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Aline Figueiredo de Albuquerque
A questão habitacional em Curitiba:
o enigma da “cidade-modelo
Dissertação apresentada à Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São
Paulo para a obtenção do título de Mestre em
Arquitetura e Urbanismo.
Área de concentração: Habitat
Orientador: Prof. Dr. João Sette Whitaker
Ferreira.
São Paulo
2007
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AGRADECIMENTOS
Certamente o desenvolvimento do meu mestrado na Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da USP não teria sido possível sem a ajuda e o apoio de muitas pessoas queridas.
Aqui, na impossibilidade de nomear todas elas, me restringirei aquelas que acompanharam de
perto este processo extremamente rico de amadurecimento acadêmico pelo qual passei nesses
quase três anos de estudos.
Inicialmente agradeço a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
– FAPESP pela bolsa de mestrado. Sem a bolsa esta dissertação não teria sido realizada.
Agradeço ao meu orientador e amigo Prof. Dr. João Sette Whitaker Ferreira por
ter confiado em mim e, mesmo sem me conhecer, ter aceitado me orientar. Por ter me
aproximado da temática da ideologia, até então uma desconhecida para mim. Por ter se
apaixonado pelo meu projeto e ter me incentivado a desenvolvê-lo durante todo o período do
mestrado. Incontáveis foram as orientações e conversas. Não tenho como agradecer o esforço
por você realizado para suprir as dificuldades em orientar uma estudante que residia fora de
São Paulo, na distante “cidade-modelo”. Obrigada!
Agradeço aos professores do mestrado, em especial ao Prof. Dr. Flávio Villaça e
ao Prof. Dr. Nabil Bonduki pelas contribuições valiosas na banca de qualificação.
Agradeço a todos os meus colegas do mestrado, em especial aos orientandos do
João, pelo convívio precioso que tivemos durante as orientações coletivas, disciplinas, cursos
e conversas.
Agradeço aos técnicos da COHAB-CT pelo fornecimento de informações
indispensáveis a realização desta pesquisa. Em especial ao Polucha e a minha amiga querida
(e agora vizinha) Melissa Belló. Obrigada pelo apoio e pelo tempo dedicado na procura e
sistematização de dados e informações sobre a Política Habitacional de Curitiba e à Melissa
obrigada pela tradução para o inglês.
À Regina Araújo, colega e amiga, agradeço por ter me apoiado na decisão de
realizar o mestrado, pelo fornecimento de informações sobre a Região Metropolitana de
Curitiba e por estar sempre ao meu lado.
Agradeço a Angela Pilotto e a Simone Polli por terem acompanhado de perto as
angústias de uma mestranda estressada. E mesmo de longe (Curitiba, São Paulo ou Rio de
Janeiro) estarem tão presentes no desenvolvimento do meu trabalho. Devo muito a vocês
duas. Espero poder retribuir em dobro no desenvolvimento de suas pesquisas.
Agradeço as Professoras Dra.Gislene Pereira e MSc. Madianita Nunes da Silva. À
Gislene por ter acompanhado minha formação, desde a graduação, por ter me incentivado em
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todas as minhas atividades profissionais e acadêmicas, sempre terei uma dívida enorme
contigo. À Madianita pela experiência maravilhosa vivenciada na disciplina sobre espaço e
moradia ofertada na UFPR. Obrigada pela oportunidade que vocês me deram.
Agradeço a Hilma de Lourdes Santos (MNLM) e a Luci Ribeiro Valente
(FLPRU) pelos depoimentos valiosos sobre a questão da moradia em Curitiba. Espero que
este trabalho, em alguma medida, possa contribuir na luta cotidiana que vocês têm liderado na
Região Metropolitana de Curitiba.
Agradeço à Ambiens Sociedade Cooperativa, aqui entendida pelo conjunto
pessoas que fazem essa cooperativa existir, por ter possibilitado meu afastamento para
realização do mestrado. Agradeço a vocês por terem feito (e por fazerem) parte da minha
vida. Certamente aqui faltarão palavras para expressar o que devo a vocês. O convívio do
trabalho coletivo, criativo, democrático e necessariamente conflituoso, é um aprendizado que
levarei para o resto da minha vida.
Agradeço especialmente a minha família (meu pai, minha mãe e minha irmã) por
sempre ter me apoiado em todas as minhas escolhas.
Por fim o agradecimento certamente mais difícil. Agradeço ao Marcos, meu
companheiro, meu amigo, meu parceiro e, claro, o meu leitor mais rigoroso. Agradeço por ter
ouvido e discutido diariamente essa dissertação, mesmo quando não agüentava mais o
assunto. Agradeço a vo por simplesmente existir e ser parte da minha vida. E por ser
sempre presente mesmo quando estava (fisicamente) ausente.
“Cidades das quais somos cidadãos são cidades nas quais
queremos intervir, que queremos construir, reformar,
criticar e transformar. Elas não podem ser deixadas
intocadas, implícitas, ignoradas. Manter intocado o
imaginário de sua própria cidade é incompatível com um
estudo (ou um projeto) de transformação social. Cidades
que permanecem cristalizadas em imagens passadas que
temos medo de tocar não são cidades que habitamos
como cidadãos, mas cidades de nostalgia, cidades com
que sonhamos. As cidades (sociedades, culturas) em que
vivemos estão, como nós mesmos, mudando
continuamente. Elas são cidades para serem refletidas,
questionadas, mudadas. São cidades com as quais nos
envolvemos”.
Teresa Pires do Rio Caldeira, “Cidade de Muros”,
2000.
RESUMO
A idéia de que a cidade de Curitiba se distingue das demais metrópoles do país,
sendo internacionalmente considerada uma “capital de primeiro mundo”, baseia-se no
pressuposto de que a cidade foi objeto de uma experiência supostamente exitosa de
planejamento urbano. Essa idéia e a imagem de “cidade-modelo” têm sido veiculadas por um
discurso que tem sido reproduzido nos quatro cantos do país e do mundo. A observação do
conteúdo de algumas falas portadoras desse discurso, produzidas em diferentes períodos
históricos, mostra que ele não faz referência à questão habitacional de Curitiba para legitimar
a idéia de “sucesso” do planejamento curitibano. O presente trabalho desenvolve algumas
reflexões acerca dessa lacuna no discurso da “cidade-modelo”. Para tanto recupera a questão
da habitação a partir da abordagem de dados empíricos sobre a problemática habitacional da
cidade e do resgate histórico da Política Habitacional do Município. A análise identifica que o
discurso da “cidade-modelo” se constitui em um discurso ideológicopor natureza lacunar
na medida em que sua elaboração e sua reprodução dependeram da omissão da questão da
habitação em seu conteúdo.
ABSTRACT
The idea that the city of Curitiba distinguishes itself from the other Brazilian
metropolis, being internationally considered “first world capital”, is based on the premise that
the city was object of a supposedly successful experience of urban planning. These idea and
image of “model city” have been broadcasted by a discourse that has been reproduced all
around the country and the world. The observation of some speeches’ contents which carry
this discourse, produced at different times, discloses that it do not refers to the Curitiba’s
housing issue in order to legitimate the idea of “success” of Curitiba’s planning. The present
paper develops some thoughts around this gap in the “model cit” speech. In order to do this it
restores the housing issue from an empiric data approach about cities’ housing problematic
and from an historical approach of the Local Housing Policy. The analysis identifies that the
“model city” discourse constitutes an ideological discourse naturally with gaps to the
extent that its formulation and reproduction have relied on the omission of the housing issue
in its content.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Curitiba exemplo para megacidades.....................................................................25
Figura 2. Paraná exporta “soluções urbanas”.......................................................................26
Figura 3. Lerner fala sobre Urbanismo na ONU..................................................................27
Figura 4. Curitiba, modelo de desenvolvimento..................................................................27
Figura 5. Curitiba, referência para cidades da Ásia .............................................................28
Figura 6. Amo muito Curitiba..............................................................................................34
Figura 7. Programa “parceria com a iniciativa privada”......................................................92
LISTA DE FOTOS
Foto 1 Rua XV de Novembro ..............................................................................................31
Foto 2 Setores Estruturais ....................................................................................................32
Foto 3 Estação Tubo ............................................................................................................33
Foto 4 Ópera de Arame........................................................................................................35
Foto 5 Universidade Livre do Meio Ambiente....................................................................35
Foto 6 Favela Parolin...........................................................................................................59
Foto 7 Favela Bom Menino .................................................................................................59
Foto 8 Favela Cajuru 2.........................................................................................................60
Foto 9 Favela Uberlândia.....................................................................................................60
Foto 10 Favela Lorena .......................................................................................................60
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1. Evolução do número de domicílios em Ocupações Irregulares em Curitiba ...46
Gráfico 2. Evolução do número de áreas de Ocupação Irregular em Curitiba ..................46
LISTA DE MAPAS
Mapa 1. Região Metropolitana de Curitiba: Núcleo Urbano Central.................................50
Mapa 2. Espacialização das Ocupações Irregulares – NUC (1999) ...................................51
Mapa 3. Espacialização das Ocupações Irregulares – Curitiba (1976) ..............................52
Mapa 4. Espacialização das Ocupações Irregulares – Curitiba (2000) ..............................53
Mapa 5. Espacialização das Ocupações Irregulares e da Renda – Curitiba (2000)............55
Mapa 6. Taxa de crescimento dos domicílios em ocupações irregulares (1991-96).........56
Mapa 7. Taxa de crescimento dos domicílios em ocupações irregulares (1996-2000).....57
Mapa 8. Distribuição espacial da ação habitacional do Município de Curitiba ...............101
Mapa 9. Espacialização da lacuna da questão habitacional .............................................126
LISTA DE QUADROS
Quadro 1. Intervenção do Estado brasileiro em favelas ....................................................69
Quadro 2. Cronologia da Política Habitacional de Curitiba (1964-2000).........................70
Quadro 3. Loteamentos em “parceria” com a iniciativa privada: parâmetros e valores ...89
Quadro 4. Inscrição da questão habitacional no processo de constituição do discurso da
“cidade-modelo”.....................................................................................................................116
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Domicílios em Aglomerados Subnormais: Curitiba e São Paulo.........................43
Tabela 2. Município de Curitiba: taxas de crescimento anual dos domicílios e dos
domicílios em ocupações irregulares........................................................................................44
Tabela 3. Município de Curitiba: incremento domiciliar total e em ocupações irregulares.45
Tabela 4. Município de Curitiba: evolução das ocupações irregulares (áreas e domicílios)47
Tabela 5. Município de Curitiba: participação dos domicílios irregulares no total dos
domicílios da “cidade-modelo” ................................................................................................48
Tabela 6. Grande Curitiba: taxa de crescimento dos domicílios em ocupações irregulares 49
Tabela 7. Município de Curitiba: distribuição das ocupações irregulares por regional
administrativa ...........................................................................................................................54
Tabela 8. Município de Curitiba: distribuição dos domicílios irregulares por bairro
(1991, 1996 e 2000)..................................................................................................................61
Tabela 9. Política de Desfavelamento: domicílios e população removida – 1974/79..........77
Tabela 10. Município de Curitiba: favelas, domicílios e população favelada 1971/1982
77
Tabela 11. Distribuição da produção habitacional por programa (1970-2000)..................99
Tabela 12. Distribuição da produção habitacional real por programa (1970-2000) ..........99
Tabela 13. Produção habitacional do Município por regional e por período ...................100
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
BNH – Banco Nacional de Habitação
CIC – Cidade Industrial de Curitiba
COHAB-CT – Companhia de Habitação de Curitiba
COHAPAR – Companhia de Habitação do Estado do Paraná
COMEC – Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba
FMH – Fundo Municipal de Habitação
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IPARDES – Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social
IPPUC – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba
ONU – Organização das Nações Unidas
PNUD – Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas
PPU – Plano Preliminar de Urbanismo
PT – Partido dos Trabalhadores
RMC – Região Metropolitana de Curitiba
SERFHAU – Serviço Federal de Habitação e Urbanismo
UIA – União Internacional dos Arquitetos
SUMARIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................12
1 CAPÍTULO I CURITIBA “CIDADE-MODELO”: o discurso veiculador da
imagem da cidade ...................................................................................................................17
1.1 Introdução.................................................................................................................17
1.2 Cidade-planejada: o papel do planejamento urbano no discurso da “cidade-modelo”
20
1.3 Os elementos constitutivos do discurso da “cidade-modelo” ..................................30
1.4 A ausência da questão habitacional no discurso da “cidade-modelo” ....................36
2 CAPÍTULO II A CIDADE OCULTADA: a produção informal do espaço e da
moradia em Curitiba..............................................................................................................39
2.1 Introdução.................................................................................................................39
2.1.1 Parênteses: notas sobre os conceitos e fontes utilizados ..................................40
2.2 A “cidade-modelo” inscrita na realidade brasileira..................................................42
2.3 A evolução das ocupações irregulares em Curitiba.................................................43
2.3.1 As ocupações irregulares na Região Metropolitana de Curitiba .....................48
2.3.2 Distribuição espacial das ocupações irregulares na “cidade-modelo” ............52
2.4 Considerações acerca da cidade ocultada ................................................................57
2.4.1 IMAGENS: Curitiba, a cidade ocultada...........................................................59
3 CAPÍTULO III – A POLÍTICA HABITACIONAL DE CURITIBA .......................63
3.1 Introdução.................................................................................................................63
3.2 A Política de Habitação de Curitiba: um breve histórico.........................................64
3.2.1 A Política de Habitação de Curitiba inscrita no contexto nacional..................66
3.2.2 Primeira Fase (1964-1979) – remoção de favelas ............................................71
3.2.3 Segunda Fase (1980-1990) – urbanização, regularização e produção de lotes 78
3.2.4 Terceira Fase (1990-2000) – “parcerias” com a iniciativa privada..................84
3.3 A Produção de Habitação da COHAB-CT (1970-2000)..........................................96
3.3.1 Distribuição da produção habitacional da COHAB-CT por programas...........98
3.3.2 Distribuição espacial da produção habitacional da COHAB-CT ...................100
3.4 O trinômio loteamento periférico – casa própria – autoconstrução........................103
4 CAPÍTULO IV – QUESTÃO HABITACIONAL, DISCURSO E IDEOLOGIA ..106
4.1 A imagem ...............................................................................................................106
4.2 O negativo da imagem: o problema da habitação...................................................108
4.3 A ação corretiva do problema: a Política Habitacional de Curitiba .......................112
4.4 A ausência da questão habitacional no discurso da “cidade-modelo”...................117
4.5 A funcionalidade da lacuna da questão da habitação.............................................120
4.6 Pistas para novas pesquisas ....................................................................................124
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................130
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...............................................................................132
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA .....................................................................................137
ANEXOS ...............................................................................................................................141
12
INTRODUÇÃO
O presente trabalho é resultado de um processo de amadurecimento teórico
ocorrido nos dois anos e oito meses em que realizei o curso de mestrado na Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. O formato da nossa pesquisa passou
por diversos reparos até chegar à estrutura aqui apresentada. Nesse percurso de dúvidas,
angústias e incertezas, uma questão para nós sempre esteve clara: a vontade de abordar a
questão da habitação na cidade brasileira que ficou internacionalmente conhecida por seu
sucesso no campo do planejamento urbano: Curitiba, capital do Estado do Paraná.
A motivação deste trabalho foi, desde o princípio, a percepção, constatada na
minha vivência cotidiana concreta, de que a cidade de Curitiba era muito mais do que o
discurso da cidade-modelo” afirmava ser. Sobretudo no que diz respeito às complexidades
da produção do espaço urbano na periferia do capitalismo. As imagens de “capital de primeiro
mundo”, “cidade planejada”, “capital ecológica” e “capital da qualidade de vida”, não
combinavam com a realidade que estávamos acostumados a presenciar diariamente na capital
paranaense.
O contato direto com a problemática da habitação na cidade com as populações
que vivem cotidianamente imersas numa realidade urbana muito diferente do “modelo”
curitibano internacionalmente propagandeado – e a reflexão realizada, no âmbito do mestrado,
sobre a temática da ideologia, levou-me inicialmente a demarcar, como objetivo principal
deste estudo, o evidenciamento do abismo presente entre a imagem de Curitiba, veiculada
pelo discurso da “cidade-modelo”, e a realidade da cidade, marcada pela produção informal
do espaço e da moradia
1
.
Situarmos a problemática da pesquisa no campo da ideologia nos exigiu a escolha
de um método que explicitasse as contradições entre a imagem “modelo” de Curitiba –
veiculada pelo discurso – e a realidade habitacional conflituosa da cidade. Desta forma
buscamos inicialmente apresentar a imagem da cidade, tal e qual ela se mostrava no discurso
da “cidade-modelo”, para, na seqüência, investigar a realidade de Curitiba. Assim, o primeiro
1
Ferreira (2005) destaca, que no Brasil, o termo informalidade urbana tem significado “habitações de favelas,
cortiços e loteamentos clandestinos”. Para o autor, tal termo “diz respeito à inadequação físico-construtiva e
ambiental da habitação e/ou do entorno construções precárias, terrenos em áreas de risco ou de preservação
ambiental, área útil insuficiente para o número de moradores, etc., à ausência de infra-estrutura urbana –
saneamento, água tratada, luz, acessibilidade viária, etc., ou ainda à ilegalidade da posse da terra ou do contrato
de uso.”
13
passo deste trabalho foi descrever e apresentar o conteúdo do discurso da “cidade-modelo”,
delimitando seus elementos constitutivos
2
.
Neste processo investigativo identificamos que o discurso veiculador da imagem
da cidade, ao buscar coincidir a imagem “modelo” da cidade com sua realidade concreta,
apresentava uma lacuna: não fazia qualquer referência à questão habitacional de Curitiba.
Em outras palavras, entre os elementos que eram alçados no discurso, de maneira mais
recorrente, como “prova” de que o planejamento urbano em Curitiba “deu certo”, não
aparecia nenhuma prática ou intervenção levada a cabo no campo da habitação.
Diante dessa constatação emergiram algumas indagações. A não-referência à
questão da habitação no discurso da “cidade-modelo” seria sinal indicativo de que não teriam
sido realizadas intervenções em Curitiba no sentido de enfrentar o problema da habitação? A
percepção inicial de que o discurso falava de uma cidade que não condizia com a realidade de
Curitiba, por nós vivenciada, estava equivocada? Seria essa realidade conflituosa, percebida
por nós, uma parcela irrelevante na totalidade da cidade, de tal forma que o problema da
moradia fosse pouco significativo e, por isso, talvez, a cidade não tivesse sido palco de uma
política habitacional?
Ora, sabíamos que o discurso veiculador da imagem de Curitiba fora
historicamente construído (SÁNCHEZ, 1993). Se esse discurso não fazia referências à
questão habitacional, seria então porque essa questão não teria sido pauta das ações realizadas
pelo Poder Executivo Municipal no período em que foram constituídas as bases do discurso
da “cidade-modelo”? Ou, ainda, por que, nesse mesmo período, a cidade de Curitiba não
apresentara problemas habitacionais relevantes?
À medida que fomos elaborando essas indagações, relativas à ausência da
habitação no discurso da “cidade-modelo”, conseguimos delimitar, de maneira mais precisa,
nosso objeto de estudo. Assim, definimos que deveríamos pesquisar, além dos elementos
conformadores do discurso da “cidade-modelo”, a questão habitacional de Curitiba no
período correlato ao processo de construção e consolidação do discurso da “cidade-modelo”.
Desta forma, buscamos explicitar a questão habitacional de Curitiba no período em que o
discurso da “cidade-modelo” se constituiu e se desenvolveu, sendo disseminado pelo país e
pelo mundo, sem fazer qualquer referência à questão da habitação (1970 a 2000)
3
.
2
No capítulo 1 iremos explicar o que se entende por elementos constitutivos, a princípio basta dizer que são os
elementos que compõem o discurso da “cidade-modelo”.
3
A definição dessa periodização pautou-se essencialmente nos eventos históricos que deflagraram a construção
da imagem da “cidade-modelo” (SÁNCHEZ, 1993). Na seqüência deste trabalho expusemos os motivos que nos
levaram a demarcar esse período como recorte histórico de nosso estudo.
14
No decorrer do trabalho pudemos identificar não a existência de um problema
habitacional em Curitiba (1970 a 2000), como também, surpreendentemente, a existência de
ações realizadas pela Prefeitura Municipal no sentido de enfrentar tal problemática.
O resgate da questão da habitação em Curitiba foi fundamental para (i) trazer à
tona uma temática pouco pesquisada na cidade “modelo”; (ii) evidenciar o distanciamento da
“cidade” veiculada pelo discurso e a realidade da capital paranaense; como também (iii)
direcionar luz a alguns aspectos que nos pareceram explicativos da lacuna do discurso da
“cidade-modelo”.
Verificamos que o mascaramento a lacuna do problema da habitação, bem
como, da Política Habitacional de Curitiba, foi funcional ao discurso da “cidade-modelo”, na
medida em que, enquanto o discurso difundia a idéia de que em Curitiba o planejamento
urbano havia dado certo, a questão habitacional evidenciava, porém que Curitiba, como
qualquer cidade brasileira, não havia fugido ao padrão de crescimento urbano desigual, à
periferização da população de baixa renda e ao processo de favelização. Escamotear tal
realidade era, portanto vital a difusão da imagem de uma “cidade-planejada”.
A Política Habitacional de Curitiba, por sua vez, tal e qual a maioria das
iniciativas do Estado brasileiro no setor habitacional embora tenha existido e evoluído ao
longo do tempo não fez frente ao paradigma hegemônico de localizar os pobres nas regiões
mais distantes e menos urbanizadas da cidade. Mais do que isso, a exemplo de outras cidades
do país, tal política exacerbou o processo de segregação da população pobre, o que, em
alguma medida, como mostraremos neste trabalho, contribuiu para a reprodução do discurso
da “cidade-modelo”.
Esta dissertação busca, portanto, mostrar a questão habitacional de Curitiba e
inscrevê-la no processo de construção e de reprodução de um discurso que tem mantido viva a
idéia de que o planejamento urbano curitibano foi capaz de transformar uma metrópole da
periferia do capitalismo em uma “capital de primeiro mundo”. Para tanto estruturamos o
presente trabalho em quatro capítulos.
No Capítulo 1 apresentamos e descrevemos o discurso da “cidade-modelo”.
Apontamos seus elementos constitutivos, a idéia principal que por ele tem sido
historicamente veiculada e, por fim, evidenciamos a ausência da questão habitacional em
seu conteúdo. Nele pudemos observar que a convicção de que Curitiba se destacou das demais
capitais do país, devido a sua experiência de planejamento urbano, se deu de maneira
desvinculada/apartada dos processos de produção e de apropriação da moradia na cidade.
15
No Capítulo 2 revelamos o problema habitacional de Curitiba, em especial a
problemática das ocupações irregulares, mostrando que a “cidade-modelo”, ao contrário do
que se imagina e do que diz o discurso, está muito longe de poder ser considerada uma
“capital de primeiro mundo”. Através de evidências empíricas, apresentamos o problema, sua
dimensão, seu crescimento e sua localização na “cidade-modelo”.
O Capítulo 3, por sua vez, foi dedicado à recuperação da história da Política
Habitacional de Curitiba. Nele apresentamos e analisamos as principais ações realizadas pelo
Poder Executivo Municipal no setor da habitação, inscrevendo-as, sempre que possível, no
processo de produção e de consolidação do discurso da “cidade-modelo”. Além disso,
desenvolvemos uma análise sobre a produção habitacional do município quando pudemos
verificar as opções adotadas pela política do município, tanto no que se referiu ao tipo de
unidade produzida quanto no que se referiu a sua localização no espaço da cidade.
No último capítulo (Capítulo 4) procuramos identificar os elos entre os conteúdos
trabalhados nos três capítulos anteriores. Ou seja, buscamos relacionar o discurso da “cidade-
modelo” com a questão da habitação que foi, por ele historicamente ocultada. Para tanto
nos ancoramos teoricamente na temática da ideologia, em especial na do discurso ideológico
(CHAUÍ, 2006). A partir desse referencial teórico pudemos levantar algumas questões que
parecem elucidar a relação velada entre a questão habitacional e a idéia de que em Curitiba o
planejamento urbano “deu certo”.
Cabe ressaltar que, mais do que trazer respostas conclusivas à problemática, por
nós colocada, procuramos neste trabalho inaugurar um debate que até então parecia não
ter encontrado espaço na “cidade-modelo”. E, mais do que criticar a fala do discurso da
“cidade-modelo”, buscamos analisá-lo criticamente a partir do conteúdo que por ele não
foi (e não é) dito, pois, como afirma Terry Eagleton, as ideologias “podem ser, por exemplo,
muito verdadeiras no que declaram, mas falsas naquilo que negam [...]” (1997, p. 19).
Por fim, cabe ressaltarmos que, por trabalharmos com a questão da ideologia,
sabemos que, por mais que busquemos nos desvencilhar dela, seria necessariamente
ideológico afirmar que este trabalho, por se enquadrar em uma categoria acadêmica e
científica, estaria completamente isento de ideologias. E, embora este trabalho não esteja
isento de ideologia, certamente ele buscou trilhar um caminho no sentido de superá-la.
A ciência é um conhecimento que se expande, que se aprofunda e se revê, se
corrige, continuamente. Ela também é histórica, não pode pretender situar-se acima
da história, não pode pretender escapar às marcas que o fluxo da história, a cada
momento, imprime nas suas construções. Por isso, não é razoável tentar promover
uma contraposição rígida entre ciência e ideologia. “Na realidade” escreveu
16
Gramsci “a ciência também é uma supra-estrutura, uma ideologia” (KONDER,
2002, p.105).
17
1 CAPÍTULO I CURITIBA “CIDADE-MODELO”: O DISCURSO
VEICULADOR DA IMAGEM DA CIDADE
1.1 Introdução
Curitiba tornou-se conhecida nacional e internacionalmente pelo aparente bom
resultado do planejamento urbano praticado no Município. A imagem disseminada da cidade
está intrinsecamente vinculada ao planejamento urbano; ela seria produto da técnica, da
inovação e da criatividade dos planejadores locais. Algumas das imagens mais conhecidas de
Curitiba são as de “cidade modelo”, “capital de primeiro mundo”, “cidade planejada”, “capital
ecológica”, “capital da qualidade de vida”, entre outras.
Curitiba hoje aparece como referência em planejamento urbano. O planejamento
urbano implementado parece estar imune/ileso às críticas formuladas por diversos autores
sobre os resultados do planejamento urbano brasileiro, de matriz modernista/funcionalista,
amplamente difundido nos municípios brasileiros, em especial no período da ditadura militar
4
.
A pouca produção crítica em relação à experiência curitibana de planejamento é, ao mesmo
tempo, produto e produtora de um processo histórico de “construção da imagem da cidade
(SÁNCHEZ, 1993). A idéia da “cidade que deu certo” está de tal forma enraizada no
imaginário social que obstaculizou a construção de leituras alternativas da cidade, por parte
da Academia, dos profissionais de planejamento e dos cidadãos de Curitiba, fato que, por sua
vez, tem legitimado e reforçado a imagem da cidade.
O discurso portador e veiculador dessa imagem “modelo” de Curitiba tem sido
reproduzido pela mídia local, nacional e internacional, e tem estado presente nas falas do
cidadão curitibano mais comum e nos pronunciamentos como, por exemplo, de representantes
do Banco Mundial.
Michael Cohen, em 1992, quando então ocupava a cadeira de chefe do
departamento de desenvolvimento urbano do referido banco, em uma reportagem de gina
4
Sobre o tema, recomendamos a leitura das obras: FERREIRA, João S. W. A cidade para poucos: breve história
da propriedade urbana no Brasil. Publicado em Anais do Simpósio “Interfaces das representações urbanas em
tempos de globalização”, UNESP Bauru e SESC Bauru, 21 a 26 de agosto de 2005; MARICATO, Ermínia.
Brasil, Cidades: alternativas para a crise urbana. São Paulo: Vozes, 2001; _________. Metrópole na Periferia
do Capitalismo: ilegalidade, desigualdade e violência. São Paulo: Editora Hucitec, 1996; _________. “As idéias
fora do lugar e o lugar fora das idéias: planejamento urbano no Brasil”. In: ARANTES, Otília B., MARICATO,
Ermínia e VAINER, Carlos. O Pensamento Único das Cidades: desmanchando consensos, Petrópolis: Vozes,
Coleção Zero à Esquerda, 2000; RIBEIRO, Luiz César de Queiroz, e CARDOSO, Adauto Lucio. “Planejamento
urbano no Brasil: paradigmas e experiências”. In: Espaço & Debate, 37, Ano XIV, Neru/FAU-USP, São
Paulo, 1994; VILLAÇA, Flávio. “Uma contribuição para a história do planejamento urbano no Brasil”. In:
DEÁK C. e SCHIFFER, S. O processo de urbanização no Brasil. São Paulo, Edusp/Fupam, 1999.
18
inteira publicada naquele ano pelo The Wall Street Journal, afirmou que Curitiba era “uma
cidade-modelo para o Primeiro Mundo, não apenas para o Terceiro”
5
.
Em 1989, Alan Jacobs, arquiteto americano da Universidade de Berkeley,
Califórnia, em sua passagem pelo país, afirmou que “Curitiba é não apenas a melhor cidade
para se viver da América Latina como uma das poucas cidades do mundo que fizeram grande
esforço para melhorar a qualidade de vida de seus habitantes” (Estado de São Paulo, 14 de
março de 1989, apud SÁNCHEZ, 1993, p. 116). Mais recentemente, em 2005, Fritjof Capra
cientista austríaco internacionalmente conhecido esteve em Curitiba e afirmou ter ficado
impressionado com o que viu na capital do Estado do Paraná. Segundo ele, Curitiba “é uma
cidade modelo para o mundo, não somente para o Brasil”
6
.
O mesmo discurso também pode ser verificado entre aquela população que o
reside em Curitiba, mas que passou pela cidade em viagens de negócios ou de lazer, ou seja,
vivenciou, em certa medida, a realidade da cidade. Em dica do viajante, uma seção da Revista
4 Rodas, pudemos encontrar, em relação à cidade de Curitiba, diversos depoimentos de
pessoas que visitaram a “cidade-modelo” e se encantaram com seus atributos.
... cidade de primeiro mundo, escolhi Curitiba para viajar nas minhas férias de
trabalho porque tem parques urbanos lindos. Com cerca de 2 milhoes de habitantes a
cidade tem um índice de criminalidade e homicídios baixos não tem aquele trânsito
das grandes cidades brasileiras, ruas limpas e um clima agradável, gostei...
(01/05/2007, grifos nossos)
...
Curitiba é uma cidade muito linda, nem parece que estamos em nosso país,
soluções urbanísticas muito bem pensadas, cidade muito bem planejada...
(04/05/2006, grifos nossos)
... Uma metrópole organizada, adorei seu povo e sua educação, ouvi falar que
curitiba é uma cidade modelo, realmente é: ruas limpas e parques arborizados, gostei
do sistema de transporte urbano, dos shoppings. Enfim uma cidade sem favelas [...]
Curitiba é sensacional, nossa capital Porto Alegre devia seguir esse caminho...
(05/05/2007, grifos nossos)
7
A última fala, em especial, ilustra de maneira mais explícita a problemática que o
presente trabalho se propõe a abordar. Ao contrário do depoimento apresentado, Curitiba
efetivamente o é uma “cidade sem favelas”. De acordo com o Instituto de Pesquisa e
Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC), em 2005 data anterior ao período em que foram
5
Trecho extraído de reportagem publicada pela Revista Veja, em 31 de março de 1993, intitulada “A capital de
um país viável”. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/arquivo_veja/capa_31031993.shtml>. Acesso em: 5
set. 2007.
6
Disponível em: <http://www.zaz.com.br/planetanaweb/reconectando/agrandeteia/fritjof_capra.htm>. Acesso
em: 5 set. 2007.
7
Depoimentos constantes da seção dica do viajante do site da Revista 4 Rodas. Disponível em:
<http://guia4rodas.abril.com.br/viajante/todas_dicas.php?paginicio=0&destino=2233>. Acesso em: 5 de set.
2007.
19
produzidos os depoimentos transcritos acima o Município de Curitiba apresentava cerca
de 340 áreas de ocupação irregular
8
onde estavam distribuídos 62 mil domicílios (IPPUC,
2005). Esses números correspondiam a uma população de aproximadamente 248 mil
pessoas
9
.
O aglomerado metropolitano, por sua vez, apresentava, no ano de 1997, 753 áreas
de ocupações irregulares e cerca de 81 mil unidades habitacionais localizadas nessas áreas
10
.
Apesar das evidências concretas, Curitiba parece ser uma cidade sem problemas de habitação,
tanto para aqueles que só a conhecem através das imagens quanto para aqueles que afirmam
tê-la conhecido pessoalmente
11
. Diante dessa aparente incógnita, questiona-se:
Como a imagem de sucesso de Curitiba atribuída a sua experiência de
planejamento urbano, pôde manter-se por aproximadamente três décadas, apesar da
presença concreta de formações urbanas (informais) que negam e contrariam as idéias de
racionalidade, legalidade e ordem intimamente vinculadas à noção de uma cidade
planejada?
No sentido de caminharmos em direção à resposta desse questionamento, faremos,
neste primeiro capítulo, uma apresentação/descrição do discurso que historicamente tem
veiculado essa imagem de cidade-modelo”. Chamaremos, neste trabalho, esse discurso de
“discurso da cidade-modelo”. Tal discurso se caracteriza para nós como aquele que busca
coincidir a imagem de Curitiba com uma determinada realidade da cidade.
Para Sánchez (1993), as imagens-síntese de Curitiba,
São produzidas, sobretudo, pela seleção de partes do espaço urbano que, no entanto,
são tornadas referências expressivas da totalidade urbana. Ocorrem, desta maneira,
processos de exemplificação, seleção, inclusão e omissão de espaços e de ângulos
das práticas sociais e culturais de apropriação.” (p. 157, grifo no original).
8
Para o IPPUC, ocupações irregulares seriam “todos os assentamentos urbanos existentes em áreas de
propriedade de terceiros, sejam elas públicas ou privadas. Estas ocupações podem ser: - Assentamentos
espontâneos irregulares promovidos pela população, com ou sem liderança comunitária ou política, em terreno
alheio; - Loteamentos clandestinos – promovidos pelos legítimos proprietários das áreas sem a necessária
observância dos parâmetros urbanísticos e procedimentos legais estabelecidos pelas leis de parcelamento
6766/70 (Federal) e 2460/66 (Municipal)” (2005, p.3, grifos no original).
9
Se considerado quatro o número médio de habitantes por domicílio.
10
Dados do levantamento de campo realizado pela Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba (COMEC)
no ano de 1997. Considerou-se como aglomerado metropolitano o grupo de municípios da Região Metropolitana
de Curitiba (RMC) que, numa mancha contínua de ocupação, formam com Curitiba um fato urbano único
(MOURA e KORNIN, 2005. p. 157). São eles: Almirante Tamandaré, Araucária, Campina Grande do Sul,
Campo Largo, Campo Magro, Colombo, Fazenda Rio Grande, Pinhais, Piraquara, Quatro Barras e São José dos
Pinhais (Mapa 1).
11
A Revista Veja publicou, em 1993, os resultados de uma pesquisa sobre a cidade de Curitiba feita com 300
moradores de São Paulo, Rio de Janeiro e Bauru. Segundo a revista, 91% dos entrevistados haviam dito que já
tinham ouvido falar bem da cidade e 70% acreditavam que as condições de vida eram melhores. Disponível
em: http://veja.abril.com.br/arquivo_veja/capa_31031993.shtml. Acesso em: 5 de set. 2007.
20
Revelar, portanto, quais foram os elementos utilizados por esse discurso para
realizar tal feito é para nós de suma importância, uma vez que pode estar um dos fatores
explicativos de Curitiba aparentar ser uma “cidade de primeiro mundo” sem os problemas
específicos das metrópoles da periferia do capitalismo.
Nesta perspectiva, buscaremos identificar, entre as falas portadoras desse
discurso: (i) os elementos que, de maneira recorrente, são alçados no discurso com o
objetivo de legitimar e disseminar a imagem “modelo” de Curitiba; (ii) a idéia principal que,
no discurso, é veiculada; (iii) a relação estabelecida entre a imagem da cidade e a experiência
supostamente exitosa do planejamento urbano curitibano; e, por fim, (iv) em que medida a
questão habitacional objeto deste trabalho tem aparecido nas falas que têm veiculado a
imagem da “cidade-modelo” para o Brasil e para o mundo.
No intuito de apresentar esse discurso foram escolhidas, como material empírico
de pesquisa, as seguintes fontes: depoimentos de técnicos e políticos locais
12
; mídia impressa
local e nacional; teses e dissertações acadêmicas que, em alguma medida, abordaram questões
relativas à cidade de Curitiba; páginas da internet que apresentavam conteúdos sobre a cidade
de Curitiba; e, publicações oficiais do Município, sobretudo aquelas produzidas pelo IPPUC,
publicações que legitimam a imagem da “cidade-modelo” e/ou contam a história do ponto
de vista oficial – do planejamento urbano implementado na cidade.
1.2 Cidade-planejada: o papel do planejamento urbano no discurso da “cidade-
modelo”
[...] o IPPUC e os Poderes Executivo e Legislativo do Município trabalharam em
grande sintonia num incansável esforço conjunto para que Curitiba fosse uma das
primeiras capitais do Brasil a adaptar seu Plano Diretor ao Estatuto da Cidade
(IPPUC, 2004b, p. 7).
Com estas palavras, Jaime Lerner
13
apresenta, sob o título: “Curitiba Planeja seus
Avanços”, livro
14
produzido pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba
12
Os depoimentos foram extraídos, sobretudo, da publicação feita pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento
Urbano de Curitiba (IPPUC), entre os anos de 1990 e 1992, numa série de oito fascículos intitulada Memória da
Curitiba Urbana.
13
Arquiteto e urbanista, foi um dos membros do Grupo Local de Acompanhamento do Plano Preliminar de
Urbanismo (PPU) (1965), Presidente do IPPUC no ano (1968-1969), por três vezes prefeito de Curitiba (1971-
1974; 1979-1983; 1989-1992), por duas vezes governador do Estado do Parae , em 2002, eleito Presidente da
União Internacional dos Arquitetos (UIA).
21
(IPPUC)
15
no ano de 2004. Este documento tinha por objetivo, muito mais do que a
divulgação da Lei Municipal aprovada
16
, renovar a idéia de que em Curitiba o “planejamento
urbano deu certo”. No texto de abertura do documento citado, Lerner afirma que o
planejamento urbano em Curitiba não deu certo, como também sempre apresentou um
caráter inovador, criativo e de vanguarda. Características que se vêem renovadas, no discurso,
com o “pioneirismo” do IPPUC em colocar a cidade de Curitiba entre as “primeiras capitais
do Brasil a adaptar seu Plano Diretor ao Estatuto da Cidade”.
Curitiba não se tornou referência internacional em planejamento urbano apenas pelo
seu pioneirismo em diversas questões, mas porque suas iniciativas realmente
representaram avanços práticos na vida da cidade e de sua população. O IPPUC
sempre esteve na condução destes avanços, inovando na utilização e introdução de
conceitos e ações que hoje são reconhecidos como instrumentos universais de
urbanismo (IPPUC, 2004b, p. 7).
A convicção de que Curitiba está “sempre à frente”, no quesito planejamento
urbano, fica explícita no momento em que até o próprio Estatuto da Cidade Lei Federal que
regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, tido por muitos juristas e urbanistas
brasileiros como um marco na Política Urbana do país é considerado por Lerner como uma
Lei que “não trazia qualquer novidade ao Município de Curitiba”, o qual, por sua vez, já vinha
implementando os instrumentos regulamentados pelo Estatuto décadas. Nas palavras do
ex-prefeito,
O próprio Estatuto da Cidade tem em suas bases muitos conceitos e instrumentos já
apresentados e aplicados pela capital paranaense. Conceitos como o “solo criado” e
a troca de potencial construtivo para a preservação da memória e do meio ambiente
foram adotados por Curitiba várias décadas. Além disso, o Estatuto da Cidade
tem claramente a visão social da propriedade, difundida em Curitiba, bem como
instrumentos de estímulo às parcerias público-privadas, que nada mais são do que as
equações de co-responsabilidades praticadas em nossa cidade (IPPUC, 2004b,
p.7).
O processo de planejamento urbano da capital paranaense parece distinguir-se das
experiências de planejamento vivenciadas nas demais metrópoles brasileiras. Tal distinção
apontada no discurso – está no fato de que, em Curitiba, o “planejamento urbano deu certo”.
14
O conteúdo deste documento se refere ao processo recente realizado no Município de adequação do Plano
Diretor de Curitiba ao Estatuto da Cidade. Além disso, faz um resgate histórico do planejamento urbano
praticado pelo IPPUC desde a elaboração do PPU.
15
O IPPUC autarquia municipal foi criado em dezembro de 1965, tinha por objetivo a regulamentação, a
implementação e o monitoramento das diretrizes do Plano Preliminar de Urbanismo.
16
Lei Municipal 11.266/2004 – “Dispõe sobre a adequação do Plano Diretor de Curitiba ao Estatuto da Cidade
Lei Federal nº 10.257/01, para orientação e controle do desenvolvimento integrado do Município”.
22
O planejamento urbano brasileiro, inspirado nas matrizes modernista e
funcionalista, prática cuja crise foi objeto de estudo de muitos teóricos brasileiros,
aparentemente não teve desdobramentos em Curitiba.
A década de 1970 caracterizou-se pela ampla disseminação da idéia de que o
planejamento urbano seria o principal instrumento de ação do Estado brasileiro, no âmbito do
Município. Foi neste período, de regime autoritário e centralizado, que se criou o Sistema
Nacional de Planejamento Urbano e foram elaborados diversos Planos Diretores municipais
sob coordenação e financiamento do Serviço Federal de Habitação e Urbanismo
(SERFHAU)
17
. Para Cardoso e Ribeiro (1994), os planos urbanos elaborados nessa época, e
em poucos casos implementados, seguiram de maneira genérica um determinado padrão.
A este padrão os autores chamaram de “tecnoburocratismo desenvolvimentista”. Tal padrão,
de acordo com os autores citados, caracterizar-se-ia da seguinte forma:
a. Concepção desenvolvimentista na formulação do diagnóstico. A categoria
racionalidade organiza um discurso produtor dos “problemas urbanos
(transformação tecnocrática da questão social) como disfunções do crescimento, e
organiza um conjunto de medidas que se pretende consistente, traduzido na idéia do
plano [...]
b. O objeto da intervenção passa a ser o próprio poder, na medida em que as causas
dos “problemas urbanos” são: a. os entraves políticos da gestão pública da cidade, e
b. as insuficiências do desenvolvimento econômico. A modernização e a
centralização administrativas são os objetivos fundamentais da ação das políticas
urbanas. O plano e o processo de planejamento cumprem um papel de ordenadores e
racionalizadores da ação pública sobre as cidades. A política urbana é centralizada e
constrói-se a idéia de um sistema nacional de planejamento (CARDOSO e
RIBEIRO, 1994, p. 85).
As críticas produzidas em relação aos resultados da reprodução deste modelo de
planejamento nas cidades brasileiras denunciaram seu viés autoritário, tecnocrático, sua
incapacidade operacional, seu distanciamento da realidade urbana brasileira e, para o
professor Villaça, também sua funcionalidade ideológica (1999). Entretanto, frente a este
processo, extremamente rico de reflexão sobre o planejamento urbano brasileiro, a
experiência curitibana “ficou de lado”. O processo experimentado na capital paranaense,
apesar de ter sido desenvolvido exatamente no período
18
correlato àquele em que o
17
De acordo com Cardoso (2003) o “SERFHAU foi criado em 1964 e a partir de 1967 passa a desenvolver uma
política de incentivo às prefeituras para que elaborem seus planos de desenvolvimento local integrado. Entre
seus objetivos básicos figurava a modernização administrativa das prefeituras, principalmente através da criação
de órgãos locais de planejamento” (nota de rodapé, p. 33).
18
O Plano Preliminar de Urbanismo de Curitiba foi elaborado em 1965 sob coordenação do Arquiteto Jorge
Whilheim. Em 1966, a antiga equipe do Grupo Local de Acompanhamento grupo criado para assessorar a
elaboração do PPU à época transformada em IPPUC, desenvolveu um trabalho de detalhamento daquele
Plano, o que resultou no Plano Diretor do Município aprovado na Câmara Municipal de Curitiba no dia 31 de
julho de 1966. O período entre a aprovação do Plano Diretor (1966) e a primeira gestão de Jaime Lerner na
23
planejamento urbano brasileiro foi duramente criticado pelos teóricos do país, parece não ter
sofrido dos mesmos “males”. Ao contrário, na visão de um dos técnicos que participou
ativamente do processo de planejamento de Curitiba, Rafael Dely
19
,
A filosofia geral que se tentou imprimir em Curitiba foi a de dirigir o crescimento da
cidade. Enquanto outras cidades vão a reboque do que acontece, de onde a iniciativa
privada constrói, de onde a indústria se localiza, às vezes de modo inconveniente,
gerando poluição e zonas residenciais, aqui tentamos inverter a situação.
Procuramos fazer com que o planejamento andasse na frente. Buscamos dirigir
o crescimento da cidade (IPPUC, 1990, p. 16-17, grifos nossos).
No mesmo sentido, Nestor Goulart Reis Filho iafirmar, ao tratar do urbanismo
no Brasil, que
O caso mais relevante é o de Curitiba, capital do Estado do Paraná. A partir de um
trabalho de Jorge Whilheim, implantou-se o IPPUC Instituto de Pesquisa e
Planejamento Urbano de Curitiba, sob a liderança de Jaime Lerner. Prefeito da
Cidade em dois mandatos, Lerner, com sua equipe realizou um trabalho de grande
amplitude, abrangendo praticamente todos os aspectos da vida local, com uma
eficiência sem paralelo no país (Apud FARACO, 2002, p. 1, grifos nossos).
A idéia de que o planejamento urbano colocou a cidade de Curitiba numa
condição urbana privilegiada em relação às demais metrópoles brasileiras tem sido
constantemente renovada pelo discurso técnico-oficial. Para Cássio Taniguchi
20
, “planejada a
partir do cidadão, Curitiba colhe hoje os frutos de um projeto urbano que teve suas raízes
plantadas nos anos 60” (IPPUC, 2003a, p. 2, grifos nossos).
Em outro depoimento, dado ao IPPUC em 1990, novamente Taniguchi ressalta o
papel do planejamento urbano na construção da “cidade-modelo”. O engenheiro afirma que
O principal aspecto que sustentação ao sucesso de Curitiba tem a ver com o
seu modelo de planejamento. É uma postura que nada tem de tecnocrata, mas que
tem muito a ver com a posição dos técnicos que participam há mais de 25 anos desse
processo (IPPUC, 1990 apud FARACO 2002, p. 7-8, grifos nossos).
Prefeitura Municipal (1971) correspondeu a uma fase permeada por conflitos entre o IPPUC e a Prefeitura
Municipal. Neste período, a estratégia encontrada pela Prefeitura, frente às divergência de idéias com o
Instituto, foi a de confiná-lo a atividades de projetos e de esvaziá-lo em seu conteúdo político. Em contrapartida,
o IPPUC aproveitou esse momento para “implementar as diretrizes do Plano Diretor traduzindo-as em projetos
prontos para serem executados em contexto político favorável.” (SÁNCHEZ, 1993, p. 44). E foi a partir de 1971,
com a primeira gestão de Jaime Lerner pessoa estruturalmente envolvida com o processo de elaboração do
PPU, do Plano Diretor do Município e com o IPPUC –, que foram iniciadas as primeiras intervenções
urbanísticas que, mais tarde, iriam se tornar os símbolos da cidade-modelo” e os “modelos” do bom
planejamento urbano.
19
Arquiteto e urbanista, formado pela Universidade Federal do Paraná, foi integrante do corpo técnico do IPPUC
nos anos de 1967-1968, diretor-presidente do IPPUC no período de 1972-1975 primeira gestão de Jaime
Lerner e presidente da Companhia de Habitação Popular de Curitiba COHAB-CT na segunda gestão de
Jaime.
20
Engenheiro civil, ex-presidente do IPPUC (1990-95) e por duas vezes prefeito da capital paranaense (1997-
2000; 2001-2004).
24
Na apresentação do documento Curitiba em Dados, publicação periódica do
IPPUC, afirma-se que “há muito que a cidade de Curitiba se destaca entre as capitais
brasileiras. Na maneira peculiar como constrói seus espaços. E como vai tecendo um novo
cotidiano, para a vida das pessoas.” (2004a). Para Lerner, uma das especificidades do
planejamento urbano de Curitiba está em capacidade “implementativa”. Nas palavras do ex-
prefeito,
O sucesso de um Plano Diretor está relacionado não apenas à sua elaboração e
aprovação, mas, em grande parte, à sua implementação. Neste sentido, Curitiba
também foi exemplar, aliando a agilidade e criatividade de seu planejamento
urbano aos instrumentos reguladores do Plano Diretor (IPPUC, 2004b, p. 7, grifos
nossos).
As imagens atribuídas a Curitiba, a partir da década de 1970, seja como “cidade-
modelo” ou como “capital da qualidade de vida”, como vimos, se devem no discurso ao
planejamento urbano praticado no Município. O discurso da “cidade-modelo”, que busca
coincidir a imagem “modelo” da cidade com sua realidade concreta, insere, portanto, de
maneira determinante, a figura do planejamento urbano. No discurso é ele o agente principal
da transformação de Curitiba necessariamente uma metrópole da periferia do capitalismo
em uma “capital de primeiro mundo”.
A cidade de Curitiba utiliza o planejamento urbano como instrumento contínuo e
efetivo de gestão desde a década de 40, quando a cidade possuía 127.000 habitantes,
até os dias atuais, quando a metrópole apresenta mais de 1.700.000 habitantes [...]
Curitiba teve o seu crescimento direcionado segundo parâmetros urbanísticos
específicos, estabelecidos a partir do Plano Diretor de 1966 [...] (COHAB-CT e
IPPUC, 2007, p. 42, grifos nossos).
O discurso da “cidade-modelo”, exaltador do planejamento urbano de Curitiba,
teve desdobramentos significativos na dia. Esta, por sua vez, se tornou uma aliada
fundamental na disseminação e na consolidação da idéia de que em Curitiba o planejamento
urbano “deu certo”.
25
Figura 1. Curitiba exemplo para megacidades
FONTE: Jornal Gazeta do Povo, 26 de agosto de 2000.
É interessante observar como a mídia, ao disseminar a imagem “modelo” de
Curitiba, faz questão de demarcar que o “sucessoda cidade foi e é resultado de um processo
“exitoso” de planejamento urbano personalizado, na maioria das vezes, na figura do ex-
prefeito e ex-governador Jaime Lerner.
Pode-se dizer que Curitiba é uma cidade que “deu certo” porque foi planejada
desde que começou a crescer (Jornal Indústria e Comércio, 4 de julho de 1994,
grifos nossos).
Ao assumir a prefeitura pela primeira vez, em 1971, nomeado pelo então governador
Haroldo Leon Peres, Lerner encontrou já pronto o ingrediente básico da receita
urbana que faria sucesso em Curitiba. Era o plano diretor da cidade, criado em 1965.
O plano, calçado em uma lei do uso do solo, impediu que a explosão imobiliária se
concentrasse em dois ou três bairros, como ocorre hoje na maioria das grandes
cidades. A principal virtude desse plano foi domar o crescimento da cidade. Em
vez de crescer para cima e sobrecarregar a infra-estrutura, as casas e os prédios
foram construídos ao longo de eixos integrados pelo sistema de transporte de massa,
as chamadas vias estruturais por onde correm hoje o ligeirinho e os ônibus expressos
de Lerner (Revista Veja, 31 de março de 1993, grifos nossos).
Jaime Lerner, com sua fábrica de idéias, transforma a megalópole brasileira Curitiba
em modelo para o Terceiro Mundo (De Volkskrant, fevereiro de 1992 apud
FARACO 2002, p. 2).
Curitiba, a capital ecológica, surge no cenário nacional, e até mesmo internacional,
como um modelo de cidade a ser imitado, em função, principalmente do seu
planejamento urbano com vistas a um crescimento cada vez maior – e da
qualidade de vida que oferece à sua população (Jornal Indústria e Comércio, 9 de
outubro de 1989, grifos nossos).
Em 1992, Alan Jacobs constata que
O sucesso de Curitiba deve-se largamente à capacidade profissional e popularidade
de seu prefeito. Finalizando o terceiro mandato, a cidade foi sempre privilegiada
com seu trabalho urbanístico. Ali ele desenvolveu o que hoje é considerado o melhor
26
programa de desenvolvimento planejado do mundo. Todos podem aprender algo de
Curitiba (In: World Monitor, março de 1992 apud SÁNCHEZ, 1993, p. 146).
O reconhecimento internacional alcançado pelo planejamento urbano de Curitiba,
disseminado pela dia, por especialistas e profissionais da área, tem sido constantemente
renovado pelos congressos e fóruns internacionais de gestão urbana onde a experiência
curitibana é, recorrentemente, considerada “modelo” de sucesso e/ou “boa prática”. A seguir
citamos alguns exemplos que comprovam a notoriedade que a experiência de planejamento
urbano de Curitiba tem ganhado nas últimas décadas.
Figura 2. Paraná exporta “soluções urbanas”
FONTE: Jornal O Estado do Paraná, 14 de maio de 2000.
Em junho de 2000, o Município de Curitiba foi chamado a participar do Genebra
2000, realizado em Genebra, na Suíça
21
. De acordo com o Jornal O Estado do Paraná,
Os critérios que levaram à escolha da capital do Estado, segundo os organizadores,
passam pela preocupação com o meio ambiente, transporte público e a filosofia de
administração, que faz da cidade uma espécie de laboratório urbano, utilizando
iniciativas criativas. Para ilustrar todos esses aspectos, se montado um cenário
com objetos e imagens, refletindo a vida da população e os projetos urbanos
desenvolvidos (14 de maio de 2000).
21
Em junho de 2000 foi realizada uma sessão extraordinária da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU),
em Genebra, batizada de “Genebra 2000”. Segundo a Sociedade Suíça de Radiodifusão e Televisão, essa
Assembléia da ONU teve “a intenção de fazer um balanço dos cinco anos de realização do Encontro de Cúpula
em Copenhague para discutir problemas sociais. Paralelamente a Suíça organizou um grande fórum popular para
discussão de questões da sociedade civil”. Disponível em:
http://www.swissinfo.org/por/especiais/swiss_and_un/detail/Cronologia.html?siteSect=21011&sid=1319942&c
Key=1188908931000&ty=st. Acesso em: 29 out. 2007.
27
Em 1999 Jaime Lerner viajou aos Estados Unidos, a convite da Organização das
Nações Unidas (ONU), para ministrar uma palestra sobre a experiência de planejamento
urbano de Curitiba para o corpo técnico do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas
(PNUD). Tal atividade se inseria numa série de ações promovidas por aquela Instituição no
sentido de definir as linhas gerais da política urbana que viria a ser adotada pelo PNUD
naquele período.
Figura 3. Lerner fala sobre Urbanismo na ONU
FONTE: Jornal Gazeta do Povo, 19 de fevereiro de 1999.
Em 1995 a Prefeitura de Curitiba participou do “Colloque sur L’Environnement
Urbain”, realizado em Marseille, na França, para apresentar sua experiência urbana de
“sucesso”. Segundo o Jornal Diário Popular, “a cidade foi citada pelo pesquisador Robert
Joumard, do Instituto Nacional de Pesquisa sobre Transportes da França, como “um modelo
de correta gestão urbana”.” (Diário Popular, 16 de abril de 1995).
Figura 4. Curitiba, modelo de desenvolvimento
FONTE: Diário Popular, 16 de abril de 1995.
28
Em 1996, na Conferência da ONU para os Assentamentos Humanos (Istambul),
conferência que deu origem à Agenda Habitat II
22
, Curitiba foi premiada por seu Plano
Diretor, que fazia, àquela época, exatamente 30 anos.
Novamente em 2000, agora a pedido do Banco Mundial, a Prefeitura Municipal
de Curitiba foi chamada a apresentar sua experiência de planejamento urbano na Conferência
sobre Estratégias de Desenvolvimento Urbano para Cidades da Ásia. Conforme o Jornal O
Estado do Paraná,
Curitiba foi a única cidade de fora da Ásia convidada a participar do encontro. De
acordo com o diretor de operações do Banco Mundial para Assuntos da Ásia,
Hiroaki Susuki, a cidade foi escolhida porque “tem uma experiência que poderá
contribuir muito para o desenvolvimento de cidades do Terceiro Mundo” (Estado do
Paraná, 19 de junho de 2000).
Figura 5. Curitiba, referência para cidades da Ásia
FONTE: Jornal O Estado do Paraná, 19 de junho de 2000.
Outro fato que revela o grande reconhecimento internacional alcançado por
Curitiba, devido a sua experiência “modelo” de planejamento urbano, é o número de visitas
que o IPPUC tem recebido periodicamente de técnicos que objetivam conhecer a
experiência de planejamento urbano da cidade. De acordo com o Instituto (2003a), apenas em
2002 o IPPUC tinha recebido 733 visitas. Dessas, 494 foram visitas internacionais, de
técnicos oriundos das mais diversas partes do planeta
23
.
Por fim cabe ressaltar que, devido à popularidade internacional da “cidade-
modelo”, Jaime Lerner, em 2002, foi eleito presidente da União Internacional dos Arquitetos
22
“A Agenda Habitat II constitui um texto pleno da defesa do direito à cidade para todos, contra a exclusão
social urbana”. Para uma visão crítica da Agenda Habitat II, consultar: MARICATO, Ermínia. Enfrentando
desafios. Tese de Livre Docência. São Paulo: FAUUSP, 1997.
23
Entre os países visitantes, estavam: África do Sul; Alemanha; Argentina; Bélgica; Bolívia; Chile; China;
Colômbia; Coréia do Sul; Costa Rica; Finlândia; França; Holanda; Itália; Japão; México; Nova Zelândia;
Paraguai; Peru; Porto Rico; Tailândia; Taiwan; Tunísia; EUA e Venezuela (IPPUC, 2003a, p. 43).
29
(UIA). O programa de sua campanha chamava-se “Celebração das Cidades” e, segundo o
próprio Lerner, em uma entrevista cedida ao Instituto de Arquitetos do Brasil
24
, a experiência
de Curitiba foi o “mote” de sua campanha para eleição na UIA. O ex-prefeito afirma, na
mesma entrevista, que o programa “Celebração das Cidades” não se traduziria numa
transposição das transformações iniciadas em Curitiba para outros lugares, pois segundo ele,
Felizmente as transformações iniciadas em Curitiba e Paraná estão sendo
estendidas para outros lugares e têm reconhecimento mundial. Mas a maneira
como elas foram feitas é que será estendida para o Celebração das Cidades. E o que
é esta maneira: ter receptividade para as boas idéias, ter visão estratégica e vontade
política para implementá-las (IAB-RS, 2003 apud DIAS, 2006, p.153).
Até o presente estágio deste texto foi possível notar, a partir da seleção de
algumas falas e de algumas notícias sobre Curitiba veiculadas na mídia nacional e
internacional, que o discurso da “cidade-modelo” funda-se no pressuposto de que a cidade foi
palco de uma prática bem sucedida de planejamento urbano. Verificou-se que, nos discursos
citados, sejam aqueles proferidos pelos técnicos locais diretamente beneficiados pela
disseminação da imagem de Curitiba –, sejam aqueles produzidos pelas Organizações e
Agências Multilaterais, ficou patente a presença da idéia de que em Curitiba o planejamento
urbano “deu certo” e é com base nessa idéia, pré-estabelecida, que o discurso
(independente de quem seja seu porta-voz) afirma aos quatro cantos do planeta que Curitiba
conseguiu superar sua origem de metrópole da periferia do capitalismo para se constituir em
uma “cidade-modelo” que serve de exemplo para todo o mundo.
O discurso, portanto veicula uma imagem de “cidade-modelo” produto de uma
prática específica de planejamento urbano
25
. Veremos adiante que, no sentido de legitimar tal
prática como “modelo” de qualidade, de criatividade e de inovação, o discurso faz referências
a determinadas porções do espaço da cidade que foram objeto de intervenção urbana por parte
do Poder Executivo Municipal
26
. Em outras palavras, o discurso veiculador da imagem da
24
A “Entrevista com o presidente da UIA” foi realizada em 2003 pelo Instituto de Arquitetos do Brasil do Rio
Grande do Sul e seu conteúdo encontra-se transcrito na obra: DIAS, Solange Irene Smoralek. A arquitetura do
desejo: o discurso da nova identidade urbana de Curitiba. Cascavel: Editora Assoeste, 2006.
25
Cabe ressaltar que não é objetivo deste trabalho avaliar os resultados da experiência de planejamento urbano
de Curitiba, nem tampouco identificar os fatores (econômicos, políticos e de marketing) que viabilizaram as
transformações urbanas levadas a cabo em Curitiba a partir da década de 1970. Sobre o assunto, recomendamos
a leitura de: SÁNCHEZ, Fernanda. SÁNCHEZ, Fernanda. A reinvenção das cidades para um mercado mundial.
1. ed. Chapecó-SC: Argos Editora Universitária, 2003; _________. Curitiba imagem e mito: reflexão acerca da
construção social de uma imagem hegemônica. Dissertação de mestrado. Rio de Janeiro: IPPUR-UFRJ, 1993;
NAMUR, M. Estado e empresariado em Curitiba: a formação da Cidade Industrial (1973-1980). Tese de
Doutorado. São Paulo: FAUUSP, 1992; OLIVEIRA. Denílson de. Curitiba e o mito da cidade modelo. Curitiba:
Editora da UFPR, 2000; SOUZA, Nelson Rosário de. Planejamento urbano, saber e poder: o governo do espaço
e da população em Curitiba. Tese de Doutorado. São Paulo: FFLC-USP, 1999.
26
As intervenções urbanas, em que o discurso da “cidade-modelo” irá se apoiar para legitimar a idéia de que em
Curitiba o planejamento urbano “deu certo”, aparecem no discurso como criações ou diretrizes oriundas do
30
cidade se sustenta em certa realidade e, talvez, essa estratégia tenha sido um dos fatores que
expliquem seu alcance, seu sucesso e sua permanência no tempo, mesmo diante do
aprofundamento do problema habitacional em Curitiba. Para Sánchez,
Articulando mecanismos de reforço da imagem e de adesão social, a cidade surge,
no discurso e na prática do planejamento, como totalidade atualizada mediante o
recurso a símbolos, de ampla aceitação, que compõem a leitura recorrente e
reiterativa do espaço coletivo. A totalidade urbana é capturada e construída à luz do
projeto dominante de modernização do espaço [...] a linguagem articuladora de
símbolos organiza a realidade urbana, é parte dela; não esconde a materialidade da
cidade, mas a deforma; não é mentira, mas uma construção social e histórica que,
portanto, organiza de maneira seletiva esta realidade [...] (SÁNCHEZ, 1993, p.
171, grifos nossos).
Na perspectiva da autora, a realidade da cidade capturada pelo discurso é
organizada de maneira seletiva. Em outra obra, nchez irá afirmar que a imagem da “cidade-
modelo” é produzida, sobretudo, pela seleção simbólica de partes pinçadas da paisagem
urbana e por sua referência expressiva à totalidade urbana.” (2003, p. 209). Objetivando
descrever e apresentar o discurso que veicula essa imagem, buscaremos, agora, identificar
quais são os elementos do espaço urbano que, articulados no discurso, se tornaram
representação expressiva da totalidade de Curitiba, dessa forma criando uma representação
“modelo” de cidade e legitimando uma prática específica de planejamento urbano.
1.3 Os elementos constitutivos do discurso da “cidade-modelo”
Como vimos, o discurso da cidade-modelo” baseia-se na convicção de que em
Curitiba, o planejamento urbano “deu certo”. Essa convicção, por sua vez, busca referências
concretas no espaço da cidade que apóiem e legitimem a idéia de “sucesso” do planejamento
curitibano. Essas referências são o que, neste trabalho, chamaremos de elementos
constitutivos do discurso. Esses elementos são de fato elementos urbanos construídos no
espaço de Curitiba e que, alçados no discurso, tornaram-se a “prova” de que a cidade foi bem
planejada. A partir da observação de algumas falas é possível verificar quais elementos
urbanos, de maneira mais recorrente, têm sustentado a imagem da “cidade-modelo”.
Plano Diretor Municipal elaborado em 1966. Concordamos com Faraco (2002) quando ele afirma que “As
conquistas [supostamente] alcançadas por Curitiba são associadas às realizações no campo do planejamento
urbano e atribuídas à concretização de diretrizes urbanísticas definidas por um Plano Diretor.” (p. 288). Esse
autor, no entanto, irá mostrar que as intervenções urbanísticas, que, mais tarde, deram notoriedade à Curitiba
curiosamente não constavam das diretrizes do Plano Preliminar de Urbanismo (1965) tampouco do Plano Diretor
de 1966. Para Faraco, “as projeções e as propostas do Plano Preliminar de 1965 e do Plano Diretor de 1966 não
se realizaram. Muitas de suas diretrizes foram alteradas ou mesmo inteiramente abandonadas” (p.293). O autor
mostra, a partir de seu estudo, que a CIC, o sistema de transporte coletivo, os parques urbanos e os setores
estruturais (principais intervenções urbanas que como veremos adiante se tornaram os elementos
constitutivos do discurso da “cidade-modelo”) não estavam previstos nos planos de Curitiba.
31
Em 1990, ao relatar a experiência de planejamento da cidade, o IPPUC pontua
algumas soluções urbanas que são, na perspectiva do Instituto, explicativas do “sucesso” de
sua prática.
As soluções adotadas são voltadas para a preservação da escala humana: as áreas de
pedestre, os bosques e parques que conferem à cidade o índice de 50m²/habitante
de áreas verdes, a prioridade ao transporte de massa, a acessibilidade dos
equipamentos sociais às famílias carentes, o programa de geração de empregos,
através da Cidade Industrial e das indústrias de fundo de quintal, a criação de
teatros, cinemas e pontos de encontros, o programa de animação da cidade com
atividades permanentemente renovadas, enfim, o estímulo para que a população se
identifique com a sua cidade e passe a respeitá-la (IPPUC, 1990, p. 63, grifos
nossos).
As referências às áreas de pedestre (Rua XV de Novembro), aos parques ou áreas
verdes, ao transporte público e à Cidade Industrial, contidas na fala do IPPUC, irão,
juntamente com os espaços culturais e de lazer e com os setores estruturais
27
, compor o
imaginário da “cidade-modelo”.
Foto 1 Rua XV de Novembro
Fonte: Fonte: PMC. Foto Juliano Martins/SMCS apud
GNOATO, 2006.
“Curitiba foi vanguarda para o Brasil quando os
urbanistas decidiram criar recintos para pedestres
com um desenho urbano específico. A
transformação da Rua XV de Novembro em
“calçadão” ou Rua das Flores, no ano de 1971, foi
constituído em símbolo que marca o início das
grandes intervenções urbanas da década de 70”
(SÁNCHEZ, 1993, p. 104).
Constatou-se que esses elementos, sozinhos ou em conjunto, são aqueles que
aparecem nas falas portadoras do discurso da “cidade-modelo” como referências do “êxito”
27
Os setores estruturais são eixos viários compostos por três vias que cruzam a cidade nos sentidos leste / oeste e
norte / sul. Duas vias são de tráfego rápido e funcionam como um binário, com mão única em sentidos opostos
(bairro/centro e centro/bairro). A via central é composta, por sua vez, de três pistas. As pistas laterais comportam
o fluxo lento de veículos, nos dois sentidos, e a pista central é exclusiva para a circulação do transporte coletivo,
a chamada “canaleta do expresso”. Os parâmetros de uso e ocupação dos setores estruturais permitem alto grau
de adensamento construtivo e hoje, ao lado do centro da cidade, são as áreas que apresentam o maior índice de
verticalização. Está descrito, desta forma, o “tripé” propalado pelo discurso do planejamento urbano de Curitiba:
integração do (i) transporte coletivo; (ii) sistema viário e (iii) uso e ocupação do solo.
32
do planejamento de Curitiba. Um exemplo da utilização desses elementos urbanos como
“prova” de que em Curitiba o planejamento urbano “deu certo” e que, justamente por isso, a
cidade se destaca entre as demais metrópoles do país, é evidente no trecho que segue.
Embora sofra com vários problemas urbanos como qualquer cidade grande, a
Capital paranaense leva vantagem sobre a maioria das outras pelo fato de ter sido
planejada desde cedo: alguns exemplos são seu sistema viário diferenciado, pela
existência das vias estruturais (canaletas), o grande volume de áreas verdes, uma
distribuição imobiliária bem pensada, através da lei de zoneamento, e a
concentração das grandes indústrias numa área específica distante do Centro: a CIC
(Jornal Indústria e Comércio, 4 de julho de 1994, grifos nossos).
Foto 2 Setores Estruturais
Fonte: IPPUC apud GNOATO, 2006.
Os Setores Estruturais são
constituídos por um sistema de três
vias paralelas (trinário). De acordo
com o IPPUC (2002),
“No trinário, a via central [foto ao
lado] é composta por uma via
exclusiva destinada ao tráfego de
ônibus expresso ladeada por duas
vias de tráfego lento que permitem
o acesso ao comércio e demais
atividades. As duas vias externas,
uma no sentido centro/bairro e
outra no sentido bairro/centro,
denominadas vias de tráfego
rápido, permitem o tráfego de
passagem” (p. 43).
Em 2004, quando a cidade de Curitiba completava 311 anos, o Jornal O Estado do
Paraná publicou, em um caderno especial sobre a cidade, a reportagem: Curitiba Tradição
no planejamento urbano. Objetivando mostrar a tradição da cidade no planejamento urbano, o
texto citou algumas intervenções urbanísticas realizadas no espaço de Curitiba nas décadas de
1970, 1980 e 1990 e que, segundo o jornal, foram resultado do planejamento global da cidade.
O Plano Diretor foi colocado em prática em 1971, tendo, como um dos principais
marcos, o fechamento da XV de Novembro ao tráfego de veículos, a criação da
Cidade Industrial de Curitiba e do Parque Barigüi. Na década de 80, a cidade
atuou em duas grandes frentes: a preservação ambiental, com a implantação do
programa “Lixo que não é lixo”, que valeu a Curitiba o título de cidade ecológica, e
expansão do transporte blico, com a criação da Rede Integrada de Transporte
(RIT), possibilitando o deslocamento para qualquer ponto da cidade com uma
tarifa. A década de 90 apresentou o “Ligeirinho”, integrou a Região Metropolitana
através do transporte público e criou as Ruas da Cidadania (O Estado do Paraná,
29 de março de 2004, grifos nossos).
33
Foto 3 Estação Tubo
Fonte: IPPUC apud GNOATO, 2006.
A Estação Tubo e o ônibus Ligeirinho foram
lançados na “cidade-modelo” no início de 1991.
“Os ligeirinhos ou linhas diretas são ônibus
especiais, sem degraus, catracas e cobradores,
com paradas somente nas estações tubo. A
vantagem apresentada é a rapidez e a
economia de custos operacionais: os
passageiros pagam a tarifa na entrada da
estação-tubo antes do embarque e o design do
sistema agiliza as operações de embarque e
desembarque, pois a plataforma do tubo e o
piso do ônibus estão no mesmo nível, como
numa estação de metrô (SÁNCHEZ, 1993,
p.124).
As referências do planejamento urbano “modelo” de Curitiba, utilizadas pelo
texto jornalístico de 2004, são exatamente as mesmas empregadas na fala do IPPUC de 1990,
citada anteriormente: fechamento da Rua XV de Novembro; CIC; parques e áreas verdes e o
transporte coletivo. E foi devido a alguns desses elementos urbanos que, em 2003, a cidade de
Curitiba foi selecionada para ser a Capital Americana da Cultura
28
. Essa escolha pautou-se,
de acordo com os organizadores da seleção, na convicção de que:
A cidade possui um singular sistema de parques e jardins públicos, com um
excelente índice de área verde por habitante, uma rede de transportes públicos
integrada, e equipamentos culturais e educativos completos, além de desenvolver
importantes programas com marcante caráter ecológico (CAC apud DIAS, 2006,
p.142, grifos nossos).
E foi também com base no sucesso atribuído ao sistema de transporte coletivo da
cidade e sua vinculação com o uso do solo que, em 2000, o Município de Santiago de Los
Caballeros República Dominicana escolheu a experiência de Curitiba de planejamento
urbano para inspirar o planejamento do Município que então estava em fase de elaboração.
A cidade de Curitiba foi escolhida como modelo porque o seu planejamento está
baseado em princípios simples, mas que funcionam muito bem na ordenação do
espaço urbano, que é a vinculação entre o uso do solo e transporte coletivo (Diário
Popular, 17 de abril de 2000, grifos nossos)
29
.
28
Esta seleção é realizada anualmente pela Organização Capital Americana da Cultura, “entidade constituída em
1997, com o objetivo de promover a Capital Americana da Cultura e outras iniciativas culturais complementares,
que ajudem a valorizar a cultura como um elemento central no desenvolvimento dos países das Américas”. De
acordo com o site da organização, “podem apresentar a candidatura para a designação de Capital Americana da
Cultura todos os territórios dos países do continente americano, que desejem desenvolver os objetivos da Capital
Americana da Cultura”. Disponível em: <
www.cac-acc.org/>. Acesso em: 12 set. 2007.
29
Fala de Tácito Cordero, então coordenador do Programa de Cooperação Técnica República Dominicana
Brasil, ao explicar o motivo de a cidade de Santiago de Los Caballeros (500 mil habitantes em 2000) escolher
Curitiba como modelo de planejamento urbano.
34
Figura 6. Amo muito Curitiba
Outro fato ilustrativo
de que o discurso da “cidade-
modelo” veiculador da imagem
da cidade tem se apoiado nos
elementos urbanos referidos
neste texto, foi a homenagem do
McDonald’s prestada à cidade de
Curitiba quando esta completava
314 anos. Sob o título Amo
muito Curitiba: uma homenagem
do McDonald’s à cidade com
vocação para o novo por seus 314 anos”, durante algumas semanas, o McDonald’s distribuiu,
como lâmina de suas bandejas na cidade de Curitiba –, material sobre a “cidade-modelo”.
Entre os textos contidos neste material, estava a afirmação de que “Curitiba é reconhecida
internacionalmente pelo alto padrão de qualidade de vida e pelas inovações urbanas”.
Diversos desenhos compunham a lâmina, entre eles obviamente estavam os elementos
constitutivos do discurso da “cidade-modelo”: parques e bosques da cidade, tubo do
ligeirinho
30
, fazendo referência ao sistema de transporte coletivo de Curitiba, e alguns
equipamentos culturais (Figura 6).
Mais recentemente, em 2006, o IPPUC promoveu um workshop chamado
Curitiba Vancouver. O objetivo dessa atividade era possibilitar a troca de experiências de
planejamento urbano entre as duas metrópoles. Para tanto vieram à cidade de Curitiba o
arquiteto Larry Beasley, diretor de planejamento de Vancouver Canadá e Bob Dunphy, de
Washington (EUA), os dois integrantes do Urban Land Institute, instituto internacional que
investiga questões relativas ao solo urbano. Interessante relatar desse evento, que, após as
atividades internas ao IPPUC, os visitantes foram convidados a conhecer a “cidade-modelo”.
O trajeto realizado, como divulgado pelo Jornal Indústria e Comércio, se restringiu a algumas
porções específicas da cidade. Segundo o Jornal local, “à tarde, os canadenses visitaram os
setores estruturais Norte e Oeste, o terminal de ônibus do Cabral, a Universidade Livre do
30
Tubo do ligeirinho é como usualmente os moradores de Curitiba se referem à estação de embarque e
desembarque de algumas linhas específicas do sistema de transporte coletivo da cidade. Essa estação tem uma
estrutura metálica tubular revestida de placas de policarbonato transparente, daí a expressão tubo (Foto 3).
35
Meio Ambiente (Foto 5), a Ópera de Arame (Foto 4) e a Nova Curitiba, região conhecida
como Ecoville.” (20 de agosto de 2006).
Foto 4 Ópera de Arame
Fonte:
<http://www.curitiba.pr.gov.br/Servicos/MeioAmbiente
/areas_verdes/parques_bosques/pedreira.htm>
Acesso em: 22 jan. 2007.
A Ópera de Arame, um teatro para 2.400 pessoas,
foi inaugurada no ano de 1992, na segunda gestão
de Jaime Lerner. A obra foi entregue para a
abertura do Festival de Teatro de Curitiba.
Foto 5 Universidade Livre do Meio
Ambiente
Fonte: PMC apud GNOATO, 2006.
“A Universidade Livre do Meio Ambiente foi
fundada em 1991, no Dia Nacional do Meio
Ambiente, na gestão do então prefeito de Curitiba
Jaime Lerner [...] A Universidade foi criada
inicialmente como uma unidade da Prefeitura
Municipal destinada e disseminar práticas,
conhecimentos e experiências relacionadas às
questões ambientais [...] Em 2002, a UNILIVRE
tornou-se uma entidade do Terceiro Setor”.
Informações extraídas do site da UNILIVRE,
<http://www.unilivre.org.br/area_publica/controles/
ScriptPublico.php?cmd=historia>. Acesso em: 17
set. 2007.
A visita direcionou-se, portanto, aos elementos urbanos que são constitutivos do
discurso da “cidade-modelo”: setores estruturais, parques e áreas verdes e transporte coletivo
(terminal de integração). As impressões e as percepções que os visitantes estrangeiros tiveram
do espaço da cidade do Terceiro Mundo, em seu “city-tour”, refletiram exatamente aquilo que
discurso da “cidade-modelo” diz ser Curitiba: uma cidade planejada, ecológica, com alta
qualidade de urbanização, com um sistema de transporte coletivo integrado, ou seja, uma
“capital de primeiro mundo”. Esse olhar direcionado para Curitiba, tal e qual a imagem da
36
cidade faz, omite parcelas e porções significativas do espaço da cidade, legitimando, desta
forma, uma idéia a partir das partes de que realmente a cidade “deu certo” devido a seu
processo de planejamento urbano.
Não é de se espantar, portanto, que os depoimentos dos viajantes que passam pela
capital paranaense, apresentados no início deste capítulo, reproduzam, de maneira alienada, o
discurso da “cidade-modelo”.
O discurso recorre, portanto, a alguns elementos urbanos construídos no espaço
da cidade para disseminar a imagem “modelo” de Curitiba. A idéia de que, em Curitiba, o
planejamento urbano “deu certo” é reproduzida pelo discurso e encontra sustentação em
determinada realidade na medida em que os elementos constitutivos do discurso são
efetivamente elementos concretos no espaço da cidade. O discurso, por sua vez, tem sido
proferido tanto pelo IPPUC, quanto pela mídia, quanto por técnicos e especialistas do campo
do planejamento urbano das diversas partes do mundo e, em todas essas falas, pôde-se
observar a recorrência aos mesmos elementos urbanos do espaço da cidade.
Para Sánchez, é essencialmente nesses elementos que a mídia tem se apoiado,
desde a década de 1970, para disseminar a imagem da cidade de Curitiba. Nas palavras da
autora,
Os aspectos selecionados pela mídia para assegurar a qualidade de vida tão elogiada,
aspectos estes recorrentes em considerável número de artigos e que compõem as
sínteses veiculadas sobre o lugar, são: área verde invejável, de 50m² por habitante,
tráfego rápido, opções alternativas de tráfego, vias expressas para transporte
coletivo e redes de ciclovias, bem organizada no que se refere ao fluxo de veículos,
áreas para pedestres no centro urbano, pluralidade de espaços de lazer e cultura
(Veja, 28/03/1990; Estado de o Paulo, 14/03/1989; Folha de São Paulo,
05/11/1989; Isto é, 08/04/1992; Visão, 10/07/1991 apud NCHEZ, 1993, p. 116,
grifos nossos).
1.4 A ausência da questão habitacional no discurso da “cidade-modelo”
Apresentado o discurso da “cidade-modelo” e delimitados seus elementos
constitutivos, verificou-se que, desde a década de 1970, a idéia de “sucesso” do planejamento
urbano curitibano se pautou recorrentemente em determinados elementos da paisagem
urbana da cidade. Entre as falas analisadas, os elementos mais repetidos pelo discurso eram
aqueles que faziam: (i) referências ao sistema do transporte coletivo da cidade (tubo do
ligeirinho, terminais de integração, canaletas do expresso, etc.); (ii) referências à questão
ambiental: parques urbanos, quantidade de áreas verdes por habitantes e o programa de coleta
seletiva do lixo; (iii) referências ao planejamento e à implantação da CIC; (iv) referências aos
37
equipamentos culturais e de lazer e ao fechamento da Rua XV de Novembro; e (v) referências
aos setores estruturais da cidade, o chamado tripé do planejamento urbano curitibano:
vinculação do uso do solo, sistema viário e transporte coletivo. Esses são, de nossa
perspectiva, os elementos constitutivos do discurso da “cidade-modelo”. Ou seja, eles são a
“prova” – no discurso – de que, em Curitiba, o planejamento urbano “deu certo”
31
.
No entanto uma questão urbana parece não ter sido planejada na “cidade-
modelo”. Tão merecedora do nosso ponto de vista – de atenção do Poder Público Municipal
quanto é o transporte coletivo ou o meio ambiente, a questão habitacional, ao menos no
discurso da “cidade-modelo”, não foi considerada como elemento representativo da boa
prática curitibana. Em outras palavras: entre os elementos constitutivos do discurso da cidade
que “deu certo” não encontramos a questão habitacional.
Foi possível observar, a partir do material discursivo apresentado, que não foram
as intervenções realizadas no campo da habitação que deram notoriedade internacional à
cidade de Curitiba ou, ainda, que não foi a política habitacional da “cidade-modelo” que levou
Jaime Lerner a assumir a presidência da UIA. Com base nessas constatações, à primeira vista,
poderíamos supor que a cidade de Curitiba não tivesse apresentado problemas habitacionais e
que, por isso, talvez não tivesse sido objeto de uma política municipal de habitação.
Como apontado, não se trata, contudo, de uma ausência do problema da
habitação em Curitiba e, como veremos no Capítulo 3 deste trabalho, também não se trata de
uma falta de política habitacional na cidade. Nesta perspectiva indagamos: por que o discurso
da “cidade-modelo” excluiu de seu conteúdo a questão da habitação? Seria, talvez, porque o
problema habitacional, em Curitiba, não teria alcançado as proporções adquiridas nas demais
metrópoles brasileiras? Essa proporção, supostamente pequena, da problemática habitacional
curitibana teria sido resultado de uma política habitacional também “modelo” e eficaz? Se a
política habitacional tivesse sido “modelo” por que então não se tornou referência no discurso
veiculador da imagem da cidade?
31
Deve-se destacar que os elementos urbanos constitutivos do discurso foram construídos no espaço da
cidade em períodos históricos distintos. Para Sánchez (2003), as intervenções que deram origem a esses
elementos se constituíram em duas fases bem específicas. De acordo com a autora, a primeira fase seria aquela
iniciada na década de 1970 com a primeira gestão de Jaime Lerner na Prefeitura Municipal de Curitiba em
que foram “produzidas mudanças profundas no tecido urbano” (p. 205). Tais mudanças resultaram na construção
dos “setores estruturais”; no calçamento da Rua XV de Novembro e na construção dos Parques Barigüi e São
Lourenço. A segunda fase se desenvolveu na década de 1990 quando Jaime Lerner retorna à Prefeitura
Municipal e elege seu sucessor, o engenheiro Rafael Greca de Macedo e, ao contrário das grandes mudanças
no tecido urbano promovidas na década de 70, se caracterizou pela construção de obras urbanísticas específicas e
pontuais, como, por exemplo: a “Ópera de Arame”, as “Ruas da Cidadania”, os “Faróis do Saber”, o Jardim
Botânico, a “Universidade Livre do Meio Ambiente” e a “Rua 24 Horas” (SÁNCHEZ, 2003, p. 207).
38
Fica patente, portanto, a necessidade de revelarmos a questão que – como vimos
foi omitida pelo discurso que fala sobre Curitiba e sua experiência de planejamento urbano
justamente para compreender o porquê dessa omissão. Neste sentido, iremos apresentar, no
Capítulo 2, uma pesquisa empírica sobre a problemática da habitação em Curitiba e, no
Capítulo 3, um breve histórico das ações do Poder Executivo Municipal no setor da habitação.
A nosso ver o ocultamento da questão da habitação esteve mais relacionado à
manutenção e reprodução da idéia de “sucesso” do planejamento urbano curitibano do que a
uma suposta inexistência do problema da habitação na cidade ou, ainda, a um suposto êxito da
Política Habitacional do Município. Acreditamos que a recuperação da questão habitacional
de Curitiba, que faremos na seqüência deste trabalho, nos trará subsídios importantes para a
abordagem da problemática aqui colocada.
39
2 CAPÍTULO II – A CIDADE OCULTADA: A PRODUÇÃO INFORMAL DO
ESPAÇO E DA MORADIA EM CURITIBA
2.1 Introdução
Curitiba, ela tem o mito e a fama de ser a cidade de primeiro mundo. Sim ela é, no
centro da cidade, para uma parcela muito pequena da população e para outra parcela
que não quer enxergar
32
.
Foi com essas palavras que uma liderança do Movimento Nacional de Luta pela
Moradia – MNLM, do Estado do Paraná, descreveu a cidade de Curitiba. Neste trecho
extraído da entrevista realizada com Hilma, no s de novembro de 2006, pode-se perceber a
lucidez com que a entrevistada explica simultaneamente a imagem da cidade de primeiro
mundo” e a realidade da cidade.
Diferentemente do que foi desenvolvido no capítulo anterior, esta parte da
dissertação não terá como ponto de partida o discurso da “cidade-modelo”, mas sim a
realidade que por este é ocultada, evidenciada na fala de Hilma. Ou seja, buscaremos
explicitar a partir da análise de dados, informações, estudos, fatos e discursos – contra-
hegemônicos uma parcela da realidade urbana que historicamente tem sido escamoteada
pelo processo de produção e consolidação da imagem da cidade.
Inúmeros seriam os conteúdos que poderíamos tratar, relativos à produção do
espaço metropolitano, para explicitarmos a cidade ocultada pelo discurso da “cidade-
modelo”. No entanto, trabalharemos aqui com a questão habitacional.
Será no sentido de mostrar que a realidade habitacional presente na “cidade-
modelo” não fugiu ao padrão de produção do espaço brasileiro caracterizado pela
periferização e favelização da população de baixa renda que buscaremos, neste capítulo,
apresentar algumas evidências empíricas da existência, dimensão, localização e crescimento
das favelas curitibanas. Acredita-se que essa parcela da realidade de Curitiba manifeste, de
maneira mais exemplar, a contradição presente entre a imagem de uma cidade tecnicamente
planejada, veiculada pelo discurso, e sua realidade concreta desigual: conflituosa e
contraditória.
32
Trecho extraído da entrevista realizada com Hilma de Lourdes Santos – MNLM no dia 30/11/2006.
40
2.1.1 Parênteses: notas sobre os conceitos e fontes utilizados
Os dados e informações disponíveis, para Curitiba e Região Metropolitana, sobre
a produção das favelas, que apresentam uma série histórica, o aqueles produzidos pelo
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba IPPUC, pela Coordenação da
Região Metropolitana de Curitiba – COMEC e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística IBGE. Contudo, tanto os conceitos utilizados pelos três órgãos para definição
do que seja favela – quanto as datas referentes aos levantamentos realizados, são distintos.
O IPPUC possui um registro histórico do número de ocupações irregulares
existentes em Curitiba desde a década de 70
33
. A COMEC, por sua vez dispõe dessas
informações, para os municípios da Região Metropolitana, apenas para os anos de 1992 e
1997. A semelhança entre esses órgãos é que os dois trabalham com o mesmo conceito:
ocupações irregulares. Fato que facilita a análise da dinâmica dessas áreas para o aglomerado
metropolitano
34
. Segundo o IPPUC (2000), “Ocupações Irregulares” seriam,
...todos os assentamentos urbanos efetuados sobre áreas de propriedade de terceiros,
sejam elas públicas ou privadas, bem como aqueles promovidos pelos legítimos
proprietários das áreas sem a necessária observância dos parâmetros urbanísticos e
procedimentos legais estabelecidos pelas leis de parcelamento 6766/70 (Federal) e
2460/66 (Municipal) (p.1).
Portanto observa-se que, para a COMEC e para o IPPUC, ocupações irregulares
correspondem simultaneamente às favelas (ilegalidade em relação à propriedade da terra) e
aos loteamentos clandestinos (ilegalidade em relação as normas de parcelamento do solo). Já
para o IBGE o conceito de favelas vincula-se ao conceito de aglomerados subnormais. De
acordo com Taschner (2003),
Para o IBGE, desde 1950, e isso foi enfatizado nos Censos de 1980 e 1991 e na
Contagem de População de 1996, favela é um setor especial do aglomerado
urbano formada por pelo menos 50 domicílios, na sua maioria carentes de
infra-estrutura e localizados em terrenos não pertencentes aos moradores (p.28,
grifos no original).
Essa mesma autora – em sua obra Brasil e suas favelas irá apontar alguns
limites dos censos do IBGE para compreensão da realidade das favelas brasileiras. O primeiro
deles se refere ao critério, na perspectiva de Taschner,
... o critério de computar apenas aglomerados com 50 unidades e mais explica
parcialmente a subestimativa da população favelada pelos Censos [...] O tamanho
33
Destaca-se que não foi possível obter esses dados desagregados por bairros e regionais para as décadas de 70 e
80.
34
O aglomerado metropolitano, como já evidenciado no capítulo anterior, é formado por 11 municípios da RMC
mais a cidade de Curitiba. A esses municípios, a COMEC, no Plano de Desenvolvimento Integrado da Região
Metropolitana de Curitiba – PDI (2003), chamou de Núcleo Urbano Central – NUC (mapa 1).
41
dos aglomerados depende diretamente da topografia da cidade e do tipo de terreno
disponível para invasão” (2003, p.28).
Ou seja, mesmo que um determinado Município possua um número representativo
de moradias faveladas, se tais moradias estiverem localizadas em aglomerados pequenos (com
menos de 50 domicílios), elas não serão computadas como domicílios favelados para o
IBGE
35
. Outra advertência que a autora faz, em relação a utilização dos dados dos censos, é
que,
Caso um aglomerado possua 20 casas num setor e 40 em outro setor, esses setores
não são considerados favela, o que vai subestimar a realidade. De outro lado,
existindo cinqüenta e uma moradias faveladas, todo o setor será considerado como
aglomerado subnormal, mesmo que nele existam casas não faveladas (TASCHNER,
2003, p.30).
Mesmo diante do apontamento dessas questões, Taschner (2003) afirma que,
apesar “do possível erro embutido na quantificação de favelas e favelados nos Censos
Demográficos, sua utilização para caracterização de aspectos da moradia e da população é
preciosa” (p.30). Neste sentido como o objetivo deste capítulo está mais relacionado à
quantificação das favelas e dos favelados curitibanos seu crescimento e sua distribuição no
espaço e menos relacionado à caracterização das moradias e das famílias que, nesses
espaços residem, daremos prioridade em nossa análise aos dados produzidos pelo IPPUC
e pela COMEC. Uma vez que tais dados apresentam menores distorções, em relação aos
Censos do IBGE, quanto ao levantamento do número de áreas e de domicílios favelados em
Curitiba e RMC.
Entretanto, devido a utilização do conceito de ocupações irregulares por esses
dois órgãos a descrição e análise que serão realizadas na seqüência deste trabalho não se
restringirão apenas às favelas, mas também aquilo que se compreende por loteamento
clandestino, que o conceito de ocupações irregulares abrange essas duas formas de
assentamento informal que são, por sua vez de naturezas distintas. A primeira relativa à
ilegalidade na propriedade da terra e a segunda relativa a ilegalidade no cumprimento das
normas e dos requisitos urbanísticos exigidos pelo Município nos processos de parcelamento
do solo.
Além das informações produzidas pelo IPPUC e pela COMEC usaremos, com a
finalidade de complementar e enriquecer nossa análise, o Déficit Habitacional no Brasil,
elaborado pela Fundação João Pinheiro (2005), e o Atlas das Necessidades Habitacionais no
35
Cabe ressaltar que o IBGE já está revendo essa metodologia. Para o próximo Censo, de acordo com o
Instituto, aglomerados com menos de 50 unidades já serão computados como aglomerados subnormais ou
favelas.
42
Paraná: Regiões Metropolitanas, elaborado pelo Instituto Paranaense de Desenvolvimento
Econômico e Social – IPARDES (2004).
2.2 A “cidade-modelo” inscrita na realidade brasileira
De acordo com Taschner (2003), a “cidade-modelo” estava, no ano 2000, entre os
15 municípios brasileiros que apresentavam o maior número de favelas, ocupando o lugar,
ficando atrás apenas de São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza e Guarulhos.
Pela ordem, os municípios com maior número de assentamentos são: São Paulo
(612), Rio de Janeiro (513), Fortaleza (157), Guarulhos (136), Curitiba (122),
Campinas (117), Belo Horizonte (101), Osasco (101), Salvador (99), Belém (93),
Diadema (89), Volta Redonda (87), Teresina (85), Porto Alegre (76) e Recife (73)
(p.33, grifos nossos).
A fonte utilizada pela autora foi o Censo 2000. Apesar das limitações e distorções
dos dados de favelas produzidos pelo IBGE, apontadas neste trabalho, as informações dos
aglomerados subnormais são extremamente úteis se o objetivo for estabelecer um
comparativo entre as realidades dos municípios brasileiros. Tendo em vista que são essas as
únicas informações sobre favelas, disponíveis para todo território nacional, passíveis de
comparação.
Assim, com base no Censo 2000, podemos fazer uma comparação entre a
realidade da “cidade-modelo” e a realidade do Município de São Paulo. Escolhemos a
realidade de São Paulo justamente por representar o “modelo urbano brasileiro” que não deu
certo. São Paulo tem sido considerada, pelo senso-comum, como a referência do que se
entende por crescimento “desordenado”, “caótico”, e, portanto “não-planejado”. Em
contrapartida Curitiba tem sido o referencial nacional da “cidade-planejada” e “organizada”, o
“modelo urbano brasileiro” a ser alcançado.
Segundo o Déficit Habitacional no Brasil (2005)
36
, Curitiba apresentava um total
de 470.958 domicílios, desses, 37.496 estavam localizados em aglomerados subnormais o que
representava cerca de 8,00% dos domicílios da “cidade-modelo”. Se observarmos os dados
para a cidade de São Paulo, verificaremos que relativamente – as realidades das duas
capitais se aproximam: 7,54% era, em 2000, a porcentagem dos domicílios localizados em
aglomerados subnormais na cidade de São Paulo. Apesar dos problemas relativos aos dados
dos Censos, a proximidade dos índices apresentados, de Curitiba e São Paulo, evidencia
36
Elaborado a partir do Censo 2000.
43
que a problemática das favelas presente na “cidade-modelo” se iguala – em termos relativos e
não absolutos – ao quadro apresentado pelo Município de São Paulo.
Tabela 1. Domicílios em Aglomerados Subnormais: Curitiba e São Paulo
Domicílios
Municípios e Região Metropolitana
Total
Em aglomerado
subnormal
% em
aglomerado
Subnormal
Curitiba 470.958
37.496
7,96
Região Metropolitana de Curitiba – RMC 776.048
42.867
5,52
São Paulo 2.984.415
225.131
7,54
Região Metropolitana de São Paulo – RMSP 4.992.570
413.350
8,28
FONTE: elaborado pela autora com base no Déficit Habitacional no Brasil, 2005.
2.3 A evolução das ocupações irregulares em Curitiba
Os primeiros registros oficiais de ocupações irregulares em Curitiba datam do ano
de 1971: 21 áreas e 2.213 domicílios aproximadamente 8.852 pessoas. A partir deste ano o
IPPUC começou a realizar um levantamento sistemático das ocupações irregulares de
Curitiba, identificando o número de áreas e de domicílios irregulares, o que possibilita
compreender a evolução histórica desse tipo de ocupação na “cidade-modelo”.
De acordo com Rolim (1985), as primeiras favelas de Curitiba foram a Favela do
Valetão e a Favela Vila Pinto
37
. Tais favelas foram constituídas no início da década de 70 e
localizavam-se em áreas próximas ao centro da cidade. Desde a década de 70 o crescimento
dos domicílios em ocupações irregulares na “cidade-modelo” tem-se mantido positivo e, até
início da década de 90, com taxas muito superiores às apresentadas pelos domicílios do
Município.
37
Cabe destacar que a Vila Pinto tem sido historicamente objeto de intervenções da Prefeitura Municipal.
Inúmeras foram as tentativas de remoção, urbanização e de regularização da área e, em meados da década de 90,
a ocupação – hoje chamada Vila das Torres – foi escolhida para realização do projeto piloto do programa Vila de
Ofícios. Acredita-se que a favela Vila Pinto tenha sido objeto de tantas intervenções devido a sua localização
espacial privilegiada. A favela situa-se ao lado da Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUC-PR,
próxima à região central da cidade e as margens da Avenida das Torres, uma das principais vias de acesso à
“cidade-modelo”. Quem chega à Curitiba, do aeroporto ou da região sul do país, obrigatoriamente passa pela
Vila Pinto. O programa Vila de Ofícios foi implantado em 1995 e será abordado no capítulo 3 deste trabalho.
44
Tabela 2. Município de Curitiba: taxas de crescimento anual dos domicílios e dos
domicílios em ocupações irregulares
Taxas de crescimento
anual dos domicílios
Taxas de crescimento
anual dos domicílios
Períodos Períodos – IBGE
Total
Períodos – IPPUC
em Ocup. Irregulares
1° período 1970-1980 6,72 1971 – 1979 13,44
2° período 1980-1991 3,47 1979 – 1992 16,61
3° período 1991-1996 4,17 1992 – 1996 3,08
4° período 1996-2000 2,75 1996 – 2000 2,45
FONTE: elaborado pela autora.
Censos demográficos 1970, 1980, 1991 e 2000, Contagem da população 1996.
Dados dos domicílios em ocupações irregulares extraído da tabela: "Áreas e Domicílios em Ocupações
Irregulares, em Curitiba - 1971 a 2000", disponível em:
http://ippucnet.ippuc.org.br/Bancodedados/Curitibaemdados/Curitiba_em_dados_Pesquisa.asp
Visitado em: 12/10/2006.
A tabela acima mostra que os períodos correspondentes aos dados de domicílios
irregulares de Curitiba diferem ligeiramente dos períodos relativo aos censos do IBGE. Neste
sentido não é possível realizar uma comparação direta das taxas de crescimento dos
domicílios do Município com as taxas de crescimento dos domicílios localizados em
ocupações irregulares. Contudo, apesar do descompasso verificado entre as datas, os números
mostram que as décadas de 70, 80 e início de 90 caracterizaram-se por um crescimento
acelerado das ocupações irregulares na “cidade-modelo”. Quadro que muda
significativamente, a partir de 1992, quando as taxas de crescimento dos domicílios
irregulares passam de 16,61% ao ano para 3,87% na primeira metade da década de 90.
Pode-se afirmar, com base nesses números que, a partir da década de 90, ocorreu
uma alteração no ritmo de crescimento dos domicílios irregulares em Curitiba. Pois até o final
da década de 80 e início de 90, as taxas de crescimento dos domicílios em ocupações
irregulares no Município vinham evoluindo, sempre a patamares acima de 10%, ao passo que,
a partir de 1992 o índice, para Curitiba, reduz-se drasticamente.
Se, por conseguinte considerarmos equivalentes os períodos referentes aos dados
dos domicílios irregulares produzidos pelo IPPUC e os períodos de levantamento dos
Censos do IBGE, ainda que efetivamente eles não sejam, poderemos estimar qual foi a
participação dos domicílios irregulares no incremento domiciliar
38
de cada período.
38
Entende-se por incremento domiciliar o número de domicílios produzidos em determinado período.
45
Tabela 3. Município de Curitiba: incremento domiciliar total e em ocupações
irregulares
Incremento
domiciliar
Incremento
domiciliar
Períodos
Períodos –
IBGE
Municipal
Períodos –
IPPUC
em Ocup.
Irregulares
% no incremento
total
1° período
1970-1980 115 229
1971 - 1979
3 854
3,34
2° período
1980-1991 109 687
1979 - 1992
38 646
35,23
3° período
1991-1996 79 359
1992 - 1996
7 329
9,24
4° período
1996-2000 49 351
1996 - 2000
5 291
10,72
FONTE: elaborado pela autora.
Censos demográficos 1970, 1980, 1991 e 2000, Contagem da população 1996.
Dados dos domicílios em ocupações irregulares retirado da tabela: "Áreas e Domicílios em Ocupações
Irregulares, em Curitiba - 1971 a 2000", disponível em:
http://ippucnet.ippuc.org.br/Bancodedados/Curitibaemdados/Curitiba_em_dados_Pesquisa.asp
Visitado em: 12/10/2006.
Verifica-se que as altas taxas de crescimento anual dos domicílios irregulares,
registradas na década de 80 e início de 90, tiveram rebatimento direto na porcentagem de
participação desses domicílios no incremento domiciliar municipal registrado para o período.
De acordo com o IBGE, de 1980 a 1991 o Município de Curitiba teve um acréscimo de
109.687 domicílios. Desses, aproximadamente 38 mil foram construídos em ocupações
irregulares, ou seja, 35% do total do incremento domiciliar da década de 80 se deu de modo
e/ou forma irregular.
Aqui devemos destacar que, do incremento de 38 mil domicílios irregulares
registrados no período de 1979 a 1992, 20 mil foram construídos apenas nos dois primeiros
anos da década de 90. Foi, portanto entre 1990 e 1992 que se deu o maior crescimento de
domicílios irregulares em Curitiba, cerca de 35% do estoque de domicílios irregulares
existentes até 2000 – formaram-se nos dois primeiros anos da década de 90 (Gráfico 1).
46
Gráfico 1. Evolução do número de domicílios em Ocupações
Irregulares em Curitiba
0
10000
20000
30000
40000
50000
60000
70000
1971 1974 1978 1979 1982 1983 1984 1985 1987 1989 1990 1992 1994 1996 2000
FONTE: IPPUC, 2000.
Elaborado pela autora com base nas informações do documento: Áreas e Domicílios em Ocupações Irregulares,
em Curitiba - 1971 a 2000, disponível em
http://ippucnet.ippuc.org.br/Bancodedados/Curitibaemdados/Curitiba_em_dados_Pesquisa.asp
Visitado em: 12/10/2006.
No entanto o maior crescimento de áreas de ocupação irregular se deu em período
imediatamente anterior ao de maior crescimento dos domicílios irregulares. Das 301 áreas
irregulares identificadas pelo IPPUC até o ano 2000, no Município de Curitiba, 143 foram
formadas no período de 1984 a 1989 (47,50%) (Gráfico 2).
Gráfico 2. Evolução do número de áreas de Ocupação Irregular em
Curitiba
0
50
100
150
200
250
300
350
1971 1974 1978 1979 1982 1983 1984 1985 1987 1989 1990 1992 1994 1996 2000
FONTE: IPPUC, 2000.
Elaborado pela autora com base nas informações do documento: Áreas e Domicílios em Ocupações Irregulares,
em Curitiba - 1971 a 2000, disponível em
http://ippucnet.ippuc.org.br/Bancodedados/Curitibaemdados/Curitiba_em_dados_Pesquisa.asp
Visitado em: 12/10/2006.
47
Os números revelam, portanto que a segunda metade da década de 80
caracterizou-se pelo crescimento e pela disseminação das áreas de ocupação irregular pelo
espaço da cidade e, a consolidação desses assentamentos se deu em período subseqüente: nos
primeiros anos da década de 90.
Tabela 4. Município de Curitiba: evolução das ocupações irregulares (áreas e
domicílios)
Ocupações Irregulares
Ano
Número de áreas Número de Domicílios
1971 21 2213
1974 35 4083
1978 43 5068
1979 46 6067
1982 52 7716
1983 62 8299
1984 66 11388
1985 115 12675
1987 162 18442
1989 209 22068
1990 209 24570
1992 236 44713
1994 244 50663
1996 242 52042
2000 301 57333
FONTE: IPPUC, 2000.
Dados dos domicílios em ocupações irregulares retirado da tabela: "Áreas e Domicílios em
Ocupações Irregulares, em Curitiba - 1971 a 2000", disponível em:
http://ippucnet.ippuc.org.br/Bancodedados/Curitibaemdados/Curitiba_em_dados_Pesquisa.asp
Visitado em: 12/10/2006.
Nos períodos posteriores, devido a queda a partir de 1992 da taxa de
crescimento dos domicílios irregulares, ocorreu uma redução da participação desses
domicílios no incremento domiciliar de Curitiba. De 35,23% (1979 a 1992), a participação
dos domicílios irregulares passa para 9,24% (1991 a 1996).
Convém notar que, apesar de ser verificada uma redução da participação dos
domicílios irregulares no incremento domiciliar municipal, não houve a partir da década de
90 –, com a mesma intensidade, uma diminuição da participação dos domicílios irregulares no
total dos domicílios existentes no Município de Curitiba.
48
Tabela 5. Município de Curitiba: participação dos domicílios irregulares no total
dos domicílios da “cidade-modelo”
Domicílios Domicílios
Ano
Total municipal
Ano
em Ocup. Irregulares
% em
relação ao
Município
1 970 125 688
1971
2 213 1,76
1 980 240 917
1979
6 067 2,52
1 991 350 604
1992
44 713 12,75
1 996 429 963
1996
52 042 12,10
2 000 479 314
2000
57 333 11,96
FONTE: Censos demográficos 1970, 1980, 1991 e 2000, Contagem da população 1996.
Dados dos domicílios em ocupações irregulares retirado da tabela: "Áreas e Domicílios em Ocupações
Irregulares, em Curitiba - 1971 a 2000", disponível em:
http://ippucnet.ippuc.org.br/Bancodedados/Curitibaemdados/Curitiba_em_dados_Pesquisa.asp
Visitado em: 12/10/2006.
O crescimento assombroso ocorrido de 1979 a 1992 fez a participação dos
domicílios irregulares, em relação ao número total de domicílios de Curitiba, passar de 2,52 %
(em 1980) para 12,75% (em 1991/1992). A partir da década de 90, essa porcentagem se
manteve em torno dos 12% o que revela que, mesmo com a significativa redução da taxa de
crescimento dos domicílios irregulares, eles continuaram crescendo que, a partir de 1992,
eles passaram a crescer num ritmo menos acelerado, acompanhando os índices de crescimento
domiciliar do Município.
2.3.1 As ocupações irregulares na Região Metropolitana de Curitiba
Não possuímos, para os mesmos períodos, os mesmos dados sobre ocupações
irregulares no aglomerado metropolitano. As informações disponíveis são apenas relativas ao
período de 1991 a 1996. Ou seja, a partir de 1996 não é possível verificar a dinâmica dos
domicílios irregulares na RMC.
Contudo, com as informações disponíveis é possível verificar que Curitiba
perdeu participação – na primeira metade da década de 90 – na composição global da
população residente em ocupações irregulares no aglomerado metropolitano (NUC). Em
1991, 72,43% dos domicílios irregulares do NUC localizavam-se em Curitiba, em 1996 essa
porcentagem cai para 64,25%. Essa perda de participação parece indicar que a informalidade
da moradia na RMC, a partir da cada de 90, começa a se deslocar da “cidade-modelo” para
os municípios do NUC.
49
Tabela 6. Grande Curitiba: taxa de crescimento dos domicílios em ocupações
irregulares
1991/1992 1996/1997 tx.cresc. 92/97
domicílios Domicílios Domicílios
Municípios
TOTAL
em Ocup.
Irregulares
% TOTAL
em Ocup.
Irregulares
% TOTAL
em Ocup.
Irregulares
Almirante Tamandaré 15.532
1.536
2,84
23.085
4.785
5,91
8,25 25,52
Araucária 14.645
509
0,94
19.729
1.621
2,00
6,14 26,07
Campina Grande do Sul 4.554
188
0,35
7.921
584
0,72
11,71 25,44
Campo Largo 17.564
423
0,78
21.980
1.723
2,13
4,59 32,43
Campo Magro 0,00
730
0,90
Colombo 28.118
3.303
6,11
39.693
6.253
7,72
7,14 13,62
Fazenda Rio Grande 5.862
440
0,81
11.548
1.557
1,92
14,52 28,76
Itaperuçu 652
155
0,29
4.499 569
0,70
47,15 29,70
Pinhais 17.912
1.556
2,88
24.012
2.241
2,77
6,04 7,57
Piraquara 7.023
197
0,36
15.671
4.229
5,22
17,41 84,65
Quatro Barras 2.442
0
0,00
3.704
0
0,00
8,69
Rio Branco do Sul 8.266
463
0,86
6.039
817
1,01
-6,09 12,03
São José dos Pinhais 31.043
581
1,07
44.793
3.845
4,75
7,61 45,93
Subtotal 153.613
9.351
17,30
222.674
28.954
35,75
7,71 25,36
Curitiba*
350.604
44.713
82,70
429.963
52.042
64,25
4,17 3,08
TOTAL - aglomerado
504.217
54.064
100,00
652.637
80.996
100,00
5,30 8,42
FONTE: elaborado pela autora.
Censo demográfico 1991 e Contagem da população 1996.
Dados dos domicílios em ocupações irregulares 1992 - Pesquisa de Campo COMEC
Dados dos domicílios em ocupações irregulares 1997 - Levantamento COMEC
NOTA:
*Dados dos domicílios em ocupações irregulares retirado da tabela: "Áreas e Domicílios em Ocupações
Irregulares, em Curitiba - 1971 a 2000".
Disponível em: http://ippucnet.ippuc.org.br/Bancodedados/Curitibaemdados/Curitiba_em_dados_Pesquisa.asp
Visitado em: 12/10/2006.
Tal hipótese ganha sustentação ao verificarmos que, enquanto os domicílios
irregulares em Curitiba cresciam a uma taxa de 3,08% ao ano, nos municípios do NUC eles
cresciam a uma taxa média de 25,36% ao ano, com índices que variavam (de município para
município) de 7,57% a 84,65%.
Apesar de a problemática parecer estar diminuindo, devido a redução acentuada
do seu ritmo de crescimento em Curitiba, ela de fato não está, uma vez que os números
apontam para uma exportação do problema da habitação da capital para os municípios do
NUC. Serão neles que, a partir da década de 90, a informalidade do espaço e da moradia irá se
localizar de maneira privilegiada.
A combinação (i) da redução da concentração dos domicílios irregulares em
Curitiba com (ii) as altas taxas de crescimento dos mesmos nos municípios do NUC, e com
(iii) a brusca queda da taxa de crescimento dos domicílios localizados em ocupações
50
irregulares na capital revelam, portanto que a população moradora de ocupações irregulares
tende a se deslocar da “cidade-modelo” para os municípios da RMC.
Mapa 1. Região Metropolitana de Curitiba: Núcleo Urbano Central
FONTE: COMEC, 2003.
A tendência constatada, de redução do crescimento das ocupações irregulares em
Curitiba, não pode ser considerada referência de uma diminuição real da problemática na
“cidade-modelo”, mas sim de uma transferência da mesma para os municípios da Região
Metropolitana. Como bem enfatizou Taschner (2003), ao falar da metrópole paulistana,
“percebe-se que a quantidade numérica de casas faveladas na capital é maior, mas a proporção
no entorno é grande e crescente. A capital exporta a pobreza e seus problemas (p.34,
grifos nossos) e Curitiba infelizmente não fugiu a esse padrão brasileiro.
De acordo com dados da COMEC e do IPPUC, o aglomerado metropolitano
(NUC) apresentava, entre 1996 e 1997, um total de 753 áreas consideradas de ocupação
irregular. Enquanto que, neste período, os municípios vizinhos a “cidade-modelo”
concentravam 67,87% dessas áreas
, o Município de Curitiba, como vimos, concentrava
64,25% dos domicílios em situação irregular. O que significa que, em mero de domicílios,
51
a cidade de Curitiba superava os municípios do entorno, entretanto, em número de áreas, a
situação se invertia – para o ano de 1996.
Situação que parece indicar que, no município pólo estavam localizadas as
ocupações mais densas, consolidadas e, portanto mais antigas e, nos municípios do entorno
localizavam-se as ocupações mais recentes e em processo de crescimento, desta forma, com
menor número de unidades habitacionais. Acredita-se que hoje, uma década depois do
levantamento da COMEC – levando-se em consideração a redução da taxa de crescimento dos
domicílios irregulares em Curitiba, a partir de 1992, e as altas taxas de crescimento
registradas nos municípios do entorno –, os municípios do entorno já tenham superado
Curitiba também em relação ao número de domicílios localizados em ocupações irregulares.
Mapa 2. Espacialização das Ocupações Irregulares – NUC (1999)
52
2.3.2 Distribuição espacial das ocupações irregulares na “cidade-modelo”
A partir das informações produzidas pelo IPPUC nota-se que, no período de 1970
a 2000, a cidade de Curitiba teve um incremento estimado de 353.626 domicílios, 15,59% foi
absorvido pelas ocupações irregulares. Ou seja, aproximadamente 16% do crescimento de
Curitiba se realizou, no período de construção e consolidação do discurso da “cidade-
modelo”, via produção informal do espaço e da moradia. Esse crescimento, no entanto não se
deu de maneira uniforme pelo espaço da cidade: algumas áreas foram pouco ou nada afetadas
e outras praticamente tiveram seu crescimento impulsionado pelas chamadas ocupações
irregulares.
Mapa 3. Espacialização das Ocupações Irregulares – Curitiba (1976)
O primeiro mapeamento das áreas de ocupação irregular para Curitiba, que se tem
registro, data de 1976 (Mapa 3). Tal mapeamento foi realizado no âmbito do Plano de
53
Desfavelamento
39
e, devido a forma de distribuição das áreas pelo espaço municipal, não é
possível afirmar categoricamente se tais áreas, à época, concentravam-se na região sul,
norte, leste ou oeste da cidade. No entanto se compararmos o mapeamento de 1976 com o
mapeamento de 2000 poderemos observar que as ocupações irregulares se desenvolveram
pelos quatro cantos da cidade com uma certa predominância na porção sul do Município
(Mapa 3 e Mapa 4).
Mapa 4. Espacialização das Ocupações Irregulares – Curitiba (2000)
Outro fator importante e merecedor de destaque, em relação a distribuição
espacial das ocupações irregulares na “cidade-modelo”, é que os bairros que compõem a
regional administrativa Matriz, por sua vez os mesmos bairros que concentram as camadas de
mais alta renda da cidade, permaneceram durante todo o período sem terem sido afetados pelo
crescimento das ocupações irregulares no Município. Os domicílios irregulares localizados
39
A descrição e análise do Plano de Desfavelamento – 1976 serão desenvolvidas na seqüência deste trabalho.
54
nessa região, em 2000, não chegavam a 0,4% do total de domicílios irregulares da “cidade-
modelo”.
Tabela 7. Município de Curitiba: distribuição das ocupações irregulares por
regional administrativa
Ocupações Irregulares
1991/1992 2000
Regional
Áreas % Domicílios % Áreas % Domicílios %
Bairro Novo* 30
9,97
8.580
14,97
Boa Vista 34
14,41
2.602
5,82
57
18,94
4.121
7,19
Boqueirão 73
30,93
10.965
24,52
28
9,30
3.464
6,04
Cajuru** 38
12,62
13.906
24,25
Matriz 2
0,85
1.297
2,90
1
0,33
200
0,35
Pinheirinho 48
20,34
14.592
32,63
48
15,95
6.872
11,99
Portão 37
15,68
11.978
26,79
60
19,93
14.839
25,88
Santa Felicidade 42
17,80
3.279
7,33
39
12,96
5.351
9,33
Curitiba 236
100,00
44.713
100,00
301
100,00
57.333
100,00
FONTE: IPPUC, 1992 e 2000.
*A regional Bairro Novo, em 1991, fazia parte da regional Pinheirinho
** A regional Cajuru, em 1991, fazia parte da regional Boqueirão
Apesar dos núcleos estarem distribuídos até certo ponto, de maneira não
concentrada pelo território, percebe-se que os domicílios irregulares encontram-se localizados
predominantemente nas porções da cidade situadas a sul da regional Matriz. (Mapa 4) Cerca
de 80% dos domicílios irregulares da “cidade-modelo”, no ano 2000, pertenciam as regionais:
Bairro Novo (sul), Boqueirão (sul), Cajuru (sudeste), Pinheirinho (sul) e Portão (sudoeste).
A espacialização das ocupações irregulares em Curitiba para os anos de 1976 e
2000 revela que, a única área irregular localizada na regional Matriz, em 1976, por sua vez a
maior em extensão no período –, foi extinta no ano 2000. Tal área se referia à favela do
Capanema que, à época, de acordo com o IPPUC (1979), possuía “um total de 376 barracos”
(p.27). Número que, segundo o Instituto, representava cerca de 10% do total de domicílios
favelados existentes no Município em 1976. A erradicação dessa área da região
predominantemente ocupada pelas camadas de alta renda, como veremos no capítulo seguinte,
foi resultado de uma ação planejada da Prefeitura Municipal de Curitiba.
Essa intervenção municipal, por sua vez fez com que a regional Matriz,
diferentemente da demais regionais do Município, apresentasse uma redução do número de
áreas irregulares de 1976 a 2000. Percebemos, ao observarmos os mapas 3 e 4, que todas as
regionais com exceção da Matriz tiveram um aumento significativo de áreas de ocupação
irregular. Fica evidente, portanto que os bairros que compõem a regional da Matriz foram, em
55
certa medida, “protegidos” do processo de produção informal do espaço e da moradia
deflagrado, na cidade de Curitiba, a partir da década de 70.
Mapa 5. Espacialização das Ocupações Irregulares e da Renda – Curitiba (2000)
Se, a regional Matriz ficou resguardada do crescimento das áreas de ocupação
irregular, outros bairros da cidade, em contrapartida, se tornaram o lugar privilegiado para o
seu desenvolvimento e consolidação. Ao desagregarmos os dados por bairros, verifica-se uma
concentração acentuada dos domicílios irregulares em determinados bairros da “cidade-
modelo”.
Dos 44.713 domicílios irregulares existentes em Curitiba no ano de 1991, mais de
50% estavam localizados em apenas três bairros: Cajuru (sudeste), Cidade Industrial
(sudoeste – oeste) e Sítio Cercado (sul). No ano 2000 esses bairros continuaram concentrando
grande parte dos domicílios irregulares, no entanto devido ao crescimento negativo desses
56
domicílios no bairro Sítio Cercado, a porcentagem de domicílios irregulares localizados nos
três bairros em questão, caiu ligeiramente de 53,11% (1991) para 46% (2000) (tabela 8).
A espacialização das taxas de crescimento dos domicílios irregulares por bairro
revela que, embora – a partir de 1992 a taxa de crescimento dos domicílios irregulares, para
o Município, tenha sofrido uma significativa queda, alguns bairros apresentaram para os
períodos de 1991 a 1996 e de 1996 a 2000 taxas de crescimento anual superiores a 20%
(tabela 8). No primeiro período quatro bairros registraram tal crescimento: Capão da Imbuia
(leste), Abranches (norte), Augusta (oeste) e Campo de Santana (sul).
Mapa 6. Taxa de crescimento dos domicílios em ocupações irregulares (1991-96)
Na segunda metade da década de 90, o número de bairros com índices de
crescimento – dos domicílios irregulares – superiores a 20% ao ano subiu, de quatro, para dez:
Capão da Imbuia (leste), Bairro Alto (leste), Cachoeira (norte), Abranches (norte), São João
57
(norte), Santa Felicidade (norte), Butiatuvinha (norte), Tatuquara (sul) e Caximba (sul). O que
demonstra que uma tendência da irregularidade se concentrar predominantemente nos
bairros mais periféricos da “cidade-modelo”, justamente naqueles que fazem limite com os
municípios da RMC. Essas evidências demonstram, portanto a existência de um processo de
acentuado de periferização/favelização da população pobre na “cidade-modelo”.
Mapa 7. Taxa de crescimento dos domicílios em ocupações irregulares (1996-2000)
2.4 Considerações acerca da cidade ocultada
As evidências empíricas da existência, crescimento e localização das ocupações
irregulares no aglomerado metropolitano, sobretudo em Curitiba, mostram que:
58
a. No período correlato a produção e consolidação do discurso da “cidade-modelo”
(1970-2000), 16% de todo o crescimento domiciliar registrado em Curitiba foi
absorvido pelas chamadas ocupações irregulares;
b. Esse crescimento irregular da moradia (e do espaço) em Curitiba evolui
exponencialmente durante toda a década de 70 e 80, alcançando o seu auge no final da
década de 80 e início da década de 90;
c. Esse período, em que as ocupações irregulares explodiram na “cidade-modelo”, pôde
ser dividido em duas fases: a primeira, de 1984 a 1989, caracterizada pela proliferação
das áreas irregulares por todo o espaço da cidade e, a segunda, de 1990 a 1992,
caracterizada pela consolidação dessas áreas, ou seja, pela densificação das ocupações
irregulares;
d. A segunda metade da década de 90 marcou o início de um processo de desaceleração
do crescimento das ocupações irregulares na “cidade-modelo”;
e. A tendência observada foi a de que a população moradora das ocupações irregulares
esteja sendo deslocada para os municípios do entorno de Curitiba (NUC), tendo em
vista a redução acentuada da taxa de crescimento dos domicílios localizados em
ocupações irregulares na “cidade-modelo” concomitantemente às altas taxas de
crescimento constatadas nos municípios do NUC;
f. As áreas de ocupação irregular encontram-se distribuídas pelos quatro cantos da
“cidade-modelo” (norte, sul, leste e oeste);
g. Contudo verificou-se uma forte concentração dos domicílios irregulares nas regionais
localizadas a sul da regional Matriz: Cerca de 80% dos domicílios irregulares da
“cidade-modelo”, no ano 2000, pertenciam as regionais: Bairro Novo (sul), Boqueirão
(sul), Cajuru (sudeste), Pinheirinho (sul) e Portão (sudoeste).
h. O que revelou que as ocupações irregulares localizadas na porção sul do Município
são efetivamente as áreas irregulares mais densas e mais populosas;
i. Em toda a década de 90 os bairros pertencentes a regional Matriz ficaram alheios a
todo o processo de crescimento e densificação de áreas de ocupação irregular descritos
neste capítulo: de 1991 a 2000 a região ocupada pelas camadas de alta renda da
“cidade-modelo” não foi afetada pelas ocupações irregulares; e por fim cabe destacar
que,
j. Foi exatamente essa região, ocupada pelas camadas de alta renda da “cidade-modelo”,
a única porção do espaço do Município que apresentou um processo de redução de
áreas de ocupação irregular no período de 1976 e 2000.
59
Apresentada a realidade habitacional de Curitiba buscaremos, no próximo capítulo
deste trabalho, identificar de que maneira o Poder Executivo Municipal se comportou frente
ao processo aqui descrito de produção informal do espaço e da moradia na “cidade-
modelo”.
2.4.1 IMAGENS: Curitiba, a cidade ocultada
Foto 6 Favela Parolin
FONTE: COHAB, 2006.
Foto 7 Favela Bom Menino
FONTE: COHAB, 2006.
60
Foto 8 Favela Cajuru 2
FONTE: COHAB, 2007.
Foto 9 Favela Uberlândia
FONTE: COHAB, 2006.
Foto 10 Favela Lorena
FONTE: COHAB, 2006.
61
Tabela 8. Município de Curitiba: distribuição dos domicílios irregulares por bairro
(1991, 1996 e 2000).
1991/1992 1996 2.000 tx. de cresc.
Bairros
Domicílios
em Ocup.
Irregulares
%
Domicílios
em Ocup.
Irregulares
%
Domicílios
em Ocup.
Irregulares
%
91-96 96-2000 91-2000
Abranches 78
0,17
217
0,42
552
0,96
22,71
26,29
24,29
Água Verde 0
0,00
0
0,00
0
0,00
- - -
Ahú 11
0,02
0
0,00
0
0,00
-
100,00
-
-
100,00
Alto Boqueirão 1.029
2,30
1.066
2,05
1484
2,59
0,71
8,62
4,15
Alto da Glória 0
0,00
0
0,00
0
0,00
- - -
Alto da Rua XV 0
0,00
0
0,00
0
0,00
- - -
Atuba 711
1,59
743
1,43
306
0,53
0,88
-19,89
-8,94
Augusta 189
0,42
500
0,96
205
0,36
21,48
-19,98
0,91
Bacacheri 32
0,07
25
0,05
25
0,04
-4,82
0,00
-2,71
Bairro Alto 483
1,08
223
0,43
855
1,49
-14,32
39,93
6,55
Barreirinha 98
0,22
63
0,12
44
0,08
-8,46
-8,58
-8,51
Batel 0
0,00
0
0,00
0
0,00
- - -
Bigorrilho 0
0,00
0
0,00
0
0,00
- - -
Boa Vista 14
0,03
26
0,05
51
0,09
13,18
18,34
15,45
Bom Retiro 0
0,00
0
0,00
0
0,00
- - -
Boqueirão 499
1,12
889
1,71
766
1,34
12,24
-3,65
4,88
Butiatuvinha 0
0,00
327
0,63
757
1,32
novos
23,35
novos
Cabral 0
0,00
0
0,00
0
0,00
- - -
Cachoeira 150
0,34
202
0,39
903
1,58
6,13
45,41
22,07
Cajuru 7.220
16,15
9.063
17,41
9449
16,48
4,65
1,05
3,03
Campina do
Siqueira 0
0,00
0
0,00
0
0,00
- - -
Campo Comprido 736
1,65
1.453
2,79
924
1,61
14,57
-10,70
2,56
Campo de
Santana 170
0,38
453
0,87
698
1,22
21,65
11,41
16,99
Capão da Imbuia 59
0,13
335
0,64
787
1,37
41,53
23,80
33,36
Capão Raso 389
0,87
167
0,32
341
0,59
-15,56
19,54
-1,45
Cascatinha 0
0,00
0
0,00
0
0,00
- - -
Caximba 0
0,00
120
0,23
492
0,86
novos
42,30
novos
Centro 0
0,00
0
0,00
0
0,00
- - -
Centro Cívico 0
0,00
0
0,00
0
0,00
- - -
Cidade Industrial 10.880
24,33
14.968
28,76
11698
20,40
6,59
-5,98
0,81
Cristo Rei 0
0,00
0
0,00
0
0,00
- - -
Fanny 7
0,02
6
0,01
7
0,01
-3,04
3,93
0,00
Fazendinha 718
1,61
727
1,40
778
1,36
0,25
1,71
0,90
Ganchinho 720
1,61
1.000
1,92
1337
2,33
6,79
7,53
7,12
Guabirotuba 140
0,31
114
0,22
93
0,16
-4,03
-4,96
-4,44
Guairá 431
0,96
553
1,06
580
1,01
5,11
1,20
3,35
Hauer 0
0,00
0
0,00
0
0,00
- - -
Hugo Lange 0
0,00
0
0,00
0
0,00
- - -
Jardim Botânico 0
0,00
0
0,00
0
0,00
- - -
Jardim das
Américas 0
0,00
0
0,00
0
0,00
- - -
(continuação)
62
1991/1992 1996 2.000 tx. de cresc.
Bairros
Domicílios
em Ocup.
Irregulares
%
Domicílios
em Ocup.
Irregulares
%
Domicílios
em Ocup.
Irregulares
%
91-96 96-2000 91-2000
Jardim Social 0
0,00
0
0,00
0
0,00
- - -
Juvevê 0
0,00
0
0,00
0
0,00
- - -
Lamenha Pequena
0
0,00
0
0,00
0
0,00
- - -
Lindóia 234
0,52
186
0,36
249
0,43
-4,49
7,57
0,69
Mercês 0
0,00
0
0,00
0
0,00
- - -
Mossunguê 157
0,35
186
0,36
267
0,47
3,45
9,46
6,08
Novo Mundo 2.885
6,45
2.962
5,69
2110
3,68
0,53
-8,13
-3,42
Órleans 252
0,56
140
0,27
190
0,33
-11,09
7,93
-3,09
Parolin 1.229
2,75
1.348
2,59
1719
3,00
1,87
6,27
3,80
Pilarzinho 598
1,34
512
0,98
806
1,41
-3,06
12,01
3,37
Pinheirinho 2.017
4,51
2.517
4,84
1810
3,16
4,53
-7,91
-1,20
Portão 7
0,02
0
0,00
503
0,88
-
100,00
novos
60,80
Prado Velho 1.286
2,88
200
0,38
200
0,35
-31,08
0,00
-18,68
Rebouças 0
0,00
0
0,00
0
0,00
- - -
Riviera 0
0,00
0
0,00
0
0,00
- - -
Santa Cândida 410
0,92
289
0,56
554
0,97
-6,76
17,67
3,40
Santa Felicidade 161
0,36
189
0,36
546
0,95
3,26
30,37
14,53
Santa Quitéria 608
1,36
592
1,14
422
0,74
-0,53
-8,11
-3,98
Santo Inácio 48
0,11
68
0,13
73
0,13
7,21
1,79
4,77
São Braz 264
0,59
237
0,46
228
0,40
-2,13
-0,96
-1,62
São Francisco 0
0,00
0
0,00
0
0,00
- - -
São João 49
0,11
28
0,05
100
0,17
-10,59
37,47
8,25
São Lourenço 0
0,00
0
0,00
0
0,00
- - -
São Miguel 0
0,00
950
1,83
1258
2,19
novos
7,27
novos
Seminário 0
0,00
0
0,00
0
0,00
- - -
Sítio Cercado 5.646
12,63
4.382
8,42
5235
9,13
-4,94
4,55
-0,84
Taboão 0
0,00
0
0,00
0
0,00
- - -
Tarumã 0
0,00
0
0,00
0
0,00
- - -
Tatuquara 1.082
2,42
984
1,89
2170
3,78
-1,88
21,86
8,04
Tingüi 28
0,06
31
0,06
25
0,04
2,06
-5,24
-1,25
Uberaba 935
2,09
1.325
2,55
3577
6,24
7,22
28,18
16,08
Umbará 810
1,81
510
0,98
818
1,43
-8,84
12,54
0,11
Vila Izabel 0
0,00
0
0,00
0
0,00
- - -
Vista Alegre 113
0,25
168
0,32
127
0,22
8,25
-6,76
1,31
Xaxim 1.130
2,53
998
1,92
1214
2,12
-2,45
5,02
0,80
Curitiba 44.713
100,00
52.042
100,00
57.333
100,00
3,08
2,45
2,80
FONTE: IPPUC, 1992, 1996 e 2000.
63
3 CAPÍTULO III – A POLÍTICA HABITACIONAL DE CURITIBA
3.1 Introdução
Para explicitarmos a Política Habitacional de Curitiba que foi contemporânea ao
processo de construção e consolidação da imagem da cidade, buscaremos, neste capítulo,
descrever as principais ações do Estado destinadas ao tratamento da problemática habitacional
da cidade, concebidas e/ou executadas no período de 1970 a 2000. Tal descrição foi realizada
através de uma breve recuperação histórica da atuação da Companhia de Habitação Popular
de Curitiba (COHAB-CT) e do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba
(IPPUC). Deu-se prioridade à atuação desses dois órgãos municipais, tendo em vista que o
primeiro deles se referiu, historicamente, ao principal executor da política habitacional de
Curitiba e o segundo, ao seu formulador
40
.
A atuação desses órgãos, como veremos, correspondeu desde a elaboração e a
regulamentação de planos, programas e projetos voltados à resolução do problema da
habitação, passando pela produção direta de unidades habitacionais e, mais recentemente, pela
instituição de parcerias com a iniciativa privada, por intermédio da criação de incentivos
41
para produção privada de habitação.
Com o objetivo de apresentar, a partir da abordagem dessas diferentes formas de
atuação do Poder Executivo Municipal de Curitiba, a política de habitação, demos relevo às
ações que tinham por intenção enfrentar o problema habitacional de forma global”
42
. Nesta
perspectiva, interessaram-nos mais os planos do que os projetos, pois os planos, em sua
maioria, diferiam dos projetos por apresentarem uma reflexão global do Estado sobre o
problema da habitação no município e por buscarem estabelecer ações coordenadas no sentido
de reverter o quadro identificado. Ocorre, contudo, que, como veremos no decorrer deste
40
A produção habitacional da Companhia de Habitação do Paraná (COHAPAR), no Município de Curitiba,
relativa ao período de 1970 a 2000, foi de apenas 61 unidades. Esse número, num universo de 93.977 unidades
(produção da COHAB-CT para o mesmo período), é praticamente irrelevante. Por esse motivo as ações da
COHAPAR não serão tratadas neste trabalho. A informação relativa à produção habitacional da COHAPAR foi
extraída do website da companhia: <http://200.189.113.88/cohapar/consultas/consulta_municipio2.php>, Acesso
em: 15 maio 2007.
41
Os incentivos se referem à flexibilização dos padrões e requisitos urbanísticos para implantação de
loteamentos populares. Essa parceria, viabilizada desde 1991 através da criação do Programa “Parceria com a
Iniciativa Privada”, será abordada de forma mais detalhada na seqüência deste trabalho. Neste momento cabe
destacar que ela permite ao empreendedor privado a produção de lotes com dimensões e áreas inferiores ao
exigido na legislação municipal e a implantação de uma infra-estrutura urbana simplificada. Em troca dessa
flexibilização, o empreendedor cede ao Fundo Municipal de Habitação (FMH) 20% dos lotes urbanos
produzidos.
42
Referimos-nos aqui, às ações que tiveram abrangência municipal, ou ainda aquelas que buscavam enfrentar o
problema habitacional do município e não àquelas ações pensadas e/ou implementadas de maneira pontual e/ou
de forma fragmentada.
64
capítulo, alguns programas e projetos se destacaram justamente porque, devido ao seu porte e
complexidade, se aproximaram mais do tratamento “global” do problema da habitação do que
de uma intervenção pontual e de abrangência local. Assim, os programas e projetos imbuídos
dessa característica “global” de intervenção, justamente por isso foram incorporados ao breve
histórico que, nesta parte da dissertação, buscamos desenvolver.
3.2 A Política de Habitação de Curitiba: um breve histórico
Em 41 anos de atuação, foram mais de 400 empreendimentos e benefícios para cerca
de 120 mil famílias, ou mais de 450 mil pessoas. Foi como se a COHAB tivesse
construído uma nova cidade dentro de Curitiba uma cidade que seria talvez a
segunda do Paraná (BOLETIM CASA ROMÁRIO MARTINS, 2006).
Foi com essas palavras que o atual presidente da COHAB-CT, Mounir
Chaowiche, apresentou o livro: “Cohab Curitiba: 41 anos de planejamento e realizações”.
Essa publicação, que teve por objetivo resgatar a história da Companhia, criada em 1965
43
,
relata os 41 anos de atuação da COHAB em Curitiba e Região Metropolitana a partir de
depoimentos de técnicos, profissionais, ex-presidentes da Companhia e ex-prefeitos do
Município de Curitiba. Na perspectiva do autor desse livro,
[...] a história da COHAB-CT nestes mais de 40 anos de trabalho e perseverança não
merece nem deve ser imersa nos números transcritos em áridos relatórios, onde
sua experiência seria muito mais difícil de ser recuperada. O presente esforço não é
senão um rascunho para um processo que teria de ser muito mais aprofundado (p.
84).
O histórico que desenvolveremos neste capítulo, contrariando a visão esboçada
acima, não recusará os números, dados e relatórios organizados pela COHAB-CT no decorrer
de sua existência. Uma vez que são essas informações que nos permitirão descrever qual foi a
produção efetivamente realizada pela Companhia e sua distribuição no tempo e no espaço da
cidade. Nossa escolha metodológica, em hipótese alguma, tem a pretensão de encerrar o
processo necessariamente coletivo de recuperação histórica da COHAB de Curitiba. O
conteúdo que aqui será exposto pretende contribuir no desenvolvimento e no enriquecimento
43
A Companhia de Habitação Popular de Curitiba (COHAB-CT) foi criada através da Lei n°2545/1965, durante
o Regime Militar, no âmbito da criação do Banco Nacional da Habitação (BNH) e do Sistema Financeiro da
Habitação (SFH), esses últimos instituídos pela Lei 4380, de 21 de agosto de 1964. A COHAB de Curitiba,
como as demais Cohabs do país, teve por objetivo operacionalizar, no âmbito local, a política nacional traçada
pelo BNH. Para uma leitura crítica sobre a política do BNH, ver: BOLAFFI, Gabriel. Habitação e Urbanismo: o
problema e o falso problema. In: MARICATO, Ermínia (Org.). A produção capitalista da casa (e da cidade). 2.
ed. São Paulo: Editora Alpha-Omega, 1982; MARICATO, E. Política habitacional no regime militar.
Petrópolis: Vozes, 1987 e VILLAÇA, F. O que todo cidadão precisa saber sobre habitação. São Paulo: Global,
1986.
65
desse processo investigativo iniciado a partir de um ponto de vista não-oficial,
acadêmico e científico
44
.
Uma ressalva importante a se fazer é a de relembrar que o objetivo deste capítulo
é o de explicitar a política habitacional que foi contemporânea ao processo de constituição da
imagem de Curitiba. Não se trata, portanto, do histórico da COHAB-CT, mas, sim, da política
habitacional de Curitiba.
De fato, a história da política habitacional de Curitiba e a história da COHAB-CT
não podem ser confundidas. Apesar de, em determinados períodos, caminharem lado a lado, o
histórico da primeira não pode se restringir ao histórico da segunda, mesmo que, devido ao
recorte temporal definido para este trabalho, que tem início na década de 1970 e se estende até
o ano 2000
45
, a descrição relativa à história da política habitacional de Curitiba estará
diretamente relacionada à atuação da Companhia. Ocorre que a COHAB-CT foi criada no ano
44
Deve-se destacar que o presente trabalho se enquadra na categoria de uma pesquisa acadêmica e científica,
fato que, supostamente, o isentaria de posicionamentos ideológicos da autora. Contudo, por compartilharmos da
compreensão de que a ciência não é neutra (CHAUÍ, 2006; MÉSZÁROS, 2004) e por acreditarmos que não
existe uma única “verdade” relativa aos processos sócio-históricos, devemos esclarecer ao leitor que a breve
história que será relatada neste trecho da dissertação se enquadra numa matriz teórica de inspiração marxista e
que, devido ao fato de a autora residir no Município de Curitiba, o conteúdo que aqui se apresenta certamente é
resultado não só da pesquisa empírica e teórica desenvolvida pela autora, ao longo da realização de seu
mestrado, como também reflete, em alguma medida, sua experiência profissional e política de vida. Cientes disso
tudo, podemos afirmar que o breve histórico que apresentaremos não pode ser tomado como verdade absoluta,
nem tampouco como pura ideologia. Ele sintetiza uma leitura da realidade desenvolvida por uma pesquisadora
específica, em determinado momento histórico e sob um determinado ponto de vista.
45
O período escolhido para descrevermos a política habitacional de Curitiba, se refere ao momento histórico em
que se originou a construção e se deu a consolidação da imagem da cidade. Esse recorte temporal se deve ao fato
de que buscamos, a partir do desvendamento da política habitacional formulada e executada nesse período –,
verificar em que medida essa política contribuiu para a manutenção e reprodução da imagem da “cidade-
modelo”. Ou seja, procurar-se-á dar relevo à política habitacional, levada a cabo em Curitiba, no momento em
que se estruturaram as bases da idéia de que em Curitiba o planejamento urbano “deu certo”. De acordo com
Sánchez (1993), o processo social de construção da imagem de Curitiba teve início na cada de 1970 e, do
nosso ponto de vista, como evidenciado no capítulo 1 desta dissertação, tem desdobramentos aos dias atuais.
Desta forma, a parte da história da política habitacional que será abordada neste trabalho será aquela inserida no
período de 1970 a 2000. O corte temporal se encerra em 2000, porque, a partir desta data, devido ao embate de
idéias realizado nas eleições municipais – 2000, o grupo político re-eleito foi obrigado a incorporar, ao menos no
discurso, a questão social com representativo destaque (Em relação às eleições municipais de Curitiba, ver:
MOURA, R. ; KORNIN, T. . (Des)construindo o discurso eleitoral: o primeiro turno das eleições municipais
majoritárias em Curitiba no ano 2000. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, v. 16, p. 67-96, 2001). Essa
mudança de discurso teve rebatimentos nas ões concretas do Poder Executivo Municipal. Percebe-se que, até
2000, a política habitacional de Curitiba, com raras e efêmeras exceções, nunca foi colocada como “carro chefe”
dos governos locais. Ao passo que, a partir desta data, a questão habitacional e outras questões sociais de âmbito
municipal têm configurado recorrentemente entre os principais projetos das duas últimas gestões municipais.
Acredita-se que a política habitacional de Curitiba venha ganhando destaque e sofrendo mudanças a partir de
2000. Trata-se de alterações que se devem certamente não às condicionantes locais relatadas, como também
devido a conjuntura nacional favorável (em especial a criação do Ministério das Cidades, do Conselho Nacional
das Cidades e do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social entre outras ações promovidas pelo Governo
Federal nos anos subseqüentes). As mudanças em curso a partir de 2000 justificam, do nosso ponto de vista, o
recorte temporal definido, tendo em vista que, a partir desta data, a política habitacional de Curitiba ganha novos
contornos e seus rebatimentos na imagem da cidade, também em processo de transformação, certamente serão
outros, ainda não conhecidos.
66
de 1965 e, desde então, ela tem assumido o papel de “responsável pelo planejamento e
execução da política habitacional do Município de Curitiba” (COHAB-CT, 2004, p. 4).
Para uma melhor compreensão da atuação da COHAB-CT e do IPPUC no setor
habitacional dividimos a exposição da política habitacional de Curitiba em duas partes.
Na primeira parte procuramos, a partir das principais ações promovidas pelo
Poder Executivo Municipal no campo da habitação –, elaborar uma cronologia relativa à
política habitacional (Quadro 2). Para a organização dessa cronologia, como exposto no início
deste capítulo, buscamos identificar, entre os diversos planos, programas, projetos e leis
desenvolvidos pela municipalidade (entre 1970 e 2000), aqueles que, de nosso ponto de vista,
se dispunham a enfrentar a questão da habitação na metrópole a partir de uma visão “global”
da problemática.
O resgate e a distribuição no tempo dessas ações tiveram por objetivo traçar, para
o período, um quadro da intervenção pública municipal no setor da habitação. Esse quadro
teve por finalidade possibilitar a identificação do sentido, ou dos sentidos, adquirido(s) pela
política habitacional de Curitiba, no período correlato à constituição e à disseminação da
imagem de Curitiba veiculada pelo discurso da “cidade-modelo”.
Na segunda parte deste capítulo, abordamos a produção habitacional que foi
resultante dessa política. Procuramos explicitar: (i) os diferentes tipos de unidades
habitacionais produzidas (lotes, casas ou apartamentos); (ii) a distribuição/concentração dessa
produção no tempo e no espaço. Pretende-se, deste modo, revelar os resultados espaciais
concretos da política habitacional de Curitiba no espaço da cidade.
3.2.1 A Política de Habitação de Curitiba inscrita no contexto nacional
Recentemente, no Encontro Nacional da ANPUR, o professor Adauto Lucio
Cardoso, ao expor seu trabalho, intitulado Urbanização de Favelas no Brasil: revendo a
experiência e pensando os desafios, apresentou uma periodização referente às diferentes
formas de intervenção do Estado nas favelas brasileiras
46
.
Para Cardoso, a intervenção do Estado brasileiro no problema da habitação
poderia ser dividida em cinco fases. A primeira delas, situada entre 1900 e 1930, seria aquela
caracterizada pelo que o autor chamou de invisibilidade. Neste período o Estado não
reconhecia oficialmente a existência de favelas e o problema da habitação era considerado um
problema mais de ordem sanitária do que social.
46
Referimos-nos ao XII Encontro Nacional da Anpur, realizado nos dias 21 a 25 de maio de 2007, na cidade de
Belém, Estado do Pará.
67
Bonduki (2004) afirma que foi neste período que se originaram as primeiras
intervenções estatais na questão da habitação. Esse autor adverte, contudo, que tais
intervenções emergiram não para solucionar o problema da habitação em si, mas, sim, para
conter os surtos de epidemias que assolavam os principais centros urbanos do país à época.
Na perspectiva do autor, sob esse contexto, as ações do Estado disseram respeito unicamente
ao controle sanitário urbano.
Num período em que a questão social era tratada como caso de polícia, o problema
da habitação foi enfrentado pelo autoritarismo sanitário basicamente como uma
questão de higiene, na perspectiva de difundir padrões de comportamento, de asseio
e de hábitos cotidianos. A ação mais importante foi a extensão das redes de água,
embora a insuficiência da adução tenha gerado escassez. (BONDUKI, 2004, p. 43).
Para Bonduki (2004), fora a abordagem higienista, a participação do Estado no
campo da habitação, no período em questão, foi muito limitada.
O período subseqüente a este, que vai de 1930 a 1964, é aquele que, na
perspectiva exposta por Cardoso (2007), se caracterizaria por uma certa ambigüidade. Na
visão deste autor, nesta fase as intervenções do Estado oscilaram entre ações de repressão,
tolerância e de melhorias habitacionais. Em relação a esse momento da política habitacional
brasileira, Bonduki (2004) coloca que, a partir dos anos 30 (sob a era Vargas), a questão da
habitação:
[...] assumiu papel fundamental no discurso e nas realizações do Estado Novo, como
símbolo da valorização do trabalhador e comprovação de que a política de amparo
aos brasileiros estava dando resultados efetivos. No centro dessa concepção estava a
idéia de que o trabalho dignifica e gera frutos, os quais compensariam décadas de
sacrifício (p. 83).
Na concepção desse autor, a centralidade alcançada pela questão habitacional no
Estado Novo teve por finalidade a garantia da viabilidade do “projeto nacional-
desenvolvimentista” da era Vargas. A intervenção do Estado na questão da habitação
cumpriu, ao mesmo tempo, objetivos de ordem econômica e política. Econômica, pois numa
estratégia de industrialização do país em que a redução dos salários dos operários é uma das
formas de aumentar a taxa de acumulação a diminuição do preço da habitação do
trabalhador se fazia necessária, uma vez que ela era (e é) parte integrante da formação do
custo de reprodução da força de trabalho. E política, pois através da difusão da ideologia da
“casa-própria”, o Estado poderia contrapor as idéias socialistas e comunistas da época, e,
desta forma, conter as ameaças políticas que o colocavam em risco. Bonduki sintetiza esses
aspectos da seguinte forma:
A habitação operária torna-se, portanto, área crucial para a manutenção da ordem
econômica, política e social. Além de ser um bem essencial para a sobrevivência do
68
trabalhador, a moradia deveria tornar-se instrumento de transformação do
trabalhador em proprietário, desempenhando papel importante na criação de um
modo de vida conservador e reproduzindo os padrões de comportamento moral e
cultural burguês entre trabalhadores oriundos de vários países e longínquas regiões
do país (2004, p. 86).
A fase que se segue, referente ao período de 1964 a 1974, seria aquela
caracterizada pelo desfavelamento. Na primeira década do regime militar, segundo Cardoso
(2007), a intervenção do Estado teria se dado, majoritariamente, através de ações de remoção
de favelas. Contudo, o autor adverte que, paralelamente à ação do Estado, era sinalizada,
por parte dos movimentos sociais, profissionais e intelectuais, a bandeira da urbanização de
favelas.
As resistências dos moradores em relação aos processos de remoção e as
recorrentes críticas que tais processos receberam se constituíram em bases fortes que
questionaram os fundamentos desse tipo de intervenção estatal. Essas contraposições fizeram
com que até mesmo o próprio BNH, principal agente da política habitacional do país, revisse
seus pressupostos.
A crítica ao processo de remoção de favelas foi contundente: pesquisas mostraram o
impacto da remoção na desestruturação das condições de vida da população afetada,
com queda da renda familiar por aumento dos gastos com transportes e com
habitação, e com elevação dos níveis de desemprego dada a distância entre os locais
de moradia e de trabalho (VALLADARES, 1980). Além disso, destaca-se a
desestruturação dos laços de sociabilidade e vizinhança que permitiam melhores
condições de reprodução social das famílias faveladas. A política de remoção é
também contestada, em nível internacional, na I Conferência do Habitat, realizada
em Vancouver em 1976, reorientando os programas habitacionais das instituições
multilaterais como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento.
A partir da segunda metade da cada de 70, tendo extinto seus programas de
remoção, o próprio BNH institui programas alternativos, entre os quais destacou-se
o Programa de Erradicação da Sub-habitação PROMORAR, que se apresentava,
inclusive, como inovador: “será a primeira vez que se fará uma erradicação de
favelas no Rio, deixando os moradores na mesma área”, segundo palavras do então
Ministro Mário Andreazza(CARDOSO, 2007, p. 10-11).
A partir de então, de uma demanda popular, a urbanização de favelas, passou a
ser uma política oficial do Estado brasileiro. De acordo com Cardoso (2007), as intervenções
nas favelas, ocorridas no período de 1974 a 2003, vão se concretizar, em sua maioria, em
obras de urbanização. Para o autor, “[...] nos anos 80, começam a aparecer iniciativas de
governos estaduais e municipais no sentido de desenvolver programas de urbanização de
assentamentos precários” (p. 11). Essa fase, que durou aproximadamente três décadas pode,
na perspectiva de Cardoso, ser dividida em dois momentos sensivelmente distintos. O “divisor
69
d’águas” de tais momentos se refere à promulgação da Constituição Federal em 1988
47
que
atribuiu autonomia aos municípios brasileiros – e a extinção do BNH em 1986.
Assim, primeiramente, de 1974 a 1988, sob uma política nacional centralizadora,
as ações estatais sobre as favelas foram norteadas pelo BNH e se realizaram através do
programa PROMORAR
48
. No período seguinte, de 1988 a 2003, de acordo com Cardoso,
prevaleceram as experiências de urbanização promovidas pelos governos municipais.
A partir de meados dos anos 80 verifica-se uma ampliação do papel historicamente
desempenhado pelos municípios na elaboração e implementação de políticas
habitacionais. As experiências de urbanização e regularização de assentamentos
precários disseminam-se ao longo da década de 90 em quase todas as grandes
cidades do país (2007, p. 12).
A quinta e última fase seria aquela iniciada com o governo Lula e com a criação
do Ministério das Cidades. Por se tratar de um período ainda muito recente, Cardoso não fez
qualquer caracterização, apenas ressaltou que estaríamos diante do surgimento de um novo
modo de intervenção do Estado nas favelas brasileiras.
Quadro 1. Intervenção do Estado brasileiro em favelas
Fase Período Forma de intervenção do Estado
1ª fase 1900 a 1930 “Invisibilidade”
2ª fase 1930 a 1964 “Ambigüidade”: repressão, tolerância e melhorias
3ª fase 1964 a 1974 “Desfavelamento”: remoção de favelas
“Urbanização”: política oficial do Estado
1974 a 1988 BNH: PROMORAR
4ª fase 1974 a 2003
1988 a 2003 Experiências dos Governos Municipais
5ª fase 2003 – atual Governo Lula – Criação do Ministério das Cidades
FONTE: elaborado pela autora, com base em Cardoso (2007).
A exposição dessa periodização se fez necessária para podermos contextualizar a
política habitacional de Curitiba dentro de um movimento maior em que o Estado brasileiro
assume diferentes formas de atuar sobre a problemática da habitação.
47
No capítulo da Política Urbana, em seus artigos 182 e 183, a Constituição Federal dispõe sobre a “função
social da propriedade urbana” e institui os instrumentos de parcelamento ou edificação compulsórios, IPTU
progressivo no tempo, desapropriação com pagamento mediante títulos da vida pública e usucapião urbano.
Apenas em 2001, com a aprovação do Estatuto da Cidade, esses instrumentos, entre outros, seriam
regulamentados a nível federal.
48
De acordo com Blanco (2006), o programa PROMORAR, Programa de Erradicação da Subhabitação (1979),
“tinha por finalidade a erradicação de ‘subhabitações’ destituídas de condições mínimas de serviços e
salubridade, por meio da construção de moradias, do estímulo ao desenvolvimento comunitário e do apoio a
melhoria de infra-estrutura. O programa promovia a urbanização de favelas, sem remoção dos moradores, com a
construção de novas moradias, em diversos casos, por mutirão. Este foi o único programa do Sistema [SFH] a
atuar no próprio espaço onde se localizavam as habitações, proporcionando a permanência dos moradores na
área anteriormente habitada” (p. 33).
70
A partir da exposição de Cardoso, pode-se afirmar que a parcela da história da
política de habitação de Curitiba que relataremos (1970-2000) se insere na terceira e na quarta
fase descritas pelo autor (desfavelamento e urbanização). Ou seja, foi uma política municipal
formulada sob, inicialmente, o imperativo das ações de remoção de favelas (1964-1974) e,
posteriormente, sob a bandeira da urbanização levantada pelos movimentos sociais (1974-
2003).
Na seqüência, apresentamos a cronologia da política habitacional de Curitiba, a
partir da qual podemos perceber o alinhamento das ações realizadas no âmbito municipal com
as práticas habitacionais que caracterizaram a intervenção do Estado brasileiro no setor da
habitação, nos períodos de 1964 a 1974 e de 1974 a 2003.
Foi possível dividir a Política Habitacional de Curitiba em três fases distintas. A
primeira, referente ao final da década de 1960 e década de 1970, se caracterizou pela
predominância de ões voltadas à remoção e à erradicação de favelas. A segunda fase,
década de 1980, marcou o início das ações de urbanização de favelas e da provisão de lotes
urbanizados e, a última fase – década de 1990 se caracterizou especialmente pela instituição
de programas realizados em parceria com a iniciativa privada.
Quadro 2. Cronologia da Política Habitacional de Curitiba (1964-2000)
FASES
ANO Gestão Ação Instrumentos Legais
1964 Ivo Arzua Pereira
Política Habitacional do Município de
Curitiba
Lei ordinária
n°2515/1964
1965 Ivo Arzua Pereira
Criação da Companhia de Habitação Popular
de Curitiba (COHAB-CT)
Lei ordinária
n°2545/1965
1968 Omar Sabbag
Política de Erradicação das Favelas do
Município de Curitiba
Lei ordinária
n°3318/1968
1ª Fase
1976 Saul Raiz Plano de Desfavelamento
Lei ordinária
n°5358/1976
1979 Jaime Lerner
Programa Habitacional da Cidade Industrial
de Curitiba (CIC)
1980 Jaime Lerner
Carta da Favela: em seis pontos, uma
proposta de vida melhor
1980 Jaime Lerner
Criação dos Setores Especiais de Habitação
de Interesse Social
Decreto n°901/80
1984 Maurício Fruet
Plano Municipal de Habitação
(PROLOCAR, PROLOTES, FAVELAS)
1985 Maurício Fruet
1° registro de Regularização Fundiária (50
unidades no bairro Fazendinha)
2ª Fase
1989 Jaime Lerner Diretrizes para a Política Habitacional
(continuação)
71
FASES
ANO Gestão Ação Instrumentos Legais
1990 Jaime Lerner Criação do Fundo Municipal de Habitação
Lei municipal
n°7412/90
1990 Jaime Lerner
Instituição de incentivos para implantação de
Programas Habitacionais de Interesse Social
Lei municipal
n°7420/90
1990 Jaime Lerner Projeto Sítio Cercado - "Bairro Novo"
1991 Jaime Lerner
Programa Lotes Urbanizados / Programa
Parceria com a Iniciativa Privada
1994 Rafael Greca
Instituição de condições específicas para a
implantação de lotes e loteamentos populares
Lei municipal
n°8412/94
1995 Rafael Greca Criação do Setor Especial "Vila de Ofícios" Decreto n°477/96
3ª Fase
2000 Cássio Taniguchi
Criação de novos Setores Especiais de
Habitação de Interesse Social
Decreto n°250/00
FONTES:
IPPUC. Curitiba planejamento: um processo permanente. Curitiba: IPPUC, 2002a.
IPPUC. Memória da Curitiba Urbana. Curitiba: IPPUC, 1990.
COHAB-CT. Empreendimentos concluídos (1965-2006)
Site da Câmara Municipal de Curitiba: <www.cmc.pr.gov.br>. Acesso em: 5 out. 2006.
Elaborado pela autora.
3.2.2 Primeira Fase (1964-1979) – remoção de favelas
Ao observarmos a cronologia da política habitacional de Curitiba, apresentada no
quadro 2, verificamos que, as ações realizadas no Município, de 1964 até final da década de
70, seguiram fielmente o paradigma que, no período, norteava as intervenções do Estado
brasileiro na questão habitacional. Ou seja, as ações do Poder Executivo Municipal de
Curitiba, desenvolvidas naquela época, centraram-se, quase que exclusivamente, na remoção
das favelas existentes, desta forma não se distinguindo da política que era praticada no
restante do país.
O primeiro registro que encontramos sobre uma Política Municipal de Habitação
para Curitiba foi a “Política Habitacional do Município de Curitiba”, elaborada em 1964,
antes mesmo da criação da COHAB-CT. Essa política apresentava, entre suas ações
prioritárias, “a construção de conjuntos habitacionais destinados à eliminação de favelas,
mocambos e outros aglomerados em condições sub-humanas de habitação”
49
.
No rastro dessa determinação, três anos após a aprovação da lei que instituía essa
política, a COHAB-CT, recém-criada em 1967, entregava o primeiro conjunto habitacional do
país financiado pelo Banco Nacional de Habitação. O conjunto Nossa Senhora da Luz dos
49
Inciso I, artigo 3º da Lei n° 2515/1964, que “Dispõe sobre a Política Habitacional do Município de Curitiba”.
72
Pinhais, com aproximadamente 2100 casas, fora construído na porção sul do Município,
região até então não urbanizada e que mais tarde viria a se tornar a Cidade Industrial de
Curitiba (CIC).
Localizado a 15 quilômetros de Curitiba, o conjunto cobriria mais de 700 mil metros
quadrados de área, com 2.150 casas dotadas de equipamento urbano social: grupo
escolar, igreja, administração, centro de saúde, mercado, playgrounds, centros
esportivos, saneamento básico, e linhas de ligação com a cidade que permitiriam, em
teoria, um translado de 10 minutos até o centro de apenas 5 minutos até o Portão. Na
prática, o próprio conjunto já era desafio de engenharia mais do que suficiente, e foi
cumprido dentro dos prazos para atender à ambição de promover a erradicação das
favelas da cidade, na Operação Desfavelamento de Curitiba, que seria conhecida
como Operação Mudança (BOLETIM..., p. 10).
Assim, a construção desse conjunto habitacional tinha por objetivo eliminar as
favelas que até então haviam sido formadas em Curitiba. De acordo com o arquiteto Alfred
Willer
50
,
O objetivo era acabar com as favelas de Curitiba. Foi feito um levantamento sócio-
econômico direto pela COHAB. Quando ela foi fundada nós já tínhamos uma equipe
de sociólogos, ou melhor, assistentes sociais e uma socióloga. Essa equipe fez um
levantamento de todas as favelas de Curitiba na época. Eram poucas. Nas favelas
estavam duas mil e poucas famílias, então se dimensionou a vila em função disso
51
.
Todavia, o reduzido número de famílias faveladas, que o chegava a 2% da
população do município
52
, não foi suficiente para garantir a viabilização do objetivo de
extinguir por completo as favelas de Curitiba. Isso porque nem todos os favelados puderam se
enquadrar nos critérios do programa e se comprometer com as prestações das casas
financiadas pelo BNH. Nas palavras de Willer,
O BNH que na época era o banco financiador (Banco Nacional da Habitação) exigia
retorno garantido. Ele não dava a casa de graça, ele financiava a casa em 20 anos.
Ele precisava que o chefe da família tivesse um emprego mais ou menos estável.
Acontece que naquela época, não sei como está agora, a maioria dos moradores da
favela tinham emprego instável. Eram biscateiros, tinham subempregos,
trabalhavam na construção civil, mas não eram registrados. Não tinham como
garantir um empréstimo por isso eles não foram atendidos e continuaram na favela.
Depois em planos posteriores tentou-se contornar esse problema de várias maneiras.
Mas na minha época a filosofia era essa, coordenada pelo BNH. s conseguimos
atender não me lembro quanto por cento dos favelados, desses favelados mesmo
depois de selecionados criteriosamente dentro da capacidade financeira de retorno e
também de necessidade, uma boa parte abandonou as casas na primeira onda de
50
Arquiteto e urbanista, diretor técnico da COHAB-CT em 1966 e um dos autores do projeto da Vila Nossa
Senhora da Luz.
51
Este trecho foi extraído de uma entrevista realizada pela autora com o arquiteto Alfred Willer, em 2000. Essa
entrevista fez parte da elaboração do trabalho chamado Vila Nossa Senhora da Luz, desenvolvido no âmbito do
curso de graduação de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Paraná. Este trabalho foi elaborado
em conjunto com as arquitetas: Regina M. Martins Araújo, Melissa Belló, Constança Carla Caroline Tomaselli,
Constança Lacerda Camargo e Lorreine Santos Vaccari, para a Disciplina Arquitetura Popular.
52
Se considerada uma população total de 609.026 habitantes (Censo de 1970) e uma população favelada de 8000
habitantes. Esta última calculada com base na média de 4 pessoas/família e de 2000 famílias faveladas (1967).
73
desemprego. Não conseguiram mais pagar as prestações e venderam ou repassaram
suas casas.
Não eliminado o problema, em 1968, sob o mesmo princípio que orientou a
proposta do conjunto habitacional de 2100 casas, foi elaborada a Política de Erradicação das
Favelas do Município de Curitiba. Tal política autorizava o Poder Executivo Municipal a
“erradicar as favelas do Município de Curitiba e solucionar o problema habitacional dos
favelados”
53
. Para a efetivação desse objetivo, previa-se, “a transferência dos seus moradores
para habitações provisórias construídas [...] onde poderá permanecer até que atinjam estágio
econômico e social que lhes permita aquisição ou locação de outro imóvel”
54
.
Neste sentido foram construídos, no ano de 1971, quatro “núcleos de habitação
transitória” nos bairros Boqueirão, Barreirinha, Santa Amélia e Jardim Campo Alegre. Esses
núcleos, de acordo com o IPPUC, visavam
[...] oferecer à população favelada condições de estágio intermediário entre a
favela e a comunidade urbana, visando a sua posterior integração à vida
normal da cidade. Nesses conjuntos encontravam-se pequenas casas, do tipo meia-
água, sem infra-estrutura básica, como água, esgoto, luz, arruamento e outros
serviços. O prazo de permanência das famílias nesses conjuntos variava, na
previsão, de 6 meses a 2 anos, não havendo, por parte da Prefeitura, uma
programação rígida que realmente as promovesse e que possibilitassem um rodízio
constante no atendimento dessa população (1979, p. 4, grifos nossos).
Essa proposta explicita a concepção que se tinha, no período, em relação às
favelas. “A favela era principalmente um lugar de acolhida de migrantes, um ‘estágio’ em
uma trajetória de progressiva integração social.” (CARDOSO, 2007, p. 6). Tal integração
social seria impulsionada pelo Estado através das chamadas “habitações provisórias”. O
objetivo dessas “habitações” era o de promover a progressiva integração dos favelados em um
ambiente urbano “normal”. Elas seriam, portanto, um estágio entre o ambiente urbano
“anormal” a favela e o ambiente urbano “normal” a cidade consolidada. Um “ritual de
passagem” dos favelados, de caráter temporário e provisório.
De acordo com Cardoso (2007), essa experiência foi concretizada na cidade do
Rio de Janeiro através dos “Parques Proletários Provisórios”, criados em 1941. Por sua vez,
em Curitiba, passadas três décadas da experiência carioca, vivenciaríamos a mesma prática,
no ano de 1971, com a construção dos núcleos de habitação transitória referidos acima. De
acordo com o IPPUC (1979), esses núcleos acabaram por se tornar, “para a população
residente, não uma moradia transitória, mas uma situação cômoda e definitiva” (p. 5).
53
Inciso II, artigo 1° da Lei n° 3318/1968, que “Dispõe sobre a política de Erradicação das Favelas do Município
de Curitiba e dá outras providências”.
54
Inciso IV, artigo 1° da Lei n° 3318/1968.
74
Em 1972, apoiado em uma avaliação crítica da intervenção realizada, o Poder
Executivo Municipal decidiu extinguir os “núcleos habitacionais”, excetuando-se apenas as
“casas doadas aos moradores que, na época, conseguiram comprar seu próprio terreno” (1979,
p. 5)
55
.
Aqui se deve destacar que o ano de 1971, além de ser a data que marcou a
construção dos “núcleos habitacionais transitórios”, também correspondeu à primeira gestão
do prefeito Jaime Lerner. De acordo com Sánchez (1993),
Nesses anos foram implantadas as diretrizes contidas no Plano Diretor de 1966 e
implementado um amplo projeto de modernização da cidade. É nesse contexto que
identificamos também o início da construção da imagem síntese: Curitiba cidade
modelo (p. 16).
Paralelamente a esse processo de modernização da cidade, a Prefeitura Municipal,
agora sob gestão de Saul Raiz (1975-1978), decidiu elaborar o Plano de Desfavelamento. Em
1974, Curitiba apresentava o número de 4.083 domicílios distribuídos em 35 favelas, o que
correspondia a uma população de 21.036 habitantes (IPPUC, 1976, p. 12). Se, em 1967, esse
número era de aproximadamente 2000 domicílios, pode-se afirmar que o número de
domicílios favelados havia crescido, naquele período, a uma taxa de 9,33% ao ano.
E foi esse crescimento que chamou a atenção da Prefeitura Municipal de Curitiba,
em meados da década de 1970, para o problema da habitação.
No início da atual gestão, houve a preocupação de se propor um plano de
desfavelamento para Curitiba, em função de que o contingente populacional nessas
condições de moradia, embora pequeno se comparado com o de outras capitais do
país, passa a exigir uma determinada solução, pelo seu ritmo de crescimento
(IPPUC, 1979, p.5).
Neste contexto, em março de 1976, publicou-se o Plano de Desfavelamento, sob o
título “Política Habitacional de Interesse Social”. Os objetivos principais desse plano eram:
I - Erradicação das favelas, mediante a mudança das famílias para casas a serem
construídas em locais fixados pela Prefeitura;
II - Adaptação das famílias ao seu novo meio ambiente, educando-as para a sua
integração social
56
.
Percebe-se que a concepção de que as favelas deveriam ser removidas da “cidade-
modelo” continuou presente na política de Curitiba. O que apareceu de “novo”, em relação a
prática municipal anterior, foi que o Plano de Desfavelamento propunha a transferência das
55
Ressalta-se que não foram encontrados registros em relação ao destino dado às famílias que não dispuseram de
condições para adquirir os lotes. Acredita-se que tenham retornado ao estágio inicial do “ritual de passagem”: a
favela.
56
Artigo 1° da Lei 5358/1976 que “Institui o Plano de Desfavelamento e dá outras providências”.
75
famílias faveladas não mais para uma habitação de caráter transitório, mas, sim, para uma
casa definitiva. Essa casa definitiva não poderia, contudo, ser construída em qualquer região
da cidade, pois, na perspectiva do Plano, as famílias deveriam ser localizadas “em áreas mais
adequadas ao seu padrão sócio-econômico, para que gradativa e realisticamente” ocorresse
sua integração à sociedade
(IPPUC, 1976, p. 19). Permanece deste modo aquela visão de que
a favela seria o local primeiro de uma trajetória urbana de progressiva ascensão social e que a
política habitacional seria o elemento facilitador desse processo.
Nesse Plano de Desfavelamento, não a favela continuava sendo vista como um
ambiente urbano “anormal”, como o favelado era “caracterizado” por aquela
[...] pessoa de baixo padrão cultural e social, que mora em sub-habitação agrupada
sob a forma de favela, esta entendida como o conjunto de casebres rudemente
construídos com restos de materiais, desprovidos de condições higiênico-sanitárias e
levantadas em terrenos baldios ou às margens dos rios
57
(grifos nossos).
Convém recordar que, à época de elaboração desse plano, o Poder Executivo
Municipal de Curitiba já havia realizado as seguintes ações: (i) 1971 – fechamento da Rua XV
e sua transformação em calçadão; (ii) 1972/1973 implantação dos Setores Estruturais
(avenidas estruturais e sistema trinário que, no discurso, definiram os eixos de expansão da
cidade); (iii) 1973 criação da Cidade Industrial de Curitiba (CIC); e (iii) 1974 circulação
dos “ônibus expressos” nas canaletas exclusivas para o transporte coletivo (SÁNCHEZ,
1993). Ou seja, o plano de desfavelamento se inseriu na seqüência de uma série de
intervenções urbanísticas que foram levadas a cabo na primeira metade da década de 1970 na
cidade de Curitiba.
Num contexto de concretização de projetos de grande porte, que tinham por
objetivo transformar, organizar e racionalizar o espaço da metrópole, caberia à política
habitacional, portanto, a “erradicação das favelas” da “cidade-modelo”. Esse objetivo, por sua
vez, se colocava na contramão do movimento nacional – que vinha se constituindo – de crítica
à remoção de favelas e de defesa da permanência das famílias em seus locais de moradia.
Cientes de que a proposta do plano de desfavelamento manifestava um posicionamento
político conservador, numa conjuntura nacional que exigia mudanças na forma de atuação nas
favelas, a Prefeitura Municipal de Curitiba se pressionada a justificar “tecnicamente” a
adoção da remoção de favelas como política municipal, uma vez que tal tipo de intervenção, a
nível nacional, já perdia sua hegemonia.
57
Artigo 3° da Lei Municipal 5358/1976.
76
Diante deste impasse, o plano de desfavelamento, ao mesmo tempo em que
propunha a remoção das favelas curitibanas, paradoxalmente advertia que tais processos
poderiam trazer conseqüências prejudiciais às famílias atingidas.
Essas relocações, geralmente para grandes conjuntos, trazem como conseqüências
imediatas o gradual afastamento de tal população do seu mercado de trabalho, que,
via de regra, é o centro da cidade [...] Um outro aspecto analisado diz respeito à
relocação ou à urbanização da própria favela. O que se observa é que assentamentos
marginais, principalmente em regiões litorâneas Rio de Janeiro, Salvador, Recife
entre outras pela sua magnitude e principalmente condição cultural em relação à
cidade, admitem melhor a sua própria urbanização. Analisada pelo prima social, é
toda uma condição cultural à própria cidade, que corre o perigo de ser desintegrada
quanto espacialmente ocorrem mutações. A solução proposta para Alagados, em
Salvador, além de um novo enfoque da favela, é extraordinária por esse aspecto
(IPPUC, 1976, p. 19).
O paradoxo é resolvido quando a Prefeitura Municipal afirma que, para o caso de
Curitiba, a urbanização não era a melhor solução. Isso porque,
Em Curitiba, a maioria das favelas encontra-se localizada na própria malha urbana,
algumas em áreas particulares, outras ao longo de faixas de rios e canais, onde
agravam-se os problemas de higiene e saneamento. A proposta prevê a relocação,
balizada nos seguintes aspectos:
São formações relativamente pequenas e recentes, que, aliadas à própria
origem da população eminentemente rural –, não têm características culturais
marcantes para a cidade.
Algumas áreas ocupadas são necessárias para projetos prioritários (Ex.:
favela do Capanema – extensão do campus da Universidade Federal do Paraná e
criação do Parque da Cidade).
Num estágio inicial, a necessidade de localizá-las em áreas mais adequadas
ao seu padrão sócio-econômico, para que gradativa e realisticamente ocorra
sua integração.
A necessidade de evitar seu crescimento espontâneo, para possibilitar um
trabalho social mais atuante e controlado (IPPUC, 1976, p. 19, grifos nossos).
E foi com base nesses argumentos que o Poder Executivo Municipal de Curitiba
deu continuidade à política de remoção de favelas, deflagrada em 1967 com a construção do
conjunto habitacional Nossa Senhora da Luz. Essa política se estenderia até o final da década
de 1970, já a afirmação de que as favelas em Curitiba são “relativamente pequenas e recentes”
continuaria no discurso da Prefeitura Municipal por mais de duas décadas. Em 1990, Rafael
Dely concede um depoimento ao IPPUC e assegura que,
No caso de Curitiba, as favelas são, via de regra, formações pequenas e recentes
ainda não se consolidaram como comunidade e, salvo raras exceções, encontram-
se localizadas em áreas de risco, insalubres e sujeitas a inundações. Um outro fator é
a escala da cidade. Curitiba, pela sua dimensão, ainda permite que a relocação de
uma favela possa se dar para um lugar cuja distância do mercado de trabalho seja
quase idêntica à posição original. Portanto cada caso é um caso, e essa questão de
77
generalizar, ou seja, sempre a solução é urbanizar, relocação é crime, etc., é história
teórica (IPPUC, 1990, p.19-20)
58
.
O resultado obtido pela política de desfavelamento, efetivada em Curitiba na
segunda metade da década de 1970, foi a remoção de 2.236 domicílios favelados. Essa
remoção representou a extinção de nove favelas e a relocação de aproximadamente 11.521
pessoas (DDS/IPPUC, 1982, apud ROLIM, 1985).
Tabela 9. Política de Desfavelamento: domicílios e população removida – 1974/79
DOMICÍLIOS PESSOAS
FAVELAS
1974
1978
1979
TOTAL 1974
1978
1979
TOTAL
Belém 569
342
208
1.119
2.476
1.977
1.110
5.563
Mercês 6
3
3
12
25
23
9
57
V.R. Barigui 67
196
194
457
356
1.186
980
2.522
São Carlos 119
63
87
269
567
370
472
1.409
Solitude 37
41
40
118
164
252
175
591
Três Marias 0
31
23
54
0
202
145
347
Taboão 18
6
7
31
87
47
36
170
Iguaçu 9
71
14
94
35
393
60
488
Vitória 32
26
24
82
128
130
116
374
TOTAL 857
779
600
2.236
3.838
4.580
3.103
11.521
FONTE: DDS/IPPUC, 1982, apud, ROLIM, 1985.
Se considerássemos que, desde 1974, o número de domicílios presentes nas
favelas curitibanas não tivesse apresentado crescimento, o alcance da política de
desfavelamento teria sido de aproximadamente 50%, uma vez que foram “desfavelados” no
período mais da metade dos domicílios que se encontravam em tal situação no ano de 1974
(4.083). Contudo, o crescimento da população favelada não se estagnou e o que se verificou
na realidade foi que, durante esses cinco anos, apesar das ações de remoção, ocorreu um
acréscimo de 1.984 domicílios irregulares na cidade que se fazia conhecida nacionalmente
pelo êxito de seu planejamento urbano.
Tabela 10. Município de Curitiba: favelas, domicílios e população favelada
1971/1982
Anos 1971
1974
1978
1979
1982
Áreas 21
35
43
46
52
Domicílios 2.213
4.083
5.068
6.067
7.716
População
(1)
11.401
21.036
26.110
31.257
39.753
tx. de crescimento
(2)
22,65
5,55
19,71
8,34
Fonte: IPPUC/Banco de Dados, Setor de Pesquisa e Monitoração (Pesquisa de Campo).
58
Vale recordar que, como vimos no Capítulo 2, a cidade de Curitiba apresentava, no ano de 1990, cerca de 25
mil domicílios distribuídos em 209 áreas de ocupações irregulares.
78
Informações extraídas da tabela: "Áreas e Domicílios em Ocupações Irregulares, em Curitiba - 1971 a 2000",
disponível em: <http://ippucnet.ippuc.org.br/Bancodedados/Curitibaemdados/Curitiba_em_dados_Pesquisa.asp>
Acesso em: 12 out. 2006.
(1)
População calculada com base na média de 5,15 habitantes/domicílio verificada no período de 1974/79.
(2)
Taxa Média Geométrica de Incremento Anual, representa a evolução anual no período.
Nota-se, pela Tabela 10, que a taxa geométrica de crescimento da população
residente em favelas, a partir de 1974, apresentou um acentuado decréscimo. Essa redução
pode ser explicada tanto pelas remoções iniciadas naquele ano como pela fiscalização da
Prefeitura, que, no período, adotou uma postura “mais gida”. De acordo com Rolim (1985),
o Poder Executivo Municipal,
[...] proibiu novas construções de barracos, e qualquer aumento ou melhoria dos
mesmos. Para garantir estas determinações, enviou fiscais para os núcleos favelados,
com poder para derrubar as casas, e confiscar o material que estivesse sendo
utilizado. Estes fiscais tinham a cobertura da polícia (p.76-77).
Essas ações nas favelas curitibanas, no entanto, não representaram de fato uma
resolução do problema da habitação. Acredita-se que a diminuição na taxa de crescimento da
população favelada deveu-se mais à extinção das favelas enquanto formação urbana e à
transferência das famílias para áreas “mais adequadas ao seu padrão sócio-econômico”, do
que à integração social efetiva dessa população à “cidade-modelo”.
Faz-se necessário lembrar que tais iniciativas municipais não se deram sem
conflitos, conforme relata um Jornal local,
Quem nas vilas não se lembra dos duros tempos em que favelados viviam sob
constantes ameaças de fiscais, os policiais armados e capangas de supostos
proprietários de áreas litigiosas? Não foram poucos os barracos com mulheres e
crianças dentro derrubados por máquinas. da favela da Vila São Carlos foram
retiradas, mediante emprego de violência, mais de 800 famílias (Jornal Boca no
Trombone, 1980, apud, ROLIM, 1985, p. 77).
A década de 1970, portanto, foi marcada por uma política habitacional que tinha
por princípio extinguir as favelas de Curitiba. Neste período conviveram lado a lado no
território da cidade –, intervenções urbanísticas (que mais tarde viriam a se tornar os símbolos
da “cidade-modelo”) e ações autoritárias e violentas de remoção das famílias faveladas. A
política habitacional de Curitiba começaria a mostrar indícios de mudança no início dos anos
80.
3.2.3 Segunda Fase (1980-1990) – urbanização, regularização e produção de lotes
No dia 31 de março de 1980 é divulgada a Carta da Favela (apud SOUZA, 1999)
evento que de nosso ponto de vista marca o início de uma nova postura da Prefeitura
Municipal em relação ao problema da habitação. Ainda que de maneira incipiente, a Carta da
79
Favela que nada mais era do que “um programa geral de atuação para as favelas da cidade”
(Carta da Favela) colocava em pauta a questão da urbanização. A remoção não era mais a
“palavra de ordem” da política habitacional de Curitiba. A partir de então nem todas as
favelas deveriam ser removidas.
A “Carta” propunha a urbanização das favelas, em terrenos públicos ou
particulares, mediante o atendimento a determinados critérios. O principal deles era que as
áreas deveriam dispor de condições favoráveis de salubridade e, nos casos das favelas
situadas em terrenos particulares, além da característica de salubridade, a área deveria
apresentar um “preço viável”. O documento, no entanto, não definia os termos “salubridade”
nem tampouco “preço viável” o que, por sua vez, resultava em um alto grau de subjetividade
no processo de deliberação da ação da Prefeitura Municipal.
Nas situações em que os terrenos fossem caracterizados como insalubres, seria
ofertada às famílias “a oportunidade de aquisição de unidades em programas especiais da
COHAB” (Carta da Favela). Dada essa “oportunidade”, a Prefeitura ficaria “desobrigada de
manter programas de melhoria de qualidade de vida nessas áreas” (Ibidem). Às famílias que
tivessem adquirido lote próprio, ou aquelas que viessem a fazê-lo teriam “a construção da
moradia financiada pela COHAB” (Ibidem).
Além dessas propostas, a Carta da Favela estabelecia a “implantação, em Curitiba
e municípios da região metropolitana, de comunidades rurbanas, voltadas para a produção
hortigranjeira” (Ibidem). Tais comunidades teriam por objetivo absorver as famílias de
origem rural que, à época, residissem nas favelas.
Os resultados concretos da “Carta”, de acordo com levantamento realizado pelo
Departamento de Desenvolvimento Social (DDS) (1981), foram,
1) até dezembro de 1980 tinham sido assinados 867 termos de ciência e
concordância, sendo 301 para aquisição de embriões do tipo E7 [com área de 7m² e
instalação elétrica e hidráulica], 436 para embriões do tipo E23 [com área de 23m²,
com água e luz] e 130 para lotes urbanizados;
2) em 1981 foram entregues as seguintes unidades habitacionais: Acácia (23),
Palmeiras (309), Nova Órleans (49), Gramados II (42); em 1982: Conjunto
Moradias Belém (127), Coqueiros I, II e III (321) e Trindade (131);
3) os moradores que adquiriram terreno próprio são em mero de 501, sendo 371
no Conjunto Barigui e 130 no Palmeiras;
4) 60 famílias utilizaram o programa de financiamento da casa própria;
5) foi implantada uma primeira comunidade rurbana em Campo de Santana, para
onde se transferiram 10 famílias de áreas faveladas, da SIBISA e Rio Negro (apud
ROLIM, 1985, p. 80-81).
Constata-se, com base nos dados apresentados pela Prefeitura Municipal, que, ao
menos no primeiro ano de implantação das diretrizes da Carta da Favela, nenhuma ação de
80
urbanização tinha sido deflagrada por parte do Poder Executivo Municipal. Todos os
resultados se referiram à produção de unidades habitacionais (embriões, apartamentos ou
lotes) em regiões distintas das favelas urbanas.
Assim, parece que, na primeira metade da década de 1980 a prática da
urbanização tenha ficado apenas no discurso. De acordo com Rolim, “a urbanização proposta
pela Prefeitura previu atingir seis áreas faveladas num total de 975 lotes urbanizados” (1985,
p.82). Os registros apontam, entretanto, para uma continuidade da ação de transferência das
famílias faveladas para loteamentos ou conjuntos promovidos pela COHAB-CT.
O que parece ter mudado substancialmente, a partir da Carta da Favela, foi a
forma de “caracterizar” a população favelada. Se antes o morador da favela era visto como
uma pessoa de “baixo padrão cultural e social”, a partir da década de 1980, as famílias
residentes nas favelas curitibanas passam a ser vistas como uma população:
[...] constituída de trabalhadores, pessoas que dão uma contribuição efetiva ao
desenvolvimento da cidade. Não são marginais, nem “diferentes”. Não optaram pela
situação em que vivem, mas a ela foram constrangidos pela expulsão do meio rural
ou pelas dificuldades ecomicas que atingem, na área urbana, as camadas de baixa
renda (Carta da Favela apud SOUZA, 1999).
A Carta da Favela, portanto, inicia uma nova fase da política habitacional de
Curitiba. Ainda que a princípio a urbanização das favelas não tenha se configurado entre as
ações prioritárias da Prefeitura Municipal até porque, acredita-se, que a disponibilidade de
recursos permitia a promoção direta de unidades habitacionais por parte do município e a
remoção das famílias para essas novas áreas –, ao menos a “Carta” colocou a questão da
urbanização na pauta da política municipal. Desta forma, finalmente rompeu-se a nível
municipal – com a idéia de que a única solução para as favelas curitibanas era a remoção.
A segunda metade da cada de 1980 irá se caracterizar por ações bem distintas
daquelas efetivadas pela política de remoção de favelas que vigorou por toda década de 1970
na “cidade-modelo”. Dois planos habitacionais foram elaborados pela Prefeitura Municipal
neste período: o Plano Municipal de Habitação (1984) e as Diretrizes para a Política
Habitacional (1989). O primeiro deles foi desenvolvido na vigência do BNH e o segundo,
após a extinção do Banco.
Embora esses planos tenham sido construídos em gestões políticas distintas, 1984
– Maurício Fruet (PMDB) e 1989 Jaime Lerner (PDT), eles apresentaram muitos pontos em
comum. Nas duas propostas houve: (i) a priorização da produção de lotes urbanizados em
detrimento da construção de casas ou apartamentos; (ii) a definição de ações de urbanização e
81
regularização fundiária para as favelas curitibanas e (iii) o apontamento da necessidade de
criação do Fundo Municipal de Habitação – FMH.
A mudança de sentido da política habitacional de Curitiba adquirida neste período
teve interferência direta na produção habitacional da COHAB-CT. Na década de 80,
aproximadamente 30% de todas as unidades habitacionais produzidas pela Companhia foram
lotes urbanizados, situação bem distinta daquela encontrada nos anos 70
59
. Se por sua vez
analisarmos a atuação da Companhia nos processos de regularização fundiária verificar-se-á
que, à década de 70 não havia sido realizado nenhum processo de regularização de favelas
enquanto que, nos anos 80, 1.443 lotes tiveram sua situação fundiária regularizada pela
Companhia Municipal de Habitação.
Com base nesses dados é possível mostrar, ainda que de maneira sucinta pois a
produção habitacional do Município será analisada na seqüência deste capítulo –, que a
política habitacional de Curitiba passou por um processo de inflexão na década de 1980. A
partir deste período passou-se a priorizar a produção de lotes urbanizados e as ações de
regularização e urbanização de favelas. Essa tendência é verificada posteriormente na cada
de 1990, em que a produção de lotes chega a 63% da produção habitacional da COHAB e o
programa de regularização fundiária atinge a marca de 11.079 lotes.
O Plano Municipal de Habitação de 1984 é aquele que vai inaugurar essa “nova”
fase da política habitacional de Curitiba, uma vez que esse plano se centrou maciçamente na
produção de lotes urbanizados e na regularização e urbanização de favelas. O plano previa a
criação e a implantação de três programas:
PROLOCAR assentamento emergencial para famílias em áreas de risco;
PROLOTES – destinado à produção de lotes urbanizados; e
FAVELAS – atuava na legalização e urbanização de favelas em áreas públicas
(IPPUC, 2002a, p. 47).
Além desses programas, o Plano apontava a necessidade de criação do Fundo
Municipal de Habitação (FMH), o qual, por sua vez, seria efetivamente criado no ano de
1990
60
. De acordo com Rolim (1985), o Plano de Habitação de 1984 estabelecia como
objetivo inicial do FMH a provisão de recursos para os programas habitacionais destinados ao
atendimento das famílias que auferissem renda de até 3 salários mínimos ou àquelas que
estivessem à margem dos programas do Sistema Financeiro da Habitação. Ou seja, o Plano
59
A produção de lotes urbanizados, na década de 70, não chegou a 1% da produção total da COHAB.
60
O Fundo Municipal de Habitaçao é oficialmente criado e regulamentado pela Lei municipal n°7412/1990.
82
definia qual população seria beneficiada pelos recursos do Fundo, no entanto deixava em
aberto a origem dos recursos que o comporiam.
O melhor detalhamento do Fundo viria em 1989, com a elaboração das Diretrizes
para a Política Habitacional. As Diretrizes” deram continuidade ao desenvolvimento de
uma política municipal voltada à produção de lotes e à regularização fundiária. O que surge
de “novo” em 1989 são as “parcerias” com a iniciativa privada. A necessidade de captação de
recursos, tendo em vista a escassez gerada pela extinção do BNH, fez com que a Prefeitura
Municipal recorresse às “parcerias” com o setor privado visando garantir a promoção de
unidades habitacionais.
A instituição do Fundo Municipal de Habitação, proposto desde 1984, tornou-se,
portanto, uma ação imperativa ao governo municipal dada a conjuntura de interrupção das
transferências dos recursos federais e a necessidade de alocação e gerenciamento dos recursos
que seriam gerados pelas “parcerias” com a iniciativa privada. E é neste contexto que, em
1989, o documento intitulado “Diretrizes para a Política Habitacional” propõe a criação do
FMH.
Como instrumento financeiro, propõe-se, a criação do FUNDO MUNICIPAL DE
HABITAÇAO. O F.M.H. terá caráter rotativo e gerenciamento da COHAB-CT,
contando com as seguintes fontes de recursos:
- dotação orçamentária da iniciativa privada referentes à instituição da venda de
potencial construtivo;
- recursos oriundos do Governo Federal;
- receitas advindas do pagamento de prestações relativas a financiamentos
concedidos pelo F.M.H.;
- outras receitas eventuais.
O caráter rotativo do F.M.H. permite ampliar consideravelmente a oferta de
unidades produzidas a partir do aporte inicial de recursos, através do reinvestimento
das amortizações no decorrer do tempo (IPPUC, 1989)
.
Outro aspecto importante que merece destaque, em relação às propostas
constantes das "Diretrizes", são as intervenções definidas no campo da legislação urbanística,
campo que até então tinha sido ocupado pela política habitacional com a criação dos
Setores Especiais de Habitação de Interesse Social em 1980, via Decreto
61
. As principais
ações estabelecidas pelas "Diretrizes", no âmbito da regulação do uso e da ocupação do solo
da cidade, consistiram nos seguintes tópicos:
1. Revisão no zoneamento de uso do solo, em alguns de seus aspectos,
especialmente no que tange à coeficientes de aproveitamento e altura de edificações
em determinadas áreas da cidade. O aumento do potencial construtivo será
"vendido" aos interessados e o produto dessa venda, transferido para o F.M.H.
61
Os Setores Especiais de Interesse Social foram inicialmente instituídos pelo Decreto n°901/1980.
83
2. Estabelecer um conjunto de normas, específicas para loteamentos de padrão
popular, com parâmetros similares àqueles, hoje, liberados pela COHAB-CT
(IPPUC, 1989).
O primeiro item propunha a flexibilização do potencial construtivo em
determinados setores da cidade, ou seja, se daria a possibilidade da adoção de um potencial
construtivo superior ao estabelecido em legislação municipal desde que essa diferença fosse
alcançada de maneira onerosa
62
. Os recursos oriundos dessa flexibilização seriam transferidos
ao FMH.
O segundo item se refere à flexibilização dos padrões urbanísticos nos
loteamentos populares. Essa proposta deu início ao programa conhecido mais tarde como
Parceria com a Iniciativa Privada. Esse programa se consolidaria efetivamente na década de
1990 e em 1994 seria regulamentado por Lei municipal
63
. Além da possibilidade de redução
de alguns parâmetros urbanísticos, como, por exemplo, o tamanho do lote, ficava estabelecida
uma comissão especial, formada por diversos órgãos do Poder Executivo Municipal e
Estadual
64
, voltada à aprovação dos projetos de loteamentos de interesse social. A criação
dessa comissão tinha por objetivo dar agilidade aos processos de aprovação. Tal comissão foi
instituída em 1989, quando da concepção do programa de “parceria” para produção de
loteamentos populares.
Os incentivos dados à iniciativa privada para que esta se inserisse no programa
eram os seguintes:
Os proprietários interessados em implantar um loteamento popular terão permissão
para oferecer lotes menores (mínimo de 125 m
2
), o que resultará um número maior
de lotes e as exigências de infra-estrutura serão limitadas a: arruamento parcial,
valetas para águas pluviais e rede d’água e energia elétrica, diminuindo assim os
custos de implantação (IPPUC, 1989).
Como contrapartida, o empreendedor do loteamento deveria vender 50% dos lotes
produzidos à fila da COHAB-CT
65
“pelo preço de mercado da terra mais o custo de infra-
62
O IPPUC chama essa flexibilização de solo criado. Do nosso ponto de vista, no entanto, este mecanismo de
arrecadação de recursos privados não chega a se configurar exatamente em solo criado, uma vez que não e
não houve um coeficiente único de aproveitamento para toda a cidade.
63
Lei municipal n°8412/1994.
64
A proposta era que a Comissão Especial fosse formada pelos seguintes órgãos: COHAB-CT; IPPUC;
Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano; Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social;
Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba COMEC; Secretaria Municipal de Obras; Secretaria
Municipal de Administração (setor de Patrimônio); Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Procuradoria
Geral do Município. Essa composição tem sido alterada devido às recorrentes mudanças na estrutura
administrativa da Prefeitura Municipal e do Estado.
65
De acordo com a COHAB-CT (2004), a fila, até 30 de setembro de 2004, tinha aproximadamente 38.763
inscritos. Desses, 64,57% possuíam renda mensal de até 3 salários mínimos; 27,14% entre 3 e 5; e 8,29% acima
de 5 (p. 29-30).
84
estrutura” (IPPUC, 1989). Tal contrapartida, como será abordado adiante em maiores
detalhes, mudou e atualmente exige-se do empreendedor a doação de 20% dos lotes ao FMH.
A comercialização dos lotes doados passou a ser de responsabilidade da COHAB e à
iniciativa privada coube a venda dos 80% restantes.
Outros programas configuraram o rol de propostas definidas nas Diretrizes para
Política Habitacional, em 1989. Entre eles merecem destaque: o Programa de Autoconstrução
financiamento e assessoria técnica da construção e o Programa de Atuação em Favelas.
Este previa a regularização fundiária, a urbanização e a remoção das famílias localizadas em
“áreas de risco”.
Percebe-se que, na década de 1980, a remoção das favelas deu lugar à urbanização
e à regularização fundiária, e a produção de casas e apartamentos começa a dar lugar a
produção de lotes urbanizados. Ao final deste período, a política habitacional de Curitiba
instituía o Fundo Municipal de Habitação e as chamadas “parcerias” com a iniciativa privada.
Essas duas iniciativas seriam regulamentadas e concretizadas a partir da década de 1990.
Vale recordar que a década de 1980 se constituiu, em relação ao processo de
construção e consolidação da imagem da cidade, num período de ruptura. Nesta fase o
governo municipal redirecionou as políticas urbanas para urbanização de áreas periféricas e
construção de equipamentos sociais. Nenhumas das ações efetivadas neste período viraram
referências do planejamento urbano curitibano ou, ainda, elementos constitutivos do discurso
da “cidade-modelo”. Em relação a esta fase de inflexão, Sánchez (2003) escreveu,
A análise histórica qualifica o período correspondente às duas gestões do PMDB
como importante período de ruptura da hegemonia anterior, com uma reorientação
das políticas urbanas para a urbanização das áreas periféricas, para a construção de
equipamentos sociais e para o chamado “planejamento participativo”, contraposto ao
“planejamento tecnocrático” associado às administrações lernistas. Entretanto, o
grupo político que estava à frente das duas gestões do PMDB não conseguiu
consolidar seu projeto político e foi derrotado. Em 1989, Jaime Lerner assumiu a sua
terceira gestão na Prefeitura (1989-1992), dessa vez como Prefeito eleito e pelo
Partido Democrático Trabalhista (PDT). Com sua eleição, a mística da tecnocracia
foi revitalizada, junto com as principais representações a ela associadas: a
possibilidade de realização de uma administração pretensamente neutra, situada
acima da política, que, segundo o discurso oficial, recolhia a experiência de sucesso
de toda a década de 70 no campo administrativo e urbanístico (p.162-163).
3.2.4 Terceira Fase (1990-2000) – “parcerias” com a iniciativa privada
Diferentemente das décadas anteriores, nos anos 1990 a questão habitacional não
foi objeto de um plano municipal onde a política de habitação do Município tenha ficado
85
explícita. Não registros para esse período de planos elaborados pelo Poder Executivo
Municipal com o intuito de definir ações integradas voltadas ao tratamento do problema da
moradia na metrópole. As referências encontradas o relativas a programas e a projetos
habitacionais específicos, que, por sua vez, não expressam uma reflexão global da Prefeitura
Municipal sobre a questão. Cabe ressaltar que o início desse período, de 1989 a 1992,
correspondeu à terceira gestão de Jaime Lerner na Prefeitura Municipal de Curitiba. Nessa
gestão foram desenvolvidos programas ambientais e foi ampliada a rede de parques da cidade,
ações que alçaram Curitiba ao título de “capital ecológica”. No campo do transporte público,
novas soluções foram realizadas: “ligeirinho”, “biarticulado” e projeto do Bonde Moderno; no
campo da cultura e do lazer: construção da Rua 24 Horas, do Jardim Botânico e da Ópera de
Arame (SÁNCHEZ, 1993, p. 26).
Percebe-se que as ações desenvolvidas no campo da habitação nesse período
deram prosseguimento às práticas de urbanização e regularização fundiária iniciadas em
Curitiba na década de 1980 – e consolidaram a produção de lotes urbanizados como a
principal ação do Poder Executivo Municipal no campo da habitação de interesse social.
Os loteamentos populares, executados diretamente pela COHAB-CT ou em parceria
com a iniciativa privada tornaram-se, na cada de 90, a principal alternativa do
Município para provisão de habitação popular (IPPUC, 2002a. p. 68).
Algumas iniciativas se diferenciaram dessa prática, que foi dominante no período,
contudo sem grande relevância, tendo em vista que apenas a produção de lotes e a
regularização fundiária constituíram juntas 83% de toda a produção habitacional da COHAB-
CT na década de 1990. Neste sentido, daremos destaque àquelas ações que de nosso ponto
de vista foram relevantes na constituição dessa política que foi voltada majoritariamente à
produção de lotes urbanizados
66
.
Será, portanto, dado enfoque ao programa Parceria com a Iniciativa Privada, que
foi responsável por mais de 33% dos lotes produzidos no período, ao Projeto Sítio Cercado,
concebido em 1990, que previa o atendimento de aproximadamente 30.000 famílias (10.000
lotes e 20.000 apartamentos) e à regulamentação do FMH (1990), previsto à década de
1980.
66
O Programa Vila de Ofíciosimplantado em 1995 e regulamentado pelo Decreto 477/1996 –, que propunha a
combinação de habitação e trabalho na mesma edificação, teve um resultado irrisório frente às necessidades da
população curitibana. Durante toda a década de 1990, o programa produziu apenas 167 unidades, o que
representou 0,27% da produção total da Companhia no período.
86
O Programa Parceria com a Iniciativa Privada
De acordo com a COHAB-CT, o programa surgiu como alternativa à falta de
recursos do Sistema Financeiro de Habitação. Atualmente o programa funciona no seguinte
formato:
[...] permite aos proprietários de áreas e loteadores a execução de projetos de
loteamentos com os mesmos parâmetros adotados pela Cohab/CT lotes menores e
infra-estrutura simplificada. Todas as etapas dos projetos, desde a concepção até a
aprovação e registro, são acompanhadas pela Companhia, que atua como órgão
assessor. O empreendedor assume o investimento e compromete-se a fazer a
transferência de 20% dos lotes produzidos ao Fundo Municipal da Habitação.
Estas unidades são comercializadas pela Cohab/CT e as restantes (80%) são
vendidas diretamente pela empresa. A principal vantagem para o empresário é o
melhor aproveitamento da área e a redução de custos do empreendimento. Para a
Cohab/CT, a alternativa garante a produção e oferta de novas unidades mesmo
quando não recursos para compra de áreas e obras de infra-estrutura (COHAB-
CT, 2004, p. 14-15, grifos nossos).
A descrição do programa apresentada acima foi regulamentada pela Lei Municipal
n° 8412/1994, na qual ficou definido como lote popular aquele “com área inferior a 360,00m²
(trezentos e sessenta metros quadrados), com área mínima de 180,00m² (cento e oitenta
metros quadrados) e testada mínima de 8,00m (oito metros)”
67
e como loteamento popular
“aqueles que contenham, no mínimo, 75% de lotes populares”.
Ocorre, no entanto, que a área média dos lotes praticada pela iniciativa privada
tem sido de 160,00m² (Moradias Rio Bonito), em alguns casos chegando a 140,00
(Moradias Riacho Doce) e 136,00m² (Jardim Habitalar III)
68
.
Os projetos de loteamentos executados dentro desse programa têm sido regidos
por contratos de prestação de serviços celebrados entre as empresas privadas e a COHAB-CT.
Importante destacar que não é o Poder Público que contrata a iniciativa privada, e sim o
inverso: a COHAB-CT é que é contratada pelas empresas para “prestar serviços de
Assessoramento Técnico, dentro do Programa que institui incentivos para implantação de
Programas Habitacionais de Interesse Social
69
. O pagamento dos serviços prestados pela
Companhia, que inclui, entre outras obrigações, o encaminhamento e o acompanhamento da
tramitação da aprovação do loteamento junto à Prefeitura Municipal de Curitiba, é feito
mediante o repasse de 20% dos lotes unifamiliares produzidos no loteamento.
De acordo com o “contrato padrão” do programa, o pagamento mediante lotes,
67
Artigo 2° da Lei Municipal n° 8412/1994.
68
Informações cedidas à autora pelas empresas Piemonte e AW Imóveis no primeiro semestre de 2007.
69
Cláusula Primeira do Contrato COHAB-CT 0086/2003 (celebrado entre a empresa Lamb & Winter S.A e
a COHAB-CT no dia 30 de outubro de 2003, gentilmente cedido à autora pela empresa Elio Winter).
87
[...] é a remuneração devida à COHAB-CT por conta da aprovação como Projeto de
Loteamento Habitacional Popular, decorrente do Programa de Loteamentos de
Interesse Social ou Loteamentos Populares para famílias de baixa renda do
Município de Curitiba e Região Metropolitana, cujo parcelamento do solo urbano
em dimensões reduzidas, por critérios e parâmetros legais, são estabelecidos como
pregorrativa exclusiva da administração pública ou suas entidades delegadas
(Cláusula Décima Sétima, Contrato n° COHAB-CT 0086-2003, grifo no original).
Os 20% dos lotes produzidos nos loteamentos populares-privados que são “pagos”
à COHAB-CT são por ela comercializados. O valor desses lotes varia de R$ 8.500,00 a R$
10.000,00 e a prestação do financiamento, geralmente realizado em 180 meses, fica em torno
de R$110,00/mês
70
. E são esses lotes que a COHAB-CT, a partir de 2002, começa a destinar
prioritariamente à população inscrita em sua fila com renda de até 3 salários mínimos.
Os 80% dos lotes restantes, de acordo com a Companhia, “são vendidos
diretamente pelo parceiro e ofertados a candidatos que têm renda acima de três salários
mínimos” (COHAB-CT, 2004, p. 14). A composição dos preços desses lotes cabe unicamente
à iniciativa privada. Conforme determina o contrato celebrado entre os “parceiros”,
A COHAB-CT fica isenta de qualquer responsabilidade quanto à comercialização,
compreendendo a composição do preço final de venda, forma de pagamento e gestão
de crédito praticados pela Lamb & Winter ou seus prepostos, para com os
adquirentes dos lotes objeto do presente contrato, bem como por quaisquer danos a
estes causados, seja em decorrência das obras ou pela relação contratual entre eles
estabelecida (Cláusula Décima Oitava, Contrato COHAB-CT 0086-2003, grifo
no original).
Os valores dos lotes vendidos pelas empresas “parceiras” da COHAB-CT têm
variado de R$ 16.000,00 a R$ 25.000,00 (Quadro 3). De acordo com as empresas
consultadas
71
, esses valores têm sido financiados, em média, em até 180 meses. As prestações
do financiamento chegam a ultrapassar o dobro do valor da mensalidade que é estipulada pela
COHAB-CT para os lotes que são repassados ao FMH. Ou seja, as prestações ficam acima de
R$ 200,00 por mês.
Se analisarmos o preço do metro quadrado desses lotes verificar-se-á que a média
dos valores pesquisados fica em torno de R$140,00 o metro quadrado. Se, por sua vez,
estabelecêssemos a hipótese de que a maioria dos clientes dessas empresas compra os lotes
habitacionais via financiamento e não à vista, o preço do metro quadrado pago pelas famílias
adquirentes desses lotes chega ao valor, no final do financiamento, de até R$ 330,00/m².
70
Informações fornecidas pela COHAB-CT.
71
Para realização da pesquisa relativa ao Programa “Parceria com a Iniciativa Privada” foram consultadas as
empresas Elio Winter, Piemonte e AW Imóveis. Foram solicitadas informações relativas aos loteamentos
populares produzidos por essas empresas, no Município de Curitiba, por intermédio do programa de parceria
com a COHAB-CT.
88
Cabe ressaltar que tais lotes apresentam aquela “infra-estrutura simplificada”,
permitida pelo programa de parcerias, e, portanto, nem sempre dispõem de rede de esgoto e
asfalto, uma vez que a empresa “parceira” fica obrigada a realizar, às suas expensas, apenas:
[...] as obras de terraplenagem, abertura e ensaibramento de ruas, drenagem das
águas pluviais com valas a céu aberto, tubuladas nas travessias de ruas e acesso aos
lotes, demarcação de lotes e quadras, rede de distribuição de água, rede de
esgotamento quando for o caso, rede de energia elétrica e a iluminação pública, em
observância às diretrizes e determinações administrativas estabelecidas pela
Legislação Municipal que rege a matéria, responsabilizando-se pessoal e unicamente
pela qualidade, custos e solidez das mesmas (Cláusula Décima, Contrato
COHAB-CT 0086-2003, grifo nosso).
Não é demais lembrar que a localização predominante desses loteamentos é nos
bairros situados ao extremo sul do Município de Curitiba. Na década de 1990, 11.701 lotes
habitacionais foram produzidos através desse programa, sendo que 75,30% deles foram
construídos nos bairros: Sítio Cercado, Tatuquara, Uberaba, Umbará e Xaxim.
89
Quadro 3. Loteamentos em “parceria” com a iniciativa privada: parâmetros e valores
Nome do loteamento Moradias Rio Bonito Moradias Riacho Doce Guilherme I Jardim Habitalar III
Empresa Piemonte Piemonte Elio Winter AW Imóveis
Localização – Bairro Campo de Santana Campo de Santana Ganchinho - Umbará Tatuquara
Número de lotes produzidos 6.220 680 425 100
Área (m²) e dimensão dos lotes
produzidos
160,00 m² (8x20) 140,00m² (7x20) 140,00m² (7x20)
entre 144,00m² (8 x18) e
160,00m² (8x20), com lotes de
até 136,00m² (8x17)
Infra-estrutura instalada
rede de água; rede de esgoto;
rede de energia elétrica;
drenagem de águas pluviais
com valas a céu aberto.
rede de água; rede de esgoto;
rede de energia elétrica;
asfalto; meio-fio e drenagem
(tubulada).
rede de água; rede de esgoto cloacal-
sanitário; rede de energia elétrica;
asfalto; meio-fio; drenagem pluvial
com tubos de concreto.
rede de água; rede de energia
elétrica; galeria de água fluvial.
Valor final dos lotes (em reais)
R$ 21.600,00 (lote de
160,00m²); R$ 18.900,00
(lote de 140,00m²)
R$ 22.300,00 R$ 20.700,00 R$ 16.000,00
Valor final dos lotes / R$ 135,00 R$ 159,29 R$ 147,86 R$ 114,29
Número de parcelas que pode ser feito o
pagamento
180 meses (15 anos) R$
220,00 - lote de 140,00m²;
R$ 250,80 - lote de 160,00m²
180 meses (15 anos)
R$258,91
Uma entrada de R$ 4.750,00 + 72
meses (6 anos) R$ 388,00
144 meses (12 anos) R$ 200,00
Valor dos juros
1% ao mês - corrigido
anualmente pelo INPC
0,9489% ao mês, reajuste
anual
IGPM + 1% ao mês
1% ao mês - corrigido
anualmente pelo INPC
Valor final do financiamento dos lotes R$ 45.144,00 R$ 46.603,80 R$ 32.686,00 R$ 28.800,00
Valor final do financiamento dos lotes /
R$ 282,15 R$ 332,88 R$ 233,47 R$ 205,71
FONTE: Os dados resultam da pesquisa realizada pela autora nos meses de março a junho de 2007. As informações foram disponibilizadas pelas centrais de venda de cada
uma das empresas consultadas.
Em resumo, pode-se afirmar que esse programa de “parceria” tem
viabilizado a produção de lotes urbanos pela iniciativa privada com dimensões
inferiores ao nimo exigido pelo Município, com infra-estrutura simplificada e em
bairros periféricos de Curitiba. Esses lotes voltados a população de baixa renda têm sido
vendidos a valores que, ao final do financiamento, chegam a custar mais de duzentos
reais o metro quadrado. O programa poderia não ser contestado se, minimamente esses
lotes, comercializados pela iniciativa privada (80% dos lotes produzidos nos
loteamentos em “parceria”), não fossem considerados no cálculo da produção
habitacional da COHAB-CT, uma vez que seu preço, em metro quadrado, supera os
valores de alguns terrenos residenciais ofertados no centro da cidade
72
.
O que se observa, contudo, é que a COHAB-CT, desde 1990, vem
contabilizando como de sua produção os lotes implantados e comercializados pelas
empresas “parcerias” à preços que por estas são determinados. A incorporação desses
lotes à produção habitacional, considerada pública e municipal, na perspectiva da
Companhia, deve-se ao fato de que esses lotes, mesmo que vendidos pelas empresas,
têm atendido a fila da COHAB-CT. Destaca-se que o contrato de compra e venda é
firmado entre a empresa e o morador cadastrado na “fila” sem qualquer intermediação
da COHAB-CT. A não ser o fato de que a Companhia “oferece” à empresa “parceira”
o cadastro de sua fila.
De acordo com a Companhia, o Loteamento Moradias Rio Bonito, citado no
Quadro 3, além dos 20% dos lotes repassados ao FMH, teve 4.674 lotes que foram
vendidos às famílias cadastradas na “fila”. Outros loteamentos realizados em “parceria”
são citados pela COHAB-CT como referência no atendimento a sua fila. Segundo a
Companhia, no loteamento Vitória Régia 1.463 famílias foram atendidas nos lotes do
“parceiro” e, no Sítio Cercado IX e X, 1.601 famílias
73
.
72
No dia 19 de março de 2007, realizamos uma pesquisa no site <http://www.imoveiscuritiba.com.br>
em busca de terrenos residenciais situados na faixa de preço de R$ 1.000,00 a R$ 100.000.000,00 no
Município de Curitiba. No bairro Centro uma das regiões mais valorizadas da cidade encontramos 27
lotes residenciais colocados à venda, três deles apresentavam preço abaixo de R$ 200,00 o metro
quadrado e dois estavam com valores em torno de R$ 300,00/m². No bairro Jardim Botânico, dos dez
lotes identificados pelo site, cinco estavam com preços abaixo de R$300,00 o metro quadrado e dois com
preços até R$ 400,00/m². o é objetivo deste trabalho descrever o preço da terra na cidade de Curitiba.
Citamos como exemplo os casos dos bairros Centro e Jardim Botânico apenas com o intuito de ilustrar o
alto valor praticado pelos loteamentos populares implantados em “parceria” com a iniciativa privada.
73
Informações gentilmente cedidas pela COHAB-CT à autora.
91
Desta forma, como bem enfatiza Moura e Kornin (2005) “o loteador não
precisa buscar compradores no mercado imobiliário e a Cohab-CT pode agilizar o
atendimento de sua fila” (p. 117).
E essa tem sido a prática municipal (no setor da habitação) que, a partir da
década de 1990, se tornou dominante na cidade de Curitiba. Das 42.294 unidades
habitacionais produzidas pela COHAB-CT
74
na década de 1990, aproximadamente 28%
(11.701) foram originadas dos loteamentos realizados em “parceria” com a iniciativa
privada.
Fica evidente, portanto, que esse programa, no qual a COHAB-CT tem
assumido o papel de prestadora de serviços à iniciativa privada, tem sido a base da
política habitacional de Curitiba desde o início da década de 1990. Trata-se de uma
prática que, certamente, vai ao encontro das prerrogativas do Estado Neoliberal:
Com esse viés, reproduzem-se, nessa área [habitação], princípios que
fundamentam a proposta neoliberal para as políticas sociais, reforçando a
omissão do Estado e efetivando parcerias com a iniciativa privada que, de
acordo com pronunciamento da Cohab-CT, vem dando “bons resultados”,
porque possibilita o maior parcelamento das áreas produzindo lotes
menores, em média com 160 metros quadrados e a redução dos parâmetros
de infra-estrutura. Isto torna o empreendimento mais atrativo para o
empresário e aumenta a oferta de unidades para a população de baixa renda
(MOURA e KORNIN, 2005, p. 177).
Acrescentaríamos apenas ao trecho acima que aumenta a oferta de
unidades para a população pobrea preços abusivos, se consideradas as condições de
acessibilidade (localização) e de urbanização ofertadas nesses loteamentos. O que este
programa parece, de fato, ter viabilizado em Curitiba foi a ampliação do mercado
(privado) de habitação de interesse social. Apesar de, em certa medida, essa ação ter
contribuído para o aumento do acesso à terra urbana pela população pobre na cidade-
modelo”, de nosso ponto de vista, a omissão da COHAB-CT, na composição dos preços
dos lotes comercializados pela iniciativa privada, fez com que os lotes produzidos
chegassem a valores (por metro quadrado) próximos aos preços praticados pelo
mercado imobiliário nas regiões mais valorizadas da cidade.
74
Foram excluídas as unidades habitacionais oriundas de processos de regularização fundiária.
92
Figura 7. Programa “parceria com a iniciativa privada”
O Projeto Sítio Cercado
Ao procurarmos registros oficiais do Projeto Sítio Cercado, também
chamado Bairro Novo, encontramos, em relação à data de sua implantação, documentos
que afirmam que a ocupação do Bairro Novo teve início no ano de 1989 (IPPUC,
2002b) e outros documentos que colocam que o projeto foi concebido em 1990
(COHAB-CT, 2004). Por sua vez o projeto, chamado “Projeto Sítio Cercado” que
define as diretrizes de ocupação da área que mais tarde será conhecida por Bairro Novo,
é datado de junho de 1991.
Consideramos esse projeto relevante na política habitacional de Curitiba
porque ele se constitui na última grande intervenção do Município no setor da habitação
desde a década de 1990. Após a implantação desse projeto, as ões da Prefeitura
Municipal tenderam a se concentrar nos processos de urbanização e regularização
fundiária e na promoção de loteamentos populares via parceria com a iniciativa privada.
De acordo com o IPPUC (2002b),
Em 1989 o Município iniciou a ocupação de um dos últimos vazios urbanos
de Curitiba, numa área do Sítio Cercado, com 4,2 milhões de metros
quadrados, que passou a ser conhecida como Bairro Novo. O objetivo era
atender aproximadamente 20.000 famílias, através da implantação de lotes
urbanizados e unidades prontas (p. 74).
93
Deve-se destacar que a área em que foi implantado o projeto, chamada no
discurso de o “último vazio urbano” de Curitiba, na verdade correspondia, à época de
elaboração do projeto Sítio Cercado, a uma área agrícola não inserida no perímetro
urbano de Curitiba e, portanto, não urbana.
Mesmo não sendo área urbana, na introdução do projeto, o IPPUC (1991)
afirma que,
para se dar continuidade à política de ocupação de vazios urbanos estamos
apresentando o projeto de expansão urbana de uma das últimas áreas
vazias na cidade e que representa um passo significativo no trato da questão
habitacional... (p.3, grifos nossos).
Ora, se se tratava de uma das “últimas áreas vazias na cidade”, por que se
realizar um projeto de “expansão urbana”? Não se quer questionar a importância do
projeto Bairro Novo no que se referiu à produção de unidades habitacionais à população
de baixa renda da metrópole, mas, sim, de ressaltar que tal o projeto, ao contrário do que
reproduz o discurso oficial, não se inseriu e nem deu continuidade a uma suposta
“política de ocupação de vazios urbanos”.
Como o próprio IPPUC afirmou, no detalhamento do projeto,
o projeto está localizado ao sul de Curitiba, em zona agrícola, com
aproximadamente 4,25 milhões de metros quadrados apresentando condições
topográficas favoráveis à implantação de loteamentos populares (1991, p.4,
grifos nossos).
Neste sentido, o Bairro Novo se configurou, na realidade, em uma ação de
expansão urbana em que foram incorporadas, ao perímetro urbano de Curitiba, parcelas
significativas de sua zona rural. Essa ação se opôs ao que seria uma “política de
ocupação de vazios”, uma vez que, ao invés de otimizar a infra-estrutura existente e
consolidada, opta-se pela ocupação de uma área até então não urbanizada localizada no
extremo sul do Município.
Vale recordar que, à época, em 1991, Curitiba apresentava a quantia de
32.124 domicílios particulares urbanos vagos (IBGE, 1991)
75
, exatamente o número de
unidades habitacionais que se propunha construir no Sítio Cercado. De acordo com o
IPPUC (1991), o projeto previa a implantação de 30.000 unidades habitacionais: 20.000
apartamentos e 10.000 lotes (p. 4).
75
Informação disponível no Sistema de Informações dos Municípios Paranaenses, no site do Instituto
Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES):
<http://www.ipardes.gov.br/imp/imp.php>. Acesso em: 25 junho 2007.
94
Acredita-se ser importante destacar essa contrariedade no discurso do Poder
Executivo Municipal, pois o Bairro Novo tem sido considerado referência de uma
“política de ocupação de vazios urbanos” que no discurso vem sendo implementada
pelo Município desde a década de 1980.
Atualmente, segundo a COHAB-CT (2004), o Bairro Novo abriga 11 mil
famílias e, após aproximadamente 13 anos, é que foi dado início à construção dos
primeiros condomínios de apartamentos, em meio ao loteamento Moradias Santa Rita.
O Fundo Municipal de Habitação
Como vimos anteriormente, o FMH de Curitiba constava da pauta da
política habitacional municipal desde o ano de 1984, no entanto sua regulamentação
viria acontecer apenas em 1990, quando então os recursos federais para a provisão
habitacional reduzir-se-iam drasticamente com a extinção do BNH (1986).
As fontes de arrecadação do Fundo foram definidas inicialmente nas
Diretrizes para a Política Habitacional em 1989 e posteriormente instituídas pela
Lei n° 7.412/1990, com a seguinte redação:
Art. 2º Constituirão recursos do Fundo Municipal de Habitação-FMH:
I - dotações orçamentárias ou de subvenções, assim configuradas no
orçamento da Prefeitura Municipal de Curitiba, inclusive aquelas oriundas de
transferências do Estado e da União;
II - receitas advindas do pagamento de prestações por parte dos mutuários
beneficiados pelos programas desenvolvidos com recursos do FMH;
III - receitas de convênios, acordos e outros ajustes firmados, visando a
atender aos objetivos do FMH;
IV - receitas advindas de venda e da transferência de potencial construtivo;
V - receitas advindas da venda de excessos de terrenos pertencentes ao
Município;
VI - receitas advindas da venda de todo e qualquer bem que tenha sido
destinado à formação do FMH;
VII-. ..................VETADO ...........................................
VIII - contribuições e doações, para os efeitos desta lei, de pessoas físicas ou
jurídicas, de direito público e privado, bem assim de organismos nacionais e
internacionais;
IX - rendas provenientes da aplicação de seus recursos;
X - quaisquer outras receitas eventuais, vinculadas aos objetivos do Fundo.
De acordo com a COHAB-CT (2004), o “solo criado é a principal fonte de
receita do Fundo Municipal da Habitação” (p. 10). Ou seja, as transações de compra e
venda de potencial construtivo têm sido o mecanismo mais importante no que se refere
à composição dos recursos financeiros do FMH de Curitiba. Segundo o IPPUC (2002b),
“no período de 90 a 96, aproximadamente 16 milhões e 500 mil reais foram transferidos
ao FMH através de incentivos construtivos” (p. 74). Ou seja, em média, arrecadou-se,
95
por ano, 2 milhões e 750 mil reais nos primeiros 6 anos de funcionamento do Fundo. O
ritmo dos recursos originados das transações de potenciais construtivos irá, a partir de
1995, sofrer uma queda acentuada. Nesse ano, a COHAB-CT afirmou que a arrecadação
via “solo criado” foi de mais de 4 milhões de reais, em 1998 ela não chegou a 1
milhão e meio (2004, p. 47). E, a partir de 2001, a arrecadação irá reduzir ainda mais,
chegando ao ano de 2004 com a pequena quantia de 490 mil reais (COHAB, 2004).
Na perspectiva da COHAB-CT (2004), a arrecadação vem diminuindo
devido a “conjuntura econômica e, sobretudo do desempenho da construção civil(p.
46). Não dispomos de elementos suficientes para avaliar o porquê dessa queda. A
análise do Fundo Municipal de Habitação de Curitiba mereceria, sem dúvida, um
aprofundamento muito mais detalhado do que a descrição que fizemos nesta dissertação,
visto que o Fundo está em funcionamento mais de uma cada e até o momento
nenhum estudo foi realizado a esse respeito.
No entanto, como o objetivo deste capítulo é o de descrever a política
habitacional de Curitiba que foi contemporânea ao processo de construção da imagem
da cidade, cabe a nós pontuarmos algumas ações do Poder Executivo Municipal que
foram relevantes nos três períodos estudados (décadas de 1970, de 1980 e de 1990).
Neste sentido, a criação do FMH se destaca entre as ações que foram levadas a cabo em
Curitiba no âmbito da questão da habitação.
Antes, contudo, de concluirmos essa primeira parte do Capítulo 3 e nos
dedicarmos à abordagem da produção habitacional do Município, cabe ressaltar que o
Fundo Municipal de Habitação, conforme é determinado em Lei, tem por objetivo “dar
suporte financeiro aos programas habitacionais de interesse social”
76
, sendo seus
recursos disponíveis para o desenvolvimento de “programas habitacionais em
municípios da região metropolitana de Curitiba”
77
.
Tais recursos são de gerência da COHAB-CT. É curioso notar que, além de
administradora do FMH, ela também é, como previsto em Lei, a fiscalizadora das contas
do Fundo. “O Conselho Fiscal da COHAB-CT será o responsável pela fiscalização do
FMH, devendo apreciar periodicamente as contas e balancetes, emitindo seu parecer”
78
.
76
Artigo 1° da Lei n° 7.412/1990.
77
Artigo 1° da Lei n° 7.412/1990.
78
Artigo 9° da Lei n° 7.412/1990.
96
Não há, portanto, controle social sobre o funcionamento do FMH e os
relatórios periódicos emitidos pelo seu Conselho Fiscal são de difícil acesso e não estão
disponíveis publicamente para consultas.
3.3 A Produção de Habitação da COHAB-CT (1970-2000)
A produção realizada pela COHAB-CT em Curitiba no período de 1970
a 2000, segundo a Companhia, foi de 84 mil unidades habitacionais
79
. Se considerarmos
quatro o número médio de pessoas por família, pode-se afirmar que a COHAB-CT
atendeu, nessas três décadas de atuação, aproximadamente 336 mil pessoas apenas na
cidade de Curitiba
80
. À primeira vista esse mero parece bastante expressivo se
levarmos em conta o crescimento populacional que Curitiba teve nesse período.
De 1970 a 2000 a população de Curitiba passou de 609.026 para 1.587.315
habitantes: um acréscimo de 978.289 habitantes. Se considerados os números da
produção habitacional da COHAB-CT para o período, poder-se-ia dizer que cerca de
34% desse incremento populacional teria sido beneficiado pela Companhia, que esta
teria atendido aproximadamente 336 mil pessoas – em Curitiba – entre 1970 e 2000.
É na esteira desses números que o Poder Executivo Municipal de Curitiba se
apóia quando assegura que, em 41 anos de atuação (65-2006), a COHAB-CT tenha
construído uma outra cidade dentro de Curitiba. No relatório de gestão da Companhia
(2002 a 2004), afirma-se que a COHAB-CT tenha beneficiado cerca de “450 mil
pessoas em 39 anos, o que representa uma cidade do tamanho de Londrina” (2004, p. 7).
Contudo essa produção de moradias que, à princípio é muito significativa, como vimos
no Capítulo 1, não se tornou uma das representantes do “êxito” atribuído no discurso
– à experiência de planejamento urbano de Curitiba.
Mesmo que em números absolutos tal produção pareça expressiva, ainda
mais se comparada ao incremento populacional sucedido em Curitiba entre 1970 e
2000, ela deve do nosso ponto de vista ser analisada em períodos específicos com
79
Entre 1970 a 2000, a COHAB-CT produziu um total de 93.977 unidades habitacionais, dessas 84.054
foram construídas unicamente em Curitiba (Anexo 1).
80
De acordo com o IPPUC, o número de habitantes por domicílio em Curitiba tem, ao longo das décadas,
reduzido. Em 1970 o número era de 4,85 hab./dom.; em 1980 foi de 4,25; em 1991 de 3,65; em 1996 de
3,43 e em 2000 o número reduziu a 3,31 habitantes por domicílio. Se calcularmos a média obtida nesses 5
períodos chega-se ao valor de 3,89 habitantes por domicílio. Esses dados foram extraídos do gráfico
“Habitantes por domicílio em Curitiba – 1970 a 2000”. Disponível em:
97
base nos programas que lhe deram origem e a partir de sua localização territorial na
cidade. Acredita-se que assim seja revelada uma face da produção habitacional da
COHAB-CT até então não estudada e que foi contemporânea ao processo de
constituição da imagem da “cidade-modelo”.
Antes de tudo cabe explicitarmos que a COHAB-CT contabiliza, como
sendo de produção pública e municipal, toda e qualquer unidade habitacional (lote, casa
ou apartamento) originada de ações diretas ou indiretas da Companhia. Dessa forma,
não os lotes produzidos de modo informal pela população, através dos processos de
ocupação de terras (públicas ou privadas) quando regularizados pela COHAB-CT –,
entram na soma da produção habitacional da Companhia, como também aqueles lotes
que são produzidos e comercializados pela iniciativa privada, quando realizados no
âmbito do programa de “parceria com a iniciativa privada”.
Desta forma somam-se ações que são relativas à produção de moradias a
ações que se resumem à prestação de serviços. Assim, unidades habitacionais não
produzidas nem comercializadas pela COHAB-CT e, em alguns casos, tampouco
destinadas ao atendimento de sua fila
81
, entram no cálculo da produção habitacional do
Município. Constata-se, portanto, que o número de 84.054 unidades habitacionais
“produzidas” no período de 1970 a 2000 é superestimado, uma vez que inclui uma
produção que não é pública e que, em certa medida, também não atende ao interesse
social, apesar de ser viabilizada sob tal justificativa
82
. Assim, faz-se necessário
desagregar a produção habitacional da Companhia nos programas que lhe deram
origem, para se ter uma melhor compreensão da real ação do Poder Executivo
Municipal de Curitiba no que se refere à produção de habitação para a população de
baixa renda.
<http://ippucnet.ippuc.org.br/Bancodedados/Curitibaemdados/anexos/1970%20a%202000_Gráfico%20-
%20Habitantes%20por%20Domicilio%20em%20Curitiba%20.jpg>. Acesso em: 26 jun. 2007.
81
Os lotes resultantes dos loteamentos realizados em “parceria” com a iniciativa privada, com exceção
dos 20% que são repassados ao FMH, nem sempre são comercializados para as famílias cadastradas na
fila da COHAB-CT. De acordo com um empreendedor local que promoveu loteamentos em “parceria”
com a COHAB-CT, a maioria dos compradores são pessoas do próprio bairro (não cadastradas na fila da
Companhia) e que residem em região próxima ao local de implantação do loteamento.
82
Deve-se ressaltar que não criticamos a iniciativa da Prefeitura Municipal por incentivar a produção de
loteamentos privados com padrões populares, mas, sim, por motivo de esses lotes serem considerados de
produção estatal tendo em vista que os preços comercializados pela iniciativa privada, como mostrado
anteriormente, são abusivos e nem sempre atendem o público-alvo da política habitacional de Curitiba.
98
3.3.1 Distribuição da produção habitacional da COHAB-CT por programas
A COHAB-CT divide sua produção habitacional em sete programas:
convencional, regularização fundiária, parceria, vila de ofícios, reassentamento,
remanescente e convênios. O programa chamado convencional corresponde àquelas
unidades habitacionais que são produzidas diretamente pela Companhia, sem convênios
com outros órgãos e sem parcerias com a iniciativa privada, com a finalidade de atender
a sua fila. O programa vila de ofícios também se refere às unidades produzidas
diretamente pela COHAB-CT, contudo, por se tratar de um programa que apresenta um
formato específico, como já relatado neste trabalho, a Companhia, ao registrar sua
produção, o diferencia do programa convencional.
As unidades oriundas dos processos de regularização fundiária são
enquadradas no programa de regularização fundiária. Nesses processos, quando a
necessidade de remoção de algumas famílias, a COHAB-CT produz algumas unidades
habitacionais para reassentar tais famílias. Essas unidades são enquadradas pela
Companhia no programa de reassentamento.
Os convênios são relativos àquelas unidades produzidas em convênio com
outros níveis de governo (Estado ou União). Por sua vez, as unidades enquadradas no
programa parceria são aquelas produzidas por intermédio do programa de parceria com
a iniciativa privada, analisado neste capítulo e, por fim, o programa remanescente se
refere às áreas de reserva da COHAB-CT, localizadas em loteamentos por ela
produzidos, que, em algumas situações, são desmembradas para criação de novos
lotes
83
.
83
Não encontramos nenhum documento oficial que descrevesse os programas nos quais as unidades
habitacionais produzidas pela Companhia são enquadradas. As informações aqui descritas foram cedidas,
informalmente, por técnicos da COHAB-CT.
99
Tabela 11. Distribuição da produção habitacional por programa (1970-2000)
dec.70 dec.80 dec.90
PROGRAMA
apto. casa lote
subtotal
Apto. casa lote subtotal
apto. casa lote subtotal
TOTAL
%
Convencional
1.432
7.006
58
8.496
13.126
5.282
7.153
25.561
3.562
2.811
18.347
24.720
58.777
69,93
Reg.fundiária
1.443
1.443
0
0
10.624
10.624
12.067
14,36
Parceria
460
100
9.990
10.550
10.550
12,55
Vila de ofícios
0
167
0
167
167
0,20
Reassentamento
0
34
1.846
1.880
1.880
2,24
Remanescente
0
0
256
256
256
0,30
Convênio
0
80
277
357
357
0,42
TOTAL 1.432
7.006
58
8.496
13.126
5.282
8.596
27.004
4.022
3.192
41.340
48.554
84.054
100,00
FONTE: COHAB, 2006.
A distribuição da produção habitacional da COHAB-CT entre os seus
programas revela que aproximadamente 14% das unidades habitacionais foram
produzidas através de processos informais de ocupação de terras. E aproximadamente
13% das unidades foram originadas dos loteamentos realizados em “parceria” com a
iniciativa privada. Se, desses aproximadamente 27%, excluirmos as unidades
produzidas pela iniciativa privada que são repassadas ao FMH (20%) e, posteriormente,
comercializadas pela COHAB-CT às famílias de até três salários mínimos, chegaremos
a um número de 20.507 unidades habitacionais (24,4%) que não são produzidas pelo
Município e que não atendem obrigatoriamente a sua fila.
Tabela 12. Distribuição da produção habitacional real por programa (1970-
2000)
DÉCADA DE 70 DÉCADA DE 80 DÉCADA DE 90
PROGRAMA
apto. casa lote
subtotal apto. casa lote subtotal apto. casa lote subtotal
TOTAL
Convencional
1.432
7.006
58
8.496
13.126
5.282
7.153
25.561
3.562
2.811
18.347
24.720
58.777
Reg.fundiária
0 0 0
0
0
0
0
Parceria*
92
20
1.998
2.110
2.110
Vila de ofícios
0
167
0
167
167
Reassentamento
0
34
1.846
1.880
1.880
Remanescente
0
0
256
256
256
Convênio
0
80
277
357
357
TOTAL 1.432
7.006
58
8.496
13.126
5.282
7.153
25.561
3.654
3.112
22.724
29.490
63.547
FONTE: COHAB, 2006.
* Considerados apenas o mero de unidades habitacionais (20%) que, na “parceria” com a iniciativa
privada, são repassados ao FMH.
Nesta perspectiva, o número de unidades resultante de uma ação real do
Município no sentido de promover habitação e não de prestar serviço à iniciativa
privada, produzidas entre 1970 e 2000, é de 63.547 unidades. Ou seja, das 48.554
unidades supostamente produzidas na década de 1990, 19.064 foram resultantes ou de
processos de regularização fundiária ou produzidas e comercializadas pela iniciativa
100
privada a preços significativamente superiores à capacidade de compra da população de
baixa renda de Curitiba.
Assim, das aproximadamente 336 mil pessoas atendidas pela COHAB-CT
(entre 1970 e 2000), cerca de 80 mil viabilizaram efetivamente sua moradia ou através
de processos de ocupação de terras públicas ou privadas ou através da aquisição de
lotes urbanos populares, localizados na periferia da cidade, via mercado formal de
terras.
3.3.2 Distribuição espacial da produção habitacional da COHAB-CT
Se, por sua vez, analisarmos a produção de habitação da COHAB-CT do
ponto de vista de sua distribuição espacial em Curitiba, perceberemos que uma
representativa concentração da ação habitacional do Município em determinadas
porções do espaço da metrópole. A distribuição espacial da produção habitacional da
COHAB-CT revela uma predominância da ão do Poder Executivo Municipal nos
bairros periféricos da cidade. Das 84.054 unidades habitacionais produzidas no período
de 1970 a 2000 aqui incluindo as ações de regularização fundiária e os lotes
produzidos em “parceria” com a iniciativa privada –, 57.372 foram realizadas nas
Regionais da CIC, do Bairro Novo e do Pinheirinho.
Tabela 13. Produção habitacional do Município por regional e por período
DÉCADA DE 70 DÉCADA DE 80 DÉCADA DE 90
Regional
Apto Casa Lote
subtotal
Apto Casa Lote
subtotal
Apto Casa Lote
subtotal
TOTAL
Bairro
Novo
0
1.003
0
1.003
512
1.113
1.297
2.922
278
159
16.895
17.332
21.257
Boa Vista 520
597
0
1.117
1.476
328
210
2.014
98
6
353
457
3.588
Boqueirão 0
1.982
0
1.982
1.472
1.083
217
2.772
496
56
1.255
1.807
6.561
Cajuru 0
813
0
813
1.958
639
1.376
3.973
8
355
3.644
4.007
8.793
CIC 560
1.660
1
2.221
5.232
1.052
3.600
9.884
2.200
1.477
9.924
13.601
25.706
Matriz 0
0
0
0
0
0
608
608
0
56
0
56
664
Pinheirinho
0
250
0
250
0
360
1.015
1.375
382
574
7.828
8.784
10.409
Portão 352
312
0
664
1.936
26
142
2.104
352
0
471
823
3.591
Santa
Felicidade
0
389
57
446
540
247
131
918
208
497
704
1.409
2.773
Vários
(unidades
isoladas)
0
0
0
0
0
434
0
434
0
12
266
278
712
Curitiba
1.432
7.006
58
8.496
13.126
5.282
8.596
27.004
4.022
3.192
41.340
48.554
% 16,85
82,46
0,68
100,00
48,61
19,56
31,83
100,00
8,28
6,57
85,14
100,00
84.054
FONTE: COHAB, 2006.
101
Mapa 8. Distribuição espacial da ação habitacional
84
do Município de
Curitiba
FONTE: COHAB, 2003.
Observa-se que, nas décadas de 1970 e 1980, a região da CIC, em relação as
demais regionais, concentrava o maior número de unidades habitacionais da COHAB-
CT. Os dados mostram que, a partir da década de 1990, a produção de habitação pelo
Município continuou concentrada na região da CIC, contudo percebe-se um
direcionamento da ação habitacional para a região do Bairro Novo e do Pinheirinho.
Esse deslocamento espacial da ação do Poder Executivo Municipal no setor da
habitação a partir da década de 1990, reflete a mudança vivenciada no mesmo
período – pela política habitacional de Curitiba.
84
O mapeamento original da COHAB-CT e do IPPUC, define todas as intervenções habitacionais como
conjuntos habitacionais. No entanto, o que a Prefeitura Municipal de Curitiba chama de “conjuntos
102
Vimos anteriormente que, com a extinção do BNH e a conseqüente redução
dos recursos federais para promoção de habitação, o Município de Curitiba passou a
priorizar a produção de lotes urbanizados, especialmente via “parceria com a iniciativa
privada”. Em entrevista cedida para a autora, o arquiteto Marco Aurélio Becker –
técnico da COHAB-CT justificou a concentração da ação da Companhia na produção
de lotes da seguinte forma:
É regularização e loteamento por quê? Porque é o recurso mais barato que
você consegue. Para se produzir um lote hoje, vodeve estar gastando aí,
com terreno e infra-estrutura, algo em torno de dez, doze mil reais. para
produzir uma casa, fora o terreno, vo vai gastar mais a construção da
casa, mais uns doze mil, vai para uns vinte e poucos, vinte e cinco mil
reais. O apartamento é mais que isso, uns trinta e cinco, quarenta mil. Então
o recurso que o Município tem, o que ele faz, ele procura maximizar o
atendimento, como ele consegue maximizar? Produzindo lote
85
.
De toda a produção habitacional realizada na década de 1990, 85% referiu-
se à produção de lotes urbanizados. Conclui-se, portanto, que o direcionamento da ação
habitacional da Prefeitura Municipal a partir desse período, para as regiões do Bairro
Novo e do Pinheirinho extremo sul do território municipal –, refletiu a necessidade
imposta pelos processos de produção de loteamentos populares: a existência de grandes
porções de terras urbanas ainda não parceladas – glebas.
Assim a solução habitacional adotada pelo Município passou então a estar
baseada na produção de “novos espaços” dentro da cidade majoritariamente pela
iniciativa privada
86
e na autoconstrução
87
, o que, por sua vez, contraria a idéia de
otimização das infra-estruturas e dos serviços urbanos existentes e promove a
periferização e o supertrabalho da população de baixa renda
88
. Para a COHAB-CT,
contudo, a despeito das contrariedades apontadas, a produção de lotes urbanizados tem
apresentado vantagens, pois “amplia a capacidade de atendimento com os recursos
habitacionais” inclui todas as ações de regularização fundiária, bem como os loteamentos produzidos em
“parceria” com a iniciativa privada.
85
Trecho da transcrição da entrevista realizada com Marco Aurélio Becker no dia 7 de dezembro de
2006.
86
Com exceção dos processos de regularização fundiária, a COHAB-CT produziu, no período de 2002 a
2004, entre obras concluídas e entregues e em andamento, 2128 unidades habitacionais, dessas mais de
50% se referiram aos lotes do programa de “parceria” com a iniciativa privada (COHAB-CT, 2004, p.49).
87
Para Bonduki (2004), “Muitos são os nomes usados para designar essa forma de construção: casas
domingueiras, casas de periferia, casas próprias autoconstruídas, casas de mutirão. A característica básica,
porém, é serem edificadas sob gerência direta de seu proprietário e morador: este adquire ou ocupa o
terreno; traça, sem apoio técnico, um esquema de construção; viabiliza a obtenção de materiais; agencia a
mão-de-obra, gratuita e/ou remunerada informalmente; e em seguida ergue a casa” (p. 281).
88
Em relação ao supertrabalho que produz a habitação do trabalhador, ver: OLIVEIRA, Francisco de.
Crítica à razão dualista. O ornitorrinco. 1ª edição. São Paulo: Boitempo Editorial, 2003.
103
disponíveis; valoriza a vocação da população para a auto-construção; alcança todas
as faixas de renda” (grifos nossos)
89
.
3.4 O trinômio loteamento periférico – casa própria – autoconstrução
A produção habitacional realizada pela Prefeitura Municipal de Curitiba,
contemporânea à construção e à consolidação da imagem da “cidade-modelo”, teve,
portanto, a participação fundamental do morador pobre da metrópole e das empresas
privadas de loteamentos no que se referiu à produção de novos espaços, formais ou
informais, espacialmente segregados e precariamente urbanizados. Cerca de 30% de
toda a produção habitacional do Município, entre 1970 e 2000, correspondeu a
regularização fundiária de ocupações irregulares e a lotes urbanos construídos e
comercializados pela iniciativa privada.
Um dos “sucessos” dessa fórmula, como enfatiza a COHAB-CT, está na
valorização da “vocação da população para a autoconstrução”. Desenvolveu-se de fato
em Curitiba, a partir da segunda metade da década de 1980, um processo de
periferização muito semelhante ao ocorrido na metrópole paulistana no período de
1940 a 1970 baseado naquilo que Bonduki (2004) chamou de “trinômio loteamento
periférico casa própria autoconstrução”. A diferença é que em Curitiba, a partir da
década de 1990 esse processo passou a ser institucionalizado e incentivado pelo Poder
Executivo Municipal por intermédio da criação do programa de “parceria” com a
iniciativa privada.
Bonduki (2004), ao descrever e analisar o processo paulistano destaca que:
O sucesso do modelo de moradia popular desenvolvido na periferia
possibilitou a transferência para o próprio trabalhador do encargo de
produzir a habitação, sem que o poder público fosse obrigado a investir
significativamente. A enorme quantidade de terra disponível para o
assentamento popular no entorno da cidade foi, certamente, a razão mais
forte desse êxito. Graças a essa disponibilidade, o lucrativo processo de
expansão periférica pôde se alastrar sem limites, pelo menos até a década de
1970, garantindo novas e novas áreas de loteamentos nos quais a população
de baixa renda conseguia adquirir um lote popular e construir suas casas (p.
312-313, grifos nossos).
E enquanto houve terras disponíveis e baratas para a produção de lotes
populares, o modelo curitibano institucionalizado de periferização da população de
baixa renda se manteve. Recentemente, contudo, o modelo começou a mostrar sinais de
89
COHAB-CT, 2006. Extraído da apresentação COHAB-CT 41 anos. Disponível em:
<www.cohab.pr.gov.br>. Acesso em: 22 nov. 2006.
104
esgotamento, ao menos no que se refere a sua reprodução dentro dos limites da “cidade-
modelo”. Com a diminuição da oferta de áreas urbanas não parceladas em Curitiba, o
preço da terra subiu e isso, por sua vez, tem gerado um desinteresse da iniciativa
privada na promoção de loteamentos populares em “parceria” com a COHAB-CT.
De acordo com um empresário local do ramo da incorporação imobiliária,
não a área bruta em Curitiba tem aumentado de valor como também aumentaram as
restrições ambientais e a porcentagem de área institucional exigidas pelo Município nos
processos de parcelamento do solo. A combinação desses fatores tem levado a uma
evidente redução da produção de lotes populares via o programa de “parceria” da
COHAB-CT em Curitiba.
Na década de 1990, a média de lotes por ano produzida em “parceria” com a
iniciativa privada foi de 1000 (Tabela 11), ao passo que, no período de 2002 a 2004,
essa média sofreu uma redução de 40%, atingindo o número de 600 lotes/ano.
O esgotamento do modelo de periferização da população de baixa renda de
Curitiba foi objeto de destaque na imprensa local.
Curitiba esgota espaços possíveis de crescimento. Uma capital cercada,
impossibilitada de crescer horizontalmente dentro de seus próprios limites.
Com 400 quilômetros quadrados de área, Curitiba não consegue mais
acomodar o número de pessoas que mantêm o crescimento populacional da
cidade em 2,3% ao ano (Gazeta do Povo, 07/02/1999, p. 3, grifos nossos).
Segundo pesquisa do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de
Curitiba (Ippuc) em parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), Curitiba não tem mais para onde crescer. Tirando
áreas de preservação ambiental, todos os espaços estão ocupados (Primeira
Hora, 5/12/2001, p. 8, grifos nossos).
Não mais espaço para lotes populares. Curitiba teria que relocar 10 mil
famílias que moram em situação irregular, mas tem poucas áreas disponíveis
(Estado do Paraná, 26/10/2004, p. 20, grifos nossos).
A “solução” que parece estar entre as ações da Prefeitura Municipal frente
ao quadro exposto não é, contudo, a de promover a ocupação dos mais de 55 mil
imóveis vagos existentes em Curitiba
90
e sim a de transferir seu modelo esgotado
para os municípios da Região Metropolitana. A instituição de uma política habitacional
integrada com os municípios da RMC tornou-se, portanto, pauta recente da Prefeitura
Municipal de Curitiba.
90
De acordo com o ficit Habitacional no Brasil: municípios selecionados e microrregiões geográficas,
elaborado pela Fundação João Pinheiro, o Município de Curitiba em 2000 apresentava um déficit
habitacional de 31.240 domicílios e a existência de 56.316 domicílios vagos.
105
A motivação, contudo, menos do que buscar alternativas conjuntas a um
problema metropolitano, tem sido a preocupação com o inchaço de Curitiba que
“ameaça a preservação do cartão-postal vendido para todo o país”.
Para Luiz Hayakawa
91
, “Curitiba não tem espaço fisicamente, mas a Região
Metropolitana ainda pode crescer”
92
.
Assim, a suposta falta de espaço em Curitiba parece legitimar as ações de
uma política habitacional, ainda em fase de constituição, que tem por objetivo
consolidar a população de baixa renda fora de seus limites administrativos.
91
Ex-presidente do IPPUC e da Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba – COMEC.
92
Em reportagem do jornal Gazeta do Povo, 07/2/1999, p.3.
106
4 CAPÍTULO IV QUESTÃO HABITACIONAL, DISCURSO E
IDEOLOGIA
4.1 A imagem
Ao recuperarmos a trajetória da pesquisa desenvolvida neste trabalho,
observamos que foram explicitadas, nos três capítulos anteriores, três faces de uma
mesma cidade: a cidade de Curitiba. A primeira das faces, certamente a mais conhecida,
é aquela constituída pela imagem da cidade: cidade-modelo”; “capital ecológica”;
“capital de primeiro mundo”; “capital da qualidade de vida”; etc. O discurso, veiculador
dessa imagem, ao qual chamamos de discurso da “cidade-modelo”, foi proferido pelos
quatro cantos do mundo. Esteve presente nas mais diversas falas, que iam desde os
depoimentos de técnicos e políticos locais, de dirigentes de organizações e agências
multilaterais, até pronunciamentos de políticos internacionais, de especialistas e
profissionais da área de urbanismo internacionalmente respeitados e, obviamente, o
discurso também esteve nas pautas da dia nacional e internacional desde meados da
primeira metade da década de 1970.
A partir da descrição de algumas falas portadoras desse discurso, foi
possível identificar, primeiramente, que o discurso da “cidade-modelo” permanece
atual, uma vez que observamos sua presença em falas registradas entre os anos de 2006
e 2007, e que a idéia principal por ele disseminada tem sido historicamente aquela
que afirma que, em Curitiba, diferentemente das demais metrópoles do país, o
planejamento urbano “deu certo”. Vimos que o discurso apresentou e difundiu uma
imagem de cidade “modelo” que foi, necessariamente, fruto de uma prática exitosa de
planejamento urbano.
Para legitimar tal prática, verificamos que o discurso se apoiou em alguns
elementos urbanos construídos da paisagem da cidade. Esses elementos, a saber: a Rua
XV de Novembro, os Setores Estruturais, os Parques e as áreas verdes, o Sistema de
Transporte Coletivo e a Cidade Industrial de Curitiba, têm sido recorrentemente alçados
no discurso como referências do sucesso do planejamento urbano local. Apesar de esses
elementos, como evidenciamos no Capítulo 1, terem sido construídos em momentos
históricos distintos alguns na década de 1970 e outros na década de 1990 verificou-
se que, ainda hoje, são eles que têm sustentado a imagem “modelo” da cidade e a idéia
107
de que Curitiba teria sido palco de uma experiência bem sucedida de planejamento
urbano.
Esses elementos urbanos constitutivos do discurso levaram Curitiba a
receber diversos prêmios internacionais e a ser considerada como “modelo” de
planejamento urbano para cidades localizadas nos mais diferentes países do mundo.
Tanto é que anualmente o IPPUC tem recebido mais de 400 visitas de técnicos,
oriundos de todas as partes do planeta, com o objetivo de conhecer a experiência da
capital paranaense. O planejamento urbano de Curitiba ganhou notoriedade
internacional e elevou o ex-prefeito da cidade e ex-governador do Estado do Paraná,
Jaime Lerner, à presidência da UIA em 2002.
Identificamos, no entanto, que o discurso, ao disseminar a idéia de sucesso
do planejamento urbano curitibano, não fez qualquer menção à questão habitacional.
Não encontramos, entre seus elementos constitutivos, referências a práticas ou
intervenções levadas a cabo na “cidade-modelo” no campo da habitação. Dessa
maneira, portanto, a afirmação de que Curitiba é a “capital da qualidade de vida” ou a
“capital ecológica” se fez no discurso de maneira autonomizada dos processos de
produção e de apropriação da moradia da cidade.
Se considerássemos que a experiência de planejamento urbano de Curitiba,
deflagrada no início da década de 1970, tivesse sido capaz, como diz o discurso, de
transformar uma metrópole da periferia do capitalismo em uma “capital de primeiro
mundo”, poderíamos supor que ela deveria ter solucionado, entre os diversos
“problemas urbanos da cidade, necessariamente o problema da habitação. Neste
sentido, questiona-se: Por que as intervenções no campo da habitação não foram
utilizadas pelo discurso veiculador da imagem da cidade como evidências do
“sucesso” do planejamento urbano curitibano? De imediato poderíamos levantar
duas hipóteses: (i) talvez porque simplesmente tais intervenções não existissem; ou (ii)
talvez porque não houvesse problema habitacional em Curitiba que devesse ser
enfrentado pelo planejamento urbano “modelo”?
A solução da indagação formulada acima, como vimos, não está em
nenhuma das hipóteses levantadas e tampouco estará em uma única resposta fechada,
determinada e objetiva. O campo a ser investigado, para caminharmos em direção à
resposta da questão citada, é demasiadamente complexo e, portanto, nesta parte da
dissertação, buscaremos iluminá-lo a partir de uma abordagem específica: da
problemática da ideologia. Escolhemos esse caminho uma vez que, ao descrevemos o
108
discurso da “cidade-modelo” e delimitarmos seus elementos constitutivos (Capítulo 1),
pudemos reconhecer nele aquilo que Marilena Chauí (2006) definiu como discurso
ideológico.
Para a autora,
O discurso ideológico é um discurso feito de espaços em branco, como uma
frase na qual houvesse lacunas. A coerência desse discurso (o fato de que se
mantenha como uma gica coerente e que exerça um poder sobre os sujeitos
sociais e políticos) não é uma coerência nem um poder obtidos malgrado as
lacunas, malgrado os espaços em branco, malgrado o que fica oculto; ao
contrário, é graças às lacunas entre as suas partes, que esse discurso se
apresenta como coerente. Em suma, é porque não diz tudo e não pode dizer
tudo que o discurso ideológico é coerente e poderoso (2006, p. 32, grifos no
original).
Uma das lacunas do discurso da “cidade-modelo”, como vimos, foi a
questão habitacional. E foi a ela que dedicamos boa parte deste trabalho. Com o
objetivo de recuperarmos essa questão cuja ausência no discurso do nosso ponto de
vista – dependeu sua própria elaboração, apresentamos, nos Capítulos 2 e 3 deste
trabalho, a questão da habitação em Curitiba. O conteúdo abordado nestes capítulos
explicitou: 1) que a “cidade-modelo” não fugiu ao padrão de crescimento desigual das
metrópoles brasileiras; e 2) que a “cidade-modelo”, ao contrário do que o discurso nos
levou a pensar, foi palco de diversas ações do Poder Executivo Municipal com o intuito
de enfrentar o problema da habitação.
Desta forma, confirmando que a ausência no discurso não refletiu a
realidade da capital paranaense, a recuperação da questão habitacional permitiu-nos
inscrevê-la no contexto de construção e de consolidação da imagem da cidade e,
posteriormente, revelar a funcionalidade de sua ausência no discurso para a
manutenção e a reprodução da idéia de que, em Curitiba, o planejamento urbano “deu
certo”.
4.2 O negativo da imagem: o problema da habitação
A partir do Capítulo 2 pudemos verificar que a hipótese de que Curitiba não
tem ou não teve problema habitacional não se confirmou na realidade. Ao reunirmos
informações e dados sobre o problema habitacional de Curitiba, notamos que,
espantosamente, a cidade “modelo” para o país e para o mundo, ocupava em 2000, o
lugar entre os municípios brasileiros com o maior número de favelas e apresentava, no
mesmo ano, uma porcentagem de domicílios em aglomerados subnormais (8%)
109
praticamente igual a da cidade de São Paulo (7,54%)
93
. Deve-se ressaltar que a imagem
que se tem da capital paulistana é exatamente o oposto – o negativo – da imagem que se
tem de Curitiba. São Paulo é tida como o “modelo a não ser seguido”: engarrafamentos
quilométricos, enchentes, favelas e violência, enquanto que a imagem de Curitiba tem
sido a de “capital ecológica”, capital de primeiro mundo”, “cidade-modelo”, entre
outras.
Apesar das imagens distintas, as duas capitais apresentam problemas graves
em relação à habitação. A diferença repousa no fato de que em Curitiba esse problema
parece não existir e o discurso, como vimos, faz questão de atribuir essa suposta
peculiaridade curitibana à experiência de planejamento urbano lá implementada.
Verificamos que cerca de 16% de todo incremento domiciliar registrado em
Curitiba no período de 1970 data em que se iniciou o processo de constituição da
imagem da cidade a 2000 foi absorvido pelas chamadas ocupações irregulares. Na
década de 1970, por sua vez, década emblemática em relação às grandes mudanças
realizadas no tecido urbano da cidade e que, posteriormente, viriam a se tornar alguns
dos símbolos da “cidade-modelo” (Setores Estruturais, calçadão da Rua XV de
Novembro e Parques Urbanos), Curitiba havia apresentado uma taxa de crescimento
anual dos domicílios em ocupações irregulares de aproximadamente 13,44%. Trata-se
de índice duas vezes superior à taxa de crescimento total dos domicílios no Município
para o mesmo período.
Não é demais recordar que os primeiros anos da década de 1990 (1991 e
1992), caracterizados por serem as datas em que foram inaugurados muitos dos
elementos urbanos que hoje são internacionalmente conhecidos, como, por exemplo:
Ópera de Arame (1992), Universidade Livre do Meio Ambiente (1991), Jardim
Botânico (1991) e a Estação-tubo (1991), foram os anos em que a “cidade-modelo”
apresentou o maior crescimento de domicílios em ocupações irregulares. Cerca de 35%
de todos os domicílios localizados em ocupações irregulares, identificados até o ano
2000 (57.333), foram produzidos entre os anos de 1990 e 1992, porcentagem que
significou a formação de aproximadamente 20 mil domicílios irregulares em apenas
dois anos
94
.
93
Números extraídos do Censo Demográfico 2000.
94
De acordo com o IPPUC, em 1990, Curitiba possuía 24.570 domicílios irregulares, sendo que, em
1992, esse número havia subido para 44.713 domicílios em condições de irregularidade (em favelas ou
em loteamentos clandestinos).
110
Notamos que, a partir de 1992, a tendência de crescimento desses
assentamentos informais na cidade-modelo” sofreu uma significativa alteração. É a
partir desta data que a taxa de crescimento anual dos domicílios irregulares em Curitiba,
que vinha crescendo exponencialmente (década de 1970: 13,44%; década de 1980:
16,61%), começa a cair. Na primeira metade da década de 1990 (1992-1996), o índice
desce para 3,08% e, posteriormente, (1996-2000) para 2,45%.
Verificamos, contudo, que, em alguns bairros da “cidade-modelo”, as taxas
de crescimento da irregularidade apresentaram um comportamento contrário ao
registrado para o Município na década de 1990, superando em mais de dez vezes a taxa
de crescimento anual dos domicílios irregulares registrada para o Município. Enquanto
que Curitiba apresentava uma taxa de crescimento anual de 3,08%, para o período de
1992-1996, os bairros Augusta, Campo de Santana e Capão da Imbuia, experimentaram,
para o mesmo período, taxas de crescimento dos domicílios irregulares respectivamente
de 21,48%, de 21,65% e de 41,53% (Tabela 8). Esses números evidenciam, portanto,
uma maior concentração da irregularidade da “cidade-modelo” em determinadas
porções do espaço de Curitiba. Este fato indica um maior aprofundamento das
desigualdades socioespaciais da cidade, pois se, por um lado, na média municipal, a
irregularidade tende a diminuir, por outro, ela tem mostrado acentuado crescimento em
alguns bairros específicos da cidade.
Por sua vez, ao considerarmos os dados de ocupações irregulares para o
aglomerado metropolitano, notamos que a irregularidade da “cidade-modelo”, apesar de
presente em Curitiba e concentrada em alguns bairros, tende a se deslocar para os
municípios da Região Metropolitana de Curitiba, em especial para aqueles pertencentes
ao NUC – conurbados com a cidade-pólo.
Em 1992, Curitiba concentrava cerca de 83% de todos os domicílios
irregulares identificados para o aglomerado metropolitano e, em 1997, essa participação
cai para 64,25%. Outros dados, que nos pareceram indicativos do deslocamento da
irregularidade da “cidade-modelo” para os municípios da RMC, foram os índices das
taxas de crescimento dos domicílios irregulares. Enquanto que Curitiba apresentava
uma taxa de crescimento anual de 3,08% (1992-1996), todos os municípios do NUC
com exceção de Campo Largo e Quatro Barras – apresentaram taxas de crescimento dos
domicílios irregulares, para o mesmo período, superiores a 12% ao ano. São
merecedores de destaque os municípios de São José dos Pinhais e Piraquara que, por
111
sua vez, registraram, respectivamente, taxas de crescimento da irregularidade de 45,93%
e 84,65%.
É importante ressaltar, em relação a Região Metropolitana de Curitiba, que a
década de 1970 marcou o início do processo de formação da periferia metropolitana da
“cidade-modelo”, ou seja, a periferização de Curitiba se desenvolveu em período
correlato às intervenções urbanísticas que se constituíram posteriormente nas bases
de sustentação da imagem da cidade e do discurso a ela vinculado
95
.
Apesar de os municípios do NUC terem historicamente concentrado a
população pobre da metrópole e, portanto, a manifestação das contradições urbanas têm
se feito mais evidentes neles do que em Curitiba, como vimos, esse fato o eliminou o
processo de formação das ocupações irregulares (favelas e loteamentos clandestinos)
internamente à “cidade-modelo”. Desde a década de 1970, a produção informal da
moradia tem estado presente nos quatro cantos da capital do primeiro mundo”. E, em
relação a localização espacial dessa problemática em Curitiba, cabe recordarmos um
aspecto fundamentalmente importante.
De 1976 a 2000, as áreas de ocupação irregular, além de se espalharem para
os municípios limítrofes a Curitiba, multiplicaram-se significativamente dentro dos
limites da “cidade-modelo”. Se em 1971 o número de áreas irregulares em Curitiba era
de aproximadamente 21, em 2000 esse número passou a ser de 301 (Tabela 4). Ao
observamos a espacialização dessas áreas, percebemos que, de 1976 a 2000, houve o
aparecimento de novas áreas de ocupação irregular em quase todas as porções do espaço
da “cidade-modelo”. Nesse processo, apenas uma parcela da cidade ficou alheia à
produção informal da moradia: o conjunto de bairros da regional administrativa matriz
(Mapas 3 e 4). Essa porção da cidade não ficou alheia ao processo de formação de
novas ocupações irregulares desenvolvido no período de 1970 a 2000 – como também
foi, inversamente as demais regionais, a única parcela do espaço do Município que
passou por um processo de redução de áreas de ocupação irregular. Em 1976 essa região
possuía a maior ocupação irregular (em área) até então produzida em Curitiba: a Vila
Capanema. Em 2000 essa ocupação é extinta, restando, nessa parte da cidade, apenas a
favela Vila Pinto, hoje chamada Vila das Torres.
95
Sobre o processo de formação da periferia de Curitiba ver: POLLI, Simone Aparecida. Curitiba,
metrópole corporativa: fronteiras da desigualdade. Dissertação de Mestrado. IPPUR/UFRJ. Rio de
Janeiro: 2006.
112
A erradicação da favela do Capanema, da região predominantemente
ocupada pelas camadas de mais alta renda de Curitiba
96
, não foi decorrente de uma
iniciativa espontânea dos moradores da ocupação, mas, sim, resultado de uma ação
planejada da Prefeitura Municipal de Curitiba e realizada no âmbito do Plano de
Desfavelamento de 1976.
4.3 A ação corretiva do problema: a Política Habitacional de Curitiba
Ao descrevermos a Política Habitacional da “cidade-modelo”, efetivada no
período de 1970 a 2000, identificamos que as ações realizadas no campo da habitação
em Curitiba passaram por modificações significativas em suas formas e conteúdos. Com
base nessas mudanças pudemos dividir a Política Habitacional em três fases distintas: a
1ª fase, referente à década de 1970, caracterizou-se essencialmente pelas ações de
remoção de favelas da “cidade-modelo”; a fase década de 1980 se constitui no
período em que a remoção das ocupações irregulares deu lugar aos processos de
urbanização e em que a produção de lotes começou a aumentar sua participação na
produção habitacional do Município; e a e última fase, relativa à década de 1990,
distinguiu-se dos demais períodos da Política Habitacional por ter deflagrado no
Município os programas de parceria com a iniciativa privada para a produção de
unidades habitacionais e por ter instituído a produção de lotes como o principal modo
de provisão habitacional do Município.
Ao transcendermos o nível local, foi possível situarmos a Política de
Habitação de Curitiba no contexto político nacional, relacionando suas ações com as
práticas hegemônicas que caracterizaram a atuação do Estado brasileiro no setor da
habitação. Ali identificamos o alinhamento das ações municipais com os paradigmas
que nortearam as intervenções do Estado brasileiro na questão habitacional. Como
vimos, a Política Habitacional de Curitiba, no período analisado, não se destacou entre
os municípios brasileiros com iniciativas pioneiras, criativas ou “modelos”. As ações
habitacionais realizadas na capital paranaense seguiram à risca a prática que se fazia
96
Com base no Censo Demográfico 2000, os bairros: Centro, São Francisco, Centro Cívico, Alto da
Glória, Alto da XV, Cristo Rei, Jardim Social, Hugo Lange, Ahú, Juvevê, Bom Retiro, Cabral, Jardim
Botânico, Rebouças, Prado Velho, Batel, Bigorrilho e Mercês, que, por sua vez, compõem a regional
matriz, concentravam aproximadamente de 58% dos domicílios onde o responsável auferia renda superior
a 20 salários mínimos.
113
dominante a nível nacional, apresentando, em algumas situações, resistências até
mesmo para incorporação dos avanços por que passavam tais práticas.
Vimos que, no período em que a ação de remoção de favelas era fortemente
questionada, e perdia sua hegemonia a nível nacional, na “cidade-modelo” ela ganhava
uma sobrevida sob a justificativa de que as ocupações irregulares em Curitiba “eram
recentes e de pequenas dimensões” (ver Capítulo 3).
A única (falsa) referência a uma atuação mais progressista da Política
Habitacional de Curitiba foi encontrada na apresentação do Projeto Sítio Cercado
(Bairro Novo). Ali pudemos identificar que a Prefeitura Municipal inseriu no discurso
tal projeto em uma suposta política de ocupação de vazios urbanos da cidade. No
entanto verificamos que não houve registros de uma política de ocupação de vazios
urbanos na “cidade-modelo” e o projeto tio Cercado, ao invés de ter sido implantado
em um vazio urbano da cidade, como vimos, foi construído em uma porção do espaço
definida como zona agrícola – para além da periferia urbana do Município.
Se um elemento que se fez presente nas três fases da Política
Habitacional de Curitiba de nosso ponto de vista , esse elemento foi a periferização
da população de baixa renda. Em todas as fases, de maneira declarada e intencional (na
1ª fase) ou de maneira omissa e terceirizada (3ª fase), a produção habitacional da
“cidade-modelo” empurrou os pobres de Curitiba para as bordas do Município. Não se
diferenciou, dessa forma, da Política de Habitação “tradicional” do país, política que,
historicamente, localizou os empreendimentos habitacionais nas porções mais distantes
e menos urbanizadas das cidades brasileiras.
Neste contexto a produção habitacional da “cidade-modelo” concentrou-se
predominantemente na porção sul do Município, com algumas ações localizadas no
extremo leste e oeste da cidade (Mapa 8) e com raras para não dizer nenhuma ações
localizadas nas porções mais centrais da área urbanizada. O deslocamento da população
pobre para as porções mais longínquas da cidade vem sendo, portanto, reforçado pela
Política Habitacional de Curitiba.
Vimos que, mais recentemente, o Município tem divulgado na mídia
impressa que a “cidade-modelo” não teria mais espaço para a produção de lotes
populares. Assim a Prefeitura Municipal começa a cogitar a possibilidade do
estabelecimento de parcerias com os municípios da Região Metropolitana para localizar
os empreendimentos habitacionais, a partir de agora, fora dos limites administrativos da
“cidade-modelo”.
114
Não é demais recordar que Curitiba apresentava, no ano 2000, de acordo
com a Fundação João Pinheiro, 56.316 domicílios vagos. Ao contrário do que a
Prefeitura começa a disseminar pela imprensa, a “cidade-modelo” apresentava espaço
suficiente para atender todo o déficit habitacional de sua Região Metropolitana que, no
período citado, era de 53.420 domicílios.
Por fim, cabe relembrar que, ao descrevermos a Política Habitacional de
Curitiba, foi possível inscrevê-la no processo social que deu origem ao discurso da
“cidade-modelo”. Vimos que, enquanto a cidade passava por transformações
significativas em seu espaço físico (construção dos Setores Estruturais e calçamento da
Rua XV de Novembro), obras que, por sua vez, se transformariam, mais tarde, nos
principais elementos símbolos do planejamento curitibano, a problemática da habitação
era tratada de maneira autoritária e violenta. A década de 1970, como mostramos no
Capítulo 3, foi marcada pelas ações de remoção de favelas que objetivavam erradicar da
“cidade-modelo” toda e qualquer forma de ocupação caracterizada pela irregularidade.
Foi exatamente neste período que a Prefeitura Municipal extinguiu da região
central da cidade a favela do Capanema sob a justificativa de que era “a maior favela da
cidade em área” (IPPUC, 1979, p. 27), que “poderia crescer indefinidamente” (Ibidem)
e, ainda, que o “padrão sócio-econômico da vizinhança totalmente diverso” (Ibidem)
poderia dificultar a integração dos favelados à cidade. Essa ão, entre outras ações de
desfavelamento, ocorreu em período correlato às intervenções urbanas que deram
notoriedade e reconhecimento internacional ao planejamento urbano curitibano. Cabe
lembrar que as famílias removidas das favelas curitibanas eram reassentadas em “áreas
mais adequadas ao seu padrão sócio-econômico” (IPPUC, 1976, p. 19), ou seja,
distantes das regiões ocupadas predominantemente pelas camadas de alta renda.
Vimos que, enquanto a Prefeitura Municipal de Curitiba inaugurava, nos
anos 1990, diversas obras urbanísticas que se tornariam símbolos do planejamento
urbano “modelo” Ópera de Arame; Jardim Botânico; Universidade Livre do Meio
Ambiente e outras –, a questão habitacional deixava de ser objeto de um planejamento
municipal global e passava a ser abordada a partir da implantação de programas e
projetos pontuais. A produção de lotes passava a ser a principal forma definida pela
COHAB-CT para viabilizar habitação para a população de baixa renda e, para isso,
como vimos, a Companhia contou significativamente com o programa “parceria com a
iniciativa privada” (analisado no Capítulo 3). Deflagrou-se, portanto, nessa época, a
115
produção de loteamentos populares nos bairros periféricos da cidade, reproduzindo o
trinômio loteamento periférico – casa própria – autoconstrução.
Quadro 4. Inscrição da questão habitacional no processo de constituição do discurso da “cidade-modelo”
PERÍODOS
INTERVENÇÕES
URBANÍSTICAS que
deram notoriedade ao
"modelo"
O PROBLEMA HABITACIONAL
Ações realizadas no ENFRENTAMENTO DO
PROBLEMA habitacional
DÉCADA
DE 1970
Construção dos Setores
Estruturais; Calçamento
da Rua XV de Novembro;
Implantação dos Parques
Barigüi e São Lourenço;
Criação da CIC.
Em 1971 a "cidade-modelo" possuía 2.213 domicílios irregulares. Em 1979
esse número subiu para 6.067. A taxa de crescimento dos domicílios
irregulares nesse período foi de 13,44% ao ano, o dobro do índice de
crescimento registrado para o Município.
Construção dos núcleos de habitação provisórios;
Plano de Desfavelamento. Extinção da favela do
Capanema. Remoção de 2.236 domicílios
(11.521 pessoas).
DÉCADA
DE 1980*
Forte crescimento do número de áreas irregulares na "cidade-modelo". Das
301 áreas irregulares identificadas até o ano 2000, 143 (47,50%) foram
formadas nesse período.
Início das ações de urbanizações de favelas,
direcionamento da produção habitacional para a
implantação de lotes urbanos, proposta de criação
do FMH.
DÉCADA
DE 1990
Lançamento da Estação-
tubo e construção dos
seguintes elementos
urbanos: Jardim
Botânico, Universidade
Livre do Meio Ambiente,
Ópera de Arame e da Rua
24 Horas.
No início da década de 1990, o Município vivencia o maior crescimento de
domicílios em ocupações irregulares registrado até o ano 2000; Cerca de
35% de todo o estoque de domicílios irregulares da "cidade-modelo" foram
formados entre no período de 1990 a 1992. A partir de 1992 a taxa de
crescimento dos domicílios irregulares em Curitiba apresenta uma acentuada
queda, mantendo-se após essa data com índices inferiores aos registrados até
aquele momento - abaixo dos 4% ao ano. Em contrapartida os municípios da
Região Metropolitana, especialmente aqueles que compõem o NUC,
apresentaram, na primeira metade da década de 1990, taxas de crescimento
dos domicílios irregulares, em sua maioria, acima de 20% ao ano.
Início e consolidação das parcerias com a
iniciativa privada para a produção de lotes
populares; criação e regulamentação do FMH.
Concentração da ação da COHAB-CT na
produção de lotes, em que mais de 80% de toda a
produção habitacional da companhia nesse
período se deu através da implantação de
loteamentos.
* Como abordado no Capítulo 3 deste trabalho, durante a década de 1980 as ações levadas a cabo em Curitiba, nas duas gestões do PMDB (Maurício Fruet e Roberto
Requião), foram orientadas à melhoria dos assentamentos periféricos, à instauração do planejamento participativo e à implantação de equipamentos sociais. Nenhumas dessas
ações se tornaram símbolos da “cidade-modelo”.
4.4 A ausência da questão habitacional no discurso da “cidade-modelo”
Mostramos, no decorrer deste trabalho, que a ausência da questão da
habitação no discurso da “cidade-modelo” não se constituiu devido a uma falta de ações
do Poder Executivo Municipal no setor da habitação e tampouco devido a uma falta do
problema da habitação em Curitiba. Ao direcionarmos o olhar para a questão
habitacional, verificamos que a face da cidade ocultada pelo discurso era aquela
formada por ações de desfavelamento, construção de conjuntos e loteamentos populares
periféricos e pela produção informal do espaço e da moradia: favelas e loteamentos
clandestinos. Trata-se de uma realidade, por sua vez, bem distante da imagem “modelo”
veiculada pelo discurso exaltador do planejamento urbano curitibano.
Ao explicitarmos essa realidade foi possível constatar que a coerência do
discurso se manteve justamente porque a habitação não estava em seu conteúdo, uma
vez que, se o discurso explicitasse o problema da habitação em Curitiba e fizesse
referências às práticas habitacionais do Poder Executivo Municipal, levadas a cabo na
cidade desde a década de 1970, de nosso ponto de vista, certamente seria impossível
para ele sustentar a imagem de “capital de primeiro mundo” e a idéia de sucesso do
planejamento urbano local.
Julgamos, pelas evidências encontradas, que o discurso da “cidade-modelo
se constituiu em um discurso ideológico
97
, onde um dos termos ausentes foi a questão
da habitação. Se a lacuna identificada tivesse, em algum momento, sido preenchida, o
discurso perderia toda sua coerência e se autodestruiria. Para Chauí (2006),
O discurso ideológico se sustenta, justamente, porque não pode dizer até o
fim aquilo que pretende dizer. Se o disser, se preencher todas as lacunas, ele
se autodestrói como ideologia. A força do discurso ideológico provém de
uma lógica que poderíamos chamar de lógica da lacuna, gica do branco.
(p. 33, grifos no original).
Cabe destacar que entendermos o discurso da “cidade-modelo” como um
discurso ideológico não é o mesmo que caracterizá-lo como falso ou mentiroso. Como
vimos, seu conteúdo se apoiou em elementos construídos do espaço da cidade, portanto
97
Deve-se ressaltar que compreendemos o termo ideologia a partir da teoria de base marxista, teoria que
tem, por sua vez, no Brasil, seu principal expoente na obra de Marilena Chauí (1984;2006). Ideologia
será, portanto, entendida como o “processo pelo qual as idéias da classe dominante se tornam idéias de
todas as classes sociais, se tornam idéias dominantes” (CHAUÍ, 1984, p. 92). Para realizar tal feito a
ideologia se mune de diversas estratégias, entre elas: (i) o mascaramento e a distorção da realidade social;
(ii) o ocultamento dos conflitos; (iii) o escamoteamento do particular enquanto particular dando-lhe
aparência de universal; e (iv) a naturalização da realidade social (e dos problemas sociais sempre
existiram e sempre existirão).
118
eram elementos concretos e reais. Em relação a suposta falsidade da ideologia Chauí
afirmar que:
O campo da ideologia é o campo do imaginário, não no sentido de irrealidade
ou de fantasia, mas no sentido de conjunto coerente e sistemático de imagens
ou representações tidas como capazes de explicar e justificar a realidade
concreta (2006, p.30, grifos no original).
De nosso ponto de vista, a problemática desse discurso repousou,
primeiramente, em tomar esses elementos pontuais como representação expressiva da
totalidade da cidade, desta forma explicando o todo a cidade de Curitiba a partir das
partes porções específicas do espaço e, num segundo momento, em ocultar parcelas
significativas da cidade, exatamente aquelas porções em que a contradição e o conflito
urbano se fizeram expostos e se manifestaram de maneira mais evidente.
Para Chauí,
Através da ideologia, são montados um imaginário e uma lógica da
identificação social com a função precisa de escamotear o conflito,
dissimular a dominação e ocultar a presença do particular, e enquanto
particular, dando-lhe a aparência do universal (2006, p. 32).
No sentido de fazer uma crítica a esse discurso, poderíamos ter avaliado o
resultado concreto das intervenções urbanísticas que deram notoriedade à experiência de
planejamento urbano de Curitiba, estudando, por exemplo, o sistema do transporte
coletivo “modelo” (alcance do sistema, custo e eficácia); investigando a qualidade
ambiental dos rios da “cidade-ecológica”; revelando os impactos sociais, urbanos e
ambientais gerados pela implantação dos setores estruturais; ou, ainda, descobrindo
quais foram os reais beneficiados com a construção da CIC.
No entanto, ao invés de questionarmos o que foi dito pelo discurso, optamos
por recuperar aquilo que por ele foi – historicamente – não dito. Pois, ainda que
considerássemos que todos os elementos constitutivos do discurso fossem, de fato, um
sucesso no campo do planejamento urbano, ainda sim o discurso seria lacunar, uma vez
que manteve a questão da habitação ocultada em seu conteúdo por mais de três
décadas. Para nós, portanto, não importou o conteúdo declarado pelo discurso da
“cidade-modelo”, mas o conteúdo que por ele foi ocultado, pois, como ressalta Chauí
(2006), a coerência do discurso ideológico:
[...] não é uma coerência nem um poder obtidos malgrado as lacunas,
malgrado os espaços em branco, malgrado o que fica oculto; ao contrário, é
graças aos brancos, graças às lacunas entre as suas partes, que esse discurso
se apresenta como coerente (2006, p. 32, grifos no original).
119
Para essa autora, a crítica ao discurso ideológico por natureza lacunar
não se faz pelo contraponto de um segundo discurso pleno (ou preenchido), mas, sim,
pela “elaboração de um discurso negativo no interior do discurso ideológico” (p.34). Ou
seja, Chauí ressalta que devemos ultrapassar a atitude meramente dicotômica da
oposição entre o discurso lacunar (ideológico) e o discurso pleno (científico), rumo a
uma atitude teórica realmente dialética” (p. 33). Nas palavras da autora, o discurso
crítico deveria ser capaz de:
Tomar o discurso ideológico e não contrapor a ele um outro que seria
verdadeiro por ser “completopleno, mas que tomasse o discurso ideológico
e o fizesse desdobrar todas as suas contradições, é um discurso que se elabora
no interior do próprio discurso ideológico como o seu contradiscurso (p. 33).
O mero preenchimento da lacuna irá, na perspectiva de Chauí,
“simplesmente destruir o discurso ideológico, porque tiraremos dele a condição sine
qua non de sua existência e força” (p. 33, grifos no original). Todavia a crítica não se
estabeleceria com este único movimento, uma vez que o preenchimento da lacuna
resultaria em um segundo discurso que, por sua vez, não seria capaz de criticar a
ideologia, mas sim de, unicamente, destruí-la. A crítica deve ser realizada, como vimos,
no interior do discurso ideológico e não fora dele. a necessidade de, na perspectiva
da filósofa, encontrarmos:
[...] uma via pela qual a contradição interna ao discurso ideológico o faça
explodir. Evidentemente, não precisamos aguardar que a ideologia se esgote
por si mesma, graças à contradição, mas trata-se de encontrar uma via pela
qual a contradição ideológica se ponha em movimento e destrua a construção
imaginária. Essa via é o que denomino discurso crítico. Este não é um outro
discurso qualquer oposto ao ideológico, mas o antidiscurso da ideologia, o
seu negativo, a sua contradição (CHAUÍ, 2006, p.33, grifos no original).
Objetivando ilustrar esse caminho em direção à contradição interna do
discurso lacunar –, Chauí (2006) apresenta alguns “exemplos” do que considera um
contradiscurso ou uma crítica à ideologia. Um deles pareceu dialogar melhor com a
pesquisa que aqui apresentamos.
A autora explica como os autores Edgar de Decca e Antônio Carlos
Vesentini
98
construíram um contradiscurso ou uma crítica à representação da
“Revolução de 30” como “um marco na continuidade histórica e, ao mesmo tempo,
como ruptura política”. O que para nós é relevante é o fato de que aqueles autores
98
A autora se refere à obra: DECCA, Edgar de e VESENTINI, Antônio Carlos. “A revolução do
vencedor”. Contraponto. Revista de Ciências Sociais do Centro de Estudos Noel Nutels. Niterói, 1,
nov. 1976.
120
descortinaram o campo ideológico da representação da “Revolução de 30” mostrando
que, para a manutenção dessa representação, “foi preciso que o pensamento dominante
silenciasse um outro discurso, ocultasse uma outra prática [...]” (CHAUÍ, 2006, p.34). E
foi recuperando a prática, escamoteada por aquela representação, que os autores na
visão de Chauí – conseguiram criticar a idéia da “Revolução de 30”.
Estabelecendo um “paralelo” com o presente trabalho, podemos afirmar
que, ao recuperarmos a questão da habitação ocultada pelo discurso ideológico da
“cidade-modelo”, explicitamos uma de suas contradições internas. Pois, como vimos,
houve uma prática cuja ausência no discurso ideológico dependeu a manutenção e a
reprodução da imagem da cidade.
4.5 A funcionalidade da lacuna da questão da habitação
Ao recuperarmos a questão habitacional de Curitiba não tínhamos por
objetivo colocar em “cena” um personagem que estaria faltando no espetáculo da
“cidade-modelo”, mas, sim, de trazer à tona questões de cuja omissão dependeu a
própria elaboração do discurso veiculador da imagem da cidade.
Esse exercício nos possibilitou perceber que a lacuna identificada foi
funcional à manutenção da idéia de que, em Curitiba, o planejamento urbano “deu
certo”, na medida em que foram ocultadas realidades que poderiam ter rompido as
estruturas em que vêm se apoiando a imagem “modelo” de Curitiba desde o início da
década de 1970.
A afirmação de que a cidade de Curitiba tem problemas habitacionais, tal e
qual, por exemplo, possui a cidade de São Paulo, feriria de morte a idéia de que Curitiba
tornou-se uma capital de primeiro mundo” devido ao planejamento urbano lá
implementado. Pior seria se o discurso reconhecesse que esse problema, como vimos,
não é de hoje e se desenvolveu (originou-se e reproduziu-se) na “cidade-modelo” em
período correlato ao processo de implementação das intervenções urbanísticas
representantes do “sucesso” do planejamento urbano curitibano.
Apesar da prática “bem sucedida”, o problema habitacional continuou em
aberto, crescendo e ganhando dimensões metropolitanas. Como vimos, o
posicionamento da Prefeitura Municipal, frente a esse processo, nunca foi o de se
omitir. A ação formulada pelos mesmos idealizadores das intervenções urbanas hoje
aplaudidas internacionalmente –, num primeiro momento, foi a de erradicar a
121
manifestação do problema. Ou seja, durante toda a década de 1970, o Poder Executivo
local promoveu ações autoritárias e violentas de remoção de favelas, reassentando as
famílias faveladas em locais bem distantes dos olhos dos curitibanos. Enquanto essa
ação, que nada tinha de inovadora, se deflagrava nas favelas da cidade, outras com
maior destaque na mídia se desenvolviam em pontos específicos do espaço de Curitiba.
Acreditamos que a manutenção e a reprodução da idéia de sucesso do
planejamento curitibano dependeram, além dos mecanismos de marketing, publicidade
e psicologia social investigados por Sánchez
99
, também da abolição da questão da
habitação no discurso da “cidade-modelo”.
Se tal discurso dissesse que Curitiba, como todas as metrópoles do país, não
fugiu ao processo de produção desigual do espaço urbano brasileiro, ele teria que
admitir que o planejamento urbano “modelo” teria sido incapaz de garantir a tão
propalada qualidade de vida a todos os moradores da cidade. Se, por exemplo, o
discurso falasse que o Poder Executivo Municipal atuou no campo da habitação, desde
a década de 1970, ele teria que mostrar as práticas realizadas e, portanto, reconhecer que
elas foram de natureza conservadora e que, além de não solucionarem o problema,
contribuíram para a periferização da população de baixa renda.
Ou, enfim, se o discurso colocasse em pauta a questão da habitação, ele
teria que necessariamente vincular a problemática habitacional com a política de uso e
de ocupação do solo, com a política de transporte e com a política de meio ambiente,
mostrando que as intervenções urbanísticas “modelos” em nada contribuíram para a
minimização do problema habitacional, uma vez que esse, desde a década de 1970, vem
ganhando dimensões cada vez maiores.
Se o discurso ideológico da “cidade-modelo” mostrasse as 301 ocupações
irregulares formadas em Curitiba até o ano 2000, se mostrasse que até 1992 os
domicílios irregulares na “cidade-modelo” apresentavam taxas de crescimento anuais
acima dos 12% ao ano, se mostrasse os loteamentos precariamente produzidos pela
COHAB-CT em parceria com a iniciativa privada nas regiões mais longínquas da
cidade, se mostrasse que o “vazio urbano” ocupado para habitação social se localizava
99
Para Sánchez (1993), “... o processo de construção ideológica sobre a transformação urbana extrapolou
a esfera especializada do urbanismo e encontrou seus pontos de apoio noutros processos de manipulação
de linguagens expressivas: o marketing moderno, a publicidade, a psicologia social. A criatividade e a
velocidade na obtenção destes elos entre diferentes campos de saber constituem-se num conjunto de
condições indispensáveis ao alcance das massas e à promoção dos novos bens de significado simbólico”
(p. 174).
122
de fato em zona agrícola, se mostrasse que apenas a porção da cidade ocupada
predominantemente pelas camadas de alta renda ficou alheia ao processo de produção
informal do espaço e da moradia e, que é essa mesma região que usufrui
historicamente – das intervenções urbanísticas “modelos”, como, então, o discurso
poderia manter a idéia de que o planejamento urbano de Curitiba conseguiu transformar
uma metrópole da periferia do capitalismo em “capital de primeiro mundo”? Como
faria, por exemplo, para justificar as condições precárias de urbanização e de moradia
presentes nas favelas curitibanas e nos loteamentos da COHAB-CT em uma “cidade-
modelo” para o país e para o mundo? O discurso não pôde e não pode fazer isso.
Explicitar qualquer uma das contradições acima citadas seria fatal à
ideologia do discurso da “cidade-modelo”. Como vimos, essa ideologia décadas
vêm velando processos e práticas relativos à produção da moradia na cidade. A imagem
da cidade veiculada por esse discurso representa uma “realidade” onde o problema da
habitação parece não existir. O ocultamento dessa parcela da realidade curitibana de
nosso ponto de vista – contribui não só para a manutenção da idéia de que em Curitiba o
planejamento urbano “deu certo”, como também, para a dissimulação das tensões e
conflitos que envolvem a questão da habitação.
Embora o discurso ideológico da “cidade-modelo”, como todo discurso
ideológico, se limite ao “que acontece na esfera da consciência do pensamento, das
representações, sem poder dar conta da materialidade dos movimentos e das ões
humanas” (KONDER, 2002, p. 194), acreditamos que sua manutenção e sua reprodução
acrítica tenham contribuído enormemente para o aprofundamento das desigualdades
urbanas em Curitiba
100
. Tal compreensão não está baseada no entendimento de que o
discurso ideológico da “cidade-modelo” por si teria sido capaz de transformar a
realidade da cidade, produzindo, por exemplo, a segregação espacial. A ideologia
necessariamente situa-se no campo das idéias e, sendo assim, não dispõe de “poderes”
para mudar a realidade social. É a realidade social que produz e muda as ideologias.
Leandro Konder, em A questão da ideologia, cita uma passagem de Gramsci
na qual o teórico italiano afirma que “para Marx as ‘ideologias’ não são mera ilusões e
aparências; são uma realidade objetiva e atuante. Só não são a mola da história
(p.106, grifos nossos). Para Marx e Engels,
100
Konder (2002) irá afirmar que, apesar de as ideologias se aterem à esfera da consciência, elas não
deixam de “incidir sobre as mudanças sociais, dificultando-as, desvirtuando-as, impedindo-as, ao mesmo
tempo incitando à realização delas” (p. 146-147).
123
São os homens que desenvolvem a sua produção material e o seu intercâmbio
material, que, ao mudarem esta sua realidade, mudam também o seu
pensamento e os produtos do seu pensamento. Não é a consciência que
determina a vida, é a vida que determina a consciência (2002, p. 23).
Portanto o discurso ideológico da “cidade-modelo” foi, portanto, produzido
na e pela materialidade de Curitiba. Ele é produto e não produtor direto da realidade
urbana curitibana. E, como toda ideologia, está muito mais interessado em manter a
realidade tal qual ela se encontra do que em transformá-la. De acordo com Georges
Duby, as ideologias “são por natureza conservadoras” (Apud KONDER, 2002, p. 191).
Por estarem comprometidas com o status quo, elas interferem na materialidade de
maneira indireta, elas dissimulam as tensões, são tranqüilizadoras, estão comprometidas
com projetos que procuram preservar a estabilidade e o equilíbrio (Ibidem).
E é ao dissimular as tensões que acreditamos que o discurso da “cidade-
modelo” tenha interferido na realidade da cidade, contribuindo para o aprofundamento
das desigualdades urbanas de Curitiba. Vimos que os conflitos e as contradições, que
giram em torno da questão habitacional, foram historicamente mascarados pelo
discurso. Assim, ao invés de incitar para a mudança da realidade, mostrando que a
mesma é desigual e contraditória, ele a conserva, à medida que mostra uma “cidade”
que parece ser organizada, harmoniosa e planejada.
Por sua vez, essa “cidade”, mostrada e falada pelo discurso, como vimos,
foi (e é) aquela constituída pelo conjunto articulado e coerente de elementos urbanos
cuidadosamente selecionados da paisagem da capital paranaense (SÁNCHEZ, 1993).
Em outras palavras o discurso fala de partes da cidade. E, a ideologia da “cidade-
modelo”, como toda ideologia, atribuiu a essas partes da cidade o status de universal.
Ou seja, as partes parecem no discurso representar o todo. Em relação a essa
estratagema da ideologia, Maricato (2001) afirmou que a publicidade e a mídia levam
[...] uma ficção à população: o que se faz em território restrito e limitado
ganha foros de universal. Os investimentos na periferia não contam para a
dinâmica do poder político, como os próprios excluídos não contam para o
mercado. E o que é mais trágico, a priorização das políticas sociais
freqüentemente não conta para os próprios excluídos cujas referências são a
centralidade hegemônica (p. 165-166).
As referências de Curitiba, como vimos, têm sido os elementos constitutivos
do discurso da “cidade-modelo”. E o fato de esses elementos serem, efetivamente,
elementos construídos no espaço da cidade e, portanto não puras ilusões, de nosso ponto
de vista, têm permitido à população reconhecer, no discurso, parte de sua vivência
urbana cotidiana concreta.
124
Acreditamos que a familiaridade das pessoas com os elementos constituintes
do discurso da “cidade-modelo”, tenha feito com que este ganhe consistência e, por
conseguinte, garanta uma “sobrevida” à ideologia de que o mesmo é portador, mesmo
diante do aprofundamento dos conflitos e das contradições urbanas da cidade. Como
afirma Terry Eagleton, para as ideologias terem êxito elas devem
[...] ser mais do que ilusões impostas e, a despeito de todas as suas
inconsistências, devem comunicar a seus sujeitos uma versão da realidade
social que seja real e reconhecível o bastantes para não ser peremptoriamente
rejeitada. Podem ser, por exemplo, muito verdadeiras no que declaram, mas
falsas naquilo que negam... (1997, p. 19).
O sucesso da ideologia da “cidade-modelo” e sua permanência ao longo das
décadas parece ter resultado da combinação exitosa da omissão da questão da habitação
com a declaração e a espetacularização de algumas intervenções efetivamente realizadas
no espaço da cidade (SÁNCHEZ, 1993; 2003).
4.6 Pistas para novas pesquisas
Vimos que o conteúdo declarado do discurso da “cidade-modelo” encontrou
na realidade da cidade apoios que lhe deram sustentação: os elementos urbanos
constitutivos do discurso. Embora a omissão da questão da habitação não tenha
encontrado a mesma sustentação na realidade, pois, como vimos, a questão habitacional,
uma vez declarada, seria capaz de desmantelar a ideologia da “cidade-modelo”,
acreditamos que a ausência discursiva constatada deva ter, em alguma medida, se
ancorado na materialidade da cidade. Ou seja, a realidade urbana deve ter, de certo
modo, sustentado o ocultamento da questão da habitação no discurso da “cidade-
modelo”.
Para nós, o conteúdo não declarado parece ter encontrado sustentação no
processo de segregação espacial de Curitiba. Expliquemos-nos melhor.
Ao espacializarmos os elementos constitutivos do discurso da “cidade-
modelo” verificamos que os mesmos tendem a se concentrar na região da cidade onde
se localizam predominantemente as camadas de mais alta renda de Curitiba. A
combinação, numa mesma região geral da cidade, da presença dos elementos símbolos
da “cidade-modelo”, de um alto padrão de urbanização e das ausências de áreas de
ocupação irregular e de intervenções voltadas ao tratamento da problemática da
habitação (Mapa 9), nos levam a acreditar que lacuna da questão habitacional, no
125
discurso da “cidade-modelo”, tem refletido uma lacuna real da questão da habitação em
uma região específica da cidade de Curitiba.
Para Sánchez,
A imagem veiculada sobre a cidade evoca a idéia de cidade do bem estar,
sempre confrontada com realidades urbanas complexas de outras capitais
brasileiras. No entanto, do nosso ponto de vista, a condição de cidade do bem
estar, restringe-se exclusivamente àquelas áreas urbanas onde o atendimento
de bens e serviços se respalda em condições de salário e renda mais elevadas
que em bairros periféricos e municípios da região metropolitana de Curitiba.
Com efeito, nestas áreas urbanas redutos do bem estar a infra-estrutura
instalada, os equipamentos e mobiliário urbano constantemente renovados,
somados à rede de serviços disponível, configuram um elevado padrão de
urbanização frente a outros centros (1993, p. 157).
O não-dito pelo discurso, ou seja, a questão da habitação, de fato, não foi (e
não é) parte integrante da parcela de Curitiba que tem sido alçada no discurso como
representação expressiva da totalidade da cidade. Levantamos a hipótese, para futuros
trabalhos, de que a ausência da questão habitacional no discurso da “cidade-modelo”
tem se mantido justamente porque o discurso da “cidade-modelo” tem falado –
historicamente de uma “cidade” que, ao mesmo tempo em que o apresentou
problemas habitacionais, não foi o local privilegiado para implantação dos projetos e
programas da Política Municipal de Habitação
101
.
101
Destaca-se que, como vimos, quando essa região manifestara o problema habitacional a favela do
Capanema o Poder Executivo Municipal se encarregou, imediatamente, de removê-lo e reassentá-lo em
porções mais periféricas da cidade.
126
Mapa 9. Espacialização da lacuna da questão habitacional
Como ressalta Villaça (2001), a estrutura segregada da cidade de Curitiba
102
pareceu ter sido necessária ao desenvolvimento de uma ideologia que buscou identificar
a cidade com aquela porção do Município ocupada pelas camadas de alta renda (mesma
porção onde se localizam predominantemente os elementos utilizados pelo discurso da
102
Em relação à estrutura segregada de Curitiba, alguns estudos sobre a produção do espaço da cidade
apontam para o desenvolvimento de tal processo na “cidade-modelo”. De acordo com Pereira (2001), a
região norte-nordeste tem sido o setor privilegiado para localização das camadas de mais alta renda da
cidade. Nas palavras da autora, “na região norte/nordeste estão concentrados: população de maior renda,
melhores condições e maiores valores imobiliários. A região sul/oeste caracteriza-se pelo oposto: menor
renda, pior condição social, menores valores imobiliários e, significativamente, maiores taxas de
crescimento populacional e maior número de ocupações irregulares” (p. 46). Sánchez (2003) também
aponta para a existência de um processo de segregação espacial na “cidade-modelo”, para ela, “o espaço
urbano-metropolitano é marcadamente contraditório: a destacada “qualidade de vida”, o “padrão
urbanístico inovador” e os equipamentos urbanos que deram notoriedade ao chamado “modelo-Curitiba”
concentram-se nas áreas centrais e nobres em detrimento de extensa periferia desprovida de infra-
estrutura, interna e externa ao município, evidentemente distante do “modelo” (p. 191).
127
“cidade-modelo” como “prova do sucesso do planejamento curitibano). O elevado
padrão de urbanização, referenciado na citação de Sánchez, foi alcançado justamente
porque houve historicamente uma concentração dos investimentos públicos em uma
única região geral da cidade
103
. Se os “redutos do bem estar” estivessem espalhados
pelo espaço de Curitiba, e não concentrados em uma única região, acreditamos que as
lacunas e as ausências no discurso da “cidade-modelo” ficariam expostas.
Talvez esteja, portanto, no processo de segregação espacial da cidade uma
das explicações para a reprodução acrítica, por exemplo, da afirmação de que Curitiba,
diferentemente das demais metrópoles brasileiras, não tem favelas. Como destaca
Lefebvre, citando o texto de Friedrich Engels (A Situação da Classe Operária na
Inglaterra):
A segregação, espontânea, talvez <<inconsciente>>, nem por isso é menos
rigorosa e afeta simultaneamente a cidade em si e a sua imagem citadina,
<<construída de tal maneira que se pode habitá-la anos a fio, sair e entrar
nela todos os dias sem jamais entrever um bairro operário nem sequer
encontrar operários... >> [...] <<Os bairros operários, tanto por acordo
inconsciente e tácito como por intuição consciente e confessada, estão
rigorosamente separados das zonas da cidade reservadas à classe média>>
(1972, p.19, grifos nossos).
A concentração de situações reais favoráveis em uma determinada região da
cidade possibilitou, portanto, a disseminação e a legitimação da idéia de que, em
Curitiba, o planejamento urbano “deu certo”. Acreditamos que a afirmação de que
“Curitiba não tem favelas”, contida em um dos depoimentos apresentados no início
deste trabalho, seja produto menos da incapacidade de percepção espacial do porta-voz
dessa afirmação e mais da forma de estruturação segregada da cidade. Fazendo
referência à citação de Lefebvre, pode-se “conhecer” Curitiba sem jamais entrever uma
favela.
Se a ideologia é menos uma questão de representações da realidade do que de
relações vivenciadas, será então que isso finalmente põe um termo ao tema
da verdade/falsidade? Uma razão para pensar que sim é o fato de ser difícil
103
Apesar de não ter sido objeto de estudo deste trabalho, cabe ressaltar que a concentração de
investimentos públicos em uma determinada região da cidade, sempre foi no Brasil resultado de uma
ação combinada do Estado com os interesses do capital imobiliário. De acordo com Ferreira (2005), “a
implantação de infra-estrutura urbana no Brasil sempre se deu em áreas concentradas das nossas cidades,
não por acaso os setores ocupados pelas classes dominantes. Essa prática da desigualdade na implantação
de infra-estrutura, ou seja, do trabalho social que produz o solo urbano, gerou e ainda gera
diferenciações claras entre os setores da cidade, produzidas pela ação do Estado (ao contrário do que
defendia a Escola de Chicago) e acentuando a valorização daqueles beneficiados pelas obras, em relação
à escassez do restante da cidade. Assim, a brutal diferença de preços que tal fenômeno produz nunca
esteve dissociada, evidentemente, dos interesses do capital especulativo que sempre soube, no Brasil,
fundir-se à ação estatal e canalizar os investimentos públicos para locais de seu interesse, gerando altos
níveis de lucratividade”.
128
imaginar como alguém poderia estar equivocado acerca da experiência que
viveu (1997, p. 31).
Os mecanismos de sustentação da ideologia da “cidade-modelo”, que
pudemos, em alguns trechos deste trabalho, explicitar e, em outros, apenas apontar
pistas para sua identificação, parecem ter sido muito eficazes na manutenção e na
reprodução da idéia de que Curitiba foi palco de uma prática exitosa de planejamento
urbano. A realidade e a imagem da cidade de Curitiba se mesclam de tal forma que,
efetivamente, é difícil distingui-las. O discurso fala, declara e espetaculariza uma
“realidade” que possui um apoio real. Podemos pegar, sentir, ver e interagir com o
conteúdo declarado do discurso da “cidade-modelo”.
Por sua vez, o conteúdo não declarado pareceu também estar mascarado no
espaço da cidade. A estruturação da cidade possibilitou a formulação da ideologia e a
legitimou. E a ideologia, por sua vez, ao omitir a questão da habitação, como vimos,
contribuiu para o aprofundamento das desigualdades. E, enquanto a questão
habitacional não tomar de fato o lugar que ela merece, no espaço concreto e no
discurso, de nosso ponto de vista, a ideologia se manterá.
Acredita-se, com freqüência, que as ideologias bem-sucedidas são aquelas
que tornam suas crenças naturais e auto-evidentes fazendo-as identificar-se
de tal modo com o “senso comum” de uma sociedade que ninguém sequer
imaginaria como poderiam chegar a ser diferentes. Esse processo, que Pierre
Bourdieu chama de doxa, leva a ideologia a criar um ajuste tão perfeito
quanto possível entre ela e a realidade social, fechando assim a brecha na
qual a alavanca da crítica poderia ser introduzida. A realidade social é
redefinida pela ideologia para tornar-se coextensiva a ela, de tal maneira que
obstrui a verdade de que foi a realidade, de fato, que engendrou a ideologia.
Ao contrário, ambas parecem ter sido espontaneamente geradas juntas, tão
inseparáveis quanto carne e unha. O resultado, politicamente falando, é um
círculo aparentemente vicioso: a ideologia poderia ser transformada se a
realidade fosse de tal forma que a permitisse ser objetificada; mas a ideologia
processa a realidade de maneira a antecipar-se a essa possibilidade. As duas,
portanto, ratificam uma à outra. Dessa perspectiva, uma ideologia dominante
não tanto combate as idéias alternativas quanto as empurra para além das
próprias fronteiras do imaginável. As ideologias existem porque coisas
sobre as quais, a todo custo, não se deve pensar, muito menos falar. Como
então poderíamos chegar a saber da existência de tais pensamentos e,
portanto, uma óbvia dificuldade lógica. Talvez simplesmente sintamos que
algo sobre o qual deveríamos estar pensando, mas não temos idéia do que
seja (EAGLETON, 1997, p.62, grifos no original).
Se recuperamos a questão habitacional omitida no discurso ideológico da
“cidade-modelo” é porque pensamos que quanto mais ela permaneça imersa no
imaginário social, tanto mais ela parecerá de fato não existir e tanto menos emergirão
questionamentos que denunciem sua problemática e, por conseguinte, que exijam o seu
129
enfrentamento. Assim, buscamos, neste trabalho, não denunciar o viés ideológico do
discurso por natureza lacunar de Curitiba, como também dar a devida centralidade a
uma questão que historicamente não tem sido foco dos holofotes da “cidade-modelo”: a
questão da habitação.
130
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vimos neste trabalho que o discurso veiculador da imagem de Curitiba,
proferido pelos quatro cantos do mundo, não fez (e não faz) menções à questão da
habitação da cidade. Ao revelarmos o conteúdo não-dito pelo discurso verificamos que
Curitiba não se distinguiu da realidade urbana brasileira e apresentou um processo
intenso e histórico de produção informal do espaço e da moradia. Notamos que a
política habitacional efetivada na cidade, por vezes se alinhou aos paradigmas
hegemônicos que nortearam as ações habitacionais realizadas pelo Estado brasileiro ao
longo das últimas décadas no campo da habitação. Ou seja, as intervenções
desenvolvidas na “cidade-modelo”, para enfrentar a problemática da moradia,
reproduziram a prática (ainda) dominante de localizar a habitação social nas regiões
mais distantes e menos urbanizadas da cidade.
Ao inscrevermos a questão habitacional no contexto de produção e da
consolidação da imagem da cidade pudemos perceber que, enquanto eram
desenvolvidas ações no espaço da cidade, ações que, mais tarde se tornariam os
símbolos do “modelo” curitibano de planejamento urbano, outras ações e outros
processos se deflagravam em Curitiba em período correlato no âmbito da habitação,
ações e processos que, ao contrário de algumas intervenções urbanísticas, foram
apagados da memória curitibana.
E, ao recuperarmos esse processo “esquecido”, pudemos verificar que seu
ocultamento histórico foi fundamental para a elaboração e a reprodução do discurso da
“cidade-modelo”. Vimos que, se a questão da habitação fosse um dos conteúdos
proferidos pelo discurso, certamente seria impossível manter a idéia de que o
planejamento urbano curitibano foi capaz de transformar uma metrópole da periferia do
capitalismo em uma “capital de primeiro mundo”.
Ao chegarmos a essa constatação, pudemos situar o discurso da “cidade-
modelo” no campo da ideologia e assim mostrar que foi justamente pela existência da
lacuna da questão habitacional que o discurso apresentou uma lógica e uma coerência.
Desta forma, realizamos uma crítica a esse discurso não a partir da análise da
veracidade e/ou da efetividade do conteúdo por ele declarado, mas, sim, a partir da
recuperação de algumas questões cujas omissões dependeram a própria elaboração do
discurso da “cidade-modelo”.
131
Esperamos que as questões explicitadas, abordadas e analisadas neste
trabalho possam contribuir na disseminação da informação e do conhecimento sobre a
realidade urbana curitibana.
132
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ANEXOS
Anexo 1 – Produção Habitacional da COHAB-CT (1970-2000)
Empreendimento
Ano de
Conclusão
Programa Regional Bairro Apto Casa Lote
Total
Hab
Nova Esperança 1970 Convencional Boa Vista Atuba 0
336
0
336
Oficinas, Vilas 1970 Convencional Cajuru Cajuru 0
753
0
753
Cabo Nacar, Vila 1971 Convencional Boqueirão Alto Boqueirão 0
120
0
120
Gralha Azul 1973 Convencional Portão Novo Mundo 0
312
0
312
Mato Grosso 1973 Convencional Portão Água Verde 80
0
0
80
Marechal Rondon 1976 Convencional CIC Cidade Industrial 560
0
0
560
Olaria 1976 Convencional Sta. Felicidade Campina Siqueira 0
80
0
80
Paineiras 1976 Convencional Boa Vista Barreirinha 0
261
0
261
Área 04 1977 Convencional Cajuru Cajuru 0
60
0
60
Área 08 1977 Convencional Boqueirão Boqueirão 0
38
0
38
Área 11 1977 Convencional Boqueirão Xaxim 0
51
0
51
Área 13 1977 Convencional Boqueirão Alto Boqueirão 0
100
0
100
Área 14 - 1ª etapa 1977 Convencional Boqueirão Alto Boqueirão 0
61
0
61
Gramados I 1977 Convencional Pinheirinho Pinheirinho 0
108
0
108
Oswaldo Cruz I 1977 Convencional CIC Cidade Industrial 0
830
1
831
Ouro Preto 1977 Convencional Sta. Felicidade Vista Alegre 0
0
57
57
Santa Efigênia II 1977 Convencional Boa Vista Barreirinha 120
0
0
120
Área 10 - meia lua 1978 Convencional Boqueirão Boqueirão 0
58
0
58
Área 14 - 2ª etapa 1978 Convencional Boqueirão Alto Boqueirão 0
39
0
39
Hortênsias 1978 Convencional Boqueirão Alto Boqueirão 0
123
0
123
Pinheirinho 1978 Convencional Pinheirinho Pinheirinho 0
142
0
142
Albina G. Winheski 1979 Convencional RMC Campo Largo 0
80
0
80
Anita Garibaldi 1979 Convencional Boa Vista Barreirinha 400
0
0
400
Eucaliptos I e II 1979 Convencional Boqueirão Alto Boqueirão 0
330
0
330
Fernão Dias 1979 Convencional Sta. Felicidade São Braz 0
309
0
309
Joaquim C. T. Ferreira 1979 Convencional RMC Campo Largo 0
306
0
306
Oswaldo Cruz II 1979 Convencional CIC Cidade Industrial 0
830
0
830
142
Empreendimento
Ano de
Conclusão
Programa Regional Bairro Apto
Casa
Lote
Total
Hab
Paequerê 1979 Convencional Portão Novo Mundo 272
0
0
272
Paranaense 1979 Convencional Boqueirão Alto Boqueirão 0
358
0
358
Parigot de Souza 1979 Convencional Bairro Novo Sítio Cercado 0
1.003
0
1.003
Samambaia 1979 Convencional RMC Paranaguá 0
263
0
263
Saturnino de Brito 1979 Convencional Boqueirão Alto Boqueirão 0
359
0
359
Tiradentes 1979 Convencional Boqueirão Alto Boqueirão 0
345
0
345
Acácia, Vila 1980 Convencional Boqueirão Alto Boqueirão 0
23
0
23
Azaléa 1980 Convencional Bairro Novo Sítio Cercado 168
0
0
168
Bairro Alto 1980 Convencional Boa Vista Bairro Alto 352
0
0
352
Barigui (Conj res.) 1980 Convencional Portão Campo Comprido 272
0
0
272
Érico Veríssimo 1980 Convencional Boqueirão Alto Boqueirão 300
303
0
603
Euclides da Cunha 1980 Convencional Boqueirão Alto Boqueirão 300
390
0
690
Fazendinha 1980 Convencional Portão Fazendinha 336
0
0
336
Formosa 1980 Convencional Portão Fazendinha 288
0
0
288
Graciosa 1980 Convencional RMC Pinhais 160
0
0
160
Independência 1980 Convencional RMC Araucária 0
100
0
100
Manoel Bandeira 1980 Convencional RMC Araucária 0
416
0
416
Monteverdi 1980 Convencional Sta. Felicidade Santa Felicidade 296
141
0
437
Piquiri 1980 Convencional Sta. Felicidade Campo Comprido 120
22
0
142
Plátanos 1980 Convencional Bairro Novo Sítio Cercado 0
122
0
122
Salgueiros 1980 Convencional Bairro Novo Sítio Cercado 0
417
0
417
Santa Cândida 1980 Convencional Boa Vista Atuba 136
35
0
171
Uberaba I e II 1980 Convencional Cajuru Uberaba 120
0
0
120
Vila Velha 1980 Convencional Portão Campo Comprido 352
0
0
352
Araguaia 1981 Convencional Cajuru Capão da Imbuia 40
73
0
113
Arapongas 1981 Convencional RMC São José Pinhais 0
0
115
115
Barigui I 1981 Convencional CIC Cidade Industrial 0
0
371
371
Belém 1981 Convencional Boqueirão Boqueirão 80
310
0
390
Buriti 1981 Convencional Portão Campo Comprido 464
0
0
464
(continuação)
143
Empreendimento
Ano de
Conclusão
Programa Regional Bairro Apto
Casa
Lote
Total
Hab
Campo Comprido 1981 Convencional CIC Cidade Industrial 176
0
0
176
Camponesa 1981 Convencional CIC Cidade Industrial 144
145
0
289
Castro Alves 1981 Convencional RMC São José Pinhais 0
0
110
110
Coqueiros I 1981 Convencional Bairro Novo Sítio Cercado 0
126
0
126
Coqueiros II 1981 Convencional Bairro Novo Sítio Cercado 0
74
0
74
Coqueiros III 1981 Convencional Bairro Novo Sítio Cercado 0
0
132
132
Gramados II 1981 Convencional Pinheirinho Pinheirinho 0
42
0
42
Guaporé 1981 Convencional Bairro Novo Sítio Cercado 232
179
0
411
Guarani 1981 Convencional RMC São José Pinhais 0
0
131
131
Palmeiras 1981 Convencional Pinheirinho Tatuquara 0
258
45
303
Parita 1981 Convencional Portão Fazendinha 56
26
0
82
Trindade 1981 Convencional Cajuru Cajuru 0
131
0
131
Vila Nova Orleans 1981 Convencional CIC Cidade Industrial 0
0
48
48
Abaeté I 1982 Convencional Boa Vista Boa Vista 256
108
0
364
Bandeirantes 1982 Convencional Cajuru Cajuru 188
0
0
188
Barigui II 1982 Convencional CIC Cidade Industrial 0
79
0
79
Bororós 1982 Convencional Cajuru Cajuru 16
0
0
16
Bracatinga 1982 Convencional Boa Vista Pilarzinho 40
129
0
169
Faxina, Com. Rurbana Camp. 1982 Convencional RMC São José Pinhais 0
0
43
43
Fernando de Noronha 1982 Convencional Boa Vista Boa Vista 64
0
0
64
Iguaçú 1982 Convencional Cajuru Cajuru 0
0
247
247
Itapoã 1982 Convencional Cajuru Capão da Imbuia 58
59
0
117
Juruá 1982 Convencional Cajuru Cajuru 32
36
0
68
Maceió 1982 Convencional Cajuru Cajuru 60
0
0
60
Parati 1982 Convencional CIC Cidade Industrial 0
0
144
144
Petrópolis 1982 Convencional Cajuru Uberaba 352
0
0
352
Porto Belo 1982 Convencional CIC Cidade Industrial 0
0
99
99
Potiguara 1982 Convencional RMC São José Pinhais 48
39
0
87
(continuação)
144
Empreendimento
Ano de
Conclusão
Programa Regional Bairro Apto
Casa
Lote
Total
Hab
Ribeirão 1982 Convencional CIC Cidade Industrial 0
0
167
167
San Carlo 1982 Convencional Pinheirinho Pinheirinho 0
0
97
97
São Leonardo I 1982 Convencional CIC Cidade Industrial 0
0
74
74
Terezina 1982 Convencional Cajuru Cajuru 84
46
0
130
Uberaba III 1982 Convencional Cajuru Uberaba 0
0
20
20
Unidades Isoladas (Ficam) 1982 Convencional Várias Vários 0
434
0
434
Xingu 1982 Convencional RMC São José Pinhais 144
125
0
269
Abaeté II 1983 Convencional Boa Vista Boa Vista 352
30
210
592
Atenas II 1983 Convencional CIC Cidade Industrial 494
176
0
670
Augusta 1983 Convencional CIC Cidade Industrial 834
111
150
1.095
Caiçara 1983 Convencional Sta. Felicidade São Braz 72
45
0
117
Campo de Santana, Com. Rurbana 1983 Convencional Pinheirinho Campo de Santana 0
60
0
60
Cananéia - setor A e B 1983 Convencional CIC Cidade Industrial 404
179
0
583
Florença 1983 Convencional Boqueirão Boqueirão 88
11
0
99
Ilha Bela 1983 Convencional CIC Cidade Industrial 114
4
146
264
Iracema A, B, C, D e E 1983 Convencional Cajuru Capão da Imbuia 558
246
1
805
Itatiaia 1983 Convencional CIC Cidade Industrial 512
18
664
1.194
Laranjeiras 1983 Convencional Boa Vista Santa Cândida 88
12
0
100
Malibu 1983 Convencional Cajuru Capão da Imbuia 178
0
0
178
Saveiros 1983 Convencional RMC Paranaguá 120
10
0
130
Barcelona 1984 Convencional RMC Mandirituba 0
112
0
112
Coqueiros II - remanescente 1984 Convencional Bairro Novo Sítio Cercado 0
0
22
22
São Leonardo II 1984 Convencional CIC Cidade Industrial 0
0
44
44
Atenas I - setor I 1985 Convencional CIC Cidade Industrial 654
96
0
750
Capiberibe 1985 Convencional Cajuru Cajuru 100
0
0
100
Capivari 1985 Convencional Cajuru Cajuru 172
48
0
220
Eucaliptos III, IV e V 1985 Convencional Boqueirão Alto Boqueirão 516
22
0
538
Itapema 1985 Convencional CIC Cidade Industrial 0
0
44
44
(continuação)
145
Empreendimento
Ano de
Conclusão
Programa Regional Bairro Apto
Casa
Lote
Total
Hab
Olinda 1985 Convencional Bairro Novo Sítio Cercado 0
0
114
114
Potiguara II 1985 Convencional RMC São José Pinhais 0
0
25
25
Purunã 1985 Convencional RMC Balsa Nova 0
0
65
65
Vila Santa Amélia / Sibisa 1985 Reg. Fundiária Portão Fazendinha 0
0
50
50
Belém II 1986 Convencional Boqueirão Boqueirão 0
0
54
54
Caiçara II 1986 Convencional Sta. Felicidade São Braz 12
2
0
14
Camponesa II 1986 Convencional CIC Cidade Industrial 30
0
0
30
Eucaliptos V - 6A 1986 Convencional Boqueirão Alto Boqueirão 144
24
0
168
Gralha Azul II 1986 Convencional Portão Novo Mundo 168
0
0
168
Oswaldo Cruz V 1986 Convencional CIC Cidade Industrial 40
12
0
52
São João Del Rey I 1986 Convencional Bairro Novo Sítio Cercado 0
0
65
65
São João Del Rey II - parte 2 1986 Convencional Bairro Novo Sítio Cercado 0
0
188
188
São João Del Rey III 1986 Convencional Bairro Novo Sítio Cercado 0
0
48
48
Araguaia II 1987 Convencional Cajuru Capão da Imbuia 0
0
26
26
Atenas I - setor II 1987 Convencional CIC Cidade Industrial 760
202
0
962
Caiua I e II e Ilhéus 1987 Convencional CIC Cidade Industrial 0
0
800
800
Ilha Verde 1987 Convencional CIC Cidade Industrial 0
0
106
106
Itacolomi - CT-10 1987 Convencional CIC Cidade Industrial 0
0
75
75
Porto Seguro - CT-17 1987 Convencional CIC Cidade Industrial 0
0
188
188
R CIC A 1987 Convencional CIC Cidade Industrial 208
0
0
208
R CIC B 1987 Convencional CIC Cidade Industrial 96
0
0
96
R CIC C 1987 Convencional CIC Cidade Industrial 72
0
0
72
São João Del Rey II - parte 1 1987 Convencional Bairro Novo Sítio Cercado 0
142
0
142
Tayra 1987 Convencional RMC Araucária 0
251
0
251
Vera Cruz I e II 1987 Convencional CIC Cidade Industrial 0
0
291
291
Vila Aturia - Arumã 1987 Reg. Fundiária Sta. Felicidade Cidade Industrial 0
0
32
32
Vila Expedicionários 1987 Reg. Fundiária Portão Santa Quitéria 0
0
92
92
Vila Ouro Verde 1987 Reg. Fundiária Cajuru Uberaba 0
0
99
99
(continuação)
146
Empreendimento
Ano de
Conclusão
Programa Regional Bairro Apto
Casa
Lote
Total
Hab
Araçá 1988 Convencional Boqueirão Alto Boqueirão 0
0
31
31
Bela Vista 1988 Convencional Cajuru Uberaba 0
0
250
250
Campeche 1988 Convencional Pinheirinho Pinheirinho 0
0
93
93
Damasco 1988 Convencional Bairro Novo Sítio Cercado 0
0
92
92
Garças I e II 1988 Convencional Pinheirinho Pinheirinho 0
0
75
75
Girassol 1988 Convencional Bairro Novo Sítio Cercado 0
0
174
174
Helenas 1988 Convencional Cajuru Cajuru 0
0
95
95
Iguatemi 1988 Convencional RMC Araucária 0
0
172
172
Ipês 1988 Convencional RMC Araucária 0
0
382
382
Itapira I 1988 Convencional RMC Quatro Barras 0
0
54
54
Lisboa 1988 Convencional Pinheirinho Tatuquara 0
0
59
59
Paquetá II 1988 Convencional CIC Cidade Industrial 72
0
0
72
Saquarema 1988 Convencional Pinheirinho Pinheirinho 0
0
102
102
Siriema 1988 Convencional Bairro Novo Sítio Cercado 0
0
230
230
Vila Independência 1988 Reg. Fundiária Pinheirinho Pinheirinho 0
0
22
22
Abaeté III 1989 Convencional Boa Vista Boa Vista 28
0
0
28
Belém III 1989 Convencional Boqueirão Boqueirão 44
0
0
44
Coimbra 1989 Convencional Sta. Felicidade Cidade Industrial 40
37
0
77
Da Cunha 1989 Convencional Sta. Felicidade Cidade Industrial 0
0
68
68
Girassol II 1989 Convencional Bairro Novo Sítio Cercado 44
53
0
97
Ilha do Sol 1989 Convencional CIC Cidade Industrial 0
0
156
156
Ilha Verde II 1989 Convencional CIC Cidade Industrial 64
0
0
64
Itapira II 1989 Convencional RMC Quatro Barras 0
0
84
84
Itiberê 1989 Convencional Cajuru Uberaba 0
0
325
325
Jacarandá I e II 1989 Convencional Boqueirão Alto Boqueirão 0
0
132
132
Maranhão 1989 Convencional RMC Araucária 0
0
312
312
Marechal Rondon II 1989 Convencional CIC Cidade Industrial 74
15
0
89
Maria Antonieta, Vila - q14e15 1989 Convencional RMC Piraquara 0
0
60
60
(continuação)
147
Empreendimento
Ano de
Conclusão
Programa Regional Bairro Apto
Casa
Lote
Total
Hab
Nossa Senhora da Luz dos Pinhais II,Vila 1989 Convencional CIC Cidade Industrial 108
15
0
123
Paquetá I / Parati II 1989 Convencional CIC Cidade Industrial 220
0
0
220
Perdizes 1989 Convencional RMC Piraquara 0
0
169
169
Pirineus 1989 Convencional Pinheirinho Pinheirinho 0
0
390
390
San Francisco 1989 Convencional CIC Cidade Industrial 0
0
33
33
San Marco 1989 Convencional Pinheirinho Pinheirinho 0
0
132
132
Santa Cândida II 1989 Convencional Boa Vista Atuba 160
14
0
174
Siriema II 1989 Convencional Bairro Novo Sítio Cercado 0
0
36
36
Siriema III 1989 Convencional Bairro Novo Sítio Cercado 68
0
0
68
Tambaú 1989 Convencional CIC Cidade Industrial 156
0
0
156
Vila Cajuru I - q107 1989 Reg. Fundiária Cajuru Cajuru 0
0
53
53
Vila Califórnia 1989 Reg. Fundiária Sta. Felicidade Mossunguê 0
0
31
31
Vila das Torres 1989 Reg. Fundiária Matriz Prado Velho 0
0
608
608
Vila Nova Jerusalém 1989 Reg. Fundiária Cajuru Cajuru 0
0
193
193
Vila São João Del Rey 1989 Reg. Fundiária Cajuru Cajuru 0
0
67
67
Vila Vitória 1989 Reg. Fundiária Bairro Novo Umbará 0
0
196
196
Caiuá - setor III 1990 Convencional CIC Cidade Industrial 0
12
0
12
Capri 1990 Convencional Sta. Felicidade Cidade Industrial 0
0
85
85
Florentina 1990 Convencional CIC Cidade Industrial 136
0
0
136
Garças III e IV 1990 Convencional Pinheirinho Pinheirinho 198
12
0
210
Sabará 1990 Convencional CIC Cidade Industrial 0
0
320
320
Santa Efigênia III - lote 33-B 1990 Convencional Boa Vista Barreirinha 28
0
0
28
São João Del Rey IV, V e VI 1990 Convencional Bairro Novo Sítio Cercado 278
0
0
278
Veneza 1990 Convencional Sta. Felicidade Santa Felicidade 92
61
0
153
Vila Nossa Luta (Bolsão Xapinhal) > 1990 Convencional Bairro Novo Sítio Cercado 0
0
1.078
1.078
Vila Verde III > 1990 Reassentamento
CIC Cidade Industrial 0
0
607
607
Vila Campo Alto 1990 Reg. Fundiária RMC Colombo 0
0
335
335
Araçá II 1991 Convencional Boqueirão Alto Boqueirão 96
43
0
139
(continuação)
148
Empreendimento
Ano de
Conclusão
Programa Regional Bairro Apto
Casa
Lote
Total
Hab
Araucárias, Jardim das 1991 Convencional Boqueirão Alto Boqueirão 400
0
0
400
Bertioga 1991 Convencional RMC Paranaguá 48
218
0
266
Caiuá - setor III e A a F 1991 Convencional CIC Cidade Industrial 0
63
0
63
Marajó 1991 Convencional Pinheirinho Pinheirinho 0
0
74
74
Maria Antonieta - q16e17 1991 Convencional RMC Piraquara 0
0
60
60
Marupiara I 1991 Convencional Bairro Novo Umbará 0
0
150
150
Marupiara II 1991 Convencional Bairro Novo Umbará 0
0
248
248
Santa Efigênia III - lote 33-A 1991 Convencional Boa Vista Barreirinha 70
0
0
70
Jatobá I e II 1991 Parceria RMC Araucária 0
0
307
307
Nova Villa 1991 Parceria Boa Vista Pilarzinho 0
0
125
125
Orquídeas 1991 Parceria Boqueirão Xaxim 0
0
150
150
Padilhas 1991 Parceria Boqueirão Xaxim 0
0
203
203
São Rafael 1991 Reg. Fundiária CIC Cidade Industrial 0
0
6
6
Vila Brasília 1991 Reg. Fundiária Sta. Felicidade Cidade Industrial 0
0
12
12
Vila Camponesa 1991 Reg. Fundiária Sta. Felicidade Cidade Industrial 0
0
30
30
Vila Itacolomi 1991 Reg. Fundiária Boqueirão Alto Boqueirão 0
0
11
11
Vila Margarida Clara 1991 Reg. Fundiária Boa Vista Santa Cândida 0
0
15
15
Vila Marisa 1991 Reg. Fundiária CIC Cidade Industrial 0
0
184
184
Vila São João da Escócia 1991 Reg. Fundiária Boa Vista Santa Cândida 0
0
6
6
Vila São Rafael 1991 Reg. Fundiária CIC Cidade Industrial 0
0
6
6
Vila Solitude 1991 Reg. Fundiária Cajuru Cajuru 0
0
88
88
Vila Suzana II 1991 Reg. Fundiária Boqueirão Alto Boqueirão 0
0
13
13
Vila Tatuquara 1991 Reg. Fundiária Pinheirinho Tatuquara 0
0
5
5
Vila Urano 1991 Reg. Fundiária Boqueirão Xaxim 0
0
108
108
Augusta II - q59L13 1992 Convencional CIC Cidade Industrial 16
0
0
16
Bom Jesus 1992 Convencional RMC Campo Largo 0
202
0
202
Caiuá 1992 Convencional CIC Cidade Industrial 792
0
0
792
Cambuí 1992 Convencional Cajuru Cajuru 8
0
0
8
(continuação)
149
Empreendimento
Ano de
Conclusão
Programa Regional Bairro Apto
Casa
Lote
Total
Hab
Capri II 1992 Convencional Sta. Felicidade Cidade Industrial 8
0
0
8
Costeira - parte 1 1992 Convencional RMC Araucária 0
57
0
57
Costeira - parte 2 1992 Convencional RMC Araucária 0
118
0
118
Flamboyant - parte 1 1992 Convencional CIC Cidade Industrial 0
105
0
105
Flamboyant - parte 2 1992 Convencional Sta. Felicidade Cidade Industrial 0
213
17
230
Guaíra 1992 Convencional Boa Vista Barreirinha 0
0
26
26
Itapira III 1992 Convencional RMC Quatro Barras 0
100
0
100
Jamaica 1992 Convencional Pinheirinho Campo de Santana 0
384
0
384
Lages 1992 Convencional Pinheirinho Pinheirinho 0
98
0
98
Marumbí I 1992 Convencional Cajuru Uberaba 0
221
0
221
Nápolis > 1992 Convencional Portão Campo Comprido 0
0
64
64
Ordem - 1ª parte 1992 Convencional Pinheirinho Tatuquara 0
0
1.334
1.334
Ouro Preto II 1992 Convencional RMC Campo Largo 0
0
102
102
Sítio Cercado I 1992 Convencional Bairro Novo Sítio Cercado 0
0
812
812
Sítio Cercado II 1992 Convencional Bairro Novo Sítio Cercado 0
0
213
213
Sítio Cercado III 1992 Convencional Bairro Novo Sítio Cercado 0
0
519
519
Sítio Cercado IV 1992 Convencional Bairro Novo Sítio Cercado 0
0
554
554
Sítio Cercado VII - A 1992 Convencional Bairro Novo Sítio Cercado 0
0
620
620
Sítio Cercado XIII > 1992 Convencional Bairro Novo Sítio Cercado 0
0
124
124
Sítio Cercado XIV 1992 Convencional Bairro Novo Sítio Cercado 0
0
573
573
Tayra II 1992 Convencional RMC Araucária 0
47
0
47
Tramontina 1992 Convencional Sta. Felicidade Cidade Industrial 0
181
0
181
Ubatuba 1992 Convencional CIC Cidade Industrial 100
0
0
100
Vilas Novas - Setor A 1992 Convencional CIC Cidade Industrial 346
0
0
346
Zimbros I q2-4-6-9-11e13 1992 Convencional CIC Cidade Industrial 0
102
0
102
Zimbros I q3-5-7e10 1992 Convencional CIC Cidade Industrial 0
95
0
95
Aimoré 1992 Parceria Boqueirão Xaxim 0
0
156
156
Beija-flor 1992 Parceria Pinheirinho Pinheirinho 0
0
34
34
(continuação)
150
Empreendimento
Ano de
Conclusão
Programa Regional Bairro Apto
Casa
Lote
Total
Hab
Dona Linda 1992 Parceria Pinheirinho Tatuquara 0
0
226
226
Marambaia 1992 Parceria Cajuru Uberaba 0
100
28
128
M'Boycy 1992 Parceria Bairro Novo Sítio Cercado 0
0
271
271
Minha Morada, Jardim 1992 Parceria Boa Vista Pilarzinho 0
0
140
140
Siena 1992 Parceria Bairro Novo Umbará 0
0
51
51
Torres, Jardim das (in. privada) 1992 Parceria Cajuru Uberaba 0
0
195
195
Turin 1992 Parceria RMC Araucária 0
0
267
267
União 1992 Parceria Boqueirão Xaxim 0
0
82
82
Vila Cajuru V - A/B > 1992 Reassentamento
Cajuru Cajuru 0
0
430
430
Vila Arco Íris 1992 Reg. Fundiária Pinheirinho Pinheirinho 0
0
21
21
Vila Jardim Natal 1992 Reg. Fundiária Pinheirinho Pinheirinho 0
0
532
532
Vila Sibisa 1992 Reg. Fundiária Portão Fazendinha 0
0
85
85
Augusta III - q50L1-q59L12 1993 Convencional CIC Cidade Industrial 16
0
0
16
Barbacena 1993 Convencional Sta. Felicidade Campo Comprido 0
35
0
35
Caiuá III - 1ªetapa 1993 Convencional CIC Cidade Industrial 134
0
0
134
Costeira - parte 3 1993 Convencional RMC Araucária 0
25
0
25
Diadema I e II 1993 Convencional CIC Cidade Industrial 0
1.049
0
1.049
Marumbí IV (I-Q9L30) 1993 Convencional Cajuru Uberaba 0
0
33
33
Nice 1993 Convencional Sta. Felicidade Cidade Industrial 0
0
130
130
Ordem - 2ª parte 1993 Convencional Pinheirinho Tatuquara 0
0
70
70
Ordem - 3ª parte 1993 Convencional Pinheirinho Tatuquara 0
0
2
2
São Nicolau 1993 Convencional CIC Cidade Industrial 0
0
338
338
Sevilha 1993 Convencional CIC Cidade Industrial 0
0
32
32
Sítio Cercado V 1993 Convencional Bairro Novo Sítio Cercado 0
0
979
979
Sítio Cercado VI 1993 Convencional Bairro Novo Sítio Cercado 0
0
1.326
1.326
Tramontina II 1993 Convencional CIC Cidade Industrial 76
0
0
76
Vilas Novas - Setor B-I 1993 Convencional CIC Cidade Industrial 176
0
0
176
Zimbros I q2-4e6 1993 Convencional CIC Cidade Industrial 0
24
0
24
(continuação)
151
Empreendimento
Ano de
Conclusão
Programa Regional Bairro Apto
Casa
Lote
Total
Hab
Ferrovila - Residencial 1993 Parceria Portão Guaíra 352
0
0
352
Flor do Campo 1993 Parceria Sta. Felicidade Cidade Industrial 0
0
101
101
Jequitibá 1993 Parceria Bairro Novo Sítio Cercado 0
0
283
283
Lotiguassu II 1993 Parceria Cajuru Uberaba 0
0
456
456
Sítio Cercado XV 1993 Parceria Bairro Novo Sítio Cercado 0
0
545
545
Bolsão Sagrada Família -q5L125ABC 1993 Reg. Fundiária CIC Cidade Industrial 0
0
6
6
Bolsão Sagrada Fam-JaciraAparecida > 1993 Reg. Fundiária CIC Cidade Industrial 0
0
2.127
2.127
Vila Marumbi II 1993 Reg. Fundiária Cajuru Uberaba 0
0
489
489
Vila Santa Helena 1993 Reg. Fundiária CIC Cidade Industrial 0
0
55
55
Vila Trinta de Agosto / São Marco 1993 Reg. Fundiária Pinheirinho Pinheirinho 0
0
33
33
Bolsão Rose Luana Angra Harmonia > 1994 Convencional CIC Cidade Industrial 0
0
1.271
1.271
Caiuá III - 2ªetapa 1994 Convencional CIC Cidade Industrial 216
0
0
216
Diadema I - remanescente 1994 Convencional CIC Cidade Industrial 0
0
106
106
Lote Criado 1994 Convencional Várias Vários 0
0
266
266
Paraná 1994 Convencional Pinheirinho Tatuquara 0
0
610
610
Pirineus II - A e B 1994 Convencional Pinheirinho Pinheirinho 184
0
0
184
Sítio Cercado VIII 1994 Convencional Bairro Novo Sítio Cercado 0
0
742
742
Sítio Cercado XII 1994 Convencional Bairro Novo Sítio Cercado 0
0
270
270
Sítio Cercado XII - B 1994 Convencional Bairro Novo Sítio Cercado 0
0
36
36
Tayra III 1994 Convencional RMC Araucária 0
0
53
53
Unidades Isoladas 1994 Convencional Bairro Novo Sítio Cercado 0
1
0
1
Vera Cruz III 1994 Convencional CIC Cidade Industrial 0
0
15
15
Vila Tecnológica 1994 Convencional Bairro Novo Sítio Cercado 0
100
0
100
Vilas Novas - Setor B-II 1994 Convencional CIC Cidade Industrial 192
0
0
192
Vila Verde V > 1994 Convênio CIC Cidade Industrial 0
0
277
277
Gênova 1994 Parceria Bairro Novo Umbará 0
0
72
72
Hebron 1994 Parceria Bairro Novo Umbará 0
0
232
232
Lotiguassu I 1994 Parceria Cajuru Uberaba 0
0
1.008
1.008
(continuação)
152
Empreendimento
Ano de
Conclusão
Programa Regional Bairro Apto
Casa
Lote
Total
Hab
Lotiguassu III 1994 Parceria Cajuru Uberaba 0
0
41
41
Santa Luccia 1994 Parceria Bairro Novo Sítio Cercado 0
0
330
330
Vila Verde I > 1994 Reassentamento
CIC Cidade Industrial 0
0
240
240
Vila Verde IV > 1994 Reassentamento
CIC Cidade Industrial 0
0
426
426
Vila Alto Barigui - Bolsão Rose > 1994 Reg. Fundiária CIC Cidade Industrial 0
0
14
14
Vila Âncora > 1994 Reg. Fundiária Boa Vista Pilarzinho 0
0
18
18
Vila Anna 1994 Reg. Fundiária Boqueirão Xaxim 0
0
12
12
Vila Araçá 1994 Reg. Fundiária Pinheirinho Capão Raso 0
0
10
10
Vila Araguaia I, II e III 1994 Reg. Fundiária Cajuru Capão da Imbuia 0
0
34
34
Vila Barigui III (CIC) > 1994 Reg. Fundiária CIC Cidade Industrial 0
0
157
157
Vila Califórnia II > 1994 Reg. Fundiária Pinheirinho Campo de Santana 0
0
93
93
Vila Concórdia II > 1994 Reg. Fundiária Pinheirinho Pinheirinho 0
0
25
25
Vila Cruzeiro 1994 Reg. Fundiária Boa Vista Santa Cândida 0
0
7
7
Vila Cruzeiro do Sul > 1994 Reg. Fundiária CIC Cidade Industrial 0
0
211
211
Vila Esperança > 1994 Reg. Fundiária CIC São Miguel 0
0
225
225
Vila Guimarães 1994 Reg. Fundiária Boqueirão Xaxim 0
0
6
6
Vila Ítalo Marinoni 1994 Reg. Fundiária Boqueirão Boqueirão 0
0
16
16
Vila Luana (Bolsão Rose - CIC) > 1994 Reg. Fundiária CIC Cidade Industrial 0
0
107
107
Vila Nova Aurora A, B, C e D > 1994 Reg. Fundiária Bairro Novo Sítio Cercado 0
0
270
270
Vila Nova Barigui (CIC) > 1994 Reg. Fundiária CIC Cidade Industrial 0
0
411
411
Vila Nova Conquista > 1994 Reg. Fundiária CIC Cidade Industrial 0
0
343
343
Vila Olinda (Bolsão Rose) > 1994 Reg. Fundiária CIC Cidade Industrial 0
0
112
112
Vila Real II - A e B > 1994 Reg. Fundiária Sta. Felicidade Orleans 0
0
110
110
Vila Sandra II e III > 1994 Reg. Fundiária CIC Cidade Industrial 0
0
790
790
Vila Scheffer 1994 Reg. Fundiária Boqueirão Xaxim 0
0
13
13
Vila Soppa 1994 Reg. Fundiária Boa Vista Santa Cândida 0
0
6
6
Vila Szaja 1994 Reg. Fundiária Boqueirão Xaxim 0
0
4
4
Vila Verde II > 1994 Reg. Fundiária CIC Cidade Industrial 0
0
804
804
(continuação)
153
Empreendimento
Ano de
Conclusão
Programa Regional Bairro Apto
Casa
Lote
Total
Hab
Vila Vinte Três Ago/Campo Cerrado > 1994 Reg. Fundiária Bairro Novo Ganchinho 0
0
1.480
1.480
Vila Vitória Riviera 1ºetapa > 1994 Reg. Fundiária Sta. Felicidade Cidade Industrial 0
0
176
176
Sítio Cercado III -q33L7> 1994 Remanescente Bairro Novo Sítio Cercado 0
0
14
14
Colibri 1995 Convencional Cajuru Uberaba 0
0
16
16
Santa Rita A 1995 Convencional Pinheirinho Tatuquara 0
0
1.552
1.552
Unidades Isoladas (progr. Cooperativo) 1995 Convencional Várias Vários 0
12
0
12
Santa Rita -Vila rural > 1995 Convênio Pinheirinho Tatuquara 0
30
0
30
Trevisan > 1995 Convênio RMC São José Pinhais 0
0
379
379
Antonina 1995 Parceria Bairro Novo Umbará 0
0
353
353
Antônio Deconto, Jardim 1995 Parceria Bairro Novo Sítio Cercado 0
0
156
156
Berlim 1995 Parceria Boqueirão Xaxim 0
0
35
35
Guaraqueçaba 1995 Parceria Bairro Novo Umbará 0
0
407
407
Holanda 1995 Parceria Boqueirão Xaxim 0
0
109
109
Madre Teresa 1995 Parceria Bairro Novo Ganchinho 0
0
232
232
Sol Nascente 1995 Parceria Cajuru Cajuru 0
0
82
82
Viena 1995 Parceria Boqueirão Alto Boqueirão 0
0
164
164
Ilha do Mel 1995 Reassentamento
Cajuru Uberaba 0
31
0
31
Ilha do Mel - q2L1 > 1995 Reassentamento
Cajuru Uberaba 0
3
0
3
Sítio Cercado V - q31L1 1995 Reassentamento
Bairro Novo Sítio Cercado 0
0
18
18
Vila Belém II 1995 Reg. Fundiária Cajuru Guabirotuba 0
0
3
3
Vila Bem-te-vi > 1995 Reg. Fundiária CIC Cidade Industrial 0
0
17
17
Vila Dom Bosco 1995 Reg. Fundiária Pinheirinho Campo de Santana 0
0
40
40
Vila Ferrovila - Área 8-C. Ecológica> 1995 Reg. Fundiária CIC Cidade Industrial 0
0
88
88
Vila Roseira 1995 Reg. Fundiária Boqueirão Boqueirão 0
0
6
6
Vila Santissima Trindade A 1995 Reg. Fundiária Cajuru Cajuru 0
0
64
64
Vila São Francisco de Assis I, II e III 1995 Reg. Fundiária Cajuru Cajuru 0
0
49
49
Sítio Cercado I - remanescente > 1995 Remanescente Bairro Novo Sítio Cercado 0
0
17
17
Sítio Cercado IV - q17L1eq18L2 1995 Remanescente Bairro Novo Sítio Cercado 0
0
45
45
(continuação)
154
Empreendimento
Ano de
Conclusão
Programa Regional Bairro Apto
Casa
Lote
Total
Hab
Ana Cecília - Vila de Ofícios 1995 Vila de Ofícios Sta. Felicidade Campo Comprido 0
7
0
7
Augusta - Vila de Ofícios 1995 Vila de Ofícios CIC Cidade Industrial 0
7
0
7
Laranjeiras - Vila de Ofícios 1995 Vila de Ofícios Boa Vista Santa Cândida 0
6
0
6
Paquetá - Vila de Ofícios 1995 Vila de Ofícios CIC Cidade Industrial 0
6
0
6
Sítio Cercado III -q13L1-Vila de Ofícios 1995 Vila de Ofícios Bairro Novo Sítio Cercado 0
17
0
17
Sítio Cercado VI -Vila de Ofícios 1995 Vila de Ofícios Bairro Novo Sítio Cercado 0
29
0
29
Vila das Torres II - V. Ofícios1ªp.Q32> 1995 Vila de Ofícios Matriz Rebouças 0
21
0
21
Vila das Torres II - V. Ofícios2ªparQ33> 1995 Vila de Ofícios Matriz Rebouças 0
35
0
35
Diadema I - remanescente 2 1996 Convencional CIC Cidade Industrial 0
0
8
8
Lages - Q1L6/10 e Q2L6 1996 Convencional Pinheirinho Pinheirinho 0
0
42
42
Marajó - q1L1 e q2L17 1996 Convencional Pinheirinho Pinheirinho 0
0
24
24
Santa Cecília > 1996 Convencional Pinheirinho Tatuquara 0
0
323
323
Santa Rita B e C 1996 Convencional Pinheirinho Tatuquara 0
0
1.257
1.257
Sítio Cercado VII - B 1996 Convencional Bairro Novo Sítio Cercado 0
0
1.346
1.346
Âncora, Jardim > 1996 Convênio RMC Piraquara 0
0
167
167
Bonilauri 1996 Convênio RMC Pinhais 0
636
0
636
Timbú > 1996 Convênio RMC Campina G. do Sul 0
0
174
174
Sítio Cercado V - q41L1-q46L1 1996 Reassentamento
Bairro Novo Sítio Cercado 0
0
32
32
Vila Bom Menino 1996 Reg. Fundiária Sta. Felicidade Campina Siqueira 0
0
3
3
Vila Ferrovila - Área 7-24h-C.Ecológica> 1996 Reg. Fundiária CIC Cidade Industrial 0
0
121
121
Vila Mariana II 1996 Reg. Fundiária Boqueirão Xaxim 0
0
17
17
Vila Siriema II q11 > 1996 Reg. Fundiária Bairro Novo Sítio Cercado 0
0
7
7
Itiberê - Remanescente 1996 Remanescente Cajuru Uberaba 0
0
19
19
São Nicolau - remanescente 1996 Remanescente CIC Cidade Industrial 0
0
13
13
Siriema - Q11-L1 1996 Remanescente Bairro Novo Sítio Cercado 0
0
7
7
Sítio Cercado V - q24 a 27 1996 Remanescente Bairro Novo Sítio Cercado 0
0
49
49
Zimbros II - Q12 e III-Q14 1996 Remanescente CIC Cidade Industrial 0
0
76
76
Diadema IV - Vila de Ofícios > 1996 Vila de Ofícios CIC Cidade Industrial 0
14
0
14
(continuação)
155
Empreendimento
Ano de
Conclusão
Programa Regional Bairro Apto
Casa
Lote
Total
Hab
Jacarandá - Vila de Ofícios 1996 Vila de Ofícios Boqueirão Alto Boqueirão 0
13
0
13
Sítio Cercado VII B,IeXIII-Ofícios1ªet.> 1996 Vila de Ofícios Bairro Novo Sítio Cercado 0
4
0
4
Sítio Cercado VII B,IeXIII-Ofícios2ªet.> 1996 Vila de Ofícios Bairro Novo Sítio Cercado 0
8
0
8
Afonso Macedo, Jardim 1997 Convencional Cajuru Uberaba 0
0
5
5
Marumbí III (I-Q7L33) 1997 Convencional Cajuru Uberaba 0
0
13
13
Sítio Cercado IX e X-A 1997 Parceria Bairro Novo Sítio Cercado 0
0
1.043
1.043
Sítio Cercado V - q7L12 1997 Reassentamento
Bairro Novo Sítio Cercado 0
0
4
4
Vila Cajuru II - q105 1997 Reg. Fundiária Cajuru Cajuru 0
0
23
23
Vila Itália 1997 Reg. Fundiária Sta. Felicidade São João 0
0
36
36
Vila Parque Industrial / Lima 1997 Reg. Fundiária Pinheirinho Capão Raso 0
0
63
63
Vila Rosana 1997 Reg. Fundiária Boa Vista Boa Vista 0
0
10
10
Vila Santa Lúcia 1997 Reg. Fundiária Sta. Felicidade Orleans 0
0
4
4
Vila Santíssima Trindade C 1997 Reg. Fundiária Cajuru Cajuru 0
0
21
21
Vila Verde III q4 > 1997 Reg. Fundiária CIC Cidade Industrial 0
0
113
113
Reno > 1998 Convencional Cajuru Uberaba 0
0
305
305
Santa Cecília II > 1998 Convênio Pinheirinho Tatuquara 0
50
0
50
Aimoré II 1998 Parceria Boqueirão Xaxim 0
0
41
41
Pinheiros, Jardim dos 1998 Parceria Sta. Felicidade Vista Alegre 108
0
0
108
Santa Maria 1998 Parceria Bairro Novo Sítio Cercado 0
0
85
85
São Lucas 1998 Parceria Pinheirinho Pinheirinho 0
0
98
98
Sarot 1998 Parceria Pinheirinho Tatuquara 0
0
125
125
Sítio Cercado V - q32L12A > 1998 Reassentamento
Bairro Novo Sítio Cercado 0
0
20
20
Sítio Cercado V - q32L12C > 1998 Reassentamento
Bairro Novo Sítio Cercado 0
0
14
14
Sítio Cercado V - q45L2A > 1998 Reassentamento
Bairro Novo Sítio Cercado 0
0
17
17
Sítio Cercado V - q45L2C > 1998 Reassentamento
Bairro Novo Sítio Cercado 0
0
7
7
Sítio Cercado VI -q46L1-q53L3-q54L14 1998 Reassentamento
Bairro Novo Sítio Cercado 0
0
31
31
Alto Cajuru I (Albatroz) > 1998 Reg. Fundiária Cajuru Cajuru 0
0
54
54
San Marco -q2L9 1998 Remanescente Pinheirinho Pinheirinho 0
0
16
16
(continuação)
156
Empreendimento
Ano de
Conclusão
Programa Regional Bairro Apto
Casa
Lote
Total
Hab
Riacho Doce 1999 A definir RMC São José Pinhais 0
203
26
229
Rio Pequeno 1999 A definir RMC São José Pinhais 0
183
0
183
Vila Jardim Eucaliptos 1999 A definir RMC Colombo 0
0
211
211
Vila Modelo > 1999 A definir RMC Colombo 0
0
19
19
Vila Monte Castelo > 1999 A definir RMC Colombo 0
0
185
185
Monteiro Lobato II 1999 Convencional Pinheirinho Tatuquara 0
0
419
419
Alto Barigui I e II 1999 Parceria CIC Cidade Industrial 0
0
152
152
Cairo 1999 Parceria Cajuru Uberaba 0
0
63
63
Dalagassa > 1999 Parceria Pinheirinho Tatuquara 0
0
235
235
Evangélicos I 1999 Parceria Pinheirinho Tatuquara 0
0
433
433
Evangélicos II 1999 Parceria Pinheirinho Tatuquara 0
0
120
120
Kastelo 1999 Parceria Bairro Novo Sítio Cercado 0
0
90
90
Morretes 1999 Parceria Bairro Novo Umbará 0
0
88
88
Palmas 1999 Parceria Portão Campo Comprido 0
0
42
42
Palmital 1999 Parceria RMC Pinhais 0
0
577
577
Sítio Cercado IX e X-B 1999 Parceria Bairro Novo Sítio Cercado 0
0
999
999
Vila Nova Hortência > 1999 Parceria Boqueirão Alto Boqueirão 0
0
109
109
Alto Cajuru II (Atobá) > 1999 Reg. Fundiária Cajuru Cajuru 0
0
125
125
Vila Ferrovila - Área 6-UV-
ComCampanha> 1999 Reg. Fundiária CIC Cidade Industrial 0
0
146
146
Vila Machado II > 1999 Reg. Fundiária Pinheirinho Pinheirinho 0
0
12
12
Vila Nossa Senhora da Paz 1999 Reg. Fundiária Portão Santa Quitéria 0
0
5
5
Vila Profeta Elias I > 1999 Reg. Fundiária Portão Lindóia 0
0
102
102
Vila Santa Celeste 1999 Reg. Fundiária Bairro Novo Sítio Cercado 0
0
36
36
Vila Sonho Dourado > 1999 Reg. Fundiária Portão Guaíra 0
0
173
173
Vila Vale das Flores > 1999 Reg. Fundiária RMC Colombo 0
0
120
120
Diversos FMH -SJP/RMC 2000 Convênio RMC São José Pinhais 0
0
52
52
Quintas do São Francisco 2000 Convênio CIC Cidade Industrial 96
0
0
96
(continuação)
157
Empreendimento
Ano de
Conclusão
Programa Regional Bairro Apto
Casa
Lote
Total
Hab
Dom Barusso 2000 Parceria Bairro Novo Ganchinho 0
0
81
81
Verona 2000 Parceria Bairro Novo Umbará 0
0
51
51
Vila Cruzeiro II > 2000 Reg. Fundiária Pinheirinho Pinheirinho 0
0
2
2
Vila Duque de Caxias 2000 Reg. Fundiária Boqueirão Xaxim 0
0
19
19
Vila Ferrovila - Área 4-StaClara-7Set.> 2000 Reg. Fundiária Portão Portão 0
0
93
93
Vila Ferrovila - Área 5-
CNLPromCampanha> 2000 Reg. Fundiária Portão Portão 0
0
307
307
Vila Leão A e B 2000 Reg. Fundiária Portão Novo Mundo 0
0
460
460
Bairro Alto - Vila de Ofícios 2000 Vila de Ofícios Boa Vista Bairro Alto 9
0
0
9
Eucaliptos - Vila de Ofícios > 2000 Vila de Ofícios Boqueirão Alto Boqueirão 11
0
0
11
Santa Rita -Vila de Ofícios 2000 Vila de Ofícios Pinheirinho Tatuquara 0
10
0
10
Trindade - Vila de Ofícios 2000 Vila de Ofícios Cajuru Cajuru 0
17
0
17
TOTAL 19.216
18.998
55.763
93.977
FONTE: COHAB, 2005, disponível em www.cohab.pr.gov.br , site visitado no dia 19/12/2005.
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