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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ATENÇÃO À SAÚDE COLETIVA
CAROLINA DUTRA DEGLI ESPOSTI
A SAÚDE BUCAL NA SAÚDE DA FAMÍLIA:
AÇÃO COMUNICATIVA DE HABERMAS
GUIANDO AS RELAÇÕES
VITÓRIA
2007
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CAROLINA DUTRA DEGLI ESPOSTI
A SAÚDE BUCAL NA SAÚDE DA FAMÍLIA:
AÇÃO COMUNICATIVA DE HABERMAS
GUIANDO AS RELAÇÕES
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Atenção à Saúde Coletiva do
Centro de Ciências da Saúde da Universidade
Federal do Espírito Santo, como requisito parcial
para a obtenção do título de Mestre em Saúde
Coletiva, na área de concentração Política e
Gestão em Saúde, linha de pesquisa Política e
Sistemas de Saúde.
Orientador: Prof. Dr. Adauto Emmerich Oliveira.
VITÓRIA
2007
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Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)
(Biblioteca Setorial de Ciências da Saúde,
Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)
Esposti, Carolina Dutra Degli, 1981-
E77s A saúde bucal na saúde da família : ação comunicativa de
Habermas guiando as relações / Carolina Dutra Degli Esposti. –
2007.
141f. : ilus.
Orientador: Adauto Emmerich Oliveira.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito
Santo, Centro de Ciências da Saúde.
1. Ação comunicativa. 2. Programa saúde da família. 3.
Relações interprofissionais. 4. Equipe de assistência ao paciente.
5. Prática odontológica. I. Oliveira, Adauto Emmerich. II.
Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Ciências da
Saúde. III. Título.
CDU:614
3
CAROLINA DUTRA DEGLI ESPOSTI
A SAÚDE BUCAL NA SAÚDE DA FAMÍLIA:
AÇÃO COMUNICATIVA DE HABERMAS
GUIANDO AS RELAÇÕES
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Atenção à Saúde
Coletiva do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Espírito Santo,
como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Saúde Coletiva na
área de concentração Política e Gestão em Saúde.
Aprovada em 30 de novembro de 2007.
COMISSÃO EXAMINADORA
______________________________________________
Prof. Dr. Adauto Emmerich Oliveira
Universidade Federal do Espírito Santo
Orientador
______________________________________________
Profª. Drª. Janete Magalhães Carvalho
Universidade Federal do Espírito Santo
______________________________________________
Profª. Drª. Nágela Valadão Cade
Universidade Federal do Espírito Santo
4
Para minha mãe, a quem devo minha
existência, meu caráter e meu caminho.
Para Leonardo, força de minha vida.
5
AGRADECIMENTOS
À Secretaria Municipal de Saúde de Vitória, por ter aberto as portas de seus
serviços.
Aos profissionais sujeitos da pesquisa, pelos esclarecimentos, entendimento e
carinho em suas participações.
Ao professor e orientador Adauto Emmerich Oliveira, pela orientação,
companheirismo e compreensão, imprescindíveis à caminhada.
Às professoras que participaram da Banca de Qualificação, Rita de Cássia Lima
Duarte e Janete Magalhães Carvalho, pelas contribuições teóricas e metodológicas
que aperfeiçoaram o estudo.
Aos meus colegas mestrado, que contribuíram de diferentes maneiras, com
amizade, compartilhando angústias e experiências, bibliografias, sugestões e
estímulo. Agradecimento especial a Moysés Francisco Vieira Netto, Tânia Maria de
Araújo, Célia Márcia Birchler, Ana Rita Vieira de Novaes, Sheila Cristina de Souza
Cruz, Susana Bubach, Francianne Baroni Zandonadi, Racire Sampaio Silva, Geisa
Fregona, Herlam Wagner Peixoto, Estela Altoé Feitoza e Edson Theodoro dos
Santos Neto.
Aos amigos e familiares, que tantas vezes se conformaram com minha ausência e
outras tantas souberam ouvir.
A todos, meu muito obrigada.
6
Perdemos um tempo precioso seguindo
uma pista absurda e passamos ao lado da
verdade sem suspeitá-la.
Marcel Proust
7
RESUMO
Analisa como vem ocorrendo a inserção do cirurgião-dentista na equipe
multidisciplinar do Programa Saúde da Família (PSF), caracterizando o processo de
trabalho do cirurgião-dentista em relação ao trabalho em equipe e identificando se
uma relação de comunicação e consenso envolvendo esses profissionais.
Fundamenta-se em estudos sobre o trabalho em equipe e mais especificamente na
teoria de Habermas sobre a Ação Comunicativa. Trata-se de uma pesquisa
qualitativa, exploratória, do tipo estudo de caso, cujo cenário é o município de
Vitória, capital do Estado do Espírito Santo, Brasil. A pesquisa focalizou os
integrantes de duas equipes de saúde da família (ESF) e de saúde bucal (ESB)
(médico, enfermeiro, auxiliar de enfermagem, agente comunitário de saúde,
cirurgião-dentista, técnico de higiene dental e auxiliar de consultório dentário) que
atuam nas Unidades de Saúde da Família (USF) Maruípe e Ilha do Príncipe,
totalizando 14 sujeitos. Para a coleta de dados utilizou-se a observação participante
e a entrevista semi-estruturada individual gravada. O exame do material empírico
baseou-se na análise de conteúdo, relacionando o discurso dos entrevistados aos
autores que fundamentam o estudo. Os resultados demonstram a dificuldade de
integração entre cirurgiões-dentistas e demais membros das equipes, principalmente
em decorrência de sua falta de preparo para atuar em equipes multiprofissionais,
seguindo a manutenção do modelo hegemônico da prática odontológica, de um
trabalho hierarquizado, orientado para atos individualizados e que privilegia
procedimentos clínicos e tecnologias duras. Além disso, a grande cobrança por parte
da gerência sobre produtividade, o trabalho de uma ESB para até duas ESF, a falta
de condições de trabalho, o vínculo empregatício precário que gera alta rotatividade
nas equipes, a falta de responsabilização, a formação deficiente e falta de
capacitação desses profissionais para atuar em equipe e de acordo com as normas
e diretrizes do PSF foram apontados como limitações para a interação na equipe.
Como avanço sobre a inserção da saúde bucal no PSF observou-se a melhoria no
acesso aos serviços odontológicos e a possibilidade de mudança no modelo de
atuação odontológica prevalente. Para que o PSF se torne modelo de mudança da
atenção básica em saúde no Brasil, a relação entre os cirurgiões-dentistas e demais
profissionais das equipes da estratégia deve se pautar em uma relação livre de
coação e de relações de poder, de forma a buscar a Ação Comunicativa
habermasiana, isto é, uma relação em que no mínimo dois sujeitos utilizam a
comunicação lingüística para construir planos de ação em comum, a partir do
consenso. No PSF esse plano comum deve ter como objetivo as necessidades dos
usuários em seu contexto de vida.
Palavras-chave: Ação comunicativa. Programa Saúde da Família. Relações
interprofissionais. Equipe de assistência ao paciente. Prática odontológica.
8
ABSTRACT
The study analyses the insertion of dentists into the Family Health Program (FHP)
multidisciplinary team. It also characterises the work process of dentists with regards
to the team work and identifies possible communicative approaches and consensus
between the team professionals. The theoretical foundation was built from studies
about team work relations, and more specifically from Habermas’ Theory of
Communicative Action. It consists of an exploratory case study, with a qualitative
approach, carried out at Vitoria, capital city of Espírito Santo State, Brazil. The
research focused on 14 workers from two Health Family Teams (HFT) and Oral
Health Team (OHT) (doctor, nurse, nurse assistant, community health worker,
dentist, dental hygienist and dental assistant) who work at the Health Family Units of
Maruípe and Ilha do Principe. The data was collected through participant observation
and semi-structured recorded interview. The empirical material was analysed through
content analysis and the discourses were related to the authors who support the
study. The results show the difficult integration between dentists and the other team
members, especially due to their lack of skills to perform in multi-professional teams,
since they keep hierarchic and individualised ways of working, focusing on clinical
procedures and hard technologies, which characterises hegemonic model of
practicing dentistry. Adding to that, there is great pressure from management
towards increased productivity, ratio of one OHT to two HFT, lack of good work
conditions, temporary employment contracts that leads to high staff turnover, lack of
responsibility, inappropriate undergraduate education, poorly prepared professionals
who are not trained to work in a team environment and to follow the FHP’s
guidelines. All these facts were seen as limitations for the team interaction. The
insertion of oral health in the FHP not only improved the access to dental services
but also created a possibility to change the traditional model of practicing dentistry. In
order to consolidate the FHP as the model of Primary Health Care in Brazil, the
relationship between dentists and the other health professionals should follow the
Habermas Communicative Action, where at least two subjects use linguistic
communication to build common action plan, through consensus. This action plan
must aim the needs of the users and their life conditions.
Keywords: Comunicative action. Family Health Program. Interprofessional relations.
Patiente care team. Odontological practice.
9
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ABRASCO – Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva
ACD – Auxiliar de Consultório Dentário
ACS – Agente Comunitário de Saúde
AIDS – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
AIS – Ações Integradas de Saúde
CD – Cirurgião-dentista
CEBES – Centro Brasileiro de Estudos da Saúde
CEO – Centro de Especialidades Odontológicas
CONASP – Conselho Consultivo da Administração de Saúde Previdenciária
CNS – Conferência Nacional de Saúde
CNSB – Conferência Nacional de Saúde Bucal
CPITN Community Periodontal Index for Treatment Needs (Índice Comunitário de
Necessidade de Tratamento Periodontal)
CPO-D – Dentes Cariados, Perdidos e Obturados
DST – Doença Sexualmente Transmissível
ESB – Equipe de Saúde Bucal
ESF – Equipe de Saúde da Família
FDI – World Dental Federation
FSESP – Fundação de Serviços Especiais de Saúde Pública
INAMPS – Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social
MS – Ministério da Saúde
NOAS – Normas Operacionais de Assistência à Saúde
NOB – Normas Operacionais Básicas do SUS
10
PACS – Programa de Agentes Comunitários de Saúde
PEP – Programa de Educação Permanente
PIASS – Programa de Interiorização de Ações de Saúde e Saneamento
PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PREV-SAÚDE – Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde
PSF – Programa Saúde da Família
SB – Saúde Bucal
SEMUS – Secretaria Municipal de Saúde de Vitória
SIAB – Sistema de Informações da Atenção Básica
SUCAM – Superintendência de Campanhas de Saúde Pública do Ministério da
Saúde
SUDS – Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde
SUS – Sistema Único de Saúde
THD – Técnico de Higiene Dental
USF – Unidades de Saúde da Família
11
SUMÁRIO
1
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
...................................................................... 13
2 ODONT
OLOGIA
SAÚDE
BUCAL:
CRIANDO
E
RECRIANDO
MODELOS DE ATUAÇÃO...............................................................................
17
2.1 A ODONTOLOGIA E AS REFOMAS DO SETOR SAÚDE.......................
27
3
A
SDE BUCAL NA
SAÚDE DA FAMÍLIA
..............................................
34
3.1 O CAMINHO TRILHADO.......................................................................... 34
3.2 A INSERÇÃO............................................................................................
40
3.3 O TRABALHO EM EQUIPE......................................................................
44
4
IDÉIAS CRÍTICAS
DA
AÇÃO
COMUNICATIVA DE HABERMAS
............ 50
5
A AÇÃO COMUNICATIVA
E
AS EQUIPES DE SAÚDE DA FAMILIA
......
58
6 ASPECTOS METODOLÓGICOS
................................................................
66
6.1 DESENHO DO ESTUDO..........................................................................
66
6.2 CENÁRIO DA PESQUISA........................................................................ 67
6.3 SUJEITOS DA PESQUISA....................................................................... 69
6.3.1
Amostra
................................................................................................ 69
6.4 CONSTRUÇÃO DOS DADOS..................................................................
71
6.4.1
Instrumentos para a construção dos dados
..................................... 72
6.5 ANÁLISE DOS DADOS............................................................................ 74
7 ANÁLISE DO MATERIA
L EMPÍRICO
........................................................
76
7.1 ANALISANDO O MODELO ASSITENCIAL EM SAÚDE DE VITÓRIA....
78
7.1.1
Unidade de Saúde da Família
Ilha do Príncipe
.................................
86
7.1.2 Unidade de Saúde da
Família Maruípe
..............................................
88
7.2 AS REFORMAS DO SETOR SAÚDE NA VISÃO DOS
TRABALHADORES..........................................................................................
90
7.3 A SAÚDE BUCAL NA SAÚDE DA FAMÍLIA.............................................
101
7.4 A AÇÃO COMUNICATIVA GUIANDO O TRABALHO NAS EQUIPES
DO PSF.............................................................................................................
110
12
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
........................................................................ 121
REFERÊ
NCIAS
................................................................................................ 126
A
NDICE
.....................................................................................................
136
ANEXOS
...........................................................................................................
139
13
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A sutileza do pensamento consiste em
descobrir a semelhança das coisas
diferentes e a diferença das coisas
semelhantes.
Montesquieu
O presente estudo partiu da necessidade de se conhecer a inserção dos cirurgiões-
dentistas (CDs) no Programa Saúde da Família (PSF), do ponto de vista do trabalho
em equipe e da relação intersubjetiva estabelecida entre esses profissionais e os
outros integrantes das equipes. O interesse por essa temática surgiu quando pude
participar de ações e projetos envolvendo a área de saúde bucal (SB) no contexto
da saúde coletiva. Ao concluir a graduação em Odontologia, a possibilidade do
trabalho no PSF lançou a seguinte vida: será que estou preparada para trabalhar
em equipe? Com a necessidade de realização de um estudo, como parte do curso
de Mestrado em Saúde Coletiva, vi a possibilidade de adentrar o mundo das
relações intersubjetivas que acontecem entre cirurgiões-dentistas e demais
profissionais envolvidos na estratégia.
Durante a graduação, busquei me envolver em projetos que tivessem como objetivo
a modificação das práticas odontológicas, no contexto da saúde bucal. Percebia que
o modelo de formação em Odontologia privilegia muito o aspecto técnico, por se
pautar basicamente no modelo flexneriano de ensino, o qual propõe atenção
especial aos aspectos biológicos e curativos. Partindo desse modelo, o ensino
centraliza as ações e as decisões na mão do cirurgião-dentista, preparando-o para
atuar de maneira hierárquica. Mesmo que algumas disciplinas busquem a formação
de conceitos como promoção de saúde e atendimento integral, essa é a lógica que
predomina. Assim, os cirurgiões-dentistas saem das escolas de formação
preparados para atuar no mercado privado, ou seja, nos consultórios particulares.
Porém, os péssimos índices epidemiológicos em saúde bucal estimularam o
aumento nos investimentos no setor e uma maior participação dos profissionais da
área nas ações prioritárias do Ministério da Saúde (MS). O PSF é a proposta
ministerial para a reorganização da atenção sica à saúde no Brasil. Diante de tais
14
índices epidemiológicos, houve, mesmo que tardiamente, a inserção da saúde bucal
na estratégia. Para que sejam alcançados seus objetivos, o PSF propõe o trabalho
em equipes multiprofissionais que levem em conta princípios de acolhimento, vínculo
e escuta.
O setor de recursos humanos e a pouca qualificação dos profissionais têm sido um
os principais obstáculos à implementação do programa (ALEIXO, 2002). Embora o
trabalho esteja direcionado para práticas multiprofissionais, nada garante que a
partir do PSF haverá ruptura com a dinâmica “medicocentrada”, do modelo
hegemônico atual. Não dispositivos potentes para isso, porque a estratégia
aposta em uma mudança centrada na estrutura, ou seja, o desenho sob o qual
opera o serviço, mas não opera de modo amplo nos microprocessos do trabalho em
saúde, nos fazeres do cotidiano de cada profissional, que em última instância é o
que define o perfil da assistência.
A verdadeira discussão diz respeito à necessidade dos profissionais de saúde, não
apenas os médicos, nem apenas os que trabalham inseridos diretamente na
assistência, mas todos os que labutam na produção de serviços de saúde,
reaprenderem o trabalho a partir de dinâmicas relacionais, somando entre si os
diversos conhecimentos. Este é um território por onde transita não apenas o mundo
cognitivo, mas a solidariedade profissional está presente na boa prática de interagir
saberes e fazeres e pode se mostrar eficaz na constituição de modelos assistenciais
centrados no usuário.
Outro problema diz respeito ao caráter prescritivo do PSF, com seu alto grau de
normatividade. Assim, o formato da equipe, as funções de cada profissional e tudo
mais relacionado ao seu funcionamento são regulamentados centralmente pelo MS,
devendo ser rigorosamente seguidos, sob pena de descredenciamento das equipes
e interrupção no recebimento dos incentivos financeiros destinados à estratégia.
Esse fato pode engessar o modelo e coibir que novas alternativas possam aparecer.
A recente implementação do PSF o faz objeto de investigações: muitos querem
saber se de fato está havendo reorientação das práticas em saúde. Uma construção
viável ao modelo de trabalho em equipe é o estímulo à escuta e à comunicação,
como forma de construção de um objetivo comum de trabalho: a saúde do usuário
15
em seu contexto de vida. Os cirurgiões-dentistas fazem parte dessa estratégia
pouco tempo, que somente seis anos após a implantação das primeiras equipes
de saúde da família (ESF) houve a implantação das primeiras equipes de saúde
bucal (ESB). Transitaram assim de um modelo de práticas individuais e curativas
para uma proposta que privilegia a integração profissional e a promoção de saúde.
Nesse sentido, é de suma importância observar como tem se dado esse processo,
proporcionando uma possível correção das distorções que se fizerem presentes.
Dessa forma, os objetivos desse estudo foram:
Analisar como vem ocorrendo a inserção do cirurgião-dentista na equipe
multidisciplinar do Programa Saúde da Família;
Caracterizar o processo de trabalho do cirurgião-dentista em relação ao
trabalho em equipe;
Identificar se uma relação de comunicação e consenso envolvendo esses
profissionais.
O processo de investigação e de construção do conhecimento foi árduo, mas
permitiu a aproximação com a prática do serviço nas Unidades de Saúde da Família
(USF). O contato com os trabalhadores da saúde possibilitou o conhecimento de
uma realidade muitas vezes familiar, pelos estágios que realizei na prática dos
serviços de saúde pública, e tantas outras desconhecidas, pela natureza do trabalho
em equipe. O contato com os técnicos da saúde e gestores enriqueceu e esclareceu
o objeto de estudo e, ao mesmo tempo, contribuiu para me situar no contexto da
pesquisa. Sendo cirurgiã-dentista faço parte do universo dos sujeitos da pesquisa.
O trabalho está estruturado da seguinte forma: o capítulo 1 situa o leitor no contexto
de escolha do objeto de estudo, introduzindo-o ao assunto estudado e revelando
seus objetivos; o capítulo 2 faz um resgate da formação odontológica enquanto
prática criada e em recriação; o capítulo 3 apresenta o caminho percorrido para a
inserção da saúde bucal no PSF e a questão do trabalho em equipe a ser praticado
por esse e pelos demais profissionais na estratégia; o capítulo 4 faz referência a
algumas idéias da teoria da Ação Comunicativa (HABERMAS, 2003; HABERMAS,
2002), que servirá de marco teórico para a análise dos dados; o capítulo 5 relaciona
a teoria discutida, no capítulo anterior, à prática do trabalho em equipe no PSF; o
16
capítulo 6 discorre sobre os aspectos metodológicos do estudo; o capítulo 7 trata
da análise e discussão do material empírico, trazendo a fala dos entrevistados para
um diálogo com os autores que fundamentaram o estudo; e, finalmente, no capítulo
8 fazemos as considerações finais sobre o estudo.
Essa pesquisa é fruto da colaboração de muitas pessoas, que participaram de várias
maneiras: contribuindo com o delineamento do estudo, durante a construção dos
dados e também no esclarecimento de pontos específicos na análise. Apesar de a
escrita ser um processo solitário, as muitas vozes que deram forma ao estudo
estarão canalizadas na pessoa do plural, a qual passarei a utilizar daqui pra
frente.
17
2 ODONTOLOGIA E SAÚDE BUCAL: CRIANDO E RECRIANDO MODELOS DE
ATUAÇÃO
Nunca andes pelo caminho traçado,
pois ele conduz somente onde outros
já foram.
Graham Bell
Para entender bem as relações que os cirurgiões-dentistas estabelecem em sua
prática de trabalho em equipes, cotidianamente nas Unidades de Saúde da Família,
é interessante fazermos uma incursão à história de sua formação. Dessa forma,
poderemos entender um pouco sobre a transformação da corporação odontológica
enquanto profissão médica independente e como parte de um sistema de saúde que
vem sendo desenvolvido no Brasil, desde sua “descoberta”, em 1500, (mesmo antes
dela), com os nativos brasileiros, os índios.
Com base na história, observamos que, ao longo dos tempos, a evolução da
medicina permitiu o acúmulo de conhecimentos e a diversificação dos métodos de
tratamento das enfermidades. Com isso, o aparecimento de um número cada vez
maior de subdivisões da profissão médica foi inevitável (CHAVES, 1986). Assim, o
surgimento da profissão odontológica relacionou-se à atuação de cirurgiões,
barbeiros, cirurgiões-barbeiros, dentistas, tira-dentes, sangradores, charlatães e
curandeiros, ou seja, a indivíduos de parcos conhecimentos, que criavam
sociedades e corporações buscando reconhecimento oficial. As funções eram
principalmente extrair e tratar dentes e tudo mais o que se relacionava à boca,
sendo que o tipo de profissional variava de acordo com a época histórica e a
realidade sociocultural de cada região (EMMERICH, 2000).
Diferentemente do observado na medicina, na atividade odontológica predominaram,
desde seu início, as tarefas manuais, voltadas para a extração e a reposição dos
dentes, relacionando-a a uma função mais cosmética do que terapêutica, logo, a
uma imagem de trabalho “artesanal” e “comercial” e, por isso mesmo, de baixa
estima social (CARVALHO, 2006).
18
Foi no culo XVIII que a odontologia ficou caracterizada como profissão
independente, tendo a França como seu berço. Pierre Fauchard (1678-1761), por
meio de uma obra com data de 1728 (Tratado dos dentes para o cirurgião-dentista),
marcou o início da organização e da evolução científica da Odontologia. Dessa
maneira, a Odontologia seria responsável pela manutenção da saúde e recuperação
funcional do aparelho mastigatório, atribuição de profissionais letrados e
cientificamente embasados (BOTAZZO, 2000; CHAVES, 1986; EMMERICH, 2000;
RING, 1998).
Antes da chegada dos portugueses ao Brasil, havia aqui uma figura respeitada por
todos os índios, o pajé considerado dico, dentista e feiticeiro, que acumulava
os conhecimentos das gerações passadas sobre os efeitos das plantas medicinais
nativas e sobre as possíveis intervenções às moléstias de seu tempo. Com a
chegada dos portugueses, juntamente com seu esquema de dominação e
multiplicação de seus valores culturais, o estabelecimento da lógica do lucro cil
que movia os interesses da Coroa no Brasil (EMMERICH, 2000) também veio a
influenciar a Odontologia brasileira.
Circunstâncias históricas determinaram o desenvolvimento de modelos distintos de
evolução da prática odontológica, contudo, precisamos destacar que ela
desenvolveu um sistema formal de conhecimento, reclamando para si uma base
científica fundamentada no modelo biomédico, ainda que o foco da sua atenção
tenha permanecido centrado na atividade “mecânica” ou protética (CARVALHO,
2006).
A lógica instaurada no Brasil colonial em relação à saúde da boca, principalmente
dos dentes, deu-se pela atuação de cirurgiões-barbeiros iletrados, os beca-curta,
trazidos pelos portugueses ou aqui instruídos por eles. A formação era
predominantemente prática e relacionada à “loja de barbearia”, livre a qualquer um,
inclusive servindo para acúmulo de capital por escravos que buscavam comprar
suas cartas de alforria, estando apenas à mercê do papel regulador do mercado. A
adoção do vocábulo dentista ocorreu com a instalação no Brasil do plano de exames
que legalizava a “Arte Dentária”, por volta de 1800, sendo realizado por médicos em
função do Estado. Importante a ser lembrado é que a principal função desses
profissionais era “tirardentes”, estabelecendo a origem histórica do
19
odontocentrismo
1
e da extração-mutilação dentária
2
(EMMERICH, 2000, grifos do
autor).
Foi através de figuras como Tiradentes, mártir nacional, e Augusto Coelho e Souza,
considerado pai da Odontologia brasileira, que a profissão se desenvolveu aqui
desde o descobrimento do país. O Brasil foi durante muito tempo importador de
tecnologias e modelos estrangeiros em Odontologia, principalmente norte-
americanos, sendo que a profissão caracterizou-se por uma crescente busca por
legitimação social, sobretudo através da institucionalização de cursos superiores e
da criação de regras definidas aplicáveis a quem quisesse exercê-la (EMMERICH,
2000).
Com isso, ocorreu uma crescente exclusão daqueles que não seguiam tais regras
de formação e conduta, personificada inicialmente na dicotomia cirurgião-barbeiro e
cirurgião-dentista e hoje veiculada à dicotomia dentista prático e cirurgião-dentista
(EMMERICH, 2000). A regulamentação da profissão era necessária para assegurar
os benefícios do crescente mercado de serviços de saúde bucal, principalmente com
a disseminação de doenças bucais, especialmente da cárie dentária, na primeira
metade do culo XIX. A pandemia de cárie dentária foi relacionada à expansão do
mercado de açúcar (CARVALHO, 2006).
Fica claro na história da Odontologia brasileira que esta teve uma origem numa
atuação prática, inicialmente de iletrados, e em uma crescente busca por uma
cidadania odontológica, alcançada através de uma formação científica (EMMERICH,
2000), assim como citado por Carvalho (2006), ao analisar a disputa pelo monopólio
da prática odontológica no século XIX. Atendo-se à formação de cursos superiores
em Odontologia, é importante enfatizar que sua base foi positivista, interessando-se
apenas por matérias que compunham o próprio curso, fundando uma ciência
1
Emmerich (2000) define odontocentrismo como a configuração cultural específica de nossa
Odontologia, em que existe a centralidade do dente, objeto de trabalho dos profissionais da área,
desvinculado do ser em sua totalidade.
2
Segundo o mesmo autor, a Odontologia brasileira encontra sua origem na extração dentária. Tal
centralidade permanece até os dias atuais, em que muitas vezes o paciente vê na extração dentária a
solução mais rápida e barata à sua dor de dente (EMMERICH, 2000). Isso ocorre principalmente pelo
sistema nacional de saúde bucal ter sido pautado historicamente no serviço privado, não acessível à
grande parte da população. Quando se pensa no sistema público de atenção odontológica, a
facilidade e o baixo custo da extração fizeram com que esta fosse a principal ação oferecida como
tratamento de dentes extensamente atacados por cárie ou por doença periodontal (de gengivas e
osso).
20
odontológica em bases de conhecimentos de química e física e numa total ausência
de compromisso com categorias históricas fundamentais, tais como a subjetividade,
a objetividade e a essência. Dessa maneira, afirmou sua cientificidade como externa
ao tecido social, enxergando a saúde bucal como separada da saúde como um todo
do indivíduo. Seu discurso era centrado nas doenças dentárias e tinha o doente
como objeto de sua ação, principalmente terapêutica (EMMERICH, 2000).
Essa idéia de centralidade do dente como campo de atuação do cirurgião-dentista
influenciou sobremaneira as relações instituídas entre esse profissional e seus
pacientes e também com as pessoas que passaram a auxiliá-lo durante o
atendimento. Por muito tempo a Odontologia pautou-se nessa visão para acelerar
seu desenvolvimento técnico e científico, para que os tratamentos pudessem ser
cada vez mais eficientes e gerassem melhores resultados do ponto de vista técnico.
Ao longo da história da Odontologia brasileira percebemos que ela esteve
intimamente conectada ao Estado. Apesar disso, formou-se com nenhuma
preocupação com a realidade epidemiológica de cada época e estabelecendo como
campo profissional o setor privado, longe da realidade social e do coletivo. Ao criar o
consultório dentário como lócus privilegiado de sua atuação, a corporação
odontológica acabou por transformar a saúde bucal, seu bem de produção, em
mercadoria produtora de bens materiais. Configurou assim uma relação comercial
que transformou o cirurgião-dentista numa figura digna de veneração das elites do
século XIX (EMMERICH, 2000; CARVALHO, 2006) e ainda dos tempos atuais.
Contudo, concordamos com Pinto (2000), quando ele diz que o sucesso de uma
profissão relaciona-se ao alcance dos objetivos para os quais foi criada e não pelo
status social ou êxito financeiro que alcancem seus profissionais. Levando-se em
conta que o objetivo primeiro do trabalho em Odontologia deva ser a boa saúde
bucal dos indivíduos, refletido em níveis adequados de saúde bucal na população
em geral, o sucesso do trabalho de um cirurgião-dentista será alcançado quando
este também o for.
Essa separação entre consultório odontológico e realidade social de produção de
doenças bucais foi na contramão do caminho traçado pela corporação médica, a
qual estabeleceu relações com o Estado para o atendimento às necessidades
21
sociais da saúde pública (EMMERICH, 2000), mesmo que muitas vezes fosse com o
objetivo de manutenção da força produtiva. A expansão do campo de atuação dos
cirurgiões-dentistas esteve ligada principalmente à reposição de dentes perdidos,
com dentes artificiais, sendo considerado artigo de luxo e supérfluo, já que a maioria
da população era pobre e não podia pagar pelos serviços. Além disso, também
havia uma aceitação social das enfermidades dentárias (CARVALHO, 2006).
Segundo Mendes (1986), a prática médica e de sua subdivisão, a Odontologia,
tiveram forte influência do Relatório Flexner, publicado em 1910 pela fundação
Carnegie. A partir daí, institucionalizou-se uma medicina científica, pautada na
ligação entre o grande capital, a corporação médica e as universidades. Houve
mudança no objeto da prática e da educação médica, assim como em seus
propósitos, recursos empregados e agentes da medicina. Sendo a Odontologia uma
especialização médica, sofreu também dominação desse paradigma, configurada na
Odontologia científica ou flexneriana.
De acordo com esse paradigma, a Odontologia deveria basear-se num modelo com
as seguintes características: mecanicismo, biologicismo, individualismo,
especialização, exclusão de práticas alternativas e tecnificação do ato odontológico.
Sendo assim,
A interação desses elementos criou uma nova prática – a odontologia
científica ou flexneriana que é entendida como aquela de universalidade
biológica, orientada para a cura ou alívio das doenças ou para a
restauração de lesões e que é caracterizada pela natureza individual de
seu objeto, pela concepção mecanicista do homem, pela crescente
corporização do conhecimento em tecnologia de alta densidade de capital,
pela dominância da especialização, pela seletividade de sua clientela e
pela exclusão de formas alternativas de prática odontológica (MENDES,
2006, p. 541).
Esse modelo transformou o consultório privado em lócus de produção de saúde
bucal, enquanto mercadoria capaz de gerar lucros. Isso também influenciou o
surgimento de faculdades privadas, estabelecidas na mesma relação de exploração
do mercado privado, formando profissionais com esse perfil (EMMERICH, 2000).
Esse objetivo de um atendimento individual e lucrativo permitiu que as evoluções
tecnológicas pudessem ser empregadas na saúde bucal individual, na geração de
lucros e na manutenção do fetiche que é a profissão. Enquanto isso, as camadas
sociais menos favorecidas economicamente continuaram por buscar e por receber
22
principalmente a extração dentária como remédio aos males bucais mais comuns: a
cárie e a doença periodontal.
O Brasil viveu durante muito tempo oferecendo um Sistema Nacional de Saúde que,
na visão de Mendes (1986), era plural e desintegrado, que contava com a
hegemonia do modelo médico-assistencial privatista. O Sistema Nacional de Saúde
Bucal reproduzia, como expressão parcial, o Sistema Nacional de Saúde. Assim,
institucionalizou-se na mesma lógica da organização do serviço do Sistema Nacional
de Saúde, centrado nas ações curativas e no privilegiamento do setor privado,
mantendo o exercício liberal da profissão como predominante.
O quadro epidemiológico do Brasil hoje mostra que o passado de exclusão social em
que se fundamentou a história da formação da Odontologia brasileira ainda perdura
até os dias atuais. O SB Brasil 2003, maior e mais amplo levantamento em saúde
bucal realizado em nosso país, foi finalizado em 2003. Este levantamento reuniu
informações de mais de 100 mil exames realizados em todas as regiões do país e
mapeou a saúde bucal do povo brasileiro (BRASIL, 2004b). Os dados dessa
pesquisa orientam a condução das ações do Brasil Sorridente, plano governamental
que norteia as ações em saúde bucal desde 2004.
Os principais problemas de saúde bucal têm sido a doença cárie e a doença
periodontal, comuns em todo o mundo. Para medir a incidência da cárie no planeta,
foi criado um método de avaliação, aceito por toda a comunidade internacional como
indicador do perfil da saúde bucal, CPO-D em português. Essa sigla é uma
representação numérica que indica a prevalência de rie dental na dentição
permanente (em uma determinada população estudada) e é calculada a partir da
quantidade de dentes cariados (C), de dentes perdidos (P) e de dentes obturados
(O) (restaurados) (CHAVES, 1986; OPAS, 2007; PINTO, 2000), tendo valor máximo
teórico de 32 (contando com os terceiros molares).
Os países que seguem o Programa de Saúde Bucal da Organização Mundial de
Saúde (OMS) fazem avaliações periódicas (levantamentos ou estudos
epidemiológicos), utilizando principalmente o CPO-D para avaliar a eficácia dos
programas governamentais de saúde bucal e também para planejamento de outras
ações. Além disso, a OMS, juntamente com vários organismos internacionais e
23
organizações representativas de classe e de governos de todo o mundo, tem
buscado disseminar diversas ações preventivas, consideradas simples e de eficácia
comprovada (OPAS, 2007).
Dentre as ações preventivas preconizadas estão os autocuidados de higiene bucal
(escovação adequada e uso de fio dental); a aplicação tópica de flúor realizada por
profissionais treinados como cirurgiões-dentistas, cnicos em higiene dental (THDs)
e auxiliares de consultório dentário (ACDs); a fluoretação de cremes dentais
(dentifrícios), da água de consumo público, caixas d´água de escolas, creches e
outros estabelecimentos, do leite, do sal de cozinha dentre outras experiências; a
busca de uma dieta alimentar balanceada, reduzindo os alimentos compostos por
açúcares entre as refeições (conhecido, no meio odontológico, como "convívio
inteligente com o açúcar") (CHAVES, 1986; OPAS, 2007).
Os eficientes métodos de utilização do flúor levaram a um declínio da cárie nos
grandes centos urbanos. Tem sido o principal agente da estratégia preventiva da
Odontologia (EMMERICH, 2003a; EMMERICH, 2003b), principalmente como adição
à água de consumo, por ser a medida preventiva de cárie dental de maior impacto
populacional (NARVAI; FRAZÃO; CASTELLANOS, 1999), sendo assim,
democrático, com maior amplitude distributiva, maior equidade, melhor custo
benefício e efetivo com segurança. Contudo, deve ser dada toda a importância ao
controle e ao estímulo às pesquisas sobre esse método, principalmente com o
objetivo de diminuir a prevalência de fluorose dental
3
(EMMERICH, 2003a;
EMMERICH, 2003b).
A elevação do acesso à água e ao creme dental fluoretados tem resultado em
expressiva diminuição na prevalência geral da rie dentária. Contudo, tais
estratégias não têm sido suficientes para reduzir as desigualdades entre as regiões
e na população escolar como um todo. Medidas sociais e econômicas mais gerais,
voltadas ao enfrentamento da exclusão social e intervenções de saúde pública
complementares, dirigidas aos grupos mais vulneráveis, tanto no campo da
3
A fluorose dental caracteriza-se clinicamente por estrias esbranquiçadas, geralmente horizontais e
translúcidas, no esmalte (camada externa e normalmente a única visível do dente), sendo uma
hipoplasia (deficiência que envolve a superfície do esmalte, estando associada a uma diminuição
localizada de consistência). É causada pela ingestão excessiva de flúor durante a calcificação dos
dentes, sendo bilateral, simétrica e possuindo diversos graus de afetação (PINTO, 2000).
24
promoção da saúde bucal quanto no âmbito mais restrito da assistência
odontológica, continuam a desafiar os formuladores e gestores de políticas públicas
brasileiras (NARVAI et al., 2006).
Paralelamente ao trabalho de prevenção, a OMS e a FDI (World Dental Federation)
estabeleceram em 1982 um conjunto de metas a serem utilizadas como avaliação e
parâmetro para a melhoria da saúde bucal das populações, baseadas no padrão
CPO-D (OPAS, 2007; NARVAI, 2007). Entre as críticas, deve ser destacado o
argumento de que não fazia e ainda não faz qualquer sentido propor metas globais,
dadas as características da área da saúde bucal, e também ao fato de que se as
metas são globais, deveriam corresponder a um planejamento global o que não
acontece no setor. Além disso, essas metas contemplavam apenas a doença rie,
a qual não é o único problema em saúde bucal, sendo muitas vezes nem o principal
(NARVAI, 2007b).
Essas metas foram revisadas em 1993, durante o " Congresso Mundial de
Odontologia Preventiva", realizado em Umea (Suécia). Durante este evento, a OMS
propôs novas metas para o ano 2010 em relação à saúde bucal, incluindo aquelas
relacionadas à melhoria das condições periodontais (da gengiva) da população,
medidas pelo Community Periodontal Index for Treatment Needs (CPITN) ou, em
português, Índice Comunitário de Necessidade de Tratamento Periodontal
4
. Dentre
as metas estabelecidas para o ano de 2010 estava a de que o CPO-D deve ser
menor do que 1 aos 12 anos (NARVAI, 2002b; OPAS, 2007).
No Brasil, o primeiro levantamento epidemiológico nacional em saúde bucal foi
realizado em 1986, com dados referentes à cárie dental, doença periodontal e
necessidade de próteses. Esse estudo mostrou que a criança brasileira aos 12 anos
apresentava em média 6 a 7 dentes atacados pela doença cárie (portanto, um índice
CPO-D entre 6 e 7). Passados 10 anos da pesquisa, em 1996, outro levantamento
nacional foi realizado pelo Ministério da Saúde nas capitais brasileiras, pesquisando
somente a cárie dental em escolares de 6 a 12 anos. Esse levantamento
4
Como proposto pela OMS, o CPITN classifica a doença periodontal, por sextante, em 4 níveis:
desde o nível 1(sextante com presença de sangramento em pelo menos um dos dentes), até o nível 4
(bolsa periodontal com 6 mm ou mais profundidade) (OPAS, 2007). De acordo com Pinto (2000), a
dentição está dividida em seis sextantes, cada um contendo 4 dentes (desconsidera os terceiros
molares).
25
demonstrou que aquele índice CPO-D aos 12 anos, obtido em 1986, teve uma
redução da ordem de 53,9% na população estudada, atingindo praticamente os
parâmetros da OMS para o ano 2000 que é de um índice CPO-D menor ou igual a
3,0 (OPAS, 2007).
O último levantamento em saúde bucal no Brasil, o SB Brasil 2003, mostrou um
CPO-D de 2,78 aos 12 anos, que é inferior à meta para o ano 2000 editada pela
OMS e pela FDI (3,00). Contudo, esse índice apresenta-se superior à meta colocada
pelas mesmas instituições para o ano de 2010, que é de um CPO-D menor do que 1
aos 12 anos, estabelecendo assim a necessidade de aumento de ações preventivas
direcionadas a essa população. Além disso, o SB Brasil 2003 permitiu observarmos
o aumento gradativo do CPO-D, até chegar a 27,79 na faixa etária de 65 a 74 anos.
Isso demonstra que mesmo que a assistência odontológica tenha, de alguma forma,
buscado acompanhar as transformações vividas pelo setor saúde nas últimas
décadas e que pressões populares por acesso aos serviços de saúde incluam os
serviços odontológicos, esses serviços têm sido insuficientes e ineficazes do ponto
de vista epidemiológico (NARVAI, 2002a).
A participação do componente “C” (dentes cariados, incluindo aqueles com extração
indicada) ainda é extremamente elevada na idade de 12 anos, correspondendo a
aproximadamente dois terços do valor total do índice CPO-D, 60,8% em 2003. O
predomínio do componente “C” na composição do CPO-D evidencia que, mesmo
tendo havido diminuição da prevalência e da magnitude da cárie entre escolares
brasileiros, o acesso aos serviços de restauração dos dentes continua sendo um
enorme desafio para o Estado e a sociedade no Brasil. Esse quadro apresenta-se
como contradição de um país onde não faltam dentistas, mas onde a população não
consegue fazer valer o seu direito de acesso aos cuidados proporcionados por
esses profissionais (NARVAI et al., 2006).
Um ponto também evidenciado por esse levantamento é o aumento gradativo do
percentual do componente perdido (P) com o passar da idade, sendo de 6,47% aos
12 anos, 14,42% na faixa etária entre 15 e 19 anos, 65,72% entre 35 e 44 anos e
92,95% entre 65 e 74 anos (BRASIL, 2004b). Tal fato pode existir em decorrência da
falta de acesso a ações preventivas de impacto e a tratamentos restauradores,
restando como ação de baixo custo, e por isso acessível à maioria da população, a
26
extração dentária. Além disso, pode ter influência aqui também a figura do
odontocentrismo e da extração-mutilação dentária citadas por Emmerich (2000),
configurados num sistema nacional de assistência odontológica.
Neste ponto faz-se necessário distinguirmos assistência odontológica de atenção à
saúde bucal. Narvai (2002a, p. 68-9, grifos do autor) discute essas diferenças e
entende assistência odontológica como o “[...] conjunto de procedimentos clínico-
cirúrgicos dirigidos a consumidores individuais, doentes ou não.” a atenção à
saúde bucal é referida pelo autor como “[...] conjunto de ações que, incluindo a
assistência odontológica individual, não se esgota nela, buscando atingir grupos
populacionais através de ações de alcance coletivo com o objetivo de manter a
saúde bucal [...]”. Analisando a breve história da odontologia brasileira
5
, podemos
dizer que esta se baseou numa assistência odontológica e não numa atenção à
saúde bucal, modelo que não deu conta das demandas da população e que foram
demonstradas através dos estudos epidemiológicos específicos.
Entre os anos de 1952 e 1992, a Odontologia brasileira sofreu várias adjetivações:
Odontologia Sanitária, Odontologia Preventiva, Odontologia Social, Odontologia
Simplificada, Odontologia Comunitária e Odontologia Integral, todas tentativas de
transformação da Odontologia, como se os adjetivos adicionados fossem capazes
de uma ruptura tão grande com as raízes dessa profissão. Narvai (2002a) discutiu
esses modelos e concluiu que todos eles foram ineficazes em romper a prática
odontológica hegemônica, de caráter mercantilista, monopolista, ineficaz, ineficiente
e que privilegia o enfoque curativo.
Nos anos 80 passou-se a falar em uma saúde bucal coletiva como uma prática
sanitária que buscava ser distinta das demais odontologias (NARVAI, 2002a).
Segundo Chaves (1986), a saúde bucal é um estado de harmonia, normalidade ou
higidez da boca. Sendo um conceito parcial de saúde, tem sentido se estiver
acompanhada de saúde geral do indivíduo. Essa noção surgiu durante o
desenvolvimento maior de uma reforma que era buscada para o setor saúde
5
Para melhor compreender a formação da corporação odontológica através de uma descrição
histórica e da análise das características principais da profissão, consultar as obras de Emmerich
(2000) e Botazzo (2000).
27
brasileiro. Para entender o sentido dado a essa expressão e às práticas buscadas a
partir de suas propostas, discutiremos sobre esse grande movimento nacional.
2.1 A ODONTOLOGIA E AS REFORMAS DO SETOR SAÚDE
Reforma Sanitária Brasileira é o termo genericamente empregado para designar o
interesse sobre as mudanças necessárias ao setor saúde (PAIM, 2002,
SANITARISTA..., 2007). Tendo nascido dentro da perspectiva da luta contra a
ditadura, ela teve início com o novo pensamento sobre a saúde, no final dos anos 60
e início dos 70. Nessa época foi incorporada a abordagem marxista da saúde ou
teoria social da medicina, que contou com idéias da teoria marxista, do materialismo
dialético e do materialismo histórico. Assim, mostrava-se que a doença está
socialmente determinada e não aceitando somente o enfoque biologicista como
explicação das doenças, como vinha sendo feito até então (SANITARISTA..., 2007).
A abordagem da saúde vinha então sofrendo modificações, contando com duas
teses de 1975: O Dilema Preventivista, de Sérgio Arouca
6
, e Medicina e Sociedade,
de Cecília Donnangelo, marcos do início da teoria social na medicina. O movimento
estudantil teve papel fundamental na disseminação e incorporação das novas idéias.
Neste processo também tomaram parte médicos residentes, o Conselho Federal de
Medicina (CFM) e a Associação Médica Brasileira (AMB), os dois últimos tendo
passado por reformulações nesta época (SANITARISTA..., 2007).
A conceituação de saúde passava por uma reformulação a partir de considerações
da OMS. Considerada como estado de bem-estar físico, mental e social, a saúde
não se restringe a ausência de doença (CHAVES, 1986). Dessa forma,
[...] a saúde não pode ser reduzida ao conjunto de intervenções de
natureza médica, preventivas, curativas, ou reabilitadoras, ofertadas por
serviços de saúde.
Mais que isso, o termo saúde expressa a qualidade de vida de uma
população, num dado espaço e num dado momento, refletindo as suas
condições objetivas de vida, que têm sua origem num patamar
6
Editada em livro mais de trinta anos depois de defendida: AROUCA, Sérgio. O dilema
preventivista: contribuição para a compreensão e crítica da medicina preventiva. São Paulo: Editora
UNESP; Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2003.
28
transcendente à simples oferta e consumo de serviços médicos (MENDES,
1986, p. 535).
Sendo dependente de vários fatores, como condição de moradia, de trabalho e de
educação, a saúde não pode e não deve ser atenção apenas dos profissionais de
sua área específica. Segundo Mendes (1986), essa era a principal idéia reconhecida
pela Reforma Sanitária, a qual propugnava mudanças no eixo integrador entre
economia e sociedade para melhorar os níveis de saúde, sem a negação da
importância dos serviços médicos nesse processo. Além disso, o objetivo era que
fossem oferecidos serviços de saúde a todos os brasileiros, de maneira igual, isto é,
universalidade com eqüidade.
Com a divulgação das idéias sanitaristas, principalmente a partir das cadas de
1970 e 1980, a população brasileira, incluindo dirigentes e profissionais da área
da saúde, passou a reivindicar uma atuação do Estado de forma a modificar o
quadro da saúde no país. Esse processo político inseriu-se num movimento maior
de retomada da democracia no Brasil no período pós-ditadura, onde os brasileiros
buscavam a reconquista e o reconhecimento de seus direitos e tentavam construir
uma identidade cidadã. Dessa forma, a redemocratização passava também pela
garantia do direito a uma assistência à saúde de acordo com as necessidades da
população, sendo esta a maior bandeira erguida durante esse processo global
(PAIM, 2002; RONCALLI, 2003).
A existência de grande número de mortes evitáveis, principalmente as infantis, e o
quadro de transição epidemiológica, no qual doenças parasitárias e infecciosas
coexistiam com aquelas ligadas ao estilo de vida, eram sinais do baixo padrão de
saúde da população brasileira. Esse quadro complexo aliado à distribuição dos
serviços de saúde, descordenados e insuficientes para resolver os problemas de
saúde existentes (apesar de serem casos de solução ou controle oferecidos pela
medicina moderna e pelas técnicas de saúde pública) motivaram a luta em que
participaram os diversos atores da sociedade brasileira. Com a conquista da
democracia em nosso país, a população passou a se organizar e a se mobilizar pela
busca de seus direitos. Com isso, a consciência do direito à saúde irradiou-se de tal
forma que o povo passou a cobrá-lo, reivindicando principalmente a melhoria dos
serviços em saúde (PAIM, 2002).
29
Várias propostas já vinham sendo gestadas e construídas como alternativas às
opções implementadas pelos governos até então, indo desde o PIASS (Programa de
Interiorização de Ações de Saúde e Saneamento) à frustrada promessa do PREV-
SAÚDE (Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde), até chegar ao
programa das AIS (Ações Integradas de Saúde), passando pelo plano CONASP
(Conselho Consultivo da Administração de Saúde Previdenciária). Algumas
instituições, através de seus atores, tiveram papel fundamental em todo o processo,
podendo ser citadas o CEBES (Centro Brasileiro de Estudos da Saúde) e a
ABRASCO (Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva)
(NASCIMENTO, 2007).
Todo esse processo culminou na VIII Conferência Nacional de Saúde (CNS),
ocorrida em março de 1986, com a participação de mais de quatro mil pessoas, das
quais 50% eram usuários da saúde (BRASIL, 2004a; NASCIMENTO, 2007;
RONCALLI, 2003; SANITARISTA..., 2007). Durante os debates reconheceu-se que
a saúde deveria ser considerada um direito de todos os brasileiros e que este seria
um dever do Estado. Segundo a proposta, para atender a esse princípio, as ações
de saúde deveriam ser organizadas através de um sistema único de saúde, que
fosse pautado na divisão e na distribuição de poderes entre as esferas federal,
estadual e municipal e que contasse com participação da sociedade na formulação
das propostas, no acompanhamento de suas implementações e na avaliação dos
resultados alcançados (PAIM, 2002).
O relatório final da VIII CNS resumiu bem os consensos a que se chegaram após as
diversas votações. Dentre as diversas conclusões estavam: a conceituação de
saúde e de seus determinantes; sua incorporação ao direito da cidadania; o
conseqüente dever do Estado para atender às necessidades de saúde; a criação do
Sistema Único de Saúde (SUS) para dar conta de tais necessidades; a
interdependência entre política social e econômica (com os entraves existentes no
caso brasileiro), assim como a caracterização dos serviços de saúde como bens
públicos e essenciais, propondo-se várias alterações no relacionamento com o setor
privado (NASCIMENTO, 2007).
Pode-se dizer que o papel da VIII CNS foi clarificar a necessidade de uma política
setorial de governo, não apenas específica à saúde, mas sim à melhoria da
30
qualidade de vida da população. Além disso, afirmou um conceito de Reforma
Sanitária que se pretendeu viabilizar e desencadear com a Constituinte
(NASCIMENTO, 2007). As proposições feitas durante a VIII CNS puderam ser
amadurecidas e melhor detalhadas pela Comissão Nacional de Reforma Sanitária,
que encaminhou o projeto à Assembléia Nacional Constituinte, reunida na época
para a formulação da nova Constituição Brasileira (PAIM, 2002; RONCALLI, 2003).
Dessa forma, a atualização e a reformulação dos direitos e deveres dos cidadãos
brasileiros culminaram numa sessão específica sobre a saúde dentro do capítulo da
seguridade social da Constituição Brasileira de 1988, confirmando as idéias
debatidas até então no processo da Reforma Sanitária (BRASIL, 2004a; PAIM,
2002; RONCALLI, 2003). Passou-se, portanto, à sustentação política das
formulações técnicas, fruto histórico de uma longa trajetória política (NASCIMENTO,
2007; RONCALLI, 2003).
O principal desafio colocado a partir daquele momento era a construção de um novo
sistema de saúde, com a participação de todos os interessados e comprometidos
com a melhoria dos serviços. Contudo, além do esforço dos constituintes, as
mudanças propostas precisariam contar com a participação democrática e criativa
dos trabalhadores em saúde, os quais deveriam necessariamente rever suas
práticas (PAIM, 2002), hegemonicamente dadas.
No processo de Reforma Sanitária Brasileira também estiveram envolvidos
cirurgiões-dentistas, que questionavam o modelo nacional de atenção à saúde e à
saúde bucal e que constituíram o Movimento Sanitário Odontológico, cujos pilares
básicos foram: “[...] a regionalização e hierarquização dos serviços odontológicos; a
adoção de uma política nacional de Odontologia Integral; e a horizontalização dos
programas odontológicos e a sua integração com a atenção médica [...]” (SERRA;
GARCIA; MATTOS, 2005).
Assim, como parte desse amplo processo de Reforma Sanitária, realizou-se a
Conferência Nacional de Saúde Bucal (CNSB), em outubro de 1986, cuja etapa
nacional contou com mais de 1.000 participantes. Durante tal evento, foi afirmado
que a saúde bucal é parte integrante e inseparável da saúde geral do indivíduo,
relacionando-se também às condições externas ao setor saúde, como moradia,
31
trabalho, renda. Apontou ainda os rumos para que a saúde bucal fosse inserida no
sistema único de saúde e as possibilidades de financiamento das ações,
representando o maior avanço sobre a saúde bucal com a participação da
população visto até então (BRASIL, 1986; BRASIL, 2004a; SERRA; GARCIA;
MATTOS, 2005; RELATÓRIO..., 1986). Volnei Garrafa, coordenador geral da
CNSB reiterou que “Já é momento da Odontologia amadurecer social, técnica e
politicamente, dando seu salto definitivo do individual para o coletivo e assumindo,
também, sua parcela de responsabilidade no combate aos caóticos índices
epidemiológicos constatados em todas as regiões do País” (BRASIL, 1986, p. 2).
A CNSB ocorreu em 1992, no mesmo ano da CNS. A época foi marcada por
uma conjuntura nacional em que se propagava o projeto neoliberal, com diminuição
das intervenções do Estado sobre campos como a saúde, por exemplo. Daí que a
maior discussão em ambos os eventos foi a crítica à resistência do governo federal
em efetivar a participação da sociedade nas decisões e na gestão do SUS e em
avançar na descentralização das ações. A CNSB reafirmou a saúde bucal como
direito de cidadania, propondo formas para o financiamento, o controle social por
meio dos Conselhos de Saúde e a descentralização das ações como meio de se
garantir a universalidade e a equidade, levando em conta os recursos humanos
necessários (BRASIL, 1992; BRASIL, 2004a).
Foi somente em 2004, mais de dez anos após a CNSB, que houve a realização
da CNSB, em processo da 12ª CNS. As principais discussões estavam baseadas
no SB Brasil 2003 (BRASIL, 2004b), que fora divulgado pouco tempo antes e no
qual ficou demonstrado presença de mais de 30 milhões de desdentados no país.
Os principais temas discutidos foram: a educação em saúde bucal como fator
contribuinte à cidadania; controle social e gestão participativa; formação e trabalho
em saúde bucal e financiamento e organização da atenção em saúde bucal
(BRASIL, 2004a).
A expectativa era que as reivindicações históricas pudessem finalmente se
concretizar, em relação à saúde (inclusive em relação à saúde bucal). Assim, o que
vem sendo proposto o é uma nova adjetivação para a Odontologia. O que se
busca é uma postura que entenda saúde bucal como mudança de práxis,
recuperando as dimensões política, social, comunitária, preventiva e integral do
32
trabalho em Odontologia, o necessárias a um campo da saúde democrático e
solidário como se propõe (NARVAI, 2002).
Todas as reformulações do setor saúde devem ser encaradas mais do que como
reformas administrativas e financeiras. Trata-se da revisão das concepções, dos
paradigmas, das cnicas adotadas, aliada à mudança nas relações estabelecidas
entre Estado e seus aparelhos e servidores e destes com a sociedade brasileira
(PAIM, 2002). A Odontologia, ao fazer parte da saúde, buscou também, através de
atores sociais engajados, romper com sua tradição assistencialista e mercantilista,
introduzindo o conceito de saúde bucal. Assim, o principal objetivo é a expansão da
atenção em saúde bucal, em quantidade e em qualidade, e a adequação dos
recursos humanos para que tornem capaz a integração entre saúde bucal e saúde
geral do indivíduo.
Segundo Arouca, os princípios da Reforma Sanitária não se resumem à criação do
SUS. Dizem respeito a um conceito de saúde e doença que inclui relações com
trabalho, lazer, saneamento e cultura e que, por isso, a saúde não deve ser discutida
como política do Ministério da Saúde, mas como uma função de Estado permanente
(SANITARISTA..., 2007). Dessa forma, pensar a resolução dos problemas de saúde
bucal o depende exclusivamente de ações odontológicas, como o emprego de
materiais mais resistentes nas restaurações de lesões de cárie ou do estudo de
técnicas cirúrgicas mais eficazes. O setor sofre forte influência das desigualdades
dentro de uma nação o extensa como o Brasil, de dificuldades econômicas, de
dieta, de condições de vida e da existência de hábitos danosos à saúde, limitações
inerentes ao estágio de desenvolvimento científico da Odontologia (PINTO, 2000).
Dessa forma, é preciso que aqueles que trabalham com a Odontologia ampliem
seus horizontes de interesse e atuação e transformem-se em agentes de mudanças
sociais e econômicas que beneficiem a saúde bucal da comunidade sob seus
cuidados. Além disso, para que as políticas de saúde bucal cheguem ao sucesso,
deve haver uma aproximação com as demais ciências, deixando-se relacionar e
influenciar por elas e participando das lutas políticas que movem as sociedades
humanas. Quando os profissionais da Odontologia, componentes de equipes
profissionais, limitam-se a atuar exclusivamente no campo biológico ou dentro de
33
estreitas paredes reduzem drasticamente as chances de alcançar a saúde bucal de
seus pacientes e da comunidade como um todo (PINTO, 2000).
Além de se unir aos outros profissionais da área da saúde, os profissionais da
Odontologia devem não somente atuar tecnicamente, especialistas que são da área,
mas sim buscar melhores condições de vida através de ações políticas (PINTO,
2000). E para que essa situação seja alcançada, as diversas profissões em saúde
devem desenvolver seus programas especializados integrados entre si e parte de
um plano global de saúde (CHAVES, 1986).
Feita essa discussão sobre a história da Odontologia e sobre o surgimento desse
novo conceito que é a saúde bucal coletiva e sua contribuição à Reforma Sanitária
Brasileira, devemos passar a uma etapa mais recente que vem vivendo a profissão.
Através da extensão das ações em saúde bucal no SUS e, principalmente, da busca
pela reestruturação da atenção básica à saúde, com o PSF, do Ministério da Saúde,
os profissionais da saúde têm vivido a reestruturação do setor, por meio de seus
processos de trabalho e das relações intersubjetivas estabelecidas no cotidiano dos
serviços. Inseridos que estão nesse processo, os cirurgiões-dentistas também
vivenciam este momento que se alardeia como de mudança. Passemos então à ao
Programa Saúde da Família.
34
3 A SAÚDE BUCAL NA SAÚDE DA FAMÍLIA
A mente que se abre a uma nova idéia
jamais voltará ao seu tamanho original.
Albert Einstein
3.1 O CAMINHO TRILHADO
Atualmente, todas as ações em saúde pública no país estão organizadas no Sistema
Único de Saúde. Este sistema teve sua organização iniciada durante a Reforma
Sanitária Brasileira. Teve motivação na crescente crise de financiamento do modelo
de assistência médica da Previdência Social e contou com a participação e grande
mobilização política dos trabalhadores da saúde, de centros universitários e de
setores organizados da sociedade, no contexto da redemocratização do país. Nesse
processo, chegou-se à legislação que criou nosso atual Sistema Público de Saúde, o
SUS.
Antes do SUS, o Ministério da Saúde, apoiado por estados e municípios,
desenvolvia quase que exclusivamente ações de promoção de saúde e prevenção
de doenças. O destaque era dado às campanhas de vacinação e controle de
endemias, de caráter universal. Na área de assistência à saúde do MS havia apenas
poucos hospitais especializados, como em psiquiatria e tuberculose, além do
atendimento de algumas regiões específicas, como Norte e Nordeste, pela
Fundação de Serviços Especiais de Saúde Pública (FSESP) (SOUZA, 2002).
Nessa época, a assistência à saúde estava dividida de acordo com três categorias
de brasileiros. Havia os serviços particulares, para aqueles que podiam pagar; o
Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) que era
responsável por seus associados, isto é, por aqueles que tinham “carteira assinada
e seus dependentes; e havia ainda uma espécie de caridade, prestada por alguns
municípios, estados e instituições filantrópicas à parcela da população definida como
35
indigente
7
(SOUZA, 2002). Configurava então um sistema nacional de saúde
altamente excludente e que privilegiava principalmente ações curativas.
Foi no final da década de 80 que o INAMPS se aproximou de uma cobertura mais
universal. Através de uma série de medidas, dentre as quais estava o fim da
exigência da Carteira de Segurado do Inamps para o atendimento em hospitais
próprios e conveniados da rede pública, configurou-se o Sistema Unificado e
Descentralizado de Saúde (SUDS) (SOUZA, 2002).
Na teoria, baseava-se em convênios entre união, através do INAMPS, estados e
órgãos convenentes do Governo Federal. Contudo, na prática, mostrava-se como
ação bilateral entre INAMPS, estados e municípios. Assim, os representantes da
SUCAM (Superintendência de Campanhas de Saúde blica Ministério da Saúde),
da FSESP, da Delegacia Regional do Trabalho e das Universidades, apesar de
participarem como instâncias colegiadas de gestão, apreciando a solicitação de
recursos e assinando termos de adesão, continuavam a administrar suas
respectivas instituições, segundo normas e gicas internas. Contudo, o SUDS
apresentou uma contribuição para a construção do SUS (PAIM, 2002).
As deliberações que cercaram a VIII CNS conseguiram, através da Constituição de
1988, imprimir base legal ao projeto. Em seu Art. 196, foi afirmado que a saúde é um
direito de todos e um dever do Estado, prevendo assim a universalização do acesso
aos serviços e às políticas em saúde. O sistema deveria ser único, e como citado no
Art. 198, organizado segundo algumas diretrizes: descentralização; atendimento
integral, com prioridade de atividades preventivas, sem detrimento da assistência à
saúde, e participação da comunidade. Além disso, este artigo previa que União,
Estados e Municípios aplicariam anualmente recursos mínimos em ações e serviços
públicos. A iniciativa privada poderia participar de forma complementar ao sistema
único de saúde (Art. 199) (BRASIL, 2005).
Assim, a VIII CNS e o processo político constituinte, em 1988, foram fatos centrais
na reposição de novas bases políticas de reestruturação do Estado e das relações
de solidariedade entre os setores sociais, necessários ao enfrentamento das
7
Indigentes eram aqueles que não tinham “carteira assinada”, nem eram dependentes de alguém que
a possuísse, e portanto não tinham direito à assistencia à saúde coordenada pela INAMPS.
36
desigualdades sociais e de saúde (HEIMANN; MENDONÇA, 2005). As proposições
legislativas constituintes deram o arcabouço institucional inicial que guiaria a
construção do SUS. Porém, na prática era preciso muito mais. A falta de uma
atuação mais abrangente das diversas esferas de governo em relação aos serviços
prestados, e também em relação à população atendida, deixou uma imensa dívida
que custaria muito a ser paga. Oficialmente, o SUS deu-se sob a lei 8.080, de 19
de setembro de 1990, a qual dispõe, em seu artigo 3°, que:
A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a
alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o
trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e
serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a
organização social e econômica do País (BRASIL, 1990a, p. 1).
Dentre seus princípios norteadores estão: universalidade do acesso, integralidade
da assistência, participação da comunidade, descentralização político-administrativa,
regionalização, hierarquização e capacidade de resolução dos serviços em todos os
níveis de atenção (BRASIL, 1990a). Busca, dessa forma, mudanças que se fazem
urgentes ao modelo de atenção à saúde da população, em prática atualmente.
Observa-se que essa perspectiva de melhoria na qualidade e no acesso à prestação
de serviços de saúde vem ao encontro do conceito de saúde.
A Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990, trata principalmente da participação da
comunidade na gestão do SUS e sobre as transferências intergovernamentais de
recursos financeiros na área da saúde (BRASIL, 1990b). Assim, legalmente o
sistema único estava criado, porém muitas foram as regulamentações para que se
pudesse realmente avançar sobre as propostas do Movimento da Reforma Sanitária.
Assim, nos anos seguintes à promulgação das Leis 8.080/1990 (lei mãe do SUS)
e 8.142/1990, seguiu-se uma luta dos diversos atores que estiveram de alguma
forma ligados ao setor saúde e a edição de diversas regulamentações pós-
constituição, tais como as Normas Operacionais Básicas do SUS (NOB) 1991, 1992,
1993 e 1996 e as Normas Operacionais de Assistência à Saúde (NOAS) 2001 e
2002. É bem verdade que os resultados alcançados pela coletividade foram
proporcionais à capacidade de união de esforços e também de um
comprometimento individual dos sujeitos.
37
Com a reforma, ou melhor, com a construção do sistema nacional de saúde pública,
várias frentes de trabalho foram criadas, tamanhas as necessidades de atenção à
saúde dos brasileiros. A atenção básica à saúde foi uma das áreas prioritárias
definidas pelo MS (ESCOREL et al., 2007). A definição de atenção primária pode ser
observada na Declaração de Alma Ata, finalização das deliberações da Conferência
Internacional Sobre Cuidados Primários de Saúde, ocorrida em 1978. Assim:
Os cuidados primários de saúde são cuidados essenciais de saúde
baseados em métodos e tecnologias práticas, cientificamente bem
fundamentadas e socialmente aceitáveis, colocadas ao alcance universal
de indivíduos e famílias da comunidade, mediante sua plena participação e
a um custo que a comunidade e o país possam manter em cada fase de
seu desenvolvimento, no espírito de autoconfiança e automedicação.
Fazem parte integrante tanto do sistema de saúde do país, do qual
constituem a função central e o foco principal, quanto do desenvolvimento
social e econômico global da comunidade. Representam o primeiro nível de
contato dos indivíduos, da família e da comunidade com o sistema nacional
de saúde, pelo qual os cuidados de saúde são levados o mais
proximamente possível aos lugares onde pessoas vivem e trabalham, e
constituem o primeiro elemento de um continuado processo de assistência
à saúde (DECLARAÇÃO..., 1978).
A preocupação com a atenção primária deve-se ao fato de, que conforme o
conhecimento se acumula, uma tendência à especialização profissional, dado o
grande volume de novas informações que devem ser administradas. Portanto, em
quase todos os países, vemos as profissões da área de saúde ficarem cada vez
mais fragmentadas, com um crescente estreitamento de interesses e competências
e com um enfoque sobre enfermidades ou tipos de enfermidades específicas em vez
de sobre a saúde geral das pessoas e comunidades (STARFIELD, 2002). Assim
também ocorre com a Odontologia, em que é grande a busca pelo aprofundamento
no conhecimento de certas áreas através da especialização.
Embora se reconheça que uma atenção especializada é altamente eficaz às
doenças individuais, dificilmente esta será compatível com uma atenção primária
altamente efetiva. Isso ocorre pelo fato de que a prevenção e a promoção de saúde
transcendem as enfermidades específicas e requerem atuação mais ampla que as
alcançadas pelos especialistas. Comparada à subespecialização dica, a atenção
primária determina uma organização menos hierárquica e utiliza de maneira menos
intensiva capital e trabalho. Logo, apresenta-se mais adaptável e capaz de
responder às necessidades sociais de saúde em mudança. Como estão mais
próximos do ambiente do paciente do que os especialistas, os trabalhadores da
38
atenção primária podem avaliar melhor o papel dos múltiplos e interativos
determinantes da doença e da saúde (STARFIELD, 2002).
Por razões históricas, que incluem economia, práticas políticas e costumes culturais,
o modelo de saúde predominante no Brasil criou grande distância entre as equipes
de saúde e a população. Nesse modelo, o destaque era dado à especialização,
praticamente apagando a visão integral das pessoas e a preocupação em se
trabalhar com a prevenção das doenças e a promoção de hábitos saudáveis
(BRASIL, 2001).
Assim, o MS passou ao desenvolvimento de uma atenção primária com base em
uma medicina comunitária, na tentativa de mudança do modelo de saúde vigente até
então e que privilegiava a atenção hospitalar, herança da medicina previdenciária, e
como parte da constituição do SUS. Com a adoção do Programa Saúde da Família
8
,
com a definição de incentivos financeiros específicos e com a criação de
mecanismos de transferência de recursos federais baseados no número de
habitantes de cada município (per capita), a Atenção Básica passou a receber
esforços concentrados por parte do Governo Federal. Nesse contexto, a implantação
do PSF é um marco da estratégia de atenção primária na política de saúde brasileira
(ESCOREL et al., 2007).
O PSF teve sua implementação iniciada em 1994, com o propósito de colaborar na
organização do SUS e na municipalização de saúde. Tomou por base os princípios
fundamentais de universalização, descentralização, integralidade e participação da
comunidade. Inicialmente estava direcionado à população com maior risco de
adoecimento e morte (ALEIXO, 2002; BRASIL, 1997a; BRASIL, 2001; ESCOREL et
al., 2007), e por isso esteve associado à assistência aos pobres. Na verdade, sendo
seu principal objetivo melhorar a saúde da população, promovendo o conceito de
saúde como direito à cidadania e como qualidade de vida. A prioridade deveria
realmente ser dada às áreas de maior risco econômico-social e onde o acesso aos
serviços fosse mais escasso. Apesar disso, em muitos municípios, sua implantação
teve um cunho eleitoreiro.
8
Preferimos usar Programa Saúde da Família ao invés de Estratégia de Saúde da Família, apesar da
Portaria mais atual do Ministério da Saúde tratar do tema através dessa última (Portaria nº 648/GM de
28 de março de 2006) (BRASIL, 2006). Esta decisão deveu-se ao fato de que a sigla PSF ser ainda a
mais difundida, fato revelado durante nossa pesquisa bibliográfica e de campo.
39
Baseado na promoção, na proteção, no diagnóstico precoce, no tratamento e na
recuperação da saúde dos indivíduos e da família, adultos e crianças, sadios ou
doentes, de forma integral e contínua, o PSF propôs o trabalho em equipe nas
Unidades de Saúde da Família. Cada equipe de saúde da família deveria ser
composta minimamente por um médico, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem
e 4 a 6 agentes comunitários de saúde (ACS), em regime de trabalho de 40 horas
semanais. Outros profissionais da saúde poderiam ser incorporados de acordo com
as demandas e características da organização dos serviços de saúde locais. As
equipes estão vinculadas ao nível local do SUS, que na teoria propiciará a referência
e a contra-referência, a supervisão do trabalho e a educação continuada, oferecendo
contrapartida aos recursos federais (BRASIL, 1997a; BRASIL, 2001).
Cada ESF deve ser responsável por, no máximo, 4.000 habitantes, sendo a média
recomendada de 3.000 habitantes. O processo de trabalho no PSF prevê o
cadastramento das famílias do território definido de atuação, para facilitar o
diagnóstico, a programação e a implementação das atividades segundo critérios de
risco à saúde e colocando como fundamental a prática do cuidado familiar ampliado
e o trabalho interdisciplinar e em equipe, integrando áreas técnicas e profissionais
de diferentes formações (BRASIL, 2006, ESCOREL et al., 2007).
Neste momento, estabeleceu-se uma concepção de equipe de saúde da família
deixando à margem outros saberes técnico-científicos importantes para a concepção
de cuidado em saúde pretendida pelo programa, uma vez que privilegiou a
incorporação do médico e do enfermeiro à equipe. No caso da Odontologia, o PSF
acabou por coexistir com serviços odontológicos tradicionais, pautados num modelo
altamente excludente e biomédico. Para além desta convivência, ainda se esperava
que o PSF se integrasse aos serviços de saúde do município e da região,
organizando-os e assumindo a porta de entrada do sistema municipal de saúde
(BRASIL, 2001; ESCOREL et al., 2007), garantindo o acesso à atenção básica e a
construção de sistemas de referência e contra-referência (SERRA; GARCIA;
MATTOS, 2005).
Sabemos que a saúde bucal pode ser realizada o somente pelos profissionais
específicos da área, mas consideramos que essa foi uma falha na proposição de tal
modelo. Se a saúde bucal está indissociada da saúde geral do indivíduo, como
40
descrito por Chaves (1986) e Narvai (2002a), como pensar uma equipe para a
Atenção Básica excluindo categorias profissionais, dentre elas a de dentistas,
técnicos de higiene bucal e demais relacionados à saúde bucal, sobretudo com
problemas de acesso aos serviços odontológicos e a qualidade dos indicadores de
saúde bucal no Brasil?
3.2 A INSERÇÃO
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 1998, referente ao
Acesso e Utilização aos Serviços de Saúde, mostrou que 18,7% da população
brasileira, isto é, 29,6 milhões de pessoas, nunca consultaram o dentista, sendo
esse número maior para os residentes em áreas rurais (32%). Quando comparados
os grupos por renda, observamos que a percentagem daqueles que nunca consultou
um dentista é nove vezes maior entre os brasileiros com renda de até um salário
mínimo, quando comparados aos que recebem mais de 20 salários mínimos (IBGE,
2000). Os números indicados nesse momento nada mais fizeram do que confirmar
que a saúde bucal continuava, a este momento, longe daqueles que realmente
necessitam de suas ações, desenvolvida num modelo altamente excludente.
A realidade epidemiológica em saúde bucal da população brasileira é apenas reflexo
do descaso com que são tratadas as necessidades dos cidadãos brasileiros.
Falamos não em saúde, em sua questão assistencial, mas nos setores que a
circundam e a produzem ou não. Algebaile (2005) fala, nesse sentido, sobre a
ausência de canais específicos para o encaminhamento dos novos e velhos
problemas, intensificados na pobreza. Assim, convergem para o cadastramento de
demandas, tratadas não como expressão do modo de organização da vida social e
econômica do país, problemas públicos para os quais haveria que se buscar
soluções.
Apesar de o capitalismo geralmente representar desmonte da máquina de atenção
social do Estado, no Brasil tem-se buscado a ampliação da atenção à saúde dos
brasileiros. Assim, em função da necessidade de se aumentar as ações de
prevenção e de se garantir os investimentos na área curativa em procedimentos
41
odontológicos, o Ministério da Saúde propôs, como estratégia de reorganização da
atenção básica à saúde, a inclusão de equipes de saúde bucal no PSF. Os objetivos
eram diminuir os índices epidemiológicos de saúde bucal e ampliar o acesso da
população brasileira às ações dessa área (BRASIL, 2002b); assim a saúde bucal
passou a fazer parte da agenda das políticas blicas (SERRA; GARCIA; MATTOS,
2005).
Até então, a saúde bucal não estava incluída no PSF. Contudo, devemos ressaltar
que nessa época se propunha que a saúde bucal fosse objeto de intervenção de
todos os profissionais da equipe e não atividade exclusiva dos que trabalham
especificamente na área odontológica. Assim, incluir a saúde bucal no PSF não
significa necessariamente inserir o cirurgião-dentista na equipe mínima, e sim
articular o trabalho desses profissionais a uma ESB e a sua inclusão nas atividades
desenvolvidas pelos agentes comunitários de saúde (BRASIL, 2000a), ampliando a
relação de atores que participam dos processos de educação em saúde bucal
(ARAÚJO; DIMENSTEIN, 2006).
As ações de saúde bucal foram definitivamente incluídas na estratégia com a
publicação da Portaria GM/MS 1.444, de 28 de dez embro de 2000 (BRASIL,
2000b), a qual estabeleceu incentivo financeiro para a reorganização da atenção à
saúde bucal prestada nos municípios por meio do PSF. A regulamentação se deu
com a Portaria GM/MS 267, de 6 de março de 2001, que aprovou as normas e
diretrizes de inclusão das ESB no PSF, por meio do Plano de Reorganização das
Ações de Saúde Bucal na Atenção Básica (BRASIL, 2002b).
As Equipes de Saúde Bucal podem ser de dois tipos: ESB modalidade I, com
composição básica de cirurgião-dentista e auxiliar de consultório dentário; e ESB
modalidade II, composta basicamente por cirurgião-dentista, auxiliar de consultório
dentário e cnico de higiene dental, com responsabilidade sanitária pela mesma
população e território que as ESFs às quais estão vinculadas e com jornada de
trabalho de 40 horas semanais para todos os seus componentes. Cada ESB
trabalha integrada a uma ou duas ESFs (BRASIL, 2002b; BRASIL, 2006).
As ações de saúde bucal na saúde da família devem expressar os princípios e as
diretrizes do SUS e apresentar as seguintes características operacionais: caráter
42
substitutivo, adscrição da população, integralidade, referência e contra-referência;
família como núcleo central de abordagem; humanização do atendimento;
abordagem multiprofissional; estímulo às ações de promoção de saúde, à
articulação intersetorial, à participação e ao controle social; educação permanente e
acompanhamento e avaliação permanente das ações realizadas (BRASIL, 2000a;
BRASIL, 2002b).
Para que as ações de saúde bucal também sejam organizadas do ponto de vista da
saúde da família, seus profissionais devem estabelecer uma nova relação com a
comunidade, baseada na atenção, na confiança e no respeito. Para isso, o CD e os
demais profissionais específicos da área devem conhecer, aceitar e praticar os
conceitos e princípios do PSF e desenvolver habilidades para o trabalho
multiprofissional. Terão, portanto, que se adaptar, saindo de uma cultura em que a
especialização e o trabalho individualizado do cirurgião-dentista predominam
(BRASIL, 2001).
O número de ESB vem crescendo gradativamente. O Gráfico 1 mostra a meta e a
evolução do número de ESBs implantadas no Brasil, no período de 2001 a junho de
2007. Eram 8.951 ESBs em 2004, 15.086 em 2006 e 15.731 em junho de 2007.
Quando comparado ao número atual de ESFs em junho de 2007, que é de 27.400,
observamos que existe uma relação díspar, reflexo da inserção tardia da saúde
bucal no PSF e da possibilidade de haver o trabalho de uma ESB em conjunto com
duas ESFs (BRASIL, 2007b).
Gráfico 1
Meta e Evolução do Número de Equipes de Saúde Bucal Implantadas. BRASIL – 2001 –
JUNHO/2007.
Fonte: BRASIL, 2007b.
43
A Portaria 648, de 28 de março de 2006 (BRASIL, 2006), consolidou a
participação da saúde bucal na mudança do modelo de atenção básica à saúde do
MS, definindo as especificidades do trabalho a ser realizado por cada membro,
incluindo a aproximação da saúde bucal com as demais áreas, integrando as
ações de maneira multidisciplinar. Colocou ainda a possibilidade de uma ESB para
até duas ESFs. Por existir menor número de ESBs em relação às ESFs, a cobertura
atual da saúde bucal dentro do PSF é de 41,2% da população brasileira, um pouco
abaixo da cobertura das equipes de ESF, que é de 58,8 % (Gráfico 2).
A percepção de “massa e volume” da estratégia, dado o grande número de equipes
e municípios participantes, não garante o sucesso. Significa apenas que podemos
atingir o “paraíso” ou um “beco sem saída” em larga escala (ALEIXO, 2002). Para
considerarmos o PSF um sucesso em seu objetivo, reorganizar a atenção básica à
saúde no Brasil, não podemos nos ater somente aos números. Precisamos analisar
seus aspectos qualitativos, dentre eles, o trabalho desenvolvido entre as equipes
que constituem a estratégia e que dariam base real ao projeto.
Gráfico 2
Evolução da Cobertura Populacional (%) de ACS, PSF e ESB. BRASIL – 2001 a
JUNHO/2007.
Fonte: BRASIL, 2007b.
44
3.3 O TRABALHO EM EQUIPE
Desde sua origem, o PSF colocou o trabalho multiprofissional como base de sua
organização. Iniciou por meio do Programa de Agentes Comunitários de Saúde
(PACS), em 1991, e a partir de 1994, formaram-se as primeiras equipes do PSF,
incorporando e ampliando a atuação dos agentes comunitários de saúde (BRASIL,
2005a) a de outros profissionais da saúde. Em 1997, a segunda versão oficial do
PSF o reafirmou como estratégia de reorganização do modelo assistencial
(RIBEIRO; PIRES; BLANK, 2004) e, em 2006, passou à denominação de Estratégia
Saúde da Família (BRASIL, 2006)
9
.
O PSF iniciou contando apenas com médicos, enfermeiros, auxiliares de
enfermagem e agentes comunitários de saúde. Os profissionais específicos da área
odontológica estavam inseridos numa outra equipe, que era a de saúde bucal
(guiada pelo modelo tradicional), na qual normalmente cada profissional trabalhava
metade da carga horária semanal da ESF e sem receber subsídios técnicos, como
capacitações, materiais educativos e gratificação salarial. Além disso, o fato de não
haver inserção oficial deixou a saúde bucal de fora dos incentivos orçamentários e
das cobranças por mudanças no modelo. Era algo que dependia muito mais da
vontade de cada equipe em acompanhar o novo ritmo que se propunha aos
profissionais do PSF.
O trabalho em saúde é complexo e atualmente é campo de trabalho para diversas
categorias profissionais. Dessa forma, é natural que uma estratégia que pretenda
melhorar a atenção básica à saúde oferecida aos brasileiros estimule a participação
de todos aqueles que podem contribuir para sue progresso. Nesse contexto insere-
se a saúde bucal, a ser exercida por todos os membros do PSF e levando também
certo grau de responsabilização dos indivíduos sobre sua condição bucal.
Porém, o modelo desenvolvido até pouco tempo nesse campo era altamente
excludente e curativo. O SB Brasil 2003 mostrou claramente o aumento do CPO-D
com o passar da idade, indo de 2,78 aos 12 anos até 27,79 na faixa etária de 65 a
9
Apesar disso, optamos por nos referir ao nome de Programa Saúde da Família, como anteriromente
esclarecido. A escolha se deu para facilitar a concordância nominal com as citações a serem feitas.
Contudo reconhecemos que a mudança de nome para Estratégia de Saúde da Família refere-se a
uma legitimação do que inicialmente chamava-se programa e que agora se firma como estratégia de
governo para a reorganização da Atenção Básica à Saúde no Brasil.
45
74 anos (BRASIL, 2004b). Os resultados do Sistema Nacional de Saúde Bucal,
medidos pelos níveis de saúde bucal dos brasileiros, são indicadores de sua alta
ineficácia social. A partir daí é que se busca a atuação conjunta dos diversos
profissionais do PSF de forma a modificar esse quadro epidemiológico, buscando a
melhoria na qualidade de vida da população.
À medida que as profissões vão se desenvolvendo aumenta também o número de
situações diferentes que cada profissional deve lidar e o número de cnicas e
instrumentos que devem ser dominados. Com isso, os cursos de formação
profissional passam por extensões de conteúdo e de carga-horária, mas que
esbarram em custos e na capacidade de acúmulo de conhecimentos pelos
indivíduos (CHAVES, 1986). Dessa forma, o avanço e o acúmulo de conhecimento
na área da saúde provocaram o parcelamento do saber e a especialização dos
profissionais em determinadas áreas.
Uma outra conseqüência do acúmulo de conhecimento é o surgimento de profissões
auxiliares, inicialmente criadas para executar operações de rotina, adestradas pelos
próprios profissionais (CHAVES, 1986). Na Odontologia, além do trabalho dos
cirurgiões-dentistas, existe o trabalho do pessoal auxiliar: cnicos de laboratório
(protéticos), técnicos de higiene dental e auxiliares de consultório dentário. Surge
assim, a equipe de saúde bucal. No PSF a equipe de saúde bucal é composta por
CD e ACD (na modalidade I) e também de THD (na modalidade II).
Contudo, ao longo da história, os avanços da Odontologia refiram-se principalmente
a um saber técnico, partindo de uma separação ainda não bem resolvida filosófica e
territorialmente com a medicina. A Odontologia, a despeito de ser uma profissão da
saúde e vista por muitos como especialidade médica, transita com dificuldade em
meio às outras clínicas, e seu discurso não raro se serve de linguagem específica,
como também a impede de se pronunciar sobre problemas sociais que julga,
permanentemente, não serem seus (BOTAZZO, 2000; KOVALESKI; FREITAS;
BOTAZZO, 2006).
A saúde bucal busca negar as características tão comumente relacionadas à
Odontologia. Visa passar da condição de individualista, curativista, monopolista e
socialmente injusta no processo de disciplinarização da boca (KOVALESKI;
46
FREITAS; BOTAZZO, 2006; PEREIRA; PEREIRA; ASSIS, 2003) para uma em que
atue de forma mais autônoma, coletiva e politizada (KOVALESKI; FREITAS;
BOTAZZO, 2006). A inserção da saúde bucal no PSF pode propiciar um cenário de
mudança às práticas odontológicas. O objetivo não é o abandono às técnicas que
lhe dão sustentação, e sim a expansão da atuação dos profissionais da saúde bucal
para além do consultório dentário e das técnicas operatórias, na possibilidade de
construir um lugar político que historicamente não exerceu.
Partindo da inserção da saúde bucal no PSF, devemos nos ater ao fato de que, a
partir de agora, o cirurgião-dentista participa de uma equipe, a ESB, a qual se
integra (ou deveria se integrar) à ESF. O cirurgião-dentista, formado para exercer um
papel técnico e isolado, precisa se adequar a este novo cenário.
O trabalho em equipe implica interação entre os diversos sujeitos. No caso do PSF,
são vários profissionais de formação específica diferentes, mas todas com alguma
relação com as ciências da saúde e as ciências humanas. Consideramos importante
a discussão que Campos (2002, 248-49) faz sobre a diferença entre núcleo de
atuação e campo de atuação. Por núcleo, o autor entende “[...] o conjunto de
saberes e de responsabilidades específicos a cada profissão ou especialidade”. As
técnicas operatórias da Odontologia se encontram nessa categoria. Agora, tendo
campo como “saberes e responsabilidades comuns ou confluentes a várias
profissões ou especialidades [...]”, concluímos que os profissionais com formação
odontológica se relacionam a outras categorias profissionais, como médicos,
enfermeiros e psicólogos, pois todos têm formação voltada para a saúde e para as
ciências humanas (ou deveriam ter).
Assim, a especialização implica recortes verticais no saber e na prática, portanto
caberia à gerência lidar com os limites da competência e da responsabilidade
operacional e de cada profissional e de cada equipe. Ainda mais que a crescente
especialização dos profissionais da saúde vem diminuindo a capacidade que esses
agentes teriam em resolver problemas e aumentando sua alienação em relação ao
resultado de suas práticas (CAMPOS, 2002).
O PSF pressupõe um trabalho interdisciplinar e em equipe, integrando as áreas
técnicas e profissionais de diferentes formações; valorização dos diversos saberes e
47
práticas na perspectiva de uma abordagem integral e resolutiva, possibilitando a
criação de vínculos de confiança com ética, compromisso e respeito;
acompanhamento e avaliação sistemática das ações implementadas, visando à
readequação do processo de trabalho (BRASIL, 2006). Assim, o desafio é combinar
graus de polivalência com certo nível necessário e inevitável de especialização
(CAMPOS, 2002), através do diálogo (MOTTA, 2001), para que o trabalho em
equipe assuma seu papel fundamental de facilitador para que as atividades do
programa se desenvolvam (VIEIRA et al., 2004).
dificuldade tanto para a gerência quanto para os profissionais lidarem com as
situações de compartilhamento de práticas e responsabilidades. A saúde bucal
inserida no PSF trouxe para as equipes multiprofissionais os trabalhadores desse
núcleo específico. Muitas vezes os profissionais envolvidos o conseguem
reconhecer nos demais integrantes a convergência de seus campos de atuação.
Outro problema que esses trabalhadores vêm enfrentando é a necessidade de
ampliação das tecnologias empregadas no trabalho em saúde. Merhy e outros
(2002, p. 121, grifos dos autores) dividem a tecnologia em saúde em:
Leve (como no caso das tecnologias de relações do tipo produção de
vínculo, autonomização, acolhimento, gestão como forma de governar
processos de trabalho), leve-dura (como no caso de saberes bem
estruturados que operam no processo de trabalho em saúde, como a
clínica médica, a clínica psicanalítica, a epidemiologia, o taylorismo, o
fayolismo) e dura (como no caso de equipamentos tecnológicos tipo
máquinas, normas, estruturas organizacionais.
Baseando-se nessa classificação, podemos dizer que a Odontologia tem se apoiado
muito mais em tecnologias duras e leves-duras ao longo de sua evolução. O
trabalho artesanal que deu origem a essa profissão ainda é a base de sua
configuração atual. Esse fato muito tem a contribuir para que o isolamento do
cirurgião-dentista perdure e dificulte assim sua relação nas equipes do PSF, a qual
deveria estar baseada em tecnologias leves.
A mudança do modelo assistencial se viabiliza a partir da reorganização do processo
de trabalho (FRANCO; MERHY, 2006; FRANCO; MERHY, 2007) de todos os
profissionais da saúde e, nesse cenário, reconhecer a insuficiência das prescrições
e das receitas não é tarefa simples. Sendo assim:
48
Um processo de trabalho, prescritivo a vel central, não contribui para este
movimento dentro da equipe. A solidariedade interna da equipe, a sinergia
das diversas competências, pré-requisitos para o desafio desta equipe, fica
desestimulada pelo detalhamento das funções de cada profissional.
Trabalhar com este limite e com a necessidade de inventar abordagens s
cada caso, exige um “luto” da onipotência de casa profissional, para que
seja possível o trabalho em equipe, e somam-se as competências e a
criatividade de cada membro da equipe (FRANCO; MERHY, 2006, p. 118-
119).
Além disso, o papel dos gerentes no desempenho final da organização tem sido
muito limitado, restringindo-se apenas à mobilização dos recursos e das condições
mais adequadas possíveis a seu funcionamento (LEFEVRE; CORNETTA, 2004).
O PSF, como está estruturado pelo Ministério da Saúde, não se torna possibilidade
de se vir a ser de fato um dispositivo para a mudança do modelo ministerial de
atenção à saúde (FRANCO; MERHY, 2006). O programa precisa se reciclar, tendo
em vista a potência transformadora que os diversos atores envolvidos podem
assumir. Assim, o trabalho em equipe requerido para a integração das práticas e
para o alcance do objetivo maior de promoção à saúde precisa ser conceituado
como aquele em que os diversos trabalhadores interagem, fugindo das relações de
poder e da instabilidade na comunicação estabelecida.
Teixeira (2006) observou que o trabalho do cirurgião-dentista raramente tem se
inserido em práticas partilhadas com profissionais de outras áreas, revelando uma
escassa familiaridade com o trabalho em equipe. É nesse trabalho em equipe que
existe a possibilidade de troca e do projeto em comum das diversas áreas
profissionais envolvidas, levando-se em conta conceitos como a produção de
vinculo, escuta, acolhimento e responsabilização.
Sendo o principal e primeiro elemento da agenda dos trabalhadores de saúde bucal
coletiva reconhecer a necessidade de envolver os demais trabalhadores da saúde
nas atividades voltadas para a saúde bucal (CORDÓN, 1997) e inserir os
trabalhadores específicos ao núcleo da saúde bucal na vigilância em saúde, essa
dificuldade no trabalho em equipe se torna um obstáculo para a concretização de
ações conceituais do SUS.
O cirurgião-dentista, assim como os demais membros do PSF, necessita repensar
sua prática, estabelecida em hierarquia e poder e tendo como base o enfoque
49
biologicista, especializado e curativista. Assim, lançamos o de nosso marco
teórico: a Ação Comunicativa em Habermas. Será através das idéias debatidas a
partir dessa teoria que estabeleceremos um caminho viável àqueles que buscam
contribuir à concretização do trabalho em equipe no PSF e, assim, deste em
estratégia de Estado.
50
4 IDÉIAS CRÍTICAS DA AÇÃO COMUNICATIVA DE HABERMAS
Escolhemos como marco teórico a Teoria da Ação Comunicativa desenvolvida pelo
filósofo Jürgen Habermas. Nesse contexto, explicitaremos alguns pontos dessa
teoria, que servirão de base para a análise dos dados construídos durante a
pesquisa empírica.
Habermas dedicou-se a desenvolver uma teoria que contemplasse o conceito de
agir orientado para o entendimento entre os sujeitos através da comunicação.
Denominada Agir Comunicativo ou Ação Comunicativa, essa teoria será o
referencial de nosso trabalho, uma vez que se adequa à idéia de que é preciso
haver comunicação, visando o entendimento nas relações intersubjetivas
estabelecidas no trabalho em equipe de saúde (PEDUZZI, 1998; PEDUZZI, 2001;
ARTMANN, 2001) e também no cotidiano do PSF (ARAÚJO; ROCHA, 2007).
Partimos então para o delineamento de algumas idéias críticas da Teoria da Ação
Comunicativa.
Para o autor, o entendimento é parte de um processo cooperativo de interpretação,
cuja finalidade é a obtenção de definições da situação que podem ser
intersubjetivamente reconhecidas. Nesse processo, o autor distingue o conceito do
mundo da vida, dividido em três mundos: objetivo, social e subjetivo. Os conceitos
dos três mundos atuam como um sistema de coordenadas que todos os sujeitos
supõem em comum. Esse sistema garante que os contextos da situação podem ser
ordenados de modo a se alcançar um acordo sobre o que os implicados podem
considerar em cada caso como fato, norma válida ou vivência subjetiva
(HABERMAS, 2003).
Buscando a comunicação, os sujeitos se entendem baseados em seu mundo da
vida, que é formado por convicções de fundo, mais ou menos difusas, mas sempre
passíveis de consensos. Assim, o mundo da vida é o pano de fundo, fonte de onde
se obtém as definições da situação que os implicados pressupõem como
acordáveis. Em suas operações interpretativas, os membros de uma comunidade de
comunicação esmiúçam o mundo objetivo e o mundo social que intersubjetivamente
51
compartilham, frente aos mundos subjetivos, e as correspondentes pretensões de
validez constituem a armadura formal da qual os agentes se servem em sua ação
comunicativa para afrontar no seu mundo da vida as situações que em cada caso se
tornaram problemáticas, isto é, aquelas sobre as que tem que se chegar a um
acordo (HABERMAS, 2003).
O mundo da vida acumula o trabalho de interpretação realizado pelas gerações
passadas. Quanto mais avançado está o processo de descentralização das imagens
do mundo, que é a que provém aos participantes do mencionado acervo cultural as
idéias acumuladas, tanto menos será necessário que o entendimento fique coberto
de antemão por uma interpretação do mundo da vida subtraída a toda crítica. Por
isso, a racionalização do mundo da vida pode se caracterizar, antes de tudo, na
dimensão “acordo normativamente adscrito” versus “entendimento alcançado
comunicativamente”. Quanto mais tradições culturais existam e atuem como base
para as pretensões de validez (quando, onde, em relação a que, por que e frente a
quem tem que ser aceitas), tanto menor será a possibilidade que têm os próprios
participantes de fazerem explícitas e submeterem a teste as razões potenciais em
que se baseiam suas tomadas de postura de aceitação ou rejeição (HABERMAS,
2003).
Isto é, o mundo da vida de cada um é construído historicamente. A bagagem que
cada um traz, de acordo com sua cultura, é o que contribui muitas vezes para a
tomada de uma decisão, aceitar ou recusar determinada situação, considerá-la
normal ou anormal. No caso do cirurgião-dentista, a relação profissional-paciente foi
construída historicamente principalmente com o objetivo do tratamento clínico
propriamente dito, envolvendo técnicas cirúrgicas. O fato de o tratamento ser
realizado na boca inviabiliza a fala do paciente durante o mesmo e com isso a
comunicação fica prejudicada. Já que a fala é o principal meio de comunicação entre
duas pessoas, é normal que nesse encontro o cirurgião-dentista exerça um domínio
sobre o paciente; não apenas porque é quem detém o saber técnico, mas também
porque é quem domina a fala.
Para entendermos o conceito de ão comunicativa, temos de analisá-lo seguindo o
fio condutor do entendimento lingüístico. O conceito de entendimento
52
(Verständigung
10
) remete a um acordo racionalmente motivado alcançado entre os
participantes. É medido por pretensões de validez (verdade proposicional, retidão
normativa e veracidade expressiva) que caracterizam diversas categorias de um
saber que se encarnam em manifestações ou emissões simbólicas (HABERMAS,
2003).
Habermas se utiliza da teoria dos três mundos de Popper (1902-1994). Segundo
essa, existem três mundos distintos: um mundo dos objetos físicos ou dos estados
físicos; o mundo dos estados de consciência ou dos estados mentais ou talvez das
proposições comportamentais da ação e o mundo dos conteúdos objetivos de
pensamento, em especial do pensamento científico, do pensamento poético e das
obras de arte (HABERMAS, 2003).
Os sujeitos socializados, quando participam em processos cooperativos de
interpretação, fazem uso explícito do conceito de mundo. Nesses processos, a
tradição cultural que Popper introduz pela categoria de “produtos da mente humana”,
assume papéis distintos, segundo atuem como acervo cultural de saber do qual os
participantes na interação extraem suas interpretações, ou se converta por sua vez
em objeto de elaboração intelectual. No primeiro caso, a tradição cultural
compartilhada por uma comunidade é constitutiva do mundo da vida que os
membros individuais encontram interpretados no que diz respeito a seu conteúdo.
Esse “mundo da vida” intersubjetivamente compartilhado constitui o pano de fundo
da ação comunicativa (HABERMAS, 2003). Na ação comunicativa, os participantes
entendem-se acima dos limites dos mundos da vida divergentes, pois, com a visão
de um mundo objetivo comum, orientam-se pela exigência de verdade, isto é, pela
validade incondicional de suas afirmações (HABERMAS, 2002).
Enquanto Popper insiste na idéia de que existe apenas um mundo com números 1, 2
e 3, Habermas segue falando de três mundos, que se confundem no mundo da vida.
Apenas o mundo objetivo pode ser entendido como correspondente da totalidade de
enunciados verdadeiros, contudo:
“[...] são os três mundos que constituem conjuntamente o sistema de
referência que os participantes supõem em comum nos processos de
10
Verständigung é o correspondente para o termo entendimento na obra original da Teoria da Ação
Comunicativa (HABERMAS, 2003).
53
comunicação. Com este sistema de referência, os participantes
determinam sobre o que é possível em geral entender-se [...]”
(HABERMAS, 2003, p.121, tradução nossa).
Baseando-se na terminologia de Popper, Habermas resume a imensidão de
conceitos de ação empregados na teoria sociológica em quatro conceitos básicos
(HABERMAS, 2003, p. 122-24, tradução nossa):
Ação teleológica: “[...] o ator realiza um fim ou faz com que se
produza um estado de coisas desejado elegendo em uma dada situação os
meios mais apropriados e aplicando-os de maneira adequada. O conceito
central é o de uma decisão entre alternativas de ação, endereçada a uma
interpretação da situação”;
Ação estratégica: “A ação teleológica se amplia e se converte em
ação estratégica quando no cálculo que o agente faz de seu êxito intervém
a expectativa de decisões de pelo menos outro agente que também atua
com vistas à realização de seus próprios propósitos [...]”;
Ação regulada por normas: “[...] refere-se não ao comportamento
de um ator, em princípio solitário, que se depara com outros atores, mas
membros de um grupo social que orientam sua ação por valores comuns
[...]. As normas expressam um acordo existente em um grupo social. Todos
os membros de um grupo para o qual se rege uma determinada norma têm
direito de esperar uns dos outros que em determinadas situações se
excutem ou se omitam respectivamente as ações obrigatórias ou proibidas.
O conceito central de observância de uma norma significa o cumprimento
de uma expectativa generalizada de comportamento [...]”;
Ação dramatúrgica: refere-se “[...] a participantes em uma interação
na qual constituem uns aos outros um público ante o qual se põe em cena.
[...] O conceito aqui central, o de encenação, significa, no entanto, não um
comportamento expressivo espontâneo, mas uma estilização da expressão
das próprias vivências, fazer frente aos espectadores [...]”.
Ação comunicativa: Refere-se à interação d e pelo menos dois
sujeitos capazes de linguagem e de ação que (seja com meios verbais ou
com meios não-verbais) iniciam uma relação inter-pessoal. Os atores
buscam entender-ser sobre uma situação de ação para poder assim
coordenar de comum acordo seus planos de ação e com ele suas ações. O
conceito central aqui, o de interpretação, refere-se primordialmente a
negociação de definições da situação suscetíveis de consenso [...]”.
Assim, classificamos a ação teleológica como um conceito que pressupõe apenas
um mundo, o mundo objetivo. E o mesmo ocorre com o conceito de ação estratégica
54
(HABERMAS, 2003). Ao contrário, o conceito de ação regulada por normas
pressupõe relações entre um ator e exatamente dois mundos. Junto ao mundo
objetivo de estado de coisas existentes aparece o mundo social, ao qual pertence o
mesmo ator na qualidade de sujeito portador de uma lista que outros atores podem
iniciar entre si interações normativamente reguladas.
Um mundo social consta de um complexo normativo que fixa que interações
pertencem à totalidade de relações interpessoais legítimas. E todos os atores para
quem regem as correspondentes normas (por quem estas são aceitas como
válidas), pertencem ao mesmo mundo social.
O sentido de mundo objetivo se refere à existência de estado de coisas. o mundo
social pode ser esclarecido pela referência à vigência de normas. Dizemos que uma
norma possui “validez social” ou vigência quando ela é reconhecida pelos
destinatários como válida ou justificada (HABERMAS, 2003). Dessa forma, espera-
se que sujeitos que vivem sob os mesmo valores culturais, em dada situação,
orientem suas ações pelos valores normativos fixados e, assim, ajam de maneira
semelhante, seguindo as normas.
Na ação dramatúrgica acontece uma interação em que um sujeito apresenta a
outros um determinado lado de si mesmo, de seu mundo subjetivo. Porém as
qualidades dramatúrgicas da ação o de certo modo parasitárias, pois vêm
apoiadas numa estrutura de ação teleológica, uma vez que para certos propósitos as
pessoas controlam o estilo de suas ações e as sobrepõem a outras atividades,
principalmente quando se quer convencer alguém de algo não real. Dessa forma, a
ação dramatúrgica pode adotar uma postura estratégica latente, de forma que o ator
considere o público como oponente. A encenação vai desde uma comunicação
sincera das próprias intenções, desejos e estados de ânimo, a a manipulação
cínica das impressões que desperta sobre os outros (HABERMAS, 2003).
Para Habermas, a ação teleológica, a ação regulada por normas e a ação
dramatúrgica tematizam apenas uma função da linguagem: a provocação de efeitos
“perlucocionários”, o estabelecimento de relações interpessoais e a expressão de
vivências, respectivamente. a ação comunicativa leva em conta todas as funções
da linguagem (HABERMAS, 2003). No modelo de ão comunicativa os falantes
55
fazem uso de orações buscando o entendimento, contraindo relações reflexivas com
o mundo, pressupondo uma base de interpretação que todos compartilham e dentro
da qual podem entender-se, em que pretensões de validez podem ser reconhecidas
ou postas em questão (HABERMAS, 2003).
O ator orientado ao entendimento tem que pressupor três pretensões de validez: o
enunciado que faz é verdadeiro; o ato de fala é normativamente correto, de acordo
com o contexto vigente; e a intenção que expressa é realmente o que pensa. Em
cada situação de negociação, os atores utilizam um acervo cultural, baseado no
correspondente fragmento temático do mundo da vida (HABERMAS, 2003).
“[...] São os próprios atores que buscam um consenso e o submetem a
critérios de verdade, de lisura e de veracidade, isto é, a critérios de ajuste
ou desajuste entre os atos de fala, por um lado, e dos três mundos com
que o ator contrai relações com sua manifestação, por outro [...]”
(HABERMAS, 2003, p. 144, tradução nossa).
Habermas parte da teoria weberiana da ação para a classificação das ações.
Distingue a ação comunicativa da teoria da ação de Weber pelo fato desta não
considerar fundamental a relação interpessoal de pelo menos dois atores lingüística
e interativamente competentes, que não só aponte um entendimento lingüístico, mas
também a atividade teleológica de um sujeito de ação solitário. Somente considera a
ação teleológica concebida monologicamente como susceptível de racionalização,
elegendo a ação racional visando os fins como ponto de referência de sua tipologia
(HABERMAS, 2003).
A partir da teoria da ação de Weber, Habermas faz uma classificação. Na “ação
racional conforme fins” o ator escolhe os meios mais adequados pra atingir sua
meta, considerando outras conseqüências de suas ações como condições colaterais
de êxito. As ações que visam êxito são chamadas “instrumentais” quando seguem
as regras de ação observando um nível de eficiência da intervenção que essa ação
representa. as ações orientadas ao êxito, além de seguir as regras de eleição
racional, levam em conta a influência sobre as decisões de um oponente racional e
são chamadas “estratégicas”.
Ao contrário, o autor fala em “ações comunicativas” quando os planos de ação dos
atores implicados não se dão pelo cálculo egocêntrico de resultados, mas mediante
entendimento. Nesse caso, os atores não buscam seu próprio êxito, apenas buscam
56
seus objetivos quando estes podem harmonizar-se entre si numa definição
compartilhada de ação (HABERMAS, 2003).
Habermas também se baseia na distinção que Austin faz entre “locuções”,
“ilocuções” e “perlocuções”. No ato locucionário o falante expressa estados de
coisas; nos atos ilocucionários o agente realiza uma ação ao dizer algo, que
normalmente vem expresso por um verbo realizativo, empregado em pessoa; e
nos atos perlocucionários falam algo buscando causar um efeito sobre o ouvinte. A
partir desses conceitos, Habermas classifica a ação comunicativa como aquela em
que os participantes harmonizam seus planos de ação individuais somente com fins
ilocucionários. Já aquelas interações em que pelo menos um dos participantes
busca provocar efeitos perlocucionários sobre o ouvinte são chamadas de ação
estratégica mediada linguisticamente (HABERMAS, 2003).
Aos atos ilocucionários muitas vezes se seguem ações conseqüentes do ouvinte,
mas isso não quer dizer que o objetivo do ato de fala fosse perlocucionário. Quando
existe um objetivo ilucocionário, o falante deseja que o ouvinte entenda o que diz e o
aceite como verdadeiro. Se esse processo provocar conseqüentes atos do ouvinte,
isso se dá como obrigação que o ouvinte assume ao aceitar a oferta no ato de fala, a
partir do consenso comunicativamente alcançado (HABERMAS, 2003).
De maneira geral, na ação comunicativa, para que uma emissão seja considerada
aceitável, duas condições devem ser cumpridas: devem ser conhecidas as
condições pelas quais o destinatário (ou ouvinte) possa produzir o estado de coisas
desejado pelo emissor (falante), e devem ser conhecidas as condições pelas quais o
falante tem bons motivos para esperar que o ouvinte sinta-se forçado a fazer sua
vontade (HABERMAS, 2003).
Assim, na ação comunicativa, os atos de fala podem ser rejeitados por um dos
seguintes aspectos: pela retidão entre as ações e um contexto normativo, reclamada
pelo falante; pela veracidade que o falante reclama para a demonstração que faz de
suas vivências subjetivas a que somente ele tem acesso; e pelo aspecto de verdade
do enunciado do falante. Portanto, para que a interação seja comunicativa, o falante
assume a responsabilidade de emitir uma fala que esteja de acordo com o contexto
normativo, que seja verdadeiro e que expresse verazmente opiniões, intenções e
57
desejos, para que o ouvinte possa confiar no que ouve e assim se estabelecer uma
relação interpessoal legítima (HABERMAS, 2003).
Para deixarmos as idéias ainda mais claras, é preciso distinguir entre ação
comunicativa e discurso. Na ação comunicativa, os participantes aceitam, a partir de
um mundo da vida compartilhado, sem discutir e sem questionar, as pretensões de
validez que formam o consenso básico. Já o discurso ocorre quando os participantes
interrompem a ação comunicativa fluida e perfeita para procurar argumentos
capazes de fundamentar pretensões de validez. Isso acontece quando as
pretensões de validez do falante tornam-se questionáveis e parte do conteúdo do
mundo da vida dos atores torna-se acessível à reflexão (ARTMANN, 2001).
A partir da Teoria da Ação Comunicativa, estabeleceremos relação com o contexto
dado pelo PSF. Isso porque a ação comunicativa e a integração das práticas são
alguns dos elementos essenciais para o trabalho no PSF (ARAÚJO, ROCHA, 2007).
Os cirurgiões-dentistas foram historicamente formados como dominantes em seu
espaço de trabalho e como parte de uma profissão que se disciplinarizou na busca
pelo reconhecimento. Ao integrarem as equipes de saúde bucal, em trabalho
complementar à ESF, esses sujeitos se encontram em necessidade de formar uma
comunidade, para alcançar o objetivo de atendimento às demandas da população
pelo qual se responsabilizam.
Dessa forma, a comunicação em ausência de coação e na qual as relações de
poder dêem lugar ao consenso normativamente alcançado é o caminho a ser
buscado pelos cirurgiões-dentistas no PSF. Dentro dessa realidade, os cirurgiões-
dentistas devem buscar a formação de uma comunidade tendo como base o agir
comunicativo, isto é, via consenso compartilhado, assim como sugerido por
Habermas. Seguimos, por conseguinte, levando a teoria da ação comunicativa
habermasiana à prática das equipes de saúde da família do PSF.
58
5 A AÇÃO COMUNICATIVA E AS EQUIPES DE SAÚDE DA FAMÍLIA
O trabalho em equipes multiprofissionais no PSF é um cenário bastante novo para
os cirurgiões-dentistas. Nesse contexto, esses profissionais têm como objetivo de
trabalho o atendimento às necessidades de saúde dos usuários, levando-se em
conta seu contexto de vida. Esse objetivo em comum é o pano de fundo que deve
guiar as relações intersubjetivas que se estabelecerão no cotidiano do serviço. Daí a
necessidade de falarmos em ação comunicativa, pois somente quando os
profissionais passarem a convergir seus planos de ação, tendo o usuário como
meta, é que poderemos falar que a estratégia cumpriu seu papel.
A ação comunicativa configura uma forma de interação e de organização social em
que todas as formas de coação interna e externa estejam eliminadas. O consenso
universal dos integrantes de um discurso serve como base para a validade das
normas e instituições, conferindo-lhes legitimidade. O consenso universal propõe um
contexto livre de violência e coação, no qual todos os integrantes possam tomar
parte, em pé de igualdade (FREITAG; ROUANET, 1993).
No trabalho em equipes multiprofissionais, como no PSF, os diversos níveis de
escolaridade e as responsabilidades atribuídas a cada profissional podem parecer
inicialmente como forma de um poder institucionalmente dado. Porém, segundo
Freitag e Rouanet (1993), o poder não consiste em que uma vontade sobressaia,
mas sim na formação de uma vontade comum, numa comunicação em que os
atores orientem-se para o entendimento recíproco e o para o próprio sucesso.
Não utilizam a linguagem com fins perlocucionários, isto é, visando instigar o outro
para o comportamento desejado, mas sim ilocucionariamente, para o
estabelecimento não coercitivo de relações intersubjetivas
11
. Um poder somente é
legítimo quando surge entre aqueles que formam convicções comuns numa
comunicação não-coercitiva.
11
A intersubjetividade é entendida aqui como “interação entre diferentes sujeitos, que constitui o
sentido cultural da expressão humana. O problema da intersubjetividade está relacionado à
possibilidade de comunicação, ou seja, de que o sentido da experiência de um indivíduo, como
sujeito, seja compartilhado por outros indivíduos [...]” (JAPIASSÚ; MARCONDES, 1996, p. 146).
59
A linguagem faz a mediação e a articulação das ações, da coordenação, da
integração dos saberes e da interação dos agentes na relação intersubjetiva
estabelecida entre os sujeitos. Sendo assim, no trabalho em equipe a comunicação
é o denominador comum entre os diversos profissionais, numa relação de
reciprocidade entre trabalho e interação. Contudo, existem três formas de
manifestação dessa comunicação. A primeira é aquela em que a comunicação não
existe ou é exercida apenas como meio de desempenho técnico. Uma segunda
forma é a comunicação que destaque às relações pessoais. Nestes dois casos
não há agir comunicativo, apenas certa forma de comunicação no segundo caso.
Porém, existe uma terceira forma, que se refere à comunicação como inerente ao
trabalho em equipe, onde há a busca pela elaboração de um projeto assistencial
comum. Neste caso é dado o agir comunicativo, que acaba gerando tensões entre o
trabalho técnico hegemônico e a comunicação, podendo ser relacionado na
distinção agir instrumental verso agir comunicativo (PEDUZZI, 2001).
No caso de uma equipe de saúde da família, a comunicação visando apenas o
procedimento técnico, encaixa-se na comunicação como externa ao trabalho. Como
exemplos, temos a relação específica entre cirurgião-dentista e auxiliar de
consultório dentário durante o tratamento clínico odontológico ou quando um médico
prescreve uma medicação e encaminha o paciente para que o auxiliar de
enfermagem a aplique. O objetivo nesses casos é apenas se fazer cumprir
protocolos de atendimento ou funcionar como demonstração de um domínio técnico,
que geralmente esconde uma relação de poder.
O dia-a-dia numa equipe pode aproximar as pessoas, as quais passam a
estabelecer relações de laços afetivos. Quando os profissionais iniciam uma
comunicação linguisticamente mediada numa relação indiferente às funções
exercidas por cada um, estabelece-se a comunicação pessoal. É normal que isso
aconteça numa situação em que se passa muito tempo dividindo espaço com outras
pessoas. É a confirmação de que existe algum tipo de vínculo. Contudo, esse
vínculo não tem relação direta com as atividades a serem ser exercidas
cotidianamente.
O SUS e seu modelo de reorientação da atenção básica à saúde, o PSF, indicam o
atendimento integral aos sujeitos e suas famílias e para que se alcance esse
60
objetivo, propõe-se o trabalho em equipe. Segundo Franco e Merhy (2006), para que
o trabalho em equipe seja viabilizado, há necessidade de uma relação interativa
entre os trabalhadores, onde compartilhem conhecimentos e articulem a produção
de um “campo de produção do cuidado” que seja comum a todos eles. Quando não
trabalho em equipe, cada um se aprisiona em seu “núcleo específico” de saberes
e práticas, às estruturas rígidas do conhecimento técnico estruturado.
Peduzzi (2001, p. 108) denomina equipe do tipo integração aquela em que “[...]
complementaridade e colaboração no exercício da autonomia técnica e não há
independência dos projetos de ação de cada agente [...]”. A autora discute ainda
sobre outra possibilidade de equipe, neste caso, do tipo agrupamento, que é aquela
em que a “[...] complementaridade objetiva convive com a independência do projeto
assistencial de cada área profissional ou mesmo de cada agente, o que expressa a
concepção de autonomia técnica plena dos agentes”.
Assim sendo, admitimos falar em equipe quando os trabalhadores interagem
comunicativamente, construindo planos de ação em comum. No PSF esse plano
refere-se à reorientação do modelo de atenção à saúde em sua esfera básica. Mas o
que é o trabalho em equipe senão a construção de planos convergentes de ação
mediados pela comunicação e pelo consenso?
Por isso, a ação comunicativa é um pressuposto do trabalho em equipe, ou melhor,
um caminho orientador da relação entre os profissionais no dia-a-dia do serviço, em
que a integração da base à construção de um projeto direcionado à ação na
realidade na qual se insere. Segundo Peduzzi (2001), cada equipe partirá do
reconhecimento intersubjetivo das pretensões de validez contidas nas falas dos
participantes. E fará isso através de um acordo sobre o conteúdo propositivo e
normativo constituinte do projeto comum, tendo como pano de fundo seus mundos
da vida.
A interação entre os profissionais da equipe recebe ainda influências das relações
sociais dadas entre as diversas classes profissionais. Os trabalhos especializados
em saúde têm sua origem na prática médica, aparecendo como subdivisão do
trabalho médico ou como complementar a este. Essas diferenças cnicas, dadas
pela hierarquia disciplinar, geram desigualdades sociais entre os agentes do
61
trabalho. Os profissionais acabam reiterando as relações assimétricas de
subordinação, não se tomando como agentes com capacidade de posicionamento e
tomada de decisões. Quanto maior a desigualdade social entre os agentes e seus
trabalhos, menor será a possibilidade de integração na equipe (PEDUZZI, 2001).
No setor saúde os problemas exigem a colaboração de profissionais de muitas
disciplinas, dada a multidimensionalidade e a multicausalidade envolvidas. A
coordenação desse grupo de profissionais faz-se necessária, contudo, é uma tarefa
extremamente difícil, que essa prática interdisciplinar
12
exige renúncia ao
corporativismo e às rivalidades profissionais (DUSSALT, 1992).
O projeto assistencial da equipe multiprofissional do PSF deve ser orientado pelos
princípios da universalidade, da acessibilidade e da coordenação do cuidado, do
vínculo e da continuidade, da integralidade, da responsabilização, da humanização,
da equidade e da participação social (BRASIL, 2006b). Dessa forma, os diversos
profissionais devem buscar uma relação comunicativa que se sobreponha às
relações sociais institucionalmente constituídas.
A gerência representa um ponto de apoio à equipe de saúde, servindo como
condutor e corretor de toda a construção diária do trabalho, para que se de
maneira coletiva, porém sem dispensar os saberes específicos que cada formação
profissional pode oferecer individualmente à promoção e prevenção de saúde. Além
disso, a gerência tem papel fundamental no estabelecimento de relações menos
verticalizadas, estimulando processos de negociação. Segundo Junqueira e Inojosa
(1992), a gerência é uma relação constituída pela interação de diversos atores,
utilizando para isso recursos materiais, financeiros e tecnológicos.
O trabalho em saúde situa-se num cenário de grande diversidade de formações
profissionais, dado a complexidade de seu objeto de trabalho, de condições de
trabalho e de objetivos de atuação. Aparece como área de tensão, dada a disputa
12
Entendemos interdisciplinaridade na perspectiva de Japiassú e Marcondes (1996, p. 145, grifo dos
autores), a qual diz respeito a “[...] um método de pesquisa e de ensino suscetível de fazer com que
duas ou mais disciplinas interajam entre si. Esta interação pode ir da simples comunicação das idéias
até a integração mútua dos conceitos, da epistemologia, da terminologia, da metodologia, dos
procedimentos, dos dados e da organização da pesquisa [...]. Ela torna possível a
complementaridade dos métodos, dos conceitos, das estruturas e dos axiomas sobre os quais se
fundam as diversas práticas científicas [...]”.
62
entre os diferentes atores, cada qual com seu interesse, os quais podem divergir
entre si:
[...] os usuários, que querem serviços de qualidade, mais baratos; os
profissionais, que querem desenvolver seu conhecimento, suas
habilidades, sua profissão, obter uma boa renda, prestando bons serviços;
as empresas de materiais e produtos; os seguros; os estabelecimentos
privados que querem fazer bons negócios; o Governo, que quer benefícios
políticos, etc [...] (DUSSALT, 1992, p. 12).
Dessa forma, o trabalho em saúde configura-se como encontro de diversos atores
em relação de intensa troca. Essa relação é construída no dia-a-dia do serviço. O
pano de fundo que contribuirá ou não para o entendimento consensual entre eles, a
construção de um projeto assistencial comum e o atendimento às necessidades dos
usuários na relação, será o mundo da vida compartilhado, em seus componentes
relacionados às ações, cultura e subjetividade.
Para que esse projeto comum possa ser levado à execução de forma adequada e
alcance os objetivos inicialmente planejados, os diversos atores têm que se sentir
parte dele. E isso somente será possível se houver a participação deles durante o
planejamento. Neste aspecto, Araújo e Rocha (2007) argumentam que esse
importante aspecto esteve esquecido, quando a preocupação com o aparato e com
a estrutura político-adiministrativa do SUS se sobrepôs à preocupação com os
atores que certamente operariam essas mudanças. No caso do PSF, existem
normas dadas nacionalmente, porém a adequação à realidade local deve fazer parte
do trabalho das equipes. essa íntima relação com o plano de ação facom que
cada sujeito tenha compromisso com a causa.
Junqueira e Inojosa (1992) partem de um cenário em que a municipalização da
saúde ainda era um mito e havia pouco desenvolvimento das propostas do SUS, em
meados de 1992. A referência feita aos profissionais de saúde dizia respeito à falta
de compromisso com os pacientes e com os resultados e impactos das ações de
saúde. Além disso, havia desigualdade de remuneração, não cumprimento de carga
horária contratual, capacitação inadequada para os objetivos do sistema e a
soberania da produtividade em relação às condições de trabalho e à qualidade dos
serviços oferecidos.
63
Apesar de ter se passado mais de uma década da publicação desse texto, podemos
observar que muita coisa permanece como antes. A evolução das idéias trazidas
com a Reforma Sanitária e da conseqüente busca por um sistema de saúde público
mais condizente com as necessidades da população não depende apenas da
publicação de normas e portarias com as regras que deveriam ser seguidas. A
legislação técnica serve como aparato legal para a mudança organizacional e é
nessa situação que surge o papel do gerente, que deve ser capaz de considerar
esses atores como sujeitos em ação, incentivando a participação e a
responsabilização dos processos de trabalho desenvolvidos (JUNQUEIRA;
INOJOSA, 1992).
Um dos desafios postos pela reorganização do sistema de saúde no Brasil refere-se
ao resgate da capacidade criativa do profissional, num espaço carente por
inovações. Contudo, a inovação exige flexibilidade, descentralização e participação.
Na busca por sujeitos ativos e compromissados com a realidade dos serviços, o
gerente ressurge como figura responsável pela negociação, devendo estar:
[...] aberto ao diálogo, capaz de incentivar e apreender as múltiplas leituras
da realidade e a formulação de alternativas de ação, capaz de promover a
coletivização das idéias, gerando as inovações, e capaz de articular a ação
de sua equipe. E isso ocasiona uma nova prática gerencial, que deve ser a
do gerente público (JUNQUEIRA; INOJOSA, 1992, p. 26).
Porém, essa nova prática gerencial exige algumas condições. O gerente, como
mediador das relações entre os integrantes da equipe, tem que ter “compromisso”
com o serviço pra que possa mobilizar os demais a essa tarefa. Precisa ter também
“autonomia” pra realocar esses atores de acordo com desempenho de cada um,
que nem todos podem se sentir responsáveis pela execução das tarefas ou por suas
conseqüências. Porém, isso se dá na presença da “flexibilidade organizacional”,
onde aqueles que trabalham no serviço e também aqueles que o recebem possam
participar da tomada de decisão (JUNQUEIRA; INOJOSA, 1992, grifos nossos).
Como instrumento para sua ação, o gerente tem à disposição os sistemas de
informação, que além de serem bem configurados, precisam ser oportunos,
adequados e terem seu uso aceito pelos profissionais que lidarão diretamente com
sua alimentação. Através deles, os dados colhidos subsidiam a avaliação dos
resultados e impactos das ações, dando suporte ao processo de comunicação entre
64
os membros da instituição e também destes com os usuários (JUNQUEIRA;
INOJOSA, 1992). Porém, não basta ter acesso a um sistema de informação
adequado e alimentá-lo se não houver nenhum compromisso com a escuta e com os
produtos que podem ser construídos a partir dele. Os dados coletados devem ser
avaliados por toda a equipe, numa relação criativa e participativa, com o
compartilhamento de responsabilidades.
Além disso, seguindo os conceitos da ação comunicativa, aparece a discussão
sobre a importância da cultura institucional na configuração da dinâmica do serviço.
Aqui, cultura institucional é entendida como o compartilhamento de um conjunto de
valores, crenças, tradições e pré-interpretações de situações (PEDUZZI, 2007). E aí,
mais uma vez, aparece a questão da gerência participativa, onde é possível a
delegação, a descentralização e a informalização das estruturas. A escuta dos
outros se articula a um projeto de comunicação dentro do qual a emergência de um
novo padrão de liderança aparece como fundamental (RIVERA, 2006).
A cultura se constitui a partir do agir comunicativo dos agentes organizacionais, num
processo de aprendizagem onde é destacado o componente “consenso” como
fundamento do agir (RIVERA, 2006). Também ressaltamos que a importância do
diálogo na busca do consenso é elemento imperativo para que um bom trabalho em
equipe seja alcançado. O trabalho em equipe “provoca” a escuta do outro, através
de um canal de comunicação capaz de enfraquecer as relações de poder (ARAÚJO;
ROCHA, 2007). Estimular essa escuta também é papel do gerente.
As equipes multiprofissionais do PSF, ainda que devam valorizar a polifonia, devem
trabalhar de forma uníssona, harmônica (GOMES, PINHEIRO, GUIZARDI, 2005).
Dessa forma, a teoria da ação comunicativa representa a chance de um novo e
democrático agir às práticas de saúde (ARAÚJO; ROCHA, 2007), principalmente em
substituição ao modelo de relações hierárquicas (PEDUZZI, 2001; PEDUZZI, 2007)
e individualizadas. Busca uma compreensão do mundo no qual haveria a
interligação entre teoria e prática, dadas a partir de ações concretas de atores em
interação (ARAÚJO; ROCHA, 2007), servindo de base para a mudança nas relações
instituídas entre os membros da equipe, da qual participa o cirurgião-dentista, e dos
profissionais com a gerência.
65
Estando nosso marco teórico bem delimitado e relacionado aos objetivos do estudo,
passemos à pesquisa empírica, em seus aspectos metodológicos.
66
6 ASPECTOS MEDOTOLÓGICOS
Há diferentes tipos de pescadores: uns
preferem a rede, recolhem tudo e em
seguida selecionam o que lhes serve.
Outros preferem usar a linha com a
isca e o anzol justos. Recolhem muito
menos que os primeiros, concentram
todos os seus esforços em encontrar a
peça desejada.
Anômimo
6.1 DESENHO DO ESTUDO
O ponto de partida dessa investigação foi a abordagem qualitativa. Caracteriza-se
como estudo de casos exploratório, com o intuito de apreender como vem ocorrendo
a participação do cirurgião-dentista nas relações intersubjetivas dentro do Programa
de Saúde da Família, enquanto profissional integrante das equipes dessa estratégia,
levando em conta a realidade dos serviços.
A abordagem qualitativa possibilita a compreensão da realidade em seu contexto.
Não objetiva generalizações, interessando-se mais pela peculiaridade da
comunidade. A generalização se dará, neste caso, não por similitude estatística,
mas pela capacidade de impregnação de espaços, que é a qualidade do fenômeno,
sua força (DEMO, 1991). Há que se observar que
“[...] a rigor qualquer investigação social deveria contemplar uma
característica básica de seu objeto: o aspecto qualitativo. Isso implica
considerar sujeito de estudo: gente, em determinada condição social,
pertencente a determinado grupo social ou classe com suas crenças,
valores e significados [...]” (MINAYO, 2000, p. 22, grifos do autor).
O estudo de caso caracteriza-se como aquele em que se faz um aprofundamento
exaustivo de um ou poucos objetos, permitindo seu amplo e detalhado
conhecimento (GIL, 1996; TRIVIÑOS, 1987). Esse tipo de estudo também foi
escolhido por ser o mais usado quando se questionam “como” e “porque”, nos casos
em que pouco se controla os fatos e também naqueles em que o foco está num
fenômeno contemporâneo em dado contexto real (MINAYO et al., 2005; YIN, 2005).
O estudo de caso “[...] é uma investigação empírica que investiga um fenômeno
contemporâneo dentro de seu contexto da vida real, especialmente quando os
67
limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos” (YIN, 2005, p.
32).
A pesquisa será exploratória por aproximar-se do objetivo desta que, segundo Gil
(1996, p. 45), é “[...] proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a
torná-lo mais explícito ou construir hipóteses [...] [além do] o aprimoramento de
idéias ou a descoberta de intuições [...]”.
6.2 CENÁRIO DA PESQUISA
O estudo foi desenvolvido em Vitória, capital do Espírito Santo. A escolha do
município de Vitória para a realização do estudo deveu-se ao fato deste ser a capital
do Estado do Espírito Santo, referência econômica e política para os demais
municípios da Grande Vitória. Além disso, no município, os cirurgiões-dentistas
estão inseridos no PSF desde 2004, contando com mais de dois anos de trabalho
destes nas primeiras equipes, quando do início do estudo.
Vitória possui 93 Km
2
de extensão, representando 0,20% do território estadual
(IBGE, 2007). O município é constituído por ilhas e uma região montanhosa,
circundada por numerosos terrenos de mangue e restinga. Possui clima tropical
úmido, com temperatura média mensal variando entre 18,0º e 30,0º C, com maior
precipitação de chuvas ocorrendo entre outubro e janeiro (VITÓRIA, 2001a;
VITÓRIA, 2005).
O município integra a Região Metropolitana de Vitória, também conhecida como
Grande Vitória. A região agrega mais seis municípios: Vila Velha, Serra, Cariacica,
Viana, Guarapari e Fundão, sendo que Vitória representa 6,15% da área da região
(VITÓRIA, 2005).
Possui aproximadamente 317.085 habitantes, o que corresponde a 9,3 % da
população do Estado, que é de 3.408.365 habitantes (IBGE, 2007). A densidade
demográfica do município em 2005 era de 3.290,4 hab./km
2
, muito superior à da
região da Grande Vitória, de 698,26 hab./km
2
, e aproximadamente 45 vezes maior o
que a do Estado, de 73,8 hab./km
2
(INSTITUTO..., 2007).
68
O censo realizado pelo IBGE em 2000 produziu informações a nível nacional e local.
Nessa pesquisa, a população do município de Vitória considerada economicamente
ativa era de 51,35% do total de habitantes, sendo que 16,27% destes estavam
desocupados; a taxa de analfabetismo na população com 15 anos ou mais era de
4,1%, contra 7,2 % em 1991; aproximadamente 90% dos domicílios do município
dispunham de rede de esgoto, 96,5% de banheiro, 2,9% sanitário e 0,6% nem
banheiro nem sanitário e 99,6% dos domicílios têm o lixo coletado (INSTITUTO...,
2007).
A economia do Espírito Santo tem passado por grandes transformações. Até a
década de 50, a base da economia capixaba era a cafeicultura. Contudo, uma
grande crise provocada pela superprodução e conseqüente queda nos preços do
produto determinou o surgimento do Programa de Erradicação dos Cafezais. Essa
solução dada ao problema do café gerou uma profunda crise social e a liberação de
grande contingente de mão-de-obra do campo para os centros urbanos. A partir daí,
deu-se início um processo de transformação da economia do Estado, com
crescimento industrial na década de 60. Na década de 70, foram implantados os
“Grandes Projetos” na região da Grande Vitória, gerando maior expectativa de
emprego e vida melhor em contraste às condições existentes no interior (VITÓRIA,
2001a).
O município de Vitória é o que concentra a maior parte das atividades econômicas,
de arrecadação tributária, da produção e difusão cultural e da prestação de serviços,
gerando 33% da renda do Estado e 68% da arrecadação do ICMS (VITÓRIA,
2001a).
As mudanças ocorridas na economia capixaba nos últimos 40 anos, decorrentes
principalmente dos problemas enfrentados na agricultura e a expectativa de
melhores oportunidades nos grandes centros urbanos, aceleraram o processo
migratório. O percentual da população urbana no Estado era de 21% em 1950,
passando a 74% em 1991 (VITÓRIA, 2001a) e 79,5% em 2000 (INSTITUTO...,
2007). A região da Grande Vitória tornou-se o pólo atrativo desse processo
migratório pelos investimentos recebidos na área industrial e, com isso, maior
geração de empregos na área de comércio e serviços (VITÓRIA, 2001a).
69
Até a cada de 80, Vitória era o município que apresentava maior contingente
populacional do Estado. Contudo, o crescimento da população de alguns municípios
capixabas na década de 90 e a redução da taxa média geométrica de incremento
anual da população residente de Vitória modificaram esse quadro (VITÓRIA, 2001a).
Em 2005 a capital encontrava-se em lugar na escala de município mais populoso,
ficando atrás dos municípios de Vila Velha, Serra e Cariacica (INSTITUTO..., 2007).
6.3 SUJEITOS DA PESQUISA
Participam como trabalhadores do PSF diversos profissionais de saúde. De acordo
com as Portarias do Ministério da Saúde 1.886/1997 e 648/2006, a equipe
mínima deve contar com médico, enfermeiro, técnico e/ou auxiliar de enfermagem e
agentes comunitários de saúde (BRASIL, 1997b; BRASIL, 2006). Com a inserção da
saúde bucal em 2000 (BRASIL, 2002b; BRASIL, 2006), o cirurgião-dentista, o
técnico de higiene dental e o auxiliar de consultório dentário passaram a atuar no
PSF, através das equipes de saúde bucal.
A população compôs-se de todos os trabalhadores inseridos nas equipes de saúde
da família do município de Vitória.
6.3.1 Amostra
Na pesquisa qualitativa a amostragem o tem um critério numérico. Uma amostra
ideal é aquela que permite a visualização da realidade em suas rias dimensões.
Privilegia, deste modo, atores sociais portadores dos atributos que se pretende
conhecer, considerando-se o número de sujeitos suficiente quando permite certa
reincidência das informações (MINAYO, 2000). Essa consideração adequa-se à
idéia de que a real finalidade da pesquisa qualitativa não seja a de contar opiniões
ou pessoas, mas sim explorar opiniões e as diferentes representações sobre a
questão em estudo (GASKELL, 2002).
70
Fizeram parte da amostra os profissionais que desempenhavam as funções em duas
Equipes de Saúde da Família do PSF escolhidas e, que na época da coleta dos
dados, estavam trabalhando com atendimento direto ao paciente, isto é, foram
excluídos os que estavam realizando atividade administrativa. Participaram das
entrevistas os integrantes de duas Equipes de Saúde da Família
13
(médico,
enfermeiro, auxiliar de enfermagem, um agente comunitário de saúde, cirurgião-
dentista, técnico de higiene dental e auxiliar de consultório dentário), totalizando 14
sujeitos. Foi escolhido um ACS de cada equipe selecionada, aquele com maior
tempo de serviço nessa mesma equipe. No caso em que havia mais de um ACS
nessa condição, foi realizado um sorteio simples.
Foram escolhidas duas USFs dentre as que receberam as primeiras ESFs e ESBs e
que “pareciam trabalhar em realidades distintas. Cada Unidade de Saúde da
Família será identificada no texto por uma letra, sendo as escolhidas “M” para USF
Maruípe e “I” para USF Ilha do Príncipe. Cada sujeito entrevistado será identificado
por uma sigla, composta da letra de sua USF de origem e por um algarismo romano,
por exemplo, Entrevistado 1 da USF Ilha do Príncipe (I1), para garantir que os
profissionais envolvidos na pesquisa não sejam identificados. Sendo assim,
realizamos o estudo de dois casos (duas USF).
Obviamente que a construção do SUS exige atores sociais cirurgiões-dentistas que
tenham um posicionamento ético e político sobre os significados mais profundos da
Reforma Sanitária. Somente assim estaremos realmente contribuindo para o seu
avanço, sendo objetivo do estudo colocar a questão no plano científico e o no
pessoal. Para garantir a confidencialidade dos resultados, o banco de dados será de
uso exclusivo dos pesquisadores. Dessa forma, a Secretaria Municipal de Saúde de
Vitória (SEMUS) não terá acesso aos resultados brutos da pesquisa, nem poderá
fazer a identificação dos profissionais que participaram da pesquisa.
13
Neste caso nos referimos às Equipes de Saúde da Família incluindo ai as Equipes de Saúde Bucal.
Normativamente uma separação entre Equipes de Saúde da Família (médico, enfermeiro, auxiliar
de enfermagem, agente comunitário de saúde) e Equipes de Saúde Bucal (cirurgião-dentista, técnico
de higiene dental e auxiliar de consultório dentário e Equipes de Saúde Bucal) (BRASIL, 2006).
71
6.4 CONSTRUÇÃO DOS DADOS
Para a construção dos dados utilizou-se a observação participante e entrevistas
individuais gravadas. Segundo Ludke e André (1986), a observação participante é
aquela em que a identidade e os objetivos do estudo são revelados ao grupo
pesquisado desde o início. Neste tipo de observação, o pesquisador pode ter acesso
a variadas informações, até mesmo confidenciais, contando com a cooperação do
grupo. Contudo, deverá aceitar o controle que o grupo exerce sobre o que será ou
não tornado público com a pesquisa.
A observação possibilitou o contato pessoal e estreito do pesquisador com o
fenômeno de estudo. Isso se deu pelo fato deste tipo de técnica permitir que se
recorra às experiências e aos conhecimentos pessoais como forma auxiliar à
compreensão e à interpretação do fenômeno em estudo. Permite também que o
observador se aproxime da “perspectiva dos sujeitos”, servindo também para a
descoberta de novos aspectos do problema (LUDKE; ANDRÉ, 1986).
Realizada de setembro a dezembro de 2006, a observação participante foi de
fundamental importância para o conhecimento mais profundo do dia-a-dia das USFs
escolhidas para o estudo, servindo de base para a construção dos dados a partir do
visto e do vivido in loco. Foi utilizada como método de investigação associado outra
técnica de coleta de dados: as entrevistas individuais gravadas, ocorridas de
novembro e dezembro do mesmo ano.
Segundo Gaskell (2002, p. 65), as entrevistas qualitativas fornecem dados para o
desenvolvimento e compreensão das relações entre os atores sociais e seu contexto
de vida. São utilizadas para a “[...] compreensão detalhada das crenças, atitudes,
valores e motivações, em relação aos comportamentos das pessoas em contextos
sociais específicos”.
Segundo Gil (1996), normalmente são utilizados diversos procedimentos para a
coleta de dados, estando entre eles a observação, a análise de documentos, a
entrevista e a história de vida.
Durante a observação participante e as entrevistas gravadas buscamos criar um
ambiente amistoso, de confiança e empatia, que, segundo Deslandes (2005), as
72
informações, estórias, depoimentos e opiniões são altamente influenciados pela
relação estabelecida entre pesquisador e interlocutor. Neste caso, favoreceu-se o
acesso às informações importantes, que geralmente ficariam proibidas aos
interlocutores usuais.
Foram emitidas cartas de consentimento, objetivando a aprovação do procedimento
de construção dos dados por todos os sujeitos selecionados para as entrevistas e
solicitando a autorização para a divulgação das informações fornecidas (APÊNDICE
A). A construção dos dados deu-se após aprovação do projeto de pesquisa pelo
Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) do Centro de Ciências da Saúde da Universidade
Federal do Espírito Santo (UFES) (ANEXO A) e aprovação institucional, no caso
pela SEMUS (ANEXO B).
A confidencialidade dos dados foi garantida pelo sigilo sobre o nome e a profissão
de cada entrevistado. Os nomes citados pelos entrevistados foram registrados
apenas pelas iniciais. Essas duas codificações seguem as indicações de Gomes e
outros (2005), ao relatarem que dentre as condições para se conseguir transcrições
de boa qualidade estão a necessidade de codificação de cada entrevistado, para lhe
garantir o anonimato; transcrição das palavras na íntegra; e em caso de serem
mencionados nomes durante as entrevistas, os mesmos devem ser registrados
apenas por suas iniciais, também como forma de garantir o anonimato, dentre
outras.
6.4.1 Instrumentos para construção dos dados
Durante as sessões de observação participante, buscamos investigar livremente o
dia-a-dia do serviço de saúde da família nas USFs Maruípe e Ilha do Príncipe.
Pontos como a dinâmica dos serviços, processos de trabalho, organização do
atendimento e relações interpessoais serviram de guia para a observação. Os
aspectos relevantes foram registrados num diário de campo, que posteriormente foi
utilizado para a delimitação das questões das entrevistas e também na análise dos
dados.
73
Para as entrevistas gravadas, optamos por utilizar a modalidade de entrevista semi-
estruturada, com base em um roteiro-guia (APÊNDICE B) onde constavam temas
que foram abordados durante as mesmas. A inserção do cirurgião-dentista na
equipe multiprofissional do PSF, a caracterização do seu processo de trabalho em
equipe e a relação intersubjetiva que estabelecem com os demais profissionais da
equipe foram analisadas a partir das falas dos participantes, de seus relatos de
experiências em relação às equipes estudadas, contrapondo-se aos pressupostos
do SUS, e das contradições explicitadas de acordo com as questões norteadoras da
entrevista.
Minayo (2000, p. 122) considera que as entrevistas semi-estruturadas ou não-
estruturadas permitem a inclusão da história de vida e as discussões em grupo,
elaboradas a partir de um guia, um roteiro, enumerando as questões a serem
investigadas a partir dos pressupostos oriundos do objeto de investigação do
pesquisador. Esse tipo de abordagem “[...] persegue vários objetivos: (a) a descrição
do caso individual; (b) a compreensão das especificidades culturais mais profundas
dos grupos; (c) a comparabilidade de diversos casos”. O roteiro para a entrevista
semi-estruturada normalmente é organizado em tópicos, que servem para orientar e
guiar o andamento da interlocução, sendo flexível o bastante para absorver novos
temas e questões que os entrevistados tragam como sendo relevantes (LUDKE;
ANDRÉ, 1986; GASKELL, 2002; SOUZA et al., 2005).
Ainda segundo Souza e outros (2005), o pré-teste dos roteiros consiste na entrevista
com informantes previstos no desenho do projeto e que leva normalmente à
alteração da lista de temas e da forma de abordar os assuntos.
A realização do pré-teste para validação do instrumento de coleta de dados foi
realizada em outubro de 2006. Foi selecionada uma equipe de saúde da família do
mesmo município, que trabalhava com a saúde bucal inserida aproximadamente
o mesmo tempo daquelas unidades selecionadas para o estudo. Dentre os vários
profissionais que na época trabalhavam na Unidade “Piloto” foram sorteados três
sujeitos, que foram entrevistados utilizando-se um roteiro-guia proposto inicialmente.
Através desse pré-teste pudemos verificar os erros de abordagem e de condução
das entrevistas, assim como pôde ser feito ajuste nos temas abordados para uma
melhor compreensão do fenômeno em estudo.
74
6.5 ANÁLISE DOS DADOS
Nas pesquisas de cunho qualitativo, segundo Demo (1991, p. 36), “[...] o que
interessa, na verdade, é o conteúdo, não a forma [...]”. O material empírico coletado
foi analisado pelo método de análise de conteúdo, o qual tem por objetivo, segundo
Bardin (2000), a descrição do que está contido nos enunciados, permitindo a
inferência de conhecimentos da produção/recepção destas mensagens.
Segundo Minayo (2000, p. 206), a análise de conteúdo pode se dar por diversas
técnicas, como a Análise de Expressão, Análise de Relações, Análise Temática e
Análise de Enunciação. Para este estudo, elegeu-se esta última, que está
baseada na idéia de “[...] comunicação como um processo e não como dado em ato,
e do discurso como palavra em ato [...]”, sendo a entrevista aberta um material
privilegiado da análise da enunciação. O que importa, neste caso, é a análise, que
dará a qualidade do estudo, em detrimento da quantidade de material.
O material gravado foi transcrito pelo próprio pesquisador, o que facilitou o processo
de análise, e foi lido exaustivamente. Para Demo (1991), uma forma que se adequa
à pesquisa qualitativa é a transcrição vivencial de um conteúdo participativo, dado
pelo depoimento, pelo testemunho.
Posteriormente, o material foi ordenado e classificado, de acordo com as categorias
de análise previamente escolhidas: reformas e modelos de saúde no Brasil, saúde
bucal no PSF e trabalho em equipe. A conclusão dessas etapas facilitou a leitura
vertical e horizontal do material empírico. A análise final aconteceu com trânsito
entre o material empírico e o referencial teórico, em um movimento dialético entre a
subjetividade e a objetividade. É importante utilizar categorias analíticas para a
análise dos dados (GIL, 1996; GOMES et al., 2005), relacionadas à teoria e ao
material de pesquisa, que inclui o objetivo da pesquisa, neste caso, construídas a
partir do referencial teórico, a Teoria da Ação Comunicativa de Habermas.
Escolhemos dois casos para a realização do estudo. Durante a análise dos dados,
fizemos uma junção da análise referente as duas USFs. Sendo assim, quando os
depoimentos concordavam entre si e quando houve diferenças, importantes para a
compreensão do fenômeno, estes foram relatados durante a análise. Poderão ser
75
identificados pelos diferentes códigos atribuídos para os depoimentos dos
profissionais de ambos cenários, como descrito anteriormente. Passemos então à
análise do material empírico.
76
7 ANÁLISE DO MATERIAL EMPÍRICO
A teoria sempre acaba, mais cedo ou
mais tarde, assassinada pela
experiência.
Albert Einstein
O ponto de partida para o presente estudo foi a abordagem qualitativa. Demo (1991)
considera esta a mais adequada para a apreensão da realidade em seu contexto.
Neste tipo de abordagem a generalização se alcançada pela impregnação de
espaços, que é força do fenômeno. Os dados foram construídos através da
observação participante e das entrevistas gravadas, posteriormente transcritas, lidas
e relidas para subsidiar a discussão sobre o objeto escolhido para estudo: os
cirurgiões-dentistas em relação com os demais profissionais das equipes mínimas
do PSF.
As entrevistas permitiram a transformação dos sujeitos de estudo em agentes,
atores com papel definido dentro da “trama” da pesquisa. Os dados produzidos não
existem por si só, são resultados dos conhecimentos e das relações construídas por
esses sujeitos quando em relação, concordando com a idéia de Minayo (2000) de
que os selecionados para investigações são gente que pertence a grupos, que vive
em determinados contextos e que constrói individualmente e coletivamente crenças,
valores e significados.
Um outro ponto que se revelou foi a interação pesquisador/pesquisados. Como
nenhuma pesquisa é livre de interesses, o principal dessa investigação surgiu pela
proximidade entre os dois elos da corrente, uma vez que a responsável pela
condução do processo tem formação em Odontologia. Daí a inquietação em
adentrar mais o mundo do trabalho daqueles que fazem parte de sua categoria
profissional e também dos que estão relacionados a estes através das equipes de
trabalho, principalmente num momento em que se busca o aperfeiçoamento das
tecnologias em saúde e das estratégias para a melhoria da qualidade de vida da
população.
77
Dessa relação surgiram vários produtos. Um deles, os dados construídos,
analisados e discutidos. Contudo, outros também surgiram e não puderam ser
apreendidos pelo principal instrumento de coleta de dados escolhido, a entrevista
gravada, mas que foram registrados na experiência da pesquisadora e que deram o
toque sensível à condução desta etapa. Além disso, deve-se atentar para o fato de
que a construção dos dados se deu no encontro dos sujeitos, capazes de
transformar o objeto de estudo.
Um importante produto que poderia ser gerado pela discussão durante as
entrevistas seria a mudança da visão dos entrevistados, a partir da reflexão sobre
suas próprias falas, isto é, sobre seus comportamentos. É desejado que os
profissionais de saúde, atores com funções a exercer dentro do serviço, se
enxerguem como responsáveis por suas condutas e como capazes de alteração da
realidade. Isso pôde ser apreendido no alívio sentido, gerado pela oportunidade que
tiveram de refletir e externar sobre suas angústias e opiniões, como mostrado nas
seguintes falas:
Exatamente! E aí, nessa história toda eu falo assim, e eu? Em que eu
colaborando? Entendeu? E aí é uma coisa que me convidou à auto-
reflexão. Eu acho assim produtivo, né. Parece até uma terapia!” (I3)
“[...] Eu agradeço também a oportunidade de você ter me visto meio
estressada, de me externar, externar os meus sentimentos, mais é isso o
que eu penso!” (M3)
É nesse misto de produtos internos e externos, exploráveis individualmente ou
coletivamente, que se desenhou a análise dos dados. Como fio condutor foi
escolhido a análise de conteúdo, que, segundo Bardin (2000), busca a descrição do
conteúdo dos enunciados. As diversas questões constantes do Roteiro-Guia
(APÊNDICE B) foram separadas em categorias de análise para melhor
aproveitamento didático das mesmas. Foram escolhidas três categorias analíticas: 1.
Reformas e modelos de saúde no Brasil; 2. Saúde bucal no PSF e 3. Trabalho em
equipe.
A análise e a discussão dos dados estarão subsidiadas pela produção científica
utilizada como referência, pelas falas dos entrevistados e pela apreensão que
fizemos durante a construção dos dados. Como fio condutor de toda a análise se
apresenta a Teoria da Ação Comunicativa de Habermas, sugerida aqui como forma
78
de propiciar o trabalho em equipe no PSF. Através da ação comunicativa, os sujeitos
buscarão o compartilhamento de seus planos de ação, mediado por uma relação
comunicativa linguisticamente mediada. Nessa relação, as estruturas hierárquicas e
individuais que os cirurgiões-dentistas normalmente constroem dão lugar a um
projeto assistencial comum a todos os integrantes das equipes da estratégia. O
objetivo do trabalho de todos eles é o atendimento à população adscrita, em suas
necessidades, e esse deve ser o pano de fundo a guiar as relações intersubjetivas
entre esses profissionais.
A riqueza das informações dos dados construídos não pôde ser totalmente
explorada, em virtude do tempo que se colocou como prazo e pelo objetivo inicial de
construção de uma dissertação de mestrado. Porém, além de terem contribuído para
o crescimento dos sujeitos envolvidos, entrevistados e pesquisador, os dados
oriundos da relação entre esses sujeitos poderão servir para análises futuras.
Antes de entrarmos na análise propriamente dita dos dados, consideramos de
fundamental importância a caracterização do modelo de saúde de Vitória,
especialmente no que diz respeito ao PSF nas duas USFs que serviram de cenário
para o estudo0. Essa análise faz-se importante, na medida em que as
características semelhantes e peculiares a cada um dos locais podem influenciar a
experiência dos entrevistados e, dessa forma, o resultado da análise dos dados.
7.1 ANALISANDO O MODELO ASSITENCIAL EM SAÚDE DE VITÓRIA
Para que as ações e os serviços de saúde sejam efetivamente descentralizados, de
acordo com a Norma Operacional de Assistência à Saúde 01/2002 (BRASIL, 2002a),
foi apresentado em 2003 o Plano Diretor de Regionalização (PDR) do Estado do
Espírito Santo (Mapa 1). O objetivo foi constituir sistemas funcionais de saúde por
meio da integração de pontos de atenção à saúde. No PDR estadual, Vitória
aparece como lo da Macrorregião Centro-Vitória e de sua subdivisão, a
Microrregião Vitória. Também fazem parte desta microrregião os municípios de
Cariacica, Viana e Santa Leopoldina (ESPÍRITO SANTO, 2003).
79
O modelo de atenção à saúde adotado por Vitória pressupõe que a rede de atenção
inicia-se pelas equipes de PSF, atuando em seus respectivos territórios, servindo
como porta de entrada no sistema. Os usuários devem ser referidos às USFs,
preferencialmente localizadas o mais próximo possível de sua residência. O
potencial de resolução deste nível de atuação pode chegar a 80% dos problemas de
saúde da população residente. A rede secundária própria do município está sendo
reorganizada e qualificada para atender às demandas do PSF, em parceria com a
gestão estadual (VITÓRIA, 2003).
Mapa 1
Plano Diretor de Regionalização do Espírito Santo 2003
Fonte: Espírito Santo (2003).
80
As condições do município com relação ao acesso viário, fluxo da população e
equipamentos existentes possibilitam à SEMUS mapear a cidade em seis áreas,
chamadas Regiões de Saúde. Nelas estão instaladas Unidades de Saúde, que são o
primeiro nível de atenção e onde a população tem acesso direto e atendimento com
maior resolutividade possível (VITÓRIA, 2003), além de outros equipamentos de
saúde. O município se divide nas seguintes Regiões de Saúde: São Pedro, Santo
Antônio, Centro, Forte São João, Maruípe e Continental (Mapa 2).
Existem no município oito Centros de Referência Municipais: o Centro de Controle
de Zoonoses; o Centro de Referência de Atenção ao Idoso; o Centro de Prevenção
e Tratamento de Toxicômanos; o Centro de Atenção Psicossocial; o Centro de
Referência em DST/AIDS; o Centro Municipal de Especialidades; a Policlínica São
Pedro; e o Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (parceria com a SESA).
Esses centros estão distribuídos pelas diversas Regiões de Saúde, concentrando-se
mais nas regiões Centro e Forte São João. O município conta ainda com o Serviço
Mapa 2
Regionalização da saúde em Vitória
Fonte: Vitória, 2007d.
81
de Orientação ao Exercício (SOE), com onze módulos fixos e um móvel e uma
academia popular, instalada na região de Santo Antônio. Como integrantes do
sistema de saúde municipal, têm-se ainda o Pronto-Atendimento Municipal de Vitória
e o Pronto-Atendimento da Policlínica São Pedro, além do Laboratório Central
Municipal (VITÓRIA, 2007d). As Unidades de Saúde de Maruípe, Jardim Camburi,
Santo André e Maria Ortiz têm atendimento estendido até as 22 horas (Vitória,
2007e).
As ações de saúde desenvolvidas por Vitória, além de contemplarem o atendimento
individual, priorizam atividades coletivas, tais como a vigilância em saúde (sanitária e
epidemiológica); imunização; controle de zoonoses; saúde do trabalhador;
programas de saúde dirigidos à mulher, à criança, à saúde bucal, aos idosos, às
doenças crônico-degenerativas; fisioterapia; hanseníase; tuberculose; DST/AIDS;
saúde mental; saúde do escolar; fisiologia do exercício; tabagismo e o Programa de
Assistência Farmacêutica (VITÓRIA, 2003).
A iniciativa de implantação do PSF no município de Vitória teve início em 1997,
buscando a inversão do modelo de atenção à saúde, em consonância com a Norma
Operacional Básica/96. Em fevereiro de 1998, as primeiras equipes deram início às
atividades. A composição sica das equipes foi: médico, enfermeiro, auxiliar de
enfermagem, sanitarista, assistente social (em uma equipe) e agentes comunitários
de saúde (VITÓRIA, 1999).
Inicialmente, o PSF foi implantado abrangendo bairros onde os indicadores de saúde
eram desfavoráveis e onde o índice de pobreza era mais relevante em relação às
demais áreas do município. As primeiras Unidades de Saúde a receberem a saúde
da família foram US Resistência, US Jesus de Nazareth, US Andorinhas, US Fonte
Grande e US Ilha do Príncipe (VITÓRIA, 2006a). Os bairros identificados para a
implantação do PSF coincidiam com as áreas de abrangência do Projeto Terra
(projeto de intervenção social das áreas de morro e palafitas) (VITÓRIA, 1999).
Essa escolha, ao contrário do que possa parecer, de que o PSF é para pobre, visava
dar oportunidade de acesso aos serviços de saúde para os que mais precisam,
respeitando o princípio da equidade (VITÓRIA, 1999). Isto porque o objetivo principal
da adesão ao programa seria, além da mudança do modelo de atenção sica, a
82
extensão da cobertura às áreas de difícil acesso, com oferta insuficiente ou ausente.
Assim, deu-se prioridade à implantação das primeiras equipes na cobertura de
grupos vulneráveis, identificados como de baixa renda, de maior risco
epidemiológico ou risco social (BRASIL, 2007a).
Normalmente a implantação do PSF se em áreas de alto risco socioeconômico,
mas existe a crítica de que seja isolada de outros projetos sociais (ALEIXO, 2002).
Em Vitória, o PSF esteve inicialmente implantado nas áreas de abrangência do
Projeto Terra, demonstrando, ao menos institucionalmente, alguma intersetorialidade
das ações de promoção da saúde.
As equipes do PSF foram instaladas em Unidades de Saúde convencionais, a
exceção de Resistência, onde houve a implantação de uma Unidade de Saúde da
Família. Dessa forma, as equipes passaram a conviver com o modelo tradicional,
gerando conflitos nos planos de ação e mostrando-se desfavorável ao avanço da
estratégia. Contudo, ainda assim, o PSF atuou como facilitador e as unidades
passaram a se apropriar de seus territórios (VITÓRIA, 1999).
A seleção de profissionais, inicialmente, seria internamente, para a lotação nas
primeiras USF. Contaria com três etapas: títulos, entrevistas e curso de formação
(teoria e prática), também previstos para a seleção externa que se fizesse
necessária. O objetivo era fazer ingressar na instituição aqueles profissionais com
perfil adequado ao desempenho das funções para as quais estavam sendo
contratados. a incorporação dos Agentes Comunitários de Saúde obedeceu às
Normas e Diretrizes do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (VITÓRIA,
1999).
As primeiras equipes receberam capacitação em um curso introdutório de Saúde da
Família e um curso básico de Saúde da Família, baseado na proposta dos docentes
do departamento de Medicina Familiar e Comunitária da Universidade de Toronto no
Canadá (VITÓRIA, 1999).
Em 1998, o Ministério da Saúde propôs a inclusão de equipes de saúde bucal no
PSF. A Portaria MS/GM 1444 de 28 de dezembro de 2000 (BRASIL, 2006b)
estabeleceu o incentivo financeiro e a saúde bucal foi definitivamente incluída no
83
PSF. A regulamentação se deu com a Portaria MS/GM 264 de 2001, que definiu
as normas e diretrizes da inclusão da saúde bucal na Saúde da Família, por meio do
Plano de Reorganização das Ações de Saúde Bucal na Atenção Básica.
Na época de implantação do PSF, o atendimento odontológico era realizado por
cirurgiões-dentistas, clínicos gerais e Odontopediatras, divididos em dois turnos de
carga horária diária de quatro horas. Foi somente em julho de 2004 que a Prefeitura
Municipal de Vitória deu início à inserção da saúde bucal no PSF. Foram
contempladas oito USFs: Ilha do Príncipe, Andorinhas, Maruípe, Consolação, Gilson
Santos, Grande Vitória, Santo Antônio e Favalessa; iniciando com 17 equipes de
saúde bucal, na modalidade I
14
.
Inicialmente foi realizada uma seleção interna com servidores efetivos para a
composição das primeiras equipes de saúde bucal e a seleção externa planejada
para quando fosse necessário. O processo contou com prova escrita, entrevista e
análise de currículo (VITÓRIA, 2003).
Vitória conta atualmente com quatro Unidades Básicas de Saúde, quatro localidades
com PACS e 20 Unidades de Saúde da Família (Tabela 1) (VITÓRIA, 2007d). Na
saúde da família o 72 ESFs implantadas no município em 20 Unidades de Saúde
da Família. São 191.150 pessoas cadastradas no PSF e PACS, ou seja, 63,16% da
população
15
(VITÓRIA, 2007e). a saúde bucal conta com 38 ESBs referenciadas
a 117.300 habitantes, isto é, 38,76% de cobertura
16
. Cada equipe de saúde bucal
inscrita no Sistema de Informações da Atenção Básica (SIAB) está relacionada à
população de apenas uma equipe de saúde da família. Na prática, nas unidades em
que o número de ESB é inferior ao de ESF, uma redivisão entre as equipes de
saúde bucal para a cobertura total da população adscrita àquela USF, amesmo
porque o PSF permite o trabalho de uma ESB para até duas ESF.
Além das 38 ESBs, Vitória conta ainda com centros que atendem às especialidades
odontológicas. As US Jardim Camburi e Forte São João atendem aos casos de
endodontia de suas regionais de saúde; o Centro Médico de Especialidades e o
14
Dados fornecidos pela Coordenação Municipal de Saúde Bucal da Secretaria Municipal de Saúde
de Vitória/ES em maio de 2007.
15
Para a base de cálculo utilizaram-se dados do Ministério da Saúde de 2005 de que a população do
município de Vitória é de 302.633 pessoas.
16
Dados fornecidos pela Coordenação Municipal de Saúde Bucal da SEMUS em maio de 2007.
84
Centro de Referências em DST/AIDS atendem a todas as especialidades; o Centro
de Especialidades Odontológicas (CEO) atende aos casos de periodontia,
endodontia, cirurgias menores e diagnóstico de câncer de boca; e o Laboratório
Regional de Prótese Dentária, oferece reabilitação oral com próteses parciais
removíveis e totais, sendo estes dois últimos referência para a Microrregional Vitória.
Região de Saúde
UBS
USF
PACS
CONTINENTAL
Jardim Camburi*
Jabour
Maria Ortiz*
Jardim da Penha Bairro República
MARUÍPE
Maruípe *
Andorinhas
Consolação
B. da Penha
Tomáz Thomazzi
Sta. Marta
CENTRO
Fonte Grande
Vitória
Ilha do Príncipe
Avelina
Santa Tereza
STO. ANTÔNIO
Favalessa
Sto. Antônio
Grande Vitória
SÃO PEDRO
Santo André *
Ilha das Caieiras
São Pedro V
Resistência
FORTE
SÃO JOÃO
Ilha de
Sanata Maria
Jesus de Nazareth
Praia do Suá
Santa Luíza
Forte São João
Os sujeitos selecionados para participar deste estudo, na época da construção dos
dados, desenvolviam suas atividades nas Unidades de Saúde da Família Ilha do
Príncipe e Maruípe, escolhidas dentre as oito primeiras Unidades de Saúde que
passaram a contar com a saúde bucal no PSF, em julho de 2004. Foram
selecionadas as duas equipes que trabalham na Saúde da Família mais tempo
(uma em cada uma das duas unidades). A prioridade foi dada às equipes com maior
Tabela 1
Rede Básica de Saúde de Vitória
* Unidades com atendimento noturno (até as 22 horas).
Fonte: Vitória, 2007d.
85
tempo de trabalho em conjunto, sendo esta uma prerrogativa do pesquisador, ou
seja, um critério de inclusão para participação na investigação.
Para a realização do estudo, pretendeu-se garantir a confidencialidade das
informações, haja vista que se deseja conhecer os atributos dos atores sociais no
PSF mediante uma metodologia científica. Houve um compromisso ético do
pesquisador de não ingerência na SEMUS e até muito pelo contrário, houve boa
recepção e pactuação para a realização do estudo. A autorização da instituição para
a realização do estudo encontra-se no ANEXO B.
Os objetivos da Coordenação Municipal de Saúde Bucal são ampliar a cobertura
populacional com equipes de saúde bucal no PSF; melhorar a qualidade da atenção
odontológica por meio do vínculo do profissional com as famílias, da atenção
longitudinal e coordenada; estimular o maior envolvimento e responsabilidade das
equipes locais de saúde bucal com as famílias e facilitar a integração das equipes
locais de saúde bucal com as equipes de saúde da família. A meta é que, em 2008,
todas as unidades de saúde estejam cobertas pelo PSF e com equipes de saúde
bucal.
Vitória conta com 23 THDs no PSF, contudo não existe ESB modalidade II por falta
de espaço físico e equipamentos odontológicos para as mesmas
17
. Esses
profissionais estão relacionados também ao Programa Sorria Vitória, cujo principal
objetivo é a redução da incidência e velocidade de progressão das doenças bucais,
por meio de ações coletivas realizadas principalmente em espaços escolares. As
ações coletivas realizadas compreendem: bochechos fluorados semanais ou
escovação supervisionada nas crianças menores de 6 anos, educação em saúde,
higiene bucal supervisionada, exame de classificação de necessidades e distribuição
de escova e creme dental a cada três meses (MUSSO, 2007). Contudo, o grande
número de escolas e unidades de ensino infantil existentes no município nos faz
pensar que este trablho de educação em saúde bucal leve sobrecarga às atividades
já desenvolvidas nessas instituições pelos professores da rede municipal de ensino.
17
Dados fornecidos pela Coordenação Municipal de Saúde Bucal da Secretaria Municipal de Saúde
de Vitória/ES em maio de 2007.
86
Sendo este um estudo de casos, consideramos de fundamental importância a
descrição das características cio-políticas e históricas de cada um dos cenários,
isto é, de cada território escolhido para o desenvolvimento do estudo. Por isso,
passemos às unidades de Saúde da Família Ilha do Príncipe e Maruípe.
7.1.1 Unidade de Saúde da Família Ilha do Príncipe
O bairro da Ilha do Príncipe, hoje anexado à Ilha de Vitória, no passado, era de fato
uma ilha e localizava-se entre Vitória e o continente (Vila Velha) (MARINATO, 2007).
O nome da ilha originou-se de uma história segundo a qual o local pertencia ao
príncipe D. Pedro II. Sua ocupação iniciou-se aproximadamente em 1926, num
processo de ocupação por “invasão”, com moradias precárias, de sa
18
e
estuque
19
, cobertas de palha e pindoba
20
(VITÓRIA, 2007a).
Foi no governo de Florentino Avidos (1924-1928) que se iniciou o interesse por essa
área, com a construção das seis pontes: cinco pontes de Vila Velha à Ilha do
Príncipe (Ponte Florentino Avidos) e uma ligando a Ilha do Príncipe à Vitória. Para
viabilizá-las, foram feitos os primeiros aterros na Ilha do Príncipe, em 1928. O
propósito oficial era melhorar a acessibilidade, visto que o crescimento do porto
impulsionou a necessidade de criar ligações com as outras regiões (MARINATO,
2004).
Com a crise econômica e institucional, após a revolução de 1930, os operários que
trabalhavam na construção da ponte Florentino Avidos (2 mil operários) invadiram a
ilha. Após esse ocorrido, também houve invasões de imigrantes nordestinos e
nortistas, além de uns poucos que vieram do interior do Estado. Durante o governo
do General João Punaro Bley (1930-1942), houve a proibição do crescimento de
moradias de estuque e palha, numa tentativa de transformação da ilha em bairro
nobre. Essa decisão culminou, em 1938, com um incêndio promovido por fiscais do
Governo e confrontos diários entre estes e a população (VITÓRIA, 2007a).
18
De acordo com o Mini Aurélio, sapé ou sapê refere-se à gramínea usada para obrir choças, isto é,
habitação mais tosca do que a cabana (FERREIRA, 2001).
19
Estuque refere-se a uma massa preparada com água, gesso e cola (FERREIRA, 2001).
20
Pindoba é uma palmácea cujos óleos são úteis (FERREIRA, 2001).
87
Nas cadas seguintes, foram executados vários projetos de aterro das
proximidades da Ilha do Príncipe, com o objetivo de aumentar a área do município e
de utilizar o espaço para comercialização e revitalização da região. Em 1980, foi
realizado o aterramento, enrocamento e captação de esgotos no trecho entre a Ilha
do Príncipe e o bairro de Santo Antônio, no antigo cais do hidroavião. Este aterro
recebeu a Rodoviária de Vitória e, com a finalização do aterro, a Ilha do Príncipe
deixou de ser ilha (MARINATO, 2004).
A região caracterizava-se pela existência de becos e do aglomerado de barracos,
sendo cenário de fama pela presença de marginais e de prostituição, assim
permanecendo até a transferência dos meretrícios para o município da Serra
(VITÓRIA, 2007a). Contudo, a proximidade do Porto e da Rodoviária de Vitória
favorece que atividades desenvolvidas pelos profissionais do sexo continuem a
acontecer, contribuindo por manter uma população flutuante formada por pessoas
de outros bairros e municípios, envolvidas nesse tipo de ocupação. ainda
informação do desenvolvimento do comércio de drogas ilícitas (VITÓRIA, 2001b).
A Ilha do Príncipe possui pequenos comércios sem grande diversidade. Na parte
baixa da ilha, próximo à rodoviária, concentram-se pensões e hotéis, alguns em
condições insalubres, principalmente pela falta de aeração e de manutenção das
instalações físicas. Conta com oito igrejas de diferentes credos, uma Associação de
Surdos e Mudos, uma escola de futebol, o grupo de teatro “Novos Rumos” e o grupo
da Terceira Idade (VITÓRIA, 2001b).
O bairro da Ilha do Príncipe faz parte da Regional de Saúde Centro, contando hoje
com uma Unidade de Saúde da Família, tida como referência pela Secretaria de
Saúde do Município. Trabalha com um número de 3.195 habitantes do bairro,
referidas a duas ESF e a duas ESB (VITÓRIA, 2006b).
O PSF foi introduzido na Ilha do Príncipe em 1998 (VITÓRIA, 2006a), com o trabalho
de duas equipes inseridas inicialmente numa Unidade Básica de Saúde (UBS), que
funcionava em um prédio adaptado. Em 2004, a construção da Unidade de Saúde
da Família Ilha do Príncipe teve fim, passando então a abrigar o atendimento à
comunidade. A geografia e localização do bairro favorecem que a equipe de saúde
da família consiga geralmente atender apenas a população adscrita. que a USF
88
encontra-se na parte alta do bairro, que é um morro, normalmente somente os
moradores do local procuram atendimento no local.
Na USF Ilha do Príncipe são oferecidos os seguintes serviços: consulta médica e de
enfermagem; atendimento psicológico, social e odontológico; verificação de pressão
arterial; curativo; coleta de exames; nebulização; injeção; vacinas; dispensação de
medicamentos; grupos de atendimentos a diversos programas; e encaminhamentos
para os Centros de Referência (VITÓRIA, 2007c).
A saúde bucal foi inserida no PSF da Ilha do Príncipe em junho de 2004, sendo uma
das oito primeiras unidades a receber a inserção da saúde bucal na estratégia. A
paridade no número de ESFs e ESBs pode facilitar o trabalho integrado, que o
número de usuários é o mesmo que o da equipe de saúde da família à qual se
refere. A população do território fica então dividida entre as equipes de saúde da
família e duas equipes de saúde bucal (aproximadamente 1.600 hab./equipe).
7.1.2 Unidade de Saúde da Família Maruípe
A ocupação da região de Maruípe esteve relacionada ao parcelamento da Fazenda
Maruípe. Localizava-se ao lado da fazenda Jucutuquara, possuindo grande
extensão, indo do atual bairro Santa Cecília até a Ponte da Passagem. Durante o
império, a fazenda pertenceu ao Dr. Inácio Accioli de Vasconcelos, nomeado por D.
Pedro I para o governo do Estado (VITÓRIA, 2007b).
no século XX, devido à sua distância do Centro de Vitória, Maruípe foi destinada
à instalação de equipamentos institucionais de grande porte, como hospitais, o
quartel da Polícia Militar e o Cemitério Municipal de Maruípe. Com o falecimento do
proprietário, que não deixou herdeiros, as terras passaram para o Estado. (VITÓRIA,
2007b).
Em 1930, houve a aprovação do loteamento "Vila Maria", com 209 lotes e área total
de 90,537m², localizado atualmente entre Tabuazeiro e Eucalipto. Consta ainda no
cadastro imobiliário da prefeitura, dois outros loteamentos localizados próximos a
Vila Maria. Com o aumento da ocupação e do parcelamento da área, diminuiu
89
progressivamente o que se padronizou chamar Bairro Maruípe, sendo este dividido
para formar outros bairros, tais como Santa Cecília, Penha, Itararé, São Cristóvão,
Tabuazeiro (VITÓRIA, 2007b).
A origem do nome do bairro é atribuída ao mosquito de picada forte Maruí de
Maruim, sendo Maruípe "caminho de mosquitos". Para os moradores era
constrangedor ser identificado como habitante de uma área infestada de mosquitos
(VITÓRIA, 2007b).
Em se tratando de saúde, a região de Maruípe abriga o HUCAM, que é o Hospital
Universitário da Universidade Federal do Espírito Santo, e o Hospital Santa Rita de
Cássia, referência em tratamento de câncer no Estado e para estados vizinhos,
como Minas Gerais e Bahia.
A Unidade Básica de Saúde de Maruípe faz parte da Regional de Saúde Maruípe.
Após ter sofrido reforma, teve implantado o Programa Saúde da Família em 2001
(VITÓRIA, 2006a), contando atualmente com sete equipes. Essas equipes atendem
a sete bairros: Engenharia, São Cristóvão, Tabuazeiro, Maruípe/Vila Maria, Santa
Cecília, Bairro de Lourdes e Santos Dumont. A população total cadastrada é de
22.978 habitantes (VITÓRIA, 2006b), com uma média de aproximadamente 3.290
hab./equipe. Contudo, a unidade mostra-se em dimensão física reduzida, não
oferecendo condições adequadas ao trabalho do grande número de profissionais
envolvidos nas atividades oferecidas, o que dificulta o trabalho e serve de
desestímulo.
Na USF Maruípe são oferecidos consulta médica e de enfermagem; atendimento
psicológico, social e odontológico; verificação de pressão arterial; curativo; coleta de
exames; nebulização; injeção; vacinas; dispensação de medicamentos; grupos de
atendimentos a diversos programas e encaminhamentos para os Centros de
Referência (VITÓRIA, 2007c), sendo seu atendimento estendido até as 22 horas.
Em julho de 2004, a saúde bucal passou a integrar a saúde da família nessa
unidade, contando com quatro equipes, que se dividem para atender as sete
equipes de saúde da família. Essa lógica de trabalho pode estar sobrecarregando
em demasiado os profissionais da saúde bucal, pelo grande número de usuários
90
referidos, aproximadamente 5.750 usuários para cada equipe de saúde bucal. A
unidade faz ainda o atendimento Odontológico dos usuários da USF Bonfim, que se
localiza em território vizinho e que não conta com a saúde bucal no PSF. Esse
atendimento tem sido realizado no horário noturno, por profissionais especialmente
designados para esse fim. Ainda assim, existe uma sobrecarga diária do
atendimento de urgência dessa população.
Além da falta de espaço físico para abrigar tantas equipes e o atendimento de
tamanha população, o bairro possui ainda uma população flutuante que chega em
busca de atendimento nos hospitais e na escola de Odontologia da UFES,
localizadas no bairro. Com isso, muitos dos que não conseguem atendimento
nesses estabelecimentos de saúde, por falta de vagas ou por insuficiência de tipo de
serviço, acabam procurando a Unidade de Saúde da Família Maruípe,
sobrecarregando ainda mais o atendimento, que seria adscrito à população
residente no território local.
Conhecidos os cenários onde o estudo foi desenvolvido, comecemos à análise dos
dados construídos a partir das entrevistas individuais gravadas e da observação
participante. O primeiro item será o pano de fundo do objeto de pesquisa: as
reformas que vem sofrendo o setor saúde pública no Brasil e a visão que os
trabalhadores, sujeitos da pesquisa, têm sobre o assunto.
7.2 AS REFORMAS DO SETOR SAÚDE NA VISÃO DOS TRABALHADORES
Discutir sobre as reformas da saúde pelas quais vem passando nosso país faz-se
importante na medida em que um trabalhador tende a ser mais compromissado com
o serviço se conhece a luta histórica de sua produção e se entende que cada um
que nele se insere tem uma atuação individual e coletiva a ser cumprida.
A busca por uma atenção à saúde que se adeque às necessidades dos brasileiros
vem sendo travada ao longo dos séculos. Durante muito tempo, a saúde no Brasil e
no mundo era encarada principalmente como ausência de doenças, reflexo
principalmente dos avanços científicos alcançados pela medicina até então. A
prevenção às doenças começou a ser motivo de atenção principalmente no século
91
XX, como garantia da manutenção da força de trabalho. Com isso, as ações
preventivas eram direcionadas à massa trabalhadora de forma impositiva.
Com o avanço das técnicas preventivas e da discussão sobre o que, de fato,
significa saúde, os conceitos de qualidade de vida e de promoção de saúde vieram à
tona. A definição clássica de saúde pela OMS, em 1960, serve de exemplo para
definir a mudança de pensamento ocorrida na época. A então, as doenças
estavam muito ligadas aos fatores biológicos, unifatoriais. Nesta época, a
multicausalidade, com a inserção de fatores hereditários e ambientais, não somente
biológicos, mas também sócio-culturais, passava a integrar a idéia de saúde, não
como oposição à doenças, mas muito mais relacionada à questão de qualidade de
vida.
Esse caminho também foi traçado pela Odontologia. A profissão surgiu
principalmente com a responsabilidade de manter a saúde da boca, buscada
principalmente através da cura da doença estabelecida, cárie e doença periodontal,
principalmente. Foi somente com o avanço das técnicas preventivas e da luta
daqueles que não se satisfaziam com a limitada atuação condicionada à presença
de doença estabelecida que o conceito de saúde bucal, como parte da saúde geral,
e como sinônimo de qualidade de vida pôde ser desenvolvido e propagado.
A necessidade de reformulação dos conceitos da área de saúde e a busca pela
garantia de acesso a serviços de forma universal e eqüitativa foram tomando conta
dos espaços sociais, ainda na época da ditadura militar. Neste movimento, inseriam-
se profissionais da área da saúde, estudantes e associações de classe. Com o
processo de redemocratização vivido pelo país nas últimas décadas, a construção
de uma identidade cidadã, detentora de direitos e deveres dentro da tão buscada
sociedade democrática, foi sendo constituída.
Dentre os serviços a que todos os brasileiros teriam direito estava o de atenção à
saúde, passado então ao dever do estado. Esse processo é chamado de Reforma
Sanitária Brasileira, o qual, segundo Paim (2002), deve ser considerado mais do que
como um programa de governo. Na verdade é uma longa caminhada em defesa da
democracia, dos direitos sociais e de um novo Sistema de Saúde. O principal
espaço de propagação das idéias reformistas foi a VIII Conferência Nacional de
92
Saúde, em 1986. A partir daí, o ideário tomou corpo e pôde ser incluído como
legislação específica na Constituição Brasileira de 1988.
Através dos Artigos 196 a 200 da Constituição do Brasil formalizaram-se claramente
as idéias tão defendidas no curso da Reforma Sanitária: a saúde é um direito de
todos, dever do estado e deve ser atendida através de um sistema único de saúde,
descentralizado, que preste atendimento integral e que conte com a participação da
comunidade (BRASIL, 2005). A partir daí, foi determinado que haveria a construção
de um Sistema Único de Saúde, que buscasse dar respostas às necessidades de
saúde da população, acumuladas ao longo da história por sistemas e políticas de
saúde excludentes.
No entanto, pode-se dizer que o SUS é um campo de disputa de projetos
(MAGALHÃES JÚNIOR, 2006), em que os diversos atores implicados tomam parte.
Esses atores governam seus planos e mobilizam recursos pra construir suas ações,
para negociá-los ou impô-los (MERHY, 2006). Os três vértices desse jogo de
interesses o os Governos (Federal, Estadual e Municipal), os trabalhadores de
saúde e os usuários. O objetivo de toda a reorganização das práticas em saúde é
colocar a atenção centrada no usuário e, para isso, tanto Governo quanto
trabalhadores têm que assumir um compromisso com a saúde.
A base de nosso atual sistema de saúde foi dada pelas Leis 8.080 (BRASIL,
1990a) e 8.142 (BRASIL, 1990b) de 1990. As princ ipais diretrizes são que o
sistema deve ser universal, igualitário, integral e com garantia de participação da
comunidade em sua gestão. Não é um projeto ou programa de governo. É uma
política de Estado, que está em permanente construção. Conta com várias frentes
de trabalho, em diversas instâncias governamentais, que tem por objetivo atender de
forma integral ao direito de saúde.
Atualmente, a principal estratégia de governo para a melhoria da atenção básica a
saúde é o PSF (ALEIXO, 2002), em prática desde 1994. A lógica do trabalho em
saúde da família é pela atuação de uma equipe de saúde junto a uma comunidade
definida, com ênfase na promoção de saúde e atuação integral. Essa é a forma de
se melhorar a condição de saúde da população, isto é, de sua qualidade de vida. A
93
urgência dos ssimos índices epidemiológicos estimula que a implementação das
equipes inicie-se pelas áreas mais pobres e de maior risco social.
Esse fato tem recebido crítica ao se verificar que o PSF tem se encontrado isolado
de outros projetos sociais em caráter interinstitucional e intersetorial, sem a
estruturação dos demais níveis hierarquizados de referência do setor saúde
(ALEIXO, 2002). Além disso, o PSF tem sido relacionado a uma “medicina para
pobres”, concretizado numa “cesta básica de procedimentos, conforme discutido
por Aleixo (2002) e, neste estudo, evidenciado na fala de dois entrevistados:
“O SUS que trouxe o PSF pra gente. Não foi? Então a proposta dele é
ótima, maravilhosa. Eu acho muito bonita essa proposta. Pra população
carente, não deveria fazer melhor”. (M2)
“[...] essa expectativa minha era muito grande, era que realmente nós
pudéssemos fazer algo que marcasse a diferença entre essa Estratégia de
Saúde da Família e os outros planos até então vividos por nós. [...]” (M3)
Contudo, para que na prática isso reflita em melhoria da qualidade no atendimento,
os trabalhadores têm que saber de onde estão partindo e para onde devem
caminhar. Todo o conhecimento sobre o tema Reforma Sanitária Brasileira e sobre o
SUS, construído através de experiência pessoal ou profissional, torna-se importante
na medida em que serve como base para que os profissionais de saúde construam
ações de modificação daquela realidade, individualmente ou coletivamente.
Quando perguntados sobre esse assunto, muitos entrevistados relataram não
conhecer a fundo o tema. Entendem a mudança no conceito de saúde, mas
confundem o que seria a Reforma Sanitária. O assunto foi lembrado por ter sido
tema de provas escritas quando da seleção de pessoal através de concursos
públicos, como escrito a seguir.
“[...] eu acho isso, uma reforma, mudar, fazer esgoto, esse lance todo, não
sei se eu tô certa [...]”. (M5)
“[...] eu acho que mudou muito a visão, de saúde das pessoas, do ambiente
que elas moram, que tem que ter saúde. Que sanitário é isso, né: água,
esgoto, ruas, não é isso? [...] Eu estudei isso, pra prova e tudo, heim,
mas estou perdida aqui agora [...]”. (M4)
“Quais são as reformas sanitárias? Eu não sei. Até agora não. Eu li alguma
coisa pro concurso, mas não lembro não”. (M7)
94
“[...] eu lembro quando eu estudei pra fazer a prova de políticas de saúde,
eu lia muito. Teve umas questões a respeito. É coisa pra evitar doença,
né? Por exemplo, a pessoa ter uma casa decente, banheiro, éhhh, esgoto,
pra não ter, pra pessoa não ficar doente, lógico [...]”. (I4)
Das equipes do PSF
21
fazem parte trabalhadores de nível técnico (auxiliar de
consultório dentário, técnico de higiene dental e auxiliar/técnico de enfermagem) e
nível superior (médico, enfermeiro e cirurgião-dentista). A formação dos
trabalhadores de saúde normalmente é bastante abrangente quando se trata de
capacitação técnica. Porém, quando se trata de instruções sobre a realidade dos
serviços e sobre o histórico da saúde do Brasil e as contribuições de cada classe
profissional nesse processo, muito têm deixado a desejar.
A Coordenação da Atenção Básica do Ministério da Saúde considera o setor de
recursos humanos e a pouca qualificação dos profissionais um dos principais
obstáculos à implementação do programa (ALEIXO, 2002). E o resultado aparece
quando se observam profissionais atuando no serviço blico sem ter noção do
caminho percorrido até aqui. Além disso, o termo Reforma Sanitária Brasileira refere-
se a uma luta que vem sendo travada em nosso país várias décadas. Muitos
desses trabalhadores podem não ter vivenciado a luta que culminou, por exemplo,
com a introdução de uma sessão específica para a saúde em nossa constituição e
que declarou a necessidade de um sistema único de saúde, mas fazem parte hoje
da construção e consolidação do SUS.
Assim, trabalhar para o SUS e pelo SUS requer o mínimo de conhecimento de seus
princípios. O conhecimento e as percepções que os profissionais da saúde da
família têm em relação ao assunto irão contribuir para que ele se sinta agente, que
tem um papel a cumprir, também porque quando sujeitos participam da formulação
das propostas, eles agem com mais compromisso (TEIXEIRA, 2006). Dessa forma,
podem-se evidenciar nas falas dos atores investigados alguns elementos que
explicitam as suas percepções teórico-práticas sobre o SUS:
“[...] e depois foi criado o SUS, que é o Sistema Único de Saúde, onde
passaram a ter a visão de quem cuidaria da saúde do munícipe era o
próprio, a própria prefeitura, era o município. [...] Não aquela saúde que
tem que ir pra hospital, mas a saúde primária, né, os ambulatórios e
postinhos de saúde. E só que não teve nada a ver o SUS com a população.
21
Considerando aqui a ESF e a ESB.
95
A população continua sofrendo, enfrentando filas pela madrugada, né, pra
conseguir ser atendida [...]” (M3).
[...] quando se criou o SUS pra melhorar pra todo mundo ter direito ao
atendimento médico. Hoje, todo mundo, qualquer pessoa mesmo se
trabalha, se não trabalha, se chegar, ele é atendido. Antigamente não era
assim. [...] se não tivesse um trabalho, era tido como indigente [...]”. (M6)
“Eu sei o que falaram pra gente, que antigamente [...] quem trabalhava
tinha aquela carteirinha [...]; tinha duas filas: um que é das pessoas que
trabalhavam e que contribuíam e as outras que não tinham esse privilégio,
digamos assim. [...] aí depois começou o SUS e hoje em dia é o PSF”. (I1)
O SUS está amparado por leis e por vários documentos técnicos que servem de
base para a reestruturação dos serviços em saúde, também em relação à saúde da
família. Contudo, são os profissionais que devem colocar essas mudanças em
prática e, para isso, eles têm que conhecer minimamente o assunto e, também,
necessitam de autonomia para fazer as modificações necessárias à adequação das
normas a cada realidade.
Porém, a normalização do SUS e do PSF não é suficiente em si mesma para mudar
o cenário de tanto abandono visto até então. O fato é que existem normas e regras
que guiam o planejamento e o trabalho, mas muitos outros fatores podem influenciar
o processo de mudança. A percepção que os sujeitos têm das normas e diretrizes é
de que, no papel, as coisas são muito simples de serem resolvidas, mas que colocá-
las em prática não é nada fácil, que também foi comprovado na observação
participante.
“Sistema Único de Saúde. Eu acho que seria uma maravilha. Igual no
papel? Ah, bom demais!” (I3)
“[...] dos princípios, eu acho muito bonito, lindo! não sei se
funcionando! Pelo menos, ah, tipo assim, ah, o nosso objetivo é esse, né.
[...]”. (M5)
“Como ele deveria ser, como ali no papelzinho, direitinho, ainda não.
Tudo, tudo, ainda não. [...] Mas eu acho que grande parte faz sim [...]
Avançou no conhecimento da população, avançou éhhh, mesmo nas
orientações, de prevenção, acho que a gente avançou um pouquinho”.
(M2)
“O SUS é perfeito no papel, né? Se a gente conseguir colocar tudo em
prática, é ótimo, perfeito. E eu acho que a gente vai conseguir, acho que é
uma questão de tempo [...]”. (I7)
Além disso, é preocupante que alguém que trabalhe dentro da saúde da família,
principal modelo de reorganização da atenção básica no Brasil, ainda tenha dúvidas
96
do que é o SUS e relate que isso é pouco discutido dentro do serviço, fato
evidenciado na seguinte fala:
“Aqui a gente não fala sobre o Sistema, eu sei que está tendo o SUS, como
é que fala? Humaniza? Alguma coisa assim. [...] Eu tenho consciência
assim, sobre o trabalho do PSF. Mas que foi falado aqui sobre o Sistema
Único de Saúde, que até com essa mudança, nada, não foi falado nada.
Só fui mesmo porque eu assisti. [...] e pouca gente sabe aqui”. (M1)
Ainda assim, os profissionais sentem que as coisas estão avançando, mas que
existem problemas, principalmente em relação à ampliação do acesso. O avanço
tem sido principalmente das ações educativas e no envolvimento da comunidade no
cuidado à saúde, como refletido por alguns entrevistados.
“[...] claro que não! Não. Se você começar que saúde é um direito de todos,
dever do Estado, né, e o paciente chega aqui e ele não tem vaga na
agenda, ele perdeu o direito dele, né. Que é a primeira lei que se tem,
não é essa? [...]”. (M7)
“[...] a gente tentou voltar as pessoas pra se prevenir, né. Fizemos um
trabalho de prevenção. Então eu acho que mudou bastante. Eu acredito”.
(M3)
Essa falta de informação sobre as normas técnicas pode ser reflexo da falta de
capacitação desses profissionais para estarem exercendo seu trabalho. A falta de
conhecimento sobre o histórico das lutas por um sistema de saúde que atenda à
necessidade da população pode ter se dado por uma falha na formação profissional
(cursos técnicos ou superiores). Macinko e outros (2007b) também reconhecem a
necessidade de recursos humanos apropriados e de mecanismos de participação
ativa como elementos essenciais para o estabelecimento de um sistema de saúde
baseado na atenção primária (assim como é o PSF).
Essa falha deveria ter sido sanada através de uma capacitação por cursos básicos
que levem o tema em consideração, quando da entrada no serviço ou quando houve
a mudança normativa do modelo a ser seguido. Essa capacitação é muito
importante por preparar o profissional para atuar resolutivamente de acordo com as
novas regras estabelecidas, mas nem todos a receberam. Então vejamos:
“Informação! Informação! Primeiro eu acho que todo mundo teria que saber
o que é trabalhar em equipe, o que é o PSF [...]”. (M7)
97
“[...] eu fui chamada depois e eu não tive esse treinamento. Esse
treinamento ficou de acontecer e até agora não aconteceu [...]. Eu pulei
aqui de pára-quedas”. (M2)
“Eu acho que faltou força política de continuar sempre na filosofia, faltou
capacitação das pessoas que estavam ingressando, [...] as primeiras
pessoas que ingressaram aqui tiveram. As que estão ingressando depois,
não [...]”. (I5)
Alguns não receberam a capacitação quando da entrada no serviço e muitos
daqueles que a receberam o conseguem associar teoria e prática. Não vêem na
prática do PSF a correspondência teórica do que viram no curso e, com isso, não
conseguem ainda se sensibilizar para o trabalho:
“Nós tivemos um treinamento [...], que a prefeitura deu. falou [...] sobre
equipes, teve várias dinâmicas de grupo, né? Falou sobre PSF, mostrou o
PSF lá no Rio Grande do Sul. Deram exemplos e muita coisa que foi falada
lá não acontece”. (M1)
“[...] eqüidade, facilidade de acesso, referência e contra-referência. Tudo
isso é uma coisa muito antiga. que as pessoas não se sensibilizaram
ainda”. (M3)
“Nada! Fiz capacitação nenhuma, nenhuma, nenhuma [...]”. (I7)
“Na verdade o que foi dito no curso eu sinceramente vejo pouco.
Entendeu? Porque o modelo que eles passam, eu vejo assim, que o
modelo, ele teoricamente é bom, mas ele nunca foi posto em prática!”. (I3)
Além disso, problemas com a população, que parece não entender as mudanças
propostas.
“A gente fala, às vezes a gente fala que precisa capacitar a população
também (risos), pra eles entenderem na verdade. Porque muitos o
entendem o que é o PSF. Então eles fazem assim uma confusão, né.
Porque eles acham que trabalhar com consulta agendada é marcar o dia
que vai ficar doente!” (I3)
A mudança que se propõe ao modelo de atenção básica à saúde esbarra em uma
grande dificuldade a ser vencida. a necessidade de profissionais com
conhecimento, habilidades e atitudes que, muitas vezes, não foram enfatizadas em
sua formação sica, tais como: o trabalho em equipe, competências
compartilhadas, como dos referentes à formação baseada na superespecialização,
desarticulação entre ensino e serviço (especialmente na atenção primária) e ênfase
no modelo biológico, como discutido em GESTÃO... (2007) e por Moysés (2005) e
por Lefevre e Cornetta (2004).
98
Nesse contexto, tem-se buscado a integralidade, princípio básico do SUS, que muito
se relaciona ao PSF. É importante lembrarmos que o sentido de integralidade o é
consenso, no âmbito da saúde. Assim, cada um deve explicar que uso faz da
palavra (NARVAI, 2005). Pode significar a visão do usuário em toda sua
complexidade e não somente em relação aos aspectos saúde/doença. Pode
significar também o cuidado oferecido em todos os níveis de complexidade, desde
uma ação educativa até internações hospitalares e cirurgias de alta complexidade.
Um terceiro uso do termo integralidade refere-se à visão holística da saúde, que não
se relaciona apenas a ações internas do setor, mas muito também com as questões
que envolvem condições de vida e bem-estar, como habitação, saneamento básico
e condições de trabalho e educação.
O conceito de integralidade tem muito a ver com o conceito de saúde, pois esta o
é a ausência de doença. Relaciona-se a muito mais que isso e os depoimentos
comprovam a pluralidade de significados que o termo integralidade possui:
“Então eu entendo essa integralidade na saúde dessa forma. Você
trabalhar não só a doença ali, o sintoma, o sinal dela, mas as causas e
buscar parceiro, né. Não adianta você tratar as causas. E não tá na
saúde o problema. Tá lá na educação, lá no processo cultural. Às vezes até
a gente não respeita a mesma cultura de outras pessoas [...]. Uma visão
mais inteira da pessoa”. (I5)
“Integralidade, eu vejo um completo. É lógico que seria assim você ter a
base do clínico, do especialista, da cirurgia e do pós-cirúrgico”. (I6)
[...] eu acho que o integral é tudo, você ter direito a tudo, a médico, a
remédio, a hospital, tudo. Não é parar aqui, parar aqui e não poder
resolver mais nada! E o SUS tá aquém disso, tá longe, né [...]”. (M4)
Nesse sentido, para que a integralidade seja alcançada em suas várias facetas, os
diversos poderes governamentais devem unir forças aos profissionais envolvidos
direta ou indiretamente no trabalho em saúde. Dessa forma, saber o que é integral e
reconhecer o lugar de cada sujeito na trama que envolve sua construção é de
fundamental importância. De acordo com os entrevistados, o conceito de
integralidade relaciona-se intimamente ao trabalho em equipe. As seguintes falas
confirmam:
“Integralidade é como se fosse uma equipe, todo mundo ter um mesmo
pensamento, né. Um objetivo só, dentro de uma equipe, seja o tamanho
que for. [...] Que às vezes assim não acontece, cada um pensa de um jeito,
99
aquela confusão toda e ninguém se entende. Eu acho que
integralidade está por aí”. (M1)
“[...] então essa integralidade nas várias éhhh instâncias de complexidade
de serviço não ocorre, né. Então a integralidade o só de um serviço para
o outro, mas também dentro da própria equipe, ela é importante pra que
esse processo tenha sucesso”. (M3)
Os profissionais sentem que não ocorre integralidade, principalmente quando
aparece em relação aos vários níveis de complexidade das ações de saúde. De
acordo com dados da SEMUS, a cobertura populacional do PSF é de 63,16% em
Vitória
22
, porém, quando é necessário um serviço de média ou alta complexidade,
em que deveria haver a referência garantida, os trabalhadores sentem as
dificuldades em garantir o serviço.
“[...] mas enquanto nós dependermos, por exemplo, de encaminhar aquilo
que não compete mais à unidade de saúde, encaminhar pro hospital [...]
fica mais difícil essa resolutividade”. (M3)
“[...] eu acho que a saúde básica indo muito bem obrigado. [...] agora o
foco vai ter que ser a média e alta complexidade, aqui”. (I7)
“[...] os Centros de Especialidades, né, eles abriram, que pouco pra
demanda que é muito grande, né [...]”. (M1)
Falando em integralidade, logo se pensa na complexidade e multifatorialidade que
envolve a saúde de um indivíduo. Pensar a saúde requer conhecimento sobre o
corpo humano em sua totalidade e funcionalidade e, também, sobre toda a influência
externa que ele pode sofrer, questões ambientais, emocionais, etc. Com o avançar
da ciência, a disciplinarização tem sido cada vez maior, buscada como tentativa de
aprofundar o conhecimento sobre objetos cada vez menores.
O ensino médico, não apenas os cursos de medicina, mas todos aqueles que
formam profissionais atuantes na área da saúde, como enfermeiros, farmacêuticos,
cirurgiões-dentistas e cnicos, dentre outros, tem se baseado nesse modelo de
disciplinarização, com divisão do conhecimento. Nada mal, quando se pensa no
avanço que o esforço concentrado sobre um único assunto pode produzir de
inovação e avanço. Mas quando se pensa que o ser humano, objeto e meta desses
estudos, não é formado apenas por um braço, um músculo ou uma sinapse nervosa,
mas sim por um conjunto de órgãos em interação entre si e destes com o exterior,
22
Cobertura em abril de 2007. Dado fornecido pela SEMUS.
100
pensar um profissional especialista não se adequa ao cuidado integral que se
pretende oferecer com a mudança de modelo de atendimento à saúde no Brasil.
Assim, caminhos devem ser buscados. Um deles inclui a compreensão ampliada de
determinantes do processo saúde-doença. Um outro caminho, interligado a este, é a
constituição de equipes multiprofissionais e interdisciplinares, sendo esta opção
mais exeqüível do que tentar criar superprofissionais de saúde, capazes de atender
a todas as necessidades da população (MOYSÉS, 2005). Para trabalhar com
promoção de saúde, é pré-requisito fundamental que este trabalhador tenha uma
visão ampliada do entorno que se relaciona com a área da saúde; o que se pretende
é um “especialista da saúde com visão generalista” (LEFEVRE; CORNETTA, 2004).
Sabendo da limitação de um único profissional para atender às necessidades de
saúde de cada indivíduo e sabendo da impossibilidade e da inviabilidade de tornar
esse profissional sabedor e fazedor de todas as coisas, é que se propõe o trabalho
em equipe para o PSF. Sendo este o modelo proposto para a reorganização da
atenção básica à saúde no Brasil, o trabalho que passará a ser desenvolvido por
cada um dos profissionais envolvidos individualmente e em conjunto é o que fará a
diferença entre essa proposta de atenção à saúde e outras oferecidas e que não
deram certo.
Quando a saúde da família foi lançada, em 1994, surgiu como ampliação do então
Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), o qual contava com o
trabalho de agentes comunitários de saúde e enfermeiros. Esse novo modelo, o
então PSF, sugeriu que as equipes de trabalho passariam então a contar não
com os que formavam o PACS, mas também com médicos e auxiliares/técnicos de
enfermagem. Sendo assim, o PSF se mostra como modelo a reorientar a mudança
de práticas na atenção básica brasileira, seguindo a mesma linha do SUS, como um
dos entrevistados bem lembrou:
“[...] então se eu não tô fazendo o PSF direito, eu quebrando algum
princípio do SUS!” (I6)
Do ponto de vista de ampliação das ações ofertadas à população, esse aumento no
número de profissionais significou grande avanço. Contudo, quando se fala do
atendimento integral as todas as necessidades de saúde da população, a saúde
101
bucal ainda era excluída. Alguns serviços contavam com a saúde bucal, mas até
então sem a inserção dela na saúde da família. Isto é, seus trabalhadores ainda
tinham como processo de trabalho institucionalmente dado o modelo tradicional,
centrado no atendimento curativo individual.
Com a expansão da saúde da família, muitas unidades passaram a abrigar equipes
de saúde da família no mesmo espaço em que atuavam trabalhadores da saúde
bucal guiados pelo modelo tradicional, curativo, flexneriano. E isso mostrava,
naquele momento, o quanto as modificações planejadas em relação à prática
médica e de enfermagem não dariam conta do modelo de atenção integral. Somente
em 2000 é que as primeiras equipes de saúde bucal foram inseridas na saúde da
família, e assim esse sentido de integral de então ser buscado com os
instrumentos adequados. A importância da inserção da saúde bucal na estratégia
está explicitada na fala de um dos entrevistados:
“[...] que a gente cuida da família, a gente tem que cuidar tudo! Né? A
gente não pegando aquela família pra gente? Então a gente tem que
pegar a boca também! [...]”. (M6)
Partindo desse pano de fundo é que se inicia a discussão sobre a inserção da saúde
bucal no PSF. Os trabalhadores envolvidos diretamente nesse processo têm muito a
contribuir ao debate teórico até aqui delineado.
7.3 A SAÚDE BUCAL NA SAÚDE DA FAMÍLIA
O modelo de reorientação das práticas na atenção básica em saúde no Brasil, o
PSF, trouxe como eixo estruturante o trabalho em equipe, tanto em seu modelo
incipiente, o PACS (enfermeiros e ACS), quanto no PSF, o qual incluiu a
participação de médicos e de técnicos/auxiliares de enfermagem, a partir de 1994. A
inserção da saúde bucal na saúde da família não se deu no mesmo momento de sua
“fundação”. Foi somente a partir de 2000 que as prefeituras municipais começaram a
receber incentivos para que inserissem a saúde bucal na estratégia ou adequassem
os serviços já oferecidos em saúde bucal a essa nova proposta de cuidado à saúde.
Na visão de alguns profissionais, a inserção da saúde bucal no PSF deveria ter se
dado desde o início e que, por isso, estaria atrasada em relação aos avanços
102
conseguidos por outras áreas. Consideram também que a falta da saúde bucal
desde o planejamento inicial da saúde da família era reflexo da divisão saúde e
saúde bucal, como se a saúde bucal não fizesse parte do todo complexo que é
saúde ou que não tivesse relação direta com ela, caracterizado nas seguintes falas:
“Ela conseguiu entrar na equipe, atrasada, mas conseguiu. Ela correndo
atrás ainda, mas correndo. Entendeu? Eu acho que teve um avanço,
lógico! Mas a gente sempre quer que isso seja melhor, né. [...] mudou, eu
acho que até mesmo a visão dos profissionais da equipe, que aí sim
descobriram que o paciente tem uma boca, essa boca leva doença pro
corpo!”. (M2)
“[...] se a gente tá prevenindo, como que a gente vai prevenir uma doença
sem o dentista? Eu acho que não tem como [...]”. (I1)
Apesar de a saúde bucal fazer parte oficialmente dessa estratégia há sete anos e ter
sido implementada no município de Vitória aproximadamente dois anos e meio
23
,
muitos ainda não conseguiram definir a relação normativa de seus profissionais
dentro da equipe, assim como de outras categorias profissionais excluídas da equipe
mínima inicialmente constituída, mostrando uma falta de consenso e despreparo dos
profissionais para estarem embasando a relação interdisciplinar que deveria advir da
participação das demais áreas.
“[...] eu não saberia nem te dizer se hoje o, a odontologia, o serviço social,
a psicologia são partes da equipe ou se são considerados como equipe de
apoio, eu não sei como está, tá, eu não sei [...]”. (M3)
“Eles vieram somar. Tanto a atendente como a doutora mesmo, que é a
dentista, onde elas iam lá, orientavam. Então eu acho que [...] eles já
deveriam desde o início. Não tá, eles chegaram depois, realmente pra
somar, entendeu?” (M6)
Se por um lado esses depoimentos demonstram claramente que, na maioria das
vezes, os profissionais não sabem se a saúde bucal faz parte oficialmente da equipe
de saúde da família ou se é equipe de “apoio”, isso também demonstra que as
normas e diretrizes servem apenas para guiar, dar uma direção, mas não são
garantia de cumprimento das ações. Contudo, o reconhecimento da importância
da saúde bucal para a atenção integral em saúde, como mais uma parte pra somar
esforços.
23
Na época da coleta de dados.
103
“[...] na minha visão todos são muito importantes na equipe, porque as
queixas dos nossos pacientes são variadas. Não pra uma estratégia de
Saúde da Família tratar uma parte, uma queixa e não tratar a outra [...]”.
(M3)
“[...] eu acho que se você não pensar, se você pensar no PSF no geral,
num todo, acho que tem que incluir a odontologia”. (I6)
“Eu acho que saúde bucal acho que era o primeiro que tinha que entrar no
Programa de Saúde da Família. Que hoje tudo, tudo é saúde bucal,
entendeu? Não tem pra onde você correr, tudo você depende disso aí. E
você sabe que é caro, né [...]”. (M6)
Neste ponto, precisamos fazer uma crítica ao modelo que divide os trabalhadores do
PSF em equipe de saúde da família e equipe de saúde bucal. Esse fato pode
contribuir para uma divisão também na prática das ações. É natural que cada área
tenha seus afazeres específicos, de acordo com seu núcleo de atuação, contudo,
esses sujeitos partem de um mesmo campo de saberes (CAMPOS, 2002) e
necessitam assim se reconhecer. Apesar dessa confusão, sobre o que é equipe de
saúde bucal e o que é equipe de saúde da família, os profissionais reconhecem
avanços na inserção da saúde bucal no PSF.
Dentre os progressos citados, está o maior acesso da população às ações de saúde
bucal (reconhecidamente maior para o território da Ilha do Príncipe, onde o menor
número de habitantes por ESB facilita o acesso); a aproximação dos profissionais
com as famílias e a comunidade, em que se passou a avaliar o contexto e as
condições em que vive o usuário como capaz de exercer forte influência em suas
ações e em sua condição de saúde; a (re)integração da saúde bucal à saúde como
um todo; a disponibilidade dos profissionais em buscar formas de atuar mais
resolutivamente e a atenção especial aos grupos prioritários, como os de
hipertensos e diabéticos; como evidenciado nas seguintes falas:
“Ah, eu acho que melhoria no serviço, melhoria na condição de vida das
pessoas, [...] aqui, eu acho que o acesso melhorou 100%, 100%. Éhhh,
acho que profissionais com mentalidades abertas pra situação, pra
discussão, pra ´vamo lá, vamo correr atrás, vamo fazer, vamo acontecer`,
né. Principalmente disponibilidade das pessoas, né”. (I6)
“[...] mudou, eu acho que até mesmo a visão dos profissionais da equipe,
que sim descobriram que o paciente tem uma boca, essa boca leva
doença pro corpo (risos), né! [...] a gente teve a oportunidade de conhecer
a realidade do paciente. Porque ele não está escovando o dente, porque
que ele está cheio de cárie”. (M2)
104
“[...] em vista do que eu vi antes pro que eu vendo hoje, eu acho que
melhorou, . Não vou dizer pra você que 100%, mas vamos botar o
que, uns 50%, entendeu?”. (M6)
“Principalmente com os pacientes diabéticos e hipertensos [...]. Melhorou
muito, muito mesmo [...]”. (M7)
Ao avaliarmos a saúde bucal no PSF, observamos também suas dificuldades e
limitações. Principalmente na USF Maruípe poucos profissionais para atender a
tamanha demanda reprimida, produzida em tantos anos de acessibilidade à saúde
bucal escassa ou ausente, o que dificulta a mudança no modelo de atuação, como
relatado por alguns entrevistados:
“[...] inserir é fácil. Eles não jogam? A saúde bucal se inseriu sim! Agora se
ela dá conta é outra história”. (M7)
“[...] só sei que nossa equipe tem uma dentista e que essa dentista não
conta do trabalho dela, porque a demanda é muito grande e que ela não
conta de ir lá pra fora[...]”. (M5)
“Não dá conta! Ela vai ficar anos! Ela não dá conta! Número! O que
atrapalha é o número. Tem que trabalhar com uma margem de lucro baixa.
Senão não dá certo. Aliás, não dá certo. E isso, assim, angustia todo
mundo [...]. A equipe fica angustiada, o paciente não entende, ele acha que
o profissional tem que atender até dez da noite pra fazer tudo”. (M7)
“[...] o dentista realmente quase não vai fazer visita domiciliar, em campo.
Não vai porque tem que tá ali atendendo. Tem que ter produção”. (M1)
No município de Vitória o THD trabalha coordenando o Projeto Sorria Vitória
(MUSSO, 2007) e esse projeto municipal tem muito a contribuir para o indicador da
saúde bucal no Pacto da Atenção Básica. Porém, essa ampliação ou sobreposição
de funções pode estar sobrecarregando esses profissionais, ainda mais que o
número de profissionais desta categoria é menor do que o de ESBs. Algumas falas
nos confirmam tal hipótese:
“Aí eles exigem também o trabalho nas escolas, né, junto do Sorria Vitória
e tem uma Técnica de Higiene Dental, né. E ela que faz o trabalho nas
escolas. Então fica muita coisa pra uma pessoa só. Também teria que ter
mais, né, profissional, tipo técnico, pra poder tá trabalhando mais”. (M1)
“[...] a THD, ela é muito absorvida com o programa Sorria Vitória, que é o
programa nas escolas. Então ela é absorvida praticamente por esse
programa. E o PSF, que ela poderia fazer visitas domiciliares, que ela
poderia fazer palestras educativas, ela poderia ficar, ter um equipo pra ela.
Ela não é aproveitada nesse sentido. Não é”. (M2)
105
Além disso, apareceram dificuldades relacionadas à população. Foram relatados
muitos casos de falta ao atendimento odontológico agendado, assim como
observado por Araújo e Dimestein (2006). Tal dificuldade pode ser percebida nas
seguintes falas:
“[...] as pessoas não vêm! Não vêm! Você marca e elas não vêm. A gente
resolveu o problema do acesso aqui, aqui não tem problema de acesso pro
dentista [...]”. (I5).
“Assim, nós chamamos, né, mas vieram 30%. Pois é, muito pouco. Porque
usuário, ele tende um pouco a reclamar mais. Eles querem reclamar! Mas
se você acesso, eles vêm um dia e depois não vem mais, somem.
Entendeu? O negócio é ´ah, é porque eu não consigo`”. (M4)
Existiram outras dificuldades na organização dos serviços. O PSF, ao mesmo tempo
busca aproximação com a comunidade em seu contexto de vida, restringe seu
horário de trabalho ao período diurno. No caso da saúde bucal, isso tem grande
importância, que quando não universalidade no acesso, as “vagas” são
distribuídas conforme a presença em atividades de educação em saúde. E este
ponto também nos faz pensar se essas ações, atuando de forma “casada” e sendo
obrigatórias, não deixariam de exercer seu papel promotor de saúde bucal e
pareçam apenas um meio de se chegar ao atendimento clínico da doença
estabelecida. Além disso, adscrição de determinada população à certa equipe se
prejudicada quando existe uma constante mudança de endereço dentro da mesma
área e também para fora dela. Todas essas dificuldades estão relatadas nas
seguintes falas:
“[...] agora o atendimento foi prolongado até a noite um pouco. Então a
THD, ela às vezes tem marcado reunião pra noite pras pessoas que
trabalham [...]”. (M6)
“[...] mudou um pouquinho, muda a microárea, muda o médico,
muda o dentista de referência. Entendeu? E eles não querem, eles já
acostumaram [...]”. (I5)
“Então éhhh quando a gente começa a trabalhar aquilo na cabeça da
pessoa a pessoa vai embora e aí vem outra nova [...]”. (M1)
“pra atendimento dentário [...] A pessoa tem que doente. Ou você tem
que ser hipertenso ou você tem que ser diabético ou você tem que
grávida pra conseguir entrar no tratamento, né, a pessoa normal. Pra Sorria
Vitória não, ela vem pelo Sorria Vitória. Agora isso é uma saúde? Isso é,
vamos dizer, que saúde é essa? Você tem que doente pra entrando
no tratamento”. (M4)
106
Outro ponto observado foi a falta de receptividade por parte da população às ações
que visam promover a saúde. Essa é uma questão que leva tempo. Por muitos anos,
os usuários estiveram recebendo a atenção pautada num modelo centrado na cura
da doença, utilizando, na maioria das vezes, tecnologias duras como principal forma
de atuação. Esse fato pode explicar em parte o fato de ocorrerem situações como a
descrita a seguir:
“Por exemplo, marca palestra aqui, se for aqui, eles quase não vêm. Então
a gente teria que ir lá. Eles não gostam de palestra, eles não gostam, os
pacientes. Os usuários não gostam de palestra, eles gostam de ser
atendido. Então teria que ser um trabalho assim mais forte em cima disso,
né”. (M1)
Outras dificuldades são aquelas relacionadas à instituição, tais como o fornecimento
de condições físicas e gerenciais para que os trabalhadores atuem de forma a
atender às necessidades da população. Tais questões foram levantadas pelos
sujeitos da pesquisa, ao se darem conta de que muitas vezes não recebem as
condições mínimas para buscar expandir suas ações e modificar seu modelo de
atuação, incluindo a falta de espaço físico adequado, fato também observado in
loco:
“[...] esbarra em política, esbarra em condição de trabalho, que quebrou e
ninguém vem consertar, éhhh, éhhh, essa não cobrança, de deixar solto,
deixa correr, éhhh essa comparação de profissional com profissional [...]”.
(I6)
“Se tivesse aquele odontomóvel que eles falaram que teria, seria bom, .
Tem paciente que a gente faria até em casa o atendimento, a doutora faria.
Não tem!”. (I4)
“[...] a falta de material, né, pra gente trabalhando melhor. Eu acho.
Assim, um auditório melhor”. (M4)
A falta de condições físicas se alia à manutenção do modo de atuação da saúde
bucal (ou aqui poderíamos dizer Odontologia?) pautada no modelo flexneriano,
privilegiando a especialização, o tratamento da doença estabelecida e tendo como
figura central o cirurgião-dentista. Tal modelo foi encontrado por Pereira, Pereira e
Assis (2003), ao investigarem a prática odontológica em Unidades sicas de
Saúde. A fala a seguir exemplifica bem essa realidade:
“Eu acho que o único problema maior talvez seja esse, a expectativa de
que vai ter um dentista se vai, né, cuidar de tudo, e quando eles vêm, na
verdade, você continua fazendo as mesmas coisas [...]. Acho que o que
107
dificulta mesmo é essa questão que acostumado com o tradicional e
continuar fazendo”. (I5)
Tal cenário também foi encontrado por Gansalves (2005), ao observar que o objeto
do trabalho do dentista está direcionado à produção de atos clínicos, baseado em
problemas individuais. Ainda no PSF, encontramos, de um lado, a teoria que prega a
reorientação das práticas para a apreensão de seu objeto em sua dimensão coletiva
e, de outro, a cristalização da prática hegemônica.
O cenário mais comum de trabalho da odontologia tem sido o consultório
odontológico. O fato de quase todos os procedimentos realizados pelos profissionais
envolvidos serem invasivos, isto é, m contato íntimo com tecidos orais, provocou
que, historicamente, o cirurgião-dentista buscasse trabalhar num certo isolamento,
onde é ele quem decide como será seu trabalho (PEREIRA; PEREIRA; ASSIS,
2003). Segundo Franco e Merhy (2006), esse modelo assistencial é definido como
“procedimento-centrado”, bem diferente do trabalho em saúde que se paute pela
defesa da vida individual e coletiva, com grande importância de aspectos como
acolhimento e vínculo com o usuário.
Na odontologia o cenário ainda se apresenta como “dente-centrado” e “cirurgião-
dentista-centrado”. Contudo, quando buscamos ações da saúde bucal, não devemos
nos limitar ao tratamento curativo, realizado na “cadeira odontológica”, centrado na
figura do cirurgião dentista. A inserção da saúde bucal no PSF inaugurou
oficialmente a idéia que vinha sendo debatida e estimulada: sendo a saúde bucal
componente do cuidado à saúde integral, o cirurgião-dentista deve buscar interagir
com os profissionais que também fazem parte da saúde da família na construção de
planos de ação em comum. Mas isso requer que a relação intersubjetiva
estabelecida entre eles seja pautada na comunicação em cenário livre de relações
de poder e coação. Mas a fala de um entrevistado nos demonstra o contrário:
“[...] é uma hierarquia, né. É o CD, depois vem o THD e o ACD [...]”.
(M4)
A centralidade que a figura do cirurgião dentista exercia historicamente deve dar
lugar ao compartilhamento e à colaboração. Para isso, os processos de trabalho
construídos aentão devem passar por modificações profundas. Normalmente, o
que se via e ainda se no PSF é o trabalho de cirurgiões-dentistas, auxiliares de
108
consultório dentário e, por vezes, de técnicos de higiene dental, acontecendo sobre
o domínio técnico do cirurgião-dentista e sob certa hierarquia.
“[...] É difícil, tá, no começo, porque tem muito dentista que vê o técnico de
higiene dental como uma afronta, como um ´cheguei pra tomar o teu
espaço` [...]”. (M4)
Durante a observação, ficou estabelecido que os cirurgiões-dentistas têm se
dedicado mais às funções técnicas tradicionais, de atendimento individual, com
pequenas participações no atendimento preventivo aos grupo prioritários. A
execução de palestras e marcação destas tem sido mais função dos THDs. Essa
divisão de tarefas é importante para o melhor andamento das ações, mas as THDs
acabam sendo pouco aproveitadas dentro do consultório.
Porém, no PSF tem-se por objetivo a saúde bucal e não a Odontologia tradicional.
Para isso ser alcançado, a relação entre esses profissionais deve ser reconstruída,
dando lugar a uma cooperação técnica e teórica. Não é certo falar que o único que
conta das ações de saúde bucal é o cirurgião-dentista e que elas sejam
possíveis no espaço privado do consultório dentário. Ao incluir a saúde bucal no
PSF, o que se objetiva não é necessariamente a inserção do CD na equipe mínima
e sim articular o trabalho desses profissionais a uma ESB e às atividades
desenvolvidas pelos agentes comunitários de saúde (BRASIL, 2000).
Mesmo diante dessa teoria, pela qual as equipes que deveriam trabalhar sob a ótica
de reorientação do modelo tradicional, buscando a promoção de saúde,
trabalhadores e usuários que acreditam na centralidade hegemônica do cirurgião-
dentista, como demonstrado abaixo:
“[...] o dentista, ninguém faz, ninguém pode ajudar ele a fazer nada, né. Ele
tem que fazer, né, não tem jeito! Não dá conta não! [...]” (M6)
“[...] todo mundo tem essa mentalidade . Porque só o dentista assim
atendendo. Pra eles o dentista estrabalhando se tiver atendendo ali.
De forma geral todo mundo, né, tanto as pessoas da equipe também. Eu
acho que, todos têm essa mentalidade [...]”. (M1)
A centralidade das ações na figura do cirurgião-dentista e no uso de tecnologias
leve-duras e duras (MEHRY et al., 2002) se alia ao fato de que, em determinados
territórios, existe grande número de usuários sob responsabilidade de uma ESB.
109
Esse fato pode influenciar ainda na integração da equipe, que o profissional fica
sobrecarregado, assim como relatam os entrevistados da USF Maruípe:
“Uma das dificuldades que eu falei é exatamente o profissional não ser
exclusivo de uma equipe, né. Ele, ele é responsável por duas ou três
equipes”. (M3)
“[...] ela não é pra nossa equipe. Às vezes ela na nossa reunião e
nego chama ela ´óh, tem outra reunião pra senhora ir`. Ela termina ali e
vai pra outra reunião de outra equipe, entendeu? E é assim [...]”. (M6)
Estabelecemos assim o cenário da inserção da saúde bucal no PSF, onde muito se
avançou em números de equipes inseridas, mas muito se tem a trabalhar, para gerar
qualidade na atuação. Nesse sentido, faz-se imprescindível discutirmos a relação
que os cirurgiões-dentistas estabelecem com os demais profissionais na prática do
serviço em equipe no PSF. Podemos adiantar que ainda pouca integração entre
a saúde bucal e a saúde da família. Isso fica evidenciado na falta de conhecimento
sobre a situação do trabalho desenvolvido pela saúde bucal por sua equipe:
“Eu não tenho visto os avanços não, porque eu não tenho aquele contato
[...]. Não sei nada! sei que nossa equipe tem uma dentista e que essa
dentista não conta do trabalho dela, porque a demanda é muito grande
e que ela não conta de ir lá pra fora [...]. Eu acho que a odontologia, é
assim o que eu vejo, ela trabalha muito assim, individual, sozinha,
entendeu? Ela não tem a participação [...] pra ajudando na [...]
população, você tá integrado, com todo mundo, eu não vejo”. (M5)
Além disso, durante a observação, percebemos que uma falta de preocupação
por parte das equipes em “sentar” e buscar uma atuação mais integrada. Na unidade
de saúde em que há sobrecarga de pacientes em relação ao número de
profissionais, a tentativa de atender à demanda reprimida acaba por desviar a
atenção da necessidade em se investir nessa relação mais aproximada entre as
profissões. na unidade onde se trabalha com um número de pacientes abaixo até
do que é sugerido pelo MS, a alta eficácia técnica parece desmotivar a necessidade
de ações em conjunto.
Dessa forma, passemos ao item seguinte: a relação intersubjetiva estabelecida entre
cirurgiões-dentistas e demais profissionais nas equipes do PSF. Para tanto,
partiremos do pressuposto de que a ação comunicativa é um caminho facilitador do
trabalho em equipe no PSF.
110
7.4 A AÇÃO COMUNICATIVA GUIANDO O TRABALHO NAS EQUIPES DO PSF
O cirurgião-dentista e os demais profissionais específicos da saúde bucal estão
inseridos oficialmente no PSF desde 2000. A partir desta data, o número de ESBs
tem crescido sobremaneira: eram 2.248 ESBs em 2001 e hoje passa de 15.700
equipes implantadas. Com isso, a cobertura populacional tem crescido e hoje se
encontra em 41,2% da população brasileira, isto é, 77.800.000 pessoas, como
demonstrado no Gráfico 2 (BRASIL, 2007b). Visto esse aumento no número de
equipes e, com isso, no acesso, é preciso refletir sobre a questão da qualidade, não
podemos parar na análise quantitativa. Sabemos que é grande o número de equipes
(mesmo que a cobertura esteja ainda aquém do desejado) e que o aumento no
número delas tem sido crescente, contudo, assim como reflete Macinko (2007a), a
qualidade deve acompanhar a ampliação do acesso. Por isso, precisamos conhecer
a realidade do serviço.
Um ponto qualitativo a ser analisado é a intersubjetividade estabelecida entre
cirurgiões-dentistas e demais membros das equipes do PSF. Baseados na ação
comunicativa (HABERMAS, 2003; HABERMAS, 2002), definimos equipe como
aquela em que os integrantes participam colaborando nas ações e conseguem
construir projetos em comum, comunicativamente e independente de terem
diferentes formações. Sendo assim, admitimos falar em equipe quando os
trabalhadores interagem comunicativamente, construindo planos de ação em
comum, que no PSF deve ser a reorientação do modelo de atenção à saúde em sua
esfera básica. Saber o que os sujeitos entendem sobre equipe é fundamental para
Gráfico 3
Evolução da População Coberta por Equipes de Saúde Bucal Implantadas – BRASIL –
2001 - JULHO/2007
Fonte: BRASIL, 2007b.
111
discutir a relação que estabelecem no cotidiano. As falas abaixo demonstram bem
como cada profissional define equipe:
“[...] cada um tem sua função individualizada, mas todos têm que tá
trabalhando em equipe. Porque no momento que um trabalha
individualmente, o trabalho em equipe não anda, porque nós fazemos parte
de uma mesma engrenagem, né. Então eu tenho que colaborar com o
trabalho de todo mundo [...]”. (I7)
“[...] equipe eu vejo assim nessa situação de interdisciplinaridade mesmo
[...]”. (I5)
“[...] tentar todos juntos resolver, ter uma solução, em conjunto. Cada um
com o que sabe fazer, mas todos chegando a um consenso para poder
éhhh dar uma solução. Em relação à saúde da família mesmo”. (M1)
“[...] trabalho em equipe é igual time de futebol: ou você ganha ou você
perde junto. Não interessa então se você se esforçou, vai perder, deu no
mesmo”. (M7)
“Bom, eu penso o seguinte, não só a gente trabalhar na unidade de saúde
com os agentes comunitários, mas também você ter apoio de Igrejas, de
centros comunitários, da pastoral da saúde. Esses que o os
colaboradores que, né, que ajudam a unidade de saúde a cada vez, né, a
crescer mais e também tá ajudando a comunidade, entendeu?” (M6)
“[...] Só que cada equipe, ela tem uma realidade a ser vivida, a ser
vivenciada e é naquela realidade que ela encontra as suas dificuldades, né,
as suas decepções [...]” (M3)
Mas como sabemos que teoria e prática nem sempre se relacionam, precisamos ir
além dos conceitos para compreender o que se na prática das equipes de saúde
da família, isto é, a realidade do serviço. Quando aprofundamos a discussão sobre o
dia-a-dia das equipes, percebemos que se torna difícil colocá-la em prática. Muitos
são os fatores que interferem no trabalho em equipe, tais como rivalidade pessoal,
falta de interesse e responsabilidade no trabalho, falta de preparo e perfil para se
trabalhar em equipe, pouco tempo disponível para reuniões e falta de espaço
adequado para o trabalho; como concluíram alguns entrevistados:
“[...] Não existe humanidade, não existe interesse pelo próximo, não existe
metas a seguir. Existe a minha rixa com você! Existe o meu interesse, você
que se dane. E isso existe. ´Ah, tá no meu horário, não posso mais não! [...]
Não existe interesse. Não existe responsabilidade de trabalho. Então, eu
pedi pra trocar de equipe”. (M7)
“Esse entrosamento eu até acharia que devia ser maior [...]. Se tivesse
mais tempo”. (M2)
“[...] tem o servidor público e tem o funcionário público. Tá? O servidor
público ele ali pra ajudar, pra trabalhar, pra ajudar da melhor forma
112
possível e tem o servidor público, que é aquele que entra, entendeu, ele faz
tudo, ele nega tudo, ele faz questão de te dizer não [...]“. (M4)
“a gente não tem espaço físico [...] porque são sete equipes pra uma
unidade desse tamanho [...] Então não dá, eles não dão condições da
gente trabalhar em equipe mesmo!”. (M5)
Para que as relações intersubjetivas nas equipes de PSF sejam guiadas pela ação
comunicativa, os sujeitos não podem buscar o próprio êxito, como descrito por
alguns entrevistados. Segundo Habermas (2003), os sujeitos somente devem buscar
seus objetivos quando estes harmonizam-se entre si, numa definição compartilhada
de ação. Neste caso, os planos de ação individuais devem harmonizar-se com fins
ilucocionários, isto é, quando o falante deseja que o ouvinte entenda o que ele diz e
o aceite como verdadeiro. Quando a comunicação ocorre com fins ilucocionários, as
ações conseqüentes do ouvinte se dão como obrigação assumida por ele ao
aceitar a oferta o falante, contida no ato e fala. É o consenso comunicativamente
alcançado a partir de uma emissão aceitável que proporciona essa situação.
Outro fator que influencia o trabalho em equipe é a precariedade do vínculo, que
provoca a grande rotatividade dos profissionais. Para Lefevre e Cornetta (2004),
algumas funções para a área da saúde devem ser ocupadas por trabalhadores com
vínculo permanente com a instituição, como os da área de vigilância sanitária e
epidemiológica, por requererem muitos anos de investimento em formação. Nas
equipes pesquisadas, problemas de rotatividade de profissionais, em decorrência
do contrato temporário, como citado a seguir:
“[...] Até porque uma sai de contrato, desestimula! Porque às vezes tem
aquelas pessoas tem mais tempo, estão mais engajadas também.
desestimula um pouco, eu acho. Atrapalha!”. (I3)
“[...] os contratos temporários, ele dificulta até mesmo um planejamento,
né, da equipe. Por outro lado, éhhh, eu me preocupo também quando
todos forem efetivos, porque infelizmente no serviço público, se o
profissional efetivo, ele deixa a desejar, se ele fosse efetivo no serviço
particular, com certeza ele seria dispensado, mesmo sendo efetivo. E no
serviço público, ele entrou, pronto! [...]”. (M3)
A preocupação do entrevistado se refere à falta de comprometimento individual com
o projeto institucional quando o profissional não tem perfil para o trabalho ou se
acomoda na situação estável que o vínculo efetivo traz consigo, fato também por
nós observado. Para que o PSF certo, a partir das equipes multiprofissionais,
113
deve existir uma vontade comum, pois apesar das motivações que levaram cada um
a trabalhar na estratégia, todos devem assumir seus papéis, como questão ética.
Daí é que aparece o papel da gerência, coordenando as ações da equipe,
direcionando o trabalho para as necessidades locais e estimulando o compromisso,
a escuta e a comunicação. Segundo Junqueira e Inojosa (1992), o gerente deve
mediar as relações entre os integrantes da equipe, tendo compromisso com o
serviço pra que possa mobilizar os demais a essa tarefa e precisa ter autonomia pra
realocar esses atores de acordo com desempenho de cada um, que nem todos
podem se sentir responsáveis pelo projeto para sua realização. Essa atuação
será possível em espaços onde flexibilidade organizacional, onde aqueles que
trabalham no serviço e também aqueles que o recebem possam participar da
tomada de decisão.
Segundo os entrevistados, a supervisão tem a função de organizar o serviço,
auxiliando a equipe na resolução de problemas, removendo entraves que se
apresentem à concretização do trabalho em saúde:
“[...] supervisionar é olhar, ver como que tá o andamento, se tá tudo
funcionando, se tudo em ordem. Não é vigiar o. É organizar. E tem
que cobrar”. (M5)
“[...] saber se funcionando, né! Se essa equipe de PSF com algum
problema, se tem algum entrave, como que tá agindo [...]”. (I5)
Porém, foi observado que, apesar das gerências locais estimularem o entrosamento,
principalmente através das reuniões de equipe, há muita cobrança por produtividade
e os sujeitos se sentem incomodados com isso. Percebem nessa relação um
entrave para o trabalho em equipe, pois, na medida em que se trabalha para atender
a números, e somente a eles, cria-se a idéia que a qualidade não seja importante. E
aí, a busca por relações baseadas em comunicação e visando construção de
projetos comuns a todos fica em segundo plano. A importância da quantidade de
procedimentos predomina na cabeça de CDs e gestores (ARAÚJO; DIMESTEIN,
2006), sendo um obstáculo a ser vencido no dia-a-dia-do serviço (PINHEIRO;
BARROS; MATTOS, 2007; PEREIRA; PEREIRA; ASSIS, 2003).
Assim se sentem os entrevistados:
114
“[...] interessa eu fazer trinta consultas, se ele foi orientado, se ele não foi,
se ele foi bem atendido, se não foi. Não interessa! O que interessa é o
número [...] Enquanto existir essa visão de número, não vai existir PSF [...]
O que vale é por cabeça. É igual boi”. (M7)
“[...] eu acho que tá faltando da parte da direção de unindo mais,
entrosando mais, para que possa fluir, né [...]”. (M4)
“[...] esse trabalho em equipe não sendo realizado porque não tem, não
tem supervisão. [...] não tendo essa supervisão, acho que a
produtividade não caiu, mas a qualidade caiu”. (I6)
Os relatos sugerem a necessidade de uma aproximação maior do órgão central e
das equipes. O trabalho tem sido supervisionado localmente por diretores das USFs
e pela figura do enfermeiro, que acaba por assumir o papel de “coordenador” da
equipe, numa relação ainda hierárquica. Para Freitag e Rouanet (1993), para que a
comunicação possa gerar consensos sobre os planos de ação, todos os
profissionais devem tomar parte em pé de igualdade. Os próprios profissionais
sentem a necessidade de responsabilização e consciência de dever de cada um.
Tais questões foram assim relatadas:
“[...] eu acho que faltaria assim uma presença maior do órgão central junto
das equipes, ouvindo mais as equipes, acompanhando, éhhh, avaliando
quais são suas reais necessidades, tentando apoiar, tentando estar do lado
mais das equipes, porque só a coordenação local não é suficiente”. (M3)
[“...] na verdade a supervisão deveria ser feita por todos os profissionais,
mas acaba ficando por conta do enfermeiro, né [...]”. (I7)
Contudo, normalmente os gerentes reconhecem que seu papel no desempenho final
é muito limitado, restringindo-se somente à mobilização dos recursos e das
condições mais adequadas possíveis a seu funcionamento (LEFEVRE; CORNETTA,
2004). Além disso, as equipes multiprofissionais do PSF têm, em sua constituição,
profissionais de vários níveis de escolaridade e aí é sentida uma dificuldade quando
a cobrança deve ser feita para alguém de mesma escolaridade que a do supervisor,
pois os profissionais não têm conseguido atuar despidos das relações de poder
hegemonicamente dadas:
“[...] É mais fácil você chamar a atenção de um nível médio do que um nível
superior, que é a mesma formação sua, mesmo pra ser diretor, é muito
difícil [...]”. (M4)
Uma forma que tem sido usada para estimular o trabalho em equipe são as reuniões
de equipe e as reuniões do Programa de Educação Permanente (PEP). Algumas
115
dificuldades sentidas para a realização das reuniões de equipe são a falta de espaço
(em Maruípe), a falta de pessoal (equipes incompletas, sobrecarregando os
membros), a falta de compromisso e a falta de tempo disponível para tal, algumas
delas evidenciadas nas falas dos seguintes entrevistados:
“[...] nós encontramos muita dificuldade em fazendo reuniões. Vamos
supor, se eu convidar umas pessoas pra fazer uma reunião, eu não tenho
local [...]”. (M6)
“Fazendo reuniões, com conversas, entendeu? Normalmente, ajudam. [...]
ultimamente tá assim com um quadro tão defasado de funcionário, que não
tá tendo nem reunião, entendeu?”. (I3)
o PEP é visto como facilitador do trabalho, onde os diversos profissionais
discutem problemas do cotidiano e buscam soluções em comum. Mas não
enxergam isso como um incentivo específico ao trabalho em equipe, como assim
relatado pelos entrevistados:
“[...] essas reuniões que eu te falei que a gente tem do PEP, não tinha o
[...]. Eu, no meu modo de pensar, eu acho muito boa. Porque é onde senta
todo mundo, cada um passa os problemas [...]”. (M6)
“[...] têm as reuniões do PEP, que também são em equipes, onde a gente
discute problemas relativos à unidade, ao nosso trabalho. É um momento
onde ali a gente pode falar nossos problemas, nossas dificuldades, tentar
solucionar. Mas eu não vejo isso como incentivo ao trabalho em equipe
não”. (M2)
Nas reuniões devem participar todos os profissionais da equipe (ESF e ESB). Assim,
os vários sujeitos partirão de seus campos de competência (CAMPOS, 2002) para a
construção de projetos comuns, que tenham o usuário como objeto. Porém, uma
dificuldade em relacionar a saúde bucal aos demais temas da saúde. É como se os
sujeitos partissem de mundos diferentes para direcionar suas ações, como se a
saúde bucal não se relacionasse à saúde geral, assim como relatado a seguir:
“[...] geralmente a gente vai na reunião e tem pouca coisa pra falar pro
dentista. [...] eles falam mais sobre a parte de saúde dos pacientes, assim
de diabetes”. (M1)
“[...] ´ah, isso não é problema nosso. Deixa isso pra resolver na reunião
administrativa`, entendeu? Então é como se fosse uma coisa à parte.
Assim, quais são os problemas então que envolvem a odonto? Não sei! Eu
fico meio sem saber assim [...]”. (I7)
“Uma integração maior das pessoas que são, que fazem parte dessa
equipe. Acho que falta sentar, falta discutir, falta todo mundo ser, pensar da
mesma forma [...]”. (I5)
116
Esse fato pode ser constatado durante a observação participante em uma das
unidades, onde, durante um encontro do PEP, eram discutidas estratégias para o
atendimento à demanda reprimida de hipertensos e diabéticos. Não foi observada
nenhuma participação da saúde bucal, mostrando falta de iniciativa por parte da
equipe em incluí-la e ela a si própria. Isso pode ser em parte explicado pela
separação disciplinar historicamente construída, mas que deveria ter sido
“abrandada” pelos cursos introdutórios (dos quais nem todos os profissionais
participaram) e também pelo estímulo que a gerência deveria exercer em relação à
escuta e ao consenso cooperativo.
Dessa forma, os profissionais enxergam a necessidade de melhorar a comunicação
estabelecida entre eles, principalmente em relação à saúde bucal, que tem no
cirurgião-dentista sua figura “principal”. Consideram que o fato da gerência da saúde
bucal ser separada da gerência da Atenção sica prejudica a coesão na equipe.
Além disso, a história de individualismo que cerca a figura deste profissional,
comumente “escondido” em seu consultório, onde considera exercer seu papel
definido, acaba por mitificar sua incapacidade para o trabalho em equipe, assim
como sugeriram os entrevistados:
“Na odontologia eu acho que não funciona não. Acho que é cada um
querendo fazer do seu próprio jeito e isso não é equipe [...]” (M4)
“[...] eu não vejo assim muito, é assim, faz parte da equipe, entendeu? Tem
reunião pra todo mundo, todo mundo tá lá! Mas fora disso acabou!”. (M5)
“É um ponto, um ponto falho. Falta uma integração entre a equipe da
odonto e a nossa [...] apesar da gente ter um relacionamento bom, a gente
não tem integração das equipes. Parece que é um outro universo [...]”. (I2)
“Eu acho que às vezes a equipe da odontologia, ela fica um pouco
afastada, por causa de, até por uma questão física, porque fica ali preso,
dentro do, dentro do consultório [...]”. (I7)
No contexto de relações isentas de hierarquia, como se propõe a partir da ação
comunicativa, as características comumente atribuídas à prática dos cirurgiões-
dentistas, a qual normalmente está baseada em relações de poder e no
individualismo, devem deixar de existir. Não é possível haver consenso e a
convergência dos planos de ação em relações baseadas em coação e em formas de
dominação, sejam elas de qual tipo forem.
117
Outro fator que dificulta a integração dos cirurgiões-dentistas aos demais membros
da equipe é a sobrecarga de trabalho, principalmente quando se trabalha com uma
demanda de pacientes muito alta, como no caso da USF Maruípe, onde cada ESB
trabalha com a população de duas ESFs. Dessa forma, sobra pouco tempo para que
a ESB acompanhe e participe dos projetos da USF, junto à ESFs.
Os cirurgiães-dentistas têm um perfil profissional voltado para a clínica, fato este
relacionado à sua formação acadêmica, mas também como resultado da expectativa
da população e da gestão em ampliar o acesso ao atendimento clínico. A saúde
bucal depende não do restabelecimento da saúde, mas também de sua
promoção e prevenção. Se as diretrizes do PSF fossem mesmo cumpridas, teríamos
hoje uma mudança na forma de atuação desses profissionais, que criariam novos
modos de fazer saúde (ARAÚJO; DIMESTEIN, 2006;).
Apesar das modificações pelas quais vêm passando os projetos pedagógicos dos
cursos de graduação em Odontologia, é necessário modificar a prática da educação
relacionando-a à teoria (MATOS; TOMITA, 2004). Para formar profissionais com o
perfil que atenda as necessidades do SUS, os cursos de saúde precisam também
capacitá-los para trabalhar em equipes multiprofissionais, envolvendo profissionais
de uma mesma disciplina (equipe de saúde bucal: THD, ACD e CD), bem como com
os demais profissionais da saúde (MORITA; KRIGER, 2004) e estimulando desde a
formação a relação baseada em comunicação como forma de se construir projetos
comuns.
Contudo, observa-se que as experiências do PSF não têm conseguido mudar as
formas de atuação hegemonicamente dadas (GONSALVES, 2005; PEREIRA;
PEREIRA; ASSIS, 2003; TEIXEIRA, 2006), em relação à centralidade da figura do
cirurgião-dentista, à sua prática baseada num modelo curativo e especializado, em
que esse serviço continua refletindo os interesses na manutenção do modelo político
e econômico centralizador nas ações de saúde (PEREIRA; PEREIRA; ASSIS, 2003;
TEIXEIRA, 2006).
O trabalho em equipe possibilita a troca e a construção de um projeto em comum,
que leve em conta a produção do cuidado dos sujeitos (TEIXEIRA, 2006). As
práticas interdisciplinares mantêm coesos os profissionais de saúde, na medida em
118
que as equipes responsáveis pelas ações e os gestores trabalharem em conjunto,
democratizando as soluções, viabilizando a estratégia e dando qualidade de
atendimento ao usuário e condições de trabalho ao profissional (VIEIRA et al.,
2004).
E aí, chegamos à conclusão de que existem muitos obstáculos para que a
efetivação do trabalho em equipe relacionando cirurgiões-dentistas e demais
profissionais da equipes do PSF. Dentre eles, encontra-se: falta de perfil, falta de
formação e de capacitação, condições de vínculo empregatício precárias, falta de
tempo para os “encontros”, cobrança por produtividade, ausência de uma gerência
que leve em conta as necessidades dos trabalhadores, etc. Algumas dessas
questões estão relacionadas ao sistema formador e outras à instituição.
Não quero aqui diminuir a importância que as instituições formadoras e gestoras têm
nesse processo. Porém, precisamos perceber que muitas “falhas” estão
relacionadas às características e escolhas pessoais. Tudo e todos serão empecilhos
se não houver vontade de mudança. Segundo Teixeira (2006), a saúde bucal é
importante e necessária, desde que inserida num campo comum às várias
profissões. a possibilidade de acordo, no qual o cirurgião-dentista não reproduza
uma prática isolada e passe a atuar numa perspectiva interdisciplinar.
Acrescentamos a isso a responsabilidade que toda a equipe (ESF e ESB) tem em
buscar a superação na dificuldade de comunicação. Os cirurgiães-dentistas têm sim
que buscar seu espaço nessa nova proposta de modelo de atenção básica à saúde,
mas precisam também encontrar receptividade dos demais profissionais. A
transformação da relação intersubjetiva estabelecida na prática dos serviços
envolvendo os cirurgiões-dentistas parte assim da política de saúde e da construção
de uma nova concepção de “saúde bucal”, como descrito por Pereira, Pereira e
Assis (2004).
“[...] eu acho que a gente tem que um pouco pentelho, buscar o nosso
espaço, porque se ela tivesse buscando o espaço, ficaria mais difícil pra
mim falar não! [...] Então é muito fácil eu passar a bola pra eles, entendeu,
pra equipe, a questão da equipe de saúde bucal. Ah, eles não se integram,
mas eu tento integrá-los? Talvez não [...]”. (I7)
“Atrapalha, mas sempre a odontologia está isolada. [...] Sempre! Sempre!
mudou um pouco, mas não mudou tudo. Podia ter mudado muito pra
melhor [...]. Mas têm outros que tentam agregar esses valores, ele tem que
119
com a cabeça melhor, mentalidade mais ampla. Mas a própria equipe
isola a odontologia, a própria equipe”. (I6)
“[...] às vezes é a falta de diálogo. Às vezes, eu acho que a falta de diálogo
e de conversa [...]”. (I2)
Outras questões foram levantadas durante as entrevistas. Notou-se uma angústia
muito grande dos entrevistados, ao perceber que, na prática, os avanços têm sido
mais relacionados ao aumento do acesso do que propriamente relacionados à
qualidade no serviço. Como fator relacionado foi citado a desmotivação em trabalhar
no PSF, tendo mais relação com a possibilidade de aumento no ganho salarial do
que a expectativa em contribuir à mudança de prática. Também foram sugeridos a
ausência de um perfil profissional adequado para atuação nos moldes propostos e a
falta de compromisso com o projeto.
Segundo a Teoria da Ação Comunicativa (HABERMAS, 2003), é preciso haver
comunicação em situação livre de coação e onde os sujeitos busquem a construção
de planos de ação que sejam comuns a todos. A realidade que tem se apresentado
para as equipes do PSF é bastante complexa: falta capacitação ou quando esta
acontece, se dá distante da realidade local; falta de estrutura física, por exemplo,
com espaço adequado para reuniões; equipes incompletas, sobrecarregando os
profissionais; ausência de supervisão quanto à qualidade da prática, ausência de
perfil para atuar em equipe, principalmente dos cirurgiões-dentistas (formação
deficiente). Nesse contexto, fica quase impossível que os profissionais convirjam
suas ações.
Muitos parecem até tentar estimular o compromisso com o objetivo de seus
trabalhos, que é a reorientação do modelo de atenção à saúde básica. Entretanto,
diante de tanta problemática, a comunicação fica paralisada nos modelos
hierárquicos tradicionais e a situação ão visando o consenso parece praticamente
não existir. Segundo Araújo e Rocha (2007), a ação comunicativa e a integração das
práticas são alguns dos elementos essenciais para o trabalho no PSF.
Percebemos durante o estudo que a comunicação nas equipes fica muito restrita a
aspectos externos ao trabalho, como no cumprimento de protocolos. O trabalho em
saúde não pode mais ser cenário de disputa por projetos individuais e divergentes. A
saúde bucal faz parte da saúde geral e suas inter-relações deveriam estar claras
120
para os profissionais. Os diferentes núcleos que se fazem presentes no trabalho das
equipes do PSF constituem o mesmo campo. Isso por si fornece o pano de
fundo que permite e permeia a construção ações comunicativas. Basta haver
comprometimento com o projeto assistencial.
O cenário desse estudo sugere que o que vem ocorrendo é muito mais um processo
de modernização, onde a racionalização e a dissociação ocorridas nos subsistemas
econômico e político são enfatizadas, do que de modernidade cultural, em que se
voltariam para transformações no interior do mundo vivido nas esferas da ciência, da
arte e da moral (HABERMAS, 1982). As leis e normas mostram uma evolução
teórica que não vem sendo acompanhada por uma mudança de pensamento e
prática.
121
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
É muito mais fácil reconhecer o erro do
que encontrar a verdade. O erro es
na superfície e, por isso, é fácil
erradicá-lo. A verdade repousa no
fundo e não é qualquer um que
consegue chegar até ela.
Goethe
Os melhores reformistas do mundo
são os que começaram por reformar-
se.
Bernard Shaw
A apreensão da realidade é transitória. Por isso, não temos a pretensão de concluir
idéias sobre o fenômeno estudado como se fosse algo acabado. A proposta foi
estudar as relações intersubjetivas estabelecidas entre os cirurgiões-dentistas e o
demais profissionais integrantes das equipes do PSF, como se mostrou na prática
do serviço, e as considerações que fizemos sobre o fenômeno poderão ser
sobrepujadas por outros estudos.
Escolhemos para tanto uma combinação de instrumentos de coleta de dados que
facilitassem que chegássemos ao objetivo. Muitas vezes é necessária a combinação
de técnicas de pesquisa para dar conta do objeto. Sentimos na prática que os
objetos têm muito de seus pesquisadores e que essa íntima relação facilita a
interação com os sujeitos pesquisados e com a análise dos dados construídos.
A partir dessa pesquisa empírica, reafirmamos que a mudança nos modelos de
atuação em saúde passa além das determinações institucionais, de normas e
protocolos. Esses documentos servem apenas para direcionar a reorganização, mas
é na prática que a luta deverá ser travada. Daí que o estudo sobre a realidade que
vêm vivendo os cirurgiões-dentistas nessa nova estratégia tem muito a contribuir
para a correção das distorções que fossem encontradas.
122
Consideramos a inserção da saúde bucal no PSF um avanço, principalmente
relacionado à melhoria do acesso e à possibilidade de mudança da prática em
saúde bucal. A estratégia requer a interação e a participação de todos os
profissionais das equipes para seja realmente colocada em prática. Não pode haver
independência de projetos: a saúde bucal e a saúde geral; o projeto é um só: a
usuário em seu contexto. Todos os núcleos têm muito a contribuir, em seu campo de
intercessões. Os profissionais precisam enxergar essa questão e partir para a
construção de planos de ação que sejam comuns, através da Ação Comunicativa.
Vimos muitos empecilhos à construção de relações comunicativas, envolvendo os
cirurgiões-dentistas no trabalho em equipe. Sua falta de preparo para atuar em
equipes multiprofissionais, nas quais a hierarquia das relações deve ser substituída
pela escuta e pelo compromisso com o serviço, o pano de fundo que prejudica a
interação com os demais profissionais.
A formação dos cirurgiões-dentistas, baseada num modelo que centraliza as ações
em saúde bucal em suas mãos, privilegiando o tratamento da doença instalada e o
seu aspecto biológico, ainda influencia sobremaneira a forma como as ESB
trabalham dentro do PSF. É necessária então a superação deste modelo, não
nas escolas de formação profissional, mas também por parte daqueles que se
encontram em atividade. Através de uma relação linguisticamente mediada, é
possível estabelecer a colaboração no projeto assistencial comum.
Além disso, estiveram relacionados a essa dificuldade na construção de projetos
comuns o pequeno apoio institucional e a ausência de uma relação gerencial de
escuta aos profissionais, em que a comunicação também se apresentou truncada.
Os trabalhadores são vistos mais como meios para a obtenção de melhores
resultados do que como um fim em si mesmo. O número de procedimentos tem sido
muito enfatizado pelos gestores, sendo um obstáculo a ser vencido no dia-a-dia-do
serviço.
Devemos reforçar os movimentos que procuram redefinir o papel dos profissionais e
dos serviços de saúde. Para que o sistema público de saúde seja organizado, a
dependência de um razoável equilíbrio dialético entre autonomia e responsabilidade
dos trabalhadores de saúde. Conflitos e tensão permanentes devem ser canalizados
123
para soluções criativas e para a solução de velhos e resistentes impasses dos
serviços públicos. O discurso, isto é, quando a ação comunicativa fluida e perfeita é
interrompida para procura de argumentos que justifiquem as pretensões de validez,
deve dar lugar a ações com fins ilucocionários, onde há apenas a busca pelo
entendimento.
Assim, o estímulo à gestão democrática, juntamente com a instituição de
mecanismos de controle social e avaliação e da atribuição clara e transparente de
responsabilidades aparece como caminho viável. que se buscar caminhos
inovadores e aperfeiçoar as práticas de administração do trabalho nos serviços de
saúde, superando os entraves e as limitações historicamente construídos.
O sucesso de uma organização depende, em maior ou menor grau, do empenho de
cada um de seus integrantes. Dessa forma, mesmo com tantos fatores que contam
contra a comunicação na relação intersubjetiva entre os diversos atores, uma
saída, que é buscar a construção de sujeitos sociais com projetos em permanente
conflito e negociação; apostando na constituição de serviços públicos como espaços
de disputa, que sejam capazes de favorecer a progressiva constituição de usuários e
de profissionais de saúde com competência para o agir autônomo e solidário.
Além da capacidade que cada sujeito tem de modificar a realidade e lutar pelas
causas nas quais acredita, urge uma ação altamente concentrada para o
desenvolvimento dos trabalhadores em saúde, contribuindo pelo menos numa das
grandes tarefas básicas que sustentará o programa: a capacitação dos profissionais
do PSF. As distorções de perfil e de incapacidade para lidar em equipe podem ser
corrigidas se houver uma preparação dos sujeitos para a realidade concreta.
A capacitação inicial para o trabalho no PSF foi somente oferecida às primeiras
equipes. Revela uma falha no planejamento da inserção dos profissionais e a falta
de atenção à possibilidade de distorções quanto ao conhecimento que os
profissionais teriam sobre a trajetória da estratégia, os objetivos de sua inserção, o
papel a ser exercido pelos atores e do perfil necessário para atuar nesse modelo,
um especialista com visão generalista.
124
Para remodelar a assistência à saúde, o PSF deve modificar os processos de
trabalho, fazendo-os operar "tecnologias leves dependentes", mesmo que para a
produção do cuidado seja necessário o uso das outras tecnologias e também as
relações intersubjetivas estabelecidas entre os diversos sujeitos. Consideramos
necessários recursos humanos apropriados e mecanismos de participação ativa
como elementos essenciais para o estabelecimento de um sistema de saúde
baseado na atenção primária (assim como é o PSF).
O PSF tem sido o modelo de reorganização da atenção básica, que tem evoluído na
incorporação de novas práticas profissionais, contudo ainda sofre mudanças
incrementais. Os principais obstáculos têm sido: a referência pouco estruturada, o
que dificulta a caracterização do PSF como porta de entrada do sistema; a
inadequada substituição das práticas tradicionais, com articulação entre as
atividades clínicas e de saúde coletiva impróprias; e a dificuldade na incorporação
de profissionais relativos à inserção e o desenvolvimento de recursos humanos,
assim como observamos durante nosso estudo.
Os cursos de graduação em Odontologia vêm passando por modificações em seus
projetos pedagógicos, mas ainda é preciso relacionar mais a teoria à prática, para
profissionais com o perfil que atenda as necessidades do SUS. Assim, os cursos de
saúde precisam também capacitá-los para trabalhar em equipes multiprofissionais,
envolvendo profissionais de uma mesma disciplina (equipe de saúde bucal: THD,
ACD e CD), bem como com os demais profissionais da saúde e estimulando desde
a formação a relação baseada em comunicação como forma de se construir projetos
comuns. Assim, estimular-se-ia um processo de mudança mais próximo da
modernidade cultural sugerida por Habermas (1987).
Portanto, as relações que envolvem o trabalho em equipe no PSF são bastante
complexas. Percebemos pequenos sinais de mudança. Quando os profissionais
conseguem enxergar a realidade envolvendo também o seu papel individual, suas
falhas e seus avanços, um grande passo está dado. Mas é preciso ir além, partir
para a mudança da realidade.
Analisamos que é preciso haver mínimas condições de trabalho para que os
profissionais se sintam motivados a lutar pelo projeto de reorganização de suas
125
práticas, fundamental à consolidação do PSF como modelo de prática na atenção
básica. Muitos são os entraves a serem superados. Por isso é preciso contar com
atores comprometidos com a construção de um projeto em comum, que tenha por
foco o usuário, em sua dimensão individual e coletiva.
Ao final desta análise, sentimos que alguns aspectos deixaram de ser mais
aprofundados, como é normal acontecer em qualquer pesquisa. Nenhum estudo
será suficiente para abarcar a realidade em sua complexidade. Se apenas um
recorte dela. Assim, pontos relacionados principalmente em relação à gestão do
trabalho em saúde deveriam ser mais bem esclarecidos por outros estudos.
Outro ponto pouco abordado aqui foi o processo de trabalho que cada um
desenvolve dentro do PSF. Como nosso objetivo era esclarecer as relações
intersubjetivas no trabalho em equipe entre os cirurgiões-dentistas e os demais
profissionais do PSF, outros tantos fatores de influência sobre essa questão podem
não ter sido discutidos.
Como sugestões para a modificação das situações desveladas, ficam: a importância
da educação permanente; o apoio às equipes, num processo de co-
responsabilização e integração das práticas; o fortalecimento da gestão participativa
e comunicativa; a busca por pontos de convergência dos diferentes saberes e
práticas, na tentativa de diminuir a fragmentação das equipes.
E fica a provocação de que a proposta de trabalho em equipes multiprofissionais
cumprirá seu objetivo se os diversos sujeitos assumirem de fato seus papéis e
atuarem comunicativamente na construção de projetos que privilegiem o usuário.
Para que a saúde bucal de fato se insira nas ações dessa estratégia, tanto os
cirurgiões-dentistas quanto seus companheiros de equipe têm que estar receptivos à
relação de escuta. A comunicação baseada no consenso se faz necessária para que
o trabalho em equipe aconteça.
126
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2005.
136
APÊNDICES
137
APÊNDICE A – Termo de consentimento livre e esclarecido
A proposta deste estudo é conhecer a participação do cirurgião-dentista na
construção da integralidade no atendimento à comunidade sob a responsabilidade
da equipe de trabalho da Estratégia Saúde da Família de uma Unidade Básica de
Saúde do município de Vitória, ES. A partir deste, futuros planejamentos para
melhorar a participação deste profissional no atendimento integral poderão estar
subsidiados.
De acordo com o Termo de Consentimento assinado, concordo em fornecer
informações acerca de minha prática profissional, principalmente em relação à
saúde bucal. Os dados aqui obtidos serão utilizados para desenvolvimento de
pesquisa de dissertação de mestrado “A participação do cirurgião-dentista na
construção da integralidade da Estratégia Saúde da Família”, do Programa de Pós-
Graduação em Atenção à Saúde Coletiva da Universidade Federal do Espírito
Santo. Não serão divulgados os nomes dos entrevistados.
Autorizo a utilizar os dados por mim fornecidos em sua dissertação de Mestrado e
em quaisquer publicações futuras.
_________________________, ___/___/___
___________________________________
Participante da Pesquisa
___________________________________
Carolina Dutra Degli Esposti
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Atenção à Saúde Coletiva
138
APÊNDICE B – Roteiro-guia das entrevistas
1) Identificação profissional, ano de formatura, cursos de pós-graduação.
2) Descrever a trajetória profissional e o motivo de estar trabalhando com a saúde
da família.
3) Processo de inserção no serviço atual: data (em anos), mecanismos formais de
entrada, expectativas da função e das atividades a serem desenvolvidas (descrição
de conteúdo).
4) Descrever qual sua concepção de colaboração no trabalho coletivo e sua
percepção do sentido de equipe. Se necessário, pedir para caracterizar o que
entende por trabalho em equipe.
5) Descrever qual sua noção de supervisão do trabalho e como se o controle do
processo de trabalho realizado na equipe em que está inserido. Como a gerência do
serviço interfere e/ou contribui para a viabilização do trabalho em equipe, em
particular na unidade e em geral no sistema assistencial global?
6) Descrever os mecanismos, formais e informais (institucionais ou não),
necessários para a consecução do trabalho em equipe.
7) Descrever os mecanismos formais e informais que orientam o trabalho em equipe.
8) Noções e concepções sobre as propostas da reforma sanitária brasileira e sobre
os princípios do SUS.
9) Qual o seu conceito de integralidade?
10) De uma maneira geral, a equipe trabalha desenvolvendo as propostas
conceituais do SUS no atendimento à comunidade? Faça considerações a respeito.
11) Voconsidera que a saúde bucal está inserida nas ações desenvolvidas nessa
Equipe de Saúde da Família? Descreva situações que justifiquem sua resposta.
12) Sugestões para que o trabalho em equipe seja mais real na formação de
consensos e busca pela melhoria do atendimento à população através da das
diretrizes do SUS.
13) Sugestões para que a saúde bucal mantenha/aumente sua participação tendo
em vista sua inserção na equipe multiprofissional da Estratégia Saúde da Família.
14) Quais os avanços e os problemas que você identifica na implantação da saúde
bucal na Estratégia Saúde da Família?
139
ANEXOS
140
ANEXO A – Aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa
141
ANEXO B – Aprovação pela instituição
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