AS REDES NO PROJETO URBANÍSTICO
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O tema da dinâmica relativa do espaço também passou a ser considerado nos projetos urbanísticos realiza-
dos nesse período. Não era mais a localização, mas a possibilidade de acesso que passou a agregar valor
aos locais. Essa consciência muda consideravelmente a dinâmica urbana, e a forma estrutural da infra-es-
trutura, na medida em que se torna admissível que vale a pena valorizar com acessibilidade e infra-estrutura
áreas em processo de degradação. Essa mudança na capacidade de valorização, que contrariava o valor
da proximidade urbana de acordo com as teorias de localização e de centralidades, muito desenvolvidas
pelo urbanista Jonathan Barnett (fi gs.1.1.j.15 a 1.1.j.17) trouxe novas leituras das relações de proximidade
nas cidades, como dizia o músico Paul Simon, “train is the distance”. E essa nova leitura de proximidades
provocou uma associação direta, pelos profi ssionais de projeto urbanístico, entre os transportes de massas,
o caminhar dos pedestres, e a valorização e mobilidade dos usos que locais com comércio e serviços podem
agregar ao projeto urbanístico, e está presente também nas renovações urbanas citadas acima. Essa asso-
ciação entre usos e transporte de massas também funcionava de maneira semelhante aos fl uxos alimenta-
dores / fl uxos alimentados de Kahn, cuja fi nalidade seria a de operarem de maneira complementar (um pode
agregar valores ao outro, que pode voltar a agregar ao um).
O paradigma pós-funcionalista aparece com grande ênfase, no projeto urbanístico, no processo de transição,
da renovação urbana para a revitalização urbana. As renovações urbanas nos anos 80 mostravam áreas ver-
ticalizadas com grandes pátios de automóveis impermeabilizados, e sem conexões entre os edifícios. Esse
tipo de concepção espacial gerou, entre os edifícios locais ermos e altamente excludentes (já que os edifícios
se fechavam em si). Por esse motivo, as renovações urbanas receberam críticas veementes como as de
Jane Jacobs, pelo processo de gentrifi cação (exclusão em cascata da população mais pobre, nas áreas cen-
trais). Esse problema da renovação urbana também foi um grande problema da falta de mobilidade funcional
dos espaços urbanos, que as revitalizações tentaram corrigir. Nota-se, assim, que as revitalizações de locais
como Canary Wharf em Londres e Darling Harbour em Sidney voltaram apresentar, assim como nos projetos
de Doxiadis, gestos de inclusão entre os edifícios e os espaços públicos que os penetram.
O principal falsifi cador desse modelo parece ser na a rigidez estrutural que este apresenta. Apesar de esse
modelo gerar estruturas que podem ser interligadas aos fl uxos principais (geradores da mobilidade), existiu,
entre esse paradigma e o paradigma complexo, uma grande transformação na idéia de centralidade. Ainda
que Buckminster Fuller, como mostramos, tenha visualizado as centralidades a partir de redes distributivas,
apontando problemas do modelo funcionalista, e ainda que Christopher Alexander tenha explicado de manei-
ra veemente que a hierarquia das funções urbanas não se dão “em árvore” (partindo de centralidades estru-
turadas – pólos geradores de informação e de tomada de decisões - com a presença de áreas periféricas que
teriam sempre que se integrarem aos pólos, mas nunca teriam participação na tomada de decisões). Esse
problema ainda persistiu nessa tentativa de estruturação territorial pós-funcionalista, e foi provavelmente a
causa das crítica aos processos “não inclusivos socialmente”.
Veremos que essa parece ter sido a principal falha, combatida pelos projetistas urbanos que novamente
tentaram, defendendo um paradigma complexo de projeto urbanístico, buscar metodologias estruturais de
constante proposição e revisão dos processos de tomada de decisão em projetos urbanísticos, como as
estruturas generativas. Percebe-se que esse processo de crítica à organização polar da estrutura territorial
ocorreu em várias áreas do conhecimento. Enquanto Marx sempre defendeu uma que um mercado que não
tivesse uma coordenação central se extinguiria, Hayek, o economista que propôs a metodologia de análise
de mercados em rede na economia, defendia que era impossível manter uma coordenação central, já que o
mesmo não poderia levar em conta as peculiaridades de cada mercado regional e local.
Apesar de ter apresentado esse problema estrutural, o debate acerca dos projetos urbanísticos com carac-
terísticas conceituais pós-funcionalistas iniciaram um questionamento em direção às formas de participati-
vidade no projeto urbanístico. Seria o início de um debate novamente estrutural, que provocaria constantes
revisões conceituais nas defi nições de território, de uso do solo, de acessibilidade e de cidadania.
Fig. 1.1.j.15 - Análise de Jonathan Bar-
nett mostrando a localização do espaço
público, e a maneira como o lobby do te-
atro se integra com o espaço público da
Tomes Square. Projeto do edifício One
Astor Plaza, de Lois I. Kahn e Jacobs.
Barnett demonstra que “desenhar ci-
dades nãso signifi ca [apenas] desenhar
os edifícios”
Fig. 1.1.j.17 - Análise de Jonathan Barnett
vista externa do Hotel Times Square
Fig. 1.1.j.16 - Análise de Jonathan Barnett
mostrando como as políticas publicas po-
dem regenerar espaços de uso público de
domínio privado. Projeto do Hotel Times
Square, de John Portman.
Fig. 1.1.j.18 - A rede (funcionamento da estrutura urbana) criticada por Christopher Alexander
em “The city is not a tree”, e a rede urbana representada conceitualmente pelo matemático
Nikos Salingaros