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Escola Nacional de Ciências Estatísticas
Rua André Cavalcanti, 106 – Cep: 20231-050 – Bairro de Fátima
- Rio de Janeiro Tel.: (21) 2142-0123 – Ramal: 3919
Mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociai
s
Reconhecido pela Portaria ME n
0
132, de 02/02/99, D. O. 23-E de 03/02/99
http://www.ence.ibge.gov.br
A PRODUÇÃO DO ESPAÇO NA REGIÃO PORTUÁRIA DA CIDADE DO RIO DE
JANEIRO: TRANSFORMAÇÕES RECENTES E TENDÊNCIAS URBANÍSTICAS
PARA SÉCULO XXI
ORIENTADOR - ELI ALVES PENHA
MARILENE AGRIZZI NACARATTI
Turma 2005
Dissertação apresentada à Escola Nacional
de Ciências Estatísticas como parte dos
requisitos necessários para obtenção do
título de Mestre em Estudos Populacionais e
Pesquisas Sociais
Rio de Janeiro
Dezembro 2007
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II
A PRODUÇÃO DO ESPAÇO NA REGIÃO PORTUÁRIA DA CIDADE DO RIO DE
JANEIRO: TRANSFORMAÇÕES RECENTES E TENDÊNCIAS URBANISTÍCAS
PARA SECULO XXI
Marilene Agrizzi Nacaratti
Dissertação submetida ao corpo docente do programa de mestrado em Estudos
populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas como parte
dos requisitos necessários à obtenção do grau de mestre em Estudos Populacionais e
Pesquisas Sociais.
Aprovado por:
Eli Alves Penha D. Sc.
Lavinia Davis Peçanha D. Sc.
Susana Mara Miranda Pacheco D. Sc.
Rio de Janeiro
Dezembro 2007
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III
Marilene Agrizzi Nacaratti
A PRODUÇÃO DO ESPAÇO NA REGIÃO PORTUÁRIA DA CIDADE DO RIO DE
JANEIRO: TRANSFORMAÇÕES RECENTES E TENDÊNCIAS URBANISTÍCAS
PARA SECULO XXI
Texto apresentado como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em Estudos
Populacionais e Pesquisas Sociais pela Escola
Nacional de Ciências Estatísticas.
Orientador: Eli Alves Penha
Rio de Janeiro
Dezembro 2007
IV
Palavras-chave:
cidade global;
gestão do território;
política urbana;
reconversão urbana;
urbanismo contemporâneo;
produção do espaço;
reconversão portuária;
gentrificação.
ESCOLA NACIONAL DE CIÊNCIAS ESTATÍSTICAS
PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS POPULACIONAIS E PESQUISAS
SOCIAIS.
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: POPULAÇÃO SOCIEDADE E TERRITÓRIO
NACARATTI, Marilene Agrizzi.
A PRODUÇÃO DO ESPAÇO NA REGIÃO PORTUÁRIA DA CIDADE DO RIO DE
JANEIRO: TRANSFORMAÇÕES RECENTES E TENDÊNCIAS URBANISTÍCAS
PARA SECULO XXI
X, 147 p. ENCE, Pós-graduação, 2007)
Dissertação de mestrado – Escola Nacional de Ciências Estatísticas.
V
AGRADECIMENTOS
Esse trabalho é resultado de um projeto por várias vezes adiado durante minha vida
profissional. Mesmo após os vários momentos difíceis desse período, pude avaliar que além
de pesquisar e escrever, sua realização me proporcionou experimentar outra e, sem dúvida,
a melhor parte: a sensação de estar numa empreitada coletiva e receber colaborações das
mais diversas naturezas: dos familiares – que, além do estímulo, me liberaram várias vezes
das obrigações básicas da vida em comum; dos vários amigos – que se prontificaram a
compartilhar experiências, informações e incentivo; dos colegas de turma – com quem
troquei expectativas; e do orientador – que não se poupou em me ajudar a dar consistência
ao projeto.
Agradeço a todos na mesma proporção que colaboraram comigo.
VI
RESUMO
Os novos processos produtivos e financeiros ocasionaram a ampliação da participação
do capital globalizado na produção do espaço urbano no final do século XX. Nesse mesmo
contexto, novas referências para o ordenamento das cidades foram também apontadas como
alternativas à matriz modernista do planejamento urbano. No âmbito da Cidade do Rio de
Janeiro, na década 1990, de acordo com a tendência mundial de identificação de políticas
de reversão do esvaziamento econômico, várias propostas de revitalização foram
formuladas para adaptação da cidade com vistas à sua inserção na rede da economia global.
Essa pesquisa buscou identificar as tendências de transformações urbanísticas e
possibilidades de renovação populacional conseqüentes das ações de revitalização urbana
utilizando como estudo de caso o processo de reconversão da Região Portuária. A
abordagem da questão central apoiou-se no exame das recentes tendências urbanísticas, na
caracterização da evolução urbana e produção do espaço da Região Portuária e ainda, em
reflexões apresentadas por diversos autores acerca das intervenções do poder público local.
PALAVRAS-CHAVE:
cidade global;
gestão do território;
política urbana;
reconversão urbana;
requalificação urbana;
urbanismo contemporâneo;
produção do espaço;
reconversão portuária;
gentrificação.
VII
ABSTRACT
The new productive and financial processes caused the increasing of the global investment
participation in the production of the urban space in the end of the century XX. In the same
context, new references for the urban planning were pointed as alternatives to the modernist
urbanism references. In agreement with the world tendency of reversing the economical
emptying of the cities, and intend to adapt the city for the inclusion in the global economic
network, since the 90’s years several proposals were formulated for the Rio de Janeiro
City. To assess aspects of the tendencies of urban transformations and population renewal
possibilities as a consequence of the urban renewal processes, the Rio de Janeiro’s Harbor
and Docks Area regeneration process was used as a case study in this work. The approach
of the central subject was conducted by the exam of the recent urban tendencies, in the
urban evolution and production of the space of the Rio de Janeiro’s Harbor and Docks
Area. In addition, reflections presented by several authors concerning the interventions of
the local government were considered.
KEY-WORDS:
global city;
territory management;
urban policy;
urban renewal;
urban regeneration;
contemporary urbanism;
waterfront regeneration;
gentrification.
VIII
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..........................................................................................................................
1
1- ASPECTOS TEÓRICOS DO URBANISMO E POLÍTICAS URBANAS PARA A
CIDADE DO RIO DE JANEIRO DURANTE O SÉCULO XX...........................................
9
1.1 – A evolução do urbanismo no século XX......................................................................
9
1.2 - Os planos urbanos para a cidade do Rio de Janeiro no século XX..............................
21
2- O PROCESSO DE “PORTUARIZAÇÃO”: A ASCENÇÃO E O DECLÍNIO DA
ECONOMIA PORTUÁRIA....................................................................................................
29
2.1 – A chegada da família real portuguesa e a consolidação das atividades portuárias no
início do século XIX................................................................................................................. 30
2.2 – Final do século XIX: portuarização, adensamento e deterioração do retro- porto..........
34
2.3 – A reforma Pereira Passos: a formação e consolidação da “Região
Portuária”..................................................................................................................................
43
3- AS TRANSFORMAÇÕES DA REGIÃO PORTUÁRIA NO CONTEXTO DA
FUSÃO DOS ESTADOS DA GUANABARA E DO RIO DE JANEIRO............................
5
1
3.1 – O impacto das intervenções rodoviaristas na Região Portuária.......................................
5
2
3.2 – A redução da área portuária e suas implicações para os bairros da Saúde, Santo Cristo
e Gamboa.................................................................................................................................. 5
8
3.3 – As novas funções da Região Portuária: entre a renovação e preservação da “memória
coletiva”.................................................................................................................................... 6
3
3.4 – O cenário resultante das intervenções do século XX.......................................................
4- O URBANISMO “PÓS-MODERNO” E AS PROPOSTAS E AÇÕES PARA
RECONVERSÃO DA REGIÃO PORTUÁRIA NO SÉCULO XXI...............................
74
4.1 - As experiências emblemáticas de um novo urbanismo: Nova Iorque, Londres,
Barcelona e Buenos Aires...................................................................................................... 76
4.2 - O Plano do Porto do Rio: limites e possibilidades da reconversão da Região
Portuária................................................................................................................................. 86
4.3 – As rugosidades espaciais emblemáticas da revitalização da Região Portuária no
debate acadêmico.................................................................................................................... 96
4.4 – A avaliação das tendências urbanísticas e possibilidades de renovação populacional..
105
5- CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................
120
6-
REFERÊNICIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................
131
NOTAS –............................................................................................................................................
136
ANEXO 1 – Tabelas com dados quantitativos..............................................................................
139
IX
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Bairros da Região Portuária e localização no Município do Rio de Janeiro............................. 4
Figura 2 – Área urbanizada da Cidade do Rio de Janeiro - 1843............................................................... 38
Figura 3 -. Propostas da Comissão de Melhoramentos – 1875.................................................................. 39
Figura 4 – Mapa interpretativo do Plano Pereira Passos – 1905................................................................ 50
Figura 5 – Localização dos elementos fixos e geradores de fluxos na Região Portuária até a década de
1970............................................................................................................................................................
64
Figura 6 – Aterros na orla da Baia de Guanabara para construção do Porto do Rio.................................. 67
Figura 7 - Fachada do Edifício Rio Branco 1 na Praça Mauá – 1990........................................................ 68
Figura 8 - Apresentação mensal do Grupo Escravos da Mauá no Largo de são Francisco da Prainha 68
Figura 9 - Representação esquemática dos condicionantes e das interferências que incidiam sobra a
área no final da década de 1980..................................................................................................................
69
Figura 10 – Principais núcleos de interesse do Plano Porto do Rio 2001.................................................. 89
Figura 11 – Área plana a ser renovada e área dos morros e projeto SAGAS............................................. 101
Figura 12 – Simulação da ocupação da área plana remanescente dos aterros da Reforma Pereira
Passos......................................................................................................................................................... 104
X
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Média diária de passageiros nos terminais rodoviários da Região Portuária e percentual
em relação ao total do Município do Rio de Janeiro - 1990-2003..........................................................
73
Tabela 2 – População segundo circunscrições censitárias e incremento populacional relativo – 1940-
1960.........................................................................................................................................................
73
Tabela 3 – População na data dos Censos de 1940, 1950 e 1960, segundo os distritos e
circunscrições da área central 1940-1960................................................................................................
74
Tabela 4 – População residente e densidade demográfica da Região Portuária 1970-2000
74
Tabela 5 – Projeção da população total estimada para a cidade, Ap-1, Iª e IIª Regiões Administrativa
e percentual em relação à cidade 2001-2020...............................................................
74
Ta bela 6 - Total de inscrições no Cadastro do IPTU dos bairros do Centro, Saúde, Gamboa e Santo
Cristo 1991-2006.....................................................................................................................................
111
Tabela 7 - Área total construída segundo inscrições do Cadastro do IPTU - 1991-2000.........................
112
Tabela 8 - Densidade construída segundo inscrições do Cadastro do IPTU - 1991-2000........................
112
Tabela 9 – Total de inscrições no Cadastro do IPTU por tributação residencial e não-residencial no
bairro da Saúde 1991 – 2006. .................................................................................................................
113
Tabela 10 – Distribuição percentual das inscrições no Cadastro do IPTU por tributação residencial e
não-residencial no bairro da Gamboa 1991 – 2006. ..............................................................................
113
Tabela 11 – Total de inscrições no Cadastro do IPTU por tributação residencial e não-residencial no
bairro de Santo Cristo 1991 – 2006. ......................................................................................................
114
Tabela 12 – Total de inscrições no Cadastro do IPTU por tributação residencial e não-residencial no
bairro do Centro 1991 – 2006. ...............................................................................................................
114
Tabela 13 – Distribuição percentual das inscrições do Cadastro do IPTU segundo a utilização no
bairro da Saúde - 1991-1999...................................................................................................................
115
Tabela 14 – Distribuição percentual das inscrições do Cadastro do IPTU segundo a utilização no
bairro da Gamboa - 1991-1999................................................................................................................
115
Tabela15 – Distribuição percentual das inscrições do Cadastro do IPTU segundo a utilização no
bairro de Santo Cristo - 1991-1999........................................................................................................
115
Tabela 16 – Distribuição percentual das inscrições do Cadastro do IPTU segundo a utilização no
bairro do Centro - 1991-1999..................................................................................................................
116
Tabela 17 – Distribuição percentual das inscrições do Cadastro do IPTU por utilização nos bairros
da Saúde, Santo Cristo, Gamboa e Centro - 2000
116
Tabela 18 – Distribuição percentual das inscrições do Cadastro do IPTU por utilização nos bairros
da Saúde, Santo Cristo, Gamboa e Centro - 2006..................................................................................
117
Tabela 19 – Total e distribuição percentual de inscrições no Cadastro do IPTU por bairro e segundo
faixas de idade – 1995.............................................................................................................................
117
Tabela 20 – Total e distribuição percentual de inscrições no Cadastro do IPTU por bairro e segundo
faixas de idade – 2000.............................................................................................................................
118
XI
LISTA DE TABELAS (CONTINUAÇÃO)
Tabela 21 – Total e distribuição percentual de inscrições no Cadastro do IPTU por bairro e segundo
faixas de idade – 2006.............................................................................................................................
118
Tabela 22 – Área territorial, população residente e densidade demográfica dos bairros históricos da
Região Portuária 1991-2000....................................................................................................................
118
Tabela 23 - Distribuição percentual dos responsáveis por domicílios segundo faixa de rendimento
nominal em salários mínimos – 1991-2000.............................................................................................
119
Tabela 24 - População, domicílios e incremento total e relativo das favelas da Região Portuária -
19991/2000. ............................................................................................................................................
119
Tabela 25 – Percentual da população total da Região Portuárias em aglomerados subnormais -
1991/2000. ..............................................................................................................................................
119
Tabela - 26 - Distribuição percentual de domicílios particulares permanentes, segundo adequação do
serviço público 1991 / 2000. ..................................................................................................................
120
Convenções utilizadas nas tabelas:
- Dado numérico igual a zero não resultante de arredondamento.
... Dado numérico não disponível.
0 O dado existe e o zero é resultante de arredondamento.
LISTA
DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - Total de inscrições no Cadastro do IPTU dos bairros do Centro e total dos bairros
históricos 1991-2006............................................................................................................................... 107
Gráfico 2 - Distribuição percentual dos responsáveis por domicílios segundo faixa de rendimento
nominal em salários mínimos – 1991-2000............................................................................................
110
1
1- INTRODUÇÃO
As transformações da dinâmica urbana verificadas no final do século XX são descritas
por Benko (1994), como resultado da consolidação de relações decorrentes do novo
funcionamento dos processos produtivos e financeiros entre as economias locais e o sistema
global que implicaram na distribuição de partes da produção por várias regiões do mundo.
Observa-se, assim, a confirmação do aumento da dependência do capital globalizado na
produção do espaço urbano. No contexto do final do século XX novas referências para o
ordenamento das cidades mediante aos impactos da reestruturação produtiva desde a década
de 1990 vêm sendo apontadas como substituição da matriz modernista do urbanismo
(MACHADO, 1991; HARVEY, 1992; ARANTES, 2000; MARICATO, 2000; FRIEDMAN;
CEZAR 2003).
Inclui-se também nas contribuições que influenciaram o urbanismo nos últimos anos a
ênfase à “reestruturação urbana”, muitas vezes, traduzida por iniciativas de revitalização de
áreas centrais em decadência, industriais e portuárias desativadas (HARVEY, 1992;
ARANTES, 2000; MARICATO, 2000; FRIEDMAN; CEZAR 2003). Ações dessa natureza
procuraram adequar partes do território de cidades com o dinamismo comprometido, às
necessidades apontadas para inserção no rol de cidades competitivas. Intervenções orientadas
por esses novos preceitos foram amplamente utilizadas nos países centrais como recurso para
a fuga do esvaziamento econômico, deterioração física e social. O suposto sucesso alcançado
por meio de planos de revocacionamento urbano, os quais demonstravam a clara intenção de
vender os atributos urbanos para atração de investimentos do setor privado, resultou na
consolidação de modelos norteadores dos principais esforços políticos de gestores locais. As
experiências de Baltimore, Nova Iorque, Londres e Barcelona exemplificam essa tendência.
Entretanto, de forma geral, as experiências das cidades que já promoveram planos de
renovação para suas áreas centrais ou áreas industriais e portuárias desativadas, sugerem que
vantagens relacionadas à rápida rentabilidade do capital sejam as principais razões para
eleição desses locais como prioritários para desenvolvimento de projetos e injeção de
recursos. A intenção é, na realidade, criar uma situação bastante atraente ao capital privado
(COMPAENS, 2004).
2
De forma rápida e intensa, critérios respaldados por essas novas referências deixaram
suas contribuições para os paradigmas urbanos da virada do século. A convivência de
resultados positivos desse processo - tais como revitalização e dinamização de áreas
degradadas pela utilização de tecnologias de ponta, com os negativos - principalmente a
ampliação do distanciamento entre os setores formais e informais da cidade, podem ser
verificadas em quase todas as cidades em que se realizaram experiências dessa natureza.
A observação do surgimento de formulações vinculadas às práticas urbanísticas do final
do século XX nos leva à reflexão acerca do enorme desafio representado pela necessidade de
identificação de novas possibilidades para a Cidade do Rio de Janeiro. Sem mais alternativas,
tal empreitada seria levada em meio à tensão resultante da busca pela inserção no grupo dos
beneficiados pelo capital globalizado, da demanda pela identificação de um projeto de
revocacionamento urbano e, simultaneamente, da redução das marcantes diferenças entre os
setores formais e informais de moradia, com certeza, uma de suas principais características
1
.
O processo de evolução urbana do Rio, por várias vezes já lhe impôs a reafirmação de
sua vocação – as funções de abrigo e defesa da colônia, capital do vice-reino, sede do reino
português com a vinda da família real, capital do império e da republica, denotam a
alternância de papéis exercidos pela cidade desde sua fundação, embora sempre ligados à
centralidade política e econômica do país.
Na última década do século XX, na tentativa de seguir a tendência de países centrais, a
idéia de Planejamento Estratégico é incorporada ao discurso da administração local como
tática imprescindível na preparação da cidade para a economia global. Diante dessa
perspectiva, a partir de então, várias intervenções urbanísticas traduziram os esforços do
governo municipal para o alcance do almejado nível ideal de competitividade urbana
referenciado pelos planejadores estratégicos. Ilustram essa intenção o projeto do Teleporto, o
Programa Rio Cidade, o Projeto SA’s e o Plano Porto do Rio 2001.
A aplicação de metodologia dessa natureza numa cidade como o Rio de Janeiro, onde se
verifica alto grau de desigualdade social, tem provocado questionamentos quanto à
possibilidade de sucesso de um suposto “espaço global e conectado com o mundo” que se
estaria tentando construir. Da mesma forma, tem sido avaliada a possibilidade de repetição de
efeitos adversos já vistos nos paises centrais, que terminaram na separação de áreas dinâmicas
3
e conectadas com o mundo das demais áreas da cidade, vistas por diversos autores como
conseqüências do enfraquecimento de instrumentos de regulação do consumo urbano como o
plano diretor normatizador (ARANTES, 2000; MARICATO, 2000; FRIEDMAN; CEZAR
2003).
Pelo exposto, ações e propostas inspiradas nas práticas urbanísticas do final do século
XX merecem atenção especial em decorrência da confrontação de suas proposições com
condições locais específicas originadas numa dinâmica de economia urbana própria. Essa
confrontação, muitas vezes, mesmo nos países em que foram originados, agravou problemas
locais e, até mesmo trouxe outros, como a intensa valorização de segmentos do território pela
intensa aplicação de recursos criando um espaço voltado para as classes mais favorecidas, as
chamadas gentrificações
2
(HARVEY, 1992; ARANTES, 2001; COMPAENS, 2004).
O aprofundamento do conhecimento acerca das questões relacionadas às tendências
urbanísticas que vêm se impondo, juntamente aos questionamentos quanto às conseqüências
que também já se observam é a principal motivação para realização dessa pesquisa. Com esse
intuito, considerou-se que as propostas em curso para a reconversão da Região Portuária do
Rio de Janeiro constituem material adequado como estudo de caso. O recorte espacial adotado
é o conjunto urbano formado pelos bairros da Saúde, Santo Cristo e Gamboa, os chamados
“bairros portuários históricos” e um pequeno trecho do bairro do Centro junto à Praça Mauá,
área contemplada pelo plano Porto do Rio 2001, que pode ser visto na figura 1. Essa porção
do território com 316 hectares de superfície está situada no trecho leste da orla e limitada pela
Baía de Guanabara ao norte e ao sul pelo paredão montanhoso formado pelos morros de São
Bento, da Conceição, do Livramento e da Providência. Institucionalmente a Região Portuária
comporta ainda o bairro do Caju para conformar a Iª Região Administrativa da cidade do Rio
de Janeiro, embora não incluído nos projetos de revitalização.
4
Figura 1 – Bairros da Região Portuária e localização no Município do Rio de Janeiro
Fonte: PCRJ
A área abriga a estrutura remanescente do Porto do Rio inaugurado em 1911 e parte
integrante da reforma do prefeito Pereira Passos caracterizada por vazios urbanos formados
pelas grandes extensões de aterros e retificação de orla que constituem a área plana dos bairros
e principal objeto das propostas de reconversão urbana. O setor “histórico” situado sobre a
área elevada caracteriza-se pela fisionomia do século XIX formada por casarões e sobrados de
dois a três pavimentos situados em ruas estreitas e sinuosas protegidas pela Área de Proteção
ao Ambiente Cultural – APAC do Projeto SAGAS. Essa configuração espacial foi, na década
de 60, impactada pela inserção de elementos como a Rodoviária Novo Rio, os Viadutos São
Sebastião e do Gasômetro. Esses elementos que complementaram um sistema de circulação
formado pelo alargamento da Avenida Presidente Vargas, apontaram os primeiros sinais da
tendência de a Região Portuária constituir uma área de passagem urbana e interurbana. Os
fluxos de veículos e mercadorias foram, na ocasião, as prioridades para a definição das
intervenções. A perspectiva da fusão dos Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, em 1975,
justificou o prolongamento da Avenida Perimetral para sua interligação com a Ponte Rio –
Niterói, o que consolidou na Região Portuária a prevalência da função de passagem.
As intenções de reconversão da Região Portuária têm sido demonstradas desde a década
de 1970, quando diversos setores interessados na área já estavam atentos ao processo de
deterioração, esvaziamento populacional e inércia econômica da área resultante das
5
transformações das intervenções rodoviaristas e da redução gradativa da atividade portuária,
principal fator de sustentação econômica do local. Um grande número de propostas
contemplando, na maior parte das vezes, soluções pontuais, evidenciou o intento de fazer
convergir os fatores de dispersão como a dificuldade de circulação interna, o isolamento em
relação à cidade e a ausência do dinamismo econômico. As potencialidades dos bairros
históricos, por outro lado, receberam da mesma forma, estímulos para sua manutenção e
valorização por meio da criação de instrumentos de proteção ao patrimônio paisagístico e
ambiental. Somou-se ainda a esse quadro de intenções, as iniciativas de inserção de elementos
geradores de atratividade como a construção do edifício RB-1 e a recuperação e reurbanização
de alguns trechos da área. Entretanto, ao final do século XX verificava-se que essa linha de
ação não havia sido suficiente para contemplar a totalidade das questões da área.
Como parte integrante da estratégia de revitalização da área central e visando à
integração da cidade, o “PLANO PORTO DO RIO” foi lançado pela Prefeitura em 2001,
fortemente influenciado por estratégias de planejamento territorial disseminadas no final do
século XX e com a pretensão de abarcar a totalidade das questões e intenções para a área.
Contemplaria a intenção de convergência dos fatores de dispersão: a dificuldade de circulação
interna; a valorização das potencialidades como o patrimônio histórico e a paisagem natural; a
flexibilização dos condicionantes à ocupação urbana e das dificuldades da complexa situação
fundiária. Pretendia também reverter o esvaziamento populacional e criar alternativas para a
redução da atividade portuária. Reuniu enfim, uma série de formulações que visavam
transformar os bairros históricos da Região Portuária numa nova centralidade, dotando-a de
elementos que garantam a atração da classe média, e a visibilidade internacional, conforme o
preconizado pelas recentes tendências. Suas principais linhas de ação estão centradas no
estímulo à função habitacional, reestruturação viária, recuperação de espaços públicos,
desenvolvimento de programas de geração de emprego e renda e desenvolvimento de
parcerias público-privado para implementação de projetos de revitalização.
Assim, a emergência de uma outra grande transformação na Região Portuária induz às
indagações acerca das tendências urbanísticas para o século que se inicia. Em especial, as
atenções se voltam para a possibilidade de valorização da área e para os prováveis impactos
dessa nova condição sobre a população ali instalada. A busca às respostas para essa questão
leva a formulação do objetivo central dessa pesquisa:
6
Identificar tendências de transformações no cenário urbano conseqüentes do processo de
revitalização da Região Portuária.
A abordagem da questão central do estudo será apoiada nos seguintes objetivos
específicos:
Identificar as tendências urbanísticas que têm sido referência para o ordenamento das
cidades mediante aos impactos da reestruturação produtiva do final do século XX;
Caracterizar a evolução urbana e a centralidade da Região Portuária no contexto da
Cidade do Rio de Janeiro segundo os principais marcos de transformações no espaço;
Apresentar as contribuições teórico-conceituais por meio de analises de diversos
autores acerca das propostas de reconversão da Região Portuária;
Apresentar as contribuições para as análises das tendências a partir de dados
quantitativos disponíveis a partir da década de 1990 até o momento atual.
A referência nos processos de evolução urbana e produção do espaço foi o instrumental
utilizado para nortear as análises dessa dissertação acerca das ações e propostas que visaram
responder às demandas estabelecidas pelos paradigmas do urbanismo contemporâneo e que
vêm orientando as transformações na Região Portuária. Por meio da revisão bibliográfica
buscou-se a identificação dos conceitos referentes às recentes tendências urbanísticas; a
seleção da área de estudo; o conhecimento da dinâmica urbana da área de estudo; e o
levantamento das análises de observadores locais sobre as propostas e ações para a área.
Para tanto, inicia-se essa dissertação com propósito de ampliar o entendimento acerca
das novas referências para o ordenamento das cidades mediante aos impactos da
reestruturação produtiva que desde a década de 1990 vem sendo apontadas como
substituição da matriz modernista para planejamento urbano. O capítulo 1 apresenta, por
isso, uma recuperação sintética de concepções, aplicações e críticas à produção urbanística
desenvolvida a partir do inicio do século XX até o surgimento de propostas alternativas aos
modelos modernistas. Traz ainda uma breve revisão das principais tendências que
nortearam, nesse período, a política urbana para a Cidade do Rio de Janeiro elaborada com
base nos seus principais planos urbanísticos. E, em especial, são abordados os aspectos que
viabilizaram a entrada na agenda do poder público local de projetos de requalificação de
7
espaços selecionados para a criação de novas centralidades para tornar a cidade do Rio de
Janeiro atraente ao capital internacional.
No segundo capítulo com base as constatações de Benchimol (1985), Lamarão (1991)
e Abreu (2004), são abordados os aspectos da evolução urbana da Região Portuária que a
levaram a um processo de especialização espacial decorrente da afirmação da cidade como
eixo portuário no inicio do século XIX. São ainda vistos os aspectos relacionados à
modernização do Porto do Rio pela reforma de Pereira Passos e à caracterização definitiva
da área como porto organizado.
No terceiro capítulo são comentados os principais fatos relacionados ao novo
momento da evolução dos bairros portuários, iniciado já nos primeiros anos do século XX,
quando já se verificava a redução da atividade portuária. Por isso, optou-se por observar os
processos que concretizaram o cenário propício para a formulação das propostas de
reconversão do espaço portuário: a adaptação aos sistemas logísticos brasileiros para
competição pelos mercados globais que resultou na desativação parcial do Porto do Rio; as
interferências físicas que caracterizaram a produção do espaço na Região Portuária durante
o século XX, sobretudo as que no contexto da fusão dos Estados da Guanabara e Rio de
Janeiro que a transformaram num corredor de passagem fundamental da cidade; e por fim,
o acompanhamento das tendências mundiais que estabeleceu marcos regulatórios que
introduziram novas variáveis ao processo de planejamento urbano, como a participação
popular e a preservação do patrimônio cultural e ambiental, obtendo-se como resultado o
projeto SAGAS.
O quarto capítulo se ocupa inicialmente de apresentar uma breve retrospectiva das
iniciativas de reconversão urbanística de espaços portuários em importantes cidades dos
países centrais utilizadas como estratégias de escape aos processos de estagnação
econômica e problemas sociais decorrentes. Essas experiências têm sido por diversas vezes
referenciadas pelos promotores do PLANO PORTO DO RIO 2001 como exemplos de
sucesso, mas, também tantas outras apontadas pela bibliografia específica como sinais de
alerta pelos efeitos adversos já percebidos.
Em seguida, são descritas as principais linhas de ação do plano “PORTO DO RIO
2001” e as ações efetivamente concretizadas. A partir de então são lançadas e principais
questões de observadores do processo de revitalização da Região Portuária do Rio de
8
Janeiro acerca das tendências urbanísticas, que em especial, se voltam para apontar as
possibilidades de valorização da área e para os prováveis impactos sobre a população. E por
último, a partir dos riscos identificados, das análises dos objetivos expressos do Plano, das
ações concretizadas e do ponto de vista dos observadores são também apresentadas
algumas contribuições com base em dados quantitativos para a avaliação das
transformações urbanísticas recentes e as tendências para o século XXI.
A realização desse estudo justifica-se por 3 aspectos. Sob o ponto de vista teórico /
acadêmico e inserção no Programa de Estudos Populacionais e Pesquisa Social da
ENCE/IBGE, seu desenvolvimento pode gerar contribuições para os constantes debates nos
meios acadêmicos acerca do impacto sobre as populações residentes e sobre o território de
áreas centrais sujeitas à renovação urbana. O segundo aspecto relaciona-se com o papel de
gestor do processo a ser exercido pelo poder público local num prazo de 20 anos estimados
para implantação total das proposições do plano de reconversão. Observações e análises
relacionadas às principais questões do processo podem auxiliar na visualização de tendências
e permitir correções nos procedimentos. Por fim, esse estudo poderá contribuir para a
reversão da tradicional carência de acompanhamento do desenvolvimento dos planos no
contexto da cidade do Rio de Janeiro sugerindo meios para mensuração dos avanços e alcance
dos objetivos por meio da participação popular no acompanhamento do processo.
Os dados de fontes como os Censos Demográficos de 1991 e 2000, o Cadastro do IPTU
- PCRJ / SMF, o Sistema de Informações de Assentamentos de Baixa Renda - SABREN,
foram utilizados para a análise das tendências da área.
Espera-se com essa pesquisa apresentar os fatores da dispersão do dinamismo local face
às intervenções urbanísticas do século XX. Da mesma forma que se tem a intenção de
proporcionar contribuições teórico-conceituais por meio de analises de diversos autores acerca
das principais linhas de ação do processo de reconversão do Porto do Rio, identificar as
possibilidades de agravamento da desigualdade e exclusão da população local, conforme
ocorreu em outras cidades mediante a inserção de elementos de promoção da valorização. E
por fim, sugerir algumas contribuições para avaliação do processo.
9
1- ASPECTOS TEÓRICOS DO URBANISMO E POLÍTICAS URBANAS PARA A
CIDADE DO RIO DE JANEIRO DURANTE O SÉCULO XX
1.1 - E
VOLUÇÃO DO URBANISMO NO SÉCULO XX
O século XIX constituiu um período de intensas transformações das cidades
européias, que naquele momento foram marcadas pela busca à adaptação aos novos meios
de produção e novas funções urbanas decorrentes da Revolução Industrial, fato que
acarretou na sobreposição de novos elementos urbanos a estruturas medievais e barrocas
preexistentes. O momento, de escolhas em curso para a formação da cidade industrial foi
marcado também pela denúncia da miséria que caracterizava as condições de vida da classe
trabalhadora, sendo essa a motivação inicial para os estudos urbanos. Assim deu-se a
partida para a identificação do processo patológico a ser tratado com o apoio de
levantamentos quantitativos imbuídos de sentimentos humanitários dos médicos e
higienistas. Da mesma forma, o momento inspirou pensadores políticos, que sustentaram
suas opiniões em análises de informações das mais diversas origens, e, a descrever a
situação deplorável da cidade industrial (CHOAY, 1979, p.3-7).
Como se vê, Choay (1979) atribui ao estabelecimento do consenso quanto à
insalubridade e desordem a emergência das formulações iniciais do urbanismo. Surgem
assim, os modelos de esquemas ideais utópicos. As imagens iniciais propostas de cidade
pelo urbanismo
3
, no séc. XIX, assumem contornos que privilegiavam num extremo a idéia
da eficácia e do aproveitamento máximo dos recursos materiais e no outro, a referência do
conceito cultural de cidade sobre o material. A dicotomia “progressismo – culturalismo”
estabelecida nessa ocasião influenciou a disciplina urbanística em sua essência por quase
todo o século XX (CHOAY, 1979, p.7-18).
A divulgação da Carta de Atenas em 1933 deu inicio à disseminação do escopo
doutrinário do funcionalismo progressista, movimento urbanístico orientado para a idéia de
modernidade. Seus marcos referenciais foram a evolução industrial e a arte de vanguarda,
enquanto suas formulações apresentavam a reação às meras adaptações da cidade do séc.
XIX ao aparato tecnológico e ao sistema de produção sem a substituição da estrutura
medieval e sobreposições posteriores que resistiam nas cidades. Em outras palavras, a idéia
da “tabula rasa
4
foi apresentada como condição imprescindível para a construção de uma
cidade adequada aos novos tempos. O traçado retilíneo, a monumentalidade e a obsessão
10
pela higiene eram defendidos como os meios para o alcance da eficácia almejada, e por
isso, elementos centrais do modelo de ordenação sugerido.
A idealização do modernismo progressista para a cidade trazia implícita a
obrigatoriedade da presença de espaços verdes, áreas de lazer, verticalização dos edifícios e
principalmente pelo ordenamento do uso do solo e da circulação viária. Preconizava-se a
universalização das necessidades humanas em habitar, trabalhar, locomover-se, cultivar o
corpo e o espírito. Da mesma forma, pretendia-se delinear o homem-tipo, relegando
características específicas locais. A mesma simplificação garantida pelas novas
possibilidades técnicas foi estendida ao espaço planetário pela desconsideração da
diversidade dos ambientes naturais.
O conteúdo ideológico da difusão da utopia da sociedade igualitária e do sistema
social justo, como observam Friedman e Cezar (2003), pode ser percebido nas bases da
Carta de Atenas. A maior parte delas, assinadas por Le Corbusier e Walter Gropius,
concretizava a versão urbanística do modelo Keynesiano
5
, isto é, a intervenção maciça do
Estado, buscando a reconstrução das cidades desiguais em um novo tecido urbano
padronizado (FRIEDMAN; CEZAR 2003, p.24).
O contraponto à corrente progressista produzido pelo mesmo movimento modernista,
o culturalismo, tinha como fundamento teórico e ideológico a idéia da totalidade e a
prevalência do conceito cultural de cidade sobre o material. Propunha uma abordagem
estética com uma visão pretensamente despolitizada que, oposta às proposições
progressistas, deveria estar apoiada nas bases morfológicas do passado para obter as
respostas para a cidade industrial.
O ambiente propício para a experimentação das idéias modernistas, surgiu com o final
da Segunda Guerra, em 1945, diante da desestruturação de grande parte das cidades
européias. O deficit de moradias e de espaços de convivência abriu caminho para a difusão
do ideal na reconstrução e da renovação do tecido urbano, sendo difundido como uma força
sem precedentes. As soluções inglesas e americanas do pós-guerra, depois seguidas por
outras cidades européias, foram os processos pioneiros da aplicação dos modelos
modernistas.
A difusão das tendências modernistas na ocasião se deu, segundo Harvey (1992),
sustentada por razões ideológicas e voltadas para os avanços do bem-estar humano como
11
também pelos ditames político-econômicos do período que contribuíram para o processo de
reconstrução urbana do pós-guerra. Apesar do sucesso das modalidades de renovação
urbana do período no propósito de abrigar rapidamente populações de cidades arrasadas em
melhores condições que as anteriores, da preservação do emprego, da melhoria de
equipamentos sociais materiais e em sua contribuição para o bem-estar geral, as novas
experiências urbanas do pós-guerra logo se tornaram objeto de uma série de
questionamentos. E, de maneira semelhante às críticas iniciais à cidade industrial do séc.
XIX, persistiam as preocupações com problemas ocasionados pelo incremento populacional
(HARVEY, 1992, p.72-73).
A revisão das críticas acerca das primeiras experiências urbanísticas baseadas nos
princípios modernistas desenvolvida por Choay (1979) demonstra que o principal foco das
observações voltava-se para as contradições estabelecidas entre a inevitável prioridade à
utilização dos recursos tecnológicos e utilitários e a desconsideração de aspectos que
proporcionassem um ambiente humano à cidade. Esses movimentos, ao contrário do
urbanismo, construídos por e técnicos especialistas, nasceram a partir da visão
multidisciplinar da cidade. Incluíram aspectos levantados pela sociologia, psicologia,
história e economia. Apresentavam-se impregnados da intenção de reintegrar o problema
urbano a seu contexto global. Como ressalta Choay (1979), a partir de então se pode
constatar o papel mutilador e alienante dos modelos, em especial o funcionalista (CHOAY,
1979, p. 35-38).
Nessa linha, as idéias de Patrick Geddes, recuperadas por Lewis Munford,
contemporâneo dos progressistas, chamavam a atenção para os excessos da tecnolatria que
rompia as continuidades culturais, desnaturalizava áreas rurais e punha o homem em
posição de subserviência à máquina pelo desenvolvimento de planos que priorizavam o uso
máximo do automóvel. A concepção da continuidade histórica, social, psicológica e
geográfica rompeu com o método dos modelos, preconizou a integração da natureza com o
meio urbano. A influência desse pensamento contribuiu para introdução da prática do
método do “sociological survey“
6
, que se impôs como praxe ao trabalho de urbanistas de
qualquer tendência (CHOAY, 1979, p.38-43).
A antevisão das possíveis alterações urbanas com o fim da Segunda Guerra motivou
as preocupações de Sigfried Giedeon, Josep Lluís Sert e Fernan Léger, que em 1943,
12
publicaram o manifesto polêmico “Nine Points on Monumentality”. O documento
ressaltava a importância dos monumentos como expressão do sentimento e pensamento
coletivo, sendo mais do que apenas a satisfação de uma necessidade funcional. Nos anos
50, o movimento revisionista do urbanismo trouxe como destaque a discussão sobre o
core” das cidades. Enfraquecidos pela renovação do tecido urbano na Europa e pelo
crescente número de “shopping centers”, assim como a suburbanização das cidades nos
Estados Unidos, o centro tornou-se objeto de preocupações, resultando no documento “The
heart of the city”, em 1951. As diferenças entre as gerações de arquitetos se mostrariam
claramente definidas com o prosseguimento da discussão sobre o centro. Mediante a uma
posição de ruptura mais profunda com os mestres do modernismo, os jovens integrantes do
chamado “TEAM 10”, em 1956, questionaram as quatro funções preconizadas na Carta de
Atenas. Sugeriram ser também a cidade um ambiente altamente complexo e por isso, sua
identidade não estaria vinculada apenas à centralidade, mas espraiava-se pelos bairros,
representadas sob as mais variadas formas. Portanto, os urbanistas deveriam penetrar nesse
mundo ao invés de apenas criarem regras para sua reorganização (BUZZAR, 2007, p.2-6).
Questionamentos sob a orientação dos princípios da higiene e saúde mental e fruto
do trabalho de psiquiatras e sociólogos sugeriam que a padronização pretendida pelo
ordenamento progressista trazia a monotonia e tédio à cidade. Em oposição a esse cenário,
surge a defesa da heterogeneidade do meio urbano, que tem dentre outros, o destaque do
ponto de vista de Jane Jacobs. A polêmica é iniciada pelo ataque aos espaços vazios e
verdes do padrão progressista onde a falta de animação tornava-os fonte de angústia. A
redução da rua a mero corredor de circulação tornava-se causa de dissociação e
desintegração mental, contraponto à idéia de que uma forte estruturação urbana depende da
estruturação psíquica de sua população. Sob essa ótica, Jacobs sustentava que a rua era o
local da experiência do sentimento de segurança típico das cidades e, proporcionada pela
convivência de seus habitantes. Nesse sentido, a necessidade de participação e interesse da
população pela planificação urbana era indispensável para o alcance da solução dos
problemas que provocaram a origem desse movimento (CHOAY, 1979, p.43-47).
A grande difusão e aceitação das idéias de Jacobs, sobretudo deram-se por meio de
seu trabalho “The Death and Life of Great American Cities” em 1961. Suas idéias inspiram
a renovação de vários centros de grandes cidades americanas e ajudaram a inaugurar uma
13
nova etapa do processo urbanístico. A maior contribuição do movimento foi a inserção da
participação popular nos processos de planejamento pela convocação da população como
ocorreu no ”Regional Plan Association” de Nova York em 1963 (CHOAY, 1979, p.43-47).
Seu mérito quanto à inovação no campo teórico do urbanismo deu-se por constituir um dos
primeiros e mais articulados tratados antimodernistas, assim como, por definir uma extensa
abordagem para compreensão da vida urbana (HARVEY, 1992, p.73).
O método urbanístico receberia ainda a crítica ao aspecto da difícil percepção dos
elementos da cidade por seus habitantes. Essa análise trouxe como contribuição a
demonstração do equívoco na concepção da cidade como uma obra de arte, trazida pelo
modernismo, uma vez que seus habitantes não a percebem como um quadro, mas sim, por
meio de uma série de vínculos existenciais, práticos e afetivos. O conceito de legibilidade
traduz a base dessa crítica. Admitia ser satisfatória a organização de uma aglomeração
quando esta é passível de estabelecer a comunicação de suas funções com seus cidadãos.
Bairros, limites, caminhos e nós são os elementos que organizam a leitura necessária às
interações no espaço urbano. Excessos decorrentes do potencial de lucro em que o espaço
urbano havia se transformado, pela preocupação com a referência ao passado e a
hegemonia do esteticismo, fizeram ser esquecida a qualidade específica do meio construído
- ser significante para seus cidadãos. Experiências em torno dessa abordagem foram
desenvolvidas no remodelamento de Boston por Kelvin Linch em meados da década de
1960 (CHOAY, 1979, p.47-49).
As críticas ao modernismo funcionalista atacaram os excessos no uso da técnica,
assim como o desprezo pelo processo histórico, valores comunitários, memória coletiva, e a
perda de vínculos práticos e afetivos entre a população e cidade. Entretanto, estas
argumentações, antes de tudo, ressaltaram que a estratificação social esteve sempre
presente nos modelos propostos (COMPANS, 2004, p.27). Pode-se confirmar essa
afirmativa pelo modelo de cidade da Carta de Atenas que apresentava declaradamente a
classificação de segmentos da população em urbana, suburbana e mista referindo-se ao
local de residência e trabalho (CHOAY, 1979, p.192). As diferentes zonas funcionais eram
adequadas para receber seus moradores conforme sua posição no processo produtivo.
Nelas, o centro deveria ser apropriado para o uso das camadas de maior renda e dos
detentores do poder. As intervenções urbanas orientadas pelos princípios do modelo
14
progressista, na verdade, haviam ocasionado a expulsão de segmentos populares e minorias
étnicas de suas áreas centrais. O lugar reservado a estes estava na periferia ou mesmo fora
da cidade (COMPANS, 2004, p.27).
Ainda nos anos 60, mediante a recorrência de expulsão das camadas desfavorecidas
que se alojavam em redutos próximos a áreas valorizadas e selecionadas para a renovação e
construção de novas edificações determinou-se o impulso que faltava para a ampliação da
idéia de participação popular nas políticas urbanas. Como resultado da sensibilização
popular, ativistas americanos reunidos no movimento “Advocacy Planning” imbuídos do
intuito de defesa da permanência dessas populações em seus locais de referência, lançam-se
na empreitada que consistia numa verdadeira militância profissional. Foi dessa forma que
arquitetos e urbanistas elaboraram projetos de restauração de moradias e do espaço urbano
objetivando garantir um lugar para essas populações em áreas centrais (COMPANS, 2004,
p.28).
Percebe-se assim, que a sucessão de reações às imposições modernistas e o consenso
quanto à suas limitações colocaram em cheque as concepções da Carta de Atenas e
ajudaram a consolidar novas posturas que pretenderam, nos anos posteriores, constituir
alternativas para o contestado urbanismo da primeira geração modernista.
Dentre as tendências urbanísticas alternativas ao rigor funcionalista, Harvey (1992)
ressalta o surgimento ainda nos anos de 1960 do contextualismo, movimento que buscava a
valorização do patrimônio histórico e do capital social da cidade. As formulações de Aldo
Rossi, o mais destacado teórico desse movimento, reunidas em “L’architettura della
Città”, 1966, estabeleceram a reação à austeridade modernista por uma postura de
adaptação ao meio pré-existente. Incorporam os conceitos de integração do “novo ao
antigo” (HARVEY, 1992, p.84-85). Os partidários dessa corrente avançaram na defesa da
leitura histórica dos ambientes urbanos e da vinculação a seus cidadãos, assim como no
reconhecimento da estrutura básica que constitui a cidade e no destaque de elementos que
representem as principais funções sociais da comunidade. A evolução da cidade deveria
prosseguir obedecendo a uma lógica de diálogo entre antigos e novos elementos visando a
manutenção das identidades coletivas. A referência prática desse conceito foi aplicada no
Plano Diretor de Bolonha em 1970, durante a gestão do Partido Comunista Italiano. A
15
partir de então as formulações do contextualismo alcançaram, principalmente na Europa, as
políticas de governos das mais diversas orientações ideológicas nos anos de 1970 e 1980.
Ainda nos anos 70, já se percebia que as idéias dos modernistas começam a ceder
espaços para outras possibilidades. A publicação de “Learning from Las Vegas” de
Venturini, 1972, ressalta a importância do estudo da paisagem que se forma
espontaneamente, contestando a recorrência a modelos abstratos ou teóricos. Por essa visão,
a idéia de que nas paisagens urbanas deveriam predominar as torres de vidro, concreto e
aço, destituídas de ornamentações ou referências sentimentais começou a ser vencida e
torres ornamentadas, praças temáticas, prédios antigos renovados e toda sorte de estratégias
foi utilizada para obtenção de um ambiente mais ameno e humano (HARVEY. 1992 p.45-
46).
Harvey (1992) atribui aos movimentos dos anos 60, como aqueles inspirados nas
idéias de Jane Jacobs, a indução à busca de uma postura de tolerância, pluralista e orgânica
para o desenvolvimento urbano, que poderia agora ser tratado como uma colagem de
espaços e modos de vida diferenciados, opondo-se ao critério do zoneamento
7
modernista
que setorizava as atividades urbanas (HARVEY. 1992 p. 45-46).
A “renovação urbana” foi substituída pela “revitalização urbana”. Os grandes planos
cederam lugar às intervenções pontuais, como o próprio Rossi havia declarado: “as grandes
possibilidades estavam historicamente superadas” (HARVEY, p.1992:46). Assim, o
abandono da obrigação de vinculação a planos urbanos abrangentes preconizados pelo
planejamento modernista é, para Harvey (1992), a principal ruptura que o urbanismo
assume no período em que começa a se mencionar o surgimento do pós-modernismo
(HARVEY, 1992, p. 46-69).
Sem desconsiderar aqui que questões relacionadas aos aspectos sociais e políticos,
aprofundam o debate sobre o pós-modernismo, como o exposto por Kumar (1997), algumas
diferenças básicas entre as manifestações modernistas e pós-modernistas na cidade,
segundo assinala Harvey (1992) podem ser claramente marcadas. Assim é com o conceito
do tecido urbano, que ao invés de ser visto como um corpo único passa então a ser aceito
como uma entidade fragmentada, uma justaposição de usos que induz à administração da
metrópole por partes. Outra característica que marca a distinção entre os dois momentos no
campo do urbanismo é o papel do projeto. Para os modernos este deveria estar submetido às
16
determinações de um plano geral, enquanto para os pós-modernos deveria ter autonomia
própria e, ser sensível às tradições vernáculas, à história e aos desejos locais. Por último, o
espaço para os modernistas deveria ser moldado para propósitos sociais, enquanto os pós-
modernistas o consideram independente do objetivo social. Os modernistas não perceberam
a diversidade dos ambientes urbanos como um fator positivo e saudável como Jane Jacobs
acenava. Os pós-modernistas se empenharam em encontrar maneiras para exprimir a
estética da diversidade beneficiados pelas facilidades tecnológicas de seu tempo
(HARVEY, 1992, p.69-78).
As concretizações que as alternativas pós-modernistas deixaram nas cidades,
entretanto, deram margem às reações estimuladas pela constatação de que, desta vez, muito
mais rapidamente, o resultado obtido havia conduzido ao caminho inverso aos objetivos
declarados. As críticas aos pós-modernistas concentram-se em seu fracasso na consolidação
de alternativas para as conseqüências desastrosas trazidas pelas soluções do funcionalismo.
Como ressalta Harvey (1992), apesar do posicionamento populista e a favor da democracia
e da liberdade, as realizações pós-modernistas não marcaram uma atitude clara em relação
às contradições que resistem na cidade. Orientados declaradamente para o mercado, não se
ocuparam em preencher os vazios deixados pelas intervenções que questionavam. Os
problemas dos desfavorecidos na cidade continuaram postergados à espera de solução. A
grande velocidade de substituição das definições dos planejadores pelas demandas de um
mercado capaz de pagar pelo uso que deseja fazer da terra, é demonstrada pelos exemplos
de gentrificação em que se encaixam as paisagens das áreas centrais (HARVEY. 1992, p.
78-79). O caso mais conhecido e imitado desse fenômeno, que resulta da associação entre
especuladores, políticos e urbanistas, é de acordo com Arantes (2000) a localidade de Soho
em Nova York (ARANTES, 2000, p.32). O quadro pós-modernista da cidade mostra as
camadas médias protegidas nos “shoppings-centers” e em espaços cercados conflitando-se
com a paisagem da falta de habitação para os pobres nas cidades. Confirma também que foi
realçado o aspecto do “capital simbólico” [grifo do autor] definido por Bourdieu
(1977:1984, apud HARVEY,1992,) pela ostentação de bens suntuosos para atestação da
distinção e gosto. Revestido da preocupação com a cultura e o gosto, oculta na verdade a
base das distinções econômicas (HARVEY. 1992, p. 80-81).
17
A insatisfação em relação aos postulados do funcionalismo modernista e suas
conseqüências no aspecto da fisionomia urbana não seria, entretanto, isoladamente a única
causa do surgimento de novas estratégias para a cidade na virada do século. Fatores como
as alterações nos processos produtivos, a recessão econômica dos anos 70, a crise do
financiamento público e a aceleração da economia viriam convergir na influência nos novos
rumos que estrutura urbana iria tomar.
As reformas urbanas do século XIX e a renovação do pós-guerra tiveram como
objetivo comum organizar espaços sob a orientação do modelo industrial fordista. Apesar
das incessantes críticas, durante quase todo o século XX o movimento modernista obteve
relativo sucesso. Friedman e Cezar (2003) observam, entretanto, que os questionamentos ao
modernismo na virada do século voltavam-se também para suas limitações diante de um
mundo globalizado em que todas as relações econômicas e sociais estavam sendo alteradas,
após meio século de estabilidade keynesiana (FRIEDMAN; CEZAR, 2003, p. 24). O
progresso dos transportes e redução de entraves ao comércio internacional no período pós-
guerra acelerou fortemente o ritmo das trocas internacionais. A globalização financeira na
década de 1980 facilitou os investimentos diretos no exterior provocando o movimento de
internacionalização de empresas característico de nossos dias. Assim o cenário mundial do
final do século XX é caracterizado por Benko (1994) pela a unificação dos mercados, pela
internacionalização das empresas que controlam concepção, produção e distribuição de
produtos e serviços espalhados sobre a base planetária, e por um quadro regulatório e
institucional ainda insuficiente para o controle da interdependência econômica e política
(BENKO 1994, p.69). Benko (1994) conclui ainda que a intensidade das transformações na
dinâmica urbana decorrentes do novo funcionamento dos processos produtivos e
financeiros impôs às estruturas urbanas o estabelecimento das relações entre as economias
locais e o sistema global. Na era pós-industrial a capacidade de abrigar atividades
econômicas, nacionais e internacionais torna-se a principal vantagem comparativa a ser
alcançada pela cidade. “As cidades mais importantes serão as que exercem as funções de
comando transnacional de alto nível” (BENKO,1994, p.55).
Assim, a busca por um lugar de destaque no cenário internacional implicou no
surgimento de um movimento de competição entre cidades na disputa pela atração de
investimentos. A utilização de novos recursos tecnológicos e a necessidade de atendimento
18
aos pré-requisitos para ingresso na rede global compunham o elenco de referências trazido
pelas tendências de planejamento da era pós-industrial. Machado (1991) considera,
portanto, ser essencial a implantação de redes especializadas - sobretudo as de
telecomunicações, a atração e criação de pessoal qualificado, a diversificação do mercado
de trabalho, criação de condições políticas – como articulação entre governos locais e
empresários da indústria e atração de recursos para pesquisa (MACHADO, 1991, p.6).
As experiências de governos locais dos paises centrais na adoção de estratégias para
atração de empresas, turistas e investimentos de toda ordem originados pelos fluxos
econômicos transnacionais passaram a ser vistas como exemplo a ser seguido.
Especialmente nos EUA as requalificações urbanas promovidas no ”Battery Park City” em
Nova Iorque, “Harbor Place” em Baltimore, no “Boston Waterfront” no “Quincy Market”
ambos em Boston e no “Fisherman’s Wharf” de São Francisco na década de 1970
constituíram experiências pioneiras destacadas por Arantes (2000) na inserção de técnicas
de gerenciamento empresarial na cidade (ARANTES. 2000 p.22).
As parcerias público – privado já podiam ser constatadas nos EUA face à crise do
financiamento público resultante do rompimento de sua base fiscal na década de 1970.
Coincidente com a estagnação econômica, internacionalização da produção e ampliação da
cobertura de benefícios assistenciais, a crise provocou um processo de contenção de gastos
incluindo a supressão do financiamento de programas de renovação urbana. Por essa razão
cidades americanas em meados da década de 1970 já haviam experimentado o
deslocamento das fontes de financiamento do setor público para o privado como única
alternativa. Os programas anteriormente conduzidos pelos governos, na gestão de Gerald
Ford seriam substituídos por subvenções ao desenvolvimento local conduzidas pelo setor
privado. Atrativos ao setor imobiliário, como incentivos fiscais, contrapartidas como
terrenos, infra-estrutura e flexibilização das regras foram oferecidos para viabilizar
empreendimentos nas “Entreprise Zones”, que nesse período foram as agências de
desenvolvimento instaladas em vários pontos do país, e utilizados para a formação de
parcerias público-privado. O interesse central, não estava mais na normatização de grandes
áreas, mas voltava-se para projetos em locais específicos como áreas centrais ou antigas
áreas industriais e portuárias em decadência que poderiam mais facilmente atrair a
rentabilidade convidativa ao investimento privado. Planos diretores e leis de zoneamento
19
foram abandonados em função da subordinação da lógica do lucro. Ao invés de um
planejamento normativo, acordos específicos e negociados com os investidores seriam
feitos na ocasião da implantação de cada projeto (COMPANS, 2003. p. 31-32).
Intervenções públicas passam a ter a finalidade de construir a solidez de uma imagem
de marca para afirmação da personalidade da cidade e facilitar a comercialização de seus
atributos. A criação de uma imagem peculiar pela construção de espaços urbanos
espetaculares tornou-se um recurso constante para atração de capital e consumo e
constituição de símbolos de unificação política para redução de conflitos em cenários
sociais desfavoráveis. Destacou-se nesse contexto a revitalização de áreas centrais ou de
valor histórico que visam à produção do espetáculo. Foi desse modo que as diversas
soluções adotadas por essas cidades pioneiras nos processos de reestruturação urbana
consolidaram modelos frequentemente referenciados por propostas a ser aplicadas em
diversas partes do mundo. As principais referências baseiam-se nos modelos que propõem
soluções vinculadas ao fortalecimento de funções urbanas por meio de combinações como
“comércio - terciário avançado - habitação” ou “lazer - cultura - consumo”, amplamente
utilizadas nas áreas da região portuária de Nova Iorque. Outro modelo de destaque baseou-
se na consolidação de grandes centros financeiros internacionais como ocorreu com as
“London Docklands”. A referência da instauração de espaços públicos representativos de
autonomia popular e construção de uma capital regional definiu-se por meio do caso de
Barcelona. E ainda, tem sido recorrente a estratégia da realização de grandes eventos
visando-se a utilização posterior de edificações tradicionalmente espetaculares como
ocorreu em Lisboa pela realização da EXPO 98 (LOBO, 2006). A pressão para a repetição
dos modelos bem-sucedidos pode ser justificada pelas poucas opções restantes para as
cidades grandes no mundo capitalista avançado (HARVEY, 1992, p.88-92).
Enfim, nesse ponto é importante lembrar a referência de Maricato (2000) de que esse
período corresponderia ao inicio do desmonte da matriz do planejamento funcionalista, que
havia regido o crescimento das cidades dos países centrais, no final do século XX mediante
às propostas neo-liberais que acompanharam a reestruturação produtiva. Desse novo
momento resultam questionamentos quanto aos preceitos do urbanismo baseadas nos
papéis que vêm sendo ditados para as cidades da era pós-industrial e que têm sido
20
ampliados desde os anos 90, refletem enfim o prosseguimento da insatisfação quanto à
solução dos problemas que se avolumam nas cidades.
O quadro mundial das cidades parece apontar para o fato de que a aceleração da
globalização ocasionou o aumento da pobreza, do desemprego e da desigualdade urbana. A
reestruturação produtiva, além de provocar a redefinição do papel das ditas cidades globais
integrantes da rede da economia-mundo, trouxe também o enfraquecimento do Estado
Nacional, as novas formas de intervenção internacional e a crise de governabilidade dos
poderes locais. Se por um lado alcançou-se a convergência dos fluxos financeiros
internacionais, a concentração de postos de trabalho altamente qualificados, a renda e a
qualidade de vida conseqüente continuou dividida entre poucos. Fora das áreas
requalificadas cresceu a insegurança e os bolsões de miséria (FRIEDMAN; CEZAR 2003
p. 23).
O novo ordenamento que preconiza a inserção das cidades na rede global ampliou
possibilidades para a segregação entre os espaços valorizados de dimensões reduzidas e os
destinados aos pobres. Como conseqüência, uma outra manifestação urbana, social e
econômica contemporânea pode ser observada e conceituada como “cidade dual”
(MOLLENKOPF e CASTELLS 1991, apud FRIEDMAN; CEZAR 2003, p.23). Seus
autores admitem que, no âmbito dessa cidade, os vários segmentos da população são
atingidos pelos impactos da economia globalizada de forma diferenciada.
Segundo Otilia Arantes (2000), as alternativas geradas pela terceira geração de
urbanistas, como são chamados os que defendem a utilização de técnicas de gerenciamento
empresarial na cidade, recaem apenas na recuperação da idéia de planejamento posta de
lado pelos seus antecessores contextualistas. Uma suposta animação urbana que se traduz
pelo consenso de que as cidades têm que passar por essa experiência também chamada de
“Plano Estratégico”, para tornarem-se competitivas o suficiente e enfrentar os desafios da
globalização (ARANTES. 2000. p.12-13).
Arantes (2000), afirma ainda que a gentrificação aparece nessas alternativas
escamoteada pelos termos ligados às novas concepções de intervenções urbanas como –
revitalização, reabilitação, revalorização, reciclagem, promoção, requalificação e até
mesmo renascimento. Neil Smith atribui a tendência agressiva das gentrificações à
deterioração do meio urbano provocada pelas desregulamentações e cortes nos programas
21
sociais após os anos de 1980. As gentrificações não seriam uma reação à expansão das
metrópoles, mas a expressão do processo desigual do capitalismo em franca aliança com os
interesses de governos, instituições financeiras, incorporadores imobiliários e construtores
(Smith, 1996. apud ARANTES. 2000, p.37). Esses processos encobririam o sentido original
de invasão e reconquista, inerente ao retorno das camadas mais afluentes ao coração da
cidade (ARANTES. 2000, p.31).
1.2 OS PLANOS URBANOS PARA A CIDADE DO RO DE JANEIRO NO SÉCULO XX
As tentativas de acompanhamento de tendências urbanísticas mundiais, podiam ser
verificadas nas políticas urbanas do Rio de Janeiro ainda nos meados do século XIX. O
plano da Comissão de Melhoramentos, de 1873 a 1876, exemplifica essa intenção por sua
tentativa de introduzir o ideário do movimento higienista, discutido na Europa na ocasião,
como se mencionou no primeiro item desse capítulo. Prevendo obras de urbanização sobre
a planície da área da Cidade Nova em direção à Zona Norte e contando com a participação
de Pereira Passos, o plano da Comissão foi concebido no contexto em que duas epidemias
violentas assolavam a capital. Suas proposições ajudaram a acender o debate sobre o
saneamento e remoção da grande massa proletária do centro para a periferia
(BENCHIMOL, 1985 p.600).
Ainda com as mesmas referências higienistas, a reforma de Pereira Passos de 1906 a
1911 pela primeira vez submeteu a cidade do Rio de Janeiro a uma política urbana
formulada sistematicamente e que influiu de forma drástica nas condições de vida da
população (BENCHIMOL, 1985 p.599). As intervenções que se concentraram
principalmente na área central, segundo Abreu (1997), concretizaram de forma exemplar o
padrão de interferências urbanas determinadas por uma nova organização social que
impunham novas funções à cidade (ABREU, 1997, p.142). Na área central populosa e
insalubre, coexistiam escritórios de companhias e bancos, lojas, depósitos, oficinas,
trapiches, prédios públicos, armazéns, cortiços e estalagens, sobrados e casas que
funcionavam como moradia de particulares e casarões adaptados como cortiços ou casas de
cômodo. Essa mesma área, segundo Benchimol (1985), era o epicentro das epidemias
responsáveis pela morte de 3 a 4 mil pessoas por ano numa população de 270 mil habitantes
em 1872. Episódios que proporcionaram ao Rio a fama internacional de cidade pestilenta e
22
mortífera. Essa conjuntura fez com que os médicos higienistas fossem os primeiros a
formular um discurso articulado sobre as condições de vida na cidade. Suas propostas
tinham o objetivo de corrigir as disfunções do organismo urbano e disciplinar a relação
entre seus membros (BENCHIMOL, 1985 p.600).
Grande parte da estrutura material da cidade herdada da colônia, já transfigurada com
a abolição da escravatura, foi posta abaixo pelo Plano Pereira Passos com a intenção de dar
ao Rio o aspecto de uma metrópole européia e uma infra-estrutura compatível com as
atividades econômicas e relações sociais que se exerciam na cidade. O plano de
melhoramentos de Pereira Passos atingiu áreas cuidadosamente selecionadas no Centro.
Desarticulou uma rede de relações econômicas e sociais indesejáveis pelo grande capital e
para a Capital do Estado Republicano. As contradições e interesses reais em jogo foram
dissimulados pela linguagem dos urbanistas da ocasião. Estes justificavam as intervenções
pelo confronto material aparente de gostos e padrões modernos e higiênicos contra
edificações simplórias e repugnantes, de cidade civilizada e cosmopolita contra a cidade
colonial (BENCHIMOL, 1985 p.600-604).
A partir de 1920 até 1992 pode-se destacar na história urbanística da cidade a
elaboração de uma série de planos urbanísticos com abrangência ampliada para além dos
limites do centro da cidade, mas, ao contrário do Plano Pereira Passos, como se pode
verificar pelos levantamentos de Rezende (1982), nenhum deles foi inteiramente
implantado. Foram construídos de acordo com as abordagens em voga na ocasião,
direcionados para diferentes recortes territoriais, e em contextos políticos variados. É
imprescindível, entretanto, comentar a observação de Maricato (2000) de que nas cidades
brasileiras, de uma forma geral, o crescimento urbano ignorou os planos aprovados, e foi
determinado por interesses tradicionais das políticas locais e grupos específicos
(MARICATO, 2000, p. 124). Apesar disso, o que se deseja ressaltar aqui é que suas
contribuições, quando não interferiram diretamente na estrutura urbana, refletiram as
intenções do poder público na promoção da gestão do consumo coletivo na cidade e do
acompanhamento das tendências urbanísticas internacionais.
O primeiro da série, o Plano Agache, foi elaborado entre 1926 a 1930, um plano
diretor conforme a plena acepção do termo, desenvolvido como conseqüência do processo
de modernização que ocorria no país. Seu desenvolvimento na gestão do Prefeito Prado
23
Junior objetivava a criação de um instrumento de acomodação do espaço urbano entre
interesses oligárquicos e da burguesia industrial. A época de sua concepção foi marcada por
manifestações de insatisfação com a situação política e econômica face à exclusão das
classes médias do processo político e pelos problemas decorrentes do crescimento da
população, cujo total, segundo o censo de 1920, era de 1.157.873 de habitantes. O objetivo
central do plano Agache foi o desenvolvimento urbano por meio da infra-estrutura e
embelezamento. As camadas populares não eram consideradas nesse processo de
planejamento em sintonia com os padrões oligárquicos no nível ideológico. Por esse viés, o
que se desejava era resolver os conflitos com a burguesia e encobrir os oriundos das
camadas médias e baixas, pela restauração da ordem. A incumbência de desenvolvimento
dessas idéias foi confiada a um urbanista francês, Alphred H. D. Agache, atendendo às
aspirações da burguesia inspirada nos modelos europeus (REZENDE, 1982, p. 38-41).
A introdução do uso do “zooning” para o caso da Plano Agache na cidade do Rio de
Janeiro foi justificada como meio de imposição da ordem urbana. Constituiria também, na
prática, um instrumento de defesa de parcelas privilegiadas da cidade contra a mistura de
usos e a instalação de grupos sócio-econômicos diversos que interferissem no valor da
terra, salvaguardando, por fim, o valor da propriedade. Definia-se assim, bairros de
intercâmbio ou grandes negócios, de abastecimento, de produção, centros recreativos e
bairros residenciais de luxo – Copacabana e Leblon, burgueses - Tijuca e Flamengo e os
bairros operários – os próximos às zonas industriais. O Plano Agache não chegou ser
implantado sob a argumentação do alto custo das intervenções monumentais que idealizava,
apesar de algumas obras por ele sugeridas terem sido executadas posteriormente. Abreu
(1997) o qualifica como o exemplo mais significativo da intenção das classes dominantes
da República Velha no controle do desenvolvimento urbano do Rio (ABREU, 1997, p.80-
86).
A difusão da idéia da necessidade de solução para a acessibilidade entre a Zona Sul e
o Centro como um dos problemas mais graves da cidade na década de 1950 resultou num
conjunto de interferências que reformularam o sistema viário do Rio. Assim foram
introduzidos túneis, grandes vias e o primeiro trecho da Avenida Perimetral (ABREU,
1997, p. 130-131). O Plano Doxíades concebido na década de 1960, terceiro plano da série,
24
tinha a incumbência de justificar essas intervenções no sistema viário com uma pretensa
dose de saber científico apoiado em teorias urbanísticas e projeções de transportes.
O plano Doxíades foi elaborado após a transformação da cidade em ente federativo, o
estado da Guanabara, durante a gestão do governador Carlos Lacerda de 1960 a 1965, que
em termos ideológicos, baseava-se na anti-corrupção e no anti-comunismo, com o apoio
das classes conservadoras. Colaborava com a intenção de privar as camadas populares de
seu papel político, visto que qualquer crescimento ou ascensão desta era considerada como
crescimento dos setores de esquerda (REZENDE, 1982, p. 50-53). Nesse governo marcado
pelo autoritarismo e instalado num período de intenso crescimento da favelização, que
alcançou a marca de 11% da população total, o Estado intensifica sua ação discriminatória
sobre o espaço. Privilegiou o Centro e a Zona Sul com obras de infra-estrutura. Removeu as
favelas das áreas mais valorizadas da Zona Sul e levou a um intenso processo de
especulação imobiliária que terminou na expansão da cidade para a Barra da Tijuca.
Proporcionou à cidade grandes intervenções rodoviaristas que marcaram definitivamente a
cidade (ABREU, 1997, p.145).
Da mesma forma que o Plano Agache, o Plano Doxíades pretendeu remodelar a
cidade por meio de obras que afetaram os mais pobres. Provocou a retomada das cirurgias
urbanas. Produzido num momento de forte centralização do poder, confirmou nesse período
a retomada do curso original da evolução da cidade baseado em separações das classes
sociais no espaço (ABREU, 1997, p.145).
Uma década após a conclusão do Plano Doxíades, em 1965, outros dois planos – o
PUB-Rio e o PIT Metrô consolidariam outras propostas para a cidade. Ambos, concebidos
num momento de forte centralização do poder de decisão no nível federal e de extinção da
representatividade das classes médias e operárias, traço marcante do regime militar que
havia se iniciado no país no ano anterior.
A fusão com o Estado do Rio de Janeiro e criação do Município do Rio de Janeiro
ocorrera num momento em que a escassez de recursos decorrente dos compromissos
assumidos em períodos anteriores, enquanto exercia as funções de Distrito Federal e Estado
da Guanabara, volta a ser o principal problema da cidade, ainda que esta tenha sofrido
significativa redução de competências. Os fluxos migratórios ainda eram consideráveis. Os
dados do Censo de 70 revelam uma taxa média anual de crescimento da população de
25
2,54% ao ano. O crescimento populacional das favelas se faz sentir de forma bastante
expressiva saltando de 11%, em 1960, para 16% da população, em 1974. Em relação à
estrutura produtiva, o setor terciário continua sendo a vocação mais expressiva do
município. Em 1960, 81,5% da renda interna provinham do setor de serviços enquanto a
indústria contribuía com 17,34%. Em 1974, esses valores seriam de 77,41% e 21,51%
respectivamente. A transferência da capital para Brasília faz cair a renda média da
população. O acúmulo de perdas, e em especial o de maior centro de serviços do país,
colaborou para indefinição do papel que a cidade deveria desempenhar. Essa situação foi
ainda agravada pelo enfraquecimento intencional dos municípios diante da postura
autoritária e centralizadora do regime militar e pela perda de qualidade de vida ocasionada
por problemas de segurança, congestionamento de vias e por grandes deslocamentos diários
impostos a uma população em que menos de 40% residia a 1 hora do centro da cidade
(REZENDE, 1982, p.61-64)
Na ocasião do desenvolvimento do PUB-RIO o quadro de intenções do governo
federal já definida uma política urbana e havia estabelecido as 9 Regiões Metropolitanas
como áreas institucionais. Assim, os municípios perderam sua autonomia e a política era
ditada no nível federal. Desse modo, a Comissão Nacional de Regiões Metropolitanas foi
criada com a atribuição de propor a política urbana do Segundo Plano Nacional de
Desenvolvimento - II PND. Os instrumentos para execução dessas políticas eram o Fundo
Nacional de Desenvolvimento Urbano e o Fundo Nacional de Desenvolvimento de
Transportes, e ainda a Empresa Brasileira de Transportes Urbanos – EBTU para gestão de
problemas referentes aos transportes urbanos. As políticas e instrumentos para sua
execução, ditadas pelo governo federal tinham o objetivo de promover o fortalecimento e a
estruturação do sistema urbano nacional e dos subsistemas regionais numa tentativa de
fortalecimento das cidades de porte médio e eliminação de desequilíbrios regionais. Nos
casos do Rio e de São Paulo, o ordenamento era direcionado para que não se tornassem
megalópoles. A centralização das decisões no regime militar implicou num esvaziamento
da capacidade decisória e total dependência financeira do governo federal. Governador e
prefeito são nomeados pelo governo para execução da política urbana ditada. O
desenvolvimento do PUB RIO constitui dessa forma uma resposta municipal a uma
demanda federal, uma função obrigatória do governo municipal para tornar o município
26
apto a receber a ajuda financeira necessária do Governo Federal em função das perdas
decorrentes da fusão (REZENDE, 1982, p.64-66).
Apesar disso, por suas características de desenvolvimento, o PUB-RIO tornou-se um
marco na evolução do planejamento urbano no país. Sua elaboração foi delegada a técnicos
da Secretaria Municipal de Planejamento, diferentemente dos outros planos, o que facilitou
a apreensão da realidade local. Não se atrelava ao modelo do plano diretor típico. Limitava-
se a traçar diretrizes gerais e deixar a determinação do nível das necessidades e carências
para estudos posteriores. Não estabelecia a cidade ideal a se alcançar como nos demais
planos. Ainda assim, mantinha a visão da cidade funcional setorizada pelo zoneamento.
Incluiu uma pequena tentativa de planejamento participativo utilizando uma pesquisa de
opinião pública para identificação de problemas nas áreas. Por meio do objetivo expresso
de fortalecer a posição da cidade como pólo da região metropolitana nas economias
regional e nacional pela organização da estrutura espacial urbana, o plano pretendeu
alcançar o econômico e social (REZENDE, 1982 p.66-69).
Interferências na estrutura da cidade ainda foram discutidas por ocasião do inicio, em
1975, do desenvolvimento do Plano Integrado de Transportes - PIT-METRÔ como
continuidade da ênfase aos sistemas de transportes de massa do II PND. Propõe-se a
viabilizar o sistema de transporte metroviário da cidade, mas por sua escala de intervenção,
implicou em grande impacto na cidade e alterações em sua estrutura. Apesar de aceitar a
cidade existente, uma vez que seu objetivo era o sistema de transportes, termina por ordenar
o uso do solo urbano em conseqüência da grande intervenção promovida pela construção
do metrô (REZENDE, 1982 p.69-70).
O processo de resgate da democracia, na década de 1980 é marcado no Rio de Janeiro
como uma fase de conquistas dos movimentos sociais urbanos por intermédio das
associações comunitárias (DOIMO, 1995). O alcance de suas reivindicações pode ser
constatado no conjunto de regulamentos de contenção da especulação imobiliária e adoção
de políticas de recuperação e preservação do centro histórico e adjacências emitidas nessa
ocasião. A década de 1980 foi uma ocasião de conquistas de vários instrumentos
urbanísticos que iriam definitivamente alterar o rumo da política urbana das cidades em
todo o país. Com grande destaque, apesar das tendências contrárias já apontadas, o capítulo
da Política Urbana da Constituição de 1988 exigia que cidades com mais de 20 mil
27
habitantes desenvolvessem seus planos diretores e determinando sua aprovação pelo
legislativo municipal.
A prática de consulta à população na tomada de decisões governamentais ganhou
então importância nas propostas do urbanismo, e passou a incluir definições baseadas nas
direções definidas pelos setores da sociedade civil organizada. Destaca-se nessa passagem
do planejamento tecnocrático ao planejamento participativo o surgimento no Rio de Janeiro
da primeira política pública municipal de preservação de sítios históricos desenvolvida no
Brasil com a criação do Corredor Cultural em 1984
8
.
Como se pode constatar, o processo de redemocratização garantiu a elaboração do
Plano Diretor Decenal do Rio de Janeiro que teve seu desenvolvimento iniciado no final da
década de 1980. Até hoje em vigor, foi o plano com maior participação popular já
elaborado para a cidade
9
. Contemplou a estrutura da cidade existente, as divisões em áreas
de planejamento do PUB-Rio e inseriu com destaque os critérios de preservação do
patrimônio natural e construído. As proposições desse plano apenas estabeleceram
diretrizes para o desenvolvimento dos setores urbanos que posteriormente deveriam ser
regulamentadas.
Entretanto, nos anos posteriores à aprovação do Plano Diretor Decenal as
regulamentações para a aplicação das diretrizes não se estabeleceram. Os representantes do
poder público passam a operar impondo alterações na legislação urbanística baseadas nos
princípios da desregulamentação e flexibilização e desprezar a estrutura institucional de
planejamento urbano por uma gestão por projetos. Dessa forma, os espaços de participação
popular conquistados pelo processo de redemocratização foram novamente enfraquecidos.
(NACIF, 2001, p.14)
A cidade do Rio de Janeiro chega aos anos de 1990, diante do fenômeno da
globalização acelerada, quando se aposta em novas tentativas de reestruturação para
adequação aos novos modos de produção, distribuição e consumo (FRIEDMAN; CEZAR
2003, p.24-25). A meta de criação de novas centralidades por meio dos projetos
estratégicos passa a ser referência para a planificação urbana na segunda metade da década.
A adoção dessa linha de promoção de desenvolvimento urbano resultou na promoção
do Plano Estratégico a partir de 1995, contratado, novamente um grupo estrangeiro: a
empresa catalã “Tecnologies Urbanas Barcelona S.A. – TUBSA” no primeiro governo
28
municipal de César Maia, de 1993 a 1997. Patrocinado por instituições como a Associação
Comercial do Rio de Janeiro, a Federação de Indústrias do Estado do Rio de Janeiro, a
Prefeitura e 40 empresas públicas e privadas, a primeira fase do Plano Estratégico da
Cidade do Rio de Janeiro contou com a participação representantes dos grupos
empresariais, das universidades, de ONG’s e das três esferas governamentais reunindo
cerca de 800 participantes. O objetivo era transformar o Rio numa metrópole competitiva o
suficiente para tornar-se um centro de negócios de nível nacional e internacional. Foram
definidas sete estratégias que contemplariam 159 projetos a ser desenvolvidos pela
administração municipal. Sem a mesma intenção dos demais planos, que pretendiam
interferir de forma sistêmica na estrutura urbana, a empresa sugeriu uma série de
intervenções pontuais visando dotar a cidade de infra-estrutura adequada à concorrer pela
atração de empresas e capitais. Propôs ainda a flexibilização dos parâmetros urbanísticos
que possibilitasse a negociação de um “pacto urbano”. Novamente um modelo ideal de
cidade é tido como referência. Desta vez, um centro terciário qualificado. Sob essa
orientação, os projetos como o Teleporto, Rio Cidade, Projeto SA’s e a requalificação do
Porto do Rio visaram dotar a cidade de elementos que ampliem sua competitividade e
possibilidades na cadeia produtiva mundial.
A reconversão da Região Portuária, em especial, tem se destacado no rol de propostas
dessa natureza. Por mais de duas décadas tem sido objeto de projetos de revitalização que,
entretanto, não foram efetivados. A divergência de expectativas entre os principais atores
envolvidos, quanto à destinação do patrimônio imobiliário da área, alteração dos
parâmetros urbanísticos e inserção de elementos de atração tem sido uma das explicações
para o insucesso das propostas.
Apesar das divergências e inércia do processo, os intensos debates acerca das
intervenções de reestruturação da área foram estabelecidos no final do século passado
permaneceram durante os primeiros anos do século XXI. Permanece, também ainda sem
resposta a questão quanto à real contribuição da revitalização da Região Portuária para
superação do principal problema do Rio: as barreiras que impedem a cidade de eliminar
clivagens sociais de grande magnitude.
29
2 – O PROCESSO DE “PORTUARIZAÇÃO”: A ASCENÇÃO E O DECLÍNIO DA
ECONOMIA PORTUÁRIA
A Região Portuária abrigou essa importante função urbana até à década de 1960, o
que lhe garantiu sua forte associação com as centralidades geográfica, social e histórica da
cidade. A compreensão das motivações que determinaram as mudanças na paisagem, assim
como as que acarretaram em intensa atividade portuária na primeira metade do século XX
seguida pela estagnação dos anos posteriores constituem os fatores que justificam as
intervenções e propostas surgidas no final do século para a área, sendo por isso, parte da
fundamentação do objetivo geral de que trata esse estudo.
A síntese do processo de evolução urbana que implicou na especialização espacial
da Região Portuária apresentada nesse capítulo reúne os
eventos considerados mais
significativos ocorridos no período compreendido entre o séc. XIX até a década de 1960.
Para tanto, na primeira seção tomou-se como base as constatações de Benchimol (1985),
Lamarão (1991) e Abreu (2004), que abordam os impactos da chegada e permanência da
Família Real Portuguesa em 1808, episódio que contribuiu para a afirmação da cidade
como eixo portuário e uma inevitável expansão do porto na direção da área que forma a
atual Região Portuária. Considera também o mesmo nível de relevância, das contribuições
da articulação da economia urbana com a cultura cafeeira e o mercado mundial sob a
hegemonia inglesa no então, novo contexto do livre-comércio.
A segunda seção a aborda a contribuição da atividade portuária para a ocupação e
adensamento da retro-área do cais da Gamboa e do cais da Saúde, e também, desde essa
ocasião, para o estabelecimento do estigma de espaço deteriorado.
O terceiro item se ocupa em descrever a modernização do Porto do Rio pela reforma
de Pereira Passos e a caracterização definitiva da área como porto organizado. E, como esse
evento fez parte de um processo de modernização das economias periféricas para as quais
estava destinada a implantação de ferrovias, navegação a vapor, instalações portuárias,
serviços públicos, estruturas imprescindíveis para responder aos novos fluxos de matéria-
prima e produtos industrializados.
30
2.1 A CHEGADA DA FAMÍLIA REAL PORTUGUESA E A CONSOLIDAÇÃO DAS ATIVIDADES
PORTUÁRIAS NO INICIO DO SÉCULO
XIX
A permanência da família real portuguesa e sua corte na cidade do Rio de Janeiro em
decorrência da invasão francesa na Península Ibérica suscita diversas interpretações por
parte de historiadores quanto ao seu significado e contribuição para o desenvolvimento da
cidade do Rio de Janeiro. Sem desconsiderar essa constatação, a perspectiva de Abreu e
Martins (2004) aqui sintetizada procurou retratar a dinâmica espacial da vida urbana
durante esse singular período da história da cidade (ABREU; MARTINS, p. 212-213).
No período entre 1808 e 1821 não apenas a cidade, mas toda a sociedade brasileira
sofreu marcantes transformações: políticas – pela elevação do status do Brasil a “Reino
Unido” a Portugal em 1815; e econômicas – por ter sido nesse período o inicio da expansão
do café, pelo inicio do desenvolvimento da atividade manufatureira, até então proibida, e
pelo rompimento do pacto colonial com abertura dos portos ao comércio exterior (ABREU;
MARTINS, 2004, p. 211- 212).
Apesar de já ser capital do país por mais de 45 anos, em 1808 o núcleo urbano do Rio
era ainda reduzido, sua população que ultrapassava um total de 60.000 habitantes e a
estrutura material da cidade compacta e modesta (ABREU; MARTINS, 2004, p. 220).
Estruturava-se como uma cidade portuária dos trópicos, onde a força braçal do trabalhador
escravo movimentava todas as engrenagens de sua vida econômica e social (BENCHIMOL,
1985, p. 599). A entrada de 15.000 pessoas nesse aglomerado acelerou assim, a
necessidade de intervenções urbanas que provocaram uma rápida transformação da
paisagem e de seu conteúdo (ABREU; MARTINS, 2004, p.225).
A atividade portuária da cidade do Rio de Janeiro experimentava no inicio do séc.
XIX, como relata Bauss (1981), um dos períodos mais favoráveis de sua história. Na
ocasião o porto, ainda localizado entre o Arsenal de Marinha e a Ponta do Calabouço,
garantia à cidade um papel de destaque na rede de relações mundiais. A conjugação de
aspectos que favoreceram a situação é vista pelo autor como conseqüência do Tratado de
Methuem, datado do inicio do século XVIII entre Portugal em Inglaterra, que desde o inicio
de sua vigência até ao fim das guerras napoleônicas garantia o acesso livre ao mercado
brasileiro e, especialmente ao Porto do Rio de Janeiro. O Rio tornou-se assim, uma grande
base britânica para proteção da rota para as Índias até 1806, ano da tomada da Cidade do
31
Cabo aos holandeses. Considerado como o mais importante do Atlântico Sul no que
concernia às trocas comerciais com a África e Ásia, o porto do Rio contava também com a
maior capacidade naval fora da área marítima européia, as melhores condições de
reabastecimento, reparo e apoio logístico. Era também uma significativa área de
concentração para as esquadras britânicas graças ao referido tratado, na aliança contra a
França o que favoreceu os interesses da Inglaterra, que assim pode consolidar seu domínio
sobre a Índia, nas áreas ao sul de Madras e no Ceilão. O franco acesso ao porto do Rio
garantiu também aos ingleses a proteção das rotas marítimas sob seu domínio para Calcutá,
Bombaim e Cantão, facilitou-lhes a colonização da Austrália e o sucesso na conquista do
Cabo (BAUSS, 1981, p.79). No ano da chegada da família real ao Rio, 1808, em especial, o
porto do Rio tornou-se sede do quartel-general da base sul-americana da Marinha Real
Britânica, cujas atribuições na América do Sul eram proteger a navegação britânica tanto
das interferências de governos soberanos como de piratas e, também participar da
campanha contra o tráfico de escravos. O papel do Rio na rede global de comércio que
remonta do séc. XVII foi intensificado nas primeiras décadas do séc. XIX. Além do
destaque comercial, desempenhava igualmente papel fundamental na rede marítima ligada
ao trafico de escravos. Desde o final do século XVIII a cidade já havia se tornado o ponto
de comercialização de escravos africanos mais importante do Brasil (ABREU; MARTINS,
2004, p. 217-218).
A Inglaterra foi a principal beneficiada com a abertura dos portos brasileiros às
nações amigas de Portugal, em 1808, que liberava o Brasil da obrigação monopolista de
comercializar seus produtos diretamente com a metrópole. Assim, lançou no mercado
brasileiro seus produtos manufaturados e alimentícios. Esse posto privilegiado foi ainda
reforçado pelo Tratado de Comércio e Navegação, em 1810, e, a partir de então, foram
estabelecidas tarifas alfandegárias preferenciais mais baixas para a Inglaterra. Esses
tratados, em 1822 estendidos a outros países, consolidaram a entrada do Brasil no mercado
mundial em expansão e sob a hegemonia britânica. A abertura dos portos provocou
considerável aumento da movimentação de navios no porto do Rio de Janeiro. O total de
778 navios que desembarcaram em 1807 cresce para mais de 5.000 em 1811(LAMARÃO,
1991, p.37-38).
32
Conforme observam Abreu e Martins (2004), a economia urbana do Rio estava, dessa
forma, articulada a uma rede de economias e sociedades que atravessava o Atlântico. A
chegada da família real foi na verdade um elemento novo introduzido nesse complexo
conjunto de relações econômicas, sociais e culturais (ABREU; MARTINS,2004, p. 217-
218). Foi também, a constatação da articulação da economia urbana com a cultura cafeeira,
com o mercado mundial sob a hegemonia inglesa e nas novas condições do livre-cambismo
que levou Benchimol (1985) a definir esse período como um momento de forte afirmação
da cidade como eixo portuário (BENCHIMOL, 1985, p. 599).
De acordo com Lamarão (1991), no quadro econômico do começo do século XIX,
destacava-se a substituição do açúcar pelo café como principal produto de exportação do
Brasil. O crescimento da comercialização do produto se deu aliado em estreita ligação com
as atividades do porto do Rio de Janeiro. Na época da independência a atividade já
respondia por quase 20% das exportações brasileiras e na década de 1830 lideravam a pauta
com aproximadamente 28%. O significativo crescimento da lavoura cafeeira teve como
base os mesmos elementos da “plantation” açucareira nordestina e que há muito já
caracterizavam a economia brasileira - mão-de-obra escrava, grande propriedade e na
monocultura de exportação. Disseminou-se pelo Vale do Paraíba e alcançou Minas Gerais,
Espírito Santo e São Paulo. O notável crescimento do movimento comercial da cidade no
período, implicou no redimensionamento do espaço em que se realizavam atividades
portuárias. Até então, este que abrangia apenas o trecho entre a Ponta do Calabouço e o
Arsenal da Marinha compreendendo as Praias de D. Manuel, do Peixe e dos Mineiros,
ampliou-se alçando a Prainha, Valongo, Gamboa e Saco do Alferes.
O avanço das atividades portuárias para a área que mais tarde, no século XX iria
constituir a Região Portuária, justificou a determinação por D. João VI do aforamento dos
terrenos das praias da Gamboa e do Saco do Alferes para construção de armazéns e
trapiches. Esse fato tornou a Prainha o principal entreposto do comércio de madeiras do
Rio, local de desembarque do açúcar, cal de marisco para a construção, e gênero
alimentícios provenientes das ilhas da baía e do recôncavo destinados ao abastecimento da
população carioca. De igual impacto foi o aumento do movimento de embarcações movidas
pela população escrava na Baía de Guanabara. Contudo, segundo Lamarão (1991), foi o
café o principal fator de dinamização da Prainha e imediações. Produzido no Vale do
33
Paraíba, o café era transportado em lombo de burro até os portos do fundo da Baía de
Guanabara e daí transportado pelas faluas até à Prainha, Valongo e Gamboa (LAMARÃO,
1991, p.38-39).
Apesar de ter experimentado como as demais regiões da cidade, o progresso material
trazido pela mineração e elevação à categoria de capital, a maior expressão da dinâmica da
área de estudo no séc. XVIII havia sido a transferência do mercado escravo da Rua da
Direita, atual 1º de Março, entre 1769 e 1779 para o Valongo. Determinação conseqüente
do processo de ocupação e especialização espacial que já se verificava na cidade, e que,
naquele momento, definia o Valongo como local próprio para o comércio escravo,
atividade inadequada para ser exercida na principal artéria da cidade. Em 1827, entretanto,
com a saída dos traficantes de escravos, resultado das rigorosas medidas de repressão
impostas pela Inglaterra ao tráfico negreiro, estabeleceram-se na Prainha os grandes
armazéns de café para exportação. Os numerosos trapiches situados na região eram os
locais em que se efetuava o maior volume do comércio cafeeiro (LAMARÃO, 1991, p.27-
40).
O fortalecimento da tendência à expansão das atividades portuárias para área de
estudo proporcionada pela mineração no século XVIII e reafirmada pelo estabelecimento
da família real na cidade num período de grande desenvolvimento da lavoura cafeeira, na
primeira metade do séc. XIX, no entanto, não estabeleceram condições suficientes para que
o processo de especialização do espaço registrasse uma fisionomia caracteristicamente
portuária.
O desenvolvimento econômico, por sua vez, implicou no adensamento populacional
da Saúde, Valongo e Gamboa. Com a concentração demográfica iniciam-se as
preocupações das autoridades. A saúde publica torna-se objeto das atenções tendo em vista
a presença de atividades como o cemitério dos escravos próximo às numerosas casas
habitadas na região. Melhoramentos como implantação de sistema de transportes terrestres
e a construção da Praça Municipal no Valongo, local do antigo mercado de escravos
desativado no início da década de 1840, eram também percebidos na região. A Praça
Municipal no Valongo seria a primeira praça monumental do Rio idealizada por Grandjean
de Montiny, membro da missão artística francesa (LAMARÃO, 1991, p.41-43).
34
Mesmo após os treze anos de transformação conseqüentes da permanência da Família
Real e às vésperas da independência política do país, em 1821 o Rio continuava a ser uma
cidade de dimensões reduzidas. A maior parte de seu território era ainda
predominantemente rural, as cinco freguesias urbanizadas eram Candelária, São José,
Sacramento, Santa Rita e Santana que correspondem aproximadamente às regiões
administrativas do Centro e Portuária. As freguesias da Candelária e São José eram as
preferidas para moradia das classes dirigentes, que já tinham, entretanto, a opção das
chácaras na Zona Sul nos bairros da Glória e Catete. Os mais pobres, com pouco poder de
mobilidade e impossibilitados de ocupar esses locais, segundo Abreu (1997), adensavam
cada vez mais as demais freguesias urbanas, principalmente Santa Rita e Santana, o que
segundo Lísia Bernardes, (1959, apud Abreu, 1997) deu origem aos bairros da Saúde, Santo
Cristo e Gamboa (ABREU, 1997, p. 37).
2.2 FINAL DO SÉCULO XIX: PORTUARIZAÇÃO, ADENSAMENTO E DETERIORAÇÃO DO
RETRO
-PORTO
Na segunda metade do séc. XIX a alternância do sistema monárquico para o
republicano marcou também o momento em que a sociedade brasileira experimentou a
transição para o capitalismo. A nova trajetória pela qual o país seguiu teve como
componentes básicos o fim do comércio negreiro e a abertura para o trabalho urbano
assalariado – com as atividades ferroviárias, portuárias e com os serviços urbanos, junto a
incentivos às operações comerciais - como o Código Comercial de 1850 e criação do
segundo Banco do Brasil, em 1851. E que, sem dúvida, trouxeram um clima favorável ao
desenvolvimento urbano (LAMARÃO, 1991, p. 53).
No Rio de Janeiro, Governo Imperial e capital estrangeiro concretizaram intensas
transformações nas formas e aparência das freguesias centrais na década de 1850.
Concessões para implantação e oferta de serviços públicos atualizados pelas inovações
tecnológicas da ocasião – como a iluminação a gás em 1854 e a rede de esgotos, em 1864,
eram disputados por empresas estrangeiras. Contraditoriamente, o centro também mantinha
sua função de local de moradia da população mais pobre da cidade, que utilizava o cortiço
como solução habitacional (ABREU, 1997, p. 41-42).
Na segunda metade do século XIX os transportes terrestres tiveram papel de destaque
como vetores de expansão da cidade nas direções sul e norte. O trem, com a inauguração da
35
primeira parte da Estrada de Ferro Dom Pedro II em 1861, atual Central do Brasil,
proporcionou a ocupação das freguesias suburbanas. Os bondes puxados a burro facilitaram
a expansão tanto para a zona sul quanto para zona norte (ABREU, 1997, p. 43).
Apesar de inúmeros entraves, como a ausência de fontes regulares de energia, falta de
mão-de-obra qualificada, concorrência com produtos importados, dependência ainda em
alguns setores da mão-de-obra escrava que se tornava rara e pelas epidemias que atacavam
a classe trabalhadora, a atividade industrial conseguiu se expandir no período. Situada
inicialmente no centro, em meados do século desloca-se para São Cristóvão que perdia seu
status de bairro aristocrático e oferecia a vantagem da proximidade aos eixos ferroviários e
aos portos da cidade – Cais dos Mineiros, Pharoux, Gamboa, e Ponta do Caju (ABREU,
1997, p.54-55).
A tendência de expansão da cidade para oeste, de acordo com Sisson (1986) já se
verificava desde o inicio do séc. XIX, como se pode observar na representação na figura 2.
Vários elementos representativos do poder se agrupavam em torno do Campo de Santana
com a inclusão de marcos de funções e usos urbanos. Ocorreu assim a instalação da Estação
da Estrada de Ferro D. Pedro II onde, posteriormente, em 1940 se instalou a Central do
Brasil. A concentração de várias das edificações representativas do governo imperial ao
redor do Campo de Santana conferia-lhe então, a importância do centro da administração
pública do séc. XIX. A estação terminal da Estrada de Ferro D. Pedro II no Campo de
Santana foi o marco inicial para abertura das regiões interioranas ligando os centros de
cultura do café no Vale do Paraíba à cidade do Rio de Janeiro. O Campo de Santana serviu
de limite e articulação entre a área urbanizada até o princípio do séc. XIX, concentrada no
antigo Largo do Paço e a área da Cidade Nova cuja ocupação seguia a direção da Quinta da
Boa Vista e estimulada pela transferência da corte portuguesa (SISSON, 1986, p. 62-72).
36
Figura 2 – Área urbanizada da Cidade do Rio de Janeiro - 1843
Fonte: Representação elaborada a partir do Mapa Interpretativo do Plano Beaurepaire de 1843 sobre a base digital atual da cidade do Rio
de Janeiro (ANDREATTA, 2006, p. 55;) e Prancha 16 do Atlas da Evolução Urbana do Rio de Janeiro (CANABRAVA, 1965 p. 21).
Para Abreu (1997) o quadro demográfico do final do séc. XIX redesenhava-se
mediante ao esgotamento do sistema escravista e o conseqüente declínio da atividade
cafeeira no Estado do Rio de Janeiro. Ampliava-se ao mesmo tempo, a entrada de
imigrantes estrangeiros fatores que colaboraram para o adensamento populacional nas áreas
mais pobres da cidade e o conseqüente agravamento do deficit habitacional e das epidemias
(ABREU, 1997, p.57).
As transformações sofridas pela cidade a partir de 1850 em associação à transição da
sociedade brasileira para o capitalismo foram as razões que Lamarão (1991) afirma terem
demandado a ampliação e a reconstrução da base material do porto da Cidade do Rio de
Janeiro. Como ponto de articulação entre a ferrovia e os navios a vapor que exportavam o
café e a ampliação das importações, o Porto do Rio necessitava de melhoramentos para dar
conta desse movimento comercial. A deficiência das instalações portuárias da cidade foi
reconhecida por empresários, técnicos e funcionários do governo.
Assim como ocorria nos espaços urbanos, grupos associados ao capital estrangeiro,
principalmente o inglês, pleiteavam a obtenção de privilégios junto à administração
imperial para a formação de empresas que executariam as obras de infra-estrutura portuária.
Iniciada em 1850, durante duas décadas setores técnicos e autoridades governamentais
37
estiveram envolvidos na intensa discussão de propostas para solução da crise portuária da
cidade. Três trechos no litoral da cidade foram eleitos para abrigar os projetos que
expressavam os interesses dos diferentes grupos. O primeiro trecho de São Cristóvão ao
Arsenal de Guerra, incluído o Saco do Alferes, a Gamboa e a Saúde, apresentava as idéias
dos que estavam interessados na ampliação do porto para os atuais bairros portuários e
ligação com a ferrovia, seguindo a tendência da direção tomada pela expansão da cidade no
séc.XIX, em direção ao Campo de Santana. O segundo, do Arsenal de Marinha ao Arsenal
de Guerra, continham as propostas dos que defendiam a manutenção da localização da área
portuária já consolidada na frente marítima central e onde já se situavam as estruturas de
apoio ao comércio. O ultimo trecho, o menos cogitado, guardava a intenção de expansão do
porto na direção sul, do Arsenal de Guerra em direção à Enseada de Botafogo, passando
pelas praias de Santa Luzia e da Glória como se pode ver na figura 3 (LAMARÃO, 1991, p.
56).
Figura3 - Propostas da Comissão de Melhoramentos – 1875
Fonte: Elaborado a partir do Mapa Interpretativo do Plano da Comissão de Melhoramentos de 1875 e 1876 sobre a base digital atual da
cidade do Rio de Janeiro (ANDREATTA, 2006, p. 57).
Duas frentes de melhoramentos portuários resultam dessa disputa – a Doca da
Alfândega, próxima à atual Praça XV e as Docas de D. Pedro II que viria ser o porto do Rio
de Janeiro no séc. XX. Ambas contaram com o engenheiro André Rebouças, técnico com
estreita ligação ao governo imperial, à frente do processo de negociações entre o Estado e o
38
capital privado, assim como do processo de organização e gestão das duas companhias. A
Doca da Alfândega, atual Centro Cultural da Marinha, teve a prioridade para receber
melhoramentos de 1866 a 1871 justificados pela constatação da participação que essa
estrutura já consolidada representava na receita do governo imperial pela arrecadação de
taxas sobre importações (LAMARÃO, 1991, p. 57-60).
Entretanto, o próprio Rebouças apontava deficiências cruciais que tornavam a Doca
da Alfândega insuficiente para atender ao movimento portuário da cidade. Considerava-a
insuficiente e obsoleta por suas características de reduzida capacidade que não alcançava a
décima parte da demanda; de pequena profundidade – o que tornava a descarga um
processo muito lento, requerendo a utilização de saveiros para alcançar os navios
impossibilitados de atracar no cais; de impossibilidade de ligação com a linha férrea D.
Pedro II - pois a natureza do solo que encarecia obras; e não passível de ampliações – por
conta da valorização do entorno no centro velho da cidade (LAMARÃO, 1991, p. 61).
Apesar de ainda ocupar a gerência das obras da Doca da Alfândega, em 1867,
Rebouças associou-se à Liverpool, “Brazil and River Plate Mail Streams”, proprietária da
frota de vapores responsável pela maior parte do comércio de importação do Rio, para
também defender a proposta de criação de um segundo complexo portuário junto às
enseadas da Saúde e da Gamboa. Rebouças pretendia a inserção de outra tipologia de
instalação portuária, adequada ao notável crescimento do comércio mundial decorrente da
Segunda Revolução Industrial e adaptado às novas tecnologias, principalmente da máquina
a vapor. Propunha a divisão de tarefas entre as duas estruturas portuárias ressaltando que
não seria estabelecida uma competição com a Doca da Alfândega, mas sim, sua
complementação com a vantagem de ampliação do comércio internacional (LAMARÃO,
1991, p. 62-63).
A formação e atuação das companhias encarregadas da execução das obras e posterior
gestão das atividades portuárias se deu num momento de mudanças institucionais no país.
Utilizando-se da situação favorável, Rebouças, como diretor das obras da Alfândega, mais
uma vez, se destacou por atuar junto ao governo imperial na busca da ampliação da atuação
dos empresários. Procurando seguir modelos de administração adotados na França e na
Inglaterra, defendia a idéia de que uma empresa privada deveria estar à frente dos trabalhos
de construção, manutenção e administração das docas. As taxas de utilização dos serviços
39
deveriam cobrir não só despesas de custeio, mas também remunerar os acionistas. Essas
reivindicações obtêm como resposta um conjunto de atos legais que atendeu aos pontos
básicos das pretensões de Rebouças e do capital privado de forma geral. No entanto, os
confrontos de interesses dos grupos capitalistas rivais se mostraram claros durante a
negociação das duas companhias, e Rebouças terminou por abandonar a direção das obras
da Doca da Alfândega em 1871 e assumiu a gerência da Cia. das Docas de D. Pedro II em
1870. (LAMARÃO, 1991, 64-68). Esses fatos tornam clara a natureza da disputa de
interesses associada à localização do espaço portuário da cidade.
0 local preconizado para ampliação do porto por Rebouças, o litoral compreendido
entre as enseadas da Saúde e da Gamboa, tinha também sua escolha justificada pelas
facilidades naturais que a área oferecia - baixos custos por dispensar a construção de
quebra-mar ou qualquer outro elemento para o abrigo de navios e permitia a perspectiva de
uma ampliação futura. A primeira licença obtida para essa proposta previa o inicio das
obras em 1869 e destinava-se apenas à construção das Docas de D. Pedro II, não incluindo
sua ligação com a Estrada de Ferro D. Pedro II. Foram assim inseridos os primeiros
elementos na Região Portuária responsáveis por tornar seu processo de especialização
irreversível - o cais entre o Beco da Pedra do Sal e a Praça Municipal, em 1875; duas
grandes pontes com galpões, e o Armazém 5 sobre área de aterro, ambos em 1876
(LAMARÃO, 1991, p. 63-64).
As outras grandes alterações que mais tarde reforçaram o processo de especialização
da área no período foram a construção do ramal de ligação com a Estrada de Ferro D. Pedro
II e a Estação Marítima da Gamboa. A idéia da ligação que era cogitada desde a criação da
Estrada de Ferro D. Pedro II, em 1855 tornou-se também objeto de disputas entre
companhias interessadas na exploração do transporte de carga na cidade e mereceu várias
propostas dos muitos interessados.
Contudo, apenas em 1876, quando Francisco Pereira Passos foi nomeado diretor da
Estrada de Ferro D. Pedro II e logo após a entrega do relatório da Comissão de
Melhoramentos da Cidade do Rio de Janeiro da qual fazia parte os trabalhos para sua
implantação tiveram início. O saco da Gamboa foi o local escolhido por ser o mais abrigado
e oferecer espaço para construções de apoio, poderia também, ser ligado a estação do
Campo de Santana por um ramal pouco extenso e barato. As obras do ramal da Gamboa
40
foram iniciadas em 1877 seguindo um percurso que partia da Estação Central e atravessava
o morro da Providência e desembocava na Rua da Gamboa, sendo sua conclusão em 1880.
A estação Marítima foi localizada entre o morro da Providência, a Rua da Gamboa e o mar.
As propostas da Comissão de Melhoramentos da Cidade do Rio de Janeiro nomeada em
1874 pelo governo imperial, já vistas na figura 3, contribuíram também na formação da
feição portuária ao propor a expansão da cidade para oeste. Apesar disso, do conjunto de
propostas formuladas por aquela comissão quase nada foi levado à prática no curto prazo.
Apenas o ramal ferroviário e a estação marítima tiveram seguimento por iniciativa do
próprio engenheiro Pereira Passos (LAMARÃO, 1991, p.72-77).
Na segunda metade do séc. XIX, na área em que se formaram os futuros bairros
portuários, Lamarão (1991) afirma já ser indiscutível a consolidação da especialização com
a fixação na paisagem das estruturas iniciais do porto. Da mesma forma, houve a definição
da direção de seu crescimento nos anos subseqüentes. Esse processo ao qual o autor
denomina de “portuarização” da área também pode ser atestado pelo aumento do número
de trapiches. Notava-se também, que as propostas para melhoramentos referiam-se apenas
às atividades portuárias visando à otimização das operações de carga e descarga dos navios.
Não era considerada a articulação porto-cidade. Nesse momento o porto parece não ter sido
visto como parte integrante do conjunto urbano (LAMARÃO, 1991, p.80).
A partir de 1870 o crescimento demográfico significativo da cidade consolidou em
diversos trechos da retro-área do cais da Gamboa e adjacências a ocupação por processos
distintos. Além do parcelamento de chácaras do Morro do Pinto e de outros pontos, a
formação da Vila Guarani e o surgimento, em 1890, da favela do Morro da Providência são
apontados por Lamarão (1991) como respostas a esse incremento de população. Pois,
segundo as suas estimativas, a região deve ter aumentado sua participação no total das
freguesias de Santa Rita e Santana a que pertenciam e que em 1870 eram as mais populosas
da cidade alojando de 20 a 30% do total da população.
O perfil sócio-econômico dessa população, a maioria trabalhadora, segundo Abreu
(1997), definia seu estabelecimento nessas áreas pela necessidade de estar próximo ao
Centro em busca de trabalho (ABREU, 1997, p. 38-42). Outra característica especial do
processo de ocupação da área apontado por Lamarão (1991) decorreu da entrada intensa de
imigrantes na cidade. Os distritos de Santa Rita e Gamboa contavam com a maior
41
concentração de estrangeiros da cidade, destacando-se os portugueses e espanhóis. Mais da
metade era do sexo masculino e, mesmo entre os maiores de 15 anos, mais de 40% eram
analfabetos (LAMARÃO, 1991, p.101).
A precariedade das moradias a que essa população tinha acesso foi um fator que
Lamarão (1991) afirma ter colaborado na formação da imagem negativa da área. Mais da
metade da população residia em edificações adaptadas como cortiços que chegavam a
ocupar ruas inteiras. A grande incidência de doenças na área tornou a Prainha e a Saúde o
epicentro da primeira grande epidemia de febre amarela na cidade com altos índices de
letalidade, quadro que se manteve até ao final do século. As condições de habitação e as
atividades portuárias, por implicar em intensa movimentação de pessoas e cargas, foram
consideradas as causas do problema. O controle dos surtos das doenças provocou a
desapropriação de terrenos e edifícios na área por alegação de utilidade pública para
estabelecimento de cemitérios e enfermarias mantidos por corporações civis e religiosas, o
que traduz as dificuldades na ocasião das estruturas públicas da cidade no enfrentamento de
uma questão de tais dimensões. O hospital Nossa Senhora da Saúde surge em 1853
financiado pela Santa Casa da Misericórdia dentro desse contexto. A mudança de muitos
proprietários de antigas chácaras para outras áreas da cidade, onde um processo de
especialização tornava-as áreas elegantes para residência da população mais abastada, pode
ser atribuída à associação da retro-área do cais a um perfil de deterioração física e social
(LAMARÃO, 1991, p. 106-115).
Do ponto de vista do dinamismo econômico, de forma oposta, o importante papel que
a área desempenhou é reconhecido no período pelo registro da presença das mais
importantes casas comerciais de café, grande número de trapiches, estaleiros, e oficinas
artesanais e manufatureiras da cidade. Os trapiches eram, entretanto destaques voltados
para a atividade de importação e exportação. Até o final dos 1850 a comercialização do
açúcar via trapiche era fundamental para a economia da cidade. Os trapiches do Cleto,
Pedra do Sal, Silvino, Portas, Maia, Valongo, Damião, Pinheiros, Vapor e Gamboa
recebiam o açúcar antes de sua entrada no circuito de consumo carioca. A maior parte dos
31 trapiches da Corte em 1885 estava localizada na Gamboa e no Valongo, hoje, Saúde.
Esses estabelecimentos empregavam numerosa mão-de-obra que já no final do século XIX
e início do XX formavam várias associações de classe e beneficentes com sede na área e
42
imediações trazendo evidências de que o inicio da organização popular já estava
estabelecida na ocasião em que diversas atividades são instaladas
10
. A dinamização das
atividades portuárias atraiu também para o retro-porto sedes de firmas comerciais e
companhias de navegação brasileiras e estrangeiras. É exemplo disso a Rua da Saúde que já
consolidava sua posição de principal artéria de toda a área concentrando a maior parte dos
estabelecimentos. Os dados do levantamento industrial de 1907 permitiram constatar que a
área chegou naquele ano a ter 17 ramos da atividade industrial com um número total de
trabalhadores empregados na área neste ano de 2.696, cerca de 8% da força de trabalho
industrial da cidade (LAMARÃO, 1991, p.107-110).
De forma geral, tanto o perfil sociodemográfico dos habitantes, como as
características da ocupação do território induzem à afirmativa de que, a partir da segunda
metade do século XIX ocorreu um processo de desqualificação da área decorrente da
hierarquização e segregação espacial da cidade. Esta estaria reservada para atividades
comerciais, industriais e portuárias, embora mantendo sedes das empresas nas
proximidades, e para a habitação precária da classe trabalhadora. Esse fato, de acordo com
Rabba (2004), marca essa área como o local que ampliou oportunidades para uma
população que se urbanizava e possuía como única habilitação profissional o trabalho
pesado e consolidou no local o maior reduto de moradia popular da cidade (RABBA, 2004,
p.72). Sua população miscigenada e operária era constantemente vitimada pelas altas taxas
de mortalidade provocada pelas epidemias. Daí certamente resulta “o estigma de área
densa, pobre e insalubre, em meio a uma sociedade que incorpora com rapidez valores
burgueses num processo de transição para o capitalismo” (LAMARÃO, 1991, p. 115),
quadro muito utilizado como justificativa para, no século seguinte, as intervenções da
reforma Pereira Passos realizarem uma das mais impactantes interferências ambientais
urbanas, cujas conseqüências são sentidas ainda hoje. Essa dinâmica, entretanto,
demonstrava seu vigor, principalmente o comercial, e garantia oportunidades de trabalho
para a população já estabelecida e para a migrante que chegava. Contribuiu da mesma
forma, para despertar o interesse na ampliação da ocupação da Região Portuária nos anos
subseqüentes.
43
2.3 A REFORMA PEREIRA PASSOS: A FORMAÇÃO E A CONSOLIDAÇÃO DA “REGIÃO
PORTUÁRIA
De 1890 a 1914, grande parte dos investimentos dos paises centrais no exterior, em
especial nos periféricos, derivava do excedente de capital dessas economias ampliado pelo
início da exploração de ouro na África do Sul. A queda das taxas de juros levou-os à
aquisição de títulos da dívida pública emitidos pelos diversos governos e a promoção de
inversões diretas em unidades produtivas assim como, nas infra-estruturas dos países
periféricos. A inserção das economias primário-exportadoras na nova divisão internacional
do trabalho foi reforçada por investimentos em sistemas logísticos constituídos pelo tripé
“ferrovias-porto-navegação marítima”, vital para o comércio exterior, e nos serviços de
utilidade pública nas cidades - transporte urbano, iluminação pública, águas e esgotos,
geração e distribuição de energia elétrica. Assim, a América Latina foi marcada pelo
desenvolvimento das exportações e ampliação de serviços financiada por esses
investimentos (LAMARÃO, 2002, p. 2).
Como o já observado, a integração do Brasil no contexto da economia capitalista
internacional exigia um espaço urbano condizente com esse momento, sobretudo na capital,
principal ponto de articulação com as redes mundiais de comércio e onde eram tomadas as
decisões que influenciavam todo o país. A crise habitacional, de saúde pública e transporte
que a cidade enfrenta na virada do século gerada pelo o grande incremento populacional
num momento de fluxo intenso de migração interna e externa agravava o quadro de pobreza
e contradição urbana. Em especial, a atividade de importação e exportação de mercadorias
que ainda se realizava por meio de processos semelhantes aos do período colonial pela
ausência de um porto moderno, como já foi visto, precisava ser agilizado.
A mudança de função do Porto do Rio já começava a ser percebida na década de
1880. O Rio perdia a principal posição como porto exportador de café para Santos e
afirmava-se como mercado consumidor e centro distribuidor de artigos importados. A
principal causa dessa tendência foi à estagnação da lavoura de café fluminense após a
abolição da escravatura em 1888. Até esse ano o Rio ainda concentrava quase a metade do
valor total do comércio externo do país liderando as movimentações de importação e
exportação. Essa primazia foi mantida até 1894. A partir daí, Santos, detendo parcela
44
crescente das exportações, em 1903 já comercializava o dobro das exportações da capital
federal (IBGE,1960, p. 61).
O porto da cidade paulista era também um porto precário. Funcionava por meio dos
trapiches, mas estava, desde 1867, ligado às zonas produtoras pela estrada de ferro Santos –
Jundiaí. A intensificação do comércio do café impôs em 1886 a execução de obras que,
inauguradas em1892, tornaram Santos o primeiro porto organizado no Brasil (LAMARÃO,
1991: 141). Da mesma forma que o café proporcionou a modernização ao Porto do Santos,
o “boom” da borracha proporcionou a organização dos portos de Manaus, em 1903 e Belém
em 1909 (IBGE,1960, p. 61).
O Rio também já não tinha a mesma importância como porto de trânsito ou
reexportação, uma vez que muitas companhias de navegação européias faziam escala em
cerca de 30 a 35 portos brasileiros. O mercado mundial já havia assim estabelecido relações
com outros portos do país. Sua importância residia no fato de ser o escoadouro de uma rica
zona tributária servida por densa malha ferroviária e que permitiria o Rio se impor como
um dos principais empórios comerciais do mundo. O principal eixo de ligação do porto
com a zona tributária era a Estrada de Ferro Central do Brasil que atravessava o Estado e
bifurcava-se na altura do Vale do Paraíba seguindo para São Paulo e Minas Gerais. Minas
Gerais, o mais importante parceiro comercial da ocasião, trocava com o Rio café, tecidos,
gado e minerais por artigos manufaturados nacionais ou importados. Absorvia 47% das
importações do país e 1/7 das exportações. Em 1908 metade da receita geral da União teve
como origem a arrecadação da Alfândega do Rio, o que expressa a importância e o
significado das obras que tiveram início em 1904. Apesar de perder a liderança como porto
exportador, o Rio estava entre os 15 maiores portos do mundo. Na América perdia apenas
para Nova Iorque e Buenos Aires. (LAMARÃO, 1991, p. 142).
O porto de Buenos Aires havia ultrapassado o Rio já nos primeiros anos do século em
meio a um processo de reforma urbana pela qual havia passado a cidade e ao aumento da
produção agrícola do país. Da mesma forma que o Rio, a reforma portuária entrou em
discussão em 1870 e implicava na oposição entre dois grupos capitalistas oponentes.
Eduardo Madero, comerciante ligado ao capital inglês conseguiu impor suas propostas na
metade da década de 1880, apesar de, em 1926, essa ampliação se mostrar insuficiente e
requerer a construção de novas instalações (LAMARÃO, 1991, p. 143).
45
No início do século XX, portanto, o conjunto de instalações portuárias do Rio, ainda
não havia mostrado avanços suficientes para o alcance de eficiência almejada. O quadro
resultante devia-se às interrupções das concessões e investimentos anteriores que não
haviam concluídos seus projetos. Apenas alguns estabelecimentos dispersos pelo litoral
impunham solidez e eficiência e admitiam a acostagem de embarcações de calado superior
a 5 metros – as Docas Nacionais, antiga Dom Pedro II; os moinhos Fluminense e Inglês, na
enseada da Saúde ambos dotados de cais; o Dique “Finnie” destinado à reparação de
navios; e a Estação Marítima da Estrada de Ferro Central do Brasil, no Saco da Gamboa. A
Doca da Alfândega nunca se prestou a acostagem de navios de calado médio pela ausência
de um quebra-mar, o que dificultava até mesmo o uso por pequenas embarcações (CIA.
DAS DOCAS, 1972, p.13-15).
Desde 1889 a corrida de empresários pelas concessões para realização de
melhoramentos portuários havia recomeçado com a já conhecida argumentação da
obsolescência de sua base material. E, ainda nesse momento, a maior parte dos projetos se
dirigia para a vertente marítima central, onde estava localizada a Doca da Alfândega
(LAMARÃO, 1991, p 129). Num período de dez anos, entre 1889 e 1899 foi concedida
autorização para realização de obras e melhoramentos portuários ao Visconde de
Figueiredo, em 1889, à Melhoramentos Industriais do Brasil e à “The Rio de Janeiro
Harbour and Docks”. Essas duas últimas uniram-se em 1901 surgindo a Companhia das
Docas do Rio de Janeiro (CIA. DAS DOCAS, 1972, p.16-20).
Intensos debates tendo como objeto o traçado do cais, demolições de edificações de
estabelecimentos industriais e aterro provocaram alterações no detalhamento do projeto por
várias vezes. O ritmo das obras foi também desacelerado pela crise financeira em que a
Melhoramentos se envolveu decorrente do colapso da política de Encilhamento
11
e pela
interrupção das operações comerciais do porto por 6 meses provocado pela Revolta da
Armada - de setembro de 1893 a março de 1894 – por conta de ocorrências de embates no
litoral entre a Saúde e a Gamboa (LAMARÃO, 1991, p. 129).
A concorrência dos interessados na área seria também o fator que mais uma vez
colaboraria para reedição dos conflitos da década de 1870 e inviabilizaria a conclusão das
obras pela Empresa Melhoramentos (LAMARÃO, 1991, p.135). Até 1901 apenas o aterro
de boa parte dos Mangues de São Diogo foi executado (CIA. DAS DOCAS, 1972, p. 22).
46
A administração Rodrigues Alves, de 1902 a 1906, concretiza a retomada do poder
político pela oligarquia cafeeira. Foi nesse momento, como afirma Abreu (1997), iniciado o
processo de adequação das formas urbanas às necessidades reais de criação,
concentração e acumulação do capital (ABREU, 1997, p.60). Próspero fazendeiro
paulista e com consolidada carreira política,
Rodrigues Alves assegura em 1902, o
comando do governo republicano nas mãos da burguesia cafeeira.
Desde seu discurso
de posse como presidente da república, já havia se comprometido com a remodelação da
capital que, segundo ele, não poderia continuar associada à vida difícil com tantas
potencialidades (BENCHIMOL,1985: 601). Rodrigues Alves herdou de seu antecessor,
Campos Sales, um quadro econômico estabilizado graças à recuperação dos preços do café
no mercado internacional e à política de saneamento financeiro ditada pelos Rothschild’s,
principais credores da dívida externa brasileira. O governo pode, por isso, contrair nova
dívida junto a esses banqueiros para promover o saneamento da capital. Com a atribuição
de comandar essa empreitada, Rodrigues Alves nomeou Pereira Passos para a prefeitura da
Cidade do Rio de Janeiro.
O Porto do Rio de Janeiro, considerado a base do empreendimento de modernização
da cidade, nasce em meio ao consenso de ser imprescindível a capital simbolizar a
importância do país como principal exportador de café do mundo. As precárias instalações
do sistema portuário da cidade na ocasião não só emperravam o comércio internacional,
como também não se adequavam ao novo contexto urbano desejado e aos modos de
vida cosmopolitas e modernos de suas elites (ABREU, 1997, p.141).
Ao contrário das tentativas anteriores, a viabilização da reforma portuária foi
garantida pelo governo federal por meio de sucessivos decretos de caráter geral aos portos
do país e outros voltados exclusivamente ao Porto do Rio criando um regime especial para
a regulamentação das obras e a obtenção de recursos financeiros. Dessa forma, foi
viabilizado o empréstimo de 8,5 milhões de libras com os banqueiros “Rothsdhild &
Sons”de Londres em 1903 (BENCHIMOL,1985: 601).
Foi estabelecido um regime especial para a execução das obras de melhoramentos,
criada a Caixa Especial dos Portos por meio da qual se fazia o desembolso dos recursos;
encampadas antigas concessões; criada a taxa de importação de 2% no Porto do Rio;
47
declarados "sem efeito” antigos planos aprovados para a área; e aprovado o regulamento de
desapropriações por utilidade pública (CIA. DAS DOCAS, 1972, p. 24).
A Comissão das Obras do Porto, comissão técnica subordinada ao governo federal e
incumbida de elaborar o projeto definitivo do porto, realizou finalmente a grande alteração
do litoral dos futuros bairros da Saúde, Gamboa e Santo Cristo. Esta transformação
compreendeu a construção de 3.500 metros de cais ligando o Arsenal de Marinha ao
prolongamento da Rua São Cristóvão. Contemplou a construção de uma série de armazéns,
aparelhamento do cais com guindastes e linha férrea como nos demais projetos. Incluía as
obras do Canal do Mangue com o prolongamento da Ponte dos Marinheiros até ao cais. E
por último, fazia ainda parte do projeto a construção da Avenida Central, atual Rio Branco
e a Avenida Francisco Bicalho (CIA. DAS DOCAS, 1972, p. 24-26).
Lamarão (1991) destaca as diferenças entre este empreendimento e os que o
antecederam pela pretensão de articulação com a cidade por meio da construção das Av.
Central e do Mangue e, pela escala de intervenção que interferia em praticamente todo o
Centro, fato que, segundo o autor, nenhuma fração do capital poderia efetuar (LAMARÃO,
1991, p.164).
A participação da municipalidade consistia no alargamento das vias dos bairros
marítimos da Saúde e da Gamboa para melhorar a comunicação com o centro e melhorar a
circulação viária. Os bairros já eram também considerados como importante zona comercial
da cidade que se estende pela Rua da Saúde até a Rua da Harmonia com trapiches e
estabelecimentos industriais (LAMARÃO, 1991, p. 148).
Mesmo antes de sua conclusão a movimentação anual do porto em 1906 já
ultrapassava 2,6 milhões de toneladas com tendência a crescimento. O que confirmou a
necessidade de ampliação do cais proposto com a utilização do trecho entre o Canal do
Mangue e a Ponta do Caju, o que resultaria numa ampliação de 1.400m de cais além dos
3.200m previstos no projeto original. Em 1908 iniciou-se o desmonte das pedreiras do
morro da Saúde para viabilizar a abertura da Avenida do Cais que depois seria a Rodrigues
Alves. A Avenida do Cais teve fundamental importância para a área. Serviu de instrumento
à política de saneamento e urbanização de uma das zonas mais densas e insalubres da
cidade e também atuaria de acordo com as expectativas das classes dominantes e de seus
48
porta-vozes, como agente regenerador dos hábitos de uma população marginalizada
(LAMARÃO, 1991, p. 150-151).
Enfim, a primeira década do séc. XX se constituiu, como visto, num grande marco de
transformações quando foi destinado à área ser por excelência o espaço portuário da cidade.
A retro-área do cais da Gamboa sofre, então, profundas mudanças e teve sua fisionomia
irreversivelmente marcada, não só pela grande extensão ocupada pelo cais – da Praça Mauá
até o Caju, mas também pelas grandes áreas de aterro que afastaram o mar do antigo
conjunto urbano, pelo novo sistema viário e pela intensificação de usos especializados que
se multiplicam. A partir de então a “Região Portuária” se consolidava fisicamente, como se
vê na figura 4.
Figura 4 – Mapa interpretativo do Plano Pereira Passos - 1905
Fonte: Mapa Interpretativo do Plano Pereira Passos de 1905 sobre a base digital atual da cidade do Rio de Janeiro (ANDREATTA, 2006,
p. 59).
A criação do que Lamarão define como “a segunda geração de equipamentos
portuários da cidade” (ALMEIDA, 2005, p. 169) pela reforma do Porto do Rio implicou
numa ação efetiva do Estado que alterou a legislação vigente com o propósito de legitimar
sua intervenção. Arrasou o espaço preexistente para construção de um novo espaço
portuário para a cidade. Retirou a população marginalizada da área. Na interpretação do
autor fez-se a “tábula rasa da legalidade”, “do espaço” e “da demografia”. Pela destruição
49
do espaço legal, geográfico e demográfico, destruiu-se também o espaço social
preexistente, o que foi justificado pela produção de um espaço novo. A evolução urbana da
Região Portuária é em grande parte resultado da primeira grande intervenção de renovação
urbana da cidade do Rio de Janeiro. A estreita faixa de terra espremida entre a baía de
Guanabara e uma parede montanhosa que praticamente a isolava do resto da cidade
constituindo excelentes ancoradouros naturais, contraditoriamente, foi desfigurada para a
construção de uma nova área funcional especializada. O lento processo de especialização
da área não se caracterizou pela evolução de atividades portuárias de um dado local. Mas
um espaço produzido que envolvia a emergência de uma nova área urbana, de uma nova
cidade e da redefinição das relações do Estado com o urbano (LAMARÃO, 1991, p. 164).
De acordo com o que se viu, a geografia da área foi aos poucos alterada. As encostas
a beira-mar agora estavam a quilômetros do litoral. Sobre essa nova área um sistema viário
foi se formando com a abertura de vias como a Avenida Venezuela e Barão de Tefé.
Instalaram-se linhas férreas e ergueram-se armazéns. Alterações que antes de tudo visavam
acabar com a promiscuidade da velha estrutura portuária constituída pelos trapiches,
oficinas, cortiços e casas de cômodos (LAMARÃO, 1998, CD-Rom).
A importância alcançada pela Região Portuária nos anos posteriores à reforma de
Pereira Passos é destacada por Sisson (1986) tendo em vista sua ligação com a Cinelândia
que passou a ser feita pela Avenida Central, inaugurada em 1906, estabelecida entre as
avenidas Rodrigues Alves, junto ao Cais do Porto e a Beira Mar. A Cinelândia, a área mais
nobre da cidade, acumulava as funções de centro local e nacional dos setores
governamental, cultural e recreativo e que, pelos elementos nela presentes, traduzia uma
crescente complexidade da vida urbana. Essa mesma ligação estabeleceu um marco que
associou as polaridades Zona Norte e Zona Sul que, na cidade do Rio de Janeiro, tendem à
sobreposição de produção/consumo, baixa renda/elite e trabalho/lazer (SISSON, 1986, p.
75-78) e que concentrou, segundo Rabba (2004), na Praça Mauá o ponto de contato entre a
cidade e o porto (RABBA, 2004. p. 75).
A partir de 1911 a atividade portuária se transferiu definitivamente para o novo
espaço produzido artificialmente pelos aterros da Baía de Guanabara. Entretanto essa
mudança não seria a última atividade do programa de crescimento do espaço portuário da
cidade. Diversos outros eventos posteriores marcaram sua ampliação.
50
As sucessivas ampliações e modificações criaram uma nova especialização espacial
que distinguiram bem a área portuária e adjacências e dos morros e imediações, e se
afirmaram como espaço de moradia, para abrigar a classe trabalhadora. O novo porto
afastou os bairros do mar e as áreas aterradas não se integraram às antigas. Os bairros
portuários ao contrário da área aterrada, não sofreram transformações significativas. A
reurbanização do Largo da Prainha, que foi rebatizado de Praça Mauá em 1914, e a abertura
do Túnel João Ricardo no Morro do Livramento, em 1922, foram os maiores destaques
(LAMARÃO, 1998, CD-Rom).
No que concerne à dinâmica econômica da área, o período posterior à reforma do
Porto trouxe um significativo incremento industrial com outros estabelecimentos fabris
estabelecidos na área. Além dos moinhos de trigo e outros pré-existentes, vieram as
fábricas de doces Colombo e Bering, a Fox Calçados e as refinarias de açúcar. Ao final da
Segunda Guerra com a consolidação da atividade industrial, o transporte e refino de
petróleo afirmam-se como a nova demanda mundial. Estabeleciam-se então, novos
condicionantes que provocaram outras mudanças no porto. Dessa vez, implicando na
construção do Cais de São Cristóvão e do oleoduto subterrâneo desde o píer Mauá até ao
continente que depois alcançariam as refinarias de Manguinhos e Duque de Caxias (IBGE,
1960, p. 62).
Outras alterações viriam ser implantadas para a movimentação de contêineres e
veículos automotivos na década de 1960, mesmo com a limitação de sua retro-área (APRJ,
1970 p. 9). No período após a revolução de 1964 a gestão do Porto do Rio concentrava-se
na consolidação de uma administração voltada para o estabelecimento do controle interno e
ampliação da movimentação de cargas quando se atribuía ao crescimento dos portos de
Santos e Tubarão, na cidade de Vitória, a redução do movimento do porto do Rio. Esse
objetivo foi perseguido por meio da reestruturação administrativa centralizadora e
modernização de equipamento, principalmente voltado para exportação de minério, mas
que não voltariam a provocar expansões posteriores na Região Portuária (APRJ, 1972 p.
38-39).
51
3 – AS TRANSFORMAÇÕES DA REGIÃO PORTUÁRIA NO CONTEXTO
DA FUSÃO DOS ESTADOS DA GUANABARA E DO RIO DE JANEIRO
As propostas de reestruturação da Região Portuária do Rio de Janeiro surgidas no
final do século XX, invariavelmente, apresentaram-se com o propósito central de
compensar a redução das atividades no porto e estabelecer alternativas para o esvaziamento
econômico e populacional da retro-área do cais. Por essa razão, o objetivo desse capítulo é
descrever os processos que contribuíram para a concretização desse cenário e influíram na
produção do espaço da Região Portuária durante o século XX, transformando-a num dos
“corredores de passagem” fundamentais da cidade, assim como apresentar as principais
questões abordadas pelas propostas que antecederam a formalização do Plano Porto do Rio
– 2001.
Inicialmente, o desataque é dado aos reflexos na Região Portuária das intervenções
urbanas definidas nos primeiros 50 anos do século XX. Nesse período, de acordo com
Abreu (1997), o poder público substitui sua tradicional forma de intervenção no meio
urbano, que se fazia por meio de concessões e controles indiretos, pela ação efetiva sobre a
cidade do Rio de Janeiro para realizar uma série de obras públicas e em especial de
expansão do sistema rodoviário. Será visto também como o prosseguimento das
intervenções rodoviaristas nos meados da década de 1970, pela implantação do Viaduto da
Perimetral no período da fusão dos estados da Guanabara e do Rio, reservou para a Região
Portuária o mero papel de viabilizar o acesso às áreas mais valorizadas da cidade e a
ligação à Região Metropolitana.
No segundo item será enfocado que, apesar dos esforços do Estado iniciados por
Pereira Passos para a manutenção da atividade portuária, a mais importante da cidade desde
sua fundação, a necessidade de adaptação dos sistemas logísticos para competição pelos
mercados globais implicou na reformulação dos portos brasileiros na década de 1980 e
resultou na desativação parcial do Porto do Rio.
No terceiro item serão apresentados os ajustes institucionais que, nos contextos
nacional e local, interferiram na dinâmica urbana da Região Portuária. Resultado do
acompanhamento das tendências mundiais, esses marcos regulatórios introduziram novas
variáveis ao processo de planejamento urbano, como a participação popular e a preservação
do patrimônio cultural e ambiental, obtendo-se como resultado o projeto SAGAS. Serão
52
ainda comentadas as iniciativas isoladas para o aproveitamento do potencial da área no
final do século XX.
Por fim, será ressaltado o conjunto de condicionantes para as propostas de
reconversão que se estabeleceram como resultado das intervenções trazidas pelo século
XX.
3.1 - O IMPACTO DAS INTERVENÇÕES RODOVIARISTAS NA REGIÃO PORTUÁRIA
Como já demonstrado no capítulo 2, a configuração urbana da Região Portuária é
ainda hoje, em sua maior parte, resultado do Plano Pereira Passos, a primeira grande
intervenção de renovação urbana da cidade do Rio de Janeiro.
É importante nesse ponto ressaltar que de acordo com Neves (1996 apud MELLO,
2003), a reforma Pereira Passos foi conduzida, por dois eixos de intervenção: o controle da
circulação e o controle urbanístico
12
. O controle da circulação que pretendia a melhoria das
comunicações internas e externas da cidade foi traduzido pela construção do novo porto,
imprescindível ao processo de exportação e importação. Ao mesmo tempo que a abertura e
alargamento de eixos urbanos internos que interferiram nos níveis de acessibilidade de
diversas partes da cidade estimulariam a desconcentração urbana, necessária para
solucionar o problema logístico do controle da área central, palco de várias manifestações
da insatisfação popular como a Revolta da Armada, em 1893 e a Revolta da Vacina, em
1904 (MELLO, 2003).
Também se viu no capítulo 2 que integravam o plano do governo federal a criação das
avenidas Central, Rodrigues Alves e Francisco Bicalho. A administração municipal
complementava o sistema com a ligação da Zona Sul ao Centro pela Avenida Beira Mar,
com a integração de Copacabana ao espaço urbano pela abertura do Túnel Novo em 1904,
além do alargamento de diversas ruas no centro. Em especial, a estrutura viária da Região
Portuária teve sua definição limitada pela ocupação de toda a extensão da orla pelo cais do
porto, como também foi atrelada à construção das Avenidas Rodrigues Alves e Francisco
Bicalho às margens do Canal do Mangue. A obra viária de maior destaque do
empreendimento, a Avenida Central inaugurada em 1906 estabeleceu uma conexão direta
com a Cinelândia, a principal centralidade do período republicano. Sua criação deu inicio à
expansão do que se tornaria um intenso fluxo de pessoas na área nos anos subseqüentes.
53
Por meio dessa intervenção no meio urbano o Estado desempenhou o papel de indutor da
valorização do espaço pelo capital ao expulsar os setores populares e para facilitar a atração
dos grupos empresariais.
O inicio das políticas rodoviaristas que iriam interferir consideravelmente na estrutura
viária da cidade e da Região Portuária podia já também ser apontado nas proposições do
Plano Agache no final da década de 1920. A circulação era tratada por Agache como uma
das principais funções da cidade e, por isso, defendia a integração do sistema de
transportes. Propõe a supressão do sistema de bondes e a criação de vias de comunicação,
dentre essas a Avenida Presidente Vargas (REZENDE, 1982, 97-98). Concluída em 1940, a
construção da Avenida Presidente Vargas rompeu a continuidade que os bairros da Gamboa
e Santo Cristo mantinham com a Praça Onze, o que contribuiu para o inicio do processo de
isolamento da Região Portuária (LAMARÃO, 1998, CD -Rom).
Os reflexos no espaço urbano das modificações da estrutura política e social do país
iniciados nos anos de 1930 foram traduzidos pelo adensamento de áreas mais afastadas do
centro, sem, entretanto, o acompanhamento de ampliação do sistema de transportes
coletivos. Assim, até o início dos anos de 1950 espaços periféricos são vinculados à
estrutura urbana do Rio de Janeiro, que juntamente com o adensamento da Zona Sul
aumentam a necessidade de deslocamentos intra-urbanos. Os dados dos censos de 1872 a
1960 permitem observar ter sido no inicio do século XX um período no qual o crescimento
populacional da cidade do Rio de Janeiro se deu de maneira extraordinária. Entre as
décadas de 1950 e1960 em especial, o total da população salta de 2.377.451 para 3.281.908
habitantes quando se registra o ritmo mais intenso de seu crescimento a taxa média anual de
3,36% a.a. O que resultou num incremento relativo de 39%, ou, 903.857 pessoas a mais no
total da população da cidade, o que fez a densidade demográfica sair dos 19,41 para 27,01
hab/ha. Contribuíram para essas alterações na dinâmica populacional o crescimento das
favelas e a verticalização da Zona Sul da cidade (ABREU, 1997, p. 126).
A verticalização dos bairros da Zona Sul, iniciada na década de 1940 mediante a
pressão do setor imobiliário, e o conseqüente aumento da densidade populacional nessa
área, provocou a necessidade de ampliação das vias de acesso ao centro. Pois, apesar de ter
absorvido grande parte das atividades de serviço, a Zona Sul não foi capaz de descentralizar
as principais fontes de emprego da cidade. A intensificação do uso do automóvel particular,
54
que se impunha como símbolo do processo de concentração de renda em todo o país,
agravou a situação. O cenário de crescimento populacional e a concentração de muitos
investimentos imobiliários na Zona Sul aliados à transformação requerida pelo transporte
individual, como enfatiza Abreu (1997), justificaram, portanto, nos anos de 1960
concretizações na cidade caracterizadas pela intenção de adequar o espaço urbano ao carro.
Legitimou a implantação de novas artérias, túneis e viadutos que rearranjaram o sistema
viário do Rio (ABREU, 1997, p. 126-133).
A implantação das bases institucionais das modificações que o Rio de Janeiro sofreria
nos anos de 1960 foi, entretanto, iniciada na gestão do prefeito Negrão de Lima, de 1956-
1958, indicado pelo presidente Juscelino Kubitscheck. Esse mandato foi caracterizado pela
introdução de novos métodos de planejamento urbano orientados para submissão à nascente
indústria nacional. A gestão de Negrão de Lima como prefeito teve como destaque a
elaboração de um grandioso plano de obras públicas em 1957, a maior parte delas incluindo
túneis e viadutos, e a criação das companhias SURSAN Superintendência de Urbanização e
Saneamento e a Companhia do Metropolitano do Rio de Janeiro. Posteriormente, nos
mandatos de Lacerda e do próprio Negrão de Lima como governador do estado da
Guanabara, a SURSAN foi especialmente de grande relevância, considerando-se a
centralidade da política de infra-estrutura e modernização urbana dessas gestões (OSÓRIO,
2005, p. 180-181). Como se pode observar a criação desses dispositivos institucionais
contribuía para a implementação das políticas urbanísticas que prevaleceram entre as
décadas de 1950 e 1970, com as quais se pretendeu a reformulação do sistema viário com
especial privilegio ao componente rodoviário.
De acordo com o mencionado no capítulo 1, no inicio da década de 1960, o intuito de
solucionar o problema rodoviário da cidade, levou o governo Carlos Lacerda, a contratar o
Plano Doxíades. Constantinos Doxíades, o urbanista grego a frente do plano, identificava a
topografia natural da cidade como um elemento de dificuldade para o transporte de pessoas
e mercadorias. Criticava o ineficiente sistema viário existente por não evitar a passagem
pelo centro da cidade e reforçava a necessidade de supressão do sistema de bondes. Suas
propostas concentraram-se na criação de uma malha hierarquizada composta de artérias
norte-sul e leste-oeste, as “linhas policromáticas” que teriam a função de afastar da área
central considerável volume de tráfego (REZENDE, 1982, p. 99-100). A Lapa, Catumbi,
55
Cidade Nova e os bairros históricos da Região Portuária, locais próximos ao centro da
cidade, tradicionalmente ocupados por populações pobres e suporte para localização de
serviços de apoio a comércio e indústria são áreas da cidade que trazem, ainda hoje, as
marcas dessas interferências inspiradas no Plano Doxíades (ABREU, 1997 p. 134). Foi
exatamente numa das extremidades da Região Portuária, próxima à Praça XV, que o
prefeito Negrão de Lima terminou o primeiro trecho proveniente da Zona Sul da Avenida
Presidente Juscelino Kubitscheck, mais conhecida como Elevado da Perimetral. (ABREU,
1997 p. 131). Posteriormente, em sua gestão como governador, de 1965 a 1971, Negrão de
Lima criou ainda outro elemento de acessibilidade entre o Centro e a Zona Sul, o viaduto
São Sebastião que estabeleceu a ligação do Túnel Santa Bárbara ao Cais do Porto (REIS,
1980, p. 38).
O processo de fusão dos Estados do Rio e da Guanabara consolidado em 1975 e o
retorno da cidade à condição de Município do Rio de Janeiro acentuou o principal problema
da cidade, a escassez de recursos frente aos compromissos assumidos nos períodos
anteriores, enquanto exercia as funções de Distrito Federal e estado da Guanabara, mesmo
com a redução das competências. Assim, na década de 1970, o desenvolvimento do PUB-
RIO como uma resposta municipal a uma demanda federal para tornar o município apto a
receber a ajuda financeira necessária confirma a redução de poder de decisão e formulação
do corpo técnico municipal, num momento de grande centralização do poder na esfera
federal. Por isso, o PUB-RIO não apresentou contribuições de destaque para o setor de
transportes. Apenas enfatiza a necessidade de integração de cada sistema de transporte já
existente sem maiores aprofundamentos e no capítulo referente ao tema utilizou os dados
do PIT-METRÔ, plano que objetivava a introdução do sistema metroviário na composição
modal de transportes da cidade. O profundo enfraquecimento do poder municipal podia ser
atestado mediante a diversidade de órgãos de várias esferas governamentais envolvidos no
tema que chegam a formular um total de dez planos de transportes para a cidade e Região
Metropolitana (REZENDE, 1982, p.101-102).
A observação das ações promovidas nos meados dos anos 70 permite a constatação da
continuidade das grandes obras viárias como a Ponte Rio - Niterói, o sistema do Metrô,
Elevado da Avenida Paulo de Frontin, e Auto - Estrada Lagoa – Barra. É nesse contexto,
em 1973, que o segundo trecho do elevado da Perimetral com 5,5 km de extensão visando à
56
ligação com a Ponte Rio – Niterói
13
foi inaugurado durante o Governo Chagas Feitas e
implantado em cooperação com o Ministério dos Transportes e da Marinha. A Avenida
Perimetral, inicialmente, inserida no sistema viário como elemento de fundamental
importância na ligação entre as Zonas Sul e Norte e Região Metropolitana passando sobre a
Região Portuária foi posteriormente estendida até a Avenida Brasil, Linha Vermelha e
articulada ao sistema de rodovias Federais, como a Via Dutra e a Rodovia Washington
Luis.
Assim, como se pode constatar, a notável alteração da paisagem e isolamento do
contexto da cidade que afetaram a Região Portuária a partir de 1960 inclui-se no quadro de
áreas impactadas por meio de sucessivas intervenções rodoviaristas. A fisionomia da área
havia mais uma vez sido violentamente alterada pela inserção de um viaduto e do tráfego
pesado. Afastou ainda mais os bairros portuários do mar interpondo-se entre este e os
armazéns do cais. As emergências de novas necessidades de uma parcela da população que
absorveu novos padrões de consumo e entre estes o uso do automóvel, assim como da
necessidade de proporcionar a acessibilidade às áreas mais valorizadas da cidade
prevaleceram sobre a manutenção de referências locais e bem estar dos que estavam ali
instalados. A cadeia de morros, configuração natural da área e a estreita faixa de terra à
qual foram somados aterros e mais de 5 km da Avenida Perimetral a partir de 1975, no
contexto da fusão e do novo Município de Rio de Janeiro, passou a formar com as
Avenidas Rodrigues Alves e Francisco Bicalho um sistema de vias elevadas voltado para a
circulação periférica. Isola a área do restante da cidade e não facilita a circulação interna
apesar de sua vital importância na estrutura viária e circulação de toda a cidade.
Não só a inserção de vias expressas influenciou na dinâmica urbana da Região
Portuária durante o século XX. Desde 1906 o fluxo de pessoas já havia sido bastante
ampliado na Região Portuária com a utilização do Trapiche Mauá, como estação de
passageiros do Porto do Rio e sua posterior substituição pela Estação de Passageiros e
Pavilhão de Ingresso do Porto do Rio, em 1926 pelo o novo prédio encomendado ao
arquiteto Joseph Gire, o mesmo que havia projetado o Copacabana Palace (RABBA, 2004,
p.76) que representava o toque de elegância que se queria dar a área. A Praça Mauá, foi
então transformada num ponto terminal de viajantes oriundos de várias procedências.
57
Sobretudo no período do primeiro conflito mundial destacava-se a passagem de militares
oriundos dos navios de guerra (LAMARÃO, 1998, CD-Rom).
No ano de 1950 a intensificação do fluxo rodoviário na cidade, justificou a
inauguração da Estação Mariano Procópio na Praça Mauá estabelecendo ali um ponto de
chegada na área central de ônibus procedentes dos subúrbios, de outros municípios e
estados. Esse novo equipamento provocou, já no primeiro ano, a circulação de 1 milhão de
pessoas pelo local. Os impactos negativos conferidos por essa atividade levaram Lamarão
(1998) a afirmar ter sido proporcionado à Região Portuária uma dinâmica que a
caracterizava como “local de passagem” (LAMARÃO, 1998, CD-Rom).
Uma década depois, em 1960 a já modesta Estação Mariano Procópio não suportava o
intenso tráfego rodoviário e de passageiros que por lá se verificava como resultado do
crescimento populacional e das alterações das políticas rodoviaristas já em andamento. Essa
situação, conforme relata Segawa (1997) era a regra nas cidades brasileiras na ocasião.
Uma edificação especialmente para servir como terminal de ônibus intermunicipal e
interestadual de passageiros – a rodoviária, não estava incluída nos equipamentos urbanos.
O serviço era então, oferecido nas portas das agências dos ônibus, nos meio-fios das ruas e
praças. A “Rodoviário Novo Rio” foi introduzida na Região Portuária em 1965 mediante o
crescimento da demanda por serviços de apoio ao transporte rodoviário. Sua construção
antecipou na Região Portuária uma tendência que, Segawa (1997) afirma ter sido própria da
década de 1970 em quase todas as capitais do país (SEGAWA, 1997, p.168). Esse
equipamento urbano, então inovador, foi implantado no entroncamento das avenidas Brasil,
Francisco Bicalho e Rodrigues Alves, durante o governo Carlos Lacerda, com
características bastante distintas da Estação Mariano Procópio, foi planejada segundo as
normas do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem – DNER estabelecidas para
todo o país (REIS, 1980, p.17).
Assim, o grande fluxo de pessoas que já se constatava na área desde o inicio do século
foi consideravelmente ampliado pela inserção da Avenida Central, atual Avenida Rio
Branco, que facilitou o acesso ao centro da cidade, e dos três elementos fixos: o Terminal
de Passageiros do Porto do Rio, a Estação Rodoviária Mariano Procópio e a Rodoviária
Novo Rio. Em diferentes pontos esses elementos concentram e dispersam pessoas com
características e objetivos bastante diversos, mas que chegam à cidade pela Região
58
Portuária. A observação dos resultados das intensas intervenções rodoviaristas do século
XX tornaram a Região Portuária um importante nó no sistema de circulação e transportes
da cidade, formando o que Rabba (2004) denominou de poligonal constituída por algumas
das mais importantes vias da cidade que circundam a Região Portuária. Entretanto, os
impactos gerados por essa função, principalmente pelo intenso tráfego de veículos,
sobrepõe-se às potencialidades inerentes à função de “porta de entrada da cidade”. A
localização dos elementos que passaram a compor o novo cenário da Região Portuária pode
ser visualizada na figura 5.
Figura 5 – Localização dos elementos fixos e geradores de fluxos na Região Portuária até a década de 1970
Fonte: Elaborado sobre base cartográfica digital do MRJ.
3.2 – A
REDUÇÃO DA ÁREA PORTUÁRIA E SUAS IMPLICAÇÕES PARA OS BAIRROS DA SAÚDE
SANTO CRISTO E GAMBOA
De acordo como o que foi mencionado no capitulo 2 a cidade do Rio de Janeiro
afirmou-se como eixo portuário a partir da articulação de sua economia urbana com a
cultura cafeeira, de sua inserção no mercado mundial sob a hegemonia inglesa e das novas
condições do livre-comércio no inicio do século XIX. Na década de 1880, entretanto, o
Porto do Rio já começava a apresentar os primeiros sinais de alterações em suas
59
características por ocasião do enfraquecimento da cultura de café fluminense. Enquanto o
porto de Santos, a partir de 1894, tornava-se o principal porto exportador do país, o Rio
tornava-se um grande centro distribuidor de artigos importados com um considerável
mercado consumidor. O estabelecimento de escalas de companhias de navegação européias
em diversos portos da costa brasileira reduziu o destaque do Rio como porto de trânsito.
Restavam-lhe as vantagens de proximidade a uma rica zona tributária, principalmente
Minas Gerais, servida por uma ótima rede ferroviária que ainda lhe garantia a posição de
um dos principais empórios comerciais do mundo.
As ações promovidas por Pereira Passos estavam imbuídas da intenção de
proporcionar à atividade portuária um novo fôlego ao ampliar e adequar o espaço portuário
e sua retro-área aos novos padrões tecnológicos, pois, apesar das alterações de suas
características, permanecia como a principal atividade econômica da cidade. Para tanto, o
modelo de ação escolhido pelo Estado foi garantir o suporte inicial do processo para
estimular a posterior instalação do capital na área. Mesmo assim, após à inauguração do
novo espaço portuário em 1911, por um longo tempo, o programa de crescimento do Porto
do Rio teve continuidade. Sua área foi bastante ampliada e novos equipamentos para
resguardar as condições da atividade portuária na cidade foram inseridos. Segundo dados
do IBGE (1960), as ampliações de área continuaram até ao ano de 1952 com a implantação
do Píer Mauá destinado à acostagem de transatlânticos de linhas internacionais, ultima
grande intervenção no espaço (IBGE,1960, p. 62).
A dinamização da retro-área foi percebida no período posterior à reforma Pereira
Passos pelo crescimento das atividades de apoio à função portuária e pela instalação de
novos estabelecimentos fabris. As demandas do pós-guerra, principalmente o transporte e
refino de
petróleo, também contribuíram para estabelecer novas mudanças físicas no porto,
como a construção de dutos subterrâneos (IBGE, 1960, p. 62). Na década de 1960, a
alternância para a tecnologia de contêineres e terminais “Roll on – Roll off” para
movimentação de veículos automotivos, impôs o isolamento da área de armazenagem, o
que colaborou para o inicio do distanciamento entre o porto e sua retro-área, assim como,
para a supressão de atividades diretamente vinculadas a este, característica que se acentuou
nos anos posteriores. O aspecto perceptível de estagnação econômica nos bairros da Saúde,
Gamboa e Santo Cristo foi, ainda, agravado na década de 1970 em decorrência da
60
vantagem oferecida pela área do bairro do Caju que dispunha de um amplo pátio de
contêineres e melhores condições de circulação (APRJ, 1970 p.9). Contribuía ainda para
esse processo, o crescimento dos portos de Santos e Tubarão, na cidade de Vitória, o que
acarretou na redução do movimento do porto do Rio (APRJ, 1972 p. 38-39).
O regime de exploração do Porto do Rio havia sido, logo após a sua inauguração em
1911, a concessão a uma empresa privada e de capital estrangeiro. Por esse regime de
arrendamento, o porto era apenas um meio de obtenção de lucro para os arrendatários, que
na ocasião não tinham obrigações legais com a manutenção de sua estrutura nem
modernização. Essa situação foi alterada pela primeira vez em 1933 quando a
administração do porto passa para o Ministério da Viação e Obras Públicas - MVOP. Mais
tarde, no governo de Getulio Vargas, a “Administração do Porto do Rio de Janeiro –
APRJ”, entidade de natureza autárquica, passa a ser o órgão responsável pela administração
e exploração comercial. A evolução do processo de administração pública permaneceu até a
década de 1990, passando pela intervenção do regime militar em 1964, (APRJ, 1972) e pela
criação da Companhia Docas da Guanabara, em 1973, a qual, em 1975, passou a se chamar
Companhia Docas do Rio de Janeiro (MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES – 2000). Essas
entidades públicas foram as responsáveis pelos diversos programas de ampliação e
modernização portuária que ocorreram no período.
Apesar das tentativas governamentais de reversão da situação do Porto do Rio, a
necessidade de adaptação dos sistemas logísticos do país ao cenário de competição pelos
mercados globais que implicou na reformulação da gestão dos sistemas portuários no nível
nacional a partir dos anos de 1980 foi o fator definitivo para a desativação dos elementos
iniciais portuário do Rio de Janeiro. A relação porto-cidade na maior parte das grandes
cidades da costa brasileira havia sido profundamente fragilizada pelo projeto de
desenvolvimento nacional do século XX. Os portos, estruturas que outrora permitiram
trocas essenciais durante os diferentes ciclos econômicos, foram retirados dos contextos
urbanos, tornando-se terminais de corredores de exportação gerenciados pelo nível federal.
O discurso acerca da ineficiência do Estado e da necessidade da modernização da infra-
estrutura conduziu à formulação de diretrizes para a reforma do sistema portuário que
implicou na desregulamentação, privatização e modernização dessas estruturas em todo o
país. A perspectiva do desenvolvimento portuário, como nos demais setores de atividade,
61
passa a ter que adaptar-se a um novo panorama. O Estado deixava de ser o principal ator do
sistema econômico, a fábrica havia perdido a centralidade na determinação de padrões de
organização social do trabalho, e antigos parâmetros de uso e financiamento das infra-
estruturas de comunicação e transporte tornaram-se obsoletos. O contexto exigia dos meios
de circulação a capacidade de assegurar um máximo de extensão e diversidade no
abastecimento dos mercados, por conta da globalização, e um mínimo de tempo no
fornecimento de insumos e produtos ao consumidor. A conteinerização
14
das cargas
facilitou esse processo ampliando a possibilidade de uso intensivo de equipamentos
automatizados e de vinculação à cadeia logística de transporte multimodal. Em decorrência
desse novo cenário de desendustrialização das áreas urbanas delineou-se da mesma forma,
uma nova rede logística trazendo atribuições também novas para os portos. Identificou-se
assim, a nova tendência na gestão portuária - o “hub-port”. Essa nova estrutura, definida
como o macroporto concentrador de carga que se constitui num modelo de elo logístico
desterritorializador que, de uma forma geral, não contribui para o desenvolvimento da
região em que se situa atende aos interesses de empresas localizadas em sua hinterlândia ou
dos grandes armadores que o comandam dentro de um sistema logístico global. Neles são
descarregados os produtos das empresas mundiais antes de sua distribuição nos mercados.
Seguem esse modelo os portos de Gioia Tauro, na Itália e Algeciras, na Espanha (COCO;
SILVA, 1999, p. 11-19).
Na história recente do país, a Lei de Modernização dos Portos de 1993 deveria
cumprir o papel de desonerar as exportações – reduzir o “custo Brasil” e tornar o sistema
portuário adequado a um quadro de competição acirrada. Os custos com superestrutura
(equipamentos, instalações, sistemas e facilidades) e gestão das operações seriam
transferidos para o setor privado e as atribuições do Estado seriam restritas à oferta e
manutenção de infra-estrutura
15
, planejamento e normatização, supervisão e controle do
sistema. No Estado Rio de Janeiro as mudanças incidiram sobre uma estrutura portuária
composta por 5 portos e operados até 1993 pela Companhia das Docas do Rio de Janeiro.
Em consonância com as diretrizes do governo federal, a privatização dos portos do Estado
do Rio de Janeiro foi regulamentada a partir de 1995 com o lançamento do Programa de
Arrendamento de Áreas e Instalações Portuárias, o PROPORT-RIO. As principais metas do
PROPORT-RIO foram a construção do terminal de contêineres para a transformação do
62
Porto de Sepetiba em um “hub-port” e a remodelação do Porto do Rio de Janeiro pela
desativação dos piers Mauá e Gamboa, e transferência de suas atividades para São
Cristóvão e Caju, onde deveria ser ampliada a movimentação de contêineres. Incluía assim,
o elemento básico da nova configuração física de revitalização e aproveitamento
econômico de áreas portuárias liberadas nos moldes de experiências de outras cidades no
mundo (PCRJ, 1999-1, p. 19- 24). O Píer Mauá, segundo o presidente da
MULTITERMINAIS, empresa concessionária dos terminais do Porto do Rio, foi
desativado por estar severamente danificado em sua estrutura e, por isso, não se prestaria
mais às operações portuárias de embarque do aço para o qual foi construído. A Cia. das
Docas então decidiu transferir essa atividade para o Cais do Caju e pela implantação de
atividades alternativas e tratamento urbanístico e revitalização do entorno do Píer Mauá. As
empresas visavam a geração de recursos para a Cia. das Docas e o posterior investimento
nas demais instalações do porto. (LOBO, 2006, p.5). O consócio PIER MAUÁ formado
pelas empresas de engenharia Engepasa, Iesa, Montreal Engenharia, Construtora Floriano e
Grupo Gusmão Santo, arrendou por concorrência pública, em novembro de 1997 por 45
anos, o píer e os armazéns. A decisão pela remodelação do Porto do Rio de Janeiro foi
ainda justificada por sua obsolescência tecnológica, insuficiência de calado (COCO;
SILVA, 1999, p. 24) e pelas interferências impostas pelo crescimento urbano, e que
reduziria sua competitividade. As opções pela construção do hub-port de Sepetiba,
provocaram a redução na participação do Porto do Rio na movimentação portuária estadual.
Entretanto, a cidade não deverá perder seu caráter de “cidade-portuária”, pois existem
propostas para a ampliação das atividades nos trechos do Caju e de São Cristóvão. As
estimativas apontam que este deverá ter uma sobrevida longa por servir a segunda maior
região metropolitana do país e pela expectativa de ampliação da atividade de cabotagem
16
a
qual este estaria perfeitamente adequado (PCRJ, 1999-1, p. 24).
Assim, como pode ser visto, a interface porto-cidade no Rio de Janeiro, já no início da
década de 1990 sofreu considerável impacto em decorrência da decisão político-econômica
quando se optou pela criação do Porto de Sepetiba. Como o ocorrido em diversos países
nesse período, a tendência seria de execução de operações portuárias fora do meio urbano.
Os bairros da Saúde, Santo Cristo e Gamboa, dessa forma, definitivamente sofreram a
redução da sua tradicional função portuária. No âmbito dessa nova configuração, a
63
desativação dos píers Mauá e Gamboa abriu o espaço para as propostas para revitalização
da Região Portuária da Cidade Rio de Janeiro.
3.3
AS NOVAS FUNÇÕES DA REGIÃO PORTUÁRIA: ENTRE A REABILITAÇÃO E
PRESERVAÇÃO DA
MEMÓRIA COLETIVA
De acordo com o que foi observado no capítulo 1, os movimentos de preservação dos
valores e referências culturais da cidade nos países centrais iniciados nos anos 60 nortearam
manifestações semelhantes em várias regiões do mundo. No caso do Rio de Janeiro, como
em diversas outras cidades brasileiras, a década de 1980, em pleno processo de
redemocratização do país, após um longo período de autoritarismo, foi marcada como uma
fase de conquistas dos movimentos sociais urbanos por intermédio das associações
comunitárias garantidas pela Constituição de 1988. O sucesso dos movimentos desse
período pode ser constatado no conjunto de regulamentos restritivos à especulação
imobiliária e pela adoção de políticas de recuperação e preservação do patrimônio cultural e
ambiental, duas novas tendências que despontavam como condicionantes das intervenções
urbanas. As propostas urbanísticas ganharam, na ocasião, boa parcela de contribuição da
vontade da população, o que iria influenciar decisivamente na tomada de decisão
governamental.
Os reflexos dessa nova postura na Região Portuária se traduziram pela experiência do
Projeto SAGAS que visou à preservação do patrimônio cultural dos bairros portuários do
Rio
17
. Surgido em 1987, O projeto SAGAS foi idealizado pela iniciativa das associações de
moradores preocupadas com propostas que visavam apenas o aproveitamento do potencial
econômico do Porto do Rio de Janeiro.
Roberto Moses Peacheman, ao pesquisar as intenções e interesses da incorporação
imobiliária na Região Portuária publicadas em “A Praça Mauá na Memória do Rio de
Janeiro”, 1982, relembra as preocupações que provocaram a mobilização e terminaram nas
propostas de preservação contidas no Projeto SAGAS voltadas para dois grandes projetos
de renovação urbana cogitados para a área entre o final da década de 1970 e inicio dos 1980
(ALMEIDA, 2005, p. 175-176). Um deles, o Projeto do Teleporto objetivava a ampliação
e a modernização da atividade portuária. Incluía um monotrilho, calçadas rolantes, parques
64
e até um sistema particular de fornecimento de energia. A proposta tinha abertura de novas
frentes de expansão de negócios como principal objetivo apoiada pela Associação
Comercial da Cidade. Implicava, sobretudo, na substituição total das edificações existentes
no final dos anos 70. Constituiria, segundo o pesquisador, um complexo portuário com
avançada tecnologia de telecomunicações com transmissões de informações por satélite,
ligando a cidade ao mundo e permitindo maior eficiência e rapidez no comércio exterior. A
segunda proposta visava a preparação da área para a implantação de sedes de empresas
japonesas dotando-a de infra-estrutura própria que incluiria desde central de energia até
polícia particular, como comenta Peacheman “quase um país dentro da cidade”
(ALMEIDA, 2005, p. 176). Ainda no final da década de 1980 o Ministério dos Transportes,
a PORTOBRÁS e a Cia. das Docas do Rio de Janeiro propunham a expansão do centro de
negócios para os usos comerciais, de serviços, residencial e de lazer com o Plano de
Desenvolvimento Urbano da Retaguarda do Porto do Rio de Janeiro, proposta também sem
sucesso.
Reações às ameaças da “tábula rasa”, como essas, ao patrimônio construído e
paisagístico da Região Portuária logo foram consolidadas pelo projeto SAGAS, resultado
do Grupo de Trabalho Comunitário e Institucional de Proteção e Valorização do Patrimônio
Cultural dos bairros da Saúde, Gamboa e Santo Cristo. O grupo contou com a participação
de associações de moradores, da Subsecretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
- SPHAN, do Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - INEPAC, do Conselho Municipal
do Patrimônio Cultural do Rio de Janeiro, do Instituto Municipal de Arte e Cultura -
RIOARTE, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Silva e Souza e do Instituto dos
Arquitetos do Brasil (PCRJ, 2001).
A concepção geral do Projeto SAGAS, que abrange o trecho elevado da Região
Portuária caracterizado pela fisionomia do século XX, formada por casarios e sobrados em
ruas estreitas e sinuosas, teve como referência as novas tendências para o tratamento dos
problemas relacionados aos centros das cidades e seu objetivo era apresentar soluções para
os problemas levantados pela comunidade. As soluções adotadas concentraram-se na
definição de parâmetros de ocupação - uma vez que existiam na área muitos terrenos vazios
e prédios sem valor histórico, no inventário dos bens culturais e no tombamento de imóveis
com excepcional valor. A área foi em 1987 transformada em “Área de Proteção Ambiental
65
– APA”, único instrumento legal de proteção existente na ocasião para a proteção de uma
parcela do território com considerável extensão como essa se apresentava, e permaneceu
sob a tutela do Departamento Geral de Patrimônio Cultural -DGPC, da Secretaria
Municipal de Cultura. Atualmente a área do Projeto SAGAS é tratada como integrante do
conjunto das Áreas de Proteção ao Ambiente Cultural - APAC’s da cidade, sendo esse
instrumento específico para a proteção de conjuntos com ambiência cultural urbana de
relevante significado, criado pelo Plano Diretor Decenal da Cidade, em 1992 (PCRJ,
SEDREPAHC, 2006). O projeto SAGAS constituiu uma inovação como instrumento de
legislação urbanística por seu caráter de preservação de conjuntos urbanos. Incluiu 18
galpões do porto do início do século além de diversas outras edificações da Região
Portuária (PCRJ- 2001).
As questões ambientais e qualidade de vida na cidade também se constituíram em
novas referências para as preocupações dos movimentos populares da ocasião. Por isso, a
legislação ambiental passou a ser outro condicionante para a formulação das propostas de
interferência no meio urbano da Região Portuária. A função de porto conferida pela própria
baía desde o início de sua ocupação ao longo do tempo foi também, contraditoriamente,
responsável pela destruição da fisionomia natural da área e perdas de sua qualidade
ambiental.
A obra do Porto – carro-chefe da reforma Pereira Passos em 1910, ao construir os 3,5
km de cais aterrou a Prainha, a Praia do Valongo, o Saco da Gamboa, a Praia do Alferes e a
Praia Formosa. Na ocasião foi também eliminado o Saco de São Diogo para construção do
Canal do Mangue. Ampliações posteriores - o cais de São Cristóvão de 1932, o Píer Mauá
de 1952, e o Cais do Caju de 1962, o que pode ser observado na figura 6, consumariam a
destruição física de mais de 5 km de litoral (AMADOR, 1992 , p.230-241). A propósito das
obras de reformulação do porto em 1910, Amador (1992) menciona o caráter especulativo e
orientado exclusivamente para as elites em sintonia com interesses externos com que foram
executadas e beneficiou a poucos, mas provocou a substituição da paisagem natural “por
um paredão reto, cinzento e estéril, e águas produtivas por águas putrefatas” (AMADOR,
1992, p. 241). Constitui o que o autor classificou de “um dos exemplos mais eloqüentes do
caráter predatório da ocupação, colonização e dominação dos países do 3º mundo”
(AMADOR, 1992, p. 249).
66
Apesar de longo processo de agressões, os
primeiros registros de manifestações comunitárias
de resistência à destruição da Baía de Guanabara
datam apenas do final dos anos 70 (AMADOR,
1992, p. 248). As principais respostas às
reivindicações desses movimentos foram o maior
poder de decisão dos governos locais nas questões
ambientais atribuído pela Constituição Federal de
1988, inclusão da Baía de Guanabara no capítulo do
Meio Ambiente da Constituição Estadual de 1989
como “Área de Proteção Permanente - APP” e
“Área de Relevante Interesse Ecológico- ARIE”, e
as referências da Lei orgânica Municipal de 1990 e
do Plano Diretores Decenal da Cidade do Rio de Janeiro de 1992 que protegem o perímetro
da Baia de Guanabara e, consequentemente a linha do cais. Esse conjunto de atos constituiu
um condicionante fundamental para a mudança das posturas e formulações para a área.
Os novos condicionantes visavam a preservação das características culturais e
naturais, conforme foi expressado pelas iniciativas de proteção legal. Entretanto, ao mesmo
tempo, a desativação de parte da estrutura portuária introduziu o estímulo a iniciativas de
valorização e inserção de novas atividades para a área, que de acordo com as tendências da
virada do século, deveriam dar visibilidade internacional à cidade visando à atração de
investimentos provenientes do capital globalizado. As intervenções urbanas efetivadas
ainda na década de 1990, embora ainda muito tímidas e isoladas, procuraram corrigir ou
amenizar os impactos das intervenções do século XX. Apesar disso, o espaço urbano da
Região Portuária permaneceria durante a última década do século como um espaço em
processo de abandono e degradação. O pouco dinamismo que pode ser verificado na área, a
partir desse período, foi a busca de espaços amplos para escritórios e operações por grandes
empresas. O melhor exemplo dessas tentativas de renovação foi a instalação na Praça Mauá
do Edifício Centro empresarial Rio Branco 1. A concepção arrojada do RB-1, como o
prédio passou a ser conhecido na cidade, teve início na década de 1970, embora, só em
1986 tenha-se chegado à decisão final de seus parâmetros formais definitivos, não há
Figura 6 – Aterros na orla da Baia de Guanabara
Fonte: ANDREATTA, 2006, p. 27
67
dúvidas quanto à sua clara intenção de tornar-se um marco referencial da área, podendo ser
observado na figura 7. Foi inaugurado no início da década de 90 defronte ao Edifício “A
Noite”, o marco arquitetônico da década de 30, que, na ocasião, como aponta Rabba
(2004), era o endereço comercial mais sofisticado da cidade. (RABBA, 2004, P. 76).
O projeto do RB-1 foi desenvolvido com todos os
elementos de “edifício inteligente” com mais de 70.000 metros
quadrados de área, 18 pavimentos tipo e 11 de estacionamento.
(MUSA, 2006). Abriga instituições bancárias, centro de
convenções, empresas de tecnologia, informática, comércio
exterior, telecomunicações além de diversas outras atividades
relacionadas com as necessidades de uma cidade conectada
com o mundo globalizado.
Contrapondo-se a essa tendência, áreas de menor destaque
foram reurbanizadas e transformadas em ruas de pedestres
como a Praça Mauá e o Largo de São Francisco da Prainha,
vistos na figura 8, aonde atividades de lazer e manifestações
culturais vêm encontrando suporte.
Assim, apesar de, nesse período, poder ser observada a
correlação de forças entre o interesse empresarial e a conquista
pela participação popular de instrumentos de preservação do
patrimônio construído e qualidade ambiental estendidos à
Região Portuária da cidade, o estigma de espaço degradado e
subutilizado não pode ser superado por qualquer operação
urbana. Um panorama geral dos condicionantes para ocupação
do espaço e das interferências concretizadas que incidiam sobre a Região Portuária no final
do século XX foi reunido esquematicamente na figura 9.
Figura 7 - Fachada do Edifício Rio
Branco 1 (1990) na Praça Mauá
Fonte: http://www.rb1.com.br/
Figura 8 - Largo de são Francisco da
Prainha reurbanizado
Fonte: PCRJ/IPP – foto - César
Duarte
68
Figura 9 - Representação esquemática dos condicionantes e das interferências que incidiam sobre a área no final da década de 1980
Fonte: Elaborado a partir da base cartográfica digital do MRJ /IPP
3.4 – O CENÁRIO RESULTANTE DAS INTERVEÇÕES DO SÉCULO XX
As mudanças que o século XX trouxe para a Região Portuária acarretaram em
conseqüências que as várias propostas de recuperação da dinâmica do local lançadas pelos
setores interessados na área procuram solucionar num prazo de mais de 20 anos. O
principal aspecto referenciando nessas propostas foi, evidentemente, de acordo com as
tendências internacionais de reestruturação de áreas centrais e portuárias desativadas, a
potencialidade para utilização do patrimônio arquitetônico e cultural preservado. Em
especial, dos principais elementos do antigo conjunto portuário liberados pela Companhia
das Docas do Rio de Janeiro: o Píer Mauá, as edificações da Estação Ferroviária Marítima e
o Cais da Gamboa. Esses elementos, de forma previsível, foram mantidos como referências
formais ao espaço portuário nos projetos de reconversão.
Os 1782 imóveis preservados pelo Projeto SAGAS também atraíram a atenção para a
formulação das propostas de usos diversificados. Mesmo assim, medidas como a garantia
da isenção do Imposto Territorial Urbano – IPTU, caso sejam recuperados, não haviam se
mostrado eficazes, até ao final dos anos 90, tendo-se em vista que poucos imóveis foram
69
recuperados desde 1985. Possivelmente, segundo Nina Rabba (1998) esse fato deva-se a
relação custo-benefício, já que o valor dos imóveis na área é ainda muito baixo. Além dos
imóveis preservados, as propostas mencionavam a restauração de pelo menos 30 imóveis
dos bairros portuários tombados devido a seu valor histórico pelas três esferas
governamentais durante o século XX, quase todos são relacionados à atividade portuária.
As propostas deveriam ainda considerar os novos condicionantes para a ocupação no
entorno da Baia de Guanabara, que ao ser declarada Área de Proteção Permanente - APP
pela Lei Orgânica Municipal de 1989, não pode mais ser alterada em suas características
naturais restantes, inclusive sua orla.
Outro fator a ser considerado na proposição de soluções para a estagnação da Região
Portuária foi a situação fundiária confusa que decorreu das mudanças na atividade portuária
resultante das alterações na tecnologia e gestão portuária. Em todo o mundo ocorre que, as
desativações, apesar de disponibilizar as estruturas portuárias para as intervenções
urbanísticas de grande efeito monumental e estético, implicam também em alterações que
extrapolaram o espaço portuário e atingem as retro-áreas. Assim, no caso do Rio de Janeiro,
como se viu no capítulo 2, a construção do espaço portuário implicou em grandes áreas de
aterro em área de marinha e desapropriações, mesmo ocorrendo de forma parcial, a
desativação deixou 30 imóveis constituídos de terrenos ganhos ao mar e prédios públicos
sem função (PCRJ. 2003-2). Esse conjunto soma mais de 600.000 m² e tem sido
considerado como de “grande potencial” para abrigar novos usos, apesar de permanecerem
vazios em função das restrições da legislação de uso do solo e da situação fundiária. A
maioria pertence a entidades públicas anteriormente ligadas a atividade portuária, sendo
essas: a Companhia Docas do Rio de Janeiro S.A; a Companhia Nacional de Abastecimento
- CONAB; o Instituto Nacional de Seguridade Social- INSS; o Banco Central do Brasil; e a
Rede Ferroviária Federal S.A., atualmente em liquidação (PCRJ. 2003-2). Resulta dessa
situação o agravamento da degradação das edificações que já ocorria na área (PCRJ. 2003-
2).
A dificuldade de circulação interna, resultado das intervenções rodoviaristas, é outra
grande questão tratada nas propostas, tendo-se em vista que a configuração natural da área
que já contava com a cadeia de morros e uma estreita faixa de terra recebeu grandes áreas
de aterros e mais de 5 km da Avenida Perimetral. A partir de 1975 a Avenida Perimetral
70
passou a formar com as Avenidas Rodrigues Alves e Francisco Bicalho um sistema de vias
elevadas voltado para a circulação periférica. A redução do impacto gerado por sua
presença na área tem sido o objeto de inúmeras propostas. Entretanto, a presença da
Avenida Perimetral torna a área de vital importância na estrutura viária e na circulação de
toda a cidade. O destaque dos terminais rodoviários Mariano Procópio e Novo Rio como
importantes pontos de entrada na cidade pode ser atestada pelo volume de pessoas que estes
movimentam. Durante toda a década de 1990 o total de passageiros que chegavam
diariamente à cidade oscilou em torno de 14% dos que utilizavam diariamente os terminais
rodoviários da cidade, como se pode verificar na tabela 1. Especialmente a Estação
Mariano Procópio, na Praça Mauá, é responsável por mais da metade desse movimento. Até
o ano 2000 verificava-se que por ela chegavam à cidade diariamente mais de 57 mil
pessoas procedentes da Região Metropolitana e outros municípios do estado do Rio de
Janeiro. Sua contribuição para circulação de pessoas na Região Portuária durante a década
de 1990 também vista na tabela 1. A estação Mariano Procópio permanece em 2007 em
pleno funcionamento recebendo 24 ligações intermunicipais. Já a Rodoviária Novo Rio,
principal terminal rodoviário da cidade concentra 46 ligações municipais, 170 estaduais e
internacionais. Permanece como um dos principais pontos de entrada e saída da cidade,
uma vez que também na última década do século XX esse movimento diário oscilou entre
43 a 52 mil pessoas (PCRJ, 2006).
O esvaziamento populacional histórico da Região Portuária mostra-se como
conseqüência desse quadro que torna a área um local pouco atrativo para fixação da
população. A perda de população das freguesias de São José, Sacramento, Santa Rita e
Santana que correspondem, aproximadamente, às regiões administrativas do Centro e
Portuária já podia ser percebida a partir da virada do século, pois a população de 186.374
habitantes referentes às 4 freguesias cai para 133.880 pessoas entre 1890 e 1920, seguindo a
tendência da área central de acordo com os dados da tabela 2.
Esse contingente continua a
se reduzir até meados da década de 1960 pela perda de mais de 80 mil pessoas a partir
de 1940
conforme mostra a tabela 3. Na década de 1970 já com os limites da Região
Portuária definidos e posteriormente, na década de 1980, como se pode avaliar nos dados
referentes aos bairros portuários, essa perda de população se manteve e colocou a
densidade populacional desses locais entre as menores da cidade. No ano 2000, a área
71
abrigava pouco mais de 22 mil habitantes, o que pode ser observado na tabela 4. Essa
tendência histórica ao esvaziamento populacional foi considerada na elaboração de
projeções populacionais para a Região Portuária. Mesmo ao utilizar uma hipótese
otimista
18
, se mantidas as condições atuais, os demógrafos Kaizô Iwakami Beltrão, Ana
Amélia Camarano, Solange Kanso e Sonoe Sugahara confirmam que na Região Portuária a
tendência de perda de população se manterá até o ano de 2020, quando a área poderá ter
perdido cerca de 12 mil habitantes em relação ao ano 2000 e ter apenas 0,43 % da
população da cidade. Essa tendência ao esvaziamento se impõe para toda a área central da
cidade que corresponde à Área de Planejamento 1 como se pode ver na tabela 5.
Por fim, a observação desse intricado conjunto de fatores contribuiu para que a
Região Portuária fosse declarada pela Prefeitura do Rio como “Área de Especial Interesse
Urbanístico” no ano de 1992 e com o prazo por várias vezes prorrogado. A Área de
Especial Interesse Urbanístico - AEIU constitui um instrumento de planejamento criado
pelo Plano Diretor Decenal da Cidade que delimita temporariamente áreas destinadas a
projetos específicos de estruturação ou reestruturação, renovação e revitalização urbana.
Sem dúvida, foi o inicio de um processo em que o Estado assumiu o papel de intermediário
entre os grupos interessados na reestruturação da área reunindo as intenções já expostas por
meio da elaboração do plano de requalificação da região portuária – PORTO DO RIO
2001, que será analisado no capítulo 4.
72
Tabela 1 – Média daria de passageiros nos terminais rodoviários da Região Portuária e percentual em relação ao total do
Município do Rio de Janeiro- 1990-2003.
Passageiros embarcados nos terminais rodoviários
Município do
Rio de Janeiro
(1)
Região Portuária
Ano
Total Total (%) Mariano Procópio % Rodoviária Novo Rio %
1990 326 670 404 45 839 626 14,0 25 835 561 56 20 004 065 44
1991 253 972 408 42 085 423 16,6 24 477 662 58 17 607 761 42
1992 255 717 470 38 944 638 15,2 23 224 728 60 15 719 910 40
1993 249 944 186 38 662 767 15,5 23 224 728 60 15 438 039 40
1994 297 710 451 41 299 307 13,9 25 475 764 62 15 823 543 38
1995 324 956 546 44 242 553 13,6 25 191 096 57 19 051 457 43
1996 317 606 379 44 090 270 13,9 25 245 504 57 18 844 766 43
1997 316 999 509 42 862 770 13,5 25 191 096 59 17 671 674 41
1998 316 115 055 41 325 147 13,1 25 043 306 61 16 281 841 39
1999 310 331 460 39 567 822 12,8 23 417 616 59 16 150 206 41
2000 310 550 859 39 184 801 12,6 23 417 616 60 15 767 185 40
2001 284 588 365 37 607 223 13,2 22 548 132 60 15 059 091 40
2002 246 956 521 34 879 755 14,1 20 846 997 60 14 032 758 40
2003 243 139 728 34 023 975 14,0 20 821 428
61
13 202 547
39
(1) - Além dos terminais da Região Portuária considerou-se os terminais Américo Fontenelle, Menezes Cortes e Campo Grande
(2) - Percentual em relação ao total da cidade do Rio de Janeiro
Fonte: Companhia de Desenvolvimento Rodoviário e Terminais do Estado do Rio de Janeiro - CODERTE,
Terminais Rodoviários e Representações LTDA - SOCICAM - http/www. Sectran.rj.gov.br em 03/11/04
Tabela 2 – População residente e incremento percentual segundo as freguesias da área central (1890 - 1920)
POPULAÇÃO INCREMENTO (%)
FREGUESIAS DA ÁREA CENTRAL
1890 1906 1920 1890/1906 1906/1920
Total da cidade 522 651 805 335 1 147 599 54,09 42,5
Total das Freguesias da área central
240 180 258 290 206172
7,54 -20,18
Candelária 9 701 4 454 3962
-54,09 -11,05
Sant’Anna 67 533 79 315 40632
17,45 -48,77
S. José 42 017 44 878 27714
6,81 -38,25
Santa Rita 46 161 45 929 38164
-0,5 -16,91
Sacramento 30 663 24 612 27370
-19,73 11,21
Glória 44 105 59 102 68330
34 15,61
Fonte: Recenseamento 1890; LOBO, Eulália apud ABREU, 1997, p.67e p. 80
73
Tabela 3 - População na data dos Censos de 1940, 1950 e 1960, segundo os distritos e circunscrições da área
central 1940-1960.
POPULAÇÃO INCREMENTO (%)
DISTRITOS E CIRCUNSCRIÇÕES
1940 1950 1960 1940/1950 1950/1960
TOTAL DO MUNICÍPIO 1 764 141 2 377 451 3 307 163 34,77 39,11
1º Distrito 168 014 130 279 104 900 -22,46 -19,48
Centro 49 852 37 809 25 196 -24,16 -33,36
Candelária 1 812 1 069 435 -41,00 -59,31
S. José 9 256 6 684 4 696 -27,79 -29,74
Santa Rita 15 987 9 567 9 388 -40,16 -1,87
São Domingos 7 498 3 521 2 149 -53,04 -38,97
Sacramento 7 858 5 865 3 196 -25,36 -45,51
Ajuda 7 441 11 103 5 332 49,21 -51,98
Área periférica central 59 081 46 235 39 852 -21,74 -13,81
Sant’Anna 20 290 14 911 10 835 -26,51 -27,34
Gamboa 38 791 31 324 29 017 -19,25 -7,36
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE – Sinopse Preliminar do Censo Demográfico do Estado da Guanabara - 1960
Tabela 4 – População residente e densidade demográfica da Região Portuária 1970-2000
População residente Densidade líquida (hab./ha)
Áreas de Planejamento,
Regiões Administrativas
e Bairros. 1970 1980 1991 2000
Área territorial (ha)
1970 1980 1991 2000
Total 4 315 746 5 090 790 5 480 778 5 857 904 122 131,21 35,3 41,7 44,9 48,0
Área de Planejamento 1
(1) --- 338 531 303 695 268 280 3 371,59 --- 100,4 90,1 79,6
I Portuária (2) (3) 54 852 50 907 44 085 39 973 839,96 79,7 60,6 52,5 47,6
Bairros históricos (4)
---
33 542 26 449 22 294 316,14
---
106,1 83,7 70,5
Caju --- 17 365 17 636 17 679 523,81 --- 33,2 33,7 33,8
Gamboa --- 17 550 11 507 10 490 111,29 --- 157,7 103,4 94,3
Santo Cristo --- 12 851 12 340 9 618 168,47 --- 76,3 73,2 57,1
Saúde --- 3 140 2 602 2 186 36,38 --- 86,3 71,5 60,1
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE / Tabulação por Áreas de Planejamento – PCRJ- Instituto Municipal de
Urbanismo Pereira Passos.
(1) - As Áreas de Planejamento foram definidas pelo PUB-RIO em 1975, por isso não foram apresentados totais para 1970.
(2) - No Censo de 1970 não foram apresentados totais por bairro
(3) - Pelos limites da Região Portuária em 1970 a área territorial era de 688,00 ha.
(4) - Inclui Gamboa, Santo Cristo e Saúde, os bairros contemplados pelo Plano Porto do Rio 2001.
Tabela 5 – Projeção da população total estimada para a cidade, Ap-1, Iª e IIª Regiões Administrativas e
percentual em relação à cidade. 2001-2020.
POPULAÇÃO TOTAL ESTIMADA
% EM RELAÇÃO A
POPULAÇÃO DA CIDADE
ANO
TOTAL DA
CIDADE
ÁREA DE
PLANEJAMENTO -1
Iª RA REGIÃO
PORTUÁRIA
IIª RA
CENTRO
Iª RA REGIÃO
PORTUÁRIA
IIª RA
CENTRO
2 005 5 894 349 69 437 36 338 33 098 0,62 0,56
2 010 5 970 562 60 972 32 999 27 972 0,55 0,47
2 015 6 085 534 53 503 29 905 23 598 0,49 0,39
2 020 6 234 509 46 841 27 001 19 839 0,43 0,32
Fonte dos dados brutos: IBGE/Censo Demográfico de 1980, 1991 e 2000; Ministério da Saúde (SIM).
Cálculo e tabulação: IBGE-ENCE (convênio IPP / IBGE / SCIENCE 2002)
Estimativa dos autores (Kaizô Iwakami Beltrão, Ana Amélia Camarano, Solange Kanso e Sonoe Sugahara)
74
4- O URBANISMO “PÓS-MODERNO” E AS PROPOSTAS E AÇÕES PARA
RECONVERSÃO DA REGIÃO PORTUÁRIA NO SÉCULO XXI
No capítulo 2 procurou-se demonstrar que a necessidade de manutenção de condições
favoráveis para a economia urbana da cidade baseada na atividade portuária justificou no
final do século XIX grande volume de investimentos que preparam a Região Portuária do
Rio de Janeiro para exercer exclusivamente a função de principal porto do país. O
enfraquecimento da lavoura cafeeira fluminense, entretanto, trouxe como conseqüência a
redução dessa centralidade e, como se viu no capítulo 3, inaugurou uma etapa de declínio
do porto e conseqüentemente de sua retaguarda que passa durante a maior parte do século
XX a ser vista apenas por seu potencial de suporte para estruturas de circulação de veículos
e pessoas. Foi também observado que a desativação parcial de áreas ociosas e de
equipamentos danificados do porto do Rio foi justificada pela necessidade de ampliação da
competitividade urbana seguindo a tendência internacional de reconversão de áreas
portuárias.
A conjunção dos fatores anteriormente apontados, numa nova virada de século, torna
o Porto do Rio objeto de grandes transformações. E, coincidentemente, conforme o
ocorrido no século XIX, os contornos dessa nova mudança definem-se lentamente. O atual
processo de transformação insere-se também num período em que experiências
internacionais de desenvolvimento de planos estratégicos e projetos urbanos propõem
alternativas para a matriz funcionalista de planejamento. O plano com o qual se pretende
recuperar a centralidade da Região Portuária apresentado como “o plano oficial da
Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro” segue essa linha e enquadra-se na categoria de
projetos urbanos em áreas selecionadas para a reestruturação. A inspiração para essas
propostas tem com referência experiências pioneiras e paradigmáticas na aplicação dos
conceitos pós-modernos para intervenção no espaço urbano. As incertezas em relação aos
resultados dessa nova forma de intervir na cidade, que, pouco a pouco, vêm se estruturando,
sobretudo por sua aplicação no contexto de uma cidade de país periférico, têm instigado
questionamentos de profissionais de vários campos de conhecimento e atuação. Essas
reflexões alimentam por mais de seis anos o debate acerca das propostas contidas no
PLANO DO PORTO DO RIO 2001, em especial, pela perspectiva dos aspectos adversos
75
que permitem constatar a ampliação das desigualdades urbanas por ocasião da aplicação
dos planos ditos “estratégicos”.
Assim sendo, esse quarto capítulo se ocupará inicialmente em apresentar uma breve
retrospectiva das iniciativas de reconversão urbanística de espaços portuários em
importantes cidades dos países centrais utilizadas como estratégias de escape aos processos
de estagnação econômica e dos problemas sociais delas decorrentes. O objetivo é
demonstrar que esses exemplos, de diferentes formas, serviram de referência para as
propostas do plano de reconversão para o Porto do Rio. Pretende-se também apontar os
efeitos adversos desses processos constatados por meio de análise dos dados, o que muitas
vezes tem sido a causa das preocupações por ocasião da mera reprodução dessas
experiências em outros contextos urbanos. Os casos escolhidos são destacados na
bibliografia sobre o tema pelo pioneirismo, como ocorre com o caso de Nova Iorque; pela
condução pelas parcerias público-privadas e orientação para o mercado, como ocorreu com
o porto de Londres; e, pelo caráter paradigmático alcançado pela experiência no porto de
Barcelona. O caso de Porto Madero foi considerado não só pela aproximação das condições
sócio-econômicas entre as duas metrópoles do Atlântico Sul, que historicamente se
desenvolveram baseadas na atividade de seus portos, mas também pelas intenções
declaradas pelos gestores do processo da reconversão da Região Portuária do Rio de
Janeiro de adotar de procedimentos semelhantes ao concebido para a capital argentina.
No segundo item a intenção é apresentar como o PLANO “PORTO DO RIO - 2001”,
uma estratégia de integração para a cidade sugerida pelo Planejamento Estratégico da
Cidade do Rio de Janeiro de 1997, foi estruturado com inspiração nos moldes dos projetos
urbanos e com a premissa básica de abarcar a totalidade das questões que causam a
dispersão do dinamismo urbano na Região Portuária. Será visto numa rápida retrospectiva
dos fatos que, desde sua consolidação, em 2001, apenas poucas ações foram implementadas
e que, apesar disso, diversas mudanças foram também impostas à sua estrutura original. E,
assim, de acordo com os paradigmas do urbanismo contemporâneo, o plano foi reformulado
em seu conteúdo e absorveu novas propostas já em discussão com o objetivo da sua
implementação num futuro próximo.
O terceiro item tem a intenção de visualizar os cenários possíveis a partir da
revitalização e, por isso, se ocupa em reunir alguns aspectos abordados pelo debate
76
acadêmico e coletados em meio à extensa produção acerca da reconversão da Região
Portuária do Rio de Janeiro a partir do lançamento do “Plano Porto do Rio – 2001”. Por
meio de suas observações, vários autores apontam possibilidades e conseqüências da
reestruturação da Região Portuária em uma cidade de tantas contradições como o Rio de
Janeiro.
E, por último, serão apresentadas algumas contribuições de análise baseadas em dados
quantitativos com o propósito de viabilizar o acompanhamento das tendências
identificadas.
4.1 - A
S EXPERIÊNCIAS EMBLEMÁTICAS DO NOVO URBANISMO: NOVA IORQUE, LONDRES,
BARCELONA E BUENOS AIRES
A reconversão da região do ”Battery Park City” em Nova Iorque, juntamente ao
“Harbor Place” em Baltimore, no “Boston Waterfront” no “Quincy Market” ambos em
Boston e no “Fisherman’s Wharf” de São Francisco integra o conjunto de experiências
americanas pioneiras, lançadas ainda na década de 1960, como resposta à necessidade de
adaptação das cidades às alterações dos processos produtivos que deixavam seus reflexos
nas economias locais. A imagem de sucesso relacionada ao empreendimento do ”Battery
Park City” situado no baixo “Manhattan” fez com que se tornasse um dos exemplos mais
referenciados na ocasião de formulação de propostas para reconversão portuária de outras
cidades.
De acordo com o levantamento de Nobre (2002), como todos os outros exemplos de
reabilitação de áreas portuárias, a motivação para sua promoção pelo Departamento de
Planejamento de Nova Iorque foi o fechamento das docas face às novas tecnologias
portuárias que se afirmavam já na década de 1960. Assim, desde 1962 a área de aterro
sobre o Rio Hudson foi objeto de várias propostas, que variaram desde a ocupação nos
moldes modernistas de Le Corbusier aos megaprojetos futuristas em voga na ocasião. Em
1968 foi criado o “Battery Park City Authority- BPCA” para ser o órgão responsável pelo
empreendimento e para gestão do processo de reconversão. A partir de 1975 o ritmo da
reabilitação passou por um período de forte aceleração, quando foi construído o “Gateway
Plaza”, parte de um projeto que dividia a área em vários setores e com o objetivo
primordial de redução do clima de insegurança que caracterizava essa região de Nova
77
Iorque na ocasião. Ao Fim dos anos 70 o projeto sofreu profunda reformulação e a área que
havia sido adquirida pela Prefeitura à antiga autoridade portuária passa a ser submetida ao
gerenciamento da Corporação de Desenvolvimento de Nova Iorque que conduziu o
processo com o objetivo de criar um grande centro comercial e residencial,
desconsiderando critérios legais vigentes na ocasião. O processo foi tratado no nível do
desenho urbano com atenção especial aos aspectos estéticos, considerando os princípios da
alta densidade, uso misto e pequenos parques intercalados. Foram previstas a criação de 14
mil unidades residenciais que ocupariam cerca de 42 % da área, 9% seriam reservados a
escritórios e espaços comerciais, 30 % para espaços públicos e 19% para circulação. A área
residencial foi distribuída pelos setores Norte e Sul com o setor central ocupado pela área
comercial, bem em frente ao complexo do “Wold Trade Center”, ao qual seria conectada.
Ao longo da orla definiu-se o complexo de espaços públicos constituídos por parques e
praças. A consolidação do projeto teve inicio apenas nos anos 80 com o vencimento da
licitação pela “Olympia & York Properties – O & Y”, a maior empreendedora imobiliária
do mundo na ocasião. Até o inicio dos anos de 1990 vários trechos foram parcialmente
inaugurados. A infra-estrutura, incluindo as áreas de parque foi custeada pelo poder
público. O total de investimentos foi da ordem de 300 milhões de dólares, sendo que destes,
60 milhões de dólares saíram diretamente dos cofres públicos. A crítica especializada em
arquitetura e urbanismo demonstrou grande receptividade pelo processo, apesar do
questionamento a uma diversidade artificial nos moldes da Disneylândia, como coloca
Fainstein (1991 apud NOBRE, 2002), em conseqüência dos altos preços que atraíram
apenas segmentos de mais alto poder aquisitivo (NOBRE, 2002).
A revitalização da “London Docklands” antiga área portuária de Londres no contexto
da reconversão de espaços portuários destaca-se por ter sido uma experiência urbanística
totalmente conduzida pelo mercado. Tornou-se o exemplo mais emblemático do urbanismo
neoliberal nos estudos sobre a revitalização de áreas centrais. Seu modelo de concepção foi
também muitas vezes reproduzido em outras cidades na década de 1980. Inspirado no
renascimento de cidades americanas, os principais destaques do processo foram a
participação de grupos privados nos negócios urbanos e a atração de investimentos privados
por meio de incentivos fiscais.
78
Assim como no caso nova-iorquino, a elaboração do “London Docklands Strategic
Plan” justificou-se pela desativação de vários terminais da “London Docklands” iniciada
nos anos 60. E, ainda, conforme dados apresentados por Marotel e Tarrius, (1990 apud
COMPANS, 2004), pela redução do número de trabalhadores portuários, de 22.815 para
7.120, por uma sensível perda de população na área e ainda, por outras motivações
relacionadas à queda do nível de vida (COMPANS, 2004 p.39).
As alternativas para reversão da situação oscilaram durante longo tempo entre a opção
pela manutenção da atividade portuária, considerando as necessidades da população
residente, o emprego de mão-de-obra local e o predomínio dos investimentos públicos, ou a
decisão pela tábula rasa. Isto é, a ruptura total com o passado pela proposta do
desenvolvimento comercial da área com edifícios de escritórios, residências de luxo e a
abertura ao capital privado considerando a área como a extensão natural da “City”. Após a
vitória nas eleições em 1979, o Partido Conservador Britânico assumiu o processo e optou
pela segunda alternativa. Em 1981 foi então criada a “London Docklands Development
Corporation” entidade que dispunha de meios financeiros oriundos de fundos públicos e
amplas competências em matéria urbanística – regulamentar uso do solo e índices de
construção, adquirir e alienar terrenos e oferecer incentivos fiscais (COMPANS, 2004,
p.40).
Entretanto, a renovação começou a ter as primeiras definições de sua forma final
apenas em 1987 quando a incorporadora “Olympia & York Properties - O&Y”, a mesma do
Battery Park” de Nova Iorque, apresentou uma proposta para a região. O projeto da
“O&Y” executado por grande escritório norte-americano de arquitetura o “Skidmore,
Owens & Merrill – SOM”, previa quase um milhão de metros quadrados de escritórios em
nove blocos de 8 pavimentos e uma torre de 50 andares (NOBRE, 2002). A regeneração
física da área localizada ao leste do centro financeiro londrino, baseou-se, como no
exemplo americano, no incentivo à mistura de usos residencial, comercial e serviços, mas
privilegiando atividades de ponta - como grandes grupos financeiros e de
telecomunicações, e apartamentos de luxo. O planejamento e a previsão de longo prazo
deram lugar a um modo de gestão aberto que flexibilizava decisões conforme as
oportunidades e evolução do mercado.
79
Além da rejeição da população londrina, que tem aversão por arranha-céus, pela torre
central, o gigantismo do empreendimento trouxe várias conseqüências desastrosas para a
capital inglesa. O primeiro deles foi a superlotação do sistema de monotrilhos que
demandou novos gastos com melhorias do sistema viário e extensão da linha do metrô,
estimados em 2,4 bilhões de libras, sendo 80% desse montante custeados pelo governo
inglês. Os novos empreendimentos também não reduziram o desemprego, já que a maioria
dos postos de trabalho criados necessitava de mão-de-obra altamente qualificada. A
porcentagem da população local lá empregada, ao contrário, caiu de 35 para 13%. A grande
valorização da área provocou a expulsão da população mais pobre, pois entre 1984 e 1987
um apartamento de dois quartos passou de 40 mil para 200 mil libras. A quebra da Bolsa de
Nova Iorque em 1987 levou a uma redução de 100 mil empregos no setor financeiro e
consequentemente ao esfriamento do mercado imobiliário de escritórios. As taxas de
vacância duplicaram de 10 para 20% do total construído, levando consequentemente à
quebra da “O&Y” (NOBRE, 2002).
A reabilitação das “London Docklands” teve sem dúvida certa dose de sucesso quanto
a seu propósito comercial. Num prazo de 6 anos foi reabilitada uma área territorial de 2
milhas quadradas com 5 milhões de pés quadrados de edifícios de lojas e escritórios e 8.800
unidades residenciais. Em 1990 cerca de 600 empresas haviam se instalado na área criando
10.000 empregos e outros 50.000 eram esperados no setor financeiro. Mas, como já dito, os
preços fundiários e imobiliários se elevaram vertiginosamente e acirraram o contraste social
e a segregação espacial entre as classes que co-habitam a região, separadas pela linha do
metrô. Os novos moradores do lado norte são em maioria “yuppies” e executivos que
trabalham na “City” ou no lado oeste de Londres. Ao sul da “Docklands”, área
tradicionalmente ocupada por trabalhadores portuários, pobres e imigrantes, reside ainda
uma população que em 1987 chegava a 50.000 habitantes (COMPANS, 2004, p.41).
A participação governamental subvencionando a implementação do programa foi,
segundo Parkinson (1992 apud COMPANS, 2004), decisiva. Com cerca de 440 milhões de
libras de investimento inicial obteve 4.400 milhões de inversões do setor privado. Apesar
disso, outros recursos públicos indiretos podem ser contabilizados no processo, como a
isenção fiscal de cerca de 130 milhões de libras entre 1981 e 1987 para que empresas se
alocassem na zona empresarial, e ainda, garantir a obtenção de recursos dos Ministérios
80
para financiamento de projetos específicos como o aeroporto e o metrô (COMPANS, 2004,
p.41).
A experiência da “London Docklands” baseada na estratégia de atração de recursos
privados e em operações imobiliárias altamente rentáveis constitui o melhor exemplo de
experiência conduzida pelo mercado. Proporcionou o sucesso comercial e consolidação de
um grande centro financeiro internacional, mas que também gerou uma situação
questionável do ponto de vista social e urbanístico que ampliou consideravelmente as
críticas acerca desse modelo de reabilitação urbana.
Seguindo a tendência da reconversão portuária, o caso de “Port Vell” em Barcelona,
insere-se numa conjuntura que nasceu com o fim do regime franquista em 1982, fato que
concedeu às cidades espanholas a ampliação de autonomia política e econômica, o que fez
também com que as municipalidades assumissem na ocasião novas competências
urbanísticas. A relocalização industrial e perda de importantes empresas do setor
secundário, entretanto, foi também, segundo Carreras (1993, apud BOTELHO, 2004), o
impulso para a busca pela transformação da cidade em um centro terciário, de direção,
pesquisa, desenvolvimento científico e atração turística por meio da lógica do
gerenciamento estratégico. As ações do nível urbanístico desse processo concentraram-se
na valorização da periferia pela criação de espaços públicos com obras de arte e
recuperação do centro histórico, onde estava explícita a intenção de melhorar a imagem
tradicional da cidade. Marcaram também as ações urbanísticas de Barcelona as operações
urbanas relacionadas a grandes eventos como os Jogos Olímpicos de 1992 e o Fórum das
Culturas de 2004. Todo esse investimento foi internacionalmente reconhecido pelas
entidades ligadas ao urbanismo, especialmente na América Latina (BOTELHO, 2004, p.
114-116). Entretanto, esse mesmo modelo de planejamento adotado por Barcelona – a
cidade-empreendimento, exportado para o mundo, de acordo com Arantes (2000) foi
inspirado na experiência americana, embora estratégias de marketing acenassem com um
tom de ineditismo que o identificaram como a matriz do Planejamento Estratégico
disseminada no final do século XX (ARANTES, 2000 p. 52).
Nesse contexto favorável o processo de reestruturação urbana e econômica de
Barcelona inclui dentre as várias frentes de reabilitação nas áreas centrais o espaço
portuário, o chamado “Port Vell”. A zona portuária de Barcelona nesse mesmo período
81
funcionava de forma precária e com baixo rendimento. A competição com outras cidades
pela sede dos Jogos Olímpicos de 1992, iniciada em 1986, foi o evento decisivo para
justificar junto à população as vantagens da reestruturação da zona portuária de Barcelona,
uma área que, até então, havia sido mantida isolada dos bairros em seu entorno. Esse
momento foi, da mesma forma, usado para legitimar investimentos na criação de novas
centralidades. “Port Vell” seria assim, unido às quatro áreas inicialmente reservadas para
os Jogos Olímpicos – Montjuïc, Vila Olímpica, Valle Hebrón y Diagonal-Camp Nou, e com
a perspectiva de devolução aos cidadãos das vistas e paisagens anteriormente encobertas
pela muralha do porto (MAGRINYÀ; MAZA 2005).
O discurso dos proprietários dos terrenos do “Puerto Autónomo de Barcelona -
P.A.B”, entretanto, não seria tão imbuído de sentimentos cívicos, o que se verifica no
plano diretor do porto de Barcelona de 1989 no qual os objetivos da reabilitação seriam a
ampliação física do porto para Sul e o aproveitamento da proximidade à cidade para
introduzir outras atividades na área. Assim os quatro principais projetos de produção do
espaço público de “Port Vell” constituíram o que Magrinyà; Maza (2005) afirmam ser os
marcos da reconquista pós-moderna do porto de Barcelona e que consolidaram a
reabilitação da área num período de 20 anos. O primeiro passo para essa reconquista deu-se
pela construção do “Moll de la Fusta”, de 1981 a 1987. Esse trecho de “Port Vell” foi
objeto de projeto de ordenamento de espaço público que constou da introdução de um
grande passeio, vias de superfície e áreas públicas do cais onde se instalaram bares
modernos e sofisticados com vista para o mar. O segundo conjunto, o “Moll de la
Barceloneta- Paseo Joan de Borbó” executado no período de 1988 a 1993, por sua vez,
preencheu a ausência de um projeto globalizado de porto com orientação para o uso lúdico.
A reforma contemplava, mais uma vez, a inserção de um novo calçadão ao longo do qual se
construíram restaurantes, escritórios e museus, e, as dependências para pescadores e
atividades portuárias. Ainda nessa área foi criado um espaço público, densamente
arborizado, chamado de Paseo Joan de Borbón”. Nos primeiros anos o lugar foi
apropriado como um espaço para a prática desportiva como o ciclismo e patinação. Em
1994 a reforma do espaço portuário havia alcançado o local denominado “Moll d'Espanya”
que foi conectado às “Ramblas” por meio de uma passarela batizada de “Rambla do Mar”,
atrás dessa foi criado um centro comercial para abrigar bares e discotecas, quiosques e uma
82
estação marítima. Completavam ainda a reurbanização que foi totalmente inaugurada em
1996, novos cinemas e um aquário. Finalmente, de 1998 a 2000, a reabilitação estabeleceu-
se no setor chamado “Moll de Barcelona”. A principal operação nesse trecho foi a
construção do edifício do “Word Trade Center”, uma intervenção dominada pelo setor
privado, de autoria do arquiteto americano Henry N. Coob, ligado ao escritório, também
americano, “Pei Coob Freed & Partners” e que provocou uma forte transformação no
espaço. A área foi destinada a escritórios de empresas de alta qualidade e hotéis de luxo,
com características voltadas para as atividades empresariais e de negócios do que às
atividades lúdicas ou de diversão dos demais setores (MAGRINYÀ; MAZA 2005).
O sucesso dos espaços de “Port Vell”, principalmente no que se refere à aceitação
pela população, deveu-se também à contribuição de esforços de promoção por parte do
poder local na ocasião das inaugurações, quase sempre coincidindo com festas públicas que
agregavam multidões. Apesar disso, os primeiros sinais de estagnação dos novos espaços
públicos já podiam ser observados em quatro ou cinco anos após sua inauguração. O “Moll
de la Fusta” que chegou em 1998 a receber mais de 18 milhões de visitantes, em 2003 já
sofria a redução dessa marca para cerca de 15 milhões em conseqüência de problemas com
a infra-estrutura, violência, segurança local, e até os relacionados com a segregação racial
por ocasião da restrição da entrada de imigrantes em alguns estabelecimentos. Com
exceção do “Moll de la Barcelona”, cujas características iniciais não eram voltadas para o
uso público, a saída para os três primeiros setores foi a reformulação dos usos já no ano de
2002 visando a minimização dos novos problemas urbanos então criados (MAGRINYÀ;
MAZA, 2005).
As críticas à reabilitação de “Port Vell” referem-se sobretudo ao papel ambíguo da
“Puerto Autónomo de Barcelona - P.A.B”, autoridade portuária que detinha o direito de
decidir sobre as atividades inseridas, escolha dos projetos e até mesmo sobre o
funcionamento dos negócios. Magrinyà; Maza (2005) identificam o grande interesse na
criação espaços de usos coletivos, entretanto privados. Da mesma forma, os sucessivos
projetos para cada um dos setores sofreram a critica da falta de unidade e até de
interferência e competição entre o funcionamento de cada um deles. Por fim o caráter de
simulacro proporcionado pela presença de elementos em que forma e função não se
83
complementam como no caso da estação marítima instalada no “Shopping Maremagno”,
no “Moll d'Espanya” (MAGRINYÀ; MAZA, 2005).
Pelo exame minucioso de algumas questões, Botelho (2004) aponta contradições que
põem em cheque o contexto geral do modelo da reabilitação de Barcelona. Estudos da
década de 1990 classificam a cidade de Barcelona como de “terceira ordem” no cenário
europeu, e os altos investimentos estrangeiros continuariam se concentrando em Madri,
segundo o “Boston Consulting Group”. Ainda de acordo com a Câmara de Comércio de
Barcelona, em 2003, Madri possuía 266 das 500 maiores empresas espanholas enquanto
toda a Catalunha apenas 109. Da mesma forma, 90% das bases de gestão dessas empresas
também estariam situadas em Madri, que pelo visto, teria maior poder de atração de
investimentos que Barcelona, contrariando as intenções do poder político catalão. Outro
ponto negativo do modelo Barcelona seria a concentração na cidade de atividades
praticadas por profissionais liberais, diretores, pessoal técnico, administrativo e comercial,
e no âmbito metropolitano prevaleceriam atividades para trabalhadores manuais da
indústria, da construção e dos serviços. Verifica-se também a perda de população residente
no município barcelonês enquanto houve o aumento de população residente em outros
municípios vizinhos, mas que, de forma geral, trabalha em Barcelona, o que se confirma
pelo aumento do número de deslocamentos entre a cidade e esses municípios entre 1991 e
2000. A cidade de Barcelona, entre 1975 e 1996, segundo Barrios (1998, apud BOTELHO,
2004) perde população em números absolutos que chegam a 250.000 habitantes, sendo que
o segmento que deixou a cidade é predominantemente constituído por jovens em busca de
moradia mais barata no entorno metropolitano, o que termina contribuindo para o
envelhecimento populacional de Barcelona. Nesse mesmo entorno está concentrado 70% da
população de menor renda, confirmando a existência da segregação social na cidade
símbolo do planejamento estratégico, e, também, da dispersão urbana ampliando problemas
sociais, econômicos e ambientais. Esse cenário ameaça a caracterização de Barcelona como
“metrópole mediterrânea compacta”. Destaca-se ainda a valorização de 33% do valor
médio do metro quadrado da habitação em Barcelona no intervalo de 1975 a 1996. Em
contraponto à saída de parte da população jovem, verifica-se a entrada de imigrantes em
condições econômicas e legais precárias oriundos principalmente da Ásia e Oriente Médio,
que em 2003 representavam 10,7% da população total. (BOTELHO, 2004, P. 114-118).
84
Os grandes beneficiados com a reabilitação das áreas centrais de Barcelona foram, na
verdade, os empresários da construção civil, pela criação da infra-estrutura, reformas dos
espaços públicos, construção de estruturas turísticas e edifícios de alto padrão nas áreas
reabilitadas. A expressiva participação do setor privado também não se confirmaria pelas
análises dos números da proteção social em decorrência da construção das vilas olímpicas
fortemente facilitadas pelo poder local. Ao se verificar sua grande e rápida valorização,
apenas um número simbólico foi classificado como de “proteção social” – unidade vendida
ou alugada a preços baixos para a população da baixa renda, e colocada no mercado sem
restrições. Dentre esses benefícios, também se inclui a questão dos terrenos de “Port Vell”
expropriados a bom preço pelo poder público local para a reabilitação da área portuária e
parte da estrutura para os Jogos Olímpicos.
O caso latino-americano de maior vulto no conjunto das reconversões de espaços
portuários, sem dúvida, “Puerto Madero”, em Buenos Aires inseriu-se num contexto que
Tellas (2000) afirma ser o mais recente cenário de evolução histórico-territorial da
metropolização da capital argentina caracterizado pelo impacto do processo de globalização
da economia e dualização da sociedade. Esse cenário coincide com a inauguração de um
modelo de abertura das fronteiras, da desregulamentação econômica e financeira,
privatizações de empresas públicas e concessão de serviços urbanos. As alterações da
economia mundial se traduziram no contexto local de Buenos Aires pelo surgimento de
novas formas de moradia, novos padrões de consumo e novas manifestações do terciário
avançado (TELLAS, 2000).
A idéia de preservação dos elementos do espaço portuário portenho é formalizada
pela primeira vez em 1969 e foi posteriormente por diversas vezes reafirmada nos planos
para a renovação da área central de Buenos Aires. A partir de 1985 a discussão sobre as
escolhas urbanísticas para a área passa a ter a colaboração da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de Buenos Aires até ser consolidado o acordo de cooperação
com o qual se concluiu pela necessidade de formação de uma empresa de sociedade
anônima para a gestão do processo de reconversão da área portuária. Assim, após a criação
da requerida sociedade anônima a “Corporación Antiguo Puerto Madero S.A.”, em 1989
pelo convênio entre os Ministérios de Obras e Serviços Públicos e do Interior e a Prefeitura
de Buenos Aires, a urbanização da área de Porto Madero foi fortemente acelerada. A
85
participação do governo federal argentino deu-se pela transferência de propriedade de 170
hectares que estavam sob jurisdições superpostas de várias empresas estatais à
“Corporación Antiguo Puerto Madero S.A.”. O papel da municipalidade, por sua vez, foi
o de definir normas para o desenvolvimento urbano. Em 1991 a “Corporación Antiguo
Puerto Madero S.A.”, em convênio com a “Sociedad Central de Arquitectos” e a
Prefeitura de Buenos Aires, lançou o “Concurso Nacional de Idéias para “Puerto Madero”,
para a seleção de planos de reconversão da área mediante aos critérios de ajuste de
deficiências da área central, promoção das atividades terciárias e recuperação a orla do rio
“La Plata” pela incorporação de áreas verdes. A convocação do concurso teve ampla
participação e levou em 1992 à premiação de três equipes, cujos integrantes passaram a
constituir um grupo que definiu o projeto definitivo que deveria proporcionar a criação de
espaços públicos ao longo dos diques de forma a integrar as novas construções ao cenário
portuário preservado. O plano definiu as linhas gerais da reabilitação que distribuiu os 39,5
hectares, cerca de 44% da área para a construção e 18 hectares, cerca de 20% para a criação
de parques públicos, ficando o restante, 32,7 hectares destinados a espaços de circulação. A
área de intervenção contemplou a distribuição de 23% para escritórios, 1% para comércio,
17% para os equipamentos preservados e 6% para uso residencial (INFOMADERO, 2007).
A concepção de Porto Madero, para Tellas (2000), foi o primeiro passo dado de uma
das mais evidentes tendências urbanísticas da área central da capital argentina que implica
em proporcionar a construção de espaços propícios à instalação de empresas transnacionais.
Essa intenção requer a utilização da arquitetura requintada e assinada por nomes de
destaque local e mundial aliada inserção de sistemas de automatização necessários ao
terciário avançado. Na reconversão de “Pueto Madero” recorreu-se às práticas
paradigmáticas de planificação semelhantes às da “Docklands” londrinas e o “Moll de la
Fusta” de Barcelona, contando até mesmo com os consultores catalães David Busquets e
Joan Alemany que alcançaram grande notoriedade nos processos de reconversão portuária.
Embora em menor escala, assim como os exemplos europeus, a reconversão de “Pueto
Madero” avançou sobre terrenos portuários e reciclou antigos equipamentos com a
preocupação de mantê-los com seu aspecto tradicional. Logo após sua recuperação como
fragmento urbano “Pueto Madero” tornou-se um lugar da moda e de atração turística
dotado de restaurantes e opções de lazer de alto luxo. Essa intervenção impulsionou o
86
desenvolvimento do corredor norte do centro de Buenos Aires sob a mesma linha de
concepção de “Pueto Madero”. A reconversão da área portuária de Buenos Aires denota
uma necessidade que nas palavras de Tellas (2000) seria “recentralizar centralidades
existentes” para viabilizar a expansão de atividades administrativas e financeiras a partir do
aporte de capitais transnacionais que atualizaram a imagem do centro antigo da cidade com
arquitetura emblemática e de impacto visual e econômico, sem corresponder, entretanto, a
nenhum tipo de estratégia regional (TELLAS, 2000).
Como se viu, pelos casos emblemáticos de reconversão de áreas portuárias,
manifestações constantemente apontadas pela bibliografia como típicas do urbanismo pós-
moderno, apesar de acenarem com a expectativa da regeneração urbana, ocuparam-se antes
de tudo em conferir às cidades um padrão urbanístico voltado para especulação de áreas
valorizadas por interferências nos espaços portuários que passam a desempenhar, de forma
geral, o mero papel de componente formal do cenário urbano. Ao mesmo tempo em que
essas áreas foram dotadas de estruturas de conexão à rede global da economia, a analise dos
dados referentes aos objetivos que justificaram sua transformação confirma, mesmo nos
países centrais, serem poucas as contribuições desses modelos para a solução de problemas
estruturais das cidades. E, em todas, é apontada a criação de enclaves territoriais e
ampliação do distanciamento entre as áreas revitalizadas e o restante da cidade.
4.2 - O PLANO DO PORTO DO RIO: LIMITES E POSSIBILIDADES DA RECONVERSÃO DA
REGIÃO PORTUÁRIA
A profusão de idéias para a reestruturação da Região Portuária do Rio de Janeiro, que
por mais de duas décadas têm sido discutidas, sem dúvida colaborou para inserção das
questões relacionadas à área entre as prioridades dos programas de governo da cidade a
partir do ano 2000. Nesse período o governo municipal assumiu o papel de agente promotor
do processo e lançou, em caráter oficial, o “Plano de Recuperação e Revitalização da
Região Portuária do Rio de Janeiro” difundido junto ao público e a mídia como PLANO
“PORTO DO RIO - 2001”
19
. A estruturação do conjunto de proposições do plano se
mostrava nitidamente influenciada pelas tendências internacionais de promoção de projetos
urbanos para áreas centrais em declínio e previamente selecionadas para imposição de
atrativos para os investimentos do capital internacional. O conteúdo do Plano contemplou
87
aspectos de várias propostas já apresentadas para a Região Portuária, foge de qualquer
especialização ou ênfase especial a uma determinada função urbana. Nele pode ser
claramente percebida a pretensão de abarcar a totalidade das questões relacionadas à
dinâmica urbana da Região Portuária. Por isso, seus objetivos expressos estão abertos à
promoção de uma ampla gama de potencialidades econômicas, sociais e culturais da área,
utilizando-se da inserção de atividades de comércio, serviços, lazer, cultura e habitação
voltada para as camadas médias da população (PCRJ, 2001, p. 13-15).
Para alcançar essas metas, a atração de investimentos seria estimulada pela inserção
de seis “núcleos de interesse” ao longo dos 3,5 km do cais da Gamboa.
Como se pode ver no capítulo 3, as últimas tentativas de manutenção das atividades
portuárias na área de estudo foram apresentadas nos anos de 1980. O insucesso de tais
propostas sugere a motivação para que as tentativas de transformar á área num centro
internacional de negócios desse lugar às propostas de criação de um centro de atividades
culturais e de lazer com forte apelo turístico apoiado no conjunto preservado pelo Projeto
SAGAS e no patrimônio paisagístico da Baia de Guanabara, especialmente no entorno do
Píer Mauá. O principal ponto para utilização dessa estratégia, e eleito por isso como o local
para ser iniciado o processo seria o Píer Mauá, beneficiado por sua localização favorável,
nas proximidades do núcleo central de negócios junto à Avenida Rio Branco. Essas
condições foram justificativas para a proposição, num primeiro momento, do Museu
Guggenheim, o GUG-Rio, sobre o píer com o propósito de ser o principal ponto de
interesse a ser criado. A estratégia contemplaria ainda a criação de outros cinco pólos de
atração. Dois deles destinados à inserção de atividades de comércio e serviços seriam
localizados nas avenidas Barão de Tefé e Professor Pereira Reis, junto aos Armazéns 3 e 4
respectivamente. O quarto núcleo de atração deveria situar-se nas proximidades do Morro e
da Igreja da Saúde, destinado a valorizar a paisagem natural e inserir um marco de
preservação das características ambientais, já que esse ponto é onde se pode perceber o
alinhamento original do litoral antes do aterro construído na reforma Pereira Passos. Seria
então criado um parque público com características de valorização do litoral. O quinto
ponto de atração previa a inserção do uso habitacional no antigo pátio ferroviário da
Estação Marítima e de instalações de equipamentos educacionais e esportivos. O sexto e
último ponto de interesse estaria localizado na extremidade da Avenida Francisco Bicalho,
88
local de distribuição de fluxos de transportes e intensa circulação de veículos, para onde
estaria também destinada a inserção de um terminal de barcas no Armazém 18 e assim
estabelecer a articulação de várias modalidades de transportes
20
. A estrutura global do
Plano apoiava-se, assim, na inserção dos seis pontos focais apontados na figura 10 que
seriam introduzidos na área com a intenção de atrair outras atividades (PCRJ, 2001, p. 15-
16).
Figura 10 – Principais núcleos de interesse do Plano Porto do Rio 2001
Fonte: PCRJ, 2001
Outro aspecto da estrutura do Plano consiste nas necessidades fundamentais de
reestruturação do sistema de circulação, que como foi visto, teve sua definição voltada para
o atendimento das necessidades das áreas mais valorizadas da cidade, e, na verdade,
dificultou a circulação interna da Região Portuária. A redefinição do sistema viário é o
componente fundamental do projeto, pois estabelece conexões internas e externas aos seis
pontos focais distribuídos ao longo do Cais da Gamboa. Os principais elementos dessa
reestruturação seriam: a implantação do Binário do Porto, ou seja, a inserção de uma via
paralela à Avenida Rodrigues Alves interligando os três bairros; a ligação da Praça Mauá a
São Cristóvão pela utilização do antigo ramal ferroviário de acesso aos galpões; a
implementação de novos eixos de circulação acompanhando o contorno do litoral; a
inserção do Veículo Leve sobre Trilhos – VLT, estabelecendo a interligação ao Centro por
meio de 4 linhas; a construção do Mergulhão da Praça Mauá, o que tornaria a Avenida
Rodrigues Alves subterrânea nas proximidades da praça e viabilizaria o acesso ao Píer
Mauá; e, por ultimo, o outro elemento de circulação a ser inserido seria o sistema de
89
ciclovias interligando a Praça Mauá e a Praça XV que posteriormente, poderia ser ligada à
Ciclovia Mané Garrincha do Aterro do Flamengo o que faria com que a Região Portuária
estivesse interligada por ciclovias até ao bairro de São Conrado.
Apesar de denominado “reconversão de áreas”, faz também parte do plano um item
que muitas vezes tem sido referenciado como “retrofit” nos projetos para áreas centrais
requalificadas, e que se baseia na transformação de uso induzida em alguns imóveis com o
objetivo de antecipar o clima da requalificação. A justificativa para essas ações era de que
seriam a solução para questões relacionadas à ociosidade de áreas, barreiras visuais e
paisagens a destacar. Os critérios de definição das reconversões tiveram como base a
avaliação da situação fundiária, grau de proteção e estado de conservação, tendo-se o
cuidado em não criar conflitos com a área do Projeto SAGAS. Foram então propostas 13
reconversões de imóveis com vários objetivos específicos como: garantir utilização de
imóveis ociosos em conseqüência da redução das atividades portuárias como ocorre em 6
dos armazéns do porto e do armazém da CIBRAZÉM; promover a saída de usos pouco
adequados à vizinhança de um centro de serviços altamente qualificado, como a sede da
Polícia Federal da Praça Mauá, a sede da Polinter do Morro da Saúde, utilizado como
carceragem para 1800 detentos, e do Hospital da Polícia Civil na Praça Mauá; promover a
saída de usos institucionais de pouco retorno econômico direto, como o do Instituto
Nacional de Patentes Industriais - INPI do edifício “A Noite”, e do Fundo Previdenciário
PORTUS do prédio histórico da Praça Mauá; e como já várias vezes referido, criar no Píer
Mauá o principal elemento emblemático da área (PCRJ, 2003-3, CD-Rom). Esse conjunto
de intenções, com a saída dos usos indesejáveis e inserção dos usos selecionados reforçaria
a definição do perfil pela combinação “lazer - cultura - consumo” com forte apelo turístico
que se deseja imprimir na área.
A revisão dos parâmetros urbanísticos justificou-se pela intenção da promoção de
usos múltiplos na Região Portuária, pois usos residenciais e atividades de comércio e
serviços podem atualmente acontecer apenas sob fortes limitações. O plano considerou os
usos permitidos pelo zoneamento em vigor como um forte limitador da revitalização urbana
e que inviabilizariam o aproveitamento da maior potencialidade da área que consiste na
existência de grandes lotes com amplas possibilidades construtivas numa área contígua à
Área Central de Negócios. A solução seria a substituição gradativa das atividades
90
portuárias, o que demandaria a decretação da Região Portuária como Área de Especial
Interesse Urbanístico, como já ocorreu em diversas áreas da cidade sujeitas à revisão
urbanística, e o estabelecimento de uma regulamentação voltada para os interesses
apontados pelo PLANO “PORTO DO RIO - 2001”. Essa linha de ação do plano define
ainda outra associação com as tendências contemporâneas de planejamento: a intenção de
minimizar o conflito entre os desejos de preservação do patrimônio histórico e de
revitalização e valorização da área. A área plana resultante dos aterros da reforma Pereira
Passos, e que abriga ainda resquícios dos equipamentos que apoiavam a atividade portuária,
foi destinada à revitalização, enquanto a área preservada pelo Projeto SAGAS e
caracterizada pelos sobrados de 2 a 3 pavimentos será reservada para recuperação física dos
imóveis existentes. Umas das causas apontadas para a acelerada degradação de suas
edificações e, em muitos casos, da invasão de trechos desocupados já há algum tempo vem
sendo atribuída à complexa situação fundiária. Essa situação faz com que muitos imóveis
estejam vazios ou ociosos em conseqüência das restrições da legislação de uso do solo e da
dificuldade de alienação por seus proprietários serem órgãos públicos. Baseados nessa
premissa, os autores do plano consideram como condição essencial para o aproveitamento
da área de aterro, o principal fator de interesse do mercado imobiliário, a alteração da
regulamentação urbana. Em especial a área tem a particularidade de uso gravado como
“Zona Portuária” – ZP pela legislação urbanística, que como se viu no capítulo 1, definiu-se
no Rio de Janeiro com base no conceito de setorização espacial pelos diversos planos aos
quais a cidade foi submetida.
Por último, observa-se ainda que o Plano trata a área como espaço estratégico de
desenvolvimento urbano e para isso propõe mecanismos de gestão público – privado. A
criação de um órgão gestor de desenvolvimento urbano da Região Portuária, inspiradas em
experiências de outras cidades é admitida como imprescindível para a promoção da
implementação das medidas propostas e articulação dos agentes envolvidos. Essa
estratégia, como observado no item anterior, foi utilizada na maior parte das cidades que
promoveram a reestruturação de suas áreas centrais.
Desde sua publicação, em 2001, o “PLANO PORTO DO RIO 2001”, descrito
anteriormente em linhas gerais, foi amplamente divulgado na imprensa, em exposições e
distribuição de material informativo objetivando a atração de investimentos. Até o presente
91
momento a observação dos desdobramentos do plano demonstra que muito pouco do que
foi proposto tornou-se realidade na Região Portuária. Além disso, consideráveis alterações
foram feitas no conteúdo do plano por ocasião das concretizações das formulações iniciais.
Especialmente as propostas para aproveitamento da potencialidade do Píer Mauá e de seu
entorno imediato não mostraram a consistência necessária para que o impulso inicial da
revitalização acontecesse ali. A lógica do começo da valorização do espaço no trecho mais
nobre da Região Portuária, que desencadearia a atração do investidor privado para as
demais áreas, foi atropelada pela ambiciosa dimensão da proposta de implantação do
Museu Guggenheim. O museu foi idealizado para ser o ícone da adaptação da cidade às
demandas da cidade global. Sua concepção era de elemento emblemático da área e
totalmente voltado para a Baía de Guanabara, ou seja, para o exterior. Questões como a
indefinição do custo total do projeto, um contrato de 133 milhões de dólares para
construção em aberto deixando margem para acréscimo a ser pago pela Prefeitura, gastos
anuais de 12 milhões de dólares, e a condição contratual de administração pela Fundação
Guggenheim apesar do financiamento total pela Prefeitura, levantaram duvidas quanto à
relação custo-benefício e legalidade do empreendimento. Além disso, de 2001 a 2004,
protestos pela escolha do projeto do edifício sem concurso público e da utilização de um
sistema construtivo pouco conhecido e proposto por um arquiteto estrangeiro ocuparam as
manchetes dos jornais, debates abertos em sindicatos e organizações de classes desde o
anúncio da idéia. Em julho de 2003 a Câmara dos Vereadores teve parecer favorável a uma
Ação Popular impetrada para invalidar o contrato firmado entre a Fundação Guggenheim e
a Prefeitura movida junto ao Superior Tribunal de Justiça. Além das dúvidas já
mencionadas, como observa Almeida (2005) o sucesso do projeto numa cidade como o Rio
de Janeiro, com a grande diversidade de atrativos poderia não se confirmar (ALMEIDA,
2005, p. 177). Por mais um ano os representantes do Prefeito César Maia recorreram na
justiça e propuseram alternativas como a renegociação do contrato junto à Fundação
Guggenheim até que se considerou mais oportuno iniciar a reestruturação por outra área.
Após as eleições municipais de 2003 o foco inicial de atração foi deslocado para a
área do antigo pátio ferroviário da Estação Marítima. A estratégia de valorização do espaço
no trecho mais pobre da Região Portuária se concretizou pela construção da Cidade do
Samba, inaugurada em 2004. Trata-se de um projeto apoiado pela Liga das Escolas de
92
Samba – LIESA constituído de galpões de uso exclusivo para as 14 principais escolas de
samba ligadas a essa entidade. O projeto da Cidade do Samba traz a pretensão de constituir
o maior complexo de arte e entretenimento do país tendo as escolas de samba cariocas
como tema. Dentre as atrações voltadas para o turismo internacional o destaque seria a
apresentação da produção de carros alegóricos, fantasias e demais adereços nas oficinas,
além de espetáculos de música brasileira. Nesse espaço está ainda prevista a construção do
Museu Virtual do Carnaval. O conceito por trás da Cidade do Samba é a criação de um
espaço com clima ininterrupto de carnaval na cidade, ou seja, um elemento voltado para a
atração do turismo nos moldes dos parques temáticos. Para construção desse novo elemento
de valorização do espaço a Prefeitura investiu 5 milhões de reais na compra do terreno à
Rede Ferroviária Federal e gastou outros 120 milhões de reais em sua construção. A
justificativa apresentada para a alteração dos planos iniciais de implantação de um
empreendimento habitacional de baixa renda, segundo o Secretário de Urbanismo Alfredo
Sirkis na ocasião, foi que há tempos os moradores da área se preocupavam com a
possibilidade de que a implantação de um conjunto de baixa renda de grandes dimensões
trouxesse riscos de ampliação dos problemas já existentes pelo controle do tráfico no Morro
da Providência, nas circunvizinhanças (SIRKIS, 2006).
A insistência dos titulares do Ministério das Cidades na manutenção de um
empreendimento habitacional no maior terreno federal de toda Região Portuária esboçou a
participação de novos atores e novas imposições no processo. A partir da criação desse
ministério, no primeiro governo Lula, segundo o Diretor de Projetos do Instituto Municipal
de Urbanismo Pereira Passos da Prefeitura, Antonio Corrêa, outra disputa pelo poder de
decisão na área se instalou. Com a deliberação do Município na desistência do
empreendimento habitacional de baixa renda para a área do pátio ferroviário da Estação
Marítima, o governo federal pontuou sua participação no projeto não disponibilizando os
recursos da ordem de 100 milhões que seriam liberados pela Caixa Econômica Federal -
CEF e Bando Nacional de Desenvolvimento Social – BNDES para os projetos detalhados.
Mais uma vez o ritmo da reabilitação foi desacelerado. O distanciamento entre os níveis
federal e municipal impediu que o BNDES e a CEF implantassem na Região Portuária uma
agência de microcrédito junto com outras atividades relacionadas ao plano. Em março de
2006, entretanto, a participação da esfera federal foi formalizada no que se referia à
93
promoção das ações de reabilitação da Região Portuária por meio de um “Acordo de
Cooperação Técnica” que envolveu os ministérios do Planejamento, Cultura, Transportes e
das Cidades, além do BNDES e CEF. O objetivo é viabilizar a a transferência de terrenos
públicos exclusivamante para usos sociais e públicos, e a execução de empreendimentos
habitacionais em imóveis do INSS, RFFA e SPU, além de melhorar os acessos
rodoferroviários. Os investimentos na área de habitação pretendem o incremento de 2.335
unidades habitacionais. Do BNDES os recursos seriam para a implantação de um sistema
articulador dos principais transportes coletivos e para a implantação do Centro de Inovação
do BNDES, que funcionaria como elemento de fomento às atividades vinculadas à
inovação no país. Outra linha de ação seria a recuperação de nove imóveis da Secretaria do
Patrimônio da União, alienados para o Programa de Arrendamento Residencial - PAR, do
Ministério das Cidades, que geraria 111 unidades habitacionais para famílias de até cinco
salários mínimos nas ruas Senador Pompeo e Gamboa. Os critérios para essas
transferências estão ainda em estudo.
Apesar das intenções do governo federal, a dificuldade de entendimentos entre os dois
níveis de governo ainda permanece como entrave. A liberação de recursos tem sido
apontada como o principal obstáculo para alavancar o processo de reestruturação. A
retrospectiva a seguir das ações já consolidadas nos primeiros seis anos de existência do
plano, detalhada segundo os aspectos que o estruturam, mostra que não houve grandes
avanços.
A inserção de um “núcleo de interesse” ocorreu apenas com a construção da Cidade
do Samba e, junto a esta, a Vila Olímpica da Gamboa, dimensionada para atender aos três
bairros incluídos no plano. A Vila Olímpica é parte de um empreendimento do governo
municipal de apoio a atividades de educação desportiva e que funciona nos finais de
semana como clube comunitário localizadas em áreas periféricas da cidade.
No setor viário, efetivamente, o PLANO “PORTO DO RIO - 2001” conseguiu
promover a reurbanização de vários logradouros na área da Região Portuária, mas a
reestruturação do sistema de circulação, es ainda por começar. A licitação do VLT, com
recursos do BNDES foi suspensa em 2003 por decisão do governo federal.
No item “reconversão de áreas” apenas pode ser citada a reconversão do Armazém
Pedro II, o armazém mais antigo da Região Portuária ocupado pela ONG Ação e Cidadania,
94
que abriga um centro de excelência em cultura e inclusão social. Apenas a restauração do
interior do armazém com capacidade para 3.000 alunos foi concluída com o financiamento
da PETROBRÁS. Embora já funcione com programações regulares de arte, debates e
intercâmbio cultural, os espaços destinados apresentação musical, teatro, cinema e
gastronômico ainda estão por terminar (AÇÃO DA CIDADANIA, 2007). Os armazéns 5 e
6 já são utilizados para shows e exposições promovidos pela Secretaria Municipal das
Culturas e Cia. das Docas, apesar de não terem recebido melhoramentos nem projetos
definitivos. Algumas outras alternativas aos usos atuais forma apenas estudadas, como a
instalação de universidades ou instituições de pesquisas nos prédios da Polícia Federal e
Hospital da Polícia Civil. Para o prédio “A Noite”, que já está em fase de restauração,
propôs-se o uso de hotel. O prédio da Polinter deverá dar lugar ao um empreendimento
residencial. O prédio da CIBRAZÉM deverá ser objeto de concurso público para abrigar a
Cidade do Cinema com estúdios e salas de projeção (PCRJ, 2003-3, CD-Rom). Para o Píer
Mauá, apesar de ainda ser cogitada a possibilidade do Concurso Nacional de Idéias,
seguindo o exemplo da experiência de Buenos Aires, que o governo federal tentou impor
em 2006, é mais provável que venha acontecer a instalação da proposta defendida pelo
Instituto AQUALUNG de construção do “Aquário Municipal” com usos de hotel e
“shopping center” acoplados e também com o possível financiamento da PETROBRÁS. O
instituto já estuda um convênio com Prefeitura e Cia. das DOCAS-RJ para realização desse
propósito. O Consórcio PIER MAUÁ estuda para essa área a nova Estação de Passageiros
do Porto do Rio no Armazém 4 num modelo mais compatível com as referências
contemporâneas, isto é “shopping center”, hotel, restaurante com vista panorâmica dentre
outras conveniências
21
.
Quanto à implementação da habitação algumas iniciativas anteriores ao plano, ainda
na década de 1990, tiveram continuidade. O projeto habitacional da Saúde iniciado em1996
foi finalizado em 2001 e financiado pela Caixa Econômica Federal com 150 unidades
habitacionais de baixa renda; a restauração de prédios ainda utilizados como cortiços, mas
desta vez não para reconversão de uso e sim para geração de moradias de baixa renda com
o apoio do Programa de Novas Alternativas iniciado em 1996 também financiado pela
CEF; e a reabilitação do Morro da Conceição terminada em 2000. Nessa área o plano tem
ainda como mérito a aprovação de dois grandes projetos voltados para a classe média. O
95
primeiro na Avenida Rodrigues Alves próximo à Cidade do Samba com 683 unidades além
de salas e lojas e outro na Avenida Presidente Vargas que aguardam a incorporação. A
opção pelo mercado de classe média foi justificada mais uma vez por Alfredo Sirkis (2006),
que mencionou a experiência internacional como um alerta para a necessidade de um fator
de equilíbrio entre a presença de todas as faixas de renda. Pois, segundo seu ponto de vista,
no caso carioca dois riscos são possíveis: a gentrificação pela valorização excessiva e a
favelização, caso os conjuntos de baixa renda sejam executados em número superior à
capacidade de suporte do bairro e provoquem um êxodo da classe média.
A alteração da regulamentação urbana para o aproveitamento da área dos aterrados
sugerida pelo plano teve com resposta inicial a realização de estudos de viabilidade para o
aproveitamento dos mais de 600.000 m² oriundos dos aterros de orla. O objetivo foi avaliar
o potencial imobiliário dessas áreas em apoio às propostas do Projeto Porto do Rio 2001.
Mais uma vez os participantes reafirmaram a necessidade de criação de Sociedade de
Propósitos Específicos – SPE, que deveria ser responsável pela agilização e controle do
processo. A justificativa para a criação de tal entidade seria a possibilidade de que através
desta pudesse receber recursos por sua natureza mista, e assim, garantir a continuidade e
complementação de obras com a reaplicação do retorno dos investimentos exclusivamente
na própria Região Portuária seguindo os modelos das experiências internacionais. A SPE
seria também responsável por um planejamento de liberação gradativa das áreas a ocupar e
deveria ser extinta ao fim do processo, que na ocasião do relatório estimou-se ao redor de
10 anos. O relatório apresentou também, com maior precisão, a estimativa das magnitudes
financeira, em torno de 3 bilhões de reais, e territorial, e um potencial construtivo de
3.177.000 m
2
,
se considerada a legislação vigente que nesse trecho já admite, desde a
década de 1970, 18 pavimentos com 4 andares de garagem, o que resultaria num gabarito
de 22 pavimentos, embora existam poucos prédios que se utilizaram dessa possibilidade
oferecida pela legislação (PCRJ, 2003-2). A revisão da legislação urbanística, uma
atribuição inquestionável da Prefeitura, para garantir usos múltiplos e incentivar a ocupação
de grandes áreas atualmente ociosas, dotadas de boa infra-estrutura e próximas ao Centro
da Cidade, prossegue com o grupo de trabalho da Área de Especial Interesse Urbanístico –
AEIU da Região Portuária criada no ano de 1992 que já tem pronto o projeto de lei a ser
oportunamente enviado à Câmara dos vereadores para votação. Nos anos de 2006 e 2007
96
outros decretos renovaram disposições para atuação de grupos de trabalho e na Área de
Especial Interesse, principalmente para o estabelecimento de parcerias com o setor privado
(RIO DE JANEIRO, 2006 -2007).
4.3
AS RUGOSIDADES ESPACIAIS EMBLEMÁTICAS DE REVITALIZAÇÃO DA REGIÃO
PORTUÁRIA NO DEBATE ACADÊMICO
Após duas décadas de propostas de revitalização e seis anos de publicação do plano
“Porto do Rio” - 2001” como facilitador da reconversão da Região Portuária, as incertezas
em relação ao real dinamismo urbano que estaria sendo conduzido e as possíveis
conseqüências como a gentrificação e ampliação das desigualdades urbanas, têm instigado
observadores de vários campos de atuação no acompanhamento do processo. Manifestações
de preocupação constantemente são veiculadas na mídia e nos meios relacionados ao
desenvolvimento urbano da cidade do Rio de Janeiro. A percepção da possibilidade de
impactos sobre a população local em conseqüência da valorização promovida pela
reconversão, da mesma forma, tem justificado algumas iniciativas para facilitar a
participação popular no processo. Por isso, julgou-se adequado para a avaliação das
tendências urbanísticas e possibilidades de renovação populacional na área, a análise de
pontos de vistas de alguns observadores do processo da revitalização da área central do Rio
e, em especial da Região Portuária. As questões e iniciativas aqui apresentadas são
produtos de seminários, reuniões e de trabalhos do meio acadêmico, situações em que se
procurou não só apontar possíveis problemas decorrentes do processo de reconversão da
Região Portuária com base nas experiências desenvolvidas em outras cidades, mas também
propor alternativas. Por intermédio desse material são expostas questões que fazem
referência à importância da reconversão da Região Portuária na preservação do centro, à
dicotomia preservação e revitalização urbana, à inserção da imagem de marca como
atrativo para investimentos, e a difusão da informação e participação popular nas escolhas
para a área.
A importância do fortalecimento do centro da cidade foi confirmada no contexto das
administrações que se sucederam após o Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro de
1996, promovido na primeira gestão do Prefeito César Maia. Revitalizar o centro da cidade
a partir de então passou a ser um dos objetivos declarados como parte da estratégia para a
97
integração da cidade. Assim a estratégia número 4 desse plano, chamada “RIO
INTEGRADO”, (PCRJ, 1996) reafirmou a intenção da revitalização de vários trechos da
área central, dentre esses, a da Região Portuária.
O modelo de revitalização adotado, nesse período, entretanto, é um dos pontos
centrais na discussão da preservação dos conjuntos edificados da área central. Para
expressar a preocupação com efeitos adversos sobre o patrimônio construído resultantes da
atual política de valorização das áreas centrais apoiada na preservação de conjuntos de
valor histórico, Mesentier (2006), relembra que a tendência de os bens preservados serem
vistos pelos agentes imobiliários como fator que desvalorizava a propriedade pela inibição
da verticalização começou a ser alterada em meados da década de 70. Até então, a dinâmica
intra-urbana não havia gerado pressões suficientemente fortes para promover a
transformação do ambiente construído. Por isso, parcelas de conjuntos urbanos de valor
histórico-cultural sobreviveram e puderam ser preservadas. A revalorização do centro da
cidade nos anos 80 por suas qualidades culturais, decorreu de seu potencial para atividades
de lazer, turismo e comércio, razões convincentes para motivar o apoio de setores do
empresariado e do governo na preservação. Coincidiu com esse momento o início da
movimentação da opinião pública, imprensa, governo e entidades civis para o
estabelecimento de um centro de negócios na Região Portuária, fato mencionado nos
capítulos anteriores. A revalorização do patrimônio histórico na cidade do Rio de Janeiro
foi assim marcada por dois períodos de políticas públicas. O primeiro, que se passa na
década de 1980, caracterizado por ações de proteção legal combinadas ao estimulo a ações
de conservação por parte dos proprietários motivados pelos mecanismos de isenção fiscal.
O segundo, iniciado nos meados dos anos de 1990, e que prossegue ainda hoje, quando
foram adicionadas às ações anteriores, programas e projetos que aportam recursos e
realizam intervenções no ambiente urbano, e implicam ainda na reestruturação do uso do
solo no curto prazo e valorização imobiliária de algumas áreas onde existem edifícios e
conjuntos de valor patrimonial (MESENTIER,2006).
A respeito dessa mudança de política urbana Messentier (1992) já identificava para a
segunda fase a consolidação de uma postura que denominou de “renovação preservadora”.
Esse conceito expressa uma política de manutenção da forma urbana e substituição de usos
buscando a valorização não só do patrimônio, mas também da economia no seu entorno
98
imediato. Ou seja, no segundo momento o antigo permanece para atrair o “novo” que
deverá ter a função de viabilizar o retorno econômico. Para Mesentier, essas novas políticas
preservacionistas tiveram seu inicio num momento em que os poderes públicos e a
iniciativa privada debatiam a necessidade de ressituar a cidade economicamente, investindo
em atividades capazes de garantir para o Rio uma nova posição no contexto internacional
como cidade de negócios por meio do turismo e de outras atividades ligadas ao comércio
internacional. Conforme se vê, o plano “Porto do Rio” - 2001” é um típico produto dessa
política.
Em vários pontos da área central agentes privados têm antecipado os processos de
transformação do uso do solo ao implantar atividades relacionadas à gastronomia, lazer
cultural, o uso como bares, casas de shows de música popular e espaços para dança,
acompanhadas da reciclagem de imóveis de valor histórico-cultural. Apesar de festejada, é
essa nova dinâmica da preservação do patrimônio histórico-cultural do centro do Rio, em
que Messentir visualiza possibilidade de riscos de desarticulação do próprio patrimônio em
conseqüência das limitações dos marcos regulatórios. Os processos de revitalização
valorizam intensamente a projeção do ambiente urbano e, na maior parte das vezes, o
patrimônio é impedido de realizar seu papel de suporte da memória social, de referência
cultural e base dos processos de construção das identidades coletivas,. Contraditoriamente,
o processo de “revitalização” poderá comprometer o conjunto do patrimônio histórico-
cultural que dá identidade ao centro do Rio de Janeiro e é sua própria base de sustentação
(MESENTIER,2006).
Um artigo do secretário municipal de urbanismo e um dos idealizadores do Projeto do
Corredor Cultural e do plano “Porto do Rio” - 2001”, Augusto Ivan de Freitas Pinheiro,
publicado em maio de 2002 e intitulado “Preservar, Conservar e Modernizar: Um Novo
Paradigma para a Reabilitação do centro do Rio” ilustra bem o mecanismo desse processo.
No texto, uma alusão aos sinais de requalificação e regeneração que Centro do Rio vem
mostrando há alguns anos, o urbanista demonstra seu grande entusiasmo pelas
transformações em curso: duas torres de escritórios, uma na Avenida Chile, outra na Rua do
Lavradio que estavam sendo construídas pela empresa Tishman Speyer-Método e, um novo
prédio na esquina das ruas Graça Aranha e Almirante Barroso, no local do antigo edifício
Andorinha, que a “incorporadora Hines, uma das maiores do mundo” levantava. Com o
99
mesmo ânimo, Pinheiro aponta a positividade do interesse de uma grande rede de livrarias
francesa que buscava, na ocasião, áreas no centro e da Vitra, empresa alemã de móveis, que
estaria instalando sua sede brasileira, na Região Portuária. E ainda acrescenta:
Curiosamente, todos estes empreendimentos são oriundos de investimentos ou
iniciativas de empresas ou instituições estrangeiras posicionadas entre as maiores
do mundo, cada qual no seu respectivo ramo. Tal fato também deve ser visto como
mais um sinal e com muito interesse e atenção por todos. Principalmente por parte
do mercado local, ainda muito temeroso e apegado à imagem clichê de
degeneração da área central, além de refratário e pouco antenado (ou estimulado)
quanto a investimentos no local e nada ousado em abrir novas fronteiras, mesmo
que elas sejam velhas. [...] Novos ventos, porém estão soprando e potencialidades
surgindo no Centro do Rio. Não é disso que o capital vive? De farejar novas
oportunidades para maximizar seus lucros? (PINHEIRO, 2002).
Como se pode observar, a constatação de que o patrimônio histórico carioca é capaz
de atrair as grandes incorporadoras que levantam torres e as empresas mundializadas que
aqui querem se instalar é vista de forma positiva no quadro da revitalização, confirmando
as preocupações de Messentier (2006).
Apesar das mudanças nas políticas preservacionistas, Clarissa Moreira (2004) admite
persistir o conflito entre a preservação e a revitalização nos projetos urbanos, e aponta o
caso da Região Portuária como um exemplo de destaque, considerando que por mais de 20
anos as propostas para a área expressaram manifestações dessa natureza. Os projetos
urbanos em voga que incorporam as mudanças de postura em relação à preservação,
segundo a autora, parecem não se ocupar em encontrar uma saída para o problema. Tratam
apenas de estabelecer soluções pontuais para as situações específicas, que em geral são
estabelecidas de forma compartimentada. Define-se que uma parte será destruída e
reconstruída, enquanto a outra será preservada em sua materialidade (MOREIRA, 2004,
p.77). No plano “Porto do Rio” - 2001” a solução para o conflito segue exatamente o
modelo da solução pela compartimentação e, assim, destina a área plana remanescentes dos
aterros para a revitalização, ou mais especificamente para a verticalização e, as áreas
preservadas do Projeto SAGAS para uma possível recuperação física, como se observa na
figura 11.
100
Figura 11 – Área plana a ser renovada e área dos morros e projeto SAGAS.
Figura 10- PCRJ, 2003-3
A coexistência futura dessas duas áreas é outro fator de preocupação apontado
mediante a análise das propostas do plano “Porto do Rio - 2001”. Clarissa Moreira (2004)
chama a atenção para o fato de que as propostas de verticalização das áreas planas pelo
plano apenas confirmam uma situação existente desde a década de 1970, quando a
legislação urbana liberou construções de até 18 pavimentos com 4 andares de garagem. O
argumento para a manutenção dessa definição tem sido de que a revitalização nessa escala é
considerada necessidade técnica das próprias condições físicas da área, uma vez que o solo
de aterro tem baixa resistência e por isso requer fundações de alto custo que podem atingir
até 30m, segundo as avaliações técnicas. Isso seria o que Moreira (2004) define como “uma
curiosa relação da tabula rasa inicial” - a construção dos aterros, com uma tábula rasa ainda
latente. Apesar de este fato estar sendo usado para explicar uma suposta “necessidade de
verticalização” este ainda não induz a demanda e não concretiza a revitalização, pois são
raras as ocupações na área que usufruem dos recursos da lei. A abertura para a
verticalização define ainda critérios para a dinâmica imobiliária da área mediante à
expectativa criada pelos contínuos anúncios da valorização associada à legislação que,
101
como se viu, permite um total de 22 pavimentos. Essas condições fazem com que a
especulação nos terrenos dependa de uma valorização da Região Portuária com capacidade
para despertar grandes investimentos, o que no Rio acontece em outras áreas já bastante
valorizadas da Barra da Tijuca e pequenos setores da Zona Sul. Por essa hipótese, a
inexistência de uma forte valorização, faz com que a área permaneça na inércia imobiliária
mediante a incapacidade do médio e do pequeno capital viabilizarem empreendimentos do
porte reafirmado pelo plano (MOREIRA, 2004,106-108).
A perseguição incessante da valorização da área pela inserção de uma imagem de
marca pelos setores interessados complementa a idealização descrita pelos fatos
mencionados acima, pois apesar da desistência da construção do GUG-Rio, permanece a
idéia do que Moreira (2004) classificou de “inserção de um elemento catalisador” da
revitalização desejada. A implantação desse elemento, seja ele o Aquário Municipal
atualmente cogitado, ou qualquer outro de mesma natureza, terá como função principal
promover o tão desejado boom imobiliário na área. Se recordarmos as observações de
Otilia Arantes (2000) vai ser assim consumado o casamento da indústria cultural, gestão
urbana e mercado imobiliário associados para ampliação do valor financeiro.
A expressão urbana sugerida pelo plano “Porto do Rio” - 2001” ao reafirmar a
possibilidade de revitalização pela verticalização da área plana é ainda segundo Moreira
(2004) o principal fator que criará dificuldades para permanência de certas qualidades
urbanas nos bairros portuários, associadas aos modos de vida que aí persistem. Apesar de o
plano afirmar o desejo de preservação do existente ou a importância da comunidade local
no nível do discurso, segundo a autora, a revisão de experiências semelhantes demonstra
que a revitalização pela verticalização da área plana influirá também na elevação do valor
imobiliário e dos serviços e comércio local acarretando também a valorização dos imóveis
vizinhos preservados. A preocupação com possíveis impactos sobre a população pobre
pareceu, de acordo com a pesquisa de Lobo (2006), desconsiderada, ou no mínimo
sublimada pela ênfase dada durante a divulgação do plano ao caso nova-iorquino, quando
apesar de criticar o caso das “Docklands” londrinas, o Secretário de Urbanismo (SIRKIS,
2005), faz elogios à reabilitação do Soho. A autora destaca portanto, a necessidade de se
reconsiderar as conseqüências do plano, pois o caso do Soho constituiu um processo de
valorização que expulsou artistas pioneiros na revitalização dessa localidade tantas vezes
102
mencionada na literatura como exemplo máximo da gentrificação (LOBO, 2206). A
associação da legislação que estabelece altos índices de verticalização a outras destinações
de usos e atividades previstas no plano, como no caso das reconversões já citadas, permite
da mesma forma identificar o desejo de renovação sócio-econômica. Enfim, de acordo com
Moreira (2004), pelo direcionamento ao grande capital, o plano dificulta bastante, sob a
ótica da promoção imobiliária, a implantação de propostas alternativas para o
desenvolvimento urbano que não se encaixem em suas determinações. Manifesta-se assim o
desejo da tabula rasa como função direta da renovação socioeconômica expresso pelas
destinações de usos e atividades previstas (MOREIRA, 2004 p.109-111).
A constatação de que as condições para a ocupação da área plana pelo grande capital
foram estabelecidas na década de 1970 e, que dificilmente serão alteradas sem a afirmação
de forças suficientes, confirma que as atenções para possíveis impactos decorrentes do que
está sendo proposto para a vida urbana da Região Portuária e da cidade é essencial. Nesse
sentido, duas questões de destaque são apontadas por Moreira (2004): a primeira se refere
ao encobrimento dos morros da área causando alteração na paisagem de entrada da cidade
pelos futuros prédios, como se vê na figura 12; a outra diretamente relacionada ao objeto
desse estudo, se volta para a possibilidade de renovação populacional na área e a supressão
da urbanidade existente. A iminência da renovação populacional constitui, portanto, o
aspecto básico de desestabilização do discurso da preservação e integração da cidade
apresentado pelo plano (MOREIRA, 2004 p.112). Em resumo, é preciso analisar em
profundidade os impactos do que está sendo proposto por um plano de tal magnitude em
que analistas do processo apontam a tendência à renovação populacional pela valorização
provocada pela revitalização.
103
Além dos questionamentos inerentes às propostas urbanísticas, o debate acadêmico
demonstra a preocupação com a difusão das informações e a participação popular na
revitalização da Região Portuária.
No que se refere aos espaços de discussão sobre os rumos da cidade é oportuno
lembrar que de acordo com Vainer (2003), estes foram a partir do processo de
redemocratização bastante ampliados e disponibilizados à sociedade brasileira por diversos
meios. Destacam-se dentre esses, as garantias do Estatuto das Cidades de julho de 2001
22
que prevê a utilização de instrumentos como órgãos colegiados de política urbana, debates,
audiências e consultas públicas, conferências e iniciativas populares de projeto de lei,
planos, programas e projetos de desenvolvimento. O espaço para o debate popular acerca
das causas de nossas desigualdades urbanas, assim como os meios para superá-las, segundo
Vainer (2003) foi gradativamente sendo conquistado em nosso país. Superamos as
referências higienistas que viabilizaram a arbitrariedade da reforma de Pereira Passos.
Superamos também a utopia da cidade como lugar da produção e da reprodução inspirada
no pensamento modernista e levada ao extremo no regime militar que nos impôs um
modelo centralista-tecnocrático-autoritário. A era em que vivemos é, entretanto, marcada
pelo embate entre duas outras referências urbanas - a da cidade-empresa, e, a da cidade
democrática. A imagem da cidade democrática ao contrario do que pregam os planejadores
estratégicos, não seria dominada pelo mercado, e sim, dirigida pela política. A cidade
democrática não se opõe às demais cidades como adversárias a serem derrotadas numa luta
por meio de oferecimento de favores e vantagens para atrair capitais e empresas. Ao
Figura 12 - Simulação da ocupação da área plana remanescente dos aterros da Reforma Pereira Passos.
Figura 10- PCRJ, 2003-3
104
contrário, ela aponta para um projeto nacional, e mesmo universal, de cidades e cidadãos
solidários (VAINER, 2003).
No caso da Região Portuária, verifica-se não terem sido poupadas as oportunidades à
opinião pública para usufruir algumas dessas garantias do atual momento. Um exemplo
disso ocorreu em maio de 2002, quando a Câmara dos Vereadores promoveu o Seminário
Rumos da Área Portuária. As parcerias para a realização do evento foram com o Fórum
Popular de Acompanhamento do Plano Diretor, Fórum de Debates para Revitalização da
Zona Portuária, Fórum em Defesa do Patrimônio Cultural/RJ, Associação de Moradores e
Amigos da Saúde, Sindicato dos Engenheiros e a Federação Nacional dos Urbanitários,
entidades voltadas para a observação e acompanhamento de interferências na cidade. Fato
que demonstra existir considerável mobilização popular acompanhando as propostas para a
área. Apesar disso, Lobo (2006) aponta a ausência do Conselho Municipal de Política
Urbana - COMPUR dentre os grupos de trabalho e à frente dos acordos sobre a
revitalização da Região Portuária. Fato que pode ser visto com certa estranheza, uma vez
que o papel do COMPUR é acompanhar o processo de desenvolvimento urbano de toda
cidade e o plano em questão envolve situações bastante complexas, e até mesmo,
extrapolam a esfera municipal. Apesar dos avanços em algumas áreas ligadas ao
desenvolvimento urbano o processo de surgimento desse conselho é um tanto confuso. Sua
criação se deu por decreto em 1992, no mesmo ano da aprovação do Plano Diretor Decenal
da Cidade. Entretanto, efetivamente foi posto em atividade apenas em 2005. De acordo com
o levantamento realizado acerca da formação e atuação dos conselhos municipais realizado
por Barros (2007) no âmbito do Município do Rio de Janeiro o CONPUR tem uma das
melhores composições e articulações no que se refere à representatividade do setor civil. E,
em especial, destaca-se pela abrangência na representação da gestão municipal. Constituído
por 14 membros e presidido pelo Secretário Municipal de Urbanismo, reúne representações
de entidades afins ao planejamento urbano, de entidades empresariais, entidades
comunitárias e órgãos municipais (BARROS, 2007, p. 123-124). A participação do
COMPUR pelos setores que representa poderia trazer novas perspectivas para os
questionamentos colocados sobre o plano para revitalização da Região Portuária. É um
tanto difícil aceitar justificativas para sua ausência no processo.
105
Ainda em relação à participação popular, verifica-se que a dificuldade de antevisão de
resultados da prática urbanística é muitas vezes tarefa complexa tanto para profissionais
como para o público leigo. Iniciativas voltadas para a difusão de informação que permitam
a aproximação e interação da população nas mudanças têm sido promovidas como resposta
à essa preocupação. Destaca-se dentre essas iniciativas a do Laboratório Espaço da
Informação do IPUR/UFRJ. O projeto utiliza um site na Internet denominado “TV
PORTO” que consiste numa resposta à antevisão dos possíveis grandes impactos
econômicos, sociais e ambientais decorrentes da implantação do plano “Porto do Rio –
2001”. A idéia foi criar um sistema de informações que servirá de apoio à participação dos
agentes envolvidos na transfomação do espaço, tendo-se como pressuposto a mudança de
paradigma do planejamento urbano que não estaria mais apoiado em dispositivos legais
para moldar a ação dos agentes do desenvolvimento local e passa a ser visto como um
processo dependente da interlocução e do consenso do conjunto de atores envolvidos.
Inserindo-se nesse contexto, essa proposta utiliza a tecnologia de informação para ampliar
as possibilidades de interlocução social e participação popular. Assim, já são veiculados no
site TV PORTO, além de informações acerca da evolução urbana da Região Portuária
desde sua formação, os programas, projetos, e procedimentos em curso no sentido de tornar
claras as oportunidades de investimento, empreendimentos, trabalho e ação social que
deverão ocorrer no processo que está se instalando (TV PORTO, 2007).
4.4 – A AVALIAÇÃO DAS TENDÊNCIAS URBANÍSTICAS E POSSIBILIDADES DE RENOVAÇÃO
POPULACIONAL
O item 4.1 permitiu a observação de que, os 30 anos de experiências acumuladas em
reconversão de áreas portuárias já consolidaram situações passíveis de análises referentes
às transformações urbanísticas e impactos econômicos e sociais que produziram nessas
cidades espaços emblemáticos que se tornaram referências para outras cidades do mundo.
Os dados examinados por meio dos autores consultados, entretanto, reafirmaram as
incertezas acerca dos resultados desse tipo de operação. A partir de 2001 as propostas para
a reconversão da Região Portuária passam a estar reunidas no plano “Porto do Rio - 2001”.
As reflexões de Moreira (2004), Mesentier (2006) e outros, traduzem a antevisão de uma
provável verticalização e valorização resultante das propostas para a Região Portuária e nos
leva à conclusão de serem oportunas contribuições que, a partir da observação de dados
106
quantitativos, sobretudo acerca da dinâmica de ocupação urbana e impactos sobre a
população, propiciem o acompanhamento das transformações recentes e tendências
urbanísticas para o século XXI para o caso do Rio de Janeiro. Constituiriam certamente, um
instrumento adequado para o acompanhamento das modificações da área a ser utilizado
pelos grupos de participação popular que, como se pode constatar já vêm manifestando.
Para tanto, inicialmente sugere-se aqui a observação da dinâmica da ocupação urbana
associada às transformações recentes da Região Portuária, a partir da base de dados do
cadastro do Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU. Apesar de ter a finalidade
exclusiva de viabilizar o cálculo e cobrança do imposto, as potencialidades dos cadastros
técnicos municipais, em especial o cadastro do IPTU, como ferramenta de ampliação do
conhecimento sobre a cidade, no que se refere ao aspecto “formal”, é fortemente defendida
por técnicos da Prefeitura (ALEM; CRETTON, 2002). Diante dessa premissa, quatro
aspectos relacionados à dinâmica urbana – o crescimento imobiliário formal, as alterações
das tipologias construtivas, as transformações de usos dos imóveis e a renovação de
estoques imobiliários nos bairros da Saúde, Santo Cristo e Gamboa poderão ser observados.
Para efeito de comparação e de avaliação da renovação que pretende transformar a área
numa extensão da área central, julgou-se adequado comparar o comportamento desses
bairros ao bairro do Centro. Apesar de o recorte temporal adotado para esse estudo
compreender a década de 1990 até o momento atual, a reformulação da estrutura das bases
de dados promovida pela Secretaria Municipal de Fazenda, entidade responsável pelo
cadastro do IPTU, contemplou apenas os registros a partir do ano 2000. O que ocasionou
uma descontinuidade na formatação dos dados, tornando necessária sua observação em dois
períodos: de 1991 a 1999 e nos anos 2000 e 2006 para as categorias tipologia construtiva e
utilização dos imóveis.
O primeiro aspecto analisado, o “crescimento imobiliário formal” da Região
Portuária, foi observado a partir do número de inscrições prediais entre 1991 e 2006, e do
crescimento da área construída no cadastro do IPTU entre 1991 e 2000 e da densidade
construída, ou seja, o quociente entre a área construída e a área total dos bairros, que se
apresenta maior nas áreas mais verticalizadas. Assim, entre os anos de 1990 e 2006 houve
um acréscimo de imóveis tributados pelo IPTU da Região Portuária que alcançou o total de
2.421 unidades que corresponderam às 965 contribuições do bairro de Santo Cristo, 755 da
107
Gamboa e 701 da Saúde. Entretanto, esse crescimento não alcança 20% do crescimento do
bairro do Centro, onde 12.733 inscrições foram registradas. Os dados registrados na tabela
6 são comprados pelo gráfico 1 que realça essa diferença que persistiu ao longo do período.
Gráfico 1 - Total de inscrições no Cadastro do IPTU dos bairros do Centro e total dos bairros históricos 1991-2006
10 0 0 0
20 000
30 000
40 000
50 000
60 000
70 000
80 000
Total Bairros Históricos Centro
Fonte: PCRJ, Cadastro do IPTU.
Ao ser observado o comportamento do total de acréscimo de área construída na
década de 1990, um desempenho semelhante poderá ser verificado pela tabela 7, onde da
mesma forma, somados, os três bairros não alcançam 20% do crescimento do Centro. Se
ainda complementarmos essa observação pela tabela 8 com a relação entre área total
construída e a área territorial, dos bairros estudados, permanece a constatação da baixa
densidade construída da Região Portuária, onde o conjunto dos 3 bairros apresentava no
ano 2000 o índice médio de 0, 65, enquanto o bairro do Centro já alcançava o índice de
1,73. Isoladamente, verificou-se no bairro da Saúde o maior crescimento imobiliário
relativo com um aumento de 37% do total de imóveis, 91% do total de área construída e
uma variação da densidade construída de 0,72 para 1,39 nos intervalos considerados.
Uma segunda avaliação das alterações decorrentes das propostas para a Região
Portuária seria pelas “alterações na tipologia construtiva” com base nos dados do IPTU que
visam à identificação de alterações nas características de construção dos imóveis, sobretudo
no que se refere à alternância de uso residencial para outros fins. Os dados disponíveis
permitiram a análise isolada de cada bairro das tipologias residenciais e não-residenciais
para o período de 1991 a 2006 e das tipologias específicas separadamente para os períodos
de 1991 a 1999 e 2000 e 2006. Assim, o bairro da Saúde segundo a tabela 9 não apresentou
grandes alterações na tipologia construtiva na década de 1990 e permanece como um bairro
com construções de características predominantemente não-residenciais, cerca de 70%, as
tipologias “sala” e “especial” – sendo essa tipologia um agregado de várias tipologias não-
residenciais. No mesmo período, os bairros da Gamboa e de Santo Cristo, ao contrário,
108
apresentam-se com tipologias construtivas voltadas para o uso residencial, mais de 70% nos
dois casos, onde também se destaca a tipologia casa-sobrado, vistas as tabelas 10 e 11. O
Bairro do Centro utilizado como comparação para tendência a alteração de seu espaço
construído, como mostra a tabela 12, apresenta-se com mais de 70% de tipologias
construtivas não-residenciais, com grande número de salas, tipologias especiais e lojas. Ver
também tabelas de 1 a 6 do Anexo 1 onde os dados do IPTU denotam que essas tendências
se mantiveram nos primeiros anos do século XXI.
O terceiro aspecto relacionado à dinâmica urbana a ser considerado é a utilização dos
imóveis nos bairros, objetos do projeto de reconversão. De acordo com os dados obtidos
para o período de 1991 a 1999, coincidindo com as tipologias construtivas não-residenciais
observadas anteriormente, o bairro da Saúde já no início da década de 1990 apresentava
como principal utilização de seus imóveis as garagens, mais de 30%, seguido de usos
residenciais e de escritórios que giravam em torno de 29% e 28% respectivamente. No ano
de 2006 os usos de garagem e residência mantiveram seus percentuais, mas os usos de
escritório foram reduzidos para pouco mais de 15% dos imóveis, e com usos não-
residenciais diversos sendo ampliados de 6% em 1991 para mais de 14% em 2006, como se
pode ver nas tabelas 13, 17 e 18. O uso dos imóveis do bairro da Gamboa apresentou-se,
predominantemente, como residencial, mais de 70% em toda a década de 1990, e, ampliou-
se em 2006 para 72%, seguido, da mesma forma, de usos não-residenciais diversos que
variaram de 11% a 16%, vistos nas tabelas 14, 17 e 18. O Bairro de Santo Cristo apresenta
padrão de comportamento semelhante ao da Gamboa com os usos residenciais em torno
74% seguido de usos não-residenciais diversos que saltaram de 8% em 1991 para 13% em
2006, conforme as tabelas 15, 17 e 18. O padrão de utilização identificado em ambos os
bairros é compatível com a analise dos dados das tipologias construtivas. A principal
tendência observada no bairro do Centro em relação à utilização dos imóveis foi a redução
dos usos de escritórios de mais de 47% para 28%, enquanto observou-se o crescimento de
usos não-residenciais múltiplos de pouco mais de 8% em 1991 para mais de 30% em 2006.
O uso residencial também sofreu uma pequena redução entre 1991 e 2006 de 29% para
25% como se vê nas tabelas 16, 17 e 18. Ver também tabelas de 7 a 12 do Anexo 1, em que
os dados absolutos confirmam essas afirmações.
109
O quarto aspecto sugerido para o acompanhamento da implantação do plano Porto do
Rio – 2001 é a “renovação dos estoques imobiliários” pela avaliação da idade atribuída aos
imóveis. Para efeitos do cálculo do IPTU a idade do imóvel é contada a partir do exercício
seguinte à concessão do “habite-se”, da reconstrução ou do exercício seguinte à sua
ocupação (PCRJ, 1999-2). Os dados disponibilizados segundo o fator idade foram
agregados por faixa de idade para a análise nos anos de 1995, 2000 e 2006. Utilizou-se
ainda o total de inscrições por ano de inscrição agregado por década para os anos 2000 e
2006, informação existente apenas a partir do ano 2000. Assim, percebe-se que se
observando os anos de 1995, 2000 e 2006, os bairros da Gamboa e Santo Cristo
mantiveram as características de concentração, cerca de 50% de seus imóveis com mais de
50 anos de idade, enquanto o bairro da Saúde já apresentava sinais de alguma renovação
com a faixa de imóveis de 10 a 20 anos, ultrapassando o total de 25%, segundo as tabelas
19, 20 e 21. Apesar dessa constatação, é importante a ressalva de que as características dos
dados referentes à idade dos imóveis e sua inserção no cadastro do IPTU exigem que uma
avaliação mais aprofundada, como o cruzamento com o cadastro de patrimônio histórico e
cultural, em desenvolvimento no âmbito da Prefeitura, para que sejam associadas à uma
possível renovação imobiliária no bairro da Saúde.
O outro enfoque do acompanhamento das mudanças na área é sugerido por meio de
uma rápida visualização dos impactos e aspectos relacionados às vulnerabilidades e riscos
de renovação da população a partir da década de 1990 proporcionada pelos dados dos
censos de 1991 e 2000 agregados para os bairros históricos da Região Portuária. No
intervalo entre 1991 e 2000, apesar das iniciativas para dinamização da habitação que já
vinham sendo promovidas, não se verificou a redução do esvaziamento populacional nos
bairros históricos da Região Portuária. Ao contrário, percebe-se uma redução de 4.155
pessoas no total da população residente, o que corresponde a quase 16% do total do período
inicial, confirmando ser essa uma forte tendência da área, o que também acarreta na
redução da densidade populacional nos três bairros objeto do Plano Porto do Rio 2001
conforme se vê na tabela 22.
A distribuição percentual dos responsáveis por domicílios, segundo faixa de
rendimento nominal em salários mínimos, que em 1991 apresentava uma concentração de
mais de 50% na faixa de até 2 salários mínimos, mostra uma maior concentração de
110
responsáveis por domicílios nas faixas de 2 a 10 salários mínimos em 2000, vista no gráfico
2 e na tabela 23.
Gráfico 2 - Distribuição percentual dos responsáveis por domicílios segundo faixa de rendimento nominal em
salários mínimos – 1991-2000
0,0
5,0
10,0
15,0
20,0
25,0
30,0
199 1 2000
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE / Tabulação por bairro – PCRJ- Instituto Municipal de Urbanismo Pereira
Passos.
Como se viu, a solução de moradia nas encostas dos morros da cidade teve início no
Morro da Providência em conseqüência da pressão para desocupação da área central pelas
camadas mais pobres da população. Durante o século XX surgiram na área outras duas
favelas, caracterizando o crescimento da habitação informal e precária, que também
persistiram em uns poucos cortiços no bairro da Saúde. Os últimos censos, entretanto,
apontam apenas um ligeiro crescimento da população que vive nos aglomerados
subnormais existentes na área, em torno de 3%. O mais significativo ocorreu no Morro da
Providência local em que a população cresceu aproximadamente 19%. Percebeu-se por
esses dados ter havido no período até redução de população e total de domicílios no caso da
Favela Pedra Lisa como se vê na tabela 24. Entretanto, com as perdas de população no setor
formal de moradia percebeu-se um crescimento de 14,5 % para 17,7% do total da
população vivendo em áreas favelizadas como mostra a tabela 25, fato que na década de
1990 contribuiu para as preocupações com deterioração da área.
Entretanto a observação das características dos domicílios relacionadas ao acesso pela
população aos serviços de infra-estrutura demonstrou que a proporção de domicílios
particulares permanentes da área com atendimento pelos serviços públicos foi ampliada na
última década do século XX, como se constata na tabela 26. Pode-se relacionar essa
melhoria às ações da Prefeitura por meio do Programa de Urbanização e Regularização
111
Fundiária FAVELA- BAIRRO que contemplou o Morro da Providência, a maior favela da
área.
Ta bela 6 - Total de inscrições no Cadastro do IPTU dos bairros do Centro, Saúde, Gamboa e Santo Cristo
1991-2006.
TOTAL DE INSCRIÇÕES NO CADASTRO DO IPTU
Bairro
ANO
Saúde
(A)
Gamboa
(B)
Santo Cristo
(C)
Bairros Históricos
(A+B+C)
Centro
1990 1 814 2 168 2 981 6 963 62 321
1991 1 878 2 382 3 260 7 520 64 032
1992 1 949 2 489 3 314 7 752 65 242
1993 2 252 2 582 3 482 8 316 69 098
1994 2 249 2 581 3 490 8 320 69 394
1995 2 254 2 594 3 513 8 361 69 475
1996 2 286 2 551 3 476 8 313 71 010
1997 2 304 2 582 3 476 8 362 71 852
1998 2 407 2 754 3 859 9 020 72 100
1999 2 425 2 829 3 997 9 251 72 966
2000 2 557 2 971 4 225 9 753 76 520
2001 2 565 2 972 4 230 9 767 76 826
2002 2 565 3 100 4 231 9 896 76 922
2003 2 562 3 105 4 203 9 870 76 596
2004 2 572 3 127 4 224 9 923 77 182
2005 2 574 3 128 4 225 9 927 77 330
2006 2 579 3 137 4 225 9 941 76 765
Crescimento absoluto
701 755 965 2 421 12 733
Crescimento%
37 32 30 35 20
Fonte: PCRJ, SMF, Cadastro do IPTU
112
Tabela 7 - Área total construída segundo inscrições do Cadastro do IPTU - 1991-2000
Área total construída (m
2
)
Bairros
Ano
Saúde (A) Gamboa (B) Santo Cristo (C)
Bairros
Históricos
(A+B+C) Centro
1991 263 417 510 874 551 049 1 325 340 6 221 292
1992 271 561 527 669 564 991 1 364 221 6 254 637
1993 303 305 489 301 611 818 1 404 424 6 142 440
1994 291 627 568 682 637 443 1 497 752 7 348 546
1995 286 883 605 894 641 769 1 534 546 7 269 327
1996 368 006 586 951 689 157 1 644 114 7 623 445
1997 415 226 703 031 753 560 1 871 817 8 652 028
1998 489 805 630 249 733 823 1 853 877 8 779 793
1999 485 501 603 197 809 955 1 898 653 9 310 637
2000 504 309 694 826 855 941 2 055 076 9 923 731
Crescimento total
240 892 183 952 304 892 729 736 3 702 439
Crescimento relativo
(%)
91, 4 36, 55, 3 55, 1 59, 5
Fonte: PCRJ, SMF, Cadastro do IPTU
Tabela 8 - Densidade construída segundo inscrições do Cadastro do IPTU - 1991-2000
Densidade construída (área construída/área territorial)
Bairros
Ano
Saúde (A)
(1)
Gamboa (B)
(2)
Santo Cristo (C)
(3)
Bairros Históricos
(A+B+C)
(4)
Centro
(5)
1991 0,72 0,46 0,33 0,42 1,09
1992 0,75 0,47 0,34 0,43 1,09
1993 0,83 0,44 0,36 0,44 1,07
1994 0,80 0,51 0,38 0,47 1,28
1995 0,79 0,54 0,38 0,49 1,27
1996 1,01 0,53 0,41 0,52 1,33
1997 1,14 0,63 0,45 0,59 1,51
1998 1,35 0,57 0,44 0,59 1,53
1999 1,33 0,54 0,48 0,60 1,63
2000 1,39 0,62 0,51 0,65 1,73
Fonte: PCRJ, SMF, Cadastro do IPTU e IPP
(1)-Área territorial - 363 817,61m
2
(2)-Área territorial - 1 112 902,69 m
2
(3)-Área territorial - 1 684 720,56 m
2
(4)-Área territorial - 3 161 440,86 m
2
(5)-Área territorial - 5 723 065,01 m
2
113
Tabela 9 – Total de inscrições no Cadastro do IPTU por tributação residencial e não-residencial no bairro da Saúde 1991
– 2006.
Tipologia
RESIDENCIAL NÃO RESIDENCIAL
Anos Total de imóveis
Total % Total %
1991 1 878 548 29,2 1 330 70,8
1992 1 949 566 29,0 1 383 71,0
1993 2 252 574 25,5 1 678 74,5
1994 2 249 575 25,6 1 674 74,4
1995 2 254 574 25,5 1 680 74,5
1996 2 286 580 25,4 1 706 74,6
1997 2 304 590 25,6 1 714 74,4
1998 2 407 693 28,8 1 714 71,2
1999 2 425 734 30,3 1 691 69,7
2000 2 557 791 30,9 1 766 69,1
2001 2 565 795 31,0 1 770 69,0
2002 2 565 795 31,0 1 770 69,0
2003 2 562 793 31,0 1 769 69,0
2004 2 572 802 31,2 1 770 68,8
2005 2 574 802 31,2 1 772 68,8
2006 2 579 824 32,0 1 755 68,0
Fonte: PCRJ, SMF, Cadastro do IPTU
Tabela 10 – Distribuição percentual das inscrições no Cadastro do IPTU por tributação residencial e não-residencial no
bairro da Gamboa 1991 – 2006.
Tipologia - distribuição percentual
RESIDENCIAL
NÃO
RESIDENCIAL
anos Total de imóveis
Total % Total %
1991
2 382 1 677
70,4 705 29,6
1992
2 489 1 763
70,8 726 29,2
1993
2 582 1 795
69,5 787 30,5
1994
2 581 1 788
69,3 793 30,7
1995
2 594 1 797
69,3 797 30,7
1996
2 551 1 789
70,1 762 29,9
1997
2 582 1 787
69,2 795 30,8
1998
2 754 1 970
71,5 784 28,5
1999
2 829 2 013
71,2 816 28,8
2000
2 971 2 102
70,8
869
29,2
2001
2 972 2 103
70,8
869
29,2
2002
3 100 2 236
72,1
864
27,9
2003
3 105 2 246
72,3
859
27,7
2004
3 127 2 258
72,2
869
27,8
2005
3 128 2 258
72,2
870
27,8
2006
3 137 2 294
73,1 843 26,9
Fonte: PCRJ, SMF, Cadastro do IPTU
114
Tabela 11 – Total de inscrições no Cadastro do IPTU por tributação residencial e não-residencial no bairro de Santo Cristo
1991 – 2006.
Tipologia
RESIDENCIAL
NÃO
RESIDENCIAL
anos Total de imóveis
Total % Total %
1991
3 260 2 450
75,2 810 24,8
1992
3 314 2 481
74,9 833 25,1
1993
3 482 2 610
75,0 872 25,0
1994
3 490 2 593
74,3 897 25,7
1995
3 513 2 614
74,4 899 25,6
1996
3 476 2 606
75,0 870 25,0
1997
3 476 2 619
75,3 857 24,7
1998
3 859 2 946
76,3 913 23,7
1999
3 997 3 003
75,1 994 24,9
2000
4 225 3 178
75,2 1047 24,8
2001
4 230 3 182
75,2 1048 24,8
2002
4 231 3 183
75,2 1048 24,8
2003
4 203 3 167
75,4 1036 24,6
2004
4 224 3 189
75,5 1035 24,5
2005
4 225 3 190
75,5 1035 24,5
2006
4 225 3 249
76,9 976 23,1
Fonte: PCRJ, SMF, Cadastro do IPTU
Tabela 12 – Total de inscrições no Cadastro do IPTU por tributação residencial e não-residencial no bairro do Centro
1991 – 2006.
Tipologia
RESIDENCIAL
NÃO
RESIDENCIAL
anos
Total de
imóveis
Total % Total %
1991
64 032 18 757
29,3
45 275
70,7
1992
65 242 19 096
29,3
46 146
70,7
1993
69 098 19 454
28,2
49 644
71,8
1994
69 394 19 182
27,6
50 212
72,4
1995
69 475 19 392
27,9
50 083
72,1
1996
71 010 19 475
27,4
51 535
72,6
1997
71 852 19 182
26,7
52 670
73,3
1998
72 100 19 274
26,7
52 826
73,3
1999
72 966 19 396
26,6
53 570
73,4
2000
76 520 19 581
25,6
56 939
74,4
2001
76 826 19 614
25,5
57 212
74,5
2002
76 922 19 632
25,5
57 290
74,5
2003
76 596 19 581
25,6
57 015
74,4
2004
77 182 19 663
25,5
57 519
74,5
2005
77 330 19 702
25,5
57 628
74,5
2006
76 765 19 716
29,3
57 049
70,7
Fonte: PCRJ, SMF, Cadastro do IPTU
115
Tabela 13 – Distribuição percentual das inscrições do Cadastro do IPTU segundo a utilização no bairro da Saúde - 1991-
1999
Distribuição Percentual das Inscrições (%)
UTILIZAÇÃO
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999
Total
100 100 100 100 100 100 100
100 100
Garagem 31, 36 30, 22 37, 88 37, 93 37, 71 37, 49 37, 37 35, 81 34, 72
Residência 29, 07 28, 94 25, 4 25, 48 25, 42 25, 28 25, 04 28, 25 29, 69
Escritório 28, 81 28, 68 25, 09 25, 12 25, 16 20, 03 17, 75 16, 08 16,00
Não Residencial (1) 6, 28 6, 36 6, 17 6, 14 6, 48 10, 24 12, 8 13, 13 12, 82
Territorial 1, 92 1, 9 1, 64 1, 56 1, 6 1, 49 1, 43 1, 37 1, 36
Outros (2) 2, 56 3, 9 3, 82 3, 78 3, 64 5, 47 5, 6 5, 36 5, 4
(1) – Inclui vários usos não definidos pela SMF
(2) – Inclui Hospital, Hotel, Hotel-residência, Indústria, Motel, Oficina, Pensão, Posto de Gasolina, Restaurante, Supermercado, Templo,
Ignorado, Armazém, Assistência Social, Banco, Bar, Biblioteca, Casa de Saúde, Cinema, Clube e Colégio.
Fonte: PCRJ, SMF, Cadastro do IPTU
Tabela 14 – Distribuição percentual das inscrições do Cadastro do IPTU segundo a utilização no bairro da Gamboa -
1991-1999
Distribuição Percentual das Inscrições (%)
UTILIZAÇÃO
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999
Total 100 100 100 100 100 100 100 100 100
Residência 70,03 70,43 69,13 68,89 68,93 69,15 68,13 70,77 70,20
Não Residencial (1) 11,42 12,13 12,32 12,55 12,84 14,70 15,45 14,05 14,92
Ignorado 3,78 3,46 3,72 3,64 3,55 2,04 1,78 1,49 1,38
Armazém 3,69 3,46 3,72 3,64 3,59 2,63 1,78 1,45 1,41
Territorial 3,23 3,09 3,25 3,29 3,20 3,10 3,10 2,87 2,62
Escritório 2,73 2,57 2,59 2,60 2,54 1,53 1,01 0,58 0,53
Indústria 2,73 2,73 2,90 2,91 2,89 2,86 3,18 2,69 2,69
Outros (2) 2,39 2,13 2,36 2,48 2,47 4,00 5,58 6,10 6,26
(1) – Inclui vários usos não definidos pela SMF
(2) - Inclui Assistência Social, Banco, Bar, Biblioteca, Casa de Saúde,Cinema,Clube,Colégio,Garagem,Hospital,Hotel, Hotel-residência,
Motel,Oficina, Pensão, Posto de Gasolina, Restaurante, Supermercado e Templo
Fonte: PCRJ, SMF, Cadastro do IPTU
Tabela15 – Distribuição percentual das inscrições do Cadastro do IPTU segundo a utilização no bairro de Santo Cristo -
1991-1999
Distribuição Percentual das Inscrições (%)
UTILIZAÇÃO
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999
Total
100 100
100 100 100 100 100 100 100
Residencial 74,63 74,38 74,47 73,61 73,75 74,19 74,34 75,7274,48
Não Residencial (1) 8,93 8,39 8,41 8,88 8,94 9,46 10,87 11,09 12,06
Armazém 4,14 4,44 4,39 4,56 4,47 3,91 3,05 2,36 2,48
Ignorado 4,23 4,35 4,39 4,56 4,44 3,62 2,73 2,20 2,13
Territorial 2,58 2,56 2,58 2,52 2,48 2,22 1,87 1,58 1,53
Escritório 2,39 2,35 2,27 2,26 2,25 2,13 2,24 2,41 2,35
Indústria 1,32 1,72 1,67 1,72 1,71 1,64 1,32 0,88 0,95
Outros (2) 1,78 1,81 1,81 1,89 1,96 2,82 3,57 3,65 4,03
(1) - Assistência Social, Banco, Bar, Biblioteca, Casa de Saúde, Cinema, Clube, Colégio, Garagem, Hospital, Hotel, Hotel-residência,
Motel, Oficina, Pensão, Posto de Gasolina, Restaurante, Supermercado e Templo
(2) – Inclui vários usos não definidos pela SMF
Fonte: PCRJ, SMF, Cadastro do IPTU
116
Tabela 16 – Distribuição percentual das inscrições do Cadastro do IPTU segundo a utilização no bairro do Centro -
1991-1999
Distribuição Percentual das Inscrições (%)
UTILIZAÇÃO
1991 1992 1993 1994 1995
1996
1997 1998 1999
Total
100 100
100 100 100 100 100 100 100
Escritório 47,37 47,60 47,83 48,33 47,90 38,55 28,99 27,54 27,24
Residência 29,11 29,14 27,99 27,48 27,76 27,14 26,46 26,52 26,39
Garagem 10,76 10,91 11,09 10,79 10,75 11,51 11,60 11,49 11,68
Não Residencial (1) 8,46 8,20 8,78 9,15 9,27 17,96 27,31 28,62 28,81
Territorial 2,30 2,21 2,12 2,03 1,99 1,96 1,91 1,90 1,88
Outros (2) 2,00 1,93 2,19 2,21 2,34 2,87 3,73 3,93 4,01
(1) – Inclui vários usos não definidos pela SMF
(2) - Armazém, Assistência Social, Banco, Bar, Biblioteca, Casa de Saúde, Cinema, Clube, Colégio, Hospital, Hotel, Hotel-residência,
Indústria, Motel, Oficina, Pensão, Posto de Gasolina, Restaurante, Supermercado, Templo e Ignorado
Fonte: PCRJ, SMF, Cadastro do IPTU
Tabela 17 – Distribuição percentual das inscrições do Cadastro do IPTU por utilização nos bairros da Saúde, Santo
Cristo, Gamboa e Centro - 2000
Distribuição Percentual das
Inscrições (%)
UTILIZAÇÃO
Saúde Gamboa Santo Cristo Centro
Total
100 100 100 100
Armazém/deposito 0,39 1,88 2,84 0,14
Assist_ social 0,04 0,10 0,02 0,12
Banco 0,16 0,24 0,14 0,64
Bar/café/lanchonete 0,82 1,75 1,07 0,81
Biblioteca - - - 0,00
Casa de saúde 0,31 - - 0,04
Cinema/teatro - - - 0,03
Clube/ginásio - 0,13 0,07 0,02
Colégio/creche 0,20 0,07 0,09 0,07
Escritório 15,84 0,81 2,34 28,27
Garagem/estacionamento 33,83 0,17 0,33 11,83
Hospital 0,31 0,10 0,07 0,02
Hotel 0,12 0,13 0,05 0,16
Hotel residência - - - 0,00
Indústria 0,55 3,33 1,59 0,15
Motel 0,12 0,03 0,00 0,01
Não residencial (1) 14,04 16,83 13,51 30,09
Oficina 1,64 2,42 2,11 0,96
Pensão/hospedagem 0,04 0,10 0,02 0,03
Posto gasolina - 0,13 0,07 0,02
Residencial 30,93 70,75 75,22 25,59
Restaurante 0,51 0,84 0,28 0,89
Supermercado 0,04 0,07 0,03
Templo 0,12 0,17 0,09 0,08
(1) – Inclui vários usos não definidos pela SMF
Fonte: PCRJ, SMF, Cadastro do IPTU
117
Tabela 18 – Distribuição percentual das inscrições do Cadastro do IPTU por utilização nos bairros da Saúde, Santo
Cristo, Gamboa e Centro - 2006
Distribuição Percentual das Inscrições (%)
UTILIZAÇÃO
Saúde Gamboa Santo Cristo Centro
Total
100,00 100,00 100,00 100,00
Armazém/deposito 0,39 1,79 2,72 0,14
Assist_ social 0,04 0,10 0,02 0,12
Banco 0,16 0,22 0,12 0,60
Bar/café/lanchonete 0,81 1,56 1,09 0,82
Biblioteca - - - 0,00
Casa de saúde 0,31 - - 0,04
Cinema/teatro - - - 0,03
Clube/ginásio - 0,13 0,07 0,02
Colégio/creche 0,19 0,06 0,09 0,06
Escritório 15,78 0,77 2,32 28,00
Garagem/estacionamento 33,54 0,16 0,36 11,66
Hospital 0,27 0,10 0,07 0,02
Hotel 0,12 0,13 0,05 0,16
Hotel residência - - - 0,00
Indústria 0,54 3,12 1,68 0,15
Motel 0,12 0,03 - 0,02
Não residencial (1) 14,15 16,03 13,30 30,49
Oficina 1,63 2,36 2,06 0,95
Pensão/hospedagem 0,04 0,10 0,02 0,03
Posto gasolina - 0,16 0,07 0,02
Residencial 31,29 72,20 75,50 25,67
Restaurante 0,47 0,83 0,28 0,89
Supermercado 0,04 - 0,07 0,03
Templo 0,12 0,16 0,09 0,08
(1) – Inclui vários usos não definidos pela SMF
Fonte: PCRJ, SMF, Cadastro do IPTU
Tabela 19 – Total e distribuição percentual de inscrições no Cadastro do IPTU por bairro e segundo faixas de idade – 1995
Inscrições no Cadastro do IPTU - 1995
BAIRRO
Centro Gamboa Santo Cristo Saúde
Total
%
Total
%
Total
%
Total
%
Faixa de idade
(anos)
72 021
100,0
2 543
100,0
3 391
100,0
2 257
100,0
0 - 10 anos 2 630
3,7
122
4,8
83
2,4
283
12,5
11 - 21 anos 14 849
20,6
158
6,2
698
20,6
641
28,4
21 - 30 anos 19 361
26,9
407
16,0
386
11,4
434
19,2
31 - 40 anos 18 332
25,5
294
11,6
262
7,7
161
7,1
41 - 50 anos 8 421
11,7
208
8,2
147
4,3
253
11,2
51- 60 anos 8 119
11,3
1 317
51,8
1 775
52,3
450
19,9
Mais de 61 anos 302
0,4
36
1,4
39
1,2
34
1,5
Ignorado 7
0,0
1
0,0
1
0,0
1
0,0
Fonte: PCRJ, SMF, Cadastro do IPTU.
118
Tabela 20 – Total e distribuição percentual de inscrições no Cadastro do IPTU por bairro e segundo faixas de idade – 2000
Inscrições no Cadastro do IPTU - 2000
BAIRRO
Centro Gamboa Santo Cristo Saúde
Faixa de idade
(anos)
Total % Total % Total % Total %
Total 76 520 100,0 2 971 100,0 4 225 100,0 2 557 100,0
0 - 10 anos 11 062 14,5 357 12,0 534 12,6 946 37,0
11 - 21 anos 13 729 17,9 282 9,5 691 16,4 416 16,3
21 - 30 anos 21 987 28,7 341 11,5 473 11,2 61 2,4
31 - 40 anos 13 276 17,3 325 10,9 161 3,8 273 10,7
41 - 50 anos 8 018 10,5 176 5,9 158 3,7 240 9,4
51- 60 anos 8 209 10,7 1 463 49,2 2 164 51,2 600 23,5
Mais de 61 anos 239 0,3 27 0,9 44 1,0 21 0,8
Ignorado - - - - - - - -
Fonte: PCRJ, SMF, Cadastro do IPTU.
Tabela 21 – Total e distribuição percentual de inscrições no Cadastro do IPTU por bairro e segundo faixas de idade - 2006
Inscrições no Cadastro do IPTU - 2006
BAIRRO
Centro Gamboa Santo Cristo Saúde
Faixa de idade
(anos)
Total
%
Total
%
Total
%
Total
%
Total 76 765 100 3 137 100 4 225 100 2 579 100
0 - 10 anos 1 125 1,5 266 8,5 250 5,9 39 1,5
11 - 21 anos 2 677 3,5 166 5,3 195 4,6 297 11,5
21 - 30 anos 14 230 18,5 130 4,1 682 16,1 644 25,0
31 - 40 anos 18 911 24,6 416 13,3 359 8,5 441 17,1
41 - 50 anos 18 365 23,9 337 10,7 299 7,1 19 0,7
51- 60 anos 10 101 13,2 285 9,1 174 4,1 466 18,1
Mais de 61 anos 11 356 14,8 1 537 49,0 2 266 53,6 673 26,1
Ignorado - - - - - - - -
Fonte: PCRJ, SMF, Cadastro do IPTU
Tabela 22 – Área territorial, população residente e densidade demográfica dos bairros históricos da Região
Portuária 1991-2000.
1991 2000
População
residente (hab) Densidade (hab./ha)
População
residente (hab) Densidade (hab./ha)
Bairros
históricos
Área
territorial
(ha)
1991 2000 1991 2000
Total 316,14 26 449 83,7 22 294 70,5
Gamboa 111,29 11 507 103,4 10 490 94,3
Santo Cristo 168,47 12 340 73,2 9 618 57,1
Saúde 36,38 2 602 71,5 2 186 60,1
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE / Tabulação por bairro – PCRJ- Instituto Municipal de Urbanismo Pereira
Passos.
119
Tabela 23 - Distribuição percentual dos responsáveis por domicílios segundo faixa de rendimento nominal em
salários mínimos – 1991-2000
Distribuição percentual (%)
Gamboa (A) Santo Cristo (B) Saúde (C) Bairros históricos (A+B+C)
Faixa de Rendimento
1991 2000 1991 2000 1991 2000 1991 2000
100
100 100 100 100 100 100 100
Até 1/2 Sm 8,5 0,7 5,2 0,2 6 0,3 6,7 0,4
Mais de 1/2 até 1 Sm 15,1 13,4 13 11,3 12,9 6,6 13,9 11,8
Mais de 1 até 2 Sm 30,3 22,9 30,1 17,2 23,5 14 29,5 19,5
Mais de 2 até 3 Sm 15,3 14,2 17,1 13,3 17,3 13 16,4 13,7
Mais de 3 até 5 Sm 14 18,8 16,7 20,5 14,5 21,3 15,3 19,8
Mais de 5 até 10 Sm 10,1 17,3 12,4 22,1 11,8 26,5 11,3 20,3
Mais de 10 até 15 Sm 2 2,5 2,2 3,9 3,1 6,4 2,2 3,5
Mais de 15 até 20 Sm 0,7 1,3 0,5 1,4 0,5 3,1 0,6 1,5
Mais de 20 Sm 0,4 0,6 0,4 0,8 1,6 2 0,5 0,8
Sem Renda 2,5 8,32 2 9,35 1,2 6,73 2,14 8,6
Sem Declaração 1,1 0 0,4 0 7,6 0 1,5 0
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE / Tabulação por bairro – PCRJ- Instituto Municipal de Urbanismo Pereira
Passos.
Tabela 24 - População, domicílios e incremento total e relativo das favelas da Região Portuária - 19991/2000.
1991 2000
I
NCREMENTO
POPULACIONAL
I
NCREMENTO
DE
DOMICÍLIOS
BAIRROS FAVELA (1)
D
OMICÍLIO POPULAÇÃO DOMICÍLIO POPULAÇÃO TOTAL % TOTAL %
Providência 740 2 895 1 119 3 453 558 19 379 51,2
Gamboa
Pedra Lisa 176 683 65 221 - 462 - 68 - 111
-
63,1
Santo Cristo Moreira Pinto 68 255 77 282 27 10,6 9 13,2
Saúde
... ... ... ... ... ... ... ... ...
Total 984 3 833 1 261 3 956 123 3 277 28,2
(1) – Foram considerados os aglomerados subnormais.
Fonte: PCRJ/ Sistema de informações sobre assentamentos de baixa renda – SABREN
Nota – O SABREN utiliza os dados de população e domicílios dos Censos Demográficos do IBGE
Tabela 25 – Percentual da população total da Região Portuárias em aglomerados subnormais - 1991/2000.
População
1991 2000
Em aglomerados subnormais Em aglomerados subnormais
Total
Total
% em relação ao total dos
bairros históricos
Total
Total
% em relação ao total dos
bairros históricos
26 449 3 833 14,5 22 294 3 956 17,7
Fonte: PCRJ/ Sistema de informações sobre assentamentos de baixa renda – Sabren
Nota – O SABREN utiliza os dados de população e domicílios dos Censos Demográficos do IBGE
120
Tabela - 26 - Distribuição percentual de domicílios particulares permanentes, segundo adequação do serviço
público 1991 / 2000.
1991 2000
Domicílios Particulares Permanentes Domicílios Particulares Permanentes
Com serviço adequado (%) Com serviço adequado (%)
Bairro
Total
Abastecimento
de água (1)
Esgotamento
sanitário (2)
Destino
final do
lixo (3)
Total
Abastecimento
de água (4)
Esgotamento
sanitário (5)
Destino
final do
lixo (6)
Bairros históricos 7 893 90,9 96,5 93,7 6 671 96,6 96,8 99,5
Gamboa 3 421 86,5 96,5 89,4 3 088 96,1 93,7 99,4
Santo Cristo 3 667 93,3 95,9 96,5 2 899 96,6 99,4 99,6
Saúde 805 98,6 99,9 100,0 684 98,8 99,9 100,0
(1) rede geral
(2) - rede geral ou fossa sética
(3) - coletado ou coletado indireto;
(4) - rede geral - canalizada até o domicílio;
(5) - Rede Geral de Esgoto
(6) - coletado por serviço de limpeza; colocado em caçamba de serviço de limpeza;
Fonte: IBGE, Censos Demográficos 1991 e 2000 / / Tabulação por bairro – PCRJ- Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos.
5- CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por meio desse trabalho buscou-se aprofundar o conhecimento acerca das questões
relacionadas às práticas urbanísticas surgidas no final do século XX, e dos questionamentos
acerca de suas conseqüências utilizando-se como estudo de caso as propostas para
reconversão urbana da Região Portuária da Cidade do Rio de Janeiro.
A identificação das tendências de transformações urbanísticas e possibilidades de
renovação populacional resultantes do processo de reconversão da Região Portuária
apresentada nesse trabalho teve como base o exame de experiências de intervenção urbana
consideradas na bibliografia como decorrentes dos impactos da reestruturação produtiva do
final do século XX, na caracterização da evolução urbana e na produção do espaço da
Região Portuária. Considerou-se, da mesma forma, reflexões apresentadas por diversos
autores acerca das intervenções do poder público local a partir das propostas para a
reconversão do espaço portuário. Construiu-se, assim, o conteúdo que serviu de referência
para as considerações apresentadas a seguir.
Foi possível constatar que, sobre as tendências urbanísticas surgidas no final do século
XX, os autores consultados convergem no ponto de vista de que estas constituem tentativas
de respostas às críticas às limitações dos postulados do funcionalismo modernista na
concretização da cidade que também já alterava sua relação com a atividade industrial. Ao
121
mesmo tempo, incondicionalmente, estas visavam estabelecer alternativas à recessão
econômica desde os anos 70, à crise do financiamento público, à aceleração da economia e
para incorporação das adaptações do espaço urbano aos novos processos produtivos. E,
especialmente, às imposições de um mundo globalizado, em que relações sociais e
econômicas se alteravam. Essas tendências orientaram experiências pioneiras nos países
centrais de requalificação urbana de áreas degradas que anteriormente mantinham estreitos
vínculos com a produção industrial, dentre as quais se destacaram as reconversões de áreas
portuárias. A ausência na cidade da função que havia garantido às marcantes estruturas
portuárias um lugar de destaque, fez com que fosse necessária a definição de novas funções
urbanas lucrativas que, de forma geral, se deram a partir das combinações “comércio –
terciário avançado– habitação” ou “lazer – cultura – consumo”.
A bibliografia utilizada sugere também haver consenso de que o novo escopo de
soluções sugerido para ordenamento das cidades, assim como os modelos modernistas
anteriores, tenha trazido resultados adversos. São apontados como a causa da ampliação das
possibilidades de segregação entre espaços valorizados pelas reconversões e os destinados
às camadas mais pobres. Manifestações urbanas como a chamada cidade dual, na qual os
segmentos da população são atingidos pelos impactos da economia globalizada de forma
diferenciada vêm sendo apontadas como resultado desse processo. Estão também incluídas
nesse cenário as gentrificações, fenômeno também constantemente referenciado pelos
estudiosos das questões urbanas contemporâneas, cujo conceito exprime a tendência de o
processo capitalista desigual nas cidades pós-industriais viabilizar a reconquista de espaços
de áreas centrais urbanas pelas classes mais abastadas.
O rápido exame dos planos urbanísticos para o Rio de Janeiro ratificou a idéia de que
iniciativas de acompanhamento das tendências internacionais, desde as primeiras
formulações do urbanismo, foi preocupação constante das sucessivas administrações da
cidade. Frutos dessas intenções, os vários planos urbanos deram origem a intervenções que,
mesmo não sendo integralmente executados, marcaram consideravelmente a fisionomia da
cidade. Mantendo essa tradição, no ano de 1995, teve início o desenvolvimento do Plano
Estratégico que, de acordo com as tendências do final do século, preconizou a adoção do
desenvolvimento de projetos urbanos em áreas previamente selecionadas para a
122
requalificação, resultando em proposições para diversos pontos da área central e com
especial destaque para a reconversão da Região Portuária.
No caso da Região Portuária, verificou-se que as grandes transformações do local
ocorreram no inicio do século XX pela reforma Pereira Passos sobre um espaço
especializado que havia sido construído de acordo com interesses especulativos do capital
durante a segunda metade do século XIX, mas insuficiente para garantia da movimentação
portuária pretendida. A referência higienista orientou as intervenções que tinham como
intenção adaptar o espaço portuário, já em fase de declínio em conseqüência da redução da
atividade cafeeira no Estado do Rio de Janeiro, às novas demandas do comércio
internacional comandado pela Inglaterra.
Os planos Doxíades e PUB-RIO definiram as grandes políticas rodoviaristas que deram
continuidade às grandes transformações no espaço da Região Portuária e utilizou o retro-
porto como suporte para importantes vias do sistema de circulação da cidade. Assim, na
década de 1970, a construção do trecho de ligação da Avenida Perimetral à Ponte Rio –
Niterói reforçou o isolamento conseqüente das vias expressas ali localizadas, ampliou o
quadro de inércia econômica, o mesmo ocorreu em várias outras áreas destinadas à moradia
dos setores menos favorecidos da população.
Os movimentos sociais da década de 1980 e as garantias da constituição de 1988
orientaram os setores preocupados com as ameaças da “tábula rasa” que pairava sobre
diversos pontos do centro histórico e proporcionaram para a os bairros históricos da Região
Portuária a consolidação da APAC do Projeto SAGAS. Preservou-se assim, o maior reduto
de moradia popular na área central e do patrimônio histórico e paisagístico que guardava a
memória da evolução da atividade portuária na cidade.
A desativação do Cais da Gamboa e do Píer Mauá pode ser vista como resultado da
adaptação dos sistemas logísticos do país às novas necessidades para competição no
comércio global. Iniciado na década de 1980, o processo foi reforçado pela Lei de
Modernização dos Portos, de 1993. A implementação dessa lei no âmbito estadual abriu
espaço para a formulação de um grande número de propostas de revitalização na Região
Portuária.
Os dados censitários permitiram a constatação de que a tendência à perda de população
na área já ocorria desde o inicio do século, sugerindo que, apesar do período de dinamismo
123
e crescimento econômico, as atividades ali instaladas tornavam a área pouco atrativa para a
fixação da população.
As reações ao quadro de declínio da Região Portuária configurada no final do século
XX, criaram um complexo conjunto de condicionantes à sua ocupação e chamou a atenção
para a necessidade de formulação de estratégias para retomada de desenvolvimento local.
O plano “Porto do Rio – 2001” foi lançado com a pretensão de reverter a inércia
resultante dos condicionantes para a ocupação da Região Portuária. Sua formulação inicial
procurou estabelecer o consenso entre as várias intenções e iniciativas já existentes.
A necessidade de o governo municipal afirmar que o plano “Porto do Rio – 2001” é o
plano oficial da Prefeitura sugere a mudança de papel do poder do governo municipal no
momento atual em oposição a períodos anteriores quando não foi preciso reafirmar a
oficialidade de um plano. Da mesma forma, percebe-se certa contradição nesse caráter
oficial que se deseja imprimir a esse plano, que diferentemente de outros já formulados
para a cidade, não foi aprovado em instâncias legislativas.
As experiências internacionais estudadas, que, de certa forma, inspiraram a concepção
do plano “Porto do Rio – 2001” apresentaram sem exceção conseqüências adversas. Para o
caso de Nova Yorque os questionamentos foram quanto a uma suposta diversidade artificial
imposta pelos altos preços que atraíram apenas segmentos de maior poder aquisitivo. A
reconversão da “London Docklands” foi alvo de críticas por ter sido uma experiência
urbanística conduzida pelo mercado. Gerou conseqüências como a sobrecarga dos
transportes e demandou novos gastos para sua correção custeados pelo governo. Não criou
postos de trabalho adequados à população local de pouca escolaridade e, ao contrário,
ampliou o nível de desemprego. Provocou a expulsão da população mais pobre pela enorme
valorização imobiliária e acirrou o contraste social e a segregação espacial entre as classes
que habitam a região separada pela linha do metrô. Da mesma forma, a experiência de
“Port Vell” em Barcelona, recebeu críticas quanto à definição das escolhas urbanas e pela
criação de espaços vistos como de usos coletivos, mas não espaços públicos já que seu
funcionamento girava em torno de atividades como de “shopping-centers”, restaurantes e
discotecas. De forma geral, o Plano Estratégico de Barcelona, do qual fazia parte a
reconversão de “Port Vell”, à luz dos dados, revela contradições que põem em cheque o
contexto geral do modelo da reabilitação proposto. A prevalência de atividades para pessoal
124
altamente qualificado na cidade deixa a região metropolitana como única opção para a
classe trabalhadora. Verificou-se também a perda de população para outros municípios
vizinhos, mas que, de forma geral, trabalha em Barcelona, o que se confirma pelo aumento
do número de deslocamentos entre a cidade e esses municípios. A perda de população de
Barcelona, entre 1975 e 1996, decorre da saída do segmento jovem em busca de moradia
mais barata no entorno metropolitano, face ao aumento do custo da moradia na cidade, fato
que confirma a existência da segregação social na cidade símbolo do planejamento
estratégico. O caso de Buenos Aires inseriu-se num contexto caracterizado pelo impacto do
processo de globalização da economia e dualização da sociedade. A concepção e
implementação de Porto Madero foi a inauguração de uma tendência urbanística da área
central da capital argentina que implica na construção de espaços propícios à instalação de
empresas transnacionais. A reconversão da área portuária de Buenos Aires denota a
necessidade de reforçar centralidades existentes para viabilizar a expansão de atividades
administrativas e financeiras a partir do aporte de capitais estrangeiros que atualizaram a
imagem do centro antigo com arquitetura emblemática de impacto visual e econômico, mas
desacompanhadas de estratégias regionais.
O plano “Porto do Rio - 2001” foi claramente concebido segundo os paradigmas
urbanos contemporâneos. Constitui uma nova tentativa de incorporar o processo de
reconversão da Região Portuária do Rio iniciado ainda no final da década de 1970. A partir
dele foi proposta a reconversão apoiada na inserção de seis “núcleos de interesse” ao longo
do cais da Gamboa, na reestruturação da circulação interna e na reconversão de prédios
visando a eliminação de usos inadequados para garantia da valorização. Apóia-se também
firmemente na implantação de elementos emblemáticos na Praça Mauá que permanece
como o principal ponto de contato entre a Região Portuária e a cidade. Também inspirado
nas experiências internacionais, pretende-se a criação de um órgão gestor de
desenvolvimento urbano para a promoção da implementação das medidas propostas e
articulação dos agentes envolvidos.
Ao longo dos mais de 20 anos de tentativas de revitalização da Região Portuária e sua
nova roupagem após seis anos de lançamento do plano “porto do Rio – 2001”, foi possível
constatar que poucas propostas foram implementadas. A disputa de interesses entre os
governos Federal e Municipal surge como uma nova justificativa para o lento
125
desenvolvimento do processo. As dificuldades em solucionar questões relacionadas com a
fixação da população e atração de investimentos parecem persistir. Apesar de ser declarada
a idéia da atração da classe média, não se conseguiu criar fatores que efetivassem sua
atração nem mesmo da retenção da população local.
O debate acadêmico tem apontado incertezas em relação ao real dinamismo urbano
que estaria sendo conduzido na Região Portuária e as possíveis conseqüências, como a
gentrificação e ampliação das desigualdades urbanas, têm instigado observadores de vários
campos de atuação no acompanhamento do processo.
Por Mesentier (2006) pode se verificar que o plano “Porto do Rio – 2001” é um típico
produto da política de valorização das áreas centrais apoiada na preservação de conjuntos
de valor histórico denominada por ele de “renovação preservadora”. De acordo com essa
concepção a forma urbana é mantida, mas os usos tradicionais são substituídos, buscando-
se na realidade a valorização da economia no seu entorno. Os resultados adversos dessa
política implicam nos riscos de desarticulação do conjunto preservado e,
conseqüentemente, na redução da capacidade do patrimônio realizar seu principal papel
como suporte da memória social, referência cultural e base dos processos de construção das
identidades coletivas. O autor visualiza, dessa forma, o risco de o processo de revitalização
do centro do Rio comprometer o conjunto do patrimônio histórico-cultural que dá
identidade a essa área e sua própria base de sustentação.
Persiste o conflito entre a preservação e a revitalização nas propostas de reconversão
para a Região Portuária, visto que a solução adotada é compartimentada e destina a área
plana remanescente dos aterros para a verticalização e as áreas preservadas do Projeto
SAGAS para uma possível recuperação física sem apresentar maiores preocupações com a
integração. A preocupação d Moreira (2004) com a coexistência futura dessas duas áreas
sugere a referência ao resultado da reconversão portuária londrina.
A proposta de verticalização das áreas planas sob a argumentação da necessidade
decorrentes das condições do solo de aterro, na verdade, constitui a incorporação de
condições existentes desde a década de 1970, quando a legislação urbana liberou
construções de até 18 pavimentos com 4 andares de garagem. Essas condições fazem com
que a ocupação dos terrenos dependa de uma valorização da Região Portuária com
capacidade para atrair grandes investimentos. O médio e o pequeno capital são, dessa
126
forma, mantidos fora do processo. A verticalização da área plana é ainda, segundo Moreira
(2004), o principal fator de dificuldades para permanência de certas qualidades urbanas nos
bairros portuários, associadas aos modos de vida que aí persistem. A revisão de
experiências semelhantes demonstra que a revitalização pela verticalização da área plana
influirá também na elevação do valor imobiliário e dos serviços e comércio local
acarretando também a valorização dos imóveis vizinhos preservados.
A associação da legislação, que estabelece altos índices de verticalização às
reconversões, permite da mesma forma identificar o desejo de renovação sócio-econômica.
De acordo com Moreira (2004), pelo direcionamento ao grande capital, o plano dificulta
bastante a implantação de propostas alternativas para o desenvolvimento urbano que não se
encaixem em suas determinações. Manifesta-se assim, o desejo da tabula rasa como função
direta da renovação socioeconômica expresso pelas destinações de usos e atividades
previstas.
A preocupação com os possíveis impactos sobre a população pobre na defesas das
propostas de reconversão foi desconsiderada, ou no mínimo sublimada pela ênfase dada
durante a divulgação do plano ao caso nova-iorquino do SOHO que constituiu um processo
de valorização que expulsou artistas pioneiros na revitalização dessa localidade,
mencionado na literatura como exemplo máximo da gentrificação.
A persistência da valorização da área pela inserção de uma imagem de marca
complementa a idealização da reserva da área para o grande capital, pois, permanece a idéia
do que Moreira (2004) classificou de “inserção de um elemento catalisador” da
revitalização desejada. A implantação desse elemento terá como função principal promover
o tão desejado boom imobiliário na área consumando a associação da indústria cultural,
gestão urbana e mercado imobiliário associados para ampliação do valor financeiro
apontado por Arantes (2000).
Moreira (2004) aponta ainda ser imprescindível que as atenções se voltem para
possíveis impactos decorrentes de dois pontos em especial: o encobrimento dos morros da
área, o que causaria a alteração na paisagem de entrada da cidade pelos futuros prédios, e,
para a possibilidade de renovação populacional que constituiria o aspecto básico de
desestabilização do discurso da preservação e integração da cidade apresentado pelo plano.
Aponta a necessidade de analisar em profundidade os impactos do que está sendo proposto
127
por um plano de tal magnitude em que a tendência à renovação populacional provocada
pela valorização decorrente da revitalização pode ser constatada.
O ponto de vista de Moreira (2004) sugere ainda reflexão em torno da concepção do
que parece ser a única estratégia de desenvolvimento urbano: a promoção de alternativas
apoiadas em sucessivos “booms” imobiliários e orientados pela lógica do lucro. A autora
afirma que singularidades da Região Portuária, como experiências habitacionais, eventos -
como shows, feiras, peças de teatro dentro, e na própria atividade portuária podem estar em
risco de desaparecimento.
O debate acadêmico demonstrou também a preocupação com a difusão das
informações e a participação popular na revitalização da Região Portuária. Verificou-se que
a opinião pública tem usufruído das garantias de participação no processo, como no caso do
GUG-RIO, do Seminário Rumos da Área Portuária no qual diversas entidades voltadas para
a observação e acompanhamento de interferências na cidade demonstraram existir
considerável mobilização popular acompanhando as propostas para a área. Apesar disso, o
Conselho Municipal de Política Urbana - COMPUR permanece ausente do processo.
A intenção de facilitar a participação popular teve como resultados as iniciativas
voltadas para a difusão de informação que permitam a aproximação e interação da
população nas mudanças. Essas iniciativas confirmaram ser oportunas as contribuições para
as análises das tendências a partir de dados quantitativos disponíveis para o intervalo entre
1991 e 2006, por meio das quais pode-se verificar que:
A visão dos fatos a partir do Cadastro do IPTU não registrou alterações significativas na
dinâmica da parcela formal dos imóveis da Região Portuária e sugere que a inércia da área
persista. O pequeno crescimento imobiliário em número e em área construída dos bairros
históricos faz com que essa área ainda esteja longe do dinamismo do bairro do Centro.
Tanto as tipologias construtivas, quanto a utilização dos imóveis dos bairros da Gamboa e
de Santo Cristo demonstram que esses continuam como predominantemente residenciais e
mostram a pouca renovação de seus estoques imobiliários. O bairro da Saúde é o que
demonstra maior aproximação à dinâmica do Centro com características
predominantemente não-residenciais e indícios de renovação de seu patrimônio
imobiliário, fato que merece, entretanto, avaliação mais detalhada;
128
Apesar das iniciativas para dinamização da habitação já promovidas, não se verificou a
redução do esvaziamento populacional nos bairros históricos da Região Portuária. Ao
contrário, houve uma redução de 4.155 pessoas no total da população residente, o que
corresponde a quase 16% do total do período inicial, confirmando ser essa uma forte
tendência da área;
Pela observação da distribuição percentual dos responsáveis por domicílios segundo faixa
de rendimento verificou-se uma ligeira melhora pela maior concentração de responsáveis
por domicílios nas faixas de 2 a 10 salários mínimos em 2000;
Os últimos censos apontam apenas um ligeiro crescimento da população que vive nos
aglomerados subnormais existentes na área em torno de 3%. O mais significativo ocorreu
no Morro da Providência, local em que a população cresceu aproximadamente 19%;
Com as perdas de população no setor formal de moradia percebeu-se um crescimento de
14,5 % para 17,7% do total da população vivendo em áreas favelizadas;
A observação das características dos domicílios relacionadas ao acesso pela população aos
serviços de infra-estrutura demonstrou que a proporção de domicílios particulares
permanentes da área com atendimento pelos serviços públicos foi ampliada na última
década do século XX, possivelmente em conseqüência das ações da Prefeitura por meio do
Programa de Urbanização e Regularização Fundiária FAVELA- BAIRRO no Morro da
Providência;
Os dados do Censo de 2010 poderão confirmar a reversão do esvaziamento populacional
pelos resultados de ações como o projeto habitacional da Saúde, a restauração de prédios
ainda utilizados como cortiços pelo Programa de Novas Alternativas e a possível
implantação dos dois projetos voltados para a classe média na Avenida Rodrigues Alves e
na Avenida Presidente Vargas nos próximos anos.
As bases de dados consultadas, apesar de permitirem a visualização de algumas
tendências, são ainda insuficientes para o acompanhamento da reconversão. Sugere-se que,
além do Cadastro do IPTU e dos dados do Censo, seja feita a observação de outras bases de
dados, como o cadastro da ADEMI e a revisão e disponibilização do cadastro de
licenciamento da SMU, num nível de agregação por bairro. Confirmou-se ainda a
129
necessidade de um maior detalhamento de dados referentes à caracterização da população
que poderiam ser prosseguidos nos moldes das duas pesquisas desenvolvidas para a área
pela ENCE/IBGE e pelo IPP.
Melhores respostas às principais questões poderiam auxiliar na visualização de
tendências e permitir correções nos procedimentos decorrentes do plano. Constituiriam assim,
o instrumento para o processo de planejamento participativo que a Prefeitura declara querer
desenvolver. Por fim, a construção de uma base de dados adequada poderá contribuir para a
reversão da tradicional carência de acompanhamento do desenvolvimento dos planos no
contexto da cidade do Rio de Janeiro.
A constante preocupação percebida com o lento desenvolvimento do processo levou a
observação de que os prazos da reconversão não foram muito diferentes em outras cidades. No
caso de Nova Yorque renovação do “Batery Park” teve sua primeira proposta em 1962. O
debate acerca das formulações para a área perdurou até 1979 quando o plano sofre grandes
reformulações. Só em 1980 o projeto ganhou visibilidade através da incorporadora “Olímpia
& York”. De 1981 a 1988 os prédios do ‘Wold Fiancial Center’ foram construídos seguidos
de vários trechos inaugurados em partes entre 1983 e 1992. Portanto o processo levou pelo
menos 30 anos para se consolidar. A revitalização das “London Backlands” teve início na
década de 1970 com proposta do governo conservador inglês. Em 1976, entra em pauta a
proposta do governo trabalhista para o incentivo às indústrias locais e a implantação de
habitações de interesse social. A concretização do processo se deu apenas com a reformulação
da política urbana inglesa no início da década de 1980. Em 1982 foi finalmente encomendado
o plano definitivo para a área. Em 1987 a “Olympia & York Properties” apresentou uma
proposta para a região de Canary Wharf, no extremo superior da Ilha. Em 1990 teve inicio a
ampliação dos usos e dinamização da área. Portanto, o processo das London Docklands
demorou cerca de 20 anos. As propostas de reconversão da área portuária de “Puerto Madero”
também começaram a ser formuladas na década de 1970. A indefinição em relação aos
projetos prossegue até 1989, quando foi então criada a "Corporación Antiguo Puerto Madero
S.A." Em 1991 a entidade criou o concurso público nacional de Idéias para Puerto Madero, e
em fevereiro de 1992 constituiu-se o novo grupo para definição final do projeto da primeira
etapa da revitalização. Apesar de ente 1992 a 2007 já se contabilizar cerca de 1.578.859
metros quadrados, as expansões estão previstas para alcançar o ano de 2010. Portanto, até
130
mais de 30 anos foram precisos para que a revitalização tivesse visibilidade no porto de
Buenos Aires.
É imprescindível mencionar que, de acordo com as informações do Instituto Pereira
Passos da Prefeitura, estaríamos diante da terceira tentativa de impulso do processo. O
ritmo lento das atividades da revitalização percebido poderá nos próximos meses ser
finalmente alterado. Segundo informações do Diretor de Planos Urbanos do IPP, dois
novos fatos poderão trazer solução definitiva para os atuais entraves, ou, pelo menos,
amenizá-los. O primeiro deles refere-se ao resultado de um novo plano, atualmente em
desenvolvimento, para a área a ser entregue à Prefeitura pelo consórcio formado pelas
empresas ODEBRECH, OAS e CARIOCA, todas ligadas ao setor da construção civil. Por
iniciativa dessas empresas novas soluções para a ocupação da área, incluindo a
possibilidade de remoção parcial da Avenida Perimetral, constantemente referenciada como
um forte limitador da atração de investimentos, serão apresentadas. Segundo Antônio
Corrêa, o interesse dos empresários justifica-se pelo mercado imobiliário já perceber a
necessidade de novas áreas alternativas para a falta de espaço no Centro. O outro fato
significativo, também previsto para breve, refere-se às dificuldades pela ausência de um
órgão gestor de desenvolvimento urbano, pois na ocasião o Ministério das Cidades
apresentará o resultado do “Estudo de Formação da Entidade Implementadora Pública para
a Revitalização da Região Portuária do Rio de Janeiro” um órgão que cumpriria a
finalidade da SPE. Pelo visto, espera-se que esse novo momento traga soluções para a
dificuldade de fixação da população e atração de investimentos.
Por fim, de uma forma geral pode-se constatar que nas proposições para a área estão
inerentes os riscos de renovação populacional. Apesar disso, a dinâmica urbana do Rio de
Janeiro necessita de análises especificas dadas as condições de ocupação da cidade que
abriga considerável parcela de população vivendo nas áreas informais. As propostas até
então apresentadas não apontam ainda, para o ideal da reconversão produtiva e social em
que a população se tornaria o principal agente de transformação da área. Como parte
integrante da estratégia que visa à integração da cidade, o plano que contiver as propostas
para reconversão do espaço portuário carioca deveria disponibilizar maior atenção a esses
dois aspectos.
131
Londres e Nova Iorque alcançaram a revitalização pela via do incentivo à sua
afirmação como centros financeiros e de negócios. Barcelona pela criação da capital/estado
da Europa Meridional. Falta melhor definição do que se pretende para o Rio.
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em 10-05-07.
NOTAS
1
Os dados do Censo Demográfico do IBGE 2000 através dos levantamentos referentes aos setores censitários
característicos de aglomerados sub-normais que no caso da cidade do Rio de Janeiro se aproximam das favelas,
apontavam a existência de 1.092.476 moradores nesses locais. A Gerência de Sociodemografia da Diretoria de
Informações Geográficas do Instituto Pereira Passos, estima a existência de cerca de 101.696 domicílios nos 907
loteamentos irregulares e clandestinos cadastrados na cidade do Rio de Janeiro, o que elevaria esse número em
mais de 500.000habitantes na ocasião.
2
Do termo original em inglês gentrification relativo a gentry, as definições de gentry e gentrify seriam:
Gentry – pessoa de boa posição social logo abaixo da nobreza; e Gentrify – recuperar e modernizar (uma casa
ou uma área, etc., ) para torná-la agradável à classe média (OXFORD, 1994, p. 515).
3
Choay, (1979) classifica em dois períodos as manifestações iniciais de planificação da cidade. Num período
de “Pré-urbanismo”, no século XIX, estariam incluídas as propostas dos utopistas, pensadores de diversas
áreas de conhecimento que se preocupavam basicamente em cercar o problema da cidade industrial a partir
das relações sociais. Num segundo momento, o “Urbanismo” propriamente recorreu à visão de especialistas
para suas formulações teóricas e práticas. Consolidando-se num período de liberalização das sociedades
capitalistas, apresenta-se sob uma aparência despolitizada e despreocupada com a visão global da cidade e
com o objetivo de realizações práticas.
4
O sentido da expressão “tábula rasa” aqui utilizado é o adotado por Clarissa da Costa Moreira em “A cidade
contemporânea: entre a tábula rasa e a preservação. Cenários para o Porto do Rio”. 2004. Nela a autora admite
que para o urbanismo a noção de “tábula rasa” corresponde a um posicionamento de ruptura de quem pensa e
age em relação a experiências anteriores. Seria enfim, a vontade de transformar a cidade e de criar algo novo,
o que por vezes implica em destruir suas partes e refazê-las (Moreira, 2004, p. 17-18). Optou-se por essa
definição pela aproximação do tema central tratado pela autora em seu estudo e o objetivo central desse
trabalho.
5
O economista inglês John Maynard Keynes pregava uma ação direta do Estado que, para garantir o
equilíbrio entre oferta e demanda, deveria investir em obras de infra-estrutura o que estimularia a atividade
137
produtiva – que seriam utilizadas pela população, graças aos gastos do Estado na área social através de
programas, entre os quais o seguro-desemprego.(Friedman, 2003:24)
6
O “sociological survey“ refere-se aqui ao método induzido pelo pensamento de P. Guedes e L Mumford no
desenvolvimento de estudos urbanos por meio de questionários e entrevistas junto à população utilizados nas
primeiras experiências de cidade-jardim e depois pelo próprio Guedes em cidades indianas, que se tornaram
imprescindíveis no processo de planejamento urbano (Choay, 1979, 40-41).
7
O zoneamento – divisão do espaço em áreas de usos específicos está invariavelmente em qualquer plano
diretor. Muitas vezes a proposição de não misturar diferentes usos do solo oculta o temor de contaminação de
áreas mais valorizadas por grupos de baixa renda ou usos não convenientes. (Rezende, 1982. p. 32)
8
O projeto Corredor Cultural foi criado pela Lei Nº. 506, de 17/01/84.
9
- O projeto que instituirá o novo Plano Diretor da Cidade do Rio de Janeiro encontra-se atualmente em
discussão na Câmara Municipal.
10
Estiveram situadas nos bairros portuários entre 1859 e 1905 as seguintes associações de classe e
beneficentes – Sociedade de Beneficência dos Artistas da Construção Naval ,1858, Rua da Saúde; Sociedade
Marítima de Beneficência, 1883 Rua do Livramento; Sociedade Protetora dos Mestres Práticos do Rio de
Janeiro, 1890. Rua do Livramento; Associação Auxiliadora dos Empregados da Estação Marítima, 1898, Na
Estação da Gamboa; União dos Operários Estivadores,1903, Praça dos Estivadores; Sociedade União dos
Foguistas, 1903, Largo de São Domingos; Associação dos Marinheiros e Remadores,1904, Rua Barão de São
Félix; Sociedade de Resistência dos Trabalhadores em Trapiche e Café, 1905,Rua Municipal; Associação dos
Trabalhadores em Carvão Mineral, 1950, Rua do Livramento (Lamarão, 1991:108)
11
Segundo relata Nelson Werneck Sodré, em sua obra História da Burguesia Brasileira, Rui Barbosa, primeiro
ministro da Fazenda do período republicano e adepto dos ideais liberais, havia herdado um Tesouro falido da
administração monarquista. Obstinado pela idéia de substituir a antiga estrutura agrária baseada na exportação
de café, promover a industrialização e incentivar o crescimento econômico, implementa uma série de medidas
reformadoras. O maior desafio, entretanto, era superar a escassez de moeda, agravada pelo crescimento do
trabalho assalariado, resultado do fim da escravidão e da maciça chegada de imigrantes, fato que o levou a
decretar a lei bancária de 17 de janeiro de 1890, que estabelecia as emissões bancárias sobre um lastro
constituído por títulos da dívida pública. Conhecida como Encilhamento (gíria carioca que aludia ao lugar do
hipódromo onde ficam os cavalos) intencionava o atendimento às necessidades dos negócios, já que havia no
País uma demanda reprimida de moeda. Assim foram estabelecidas três instituições bancárias regionais com a
missão de expandir o crédito e estimular a criação de novas empresas na Bahia, São Paulo e Rio Grande do
Sul. No Rio de Janeiro, região central,foi criado o Banco dos Estados Unidos do Brasil (BEUB) que teve
papel de destaque no processo. O resultado dessa política, entretanto, foi desastroso e gerou na verdade um
dos maiores surtos inflacionários do País, sendo acompanhado de uma desenfreada especulação financeira na
Bolsa de Valores, com o desvio do dinheiro de seu propósito inicial para toda a sorte de negócios, muitos
deles fictícios (BRASIL: Encilhamento, o Primeiro Pacote, 2007).
138
12
O controle urbanístico, aqui, refere-se às normatizações, leis, regimentos, regulamentos, editais, e portarias, sem a
participação do poder legislativo, pois Passos governou sobre decretos que regulamentavam a questão da construção
habitacional e a proibição de melhorias e reformas nos cortiços existentes.
13
A Ponte Rio - Niterói foi inaugurada em 4 de março de 1974 (MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES. 2007) e Pela Lei
Complementar nº20, de 1 de julho de 1974, durante a presidência do general Ernesto Geisel, decidiu-se realizar a fusão
dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, a partir de 15 de março de 1975 (ALERJ, 2007)
14
Técnica de estiva e de transporte de carga devidamente acondicionada em contêineres. Na estiva a
movimentação processa-se através de gruas e guindastes, pórticos, transtainers e travelifts, equipados com
dispositivos automáticos de engate
.
15
Nesse caso corresponde acesso aquaviário e acostagem.
16
Cabotagem é a navegação realizada entre portos interiores do país pelo litoral ou por vias fluviais.
17
A Área de Proteção Ambiental (APA) do Projeto SAGAS é constituída por logradouros dos bairros de Santo
Cristo, Saúde, Gamboa e Centro, na I e II Regiões Administrativas.
18
O estudo utilizou para todas as Regiões Administrativas da cidade duas hipóteses baseadas no parâmetro
TFT (Taxa de Fecundidade Total) onde se leva em conta o comportamento recente deste parâmetro. Ou seja,
na primeira hipótese assume-se que a TFT se manterá constante (como visto entre 1991 e 2000) e na segunda
hipótese assume-se que a tendência de queda observada entre 1980 e 2000 se manterá. Nesta segunda
hipótese, assumiu-se um limite inferior de 1,5 filhos por mulher em 2020.
19
A terminologia referente aos processos de transformação segundo os conceitos pós-modernos para
intervenção no espaço urbano, sobretudo nas áreas centrais em declínio, aparece nos textos consultados de
forma variada sugerindo que não se tenha ainda consolidado um consenso quanto ao seu uso. O próprio texto
do PLANO PORTO DO RIO 2001 é apresentado inicialmente como “plano de recuperação e revitalização”
em sua versão inicial impressa. Posteriormente, no CD-Rom de divulgação, a proposta é referenciada como
“requalificação”.
20
Apesar de fora dos limites da área de estudo, mas respondendo às questões acerca da desativação parcial do
Porto, é importante mencionar que para a área não contemplada pelo plano da Prefeitura – o bairro do Caju,
foi desenvolvido um conjunto de projetos denominado “PORTO DO RIO SÉCULO XX, Desenvolvimento e
integração Porto-Cidade”. Seus patrocinadores são: a Câmara Logística Integrada - COLIG/FIRJAN, Comi
dos usuários dos Portos, Aeroportos e EADI’s do Estado do Rio de Janeiro – COMUS/RJ da Associação
Comercial do Rio de Janeiro, todos também envolvidos com o plano de revitalização dos bairros históricos. A
integração dos dois planos se dá por meio de 3 intervenções - a transferência do terminal de passageiros,
desobstrução da barreira visual às atividades do porto pela atual murada e implantação de um conjunto de
lojas na fachada do Armazém 18 frontal à Rodoviária Novo Rio para reorganização do comercio ambulante
da Avenida Rodrigues Alves.
21
Dados obtidos diretamente com Antônio Luiz Corrêa Diretor de Planos Urbanos do Instituto Pereira Passos
da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, em 23 de julho de 2007.
22
LEI Nº. 10.257, DE 10 DE JULHO DE 2001 que regulamenta os artigos. 182 e 183 da Constituição
Federal. Estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências
.
ANEXO 1 – TABELAS COM DADOS QUANTITATIVOS
Tabela 1 - Total de inscrições do Cadastro do IPTU por tipologia no bairro da Saúde - 1991-1999
Total de inscrições
Tipologia
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999
Casa_Sobrado
311 319 325 327 328 353 360 463 491
Apartamento
236 246 248 247 245 226 229 230 243
Outros (1)
1 1 1 1 1 1 1
- -
Residencial
Total
548 566 574 575 574 580 590 693 734
Sala
541 560 565 565 567 584 593 589 585
Loja
115 125 140 142 146 136 126 126 128
Sobreloja
2 3 5 5 5 5 3 3 1
Armam
1 21 22 23 20 23 18 9 6
Galpão
27 27 29 23 29 24 16 17 20
Indústria
4 4 5 5 5 3 1
Especial
604 606 875 876 872 895 921 933 914
Territorial
36 37 37 35 36 34 33 33 33
Outros (2)
- - - - - 2 3 4 4
Não residencial
Total
1 330 1 383 1 678 1 674 1 680 1 706 1 714 1 714 1 691
Total geral
1 878 1 949 2 252 2 249 2 254 2 286 2 304 2 407 2 425
(1) - Inclui as tipologias - Proletário e Apart-hotel
(2) - Inclui as tipologias - Construção Secundária, Loja_Shopping, Shopping, Telheiro e Ignorado
Fonte: PCRJ, SMF, Cadastro do IPTU
Tabela 2 - Total de inscrições do Cadastro do IPTU por tipologia no bairro da Gamboa - 1991-1999
Total de inscrições
Tipologia
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999
Casa_Sobrado
926 995 1 016 1 011 1 015 1 048 1 076 1 215 1 257
Apartamento
748 765 776 774 779 738 708 752 753
Outros (1)
3 3 3 3 3 3 3 3 3
Residencial
Total
1 677 1 763 1 795 1 788 1 797 1 789 1 787 1 970 2 013
Sala
66 80 82 83 82 59 56 45 44
Loja
281 295 318 315 322 336 340 354 381
Sobreloja
- - - - - - - - 1
Armam
88 86 96 94 93 67 46 40 40
Galpão
117 123 132 135 133 112 72 72 72
Industria
42 40 44 45 44 39 45 35 35
Especial
31 25 30 35 39 67 146 145 152
Territorial
77 77 84 85 83 79 80 79 74
Outros (2)
3 1 1 1 3 10 14 17
Não residencial
Total
705 726 787 793 797 762 795 784 816
Total geral
2 382 2 489 2 582 2 581 2 594 2 551 2 582 2 754 2 829
(1) - Inclui as tipologias - Proletário e Apart-hotel
(2) - Inclui as tipologias - Construção Secundária, Loja_Shopping, Shopping, Telheiro e Ignorado
Fonte: PCRJ, SMF, Cadastro do IPTU
139
Tabela 3 - Total de inscrições do Cadastro do IPTU por tipologia no bairro da Santo Cristo - 1991-1999
Total de inscrições
Tipologia
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999
Casa_Sobrado
1 470 1 496 1 523 1 515 1 526 1 670 1 728 2 114 2 172
Apartamento
586 586 612 615 615 469 430 375 374
Proletario
394 399 475 463 473 467 461 457 457
Outros (1)
- - - - - - - - -
Residencial
Total
2 450 2 481 2 610 2 593 2 614 2 606 2 619 2 946 3 003
Sala
85 84 86 85 86 82 96 109 114
Loja
266 256 271 276 279 290 308 322 347
Sobreloja
1 1 1 2 1 2
Armazem
135 147 153 159 157 136 106 91 99
Galpao
189 205 209 225 223 207 161 164 173
Industria
14 25 26 26 26 22 20 8 8
Especial
32 29 34 35 38 50 86 101 123
Territorial
84 85 90 88 87 77 65 61 61
Ourtos (2)
5 2 2 2 2 6 13 56 67
Não residencial
Total
810 833 872 897 899 870 857 913 994
Total geral
3 260 3 314 3 482 3 490 3 513 3 476 3 476 3 859 3 997
(1) - Inclui as tipologias - Proletário e Apart-hotel
(2) - Inclui as tipologias - Construção Secundária, Loja_Shopping, Shopping, Telheiro e Ignorado
Fonte: PCRJ, SMF, Cadastro do IPTU
Tabela 4- Total de inscrições do Cadastro do IPTU por tipologia no bairro do Centro - 1991-1999
Total de inscrições
Tipologia
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999
Casa_Sobrado
1 026 1 046 1 100 1 087 1 085 1 057 898 917 988
Apartamento
17 716 18 033 18 336 18 077 18 290 18 302 18 170 18 243 18 295
Apart_Hotel
99 99 99 98
Proletário
15 17 18 18 17 17 15 15 15
Residencial
total
18 757 19 096 19 454 19 182 19 392 19 475 19 182 19 274 19 396
Sala
31 023 31 718 33 835 34 440 34 262 34 803 35 367 35 667 35 869
Loja
4 376 4 340 4 909 5 058 5 119 4 904 4 440 4 350 4 578
Sobreloja
829 834 928 946 947 897 927 892 939
Armam
99 105 121 122 118 104 95 75 86
Galpão
133 142 160 165 166 151 125 118 135
Industria
79 88 89 89 92 76 37 27 22
Especial
7 259 7 477 8 136 7 978 7 994 9 203 10 297 10 299 10 532
Territorial
1 471 1 440 1 464 1 411 1 384 1 394 1 372 1 371 1 370
Outros (2)
6 2 2 3 1 3 10 27 39
Não residencial
Total
45 275 46 146 49 644 50 212 50 083 51 535 52 670 52 826 53 570
Total geral
64 032 65 242 69 098 69 394 69 475 71 010 71 852 72 100 72 966
(1) - Inclui as tipologias - Proletário e Apart-hotel
(2) - Inclui as tipologias - Construção Secundária, Loja_Shopping, Shopping, Telheiro e Ignorado
Fonte: PCRJ, SMF, Cadastro do IPTU
140
Tabela 5 - Total de inscrições do Cadastro do IPTU por tipologia no nos bairros da Saúde, Santo Cristo, Gamboa e
Centro - 2000
BAIRROS
TIPOLOGIA - 2000
Centro Gamboa Santo Cristo Saúde
TOTAL Geral 76 520 2 971 4 225 2 557
Apartamento
18 300 780 415 246
Apart-hotel
90 - - -
Casa
1 146 1 319 2 350 545
Casa/apto
45 3 413
Residencial
TOTAL
19 581 2 102 3 178 791
Colégio/creche
1---
Construção secundária
25 13 48 13
Especial
11 647 171 158 945
Galpão
187 93 228 35
Indústria
31 50 20 3
Loja
5 429 445 454 154
Sala
38 572 55 117 613
Sobreloja
1 034 1 2 3
Telheiro
13 7 20 -
Não residencial
TOTAL
56 939 869 1 047 1 766
Fonte: PCRJ, SMF, Cadastro do IPTU.
Tabela 6 - Total de inscrições do Cadastro do IPTU por tipologia no nos bairros da Saúde, Santo Cristo, Gamboa e
Centro - 2006
BAIRROS
TIPOLOGIA - 2006
Centro Gamboa Santo Cristo Saúde
TOTAL Geral 76 765 3 137 4 225 2 579
Apartamento
18 381 937 418 254
Apart-hotel
99
---
Casa
1 191 1 354 2 358 570
Casa/apto
45 3 473
-
Residencial
TOTAL
19 716 2 294 3 249 824
Colégio/creche
1
---
Construção secundária
25 13 48 5
Especial
11 465 172 151 947
Galpão
186 94 213 25
Industria
31 49 24 3
Loja
5 500 451 411 157
Sala
38 779 55 106 615
Sobreloja
1 049 2 3 3
Telheiro
13 7 20
-
Não residencial
TOTAL
57 049 843 976 1 755
Fonte: PCRJ, SMF, Cadastro do IPTU.
141
Tabela 7 – Total das inscrições do Cadastro do IPTU por utilização no bairro do Saúde - 1991-1999
Total de inscrições
UTILIZAÇÃO
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999
Armazém 21 22 23 20 23 18 9 6 8
Assistência Social - - - - - 1 1 1 1
Banco 1 2 2 2 2 2 3 4 4
Bar - - - - - 13 17 20 21
Biblioteca - - - - - - - - -
Casa de Saúde - - - - - 3 3 8 8
Cinema - - - - - - - - -
Clube - - - - - - - - -
Colégio 1 1 1 1 1 4 4 5 4
Escritório 541 559 565 565 567 458 409 387 388
Garagem 589 589 853 853 850 857 861 862 842
Hospital 2 2 2 2 1 4 5 8 8
Hotel 2 3 4 4 2 3 4 4 3
Hotel-residência - - - - - - - - -
Industria 7 7 11 11 11 10 12 9 12
Motel 1 1 1 1 2 2 2
Não Residencial 118 124 139 138 146 234 295 316 311
Oficina 2 2 2 1 1 28 35 41 42
Pensão - - - - - - 1 1 1
Posto de Gasolina - - - - - - - - -
Residência 546 564 572 573 573 578 577 680 720
Restaurante 7 12 13 15 15 12 13 11 11
Supermercado 4 4 4 4 4 2 1 - -
Templo - - 1 1 1 1 1 1 1
Territorial 36 37 37 35 36 34 33 33 33
Ignorado 1 21 22 23 20 23 18 8 5
Total 1 878 1 949 2 252 2 249 2 254 2 286 2 304 2 407 2 425
Fonte: PCRJ, SMF, Cadastro do IPTU
142
Tabela 8 – Total das inscrições do Cadastro do IPTU por utilização no bairro da Gamboa - 1991-1999
Total de inscrições
UTILIZAÇÃO
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999
Armazém 88 86 96 94 93 67 46 40 40
Assistência Social 1 1 1 2 2 2 3 3 2
Banco 1 1 1 1 1 2 10 9 10
Bar - - - - - 13 28 48 53
Biblioteca - - - - - - - - -
Casa de Saúde - - - - - - - - -
Cinema - - - - - - - - -
Clube 1 1 2 2 3 3 3 4 4
Colégio 2 2 2 2 2 1 1 1 2
Escritório 65 64 67 67 66 39 26 16 15
Garagem 5 4 5 6 5 4 4 4 5
Hospital 4 2 1 4 2 4 4 3 3
Hotel 1 1 1 1 4 4 1
Hotel-residência - - - - - - - - -
Industria 65 68 75 75 75 73 82 74 76
Motel - - - - - 1 1 - -
Não Residencial (1) 272 302 318 324 333 375 399 387 422
Oficina 14 14 16 15 15 43 55 63 66
Pensão - - - - - 1 2 2 3
Posto de Gasolina 3 2 4 5 5 4 4 4 4
Residência 1 668 1 753 1 785 1 778 1 788 1 764 1 759 1 949 1 986
Restaurante 21 23 25 24 24 20 21 19 19
Supermercado 2 2 2 2 2 - - - -
Templo 2 1 1 1 2 3 4 4 5
Territorial 77 77 84 85 83 79 80 79 74
Ignorado 90 86 96 94 92 52 46 41 39
Total
2 382 2 489 2 582 2 581 2 594 2 551 2 582 2 754 2 829
(1) – Inclui vários usos não definidos pela SMF
Fonte: PCRJ, SMF, Cadastro do IPTU
143
Tabela 9 – Total das inscrições do Cadastro do IPTU por utilização no bairro de Santo Cristo - 1991-1999
Total de inscrições
UTILIZAÇÃO
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999
Armazém 135 147 153 159 157 136 106 91 99
Assistência Social - - - - - - - 1 -
Banco 1 1 1 1 1 2 3 2 2
Bar 1 1 1 1 2 22 26 36 44
Biblioteca - - - - - - - - -
Casa de Saúde - - - - - - - - -
Cinema - - - - - - - - -
Clube 2 2 2 2 2 3 3 3 3
Colégio - - - - 1 - - 4 2
Escritório 78 78 79 79 79 74 78 93 94
Garagem 5 5 6 7 7 7 8 6 12
Hospital 1 1 1 1 1 1 2 2 3
Hotel 2 2 2 2 1 1 2 2 2
Hotel-residência - - - - - - - - -
Industria 43 57 58 60 60 57 46 34 38
Motel - - - - - - - - -
Não Residencial (1) 291 278 293 310 314 329 378 428 482
Oficina 11 13 15 15 15 43 61 78 81
Pensão - - - - - - - - 1
Posto de Gasolina - - - 1 1 1 2 2 2
Residência 2 433 2 465 2 593 2 569 2 591 2 579 2 584 2 922 2 977
Restaurante 28 28 26 29 29 11 10 5 5
Supermercado 4 4 6 4 6 3 2 0 0
Templo 3 3 3 3 3 4 5 4 4
Territorial 84 85 90 88 87 77 65 61 61
Ignorado 138 144 153 159 156 126 95 85 85
Total 3 260 3 314 3 482 3 490 3 513 3 476 3 476 3 859 3 997
(1) – Inclui vários usos não definidos pela SMF
Fonte: PCRJ, SMF, Cadastro do IPTU
144
Tabela 10 – Total das inscrições do Cadastro do IPTU por utilização no bairro do Centro - 1991-1999
Total de inscrições
UTILIZAÇÃO
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999
Armazém 99 105 121 122 118 104 95 75 86
Assistência Social 9 12 14 6 15 73 83 92 92
Banco 252 215 292 292 325 330 401 418 442
Bar 4 3 3 4 4 151 468 529 556
Biblioteca 1 1 1 2 - 1 2 2 2
Casa de Saúde - - - - - 14 17 29 29
Cinema 12 11 13 14 16 13 16 18 20
Clube 11 7 13 14 13 10 9 9 10
Colégio 21 21 28 30 27 37 35 33 40
Escritório 30 334 31 058 33 047 33 538 33 294 27 376 20 827 19 853 19 876
Garagem 6 888 7 120 7 663 7 486 7 472 8 175 8 336 8 287 8 520
Hospital 23 24 21 24 24 22 19 18 18
Hotel 34 21 55 51 61 68 88 97 103
Hotel-residência - - - - - 2 2 2 2
Indústria 175 187 195 198 203 169 99 84 77
Motel 2 2 2 2 2 5 7 7 7
Não Residencial (1) 5 419 5 352 6 068 6 353 6 444 12 755 19 622 20 636 21 018
Oficina 86 91 94 98 99 384 608 684 710
Pensão 8 6 12 16 16 15 12 13 15
Posto de Gasolina 4 4 6 5 6 7 8 9 8
Residência 18 639 19 012 19 342 19 071 19 294 19 274 19 015 19 118 19 254
Restaurante 378 377 444 453 464 454 547 563 555
Supermercado 26 28 32 32 27 27 21 18 20
Templo 29 37 44 47 47 44 49 53 52
Territorial 1 471 1 440 1 464 1 411 1 384 1 394 1 372 1 371 1 370
Ignorado 107 108 124 125 159 106 94 82 84
Total 64 032 65 242 69 098 69 394 69 514 71 010 71 852 72 100 72 966
(1)– Inclui vários usos não definidos pela SMF
Fonte: PCRJ, SMF, Cadastro do IPTU
145
Tabela 11 - Total de inscrições do Cadastro do IPTU por utilização nos bairros da Saúde, Santo Cristo, Gamboa e
Centro – 2000
Total das Inscrições
UTILIZAÇÃO
Saúde Gamboa Santo Cristo Centro
Armazém/deposito 10 56 115 108
Assist_ social 1 3 1 94
Banco 4 7 5 463
Bar/café/lanchonete 21 49 46 627
Biblioteca - - - 2
Casa de saúde 8 - - 32
Cinema/teatro - - - 25
Clube/ginásio - 4 3 15
Colégio/creche 5 2 4 49
Escritório 407 24 98 21 491
Garagem/estacionamento 865 5 15 8 949
Hospital 7 3 3 19
Hotel 3 4 2 125
Hotel residência - - - 2
Industria 14 98 71 116
Motel 3 1 - 12
Não residencial (1) 365 503 562 23 406
Oficina 42 74 87 727
Pensão/hospedagem 1 3 1 20
Posto gasolina - 5 3 13
Residencial 807 2 265 3 190 19 706
Restaurante 12 26 12 684
Supermercado 1 - 3 21
Templo 3 5 4 59
Total 2 579 3 137 4 225 76 765
(1) – Inclui vários usos não definidos pela SMF
Fonte: PCRJ, SMF, Cadastro do IPTU
146
Tabela 12- Total de inscrições do Cadastro do IPTU por utilização nos bairros da Saúde, Santo Cristo, Gamboa e
Centro - 2006
Total das inscrições
UTILIZAÇÃO
Saúde Gamboa
Santo
Cristo
Centro
Armazém/deposito 10 56 115 108
Assist_ social 1 3 1 94
Banco 4 7 5 463
Bar/café/lanchonete 21 49 46 627
Biblioteca - - - 2
Casa de saúde 8 - - 32
Cinema/teatro - - - 25
Clube/ginásio - 4 3 15
Colégio/creche 5 2 4 49
Escritório 407 24 98 21 491
Garagem/estacionamento 865 5 15 8 949
Hospital 7 3 3 19
Hotel 3 4 2 125
Hotel residência - - - 2
Industria 14 98 71 116
Motel 3 1 - 12
Não residencial (1) 365 503 562 23 406
Oficina 42 74 87 727
Pensão/hospedagem 1 3 1 20
Posto gasolina - 5 3 13
Residencial 807 2 265 3 190 19 706
Restaurante 12 26 12 684
Supermercado 1 - 3 21
Templo 3 5 4 59
Total 2 579 3 137 4 225 76 765
(1) – Inclui vários usos não definidos pela SMF
Fonte: PCRJ, SMF, Cadastro do IPTU
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