate.
Ao identificarmos as políticas que foram implementadas, pelo denominado Governo
do Povo, em Belém, para a carreira docente, verificamos suas conseqüências para o
desenvolvimento da profissionalização docente.
A valorização salarial dos docentes está relacionada à questão da mobilidade na
carreira, com a progressão e ascensão funcional, a jornada de trabalho, formação inicial e
continuada, e outros componentes que subsidiam a referência salarial e que definem aspectos
centrais na valorização do trabalho. Mas que se considerar que os direitos salariais estão
combinados a outros aspectos da valorização profissional, como as instalações físicas das
unidades de ensino, o tempo para o planejamento e para a relação com os demais profissionais
na escola e a comunidade escolar, o número de alunos por turma, além de outras tarefas
relacionadas à docência.
Importa considerar que as análises desenvolvidas, nos capítulos anteriores, sobre a
situação de crise estrutural do capitalismo e do papel do Estado, nos possibilitaram verificar
que a implementação de um conjunto de diretrizes neoliberais promoveu a queda do valor real
dos salários, a precarização das relações de trabalho, o aumento do trabalho informal e do
desemprego; a privatização de serviços públicos e a abertura indiscriminada das fronteiras
nacionais para as multinacionais em busca de novos mercados consumidores e de onde sai
mão-de-obra ainda mais barata.
Tais condições do capitalismo e de suas crises demonstraram a necessidade de
mudanças, na organização e na gestão do trabalho, para que a racionalização deste
121
significasse um aumento fenomenal da produção, com um custo cada vez menor para o
capitalista, no sentido de potencializar seus lucros.
Diante dessas configurações produtivas para o aumento da taxa de exploração, a partir
de uma relação de trabalho mais flexibilizada e precária, na perspectiva do aumento da taxa
de lucro, ocorrem mudanças na natureza do trabalho. Isso o significa dizer que mudou a
relação de produção, pois o capitalista sobrevive significativamente da expropriação da mais
valia, mesmo que encontre, na banca da agiotagem financeirizada, um mecanismo para
fortalecer suas riquezas.
Sob essa lógica capitalista de aprofundamento da exploração do trabalho,
consideramos que crescem os questionamentos e os enfrentamentos às medidas de ajustes
neoliberais e que, desde a década de 1980, os educadores lutam pela determinação de critérios
e diretrizes para a definição na carreira do magistério e sua valorização profissional. Tal
empreendimento é importante e progressivo, mesmo que os reflexos dessas lutas tenham sido
expressos, também, no terreno eleitoral, como ocorreu em diversas capitais e estados
brasileiros, ao longo da cada de 1990, com a vitória eleitoral de governos identificados com
a esquerda brasileira.
3.1 A localização dos docentes a partir da estruturação da carreira
A localização dos professores sujeitos da pesquisa, no quadro do grupo ocupacional do
magistério e na carreira docente, é diferenciada, o que pode possibilitar o entendimento dos
problemas que possam emergir a partir de suas realidades funcionais. As diferenciações estão
relacionadas à formação, a jornada e salário, espaço de trabalho, tempo de serviço etc. Para
tanto demonstramos, no quadro abaixo, quem são os sujeitos.
122
TABELA 9
Distribuição dos professores entrevistados,
conforme a situação funcional (1997-2004).
Situação Funcional Nº de professores
Cargo na carreira
Professor Pedagógico – MAG. 01 (nível médio)
Professor com estudos adicionais – MAG. 02 (médio com
estudos)
Professor Licenciado Pleno – MAG. 03 (nível superior)
Administrador Escolar – MAG. 04 (Pedagogia)
Orientador Educacional – MAG. 05 (Pedagogia)
Supervisor Escolar – MAG. 06 (Pedagogia)
03
00
06
00
01
01
Formação dos docentes
Magistério (nível médio)
Magistério Superior (Licenciatura Plena)
Pós-Graduação (lato sensu)
Pós-Graduação (stricto sensu)
01
08
02
00
Jornada de trabalho
20 horas semanais
30 horas semanais
40 horas semanais
48 horas semanais
00
03
06
00
Tempo de serviço
Até 05 anos
De 05 a 15 anos
De 15 a 25 anos
Acima de 25 anos
01
03
03
02
Idade dos professores
Menos de 30 anos
De 30 a 40 anos
Mais de 40 anos
01
03
05
Vencimentos / Remuneração
Menos de 5 salários
De 5 a 10 salários
09
00
Docentes com duas rendas no serviço público (município
e estado)
06
Fonte: Entrevistas com os docentes.
123
O representante governamental e um representante do SINTEPP aparecem, no quadro
funcional, como professores que são. Ressalte-se que, no período estudado, estiveram cedidos
para função de chefia, no caso do representante da SEMEC, e em exercício para mandato
classista, no caso do diretor do sindicato. O outro diretor do SINTEPP não aparece, no quadro
funcional da SEMEC, porque pertence à rede estadual de ensino público, o que não é
impeditivo para o exercício de mandato de diretor sindical, representando o conjunto dos
profissionais da educação das esferas municipal e estadual que são bases do SINTEPP.
Entre os professores envolvidos na pesquisa, constatamos que, dos três professores
pedagógicos, com nível médio, lotados na carreira do magistério, dois tinham a graduação,
apesar disso não ter significado aumento de remuneração; o envolvimento dos docentes em
cursos de pós-graduação era baixo.
A idade predominante dos entrevistados é em torno de 40 anos, e a média do tempo de
serviço, 20 anos de trabalho, o que nos permitiu contar, na pesquisa, com sujeitos de maior
consolidação profissional, ainda que não estivesses enquadrados na carreira. A formação em
licenciatura plena varia entre aqueles que se formaram em Pedagogia (três professores) e nas
demais Licenciaturas, (em História, um; em Ciências Sociais, um; em Psicologia, um; em
Educação Física, um; e em Letras, um).
Quanto à atuação profissional, a maioria seis dos nove professores entrevistados
divide sua jornada de trabalho entre as redes estadual e municipal, e apenas três deles
trabalham somente no município, apesar de que todos têm a atividade do magistério como
única fonte de rendimentos. A remuneração de todos os docentes entrevistados está abaixo de
cinco salários mínimos, enquadrados, de acordo com a tabela 3
20
, nos 29% da distribuição de
renda, no município, e, na tabela 2
21
, na relação da média mais baixa da Região Norte, em
Índice de Desenvolvimento Humano.
As informações dos professores, do coordenador de educação da SEMEC e dos
diretores do SINTEPP foram selecionadas a fim de permitir apreender o entendimento, a
compreensão dos sujeitos sobre a carreira docente, as políticas advindas da gestão da frente
popular, em Belém, e da relação do SINTEPP com os trabalhadores da educação e com o
referido governo. Para nós, o mais importante era perceber o sentimento dos sujeitos das
políticas, como eles vivenciaram essa situação.
20
V. Capítulo 2, p.75.
21
V. Capítulo 2, p.74.
124
3.2 A carreira como categoria essencial da valorização do trabalho docente em
Belém: os documentos e as falas dos profissionais da educação, do governo
de Frente Popular e do movimento docente.
A organização das atividades do magistério está relacionada à estruturação da carreira
docente, e esta é parte determinante na orientação e na consistência da qualidade da educação
pública, ressaltada pela importância da valorização profissional, segundo a CNTE (1999), no
âmbito das políticas públicas para a educação.
A carreira é parte do processo de construção do conceito de valorização profissional,
pois esta implica a adoção de critérios que vão do reconhecimento social da atividade às
efetivas condições de trabalho, inclusive materiais. Nóvoa (1995) sugere algumas etapas no
surgimento da profissão, dentre as quais o estabelecimento de um suporte legal para o
exercício das atividades docentes.
No debate sobre a construção de suporte legal que assegure regulamentação funcional
do docente, torna-se imperativo, neste momento, ressaltar as concepções que norteiam as
ações governamentais e do movimento docente sobre o conceito de valorização e
profissionalização docente.
A Lei nº 9.394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDB/96
ressalta, no art. 67, a valorização dos profissionais da educação, orientando para os estatutos e
planos de carreira do magistério público; o ingresso exclusivamente por concurso público, o
aperfeiçoamento profissional continuado, com direito à licença remunerada; o piso salarial
profissional; a progressão funcional, com base na titulação ou na habilitação com avaliação de
desempenho; e as condições adequadas de trabalho. Todas são orientações importantes para o
desenvolvimento da valorização profissional, mas não expressam definições claras sobre a
identidade do profissional da educação.
O Conselho Nacional de Educação – CNE define, na Resolução nº 03, de 08 de
outubro de 1997, quem são os profissionais da educação e quem integra a carreira do
magistério, no âmbito das esferas administrativas. Assim, o CNE se manifesta a respeito do
assunto, esclarecendo que os profissionais da educação são os que exercem atividades de
docência e os que oferecem suporte pedagógico direto a tais atividades, incluídas as de
125
direção ou administração escolar, planejamento, inspeção, supervisão e orientação
educacional.
Apesar de identificar as atividades básicas dos profissionais da educação, a Resolução
é insuficiente quanto aos componentes definidores da identidade que poderia dar visibilidade
à profissionalização docente. Brzezinski (2007, p. 158) ressalta que as exigências mínimas
de formação para o ingresso na carreira do magistério, a dedicação integral às atividades e
as condições de trabalho para o exercício da profissão”, são elementos fundamentais para
esclarecer a profissão docente e devem ficar especificados nas regulamentações concernentes.
Um outro problema dessa Resolução do CNE é o incentivo à fragmentação, ao definir que
parte desses profissionais, apenas parte, suporte pedagógico à atividade docente, como se
não houvesse uma base comum na formação desse profissional de atividade social,
pedagógica e política.
A LDB de 1996, na realidade, instituiu um processo de aligeiramento da formação
docente, e isso está presente na flexibilidade de formação, que a legislação permite. O artigo
62 apresenta a exigência de formação em nível superior, mas, ao mesmo tempo, admite “como
formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras
séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal.”.
Um outro indício do aligeiramento é a criação de institutos superiores de educação
para realizar essa formação. Ora, a própria Constituição brasileira já define que a universidade
(não os institutos, ou faculdades, ou centros universitários) têm a indissociabilidade entre
ensino, pesquisa e extensão. Logo, se a formação docente se der fora das universidades, nos
institutos, como sugere a legislação (art. 63, da LDB), aquela será restrita apenas ao ensino,
naquilo que Maués (2004) chama “universitarização”.
A LDB/96 também sugere, no art. 67, o estabelecimento de um suporte legal para a
carreira docente, que deve ser o estatuto ou plano de cargos e carreira do magistério, mas, ao
não estabelecer princípios básicos para o desenvolvimento de tal suporte, acaba
impossibilitando o desenvolvimento e os avanços necessários na carreira.
A Resolução 03, do CNE, de 1997, buscou suprir a ausência de tal regulamentação
na LDB/96 e fixou diretrizes para os novos planos de carreira e de remuneração para o
126
magistério dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. O conteúdo dessas diretrizes
encontra resistências na ação do movimento docente.
Encontrou apoio, não obstante, na referência feita pelo governo de Frente Popular, em
Belém, à identidade do profissional da educação, ao apontar que são todos os profissionais
formados pela Escola Normal e pelos Cursos de Licenciaturas em nível universitário, sejam
Cursos de Pedagogia, sejam os Cursos de Licenciaturas específicas em áreas de
conhecimento definidas.” (BELÉM, 1997, p. 29).
A concepção programática do governo municipal de Belém entendia a valorização do
trabalho docente, segundo o programa da Frente Belém Popular (1996), pela implantação de
um piso salarial municipal, a construção de um fundo de valorização dos profissionais; pela
garantia do cumprimento do Estatuto do Magistério e a perspectiva de sua reformulação, para
adequá-lo às novas demandas dos profissionais; o incentivo à habilitação, em todos os níveis,
para a progressão vertical, e a garantia da formação continuada em serviço.
Alguns pontos dessa referência foram identificados na fala do representante
governamental, quando entrevistado, que, ao citar o entendimento do governo sobre o
processo de valorização em Belém, afirmou a existência de uma comissão paritária que iria
discutir o Estatuto do Magistério, principalmente sobre algumas questões fundamentais que
eram: a progressão vertical e horizontal.” (GFP).
No que se refere à valorização dos profissionais da educação, o governo afirmava a
necessidade de discutir o Estatuto do Magistério de Belém, no aspecto da progressão
funcional, o que apontava perspectivas importantes, na pesquisa principalmente, ao
estabelecer o compromisso de atribuir importância à carreira.
A referência à valorização apresentada por dois professores da rede municipal de
ensino de Belém é relevante, posto que assim se expressaram:
“Para a questão do salário incluem-se as progressões, tanto pelo
tempo de trabalho, que é a progressão durante os anos que você
dedica para a Secretaria, como também pelos seus estudos, pelo
esforço de garantir uma qualificação melhor, e se fazia um esforço
muito grande e você não era reconhecido por isso, porque vo
concluía o nível médio e continuava ganhando como nível médio,
depois de concluir uma graduação, mas continuava ganhando
como nível médio, [...] permanecia com o mesmo salário; e ele se
dedicava a estudar, crescia, mas o seu salário ficava da mesma
127
forma, pois não havia valorização em relação a isso, em relação à
carreira.” (MAG. 1, 1).
“Enquanto técnica, considerei positiva a questão da inclusão do
coordenador pedagógico no quadro do magistério; isso foi
positivo, porque nos dava direito ao recesso, à gratificação, e
ficamos num mesmo quadro que tem a ver com o aspecto da
valorização do trabalhador.” (MAG. 6).
Os professores demonstram, em suas falas, entendimentos parecidos quanto ao
significado de valorização profissional relacionada à carreira: um professor aponta a
motivação, sobre a situação funcional e salarial do profissional de nível médio, que parece
não estar alcançando os elementos de valorização em sua carreira; o outro, que atua na área
técnica do trabalho educacional, vivenciou uma situação de nivelamento com a situação
funcional do docente de sala de aula, o que demonstra realidades de contradições e limites no
trato da carreira. Para ambos, a carreira docente tem relação direta com a valorização dos
profissionais da educação.
Observa-se que o entendimento dos professores sobre valorização está vinculado a um
processo desenvolvido pelo docente no espaço educacional, que envolve a formação e a
carreira. Segundo Oliveira (2003), o trabalho docente tem outras variantes que o só o
trabalho escolar, que se expressam no trabalho pedagógico; na organização do processo de
trabalho na escola, dentre outras.
O debate sobre a valorização do profissional da educação envolve, em grande medida,
os aspectos da formação; mas é importante que se estabeleça uma política global, que
contemple integralmente a qualificação inicial e a formação continuada dos professores, as
questões salariais, de carreira e de condições dignas de trabalho, na medida em que o
entendimento sobre a profissionalização docente envolve, necessariamente, a preparação para
o magistério e a sua atuação no espaço escolar.
Para o movimento docente, na educação básica, é relativamente novo o debate sobre a
profissionalização docente, na medida em que a tradução das políticas públicas em processo
de valorização encontra resistência no âmbito das necessidades da lógica do capital, o que tem
exigido uma reafirmação do professor e de seu papel no sentido de sua valorização.
128
Assim, segundo Monlevade (2000), tal reafirmação deixa de ser a tarefa específica de
ensinar e passa a ser, também, integrante da luta político-pedagógica pela qualidade da
educação, no sentido de que o seu trabalho resulte na aprendizagem significativa dos alunos.
Essa compreensão é significativa para a defesa da valorização do trabalho docente,
expressando esse novo componente da valorização em ligação à aprendizagem dos alunos.
Monlevade (2000) enfatiza que a qualidade do ensino ministrado pela escola básica e seu
sucesso na tarefa de formar cidadãos capazes de participar plenamente da vida política, social,
cultural e econômica do país relaciona-se estreitamente à formação, à atualização, às
condições de trabalho e à remuneração dos docentes.
A CNTE (1994) define a valorização docente a partir de um tripé que envolve a
remuneração digna, a partir de um Piso Salarial Nacional Profissional (PSPN) que garanta a
subsistência do professor num único emprego; uma formação inicial de qualidade e formação
continuada, capazes de conferir competência e autonomia ao ato docente; uma carreira que
fixe o professor ao sistema de ensino, com uma jornada organicamente composta de aulas e
tempo de realimentação pessoal e coletiva do ato docente, e que propicie identidade do
profissional com a proposta pedagógica da escola e compromisso político com o seu sucesso.
Tal posição da CNTE reforça a perspectiva de valorização, nos aspectos do salário e
da remuneração, da qualificação inicial e formação continuada, e da carreira, elementos esses
que são incorporados por suas afiliadas, como o SINTEPP, em Belém.
Uma outra entidade que também contribui para o debate sobre a profissão docente é a
Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação ANFOPE, que nos
oferece, além dos mencionados acima, mais um elemento importante da valorização do
profissional da educação: as condições de trabalho.
Para a ANFOPE (2007), a necessidade de condições de trabalho, que não apenas o
salário, para que o processo educativo ocorra nos tempos atuais, e para isso tornam-se
relevantes instalações adequadas para o funcionamento da escola; escola de tempo integral
para as crianças/adolescentes, com a presença do professor/educador; tempo para que os
professores e profissionais, dentro da escola, trabalhem juntos para atingir os objetivos
comuns no seu coletivo.
129
Esses conceitos de valorização, a partir das posições das entidades nacionais do
movimento docente, reforçam a posição desta pesquisa sobre a importância da
profissionalização docente, incorporando, para tal perspectiva, os mecanismos de carreira que
envolvem o salário, a formação e as condições de trabalho nos espaços educacionais.
A compreensão do que significa a profissionalização docente para o debate sobre a
carreira é fundamental, pois envolve o entendimento sobre a natureza do trabalho e a
identidade desse trabalhador.
No capítulo inicial desta dissertação, foi possível localizarmos a concepção de uma
nova configuração do trabalho na sociedade do capital, a partir de um considerável aumento
na produtividade sob a égide de uma relação produtiva mais flexível e competitiva, mais
complexa e precária para o trabalhador.
Na lógica do sistema capitalista, o trabalhador deverá desenvolver as competências
que lhe permitam manter-se em condições de adaptabilidade às configurações atuais do
capitalismo para a produção das riquezas, contribuindo, assim, para a superação de crises
econômicas, políticas e ideológicas.
As reformas educacionais implementadas no Brasil, na década de 1990, contribuem
para a formação da força de trabalhado exigida e definida pelo sistema capitalista. Essas
reformas são determinadas a partir do caráter de um Estado regulador e avaliador, cujas
políticas públicas atendem às necessidades do capital e, nesse marco, avalia e controla o
trabalho, estabelecendo metas e verificando resultados.
É extremamente importante a definição da identidade docente, na medida em que a
função desempenhada pelo professor sofre as alterações advindas dessas configurações
impostas pelo mundo do trabalho. A função, anteriormente, era compreendida pela própria
categoria como vocacional e quase messiânica. Concebia-se um educador que, numa escola
democrática, era, segundo Maués (2006), responsável pela escolarização e pela socialização
da criança, num trabalho que se aproximava do voluntarismo. Hoje, essa noção vem sendo
modificada, na medida em que se impõe a necessidade da profissionalização docente.
Esse profissional tem compreendido, ao longo do desenvolvimento do seu trabalho,
que a escola funciona como um elo estratégico na manutenção e na reprodução sistêmica, pois
o professor, segundo Maués (2006), se via como a autoridade pedagógica que, com sua ação,
130
assegurava, no lócus formal que é a escola, a reprodução social e política do sistema
capitalista, na medida em que vinha suportando, como se fosse da própria natureza de sua
missão profissional, um processo de desvalorização que o havia levado a trabalhar somente
por amor” e em troca de retribuição salarial cada vez mais apertada para a sua sobrevivência.
De certa forma, esses professores, sem a mão forte dos poderes públicos, têm sabido
“resolver” o problema que a sociedade enfrenta de, com recursos escassos, prover a educação
escolar de crescentes números de alunos, demandando mais extensa escolaridade. Assim, vem
se impondo a desvalorização profissional composta, segundo a CNTE (1999), de vencimentos
iniciais, nas redes públicas, cada vez menores; professores concursados sendo substituídos por
servidores de contrato temporário; jornadas de trabalho cada vez mais pesadas e
multiplicadas; direitos da carreira postos em questão; atrasos de pagamento que justificam
greves, dente outros problemas.
É a partir dessa realidade dos professores da rede pública de ensino, no Brasil, que a
busca pela valorização vem se afirmando, em processos dinâmicos de mobilização dos
docentes, com preceitos amadurecidos, inclusive constitucionalmente, que fazem, segundo a
CNTE (1999), referência à educação como um direito social básico, com princípios
específicos de organização da carreira baseados na valorização e qualificação profissional,
concurso, progressão e composição da jornada com a hora-atividade, salários dignificantes,
dentre outros.
Diante de tais necessidades, os trabalhadores da educação desenvolveram processos de
mobilização nacionais, desde o final da década de 1980, no Brasil, que, segundo Oliveira
(2003), foram acompanhados por greves que contribuíram para uma nova postura do Estado
em relação ao profissionalismo docente.
Para Oliveira (2003) e Nóvoa (1991), havia certo consenso em torno da necessidade da
profissionalização docente; entretanto, essa profissionalização era compreendida como
resultado de uma competência técnica, ou seja, uma competência profissional determinada
pelas instituições de formação com conhecimento certificado.
Assim, para Perrenoud (2002), a formação é o caminho para a profissionalização, uma
vez que é ela que permitirá o desenvolvimento da capacidade reflexiva desses profissionais.
131
Essa noção de competência passou a ser perseguida pelos professores e foi embasando a
formação do designado novo trabalhador para o instituído novo paradigma produtivo.
Segundo Oliveira (2003), essa definição, apresentada por Perrenoud, é prescritiva e
realizada mediante conhecimentos produzidos pelos especialistas, nos centros acadêmicos e
universidades, por meio da observação e da teorização sobre a prática escolar, e tal definição
de profissionalização está distante da prática concreta e da experiência cotidiana. Sobre essa
concepção, a autora afirma:
Na realidade, a identidade profissional não estaria dada pela condição de
trabalho, ou pelo saber adquirido na experiência, mas pelo conhecimento
transmitido e absorvido, ou certificado, em instâncias consagradas a esse fim.
Assim, o que define se o professor é ou não profissional não é a sua atuação
em sala de aula, na escola, na relação com seus alunos e colegas, mas, sim,
seu histórico de participação em programas de formação e os certificados e
diplomas que possui. (OLIVEIRA, 2003, p. 30).
Um elemento que também permeia o debate da profissionalização está presente nas
reformas educacionais, quando determinam mecanismos de flexibilização do trabalho
docente, que deixa de ser relacionado apenas às atividades em sala de aula, mas compreende,
segundo Oliveira (2003), a gestão da escola, no que se refere à dedicação dos professores ao
planejamento, à elaboração de projetos, à discussão coletiva do currículo e da avaliação. E
ainda observamos a obsessão pelo envolvimento desse profissional nos programas
governamentais de acesso aos mecanismos informativos tecnológicos, ou seja, o trabalho
amplia o seu âmbito de compreensão e se torna mais complexo.
O professor é sujeito de sua profissionalização que está assentada num
reconhecimento do profissional, de sua prática no cotidiano escolar, regulamentada num
estatuto próprio, a partir de uma formação docente inicial e continuada. Na base desta posição
encontram-se, portanto, considerações pertinentes a sua carreira, formação e condições de
trabalho.
A profissão docente reflete a posição social e de classe, um reconhecimento conferido
pela sociedade a um grupo de indivíduos que exercem determinadas atividades, o que,
segundo Maués (2006), faz com que uma ocupação se transforme em uma profissão.
A classe dirigente do sistema capitalista tem controlado as funções de produção das
categorias profissionais que pertencem à classe trabalhadora, a qual, estando subjugada, busca
132
formas de valorização profissional, social e política na tentativa de reversão de sua condição
de classe explorada.
Nesse sentido, os mecanismos utilizados pela lógica capitalista e do Estado, por meio
das reformas educacionais, têm sido de aprofundamento do assalariamento do trabalhador que
vende a força de trabalho em troca de um salário cada vez menor e em relações laborais cada
vez mais precárias, demonstrando a intensificação da exploração do trabalho.
Tais reformas neoliberais, na educação, favorecem a homogeneização do currículo; a
gestão, que controla e avalia o desempenho docente para que desenvolva competências para
satisfazer as demandas do mercado; ou, quando imprimem a política de o-aumento salarial,
por meio de gratificações produtivistas; ou, ainda, quando não respeita os direitos previstos no
estatuto do magistério.
No trabalho educacional, a lógica racionalizadora se manifesta pela
introdução de a) técnicas organizativas e de ensino (planejamento por
objetivos, módulos instrucionais, formas estereotipadas de diagnósticos e
avaliação, ensino programado por computador, etc.) e b) de técnicas de
administração e gerenciamento do trabalho na escola (divisão do trabalho em
especialidades por campo de ação orientação educacional, supervisão,
administração, etc.) e formas sofisticadas de controle do trabalho docente e
de promoção na carreira. (VORRABER, 1995, p. 105).
Dessa forma, os baixos salários e as péssimas condições de trabalho atingem o
docente, independentemente do nível de ensino, com maior reflexo sobre a educação sica,
para quem, segundo Barreto e Leher (2003), os salários permaneceram sem reajustes ou com
correções muito inferiores à inflação, evidenciando a localização social do trabalhador
docente que participa, mesmo que indiretamente, do processo de valorização do capital e que,
por isso, soma-se à classe trabalhadora ao vender sua força de trabalho em troca de um salário
e ao estar subjugado às condições econômicas impostas pelo capital.
Essas circunstâncias m se impondo, mas não sem a devida resistência dos
trabalhadores docentes e suas organizações. Elas têm sido marcadas por conflitos entre
trabalhadores e empregadores e os trabalhadores têm resistido às imposições, intromissões e
determinações sobre o seu trabalho.” (VORRABER, 1995, p. 105).
Os professores da educação básica, em Belém, conquistaram, desde 1983, em uma
grande greve, num processo de reorganização, suas condições de profissionalização,
133
expressas, segundo o SINTEPP (1993) na construção do Estatuto do Magistério e no salário-
mínimo para a professora primária. Esse é apenas um exemplo dos inúmeros que poderíamos
dispor sobre a construção social da profissionalização docente, em Belém, e a principal
conquista dessa categoria foi sem dúvida o seu Estatuto Social.
O Estatuto do Magistério de Belém, instituído pela Lei 7.528/91, é o suporte legal
que regulamenta a organização do trabalho docente, na capital paraense, inclusive sua
carreira, amparado em outros elementos jurídicos que norteiam sua estruturação, como as Leis
7.502/90, que dispõe sobre o Estatuto dos Funcionários Públicos do Município de Belém, e
7.507/91, que tratam do Plano de Carreira do Quadro de Pessoal da Prefeitura Municipal de
Belém. Esse arcabouço jurídico oferece ao trabalhador da educação as condições normativas
para o desenvolvimento do processo de sua profissionalização.
A partir de 1997, quando iniciou a gestão do governo da Frente Popular, em Belém, as
expectativas da categoria quanto ao novo governo municipal estavam voltadas para o
cumprimento das garantias na carreira docente, expressas no Estatuto do Magistério.
Entre 1997 e 1998, o SINTEPP organizou uma proposta de reformulação desse
Estatuto, no sentido da construção do plano de cargos, carreira e remuneração, que, segundo a
CNTE (1999), com a aprovação da Lei 9424/96 (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento
do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério) tornou obrigatório aos estados e
municípios a elaboração de planos de carreira para o magistério.
As análises sobre as normatizações do Estatuto do Magistério sobre a carreira docente
serão apresentadas para que se compreenda a organização do trabalho docente, em Belém, o
que poderá nos orientar em relação às políticas públicas do período e às demandas docentes.
Em seguida, analisaremos as propostas de reformulação elaboradas pelo SINTEPP e
apresentadas ao governo da frente popular, naquela cidade. Isto porque alguns itens nas
propostas do movimento docente poderão qualificar nossas elaborações sobre o processo de
profissionalização docente.
Ao definirmos o professor como um profissional da educação que, como outros
trabalhadores, se encontra submetido às regulações determinadas pelo capital, também
consideramos que esse profissional foi socialmente legitimado por sua função social na
escola, assegurado por sua prática, formação e estatuto profissional, assim, localizamos o
ponto nodal do debate sobre sua valorização profissional.
134
3.3 O Estatuto do Magistério de Belém: os direitos na carreira docente.
Os profissionais da educação da rede municipal de Belém conquistaram, na Lei
7.528, de 5 de agosto de 1991, a regulamentação e a organização de suas atividades
funcionais. A aprovação dessa Lei do Estatuto do Magistério foi resultado de inúmeras
mobilizações, desenvolvidas pelos trabalhadores da educação, desde o final da década de
1970.
A história de organização, mobilização e conquista dos trabalhadores da educação, em
Belém, esteve vinculada à história da construção de sua organização sindical, o SINTEPP.
Essa entidade, desde 1979, com a fundação da Associação dos Professores do Estado do Pará
APEPA, que se transformou, em 1983, na Federação dos Professores Públicos do Estado do
Pará FEPPEP, e que, mais tarde, em 1988, passou a ser Sindicato dos Trabalhadores de
Educação Pública do Pará SINTEPP, promoveu uma série de mobilizações com a categoria
para a aprovação do Estatuto do Magistério, nos diversos municípios.
Dessa forma, a efetivação da carreira docente foi uma das principais contribuições do
SINTEPP que, enquanto organização sindical, pautou, ao longo de sua história, a luta pela
valorização dos profissionais da educação materializada no Estatuto do Magistério.
Para o governo municipal que esteve na gestão de Belém, entre 1997 e 2004, cabiam
as exigências do movimento docente, no sentido de assegurar o cumprimento de tais direitos;
por isso, qualquer reformulação na Lei deveria ocorrer para permitir os avanços no trabalho e
não a sua negação. Esse era o princípio que norteava as elaborações do movimento docente, o
que contradizia as perspectivas pontuadas pelas reformas educacionais de cunho neoliberal,
desde a década de 1990.
Na análise do Estatuto do Magistério de Belém, faremos referência à carreira docente,
a partir dos sub-temas relacionados, com base nas entrevistas realizadas, no que se refere a
formação, salário e condições de trabalho.
A Lei 7.528/91 dispunha sobre a organização das atividades do Magistério,
referindo-se àquelas que exigem formação de administrador escolar, orientador educacional,
supervisor escolar e professor, e tais funções eram caracterizadas na docência, no
135
planejamento, na orientação, na supervisão, na inspeção, na coordenação e na avaliação do
ensino e da pesquisa, nas unidades educacionais ou na Secretaria Municipal de Educação.
Essa organização das atividades do magistério demonstra a fragmentação da
identidade docente, na medida em que separa o exercício da docência: os que estão em sala de
aula, de um lado, e os que oferecem suporte pedagógico à docência, de outro, e que deveriam
estar no mesmo nível de profissionalização. Na visão de Brzezinski (2007), para que haja a
valorização dos profissionais da educação, é preciso que se defina a sua identidade
profissional. Mas o que se encontra, na LDB/96, é uma concepção fragmentada da identidade
docente.
Os profissionais que oferecem suporte pedagógico à docência, chamados outrora
“especialistas da educação”, recebem tratamento diferenciado por parte da SEMEC, por
estarem na condição de técnicos. Essa diferenciação no tratamento foi ressaltada pelos
profissionais da rede municipal de ensino:
“Nós, técnicos, ficamos muito de lado, o governo dava formação
para o professor e não se dava a devida atenção para o
profissional que estava ali, no dia-a-dia do acompanhamento do
professor.” (MAG. 6).
“O tratamento era diferente, mesmo entre os especialistas que
estavam na escola e os da Secretaria; os das escolas não tinham
muita clareza do que deveriam fazer, tínhamos muito pouca
autonomia.” (MAG. 7).
Os apelos dos que exerciam funções técnicas aparecem como um pedido de maior
compromisso para com suas funções, no interior das unidades de ensino e no reconhecimento,
por parte dos gestores do trabalho desses profissionais. Estes pontuam a falta de autonomia,
no processo de trabalho, o que subsidia a necessidade do entendimento sobre formação inicial
e continuada.
3.3.1 A formação como componente da carreira do magistério e da valorização
docente.
O Estatuto do Magistério, ao se referir à exigência de formação para a atividade de
magistério, demonstra uma concepção técnico-profissionalizante da formação que esteve
136
relacionada ao pensamento tecnicista e conteúdista do trabalho docente, dos anos 1960 e
1970, que, segundo Freitas (2004), foram marcados pela centralidade no conteúdo da escola
(habilidades e competências escolares).
A admissão ao quadro permanente da rede de ensino é assegurada pelo ingresso na
carreira do magistério, via concurso público de provas e títulos, e garante a participação e a
fiscalização, pela entidade de classe, nas fases do concurso. Aquela exigência é fundamental
para a garantia de permanência do docente no local de trabalho e favorece o envolvimento
político e pedagógico do profissional.
Mas, ao analisarmos os cargos enumerados pelo Estatuto do Magistério de Belém,
identificamos uma simetria com a visão tecnicista e fragmentada do trabalho, na medida em
que, para os cargos de professor de nível médio e de especialistas, estabelece o lócus da
formação desses últimos o curso de Pedagogia, caracterizando a fragmentação das
habilitações e a separação da formação de professores da formação dos demais profissionais
da educação, como demonstra o quadro abaixo:
TABELA 10
Composição dos cargos de provimento efetivo do
Grupo Ocupacional Magistério
DISCRIMINAÇÃO CÓDIGO ESCOLARIDADE
Professor Pedagógico MAG. 01 2º grau na área do magistério
Professor com estudos adicionais MAG. 02
2º grau na área do magistério,
com estudos adicionais
Professor Licenciado Pleno MAG. 03 3º grau
Administrador Escolar MAG. 04 3º grau – Pedagogia
Orientador Educacional MAG. 05 3º grau – Pedagogia
Supervisor Escolar MAG. 06 3º grau - Pedagogia
Fonte: Lei 7.528/1991 (Estatuto do Magistério de Belém).
Essa estrutura de cargos, no magistério de Belém, refere-se ao modelo antes
delimitado pelas regulamentações dos cursos de Pedagogia, o que precisaria ser atualizado na
medida em que tais cursos de graduação passaram por reformulações em seus regimes e
currículos, terminando com as conhecidas habilitações educacionais (supervisão, orientação,
administração e inspeção).
137
Importa enfatizar, a partir dessa constatação de desatualização na concepção da
formação do profissional da educação, expressa no Estatuto, que um processo de
diversificação das instâncias de formação inicial, que se manifesta na institucionalização de
institutos superiores de educação e de cursos normais superiores, prevista na LDB/96 e na
reforma da educação em andamento, no país, desde 1995. A introdução dos institutos,
segundo Freitas (2004), tem reduzido os custos com o ensino em instituições universitárias
que tem desenvolvimento pleno da investigação e da pesquisa, abrindo mais espaço para um
ensino aligeirado, em instituições que se incubem apenas do ensino, sejam elas públicas ou
privadas.
Sobre a formação continuada, há de se pensar em ações de formação integradas ao
projeto político-pedagógico de cada escola, a partir de definições e articulações coletivas dos
múltiplos sujeitos envolvidos no processo educativo escolar, para que aquela etapa da
formação seja mecanismo eficaz no desenvolvimento profissional.
No relato de professores da rede municipal de ensino de Belém, parece unânime a
visão de que a formação continuada era desenvolvida, exclusivamente, no próprio local de
trabalho e direcionada para a prática, o que pode provocar reducionismo nas análises mais
amplas e críticas desse trabalho em suas relações com a sociedade.
“O que acontecia nas formações? Vinha gente de não sei onde,
do Sul, fazia o seu relato de experiência e dizia como tínhamos
que fazer.” (MAG. 6).
“A formação teórica te leva à reflexão para a prática, mas que dá
uma formação que é necessária com elaboração de projeto,
fundamentação teórica, muita leitura; é um processo muito
cansativo de estudo, com produção diária, mas que é importante.
Então faltou algo assim, essa formação teórica combinada com a
formação prática.” (MAG. 1, 1).
“A formação pessoal, profissional fica por conta do profissional, a
não ser, lógico, não esquecendo que ocorrem, sim, as formações
nos governos vêm acontecendo. Mas é aquela formação que se
reduz para aquela tua prática do dia-a-dia na escola, o aquela
formação que tu vai terminando uma graduação, vai fazendo uma
especialização, terminando uma especialização vai fazer um
mestrado, você não tem isso.” (MAG. 1, 2).
“A formação continuada era muito para a prática do professor,
era troca de experiências dos espaços e era muito centrada na
questão do que o professor deveria fazer com aquele que ele tinha.
138
A questão era tentar convencer o outro de que ele tinha condições
de fazer somente com aquilo, porque poderia fazer um bom
trabalho, era uma forma de convencimento. E quem eram as
figuras que geralmente mostravam suas experiências? Eram
pessoas mais ligadas ao governo, trabalhavam nas escolas que
desenvolviam trabalho com materiais alternativos.” (MAG. 1, 3).
A formação continuada identificada no relato dos professores se volta para a
concepção de formação em serviço, que se desenvolve, segundo Nóvoa (1995), para uma
práxis reflexiva e a partir dela. Esse tipo de formação continuada, que traz em si elementos
inovadores, ao tomar o trabalho concreto como categoria de análise, recuperando formas para
o trabalho pedagógico, pode estar dirigida, segundo Freitas (2004), para os aspectos técnicos e
metodológicos do trabalho docente, assentada na concepção do professor como um “prático”
na solução de problemas, reduzido ao saber-fazer, o que não envolveria um conjunto de
elementos necessários à formação docente.
Torna-se importante salientar que essa constatação, gerada pela fala dos docentes,
demarca uma escolha de concepção de formação continuada, que consiste, segundo Casadei
(2004), em focalizar a atenção no potencial formador e transformador dos saberes adquiridos
na experiência do cotidiano da prática docente, colocando em segundo plano qualquer noção
de formação continuada destinada a atualizar ou suprir lacunas diagnosticadas na formação
inicial dos professores.
Uma outra concepção de formação continuada está baseada no saber antes do fazer,
orientada pela racionalidade técnica, que, segundo Casadei (2004), tem como preocupação
primordial a aquisição de competências escolares que habilitam os professores ao exercício da
profissão.
Tal concepção de formação continuada, baseada na racionalidade técnica, pode ser
tratada com relação às diferenças da formação continuada em serviço, expressas pela fala dos
docentes; no entanto, essas diferenças não podem ser apontadas como expressão de um
processo de ruptura epistemológica entre os modelos baseados na racionalidade técnica e os
fundados na racionalidade prática, na medida em que os dois modelos estão sujeitos à prática
do pensamento reflexivo.
Logo, aprende-se com a prática como se aprende com a teoria e, da mesma maneira,
isto é, refletindo-se criticamente sobre a experiência, quer seja ela de natureza teórica ou
139
prática. Ninguém aprende com a teoria, senão refletindo criticamente sobre ela, assim como
ninguém aprende com a prática, senão refletindo criticamente sobre ela.
Dessa forma, a prática docente e a formação continuada em serviço se justificam
como parte de um processo inacabado de permanente elaboração e reelaboração, pelo sujeito,
de um sentido mais amplo do seu processo de formação profissional. Essa afirmação ganha
reforço na posição da ANFOPE (2000) para quem:
A formação continuada trata da continuidade da formação profissional,
proporcionando novas reflexões sobre a ação profissional e novos meios para
desenvolver e aprimorar o trabalho pedagógico; um processo de construção
permanente do conhecimento e desenvolvimento profissional, a partir da
formação inicial e vista como uma proposta mais ampla, de hominização, na
qual o homem integral, omnilateral, produzindo-se a si mesmo, também se
produz em interação com o coletivo. (ANFOPE, 2000, p. 22).
Para efeito de análises sobre a formação continuada, consideramos que a educação
continuada em serviço constitui uma atividade fundamental da formação do professor, mas
concordamos com Casadei (2004) que essa não constitui a única e nem, necessariamente, a
mais estratégica concepção de formação continuada; logo, é falsa a oposição que se estabelece
entre os modelos de formação continuada, baseados na racionalidade técnica ou nos saberes
disciplinares, e as os desenvolvidos em serviço, fundados na racionalidade prática ou no
cotidiano da prática docente na escola.
Entendemos que a formação continuada diz respeito à valorização da prática docente
como a única possibilidade de êxito do professor aplicar, criativamente, a racionalidade
técnica, obtida no processo de aquisição de competências escolares.
A análise que desenvolvemos sobre formação inicial e continuada é necessária para a
compreensão dos mecanismos de valorização da carreira docente, expressa no Estatuto do
Magistério de Belém, que fortalece uma formação dividida entre teoria e prática.
No art. 3º, do Estatuto do Magistério, apontam-se os meios de valorização das
atividades do magistério que seriam asseguradas pela igualdade de tratamentos didáticos e
técnicos; estruturação da carreira, prevendo progressão e ascensão funcional; por incentivo à
livre organização em associação e em entidade sindical da categoria; pela organização da
gestão democrática do ensino público municipal, por meio de eleição direta para diretores das
escolas, através de lista quíntupla, a ser regulamentada por lei específica.
140
Tal artigo do Estatuto sugere avanços importantes pautados pelo movimento docente,
como a questão da progressão na carreira, o incentivo à livre associação sindical, os direitos e
vantagens e a gestão democrática. Apesar dos avanços, ainda apresenta limitações quando
trata da gestão democrática, na medida em que os candidatos à gestão das escolas precisariam
ainda passar pelo crivo da SEMEC, na lista quíntupla. Ou, ainda, quando a gestão
democrática era circunscrita apenas às escolas, esquecendo a realidade de funcionamento da
rede de ensino em creches e anexos educacionais.
3.3.2 Carreira e valorização salarial docente.
O mecanismo da progressão funcional exigiu uma análise mais específica, nesta
pesquisa, visto que tal direito, mesmo assegurado na Lei, foi tratado como letra morta, ao
longo do desenvolvimento da carreira docente, pois significava vinculação direta com o
salário dos profissionais da educação.
Os professores e os representantes do sindicato, sujeitos das entrevistas, fizeram
referências, em suas falas, à progressão funcional afirmando que a categoria passou anos
perdendo dinheiro e sem reajuste; não havia progressão ou promoção na carreira; você
queria estudar e não podia [...].(SINTEPP, 1). Isso significa que os sujeitos vinculavam a
progressão funcional e a formação ao salário.
“[...] as progressões, tanto pelo tempo de trabalho, que é a
progressão durante os anos que você dedica para a Secretaria,
como também pelos seus estudos, pelo esforço de garantir uma
qualificação melhor e, às vezes, um esforço muito grande, e você
não era reconhecido por isso.” (MAG 1, 1).
Identifica-se o esforço, por parte do docente, pela qualificação que é associada à
progressão vertical; e o tempo dedicado à docência, à progressão horizontal, por antiguidade e
merecimento. Esses mecanismos estão vinculados à carreira docente.
“[...] uma forma de melhorar o salário seria pelo pagamento da
progressão horizontal, que se tivesse sido cumprido, teria dado
condições de valorização salarial pelo tempo de serviço das
pessoas; ou mesmo quando nos formávamos, na graduação, que
significaria um reajuste de 100% no salário, porque é isso que
prevê o nosso Estatuto. A carreira ficou mesmo paralisada, tanto
nas referências da horizontal, quanto na ascensão funcional.”
(MAG. 4, 2).
141
A referência do professor à falta de mobilidade na carreira demonstra o significado da
ausência de uma política salarial mais eficaz, na medida em que o pagamento das progressões
tem relação direta com a valorização do profissional.
O diretor do sindicato também se referiu à garantia da progressão:
“O nosso carro chefe era a progressão, porque a progressão está
colocada no Estatuto do Magistério do município e não foi
cumprida pelos governos; e isso prejudicou muita gente que
deveria ter recebido sua progressão, no primeiro ano de governo,
e isso não ocorreu. E não tiveram nem a progressão nem a
promoção, nem a horizontal e nem a vertical, e ficaram impedidas
disso; e como a progressão não aconteceu, houve prejuízo muito
grande para a categoria, porque o salário ficou minguado - já era
pouco e ficava menor ainda. Então o carro chefe era a
progressão.” (SINTEPP, 1).
Na concepção do movimento docente, é considerável a necessidade do cumprimento
do Estatuto do Magistério quanto ao direto à progressão; e, por isso, tal reivindicação tem
sido uma exigência prioritária dos profissionais da educação, no sentido de uma política de
valorização salarial. Tanto os professores quanto o sindicato ressaltam a premência da
movimentação na carreira.
O Estatuto do Magistério determina que o desenvolvimento da carreira ocorra pela
progressão funcional e pela ascensão funcional. A progressão funcional, segundo o art. 18, da
Lei, é a elevação funcional à referência
22
imediatamente superior, no mesmo cargo,
obedecendo aos critérios de antiguidade ou merecimento. Por antiguidade, a elevação é
automática, a cada interstício de dois anos em efetivo exercício; e, por merecimento,
dependeria de avaliação de desempenho, a cada interstício de quatro anos.
A ascensão funcional, expressa no art. 21, da Lei, é a elevação do funcionário de cargo
da categoria funcional a que pertence ao cargo de referência inicial de categoria funcional
mais elevada, e dependerá de aprovação em concurso seletivo de provas ou de provas e títulos
e não interrompe o tempo de serviço.
No caso da progressão horizontal, que seria a elevação por antiguidade, o professor a
cada dois anos “correria” em sua vida funcional nas letras A-B-C-D-E-F-G-H-I-J-L-M-N, de
22
É a escala de vencimento que indica a posição de ocupante de cargo dentro do grupo, correspondendo a uma
avaliação relativa de cinco por cento entre uma e outra. (Lei 7.528/91, art. 10, §4º). Essas referências são
indicadas por algarismos arábicos de um a treze (Idem, art. 11).
142
forma automática, o que significaria 5% a mais em seus vencimentos, a cada dois anos de
trabalho, no município. Assim, o professor teria acréscimos salariais que estabeleceriam
diferenças entre o salário inicial de carreira e o final, o que representaria valorização no
desenvolvimento da carreira. A negação desse direito, como enfatizado, principalmente pela
fala do representante sindical significou, de fato, defasagem salarial na categoria.
Quanto à ascensão funcional, o profissional de nível médio, ao concluir um curso de
graduação, teria o direito de ascender na carreira, via concurso seletivo, para um cargo
imediatamente superior ao de origem. Por exemplo, um professor pedagógico que se graduou
em Pedagogia ou História, ou qualquer outra graduação em curso de Licenciatura, teria o
direito de exercer sua nova função docente a partir da nova escolaridade. Isso significaria um
acréscimo salarial de 100% no vencimento base, dobrando seu salário, o que refletiria em sua
remuneração.
Como vimos, no Capítulo 2, o SINTEPP apresentava, em suas pautas de
reivindicações salariais, a progressão vertical (ascensão funcional) automática para os novos
graduados que estavam lotados no cargo de professor de nível médio; mas esse sindicato o
obteve retornos satisfatórios nessas demandas.Essa percepção está refletida na fala de uma
professora da rede: “sou servidora efetivava, desde 1979, lotada em nível médio, mas com
formação em nível superior e pós-graduada [...] Nós esperávamos um pouco mais da parte
dele [do dito “governo do povo”], progressão vertical, progressão horizontal [...].” (MAG 1,
2).
Sobre a progressão horizontal por merecimento, onde a elevação funcional ocorreria a
partir de uma avaliação de desempenho, a cada interstício de 4 anos, houve a regulamentação
dos critérios para tal avaliação, estabelecida pelo Decreto 24.437/92 que determinava que
somente seria promovido por merecimento o funcionário que alcançasse 70 pontos, obtidos a
partir de uma fase subjetiva e outra objetiva de acordo com os critérios. O art. assim
determina:
Art. A avaliação subjetiva se de responsabilidade de superior
hierárquico imediato do funcionário público municipal e corresponderá a um
total de 40 (quarenta) pontos, distribuídos eqüitativamente pelos critérios de
urbanidade, iniciativa, qualidade de trabalho e responsabilidade [...] e serão
mensurados pelos valores de I – Insuficiente – de 0 a 4 pontos; II – Regular –
de 5 a 6 pontos; III Bom de 7 a 8 pontos e IV Excelente de 9 a 10
pontos.
143
E, no art. 3º, estabeleceu que a avaliação objetiva seria de responsabilidade de uma
Comissão de Promoção, designada pelo poder Executivo, e corresponderia a um total de 60
pontos pelos critérios de assiduidade, participação em eventos de capacitação, promovidos
pela Prefeitura Municipal de Belém ou outras instituições oficiais, e pela disciplina
comportamental.
Para o critério de assiduidade, o Decreto considera um total de 30 (trinta) pontos
conforme um escalonamento de I nenhuma falta injustificada 30 pontos; II 1 falta
injustificada 25 pontos; III 2 faltas injustificadas 20 pontos; IV 3 faltas 15; V 4
faltas - 10; VI – 5 faltas – 5 e VII – acima de 5 faltas injustificadas – 0 pontos.
Na participação nos eventos, a legislação considera 2 pontos para cada participação,
até o limite máximo de 10 pontos; e aos funcionários que, segundo o § , do Art. 3º, o
tiverem nenhuma punição de repreensão, suspensão, destituição de função, demissão,
demissão a bem do serviço público ou cassação de aposentadoria e disponibilidade, seriam
atribuídos 20 pontos.
Essas seriam as condições estabelecidas em Lei para o direito à progressão funcional
por merecimento. Apesar das contradições de centralização, por parte do poder executivo, do
estabelecimento de critérios subjetivos para uma avaliação funcional unilateral, era uma
reivindicação histórica do movimento, que exigia a avaliação participativa no processo de
trabalho, como algo determinante do desenvolvimento da carreira e da qualidade dos serviços.
Mesmo esse direito de progressão por merecimento, da forma conflituosa em que se
apresenta, nos textos legais, a partir de tais critérios de avaliação de desempenho, esteve
ausente das políticas públicas para a carreira docente, em Belém; tal mecanismo de avaliação
ainda se mantém como letra morta da lei.
A jornada de trabalho do profissional da educação, no Estatuto do Magistério, é
prevista, segundo o art. 25, para 20, 24, 30, 40 ou 48 horas-aula por semana, contando-se, no
mínimo, 20, e, no máximo, 48 horas semanais de trabalho. O movimento docente tem exigido
uma jornada xima de 40 horas de trabalho: o regime a ser facultado ao trabalhador em
educação deve ser o de 40 horas, abrangendo as horas de docência e as de dedicação às
demais tarefas educacionais.” (CNTE, 1999, p. 22). O que significa que 48 horas semanais
são consideradas uma extensão da jornada de trabalho.
144
Tendo como base a jornada de, no mínimo, 20 horas e, no máximo, 48 horas, está
incluído um percentual de 20% a 40% de hora-atividade, que é um adicional que remunera o
professor pelos períodos de planejamento das atividades em sala de aula, inerentes à sua
função de docência.
Ao analisarmos as vantagens salariais contidas tanto no Estatuto do Magistério quanto
no Estatuto dos Funcionários Públicos, expresso na Lei nº 5.502/90, que versa sobre as
gratificações, os adicionais e as indenizações, identificamos algumas definições legais sobre a
política salarial docente. Previam-se gratificações: por regência de classe, que correspondia a
20% para quem atuava em sala de aula; por participação em bancas examinadoras, em
concursos do magistério; como prêmio pela produção de obra e(ou) publicação de trabalho de
interesse da educação e da cultura; e, ainda, a gratificação devida aos professores municipais
que completavam 25 anos de efetivo exercício do magistério, com um acréscimo automático
de 10% no vencimento-base.
Além das gratificações citadas, que são especificadas na lei, existe uma gratificação de
incentivo ao aprimoramento que, no Estatuto dos Funcionários, é disposta como adicional de
escolaridade, regulamentada em 20%, para quem possui a formação em primeiro grau; em
60%, para quem concluiu o nível dio, e em 100%, para quem tem formação em nível
superior universitário.
O Estatuto dos Funcionários Públicos de Belém assegurava, ainda, adicionais de
tempo de serviço, que são os triênios de efetivo exercício que variam em percentuais de 5%
até 60% após 34 anos de trabalho, a cada três anos, até no máximo doze; adicional de férias e
de cargo em comissão, além da gratificação natalina, prevista em legislação federal,
popularizada como 13º salário.
O quadro de desenvolvimento salarial dos profissionais da educação considerava,
portanto, além do vencimento-base que, como vimos anteriormente, era pautado pelo valor do
salário mínimo nacional, inúmeras gratificações e adicionais que compunham a remuneração
do professor. A Tabela 11, a seguir, apresenta a composição salarial para os professores que
atuavam com uma carga horária de 40 horas e que tinham formação em nível médio.
145
TABELA 11
Composição salarial do Professor Pedagógico, com 8h diárias de trabalho ou
40h semanais e formação em nível médio.
ANO VENCIMENTO-
BASE + 40%
H/ATIVID. *
GRATIFICAÇÕES VALOR
BRUTO
VALOR
LÍQUIDO
MÉDIA SALARIAL
ENTRE
VENCIMENTO-
BASE E
REMUNERAÇÃO
1997 177,49/118,27 236,52 532,20 488,90 1 a 4 SM
1998 196,92/131,28 262,56 590,76 465,98 1,5 a 3,5 SM
1999 206,00/137,33 274,66 618,00 563,08 1,5 a 4 SM
2000 217,44/144,96 313,92 676,32 618,35 1,5 a 4 SM
2001 279,05/186,03 387,06 852,15 709,47 1,5 a 3,5 SM
2002 305,64/203,76 424,58 933,38 785,06 1,5 a 3,5 SM
2003 305,64/203,76 424,58 933,38 785,06 1,5 a 3,5 SM
2004 385,28/256,85 535,22 1.117,37 930,00 1,5 a 3,5 SM
*A tabela considera os 40% de hora-atividade incorporada no vencimento-base numa jornada de 40 horas semanais ou 200
horas mensais do professor pedagógico.
Fonte: PMB: SEMAD; 1997 a 2004.
A tabela permite verificar como a composição salarial do professor pedagógico se
desenvolveu, considerando parte das gratificações asseguradas no Estatuto do Magistério de
Belém: a regência de classe, no caso, de 20%; o salário família; abonos fixos; adicional de
escolaridade de 60%, para o nível médio, e a hora-atividade de 40%, para o exercício de 40
horas semanais, e o triênio assegurado no Estatuto.
Vale ressaltar que, em comparação com o salário mínimo vigente no período, uma
perda na composição salarial básica, dito vencimento-base do professor de nível dio, como
verificamos no Capítulo anterior, considerando oito horas diárias de trabalho.
Para os descontos considerados para efeito de cálculo do valor líquido expresso na
tabela, destacamos os relativos ao vale-transporte, de 6%; o desconto sindical, de 2%; e o
desconto para o regime próprio da previdência, que consumia 8% da remuneração, até 1999, e
que, em 2000, passou para 12%, no total, conforme já analisado no Capítulo 2.
O valor das gratificações, na remuneração dos professores de vel médio (professor
pedagógico), está sempre à frente do vencimento-base, o que representa avanço na diminuição
do valor do salário constitucional. Isto é, por encontrar, no aparato legal da Constituição
146
Federal do Brasil de 1988, no Art. 7º/VI, a determinação da irredutibilidade do salário”, o
que, inclusive, constitui base monetária de sobreposição de valores nominais deste aos valores
de gratificações para o conjunto salarial dos trabalhadores, na remuneração.
O salário dos professores da educação básica, na rede pública municipal de ensino de
Belém, é pago pelos fundos públicos
23
municipais, destinados aos serviços gratuitos
correspondentes a direitos sociais e a impostos pagos pelos cidadãos. Segundo Monlevade
(2000), há uma correlação entre a quantidade de ingresso de tributos que alimentam os fundos
públicos, o número de matrículas e o salário dos professores.
Para isso, teoricamente, quanto maior a arrecadação, tanto maior será o salário
potencial ou, quanto menor for o número de professores, derivado do número de matrículas
no ensino público, tanto maior poderá ser o seu salário. Essa relação o seria tão clara e
direta se não houvesse vinculações fixas entre a arrecadação de impostos e sua destinação à
educação pública.
Tais vinculações existem e se tornaram mais explícitas com a previsão de 60% das
verbas do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização
do Magistério (FUNDEF) 15% do Fundo de Participação do Município (FPM), Fundo de
Participação Estadual (FPE), Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS) e Imposto
sobre Produtos Industrializados de Exportação (IPIExportação), que constam, na legislação
brasileira, como verbas destinadas, exclusivamente, ao pagamento de professores em
exercício.
Em Belém, a receita municipal de 1999, por exemplo, chegou, segundo quadro
disponibilizado pela Secretaria Municipal de Finanças de Belém (1999), a R$ 250.508.742,96
(duzentos e cinqüenta milhões, quinhentos e oito mil, setecentos e quarenta e dois reais e
noventa e seis centavos), enquanto as despesas com pessoal, no mesmo ano, totalizaram R$
149.059.463,42 (cento e quarenta e nove milhões, cinqüenta e nove mil, quatrocentos e
sessenta e três reais e quarenta e dois), representando um percentual de 59,50%, segundos
dados do governo.
23
Segundo Sandroni (2005), fundo é um conjunto de recursos monetários empregados como reserva ou para
cobrir despesas extraordinárias. No setor de finanças públicas, o termo refere-se às verbas destinadas ao
desenvolvimento de determinados setores públicos.
147
Quando calculamos os valores da folha de pagamento da prefeitura, relativa ao pessoal
da SEMEC, no ano de 1999, verificamos que cerca de 4.235 (quatro mil, duzentos e trinta e
cinco) educadores consumiram em torno de 31.057.947,00 (trinta e um milhões, cinqüenta e
sete mil, novecentos e quarenta e sete reais) da receita geral do município, representando
12,39% do total da receita do governo municipal de Belém.
Isso significa que os gastos com pagamento dos profissionais da educação, da rede
municipal de ensino de Belém, somados ao percentual de 12,93% com pagamento de pessoal
e 12,61% com a manutenção do ensino, declarados pelo governo, representaram os exatos
25% determinados pela legislação federal. Vejamos os percentuais, a partir dos referidos 25%.
TABELA 12
Valores das despesas com Educação, considerando os 25%,
no exercícios de 1999.
VALORES NOMINAIS DESTINO PERCENTUAIS %
66.139.754,00 Gastos com Educação 25,00 da receita geral
35.081.807,28 Manutenção do Ensino 53,05
31.057.947,00 Pagamento Pessoal 46,95
Fonte: PMB: Secretaria Municipal de Finanças.
Os valores gastos com pagamento de pessoal dos profissionais da educação, pela
prefeitura municipal de Belém não alcançaram os 60% determinados pela legislação vigente.
Essa política salarial teve reflexos sobre a atuação do profissional da educação e na qualidade
do ensino público municipal. O disposto aparece na fala dos profissionais da rede.
“Quanto ao nosso vencimento base, por exemplo, a questão dos
reajustes, o que a gente pode sentir é que não houve reajuste
significativo, não houve aumento salarial porque durante todos
esses anos houve pequenos reajustes, mas que principalmente no
segundo mandato foi praticamente o repasse da inflação,
parcelado ainda. Então, o que isso provocou? Hoje estamos com o
salário achatado, os professores com os mesmos vencimentos, na
faixa de um salário mínimo.” (MAG. 1, 1).
“São vários os fatores que interferem para a gente obter um bom
resultado, quando a gente fala do bom trabalho pensa logo na
questão financeira, mas por quê? Tudo depende do financeiro,
porque a escola não está desatrelada, nós vivemos num país
148
capitalista. Então a gente vê qual é o recurso que vem para a
educação? Será que realmente esse recurso é eficaz para se
desenvolver um bom trabalho? É eficaz para os educadores
estarem se qualificando?” (MAG. 1, 2).
“Permanecia sempre com o mesmo salário, e ele se dedica a
estudar, cresce, mas o seu salário fica da mesma forma, pois não
havia a valorização em relação a isso, em relação à carreira e em
relação ao próprio vencimento base.” (MAG. 4, 1).
“Os vencimentos base dos professores de nível médio e superior
eram equivalentes, eu digo isso porque a diferença era mínima,
por exemplo, o meu vencimento em 2004, como licenciado pleno
era de R$ 687,90 para 240 horas mensais de trabalho e o do meu
colega de nível médio era de R$ 642,15 também para 240 horas
mensais e a diferença entre eles era de R$ 45,75 e isto eu
considerava absurdo. De 1997 até 2004 meu vencimento base
cresceu R$ 310,12 isso contando com os 40% da hora-atividade
que é uma gratificação que está compondo o vencimento base.
Acabei dobrando minha carga horária no Estado.” (MAG. 4, 2).
“O nosso salário de técnico não tem sido valorizado ao longo dos
anos e somos o setor que mais perdeu porque as gratificações de
docência não nos eram pago, como direito e não sei nem porque,
pois me formei em Pedagogia e a base da formação é a mesma.
Além do abono salarial que era sempre o menor e foi fixo durante
todos esses anos. Isso a desestimula a gente no trabalho.”
(MAG. 7).
Identificamos nas falas dos professores que a questão salarial é ponto sensível de
articulação com a qualidade de suas funções, tanto pela diferenciação nominal entre os
docentes, quanto pela manifestação de ausência de valores significativos na composição
salarial sica. A política de abono salarial esteve presente na remuneração dos profissionais
da rede que os professores eram premiados não pela demanda de novos alunos, mas
também pelos baixos salários, o que levou inúmeros professores a duplicar e até triplicar sua
jornada de trabalho na escola.
A tendência dos professores de redes públicas, segundo Monlevade (2000) foi de mais
turnos e horas de trabalho e o salário proporcionalmente menor. No caso de uma combinação
de patrões diferentes públicos federal, estadual e municipal e privados ou comunitários os
ganhos e perdas salariais com a multiplicação de turnos podiam ser e realmente foram os mais
diversos. O que aqui importa é a tendência à sobrecarga do trabalho direto com a
desvalorização salarial e a desqualificação da profissão.
149
O primeiro critério da valorização do salário é o de prover o sustento, ou, em termos
marxistas, de reproduzir a força de trabalho”, como se reconhece, inclusive modernamente,
com a fixação do salário mínimo. Como reza a Constituição brasileira, de 1988:
Art. 7º [...]
IV - Salário mínimo fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de
atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia,
alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e
previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder
aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim (BRASIL, 1988).
Segundo Monlevade (2000), o salário é pago em vista da execução de um trabalho, no
caso de um serviço público. Daí que, além da questão do sustento e do desenvolvimento
pessoal do professor, o valor do salário tem um objetivo mais transcendente: o de garantir
qualidade ao serviço de ensinar.
Os aspectos limitativos do valor do salário, pelo lado da oferta, são os que mais
importam registrar, na administração da educação pública. Os salários são pagos pela
poupança pública pelos impostos recolhidos da atividade econômica e administrados pelo
Estado. A arrecadação tem limites em relação à demanda, e o Estado tem interesses e
valorações diferenciadas que regulam o uso de suas receitas.
O arrocho salarial presente na realidade dos docentes é uma forma de ajuste do
capitalismo, no Brasil, à lógica da demanda mundial, e os professores buscam recuperar suas
perdas recorrendo, para tal, a todos os aspectos legais e políticos. Por isso, segundo
Monlevade (2000), esses profissionais se associaram para fazer da progressão de carreira, que
deveria significar incentivo, um mecanismo de defesa do valor do salário-base do Magistério:
adicionais de tempo de serviço, progressão por titulação, gratificações e abonos, entre outros
que ajudassem na compensação salarial.
Significante seria a definição de aumento de verbas para a educação pública a
patamares superiores ao que está estabelecido pelo valor do Produto Interno Bruto (PIB)
brasileiro. Se a educação pública vive de impostos e, segundo Monlevade (2000) , o número
de matrículas cresce, inclusive pelo prolongamento da escolaridade e das horas diárias de
estudo, é imperativo que se controle e se planeje uma arrecadação proveniente da inserção dos
concluintes da educação básica, profissional e superior no mundo do trabalho.
150
Isso porque existem duas desvalorizações do salário docente: a oriunda da diminuição
do valor de compra do salário e a resultante da diferença entre o salário potencial
disponibilizado pelo total dos impostos e o realmente pago, como vimos na comparação entre
receita e despesas da prefeitura municipal de Belém, com o pagamento dos salários aos
docentes. Na escola pública e gratuita, o aumento do número de alunos significa mais
despesas, inclusive, com salários de mais professores, sem a devida compensação de maior
receita.
A política salarial docente manifesta-se como elemento primordial de valorização do
profissional da educação, assim como os aspectos relacionados às condições físicas do espaço
em que a educação se desenvolve.
3.3.3 As condições de trabalho docente em Belém
Uma política de valorização do magistério deve considerar, além da situação salarial e
de formação, outras condições de trabalho que possam representar um impedimento ao
exercício pleno do trabalho docente e que, por isso, precisam ser consideradas, quando se
abordam as configurações de uma carreira docente.
Segundo a ANFOPE (2007), as péssimas condições de vida e não apenas de trabalho,
a que muitos profissionais estão submetidos, precisam ser superadas, tais como a dupla e até a
tripla jornada, em várias escolas e em várias redes de ensino; a realização de reuniões
pedagógicas, nos horários dos intervalos entre turnos, ou no final do dia, ou, ainda, em
períodos que deveriam ser reservados ao descanso; a corrida competitiva por cursos de
formação, como forma de elevação salarial, o que poderia representar condições
aparentemente vantajosas, mas que, na realidade, tem contribuído para o estresse, o desânimo
e o descrédito profissional e, até mesmo, levado muitos a desacreditarem da escola pública.
O Estatuto do Magistério de Belém aponta direitos que se referem às condições do
desenvolvimento do trabalho docente. Alguns foram objeto de elaboração mais específica,
como os direitos à progressão funcional que são, na verdade, alvo de inflexibilidade no
desenvolvimento da carreira; o salário, que envolve gratificações importantes, mas que ainda
se apresentava em patamares inferiores ao necessário, o que acabava estimulando a dupla e
151
até a tripla jornada de trabalho; a própria jornada, que avançava para além das 40 horas
semanais; a formação inicial e continuada insatisfatória, entre outros.
Em cada mecanismo de valorização estudado, identificamos limitações na
implementação da respectiva política, o que debilita o processo de profissionalização docente.
Outros mecanismos, como os relacionados às condições materiais de trabalho, nem ao menos
são contemplados pelo Estatuto, mas interferem no dia-a-dia e na vida do profissional.
Dois profissionais apontam como problemáticos, na rede, os encaminhamentos dados
aos direitos relativos às licenças, principalmente para o estudo, e a lotação dos docentes nas
unidades de ensino.
“Não havia liberação para a graduação, e eu tinha que dar aula e
sair correndo para a universidade; às vezes, eu antecipava minha
aula em uma hora, para poder chegar a tempo no curso. Então, eu
iniciava 8 horas da manhã o primeiro turno, terminava 12 horas;
depois o segundo turno, pegava 13 horas, o horário normal de
início da aula era 14 horas e terminava 17 horas para poder
chegar 18:30 na universidade, e ainda chegava com atraso porque
levava 80 minutos de ônibus para chegar. Isso durante um ano
inteiro.” (MAG. 1, 1).
“A lotação era feita de acordo com a conveniência da Secretaria.
Então, os professores tinham que correr de uma escola para a
outra. Por exemplo, você trabalhava de manhã, em uma escola, e,
no intermediário, em outra, e a tua vida era uma loucura de corre-
corre. O ideal era poder concentrar toda a tua carga horária em
uma escola.” (MAG. 4, 2).
Os dois exemplos citados pelos professores revelam pequenos problemas
administrativos, mas que pareciam interferir na qualidade do desenvolvimento do trabalho. O
desgaste físico e mental dos profissionais deveria ter sido considerado pela Secretaria, na
medida em que a formação é elemento importante na qualidade do serviço desenvolvido e não
pode ser resolvida, apenas, no âmbito da escola.
Ao se referir ao capítulo das licenças, o Estatuto enfatiza que “poderão” ser
concedidas licenças para curso de aperfeiçoamento ou especialização. Portanto, o garante,
claramente, a liberação para a graduação e torna o direito um “direito dentro das
possibilidades”, quando salienta que os afastamentos ‘poderão’ ser concedidos.
152
Um plano de carreira, segundo a ANFOPE (2007), precisa, entre outros aspectos,
considerar a fixação dos profissionais em uma escola, e não fragmentar sua jornada em
escolas diferentes, a fim de assegurar maior compromisso desse docente com o seu local de
trabalho. Um outro elemento é a manutenção do turno intermediário (11h até 14h45), na rede.
São poucas as escolas municipais, em Belém, que possuem três horários de aula; a maioria
trabalha em quatro turnos, e o turno intermediário é desgastante para professores e alunos, na
medida em que a falta de regularidade na alimentação normal do almoço e o calor intenso,
típico do horário, podem contribuir para o desgaste físico e mental dos envolvidos,
comprometendo o desempenho escolar.
Mas o principal problema apresentado pelos entrevistados sobre a situação do trabalho
esteve vinculado à infra-estrutura dos locais de aprendizagem. Relataram problemas de
tamanho e precariedade dos espaços de ensino, de acesso aos mesmos; turmas lotadas; falta de
materiais didáticos para as aulas; falta de tempo adequado para planejamento; alimentação
precária e problemas de atendimento político-pedagógico por parte dos gestores, em especial,
da SEMEC.
Dessa forma, os sujeitos professores levantaram a necessidade de espaços e condições
satisfatórias de trabalho, para uma melhor aprendizagem do aluno, e foi possível identificar
três situações de espaços escolares, na mesma rede de ensino, em escolas, anexos e unidades
de educação infantil. Isto porque, segundo os docentes, os espaços apresentavam
especificidades próprias de cada um.
Uma professora que desenvolvia suas atividades em Anexos, que era um espaço
educativo que não era propriamente a escola, mas um Anexo, e trabalhávamos com a
Educação Infantil e ensino fundamental. O espaço era pequeno, num centro comunitário, e
era atrelado a uma escola, como se fossem salas de aula deslocadas do prédio sede.” (MAG.
1, 1), relatava das dificuldades encontradas para a realização do trabalho nesse espaço.
“[...] o havia condições estruturais satisfatórias, no espaço,
pois, por ser um centro comunitário, ele era adaptado da maneira
que era possível. Então, as salas de aula eram divididas por
paredes de compensado, e interferia muito o trabalho de uma
colega no trabalho da outra, exatamente por conta disso, porque
não era um espaço adequado para a realização do trabalho
pedagógico.” (MAG. 1, 1).
153
A SEMEC adaptava espaços, em centros comunitários, para a educação infantil, o que
parece importante para a relação da comunidade com a Secretaria e o governo, pois poderia
favorecer maior aproximação das políticas públicas educacionais e a comunidade, em especial
suas lideranças. Mas a professora ressalta problemas de ordem da estrutura do local, e de
ordem pedagógica, quando essa estrutura interfere no processo de trabalho educativo.
Além disso, a partir de falas que indicavam que “nós não tínhamos, e nunca existiu,
nesse espaço, uma equipe pedagógica, secretário. Só trabalhavam as professoras e dois
funcionários de apoio, que eram quem dava conta da merenda e da limpeza do espaço”
(MAG. 1, 1), percebem-se enormes fragilidades que vão interferir no acompanhamento
pedagógico, na formação continuada, no trabalho administrativo, nas trocas de informações
existentes entre escola sede e a Secretaria. “Não havia uma relação estreita entre o anexo e a
escola sede. A gente ficava pouco informada sobre o que acontecia, tanto em nível de
Secretaria quanto em nível de escola, porque a gente não tinha conhecimento, não tinha
quem pudesse estar levando essas informações.” (MAG. 1, 1).
Esse ambiente de ensino, com a precariedade apresentada, nos permite considerar que
a atuação dos professores parecia ser muito maior do que o esforço pedagógico em sala de
aula, ou melhor, num espaço adaptado para juntar certo número de crianças, além de
desfavorecer a qualidade no processo de aprendizagem.
O coordenador de educação da SEMEC, como sujeito entrevistado, discorreu sobre os
anexos.
“Existiam duas redes na prefeitura, a oficial e a de escolas
conveniadas, que tinham um espaço cedido pela comunidade, mas
de espaço precário, sem atendimento pedagógico e numa relação
muito clientelista, porque grande parte desses centros
comunitários eram os que indicavam os professores e os
funcionários da escola; e no governo, tivemos posição política:
abrimos à comunidade o espaço de trabalho, o acompanhamento
pedagógico iria ser feito pela SEMEC e, se os professores que
quisessem trabalhar nessas escolas, chamadas de anexo, tinham
que ser pessoas do quadro e a escola tinha que passar por um
acompanhamento pedagógico, para ver se tinha condições, ou
não. o espaço físico de ofertar aquela modalidade de ensino, que
em sua maioria era educação infantil.” (GFP).
A fala do representante governamental parece concordar com a da professora que
trabalhou no anexo, quanto às situações de precariedade no espaço e à falta de
154
acompanhamento do trabalho. Mas ele o faz, referindo-se a uma situação anterior, pois, no
seu governo, o tratamento seria outro, e, por isso, abrimos à comunidade o espaço de
trabalho; o acompanhamento pedagógico iria ser feito pela SEMEC e trabalhariam as
pessoas do quadro. A diferença entre a fala da professora e a do governo está no fato de que,
no mundo real, a situação dos anexos parece não ter mudado.
A professora também ressalta que não era possível fazer planejamento pedagógico, no
anexo, devido à carga de trabalho, que era intensa, e que não tinha o tempo necessário para
fazê-lo. Somava-se a isso a relação de mando que se apresentava em razão das interferências,
no trabalho das professoras, do presidente do centro comunitário, por exemplo.
O ambiente educacional, pensado num anexo escolar, sem a devida estruturação física,
representava, na verdade, a falta de ventilação, a ausência de espaços para recreação das
crianças, a existência de água, dentro do prédio, quando chovia; o lixo acumulado na frente da
escola, entre outros problemas. Além disso, as aulas e os materiais pedagógicos construídos
por professores e alunos se misturavam às campanhas de vacinação infantil ou de cães; aos
velórios; às festas nos finais de semana, com aparelhagem de som, entre outras atividades que
eram realizadas, no mesmo espaço da comunidade. Isso, na maioria das vezes, obrigava os
docentes a transformarem a segunda-feira num dia de limpeza da escola e de recuperação dos
cartazes danificados por alguém distraído de sua importância pedagógica.
Quando houve referência à situação das Unidades de Educação Infantil UEI, as
antigas creches que atendiam crianças de 0 a 3 anos de idade, foram diagnosticados alguns
problemas e de várias ordens. O primeiro deles diz respeito à precariedade física de alguns
espaços, “a OMEP [...] por exemplo, era uma vergonha ainda ter esse espaço; não tinha
espaço e todo mundo sabia. Eu fiquei um dia e não agüentei, muito barulho. Era mais
número. (MAG. 1, 3). Essa foi uma situação relatada por uma professora que trabalhou,
durante 10 anos, com a educação infantil em UEI.
Um outro elemento que fragilizava o processo de trabalho docente era a ausência de
uma política de monitoria como auxiliar do docente no desenvolvimento do cuidar e do
educar, que são os dois pilares que sustentam uma unidade educacional que pretende superar a
função apenas de assistência às crianças. No relato de uma professora de UEI, ela salientava
tal necessidade: [...] precisava de condições mais humanas de trabalho, precisava de um
projeto de monitoria, de pessoas que estudam 4 anos na UEPA [Universidade do Estado
155
do Pará] trabalhando nas UEI e elas ajudam durante 4 horas e ganham para isso, dando
suporte, isso faltou.” (MAG. 1, 3).
A possibilidade de existência de um auxiliar do trabalho dos professores da rede com
as crianças das UEI poderia ser um elemento importante para a estruturação do trabalho; mas
que se considerar que inúmeros fatores estariam somados à sobrecarga e a tensão, no
ambiente escolar, com os alunos, como ressalta, novamente, a professora:
“Na creche, você chega e tem que ter uma atividade pedagógica,
antes do almoço; depois, tinha mais uma atividade e, depois 20
minutos de recreação, era determinado pela equipe técnica do
Edmilson o que nós deveríamos fazer. Eu dizia: gente, isso é
demais; eu posso até fazer dois dias, no máximo; os outros, eu
entendia que nós nhamos direito de descansar a voz, enquanto a
criança estava na recreação. É por isso que, com 10 anos de
carreira, estás pedindo para sair, porque tu o agüentas: a
coluna estourou, a voz estourou, gastrite, porque você não
tem um tempo para se planejar, o ambiente de creche é muito
tenso, você tem que fazer muita coisa e, ainda, quando a sua
colega falta, é mais complicado ainda. Na escola, a professora
faltou, se libera os alunos; aqui, se faltar, se divide os alunos e se
incha [a classe].” (MAG. 1, 3).
Vale ressaltar que cada nível de ensino, como nos apresenta Aguiar (2004), tem suas
características próprias, que exigem uma estrutura de escola diferenciada. Tais adequações
podem ser feitas a partir das faixas de ensino, já que alunos de idades diferentes freqüentam e
desenvolvem atividades específicas, tanto por exigência curricular quanto por atividade
paralelas de recreação.
Dessa forma, o quadro identificado a partir das falas dos docentes que desenvolveram
atividades em anexos e unidades de educação infantil, acerca das condições materiais de
trabalho, é preocupante; principalmente, quanto se verifica que tais espaços abrigam uma
faixa etária de alunos a da educação infantil que dependem sobremaneira de ambientes
escolares adequados para o seu desenvolvimento social, pedagógico e humano.
Quando buscamos completar nossas análises sobre as condições de trabalho, nas
unidades educacionais, em Belém, tornou-se relevante verificar a situação das escolas, que
apresentavam melhor estrutura física em relação aos anexos e às UEI, pois naquelas havia
espaços educativos diferenciados, com biblioteca, laboratório de informática, espaço para
desenvolvimento da educação física; equipamentos de apoio operacional e pedagógico;
aparelhos audiovisuais, e outros.
156
Alguns professores ressaltaram alguns elementos sobre as condições estruturais nas
escolas. Uma professora sugere a diminuição dos números de alunos por sala de aula; outra
faz referência à falta de segurança na escola, pois “aconteciam corriqueiramente problemas
de assaltos na escola e dos professores, quando entravam e saiam dos seus turnos e, por
exemplo, na escola havia vigilância aos finais de semana.” (MAG. 4, 1). Além disso, dois
professores deram atenção, em suas falas, à existência de grupos de jovens (gangues) que
estimulavam brigas, no interior da escola.
Identificam-se algumas outras questões que apareceram com relevo, na fala de um
profissional técnico em educação:
“[...] as condições de trabalho eram assim, na escola onde eu
trabalhava: não tínhamos sala, onde poderia fazer meus trabalhos
com os alunos. Como orientadora, tinha momentos em que eu
precisava ter conversas particulares com os pais, com alunos, e
não tínhamos o espaço; fazíamos ou na sala dos professores ou na
secretaria ou na sala da diretora.” (MAG. 6).
“A situação do transporte era complicada para quem trabalhava
em escolas distantes. Eu fiquei três dias dormindo na escola,
porque tinha uma kombi da SEMEC para nos buscar e falhava
sempre, e era ruim o ônibus de linha, que dava prego na estrada e
eram poucos etc. Então, saíamos tarde demais e tínhamos que
estar cedo na escola; perdíamos o transporte, dormíamos na
escola; ficávamos sem comer ou beber água direito. E
aconteceu de estarmos com a passagem de ônibus e passarmos
por dificuldades mesmo. E isso tem a ver com condições de
trabalho.” (MAG. 6).
A ausência de um ambiente adequado para o exercício do trabalho do orientador
escolar, ou do supervisor; do diretor ou mesmo do professor de sala de aula, que precisa de
um espaço que lhe possibilite não guardar seus pertences, mas fazer o planejamento e
construção de suas aulas, é comprometedor no desempenho profissional.
A situação relatada pela professora sobre a questão do acesso de professores à escola é
emblemática de uma realidade diferente dos que normalmente precisam pegar o transporte
urbano para ir ao trabalho, e mesmo que isso signifique passar 20, 30 ou até 40 minutos para
chegar à escola. Os professores que moram em Belém e trabalham em Mosqueiro, por
157
exemplo, que é um distrito administrativo
24
, a 32 km de Belém, composto por um conjunto de
12 ilhas (PMB: SEGEP, 2006), levam cerca de duas horas para chegar às escolas.
Mas, sobre as condições materiais de trabalho, um representante do SINTEPP afirmou
o seguinte:
“[...] a grande briga era por causa do quadro de giz, porque ele
fazia adoecer, e a gente conseguiu fazer a discussão com o
governo do povo para que as escolas novas fossem projetadas
visando mais o clima da Amazônia. E pensando nisso, as escolas
tiveram projetos diferenciados, quase parecidas com a Escola
Bosque, onde as salas tinham perfil diferente, com ventilação, com
sala dos professores.” (SINTEPP, 1).
A liderança sindical coloca, em sua fala, como principal mote de reivindicações sobre
as condições de trabalho a substituição do quadro de giz, o que parece destoar das falas dos
professores que pontuaram outras situações prioritárias. Essa fala também nos revela a
existência de projetos diferenciados de espaços educacionais, na mesma rede.
Vale ressaltar que os professores da rede municipal de ensino de Belém apresentaram,
sobre as condições materiais de trabalho, uma visão sobre o que não deve conter numa escola,
para que ela seja de qualidade, do ponto de vista material, e esta realidade do mundo vivido
reforça a tese da deterioração das condições materiais das escolas públicas denunciadas
constantemente pelos professores, gestores e sindicatos.
Ressaltando o que aponta Aguiar (2004), que desde banheiros e telhado, passando por
máquina fotocopiadora e computador, achegar a laboratórios e bibliotecas, vestiários etc.,
tudo tem um efeito visível e, por vezes, muito significativo no desempenho dos alunos.
A partir de tais apelos, é possível ponderar-se que a gestão da escola, com autonomia e
capacidade financeira, teria, certamente, um papel fundamental na identificação das
necessidades imediatas e nas providências a serem tomadas de forma adequada, mas, sem
dúvida, exigiria maior comprometimento do poder público com o crescimento do
financiamento, via aumento de verbas, para o setor.
24
Os distritos Administrativos de Belém foram definidos conforme Lei 7.682/94 e publicados no Diário
Oficial do Município (BELÉM, 2006, p. 54).
158
No Estatuto do Magistério de Belém esteve ausente qualquer regulamentação que
pautasse a garantia de melhores condições de trabalho, nas escolas e outros espaços
educacionais da rede, assim como os mecanismos que poderiam dar sustentação material à
qualidade do ensino. O que desconsidera que a escola não é simplesmente um depósito de
crianças, com um adulto tomando conta, mas um espaço de ensino e aprendizagem e que
ajuda na preparação de futuros profissionais e cidadãos para o exercício de seu papel social.
3.4 O tratamento dado pelo governo da Frente Popular em Belém à carreira
docente.
No decorrer desta pesquisa buscamos analisar alguns dos mecanismos que fazem parte
do processo de profissionalização do trabalho docente, em Belém, principalmente os relativos
à carreira. Certamente, dessa análise foi possível identificar algumas das políticas emanadas
do governo municipal de Belém, entre os anos de 1997 e 2004. Um período em que os
trabalhadores da educação vivenciaram uma reforma educacional, no município, que
influenciou no desenvolvimento do trabalho docente.
Importa, neste momento, apresentar uma síntese de algumas políticas identificadas nas
falas dos sujeitos entrevistados, buscando avaliar os efeitos daquelas sobre o trabalho do
professor, para que verifiquemos o tratamento que foi dado à carreira desse profissional em
Belém, nesse período. As opiniões dos professores, dos representantes do governo municipal
e do movimento docente se entrecruzaram no diálogo que buscamos estabelecer sobre tais
políticas. As falas relatam fatos, necessidades de cada setor envolvido, e são acompanhadas
de análise das necessidades indicadas por cada setor e das contradiçõesque foram percebidas
nesse processo.
Desde 1998, o SINTEPP, juntamente com o governo municipal, elaborou uma
proposta de reformulação do Estatuto do Magistério de Belém e a construção do plano de
carreira. Isto, com a constituição de uma comissão paritária, que estaria responsável por
elaborar tal proposta. O desenrolar desses trabalhos apareceu nas falas dos dirigentes tanto do
sindicato quanto do governo como sendo “um momento quem os trabalhadores de opinar e
ajudar a construir o plano” (SINTEPP, 1) ou mesmo a “oportunidade de adequar os direitos
contidos no Estatuto do Magistério com as novas necessidades na educação, em Belém,
159
inclusive dando as condições à prefeitura de efetivar direitos que anos foram negados.”
(GFP).
Essa fala do membro da diretoria estadual do SINTEPP demonstra que eram enormes
as perspectivas do Sindicato no processo de discussão de uma nova reformulação do Estatuto,
inclusive, permitindo identificarmos uma confiança extremada nas possibilidades de o
governo municipal realmente assegurar direitos, antes esquecidos, relativos à carreira. Esse
tipo de expectativa precisa ser objeto de preocupação, na medida em que “dar condições”
pode significar uma adequação da legislação às condições financeiras e vontades políticas dos
que dirigem, favorecendo o rebaixamento de direitos.
Mas, para verificarmos os efeitos das políticas para o trabalho docente, iniciamos
pelos elementos apontados pelo representante do governo, em sua fala, que envolveu as
questões da carreira, do salário, da formação e das condições de trabalho.
O entrevistado inicia seu depoimento da seguinte forma:
“O governo tinha um mote que era o poder popular, e, na
educação, as medidas foram no sentido de garantir a gestão
democrática, a partir da eleição direta, porque a eleição, antes,
era tida como direta, mas, na verdade, não era, porque tinha todo
um crivo para que você pudesse se habilitar a concorrer. E no
Governo do Povo, nós ampliamos a participação porque, antes, só
poderia participar quem fosse pedagogo, e era apresentado o
projeto político pedagógico que era avaliado, e, a partir daí, você
poderia concorrer. No governo do Povo, não; qualquer
trabalhador em educação poderia participar; qualquer professor
licenciado e funcionário poderia elaborar o projeto, apresentar
para a comunidade para ser avaliado, e essa era uma
reivindicação histórica da categoria.” (GFP).
Essa colocação demonstra que a denominada gestão democrática, tendo como um de
seus componentes a eleição direta para diretor de escola, foi o ponto alto do governo, em
relação à participação popular. E essa foi uma política defendida por todos os setores
representados entre os entrevistados, pois, tanto na fala do Sindicato quanto na dos
professores, esse ponto, participação popular, foi de extrema importância, que o Estatuto
apresentava, ainda, limitações em relação à garantia da gestão democrática, nas escolas e nos
demais espaços educacionais da rede municipal de ensino.
Um representante do Sindicato se referiu a essa política ressaltando que:
160
[...] de fato, o governo mudou a realidade da eleição direta para
diretor, ampliando a gestão democrática, e qualquer professor
podia se candidatar; e as escolas envolveram, principalmente, a
comunidade, tanto nas eleições do conselho escolar como na
eleição direta para diretor.” (SINTEPP, 1).
Na fala de uma professora que atuava na área técnica, conferimos:
“Na terceira direção da atual diretora, que está até agora,
tivemos uma abertura maior, mesmo porque era uma pessoa que
fazia parte da coordenação pedagógica da escola e teve um apoio
massivo da categoria na sua eleição; a comunidade apoiou e nós
também. E isso foi muito válido, um aprendizado, porque, pela
primeira vez, eu estava atuando como coordenadora.” (MAG. 6).
Na manifestação de um professor licenciado também se verificou maior participação:
“Eu mesmo fui eleito diretor, na escola. Foi um experiência
valiosa, e constatamos que o cargo de direção de escola, quando
eleito pela comunidade escolar, está comprometido mais com
quem o elegeu do que com qualquer gestor educacional de fora da
escola; é um cargo político e não meramente administrativo.”
(MAG. 4, 1).
Vale ressaltar que a eleição direta para diretor e para os conselhos escolares foi
desenvolvida nas escolas e que, portanto, não contemplou as Unidades de Educação Infantil,
cujos coordenadores eram indicados pela Secretaria. Mesmo assim, os professores desses
espaços ressaltaram sua importância e reivindicaram a realização, em seus locais de trabalho.
Tais referências demonstram a importância dessa política para o fortalecimento de
relações mais democráticas no ambiente escolar, o que pode propiciar condições de trabalho
de maior compromisso político dos docentes com o projeto político pedagógico, no local em
que trabalham, assim como da Secretaria, com a autonomia desses locais. É claro que a
alteração do método não é a garantia de tal resultado, mas pode favorecer a construção
coletiva das demandas e de suas soluções.
O gestor da SEMEC centrou sua fala, na entrevista, no aspecto da participação do
Sindicato na formulação das políticas públicas e apontou uma política de valorização que,
mesmo sem estar regulamentada no Estatuto do Magistério, foi implementada pelo
denominado Governo do Povo.
161
“Nós estabelecemos, no processo de composição e debate das
questões pedagógicas, a inclusão do Sindicato nessa participação,
porque o SINTEPP participava do processo completo, nos
processos salariais e também pedagógicos da escola, nesse
processo de valorização também, da Hora Pedagógica que fazia
parte da Escola Cabana, e estava embutido na filosofia da
escola.” (GFP).
O SINTEPP foi, segundo o governo, coadjuvante na elaboração das políticas
educacionais desenvolvidas pela prefeitura, inclusive, destinando quadros de sua direção para
cumprir funções em sua Secretaria, como relata um dos coordenadores da entidade: “Houve
problemas, no Sindicato, porque muitas pessoas, aqui, saíram do Sindicato para ir para o
governo do povo, alguns para direção de escola, outros para a própria administração etc. Eu
aqui, por exemplo, tive que assumir duas funções, secretaria geral e formação.” (SINTEPP,
1).
O SINTEPP parece ter desenvolvido o que Cattani (2000) chamou sindicalismo de
reivindicação e participação, um tipo de sindicalismo que desenvolve características de co-
participação e de divisão de responsabilidades sobre as políticas implementadas por quem
dirige. Esse tipo de comportamento pode comprometer a autonomia e a independência do
sindicato, como organização de classe, frente aos governos.
Sobre a hora pedagógica (HP)
25
, que foi uma política vinculada à formação
continuada, segundo o governo, previa-se o seguinte:
“Tinha, na Secretaria, a orientação para o conjunto dos
trabalhadores da chamada hora pedagógica, para que os
professores pudessem desenvolver o projeto pedagógico, na
escola, não só do ponto de vista da sala de aula, mas, se na escola
tivesse problema de violência, o professor poderia desenvolver um
projeto com o objetivo de inserir o aluno no contexto educacional,
na escola, e ele tinha a Hora para desenvolver esse projeto.”
(GFP).
Essa política fazia com que os professores das escolas utilizassem um dia de trabalho
semanal para a realização de formação continuada na escola, ou seja, 8 horas diárias de
trabalho, durante a semana, para quem tivesse 40 horas, e 4 horas no dia, para quem
25
Momento de estudo e planejamento coletivo, aprofundando estratégias de atuação dos professores para o
contínuo processo de formação através da ação-reflexão-ação, com dinâmica variada (palestras, textos, relatos de
experiência). (BELÉM, 1999, p. 113).
162
trabalhasse 20 horas, o que também significava, para os professores licenciados plenos
(MAG. 4), um acréscimo salarial de, no mínimo, 20% de gratificação da HP.
Essa política era importante, no sentido da valorização do trabalho, porque permitiria
ao professor estudar ou fazer planejamento, na escola, com outros professores, naquele
horário de trabalho, enquanto seus alunos estavam em laboratórios de informática, em aulas
de educação física, artes e em sala de leitura. Isto asseguraria ao professor tempo de
elaboração de aulas e, aos alunos, atividades extra-classes.
Mas, ao analisar a fala dos professores, identificamos diferentes reações ao que foi
essa política, na vida pedagógica e profissional de tais docentes, pois apresentaram problemas
quanto à realização da hora pedagógica, nas escolas, tanto dificuldades pedagógicas quanto
associadas à não-universalização do direito e, também, à não-garantia do incentivo financeiro
para todos os profissionais da rede municipal de ensino.
“A hora pedagógica foi uma ação do governo que realmente
favoreceu os professores, porque deu a todos, lá da escola, a
oportunidade de ter um tempo para desenvolver seus
conhecimentos, e havia estímulo financeiro para alguns
professores que recebiam a HP. Nós, de nível médio, não
recebíamos, infelizmente, mas tínhamos o tempo e isso é bom.”
(MAG. 1, 2).
“Nós tínhamos que acompanhar os professores nas HP, mas era
difícil, porque a demanda da escola para os técnicos e os
problemas que os professores enfrentavam, de ter que tapar
buraco de outros que faltavam, às vezes comprometia a HP. E
outro detalhe era que essa hora-pedagógica era um direito do
professor de sala de aula e não dos técnicos.” (MAG. 6).
“A hora pedagógica não aconteceu a contento; na maioria das
escolas acontecia, tinha a estrutura, como as salas de informática,
a educação física, a sala de leitura; as salas ambientes. Mas, nos
anexos, isso estava muito fora da nossa realidade, não existia HP.
E tínhamos muitas dificuldades de realizar um planejamento,
porque tínhamos que trabalhar além do nosso horário normal de
trabalho.” (MAG. 1, 1).
“Tinha a HP, que era garantida na maioria dos espaços, não
nas UEI. Ela não acontecia, e ainda não acontece, nem nos
anexos, nem nas UEI, somente nas escolas.” (MAG. 1, 3).
O tratamento diferenciado feito pela SEMEC, em relação à hora pedagógica, ocorreu
quando esse programa foi implementado, nas escolas, e, portanto, não era assegurado em
163
anexos e unidades de educação infantil. E, quando existia gratificação de hora pedagógica,
beneficiava apenas os licenciados plenos, MAG. 4, o que pode ter contribuído para
enfraquecer o trabalho coletivo, no interior da escola. Mas, na fala do representante
governamental, o tratamento diferenciado, na rede municipal de ensino, foi duramente
contestado pelo denominado Governo do Povo, ao afirmar:
“Tivemos, também, um rompimento com as chamadas Ilhas, que
eram as escolas de referência que tinham melhores condições de
prédio e de materiais para trabalhar, e professores com
remuneração superior aos outros. E s acabamos porque
existiam dois tipos de escola: um, para fora, chamada de escolas
de excelência, como a Escola Bosque, a do Paracuri etc., e a gente
achava que tinha que dar tratamento igual, não igualando por
baixo, mas fazendo com que as outras escolas pudessem avançar.
E a maior resistência foi na Escola Bosque, porque ela foi
implantada do ponto de vista de vender uma imagem de que todas
as escolas eram como a Escola Bosque.” (GFP).
A posição relatada sobre a garantia da igualdade de tratamento, na rede, por parte do
poder público mostra diferenciações:
“O governo fazia apologia em cima das creches, dizendo que o
seu programa iria tirar a creche da assistência, que todas as
creches estavam em boas condições e que isso, nesse primeiro
ano, ele tinha conseguido. Então, tive que dizer para ele: você
não conhece a realidade do Meda, porque o Meda não é uma
creche, é um depósito de crianças.” (MAG. 1, 3).
“Houve creche como a Erê [que] ganhou prêmio e
reconhecimento, e havia um corpo docente mais estruturado. O
nosso grupo era desestruturado. A Erê foi construída com maior
organização, tinha mais pedagogos, os professores eram mais
aguerridos. Eu me perguntava: se a mantenedora era a mesma,
porque era diferente da nossa?” (MAG. 1, 3).
As professoras de Anexos e UEI apresentam um quadro diferente do que aponta o
coordenador educação da SEMEC, na medida em que revelam a existência de tratamento
diferenciado, por parte da Secretaria, em relação aos docentes e à estrutura material das
escola. Essa postura assemelha-se ao que aponta Harnecker (2000), ao analisar a
fragmentação dos trabalhadores como estratégia do neoliberalismo, ressaltando que essa
estratégia significa fabricar grupos sociais isolados, ou “minorias”, que gerem práticas de
guerra entre si, o que possibilita ao grupo hegemônico conseguir um controle social
horizontal.
164
Mas o interessante, nesse tipo de estratégia, está no fato de que, segundo Harnecker
(2000), para manter esses grupos sociais isolados, torna-se necessário desorientá-los em
relação aos seus objetivos comuns, impossibilitando que essa minoria assuma lutas coletivas.
Com relação a direitos importantes para o desenvolvimento da carreira docente, como
por exemplo, das progressões funcionais, identificamos, na fala do representante do Sindicato
e na de alguns professores, a garantia, por parte do governo, do pagamento da progressão
horizontal para um setor da categoria. Os sindicalistas ressaltam:
“O carro chefe era a progressão. Tanto é que, depois de muitos
estudos, o secretário de administração dizia: olha, não dá para
conceder como o governo quer, porque vai quebrar o governo. E
nós éramos conscientes disso, também, de que não dava para dar
para uns de uma só vez. Então, vamos dividir um pouco para fazer
a atualização. Mas, infelizmente, na época, a prefeitura tinha uma
receita muito boa e implementou a política de fazer a progressão;
pegou os mais antigos, da década de 1970, e concedeu a
progressão para eles. E por etapa, daria para os outros também,
da década de 1980, e depois, para os da década de 1990.”
(SINTEPP, 1).
“Não foi um número muito grande que recebeu, porque muitos
haviam morrido ou se aposentado por invalidez ou outro motivo.
Mas ele pegou os da década de 1970 e pagou, e isso variou de
acordo com a escolaridade, tempo de serviço, e teve gente que
comprou casa, carro, fez viagens ou fez cirurgia plástica. E isso
foi um momento de esperança; e quando saiu essa primeira leva,
todo mundo contabilizava que iria também receber o seu
dinheiro e melhorar a sua vida.” (SINTEPP, 2).
O relato dos sindicalistas é categórico, no sentido de pontuar que as progressões na
carreira eram elementos centrais nas reivindicações do sindicato. Mas contribui, também, para
a apresentação de contradições por parte da entidade sindical, ao justificar os limites
financeiros da prefeitura para a não-realização do direito, ao mesmo tempo em que fala que a
prefeitura tinha uma receita muito boa e implementou a política de fazer a progressão.”
De fato, as pressões da categoria, nas diversas campanhas salariais, pelo pagamento
das progressões, fizeram com que o governo efetivasse o pagamento da progressão horizontal
a um setor bem pequeno da categoria que era parte dos que iniciaram seu trabalho,na década
de 1970. Mas essa, também, foi uma política da parte e não da totalidade. Uma professora foi
enfática ao afirmar que
165
“[...] algumas pessoas tiveram esse ganho, na horizontal, porque
eu estou com 28 anos de contribuição e minha letra é de como
se eu estivesse com 5, 10 anos de serviço. Minha letra é D, então
quer dizer que quando chegou na minha vez, parou. Aliás, eu
avancei em uma letra, uma referência.” (MAG. 1, 2).
No decorrer das campanhas salariais e das greves, que ocorreram no período de gestão
do governo da frente popular, houve o pagamento de uma referência, na progressão
horizontal, com a condição de o percentual pago ser de 3%, e não de 5%, como assegura o
Estatuto do Magistério, pois “além de ter sido em apenas uma referência para uma minoria
da década de 1970, o governo ainda diminuiu o percentual de pagamento para 3%, o que é
extremamente nocivo.” (MAG. 4, 2).
Importa destacar que a fala do representante da SEMEC apresenta novos elementos
sobre a progressão quando informava que “a gente estabelecia, também, progressão vertical,
a partir do tempo de serviço, e isso também jogaria no sentido da progressão.” (GFP). O
governo acabou confundindo o direito à progressão vertical com o tempo de serviço, que são
duas coisas completamente distintas.
O tempo de serviço é pago através do triênio, que é um direito garantido no Estatuto
do Magistério de 1991, mas, quando ressaltado pelo Coordenador de Educação, durante a
entrevista, parece ter sido criado no governo de que ele fazia parte. A fala a seguir revela
alguns complicadores que tornam vigente uma certa mobilidade na carreira docente, em
Belém, no governo da frente popular.
“A questão da carreira não foi possível em funções das limitações,
pois uma rede de servidores que não é o magistério, e o
poderíamos ser discriminatórios no quadro funcional. Pois, assim
como existia um plano de carreira do magistério, existia um plano
de carreira dos servidores de um modo geral. Inclusive, havia
necessidades de modificações, como a progressão por
merecimento, que é parte das contradições do quadro funcional,
que a gente trabalhava com todo cuidado, até para não ter
problemas; porque, dentro do sistema capitalista, um governo tem
limitações para efetivar algumas questões, e entre elas, a questão
da carreira, que é muito importante, mas que tem que ter
cuidado. (GFP).
O representante do governo reconhece as limitações das políticas para a carreira, mas
justifica a ausência dessa política a partir das necessidades da existência do plano de cargos e
carreira dos funcionários municipais. Além disso, enfatiza as limitações financeiras para
166
atender as especificidades do magistério, contra-argumentado, inclusive, pela com a
necessidade do atendimento do conjunto dos trabalhadores da rede municipal, o que tem bases
pouco firmes, na medida em que não apareceram, nas falas ou nos documentos do governo,
políticas de cumprimento ou avanço desses mesmos direitos com relação aos demais
trabalhadores.
É legítimo que o governo questione direitos contidos no Estatuto do Magistério,
mesmo que o prefeito tenha ajudado a garanti-los quando esteve na direção estadual do
SINTEPP, mas isso o justifica o não-cumprimento de dispositivos legais que afirmam tais
direitos.
De fato, a carreira docente não ganhou a mobilidade necessária para que assegurasse a
valorização profissional condizente com os esforços dos professores que permaneciam com o
mesmo salário, e ele se dedicava a estudar, crescia, mas o seu salário ficava da mesma
forma, pois não havia valorização em relação a isso, em relação à carreira (MAG. 1, 2).
Por outro lado, a prefeitura havia assegurado, mesmo com limitações, a incorporação
dos trabalhadores do magistério das creches, que eram ligadas à Fundação Papa João XXIII
FUNPAPA
26
, ao quadro de docentes da rede municipal de ensino. Essa política foi
importante, na medida em que a SEMEC assumia a responsabilidade pelo funcionamento das
creches, que passaram a ser chamadas Unidades de Educação Infantil UEI, e pelo
enquadramento dos monitores no quadro de professores da rede a nossa idéia de quem
estava na UEI era de que você dormiu monitora e acordou professora. Foi muito rápido. E aí
começou as mudanças salariais, você passou a ganhar, e o salário de monitora era bem
baixo e passou a ganhar como professora, com as vantagens” (MAG. 1, 3). Essa política es
expressa na fala do governo:
“Vários monitores tinham o magistério, mas continuava como
monitor e era vinculado a Fumpapa; e nós pegamos todos os
monitores com magistério e incorporamos na SEMEC, no quadro
de pessoal. Os que não tinham magistério, nós trabalhamos no
sentido de eles concluírem, fazerem o curso. E isso foi através de
um Decreto do governo e portaria da SEMEC.” (GFP).
26
Secretaria de ações sociais que direciona suas atividades às populações que apresentam vulnerabilidade, risco
pessoal e social.
167
Essa foi uma medida relevante para os denominados monitores, que passaram a
exercer sua função não apenas de assistência, como é característica das creches, mas passaram
a trabalhar a questão pedagógica, ou seja, tinham a tarefa de cuidar e educar. Esse processo
foi cheio de contradições, tanto do lado do governo, quando cobrava a postura de professor
sem possibilitar as condições estruturais para esse trabalho, nas Unidades, como também dos
professores que assumiram uma tarefa a mais daquela que exerciam antes, que era só de
cuidar, e demonstravam certa debilidade que apontavam estar vinculada ao processo de
formação para o trabalho.
O Estatuto do Magistério e a proposta de reformulação foram elementos de debate, na
categoria, onde o SINTEPP impulsionou discussões nas escolas. Consideremos a fala do
representante do Sindicato:
“Visitando as escolas e sentindo a categoria e, em todos os
momentos, nós ficamos muitos próximos da categoria. A gente
sentou e discutiu, de fato, os problemas, e isso mobilizou muita
gente; as assembléias sempre davam muita gente para fazer o
debate. Infelizmente, acabou não ocorrendo a implementação
dessa política. Mantivemos a discussão, mas acabamos tendo que
brigar mais pelo imediatismo, porque um sindicato tem que tocar
o que a categoria decide e, quando fazíamos a assembléia, a
categoria decidia por outra coisa. E o plano de carreira ficou em
segundo plano”. (SINTEPP, 1).
O dirigente do SINTEPP ressalta que houve discussão com a categoria, mas a
mobilização não foi suficiente no sentido de garantir a implementação, pelo governo, das
reformulações que foram discutidas para o Estatuto; ou seja, não houve a efetivação de tal
política, no governo de frente popular.
Vale ressaltar que a Lei do Estatuto continua em vigor, na medida em que permanece
ausente a elaboração de um Plano de Carreira da categoria, precisando o Sindicato fortalecer a
pressão pelo cumprimento de suas regulamentações.
A comissão paritária, formada por governo e sindicato, chegou a se reunir e discutir,
mas não concluiu suas atividades, não construiu o PCCR, não reformulou o Estatuto e,
também, não encaminhou as propostas do SINTEPP, em forma de Projeto de Lei para
apreciação e, esperava-se, aprovação pelo Legislativo; e da mesma forma, o SINTEPP não
encaminhou, através de seus representantes no Legislativo, um projeto de reformulação do
168
Estatuto do Magistério e de construção do Plano de Carreira. Findou o governo e a categoria
não viu emergir a elaboração de tais preceitos e instrumentos legais para a carreira.
Durante o governo da frente popular, houve a construção de novas escolas, mas
permaneceu a diferenciação entre as melhor equipadas e as com precárias instalações; as que
tinham resultados positivos, mesmo diante das limitações materiais e que, por isso, eram
reconhecidas e tomadas como exemplo de esforço e dedicação, e as que apresentavam
problemas de toda ordem.
Um dos momentos marcantes, no desenvolvimento do governo da Frente Popular, foi
quando a categoria, depois de quatro anos de espera e expectativa, em relação ao governo,
saiu para o enfrentamento e resolveu grevar, principalmente a primeira, em 2000, e que
também foi a maior greve, 51 dias.” (MAG 4, 2).
Diante dos problemas que a categoria vivenciava, de precariedade no desenvolvimento
do trabalho docente, principalmente em relação ao salário defasado, à carreira paralisada e às
péssimas condições de trabalho os trabalhadores da educação, definiram pela realização de
mobilizações radicalizadas, na rede, e foram à greve.
O profissional de Unidade de Educação Infantil ressalta o motivo de ter ido à greve,
em 2002, no governo da frente popular:
“No primeiro momento da greve, nós paramos por entender que o
Edmilson precisava olhar a creche com olhar diferente, e a nossa
bandeira era condições de trabalho. A gente estava reivindicando
que éramos professor, e é interessante porque, num primeiro
momento, ficamos maravilhados porque estávamos ganhando
como professor; depois, veio a cobrança. Só que quando veio essa
cobrança, era tal qual a escola, Aí, falamos: peraí, estão me
cobrando o trabalho de professor, como em escola, mas eu não
tenho as mesmas condições de trabalho que a escola; como é
isso?” (MAG. 1, 3).
“Participamos da primeira greve, das duas que ocorreram; na
segunda não participamos. Na primeira, paramos pelas condições
de trabalho: queríamos HP, reconhecimento, melhorias [...]
nenhum governo faz mudanças se não tiver pressão da sociedade
civil organizada ou do movimento.” (MAG. 1, 3).
A relação dos problemas vivenciados pela categoria, com a necessidade da greve
expressa nas falas dos profissionais da rede, nos permite compreender a importância
169
econômica e social da luta que ocorreu, durante e contra o governo de frente popular, em
Belém, que se confirma nos relatos a seguir:
“As contradições na relação de trabalho foram claras: a relação
de trabalho era desumana, de falta de respeito; as pessoas se
achavam melhores do que todo mundo. Porque pegaram um
cargo, se acham superiores. A postura era uma coisa que eu
sempre falava: as relações de trabalho, a falta de respeito, não
tinha porque ter greve, a gente achava que não tinha que ter greve
no governo democrático e popular. Teve e foi longa e forte.”
(MAG, 6).
“O governo desconsiderou o Estatuto do Magistério, no aspecto
da carreira, que muito esteve paralisada. Mas não admitíamos
ver isso no governo que nós ajudamos a eleger.” (MAG. 4, 2).
“O que moveu os trabalhadores da educação à greve foi a falta de
uma política mais satisfatória para o salário de todos, desde o
funcionário de apoio ao diretor. Todos estavam com a mesma
base salarial, e não admitíamos isso no governo de um professor e
ex-sindicalista.” (MAG 4, 1).
“Até nós [técnicos] aderimos à greve porque queríamos melhores
condições de trabalho, respeito e valorização, suporte para nosso
deslocamento para Mosqueiro, ajuda de custo, carreira,
formação.” (MAG, 6).
A greve parecia ter um cunho essencialmente econômico, no sentido de que os
trabalhadores reivindicavam avanços na garantia de direitos básicos relativos à carreira
docente. Mas, além disso, os trabalhadores da educação, em seu conjunto, foram levados à
greve, durante o denominado Governo do Povo, por estarem envolvidos em situações
concretas de precarização do trabalho e pela luta pela sua identidade profissional.
Como foi explicitado no capítulo anterior, em todas as campanhas salariais estiveram
presentes as exigências de cumprimento da carreira docente e das melhorias salariais. Mas o
atendimento a tais reivindicações, por parte do governo municipal, envolveu limitações, na
medida em que o atendimento à carreira encerrou-se na comissão paritária de negociação.
Além dos problemas de organização e de ordem política que existem na construção de
uma greve, o sindicato da categoria apresentava inquietações sobre a realização da mesma.
“No começo, se tentou não chegar à greve; se buscou os
mecanismos possíveis de diálogo, varando madrugadas com o
governo, discutindo com todas as secretarias para tentar evitar a
170
greve. Mas a greve estava posta: tinha sido definido estado de
greve, e ia ter a greve. E havia uma divisão na direção do
sindicato, de como estaríamos encarando isso, pois nunca se
pensou em ter uma greve no governo, mas tinha alguns que
entendiam que iriam avançar. A greve, logicamente, que foi um
momento de muita tensão; mas tivemos que discutir que éramos o
sindicato. Lembro que, na primeira greve, de madrugada, o
Edmilson colocava para a gente: “eu sou prefeito e tenho que agir
como tal; eu não tenho a educação e sim uma população; eu
estou comprometido com o povo. Mas vocês são sindicato e vocês
têm que agir como sindicato”. E compreendemos que a greve
sairia, e não dava para chegarmos junto à categoria dizendo que
não poderia ter, porque não queríamos. E aconteceu a greve,
muito fervorosa, com assembléias na rua, espaços fechados,
embaixo de chuva e sol, mas estivemos presentes [...] não se faz
greve por nada.” (SINTEPP, 1).
O relato do dirigente sindical é um forte sinal de mobilização de uma categoria em luta
pelos seus direitos, que pressiona a entidade e se fortalece na mobilização. Mas é relevante
observar que o Sindicato apresentou contradições para ir à greve, ou seja, para assumir o seu
papel de direção de um movimento do qual ele é parte construtora. Isso posto, os relatos
demonstram que houve um processo de pressão por parte da base da categoria à sua direção
sindical e política.
“Havia duas vertentes, duas forças, todo mundo era do PT, mas
era situação e oposição. A gente percebia muito, nas assembléias,
onde ficavam claras as divergências da diretoria. O que
percebíamos era que uma parte do sindicato era submissa ao
governo, concordava com as políticas do governo, e a outra não,
era oposição a isso, e era quem chegava junto à categoria. E, por
isso, conseguimos algumas vitória. Se não fosse esse grupo, do
qual eu fazia parte, que conseguíamos parar as escolas em
Mosqueiro, por exemplo, distribuíamos materiais e foi um
processo muito positivo. Infelizmente, o nosso sindicato falhou
nessa parte aí: em vez de ele estar lutando por nós, não, um grupo
estava a favor do governo. Porque sindicato não é para isso, é
para defender a categoria.” (MAG. 6).
Essa fala de uma professora revela situações contraditórias que ocorreram com o
desenvolvimento da greve, em Belém, e como o sindicato atuou, pois as pressões da categoria
sobre a entidade e sobre o governo pode ser uma da mostra da percepção que tinha a base
quanto à falta de autonomia do sindicato em face do governo. E com isso “existia um número
muito grande de pessoas insatisfeitas, inclusive com a própria direção porque eles percebiam
essas diferenças.” (MAG, 6).
171
Segundo os dirigentes do SINTEPP, o governo proporcionou abertura de negociação
para chegar ao patamar do que era possível e o governo não teve a política de reprimir,
cortar ponto, perseguir.” Importa ressaltar que, ao mesmo tempo em que o Sindicato
considerava o governo democrático e interessado em resolver os problemas da categoria,
entendia que a greve foi um exercício de cidadania porque você não faz greve por
nada”(SINTEPP, 1).
Com esse tipo de discurso do Sindicato, construiu-se uma rede de contradições em que
o SINTEPP foi protagonista na medida em que se via no governo e como construtor do
mesmo. Porque sua força política estava dirigente, naquela gestão, fazia-se representante dos
interesses de uma categoria que pretendia, inclusive com uma greve longa, pressionar o
governo a cumprir o que havia prometido em campanha a valorização profissional.
Simultaneamente, o sindicato reivindicava os direitos do movimento grevista ao salientar que
fazer política não é asfaltar ruas, mas valorizar os servidores. Muitos educadores que
fizeram doutorado saíram da categoria porque não se sentiam valorizados, e é para isso que
serve o Plano de Carreira, para valorizar os trabalhadores da educação.” (SINTEPP, 1).
Mas o significativo é observar que o sindicato parece querer retomar seu papel,
quando critica a política de não-valorização do profissional da educação. Um fator relevante
das falas está na importância que os trabalhadores da educação deram à necessidade da greve,
mesmo num governo eleito com a forte contribuição desses mesmos trabalhadores. Isso
porque, segundo Harnecker (2000), a base natural de apoio desses governos são os setores
populares.
Isso também é uma referência à capacidade que os profissionais tiveram de separar a
ação e a situação da categoria daquela do governo e da do próprio sindicato; e isso parece
demonstrar que houve certa autonomia dos trabalhadores no desenvolvimento de suas
mobilizações.
Verificamos, nos acordos coletivos assinados entre governo e sindicato e em diversas
falas dos entrevistados, que esteve presente, nas mesas de negociação, a reivindicação sobre o
cumprimento do Estatuto do Magistério e o debate sobre sua reformulação, principalmente,
sobre a progressão funcional e o salário. E a resposta aparecia sempre vinculada aos trabalhos
da comissão formada por governo e sindicato.
172
O governo de frente popular definiu os limites de sua governabilidade a partir de
deficiências financeiras existentes na gestão, como se pode identificar na fala do coordenador
de educação, na SEMEC, quando dizia haver limitações, por exemplo, na Lei de
Responsabilidade Fiscal, pois o governo... não podíamos ultrapassar o percentual
determinado pela Lei.” (GFP). Na verdade, o governo conseguia se manter no limite da Lei
de Responsabilidade Fiscal.
Um outro elemento que aparece é a mudança de cálculo, segundo fala do governo e do
sindicato, para o repasse do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços
– ICMS, que é um imposto estadual cobrado sobre operações relativas à circulação de
mercadorias e a prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de
comunicação.
Segundo a Secretaria Estadual da Fazenda (2004), o estado deve, conforme a
Constituição Federal de 1988, repassar ao município 25% de todo o ICMS arrecadado pelo
estado, sendo três quartos desses 25% proporcionais ao valor adicionado que nada mais são
do que a produção e(ou) comercialização gerada, em cada município, e o quarto restante, de
acordo com o que dispuser Lei Estadual. No Pará, a lei estabelece que, desse um quarto, 15%
devem ser distribuídos igualmente entre todos os municípios, 5% proporcionais à população e
5% proporcionais à superfície territorial de cada município.
O representante da prefeitura de Belém afirmava que:
“Logo que o governo do Povo assumiu o governo do Estado,
mudou a forma de cálculo do ICMS, e houve cerca de 450 milhões,
na época, que deixou de ser repassado para o município de Belém,
dizendo que iria socializar os recursos que era para Belém e
repassar aos outros municípios, porque o estado tinha claramente
a posição de enfrentamento com o governo municipal de Belém. E,
você imagina, 450 milhões dos 25% que era para a educação, e
deixou de entrar recurso para a educação. Então, essa foi a forma
que o governo do estado usou para bloquear o melhor
desenvolvimento do governo de Belém, no sentido das políticas
públicas em todas as áreas, inclusive educação. Foram cerca de
60% de 100%, que chegava em torno de 100 milhões de reais, que
se deixou de investir na educação. Esse foi o total de montante
bloqueado, nesse período.” (SINTEPP. 1).
O representante do SINTEPP também denunciava o que definia como perseguição
política do governo do estado com a prefeitura de Belém”.
173
“Infelizmente, o governo do Estado fechou as torneiras porque
mandou para a assembléia legislativa uma emenda que diminuía o
repasse de ICMS do estado para o município de Belém. E isso
prejudicou, porque o governo já tinha feito um debate com a
sociedade, sobre o orçamento participativo. E isso comprometia o
orçamento do município, porque nunca tinha sido debatido um
orçamento com a população, e essa população passou a ter o
privilégio de dizer o que queria, tanto é que escolas, postos de
saúde e tudo o que foi construído, durante o governo do Povo, foi
construído por opção do povo: ele opinava, esperava e
participava.” (SINTEPP, 1).
A justificativa para o não-cumprimento dos direitos contidos no Estatuto do
Magistério, segundo as falas citadas, estaria relacionada ao não-repasse da alíquota do ICMS
à prefeitura de Belém. Apesar dos valores exagerados, identificados na fala do coordenador de
educação, os dados do governo, expostos no Jornal do IPAMB (1999), apresentam uma perda
de 5 milhões de reais que o estado teria que ter repassado ao município, 1997 até 2000,
referentes a esse período.
Importa considerar que é um montante significativo que pode ter deixado de entrar nas
finanças municipais, o que deveria ter sido desencadeador de fortes mobilizações,
impulsionadas pelas organizações sociais e políticas que buscavam encontrar alternativas
financeiras para que o governo mantivesse sua governabilidade. Esse feito não apareceu em
nenhuma das falas dos sujeitos, apesar de a esquerda, segundo Harnecker (2000),
compreender que a institucionalidade democrática atualmente existente oferece vantagens,
mas também impõe restrições.
Vale ressaltar que o governo municipal de Belém aplicou, conforme dados
apresentados pela Secretaria de Finanças, nas diversas mesas de negociações entre sindicatos
e governo, os 25% de verbas com a educação e, deste montante, cerca de 47% foi aplicado em
pagamento de pessoal (como exposto na Tabela 12). Inclusive, o pagamento com pessoal
consome muito menos do que a legislação determina quando faz referência a, no mínimo,
60% com pagamento de pessoal.
No desenrolar das contradições apresentadas pelo governo de frente popular e pelo
movimento docente, vimos, nas falas dos entrevistados, que o desenvolvimento desse tipo de
governo foi importante. Uns baseiam suas análises nas esperanças que foram fortalecidas com
tal vitória eleitoral:
174
[...] a eleição do Edmilson foi uma grande vitória para os
trabalhadores da educação porque era um professor, e isso criou
uma expectativa muito grande e uma esperança muito grande de
avançar nas principais reivindicações que era, justamente, a
questão da valorização profissional.” (MAG, 1, 2).
Outros apontam essa vitória como uma possibilidade de usar os instrumentos do
Estado para uso do povo, para que ele decidisse o que fazer(SINTEPP, 2). Um outro, mais
cético, dizia que
”ao não desenvolver política de ruptura com o modelo
estabelecido, esse governo acabou sendo mais um a administrar a
crise do capitalismo, com a autoridade que tem a esquerda de ter
a confiança dos que precisam ser mais explorados por este
modelo.” (MAG, 4, 2).
Cada um desses posicionamentos esteve presente no decorrer dos acontecimentos,
revelados a partir da implementação das políticas por tal governo, apesar de a grande maioria
dos sujeitos demonstrar que estas últimas não estiveram afinadas com as demandas da
categoria, no aspecto da valorização profissional.
E o governo admite, hoje, que:
havia uma expectativa muito grande da categoria, no sentido de
resolver todos os seus problemas, e, novamente, o corporativismo
falava mais alto porque, por mais que o governo duplicasse o
número de postos de saúde na cidade, aumentando o mero de
vagas, ou seja, atendendo o conjunto, porque o professor não é
algo abstrato, ele é concreto, ele vive e mora num bairro e tudo
mais, mas tinha uma questão que era complicada, que tinha a ver
com o pessoal, com o professor, com a categoria.” (GFP).
Seria desleal fazer referência a essa fala do coordenador da SEMEC atribuindo-lhe
indagações sobre se era assim que pensava quando esteve na direção do SINTEPP. Preferimos
trazer uma contribuição de Cattani (2000), quando ressalta que a ação coletiva é uma forma
ainda incompleta de democracia, porque parcial e sujeita a vários processos negativos
(burocratização, corporativismo, insulamento das direções etc.). Mesmo assim, o sindicalismo
é impulsionador de projetos civilizadores e modernos, que se contrapõem ao projeto
conservador, excludente e medíocre das elites. Ao contrário do que sustentam economistas e
políticos liberais, quanto mais a sociedade se desestatiza, quanto mais a economia se
liberaliza, mais importante é o papel dos sindicatos.
175
Vale ressaltar que na fala do representante do governo um reconhecimento de que
as necessidades do professor são coletivas, e que consideramos ser maiores do que as da
própria categoria. Trata-se de uma valorização da educação enquanto um direito que deve ser
comum, universal, logo, de uma educação pública e socialmente referenciada. Para isso, a
defesa da valorização do trabalho docente e de sua carreira é peça fundamental no
fortalecimento da profissão docente.
176
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os profissionais da educação, em Belém, reconheciam o Estatuto social da categoria
como regulador do desenvolvimento do trabalho docente. Tal regulação provocava, no
interior da rede municipal de ensino, situações ativas e autônomas de produção de regras que,
segundo Barroso (2006), orientam o funcionamento do sistema, mas, também, o seu
(re)ajustamento, provocado pela diversidade de estratégias e ações dos vários atores, em
função dessas mesmas regras.
A partir dessa perspectiva, o Estatuto do Magistério de Belém representa um
dispositivo técnico, político e social que organiza as relações dos profissionais da educação
entre si, com o poder público e com os destinatários sobre quem o trabalho dos profissionais
da educação tem ação direta. Portanto, os direitos contidos no Estatuto, por mais limitados
que pudessem parecer, tinham associação direta com o fortalecimento da identidade docente e
com o coletivo social e político.
Os profissionais da educação reconheceram seu estatuto social e buscaram, nas
mobilizações organizadas, o cumprimento do Estatuto do Magistério e o reconhecimento de
seu trabalho no cotidiano de suas atividades, nas escolas e demais unidades de educação.
Esses profissionais exigiram sua valorização mesmo num governo que foi eleito sobre as
bases de um programa de governo reivindicado pela categoria que, inclusive, foi parte
construtora de seus princípios educacionais.
As contradições se tornaram evidentes, na relação do governo com a categoria, assim
como na relação do sindicato com o governo, pois as formulações programáticas das
campanhas eleitorais de 1996 e de 2000 pareciam mais distantes da realidade do que a
possibilidade da implementação de uma política de valorização profissional docente,
condizente com as reivindicações históricas do sindicato e da categoria.
Dessa forma, para a compreensão das políticas desenvolvidas para o trabalho docente,
em Belém, tornou-se relevante a verificação do tratamento dado, pelo governo de Frente
Popular, à carreira docente, partindo de uma posição política sobre o significado da
177
valorização profissional e envolvendo categorias de análise importantes, como a carreira
docente, o governo dito democrático e popular e o movimento docente.
A articulação das análises e discussões dessas categorias, a partir dos documentos
trabalhados e, principalmente, das falas dos sujeitos envolvidos nessa articulação nos
possibilitou extrair alguns resultados que poderão contribuir em futuras elaborações:
1 Os direitos assegurados à carreira docente, em Belém, precisam ter relação
direta com o incentivo à formação inicial e continuada; com a valorização de
uma política salarial necessária ao sustento digno do profissional, no exercício
de sua profissão e na vida; e com a garantia de condições de trabalho dignas,
nos estabelecimentos educacionais. Esses mecanismos são provedores de uma
educação com qualidade social;
2 Foi praticamente inexistente a política de mobilidade na carreira para a
maioria dos profissionais da educação, em Belém, no sentido de assegurar a
progressão funcional. O governo de frente popular encontrou elementos novos
na determinação de tal política, atribuindo o tempo de serviço, por exemplo,
como fator de ajustamento do direito. Conseguiu atender um setor pequeno da
categoria, enquadrando-o na carreira, enquanto a maioria não pôde ter acesso a
tal direito;
3 As políticas desenvolvidas por esse governo para o trabalho docente
estiveram vinculadas a uma participação restritiva ao conjunto dos
profissionais da rede municipal de ensino, na medida em que não foram
universalizadas, o que enfraqueceu padrões coletivos de qualidade do trabalho;
4 Tais políticas, orientadas mais para aspectos pedagógicos do trabalho, não
contemplaram o conjunto dos mecanismos necessários à valorização dos
profissionais;
5 O o-cumprimento do Estatuto do Magistério potencializou a
desvalorização dos salários, da organização e de direitos sagrados à vida
profissional, favorecendo o estranhamento do trabalho, o desânimo e o
descrédito político num projeto de esquerda que dignificasse a ação docente
enquanto categoria organizada;
178
6 O movimento docente, pela sua direção sindical, mostrou-se confuso
quanto ao comportamento reivindicatório da categoria. Moderou o seu
programa e discurso, trabalhando na lógica do que era possível para o governo.
Mas, pela base, mostrou-se audaz no envolvimento do conjunto dos
profissionais da educação em mobilizações reivindicatórias, a partir de suas
necessidades imediatas, mesmo quando isso significou pressionar um governo
que exigia bandeiras progressistas do movimento docente como forma de
conferir valor ao seu trabalho e às suas demandas profissionais;
7 A Frente Popular em Belém adequou suas plataformas iniciais de governo
aos mecanismos mantenedores do status quo estabelecido, instituindo o
discurso de se fazer o que era possível para todos, como governo de todos que
anunciou ser. Com isso, fez apelos à responsabilidade, à maturidade e à
paciência do movimento docente. Essa opção limitou a unidade de ação entre
governo e movimento docente na possibilidade de estarem, no período
analisado, num mesmo campo político de enfrentamento às medidas
neoliberais adotadas no Estado do Pará e no país. Porém, os profissionais da
educação, mantendo sua combatividade, protagonizaram mobilizações contra
tais políticas.
Esses pontos enumerados buscam sintetizar algumas análises e conclusões
preliminares e precisam ser mais bem trabalhados em pesquisas que objetivem abordar o tema
do trabalho docente, em Belém, na medida em que um estudo sobre a carreira docente
significa avançar em uma análise do instrumento político e social que representa um estatuto
ou plano de carreira. Tais mecanismos precisam ser vistos e examinados sob um prisma de
identidade coletiva profissional e não meramente como um conjunto de regras e estruturas
organizativas que regulamentam a atividade docente.
Com as análises sobre os direitos valorativos da profissão docente que ajudam a
desenvolver a identidade do professor, favorecendo maiores investimentos financeiros para o
funcionamento do conjunto dos elementos que constituem o seu trabalho, e como um
instrumento político na defesa da qualidade da educação, um plano de carreira docente tem
relação direta com a qualidade social da educação pública.
179
Sobre o tipo de governo que se desenvolveu em Belém, vinculado centralmente às
experiências do modo petista de governar, que criou um tipo de programa democrático e
popular cujo mote era a participação popular, conferimos que o governo municipal de Belém
(1997 a 2004) foi adequadamente caracterizado, neste trabalho, como sendo de frente popular.
Isso porque apresentava uma composição social e política e um programa respaldados pela
classe trabalhadora, mas que, contraditoriamente, foi um tipo de governo que tentava
conciliar, no comando da gestão, representantes do movimento de esquerda com membros
denominados progressistas, mesmo se advindos do campo da burguesia, aos quais estava
política e socialmente vinculado, mas que se predispuseram a governar o município com a
esquerda, sua histórica adversária de classe.
Tal composição parecia refletida na coligação da frente eleitoral que elegeu o governo
de frente popular, principalmente no segundo mandato (2001 a 2004), quando verificamos a
presença de partidos como o Partido Socialista Brasileiro – PSB que, apesar da sigla socialista
e de ter vivido à sombra do PT, desde a primeira disputa nacional, em 1989, rendeu-se ao
pragmatismo partidário e começou a aceitar lideranças regionais que, de socialista, não
tinham nada: eram empresários e políticos que passaram por partidos da ordem, como o
Partido Social Democrata do Brasil PSDB, considerado pela esquerda como um partido da
direita, na medida em que governava o país e o estado a partir das prescrições neoliberais, ou
seja, governava para a classe dominante.
Foi um governo ideologicamente aliado a setores considerados progressistas da
burguesia, para que pudesse ganhar esses setores no sentido de ser um governo de todos” ou
“para todos”, “um governo do povo”, considerando tal conceito como daquele que faz parte,
como um todo, da composição da sociedade. Ou seja, não era um governo do povo pobre ou
para o povo pobre, e seu principal mote, que era a participação popular, estava orientado para
a participação de todos os setores da sociedade e não simplesmente para a organização dos
mais excluídos. E essa é uma característica de um governo de frente popular.
A referência programática envolveu a democratização do estado, por meio de
mecanismos de participação popular, que favoreceram sobremaneira o estímulo dos sujeitos à
possibilidade de definição das políticas. Todavia, precisariam eles estar vinculados às
condições de decisão e de materialização dos resultados do processo participativo, que tem a
ver com a implementação das políticas. Essa característica do governo de frente popular foi a
base para o desenvolvimento do denominado governo do povo, em Belém.
180
Foi um tipo de governo, em Belém, que parecia ter a confiança dos setores
marginalizados das benesses econômicas do sistema, ou seja, o povo mais pobre, que o
percebia e entendia como sendo o seu governo. E essa é uma característica que podeser
atribuída a um governo que tem tendência, segundo Harnecker (2000), a ocupar passivamente
as instituições existentes, sem lutar para modificá-las e alterar as regras do jogo,
estabelecendo uma lógica de não-conflitualidade, mas de diálogo, de paz, em lugar da lógica
de mudanças que é característica da esquerda.
O mais relevante desse debate sobre as características de tal governo, para as
finalidades do estudo realizado, reporta-se às políticas que implementou para a carreira
docente, que, seguramente, foi restritiva de direitos assegurados no Estatuto do Magistério e,
portanto, restritiva à valorização do trabalho do profissional da educação. Isso não significa
que o governo da frente popular tenha se ausentado da manutenção do ensino ou de direitos
de carreira ou da implementação de políticas que, inclusive, careciam de regulamentação, no
próprio Estatuto do Magistério, como a hora-pedagógica; mas suas ações políticas o
significaram viabilizar a universalização dos direitos centrais dos profissionais do ensino,
previstos no Estatuto e na carreira, como as progressões.
Buscamos compreender, na pesquisa, a localização desse tipo de governo na sociedade
hegemonizada pelo capital. Assim, pudemos observar as contradições apresentadas pelo
governo ao relacionar suas propostas e políticas com as do movimento docente. Contradições
do governo, na medida em que se admitia no papel de administrador da crise do sistema
capitalista.
Nesse sentido, verificou-se um processo de adaptação ao cenário político e econômico
que não só limitou sua ação, inclusive pedagógica, no sentido da participação popular, mas
produzindo modificações internas, em suas orientações ideológicas e nas propostas
programáticas que, por vezes, deixaram de orientar suas ações.
Essa unidade política, ora pacífica, ora conflituosa, com a manutenção das regras
estabelecidas, foi vista quando da utilização dos mecanismos do sistema para justificar o não-
cumprimento de suas metas, como, por exemplo, do respeito à LRF, ou quando legitimava,
inclusive pela participação popular, ações de manutenção de acordos interbugueses
estabelecidos. Isso apareceu na fala do representante do governo, quando o entrevistamos. Ele
se referiu ao caso da dívida com o jornal “O Liberal”, quando o governo dizia ter levado 15
181
mil pessoas para pressionar a organização a receber seu dinheiro parcelado em 10 vezes,
afirmando que a prefeitura era impessoal e que, por isso, parecia cumprir acordos firmados
entre empresários e o governo anterior, mesmo diante de uma demanda o visível da
categoria docente.
Também, quando transferiu as contas dos trabalhadores da rede municipal, de um
banco público para um privado, o que demonstrou algum tipo de atendimento à expectativa
dos banqueiros financiadores de empréstimos com desconto em folha, que arrecadam milhões
de reais com as taxas cobradas pelos seus serviços bancários; ou, ainda, quando o governo
quebrou o monopólio da Icoaraciense, que era a bandeira do movimento, mas demonstrava
haver certa pressão do empresariado do setor de transportes, no sentido do oferecimento do
serviço, ao mesmo tempo em que não houve política de municipalização da frota de transporte
urbano, na cidade, abrindo um quadro de insatisfação de setores do movimento docente que
trabalhavam distante de suas residências e que precisavam de melhorias no acesso ao local de
trabalho.
A localização política, econômica e social do autodenominado governo do povo
norteou sua concepção e seu funcionamento interno em relação à formulação de políticas para
atendimento das demandas mais imediatas da categoria docente. Confirmaram-se, assim, os
resultados das análises desenvolvidas sobre o papel do Estado, no sistema capitalista, e sobre
as possibilidades de um governo dito democrático e popular, nesse contexto.
O papel de um governo de esquerda, no comando de uma gestão municipal,
ambientado na existência de um Estado maior capitalista, pode servir, segundo Harnecker
(2000), de acúmulo de forças com vistas à transcedência, no sentido de inversão de
prioridades para o pagamento da dívida social acumulada para com os setores mais
desvalidos, sem, por isso, abandonar os que foram sempre atendidos. E essa opinião es
assentada numa situação política, defendida ainda por Harnecker (2000), de que vivemos num
período ultraconservador e que estamos em grande desvantagem quanto à correlação de
forças, em nível mundial e local. Assim, essa força estaria acumulando para preparar as
condições de transformação ulterior.
Importa considerar que esse entendimento, sobre o papel de um governo desse tipo,
não encontra abrigo em nossas análises, na medida em que entendemos a situação atual, de
resistência dos trabalhadores à lógica de exploração sistêmica, e que, por isso, não atribuímos
182
à ofensiva capitalista toda essa fortaleza ultraconservadora, pois identificamos fragilidades na
realidade das políticas implementadas pelo sistema, tanto pelo crescimento do sentimento e de
ações anti-imperialistas, em nível mundial, demonstrados por mobilizações patrocinadas pelos
trabalhadores insatisfeitos com tais políticas, quanto pela existência de derrotas, inclusive
militares, sofridas pelo eixo hegemonizador, como ocorre, hoje, no Iraque.
As fragilidades do capitalismo puderam ser demonstradas no Capítulo 1, quando
verificamos que, mesmo com as mudanças no mundo do trabalho e os arranjos para favorecer
a acumulação, com a mundialização econômica, há desproporção, para menos, na recuperação
da taxa de lucros do capitalista, considerando os patamares estabelecidos no boom econômico.
Isso, mesmo com incrementos para o aumento da taxa de exploração do trabalho.
A existência de um governo de frente popular é parte desse processo maior de
insatisfação com o regime do capital. Todavia, ao manter os mecanismos de governabilidade
concebidos pelo capital, pode ser fator de fortalecimento da tentativa do sistema de superação
de suas crises, seja pela regulação da efervescência da luta de classes, seja pela dinâmica de
cooptação do programa da esquerda, docilizando suas ações junto aos organismos dirigentes
do Estado que acabam por manter o status quo.
Foi dessa forma e nessa lógica que, ao longo do percurso do denominado “governo do
povo”, os termos dos acordos estabelecidos entre governo e sindicato mostraram permanentes
e inalteradas as reivindicações sobre aspectos da carreira docente; havia certa centralidade em
posições salariais, que pareciam insuficientes; andamentos sobre a formação inicial e
continuada e as condições de trabalho, apesar de ainda ter sido objeto de precária apreciação
nos termos e campanhas salariais a discussão sobre a situação estrutural e física para
realização do trabalho nas unidades educacionais. Pouco apareceram, nos documentos, as
reivindicações da categoria e as propostas governamentais, sobre esses aspectos.
O coletivo governamental que organizava as mesas de negociações com os sindicatos
parecia favorecer um processo de negociação permanente entre as partes interessadas, dando
reforço às posições democráticas do governo, apesar de falas de alguns professores da rede,
que foram por nós entrevistados, apresentarem insatisfações quanto a alguma medida anti-
democrática, por parte do governo.
183
A visão governamental sobre a profissionalização docente, expressa nos documentos
oficiais, pautou-se pelas orientações da LDB/96 e do CNE e, muitas das vezes, desconsiderou
a concepção construída historicamente pelo movimento docente. Como exemplo, podemos
citar a ausência de política para o desenvolvimento da carreira, na progressão vertical, na
medida em que não realizou sequer uma efetivação desse direito, ou a não-construção do
Plano de Carreira da categoria que, apesar de ter sido discutido e proposto pelo movimento
docente, inclusive nas greves que ocorreram, foi secundarizado pelo governo.
Vale ressaltar que, resultante das pressões exercidas pela categoria junto ao governo,
que verificamos ser concretas, sobretudo nas campanhas salariais desenvolvidas, foram
implementadas algumas políticas que ajudaram no processo de valorização e que não estavam
asseguradas no Estatuto do Magistério, como a hora pedagógica, com a limitação de não ter
sido uma política universalizada, ou seja, foi focalizada, destinando-se a alguns professores,
em algumas escolas; ou como a incorporação das monitoras de creche na profissão docente,
que significou um passo importante na valorização dessas trabalhadoras mas que, como na
política geral, apresentou contradições não no método como na própria política, na medida
em que alcançou um setor fragilizado da categoria, que se via refém das ações
governamentais.
No âmbito da política salarial, verificamos uma enorme debilidade, pois ficou visível o
processo de achatamento salarial, mesmo com o discurso governamental de reajuste real de
salário; mas sua política foi apenas de reposição dos valores da inflação, a cada ano
subseqüente. Essa metodologia acabava não reforçando os salários, de fato, pois, quando
chegavam os valores da reposição, o poder de compra tinha sido corroído pelos
mecanismos dos impostos instituídos pelo Estado.
Um outro aspecto que observamos, também relativo ao não-cumprimento, por parte do
governo, do Estatuto do Magistério, teve lugar na esfera do pagamento das progressões
horizontais e verticais, pois essa política priorizava o arrocho salarial da categoria. Imagine-se
uma professora que havia concluído o nível superior, 8 anos, por exemplo, que deixou de
receber, sem a progressão vertical, nesses 96 meses, 40% de gratificação mensal sobre o seu
vencimento-base. Isso significou uma perda salarial de proporções alarmantes.
O mesmo acontecia com os professores que tinham direito à progressão horizontal e
que deveriam, a cada dois anos, receber 5% de reajuste em seu vencimento-base, o que
184
assegurava um incentivo ao profissional, mas, principalmente, o direito de chegar à
aposentadoria com uma faixa salarial que lhe permitisse o mínimo de dignidade econômica e
social.
Mas isso não ocorreu no governo de frente popular em Belém, que seguiu as
orientações advindas do governo federal, quando da implementação das reformas
administrativa e previdenciária, que, no país, objetivavam redimensionar o papel do Estado.
Enxugar a máquina estatal significava diminuir os custos com as folhas de pagamento de
pessoal. Essa constatação é respaldada pelo cumprimento, por parte do governo em Belém, da
Lei de Responsabilidade Fiscal.
Logo, o tratamento dado pelo governo municipal à carreira docente, enquanto uma
política para a valorização profissional, no aspecto do salário, foi insuficiente; assim como
foi, também, precária a política para a formação continuada, na medida em que observamos,
nas falas dos profissionais entrevistados, ser essa uma grande demanda, em face da ausência
de programas e políticas para estimular a qualificação e a formação. Mesmo a política de hora
pedagógica apresentou problemas, por parte da Secretaria de Educação, de acompanhamento
e orientação de um projeto de envolvimento do profissional na utilização desse direito, que foi
assegurado a alguns profissionais. Com isso, o verificamos resultados concretos na
formação continuada e na organização do trabalho docente, a partir da garantia desse direito.
As demais políticas para a valorização, como a destinada ao fortalecimento do espaço
de trabalho do profissional, foram ou precárias ou, na maioria das vezes, ausentes. Ou seja,
não houve política efetiva da prefeitura destinada a efetuar melhorias nas condições
estruturais dos espaços educativos da rede municipal, considerando as escolas, os anexos e as
unidades de educação infantil. Em todas as falas dos profissionais, houve posições de
descontentamento quanto à precariedade de seus espaços de trabalho.
Isso nos leva a concordar com Monlevade (2000): uma remuneração insuficiente
compromete a valorização do professor, mas uma remuneração pródiga não o valoriza, se não
se conjugar a formação e à carreira/jornada; que a falta e(ou) insuficiência de formação
comprometem a valorização do professor; mas uma formação inicial ou continuada com alta
qualificação fica perdida, se a jornada for estafante e esterilizadora, pois uma jornada mal
estruturada e(ou) uma carreira sem progressão adequada comprometem a valorização do
185
profissional, retiram-lhe, inclusive, a realização de sua competência científica e pedagógica e
o horizonte de sua ascensão funcional, dentro de uma carreira com progressão.
No desenvolvimento da política, as restrições e precariedades que envolvem o
processo de valorização do profissional parecem não ter sido consideradas em combinação
com as tarefas mais preponderantes que tinham a ver com a implantação do projeto
pedagógico da Escola Cabana, mesmo que tal política significasse, teoricamente, o resgate da
valorização do trabalho docente.
Como o professor se encontrava em situação de assalariamento e, por isso, lutou pela
valorização na carreira e das condições de trabalho, o desenvolvimento de uma política global
de não-valorização do seu fazer profissional contribuiu para o avanço de sua precarização, na
rede.
Essa interpretação está legitimada na análise das greves que ocorreram durante o
governo de frente popular. Foram greves difíceis; primeiro, porque não reforçamos o discurso
de que era fácil fazer greve porque o governo dizia o reprimir ou cortar ponto; segundo,
porque a contradição vivida pelo sindicato, mesmo respaldado por anos de construção em
intensos confrontos e muitas vitórias, fragilizou a luta da categoria por valorização.
E diante dessas contradições, a categoria se organizou pela base, pressionou o seu
sindicato a aderir à sua causa e foi à greve contra um governo que ajudou a eleger, que
acreditava ser o seu governo, porque ligado aos anseios da categoria, e cujos dirigentes
ensinaram a reivindicar e lutaram, ombro a ombro, pela garantia do Estatuto do Magistério,
em anos anteriores.
Aqui residiu a dificuldade da greve, pois parecia não ser fácil para a categoria
mobilizada admitir que se encontrava, naquele momento, em lado oposto aos interesses do
governo; que via o seu sindicato do lado do governo que dizia não poder universalizar a hora-
pedagógica, ou repor as perdas salariais; ou assegurar a progressão na carreira; ou garantir a
estrutura física e pedagógica nas escolas; enfim, um governo que dizia não poder fazer mais
porque considerava incorreto atender a uma reivindicação corporativista, em face da grande
demanda da população excluída do município, e porque o município não tinha como resolver
os males do capitalismo.
186
O debate mais estratégico que fazia o governo era pertinente, nos marcos da sociedade
do capital: via-se num fogo cruzado, porque no capitalismo não meio termo – ou se
valoriza o capital ou se valoriza o trabalho. Essa relação é irreconciliável, na medida em que o
trabalho assegura, pela exploração que sofre, a boa vida do capitalista.
Logo, o governo de frente popular, por seu caráter de ampliação democrática dos
espaços do Estado no regime burguês, pelas políticas de não-universalização; pela
desvalorização do trabalho e pelo papel conciliador em face das políticas do capital, mesmo
com o apoio popular e por conta dele, legitimou as necessidades de superação da crise do
capitalismo e enfraqueceu a contribuição que poderia dar na construção do avanço, mesmo
que local, da ruptura com a lógica vigente.
Essa foi a principal contradição do governo municipal de Belém. Mas que se
considerar que, pelo seu respaldo junto aos setores mais explorados da população, ficou no
imaginário dos trabalhadores em educação a lição de que nenhum governo, mesmo os de
esquerda, faz concessão ao trabalho e de que, por isso, foi preciso desenvolver lutas e
mobilizações.
Identificamos, nos elementos que caracterizaram o governo da frente popular, em
Belém, diferenças pontuais e importantes, se comparados aos governos declaradamente
burgueses, principalmente pela origem do gestor; pela relação democrática com os
movimentos sociais; pela identificação que existiu entre o programa do governo e o programa
dos movimentos sociais e, inclusive, dos não-organizados da sociedade; pelas perspectivas
que envolveram o governo durante as duas gestões e que suscitavam a confiança de setores da
classe trabalhadora dentre outros. Mas, na política, poderemos encontrar poucos elementos de
diferenciação, sem negar a existência de medidas progressistas para os mais oprimidos.
Para o movimento docente, a experiência foi dolorosa, mas necessária. Houve, em
alguns sujeitos, o desânimo com um projeto mais estratégico de poder, principalmente se
combinarmos a atuação do governo de frente popular, em Belém, com a eleição desse mesmo
projeto, em âmbito nacional, a partir da eleição de Luís Inácio Lula da Silva, para a
presidência do Brasil, que optou por seguir as orientações dos organismos internacionais
dirigidos pelos representantes do capital, ao implementar reformas que retiraram direitos e
conquistas sociais e trabalhistas.
187
Fica a dúvida sobre os rumos da esquerda brasileira, de como os trabalhadores
retomarão sua organização política e sindical para continuar impedindo o avanço dos
preceitos neoliberais e de precarização do trabalho. Mas também fica a certeza de que os
docentes, em Belém, nos asseguram que é preciso priorizar a organização dos trabalhadores,
independente do poder do Estado.
Hoje, o movimento docente tem referência nacional em dois projetos de lei que estão
em tramitação, no Congresso Nacional, de extrema relevância para a carreira do profissional
da educação. Um é o Projeto de Lei 1.592/2003, do Deputado Federal Carlos Abicalil (PT-
MT), que estabelece princípios e diretrizes dos planos de carreira para o profissional da
educação básica pública.
Além de plano de carreira, o projeto de lei estabelece diretrizes para
concurso público, concurso de provas e títulos, definição de piso salarial,
progressão funcional, jornada de trabalho, incentivo, dedicação exclusiva,
permuta, aperfeiçoamento, qualificação profissional, licença especial,
aposentadoria especial dos professores e valorização do magistério. (CNTE,
1999).
O outro, da senadora Fátima Cleide (PT-RO), é o Projeto de Lei 507/2003, que
modifica o art. 61, da LDB/96, e define as categorias de trabalhadores que podem ser
considerados profissionais da educação. Esse projeto já tramita nas Comissões da Câmara dos
Deputados, como PL nº 6206/2005.
Essas iniciativas de âmbito institucional podem potencializar as organizações
docentes, no sentido de fortalecerem as diretrizes para a construção de estatutos ou planos de
carreira dos trabalhadores da educação que aspirem à qualidade na educação pública
municipal, estadual e nacional, que reafirmem a profissionalização dos trabalhadores da
educação. Mas o que realmente pode assegurar avanços significativos na profissionalização
docente é a ação dos próprios docentes, enquanto profissionais, e a organização permanente
de caminhos que superem a desvalorização e que obriguem o Estado a garantir necessária
valorização profissional.
188
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DOCUMENTOS JURÍDICOS E OUTROS DOCUMENTOS OFICIAIS
LEGISLAÇÃO
BELÉM (Prefeitura Municipal de)–PMB. Lei Ordinária nº 7.984, de 30 de dezembro de 1999.
Dispõe sobre o plano de seguridade social dos servidores do Município de Belém, e dá
outras providências. Publicação: SEMAJ, [s.d.]. Disponível em:
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196
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Administrativa do Município de Belém, delimitando os respectivos espaços territoriais dos
Distritos Administrativos e dá outras providências. Publicação: SEMAJ, [s.d.]. Disponível
em: http://www.belem.pa.gov.br/semaj/app/Sistema/view_lei.php?id_lei=1344
______. Lei Ordinária nº 7.546, de 10 de dezembro de 1991. Dá redação a dispositivos vetados
da Lei nº 7.507, de 14 de janeiro de 1991, que dispõe sobre o Plano de Carreira do Quadro
de Pessoal da Prefeitura Municipal de Belém. Publicação: SEMAJ, [s.d.]. Disponível em:
http://www.belem.pa.gov.br/semaj/app/Sistema/view_lei.php?id_lei=978
______. Lei Ordinária nº 7.528, de 05 de agosto de 1991. Dispõe sobre o Estatuto do
Magistério do Município de Belém. Publicação: SEMAJ, [s.d.]. Disponível em:
http://www.belem.pa.gov.br/semaj/app/Sistema/view_lei.php?id_lei=914
______. Lei Ordinária nº 7508, de 24 de janeiro de 1991. Dá redação a dispositivos vetados da
Lei nº 7.502, de 20 de dezembro de 1990, que dispõe sobre o Estatuto dos Funcionários
Públicos do Município de Belém. Publicação: SEMAJ, [s.d.]. Disponível em:
http://www.belem.pa.gov.br/semaj/app/Sistema/view_lei.php?id_lei=842
______.Lei Ordinária nº 7.507, de 14 de janeiro de 1991. Dispõe sobre o Plano de Carreira do
Quadro de Pessoal da Prefeitura Municipal de Belém e dá outras providências. Publicação:
SEMAJ, [s.d]. Disponível em:
http://www.belem.pa.gov.br/semaj/app/Sistema/view_lei.php?id_lei=840
______. Lei Ordinária nº 7.502, de 20 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o Estatuto dos
Funcionários Públicos do Município de Belém. Publicada no DOM nº 6.938, de 21/12/1990.
Disponível em: http://www.belem.pa.gov.br/semaj/app/Sistema/view_lei.php?id_lei=769
______. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 1592/2003. Data de apresentação: 31/7/2003
Ementa: Estabelece os princípios e as diretrizes dos planos de carreira para os profissionais
da educação básica pública.
______. ______. Projeto de Lei do Senado nº 507/2003. Modifica o art. 61 da Lei nº 9.394, de
20 de dezembro de 1996, com a finalidade de discriminar as categorias de trabalhadores que
se devem considerar profissionais da educação. Tramita na Câmara dos Deputados como
PL nº 6206/2005. Data de Apresentação: 18/11/2005. Disponível em:
http://www2.camara.gov.br/proposicoes/loadFrame.html?link=http://www.camara.gov.br/internet/sil
eg/prop_lista.asp?fMode=1&btnPesquisar=OK&Ano=2005&Numero=6206&sigla=PL
BELÉM (Prefeitura Municipal de)–PMB. Decreto Municipal nº 24.437, de 24 de junho de
1992. Regulamente a progressão funcional por merecimento mediante avaliação de
desempenho e dá outras providências. Publicação: SEMAJ, [s.d.]. Disponível em:
http://www.belem.pa.gov.br/semaj/app/Sistema/view_lei.php?id_lei=1889
______. Decreto Municipal nº 22.617, de 28 de janeiro de 1991. Dispõe sobre o adicional de
escolaridade para os titulares de cargo em comissão, e dá outras providências. Publicação:
SEMAJ, 31/01/1991. Disponível em:
http://www.belem.pa.gov.br/semaj/app/Sistema/view_lei.php?id_lei=1880
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em 5 de outubro de 1988. Brasília-DF, 2004. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao_Compilado.htm
197
______. ______. Emenda Constitucional nº 20, 15 de dezembro de 1998. Modifica o sistema
de previdência social, estabelece normas de transição e dá outras providências. Publicado
no D.O.U. eletrônico 16.12.1998. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/emc20.htm
BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da
Educação Nacional. Publicada no D.O.U. de 23.12.1996. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm
_______. Lei n. 9.424, de 24 de dezembro de 1996. Dispõe sobre o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, na forma
prevista no art. 60, § 7º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e dá outras
providências. Publicada no D.O.U. de 26.12.1996. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9424.htm
BRASIL. Ministério da Educação. Resolução nº 03, de 08 de outubro de 1997, da Câmara de
Educação Básica, do Conselho Nacional de Educação. Fixa diretrizes para Novos Planos de
Carreira e Remuneração do Magistério Público. Brasília/DF, 1997.
DOCUMENTOS OFICIAIS
BELÉM (Prefeitura Municipal de)–PMB. Secretaria Municipal de Coordenação Geral do
Planejamento e Gestão (SEGEP). Anuário Estatístico do Município de Belém – 2006.
Belém (PA): PMB:SEGEP, 2006.
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Trabalho. Belém (PA): PMB:SEMAD, maio 2004.
______. Secretaria Municipal de Administração (SEMAD). Termo de Acordo Coletivo de
Trabalho. Belém (PA): PMB:SEMAD, maio 2003.
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Belém (PA): PMB, 2003.
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______. Secretaria Municipal de Administração (SEMAD). Termo de Acordo Coletivo de
Trabalho. Belém (PA): PMB: SEMAD, maio 2002.
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1997.
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Reforma do Aparelho de Estado. Brasília: Presidência da República: Imprensa Oficial.
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INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo Demográfico
2003. Contagem da População. Brasília (DF): IBGE 2003.
______. Censo Demográfico de 2000. Características da população e dos domicílios.
Resultados do universo. Rio de Janeiro: IBGE, 2001.
199
ANEXOS
ANEXO 1. Roteiro das entrevistas.
ANEXO 2. Lei Municipal Nº 7.528, de 5 de agosto de 1991. Estatuto do
Magistério de Belém.
ANEXO 3. Prefeitura de Belém. Programas de governo sobre Valorização dos
Profissionais da Educação (1996 e 2000).
ANEXO 4. Prefeitura de Belém. Receitas e Despesas. (1997; 1998).
ANEXO 5. Prefeitura de Belém. Gastos com pagamento de pessoal – 1999
(janeiro, fevereiro e março).
ANEXO 6. Prefeitura de Belém. Tabelas salariais dos profissionais da educação
–1997 a 2004.
ANEXO 7. Prefeitura de Belém. Termos de Acordos Coletivos–2002; 2003;
2004
ANEXO 8. SINTEPP. Pautas de reivindicações das campanhas salariais de
2000, 2001, 2002, 2003 e 2004.
ANEXO 9. Partido dos Trabalhadores, Executiva Municipal de Belém. Nota
sobre a greve dos trabalhadores da educação de 2002.
200
ROTEIRO DE ENTREVISTAS
O presente trabalho seguiu os caminhos de uma pesquisa de cunho qualitativo, cujo
foco central foi a obtenção de dados, que nos permitiram tecer as possíveis representações
sociais dos profissionais da educação, do governo de frente popular em Belém e do
movimento docente. Metodologicamente, o trabalho exigiu uma coleta de dados com
entrevistas semi-estruturadas, relacionando questões que retrataram a posição dos sujeitos
sobre o tratamento dado à carreira docente, em Belém, no período de 1997 a 2004, como
componente essencial da valorização do trabalho docente, expressa no Estatuto do Magistério
de Belém.
No decorrer desta pesquisa, explicitamos, os procedimentos metodológicos adotados
para verificação de resultados, identificamos os sujeitos das entrevistas, sua importância e
suas contribuições. As entrevistas foram realizadas entre os meses de agosto e dezembro de
2007, com duração de no máximo 60 minutos, gravadas em Mp3 player de 1G, nos locais de
trabalho dos sujeitos.
Cabe, neste momento, a socialização do roteiro utilizado para a realização das
entrevistas qualitativas. Um roteiro que foi elaborado a partir das categorias eleitas para
análise, com temas e sub-temas que permitiram o acesso aos elementos necessários à pesquisa
de modo a permitir a análise dos seguintes fatores:
1 – Os direitos da carreira docente
1.1 – progressão funcional
1.2 – aposentadoria
1.3 – formação inicial e continuada
1.4 – licenças
1.4 – assistência à saúde
2 – As condições salariais
2.2 – defasagem ou reajuste
2.3 – salário base e remuneração
3 – As condições de trabalho no espaço escolar
201
3.1 – da lotação
3.2 – número de professores na escola e número de alunos por professor
3.3 – materiais didáticos
3.4 – assistência pedagógica
5 – As contribuições do governo municipal para a carreira docente
5.1 – o desenvolvimento do governo dito Democrático e Popular
5.2 – as políticas que desenvolveu para a valorização profissional
5.3 – as contribuições à carreira docente
5.4 – a relação com a categoria
6 – A atuação do sindicato na relação com o governo municipal
6.1 – as demandas do sindicato
6.2 – as reivindicações mais imediatas
6.3 – a relação com o governo
6.3 – a relação com a categoria
6.4 – as greves que ocorreram durante o governo da frente popular
202
ANEXO 2
Lei Municipal Nº 7.528, de 5 de agosto de 1991.
Estatuto do Magistério de Belém.
203
Prefeitura Municipal de Belém
Secretaria Municipal de Assuntos Júrídicos - SEMAJ
DECRETOS E LEIS MUNICIPAIS
Lei Ordinária N.º 7528, DE 05 DE AGOSTO DE 1991
Dispõe sobre o Estatuto do Magistério do
Município de Belém.
A CÂMARA MUNICIPAL DE BELÉM estatui e eu sanciono a seguinte Lei:
TÍTULO I
Capítulo único
DAS DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
Art. Esta Lei dispõe sobre a organização das atividades do Magistério do grau e outros graus de ensino, a
estruturação das respectivas carreiras e estabelece o regime jurídico de seu pessoal.
Art. 2º Entende-se por atividade do Magistério, para os efeitos da presente Lei, aquelas que exigem formação de
Administrador Escolar, Orientador Educacional, Supervisor Escolar e Professor, caracterizadas por funções de
docência, planejamento, orientação, supervisão, inspeção, coordenação e avaliação do ensino e da pesquisa nas
unidades educacionais ou nos níveis departamentais da Secretaria Municipal de Educação.
Art. 3º A valorização das atividades do Magistério será assegurada:
I - pela igualdade de tratamento para efeitos didáticos e técnicos;
II - pela estruturação da carreira prevendo progressão e ascensão funcional;
III - por incentivo à livre organização em associação para-escolar e em entidade sindical da
categoria fundamentadas nas peculiaridades da comunidade;
IV - por outros direitos e vantagens compatíveis com as funções do Magistério,
V - pela organização da gestão democrática do ensino público municipal, através de eleição direta para diretores
das escolas, através de lista quíntupla a ser regulamentada por lei específica.
TÍTULO II
Capítulo único
DAS ATIVIDADES DO MAGISTÉRIO
204
Art. 4º As atividades do Magistério serão exercidas pelo pessoal admitido na forma prevista
na presente Lei, classificado como Administrador Escolar, Orientador Educacional,
Supervisor Escolar e Docente.
Art. As funções de Docente são as constantes da legislação federal e outras existentes pertinentes à matéria e
as estabelecidas nos planos de trabalho e no regimento de cada unidade educacional.
Art. 6º As funções de Administrador Escolar, Orientador e Supervisor são as relacionadas diretamente com a
administração, orientação, supervisão, planejamento, controle, inspeção e avaliação do ensino e pesquisa,
disciplinadas pela legislação pertinente.
Art. Os cargos em comissão de Diretor e Vice-Diretor de Unidades Escolares serão exercidos por
funcionários ocupantes de cargo do Magistério, com habilitação específica em Pedagogia-Administração
Escolar, que possua no mínimo dois anos de experiência profissional no Magistério.
Art. 8º O Diretor e Vice-Diretor, no exercício de suas funções, deliberarão em conjunto com o Conselho Escolar
nas matérias definidas em regulamento, que estabelecerá a sua composição, competência e o seu funcionamento.
Art. 9º A função gratificada de Secretário de Unidade Escolar poderá ser exercida por funcionário portador do 2º
grau e que possua certificado de conclusão de curso de Secretário de Estabelecimento de Ensino.
TÍTULO III
DA CARREIRA DO MAGISTÉRIO
Capítulo I
DA ORGANIZAÇÃO
Art. 10. Os cargos de provimento efetivo do Magistério integrarão grupos e subgrupos ocupacionais,
desdobrados em categorias e referências.
§ 1º. Entende-se por Grupo Ocupacional o conjunto de categorias funcionais, segundo correlação e afinidade
entre atividades que guardem relação entre si pela natureza e complexidade do trabalho a ser desempenhado.
§ 2º. Subgrupo é o agrupamento de categorias funcionais dentro do mesmo grupo, de acordo com os graus de
dificuldades e escolaridade exigidos.
§ 3º. Categoria Funcional é o conjunto de cargos da mesma denominação.
§ 4º. Referência é a escala de vencimento que indica a posição de ocupante de cargo dentro do grupo,
correspondendo a uma avaliação relativa de cinco por cento entre uma e outra.
Art. 11. Para cada categoria do Grupo Magistério corresponderão referências indicadas por algarismos arábicos
de um a treze, diferenciadas por um acréscimo de cinco por cento.
Art. 12. O Grupo Ocupacional de Magistério compreende as seguintes categorias funcionais:
I - Supervisor Escolar - MAG 07;
II - Orientador Educacional - MAG 06;
III - Administrador Escolar - MAG 05;
IV - Professor Licenciado Pleno - MAG 04;
V - V E T A D O;
VI - Professor em Estudos Adicionais - MAG 02
VII - Professor Pedagógico - MAG 01.
205
Capítulo II
DO PROVIMENTO
Art. 13. Os cargos de Magistério serão providos por decreto do Chefe do Poder Executivo, obedecidas as
exigências da presente Lei e o artigo 12 da Lei 7.502/90, Estatuto dos Funcionários Públicos do Município de
Belém.
Art. 14. O provimento inicial dos cargos efetivos dependerá de prévia aprovação em concurso público de provas
e títulos, obedecida a ordem de classificação.
§ 1º. Fica assegurada a participação e fiscalização da entidade de classe nas diversas fases do
concurso.
§ 2º. O prazo de validade do concurso será de dois anos, podendo ser prorrogado, no máximo, por igual período.
Art. 15. Para provimento dos cargos efetivos do Grupo Ocupacional de Magistério será exigida a seguinte
qualificação profissional;
I - MAG 07 - Supervisor Escolar - graduação específica em curso superior a vel de Licenciatura Plena em
Pedagogia - Supervisão Escolar;
II - MAG 06 - Orientador Educacional - graduação específica em curso superior a nível de Licenciatura Plena
em Pedagogia - Orientação Educacional;
III - MAG 05 - Administrador Escolar - graduação específica em curso superior em Licenciatura Plena em
Pedagogia - Administração Escolar;
IV - MAG 04 - Professor Licenciado Pleno - graduação específica em curso superior a nível de Licenciatura
Plena;
V - V E T A D O;
VI - MAG 02 - Professor em Estudos Adicionais - graduação específica do curso de
Magistério a nível de 2º grau, acrescida de Estudos Adicionais;
VII - MAG 01 - Professor Pedagógico - graduação específica do curso de Magistério a nível de 2º grau.
Art. 16. Os cargos em comissão de Diretor e Více-Diretor são de livre nomeação e exoneração pelo Chefe do
Poder Executivo, observado quanto à nomeação o disposto nos arts. 3º e 7º desta Lei.
Capítulo III
27[1]
DO DESENVOLVIMENTO NA CARREIRA
Art. 17. (REVOGADO)
Art. 18. (REVOGADO)
Art. 19. (REVOGADO)
Art. 20. (REVOGADO)
Art. 21. (REVOGADO)
Art. 22. (REVOGADO)
Art. 23. (REVOGADO)
Art. 24. (REVOGADO)
206
TITULO IV
DOS DIREITOS
Capítulo I
DA JORNADA DE TRABALHO
Art. 25. A jornada de trabalho do Supervisor Escolar, do Orientador Educacional, do Administrador Escolar e
do Professor, com exercício em Unidades Escolares ou nos níveis departamentais da Secretaria Municipal de
Educação, poderá ser de vinte, vinte e quatro, trinta, quarenta ou quarenta e oito horas/aulas por semana.
Parágrafo Único. Observada a necessidade de serviço, a fixação da jornada de trabalho de que trata este artigo
dependerá, em cada caso, de ato expresso do titular da Secretaria Municipal de Educação.
Art. 26. A jornada de trabalho do Professor será constituída de atividade docente em sala de aula e atividades
fora de classe.
28[2]
Parágrafo Único. Sobre os valores pagos a título de JORNADA DE TRABALHO incidirão todas as
gratificações e os adicionais concedidos aos funcionários integrantes do Grupo Operacional Magistério, previstos
no artigo 37 desta Lei, e nos artigos 62 e 79, da Lei nº 7.502, de 20 de Dezembro de 1990.
Capítulo II
DAS FÉRIAS
Art. 27. Os funcionários do Magistério gozarão, obrigatoriamente, por ano, quarenta e cinco dias de férias.
Art. 28. As férias serão desdobradas em dois períodos, sendo um de trinta dias e outro complementar de quinze
dias.
Parágrafo Único. As férias do Professor, do Supervisor, do Orientador Educacional e do Administrador Escolar
serão gozadas no mês de julho e a complementação no recesso escolar.
Art. 29. As férias do pessoal do Magistério não poderão, em qualquer caso, ser interrompidas.
Capítulo III
DA REMOÇÃO E DA CESSÃO
Seção I
DA REMOÇÃO
Art. 30. Remoção é o deslocamento do funcionário do Magistério de uma para outra Unidade Escolar.
Art. 31. O funcionário do Magistério poderá ser removido:
I - ex-offício, no interesse da administração;
II - a pedido, atendida a conveniência do serviço.
Art. 32. A remoção a pedido só poderá efetivar-se no período de férias, salvo em casos de mudança de
residência, devidamente comprovada, ou por motivo de saúde, uma vez justificadas em perícia médica do órgão
oficial do Município as razões apresentadas pelo requerente.
Art. 33. A remoção far-se-á por portaria do Secretário Municipal de Educação.
207
Seção II
DA CESSÃO
Art. 34. O Supervisor Escolar, o Orientador Educacional, o Administrador Escolar e o Professor não poderão ser
cedidos para terem exercício em outro órgão ou entidade da União, do Distrito Federal ou dos Municípios fora
do âmbito do Magistério, salvo quando para exercício de cargo em comissão de direção ou de assessoramento
superior ou para desempenho de atividades correlatas às do Magistério.
Parágrafo Único. Consideram-se atividades correlatas às do Magistério as relacionadas com a docência,
pesquisa, planejamento, supervisão, administração escolar, orientação educacional e capacitação de docentes.
Capítulo IV
DAS LICENÇAS
Art. 35. Ao funcionário do Magistério, além das licenças previstas no Estatuto do Funcionário blico do
Município de Belém, poderão ser concedidas licenças para:
I - freqüentar cursos de aperfeiçoamento ou especialização;
II - participar de congressos, simpósios ou promoções similares, no País e no exterior, de
natureza profissional ou sindical, desde que comprovadamente representando os interesses de
sua categoria, indicado pela entidade representativa.
Parágrafo Único. As licenças referidas neste artigo somente poderão ser concedidas se houver correlação entre a
matéria e as atribuições do cargo.
Art. 36. O funcionário do Magistério, cuja licença para freqüentar curso de aperfeiçoamento ou especialização tiver
sido concedida com ônus para o Município, fica obrigado a permanecer na atividade do Magistério por período
equivalente ao do curso, sob pena de ressarcimento das despesas efetuadas.
TÍTULO V
Capítulo único
DAS VANTAGENS PECUNIÁRIAS
Art. 37. Aos funcionários do Magistério serão concedidas as seguintes vantagens pecuniárias:
I - gratificação por regência de classe;
II - gratificação por participação em bancas examinadoras em concursos do Magistério;
III - prêmio pela produção de obra e publicação de trabalho de interesse da educação e da cultura;
IV - gratificação de Magistério;
V - V E T A D O;
29[3]
VI - incentivo ao aperfeiçoamento, na forma da Lei.
Art. 38. O Professor, em regência de classe, perceberá a gratificação fixada em vinte por cento sobre o
respectivo vencimento-base do cargo.
Parágrafo Único. A gratificação de que trata este artigo permanecerá nos casos de readaptação.
Art. 39. Ao funcionário que completar vinte e cinco anos de efetivo exercício em atividades próprias do
Magistério será atribuída, automaticamente, a gratificação de Magistério, correspondente a dez por cento do
vencimento-base.
208
Art. 40. Além do disposto no art. 37 desta Lei, ao funcionário do Magistério serão concedidas todas as
vantagens previstas no Estatuto dos Funcionários Públicos do Município de Belém.
Art. 41. Para efeito de remuneração do Servidor do Magistério, considerar-se-á cada mês constituído de cinco
semanas.
TITULO VI
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 42. É vedado ao funcionário do Grupo Ocupacional do Magistério o exercício de atividades essencialmente
burocráticas.
Art. 43. A gratificação de incentivo ao aperfeiçoamento e de efetivo exercício de atividades técnico-pedagógicas
ou técnico-administrativas em Unidades Escolares, tratam os incisos II e III do art. 35 da Lei 7.385, de 7 de
dezembro de 1987, ficam extintas e absorvidas pelo adicional de escolaridade devido nos termos do art. 83,
incisos II e III, do Estatuto dos Funcionários Públicos do Município de Belém.
Art. 44. É assegurado à entidade representativa do pessoal do Magistério, como tal reconhecida em lei, o direito
à consignação em folha de pagamento das contribuições, mediante prévia autorização do associado, observada a
legislação pertinente.
Art. 45. Aplicam-se subsidiariamente a este Estatuto as disposições do Estatuto dos Funcionários Públicos do
Município de Belém.
Art. 46. O Quadro Suplementar do Grupo Ocupacional Magistério será constituída de:
I - cargos e funções do Magistério cujos ocupantes o possuam qualificação prevista na legislação federal e
exigida neste Estatuto;
II - servidores estabilizados com base no artigo 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da
Constituição Federal que não lograram aprovação em concurso para fins de efetivação.
Art. 47. A tabela do Grupo Magistério anexa à Lei Municipal 7.507/91 passa a vigorar de acordo com o Anexo
Único desta Lei.
Art. 48. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 49. Revogam-se as disposições em contrário e, em especial, a Lei 7.385, de 7 de dezembro de 1987.
GABINETE DO PREFEITO MUNICIPAL DE BELÉM, em 5 de agosto de 1991.
Augusto Rezende
PREFEITO MUNICIPAL DE BELÉM
Anexo Único da Lei nº 7.528
Junho/91 Razão: 05%
GRUPO MAGISTÉRIO
SALÁRIO REFERÊNCIA SALÁRIO REFERÊNCIA
(CR$) SUBGRUPO SUBGRUPO (Cr$) SUBGRUPO
I II III
46.480,77 01 75.712,30 11
48.804,80 02 79.497,91 12
51.245,04 03 83.472,81 13
209
53.807,29 04 87.646,45 14
56.498,65 05 92.028,77 15
59.322,56 06 06 96.630,21 16
62.289,76 07 07 101.461,72 17
65.404,24 08 08 106.534,80 18
68.674,46 09 09 111.861,54 19
72.108,18 10 10 117.454,61 20
75.712,30 11 11 123.327,34 21
79.497,91 12 12 129.493,70 22
83.472,81 13 13 135.968,38 23
87.646,45 14
92.038,77 15
96.630,21 16
101.461,72 17
106.534,80 18
A referência inicial equivale a um salário e meio do menor salário pago pela PMB.
____________________________________
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Belém - Pará - Brasil
Telefones: 3182-1100 / 3182-1109 / 3182-1110
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210
ANEXO 3
Prefeitura de Belém. Programas de governo sobre
Valorização dos Profissionais da Educação (1996 e 2000).
211
212
213
214
215
216
ANEXO 4
Prefeitura de Belém. Receitas e Despesas.
(1997; 1998).
217
218
219
220
ANEXO 5
Prefeitura de Belém. Gastos com pagamento de pessoal
(1999 – janeiro, fevereiro e março).
221
222
223
224
ANEXO 6
Prefeitura de Belém. Tabelas salariais dos profissionais da educação
(1997 a 2004)
225
226
227
228
229
230
231
232
233
ANEXO 7
Prefeitura de Belém. Termos de Acordos Coletivos
(2002; 2003; 2004)
234
235
236
237
238
239
240
ANEXO 8
SINTEPP. Pautas de reivindicações das campanhas salariais.
(2000, 2001, 2002, 2003 e 2004)
241
242
243
244
245
246
247
ANEXO 9
Partido dos Trabalhadores, Executiva Municipal de Belém.
Nota sobre a greve dos trabalhadores da educação de 2002.
248
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