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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL
CURSO DE MESTRADO
Laura Cristina Eiras Coelho Soares
“No Fogo Cruzado”: Desafios e Vivências de Pais e
Mães Recasados
Rio de Janeiro
2009
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LAURA CRISTINA EIRAS COELHO SOARES
“No Fogo Cruzado”: Desafios e Vivências de Pais e Mães
Recasados
Dissertação apresentada como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre, ao Programa
de Pós-Graduação em Psicologia Social, da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Orientadora: Profª. Drª. Leila Maria Torraca de Brito
Rio de Janeiro
2009
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CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ / REDE SIRIUS / BIBLIOTECA CEH/A
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
tese.
___________________________________________ _______________
Assinatura Data
S676 Soares, Laura Cristina Eiras Coelho
“No fogo cruzado”: desafios e vivências de pais e mães
recasados /Laura Cristina Eiras Coelho Soares - 2009.
162f. .
Orientadora: Leila Maria Torraca de Brito.
Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado do Rio
de Janeiro .Instituto de Psicologia.
1. Família – Teses. 2. Divórcio - Aspectos psicológicos –
Teses. 3. Famílias de pais separados – Teses. I. Brito, Leila
Maria Torraca de. II. Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. Instituto de Psicologia. III. Título.
CDU 173
AGRADECIMENTOS
À professora Leila Maria Torraca de Brito, pelo acompanhamento cuidadoso e
carinhoso do meu desenvolvimento acadêmico e pessoal.
Às professoras Anna Paula Uziel, Mônica Dias e Lygia Ayres, por aceitarem
compartilhar do meu trabalho.
Ao meu noivo/marido Guilherme, por estar ao meu lado há tantos anos me amando.
Aos meus amados pais, que me dão suporte e me empurram para frente...
Aos companheiros dos meus pais.
Às minhas irmãs pelos risos e pelas dicas.
Aos meus amigos, principalmente “meu irmão”, por ser tão especial na minha vida.
À PMMG por ter permitido que eu desenvolvesse este trabalho.
À equipe do CRS4, pelo incentivo e apoio em todos os momentos pessoais e
profissionais, pelos cafés, pelas caronas, pelas dobras, enfim, por serem “parceiros”.
Ao grupo de pesquisa “Parentalidade” pelos bolos, balas e muitas indicações.
À todos que, direta ou indiretamente, colaboraram para a realização deste trabalho.
SOARES, Laura Cristina Eiras Coelho. “No Fogo Cruzado”: Desafios e Vivências de
Pais e Mães Recasados. 2009. 162f. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social) –
Instituto de Psicologia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2009.
RESUMO
O trabalho aborda pesquisa realizada com famílias recasadas formadas após uma
separação conjugal. Esta investigação teve como objetivo principal levantar as
dificuldades e vivências apresentadas por pais e mães recasados, após divórcio, na
condução desta nova organização familiar. Pretende-se também colaborar com o
despertar sobre o referido tema, auxiliando para que novos estudos sejam
desenvolvidos e aprofundados. O procedimento metodológico envolveu inicialmente
o levantamento e estudo de material bibliográfico sobre a temática, além de busca
em sites, comunidades do Orkut, romances, filmes e seriados televisivos que
abordassem o assunto. Na análise teórica foram enfocadas as transformações pelas
quais a família contemporânea tem passado, com o intuito de se perceber em que
contexto ocorre o surgimento da família recasada proveniente de um divórcio.
Segundo os autores estudados, a experiência do rompimento conjugal suscita
diversas implicações que irão refletir na constituição do recasamento. A principal
dificuldade enfrentada pelo ex-casal reside na indiferenciação, que por vezes
persiste, de aspectos referentes à conjugalidade e à parentalidade. Os autores
destacam a importância da manutenção de um vínculo próximo entre pais e filhos
após o divórcio, apontando a guarda compartilhada como a modalidade de guarda
que propicia a preservação do laço parental, a despeito da separação no âmbito
conjugal. No estudo da família recasada, encontraram-se divergências quanto à
denominação para esta formação familiar. Também foram observadas
especificidades da família com padrasto/madrasta em relação aos aspectos
urbanísticos, econômicos e, principalmente, jurídicos. No trabalho de campo, optou-
se pela pesquisa qualitativa. Foram realizadas entrevistas individuais semi-
estruturadas com cinco pais e cinco mães recasados após separação conjugal,
integrantes de famílias diferentes, residentes no Estado do Rio de Janeiro, de classe
média e que coabitavam com seu atual companheiro. Os dados obtidos foram
tratados por meio da análise de conteúdo. Percebeu-se com os pais e mães
recasados dificuldades na mediação entre os filhos e o novo cônjuge, quando
relataram que se sentiam como “pára-choque” e “aparando arestas”. A fim de lidar
com a nova configuração familiar, alguns optavam por desencontros propositais, isto
é, usufruir a companhia de seus filhos em momentos separados daqueles
desfrutados com o atual companheiro. Também foi evidente a influência do modelo
de família nuclear quando definiam quem fazia parte de sua família. Foram
observadas as especificidades do casal recasado no que tange as comemorações
da união, lua-de-mel, momentos de lazer, mudança de residência e decisão de ter
ou não filhos do atual relacionamento. Concluiu-se que são inúmeras as implicações
e aspectos que devem ser considerados nas famílias recasadas, sendo que a
aceitação dos novos membros, ou seja, do padrasto e/ou da madrasta, demanda
esforço de todos os envolvidos. Cada família descobre seu modo de estruturação,
cabendo ao profissional de Psicologia estar atento às particularidades desta
formação familiar e auxiliá-la neste caminho singular.
Palavras-chave: Família. Psicologia Jurídica. Divórcio. Padrasto. Madrasta.
RÉSUMÉ
Le travail aborde recherche réalisée avec des familles remariées formées après une
séparation conjugale. Cette recherche a eu comme objectif principal soulever les
difficultés et expériences présentées par des parents et mères remariées, après le
divorce, dans la conduction de cette nouvelle organisation familière. Il prétend aussi
être un réveil pour ledit sujet, en assistant pour que de nouvelles études soient
développées et approfondies. La procédure méthodologique a impliqué initialement
l'enquête et l'étude de matériel bibliographique sur la thématique, outre recherche
dans des sites, les communautés de l'Orkut, des romans, films et TV feuilletons qui
abordaient le sujet. Dans l'analyse théorique ont été focalisées les transformations
par lesquelles la famille contemporaine a passer, avec l'intention de se percevoir
dans quel contexte se produit le bourgeonnement de la famille remariée provenante
d'un divorce. Selon les auteurs étudiés, l'expérience de la rupture conjugale suscite
de diverses implications qui iront refléter dans la constitution du remariage. La
principale difficulté affrontée par le couple habite dans l'indifférenciation, qui parfois
persiste, d'aspects afférents à la conjugalité et à la parentalité. Les auteurs détachent
l'importance de la manutention d'un lien proche entre des parents et des enfants
après le divorce, en indiquant la garde partagée comme la modalité de garde qui
propitie la conservation du lacet parental, malgré la séparation dans le contexte
conjugal. Dans l'étude de la famille remariée, se sont trouvées des divergences
autant à la dénomination pour cette formation familière. Aussi ont été observées des
spécificités de la famille avec beau-père/belle-mère concernant les aspects
urbanistiques, économiques et, principalement, juridiques. Dans le travail de champ,
il s'est opté par la recherche qualitative. Ont été réalisées des entrevues individuelles
semi-structurées avec cinq parents et cinq mères remariés après séparation
conjugale, intégrantes de familles différentes, résidantes dans l'État de Rio de
Janeiro, de classe moyenne et qui cohabitaient avec leur actuel compagnon. Les
données obtenues ont été traitées par le moyen de l'analyse de contenu. Il s'est
perçu avec les pères et mères remariés, des difficultés dans la médiation entre les
enfants et le nouveau conjoint, quand ils ont dit qu'ils se sentaient comme « pare-
chocs» et « en taillant des bords ». Afin de traiter avec la nouvelle configuration
familière, quelques uns optaient par des détournements intentionnels, c’est-à-dire,
avoir l'usufruit de la compagnie de leurs enfants dans des moments distincts de ceux
jouis avec l'actuel compagnon. Il a aussi éévident l'influence du modèle de famille
nucléaire quand ils définissaient qui faisait partie de leur famille. Ont été observées
les spécificités du couple remarié dans lequel il concerne les commémorations de
l'union, lune-de-miel, moments de loisir, changement de résidence et décision d'avoir
ou non des enfants des actuelles relations. Il s'est conclu qui sont innombrables les
implications et les aspects qui doivent être considérés dans les familles remariées,
en étant que l'acceptation de nouveaux membres, c'est-à-dire, du beau-père et/ou de
la belle-mère, de l'exigence d’effort de tous les impliqués. Chaque famille découvre
sa manière de structuration, en incombant au professionnel de Psychologie être
attentif aux particularités de cette formation familière et de l'assister dans ce chemin
singulier.
Mots clé: Famille. Psychologie Juridique. Divorce. Beau-père. Belle-mère.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 07
OBJETIVOS 12
1. A FAMÍLIA CONTEMPORÂNEA 13
1.1 As mudanças na família 13
1.2 A construção do casal e da família contemporâneos 17
2. O EX-CASAL E OS SEMPRE-FILHOS 25
2.1 Rompendo a conjugalidade 26
2.2 Mantendo a parentalidade 36
2.3 Guardando o contato com ambos os pais 39
3. FAMÍLIAS COM PADRASTO/MADRASTA 46
3.1 Aspectos conceituais 46
3.2 Aspectos relacionais 56
3.3 Comunidades Virtuais: A Família com Padrasto
e/ou Madrasta no Orkut 63
3.4 Aspectos Urbanísticos 68
3.5 Aspectos Legais e Jurídicos 70
4. METODOLOGIA 77
4.1 Metodologias Em Psicologia Social 77
4.1.1 Qualitativo ou Quantitativo: A Escolha do Método 80
4.2 Procedimentos Metodológicos 81
4.2.1 Análise dos Dados 84
5. RESULTADOS 86
5.1 A definição de família 88
5.2 Vivência própria do papel de padrasto/madrasta 90
5.3 Contato com a(o) ex do seu (sua) atual cônjuge 91
5.4 Contato com seu(s) próprio(s) ex(s) 93
5.5 Modelo de guarda dos filhos 94
5.6 Apresentação dos padrastos/madrastas 100
5.7 Relacionamento do atual cônjuge com enteados 102
5.8 Mudança faraônica! 105
5.9 Comemorações pela união 107
5.10 Engravidar ou não engravidar 109
5.11 Lazer e férias 111
5.12 Desencontros propositais 113
5.13 Mudanças 117
5.14 Comparando os relacionamentos 121
6. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 122
6.1 A diversidade da família contemporânea 122
6.2 Particularidades do casal recasado 126
6.3 Lidando com o recasamento 131
6.3.1 Vivência própria do papel de padrasto/madrasta 135
6.4 Cuidando dos filhos do divórcio 137
6.4.1 (Re) fazendo laços 139
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS 141
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 147
ANDICE A- Roteiro de Entrevista 159
ANDICE B- Termo de Consentimento 160
ANDICE C- Genograma dos entrevistados 161
INTRODUÇÃO
O presente trabalho aborda o tema “Famílias com Padrasto e/ou Madrasta”,
mais especificamente, pais e mães recasados. A motivação para o estudo desta
temática decorre do fato de ter participado, por dois anos, como bolsista de iniciação
científica CNPQ/UERJ da pesquisa “Rompimento Conjugal e Parentalidade:
impasses e (des) orientação”, realizada no Instituto de Psicologia da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro, sob coordenação da Profa.Dra. Leila Maria Torraca de
Brito. A investigação citada teve como objetivo principal avaliar as dificuldades e
impasses que se estabelecem para o pleno exercício da parentalidade após a
separação conjugal.
Por meio da referida pesquisa estudou-se, de forma detalhada, temáticas
referentes à parentalidade, à conjugalidade e aos arranjos familiares observados na
contemporaneidade. Também foi possível observar em entrevistas com filhos de
pais separados, realizadas naquela investigação, que ao se perguntar ao
entrevistado se gostaria de acrescentar algo mais ao relato, um número expressivo
de jovens enfatizou que as dificuldades de relacionamento com os novos njuges
de seus pais mereceriam uma outra pesquisa.
Desta forma, notou-se no discurso daqueles jovens o interesse em entender
os conflitos que surgiam após o recasamento dos pais, isto é, compreender as
mudanças advindas do ingresso de uma outra pessoa e seus parentes para a
família. Além disso, quando os entrevistados relatavam algo referente a esses novos
membros da família demonstravam, algumas vezes, hostilidade e distanciamento
dos mesmos, sentimentos que poderiam se estender aos “meio-irmãos”. Portanto, o
tema “Famílias com Padrasto e/ou Madrasta” surgiu como objeto de estudo a partir
da demanda desses entrevistados.
Assim, foi apresentada como requisito parcial para a conclusão da Graduação
em Psicologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro- UERJ, monografia
intitulada "'Dessa vez vai dar certo!' - A Construção da Família Recasada após a
Separação Conjugal". Naquele trabalho, o objetivo principal foi investigar de que
forma vinha sendo discutida e entendida esta nova organização familiar, a partir de
recentes investigações científicas realizadas sobre a temática. Foram enfocadas as
transformações pelas quais a família contemporânea tem passado, a fim de se
explicitar em que contexto ocorre o surgimento da família com padrasto e/ou
madrasta proveniente de um divórcio. Este recorte foi e continua sendo importante,
pois existem duas maneiras pelas quais uma família com padrasto e/ou madrasta se
constitui. A primeira forma ocorre após o falecimento de um dos cônjuges, ou seja,
derivada da viuvez, a segunda é decorrente de um divórcio ou separação conjugal.
Dependendo de sua origem (divórcio ou viuvez), uma série de variáveis como a
aceitação deste novo membro e a organização familiar, serão vivenciadas de
maneira diferenciada. O processo de construção da família com padrasto e/ou
madrasta não se dá da mesma forma em ambos os casos (Church, 2005).
Na investigação realizada na citada monografia, foi possível perceber a
necessidade de um estudo com os pais e mães que, após o rompimento conjugal,
decidiram se casar com uma outra pessoa. A partir dessa decisão, se estabelece o
papel de “madrasta” ou de “padrasto” para este novo cônjuge e de “enteado” para o
filho proveniente do relacionamento anterior. O foco em pais e mães recasados, nos
estudos realizados no decorrer do curso de mestrado, se deu também devido à
constatação do pequeno número de pesquisas com este grupo.
A família contemporânea é fruto de uma série de modificações sociais, como
enfocado por diversos autores (Vaitsman, 2001; Dantas, 2003; Goldenberg, 2003;
Figueira, 1986; Diniz Neto e Féres-Carneiro, 2004). Jablonski (1998), por exemplo,
enumera as alterações principais que a estrutura familiar sofreu recentemente, tais
como: a diminuição no número de filhos, a inserção feminina no mercado de
trabalho, os casamentos tardios e o aumento do número de separações conjugais.
Estas mudanças atingiram os valores, os papéis masculinos e femininos, bem como
as regras sociais e, portanto, a construção do casal e da família. Apesar das
intensas modificações sofridas pela família contemporânea, esta o se dissolveu,
apenas se reconfigurou (Barbosa, 2001) e, na contemporaneidade, o modelo de
família nuclear convive com outros arranjos familiares. No Brasil, a partir da Lei do
Divórcio, de 1977, surge uma outra possibilidade de formação familiar: o
recasamento após separação conjugal.
A presente pesquisa foi desenvolvida visando à compreensão de vivências e
de dificuldades que, porventura, possam surgir nas famílias onde o pai, a mãe, ou os
dois são recasados. O tema foi estudado a partir do material obtido no levantamento
da bibliografia e na pesquisa de campo, além de se utilizar dados referentes à
temática que surgem em sites, filmes, seriados televisivos e comunidades do Orkut.
Para a análise da questão proposta foi necessária também uma reflexão a
respeito da família na contemporaneidade, pois este estudo deve ser entendido
como um recorte dentro do tema família no contexto hipermoderno (Lipovetsky,
2004). Observou-se, todavia, que esse assunto também pode ser analisado por
diversos prismas de outras áreas das Ciências Humanas e Sociais. Sua proximidade
com o campo do Direito de Família, por exemplo, pode ser claramente identificada
como indica Fachin (2001): “Pensar a nova família significa, portanto, repensar a
atividade do Poder Judiciário”(p.139). Compreende-se, portanto, que as
transformações da família necessitam de maiores estudos, a fim de que práticas
profissionais do Direito e da Psicologia com relação ao tema possam ser
repensadas.
Quanto à representatividade numérica das famílias recasadas, as estatísticas
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) vêm demonstrando aumento
dessas configurações familiares. Como destacou Góis (2005), em artigo publicado
na Folha de São Paulo a respeito dos dados do IBGE, liberados em 16/12/2005:
Entre os recém-casados de 2004, ainda um número crescente, em comparação
a 1994, dos que estão na segunda tentativa. o viúvos ou divorciados que
voltaram a se casar. Em 1994, 8,3% das uniões tinham ao menos um cônjuge
divorciado ou viúvo. Dez anos depois, passou a 13,6% (Góis, 2005).
Os dados estatísticos apontam para o crescimento desta organização familiar,
e, portanto, de papéis como madrasta, padrasto e enteado. Não há, contudo,
informações a respeito de quais destas novas uniões levam consigo filhos de
casamentos anteriores, e também não é quantificado o número de famílias
recasadas que não oficializaram sua união, o que leva a crer que a quantidade de
recasamentos seja bem maior do que a divulgada.
No entanto, algumas propostas de ampliação dos dados coletados pelo IBGE
têm sido formuladas, como informa Zakabi (2007) em artigo na Revista Veja:
Segundo Ana Lúcia Sabóia, gerente da divisão de indicadores sociais do IBGE, o
próximo censo do instituto, a ser realizado em 2010, deve incluir nos questionários
perguntas sobre parceiro do mesmo sexo, além de apurar o mero de enteados
nas residências pesquisadas (p.120).
O aumento do número de famílias recasadas não é exclusividade do Brasil,
mas uma realidade presente em diversos países. De acordo com Church (2005),
atualmente “[...] 50% dos casamentos nos Estados Unidos são segundas núpcias,
cerca de um terço das crianças norte-americanas vive com o padrasto ou com a
madrasta em algum momento da vida” (p.9). Segundo a autora, as estatísticas no
Canadá são menores, porém “[...] em meados da década de 1990, apenas um terço
das crianças canadenses havia nascido em um ‘lar tradicional’-filhas de pais
casados sem nenhuma experiência conjugal anterior” (p.9). na Alemanha, de
acordo com os dados do Instituto Federal de estatística apresentados por Ferreira e
Rörhmann (2006), 15% das famílias com criança são famílias com
padrasto/madrasta.
Para alguns autores, contudo, as mudanças no modelo familiar não são
acompanhadas, geralmente, por novas práticas dos profissionais que lidam com as
famílias, pois estes permanecem aplicando o entendimento construído sobre as
“famílias intactas” (Wallerstein, Lewis e Blakeslee, 2002) no trabalho com famílias
recasadas. McGoldrick e Carter (1995) chamam a atenção para o fato de que a “[...]
maioria das pessoas, incluindo terapeutas, não percebe a necessidade de um
paradigma de família inteiramente novo com o recasamento, que leve em
consideração os novos relacionamentos e papéis, extremamente complexos.”
(p.344). Silveira (1998), compartilhando da visão a respeito do despreparo de alguns
profissionais relata: “As antigas referências se foram, sem que se estabilizassem
outras naqueles lugares” (p.30).
Observa-se, no entanto, que alguns autores oferecem sugestões de práticas
terapêuticas a serem aplicadas com famílias recasadas (Travis, 2003). Também são
freqüentes publicações voltadas para madrastas, buscando auxiliá-las em sua
inserção na nova família (Palermo, 2002, 2007; Borges, 2007). Nota-se também que
grande número de artigos norte-americanos aborda as possíveis conseqüências
para o desenvolvimento de crianças e adolescentes que crescem em lares
recasados. Assim, visando aumentar o conhecimento sobre esta realidade no Brasil,
esta pesquisa foi desenvolvida, tendo como objeto de estudo os pais e mães
recasados.
No primeiro capítulo foi abordado o contexto sociohistórico em que se
constitui a família contemporânea e as especificidades desta. No capítulo dois,
tratou-se especificamente do momento da separação e/ou divórcio e suas
conseqüências para os distintos membros da família, incluindo-se o debate a
respeito da Lei da Guarda Compartilhada.
O terceiro capítulo versou sobre as famílias com padrasto/madrasta.
Procurou-se compreender de que maneira estas vêm sendo entendidas e quais
questões surgiram a partir de recentes estudos sobre este formato familiar. Foram
apontadas especificidades desta configuração familiar, em relação aos aspectos
relacionais, conceituais, jurídicos e urbanísticos.
O quarto capítulo refere-se à abordagem metodológica utilizada na presente
investigação. No quinto capítulo foram descritos os resultados encontrados na
pesquisa de campo, que consistiu em entrevistas individuais semi-estruturas com
cinco pais e cinco mães recasados. No sexto capítulo se discute o material das
entrevistas à luz do referencial teórico utilizado. No último capítulo são apresentadas
as considerações finais.
OBJETIVOS
Objetivo geral
Apresentar como pais e mães recasados vivenciam e conduzem as
mudanças na família, em decorrência do recasamento após separação conjugal.
Objetivos específicos
Levantar dificuldades e sugestões apresentadas pelos pais e mães recasados
na condução desta nova organização familiar, no que tange ao relacionamento entre
seus integrantes.
Mostrar de que forma vem sendo discutida e entendida esta nova organização
familiar nas recentes investigações científicas realizadas sobre a temática.
Auxiliar no desenvolvimento de novos estudos sobre o recasamento.
Colaborar com a prática dos diversos profissionais que lidam com estas
modificações familiares.
Eu, que vim de Kilcarney [cidade do interior dos E.U.A], fico chocado com a
quantidade de gente que se divorcia por aqui [Londres] [...] hoje em dia,
quando uma mulher conhece um cara, a primeira coisa que ela pensa é:
‘Será que é o tipo de sujeito com quem eu quero que meus filhos passem os
fins de semana?
(trecho do romance “Pai e Filho” de Parsons, Tony, 2002, p.270-271)
Um amor só é bom quando é para dois
Eterno é antes e depois
Agora não vou mais me enganar
Não quero mais sofrer, não dá
(trecho da música “Maltratar, não é direito”, Maria Rita Samba Meu, Warner
Music Brasil, 2007
1
)
1- A Família Contemporânea
1.1. As mudanças na família
O objetivo deste capítulo é apresentar as mudanças pelas quais a instituição
familiar tem passado recentemente e de que maneira estas alterações propiciaram o
surgimento de famílias com pais separados. Para tal é necessário, inicialmente,
refletir a respeito do termo família. As possibilidades de atribuição de sentido às
palavras são variadas, não existindo um significado último.
O termo família tem representado grupos sociais diferenciados na sociedade
ocidental, tanto no que se refere à sua estrutura quanto às suas funções.
Compreende-se que não é possível definir a família como se esta possuísse uma
essência pura; se deve entendê-la de acordo com o momento histórico, que
influencia a estrutura familiar (Niilus, 1975). Toda definição de família é
sociohistórica, como aponta Dantas (2003):
A variabilidade histórica da instituição familiar torna muito difícil a elaboração de um
conceito, que abarque a família como um todo. Ela parece modificar-se temporal e
espacialmente, englobando funções políticas e econômicas dentro da sociedade
em que está inserida. Além disso, a história da família não é linear e apresenta
diversas rupturas em seu percurso. (p.22)
A diversidade de significados históricos da família desafia qualquer tentativa
de construção de um conceito geral. Entender a família por seu viés social significa
definir à que família, momento histórico, país e estrato social estamos nos referindo.
Os grandes modelos explicativos se tornam falhos quando em contato direto com a
realidade (Mello, 2003), pois se trata de uma realidade em movimento e, portanto, a
teoria “[...] precisa estar igualmente ‘viva’ e em constante elaboração” (Soares, 2006,
p.475). Como argumenta Fachin (1996), não é possível considerar “[…] que haja um
modelo suscetível de análise que constitua objeto genérico de redução das diversas
1
Disponível em: http://letras.terra.com.br/maria-rita/1084100/ Acesso em 15/12/2008.
e complexas estruturas familiares” (p.144). Este autor conclui: “Na aparência, o
modelo é, a rigor, a falta de um único modelo” (p.150).
No entanto, apesar de a sociedade estar em movimento e criando novos
configurações familiares, é possível observar manifestações como o ato realizado
na Espanha no dia 30 de dezembro de 2007 pela Família Cristã que reuniu cerca de
1 milhão de pessoas– que buscam, aparentemente, um engessamento do modelo
familiar. Conforme notícia divulgada pelo site do Jornal do Estado de Minas
2
:
Milhares de espanhóis marcharam neste domingo em Madri para defender os
valores familiares tradicionais, manifestando oposição ao aborto ao divórcio e ao
casamento entre pessoas do mesmo sexo. A manifestação, intitulada "Pela Família
Cristã", chegou ao auge quando o papa Bento 16 apareceu em um telão gigante
para transmitir ao vivo uma mensagem aos participantes, que responderam com
gritos e aplausos entusiasmados.
Nota-se, contudo, que o debate não se reduz à escolha religiosa e à livre
expressão de uma crença, mas à uma proposta de retorno à um determinado
formato familiar, inclusive com modificações na Lei espanhola. Este projeto
ideológico fica evidente no texto do espanhol Bispo Munilla (2008)
3
a respeito do
divórcio e da possibilidade de recasamento:
Creemos en la comunión de amor matrimonial, fiel e indisoluble. Para un
matrimonio el divorcio es el fracaso de su proyecto de vida […] El argumento del
«derecho a rehacer la vida», no es sino una forma de autoengaño. Por ello, ante
tanta fractura y tantas heridas interiores, necesitamos la restauración profunda que
proviene del amor de Cristo.
Phillips (1991), em seu estudo sobre a história do divórcio, expressa que a
Igreja Católica se opõe ao mesmo, na medida em que compreende o casamento
como um sacramento, que poderia ser desfeito em decorrência da viuvez. O Pe.
Antônio Robson Gonçalves, Mestre em Direito Canônico, em entrevista concedida
ao site Zenit
4
, publicada em 09/03/2008, afirma, de maneira enfática, que: “O
Casamento é e sempre foi considerado pela Igreja Católica apostólica Romana
como UNO e INDISSOLÚVEL. Quer dizer, em hipótese alguma a Igreja Católica
aceita o Divórcio como alternativa válida para seus fiéis.”
5
Assim, a união do casal é vislumbrada, pela Igreja, como algo eterno, que
deve ser almejado e alcançado, por meio do casamento religioso. Este
2
Disponível em:
http://www.uai.com.br/UAI/html/sessao_1/2007/12/30/em_noticia_interna,id_sessao=1&id_noticia=44120/em_noticia_inter
na.shtml Acesso em 23/07/2008.
3
Munilla, José Ignacio. Por La Familia Cristiana . Acessado em: 04/01/2008. Disponível em:
http://www.abc.es/20071229/sociedad-religion/familia-cristiana_200712290251.html
4
Disponível em: http://www.zenit.org/article-17812?l=portuguese. Acesso em: 15/06/2008.
5
Nesta entrevista o PE. Antônio R. Gonçalves aponta os casos especiais em que a Igreja, por meio do Tribunal Eclesiástico
pode declarar a nulidade do casamento.
posicionamento da Igreja fica claro na fala do personagem Harry, do romance de
Parsons (2004), que se casava pela segunda vez com uma mulher separada: “Os
sinos da Igreja não soaram para nós [...] Porque nenhuma igreja nos aceitaria. Muita
quilometragem no painel, você sabe como é” (p.11). No entanto, apesar das normas
religiosas, os fiéis fazem ajustes que a fim de adequar suas escolhas de vida às
exigências de sua religião, o que Jablonski (1991) intitulou de “credo privatista feito
sob medida” (p.37). O autor explica:
[...] se os sujeitos vivem na prática, no cotidiano, questões condenadas por sua
religião, ou seja,divorciam-se ou se separam, adotam medidas de controle da
natalidade que o as recomendadas pela Igreja e praticam ou toleram em certas
condições o aborto, é de se esperar que se voltem para “um individualismo
religioso”(p.36/37).
Atualmente o formato religioso de família composta por homem e mulher
persiste, mas convive com outros arranjos. Portanto, buscar uma homogeneização
nas relações conjugais restringiria outras possibilidades de arranjos familiares
diferentes, negando-se a diversidade e as mudanças sociais ocorridas. Rouanet
(2000) sugere a seguinte direção: “Não é dando as costas à modernidade que
devemos buscar a utopia, mas sim na própria modernidade”.
Pensando nas maneiras pelas quais as famílias ocidentais foram se (re)
configurando ao longo da história e, principalmente, nas mudanças enfrentadas
recentemente, procurou-se pesquisar, neste trabalho, como os autores vêm
delimitando a passagem da família moderna para a família hipermoderna. Nesse
sentido, Dantas (2003) expressa que esta alteração nas relações familiares possui
uma plêiade de fatores vinculados. A autora destaca, especialmente, as
modificações dos papéis femininos e masculinos decorrentes da emancipação
feminina, e a ênfase na individualidade.
Vaitsman (2001) também ressalta estas transformações focalizando a
relativização dos papéis, ao afirmar que a crise da família moderna se deu a partir
da alteração em dois pilares: a separação por gênero tanto no mercado de trabalho,
quanto nos espaços públicos e privados. Figueira (1986) destaca os ideais de família
característicos de cada um destes momentos. O primeiro momento destacado pelo
autor, referente aos anos 1950, seria regido por um modo hierárquico de
estruturação da família, onde as funções de seus integrantes eram determinadas
pela sua posição dentro do núcleo familiar. O segundo veio se formando a partir
daquele período, e tem como ponto de corte a noção de isonomia, ou seja, esta
família se estrutura enquanto igualitária por volta da década de 80 do culo
passado, quando seus membros se posicionam de acordo com o que lhe é
idiossincrático. Figueira (1986) clarifica esta passagem ao mostrar que após a
década de 80: “As diferenças pessoais subordinam (e são percebidas como mais
importantes que) as diferenças sexuais, etárias e posicionais”(p.16).
Para Diniz Neto e Féres-Carneiro (2004) estas mudanças transcorreram
durante a metade do século XX e início do século XXI, quando as bases que
formavam as identidades masculinas e femininas tornaram-se pauta de discussão,
provocando uma crise nos papéis sociais, até então bem delimitados, o que afetou a
formação do casal e da família. Durante este período foram sendo criados diversos
arranjos familiares, inclusive as famílias com padrasto/madrasta.
Lipovetski (2004a) cria o conceito de hipermodernidade para definir este
período atual, por entender que vivenciamos uma “modernidade de novo gênero”
(p.52, 2004b). Logo, compreende-se que a família com padrasto e/ou madrasta,
após uma separação conjugal, estaria ocupando este momento histórico e seria um
dos moldes de família hipermoderna.
Para Bauman (2004a), esta família estaria inserida na “modernidade líquida”,
característica deste tempo líquido, porque é volúvel na sua forma e sofre constantes
e aceleradas mudanças. Esta designação, formulada pelo autor, visa se contrapor à
solidez com que a modernidade se constituiu no que se refere aos ideais e aos
modelos teóricos.
Singly (2000) demarca o tempo utilizando as nomenclaturas: família
“moderna 1”, característica do início do séc.XX até a década de 60, e família
“moderna 2situada a partir da década de 60. Outros autores chamam esta família,
que Singly (2000) conceitua de família “moderna 2”, de “família contemporânea”
(Gomes e Resende, 2004; Brito, 2005a). Logo, não consenso quanto à
denominação deste período histórico em que está inserida a configuração familiar
objeto deste estudo.
Diante desta variedade de termos, será privilegiado como marco do momento
contemporâneo o ingresso maciço da mulher no mercado de trabalho, e os
movimentos sociais que proporcionaram maior autonomia e independência às
mulheres, modificando as relações sociais e afetivas do casal e da família. Portanto,
no decorrer deste trabalho serão utilizadas, alternadamente, as terminologias
apresentadas de acordo com o autor citado.
1.2. A construção do Casal e da Família contemporâneos
Como apresentado anteriormente, as mudanças ocorridas na sociedade
contribuíram para a valorização do par conjugal (Dias, 2000) e aceleraram o
processo de individualização (Singly, 2000). Vaitsman (2001) expõe que, ao mesmo
tempo em que as funções sociais de homens e mulheres foram se mesclando, os
relacionamentos também foram atingidos por esta maior flexibilidade dos papéis
masculinos e femininos. O distanciamento do casal contemporâneo em relação à
família de origem e o fato de as escolhas amorosas não mais serem mediadas pelo
interesse das famílias, mostra a ênfase no casal (Dias, 2000).
Sobre a valorização da individualização mesmo nas relações amorosas,
Singly (2000) justifica pela existência de duas dimensões: a autonomia, que é a
capacidade de exercer um posicionamento individual sobre qualquer questão, e a
independência, prioritariamente a econômica. Estes dois itens conjugados conferem
ao sujeito “o sentimento de estar livre” (p.18), a possibilidade de escolher entre
manter ou o o vínculo afetivo. E é propriamente este sentimento que os casais
buscam conservar durante o relacionamento. Anteriormente, no casamento moderno
existia uma hierarquização das individualidades, de maneira que a masculina se
sobrepujava a feminina.
Atualmente, com o princípio da isonomia, legalmente instituído pela
Constituição Federal Brasileira de 1988
6
, o casal passa a ser regido pela igualdade
de valor sobre suas individualidades e procura conciliar o projeto individual com o
projeto conjugal. Na relação do casal contemporâneo os cônjuges possuem os
mesmos direitos, porém não querem que suas diferenças sejam desconsideradas
(Peixoto e Cicchelli, 2000). Sarti (2003) resume a problemática da atual
conjugalidade da seguinte maneira: “[...] o problema da nossa época é, então, o de
compatibilizar a individualidade e a reciprocidade familiares. As pessoas querem
aprender, ao mesmo tempo, a serem sós e a ‘serem juntas’”(p.43). A saída para este
impasse, como sugere Singly (2000), pode ser a busca do “entre-dois”, ou seja, a
abertura para o outro sem a anulação de si.
6
Como aponta Vitale (2003) o princípio da isonomia se expressa em dois artigos da Constituição Federal de 1988, são eles:
Art.5°, inciso I: “homens e mulheres são iguais em direito e obrigações, nos termos desta Constituição”, e o Art.226,
parágrafo 5°: “Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”.
Como aponta Brito (2003) ao mencionar Théry (1999), trata-se do
“casamento-conversação” no qual idéias, pensamentos e convicções próprias de
cada um dos cônjuges deverão ser debatidas respeitando as diferenças, e atribuindo
a mesma importância ao posicionamento tanto do homem quanto da mulher, ou
seja, é dar autonomia a ambos.
Portanto a esta formação familiar, presente no ocidente a partir da década de
60, Singly (2000) chama de “individualista e relacional”(p.15). Este autor opta por
situá-la no tempo histórico como família “moderna 2”, diferenciando-as da família
“moderna 1”, exatamente pela ênfase dada à individualização. Lipovetski (2004a), de
certa maneira segue o posicionamento de Singly (2000), pois entende que na
modernidade criou-se o individualismo, mas que na hipermodernidade vive-se o
hiperindividualismo. Vaitsman (2001) adota esta percepção quando explica que: “[...]
a fragmentação, a efemeridade e o fluxo caótico, embora sempre tenham sido
característicos da experiência moderna, aumentaram violentamente de intensidade
num contexto mundial [...]”(p.17).
O sujeito hipermoderno, de acordo com Lipovetski (2004a), está mais frágil, já
que deve buscar por si mesmo suas conquistas, sem o suporte e a segurança da
coletividade. Este autor aponta para a ausência da “sólida armadura estruturante”
(2004b, p.123) que era oferecida. Diante da falta deste apoio, resta ao homem
hipermoderno, como observa Bauman (2004b): “[...] buscar soluções individuais para
problemas produzidos socialmente e sofridos coletivamente” (p.304).
Este indivíduo da pós-modernidade é caracterizado por Diniz Neto e Féres-
Carneiro (2004) como multifacetado, em constante movimento de mutação,
acumulando funções e papéis diversos. A relação existente entre o indivíduo
hipermoderno e a construção do casal e da família se estabelece, como expresso
por Lipovetski (2004a), no fato deste aspecto hiperindividual estender-se até as
relações privadas, gerando conflitos de intolerância às particularidades do outro, e
repercutindo no aumento de separações e divórcios que surgem como a solução
para o enfrentamento entre individualidades. Este aspecto também foi abordado por
Goldenberg, ao mencionar que, como reflexo da “cultura do eu” (p.25) busca-se
“uma individualização extrema (autorealização, autosatisfação, autoprazer,
liberdade, espaço) dentro do relacionamento amoroso” (p.25).
A importância dada à individualidade permite que o elo de ligação do casal se
estabeleça por critérios pessoais. Dias (2000) aponta que, na atualidade, os
relacionamentos passam a ter como princípio regulador a satisfação pessoal dos
envolvidos. Portanto, como pontua Vaitsman (2001), este princípio passa a dirigir a
conduta do indivíduo pós-moderno, que avalia a permanência ou o rompimento do
relacionamento em que se sente infeliz. Na contemporaneidade, a união afetiva, de
acordo com Singly (2000), é percebida como possibilidade de expressão da
identidade e, portanto, não pode bloquear seu desenvolvimento.
A definição fornecida por Attali (2001) do termo “Casamento” expressa as
novas bases sobre as quais as uniões atuais se erigem:
Sendo o individualismo o valor supremo, todos se tornarão antes de mais nada
consumidores de sentimentos. O casamento vai se tornar cada vez mais precário.
Com isto, será encarado, já ao ser contratado, como provisório, comprometendo os
cônjuges apenas enquanto assim quiserem. (p.92)
Assim, o grande desafio colocado para os casais é o da construção da
conjugalidade sem o sufocamento da individualidade dos envolvidos, isto é, manter
a singularidade sem por em risco a manutenção do vínculo conjugal. É exatamente a
procura pelo que Singly (2000) chamou de viver “livre junto”(p.16). Este embate
entre o individual e o conjugal, caso não encontre o equilíbrio, pode resultar no
rompimento do laço afetivo. Como observa Singly (2000), é na tensão entre o
individual e o relacional que se estruturam as famílias pós-modernas.
A definição de família fornecida por Ramos (2005) expressa estas
modificações que ocorreram ao diferenciar conjugalidade de parentalidade, e
compreender a vinculação familiar por meio do afeto e não somente pela
consangüinidade: “A família é a referência existencial do ser humano,
caracterizando-se pela união de pessoas vinculadas por laços de afeto (real ou
presumindo) num contexto de conjugalidade ou parentalidade”(p.98). A separação,
no entanto, trará consigo outro desafio: a reconstrução da identidade que pode ter
se mesclado com a conjugalidade.
Quando o casal separado possui filhos, o desafio se inscreve também em
outra ordem, a dos papéis parentais. O ex-casal deverá estruturar-se no que tange à
parentalidade e a principal mudança a ser enfrentada pelos ex-cônjuges refere-se a
manutenção da relação parental, resguardando as individualidades de cada genitor
(Brito,2005a).
Gomes e Resende (2004) confirmam esta posição, baseando-se no trabalho
de Moraes (2001), ao destacarem que o ingresso feminino no mercado de trabalho e
a conseqüente independência financeira das mulheres, impulsionaram a
diferenciação entre a conjugalidade e a parentalidade, pois a partir do momento em
que a mulher rompe com a separação de gênero existente entre público e privado, e
passa a desempenhar papéis fora do domínio doméstico, sua ambição deixou de
limitar-se ao casamento e à criação da prole (Vaitsman, 2001).
Singly (2000) aponta para a mudança de posição da mulher na sociedade
ocidental na família “moderna 2”, onde o amor conjugal ou maternal não podem ser
utilizados como argumento para o afastamento da mulher do espaço público, como
também não podem justificar a transformação do “[...] laço de dependência afetiva
em um elo de dependência econômica”(p.16). Hoje a mulher deve continuar seu
desenvolvimento pessoal e profissional, mantendo sua independência financeira,
uma das dimensões apontadas anteriormente por Singly (2000) para o
estabelecimento do “sentimento de estar livre”. Como mostra o trecho da música
“De Pai Pra Filha
7
” composta por Martinho da Vila: “Ô filhinha; Se entrega ao estudo
e se guia; [...] Estuda, trabalha, se casa e procria; [...] Se algum dia o divórcio
chegar; Não vais ter problemas; Pra se adaptar; Nem vais viver de pensão de
marido [...]”.
No que diz respeito ao contexto de uma separação conjugal, a própria Justiça
mostra-se atenta a este novo papel feminino, e vem restringindo o direito à pensão
concedido à ex-esposa, separando o dever conjugal do dever parental, reafirmando,
assim, a mudança na condição feminina. Como observando a jurisprudência
8
do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, apresentada por Bezerra Filho (2004):
Separação judicial. Alimentos a mulher. Descabimento. A circunstância de ser o
varão grande empresário, com alto padrão de vida, que utilizar carros importados e
telefone celular, não conduz necessariamente a obrigação de pensionar a ex-
mulher. se disse que casamento não é emprego e marido não é órgão
previdenciário. Tratando-se de senhora jovem, com apenas trinta e sete anos, apta
para o trabalho, eis que exerce cargo na Caixa Econômica, não tem ele qualquer
obrigação de sustentá-la. Alimentos aos filhos menores, tendo sido os alimentos
fixado de forma prudente, levando em consideração a idade e o padrão de vida que
mantinham os filhos, não merecem ser alterados.
Na decisão judicial relatada por Karan (1998), nota-se esta mesma
orientação: “[...] o simples fato do casamento não faz nascer o direito da mulher
7
Disponível em: http://martinho-da-vila.letras.terra.com.br/letras/287346/. Acessado em 14/01/2006
8
TJTS – 8ª CC – Ap. Civ. 596068106, j. 29/08/1996 – Rel. Des. Eliseu Gomes Torres.
receber alimentos do marido” (p.187). A autora aponta para a modificação no
entendimento, do Direito, a respeito das relações e, conseqüentemente, das
famílias; ao enfatizar o papel do Judiciário como: “[...] garantidor da realização
daqueles princípios e regras constitucionais sinalizadores da superação da ideologia
patriarcal e da construção de novas relações familiares” (p.186).
A alteração do lugar ocupado e designado à mulher, como recorda Bilac
(2003), também repercutiu na condição masculina. De fato, transformações
ocorreram para os homens, como a inserção dos mesmos no espaço doméstico e
sua maior participação no cuidado de seus filhos. Este tópico será explorado no
terceiro capítulo, quando será abordado o tema da atribuição de guarda de filhos
após o rompimento conjugal.
Neste momento, é importante destacar que, da mesma forma que a família e
o papel feminino não sofreram uma brusca ruptura, esta também não aconteceu
com o papel masculino. Deste modo, não se identifica que o homem de “antes”
transformou-se no homem de “depois”, mas trata-se de um processo gradual ainda
em curso. Esta visão está de acordo com Gomes e Resende (2004) ao afirmarem, a
respeito do papel do pai, que este circula entre conceitos modernos e arcaicos.
A definição do verbete “Família” proposta por Attali (2000) aponta estas
transformações: “A instituição mais profundamente abalada, em decorrência de
conseqüências consideráveis nos terrenos mais diversos: da demografia à arte, da
sexualidade à política” (p.177). A respeito dos relacionamentos, o autor, ainda,
completa: “Por toda parte o individualismo e a lei do mercado afirmam o direito à
reversibilidade das escolhas, particularmente no que diz respeito ao casamento”
(p.177).
O retrato das relações na contemporaneidade, desenvolvido na obra de
Bauman (2004a), tem como foco o equilíbrio que deve ser estabelecido em um
vínculo afetivo-conjugal que precisa ser mantido frouxo, considerando-se a
existência “[...] dos prazeres do convívio e dos horrores da clausura” (p.12).
Portanto, os casais contemporâneos, ou os da modernidade líquida como Bauman
(2004a) optou por chamar, vão estabelecendo relações menos estáveis, que
adquirem diversos contornos.
O viver juntos, de acordo com Bauman (2004a), também expressa seu
aspecto volátil na forma como o laço é estabelecido, muitas vezes, sem
oficialização, enfim, sem amarras. O casal contemporâneo não possui um formato
determinado, são vários os modos pelos quais pode se configurar enquanto tal, e a
coabitação não é mais um requisito para sua constituição. O modelo característico
da família “moderna 1” (Singly, 2000), onde o casamento representava a passagem
da casa dos pais para formação da própria família, convive com outros arranjos,
como a busca por uma relação que “[...] não esteja atrelada à institucionalização
matrimonial, mas que elas sejam reflexo de uma qualidade relacional”(Singly, 2007,
p.175).
São inúmeras as possibilidades de os olhares direcionados a fim de revelar
estas alterações na família. Brito (2005b) analisou programas infantis de TV
procurando compreender como retratavam as modificações da estrutura familiar,
enquanto Barbosa (2001) percorreu o caminho histórico da legislação brasileira.
No entanto, cabe ressaltar que os distintos modelos de família não foram se
substituindo ao longo dos anos. Diversos autores apontam a coexistência de tipos
de família. Figueira (1986), afirma que é possível identificar que valores
considerados “modernos” (p.29), ou seja, de uma família igualitária, convivem lado a
lado com concepções “arcaicas” (p.29) de uma família hierárquica, portanto, “[...] não
há, propriamente, uma ‘nova família brasileira’” (p.29). Diniz Neto e Féres-Carneiro
(2005) reafirmam que os casamentos que buscam manter um modelo anterior de
conjugalidade coexistem com novos formatos de relacionamentos.
Pode-se pensar como exemplo desta coexistência moderno-arcaico, a
denominada “castidade-chique”, que 16% das jovens americanas aderiram, segundo
reportagem da revista Marie Claire (Baumgardner, 2008). Trata-se de um ritual
realizado durante o “Baile Anual da Pureza Pai e Filha” onde o pai faz para a filha
“[...] uma promessa solene de amá-la e proteger a sua honra” (p.32). Este evento
integra o movimento pró-abstinência que vem crescendo nos Estados Unidos. O
governo norte-americano, inclusive, tem investido em programas de educação
sexual que defendem a abstinência. A ideologia consiste em pregar “[...] virgindade
antes do casamento e proíbem qualquer tipo de menção a anticoncepcionais, sob o
argumento de que as pílulas servem para incentivar as adolescentes a fazer
sexo”(p.32).
Um ritual como este parece distante dos ideais presentes na revolução
feminista e poderia ser pensado como retorno aos conceitos “arcaicos”. Por outro
lado, Segalen (2002) observa que o casamento deixou de determinar uma
passagem, pois “aquilo que marcava o casamento de outrora, ou seja, a
transferência da mulher para uma nova moradia, o acesso à sexualidade e ao
estatuto de adulto são etapas sociais ultrapassadas muito tempo”(p.120). Esta
pontuação de Segalen (2002) aponta para desvalorização do ritual de passagem.
No entanto, este processo de alteração da organização familiar é
descontínuo, que não é possível afirmar que esta mudança se rapidamente.
Novas variáveis podem surgir, causando impasses e um sentimento de retorno a
modelos anteriores. Portanto, o que se observa é que o “[...] o novo e o moderno
convivem com o arcaico e o antiquado” (Figueira, 1986, p.13).
Um exemplo que clarifica esta coexistência de modelos é o programa
“Casamento à moda antiga”, exibido, em 2006, pelo Canal SBT de Televisão. O
programa procurava formar ‘noivos’ que ficariam convivendo em uma casa
monitorada por câmeras, por três semanas. Após o prazo, os noivos decidiam se
queriam casar ou não. Se optassem pela união conjugal teriam a festa de
casamento paga pelo programa, e mais o reembolso de gastos realizados até 5.000
reais por mês durante um ano. A cada episódio, após serem avaliados cinco
pretendentes para uma mulher e cinco para um homem, dois casais eram escolhidos
para ingressar na casa do programa. O curioso sobre os moldes do show televisivo
se refere ao uso de recursos modernos como a internet para a inscrição dos
participantes, e o fato dos selecionados irem para uma casa onde seriam
monitorados com transmissão ao vivo, embora as perguntas direcionadas e os
critérios estabelecidos para os pretendentes fossem de conteúdo do chamado
modelo “arcaico” de família.
No episódio do dia 22/01/2006, por exemplo, uma candidata foi eliminada
porque iria cursar faculdade e, portanto, “não teria tempo para se dedicar ao marido
e filhos”. A um pretendente foi perguntado, pelo apresentador Silvio Santos, se com
a profissão de corretor de imóveis “ele teria dinheiro suficiente para sustentar a
esposa e os filhos”. Este é um exemplo interessante devido à relevância dos meios
de comunicação na construção da identidade. Como constata Brito (2005b): “[...] o
contexto social reafirma valores e modelos de conduta difundidos de forma implícita
pelos meios de comunicação [...]”(p.48).
Kehl (2003) aponta o quanto a presença do ideal de família nuclear pode ser
um obstáculo para a aceitação de novas configurações da família pós-moderna. A
autora, no decorrer de seu texto, retoma esta questão e apresenta uma descrição
que se encaixa na posição adotada pelo programa televisivo citado anteriormente:
A mesma cultura que nos incita a viver de maneira radicalmente diferente das
escolhas de nossos pais - o que nos mantém ao desabrigo de toda possibilidade de
transmissão das experiências - não é capaz de legitimar as novas configurações
familiares que foram surgindo, e ainda nos oferece como ideal de felicidade
justamente o modelo familiar da geração dos nossos avós (p.174).
A dificuldade em se afastar do modelo de família tradicional é tamanha, que
ele é utilizado como referência para distinguir as demais configurações familiares.
(Sayão e Aquino, 2006)
Szymanski (2003) aponta para a importância de se considerar que a
organização familiar possui uma grande variação de formatos, pois ignorar esta
constatação é direcionar um único olhar para esta multiplicidade, limitando diferentes
formas de expressão, de pensar, de sentir, de ser, de estar no mundo, de querer e
de desejar.
Diante do que foi apresentado neste capítulo, conclui-se que existe uma
convivência do “moderno” e do “arcaico” em vários aspectos, tais como valores,
atitudes e estrutura familiar (Figueira, 1986). Faz-se extremamente necessário
romper com o paradigma da família nuclear, admitir que este não é o único modelo,
a fim de permitir que as demais organizações familiares possam ser pensadas,
reconhecidas e estudadas (Fonseca, 2002).
Logo, a questão fundamental que surge ao observar a família pós-moderna,
segundo a análise de Maldonado (2001), é a de que é necessário: “[...] explorar os
recursos para formar uma família harmônica que propiciem um bom
desenvolvimento emocional, físico e espiritual às crianças em qualquer uma dessas
formas de organização familiar”. Esta é a provocação que a família do século XXI
incita pois, como sugere Skymanski (2003), não se deve ter como foco a estrutura
da família, mas a qualidade das inter-relações.
Você faz todas aquelas promessas para a sua mulher e um
belo dia contrata um advogado para provar que elas não
significam mais nada.
(trecho do romance “Marido e Mulher” de Parsons, Tony,
2004, p.23)
Mas, depois de sete meses muito difíceis, deixei o meu
marido. Quando finalmente tomei essa decisão, pensei que
o pior houvesse passado. Isso só mostra como eu sabia
pouca coisa sobre divórcio.
(trecho do romance “Comer, Rezar, Amar” de Gilbert,
Elizabeth 2007, p.25)
2- O ex-casal e os sempre-filhos
Este capítulo visa abordar questões relacionadas aos desdobramentos da
separação conjugal, ou seja, as que precedem a formação da família com padrasto
e/ou madrasta. As mudanças provenientes da separação conjugal o inúmeras e
exigem dos integrantes da família muitas adaptações. Wallerstein, Lewis e Blakeslee
(2002) retratam esta realidade de maneira bastante contundente, ao explicarem que,
independentemente da situação final que o indivíduo se encontrará, ele terá
experimentado profundas modificações em sua vida devido ao divórcio.
Peck e Manocherian (1995) ampliam o reflexo do divórcio a toda família,
apontando que o divórcio atinge a família em sua totalidade, e não unicamente os
membros da família nuclear. A ação da família como grupo de convivência é
marcada por uma intensa dinâmica que exige de seus componentes um exercício
constante de repensar o presente e o futuro, para que possam reorganizar
continuamente suas estratégias. (Araújo, 1995).
Uma família que atravessou o caminho do divórcio conseguindo manejar os
impasses, o significa que trilhará o percurso do recasamento da mesma maneira,
pois novas questões e conflitos podem surgir. No entanto, se foi possível superar as
dificuldades oriundas de uma separação, é provável que os integrantes da família
tenham maior disponibilidade e suporte para lidar com o recasamento.
A inserção de um novo membro no contexto doméstico, será mais ou menos
conflituosa, dependendo de uma rie de experiências vivenciadas no período da
separação, tais como: a maneira pela qual o ex-casal administrou os problemas no
momento do divórcio, a forma como os filhos receberam esta notícia, os recursos
que tiveram para lidar com esta nova situação, e como o ex-casal se estruturou
quanto ao exercício da parentalidade.
O divórcio, de acordo com Peck e Manocherian(1995), é a maior ruptura do
processo de ciclo de vida da família. Portanto, a dinâmica da família será
modificada, fazendo com que todos os membros busquem um ajuste à nova
configuração familiar.
Contudo, para Sarti (2003), a família “[...] não é uma totalidade
homogênea”(p.39), logo, as mudanças irão afetar de forma diferente cada um dos
envolvidos. Para entender a experiência do divórcio, Wallerstein, Lewis e Blakeslee
(2002) afirmam que deve-se considerar que:
[...] a família divorciada não é simplesmente uma versão reduzida da família de dois
pais. A família pós-divórcio é uma forma nova de família que tem exigências muito
distintas para cada um dos pais, cada filho e cada um dos vários novos adultos que
entram na órbita familiar (p.48).
2.1 Rompendo a conjugalidade
A separação apresenta um desafio para o ex-casal expresso na reconstrução
da identidade de cada um. De acordo com Féres-Carneiro(2003), que realizou uma
pesquisa com 32 sujeitos, homens e mulheres separados com filhos, no decorrer da
separação a identidade conjugal vai, gradativamente, se dissolvendo, fazendo com
que os envolvidos tenham que reestruturar sua identidade. A autora notou em sua
pesquisa que os entrevistados percebiam o processo de separação como “muito
difícil e sofrido” (p.369). Giddens (2002) observa, a partir do trabalho de Wallerstein
e Blakeslee (1989), que aqueles que conseguem abrir mão da identidade conjugal
enfrentam a dificuldade de redefinir uma nova identidade, já que durante o
casamento sua identidade mescla-se com a do outro cônjuge.
O processo de separação conjugal demanda tempo e aceitação dos ex-
cônjuges, a fim de possibilitar esta transição até a reformulação da identidade
individual (Féres-Carneiro, 2003). A preocupação dos pais em reconstruir sua
identidade, e o conseqüente dispêndio de tempo neste objetivo, pode gerar um
afastamento dos filhos. Maldonado (2001) parece concordar com esta possibilidade
ao mencionar que as crianças podem se sentir abandonadas, pois muitos pais saem
de um casamento infeliz “com sede de viver”. Diante destas intensas mudanças
pelas quais o ex-casal está passando, Wallerstein, Lewis e Blakeslee (2002)
apontam que a preocupação dos pais em refazer suas vidas “podem cegá-los para
as necessidades dos filhos.”(p.16). A importância dos pais em retornar aos estudos,
procurar um novo emprego, reconstruir sua identidade, encontrar um outro amor, e
outras tantas, pode gerar sentimentos de exclusão nos filhos e até mesmo fazê-los
sentirem-se um peso para os pais, ou uma lembrança de um casamento infeliz.
(Wallerstein, Lewis e Blakeslee, 2002).
No romance de Will Self (2005)
9
, a personagem principal, Lily Bloom,
confessa para si mesma a goa em reconhecer, no rosto de sua filha, traços do
ex-marido:
“Em momentos assim, quando olho para ela, me parece que um instantâneo da
cara de Yaws foi grudado com fita durex na cara dela. Pode parecer errado da
minha parte desgostar de minha filha mais velha por causa da grande semelhança
com o pai dela, mas, que diabo!, é assim.”(p.49)
O casamento não é referência identitária somente para o casal, os filhos
também sentem um abalo em sua identidade diante da separação de seus pais.
Este impacto está descrito claramente no romance intitulado “Casório?!” (Keyes,
2005), quando a autora relata o que se pensava a personagem Lucy, enquanto esta
conversava com a mãe após ter recebido a notícia da separação de seus pais: “Eu
nem conseguia falar. Estava testemunhando o momento da destruição do meu lar e
de mim mesma [...] Tinha medo de desaparecer no ar por completo se uma das
minhas principais referências de autodefinição se desintegrasse” (p.485).
No que se refere ao entendimento a respeito do casamento, Féres-Carneiro
(2001, 2003) encontrou em suas pesquisas, diferenças entre homens e mulheres.
Enquanto os homens o entendiam como possibilidade de “construção de uma
família”, as mulheres o concebiam como uma “relação amorosa”. Goldenberg (2003)
aplicou questionários em 1279 indivíduos sobre assuntos referentes aos
relacionamentos afetivo-sexuais. A investigação apontou que as mulheres
percebiam como modelo ideal de relacionamento conjugal, “aquele que pode ser
resumido na fórmula dois em um, enquanto os homens estão mais próximos do
modelo um + um” (p.26), que se aproximaria de um “casamento-conversação”, termo
de Théry (1999) apontado por Brito (2003), pois cada um dos njuges quer
valorizar seus desejos e interesses.
Estas distinções sobre o que homens e mulheres esperam da união conjugal,
pode explicar o fato de as mulheres tomarem a decisão de se separarem mais do
9
SELF,WILL. Como vivem os mortos. Objetiva: Rio de Janeiro, 2005.
que os homens, por considerarem fundamental a satisfação conjugal para a
manutenção do casamento.
Como apontam as estatísticas oficiais do IBGE
10
, de 2004, nos casos de
separação judicial não-consensual o número de mulheres requerentes (71,5%) foi
bastante superior ao dos homens (26,5%). Nos processos de divórcio, esta diferença
diminui, os pedidos feitos por mulheres correspondem a 52,2% e pelos homens a
47,8%. Os sentimentos presentes após o rompimento conjugal podem estar
relacionados à expectativa que homens e mulheres tinham sobre o casamento.
Féres-Carneiro (2003) afirma que, segundo sua pesquisa, os homens relatavam
sentirem-se frustrados e fracassados com a separação, enquanto as mulheres
sentiam-se magoadas e sozinhas. Esta constatação expressa a diferença de
projetos que o casamento representava.
Por outro lado, a pesquisa de Wagner e Grzybowski (2003) com 51 mulheres
separadas, encontrou outros dados a respeito da percepção sobre a experiência
pós-divórcio. De acordo com a análise das pesquisadoras, havia satisfação
psicológica entre as mulheres, quando notaram que: “o bem-estar é nítido e o
ajustamento se sem a presença de sintomas de desequilíbrio emocional,
evidenciando uma adaptação saudável e uma melhora da qualidade de vida” (p.25).
No entanto, esta mesma investigação identificou: “escassez de relacionamento com
o sexo oposto e um empobrecimento da vida sexual [...] queda nos rendimentos das
mulheres após separação conjugal/divórcio e a preocupação financeira é constante
(p.24/25). Observou-se também que as mulheres recebiam menos apoio do que
esperavam de seus amigos e familiares. Assim, as autoras concluíram que as
mulheres pesquisadas “sentem-se insatisfeitas com a condição de
separadas/divorciadas” (p.26).
Ainda como conseqüência da separação, vem sendo destacado que tanto os
homens quanto as mulheres podem experimentar um intenso sentimento de
isolamento. Peck e Manocherian (1995) encontraram, em seu trabalho, um
distanciamento das pessoas separadas em relação aos amigos que tinham quando
10
Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_impressao.php?id_noticia=512. Acessado em
27/01/2006.
casados. Os autores levantam algumas hipóteses que justificam este afastamento,
tais como: os amigos serem contrários à decisão da separação ou estarem
enfadados de conversar sobre questões que envolvem o divórcio, ou ainda, a
possibilidade de estarem experimentando conflitos de lealdade em relação a um dos
ex-cônjuges. Ao contar a história de sua separação, a escritora Joyce Maynard
(2007)
11
revela que foi “[...] alguém que repetia de forma obsessiva aos meus
amigos pacientes, mas certamente exaustos, as injustiças, pois era como as
percebia, do homem que um dia amei, do pai de meus filhos [...]”(p.22)
Os membros da família extensa também podem, inicialmente, não oferecer
apoio àqueles que se separaram, pois freqüentemente censuram o divórcio e
evidenciam seu posicionamento (Wallerstein, Lewis e Blakeslee, 2002). Segundo
Peck e Manocherian (1995), a família extensa, muitas vezes, sente-se abalada com
o rompimento e fica hesitante quanto à sua função. O risco diante desta exclusão
que os pais podem sofrer, segundo as autoras, é que eles busquem nos filhos o
ombro amigo, tornando-os seus confidentes. Assim, a situação sofre uma inversão,
os pais que deveriam estar atentos às demandas dos filhos durante este período,
encontram neles a ancoragem para superar seus próprios conflitos. As autoras
ressaltam que, em alguns casos, esta troca de papéis pode ser positiva ao permitir o
crescimento dos filhos e os pais receberem o suporte que desejavam, mas em
outros casos, pode tornar-se um fardo para os filhos. Esta última possibilidade foi
identificada na pesquisa com filhos de pais separados realizada por Brito (2007),
quando foi observado que os entrevistados assumiam o lugar de “conselheiros e
provedores de cuidado [dois pais]” (p.41), notando-se, assim, que os filhos “muito
cedo, podem ter deixado as brincadeiras infantis para participar de decisões e
discussões adultas” (p.41).
Peck e Manocherian (1995), ao estudarem como o divórcio repercute em
filhos adolescentes, observaram que enquanto uns sentem acelerar seu
crescimento, outros se sentem presos à situação que vivenciam. Alguns
adolescentes, de acordo com os autores, queixam-se da dependência destes pais
que ancoraram nos filhos seu isolamento. No entanto, este comportamento dos pais
não se aplica unicamente aos filhos adolescentes, crianças pequenas também
11
MAYNARD, JOYCE. As histórias que contamos. In: Quando acaba a lua-de-mel: histórias reais de amor,
casamento e divórcio. Larousse do Brasil, São Paulo, 2007, p.21-34.
podem se tornar confidentes de seus pais após o divórcio. (Wallerstein, Lewis e
Blakeslee, 2002)
Enquanto nas famílias não-divorciadas o lugar, como definem Wallerstein,
Lewis e Blakeslee (2002), “no centro do palco é ocupado pela criança”, após a
separação o foco vira-se para os pais. Daí a dificuldade dos pais em se perceberem
como responsáveis pelo exercício da parentalidade, quando a atenção está voltada
para a sua conjugalidade. Como identificaram Peck e Manocherian (1995): “Os pais
que estão lutando com seus próprios sentimentos de fracasso, raiva, culpa e perda
têm dificuldade em proporcionar um ambiente estabilizador, consistente, para seus
filhos” (p.303).
Wallerstein, Lewis e Blakeslee (2002) realizaram estudo longitudinal sobre o
divórcio, entrevistando, em determinada fase da pesquisa, filhos de pais separados
com idades entre 28 e 43 anos. Em sua pesquisa, as autoras identificaram a
existência de alguns mitos sobre a separação que, apesar de inicialmente
consolarem pais aflitos, contribuiram para a criação de barreiras no contato com os
filhos.
O primeiro mito trata-se do que denominam de “felicidade expansiva”, quando
argumenta-se que, pelo fato de os pais estarem mais aliviados ao saírem de um
casamento infeliz, os filhos também ficariam mais satisfeitos. No entanto, as autoras
perceberam em seu trabalho que muitos filhos não estavam preocupados com o fato
de os pais dormirem separados, desde que a família permanecesse unida. O fato da
relação conjugal entre os pais não ser satisfatória, não influenciava o desejo dos
filhos de que os pais permanecessem juntos. Esta é uma informação valiosa para
auxiliar aos pais na decisão e na condução do processo de divórcio, a fim de que
não esperem dos filhos um comportamento positivo e um ajuste imediato.
O segundo mito parte do pressuposto de que a separação é uma crise
passageira. Este mito traz subjacente a idéia de que os filhos ficarão bem, caso, no
momento da separação, sejam acertadas satisfatoriamente questões como a guarda
e a pensão. Segundo Wallerstein, Lewis e Blakeslee (2002), esta noção não é
verdadeira. As autoras, em seu estudo, pontuam que os entrevistados relataram que
o mais difícil são os anos que se seguem ao divórcio de seus pais e todos os
desdobramentos decorrentes deste novo arranjo, como a incerteza sobre as
finanças, os novos companheiros dos pais, as visitas, enfim, toda a vivência após a
separação.
Um outro mito que as autoras retratam é o de que “[...] o divórcio
automaticamente resgataria os filhos de um casamento infeliz”(p.65). No entanto,
grande parte dos entrevistados em sua pesquisa, o sabia que o casamento dos
seus pais estava acabando. Retoma-se aqui o livro “Casório?!” (Keyes, 2005), a fim
de apontar a descrição da reação da filha ao saber, pela mãe, da separação de seus
pais:
O mundo pareceu desmoronar em volta, e me senti confusa. Eu me via como uma
mulher independente, de vinte e seis anos, que já deixara a casa dos pais,
construíra a própria vida, e não tinha mais nenhum interesse nas peripécias sexuais
que seus pais pudessem estar aprontando. que, naquele momento, senti receio
e raiva, como se fosse uma menina de quatro anos e abandonada (p.484).
A personagem sabia que seus pais não tinham um bom relacionamento
muitos anos, mas o esperava que estes se separassem. Com esta passagem
parece claro o que Wallerstein, Lewis e Blakeslee (2002) apontam a respeito de a
notícia provocar um forte impacto nos filhos independentemente da idade destes.
Mostram também o quanto os filhos podem se sentir surpresos com a notícia da
separação. Diversos autores (Brito, 2006; Souza, 2000; Wallerstein, Lewis e
Blakeslee, 2002) apontam o quanto, por vezes, os filhos não notavam
desentendimentos entre os pais que explicasse o fim da relação, e sentiam como se
tudo tivesse acontecido de repente. Outros, mesmo percebendo o conflito, não
estabeleciam a relação causal entre o embate e a chance de dissolução do
casamento (Souza, 2000).
Souza (2000) acrescenta um outro mito que está intimamente relacionado a
esta surpresa dos filhos diante da notícia, trata-se do “[...] mito social de que falar
sobre temas dolorosos amplifica o sofrimento[...]”(p.210). Assim, muitos pais não
conversam com seus filhos sobre a separação e as mudanças que ocorrerão.
Estabelece-se um pacto de silêncio, onde os pais não mencionam o tema
“separação” e, ao mesmo tempo, os filhos escondem seus sentimentos e
questionamentos. Este silêncio cria um abismo entre pais e filhos, impedindo que os
filhos procurem apoio nos pais e tirem suas dúvidas sobre a nova realidade de sua
família, podendo inclusive, ser interpretado pelos pais que os filhos não estão
experimentando conflitos.
Este mito explica também o fato de os pais, muitas vezes, o informarem
aos filhos a decisão da separação, o lhes fornecendo explicação alguma (Souza,
2000). Brito (2006), em sua pesquisa com jovens adultos, também encontrou filhos
que relataram não terem sido informados sobre a separação. Estes entrevistados
usaram a sarcástica expressão “um belo dia” quando contavam o momento da saída
de um dos pais de casa, o que mostra o quanto foram “pegos de surpresa”.
Ramires (2004) aponta que o pós-divórcio pode ser conduzido de diferentes
maneiras, podendo ser uma chance de estreitar os laços com os filhos ou de
conservar-se como “[...] palco privilegiado de antigos e novos conflitos, relativos à
pensão, condução da educação, acordos de guarda e regulamentação de visitas”.
Segundo pesquisa empreendida por Brito (2002) com 22 pais e mães separados, um
dado apontado reiteradas vezes pelos entrevistados refere-se à dificuldade em
separar a conjugalidade da parentalidade, após o rompimento conjugal. A autora
observou que os sentimentos negativos direcionados ao ex-cônjuge devido à
separação podem contribuir para o afastamento dos filhos, pois alguns pais se
deparam com a contradição entre querer distanciar-se do ex-cônjuge e não podê-lo
por conta da parentalidade que os une (Brito, 1997). Este paradoxo entre o desejo
de se afastar do ex-cônjuge e a impossibilidade decorrente do laço que é o filho,
pode levar alguns pais à medidas extremas como a idéia de adoção do filho por seu
atual cônjuge.
A motivação para a denominada adoção por cônjuge, segundo Brito e Diuana
(2002), em alguns casos está relacionada a uma separação litigiosa, na qual o
guardião anseia por esquecer o ex-cônjuge, ou tem vontade de vingar-se. Desta
forma, o pano de fundo para este pedido é, muitas vezes, a separação do ex-casal.
A mãe, geralmente a guardiã, encontra nesta medida jurídica a possibilidade de
romper com o único laço que ainda a ligava ao ex-marido: o filho.
Nesta medida, prevista no parágrafo 1°, do artigo 41
12
, do Estatuto da Criança
e do Adolescente, após a destituição do poder familiar do pai da criança, o padrasto
se torna legalmente o pai, tendo o seu nome e o de seus pais colocados na certidão
de nascimento do enteado, substituindo o nome do genitor e dos avós paternos.
Assim, apaga-se do registro civil da criança qualquer marca do pai e sua linhagem, e
o filho passa a ser “juridicamente” descendente do atual companheiro da mãe.
12
Art.41. A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios,
desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais. §1° Se um dos cônjuges ou
concubinos adota o filho do outro, mantêm-se os vínculos de filiação entre o adotado e o cônjuge ou concubino do adotante e
os respectivos parentes.
Castro (1998) aponta que a dificuldade em se diferenciar conjugalidade de
parentalidade após a separação conjugal tem reduzido o vínculo entre os filhos e o
genitor não-guardião. Maldonado (2001) afirma que o maior desafio para os casais
com filhos, que se separam, reside na manutenção da parentalidade. A autora
entende que manter a parentalidade implica em preservar as funções de pai e de
mãe, apesar da dissolução dos papéis de marido e esposa, ou seja, é importante
separar a noção de família da idéia de casal conjugal, pois o que está sendo
finalizado é o casamento, e não a família. O divórcio altera a configuração familiar,
não a destrói.
Segundo Wallerstein, Lewis e Blakeslee (2002), pesquisas demográficas nos
E.U.A afirmam que um quarto da população com menos de 44 anos é filho de pais
separados. No Brasil não se têm dados precisos mas, considerando o volume de
divórcios e separações que vem se configurando, é possível inferir que se trata de
um contingente significativo.
Percebe-se que estudar este tema requer uma pesquisa mais ampla, ou seja,
sair do campo acadêmico e explorar outros canais pelos quais esta temática vem
sendo discutida. De acordo com Brito (2005b), um estudo que envolva as mudanças
nas organizações familiares: “[...] não pode deixar de relacionar aspectos sociais,
políticos, tecnológicos, econômicos e ideológicos presentes em cada cultura; fatores
interligados ao processo, dinâmico, de construção de subjetividades” (p.48).
Assim, optou-se por realizar levantamento em comunidades do Orkut
13
que se
referem a esta temática, com o objetivo de compreender os principais debates e o
conteúdo destes. O Orkut é uma ferramenta da Internet, seu acesso é feito por meio
do site www.orkut.com. No entanto, é possível fazer parte do Orkut aqueles que
recebem um convite virtual vindo de alguém que faz parte da “comunidade orkut”.
Segundo Assis (2004), o Orkut pode ser definido como “um site de relacionamentos
que permite que o internauta tenha sempre, a um clique do mouse, uma lista de
amigos chegados e comunidades com perfis semelhantes”. Este site vem sendo
acessado com diversos propósitos: conseguir emprego, reencontrar velhos amigos
ou estabelecer novas amizades.
13
Ao entrar no programa, cada pessoa organiza seu perfil pessoal, que pode ser acessado por qualquer pessoa, e poderá
associar-se a diferentes comunidades de acordo com sua afinidade, seja musical, televisiva, gastronômica, pessoal ou outra.
Dentro destas comunidades, ocorrem fóruns de discussão com temáticas referentes ao interesse do grupo. A página de uma
comunidade contém uma apresentação composta por uma descrição sobre o objetivo da mesma, o número de membros
associados, os últimos tópicos de debate, dentre outras informações, como: data da criação, país de origem e outros.
Ao procurar comunidades sobre o tema, foi encontrada uma chamada “Filhos
de Pais Separados” que conta, em 2008, com 72.924 membros e é a comunidade
referente ao assunto com maior número de afiliados. Os fóruns de discussão
apresentam como temas principais dos debates a dificuldade de conciliar com qual
dos pais ficar em cada data comemorativa, principalmente, Natal e Réveillon, como
também o motivo da separação dos pais, e já despontavam assuntos como a
existência de meio-irmão, padrasto e madrasta. Outra comunidade encontrada,
denominada “Meus Pais o Separados!” demonstra um tom mais hostil no objetivo,
como: “Para quem... os pais nau quiseram sab de vc quando vc nasceu =/”, com
1821 membros em 2004. Os debates desta última comunidade são mais agressivos
e mostram a insatisfação dos filhos com a realidade que vivenciam. Em 2008, esta
comunidade não foi encontrada, porém surgiram quatro com este mesmo nome.
Dentre estas, uma apresentava um caráter profético em sua descrição: “P/ quem tem
pais separados. ñ é praga, mas se vc ñ tem é uma questão de tempo”, com 424
filiados.
Outras comunidades estruturam-se de maneira oposta, tais como a “Tenho
pais separados + so fliz”, que em seu objetivo apresenta argumentos positivos como:
“ganha 2 presents d natal; ganha 2 presents d niver; ganha 2 mesadas; tm 2 ksas;
vc pod muda d ksa ksu seu pai(mãe)encha u saco; tm 2 quartos! viu? t pais
separados é mto bom!”, que contava com apenas 28 membros, em 2004,
atualmente extinta. E a comunidade “Adoro meus pais separados” com 11 inscritos
em 2008, que apresenta argumentos bem próximos da anterior: “Porque se você
enjoar de um, pode morar com o outro. Porque você pode ganhar dois presentes de
natal e aniversário, dois ovos na páscoa e tudo vem em dobro. porque você adora
seus pais separados.” Ou ainda, a comunidade “Pai separados nem ligo”, com 41
inscritos em 2008. O número reduzido de membros inscritos nestas comunidades
que “valorizam” a separação dos pais pode indicar, possivelmente, que esta posição
não seja a adotada pela maioria dos filhos de pais separados que acessam o orkut.
O estigma dos filhos de pais separados, como aqueles que desenvolvem
distúrbios de comportamento em decorrência da separação, tem sido substituído,
por vezes, pela percepção contrária, ou seja, a de que o divórcio dos pais propicia a
manifestação precoce de potencialidades, como mostra a reportagem da Revista
Época, de 24/01/2005, intitulada “Quando a separação não é um trauma: Novos
estudos mostram que o divórcio o prejudica as crianças- ao contrário, em alguns
pontos chega a ajudar”, de autoria de Mendonça. Na capa, a chamada aponta que
são os especialistas, neste caso psicólogos, que endossam esta visão: “Filhos do
Divórcio: O que eles aprendem com a separação? Os psicólogos mostram o que
essas crianças têm a mais do que as outras”.
Esta notícia parece caminhar na direção da crônica de Veríssimo (1989), na
qual um casal decide se separar pelo bem das crianças, mas continua se
encontrando escondido dos filhos e, ao final, um dos pais pergunta quando voltarão
à residir juntos, ao passo que o outro responde: “Quando as crianças saírem de
casa. Aí então estaremos livres das convenções sociais. Não precisaremos mais
manter as aparências”, ou seja, a idéia de que para favorecer o amadurecimento dos
filhos, indicaria-se que os pais deveriam se separar.
Acredita-se, no entanto, que o múltiplos os fatores que irão influenciar a
maneira pela qual os filhos de pais separados enfrentarão as mudanças em sua
família. Brito (2006) cita alguns fatores que estão relacionados à experiência do
divórcio, são eles:
[...] a conduta dos responsáveis, o disposto na legislação, a operacionalização do
Direito de Família, como também a forma com que instituições escolares, hospitais
e creches, entre outras, lidam com a atribuição dos papéis após o rompimento do
casal – situação que pode apoiar ou fragilizar o exercício dos mesmos. (p.532)
Este posicionamento aproxima-se do resultado da pesquisa de Souza(2000)
com 15 adolescentes, filhos de pais separados, no que se refere à identificação de
que o divórcio demanda uma série de modificações durante todo o processo, e pode
ter um reflexo singular em cada um dos filhos.
2.2 Mantendo a Parentalidade
As mudanças no modelo familiar discutidas no primeiro capítulo, ou seja, a
inserção da mulher no mercado de trabalho, o conceito de isonomia jurídica de
homens e mulheres, a crescente participação dos homens no cuidado da casa e dos
filhos, provocaram alterações no entendimento sobre a guarda de filhos. Dias
(2000), ao utilizar o trabalho de Théry (1996), aponta que houve mudança de
parâmetro a respeito do estabelecimento do parentesco; antes este era dado por
meio do casamento, hoje, é estabelecido pela filiação, que os relacionamentos
podem ser desfeitos, mas o laço parental o. Como ressalta Brito (2002): “[...] a
indissolubilidade não se aplica mais à união conjugal, e sim a filiação, sendo
necessário manter a dupla inscrição desse sistema, ou seja, a linhagem materna e
paterna” (p.435).
No Brasil, antes da aprovação da Lei da Guarda Compartilhada, o artigo
1.584 do Código Civil previa que “Art. 1.584: Decretada a separação judicial ou o
divórcio, sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda dos filhos, será ela
atribuída a quem revelar melhores condições para exercê-la”
14
. Este posicionamento
legal propiciou uma série de práticas que buscava avaliar quem era o melhor genitor,
estabelecendo o binômio perdedor-vencedor. Compreende-se que a necessidade de
se indicar aquele com melhor condição de deter a guarda vinha acompanhada por
uma visão que equiparava o rompimento conjugal ao parental, no qual após a
separação, obrigatoriamente, deveria ser determinado quem ficaria responsável pela
criança (Brito, 2002).
Esta perspectiva desconsiderava os efeitos da batalha judicial levada a termo
nessas disputas, o afastamento do genitor colocado como visitante dos filhos, e a
possibilidade de ambos os pais permanecerem cuidando dos filhos. Brito (2002), em
sua pesquisa, percebeu que as reclamações que surgiam dos pais visitantes o
eram exclusivas do gênero masculino, mas faziam parte da posição de alijamento
ocupada na condição de visitante. As principais queixas destes eram referentes à
ausência de participação na educação dos filhos, o que evidencia a precariedade do
laço afetivo entre a criança e o pai não-guardião, decorrente deste arranjo de
guarda. Conforme sinalizado por Karan (1998): “[...] o direito à convivência familiar,
convivência que, evidentemente, não se limita ao lado materno e que, também
14
Disponível em: http://www.noolhar.com/opovo/fortaleza/474350.html. Acessado em 16/02/2006.
evidentemente, não se em relações limitadas a encontros em fins de semana
alternados” (p.191), denota a importância do convívio ampliado com ambos os pais
após a separação conjugal.
Como a posição de visitante geralmente é ocupada pelo genitor, torna-se
necessário discutir, aqui, as mudanças que ocorreram no papel de pai, e a luta
travada pela modificação da legislação referente à guarda de filhos após a
separação conjugal, que culminou na recente aprovação, no Brasil, da lei da guarda
compartilhada.
O pai contemporâneo pode ser entendido como aquele que valida seus
sentimentos, e confronta-se com as antigas exigências machistas de um
comportamento dito masculino. Estes pais buscam exercer sua paternidade com
mais ternura, amabilidade e conversa (Gomes e Resende, 2004).
Brito (2005a) pontua que esses pais têm recebido a denominação de “novos
pais”. No entanto, segundo a autora, os teóricos sobre o assunto concluem que
existe uma rede de fatores que contribuem para o estabelecimento desta nova
atitude, tais como: “[...] o comportamento de suas esposas, as relações de trabalho,
a aceitação no contexto das instituições, entre outros” (p.66).
Este pai reivindica sua participação no cuidado e na educação de seus filhos
após a separação conjugal, assim como, busca lograr direitos sociais, tais como
creche para os filhos e a extensão da licença paternidade
15
. A respeito da ampliação
da licença paternidade, a Rede de Homens pela Equidade de Gênero, o Instituto
Papai e o Núcleo de Pesquisas em Gênero e Masculinidades lançaram, em agosto
de 2008, a campanha nacional "Dá licença, eu sou pai!", um dos objetivos é
aumentar o período de licença para pelo menos um mês.
16
Giddens (1999) pontua
que, segundo as pesquisas que estudou, “a grande maioria dos homens não sente
alívio ao perder suas responsabilidades pelos filhos. A maior parte tenta manter seus
relacionamentos com eles, mesmo em face de grandes dificuldades” (p.106).
Enfim, este pai procura a atualização de seus direitos, para que estejam de
acordo com sua nova condição social (Silveira, 1998). Trata-se de um movimento de
valorização da paternidade, encontrado em diversos países.
15
“A licença-paternidade de 5 (cinco) dias foi concedida pela Constituição Federal/88 em seu artigo 7º, XIX e art. 10, § 1º,
do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, o que até então era de 1 (um) dia conforme estabelecia o artigo 473, III
da CLT”. Disponível em: http://www.guiatrabalhista.com.br/guia/ferias_licenca_paternidade.htm. Acessado em 15/02/2006.
16
Disponível em: http://www.papai.org.br/index.php?goto=noticias.php&cod=155 Acesso em 15/12/2008.
No Brasil, encontramos associações como a APASE Associação de Pais e
Mães Separados, pioneira no País, tendo surgido em 1997. Esta é uma Organização
não Governamental, que tem como objetivos principais, segundo consta no site
17
:
[...] formar grupos de auto-ajuda para a troca de idéias sobre procedimentos junto
às Instituições Oficiais para resolver conflitos entre casais que estavam disputando
judicialmente a guarda dos filhos, e difundir a idéia de que pais também podem e
tem condições de criar filhos com dedicação idêntica à de mães.
Esta iniciativa deu origem a outros movimentos, como é o caso da Associação
Pais Para Sempre
18
que existe desde 2000, e lançou o “Jornal Compartilhar” com o
intuito de divulgar a guarda compartilhada, como também, possibilitar um espaço
para a manifestação de outras associações que defendem a mesma causa. A
Associação Participais
19
também é um exemplo de organização de pais separados e
tem objetivos semelhantes aos da APASE, como a busca pelo direito dos filhos à
convivência familiar com ambos os pais.
Esta manifestação dos pais não é exclusividade brasileira. Em 2004
20
, foi
noticiada a prisão de um homem vestido como o personagem “batmanque invadiu
o Palácio de Buckingham, a fim de protestar a favor de uma associação de pais
separados da Inglaterra, o grupo Fathers 4 Justice (Pais por Justiça), exibindo uma
faixa que dizia: “Superpais do Father 4 Justice lutando por seus direitos de ver seus
filhos”
21
.
Brito (1997) em sua pesquisa com profissionais das Varas de Família, no Rio
de Janeiro, em 1991, percebeu que atribuir a guarda a um único genitor pode
afastar o pai não-guardião das decisões referentes à educação e ao cuidado dos
filhos. A visitação quinzenal do pai que possui um contato descontínuo promove uma
distância, que gera uma carência para ambos os envolvidos. A guarda exclusiva
usurpa a figura paterna da criança, desvalorizando sua função, causando um
sentimento no pai de inutilidade (Castro, 1998).
Brito (2005a) pontua que a familiaridade é construída na relação, não basta
fornecer um sobrenome, sendo que as visitas quinzenais não podem ser
consideradas como convivência. Brito (2002) reúne as principais implicações
decorrentes da designação de visitante:
17
História das APASES. Disponível em: www.apase.org.br. Acessado em: 15/01/2006
18
Disponível em: http://www.paisparasemprebrasil.org/ .Acessado em: 15/01/2006
19
Disponível em: http://www.participais.com.br/. Acessado em: 15/01/2006
20
Disponível em: http://www.apase.org.br/16116-batman.htm. Acessado em 28/01/2006.
21
Disponível em: http://noticias.uol.com.br/ultnot/reuters/2004/09/13/ult729u39837.jhtm. Acessado em 29/01/2006.
[...] contribui com a imagem de pai ausente, dificultando o exercício da função,
favorecendo a deterioração do vínculo emocional, retirando a palavra do pai e
reafirmando o conceito de que um, geralmente a mãe, é importante e suficiente
para proporcionar o desenvolvimento e a educação dos infantes.(p.445)
2.3 Guardando o contato com ambos os pais
A relação do pai com os filhos antes da separação não é indicador de como
será o relacionamento nos-divórcio (Peck e Manocherian, 1995). Brito (2006), em
pesquisa que realizou com jovens de 21 a 29 anos, filhos de pais separados, cita o
relato de uma entrevistada que somente após a separação conjugal pôde conhecer
melhor seu pai, pois anteriormente os cuidados eram de responsabilidade exclusiva
da mãe. De maneira semelhante, Silva (2005) trabalhou com o relato de filhos de
pais separados que procuravam seu consultório, e notou que pais e mães vistos
como distantes pelos filhos enquanto residiam juntos, depois da separação
tornaram-se mais próximos.
A participação de ambos os pais no cuidado dos filhos exerce influência não
na relação entre pai e filho, mas permite que o genitor guardião não se sinta
sobrecarregado, como alguns relatam sentirem-se (Brito, 2002). Peck e
Manocherian (1995) confirmam esta posição ao encontrarem, por meio de pesquisa
bibliográfica, que: “Estudos diferentes descobriram que todos os membros da família
se beneficiam quando existe uma paternidade continuamente compartilhada
(p.299).
Brito (2006) aponta, em sua pesquisa, que muitos filhos que ficaram
afastados do genitor sem a guarda foram tentar, depois de adultos, restabelecer um
laço que se perdeu anos atrás. Ainda segundo a autora, alguns entrevistados,
quando indagados sobre o que gostariam de modificar neste contexto, enfatizaram o
distanciamento do pai como uma realidade que gostariam de ver alterada. De
acordo com os entrevistados da citada pesquisa, a distância decorrente da
separação não é unicamente física, mas também emocional.
Outro importante dado apresentado pela autora, foi o fato deste afastamento
não ocorrer somente com o genitor visitante, mas com toda a linhagem paterna. Os
filhos perdiam o contato com avós, tios e primos paternos, e percebiam este
distanciamento como conseqüência da frágil relação estabelecida com o pai. De
acordo com Silva (2005), quando o encontro entre pais e filhos é escasso, ou
acontece em grandes intervalos de tempo, a representação do pai não-guardião
pode ser contaminada pela imagem que o guardião fornece aos filhos, impregnada
de sentimentos que dizem respeito à conjugalidade desfeita.
Segundo dados oficiais fornecidos pelo IBGE no que se refere à atribuição da
guarda de filhos, no Brasil em 2004, em grande parte das decisões a
responsabilidade da guarda dos filhos menores foi dada às mães, no total de 91,3%
nos casos de separação e 89,7% nos divórcios. No entanto, seria errôneo pensar
que no restante dos casos a guarda foi dada ao pai, pois ainda inclui-se nesta
porcentagem a guarda para ambos os pais, para outra pessoa, e os que não
declararam. Portanto, a guarda foi concedida aos pais em 6,2% dos casos no
divórcio, e 5,3% nas separações. Quanto a porcentagem de guardas a ambos os
pais, o que se poderia entender como uma guarda compartilhada, o índice foi de
2,9% nos processos de separação e 2,7% nos divórcios.
O mito do amor materno ainda encontra forte repercussão na sociedade, com
reflexo no maior número de guarda de filhos concedidas às mães. Quanto a este
dado, Silva (2005) cita o trabalho de Badinter (1985) a fim de explicar o sentido da
expressão “mito do amor materno”, empregado pela autora:
[...]é construído nas relações estabelecidas como qualquer outro amor, e a sua
intensidade vai depender de cada relação e de cada pessoa. Assim, o amor
materno o é superior ao amor paterno, nem melhor nem pior, e nem todas as
mulheres e nem todos os homens os sentem, e quando os sentem é de forma
singular –marcados pelas suas histórias e relações.(p.17).
Segundo Brito (2002), o instinto materno foi usado por longo tempo como
justificativa para a atribuição da guarda às mães, sendo que, atualmente, ainda se
encontra a argumentação de que os homens não sabem cuidar direito de crianças.
Silva (2005) debate a respeito da desnaturalização dos papéis masculino e feminino,
afirmando que estes são construídos sociohistoricamente, isto é, possuem formatos
diversos dependendo do momento histórico e da sociedade em que estão inseridos.
Logo, garantir a permanência do contato dos filhos com ambos os pais sinaliza para
a e a importância do papel do pai, como também fornece um lugar para o pai
ocupar (Brito, 2003). É, portanto, convocar os pais a ocuparem seus papéis de co-
responsáveis pelo cuidado de seus filhos, assumindo a parentalidade e permitindo
que ambos exerçam o dever de proporcionar a convivência familiar à seus filhos.
Diante desta realidade, buscando garantir o convívio entre pais e filhos, os
movimentos de pais separados, citados anteriormente, lutaram pela aprovação da lei
da guarda compartilhada que foi sancionada pelo Presidente da República em 13 de
junho de 2008, alterando os arts. 1.583 e 1.584 da Lei n
o
10.406, de 10 de janeiro de
2002 – Código Civil, que passam a ter o seguinte texto
22
:
“Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada.
§ 1
o
Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um dos genitores ou a
alguém que o substitua (art. 1.584, § 5
o
) e, por guarda compartilhada a
responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que
não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.
§ 2
o
A guarda unilateral seatribuída ao genitor que revele melhores condições
para exercê-la e, objetivamente, mais aptidão para propiciar aos filhos os seguintes
fatores:
I – afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar;
II – saúde e segurança;
III – educação.
§ 3
o
A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar
os interesses dos filhos.
§ 4
o
(VETADO).” (NR)
Art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser:
I requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação
autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida
cautelar;
II decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em
razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a
mãe.
§ 1
o
Na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da
guarda compartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos
atribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas.
§ 2
o
Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será
aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada.
§ 3
o
Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência
sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público,
poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar.
§ 4
o
A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de
guarda, unilateral ou compartilhada, poderá implicar a redução de prerrogativas
atribuídas ao seu detentor, inclusive quanto ao número de horas de convivência
com o filho.
§ 5
o
Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da
mãe, deferirá a guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da
medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de
afinidade e afetividade.” (NR)
Observa-se que mesmo antes de promulgada a lei da Guarda Compartilhada,
a mesma era aplicada pelo Direito de Família brasileiro, na medida em que esta
modalidade de guarda encontra apoio em diversos artigos da Constituição Federal.
Brito (1997) cita o princípio da isonomia, presente na Constituição Brasileira de
1988, que estabelece a igualdade do homem e da mulher perante a justiça, portanto,
não caberia privilegiar um ao outro no que tange à guarda dos filhos.
22
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11698.htm. Acesso em 17/06/2008.
Segundo a legislação pátria, mesmo após o divórcio o poder familiar é
mantido tanto para o pai quanto para a mãe, logo, devido à guarda ser uma das
atribuições do exercício deste poder, esta não deveria ser delegada unicamente
para uma das partes.
A Convenção Internacional sobre Direitos da Criança (1989) também expõe
no artigo
23
, o direto de a criança manter um contato regular com ambos os
genitores, que este direito à convivência familiar deve ser assegurado pelo Estado, e
não deve ser entendido como opção a ser ou não negociada entre os ex-cônjuges.
(Brito, 2005).
Grisard Filho (2005) percorre, em seu texto, a legislação de outros países
onde a guarda compartilhada é aplicada, mesmo que com denominações diversas,
tais como França, Itália, Argentina, Espanha e Portugal. A importância da lei da
guarda compartilhada, ou seja, de uma legislação específica é a de marcar este
lugar de pai e de mãe. Brito (1997) aponta para a força do texto legal, como um
regulador das relações familiares e das funções sociais, porém, reconhece que não
basta a legislação dar espaço para o exercício pleno da paternidade, sendo
importante que a sociedade e a família também reafirmem este papel do pai (Brito,
2004).
No entanto, no Brasil, a guarda compartilhada, tem sido contra-indicada por
alguns profissionais do direito, que utilizam como base argumentações atribuídas às
Ciências Humanas. Brito (2004) contrapõe algumas argumentações freqüentemente
apresentadas, dentre elas a suposta “confusão” que o fato de ter duas casas poderia
provocar nos filhos. Quanto a esta questão Silva (2005) aponta que o vínculo a ser
preservado é com os pais e não com a residência. Portanto, quando os filhos se
sentem seguros próximos aos pais, o sentirão da mesma maneira na casa deles.
Para Brito (2006), a partir do momento que foi instituído o divórcio, a possibilidade
de os filhos terem duas casas pode ser compreendida como conseqüência, pois a
família deixou de coabitar. Brito (2004) entende que os filhos devem perceber ambas
as casas -a do pai e a da e- como suas, “[...] identificando cada um desses
espaços como um porto seguro onde sentem firmeza para ancorar suas alegrias,
tristezas e dificuldades” (p.362).
23
“Art.9° - Separação da Família: É direito da criança ser cuidada pelos pais, exceto quando o interesse da criança torne
necessária a separação. A criança separada da família tem o direito de manter contato direto com os pais. Se foi o Estado que
promoveu esta separação, ele será responsável por garantir seus direitos, e possibilitar revisão no processo”.
Logo, a presença de duas residências é inerente ao processo de separação
conjugal, não sendo prejudicial para a criança circular entre as casas, pois a
diversidade de comportamentos acha-se presente mesmo quando os pais estão
casados. Brito (2005a) argumenta que o contato com a diversidade de
comportamentos faz parte do processo de socialização infantil. As crianças são
capazes de diferenciar os códigos educativos, tanto que, mesmo na vigência do
casamento, sabem o que pedir a cada um dos pais a fim de aumentar suas chances
de conseguir o que desejam. Explica autora que a variedade de procedimentos
educativos não se limita à separação dos pais, ela está presente nos ambientes
pelos quais as crianças circulam, como por exemplo, a casa dos avós e a creche.
Outra questão apontada em oposição à guarda compartilhada refere-se ao
conflito existente entre os ex-cônjuges. Nazareth (1997), por exemplo, contra indica
a implantação da guarda compartilhada nos casos em que os filhos ocupam a
posição de intermediários das brigas do casal, quando a disputa pela guarda é
usada como palco para a reedição dos conflitos. Neste caso, o litígio não termina
após a separação, apenas tem seu conteúdo renovado, se estendendo às questões
referentes à pensão, visitação e outras.
Brito (2005a) diverge deste entendimento a respeito da impossibilidade da
guarda compartilhada nos casos de litígio. Defende que, nestes casos, a guarda
compartilhada irá marcar para aquele que está dificultando o acesso ao filho que ele
não é o único responsável pela criança. Logo, seria exatamente nestas situações
que deveria ser enfatizada a dupla filiação, o se atribuindo a guarda a um único
genitor, que poderia usar a criança como moeda de troca.
Silva (2005) aponta que se tanto o pai, quanto a mãe, estão igualmente aptos
a ocupar o lugar de guardião, ambos devem cumprir seu papel, o importando seu
relacionamento enquanto ex-casal. Esta é, propriamente, a divisão entre
conjugalidade e parentalidade que deve ser concretizada após a separação dos
cônjuges. A relação entre pais e filhos deve ser preservada, mesmo que o ex-casal
permaneça em litígio. Silva (2005) reafirma seu posicionamento ao explicar que a
aplicação de um modelo de guarda não deveria estar relacionada à existência ou
não de animosidade entre os ex-cônjuges. Segundo este autor, dizer que não
poderia haver a guarda compartilhada quando os pais não se entendem seria um
equívoco, que nestes casos a guarda exclusiva também não seria bem sucedida,
pois as visitas não ocorreriam.
Nazareth (1997) não indica a guarda compartilhada aque a criança atinja
“os quatro ou cinco anos de idade”(p.83), pois esta necessitaria de um ambiente
estável e o possuiria capacidade de flexibilização suficiente para lidar com as
mudanças de ambiente. Brito (2006), em sua pesquisa com filhos de pais separados
observou que a distância entre pais e filhos pequenos pode causar um vazio
irremediável, o que se contrapõe à afirmação anterior de que filhos pequenos não
devem ter a guarda compartilhada. Segundo a autora, crianças pequenas que
convivem unicamente com um dos genitores, tendo o outro apenas o direito a visitar,
poderão ter mais dificuldade na construção de um elo com o genitor não-guardião.
Uma das conclusões a que chegou a autora, por meio das entrevistas que realizou,
foi a de que:
[...] os filhos que apresentavam melhor relacionamento com os pais eram aqueles
que se sentiam, verdadeiramente, acolhidos por ambos, sem restrições quanto ao
fato de estarem com um ou com outro. Por vezes, nas duas casas possuíam seu
próprio quarto, com toda infra-estrutura necessária nos dois lares e com a
convivência assegurada com seu pai e com sua mãe, situação decidida pelos
responsáveis após a separação (p.540).
Peck e Manocherian (1995) também entendem que independentemente da
idade dos filhos a guarda compartilhada pode se estabelecer, que os bebês e as
crianças pequenas necessitam de um contato freqüente para formarem vínculos.
Este laço afetivo se constrói, exatamente, no decorrer das atividades diárias, como
por exemplo, a hora do banho, o café da manhã e o beijo de boa noite.
Diante de todas estas controvérsias e argumentações que surgem sobre a
guarda compartilhada, deve-se refletir a respeito da contribuição significativa deste
modelo. A guarda compartilhada, como expressa Grisard Filho (2005):
“[...] propõe a participação de ambos os pais, contínua e igualmente envolvidos, na
concreção de uma nova dimensão da convivência familiar, para dignificar a relação
existencial entre pais separados e seus filhos na ruptura da união conjugal” (p.86).
O foco desta modalidade de guarda de filhos é a manutenção do vínculo
parental a despeito da separação no âmbito conjugal. Silva (2005) reafirma esta
necessidade ao ressaltar que é fundamental que os pais possam ir além de suas
brigas pessoais, percebendo a importância de ambos participarem da vida de seus
filhos. McGoldrick e Carter (1995) encontraram, durante a pesquisa bibliográfica,
estudos como o de Nolan (1997), Ahrons (1980), e Isaacs et al (1986) constatando
que a proximidade com ambos os pais ajuda os filhos a superar as dificuldades do
pós-divórcio. Este achado reafirma a convicção de que a guarda compartilhada se
apresenta como um modelo que propicia a permanência do laço entre pais e filhos.
Ressalta-se que a guarda compartilhada, consiste, segundo Brito (2002) com base
no trabalho de Villeneuve (1994), em que todas as decisões referentes aos filhos,
como por exemplo, as escolares e médicas, sejam realizadas em conjunto pelos
pais.
Estes são os conceitos principais que devem nortear a adoção desta
modalidade de guarda, a fim de garantir a participação de ambos os pais na
educação e no desenvolvimento de seus filhos. Muitas famílias exercem a guarda
compartilhada sem saberem o nome deste arranjo, a denominação o é essencial,
pois como afirmam Peck e Manocherian (1995), o mais importante é a permanência
do contato entre pais e filhos.
Os pais separados devem compreender que o exercício da co-parentalidade
beneficiará a todos os membros da família (Brito, 2002). Os filhos têm o direito de
manter contato próximo com ambos os pais após a separação matrimonial. O
modelo de guarda compartilhada vem se apresentando como a modalidade de
guarda de filhos, que propicia a convivência familiar após o divórcio. No Brasil, a
recente aprovação da Lei da Guarda Compartilhada veio atender às demandas dos
movimentos de pais separados, já apresentadas, como também adequar-se às
modificações que a família brasileira passou nas últimas décadas. Com esta lei
busca-se garantir a manutenção do vínculo entre pais e filhos, e a participação de
ambos nas decisões sobre o desenvolvimento e educação de sua prole.
Assim, diante destas questões que envolvem a família no contexto da
separação conjugal, Silva (2005) sugere o que poderia ser visto como um ideal para
uma família após o divórcio: “[...] os pais conseguem reorganizar suas vidas,
separando as desavenças do ex-casal das suas relações pessoais com seus filhos,
focando-se mais em seus projetos pessoais e convívio com os filhos, todos
conseguem levar suas vidas de forma saudável” (p.30).
Até o recasamento...
Homem(H):- Quem está aí?
Jovem(J): - Sou eu, o Rodrigo.
H:- A gente tem algum Rodrigo?
Mulher(M): - Rodrigo... Rodrigo...
J:- Filho do Quintino, ex-marido da tua ex-mulher. Eu moro aqui.
H:- Você é filho da Vera Lúcia?
M:- Os dela ficaram com ela!
J :- Da Bete.
H: - Ah, sim.
M: - Você não parece com a Bete...
J: - Sou do primeiro casamento do Quintino com a Renata.
M: - Uma que antes foi casada com a Porfírio?
J: - ...Primeiro marido da senhora... ou segundo.
M:- Segundo.
H: - Tá, e o que você quer?[...]
(Laerte, charge Álbum de Família. Em Revista Família Brasileira,
Folha de São Paulo, 7 de outubro de 2007, p.59)
3- Famílias com padrasto e/ou madrasta:
3.1. Aspectos Conceituais
Ao pensar nas configurações familiares formadas após um recasamento
esbarra-se, inicialmente, no desafio de encontrar denominações apropriadas para
esta nova família, assim como para os papéis que exercem aqueles que passam a
fazer parte do núcleo familiar. Uziel (2000) relata esta ausência de terminologia
adequada, destacando: “Como todo fenômeno novo, as famílias recompostas
carecem de nomes adequados para identificar seus personagens e evidenciar seus
vínculos”. McGoldrick e Carter (1995), apontam para a incerteza que provoca a
ausência de uma denominação precisa para os integrantes desse novo núcleo
familiar e suas relações: “[...] nós não temos nem mesmo a linguagem ou os rótulos
de parentesco para ajudar a orientar positivamente os membros dessas famílias em
relação aos seus novos parentes” (p.350).
A relevância de uma nomenclatura para esta configuração familiar tem sido
muito debatida. Théry (2001) sugere que as pesquisas norte-americanas sobre o
tema se destacam pelo pioneirismo, devido ao fato de possuir no idioma inglês um
termo específico para este modelo familiar: stepfamily. Na França, os primeiros
dados estatísticos a respeito de famílias com padrasto e/ou madrasta datam da
década de 90, enquanto os norte-americanos relatavam este fenômeno desde a
década de 80.
A mesma autora assinala que, na França, estes novos lugares não possuem
termos específicos, os que foram inventados ou geravam uma dupla interpretação,
ou simplesmente não foram incorporados ao vocabulário.
No estudo do tema, é possível perceber distintas nomenclaturas utilizadas por
pesquisadores, na referência ao grupo familiar que se forma após o recasamento e
aos seus integrantes. Grisard Filho (2003, 2004), por exemplo, usa a expressão
“família reconstituída”. Justifica que este termo é recorrente na doutrina jurídica,
indicando a idéia de “constituir uma família”. Compreende o autor que, com o termo
“família reconstituída” ficaria claro que uma nova família se estabeleceu. O mesmo
autor apresenta outras denominações que encontrou na literatura para designar esta
família, tais como “[...] família transformada, rearmada, agregada, agrupada,
combinada ou mista [...]” (2003, p.261).
McGoldrick e Carter (1995) optaram por empregar, em seu trabalho, a
denominação “família recasada”, justificando que: “[...] é o vínculo conjugal que
forma a base para o complexo arranjo de várias famílias numa nova constelação”
(p.345). Citam, também, expressões como “famílias misturadas” e “famílias
reestruturadas”, que acharam durante sua pesquisa. Dias (2004) nomeia o
recasamento de “sociedade de afeto”, pois compreende que o afeto é o que une
esta família. Albuquerque (2004), como também Maldonado (1986), fazem
referência à “família recomposta”. Church (2005) utiliza tanto “família decorrente de
segundas núpcias”, quanto “famílias de segundo casamento”. Wagner faz referência
a dois termos: inicialmente (Wagner e Sarriera, 1999) utiliza “família reconstituída”, e
posteriormente (Wagner, 2002) “família recasada”. Wallerstein, Lewis e Blakeslee
(2002) usam, indistintamente, três termos em sua obra: “família recasada”, “famílias
de segundo casamento” e “família do novo casamento”. Em publicação anterior,
Wallerstein e Kelly (1998) preferiram “família recasada”. Em ambos os casos, as
autoras não apresentaram argumentação para justificar a troca de terminologia.
Goldberg (2004) apresenta “familias ensambladas”, que poderia ser traduzido
como famílias encaixadas, pois o sentido é de peças que vão sendo acopladas
como em um quebra-cabeça. Esta expressão é utilizada também pelas autoras
argentinas Grosman e Alcorta (1995). No mesmo sentido, isto é, de compor um
quebra-cabeça, Ferreira e Rörhmann (2006) nomearam de “famílias mosaicos” esta
família composta por filhos provenientes de uniões conjugais diversas, e também
utilizaram a denominação “famílias pluriparentais”. Estes autores ainda encontraram,
na Alemanha, o termo que traduziram por “família patchwork”. Já Fine (2000),
apesar de empregar o termo “família recomposta”, apresenta como discussão central
a questão da pluriparentalidade; enquanto Bergamasco e Barbieri (2007) cunham o
neologismo “miscigeração”, a fim de enfatizar o crescimento dessa família pelo
caminho dos sucessivos divórcios.
No romance de autoria de Parsons (2004), o personagem principal, Harry,
identifica que seu filho, oriundo de uma união anterior, passou a integrar uma
“família mesclada”(p.22) e incomoda-se com este termo afirmando que “como se
gente pudesse ser indefinidamente misturada e combinada. Moída e
homogeneizada. Uma mescla de outras famílias. Como grãos de café. Mas com
homens, mulheres e crianças a coisa não era tão simples”(p.22).
As autoras Clément e Bonvalet (2006) escolheram, assim como Fine (2000), a
expressão “famílias recompostas”, porém em sua pesquisa, fizeram ressalvas
quanto ao uso desse termo, mostrando que: uma mãe separada que não se
recasou, mas tem dois filhos, não pertence à uma família recomposta. os seus
dois filhos, caso o pai tenha recasado, fazem parte de uma família recomposta.
Logo, dentro de uma mesma constelação familiar podem existir membros que fazem
parte de uma família recomposta e outros não.
Wagner e Sarriera (1999) assim como Wagner, Falcke e Meza (1997),
utilizam em suas pesquisas o termo família reconstituída para designar:
[...] aquelas em que os pais estavam separados dos seus primeiros cônjuges (oficial
ou não oficialmente) e, na atualidade, mantinham uma relação estável com outro(a)
companheiro(a), coabitando em domicílio conjugal, em companhia de seus filhos do
primeiro casamento, num período mínimo de seis meses. (p.19).
Este entendimento reúne dois novos requisitos. Primeiro, insere uma medida
de tempo mínimo para a configuração de uma família reconstituída, e segundo,
considera que todos os membros devem residir na mesma casa. Kehl (2003),
buscando expressar a ampla rede de relações que se forma a partir dos
recasamentos, definiu este grupamento como “família tentacular”. A autora
compreende esta organização familiar da seguinte maneira:
Na confusa árvore genealógica da família tentacular, irmãos o-consangüíneos
convivem com ‘padrastos’ ou ‘madrastas’ (na falta de termos melhores), às vezes já
de uma segunda ou terceira união de um de seus pais, acumulando vínculos
profundos com pessoas que não fazem parte do núcleo original de suas vidas
(p.169).
Claro, Kirby e Muller (1993) escolheram o termo “famílias simultâneas”,
definidas como “[...] aquellas estructuras familiares donde, al menos, un cónyuge
ocupa un rol de padrasto o madrasta y donde, al menos, uno de los adultos tiene
uno o más hijos/as de una relación anterior viviendo con ellos” (p.43). A escolha pelo
termo “famílias simultâneas” se devido ao entendimento, dessas autoras, de que
a característica diferencial desta formação familiar é o fato de os filhos pertencerem
ao mesmo tempo, no mínimo, a dois núcleos: um protagonizado pelo pai e o outro
pela mãe. É importante notar que estas autoras, assim como Wagner e Sarriera
(1999), definem uma coabitação de madrasta/padrasto e enteado como requisito
nessa nova organização familiar.
Entende-se, porém, que a terminologia “família reconstituída”, assim como
“família recomposta” pode remeter à idéia de que houve uma reconstituição da
família nuclear, conforme mostra Théry (In: Brito e Diuana, 2002). Tal prática era
freqüente na época em que não havia divórcios e o preconceito com a mulher
“desquitada” era intenso, portanto, a simulação de uma família nuclear, com a
chegada do novo companheiro da mulher, proporcionava a aceitação social daquele
núcleo familiar. Isto ocorre quando, após a separação, aquele que o ficou com a
guarda dos filhos, geralmente o pai, se distancia, assim, o padrasto ocupa o lugar de
pai e a família vive como se nunca houvesse acontecido a união anterior,
possibilitando, por meio de um novo casamento da genitora, a reprodução da família
nuclear.
Claro, Kirby e Muller (1993) chamam esta atitude das famílias com padrasto
e/ou madrasta de “mito de la re-creación de la familia nuclear” (p.44) e entendem
que estas famílias optam por reconstituir o modelo nuclear por não saberem o que
socialmente é esperado delas. As autoras apontam que muitas famílias ainda
entendem que o modelo mais adequado socialmente é o nuclear, logo, reproduzem-
no. Dessa maneira, para as autoras, usar o termo “reconstituída” seria negar “[...] las
diferencias estructurales entre una familia nuclear y una simultánea”(p.43).
Nesse sentido, Uziel (2000) infere que o modelo de família nuclear ainda
influencia intensamente os sujeitos, obstaculizando o surgimento de terminologia
específica: “A sacralidade da família nuclear talvez seja um dos impeditivos para a
criação, até o momento, de termos que expressem esta pluralidade de laços”.
Apesar da compreensão de que o termo “família simultânea”, utilizado por
Claro, Kirby e Muller (1993), possa expressar bem o conceito de recasamento - pois
evidencia os múltiplos sistemas envolvidos e não somente a relação conjugal - este
não será adotado no presente trabalho pelo fato de ser usado pelo Direito de
Família, no Brasil, para denominar relações de concubinato.
Diante dessa diversidade de definições encontradas na literatura, optou-se,
neste trabalho, pelo uso prioritário da expressão “família com padrasto e/ou
madrasta”, mas também se utilizou “família recasada”, por entender que este termo
comporta a idéia que houve um casamento, uma separação, e um outro casamento.
É importante destacar o cuidado necessário ao usar a terminologia “família
recasada” para que o comporte a idéia de que seria o mesmo casal retomando o
relacionamento após separação.
Com relação ao que seria “família com padrasto e/ou madrasta”, compartilha-
se da definição dada por Grisard Filho (2004) à família reconstituída: “[...] é a
entidade familiar na qual um dos adultos, ao menos, é um padrasto ou uma
madrasta (p.658). Cabe ressaltar que se entende por “entidade familiar”, não o
grupo familiar doméstico, mas o sistema familiar. Portanto, o termo “família com
padrasto e/ou madrasta” pode ser aplicado também àqueles sistemas familiares nos
quais os enteados não residem com o padrasto/madrasta.
Outro ponto de divergência entre pesquisadores refere-se às denominações
atribuídas aos componentes desta nova estrutura familiar. São muitos os papéis que
se estabelecem a partir desta nova união conjugal e que necessitam de nomeação.
Além das necessárias escolhas de termos mais adequados para substituir
“madrasta”, “padrastoe “enteado”, não , ainda, denominação para aqueles que
são filhos do casamento anterior do padrasto/madrasta e que vão se relacionar
“como irmãos”, mesmo o possuindo laço consangüíneo, com os filhos da primeira
união do pai/mãe recasado. Para estes, Falcke (2002) sugere o termo “irmãos
políticos”, porém, esta autora não estende esse conceito para os papéis de
madrasta e padrasto. Wallerstein, Lewis e Blakeslee (2002) mantêm, como a autora
anterior, o uso dos termos madrasta” e “padrasto”, no entanto, escolheram
denominar os filhos de cada cônjuge de “irmãos por novo casamento”, que estes
se tornaram “irmãos” devido à constituição deste novo casal. Maldonado (2001) opta
por “irmãos de convívio”, enquanto Orestes Diniz Neto, em reportagem de Alves
(2008) elege “irmãos políticos”.
Dias (2004) defende o uso do termo “amante” para definir aqueles que
optaram pela união estável, pois “[...] formam uma união de afeto” (p.37). Partindo
deste termo, a autora propõe que os filhos de casamentos anteriores a esta união
possam ser apresentados como “filhos do meu amante”.
Grisard Filho (2003), na análise dos termos “madrasta” e “padrasto”, cita
outras denominações que encontrou em sua pesquisa, são eles: “‘pais sociológicos’,
‘pais políticos’, ‘pais de acolhida’, ‘padrastos e madrastas de fato’ (beau-parent de
fait)”(p.262). Porém, com base no art.1.595
24
do Código Civil Brasileiro (2002), que
estabelece o parentesco por afinidade entre os membros dessa família, o autor
optou por denominar madrasta, padrasto e enteado, respectivamente por “mãe
afim”, “pai afim” e “filho afim”.
Parsons (2004), romancista inglês, apresenta a escolha realizada pelo
personagem Harry e seu filho, Pat, de chamar o atual companheiro da mãe de
parceiro, justificando que o termo padrasto é “[...] excessivamente carregado de
significados”(p.22). Sayão e Aquino (2006) observam este labirinto semântico e
explicitam com clareza a questão que está no bojo dessa discussão: “Como
delimitamos essa família? Quem está dentro e quem está fora?”(p.31). Para Cherlin
e Furstenberg (1994/5) se a cada membro de uma família com padrasto/madrasta
for perguntado a respeito de quem integra sua família, será encontrada uma
resposta diferente.
Partindo desta variedade de termos, opta-se, neste trabalho, pela referência
“filhos da madrasta” ou “filhos do padrasto”. Quanto aos demais integrantes, serão
mantidos os termos “madrasta”, “padrasto”, “enteado”, lamentando-se a
representação negativa ainda presente nestas denominações nos tempos atuais.
Procurando compreender o significado vinculado a essas palavras, optou-se,
inicialmente, pela busca no dicionário. Na definição fornecida pelo dicionário Aurélio
(2005), dos verbetes “madrasta”, “padrasto” e “enteado”, pode-se encontrar
24
“Art. 1.595. Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade. § 1
o
O parentesco por
afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro. § 2
o
Na linha reta, a
afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável.”
explicações que refletem os estereótipos contidos nestas denominações. O verbete
“madrasta” aparece acompanhado de uma significação pejorativa, trazendo três
definições: madrasta[Do lat. *matrasta < lat. mater, ‘mãe’.] 1.Mulher casada, em
relação aos filhos que o marido teve de matrimônio anterior. 2.Fig. Mãe ou mulher
descaroável. [Nessas acepç. é fem. de padrasto.] Adjetivo (feminino). 3.Pouco
carinhosa; ingrata, má.” A fim de complementar o entendimento, buscou-se o
verbete “descaroável”, explicado como: descaroável.1.Descaridoso, inclemente;
descarinhoso.” Portanto, de acordo com esse dicionário, a definição que coincide ao
feminino de padrasto é a que se refere a uma mulher inclemente, descarinhosa.
Nota-se, portanto, que esse verbete evidencia o estereótipo que ainda
acompanha as madrastas, dificultando sua inserção na família e sua aceitação na
sociedade. O imaginário social aparece repleto de aspectos negativos, decorrentes
do mito da “madrasta malvada”. Destaca-se, ainda, que este mito encontra-se
presente também em novelas apresentadas recentemente, no Brasil, como no caso
da personagem Viviane, interpretada por Letícia Spiller, na novela “Senhora do
Destino”, exibida de junho de 2004 a março de 2005, pela Rede Globo de Televisão.
Também é fácil recordar histórias infantis como Cinderela, João e Maria, e Branca
de Neve, protagonistas que sofreram com suas maldosas madrastas.
Recentemente, no ano de 2008, um episódio envolvendo o defenestramento
de uma criança de cinco anos, na cidade de o Paulo, teve repercussão nacional.
Tratou-se do crime que ficou conhecido como “Caso Isabella”. Neste caso, a criança
estava sob a guarda do pai e em companhia da madrasta. A rede de proteção da
janela do apartamento foi cortada e Isabella lançada. O processo está em
andamento, mas os acusados pelo crime são o pai e a madrasta.
Conforme apontado por Jablonski (1991), os meios de comunicação de
massa privilegiam o atípico. O autor expressa que fatos correntes não ganham o
mesmo espaço ocupado por ocorrências inéditas. A força dos meios de
comunicação de massa pode ser entendida no seguinte trecho de Jablonski (1991):
“Estilos de vestimenta, atitudes morais, pontos de vista políticos, concepções de
masculinidade e feminilidade e modismos imiscuem-se na programação normal e
criam ou desencadeiam (dependendo do ponto de vista dos estudiosos da
comunicação) padrões comportamentais. Assim sendo, não nos parece adequado
desprezar o impacto que os meios de comunicação de massa têm- ou podem vir a
ter- em fenômenos sociais, mesmo quando não haja unanimidade em termos de
posições pró ou contra.”(p.170/171)
Na mesma semana em que ocorreu a morte de Isabella, outras situações de
violência contra criança foram notificadas, como relatado por Calligaris (2008b) em
um artigo na Folha de São Paulo, mas não alcançaram o mesmo espaço na mídia.
Logo se pode indagar o que propiciou tamanho interesse da mídia nesta tragédia
específica e não nas outras.
Diante deste questionamento, talvez se possa inferir que o diferencial reside
no modelo familiar recomposto, ainda pensado como atípico e interpretado como
danoso ou perigoso. Esta perspectiva pode ser notada na chamada de capa da
Revista Época, datada do dia 19/05/2008, que trazia, logo abaixo da foto da mãe da
referida menina Isabella: “O lado obscuro da ‘Nova Família’- aquela em que se
misturam pais, mães, padrastos, madrastas e filhos de mais de um casamento”.
Calligaris (2008a) também compreende que a morte de Isabella comoveu por
despertar a lembrança das dificuldades que surgem com o recasamento, como fica
evidente na seguinte passagem:
“Não sei se esses afetos são responsáveis pela morte de Isabella. Mas talvez eles
sejam responsáveis pela extraordinária comoção produzida pela sua morte. (...)
Mas a história de Isabella nos comove também por outra razão: as tentativas de
‘explicar’ o acontecido evocam, inevitavelmente, as dificuldades de nossa maneira
‘moderna’ de casar.”
Esta percepção parece ser também compartilhada por DaMatta (2008)
quando este publicou em sua coluna do Jornal O Globo, o e-mail que recebeu do
brasilianista Richard Moneygrand. Este tece alguns comentários a respeito do caso
Isabella partindo da construção histórico-social do Brasil, onde “[...] a família deveria
ser pura, constituída por gente ‘sem passado’ conforme se diz ainda hoje. Basta ver
as novelas. O folclore situa a ‘madrasta’ como uma mulher e incapaz de afeto. A
vida é, muitas vezes, madrasta, diz-se”, conclui apontando que se este crime tivesse
ocorrido em qualquer outra circunstância não teria sido tão chocante:
“O fato, porém, de ele ter acontecido no interior de uma família de classe média é
algo impensável. E o impensável engendra a revolta que nada mais é que o retorno
do recalcado - dos sentimentos mal resolvidos ou ignorados quando casamos
inovação com tradição”.
Assim, Moneygrand, no texto de DaMatta (2008), cita os fatores culturais e a
influência da mídia por meio das novelas, na reiteração do caráter negativo das
famílias recasadas e aponta que, no Brasil, permitiu-se sua formação
desacompanhada de uma mudança social que possibilitasse a assimilação destes
novos modelos, daí o “retorno do recalcado”. O retorno, poder-se-ia inferir, de
preconceitos a respeito de se ter um passado retratado nos traços físicos que o filho
do relacionamento anterior carrega, o retorno do sentimento de fracasso dos sonhos
desfeitos com a separação, enfim, o retorno de sua própria trajetória de vida.
Calligaris (2008a) busca deixar claro que, mesmo apresentando alguns
exemplos de impasses que acontecem nesta nova configuração familiar, não é
contrário a sua formação, porém aponta que:
[...] seria melhor que a gente se engajasse nesses projetos sem a ilusão de que os
bons sentimentos prevalecerão por conta própria. Seria melhor, para começar, que
nossas disposições menos nobres, em vez de silenciadas e reprimidas, fossem
faladas, explicitadas. Isso, para evitar que, de vez em quando, a trágica morte de
uma menina nos lembre, por um dia ou uma semana, que a vida das famílias
"modernas" é muito mais difícil do que parece.
Na reportagem da Revista Época, de autoria de Mendonça (2008), referente
ao lado obscuro da nova família, a terapeuta entrevistada Lídia Aratangy mostrou-se
preocupada com o rumo que o caso Isabella estava tomando, ressaltando que:
A tragédia de Isabella pôs os holofotes sobre um problema real das novas famílias,
mas isso não deve resultar numa “demonização” das madrastas ou das uniões de
casais separados. “Muitas crianças espancadas e seviciadas vêm de famílias ditas
‘estruturadas’. E muitas crianças felizes e bem cuidadas vivem entre a casa do pai
e a casa da mãe’.”(p.106)
Retornando ao significado dos termos, nota-se que o padrasto, apesar de não
ser acompanhado pelo termo pejorativo presente no verbete “madrasta” supracitado,
também é alvo de discussões pela função que lhe é atribuída. A definição dada pelo
mesmo dicionário mostra a transitoriedade do papel de pai, que pode ser substituído
pelo novo casamento. Segue o verbete: padrasto - [Do lat. vulg. patrastru, com
dissimilação.]Substantivo masculino. 1.Indivíduo que ocupa o lugar de pai em
relação aos filhos que sua mulher teve de casamento anterior”.
A definição do verbete evidencia a idéia de facilidade na substituição da figura
paterna. Esta situação pode ocorrer, de fato, nas ações de adoção por cônjuge, pois
o padrasto, nesta concepção, atende juridicamente ao que está expresso no verbete
do dicionário. Como expõem Brito e Diuana (2002), no estudo de adoções por
cônjuge
25
, algumas mães parecem encontrar nessa modalidade de adoção uma
saída para impedir o contato do ex-companheiro com os filhos. Apontam, as autoras,
que a nova situação da família após o recasamento demanda tempo para ser
assimilada pelos seus integrantes, sendo que o conflito não será resolvido pela
adoção.
Os padrastos também sofrem com o peso de um mito; enquanto as
madrastas são miticamente malvadas, o padrasto é visto como possível abusador ou
aquele que irá se envolver afetivamente com a enteada. Esta preocupação se
25
Este dispositivo legal foi explicado no capítulo anterior.
evidencia quando se lança a palavra “padrasto” no site de busca “Google”
26
, e
surgem inúmeras reportagens sobre padrastos abusadores. Ao pesquisar neste site
de buscas, chama atenção a escassez de material teórico relacionado ao tema, em
oposição ao grande número de notícias e alardes. Este mito também é explorado em
textos técnicos, porém de maneira mais sutil. McGoldrick e Carter (1995), ao
debaterem a respeito do surgimento dos “tabus de incesto instantâneo” que surgem
com o recasamento, chamaram atenção para que “[...] um novo padrasto não deve
ter sentimentos sexuais em relação à sua atraente enteada” (p.351), não
mencionando, porém, a possibilidade de igualmente uma madrasta sentir-se atraída
pelo enteado.
Mais uma vez, esse mito foi reatualizado na novela - de nome “Belíssima” -
apresentada em 2006 pela Rede Globo de Televisão. Nesta novela, Érica (Letícia
Birkheuer) tem um romance secreto com seu padrasto And(Marcello Antony). A
trama da novela relembra a de outra, chamada “Laços de Família”, exibida em 2000,
pela mesma emissora. Nessa novela a personagem interpretada por Vera Fischer
teve um relacionamento amoroso com o personagem de Reynaldo Gianecchini, mas
abdicou do envolvimento com o mesmo ao perceber o interesse de sua filha
(interpretada por Carolina Dieckmann) pelo rapaz. Em “Laços de Família”, os
personagens de Reynaldo e Carolina se casam. Nessa trama, assim como na
novela Belíssima, enteada e padrasto sentem-se atraídos sexualmente e
estabelecem uma relação amorosa.
Este mito, acima citado, pode ser responsável por um afastamento entre
padrasto e enteadas e, até mesmo, por um receio das mães em recasarem. Wagner
e Sarriera (1999) citam Bray e Harvey (1995) que ao analisarem esse tabu do
incesto afirmam: “[...] o tabu do incesto, associado à figura do padrasto, poderia
estar contribuindo para que este evitasse um contato mais próximo e afetivo com
suas enteadas” (p.17).
A definição de enteado é a que encontra menos conflito, pois apresenta
enteado como: [Do lat. antenatu, ‘nascido antes’.]1.O filho de matrimônio anterior
com relação ao cônjuge atual de seu pai ou de sua mãe”. Entende-se, aqui, que
talvez pudesse ser dado sentido semelhante aos dois verbetes anteriores,
considerando-se somente o primeiro item do “madrasta”, e pensando-se uma nova
26
Disponível em: www.google.com.br Acessado em 05/12/2005.
definição para “padrasto” como: homem em relação aos filhos que a esposa teve de
matrimônio anterior.
3.2. Aspectos Relacionais
São muitas as contradições encontradas na literatura específica, no que se
refere ao tempo para adaptação dos diferentes sujeitos nessas novas famílias.
Wallerstein e Kelly (1998), por exemplo, afirmam que uma boa integração dos filhos
no recasamento de um dos pais dependerá da forma como o ex-casal vai conseguir
lidar inicialmente com o divórcio, com as necessidades dos filhos e com as batalhas
pós-divórcio. De fato, a maneira como os pais conduzem esta passagem refletirá
numa maior ou menor aceitação, pelos filhos, desta nova configuração familiar.
No entanto, McGoldrick e Carter (1995) defendem que mesmo com acordos
bem sucedidos entre os ex-cônjuges, após o recasamento de um deles os conflitos
podem reacender, surgindo novas dificuldades até então não discutidas. Os
referidos autores citam pesquisa desenvolvida por Hetherington et al (1977) com
casais que denominam de intactos e outros divorciados, na qual os dados
apontaram que: “O recasamento freqüentemente conduzia a uma renovação das
dificuldades financeiras e/ou de custódia.” (p.348)
Alguns autores estimam o tempo mínimo para que as famílias se adaptem à
nova configuração. McGoldrick e Carter (1995) citam o estudo de Dahl et al (1987)
no qual foi percebido que o “sentimento de pertencer a” levava em média de três a
cinco anos para se estabelecer, podendo ser maior caso a família tivesse
adolescentes envolvidos. Claro, Kirby e Muller (1993) ampliam este intervalo de
tempo ao apontarem que os primeiros cincos anos caracterizariam um “período
crítico” no qual a nova família se estruturaria ou se separaria. McGoldrick e Carter
(1995) observaram também que Hetherington et al (1997) estipulam que seriam
necessários, em média, dois anos para uma adaptação, enquanto Stern (1978),
citado por McGoldrick e Carter (1995), sugere, no mínimo, dois anos. Todos estes
prazos não poderiam ser precisos, pois neste processo estão envolvidas inúmeras
variáveis, dentre elas: a idade dos filhos do primeiro casamento, o tempo decorrido
entre o divórcio e o casamento, o grau de conflito existente entre os pais, a
existência ou não de filhos de casamento anterior do novo cônjuge e outros.
Quanto ao fator idade dos filhos, Wagner e Sarriera (1999) encontraram no
trabalho de Wagner e Bandeira (1996) que “[...] quanto mais velhos os adolescentes,
melhor a aceitação destes do recasamento de seus pais”(p.17/18). Este dado não
encontra correlação na pesquisa desenvolvida por McGoldrick e Carter (1995), pois
estes afirmam que, no que tange a uma participação ativa do padrasto na criação de
adolescentes mais velhos “[...] talvez não seja adequado esperar que essa mudança
ocorra, em qualquer grau” (p.368). Grisard Filho (2003) compartilha do entendimento
desses autores de que a dificuldade em se estabelecer uma “paternidade
instantânea” (p.259) aumenta quanto mais velho for o enteado. Este autor levanta a
possibilidade do padrasto/madrasta, nestes casos, ocupar a posição de
“simplesmente, o outro adulto da casa” (p.260).
Palermo (2007) afirma que quanto menor a idade do(a) enteado(a), maior
facilidade encontrará a madrasta para se aproximar da criança, que a relação se
construirá vinculada às lembranças de infância da mesma. Aponta, ainda, como
facilitador o fato de a criança ter pouca ou nenhuma memória dos pais juntos. A
dificuldade com enteados na fase da adolescência, segundo a autora, decorre das
características inerentes à própria etapa do desenvolvimento, na qual costumam
desafiar os pais e, conseqüentemente, seus companheiros também.
Cutsem (2001) parece concordar com Palermo (2007), pois aponta que:
“quando a separação dos pais é precoce, as possibilidades de identificação da
criança com as outras figuras parentais são superiores”(p.94). Ressalta, também,
que as famílias recasadas mais complexas são aquelas nas quais ambos os
cônjuges possuem filhos adolescentes de união anterior.
Wallerstein e Kelly (1998) trazem contribuições considerando a variável de
gênero em sua pesquisa. As autoras perceberam que as meninas com menos de
oito anos, eram “[...] especialmente responsivas à afeição e admiração do novo
padrasto.”(p.318). Estas autoras também estimam o tempo de um ano para que os
“irmãos por novo casamentoconstruam uma amizade, ou seja, para que afinidades
sejam estabelecidas entre os filhos de cada um dos cônjuges.
Este desencontro inicial de dados conduz ao questionamento sobre o tipo de
relação possível de ser criada entre enteados e os novos njuges de seus pais.
Ramires (2004) cita os estudos de Wallerstein e Kelly (1998), e os de Kaslow e
Schwartz (1995), ressaltando as diferentes formas de estruturação da família com
padrasto e/ou madrasta. Para a autora, “[...] parece haver grande diversidade nas
respostas ao divórcio e às novas uniões, decorrente da interação entre as
características individuais das crianças [...] e da vivência familiar pré e pós-divórcio”.
O impacto da chegada de um novo cônjuge na família pode ser entendido
como um obstáculo para a concretização da reconciliação dos pais. Wallerstein,
Lewis e Blakeslee (2002) inferem que, para os filhos, a chegada deste novo membro
abala a esperança de retorno à antiga situação conjugal dos pais, pois: “[...] é uma
declaração poderosa de que o divórcio veio para ficar.” (p.289). De acordo com
Claro, Kirby e Muller (1993), a fantasia dos filhos de reconciliação dos pais pode se
expressar por meio de hostilidade em relação à essa nova pessoa: “[...] los niños
pueden intentar, consciente o inconscientemente, dividir a la nueva pareja” (p.46).
Wallerstein, Lewis e Blakeslee (2002) encontraram, em crianças norte-
americanas que participaram de sua pesquisa, o desejo de que os pais retomassem
o casamento. Ramires (2004) também de perceber essa vontade de que os pais
se reconciliassem, em crianças na faixa etária de 5 a 6 anos de idade que
participaram de sua investigação. Brito (2006) encontrou essa expectativa em
jovens adultos, mesmo quando os pais haviam constituído novos casamentos.
Além de o recasamento trazer a constatação da separação dos pais, fator que
pode dificultar a construção do relacionamento entre padrasto/madrasta e enteado,
os filhos ainda enfrentam, por vezes, conflitos de lealdade caso se permitam gostar
do padrasto/madrasta. Segundo Wagner e Sarriera (1999): “O amor pelo pai ou mãe
ausentes pode desencadear dificuldades no relacionamento com o
padrasto/madrasta, da mesma maneira que o amor para com estas figuras pode ser
percebido como traição pelos pais biológicos.” (p.17). Brito (2007), na pesquisa com
filhos de pais separados, aponta esta questão da lealdade citando como exemplo o
depoimento de uma entrevistada que relata que gosta da madrasta mais do que
deveria. Maldonado (2001), em pesquisa realizada com quatrocentos sujeitos sobre
os desafios de uma separação conjugal, também percebeu esta dificuldade enfrentada
pelos filhos, concluindo: “a criança que gosta do pai e até acha sua namorada
simpática fica num conflito de lealdade horrível”. Este impasse pode se intensificar
ou mesmo vir a ser resolvido com o tempo e com as novas circunstâncias de vida.
Na história infantil “Beijos Mágicos”, por exemplo, a autora Ana Maria
Machado (1992) conta a gradual aproximação de uma menina, Nanda, em direção à
sua madrasta, Bebel. Nanda acreditava que a madrasta era uma bruxa que havia
enfeitiçado seu pai com beijos, portanto, não deixava a madrasta beijá-la. Tal
situação persistiu até o nascimento de seu irmãozinho, filho de seu pai e de Bebel,
quando Nanda se aproximou desta aceitando seus carinhos.
A resistência dos filhos em receber o novo cônjuge de um dos pais também
pode ser explicada pelo período que se passou entre o divórcio e o recasamento.
Neste intervalo de tempo, por vezes, os filhos tiveram exclusividade da atenção e do
cuidado de cada um dos pais, quando os laços foram estreitados. Grisard Filho
(2004) expõe que esta fase pode ter gerado “[...] relações íntimas que dificultam o
ingresso de outras pessoas”(p.663). Maldonado (1986) afirma que a reação dos
filhos aos novos parceiros dos pais é ambivalente por reunir dois aspectos: “[...] não
apenas pela ameaça de ter os pais menos disponíveis, como também pela
diminuição da esperança de vê-los unidos de novo” (p.180). Os filhos temem que,
com a entrada desta nova pessoa no círculo familiar, ocorra o afastamento de um
dos pais, situação que, segundo algumas pesquisas, pode ocorrer.
De acordo com trabalho empreendido por Wagner e Sarriera (1999), os
adolescentes provenientes de famílias com padrasto e/ou madrasta, se comparados
com aqueles de famílias originais, relatam que o pai se preocupa pouco com eles.
Este sentimento talvez possa ser explicado pelo fato de a guarda do filho após o
rompimento conjugal geralmente ser atribuída às mães, permitindo-se aos genitores,
comumente, somente visitas quinzenais. O afastamento gerado por este modelo de
guarda se intensifica com a constituição de um novo casamento do pai e prováveis
filhos desta nova união. O pai que reside com o filho de seu segundo casamento,
poderá estabelecer uma relação mais próxima com o mesmo ocasionando
comparações, ciúmes e descontentamento no filho da primeira união. Com a recente
aprovação da guarda compartilhada espera-se que este fator seja reduzido.
Wallerstein e Kelly (1998) perceberam, em sua pesquisa, uma dificuldade dos
pais em manter o relacionamento com os filhos do primeiro casamento após o
nascimento de um filho da nova relação. Se o contato entre eles não era freqüente,
com o nascimento da nova criança, esta distância é ampliada. As autoras afirmam
que: “[...] alguns homens tinham dificuldades inegáveis para manter o amor e grande
investimento inicial nos filhos do primeiro casamento, e o novo bebê tendia a
diminuir o interesse do pai por eles” (p.329). Elas também perceberam a relevância
das atitudes da madrasta na manutenção do laço com os filhos do casamento
anterior: “O comprometimento do pai com os filhos do casamento anterior e sua
capacidade de permanecer firme neste compromisso dependiam significativamente
do novo relacionamento conjugal e do apoio ou desaprovação da madrasta.” (p.329).
No entanto, esta dificuldade não ocorre exclusivamente com o genitor, como
mostram McGoldrick e Carter (1995) ao citarem a descoberta de Furstenberg et al
(1983) de que o distanciamento também pode acontecer quando o recasamento
da mãe. Wallerstein e Kelly (1998) observaram que o desejo do novo casal em ter
privacidade e investir no relacionamento, pode ser um dos motivos que justifique o
afastamento.
São muitos os autores (Claro, Kirby e Muller, 1993; Grisard Filho, 2003;
McGoldrick e Carter,1995) que apontam para particularidades da construção deste
casal recasado. Diferentemente daqueles que se unem sem filhos, este novo casal,
quase sempre, não dispõe de tempo para um investimento na relação a dois, para o
planejamento de filhos, nem para debates sobre normas de educação. Todos estes
ajustes, que em casais sem filhos ocorrem de forma gradual, serão realizados com a
situação instaurada. McGoldrick e Carter (1995), em seu trabalho, também
observaram a complexidade desta formação familiar, reconhecendo que: “Em vez de
uma progressão passo a passo, do namoro ao casamento e à paternidade, as
famílias recasadas precisam mergulhar instantaneamente em múltiplos papéis”
(p.350).
Muitas vezes o casal nem passa a lua-de-mel sozinho, pois o tem com
quem deixar as crianças, ou acontece um imprevisto de última hora. Church (2005),
em pesquisa realizada no Canadá com 104 madrastas, descreveu a surpresa de
uma entrevistada diante da quantidade de agendas que deveriam ser consideradas
no planejamento de suas férias: “[...] a própria e a do atual marido; a da ex-esposa e
a do atual parceiro dela, bem como a da ex-esposa deste; e, por fim, a de seu ex-
marido”(p.87/88). Ainda poderiam ser acrescentadas as agendas dos enteados e
dos filhos, como também a de seus respectivos namorados. Caso os avós
compartilhassem o cuidado dos netos, suas agendas também deveriam ser
mencionadas.
Assim, este casal se vê diante do desafio de, no início do casamento, ter que
manejar as necessidades conjugais com a demanda familiar. (Claro, Kirby e
Muller,1993). Maldonado (1986) expõe, em detalhes, como se apresenta esta família
com padrasto e/ou madrasta:
[...] há vários níveis de ajuste ocorrendo simultaneamente: o homem com a mulher,
um com os filhos do outro, os filhos de ambos entre si e cada um com seus próprios
filhos diante da nova situação, sem contar com a influência dos ex-cônjuges e as
modificações das rotinas do cotidiano e da moradia (p.182).
Logo, a relação entre padrasto/madrasta com os enteados inicia-se de forma
inversa, como aponta Grisard Filho (2003): “Padrastos e madrastas assumem uma
responsabilidade parental antes mesmo que se crie um vínculo emocional”(p.259).
Quando ambos os envolvidos m filhos de relacionamentos anteriores,
podem se formar, no contexto doméstico, subgrupos com regras distintas, tornando
mais difícil a construção de uma unidade familiar (Claro, Kirby e Muller,1993). As
implicações da utilização de diferentes regras para os filhos do padrasto/madrasta e
para os filhos do primeiro casamento vão além da implantação de normas. Entra em
cena, também, a questão financeira, pois as fontes de renda são diversas, podendo
impedir que a família em sua totalidade possa usufruir de passeios, estudar em
escolas de nível educacional semelhante ou realizar atividades extracurriculares.
Esta diversidade, provocada por diferentes rendimentos, pode gerar
constrangimentos e comparações. Caberá a cada família encontrar sua maneira de
gerir este conflito.
Um exemplo da dificuldade quanto ao estabelecimento dessas normas pode
ser encontrado no seriado norte-americano chamado “Step by Step”
27
, produzido no
período de 1991 a 1998, e ainda exibido, no Brasil, pelo Warner Channel. Neste
programa, duas famílias, os Lambert e os Foster, moram na mesma casa por conta
do recasamento dos pais, Carol Foster com Frank Lambert. A série retrata as
confusões de crianças e adolescentes que residem sob o mesmo teto com relações
de parentesco e regras diferenciadas. Este quadro também foi retratado no filme “Os
meus, os seus e os nossos”
28
, no qual um viúvo com oito filhos recasa com uma
mulher, também viúva, com dez filhos. Apesar de ser um filme sobre recasamento
após viuvez e não pós-separação, este filme mostra o embate entre duas formas
distintas de educação. Os disciplinados Beardsleys, filhos do viúvo, vivem sob
rígidas regras de conduta, enquanto os Norths, filhos da viúva, possuem uma
criação mais livre de regras.
27
A “reprise” dos episódios deste seriado é exibida pelo canal Warner (NET TV) às 8:00, aos sábados e domingos.
28
Este filme é uma refilmagem de Os Seus, os Meus e os Nossos (1968).Título Original: Yours, Mine and Ours. Ano de
Lançamento: 2005.
A maneira pela qual o pai ou a mãe conduzem a inserção do seu novo cônjuge
na família é apontada como fundamental na aceitação ou não do mesmo. Vários
autores (Claro, Kirby e Muller 1993, Grisard Filho, 2003, Falcke, 2002) apontam para
o “mito do amor ou ajuste instantâneo” como um dos problemas que permeiam as
famílias com padrasto e/ou madrasta. De acordo com estes autores, este mito
refere-se à crença de que os novos membros desta família irão desenvolver,
rapidamente, um bom relacionamento, desconsiderando que toda relação
interpessoal demanda tempo para sua construção e estabelecimento (Brun,1999).
Wallerstein e Kelly (1998) explicam o quanto pode ser ansiogênico para os filhos a
cobrança por este amor imediato, pois estes sentem “[...] como se isso significasse
trair o amor pelo pai e substituí-lo pelo padrasto”(p.318).
Outro mito que está intimamente relacionado a este, é “o mito da felicidade
expansiva”, (Wallerstein, Lewis e Blakeslee, 2002). Este mito foi discutido no
capítulo anterior para explicar como muitos pais, no momento da separação, ou seja,
após por fim a um relacionamento em que eram maritalmente infelizes, acreditam
que os filhos também ficarão felizes pelo fato de os pais encontrarem-se mais
contentes. Logo, ao pensar esse mito aplicado às famílias com padrasto e/ou
madrasta, pode-se inferir que alguns pais acreditam que, ao estabeleceram uma
nova relação conjugal, e se sentindo plenos afetivamente, seus filhos também
sentirão esta melhora.
3.3 Comunidades Virtuais: A Família com Padrasto e/ou Madrasta no
Orkut.
Na busca efetuada no Orkut
29
a respeito desta configuração familiar, foram
localizadas comunidades referentes a madrastas, padrastos e enteados. Assim,
sobre “madrastas” encontrou-se mais de 500 comunidades, sendo que grande parte
referia-se a dois programas televisivos recentes. O primeiro era a novela “A
madrasta”, exibida em 2005 pelo canal SBT. A trama conta o retorno de uma mãe
biológica que havia desaparecido, sendo que ao voltar ao lar, os filhos e o marido
não a reconhecem. Esta mãe não revela sua identidade, de modo que todos se
relacionam com ela como se esta fosse uma madrasta. O segundo programa
denominado “Beija Sapo”, exibido em 2007, pela MTV. Neste programal uma
personagem chamada Madrasta que tem inveja da princesa e cobiça os “sapos”
candidatos a namorá-la.
A luta contra o mito da madrasta malvada apareceu no Orkut em
comunidades como “Madrasta, não! Somos Boadrastas”, que conta com 2.570
filiados, e “Madrasta não,sou apenas amiga!” com 183 membros. As demais
comunidades estavam divididas em pólos opostos, ou seja: “Eu odeio a minha
madrasta!” e “Amo a minha madrasta”, com respectivamente, 2.147 e 1.963
membros em maio de 2007. Na extinta comunidade “Eu amo a minha madrasta”,
que contava com 2.418 associados em dezembro de 2005, grande parte dos tópicos
do fórum de discussão referia-se a como nomear a madrasta e se seria correto
chamá-la de mãe. Nas respostas, os enteados chamavam a madrasta,
freqüentemente, por “tia”, “boadrasta”, “mãedrasta”, pelo nome próprio ou por “mãe”.
Alguns revelavam que somente a chamavam de mãe quando sua e o estava
por perto e que essa jamais poderia descobrir, pois “ficaria com ciúmes”. Esta
confissão causava conflito com outros participantes da comunidade que
argumentavam que “mãe é uma só”. Posto que, a própria explicação sobre o perfil
desta comunidade é “Para quem tem uma Madrasta que é uma MÃEZONA!!!!!”.
nas comunidades sobre padrasto, tendo sua maior expressão na “Eu amo
meu padrasto!!”, com 5.001 membros, quando enteados relatavam chamá-lo de pai,
não aparecia manifestação contrária, ou seja, notou-se que não havia comentários
29
No capítulo anterior foi explicado em que consiste esta ferramenta da Internet.
afirmando que “pai é um só”. Pelo contrário, existe uma comunidade chamada “Meu
Padrasto é um Paizão” com 4.827 membros, apontando esta posição de que pai não
é um , podendo ser o padrasto. As próprias nomeações dadas pelos enteados ao
padrasto no fórum da comunidade “Vo chama seu padrasto de pai?”, teve
expressivo número de respostas positivas. Os que não chamavam de pai, optavam
por chamá-lo pelo nome próprio ou “pai step” (retirado da língua inglesa “step
father”), ou “tio”, ou ainda “paidrasto”. Tais dados remetem à discussão sobre a
importância histórica dada às mães no cuidado e apego dos filhos (Badinter,1985) e
a desqualificação da figura paterna (Hurstel,1999).
Wallerstein, Lewis e Blakeslee (2002) também expõem a percepção
diferenciada atribuída aos responsáveis pelos jovens de sua pesquisa. Enquanto a
mãe é vista como permanente, única, insubstituível, pai parece um adjetivo atribuído
a várias pessoas. Neste sentido, as autoras esclarecem:
Parece que nos sentimos a vontade com a idéia de que cada pessoa tem somente
uma mãe biológica neste mundo [...] e que as madrastas, embora amadas, o
usurpam essa posição especial. Mas os pais são diferentes. Parece que aceitamos
a noção de que uma criança pode ter dois pais de posição equivalente um pai
biológico e um padrasto, que compartilham a mesma parte na mente de um filho
(p.286).
Diferentemente das comunidades sobre padrasto, que eram compostas
exclusivamente por enteados, existem comunidades exclusivas de madrastas,
criadas pelas mesmas. Há, ainda, um site
30
específico para madrastas, criado por
Roberta Palermo, autora dos livros “Madrasta - Quando o homem da sua vida tem
filhos” (2002) e “100% Madrasta Quebrando as barreiras do preconceito” (2007).
Palermo, por meio do site, criou a AME Associação das Madrastas e Enteados,
com a intenção de serem realizados encontros presenciais mensais, propiciando
uma troca de experiências. o foram localizadas iniciativas semelhantes no que
tange aos padrastos.
Notou-se, entretanto, uma escassez de material de referência (sites, livros e
etc), no Brasil, a respeito dos padrastos. Na pesquisa feita por Wagner e Sarriera
(1999), as autoras apontam que: “O número e o tipo de correlações encontradas
entre o par pai/padrasto e e/madrasta, nos faz pensar que a relação com o par
paterno é menos conflitiva do que com a do par materno.”(p.27). Outro aspecto
30
PALERMO, ROBERTA. www.madrasta.hpg.ig.com.br. Acessado em 26/12/2005
levantado por Palermo (2007) refere-se às mudanças que a madrasta provoca na
família, pois segundo a autora:
Quando ela [madrasta] aparece, o homem corta alguns gastos com a ex- e com os
filhos, pois começa a gastar consigo também. Pára de ceder a tudo o que a ex-
quer, pois passa a ter os próprios compromissos [...] o que a ex- pode interpretar
como falta de amor. (p.57)
Estes dados podem justificar o reduzido mero de trabalhos a respeito do
padrasto em relação ao crescente número de pesquisas sobre a madrasta. Estas
informações podem ser entendidas ao se voltar o foco para o valor atribuído ao
papel da mãe, e a desigual importância dada ao pai na nossa sociedade. Logo, as
madrastas, por serem comparadas diretamente às mães, podem sofrer mais
cobranças do que o padrasto sendo, portanto, objeto de estudo mais freqüente.
Claro, Kirby e Muller (1993) explicitam esta correlação: “[...] se atribuye a que las
bases culturales y sociales proporcionan pocas directrices y muchas dificultades al
rol de madrasta. Ellas deben luchar contra la norma social que establece a la madre
como la figura principal de la família.”(p.46).
Um exemplo que pode ilustrar a maneira pela qual a sociedade ocidental
contemporânea centraliza na mulher a função de pilar da família é o programa norte-
americano apresentado no Brasil com o nome “Troca de Esposas”, que vem sendo
exibido pelo canal People+Arts na NET TV e pelo canal Record na TV aberta. O
programa teve seu primeiro episódio produzido com famílias brasileiras em
dezembro de 2005. Neste, duas famílias com filhos, tiveram as mães trocadas por
duas semanas. Na primeira semana, as mães deveriam seguir as regras usadas
pela família onde passaram a residir, já na segunda semana, a família teve que viver
sob as regras da nova e. O programa parte do pressuposto que haverá um
choque de valores, em razão de a mulher ser responsável pelos cuidados da casa,
estabelecimento e cumprimento de normas, além da educação dos filhos. Cabe
ressaltar que o programa inclui tanto donas-de-casa, quanto mulheres que
trabalham fora, portanto, o papel central que a mulher é impelida a ocupar
demonstra que o lar e a educação dos filhos ainda são responsabilidades atribuídas
fortemente ao gênero feminino.
Pelo exposto, nota-se que a função de madrasta pode ser mais trabalhosa,
que esta sofre a influência de diversos mitos, entre eles, o “mito do amor materno”
(Badinter, 1985). De acordo com Church (2005), este mito do amor maternal vem
acompanhado de uma série de exigências que compõem o ideal de mãe. Retratando
a extensão desta cobrança, a autora expõe: “Essa imagem da ‘mãe perfeita’ exerce
imensa pressão o sobre as mães biológicas, mas também sobre as madrastas
que incorporam o papel de mãe devota e disposta a fazer qualquer sacrifício” (p.62).
Outro dado que pode explicar o volume maior de estudos e debates a respeito
das madrastas em comparação aos padrastos é o fato de ser mais freqüente o
exercício do papel de madrasta. Segundo os dados do IBGE, em 2005 os homens
recasaram em maior proporção do que as mulheres, sendo que 10% dos homens
que se casaram naquele ano eram divorciados ou viúvos, enquanto o mero de
casamentos que incluíam uma mulher divorciada, ou viúva, era de apenas 6,7%.
A fim de explicitar esta diferença, foram levantados os números divulgados a
respeito dos recasamentos de mulheres e de homens divorciados, a partir das
estatísticas do IBGE. No ano de 2005, 71906 homens divorciados se recasaram,
enquanto somente 46791 mulheres o fizeram. Estes valores incluem os
recasamentos entre divorciados e viúvos, divorciados e solteiros, e entre
divorciados. Tanto os homens, quanto as mulheres divorciadas optaram, com maior
freqüência, por recasarem com solteiros: 72% dos homens divorciados recasaram
com solteiras, enquanto 55% das mulheres divorciadas recasaram com solteiros.
Na França, esta situação se repete. Segundo Apfeldorfer (2004), após quatro
anos de separação, 28% das mães recasaram, o que é uma porcentagem bem
menor em relação ao recasamento dos pais que atinge 44%. O autor apresenta
duas hipóteses para justificar este fato: uma otimista e outra pessimista. A primeira
seria a que a e opta por permanecer sozinha com o objetivo de dedicar-se à
educação da prole; a segunda refere-se à dificuldade em encontrar um parceiro que
deseje exercer a função de padrasto. Estas informações confirmam a hipótese de
que o papel de madrasta é mais freqüente do que o de padrasto.
No que se refere aos enteados, encontrou-se no Orkut a comunidade “Eu
amo meu enteado”, com o maior número de membros, total de 888. Havia algumas
comunidades negativas, a mais expressiva dentre elas é “Nada pior do que
enteado(a)!”, com apenas 42 membros em maio de 2007. Esta diferença o
significa, de forma alguma, que os padrastos e as madrastas não possuem
dificuldades no relacionamento com seus enteados, mas pode ser justificada pelo
fato deste programa virtual ser acessado, principalmente, por adolescentes. Assim,
madrastas e padrastos podem não se sentir à vontade para se expressarem, por
saberem que facilmente seus enteados poderão ter acesso ao conteúdo da
comunidade virtual.
Nota-se que após uma nova relação conjugal ser estabelecida, e os filhos
conseguirem vincular-se afetivamente ao novo integrante, estes podem sofrer com a
ocorrência de uma nova ruptura decorrente da separação de seu pai/mãe da
madrasta/padrasto. Ramires (2004) aponta para o fato de que a busca de
reestruturação “[...] da vida afetiva, social, profissional e sexual emocional dos pais”
refletirá nos filhos, pois estes terão que lidar com “[...] a necessidade de
relacionamento (e rompimento) com os novos parceiros dos pais e seus possíveis
filhos e familiares.” A presença destes sucessivos divórcios, que podem ser
acompanhados pelos filhos, também chamou a atenção de Wallerstein e Kelly
(1998):
[...] embora as crianças se sentissem tranqüilizadas pelo recasamento da mãe e
pela presença confortadora de dois adultos na casa, elas também tinham medo que
ambos brigassem. O novo casamento as fazia lembrar da experiência anterior, e
elas contavam como se fechavam ansiosas em seus quartos ou choravam à noite
quando o novo casal brigava (p.321).
Conforme exposto, quando se constrói um laço entre enteados e os novos
cônjuges dos pais, seu rompimento pode ser experienciado de forma bastante
intensa. Caso o novo casamento não tenha gerado descendentes, não haverá
qualquer elo que una o enteado ao ex-cônjuge de seu pai/mãe. Assim, caberá aos
dois, enteados e madrasta/padrasto manterem o contato, porém, o enteado, ao
insistir em se relacionar com aquele que não faz parte da vida dos pais, pode
enfrentar conflito de lealdade em relação ao genitor. A comunidade no Orkut “Eu
amo minha ex-madrasta”, com 99 membros em 2007, mostra o surgimento discreto
de mais esta dificuldade que os filhos de pais recasados estão enfrentando e tendo
que aprender a lidar. A saudade decorrente desta nova separação não encontra
validação social, pois juridicamente no Brasil, padrasto/madrasta não possuem
direito de visitação, mesmo que tenham criado os enteados desde pequenos
(Grisard Filho, 2004; Wallerstein, Lewis e Blakeslee, 2002).
3.4 Aspectos Urbanísticos
A temática das famílias com padrasto/madrasta tem atraído olhares de
diferentes campos de conhecimento, como é o caso dos arquitetos e urbanistas. Na
França, pesquisa desenvolvida pelo Institut National d´Études Démographiques
(INED) contemplou o referido tema ao realizar um trabalho com duas etapas, uma
quantitativa e outra qualitativa, com integrantes destas famílias. Clément e Bonvalet
(2006a), autoras do livro que traz os dados da pesquisa, utilizam como base para a
discussão de seus resultados o conceito de espaço de vida.
Este termo, que segundo as autoras surgiu na década de 60, envolve uma
perspectiva longitudinal, isto é, compreende todos os lugares de circulação dessa
família no decorrer de sua (re)configuração, por exemplo, o espaço social,
geográfico, urbano, residencial e outros, que vão se alterando.
Este entendimento se a partir da constatação de que esta família
ultrapassa os muros da residência, e implica na compreensão da existência de um
espaço de circulação de seus membros que envolve diversas casas. Como
ressaltam Sayão e Aquino (2006): “Até mesmo o fato de morar ou não na mesma
casa já não serve como parâmetro para delimitar o grupo familiar”(p.45).
A visão apresentada por Clément e Bonvalet (2006a) reivindica a superação
da definição de família como espaço doméstico, em prol de uma conceituação que
considere a pluralidade de residências que se estabelecem, de acordo com os laços
que vão sendo estabelecidos e rompidos, ao longo do ciclo destas famílias.
Bergamasco e Barbieri (2007) apontam para o movimento específico desta
configuração familiar, que apesar dos casais cada vez mais optarem por um número
reduzido de filhos, nesta família observa-se um aumento na quantidade de
integrantes, pois reúne os filhos provenientes de relacionamentos anteriores com os
da atual união.
Este acontecimento sugere uma nova forma de família “alargada”, ou melhor,
numerosa. No entanto, cabe assinalar que esta família com padrasto/madrasta
difere daquele modelo familiar pré-industrial com muitos integrantes, pois neste
último os papéis de cada um eram claramente demarcados, enquanto nas famílias
com padrasto/madrasta os mesmos encontram-se em construção (Théry, 2002).
De acordo com Berque (2008), os avanços tecnológicos proporcionaram um
modo de vida urbana em área rural. O autor apresenta uma distinção entre países
do tipo oceânico, nos quais os ricos moram afastados do centro, como E.U.A e o
Japão, daqueles do tipo continental, como a França, onde o almejado é morar no
centro. No entanto, aponta que com a especulação imobiliária a compra de um
imóvel nos centros urbanos vem tornando-se inacessível para a classe média.
No Brasil, apesar das principais cidades seguirem o modelo continental, isto
é, centro-periferia, a proliferação de condomínios fechados, como o caso do
Alphaville
31
, amplamente discutido por Villaschi (2003), vem demonstrando
modificações na estrutura urbana. No Estado do Rio de Janeiro pode-se considerar
o crescimento urbano nas cidades localizadas na Região do Lagos
32
que, assim
como a região metropolitana da capital mineira, eram caracterizadas por residências
secundárias e, atualmente, são ocupadas, também, como moradia principal.
Villaschi (2003) aponta que a busca por qualidade de vida poderia estar
conduzindo as famílias para estas regiões, pois residir nestas localidades gera
sensação de maior segurança, afasta a pessoa da situação caótica do centro urbano
e a aproxima da natureza. Além desses aspectos, pode-se pensar que o
crescimento familiar por meio do recasamento suscita preocupações no âmbito da
moradia, que as habitações nos centros urbanos são cada vez menores, o que
talvez seja mais um dos fatores que influencia no êxodo de famílias para as regiões
periféricas das cidades.
Assim, estas residências afastadas podem ser utilizadas como único domicílio
da família ou como casa secundária (Berque, 2008). Na pesquisa empreendida por
Clément e Bonvalet (2006b), foi discutido o uso e o simbolismo presentes na
“residência secundária”, que pode ser uma casa de campo, de veraneio ou outro
imóvel. As autoras notaram movimentos diferentes no que tange à atribuição de
sentido ao segundo lar. Uma possibilidade seria a de proporcionar uma separação
entre o espaço conjugal e o parental, assim a residência secundária seria o local
reservado ao novo casal, no qual os filhos não teriam acesso ou participação,
tornando-se um projeto exclusivamente conjugal. Outro caminho seria exatamente
construir este novo lar para reunir as linhagens, a fim de gerar um sentimento de
pertencimento nos diversos membros, por meio da criação de um local fixo, neste
caso não seria um projeto do casal, mas um projeto para a família.
31
Localizado na cidade de Nova Lima, região metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais.
32
Alguns exemplos destas cidades: Búzios, Cabo Frio, Rio das Ostras e Macaé.
A contribuição de urbanistas e arquitetos ilumina, sob outros ângulos, a
questão das famílias com padrasto/madrasta, o que denota a amplitude deste
fenômeno, pois como Baptista (1999) alerta:
Urbanistas e arquitetos não falam de espaços. Falam de apropriações de vida,
resistências políticas, modelagens de sonhos e de muito mais coisas. São cronistas
do cotidiano que nos revelam ou produzem questões nem sempre visíveis a olho nu
(p.37).
3.5 Aspectos Legais e Jurídicos
Fachin (1996) aponta para a relevância do judiciário na afirmação social do
modelo da família com padrasto e/ou madrasta: “[…] o sistema jurídico, ao refletir o
modelo que governa as relações econômicas e sociais, serve para marcar uma
marginalização […] o sistema jurídico pode ser, antes de tudo, um sistema de
exclusão” (p.147). No entanto para Grisard Filho (2004), a ambigüidade maior se
estabelece quando a legislação não confere direito do padrasto/madrasta em
relação aos enteados, no que diz respeito ao regime de visitas ou à pensão, mas
agrava a pena caso o padrasto/madrasta cometam algum delito contra os enteados.
Este mesmo autor (2003) adota a posição de que a legislação deve
acompanhar e legitimar estas novas relações familiares que surgem. Assim, o
Direito, segundo este autor, deve favorecer o reconhecimento do padrasto e da
madrasta por meio da legitimação de seus direitos e deveres, a fim de diminuir os
conflitos e promover a estruturação desta nova configuração familiar. Claro, Kirby e
Muller (1993) confirmam esta situação dúbia, ao afirmarem que: “No existe uma
relación legal entre la madrasta/padrasto y sus hijastros/as. Em consecuencia, no
existe um reconocimiento legal de su aporte a la vida de los niños/as.”(p.44).
A falta de uma definição do papel social do padrasto e da madrasta gera
angústia e preocupação em todos os membros da família. Esta indefinição a respeito
do que caberia ao padrasto/madrasta também se estende aos membros da família
extensa deste cônjuge. Os “avós afins”, como denomina Grisard Filho (2004), “[...]
não sabem como atuar em relação ao meio-irmão de seu neto de sangue” (p.664).
Esta incerteza mostra que existe uma ampla rede de relações familiares sem nome e
função definidos. O desafio destas novas formações familiares, como apontado por
Uziel (2000), ao citar o trabalho de Blöss (1996), é propriamente o fato de que: “[...]
não se trata de lugares a ocupar, mas a inventar”.
Théry (2001) utiliza uma frase que traduz o papel ocupado pelo
padrasto/madrasta na França: “nem direitos, nem deveres, nem
responsabilidades”(p.35). No entanto, assim como no Brasil, apesar de não terem
sido criadas leis específicas que regulamentem estes novos papéis familiares, o
Direito tem percebido a necessidade de observar as demandas que chegam ao
judiciário e, portanto, a família com padrasto/madrasta tem sido atendida na
jurisprudência, conforme é possível observar nos dois exemplos a seguir:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. MILITAR. DEPENDENTE
ECONÔMICO. MADRASTA. LEI 6.880/80. REQUISITOS. PREENCHIMENTO.
VIOLAÇÃO AO ART. DO CPC. ILEGITIMIDADE ATIVA AFASTADA. RECURSO
CONHECIDO E IMPROVIDO.
1. O art. 50, § 3º, alínea "h", da Lei 6.880/80 (Estatuto dos Militares) dispõe que: "a
pessoa que viva, no mínimo 5 (cinco) anos, sob a sua exclusiva dependência
econômica, comprovada mediante justificação judicial" será considerada como
dependente do militar, desde que viva sob sua dependência econômica, sob o
mesmo teto, e quando expressamente declarado na organização militar
competente.
2. Na hipótese, restou comprovado nos autos que foram satisfeitos os requisitos
necessários à comprovação da dependência econômica da madrasta do autor por
meio de justificação judicial e declaração de inclusão junto ao órgão competente.
3. Satisfeitos tais requisitos, não falar em ilegitimidade ativa ad causam se o
recorrente pleiteia em favor de sua madrasta a manutenção do direito a
atendimento médico-hospitalar.
4. Recurso especial conhecido e improvido.
(STJ - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 200302271512- RJ- RESP -
RECURSO ESPECIAL 617605 -Documento: STJ000742443 -Data da
decisão:15/03/2007)
ADMINISTRATIVO. MILITAR TRANSFERIDO EX OFFICIO. MATRÍCULA DE SEU
DEPENDENTE EM INSTITUIÇÃO DE ENSINO PÚBLICO FEDERAL, NO NÍVEL
FUNDAMENTAL. LEIS NºS 9.394/96 E 9.536/97. FATO CONSUMADO.
I – Aplicação analógica das Leis9.394/96 e 9.536/97, para conceder a segurança
e assegurar ao impetrante sua matrícula no ensino fundamental, em instituição
pública federal, em decorrência da transferência ex officio de seu padrasto, do qual
é economicamente dependente.
II - Configura-se, na hipótese, uma situação de fato consolidada pelo decurso do
tempo, que não merece ser alterada.
III – Precedentes.
IV – Apelação e remessa oficial conhecidas, mas improvidas, nos termos do voto do
Relator.
(TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO- 200151010036248- RJ- AMS - APELAÇÃO EM
MANDADO DE SEGURANÇA 47924- Documento: TRF200100103- Data da
decisão: 11/06/2003)
A família com padrasto/madrasta entendida como fenômeno social e,
portanto, também jurídico, adentra nos Tribunais reivindicando aspectos como:
alimentos, exercicio da responsabilidade parental, direito de visitas, direito
sucessório, direito a guarda, dentre outros. Ferreira e Rörhmann (2006) reúnem, no
seguinte trecho, pontos polêmicos próprios desta família: “As circunstâncias
marcantes decorrentes da prestação de alimentos, direito de visitas, pátrio poder,
até simples férias, apresentam grau de complexidade, ampliadas pelo entrecruzar de
interesses, direitos e deveres dos diversos membros”(p.512/513).
Para que ajustes sejam realizados, Grisard Filho (2003) enumera alguns
pontos que deveria entrar na pauta de discussão deste novo casal. Um deles é a
definição da autoridade parental, isto é, de que maneira as decisões sobre os filhos
serão tomadas e se o padrasto/madrasta exercerá autoridade sobre os enteados.
A autoridade parental pode ser entendida como: “[...] o instituto como o
complexo de direitos e deveres concernentes ao pai e à mãe [...](Ramos, 2005,
p.102). Segundo Ramos, este termo possui outras denominações, utilizadas em
diferentes contextos históricos e sociais, como poder familiar, poder parental, pátrio
poder e poder paternal.
Grisard (2007) apresenta duas possibilidades de atribuição de autoridade
parental ao padrasto/madrasta. A primeira seria após o falecimento do genitor
guardião, com a condição de que o não-guardião não tivesse contato anterior com a
criança. Neste caso, seria o modelo de substituição onde o padrasto/madrasta
ocuparia o lugar do pai/mãe, como o autor sugere in loco parentis”. Todavia, caso o
não-guardião fosse participativo, operaria o modelo de perenidade, permanecendo o
vínculo com ambos.
O autor reivindica a chance de se “[...] atribuir a guarda ao pai afim,
outorgando-se um amplo direito de visita ao pai biológico” (p.103), e ainda aponta
que a definição da guarda judicial ao padrasto/madrasta permitiria “[...] o pleno
exercício da autoridade parental do pai ou da mãe afim, a integração à nova família
é indispensável à criação e educação dos filhos afins” (p.103). Também sugere que
quando foi estabelecida uma relação afetiva no convívio com o padrasto/madrasta,
em caso de falecimento do guardião, a guarda poderia ser atribuída ao
padrasto/madrasta ao invés de designá-la ao não-guardião.
Quanto a esta afirmação, à luz do que foi discutido no capítulo anterior, pode-
se questionar aque ponto este pai não-guardião teria sido afastado ou mesmo
impedido de ter contato com o filho, e diante do falecimento do guardião vislumbra o
caminho para, enfim, restabelecer uma relação com a criança. Neste momento a
Justiça decide atribuir a guarda ao padrasto/madrasta seguindo o critério de filiação
socioafetiva ou adoção de fato. Portanto, nem com a morte do genitor guardião, o
outro pai obterá a guarda? E quando o padrasto/madrasta se recasar, como
administrará o fato de ser responsável pelo enteado que não é órfão? E como ficará
o contato com a família extensa de ambas as linhagens?
Estes pontos são questionados quando se trata de adoção por cônjuge
33
.
Apesar de Grisard (2007) apoiar a aplicação deste dispositivo no caso de
falecimento do genitor correspondente (pai/padrasto ou mãe/madrasta), ressalta a
irrevogabilidade do ato, e nota que poderia ser desvantajoso para o enteado na
medida em que “a sorte dos filhos e a efetividade de seus direitos dependem da
estabilidade conjugal”(p.178).
Théry apresenta em 2001, a distinção feita na França entre adoção plena e
simples, sendo que a primeira modalidade é proibida nos casos de adoção por
cônjuge. A adoção simples implicará na adição do sobrenome do padrasto/madrasta
ao nome da criança, e à reciprocidade da obrigação alimentar. No entanto, o laço
com a família biológica permanece, inclusive os direitos e deveres dos pais
biológicos.
A adoção por cônjuge parece reproduzir o modelo de família nuclear, pois
substitui o pai pelo padrasto ou a mãe pela madrasta. Por outro lado, outros tipos de
processos, tal como descrito por Zakabi (2007) em reportagem da Revista Veja, de
23/05/2007, têm chegado ao Judiciário sob o viés do reconhecimento da nova
configuração familiar ao invés de reiterar a idéia de família “intacta(Wallerstein,
Lewis e Blakeslee, 2002): “O enteado entra com um processo pedindo pensão ao
padrasto que não vive com sua mãe [...] O pai biológico de uma criança e o
homem que a criou de fato brigam legalmente por sua guarda” (p.116). Este último
caso apareceu no seriado televisivo E.R, conhecido no Brasil como “Plantão
Médico”, exibido pelo canal de televisão por assinatura Warner, onde o pai e o
padrasto disputam a guarda da criança após o falecimento da mãe.
No entanto, de acordo com a legislação brasileira padrasto e madrasta não
devem interferir na educação dos filhos do cônjuge, como aponta o artigo 1.636 do
Código Civil Brasileiro (2002)
34
. Uziel (2000) expõe as dificuldades que podem surgir
ao se aplicar o disposto neste artigo do Código:
[...] o presente e o futuro na vida dessas famílias não podem ser negligenciados,
visto que não apenas o bem-estar circunstancial, mas as separações posteriores
também exigem decisões no presente, que juridicamente os cônjuges não m
33
Dispositivo, discutido no capítulo anterior, no qual o padrasto/madrasta substitui o pai/mãe no registro da
criança, passando a possuir todos os direitos e deveres legais em relação ao infante.
34
“Art 1.636. O pai ou a mãe que contrai novas pcias, ou estabelece união estável, não perde, quanto aos filhos do
relacionamento anterior, os direitos ao poder familiar, exercendo-os sem qualquer interferência do novo cônjuge ou
companheiro.
Parágrafo único. Igual preceito ao estabelecido neste artigo aplica-se ao pai ou à mãe solteiros que casarem ou estabelecerem
união estável”. Disponível em: http://200.205.52.12/scripts/as_web.exe?NCC.ASK+B+1634 . Acessado em: 07/01/2006.
direitos sobre os filhos de terceiros após a separação - se não passou pelo
processo de destituição do pátrio poder do pai/mãe biológico/a e adoção.
Brito (2008b), ao analisar uma decisão judicial do TJMG, aponta de que
maneira a discussão a respeito da paternidade tem sido conduzida e pontua que:
“[...] esta [paternidade] não deve ser aferida apenas pela existência momentânea de
demonstrações de afeto. Por esse motivo, alguns autores, vêm insistindo na
importância de se diferenciar a parentalidade que não seria uma noção jurídica,
mas termo de uso recente nas ciências humanas na referência às relações entre
pais e filhos – do significado da filiação”(p.119).
A distinção necessária entre estas duas categorias pode indicar o espaço do
pai e do padrasto, ou da mãe e da madrasta, como lugares distintos a serem
ocupados. Théry (1998) questiona como reconhecer a situação, na qual
padrasto/madrasta cuidam de fato dos enteados, sem transformá-lo em um “terceiro
pai” e levando em conta a diversidade de situações.
Neste momento insere-se o debate a respeito da parentalidade biológica e
social (Prado, 1980), do o que é ser pai ou ser mãe, a fim de que se possa discutir a
respeito do lugar do padrasto e da madrasta. Alguns autores sugerem que o espaço
do padrasto/madrasta seria auxiliar o pai ou a e, exercendo o que Fine (2000,
2002) denomina pluriparentalidade, ou ainda que Théry (2001) designa de “belle-
parentalité”, termo do francês que não encontra tradução no português, já que
refere-se ao próprio nome de padrasto/madrasta em francês: beaux-parents. Esta
autora relata que o padrasto/madrasta assume a responsabilidade de adulto, mas
sem se confundir com o lugar e identidade de pai/mãe, ou seja, “nem pai, nem
amigo”(p.90). Grisard Filho (2004) utiliza o conceito de co-parentalidade para
explicar que caberia ao padrasto/madrasta, a complementaridade na prática da
autoridade parental, isto é, a “integração de funções” junto ao genitor. Wagner e
Sarriera (1999) entendem que:
[...] o papel e função de afeto e disciplina dos filhos, desempenhado originalmente
no modelo tradicional de família pelos pais biológicos, deve ser mantido e
assegurado por estes, [...] os filhos se sentiriam com maior liberdade de interação,
podendo desenvolver vínculos de afeto com os novos e diferentes personagens de
sua convivência familiar (p.16).
Brito e Diuana (2002) recomendam que os pais deixem evidente para seus
filhos, que esta nova pessoa não irá ocupar o lugar do pai/mãe. Desta forma, o laço
parental estaria preservado e diferenciado da nova conjugalidade que se formou. A
partir dos autores, compreende-se que não deve haver uma sobreposição de papéis,
isto é, o padrasto ocupando a posição de pai ou a madrasta exercendo a função de
mãe, mas devem ser construídos lugares próprios para estes novos membros da
família. Portanto, não se trata de buscar o “verdadeiro pai” ou “verdadeira mãe”,
posto que a filiação foi definida, mas refletir a respeito das possibilidades de
parentalidade. Hurstel (2006) sugere que os padrastos e/ou madrastas funcionem
como “substitutos e suplentes das funções parentais” (p.171), mas apresenta uma
condição: “que eles não se substituam aos pais (...) que eles respeitem, pois, a
origem e a filiação dos filhos, dos adolescentes de que têm responsabilidade. E
mantenham-se em seu lugar, que não é o lugar genealógico” (p.171/172).
O argumento do Melhor Interesse da Criança (MIC) foi utilizado, tanto por
Grisard (2007) para justificar a atribuição da guarda do enteado ao padrasto em
caso de falecimento do guardião, quanto também apresentado na Alemanha,
segundo Ferreira e Rörhmann (2006), para apoiar a modificação legal que
possibilitou a alteração do nome da criança pela adição ou substituição do
sobrenome do padrasto/madrasta.
Este conceito tem sido utilizado pelos autores do campo judiciário como
fundamento para as decisões que envolvem a família com padrasto/madrasta. No
entanto, a própria indeterminação do que definiria este termo possibilita diferentes
entendimentos e, consequentemente, aplicabilidades. Théry (2007) mostra que se
deve estar atento ao uso que é feito deste conceito, afim de que não se incorra em
abusos que acabarão desprotegendo as crianças ao invés de assegurá-las. O foco
nas crianças justifica-se no fato de que os filhos passaram a ser o eixo central da
família, como observam Sayão e Aquino(2006): “[...] os filhos sobrevivem ao tempo,
ao passo que os votos entre o casal não necessariamente. Tanto é verdade que
haverá tantas famílias quanto houver filhos, independentemente da própria
existência de um casal” (p.27). Se antes as famílias eram construídas em torno do
casal marital e da coabitação, atualmente, fundamenta-se pela rede na qual circulam
as crianças (Clément e Bonvalet, 2006a).
Outra questão se refere às despesas dos filhos, ou seja, se o
padrasto/madrasta teparticipação financeira no sustento dos enteados. Grisard
(2007) aponta para esta ocorrência na ausência de parentes biológicos capazes de
auxiliar. Contudo, em decorrência da fluidez das relações amorosas hipermodernas
e, consequentemente, dos sucessivos divórcios, poderia acontecer um acúmulo de
pensões alimentícias a serem pagas a enteados oriundos de diversos
relacionamentos. Neste caso, a jurisprudência no Brasil tem decidido pela revisão da
pensão.
Cabe apontar que as decisões brasileiras asseguram pensão alimentícia
somente até o momento em que o primeiro parente consangüíneo for capaz de
assumi-la (Grisard, 2007). Por outro lado, existe a situação na qual um pai não-
guardião que paga pensão aos filhos da primeira união, ao se recasar assume o
sustento dos enteados e assim se diante da necessidade de rever o valor da
pensão de seus filhos biológicos. Não como pré-definir como ficará esta
distribuição financeira, nem qual seria a porcentagem mais justa para cada, o que
leva a conclusão da existência de mais um espectro da família com
padrasto/madrasta: o econômico.
Outro aspecto relevante diz respeito à possibilidade de deixar herança para o
enteado. No Brasil, segundo Grisard (2007), caso não conste no testamento, o
enteado não recebequalquer bem. E mesmo que conste, existe uma cota limite,
caso existam herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e cônjuge).
Contudo, o autor fornece duas sugestões sobre testamento. A primeira seria
aumentar a porção disponível para testamento ou definir uma quota para enteados.
E a segunda seria de que os bens adquiridos durante o segundo casamento seriam
divididos entre os enteados e os filhos biológicos.
Um outro item trata do direito de visitas, em caso de uma separação. Théry
(2001) discute que, na França, o juiz pode determinar o direito à visita do
padrasto/madrasta. No Brasil, o Projeto de Lei 6.960/2002 visa incluir o direito de
visitação aos parentes afins, buscando a manutenção do vínculo afetivo. Existem
ainda outros fatores não contemplados pela lei, tais como a possibilidade de
inclusão dos enteados no plano de saúde do padrasto/madrasta e/ou na creche da
empresa do padrasto/madrasta.
A solução para os impasses judiciais apresentados, sugerida por Grissard
(2007), perpassa pela discussão a respeito da extensão do braço jurídico, do seu
papel enquanto garantidor de espaços sociais, enfim, da preocupação de que em
um contexto de instabilidade conjugal “[...] os vínculos de filiação devem continuar
assegurados e estáveis” (Brito, 2008a, p.30). Caso contrário pode-se retornar à
prática de unir conjugalidade e parentalidade, ao designarem-se atribuições
parentais de acordo com os cônjuges, pois assim como a maternidade, a “[...]
paternidade não pode ser alterada na mesma velocidade e circunstância com que
são desatados os laços conjugais” (Brito, 2008a, p.107).
4. Metodologia
4.1 Metodologias em Psicologia Social
Ao pensar em metodologia de pesquisa no campo das Ciências Humanas e
Sociais deve-se estar atento ao fato de que a escolha por um determinado método
apontapara a percepção e para construção de uma visão de realidade social.
Nesse sentido percebe-se que teoria e método estão relacionados de forma estreita.
Minayo (mimeo) utiliza-se de uma metáfora para diferenciar estes dois
termos, sugerindo que a teoria seria uma janela pela qual o investigador observa a
realidade, ou seja, a janela funciona como moldura para o objeto de estudo do
pesquisador, que o mesmo não consegue apreender um fenômeno destituído de
uma pré-compreensão do mundo. Em contrapartida, o método seria o trajeto pelo
qual a teoria seguirá seu curso.
Em outro texto, Minayo e Sanches (1993) reúnem estes dois conceitos ao
afirmarem que “o conhecimento científico é sempre uma busca de articulação entre
uma teoria e a realidade empírica; o todo é o fio condutor para se formular esta
articulação” (p.240). Outros autores, como Silva (2005), sustentam que o método e a
construção do problema não são separados, mas encontram-se implicados
reciprocamente.
A distinção corrente a respeito dos modos de compreender Ciência refere-se
à diferenciação entre Ciência da Natureza e Ciências Humanas e Sociais (Farr,
1996). A utilização dos métodos pertencentes às Ciências Naturais pela Psicologia,
ocorreu devido à busca pelo status de valor científico. Brito (1993) apresenta breve
histórico a respeito da inclusão e absorção de parâmetros positivistas pelas Ciências
Sociais, tais como neutralidade, objetividade e universalidade. Dessa forma, mostra
que os métodos utilizados pelas chamadas Ciências da Natureza foram transpostos
e aplicados em sua integridade ao objeto das Ciências Sociais, a fim de que a
mesma alcançasse relevância e status cientifico.
No campo da Psicologia Social, a reação ao paradigma positivista pode ser
observada na divisão existente entre psicologia social “psicológica” (p.9) e psicologia
social “sociológica” (p.9), respectivamente mais desenvolvidas nos E.U.A e na
França (Mancebo, Jacó-Vilela e Rocha, 2003). Apesar da hegemonia inicial, no
Brasil, da psicologia social psicológica, baseada no positivismo e experimentalismo,
a necessidade de construir uma psicologia condizente com a realidade latina
promoveu uma crise de referência contra o modelo norte-americano (Mancebo,
Jacó-Vilela e Rocha, 2003).
A busca por uma psicologia crítica, que considere o caráter histórico dos
fenômenos sociais e vise à transformação social, provocou uma mudança da
concepção de homem e de método. Os pilares dos métodos das Ciências Naturais,
que eram aplicados à psicologia pelos representantes da visão psicológica, foram
sendo questionados. De acordo com Mancebo, Jacó-Vilela e Rocha (2003), as
primeiras críticas “[...] buscaram inspiração nas formulações teóricas do materialismo
dialético, até mesmo a partir da leitura de importantes pesquisadores da psicologia
soviética, como Leontiev, Luria e Vigotsky” (p.10).
Um destes pilares questionados refere-se à cisão entre individuo e sociedade
que, para os autores da perspectiva sociológica, não é passível de se realizar, já que
a realidade é uma construção coletiva, e indivíduo e sociedade transformam-se
mutuamente. Esta conexão fica evidente no posicionamento de Guareschi et al
(2000), quando apontam que não se trata de avaliar ou perceber um ser humano no
social, mas de um ser humano social, visão que reafirma o conceito de produção de
subjetividade
35
. Rey (2002) expõe que existem dois fatores nesta produção, o social
e o individual, e que estes são interdependentes, como expresso no seguinte trecho:
“a subjetividade é, por definição, uma expressão da cultura, pois surge nela e, por
sua vez, é parte constitutiva dela”(Rey, 2002, p.12).
Outros aspectos do modelo positivista foram sendo discutidos, como a
impossibilidade de neutralidade e de objetividade na pesquisa social. Minayo
(mimeo) definiu como um dos pontos que compõem o conceito de metodologia, a
“criatividade do pesquisador”. Esta criatividade implica, exatamente, na ausência de
neutralidade na produção do conhecimento, uma vez que a capacidade e dedicação
do pesquisador irão influenciar no resultado da pesquisa, diferenciando um estudo
de outro ainda que possuam objetos e questionamentos semelhantes.
Quanto à objetividade, considera-se que sua aplicação aos fenômenos sociais
seria limitada por causa do movimento da realidade social. Assim, não é possível
35
Este conceito é explicado por Rey (2001): “[...] o homem, o sujeito, não é um resultado. Ele é um fenômeno recursivo em
relação à sociedade, mas simultaneamente constitui aquela, ou seja, constitui os espaços de sua própria experiência. Portanto,
a superação desta dicotomia, a superação da dicotomia intrapsíquico-interativo passa, precisamente, por uma representação
dialética da tensão necessária que existe entre elementos contraditórios em um mesmo sistema, que é o sistema da
subjetividade humana” (p.32/33).
captá-la de maneira exata, mas produzir uma imagem própria naquele dado
momento. Para clarificar esta idéia, Demo (1995) expõe que a objetividade procura
um retrato que reproduza com perfeição a realidade, porém o que se pode
apreender de fato é uma pintura, onde as tintas escolhidas e a condução do artista-
pesquisador são fundamentais para o ineditismo da obra-pesquisa.
Na Psicologia, as duas formas de compreensão de psicologia social o
utilizadas. Spink (2006) remete ao conceito de paradigma a fim de apontar para o
fato de que no campo da psicologia, e mais especificamente da psicologia social,
não ocorreu a superação de uma teoria pela outra, e constata a coexistência de
diferentes “histórias” e “atualidades”(p.565/566). Rey (2001) compartilha desta visão,
como fica claro no trecho a seguir:
Nós temos, na Psicologia, uma característica que é específica dessa ciência, que é
a de que as teorias nascem, se desenvolvem, mas não morrem. Na Psicologia um
marco teórico não supera outro pelo seu valor heurístico; ele se mantém e vai
crescendo, se modificando, se espalhando. Por isto, hoje, a Psicologia tem uma
grande policromia teórica, configurada por amplas famílias teóricas, no interior das
quais coexistem múltiplas aproximações contraditórias. (p.29)
4.1.1 Qualitativo ou Quantitativo: a escolha do método.
A pesquisa científica pode ser empreendida a partir de métodos quantitativos
e/ou qualitativos. Ambos são considerados científicos, porém diferentes, podendo
inclusive ser utilizados, em conjunto, em uma mesma investigação. Bauer, Gaskell e
Allum (2003) apontam alguns argumentos para combater a dicotomia entre estes
modos de pesquisa, mostrando caminhos para uma interlocução. Um dos pontos
destacados por estes autores, refere-se ao fato de não existir quantificação sem
qualificação, posto que os dados não possuem significado sem a interpretação do
pesquisador. Por outro lado, a pesquisa qualitativa traz uma outra possibilidade de
investigação, para além do tratamento estatístico, fornecendo resultados também
relevantes.
A respeito da dicotomia entre os métodos qualitativos e quantitativos, Minayo
e Sanches (1993) defendem a possibilidade de complementaridade metodológica:
[...] ambas as abordagens são necessárias, porém, em muitas circunstâncias,
insuficientes para abarcar toda a realidade observada. Portanto, elas podem e devem
ser utilizadas, em tais circunstâncias, como complementares, sempre que o
planejamento da investigação esteja em conformidade.(p.240)
O método utilizado na pesquisa aqui apresentada foi o qualitativo, abordagem
definida como aquela que:
[...] realiza uma aproximação fundamental e de intimidade entre sujeito e objeto,
uma vez que ambos são da mesma natureza: ela se volve com empatia aos
motivos, às intenções, aos projetos dos atores, a partir dos quais as ações, as
estruturas e as relações tornam-se significativas. (Minayo e Sanches 1993, p.244).
A opção por este todo decorre do entendimento de que o objeto da
psicologia é essencialmente qualitativo, já que esta se preocupa com um aspecto da
realidade que não é passível de quantificação ao aprofundar-se nos “significados
das ações e relações humanas, um lado não perceptível e não captável em
equações [...]”(Minayo, 1994,p.22).
4.2 Os Procedimentos Metodológicos.
Os procedimentos metodológicos da pesquisa em pauta foram divididos em
dois momentos. Primeiramente foi realizado levantamento e estudo de material
bibliográfico sobre a temática, além de busca por material em sites, comunidades do
Orkut, romances, filmes e seriados televisivos. Esta escolha se deu a partir do
entendimento apresentado por Brito (2005) de que: “[...] as subjetividades se
constituem e integram diferentes aspectos da cultura, influenciadas por múltiplas
práticas coletivas presentes no contexto social, político, educacional e midiático [...]”
(p.49). Guareschi et al (2000) apontam para uma Psicologia Social que possua
pluralidade teórica e metodológica. Esta perspectiva coincide com a compreensão
de Spink (2006) do método enquanto linguagem social, isto é, como modo de falar e
construir realidades sociais, o que proporciona a ampliação metodológica,
permitindo a utilização de recursos presentes no cotidiano.
Assim, estudar o tema “famílias com padrasto e/ou madrasta” requer uma
amplitude para as diversas formas de expressão e produção de subjetividades,
que a formação da subjetividade é inseparável do contexto social e é um produto
cultural (Silva, 2000). Como expõe Fonseca (2000): “os fenômenos psicológicos não
são dados, mas construídos através de práticas contingentes, sociais e históricas”
(p.44). Logo, remeter às produções culturais deste momento histórico permitirá
compreender, de maneira mais abrangente, o fenômeno do recasamento.
Em um segundo momento, os dados foram coletados por meio de entrevistas
individuais, semi-estruturadas, com pais e mães recasados. A escolha pela
utilização da entrevista semi-estruturada - também chamada de entrevista em
profundidade (Gaskell, 2003) - ocorreu devido a adequação desta metodologia de
coleta de dados ao objetivo e fundamentos teóricos desta pesquisa, que a
finalidade do trabalho qualitativo é “explorar o espectro de opiniões”(Gaskell, 2003,
p.68). Este instrumento, portanto, é coerente com a abordagem qualitativa, como
apontam Minayo e Sanches (1993): “O material primordial da investigação qualitativa
é a palavra que expressa a fala cotidiana, seja nas relações afetivas e técnicas, seja
nos discursos intelectuais, burocráticos e políticos” (p.245).
As entrevistas podem ser classificadas em estruturadas, inestruturadas e
semi-estruturadas (Moura e Ferreira,1998). O primeiro tipo possui um roteiro pré-
estabelecido, fechado, no qual o entrevistado possui um número restrito de
possibilidades de respostas. O segundo modelo é a inestruturada, denominada
também de aberta ou não-estruturada (Cruz Neto, 1994), termo que refere-se à
ausência de um roteiro e de limitações para a fala do entrevistado.
A entrevista semi-estruturada, que foi utilizada na presente pesquisa, seria o
meio termo entre os dois modos citados anteriormente. Apesar de haver um roteiro
prévio, este é flexível e pode ser acrescido de alguma pergunta no decorrer da
entrevista com o intuito de iluminar ou explorar aspectos relevantes para o tema
estudado, portanto, trata-se de um norteador que conduz a entrevista. Este
instrumento foi construído a partir de temas relevantes para atender ao objetivo da
pesquisa. A primeira pergunta funcionou como um “quebra-gelo” e teve como função
facilitar ao entrevistado responder às próximas questões de forma descontraída,
uma vez que apresentava um conteúdo mais simples e pouco ansiogênico. Cabe
ressaltar que a entrevista é o procedimento mais empregado na pesquisa qualitativa
e que ela “não significa uma conversa despretensiosa e neutra”(Cruz Neto, 1994,
p.57).
As perguntas serviram para despertar o entrevistado para a temática em
questão, a fim de que este pudesse se expressar e refletir a respeito do ponto
abordado. Para tal, é necessário que o pesquisador promova, por meio de uma
postura de diálogo, um ambiente seguro que estimule o entrevistado a falar, conceito
relacional denominado de rapport.(Gaskell, 2003).
O roteiro da entrevista
36
foi previamente testado em sua abrangência e
pertinência por intermédio do recurso da realização de entrevistas-piloto com um pai
e uma mãe recasados. Deste modo, buscou-se aprimorar o instrumento a fim de que
o mesmo atendesse aos objetivos traçados para a pesquisa.
Antes de cada entrevista foi apresentado, aos sujeitos, o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido
37
, de acordo com as exigências éticas. Neste
termo constavam explicações sobre o tema, os objetivos e os métodos da pesquisa,
além de informações sobre a possibilidade do sujeito desistir da pesquisa a qualquer
momento. Foi avisado que os dados coletados no decorrer da entrevista não seriam
diretamente relacionados aos participantes, preservando-se o sigilo quanto à
identidade do entrevistado e das pessoas por ele citadas, nas publicações referentes
à pesquisa.
36
O Roteiro da Entrevista encontra-se no apêndice A.
37
O Termo de Consentimento encontra-se no apêndice B.
No decorrer das entrevistas, as verbalizações dos entrevistados foram
anotadas pelo pesquisador e não houve uso de gravador. Posteriormente às
entrevistas, foram minutadas no diário de campo todas as impressões e informações
que não são passíveis de captura por meio de outras técnicas de pesquisa. Este foi
um instrumento importante na fase de análise, pois contextualizou o momento da
entrevista e complementou os dados com informações não verbalizadas.
Amostra
Foram realizadas entrevistas com 5 pais e 5 mães recasados após separação
conjugal, integrantes de famílias diferentes, residentes no Estado do Rio de Janeiro,
de classe média e que coabitavam com seu atual companheiro. Não houve limitação
de faixa etária e nem qualquer outra restrição.
Segundo a categorização de amostragem apresentada por Moura e Ferreira
(1998), esta pesquisa teve uma amostra não-representativa da população, que
estudos de natureza qualitativa o possuem como foco a generalização dos
resultados, mas a compreensão do fenômeno social. Esta amostra se caracterizou
por ser uma amostra acidental, pois as pessoas foram selecionadas a partir da
disponibilidade em colaborar com o estudo. Como expressa Gaskell (2003), na
pesquisa qualitativa não um método a ser seguido para selecionar a amostra.
Esta é uma constatação que difere dos procedimentos adotados na definição da
amostragem pelas investigações quantitativas, uma vez que as mesmas apresentam
preocupação com uma representatividade populacional, alcançada por meio de
análise probabilística.
Os participantes desta investigação foram selecionados a partir de indicação
de terceiros. O primeiro contato foi realizado pela pessoa que o indicou, a fim de
verificar o interesse em participar da pesquisa e sua adequação à amostra proposta.
Posteriormente, cada entrevistado foi abordado por telefone pela pesquisadora, com
o objetivo inicial de acordar o local e horário disponíveis para a entrevista. Neste
telefonema o participante foi informado a respeito do tema e do objetivo da pesquisa,
além do caráter sigiloso dos seus dados e informações pessoais, conforme
orientações éticas.
4.2.1 Análise dos dados
A fase de análise dos dados pode apresentar três dificuldades para o
pesquisador transpor (Minayo, 1993). Uma delas é a ilusão da transparência, ou
seja, a idéia de que o conteúdo está evidente. O segundo obstáculo é o grau de
envolvimento com a técnica, isto é, o pesquisador prende-se ao método e perde de
vista outros dados do material. E por fim, o desafio de unir os dados obtidos às
teorias.
A escolha por um modo de análise de dados deve estar de acordo com a
opção por um todo de obtenção dos mesmos (Rizzini,1999). Assim, a decisão
pela coleta de dados por meio da entrevista semi-estruturada, dentro de uma
abordagem qualitativa, está em consonância com a determinação da análise de
conteúdo como técnica para tratamento dos dados.
O material obtido nas entrevistas foi organizado de acordo com categorias,
pois como Gomes (1994) observa, “[...] uma das técnicas mais comuns para se
trabalhar os conteúdos é a que se volta para elaboração de categorias”(p.75). As
categorias, segundo Moura (1998), devem ser construídas de acordo com o
referencial teórico que embasou o estudo, e podem ser criadas por meio de duas
fontes, durante a análise ou pelos entrevistados. O importante, segundo a autora, é
que as categorias expressem os dados.
Para Rizzini (1999), na prática, estas categorias são formuladas antes mesmo
das entrevistas, porém devem ser alteradas e adequadas ao material produzido pelo
entrevistado. Gomes (1994), no entanto, compreende que as categorias podem ser
formuladas em três momentos, antes da entrevista, na fase exploratória ou após a
coleta de dados. Este autor exemplifica o modo como se desenvolve o trabalho de
categorização ao apontar três princípios: as categorias devem derivar de um único
núcleo de classificação, o número de categorias deve ser suficiente para englobar
todas as respostas, e uma resposta não pode fazer parte de mais de uma categoria.
A análise de conteúdo não possui um modelo único a ser seguido, em
contrapartida, é possível identificar algumas regras básicas (Rizzini, 1999). Algumas
destas regras coincidem com as citadas por Gomes (1994), como homogeneidade,
que é o uso de critério único para definição das categorias; exaustão que
corresponde ao fato de ter categorias suficientes para abarcar todas as respostas
dadas; e exclusão mútua que determina que cada resposta seja incluída em uma
única categoria. Rizzini (1999), além de considerar as regras apontadas por Gomes
(1994), acrescenta outras, tais como: a pertinência que é a criação de categorias
somente em consonância com o material apresentado, e a objetividade que trata da
clareza dos procedimentos adotados a fim de que outro pesquisador possa
reproduzi-los.
A análise de conteúdo pode ser entendida como aquela que:
[...] articula a superfície dos textos descrita e analisada com os fatores que
determinam suas características: variáveis psicossociais, contexto cultural, contexto
e processo de produção da mensagem. (Minayo, 1993, p.203).
Gomes (1994) define três fases para a análise de conteúdo. A primeira fase
seria a pré-análise, na qual o material será organizado a fim de redefinir as
categorias e adequá-lo ao objetivo do estudo. Minayo (1993) inclui nesta etapa a
importância de uma “leitura flutuante”, que irá permitir uma maior familiarização com
o material e sua relação com as hipóteses e teorias pesquisadas.
A segunda fase exploração do material- refere-se a aplicação aos dados do
que foi determinado na fase que a precede. A última etapa consiste no tratamento e
interpretação dos dados. Apesar da freqüente utilização de levantamento estatístico
nesta fase, Minayo (1993) aponta para o trabalho com significados ao invés de
necessariamente focar em informações estatísticas, uma vez que esta pesquisa é
qualitativa. Como expõe Gomes (1994) pode-se focar, por exemplo, nas “[...]
ideologias, tendências e outras determinações características dos fenômenos que
estamos analisando”(p.76). No entanto, sem excluir dados estatísticos que possam
saltar aos olhos do pesquisador ou serem relevantes para a compreensão do
contexto estudado.
5. Resultados:
Compreende-se que toda entrevista revela a perspectiva daquele que conta a
história, portanto, cada integrante da família com padrasto e/ou madrasta
entrevistado vivenciou o processo de modificação familiar de forma diferenciada e,
assim, cada um apresenta olhares, fatos e sentimentos diversos. Além do ponto de
vista individual, cada entrevistado revela “[...] representações de grupos
determinados em condições históricas, sócio-econômicas e culturais específicas”
(Minayo e Sanches, 1993, p.245).
Logo, como apontado por Cherlin e Furstenberg (1994/5), cada membro da
família descreve a realidade familiar de maneira diversa. Portanto, ocorreu com os
enredos narrados pela amostra desta pesquisa, o que Maynard (2007) descreveu,
em seu conto, como “edição seletiva” que:
[...] transforma a história, claro - e o para quem ouve. Para quem conta
também. Porque toda vez em que recontava a minha versão do divórcio, ao longo
dos anos, eu a solidificava mais e mais, até o ponto em que se tornou difícil lembrar
o que eu amara tanto naquele homem [...] (p.30/31)
Na investigação que se desenvolveu, a pesquisa de campo realizada teve
como amostra dez entrevistados, sendo cinco pais e cinco mães recasados após
separação conjugal
38
, residentes no Estado do Rio de Janeiro, de classe média. A
maioria dos entrevistados estava na faixa de 41 a 50 anos e possuía um único filho
da união anterior, sendo que uma entrevistada tinha quatro filhos e outro
entrevistado era pai de três filhos. Destes filhos, a faixa etária variava de 3 a 32
anos. Aqueles que tinham filhos da união atual, a maioria possuía um único filho, e a
faixa etária predominante era de até três anos de idade.
Na busca pela amostragem, observou-se relutância de alguns pais e mães
recasados em conceder a entrevista. Duas pessoas que se ofereceram para indicar
conhecidos
39
, quando foram confirmar com os mesmos se eles estariam dispostos a
falar sobre o assunto, obtiveram respostas negativas. Uma delas escreveu por e-
mail: “os poucos recasados que conheço nem cogitaram uma entrevista...”.
Dos que concordaram em conceder entrevista, grande parte optou por realizá-
la em sua residência. Apenas três entrevistados escolheram o local de trabalho e,
somente uma entrevista foi feita em um local diverso da casa ou do trabalho do
38
Esta distinção é importante, pois não se trata de famílias formadas após viuvez, mas após separação conjugal.
Cabe ressaltar que não foi critério ser, necessariamente, uma separação judicial.
39
Conforme descrito na metodologia, o contato com os entrevistados foi realizado por intermédio de terceiros
que os indicavam.
entrevistado, neste caso a entrevista foi concedida em um shopping, pois a
entrevistada informou que em sua casa há muito barulho.
As entrevistas duraram em torno de uma hora. Apesar do roteiro da entrevista
ser composto por 10 perguntas, notou-se que as pessoas se estendiam ao abordar
os assuntos, demonstrando gostar de ter um interlocutor para falar sobre sua
dinâmica familiar. De forma geral as entrevistas com as mulheres foram mais longas,
porém observou-se que ao término da entrevista os homens permaneciam
conversando sobre o tema e falavam de forma mais aberta e a vontade,
equiparando assim o tempo de entrevista.
De acordo com o que foi levantado nas entrevistas, os atuais relacionamentos
tinham, em sua maioria, menos de dez anos de união. A maioria dos filhos da união
anterior, no momento do recasamento, contava com idades na faixa de até 10 anos.
Logo, quando ocorreu a chegada do padrasto e/ou madrasta, os enteados, em
grande parte, eram crianças. Este dado foi obtido por meio da análise conjunta desta
questão com as respostas da pergunta quebra-gelo, onde foram fornecidas
informações sobre o número de filhos e suas idades.
No roteiro da entrevista ao se perguntar aos entrevistados o tempo de
duração do atual relacionamento, não se teve a intenção de saber se a pessoa era
legalmente casada, mas se buscava avaliar a faixa etária dos filhos no momento da
união e o tempo de convívio com o padrasto/madrasta. Considerou-se este fator
relevante para a compreensão da receptividade dos enteados ao padrasto e/ou
madrasta, que os estudos mostram resultados diferentes segundo a faixa etária
do enteado (Wagner e Sarriera, 1999; McGoldrick e Carter, 1995 e Grisard Filho,
2003).
Dois entrevistados apresentaram dúvidas quanto ao período da união
conjugal que a pergunta citada acima se referia, e um deles indagou: “namorando ou
vivendo junto?”. O outro questionou: “Casamento ou tudo?”. Entretanto, seis
entrevistados responderam diretamente o tempo total de relacionamento, incluindo
namoro, noivado (quando existiu) e coabitação.
Como proposto na metodologia, a análise dos dados foi organizada em
categorias.
5.1- A definição de família
Ao se perguntar aos entrevistados quem fazia parte de sua família, notou-se
que esta questão gerou dúvida, sendo que praticamente a metade dos entrevistados
manifestou incerteza por meio de perguntas: “Como assim? Família original?”,
“Como assim? Todo mundo?”, “Em que sentido?”, “Ué...” ou mostraram-se
surpresos, com dificuldade de compreensão do que era demandado. Foi nítida a
dúvida se a coabitação seria um parâmetro ou não, e qual parâmetro deveria ser
utilizado.
Observou-se que os critérios utilizados pelos participantes da pesquisa para
definir família foram diferentes, sendo que os entrevistados não consideraram
necessariamente a família a partir da coabitação. A utilização do critério de
coabitação ficou restrita às mães, sendo que três entrevistadas partiram deste
conceito para delimitar sua família, quando uma delas relatou: “Entendo que família
é quem está na minha casa. Meus pais são meus familiares, não sei se tem
diferença na palavra”(M1
40
). A entrevistada deixou clara a distinção entre sua família
que seria a da coabitação, e aqueles que são seus “familiares”, apesar de
demonstrar insegurança quanto a esta diferenciação. Outra entrevistada, M4,
afirmou: “Eu, meu marido atual, os dois [filhos] e mora mais uma sobrinha comigo”,
evidenciando sua opção pela coabitação ao incluir a sobrinha.
M5 define inicialmente sua família pela residência comum, apontando que
somente ela e seu marido compõem a “família nuclear”, expressão utilizada pela
própria entrevistada. No entanto, faz uma diferenciação entre família principal, que
incluiria seus pais, irmãos, filha e genro, e “um segundo patamar mais amplo” que
abrangeria noras, cunhadas e cunhado.
Família nuclear aqui, só eu e meu marido. Tem meus pais, irmãos, minha filha, meu
genro que é como um filho. Esta eu entendo como minha família principal, mas
existe uma outra amplitude do conceito, que abrange noras, cunhadas, cunhado,
como um segundo patamar mais amplo (M5).
A indecisão quanto a determinação dos membros da família e sua
composição promoveu a criação de divisões. O entrevistado H1, por exemplo,
separou sua família em “núcleo”, composto por ele, a atual mulher e as duas filhas, e
apontou “se quiser ampliar: pai, mãe, afilhada que foi criada pela gente. A mãe da
40
A fim de preservar a identidade dos entrevistados, as mulheres foram denominadas de M1, M2, M3, M4 e M5,
enquanto os homens foram identificados como H1, H2, H3, H4 e H5. O genograma de cada família encontra-se
no apêndice C. O objetivo destes genogramas é apenas facilitar a compreensão da organização familiar.
minha mulher, que é muito presente”. Enquanto H2 limitou-se aos seus dependentes
no plano de saúde, isto é, sua esposa atual e seus quatro filhos, apesar de apenas
dois filhos residirem com ele. Acrescentou, ainda, que gostaria de incluir o pai no
plano de saúde, mas como exigiam que o dependente morasse com ele, não pode.
Outros dois entrevistados falaram que a família era composta por “minha
mulher e meus filhos”, independentemente do fato dos filhos residirem com ele ou
não. Porém, ambos fizeram questão de frisar que se referiam a “atual mulher”,
mostrando assim que definiam sua família a partir da conjugalidade atual e dos filhos
provenientes das diversas uniões.
Cabe ressaltar que dos 10 entrevistados nenhum incluiu o ex-cônjuge ou
qualquer integrante da família do mesmo em sua resposta. Dentre os três que o
atual cônjuge possuía filhos de relacionamento anterior, somente um entrevistado
incluiu os enteados como membros da sua família. No entanto, este a nomeou de
uma “família entre aspas”.
Apenas duas entrevistadas definiram a família em termos de família extensa,
incluindo pais e irmãos, sendo que uma incluiu a neta e a outra os sobrinhos.
No decorrer das entrevistas, duas mães incluíram a percepção da família
extensa sobre o seu recasamento, porém uma delas referia-se à própria mãe,
enquanto a outra se remetia às famílias dos ex-cônjuges:
Eu acabei falando do que minha mãe pensa, porque é importante ver o que a
família pensa sobre casar e recasar. O medo da minha mãe é “solteira com um filho
de cada pai” [...] Minha mãe falou que outro dia viu uma reportagem de uma mulher
que casou 4 vezes e na quarta vez voltou para o primeiro. E falou: “Só que ela
não tinha filho, você, o X
41
[ex-marido] não vai aceitar com filho de outro homem”.
Ela não percebe que eu estou feliz, ela não aceita, mas eu liguei o f..., é a minha
vida, o vou ficar dependendo da opinião dela para decidir. Às vezes sou
intransigente, assumo. (M1)
Eu não vejo assim: meu primeiro, segundo, terceiro. As famílias deles são minha
família. Tanto que ahoje os irmãos do primeiro e do segundo me chamam de
cunhada, porque falam que cunhado não se separa. Não existe ex-cunhada. Sou
convidada para tudo. (M3)
41
Buscando manter o sigilo sobre a identidade dos integrantes da família, seus nomes foram substituídos pelas
letras X, Y ou Z.
5.2 Vivência própria do papel de padrasto/madrasta
Dos dez entrevistados, somente três estavam recasados com companheiros
que possuíam filhos de um relacionamento anterior. Destes, dois viveram com os
enteados por anos, e um recebe a visitação quinzenal da enteada. Portanto, pode-se
observar como duas mães e um pai vivenciaram também o papel de madrasta e/ou
padrasto, como disposto abaixo.
O pai e também padrasto, H5, relata que atualmente o contato com os
enteados é “muito bom”, mas que enquanto moravam juntos “havia muitos conflitos”.
Ao ser solicitado que explicasse um pouco mais a respeito destes conflitos,
expressou: “Conflito de autoridade, é muito complicado este negócio de segunda
família” e, após uma pausa completou “era um negócio complicado porque a X
[esposa] sempre protegeu muito eles, era difícil eu entrar. Na hora do pega para
capar [diziam] ‘você não é meu pai!’”.
Sua experiência enquanto padrasto propiciou uma visão comparativa da
atuação da atual esposa como madrasta de sua filha, revelando que a relação das
duas é muito ruim: “Acho que as duas estão erradas, mas a X [esposa] tinha que ser
mais madura. Eu segurei a peteca com os filhos dela, por vê-los como mais infantis.
Por ela ser adulta deveria ser mais tolerante”.
Quanto à posição de madrasta ocupada pela entrevistada M5, suas enteadas
eram adultas quando todos foram morar juntos, e sua relação com a filha mais
velha do seu atual marido foi positiva, mas com a enteada mais nova foi difícil.
Segundo a entrevistada esta enteada é “muito, muito, muito complicada e
manipuladora”. Atualmente, todas residem em suas próprias casas, e M5 aponta
para o estabelecimento de “um contato civilizadamente distante” com esta enteada.
A entrevistada, M1, que não coabitava com a enteada, que ainda é uma
criança, define que seu contato com a mesma: “É ótimo, ela é boazinha, me aceita
numa boa, também quando ela nasceu o pai era separado da e dela”. No
entanto, sua relação com a enteada é recente, posto que o pai ficou afastado da
filha devido a obstrução de visitação por parte da mãe da criança. M1 conta o
ocorrido:
Ela [a ex] sempre fez chantagem, tanto que ele teve que entrar na justiça para
poder vê-la [filha], da última vez ficou um ano sem vê-la, antes aconteceu quando
ela tinha 4 anos. Quando a menina era pequena [a mãe] dizia que ele não sabia
cuidar, depois que cresceu disse que ela [filha] não queria ir. (M1)
Relatou, ainda, um episódio onde se evidencia o quanto é conturbada a
relação do atual marido com a ex-esposa: “Quando fomos para [outra cidade]
decidimos voltar no dia seguinte, o sei o que a mãe falou, mas ela [filha] chorou,
aí o pai falou ‘vem cá, você está com seu pai, você não vai decidir isso”.
5.3 Contato com a(o) ex do seu (sua) atual cônjuge
A respeito do contato com o ex de sua atual esposa, H5 afirma ser muito
próximo do pai de seus enteados:
Eles tinham carência de pai, que abandonou, depois ele voltou e queria assediá-los,
eles rejeitavam, não atendiam a porta e ele embaixo. Hoje ele é muito meu
amigo, dentro do possível, pois eu incentivei o contato, “pai é pai”, sempre defendi
muito ele. Ele gosta imensamente de mim, ele falou para mim: “tenho sorte de ter
sido você que tomou conta dos meus filhos, se tivesse sido outro...”. Não tivemos
nenhum conflito eu e o X [ex marido da atual esposa]. Convivo com ele, vem nas
festas aqui em casa. (H5)
Contudo, a outra entrevistada que residiu com as enteadas descreve o
contato com a ex-esposa do seu atual marido de forma bastante distinta, pois
tiveram que recorrer à justiça para resolver questões referentes ao apartamento,
uma vez que o ex-casal não havia dividido os bens. Ao falar da relação da ex-
esposa do atual marido com suas filhas, ou seja, com as enteadas da entrevistada,
M5 mostra que a dificuldade de relacionamento com a ex-esposa do marido não é
exclusividade dela: “Tinha um contato tumultuado como tem até hoje [com as filhas],
desconstrutivo, negativo, ruim”. Descreve que a mãe não aceitou a filha em sua casa
quando uma delas solicitou morar lá, mas no momento do litígio do apartamento,
tentou levar uma filha para residir com ela somente para conseguir ficar com este
imóvel.
com M1, seu relacionamento com a ex-esposa do atual marido é mediado
por ele, tendo falado por telefone com esta uma vez, em decorrência da visitação da
enteada:
Quando ele estava sem ver a filha, eu falei com ela no telefone, e falei que tenho
uma filha e disse que nunca proibi dela ver o pai, ela é uma outra pessoa, se eu
punir ele, tirando a presença dele, eu vou estar punindo ela, e me punindo, porque
vou vê-la triste, “você não sabe o que aconteceu no passado”- ela falou, eu não sei
o seu, mas sei o meu, eu fui casada, convivi muitos anos com a família dele, meu
divórcio foi pior que o teu... estou falando como mãe e não como mulher do X [atual
marido da entrevistada]. (M1)
Apesar desta situação demonstrar a tentativa de estabelecer um contato por
telefone desvinculado da posição de madrasta, M1 acredita que o diálogo não surtiu
efeito, pois a mãe continua sem permitir que a filha ligue para o pai. A seguir, a
entrevistada narra o encontro que teve com a mãe da enteada, no qual é possível
identificar a hostilidade velada:
O X [marido da entrevistada] nem deixa que eu tenha contato com a Y [ex-mulher
do marido da entrevistada]. Fomos levar para patinar no gelo, e encontrei com ela
na porta da casa, ela foi sociável, ela internamente querendo me matar e eu
internamente querendo dar uma dentada nela. E “tudo bem”, “beijos”. Aquele
sorriso de bolso, amarelo e por dentro pensando “safada”. (M1)
Portanto, na amostra entrevistada, as duas mulheres que ocupavam também
a posição de madrasta, apresentaram dificuldades de relacionamento com a ex-
esposa do atual marido, e o único homem que se encontrava nesta situação relatou
ter ótimo contato com o ex-marido de sua atual esposa.
5.4 Contato com seu(s) próprio(s) ex(s)
Ao longo do trabalho notou-se que expressar, de maneira clara, quais
personagens desta trama familiar estão sendo abordados em cada momento do
texto, é uma tarefa complexa. Destaca-se, portanto, que este item refere-se ao
relacionamento que os pais/mães recasados estabeleceram com seus próprios ex-
cônjuges.
Assim, no que tange a relação com seu próprio ex, dois relatos despertaram
interesse por se apresentarem de forma oposta. A mãe M3 conta que é próxima dos
dois ex-maridos, inclusive, reúnem-se em festas familiares:
Em festa minha? o, até freqüentam a minha casa. No fundo ele [atual marido]
tem um pouco de ciúmes, mas deixei bem claro desde o início do relacionamento,
não tem porque mudar, estamos tão bem. Quando tem aniversário, eles vão e
estão sempre com a esposa, tanto o primeiro quanto o segundo e, quando fazem
algumas festinhas, também me convidam. (M3)
Por outro lado, o pai H4, parece estar satisfeito com o distanciamento das ex-
esposas:
Eu tenho uma relação com ex-casamentos bastante sossegada. Não tenho
convivência com as ex-esposas de nenhum tipo [...] Acho que ninguém é infeliz por
isso, acho que foi uma coisa muito tranqüila de parte-a-parte. Este modo de
convivência de alguma forma funciona. [...] Não foi aquela coisa de todo mundo se
encontrar e tomar chopp junto. (H4)
Estes trechos, dos dois entrevistados, apontam para a existência de caminhos
distintos para lidar com as modificações familiares, uns optam por se reunir com os
ex-cônjuges, outros escolhem o afastamento e ambos parecem realizados com
suas decisões.
5.5 Modelo de guarda dos filhos
Quanto à guarda dos filhos do relacionamento anterior, apenas um
entrevistado possuía a guarda alternada, compreendendo o funcionamento deste
modelo da seguinte maneira: “A guarda é partilhada, 3 vezes comigo, 3 com a mãe e
a gente reveza o sábado. É a de fato, não esta do Lula”(H1). Ao falar sobre a guarda
“do Lulareferia-se a lei, aprovada em 13 de junho de 2008, que define a Guarda
Compartilhada, dispositivo que foi discutido no capítulo 2.
Cabe esclarecer que a guarda alternada consiste em dias da semana pré-
estabelecidos, nos quais a criança deverá residir com o pai ou com a mãe, quando
um deles será responsável integralmente pelas decisões referentes ao filho no
período que estiver morando com ele. Assim, exerce-se uma guarda monoparental
alternada, que cada um será o guardião quando o filho estiver sob sua vigilância.
H1 relata como foram estipuladas as datas e a flexibilização que deve ocorrer para
adequar-se à faixa etária da filha: “Fizemos uma data sagrada, domingo, segunda e
terça comigo e quarta, quinta e sexta com a e e sábados alternados, desde 1999
que é assim. Hoje que ela é adolescente com 15 anos, a relação é mais a três,
negociamos as datas.”
A determinação deste modelo de guarda partiu da filha que contava com
apenas 6 anos na época da separação: “a guarda foi imposição da minha filha, ela
queria... a mãe queria o tradicional de 15 em 15 dias, mas a filha com 6 anos ‘deu
uma dura’ e a mãe aceitou. Ela [filha] foi um ator participante”(H1). A oficialização
desta decisão no judiciário foi adiada devido ao temor de ser modificado o acordo:
O divórcio demorou a sair, porque como eu confio no Judiciário [fala com ironia],
decidi esperar a X [filha] ficar mais velha para que não recusassem o modelo de
guarda, ou se caso o Ministério Publico ou Juiz falasse algo, ela pudesse se
manifestar pela idade. (H1)
Dois entrevistados viveram mudanças no modelo de guarda com o passar dos
anos isto é, em alguns momentos coabitaram com seus filhos, e em outros
passaram a condição de visitante, ou melhor, não-guardião.
O pai, H2, conta que inicialmente os dois filhos ficaram com a mãe, mas em
decorrência de a mãe ter ido residir com outra pessoa, os filhos ficaram sob seus
cuidados por quase um ano, depois retornaram à residência materna. Atualmente
um deles voltou a morar com o entrevistado, já que a mãe mudou para outro Estado.
Na época de visitação o pai afirma que os filhos “não eram muito de ficar saindo,
porque eram adolescentes, logo não era de 15 em 15 dias, não tinha uma rotina
de visita. Na prática, às vezes, eu via toda semana, quando precisava levar ao
médico eu levava”. Contudo, com sua filha da segunda união o acordo foi diferente:
Eu dou a ela mensalmente a pensão, não é nem oficialmente, o tem recibo,
compro material escolar também. [...] Ligo para ela quase todo dia, pego ela
esporadicamente, semana sim, semana não, posso ficar sem pegar, mas vou lá vê-
la. Levar aos médicos. Não tem algo oficial, de 15 em 15 dias, não tem esta
padronização de dias certos. (H2)
Este pai, portanto, administra arranjos de guarda diversos, o que aponta para
a falta de um único modelo de guarda, permanente e imutável, presente em todas as
famílias.
A entrevistada M3, que hoje possui a guarda das duas filhas do segundo
casamento, define o cuidado assim: “eu que crio, eu que cuido, eu que faço tudo. O
pai de 15 em 15 dias e paga uma pensão simbólica”, porém M3 viveu uma
realidade diferente após o primeiro divórcio, pois seus dois filhos mais velhos foram
separados, um ficou com ela e outro com o pai. Ela explica:
Quando me separei [...], voltei para casa da minha mãe e ela falou que poderia
ficar com um, então a menina ficou comigo e o pai ficou com o menino até os 15
anos. Depois revezava entre nossa casa e a do pai. [...] O pai pegava a menina de
15 em 15 dias. Às vezes ele deixava o X [filho] , mas eu não me recordo muito
não. (M3)
A mãe sente-se muito culpada por não ter ficado com a guarda de ambos os
filhos, pois “não tinha maturidade, perdi todas as festinhas da escola”, e tentou suprir
sua ausência acompanhando, posteriormente, o desenvolvimento do filho na
faculdade.
Em alguns casos, apesar de existir uma decisão judicial pela visitação
quinzenal, as datas eram negociadas e outras formas de contato eram criadas.
Como declara o pai, H5, que além dos finais de semana, almoçava com a filha uma
vez por semana: “Sempre tive uma relação muito intensa com a minha filha, não de
horas de vôo, porque ela morava com a mãe dela, mas sempre estive presente, isso
é relativo você pode morar junto, mas não ter cumplicidade”. O entrevistado também
tinha acesso à ex-mulher para conversar sobre assuntos referentes à filha somente
quando a mesma havia alcançado certa idade, que o pai passou a decidir as
questões com a filha. Ele descreve esta transição:
A minha separação não foi... foi traumático porque toda é, mas não foi agressiva.
Acabei ficando amigo dela. Falava no telefone sobre ela, o concordava com
algumas coisas... [...] Um dia disse “chega”, sempre me cobrando uma atuação,
“não quero mais falar com você sobre a X [filha], quero me relacionar com a X
[filha], vou falar diretamente com ela” (H5)
A entrevistada, M2, responde que a visitação fica a critério do pai: “De 15 em
15 dias está com o pai, de sexta à domingo. Às vezes pula uma vez e vai no terceiro
fim de semana, às vezes uma vez por mês. Depende do pai dele que trabalha muito.
Sábado o pai dele foi na festa junina ver ele dançar.”(M2). Contudo, o contato entre
seus filhos e os filhos provenientes do recasamento do ex-marido, encontra como
obstáculo a atual esposa do ex-marido, que não permite a ida dos filhos à casa da
entrevistada.
Outra entrevistada contou que o ex-marido foi residir em outro Estado, mas
embora distante, mantém contato com o filho e, segundo ela, são muito próximos:
“meu filho tem contato com ele na casa dos avós quando o pai vem. E vai para
[outro Estado] ver o pai, tem contato super próximo, apegado ao pai” (M4).
Por outro lado, um entrevistado, apesar de ter montado um quarto para a
filha e ter facilidade de trocar fins de semana, assinala que gostaria de mudar esta
situação:
Tem vezes que você gostaria que estivessem todos presentes, mas [a filha] está na
casa da mãe, lido muito bem, não tem como mudar isso, a vida se encarregou que
fosse assim, é assim, tem que fazer o melhor (H3).
Este relato aponta para a distância, entre pais e filhos, que pode ser
propiciada pelo arranjo de guarda unilateral, o mais utilizado no Brasil, quando a
mãe fica com a guarda da criança, enquanto o pai tem acesso ao filho somente de
15 em 15 dias. No caso do entrevistado, apesar de poder encontrar sua filha com
um pouco mais de flexibilidade, pois consegue trocar finais de semana, aponta que
seu contato fica limitado e que gostaria de passar mais tempo com ela.
Por outro lado, uma entrevistada e o ex-marido optaram judicialmente pela
visitação livre. No entanto, sente-se culpada pelo afastamento do pai de sua filha:
“Acabou que ficou até pior... deixei livre e quase não vê... acho que às vezes a culpa
é minha... se é de raiva que eu pedi o divórcio ele não queria... se é a mulher que
ele está agora”(M1).
Tal qual a entrevistada que fez menção a distância geográfica que separava o
ex-marido do filho devido à mudança para outro Estado, outra mãe atribuiu a
distância entre pai e filha ao retorno do pai de sua filha ao seu país de origem.
Apesar da primeira entrevistada dizer que o contato se manteve, a segunda explicou
que esta distância afastou pai e filha. Contudo, o pai que agora vive em outro país,
cumpriu inicialmente o acordo de visitas quinzenais a filha após a separação, pois
nessa época vivia em uma cidade próxima da ex-mulher. Porém, depois que
recasou, decidiu voltar ao seu país, e a relação com a filha ficou distanciada, como
conta M5: “Eles se falavam por telefone um pouquinho, por e-mail um pouquinho,
sempre coisas desastrosas, ele perdeu a noção da idade dela, ela amadureceu
muito, a própria separação propiciou isso”(M5). Quando a filha alcançou a idade de
18 anos, decidiu ir resgatar a relação com o pai, distante 10 anos, porém a
experiência não foi positiva, pois, de acordo com a mãe, ela:
Não gostou do que viu e voltou. O pai estava casado com esta brasileira e [a filha]
ficou muito decepcionada, porque o pai estava paquerando outra mulher, ela
pensou: “nossa... a história se repete, não se estabiliza, traiu a minha mãe e agora
a nova mulher”. Até hoje ela menciona isso como falha de caráter. (M5)
Esta busca pelo pai após longo afastamento também foi encontrada no relato
de um pai que conta: “A visitação era dificultada. Ela [ex-esposa] tinha uma situação
boa e decidiram me alijar [...] Logo, nos aproximamos quando ela [filha] entrou na
faculdade, ela me procurou” (H4). No entanto, mesmo retomando a relação com a
filha, não se estabeleceu um vínculo parental. A respeito de sua filha, H4 expressa
de forma resignada que não exerceu a paternidade:
Eu tenho muito bem resolvido que o padrasto foi o pai dela, ele foi o pai dela, o
conhecimento que tenho dela é bastante formal, não tive dia-a-dia. Minha filha mais
velha eu conheço desconhecendo.(H4)
A substituição do pai pelo padrasto, manifestada pelo entrevistado H4 na fala
supracitada, também foi observada em outros relatos. Nos três casos que se
seguem, foi diante da ausência do pai que o padrasto ocupou, ou desejou ocupar,
este espaço. No caso da entrevistada M1, o padrasto de sua filha foi gradativamente
aproximando-se deste lugar, devido às longas ausências do pai da menina. No
entanto, como este padrasto também é pai separado de uma união anterior e tem
dificuldades para ver sua filha por conta da obstrução imposta pela ex-mulher, teve
receio em assumir este papel de pai da enteada com medo de que outro homem
pudesse fazer o mesmo com sua filha. Como esclarece M1: “Ele também queria
chamá-la de filha, mas ele não se colocou no lugar de pai, porque ele não ia querer
que outro homem fosse chamado de pai pela filha dele”. Hoje o padrasto, segundo a
entrevistada, não faz distinções:
Como se ela fosse filha dele, isso eu agradeço a Deus ter encontrado um homem
que cuida da minha filha como se fosse dele. Ela liga para ele e diz: “pai, traz um
pirulito?” Ele traz, acaba que o X [pai] não faz falta, ele é “pai conta bancária”
porque ela sabe que ele existe porque deposita dinheiro na conta dela. Não
serve nem de porta-retratos, igual ano passado no Dia dos Pais, eu falei que tinha
que separar uma foto para a escolinha, ela pegou “aqui foto do meu pai” e era do Y
[padrasto]. (M1)
A entrevistada M3 conta que sua filha pediu para chamar o padrasto de pai,
mas pelo seu relato é possível notar que este pedido não implicaria no fim do desejo
de reconciliação entre a mãe e o pai:
A Y [filha] de 6 anos pediu para ele [padrasto] se podia chamá-lo de pai. Ele ficou
meio assim. Ela disse: “O meu pai verdadeiro é o X, você vai ser o pai de
mentirinha”. Ela dizia até pouco tempo que amava mais ele do que o pai, mas ela
perguntou porque eu não voltava para o pai dela. (M3)
O entrevistado H5 afirma que, em relação aos seus enteados, buscou deixar
bem clara a distinção entre ele e o pai dos mesmos, porém no decorrer da entrevista
parece mostrar-se orgulhoso de ter sido “pai” de seus enteados, mas ainda tenta
manter a diferenciação:
Mas não entrei nesta de substituir o pai, não entrei nesta, não sou pai, mas tem que
me respeitar enquanto homem. O produto final disso é que se você falasse com a Z
[filha da atual esposa], vai ouvir que tem um imenso carinho por mim, mais do que
pela mulher do pai. Me tem como um segundo pai, tudo acabou bem [risos].” (H5)
Em outro momento, observa-se a dificuldade em definir as relações parentais:
Do outro lado, os filhos da X [esposa atual] gostam de mim e o Y [ex-marido da
atual esposa] me beija, me abraça. Outro dia ele falou “porque nós somos da
mesma família”, estendeu o conceito de família. O pai é ele, nunca tentei ocupar
este lugar, sempre ficaram a vontade para gostar do pai e gostar de mim. Não que
eu não seja uma figura paterna para eles, eu criei eles, sou mais pai, mas não no
sentido biológico. (H5)
No entanto, a ocupação do lugar de pai pelo marido da entrevistada M5 foi
uma vontade que partiu do padrasto, mas que não foi endossada pela enteada. Este
conflito de posicionamento tornou-se mais evidente no momento do casamento da
enteada, pois o padrasto esperava que fosse o escolhido para conduzi-la ao altar,
que o pai não foi à cerimônia, mas ela optou pelo avô materno. Esta decisão
provocou ciúmes no padrasto, e foi justificada pela enteada com base nos
desentendimentos que ela e padrasto tiveram no passado.
A incerteza quanto à designação do lugar a ocupar na corrente genealógica
não é exclusiva de padrastos e/ou madrastas, mas estende-se quando os mesmos
passam a posição de “vôdrasto ou vódrasta”. Como evidenciado no relato abaixo:
A X [enteada] veio me perguntar isso [como o filho da enteada a chamava], ela
esperava [que ele a chamasse de avó], mas não queria. Eu não quero concorrer
com a avó, eu sei o meu lugar, tu no teu canto e eu no meu, ele já tem avó. (M5)
Cabe enfatizar que não foi encontrado nas entrevistas casos de madrasta que
substituíram a mãe. O que remete à força da idéia de que “mãe é uma só”,
causando até mesmo desconforto no entrevistado que mencionou a possibilidade de
ocorrer esta substituição: “aceitar uma nova mulher, mãe, mãe não... madrasta”
(H3).
No entanto, o entrevistado H5, que além de ocupar o papel de pai também é
padrasto, marcou para os enteados o lugar do pai deles. Quando o pai dos
enteados, após um grande período de afastamento, tentou retomar o contato, foi o
entrevistado, enquanto padrasto, que facilitou esta reaproximação, pois de acordo
com ele “pai é pai”.
A entrevistada, M1, que relatou anteriormente sobre a substituição do pai de
seus filhos pelo padrasto, em decorrência do distanciamento do genitor de sua filha,
justifica que tal troca não ocorreria com ela, isto é, a madrasta tomar seu lugar, pois
ela está sempre presente na vida da filha:
Como vou fazer minha filha entender que esta cara está na minha vida, mas que
ela o tem que tratá-lo como pai? Sempre quis que o X [pai] fosse o referencial,
hoje mudou o referencial, mas foi totalmente por ela. Não forcei, não queria ter este
peso. Como dizerem que tem outra mãe, que a Y [madrasta da filha] também é
mãe. Hoje acho difícil uma mulher se colocar como mãe, porque ela [filha] foi
aceitando Z [padrasto] como pai 70% por causa da ausência do X [pai]. Ele
[padrasto] pegava, buscava na escola, assinava a presença. “Quem era este cara?
Então ele é meu pai” Acho que na cabeça dela foi assim. (M1)
Neste trecho da fala da mãe M1, é possível identificar que ficou a cargo da
filha, de 3 anos, decidir se iria ou não chamar o padrasto de pai, assim também
ocorreu em outro relato, no qual foi apontado que a filha do entrevistado, de apenas
6 anos, foi quem definiu pelo modelo de guarda alternada.
A circulação dos filhos pela casa da mãe e do pai após a separação conjugal
demanda a organização também dos objetos transportados para ambas as casas,
como brinquedos, sapatos e roupas. Nos casos entrevistados, quando havia
dificuldade e, por vezes obstrução do contato pai-filha, a roupa ganhava um valor
simbólico.
Um entrevistado conta que a ex-esposa destruía as roupas que ele comprava
para filha: “Eu comprava roupa para ela [filha] e ela disse que quando chegava em
casa picotavam as roupas. Maluco, né?”(H4).
Outra entrevistada relata que a mãe de sua enteada mandou a criança, à
casa do pai, só com a roupa do corpo após um ano sem visitação:
Ela mandou a menina aqui sem uma roupa, sem calcinha, eu falei para ele [marido]
pegar ela [filha do marido de união anterior], e comprei tudo novo. A mãe [ex-
mulher do atual marido] ligou para saber e a X [filha] falou: “comprou tudo novo, tem
um quarto meu e da Y [filha da entrevistada de união anterior]”’. Ela deve ter se
rasgado toda. (M1)
5.6 Apresentação dos padrastos/madrastas
Ao se questionar a respeito da chegada do padrasto/madrasta à família e
como se deu a apresentação do mesmo ao filho, notou-se que os filhos, geralmente,
não recebiam comunicação prévia. Tal como encontrado na pesquisa com filhos de
pais separados, desenvolvida por Brito (2006), na qual a notícia da separação para
muitos filhos surge como uma surpresa, ou em “um belo dia”, como eles
mencionavam, no relato dos entrevistados da presente pesquisa parece que esta
situação se repetiu quando os pais decidiram oficializar outro relacionamento.
Alguns atribuíam esse fato à rápida decisão de residir com o namorado, como
aconteceu com H4: “A gente se conheceu aqui, namoramos 5 dias, eu fui para
[outro país], ela foi logo depois e casamos”. A filha só foi conhecer a madrasta após
o casamento. Este também foi o caso de H2, que custou a lembrar como cada um
de seus filhos conheceu a sua atual esposa:
Depois do casamento que ela foi conhecendo. O mais velho, como mora em [outro
Estado], ela conheceu no casamento. É que foi tão rápido que não tenho certeza se
conheceu ela antes [...] Acredito que eles não foram ao casamento, então foi
depois..., mas a [filha mais nova] foi, tem foto dela, só não lembro do [filho de mais
de 20 anos] ter ido. (H2)
Uma entrevistada também se uniu em pouco tempo ao atual companheiro:
“Com uma semana ou duas estávamos morando juntos. Foi imediato”(M3). E
ainda esclarece: “Não... o chegamos a nos casar. Este ano fizemos a união
estável. Na verdade, nem namoro, a gente avançou tudo”(M3).
A mãe, M4, demorou um pouco mais: “Logo quando começamos a namorar,
um mês depois resolvemos casar”. No início da entrevista afirmou que a
apresentação do padrasto de seu filho ocorreu da seguinte forma:
Quando teve esta apresentação não namorávamos, porque ele passou a integrar
um grupo de amigos, meu filho o conheceu como amigo [...] Tenho um diálogo
franco com meu filho, eles se dão bem, estávamos os três juntos, meu filho é
tranqüilo. (M4)
No entanto, no decorrer da entrevista, esta suposta tranqüilidade do filho
encontrou espaço para manifestar-se:
É que meu filho nunca está presente, fica com amigos e namorada. Ele até es
fazendo terapia, porque ele fala que tem dificuldade de estar presente quando o X
[padrasto] está. Conflito aberto nunca teve entre os dois. Agora ele está sinalizando
que não quer ficar aqui e eu tenho reclamado que não está com a gente. (M4)
Esta aparente incoerência também foi observada no relato da entrevista de
M5, que levou 6 meses para morar junto com o companheiro, tomando esta decisão
a partir de uma fala de sua filha, com apenas 6 anos na época: “Certa vez a minha
filha disse: ‘Mãe se você e o X [padrasto] fossem morar juntos, a gente ia viver no
paraíso, né mãe?’. Achei que ela estava dando aprovação”. Apesar de no dia que se
conheceram, “ele convidou para irmos comer uma pizza, e ela chutava ele por baixo
da mesa”.
Um pai chegou a optar pelo que denominou de “choque”, e decidiu apresentar
sua filha à madrasta em uma reunião de família da atual esposa: “Trouxe a minha
filha para apresentar a família toda da X [atual esposa], foi um choque logo, muita
gente, todo mundo colocou ela bem à vontade. A família toda perguntando por ela.”
(H3).
Outro adepto do “choque”, apesar de não utilizar este termo, foi o entrevistado
H5, que ao decidir que iria residir com sua atual esposa, resolveu fazer uma viagem
que reunisse tanto os filhos dela como a filha dele. Quando perguntado como foi a
apresentação disse: “logo no início, já ia como namorado, não ficava de mãos
dadas, mas dava para entender que tinha alguma coisa”. A passagem do namoro
para a viagem também o foi acompanhada de explicações detalhadas para os
filhos:
[Risos]... sabe que não me lembro muito disso não... um dia apareci... estava
namorando... e falei com a X [atual esposa]: já que temos pensado em conviver,
vamos fazer uma bagunça e viajarmos os 5 para uma fazenda?”. Foi um pouco
confuso, [risos], meio sofrido, meio complicado. (H5)
Contudo, outros pais e es decidiram aguardar mais tempo para apresentar
os njuges para seus filhos. No entanto, esta decisão também se mostrou difícil,
como aponta H1 sobre a condução desta apresentação:
Ah! Caótica. Passei um tempo sem apresentar a X [atual esposa] para a família.
Queria que a minha filha ficasse mais madura [...] aos poucos fui construindo ela
como namorada, fui muito lento nas coisas. Levei 3 anos até apresentar a X [atual
esposa] como namorada. (H1)
A mãe, M2, também optou por esperar e relata que sua experiência foi
positiva:
Era escondido dele até eu contar, porque preferi apresentar quando estivesse firme.
Ele [filho] aceitou numa boa, achei que ele fosse estranhar [...] não teve revolta.
Eles se dão bem, às vezes o [filho] fica falando... dizem que é difícil, mas aqui é tão
light. (M4)
5.7 Relacionamento do atual cônjuge com enteados
H4 relata que a receptividade de sua esposa em relação à sua filha não foi
correspondida, e atribui este fato aos arranjos s-divórcio: “A minha companheira
foi extremamente receptiva com ela, e ela [filha] não foi muito. Muito por conta desta
vida familiar, competição que se criou do amor da menina”.
Esta via de mão única, ou seja, a não aceitação dos enteados da figura do
madrasta e/ou padrasto apesar do acolhimento oferecido por eles, se repete em
outras histórias, como a de H1:
Tem que administrar, a vida da gente é administração, a X [madrasta] tem as
reclamações dela quanto a falta de afeto da Y [enteada]. Tenho que administrar o
inadministrável, vamos ver este neologismo, porque não temos como forçar que
alguém goste. (H1)
A e, M3, revela que sente pena da situação do padrasto, pois acredita que
ele faz o melhor pela enteada:
Não é boa, ela [filha adolescente] o aceita muito ele não, eles batem de frente.
Eu converso com ela porque ele tudo, não fez discriminação entre filhos. Mas
ela não atende muito, tão sempre se arranhando e sem motivo, por nada. Eu fico
com pena dele, ele não merecia passar por tudo isso. (M3)
Uma entrevistada parece impor o silêncio do filho diante das manifestações
do padrasto, apesar destes terem um bom relacionamento quando se trata de
momentos de lazer: Assistem futebol juntos, o responde, é ruim de responder
[filho], fica mudo, é mais fácil ele responder a mim. (M2)
No entanto são observadas diferenças de relacionamento entre enteados, isto
é, com um dos enteados a madrasta e/ou padrasto pode ter um relacionamento mais
próximo do que com outro enteado. H2, ao falar da relação de sua atual esposa com
seus filhos, faz distinções: “A X [filha], que é a mais nova, gosta dela [madrasta], no
menino [filho mais velho], ela coloca limite, controla o gasto dele [...] Não
animosidade”. Apesar de não existir um conflito direto, é possível notar que existe
maior tensão com o filho mais velho.
Uma entrevistada enfatizou que o relacionamento do padrasto com o enteado
confunde-se com o da figura paterna:
A primeira vez eu levei na casa dele, lembro ada roupinha dela, “este é o X,
namorado da mamãe”. Hoje é o X marido da mamãe e pai de opção. Se você
perguntar para ela, ela vai dizer que tem dois pais. O pai Y[pai] e o pai X[padrasto],
e o X [padrasto] é o pai que cuida. Ela tem consciência disso. (M1)
Contudo relata que, recentemente, tem precisado interceder na relação dos
dois, porém atribui a rebeldia à faixa etária da criança:
As únicas vezes que tive que interceder foi um pouco agora, porque ela está com 3
anos e está rebelde e fala “não vou te obedecer! vou obedecer a minha mãe”. Mas
nunca falou que não iria obedecer porque ele não é o pai dela, ela faz isso com
todos, “não vou te obedecer vó”, mas nada específico da relação entre os dois.
(M1)
O ciúmes e a divisão da atenção entre companheiros e filhos, surgiu no relato
dos pais, quando mencionavam a receptividade de seus filhos ao novo njuge.
Segundo H1: “Foi difícil para a X [filha] aceitar a decisão de morarmos juntos, bate
insegurança, [a filha deve pensar:] ‘tenho que dividir você com ela’”. Ou ainda, o
ciúmes surge diante da impossibilidade, que o novo njuge representa, de retorno
do casal parental, isto é, o padrasto/madrasta aparece como obstáculo para a
concretização da fantasia, por parte dos enteados, de que os pais voltem a ficar
juntos. Esta foi a situação de M3, que apresentou o novo companheiro para os filhos
no dia do aniversário da filha adolescente: “A que tem mais ciúmes desde este dia é
a X [filha adolescente], ela preferia que eu estivesse com o pai dela”.
Algumas vezes esta disputa soa como incontornável, colocando os pais e
mães recasados em um verdadeiro fogo cruzado:
“É uma relação tensa, difícil, cheia de mágoas, eu impus uma certa trégua, eu disse
que ‘não posso exigir que vocês se gostem, mas que vocês se comportem, não me
coloquem na situação de tomar partido, desempatar, não vou fazer isso’”(H5).
A mãe M5 reconhece que, apesar de tomar decisões a respeito da filha em
conjunto com o padrasto, havia uma desigualdade que propiciou conflitos entre o
padrasto e a enteada, deixando-a em uma situação delicada:
O X [padrasto] era participante, ele influenciava, eles batiam de frente, ela [filha
dela de união anterior] dizia “vocês dois são a mesma pessoa!” e eu dizia “graças a
Deus!”, acho que ela se sentiu meio sozinha. Eu tinha uma tolerância com a Y[filha
da entrevistada] que ele não tinha, embora ele não demonstrasse. Então, eu ficava
muito em conflito, entre um e outro, fazendo de pára-choque. Precisei de terapia.
No fundo ele tinha ciúmes da Y[filha da entrevistada].(M5)
A entrevistada M4, conta que fica tentando mediar esta relação entre seu filho
e seu atual marido:
Em parte eu compreendo, em parte incentivo o contato, procuro entender o lado de
todo mundo. [...] Eu fico no meio dos dois, ouvindo de um lado, e de outro, tentando
aparar as arestas, é difícil para mim”. (M4)
Em outras situações, a relação vai se modificando ao longo do tempo com o
amadurecimento, como conta H3: “Hoje é bom, teve uma fase ruim, de ciúmes
também, ‘meu pai não é meu’, hoje são muito amigas, até confidentes. Foi uma
época de equilíbrio [...]”. Já o entrevistado H5 reúne, em sua reflexão, o que percebe
nas famílias recasadas: “Na realidade estas famílias entre aspas com filhos
cruzando, tem momentos de convivência, é uma ciumeira, é um negócio
complicado”(H5).
Nos relatos que se seguem, a relação entre padrasto/madrasta e enteados
parece mantida pelo fino elo que os une: o pai ou mãe recasado. O contato entre
enteados e padrasto/madrasta se em decorrência de ambos estarem ligados ao
pai/mãe recasado, portanto, como não possuem um bom relacionamento tentam
estabelecer o mínimo de proximidade possível. Nestes casos, não houve a criação
de um laço afetivo entre padrasto/madrasta e enteado.
Esta moça [enteada] tem um filho agora, então ele [atual marido] tem um neto,
tenho um contato civilizadamente distante. (M5)
Algumas vezes, quando o X [atual marido] vinha reclamar comigo, eu falava
“precisa ficar passando por mim toda hora?”, isto é da relação de vocês. Só que ele
fala de forma mais forte. É diferente, ele não é pai, é uma relação de respeito. Ele
não tem este carinho, jogo de cintura, não é filho dele. É uma relação de respeito
mútuo, em função de eu estar ali. (M4)
A relação das duas [madrasta e enteada] é professor e aluno, de visitas, de
pessoas que se conhecem, mas não é fraterna, amiga, é de respeito. Conversa
sobre o filme, vai ao balé, participa, mas falta carinho. (H1)
Elas só se aturam por causa de mim, o são amigas, não se gostam, talvez se
gostem, não é indiferente, é viva, mas não é apaziguada. Se falar com a X [filha] ela
vai falar mal da Y[madrasta] e vice-versa. (H5)
5.8 Mudança faraônica!
Grande parte dos entrevistados afirmou que o principal critério adotado, na
escolha do local de residência do atual casal, foi a procura por um imóvel que
comportasse toda a família. Portanto, os pais e mães recasados vislumbravam três
possibilidades: permanecer em sua casa, mudar-se para a casa do atual cônjuge ou
buscar um novo local.
As famílias recasadas buscavam a maior residência possível, a fim de
proporcionar conforto e garantir privacidade a todos os seus integrantes. Esta
tendência não condiz com os novos empreendimentos imobiliários que, ao terem
como foco a família nuclear, desenvolvem espaços reduzidos por considerarem que
a média de filhos por mulheres brasileiras vem diminuindo ao longo do tempo. No
entanto, desconsideram que devido aos sucessivos divórcios e recasamentos que
vêm ocorrendo em nossa sociedade, a família brasileira vêm sendo ampliada por
outros caminhos.
Logo, a família recasada necessita de espaços residenciais maiores que
comportem seus membros. Mesmo que no cotidiano dessa família haja somente
uma criança residindo no local, durante o final de semana podem aparecer outras
crianças provenientes de uniões anteriores que ficam, no decorrer da semana, sob a
guarda do outro genitor.
Os trechos abaixo expressam este posicionamento:
Eu acabei mudando, fui morar com ele, porque o apartamento era maior. E hoje a
gente quer mudar de novo porque esta casa não comporta a família. Vou ter que
botar uma bi-cama, para quando a X [filha do padrasto] vier. Queremos uma casa
de 3 quartos ou de 2 quartos com quartos maiores que estes. (M1)
Ela morava em um, eu morava num quarto e sala, e alugamos um outro. O
apartamento dela tinha dois quartos só, e fomos para a cobertura de quatro
quartos, esta casa era sensacional, muito bacana. (H5)
Outro fator considerado nas famílias recasadas é o aspecto subjetivo de
construção de um lar para esta nova família que inicia. Neste sentido, a mudança
abrange não somente a troca de residência, mas inclui a alteração do modelo
familiar, marcando o começo de uma nova fase acompanhada de novos projetos.
Este ponto pode ser observado nos seguintes relatos:
Morava num de dois quartos, a X [esposa] queria um maior para não entrar num
apartamento que não era dela, queria espaço para um bebê. (H1)
Eu ia me mudar da casa da minha mãe para meu apartamento próprio e eu falei
que seria legal ele mudar junto, para ser um espaço de nós 3 [mãe, filho dela, e
padrasto]. (M4)
A dificuldade de realizar uma mudança que envolva duas famílias torna-se
maior no recasamento, ainda mais quando há filhos de ambos os cônjuges. A
entrevistada M5 elege uma metáfora para explicar o desafio que foi sua mudança de
residência: “fizemos uma mudança faraônica de dois apartamentos para um”.
Este trabalho que uma mudança impõe pode ser um dos fatores que
justificam a escolha de alguns entrevistados de morar na residência do njuge.
Porém, com o crescimento da família, surge a necessidade de buscar um lar maior,
como relatam os entrevistados:
Não, eu que tive de mudar, fui morar na casa da X[esposa], depois que o be
nasceu reformei a outra casa e mudamos da primeira para a segunda. (H2)
Ele morava aqui desde dezembro e eu vim em julho. A gente vai mudar porque
queremos um de 3 quartos, para o bebê ter um dele, porque ele dorme no meu.
(M2)
5.9 Comemorações pela união
Alguns entrevistados mencionaram que a mudança de residência, devido a
nova união conjugal, pode demandar um gasto financeiro alto para o novo casal,
gerando o adiamento das comemorações pela união, como por exemplo da lua-de-
mel. Somente quatro entrevistados declararam ter tido lua-de-mel. Um deles
considera que isto ocorreu, pois vivia em outro país quando casou. Dos outros três,
somente um teve a lua-de-mel logo após o casamento, os demais adiaram por, no
mínimo, um ano. Este foi o caso de H1, que viajou em lua-de-mel após um ano
residindo com a esposa.
Outro motivo para o adiamento da lua-de-mel pode ser o nascimento de um
filho desta nova união. Um entrevistado declarou que pretende fazer a lua-de-mel,
mas precisa esperar o filho crescer um pouco mais.
Outros três entrevistados apesar de terem viajado com os cônjuges, não
consideravam o passeio como lua-de-mel. Um deles porque viajou para conhecer a
família dela após o casamento. Outro porque classificou como lua-de-mel o período
que viveram antes de residir juntos. Este último explica porque entende desta forma:
[...] quando a gente se conheceu, tivemos um romance muito idílico, sem crianças.
Porque era o final de semana que as crianças iam com o pai, um ano sem
crianças... uma maravilha total [risos]. Por mim eu ficava o resto da vida naquela
situação [risos]”. (H5)
Esta fala aponta para a ênfase na privacidade do casal. O isolamento dos
cônjuges que é, freqüentemente, vivenciado no início da relação em casais de
primeira união, antes de terem filhos, se torna um espaço almejado, mas de difícil
concretização em uma família recasada, pois os filhos de um ou do outro cônjuge
estão presentes desde o começo do relacionamento.
Uma entrevistada, apesar de não ter tido lua-de-mel, aponta que consegue ter
momentos de privacidade quando sua mãe passa finais de semana com a neta.
Estes aspectos apontam para as particularidades do casal recasado, que encontram
outros fatores para serem considerados no momento de usufruir de situações
recorrentes em casais de primeira união, como casamento e lua-de-mel.
No entanto, retomando a fala de H5, no decorrer da entrevista, comenta que
poderia ser considerada lua-de-mel a viagem recente que fizeram a outro país, por 5
dias. E a última entrevistada que não considerou lua-de-mel as viagens do casal
argumenta que não casou, e portanto, as viagens não figurariam como lua-de-mel:
“não, não tive lua-de-mel não, ao longo destes anos, fizemos algumas viagens, mas
lua-de-mel não, só juntamos as escovas de dente”(M5).
No que tange ao casamento, alguns entrevistados fizeram distinção entre
casamento e união estável, e frisaram o acordo que escolheram. Dois relataram ter
comemorado em casa com amigos ou familiares. O entrevistado H3 contou:
“Festividade aqui, quando comentamos que iríamos morar juntos meus pais vieram
aqui [casa da família da madrasta](H3). E a entrevistada M1 explicou que: “no dia
do aniversário dele, fiz dois bolos, um para o aniversário e outro para o nosso
casamento” (M1). Esta entrevistada manifesta que o atual companheiro deseja
casar-se com ela: “[...] ele quer que eu me divorcie logo para a gente casar. Ele
quer, vai ser uma novidade para ele, porque ele é solteiro. Ele quer que eu carregue
o nome dele, bem masculino... [risos], acho legal [...]”.
Dentre os entrevistados, dois trouxeram conteúdos a respeito da
comemoração de datas, mas com perspectivas distintas. Um apontou que “quando
fomos morar juntos, o tivemos lua-de-mel, nem marcamos a data”(H5), referindo-
se ao momento em que decidiram coabitar. Enquanto outra entrevistada valorizou
mais a coabitação e namoro do que o casamento: “Comemoramos muitas datas, o
início do namoro em setembro, casamento em outubro, tempo morando junto é
maior. Casamento é a menos comemorada” (M4).
5.10 Engravidar ou não engravidar
Sobre a decisão de ter filhos ou não desta nova união, os entrevistados
manifestaram diversos posicionamentos. Alguns apontaram a preocupação em ter
filhos logo, devido à idade. Notou-se que esta é uma particularidade do casal
recasado, que influencia a escolha por ter ou não filhos:
[O bebê] não era um projeto meu, pela minha idade, não queria ter mais filho. A X
[esposa] é fundamental na minha vida, viver com ela implica em casamento e ter
um filho. namorar ia esgotar, porque eu não ia atender às demandas dela.
falei que queria ter um filho logo, porque não queria ser pai-avô. (H1)
A decisão foi que ele [padrasto] disse que casava comigo, se eu tivesse filho,
porque eu o queria mais. Eu falei que se o X [filho dela] fizer 10 anos, eu não
quero mais. (M2)
[...] adiar meus projetos, minha faculdade, fiquei frustrada, deprimida com a
gravidez, ele [atual marido] me ajudou, o X[atual marido] foi tipo a Polyana tentando
ver o outro lado. [...] Ele falando ‘[...] Estou com 36 anos, esta é a minha última
chance de ser pai, quando ele tiver 14 vou ter 50 anos. Para eu não esperar 6 anos
você terminar a faculdade, vamos inverter e depois eu seguro a barra’. Ele sempre
alimentou a vontade de ter um filho comigo. E 6 anos para mim, vou estar com 29,
6 anos para ele, vai estar com 42, a diferença é grande, são 13 anos. Imagina um
velhinho jogando bola? (M1)
Começou a demorar muito para ele estabilizar a vida profissional dele, fiquei com
pressa porque estava com quase 40 anos [...] Eu tive com 40 anos, até queria
outro, mas tive complicações. (M4)
Nos três primeiros relatos é possível observar que a decisão de ter filhos
partiu do cônjuge, que não possuía a experiência de ser pai/mãe ou que não
usufruía seu papel devido a problemas com a guarda de filho da união anterior.
Dois entrevistados afirmaram que a gravidez foi desejada pelo casal:
A gente resolveu ter filhos num movimento bem natural, ficamos casados 6 anos
antes de ter a primeira. Foi bem pensado. (H4)
Nós planejamos o filho, mas só avisamos [para a filha da união anterior] quando ela
[madrasta] estava grávida. (H3)
Outros dois entrevistados afirmaram que não ter tido filhos da nova união foi
uma ótima escolha, devido à complexidade da trajetória familiar:
Chegamos a cogitar ter um filho, mas acho que seria um terror, um desastre, uma
tragédia grega, pois temos idéias muito divergentes de educação com os filhos. A X
[esposa] abortou, chegou a ficar grávida, era de risco. Não tivemos aquela vontade.
A X [esposa] me culpa, mas é repartida, os dois não tiveram um desejo
suficientemente forte para levar adiante a gravidez dela. (H5)
Eu pensei em ter um filho em comum, mas ele não quis, pois achava que já era
bastante três. [...] E hoje, vejo que foi uma boa decisão não ter colocado mais uma
criança nesta história toda, já é uma história suficientemente complicada. (M5)
Um pai conta que embora tenha planejado a gravidez com a atual esposa,
não deixava muito clara esta decisão para a filha da união anterior: “Falávamos que
queríamos, mas não enfatizávamos. Não que tivéssemos escondido dela.” (H3)
No último trecho pode-se observar a preocupação em como contar aos filhos
sobre a idéia da gravidez e a receptividade dos mesmos com a notícia. Alguns
chegaram a apontar a dificuldade dos filhos em lidar com estes irmãos e o ciúmes
provocado.
Criança pequena precisa de mais atenção, então quando ela [filha da união
anterior] ia para casa se sentia mais abandonada. Não falava para mim, falava
para a mãe dela. A X [filha da união anterior] não sentia afinidade, fazia carinho,
mas mantinha uma distância [do irmão fruto da união atual]. (H3)
No início, meu filho parecia uma criança com ciúmes da irmã, apesar dele ter 19
anos. Quando ela começou a comer, ele ficava chateado de eu comprar coisas
para ela e não para ele [...] Ele [filho da união anterior] sabia que estávamos
tentando engravidar, eu perdi um antes. (M4)
Por outro lado, outros filhos sentiam-se muito próximos dos irmãos: “Aceitou
bem, não tem ciúmes, me ajuda. Agarra, beija, abraça o dia inteiro” (M2).
Dois pais apontaram para a diferença entre o convívio com o filho da união
anterior e com o filho nascido da união atual. Embora o pai H1, que tem o arranjo da
guarda alternada, tenha maior convivência com a filha do que no modelo
monoparental, a filha do entrevistado, diante da notícia da gravidez da madrasta,
expressou seu descontentamento: “A X [filha] teve uma fala marcante quando
falamos da gravidez ‘o bebê vai viver com você todos os dias, eu não, não faço parte
de toda a sua vida’”.
O pai, H2, que também tem um contato próximo com a filha da união anterior,
pontua que o filho da união atual é “privilegiado”:
Apesar de eu estar separado da minha filha, acho que sou mais presente que muito
pai que mora junto. Difícil é não poder participar de tudo, acho que o X (filho da
união atual] é privilegiado, porque está o tempo todo com o pai, usufruindo de tudo.
(H2)
Sabe-se que a chegada de um novo irmão no cleo familiar pode provocar
sentimentos de ciúmes e de abandono nos filhos, independentemente do formato
familiar. No entanto, na família com padrasto/madrasta esta situação envolve
relações mais diversificadas.
O recasamento implica na ausência ou na formulação de nomes para os
integrantes desta família, porém termos utilizados com freqüência também podem
gerar desconforto:
Meu filho tem uma brincadeirinha que eu não suporto, [...] Ele fala: esta aqui é
minha meia-irmã, e eu falo onde tem meia? Ela é sua irmã inteira! Ele fala que
inteira é a mais velha. Não entendo de onde veio isso, eles não são meios de
nada, são irmãos inteiros. (M3)
5.11 Lazer e férias
Praticamente todos os entrevistados afirmaram ter viajado com alguns
membros da família. Alguns apontaram que recentemente conseguiram
concretizar estas viagens, ressaltando os ajustes que precisam ser feitos com os
filhos mais velhos. Por vezes serão estes filhos os visitados, pois mudaram de
Estado, outras vezes, não estarão presentes, pois possuem interesses diversos.
Seguem alguns trechos que ilustram esta situação:
Normalmente, nas férias esa X [filha mais nova], porque o Y [filho mais velho]
tem o grupo dele de amigos [...] Quando vou em alguma festa eu, normalmente
levo a X [filha mais nova]. O Y [filho mais velho] não... tem 22 anos, é uma fase
onde os amigos são mais importantes que os pais. Tem que ser algo muito especial
para ele ir. (H2)
[...] então fomos para Penedo com a X [filha] e, depois eu e a Y [esposa] fomos
para Tiradentes. Quando o bebê ficar um pouco maior, poderíamos levar a X [filha]
junto para Buenos Aires. Claro, se ela ainda quiser viajar com os pais. (H1)
Estes relatos indicam a dificuldade de usufruir de férias ou apenas de
momentos de lazer com os filhos que são adolescentes ou adultos, assim o lazer
com os filhos a partir da adolescência torna-se mais escasso, que manifestam a
vontade de estarem perto dos amigos, começam a namorar ou os conflitos intra-
familiares começam a ficar mais evidentes. No entanto, este não é um problema
exclusivo do recasamento, todos os formatos familiares lidam com o
amadurecimento dos filhos. O entrevistado H3 fala sobre isso: “Agora está mais
difícil porque ela está com namorado fixo, e eu não vou com a cara dele”. Ou ainda
M4:
Olha... ultimamente... até é uma reclamação minha... é que meu filho nunca es
presente, fica com amigos e namorada [...] O lazer é uma reclamação minha em
relação ao X[marido], [...] eu que tenho que planejar, agitar a família. Agora sábado
eu saio com a minha filha independente de quem estiver comigo, e ele [marido] tem
vindo. (M4)
O deslocamento, ou melhor, o transporte do filho para que possa usufruir do
lazer com os amigos também foi ressaltado por um dos pais. Ele criou um termo
próprio para esta função: “Eu como pai-turista, tem esta categoria de pai-turista, e
mãe-turista. É aquele que tem que levar e buscar das festas, dos passeios, de vez
em quando eu faço isso, mas a mãe faz mais, eu dou sorte nisso.”(H1)
H4 não tem a companhia da filha da união anterior em viagens familiares,
pois se estabeleceu uma relação distanciada devido aos percalços pós-divórcio:
“para dizer a verdade nem se cogita, nem ela cogita, porque ela faz as viagens dela
com a família dela, com a avó dela, ela tem a vida dela, o lazer dela”.
Por outro lado, a mãe M1 realiza as atividades de lazer e férias com todos os
membros da família, incluindo a filha do relacionamento anterior do padrasto: “Tudo
a gente faz muito junto, eu não saio com a X [filha dela] sem o Y [padrasto]. Ele quer
ir, ele é muito participativo”.
Os arranjos de guarda também foram considerados na decisão de lazer e
férias, uma entrevistada citou que as filhas passam férias com o pai (M3) e um
entrevistado citou que no sábado que está sem a presença da filha vai ao cinema
com a esposa (H1).
5.12 Desencontros propositais
Nas respostas dos entrevistados a respeito da maneira como lidam com a
atual configuração familiar, percebeu-se que alguns apontavam para a existência de
subgrupos de convivência no contexto familiar ou até mesmo da segregação de
certos membros. Os entrevistados justificavam que estas divisões eram necessárias
para o bom funcionamento familiar, o que sugere o surgimento de desencontros
propositais.
O pai H1 aponta a TV como um recurso para o (des) encontro:
Tenho que ser habilidoso, jogo de equilíbrio, entre as demandas emocionais da X
[filha] e da Y [esposa], e preservar espaços. A TV tem um papel simbólico, por
exemplo: gostamos de ver CSI, eu e a X [filha], então neste momento a Y [esposa]
respeita e não assiste com a gente. Tem Lost que eu e a Y[esposa] gostamos, eu
largo a X [filha] e vou ver com a Y[esposa]. É simbólico. Tem vezes que vemos
coisas juntos, vemos um filme os três juntos. São espaços simbólicos, isto é que
difícil. [...] Este dia vou com a X [filha], este dia vou com a Y[esposa], depois todo
mundo junto, fazemos estes arranjos. Viver é a arte da negociação, tem que saber
negociar com todo mundo para ficarem felizes ou alegres ou contentes, enfim...
(H1)
Este manejo, que parece buscar um equilíbrio, pressupõe uma divisão dos
momentos de convivência, como fica claro na fala do pai H3: “Difícil, porque tem o
lado da X[esposa] e o da minha filha Y [filha]. Dar atenção à Y [filha], e não deixar de
dar à X[esposa], mas a X[esposa] sempre me ajudou, apesar de ter que dividir a
atenção.”
H4, separa o relacionamento com a filha da união anterior, da sua família
atual: “Acho que a gente criou uma relação um pouco acantonada, mas é a que a
gente tem... sem ser atrapalhado pelas duas famílias e sem atrapalhar as duas
famílias. Amor não é igual a presença necessariamente”.
M5, no entanto, aponta para um desencontro na família como um todo, e não
somente nas relações primeiramente pensadas como mais conflituosas, como entre
padrasto/madrasta e enteados. Neste caso, trata-se do relacionamento entre
aqueles que ainda não possuem denominações, ou seja, os filhos de uniões
anteriores de cada um dos cônjuges:
Depois que casou, minha filha não tem contato com nenhuma das duas. Nos
encontros familiares elas se encontram, dia dos pais, Natal. Tentamos fazer o mais
natural possível, e isso acaba fazendo com que não se encontrem. Dia dos pais ela
[filha] queria vir cumprimentar o X [padrasto], mas vieram em horários diferentes ,
se encontrarem, encontrou, mas se não, melhor. (M5)
Este distanciamento também ocorre nos momentos de lazer, como foi o caso
de uma viagem desta entrevistada: “Agora tive estas férias minha e dela [filha],
que foi especial. Quando falou de eu ir chamou eu e o X [padrasto], ele colocou
problemas, civilizadamente descartou a ida e eu não fiz a menor força para ele ir”
(M5). Ela resume como lida com os conflitos intra-familiares: “Agora está mais cil
de conviver com isso e vai ficar cada vez mais, pois vão ter um contato mínimo”(M5).
Esta fala mostra que sem a convivência diária, possível fonte de discórdia, e
sem a obrigatoriedade do contato, por não existir um laço consangüíneo entre os
membros da família recasada, o relacionamento seria cada vez mais espaçado ou
até mesmo cessado.
No relato do entrevistado H5 também foi percebido desencontro no que se
refere às pautas educativas, não existindo trocas ou diálogos no exercício dos
papéis parentais, ou seja, cada um exerce esse papel com seus próprios filhos como
lhe convém:
Não temos uma harmonia em relação à isso, a gente exerce nossa paternidade e
maternidade não em conjunto, não em consenso, não trocando figurinha, não se
pergunta “o que você acha?”, senão o pau come [...] Nesta área, você fica com seu
conceito e atitudes e eu com as minhas. (H5)
Portanto, ele decidiu fazer um acordo com sua atual esposa para preservar o
relacionamento dos dois: “Vamos fazer um pacto, eu não falo mal dos seus filhos e
você não fala mal da minha”(H5).
Este desencontro também se aplica para as (des) informações trocadas
dentro da família. A entrevistada M4, mãe de um jovem de 21 anos, ao relatar sobre
os encontros do pai de seu filho com o seu atual marido, que ocorrem em sua casa,
percebeu que não sabia qual era opinião do seu filho sobre estes eventos:
[...] a [relação] mais difícil e mais constrangedora é quando meu primeiro marido
aparece. Ele vai na minha casa, o em relação a mim, mas o ar fica pesado, tudo
é subliminar, nunca ninguém falou, mas sinto no ar, de ambas as partes tanto do
meu ex quanto do X [atual marido]. Eles conversam sobre coisas amenas, mas a
sensação no ar é de constrangimento, nenhum dos dois se sente a vontade, eu
acho graça da situação [...] Acho que meu filho deve achar graça como eu desta
situação. Vou até conversar com ele sobre isso... (M4)
Em outros casos, parece que lidar com esta família ampliada pelas
separações e recasamentos, exige a composição de um mosaico com desenhos
bastante distintos, um quebra-cabeças, onde as peças apesar de diferentes se
encaixam produzindo a imagem de uma família. Este manejo é evidenciado no relato
de dois pais:
Conviver é sempre... sempre um jogo complexo com atritos, seduções,
aproximações com distanciamentos, é uma criação, invenção cotidiana. Conjunto
de pessoas com vários interesses que se transforma no dia-a-dia [risos]. Não é um
jogo de damas é muito mais. (H4)
É cansativo na parte física e não emocional. Faz parte da rotina ser marido-pai:
ralar [...] É uma reengenharia de convívio familiar para que todos se sintam felizes.
(H1)
Uma entrevistada relatou que a sua filha, fruto da união anterior, promoveu a
integração da filha do relacionamento anterior de seu atual cônjuge, ou seja, da filha
do padrasto dela. A criança lidou com a chegada da filha do padrasto utilizando o
“abraço de família”, como explica a mãe:
A gente tem o que chamamos de “abraço de família”, nós três, todo dia a gente se
abraça, quando a X [filha da união anterior do atual marido] abraçou ele [marido], a
Y [filha da entrevistada] o por ciúmes, mas para incluir a X na família, pediu o
abraço de família. A Y absorveu a X de uma forma muito natural, eu fiquei até
surpresa, porque esperava que ela fosse mais individualista, porque era a única
criança. (M1)
Já o pai H3 ao falar sobre o cotidiano na família recasada, enfatizou a
parentalidade, independentemente da configuração familiar, mostrando a
importância do amadurecimento para seu pleno exercício:
Não vejo dificuldade não, ter filhos não é cil, aumentam as responsabilidades,
você tem que abdicar de algumas coisas, tem casais que não abandonam a vida de
solteiro e os filhos ficam com a babá. Não acho certo. A gente tem filho, tem que
assumir. (H3)
Por outro lado, M4 apesar de também mencionar a parentalidade, acredita
que as dificuldades o surgiriam na intensidade que ocorrem se o modelo familiar
fosse o que se denomina nuclear: “É uma mediação muito difícil, é meio complicado,
melhor mesmo seria ter os filhos todos da mesma pessoa, mas que a gente não
pode ter sempre o melhor, a gente busca o melhor dentro da situação que a gente
vive”. Esta referência ao modelo da família nuclear também foi encontrada no relato
de M3: “Hoje em dia estou um pouquinho cansada, estressada... a única coisa que
lamento muito é que eu preferia ter uma família normal’”.(M3)
Outra entrevistada apontou que tentou, junto com seu atual marido, e os filhos
que cada um possuía de uma união anterior, construir uma família, mas que
conseguiu estabelecer contatos civilizados: “Dificuldades , a gente procura
minimizar, eu ensinei isso a Y[filha], com certo custo, a agir civilizadamente” (M5).
Ao longo de sua entrevista mencionou ainda que: “No início tanto eu quanto o X
[atual marido] tínhamos uma ilusão de que seríamos uma família. A história mostrou
que não dava” (M5).
Quando indagados sobre o cotidiano, alguns entrevistados mencionaram as
dificuldades do dia-a-dia no cumprimento das atividades domésticas em uma família
numerosa. Duas mães, uma que, na época, trabalhava fora e outra o,
respectivamente, manifestaram certo cansaço com tantas tarefas.
Acho que é muita coisa, a chapa é quente, é roupa, comida, levar as crianças e a
gente quer ir para o cinema... mas eu não gosto de ficar parada. O pior é encontrar
uma boa empregada, porque a minha foi embora e vou tentar a quinta empregada.
(M2)
Olha... para mim que sempre trabalhei não estava acostumada com este ritmo,
fazer almoço, janta para quando ele chega, organizar casa, fazer faxina. (M1)
Outro entrevistado quando indagado sobre o manejo da sua família,
respondeu com aspectos referentes às dificuldades financeiras e questões próprias
da separação conjugal, como pensão. O pai H2, que está no terceiro casamento e
possui quatro filhos relatou que:
Olha, é muito complicado, se de convir que... quando a X [esposa atual]
trabalhava, tinha empregada, tem que administrar as despesas da casa, tem que se
virar, cumprir os obrigatórios e o que sobrou a gente faz algo diferente. Agora ela
voltou a trabalhar e melhorou, a pensão da minha filha é regular. A pensão dos dois
filhos era debitada direto da minha conta, então até hoje ela [ex-esposa] recebe e
me devolve, porque é muito complicado cancelar, que seria entrar com processo...
(H2)
5.13 Mudanças
Dois entrevistados manifestaram que se pudessem mudar algo em sua
realidade familiar, gostariam de melhorar o relacionamento do filho da união anterior
com seu atual cônjuge. Este fator sugere a delicada relação existente entre
enteados e padrasto e/ou madrasta, e o quanto este estado de tensão pode ser
incômodo para os pais: “Honestamente, queria que a X [filha] tivesse mais afeto pela
Y[madrasta], seria mais gostoso. Mas não depende de mim [...]” (H1). Depois de um
longo silêncio outra entrevistada respondeu: “mudar... acho que mais diálogo entre
os dois [filho e padrasto]” (M4).
Ainda na referência ao que gostariam de mudar, dois entrevistados
apontaram para o estreitamento de laços com os filhos:
[risos]... interessante... se eu pudesse mudar, juntar todos os filhos para morar
comigo, mas é impossível para trazer a filha tem que trazer a mãe também... aí não
dá [...] A dificuldade é esta, eu queria participar mais. (H2)
[...] às vezes penso, talvez pudesse incluir um pouco mais a minha filha mais velha,
ela nunca disse isso, por outro lado eu estou bem com meu núcleo familiar e por
outro lado ela está muito bem no núcleo familiar dela. (H4)
Outros dois entrevistados afirmaram que não mudariam nada, mas por
motivos diferentes. Um pai disse que apesar dos percalços tudo acabou bem:
Não... do jeito que a coisa evoluiu, está muito bom. Eu nunca cheguei a me
arrepender, mas fazer o que eu fiz foi muita coragem, casar com uma mulher com
dois filhos, com muito amor mesmo, porque era muito problema. Não avaliei
muito a situação, eu estava muito apaixonado, queria ficar com ela, acho que se a
pessoa fizer isso não casa. Tem que ser meio no susto. (H5)
a entrevistada M1 o aponta para o passado e responde unicamente a
partir do sentimento de felicidade atual. Ela diz: “Não... acho que o... me sinto
muito feliz, vivo bem com o que tenho. [...] Não mudaria nada, nada, nada sou muito
feliz.” (M1).
Uma outra entrevistada optou por negar a situação da separação, desejando
que todos os filhos fossem do mesmo pai: “Me arrependo desta mudança, toda hora,
de parceiro, mexeu muito com a cabeça das crianças e não com a minha”(M3).
Esta mãe apontou que gostaria de ter tido uma família nos moldes de uma família
nuclear, e denomina sua família de “quebrada” por ser proveniente de três
relacionamentos. Para ela, a família nuclear permanece sendo a referência de
normalidade e é o ideal almejado.
Mesmo a entrevistada que se mostrou, aparentemente, realizada com a
situação familiar atual relatou o desejo de ter mantido uma família de único
casamento a qual denominou de “normal”. Esta entrevistada, apesar de afirmar ter
bom relacionamento com os ex-cônjuges, existindo uma união positiva, com festas e
eventos onde todos se reúnem, não deixou de expressar que se arrepende das
sucessivas separações. Afirma, tomada de emoção, que fica sensibilizada quando
organiza comemoração de bodas de casamento, pois recorda que teria
completado 25 anos com o primeiro marido:
Se eu pudesse mudar, seria isso. Poderia até ter sido ele o primeiro, talvez que o
último fosse o primeiro. Quando eu organizo bodas de anos de casamento... aquilo
mexe comigo [chorou]. Eu não queria que tivesse sido desse jeito, acabei fazendo
tudo errado. [...] Me dói quando organizo bodas, porque é a mesma família, a minha
“é uma família quebrada”. (M3)
Ainda em relação ao que gostariam de mudar, outros dois entrevistados
trouxeram a questão da liberdade, ou maior autonomia. Contudo, um pai direcionou
para uma questão mais individual, citando os empecilhos que surgem com o
exercício da paternidade, enquanto uma entrevistada direcionou suas respostas
para uma liberdade “residencial” que, segundo ela, poderia ter facilitado nos
relacionamentos intrafamiliares.
Não tem como você querer coisas que a sua vida atual o permite fazer,
“Ops...congela... desaparece que hoje quero jogar vôlei e só volto 5 horas da tarde”
[...] Não que eu não gostaria de estar fazendo, mas não dá para conciliar. (H3)
Poderíamos ter morado em apartamentos próximos, mas separados. Um iria na
casa do outro, marcava almoço de domingo. Mas talvez se tivéssemos morado
separados, nos pequenos conflitos teríamos separado, porque é mais fácil de
separar. Por outro lado da moeda, alguns conflitos não teriam surgido. (M5)
Em outro momento da entrevista também falou sobre o assunto: “Hoje faria
diferente, cada um moraria em sua casa até que os filhos ganhassem
independência.” (M5). Esta última fala alude a dificuldade de convivência, isto é, o
quanto a rotina diária altera o modo das pessoas se relacionarem.
E, por fim, somente um entrevistado, a mãe M2, mencionou algo referente à
divisão de tarefas domésticas, solicitando maior ajuda do marido na execução das
atividades do lar.
Não [...] se ele [marido] fizesse comida, se ele cozinhasse ia achar bom,
pensou marido chefe de cozinha eu ia achar bom. Ajudar com o X [filho do atual
casal] ele ajuda troca fralda, roupa, só não banho, porque quer que ele tome
banho com ele no chuveiro. (M2)
A pergunta, sobre se gostariam de acrescentar mais algum dado às
informações prestadas, foi formulada de forma mais abrangente, pois procurava
funcionar tanto como um fechamento, quanto como uma possibilidade de ampliar
algum assunto não abarcado pelas demais. Portanto, torna-se importante pontuar
que três entrevistados não quiseram acrescentar nada a fala. Por outro lado, alguns
entrevistados retomaram temas que havia sido mencionados anteriormente,
enquanto outros trouxeram novos questionamentos.
Apesar de, em certos momentos da entrevista, alguns entrevistados terem
manifestado descontentamento com o seu formato familiar, este entrevistado
apontou esta insatisfação diretamente:
Acrescentar... que... vamos lá... com relação a tudo isso eu digo para você... se eu
pudesse de alguma forma evitar que isso acontecesse. Não vejo como bom, o ideal
seria você ter uma família e mantê-la. Estas separações não são boas nem para os
pais, nem para os filhos. (H2)
Três entrevistados tentaram formular uma mensagem de fechamento positiva
para sua experiência em uma família recasada, chegando a considerá-la como um
“final feliz”:
O que eu realmente gostaria de deixar claro é uma sensação de final feliz, sou
amigo deles [enteados]. Pena... a nota dissonante é que não houve um final feliz
entre a X [esposa atual] e a Y [filha dele de união anterior]. (H5)
Nosso casamento é muito unido, não é perfeito, ninguém é perfeito, tem dia que eu
estou um porre, a X [filha] também, mas se em 30 dias, 25 são ótimos e 5 o
estressantes, estou no lucro, né? Nosso casamento é assim, feito destas coisas
boas, ruins, tudo misturado. (M1)
Alguma coisa de bom a gente tem que tirar destes caminhos tortos, de bom é isso,
os relacionamentos bem resolvidos, a amizade que ficou entre nós. (M3)
Dois entrevistados consideraram a possibilidade de um novo divórcio, sendo
que adotaram perspectivas distintas. Enquanto um afirmou que não recasaria mais,
outro assegurou que tentaria novamente.
Se eu separar de novo, eu o caso mais, desisto, não vou tentar mais
relacionamento futuro. Não pelos filhos, mas pela própria separação, porque
alguém sempre sai machucado, prejudicado com a situação. (H2)
Porque se um dia eu não quiser, eu vou embora, e quando me separei do X [ex-
marido] eu decidi e não tive medo. Eu sou inteligente, vou refazer a minha vida,
conforme a gente cai a gente levanta melhor, porque cria casca, quando cai o
joelho já está calejado, já sabe onde dói. E vou ser feliz.(M1)
Um entrevistado retomou a questão da paternidade e a importância de
assumir as responsabilidades: “Que quando a gente quer ter filhos tem que assumir
por inteiro para não deixar filhos no abandono do pai ou da mãe, deixar com a babá.
Tem que se dar, teve filho tem que assumir, desde cedo, desde o chorôrô”.(H3)
No relato de dois pais surgiu a questão da culpa por possíveis danos que a
separação possa ter causado aos filhos.
O meu segundo filho tem opção sexual diferente, acredito que isso possa ter sido
por causa da separação. Separação nenhuma faz bem para filho. De forma alguma
acredito que a separação traga algum benefício para os filhos. (H2)
Sempre me sinto culpado em relação à X [filha], esta coisa da gordura dela, uma
voracidade, comendo muito, [...] Este negócio de filhos é complicado. Será que a
minha separação causou isso? Este negócio com a Y [esposa]? Mas tem uma hora
que você tem que viver a vida do jeito que é, o que acontece, acontece. (H5)
Alguns entrevistados comentaram a respeito do momento da separação
buscando expressar o quanto foi traumático para os filhos. A mãe M4 conta que o
filho está em terapia e atribui esta procura a “coisas do passado” como:
No dia da separação foi uma coisa violenta até na frente do meu filho, o pai se
fragilizou deitou no colo do filho de 7 anos e ficou falando mal de mim para meu
filho. Neste período voltei para a terapia. (M4)
No entanto, outro entrevistado mostrou uma percepção diferente do que se
refere à influência da separação conjugal:
Não é a separação é a forma como os casais separados lidam com a separação e
com os filhos. Por isso que eu esperei a relação se consolidar. Eu optei por fazer
em etapas, falo para a X [esposa] que nossa relação é a longo prazo, então se
puder agüentar três anos de chateação com a Y [filha] para garantir 20 depois...
(H1)
5.14 Comparando os relacionamentos
Alguns entrevistados comparavam seus relacionamentos e observaram
mudanças, em seu comportamento e atitudes, ao longo das distintas uniões
conjugais. Em dois momentos no decorrer da entrevista, M1 fez comparações entre
a união anterior e a atual, sendo que primeiro relacionou as duas gestações e,
posteriormente falou sobre o aprendizado:
Este casamento, esta gravidez, está sendo totalmente diferente do primeiro, tive o
X [ex-marido] 2 meses durante a gravidez. E hoje o y [atual marido] chega e
beijo na barriga. (M1)
[...] não considero meu divórcio “Ah! Quebrei a cara!”, eu fui feliz, tive uma casa
com ele, casei com ele, tive uma filha com ele. Meu primeiro casamento deu certo,
deu certo até onde tinha que dar, acabou o prazo de validade, comi, comi, acabou e
pronto. Não considero que perdi tempo, hoje entrei nesta relação mais confiante,
sabendo como era, e antes eu entrei de gaiato no navio, tenho a experiência do
primeiro que me ajuda no segundo que não é igual. Aprendi com os erros do
passado, todos os momentos, os ruins e os bons foram importantes. (M1)
A palavra amadurecimento apareceu quando os entrevistados falavam das
uniões anteriores, o pai H2 a citou duas vezes tanto sobre a educação dada aos
filhos, quanto a respeito da vida conjugal:
Eu comparo onde eu errei com o primeiro casamento, com o segundo e não quero
repetir no terceiro. Casei novo, tive filho novo, hoje, vejo que poderia ter sido
melhor, com o amadurecimento, o X [filho da união atual] é melhor ainda porque
vejo o que fiz e deixei de fazer com a Y [filha da união anterior]. (H2)
Acho que o pai, marido e esposa, tinham que batalhar na relação. Se hoje não
tivesse este amadurecimento, já teria me separado da X [atual esposa] também. [...]
Tem que buscar equilíbrio, contornar isso. (H2)
O entrevistado H3, também citou a importância do amadurecimento na
condução do cuidado com os filhos, e ilustra com um episódio:
Entrei em um campeonato, passei o dia todo jogando, enquanto minha filha ficou
com minha irmã, era meu fim de semana, eu tinha que ficar com ela. Isso é a idade,
é amadurecer, ver o que é mais importante na sua vida. (H3)
A mãe M2, diferentemente dos relatos anteriores, percebe a mudança em
aspectos mais práticos do cotidiano ao fazer a comparação entre a união anterior e
a atual:
Vejo que eu não trabalhava no primeiro, eu passava o dia cuidando da casa,
fazendo comida. Agora pago tudo. Acho que agora é mais correria, porque trabalho
e são dois filhos. (M2)
6. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
6.1 A diversidade da família contemporânea
Conforme exposto por diversos autores (Wagner e Sarriera, 1999; Figueira,
1986; Diniz Neto e Féres-Carneiro, 2005), a família contemporânea não comporta
uma única definição, motivo pelo qual, provavelmente, os entrevistados ficaram em
dúvida sobre quem fazia parte de sua família. A dificuldade em responder à esta
questão parece relacionada ao contexto social, que continua apontando o modelo da
família nuclear como ideal, como se percebe em alguns mecanismos de produção
de subjetividade. Foi observado que vários contos infantis retratam o perigo da
família recasada, tais como: Branca de Neve, João e Maria, Cinderela, entre outros.
A partir do exemplo das histórias infantis, a mensagem a respeito dessas famílias,
segundo observa Brun (1999):
“[...] sempre gira em torno da idéia de que longe dos pais, na mão de substitutos, a
criança está em risco. Os contos de fada ressaltam a importância do olhar atento e
vigilante do progenitor, com o objetivo de evitar a exposição de um filho a quaisquer
possíveis maus-tratos” (p.86)
Novelas atuais também reatualizam mitos que envolvem o recasamento,
como o do padrasto abusador e o da madrasta malvada. Alguns exemplos,
apresentados anteriormente, foram as novelas: “Laços de Família”, “Senhora do
Destino” e “Belíssima”, exibidas pela Rede Globo de Televisão, nos anos de 2000,
2004 e 2006, respectivamente. O “Caso Isabella” também recebeu repercussão na
mídia nacional, não pelo fato de a criança ter sido lançada pela janela, mas
porque estava sendo cuidada, naquele momento, pelo pai e pela madrasta
(Calligaris, 2008a e DaMatta, 2008). Desta forma, mais uma vez, foi enfatizado o
mito de que a família com padrasto/madrasta pode ser perigosa para as crianças
envolvidas.
Dessa forma, as respostas dos entrevistados da presente pesquisa,
mostraram-se coerentes com a produção social, pois conforme apontado por
diversos autores (Kehl, 2003; Uziel, 2000 e Sayão e Aquino, 2006), esta ao mesmo
tempo em que incentiva uma mudança de valores em direção à individualização,
mantém o modelo de família nuclear como referência.
A hiperindividualização (Lipovetski, 2004a) que influenciou a maneira das
pessoas se relacionarem amorosamente, adotando uma postura de finitude nos
relacionamentos conjugais, isto é, com amarras mais frouxas, refletiu na formação
da família. Notou-se também que apesar de estar claro que hoje a união conjugal
pode ser desfeita (Vaitsman, 2001), muitos pais entrevistados parecem não
compreender as conseqüências dessa escolha, pois querem ter a possibilidade de
terminar a conjugalidade, sem que esta decisão interfira na construção familiar.
Posto que, não parecem atentos aos desdobramentos dessa separação, dentre eles,
a possibilidade de formação de uma família distinta do modelo nuclear. Pode-se
pensar que uma das conseqüências das separações e dos recasamentos seria,
justamente, a construção de um formato diferenciado de família, configuração que
não parece absorvida pelos entrevistados, que continuam almejando o padrão
nuclear de família.
O sentimento de culpa decorrente da decisão pela separação conjugal,
experienciado por alguns pais e mães entrevistados, pode estar relacionado ao
discurso proferido por alguns especialistas, sobre o efeito danoso do divórcio no
desenvolvimento dos filhos, como exemplo o estudo apresentado por Wallerstein e
Kelly (1998). Contudo, com o grande número de separações conjugais e o caráter
volátil das relações amorosas, a construção na mídia tem sido erguida no sentido
oposto, apontando benefícios para os filhos após a separação dos pais, como
destaque dado na reportagem de Mendonça (2005) no que diz respeito ao
amadurecimento dos filhos de pais separados.
No entanto, esta percepção positiva não apareceu nas entrevistas, que ainda
parecem ancoradas no estereótipo da família com padrasto/madrasta. Assim, não é
de se surpreender que tenha sido encontrado no relato dos pais e mães recasados
entrevistados, o desejo de possuírem “uma família normal” (M3) ou de considerarem
sua família como “entre aspas” (H5), quando indagados a respeito de quem a
compõe. Na pesquisa empreendida por Wallerstein e Kelly (1998), desvalorizada na
matéria elaborada por Mendonça (2005), os aspectos relacionados como benéficos
aos filhos mostraram ser fonte de sofrimento para estes, que percebiam sua infância
ou adolescência encurtada pela situação estabelecida por seus pais no pós-divórcio.
Considera-se, no entanto, que pesar a balança para um lado ou para o outro,
isto é, afirmar que é melhor ou pior para os filhos a separação de seus pais, é
ignorar a complexidade da interação familiar. Os fatores que estão em jogo o
tantos e o diversos que simplificá-los, por meio da utilização de uma lógica
dicotômica, impede a reflexão dos desdobramentos e modos de condução da
família.
Diante do exposto, pode-se notar que responder “quem faz parte da sua
família”, no contexto do recasamento, torna-se tarefa difícil, pois não cabe a
utilização da coabitação para defini-la. A família ultrapassa os muros da residência
(Sayão e Aquino, 2006) e, como o diversos núcleos que se interligam, não se
pode determiná-la por laços consangüíneos.
O critério de coabitação para definição de quem faz parte de sua família,
foi apresentado por três entrevistados, sendo que todas eram mulheres. Talvez a
não aplicação deste conceito entre os homens se deva ao arranjo de guarda dos
filhos estabelecido após a separação. Dentre os pais entrevistados somente um
possuía a guarda alternada da filha. Logo, a fim de incluir os filhos da união anterior
na sua definição de família, os pais não poderiam utilizar a coabitação, pois
conviviam com seus filhos de forma esporádica. Como exemplo, o pai H3,
respondeu que sua família seria: “Eu, minha mulher e meus dois filhos”, apesar de
sua filha, da união anterior, ir à sua casa de 15 em 15 dias. Assim, pode ter ocorrido
de os homens não terem respondido à pergunta segundo a coabitação, por terem
compreendido, ao longo do tempo, que a família não se limita ao espaço doméstico.
Em contraposição, como a criação feminina é direcionada para o lar, para as
mulheres, a família estaria dimensionada por aqueles que estão na residência.
Conclui-se que a pergunta sobre quem integra a família gerou confusão.
Aparentemente era uma questão simples, mas que provocou perplexidade diante da
ausência de pautas pré-estabelecidas que facilitassem a resposta.
Notou-se assim, que mesmo com o recasamento, para alguns, expectativa
de que a família deveria ser a nuclear. Esse dado pode explicar o motivo de alguns
processos judiciais que demandam modificações na configuração familiar das
partes, a fim de reproduzir este modelo, ou melhor, reconstituí-lo. Um exemplo de
solicitação neste sentido são os pedidos de adoção por cônjuge, dispositivo
apresentado e debatido previamente (Brito e Diuana, 2002).
Conforme discutido em capítulo anterior do presente trabalho, o Poder
Judiciário têm sido chamado a manifestar-se a respeito do recasamento e suas
demandas decorrentes. A formação familiar que surge após o recasamento pode
suscitar questões que chegam a Justiça, sob a forma de processos, por exemplo: de
alimentos entre enteados e padrasto/madrasta; exercício da autoridade parental dos
padrasto/madrasta; visitação do padrasto/madrasta ao enteado após separação do
recasamento; sucessões, que seria o direito do enteado à herança deixada pelo
padrasto/madrasta; e disputa de guarda dos enteados entre padrasto/madrasta e
genitores ou avós.
Neste contexto, o psicólogo, muitas vezes, será convocado a participar destes
processos emitindo documentos sobre a situação daquela família. Portanto, torna-se
necessário o conhecimento das implicações que certas medidas legais podem
ocasionar dentro de uma família, além de se estar atento às mudanças e à
complexidade das formações familiares na atualidade.
6.2 Particularidades do casal recasado
Diversos autores (Claro, Kirby e Muller, 1993; Grisard Filho, 2003; McGoldrick
e Carter,1995) observaram especificidades na formação da conjugalidade no
recasamento, isto é, alertaram para características que diferem do início de um
relacionamento amoroso formado por pessoas que não tiveram a experiência de
uma união anterior. Na pesquisa em questão, diversos aspectos foram identificados
no relato dos entrevistados e serão desenvolvidos a seguir.
Foi evidenciada, por exemplo, a associação que os entrevistados faziam entre
oficialização da união e lua-de-mel, pois ao comentarem sobre a lua-de-mel,
também mencionaram o tipo de acordo conjugal que possuíam, ou seja, se eram
casados ou se estabeleceram a união estável.
Cutsem (2001) percebeu, em seu trabalho clínico como terapeuta familiar,
que na família recasada, onde até as crianças sabem da “[...] existência ou não de
um vínculo jurídico de casamento, [...] os terapeutas que apóiam estas famílias o
ignoram muitas vezes”(p.89). Apesar de na visão daquele autor, muitas vezes os
profissionais não estarem atentos à importância do tipo de vínculo conjugal mantido
pelo casal, os entrevistados dessa pesquisa quando questionados a respeito da lua-
de-mel vinculavam-na como desdobramento do casamento e não da união estável,
trazendo a questão da comemoração como um fator relevante para marcar a
possibilidade de lua-de-mel.
Na amostragem também foi observado que a escolha pelo casamento vem
perdendo espaço para outras configurações ou surge como concretização de algo
previamente dado, isto é, após algum tempo de coabitação. Confirma-se desta
maneira o movimento dos casais unirem-se sem qualquer formalização (Goldenberg,
2003), optando posteriormente, caso tenham interesse, pelo casamento ou união
estável.
Esta conduta parece condizer com o que aponta Bauman (2004a) sobre o fato
de que, atualmente, os casais mantêm o vínculo afetivo mais líquido, isto é, passível
de rompimento a qualquer momento diante de alguma insatisfação. Devido à falta de
oficialização da união conjugal, esta pode ser encerrada com maior agilidade,
conferindo ao sujeito o “sentimento de estar livre” (Singly, 2000, p.18). Este aspecto
está também relacionado à desvalorização do casamento como ritual de passagem,
pois antes do casamento ocorrer, o casal havia iniciado sua vida a dois (Segalen,
2002). Assim, neste caso, o casamento deixa de marcar uma mudança para outra
etapa da vida, formalizando apenas uma situação já instalada.
Esta tendência de não realizar festividade que marque o início da união
conjugal e a existência de um período de coabitação anterior ao casamento não é
exclusividade do casal recasado e tem sido adotada também por solteiros. No
entanto, com o recasamento, algumas formalidades tornam-se mais difíceis, pois
pode depender da justiça para que o divórcio dos ex-cônjuges se concretize, como
também não ter a permissão da Igreja para a realização da cerimônia religiosa.
A respeito da lua-de-mel, Church (2007) que realizou uma pesquisa com
madrastas, relata que uma entrevistada teve que passar a lua-de-mel com os
enteados, devido ao adoecimento da mãe deles. Na presente investigação não
houve este tipo de situação, mas foi observada certa dificuldade de concretização da
lua-de-mel decorrente de diversos fatores, dentre eles o gasto financeiro com a
mudança residencial ou o nascimento de um filho. Conforme descrito, da amostra de
dez entrevistados, somente quatro consideraram ter usufruído da lua-de-mel e
apenas um a realizou imediatamente após a celebração da união conjugal.
Notou-se que a busca por privacidade mostra-se mais complexa na família
recasada, que a presença de filhos ocorre desde o início do relacionamento. O
casal, na maioria das vezes, quando começou a coabitar, não passou por aquele
período inicial de convivência somente a dois. Um dos entrevistados, citou a
importância desses momentos a sós recordando, com saudade, a época de namoro,
deixando claro que o romance foi excelente, pois foi “sem crianças”(H5). Neste caso,
o casal optou por namorar afastado dos filhos, antes de dividirem a mesma
residência. No entanto, de acordo com os dados coletados, a prática mais freqüente
era a de partir rapidamente para a coabitação.
Outro ponto abordado pelos entrevistados refere-se à escolha de ter filhos no
atual relacionamento. A preocupação em resolver o impasse a respeito de ter ou não
filhos na nova união conjugal decorre de alguns fatores específicos do recasamento,
como a aceitação por parte dos filhos da união anterior ou a idade dos envolvidos.
Sobre a idade, esta aplica-se tanto ao futuro pai ou mãe que, provavelmente, são
mais velhos do que pais e es de primeira viagem, como também a idade dos
filhos destes. Estes aspectos foram levantados pelos entrevistados, assim como a
observação da existência de pautas educativas divergentes - de cada njuge com
seus próprios filhos- e o crescimento da família já numerosa.
Alguns entrevistados relataram que, apesar de não desejarem ter mais filhos,
cederam à vontade do cônjuge. Esta situação pode ser compreendida também pelo
viés apresentado por Brun (1999) a respeito do significado que este filho traz como
elo da unidade familiar:
“A criança nascida no recasamento é muito especial. Ela tem um grande potencial
de promover a união tão esperada [...] Ela desenha o perfil desta família pela
primeira vez, e este traçado vai mobilizando os sentimentos de todos [...] Mas,
ocupando a posição de ‘unificadora do lar’, ela quase sempre carrega uma pesada
carga de responsabilidades [...] vai tornar aquele núcleo familiar legítimo” (p.60).
Neste aspecto retoma-se a idéia, que alguns entrevistados apresentaram, da
busca pela construção de uma família ancorada na referência do modelo nuclear:
pai, mãe e filho. Caso este grupo seja composto, por exemplo, por pai, madrasta e
enteado, para eles o estaria configurando uma entidade familiar legítima, “de
verdade” ou “normal”, mas seria, como a entrevistada M3 definiu, uma “família
quebrada”.
Também se destacou nas entrevistas, o receio dos pais em contarem para
seus filhos sobre o projeto de aumentar a prole. Este temor parecia partir de dois
pontos: da receptividade que os filhos teriam ou não da notícia e da constatação de
que ficariam mais próximos desta nova criança do que do filho da união anterior.
Sobre o primeiro ponto, as reações dos filhos, de acordo com os pais, foram
variadas. Enquanto alguns se aproximavam lentamente, outros classificavam de
maneira diferenciada os irmãos provenientes da nova união de um dos pais. Este
dado parece aproximar-se do encontrado por Brito (2007), quando os filhos de pais
separados demonstravam distanciamento dos “meio-irmãos”. Na pesquisa que se
desenvolveu, este termo foi amotivo de discussão da entrevistada M3 com seu
filho, pois ela não aceita que ele utilize “meia-irmã”, e questiona: “Onde tem meia?
Ela é sua irmã inteira!” (M3).
a respeito da comparação entre os filhos no que tange à proximidade, este
aspecto foi expresso tanto pelos pais recasados como, segundo eles, por seus
filhos. O pai, H2, chamou de “privilegiado” o filho decorrente do relacionamento
atual, pois convive diariamente com ele. O entrevistado H1 contou que sua filha, ao
saber da gravidez da madrasta, relatou que o bebê terá convivência diária com o pai
e ela o. Este maior acompanhamento do filho fruto da relação corrente foi notado
em pesquisas empreendidas por outros pesquisadores, como Wallerstein e Kelly
(1998) e McGoldrick e Carter (1995).
Em relação ao planejamento e realização de momentos de lazer e férias em
família, a maior queixa dos entrevistados relacionava-se a impedimentos expressos
pelos filhos. A constatação do crescimento de seus filhos e, conseqüentemente, do
surgimento de interesses diversos, tais como sair com amigos e namorar, provocava
incômodo nos pais entrevistados. Estes relataram dificuldades para lidar com a nova
situação, ou sentiam-se alijados como “pais-turistas” (H1) operando um intenso “leva
e busca” do filho em passeios, sem usufruir da presença do mesmo.
No entanto, este parece ser um aspecto vivenciado por todas as famílias,
independentemente da sua configuração, pois os filhos na adolescência preferem
momentos de lazer com seus pares. As questões próprias da separação também
foram abordadas pelos pais e mães recasados como os finais de semana ou período
de férias que o filho passa com o outro genitor. Esta ida do filho à casa do outro pai
era percebida positivamente, pois permitia um momento de privacidade para o casal
recasado.
Outro tema tratado com os entrevistados referia-se a decisão da moradia, na
qual seus integrantes iriam compor o lar. A busca por uma residência onde
coubesse toda a família foi o principal fator decisório na escolha do local. A família
recasada parece seguir na contramão da tendência imobiliária atual, de construção
de pequenos apartamentos. Apesar de as mulheres solteiras e recasadas terem
agora um menor número de filhos, como divulgado recentemente na capa da
Revista Veja de 30 de Julho de 2008: “Cadê os bebês? Com 1,8 filho por mulher, a
população brasileira entra em tendência de queda”, a família com padrasto/madrasta
cresce por reunir filhos de sucessivos casamentos (Bergamasco e Barbieri, 2007). O
fato é que cada união pode resultar em filhos e, portanto, unindo as crianças de
cada um dos cônjuges provenientes de relações anteriores com aqueles oriundos do
novo relacionamento, forma-se uma família numerosa.
Outro aspecto observado refere-se ao simbolismo presente na escolha da
casa e do momento da mudança. Alguns entrevistados evidenciaram a residência
como um projeto familiar. Este conceito, descrito por Clément e Bonvalet (2006) em
sua pesquisa com famílias recasadas, refere-se à idéia de que a residência
secundária (entendida como casa de campo, de veraneio ou outro imóvel)
funcionaria como um novo lar para unir a família e promover um sentimento de
pertencimento nos integrantes. Na presente investigação, este entendimento foi
encontrado quando os entrevistados afirmaram ter optado por residir em um espaço
novo, a fim de mostrar que a mudança era também de estrutura familiar, que
buscaram habitar um local sem uma história familiar prévia.
A importância da escolha da residência também apareceu quando, ao ser
perguntado sobre o que gostaria de mudar na realidade familiar, uma entrevistada
relatou que o teria coabitado com o atual marido junto com a sua filha e com as
filhas dele de união anterior, pois acredita que deveria ter aguardado o crescimento
delas a que se tornassem independentes. Segundo a divisão encontrada na
pesquisa das francesas Clément e Bonvalet (2006), pode-se sugerir que, no caso da
entrevistada foi dado um contorno de espaço parental à residência, ou seja, esta não
seria vista como lugar para a realização conjugal, mas de criação da filha e,
portanto, deveria ser preservada de aspectos intervenientes. Ou ainda, talvez possa
ser considerado que manter um afastamento, mesmo que por meio dos muros da
casa, proporcionaria o distanciamento necessário para a manutenção do
relacionamento conjugal em um recasamento, devido ao alto grau de complexidade
e, quem sabe, intolerância presentes nas inter-relações.
Este posicionamento da entrevistada aponta para o fato de que a coabitação
pode ser um fator relevante na análise da família recasada, pois a convivência diária
com o padrasto/madrasta é diferente da visita esporádica. No entanto, se os
conflitos podem surgir com maior intensidade no primeiro caso, o contato freqüente
também pode propiciar o estreitamento dos laços. No que tange à conjugalidade, a
própria entrevistada ficou em dúvida se a separação de residências seria uma boa
alternativa. Interpretou que, se por um lado alguns embates poderiam não ter
ocorrido, por outro, a chance de dissolução da união em decorrência de pequenos
impasses poderia ser maior.
6.3 Lidando com o recasamento
A compreensão por parte de Palermo (2007) de que “a mulher passa a ser
madrasta no instante em que é apresentada à criança como namorada do pai
[...]”(p.81), aponta para a importância da pergunta a respeito de como foi feita a
apresentação do padrasto/madrasta ao enteado. A forma como os pais e mães
conduzem a chegada do padrasto/madrasta na família pode interferir na
receptividade aos mesmos por parte dos enteados, pois a entrada desta nova
pessoa pode provocar impacto na configuração familiar, como apontado por diversos
autores (Claro, Kirby e Muller, 1993; Wallerstein, Lewis e Blakeslee, 2002; Wagner e
Sarriera, 1999 e Maldonado, 2001).
Nas entrevistas, foi observado que grande parte dos pais e mães recasados
não tiveram esta preocupação e fizeram apresentações, chamadas por um deles, de
“choque”, ou não lembravam como aconteceu, dando pouca relevância a esta
situação. Este posicionamento dos entrevistados pode estar relacionado ao que
vários autores (Claro, Kirby e Muller, 1993; Grisard Filho, 2003 e Falcke, 2002)
denominaram “mito do amor ou ajuste instantâneo”, isto é, os pais e mães parecem
acreditar que seus filhos irão, imediatamente, sentir afeto pelos padrasto/madrasta e
vice-versa.
Considera-se, no entanto, que toda relação necessita de tempo para ser
construída, principalmente, por esta situação específica envolver uma série de
outras implicações tais como conflito de lealdade e ciúmes. A justificativa dos pais
para sua conduta repousava em outro aspecto: a rapidez com que passaram do
“namoro” para coabitação. Três entrevistados manifestaram que pularam etapas,
pois os períodos entre conhecer e residir juntos foram: 5 dias, 2 semanas e 1 mês.
Outro mito que pode estar encontrando expressão na postura destes pais e
mães é o “mito da felicidade expansiva” (Wallerstein, Lewis e Blakeslee, 2002).
Talvez a pouca preocupação com a apresentação do novo companheiro, aconteça
devido à idéia de que os filhos irão sentir, por extensão, a felicidade que os pais
experimentaram por ter encontrado um novo amor. A satisfação por estar
recompondo a vida amorosa pode ser de tal ordem que os cega para a constatação
de que seus filhos não escolheram esta pessoa que estão conhecendo naquele
momento e de que esta possa não ser bem aceita por eles, que sua chegada
pode reacender, entre os pais, os embates s-divórcio, promovendo o surgimento
de novos conflitos (McGoldrick e Carter, 1995).
Portanto, identifica-se que alguns pais e mães recasados mostraram-se
alheios ao fato, apontado por Brun (1999), de que:
“[...] o recasamento, como qualquer outra relação humana, não pode ser criado
num passo de mágica. Não existe família instantânea. O bordado que vai surgindo
para tecer aquela rede tem que ser trabalhado ponto a ponto” (p.93).
Logo, compreende-se que o primeiro encontro entre os personagens desta
trama familiar é um ponto fundamental neste bordado. No debate sobre a construção
de laços entre padrasto/madrasta e enteado, a faixa etária surge como um fator que
poderia afetar a aproximação entre eles. No entanto, a determinação de uma idade
específica que facilitaria a receptividade do padrasto/madrasta, não possui uma
unanimidade, como apresentado no terceiro capítulo (Wagner e Sarriera, 1999;
McGoldrick e Carter, 1995; Cutsem, 2001; Palermo, 2007 e Grisard Filho, 2003).
Conforme relatado, na presente pesquisa, os filhos possuíam, em sua
maioria, até 10 anos de idade quando os pais recasaram. Contudo, não foi possível
identificar maior ou menor contato em função de serem crianças, que todos os
entrevistados afirmaram ter encontrado algum tipo de resistência por parte dos filhos
em relação ao seu atual cônjuge. Esta dificuldade ocorreu de maneiras diferentes:
alguns relataram que se dissipou com o tempo, enquanto outros afirmaram ter se
agravado.
Church (2005), em sua pesquisa com madrastas, identificou que elas
apresentavam como expectativa a idéia de que “[...] como lidam bem com crianças,
não terão problemas com os enteados”(p.40). Este fator também foi observado na
presente investigação por um pai recasado que pontuou para sua atual esposa,
professora de alunos com idade semelhante à da enteada, que “[...] você não casou
com o pai dos teus alunos, esta é a diferença, ela não te como professora legal,
mas como rival” (H1). Três entrevistados expressaram, de maneira clara, que o atual
cônjuge se esforçou para ser aceito pelo enteado, mas o recebeu afeto em troca.
Os pais e es, nesta situação, mostravam-se descontentes, porém não
encontravam solução, que percebiam que não era possível forçar uma
proximidade.
Outros entrevistados relataram que o impasse era tão grande, que se sentiam
no meio dos dois, forçado a “tomar partido” (H5), “fazendo de pára-choque” (M5) ou
“tentando aparar as arestas” (M4). Este lugar ocupado por alguns pais e mães, isto
é, de estarem no “fogo cruzado”, guarda semelhança com o relato dos filhos de pais
separados entrevistados na pesquisa empreendida por Brito (2006). Naquela
pesquisa foi observado que os filhos ficavam no meio dos desentendimentos dos
pais ou “na berlinda”, como disse um filho entrevistado. Além disso, ocupavam a
posição de mensageiros entre seus pais separados, que muitas vezes, não se
falavam mais. No presente estudo, uma e entrevistada disse para o atual marido,
a respeito das reclamações dele sobre o enteado: “precisa ficar passando por mim
toda hora?” (M4).
Um aspecto relevante no relacionamento entre padrasto/madrasta e enteado
foi a decisão, tomada por alguns, de estabelecer um contato mínimo em decorrência
da configuração familiar, isto é, como dois entrevistados definiram: “uma relação de
respeito” (H1 e M4). Este caminho indica uma proximidade distante, ou seja, estão
fisicamente próximos devido à circunstância de terem como elo o pai ou a mãe, mas
estão distantes afetivamente, posto que na ausência deste elo não construíram
nenhum vínculo.
Outra forma encontrada, por alguns entrevistados, para lidar com estes atritos
foi por meio de desencontros entre os integrantes. Em casos extremos, este dado
talvez possa explicar o fato de algumas pessoas ao recasarem se afastam dos filhos
do relacionamento anterior, a fim de que desta forma consigam manter o atual
casamento. O entrevistado H5 expressa que, por ter preocupação em manter
contato com a filha, buscou deixar claro para a atual esposa seu lugar de pai e sua
responsabilidade com a filha da união anterior: “Sempre fui muito claro com a X
(esposa): ‘minha filha é minha filha’. Às vezes os pais se perdem dos filhos
completamente, refazem o casamento e esquecem os filhos”. Este aspecto foi
mencionado quando foi discutido o temor de alguns filhos diante do nascimento de
uma criança da nova união e reaparece, neste momento, ligado a dificuldade de
manter esta rede familiar composta por tantos pontos de possíveis conflitos.
Os desencontros propositais estabelecidos podem ocorrer em momentos
simples do cotidiano, como o exemplo do entrevistado H1 sobre o uso da televisão,
como também nas decisões de lazer, que foi o caso da viagem entre e e filha
da entrevistada M5. Claro, Kirby e Muller (1993) apontam que, nas famílias
recasadas, podem se formar subgrupos com regras diferentes, caso ambos os
cônjuges possuam filhos de uniões anteriores. Este fator foi notado quando um pai
relatou que decidiu com a esposa que cada um iria educar seus filhos da forma que
lhe conviesse, sem existir trocas de pautas educativas, o que aponta para outro tipo
desencontro. Esta divisão na educação dos filhos também foi observada no seriado
televisivo Step by Step e no filme “Os meus, os seus e os nossos”, conforme
discutido anteriormente.
O desencontro também ocorre na comunicação entre os membros da família.
A ausência de diálogo, ou melhor, a forte presença de um longo silêncio entre os
diversos membros desta família, que parecem viver sua realidade familiar como algo
simplesmente dado, sem tocar em assuntos delicados ou expor sentimentos pôde
ser notada de maneira intensa nos relatos. Quando indagados sobre a percepção
dos filhos ou do cônjuge diante de uma situação delicada, os pais julgavam pelos
seus próprios pensamentos, ou davam conta de que jamais falaram com os outros a
respeito do assunto. Neste ponto, talvez se possa identificar o mito, descrito por
Souza (2000), no qual conversar sobre assuntos difíceis aumenta o sofrimento.
Diante disso, alguns pais e mães recasados podem não falar com seus filhos
sobre temas relacionados com a situação familiar, por receio de ampliar suas
mágoas. Assim, como ocorre no pós-divórcio onde pode ser estabelecido um pacto
de silêncio, com o recasamento a distância ultrapassa a fala e estende-se até a
proximidade física, que os pais e mães ficam tentando ajustar as relações para
que todos, como disse H1, consigam ficar “felizes ou alegres ou contentes, enfim...”
6.3.1 Vivência própria do papel de padrasto/madrasta
Este tópico trata da situação vivenciada por três entrevistados, um pai e duas
mães, que se recasaram com pessoas que também possuíam filhos de uma união
anterior. De acordo com a formulação de Cutsem (2001), este formato familiar seria
chamado de “segundo casamento duplo” (p.100), pois ambos os cônjuges foram
casados, não seria, portanto, um “segundo casamento simples”(p.100), no qual
apenas um deles teve uma união prévia. Esta denominação é interessante, que
não indica que para atribuir a expressão “segundo casamento duplo” ambos tenham
que ter tido filhos da relação anterior, mas para a presente pesquisa a utilização
deste termo exigirá este fator. Assim, estes três entrevistados viviam em um
“segundo casamento duplo”, pois tanto eles quanto os atuais companheiros tiveram
filhos em um relacionamento anterior.
A entrevistada M5 construiu uma relação mais próxima com a enteada mais
velha, o que aponta para o fator idade discutido anteriormente, e hoje estabeleceu
um contato “civilizadamente distante” com a enteada mais nova, remetendo à
postura de “relação de respeito”, relatada anteriormente sobre o relacionamento
entre padrasto/madrasta e enteados.
A outra entrevistada, M1, justificou ter uma boa aproximação com a enteada,
pois “quando ela nasceu o pai dela era separado da e dela”(M1). Esta
argumentação também foi encontrada no livro de Palermo (2007).
Diante do recasamento duplo, estes entrevistados também vivenciaram a
chegada de outro personagem na cena familiar: o (a) ex-cônjuge do seu (sua) atual
companheiro (a). Notou-se que as duas mulheres estabeleceram uma relação ruim
com a ex-esposa de seu cônjuge, enquanto o homem construiu um bom
relacionamento com o pai de seus enteados. Palermo (2007) ao falar sobre as
diferenças entre ser padrasto ou ser madrasta, aponta para um aspecto que talvez
indique uma justificativa para esta distinção de tratamento entre padrasto/madrasta e
os ex-cônjuges de seus atuais companheiros: “temos de admitir que nós, mulheres,
invadimos muito mais o papel da mãe do que o padrasto invade o papel do pai. Isso
deixa a ex-mulher enciumada, o que pode gerar competição”(p.65).
No entanto, esta visão desconsidera a dificuldade encontrada pela madrasta
em ocupar o lugar da mãe, pois sofre comparação imediata. A figura da mãe não
passou pela desvalorização de seu papel como ocorreu com o pai (Hurstel, 1999) e,
portanto, também é mais improvável realizar a substituição da mãe pela madrasta
(Wallerstein, Lewis e Blakeslee, 2002). Conforme pontua Church (2005): “[...] em
geral as madrastas são julgadas com mais rigor do que os padrastos, pois a
expectativa sobre o papel das mulheres dentro das famílias é maior” (p.11).
Outro ponto, mencionado por Wagner e Sarriera (1999), trata da observação
das correlações encontradas em sua pesquisa, sugerindo que a relação
mãe/madrasta é de fato mais conflituosa do que pai/padrasto. Nota-se também o
fato de que a chegada da madrasta provoca uma maior modificação no que tange
aos gastos financeiros e, ainda, pode exigir do pai uma postura de menor
flexibilidade em relação às demandas da ex-esposa. (Palermo, 2007).
Por fim, destaca-se que alguns entrevistados, no decorrer de seus relatos,
fizeram um balanço entre as diversas uniões conjugais que tiveram. As idéias que se
destacaram foram: amadurecimento e tolerância. É marcante a preocupação com o
exercício da parentalidade, com a educação de seus filhos e também com a
manutenção da vida conjugal. Esta parece ter sido a lição aprendida com o divórcio
e o recasamento, ou seja, uma maior flexibilidade diante das dificuldades cotidianas
(Théry, 2001).
6.4 Cuidando dos filhos do divórcio
Assim como o um único modelo de família (Fachin, 1996), nem de
separação (Brito, 2006), os resultados da presente pesquisa indicaram que também
não existe um padrão de guarda dos filhos. Um pai, H1, afirmou ter a guarda
alternada, isto é, metade da semana a filha reside com ele e na outra metade com a
mãe. Outro entrevistado e uma entrevistada, H2 e M3, vivenciaram arranjos de
guarda diversos ao longo do tempo, de acordo com a união conjugal, ou seja, com
os filhos provenientes de cada união, já que ambos estavam no terceiro casamento.
Outros dois entrevistados, H5 e M2, enfatizaram a flexibilidade no que tange
aos dias que o pai tinha acesso ao filho, possibilitando a ampliação do contato. Duas
mães, M4 e M5, contaram que o pai de seus filhos reside, respectivamente, em
outro Estado e País, no entanto, enquanto um pai mantém-se próximo do filho, o
outro se afastou. Uma entrevistada, M1, decidiu em juízo pela visitação livre, mas o
pai da criança não aparece com freqüência. Por outro lado, o pai H4 não exerceu
sua paternidade, devido às dificuldades pós-divórcio.
Em decorrência da guarda dos filhos na maioria dos casos ser atribuída às
mães, cabendo ao pai a condição de visitante, por vezes o pai via seu contato com
os filhos ser mediado pela ex-esposa. Palermo (2007) sugere, sobre o convívio do
ex-marido com a ex-esposa, que: “[...] o pai pode ir até a casa da ex- para arrumar
armário, colar tapete ou fazer instalações elétricas. A casa não é da ex-, mas
também das crianças. muita segurança a elas saber que se precisarem o pai
estará em um minuto(p.109). A autora inclui este aspecto no capítulo intitulado
“Dicas para facilitar o cotidiano”. Cabe lembrar que o referido livro é direcionado para
auxiliar as madrastas na condução das questões que tangem a família recasada.
Assim, a autora considera que o relacionamento entre ex-cônjuges no pós-
divórcio torna-se um fator relevante para a manutenção da proximidade com o filho.
Como expresso por Cutsem (2001): “é assim que se impõe uma idéia singular: para
ser pai por inteiro, é necessário agradar à mãe antes, durante e após a vida
conjugal”(p.164). Palermo (2007) justifica que a realização destas pequenas tarefas
domésticas permite que o pai fique mais próximo de seus filhos. Esta orientação
reflete o afastamento dos filhos que é imposto ao pai devido à guarda ser concedida
à e, o que motivou as organizações de pais separados, tais como a APASE
Associação de Pais e Mães Separados, a Associação Pais Para Sempre e a
Associação Participais, culminando na aprovação da lei da guarda compartilhada.
Espera-se que, nos próximos anos, com a aplicação desta nova lei, esta realidade
seja alterada.
Observou-se, contudo, que os entrevistados não mostraram alto grau de
proximidade com os (as) ex, alguns disseram freqüentar a casa do (a) ex em datas
comemorativas, mas nenhum relatou intenso contato. Pelo contrário, alguns
contaram que o ex-cônjuge encontrava, até na circulação de roupa da criança, um
caminho para intensificar o conflito. O pai, H4, afirmou que a ex-esposa picotava as
roupas que ele comprava para filha, e a entrevistada M1 expressou que a ex-esposa
de seu atual cônjuge não mandou qualquer peça de roupa para a criança vestir
durante o primeiro final de semana na casa do pai, após um ano de visitação
interrompida.
Pode-se hipotetizar que por lembrar o pai, a vestimenta deveria ser destruída,
ou que a ausência de roupas da criança na casa do pai mostraria que o pai não
reunia condições para receber a criança e que este não possuía vínculo com a
mesma. Também poderia ter como objetivo prejudicar as saídas e passeios, devido
à falta de vestimenta adequada.
A dificuldade de contato entre pais e filhos, decorrente da situação pós-
divórcio, pode ser encontrada no relato de alguns pais entrevistados que, quando
indagados sobre o que gostariam de modificar em sua família, manifestaram o
desejo de estarem mais próximos de seus filhos. Com a Guarda Compartilhada
espera-se que ocorra uma redução dos comportamentos, apresentados na
reportagem da Revista Faz (2008), de “pães e mais”, que significam segundo a
notícia, “pais que são verdadeiras mães” e “mães que são muito mais do que pais”.
A diminuição deste quadro deve ocorrer, que ambos poderão exercer sua
parentalidade.
6.4.1 (Re) fazendo laços
Segundo o relato dos entrevistados M5 e H4, dois filhos, quando adultos
foram procurar o pai, a fim de refazer o laço parental. Em ambos os casos o vínculo
não foi restabelecido. Estes dados coincidem com os encontrados por Brito (2006),
ao observar filhos de pais separados que tentaram restabelecer um relacionamento
com os pais após longo tempo de afastamento, no entanto: “[...] os encontros não se
concretizavam ou tornavam-se desastrosos” (p.538). A experiência do divórcio e os
arranjos de guarda podem ser determinantes na relação estabelecida entre pais e
filhos e, mesmo com o resgate de um contato interrompido por longos anos, o
vínculo criado é diferente daquele estabelecido com a convivência diária.
Os entrevistados M1, H4 e H5, justificaram que o padrasto ocupava o lugar de
pai da criança, exatamente, por estarem próximos cotidianamente. É importante
notar que a substituição pai-padrasto não encontrou correspondência no par mãe-
madrasta, ou seja, situações em que a e fosse substituída pela madrasta não
ocorreu com nenhum dos entrevistados. Inclusive, nos poucos momentos em que
algo foi cogitado neste sentido (M1 e H3), esta possibilidade foi descartada,
evidenciando-se a idéia de que “mãe é uma só”. Entretanto, foi apontado as
entrevistas que a figura paterna pode ser exercida por outra pessoa, conforme
expresso na definição da palavra “padrasto”, apresentada pelo dicionário Aurélio
(2005) e discutida em capítulo anterior. Este fato também foi observado nas
comunidades do Orkut que apontavam para a possibilidade do padrasto ser pai,
enquanto nas comunidades sobre madrasta, os integrantes manifestavam
descontentamento quando alguns membros mencionaram que chamavam a
madrasta de mãe.
A trama da família com padrasto/madrasta é de tamanha complexidade que
os pais, com receio de tomar uma decisão equivocada, podem se omitir diante de
certas situações. O pai, H1, que afirmou que a guarda alternada foi exigência da
filha de apenas 6 anos, assim como a mãe, M1, que disse não ter influenciado na
escolha da filha, de apenas 3 anos, em chamar o padrasto de pai, são exemplos
desta conduta evasiva.
O posicionamento de alguns pais, ao deixarem seus filhos optarem como agir
diante de questões tão sérias, enquanto tentam ficar isentos, mostra dificuldades
dos mesmos em lidar com as situações que se apresentam no pós-divórcio. As
crianças deveriam ser respeitadas em seu lugar de sujeitos em desenvolvimento e,
portanto, seria função dos pais marcar sua atribuições e direcionar o entendimento
de seus filhos diante de assuntos tão delicados, exercendo, desta maneira, sua
autoridade parental.
A postura destes pais remete aos dados encontrados por Brito (2007) em
pesquisa com filhos de pais separados, sobre os filhos que passaram a condição de
“filhos cuidadores” (p.41), ou seja, nestes casos ocorria uma troca no qual os filhos
se tornavam responsáveis pelos pais. Na pesquisa que se realizou, parece que, no
momento em que os pais permitem que os filhos decidam algo que seria de sua
responsabilidade, estaria acontecendo uma inversão de papéis, conduzindo ao
questionamento sobre o cuidado fornecido aos filhos no pós-divórcio e recasamento,
como já ressaltaram Wallerstein e Kelly (1998), por exemplo.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As mudanças sociais contemporâneas, principalmente as que envolvem uma
menor delimitação dos papéis masculinos e femininos, a redução da prole, o
ingresso da mulher no mercado de trabalho e o divórcio, geraram o que se entende
por família hipermoderna (Lipovetski, 2004a). Portanto, como apontado por vários
autores (Vaitsman, 2001; Dantas, 2003; Figueira, 1986; Diniz Neto e Féres-Carneiro,
2004; Jablonski, 1998), estas modificações nas atribuições sociais de homens e
mulheres atingiram a construção do casal e da família.
O casamento deixou de ser percebido como a constituição de um núcleo
familiar definitivo e passou à condição de um acordo entre o casal, que pode ser
desfeito a qualquer momento. Os njuges vêm buscando estabelecer um
relacionamento que não seja deveras passageiro, mas também que o possua o
peso da eternidade (Dias, 2000; Roudinesco, 2003; Bauman, 2004). Contudo, cabe
ressaltar que não linearidade no processo histórico, portanto, se observa a
coexistência de modelos “modernos” e “arcaicos” de casal e de família, como
classifica Figueira (1986).
Atualmente, a valorização dada à individualidade propicia que a relação
conjugal seja avaliada, principalmente, a partir das vantagens e da felicidade que
proporciona a cada indivíduo do par conjugal. Por esses motivos, Singly (2000)
considera que o desafio do casal contemporâneo reside em estabelecer um
relacionamento “entre - dois”, isto é, preservar a individualidade de cada um dos
envolvidos e, ao mesmo tempo, construir uma identidade conjugal.
No contexto hipermoderno, com a fragilização das relações e das amarras
sociais, como conceitua Bauman (2004a), aumenta, consideravelmente, o número
de divórcios. A possibilidade de separação conjugal veio atender à demanda das
pessoas em encerrar uma união na qual não se encontravam felizes, pois a
demanda dos sujeitos passou a ser a satisfação nas relações afetivas, com foco no
casal e no indivíduo, ao invés de ser no casamento (Dias, 2000). No Brasil, a Lei do
Divórcio de 1977, viabilizou juridicamente a dissolução matrimonial.
No entanto, apesar de se considerar legítima a possibilidade de término do
casamento, entende-se que se deve estar atento aos desdobramentos e às novas
questões que surgem na família pós-divórcio. De um momento para outro os pais se
vêem diante da necessidade de conciliar o exercício da parentalidade com as
mudanças pessoais e emocionais que vivenciam, podendo se deparar com
dificuldades em reestruturar esse papel na ausência da conjugalidade. É nesse
sentido que se entende que o casal conjugal se desfez, mas a parentalidade
permanece. Essa passagem do lugar de ex-cônjuges para o de pais de filhos que
são comuns é identificada como o grande desafio que envolve a família após a
separação (Maldonado, 2001; Brito, 1997). A guarda compartilhada é apontada
pelos autores como a modalidade de guarda dos filhos que permite o permanente
contato do filho com ambos os pais após o divórcio (Brito, 2002; Peck e
Manocherian, 1995; Grisard Filho, 2005).
Recentemente, este dispositivo de guarda foi aprovado, no Brasil, em lei
específica, sancionada pelo Presidente da República em 13 de junho de 2008. No
entanto, sabe-se que apenas a aprovação da lei não garantirá sua efetiva aplicação;
o debate torna-se indispensável, neste momento, a fim de proporcionar maiores
esclarecimentos à sociedade. Torna-se fundamental que tanto o pai quanto a mãe
percebam o espaço que o Estado está atribuindo a cada um e que tenham ciência
de que após a separação conjugal o que se indica é que o cuidado do filho será
definido em bases distintas das práticas anteriores, visando-se, agora, à
manutenção do convívio familiar com ambas as linhagens.
O recasamento inicia uma nova etapa do ciclo de vida familiar, provocando
alterações em sua dinâmica (McGoldrick e Carter, 1995). No trabalho desenvolvido
por Claro, Kirby e Muller (1993) com famílias com padrasto/madrasta, as autoras
encontraram uma variedade de organizações familiares que, independentemente de
sua estrutura, promovem da mesma maneira um ambiente acolhedor e apropriado,
reafirmando a noção de que não existe um único modo saudável de família. Cada
formato familiar apresenta suas próprias dificuldades e desafios, que serão
solucionados, diferentemente, em cada família (Dias, 2000).
O presente trabalho procurou suplantar a lógica dicotômica do bom/ruim, isto
é, buscou mostrar que a família recasada não é melhor nem pior do que a
denominada nuclear ou intacta (Wallerstein, Lewis e Blakeslee, 2002), mas apenas
diferente, e que estas particularidades não devem ser negligenciadas pelos
profissionais que lidam com estas famílias.
Nesta investigação buscou-se dar voz aos pais e mães recasados, a fim de se
apontar sugestões, dificuldades e caminhos encontrados na condução do
recasamento. Assim, após entrevistar cinco pais e cinco mães recasados, pode-se
perceber que os próprios integrantes da família com padrasto/madrasta, neste caso
pais e es recasados, manifestam certo preconceito em relação à sua
configuração familiar. Alguns entrevistados relataram o desejo de ter uma família
nuclear, por acreditarem que este é o modelo de família que proporcionaria o
desenvolvimento saudável de seus membros. Este aspecto aponta para a força do
modelo nuclear na percepção dos pais e mães de sua configuração familiar.
As questões que envolvem o s-divórcio marcaram o relato dos
entrevistados. Alguns contaram ter problemas quanto à visitação dos filhos, quanto
ao diálogo com o ex-cônjuge, além de receio de ter prejudicado psicologicamente os
filhos devido à separação. No que se refere aos cuidados com os filhos no pós-
divórcio, os arranjos de guarda mostraram-se flexíveis, apesar de, na maioria dos
casos, a mãe ter sido designada guardiã.
Em alguns relatos observou-se que ocorreu o modelo de substituição, isto é, o
padrasto ocupou o lugar do pai das crianças, ao invés do modelo de perenidade, no
qual novos lugares são pensados a fim de incluir os novos integrantes, sem precisar
destituir um dos genitores de seu papel. O conceito de pluriparentalidade, tal como
exposto por Fine (2000, 2002), ainda parece distante de ser absorvido pelos
entrevistados, enquanto o ideal de família nuclear permanece enraizado tanto no
exercício dos papéis parentais como no desejo de retorno a este formato familiar.
O título dessa dissertação de mestrado “‘No Fogo Cruzado’: Desafios e
Vivências de Pais e Mães Recasados” refere-se ao lugar ocupado pelos pais e mães
recasados como mediadores entre seus filhos da união anterior e seu atual cônjuge.
Segundo o relato dos entrevistados, estes se sentiam, por exemplo: “aparando
arestas” ou “servindo de pára-choque”. Portanto, o pai ou mãe recasado estaria no
fogo cruzado, exatamente, por funcionar como o elo entre seus filhos de casamento
anteriores e a pessoa que escolheu como seu novo cônjuge. A dificuldade de
relacionamento entre aqueles que ocupam o lugar de padrasto ou madrasta e seus
enteados, foi também identificada na literatura (McGoldrick e Carter, 1995; Claro,
Kirby e Muller, 1993; Church, 2005; Wagner e Sarriera, 1999; Grisard Filho, 2003,
2004; Wallerstein e Kelly, 1998; Wallerstein, Lewis e Blakeslee, 2002; Palermo,
2002; Maldonado, 1986).
A fim de lidar com a nova configuração familiar, alguns entrevistados
buscaram no que se chamou de “desencontros propositais” uma saída para manejar
os conflitos entre os filhos e o atual cônjuge, isto é, passaram a usufruir da
companhia de seus filhos em momentos separados daqueles desfrutados com o
atual companheiro.
Também foram observadas as especificidades do casal recasado no que
tange as comemorações da união, lua-de-mel, momentos de lazer, mudança de
residência e decisão de ter ou não filhos do atual relacionamento. Desta maneira, foi
notado que a formação do casal recasado difere da de um casal de primeira união,
pois a relação se inicia com uma série de intervenientes, como as questões que
envolvem a separação do ex-cônjuge e o filho da união anterior, conforme
observado por diversos autores (Claro, Kirby e Muller, 1993; Grisard Filho, 2003;
McGoldrick e Carter,1995).
Os assuntos referentes à educação e planejamento de filhos, a possibilidade
de usufruir ou o de lua-de-mel e a necessidade de uma residência maior que
comporte seus membros, são alguns exemplos da peculiaridade do casal recasado,
posto que estes ajustes ocorrerão em uma realidade em movimento, ou seja, sem
ter existido um momento exclusivo do casal.
A criação de laços dos enteados com padrasto e/ou madrasta depende,
principalmente, da busca de construção desses vínculos afetivos, estabelecendo o
parentesco por afinidade (Théry, 1996 apud Dias, 2000). Bauman (2004) diferencia
afinidade de parentesco, segundo o autor, a afinidade é eletiva, mas quer ser
parentesco para ter perenidade, enquanto o parentesco, em muitos casos, desejaria
ser escolhido.
Giddens (2002) percebe que o processo de negociação das questões
referentes à organização da família com padrasto e/ou madrasta pode ser doloroso
e demorado para todos os envolvidos, porém, também pode ser entendido como
uma possibilidade de constituição de novas relações gratificantes. Logo, apesar da
fragilidade de um laço ou da indissolubilidade de outros, uma relação estabelecida,
independentemente de qual ordem, podeser valorizada e usufruída. Os arranjos
de família são diversos, e o essencial é identificar como se estabelecem os laços
afetivos (Silva, 2005).
Diante do exposto, fica evidente que são diversos os modelos familiares na
atualidade. A própria denominação “família com padrasto e/ou madrasta” abrange
múltiplos formatos, como por exemplo, filhos do primeiro casamento da mãe
convivendo com os filhos do primeiro e do segundo casamento do padrasto. Como
também, enteados do primeiro casamento do pai, mantendo contato com os filhos
do casamento vigente. Enfim, são inúmeras as configurações possíveis.
As relações entre os membros do novo grupamento familiar não se reduzem
aos papéis de madrasta, padrasto e enteado, mas envolvem sua família extensa,
assim como os filhos de casamentos anteriores. A amplitude é tal que faltam
denominações para estes outros integrantes. Apesar de a família, de acordo com
Sayão e Aquino (2006), ter ultrapassado os muros da casa, passando a ser definida
pelos laços que estabelece, nos resultados dessa pesquisa foi observado que
algumas mães ainda se baseavam no critério da coabitação para definir os
integrantes de sua família. No entanto, os pais entrevistados não ficaram restritos ao
espaço doméstico, considera-se que esta resposta tenha ocorrido devido ao fato da
maioria não possuir a guarda dos filhos e, portanto, caso utilizasse a coabitação
para determinar os membros da família, excluiria o filho da união anterior. Este
aspecto aponta para a diversidade de fatores presentes na família recasada.
A multiplicidade de termos aplicados para designar “padrasto” e “madrasta”,
parece indicar que a criatividade é uma característica indispensável a estas famílias,
tanto no que tange à criação de nomenclaturas e à atribuição de papéis, como no
que se refere à resolução de possíveis conflitos e ao estabelecimento de vínculos.
Esta transformação, que atinge todas as gerações, demanda o aprendizado
de formas inéditas de tolerância e generosidade (Théry, 2001, p.92). Zeldin (1996)
em uma passagem de seu livro, após ter feito uma análise histórica das mudanças
na família, oferece um lugar especial à incerteza na condução da família que parece
refletir os dados encontrados na presente investigação:
A julgar pela experiência passada, a família existe para produzir o inesperado.
Nunca foi possível conseguir-se que ela faça exatamente o que dela se espera.
Claro que família significa o aconchego seguro, o refúgio protegido e memórias que
nem a morte consegue destruir; mas também é um laboratório empenhado em
experimentos aventurosos. Em particular, a família oferece treinamento na arte de
lutar com as incertezas da vida. A incerteza é uma precondição da liberdade, mas
sem ela tudo seria inevitável e nada restaria com que sonhar. (p.324)
O recasamento pode promover uma turbulência na família, mesmo que esta
tenha conseguido minimizar o impacto decorrente do divórcio, uma vez que surgem
novas questões (McGoldrick e Carter, 1995). Porém, este aumento da família pode
propiciar a constituição de laços permanentes de confiança, afetividade e amor,
permitindo a instauração de uma ampla rede familiar.
Compreende-se que o deve haver uma sobreposição de papéis, isto é, o
padrasto ocupando a posição de pai ou a madrasta exercendo a função de mãe,
mas devem ser construídos lugares próprios para estes novos membros da família.
Entretanto, pensar em papéis definidos, próprios a padrastos e madrastas, pode não
ser o caminho, que cada família possui sua maneira de se organizar, de acordo
com suas possibilidades. Como pontua Théry (2001): “Não se trata de criar um
modelo de boa recomposição familiar, mas de definir indicadores diante da nova
situação decorrente da precariedade conjugal na sociedade onde vivemos
42
(p.101).
Assim, a contribuição principal desta pesquisa foi demarcar as peculiaridades
da família recasada reafirmando a necessidade do reconhecimento de sua diferença
enquanto entidade familiar. Esta investigação pretende estimular o interesse pelas
questões que envolvem a separação conjugal e o recasamento, a fim de que novos
estudos possam ser desenvolvidos, ampliando o conhecimento a respeito da família
com padrasto/madrasta. Como desdobramento, espera-se subsidiar discussões - no
campo social, jurídico e psicológico - referentes ao tema, contribuir com a reflexão
sobre os diversos aspectos da família recasada, visando à mudança de atitudes e
desconstrução de mitos que ainda estigmatizam a família com padrasto/madrasta.
Cabe aos diferentes profissionais apoiar esta família na condução do
processo de construção de sua identidade, sem impor um modelo pré-definido.
Acredita-se, ainda, que o trabalho dos que atendem os integrantes de uma família
com padrasto e/ou madrasta não pode estar desvinculado do questionamento sobre
as características do momento sociohistórico em que se está inserido devendo,
portanto, prestar atenção às modificações sociais, sem ignorá-las ou naturalizá-las.
Independentemente do campo de atuação do profissional, ou seja, no âmbito
jurídico, escolar, clínico, assistência social, hospitalar, dentre outros, os profissionais
devem estar atentos para as peculiaridades desta organização familiar e adotar
condutas condizentes com as demandas deste grupo familiar.
42
Tradução livre.
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ANDICE A - ROTEIRO DE ENTREVISTA
Data:
Nome:
Sexo: Idade:
Profissão: E-mail:
Duração da entrevista:
Quebra-gelo: Quantos filhos você tem? Qual é a idade dele(s)? Moram com você?
1- Quem faz parte da sua família? (coabitação)
2- quanto tempo está com o atual companheiro(a)? (tempo no 2°casamento e
idade dos filhos no momento da união)
3- Seu atual companheiro(a) possui filhos de um relacionamento anterior? Como é o
seu relacionamento com ele(s)? (vivência própria do papel de padrasto/madrasta
– verificar contato com a(o) ex atual)
4- E os seus filhos do relacionamento anterior, como ficou decidido o cuidado deles?
(modelo de guarda)
5- Como seu filho conheceu seu atual companheiro(a)?
(chegada do padrasto/madrasta e relacionamento com enteados)
6- E nesta nova relação, tiveram lua-de-mel? Tiveram que mudar de residência?
(particularidades do casal recasado)
7- Como são os momentos de lazer- férias na sua família? Quem está presente?
(férias)
8- Como é este cotidiano sendo marido-pai ou esposa-mãe? dificuldades-
soluções? (manejo)
9- Há algo que gostaria de mudar nesta realidade familiar?
10- Gostaria de acrescentar mais alguma coisa?
ANDICE B - TERMO DE CONSENTIMENTO
Pesquisa: “‘No Fogo Cruzado’: Desafios e Vivências de Pais e Mães Recasados”
Termo de Consentimento
Trata-se da pesquisa de Mestrado desenvolvida no Programa de Pós-
Graduação em Psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, pela
aluna Laura Cristina Eiras Coelho Soares, sob orientação da Profa. Dra. Leila Maria
Torraca de Brito.
Esta investigação tem como objetivo principal identificar como pais e mães
recasados vivenciam e conduzem as mudanças que surgem em suas famílias, a
partir de dados coletados por meio de entrevistas individuais e semi-estruturadas.
Como produto do trabalho pretende-se levantar as sugestões, vivências e
possíveis dificuldades apresentadas pelos pais e mães recasados na condução
desta nova organização familiar, a fim de colaborar com a prática dos diversos
profissionais que lidam com estas famílias.
Informamos que os dados coletados no decorrer da entrevista não serão
diretamente relacionados a quem os expressou, garantindo-se o sigilo quanto à
identidade do participante nas publicações referentes à pesquisa. Os resultados da
pesquisa serão enviados por e-mail após publicação acadêmica, bem como estarão
disponíveis na dissertação.
Você poderá desistir de responder a entrevista a qualquer momento,
bastando para isso comunicar sua decisão ao entrevistador.
Estou esclarecido a respeito dos objetivos da pesquisa e aceito participar da
entrevista, concordando com o exposto acima.
Rio de Janeiro, ____ de _______________ de _______.
Ass.:_________________________________________.
APÊNDICE C - GENOGRAMA DOS ENTREVISTADOS
1. Mulheres entrevistadas
1.1 M1
M1
1.2 M2
M2
1.3 M3
M3
1.4 M4
M4
1.5 M5
M5
2. Homens entrevistados
2.1 H1
H1
2.2 H2
H2
2.3 H3
H3
2.4 H4
H4
2.5 H5
H5
LEGENDA:
HOMEM
MULHER
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