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Universidade Federal de Goiás
Faculdade de Ciências Humanas e Filosofia
Programa de Pós-Graduação/Mestrado em Sociologia
Área de Concentração : Sociedade e Região
A MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA BRASILEIRA E
ALGUNS DE SEUS ASPECTOS SOCIOAMBIENTAIS:
O CASO DA REGIÃO DE GOIANÁPOLIS-GO
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
Autor: Euripedes Vieira Coelho Junior
Orientadora: Profa. Dra. Maria do Amparo Albuquerque Aguiar
Goiânia, Agosto de 2005
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Euripedes Vieira Coelho Junior
A MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA BRASILEIRA E
ALGUNS DE SEUS ASPECTOS SOCIOAMBIENTAIS:
O CASO DA REGIÃO DE GOIANÁPOLIS-GO
Dissertação de mestrado apresentada ao programa
de pós-graduação em Sociologia da Faculdade de
Ciências Humanas da Universidade Federal de
Goiás como parte dos requisitos para a obtenção
do título de mestre, sob a orientação da Profa.
Dra. Maria do Amparo Albuquerque.
Universidade Federal de Goiás
Goiânia, Agosto de 2005
Ficha Técnica :
Euripedes Vieira Coelho Junior
A Modernização da agricultura brasileira e alguns de seus aspectos sócio-ambientais:
O Caso da região de Goianápolis-GO
Linha de pesquisa: Sociologia do Trabalho
Data da Defesa:
Orientador: Profa. Dra. Maria do Amparo Albuquerque
Palavras-chave: Modernização da agricultura, exclusão social, insalubridade laboral,
agricultura sustentável, meio ambiente
Euripedes Vieira Coelho Junior
A MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA BRASILEIRA E
ALGUNS DE SEUS ASPECTOS SOCIOAMBIENTAIS:
O CASO DA REGIÃO DE GOIANÁPOLIS-GO
Banca examinadora:
Profa. Dra. Maria do Amparo Albuquerque Aguiar
(Programa de Pós-Graduação: Mestrado em Sociologia e Doutorado em
Ciências Ambientais UFG)
Prof. Dr. Fausto Miziara
(Programa de Pós-Graduação: Mestrado em Sociologia e Doutorado em
Ciências Ambientais UFG)
Prof. Dr. Horácio Gutierrez - USP
Goiânia, Agosto de 2005
AGRADECIMENTOS
A minha mãe Esmeraldina Lopes Vieira e ao
meu pai Euripedes Vieira Coelho por terem sido
o solo generoso em que germinei e cresci.
A minha companheira e amiga de todas as
horas Jane Eyre que tem sido além de meu apoio
uma professora na arte de convivência e da auto-
doação ao próximo.
Aos meus filhos Leonardo, Arielle e Amanda
pela compreensão dos períodos de ausência junto
a eles que esta etapa de minha formação exigiu.
As minhas avós Maria Eterna e Maria Lima,
que com o exemplo de suas vidas ensinaram-me a
amar, in memorian.
Ao meu tio Nelson que sempre foi o
referencial intelectual motivador.
A professora Maria do Amparo que com suas
perquirições me fez caminhar e crescer.
Ter esquecido nossa união com a terra deu
origem ao antropocentrismo, na ilusão de que,
pelo fato de pensarmos a terra, podemos com
justa razão colocar-nos sobre ela para dominá-la e
para dispor dela ao nosso bel-prazer.
Por sentir-nos filhos e filhas da Terra,
vivenciamo-la como mãe generosa. Ela é um
princípio regenerativo. Representa o feminino
que concebe, gesta, e à luz. Emerge assim o
arquétipo da Terra como Grande mãe, Pacha
Mama.e Nana. Da mesma forma que tudo gera e
entrega à vida, ela também tudo acolhe e tudo
recolhe em seu seio. Ao morrer, voltamos à Mãe-
Terra. Regressamos ao seu útero generoso e
fecundo.
Leonardo Boff
RESUMO
Este trabalho objetivou estudar os impactos da modernização da agricultura brasileira a
partir da observação em uma determinada região, por intermédio das relações de produção
existentes entre os vários integrantes do processo produtivo, desde o trabalhador rural até a
indústria de insumos agrícolas.
Foram realizadas entrevistas com diversos técnicos de órgãos governamentais, lideranças
classistas e algumas autoridades que atuam em diversas áreas de interface com o objeto
empírico de estudo, bem como foram ainda aplicados questionários em propriedade rurais
tanto a proprietários de lavouras como a trabalhadores rurais
Na análise do objeto teórico lançou-se mão, dentre outros autores, de Anhtony Giddens na
abordagem que ele faz das conseqüências da modernidade sobre as relações sociais e sobre
o meio ambiente; utilizou-se a abordagem que faz Norbert Elias da questão da exclusão
social e nos aspectos que dizem respeito mais diretamente a questão da modernização da
agricultura brasileira buscou-se a contribuição de José Graziano da Silva para o
entendimento desse processo.
Como resultados da pesquisa de campo realizada na região de Goianápolis-GO, confirmou-
se mais do que a situação de precariedade das relações de trabalho, que são na sua
esmagadora maioria informais, senão também a insalubridade do ambiente laboral, onde os
trabalhadores rurais expõe sua saúde a sérios riscos.
Esse trabalhador não é, no entanto, a única vítima do paradigma de produção rural vigente
no Brasil. A pesquisa mostrou que também o produtor rural é por sua vez espoliado pela
indústria de insumos que conseguiu impor a necessidade de utilização de um pacote
tecnológico do qual o produtor tornou-se dependente e refém,e com o qual essa indústria
apropria-se de uma substancial parcela dos resultados da atividade produtiva que caberiam
por mérito ao produtor.
Constatou-se ainda a urbanização do campo no qual atuam trabalhadores rurais com
residência na zona urbana, onde esposas e filhos encontram ocupação para a
complementação da renda familiar.
Outra constatação é a de que está ainda muito longe da preocupação de indústrias e
produtores rurais o cuidado com a preservação do meio ambiente, seriamente agredido
com a tecnologia que privilegia altas taxas de produtividade ao custo da superexploração
dos recursos naturais.
A conclusão é que se evidenciam um paradoxo e um dilema.
O paradoxo esta no fato de que muito embora haja uma aparente lógica e coerência tanto
no modelo “Revolução Verde” quanto no de agricultura sustentável, ambos escondem
contradições que lhe são inerentes pois, enquanto no primeiro se produz em larga escala e a
baixo custo no segundo, embora se proteja o meio ambiente e o homem, ele ainda não pode
ser replicado em escala global em virtude de baixa competitividade.
O dilema que se coloca é a opção pela preservação ambiental com alimentos mais caros ou
a depredação progressiva com socialização dos benefícios provisórios da produção em
grande escala.
Na solução dos impasses que essa questão propõe uma certeza que prevalece é que
somente com a pressão da sociedade e a atuação de ONGs. e outros movimentos sociais se
logrará avançar no sentido do bem estar humano e preservação de nossa mãe natureza.
ABSTRACT
The object of this study was to study the impact of the modernization of Brazilian
agriculture on the basis of observation of a particular region through the intermediary of
the relations of production among the various participants on the productive process, from
the rural laborer to the agricultural chemical industry.
Interviews were carried out with government agency experts, organization leaders and
certain authorities who act in various areas of interface with the empirical object of the
study. In addition, questionnaires were administered on rural properties to both owners
and rural laborers.
In the analysis of the theoretical objective, the author utilized Anthony Giddens' approach
to the consequences of modernity on social relations and the environment, Norbert Elias'
approach to social exclusion and José Graziano da Silva's contribution to the understanding
of aspects that bear most directly on the question of the modernization of Brazilian
agriculture, among others.
Field research carried out in the region of Goianápolis-GO confirmed the precariousness of
labor relations, in the vast majority of cases informal, as well as the unhealthfulness of the
work environment, where rural laborers are exposed to serious health risks.
This worker, however, is not the only victim of the prevailing rural production paradigm
in Brazil. The study also showed that the rural producer is exploited by the agricultural
chemical industry, which has managed to hold producers hostage to a technological
package and make them dependent on it. This has allowed the industry to appropriate a
substantial part of the results of productive activity which by rights should go to the
producer.
The study also noted the urbanization of the countryside, with rural laborers living in urban
areas, where their wives and children find occupations to complement the family income.
Another finding is that industries and rural producers are far from concerned about the
preservation of the environment, which is under serious attack from a technology which
promotes high productivity at the cost of over-exploitation of natural resources.
The conclusion is that a paradox and a dilemma are evident.
The paradox lies in the fact that while there is an apparent logic and coherence in both the
"Green Revolution" and sustainable agriculture models, both conceal inherent
contradictions. While the first model is characterized by large scale and low cost, the
second, while protecting man and the environment, cannot yet be replicated on a global
scale by virtue of its low competitiveness.
The dilemma is between environmental preservation and more expensive food on the one
hand, or progressive depredation with a socialization of the temporary benefits of large-
scale production on the other.
To solve these impasses, only societal pressure and action by NGOs and other social
movements will results in advances in the direction of human well-being and preservation
of Mother Nature.
ÍNDICE DO TEXTO
Introdução..........................................................................................................pág. 13
1 – Evolução histórica da estrutura fundiária brasileira
1.1 O desenvolvimento das relações de trabalho no campo no Brasil........... pág. 16
1.2 Os levantes camponeses........................................................................... pág. 18
1.3 A estrutura agrária na velha república..................................................... pág. 19
1.4 A desarticulação da estrutura agrário-latifundiária................................... pág. 20
1.5 A questão agrária no Estado Novo........................................................... . pág. 22
1.6 O cangaço como forma de manifestação de revolta pela
precariedade das condições de vida do homem do campo..........................pág. 24
1.7 Messianismo e coronelismo como expressões de
liderança política.........................................................................................pág. 24
1.8 O período do Pós-Vargas ao golpe militar(1950-1964)............................ pág. 25
1.9 As ligas camponesas................................................................................. .pág. 30
1.10 Do golpe a Nova Republica (1964-1985)................................................ pág. 30
1.11 Uma intervenção dúbia : O governo é o maestro mas também toca
na orquestra..................................................................................................pág. 33
1.12 Do advento da Nova República aos dias atuais...................................... .pág. 34
1.13 O MST..................................................................................................... pág. 37
2 - Impactos da Modernização
2.1 A modernidade e suas conseqüências na agricultura...................................pág. 38
2.2 Histórico da Agricultura Brasileira..............................................................pág. 40
2.3 O surgimento dos CAIs................................................................................pág 42
2.4 Bioteclologia: evolução do modelo CAI ou novo
paradigma de desenvolvimento que surge?..................................................pág. 47
2.5 A modernização de nossa agricultura e suas várias implicações.................pág. 49
2.5.1 Evolução do processo de acesso à terra......................................................pág. 51
2.5.2 Evolução da utilização de fertilizantes.......................................................pág. 52
2.6 Revolução verde ou pacote tecnológico imposto ?.....................................pág. 54
2.7 A política oficial de financiamento da atividade agrícola.............. .............pág. 55
2.8 Os reflexos da modernização da agricultura nos centros urbanos.................pág. 57
2.9 Aspectos de desenvolvimento de capitalismo central e periférico.........pág. 60
2.10 Bóia-Fria : A Exclusão dentro da Exclusão...............................................pág. 62
3. CONTEXTUALIZAÇÃO EMPÍRICA DO OBJETO
3.1 Porque lavouras de tomate ?.........................................................................pág. 66
3.2 Tomate : O exemplo perfeito da implantação de um
pacote tecnológico.......................................................................................pág. 76
3.3 Justificativa da escolha do local da pesquisa...............................................pág. 79
3.3.1 Porque a região de Goianápolis ?...............................................................pág. 79
3.4 Uma abordagem mais aprofundada do objeto de estudo.............................pág. 83
3.5 Agrotóxicos e sua ação sobre a saúde humana............................................pág. 85
3.5.1 Pesquisas e estudos realizados sobre os efeitos
da contaminação por pesticidas na saúde humana.....................................pág. 86
3.6 Agrotóxicos e seus efeitos sobre o meio ambiente.......................................pág. 88
3.7 Contaminação dos alimentos........................................................................pág. 90
3.8 Um paralelo terceiro mundista com o caso brasileiro....................................pág. 91
4 – A PESQUISA..................................................................................................pág. 93
4.1 – A realidade de Goianápolis..........................................................................pág. 105
4.2 – Resultados da Pesquisa.................................................................................pág. 115
5 – ALGUNS ASPECTOS INSTITUCIONAIS
5.1 - A questão no âmbito previdenciário.............................................................pág. 126
5.2 - A questão no âmbito trabalhista....................................................................pág. 129
5.3 – Agricultura sustentável, paradigma alcançável ou sonho?..........................pág. 130
6 - PERSPECTIVAS DE MUDANÇA NO PROCESSO.................................pág. 134
6.1 – Alternativas dentro do próprio modelo.........................................................pág. 134
6.2 – Soluções simples poderiam reduzir os danos à saúde de trabalhadores
rurais?..........................................................................................................pág. 136
14
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................... pág. 138
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................pág. 141
ÍNDICE DE TABELAS
Tabela 1. Distribuição de terras (1975 - 1985).....................................................pág. 31
Tabela 2. Estabelecimentos agropecuários recenseados
e área (1980-1985)...............................................................................pág. 32
Tabela 3. Reforma Agrária (1985-2002).............................................................pág. 35
Tabela 4. Estrutura Fundiária do Brasil -2003....................................................pág. 36
Tabela 5. Produção de máquinas agrícolas automotrizes 1960/1998.................pág. 46
Tabela 6. Distribuição da PEA segundo a situação do domicílio e
ramo da atividade principal.................................................................pág. 50
Tabela 7. Confronto dos resultados dos censos de 1970, 1975, 1980, 1985
e 1995- 1996. - Brasil........................................................................pág. 52
Tabela 8. Confronto dos resultados dos censos de 1970, 1975, 1980,
1985 e 1995-1996 - Goiás..................................................................pág. 53
Tabela 9. Participação percentual, segundo
classificação do produtor....................................................................pág. 56
Tabela 10. População urbana do Brasil..............................................................pág. 58
Tabela 11. Área plantada, área colhida, quantidade produzida,
rendimento médio e valor da produção (2002)................................pág. 67
15
Tabela 12. Áreas plantada e colhida, quantidade produzida,
rendimento médio e valor da produção segundo
unidades da federação (2002)............................................................pág. 68
Tabela 13. PAM - Área plantada, área colhida, quantidade produzida,
rendimento médio e valor da produção(2002).................................pág. 69
Tabela 14. Quantidade de agrotóxicos vendidos em relação
à área de cultivo-1985.....................................................................pág. 70
Tabela 15. Estimativa do número de casos de intoxicação
por agrotóxicos no Brasil(2001)......................................................pág. 78
Tabela 16. Despesas com agrotóxicos em alguns países
da América Latina...........................................................................pág. 82
Tabela 17. Composição do custo total(%) de produção
de tomate de mesa, segundo tamanho dos
produtores de Goianápolis,Safra 1999-2000......................................pág. 85
Tabela 18. Atividade da Colinesterase, entre a população
que trabalha em contato direto com agrotóxicos, Brasil..................pág. 87
Tabela 19. Coordenadas geográficas das propriedades
rurais pesquisadas...........................................................................pág. 116
Tabela 20. Classificação de inseticidas carbamatos
conforme toxidade aguda................................................................pág. 153
Tabela 21. Classificação de toxidade e dose letal de
alguns organofosforados..................................................................pág. 154
16
ANEXOS
ANEXO A – Relação de entrevistas preliminares...............................................pág. 143
ANEXO B- Questionários aplicados....................................................................pág. 145
ANEXO C – Informações complementares sobre os
principais agrotóxicos do tomate....................................................pág. 153
ANEXO D – Relação de normas regulamentadoras
do Ministério do Tabalho...............................................................pág. 156
17
INTRODUÇÃO
A idéia inicial do projeto de pesquisa desta dissertação era procurar analisar a
questão das condições de vida, as relações de produção e de trabalho de um determinado
grupo de trabalhadores rurais: os “bóia frias” envolvidos na produção de tomate na região
de Goianápolis-Go.
A partir das entrevistas preliminares
1
com técnicos ligados à área e em seguida
com as primeiras visitas a campo e entrevista informais com produtores e trabalhadores
rurais, evidenciou-se a necessidade de ampliação do objeto inicial de estudo e
conseqüentemente as perspectivas de análise, pois haviam outros agentes sociais
envolvidos e não se poderia contextualizar fidedignamente a questão do “bóia fria” sem
que se falasse da situação do produtor rural (proprietário ou arrendatário), dos meeiros e
formadores de lavoura que estão envolvidos no processo de modernização da agricultura
brasileira.
Foi necessário para tanto recorrer a abordagens diferenciadas do objeto de
estudo que situam-se no campo da sociologia do trabalho, sociologia rural, história
econômica e ciências ambientais.
As graves questões sociais que permeiam a sociedade brasileira neste início de
século atestam o reduzido avanço conseguido em nosso país no século precedente em
termos da redução das imensas desigualdades sociais. Essas questões demandam de todos
aqueles que possuem algum compromisso com mudanças sociais, o estudo desta realidade
perversa, como forma de fazer chegar a todo o conjunto da sociedade o conhecimento
desta situação bem como fornecer informações que possam ser utilizadas na formulação de
políticas públicas destinadas a reduzir estas desigualdades.
Movido por esta preocupação e do desejo de contribuir com o avanço da
melhoria das condições de vida e de trabalho de uma categoria de trabalhadores que tem
tido seus direitos à cidadania dificultados ou mesmo negados nas últimas décadas, foi
escolhido este objeto de estudo que buscou prioritariamente estudar alguns aspectos
relevantes das condições de vida de um grupo social cuja característica mais relevante é a
da “exclusão dentro da exclusão”
2
, que passaremos a chamar de: “bóias frias”.
Neste sentido, este estudo visou traçar um perfil sócio/econômico dos
trabalhadores ocupados nas lavouras de tomate da região de Goianápolis-GO, estudar suas
1
Ver a relação de entrevistas preliminares no Anexo I
2
Ver item11 onde esta idéia é analisada à luz do pensamento de Norbert Elias
relações de trabalho com os proprietários de terras, agenciadores de mão-de-obra e
proprietários de lavoura. Procurou-se traçar um perfil destes trabalhadores rurais que
contemple informações sobre que ocupação profissional desempenham nos períodos de
entre-safra, nível de renda familiar escolaridade, bem como avaliar a exposição a riscos de
contaminação pela utilização de agrotóxicos. Procurou-se ainda estudar o processo de
modernização da agricultura que resultou numa completa dependência dos produtores
rurais de um modelo de agricultura QMG - Químico/Mecânico/Genético, no qual estes são
reféns de um círculo vicioso que resulta em custos de produção cada vez maiores e
margens de lucro cada vez menores.
Como se não fosse suficientemente trágica a situação de descaso e abandono a
que estes trabalhadores estão relegados pelas autoridades governamentais, dentre eles
existe uma categoria cuja situação é ainda mais crítica: a dos “bóias frias” expostos a
intoxicação por agrotóxicos.
Este estudo buscou conhecer as relações de trabalho existentes entre estes
trabalhadores rurais e seus contratantes, a relação destes com o mercado e as implicações
ambientais decorrentes das técnicas de produção praticadas.
Procurou-se neste estudo analisar também a relação de dependência que se
estabeleceu entre a permanência na atividade dos produtores rurais e a utilização de
técnicas e insumos de alto custo.
O aspecto mais perverso desta relação é o fato de que os produtores rurais são
levados à aplicação intensiva de agrotóxicos e outros insumos que lhes consomem
substancial parcela dos rendimentos obtidos na atividade produtiva, sem que consigam
libertar-se da dependência criada em relação a eles.
Foram enfocados também aspectos sobre saúde, legislação previdenciária e
trabalhista destes trabalhadores.
Cabe ainda ressaltar que foram visitadas várias dezenas de propriedades rurais
localizadas na região de Goianápolis, e aplicado questionário em treze delas que estavam
plantando lavouras de tomate nos meses de Setembro e Outubro de 2004. Ao todo 72
trabalhadores rurais responderam ao questionário.
Este questionário visou avaliar se existe ou não exposição de trabalhadores
rurais a risco de contaminação pela utilização destes produtos e de traçar um perfil sócio-
econômico destes trabalhadores. Além dos questionários foram feitas entrevistas com
produtores e trabalhadores rurais.
14
Os dados obtidos com a aplicação dos questionários foram analisados com o
auxílio do software de análise estatística SPSS, versão 11.0.
Solicitou-se via ofício à Agencia Rural/Regional Anápolis, o acompanhamento
do pesquisador, nas visitas a campo, de um técnico conhecedor da região. Tal solicitação
foi atendida e o eng° agrônomo Cezar Honório, lotado no escritório de Goianápolis,
acompanhou o pesquisador em inúmeras visitas a campo, ajudando-o na localização das
propriedades rurais e apresentando-o aos proprietários.Tal fato muito facilitou o trabalho,
uma vez que os produtores rurais são normalmente desconfiados e temem a presença de
fiscalização além do que, não existia nenhuma informação prévia de quais eram as
propriedades que naquele período estavam plantando tomate.
15
1- EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA ESTRUTURA FUNDIÁRIA BRASILEIRA
1.1- O DESENVOLVIMENTO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO NO CAMPO NO
BRASIL-
Durante o período colonial a origem social era fator preponderante não apenas
no exercício da cidadania como também no domínio e propriedade da terra. Não tinham
direitos de propriedades os descendentes bastardos, os mestiços de branco e índia e
naturalmente os índios, que eram a princípio escravos.
Até o século XVI o filho mestiço ainda era considerado escravo, podendo ser
ou não alforriado.
No século XVII, com a declaração da ilegalidade da escravidão indígena, este e
o mestiço ascenderam ao status de agregados nas fazendas, porém mantida a condição de
excluídos relativamente ao direito de propriedade. No caso dos índios, se suas terras
fossem alcançadas pela concessão de sesmarias estes passavam a ser agregados do
cessionário perdendo para ele suas terras.
Compunham também a classe dos trabalhadores rurais os familiares dos
proprietários de terra que eram excluídos da herança da propriedade pelo sistema de
morgadio.
Este regime determinava que apenas o primogênito herdava legalmente os bens
do fazendeiro tornando-se os outros filhos agregados da propriedade. Tal sistema somente
foi extinto em 1835 (MARTINS,1990)
3
.
3
José de Souza Martins é sociólogo, e sobre ele comenta o jornalista Rodrigo de Freitas em entrevista
publicada em 29/01/2005 no Jornal do Brasil :
“ O sociólogo José de Souza Martins conjuga, como poucos, o refinamento na escrita, o vigor na
apresentação das próprias teses, o esforço intelectual de décadas de estudo e a coragem de defender idéias
claramente polêmicas. Com tal combinação, Martins tornou-se um dos mais importantes sociólogos
brasileiros contemporâneos e uma das maiores referências sobre o campesinato e questão fundiária no país. O
olhar sobre o campo, sublinhe-se, migra inevitavelmente para o exército de miseráveis espalhados nas
favelas, nas moradias improvisadas e nas ruas das grandes metrópoles. Ele chama de “cidade clandestina”,
cuja evidencia é ainda mais grave pela tendência a propagar-se para além dos espaços degradados e atingir a
cidade funcional”.
O resultado é a incapacidade da estrutura administrativa tradicional de dar conta dos crescentes problemas
sociais urbanos . Professor titular aposentado da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo, Martins expõe o ceticismo de quem enxerga com nitidez a pobreza brasileira de
espírito público e de consciência crítica...”
16
O morgadio impedia a divisão de propriedades por herança e favorecia a
manutenção de grandes latifúndios. Por outro lado forçava a expansão da fronteira
agrícola, pois a única forma de obtenção de terras possível ao homem branco era a
ocupação e uso de novas terras através da solicitação de concessão de sesmaria. A
interdição à propriedade da terra não era, portanto definitiva para os “brancos puros”,
mesmo que não primogênitos.
Após a extinção do morgadio, os proprietários de terra recorriam a casamentos
intrafamiliares para impedirem a fragmentação das propriedades, sendo as mesmas
ocupadas de forma indivisa e em comum.
Um mestiço pobre podia estabelecer sua posse, mas estava impedido de
legalizá-la pelo regime de sesmaria, podendo perdê-la caso alguém em condição de
desimpedimento o fizesse. Nesses casos dependia do sesmeiro legal aceitar ou não a
permanência do posseiro em suas terras como agregado.
Os agregados mestiços eram utilizados pelos fazendeiros como instrumentos de
ocupação de novas terras e o faziam em nome daquele. As relações que se estabeleciam
entre o fazendeiro e o agregado extrapolavam o âmbito econômico e as relações de
trabalho. Envolviam lealdade recíproca, troca de favores, e defesa dos interesses do
fazendeiro, até mesmo quando este disputasse com vizinhos a posse de terras. Estas
relações baseavam-se em um código de honra.
Constituía também parte desta intrincada trama de relacionamento a instituição
do compadrio, na qual o agregado aceitava como protetor de um ou mais de seus filhos o
fazendeiro, que assumia o compromisso de ser por toda a vida o padrinho daquela criança.
Na estrutura de produção predominante até a abolição da escravatura o
agregado era incumbido da formação de novas fazendas, cabendo a ele as tarefas de
derrubada das matas, preparo da terra e implantação do cafezal.
Este processo geralmente levava em torno de 5 anos até que os cafezais
começassem a produzir. Neste meio tempo o agregado tinha como recompensa o direito de
plantar entre os pés de café o que lhe conviesse e recebia pequena remuneração em
dinheiro proporcional ao número de pés de café formados. depois de formado o cafezal
entrava o trabalho escravo, pois este representava capital imobilizado pelo fazendeiro e era
mais conveniente que ele atuasse somente quando as atividades agrícolas fossem
imediatamente rentáveis, na fase das colheitas. Desta forma, os camponeses deste
17
período caracterizavam-se pela atividade de produção de gêneros alimentícios em geral,
classificada de “lavoura de pobre”.
Os camponeses, na sua quase totalidade pobres, eram por essa mesma razão
excluídos do mais elementar direito de cidadania: o voto, uma vez que para tanto existiam
barreiras de natureza econômica, consolidadas na constituição de 1824.
Nas eleições paroquiais a renda líquida mínima exigida para que se pudesse
votar ou ser votado era de cem mil réis, valor que equivalia a 759 Kg. de açúcar ou 1.500
Kg. de farinha de mandioca, ou ainda 6 bois ou 4 cavalos. No caso das eleições provinciais
estes valores ascendiam o dobro. Estas barreiras seriam eliminadas após a proclamação
da república em 1889 (ALMEIDA, 1963 apud MARTINS, 1990).
1.2 - OS LEVANTES CAMPONESES
Grandes levantes camponeses ocorreram após a proclamação da república e
foram ferozmente combatidos, sendo tomados à conta de movimentos pró-monarquia.
Estes movimentos tais como Canudos na Bahia no período 1893-1897 e
Contestado no Paraná e Santa Catarina de 1912 a 1916, na realidade tinham como principal
reivindicação melhores condições de vida e acesso à terra para os trabalhadores rurais e
eram formados de camponeses, vaqueiros, jagunços e ex-escravos. Se o discurso de alguns
de seus líderes manifestava idéias anti-republicanas é que estes atribuíam o agravamento
das condições da vida no campo à mudança para o novo regime político. Prova disso é que
o movimento de Canudos, com Antônio conselheiro começou a polarizar a simpatia e o
apoio popular alguns anos antes do final da monarquia, muito embora o período de
confronto direto com as autoridades constituídastenha ocorrido mais adiante, a partir de
1893.
Foram necessárias quatro expedições militares, a última possuindo mais de 10
mil soldados para derrotar o movimento, dizimando a população de Canudos, que chegou a
ser de 30 mil habitantes e 5 mil casas (Moniz, 1978, apud Martins, 1990).
O movimento do Contestado, oriundo da divisa dos estados de Santa Catarina e
Paraná, tem seu surgimento ligado a construção da ferrovia São Paulo - Rio Grande.
O sindicato construtor, tendo recebido como pagamento a concessão da
exploração de uma faixa de 9 km de cada um dos lados da ferrovia, deu inicio a um
processo de expulsão dos posseiros instalados nesta faixa, para dali extrair madeira e em
seguida dar inicio a um programa de colonização, vendendo a terra a colonos estrangeiros
18
a partir de 1911 por intermédio da empresa Southern Brazil Lumber and Colonization
Co.(MARTNS, 1990).
Liderados pelo beato José Maria o grupo, tal como ocorrido em Canudos, foi
denunciado como monarquista e combatido, tendo esse líder sido morto logo no primeiro
ataque, muito embora tivesse declarado suas intenções pacíficas. O conflito chegou a
envolver 20 mil camponeses.
Nos combates do Contestado ao lado das forças do exército e das polícias
estaduais juntou-se uma tropa de aproximadamente 1.000 vaqueanos (nome dado aos
jagunços no sul) a soldo dos fazendeiros (MARTINS, id). Jagunço foi por muito tempo
sinônimo de agregado e entre suas atribuições estava a de lutar pela propriedade dos
patrões. Desta forma eles eram soldados nas guerras particulares dos fazendeiros. Estes
dois levantes podem ser classificados como messianismo em virtude da fundamentação
religiosa de seus líderes.
1.3 - A estrutura agrária na Velha República
Com relação à posse da terra houve a vitória dos segmentos republicanos mais
conservadores que, contrariamente aos ideais liberalizantes de setores mais progressistas,
não queriam a tributação da propriedade fundiária e a integração dos negros à nação,
através da distribuição de terras a eles bem como a pobres e imigrantes.
A dificultação do acesso a terra aos pobres garantia a manutenção da estrutura
de poder da elite agrária, plantadora de café. Neste aspecto o novo regime não mostrou
inicialmente qualquer avanço com relação ao processo de rompimento com o passado
colonial, refletindo a constituição de 1891 a construção de um modelo seletivo de
cidadania.
Nesta carta constitucional oficializou-se um modelo excludente de cidadania
pois, ela previa que haveriam cidadãos ativos e passivos. Os primeiros podendo exercer os
direitos civis e políticos e os segundos apenas os direitos civis (Linhares, 1999). Ainda
segundo Linhares (id.), em 1894 apenas 2,2% da população total possuía direito a voto
enquanto que no Império este número chegou a 13%.
As forças conservadoras da Velha República patrocinaram o processo de
transferência do patrimônio fundiário da união para os estados e deste para os particulares.
Tal fato consolidou-se quando a constituição de 1891 determinou a transferência de terras
19
públicas do governo federal para os estados. Como a política estadual era comandada pelos
coronéis, abriu-se caminho para que as oligarquias regionais se apossassem destas terras
expandindo ainda mais o sistema de latifúndio vigente no período imperial.
Em alguns aspectos a política fundiária da Velha República mostrou-se
socialmente mais retrógrada e concentradora que a do Império.
A lei de terras de 1850 estabelecia que os títulos de posse da terra seriam
obtidos pela compra, enquanto que a lei de 1900 estabelecia o arrendamento em condições
extremamente favoráveis aos grandes proprietários rurais e reconheceu as posses feitas à
revelia da lei de 1850. Neste sentido cita Linhares:
A lei do Orçamento da União, de 1901, consagra a posse de terras por ordens
religiosas que Rodolfo Dantas, em 1887, propusera doar aos ex-escravos - e a
posse pelos fazendeiros de todas as terras arrendadas desde 1889. Ao mesmo
tempo, estabelece as condições para o aforamento de terras em caráter perpétuo -
uma virtual doação, com um foro anual de 1/40 do valor do terreno. Entretanto,
não estabelece os mecanismos de cobrança, de punição em caso de
inadimplência ou um limite para a extensão da terras públicas arrendadas,
medidas básicas tomadas, por exemplo, na Argentina e nos Estados Unidos, ao
longo do século XIX ( LINHARES, 1999, p.77).
Um decreto de 1913 vem consolidar a legislação anterior (1901), abrindo ainda
mais as possibilidades de apossamento de terras públicas, passando a admitir também a
invasão por grandes proprietários. Este decreto chegou ao descalabro de legitimar qualquer
posse de terra que viesse a ser declarada por fazendeiros como pasto, mesmo sem qualquer
indício de ocupação. Nesta condição estavam também os seringais, castanhais e florestas
naturais, as quais propiciavam o sustento de milhares de sertanejos. Desta forma a
república expandia o regime de latifúndio existente também para as novas fronteiras
agrícolas na Amazônia, o Meio-Norte e o Centro-Oeste.
1.4 - A desarticulação da estrutura agrário-latifundiária
A revolução de 1930 que estabeleceu uma nova conjuntura política diminuiu
significativamente o poder da elite agrário-latifundiária.
A par das mudanças políticas, ocorrem também no país, transformações
econômicas que põem fim, de forma definitiva, a estrutura econômico-financeira que dava
suporte à influência daquele segmento social.
20
Após um curto e inexpressivo período que vai de 1929 a 1931, onde se fizeram
sentir no Brasil alguns reflexos da grande depressão mundial de 1929, a economia como
um todo passou a crescer novamente a uma taxa anual de 5,6% até 1939 (Paiva, Abreu,
apud Linhares,1999).
Este crescimento, no entanto não contemplou os setores agrário-exportadores já
que os mercados internacionais sofriam de forte retração e queda nos preços. Esta crise
vivida pelo setor acabou por resultar num desprestígio e perda de espaço no cenário
político uma vez que seu poderio econômico mostrou-se abalado e comprometido.
A atividade agrícola se reorienta para o mercado interno buscando atendê-lo
com uma produção variada de alimentos. Ocorre uma mudança de paradigmas e a
agricultura exportadora de produtos in natura passa a ser responsabilizada pela debilidade
e dependência externa da economia brasileira. Pelo contrário, a indústria voltada para o
atendimento das demandas do mercado interno, vivia uma fase de crescimento continuado.
Desfaz-se desta forma a estrutura sobre a qual se mantinha o modelo do latifúndio
exportador da República Velha.
21
1.5 - A QUESTÃO AGRÁRIA NO ESTADO NOVO (1937-1945)
O projeto desenvolvimentista posto em ação por Vargas, inspirado em idéias
Fordistas-Keynesianas
4
, propunha fundamentalmente a criação de uma massa urbana capaz
de demandar o consumo de bens não duráveis, dentre estes, alimentos, que pudessem
possibilitar o surgimento de um mercado auto-sustentável que retirasse o país da sua
histórica dependência dos preços internacionais de produtos agrícolas para exportação e
criando as bases de um processo de substituição de importações, especialmente após 1945.
Dentre as iniciativas de mudanças propostas por Vargas estava a expansão da
fronteira agrícola do país, objetivando inserir na economia regiões de pouca expressão e
baixa ocupação demográfica tais como o centro-oeste e a Amazônia. Muito embora o foco
principal da atuação governamental neste período fosse o trabalhador urbano não se pode
deixar de admitir que algumas mudanças, mesmo que de pequena envergadura foram
realizadas neste período para o trabalhador do campo.
O Estado Novo não fez pelo trabalhador rural tanto quanto fez pelo trabalhador
urbano, especialmente o industrial, conferindo ao primeiro um papel marginal na CLT-
Consolidação das Leis do Trabalho de 1943. Os dispositivos de garantia e proteção
previstos nesta CLT não chegaram a alcançar o trabalhador rural como ocorreu ao
trabalhador urbano, não deixando contudo de empreender mudanças inéditas e de grande
alcance na estrutura fundiária do país.
O Estado Novo empreendeu uma política colonizadora. Neste sentido, em
1932 um decreto é assinado facultando o arrendamento de terras públicas no Piauí,
objetivando a criação de assentamentos rurais. Tal política propunha a distribuição de
pequenos lotes, de 25 hectares em média, para trabalhadores pobres, flagelados e retirantes
da seca em áreas de assentamentos agrícolas que seriam dotados de escola e cooperativa.
Esse modelo seria baseado no modelo gaúcho de colonização, terra de Vargas, e partia-se
do pressuposto que ele poderia ser aplicado com êxito no restante do país.
Em 1933 é decretada pela primeira vez na história do país uma desapropriação
de terras por utilidade pública, com objetivo de instalação de colônias agrícolas. Por esta e
outras medidas que se sucederiam, também pela primeira vez na história do país, um
governo se coloca em rota de colisão com as elites agrária monocultora/exportadora,
partindo da premissa que a estrutura econômica sobre a qual estas se mantinham
4
Classificação citada por Maria Yedda Leite Linhares em seu livro Terra Prometida, pág.107
22
ocasionavam a dependência do país do mercado externo e das grandes potências
capitalistas da época. Este decreto estabelece que a colonização tornar-se-ia prioridade
nacional (Linhares, 1999).
As iniciativas de criação de assentamentos rurais estimularam a pequena
produção familiar que estava em declínio. Sobre esta questão cita Linhares: “O decreto
24.606, de 1933, extingue sistema de arrendamento de terras, inclusive das ordens e
instituições religiosas. São assim, banidos três séculos de existência deste instituto”(id).
Por meio deste dispositivo legal, o estado passa a exigir dos latifundiários o
título de propriedade da terra, inviabilizando e até mesmo cassando os direitos destes de
legitimação de posse sobre terra públicas.
A intervenção estatal golpeou duramente os interesses do setor agrário.
Estabeleceu-se como pagamento a título de indenização, nas desapropriações de terras
públicas, o valor de 1/40 avos do último valor do imposto pago. Como os latifundiários
pagavam historicamente valores irrisórios pela utilização de terras publicas, os valores
pagos aos latifundiários foram bastante baixos.
Para enfrentar a grande resistência que foi oferecida a estas medidas, o governo
Vargas republica em 1941 este decreto incluindo nele novo dispositivo onde veta a
possibilidade de recursos de ações buscando manutenção de posse ou indenizações de
valor mais elevado que possam chegar ao poder judiciário, devendo ser apreciadas apenas
na esfera administrativa da administração pública.
Esta republicação impõe uma situação ainda mais adversa aos latifundiários,
pois reduz o valor da indenização a apenas 1/20 do valor do último imposto pago. Este
decreto é pouco utilizado, mas de qualquer forma marca o rompimento da aliança
existente, durante a República Velha, entre a oligarquia agrária e o governo federal e teve o
mérito de ao menos limitar a expansão latifundiária.
Em 1945 com a queda de Vargas, interrompeu-se um processo que sinalizava
para uma vigorosa intervenção do governo no campo a começar pela inclusão do
trabalhador rural no sistema nacional de seguridade social, prevista no decreto 18.809.
Outro fato nesta direção foi a publicação no mesmo ano do decreto 7.916 que tratava da
distribuição de terras.
Todos estes avanços são, no entanto anulados pelos constituintes de 1946,
ligados às oligarquias agrárias com a justificativa de “varrer o autoritarismo varguista”. A
legislação agrária implantada no período Vargas foi revogada após sua deposição e como
23
resultado, os projetos de assentamento foram abandonados à própria sorte desaparecendo
gradualmente.
1.6 - O CANGAÇO COMO FORMA DE MANIFESTAÇÃO DE REVOLTA PELA
PRECARIEDADE DAS CONDIÇÕES DE VIDA DO HOMEM DO CAMPO
Outra forma de manifestação da revolta e desesperança do homem do campo,
do sertanejo foi o cangaço.
Os cangaceiros, que eram bandidos sertanejos, atuavam em grupos ou bandos
e eram formados por ex-sitiantes, posseiros, e camponeses que haviam sido expulsos de
suas terras por jagunços de fazendeiros ou eventualmente por pessoa em busca de proteção
após o cumprimento de uma vingança pessoal motivada por alguma ofensa.
Os cangaceiros freqüentemente estavam em conflito com fazendeiros e
comerciantes ricos, tendo sido o mais importante deles Antônio Silvino.
Este cangaceiro impunha como norma de seu bando não atacar camponeses e
trabalhadores rurais pobres e algumas vezes distribuía o fruto do roubo entre os pobres à
maneira da mitológica figura de Robin Wood. Outro cangaceiro famoso foi Virgulino
Ferreira o Lampião que notabilizou-se mais por sua violência do que por atitudes que
denotassem alguma consciência de problemas sociais a exemplo de Antônio Silvino.
1.7 - MESSIANISMO E CORONELISMO COMO EXPRESSÕES DE LIDERANÇA
POLÍTICA
A situação de grande desigualdade social no campo produziu ainda figuras
como padre Cícero Romão Batista, em Juazeiro do Norte-CE, que foi um misto de líder
messiânico e coronel político com tal poder que conseguiu a deposição do governador do
Ceará (Martins, 1990).
Os coronéis sertanejos formaram e armaram forças auxiliares que vieram a ser
chamadas de Guarda Nacional e que se destinavam a manutenção da ordem interna. Tal
força sob o comando dos fazendeiros dava-lhes relativa independência do governo federal
e termina por criar tensões entre fazendeiros e os militares, que resultaram em 1918 com a
extinção da Guarda Nacional, com absorção de seus integrantes pelo Ministério da Guerra.
Na revolução de 1930 torna-se mais evidente a perda de espaço político dos
coronéis com a prisão de vários e prestigiosos deles. As crises consecutivas da lavoura de
24
cana-de-açúcar no Nordeste fizeram com que os senhores de engenho se desinteressassem
da atividade e arrendassem suas terras aos chamados localmente “foreiros”.
Com a elevação dos preços deste produto no período de 1939 a 1945, em
virtude da 2ª. Grande Guerra, os proprietários de terra retornam à atividade tomando-as de
volta dos foreiros, que ali produziam gêneros alimentícios diversos.
Como resultado deste fato, nos dez anos seguintes a quase totalidade de
foreiros foi retirada das terras que ocupavam e reduzida a situação de trabalhadores
temporários, os que não o foram transformaram-se em moradores de condição, sendo
compelidos a substituir suas plantações por cana e dar certo número de dias de trabalho
gratuitamente nos canaviais.
1.8 - O PERÍODO DO PÓS VARGAS AO GOLPE MILITAR (1950-1964)
Neste período a questão agrária é reconhecida pelo governo como um dos
principais entraves ao desenvolvimento do país. A continuidade dos baixos índices de
produtividade agrícola, as constantes crises de abastecimento reforçam esta avaliação do
governo.
O crescimento do desemprego no campo propicia uma politização sem
precedentes deste segmento social, em todo o país e em especial no Nordeste. Malgrado a
aceleração do processo de inversão de população campo X cidade com o esvaziamento
progressivo do campo, e da subjugação dos interesses do campo à indústria com o
surgimento dos CAIs-Complexos Agro-Industriais, os trabalhadores rurais organizam-se e
passam a reivindicar seus direitos.
No início da década de 1960 o modelo industrial Fordista/Keynisianista
implementado a partir do Estado Novo havia se exaurido apresentando segundo Linhares
(id), alguns problemas que obstaculizavam a continuidade do crescimento econômico tais
como inflação elevada e rápida perda do poder aquisitivo dos salários, baixo nível de
reservas cambiais em virtude de queda internacional dos preços dos produtos exportados
pelo país.
A queda de oferta de empregos no campo aliada às precárias condições de
trabalho ali existentes fez com que começassem a surgir movimentos camponeses
reivindicatórios.
25
Segundo Linhares a proposta de política econômica do governo João Goulart,
como de seu antecessor Juscelino Kubisteck, caminhava no sentido de estimular o
crescimento do mercado interno como premissa básica à continuidade do projeto
desenvolvimentista nacional. Como instrumentos desta política adotou-se o confisco
cambial sobre as exportações, através de impostos, cujos recursos deveriam fomentar a
industrialização sem a necessidade de recorrer a empréstimos externos. Esta linha de
pensamento chamada de Nacional-desenvolvimentista perseguia alguns dos objetivos da
política econômica Varguista como a elevação do poder aquisitivo da população e seu
acesso ao consumo de gêneros alimentícios que elevassem seu padrão nutricional.
O plano de metas do governo JK contemplava uma política de substituição de
importações nos segmentos de bens de capital e bens de consumo duráveis. Dando
continuidade à política de isenção cambial iniciada no governo Café Filho e de
investimentos maciços no setor público, com a construção de estradas, de Brasília, de
indústrias de base como as siderúrgicas Usiminas e Cosipa, a construção de hidrelétricas e
a ampliação da capacidade produtiva da Petrobrás, muitas indústrias multinacionais foram
atraídas e instalaram-se no país.
Estes investimentos concentravam-se nas indústrias de eletrodomésticos,
máquinas e equipamentos e na indústria automobilística (Alencar, 1981)
O Reflexo desta industrialização deu-se também na agricultura uma vez que a
produção de tratores com rodas subiu de 37 para 1.679 e 7.586 respectivamente nos anos
de 1960,1961 e 1962, e os cultivadores motorizados de zero para 751 e 1.240
5
, no mesmo
período, conforme dados constantes na tabela 5.
No cenário internacional existia naquele momento uma polarização ideológica
intensa que passou a ser chamada de “Guerra Fria”. Tal polarização refletia-se
internamente no país sendo os defensores da política econômica acima citada alinhados
com a esquerda
6
.
Esta agudização dos conflitos sociais originados no campo, trouxe a questão
agrária para o centro dos debates políticos e econômicos nacionais, passando a ser
5
Fonte: Mapa geral das indústrias do Brasil. In: Séries estatísticas retrospectivas. Ed. fac. sim. Rio de
Janeiro: IBGE, 1986. v. 2: O Brasil, suas riquezas naturais, suas indústrias. t. 3. 2. pt. p. 150; Anuário
Estatístico da Indústria Automobilística Brasileira 2001. São Paulo: Associação Nacional dos Fabricantes de
Veículos Automotores, 2001. Ano-base 1957-2000.
6
Este termo é aqui empregado tal como ele é definido no Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa de
Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, 2ª. Edição, Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro-RJ, 1986:
Esquerda - Conjunto de indivíduos ou grupos políticos partidários de uma reforma ou revolução socialista.
26
considerado um tema de primeira grandeza nas discussões sobre o desenvolvimento
nacional.
A falta de um combate ao crescimento do movimento camponês tendo como
sua expressão maior as “Ligas”, foi interpretado pelas elites conservadoras como sendo
uma clara tendência comunista do governo.
No governo João Goulart, a reforma agrária passa a receber um status de
prioridade, número um no elenco de medidas que possibilitariam a superação da crise
econômica e a continuidade do desenvolvimento industrial do país, uma vez que a
agricultura deveria propiciar com variedade e quantidade de produtos alimentícios e
matéria prima de baixo custo a queda da inflação e financiar via impostos de exportação, o
crescimento da indústria.
Em 1960 a distribuição fundiária apresentava-se ainda com características
predominantemente latifundiárias. Segundo LINHARES(1999)
7
, os latifúndios
(propriedades com mais de mil hectares)
8
, representavam 0,9% do total das 3,35 milhões
de propriedades rurais mas ocupavam 47,3% do total das terras e cultivavam apenas 2,3%
dessa área, respondiam por apenas 11,5% da produção agrícola e ocupavam apenas 7% da
mão-de-obra rural.
Se por um lado a estrutura fundiária era de latifúndio, por outro com base na
CLT de 1943, começaram a surgir demandas trabalhistas com resultados favoráveis aos
trabalhadores rurais em virtude das precárias condições de trabalho que persistiam no
campo enquanto os trabalhadores urbanos já possuíam alguns avanços como férias, décimo
terceiro salário, salário maternidade, e outros benefícios trabalhistas e previdenciários,
além de maior oferta de empregos.
Durante o governo João Goulart surgiu um temor generalizado entre as
lideranças agrárias de que a política governamental com relação ao campo voltasse a
conceder excessivos benefícios aos trabalhadores rurais a exemplo do que havia
7
Maria Yedda Linhares realizou seus cursos universitários entre 1939 e 1944, no Brasil na Universidade do
Distrito Federal-UDF e na Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil, e nos Estados Unidos na
Columbia University. Ingressou como professora na UFRJ em 1946 onde conseguiu o título de livre docente
em 1953 e tornou-se professor catedrático em 1957. Ocupou este cargo até 1969 quando foi aposentada pelo
AI-5.
Foi convidada em 1970 para lecionar na França onde atuou até 1974 como Professeur Associe em Paris-
Vincennes, na Universidade de Toulouse-Le Mirail.
Com a anistia em 1980, voltou a UFRJ, recebendo em 1992 desta universidade o título de professor emérito
(extraído da apresentação dos autores do livro Terra Prometida).
8
Classificação segundo LINHARES, (1999), pág.170.
27
começado a acontecer no período Varguista, abalando as tradicionais e consolidadas
relações sociais no campo, com suas intrincada redes de interesses políticos locais, que
conservava fortes resquícios do coronelismo.
A produção agrícola crescia 2% contra 3,5% a.a. de crescimento demográfico,
fato agravado ainda mais pela estrutura de concentração de terras em latifúndios voltados
para monoculturas de exportação como o café. Ocorrem ainda no governo João Goulart,
pelas razões anteriormente citadas, uma prolongada e extensa crise de abastecimento de
gêneros alimentícios básicos nas grandes cidades, com agudização em 1961. Tal fato
acabou por acarretar alguns episódios de saques a supermercados que serviram de pretexto
para os que combatiam o governo de vaticinar o caos iminente em que mergulharia o país.
(LINHARES,1999)
9
. A inflação elevou-se rapidamente para 38,9%, 65%, 66% e 83%
respectivamente nos anos de 1959,1961,1962 e 1963, fazendo surgir também no meio
urbano protestos exigindo do governo políticas emergenciais para o controle de preços que
resultaram em greves e manifestações públicas.
Por outro lado os liberais da UDN-União Democrática Nacional, partido de
representação dos interesses empresariais e o PSD-Partido Social Democrata, que
representava os interesses das oligarquias rurais, eram contrários às políticas
implementadas pelo governo João Goulart e a extensão dos direitos previdenciários e
trabalhistas aos trabalhadores rurais. Tal situação deixava o governo numa situação
“sanduíche”, pressionado tanto pela esquerda como pela direita. (Linhares, id). Como
medida concreta neste sentido o governo aprovou Estatuto do Trabalhador Rural em 1963
que, efetivamente estendeu a estes trabalhadores alguns direitos dos trabalhadores urbanos.
A política da SUDENE, presidida então pelo Economista Celso Furtado,
estabelecia dentro de um plano de 5 anos de implantação, a partir de 1961, a troca de terras
por assistência técnica, reduzindo a área plantada com a conseqüente redução da oferta
internacional e aumento de preços, como forma de combater o aviltamento destes e, ao
mesmo tempo promover o assentamento de famílias nas terras objeto desta troca,
incentivando nelas a produção de alimentos. Tal proposta previa inclusive a
desapropriação com pagamento em longo prazo em títulos da dívida pública, de todas as
terras consideradas necessárias à produção de alimentos desde que não estivessem sendo
utilizadas. Por esta razão foi ferozmente combatida e bloqueada no Congresso Nacional
pelo PSD e pela UDN (Linhares, id).
9
Terra Prometida, págs.171 e 172
28
Outra frente de atrito com o governo surge, contra a atuação da SUDENE,
manifestada pelos governadores do Nordeste, capitaneados por Cid Sampaio de
Pernambuco, pois a mesma é vista como concorrente com o poder político dos
governadores e das elites agrárias estaduais.
Por outro lado, a expectativa de que o Estatuto do Trabalhador viesse estender
de forma definitiva aos trabalhadores rurais direitos como carteira de trabalho assinada,
salário mensal em dinheiro (e não mais in natura), férias anuais, 13º (décimo terceiro)
salário, contribui para que os proprietários de terra apoiassem qualquer movimento que se
colocasse contra o governo e o impedisse de realizar tais reformas.
Note-se que no nordeste existia à época, o mais baixo nível de incorporação de
tecnologia à agricultura no país. Conforme cita Linhares (id) um hectare de terra no
Nordeste produzia 38 t. de açúcar, enquanto a mesma área em São Paulo produzia 47
toneladas.
A gota d’água que fez eclodir o golpe militar de 1964 foi, no entanto o envio
ao congresso em 15 de março de 1964 de um projeto de reforma agrária que propunha a
desapropriação de terras não exploradas e a priorização de produção de alimentos para o
mercado interno com a obrigatoriedade do cultivo destes em todas as terras a cada quatro
plantações.
Este projeto não chegou a ser votado, pois a 31 de Março daquele ano as forças
armadas tomam o poder derrubando o presidente João Goulart. Pode-se, com base no
exposto, afirmar que um dos principais elementos que constituíram a gênese do golpe que
instaurou uma ditadura militar que deveria perdurar por 21 anos no país foi a questão
agrária.
1.9 - AS LIGAS CAMPONESAS
Desde meados da década de 1950 surgia no nordeste, especificamente em
Pernambuco, lideranças, como o deputado e advogado Francisco Julião do PSB-Partido
Socialista Brasileiro, que procurou organizar o movimento do campezinato em especial dos
canavieiros, em cooperativas ou como ficaram mais conhecidas, em “Ligas Camponesas”.
29
Tal movimento defendia a extensão de todos os direitos dos trabalhadores
urbanos aos trabalhadores rurais bem como a desapropriação de terras onde estes pudessem
ser assentados.
A imprensa norte-americana passa a publicar a partir de 1960, matérias onde
compara o movimento das “ligas” com aquele ocorrido em Cuba, predispondo o governo
daquele país a apoiar qualquer movimento político que pusesse fim ao risco de repetição da
experiência Cubana no Brasil.
O movimento camponês tem um grande crescimento por toda a região
Nordeste chegando a perfazer 250 mil filiados naquele ano (Linhares, id). Neste contexto
as ligas camponesas passam a dar uma característica mais política ao movimento camponês
diferentemente do messianismo e do cangaço.
Em 1955 surge no engenho Galiléia, em Pernambuco, uma associação de
foreiros chamada Sociedade Agrícola e Pecuária dos Plantadores de Pernambuco que
passou a ser conhecida por Liga Camponesa, cujo modelo logo se espalhou pelo Nordeste.
As ligas foram banidas pelo regime militar que se instalou no país em 1964 e
as lideranças do movimento camponês presas e perseguidas, o que ocasionou a
desarticulação quase absoluta deste movimento.
1.10 - DO GOLPE A NOVA REPÚBLICA (1964 - 1985)
Com a mudança de orientação política de rumos do governo federal, a questão
agrária que ocupava um papel central do último governo democrático pré-golpe é relegada
a plano secundário sob o aspecto econômico.
A rápida industrialização do país passa a ser o principal objetivo da política
econômica adotada e sob este prisma seria até mesmo desejável a ocorrência do maciço
êxodo rural, pois ele forneceria mão-de-obra farta e barata para as indústrias urbanas.
O campo brasileiro continua, entretanto a receber atenção das autoridades mas
agora sob o enfoque de uma provável fonte geradora de movimentos populares subversivos
à nova ordem estabelecida.
Sob influência da ideologia da segurança nacional, o novo regime via no
campo o risco do surgimento de movimentos insurgentes a exemplo da Bolívia em 1950,
de Cuba em 1959 ou ainda das guerrilhas rurais, características da guerra do Vietnan,
30
iniciada no mesmo ano de 1964. Por esta razão os movimentos populares tanto urbanos
como rurais, sofreram violenta repressão sendo gradualmente desarticulados, sob a
justificativa que tinham conexão com uma grande conspiração comunista internacional.
As propostas de política econômica para o setor rural preconizavam uma
modernização acelerada com concessão de crédito rural vinculados especificamente a
programas de custeio e investimento agrícola, com juros subsidiados que favoreciam a
compra de máquinas e implementos, adubos e defensivos agrícolas.
Este modelo propunha como resposta às crises de abastecimento do início da
década de 1960, o aumento da produtividade das grandes propriedades com baixa absorção
de mão-de-obra.e elevado padrão tecnológico. Os empréstimos privilegiados, vinculados a
estes programas destinavam-se a grandes produtores rurais, partindo-se da política
econômica concentradora de renda e recursos formulada pelo ministro da fazenda Antonio
Delfim Neto, a política do “Crescimento do bolo”.
Dentro desta perspectiva o problema da agricultura brasileira era o baixo nível
tecnológico e de capitalização e deveria ser sanado via modernização dos latifúndios.
Dados na tabela 1, que se segue, revelam que ao final do governo militar houve
um processo de concentração na estrutura fundiária do país na contramão do crescimento
populacional e na direção do estímulo ao êxodo rural, o que contribuiu com o alargamento
do abismo na distribuição de renda e exclusão social.
TABELA 1. Distribuição de terras (1975-1985)
CATEGORIAS 1975 1980 1985
MILHÕES DE
ESTABELECIMENTOS
5,0 5,2 5,8
Área Total(ha.) 323,1 369,6 376,3
Os 50% Menores 2,5 2,4 2,2
Os 50% Maiores 68,7 69,7 69,2
Fonte: Boletim Abra in LINHARES, 1999
Tabela 2
Estabelecimentos agropecuários recenseados e área dos estabelecimentos, segundo a propriedade das terras, a
condição do responsável e grupos de área total — 1980-1985
PROPRIEDADE DAS TERRAS, CONDIÇÃO DO
RESPONSÁVEL E GRUPOS DE ÁREA TOTAL
ESTABELECIMENTOS AGROPECUÁRIOS RECENSEADOS
1 970 1 975
CRESCIMENTO
%
NO PERÍODO
31
NÚMERO DE ESTABELECIMENTOS
GRUPOS DE ÁREA TOTAL (ha)
Menos de 10................................................... 2. 519 .630 2. 601 860 2. 598 019 3,11
Menos de 1.............................................. 396 .846 455. 111 469. 091 18,20
1 a menos de 2......................................... 488 .562 535. 951 515. 515 5,52
2 a menos de 5......................................... 914 .835 920. 668 903. 590 -1,23
5 a menos de 10....................................... 719 .387 690. 130 709. 823 -1,33
10 a menos de 100......................................... 1 .934 .392 1 898. 949 2 .016 774 4,26
10 a menos de 20..................................... 768. 448 733. 004 771. 330 0,38
20 a menos de 50.................................... 824. 090 811. 895 854. 051 3,64
50 a menos de 100................................... 341. 854 354. 050 391. 393 14,49
100 a menos de 1 000.................................... 414. 746 446. 170 488. 521 17,79
100 a menos de 200
215 .329 236. 941 260. 714 21,08
200 a menos de 500................................. 151 .514 156. 736 169. 455 11,84
500 a menos de 1 000.............................. 47 .903 52. 493 58. 352 21,81
1 000 a menos de 10 000................................ 35 .425 39. 648 45. 496 28,43
1 000 a menos de 2 000..
21 .492 24. 115
27 145
26,30
2 000 a menos de 2 500........................... 4 .406 4. 852 5 .794 31,50
2 500 a menos de 5 000........................... 6 .966 7. 744 9 .038
5 000 a menos de 10 000......................... 2 .561 2 .937 3 .519 37,41
10 000 e mais............
1 .449 1 .820 2 .345 61,84
10 000 a menos de 100 000..................... 1 .416 1 .771 2 .292 61,86
100 000 e mais........................................ 33 49 53 60,61
Sem declaração.................................................... 18 .377 4 .805 8 .696
-52,68
FONTE : Estatísticas Históricas do Brasil :séries econômicas, demográficas e sociais, 2ª. ed. rev. e atual.do v3, de séries estatísticas
retrospectivas, Rio de Janeiro: IBGE,1990
Observa-se pela tabela 2 que no período 1970-1980 o segmento de menos de
10 ha cresceu apenas 3,11%, ocorrendo inclusive crescimento negativo em alguns sub-
segmentos (2 a menos de 10). Uma das prováveis causas que levou o sub-segmento de
menos de 1 ha a apresentar crescimento razoável pode ter sido o fato dele representar os
pequenos chacareiros que produzem hortaliças nas periferias das grandes cidades, sendo
portanto reflexo do adensamento populacional e demanda por alimentos das mesmas. À
exceção deste, todos os demais segmentos de 50 ha. acima apresentaram crescimento
bastante acentuado, evidenciando o crescimento do latifúndio no período.
1.11 - UMA INTERVENÇÃO DÚBIA : O GOVERNO É O MAESTRO MAS
TAMBÉM TOCA NA ORQUESTRA
A participação do governo federal na área econômica durante os governos
militares deu-se muito além da simples formulação de políticas públicas que estimulassem
32
o crescimento desse segmento industrial. Pode-se lançar mão de uma metáfora na qual o
estado brasileiro atuava como maestro na sinfonia da economia, mas também tocava e não
apenas um, senão vários instrumentos na orquestra.
Empresas estatais eram criadas ou adaptadas e modernizadas para controlarem
vários setores estratégicos da economia tais como o de energia elétrica (Eletrobrás),
nuclear (Nuclebrás), telecomunicações (Telebrás), Radiobrás, petroquímica (Petrofértil),
portuária (Portobrás), armamentos e munições (Engesa,Imbel). Em realidade o estado
passa a explorar diversas atividades econômicas e a associar-se a quem possa fazê-lo,
auferindo lucros de tais atividades.
Tal atuação era típica do governo militar que optou por criar empresas que
disputassem junto com a iniciativa privada, fatias de mercado de setores que exigiam
grande aporte de recursos. Foi o período das empresas “BRÁS”.
Curiosamente nosso tipo de capitalismo adquiriu características bastante
peculiares, pois ao contrário da onda de privatizações que atingiu a Europa, começando
pela Inglaterra, com Margareth Tatcher, na década de 1970, aqui os governos militares
geriam nossa economia na contramão desse movimento global, criando empresas estatais
que intencionalmente ou não concorriam com a atividade privada.
Um dos pressupostos básicos da economia capitalista é justamente o livre
mercado, a baixa intervenção e participação estatal em atividades típicas da iniciativa
privada.
Esta participação de empresas estatais em atividades de que caberiam a
iniciativa privada criava uma situação de competição desleal e predatória em alguns setores
da economia. Onde houvesse um segmento lucrativo na economia, ali provavelmente seria
criada uma empresa “BRÁS”. O que se esperaria é que o estado somente atuasse em áreas
desinteressantes economicamente para o setor privado como as de infra-estrutura básica, a
exemplo da área de saneamento básico.
Neste sentido pode-se citar Kaegeyama:
Cabe frisar que esta grande empresa estatal passa funcionar de forma semelhante
às grandes empresas privadas, ou seja, tendo como objetivos a máxima
eficiência, elevados lucros etc. (Kaegeyama, 1990, p.132):
Reforçando esta argumentação podemos citar Bertha & Egler (1998) ao
informarem que em apenas 6 anos (1970-1976) o número de empresas estatais mais que
33
dobrou, saltando de 33 para 68, e que estas representavam 30% dos ativos e 52% das
vendas das 5.300 maiores empresas não financeiras do país.
O estado, tal como na produção de derivados de petróleo, passa a ocupar, no
setor de fertilizantes, uma posição monopolista, através de subsidiárias da Petrobrás com as
empresas do grupo Petrofértil.
1.12 - DO ADVENTO DA NOVA REPÚBLICA AOS DIAS ATUAIS
O primeiro governo da nova fase democrática, iniciada com a eleição indireta
de um presidente da república após 21 anos de regime de exceção, toma algumas
iniciativas que sinalizam no sentido do interesse no resgate da grande dívida social
acumulada no período anterior.
A questão agrária é alçada ao status de ministério com a criação do MIRAD-
Ministério da Reforma Agrária e Desenvolvimento Agrário. A politização tanto do
movimento popular pela posse da terra quanto dos setores agrários conservadores dá-se de
um lado com a criação do MST-Movimento dos Trabalhadores Sem Terra e por outro da
UDR-União Democrática Ruralista (Linhares, id).
Com o restabelecimento da democracia voltam a articular-se os movimentos
pela posse da terra e pelos direitos dos trabalhadores rurais bem como a resistência a estes
movimentos, que muitas vezes se faz de forma violenta.
Nestes conflitos tombam religiosos como Josimo Moraes, vigário de São
Sebastião do Tocantins (1996), líderes sindicais como Chico Mendes, em Xapuri (1988), e
ocorrem massacres como o da fazenda Santa Elina, em Corumbiara-RO (1995) com 11
trabalhadores rurais mortos e Eldorado dos Carajás, sul do Pará (1996), com 19 mortos.
A tabela 3 permite constatar o grande impulso no processo de reforma agrária
após o término do regime militar.
Nos quatro anos do governo José Sarney foram assentadas aproximadamente
sete vezes mais famílias que durante os vinte anos anteriores. Como se pode constatar, o
número de famílias assentadas vem aumentando gradualmente a cada governo a exceção
do governo de Fernando Collor.
O II PNRA-Programa Nacional de Reforma Agrária do Governo Lula,
apresentado em novembro de 2003, estabeleceu como meta assentar 400.000 famílias no
período 2003-2006.
34
Tabela 3. Reforma Agrária 1985-2002
GOVERNO PERÍODO No. MESES FAMÍLIAS
ASSENTADAS
MEDIA ANUAL
Regime Militar 1964-1984 249 65.993 3.299
Sarney 1985-1989 60 115.070 23.014
Collor 1990-1992 31 494 192 (*)
Itamar 1993-1994 17 36.481 25.752 (*)
FHC I 1995-1998 48 238.010 59.503
FHC II 1999-2002 48 286.370 71.593
Fonte: INCRA-Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(*) A média anual foi calculada obtendo-se inicialmente a média mensal que nos casos de Collor e Itamar era respectivamente de 16 e
2.146 e multiplicando-se estes valores por 12
A estrutura fundiária do Brasil ainda é extremamente concentrada conforme se
pode constatar pela tabela que se segue:
Tabela 4 - ESTRUTURA FUNDIÁRIA DO BRASIL -2003
ESTRATOS
DE
ÁREA(Ha.)
IMÓVEIS % DOS
IMÓVEIS
ÁREA
TOTAL(Ha.)
% DE ÁREA ÁREA
MÉDIA(Ha.)
Até 10 1.338.711 31,6 7.616.113 1,8 5,7
De 10 a 25 1.102.999 26 18.985.869 4,5 17,2
De 25 a 50 684.237 16,1 24.141.638 5,7 35,3
De 50 a 100 485.482 11,5 33.630.240 8,0 69,3
De 100 a 500 482.677 11,4 100.216.200 23,8 207,6
De 500 a 1.000 75.158 1,8 52.191.003 12,4 694,4
De 1.000 a
2.000
36.859 0,9 50.932.790 12,1 1.381,8
Mais de 2.000 32.264 0,8 132.631.509 31,6 4.110,8
TOTAL 4.238.421 100 420.345.382 100 99,2
Fonte:Cadastro do INCRA- agosto de 2003 in Caderno PRNA-
No extrato de até 10 ha., na tabela 4, muito embora se concentrem 31,6% dos
imóveis, estes ocupam apenas 1,8% do total da área.
35
No outro extremo, as propriedades no extrato de mais de 2.000 ha., que
representem apenas 0,8% dos imóveis, ocupam 31,6% da área total. Tal concentração e
dificuldade de acesso a terra é um dos principais causadores do baixo nível de renda no
campo onde segundo dados do censo demográfico de 2000, cinco milhões de famílias
vivem com menos de dois salários mínimos mensais. Isto significa que aproximadamente
20 milhões
10
de pessoas vivem com menos de meio salário mínimo por mês e são, portanto
demandantes de reforma agrária. (INCRA, 2003).
Se realmente cumprida a meta de assentamento de 100.000/ano ou 400.000
famílias durante o período de administração do atual governo, seriam gastos 50 anos para
que todo este contingente fosse beneficiado pela reforma agrária. Outros dados indicam
como esta situação poderá mudar caso se consiga reverter este modelo fundiário
concentrador.
A agricultura familiar ocupa 77% da mão-de-obra na zona rural e responde
aproximadamente por 38% do valor bruto da produção agropecuária.
Segundo análise constante no PNRA/INCRA com base em dados do censo
agropecuário 95/96, enquanto agricultura familiar gera um emprego a cada 8 hectares
utilizados, a agricultura patronal necessita de 67 hectares para gerar esta mesma ocupação,
chegando na região Centro-Oeste a necessitar de 217 ha. para gerar um único posto de
trabalho.
Se fizermos um exercício de aplicação generalizada destes dois modelos para o
restante do país verificaremos que se o atual modelo concentrador prevalecesse totalmente,
doze milhões de postos de trabalho desapareceriam e se ao contrário se generalizasse a
agricultura familiar, 26 milhões de postos de trabalho seriam criados (INCRA, 2003).
Estas simulações nos dão a dimensão da crise social a que o país foi levado
com a política fundiária concentradora, agravada com a aceleração do êxodo rural.
1.13 - O MST
mais recentemente o movimento camponês logra rearticular-se com a
criação em 1984 do MST- Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
10
Taxa de fecundidade total no Brasil =2,1 no ano de 2003, IBGE/DPE/COPIS, Indicadores Demográficos,
disponível em www.ibge.gov.br/brasil_em_sintese/default.htm.
Esta taxa somada aos pais resulta em famílias de aproximadamente 4,1 pessoas
36
Esta organização surgiu de uma reunião ocorrida em Cascavel-PR, no galpão
de uma igreja, onde se reuniu um pequeno grupo de cerca de 80 pessoas, que resolveram
criar uma entidade que buscasse articular em nível nacional o movimento dos
trabalhadores rurais.
Esta entidade cresceu e conta hoje, segundo reportagem veiculada em revista
de circulação nacional (VEJA, 2004) com 500 associações de produção, comercialização e
serviços, 49 Cooperativas de Produção Agropecuária, 32 Cooperativas de Prestação de
Serviço, 96 pequenas e médias agroindústrias de processamento de produtos agropecuários
e três Cooperativas de Crédito.
A entidade proporciona em seus acampamentos e assentamentos ensino a cerca
de 160 mil crianças em 1.800 escolas públicas neles instaladas e alfabetização a 30 mil
jovens e adultos.
Destas escolas, cerca de 1.000 são reconhecidas pelos conselhos estaduais de
educação e, portanto possuem status similar ao de qualquer estabelecimento da rede
pública de ensino. Nelas os alunos recebem denso conteúdo ideológico como parte de sua
formação que tem por objetivo “o compromisso em desenvolver a consciência de classe e a
consciência revolucionária”, conforme consta em seu Caderno de Educação MST- número
8.
O MST congrega hoje cerca de 350 mil famílias assentadas e 160 mil em
acampamentos, o que resultaria em aproximadamente 2 milhões de pessoas (MST, 2004).
O crescimento vertiginoso dessa entidade em um período de apenas 20 anos é
um reflexo das desigualdades sociais no campo, que são ainda descomunais. O elevado
nível de organização da mesma e sua política de promover constantes manifestações
públicas e invasões organizadas leva-a a ocupar considerável espaço na mídia jornalística e
televisiva.
2 - IMPACTOS DA MODERNIAZAÇÃO
2.1 - A MODERNIDADE E SUAS CONSEQÜÊNCIAS NA AGRICULTURA
A rapidez com a qual ocorrem as mudanças na modernidade é sem precedentes
na história da humanidade. Isto torna-se mais perceptível na evolução tecnológica e
rapidez com que se difundem a nível global estas inovações ( GIDDENS, 1991).
37
Outra característica da modernidade refere-se ao seu caráter institucional cuja
forma é multidimensional. A modernidade como sugere Giddens não comporta apenas uma
dimensão como quiseram os clássicos da Sociologia, Durkheim, Weber e Marx
11
. Assim, a
modernidade criou formas sociais e institucionais que lhe são específicas, algo nunca
existente em período precedente da história da sociedade ocidental.
Com efeito, a rápida e intensa mecanização da agricultura que teve lugar em
todo o mundo e em particular no Brasil, resultou em uma taxa de crescimento de mais de
38.000% no número de tratores com rodas em apenas uma década (1960-1970)
12
. A
evolução da utilização de pesticidas fertilizantes químicos também cresceu a altas taxas.
A rapidez da implantação de pacotes tecnológicos propiciada pela modernidade
resultou em transformações sociais cuja face mais visível é o processo de êxodo
rural/urbanização acelerado e todas as suas conseqüências.
O diálogo com a perspectiva teórica de Anthony Giddens leva-nos a refletir
sobre o fato de que se por um lado a modernidade facultou ás pessoas em geral desfrutarem
de uma vida “mais segura e gratificante”, por outro, criou inúmeros e graves problemas.
Este paradoxo é chamado por este autor de “caráter de dois gumes da modernidade”
13
.
Num esforço de construção do objeto de estudo à luz dessa perspectiva teórica,
poderia se afirmar que as condições de trabalho a que estão submetidos os trabalhadores
rurais bóias-frias expressam o lado sombrio da modernidade.
Neste sentido, dentre os problemas trazidos pela modernidade pode-se citar os
de natureza ecológica e as precárias condições de trabalho dos trabalhadores rurais, que se
traduzem tanto no fato de laborarem num ambiente insalubre quanto de estarem regidos
por relações de trabalho extremamente frágeis e voláteis como é o caso dos bóias-frias.
Segundo Giddens a modernidade gerou o fenômeno do desencaixe que é o
“deslocamento das relações sociais de contextos locais de interação e sua reestruturação
através de extensões indefinidas de tempo-espaço”. Ele cita ainda que um dos elementos
fundamentais do mecanismo de desencaixe é a constituição de “sistemas peritos”, que
permitem remover as relações sociais das imediações do contexto. Estes sistemas são por
este autor definidos como “sistemas de excelência técnica ou competência profissional que
organizam grandes áreas dos ambientes material e social em que vivemos hoje”.
11
Cada um desses pensadores analisam a modernidade sob um prisma monofocal. Durkhein pensa a
modernidade a partir do enfoque industrial, Weber a vê a partir do enfoque racional/burocrático e Marx a
percebe a partir do sistema Capitalista.
12
Ver dados da tabela 5
13
As conseqüências da modernidade, pág. 19
38
As relações sociais em “condições de modernidade” estruturam-se sob a
perspectiva “segurança e perigo, confiança e risco”. Dessa forma convivemos com esse
constante paradoxo. No caso em foco, os trabalhadores rurais fazem uso de produtos
químicos biocidas objetivando o combate ás pragas (confiança), mas também estão sujeitos
a sofrer danos de saúde (risco).
A agricultura moderna apoiada em pacotes tecnológicos, é nesta acepção um
sistema perito que se expandiu de forma globalizante
14
e que atende aos interesses de
grandes grupos econômicos que detém a prerrogativa de criar e impor novas tecnologias.
Do ponto de vista ecológico este paradoxo se expressa na utilização de técnicas
agrícolas modernas que objetivam alcançar altas taxas de produtividade, mas que
ocasionam degradação ambiental. Neste sentido afirma Giddens:
Mesmo nos estados que permanecem primordialmente agrícolas, a tecnologia
moderna é freqüentemente aplicada de modo a alterar substancialmente as
relações preexistentes entre a organização social humana e o meio ambiente. Isto
vale, por exemplo, para o uso de fertilizantes ou outros métodos de lavoura
artificial, para a introdução de moderna maquinaria agrícola etc. A difusão do
industrialismo criou um mundo num sentido mais negativo e ameaçador do que o
que foi mencionado - um mundo no qual mudanças ecológicas reais ou
potenciais de um tipo daninho que afeta todo planeta (Giddens, id, p.81).
Voltando-se à análise da estrutura agrária do Brasil, o modelo de
“Modernização Conservadora”, instaurado pela via autoritária, privilegiou as altas taxas de
produtividade registradas pela nossa agricultura, fundamentadas por um lado na
“modernidade da pobreza” (Becker. e Egler, 1998) e por outro na agressão ao meio
ambiente e à fauna.
É preciso ampliar os horizontes de nossa análise e perceber que estamos
metaforicamente vivenciando a fábula do carro de Jangrená, utilizada por Anthony
Giddens (Giddens, id), na qual somos todos passageiros de um veículo de gigantesca
potencia, que pode ser guiado até certo ponto, desgovernando-se para além dele,
esmagando os que se colocam em seu caminho e por fim, pondo em risco, também seus
próprios ocupantes. Poder-se-ia fazer uma analogia do carro de Jangrená com a sociedade
tecnológica e da ética com o sistema de direção e freios deste carro. O carro desprovido
destes últimos dispositivos acaba por, desgovernado, esmagar quantos se ponham no seu
14
O termo Globalização é aqui utilizado como o define Anthony Giddens em seu livro As conseqüências da
modernidade : “ Intensificação das relações sociais em escala mundial ” ou ainda : “...processo de
alongamento, na medida em que as modalidades de conexão entre diferentes regiões ou contextos sociais se
enredam através da superfície da Terra como um todo. ”, pág. 69
39
caminho ou não estejam convenientemente nele instalados, vindo por fim a chocar-se
pondo todos em risco.
Os resultados, a longo prazo, de profundas interferências nos ecossistemas
ainda são pouco conhecidos e podem revelar-se de tal forma desastrosos para o conjunto da
sociedade, que os ganhos de produtividade com elas obtido sejam francamente menores
que as despesas necessárias para a recuperação dos danos causados, se é que esta seja ainda
possível.
2.2 - HISTÓRICO DA AGRICULTURA BRASILEIRA
Segundo Graziano da Silva, (1998) que realiza análise histórica da evolução da
agricultura no Brasil, a mesma pode ser dividida, grosso modo, em três fases:
aquela em que prevaleceu o modelo de complexo rural (até 1850);
o período de desarticulação deste complexo (1850-1945) quando surgiu o
complexo cafeeiro, e
a do aparecimento do modelo de Complexo Agroindustrial (após 1945).
Na primeira fase (até 1850), chamada por aquele autor de complexo rural,
prevalecia o modelo de agricultura monocultora exportadora onde a dinâmica era
determinada pelas flutuações do comércio exterior. Nesta fase em que a urbanização era
incipiente e a maioria da população vivia no meio rural, as propriedades rurais
estruturavam-se em núcleos auto-suficientes onde se produziam os bens de consumo para a
população que nelas habitava, tais como móveis, roupas, habitações, gêneros alimentícios,
equipamentos de uso na produção agropecuária, etc..Sérgio Buarque de Holanda afirma
que:
O engenho constituía um organismo completo e que, tanto quanto possível, se
bastava a si mesmo. Tinha capela onde rezavam as missas. Tinha escola de
primeiras letras, onde o padre-mestre desasnava meninos A alimentação diária
dos moradores, e aquela com que recebiam os hóspedes, freqüentemente
agasalhados, procedia das plantações, das criações, da caça, da pesca
proporcionadas no próprio lugar. Também no lugar montavam-se as serrarias, de
onde saíam acabados o mobiliário, os apetrechos de engenho. Além da madeira
das casas (HOLANDA, 1995, p.80).
Novamente Graziano da Silva (id), analisando o início da desarticulação do
complexo rural, afirma que este começa a ocorrer a partir de 1850 com a proibição do
40
tráfico negreiro e a implantação da Lei de Terras do Brasil. Esta proibição constituiu-se um
duro golpe na estrutura da sociedade colonial, latifundiária, e escravocrata.
O golpe decisivo contra esta estrutura viria em 1888, com a abolição da
escravatura, ocorrendo uma ruptura deste modelo, tendo início a transição para o trabalho
livre e todas as implicações sócio-econômicas que este representava.
O fenômeno da socialização das despesas e privatização dos lucros tem sido
uma constante em nossa história.
No processo da abolição da escravatura, a influência e poder do qual gozavam
os fazendeiros escravocratas, fez com que fossem indenizados pelos prejuízos com a
libertação de seus cativos, “impondo ao conjunto do país uma socialização perversa dos
prejuízos que os escravocratas alegavam com a abolição” (Linhares, id).
O café era o principal produto de nossa economia que era, à época,
essencialmente agrária e exportadora e baseada na mão-de-obra escrava.
A partir de 1870, se pode encontrar no oeste paulista um novo regime de
trabalho, o colonato, baseado na mão-de-obra de imigrantes, que não era monocultor nem
tampouco latifundiário e denominado por Cano (1977) apud Graziano da Silva (1998) de
complexo cafeeiro. O colono era um trabalhador assalariado temporário.
No período 1850/90 além da gradativa substituição do trabalho escravo pelo
trabalho livre, começam a surgir algumas atividades independentes do complexo cafeeiro
onde atuam pequenos produtores de alimentos e pequenas industrias rurais como a de
aguardente, que visam abastecer vilas e cidades que se formavam. Cresce a produção de
algodão num processo de articulação e parceria com a nova e pujante indústria têxtil.
Nos cinqüenta anos seguintes: 1890/1930 surgem e desenvolvem-se nas
cidades, indústrias rudimentares de máquinas e equipamentos agrícolas, bem como oficinas
de reparo e manutenção para as mesmas e surgem as primeiras agroindústrias de óleos
vegetais, açúcar e álcool. Ocorre neste período a consolidação da indústria têxtil que
assume a posição de principal indústria do país.
No período 1930/1960 ocorre um processo de integração dos mercados
nacionais de produção de alimentos, matérias primas e mercado de trabalho, viabilizada
pela implantação de uma rede de transportes (especialmente rodoviário), que cria as
condições necessárias para a partir de 1950 desencadear o início da indústria de base ou
indústria pesada.
41
É interessante notar que foi o café que financiou este processo, que na análise
de Graziano da Silva deu-se “(...) por meio dos mecanismos de diferenciação cambial que
protegiam as indústrias nascentes do país, à custa de um confisco estabelecido sobre o
preço da saca exportada” (Graziano da Silva, 1998, p.12).
Neste contexto de formação de mercados nacionais para os produtos agrícolas
deu-se início a industrialização da agricultura no país.
Na década de 1950/1960 ocorre uma rápida modernização de nossa agricultura.
Em 1960 eram utilizados 61.345 tratores agrícolas contra apenas 3.380 no início da
década anterior. Durante toda a década de 1970 mantém-se o processo de modernização da
agricultura brasileira, ocorrendo taxas anuais de crescimento da produção de tratores
superiores a 100%, a exceção de 2 anos.
2.3 - O SURGIMENTO DOS CAIs.
Consolidado o processo da agricultura brasileira, tem início um novo processo
de integração entre diversos setores que passa a ser chamado de Complexo Agro-
Industrial-CAI
15
, a partir de meados da década de 1960.
Neste novo modo de organização econômica, segundo descreve Guimarães
(1979) apud Graziano da Silva (1998), “para traz” ( a montante ), a agricultura relaciona-se
cada vez mais com uma indústria fortemente oligopolizada que consegue impor preços aos
insumos adquiridos pelos agricultores, e “para frente”, (a jusante ) com a agroindústria
processadora, também oligopolizada, que tem ligações específicas com os agricultores e
que é dispersa no espaço, o que lhe confere um poder monopsônico na compra de matéria
prima estabelecendo não só preços mas também o tipo e o padrão dos produtos”.
O mesmo raciocínio é expressado por Muller (1982) citado por Marafon,
(1998), quando afirma que este foi o contexto da formação do Complexo Agro Industrial -
CAI, no Brasil.
Marafon (1998), comentando conceitos formulados por Haguenauer (1984)
destaca ainda que a tecnologia é o elemento chave na formação e transformação dos
complexos industriais.
15
Complexo agroindustrial ou ainda Agrobusiness é definido segundo DAVIS & GOLBERG (1957) apud
GRAZIANO DA SILVA (1998), pág. 65, como : “Soma de todas as operações envolvidas no processamento
e na distribuição do insumos agropecuários, as operações de produção na fazenda; e o armazenamento, o
processamento e a distribuição dos produtos agrícolas e seus derivados”
42
Três fatores são de superlativa relevância na estruturação e consolidação dos
CAIs. no país. O primeiro deles é a mudança de estrutura de nosso comércio externo com a
diversificação de exportações agroindustriais que amplia a pauta de itens tradicionais.
Como exemplo tomemos o caso das carnes que além da carne de gado bovino passa-se a
exportar também frango. Ocorreu na outra ponta uma substituição de importações no setor
de insumos agropecuários com o incremento de sua produção no país.
Passam a ser produzidos aqui agrotóxicos, fertilizantes, vacinas para animais
além do salto no volume de produção de máquinas agrícolas já anteriormente citado.
O segundo fator é o choque do petróleo em 1973 que leva o governo federal a
implantar o programa de substituição da gasolina pelo álcool. Este programa o
PROALCOOL alavanca a agricultura como um todo. (MULLER, 1986, Apud
GRAZIANO, 1998).
O terceiro é a constituição em 1965 do SNCR-Sistema Nacional de Crédito
Rural que passa a ser elemento chave no fomento da atividade agrícola.
A agricultura passa a crescer não mais apenas em função dos preços das
commodities no mercado externo mas também em razão das demandas industriais internas.
Com o surgimento dos CAIs. não se pode mais conceber um setor agrícola
autônomo e distinto de outros setores da economia. A agricultura brasileira tornou-se uma
atividade estruturalmente complexa, heterogênea que pode ser compreendida através da
análise dos complexos agroindustriais que compõem cada segmento produtivo, com
dinâmicas específicas e intrinsecamente interligadas a determinados setores industriais
fornecedores de insumos e processadores de matérias primas (Muller, 1986, Apud
Graziano, 1998).
À medida que se consolidaram os CAIs., ocorreu um maior inter-
relacionamento entre o urbano e o rural chamado por Muller de “urbanização do campo”
(Muller, id).
Como evidencias deste processo este autor cita que em 1980 mais de 25% do
pessoal ocupado na agropecuária reside fora dos estabelecimentos rurais.
Com relação à propriedade destes estabelecimentos, se analisarmos aqueles
situados no extrato de até 50 ha de área, cerca de 20% de seus responsáveis residem em
núcleos urbanos e no extrato de área com mais de 200ha., mais de 30% de seus
responsáveis residem em áreas urbanas.
43
A disseminação dos CAIs. na estrutura agrícola brasileira deu-se de forma tão
acelerada que dados veiculados no suplemento “Quem é Quem” da revista Visão,
referentes ao período 1967-1980, dão conta de que no início deste período haviam no país
cerca de apenas 20 empresas agropecuárias com patrimônio líquido igual ou superior a
US$ 1 milhão, ascendendo este número a 580 empresas no final dele.
Em 1970 mais da metade da produção agropecuária se destinava à
transformação e ao beneficiamento industrial (Muller, id). São empresas oriundas de
grupos econômicos industriais, comerciais e financeiros que atraídos pela grande
disponibilidade de recursos financeiros com juros subsidiados, provenientes de projetos
governamentais, passam a investir na atividade agroindustrial.
Delgado (1985) apud Graziano da Silva (1998)
16
elenca uma série de empresas
e grupos empresariais de outras áreas de atividade que passaram a atuar em atividades
agropecuárias.
Empresas do mercado imobiliário: Ometto, Ugolini, Bueno-Vidigal, Guatapará-
Silva Gordo, Bozano Simonsen, Andrade Gutierrez;
Empresas de metal-mecânica, siderurgia, metalurgia, têxteis, cimento, química e
plásticos: Biagi-Zanini, Belgo-Mineira, Ugolini, Bezerra de Melo, João Santos,
Vale do Rio Doce, Bueno Vidigal, Hering, Barreto Figueiredo, Natron;
Bancos: Bonzano Simonsen, Barreto Figueiredo, Bameirindus, Itaú, Bandeirantes;
Transportes: Sadia Concórdia S.A., Vale do Rio Doce, Fischer;
Financeiras, Seguradoras: Bueno Vidigal, Bozano Simonsen, Bezerra de Melo,
APLUB, Bameirindus, Sul América, Bandeirantes, Itaú.
Na década de 1980 o crescimento anual da atividade agrícola ainda é alto,
porém não tanto quanto na década anterior, conforme se percebe nos dados que se seguem:
Observe-se que o número de máquinas produzidas em 1976, tabela 5, (82.632)
é quase 2,5 vezes maior que o produzido em 1998 (33.412), o que evidencia uma
desaceleração no crescimento da atividade agrícola.
Quanto ao uso de insumos esta modernização ocorreu de forma mais lenta pois
em 1960 apenas 13,2% dos estabelecimentos rurais utilizavam fertilizantes (Graziano da
Silva, 1998).
16
A nova dinâmica da agricultura brasileira, pág.28
44
Esta modernização ocorre no bojo de um processo maior da modernização da
economia brasileira na década de 1970, optando por um modelo de desenvolvimento
acelerado que resultou na ampliação das desigualdades de renda sendo essencialmente
“excludente e concentrador”.
Na gênese deste projeto de desenvolvimento nacional implementado pelos
governos militares estavam as doutrinas da Geopolítica e de Segurança Nacional, ambas
tendo como seu grande ideólogo no Brasil o General Golbery do Couto e Silva. Esta última
consistia em técnicas de planejamento estratégico concebidas inicialmente para uso no
campo da política de segurança nacional em tempos de guerra e posteriormente estendida a
todos os setores de atividade do país.
Este período foi intitulado de pelo governo da época de “Milagre Brasileiro”
fazendo referência às altas taxas de crescimento da economia, financiadas com
endividamento externo que multiplicou por 5 a dívida externa em 5 anos (1973-1978),
fazendo-a saltar de U$ 6.155 mi para U$ 31.616 mi. (BECKER & EGLER, 1998).
Tabela 5 - PRODUÇÃO DE MÁQUINAS AGRÍCOLAS AUTOMATRIZES 1960/1998
ANOS
CULTIVADORES
MOTORIZADOS
TRATORES DE
RODAS
TRATORES DE
ESTEIRA
COLHEITADEIRAS
RETRO
ESCAVADEIRAS
TOTAL
1960 37 37
1961 751 1.679 2.430
1962 1.240 7.586 8.826
1963 1.110 9.908 11.018
1964 1.765 11.537 13.302
1965 2.403 8.401 10.804
1966 3.336 9.360 13 12.709
1967 2.500 6.295 73 8.868
1968 2.463 9.819 106 12.388
1969 1.946 9.841 91 41 11.919
1970 2.065 14.326 185 131 16.707
1971 2.190 22.192 770 296 25.448
1972 2.916 29.754 1.426 653 34.749
1973 3.466 38.705 1.961 977 45.109
1974 5.463 46.060 2.678 1.338 55.539
1975 5.606 58.301 3.942 1.545 69.394
1976 5.275 64.175 4.631 6.481 2.070 82.632
1977 5.384 52.227 3.474 4.242 1.569 66.896
1978 5.522 47.640 2.981 3.719 2.436 62.298
1979 6.062 54.599 3.202 4.228 2.153 70.244
1980 6.896 57.974 4.285 6.003 2.320 77.478
1981 4.548 39.138 3.133 4.891 1.998 53.708
1982 5.364 30.126 1.900 3.434 1.245 42.069
1983 3.213 22.663 751 3.323 449 30.399
1984 2.595 45.523 1.348 5.806 960 56.232
1985 3.300 43.398 1.762 6.427 1.328 56.215
45
1986 7.128 50.450 2.409 6.747 2.236 68.970
1987 4.313 46.702 2.677 6.727 2.249 62.668
1988 2.026 39.147 2.596 5.651 2.056 51.476
1989 3.007 31.715 2.038 5.020 1.900 43.680
1990 2.519 24.223 1.746 2.971 1.655 33.114
1991 1.886 15.868 1.068 1.959 1.419 22.200
1992 1.790 15.648 989 2.445 1.212 22.084
1993 1.403 24.500 1.234 3.445 1.595 32.177
1994 1.538 41.094 1.705 5.326 1.670 51.333
1995 1.568 21.044 1.875 2.371 1.480 28.338
1996 926 15.545 1.543 2.531 1.644 22.189
1997 844 22.464 2.035 3.715 2.599 31.657
1998 692 24.092 2.072 4.063 2.493 33.412
Fontes: Mapa geral das indústrias do Brasil. In: Séries estatísticas retrospectivas. Ed. fac. sim. Rio de Janeiro: IBGE, 1986. v. 2: O Brasil, suas riquezas
naturais, suas indústrias. t. 3. 2. pt. p. 150; Anuário Estatístico da Indústria Automobilística Brasileira 2001. São Paulo: Associação Nacional dos Fabri-
cantes de Veículos Automotores, 2001. Ano-base 1957-2000. disponível em www.ibge.gov.br
A modernização autoritária utilizou como instrumento de política econômica
para formação de estoque de capital, o achatamento salarial, sendo bastante peculiar a
justificativa para tal política, defendida pelo então ministro da Fazenda Antônio Delfin
Neto que apregoava: ”Vamos primeiro fazer o bolo crescer para depois reparti-lo”.
Em 1974-1975, um terço das famílias brasileiras, aproximadamente 30 milhões
de pessoas, viviam abaixo da linha de pobreza (BECKER & EGLER, id).
Talvez por esta razão Berta & Egler classificam este período de “Modernização
autoritária” ou “Modernidade da pobreza”.
De forma coincidente também neste período (após 1965) ocorreu a
“industrialização da agricultura brasileira”. O surgimento e estruturação dos CAIs, a partir
dos anos 1970, ocorreu no momento em que passam a interagir e integrar suas atividades
três segmentos da economia, a saber, a indústria que produz insumos para a agricultura, a
agricultura modernizada e as agroindústrias processadoras de matéria prima.
Estes três segmentos foram, como já foi anteriormente dito, “anabolizados” por
grandes aportes de incentivos fiscais, financiamentos a juros subsidiados, abertura de
linhas de crédito específicas também com taxas privilegiadas para aquisição de máquinas e
equipamentos agrícolas e insumos tais como fertilizantes e defensivos.
A evolução deste processo de integração multisetorial atingiu no final da
década de 1970 um nível tal de interação que foi classificada por Graziano da Silva (id),
como uma “orquestração de interesses agrários, industriais e financeiros”.
17
17
A nova dinâmica da agricultura brasileira, págs. 163 e 164
46
Como resultado ocorreu uma concentração de capitais e na propriedade da terra
bem como um alinhamento geral das políticas públicas neste sentido.
Este autor afirma que teve lugar uma verdadeira “feudalização” do aparelho de
governamental que passou a ser comandado por grupos oligopólicos de interesse específico
em determinados ramos de atividade. Tal situação gerou a dificuldade naquele momento de
conciliarem-se os interesses dos diversos CAIs com políticas públicas.
2.4 - Bioteclologia: evolução do modelo CAI ou novo paradigma de
desenvolvimento que surge?
Um debate ainda em curso nos dias atuais, que teve inicio a partir da
publicação de uma obra de Kostas Vergopoulos (1985)
18
, citada por Graziano da Silva
(1998) é se o poder de penetração cada vez maior da biotecnologia nos processo produtivos
da agricultura evidencia um novo padrão de desenvolvimento que sucederá o Complexo
Agro-industrial ou se é apenas uma evolução deste.
Vergapoulos defende a idéia de que o surgimento desta nova área da tecnologia
contribuiu para a perda ainda maior da capacidade de autonomia da agricultura e chega
mesmo a afirmar que a biotecnologia “está agora ameaçando desferir o golpe fatal que irá
eliminá-la completamente, tanto como uma esfera específica de produção quanto tipo
específico de empreendimento”. (Vergapoulos, 1985 apud Graziano da Silva, 1998)
19
.
Também neste sentido argumentam Goodmann; Sorj & Wilkinson (1990),
citados por Graziano da Silva (1998). Estes autores defendem a idéia de que a agricultura
tem se tornado uma atividade “residual”. Para eles somente se enquadra como atividade
tipicamente agrícola aquela que não incorpora nenhum processo industrial, ou seja: “é tudo
aquilo que ainda não virou indústria”.
Tais formulações dos autores acima são de tal sorte originais que tal como faz
Graziano da Silva, são aqui transcritas na íntegra:
A transformação industrial da agricultura ocorreu historicamente através de uma
série de apropriações parciais, descontínuas do trabalho rural e dos processos
biológicos de produção (máquinas, fertilizantes, sementes híbridas, produtos
18
O fim do agrobusiness ou a emergência da biotecnologia ?
19
A nova dinâmica da agricultura brasileira, pág. 72
47
químicos, biotecnologias)[...]o processo de reprodução natural das plantas e
animais está sendo internalizado, através da ciência, na reprodução dos capitais
industriais. Desse modo uma reestruturação constante do processo de
produção rural na medida em que estes capitais exploram nossa possibilidades de
acumulação[...]as recentes inovações da biotecnologia apontam o caminho.
(Goodmann; Sorj & Wilkinson in Graziano da Silva, 1998, p. 73)
Concluem estes autores afirmando que a tendência deste processo é a
eliminação da base rural da agricultura, passando esta a apoiar-se cada vez mais sobre uma
base tecnológica.
Segundo Lifschitz & Prochnik (1991) citados por Graziano da Silva (1998) os
Complexos Agro-indústriais estão se convertendo em Complexos Bioindústriais. Seria isto
que está ocorrendo ou os CAIs. estariam apenas se redefinindo e adaptando-se?
Como será mais detalhadamente explicitado adiante no item 21 intitulado:
UMA ABORDAGEM MAIS APROFUNDADA DO OBJETO DE ESTUDO, constatou-se
nas visitas às lavouras de tomate da região de Goianápolis a dependência gerada pelas
empresas de biotecnologia no processo produtivo. Estas empresas produzem sementes
geneticamente modificadas que resistem a pragas e possuem amadurecimento mais
demorado, facultando o transporte dos frutos com qualidade por mais tempo e a maiores
distancias. Ocorre, no entanto, que estas sementes são colocadas à venda no mercado por
preços exorbitantes que reduzem sensivelmente a rentabilidade financeira do produtor
rural, mas que ele se vê obrigado a utilizar para atender as demandas do mercado.
2.5 - A MODERNIZAÇÃO DE NOSSA AGRICULTURA E SUAS VÁRIAS
IMPLICAÇÕES
A modernização da agricultura passa a ocorrer com o crescimento do mercado
interno, ao contrário do que ocorria durante o período do complexo rural, quando este era
incipiente. O crescimento desse mercado e a elevação da demanda interna por alimentos
levam os produtores a empreenderem um esforço de aumento da produção/produtividade.
Este esforço materializa-se no aumento da importação de tratores e insumos
agrícolas, o que de certa forma mantém a dependência externa, agora não mais de
mercados compradores mas de importação de equipamentos.
Nessa nova conjuntura passa a existir também a imposição da forma de
produzir que vem em forma de pacotes tecnológicos, difundidos a partir da agricultura
48
norte-americana. Este processo de modernização pode ainda ser percebido através do
aumento do consumo de variados insumos pela atividade agrícola, tais como sementes,
defensivos, fertilizantes, rações e medicamentos para animais, embalagens, estreitando seu
inter-relacionamento com a indústria (Kaegeyama, id).
Na sua primeira fase, a modernização da agricultura dependia basicamente da
capacidade de importação do país e conseqüentemente de uma série de fatores, entre eles o
do nível de divisas e da política adotada com relação ao balanço de pagamentos, que o
crescimento da agricultura dava-se através da importação de máquinas e insumos.
A partir da década de 1970 com o surgimento dos CAIs e de uma indústria
nacional que começa a produzir insumos e máquinas, este fator limitador da modernização
é rompido e o crescimento da atividade agrícola passa a ser gerido e direcionado pelo
capital inserido ou interessado em vir a participar da atividade agropecuária.
Segundo Kaegeyama,(id), a agricultura não pode mais ser considerada “grande
setor” da economia, pois significativa parte de suas atividades passa a integrar-se com a
indústria, sendo impossível classificá-las exclusivamente como atividades agrícolas.
Os reflexos da modernização da agricultura brasileira no mercado de trabalho
se fizeram sentir pelo desaparecimento de algumas formas de relação de trabalho como o
colonato, as parcerias, as meações, e o surgimento do assalariado celetista e outras
francamente desfavoráveis ao trabalhador como diarista, sem qualquer vínculo
empregatício.
Neste último tipo de relação de trabalho, além do fato do trabalhador estar à
margem de qualquer tipo de proteção social, ele ainda está sujeito a um tipo de pagamento
por produtividade onde lhe é exigido uma alta cota de produção para que lhe seja garantido
o pagamento diário.
Na década de 1970 ocorreram grandes fluxos de migrações inter-regionais que
tinham como origem o nordeste e como destino o centro-oeste e o sudeste.
Luis Inácio Lula da Silva é um dos representantes deste fenômeno, tendo sua
família migrado de Pernambuco para São Paulo.
na década de 1980 este fluxo transforma-se em intra-regional onde a
população rural migra para os centros urbanos dentro de sua própria região.
Ocorreu um processo de urbanização do campo durante o período 1970-1990
que pode ser melhor analisado através dos dados da PEA População Economicamente
Ativa representados na tabela que se segue:
49
Tabela 6 Distribuição da PEA de 10 anos ou mais, segundo a situação do domicílio e ramo da
atividade principal : Brasil 1970/80 e 1981/90
Urbano % Rural % Total %
Ano Agrícola Ñ Agric Agrícola Ñ Agric Agrícola Ñ Agric
1970 10,1 89,9 87,8 12,2 44,3 55,7
1980 7,6 92,4 79,7 20,3 29,3 70,7
1981 8,1 91,9 77,2 22,8 29,2 70,3
1990 6,0 94,0 68,4 31,6 22,9 77,1
Fonte : Censos demográficos 1970 e 1980; PNADs.1981 e 1990 in GRAZIANO DA SILVA(1998)
20
Pelos dados da tabela 6 pode-se constatar que em 1970, 12,2% da população
rural estava ocupada em atividades não rurais. Este percentual cresce para 20% e 31,6%
respectivamente nos anos de 1980 e 1990. Este dado é muito significativo, pois em apenas
duas décadas cresceu de quase 300% o percentual de moradores da zona rural que está
ocupado em atividades profissionais não rurais e este segmento representa em 1990 mais
de um terço da PEA residente no campo.
Por outro lado a PEA Total ocupada em atividades laborais agropecuárias
decresceu de 44,3% em 1970 para 29,3% em 1980 e para 22,9% em 1990. Este declínio
atingiu tanto aqueles que residiam no campo quanto os que moravam na cidade. Tais dados
comprovam os impactos da tecnificação da atividade agropecuária na redução da oferta de
empregos no setor.
Graziano da Silva (1998) ressalta que significativa parcela do fluxo de
migração da zona rural para a urbana é constituída de jovens que não encontram ocupação
no campo.
A taxa de desocupação de jovens menores de 24 anos nas cidades é quatro
vezes maior que na zona rural
21
, este fato demonstra que a zona rural esta “exportando”
desempregados para a zona urbana. Esta “exportação” resultou no crescimento nas cidades
dos favelados, ambulantes, e no crescimento das taxas de violência urbana.
A miséria no campo no Brasil é de tal magnitude que em estudo sobre a
pobreza rural realizado em 114 países em desenvolvimento
22
nosso país ocupa a 6º. posição
de pior renda da população rural, em virtude de 73% dela situar-se abaixo da linha de
20
A nova dinâmica da agricultura brasileira, pág.174
21
8,4% para a zona urbana e 2,1% para a zona rural. Fonte : PNAD 1987, citado em GRAZIANO DA
SILVA (1998), pág. 177
22
Pesquisa realizada pelo - Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola, (FIDA, 1992) citado por
Graziano da Silva (1998), pág.178
50
pobreza. Para comparação com os primeiros colocados, nosso país perde para Bolívia
(97%), Malawi (90%), Bangladesh (86%), Zâmbia (80%) e Peru (75%). Como se pode
constatar, entre os seis piores do mundo três são Sul-Americanos.
2.5.1- Evolução do processo de acesso a terra
A tabela 7 a seguir fornece-nos algumas informações sobre a evolução do
acesso a terra pelos produtores rurais ao longo do período 1970-1996.
Como se pode depreender da tabela 7, a única categoria de produtor rural que
cresceu no período de 1979-1996 foi a os proprietários de terra, tendo todas as demais
decrescido.
Isso evidência como o acesso a terra tem sido cada vez mais restringido à
aquisição das propriedades e que outras formas de acesso não tem sido estimuladas.
Outra informação interessante que se pode perceber pela tabela é que enquanto
o número de máquinas agrícolas cresceu 360,18 % no período, o pessoal ocupado sofreu
um incremento de apenas 2,07 %, evidenciando o quanto a mecanização resultante do
processo de modernização da agricultura reduziu a capacidade de absorção de mão de obra
do setor.
51
Tabela 7
Confronto dos resultados dos censos de 1970, 1975, 1980, 1985 e 1995-1996. - Brasil
Condição do produtor, utilização das
terras, pessoal ocupado, tratores
1970 1975 1980 1985 1990 1995-1996
Estabelecimentos 4 919 089 4 993 251 5 159 850 5 802 206 4 859 865
Condição do produtor - - - - - -
Proprietário 3 092 482 3 199 331 3 390 582 3 748 024 3 604 343 3 604 343
Arrendatário 636 885 570 305 585 787 575 119 268 294 268 294
Parceiro 380 061 299 212 318 714 444 324 277 518 277 518
Ocupante 809 661 924 403 864 767 1 034 739 709 710 709 710
Pessoal ocupado 17 567 880 20 345 676 21 163 725 23 394 881 17 930 890 17 930 890
Homens 11 917 489 12 898 005 14 282 761 15 557 399 11 978 511 11 978 511
Mulheres 5 650 391 7 447 671 6 880 964 7 837 482 5 952 379 5 952 379
Tratores 174 660 323 109 545 204 665 280 803 742 803 742
FONTE: Censos Agropecuários do IBGE,
Disponível em: http//www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/agropecuaria/censoagro
Em Goiás a situação foi ainda mais grave como se vê na tabela 8 a seguir,
pois esta absorção de mão de obra resultou negativa (-13,88%), em confronto com um
aumento na mecanização da ordem de 660,95%.
Outra constatação que se obtém da tabela 8 é que houve uma redução de
22,96% no número de estabelecimentos rurais no período evidenciando uma concentração
de propriedade via compra, muito embora parte desta redução ocorrida no período
1985/1995 deva-se a divisão do estado de Goiás com a criação do estado do Tocantins.
2.5.2- Evolução da utilização de fertilizantes
Com relação ao uso de fertilizantes na agricultura brasileira, seu crescimento
foi de aproximadamente 13% aa, no período de 1950-1985, chegando a atingir neste
ínterim 17,8% aa. de 1967 a 1980.(Zylberstain et alii,1985 apud Kaegeyama,1990).
52
Tabela 8
Confronto dos resultados dos censos de 1970, 1975, 1980, 1985 e 1995-1996 - Goías
Condição do produtor, utilização das terras, pessoal ocupado,
tratores e efetivos de bovinos, suínos e aves
1970 1975 1980 1985
1995-
1996
Estabelecimentos
145 115 153 535 153 770 131 365 111 791
Condição do produtor
Proprietário
111 014 113 108 122 767 103 695 101 152
Arrendatário
6 106 7 688 7 595 9 748 3 965
Parceiro
1 337 4 579 3 644 7 947 992
Ocupante
26 658 28 160 19 764 9 975 5 682
Pessoal ocupado
547 647 688 033 780 749 616 336 471 657
Homens 414 400 503 920 537 528 438 491 337 073
Mulheres 133 247 184 113 243 221 177 845 134 584
Tratores 5 692 13 634 27 600 33 548 43 313
Nota: Os dados até 1985 referem-se a 31.12, no censo de 1995-1996 os dados referentes a número de estabelecimentos, área total,
utilização das terras, pessoal ocupado e tratores, referem-se a 31.12.1995 e os efetivos da pecuária a 31.07.1996.
Fonte : : Censos Agropecuários do IBGE,
Disponível em : http//www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/agropecuaria/censoagro
Segundo este autor, o elevado e contínuo crescimento deste insumo deu-se não
apenas em virtude de necessidades técnicas ou econômicas, mas também de forma
“imposta” pelo governo e pelas indústrias.
As indústrias transnacionais passaram, durante a década de 1970, a
estabelecerem-se em países em desenvolvimento por intermédio da constituição de joint-
ventures com empresas locais.
No período 1955-1965, 15 novas indústrias de fertilizantes instalaram-se no
país, de 1967 a 1973 instalaram-se 20 empresas e de 1974 a 1983 este número ascendeu a
68 empresas (Kaegeyama, id).
A par do crescimento da utilização de fertilizantes a modernização da
agricultura brasileira chamada por estudiosos de “modernização conservadora” possuiu
algumas características que foram resumidas por Leite (1995), Apud Linhares, (1999) da
seguinte forma:
53
Adoção do padrão tecnológico moderno, calcado basicamente no binômio química
mineral - mecanização.
Aumento da produção e da produtividade, sem correspondente aumento de renda
dos trabalhadores.
Manutenção da estrutura fundiária, com aumento da tendência à concentração.
Expansão de crédito rural, com juros baixos privilegiando grandes produtores.
Formação dos CAIs, integrando indústrias com o setor agropecuário.
Integração do capital financeiro com os capitais agroindustriais.através da
conversão de bens agrários como terras e gado em ativos financeiros.
Atração para a agricultura de investimentos de grupos industriais e financeiros com
incentivos fiscais governamentais.
2.6- REVOLUÇÃO VERDE OU PACOTE TECNOLÓGICO IMPOSTO?
O modelo de agricultura que tornou-se dominante a partir da década de 1970
no Brasil foi chamado de Revolução Verde ou ainda modelo Químico-Genético-Mecânico
e foi difundido pela ação conjunta de agências de desenvolvimento brasileiras e
estrangeiras que por sua vez eram secundadas por multinacionais do setor petroquímico
(Guivant,1992 apud Reis Filho, 2002).
No caso particular do Brasil a implantação em nossa agricultura de um pacote
tecnológico
23
foi grandemente facilitada pela política de expansão de fronteira agrícola,
parte do projeto geopolítico implantado pelos governos militares.
Neste período, como o estado possuía forte presença na economia, a estrutura
estatal prestou-se ao trabalho de fomentar este modelo quer seja através da atuação de
empresas estatais nos ramos de fertilizantes e defensivos agrícolas como a Petrobrás e a
Vale do Rio Doce, quer seja na pesquisa ou assistência técnica rural através da Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária - EMBRAPA e da Empresa Brasileira de Assistência
Técnica e Extensão Rural-EMBRATER, esta última tendo encarregado-se de difundir
23
Segundo AGUIAR (1986) apud REIS FILHO(2002), pacote tecnológico pode ser definido como :
“Conjunto de práticas e procedimentos técnicos que se articulam entre si e que são utilizados
indivisivelmente numa lavoura, segundo padrões estabelecidos pela pesquisa. Dessa forma, o pacote
tecnológico passa a corresponder, na verdade, a uma linha de montagem, onde o uso de uma dada inovação
técnica (insumo de origem industrial) exige o emprego de uma dada inovação técnica anterior e a utilização
de uma certa inovação técnica posterior. Essa combinação de uso de insumos (e máquinas) não pode ser
rompida, sob o risco de invalidar totalmente os resultados da exploração agrícola”
54
aceleradamente o “pacote tecnológico” agrícola, junto aos produtores rurais.(Delgado,1985
apud Reis Filho, 2002).
Segundo Muller (1982) apud Graziano da Silva (1998), tem inicio na década de
1960 a instalação de um novo modelo agrícola e a constituição do CAI-Complexo
Agroindustrial que se através da sua predominância sobre o modelo anterior que era o
complexo Agro-comercial. A partir de meados desta década ocorre a diversificação das
exportações industriais e agroindustriais e a substituição localizada de importações de
matéria prima como petróleo para fabricação de papel. Tais fatos propiciaram a expansão
das agroindústrias processadoras e das que produziam fertilizantes, herbicidas e fungicidas.
Na década seguinte, o choque do petróleo em 1973, fez com que se desse inicio
a produção de álcool combustível o que catapultou o crescimento da agricultura como um
todo e o da agroindústria do açúcar e álcool em especial. Consolida-se desta forma a
industrialização da agricultura por intermédio da indústria para a agricultura, fornecendo-
lhe máquinas e insumos, passando a mesma a constituir um elo de uma cadeia de
produção.
2.7. A POLÍTICA OFICIAL DE FINANCIAMENTO DA ATIVIDADE AGRÍCOLA
Dentre as políticas adotadas no II PND-Plano Nacional de Desenvolvimento,
duas iniciativas impactaram diretamente sobre a agricultura e estavam de acordo com a
cartilha da “revolução verde” e dentro das necessidades do “pacote tecnológico” que se
procurava infundir.
A primeira delas criada em 1974 foi o PNFCA- Plano Nacional de Fertilizantes
e Calcário Agrícola e a outra implementada no ano seguinte, o PNDA- Plano Nacional de
Defensivos Agrícolas, ambos estabelecendo linhas de crédito para este tipo de custeio.
O PNDA viabilizou também a instalação fábricas de defensivos agrícolas no
país, através da concessão de incentivos fiscais em projetos aprovados pelo CDI- Conselho
de Desenvolvimento Industrial. Para avaliar-se a importância e a magnitude desta política
encetada pelo PNDA a taxa de crescimento do uso de crédito de custeio para defensivos foi
de 213% no período de 1974-1986, excessivamente elevada até mesmo se comparada a
taxa de crescimento do crédito global de custeio, que no mesmo período foi de 92%.
Foi igualmente decisivo o valor do crédito de custeio para defensivos no valor
das vendas destes, pois esta participação foi respectivamente de 54%, 71% e 79%
55
respectivamente nos anos de 1974, 1980 e 1981 (Kaegeyama, 1990). Tal crescimento deu-
se em razão de taxas de juros subsidiadas que atraíram grandes grupos econômicos para a
agricultura. Desse crédito barato não se beneficiaram pequenos produtores rurais.
Tal situação foi revertida após o início da Nova República e nos anos
subseqüentes conforme se constata na tabela a seguir.
Tabela 9 - Participação percentual (%), segundo classificação do produtor,
do valor dos financiamentos concedidos a produtores rurais. SNCR. 1987/1995.
Pequenos Médios Grandes Cooperativa Outros
1987 21 24 42 9 3
1988 19 24 40 14 3
1989 17 23 49 8 3
1990 27 19 34 16 5
1991 32 23 31 11 3
1992 19 33 24 11 12
1993 19 38 20 8 15
1994 15 55 4 8 19
1995 29 46 1 8 16
Fonte: IBGE. Anuário Estatístico do Brasil, vários números, em Guimarães (1997) apud Guanziroli,(1998).
Na tabela 9 observa-se que os financiamentos concedidos para o segmento de
pequenos produtores cresceram 38,10% no período e o segmento dos médios cresceu
58,62%. Fenômeno inverso ocorreu com o segmento dos grandes produtores cuja
participação caiu para 1% em 1995.
Após o início da Nova República e a aproximação das taxas de juro daquelas
normalmente praticadas no mercado, parece ter ocorrido um desinteresse dos grandes
produtores pelos financiamentos governamentais o que não ocorreu com os pequenos
médios produtores que continuaram a demandar crescentemente créditos oficiais.
Pode-se inferir também que esta facilitação propiciada pela intervenção estatal,
com crédito farto e barato e com aplicação direcionada para a compra e utilização de
agrotóxicos, se por um lado facultou um aumento de produtividade por outro acabou por
induzir o produtor rural a certas práticas danosas ao meio ambiente e aos trabalhadores
rurais como a utilização preventiva de defensivos agrícolas, que alterou de forma radical e
definitiva o ecossistema através da eliminação dos inimigos naturais das pragas.
56
2.8 - OS REFLEXOS DA MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA NOS CENTROS
URBANOS
Do ponto de vista social não foram menos profundos os impactos desta
modernização no campo. Algumas políticas de caráter urbano interrelacionavam-se com as
implementadas para o setor agrícola e destinavam-se a dotar as cidades de alguma infra-
estrutura para acolher as grandes levas de trabalhadores que viriam a ser liberados pela
atividade rural.
Conforme afirmam Becker & Egler (1998) a urbanização acelerada foi
utilizada como estratégia pelos governos do regime militar brasileiro, chegando mesmo a
aparecer explicitamente nos documentos oficiais de planejamento a partir do início da
década de 1970.
Neste sentido um conjunto de estratégias específicas foi implementada com o
objetivo de facultar um desenvolvimento mais rápido do capitalismo, a chamada
“modernização autoritária”. Tal tendência veio a ser desacelerada com o advento da
Nova República, conforme se verifica na tabela abaixo.
Tabela 10 - POPULAÇÃO URBANA DO BRASIL
ANO % EM RELAÇÃO À
POPULAÇÃO TOTAL
% DE CRECIMENTO NO
PERÍODO
1940 31,2
1950 36,1 15,70
1960 45,0 24,65
1970 55,9 24,22
1980 67,5 20,75
1991 75,4 11,87
Fonte: IBGE, Censos Demográficos in LINHARES (1999)
Os grandes programas especiais de fomento à agropecuária como o
POLOCENTRO, POLAMAZÔNIA, GEOECONÔMICA DE BRASÍLIA, PROMAT E
PROSUL, privilegiaram com vultosos financiamentos o grande latifúndio, subsidiando-o.
O Polocentro, criado em 1975, que beneficiou a região Centro-Oeste, tinha
como meta incorporar ao setor produtivo 3,7 milhões de hectares de terra dos cerrados em
57
apenas cinco anos. No período 1975-1981 foram aplicados por este programa na região
US$ 750 milhões (DUARTE ,1998).
Esta política serviu a dois propósitos. Em primeiro lugar a monocultura
praticada em grandes extensões de terra, como a soja, e voltada para a exportação geraria
divisas para o país. Em segundo lugar visava facilitar e agilizar a modernização da
agricultura e sua conseqüente liberação de mão-de-obra para os centros urbanos,
abastecendo com ela o setor industrial. (BECKER & EGLER,1998).
Também neste sentido pode-se citar Duarte e Braga (1998), transcrevendo
trechos de estudo realizado pela Fundação João Pinheiro sobre o POLOCENTRO e
publicado em 1983:
(...) demonstram que ele gerou efeitos não desejados. Neste sentido,
indicações que o programa não propiciou os incrementos esperados de emprego,
renda e bem estar. As tendências concentradoras, tanto em termos econômicos
quanto em termos de adensamento espacial da população nas cidades, não
foram revertidas mas, ao contrário, estimuladas pelo programa (DUARTE e
BRAGA, 1998, p.99).
Em razão desta avaliação negativa compartilhada pela direção de
órgãos governamentais como a SUDECO, que trouxe parecer semelhante em seu
documento Contribuição do Centro-Oeste para o I PND da Nova República em 1985, tanto
o POLOCENTRO como os demais programas acabaram desativados logo no início da
Nova República (Duarte, 1998).
Os custos tanto social quanto ambiental da implantação de uma agricultura
moderna altamente mecanizada e baseada apenas no combate químico de pragas foram
altos, pois ocorreu uma ocupação predatória, devastando do cerrado.
Esses programas governamentais eram essencialmente direcionados ao médio e
grande produtores rurais possuindo caráter seletivo e excludente em suas linhas de crédito.
Tal enfoque somente veio a sofrer mudanças, contemplando a preocupação com questões
ambientais e sociais com o fim do regime militar e início da Nova República, a partir de
1985, na qual se pregava o “Resgate da Dívida Social”, de duas décadas de autoritarismo.
Medidas neste sentido foram previstas no Plano de Ação Governamental da
Nova República para a Região Centro-Oeste, que objetivava o incentivo ao pequeno
produtor, a permanência da população no campo e o aumento da oferta de serviços sociais
básicos.
58
Este plano objetivava em suas diretrizes a melhoria do nível de distribuição de
renda, racionalização da ocupação e uso dos recursos naturais.
O Plano sucessor do POLOCENTRO para a região, chamado de Programa de
Ampliação dos Efeitos Sócio-Econômicos da Agricultura no Cerrado, intencionava
incentivar pequenos produtores e evidenciava preocupação com a conservação e proteção
dos recursos naturais. ( Duarte & Braga, id).
O processo de êxodo rural agudizado na década de 1970, resultou no
crescimento acelerado do contingente de “bóias frias”, ou seja, aqueles trabalhadores que
normalmente moram nos pequenos centros urbanos e que são transportados pelo produtor
rural ou seus agenciadores até a lavoura.
Tal fenômeno foi inegavelmente propiciado pelas mudanças econômicas e
tecnológicas decorrentes das políticas que instrumentalizaram a “modernização autoritária”
na agricultura brasileira, modificando relações de trabalho até então existentes como o
colonato, que eram estruturadas em bases mais estáveis, generalizando o trabalho
temporário sazonal e até mesmo criando a figura do diarista.
Esta urbanização acelerada e sem maiores preocupações que não fossem as de
habitação, com as condições de vida que advieram a uma grande massa de trabalhadores,
que não mais encontraram ocupação no campo e viram-se forçados a migrar para os
centros urbanos; serviu a uma política direcionada ao fornecimento de estoque de mão de
obra barata para a indústria, agravando ainda mais a questão da concentração da
propriedade da terra.
Como sub produto do processo de êxodo rural poderíamos citar a favelização
das cidades, o crescimento assustador da violência urbana, a queda da qualidade de vida de
grandes massas populacionais, vez que a administração pública não conseguiu dotar as
cidades da infra-estrutura necessária a seu atendimento, em questões como saneamento,
educação e saúde.
(...) o crescimento industrial tinha de ser sustentado por uma urbanização
permanente. Os núcleos urbanos assumem um novo significado como base
logística da modernização acelerada. Por um lado asseguram a intensificação da
mobilidade do capital e da força de trabalho, por outro lado, são o locus de
instituições estatais e da difusão da informação controlada. A urbanização do
território tornou-se, então, uma estratégia para o desenvolvimento do país
(BECKER & EGLER, 1998, p. 145 e 146).
59
2.9 - ASPECTOS DE DESENVOLVIMENTO DE CAPITALISMO CENTRAL E
PERIFÉRICO
Marx procurou explicar o funcionamento do mecanismo de permanente
expansão do capital, motivado pela constante necessidade de investimento e acumulação.
O surgimento do capitalismo criou um ambiente propicio ao desenvolvimento do
industrialismo o que estabelece um processo de retroalimentação entre estes dois fatores. A
permanente evolução da tecnologia associada à produção industrial busca em última
análise o desenvolvimento de processo de produção mais eficientes e baratos (GIDDENS,
id)
24
. Tal processo de expansão ajuda-nos a entender o porque os que utilizam técnicas
agrícolas modernas lançam mão, de forma inconseqüente, de expedientes como a aplicação
maciça de pesticidas, que garantam uma maior produtividade num menor tempo, sem
maiores preocupações com o meio ambiente, com as pessoas envolvidas na produção
agrícola ou mesmo com os consumidores finais.
que se fazer aqui, no entanto, uma ressalva às diferenças do processo de
expansão capitalista nos países centro e nos países periféricos. Nos primeiros os efeitos
indesejáveis desta expansão são atenuados pela pressão exercida por parte de uma
sociedade politicamente mais organizada e exigente que cobra o cumprimento de uma
legislação que pune severamente aqueles que poluem ou degradam o meio ambiente ou
que provocam danos à saúde da população.
Se analisarmos a situação existente nos Estados Unidos da América do Norte,
ocorre ali um grande rigor da justiça, que resulta em beneficiar os consumidores, e que
fomentou naquele país a conhecida indústria de processos”. é comum consumidores
processarem empresas e receberem milhões de dólares de indenizações, quando seus
advogados conseguem provar que houve displicência por parte de qualquer membro da
cadeia produtiva, que resultou em danos à saúde de quem quer que seja. Exemplo disto são
as indenizações milionárias pagas pela indústria do tabaco aos fumantes. Ambiguamente
esse país recusou-se a assinar o protocolo de Kyoto.
Nos países de terceiro mundo, e em especial no Brasil, a expansão do capital
deu-se à margem do controle do poder público e a revelia da justiça que é lenta e ineficaz.
Nos países em desenvolvimento, via de regra, o poder econômico sobrepõe-se a vontade
24
As consequências da modernidade, pág. 67
60
política dos governantes e à incipiente mobilização social e prevalecem os interesses do
primeiro.
As causas disso são complexas e passam pelo despreparo ou displicência do
aparelho de estado. O que ocorre, em realidade, em países de terceiro mundo, é a
exposição do trabalhador rural a produtos altamente tóxicos, que atuam de forma
cumulativa no organismo, provocando câncer e lesões neurológicas, quando não a sua
intoxicação em tão alto nível, que resulta em sua morte. Tais informações serão detalhadas
oportunamente no item 2.5. AGROTÓXICOS E SUA AÇÃO SOBRE A SAÚDE
HUMANA.
Esse trabalhador, por falta de alternativas, vê-se constrangido a aceitar um
posto de trabalho sem nenhuma garantia trabalhista, e a exercer sua atividade sem EPI.-
Equipamentos de Proteção Individual.
São utilizados pelos produtores rurais pesticidas proibidos por sua alta toxidade
(e grande eficiência). Não são respeitados os prazos de carência de espera após a aplicação,
pois urge que estes produtos cheguem ao mercado consumidor no menor tempo possível
diminuindo o ciclo de produção e antecipando os lucros financeiros. Inexiste no país, a
exceção de São Paulo, uma estrutura de análise laboratorial permanente para verificação de
resíduos de agrotóxicos em alimentos. Em razão disso somos levados a crer que no restante
do país milhões de pessoas consomem diariamente produtos contaminados, que sendo
absorvidos de forma cumulativa pelo organismo, irão resultar em problemas de saúde
futuros.
No item 2.7- Contaminação dos alimentos , é citado estudo comprovando este fato.
2.10 - BOIÁ-FRIA: A EXCLUSÃO DENTRO DA EXCLUSÃO
Os trabalhadores rurais que trabalham nas lavouras de tomate da região de
Goianápolis enquadram-se no perfil de “bóia fria”, sendo levados da zona urbana desta
cidade para trabalharem em lavouras situadas nos municípios de Teresópolis de Goiás,
Ouro Verde, Campo Limpo e Anápolis e outros.
A oferta abundante desta mercadoria: o trabalho diarista, e sua fácil reposição,
somada ao descaso das autoridades governamentais das três esferas de governo, levam a
um estado de total abandono destes trabalhadores que se sujeitam a condições de trabalho
extremamente prejudiciais a sua saúde. Os “bóia fria” ou “volantes”, como são chamados
61
receberam esta designação pelo fato de viajarem diariamente para o local de trabalho e
levarem em marmitas ou caldeirões sua alimentação.
Formou-se um proletariado diversificado, cujo primeiro tipo é o proletariado
rural-urbano, [...] assalariados rurais permanentes foram transformados em
trabalhadores temporários que vivem nas cidades e vão trabalhar diariamente no
campo, os bóias-frias (BECKER & EGLER, 1998, pp.178,180)
Esta relação de trabalho é vantajosa somente para o contratantes, pois os libera
das obrigações e ônus com as legislações trabalhistas e previdenciária, propiciando um
trabalhador a baixo custo e “descartável” a qualquer momento. Se algum deles adoece em
virtude mesmo da intoxicação ocasionada pela exposição aos agrotóxicos, não motivos
de preocupação para o empregador pois, basta a este substituir o trabalhador por outro de
um imenso exército de reserva. Neste sentido podemos citar D’INCAO (1981) quando
afirma:
A forma pela qual o seu trabalho se realiza no campo é uma decorrência
da existência deste excedente da oferta de força de trabalho em relação
à demanda. A possibilidade de contar com um tipo de trabalhador (bóia
fria) que, recebendo por tarefa ou por dia, e trabalhando num ritmo
irregular, favorece os interesses do empregador, existe, em última
análise, como decorrência da superabundância de mão-de-obra (p. 87)
A incerteza de encontrar ou não trabalho no dia seguinte propicia uma pressão
para baixo no valor pago pelas jornadas diárias de trabalho. Esta diária de baixo valor e
normalmente demandada pelos produtores rurais apenas na época das colheitas gera um
clima psicológico de constante insegurança para o trabalhador que terá que buscar seu
sustento em outras ocupações fora deste período. A grande oferta de mão-de-obra a baixo
custo, sem encargos trabalhistas e previdenciários que vige na deficiência da fiscalização
tanto da Delegacia Regional do Trabalho quanto do INSS, estimula a burla da legislação
que exige a contratação destes trabalhadores por um prazo determinado, mediante contrato
formalizado na carteira de trabalho, por parte dos empregadores.
Se o trabalhador rural bóia fria de uma forma geral pode ser considerado um
excluído social, o bóia fria que trabalha nas lavouras de tomate é uma sub-categoria onde
existe a “exclusão dentro da exclusão”, pois além do desamparo da legislação trabalhista e
previdenciária ele ainda está sujeito a um ambiente de trabalho insalubre que lhe
compromete a saúde.
62
Cada autor cunha um termo com o qual procura resumir a precária situação dos
trabalhadores rurais em nosso país. Graziano da Silva (1998) chegou a utilizar quatro
diferentes termos, em uma única obra, para se referir a eles : excluídos, barrados no baile,
descamisados e pobres do campo.
25
Norbert Elias, sociólogo alemão que viveu por alguns anos na Inglaterra, em
sua obra intitulada Estabelecidos e Outsiders (1999), considerada basilar na história da
teoria social, buscou estudar a questão a exclusão sofrida por certos grupos sociais.
Nesta obra, resultado de três anos de pesquisa de campo, ele identificou em
uma pequena comunidade no interior da Inglaterra, Winston Parva, a exclusão e
estigmatização sociais.
Em seu trabalho ele adotou uma estrutura metodológica, na qual dividiu a
pequena comunidade em três zonas. A zona 1 foi considerada como sendo de classe média
e as zonas 2 e 3 classificadas como operárias. Muito embora as zonas 2 e 3 fossem ambas
zonas operárias os moradores da zona 3 eram percebidos e se percebiam como uma zona
inferior.
Os próprios residentes da zona 3 pareciam aceitar a inferioridade de status
localmente atribuída a seu bairro, em comparação com a zona 2, ainda que mau
grado e com amargura (ELIAS & SCOTSON, 2000, p..51)
Norbert Elias evidencia em seu estudo que mesmo entre os excluídos
(outsiders) existem aqueles que são considerados e se consideram mais excluídos que os
demais.
Ainda que o autor não tenha cunhado um termo específico para esta sub-
categoria de excluídos o termo, exclusão dentro da exclusão bem poderia traduzir esta
realidade.
Este autor considera ainda que um dos fatores mais relevantes que levam a
exclusão social é a falta de coesão entre os membros de um determinado grupo social.
(...) os diferenciais do grau de coesão interna e de controle comunitário podem
desempenhar um papel decisivo na relação de forças entre um grupo e outro [...]
era graças ao seu maior potencial de coesão, assim como à ativação deste pelo
controle social, que os antigos residentes conseguiam reservar para as pessoas do
seu tipo os cargos importantes[...] e deles excluir firmemente os moradores da
outra área, aos quais, como grupo faltava coesão (ELIAS & SCOTSON, 2000,
pp.21 e 22).
25
A nova dinâmica da agricultura brasileira, pág.171
63
Os bóias-frias são uma categoria de trabalhadores particularmente
desmobilizada, com baixo nível de coesão e percepção de si mesmos como grupo.
Utilizando a construção teórica feita por Elias, poderia-se dizer que os bóias-frias enquanto
grupo social não se reconhecem como uma categoria, pois sua condição de diaristas os
sujeita a uma situação em que não é possível o estabelecimento de vínculos duradouros,
uma vez que sua ocupação é bastante inconstante. Isso resulta na constituição de um grupo
social pouco coeso. Esta realidade, dificulta a percepção por parte desses trabalhadores, de
que constituem uma classe, um grupo social específico, com demandas e necessidades
semelhantes. Esse contexto leva-os a uma alienação e passividade frente a uma situação
adversa que vem beneficiar os produtores rurais cujo objetivo único é maximizar os
lucros de sua atividade e considerando as despesas com a proteção dos trabalhadores,
perfeitamente supérfluas e dispensáveis.
Todavia a realidade constatada na pesquisa indica a existência de uma situação
de exclusão que transcende elementos sócio-culturais e sinaliza para outros aspectos tais
como a enorme precariedade das condições de trabalho as quais estão submetidos esses
trabalhadores, emergindo o aspecto sócio-econômico.
Se o “bóia fria” de outras regiões está sujeito a precárias condições de
exercício profissional, os que trabalham com tomate podem ser classificados como uma
categoria que enfrenta uma realidade de exclusão dentro da exclusão pois, agravando-
lhes a situação, existe o fato de estarem sujeitos a uma alta insalubridade no ambiente de
trabalho. Os trabalhadores que têm contato direto com os agrotóxicos, quer seja na sua
fabricação, transporte, comercialização, preparo ou aplicação, correm riscos de
intoxicação.
64
3 - CONTEXTUALIZAÇÃO DO OBJETO EMPÍRICO
3.1 - PORQUE AS LAVOURAS DE TOMATE?
O tomate ocupa a posição de segunda hortaliça em área mais cultivada no
mundo e a primeira em volume industrializado (Camaro Filho e Mazzei, 1996, apud Dos
Santos, 2000).
O tomate ocupa o terceiro lugar em volume de produção dentre hortaliças em
nosso país ( EMBRAPA,1992, apud Dos Santos, 2000) e sua importância é grande na dieta
do Brasileiro.
Para que se tenha uma idéia da importância do tomate na agricultura nacional
na tabela 11, verifica-se que ele posiciona-se em 6º. lugar em quantidade produzida (ton.)
entre todas as lavouras temporárias e em 2º. lugar em produtividade, perdendo somente
para a cana-de-açúcar.
Ainda segundo dados do IBGE, conforme tabela 12 que se segue, Goiás era em
2002 o estado campeão nacional na produção de tomate tendo atingido neste ano a
quantidade de 951.410 toneladas. Muito embora o estado de Goiás possua apenas 20,01%
da área plantada, é responsável por 26,05% da produção nacional de tomate pois sua
produtividade (kg/ha.) é 23,16% acima da média nacional.
Em Goiás, segundo dados constantes na tabela 13, a quantidade produzida de
tomate em toneladas é superior a de arroz e de feijão e é uma das culturas de maior
produtividade(Kg./ha.).
66
Tabela 11. Área plantada, área colhida, quantidade produzida, rendimento médio e valor da produção
dos principais produtos das lavouras temporárias - Brasil - 2002
Principais produtos das lavouras temporárias
Área
plantada (ha)
Área
colhida (ha)
Quantidade
produzida (t)
Rendimento
médio (kg/ha)
Valor
(1 000 R$)
Juta (fibra) 1 094 987 1 459 1 478 691
Linho (semente) 5 573 5 573 2 980 534 1 344
Centeio (em grão) 5 320 4 847 5 073 1 046 1 750
Ervilha (em grão) 3 336 3 336 7 986 2 393 6 666
Malva (fibra) 5 994 5 844 8 608 1 472 4 389
Fava (em grão) 33 290 31 579 10 099 319 12 097
Alho 15 760 15 715 114 436 7 281 309 550
Mamona (baga) 145 912 136 109 170 897 1 255 46 558
Amendoim (em casca) 97 125 97 093 195 284 2 011 147 202
Cevada (em grão) 155 861 147 397 244 600 1 659 83 730
Aveia (em grão) 264 438 254 663 298 686 1 172 76 084
Melão 16 882 16 875 352 300 20 877 210 194
Batata-doce 43 959 43 895 498 046 11 346 160 871
Fumo (em folha) 344 798 344 080 670 309 1 948 1 780 986
Sorgo granífero (em grão) 515 643 423 603 786 757 1 857 141 942
Cebola 69 024 68 869 1 222 124 17 745 486 374
Abacaxi (1) (2) 62 862 61 127 1 433 234 23 446 550 893
Melancia 75 774 75 389 1 491 137 19 779 284 610
Algodão herbáceo (em caroço) 763 992 760 431 2 166 014 2 848 1 624 055
Feijão (em grão) 4 321 809 4 140 528 3 064 228 740 3 106 596
Trigo (em grão) 2 151 831 2 104 902 3 105 658 1 475 1 394 671
Batata-inglesa 161 139 161 124 3 126 411 19 403 1 453 575
Tomate 62 647 62 520 3 652 923 58 428 1 429 412
Arroz (em casca) 3 175 772 3 145 868 10 457 093 3 324 3 826 874
Mandioca (2) 1 744 392 1 675 274 23 065 577 13 768 3 282 914
Milho (em grão) 12 294 910 11 750 889 35 932 962 3 057 8 914 349
Soja (em grão) 16 382 035 16 365 441 42 124 898 2 574 17 239 107
Cana-de-açúcar (2) 5 206 736 5 100 485 364 391 016 71 442 11 540 306
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Agropecuária, Produção Agrícola Municipal 2002.
(1) Quantidade produzida em 1 000 frutos e rendimento médio em frutos por hectare. (2) A área plantada refere-se a área destinada a colheita no ano.
67
Tabela 12 - Áreas plantada e colhida, quantidade produzida, rendimento médio e valor da produção dos
principais produtos das lavouras temporárias, segundo as Grandes Regiões e Unidades da Federação/Brasil - 2002
Grandes Regiõese Unidades da Federação
Área
plantada (ha)
Área
colhida (ha)
Quantidade
produzida (t)
Rendimento
médio (kg/ha)
Valor
(1 000 R$)
Tomate
Brasil 62 647 62 520 3 652 923 58 428 1 429 412
Norte 1 628 1 556 20 576 13 223 14 456
Rondônia 45 45 1 064 23 644 426
Acre 3 3 73 24 333 120
Amazonas 802 761 3 793 4 984 395
Roraima 360 338 3 500 10 355 4 200
Pará 363 354 10 406 29 395 8 313
Amapá - - - - -
Tocantins 55 55 1 740 31 636 1 002
Nordeste 13 137 13 107 581 825 44 390 246 980
Maranhão 368 368 7 209 19 589 4 230
Piauí 90 90 1 890 21 000 1 367
Ceará 1 789 1 789 95 945 53 630 43 200
Rio Grande do Norte 360 352 11 178 31 755 5 466
Paraíba 522 513 14 941 29 124 5 423
Pernambuco 4 414 4 401 207 736 47 202 90 422
Alagoas - - - - -
Sergipe 294 294 5 163 17 561 3 297
Bahia 5 300 5 300 237 763 44 860 93 574
Sudeste 26 085 26 081 1 675 872 64 256 760 967
Minas Gerais 9 765 9 761 637 219 65 282 297 488
Espírito Santo 1 687 1 687 109 539 64 931 62 997
Rio de Janeiro 2 703 2 703 163 124 60 349 77 234
São Paulo 11 930 11 930 765 990 64 207 323 248
Sul 8 730 8 709 398 371 45 742 213 526
Paraná 3 474 3 474 168 865 48 608 78 026
Santa Catarina 2 521 2 505 127 350 50 838 58 320
Rio Grande do Sul 2 735 2 730 102 156 37 419 77 179
Centro-Oeste 13 067 13 067 976 279 74 713 193 484
Mato Grosso do Sul 182 182 7 110 39 065 4 518
Mato Grosso 118 118 2 355 19 957 2 024
Goiás 12 512 12 512 951 410 76 039 176 929
Distrito Federal 255 255 15 404 60 407 10 013
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Agropecuária, Produção Agrícola Municipal 2002.
68
Tabela 13. PAM - Produção Agrícola Municipal 2002Área plantada, área colhida,
quantidade produzida, rendimento médio e valor da produção dos principais produtos das
lavouras temporárias
Produtos
Área
plantada
(ha)
Área
colhida
(ha)
Quantidade
produzida
(t)
Rendimento
médio
(kg/ha)
Valor
(1000 R$)
Goiás
Batata-doce 50 50 250 5.000 75
Cevada (em grão) 100 100 300 3.000 150
Amendoim (em casca) 180 180 360 2.000 198
Ervilha (em grão) 1.590 1.590 4.338 2.728 3.167
Cebola 349 349 19.430 55.673 9.454
Abacaxi (*) (1) 2.653 2.525 64.481 25.537 25.760
Melancia 7.067 7.067 183.730 25.998 30.018
Mandioca (1) 33.604 17.111 254.912 14.897 40.455
Alho 1.909 1.909 19.525 10.227 55.652
Arroz (em casca) 112.384 111.492 212.812 1.908 78.610
Batata-inglesa 4.512 4.512 161.560 35.806 96.422
Tomate(**) 12.512 12.512 951.410 76.039 176.929
Feijão (em grão) 122.790 122.605 235.418 1.920 252.037
Algodão herbáceo (em caroço) 102.185 102.185 301.255 2.948 307.645
(*) Quantidade produzida em mil frutos e rendimento médio em frutos por
hectare.
(1) A área plantada refere-se a área destinada a colheita no ano.
(**) Os dados sobre tomate referem-se tanto a tomate estaqueado quanto ao
industrial
Fonte: IBGE
De acordo com dados da Secretaria de Estado de Agricultura e Abastecimento,
específicos sobre o tomate estaqueado, na safra 1999/2000 a área plantada em Goiás foi de
2.247 ha., alcançando uma produção de 122,67 mil ton., com rendimento médio de 54,71
ton./ha.
No período de 1947 a 1970 enquanto a taxa de crescimento da produção de
tomate em nível de Brasil situou-se em torno de 10% a.a., na região centro-oeste esta taxa
atingiu 22% a.a. (Simon e Ribeiro,1972 apud Dos Santos, 2000).
A escolha da cultura do tomate como um enfoque a partir da qual estabeleceu-
se uma ponte com o objeto de estudo, deu-se em razão da utilização intensiva de
agrotóxicos que ela exige, comparativamente com outras.
Enquanto na cultura do tomate são comercializados 44,8 kg.de agrotóxicos por
hectare, na do arroz são 1,8 kg/ha, na do milho 0,3 kg./ha, e na do trigo 1,4 kg/ha.Torna-se
evidente, portanto, a grande intensidade de exposição dos trabalhadores nesta cultura a
risco de contaminação, com relação a outras lavouras (Garcia, 2001).
69
Tabela 14. QUANTIDADE DE AGROTÓXICOS VENDIDOS EM
RELAÇÃO À ÁREA DE CULTIVO-1985
CULTURA KG DE AGROTÓXICO VENDIDO POR Ha.
ALGODÃO 3,7
ARROZ 1,8
BATATA 2,9
CACAU 8,7
CAFÉ 2,9
CANA-DE-AÇUCAR 2,7
CITROS 24,7
MILHO 0,3
SOJA 2,4
TOMATE 44,8
TRIGO 1,4
Fonte: Garcia & Almeida,1990 apud GARCIA,2001
Existem basicamente dois métodos de cultivo do tomate: o de mesa, ou
estaqueado e o industrial ou rasteiro. Os do primeiro grupo caracterizam-se pelo maior
tamanho dos frutos e necessitam de suporte para seu desenvolvimento (estacas). Esse
método de cultivo requer uso intensivo de mão-de-obra, por uma série de razões, entre elas
a demanda do mercado por frutos com boa aparência sem o que o produtor não obtém
sucesso na sua comercialização, que o mesmo é o preferido para consumo in-natura e é
normalmente exposto de forma a propiciar a escolha por parte do consumidor final (Dos
Santos, 2000) e (Reis Filho, 2002).
Através de entrevistas prévias realizadas com técnicos da área e que estão
relacionadas em anexo no final deste trabalho, tomou-se conhecimento de algumas
características específicas dos dois tipos de cultura do tomate: o estaqueado e o de mesa.
As técnicas de produção do tomate de mesa exigem maior cuidado com o fruto e por isso
mesmo demandam mais mão-de-obra que o tomate industrial.
A cultura do tomate de mesa demanda 375 dias/homem por hectare em seu
ciclo produtivo. (Filho & Mazzei apud Dos Santos, 2000).
São produzidos anualmente no Brasil 40 mil hectares de tomate de mesa e 20
mil hectares de tomate industrial. (Dias, apud Dos Santos, 2000).
Desta forma o tomate de mesa é responsável pela geração de 15 milhões de
dias/homem de trabalho a cada ano, o que evidencia sua importância na geração de
trabalho e renda na zona rural.
70
Segundo MINAMI & HAAG citado por Dos Santos (2000), na cultura do
tomate de mesa ocorre um gasto de produção de 15 a 20% superior ao do tomate
industrial.
Entre estas tarefas, que são realizados manualmente, podemos citar a
necessidade de amarrar a planta a varas de bambu, pulverizações manuais e amarração dos
brotos; desmanche das lavouras. Seguem fotos tiradas durante a aplicação dos
questionários da pesquisa que ilustram as etapas do processo de produção do tomate.
Figura 1 - Amarrio dos ramos do tomateiro às estacas quando estes estão grandes
71
Figura 2 - Estaqueamento de bambu sendo desmanchado após termino da lavoura
Figura 3 - Fabricação de caixas de madeira para acondicionamento do tomate, realizada na própria lavoura
72
Figura 4 - Trabalhador rural selecionando os frutos na barraca
Figura 5 - Coleta de tomate na lavoura
73
Contribui ainda para a elevação dos custos deste tipo de cultura a terceirização
da formação de mudas para evitarem-se riscos de perda de sementes por ação de insetos ou
animais, chuvas forte, frio ou calor intenso.
A visita a campo para a realização da pesquisa revelou também um aspecto
bastante peculiar da irrigação do tomate estaqueado na qual se observa a engenhosidade do
trabalhador rural que cria soluções simples mas eficientes e de baixo custo.
Ela é feita, cavando-se com enxada, sulcos no chão por onde corre a água até
as plantas. Assim que molhadas as plantas esses sulcos fechados e desviado o fluxo de
água para outros, sempre por gravidade aproveitando a declividade natural do terreno.
Note-se na figura 6 o apetrecho usado para desviar-se o fluxo de água que é feito com uma
ripa de madeira na qual são pregados vários sacos de material sintético parcialmente cheios
de terra.
Figura 6 - Trabalhador rural cavando sulcos na terra para irrigar pés de tomate
74
Figura 7 - Irrigação descendo na vala por gravidade
Figura 8 - Trabalhador rural tamponando
a vala com artefato rudimentar
75
Os do segundo grupo não demandam tanto cuidado com o fruto, pois destinam
se ao esmagamento pela indústria. Os produtores deste último grupo são normalmente de
maior porte, mais capitalizados, e tecnologicamente melhor equipados. Pelo fato de terem
sua produção demandada pela indústria, algumas, delas de grande porte como Unilever
(ARISCO) e QUERO; recebem delas assistência técnica agronômica gratuita tendo a
aplicação de agrotóxicos monitorada de alguma forma pelas indústrias, para que a matéria-
prima não chegue a sua linha de produção contaminada por resíduos desses produtos. Essas
indústrias, além do mais, possuem engenheiros agrônomos e bioquímicos em seus quadros
que realizam análise amostral com o objetivo de impedir que seja utilizada matéria prima
inadequada no processo produtivo, orientando ou até mesmo deixando de adquirir dos
produtores que desatenderem a orientação de seus técnicos. Pelo fato dos produtores de
tomate de mesa não disporem deste acompanhamento, nem por parte das grandes redes de
supermercado, nem por parte das autoridades das áreas sanitária e de saúde, os
trabalhadores rurais ocupados na sua produção estão mais expostos a riscos de
contaminação por uso de agrotóxicos e por esta razão este foi o segmento agrícola
escolhido para o presente estudo.
3.2- TOMATE : O EXEMPLO PERFEITO DA IMPLANTAÇÃO DE UM PACOTE
TECNOLÓGICO
Sem dúvida o caso das lavouras de tomate é um exemplo primoroso da
subjugação da atividade tipicamente agrícola pela indústria, pois os produtores são levados
a consumirem um pacote tecnológico completo, quando vêem-se na contingência de
adquirirem sementes modificadas geneticamente a altíssimo custo, a aplicarem quantidades
cada vez maiores de pesticidas, o que revela a supremacia do segmento tecnológico do
CAI.
Como bem observa (Marafon, 1998) nas articulações a montante e a jusante da
agricultura com a indústria, a primeira perdeu o seu caráter autônomo e a sua capacidade
de decisão dos grupos sociais rurais envolvidos. Dentro dessa análise, as indústrias de
agrotóxicos e outros insumos, que compõe o pacote tecnológico, impõe o preço de seus
produtos aos agricultores, apossando-se de grande parte da margem de lucro destes, que se
vêem aprisionados em um modelo de necessidade crescente de utilização desses insumos.
76
Este modelo foi denominado de Revolução Verde e é baseado no trinômio de intervenção
Química, Mecânica e Genética - QMG.
No Brasil o sistema de pesquisa e extensão agropecuária, desenvolvido por
empresas públicas como a EMATER e a EMBRAPA, serviu de instrumento de propagação
deste modelo, já que o próprio Estado tinha nele interesse. A Petrobrás e a Cia Vale do Rio
Doce tinham participação em grande número de empresas dos ramos de fertilizantes e
defensivos (GOULAR, sd; GUIVANT, apud Reis Filho, 2002).
Nos alimentos que consumimos, esses compostos tóxicos ocorrem na forma de
resíduos remanescentes de sua aplicação sobre eles. A grande persistência de alguns
praguicidas transforma-os em contaminantes poderosos, que podem instalar-se em
ambientes terrestres e aquáticos e ali permanecerem por muitos anos. Em 1975, o Brasil
era o quarto consumidor mundial de praguicidas, antecedido apenas pelos EUA, Japão e
França. Simultaneamente ao crescimento vertiginoso do uso de agrotóxicos na agricultura
brasileira, não houve preocupação em capacitar o homem do campo para a utilização de
outras técnicas que o tornassem menos dependente da utilização desses produtos e
tampouco protegê-lo quando necessário utilizá-los, evidenciando sua condição de
permanecer à margem do desenvolvimento sócio-econômico (Garcia, 2001).
O estudo do efeito dos agrotóxicos sobre a saúde de trabalhadores rurais é de
significativa relevância social e é escassa no Brasil a existência de estudos e dados,
relativamente aos malefícios que estes produtos causão a estes trabalhadores.
Na falta de dados fidedignos, em nível nacional, do número de ocorrências de
intoxicação por uso de agrotóxicos e em face da necessidade de uma mensuração para
avaliação da relevância destes eventos, somos levados a fazer estimativas, mesmo sabendo
que estas podem não refletir com precisão a realidade do quadro existente.
Tomando-se por base estudo realizado pelo IBGE (2001), e aceitando-se a
aplicação do mesmo percentual de ocorrência do evento no Paraná para o Brasil, chega-se
aos seguintes valores: de um total de 382.998 estabelecimentos rurais do estado do Paraná,
em 29.250 (7,65%) ocorreram casos de intoxicação e destes 22.772 foram de tal gravidade
que necessitaram de atendimento médico/hospitalar.
Usando-se a mesma proporcionalidade para o Brasil chegaríamos a um número
estimativo de mais de 371 mil casos anuais no país.
77
Tabela 15 - Estimativa do número de casos de intoxicação por agrotóxicos no Brasil (2001)
TOTAL ESTABELEC. BRASIL :
4.859.865 (*)
TOTAL ESTABELEC.PARANÁ :
382.998 (**)
Nº.INTOXICAÇÕES BRASIL :
371.154 (***)
Nº.INTOXICAÇÕES PARANÁ :
29.250 (**)
Nº.ATENDIMENTOS
MÉDICOS/HOSPITALARES BRASIL :
298.175 (***)
Nº.ATENDIMENTOS MÉDICOS
HOSPITALARES PARANÁ :
22.772..(**)
(*)CENSO AGROPECUÁRIO, 1995/96, IBGE
(**)Uso de agrotóxicos no Estado do Paraná,IBGE, 2001.
(***) Estimativa do autor
Como o número de casos com relato de intoxicações é muito próximo do de
casos que necessitaram de atendimento médico/hospitalar, é razoável supor que somente os
casos mais graves foram relatados, estando sub-dimensionada a extensão real do drama e
levando-nos a crer que estes dados são apenas a “ponta do iceberg”.
O número de intoxicações totais no Brasil, aceitando-se esta estimativa,
superaria o somatório de todos os acidentes de trabalho registrados pela CAT -
Comunicação de Acidente de Trabalho, registrados no país, nos anos de 2000 e 2001 que
foram respectivamente de 363.868 e 340.251, conforme dados do MPAS.
Os custos sociais e ambientais decorrentes dos danos causados pelo uso de
agrotóxicos não são repassados por nenhum elemento da cadeia produtiva aos preços de
comercialização. Isso significa que acaba recaindo sobre o poder público os custos e
despesas decorrentes da reparação dos danos infringidos ao meio-ambiente e à saúde
pública e como resultado deste quadro observa-se a crescente destruição dos ecossistemas
e o comprometimento da qualidade de vida do trabalhador rural brasileiro (Garcia, 2001).
Existem evidências de uso abusivo e de intoxicações por praguicidas em
diferentes regiões rurais do Estado de Goiás, porém são praticamente inexistentes registros
oficiais destes eventos. Falta, ao Estado, uma política de monitoramento e
acompanhamento desse problema. Este somatório de deficiências a essa questão
dimensões de um grave problema social e de saúde pública, que tem sido tratado com
displicência pelo poder público.
A situação no restante do país não é muito diferente daquela encontrada em
nosso estado, conforme atestam artigos publicados e pesquisas realizadas em várias
regiões do país, dentre as quais algumas são citadas adiante neste trabalho.
78
3.3 - JUSTIFICATIVA DA ESCOLHA DO LOCAL DA PESQUISA
3.3..1 - PORQUE A REGIÃO DE GOIANÁPOLIS ?
A escolha do local de realização da pesquisa deu-se a partir da necessidade de
se escolher uma região do estado de Goiás onde a atividade de tomaticultura de mesa fosse
economicamente preponderante e absorvedora de mão-de-obra de trabalhadores rurais. No
caso da região de Goianápolis não isto ocorre como também existe uma tradição de
experiência com esta lavoura de mais de 60 anos, relatada por alguns produtores que ainda
atuam nesta atividade. Por essa razão os elementos sócio-culturais inerentes e peculiares a
esta atividade são particularmente ricos e permeiam toda a comunidade da região.
Talvez mesmo em razão da predominância da tomaticultura como atividade
econômica da região, os problemas a ela inerentes como o alto nível de utilização de
agrotóxicos, atraíram a atenção de técnicos da empresa de água e saneamento do estado
(SANEAGO) em virtude de resultados de análise de água bruta coletada por esta empresa
nos mananciais que servem a cidade de Goianápolis como o ribeirão Sozinha (o mais
volumoso, nele ocorrendo a coleta de água para fornecimento à cidade), córrego Grimpas,
córrego Gueroba, rio São Tomaz, córrego Vertente e ribeirão Piancó.(SANEAGO, 20004)
Os resultados dessas análises constataram a contaminação desses mananciais por
agrotóxicos (organofosforados e carbamatos). Tais resultados foram enviados pela
SANEAGO a diversos órgãos públicos ligados a questão da saúde e meio ambiente, dentre
eles o Ministério Público Estadual e o CREA-GO.
79
FIGURA 9 - Vista externa da estação de tratamento de água da SANEAGO em Goianápolis
FIGURA 10 - Vista do ponto de coleta de água dentro da estação da SANEAGO
80
A região de Anápolis/Leopoldo de Bulhões/Goianápolis é conhecida como
uma das maiores produtoras de tomate estaqueado do estado. Esta cultura exige uma
grande quantidade de aplicações de agrotóxicos para sua manutenção (até 40) enquanto
outras culturas necessitam apenas de 4 ou 5. Por esta razão esta cultura é altamente
contaminante tanto do meio ambiente quanto dos trabalhadores envolvidos no processo
produtivo.
Goianápolis ostenta vários anos o título de a “Capital do Tomate” em
Goiás. Segundo informações obtidas através de solicitação por ofício para a gerencia do
Departamento de Proteção de Mananciais da Saneago - Empresa de Saneamento de Goiás,
no Ribeirão Sozinha e cursos d’água menores que o alimentam servindo a cidade de
Goianápolis tem sido constatada através de exames, presença de pesticidas
organofosforados e carbamatos totais na água fornecida a população daquela cidade.
A Saneago tem monitorado e constatado o mesmo problema também nos
municípios de Anápolis, Ceres, Rialma, Santa Helena, Hidrolândia e Maurilândia. Segundo
a, Saneago, das 36 amostra de água bruta coletadas durante o ano de 2003 no ribeirão
Sozinha, 21 delas apresentaram resultado positivo confirmando a presença de agrotóxicos.
Levando-se em conta que as datas das coletas não coincidem necessariamente com o
período de cultivo das lavouras, nas quais os agrotóxicos são utilizados intensivamente, é
de se supor que se as amostras fossem coletadas exclusivamente dentro deste período uma
quantidade ainda maior delas resultaria positiva. Outra razão que levou a escolha desta
região é o fato de que ali predomina o trabalho rural “volante” ou “bóia-fria”. Esses
trabalhadores podem ser considerados inseridos em uma realidade de “exclusão dentro da
exclusão” pois, além de não possuírem qualquer proteção da legislação trabalhista e
previdenciária, estão sujeitos a condições insalubres de trabalho, com baixa remuneração,
excessiva jornada diária de trabalho, e a stress psicológico motivado pela insegurança
quanto a manutenção de sua ocupação.
Ao contrário dos bóias- frias, versão urbana, cujas condições de trabalho são de
certa forma fiscalizadas pelo poder público, os bóia-fria da zona rural, são “preteridos”
pela dificuldade natural que a atuação na zona rural impõe aos órgãos fiscalizadores.
Até mesmo sua mobilização como classe é dificultada em razão de sua
inconstância na ocupação, que pode dar-se dia sim dia não. Esta atividade é essencialmente
dispersiva e desagregadora.
81
Segundo Siqueira citado por Garcia (2001), que fez um estudo no estado do
Paraná, foram verificados a ocorrência de 1.504 casos de intoxicação por agrotóxicos,
relacionados com atividades agrícolas, no curto período de agosto de 1982 a março de
1983.
Segundo o IBGE(1) (1995/96) são 17.930.890 de pessoas ocupadas na
agropecuária e potencialmente expostas a contaminação por agrotóxicos.
Lamentavelmente não existem no Brasil estatísticas sobre o número de pessoas
igualmente expostas em razão da ingestão de alimentos, contaminados com resíduos
destes. Esses dados podem dar-nos uma vaga noção das dimensões deste problema muito
embora não existam estudos sobre os prejuízos e despesas causados nos sistemas
produtivo, de saúde e previdenciário respectivamente, sobre horas não trabalhadas,
tratamento de saúde, afastamento remunerado e reabilitação de trabalhadores rurais. Existe
uma tendência a observar-se apenas os benefícios imediatos da utilização destes produtos,
que é o aumento da produtividade das culturas.
O Brasil é pelo menos duas décadas o país que mais gasta com a utilização
de agrotóxicos na América Latina. Esse dado é particularmente expressivo na medida em
que o comparamos com o nosso vizinho a Argentina. Enquanto o PIB agropecuário do
Brasil é 186,90% maior que o deste país, nossas despesas com agrotóxicos chegam a ser
729,46% maiores.
26
Tabela 16. DESPESAS(*) COM AGROTÓXICOS EM ALGUNS PAÍSES DA AMÉRICA LATINA
PAÍS 1980 1985 1999
Argentina 102 164 241
Bolívia 9 13 18
Brasil 695 1.225 1.993
Chile 8 12 17
Colômbia 96 155 250
Equador 41 60 86
Peru 14 21 30
Uruguai 7 11 18
Venezuela 22 38 61
México 199 351 565
(*)Em Milhões de dólares
Fonte: Pan American Heath Organization apud Alves Filho (2002)
26
PIB Agropecuário do Brasil é US$ 65,27 bilhões (1998), PIB Agropecuário da Argentina é US$ 22,75
bilhões (1997) . Dados extraídos do Almanaque Abril , 2000, pp.117 e 140
82
Por outro lado os valores que essa indústria de defensivos movimenta no país
são da seguinte ordem de grandeza, segundo dados atualizados até 20/10/2003,
disponibilizados pelo SINDAG - Sindicato Nacional das Indústrias de Produtos para
Defesa Agrícola (SINDAG,2003) :
Comercialização : US$ 2,5 bilhões/ano (até da data acima citada)
Investimento em Instalações : US$ 390 milhões
Pesquisa e Desenvolvimento : US$ 45 milhões
Tais dados evidenciam os grandes interesses econômicos que dão suporte a
intensiva e indiscriminada utilização destes produtos.
3.4 - UMA ABORDAGEM MAIS APROFUNDADA DO OBJETO DE ESTUDO - As
lavouras de tomate
Os produtores do tomate estaqueado são normalmente pequenos produtores
que arrendam terras e possuem limitados recursos financeiros para fazer frente aos
dispendiosos investimentos característicos desta lavoura que vão desde sementes, cujo
valor da grama é aproximadamente o dobro do valor da grama do ouro, até rigorosos
cuidados fitossanitários.
Estes produtores são resistentes a utilizarem técnicas alternativas de controle de
pragas, menos agressivas ao meio ambiente e aos trabalhadores, temendo que o resultado
em produtividade de suas lavouras seja inferior ao da utilização do método de combate
químico convencional de pragas (Reis Filho, id). Essa preocupação exacerbada com a
perda da lavoura leva os produtores a recorrem a aplicações extras ou preventivas de
inseticidas toda vez que percebem diminuta presença de insetos na lavoura. Tal
procedimento contraria a orientação técnica, pois, isso somente se justifica além de
determinados níveis de infestação, que efetivamente podem resultar em diminuição de
produção com prejuízos econômicos (Crocomo & Oliveira, apud Reis Filho, 2002).
O convencimento do produtor da necessidade de utilização de sementes
geneticamente modificadas e de alto custo sob a alegação de maior produtividade, acaba
por levá-lo a um círculo vicioso, pois para não correr risco de perder o elevado valor de
investimento realizado, o produtor utiliza mais adubo e mais agrotóxico que o necessário,
elevando novamente os custos de produção, segundo a lógica do “gastar mais para garantir
o retorno do investimento inicial”. A lucratividade obtida pelo produtor rural está desta
83
forma, sempre pressionada pelo acréscimo de despesas com os insumos. Nesse sentido
esclarece Graziano:
(...) Para trás a agricultura se relaciona com uma indústria fortemente
oligopolizada que consegue impor preços aos insumos adquiridos pelos
agricultores, e, para frente, com a agroindústria processadora, também
oligopolizada, que tem ligações específicas com os agricultores e que é dispersa
no espaço, o que lhe confere um poder monopsônico na compra de matéria
prima, estabelecendo nãopreços, mas também o tipo e o padrão dos produtos.
(Guimarães apud Graziano da Silva, 1998, p.p. 76,77).
Ainda segundo este autor esse processo gera uma compressão na renda” dos
produtores rurais que faculta às indústrias apoderarem-se de parcela considerável dos
lucros desta atividade.
Em entrevistas com produtores da região de Goianápolis, constatou-se que eles
não têm noção precisa de seu custo de produção e que não levam em consideração no
cálculo de seus custos itens tais como mão-de-obra, valor do arrendamento da terra, e
muito menos outros não tão visíveis como a depreciação de equipamentos.
Dos Santos (id), que realizou estudo pormenorizado da composição dos custos
das lavouras de tomate na região de Goianápolis obteve os seguintes dados, constantes da
tabela 17 que se segue:
Pela tabela 17 constata-se que os defensivos representam o item de maior peso
na composição dos custos das lavouras de tomate. Vem em seguida os gastos com mão-de-
obra que se situam praticamente nos mesmos níveis dos efetuados com fertilizantes.
Ressalte-se aqui que a utilização de mão-de-obra na cultura do tomate
estaqueado é grande em virtude de atividades que lhe são peculiares, tais como controle do
mato, irrigação, aplicação de defensivos, envaramento, amarrio, desbrota, colheita,
classificação, acondicionamento em embalagens, desmanche de culturas, todas estas
atividades realizadas manualmente. Mesmo assim gasta-se mais com defensivos do que
com mão-de-obra.
O modelo de combate exclusivamente químico e intensivo, a par de aumentar
os custos de produção, ocasiona sério desequilíbrio ao ecossistema onde se insere a
lavoura. Esse desequilíbrio acaba por resultar no aparecimento de novas pragas além do
desenvolvimento de resistência de algumas pragas aos produtos utilizados, forçando o
produtor a utilizar quantidades cada vez maiores de pesticidas. (Reis Filho, id).
84
Tabela 17 - COMPOSIÇÃO DO CUSTO TOTAL(%) DE PRODUÇÃO DE TOMATE DE
MESA,SEGUNDO TAMANHO DOS PRODUTORES DE GOIANÁPOLIS-GO, SAFRA 1999/2000
ITEM
ESTRATO DE
TAMANHO
GRANDES(1) PEQUENOS MÉDIA
CUSTO VARIÁVEL 87,84 81,55 84,69
Sementes e Mudas 9,48 7,84 8,66
Fertilizantes 18,55 19,67 19,11
Defensivos 30,20 23,49 26,84
Material de Consumo 1,37 1,34 1,35
Mão-de-obra 22,30 19,18 20,74
Comercialização 0,25 0,59 0,42
Juros de Financiamento 4,86 7,89 6,37
Transporte 0,82 1,53 1,17
CUSTO FIXO 11,67 14,45 13,06
Preparo do Solo 0,64 2,62 1,63
Aluguel 0,47 1,13 0,80
Depreciação 10,33 10,33 10,23
Seguro Estimado 0,17 0,15 0,16
Juros Estimados 0,25 0,22 0,23
DESPESAS DE
PRODUÇÃO
0,49 4,00 2,24
TOTAL 100,00 100,00 100,00
Fonte: DOS SANTOS, (2000)
(1)Produtores que plantaram acima de 60.000 pés de tomate
que se mencionar ainda que as fórmulas dos princípios ativos destes
produtos pertencem a grandes corporações transnacionais a quem os paises em
desenvolvimento devem pagar “royalties”(Vilas Boas, 1989; Nakano,1999 Apud Reis
Filho, 2002) e arcar com as despesas de recuperação do meio ambiente e com o sistema de
saúde no atendimento aos trabalhadores afetados.
3.5 - AGROTÓXICOS E SUA AÇÃO SOBRE A SAÚDE HUMANA
Muito embora fuja ao escopo deste trabalho uma análise mais aprofundada dos
aspectos médicos dos agrotóxicos relativamente aos danos causados à saúde humana, é
oportuno que se citem algumas informações, para que se tenha uma noção da extensão e
gravidade desta questão.
Informações mais detalhadas sobre as duas classes mais utilizados de
agrotóxicos na tomaticultura, objeto de nosso estudo, podem ser encontradas no anexo C e
foram extraídas de trabalho publicado pela FIOCRUZ, (1998). Ali são descritos os efeitos
sobre a saúde humana de compostos Carbamatos e Organofosforados.
85
3.5.1- PESQUISAS E ESTUDOS REALIZADOS SOBRE OS EFEITOS DA
CONTAMINAÇÃO POR PESTICIDAS NA SAÚDE HUMANA
Afora os efeitos descritos pela literatura nas intoxicações agudas ou crônicas,
vários estudos e pesquisas têm sido realizados no sentido de estabelecer-se a correlação
entre agrotóxicos e alguns tipos de câncer.
Tumores hematológicos, especialmente os linfomas não-Hodgkin, são uma das
principais neoplasias relatadas na literatura médica associada a exposição prolongada a
agrotóxicos em diversos países como Itália (CONSTANTINI et al., 2001), Canadá
(McDUFFIE et al. 2001), Suécia (THORN et al., 2001; HARDELL, ERICKSON &
NORDSTROM, 2002), Alemanha (MEINET et al.,2000), Estados Unidos (FLEMING et
al., Apud PERES & MOREIRA, 2003).
Relativamente aos agrotóxicos mais utilizados nas lavouras de tomate,
pesquisas realizadas em trabalhadores rurais nos Estados Unidos, e que provavelmente
estão melhor protegidos por EPI que seus colegas brasileiros, constataram um aumento de
50% no risco de linfomas não-Hodgkin após exposição prolongada a agrotóxicos
organoclorados (WADDEL et al.,2001 apud PERES & MOREIRA, 2003).
Resultados semelhantes e com percentuais que variam de 30 a 50% no risco de
ocorrência do mesmo tipo de linfoma foi também constatado quando da exposição a
carbamatos (Zheng et al.,2001, apud Peres & Moreira, 2003).
A Pesticide Action Network International divulgou estimativas segundo as
quais as intoxicações ocupacionais por agrotóxicos em países em desenvolvimento seriam
da ordem de 25 milhões de casos anuais. De 12% a 13% dos trabalhadores rurais destes
países mencionaram ter sofrido episódios de intoxicação a cada ano, e estima-se que 99%
das mortes atribuídas aos agrotóxicos ocorreriam nos países em desenvolvimento
27
.
A OMS-Organização Mundial de Saúde estima que 70% das intoxicações
agudas por exposição ocupacional são causadas por compostos organofosforados e
considera que o nível da enzima colinesterase na corrente sanguínea pode ser utilizado
como indicador de exposição e contaminação por estes compostos. Ela define que 30% de
inibição de colinesterase evidencia um alto nível de risco à saúde humana.
28
.
27
McCONNEL, R.;HENAO,S.;NIETO,O. ;ROSENSTOCK,L.;TRAPÉ,A.Z.;WESSELING,C.Pesticides in
FINKELMAN,J.;COREY,G.;CALDERON,R.1993, apud GARCIA,2001
28
WORLD HEALTH ORGANIZATION.Public Health Impact of Pesticides used in Agriculture,
Geneve,1990,129p. Apud GARCIA,2001
86
Pesquisa realizada pela Secretaria Estadual de Saúde do Estado de São Paulo
em 1985, nos 12 municípios do vale do Ribeira revelou que as intoxicações por
agrotóxicos só chegam a ser notificadas quando apresentam quadro de gravidade.
Dos 119 casos de intoxicações notificados no ano da pesquisa, 16 deles
(13,6%) evoluíram para óbito enquanto que dos 842 casos notificados de doenças infecto-
contagiosas, 19 (2,3%) evoluíram para óbito (Silva, F.C.1988, apud Garcia, 2001)
Pesquisa realizada pela Fundacentro - Fundação Jorge Duprat Figueiredo de
Segurança e Medicina do Trabalho, no período de junho de 1986 a dezembro de 1987,
mostrou que 19,4% dos trabalhadores rurais examinados apresentou alterações no nível
desta enzima evidenciando contaminação por agrotóxicos. Os resultados da pesquisa são
descritos na tabela a seguir:
Tabela 18. ATIVIDADE DA COLINESTERASE(1), ENTRE A POPULAÇÃO QUE TRABALHA EM CONTATO DIRETO
COM AGROTÓXICOS, BRASIL(2)
ATIVIDADE DE COLINESTERASE Nº TRABALHADORES %
MAIOR OU IGUAL A 75% 4.104 79,8
MENOR QUE 75% 998 19,4
SEM INFORMAÇÃO 41 0,8
TOTAL 5.143 100,0
(1) MÉTODO DE EDSON
(2) RS,SC,PR,SP,MG,ES,BA,PE,DF
FONTE: FUDACENTRO-Programa de vigilância Epedemiológica em Toxicologia de Agrotóxicos apud GARCIA, 2001
Apenas com relação aos danos ocasionados à saúde de agricultores, ocorrem
nos Estados Unidos 45.000 envenenamentos acidentais e cerca de 3.000 hospitalizações
anualmente.
A National Academy of Sciences estima que os agrotóxicos provoquem cerca
de 20.000 casos de câncer por ano nos EUA (Garcia, id).
No vale de San Joaquim, na Califórnia onde foram utilizados 27.000 t. de
pesticidas no ano de 1986, estudos posteriores constataram que resíduos destes produtos
foram encontrados em 2.000 poços, incluindo 125 sistemas públicos de água. Em
McFariand, pequena cidade da região, os índices de câncer apresentados foram 8 vezes
maiores que a média nacional (Garcia, id).
Estima-se que de 10% a 35% das quantidades aplicadas via terrestre e de 50 a
75% das aplicações aéreas podem atingir áreas não alvo que ao chegar ao solo passam por
processo de degradação que em virtude de uma progressiva fixação, pode levar de dias a
anos (Garcia, id) .
87
3.6 - AGROTÓXICOS E SEUS EFEITOS SOBRE O MEIO AMBIENTE
A contaminação do meio ambiente pelos agrotóxicos ocorre de diversas formas
sendo a mais grave delas através da água, decorrente principalmente da lixiviação e erosão
do solo. Ao analisar-se os custos da recuperação do meio ambiente verifica-se o quão
questionável é o modelo de agricultura que privilegia a utilização intensiva de pesticidas.
Segundo Edwards citado por Garcia (2001), Atrazina, Alachlor e Aldicarb são
os produtos mais encontrados entre os contaminantes de águas subterrâneas.
Levantamento realizado pela Agência de Proteção Ambiental-EPA dos EUA
constatou que 10,4% dos 94.600 reservatórios comunitários de água e 4,2% do 10.500.000
poços domésticos da zona rural apresentavam níveis detectáveis de agrotóxicos, com níveis
acima do permitido em 0,6% deles (Garcia, id)
29
.
O custo do tratamento de toda a água contaminada naquele país, para torná-la
potável seria de US$ 500 milhões anuais (Garcia, id)
30
.
Em nosso país salvo algumas exceções, inexistem mecanismos institucionais,
regulares de monitoramento de contaminação por pesticidas dos sistemas aqüíferos e ainda
não é possível eliminar estes compostos da água coletada e tratada para ser distribuída à
população.
Em estudo realizado no período de 1976 a 1984 pela Superintendência dos
Recursos Hídricos e Meio Ambiente-SUREHMA do estado do Paraná, constatou-se que
84% das 1.825 amostras coletadas de diversos rios do estado apresentaram contaminação
por pelo menos um dos 17 produtos encontrados, e 78% destas amostras ainda
apresentavam contaminação depois de tratadas e disponibilizadas para consumo da
população
31
.
Por outro lado, no período de 1986 a 1991, o consumo aparente
32
de
agrotóxicos no país foi de 63.000 ton. anuais de ingrediente ativo
33
.
29
PAN AMERICAN HEALTH ORGANIZATION. Pesticides and heath in the Américas. Evironmental,
Series #12, Washington, DC, PAHO, 1993.109 p. Apud GARCIA, 2001, p.37
30
PIMENTEL, D. ET AL.Assessment of environmental and economic impact of pesticide use in
PIMENTEL, D.& LEHMAN,H. EDS,1993, apud GARCIA, 2001, p.37
31
BULL, D..& HATHAWAY, D., Pragas e venenos : agrotóxicos no Brasil e no Terceiro Mundo, 1986,
236p., apud GARCIA, 2001, p.37
32
Consumo aparente : resultado da soma da produção nacional à diferença entre importação e
exportação(GARCIA,2001)
33
Sindicato Nacional da Indústria de Defensivos Agrícolas- SINDAG., Consumo aparente e vendas de
defensivos Agrícolas, s/d. 9 p. (GARCIA, 2001)
88
Estima-se que para cada tonelada de ingrediente ativo fabricado são gerados
200 Kg. de resíduos tóxicos que exigem tratamento e descarte adequado. Desta forma
estima-se que 12.600 toneladas de resíduos são produzidos anualmente pela indústria a
exigir descarte monitorado de forma a não agredir o meio ambiente (Garcia, id).
São os mais variados os impactos dos pesticidas sobre o meio ambiente. Dentre
eles pode-se ainda observar que à medida que os predadores naturais são eliminados as
populações de pestes freqüentemente recuperam-se além de adquirirem gradativamente
resistência ao produto químico utilizado.
Pode-se ainda citar o extermínio de insetos polinizadores, de pequenos animais
e aves, que estes pesticidas possuem amplo espectro de ação. Em 1980 estudiosos
haviam identificado mais de 400 artrópodes (insetos, carrapatos e acarinos ) que haviam
desenvolvido resistência e também mais de 100 espécies patogênicas às plantas tais como
bactérias e vírus (Garcia, id). Em 1938 eram conhecidos 7 espécies de insetos que haviam
se tornado resistentes a pesticidas. Em 1984 pelo menos 447 espécies de insetos
considerados pragas haviam adquirido resistência, enquanto que muitos dos predadores
naturais foram eliminados pelos pesticidas, criando um “círculo vicioso de pesticidas”
(CID Ambiental, 2000).
Ocorrem ainda modificações nos processos de quebra da matéria orgânica e
respiração do solo, ciclo de nutrientes e eutrofização de águas, como resultado de seu
grande período de carência (atuação) dos agrotóxicos (Garcia, id).
O modelo de combate exclusivamente químico e intensivo, a par de aumentar
os custos de produção, ocasiona sério desequilíbrio ao ecossistema onde se insere a
lavoura, pois tende a exterminar a fauna benéfica. Este desequilíbrio acaba por resultar no
aparecimento de novas pragas além do desenvolvimento de resistência de algumas pragas
aos produtos utilizados, forçando o produtor a utilizar quantidades cada vez maiores de
pesticidas (Reis Filho, id).
Dados estatísticos mostram o quão questionável é o modelo de agricultura que
privilegia a utilização intensiva de pesticidas.
Verificou-se que em razão da resistência adquirida por pragas, entre 1945 e
1989, na cultura do milho nos Estados Unidos “apesar do aumento de quase 1.000 vezes no
uso de inseticidas, as perdas por insetos nesta cultura aumentaram 4 vezes”(Garcia, id).
89
3.7 - CONTAMINAÇÃO DOS ALIMENTOS
As conseqüências decorrentes da contaminação ocasionadas pelos agrotóxicos
atingem não apenas os trabalhadores rurais.
No processo de comercialização da produção do tomate, este acaba por chegar
a mesa do consumidor final, em condições impróprias par a o consumo que alguns dos
inseticidas aplicados possuem período de carência que podem chegar de 14 a 30 dias, e são
aplicados durante a colheita e até mesmo depois de acondicionados para o transporte
para os centros de consumo, resultando em contaminação com resíduos destes produtos
quando estes são disponibilizados para a população.
A Organização Panamericana de Saúde afirma que na América Latina a
população “expõe-se a quantidades significativas de agrotóxicos por meio de resíduos em
alimentos” (PAN AMERICAN HEALTH ORGANIZATION, PESTICIDES AND
HEALTH IN THE AMERICAS,1993, apud Garcia, 2001).
São utilizados pelos produtores rurais pesticidas proibidos por sua alta toxidade
(e grande eficiência). Não são respeitados os prazos de carência de espera após a aplicação,
pois urge que estes produtos cheguem ao mercado consumidor no menor tempo possível
diminuindo o ciclo de produção e antecipando os lucros financeiros.
Inexiste no país, a exceção de São Paulo, uma estrutura de análise laboratorial
permanente para verificação de resíduos de agrotóxicos em alimentos. Em razão disto
somos levados a crer que no restante do país milhões de pessoas consomem diariamente
produtos contaminados, que sendo absorvidos de forma cumulativa pelo organismo, irão
certamente resultar em problemas de saúde no futuro.
Dados obtidos em pesquisa, realizada pelo Instituto Biológico de São Paulo,
que é um dos laboratórios melhor equipado para fazer análise de resíduos de substâncias
químicas no país, o qual celebrou convênio com a com a CEAGESP- Companhia de
Abastecimento de Alimentos do estado de São Paulo, revelam a realidade do problema de
contaminação dos alimentos. Nessa pesquisa realizaram-se exames de resíduos, nos
alimentos comercializados na CEAGESP, no período de outubro de 1978 a janeiro de 1983
em 577 amostras de frutas e 617 amostras de hortaliças, chegou aos seguintes resultados:
6,8% das amostras de hortaliças e 8,1% das amostras de frutas apresentaram
resíduos de inseticidas não permitidos;
90
0,8% das amostras de hortaliças e 1% das amostras de frutas apresentaram resíduos
acima do limite máximo permitido;
19,7% das 1.194 amostras de frutas e verduras apresentaram resíduos
(UNGARO,M.T.S.;GUINDANI,C.M.A; FERREIRA, M.S.; BAGDONAS,M.,1985
apud Garcia, 2001).
Pimentel (1993) apud Garcia (2001), comenta no entanto que pesquisa
semelhante realizada nos EUA dez anos depois e utilizando equipamentos e técnicas mais
avançadas que as utilizadas pela instituição brasileira admitiam detectar um terço dos mais
de 600 agrotóxicos em uso naquele país.
3.8 - UM PARALELO TERCEIRO MUNDISTA COM O CASO BRASILEIRO
Segundo Giddens (1991) um dos fatores inerentes modernidade é o
estabelecimento de formas de interconexão social que cobrem o globo.
Nesse contexto globalizante as técnicas agrícolas e a utilização de pesticidas
difundiram-se rapidamente por todo o planeta e sua utilização tornou-se, após a segunda
guerra mundial, de utilização universal na agricultura.
A Índia possui uma economia de porte relativamente próximo da do Brasil
34
o
que permite o estabelecimento de uma comparação entre o modelo de agricultura adotado
nos dois países. Igualmente ao caso brasileiro onde a utilização de pesticidas na agricultura
cresceu vertiginosamente, na Índia o uso de agrotóxicos na agricultura cresceu 40 vezes em
apenas 30 anos, entre as décadas de 1950 e 1980, de cerca de 2.000 t./ano para 80.000
t./ano. Aproximadamente metade das plantações na Índia, utiliza agrotóxicos sendo que na
década de 1960 este índice era de apenas 5%.(CID Ambiental, 2000).
Talvez por isso tragédias como a estudada pelo antropólogo norte-americano
Glenn Davis Stone em artigo de sua autoria (STONE, 2002), tenham ali acontecido.
Ocorreu na Índia uma onda de suicídios entre plantadores de algodão cujo auge se deu em
1998, quando 500 suicídios foram registrados apenas no distrito de Warangal, por ingestão
de pesticidas. Ainda neste artigo Stone descreve que na safra de 1998-1999 foram gastos
3,2 milhões de rúpias com pesticidas para obter-se apenas 2,8 milhões com a colheita do
algodão.(STONE, 2002). Esse fato é compreensível, pois os inseticidas são desenvolvidos
34
PIB Agropecuário da Índia é US$ 95,4 bilhões (1997), PIB Agropecuário do Brasil é US$ 65,27 bilhões
(1998). Dados extraídos do Almanaque Abril 2000, pp.141 e 247
91
para pragas específicas e que vão se tornando cada vez mais resistentes a eles, entretanto,
impossibilitando o seu controle natural e a longo prazo requerendo quantidades crescentes
de agrotóxicos para a obtenção de proteção.
O relato desses fatos contidos no artigo podem servir de alerta para uma
situação que bem poderia estar ocorrendo ou vir a ocorrer em nosso país.
Figura 11 - Agricultor indiano pulverizando pesticida em lavoura de algodão
4 - A PESQUISA
Desde as primeiras visitas à cidade de Goianápolis foi possível constatar quão
forte é o tomate na economia e no imaginário popular da comunidade daquela região.
Em outras regiões agrícolas onde provavelmente seria comum encontrar-se um
adesivo com a figura de um boi nelore ou de um cavalo mangalarga afixado nas
caminhonetes com as quais circulam pela cidade os jovens filhos de produtores rurais, ali
se vê ocupando este lugar um tomate.
92
Figura 12 - Desenho de um tomate em caminhonete de jovem morador de Goinápolis
Figura 13- Fachada do Posto,churrascaria e hotel Tomatão em Goianápolis
93
Figura 14- Fachada de verdurão em Goianápolis onde se vê pintada a figura de um tomate
Nas entrevistas feitas com produtores rurais de Goianápolis estes declararam
que esta atividade está em declínio na região em virtude de alguns fatores tais como o
aumento acelerado das despesas com insumos como agrotóxicos e sementes resistentes e o
aumento da infestação de pragas. Tais fatores fizeram com que uma parcela significativa
dos produtores rurais da região ou desistissem da atividade ou buscassem outras regiões
onde a infestação fosse menor e conseqüentemente menores os custos de produção.
Desta forma os que ainda permaneceram na atividade buscaram outras regiões
vizinhas como Leopoldo de Bulhões, Bonfinópolis, Senador Canedo,Terezópolis de Goiás,
Vianópolis e outras um pouco mais distantes como Anápolis, Pirenópolis e Nerópolis.
Nos locais mais próximos os trabalhadores são levados e trazidos diariamente
em caminhonetes ou caminhões “3/4”. Nos casos mais distantes eles são trazidos
quinzenalmente a Goianápolis.
Durante o período em que a atividade de tomaticultura estava em pleno
crescimento na cidade, foi ali instalada uma indústria esmagadora de polpa. Esta indústria
processa o rejeito do tomate de mesa que não é comercializado para consumo in natura
devido a sua má aparência ou por ter sido parcialmente atacado por pragas. Atualmente em
94
virtude do decréscimo da atividade tomaticultora na região e da sub-utilização da
capacidade produtiva instalada, esta empresa passou a produzir também doces diversos.
Ao contrário dos trabalhadores rurais constatou-se através de entrevistas com
os produtores rurais da região que inexiste ali cooperativa ou qualquer outra forma de
entidade representativa dos produtores que lhes preste assistência em qualquer das fases da
produção ou comercialização das lavouras.
figura 15 - Vista externa da indústria esmagadora de polpa de tomate em Goianápolis
Muito embora um número razoável de trabalhadores rurais declare ao
responder os questionários que utilizam algum tipo de proteção durante a aplicação de
agrotóxicos o que se verifica na prática e foi constatado nas inúmeras visitas a campo
realizadas pelo pesquisador é exatamente o contrário.
Talvez por temerem que suas respostas pudessem ser relatadas por algum
colega aos patrões e por não entenderem com clareza que o caráter da pesquisa era
95
puramente acadêmico, não havendo qualquer possibilidade de punição a estes últimos, os
trabalhadores davam respostas que aparentemente não correspondiam a realidade.
Figura 16 - Trabalhador rural aplicando agrotóxicos sem proteção e descalço
O descuido com a manipulação de produtos tão agressivos à saúde humana
ocorre em todas as fases de produção e não apenas na hora da aplicação pois os
trabalhadores preparam a “calda”
35
também sem a utilização de equipamento de proteção,
não trocam de roupa ou tomam banho após a aplicação e fazem suas refeições sem maiores
cuidados logo em seguida a realização dessa tarefa.
35
Nome dado ao grande volume de agrotóxicos diluído em água preparados normalmente em caixa d’água
96
Figura 17 - Trabalhador rural preparando a “calda” sem equipamento de proteção
Figura 18- Trabalhador rural almoçando ao lado de galão de pulverização aberto
97
Figura 19- Garoto de 16 anos trabalhador em lavoura de tomate, em horário de almoço, descansando à sombra de uma árvore
Dos Santos (2000) que realizou estudo na região de Goianápolis na safra
1999/2000, identificando segundo o princípio ativo e a classificação toxicológica os
agrotóxicos mais usados, chegou a identificar 29 produtos. Desses, sete são classificados
36
como altamente perigosos, quatro como muito perigosos à saúde humana e ao meio
ambiente, oito são classificados como perigosos e apenas dez classificados como pouco
perigosos.
Na pergunta do questionário que busca saber se os trabalhadores rurais se
intoxicaram com agrotóxicos poucos deles responderam afirmativamente. No entanto,
como sempre havia presente na barraca, onde eram chamados os trabalhadores para
responderem ao questionário, pessoas que ocupavam a posição de encarregado da lavoura,
fica a dúvida de saber se as respostas refletem ou não a realidade por eles vivida.
36
Classificação de acordo com o Compêndio de Defensivos Agrícolas(1996)
98
Através das respostas dos questionários pode-se constatar a inoperância da
fiscalização dos órgãos governamentais encarregados da proteção da saúde e das condições
de trabalho dos trabalhadores rurais.
Do ponto de vista ambiental constatou-se nas visitas que a irrigação das
lavouras é realizada por gravidade, sendo situadas em terrenos com acentuado desnível
para que a água captada em represas na parte baixa do terreno possa mais facilmente ser
levada a parte alta da lavoura dispensando até mesmo a utilização de canos. Essa
proximidade das represas aliada ao fato das lavouras situarem-se em terreno com
acentuado declive ocasiona a contaminação das represas com resíduos de agrotóxicos que
são para elas carreados com as chuvas. Ocorre que normalmente a mesma represa é
utilizada entre outras finalidades para a desedentação de animais. A foto a seguir ilustra a
situação descrita.
figura 20 - Represa ao fundo de onde a água é bombeada para irrigação por gravidade para a lavoura, detalhe da declividade do terreno
99
Outro fato observado é a devastação de reservas de mata dentro das
propriedades onde são cultivadas as lavouras.
Para a construção da estrutura de estaqueamento que dá suporte ao
desenvolvimento dos tomateiros, as estacas de bambu são amarradas umas as outras e cada
conjunto apoia-se de pé através de arames fixados em estacas de madeira cravadas no solo.
Essas estacas de madeira são normalmente retiradas na propriedade rural onde se esta
formando a lavoura, o que resulta na degradação das reservas de mata existentes. As
árvores maiores são poupadas de modo que de longe a mata parece estar intacta, mas ao
aproximarmo-nos podemos verificar que as menores foram retiradas. As fotos a seguir
documentam o exposto.
Figura 21 - Vista de mata próxima de lavoura de tomate com bicicletas utilizadas por trabalhadores rurais para deslocarem-se até o
trabalho, observa-se a falta da vegetação de menor porte no interior da mesma.
100
Figura 22 - Detalhe de envaramento de bambu que da suporte às ramas do tomateiro amarrada com arames a estaca fixada no solo
Constatou-se com as respostas aos questionários que os produtores rurais não
recebem assistência técnica de órgãos governamentais com vistas a orientar a aplicação
correta de pesticidas. A orientação que recebem provém apenas dos agrônomos que
trabalham nas lojas de venda de produtos agropecuários onde eles adquirem os
agrotóxicos. Tal fato concorre para o uso intensivo e em excesso do produto, aplicado
quase sempre de forma preventiva e metódica de 3 a 4 vezes por semana, algumas dessas
sem uma necessidade real e ocorrendo mesmo sem que haja ataque de pragas ou doenças.
Confirmando as informações obtidas nas respostas dos questionários encontramos durante
as visitas a campo um engenheiro agrônomo da empresa de produtos agropecuários
Agroquíma, sediada em Goiânia, realizando ciclo de palestras nas propriedades rurais da
região.
101
Não obtivemos informação de que tenha ocorrido iniciativa semelhante por
parte do poder público.
Figura 23- Agrônomo da empresa Agroquima realizando ciclo de palestras sobre agrotóxicos para trabalhadores rurais nas propriedades
da região de Goianápolis
Segundo informações prestadas em entrevista pelo médico toxicologista André
Granato, as notificações informadas para o CIT - Centro de Informações Toxicológicas da
Secretaria Estadual da Saúde, não são compulsoriamente prestadas a este órgão pelos
médicos da rede pública de saúde. Como as notificações de casos de intoxicação por
agrotóxicos atendidos nos hospitais e centros de saúde públicos não são obrigatórias, elas
ocorrem quando o médico liga para o CIT buscando obter informações sobre a conduta
a ser adotada no tratamento do paciente.
Via de regra os médicos da rede pública não possuem conhecimento necessário
para a realização do tratamento adequado para este tipo de ocorrência. Ao ligarem para os
médicos toxicologistas do CIT, estes preenchem, ao telefone, uma ficha com dados do
hospital e do médico que solicitou a orientação, bem como com algumas informações
sobre o estado do paciente.
102
Por esta razão, obviamente, os casos são subnotificados, pois nem sempre o
médico que atende o paciente no hospital ou centro de saúde liga para o CIT com o
objetivo de obter informações sobre a conduta a ser adotada.
Ainda segundo relatos obtidos nessa entrevista, na cidade de Jataí-GO a
situação é diferente, pois o diretor da regional de saúde, que tem curso de especialização
em Toxicologia, numa iniciativa individual, implantou naquela regional a obrigatoriedade
de notificação de casos de intoxicação.
Figura 24 - Entrevista com o eng.agrônomo da AGÊNCIA RURAL de Goianápolis
103
Figura 25 - Vista externa da sede da AGÊNCIA RURAL de Goianápolis
4.1 - A REALIDADE DE GOIANÁPOLIS
A visita ao campo revelou uma realidade típica da região em estudo.
Constatou-se que a cidade do Goianápolis é um centro fornecedor de mão-de-obra
especializada na lavoura de tomate para a região. Os produtores rurais, boa parte deles
residentes no município de Goianápolis, arredam propriedades fora do município,
formando ali lavouras e diariamente levam para nelas trabalhar trabalhadores rurais
residentes em Goianápolis.
Após a locação em mapa das coordenadas geográficas obtidas com o auxílio de
aparelho GPS nas propriedades rurais visitadas, constatou-se surpreendentemente que
apenas uma dessas propriedades estava efetivamente localizadas dentro do município de
Goianápolis. Tal fato leva-nos a avaliar que o título de “Capital do Tomate”em Goiás é
atualmente apenas parcialmente verdadeiro, e que o epíteto mais apropriado seria agora a
“Capital exportadora da mão-de-obra tomaticultora”.
A exceção de uma propriedade visitada cujos trabalhadores moravam em um
vilarejo próximo da propriedade, em todas as demais eles residiam no município.
Modelo do questionário utilizado na pesquisa encontra-se incluído na seção
final deste trabalho como anexo.
104
As visitas a campo com aplicação de questionário ocorreram nos meses de
setembro e outubro de 2004, tendo sido precedidas de algumas visitas à cidade e a alguns
produtores rurais para um conhecimento prévio da realidade local.
Em uma região cujo pólo situa-se no município de Goianápolis, a apenas 35
Km.de Goiânia, a existência da atividade de cultivo de tomate de mesa tornou possível a
realização deste estudo uma vez que parte da mão de obra utilizada nesta atividade é a de
trabalhadores rurais “bóias frias”, que são juntamente com os produtores rurais o objeto
empírico desse estudo.
As primeiras visitas a campo mostraram a ocorrência, simultaneamente, no
mesmo processo produtivo, de várias relações de trabalho que na literatura concernente
ocorrem isoladamente, dando mostras de que a modernização da agricultura brasileira tem
adquirido contornos que evidenciam uma grande complexidade e dinamicidade. Essa
forma de produção sui-generes, não encontra paralelo na literatura que versa sobre a
questão agrária e merece um estudo aprofundado, pois pode revelar indícios da evolução e
direção que vem tomando o processo de modernização da agricultura brasileira.
Relatos obtidos no desenrolar da pesquisa por intermédio de produtores rurais
na região, dão conta de que a vocação do município de Goianápolis, para a cultura do
tomate, começou há pelo menos 60 anos, evoluindo de forma peculiar.
Durante a pesquisa de campo, realizada nos municípios de Bonfinópolis,
Senador Canêdo, Anápolis, Leopoldo de Bulhões e Goianápolis, foram percorridos
aproximadamente 2.800 Km de estradas vicinais desses 5 municípios e visitadas dezenas
de propriedades rurais. Neles desenvolveram-se relações de trabalho baseadas na confiança
e conhecimento familiar que não são comuns a outras localidades do país onde surgiu a
figura do bóia fria ou diarista rural.
Ali, salvo alguma exceção, as terras onde são “tocadas as hortas” de tomate são
arrendadas pelos proprietários de terra para um arrendatário que irá desenvolver a lavoura,
que é chamado de “patrão”.
Nesta primeira relação é comum ocorrer a formalização da operação através de
um contrato escrito. Daí por diante todas as demais relações de trabalho dão-se de maneira
informal.
O arrendatário ou patrão pode contratar a execução do plantio de duas formas.
Na primeira ele estabelece (verbalmente) uma parceria com um meeiro para o plantio da
“horta”. O arrendatário arca inicialmente com todas as despesas, insumos sementes e
105
somente após a venda da produção, normalmente para o CEASA, divide com o meeiro
estas despesas bem como o resultado da venda, em síntese o meeiro recebe sua
remuneração após aproximadamente 120 dias.
Cada meeiro encarrega-se do cultivo de 4 a 5 mil pés de tomate, construindo
sua barraca na lavoura que irá ser sua base de trabalho durante todo o período.
É ali que eles fazem as suas refeições, guardam seus pertences e procedem a
seleção dos frutos.
Figura 26 - Trabalhadores na barraca - detalhe de trabalhador almoçando em sua marmita
106
Figura 27 - Estrada dentro da lavoura onde se vêem ao fundo várias barracas de meeiros
Cabe ao meeiro inclusive as tarefas de desmanche da lavoura e barracas, a
retirada das varas, arames e canos de irrigação. Ocorre que o meeiro, normalmente pessoa
de pequena instrução, deve aceitar a divisão do valor resultante da venda que lhe foi
informado pelo “patrão” como sendo verdadeira, por não dispor de informações da cotação
do produto na CEASA.
Existe sempre uma desconfiança de que o patrão está enganando o meeiro, mas
este nada faz por medo de seu nome passe a ser conhecido na cidade como criador de
problemas.
O meeiro por sua vez contrata diaristas para ajudá-lo. Esses durante o período
de início de aplicação dos questionários (setembro/2004), recebiam R$ 15,00/dia caso
levassem sua marmita de comida para o trabalho e de R$ 12,00/dia se esta lhes fosse
fornecida pelo empreiteiro.
Os pulverizadores costais utilizados para aplicação de agrotóxicos são de
propriedade dos meeiros.
A segunda forma de contratação praticada pelos donos de lavoura que
arrendam a terra é a de pagamento por de tomate para os “formadores”. Esses recebiam
107
durante o período da aplicação do questionário de teste o valor de R$ 250,00 por cada
1.000 pés de tomate cultivados.
Eles recebem ainda a muda já pronta do “patrão” e entregando os frutos 70 dias
depois colhidos e na caixa prontos para a comercialização.
Esta combinação inclui uma primeira “panha” sendo as demais pagas pelo
patrão para o formador. Até este momento cabia ao formador contratar por sua conta os
diaristas, a partir desta primeira “panha” ele passa como os demais a trabalhar como
diarista,.vez que findou sua combinação.
As relações de trabalho que se estabelecem podem assim ser representadas:
PROPRIETÁRIO
DA TERRA
ARRENDARIO
MEEIRO
FORMADOR
Bóia-Fria
( DIARISTAS )
Figura 28 - Organograma representativo das relações de trabalho nas lavouras de tomate da região de Goianápolis
Em entrevista realizada em 24/05/2004 com o presidente do Sindicato de
Trabalhadores rurais sediado na cidade, constatou-se que a atuação desta entidade é
insipiente, possuindo aproximadamente 100 filiados, sendo este quadro composto em sua
108
quase totalidade de trabalhadores aposentados que apenas se utilizam dos serviços do
sindicato para o encaminhamento de questões referentes a benefícios previdenciários.
Este sindicato é dirigido ha cerca de dez anos pela mesma pessoa e já chegou a
possuir cerca de 2000 filiados. Seu atual presidente atuava como meeiro, como
arrendatário de terras e empreendedor de suas próprias lavouras, até um ano e meio atrás.
Ao ser solicitada sua ajuda para ajuda para a localização das lavouras de tomate existentes
na região com o objetivo de aplicação de questionários, demonstrou preocupação em saber
se a pesquisa não traria algum tipo de problema para os produtores rurais. Na entrevista
ficou evidenciado que o sindicato não realiza qualquer atividade com o objetivo de
mobilizar os trabalhadores na defesa de seus direitos.
Figura 29 - Vista da fachada do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Goianápolis
109
Figura 30 - Entrevista com o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Goianápolis realizada na sede deste
Em entrevista com produtores rurais da região obteve-se a informação de que a
atividade de produção de tomate atualmente reduziu-se á cerca de apenas 10% do que era
ha vinte anos. Os fatores que ocasionaram esta redução devem-se, de acordo com os
produtores, a basicamente dois grupos de fatores:
O primeiro deles é a questão da resistência crescente das pragas aos defensivos
agrícolas, que ocasiona um aumento crescente de custos e cujo resultado é a inviabilização
econômica desta lavoura.
Somando-se a este problema ocorreu ainda o surgimento de novas e
devastadoras pragas como a mosca branca, cuja tecnologia de combate não recebeu a
devida atenção dos órgãos públicos de pesquisa e assistência técnica rural, tendo sido
subestimado seu poder de dano.
Figura 31 - Mosca branca Figura 32 - Idem
110
Insumos tais como adubos e defensivos agrícolas são produzidos por empresas
multinacionais e tem seus preços majorados constantemente num percentual muito acima
da inflação doméstica e assim açambarcam fatias cada vez maiores do lucro desta
atividade, fazendo com que ela deixe de ser economicamente interessante. Fato que ilustra
de forma inquestionável esse fenômeno é a venda no comércio de Goiânia de sementes
geneticamente modificadas, resistentes a pragas, e de amadurecimento mais prolongado
(tipo Híbrido Densus Longa Vida).
Essas sementes custam cerca de R$ 380,00 o saquinho com 1.000 sementes e
5,4 gramas. Isso representa R$ 70,00 o grama, o que equivale aproximadamente ao dobro
do preço da grama do ouro que, em Junho/2004 era de R$ 38,00.
Boa parte da produção de tomate da região de Goianápolis é vendida para fora
do estado e por essa razão o produto que obtém melhor preço de venda é aquele obtido
através de sementes geneticamente modificadas que possuem a característica de maior
demora na maturação podendo ser transportados para maiores distâncias sem perda de
qualidade. São as chamadas semente Longa Vida.
Esta necessidade de tecnificação na atividade agrícola, objetivando atender
demandas de mercado e em última análise garantir a própria sobrevivência, é analisada por
Graziano (1998) como sendo uma decorrência natural do processo de expansão dos CAIs.
em nossa agricultura. Essa “tecnificação” da agricultura como é chamada por Graziano (id)
ou de utilização de “pacotes tecnológicos” como são chamados por Aguiar (1986) apud Reis
Filho (2002), desencadeia um processo de marginalização do pequeno produtor que não está
inserido no CAI e até mesmo dos que estão mas que não possuem capacidade financeira
para nele permanecerem uma vez que este é um processo concentrador de capitais.
Neste sentido cita Graziano:
É fundamental assinalar nesta rápida avaliação prospectiva das relações sociais
no campo para o final do século as tendências no interior do segmento dos
empresários rurais. Elas se manifestam, de um lado, na mencionada elevação
de escala mínima do capital necessário a permanecer em determinadas
atividades, especialmente naqueles segmentos ligados aos CAIs. completos, e, de
outro, na crescente integração intersetorial que envolve particularmente os
grandes capitais aplicados nos distintos ramos que compõe os CAIs. Em resumo,
uma tendência crescente à concentração de capitais dentro dos ramos de
atividades agropecuárias, em seu sentido estrito, e uma centralização intersetorial
dos grandes capitais oligopólicos (Graziano, 1998, p.168).
111
A constatação da veracidade desses conceitos foi verificada nas entrevistas
com produtores rurais quando estes relatam a redução da atividade produtora de tomate na
região em virtude do aumento dos custos e da “quebradeira” que se abateu sobre grande
número de produtores na última década.
Outra constatação feita na pesquisa de campo e também mencionada por
Graziano (id), é a da urbanização da atividade agrícola uma vez que a mão-de-obra
utilizada na tomaticultura é de trabalhadores bóias-frias levados diariamente de pequeno
centro urbano para a lavoura.
Acertadamente vaticina Graziano:
Desta forma, o final do século verá a nossa agropecuária que não será mais
rural, dada a urbanização de inúmeros ramos de atividades e o próprio trabalho
no campo segmentada não mais em grandes ou pequenos produtores, mas em
produtores integrados e não integrados aos CAIs (Graziano, 1998, p.169).
Como resultado da conjunção destes fatores adversos citados, ocorreu um
declínio da atividade agrícola no município cuja vocação e história estavam desde há muito
ligados a lavoura do tomate. Tais fatores levaram muitos produtores tradicionais a falência
e os trabalhadores rurais a buscarem ocupação em outros municípios.
Os altos valores das sementes e conseqüentemente das mudas levou a
ocorrência de situações inusitadas como o furto de mudas nas propriedades rurais
resultando no surgimento de uma nova segmentação de atividade, que é a figura do
viveirista. Ele é a pessoa que recebe as sementes entregando as mudas prontas para o
plantio. Estas mudas são produzidas em locais cercados e com vigilância noturna.
O elevado preço das sementes fez com que os produtores rurais buscassem uma
alternativa mais segura para a formação de suas mudas, procurando evitar a perda de
sementes com insetos e animais, frio ou calor intenso.
Constatou-se nas entrevistas que os produtores rurais da região não recorrem a
financiamento bancário para a produção do tomate. Suas despesas com insumos são
financiadas pelas próprias empresas de venda de produtos agropecuários que vendem com
cheques pré-datados com vencimento coincidindo com a colheita da safra. Como as
despesas com mão-de-obra também são pagas após a colheita para os meeiros, os
produtores não sentem necessidade de recorrerem à rede bancária para o financiamento da
produção.
112
Figura 33 - Vista externa de estufas em viveiro de mudas
Figura 34- Vista interna de Estufa
113
Tendo que arcar com um alto investimento o produtor rural “joga veneno”
regularmente, de forma preventiva, como forma de precaver-se de possíveis ataques de
pragas, quando isto seria necessário a partir de determinado nível de infestação. Tal
prática resulta obviamente em maiores custos para o produtor e maiores danos à saúde dos
trabalhadores e ao meio-ambiente (Crocomo, 1990, apud Reis Filho, 2002).
Figura 35 - Pesquisador aplicando questionário em trabalhador rural
4.2 - RESULTADOS DA PESQUISA
Foram visitadas várias dezenas de propriedades rurais na região com o objetivo
de localizar-se as que estavam naquele período (Setembro e Outubro de 2004) plantando
tomate.
Dentre estas foram localizadas doze propriedades com o perfil desejado e que
situavam-se nos municípios de Goianápolis, Leopoldo de Bulhões e Anápolis, com
coordenadas geográficas obtidas por GPS conforme a tabela a seguir :
114
Tabela 19. Coordenadas geográficas das propriedades rurais pesquisadas
PROPRIET. LAVOURA COORDENADAS
1.JOSÉ MAX PATRIOTA DA SILVA
S 16° 25.492’ WO 48° 59.123’
2.DIVINO SEBASTIÃO ALVES - LAVOURA
1 (*)
S 16° 27°.221’ WO 48° 58.460’
3.DIVINO SEBASTIÃO ALVES -
LAVOURA 2 (*)
S 16° 27°.587’ WO 48° 58.673’
4.EDSON VARGAS
S 16° 30.078’ WO 48° 59.180’
5.SINÉZIO CUSTÓDIO DE SOUZA
S 16° 29.628’ WO 48° 58.309’
6.ALCINIA JOSÉ MOREIRA
S 16° 30.063’ WO 48° 58.189’
7.MÁRCIO GALDINO DA SILVA
S 16° 29.853’ WO 48° 58.069’
8.VALDIVINO CARDOSO
S 16° 31.881’ WO 48° 57.537’
9.MANOEL
S 16° 34.742 WO 49° 03.389’
10.ABADIA
S 16°30.985’ WO 48° 57.978’
11.ADAIR BALDUINO/ EDMIR DA SILVA
S 16° 30.927’ WO 48° 58.177’
12.NILSON
S 16° 31.745’ WO 48° 58.269’
13.OSVALDO ALVES DOS SANTOS
S 16° 32.015’ WO 49° 01.941’
(*) Ambas as lavouras situavam-se na mesma propriedade, tendo sido plantadas em períodos
e locais diferentes.
Nestas propriedades foram entrevistados 72 trabalhadores rurais. O número de
trabalhadores entrevistados por propriedade variou em função do quantitativo de pessoas
encontradas na lavoura no horário da visita e em função do tamanho da lavoura.
115
1
2
3
5
7
4
6
11
10
12
8
13
9
6 Km
0
6
12 18
24 Km
W 49º 20
W 49º 20
W 49º 00
W 49º 00
W 48º 40
W 48º 40
S 16º 50
S 16º 50
S 16º 30’
S 16º 30’
S 16º 10
S 16º 10
GOIÂNIA
LEOPOLDO DE
BULES
ANÁPOLIS
GOIAPOLIS
MAPA DA DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA DAS PROPRIEDADES
RURAIS VISITADAS EM TRABALHO DE CAMPO
LEGENDA:
Pontos obtidos por GPS pelo pesquisador
Eurípedes Vieira Coelho Júnior
Relação das Propriedades Rurais
1 - José Max
2 - Divino Sebasto Alves (Lav - 1)
3 - Divino Sebastião Alves (Lav - 1)
4 - Edson Vargas
5 - Sizio Custódio de Souza
6 - Alcinia José Moreira
7 - Márcio Galdino da Silva
8 - Valdivino Cardoso
9 - Manoel
10 - Abadia
11 - Adair/Admir
12 - Nilson
13 - Osvaldo
F o nt e : B a se ca rt og r á fic a SE M A R H - S e cr e ta ri a d e M e io A m b i e n t e
e d o s R e c ur os H í d r i co s/ E st ado de G o i á s.
Elaboração e Organização: Geóg.: Roberto Prado de Morais
Figura 37. Mapa com as fazendas visitadas locadas
- RESIDÊNCIA
116
Do total de trabalhadores, 89,9% residiam na cidade de Goianápolis.
Constituíram exceção a esta maioria 8 trabalhadores sendo que destes, 7 trabalhavam em
uma única propriedade que é vizinha de um pequeno povoado (povoado trevo do
Rosário), de onde podiam deslocar-se de bicicleta para o trabalho. Constatou-se que
efetivamente a cidade de Goianápolis é um pólo fornecedor de mão-de-obra para a região
na atividade de tomaticultura.
- FAIXA ETÁRIA
Com relação à faixa etária dos trabalhadores rurais da região encontrou-se a
seguinte distribuição representada pelo gráfico a seguir.: 5,5% na faixa de 18 a 20 anos,
33,3% na faixa de 21 a 30 anos, 34,9% na faixa de 31 a 40 anos, 19,5% na faixa de 41 a 50
anos, 5,5% de 51 a 60 anos e 1,3% acima de 60 anos.
Figura 35
FAIXA ERIA DOS
TRABALHADORES RURAIS
0,00
5,00
10,00
15,00
20,00
25,00
30,00
35,00
40,00
PERCENTUAL
FAIXA ETÁRIA
PERCENTUAL DE
OCORRÊNCIAS
DE 18 A 20
21 A 30
31 A 40
41 A 50
50 A 60
MAIS DE 60
Fonte : tabulação dos questionários aplicados em campo pelo programa SPSS
Observou-se que o percentual cumulativo de incidência de trabalhadores de 18
a 23 anos é de apenas 9,7% o que evidencia uma baixa absorção de mão-de-obra de jovens.
Graziano da Silva (1998) analisando este fato que ocorre com jovens com
menos de 24 anos (já citado no item 1.7), tenta explicá-lo com o argumento de que o
campo exporta seus desempregados para as cidades. Nas entrevistas constatou-se que os
jovens nesta faixa de idade buscam seu primeiro emprego na cidade onde acreditam que
117
conseguirão melhores oportunidades e somente retornam à zona rural quando não
conseguem colocação profissional.
- GÊNERO
Constatou-se que o trabalho nas lavouras de tomate é realizado num ambiente
essencialmente masculino, pois a totalidade dos trabalhadores ali encontrados foi deste
sexo.
- NATURALIDADE
Com relação à naturalidade (origem) dos trabalhadores, constatou-se que
40,3% deles nasceram no município de Goianápolis, 44,4 % nasceram a até 200 Km. dali,
8,3% nasceram a mais de 200 Km. do município mas dentro do estado e apenas 6,9%
nasceram em outros estados. O percentual cumulativo nos mostra que 93,1% dos
trabalhadores nasceram no estado de Goiás, o que evidencia um baixo índice de migração
inter-regional. Tal fato confirma observações neste sentido feitas por Graziano da Silva
(1998) sobre as tendências migratórias intra-reginonais a partir dos anos 1980 (
37
).
- ESTADO CIVIL
Constatou-se que 76,4% dos trabalhadores são casados ou assemelhados e
23,6% são solteiros ou assemelhados.
- ESCOLARIDADE
Este item trouxe-nos certa surpresa, pois o maior percentual de ocorrência é
daqueles que concluíram a 2ª. fase do ensino fundamental: 41,7%. Esse razoável nível de
escolaridade talvez se explique pelo fato de que em sua quase totalidade os trabalhadores
residem na zona urbana e podem deslocar-se com facilidade para as escolas no período
noturno. Apenas 12,5% dos trabalhadores eram não alfabetizados, 38,9% haviam
concluído a primeira fase do ensino fundamental e 6,9% concluíram o ensino médio.
37
A nova dinâmica da agricultura brasileira, pág.172
118
- TEMPO DE EXPERIÊNCIA DOS TRABALHADORES COM TOMATE
Pode-se afirmar com base nos dados que os trabalhadores são bastante
qualificados nesta modalidade de lavoura, pois a maior incidência de ocorrências (22) esta
na faixa de 11 a 15 anos de experiência com tomate.
Pode-se compreender com estes dados a origem do prestígio do município
como fornecedor de mão-de-obra para toda a região e da origem do título de capital goiana
do tomate. O município é realmente um centro de excelência de conhecimento de técnicas
do cultivo desta lavoura.
Figura 36
TEMPO DE EXPERIÊNCIA COM
TOMATE
0
5
10
15
20
25
1
TEMPO EM ANOS
NÚMERO DE
TRABALHADORES
DE 0 A 5 ANOS
DE 6 A 10 ANOS
DE 11 A 15 ANOS
DE 16 A 20 ANOS
DE 21 A 25 ANOS
DE 26 A 30 ANOS
+ DE 30 ANOS
Fonte : tabulação dos questionários aplicados em campo pelo programa SPSS
- OCUPAÇÃO PROFISSIONAL PREGRESSA
Com relação a ocupação profissional pregressa à atividade de tomaticultura,
constatou-se que para 48,6% dos trabalhadores rurais esta foi sua primeira e principal
ocupação laboral na vida. O restante 51,4% declararam que tiveram outra atividade
profissional antes. Dentre estes 72,41% exerceram a atividade de lavrador de forma
inespecífica e apenas 27,59% exerceram atividades de outra natureza que não a agrícola.
Este fato vem comprovar o que foi dito nas entrevistas que a história das seis últimas
décadas da cidade está intrinsecamente ligada a cultura do tomate e que uma boa parte da
população não conhece há gerações outra atividade profissional.
119
NECESSIDADE DE BUSCAR TRABALHO FORA DO MUNICÍPIO
Quando perguntados se tiveram necessidade de buscar ocupação alguma vez
fora do município 68,1% dos trabalhadores responderam negativamente e 31,9% disseram
que sim. Esta pergunta referia-se a situação na qual o trabalhador tinha que ausentar-se
durante pelo menos cinco dias de sua casa, retornando para ela nos finais de semana.
Dentre os que afirmaram que tiveram que buscar trabalho fora do município
a cidade mais distante onde isto ocorreu foi Heitoraí, situada a 155 Km.de Goianáplois,
com apenas uma ocorrência. A cidade com maior número de ocorrências (8), foi
Pirenópolis distante 72 Km. de Goianápolis. Quando perguntados sobre que tipo de
ocupação conseguiram nestas localidades informaram que era na tomaticultura.
Os agricultores da região em estudo, acostumados várias gerações a
trabalharem na tomaticultura sentem dificuldade de adaptarem-se com outras atividades
profissionais e mesmo quando buscam trabalho fora, eles procuram fazê-lo dentro da
atividade que estão familiarizados e não se aventuram muito longe de sua cidade natal.
Constata-se também que a atividade começa a deixar de ser um monopólio da
região de Goianápolis e passa a difundir-se para outras regiões do estado, muito embora
ainda estruturada na mão-de-obra trazida em caráter temporário da “Capital do Tomate”.
- RELAÇÃO DE TRABALHO COM O DONO DA LAVOURA
Dependendo do período em que ocorra a pesquisa será encontrado um tipo de
trabalhador rural na lavoura. Nas épocas de colheita serão encontrados em maior
quantidade, os diaristas que habitualmente são contratados em grande número nesta fase da
lavoura. Fora desta fase é mais comum encontrarem-se meeiros ou formadores. Durante
quase todo o ciclo de produção que é de aproximadamente de 70 a 90 dias, os meeiros
trabalham sozinhos ou com apenas um ajudante. Na época da colheita quando eles se vêem
obrigados a colher toda a lavoura em um curto período de tempo, eles contratam grande
número de diaristas.
Quando das visitas para a aplicação de questionários (Setembro e Outubro de
2004) haviam poucas lavouras colhendo e por esta razão haviam poucos diaristas. Este fato
impacta diretamente nos dados da renda apurada que tende a ser maior do que a que seria
constatada caso a pesquisa ocorresse durante as colheitas.
120
Durante a pesquisa constatou-se que 33,3% dos trabalhadores eram diaristas,
13,9% eram formadores e 52,8% eram meeiros.
- RENDA
Observou-se que a segunda maior faixa de renda ocorrida entre os
trabalhadores foi a daqueles que obtiveram entre R$ 800,00 a R$ 1.000,00 mensais (13
ocorrências). Isto se deve, como dissemos anteriormente, ao fato da pesquisa ter ocorrido
em época em que haviam poucas lavouras colhendo e de terem sidos aplicados poucos
questionários a diaristas. Se a pesquisa houvesse ocorrido durante as colheitas, a renda
observada teria sido menor. Mesmo assim 33,3% dos trabalhadores percebiam renda de até
R$ 300,00 mensais.
Figura 37
FAIXAS DE RENDA DOS
TRABALHADORES RURAIS
0
5
10
15
20
25
30
35
1
SARIOS MÍNIMOS DE
SET/OUT 2004
NÚMERO DE OCORRÊNCIAS
SEM RENDA
DE 1 A MENOS
DE 2
DE 2 A MENOS
DE 3
DE 3 A MENOS
DE 4
DE 4 A MENOS
DE 5
DE 5 A MENOS
DE 6
DE 6 A MENOS
DE 7
DE 7 A MENOS
DE 10
DE 10 A MENOS
DE 20
ACIMA DE 20
Fonte : tabulação dos questionários aplicados em campo pelo programa SPSS
Obs.: O salário mínimo no período era de R$ 260,00
TAMANHO DAS LAVOURAS CONFIADAS AOS MEEIROS
Verificou-se que uma técnica gerencial recorrente na região, utilizada pelos
donos de lavoura, e que vem sendo passada de geração para geração. É a de distribuírem de
4.000 a 5.000 pés de tomate para cada meeiro.
121
Desta forma em uma lavoura de 50.000 pés, muito comum na região,
encontramos de 10 a 12 meeiros.
Acreditam os donos de lavoura que com esta quantidade de pés deixada a cargo
de cada meeiro é mais fácil absorver-se qualquer eventual problema que venha a ocorrer
com ele, sendo observada a regra básica de prudência : “dividir-se os ovos em várias
cestas”.
- OCUPAÇÃO DA ESPOSA
Interessante observar que em pleno século XXI as relações intra-familiares na
região estudada parecem não ter sofrido grande mudança, pois entre os casados ou
assemelhados, em 65,52 % dos casos a esposa não trabalha fora e em apenas 34,48% dos
casos ela trabalha.
Outro fato que merece destaque é que em virtude dos trabalhadores rurais
morarem na cidade suas esposas possuem ocupações urbanas como faxineiras, merendeiras
de colégio, costureiras, salgadeira, empregada doméstica, etc...
Tal fato é comentado por Graziano da Silva (1998) quando ele discorre sobre
urbanização do meio rural, e do fenômeno da liberação da mulher e dos filhos das
atividades tipicamente agrícolas. Com relação a renda familiar oriunda da atividade
agrícola ele afirma que “vão se convertendo gradativamente em atividades part time “.
38
- OCUPAÇÃO NO PERÍODO DAS CHUVAS
No passado não apenas a tomaticultura, mas praticamente todos os tipos de
lavouras somente podiam ser cultivadas em determinado período do ano. Com a
modernização da agricultura foi se tornando possível estender o período de cultivo cada
vez mais. No caso da tomaticultura, era economicamente inviável plantar-se no período das
chuvas. Este impedimento foi quase totalmente superado graças à utilização dos
agrotóxicos que controlam as pragas abundantes neste período.
Esse fato foi constatado com a alta absorção de mão-de-obra da tomaticultura
neste período na região: 81,9%. Do restante, 12,7% dos trabalhadores ocupam-se em
outros tipos de lavoura e apenas 4,2% ocupam-se em atividades não agrícolas.
- SITUAÇÃO TRABALHISTA / PREVIDÊNCIÁRIA
38
A nova dinâmica da agricultura brasileira, pág. 180
122
O percentual de trabalhadores com carteira de trabalho assinada é irrisório:
5,6%. Tal fato gera surpresa em virtude da região ser muito próxima da capital do estado
(35 Km.) e mesmo assim estar desasistida da fiscalização trabalhista e previdenciária e ao
desamparo das duas legislações. O restante: 94,4% dos trabalhadores não possuem carteira
de trabalho assinada.
- RECOLHE PREVIDÊNCIA COMO CONTRIBUINTE INDIVIDUAL
(AUTÔMOMO)?
Mesmo não possuindo carteira de trabalho assinada, os trabalhadores rurais
poderiam, caso quisessem, recolher a contribuição previdenciária como autônomos. Tal
procedimento lhes garantiria as aposentadorias mas isto não ocorre. Não como afirmar
se isto ocorre por falta de renda que os impossibilite de efetuar esta despesa mensal por sua
conta ou se por falta de conhecimento da legislação. Apenas 1,4% dos trabalhadores
recolhem a contribuição previdenciária por conta própria e 98,6% não o fazem.
- NÍVEL DE SINDICALIZAÇÃO
Este item do questionário veio confirmar as informações previamente obtidas
na entrevista com o presidente do Sindicato dos trabalhadores rurais de Goianápolis,
comentada no item 3.1. A REALIDADE DE GOIANÁPOLIS.
Apenas 1,4% dos trabalhadores pesquisados era sindicalizada e 98,6% não o
era.
Este baixo nível de mobilização classista é como já foi dito no item 1.12. BÓIA
FRIA A EXCLUSÃO DENTRO DA EXCLUSÃO, é um dos fatores que contribuem
para a perpetuar a situação de exclusão social vivida por estes trabalhadores.
- SEGURANÇA NA ATIVIDADE LABORAL
Três perguntas do questionário procuraram traçar um perfil da situação de
segurança do trabalhador no exercício da atividade laboral. Estas perguntas foram:
1. Já se intoxicou alguma vez com agrotóxicos?
2. Utiliza algum equipamento de proteção ao pulverizar?
3. Já recebeu alguma orientação sobre a importância de usar EPI?
123
Pode-se comentar de forma análoga para as três questões, que os dados obtidos
das respostas resultaram comprometidos, pois durante a aplicação da quase totalidade dos
questionários havia por perto um gerente de produção ou um encarregado pela lavoura.
Percebeu-se a preocupação dos trabalhadores em não responder de forma a comprometer o
dono da lavoura e provavelmente os dados foram distorcidos.
Em uma das propriedades um dos trabalhadores chegou a verbalizar sua
apreensão questionando o pesquisador: Esta pesquisa sua não vai trazer problema prô
nosso patrão não né?”
Várias vezes quando se chegava nestas três perguntas o encarregado da lavoura
postava-se junto de quem respondia o questionário e inibia-o de responder corretamente.
Desta forma os resultados foram os seguintes:
Para a primeira pergunta, sobre alguma ocorrência anterior de intoxicação,
foram 18,1% de respostas afirmativas e 81,9% de repostas negativas.
Na segunda pergunta, sobre utilização e de equipamento de proteção, 48,6%
responderam que sim e 51,4% responderam não.
Sobre se haviam recebido alguma orientação prévia relativamente ao uso do
EPI, 63,9% responderam que sim e 36,1% que não.
Em um dos casos quando o encarregado afastou-se, o trabalhador que havia
acabado de responder que jamais havia se intoxicado interrompeu seu colega que respondia
e relatou que naquele momento estava com dor de cabeça em virtude do produto com o
qual pulverizou no dia anterior. Relatou ainda que o cheiro impregnado no corpo por este
produto chamado CARTAP, leva pelo menos 5 dias para “sair do corpo” e “não tem água e
sabão que de conta de tirar”.
124
5 – ALGUNS ASPECTOS INSTITUCIONAIS
A cidadania pode ser plenamente exercida quando o poder público, as
ONGs. e as entidades de classe dos trabalhadores procuram protegê-los da exposição aos
riscos ambientais no trabalho.
O problema no Brasil não é a falta de legislação, mas a falta de cobrança do
cumprimento desta, pela fiscalização do poder público. As questões inerentes a direitos
trabalhistas, saúde, segurança e benefícios previdenciários dos trabalhadores rurais estão
sob a gestão de dois ministérios: o da Previdência Social, através do INSS - Instituto
Nacional do Seguro Social e O Ministério do Trabalho, através das Delegacias Regionais
do Trabalho e do Ministério Público Federal do Trabalho.
As políticas públicas de emprego, saúde e previdência social cada uma a cargo
de um ministério na estrutura administrativa do governo federal, passam ou deveriam
passar necessariamente pela questão da saúde do trabalhador.
Segundo dados do Ministério da Previdência Social, os gastos do Instituto
Nacional de Seguro Social-INSS com benefícios acidentários e aposentadoria especial no
ano de 2002 foram de R$ 7,2 bilhões, sendo que deste montante 2,8 bilhões referem-se a
benefícios acidentários e 4,3 bilhões a aposentadoria especial (aquela em que o trabalhador
está sujeito a condições insalubres no ambiente de trabalho). Some-se a isso as despesas
contabilizadas de forma escamoteada como auxílio doença de natureza não laboral e estes
gastos crescerão para valores ainda maiores.
Não se tem informações precisas sobre as despesas que impactam sobre o
sistema público de saúde nem tampouco sobre o sistema produtivo do país, que o
comprometimento da saúde do trabalhador resulta em perdas de produtividade que
refletem num decréscimo do Produto Interno Bruto-PIB.
Um número ainda desconhecido de horas de trabalho são anualmente perdidas
em virtude de problemas de saúde diversos, doenças ocupacionais, acidentes de trabalho e
até mesmo perdas de vidas de trabalhadores.
5.1. - A QUESTÃO NO ÂMBITO PREVIDENCIÁRIO
Analisando a questão sob a ótica da legislação Previdenciária, com o
surgimento da lei 3.807 de 26/08/1960,a chamada LOPS - Lei Orgânica da Previdência
Social, passou-se a proporcionar maior proteção ao trabalhador garantindo-lhe uma
126
aposentadoria especial de 15, 20 ou 25 anos para algumas atividades profissionais
específicas, classificadas como penosas, insalubres ou perigosas, com o objetivo de
preservar, quanto possível, a saúde do trabalhador, expondo-o por menos tempo a estas
atividades profissionais.
A lei 8.213/91, conhecida como “Lei de Benefícios”, em seu artigo 19 explicita
o conceito de acidente de trabalho da seguinte forma:
Art.19 - Acidente de trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalhador a
serviço da empresa [...], provocando lesão corporal ou perturbação funcional que
cause a morte ou perda ou redução permanente ou temporária da capacidade para
o trabalho.
para que não haja duvida sobre os conceitos de acidente e doença que a
princípio teriam respectivamente uma conotação mais ou menos imediata o artigo 20 vem
definir:
Art. 20 - Consideram-se acidentes do trabalho, nos termos do artigo anterior, as
seguintes entidades mórbidas :
I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo
exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva
relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
II - doença do trabalho assim entendida é a adquirida ou desencadeada em
função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se
relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.
Esta relação bem como outras foram publicadas em anexos do decreto 3.048 de
06/05/1999. Dentre estas destacamos a dos Agentes patogênicos químicos físicos e
biológicos, causadores de doenças do trabalho e a dos Agentes etiológicos ou fatores de
risco de natureza ocupacional.
No caso dos Agrotóxicos a aposentadoria pode ser requerida aos 25 anos de
atividade laboral, tempo excessivamente dilatado, tendo-se em vista o alto nível de
agressividade e potencial danos contra o organismo dos compostos utilizados na fabricação
dos pesticidas.
Ocorre, portanto que o nível de contaminação ao qual um grande contingente
de trabalhadores rurais está exposto, é de tal sorte elevado, que ao final deste período eles
poderão estar com sua saúde irremediavelmente comprometida e aquela minoria dentre
eles que possui contrato formalizado em carteira de trabalho poderá não chegar a
completar o período de atividade laboral requerido para sua aposentadoria.
127
O principal instrumento de detecção de afastamentos do trabalho por motivos
acidentários/ambientais, a CAT - Comunicação de Acidente de Trabalho, que seria um
documento de entrega obrigatória por parte dos empregadores ao INSS, somente é emitido
para uma parcela mínima desses eventos e mesmo assim procurando escamotear a real
natureza do acidente para não trazer maiores complicações às empresas que negligenciam a
segurança e a proteção de seus trabalhadores.
Na zona rural pode-se afirmar que inexiste a entrega deste documento e,
portanto também inexistem ou são extremamente raras estatísticas confiáveis a respeito.
Dessa forma a CAT, via de regra, sub-dimensiona a extensão dos riscos e eventos
acidentários a que estão sujeitos os trabalhadores sendo um documento que bem reflete o
pouco interesse que a saúde dos trabalhadores tem merecido por parte do poder público,
que mesmo sabendo dessa realidade não tem se empenhado em aprimorar os seus
mecanismos.ou criar algum outro mais aperfeiçoado que o substitua.
É de se esperar, dentro da lógica empresarial, que se determinada obrigação
fiscal que irá onerar a empresa não for monitorada e fiscalizada ela poderá ser ignorada ou
mesmo burlada.
Esses trabalhadores, excluídos sociais que são, talvez desconheçam que tem o
direito de exigir dos órgãos governamentais como, Delegacia Regional do Trabalho,
Ministério Público do Trabalho e INSS, entre outros, uma atuação fiscalizadora sobre seus
empregadores no sentido de que estes lhes propiciem melhores condições de trabalho e o
amparo da legislação previdenciária.
A Previdência Social limita sua atuação de caráter preventivo com relação aos
riscos ambientais no trabalho à verificação da entrega, por parte das empresas e
empregadores, de demonstrativos ambientais, dentre eles o PPP- Perfil Profissiográfico
Previdenciário, onde elas devem obrigatoriamente declarar se seus empregados estão
sujeitos a estes riscos. Em caso afirmativo será delas cobrado, um adicional na alíquota do
SAT - Seguro Acidente do Trabalho, que compõe uma cesta de contribuições sociais
incidentes sobre a folha de pagamento. Este adicional pode em alguns casos quadruplicar o
valor da alíquota que passaria de 3 para até 12%, onerando a contribuição previdenciária
devida por estas empresas a Previdência Social, com o objetivo de financiar as chamadas
aposentadorias especiais, com apenas 15, 20 ou 25 anos de atividade laboral.
128
Ocorre que o PPP passou, desde a data de sua exigibilidade em novembro de
2003, a ser documento de apresentação obrigatória pelos trabalhadores que pleiteiem a
aposentadoria especial.
Se por um lado a criação deste documento propiciaria um melhor
acompanhamento da vida laboral do trabalhador por outro lado a exigência de que somente
mediante a entrega dele por parte do segurado este poderia pleitear a aposentadoria
especial cria na prática obstáculos à concessão desse benefício, uma vez que os pequenos
produtores rurais dificilmente sofrerão ação fiscalizadora por parte do INSS, exigindo-lhes
a confecção e entrega deste documento ao trabalhador rural. Esta medida veio, portanto ao
contrário de sua concepção original dificultar ou em alguns casos inviabilizar que os
trabalhadores rurais usufruam do beneficio a que fazem jus, com o sacrifício de própria
saúde.
Do Ponto de vista corretivo a Previdência Social atua na reabilitação dos
lesionados e incapacitados para o trabalho, possuindo para tanto um setor específico onde
médicos, psicólogos e assistentes sociais procuram reabilitar o trabalhador para que este
retome suas atividades laborais, deixando de pesar aos cofres da união que se vê obrigada a
remunerá-los durante o período de afastamento do trabalho.
5.2 - A QUESTÃO NO ÂMBITO TRABALHISTA
A atuação do MT - Ministério do Trabalho dá-se de forma mais direta e
objetiva. Ele é responsável pela elaboração e fiscalização de legislação que efetivamente
busca proteger, do ponto de vista físico e financeiro, o trabalhador. Sua atuação, no
entanto, é bastante reduzida na zona rural por falta de recursos humanos e veículos, mas
mesmo assim procura coibir, na medida do possível, as irregularidades praticadas contra os
trabalhadores rurais. Prova disso é o recente (Fevereiro de 2004) assassinato de três
auditores fiscais do trabalho e um motorista do MT, ocorrida no município de Unaí-MG;
quando verificavam denuncias de trabalho escravo em fazendas da região.
De uma maneira geral o trabalho destes auditores busca inspecionar o
cumprimento da legislação trabalhista, mas sem a preocupação de detectar as causas das
irregularidades encontradas, ficando sua atuação ao nível de ações tipo “apagar incêndios”
ou “solução imediata de problemas”.
129
Tal realidade é admitida em documento do próprio MT do qual transcrevemos
trecho abaixo:
A INSPEÇÃO TRADICIONAL -Visa promover o cumprimento da legislação
pelo empregador, por meio do julgamento a partir da inspeção dos locais de
trabalho, havendo pouco questionamento sobre as causas das irregularidades
detectadas. Caracteriza-se por privilegiar a observação visual (identificação de
condições inadequadas nos locais de trabalho), na determinação das deficiências
em Segurança e Saúde no Trabalho - SST, buscando a resolução imediata dos
problemas, sem ênfase nas falhas gerenciais que as produziram (MT, 2004).
Os principais instrumentos normativos de atuação na proteção dos
trabalhadores rurais, utilizados pelo MT são as NRR - Normas Regulamentadoras de
Segurança e Saúde no Trabalho Rural. Sobre isso ver o anexo D.
Em nível do governo estadual, os órgãos encarregados de fiscalização como a
Agencia Rural, a Vigilância Sanitária e Secretaria estadual de Saúde, não dispõem de
instrumentos legais para a aplicação de sanções econômicas aos infratores, fato que
dificulta o resultado positivo de ações de fiscalização.
Neste sentido o movimento trabalhista brasileiro deve continuar dando sua
contribuição na luta pela defesa dos direitos dos trabalhadores, pois não se deve esperar
comodamente que as autoridades governamentais estejam sempre atentas, mobilizadas e
atuantes na proteção desses direitos. Esta função cabe primeiramente às entidades
classistas e representativas de cada categoria ou grupo social.
Neste particular Giddens (id) atribui também grande importância a este
movimento como o fazia Marx, pois afirma que “o movimento trabalhista é o movimento
social por excelência”
39
5.3 – Agricultura sustentável paradigma alcançável ou sonho?
Como comentado anteriormente em trechos deste estudo, a agricultura
convencional e modernizada pode oferecer como resultado maior produtividade, no
entanto a sociedade paga um alto preço por esse desempenho.
David Kaimowitz cita dentre os custos sócio-ambientais resultantes do modelo
Revolução Verde de agricultura
40
os seguintes:
39
As conseqüências da modernidade,p.158
40
Este termo é aqui empregado tal como o entende Jalcione Almeida: agricultura fundada basicamente em
princípios de aumento de produtividade através do uso intensivo de insumos químicos, de variedades de alto
rendimento melhoradas geneticamente, da irrigação e da mecanização, criando a idéia que passou a ser
130
A erosão, a acidificação, a salinização, a compactação, a contaminação dos solos
e a lixiviação e extração precisa de seus nutrientes, a sedimentação de rios,
represas, e zonas costeiras, [...], mudanças indesejadas nos fluxos hídricos, a
contaminação da água por produtos agroquímicos e dejetos industriais, a erosão
genética de cultivos e raças animais e a perda da biodiversidade silvestre, a perda
de massa de florestas, [...], a destruição de predadores naturais e dos
microorganismos do solo, a emissão de dióxido de carbono devido à queima de
madeira, [...], a intoxição de agricultores, operários e consumidores por
pesticidas e a resistência crescente das pragas aos pesticidas (David Kaimowitz
in ALMEIDA & NAVARRO, p.44, 1998).
Diante de tal sorte de agressões ao meio ambiente e ao homem faz-se
necessário buscar alternativas que sejam economicamente viáveis, mas menos desastrosas.
Neste sentido coloca-se a agricultura sustentável
41
. Tal proposta não é nova mas tem
avançado pouco desde o seu surgimento.
O paradigma de produção agrícola adotado no Brasil a partir do final dos anos
1960 foi o americano. Todavia tem sido realizados naquele país, desde meados dos anos
1970, estudos que comprovam a alta dependência de insumos externos da agricultura
convencional. Um desses estudos divulgado em 1975 comparou o rendimento energético
de dezesseis fazendas convencionais como o de dezesseis fazendas com sistema de
produção alternativo. Concluiu-se que os sistemas convencionais necessitavam de 0,9 Kcal
para produzir 1 Kg. de produto final enquanto os sistemas alternativos obtiveram o mesmo
produto com apenas 0,38 Kcal.(Navarro, apud Almeida & Navarro, 1998, p.44).
Quase vinte anos depois, em 1996, é aprovada naquele país uma lei
cognominada de FAIR Act- Federal Agricultural Improvement and Reform Act. Tal lei
veio trazer uma ruptura institucional com o modelo até então vigente, que o lobby do
agribusiness não logrou impedir. Ela determina a manutenção e diversificação dos
programas de conservação ambiental. Apenas um desses programas o EQIP
Environmental Quality Incentives Program, que visa dar apoio técnico/educacional,
propiciando incentivos financeiros a produtores rurais que desejem implementar projetos
de gestão agroambiental, recebeu recursos da ordem de U$ 1,3 bilhão.(Veiga in Almeida &
Navarro, 1998)
42
.
A REE- Research, Education and Economic Mission Area, uma das divisões
do USDA- United States Department of Agriculture, desenvolveu um plano estratégico
conhecida com freqüência como aquela do “pacote tecnológico” (ALMEIRDA & NAVARRO, 1998,p.44).
41
Este termo é aqui empregado tal como o define David Kaimowitz : uma agricultura que permite alimentar e
vestir toda a população com um custo razoável, oferecendo nível de vida aceitável para os que dependem do
setor e degrada pouco a base dos recursos naturais.(ALMEIRDA & NAVARRO, 1998,p.56)
42
Artigo de José Eli da Veiga intitulado: A transição agroambiental nos Estados Unidos, p.129
131
para entrar em vigor a partir de 1999 que destina nada menos que 56,8% de seus recursos
totais para áreas ligadas a meio ambiente e salubridade alimentar, perfazendo um total de
U$ 994,5 milhões( Veiga in Almeida & Navarro, 1998)
43
.
Tais cifras são um eloqüente indicador de que a questão da agricultura
sustentável começa a ser levada a sério naquele país.
As vantagens da aplicação de tecnologias agroecológicas sobre o modelo
convencional de agricultura podem ser enumerados em diversos aspectos a saber: o
técnico, o econômico, o de acesso à tecnologia, o sócio cultural e o ambiental
No aspecto técnico; pode-se considerar que a agroecologia prescinde de todo
um aparato de maquinários, produtos químicos e inputs externos uma vez que ela lança
mão da fixação do nitrogênio e do controle biológico de pragas, com alta utilização de
recursos locais.
No aspecto econômico a agroecologia demanda recursos financeiros
relativamente baixos uma vez que boa parte dos insumos estão disponíveis no local.
No aspecto de democratização de tecnologia, enquanto no modelo
convencional variedades e produtos estão protegidos por patentes, na agroecologia o
conhecimento tecnológico esta ao alcance do produtor.
No aspecto sócio-cultural existe na agroecologia um alto nível de envolvimento
comunitário com utilização de conhecimento e formas autóctones de organização.
Finalmente, no tocante aos aspectos ambientais, a agroecologia proporciona
baixos níveis de impactos e agressões ao meio ambiente e à saúde humana (Altieri &
Masera in Almeida & Navarro, 1998)
44
É obvio que não apenas os produtores rurais senão toda a cadeia produtiva de
alimentos terá que adaptar-se a novas técnicas e procedimentos e que a resistência a esse
processo de mudanças deverá ser grande. As propostas e experiências de agricultura
sustentável conhecidas ainda são pouco competitivas comercialmente e, portanto de
implantação ainda limitada.
Segundo Giddens (id) a difusão da preocupação com o meio ambiente leva os
governos em todos os países a dirigirem seu foco de atenção para esta questão e que o
desenvolvimento tecnológico descompromissado com a preservação dos recursos naturais
que ser confrontado cedo ou tarde, para que se evitem danos extensos e irreparáveis.
43
Dados extraídos de artigo intitulado: A transição agroambiental nos Estados Unidos de autoria de José Eli
da Veiga, incluso na obra referenciada, p.142
44
Artigo Desenvolvimento rural sustentável na América Latina: construindo de baixo para cima,p.90
132
Afirma ainda que se está caminhando no sentido de promover uma humanização da
tecnologia, que passa a absorver questões ético/morais no tocante às relações ser
humano/meio ambiente e que as medidas necessárias para a reversão desse quadro de
degradação ecológica passam necessariamente a ser de caráter global (GIDDENS, 1991).
45
Neste sentido Melucci citado por Giddens (1991) afirma: “Os movimentos
sociais proporcionam vislumbres de futuros possíveis e são em parte veículos de sua
realização”
46
(Melucci apud Giddens, 1991, p. 161). Se é que o “carro de Jangrená” pode
ser controlado, evitando o curso de autodestruição que ele segue, quem logrará algum êxito
neste intento são os movimentos sociais.
Alguns sinais de interesse começam a surgir também no Brasil com a questão
ambiental por parte de empresas privadas que vêem no respeito à natureza um apelo de
marketing para seus produtos e como meio de formarem uma imagem diferenciada diante
de seus consumidores.como empresas ecologicamente corretas.
Neste sentido tem surgido espaço para a atuação de organizações não
governamentais que fornecem a empresas interessadas certificação ISO (International
Organization for Standardization), versão 14.000, que certifica a procedência de produtos
elaborados através de processos produtivos “limpos” e que utilizam matéria prima obtida
sem degradação do meio ambiente. Em alguns setores, como por exemplo a indústria
moveleira,.esse certificado já é referência para os consumidores. A certificação ISO 14.000
é cada vez mais objeto de interesse de empresas em virtude de possibilitar o acesso ao
mercado internacional. Seus métodos de avaliação do processo de gestão ambiental
empresarial contemplam a qualidade do ar, da água e do solo e a manutenção dessa
certificação implica num monitoramento permanente da empresa.
6 – PERSPECTIVAS DE MUDANÇA NO PROCESSO
Os dados quanto a utilização de agrotóxicos nos Estados Unidos (CID
MABIENTAL, 2002), parecem demonstrar que existe por parte do governo e dos
agricultores daquele país uma conscientização da necessidade de encontrarem-se modelos
alternativos de produção agrícola, que a tornem mais independente da utilização destes
produtos.
45
As conseqüências da modernidade, pp.164, 165 e 169
46
Alberto Melucci, Nomads of the present, 1989
133
Na década de 1950, a produção de pesticidas nos EUA, que era de menos de
453 t./ano elevou-se para mais de 136.000 t./ano em 1965, um aumento de mais de
30.000%. no período de 1965 a 1982, este aumento foi de apenas 300%, o que
representou uma taxa de crescimento cem vezes menor que no período anterior. A partir
daí a utilização de pesticidas passou a cair, tendo esta queda atingido cerca de 7% em 1987
quando o volume destes produtos utilizados caiu para 369.200 t./ano. Mesmo assim os
custos indiretos do uso de pesticidas para a saúde pública e para o meio ambiente foram
estimados entre US$1 bilhão e US$2 bilhões por ano.(Garcia, 2001).
6.1 - ALTERNATIVAS DENTRO DO PRÓPRIO MODELO
Existem atualmente técnicas de combate/controle de pragas que buscam
preservar a lucratividade do produtor sem, contudo causarem desequilíbrios no
ecossistema. Até mesmo dentro do sistema de agricultura tradicional, pesquisadores vem
desenvolvendo tecnologias de controle de pragas que levam em consideração alguns
elementos da ecologia.
Dentre estas técnicas destacamos o MIP- Manejo Integrado de Pragas, que em
experiências realizadas em Paty do Alferes-RJ, conseguiu diminuir em até 62% a
necessidade de aplicação de agrotóxicos. Esta experiência bem sucedida ocorreu a partir
de 1997 através de uma parceria entre o Instituto Nacional de Tecnologia-INT, a
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro -UFRRJ, a Emater-RJ, a Prefeitura
municipal de Paty do Alferes e as empresas Hoesth e Agrevo.
A técnica do MIP consiste na preservação ou incremento dos fatores de
mortalidade natural, através do uso integrado dos métodos de controle selecionados com
base em parâmetros econômicos, ecológicos e sociológicos, objetivando racionalizar o uso
de defensivos e estabelecer condições de sua utilização de forma econômica e harmoniosa
com o meio ambiente (Crocomo apud Reis Filho, 2002). Ela busca a utilização simultânea
de diversos procedimentos onde se objetiva um controle da população de insetos ao nível
em que eles deixem de constituírem-se em praga.
O projeto foi inicialmente conduzido de tal forma que nas áreas onde estava
sendo desenvolvido o projeto os produtores seriam reembolsados pelo preço de mercado
independentemente da produtividade que estas alcançassem.
134
Observou-se que ocorreu uma redução de utilização de defensivos de 40 para
18 pulverizações com manutenção de produtividade. A técnica é simples e consiste
basicamente numa amostragem realizada pelo menos duas vezes por semana na lavoura,
anotando-se a quantidade de insetos e pragas encontrados. Dentre os insetos eram anotados
os inimigos naturais das pragas do tomateiro.
Com base nesta contagem amostral e avaliação um técnico fazia a
recomendação da aplicação adequada de agrotóxico tanto em quantidade quanto do tipo de
produto. Os produtores, com o tempo passaram a perceber que realmente estavam
aplicando o produto muito além da necessidade real, quase sempre de forma preventiva.
Outro critério do projeto foi o de privilegiar a utilização de produtos menos
tóxicos. Desta forma, muitos produtos tradicionais foram banidos e substituídos por outros
de tecnologia mais recente e menos agressivos ao meio ambiente e ao homem.
Segundo relatos de técnicos que acompanharam o projeto um dos maiores
entraves à sua continuidade, quando a multinacional alemã deixou de financiar a produção
experimental, não foi de natureza técnica, mas sim fatores que envolviam as relações de
trabalho e produção entre proprietários das lavouras e seus meeiros. Estes últimos
demonstraram resistência à utilização da técnica cujo objetivo central era a redução da
utilização de agrotóxicos.
Na opinião de Reis Filho(2001), como normalmente o meeiro possui baixo
nível de escolaridade, ele tem dificuldade de entender a lógica do processo e fica muito
apreensivo e temeroso quanto aos resultados que a diminuição de agrotóxicos poderá
acarretar na produtividade da lavoura e não está disposto a correr riscos, pois seus ganhos
estão em tão baixo nível que somente lhe garantirão a sobrevivência se nada der errado.
Tal situação gerou tensão entre os proprietários e meeiros, tendo como
resultado a desistência de vários participantes do projeto. Outra dificuldade relatada na
execução deste projeto foi a inexistência de entidades associativas dos produtores que
buscassem a colocação deste produto diferenciado no mercado a um preço superior ao
produto convencional e que pudesse cobrir os seus custos (Reis Filho, id).
A EMBRAPA-Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária em seu Centro
Nacional de Pesquisas em Hortaliças, vem desenvolvendo para o tomate industrial uma
tecnologia chamada PAST
47
, que alerta para o possível aparecimento de doenças. Tal
47
Sistema de previsão e aviso para Phytophthora infestans - Requeima; Alternaria, solani -Pinta preta e
Septoria lycopersici - septoriose em tomateiro.
135
técnica possibilita ao produtor rural otimizar de tal modo a aplicação de defensivos nas
lavouras que pode ocorrer uma redução de duas mil toneladas o que equivaleria a uma
redução anual de US$ 30 milhões. (Dias apud dos Santos, 2000).
6.2 - SOLUÇÕES SIMPLES PODERIAM REDUZIR OS DANOS À SAÚDE DE
TRABALHADORES RURAIS?
As condições de trabalho dos trabalhadores rurais que atuam nas lavouras de
tomate estaqueado são, via de regra, precárias.
Dentre os trabalhos que evidenciam tal situação citamos estudo realizado por
pesquisador da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade Estadual
Paulista, Campus de Jaboticabal, oriundo de sua tese de doutoramento (Machado Neto,
1990) onde procurou quantificar a exposição dérmica a que estavam submetidos os
aplicadores de agrotóxicos desta cultura na região de Cravinhos-SP.
Este trabalho constatou que o nível de exposição dérmica desses trabalhadores
é alto, variando entre 300 a 2.300 ml. de calda de pulverização entrando em contato com o
corpo por hora. Esta pesquisa utilizou recursos simples e baratos como o de aderir
amostradores feitos de tiras de absorventes higiênicos femininos ao corpo dos
trabalhadores. O resultado foi a constatação de que os membros inferiores, especialmente
os pés, foram os mais expostos.
Constatou-se que estes recebem de 54% a 69% do total de produtos
pulverizados, ficando as partes superiores do tronco e as posteriores do corpo,
relativamente resguardadas.
De posse destes dados o pesquisador, movido por um caráter pragmático, não
necessariamente presente em trabalhos acadêmicos, procurou introduzir no estudo alguns
equipamentos de proteção simples e baratos e verificar que nível de proteção eles
proporcionariam ao trabalhador.
Um avental de plástico protegeu de 83,3% a 94,1% da exposição da parte
frontal do corpo.e quando sua utilização associa-se a botas e luvas impermeáveis os bons
índices de proteção são estendidos também aos pés e mãos.
Segundo Machado Neto (1990) o avental de plástico impermeável não sofreu
restrições de uso por parte dos trabalhadores pelo fato de não proporcionar desconforto
considerável, fato de grande relevância especialmente nas regiões mais quente do país e
que inviabiliza/desestimula a utilização do traje completo.
136
O estudo cita ainda que os riscos de intoxicação ocupacional ocasionados pelos
agrotóxicos mais freqüentemente utilizados na cultura do tomate variam entre 0,6 a 11,7%
da dose tóxica por hora de exposição, mas que foram reduzidos, em média, 10,7 vezes com
a utilização de um protótipo rudimentar de pulverizador, também dentro do critério de
equipamentos simples e de baixo custo.
Este protótipo consiste na junção de duas barras em V que soldadas a um
chassis são montadas sobre uma roda de bicicleta. Estas barras possuem pequenos orifícios
por onde o agrotóxico é aspergido proporcionando ao trabalhador rural postar-se a uma
distância aproximadamente três metros do jato de aspersão, o que reduz drasticamente a
quantidade de produto que entre em contato direto com sua epiderme.
Em resumo, se a solução do problema da exposição do trabalhador rural aos
agrotóxicos é complexa e de difícil implementação, existem com certeza algumas ações
simples e de baixo custo que poderiam atenuar a questão se as autoridades governamentais
das áreas de saúde e fiscalização das condições de trabalho atuassem de forma mais eficaz.
137
130
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com relação às condições de trabalho no campo, esse estudo possibilitou a
confirmação do que era conhecido pelo senso comum, e neste sentido a pesquisa
empírica realizada através de uma análise focada em uma realidade local auxilia na
compreensão da realidade em que se encontra a maior parcela dos trabalhadores rurais
brasileiros.
Sob o ponto de vista das condições de salubridade no ambiente laboral, pode-
se considerar que, se os impactos sobre as despesas do sistema público de saúde e as
perdas com horas não trabalhadas geradas com trabalhadores formais
48
expostos a
ambientes de trabalho insalubre são elevadas e podem mesmo de forma indireta serem
estimadas. Essas perdas com os trabalhadores informais devem ser igualmente grandes e
de difícil mensuração na zona rural, uma vez que ali a maioria dos vínculos de trabalho não
é formal como comprovou essa pesquisa.
Não se pode esperar do empresariado desviar investimentos, de forma
espontânea, de setores que lhe proporcionem retorno financeiro imediato, para aplicar na
saúde segurança e proteção do trabalhador.
É nesse aspecto que deveria ocorrer uma eficiente atuação governamental,
legislando, normatizando e fiscalizando o setor empresarial para que este propicie as
condições mínimas necessárias que assegurem a saúde do trabalhador, desonerando outras
esferas de governo de incorrer em despesas que visam não mais que remediar danos
causados à saúde destes. Essa atuação deve ser também no sentido de buscar via
fiscalização, a formalização das relações de trabalho daqueles que, tal como os bóias-fria,
estão à margem do amparo das legislações previdenciária e trabalhista.
Condições de trabalho dignas
49
e adequadas são um inquestionável indicador
do nível de desenvolvimento de uma nação. Aquelas que não procuram proteger seus
trabalhadores da exposição a riscos ambientais ocupacionais estão dilapidando um precioso
patrimônio representado num investimento de anos na formação e obtenção de experiência
profissional. A conseqüência mais imediata dessa displicência é a necessidade de arcar
48
Aqui entendidos como aqueles com contratos formais de trabalho e amparados pelo regime geral da
Previdência Social e pela legislação trabalhista.
49
Este termo deve ser aqui entendido como “Toda e qualquer variável presente no meio ambiente de trabalho
capaz de alterar e/ou condicionar a capacidade produtiva do indivíduo causando ou não agressão ou
depreciação à saúde deste.”(BARBOSA FILHO, 2001)
138
com o pesado ônus de manutenção de aposentadorias prematuras e despesas com
tratamentos de saúde e reabilitação dos mesmos.
Evidencia-se o desinteresse e o desrespeito pelo ser humano, típico das nações
sub-desenvolvidas, que reproduzem por sobre seus cidadãos, a espoliação de que são
vítimas no sistema econômico globalizado.
O caso brasileiro é sui generis, pois em nosso país o problema não é a falta de
legislação de proteção ao trabalhador que, aliás, é bastante vasta. Tanto a legislação
trabalhista quanto a previdenciária estão repletas de dispositivos de proteção ao
trabalhador.
Se for verdade que o trabalho é um direito fundamental de todo ser humano na
medida em que proporciona dignidade e elevação da auto-estima, condições mínimas de
segurança e um meio ambiente de trabalho saudável são os pré-requisitos básicos para que
este direito possa ser exercido.
Constatou-se com a pesquisa que nossa agricultura continua seguindo o modelo
“revolução verde que privilegia as altas taxas de produtividade sem maiores
preocupações com o meio ambiente. Facilitando a atuação dos que se locupletam com esse
modelo a fiscalização dos órgãos governamentais que atuam na observância do
cumprimento das legislações previdenciária, trabalhista e ambiental é ineficiente.
Do ponto de vista da melhoria das condições de trabalho dos trabalhadores
rurais somente uma maior mobilização e atuação por intermédio de uma representação
classista, efetivamente comprometida com a categoria, poderá alterar o curso da situação
de precariedade a que eles estão submetidos.
A questão mais abrangente que se coloca é que inegavelmente os níveis de
produtividade de uma agricultura sustentável são, no presente, ainda menores do que os de
uma agricultura convencional que lança mão da superexploração dos recursos naturais.
A mudança do paradigma agrícola deverá ocorrer não apenas nos Estados
Unidos, mas em todo o mundo na medida em que os consumidores em geral passarem a
demandar produtos mais saudáveis e produzidos de forma ecologicamente aceitável.
Contribuirão certamente neste sentido a atuação de ONGs. e movimentos ambientalistas.
No que concerne ao aspecto da agressão ao meio ambiente, somente demandas
e pressões da sociedade organizada, por meio de seus mecanismos de controle social como
conselhos, associações dentre outros, e apoiados por movimentos ambientalistas e ONGs,
139
poderão alterar esse modelo de produção agrícola e suas decorrências, numa economia
globalizada como a atual.
Nesse sentido é preciso contribuir para ampliar o debate em torno das questões
sócio-ambientais inerentes a nossa agricultura, fazendo com que elas conquistem o status
que merecem entre as grandes questões nacionais, saindo do acanhado círculo da
academia, ganhando a mídia.e ocupando mais espaço nas preocupações de todos os
brasileiros.
É na esperança de contribuir com esse debate e no esforço de colaborar com as
mudanças necessárias que este modesto estudo foi produzido.
140
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http://www.veja.abril.com.br .
142
ANEXOS
ANEXO A
- RELAÇÃO DE ENTREVISTAS PRELIMINARES
Foram realizadas algumas entrevistas com representantes de diversos órgãos
públicos antes da aplicação do questionário de teste, que possibilitaram um conhecimento
prévio da realidade dos grupos sociais sob estudo e das peculiaridades da região e do tema
a serem estudados, dentre estes citamos:
a) Eng. agrônomo do CREA-GO, Kleber Fidelis - Coordenador do grupo de
Fiscalização Preventiva Integrada - FPI, na região do ribeirão Sozinha,
compreendida pelos municípios de Anápolis, Goianápolis e Leopoldo de Bulhões,
realizada nos meses de Maio a Julho de 2003.
b) Eng. Agrônomo da Agência Rural-GO, Enauro Antônio Araújo, chefe da
fiscalização desta agência no CEASA-GO.
c) Eng. Agrônomo Henrique Luis de Araújo Costa, gerente do Departamento de
Proteção de Mananciais da Saneago - Empresa de Saneamento de Goiás.
d) Eng. Agrônomo José de Souza Reis Filho, Coordenador do Programa de Prevenção
de Pragas em Olerícolas da Agência Goiana de Desenvolvimento Rural e Fundiário
- AGÊNCIA RURAL/GO.
e) Vilanir Camapum, promotor de proteção do trabalhador do ministério Público
Estadual.
f) Luis Eduardo Bojart, Promotor chefe do Ministério Público Federal do Trabalho-
GO.
143
g) André Granato de Araújo, médico toxicologista do Centro de Informações
Toxicológicas da Superintendência de Vigilância Sanitária da Secretaria Estadual
de Saúde.
h) Prof. Dr. Luis Carlos Cunha, Coordenador do curso de especialização em
toxicologia da Faculdade de Farmácia da UFG.
i) Eng. Agrônomo Cezar Honório da Silva, responsável pela extensão rural do
escritório da AGENCIA RURAL em Goianápolis.
j) Sr. Joel Lima Soares,. Presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de
Goianápolis.
k) Sr. Edson Vargas, tomaticultor, residente em Goianápolis e proprietário de imóvel
rural de aproximadamente 100Ha., no Município de Leopoldo de Bulhões (4 Km de
Goianápolis).
144
ANEXO B
RISCOS AMBIENTAIS E ASPECTOS SOCIAIS DECORRENTES DA
ATIVIDADE DE TOMATICULTURA NA REGIÃO DE GOIANÁPOLIS-GO
QUESTIONÁRIO N °1
APLICÁVEL AO PRODUTOR RURAL
Data do preenchimento : ____/____/____
Nome do entrevistador :
1- DADOS DO IMÓVEL/OCUPANTE
1.1- Nome do proprietário do imóvel rural:
___________________________________________________
1.2- Nome da propriedade:
________________________________________________________
1.3- Município:
_________________________________________________________________
1.4. - Situação de posse da terra
Proprietário
Arrendatário
Meieiro
1.5-..Arrendatário ou meieiro nesta propriedade desde quando?_____________________
1.6 - atua como arrendatário ou meieiro a quanto tempo (mesmo em outras
propriedades)?___________________________________________
1.6-.....UTM : __________________________
1.8- Área total ( ha) ou 1.000 pés: ________________________
1.9- Área com outras lavouras(exceto tomate): ________________________
1.10- Área com pastagens: ___________________________
1.11- Área de reservas: ________________________
1.12- Quanto tempo de experiência com lavoura de tomate?
145
2. INDICADORES SOCIO DEMOGRÁFICOS DOS TRABALHADORES
2.1-.....Número total de empregados na propriedade :______________
2.2-......Número de empregados com registro em carteira de trabalho:_____________
Nome do trabalhador:___________________________________________________
2.3-.....Sexo : Masculino(.....) Feminino(......)
2.4-....Idade:
(.........) Menor de 16 anos (..........) de 18 a 30 anos (..........) de 41 a 50 anos
(.........) de 16 a 18 anos (........) de 31 a 40 anos (.........) acima de 51
anos
3 DADOS DA LAVOURA DE TOMATE
3.1- Proprietário:
3.2- Cultura(s): ______________- Área: ___________.Período (mês do ano)
3.3-...Número de aplicações de pesticidas feitas do plantio a colheita da
lavoura:_________
3.4-.....Qual o prazo médio entre as aplicações:_____________________________
3.5-.......Volume da produção(t) :
3.6-...Destino da produção:_______________________________________________
3.7-....Recebe assistência técnica do comprador da produção? Sim(....) Não(.....)
3.8-... Distância do manancial: Lavoura 1:__________________ Lavoura
2:_________________
3.9- Possui Responsável Técnico? : Sim Não
3.10- Nome do Eng. Agrônomo :
3.11- ART nº :
3.12 - Qual o tempo que planta na terra arrendada antes de mudar para outra?
3.13 - Porque razão muda de propriedade ?
3.14. - Já foi fiscalizado ou autuado alguma vez pelo uso inadequado de agrotóxicos?
Sim Não
4- AGROTÓXICOS
4.1- Possui Receituários?: Sim Não
146
4.2- Aplica agrotóxico: Sim Não
4.3-.....Forma de aplicação:
Manual Tratorizado Outros (citar)_____________________________________
4.4-.....Qual a marca do produto utilizado?____________________
4.5-.....Qual a concentração utilizada na preparação do produto a ser
aplicado?_____________
4.6-..Produtos encontrados:_______________________________________________
4.7-RT do Receituário:___________________________________________________
4.8-....Local da aquisição:_________________________________________________
5 - USO DA ÁGUA
5.1- Utiliza água para consumo humano:
do rio de poço Outros:
(Especificar):________________________________________
5.2- Possui nascente(s) na propriedade ? : Sim , quantas ?: Não
5.3- Usos da água:
Irrigação; Dessedentação de animais
Piscicultura; Uso doméstico
Represamento Outros
(Especificar):_____________________________________________
5.4- Possui irrigação?: Sim Não
5.5- Possui represa?: Sim Não Caso positivo, área: (................)
5.6- Distância da lavoura até o manancial de água ? (Córrego, rêgo d’água, ou represa )
6 - INSUMOS
6.1- Utiliza fertilizantes: Não Sim ,
Químicos Orgânicos Cobertura
6.2- Utiliza corretivos: Não Sim
7-. AGROTÓXICOS
147
7.1- Acha que é possível diminuir reduzir a quantidade de agrotóxico utilizada
sim não
Porque?_____________________________________
7.2 - PRÁTICAS QUE DIMINUEM A NECESSIDADE DO USO DE
AGROTÓXICOS
NÃO USA ADUBAÇÃO ORGÂNICA
NÃO CONHECE ARMADILHA LUMINOSA
SABÃO EM PÓ PLANTAS ATRATIVAS
CONTROLE BIOLÓGICO FUMO
CONSORCIAMENTO ROTAÇÃO DE CULTURA
ROÇADA MANUAL OUTRA.(ESPECIFICAR)_____________________
8-. DE QUEM RECEBE INDICAÇÃO PARA O USO DE AGROTÓXICOS ?
PROPRIETÁRIO REPRESENTANTE DE LABORATÓRIO
AGRÔNOMO . VENDEDOR
.ADMINISTRADOR OUTRO AGRICULTOR
OUTRO (ESPECIFICAR)
9.-RECEBE RECEITUÁRIO AGRONÔMICO PARA AQUISIÇÃO DO PRODUTO
SIM SEGUE A INSTRUÇÕES? SIM NÃO
NÃO
10. AQUISIÇÃO DO AGROTÓXICO
REPRESENTANTE DO LABORATÓRIO OUTRO (ESPECIFICAR)
COMÉCIO LOCAL
11.-CÁLCULO DA DOSAGEM DO AGROTÓXICO
DE ACORDO COM O RÓTULO INDICADO POR OUTRO
AGRICULTOR
ESTABELECIDA PELO PRÓPRI O INDICADO PELO REPRESENTANTE
DO LABORATÓRIO
148
OUTRO (ESPECIFICAR)___________________________________________
12.-APÓS A PLICAÇÃO DO AGROTÓXICO É OBEDECIDO O TEMPO
RECOMENDADO PARA O INÍCIO DA COLHEITA
SIM
NÃO
13.-DESTINO DAS EMBALAGENS VAZIAS
VENDA QUEIMA
GUARDA S/ LAVAR
GUARDA APÓS TRIPLICE LAVAGEM DEIXA NA LAVOURA
DEPÓSITO PÚBLICO ENTERRA
SISTEMA DE COLETA DE LIXO REUTILIZA
OUTRO(ESPECIFICAR)____________________________________________
14.-TRABALHADORES QUE MANIPULARAM AGROTÓXICO NESTA SAFRA
SEXO/IDADE MENORES DE 18 ANOS ACIMA DE 18 ANOS
HOMENS
MULHERES
TOTAL
15. QUAL O PESO DOS AGROTÓXICOS NA COMPOSIÇÃO DOS CUSTOS DA
LAVOURA
149
QUESTIONÁRIO N °2
APLICÁVEL AO TRABALHADOR RURAL
1. Nome:
2. Idade:
3 Sexo:
(....) Masculino (......) Feminino
4.-....Estado civil:
(......) casado ou assemelhado.......................(.......) Solteiro
5. Número de pessoas na família (na residência)
(......)filhos Ocupação__________________
(......)companheiro(a). Ocupação______________
(......)Pai,Mãe/Sogro,Sogra Ocupação_____________
(......)Genro/Nora. Ocupação________________
(......)Outros. Ocupação_________________
6-......ESCOLARIDADE :
(.........) não alfabetizado (..........) Ensino Médio
(.........)1ª. Fase ensino fundamental (..........) Superior Incompleto
(.........)2ª. Fase do ensino fundamental (..........) Superior Completo
7- Residência/Ocupação:
(........) mora na propriedade
(........) Local onde mora
(.......) Há quanto tempo ?
(.......) Local anterior de residência
(.......) Há quanto tempo é diarista?
(.......) que atividade desempenhava antes de ser diarista?
(........) Tempo gasto diariamente em minutos ou horas no deslocamento para o local de
trabalho
(......) Forma de deslocamento até a propriedade rural
150
8. RENDA
8.1 -.......Salário Mensal/Valor da diária:_____________________
8.2-......Outros tipos de benefícios(moradia, luz):__________________
8.3-.......Duração diária da jornada de trabalho :
Na safra:___________...............Entre-safra:____________
8.4- R$ (.................)Renda Familiar
8.5- (........)Quantos meses por ano tem ocupação na lavoura de tomate ?
8.6- Em que trabalha o resto do ano?
8.7- Recebe algum tipo de alimentação durante a jornada de trabalho por parte do
empregador?
(......)SIM
(......) NÃO
8.8- Os filhos o acompanham ao trabalho?
(.....)Sempre
(.....) Só na Colheita
(......) Outra época(especificar)
8.9- - A que horas sai para o ponto de encontro e a que horas é deixado nele no final do
dia?
8.10- Quanto tempo leva a viajem da fazenda até o ponto de saída/chegada?
DADOS REFERENTES A SAÚDE DOS TRABALHADORES
9.TRABALHA DIRETAMENTE COM A PLICAÇÃO DE AGROTÓXICOS
SIM NÃO
10- HOUVE CASOS DE INTOXICAÇÃO POR AGROTÓXICO NA
PROPRIEDADE ?
SIM QUANTOS ?_____ HOUVE ATENDIMENTO
MÉDICO/HOSPITALAR?
NÃO SIM QUANTOS?_____ NÃO
Onde ? ______________________________
11.- Qual é a freqüência de ocorrência das intoxicações?_____________
151
12-Qual o tempo médio de afastamento do trabalho em virtude das intoxicações ?
___________________
13- Utiliza remédios psiquiátricos em virtude de problemas ocasionados por agrotóxicos
?
NÃO SIM Quais ?______________________________________________
14.-EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL UTILIZADOS NA
APLICAÇÃO DE AGROTÓXICOS
NENHUM BOTA CHAPÉU MACACÃO
ÓCULOS CAPA LUVA MÁSCARA
15.-OS TRABALHADORES RURAIS RECEBEM INFORMAÇÕES SOBRE A
CORRETA UTILIZAÇÃO DE EPI E OUTRAS MEDIDAS PREVENTIVAS ?
NÃO
SIM
DE QUEM ?
DO DONO DA LAVOURA
DE ENTIDADE CLASSISTA
DE ÓRGÃO GOVERNAMENTAL
16. VOCÊ CONSOME DO TOMATE PULVERIZADO COM AGROTÓXICO
(TRABALHADOR)?
SIM NÃO
17.DECLARANTE(TRABALHADOR):______________________________________
RG: _____________________________________________________________________
FUNÇÃO: _______________________________________________________________
152
ANEXO C
INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES SOBRE OS PRINCIPAIS
AGROTÓXICOS UTILIZADOS NAS LAVOURAS DE TOMATE
- PESTICIDAS CARBAMATOS
Esta classe de produtos químicos provoca a inibição da enzima
Acetilcolinesterase, cuja função é degradar a Acetilcolina, neurotransmissor do impulso
nervoso. A inibição da acetilcolinesterase resulta no acúmulo de acetilcolina no sistema
nervoso central.
Contrariamente aos inseticidas organofosforados a inibição da
acetilcolinesterase pelos inseticidas carbamatos tem reversão espontânea, curta duração,
menor penetração no SNC-Sistema Nervoso Central e não se acumulam no organismo.
Muito embora os carbamatos possuam toxidade classificada entre leve e moderada, alguns
deles como o Aldicarb, o Carbofuran e o Oxamil podem apresentar quadros severos
intoxicação e evolução para óbito.
Tabela 20. CLASSIFICAÇÃO CONFORME TOXICIDADE AGUDA (OMS)
CARBAMATO CLASSE (*) VIA DL50 mg/Kg.
Aldicarb IA Oral 0,93
Carbofuran IB Oral 8
Oxamil IB Oral 6
(*) IA- Extremante Perigosos, IB- Altamente Perigosos, II- Moderadamente Perigosos, III- Pouco
Perigosos
Nas intoxicações agudas por esta classe de inseticidas são observados os seguintes efeitos:
Efeitos Muscarínicos
Respiratórios: broncoaspiração, broncorréia, dispinéia, cianose, edema pulmonar
Gastro-intestinais: anorexia, naúseas, vômitos, cólicas abdominais, diarréia, incontinência
fecal, tenesmo
Glândulas Exócrinas: sudorese, salivação, lacrimejamento
Cardiovascular: bradicardia, hipotensão, bloqueio Av.
Ocular: miose, visão borrada,
Urinário: incontinência
Efeitos Nicotínicos:
153
Musculatura Estriada: fadiga, fraqueza, fasciculações, contrações, arreflexia, paralisia
flácida, insuficiência respiratória ou parada devido a fraqueza muscular.
Gânglios Simpáticos: hipertensão taquicardia, palidez, nidríase.
Efeitos no SNC:
Cefaléia, ansiedade, agitação, tremores, ataxia, sonolência, confusão, dificuldade de
fala, labilidade emocional, fraqueza generalizada, coma, convulsões, depressão central
respiratória e cardiovascular.
Nos casos de intoxicação crônica causadas por exposição ocupacional ao Aldicarb
podem ocorrer alterações neurológicas como parestesias, dificuldades motoras,
náuseas, alterações visuais, fotofobia persistente que podem até mesmo apresentar-se
num quadro de polineuropatia crônica(vários sintomas simultâneos).
- PESTICIDAS ORGANOFOSFORADOS
O mecanismo de ação desta classe de inseticidas, diferentemente dos
carbamatos, causa inibição irreversível da enzima acetilcolinesterase. A reativação da
acetilcolinesterase é possível com o uso de medicação nas primeiras 24-48 horas após a
intoxicação. Alguns dentre estes possuem nível de Dose Letal(DL 50 ml/Kg.) bastante
baixa.
Tabela 21 - Classificação de toxidade e dose letal de alguns organofosforados
ORGANOFOSFORADO CLASSE VIA DL 50 ml/kg.
Disulfoton IA Oral 2,6
Fensulfotion IA Oral 3,5
Forato IA Oral 2
Menvinfós IA Oral 4
Terbufós IA Oral 2
Os efeitos da intoxicação aguda por este composto são semelhantes aos
relatados anteriormente para os Carbamatos, podendo ocorrer entretanto algumas
complicações adicionais tais como convulsões prolongadas com hipoxia, hipotermia,
causando rabdomiólise e insuficiência renal.
154
A intoxicação aguda deixa seqüelas neurofisiológicas em 4-9% dos pacientes
afetados. Ocorrem também efeitos neurocomportamentais, cognitivos e funcional
neuromuscular: dificuldade de concentração, cefaléia e fadiga.
A intoxicação crônica que acomete trabalhadores expostos a baixas
concentrações, durante longo tempo, resulta em enfraquecimento, déficit de memória, e de
velocidade psicomotora, perda de concentração e dificuldade de fala, depressão, ansiedade
e irritabilidade.
A morte normalmente ocorre por insuficiência respiratória resultante de
fraqueza muscular e depressão no SNC, agravados por broncoconstrição e excessiva
secreção brônquica.(FIOCRUZ,1998).
155
ANEXO D
RELAÇÃO DAS NORMAS REGULAMENTADORAS DO MINISTÉRIO DO
TRABALHO SOBRE A ATIVIDADE RURAL
NRR1 - Estabelece competências de atuação das diversas instâncias do MT, empregadores
e trabalhadores rurais;
NRR2 - Estabelece Normas para o funcionamento de serviço especializado em prevenção
de acidentes no trabalho rural;
NRR3 - Estabelece normas para a constituição da Comissão Interna de Prevenção de
Acidentes de Trabalho Rural – CIPATR;
NRR4 - Estabelece sobre Equipamentos de Proteção Individual - EPI;
NRR5 - Trata de normas de utilização por trabalhadores de produtos químicos, tais como
agrotóxicos, fertilizantes e corretivos e seus produtos afins como hormônios e outros
produtos químicos e bioquímicos de uso veterinário.
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