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A INTERBAU 1957 EM BERLIM:
DIFERENTES FORMAS DE HABITAR NA CIDADE MODERNA
DISSERTAÇÃO APRESENTADA AO PROGRAMA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA (PROPAR)
DA FACULDADE DE ARQUITETURA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL (UFRGS)
COMO REQUISITO PARCIAL PARA A OBTENÇÃO DO TÍTULO DE MESTRE EM ARQUITETURA.
MARA OLIVEIRA ESKINAZI
ORIENTAÇÃO:
PROF. DRA. CLÁUDIA PIANTÁ COSTA CABRAL
PORTO ALEGRE, AGOSTO DE 2008
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AGRADECIMENTOS
Um entusiasmado telefonema do professor José Albano Volkmer,
em fevereiro do ano 2000, me convidando para auxiliá-lo na
organização de um workshop a ser realizado naquele mesmo ano
na Faculdade de Arquitetura da UFRGS em conjunto com
estudantes da Universität Stuttgart – que resultou na ida, no ano
seguinte, de um grupo de estudantes e professores de Arquitetura
da UFRGS à Alemanha, ocasião em que estabeleci meu primeiro
contato com o país – foi o pontapé inicial para o desenvolvimento
pessoal e intelectual de um enorme interesse pela cultura, pela
sociedade e pelo modo de vida alemães, mas, em especial, pela
arquitetura produzida neste pais. Dedico esta dissertação ao
professor Albano, como agradecimento e como forma de oferecer-
lhe uma singela homenagem póstuma, por ter plantado, há mais
de 8 anos atrás, a semente não só para este trabalho, mas
também para incontáveis e imensuráveis oportunidades de
experiências de vida.
À Claudia Piantá Costa Cabral, por ter me acompanhado como
orientadora, como amiga e como mãe neste processo.
Ao José Artur D`Aló Frota, pela orientação na etapa inicial deste
trabalho.
Ao Carlos Eduardo Dias Comas, pela informal co-orientação, pelos
assessoramentos, e pela parceria no artigo “Niemeyer em Berlim”.
Ao Edson da Cunha Mahfuz, pela oportunidade de aprendizado
neste início efetivo de vida acadêmica como professora substituta
desta faculdade.
À Marlene Zlonicky, pelas frias tardes de ensinamentos em seu
apartamento no Hansaviertel, regadas a quentes chás alemães e a
calorosas e aconchegantes conversas.
À Gabi Dolf-Bonekämper, pela acolhida em Berlim, pela
abrangente pesquisa realizada sobre o Hansaviertel e sobre a
arquitetura moderna no pós-guerra em Berlim, pelas incontáveis
dicas sobre a cidade, e pela oportunidade de estágio no Schinkel
Zentrum da TU Berlim.
Ao Alexander Jachnow, à Dagmar Renfranz e à Ulrike Laible, pelas
oportunidades na TU Berlim.
Ao Instituto Goethe Porto Alegre, na figura de seu diretor,
Reihnardt Sauer, e ao DAAD, pelas oportunidades de apendizado e
pesquisa na Alemanha.
À Eike, pelo prazer em ensinar a complexa riqueza da língua
alemã.
À vó Lila, pelo afeto e pela torcida permanente em todos os meus
projetos de vida.
Ao Raphael, pela motivação e pelo carinho.
E, finalmente, aos meus pais, Davit e Maria Celina, pelo exemplo, e
por compartilharem da paixão pela arquitetura.
6
7
RESUMO
A cidade de Berlim, atual capital da Alemanha, passou, desde o
final da II Guerra Mundial, por um processo urbano singular,
submetendo-se a planejamentos decorrentes do seu estado de
destruição e posteriores divisão e reunificação. A cidade, que
apresenta expressiva tradição de vanguarda arquitetônica,
inaugurou em 1957 a Interbau (
Internationale Bauausstellung)
, a
primeira Exposição Internacional de Arquitetura ocorrida após a II
Guerra Mundial.
Inserida na Berlim Ocidental, que então desejava refletir uma nova
sociedade, livre e democrática, a Interbau enquadra-se dentro do
contexto estabelecido no pós-guerra de implementação de grandes
projetos de destruição da antiga organização de ruas e praças.
Para tanto, a exposição utilizou-se do lema “a cidade do amanhã”
(
die Stadt von Morgen
) entre suas premissas básicas para
reconstruir o Hansaviertel, bairro em grande parte destruído pelos
bombardeios da II Guerra Mundial, e exemplificar o que de melhor
a arquitetura e o urbanismo modernos ofereciam em termos de
habitação social. De localização extremamente central na cidade,
junto ao parque Tiergarten, o Hansaviertel possuia, antes da
destruição, uma configuração oitocentista, sendo sua formação
original bastante integrada ao tecido urbano tradicional então
predominante na cidade.
O arranjo urbanístico do novo Hansaviertel é definido através de
um concurso realizado em 1953. No entanto, sua reconstrução já
havia sido pensada, antes mesmo de sua ligação com a realização
de uma exposição de arquitetura, como adversário moderno para a
construção da Stalinallee – avenida de proporções monumentais,
com eixos hierarquicamente organizados e uma arquitetura
eclético-acadêmica, que é reflexo do sistema socialista então
vigente na Berlim Oriental. Assim, a exposição trouxe para o
parque Tiergarten um modelo de urbanismo que expressa também
uma clara oposição política ao regime socialista.
O projeto vencedor do concurso urbanístico, de autoria de Gerhard
Jobst e Willy Kreuer, sofre diversas modificações que objetivaram,
principalmente, introduzir uma maior variedade de tipologias
residenciais. O projeto final priorizou a implantação dos edifícios
dentro de uma ampla área verde, bem como a adoção de distintas
tipologias dentro de uma mesma lógica de composição, como
forma de exemplificar as alternativas que se apresentam para
habitar em uma cidade moderna. Assim, a reconstrução moderna
do Hansaviertel não objetivou resgatar o padrão urbano ou edílico
do local, uma vez que foi implantada em uma área de densa
urbanização, cujas ruas e quarteirões são bem definidos pelo
alinhamento dos prédios.
O presente estudo tem por objetivo, a partir da análise do projeto
urbanístico para o Hansaviertel e dos projetos dos edifícios
individualmente, retratar a viabilidade da coexistência, em um
fragmento de cidade moderna, de distintas tipologias residenciais
em vizinhança com uma série de equipamentos urbanos que,
juntos, conferem ao bairro uma atraente diversidade tipológica e
funcional. Assim, o Hansaviertel, ao exemplificar as diferentes
alternativas que se apresentam para habitar em uma cidade
moderna, se consolida como ideal de representação para a
variedade, a heterogeneidade e a riqueza da vida urbana.
8
9
ABSTRACT
The city of Berlin, the present capital of Germany, has undergone,
since the end of Second World War, a unique urban process,
submitting itself to plannings as a result of the needs due to the
situation of destruction, and afterwards its division and
reunification. The city, that presents an expressive tradition of
architectural avant-garde, inaugurated in 1957 the Interbau
(
Internationale Bauausstellung
), the first International Architecture
Exhibition taking place after the Second World War.
Inserted in West Berlin, that at the time wanted to reflect a new,
free and democratic society, the Interbau sets itself within a post-
war context characterized by the implementation of big projects
that implied the destruction of the old streets and squares
organization. The exhibition made use of the motto known as “the
city of tomorrow” (
die Stadt von Morgen
) among its basic premises
to rebuilt the Hansaviertel, a neighbourhood almost entirely
destroyed by the war bombings, and to exemplify the best of
modern architecture and urbanism offered in terms of social
housing. Having an extremely central location within the city, near
the Tiergarten, the Hansaviertel presented, before its destruction,
an eighteenth century configuration, its original form being totally
integrated in the traditional urban tissue predominant in the city.
The urbanistic arrangement of the new Hansaviertel is defined
through a contest that took place in 1953. Nevertheless, its
reconstruction had already been thought, even before its
connection with the promotion of an exhibition, as a modern
counterpart to the construction of the Stalinallee – an avenue of
monumental proportions, with hierarchically oriented axis and
eclectic-academic architecture, reflection of the socialist system
than rulling in East Berlin. So, the exhibition brought for the
Tiergarten park an urbanistic model that also expresses a clear
political opposition to the socialist regime.
The urbanistic project winning the contest, designed by Gerhard
Jobst and Willy Kreuer, has been modified through several
interventions that aimed, mainly, to introduce a greater variety of
residential typologies. The final project had as a priority setting the
buildings amidst a large green area, as well as the adoption of
different typologies within a unique logic of composition, as a way
of exemplifying the possible alternatives of living in a modern city.
This study aimed, based in an analysis of the Hansaviertel
urbanistic project and of the individual building projects, to portray
the viability of coexistence, in a fragment of the modern city, of
distinct residencial typologies in a neighbourhood having several
urban equipments that, together, assign the area an attractive
typological and functional diversity. So, the Hansaviertel,
exemplifying the diferents possibilities of living in a modern city,
consolidates itself as an ideal representation for the variety,
heterogeneity and richness of urban life.
10
11
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO.......................................................15
1.1. “
DIE STADT VON MORGEN”
...............................................16
1.2. A TRADIÇÃO ALEMÃ E BERLINENSE EM REALIZAR
EXPOSIÇÕES DE ARQUITETURA...............................................26
1.3. A BERLIM DO PÓS-GUERRA...............................................40
2. A INTERBAU.........................................................45
2.1. O ANTIGO HANSAVIERTEL................................................46
2.2. A DESTRUIÇÃO PROVOCADA PELA GUERRA........................50
2.3. OPOSIÇÃO: O HANSAVIERTEL COMO RÉPLICA OCIDENTAL
PARA A STALINALLEE...............................................................54
2.4. O CONCURSO URBANÍSTICO.............................................56
2.5. O PROJETO VENCEDOR.....................................................58
2.6. AS MODIFICAÇÕES NO PROJETO VENCEDOR E O PLANO
FINAL.....................................................................................66
2.7. O PROJETO PAISAGÍSTICO................................................76
2.8. OS EQUIPAMENTOS..........................................................81
2.9. A EXPOSIÇÃO FORA DO HANSAVIERTEL.............................82
2.10. REPERCUSSÕES..............................................................86
3. A VARIEDADE TIPOLÓGICA.................................89
3.1. DIFERENTES FORMAS DE HABITAR NA CIDADE MODERNA..90
3.2. RESIDÊNCIAS UNIFAMILIARES...........................................95
AS DUAS CASAS DE KLAUS KIRSTEN....................................97
A CASA DE GÜNTHER HÖNOW............................................97
A CASA DE SERGIUS RUEGENBERG E WOLFF VON
MÖLLENDORF.....................................................................98
AS DUAS CASAS DE SEP RUF.............................................100
AS TRÊS CASAS DE JOAHANNES KRAHN............................101
AS TRÊS CASAS DE ALOIS GIEFER E HERMANN MÄCKLER...103
AS DUAS CASAS DE GERHARD WEBER...............................103
AS QUATRO CASAS DE ARNE JACOBSEN............................104
AS CINCO CASAS DE EDUARD LUDWIG..............................106
AS SETE CASAS DE PAUL BAUMGARTEN.............................106
CONCLUSÕES...............................................................109
3.3. TORRES..........................................................................111
3.2.1. AS TORRES SOLITÁRIAS:.........................................113
A TORRE DE K. MÜLLER-REHM E GERHARD SIEGMANN.....113
A “TORRE BAIXA” DE OTTO H. SENN.................................114
12
13
3.2.2. AS TORRES EM GRUPO:...........................................115
A TORRE DE LUCIANO BALDESSARI...................................115
A TORRE DE JACOB B. BAKEMA E J. H. VAN DEN BROEK.....116
A TORRE DE GUSTAV HASSENPFLUG.................................120
A TORRE DE RAYMOND LÓPEZ E EUGÈNE BEAUDOUIN.......121
A TORRE DE HANS SCHIPPERT..........................................122
CONCLUSÕES...............................................................123
3.4. BARRAS..........................................................................125
3.4.1. BARRAS DE 3 A 4 PAVIMENTOS................................126
3.4.1.1. ÁREA JUNTO À KLOPSTOCKSTRAßE:......................127
A BARRA DE HANS CHRISTIAN MÜLLER.............................127
A BARRA DE GÜNTHER GOTTWALD...................................128
A BARRA DE WASSILI LUCKHARDT E HUBERT HOFFMANN..129
A BARRA DE PAUL SCHNEIDER-ESLEBEN............................130
3.4.1.2. ÁREA JUNTO À BARTNINGALLEE:..........................132
A BARRA DE FRANZ SCHUSTER.........................................133
A BARRA DE KAY FISKER...................................................134
A BARRA DE MAX TAUT.....................................................135
3.4.2. BARRAS DE 8 A 10 PAVIMENTOS...................................137
A BARRA DE WALTER GROPIUS.........................................137
A BARRA DE PIERRE VAGO................................................140
A BARRA DE ALVAR AALTO................................................141
A BARRA DE FRITZ JAENECKE E STEN SAMUELSON............144
A BARRA DE EGON EIERMANN..........................................145
A BARRA DE OSCAR NIEMEYER.........................................148
CONCLUSÕES...............................................................154
4. ANEXOS...............................................................157
4.1. QUADRO COMPARATIVO: RESIDÊNCIAS
UNIFAMILIARES.....................................................................159
4.2. QUADRO COMPARATIVO: TORRES...................................160
4.3. QUADRO COMPARATIVO: BARRAS DE 3 A 4
PAVIMENTOS.........................................................................161
4.4. QUADRO COMPARATIVO: BARRAS DE 8 A 10
PAVIMENTOS.........................................................................162
5. CONCLUSÃO........................................................163
5.1. RESULTADOS..................................................................164
5.2. COMPARAÇÃO E CRÍTICA................................................167
5.3. EPÍLOGO: O HANSAVIERTEL NA CONTROVÉRSIA
URBANÍSTICA DA BERLIM PÓS-REUNIFICAÇÃO.......................170
6. DOCUMENTAÇÃO................................................173
I. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................174
II. REVISTAS E NÚMEROS MONOGRÁFICOS............................179
III. SITES DE INTERNET.........................................................179
IV. FONTES DOCUMENTAIS....................................................179
14
15
1. INTRODUÇÃO
1.1.
DIE STADT VON MORGEN
1.2. A TRADIÇÃO ALEMÃ E BERLINENSE EM REALIZAR
EXPOSIÇÕES DE ARQUITETURA
1.3. A BERLIM DO PÓS-GUERRA
16
1.1. “
DIE STADT VON MORGEN
1
Enquanto Victor Hugo candidatava-se a um lugar na
Académie Française, não lhe foram poupadas as
inconvenientes visitas aos seus mebros, pertencentes ao
ritual da ilustre instituição. Entre eles, encontrava-se o
filósofo Pierre-Paul Royer-Collard, a quem Hugo pediu apoio.
Sentado em frente ao velho senhor, Hugo começou a
enumerar e a comentar sua própria obra. Mas ele logo
compreendeu que o velho filósofo que sentava a sua frente
não havia dado o menor sinal de reconhecimento enquanto
o escritor falava sobre “
Notre-Dame de Paris
” ou “
Les
Misérables
”, então já célebres obras. Após uma série de vãs
tentativas de encontrar algo particular, que também o ancião
reconhecesse, perguntou Hugo em desespero: “
Mas
Monsieur, o senhor não os leu?
” Ao que Royer-Collard por
bem replicou: “
Monsieur, à mon age on ne lit plus, on relit
”.
“Meu Senhor, na minha idade não se lê mais, se relê”.
Aproximadamente assim, pode-se imaginar, reage a cidade
histórica a interrogações e a propostas de inovações dos
arquitetos contemporâneos. Ela presenciou e acumulou
tanto, que sua conformação é reflexo de sua história ao
longo dos séculos. O que de novo ela deve desenvolver? E
para que? Ela se basta completamente, quando ela própria
se relê.
Berlim não conforma neste quadro nenhuma exceção. A
cidade é, assim como Heinrich Heine já salientou,
relativamente nova; e sua história foi de tal modo cheia de
acontecimentos, que ela não se deixa intimidar, quando
comparada com as grandes metrópoles históricas do mundo
– Londres, Paris ou Roma”. A isso soma-se a qualidade de
sua arquitetura. Também isto é “novo”, mas em
contrapartida de alto nível. Londres é a cidade de
Christopher Wren, John Vanbrugh, Nicholas Hawksmoor,
John Soane; Paris aquela de Claude Perrault, Pierre Le Muet,
Jules Hardouin-Mansart, Georges-Eugène Haussmann,
Auguste Perret; e Roma é a cidade de Michelangelo
Buonarrotti, Gianlorenzo Bernini, Francesco Borromini,
Giuseppe Valadier. Berlim, porém, é a cidade de Friedrich
Schinkel, Peter Joseph Lenné, Peter Berehns, Erich
Mendelsohn, Ludwig Mies van der Rohe, Bruno Taut e
Ludwig Hilberseimer. (...)
2
Apesar de seus mais de 770 anos, a Berlim descrita por
Lampugnani é essencialmente uma cidade moderna. Os diversos
processos históricos que culminaram em sucessivas destruições e
reconstruções fizeram com que o tecido urbano da cidade
apresente atualmente muito pouco de sua configuração original.
Considerando-se que as destruições dos séculos XIX e XX
configuram-se entre as mais significativas – estando a II Guerra e
a guerra fria, com a construção do muro e a conseqüente divisão
da cidade, entre as destruições urbanas mais violentas –, abriu-se
espaço para que grandes áreas da cidade fossem reconstruídas a
partir de concepções modernas ou pré-modernas. À exceção de
1
A cidade do amanhã.
2
LAMPUGNANI, Vittotio Magnano. Die Stadt der nebeneinander liegenden
Unterschiede. Berlin zwischen Rekonstruktion und Neueerfindung. NSL Network
City and Landscape: Disp-online. Site da Internet:
http://www.nsl.ethz.ch/index.php/en/content /view/full/825/.
Capa do livro “Die Stadt von morgen. Gegenswart
probleme für alle”, de Karl Otto, publicado em 1959
em Berlim. (Fonte: www.diestadtvonmorgen.de)
Pavilhão principal de exposições na Interbau,
abrigando a mostra “Die Stadt von morgen”.
(Fonte: www.diestadtvonmorgen.de)
17
Schinkel
3
e Lenné, todos os demais importantes personagens
participantes do desenvolvimento urbano da cidade citados por
Lampugnani são arquitetos modernos.
Este trabalho tem por objetivo estabelecer uma reflexão crítica e
analítica da Interbau –
Internationale Bauausstellung,
ou
Exposição Internacional de Arquitetura, iniciativa arquitetônica e
urbanística inserida no contexto de reconstrução da cidade de
Berlim que tem lugar durante o segundo pós-guerra – e da
variedade de tipologias habitacionais por ela produzida, que
acabou por expressar uma gama de diferentes possibilidades de
habitar na cidade moderna. A Interbau se concentrou na
reconstrução do Hansaviertel, bairro oitocentista de trama
tradicional e de localização central na cidade, entre o rio Spree e o
parque Tiergarten (grande parque situado no centro da cidade),
em meio a regiões fortemente atingidas pelos bombardeios.
4
Quase totalmente destruído, o bairro oferecia as condições ideais
para a implementação de uma operação de transformação na
paisagem.
Em 1953, o Senado de Berlim decide pela destruição completa do
que havia restado do Hansaviertel, e estabelece que sua
reconstrução esteja ligada a uma exposição internacional de
arquitetura moderna. Nesta época, Berlim apresentava uma
especial e decidida vontade de construir a nova cidade, e, para
tanto, foram promovidas demolições, onde se fez necessário, no
que havia restado de suas estruturas arrasadas pelos
bombardeios. Contudo, esse desejo não se manifestou somente na
destruição dos edifícios com heranças políticas. Estas demolições,
como foi o caso do Hansaviertel, manifestaram-se principalmente
no esforço de readaptar a cidade aos novos conceitos urbanísticos
vigentes na época, esforço este concretizado em significativas
oportunidades de colocar em prática os princípios da Carta de
Atenas. Hans Stimman, diretor do setor responsável por coordenar
a política de construções de Berlim entre 1991 e 1996, confirma
esta inclinação existente na cidade no período do pós-guerra por
promover demolições ao afirmar que
Arquitetos, urbanistas e
políticos do pós-guerra viviam tanto no lado ocidental quanto no
lado oriental da cidade com ódio do passado e confiança no
progresso”.
5
Utilizando-se do lema “A cidade do amanhã” (
die Stadt von
Morgen
) para criar uma área de habitacões sociais modelo para a
época, a Interbau foi promovida sob a ótica de uma arquitetura
identificada com o Movimento Moderno e com o mundo ocidental,
priorizando, em seu planejamento, a implantação livre dos edifícios
dentro de uma ampla área verde. Ela promoveu, assim, a adoção
de distintas tipologias dentro de uma mesma lógica de
composição, não objetivando resgatar o padrão urbano do local,
uma vez que foi implantada em uma área de densa urbanização,
cujas ruas e quarteirões são bem definidos pelo alinhamento dos
prédios.
6
3
Schinkel foi supervisor da Comissão de Edifícios da Prússia, onde foi responsável
pela reforma da cidade de Berlim para transformá-la numa capital representativa
para a Prússia, além de supervisionar os projetos dos territórios aonde ela havia se
expandido: Renânia e Königsberg.
4
IMHOF, Michael e KREMPEL, Leon (2001). Berlin. Architektur 2000. Führer zu
den Bauten von 1989 bis 2001. Berlim: Petersberg, Jovis, pág. 7.
5
STIMMANN, Hans (2001). Von der Architecktur zur Stadtdebatte. Die Diskussion
um das Planwerk Innenstadt. Berlim: Verlaghaus Braun, pág. 18.
6
PASSARO, Laís Bronstein (2002). Fragmentos de uma crítica: revisando a IBA de
Berlim. Tese de doutorado. UPC: Barcelona, pág. 17.
Imagens de satélite da cidade de Berlim em sequência
de aproximação em direção ao Tiergarten e ao
Hansaviertel. A imagem superior indica, além do bairro,
a posição da Unidade de Habitação de Le Corbusier no
contexto da cidade. (Fonte: Google Earth)
18
A exposição estava planejada para ser inaugurada em 1956. Como
em julho de 1955 ainda não havia nenhum projeto de edifício
individual pronto, decidiu-se por adiá-la para 1957. Deste modo, a
mostra permaneceu aberta ao público entre 6 de julho e 29 de
setembro de 1957; porém, como a construção das unidades
habitacionais, iniciada em 1955, somente foi concluída em 1962,
muitos dos edifícios não encontravam-se prontos quando da sua
inauguração.
A Interbau obteve como principais resultados quantitativos a
construção de aproximadamente 1.236 unidades residenciais
dentro do Hansaviertel, que podem ser classificadas nas seguintes
tipologias: casas unifamiliares de 1 a 2 pavimentos, torres de 16 a
17 pavimentos, barras de 3 a 4 pavimentos e barras de 8 a 10
pavimentos; além disso, outras 530 unidades foram construídas
fora do bairro, na Unidade de Habitação de Le Corbusier. Seus
princípios projetuais foram em parte amparados nas teorias do
modelo progressista de urbanismo divulgadas pela Carta de Atenas
de 1933, que difundiu o conceito de zoneamento monofuncional e
o conseqüente ordenamento do território a partir das chamadas
funções chave do urbanismo – habitar, trabalhar, recrear e
circular. Além disso, as habitações deveriam desenvolver-se em
edificações soltas no terreno, recuperando, assim, áreas livres
necessárias aos espaços de lazer, à criação de amplas áreas
verdes e às necessidades de iluminação e ventilação das unidades
residenciais.
A exposição contou com a participação de aproximadamente 50
arquitetos de 12 diferentes países – 18 estrangeiros, 11 alemães
ocidentais e 20 berlinenses ocidentais, destacando-se, entre eles,
nomes com Walter Gropius, Alvar Aalto, J. B. Bakema, Arne
Jacobsen, Paul Baumgarten, Egon Eiermann, Max Taut, Oscar
Niemeyer e Le Corbusier. Somente foram convidados para
participar aqueles arquitetos que fossem notoriamente engajados
na agenda da modernidade, e o incentivo a uma mescla de
participantes de diferentes origens evidencia a política singular dos
organizadores da Interbau, que objetivava não só dar espaço para
arquitetos berlinenses, como também reforçar a ligação de Berlim
Ocidental com a Alemanha Ocidental e anunciar a abertura da
cidade ao mundo.
Porém, em uma primeira rodada realizada em agosto de 1954, a
comissão diretora definiu-se por 34 objetos para ao todo 12
arquitetos e equipes estrangeiras, dentre os quais três estavam em
exílio durante o regime nazista: Ludwig Mies van der Rohe
(Alemanha/ EUA), Alexander Klein (Israel) e Fritz Jaenecke (Milão).
No entanto, ao longo dos anos 1954 e 1955, a lista com os
arquitetos participantes sofreu algumas modificações: Mies van der
Rohe e Eero Saarinen recusaram o convite, enquanto que Otto
Bartning e Hans Scharoun retiraram-se.
7
Le Corbusier exigiu a
destinação de um outro local maior para a implantação de sua
Unidade de Habitação, mais ao oeste, em Charlottenburg, ao sul
do Estádio Olímpico de Berlim e junto à floresta de Grünewald.
Os arquitetos que, seja por convicção ou por oportunismo, tenham
servido a juventude Hitlerista, as frentes de combate alemãs ou a
comunidade nacional-socialista “
Kraft durch Freude
”, como Hans
Dustmann, Julius Schulte-Frohlinde ou Clemens Klotz, e que
tenham sido julgados comprometidos, foram impossibilitados de
participar da Interbau. A exposição deveria ter tão pouco a ver
7
DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT, Franziska (1999). Das Hansaviertel -
Internationale Nachkriegsmoderne in Berlin. Berlim: Verlag Bauwesen, pág. 25.
Alguns dos arquitetos participantes da Interbau, entre
eles Le Corbusier, colocados em frente à maquete
com a proposta final para o Hansaviertel.
(Fonte: Wiederaufbau Hansaviertel –
Sonderveröffentlichung zur Interbau Berlin 57.
Volume 1, pág.17)
19
com os arquitetos nacional-socialistas quanto com a arquitetura
deste regime.
8
De acordo com o arquiteto paisagista Walter Rossow, então
presidente do Deutsche Werkbund, Berlim deveria diferenciar-se
do exemplo de Düsseldorf, onde Julius Schulte-Frohlinde, arquiteto
responsável pelo setor de habitações que serviu na frente de
combate alemã, assumiu, em 1952, um cargo de direção no setor
de construções da cidade. “
Nós duvidamos, com bons argumentos,
que alguém que tenha servido ao Terceiro Reich como um
urbanista possa assumir esta mesma função hoje em dia em um
estado democrático. Pois os ideais fundamentais do urbanismo e
também a condução desses planejamentos são de natureza
democrática; ou seja, são, assim como todas outras manifestações
políticas, diametralmente opostas às de um estado totalitário.
9
Os arquitetos convidados a participar da Interbau provêm, além da
Alemanha, da Dinamarca, Suécia, Finlândia, Itália, França,
Inglaterra, Suíça, Holanda, Brasil e Estados Unidos. Alguns
estavam, em seus paises de origem, igualmente ocupados com a
reconstrução de cidades destruídas pela guerra: Johannes Hendrik
van den Broek e Jacob Berend Bakema em Rotterdam, que foi
bombardeada já no ano de 1940, logo após a invasão das tropas
alemãs; Pierre Vago em Arles, Beaucaire e Tarascon, que foram
bombardeadas por tropas inglesas na ofensiva contra a ocupação
alemã; Le Corbusier em Saint-Dié em Lothringen, que as tropas
alemãs destruíram em 1944, quando da sua retirada – também
sua Unidade de Habitação em Marselha foi destinada para famílias
bombardeadas. Estes mesmos arquitetos aceitaram o convite para
formar, em Berlim, o ponto de partida para a reconstrução de um
bairro bombardeado – um gesto de reconciliação que indica
claramente que o significado político da Interbau não está limitado
somente à integração de Berlim Ocidental com o mundo ocidental
ou a busca por um papel de oposição às construções socialistas.
Na mesma época do lançamento do concurso para reconstrução do
Hansaviertel, se desenvolveu, no lado oriental da cidade, entre o
verão de 1951 até janeiro de 1953, um poderoso esforço coletivo,
acompanhado por uma igualmente forte campanha de
propaganda, para anunciar a concepção, a execução e a entrega
da Stalinallee, projeto que reconstruiu a Frankfurter Straße (após
redenominada para Stalinallee) no trecho compreendido entre a
Strausberger Platz e o Frankfurter Tor. Assim, o novo arranjo
urbanístico do Hansaviertel foi definido concomitantemente com a
finalização da monumental avenida. O novo Hansaviertel seria a
réplica da "sociedade livre e democrática” para a Stalinallee.
Já no lado ocidental – que então desejava refletir, em oposição ao
lado oriental, uma nova sociedade, livre e democrática – a
socialização do solo urbano como realizada no lado oriental não se
configurava como um modo de agir politicamente viável. Assim, a
princípio não eram praticáveis áreas arquitetônicas livres e novas
conformações urbanísticas em bairros centrais, de modo que o
novo Hansaviertel, como é hoje conhecido, conforma-se como
exceção no quadro urbanístico de então.
Diversos outros aspectos apontam para um entendimento do
Hansaviertel como exceção. Ele configura-se como um fragmento
de cidade moderna implantado em pleno centro urbano – as
8
DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT, Franziska (1999), op. cit., pág. 25.
9
Akademie der Künste Berlim, Coleção Baukunst, a herança de Hans Scharoun.
Der Ring: Carta ao senador Dr. Karl Mahler, 05 de fevereiro de 1953, apud DOLFF-
BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT, Franziska (1999), op. cit., pág. 28.
20
experiências em construir bairros habitacionais modernos a partir
dos anos 20 restringiram-se, na grande maioria dos casos, às
periferias – e apresenta baixíssima densidade habitacional – o que
não é usual para áreas tão centrais da cidade. Porém, o enfoque
essencial e foco deste estudo, que também configura-se como
aspecto de exceção quando comparamos o Hansaviertel a outros
bairros residenciais construídos sob a cultura moderna, consiste na
identificação de uma significativa variedade tipológica e funcional
entre seus edifícios integrantes.
Na Alemanha do pós-guerra, diversas escolas contrastantes de
pensamento emergiram, especialmente quando se trata do manejo
com as cidades. Em se tratando do conceito de intervenção
urbana, pode-se afirmar que, mesmo considerando-se o sem
número de interpretações, a fragmentação e o
multidirecionamento dos discursos da época, podemos identificar,
tanto de modo genérico quanto no caso específico do Hansaviertel,
duas linhas estabelecidas de teorizações e críticas que auxiliam no
entendimento das análises a serem realizadas no presente estudo.
A primeira surgiu a partir da década de 60 com a revisão do
Movimento Moderno, que gerou importantes teorizações a respeito
da implementação de requalificações em centros urbanos
históricos – que, segundo Aldo Rossi
10
e Jane Jacobs
11
, são as
regiões das cidades que mais necessitariam ser objeto de
intervenções. Trata-se de um momento em que a reconsideração
da cidade existente, seu traçado urbano e sua arquitetura
suplantam a prática recorrente de criação de modelos
supostamente universais e independentes de uma realidade
anterior.
12
Este modelo de crítica alinha-se com o que sugerem Vittorio
Magnano Lampugnani, em “From large housing estates on the
outskirts to rebuilding the inner city – urban development debates
in germany 1960-1980”
13
, J. M. Richards, em “What has happened
to the Modern Movement?”
14
, como também o historiador
Wolfgang Pehnt
15
, que defende a idéia de que o resultado da
Interbau representa uma “
mescla de edifícios individuais
marcantes
” sem um novo princípio relevante de planejamento
urbano. Para eles, este modelo trouxe conseqüências negativas
para intervenções urbanas como a realizada no Hansaviertel,
principalmente no que se refere a sua relação com a malha urbana
existente, pois fez com que seu planejamento apresentasse
soluções com pouca conexão com o tecido histórico do entorno
onde foi inserido.
Fazendo coro a Pehnt, Peter Davey e Douglas Clelland, em seu
artigo sobre as origens da IBA em Berlim
16
, escrito para a
Architectural Review número 1082, de abril de 1987, afirmam que
tanto o Weißenhofsiedlung de 1927 quanto a Interbau de 1957
10
ROSSI, Aldo (1977). A Arquitetura da cidade. Lisboa: Edições Cosmos.
11
JACOBS, Janes (1973). Morte e vida nas grandes cidades. Barcelona: Ediciones
Península.
12
PASSARO, Laís Bronstein (2002). Fragmentos de uma crítica: revisando a IBA de
Berlim. Tese de doutorado. UPC: Barcelona.
13
LAMPUGNANI, Vittorio Magnano (2003). From large housing estates on the
outskirts to rebuilding the inner city – urban development debates in Germany 1960-
1980, apud KLEIHUES, Josef Paul; KAHLFELDT, Paul; LEPIK, Andres; SCHÄTZE,
Andreas (2003), op. cit., págs. 67-79.
14
RICHARDS, J. M (1957). What has happened to the Modern Movement? Revista
Architectural Review, nº 722, março de 1957, págs. 159-160.
15
CURTIS, William J. R (1999). Modern architecture since 1900. Londres: Phaidon,
pág. 553.
16
DAVEY, Peter e CLELLAND, Douglas (1987). Berlin origins to IBA. Architectural
Review, número 1082, abril de 1987, págs. 23-25.
21
poderiam ter sido construídos em qualquer lugar. Segundo eles,
apesar de os 30 anos que os separam constituírem-se como o
período mais fértil da arquitetura moderna internacional, ambos
são demonstrações de planejamentos objetivos e racionais, já que
são construídos em locais amplos e com pouca relação com o seu
entorno imediato.
Contudo, uma segunda linha, defendida, entre outros, por Carlos
Martí Arís e sobre a qual este estudo se embasará, se propõe a
rever a idéia de cidade moderna não a partir do enfoque
simplificador em que esta foi em alguns momentos normalmente
tratada, mas sim a partir da identificação da viabilidade de sua
multiplicidade, considerando-a, segundo as próprias palavras de
Martí Arís
17
, capaz de expressar a
variedade, a articulada
heterogeneidade e a riqueza da vida urbana
.
Como veremos neste estudo, a Interbau, sob alguns aspectos,
realmente pode ser considerada enquadrada em um modelo de
cidade que recebeu influência do urbanismo moderno e da Carta
de Atenas. Porém, tanto a variedade de tipologias residenciais
quanto a clara negação ao zoneamento monofuncional, ao
combinar residências com uma grande variedade de outras
funções, como comércio, escola, teatro, biblioteca, estação de
metrô e igrejas, demonstram que um fragmento de cidade
moderna é capaz sim de conter atributos como variedade,
multiplicidade e heterogeneidade.
Assim, pode-se afirmar que no Hansaviertel a grande variedade de
tipos construídos acabou por exemplificar as alternativas que se
apresentam para habitar em uma cidade moderna. E, diferente do
que algumas das críticas sugerem, o bairro em meio ao Tiergarten
consolida-se como testemunho de que a riqueza da vida urbana
encontra um ideal de representação na cidade moderna.
Além disso, pretende-se aqui, a título de conclusão, ao entender a
Interbau como um momento de extrema relevância para a história
da arquitetura e do urbanismo berlinenses, identificar as suas
singularidades e analisar que tipo de resultados esta exposição
provocou para a cidade de Berlim hoje reunificada e objeto de
diversas outras intervenções pontuais e de grande porte – como
por exemplo a IBA, segunda Exposição Internacional de
Arquitetura realizada em Berlim após a II Guerra Mundial, em
1987, que interviu em cinco regiões diferentes de Berlim.
Existem catálogos, artigos teóricos e críticos e alguns livros sobre
as origens, o desenvolvimento e as conseqüências da Interbau
publicados desde a década de 50 até a atualidade; no entanto,
além de a grande maioria encontrar-se em língua alemã e,
portanto, pouco acessível para outros países, ainda não foram
realizados trabalhos que representem um estudo analítico do
Hansaviertel a partir da ótica de sua diversidade tipológica.
Dois catálogos foram publicados na época da inauguração da
Interbau, relacionando todos os projetos até então previstos para
serem construídos no bairro, bem como fornecendo informações
sobre a exposição e sobre o andamento das obras. Um deles é o
catálogo oficial, o “Interbau Berlin 1957. Amtlicher Katalog der
Internationalen Bauausstellung“
18
, que analisa o plano urbanístico
para o bairro, as idéias e objetivos da exposição, e faz uma
17
MARTÍ ARÍS, Carlos (2000). Las formas de la residência en la ciudad moderna.
Vivienda y ciudad em la Europa de entreguerras. Barcelona: Edicions UPC, págs.
13-48.
18
Interbau Berlin 1957. Amtlicher Katalog der Internationalen Bauausstellung
(1957). Berlim e Darmstadt: Bauverlag e Verlag Das Beispiel.
22
descrição superficial do projeto de cada edifício, mencionando o
conceito arquitetônico básico e a solução estrutural empregada;
aqui, são publicadas plantas dos pavimentos tipo e geralmente
croquis ou fotografias de maquetes. O outro catálogo, denominado
“Wiederaufbau Hansaviertel – Sonderveröffentlichung zur Interbau
Berlin 57“
19
publica-se em quatro volumes, já que apresenta mais
desenhos e informações sobre cada projeto, incluindo também
uma pequena biografia da vida e da obra de cada arquiteto
participante; porém, aqui, o plano urbanístico é tratado de modo
mais superficial.
A maioria dos artigos críticos encontrados referentes à Interbau
encontra-se na revista Baumeister, nos números publicados entre
abril e agosto de 1957, e na revista Architectural Review, em
números publicados no mesmo período. A revista L'Architecture
d'Aujourd'hui também publica alguns números no ano de 1957
fazendo referências a projetos da Interbau. No Brasil, a revista
Módulo publica, nos números 2 e 4, respectivamente a versão
original e a versão final do projeto de Oscar Niemeyer para Berlim.
Na década de 90, duas publicações foram realizadas
desenvolvendo análises do Hansaviertel sob um ponto de vista
mais atual. Em 1995, foi editada na Alemanha pelo Bezirksamt
Tiergarten Von Berlin Abt. Bau- und Wohnungswesen Naturschutz-
und Grünflächenamt uma publicação chamada “Das Hansaviertel
1957-1993. Konzepte, Bedeutung, Probleme”,
20
que compilou o
desenvolvimento urbano do Hansaviertel desde a inauguração da
Interbau até 1993, analisando o projeto urbanístico, os conceitos
urbanos empregados, indicando os significados e apontando os
problemas que o bairro enfrenta atualmente.
Já em 1999, Gabi Dolff-Bonekämper e Franziska Schmidt publicam
o livro “Das Hansaviertel – Internationale Nachkriegsmoderne in
Berlin”
21
, que constitui-se atualmente como a publicação mais
completa sobre o bairro, já que analisa desde a história do
Hansaviertel antes e depois da guerra e o concurso urbanístico
para a sua reconstrução, até os edifícios, residenciais ou não,
construidos por ocasião da exposição. Porém, como foi escrito por
uma historiadora de arquitetura, as análises apresentam um
caráter mais enfocado em relatos históricos do que em análises
críticas arquitetônicas.
Além disso, ao longo do ano de 2007, por ocasião das
comemorações dos 50 anos da Interbau, uma série de livros foram
editados sobre a exposição. Entre eles, podemos citar “Das
Hansaviertel: Ikone der Moderne”, de Stefanie Schulz e Carl-Georg
Schulz, “Wohnlabor Hansaviertel. Geschichten aus der Stadt von
morgen“, de Lidia Tirri, “Das Hansaviertel in Berlin: Bedeutung,
Rezeption, Sanierung“, do Landesdenkmalamt de Berlim, “Das
Berliner Hansaviertel und die Interbau 1957“, de Frank-Manuel
Peter e “ "Die Stadt von morgen. Beiträge zu einer Archäologie des
Hansaviertels Berlin“, de Jesko Fezer, Dorit Margreiter, Hanne
Loreck, e Annette Maechtel.
19
Wiederaufbau Hansaviertel – Sonderveröffentlichung zur Interbau Berlin 57
(1957). Volumes 1, 2, 3, e 4. Darmstadt: Verlag Das Beispiel.
20
Bezirksamt Tiergarten von Berlin, Abt. Bau- und Wohnungswesen Naturschutz
und Grünflächenamt, in Zusammenarbeit mit dem Senatsverwaltung für
Stadtentwicklung und Umweltschutz, Fachabt. Bau- und Gartendenkmalpflege
(1995). Das Hansaviertel - 1957 - 1993. Konzepte, Bedeutung, Probleme.
21
DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT, Franziska (1999). Das Hansaviertel -
Internationale Nachkriegsmoderne in Berlin. Berlim: Verlag Bauwesen.
23
Portanto, esta pesquisa pretende tornar parte da bibliografia
existente sobre a Interbau – que pode ser dita relativamente
escassa – contida em catálogos, artigos e livros, escritos em
grande maioria em língua alemã, mais acessível para o português
e, ao mesmo tempo, analisar o projeto urbanístico para
reconstrução do Hansaviertel e os projetos dos edifícios
individualmente a partir de uma ótica mais focada em sua
arquitetura do que em aspectos históricos.
Além disso, a título de conclusão, deverão se somar às referências
já citadas artigos que retratam esta última etapa de
desenvolvimento que Berlim está vivenciando, ou seja, o período
após a reunificação, com o objetivo de ilustrar as conseqüências
obtidas na cidade de hoje, tanto dos planejamentos efetuados na
década de 50, influenciados pelas teorias modernistas, quanto,
posteriormente, devido às teorizações formuladas a partir da
década de 60 como críticas aos modelos de cidade ditados pelo
Movimento Moderno. Soma-se a isto o fato de que esta discussão
sobre os modelos de cidade é uma discussão extremamente atual
em Berlim, como comprovam os textos de Joseph Paul Kleihues
(Josef Paul Kleihues. The Art of Urban Architecture
22
e Modelle für
eine Stadt
23
), Carlos Garcia Vázquez (Berlin – Potsdamer Platz.
Metrópoli y arquitectura em transición
24
), Hans Stimmann (Von der
Architecktur zur Stadtdebatte. Die Diskussion um das Planwerk
Innenstadt
25
), Philipp Oswalt (Berlin: Stadt ohne Form. Strategien
einer anderen Architektur
26
), Gerwin Zohlen (Auf der Suche nach
der verlorenen Stadt. Berliner Architektur am Ende des 20.
Jahrhunderts
27
), e Lais Bronstein Passaro (Fragmentos de uma
crítica: revisando a IBA de Berlim
28
) demonstram, podendo estes,
portanto, se somar às referências trabalhadas, acrescentar
conteúdo à pesquisa e auxiliar na tomada de conclusões.
Ao mesmo tempo, ao tratar do tema habitação e cidade moderna,
o estudo se reporta a perspectivas apontadas por pesquisas já
realizadas no âmbito deste Programa de Pós-graduação, entre as
quais destacamos, por proximidade, as teses de doutorado de
Carlos Eduardo Dias Comas (Precisões brasileiras: sobre um estado
passado da arquitetura e urbanismo modernos a partir dos
projetos e obras de Lucio Costa, Oscar Niemeyer, MMM Roberto,
Affonso Reidy, Jorge Moreira & cia., 1936-45)
29
, e José Artur D`Aló
Frota (El vuelo del fenix : la aventura de una idea: el movimiento
moderno en tierras brasilenas)
30
; as dissertações de mestrado de
22
KLEIHUES, Josef Paul; KAHLFELDT, Paul; LEPIK, Andres; SCHÄTZE, Andreas
(2003). Josef Paul Kleihues. The Art of Urban Architecture. Berlim: Nicolaische
Verlagsbuchhandlung.
23
KLEIHUES, Josef Paul e LAMPUGNANI; Vittorio Magnano (1984). Modelle für
eine Stadt. Schriftenreihe zur Internationalen Bauausstellung Berlin. Die
Neubaugebiete. Dokumente. Projekte. Volume 1. Berlim: Siedler Verlag.
24
VÁZQUEZ, Carlos Garcia (2000). Berlin – Potsdamer Platz. Metrópoli y
arquitectura em transición. Barcelona: Fundacion Caja de Arquitectos.
25
STIMMANN, Hans (2001). Von der Architecktur zur Stadtdebatte. Die Diskussion
um das Planwerk Innenstadt. Berlim: Verlaghaus Braun.
26
OSWALT, Philipp (2000). Berlin: Stadt ohne Form. Strategien einer anderen
Architektur. Munique: Prestel Verlag.
27
ZOHLEN, Gerwin (2002). Auf der Suche nach der verlorenen Stadt. Berliner
Architektur am Ende des 20. Jahrhunderts. Berlim: Nicolaische
Verlagsbuchhandlung.
28
PASSARO, Laís Bronstein (2002). Fragmentos de uma crítica: revisando a IBA de
Berlim. Tese de doutorado. UPC: Barcelona.
29
COMAS, Carlos Eduardo Dias (2002). Precisões brasileiras: sobre um estado
passado da arquitetura e urbanismo modernos a partir dos projetos e obras de
Lucio Costa, Oscar Niemeyer, MMM Roberto, Affonso Reidy, Jorge Moreira & cia.,
1936-45. Tese de Doutorado. Universidade de Paris VIII: Vincennes, Saint Dennis.
30
FROTA, José Artur D'Aló (1997). El vuelo del fenix : la aventura de una idea : el
movimiento moderno en tierras brasilenas. Tese de Doutorado. Barcelona:
Universitat Politecnica de Catalunya. Escola Tecnica Superior D'Arquitectura de
24
Fernanda Jung Drebes (O Edifício de Apartamentos e a Arquitetura
Moderna Brasileira)
31
, Carlos Fernando Silva Bahima (Edifício
moderno brasileiro: a urbanização dos cinco pontos de Le
Corbusier 1936-57)
32
, e Suzy Suely Pereira Simon (Berlim – a
construção da paisagem urbana contemporânea)
33
; e as
monografias de Cláudia Piantá Costa Cabral (Habitação coletiva
mínima no movimento moderno europeu: realizações do periodo
entre guerras)
34
, Maria Fátima Beltrão (Levantamento de dados
sobre o projeto de Oscar Niemeyer para edifício residencial no
bairro Hansa, Alemanha)
35
, e Maria Luiza Adams Sanvitto
(Habitação coletiva para a classe média na arquitetura moderna de
Porto Alegre entre 1935 e 1960)
36
, realizadas para disciplinas do
PROPAR. Além disso, este estudo inclui trecho do artigo “Niemeyer
em Berlim”,
37
de autoria de Mara Oliveira Eskinazi e Carlos
Eduardo Dias Comas, publicado na revista Arqtexto, números 10-
11, de agosto de 2008, que trata de uma análise comparativa
entre a versão original e a versão efetivamente construída para o
edifício projetado pelo arquiteto brasileiro para a Interbau.
Deste modo, a análise da Interbau servirá também como meio
para entender as reações de Berlim aos diversos planejamentos
urbanísticos pelos quais a cidade passou, além dos motivos pelos
quais atualmente é considerada uma cidade extremamente
pluralista e fragmentada do ponto de vista arquitetônico e
urbanístico. Para tanto, é necessário compreender a exposição
como parte de um problema complexo e representativo da história
da cidade, que passou por processos de destruição, divisão e
reunificação que culminaram em uma infinidade de projetos que
discutem meios para reconstruí-la. Estes projetos geraram
fragmentos de conceitos arquitetônicos e urbanísticos que dão
forma à cidade, reforçando a discussão a respeito de que a
identidade arquitetônica de Berlim é tão variada quanto os
próprios fragmentos de cidade que nela convivem. Além disso, a
análise dos meios utilizados para reconstruir Berlim traz também
questionamentos sobre a cidade com suas tradições e sobre como
transformação e tradição se relacionam em um processo de
mudança.
Cabe aqui também salientar algumas considerações metodológicas
utilizadas para o desenvolvimento da abordagem da temática
escolhida. A pesquisa objetivou, para analisar as tipologias
habitacionais construídas pela Interbau, compreender a exposição
tanto a partir dos eixos articuladores que envolveram os seus
fundamentos e suas conceituações teóricas, quanto a partir do
projeto urbanístico e do modelo de cidade proposto. Para tanto, foi
Barcelona (ETSAB). Programa de Doctoradt Estetica i Teoria de L'Arquitectura
Moderna.
31
DREBES, Fernanda Jung (2004). O Edifício de Apartamentos e a Arquitetura
Moderna Brasileira. Dissertação de Mestrado. Porto Alegre: PROPAR-UFRGS.
32
BAHIMA, Carlos Fernando Silva (2002). Edifício moderno brasileiro: a
urbanização dos cinco pontos de Le Corbusier 1936-57. Dissertação de Mestrado.
Porto Alegre: PROPAR-UFRGS.
33
SIMON, Suzy Suely Pereira (2006). Berlim – a construção da paisagem urbana
contemporânea. Dissertação de Mestrado. Porto Alerge: PROPAR-UFRGS.
34
CABRAL, Cláudia Piantá Costa (1996). Habitação coletiva mínima no movimento
moderno europeu: realizações do periodo entre guerras. Monografia. Porto Alegre:
PROPAR – UFRGS.
35
BELTRÃO, Maria Fátima (2002). Levantamento de dados sobre o projeto de
Oscar Niemeyer para edifício residencial no bairro Hansa, Alemanha. Monografia.
Porto Alegre: PROPAR – UFRGS.
36
SANVITTO, Maria Luiza Adams (2001). Habitação coletiva para a classe média
na arquitetura moderna de Porto Alegre entre 1935 e 1960. Relatório de pesquisa.
Porto Alegre: PROPAR – UFRGS.
37
ESKINAZI, Mara Oliveira, e COMAS, Carlos Eduardo Dias (2008), op. cit, págs.
114-155.
25
montado um sistema de relações que permitisse explicar as
análises teóricas que servem de pano de fundo para o momento
histórico estudado.
Assim, o movimento da investigação segue principalmente duas
frentes de discussão. A primeira delas envolve, a partir de uma
revisão bibliográfica e localização das fontes secundárias de
pesquisa, os procedimentos analíticos relacionados com as
considerações e referenciais teóricos mais significativos, além de
uma análise do material crítico produzido no período. Já a segunda
linha de pesquisa envolve a identificação da documentação gráfica
dos projetos, ou seja, a revisão específica do projeto dos edifícios
a partir da análise de desenhos como plantas, cortes, fachadas e
perspectivas, encontrados em catálogos originais, livros e revistas
monográficas; nesta etapa, os edifícios analisados serão
classificados por tipologias, e o edifício de Oscar Niemeyer foi
escolhido, por motivos expostos ao longo do trabalho, para ser
analisado em maior profundidade.
Além disso, esta segunda linha de pesquisa envolveu duas visitas a
Berlim, que possibilitaram pequisa e coleta de material
in loco
e
realização de levantamento fotográfico próprio. As visitas também
possibilitaram a concretização de contatos pessoais com algumas
pessoas envolvidas profissionalmente ou pessoalmente tanto com
o Hansaviertel – como Gabi Dolff-Bonekämper, historiadora de
arquitetura, professora na TU Berlin e autora do livro “Das
Hansaviertel – Internationale Nachkriegsmoderne in Berlin”;
Marlene Zlonicky, arquiteta e urbanista, moradora da barra de
quatro pavimentos projetada por Paul Schneider-Esleben e então
presidente da associação de moradores do bairro; e Heimbert e
Christiane Wolff, casal de moradores do edifício projetado por
Oscar Niemeyer desde a época de sua inauguração – como
também com a IBA – como Jan Kleihues, arquiteto, filho de Josef
Paul Kleihues, e atual diretor do escritório fundado pelo pai.
A primeira visita, realizada nos meses de janeiro a março de 2006,
foi viabilizada por bolsa de estudos concedida pelo Instituto
Goethe Porto Alegre. A segunda, realizada nos meses de janeiro a
março de 2007, foi viabilizada por bolsa de estudos concedida pelo
DAAD (Deutscher Akademischer Austauschdienst) e por
oportunidade de estágio concedida por Gabi Dolff-Bonekämper no
Schinkel Zentrum da TU Berlin – centro que desenvolve pesquisas
sobre a arquitetura moderna produzida no pós-guerra em Berlim.
Portanto, a metodologia utilizada na abordagem da temática
escolhida é diversificada (uma vez que é possível apresentar mais
de uma abordagem para o tema, e ela varia de acordo com o
material disponível e com sua relevância; é possível, inclusive, o
estudo de mais de um enfoque caso estes sejam complementares
ou dependentes) e apresenta uma revisão bibliográfica e uma
caracterização da problemática – tanto do ponto de vista
arquitetônico e urbanístico, quanto histórico, político, social,
econômico e cultural – no universo da pesquisa.
A revisão dessas análises bibliográficas, históricas, críticas e
comparativas permitirá a obtenção de conclusões a respeito de
modelos de cidades construídos sob a ótica da arquitetura
moderna, e também aqueles fragmentos de cidade que foram
(re)construídos a partir das críticas que este modelo originou.
Essas conclusões permitirão avaliar também algumas das
conseqüências urbanísticas sofridas por Berlim com o processo de
destruição e posterior divisão, e as conseqüências que sofre
atualmente devido ao processo de reunificação ainda em curso.
26
1.2. A TRADIÇÃO ALEMÃ E BERLINENSE EM REALIZAR
EXPOSIÇÕES DE ARQUITETURA
A Alemanha desenvolveu, desde o final do século XIX e ao longo
de todo século XX, uma significativa tradição na realização de
exposições de arquitetura e na construção de bairros habitacionais
modernos. Esses objetivam, principalmente, divulgar as expressões
de vanguarda cultural produzidas no país em termos de
arquitetura e de planejamento urbano.
As diversas exposições conjuntos habitacionais construídos a partir
dos anos 20 na Alemanha foram peças fundamentais para o
processo de afirmação da arquitetura moderna no país – exceção
feita à IBA 1987, que se posicionou em clara oposição aos modelos
anteriores. É através da difusão destes projetos relacionados com
a habitação social que a fórmula ensaiada de modo pioneiro nos
anos 20 e que, ao longo dos 30, se impôs como solução canônica
ao problema da moradia moderna, se consolida.
Entre as exposições mais importantes, cinco foram realizadas
antes da Interbau – as de 1889, 1910, 1914, 1927 e 1931 – e uma
depois – a de 1987. As exposições anteriores à Interbau já
expressavam de forma muito clara essas manifestações de
vanguarda, como a exposição de 1889 coordenada por Joseph
Maria Olbrich em Darmstadt, celebrando o ápice do Jugendstil. Um
pouco mais tarde, em 1910, desenvolveu-se, em Berlim, sob a
coordenação de Werner Hegemann, a Exposição Geral de
Urbanismo, cujo principal objetivo era o de realizar, com base nos
resultados do concurso para o “projeto geral de desenvolvimento
urbano da metrópole de Berlim”, um planejamento global
controlado de reestruturação para o crescimento desordenado da
cidade, e, ao mesmo tempo, criar uma cidade digna de representar
a capital do recém estabelecido
Reich
Alemão.
38
Duas das mais importantes exposições de arquitetura da primeira
metade do século XX na Alemanha, a de 1914 em Colônia e a de
1927 em Stuttgart, foram promovidas pelo Deutsche Werkbund,
onde está a ascendência mais próxima da Bauhaus. O Werkbund
foi uma associação fundada em Munique em 1907 cuja breve
existência (já que foi interrompida pelo início da I Guerra Mundial)
deveu-se a um conjunto de artistas, artesãos e publicitários que
incluía, entre seus fundadores, nomes do núcleo de pioneiros do
modernismo na arquitetura, como Peter Behrens, Joseph Maria
Olbrich, Theodor Fischer, Josef Hoffmann e Fritz Schumacher,
entre outros. Segundo Benevolo, o Deutscher Werkbund foi:
“A
mais importante organização cultural alemã de antes da
guerra, fundada em 1907 por um grupo de artistas e críticos
associados a alguns produtores, (...) e abrigou, entre 1907 e
1914, a nova geração de arquitetos alemães: Gropius, Mies,
Taut. Duas personalidades de excepcional relevo servem de
mediadores entre essa geração e a anterior, a qual iniciou a
renovação da cultura arquitetônica: van de Velde e Peter
Behrens. A contribuição do primeiro é sobretudo de ordem
intelectual, enquanto que o segundo age como exemplo de
trabalho prático e é, talvez, como supõe Argan, a figura
chave para a compreensão dessa passagem essencial na
história da arquitetura moderna.”
39
38
Para uma cronologia das exposições de arquitetura realizadas em Berlim, ver
Revista A+U Extra Edition, número 5, maio/ 1987, anexo 1.2 (Building Exhibitions in
Berlin), pág. 255.
39
BENEVOLO, Leonardo (1976). História da Arquitetura Moderna. São Paulo:
Perspectiva, pág. 376.
Hermann Muthesius e Henry van de Velde.
(Fonte: www.nautilus.fis.uc.pt)
27
Ou seja, seu objetivo era aprimorar a produção industrial alemã
em todos os níveis, através de uma ação conjunta entre a arte, a
indústria e o artesanato, em uma permanente busca por uma
reconciliação dos princípios do bom desenho com as necessidades
da máquina.
40
Embora as suas raízes estivessem no movimento
Arts & Crafts, ao contrario deste, o Werkbund não buscava um
retorno nostálgico ao artesanato medieval, mas sim uma harmonia
entre a arte e a indústria.
41
Este movimento teve na figura de Hermann Muthesius um dos
seus grandes incentivadores, que considerava que apenas os
objetos feitos pela máquina eram produzidos de acordo com a
natureza econômica da época. Muthesius sugeriu que se buscasse
nas construções das novas estações ferroviárias, salões de
exposição e pontes as possibilidades desse novo estilo, sem
ornamentação exterior e com formas vocacionadas para os fins a
que se destinavam. Deste modo, no Deustche Werkbund
manifestaram-se duas correntes dominantes na época: por um
lado, a padronização industrial e tipificação dos produtos e, por
outro, a busca pela individualidade artística.
A DEUTSCHE WERKBUND AUSSTELLUG DE 1914 EM COLÔNIA
A primeira exposição realizada pelo Werkbund, a Deutsche
Werkbund Ausstellung de 1914 em Colônia, representou, segundo
Eskinazi,
42
uma contribuição de extrema relevância ao debate
sobre as questões conceituais subjacentes aos primórdios do
movimento moderno, na medida em que se caracterizou como
uma verdadeira mostra de arquitetura alemã de vanguarda. Os
edifícios nela presentes representavam as posições divergentes e
mesmo antagônicas dos membros da associação, fornecendo um
punhado de imagens de impacto que iriam estabelecer cânones
formais e alimentar a retomada deste debate no período
imediatamente subseqüente ao término da I Guerra Mundial.
A exposição demonstrou a rica variedade de manifestações
protomodernistas na Alemanha, abrangendo desde a fábrica
modelo de Gropius e Meyer – que, não obstante suas virtudes,
permaneceu aquém do nível alcançado anteriormente com sua
fábrica Fagus, de 1911, também na Alemanha – até a Glasshaus,
de Bruno Taut, e o Werkbund Theater, teatro expressionista
projetado por Henry van de Velde em 1914 para cidade de
Colônia
43
-, sendo os dois últimos exemplares citados totalmente
opostos em sua conceituação e formalização.
De qualquer forma, a exposição do Deutsche Werkbund
serviu para oferecer o mais significativo e avançado
conjunto de ícones formais de uma época e de um século, o
XIX, que, na verdade, somente então, com a eclosão da I
40
CURTIS, William J. R (1999), op. cit., págs. 99-100.
41
Segundo o Programa do Deutsche Werkbund, “A Associação deseja realizar uma
seleção das melhores forças ativas na arte, na indústria, no artesanato e no
comércio. Deseja coordenar o que existe de rendimento qualitativo e aspiração no
trabalho profissional. Constitui um ponto de convergência para todos aqueles que
estejam dispostos e sejam capazes de realizar um trabalho de qualidade, (...) que
desejam criar para si mesmos e para outros um centro, que represente seus
interesses sob a ação exclusiva de seu conceito de qualidade. O objetivo da
Associação, por conseguinte, é o enobrecimento do trabalho profissional na
cooperação da arte, da indústria e do artesanato através da educação, da
propaganda e da tomada de decisão conjunta em questões de sua competência.
Estatuto da Associação, apud MARCHAN FIZ, Simon, 1974, pág. 33.
42
ESKINAZI, Davit (2003). A arquitetura da exposição comemorativa do centenário
farroupilha de 1935 e as bases do projeto moderno no Rio Grande do Sul.
Dissertação de Mestrado. PROPAR-UFRGS, pág.32.
43
DAVEY, Peter e CLELLAND, Douglas (1987). Berlin: Origins to IBA. Revista
Architectural Review, nº 1082, abril de 1987, págs. 23-25.
Cartazes da Deutsche Werkbund Ausstellung, de
1914 em Colônia. (Fonte: www.nautilus.fis.uc.pt)
Glasshaus, de Bruno Taut.
(Fonte: www.landesausstellung1905.de)
Implantação da Deutsche Werkbund Ausstellung, de
1914 em Colônia.
(Fonte: www.landesausstellung1905.de)
Werkbund Theater, de Hanery van de Velde.
(Fonte: www.landesausstellung1905.de)
28
Guerra, chegava realmente ao seu final, apontando, nos
seus símbolos, os caminhos de uma retomada do debate em
curso a ser realizada com a devida propriedade e
profundidade apenas a partir das novas condições
econômicas estabelecidas após o final do conflito e ao longo
da década seguinte
”.
44
O WEIßENHOFSIEDLUNG DE 1927 EM STUTTGART
Dando continuidade aos esforços do Werkbund para aprimorar a
produção industrial alemã, Mies van der Rohe convoca em 1927 os
alemães Walter Gropius, Peter Behrens, Hans Scharoun, Adolf
Schneck, Bruno e Max Taut, Ludwig Hilberseimer, Hans Poelzig,
Adolf Rading e Richard Döcker; os franceses Le Corbusier e Pierre
Jeanneret; os holandeses Jacobus J. Pieter Oud e Mart Stam; o
belga Victor Bourgeois; e o austríaco Josef Franke, para construir,
em Stuttgart, com o lema "A Habitação" (
Die Wohnung
), o
Weißenhofsiedlung
,
segunda exposição promovida pela associação.
A realização de Stuttgart insere-se no conjunto da experiência
européia do entre-guerras que consistiu na elaboração de idéias
modernas sobre o programa da habitação coletiva e social, cujos
resultados teriam influenciado diversas realizações semelhantes
ocorridas posteriormente na Alemanha e na Europa.
45
Com isso, a
experiência do
Weißenhofsiedlung
assemelha-se, em alguns
aspectos, à iniciativa da Interbau – mesmo esta última estando
inserida no contexto do pós-guerra, e não no entre-guerras – com
relação a determinadas condições especiais que as cercam, como a
variedade tipológica e a participão simultânea de diversos
arquitetos, locais e estrangeiros. Tema central do II CIAM,
realizado em Frankfurt em 1929
,
a definição do
Existenzminimum
– ou seja, a definição da célula habitacional mínima com base em
requisitos econômicos, biológicos e sociais
46
– permeou tanto a
realização do
Weißenhofsiedlung
,
como esteve presente na
concepção de alguns dos edifícios do Hansaviertel.
Diversos arquitetos participantes do
Weißenhofsiedlung
possuiam
experiências anteriores na constituição de trechos autônomos de
cidade moderna,
47
e neste ponto destaca-se um dos mais
importantes aspectos que diferencia a iniciativa da Interbau
quando comparada aos demais bairros modernos até então
construídos. Enquanto a Interbau criou um fragmento de cidade
moderna no coração de Berlim, as operações urbanas decorrentes
de projetos federais para habitação de baixo custo, movidas pela
busca por terrenos baratos, não implantaram os novos bairros nos
populosos centros urbanos, mas sim em regiões industriais e
perfiféricas, onde as cidades ainda não haviam chegado, o que
exigiu grandes extensões do sistema viário às zonas suburbanas.
44
ESKINAZI, Davit (2003), op. cit., pág. 33.
45
A despeito da diversidade das constribuições, tanto do ponto de vista tipológico
quanto pelos distintos graus de maturidade arquitetônica das propostas – cuja
implicação e investimento em temas propriamente compositivos é tão variável
como seu significado singular para a constituição do movimento moderno na
arquitetura – como conjunto, o Weissenhofsiedlung compunha uma assertiva
arquitetônica coerente.” Em: CABRAL, Cláudia Piantá Costa (2007),
Weißenhofsiedlung, Stuttgart, 1927: um bairro moderno, pág. 1 (artigo não
publicado).
46
MUMFORD, Eric (2002). The CIAM discourse on urbanism, 1928-1960.
Cambridge, Massachussets: Mit Press, págs. 37-38.
47
É também importante considerar que três arquitetos que construíram no
Weißenhofsiedlung – Max Taut, Walter Gropius e Le Corbusier – também fizeram
projetos para a Interbau.
Implantação e vista aérea do Weißenhofsiedlung, de
1927 em Stuttgart.
(Fonte: www.docomomo.de)
Esquerda: Cartaz da exposição “Die Wohnung”,
exibida durante a mostra de Stuttgart, em 1927.
Direita: Le Corbusier e Mies van der Rohe em
Stuttgart, em 1927.
(Fonte: www.studiointernational.co.uk)
29
OS BAIRROS HABITACIONAIS BERLINENSES DOS ANOS 20 E A
AFIRMAÇÃO DA ARQUITETURA MODERNA
Em Berlim, encontramos exemplos de conjuntos habitacionais
modernos construídos em regiões periféricas da cidade. Entre
estas iniciativas, destacam-se, no entre-guerras, o Siedlung
Eichkamp, de 1920; o Hufeisensiedlung Britz, projetado em 1925
por Bruno Taut e localizado a sudeste de Berlim; o Waldsiedlung
Zehlendorf ou Onkel-Toms-Hütte, projetado entre 1926-32 por
Bruno Taut, Hugo Häring e Otto Rudolf Salvisberg; os blocos
habitacionais de Mies van der Rohe para Afrikanischerstraße,
distrito operário de Berlim, de 1926-27; e o Großsiedlung
Siemensstadt, de 1929-31. Fora de Berlim, também encontramos
exemplos, como o bairro operário Pessac, projetado por Le
Corbusier a partir de 1924; o bairro Dessau-Törten, projetado por
Walter Gropius em 1926; e as vivendas em fita de Oud para Hoek
van Holland, de 1926, e para o bairro de Kiefhoek, de 1925.
48
O Hufeisensiedlung Britz, ou, em tradução literal, bairro-ferradura,
foi um dos primeiros grandes bairros habitacionais a ser construído
na periferia de Berlim. Projetado entre 1925-27 segundo projeto
de Bruno Taut e Martin Wagner, o bairro incorpora barras de três
pavimentos implantadas, em sua maioria, no sentido norte-sul e
articuladas a partir de um núcleo central em forma de ferradura.
As barras de diferentes comprimentos abrigam mais de 1.000
unidades residenciais e estão aqui organizadas como quarteirões
perimetrais que definem grandes áreas ajardinadas internas.
O Onkel-Toms Hütte é o segundo bairro habitacional projetado por
Bruno Taut para Berlim, porém desenvolvido em parceria com
Hugo Häring e Otto Rudolf Salvisberg. Construído em sete partes
entre 1926-32, o
Siedlung
localiza-se no bairro de Zehlendorf,
periferia da cidade, e abriga aproximadamente 1.106 unidades
habitacionais distribuídas em edifícios multifamiliares de dois a três
pavimentos, além de 809 residências unifamiliares. Neste projeto,
Taut renuncia ao emprego do
Zeilenbau
da forma como ele foi até
então sistematicamente aplicado e sugerido – ou seja, implantado
com seu sentido longitudinal orientado na direção norte sul, com
as áreas de estar voltadas para o oeste e as áreas de dormir para
o leste. Contudo, Taut demonstra seu engajamento com a cultura
moderna e com os ideais dos anos 20 através da busca de uma
relação equilibrada entre espaços livres construídos, uma vez que
faz corresponder, para cada residência unifamiliar ou apartamento
térreo, uma área ajardinada de aproximadamente 200m².
O bairro de Siemensstadt, projetado entre 1929-31 por Hans
Scharoun, transfere para a prática a idéia de construir bairros
habitacionais em meio a grandes e fluidas áreas verdes. O rígido
sistema de quarteirões do tardio século XIX foi confrontado com
um modelo urbanístico de estrutura construtiva e espacial
modernas, conformando quarteirões abertos em meio ao verde. Os
edifícios em linha, projetados por Walter Gropius, Otto Bartning,
Hugo Häring, Fred Forbat, Paul Rudolf Henning e pelo próprio
Scharoun, foram implantados ora perpendicularmente às ruas e
ora seguindo o alinhamento das mesmas, sejam elas de traçado
retilíneo, ou suavemente curvas. Além disso, o bairro foi muito
utilizado pelos planejadores do pós-guerra como modelo para o
desenvolvimento de suas propostas futuras.
O
Weissenhofsiedlung
relaciona-se, portanto, com os principais
bairros habitacionais construídos em Berlim nos anos 20 e com os
48
CABRAL, Cláudia Piantá Costa (2007), op. cit., pág. 4.
Hufeisensiedlung Britz, de 1925-27, projetado por
Bruno Taut e Martin Wagner.
(Fonte: www.housingprototypes.org)
Waldsiedlung Zehlendorf, ou Onkel-Toms Hütte, de
1926-32, projetado por Bruno Taut, Hugo Häring e
Otto Rudolf Salvisberg.
(Fonte: www.docomomo.de)
Vista aérea do Hufeisensiedlung Britz.
(Fonte: www.fotocomunity.de)
30
principais problemas de habitação e infra-estrutura urbana do
período do final do século XIX até meados da década de 30. Estes
problemas foram ocasionados, entre outros, devido ao enorme
incremento populacional verificado tanto nas cidades alemãs,
especialmente Berlim, quanto nas européias. Estas deficiências em
termos de moradia e estrutura urbana provocaram a eclosão das
propostas dos
Siedlungen
, com foco na habitação social, e a
conseqüente fundação do programa de ação moderno no país.
49
Se a relação entre arquitetura moderna e habitação social
pode ser descrita como uma relação de origem, o que torna
o
Weißenhofsiedlung
especial é sua dupla inserção como
momento histórico: ao mesmo tempo, a sedimentação de
um processo de afirmação da arquitetura moderna que vinha
já de antes da guerra, para o qual é em parte colheita de
resultados, mas também a possibilidade de catapultar
internacionalmente, em uma dimensão ampliada, todas
estas realizações, e nesse caso, constituindo uma etapa
inaugural para semear o movimento no plano europeu e
mundial. (...) O outro aspecto que singulariza o
Weißenhofsiedlung
é a condição especial de experimento
conferida pela ocasião da exposição, e pela atuação decisiva
de Mies nesse sentido“.
50
Deste modo, a habitação social pode ser vista como peça
fundamental do processo de fundação e de afirmação do programa
de ação moderno. Em decorrência das deficiências habitacionais
encontrava no período que sucedeu a I Guerra Mundial, é
construído um enorme número de edificações habitacionais de
cunho social, que deram espaço para a implementação de uma
mudança dos padrões anteriormente estabelecidos, onde o
quarteirão fechado prevalecia. Estes novos arranjos espaciais
dissolviam a ordem estável em que a cidade “haussmanniana”
51
se
assentava, apresentando edificações soltas nos terrenos, e assim
gerando espaços com mais áreas verdes para a cidade.
Além disso, de acordo com Martí Arís,
52
a experiência dos
Siedlungen
deve algo ao precedente inglês da cidade jardim, já
que ele se origina de uma reflexão a respeito deste modelo de
cidade, porém submetido a uma depuração conceitual com relação
a temas tais como a estrutura viária, as condições de ventilação ou
a hierarquia de espaços públicos e privados. Pode-se afirmar,
portanto, que os
Siedlungen
constituem uma crítica à condição
pictórica presente nas propostas de cidade jardim. No entanto, a
mudança mais importante que a experiência dos
Siedlungen
introduz na teoria inicial da cidade jardim é a que se refere à
concepção do feito urbano como conjunto – enquanto a cidade
jardim se apresenta como alternativa excludente com relação à
cidade compacta, o
Siedlung
centro-europeu dos anos vinte se
define como uma parte da cidade que se incorpora à estrutura
urbana pré-existente, tratando de a complementar e a diversificar.
49
PASSARO, Laís Bronstein (2002), op.cit., pág. 12.
50
CABRAL, Cláudia Piantá Costa (2007), op.cit., pág. 4.
51
O termo cidade “haussmanniana”, utilizado por Panerái (PANERAI, Philippe;
CASTEX, Jean; DEPAULE, Jean-Charles (1986). Formas urbanas: da la manzana
al bloque. Barcelona: Gustva Gilli, pág. 46) para descrever o tecido urbano da Paris
do século XVIII, é aplicável de modo genérico a outras cidades construídas na
mesma época, com características semelhantes, e será empregado neste trabalho
como sinônimo para a cidade oitocentista.
52
MARTÍ ARÍS, Carlos (2000), op. cit., pág. 21.
Siemensstadt, de 1929-31, projetado por Hans
Scharoun.
(Fonte: www.stadtentwicklungberlin.de)
Edifícios de Walter Gropius para o Siemensstadt.
(Fotografia: Mara Oliveira Eskinazi)
Edifício de Hans Scharoun para o Siemensstadt.
(Fotografia: Mara Oliveira Eskinazi)
31
A DEUTSCHE BAUAUSSTELLUNG DE 1931 EM BERLIM
Em 1931, após vários adiamentos e sofrendo a influência da crise
econômica mundial, a
Deutsche Bauausstellung
(Exposição da
Construção Alemã), realizada no Messehallen am Funkturm em
Berlim, dá continuidade às questões de cunho habitacional
levantadas nos anos anteriores e apresenta programas para
estimular a indústria da construção, reduzir o custo das habitações
e planejar espaços verdes mais amplos.
53
Apresentados sob um
enorme pavilhão através de fragmentos de edifícios de
apartamentos e interiores de apartamentos em escala real, os
temas discutidos na exposição incluem “Novas idéias para a
construção em massa em grandes áreas”, “A habitação para
rendimentos mínimos”, e a mostra “A habitação do nosso tempo”
(
Die Wohnung in unserer Zeit
), coordenada por Mies.
54
No
entanto, a ascensão do nazismo provoca a interrupção da
exposição de 1931 e uma estagnação generalizada no
desenvolvimento de tipologias e projetos arquitetônicos
influenciados pela arquitetura moderna.
A INTERBAU DE 1957 EM BERLIM
Após o final da II Guerra Mundial, enormes regiões de Berlim, e
principalmente as zonas mais centrais, encontravam-se arrasadas.
Cerca de 75% das moradias da cidade foram destruídas ou ficaram
inabitáveis, e o número de habitantes caiu de 4,33 milhões antes
da II Guerra Mundial para aproximadamente 2,0 milhões após a
mesma. Os bombardeios, entre outras conseqüências, cortaram
uma faixa do leste até o oeste na estrutura histórica da cidade, da
qual faziam parte as avenidas Unter den Linden e Straße des 17.
Juni, extinguiram a região ao sul do Tiergarten, e provocaram uma
desocupação do centro.
55
A enorme destruição provocada pela guerra e, conseqüentemente,
a enorme demanda habitacional, possibilitaram o aparecimento,
após a II Guerra Mundial, de novos conceitos de configuração
espacial em centros urbanos. A
Mietkasernenstadt
dos tempos da
fundação de Berlim, cuja miséria ainda encontrava-se muito
presente na década de 50, foi extremamente criticada na época,
especialmente devido a problemas como iluminação e ventilação
insuficientes, higiene precária e pátios internos escuros. Nesta
conjuntura, também a arquitetura nazista, com sua
monumentalidade e axialidade extremas, foi ideologicamente
evitada. Estava bastante claro que a reconstrução dos grandes
centros urbanos destruídos deveria seguir outro caminho.
É neste contexto de reconstrução da cidade que tem lugar durante
o segundo pós-guerra que se insere, como iniciativa arquitetônica
e urbanística, a Interbau, objeto central de investigação deste
estudo. A Interbau distingue-se das demais exposições de
arquitetura já realizadas na Alemanha devido tanto às proporções
da sua área de exposições, quanto ao tamanho dos edifícios
individualmente. De fato, projetos comparáveis não se encontram
nem na Europa Central e nem na Escandinávia, apesar da
reconhecida tradição de alguns países destas regiões em promover
projetos habitacionais de cunho social.
53
PASSARO, Laís Bronstein (2002), op. cit., pág. 15.
54
Revista A+U Extra Edition (1987), op. cit., pág. 255.
55
IMHOF, Michael e KREMPEL, Leon (2001), op. cit., pág. 5.
Pavilhão de exposições da Deutsche Bauausstellung
de 1931, e casa de Mies van der Rohe à direita.
(Fonte: Leitfaden – projekte, daten, geschichte.
Berichtsjahr 1984. Internationale Bauausstellung
Berlin 1987, pág. 12)
Mapa da cidade de Berlim com destaque para o eixo
leste-oeste conformado pela Straße des 17. Juni e
pela Unter den Linden, bastante destruído na guerra.
(Fonte: www.landkartenarchiv.de)
Modelo de configuração de uma Mietkasernenstadt,
em Kreuzberg, Berlim,1967.
(Fonte: Leitfaden – projekte, daten, geschichte.
Berichtsjahr 1984. Internationale Bauausstellung
Berlin 1987, pág. 9)
32
Porém, cabe aqui, ao contextualizar realizações habitacionais fora
da Alemanha, enfatizar a importância da Inglaterra
56
como
significativo antecedente. Dentro deste quadro, o país se coloca
como exceção, uma vez que promoveu, por ocasião do Festival of
Britain, em 1951, uma exposição de arquitetura de proporções
comparáveis à Interbau, em um bairro operário localizado na
região leste de Londres, próximo a East-India-Docks, chamado
Poplar – posteriormente renomeado para Lansbury Estate e
George Lansbury. Perante as particularidades dos estragos
provocados pelos bombardeios da II Guerra Mundial, o
Departamento de Planejamento de Londres decidiu replanejar o
bairro como um todo, e, para tanto, baseou-se no modelo de
urbanismo moderno.
57
OS IDEAIS URBANÍSTICOS DOS ANOS 50
Na Interbau, foram mostrados em uma área de exposições no
Hansaviertel os ideais urbanísticos da época para a “cidade do
amanhã”, ideais estes que não aparecem na década de 50 como
estreantes. De fato, esta década colheu os frutos das propostas
modernas, e os ideais programáticos dos anos 20 constituem-se
como as maiores influências para o modelo de urbanismo
praticado na Interbau. A experiência dos anos 20 ofereceu a base
para a defesa tanto do Zeilenbau de altura média de Ernst May
quanto para a aposta de Walter Gropius nos blocos de dez ou doze
pavimentos – ambas tipologias e polêmica também presentes no
plano urbanístico da Interbau. De acordo com Cabral, “
a
experiência dos 20 no campo da habitação coletiva representa um
dos grandes momentos da tradição centro-européia de
investimento público na moradia social, através da qual se funda
uma nova prática de pensar a cidade desde a habitação
”.
58
As reformas sociais dos anos 20 sugeriram novos modos de vida e
novos modelos habitacionais para as cidades. Nos ideais dessas
reformas, a natureza teve um papel decisivo, como se pode
apreender de um trecho da Segunda Parte da Carta de Atenas,
onde é traçada a seguinte observação a respeito do estado atual
crítico das cidades: "
O crescimento da cidade devora
progressivamente as superfícies verdes limítrofes sobre as quais se
debruçavam as sucessivas muralhas. Esse afastamento cada vez
maior dos elementos naturais aumenta proporcionalmente a
desordem higiênica
“. Ou seja, segundo o documento, é preciso
exigir que “
os bairros habitacionais ocupem no espaço urbano as
melhores localizações, aproveitando-se a topografia, observando-
se o clima, dispondo-se da insolação mais favorável e de
superfícies verdes adequadas
”.
59
56
Apesar de que, na Inglaterra, de um modo geral, a arquitetura residencial toma
um outro caminho. Em Londres, a partir da busca pelo desenvolvimento da idéia de
cidade jardim e do princípio de vizinhança, propagaram-se as “New Towns”, bairros
com entre 6.000 a 10.000 habitantes, dotados de escola básica e um pequeno
centro comercial.
57
Posteriormente, a mesma área testemunhou também a construção do complexo
de Robin Hood Gardens, projetado por Alison e Peter Smithson entre 1966-72. O
conjunto ocupa um terreno de aproximadamente 2 hectares e consiste em duas
longas barras em concreto aparente, uma com dez e outra com sete pavimentos.
Ao todo, os edifícios, implantados em uma grande área arborizada, comportam 213
apartamentos, alguns deles duplex. Aqui, os Smithson desenvolveram uma de suas
mais importantes concepções de projeto, as ruas elevadas, e, assim, ruas internas
foram construídas a cada 3 andares.
58
CABRAL, Cláudia Piantá Costa (2007), op. cit., pág. 3.
59
Carta de Atenas, novmebro de 1933. Segunda Parte. Estado Atual Crítico das
Cidades. Habitação. Observações de número 11 e 23. Assembléia do CIAM –
Congresso Internacional de Arquitetura Moderna – 1933.
Pórtico de acesso e implantação da exposição de
arquitetura realizada durante o Festival of Britain de
1951 para a reconstrução do bairro londrino de Poplar.
(Fontes: DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT,
Franziska (1999). Das Hansaviertel - Internationale
Nachkriegsmoderne in Berlin, pág. 43; e www.
vads.ahds.ac.uk)
33
Portanto, pode-se afirmar que o planejamento urbano e
paisagístico a ser praticado nos anos 50 e, conseqüentemente, no
novo Hansavaiertel, significou o renascimento e a consagração da
revolução na fisionomia urbana que a paisagem de Berlim e de
outras cidades da Alemanha vinham desenvolvendo desde os anos
20, com a implantação dos
Siedlungen
, que encontraram no
Weißenhofsiedlung
seu ideal máximo de representação.
60
Os ideais de configuração das áreas livres dos anos 50 valorizavam
a paisagem urbana e a socialização das áreas verdes, e
enfatizavam o significado da área livre como ampliação da área de
morar. O ponto de partida para este planejamento, que
apresentou um forte viés social, foi a configuração dos espaços de
uso humano – a casa, o edifício e o jardim –, ou seja, o
reconhecimento de que a solução dos problemas das grandes
cidades não se localizava mais no campo, mas sim na própria
cidade, através de uma combinação equilibrada entre áreas
edificadas e áreas verdes. A área construída teria uma continuação
nos espaços não construídos, a área de morar das casas e dos
apartamentos seria ampliada para um jardim utilizável. Os jardins
deveriam servir como áreas habitáveis em áreas verdes públicas,
ou seja, como áreas sociais livres.
61
Com isso, o mobiliário e os equipamentos urbanos das áreas livres
e jardins adquirem uma grande importância. Os espaços exteriores
deveriam ser mobiliados com mesas, bancos e outros, assim como
os espaços interiores o são. E assim como as cidades, de acordo
com a Carta de Atenas, deveriam ser zoneadas por funções,
também os jardins, para que pudessem ser socializados, deveriam
ser zoneados e adequadamente equipados, e cada área deveria
receber diferentes atividades, como esporte, lazer, jogos, sentar,
plantar, etc. – ideais também advindos dos anos 20. Como
consequência da reordenação das diferentes zonas funcionais, as
ruas e os caminhos assumem um papel de destaque, já que
deveriam conectar os diferentes usos.
62
Logo, ao transportar os ideais urbanísticos dos anos 20 para os 50,
a cidade de Berlim estabeleu dois objetivos urbanos essenciais
como alicerces para os projetos de reconstrução do pós-guerra: a
diminuição da densidade populacional, e o emprego dos elementos
naturais da paisagem urbana como base para a reconstrução da
cidade.
63
Entretanto, na Berlim dos anos 50, considerando-se que
o grande volume de bairros construídos localizam-se em regiões
periféricas da cidade, é possível afirmar que a grande chance de
reconstruir bairros centrais destruídos pela guerra, que antes dos
bombardeios apresentavam uma alta concentração populacional,
não foi adequadamente aproveitada.
Em vista disso, o Hansaviertel acabou por configurar-se como
exceção no quadro arquitetônico do momento. Embora localize-se
em meio a uma ampla área verde, o bairro caracteriza-se não só
geograficamente, como também estruturalmente, como uma área
central, já bastante consolidada antes da guerra. Os trens que
transitam regularmente, a estação de metrô, o trânsito intenso na
Altonaerstraße, e a densa urbanização na região a norte e a oeste
60
Bezirksamt Tiergarten von Berlin (1995). Das Hansaviertel - 1957 - 1993.
Konzepte, Bedeutung, Probleme, op. cit., pág. 6.
61
Bezirksamt Tiergarten von Berlin (1995). Das Hansaviertel - 1957 - 1993.
Konzepte, Bedeutung, Probleme, op. cit., pág. 7.
62
Bezirksamt Tiergarten von Berlin (1995). Das Hansaviertel - 1957 - 1993.
Konzepte, Bedeutung, Probleme, op. cit., pág. 7.
63
Bezirksamt Tiergarten von Berlin (1995). Das Hansaviertel - 1957 - 1993.
Konzepte, Bedeutung, Probleme, op. cit., págs. 6-7.
Esquema feito em 1946 para a reportagem “Wie
werden wir wohnen?” (como iremos morar?)
mostrando a configuração urbana predominante na
cidade de Berlim de ontem (gestern - a cidade
tradicional concentrada), hoje (heute - a cidade
destruída pela guerra) e amanhã (morgen - edifícios
soltos em meio a uma generosa área verde).
(Fonte: Bezirksamt Tiergarten von Berlin (1995). Das
Hansaviertel - 1957 - 1993. Konzepte, Bedeutung,
Probleme, pág. 8)
34
da elevada do trem são reconhecidamente marcas do centro de
uma grande cidade, e estão claramente presentes no bairro.
64
Portanto, apesar de o Hansaviertel ser considerado neste sentido
excepcional, por ter sido construído no centro urbano, e não nas
periferias – como de regra nas propostas residenciais modernas
dos anos 20 –, é também extremamente contemporâneo, uma vez
que transferiu para prática boa parte dos ideais de planejamento
então vigentes. Estes ideais foram tão determinantes para a
configuração dos espaços livres do Hansaviertel quanto foi especial
sua localização em vizinhança direta com o Tiergarten, já que a
imagem deste ideal de paisagem urbana era o de cidade no
parque. A importância das áreas verdes para a Interbau pode ser
demonstrada em trechos do catálogo reproduzidos no livro “Das
Hansaviertel - 1957 - 1993. Konzepte, Bedeutung, Probleme”:
65
A área verde, como parte da paisagem, é o centro da
cidade e conforma o suporte de sua estrutura”;
“Estes centros verdes devem ser conectados às periferias da
cidade através de artérias verdes de ligação amplamente
ajustadas aos condicionantes locais da paisagem”;
“Áreas verdes não são mais somente áreas de
estacionamento ou restos de áreas não construídas na
cidade; elas devem ser percebidas como uma viva e
funcional parte da paisagem”;
“Também a cidade deve ter seu suporte no verde; nenhuma
via de automóveis ou linha de trem deve penetrar nas áreas
verdes de forma a provocar distúrbios ou incômodos”.
Ou seja, está explícito programaticamente no catálogo oficial da
exposição que na idéia de cidade implícita na proposta residencial
formulada para a Interbau e, conseqüentemente, nas propostas
formuladas pela cultura moderna, a configuração das áreas livres e
o paisagismo tiveram um papel decisivo como suporte da
estruturação urbana. As áreas verdes foram agora configuradas
como espaços de permanência direcionados às pessoas, ou seja,
com um uso ativo por cidadãos de todas as classes sociais e
idades, e não mais como espaços unicamente representativos.
Porém, embora se costume destacar os aspectos de inovação do
urbanismo moderno com relação à cidade oitocentista, Martí Arís
66
coloca que a retomada da cidade como lugar em que a habitação
humana recupera o contato com a natureza, longe de constituir
uma ruptura com relação à história, tende a estabelecer sólidos
vínculos com a tradição positiva de construção da cidade e a
64
No convite direcionado em 1954 aos arquitetos participantes da Interbau, a
comissão organizadora escreveu: “O objetivo desta nova urbanização encontra-se
se na busca por uma solução arquitetônica e urbanística que represente os “novos
tempos” para o problema “pessoas e cidade grande”, ou seja, para habitar uma
região no centro da cidade fortemente conectada com o verde”. Para tanto, serviu
de base a exposição realizada por Erich Kuhn, que manifestou o desejo de colocar
a Interbau sob o tema “As pessoas na grande cidade verde do futuro” (Der Mensch
in der grünen Grossstadt der Zukunft), sugerindo as seguintes palavras condutoras,
(tradução livre do alemão pela autora): leve, limpo, confortável, festivo, colorido,
radiante, protegido (em alemão, leicht, heiter, wohnlich, festlich, farbig, strahlend,
geborgen). Considerando-se o estado de destruição em que boa parte da cidade
de Berlim ainda se encontrava, as palavras de Erich poderiam ser lidas como uma
esperançosa promessa de construção de um lugar onde a vida poderia recomeçar
desligada dos vestígios da guerra e das sombras do passado recente. Em: Interbau
Berlin 1957 (1957). Amtlicher Katalog der Internationalen Bauausstellung. Berlin,
1957, op. cit., págs. 324-327. Tradução livre da autora.
65
Bezirksamt Tiergarten von Berlin (1995). Das Hansaviertel - 1957 - 1993.
Konzepte, Bedeutung, Probleme, op. cit., pág. 6. Tradução livre da autora.
66
MARTÍ ARÍS, Carlos (2000), op. cit., pág. 42.
35
revelar a presença de importantes referências históricas com as
quais é possível estabelecer claras relações.
De acordo com Martí Arís, assim como na cidade oitocentista a
casa gerava a estrutura do agregado urbano, nas propostas de
cidade moderna são as tipologias residenciais as principais
definidoras da forma urbana.
67
Ou seja, no modelo de cidade
ambicionado pela Interbau, a arquitetura proporcionaria uma
combinação de diferentes tipos edificatórios e habitacionais, que
deveriam traçar um paralelo sociológico com a mistura
populacional e com a interpenetração entre cidade e natureza.
Com isso, pode-se afirmar que a importância do tema do espaço
livre para a cidade moderna provém da busca por uma relação
equilibrada entre espaço livre e espaço construído, já que os
modelos residenciais se definem por meio da relação que
estabelecem com o espaço livre que lhes é próprio.
A IBA DE 1987 EM BERLIM
Dos mais de 50 anos que se seguiram à Interbau até os dias
atuais, Berlim realizou somente mais uma exposição de
arquitetura, a IBA (
Internationale Bauausstellung
) de 1987.
Segundo Gracia, enquanto a Interbau de 1957 representa a
implantação do bloco isolado em um espaço livre e de extensão
ilimitada, cujos edifícios isentos e autônomos geram vias de
tráfego intenso em substituição às ruas, e as praças desaparecem
em favor de espaços indeterminados e residuais, a IBA de 1987 se
fundamenta na recomposição do tecido urbano semi-destruído
mediante a criação de um novo tecido conjuntivo, em que a rua
adquire novo sentido e, por oposição, a via e a praça nascem
segundo a lógica da trama tradicional.
68
Como, sob o ponto de vista da teorização arquitetônica de cada
momento, a Interbau e a IBA apresentam posições antagônicas
em diversos aspectos de seus respectivos desenvolvimentos,
podendo-se afirmar que uma representa uma crítica expressa aos
preceitos teóricos da outra e vice-versa, cabe aqui traçar algumas
considerações a respeito da IBA – mesmo considerando-se que ela
é uma realização posterior ao foco deste trabalho –, já que, ao
colocar-se como grande momento crítico da Interbau, seu
entendimento torna-se crucial para a discussão do modelo de
cidade moderna proposto pela Interbau.
A mais recente Exposição Internacional de Arquitetura a ter lugar
em Berlim é também o mais ambicioso exemplo da tradição alemã
em realizar exposições de arquitetura. Inaugurada por ocasião do
750º aniversário de Berlim, a IBA foi fruto das teorizações geradas
a partir da revisão da arquitetura moderna, e encontrou no
pensamento de Aldo Rossi
69
e Colin Rowe
70
seus principais
embasamentos. Ou seja, ela surge em um contexto de crítica ao
modelo de cidade baseado no urbanismo moderno e aos planos de
reconstrução apresentados até a década de 60, que não ofereciam
medidas concretas para solucionar os problemas de degradação
crescente das antigas áreas centrais da cidade cortadas pelo Muro.
Estas novas diretrizes buscavam respostas em função da
observação e do estudo das características próprias de cada local,
como seu entorno, história, tradição, cultura, identidade e, acima
de tudo, em função da observação das reais necessidades dos
habitantes e da cidade existente.
67
MARTÍ ARÍS, Carlos (2000), op. cit., pág. 42.
68
DE GRACIA, Francisco (1992), op. cit., pág. 136-137.
69
ROSSI, Aldo (1977), op. cit.
70
JACOBS, Janes (2001), op. cit.
36
A exposição foi idealizada como uma oposição ao formato das
exposições anteriores realizadas em Berlim, que promoviam a
busca por um modelo de ideal urbano a ser reproduzido. E, apesar
da tradição alemã e berlinense em realizar exposições de
arquitetura, veremos a seguir que a IBA começa a ser delineada a
partir de premissas diferentes das utilizadas em exposições
anteriores, e é especialmente planejada para se desenvolver em
outras direções.
A idéia de realizar uma nova exposição internacional de arquitetura
em Berlim já fazia-se presente no meio arquitetônico desde 1974,
quando Hans Christian Mϋller, Diretor de Construções do Senado,
planejou a “Interbau 1981”. Baseando-se nas propostas de um
concurso urbanístico realizado em 1973, ele propôs uma
intervenção na área conhecida como “Quarteirão Diplomático”,
localizada ao redor do Landwehrkanal, ao sul do Tiergarten. A
nova exposição começaria a partir de discussões a respeito dos
resultados obtidos pela Interbau 1957.
No entanto, ao contrário da idéia de Mϋller, que havia proposto
uma exposição isolada nas proximidades do Tiergarten, se buscava
a realização de um evento integrado em que as áreas degradadas
e periféricas ao Muro deveriam ser restauradas através de um
plano de ação diferenciado segundo as diferentes necessidades
locais. Em 1977, esta idéia começa a ser questionada através da
publicação de uma campanha no jornal
Berliner Morgenpost
coordenada por Josef Paul Kleihues e Wolf Jobst Siedler chamada
Modelle für eine Stadt
” (modelos para uma cidade).
Na campanha do
Berliner Morgenpost
foram apresentados artigos
dos arquitetos James Stirling e Charles Moore, e dos historiadores
Wolfgang Pehnt e Heinrich Klotz, assim como de Siedler e
Kleihues. Kleihues propôs o programa da exposição de arquitetura
como uma parte de um longo programa de reparação e
desenvolvimento urbano
”. Um número de contribuições seguiu nos
meses subseqüentes, como por exemplo propostas para revitalizar
locais selecionados da cidade, em Meinekestraβe, em
Charlottenburg, ou em Prager Platz, em Wilmersdorf. Esta forma
de discussão, que até então foi conduzida principalmente pelas
comissões responsáveis e pelo círculo de especialistas, abriu
perspectivas além da mera consciência do estado deplorável que o
centro da cidade se encontrava – um forte indicativo foi o fato de
renomados arquitetos internacionais oriundos de paises como
Inglaterra, Itália e Estados Unidos estarem visivelmente
direcionados para o planejamento urbano.
71
A campanha tinha, portanto, como principal objetivo fazer com
que a Câmara Municipal de Berlim desistisse de desenvolver uma
intervenção em um ponto isolado da cidade, fornecendo, assim, as
bases para a aprovação do projeto da IBA. A idéia de que não
deveria ser somente uma apresentação tradicional de novos
edifícios havia obtido, com a publicação da campanha no jornal,
um considerável progresso, e deste modo a exposição foi tornada
pública de modo mais abrangente. Assim, enquanto a Câmara
decide, em 1978, organizar uma exposição internacional de
arquitetura que estivesse de acordo com as bases da campanha do
jornal, Kleihues e Siedler movimentavam-se na busca por realizar
um projeto integrado, que utilizasse diversas áreas da cidade para
abrigar a nova exposição. Deste modo, a IBA cumpriria com o
71
SCHÄTZE, Andréas. A Matter for the Polis. Cities, Architecture And The Public In
Germany. Em: KLEIHUES, Josef Paul; KAHLFELDT, Paul; LEPIK, Andres;
SCHÄTZE, Andreas (2003), op. cit., págs. 55-66.
Mapa de Berlim indicando em vermelho as regiões de
intervenção da IBA. A área circulada corresponde ao
Hansaviertel.
(Fonte: S.T.E.R.N. GmbH und SENATOR für BAU-
und WOHNUNGSWESEN (1991) Internationale
Bauausstellung Berlin 1987. Project Report.)
37
objetivo de favorecer a restauração de diversos pontos da cidade,
dando especial atenção às zonas centrais da cidade, cujas
carências eram evidentes.
72
As áreas centrais circundantes ao Muro, principalmente
Friedrichstadt Sul e Kreuzberg, foram gravemente afetadas não só
pelas destruições da guerra, mas também pelos vários
planejamentos subseqüentes que promoveram demolições e
desestruturação urbana através de novos traçados viários. Ou seja,
o que um dia havia sido constituído como centro de Berlim,
encontrava-se degradado, e a cidade apresenta-se, por diversos
motivos, fragmentada como um todo. Além disso, mesmo após o
impulso construtivo pelo qual Berlim passou nos anos
subseqüentes ao final da II Guerra Mundial, a cidade ainda chega
na década de 80 apresentando um grande déficit habitacional.
Portanto, a IBA foi implementada em um momento em que as
regiões centrais de Berlim necessitavam passar por um claro
processo de reconsideração das formas tradicionais de organizar o
espaço urbano. Assim, a exposição encontrou sua fundamentação
conceitual no tema “o centro urbano como lugar para viver” (
die
Innensatdt als Wohnort
), e este objetivo de atuar nas regiões
centrais veio a ser uma clara resposta aos anos de descaso ao
estado de degradação crescente de determinadas áreas centrais
da cidade. Neste sentido, a exposição posiciona-se quanto ao seu
papel dentro da história urbana de Berlim, já que o esvaziamento
do centro urbano constituía uma questão chave a ser revertida, a
partir da criação de melhores condições de vida para as centrais
áreas abandonadas.
A IBA deve ser vista, sobretudo, como um protesto contra a
destruição de Berlim ocorrida por planejamentos, projetos
urbanos, critérios e modelos arquitetônicos utilizados após a
II Guerra. Tal protesto só pode vir de um complexo,
contraditório e real exercício de projetos arquitetônicos
influenciados por uma visão global do fenômeno urbano de
Berlim e seus problemas. (...) Em Berlim, nós não estamos
preocupados principalmente com estilos: nosso interesse
principal está em atacar o problema de construção da
cidade. (...) Nós queremos demonstrar que é possível
reconciliar a necessidade de inovação com a busca por
soluções que sejam melhores e mais adaptáveis. O que deve
ser redescoberto não é tanto a manipulação de certos
elementos tradicionais da forma urbana, mas o espírito e a
essência de qualidade urbana
”.
73
Deste modo, a IBA concentrou suas iniciativas de intervenção em
cinco diferentes regiões da cidade. Seu programa original era
conformado pela construção de 3.500 novas unidades residenciais,
das quais 2.800 estavam concluídas na época da sua inauguração.
A exposição atuou através de duas políticas de intervenção: a
Neubau
, ou setor de novas construções – desenvolvido sob o
princípio da “reconstrução crítica”, sob a direção de Josef Paul
Kleihues e concentrado nas regiões de Tegel, Prager Platz, região
ao sul do Tiergarten e região ao sul de Friedrichstadt; e a
Altbau
,
ou setor de renovação de antigas construções – desenvolvido sob
o princípio da “renovação cautelosa da cidade”, sob a direção de
Hardt-Waltherr Hämer e concentrado nas regiões de Luisenstadt e
Kreuzberg.
72
PASSARO, Laís Bronstein (2002), op. cit., pág. 21.
73
KLEIHUES, Josef Paul. Entrevista na revista Domus, nº 623, dezembro de 1991.
Plano urbanístico inicial realizado pela IBA para as
áreas de ao sul de Friedrichstadt e ao sul do
Tiergarten. A área circulada corresponde ao
Hansaviertel.
(Fonte: Was wird mit Berlins Zentralem Stadtraum?,
folder desenvolvido para a IBA)
38
Na
Neubau
, setor da IBA responsável pelas novas construções,
concentraram-se as intervenções mais profundas. Aqui, se
procurou estabelecer estratégias de reconstrução e renovação de
regiões centrais próximas ao muro e de regiões degradadas da
cidade através do princípio da “reconstrução crítica”; assim, este
braço da exposição objetivava delinear uma imagem uniforme do
centro urbano, buscando um caminho de diálogo entre o
tradicional e o moderno, e objetivando evidenciar as visíveis
contradições do moderno, não no sentido de estabelecer uma
ruptura, mas na busca de um permanente desenvolvimento de
uma arquitetura relacionada e identificada com as condições de
local, cultura e época existentes. Segundo a atuação deste setor,
fica claro que a IBA tratou de particularizar o tratamento dos
problemas urbanos segundo suas solicitações específicas, através
do enfrentamento da realidade da cidade existente e de seus
problemas, e não da criação de uma nova realidade.
74
Kleihues expressava a convicção de que existe uma ligação estreita
e inquebrável entre a arquitetura da cidade e seus edifícios, que
também a forma, e não só a função de uma cidade é importante, e
que desenvolvimento urbano e memória devem ser considerados
conjuntamente. Com isto, o retorno ao uso de materiais
tradicionais
75
e a estrutura histórica da cidade tornaram-se as
bases para o desenvolvimento do centro urbano.
76
“O mais interessante sobre a reconstrução levada a cabo
pela IBA é o retorno ao uso de materiais e estruturas
tradicionais da cidade. Naturalmente, o trabalho foi facilitado
devido ao fato de que estavam reconstruindo uma parte
semi-destruída da cidade, e não tinham que a construir a
partir do nada. Apesar de tudo, temos que reconhecer a
coragem necessária para tocar em temas potencialmente
questionáveis como a reconstrução ao invés da invenção
original de um novo tipo de cidade. O único meio de
reconstruir uma linguagem urbana é reavaliando e adotando
características selecionadas conectadas com o local – os
elementos de identidade de uma cidade.
77
Assim, Kleihues promoverá, seguindo diretrizes de intervenção
criteriosa, a reconstrução de determinados trechos da cidade
priorizando, além do seu traçado urbano original e de suas
variações, um planejamento seguindo a lógica da mescla de
funções, em oposição ao zoneamento monofuncional ditado pelo
urbanismo moderno. ”
Aplicando uma estratégia diferenciada
segundo cada área, Kleihues objetivará uma pluralidade na
totalidade. Por totalidade, leia-se memória histórica; e por
pluralidade, leia-se a inserção de Berlim no debate arquitetônico
do momento
”.
78
Assim, na busca pela pluralidade, Kleihues opta
por um modelo – visando reforçar a idéia de ausência de uma
linha única de pensamento no quadro da arquitetura do momento
– onde a defesa da lógica de estender ao máximo a variedade de
modelos residenciais através do incentivo à participação de
arquitetos de diversas procedências – como Aldo Rossi, Mário
Botta, Rob Krier, Richard Meier, John Hedjuk, entre outros –
74
PASSARO, Laís Bronstein (2002), op. cit., pág. 20.
75
PORTOGHESI, Paolo (1981). Quality vs Quantity. Conversation with Paolo
Portoghesi about the IBA, about Berlin and the Reconstruction of the city. Revista
Domus, nº 623, dezembro de 1981, pág. 33.
76
PASSARO, Laís Bronstein (2002), op. cit., pág. 23.
77
PORTOGHESI, Paolo (1981), op. cit., pág. 33.
78
PASSARO, Laís Bronstein (2002), op. cit., pág. 59.
Maquete de trecho da IBA que reconstruiu a região
ao sul do Tiergarten, em Rauchstrasse, com projetos,
entre outros, de Aldo Rossi, Giorgio Grassi, Rob Krier
e Hans Hollein.
(Fonte: Leitfaden – projekte, daten, geschichte.
Berichtsjahr 1984. Internationale Bauausstellung
Berlin 1987, pág. 61)
Trecho da IBA reconstruído por Oswald Mathias
Ungers em Lützowplatz.
(Fonte: Leitfaden – projekte, daten, geschichte.
Berichtsjahr 1984. Internationale Bauausstellung
Berlin 1987, pág. 63)
Edifício de Hermann Hertzberger.
(Fotografia: Mara Oliveira Eskinazi)
39
possibilitou retratar um momento singular e multifacetado
decorrente da crítica ao Movimento Moderno.
79
Estas lógicas demonstrativa e organizacional da exposição
possibilitaram a coexistência de uma enorme variedade de
modelos residenciais. No entanto, a idéia de cidade que Kleihues
trouxe à tona em Berlim com o processo da IBA conduziu a
natureza dos edifícios e dos espaços construídos a modelos
extremamente fragmentados. Este sistema foi ditado pela lógica
interna de uma exposição de arquitetura que decidiu sacrificar a
eficácia urbana dos projetos em favor da ideologia do pluralismo
cultural.
80
Kleihues defendia um pluralismo entendido como a confrontação
simultânea de distintos pontos de vista, e como a impossibilidade
de se chegar a uma teoria única e definitiva, assim como
demonstrava uma aversão a teorias ou propostas urbanas
homogeneizadoras ao criticar os conjuntos habitacionais
construídos anteriormente em Berlim, como o Gropiusstadt e o
Märkisches Viertel. Assim, sob o ponto de vista quantitativo, os
resultados alcançados pela IBA foram extremamente positivos em
termos de número de habitações construídas e restauradas;
contudo, sob o ponto de vista qualitativo, o que resultou são
diferentes exemplos arquitetônicos organizados como se fossem
peças rivalizando uma com a outra
”.
81
Somado à busca pela pluralidade, ao longo do processo de
desenvolvimento da IBA, a procura de Kleihues por estabelecer
diretrizes projetuais baseadas no estudo das características de
cada contexto de inserção pareciam mostrar-se eficientes como
meio de recuperar a identidade e a definição espacial do local. No
entanto, segundo debates mais contemporâneos, algumas críticas
foram originadas a partir de questionamentos sobre a
(im)possibilidade de definição tanto deste contexto quanto da
própria identidade das regiões de intervenção da IBA. Assim, a
partir da consideração dessas formulações teóricas, a idéia de
contextualizar passa a mostrar-se insuficiente frente à enorme
diversidade de projetos apresentados.
Os lemas da “cidade feita em partes” e da “cidade feita de
fragmentos” foram usados freqüentemente para legitimar
uma produção arquitetônica que corre o risco de tornar-se,
aos olhos dos visitantes de Berlim em 1987, como um
gigantesco zôo, como uma feira curiosa, ou novamente uma
feira de comércio de arquitetura contemporânea
”.
82
Assim, apesar de ter relacionado uma grande exposição de
arquitetura com os problemas concretos enfrentados pela
reconstrução de regiões da cidade, a IBA gerou fragmentos de
edifícios e de cidade que apresentam uma enorme carência em
termos de integração entre suas partes.
“No entanto, a maior
ilusão da IBA talvez tenha sido acreditar que tenha chegado o
momento para a cidade construir um passado no qual possa
repousar”.
83
A IBA fez com que Berlim, nos anos 80, tenha se convertido
novamente em um campo de experimentação arquitetônica,
assistindo a possibilidade de confrontar a nova arquitetura com a
79
PASSARO, Laís Bronstein (2002), op. cit., pág. 64.
80
CROSET, Pierre Alain (1984), op. cit., pág. 6.
81
SIEDLER, Wolf Jobst (1984). Revista Casabella, outubro de 1984, pág. 23.
82
CROSET, Pierre Alain (1984). Berlim´87: A Construção do Passado. Revista
Casabella, outubro de 1984, pág. 17.
83
CROSET, Pierre Alain (1984), op. cit., pág. 17.
Croquis e vista de um dos projetos de Aldo Rossi
para a IBA, na região de Friedrichstadt Sul.
(Fotografia: Mara Oliveira Eskinazi)
Edifício de Rem Koolhaas
(Fotografia: Mara Oliveira Eskinazi)
Edifício de Hans Kollhoff.
(Fotografia: Mara Oliveira Eskinazi)
40
cidade e com a sua historia.
84
Contudo, em todo o processo de
debate ocorrido em decorrência da exposição, o que se tornou
mais evidente foi a confirmação de que Berlim foi e continua
sendo, mesmo após a reunificação, uma cidade de distintas
realidades, cuja fragmentação e pluralidade está longe de gerar
uma convergência, seja a nível cultural, político ou arquitetônico.
Hoje em dia, uma série de fragmentos de diversos conceitos
urbanísticos confere seu caráter a diferentes espaços da cidade. A
tentativa de se buscar uma solução em arquitetura que traduza
qualquer gesto de unidade mostra-se insuficiente para
compreender a complexidade que singulariza esta cidade, em suas
mais variadas demandas.
85
A análise de Axel Schultes sobre esta inabilidade da cidade de
Berlim em encarar seus espaços, ao afirmar que “
Com medo do
futuro, Berlim está buscando suas origens na história. Está a
procura de um certo tipo de identidade contínua que nunca teve.
Com o objetivo de promover uma continuidade, está tendo de
inventar uma história, inventar o Berlinish
86
mostra-se bastante
pertinente e coincidente com o que coloca Franz Hessel, que diz
que “
Não é tão fácil observar e viver em uma cidade que está
sempre no caminho e sempre trabalhando para tornar-se algo
mais, sem nunca descansar no seu próprio passado”.
87
1.3. A BERLIM DO PÓS-GUERRA
Com o término da II Guerra Mundial, as forças aliadas dos Estados
Unidos, União Soviética, Inglaterra e França dividiram Berlim em
quatro setores, e em 1946 começaram os trabalhos de
reconstrução da cidade. As demandas de tarefas eram enormes, e
os equipamentos técnicos e a força de trabalho disponíveis eram
insuficientes. Essa situação resultante da guerra provocou a
realização de temerários projetos urbanísticos – diz-se temerários
principalmente devido às pressões e à rapidez com que foram
planejados – com o intuito de renovação da cidade, que não
chegaram a ser executados, como o
Kollektivplan
,
88
realizado por
Hans Scharoun em 1946.
89
A febril virada econômica que começou nos primeiros anos
da República Federativa da Alemanha foi euforicamente
bem-vinda como um milagre enraizado em solo árido. A
democratização que aconteceu politicamente desde 1945
não provocou quase nenhum impacto na indústria. (...) As
oportunidades políticas, sociais e arquitetônicas na Alemanha
foram enormemente desperdiçadas no incessante empenho
de ser as mais eficientes, rápidas e baratas possível“.
90
Em 1948, a assinatura do Plano Marshall transformou a
reconstrução dos setores aliados do oeste em um fundamento
político para que acontecessem, entre outras repercussões, o
bloqueio da Berlim Ocidental e a fundação da Alemanha Oriental
84
DE GRACIA, Francisco (1992), op. cit., pág. 139.
85
PASSARO, Laís Bronstein (2002), op. cit., pág. 200.
86
SCHULTES, Axel apud PASSARO, Laís Bronstein (2002), op. cit., pág. 200.
87
HESSEL, Franz (1929). Publicado em: Revista Casabella, outubro de 1984, pág.
17.
88
O Kollektivplan, plano urbanístico para Berlim realizado por Hans Scharoun,
sugeria que formações originais da cidade deveriam ser unidas em faixas ao longo
do percurso do rio Spree.
89
IMHOF, Michael e KREMPEL, Leon (2001), op. cit., pág. 5.
90
LAMPUGNANI, Vittorio Magnano (2003). From large housing estates on the
outskirts to rebuilding the inner city – urban development debates in Germany 1960-
1980. Em: KLEIHUES, Josef Paul; KAHLFELDT, Paul; LEPIK, Andres; SCHÄTZE,
Andreas (2003), op. cit., pág. 67.
Vista aérea da cidade de Berlim destruída pelos
bombardeios da II Guerra Mundial.
41
(DDR,
Deutsche Demokratische Republik,
ou República
Democrática da Alemanha), com Berlim Oriental como capital.
Contudo, a partir de 1950, a situação econômica em Berlim
melhora, apesar da chegada no lado ocidental de muitos
refugiados vindos da Alemanha Oriental. Assim, mesmo com todas
as dificuldades encontradas durante o pós-guerra, a vida cultural
na cidade florescia novamente: a
Berliner Universität
reabriu em
1946, e duas universidades foram fundadas - a
Technische
Universität
e a
Freie Universität
; a cena teatral ressurgiu com
sucessos internacionais; em 1947 a imprensa estava novamente
produzindo 20 jornais; em 1952, começa a ser construída, no lado
oriental, a Stalinallee (hoje Karl-Marx-Allee); e, em 1953, o Senado
de Berlim decide pela destruição do que havia restado do
Hansaviertel, e estabelece que sua reconstrução, além de ser
encarada como réplica ocidental da Stalinallee, esteja ligada a uma
exposição internacional de arquitetura moderna.
91
No entanto, mesmo com o renascimento ocorrido na cena cultural
alemã a partir da década de 50, de um modo geral, os problemas
oriundos pela enorme pressão de produção e pela introdução do
método industrializado de construir surgiram contra uma cultura
arquitetônica enormemente despreparada e por vezes ingênua. O
projeto tradicional e os métodos de manejar com o lugar não eram
mais adequados em face do tamanho dos projetos e da
complexidade das exigências: o projetista individual foi substituído
por uma equipe ou por uma firma de arquitetos, e processos
derivados das ciências aplicadas e da indústria da engenharia
foram aproveitados para a construção. Tudo isto aumentou a
eficiência da produção arquitetônica, e, ao mesmo tempo, o
controle sobre o que estava realmente acontecendo foi perdido.
Portanto, se realmente houve um vácuo intelectual no precipitado
revival
da “
Neues Bauen
”, os edifícios de certa forma refletem este
vácuo.
92
Então, pode-se afirmar que foi em grande parte por razões
econômicas que a competição entre a arquitetura tradicional e a
moderna na Alemanha do pós-guerra foi abruptamente decidida
em favor da última: ela era mais apropriada para os métodos de
produção industrial e capitalista.
Além disso, os fatores políticos desencadeados no final da década
de 40 e ao longo da década de 50 estimularam as motivações
ideológicas do processo de divisão do leste e do oeste, cujo ponto
alto culminou com outra forma especialmente brutal de destruição
da estrutura urbana da cidade: a construção do Muro de Berlim. O
Muro foi construído na madrugada do dia 13 de agosto de 1961, e
dele faziam parte 66,5 km de gradeamento metálico, 302 torres de
observação e 127 redes metálicas eletrificadas com alarme.
A partir de então, em ambas partes de Berlim, diferentes conceitos
urbanísticos foram seguidos, apresentando-se geralmente
concorrentes um ao outro. Depois de a cidade ter sido convertida
em ruínas, os urbanistas do pós-guerra, tanto no leste quanto no
oeste, concretizaram suas idéias radicais no planejamento histórico
da cidade, tornando Berlim, durante as décadas da divisão, palco
de uma ambiciosa competição entre o sistema capitalista e o
sistema socialista em matéria de urbanismo e arquitetura. Os dois
sistemas tinham em comum a inclinação por destruir a estrutura
existente de ruas e praças, assim como a quase total demolição
91
IMHOF, Michael e KREMPEL, Leon (2001), op. cit., pág. 7.
92
LAMPUGNANI, Vittorio Magnano (2003), op. cit., pág. 67.
Mapa da cidade de Berlim dividida pelo Muro. A área
circulada corresponde ao Hansaviertel.
Muro de Berlim.
(Fonte: www.pohl-projekt.de)
42
dos edifícios antigos. Assim, com o surgimento da nova época, a
Berlim do passado deveria converter-se em uma cidade nova,
dependente de posições partidárias, porém em ambos os casos
uma cidade feita para o carro.
Durante este período de existência do muro, então, Berlim exerceu
um papel de símbolo da Guerra Fria. Cada lado viu a reconstrução
da cidade como vitrine para o outro, e ambos sistemas
espelharam-se em seus planos urbanísticos. A cidade capitalista
concentrou suas atividades comerciais e financeiras no entorno da
rua Kufürstendamm; já no leste, os projetos socialistas foram
demonstrados nos edifícios residenciais da Stalinallee, que
configura uma das mais evidentes estruturas celulares da cidade
socialista, e na remodelação de grandes espaços urbanos. As
edificações que abrigaram, no oeste, atividades de comércio e
mercado, elementos estruturais pelos quais Berlim Ocidental
tornou-se conhecida, apresentam um paralelo, no leste, com os
edifícios administrativos estatais. Ambos centros da cidade foram
incentivados a afastarem-se um do outro – um da Alexander Platz
em direção a Stalinallee, e o outro ao longo da rua
Kufürstendamm, com o apoio do restante das atividades
comerciais do pós-guerra. Esta orientação foi possibilitada devido
à nova ordem existente, e foi promovida através da substituição de
ruas, da reconstrução e da nova disposição das zonas residenciais,
do projeto do aeroporto e através do fechamento de estações de
trem. Portanto, apesar de se tratarem de enormes transformações
na cidade, elas começaram em primeiro lugar através da
adaptação das paisagens urbanas históricas à nova situação, e,
logo após, através do movimento das estruturas urbanas.
93
No entanto, a partir de fins da década de 60 e do princípio da
década de 70, os alemães-orientais passaram a perceber que a
meta do Estado de alcançar o nível econômico da Alemanha
Ocidental não passava de ilusão. Não havia recursos suficientes
para financiar a mecanização e automatização da produção,
faltavam materiais para a reforma das moradias degradadas. Na
verdade, a Alemanha Oriental, já nos anos 70, começou a viver
além de suas possibilidades. A crise econômica mundial provocada
pela alta dos preços do petróleo atingiu plenamente o país. Por
mais que se cortassem as importações, as dívidas foram
aumentando.
A decepção com a economia foi, portanto, um dos impulsos
determinantes para que se iniciassem, a partir da década de 70, os
primeiros passos indicando que a cidade começava a abrir-se para
o processo de queda do Muro. Assim, algumas negociações
políticas começaram a resultar em pequenos progressos no sentido
de reunificar as duas Alemanhas.
Em 1969, o social-democrata Willy Brandt assume o governo na
República Federativa e dá início ao processo de abertura política
para o leste – processo por ele cunhado de
Ostpolitik
, e que lhe
rendeu o prêmio Nobel de Paz em 1971. Paralelamente, Bonn e
Berlim Oriental sondavam as possibilidades de um melhor
entendimento, reunindo pela primeira vez, em março de 1970, os
chefes de governo das duas Alemanhas. Também em 1971, a
República Federativa e a República Democrática concluíram o
Acordo de Trânsito, que facilitou visitas e viagens entre ambos os
lados, e que, juntamente com o Acordo dos Quatro Poderes, que
93
SCOTT-BROWN, Denise e VENTURI, Robert (1995). Berlin, Berlin – Architektur
für ein neues Jahrhundert. Berlim: Nishen, págs. 22-30.
43
estabeleceu que os setores ocidentais de Berlim não eram parte
integrante da República Federal da Alemanha, tomaram força a
partir de 1972.
Um dos primeiros atos de Willy Brandt após sua reeleição, ocorrida
em 1972, foi concluir o Tratado de Base entre a Alemanha
Ocidental e a Alemanha Oriental. Nele, os dois Estados alemães
abdicavam do uso da violência e reconheciam suas fronteiras,
prometendo respeitar a autonomia um do outro. Com a nova
fórmula cunhada por Brandt – "Dois Estados alemães numa só
nação" –, consumava-se uma grande mudança na política entre as
duas Alemanhas, já que, aos poucos, a coexistência entre ambas
deveria transformar-se em cooperação.
Helmut Kohl, sucessor de Helmut Schmidt que liderou a Alemanha
Ocidental a partir de 1982, deu importantes passos no sentido de
manter a continuidade na política de segurança do governo
alemão. Alem disso, o governo de Kohl deu prosseguimento à
política de aproximação da Alemanha com o bloco do leste. A
perestroika
e a
glasnost
, as grandes reformas introduzidas por
Mikhail Gorbatchov, em breve mudariam a face do mundo.
No ano de 1987 relevantes acontecimentos desenvolveram-se
indicando que a cidade de Berlim encaminhava-se para um lento
processo urbano de reunificação. O chefe de Estado da Alemanha
Ocidental, Erich Honecker, fez uma visita oficial a Bonn em
setembro de 1987. No mesmo ano, quando Berlim festejava 750
anos de sua fundação, o presidente norte-americano Ronald
Reagan visitou a cidade dividida. "
Sr. Gorbatchov, abra esse
portão, derrube esse muro!
", conclamou Reagan. A IBA, cujos
planejamentos e bases lançados por Josef Paul Kleihues na década
de 70 foram propostos visando que no futuro a cidade voltaria a
ser unificada
94
, foi inaugurada também em 1987, e sua
inauguração foi marcada pelas comemorações do 750º aniversário
de Berlim. No entanto, a queda do Muro de Berlim, desejada por
muitos, mas que para alguns não parecia passar de um sonho,
terminou acontecendo somente dois anos após, em novembro de
1989.
94
Em entrevista realizada em fevereiro de 2006 com Jan Kleihues, filho de Josef
Paul Kleihues, este afirmou que o pai demonstrava uma enorme convicção de que
o Muro de Berlim no futuro, mesmo que incerto, cairia; prova disto é que Kleihues
planejou a IBA nas áreas próximas ao muro prevendo uma continuidade explícita
entre a malha urbana de ambos os lados.
Queda do Muro de Berlim, novembro de 1989.
(Fonte: www.pohl-projekt.de)
44
45
2. A INTERBAU
2.1. O ANTIGO HANSAVIERTEL
2.2. A DESTRUIÇÃO PROVOCADA PELA GUERRA
2.3. OPOSIÇÃO: O HANSAVIERTEL COMO RÉPLICA
OCIDENTAL PARA A STALINALLEE
2.4. O CONCURSO URBANÍSTICO
2.5. O PROJETO VENCEDOR
2.6. AS MODIFICAÇÕES NO PROJETO VENCEDOR E O
PLANO FINAL
2.7. O PROJETO PAISAGÍSTICO
2.8. OS EQUIPAMENTOS
2.9. A EXPOSIÇÃO FORA DO HANSAVIERTEL
2.10. REPERCUSSÕES
46
2.1. O ANTIGO HANSAVIERTEL
O Hansaviertel, mais novo dos bairros centrais de Berlim, é hoje,
quase 140 anos após a sua formação original, conhecido
mundialmente como realização arquitetônica e urbanística da
década de 50. Portanto, sua história anterior à Interbau é pouco
difundida. O bairro – e sua designação como “Hansaviertel” –
datam de 1870. Quando foi construído, o crescimento de Berlim e
seu status como cidade de milhões de habitantes haviam sido
recém estabelecidos. Ao longo de algumas poucas décadas, a
cidade pulou de 800.000 para 4.000.000 de habitantes, e seu
desenvolvimento urbano não acompanhou este enorme
crescimento populacional.
As obras urbanas de Berlim de fins do século XIX eram assumidas
por construtoras que possuíam um padrão de funcionamento pré-
estabelecido. Elas compravam os terrenos, tratavam dos aspectos
técnicos e de planejamento, preparavam a infra-estrutura e
revendiam os terrenos já parcelados, quando não havia mais
interesse em expandir os ganhos com a especulação imobiliária
nesta região. O antigo Hansaviertel foi então construído através do
empreendimento deste tipo de empresas privadas de expansão
urbana. Em 1872, a Berlin-Hamburger Immobilien AG adquiriu o
terreno pantanoso e não urbanizado localizado na margem sul do
rio Spree, que aparece nos mapas antigos com o nome de
Schöneberger Wiesen.
95
Um plano urbanístico determinou o
traçado das ruas e avenidas a partir da futura Hansaplatz, que
conformaria o ponto central do bairro.
Em 1876, a empresa, após batizar o novo bairro de “Hansaviertel”,
começou a drenar a área, de modo que em fins da década de
1870 pudesse ter início a construção dos primeiros edifícios
residenciais. A divisão da região em uma área sul e uma norte se
sucedeu em 1880, quando o viaduto para o S-Bahn foi construído
com a forma de um grande arco de sul à oeste atravessando o
bairro. O caminho do S-Bahn, inaugurado em 1882 com a estação
Bellevue, tornou o Hansaviertel ainda mais atrativo como área
residencial, uma vez que, com o trem, o trajeto para
Charlottenburg ou para o antigo centro, no Mitte, durava apenas
poucos minutos. Na passagem do século, a urbanização do bairro
estava quase concluída, e então habitavam no local
aproximadamente 15.000 pessoas.
Diferentemente do que aconteceu quando da formação de outros
bairros de Berlim, como Prenzlauer Berg, onde os próprios
pedreiros foram responsáveis pelo projeto dos edifícios, no
Hansaviertel os 343 edifícios construídos foram projetados por
arquitetos. Alfred Messel e Hans Griesebach, muito reconhecidos
na história arquitetônica de Berlim devido à construção de
representativos edifícios comerciais e de algumas residências,
foram muito atuantes na construção do bairro. Conceituados
escritórios da época, como Hart & Lesser, Holst & Zaar e Solf &
Wichards também apareceram. O panorama então desejado pode
ainda hoje ser reconhecido nas poucas edificações que restaram
da conformação antiga do bairro na Claudiusstraβe, na Flensburger
Straβe e no Holsteiner Ufer, ao norte do Hansaviertel, que,
apresentando uma arquitetura historicista, com fachadas repletas
de ornamentos, revelam o poder da empresa construtora – de
origem hanseática – responsável pela fundação do Hansaviertel.
95
DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT, Franziska (1999), op. cit., págs. 8-9.
Mapas antigos mostrando a configuração original das
ruas do Hansaviertel e sua relação com o curso do rio
Spree, com o Tiergarten e com o viaduto do S-Bahn.
A imagem superior é anterior à construção da
elevada, cujo traçado já aparece indicado em
vermelho, enquanto a inferior é posterior.
47
No período compreendido entre sua formação original e a
destruição provocada pela II Guerra Mundial, viviam no
Hansaviertel cidadãos abastados – médicos, juristas, intelectuais,
artistas, banqueiros, comerciantes, etc. – em grandes
apartamentos de alto padrão. Porém, com os bombardeios de
1943, a maioria dos antigos locatários e proprietários moradores
que sobreviveram se dispersou. Muitos já haviam tido que deixar
suas residências inclusive antes dos ataques. O catálogo da
Interbau informa sobre uma despesa com indenizações que teria
dificultado a aquisição de muitos terrenos, provavelmente
propriedades de judeus que o estado nazista trouxe para si
arbitrariamente ou que foram transferidas de modo forçado para
proprietários “arianos”. A maioria dos antigos proprietários e
locatários judeus que, conforme estatísticas da primeira metade do
século XX, eram extremamente numerosos no Hansaviertel,
96
desapareceram; os poucos que conseguiram sobreviver à
deportação ou oportunamente conseguiram fugir só foram
encontrados posteriormente, e com grande dificuldade.
Sob uma perspectiva atual, de acordo com Dolff-Bonekämper,
97
os
organizadores e participantes da Interbau teriam demonstrado
preocupações demasiado restritas com relação aos antecedentes
históricos da área. A sinagoga na Levetzöstraße, muito destruída
na guerra, é uma amostra disso: ela serviu de estação para
armazenamento de pessoas e de central para deportação – a partir
dela eram juntados a cada vez em torno de 1000 judeus
berlinenses e levados para campos de extermínio através das
estações de Grünewald ou Putlitzbrücke. Ainda em 1956, ano em
que a exposição deveria, de acordo com o plano original, ter sido
inaugurada, podia-se ver, entre os edifícios já em obras, ruínas da
sinagoga. Pierre Vago, um dos arquitetos da Interbau, informou
que então nenhum dos seus colegas tinha visto a sinagoga ou
experienciado a sua história. Na realidade, o desejo dos
organizadores da Interbau era de que o futuro da área não fosse
visto como local para cultivo do passado recente.
A paisagem do Hansaviertel, extremamente atraente, é resultado
de sua interessante localização entre o parque Tiergarten e o rio
Spree. Em sua trama urbana original, que pode ser analisada
através de fotos e mapas de época, sobressaem especialmente os
elementos estruturadores urbanos que limitam a área do bairro – o
viaduto arqueado elevado por onde circula o S-Bahn, que separa a
área à margem do Spree da área próxima ao Tiergarten, o próprio
limite do parque, e a Hansaplatz. Esta articula o cruzamento
sêxtuplo que se destaca na trama de quarteirões triangulares ou
trapezoidais, e é conformado pelo cruzamento de três alamedas: a
Altonaerstraβe (a flecha do arco), a Klopstockstraβe (a corda do
arco) e a Lessingstraβe (a bissetriz do ângulo quase reto formado
pelas duas primeiras)
98
, que se prolongam direta ou indiretamente
96
Em 1890 contava-se 137.335 habitantes na região, dentre os quais 2.512 judeus;
em 1910 entre os 225.217 moradores, 10.150 eram judeus; em 1933 eram 12.268
e em 1939 ainda restavam 5.312. Entre os anos de 1941 e 1942, enquanto a
evacuação conhecida como deportação dos judeus berlinenses aumentava
sistematicamente, existia um “comprovante de residência para locatários das áreas
de evacuação”, com o qual os grandes apartamentos no Tiergarten eram
oferecidos para aluguel, e estavam disponíveis “imediatamente após a evacuação
dos locatários judeus”. Dos aproximadamente 75 apartamentos oferecidos, 21
localizam-se no Hansaviertel, na futura área da exposição. Em uma planta da
cidade da época, as áreas ao sul do Hansaviertel e no bairro de Tiergarten até o
Landwehrkanal estão descritas como “áreas livres de judeus”. Em: DOLFF-
BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT, Franziska (1999), op. cit., pág. 24.
97
DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT, Franziska (1999), op. cit., pág. 24.
98
ESKINAZI, Mara Oliveira, e COMAS, Carlos Eduardo Dias (2008), op. cit, pág.
116.
Mapa mostrando a estrutura de parcelamento do
antigo Hansaviertel, limitado pela elevada do trem e
pelo parque.
Vistas aéreas do antigo Hansaviertel mostrando seus
principais elementos estruturadores urbanos.
(Fonte: Interbau Berlin 1957. Amtlicher Katalog der
Internationalen Bauausstellung, pág. 24)
48
através de pontes sobre o Spree. Cabe ressaltar que a Hansaplatz
é um dos únicos elementos que atualmente permanecem da
configuração anterior do bairro.
Os pátios internos, elementos muito característicos do tecido
tradicional de Berlim, pertenciam à estrutura urbana histórica do
bairro. No entanto, a mescla de edifícios residenciais na periferia
dos quarteirões com pequenas empresas ou fábricas no seu
interior, que em outros bairro da cidade, como Kreuzberg, era
extremamente usual, no Hansaviertel não acontecia.
Assim, para os padrões da época, o antigo Hansaviertel
apresentava-se como um modelo urbanístico de concentração
populacional em grandes cidades. Suas ruas eram largas e
arborizadas, e seus edifícios ocupavam praticamente toda a
extensão dos terrenos. Contudo, as edificações apresentavam
condições insuficientes de iluminação e ventilação, higiene precária
e pátios internos escuros. O Hansaviertel oitocentista não exercia
influência significativa sobre o planejamento urbano geral da área.
A partir de antigas fotos aéreas pode-se observar como era clara e
nítida a marcação da fronteira entre o espaço natural e arborizado
do parque com a área urbanizada do bairro.
Outro elemento de grande importância na configuração da
paisagem do antigo Hansaviertel é o curso do rio Spree, que
permaneceu até a década de 80 com uso industrial, como via de
transporte e importante ponto para a instalação de grandes
empresas berlinenses. No entanto, apesar de possuir grande
importância como via de comércio e transporte, seu valor como
local para atividades de lazer era muito pequeno – mesmo nas
áreas próximas ao Hansaviertel – já que em suas margens
estavam instaladas pequenas empresas e indústrias que
disseminavam barulho e poluição.
A idéia de construir um novo bairro que fosse composto por
edifícios soltos em meio a uma generosa área verde e que, com
isso, configurasse uma paisagem urbana qualificada era
impensável considerando-se a maior parte das linhas de
planejamento adotadas até então em Berlim e as condições gerais
da economia na Alemanha do pós-guerra. Os edifícios residenciais
da cidade eram organizados baseados em um regulamento de
construções que exigia continuidade de alinhamentos entre
edificações vizinhas, determinava um limite superior para o
aproveitamento do solo, além do número máximo de pavimentos e
de um tamanho mínimo para os pátios internos e para todos os
seus demais elementos de configuração. Deste modo, mesmo
diferenciando-se substancialmente de sua formação original, a
configuração do novo Hansaviertel leva adiante, sob alguns
aspectos, o regulamento existente, já que os afastamentos e
“pátios” exigidos a fim de garantir as condições de iluminação e
ventilação são atendidos com sobras; porém, sob o ponto de vista
da altura das edificações e da continuidade dos alinhamentos, o
novo Hansaviertel acaba por não enquadrar-se no antigo
regulamento.
A cidade moderna proposta pela Interbau como forma de
reconstruir o Hansaviertel confronta-se diretamente com a cidade
industrial oitocentista, que encontra no antigo Hansaviertel um
sólido e real exemplo. De acordo com Martí Arís:
São muitos os sintomas que induzem a estimar como
inexata a afirmação de que as propostas urbanas do
Movimento Moderno propiciaram a liquidação da cidade
Vista da antiga Klopstockstraße.
(Fonte: Bezirksamt Tiergarten von Berlin (1995). Das
Hansaviertel - 1957 - 1993. Konzepte, Bedeutung,
Probleme, pág. 32)
49
tradicional. Na realidade, a cidade com a qual se confronta a
arquitetura do Movimento Moderno é a cidade deixada de
herança pelo desenvolvimento industrial oitocentista, e não a
idílica cidade tradicional, a qual, nas grandes capitais
européias de princípios do século, é tão somente um
vestígio. As propostas modernas não surgem tanto de uma
ruptura com respeito à cidade tradicional, quanto de uma
crítica radical à cidade herdada, a cidade especulativa
gerada pelo desenvolvimento industrial oitocentista, onde
muitos dos rasgos que definiam a cidade tradicional haviam
desaparecido
”.
99
A cidade industrial oitocentista representada pela conformação
original do Hansaviertel e a que Martí Arís se refere caracteriza-se
por conceber o traçado viário como um sistema autônomo, como
uma operação prévia à instalação dos edifícios, e por compor-se da
infra-estrutura viária como elemento de suporte, e de grandes
casas coletivas como elemento de recheio. Isto acarreta uma
progressiva separação da cidade com respeito às áreas livres
naturais, e resulta em baixas condições de habitabilidade. Esta é a
tendência geral para onde aponta a cidade industrial em começos
do século XX. Esta é a idéia de cidade com a qual a arquitetura
moderna haverá de se confrontar, e da qual o novo Hansaviertel
buscará se distanciar ao buscar uma relação mais equilibrada entre
edificações e áreas livres, dando, com isso, especial valor ao
projeto paisagístico.
As propostas residenciais da cultura moderna procuram
restaurar algumas das condições de vida urbana que, com o
aparecimento da cidade industrial, foram degradadas. Em
especial, estas propostas apontam para um restabelecimento
de uma relação equilibrada entre edificação e espaço livre,
reconhecendo no equilíbrio desta relação um dos principais
ingredientes da tradição urbana. Trata-se de controlar os
impulsos gerados pelo desenvolvimento industrial,
canalizando-os através de propostas racionalizadoras
capazes de definir uma ordem territorial de acordo com a
nova realidade social
”.
100
Deste modo, partindo-se da idéia de que a principal tarefa imposta
pelo Movimento Moderno foi o rechaço da cidade oitocentista, e
que sobre esta negação foi elaborada uma idéia de cidade
alternativa,
101
a conformação original oitocentista do Hansaviertel
e sua conformação atual moderna tornam-se fragmentos de
realidades urbanas distintas, porém extremamente valiosos para o
desenvolvimento da investigação do tema da habitação, ou seja,
a moradia do homem e sua relação com os demais elementos do
espaço habitável
”.
102
E esta idéia de cidade alternativa com a qual
a cidade moderna se identifica encontrou no Hansaviertel, mesmo
que de modo parcial e fragmentário, condições bastante favoráveis
para ser colocada em prática. Além do estado de destruição em
que o bairro se encontrava após a guerra, este tipo de iniciativa
somente poderia acontecer sob circunstâncias políticas nas quais a
gestão pública do solo urbano tivesse força suficiente para
submeter os interesses dos diversos agentes econômicos à
disciplina do interesse comum que a própria cidade representa.
Estas circunstâncias se deram na cidade de Berlim especialmente
devido às administrações municipais de tendência social
99
MARTÍ ARÍS, Carlos (2000), op. cit., pág. 14.
100
MARTÍ ARÍS, Carlos (2000), op. cit., pág. 20.
101
MONESTIROLI, Antonio. Em: MARTÍ ARÍS, Carlos (2000), op. cit., pág. 19.
102
MARTÍ ARÍS, Carlos (2000), op. cit., pág. 13.
Imagens do conjunto de edifícios pertencentes à
antiga configuração do Hansaviertel restantes na
Klopstockstraße, entre o Berlin-Pavillon e a barra de
quatro pavimentos de Hans Christian Müller.
(Fotografias: Mara Oliveira Eskinazi)
Edificação típica do antigo Hansaviertel localizada na
Claudiusstraße, 6 – dentro dos limites do bairro,
porém fora da área de abrangência da Interbau.
(Fonte: DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT,
Franziska (1999). Das Hansaviertel - Internationale
Nachkriegsmoderne in Berlin, pág. 9)
50
democrata, que construíram suas novas áreas residenciais
tomando como referência básica o modelo de cidade jardim.
Podemos concluir dizendo que as propostas residenciais da
cultura moderna tendem a restabelecer os nexos
equilibrados entre edifícios e espaço livre que se
obscureceram devido aos processos especulativos que
acompanham a formação da cidade industrial. Esta busca
por um novo equilíbrio entre edificação e espaço livre é
levada a cabo através da crítica à cidade herdada, e de uma
releitura, em chave conceitual, da história urbana, tratando
de extrair de dita análise ferramentas operativas capazes de
situar as soluções propostas no nível e na escala dos novos
problemas
”.
103
2.2. A DESTRUIÇÃO PROVOCADA PELA GUERRA
O Hansaviertel foi especialmente afetado pelos bombardeios das
noites de 22 e 23 de novembro de 1943, quando teve mais de
75% de sua conformação original destruída. Os incêndios
tornaram as suas ruas intransitáveis, e um número incontável de
moradores morreu nesta situação. Após os bombardeios, somente
70 edifícios em todo o bairro encontravam-se em condições
habitáveis. Uma foto aérea de 1945 permite observar que os
estragos e prejuízos causados foram ainda maiores: poucos
telhados intactos ressaltam-se do padrão de esqueletos
descobertos, enquanto que na área junto ao Moabit, ao norte do
bairro, poucos edifícios sobraram.
Mesmo as estatísticas comprovando que, em 1945, em Berlim, dos
aproximadamente 245.000 edifícios existentes, 11,3% ficaram
totalmente destruídos, 8,2% gravemente e 9,3% parcialmente
destruídos, os estragos provocados pela Segunda Guerra foram
distribuídos de modo desequilibrado pela cidade.
104
Os bairros de
Neukölln, Prenzlauer Berg, Wedding ou Schöneberg concentravam
a maioria das edificações intactas, enquanto grandes áreas de
Tiergarten, Mitte, Kreuzberg e Friedrichshain estavam fortemente
devastadas. Nestas regiões da cidade, então totalmente
dominadas por ruínas, a paisagem urbana havia se perdido em
meio aos destroços.
A cidade de Berlim encontrava-se, após a guerra, bastante
ocupada tanto com a urgente construção de bairros para suprir as
altas demandas habitacionais, quanto com a remoção dos
escombros. O próprio Hansaviertel estava, até meados dos anos
50, ainda tomado por ruínas – aqui a remoção dos escombros
iniciou-se somente em 1954, tendo sido finalizada em 1955.
Paralelamente, foi realizada a desocupação da maioria das
moradias ainda habitadas – em 1954, aproximadamente 4.000
pessoas ainda viviam em todo o Hansaviertel. Os trabalhos de
limpeza e de reconstrução foram inicialmente conduzidos pelas
mãos de mulheres, as chamadas
Trümerfrauen
– ou, em uma
tradução literal, “mulheres das ruínas”.
105
Elas lutaram por
condições para uma reconstrução organizada, e, para atingir este
objetivo, promoveram debates dirigidos pelo arquiteto Hans
103
MARTÍ ARÍS, Carlos (2000), op. cit., pág. 31.
104
DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT, Franziska (1999), op. cit., págs. 10-
11.
105
Trümerfrauen é o termo alemão utilizado para designar as mulheres que, após o
fim da II Guerra Mundial, conduziram os trabalhos de reconstrução das cidades
alemãs.
Vista aérea do Hansaviertel após a destruição
provocada pelos bombardeios de novembro de 1943,
e implantação destacando em amarelo as poucas
edificações ainda habitáveis após a guerra.
(Fonte: DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT,
Franziska (1999). Das Hansaviertel - Internationale
Nachkriegsmoderne in Berlin, pág. 10)
1. Klopstockstraße
2. Lessingstraße
3. Altonaerstraße
1
2
3
3
2
1
51
Scharoun, primeiro coordenador do conselho urbanístico de Berlim
do pós-guerra, e sua equipe.
Scharoun, um representante do modernismo na arquitetura e no
urbanismo, não ocupou nenhum cargo durante o período nazista.
Deste modo, o conselho municipal de Berlim teria dado a ele
garantias de que a reconstrução da cidade representaria um novo
começo, e de que a megalomania dos projetos nazistas para a
capital seria deixada de lado, assim como o difamado projeto
Mietkasernenstadt
106
do século XIX. Nem o seu modelo urbanístico
– ruas-corredor, urbanização em blocos com pátios internos – nem
a sua alta concentração demográfica – até 1.000 habitantes por
hectare – e nem mesmo o seu estilo arquitetônico dominante – o
historicismo com todas as suas variantes – possuíam então valor
urbanístico ou histórico. A idéia de reconstruir a cidade sob os
mesmos moldes como ela se apresentava antes da guerra, com o
mesmo modelo de parcelamento assim como com uma
concentração demográfica comparável, era, para Scharoun,
inconcebível.
107
Após a remoção dos escombros, o relevo do solo, antes coberto
por densa urbanização, tornou-se novamente reconhecível. Além
disso, como a destruição das zonas centrais se concentrou nas
áreas próximas ao rio, a localização de Berlim no vale condutor
original do rio Spree tornou-se novamente evidente. A exposição
Berlin plant - Erster Bericht
(Berlim planeja – primeiros relatos),
inaugurada em agosto de 1946 e na época muito visitada,
conecta-se diretamente com esta transformação ocorrida na
paisagem da cidade. Isto porque, por ocasião da exposição, que
objetivou demonstrar planejamentos e projetos para a
reconstrução de Berlim, foi apresentado o projeto para o
Kollektivplan
, que, sob a autoria de Hans Scharoun, entrou para a
história do pós-guerra da cidade.
O projeto para o
Kollektivplan
apresentou duas diretrizes básicas
de desenvolvimento. A primeira calcou-se na manutenção das
características urbanas do centro da cidade, enquanto a segunda
baseou-se na definição de incentivos para a inserção de espaços
verdes nas áreas periféricas. Estas diretrizes foram incluídas
posteriormente, no plano de usos do solo de 1950, que foi
elaborado para toda a cidade.
108
De acordo com o projeto de Scharoun, a nova cidade deveria
passar como uma faixa sobre o leito original do rio Spree, que
seria dividido em partes principais através de um sistema de largas
redes de vias rápidas. Os moradores seriam estabelecidos em
bairros que comportariam entre 4.000 e 5.000 pessoas, as áreas
residenciais e industriais deveriam ser zoneadas e separadas, e os
bairros deveriam ser organizados com base em um sistema
urbanístico que prescindisse de rigidez na composição. Memoriais
descritivos e textos da época indicam o domínio da crença de que
se poderia, com o auxílio do progresso e da técnica, recuperar
todas as áreas habitacionais e comerciais da cidade
fundamentando-se no espírito moderno.
109
O projeto foi
106
As Mietkasernen, apesar de não deverem sua tipologia e construção a desejos
formais ditatoriais, mas sim ao regulamento de construções de Berlim da época,
geraram blocos residenciais extremamente amarrados ao tecido urbano, com
edifícios acompanhando o alinhamento das ruas e avenidas, dotados de pátios
internos e com baixas condições de habitabilidade.
107
DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT, Franziska (1999), op. cit., pág. 11.
108
SIMON, Suzy Suely Pereira (2006). Berlim – a construção da paisagem urbana
contemporânea. Dissertação de Mestrado. Porto Alegre: PROPAR – UFRGS, pág.
49.
109
DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT, Franziska (1999), op. cit., pág. 12.
Paisagem em ruínas ao norte da Altonaerstraße.
(Fonte: DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT,
Franziska (1999). Das Hansaviertel - Internationale
Nachkriegsmoderne in Berlin, pág. 11)
Detalhe de pátios internos destruídos na
Altonaerstraße.
(Fonte: Bezirksamt Tiergarten von Berlin (1995). Das
Hansaviertel - 1957 - 1993. Konzepte, Bedeutung,
Probleme, págs. 32-33)
A destruição no Hansaviertel.
(Fonte: Interbau Berlin 1957. Amtlicher Katalog der
Internationalen Bauausstellung, pág. 335)
52
desenvolvido somente até o detalhamento estutural de
planejamento, pois em seguida Scharoun foi destituído de seu
cargo, e seus seguidores não conseguiram levar o projeto adiante.
Sobretudo marcante para o
Kollektivplan
foi o fato de Scharoun ter
estabelecido, mesmo que abstratamente, uma ligação entre a
visão extremamente moderna de cidade em faixas com a idéia de
dar um destaque especial ao leito original do rio Spree,
encontrando, assim, um ponto de conexão com a estrutura
histórica tradicional da cidade. Para os protagonistas do
Kollektivplan
, era fundamental para o projeto e para o futuro do
desenvolvimento urbano de Berlim que o passado recente fosse
esquecido, e para tanto, a ruptura que se dizia que o modernismo
estabelecia com a história auxiliava no estabelecimento das
condições consideradas ideais para este novo começo.
110
A idéia de “paisagem urbana”, considerada ao mesmo tempo
abstrata e concreta, permeou a concepção e o desenvolvimento do
Kollektivplan
. Em um rascunho do projeto, datado de fevereiro de
1946, o conceito de paisagem urbana foi mencionado por
Scharoun literalmente: “
lagos, o relevo do terreno, parques e
outras realidades da paisagem urbana original são parte
importante para a coordenação do planejamento urbanístico.”
111
Nas freqüentes apresentações de Scharoun sobre o tema
“paisagem urbana”, o conceito de paisagem foi metaforicamente
ampliado: “
os grandes bairros devem ser em parte desmembrados,
e as partes devem ser re-ordenadas para que elas cooperem umas
com as outras como florestas, prados, montanhas e lagos em uma
linda paisagem. Para que a extensão do significado e o valor das
partes correspondam, e para que se torne um lugar mais vivo a
partir da natureza e das construções, dos volumes baixos e altos,
estreitos e largos
”.
112
Aqui, “paisagem urbana” é um conceito
organizador abstrato, que, através de conceitos geográficos que
recorrem a analogias, sugere mais uma vez uma relação –
ahistórica – direta entre natureza e modernismo.
Contudo, nem a idéia de “paisagem urbana” nem o conceito por
trás do
Kollektivplan
foram invenções do período do pós-guerra.
Desde o princípio do século, arquitetos e urbanistas em muitos
países da Europa se esforçam para alcançar uma relação diferente
entre a cidade e a paisagem, desenvolvendo alternativas para as
cidades fortemente densas do século XIX. Diversas soluções para a
reconstrução de cidades da Europa ocidental bombardeadas pelo
exército alemão no início da II Guerra (em países como Holanda,
Inglaterra, Bélgica, França e Noruega) já estavam sendo
desenvolvidas pelos urbanistas desde o princípio da década de 40.
Também os arquitetos de paises ocupados pelo regime nazista,
obrigados a trabalhar para a organização formada por Albert Speer
em 1943 em cidades alemãs bombardeadas, desenvolviam
projetos semelhantes e os conduziam com as mesmas idéias.
Novos traçados urbanos, diminuição da densidade populacional e o
emprego da vegetação em grandes aglomerações urbanas se
propagaram na busca pelo restabelecimento de uma relação mais
equilibrada entre edificação e áreas livres, reconhecendo na
integridade desta relação um dos principais ingredientes para a
conformação da “paisagem urbana”.
113
110
DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT, Franziska (1999), op. cit., pág. 12.
111
DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT, Franziska (1999), op. cit., págs. 12-
13. Tradução livre da autora.
112
DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT, Franziska (1999), op. cit., pág. 13.
Tradução livre da autora.
113
MARTÍ ARÍS, Carlos (2000), op. cit., pág. 20.
Acesso è exposição “Berlin plant – Erster Bericht”.
Kollektivplan, de Hans Scharoun.
(Fontes: DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT,
Franziska (1999). Das Hansaviertel - Internationale
Nachkriegsmoderne in Berlin, pág. 12, e
www.m
yg
eo.info
)
53
Portanto, como explica Dolff-Bonekämper, o legado do
Kollektivplan
para uma nova organização de Berlim não foi
consequência direta do novo começo democrático, por mais
plausível e atrativa que esta afirmação pareça ser. No entanto, o
significado arquitetônico e cultural do plano é incontestável: “
O
Kollektivplan
tem o mérito de, em uma situação que não poderia
ser mais caótica, ter conseguido forças para formular uma visão
coerente e entusiasmante, uma visão para uma nova organização
espacial e social, onde modernidade e progresso estão a serviço
dos habitantes da cidade
”.
114
Além disso, em conseqüência do
Kollektivplan
apareceram diversos
planos gerais para a cidade, realizados tanto por Scharoun quanto
por outros arquitetos. Após a fundação dos dois estados alemães e
da definitiva divisão de Berlim em 1949, a reconstrução dos
centros urbanos avançou por caminhos distintos no Leste e no
Oeste. Pouco tempo após a fundação dos dois estados e logo após
a implantação da lei de construções da Alemanha Oriental no
verão de 1950, que possibilitou a nacionalização do solo urbano,
Hans Scharoun recebeu de Berlim Oriental o encargo de construir
no bairro de Friedrichshain células habitacionais baseadas em
princípios do
Kollektivplan
.
A área do projeto localiza-se ao sul da Frankfurter Allee, que em
dezembro de 1949, por ocasião do aniversário de Stalin, foi
renomeada para Stalinallee. Aqui os estragos provocados pelos
bombardeios foram tão devastadores quanto no Hansaviertel. O
projeto urbanístico de Scharoun sugere uma configuração de
barras altas e em meia-altura, com predominância da implantação
no sentido norte-sul – objetivando buscar uma adequada
orientação solar para os apartamentos. Entre o grupo de barras
reunidas paralelamente, ele coloca seis conjuntos de edificações
baixas que geram áreas de alta densidade. Ao norte, na direção da
Stalinallee, deveriam ser construídas barras maiores, colocadas no
sentido leste-oeste. Os edifícios estão, em sua maioria, dosados
com generosas áreas verdes, de modo que todos apartamentos
possuam alguma área voltada para as orientações sul ou oeste. O
projeto é mais regular em suas formas quando comparado com
trabalhos urbanísticos posteriores de Scharoun. Apesar de os
edifícios em linha e os conjuntos de baixa altura estarem
deslocadas diagonalmente entre si – as barras estão orientadas
predominantemente para o sudeste, e as unidades baixas para
sudoeste –, o esquema ordenador ortogonal não foi abandonado.
E apesar de as barras e os seis agrupamentos de edificações
baixas mostrarem-se volumetricamente opostos, de modo algum
eles se confrontam. Com o projeto de Scharoun, o planejamento
histórico da cidade desaparece perfeitamente sob a nova ordem
dominante.
Este projeto tornou-se muito conhecido e mais tarde influenciou
diversos outros projetos urbanos. Sua execução começou no ano
de 1950, após sofrer diversas modificações; porém, as obras logo
pararam. Na política de construções da Alemanha Oriental houve
um afastamento do então insultado formalista e cosmopolita
modernismo, e uma aproximação de uma arquitetura nacionalista
tradicional, que encontrou no projeto para a Stalinaallle sua
manifestação de ideal típico. Do projeto para as células
habitacionais de Friedrichshain restaram somente dois edifícios ao
longo da Stalinallee, além de uma única barra ao sul.
114
DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT, Franziska (1999), op. cit., pág. 13.
Tradução livre da autora.
Projeto de Hans Scharoun para as células
habitacionais de Friedrichshain.
(Fonte: DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT,
Franziska (1999). Das Hansaviertel - Internationale
Nachkriegsmoderne in Berlin, pág. 14)
54
Ou seja, enquanto em Berlim Oriental o “Programa de
Reconstrução Nacional” levado a cabo pelo governo socialista após
a fundação da República Democrática Alemã em 1949 tornava
realidade o planejamento urbano de um novo centro para a cidade
amparado em uma arquitetura eclético-acadêmica, que é reflexo
do sistema socialista então vigente na Berlim Oriental, no lado
ocidental estavam sendo buscadas respostas arquitetônicas
adequadas para o problema da reconstrução. No entanto,
diferente do lado oriental, no lado ocidental iniciativas que
contassem com a socialização do solo urbano não eram
politicamente realizáveis. Com isso, tornaram-se inconcebíveis
áreas arquitetônicas livres e novas conformações urbanísticas em
bairros centrais. Mas existia uma exceção: o novo Hansaviertel,
como hoje é conhecido.
2.3. OPOSIÇÃO: O HANSAVIERTEL COMO RÉPLICA
OCIDENTAL PARA A STALINALLEE
A exposição não deveria ser uma feira de construção, mas
sim uma clara demonstração da arquitetura do mundo
ocidental. Ela deveria mostrar nosso entendimento sobre o
que seria urbanismo moderno e arquitetura residencial
decente, em oposição à falsa pompa da Stalinallee
”.
115
No ponto alto da guerra fria, a reconstrução do Hansaviertel já
havia sido pensada, antes mesmo da idéia de vinculá-la com a
realização de uma exposição internacional de arquitetura, como a
resposta demonstrativa de Berlim Ocidental ao grande “Programa
de Reconstrução Nacional” da cidade promovido pelos governantes
de Berlim Oriental. O moderno Hansaviertel seria visto então como
réplica ocidental para a construção da Stalinallee, hoje Karl-Marx-
Allee, e como pêndulo à mesma, já que o bairro se implantou na
Straße des 17. Juni, eixo que corta a cidade de Berlim de leste à
oeste e em cuja extremidade leste tem início a magistral avenida.
No entanto, apesar da deliberada concorrência estabelecida,
Stalinallee e Hansaviertel possuem um importante ponto em
comum: ambas são reconstruções do pós-guerra localizadas em
meio a zonas centrais de Berlim Oriental e Ocidental,
respectivamente.
A Stalinallee, com sua proporção monumental e sua arquitetura
eclético-acadêmica, foi executada entre 1952 e 1954. Sua
construção, que seguiu o critério do realismo socialista vigente
desde a constituição da República Democrática da Alemanha até o
final da década de 1960, foi anunciada logo após a separação das
Alemanhas em 1949, e seu projeto foi objeto de concurso
realizado em 1951. O plano definitivo mesclou idéias da proposta
colocada em primeiro lugar, de autoria de Egon Hartmann, com os
demais quatro premiados, entre os quais se encontravam Richard
Paulick, formado pela Bauhaus em Dessau, Hermann Henselmann,
que havia trabalhado com Hans Scharoun no
Kollektivplan
, Hanns
Hopp, Kurt Leucht e Karl Souradny. Também colaboraram os
arquitetos de Moscou Alexander W. Wlassow e Sergej I.
Tschernyschew.
A arquitetura socialista deveria recorrer a formas dignas de uma
arquitetura historicista – ruas esplêndidas, palácios, colunas e
ornamentos, articulados a partir de princípios como unidade,
115
Senador Karl Mahler, 1953. Em: Bezirksamt Tiergarten von Berlin (1995). Das
Hansaviertel - 1957 - 1993. Konzepte, Bedeutung, Probleme, op. cit., pág. 44.
Tradução livre da autora.
Croquis perspectivo da proposta vencedora do
concurso para a construção da Stalinallee, de autoria
de Egon Hartmann.
(Fonte: www.luise-berlin.de)
Vista aérea da Stalinallee em 1954. No entorno,
observa-se a cidade ainda bastante destruída.
(Fonte: Leitfaden – projekte, daten, geschichte.
Berichtsjahr 1984. Internationale Bauausstellung Berlin
1987, pág. 16)
Vista aérea atual da Stalinallee. No canto inferior
esquerdo, vê-se a Alexanderplatz.
(Fotografia: Mara Oliveira Eskinazi)
55
simetria e axialidade. Em muitos edifícios é possível encontrar
referências a colunas dóricas e jônicas, além de ornamentos como
arquitraves e frisos.
A Stalinallee acomodaria, ao longo dos seus 1.800m de extensão e
80m de largura, lojas, cafés, restaurantes, hotel e um cinema,
além de edifícios residenciais de seis a treze andares muito
distanciados entre si. Na extremidade oeste, a avenida é limitada
pela Strausberger Platz através de um edifício de treze andares
projetado por Henselmann, que se coloca como um portão para a
cidade e apresenta traços da arquitetura art-deco americana dos
anos 30. Em sua ponta leste, o limite é conformado pelo
Frankfurter Tor e suas duas torres, que também foram concebidos
por Henselmann. As cúpulas destas torres têm como modelos a
Deutscher Dom e a Französischer Dom, igrejas grosso modo
simétricas localizadas no Gendarmenmarkt, próximo à
Friedrichstraße em Berlim.
Os 2.700 apartamentos localizados ao longo da avenida eram
espaçosos e bem equipados para os padrões da época, os aluguéis
eram extremamente baratos e as fachadas eram ricas em
ornamentos e detalhes. Após a reunificação alemã, os edifícios
residenciais foram vendidos para diferentes investidores, que os
reformaram e revenderam.
A Stalinallee não foi planejada somente para o trânsito de carros e
pedestres, mas também para dar lugar a manifestações
governamentais como marchas e paradas. O caráter nacional se
expressa através dos detalhes evocando Schinkel e seus
contemporâneos, o que indicava o lema político-cultural de Stalin:
nacionalista na forma, socialista no conteúdo
”.
116
A avenida socialista apresenta-se portanto como modelo para os
princípios urbanísticos do leste, recorrendo à “
cidade na sua
totalidade, desenvolvida de acordo com as suas especificidades
históricas
”.
117
Em oposição ao modelo proposto pelo lado
ocidental, o urbanismo socialista demonstra-se claramente de
acordo com os valores econômicos e sociais da chamada cidade
compacta. As crescentes estruturas históricas do organismo
urbano deveriam permanecer. No lugar de abstrações ou
esquemas construtivos, células habitacionais estandartizadas,
conjuntos de barras ou barras solitárias foram colocadas de modo
fluído na paisagem, rigidamente marcada por edifícios que
remetem ao classicismo berlinense.
A reconstrução no pós-guerra de cidades alemãs ocidentais seguiu
padrões bem distintos dos utilizados pelas cidades do leste, e,
assim, a reconstrução do Hansaviertel não se estabelece apenas
como oposição arquitetônica e urbanística à Stalinallee, mas
também como espelhamento para os diferentes sistemas políticos.
Assim, opondo-se à Stalinallee, a lnterbau representou também um
encontro de desejos – o desejo de mostrar na Berlim Ocidental um
bairro com edifícios de apartamentos modernos, impondo-se à
arquitetura que estava sendo construída no leste, e ao mesmo
tempo o desejo de demonstrar poder político através da expressão
de uma sociedade livre e democrática.
116
DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT, Franziska (1999), op. cit., pág. 15.
Tradução livre da autora.
117
Bezirksamt Tiergarten von Berlin (1995). Das Hansaviertel - 1957 - 1993.
Konzepte, Bedeutung, Probleme, op. cit., pág. 44. Tradução livre da autora.
Vista aérea atual da Stalinallee, detalhe de fachada e
do interior de um dos edifícios da avenida.
56
2.4. O CONCURSO URBANÍSTICO
Quase totalmente destruído, o Hansaviertel oferecia, considerando
sua localização entre o parque Tiergarten e o rio Spree, dois
elementos “naturais” da paisagem urbana, condições ideais para a
implementação de uma operação de transformação da paisagem.
As marcas de sua urbanização original foram eliminadas com os
bombardeios, o que tornou a fronteira entre a natureza do parque
e a área do bairro difusa e de difícil distinção. As poucas
edificações que não foram destruídas acabaram, por desejo dos
especuladores, permanecendo sem manutenção.
A área do Hansaviertel foi, devido à sua excepcional localização na
cidade – a meio caminho do Mitte, núcleo histórico e então centro
da Berlim comunista, e de Charlottenburg, centro da Berlim
capitalista –, objeto de interesse de diversos órgãos, tanto
governamentais quanto privados. A proximidade com o Tiergarten
e com o Reichstag,
118
sede do Parlamento Alemão, também
contribuiu para a valorização da área.
Isso justifica, em parte, a
demora em seu processo de reconstrução ser colocado em prática.
Diversas idéias para sua ocupação foram levantadas, desde a sua
anexação completa à área do Tiergarten e conseqüente
transformação em parque, até a sua incorporação a projetos
localizados em áreas vizinhas, como o projeto para o novo
Regierungsviertel
(bairro governamental), ou o projeto de Georg
Pniower de 1947 para uma cidade universitária na Ernst-Reuter-
Platz, onde atualmente localiza-se a Technische Universität Berlin;
por último, ainda foi sugerido que na área passasse uma via
expressa tangente à cidade, em direção ao norte.
Estava claro que se nenhum destes planos fosse realizado, o
caminho estava livre para uma reconstrução do bairro de acordo
com suas características históricas originais. Porém, em novembro
de 1951, o Bezirksamt Tiergarten informou a abertura do
“Concurso de Idéias para a Reconstrução do Hansaviertel em
Berlim”, cujo objetivo era definir o Hansaviertel como área
residencial moderna e privilegiada para a cidade. Neste momento,
a destruição completa do bairro já estava decidida. Nada deveria
ficar no caminho do novo modelo urbanístico, que, além de
exemplificar o que de melhor a arquitetura e o urbanismo
modernos ofereciam em termos de habitação social, deveria
demonstrar a capacidade de Berlim Ocidental em projetar-se para
o futuro e em integrar-se com o mundo ocidental.
Contudo, somente em 13 de junho de 1953, ou seja, quase dois
anos mais tarde, o Senado de Berlim tornou o concurso conhecido
do público. Uma decisão do Senado de 03 de agosto de 1953
definiu oficialmente a área ao sul do Hansaviertel como núcleo da
primeira Exposição Internacional de Arquitetura a ser realizada
após a II Guerra Mundial, que inicialmente havia sido planejada
para ser inaugurada em 1956. Com isso, os planos iniciais de
realizar uma exposição de arquitetura na área de Charlottenburg-
Nord, próximo ao Siemenstadt, foram abandonados, e foi dada a
largada para o recomeço urbanístico do Hansaviertel com base em
premissas modernas.
O concurso urbanístico para reconstrução do Hansaviertel tinha
como objetivo programático, acima de tudo, atender à demanda
118
Apesar do estado de ruínas em que o edifício do Reichstag se encontrava após
o final da II Guerra Mundial e de estar, portanto, na época fora de uso, já que em
1949 a capital da Alemanha Ocidental havia sido transferida para Bonn, em
meados dos anos 50 foi decidido que o prédio não deveria ser demolido, mas sim
restaurado.
Propaganda de eletrodoméstico estampada na
contracapa do catálogo oficial da Interbau, que, com
o lema “Wir wohnen gern modern” (nós vivemos bem
“modernos”), indica os princípios modernos adotados
em todo o processo de reconstrução do Hansaviertel.
(Fonte: Interbau Berlin 1957. Amtlicher Katalog der
Internationalen Bauausstellung, contracapa)
57
por um recomeço urbanístico para o bairro a partir da negação da
cidade tardo-oitocentista e de sua estrutura de parcelamento em
pequenos lotes. As soluções não deveriam dirigir-se no sentido de
criar densos quarteirões edificados, mas sim grandes áreas livres
que correspondessem aos ideais de diminuição da densidade
populacional e esverdeamento das cidades, temas estes bastante
difundidos pela cultura moderna. Assim, o concurso buscava a
criação de um conceito urbanístico que fosse independente da
antiga estrutura de parcelamento do bairro, e almejava propostas
para um novo arranjo espacial entre os edifícios.
Deste modo, o concurso lançado em 1953 procurava não somente
sugestões para a nova forma de configuração do Hansaviertel,
como também contribuições com relação à nova estrutura de
parcelamento e de consolidação dos lotes. A criação de uma nova
forma de organizar o solo, ou seja, a destruição da antiga
estrutura parcelada em pequenos lotes, representava um dos
principais objetivos do concurso, e o bairro deveria ser redividido e
reparcelado em grandes áreas. Portanto, pode-se afirmar que o
emprego do urbanismo moderno no Hansaviertel só foi viabilizado
a partir da implementação de uma política de reparcelamento do
solo urbano.
Desde o princípio, decidiu-se que o novo Hansaviertel seria
composto por edifícios isolados no verde e que a densidade
estabelecida seria alcançada em grande parte por edifícios altos,
deixando livre a maior parte do terreno. Assim, a relação entre o
Tiergarten e o novo bairro, implantado em meio ao verde, também
seria redefinida. A única exigência que consta no regulamento do
concurso é a manutenção da largura da Altonaer Straβe; a partir
daí um novo traçado de ruas à oeste do viaduto do S-Bahn poderia
configurar-se. Todas as demais ruas e caminhos poderiam ser
modificados ou redefinidos.
A proximidade com elementos naturais da paisagem, como o
parque Tiergarten e o rio Spree, foi extremamente importante para
a configuração do novo Hansaviertel. Porém, além dos elementos
naturais, as cercanias do Tiergarten comportariam também
edifícios governamentais, com a instalação do futuro
Regierungsviertel
(bairro governamental). Mesmo que, na época, a
capital da Alemanha estivesse instalada em Bonn, já se previa que,
em um futuro próximo, Berlim voltaria a ser capital. Assim, as
margens do Tiergarten, além de edifícios habitacionais, deveriam
comportar também edifícios governamentais.
A reconstrução do Hansaviertel foi financiada por fundos
disponibilizados pelos Estados Unidos no Plano Marshall para a
reconstrução européia e foi viabilizada através da fundação de
uma Sociedade Anônima, cujo capital foi trazido de habitações e
sociedades habitacionais de interesse público. A Hansa AG assumiu
o papel de construtora, e os edifícios deveriam ser construídos
correspondendo às exigências do estado por habitações de cunho
social – o que implicava uma limitação superior dos preços dos
alugueis e uma restrição no tamanho dos apartamentos. A Hansa
AG conduziu tanto a reorganização do solo – o que significou
adquirir as parcelas individuais e reuni-las em pedaços maiores –,
quanto a construção dos edifícios e a reprivatização dos novos
lotes e edifícios. Ao reparcelar os lotes existentes, os 162 terrenos
originais da antiga estrutura de parcelamento da área sul do
Hansaviertel geraram aproximadamente 20 terrenos para grandes
edifícios e 50 terrenos para edifícios menores e residências
unifamiliares. De acordo com o catálogo da Interbau, entre os 162
58
lotes originais, 117 foram adquiridos pela Hansa AG, 22 foram
comprados pela cidade de Berlim para uso público e 14 foram
desapropriados, ou seja, menos de 10% do total foi objeto de
expropriações resultantes de indenizações. Com isso, mesmo que a
impressão causada fosse a de estar realizando uma coletivização
do solo urbano – uma exigência natural dos primeiros planejadores
do pós-guerra também no lado ocidental – a prática de
socialização do solo, típica dos opositores políticos de Berlim
Oriental, não se configurava como iniciativa a ser considerada.
A comissão organizadora do concurso – cujo júri contou com a
colaboração de dois membros do
Kollektivplan
119
de 1946, Hans
Scharoun e Wils Ebert – foi dirigida por Otto Bartning; porém, os
demais cargos mudaram reiteradas vezes, uma vez que os
participantes estavam indecisos se participariam da comissão ou se
prefeririam projetar um edifício. O arquiteto paisagista Walter
Rossow, então presidente da Deutsche Werkbund, e o arquiteto
berlinense Hans Schoszberger colaboraram desde o princípio. Para
a execução da exposição foi contratado Albert Wischek, que já
havia organizado outras exposições, entre elas a Constructa, em
Hannover em 1951. Como conselheiro colaborou o arquiteto e
historiador de arquitetura Edgar Wedepohl, que trabalhou na
seção de planejamento residencial da Constructa.
2.5. O PROJETO VENCEDOR
Entre os 98 trabalhos enviados para o concurso, o primeiro lugar
coube ao projeto urbanístico da equipe dos arquitetos Gerhard
Jobst e Willy Kreuer, ambos professores atuantes na Technische
Universität Berlin, e Wilhelm Schlieβer, responsável pela concepção
do planejamento de tráfego. O projeto do arquiteto Herta
Hammerbacher foi premiado com o primeiro lugar na área de
paisagismo.
O plano é uma mescla de diversos princípios claramente distintos,
com o auxílio dos quais as tipologias escolhidas para os edifícios
são colocadas em cena. De um modo geral, as barras de menor
altura estão acompanhando as ruas, mesmo que de forma
desalinhada. Entre o viaduto do S-Bahn e o rio Spree, barras de
cinco andares implantadas sobre a antiga estrutura viária estão
organizadas formando uma série de quarteirões erodidos; nesta
série, algumas barras acompanham a avenida que se desenvolve a
oeste, junto ao arco do trem, resultando em conjuntos semi-
fechados para a mesma, enquanto as outras estão colocadas
perpendicularmente ao rio, formando conjuntos abertos para o
Spree. Já à leste da linha do trem, barras também de menor altura
estão acompanhando o arco do viaduto, porém desalinhadas em
relação a ele e à rua interna gerada, formando uma linha
quebrada. Uma outra linha quebrada de barras de quatro andares
se implanta sobre a estrutura viária existente da Händelallee,
acompanhando-a e fazendo o limite com o parque. E as barras
mais altas, que estruturam o núcleo e a figura urbana dominante
da composição, estão colocadas grosso modo simétricas em
relação ao eixo formado pela Altonaerstraβe e insinuam dois
semicírculos abertos em direção ao Tiergarten.
120
119
O Kollektivplan, plano urbanístico para Berlim realizado por Hans Scharoun,
sugeria que formações originais da cidade deveriam ser unidas em faixas ao longo
do percurso do rio Spree.
120
Aqui se pode traçar um paralelo entre os semi-círculos que estruturam a
composição do projeto urbanístico vencedor do concurso para o Hansaviertel com
os crescents georgianos, ou ainda com o Parque Guinle, de Lucio Costa, que, de
59
acordo com Comas, seria “uma surpreendente atualização” do modelo proposto no
início do século XIX por George Smith. COMAS, Carlos Eduardo. Moderna (1930 a
1960). Em: MONTEZUMA, Roberto (2002). Arquitetura Brasil 500 anos – uma
invenção recíproca. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, pág. 217.
Foto da maquete do plano urbanístico vencedor do concurso de 1953, de
autoria de Gerhard Jobst e Willy Kreuer.
(Fonte: DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT, Franziska (1999). Das
Hansaviertel - Internationale Nachkriegsmoderne in Berlin, pág. 16)
Implantação do plano urbanístico vencedor do concurso de 1953, de autoria de
Gerhard Jobst e Willy Kreuer.
(Fonte: Leitfaden – projekte, daten, geschichte. Berichtsjahr 1984. Internationale
Bauausstellung Berlin 1987, pág. 18)
60
Assim, de acordo com a implantação e a foto da maquete, a
proposta vencedora apresenta uma planta cujas barras de
diferentes alturas estão dispostas de forma não ortogonal. Com o
deslocamento das barras, o desalinhamento dos edifícios frente às
ruas é uma constante. Não se vêem linhas paralelas ou ângulos
retos. Desaparecem todas as tramas pré-existentes ortogonais,
qualquer que fosse a sua orientação.
121
Isto permite sugerir, de acordo com Dolff- Bonekämper, que a
presença de Hans Scharoun no júri – mesmo que temporária, já
que ele retira-se do júri após tomar conhecimento de que seu
assistente Regius Ruegenberg estava desenvolvendo uma proposta
para o concurso – tenha influenciado a escolha por um projeto que
privilegiasse composições geométricas de traçado não-ortogonal,
com uma estrutura de parcelamento implícita.
A articulação de distintas tramas geométricas na organização de
barras residenciais foi experimentada em algumas ocasiões a partir
de meados da década de 20 em bairros habitacionais que
começam a ser construídos nas periferias urbanas – na Alemanha
de modo pioneiro, mas em outros países também – e é uma
constante em boa parte destes projetos. Estes bairros podem ter
servido de modelo tanto para a reconstrução do Hansaviertel
quanto para as demais intervenções realizadas no pós-guerra.
Britz e Siemensstadt, em Berlim, são construídos com linhas retas
e curvas em seu plano (como observado em 1.2.); linhas
quebradas na organização das barras poderiam ser encontradas
tanto nos edifícios sem elevador de Siemensstadt quanto nas casas
em fita de Aluminum City, de Gropius e Breuer, ou mesmo no
Parque Guinle de Lúcio Costa, onde a referência ao crescent
georgiano - e aos viadutos habitáveis de Le Corbusier - se conjuga
com sua fragmentação.
122
No Brasil, o Parque Guinle, projetado por Lúcio Costa e Burle Marx
entre 1943-51 e construído entre 1947-54, é um dos maiores
exemplos da integração de linhas quebradas com barras. Com
traços de uma arquitetura moderna à brasileira de base carioca, o
projeto original para o Parque Guinle conformava um conjunto de
seis edifícios independentes; Lúcio dispõe um bloco junto à testada
da rua, alinhado com seu vizinho, e outros cinco blocos lineares
com seis pavimentos, térreo e cobertura cada, dispostos
radialmente no terreno em uma linha quebrada que acompanha
seus limites. Porém, o projeto efetivamente construído conta com
somente três edifícios projetados por Lúcio Costa – o Bristol, o
Caledônia e o Nova Cintra –, além de um quarto, projetado por
MMM Roberto, porém inexistente no projeto original de Lúcio. De
acordo com Comas, “
O interior é uma surpreendente atualização
do crescente georgiano. Os blocos parecem paralelos à ladeira
arqueada em frente, mas continuidade e curvatura são virtuais,
produto da curta distância entre eles comparada ao seu
comprimento. (...) O pilotis dos blocos internos é canonicamente
aberto, mas a vegetação e o desnível em relação à rua
restabelecem a gradação tradicional entre o domínio público da
rua e o domínio semiprivado da edificação.
(...)
123
Assim, o
Parque Guinle impõe-se como exemplo de que aqui também
121
ESKINAZI, Mara Oliveira, e COMAS, Carlos Eduardo Dias (2008), op. cit, pág.
119.
122
ESKINAZI, Mara Oliveira, e COMAS, Carlos Eduardo Dias (2008), op. cit, pág.
119.
123
COMAS, Carlos Eduardo Dias. Moderna (1930 a 1960). Em: MONTEZUMA,
Roberto (2002), op. cit., pág. 217.
Implantação, perspectiva do conjunto e croquis de
Lucio Costa representando seu projeto para o Parque
Guinle.
(Fontes: www.vitruvius.com.br apud COSTA, Lúcio.
Registro de uma vivência.)
61
encontram-se ressonâncias desta busca por uma relação mais
equilibrada entre áreas verdes e áreas construídas.
No entanto, apesar de no projeto inicial para o Hansaviertel as
barras apresentarem-se aparentemente todas deslocadas entre si,
existem princípios claros que regulam a composição. A proposta
vencedora mantém o viaduto do S-Bahn e a Altonaerstraβe como
elementos estruturadores do bairro, e acrescenta uma avenida a
oeste ao longo do viaduto. Os quarteirões formados entre esta
avenida e o rio Spree reconfiguram, de modo implícito, a trama
viária existente nesta área antes da destruição. A Altonaerstraβe,
única via que teve seu traçado inteiramente conservado, foi
duplicada e é o eixo da composição grosso modo simétrica, e ao
longo dela foram implantadas barras de 4 a 9 pavimentos.
124
A
Klopstockstraβe, no trecho hoje denominado de Bartingallee, teve
sua parte norte dissipada em direção ao leste e se torna uma rua
local; a Händelallee teve seu arco prolongado, enquanto que a
Lessingstraβe e a Brückenstraβe, localizada na margem do
Tiergarten, desaparecem.
O arranjo arquitetônico de geometria não ortogonal foi esclarecido
pelos autores no memorial descritivo escrito por ocasião do
concurso: “
Os edifícios estão planejados para serem colocados
naturalmente livres em uma baia que se abre para o Tiergarten, e
devem se apresentar, através dessa ‘falta de obrigação’, como
uma expressão de claro contraste contra os edifícios construídos
ditatorialmente
”.
125
No entanto, quais “
edifícios construídos ditatorialmente
” podem ter
sido mencionados, de cuja imagem negativa a “
natureza livre
” e a
falta de obrigações
” dos novos edifícios da Interbau devem se
distinguir? Talvez Jobst tenha mencionado em seu memorial
descritivo não apenas os edifícios construídos durante a ditadura
nacional-socialista, como também as
Miethäuser
dos tempos da
fundação de Berlim. As
Miethäuser
, apesar de não deverem sua
tipologia e construção a desejos formais ditatoriais, mas sim ao
regulamento de construções de Berlim da época, geraram blocos
residenciais extremamente amarrados ao tecido urbano, com
edifícios com baixas condições de habitabilidade acompanhando o
alinhamento das ruas e avenidas.
De acordo com William Curtis,
126
ao longo da história, a arquitetura
monumental foi empregada como reforço aos valores de grupos e
ideologias dominantes e também como um instrumento de
propaganda do estado. Os regimes totalitários que ocuparam o
poder no período entre guerras em países como Itália, Rússia e
Alemanha, depositaram considerável atenção ao modo como os
edifícios e os planos urbanísticos deveriam ser utilizados para
legitimar seus posicionamentos e suas crenças através de
simbolismos e associações.
Entre as obras de Hitler que exerceram influência neste contexto,
destaca-se o eixo leste-oeste, construído entre o Brandenburger
Tor até a hoje Theodor Heuss-Platz e projetado pelo então general
inspetor de construções e arquiteto de Hitler, Albert Speer, em
virtude de seu plano de transformação de Berlim na “Germânia”,
capital do mundo. Além disto, os planos de Hitler e Speer para
124
ESKINAZI, Mara Oliveira, e COMAS, Carlos Eduardo Dias (2008), op. cit, pág.
116.
125
JOBST, Gerhard. Memorial descritivo do projeto enviado para o concurso para a
definição do novo arranjo urbanístico do Hansaviertel. Em: DOLFF-BONEKÄMPER,
Gabi e SCHMIDT, Franziska (1999), op. cit., págs. 16-17.
126
CURTIS, William J. R (1999), op. cit., pág. 351.
62
reorganização de Berlim propunham a construção de longas
avenidas e diversos eixos colocados em um cenário cujos modelos
eram Paris, Washington e Roma antiga.
A área sul do Hansaviertel dependia diretamente deste eixo leste-
oeste, já que a Straße des 17. Juni, importante avenida que cruza
o Tiergarten de leste a oeste e parte integrante do eixo planejado
por Speer, limita o bairro ao sul. À oeste da estação de S-Bahn
Tiergarten situa-se o primeiro edifício pertencente ao eixo e ao
projeto urbanístico de Speer: um prédio monumental concluído em
1956, hoje chamado de Ernst-Reuter-Haus, que deveria ter
inaugurado toda uma seqüência de grandes edificações
monumentais ao longo do eixo. A já comentada Stalinallee
também pode ser citada como modelo de oposição política e
urbanística à Interbau. Sua arquitetura eclético-acadêmica
colocava em choque recursos programáticos do modernismo
clássico – que ambicionava com toda a força uma libertação das
formas – com uma organização espacial tradicional, e esta
liberdade poderia ser interpretada tanto como pressão quanto
como meio político para alcançar o progresso.
Assim, o projeto e o memorial descritivo de Jobst e Kreuer
evidenciam-se como pano de fundo para um manifesto moderno –
e ocidental – de ambições de liberdade, e não somente liberdade
no plano do urbanismo, como também em oposição política tanto
às construções deixadas de herança pela ditadura nacional-
socialista de Hitler quanto às construções do leste socialista. Em
1954, logo após a vitória no concurso sob o título “A ordem
urbana”, Gerhard Jobst explicou em uma carta aberta o conceito
de seu projeto:
A ordem urbana pode estar em uma simples e geométrica
composição de linhas e ângulos retos. Uma organização
deste modo poderá ser facilmente compreendida e pode ser
realizada de maneira espontânea e descompromissada. A
organização urbana também pode, contrariando isso, estar
com vivacidade em um local de natureza livre, onde não
necessite alojar e representar linhas e ângulos retos. A
forma de organização mais nobre, segundo disse uma vez
Edwin Redslob, é composta por liberdade. (...) Esta
organização não permite ser colocada em uma jaqueta de
força. (...) As pessoas livres não desejam viver como em um
exército, e não desejam morar em casas enfileiradas uma
atrás das outras como barracas de trabalhadores. Em locais
organizados naturalmente, os edifícios organizam-se entre si
como as pessoas, que se dirigem umas às outras
aleatoriamente, ou se colocam em posição para serem
contemplados. Não em fila, mas em uma organização
melhor, mais casual. Os lugares casuais libertam os edifícios
do fascínio das massas, que são envolvidas por uma
reforçada geometria
”.
127
Um questionamento que pode ser levantado sobre o projeto
urbanístico vencedor no concurso para o Hansaviertel remete aos
motivos que teriam levado Jobst e Kreuer a escolherem
precisamente a tipologia de barras ortogonais altas e baixas, já
que essas se colocam em um singular antagonismo com o arranjo
urbanístico de barras deslocadas e tramas não ortogonais. Seria
uma influência direta de Le Corbusier, que sugeriu em seus
127
JOBST, Gerhard. Memorial descritivo para o projeto enviado para o concurso
para a definição do novo arranjo urbanístico do Hansaviertel. Em: DOLFF-
BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT, Franziska (1999), op. cit., pág. 18.
Maquete representando o plano de Albert Speer de
transformar Berlim na “Germânia”, a capital do mundo.
(Fonte: Leitfaden – projekte, daten, geschichte.
Berichtsjahr 1984. Internationale Bauausstellung Berlin
1987, pág. 14)
Ernst-Reuter-Haus.
(Fotografia: Mara Oliveira Eskinazi)
63
projetos para grandes cidades implantar barras altas em meio ao
verde? O projeto classificado em quarto lugar no concurso, de
Richard Gall, de Munique, testemunha uma forte influência de Le
Corbusier, enquanto que o projeto de Sergius Ruegenberg e Wolff
von Möllendorf, que ganhou o terceiro prêmio, sugere uma
referência à linguagem de Hans Scharoun.
128
O projeto de Walter Gropius e Marcel Breuer para a cidade-
trabalho de Aluminium City, New Kensington, na Pennsylvania, de
1941-42, mesmo não tendo sido mencionado diretamente por
Jobst e Kreuer no memorial do concurso, talvez seja o exemplo
que mais se encaixe na descrição exposta na carta aberta que
explica o conceito empregado no Hansaviertel. Aqui, os arquitetos
propuseram uma implantação para o terreno acidentado que se
afasta dos padrões desenvolvidos na Europa de edifícios em
barras. Os edifícios em madeira aparecem organizados no terreno
a partir de uma trama de geometria irregular. Uma seqüência de
quatro linhas levemente deslocadas entre si segue o caminho da
curva de um vale. Disto resulta uma implantação que se
assemelha com os dois semi-cícrulos propostos para o Hansaviertel
por Jobst e Kreuer, que levaram esta idéia adiante, a relacionaram
com a topografia das margens do Tiergarten e a transferiram para
um outro nível de reivindicação.
Portanto, é possível supor que o projeto para Aluminium City tenha
servido como uma das principais influências para as idéias básicas
de composição e disposição espacial do projeto de Jobst e Kreuer
para a Interbau, já que ele mostra-se como um dos exemplos mais
marcantes que realmente antecipou as idéias de disposição
espacial encontradas no projeto para o novo Hansaviertel.
Outro bairro londrino que, apesar de, assim como Aluminium City,
não estar inserido no contexto de uma exposição de arquitetura,
também apresenta semelhanças com o Hansaviertel é Roehampton
Lane Housing, projetado a partir de 1951. Além de estar localizado
às margens do parque Richmond, seu plano conta com uma
mescla de tipologias habitacionais – uma combinação de torres,
barras de quatro a onze pavimentos e casas de um pavimento –
que, agregados com equipamentos coletivos como lojas, escolas,
clube e biblioteca, o tornam, assim como o Hansaviertel, uma
mostra de arquitetura e urbanismo modernos. Entre estas
tipologias, destaca-se um conjunto de dez torres de onze
pavimentos que excerce significativa dominação na paisagem
urbana do bairro e que pode ter servido de modelo para a série de
cinco torres da Interbau. Porém, apesar de Roehampton
configurar-se como um dos bairros construídos no pós-guerra cujo
conceito de composição urbana mais assemelha-se ao
Hansaviertel, do ponto de vista da arquitetura de cada edifício esta
afirmação não procede. Enquanto em Roehampton os edifícios
seguem tipicamente um conceito unitário, em Berlim eles foram
projetados como peças singulares em um conjunto.
Contudo, no memorial descritivo realizado para o concurso os
autores não se referem nem a Le Corbusier, nem a Gropius, nem a
Roehampton. Jobst e Kreuer mencionaram, sim, em seu memorial,
os edifícios Grindel, os primeiros edifícios altos na Alemanha e
primeiros edifícios habitacionais do programa de reconstrução
alemã, localizados no bairro de Grindelberg, em Hamburgo – bairro
inicialmente destinado para os ocupantes ingleses.
128
DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT, Franziska (1999), op. cit., pág. 19.
Foto da maquete, implantação perspectivada e vista
de Aluminium City, New Kensington, de Walter
Gropius e Marcel Breuer.
(Fonte: DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT,
Franziska (1999). Das Hansaviertel - Internationale
Nachkriegsmoderne in Berlin, pág. 19 e
www.wqed.org)
Vista de Roehampton Alton West.
(Fonte: DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT,
Franziska (1999). Das Hansaviertel - Internationale
Nachkriegsmoderne in Berlin, pág. 45)
64
As seis barras de nove pavimentos e as seis barras de quatorze
pavimentos executadas em concreto armado originaram-se após
um plano do exército de 1946, ou seja, somente um ano após o
final da II Guerra Mundial, e foram consolidadas pelo projeto
realizado em 1949 pelos arquitetos alemães Bernhard Hermkes e
Rudolf Lodders. O conjunto, efetivamente construído entre 1949 e
1956, situa-se em meio a uma generosa área verde, conformando
cinco linhas paralelas distanciadas umas das outras e deslocadas
entre si. Apesar de seu antecedente mais influente ser o bairro
residencial de Churchill Gardens, de Philip Powell e Hidalgo Moya
em Pimlico, em Londres, os edifícios combinam outros dois ideais
de configuração: por um lado o modelo estrutural de urbanização
de grandes cidades verticiais de Ludwig Hilberseimer da década de
20, e por outro a proposta realizada em 1934 por Le Corbusier de
um fluído esverdeamento deste tipo de bairros habitacionais.
Os edifícios de Churchill Gardens são os primeiros construídos na
Inglaterra utilizando a tipologia de
Zeilenbau
s, ou barras altas
muito espaçadas entre si.
129
Porém, como tipologia de construção,
o
Zeilenbau
foi levado para discussão na Inglaterra pela primeira
vez na década de 30, através dos emigrantes alemães.
130
Marcante
foi o fato de o conceito não ter sido traduzido, mas sim ter sido
assumido direto do alemão exatamente como
Zeilenbau
.
Gropius mencionou como altura ótima para os grandes
Zeilenbau
entre oito a dez pavimentos, indicando, assim, que isto levaria a
uma complexa reflexão a respeito da exposição a iluminação,
especialmente no que se refere ao ângulo de incidência do sol e a
distâncias ótimas de afastamento entre os edifícios. Estes
parâmetros podem ter um aumento constante quanto mais
unidades habitacionais forem dispostas umas sobre as outras.
Também em outras cidades alemãs encontramos exemplos que
podem ter servido de modelo para a intervenção realizada no
Hansaviertel. No bairro habitacional Tannenbusch, construído em
Bonn entre 1951 e 1952 e de autoria do arquiteto de Munique Sep
Ruf – que participou da Interbau projetando uma residência
unifamilar – observa-se uma mescla de diferentes tipologias
habitacionais agrupadas em meio a uma generosa área verde,
assim como no Hansaviertel. Torres, barras e casas operárias
misturam-se em seqüência ao longo de ruas curvas. Em seu
entorno, foram implantadas espaçosas áreas de parques
comunitários em meio ao verde.
Já em Munique foi construído entre 1954 e 1956 o Parkstadt
Bogenhausen, com projeto de autoria de Franz Ruf. O plano para o
bairro, concebido na mesma época em que o Hansaviertel, previu
predominantemente barras de cinco a oito pavimentos, além de
torres habitacionais em forma de “T”. A implantação dos edifícios
deveria, além de manter a idéia de amplidão e de “unidade
orgânica” da área, reforçar o conceito de bairro residencial em
meio ao verde e preservar os apartamentos dos ruídos. Em sua
maioria, as barras estão implantadas perpendicularmente às ruas,
e os edifícios mais baixos conformam quarteirões semi-abertos e
semi-públicos. Uma larga faixa verde estende-se em meio ao
bairro e configura-se como um grande jardim interno.
Portanto, pode-se afirmar que a idéia de construir grandes barras
em meio ao verde podem ter sido importadas da Alemanha
129
DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT, Franziska (1999), op. cit., pág. 20.
130
Assim como Gropius, que deixou a Alemanha em 1934, diversos outros
arquitetos alemães também deixaram o país, ao darem-se conta de que o nazismo
e a arquitetura moderna não eram conciliáveis.
Edifícios Grindel, em Hamburgo.
(Fontes: DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT,
Franziska (1999). Das Hansaviertel - Internationale
Nachkriegsmoderne in Berlin, pág. 20, e
www.christian-klaus.de)
Parkstadt Bogenhausen, em Munique.
(Fonte: www.historisches-lexikon-bayerns.de)
Tannenbusch, em Bonn.
(Fonte: www.commons.wikimedia.org)
65
principalmente através de conceitos inicialmente testados nos
edifícios Grindel. Mais tarde, após a finalização da primeira
Unidade de Habitação, em Marselha, a tipologia de grandes barras
conecta-se com a obra e os ideais de Corbusier, principalmente em
vinculação com o rigoroso racionalismo dos seus projetos urbanos.
No entanto, muitos projetos para empreendimentos similares do
pós-guerra que objetivavam a reconstrução de cidades européias
manifestam soluções que contrastam tanto com a descontinuidade
e o desalinhamento dos edifícios face à trama viária quanto com a
simbiose entre parque coletivo e edifício com elevador, elementos
bastante presentes no projeto de Jobst e Kreuer para a Interbau.
Exemplos deste contraste com o ideal de paisagem urbana mais
orgânico empregado no projeto inicial para o Hansaviertel podem
ser encontrados tanto dentro quanto fora da Alemanha.
Ainda na Alemanha, Marcel Lods propõe em 1947 para Mainz uma
configuração com barras e edifícios em altura deslocados entre si e
implantados predominantemente na direção norte-sul. Na França,
Le Corbusier desenvolveu em 1945 para Saint Dié uma nova
estrutura com arranha-céus situados perfeitamente em um eixo;
na Inglaterra, Philip Powell e Hidalgo Moya desenvolvem o bairro
residencial de Churchill Gardens no subúrbio londrino de Pimlico,
enquanto Tecton desenvolve o Priory Garden, e, em 1947, foi
projetado por Frederik Gibberd o bairro de Harlow.
131
Exemplos
também podem ser encontrados na América Latina – no México
com Mario Pani, na Venezuela com Carlos Raul Villanueva, e
também no Brasil (exceção feita das barras curvas de Reidy e
Flávio Marinho Rego).
A proposta de Jobst e Kreuer exemplifica bem o planejamento
"orgânico" que Hans Bernhard Reichow defende em "Organische
Stadtbaukunst. Von der Grossstadt zur Stadtlandschaft", de 1948,
e que Scharoun aprova.
132
Além disso, ao relacionar seus edifícios
Zeilenbau
com o espírito de paisagem identificada com Hans
Scharoun e não com uma organização ortogonal, Jobst e Kreuer
estavam integrando não só a base derivada das figuras de Gropius
e Breuer, como também o modelo dos edifícios de Grindel e a
teoria e a estética do racionalismo exposto por Gropius e Corbusier
ao modelo de paisagem urbana de Scharoun. Este modelo de
Scharoun tem especial consideração pela ordem urbana e espacial,
e compreende o significado da metáfora política – plenamente
enquadrada na discussão ocidental contemporânea – entre o
racionalismo e a paisagem urbana: racionalismo responde por
progresso, enquanto que paisagem urbana responde por
liberdade. Em termos tipológicos, esta relação contrapõe-se à
herança nazista e à vizinhança comunista. Em termos metafóricos,
a liberdade de implantação dos edifícios numa paisagem urbana
equacionada como parque coletivo se equipara à liberdade
individual numa sociedade aberta, em harmonia com a natureza.
133
Assim, através do urbanismo, o trabalho de Jobst e Kreuer acaba
por representar os princípios sociais de liberdade e progresso,
valores condutores da Alemanha Ocidental do pós-guerra.
134
131
Capaz de abrigar 60.000 habitantes, em Harlow se buscou abrandar a
predominância do agrupamento de edificações em linha através do emprego de
figuras urbanas dominantes como torres residenciais. As áreas verdes apresentam-
se como corredores em meio à cidade, estendendo assim o seu alcance. As áreas
de parque encontram-se em conexão com os jardins das barras habitacionais.
132
ESKINAZI, Mara Oliveira, e COMAS, Carlos Eduardo Dias (2008), op. cit,pág.
119.
133
ESKINAZI, Mara Oliveira, e COMAS, Carlos Eduardo Dias (2008), op. cit,pág.
119.
134
DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT, Franziska (1999), op. cit., pág. 21.
Churchill Gardens, em Pimlico, Londres.
(Fonte: DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT,
Franziska (1999). Das Hansaviertel - Internationale
Nachkriegsmoderne in Berlin, pág. 21)
Projeto de Le Corbusier para Saint Dié, de 1945.
(Fonte: DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT,
Franziska (1999). Das Hansaviertel - Internationale
Nachkriegsmoderne in Berlin, pág. 18)
Modelo proposto por Ludwig Hilberseimer para a
urbanização de cidades verticais.
(Fonte: MARTÍS ARIS, Carlo. Las Formas de La
residencia en la ciudad moderna (2000), pág. 27)
66
2.6. AS MODIFICAÇÕES NO PROJETO VENCEDOR E O
PLANO FINAL
A decisão tomada pelo Senado de Berlim em 1953 de conectar a
reconstrução do Hansaviertel com uma Exposição Internacional de
Arquitetura conduziu a modificações no projeto premiado no
concurso, já que o plano de Jobst e Kreuer não atendia a algumas
necessidades e propósitos essenciais deste tipo de exposição.
A exposição deveria ser organizada contando com “
uma
abundância de individualidades arquitetônicas através da
participação de reconhecidos arquitetos nacionais e
estrangeiros
”.
135
Além disso, também as linhas conceituais do
projeto foram criticadas pelos senadores,
136
já que, segundo eles,
o projeto de Jobst e Kreuer contrariava a intenção de fornecer um
panorama de todas as possibilidades arquitetônicas e construtivas
da época. Para a consolidação de uma real demonstração do
cenário da arquitetura habitacional moderna, faltavam tipologias
essenciais, como torres, barras baixas e conjuntos de casas.
Assim, foi revindicada uma diversificação tipológica que
demonstrasse as diferentes possibilidades de habitar em uma
cidade moderna, bem como permitisse a acomodação de uma
maior variedade funcional a partir da implantação de importantes
equipamentos urbanos, como comércio, escola, biblioteca, igrejas
e jardim de infância.
O projeto premiado no concurso não atendia a todos estes
condicionantes; assim sofreu, inicialmente, com o consentimento e
participação de Gerhard Jobst, diversas modificações antes de sua
execução. Willy Kreuer encontrava-se, a essas alturas, ocupado
com o projeto da St. Ansgar-Kirche junto à Hansaplatz e, portanto,
abdicou da participação nos trabalhos de reformulação do projeto
urbanístico. Em uma segunda etapa, o plano foi reformulado sob a
coordenação de Otto Bartning.
A primeira versão apresentada por Gerhard Jobst após o concurso,
em abril de 1954, mantem uma configuração bastante semelhante
com a versão vencedora do concurso; porém, aqui, a área de
intervenção havia sido reduzida e limitada pela área compreendida
entre o parque e a elevada – a área entre a elevada e o rio foi
suprimida. Já no plano seguinte, apresentado ainda em 1954,
mesmo não renunciando a um dos mais marcantes conceitos
empregado na proposta vencedora do concurso, em que as barras
configuram dois semi-círculos abertos em direção ao Tiergarten,
Jobst planeja agora uma clara mistura de diferentes tipologias,
agregando conceitos utilizados pelos autores das propostas
classificadas em 2º e 3º lugar no concurso de 1953: de Kurt
Kurfiss foi agregada a série de torres, que ecoam a experiência de
Roehampton; de Ruegenberg e van Möllendorf as idéias para um
centro comercial na Hansaplatz; e de Thiele e Wittig o tapete de
casas – que, por outro lado, revelou algo do projeto de Hans
Scharoun para as células habitacionais de Friedrichshain.
Como novos elementos urbanos, Jobst introduz, além de barras de
alturas variadas, duas torres – uma junto ao acesso sudoeste, nas
proximidades da futura Straβe des 17. Juni, e a outra junto à
Hansaplatz. Com o emprego das duas torres, Jobst buscava a
marcação de pontos urbanísticos chave que estebelecessem uma
posição dominante na paisagem. Além disso, na Hansaplatz foi
135
Bezirksamt Tiergarten von Berlin (1995). Das Hansaviertel - 1957 - 1993.
Konzepte, Bedeutung, Probleme, op. cit., pág. 36. Tradução livre da autora.
136
Bezirksamt Tiergarten von Berlin (1995). Das Hansaviertel - 1957 - 1993.
Konzepte, Bedeutung, Probleme, op. cit., pág. 36.
67
criado um centro comercial conectado com uma estação de metrô,
e foi planejada uma passarela de pedestres sobre a
Altonaerstraβe. Com isso, Jobst alcançou um maior número de
unidades residenciais e uma maior diferenciação tipológica entre
os edifícios.
O plano desenvolvido por Jobst serviu de base para todas as
considerações e reflexões posteriores. Contudo, entre o final de
1954 e fevereiro de 1955, o plano toma outro caminho, sendo
então desenvolvido sob a direção de Otto Bartning, que nesta
época coordenava a comissão diretora do projeto e era presidente
do Bundes Deutscher Architekten. Bartning deveria auxiliar na
resolução dos problemas formais, na determinação das áreas de
exposição, na composição das diferentes tipologias de edifícios a
serem empregadas, na elaboração das possibilidades financeiras
existentes, bem como na escolha e coordenação dos arquitetos
participantes nacionais e estrangeiros e dos respectivos locais de
implantação de seus edifícios.
A comissão diretora da Interbau definiu que a exposição contaria
com a participação de 44 arquitetos nacionais e estrangeiros:
porém, após Mies van der Rohe e Eero Saarinem terem declinado
ao convite, alguns outros foram convidados, e a lista resultou em
49 arquitetos de 12 diferentes paises que trabalharam na
concepção de 40 objetos – 37 localizados na área de exposições e
3 fora. A comissão definiu também o objetivo principal da mostra:
A nova configuração urbanística deste bairro da cidade,
com uma área total de aproximadamente 25ha, deve estar
de acordo com o novo espírito da época, concretizando-se
como manifestação de uma atitude arquitetônica que
corresponda aos modos de pensar e de viver de um povo
livre. O conteúdo desta nova conformação urbana está na
busca por proporcionar aos edifícios um caminho
arquitetônico que represente a época e que configure-se
como solução para o problema das “pessoas na cidade
grande”, a partir das formas de habitar em um bairro
central altamente conectado com o verde
”.
137
O resultado da intervenção de Otto Bartning foi apresentado na
primeira conferência de arquitetos, realizada em dezembro de
1954, quando foram definidos os novos conceitos do concurso e as
reformulações a serem implantadas no projeto de Jobst. A redução
da área de abrangência da exposição, já indicada por Jobst em
1954 ao eliminar a área compreendida entre o viaduto do S-Bahn e
o rio Spree, foi mantida, e assim a área de intervenção confirmou-
se limitada à parte sul da elevada. A partir de sugestão do
arquiteto holandês J. B. Bakema, foi realizada uma reorganização
espacial dos edifícios que, originalmente concebidos a partir de
uma composição não-ortogonal, passaram a encontrar-se
organizados ortogonalmente. No lugar da até então prevista
variedade de inclinações e angulações entre os edifícios, passou a
dominar uma rigidez fundamentada no ângulo reto. E enquanto
elementos como o traçado das ruas, as duas baias voltadas para o
Tiergarten, a graduação de alturas com as construções mais baixas
implantadas junto ao Tiergarten, as duas torres e o centro
comercial junto a Hansaplatz foram mantidos, a articulação não-
ortogonal do agrupamento central de barras de oito a dez
pavimentos foi abandonada em favor de uma composição com
predomínio do ângulo reto.
137
Bezirksamt Tiergarten von Berlin (1995). Das Hansaviertel - 1957 - 1993.
Konzepte, Bedeutung, Probleme, op. cit., pág. 36. Tradução livre da autora.
68
Entre 10 e 12 de fevereiro de 1955, é realizada a última
conferência, também dirigida por Otto Bartning, entre a comissão
diretora do projeto e os arquitetos participantes, e é apresentada
uma maquete com a proposta final. Entre os principais elementos
estruturadores, observa-se a seqüência encadeada de torres, os
dois tapete de casas, o fortalecimento da articulação ortogonal
entre as barras, e um traçado viário baseado no modelo da antiga
malha urbana do bairro. Além disso, para alcançar a grande
mistura de tipologias construtivas e habitacionais, aliada a uma
suficiente diversidade arquitetônica, abdicou-se da predominância
das barras, bastante presentes nos planos iniciais.
Para acolher a contribuição de Kurfiss, 3º colocado no concurso,
de implantar uma série de torres acentuando o arco do viaduto S-
Bahn ao norte do terreno, a seqüência de barras de doze
pavimentos foi perdida. Cinco torres de dezesseis pavimentos cada
foram projetadas, enquanto que as barras no entorno da
Hansaplatz tiveram suas alturas reduzidas de doze para oito
pavimentos. Estas barras modificaram a configuração da
Hansaplatz, agora salientada pelo espaço contínuo resultante do
novo traçado da Klopstockstraße.
A maquete de fevereiro de 1955 mostra que, mesmo que o novo
traçado viário tenha sido baseado na trama original, parte do
tecido histórico das ruas tornou-se irreconhecível. A Lessingstraße
e a Brückenstraße foram suprimidas; próximo ao Tiergarten, o
percurso da Händelallee foi modificado e a rua recebeu um
formato arqueado; e a Klopstockstraße, no trecho onde hoje é
conhecida como Bartingallee, teve sua parte norte dissipada em
direção ao leste. De acordo com o projeto de 1953, somente a
Altonaerstraße teve seu traçado mantido, bem como sua secção
duplicada. Ela divide o bairro nas partes norte e sul, e o trânsito de
automóveis – cada vez mais freqüente e intenso – reforça a
divisão da área em dois lados e domina o espaço então concebido
como área verde. As ruas residenciais e os caminhos semi-públicos
conformam áreas livres de trânsito. Pode-se ler o sistema de ruas
como uma mudança no modelo condutor das linhas de trânsito
utilizadas na cidade, que Scharoun desenvolveu no seu conceito de
Bandstadt
138
idealizado para o
Kollektivplan
e Hans Bernhard
Reichow apresentou resumidamente em seu livro das cidades
dirigidas pelo carro.
139
Isto não significa instalar a primazia
incondicional do carro sobre os transeuntes, mas sim classificar e
separar as correntes de trânsito para proveito de todos.
Além disso, apreende-se da maquete que a Klopstockstraβe volta a
ser um elemento estruturador, embora o seu traçado tenha sido
modificado a norte do cruzamento com a Altonaerstraβe, seguindo
então aproximadamente paralela à elevada com o nome de
Bartningallee. A Hansaplatz se define com duas barras altas de
cada lado da Altonaerstraβe
140
e com duas torres – entre as quais
somente a localizada a norte da Hansaplatz, junto ao centro
comercial, foi construída.
138
No Bandstadt, ou „cidade em faixas“, Hans Scharoun propos que as formações
originais da cidade estivessem unidas por faixas aoo longo do percurso do Rio
Spree.
139
REICHOW, Hans Bernhard (1959). Die autogerechte Stadt – Ein Weg aus dem
Verkehrs-Chaos. Hamburg-Bramfeld: Otto Maier Verlag. No seu slogan „as cidades
dirigidas pelo carro“, Reichow, defende a idéia de que o fluxo de trânsito deveria
ordenar o planejamento das cidades, tornando-o, com isso, um seguidor da Carta
de Atenas. No entanto, logo tornaria-se claro que esse tipo de concepção teria
descuidado da escala do pedestre.
140
ESKINAZI, Mara Oliveira, e COMAS, Carlos Eduardo Dias (2008), op. cit., pág.
120.
69
Implantação desenhada por Gerhard Jobst em abril de 1954. Esta primeira versão
após o concurso ainda apresenta as mesmas características de configuração que
a proposta vencedora do concurso, com uma predominância de barras colocadas
não-ortogonalmente; porém aqui a franja entre a elevada e o rio já foi suprimida.
(Fonte DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT, Franziska (1999). Das
Hansaviertel - Internationale Nachkriegsmoderne in Berlin, pág. 32)
Foto da maquete da versão apresentada por Otto Bartning em fevereiro de 1955.
Nesta versão, a variedade tipológica e a articulação ortogonal já são implantadas;
porém, o tapete de casas ainda aparece com poucas definições, somente como
mancha, assim como a atual área de barras baixas ao longo do Hanseatenweg.
(Fonte: Bezirksamt Tiergarten von Berlin (1995). Das Hansaviertel - 1957 - 1993.
Konzepte, Bedeutung, Probleme, pág. 37)
70
Com as alterações implementadas pela equipe de Bartning,
141
a
organização básica das edificações foi bastante alterada; contudo,
o novo plano para o Hansaviertel vai mostrar que o bairro
moderno comporta uma maior variedade de tipologias
habitacionais – porém agora dispostas numa clara ordem
ortogonal, alinhadas com os pontos cardeais e bem mais razoável
do ponto de vista da orientação solar. O plano urbanístico,
compreendido em 177 hectares de área bruta e 22 hectares de
ruas públicas, abriga agora aproximadamente 1.300 unidades
habitacionais. A grande diversidade e proporção de áreas verdes
livres resulta em uma baixíssima densidade habitacional, opondo-
se a antiga configuração do bairro, que era bastante densificado. A
relação entre áreas edificadas e não-edificadas passa de 1:1,5 no
antigo Hansaviertel para 1:5,5 na conformação atual.
A construção do empreendimento se conclui somente por volta de
1960. Porém, entre a última intervenção de Otto Bartning e o
plano urbanístico efetivamente construído também existem
modificações, mesmo que de menor monta. A empresa construtora
julgou que os dois tapetes de casas seriam pouco rentáveis do
ponto de vista financeiro; deste modo, há a eliminação de um
deles, o localizado junto ao Hanseatenweg e, em seu lugar, ao sul
da série de cinco torres e junto à Bartingalle, foram construídos
um conjunto de quatro pequenos edifícios – três barras e um
edifício de planta central – e a Akademie der Künste, pronta
somente em 1960. Ao redor do cruzamento central da
Altonaerstraße com a Klopstockstraße, na Hansaplatz, a torre
oposta à chamada Girafa - uma torre isolada de dezenove andares,
com projeto de Klaus Müller-Rehm e Gerhard Siegmann, localizada
nas proximidades do pavilhão de exposições na Straße des 17.
Juni, o Berlin-Pavillon
,
hoje ocupado por uma rede de lanchonetes
– também desaparece, e o local da torre prevista para ocupar a
área ao sul da extremidade oeste da Altonaerstraβe foi destinado
exclusivamente à igreja Saint Ansgar. A torre junto ao centro
comercial foi mantida, porém teve sua altura reduzida. O centro
comercial com edificações com um ou dois pavimentos para lojas,
cinema, restaurante, estação de metrô e biblioteca foi estendido
para que fossem agregadas funções urbanas adicionais através da
implantação da igreja e de um jardim de infância.
No entanto, a maior parte do plano urbanístico efetivamente
construído já estava presente na concepção de Bartning. A Girafa,
localizada próximo à estação de metrô Tiergarten, anuncia a
entrada do conjunto pela Klopstockstraβe e conforma a paisagem
urbanística dominante na margem sul do bairro. À oeste da
Klopstockstraβe localiza-se a série de barras de quatro andares
(que foi reduzida de cinco para quatro barras, já que a barra mais
próxima ao Berlin-Pavillon, com projeto de Alexander Klein, de
Israel, não foi construída) que acompanham o viaduto do S-Bahn,
e tem projetos de Hans Christian Müller, Günther Gottwald, Wassili
Luckhardt e Hubert Hoffmann, e Paul Schneider-Esleben. Já na
área compreendida à leste da Klopstockstraβe e ao sul da
Altonaerstraβe localiza-se a Händelallee, alça maior que
compreende um largo triangular e duas barras altas – com
projetos de Walter Gropius e Pierra Vago – ocupando os catetos do
triângulo, todos voltados para a progressão ritmada das quatro
barras do outro lado da Klopstockstraβe.
141
ESKINAZI, Mara Oliveira, e COMAS, Carlos Eduardo Dias (2008), op. cit, págs.
119-120.
71
Fotos da maquete com a versão final do projeto.
(Fontes: Interbau Berlin 1957. Amtlicher Katalog der Internationalen
Bauausstellung, págs. 39-40, e DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT,
Franziska (1999). Das Hansaviertel - Internationale Nachkriegsmoderne in Berlin,
pág. 34)
Implantação oficial (porém com algumas diferenças com relação à versão
construída), indicando também a posição dos pavilhões de exposição e o percurso
do teleférico.
(Fonte: Bezirksamt Tiergarten von Berlin (1995). Das Hansaviertel - 1957 - 1993.
Konzepte, Bedeutung, Probleme, pág. 38)
72
A idéia de Jobst e Kreuer de configuração de dois semicírculos
abertos para o Tiergarten, conformados por barras de oito a dez
pavimentos – com projetos de Egon Eiermann, Oscar Niemeyer,
Frtiz Jaenecke e Sten Samuelson, Werner Düttmann, Alvar Aalto,
Walter Gropius e Pierre Vago – organizados com ângulos retos e
deslocados entre si se mantém, porém somente como vestígio; a
situação de portão que a relação dos edifícios de Niemeyer e
Jaenecke-Samuelson conforma com a Altonaerstraβe também é
conservada. Mais em direção ao oeste, resguardados por três
destas barras – as de Vago, Aalto e Jaenecke-Samuelson –, se
sucedem três grupos de casas térreas, sendo dois – um com
projetos de Günther Hönow, Sergius Ruegenberg e Wolff von
Möllendorf e Sep Ruf, e o outro com projetos de Joahannes Krahn,
Alois Giefer e Hermann Mäckler, Gerhard Weber e Arne Jacobsen –
acessíveis por caminhos semi-públicos sem saída, e o terceiro
com projeto de Eduard Ludwig – acessível pela própria alça maior.
Do outro lado da Händelallee, a sul, dentro do parque, a igreja se
implanta articulada com a passagem de pedestres que se localiza
entre os dois primeiros grupos de casas citados, e se encerra em
largo junto à estação de metrô e à biblioteca. Este largo é limitado
também pelas barras de Aalto e Janecke-Samuelson. Em direção
ao leste, acessível pela Altonaerstraβe, encontra-se a Eternit Haus,
edifício de três pavimentos com sete casas conjugadas e projeto
de Paul Baumgarten.
Ao norte da Altonaerstraβe encontra-se o Hanseatenweg, alça
menor ao longo da qual estão implantados, no lado sul da
Bartningallee, o já comentado conjunto de quatro pequenos
edifícios de três andares cada sem elevador – com projetos de
Otto H. Senn, Kay Fisker, Max Taut e Franz Schuster –, a
Akademie der Künste – com projeto de Werner Düttmann – e duas
barras de eixo norte sul – com projetos de Oscar Niemeyer e Egon
Eiermann –, uma junto à Altonaerstraβe, a outra junto à
Klopstockstraβe, mais avançada em relação ao cruzamento das
duas avenidas; ambas limitam um grande largo gramado na
esquina leste do cruzamento que dá forma à Hansaplatz. Ao norte
da Bartningallee está a progressão ritmada de cinco torres de
quinze a dezesseis pavimentos – com projetos de Luciano
Baldessari, J. H. van den Broek e J. B. Bakema, Gustav
Hassenpflug, Raymond Lopez e Eugène Beaudouin, e Hans
Schwippertt. Esta série, que acompanha a curva do viaduto do
trem e cuja última torre está localizada ao lado da estação
Bellevue, foi igualmente mantida do projeto de Bartning; porém,
enquanto no projeto de Bartning a torre junto à Hansaplatz
apresentava altura substancialmente maior que as demais, na
versão construída esta diferença de altura reduz-se para somente
um pavimento. Segundo a análise de Comas:
142
A Hansaplatz se reforça como centro do empreendimento,
com os edifícios limítrofes circundando em duas camadas a
cruz configurada pelas duas avenidas. A camada interna
comporta edificações baixas de um só andar em três
quadrantes: a igreja/ jardim de infância a oeste e o centro
comercial/ estação de metrô a norte e a biblioteca/estação
de metrô a sul. A camada externa compreende as barras
altas e a primeira torre. A praça é uma figura composta. Em
planta, equivale à associação de um quadrilátero rotado com
fragmento do quadrilátero maior em que se inscreve, com
142
ESKINAZI, Mara Oliveira, e COMAS, Carlos Eduardo Dias (2008), op. cit, pág.
123.
Implantação final do plano como construído e vistas
aproximadas da maquete com a versão final do
projeto.
(Fonte: Wiederaufbau Hansaviertel –
Sonderveröffentlichung zur Interbau Berlin 57 (1957).
Volume 1
)
73
vértice sobre a Altonaerstraβe a leste. Volumetricamente, a
praça se demarca desde a trama viária como uma série de
portais, o principal dos quais constituído pelas duas barras
altas junto à Altonaerstraβe, dispostas ortogonalmente entre
si e a 45º em relação à avenida. Aquela a sul se adjudica
aos sócios Fritz Jaenecke (alemão) e a Sten Samuelson
(sueco), aquela a norte se adjudica a Niemeyer. Aalto ganha
a barra que forma portal com a igreja da Hansaplatz e se
opõe à dos suecos. O alemão Egon Eiermann ganha a barra
que forma portal com a primeira torre, vizinhando com a de
Niemeyer. O outro par de barras altas, interno a Händelallee,
é adjudicado a Gropius e TAC e a Pierre Vago, esta
perpendicular à alça e a outra paralela.
Com isso, as maiores margens junto ao Tiergarten foram ocupadas
com edificações baixas, que, além de permitirem uma maior
ligação visual com o parque, são responsáveis pela transição entre
as áreas construídas do bairro e as áreas verdes do parque. Além
disso, tanto as barras de quatro pavimentos que acompanham o
viaduto do S-Bahn ao longo da Klopstockstraße, quanto as cinco
torres que seguem a curva do viaduto até a estação Bellevue
formam seqüências que dão ritmo à composição. Com a
introdução dos
Zeilenbau
e das
Punkthochhäuser
– ou seja, torres
ou barras elevadas sobre pilotis, sem barreiras, dispostas
livremente em relação à trama viária em um imenso território
verde – a densidade desejada seria alcançada ao mesmo tempo
em que uma maior quantidade de áreas verdes fosse liberada.
O plano final para o Hansaviertel é uma composição sofisticada,
que utiliza de maneira inteligente a articulação axial, a simetria, a
série, a inversão e a erosão da geometria elementar,
143
e nele se
pode claramente reconhecer as diferentes origens de seus
integrantes. À variedade dos tipos de habitação, que acabou por
exemplificar as alternativas que se apresentam para habitar em
uma cidade moderna, se soma uma variedade de espaços
definidos por esses tipos – a pra composta, os largos fechados
de três ou dois lados gramados e/ou pavimentados, as ruas sem
saída, os caminhos.
No entanto, o arranjo espacial da construção deixa de ser
"orgânico". Além da disposição dos edifícios numa trama ortogonal
justificada pela orientação solar – fato que demonstra influência da
doutrina que ganhou força nos anos 20, que sugere como
adequado implantar os edifícios com seu comprimento maior no
sentido norte-sul, de modo a garantir que todos os apartamentos
estejam orientados para o leste e/ ou para o oeste –, o seu
desalinhamento em relação à trama viária não é uma regra. A
liberdade de sua implantação é relativa, ainda mais quando
considerada a trama de parcelamento implícita definida pelo
desenho dos caminhos e vias veiculares internas. Não há
homologia entre configuração da rua e da edificação, a regra no
quarteirão tradicional edificado perimetralmente, mas sobra
coordenação entre o projeto dos edifícios e o projeto dos espaços
abertos. Apesar da inexistência de cercas, caminhos, vias
veiculares internas e plantio garantem a distinção entre espaços
abertos públicos e semi-públicos ou semi-privados. A coletivização
do parque não é a mesma em qualquer de seus pontos.
144
143
ESKINAZI, Mara Oliveira, e COMAS, Carlos Eduardo Dias (2008), op. cit, pág.
123.
144
ESKINAZI, Mara Oliveira, e COMAS, Carlos Eduardo Dias (2008), op. cit, pág.
126.
Fotografias aéreas mostrando o Hansaviertel e sua
relação com o parque Tiergarten.
74
EDIFÍCIOS PROJETADOS POR OCASIÃO DA INTERBAU:
1 – HANS CHRISTIAN MÜLLER
2 – GÜNTHER GOTTWALD
3 – WASSILI LUCKHARDT E HUBERT HOFFMANN
4 – PAUL SCHNEIDER ESLEBEN
5 – BEZRIKSAMT TIERGARTEN, AMT FÜR HOCHBAU
6 – WILLY KREUER
7 – ERNST ZINSSER E HANSRUDOLF PLARRE
8 – LUCIANO BALDESSARI
9 – JOAHANNES HENDRIK VAN DEN BROEK E JACOB
BEREND BAKEMA
10 – GUSTAV HASSENPFLUG
11 – RAYMOND LOPEZ E EUGÈNE BEAUDOUIN
12 – HANS SCHWIPPERT
13 – WERNER DÜTTMANN
14 – OTTO H. SENN
15 – KAY FISKER
16 – MAX TAUT
17 – FRANZ SCHUSTER
18 – EGON EIERMANN
19 – OSCAR NIEMEYER
20 – FRITZ JAENECKE E STEN SAMUELSON
21 – WERNER DÜTTMANN
22 – ALVAR AALTO
23 – PIERRE VAGO
24 – WALTER GROPIUS, TAC E WILS EBERT
25 – KLAUS MÜLLER-REHM E GERHARD SIEGMANN
26 – LUDWIG LEMMER
27 – PAUL G. R. BAUMGARTEN
28 – EDUARD LUDWIG
29 – ARNE JACOBSEN
30 – GERHARD WEBER
31 – ALOIS GIEFER E HERMANN MÄCKLER
32 – JOHANNES KRAHN
33 – SERGIUS RUEGENBERG E WOLFF VON
MÖLLENDORF
34 – SEP RUF
35 – GÜNTHER HÖNOW
EDIFÍCIOS PROJETADOS APÓS A INTERBAU:
36 – KLAUS KIRSTEN
37 – KLAUS KIRSTEN
38 – BODAMER E BERNDT
EDIFÍCIOS LOCALIZADOS FORA DO HANSAVIERTEL:
39 – BRUNO GRIMMEK
40 – LE CORBUSIER
41 – HUGH A. STUBBINS
(Fonte: DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT,
Franziska (1999). Das Hansaviertel - Internationale
Nachkriegsmoderne in Berlin, págs. 1 e 2 )
75
76
2.7. O PROJETO PAISAGÍSTICO
A presença maciça de arquitetos paisagistas na elaboração e
materialização do plano urbanístico para o Hansaviertel comprova
que a principal idéia consistia na criação de generosas áreas
verdes que pudessem ser integradas com os espaços habitacionais
– como diz Summerson a respeito de Le Corbusier, “
o parque não
está mais na cidade, mas a cidade no parque
”.
145
A idéia de
conceber um complexo habitacional em uma área verde cujos lotes
não estivessem divididos, e, com isso, conferir ao bairro um
caráter de parque, já havia sido experimentada em Berlim nos
anos 20 na construção dos bairros de Haselhorst, uma parte do
Waldsiedlung em Zehlendorf e acima de tudo em Siemenstadt. No
entanto, vale ressaltar que também estas propostas partem de
uma reconsideração de certos aspectos da cidade oitocentista
como método para enasiar uma definição pertinente da cidade
moderna.
146
A configuração paisagística e a acentuada proporção
de espaços públicos e privados é nestes casos bem sucedida,
porém o paisagismo segue subordinado à arquitetura dos edifícios.
No Hansaviertel, o projeto paisagístico deveria estar conectado e
em total harmonia com o plano geral. Estava claro que para atingir
os conceitos arquitetônicos e urbanísticos perseguidos
programaticamente pela Interbau de diminuição da concentração
populacional e aumento das áreas verdes da cidade, a arquitetura
e o verde possuíam valores equivalentes; deste modo, a idéia de
espaços públicos e fluídos somente seria conseguida através de
meios de configuração que incluíssem um adequado projeto
paisagístico, e, portanto, os paisagistas deveriam participar desde
o princípio como parceiros de mesma importância. Assim, o
arquiteto paisagista Walter Rossow foi escolhido para coordenar a
comissão, e determinou dez arquitetos paisagistas que,
coordenados pelo paisagista de Berlim Helmut Bournot,
configurariam as áreas verdes da exposição. Os arquitetos
paisagistas, pela primeira vez na história das exposições de
arquitetura, estiveram na coordenação dos trabalhos de
aquecimento, irrigação, drenagem, energia, gás e telefone. De
acordo com as determinações de Bournot, a sintonia dos edifícios
com a implantação – que inclui tanto a localização quanto a altura
dos edifícios – foi co-determinada pelos paisagistas.
Os dez arquitetos paisagistas, cinco provenientes da Alemanha e
cinco de países europeus, foram divididos em grupos de trabalho
que separaram as zonas de exposição em cinco grandes áreas de
intervenção. A divisão das áreas de trabalho corresponde com o
agrupamento das tipologias de edifícios. O grupo I, coordenado
pelos arquitetos paisagistas Hermann Mattern, de Kassel, e René
Pechère, de Bruxelas, abrange as barras de quatro pavimentos
entre a Klopstockstraβe e o viaduto do trem, as barras altas de
Walter Gropius e Pierra Vago, e a torre de Klaus Muller-Rehm e
Gerhard Siegmann na entrada da exposição. Os esforços nesta
região focaram-se no sentido de proporcionar à área um caráter o
145
(...) In the course of it we observe, naively, enough, that “the house stands in
the garden”, to which Le Corbusier replies, “no, the garden stands in the house”,
proving his assertion by an executed design in which this is, in fact, the case. We
suggest that “a building is, in principle, four walls with windows for light and air”, and
he replies that “on the contrary, a building may just as well be four windows, with
walls for privacy and shade”. We put it to him as axiomatic that a park is a space for
recreation in a town and he replies, “not at all; in the future, the park will not be in
the town, but the town in the park. Work, after all, is an incident in life; life is not an
incident in work”. SUMMERSON, John (1963). Heavenly Mansions and other
essays on architecture. New York: Norton. Ensaio VIII: Architecture, Painting and
Le Corbusier, págs. 190-191.
146
MARTÍ ARÍS, Carlos (2000), op. cit., pág. 27.
Implantação mostrando a divisão das áreas de
intervenção de acordo com os projetos de paisagismo:
I – Hermann Mattern e René Pechère;
II – Ernst Cramer e Otto Valentin;
III – Hertha Hammerbacher e Edvard Jacobson;
IV – Gustav Lüttge e Pietro Porcinai;
V – Wilhelm Hübboter e C. Th. Sörensen.
(Fonte: Bezirksamt Tiergarten von Berlin (1995). Das
Hansaviertel - 1957 - 1993. Konzepte, Bedeutung,
Probleme, pág. 12)
Implantação de trecho da área pertencente ao grupo I.
(Fonte: Bezirksamt Tiergarten von Berlin (1995). Das
Hansaviertel - 1957 - 1993. Konzepte, Bedeutung,
Probleme, pág. 29)
77
Implantação mostrando o projeto paisagístico geral para a área, detalhe do
projeto para o grupo I e o projeto paisagístico para a área no entorno da
Hansaplatz.
(Fonte: Bezirksamt Tiergarten von Berlin (1995). Das Hansaviertel - 1957 -
1993. Konzepte, Bedeutung, Probleme, págs. 12, 13, 20 e 23)
78
mais privado possível, onde os edifícios se encontrassem em uma
ampla área livre, de função semelhante aos jardins de casas
privadas, porém livre de demarcações e cercas nos limites entre os
terrenos. Os apartamentos nas barras de quatro pavimentos foram
projetados para famílias com crianças; para tanto, foram
conformadas áreas de descanso para os adultos e áreas
recreativas para as crianças, como caixas de areia com formatos
orgânicos. Já que não foi possível transformar a Klopstockstraße
em rua de pedestres e liberá-la do trânsito de veículos – como
havia sido previsto na primeira versão do plano urbanístico – foram
criados artifíicios que protegessem os moradores do barulho e do
trânsito. Assim, foram colocados na Klopstockstraße muros de
proteção em concreto de diferentes alturas e aterros plantados.
Para proteger contra o barulho provocado pelo S-Bahn foi
planejado o plantio de uma faixa com 12m de largura com
vegetação de crescimento rápido. Outro elemento bastante
característico da configuração da área são os arbustos com
contornos indefinidos que ornamentam os gramados, colocados
principalmente nos acessos aos edifícios e às unidades
habitacionais. Na grande área livre entre os edifícios de Gropius e
Vago não se objetivou separar do público as áreas privadas das
semi-públicas e, portanto, não foram planejados jardins privativos;
os principais elementos conformadores desta área são uma praça
com um chafariz e o grande gramado. Além disso, os locais para
sentar convidam os moradores e os transeuntes a uma parada, e
os pontos importantes, como desvios de caminhos e acessos,
foram demarcados com árvores de grande porte.
No grupo II, que ficou a encargo de Ernst Cramer, de Zurique, e
Otto Valentien, de Stuttgart, a intenção era conformar jardins de
forma que o Tiergarten fosse envolvido a esta área de edificações
de um pavimento, sem a demarcação de limites ou fronteiras. A
vegetação deveria se acomodar às características do parque. Aqui,
os jardins privativos são separados e cercados; porém, a casa e o
jardim deveriam ser encarados como um conjunto, e a sala de
estar é ampliada pelo pátio envolvido por muros. Nas fronteiras
entre interior e exterior, a natureza e a arquitetura deveriam ser
tão permeáveis quanto os limites entre a cidade e o parque na
composição espacial e urbana do Hansaviertel. Para não destoar
da altura das edificações e não bloquear e relação visual entre o
bairro e o parque, foram plantados arbustos e árvores de pequeno
porte. Caminhos, duas ruas semi-públicas sem saída e locais de
permanência, como bancos, foram projetados como claros
articuladores entre as unidades residenciais.
A Hansaplatz, área destinada ao grupo III, projetada por Hertha
Hammerbacher, de Berlim, e Edvard Jacobson, de Karlstadt,
Suécia, conforma um peculiar ponto focal da configuração e é um
importante ponto de relação entre os edifícios de Niemeyer,
Jaenecke, Aalto e da igreja St. Ansgar. O conceito principal do
planejamento da área da Hansaplatz e dos terrenos que a limitam
era o de trazer o Tiergarten para dentro do bairro construído. No
entanto, a continuação prevista pelos paisagistas não foi aceita
pela coordenação do concurso. O cruzamento da Altonaerstraβe
com a Bartningallee/ Klopstockstraβe deveria ser conformado
como um conjunto: a praça deveria ser conectada com as áreas
circundantes através do tratamento do piso e das áreas verdes, e
os edifícios deveriam estar ligados entre sí através do paisagismo.
Foram previstas áreas de descanso para os adultos e áreas
recreativas para as crianças, com zonas asfaltadas destinadas para
patinação. Limitado pelos edifícios de Oscar Niemeyer e Egon
Detalhe do desenho de piso utilizado na área da
Hansaplatz, projetado por Hertha Hammerbacher.
(Fonte: Bezirksamt Tiergarten von Berlin (1995). Das
Hansaviertel - 1957 - 1993. Konzepte, Bedeutung,
Probleme
,
p
á
g
. 23
)
79
Eiermann, foi planejado um grande gramado com árvores de
folhas caducas e copas baixas, sendo a maioria delas árvores de
crescimento rápido, objetivando provocar a impressão de que o
Tiergarten cresce para dentro do Hansaviertel. Na área à leste do
edifício de Niemeyer, onde o bairro e o parque se impelem ao
longo do traçado da antiga Brückenstraβe, é encenada uma
transição entre a área livre das grandes barras e a área de
abrangência do parque através de caminhos pavimentados com
materiais de passeio utilizados antigamente em Berlim – placas de
granito e pedras de mosaico – que ligam o parque aos edifícios e
refazem o traçado da Brückenstraβe. A praça para brinquedo de
crianças, situada ao norte, é protegida por densas árvores e por
um grupo de pinheiros de crescimento lento. As áreas de passeio e
permanência nas proximidades do acesso ao metrô e da biblioteca
foram alargadas, pois são locais de grande circulação de pessoas.
O grupo IV, coordenado por Gustav Lüttge, de Hamburgo, e Pietro
Porcinai, de Florença, abrange a área conformada pelas cinco
torres ao longo da Bartningallee. Aqui, os ganhos obtidos com o
aumento no número de pavimentos, ao atingir, simultaneamente
com um maior espaçamento entre as edificações e uma grande
liberação de áreas verdes, a maior densidade habitacional possível,
são evidentes e reforçam as idéias descritas por Gropius a respeito
da exposição à iluminação. Apresentada programaticamente pelos
organizadores da Interbau e nesta área levada ao extremo, a
oferta de viver no centro de uma grande cidade de configuração
original derivada das cidades tradicionais do século XIX, mas em
edifícios altos bastante afastados uns dos outros e em meio ao
verde, e não em ruas barulhentas ou pátios internos sombrios,
soava extremamente atrativa. Como elementos conectores das
áreas livres, foram projetados pérgolas e caminhos com ladrilhos
que estabelecem a ligação entre as áreas de estar ajardinadas
através de muros de pedra natural, com cota superior até 1m
acima do nível da rua; estes elementos estão assentados junto à
Bartningallee, estabelecendo uma ligação com a quinta torre, que
está separada das demais pela própria Bartningallee. Outros
elementos essenciais de configuração da área são a cerca viva ao
norte do terreno, que protege os edifícios e a área livre da elevada
e dos transtornos provocados pelo trânsito de trens, e o caminho
de pedestres paralelo à cerca, que conecta todas as torres.
No grupo V, localizado na porção leste do Hansaviertel e de
responsabilidade dos paisagistas Wilhelm Hübotter, de Hannover, e
C. Th. Sörensen, de Kopenhagen, a preocupação principal também
girou em torno da ligação das áreas construídas com o parque.
Originalmente, a área hoje ocupada pela Akademie der Künste
havia sido planejada para abrigar pequenos grupos de casas. Em
oposição às torres vizinhas, esta área deveria receber um
declarado caráter privado. Foram executados nesta área um
edifício de planta central de quatro pavimentos e três pequenas
barras de três pavimentos, sendo três deles ao longo e um ao sul
do Hanseatenweg. Também aqui deveriam ser empregados
arbustos e árvores de pequeno porte nas áreas ajardinadas. As
generosas áreas verdes não deveriam ser divididas por caminhos.
Os equipamentos fixos foram reduzidos ao máximo, a fim de
reforçar a fluidez da paisagem habitacional do Tiergarten.
Deste modo, a idéia de tratar o parque como uma única grande e
contínua área verde estava entre os conceitos fundamentais dos
arquitetos que trabalharam no projeto paisagístico do Hansaviertel.
As áreas construídas deveriam estar presentes no parque, porém
sem rupturas ou cortes, assim como a ligação do bairro
Implantação mostrando o projeto paisagístico para a
área do grupo IV, onde concentram-se as torres.
(Fonte: Bezirksamt Tiergarten von Berlin (1995). Das
Hansaviertel - 1957 - 1993. Konzepte, Bedeutung,
Probleme, págs. 12-13)
80
habitacional com o Tiergarten deveria se dar de modo fluído, sem
a demarcação de fronteiras. A vegetação deveria deixar de ter um
papel essencialmente representativo, e as estruturas urbanas
existentes deveriam passar a fazer parte do novo projeto, como
acontece com o “muro verde” implantado ao longo da elevada.
Com este artifício, o esverdeamento do bairro é concluído na
forma de um conjunto de árvores e arbustos que se desenvolvem
ao longo da elevada, auxiliando na transição da área verde do
bairro com a área urbana vizinha, e ao mesmo tempo protegendo
a área dos incômodos provocados pela passagem de trens.
Além disso, o ganho de áreas verdes possibilitado pelos avanços
tecnológicos que permitiram a construção em altura foi uma
condição essencial para a implementação dos ideais urbanísticos
dos anos 20 e 50. De fato, o ganho de áreas foi propriamente
parte da idéia de construir edifícios altos, como pode-se concluir a
partir de duas observações que constam na Carta de Atenas: “
Os
modernos recursos técnicos devem ser levados em conta para
erguer construções elevadas
147
e “
As construções elevadas
erguidas a grande distância umas das outras devem liberar o solo
para amplas superfícies verdes”
.
148
No Hansaviertel, os ideais paisagísticos da época encontraram uma
extraordinária chance de serem colocados em prática também
através do tipo de construção, ou seja, a partir do empilhamento
de unidades habitacionais conformando uma estrutura de blocos
levantados do solo. Para alcançar este ganho de áreas verdes, a
massa construída foi resolvida em corpos únicos de até 17
pavimentos, o que possibilitou a geração de grandes áreas livres. A
partir daí, o objetivo foi tornar estas áreas livres, através do
paisagismo, em áreas úteis integradas às áreas habitacionais, e
completá-las através de espaços de uso comum. Assim, pode-se
afirmar que a forma moderna de construção, baseada no emprego
de edifícios em altura, modificou no Hansaviertel a relação entre
áreas construídas e não construídas.
Antes as áreas não-construídas concentravam-se em
pequenos pedaços de pátios e jardins, enquanto no futuro
elas conformariam uma área integrada, de modo que o novo
bairro habitacional se tornasse uma parte do Tiergarten
”.
149
147
“Cada época utilizou em suas construções a técnica que lhe era imposta por
seus recursos particulares. Até o século XIX, a arte de construir casas só conhecia
paredes constituídas de pedras, tijolos ou tabiques de madeira e tetos constituídos
por vigas de madeira. No século XIX, um período intermediário fez uso dos ferros
perfilados, depois vieram, enfim, no século XX, as construções homogêneas, todas
em aço ou cimento armado. Antes dessa inovação absolutamente revolucionária na
história da construção de casas, os construtores não podiam erguer um imóvel que
ultrapassasse seis pavimentos. O presente não é mais tão limitado. As construções
atingem sessenta e cinco pavimentos ou mais. Resta determinar, por um exame
criterioso dos problemas urbanos, a altura que mais convém a cada caso particular.
No que concerne à habitação, as razões que postulam a favor de uma determinada
decisão são: a escolha da vista mais agradável, a busca do ar mais puro e da
insolação mais completa, enfim, a possibilidade de criar nas proximidades
imediatas da moradia instalações coletivas, áreas escolares, centros de
assistência, terrenos para jogos, que serão seus prolongamentos. Apenas
construções de uma certa altura poderão satisfazer a contento essas legítimas
exigências”. Em: Carta de Atenas, novembro de 1933. Segunda Parte. Estado
Atual Crítico das Cidades. Habitação. Observação de número 28. Assembléia do
CIAM – Congresso Internacional de Arquitetura Moderna – 1933.
148
“É preciso, ainda, que elas estejam situadas a distâncias bem grandes umas
das outras, caso contrário sua altura, longe de construir um melhoramento, só
agravaria o mal existente; é o grave erro cometido nas cidades das duas
Américas.(...)”. Em: Carta de Atenas, novembro de 1933. Segunda Parte. Estado
Atual Crítico das Cidades. Habitação. Observação de número 29. Assembléia do
CIAM – Congresso Internacional de Arquitetura Moderna – 1933.
149
Bezirksamt Tiergarten von Berlin (1995). Das Hansaviertel - 1957 - 1993.
Konzepte, Bedeutung, Probleme, op. cit., pág. 9. Tradução livre da autora.
81
2.8. OS EQUIPAMENTOS
A variedade de tipologias habitacionais e a diversidade funcional
constituíram-se como a base para o desenvolvimento conceitual
das reformulações implementadas no projeto urbanístico vencedor
do concurso para o Hansaviertel. O novo bairro se estabelece
como uma demonstração da capacidade de uma combinação de
diferentes equipamentos e diferentes tipologias habitacionais
estruturarem a forma urbana em um fragmento de cidade
moderna.
Os equipamentos abrigam funções importantes para a cultura
urbana e foram distribuidos de modo uniforme ao longo de toda a
área do bairro, de acordo com a adequação de seu uso. A
coordenação observada entre o projeto dos edifícios e o projeto
dos espaços abertos repete-se quando se trata do projeto dos
equipamentos.
Este estudo, por estar focado no projeto urbanístico e na
diversidade de tipologias residenciais do Hansaviertel, não objetiva
analisar em detalhes o projeto de cada equipamento
individualmente. Porém, é válido traçar um ligeiro panorama
identificando a localização de cada um dos equipamentos no
contexto geral e suas relações com as demais edificações, bem
como destacando algumas informações e singularidades que
auxiliem na compreensão tanto do projeto urbanístico do bairro
como um todo, quanto da importância da contestação do
zoneamento monofuncional a partir da mescla de comércio,
serviços e cultura com habitações para a afirmação do Hansaviertel
como modelo de bairro moderno.
O Berlin-Pavillon, que originalmente abrigava o pavilhão de
exposições e hoje abriga uma lanchonete, localiza-se na porção sul
do bairro, na esquina da Klopstockstraße com a Straße des 17.
Juni. O projeto foi objeto de concurso realizado em 1956 e em
cujo júri encontrava-se Hans Scharoun. Vencido por Hermann
Fehling, Daniel Gogel e Peter Pfankuch, o edifício atua como
importante elemento para a demarcação do acesso sul do
Hansaviertel.
Centro comercial, estação de metrô e biblioteca implantam-se em
torno da Hansaplatz, área de maior movimento, proporcionando à
praça uma unidade espacial própria. O centro comercial, localizado
a norte da Hansaplatz, junto à torre de Luciano Baldessari, foi
projetado por Ernst Zinsser e Hans Rudolf Plarre, respectivamente
provenientes de Hannover e Berlim. Ao projeto do centro comercial
pertencem o restaurante, o cinema – transformado em 1974 no
Gripstheater, que assim funciona até hoje -, lojas, sanitários
públicos e quiosques.
O acesso norte a estação de metrô U-Bahnhof Hansaplatz foi
integrado ao projeto de Zinsser e Plarre; porém, o projeto da
estação em si, bem como seu acesso sul, localizado junto à
biblioteca, foi desenvolvido por Werner Düttmann, de Berlim.
Düttmann também é autor do projeto para a biblioteca, vizinha ao
acesso sul da estação de metrô, e ambos localizam-se entre as
barras de Aalto e Jaenecke-Samuelson. A biblioteca, edifício térreo
com planta quadrada perimetral e pátio interno destinado para
leituras, conecta-se ao acesso do metrô através de uma passarela
apoiada em pilares de concreto.
Junto à Hansaplatz, porém à oeste, também localizam-se uma das
duas igrejas, a St. Ansgar Kirche, projetada por Willy Kreuer, de
Berlim, e o jardim de infância, projetado pelo Bezirksamt
Berlin-Pavillon.
(Fonte: Interbau Berlin 1957. Amtlicher Katalog der
Internationalen Bauausstellung, pág. 403)
Berlin-Pavillon e estação de metrô (U-Bahn).
(Fotografias: Mara Oliveira Eskinazi)
Centro comercial junto à Hansaplatz.
(Fonte: DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT,
Franziska (1999). Das Hansaviertel - Internationale
Nachkriegsmoderne in Berlin, pág. 50)
82
Tiergarten, Amt für Hochbau, órgão municipal de Berlim
responsável pelo planejamento de toda a área compreendida pelo
Tiergarten. Contudo, o jardim de infância não se relaciona
diretamente com a praça, uma vez que localiza-se na
Klopstockstraße, entre a igreja e a barra de quatro pavimentos de
Paul Schneider-Esleben, porém recuado com relação à rua; deste
modo, a igreja acaba por funcionar como proteção para o intenso
tráfego de veículos na Hansaplatz.
Tanto a segunda igreja, a Kaiser-Friedrich-Gedächtniskirche, bem
como a Akademie der Künste, foram colocadas em áreas mais
reservadas, junto às fronteiras com o parque. A igreja foi
projetada por Ludwig Lemmer, de Berlim, e implanta-se ao sul da
Händelallee e do tapete de residências unifamiliares; ela configura-
se como a extremidade sul do eixo norte-sul que inicia no acesso
norte da estação de metrô, passa exatamente pelo centro da
Hansaplatz, pelo acesso sul do metrô, conforma um largo entre as
barras de Aalto e Jaenecke-Samuelson, passa por entre o tapete
de casas e que encontra na igreja seu fechamento.
Também projetada por Werner Düttmann, a Akademie der Künste
localiza-se na extremidade leste do bairro e apresenta duas de
suas fachadas, a sul e a leste, fazendo fronteira direta com o
Tiergarten. Seu acesso se dá pela alça menor, o Hanseatenweg, e
ela tem como vizinhos a norte as duas últimas torres da série de
cinco, à oeste o edifício de Otto Senn e a sul, já dentro do parque,
o Englischer Garten. A Akademie der Künste e a biblioteca fazem
parte de um grupo de três importantes edifícios culturais (o
terceiro é o Brücke-Museum, localizado no bairro berlinense de
Grunewald) projetados por Düttmann que utilizam-se de variações
do conceito de plantas-átrio como forma de integrar a arquitetura
e a natureza.
Além disso, também a mescla de habitação, comércio e serviços
esta presente em alguns edifícios residenciais. Na barra de Fritz
Jaenecke e Sten Jaenecke, o pavimento térreo, recuado em
relação ao corpo do edifício, abriga lojas, café, correio e
consultórios médicos. Outros edifícios, como os projetado por
Walter Gropius ou por Luciano Baldessari, abrigam salas para
consultórios e escritórios no térreo.
2.9. A EXPOSIÇÃO FORA DO HANSAVIERTEL
A Interbau, mesmo que planejada com o objetivo concreto de
reconstruir o Hansaviertel, não se restringiu somente a suas
fronteiras. Outros três edifícios foram construídos por ocasião da
exposição, porém fora da área de abrangência do Hansaviertel.
Entre estes, dois – uma escola e o Kongresshalle – localizam-se
nas proximidades do Tiergarten, enquanto o terceiro e talvez mais
importante, uma das cinco Unidades de Habitação projetadas por
Le Corbusier, implanta-se, principalmente devido a suas grandes
proporções, afastado do centro de Berlim.
A escola projetada por Bruno Grimmek implanta-se em terreno a
norte do Hansaviertel, localizado entre uma avenida de intenso
tráfego e o curso do rio Spree. O edifício possui de dois a três
pavimentos e constitui-se de duas alas longitudinais de
comprimento maior colocado no sentido norte-sul articuladas por
uma terceira ala de comprimento maior colocado no sentido leste-
oeste. A ala norte-sul, localizada na porção mais oriental do
terreno, possui dois pavimentos e térreo ocupado, enquanto que a
mais ocidental conta com três pavimentos e térreo vazado. A ala
Biblioteca (Hansabücherei), igreja Kaiser-Friedrich-
Gedächtniskirche e Akademie der Künste.
(Fotografias: Mara Oliveira Eskinazi)
83
leste-oeste, que conecta as duas anteriores, apresenta dois
pavimentos, sendo o térreo envidraçado. As salas de aula
distribuem-se ao longo do segundo e do terceiro pavimentos das
três alas.
A planta baixa resultante conforma dois pátios que auxiliam na
integração entre os espaços interiores da escola e a margem do rio
Spree; assim, o térreo envidraçado acaba por desempenhar uma
importante função de conexão espacial para a área. Portanto,
pode-se afirmar que o projeto de Grimmek, mesmo que localizado
fora do Hansaviertel, encontra-se em grande sintonia com os
edifícios residenciais projetados para o bairro, já que propõe uma
forte ligação entre o projeto do edifício e o projeto do espaço
aberto.
O
Kongresshalle
, edifício para eventos localizado na porção norte
do parque Tiergarten, no chamado Spreebogen – a margem do rio
Spree – é vizinho do Hansaviertel. Segundo indicação do American
Institute of Architecture, o edifício foi projetado pelo arquiteto
norte-americano Hugh A. Stubbins, de Cambridge, Massachussets
(assistente de Gropius em Harward e membro do escritório de
Gropius TAC, The Architects Collaborative), que trabalhou em
parceria com os alemães Werner Düttmann e Franz Mocken.
A idéia de proporcionar aos americanos que sua contribuição para
a Interbau destacasse-se das demais por não configurar-se como
mais um edifício residencial originou-se em 1955, quando da visita
de uma delegação americana a Berlim para tratar da exposição.
Porém, o edifício foi concluído somente em 1958, um ano após a
inauguração da Interbau.
150
Sua volumetria mescla uma plataforma regular, com dois
pavimentos, 96m de largura e 92m de profundidade, com um
volume cilíndrico de cobertura curva que abriga um grande
auditório. Um grande espelho d´água com 90m de largura e 60m
de profundidade estende-se por praticamente toda área frontal da
plataforma, e funciona como espelho refletindo a cobertura curva
auditório. O acesso ao edifício se dá através de uma passarela que
atravessa a água e finaliza-se em uma grande escada que ascende
ao nível superior da plataforma.
A plataforma abriga, entre outros, restaurante, bar, teatro para
400 pessoas, área para exposições e sala de conferências com
capacidade para 200 pessoas. Com capacidade para abrigar
aproximadamente 1250 pessoas, o auditório, por ter sido
originalmente planejado como uma sala multifuncional, comporta
atualmente uma razoável flexibilidade de usos.
De acordo com o catálogo da Interbau, o edifício, através de sua
forma, deveria ser interpretado como um símbolo da liberdade e
da dignidade humana, configurando-se como um local para troca
de idéias, culturas, discursos e apresentações livres.
151
Confirmando a descrição do catálogo, mais adiante o edifício
acabou sendo renomeado para
Haus der Kulturen der Welt
, ou a
casa das culturas do mundo.
A participação de Le Corbusier na Interbau não se limitou a
manifesta influência de sua obra em diversos dos projetos para
edifícios residenciais construídos no Hansaviertel – nos edifícios de
Paul Baumgarten e Otto Senn observam-se influências da Villa
Savoye, de 1928; o edifício de Hans Schwippert remete ao
150
DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT, Franziska (1999), op. cit., pág. 194.
151
Interbau Berlin 1957. Amtlicher Katalog der Internationalen Bauausstellung
(1957), op. cit., págs. 165-166.
Planta baixa e vista da escola de Bruno Grimmek.
(Fonte: DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT,
Franziska (1999). Das Hansaviertel - Internationale
Nachkriegsmoderne in Berlin, págs. 178 e 180)
Planta baixa e vista do Kongresshalle.
(Fonte: DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT,
Franziska (1999). Das Hansaviertel - Internationale
Nachkriegsmoderne in Berlin, págs. 193 e 194)
84
conceito de varandas empregado na Immeuble-Villa, de 1922, e
naturalmente às sacadas da Unidade de Habitação de Marselha, de
1947-52; a solução em níveis para o edifício de van den Broek e
Bakema incorpora conceitos de circualção empregados também
em suas Unidades de Habitação, enquanto que a barra de Oscar
Niemeyer demonstra ser uma mescla de influências da arquitetura
residencial brasileira, essencialmente da escola carioca, com
conceitos desenvolvidos por Le Corbusier em suas Unidades de
Habitação. Sua participação na Interbau consolida-se de forma
direta projetando uma Unidade de Habitação, que é similar aos
seus projetos anteriores localizados em Marselha, de 1947, e
Nantes-Rezè, de 1955, e também aos seus projetos realizados
posteriormente à Interbau, localizados em Briey em Forêt, de
1956, e Firminy, de 1960.
O projeto de Corbusier para Berlim possui 530 apartamentos,
sendo 172 apartamentos com 32m
2
, 270 com 61m
2
, 84 com 100m
2
e 4 com 130m
2
que totalizam aproximadamente 33.000m
2
de área
residencial construída. Apesar de seus 17 pavimentos e 56m de
altura não diferenciarem-se tanto assim dos 17 pavimentos e 54m
do edifício de Luciano Baldessari, seus 135m de comprimento e
26m de profundidade mostravam-se, contudo, diferentes dos
projetos dos demais arquitetos executados para a reconstrução do
Hansaviertel, no que se refere a sua proporção. No bairro, a maior
barra construída é a de Jaenecke e Samuelson, com 85m de
comprimento. Contudo, o conceito de Corbusier exigia não
somente uma grande área para o edifício em sí, mas também uma
área aberta no seu entorno suficientemente grande que
possibilitasse, com o edifício, implementar também as
transformações na paisagem por ele ambicionadas.
Também a população de 2.000 pessoas prevista para habitar a
cidade vertical de Le Corbusier destoava do Hansaviertel, cuja
baixíssima densidade abriga, em todo o bairro, em torno dos
mesmos 2.000 habitantes da Unité. Assim, uma vez que não havia
áreas adaptáveis para um edifício de tão grandes proporções no
Hansaviertel, decidiu-se construir o edifício de Le Corbusier no
Heilsberger Dreieck, na Heerstraße, em Charlottenburg, uma área
afastada do Hansaviertel, localizada ao sul do Estádio Olímpico e
ao norte da floresta de Grunewald.
Contudo, da mesma forma que aconteceu com o edifício projetado
por Oscar Niemeyer para a Interbau, a Unité de Berlim, terceira e
mais descaracterizada da série de cinco edifícios que Corbusier
construiu entre as décadas de 50 e 60 a partir do protótipo
desenvolvido para Marselha, sofreu significativas modificações nas
mãos dos construtores alemães.
De acordo com o relato de Spiegel, a partir de ordens dadas por
Friethjof Müller-Reppen, diretor da empresa construtora
Heilsberger Dreiecks Grundstücks AG, proprietária do terreno onde
o edifício de Corbusier foi implantado, parte dos desenhos de
Corbusier foi ignorada e parte foi bastante modificada. Desde que,
em uma visita a Berlim em maio o arquiteto percebe as alterações
implementadas em seu projeto, ele passa a protestar contra outras
intervenções através de uma série de cartas, telegramas e
telefonemas. Porém, no final de agosto do mesmo ano esta briga
alcança seu ponto alto: Corbusier dá um ultimato ao Senado de
Berlim. Ele exige que o Senado, como órgão promotor da Interbau,
siga suas ordens; caso contrário, ele levantaria protestos formais
junto ao presidente Heuss, ao ministério de relações exteriores da
Localização da Unidade de Habitação de Le
Corbusier, colocada ao sul do Estádio Olímpico de
Berlim.
(Fonte: Google Earth)
Croquis perspectivo de Le Corbusier.
Vistas do edifício de Le Corbusier.
(Fotografias: Mara Oliveira Eskinazi)
85
França e à imprensa internacional contra o abuso de seu nome e
contra o desprezo à França como país participante da Interbau.
152
Em rascunho de carta a ser remetida a Heuss, Le Corbusier
descreve que a execução de seu bloco habitacional berlinense foi
uma “trágica traição” a seus objetivos. Como especial traidor,
Corbusier cita o próprio Friethjof Müller-Reppen. Ele teria sem
sombra de dúvidas modificado o projeto, consumado alterações
sem a autorização do arquiteto e, através de deturpações na
concepção original, comprometido o nome do arquiteto não
somente perante os berlinenses, mas também perante o mundo
todo. De acordo com a carta, o presidente deveria entender o
quanto Corbusier se sentia “
atormentado e desesperado
” com a
situação.
153
Inicialmente, Corbusier faz concessões e aceita algumas
mudanças. Ele havia planejado apartamentos com pé-direito de
2,26m, seguindo as dimensões de seu “Modulor”. Porém, além do
código de construções de Berlim não permitir esta altura de pé-
direito, também argumentado, segundo consta no artigo da
Spiegel, que o biotipo dos alemães seria em média maior que o
dos franceses. Assim, Corbusier renuncia, a contra-gosto, das
dimensões estabelecidas em seu “Modulor”, elevando o pé-direito
para 2,50m e aumentando a largura dos apartamentos de 3,66m
para 4,06m.
Porém, Corbusier não tolera as modificações que foram
implementadas por Müller-Reppen sem o seu consentimento.
Segundo Spiegel, o ponto alto da discussão entre o arquiteto e o
construtor teria girado em torno da decisão de Muller-Reppen de
instalar os cômodos destinados aos equipamentos de calefação no
pavimento térreo, ocupando parte da área livre de pilotis. Le
Corbusier havia planejado implantar esta área técnica junto à torre
de elevadores, de modo que não comprometeria a identidade
formal do edifício. Na fachada, os elementos em concreto com
1,5m de profundidade que serviriam como pára-sois, bem como as
esquadrias – planejadas por Corbusier em madeira, mas
executadas por Müller-Reppen até o quarto pavimento em ferro, já
152
“Versohnung mit Corbusier” (Reconciliação com Corbusier), artigo publicado no
jornal Spiegel, em 18 de setembro de 1957. Site da Internet http://www.berliner-
corbusierhaus.de/Spiegel%2018-57.htm, acessado em 08.06.2008, as 17:00hs.
Diz o artigo: “Als Bauherr fungiert bei diesem Berliner Corbusier-Bau, dessen
Errichtung etwa 13 Millionen Mark kosten wird, die "Heilsberger Dreiecks"
Grundstücks AG, deren Direktor der 41jährige Kaufmann Friethjof Müller-Reppen
ist. Das "Heilsberger Dreieck" wird von der "Heilsberger Allee" und der Heerstraße
gebildet, an der Corbusiers Haus entsteht. Auf Müller-Reppens Anordnung hin
waren die Pläne des Architekten zum Teil verändert oder ignoriert worden.
Seit Corbusier bei einem Besuch im Mai bemerken mußte, was mit seinen Plänen
geschah, hatte er in zahlreichen Briefen, Telegrammen und Ferngesprächen gegen
weitere Eingriffe protestiert. Ende August erreichte dieser Streit vorläufig seinen
Höhepunkt: Corbusier stellte dem Berliner Senat ein Ultimatum. Der Senat, so
forderte er, möge als Veranstalter der "Internbau" die Bauleitung veranlassen, sich
endlich den gegebenen Anweisungen zu fügen: Andernfalls werde er beim
Bundespräsidenten Heuss, beim französischen Außenministerium und in der
internationalen Presse formellen Protest gegen den Mißbrauch seines Namens und
gegen die Mißachtung Frankreichs als Teilnehmerland an der "Interbau" erheben.
153
“Versohnung mit Corbusier” (Reconciliação com Corbusier), jornal Spiegel, 18
de setembro de 1957, op. cit.. Diz o artigo: “In dem bereits beigefügten Entwurf
eines Briefes an Professor Heuss schreibt Corbusier, die Art der Ausführung seines
Berliner Wohnblocks, der inzwischen bereits bis zum zehnten von 17 Stockwerken
gediehen ist, sei ein "tragischer Verrat" an seinen Absichten. Als besonderen
Verräter machte Corbusier den Kaufmann Friethjof Müller-Reppen namhaft. Er sei
vor keiner Fälschung der Entwürfe zurückgeschreckt, habe den Architekten mit
nichtautorisierten Änderungen immer wieder vor vollendete Tatsachen gestellt und
durch Entstellung der Urkonzeption den Namen Corbusier nicht nur vor den
Berlinern, sondern vor der ganzen Welt kompromittiert. Der Bundespräsident, so
heißt es in dem Briefentwurf weiter, werde verstehen können, wie gequält und
verzweifelt der Schreiber sich deshalb fühle.
Acima: corte transversal.
Abaixo: planta baixa de um apartamento tipo duplex.
(Fonte: DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT,
Franziska (1999). Das Hansaviertel - Internationale
Nachkriegsmoderne in Berlin, pág. 185)
Placa afixada no pavimento térreo do edifício, onde
Le Corbusier esclarece os fundamentos de sua vila
vertical para 2.000 pessoas.
(Fotografia: Mara Oliveira Eskinazi)
86
que Corbusier interfere no decorrer da obra e exige que as
esquadrias dos demais pavimentos sejam em madeira –
configuraram-se também como importantes pontos de discórdia.
154
Ademais, além de toda a proporção do edifício e dos apartamentos
ter sido modificada, também houve descaracterizações de cunho
social. O pavimento coletivo no sétimo andar foi bastante
modificado, e, assim como no edifício de Niemeyer, acabou por
cair em desuso. E, como o edifício foi planejado para ser habitado
por casais sem filhos, muitos dos apartamentos duplex foram
substituídos por apartamentos pequenos de somente um
pavimento. Do total de 530 apartamentos, 172 contam com 31m
2
e 270 com 61m
2
, enquanto que somente 80 apresentam 100m
2
e
04 130m
2
.
Contudo, como a construção da Unité custou, à época, cerca de 13
milhões de marcos alemães, e o custo dos honorários de Corbusier
pelo projeto aproximou-se dos 300.000 marcos, o artigo de Spiegel
supõe que a carta ao presidente Heuss não teria sido enviada e
que o ministro das relações exteriores da França não teria sido
mobilizado por questões puramente financeiras, já que o projeto
teria sido muito bem pago.
155
Assim, como solução para aceitar o
edifício como obra própria apesar de todas as alterações, o próprio
Corbusier passou, resignadamente, a denominar o edifício de “Typ
Berlin”.
156
2.10. REPERCUSSÕES
A Interbau foi inaugurada no verão do ano de 1957, mais
precisamente no dia 6 de julho, e a exposição permaneceu aberta
para visitações até 29 de setembro. Neste período, visitaram a
mostra aproximadamente 1 milhão de pessoas, entre os quais
mais de 88.000 estrangeiros. A repercussão da exposição foi
extremamente positiva, fato testemunhado por diversos artigos
publicados tanto na imprensa diária quanto na mídia
especializada,
157
assim como por lembranças pessoais dos
visitantes da época e dos primeiros moradores,
158
que descrevem a
exposição como um alegre e festivo acontecimento.
Um teleférico levava os visitantes da estação Zoologischer Garten
– uma das principais estações de trem de Berlim até 2006, quando
da inauguração da nova Hauptbahnhof, a estação central – até a
parte norte da área de exposição; no túnel da linha de metrô U-
Bahnlinie 9, na época ainda em fase de conclusão, transitavam
trens extras, e caminhos pavimentados cuidavam do transporte de
objeto para objeto. Um mirante foi construído sobre um andaime
no cruzamento da Altonaerstraße e da Klopstockstraße,
oferecendo, assim, uma visão aérea e uma perspectiva geral do
local aos visitantes. Na área entre a Altonaerstraße e o Rio Spree
foram construídos ao todo 14 grandes e pequenos pavilhões de
exposição, que apresentavam exposições sobre temas e países
específicos. Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Holanda,
154
Versohnung mit Corbusier” (Reconciliação com Corbusier), jornal Spiegel, 18 de
setembro de 1957, op. cit..
155
Versohnung mit Corbusier” (Reconciliação com Corbusier), jornal Spiegel, 18 de
setembro de 1957, op. cit..
156
Interbau Berlin 1957. Amtlicher Katalog der Internationalen Bauausstellung
(1957), op. cit., págs. 162-164.
157
Jornal Spiegel e revistas Bauwelt, Baumeister, The Architectural Review e
L'Architecture d'Aujourd'hui, entre outras.
158
Segundo foi relatado em entrevista realizada em Berlim em fevereiro de 2007
com Heimbert e Christiane Wolff, moradoraes do edifício de Niemeyer desde a
conclusão da obra.
Pavilhão 1, onde encontrava-se a mostra “Die Stadt
Von morgen”, teleférico e, ao fundo, o Siegesäule.
(Fonte: DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT,
Franziska (1999). Das Hansaviertel - Internationale
Nachkriegsmoderne in Berlin, pág. 41)
Cartazes marcando a chegada à Interbau.
(Fonte: www.diestadtvonmorgen.de)
87
França, Espanha, Suíça, Suécia, Brasil, Venezuela, Cuba, Indonésia
e Sri Lanka, assim como a capital da Áustria, Viena, estavam
presentes; também algumas empresas privadas, como a Sociedade
das Empresas de Construção Habitacional e a Deutsche
Bundesbahn foram representadas.
No Pavilhão 1, próximo ao Große Stern, podia-se ver a exposição
Die Stadt von morgen
” (A cidade do amanhã). A partir dali,
vinham acomodados provisoriamente um restaurante, um café e
um correio, que seriam desmontados após a exposição.
159
A
mostra brasileira, denominada “Brasília – a cidade do amanhã se
torna realidade”, ocupou as áreas sociais do edifício projetado por
Oscar Niemeyer; nela, foram expostos cinco projetos do concurso
para Brasília, selecionados por Lúcio Costa.
160
As obras dos edifícios habitacionais encontravam-se em diferentes
estágios de acabamento e execução. As obras iniciaram-se em
1956, com a execução das grandes barras e das barras de quatro
pavimentos, na área sul do bairro. Na época da inauguração,
alguns edifícios encontravam-se prontos para serem habitados,
enquanto que apartamentos modelo foram construídos nos que
ainda estavam em obras. Na porção norte do bairro, encontravam-
se em construção os edifícios de Oscar Niemeyer e Otto Senn,
além de duas torres altas, enquanto que os demais objetos seriam
construídos logo após o final da exposição.
O então presidente da Alemanha, Theodor Heuss, discursou na
abertura da Interbau. De suas palavras, ouviu-se tanto a negação
à cidade do século XIX, objetivo igualmente perseguido pelos
planejadores, quanto o desejo de não manter no terreno da
exposição nenhum vestígio do antigo Hansaviertel. “
Ele
(o antigo
Hansaviertel)
pertenceu a cada parte da jovem capital que teve
um rápido crescimento, e que simplesmente não manteve nenhum
interesse arquitetônico ou histórico
”.
161
Também o então chanceler
da Alemanha, Konrad Adenauer, e o então prefeito de Berlim
Ocidental, Otto Suhr, falaram na abertura.
162
Wolf Jobst Siedler, que em 1977 lançaria, junto com Joseph Paul
Kleihues, a campanha no jornal Berliner Morgenpost chamada
Modelle für eine Stadt
” (modelos para uma cidade), que difundiu
as bases para o desenvolvimento do processo da IBA 1987,
escreveu um artigo em uma edição especial do jornal Tagesspiegel
para a exposição. Segundo ele, com a Interbau o mundo voltava-
se para a Alemanha da mesma forma como voltou-se 30 anos
antes para o Weißenhofsiedlung; agora, porém, o interesse não
seria em atentar especialmente para a produção de jovens
arquitetos alemães, mas sim para demonstrar como “
há tempos já
se constrói no exterior
”, já que a mostra de Berlim reuniu em um
único bairro o que de mais moderno em arquitetura habitacional
estava sendo realizado nos paises estrangeiros, digno para
exportação e exposição.
159
DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT, Franziska (1999), op. cit., págs. 39-
40.
160
Interbau Berlin 1957. Amtlicher Katalog der Internationalen Bauausstellung
(1957), op. cit., pág. 370.
161
Interbau Berlin 1957. Amtlicher Katalog der Internationalen Bauausstellung
(1957), op. cit., págs. 12-13.
162
Interbau Berlin 1957. Amtlicher Katalog der Internationalen Bauausstellung
(1957), op. cit., págs. 14-15.
Acesso principal à Interbau e, ao fundo, torre de Klaus
Müller-Rehm e Gerhard Siegmann.
(Fonte: www.diestadtvonmorgen.de)
Cartaz indicando o novo Hansaviertel.
(Fonte: www.diestadtvonmorgen.de)
Senador de obras Rolf Schwendler, presidente
Theodor Heuss, Werner Düttmann, e Diretor Municipal
de Planjemaneto Urbano Hans Stephan na
inauguração.
(Fonte: DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT,
Franziska (1999). Das Hansaviertel - Internationale
Nachkriegsmoderne in Berlin, pág. 40)
88
Pavilhão 1 – vista do exterior e vista do interior (Fonte:
www.diestadtvonmorgen.de), planta baixa do pavilhão (Fonte: Interbau Berlin
1957. Amtlicher Katalog der Internationalen Bauausstellung, pág. 319) e
maquete exposta no seu interior (Fonte: www.diestadtvonmorgen.de).
89
3. A VARIEDADE TIPOLÓGICA
3.1. DIFERENTES FORMAS DE HABITAR NA CIDADE
MODERNA
3.2. RESIDÊNCIAS UNIFAMILIARES
AS DUAS CASAS DE KLAUS KIRSTEN
A CASA DE GÜNTHER HÖNOW
A CASA DE SERGIUS RUEGENBERG E WOLFF VON
MÖLLENDORF
AS DUAS CASAS DE SEP RUF
AS TRÊS CASAS DE JOAHANNES KRAHN
AS TRÊS CASAS DE ALOIS GIEFER E HERMANN MÄCKLER
AS DUAS CASAS DE GERHARD WEBER
AS QUATRO CASAS DE ARNE JACOBSEN
AS CINCO CASAS DE EDUARD LUDWIG
AS SETE CASAS DE PAUL BAUMGARTEN
CONCLUSÕES
3.3. TORRES
3.2.1. AS TORRES SOLITÁRIAS:
A TORRE DE KLAUS MÜLLER-REHM E GERHARD SIEGMANN
A “TORRE BAIXA” DE OTTO H. SENN
3.2.2. AS TORRES EM GRUPO:
A TORRE DE LUCIANO BALDESSARI
A TORRE DE JACOB B. BAKEMA E J. H. VAN DEN BROEK
A TORRE DE GUSTAV HASSENPFLUG
A TORRE DE RAYMOND LÓPEZ E EUGÈNE BEAUDOUIN
CONCLUSÕES
3.4. BARRAS
3.4.1. BARRAS DE 3 A 4 PAVIMENTOS
3.3.2.2. ÁREA JUNTO À KLOPSTOCKSTRAßE:
A BARRA DE HANS CHRISTIAN MÜLLER
A BARRA DE GÜNTHER GOTTWALD
A BARRA DE WASSILI LUCKHARDT E HUBERT HOFFMANN
A BARRA DE PAUL SCHNEIDER-ESLEBEN
3.3.2.1. ÁREA JUNTO À BARTNINGALLEE:
A BARRA DE FRANZ SCHUSTER
A BARRA DE KAY FISKER
A BARRA DE MAX TAUT
3.4.2. BARRAS DE 8 A 10 PAVIMENTOS
A BARRA DE WALTER GROPIUS
A BARRA DE PIERRE VAGO
A BARRA DE ALVAR AALTO
A BARRA DE FRITZ JAENECKE E STEN SAMUELSON
A BARRA DE EGON EIERMANN
A BARRA DE OSCAR NIEMEYER
CONCLUSÕES
90
3.1. DIFERENTES FORMAS DE HABITAR NA CIDADE MODERNA
Contrariamente ao ocorrido na cidade oitocentista, onde o
traçado viário, a ordem edificatória ou a composição urbana
prevaleciam enquanto leis de construção da cidade, ficando
a residência configurada como mero subproduto resultante
do jogo de tais leis, nas propostas urbanas da cultura
moderna, a escolha do tipo arquitetônico recobra um papel
decisivo, entendido como um modo de conceber a habitação
humana que condiciona e impregna a cidade em seu
conjunto
”.
163
Nas propostas residenciais da cultura moderna, a investigação
desenvolvida sobre a residência centrou-se na primazia do tipo
arquitetônico e na exploração da correspondência entre casa e
cidade, ou seja, no estudo das relações entre célula habitável e
forma urbana, ambas entendidas como realidades solidárias e
interdependentes. Ou seja, de acordo com Martí Arís, a unidade
habitacional transcende, pois, sua condição de feito singular, e se
propõe como paradigma de uma concepção geral da residência.
164
Porém, de um modo geral, as propostas residenciais modernas
apresentaram-se inicialmente como soluções globalizadoras e
excludentes entre si, pois ordinariamente não aceitavam a
variedade tipológica como base para o seu desenvolvimento
conceitual. Reyner Banham, ao caracterizar as conquistas do CIAM
IV, escreveu, nos seguintes termos críticos a respeito do
comprometimento do Congresso com as generalizações sugeridas
pela Carta de Atenas:
O tom continua sendo dogmático, mas é também genérico
(...). A generalização teve suas virtudes, pois trouxe consigo
uma maior largueza de visão e insistiu que as cidades só
podem ser consideradas em relação às regiões que as
circundam. Contudo, essa generalização persuasiva que
confere à Carta de Atenas seu ar de aplicabilidade universal
esconde uma concepção muito limitada tanto da arquitetura
quanto do planejamento urbano, e, de modo equivocado,
comprometeu os CIAM com: a) um zoneamento funcional
rígido da planificação urbana, com cinturões verdes entre as
áreas reservadas às diferentes funções, e b) um único tipo
de moradia urbana, expresso, nos termos da Carta, como
“blocos de apartamentos altos e com bom espaço entre si,
sempre que existir a necessidade de alojar uma alta
densidade de população
”.
165
No entanto, o certo é que nenhuma das propostas de cidade
moderna se difundiu de um modo puro e incontaminado, uma vez
que admtiam em seus planejamentos uma variedade, tanto
tipológica quanto funcional, e, segundo Martí Arís, “
(...)
esse
sentido de hibridização e mestiçagem é hoje a única perspectiva
intelectual que adquire sentido e recobra valor operativo
“.
166
Assim, é possível afirmar que as materializações das propostas
residenciais modernas – que foram, à exceção de Brasília, de um
modo geral, extremamente fragmentárias – diferem-se do
zoneamento monofuncional da cidade ideal pretendida pela Carta
de Atenas.
163
MARTÍ ARÍS, Carlos (2000), op. cit., págs. 45-46.
164
MARTÍ ARÍS, Carlos (2000), op. cit., pág. 46.
165
BANHAM, Reyner em FRAMPTON, Kenneth (2003), op. cit., págs. 328-329.
166
MARTÍ ARÍS, Carlos (2000), op. cit., pág. 48.
91
(...) Cai na armadilha megalômana da cidade ideal da
arquitetura moderna. Contudo, (...) a arquitetura moderna
nada devia à sua aberrante cidade ideal, que podia existir
múltipla e legitimamente diferente. Porque assim foi, nos
edificou e, tontos seríamos se não o reconhecêssemos”.
167
Desenvolvimento semelhante – distinguindo-se da “aberrante
cidade ideal” descrita por Comas – ocorre com a cidade moderna,
livre e democrática pretendida pela Interbau, onde a investigação
desenvolvida pelos arquitetos participantes sobre o tema da
residência centrou seu foco na diversidade do tipo arquitetônico,
vindo esta forma de atuar a tornar-se uma explícita demonstração
das diferentes possibilidades de habitar neste modelo de cidade. A
proposta para o Hansaviertel, mesmo insistindo na primazia do
tipo como elemento fundamental para sua construção urbana,
acabou por diferenciar-se da cidade ideal da arquitetura moderna
no sentido em que incorpora, em seu plano urbanístico, uma
significativa variedade destes tipos arquitetônicos, e não a
hegemonia de uma única tipologia. Assim, acaba por explorar a
capacidade de uma combinação destes diferentes tipos
habitacionais estruturarem a forma urbana.
Ao dogmatismo que se alastra nas propostas urbanas da
fase pioneira do Movimento Moderno, hoje opomos a
multiplicidade da cidade, considerando-a como um saldo
positivo das transformações produzidas ao longo deste
século. Aspiramos a uma cidade capaz de englobar muitas
situações diferenciadas, uma cidade que possa expressar a
variedade, a articulada heterogeneidade, e, em definitivo, a
riqueza da vida urbana. Mas acreditamos que, em grande
medida, a cidade moderna não se construiu e que só existe,
como virtualidade, na soma de aportações que configuram a
cultura urbana do século XX. (...) O interesse por resgatar e
ordenar as idéias, os esquemas e as propostas modernas
para a residência nos permite seguir pensando a cidade
moderna como aspiração e como expectativa”.
168
A variedade, a heterogeneidade e a riqueza da vida urbana
encontraram no Hansaviertel seu ideal de representação. Aqui, ao
contrário de um planejamento mais radicalmente baseado na Carta
de Atenas, residências unifamiliares de 1 a 2 pavimentos, torres de
até 17 pavimentos, barras de 3 a 4 pavimentos e barras de 8 a 10
pavimentos foram colocados lado a lado com comércio, escola,
teatro, museu, estação de metrô, biblioteca e igrejas, adquirindo
um sentido de conjunto e estando aptas a expressar tanto a
multiplicidade da cultura urbana quanto as diferentes
possibilidades de se habitar em uma cidade moderna.
Portanto, ao considerarmos que uma das principais críticas sofridas
pelo urbanismo moderno consiste justamente no entendimento da
monofuncionalidade como redutora dos potenciais dos espaços
públicos, o Hansaviertel acaba por colocar-se neste sentido como
situação intermediária, uma vez que, mesmo configurando-se
como bairro habitacional, os diferentes tipos residenciais ali
presentes convivem com uma série de outras atividades e funções
necessárias para a cultura urbana. Este capítulo se propõe, mesmo
considerando-se esta dualidade de diversidades presentes no
Hansaviertel – por um lado, a diversidade de tipologias e, por
outro, a diversidade de funções, com a presença de uma série de
167
COMAS, Carlos Eduardo Dias (1994). A legitimidade da diferença. Revista AU,
número 55, agosto-setembro de 1994, pág. 52.
168
MARTÍ ARÍS, Carlos (2000), op. cit., pág. 48.
92
equipamentos –, a olhar para a Interbau especialmente a partir da
ótica das diferentes tipologias habitacionais materializadas, e o
estudo se desenvolverá a partir da classificação dos edifícios em
grupos de tipologias semelhantes. Partindo da idéia de que a
habitação multifamiliar consiste em uma repetição de unidades que
apresentam uma relação constante com as circulações horizontal e
vertical, a classificação dos tipos edificatórios foi aqui entendida
como meio para o desenvolvimento de um estudo tipológico lógico
e sistemático.
169
Para tanto, torna-se pertinente uma maior aproximação ao
conceito de tipo, que se dará, aqui, a partir da ótica de dois
autores em especial, Alfonso Corona Martinez e Carlo Aymonino.
Para Corona Martinez, a questão do tipo em arquitetura pode ser
observada a partir de dois ângulos diferentes: “O
especificamente
projetual, de dentro da arquitetura, como forma de conhecimento
aplicável ao trabalho de projeto, e, por outro lado, o tipo – a
tipologia – como um território de encontro entre arquitetos e
habitantes. O primeiro destes aspectos foi exaustivamente tratado
e recebe atenção privilegiada dos arquitetos. O segundo, menos
profissional, não recebe o mesmo tratamento: a tipologia é uma
aproximação ao existente em arquitetura, que coloca o papel do
estabelecido em face do novo
”.
170
Apesar de Corona Martinez
171
afirmar que os conceitos de tipo e
tipologia parecem ainda não existir na década de 50, de acordo
com Aymonino,
172
a tipologia edificatória começa a representar, já
desde a época de Durand, um dado concreto a ser desenvolvido
como instrumento indispensável, não somente para classificar as
edificações existentes, mas também para auxiliar na definição de
diretrizes operativas para o projeto arquitetônico.
Neste processo de análise e classificação, o material relacionado
com o tema da habitação possui especial relevância, tanto no que
diz respeito às definições distributivas, de apartamentos-tipo, ou
no que se refere às possibilidades combinatórias das diferentes
tipologias. Assim, se destacam trabalhos realizados posteriormente
à Durand, já sob a ótica das propostas realizadas pela cultura
moderna, principalmente por arquitetos modernos alemães e
holandeses como Oud, Taut, May e Gropius – a quem corresponde
o mérito de ter alcançado uma definição de tipologias residenciais,
rechaçando os planejamentos puramente especulativos. Também
Alexander Klein expõe, em 1928 em Paris, seus estudos sobre a
determinação dos fatores qualitativos de uma residência, partindo,
efetivamente, de uma crítica aos apartamentos tradicionais.
173
Neste contexto, pode-se afirmar que a iniciativa do Hansaviertel
configura-se como um importante testemunho de que já na
década de 50 existiam sim critérios de classificação de edifícios em
tipologias, já que sua implantação demonstra claros princípios de
organização do espaço urbano por semelhança de tipos. Portanto,
mesmo que os arquitetos modernos tenham utilizado alguns
instrumentos teóricos e referenciais semelhantes aos identificados
pelos arquitetos da Ilustração, a extensão do conceito de tipologia
169
SHERWOOD, Roger (1983). Vivienda: Protótipos del Movimiento Moderno.
Barcelona: Editorial Gustavo Gili, pág. 2.
170
CORONA MARTINEZ, Alfonso (2000). Ensaio sobre o projeto. Brasília: UnB,
pág. 105.
171
CORONA MARTINEZ, Alfonso (2000), op. cit., pág. 108.
172
AYMONINO, Carlo (1981). El significado de las ciudades. Madrid: H. Blume
Ediciones, pág. 108.
173
AYMONINO, Carlo (1981), op. cit., pág. 126.
93
edificatória ao desenvolvimento habitacional foi claramente
impulsionada com a consolidação da arquitetura moderna.
Além disso, de acordo com Corona Martinez, ao definirmos o
conceito de tipo, é preciso diferenciar “tipo” de “modelo”. Segundo
ele, enquanto o tipo é como um edifício ideal, que não é nenhum
de seus exemplares modelos, mas sim um esquema – às vezes
muito abstrato, outras mais definido, porém sempre deduzido por
meio do processo de redução de um conjunto de variáveis formais
a uma base comum –, os modelos seriam os próprios edifícios
construídos, ou seja, a “
aproximação ao existente em arquitetura
”.
Portanto, o tipo seria assimilável a uma forma-base (aquilo que
diferentes projetos têm em comum), que não pode ser entendida
como mera trama estrutural, mas sim como estrutura interna da
forma, ou como princípio que implica em sí a possibilidade de
infinitas variantes formais.
174
A palavra “tipo” não representa tanto a imagem de uma
coisa que deve ser perfeitamente copiada e imitada, senão a
idéia de um elemento que deve servir de regra ao modelo. O
modelo, entendido segundo a execução prática da arte, é
um objeto que se deve repetir tal qual; pelo contrário, o tipo
é um objeto de acordo com o qual cada um pode conceber
obras que não se assemelharão em absoluto entre si. Tudo
está dado e é preciso no modelo; tudo é mais ou menos
vago no tipo
”.
175
Já para Aymonino,
176
de um modo geral, o conceito de tipo
arquitetônico se baseia, fundamentalmente, na confluência de três
fatores: na independência do tipo edificatório com relação aos
alinhamentos viários; na correspondência da forma arquitetônica
com a organização interna do edifício; e na tentativa de fazer
coincidir modelo e protótipo com o fim de obter as máximas
possibilidades de repetição.
Assim, em que pese as diferenças entre as tipologias presentes na
Interbau, todos arquitetos participantes, independente das
limitações culturais, econômicas e técnicas advindas de cada país
de origem, enfrentaram semelhantes questões fundamentais a
respeito das alternativas de organização de um edifício de
apartamentos. “
Como se disporá o apartamento individual? Como
se acomodará a combinação de diferentes tipos de apartamentos?
Que sistemas de circulação – horizontal e vertical – podem servir a
esta combinação de apartamentos? Qual é o melhor sistema de
circulação? Escadas ou corredor de acesso único, duplo ou paradas
alternadas? Onde se situam as entradas e os acessos com relação
ao sistema de circulação vertical? Que forma construtiva adquire
esta coleção de unidades: altura baixa ou elevada, casa em fita,
barra ou edifício isolado em altura?
177
Todas estas questões colocadas por Sherwood são essenciais para
a definição da organização de um edifício; porém, a diversidade
tipológica presente no Hansaviertel evidencia a pertinência da
última questão por ele levantada, que remete a um dos objetivos
deste estudo, qual seja demonstrar a viabilidade da coexistência
dessas diferentes tipologias em um bairro moderno. Para fins de
análise, as tipologias habitacionais presentes no Hansaviertel serão
agrupadas a partir de uma classificação semelhante à proposta por
174
CORONA MARTINEZ, Alfonso (2000), op. cit., págs. 108-109.
175
QUINCY, Quatremère de apud CORONA MARTINEZ, Alfonso (2000), op. cit.,
pág. 108.
176
AYMONINO, Carlo (1981), op. cit., pág. 127.
177
SHERWOOD, Roger (1983), op. cit., pág. 2.
94
Sherwod: as casas em fita correspondem, aqui, às residências
unifamiliares de 1 a 2 pavimentos; o edifício isolado em altura
remete às torres de 16 a 17 pavimentos; a barra de altura baixa
corresponde às barras de 3 a 4 pavimentos, e a barra de altura
elevada corresponde às barras de 8 a 10 pavimentos. Soma-se a
esta classificação o fato de as tipologias estarem agrupadas, de
acordo com o plano urbanístico, em zonas afins, de modo que, de
um modo geral, edifícios com tiplogias semelhantes estão
localizados próximos uns aos outros, formando seqüências,
encadeamentos ou praças.
Além disso, como veremos ao longo deste capítulo, e de acordo
com Corona Martinez
178
– que coloca que a um tipo correspondem
diversos modelos –, dentro dos mesmos grupos de tipologias
coexiste uma série de soluções variadas, principalmente no que
tange as relações entre circulação horizontal e vertical. Também os
modos com que as diversas unidades habitacionais podem
combinar-se em um edifício e suas diferentes possibilidades de
formas resultantes o limitados, essencialmente, por uma função
direta entre o sistema de circulação empregado e uma série de
características específicas locais. Entre estas, podemos citar as
normas de regulamentação local – que estipulam, entre outros,
altura máxima, ocupação do solo e área total do edifício –, os
condicionantes geográficos – como posição solar, orientação para
visuais, topografia, vegetação, etc. –, além da área de cada
unidade e da quantidade de apartamentos desejados.
Deste modo, de acordo com a classificação acima exposta, será
realizada uma análise de cada um dos edifícios habitacionais, a fim
de investigar as alternativas combinatórias em cada tipologia. Após
a análise de cada uma das tipologias, segue um conjunto de fichas
com dados, imagens, localização, plantas baixas e demais
materiais gráficos encontrados referentes a cada um dos projetos.
E, ao final, foi realizada uma tabela comparativa entre os edifícios
de cada tipologia.
Entre os principais aspectos observados em cada edificação,
encontram-se, principalmente, a estrutura de circulação, o sistema
de movimentos, as alternativas de combinação entre circulação
horizontal e vertical, a volumetria, a distribuição interna, a
insolação, as relações entre a geometria do edifício e a sua
implantação com respeito ao sistema viário, e as relações que
podem ser estabelecidas entre a frente e os fundos dos edifícios. .
Com isso, se buscou analisar e compreender as influências trazidas
por esta diversidade tipológica para a configuração arquitetônica e
urbanística de um bairro moderno situado em pleno centro urbano.
O edifício de Oscar Niemeyer foi analisado em maior profundidade
porque, além de ser brasileiro e paradigmático, foi objeto de
pesquisa realizada para a disciplina Arquitetura Moderna Brasileira
I a respeito das diferenças entre a versão projetada pelo brasileiro
e a versão efetivamente construída pelos alemães. A pesquisa
resultou no artigo “Niemeyer em Berlim”, desenvolvido em parceria
com Carlos Eduardo Dias Comas, publicado na Revista Arqtexto
números 10-11 e aqui reproduzido. Além disso, o projeto de
Niemeyer destaca-se, neste contexto, dos demais por possuir uma
suficiente disponibilidade de material gráfico para pesquisa, já que
foi publicado, além dos catálogos da exposição, também no Brasil
em duas edições da Revista Módulo, e por estar implantado em um
local de importância no plano geral do bairro.
178
CORONA MARTINEZ, Alfonso (2000), op. cit., págs. 108-109.
95
3.2. RESIDÊNCIAS UNIFAMILIARES
A tipologia de residências unifamliares tem presença bastante
marcada no Hansaviertel, já que todas as edificações pertencentes
a este tipo estão reunidas em um conjunto localizado em uma área
bastante central do bairro. Implantado ao longo da alça
conformada pela Händelallee, o tapete de habitações unifamiliares
de um a dois pavimentos é limitado ao sul pelo parque Tiergarten,
pela igreja e pela própria alça, à oeste pela barra de Pierre Vago,
ao norte pelas duas barras escandinavas, e à leste tanto pelo
edifício de Paul Baumgarten quanto pela Altonaerstraße.
Onze diferentes arquitetos são responsáveis pelos projetos das
casas ou conjuntos de casas – já que a maioria são pequenos
agrupamentos de casas, e não casas isoladas –, sendo que, destes
onze, somente nove projetos foram realizados por ocasião da
Interbau. Os outros dois, de autoria de Klaus Kirsten e Bodamer e
Berndt, foram construídos posteriormente e não fizeram parte do
plano urbanístico original da exposição. Serão analisados aqui os
nove projetos realizados para a Interbau, e mais o projeto de
Klaus Kirsten, pois este, mesmo tendo sido realizado
posteriormente à Interbau e não estando presente nos catálogos,
apresenta material gráfico reproduzido no livro de Dolff-
Bonekämper;
179
já a casa projetada por Bodamer e Berndt não
aparece em nenhum dos catálogos ou livros pesquisados, e,
portanto, não será objeto de análise deste capítulo.
As residências unifamiliares do Hansaviertel são, em grante parte,
ou casas-pátio ou casas-átrio de um pavimento dotadas de pátios
internos, jardins externos ou ambos. Inexistem cercas, somente
muros que delimitam os pátios; porém, a distinção entre os
espaços abertos públicos, semi-públicos ou semi-privados é
garantida pela presença de caminhos, vias internas e pela massiva
vegetação determinada pelo projeto paisagístico.
Contudo, deve-se diferenciar as casas-pátio desenhadas por Mies
nos anos 30, cuja investigação culminou no projeto da “Casa dos
Três Pátios”, de 1934, onde o pátio surge como elemento
unificador e ordenador do espaço, de casas “com” pátio. Nos
projetos de residências unifamiliares do Hansaviertel, coexistem
ambas variantes. Nas casas-pátio, a morfologia do edifício apenas
adquire essência com a presença dos pátios, não sendo possível
dissociar a casa do pátio e vice-versa, e os diferentes tamanhos de
pátio proporcionam diferentes graus de privacidade para os
ambientes. Ao contrário das casas “com” pátio, nas casas-pátio o
pátio não surge como espaço remanescente da construção. É o
vazio que juntamente com o cheio fazem um todo, ou seja, é uma
unidade indissociável. A casa é geralmente limitada por muros
perfiéricos, e todo o recinto interior da casa é utilizado para a vida
privada. Desse modo, a casa-pátio surge como uma tipologia, ou
seja, um tipo de edíficio que possui caracteristicas próprias e o
distingue de outros tipos.
Apesar de terem sido taxadas de anti-econômicas e, portanto, não-
racionalistas devido a baixa densidade habitacional admitida,
180
as
casas-pátio encerravam um grande prestígio em meio a variedade
tipológica construída na Alemanha no pós-guerra. Já em 1950, no
projeto para as células habitacionais de Friedrichshain, Hans
Scharoun planeja, em meio a barras de diferentes alturas, um
179
DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT, Franziska (1999), op. cit., pág. 140.
180
No Hansaviertel, independente do tapete de casas, a densidade habitacional
planejada para o bairro como um todo já é muito baixa.
Foto da maquete e vista aérea do tapete de casas
unifamiliares.
(Fonte: Bezirksamt Tiergarten von Berlin (1995). Das
Hansaviertel - 1957 - 1993. Konzepte, Bedeutung,
Probleme, pág. 43)
Casa dos três pátios e agrupamento de casas-pátio,
de Mies van der Rohe.
(Fonte: MARTÍS ARIS, Carlo. Las Formas de la
residencia en la ciudad moderna (2000), pág. 47)
96
tapete de residências unifamiliares bastante conectado com a
tipologia de casas-átrio ou casas-pátio.
Sua valorização tem origem em diversos motivos, como a
possibilidade de serem construídas em áreas centrais das cidades,
usualmente não ocupadas por residências unifamiliares. Isto se
deve porque, no caso das casas-pátio, como se pode apreender
dos desenhos de Mies van der Rohe de 1931 para um
agrupamento de casas–pátio, a junção de pátios permite uma
economia de área, já que os afastamentos geralmente exigidos
entre casas vizinhas podem ser suprimidos. Além disso, a partir da
estandartização da construção e da pré-fabricação de materiais, é
possível uma redução tanto no custo quanto no tempo de obra.
Assim, com o emprego de casas-pátio no Hansaviertel, a
transferência da ascendente classe média dos subúrbios para uma
região central da cidade tornava-se viável.
A comissão diretiva da Interbau encarregou cada um dos
arquitetos reponsáveis pelo tapete de residências unifamiliares a
projetar um grupo ou uma seqüência de casas, e confiou a Alois
Giefer a elaboração de um projeto de implantação para a área que
reunisse todos os diferentes grupos de construções em uma
composição que proporcionasse unidade ao conjunto. Assim,
Giefer arranjou as edificações em três grandes conjuntos. Dois são
delimitados pela promenade central pavimentada, importante via
de pedestres que se origina na Hansaplatz, passa pela estação de
metrô e finaliza-se na igreja Kaiser-Friedrich Gedächtniskirche,
sendo que um localiza-se à oeste e outro à leste da promenade; o
terceiro conjunto, menor, é delimitado pelo traçado da
Händelallee, uma via secundária de automóveis, e localiza-se à
oeste da curva desta rua e a leste do edifício de Paul Baumgarten.
Contudo, mesmo a área estando dividida por estes dois eixos,
sobra coordenação em sua composição, já que elementos como a
axialidade, a simetria, o alinhamento e a série são bastante
empregados, articulando as casas com auxílio do projeto
paisagístico.
A análise aqui apresentada englobará os três conjuntos, e se
desenvolverá de oeste para leste. Na área compreendida a oeste
da promenade e a leste da barra de Pierre Vago, as casas foram
concebidas individualmente ou em pequenos grupos de até três
unidades. Aqui, a análise iniciará na ponta noroeste do conjunto, e
seguirá no sentido anti-horário.
Atualmente este conjunto afasta-se consideravelmente do que
havia sido publicado no catálogo oficial da Interbau. Somente as
duas casas de Sep Ruf, localizadas na ponta nordeste do conjunto,
e a pequena casa projetada por Günther Hönow foram executadas
de acordo com o planejado.
181
Entre as três casas de um a dois
pavimentos projetadas por Sergius Ruegenberg e Wolf Von
Möllendorf, somente uma foi construída, a da esquina, e mesmo
assim com modificações no projeto. O grupo de três casas de
autoria do arquiteto Josef Lehmbrock, de Düsseldorf, juntamente
com a casa projetada por Werner Fauser, todas originalmente
localizadas na margem norte da área, foram suprimidas; em seu
lugar foi construída uma casa de dois pavimentos projetada por
Klaus Kirsten em parceria com Heinz Nather. O mesmo Kirsten
projeta, em 1960, ou seja, três anos após a exposição, uma
pequena casa localizada ao sul da primeira. E ao sul da segunda
casa de Kirsten, no local onde, de acordo com o plano original e o
181
Ainda assim há diferenças, já que Günther Hönow projetou duas casas, e
somente uma foi construía.
Vistas aéreas atuais do tapete de casas unifamiliares.
(Fonte: DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT,
Franziska (1999). Das Hansaviertel - Internationale
Nachkriegsmoderne in Berlin, págs. 126 e 127)
Implantação mostrando a proposta inicial para o
conjunto de residências unifamiliares localizado ao
longo da Händelallee.
Legenda: 1 - Eduard Ludwig; 2 – Arne Jacobsen; 3 –
Johannes Krahn; 4 – Gerhard Weber; 5 – Alois Giefer
e Hermann Mäckler; 6 – Sep Ruf; 7 – Sergius
Ruegenberg e Wolff von Möllendorf; 8 – Günther
Hönow; 9 – Werner Fauser; 10 – Josef Lehmbrock
(as duas últimas foram substituídas por duas casas
de Klaus Kirsten).
(Fonte: DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT,
Franziska (1999). Das Hansaviertel - Internationale
Nachkriegsmoderne in Berlin, pág. 129)
97
catálogo, deveria ter sido construída uma das três casas de
Ruegenberg e Von Möllendorf, foi executada uma casa de dois
pavimentos projetada pelos arquitetos Bodammer e Berndt entre
1959-60. Porém, estava claro que, nesta parcela do tapete de
residências, as casas seriam mais exteriorizadas do que as do
restante da área, já que são, em sua maioria, ou casas comuns ou
casas “com” pátio, e não casas-pátio.
AS DUAS CASAS DE KLAUS KIRSTEN
As duas casas projetadas por Klaus Kirsten localizam-se à noroeste
do terço mais ocidental do tapete de residências unifamiliares,
estando uma delas, a maior, colocada praticamente de frente para
a fachada sul da barra de Aalto. Elas ocupam a área originalmente
planejada para receber os projetos de Josef Lehmbrock e de
Werner Fauser. Apesar de sua obra ter sido iniciada somente dois
meses após a obra da casa de Ruegenberg e von Möllendorf, as
casas de Kirsten não constam na literatura das publicações oficiais
da exposição.
As casas de Kirsten contam com dois pavimentos cada, e, apesar
de apresentarem uma mescla de geometrias regulares com
irregulares, não mostram-se tão arbitrárias quanto as três casas
projetadas por Ruegenberg e von Möllendorf. E, mesmo afastando-
se da obra de Mies no que diz respeito às irregularidades de sua
geometria, a casa de Kirsten localizada mais ao norte aproxima-se
do conceito das casas-pátio no sentido em que é rodeada por
muros que conformam dois pátios distintos, um maior e um
menor, que proporcionam diferentes graus de hierarquia aos
espaços. A casa menor conta com um pátio cuja forma aproxima-
se a um “L”, porém as faces norte e sul deste pátio são abertas
para o exterior.
A casa maior, ao norte, integra residência com consultório médico,
enquanto que a menor, ao sul, abriga somente residência, é
construtivamente semelhante à primeira, porém não totalmente
envolta em muros, e foi projetada por Kirsten para seu uso
próprio. As duas casas conformam, juntamente com as casas de
Günther Hönow e Bodammer e Berndt, uma importante articulação
com a barra de Pierre Vago, que, no panorama geral, impõem-se
sobre o tapete de casas devido à significantiva diferença de escala
entre as tipologias.
A CASA DE GÜNTHER HÖNOW
Ao sul das duas casas de Kirsten, encontra-se a menor casa-pátio
construída no Hansaviertel, projetada por Günther Hönow, que
permaneceu recentemente um longo período vazia devido às obras
de restauração. O projeto para esta casa foi fruto de um concurso
nacional estabelecido pelo “
Otto Bartning Stiftung für Baukunst
und bildende Künste
”, instituição fundada em 1953 por ocasião do
70º aniversário de Bartning. A idéia com o concurso era possibilitar
a participação da nova geração de arquitetos na reconstrução do
Hansaviertel – considerando-se que a maior parte dos projetos
para a exposição havia ficado a encargo de arquitetos renomados
e que já possuíam, àquela época, alguma experiência. O objeto do
concurso era o projeto de duas casas, e o júri contou com a
colaboração de Otto Bartning. Para participar do concurso, dois
arquitetos recém-formados de cada escola de arquitetura da
Alemanha foram convocados a participar de um colóquio
promovido por Otto Bartning em Berlim com o tema “Qual a atual
interpretação do significado de família e como pode ser encontrado
o seu modo de expressão na arquitetura?”. Entre os 24 projetos
Duas casas de Klaus Kirsten.
(Fonte: www.tu-cottbus.de)
Plantas das duas casas de Klaus Kirsten.
(Fonte: DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT,
Franziska (1999). Das Hansaviertel - Internationale
Nachkriegsmoderne in Berlin, pág. 140)
98
apresentados no final de 1956, 13 foram classificados como
finalistas e levados para uma segunda análise, de onde o projeto
de Günther Hönow saiu vitorioso.
182
O projeto de Hönow foi
premiado, entre outros motivos, provavelmente devido a sua
extrema elementariedade.
Das duas casas solicitadas no edital do concurso, somente uma foi
executada. A casa de Hönow construída no Hansaviertel consiste,
basicamente, em um retângulo com dois pátios de tamanho
diferentes, um relacionado com o acesso principal da casa e o
outro com a sala de estar e o dormitório princiapl; este retângulo
conforma um grande ambiente único, com poucas
compartimentações, cujo centro configura-se como núcleo técnico
da composição, onde foram locados cozinha, banheiro e demais
áreas de serviço molhadas – uma solução sem dúvida bastante
econômica, mas que direciona, talvez mais do que o desejado, as
atividades privadas diárias dos moradores para o centro de
vivência da casa. Acima deste núcleo central de serviços, Hönow
projetou um volume retangular que abriga uma esquadria elevada,
instalada na laje de cobertura, e que possibilita iluminação e
ventilação naturais.
Contíguo ao ambiente único, localizado à oeste, e dele separado
através de paredes móveis de correr, localiza-se o dormitório de
casal. O segundo dormitório e a garagem foram colocados na
porção norte da casa. Assim, o dormitório principal e o grande
ambiente de estar voltam-se para o sul e abrem-se para o pátio,
cercado por muros e em parte coberto por um pergolado na faixa
que dá seqüência à circulação interna da casa. O muro voltado
para o sul apresentava pequenas aberturas formadas por estreitos
perfis verticais, que foram eliminados quando da realização das
obras de restauração.
A casa localizada a sul da casa de Günther Hönow foi projetada
pelos arquitetos Bodammer e Berndt em 1960. Porém, como esta
casa não pertence ao conjunto de edifícios projetados e
construídos por ocasião da Interbau, não interessa, para os
objetivos deste trabalho, analisá-la.
A CASA DE SERGIUS RUEGENBERG E WOLFF VON MÖLLENDORF
Na esquina da promenade com a porção sul da Händelallee, a
sudeste do conjunto, localiza-se a única entre as três casas
projetadas por Sergius Ruegenberg e Wolff von Möllendorf a ser
efetivamente construída. As três casas originalmente projetadas
parecem ser uma resposta não só ao problema urbano da esquina,
como também ao
cul-de-sac
existente no final do caminho interno,
uma vez que sua implantação acaba por abraçá-lo. Porém, a
solução adotada, de geometria totalmente irregular, mostra-se
extremamente complicada de ser descrita, tanto em volumetria
quanto em planta baixa.
É possível supor que o projeto de Ruegenberg e von Möllendorf
configure-se como uma tentativa de acompanhar as referências do
que na época eram considerados projetos mais “orgânicos” e de
geometria mais irregular, como os de Josep Antoni Coderch ou
Alvar Aalto – mesmo que os projetos destes sejam, de um modo
geral, significativamente superiores aos da dupla alemã. A casa
Ugalde, de Coderch, 1951, pode ter sido uma referência
importante, não só para Ruegenberg e von Möllendorf, como
também para Klaus Kirsten.
182
Interbau Berlin 1957. Amtlicher Katalog der Internationalen Bauausstellung
(1957), op. cit., págs. 146-147.
Planta baixa da casa de Günther Hönow.
(Fonte: Interbau Berlin 1957. Amtlicher Katalog der
Internationalen Bauausstellung, pág. 147)
Planta baixa da casa Ugalde, de Josep Antoni
Coderch.
(Fonte: Interbau Berlin 1957. Amtlicher Katalog der
Internationalen Bauausstellung, pág. 147)
99
Os arquitetos esclarecem no catálogo da Interbau que o princípio
empregado foi o de desenvolver o projeto não a partir dos
condicionantes técnicos, funcionais e formais presentes na
realidade de uma edificação, mas sim a partir da rotina e das
atividades diárias de vida de uma família. Segundo Ruegenberg e
von Möllendorf esclarecem, isso significa voltar cada ambiente para
a melhor orientação, de acordo com a hora do dia em que eles são
mais utilizados e com o tipo de função que recebem. Assim, eles
estariam estabelecendo um contraponto a todas as estratégias de
racionalização, seriação e economia de meios vigente desde o
princípio da arquitetura moderna.
183
Portanto, além de Coderch e Aalto, pode-se citar como
precedentes deste princípio e modo de proceder ao projetar tanto
a idéia de Hugo Häring de adotar os movimentos diários dos
moradores como linha condutora para o desenvolvimento de suas
edificações habitacionais, como também as residências
unifamiliares de Hans Scharoun dos anos 30. Nelas, a solução
arquitetônica surge, para Scharoun, a partir de uma associação
entre os hábitos e desejos dos moradores com sua idéia de um
arranjo espacial de geometria irregular. Na casa Schminke, em
Löbau, projetada por Scharoun entre 1932-33, a varanda acessível
por uma escada externa, a laje que a cobre e o pilar que a
sustenta remetem à fachada norte da casa de Ruegenberg e von
Möllendorf. Sergius Ruegenberg trabalhou no escritório de Mies
van der Rohe no final dos anos 20, onde participou da condução
das obras do pavilhão alemão de Barcelona, e, com Hans Scharoun
no período do pós-guerra.
184
Considerando-se sua casa projetada
para a Interbau, pode-se afirmar claramente que Ruegenberg
incorporou ao seu repertório profissional de modo mais enfático as
influências de Scharoun do que as de Mies e do Pavilhão.
O conjunto originalmente projetado por Sergius Ruegenberg e
Wolff von Möllendorf constituía-se, além de uma casa
conformando a esquina da promenade com a porção sul da
Händelallee, também de outras duas casas – uma ao norte e outra
a oeste da casa de esquina. De acordo com o projeto original, as
duas casas localizadas mais ao leste possuem somente um
pavimento e área aproximada de 186m
2
cada, enquanto que a
casa a oeste conta com dois pavimentos e 215m
2
de área. A única
casa entre as três que foi construída ocupou a posição de esquina;
porém, comparando-se a casa de esquina reproduzida no catálogo
com a casa efetivamente construída, nota-se que foram
introduzidas modificações em seu projeto original.
A casa construída, além de possuir dois pavimentos – a casa
originalmente planejada para ocupar a esquina contava com
somente um –, teve sua área ampliada e seu interior ainda mais
compartimentado. O peculiar ambiente em forma de ferradura que
abriga uma banheira e possui acesso direto para o jardim,
presente nas três casas, foi mantido, assim como o volume anexo
que abriga o dormitório maior, conectado ao corpo principal da
casa a partir de uma passarela de ligação. Os demais dormitórios
localizam-se em linha junto ao corpo principal da casa e voltam-se
para a promenade. A ala central abriga salas de estar, jantar,
cozinha e um terraço coberto aberto para o jardim. O segundo
pavimento, também de geometria bastante irregular, abriga
sacada, sala de estar, banheiro e um pequeno dormitório. Um pilar
183
Interbau Berlin 1957. Amtlicher Katalog der Internationalen Bauausstellung
(1957), op. cit., págs. 142-143.
184
DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT, Franziska (1999), op. cit., pág. 147.
Planta baixa e vistas da casa de Sergius Ruegenberg
e Wolff von Möllendorf.
(Fonte: www.berliner-hansaviertel.de)
Casa Schminke, de Hans Scharoun.
(Fonte: www.galinsky.com)
100
metálico externo inclinado auxilia na sustentação do segundo
pavimento e de sua laje de cobertura.
Em 1960, Ruegenberg projeta para si próprio uma casa que ele
caracteriza como sendo uma variante em menores dimensões de
seu projeto para o Hansaviertel, já que também foi concebida a
partir de uma consideração das atividades rotineiras da família.
Segundo Ruegenberg, com estes dois projetos ele consegue
comprovar a viabilidade de construir uma casa de baixo custo, de
acordo com as determinações e princípios da habitação social,
porém absolutamente “
individual e não convencional”.
185
AS DUAS CASAS DE SEP RUF
O fechamento desta terça parte do tapete de casas se dá com as
duas casas em linha com 145m
2
cada e eixo maior orientado no
sentido nordeste-sudoeste, projetadas por Sep Ruf, proveniente de
Munique. O acesso à casa se dá, partindo-se da porção norte da
alça da Händelallee, através de um caminho de pedestres
implantado entre as casas de Ruf e as de Kirsten; e, a partir do
acesso, localizado na fachada oeste, chega-se ao núcleo de
distribuição da casa. Um muro colocado à oeste do terreno, no
sentido longitudinal, delimita o jardim, oferecendo a ele maior
privacidade. As duas garagens localizam-se lado a lado, ao sul do
conjunto.
Como conseqüência de sua implantação, as maiores superfícies da
casa voltam-se para leste e oeste, restando poucas possibilidades
de aberturas para o sul. Por isso, Ruf opta pela planta em “L”, que
possibilita, ao localizar o ambiente de estar e jantar na perna
menor do “L”, abri-lo todo para o sul. Na perna maior, desenvolve-
se um longo corredor que distribui para os três dormitórios e um
banheiro, todos voltados para o leste; a oeste do corredor, uma
parede cega abriga área para armários embutidos em toda a sua
extensão. Cozinha e áreas de serviço preenchem o volume
adicionado na ponta noroeste do “L”.
As duas casas, de um modo geral bastante fechadas para o oeste
e bastante abertas e envidraçadas para o leste, são revestidas, em
seus planos fechados, com plaquetas cerâmicas em tom vermelho-
escuro. A laje impermeabilizada de cobertura projeta-se para além
dos limites da casa, funcionando como marquise, e recebe, em seu
plano inferior, revestimento em madeira.
A decisão de abrir a casa para o leste e fechá-la para o oeste
deve-se, provavelmente, além da orientação solar, também ao fato
de o lado oeste estar voltado para o estreito caminho de circulação
que dá acesso às demais casas deste conjunto. Enquanto isso, a
fachada leste, mesmo que voltada para a promenade, apresenta
um maior distanciamento com relação às casas vizinhas e à própria
promenade, possibilitando a existência de um jardim semi-
privativo.
A presença de planos horizontais de cobertura que se sobressaem
com relação ao plano vertical da fachada
é reincidente na obra de
Ruf. Entre 1946-47, ele projeta a casa Vetter, localizada em
Feldkirchen, e entre 1952-53 ele projeta uma casa em Gmund, no
Tegernsee; em ambas, as lajes de cobertura prolongam-se,
sobressaem-se e apóiam-se em pilares de madeira. Em 1956, ele
introduz em seu projeto para a casa Helwig, em Schwalmstadt-
Treysa, sua primeira casa-átrio realizada com pátio interno central,
185
Assim foi dito por Ruegenberg em conversa pessoal com Gabi Dolff-
Bonekämper publicada em DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT, Franziska
(1999), op. cit., pág. 137.
Casa Helwig, em Schwalmstadt-Treysa, de Sep Ruf.
(Fonte: www.sep-ruf.de)
Planta baixa da casa de Sep Ruf.
(Fonte: Interbau Berlin 1957. Amtlicher Katalog der
Internationalen Bauausstellung, pág. 141)
Uma das duas casas de Sep Ruf.
(Fotografia: Mara Oliveira Eskinazi)
101
lajes ainda mais prolongadas, apoiadas em delgados pilares
metálicos.
186
O entorno da casa de Ruf para a Interbau não conta com a mesma
oferta de áreas livres que as casas Vetter, Helwig ou a casa em
Gmund; porém, mesmo assim Ruf não desiste de empregar as
lajes de cobertura salientes, solução tradicional no repertório da
arquitetura moderna, em todo o seu perímetro. Contudo, sua casa
para o Hansaviertel não é dotada da mesma leveza e transparência
que outros de seus projetos, como por exemplo a casa Helwig, de
1956.
O projeto de Sep Ruf para Akademie der Bildenen Künste, em
Nurnberg, prenuncia a linguagem que caracterizará seus projetos
construídos no pós-guerra na Alemanha – leveza, transparência e
a presença de delgadas marquises. Exemplos da aplicação desta
linguagem são o pavilhão alemão para a exposição mundial de
Bruxelas, de 1958, realizado em parceria com Egon Eiermann; o
Kanzelrbungalow, residência projetada para o Chanceler Ludwig
Erhard, em Bonn, de 1963-64, que recebeu claras influências de
seu projeto para a casa Helwig; o edifício Maxburg, sede da justiça
em Munique, de 1953-57, realizado em parceria com Theo Pabst; a
ampliação do Museu Nacional Alemão em Nurnberg, de 1953-78,
bem como uma grande variedade de edifícios públicos,
institucionais, administrativos, comerciais e representativos.
AS TRÊS CASAS DE JOAHANNES KRAHN
A análise do agrupamento seguinte de casas, compreendido a
leste da promenade e a oeste da alça da Händelallee, ou seja,
centralizado em relação aos outros dois, se iniciará com a
seqüência de casas de Joahannes Krahn,
187
localizada em sua
porção oeste, e seguirá, assim como o anterior, no sentido anti-
horário.
Este agrupamento de casas manteve-se mais fiel com relação ao
projeto original do que o conjunto inicialmente analisado. Tendo
como limitantes, a norte, a barra de Jaenecke e Samuelson e, a
sul, a igreja Kaiser-Friedrich Gedächtniskirche, ele abrange as
casas projetadas pelos arquitetos alemães Joahannes Krahn, Alois
Giefer e Hermann Mäckler, e Gerhard Weber, todos provenientes
de Frankfurt am Main, e pelo dinamarquês Arne Jacobsen, de
Copenhagen. Como também acontece no conjunto anteriormente
analisado, neste, o acesso à maior parte das casas também se dá
por meio de um caminho privado implantado no sentido norte-sul,
internalizado em meio às casas, acessível a partir da porção norte
da Händelallee, e que finaliza-se em um
cul-de-sac
.
O grupo de três casas projetadas por Joahannes Krahn
desenvolve-se no sentido norte-sul e localiza-se a leste do eixo que
liga a Hansaplatz à igreja e à oeste do caminho privado. A casa
localizada mais ao norte é acessada a partir da Händelalle,
enquanto que as duas ao sul voltam seus acessos e entradas de
garagens para o caminho privado. As plantas baixas das três casas
186
Segundo site www.sep-ruf.de, acessado em 20.02.2008, às 10:00hs.
187
Joahannes Krahn já era reconhecido como arquiteto e urbanista na época da
Interbau. Ele estudou na Bauhaus em Dessau na década de 30, e como arquiteto,
antes de sua participação na exposição, Krahn havia projetado o pavilhão alemão
na Cité Universitaire em Paris, de 1953-55. Com este projeto, ele impôs-se como
expoente da arquitetura alemã do pós-guerra frente a projetos de então já
renomados arquitetos, como o pavilhão suisso, de Le Corbusier, de 1931-33, o
pavilhão holandes, de Von Dudok, ou o pavilhão brasileiro de Lúcio Costa e Le
Corbusier, de 1952-59. Como urbanista, Krahn foi responsável pelo planejamento
da reconstrução do centro da cidade de Wesel, em Niederrhein, bastante destruída
na II Guerra Mundial.
Robinson House, de Marcel Breuer.
(Fonte: www.germany.info)
Planta baixa da casa de Johannes Krahn.
(Fonte: Interbau Berlin 1957. Amtlicher Katalog der
Internationalen Bauausstellun
g
,
p
á
g
. 138
)
102
apresentam os mesmos princípios de concepção e de articulação
entre volumes, sendo que as duas casas ao sul são maiores (com
165m
2
cada) e praticamente idênticas, enquanto que a casa ao
norte é uma variante das anteriores, porém ligeiramente menor
(153m
2
) e rotacionada a 90º. A rotação da casa ao norte
demonstra claramente a estratégia urbana empregada por Krahn
de reconhecimento da esquina.
As duas casas ao sul constituem-se de dois volumes paralelos
cada, conectados através de um volume menor envidraçado, por
onde se dá o seu acesso. A ala norte de cada casa abriga, além da
garagem, a parte social, com sala de estar, cozinha, banheiro e
serviços; a cozinha é iluminada e ventilada através de um pátio
interno contíguo à garagem. Na ala sul, mais estreita que a norte,
foram localizados os três dormitórios e um banheiro. Entre as duas
alas coexistem, além do volume de ligação entre a ala norte e a
sul, que abriga o acesso, também um pátio aberto para a
promenade central, para onde voltam-se a sala de estar e o
corredor de acesso aos dormitórios. E entre as duas casas também
resulta outro pátio, para onde voltam-se os dormitórios da casa
central – área esta semelhante a que resulta ao sul da casa sul.
A casa norte, que conforma a esquina com a Händelalle, é também
composta por duas alas conectadas por um volume envidraçado
que configura o acesso, estando garagem, acesso e cozinha
voltados para o norte. Contudo, esta casa, além de ter sido
rotacionada 90º em função de sua posição de esquina, teve a
dimensão longitudinal de sua ala social sensivelmente reduzida.
Assim, à ala que abriga os dormitórios – cuja ponta sul encosta na
casa vizinha – foi acrescentado, na ponta norte, um ambiente de
estar ou escritório. Diferente das casas sul, cujos dormitórios
voltam-se para sul, abrindo-se para os pátios, na casa norte todos
os dormitórios voltam-se para o caminho privado, ou seja, para
leste. Porém, tanto a sala de estar quanto o corredor que conduz
aos dormitórios voltam-se para o grande, porém único, pátio,
também aberto para a promenade central.
Assim, entre as características compositivas mais importantes do
conjunto de casas projetado por Krahn, pode-se citar o
agrupamento de funções – área de dormir, e área social e área de
pátio com acesso – em faixas que correspondem ou aos volumes
paralelos alternados ou aos pátios intercalados pelos volumes. Esta
composição tem como uma de suas referências as casas bi-
nucleares de Marcel Breuer, como a Geller House I, de 1945,
primeira a empregar este conceito, ou a Robinson House, de 1947.
Nelas, Breuer projeta alas separadas para os dormitórios e para o
estar, jantar e cozinha, conectadas por um hall de entrada. Entre
as alas resultam zonas que, assim como os pátios de Krahn, são
indissociáveis da casa, já que eles não configuram-se como
espaços remanescentes, mas sim como parte integrante e
essencial da composição.
As casas de Krahn foram reformadas entre 2004 e 2006 pelo
arquiteto Henning Von Wedemeyer, e a obra incluiu, além da
modernização dos revestimentos, também a troca de esquadrias,
de vidros, do mobiliário e dos armários embutidos. As fotos que
seguem foram obtidas do site da empresa responsável pela
restauração, a Restaurierungs Werkstätten Berlin GmbH.
188
188
Ver site: http://restaurierung-berlin.de/referenzen/jacobsen/jacobsen_1.html
Imagens do interior das casas de Johannes Krahn
após a reforma, e sua relação com os pátios.
(Fonte: www.restaurierung-berlin.de)
103
AS TRÊS CASAS DE ALOIS GIEFER E HERMANN MÄCKLER
Em frente à Kaiser-Friedrich Gedächtniskirche e ao sul das casas
de Johannes Krahn localiza-se a edificação em linha que abriga a
seqüência de três casas projetadas por Alois Giefer e Hermann
Mäckler. O conjunto conforma o fechamento sul do
cul-de-sac
do
caminho interno privado e está implantado com seu eixo
longitudinal no sentido leste-oeste, paralelo à Händelallee, ou seja,
suas maiores fachadas voltam-se para norte e sul.
A posição do conjunto, localizado em uma estreita faixa ao sul da
área, condicionou tanto a renúnica a grandes pátios internos,
quanto sua implantação, que aproximou as casas do limite norte
do terreno, deixando livre uma grande área ajardinada ao sul, para
onde voltam-se todos os dormitórios e áreas de estar. Assim, as
grandes aberturas para o sul garantem suficiência de iluminação
para a maior parte das áreas internas.
A zona norte das casas concentra uma faixa longitudinal que
abriga, em todas as unidades, acesso de pedestres, acesso às
garagens, cozinha e banheiros. Nas duas casas maiores (com
172m
2
cada), idênticas e espelhadas, localizadas à oeste, foi
projetado um pequeno pátio interno entre a cozinha e os
banheiros, a fim de garantir sua iluminação e ventilação naturais.
A casa menor (com 142m
2
) à leste, não conta com este pátio,
que o banheiro foi localizado junto à fachada leste; seu acesso se
dá a partir de um longo corredor que desenvolve-se ao longo do
muro da casa vizinha, projetada por Gerhard Weber, e sua ala de
dormitórios foi levemente deslocada para o norte em função da
inclinação da rua e da posição de esquina que ocupa.
Alois Giefer e Hermann Mäckler fundaram um escritório conjunto
em 1945, desenvolvendo a partir de então projetos em diversos
temas, como igrejas, institutos e aeroportos (como uma ala do
aeroporto de Frankfurt am Main, em 1958, e a ampliação do
aeroporto de Reihn-Main, em 1973). Na área habitacional, seja
unifamiliar ou multifamiliar, Alois Giefer transporta para a prática
no Hansaviertel a experiência obtida a partir do contato com Hans
Poelzig, com quem ele conclui o curso de arquitetura em Berlim
em 1936.
AS DUAS CASAS DE GERHARD WEBER
Entre a seqüência de casas de Alois Giefer e Hermann Mäckler e o
conjunto projetado por Arne Jacobsen encontram-se duas casas de
autoria de Gerhard Weber.
189
As duas, idênticas e espelhadas,
estão implantadas lado a lado (estando uma limitada à oeste pelo
caminho privado, e a outra à leste pela Händelallee) junto ao limite
sul do terreno, de modo que a porção norte restante do terreno foi
ocupada com pátios privados, e a sala de estar e os três
dormitórios voltam-se para o sul. Cada casa conta com 148m
2
de
área privativa.
Individualmente, a gemometria da planta baixa de cada casa
assemelha-se à letra “T”, enquanto que, em conjunto, elas formam
um desenho que assemelha-se a um “H”. A ponta do “T” é
189
Gerhard Weber, assim como Joahannes Krahn, estudou na década de 30 na
Bauhaus em Dessau. Após a guerra, ele ocupou-se mais com o projeto de edifícios
culturais e industriais do que com arquitetura habitacional. Em conjunto com
Günther Gottwald, ele projetou o Kleinmarkthalle e a sala de concertos da rádio de
Hessen, ambos em Frankfurt am Main, a Staatsoper, em Hamburgo, e, entre 1955-
57, o teatro nacional, em Mannheim – edifício para o qual Mies van der Rohe
também havia se candidatado a projetar. Assim, possivelmente o fato de a obra de
Weber concentrar-se em edifícios institucionais de grande escala tenha servido,
para ele, como estímulo para o projeto de suas casas no Hansaviertel, tema não
usual em seu repertório.
Planta baixa das casas de Alois Giefer e Hermann
Mäckler.
(Fonte: Interbau Berlin 1957. Amtlicher Katalog der
Internationalen Bauausstellung, pág. 137)
Planta baixa e perspectiva do conjunto de casas de
Gerhard Weber.
(Fonte: Interbau Berlin 1957. Amtlicher Katalog der
Internationalen Bauausstellung, pág. 135)
104
ocupada com cozinha, área de serviço no centro, sala de estar ao
sul, e garagem coberta e aberta ao norte; a perna abriga os três
dormitórios e banheiro. Assim, os dormitórios estão recuados em
relação à sala de estar, e a área à frente dos dormitórios conforma
uma varanda coberta por uma pérgola onde localiza-se o acesso
principal da casa – ou seja, os acessos principais, diferente dos
acessos de automóveis, não voltam-se nem para o caminho
privado e nem para a Händelalle.
Segundo descrição do catálogo da Interbau, a articulação interna
dos ambientes foi pensada de modo que “
a dona de casa que
estivesse trabalhando na cozinha pudesse controlar não só as
crianças brincando no pátio, como também a sala de estar e o
acesso da casa
”.
190
Ou seja, marcas de uma época relativamente
recente, porém em que a mulher ainda desenvolvia um papel
secundário na sociedade.
Weber empregou, assim como a maioria dos arquitetos das casas
vizinhas, placas pré-fabricadas de concreto nas paredes externas.
Porém, diferente de seus colegas, utilizou, para a cobertura, placas
mais leves apoiadas nos muros portantes, alcançando, assim, uma
solução mais econômica para a laje de cobertura.
AS QUATRO CASAS DE ARNE JACOBSEN
O fechamento deste conjunto central se dá com o projeto do
arquiteto Arne Jacobsen, de Copenhagen, Dinamarca, – conhecido
não só por sua arquitetura, como também por seus projetos de
desenho de mobiliário – para um grupo de quatro casas
unifamiliares localizado na curva nordeste da Händelallee.
O grupo constitui-se de três casas retangulares idênticas com
140m
2
cada, e uma casa menor, com aproximadamente 80m
2
. As
quatro casas estão colocadas lado a lado no sentido leste-oeste;
assim, naturalmente todas abrem-se para norte e sul. A casa da
extremidade leste é a de área reduzida; esta, além de ser
responsável pela configuração da esquina, está deslocada para o
sul em relação à frente das demais. Sua área reduzida deve-se,
contudo, não só à estratégia urbana de reconhecimento da
esquina, mas também ao fato de apresentar, junto a sua fachada
norte, um volume, mais baixo que o principal, que abriga as
garagens de todas as quatro casas.
Cada uma das três casas maiores articula-se ao redor de um pátio
interno central próprio, gerando uma tipologia de planta baixa
dividida em três alas. A ala sul abriga sala de estar, que abre-se
tanto para o jardim privado, a sul, quanto para o pátio. Esta ala
liga-se à ala norte através da faixa central, composta pelo pátio
interno, à leste, e por um estreito corredor, à oeste, ocupado pela
cozinha, que abre-se para o pátio interno. A ala norte abriga três
dormitórios, todos voltados para o pátio, ou seja, orientados para
o sul, e um banheiro e dois depósitos junto a fachada norte.
Porém, somente um dos depósitos é acessível a partir do corredor
interno de circulação, já que o outro abre-se para a rua. Assim,
com a divisão da casa em três alas, as áreas de estar e as áreas de
dormir foram bastante separadas, favorecendo a privacidade.
Nas três casas iguais, o acesso principal se dá pela fachada norte,
que faz frente à Händelallee. Assim, esta fachada compõe-se
somente da porta de entrada revestida com uma chapa marrom,
colocada na extremidade oeste de cada casa, e de uma faixa
horizontal venezianada elevada que ocupa toda a extensão da
190
Interbau Berlin 1957. Amtlicher Katalog der Internationalen Bauausstellung
(1957), op. cit., págs. 134-135. Tradução livre da autora.
Planta das casas de Arne Jacobsen, duas vistas
anteriores e uma posterior à reforma.
(Fonte: Interbau Berlin 1957. Amtlicher Katalog der
Internationalen Bauausstellung, pág. 133, e
www.restaurierung-berlin.de)
105
fachada. Abaixo da veneziana há uma seqüência de oito panos
revestidos em chapas verdes, sendo que o último corresponde à
porta do depósito que abre-se para a rua.
A casa menor não possui pátio interno, e conta com somente um
dormitório. Seu acesso se dá por um corredor criado na fachada
norte, entre o volume das garagens e a parede que a divide com a
casa vizinha. Assim como as demais casas, sua fachada sul,
composta por grandes superfícies envidraçadas, também volta-se
para o jardim. Porém, as demais fachadas são todas cegas – a
fachada voltada para o norte, com exceção da subtração
correspondente à porta de entrada, é toda ocupada pelo volume
pintado em azul correspondente às garagens; a oeste faz divisa
com a casa vizinha; e a leste, apesar de abrigar a cozinha, não
conta com aberturas.
Todas as casas contam com um jardim integrado junto à fachada
sul; porém, esta área aberta conta com duas diferentes gradações
de privacidade, já que possui uma primeira faixa, presente
somente nas três casas maiores, que é individualizada, e uma
segunda faixa, que é coletiva e comum às quatro casas. Um
extenso muro colocado no sentido leste-oeste delimita a fronteira
entre os jardins ao sul das casas de Jacobsen e os pátios ao norte
das casas de Gerhard Weber.
Muitos dos projetos realizados por Arne Jacobsen nos anos 50 na
Dinamarca assemelham-se ao seu projeto para o Hansaviertel no
sentido de que são, em sua maioria, casas de um pavimento;
contudo, a comparação com a casa projetada para a Interbau é
limitada devido às diferenças de contexto de implantação. As casas
projetadas para a Dinamarca localizam-se geralmente em locais de
entorno livre, enquanto que a casa para Berlim encontra-se em
meio à cidade. Segundo Dolff-Bonekämper, a revista Bauwelt de
1958 publica um projeto urbanístico de Jacobsen para um tapete
de construções na cidade dinamarquesa de Sölleröd, que, mesmo
sem ter sido construído, pode ter configurado-se como referência
para a sua casa da Interbau. Já no projeto realizado
posteriormente à Interbau, entre 1960-61, para o conjunto de
casas Soholm, na cidade de Klampenburg, ele recorre a uma
organização de planta em alas semelhante à empregada em
Berlim, porém com a ala norte maior.
191
Porém, ao analisar um projeto de Arne Jacobsen, o aspecto que
mais se destaca é o cuidado extremo que o arquiteto tem com os
detalhes, o que provavelmente remonta à sua experiência com o
desenho de móbiliário e objetos de escala menor. A cobertura
metálica transparente sobre a entrada principal da casa, as
lâmpadas de forma circular junto à porta de entrada e no pátio
interno, as portas de acesso revestidas com chapas coloridas e
com bordas em madeira, os trincos das portas desenhados
individualmente, etc., são alguns exemplos que demonstram que,
para Jacobsen, o projeto de arquitetura abrange, neste caso, não
só a escala da casa em si, como também a escala do desenho de
muitos dos objetos, equipamentos e móveis que a compõem. E é
justamente neste ponto onde provavelmente reside a maior
contribuição da obra de Jacobsen, ou seja, demonstrar que para se
obter arquitetura de qualidade, não basta restringir-se ao projeto
do edifício, mas sim pensá-lo e concebe-lo de forma completa e
integrada com os demais elementos que o compõe.
191
DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT, Franziska (1999), op. cit., pág. 132.
Vistas dos pátios e do interior das casas de Arne
Jacobsen, antes e depois da reforma.
(Fonte: www.restaurierung-berlin.de)
106
As casas de Jacobsen foram reformadas entre 2004 e 2006 pelo
arquiteto Henning Von Wedemeyer, mesmo responsável pelo
restauro das casas de Johannes Krahn. A obra incluiu, além da
modernização dos revestimentos, com a instalação de um piso em
resina brilhoso, e da troca de esquadrias, de vidros, do mobiliário e
dos armários embutidos, também a adição de um muro tornando a
área ajardinada coletiva ao sul das casas em jardins privativos. As
fotos que seguem foram obtidas do site da empresa responsável
pela restauração, a Restaurierungs Werkstätten Berlin GmbH.
192
AS CINCO CASAS DE EDUARD LUDWIG
O tapete de casas se completa com o terceiro conjunto a ser aqui
analisado, composto por uma seqüência de cinco casas projetadas
por Eduard Ludwig,
193
de Berlim. Este conjunto localiza-se a leste
da curva da Händelallee e a oeste do edifício de Paul Baumgarten,
e tem como limites ao norte a barra de Fritz Jaenecke e Sten
Samuelson e ao sul o próprio parque Tiergarten.
O conjunto compõe-se de uma casa isolada na ponta norte, ligada
a duas seqüências, uma no centro e outra na ponta sul, de duas
casas cada. A casa ao norte, de 200m
2
, apresenta planta baixa em
forma de “U”, com pátio voltado para o sul, e um jardim em sua
frente oeste cercado por um muro de formato orgânico. A ala à
oeste do pátio abriga a área social, aberta para o pátio interno e
para o jardim frontal, enquanto que ala leste abriga os dormitórios.
As zonas de serviço e cozinha ocupam a porção norte da casa.
Ao sul, localizam-se, em seqüência, dois pares idênticos de casas,
sendo que cada par é composto por duas casas diferentes. A casa
a oeste de cada par é uma barra orientada leste-oeste com dois
dormitórios e 128m
2
, enquanto que a casa a leste possui 170 m
2
ou 185m
2
e planta em “T” que acompanha o alinhamento da barra
da casa vizinha, porém acrescida de uma estreita ala orientada
norte-sul contígua ao limite leste do terreno, responsável por
abrigar os quatro dormitórios. Ambas estão implantadas no terreno
de modo a conformar dois pátios, um menor ao norte e um maior
ao sul; as fachadas norte e sul, que voltam-se para os pátios, são
transparentes e totalmente envidraçadas. As garagens são
colocadas em volumes externos aos volumes das casas, porém
sempre próximos ao acesso de cada unidade.
AS SETE CASAS DE PAUL BAUMGARTEN
À leste do tapete de residências unifamiliares localizado ao sul do
Hansaviertel, entre o conjunto de casas de Eduard Ludwig e a
Altonaerstraße, encontra-se o edifício com sete casas em série
projetado pelo arquiteto berlinense Paul Baumgarten.
194
O edifício
192
Ver site: http://restaurierung-berlin.de/referenzen/jacobsen/jacobsen_1.html
193
Eduard Ludwig estudou entre 1928 e 1932 na Bauhaus em Dessau, ou seja,
exatamente na época em que Mies van der Rohe era professor. Ludwig projetou,
em 1946, um conjunto de casas-pátio para a exposição “Berlin plant”, e em 1951
projetou o Luftbrückendenkmal, no Aeroporto de Tempelhof, em Berlim,
monumento em memória da ponte aérea implantada para viabilizar o
abastecimento de Berlim Ocidental durante os anos de bloqueio, entre 1948-49. No
entanto, é com seu projeto para o Hansaviertel que Ludwig abre caminho para
participar da Exposição Mundial de Bruxelas, em 1958, para a qual Sep Ruf e Egon
Eiermann projetaram o pavilhão alemão. Nesta ocasião, ele desenvolve o projeto
de uma casa-pátio com características bastante semelhantes às empregados em
suas casas de Berlim, como as fachadas envidraçadas voltadas para o pátio e a
transferência dos limites do edifício para os muros periféricos.
194
Paul Baumgarten estudou arquitetura entre 1919-1924 na Technische
Hochschule em Danzig e em Berlim Charlottenburg, e entre 1926-29 colaborou no
escritório de Mebes e Emmerich. A partir de 1929 ele começa a trabalhar em seu
escritório próprio em Berlim, onde desenvolve projetos para edifícios residências,
comerciais e industriais. Entre os seus projetos mais importantes realizados entre
os anos 50 e 60 estão a sala de concertos da Hochschule der Künste, na
Vistas do interior das casas de Arne Jacobsen, antes
e depois da reforma.
(Fonte: www.restaurierung-berlin.de)
107
é uma barra orientada no sentido leste-oeste – assim como a
vizinha Schwedenhaus, e como as barras baixas localizadas ao
longo da Klopstockstraße – de três pavimentos, com 54,75m de
comprimento, 9,25m de largura e 9,10m de altura.
Apesar de volumetricamente assemelhar-se a uma barra, o projeto
de Baumgarten para a Interbau enquadra-se neste capítulo não só
devido a sua localização, junto ao tapete de casas, mas também
por configurar-se como um agrupamento de residências
unifamiliares. As principais diferenças do edifício de Baumgarten
quando comparado à tipologia das barras residem em questões
distributivas e de ocupação. No caso de Baumgarten, além do
térreo ser recuado e, com isso, destacado com relação ao segundo
pavimento, o edifício não é unicamente residencial, uma vez que
em seu térreo foram instaladas atividades de outras naturezas.
O encargo a mim determinado solicitava o projeto de sete
casas de dois pavimentos cada, localizadas na porção sul do
Hansaviertel, com uma configuração formal que soava para
mim bastante adequada para a área. Eu decidi que não
deveria construir casas isoladas de dois pavimentos, mas
sim uma série de casas; estas, porém, não deveriam tocar o
solo, uma vez que, para mim, não era possível imaginar,
nesta área, um aproveitamento tranqüilo e adequado das
áreas de jardins localizadas no térreo, visto o intenso fluxo
de pedestres existente no Tiergarten. Me pareceu mais
conveniente elevar o edifício do solo e proporcionar aos
moradores terraços-jardins privados no último pavimento,
estendidos por toda a largura do edifício
”.
195
A idéia inicial de Baumgarten, como entende-se a partir de seu
próprio relato, constitui-se de elevar o edifício do solo, localizando
sete unidades residenciais do tipo duplex em linha no segundo e
terceiro pavimentos, deixando, assim, o térreo livre. Com isso, ele
alcançaria o objetivo de viabilizar a construção de um edifício em
uma área de grande tráfego de pedestres, porém evitando
obstaculizar o fluxo de circulação.
Além disso, de acordo com croquis iniciais realizados por
Baumgarten entre 1955-56, pode-se apreender que seu objetivo
inicial constituía-se em abrigar em um único edifício oito unidades
habitacionais, e não sete como de fato foi realizado. As oito casas
estariam arranjadas em pares e espelhadas duas a duas a partir de
um eixo de simetria colocado no centro de cada par; além disso, a
cada par corresponderia uma escada de acesso.
Entretanto, a solução de liberar o térreo, mesmo estando em total
conformidade com os princípios condutores da Interbau, acabou
por exceder o custo da obra inicialmente determinado pelas linhas
de financiamento da exposição. Isto obrigou Baumgarten a, além
de reduzir de oito para sete o número de unidades habitacionais
Hardenbergstraße, em Berlim Charlottenburg, realizado em 1954; os projeto para
fábricas da Eternit em Berlin-Grunewald, de 1955, e em Berlin-Neukölln,
desenvolvido entre 1956-58; e o projeto premiado em 1961 no concurso para
reconstrução e restauração do que havia restado do Reichstag, sede do
Parlamento alemão, após a II Guerra Mundial. Além deste, Baumgarten saiu
vitorioso de uma série de outros concursos de arquitetura. A partir de 1952 ele
inicia sua carreira como professor de projeto na Hochschule für bildende Künste em
Berlim, e em 1956 torna-se coordenador do departamento de arquitetura desta
escola. Em 1954 ele recebe o prêmio de Bildende Kunst referente aos anos de
1953-54, tendo sido agraciado pela a associação de críticos alemães de
arquitetura.
195
Citação de Paul Baumgarten publicada em DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e
SCHMIDT, Franziska (1999), op. cit., págs. 142-143. Tradução livre da autora.
Planta baixa e perspectiva do conjunto de casas de
Eduard Ludwig.
(Fonte: Interbau Berlin 1957. Amtlicher Katalog der
Internationalen Bauausstellung
pág 131)
Plantas do conjunto de casas de Paul Baumgarten.
(Fonte: DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT,
Franziska (1999). Das Hansaviertel - Internationale
Nachkriegsmoderne in Berlin, págs. 142)
108
na parte superior da barra, também a abdicar de sua idéia original
de não ocupar o pavimento térreo, dando a ele algum uso.
Assim, o arquiteto entrou em contato com a firma Eternit, para
quem ele já havia trabalhado, que interessou-se por ocupar o
pavimento térro como área para eventos da empresa, viabiliazando
a execução do projeto. Com isso, o edifício acabou sendo todo
revestido com chapas e telhas fabricadas pela Eternit (na versão
original do projeto, as chapas eram brancas e cinza claro; porém,
quando de sua restauração, as chapas cinzas foram substituídas
por vermelhas), que acabou por dar nome ao edifício –
Eternithaus, estampado em sua fachada norte. O térreo acabou
por abrigar um auditório, área para exposições, sanitários, uma
escada de acesso ao subsolo, além de uma unidade habitacional
com 42m
2
localizada na extremidade oeste do pavimento.
A volumetria do edifício compõe-se a partir de uma mescla de
elementos verticais e horizontais. O térreo, recuado em relação ao
segundo pavimento, constitui-se em grande parte de planos
envidraçados ou de paredes de tijolos de vidro; somente o volume
oeste, que corresponde ao auditório, recebe fechamento com
paredes cegas.
O segundo pavimento do edifício abriga o primeiro pavimento das
habitações, acessível a partir de uma escada colocada grosso
modo no centro da fachada norte. Pela escada chega-se a um
corredor horizontal aberto lateralmente que ocupa toda a extensão
do edifício e distribui a circulação para cada uma das casas. Neste
pavimento encontram-se vestíbulo, banheiro e um pequeno
depósito, todos voltados para o corredor de circulação, ou seja,
para o norte, e três dormitórios voltados para o sul; no centro do
vestíbulo localiza-se a escada interna que leva ao segundo
pavimento da casa, ou terceiro pavimento do edifício.
Além de sua importância por abrigar a circulação principal do
edifício, o segundo pavimento caracteriza-se também como o
volume de maior destaque da composição, pois ao mesmo tempo
em que está avançado em relação aos demais, dá horizontalidade
e unidade ao conjunto. O elemento de maior importância na
marcação da horizontalidade é a moldura branca que envolve todo
o pavimento. Sua porção inferior, mais fina, corresponde à laje do
segundo pavimento, enquanto sua porção superior, de maior
espessura, corresponde à laje e ao peitoril do pavimento de
cobertura. Além disso, na fachada norte, tanto o longo guarda-
corpo metálico quanto o plano onde localizam-se os acessos às
unidades residenciais, todo revestido com chapas Eternity
vermelhas, reforçam a horizontalidade do conjunto. Na fachada
sul, o volume do segundo pavimento completa-se, na área interna
à moldura branca, com uma faixa horizontal inferior, que
corresponde ao peitorial das janelas e está revestida com chapas
vermelhas, e uma faixa horizontal superior de esquadrias. A faixa
inferior, vermelha, é interrompida em todas as unidades pelo
prolongamento de um dos módulos das janelas, que recebe a
dimensão de uma porta de vidro.
O terceiro pavimento é composto por sete volumes que abrigam a
área social (salas de estar, jantar e cozinha) e que dão destaque a
cada uma das unidades; além disso, um terraço-jardim com 2,70m
de largura, conectado à área social e à cozinha, funciona como
extensão aberta, porém somente em parte coberta, da área social.
Os volumes superiores possuem três de suas quatro faces verticais
envidraçadas; somente a face que estabelece a divisa com a casa
vizinha é tratada como um plano cego. Sua face horizontal, ou
Detalhes da fachada norte do conjunto de casas de
Paul Baumgarten.
(Fotografia: Mara Oliveira Eskinazi)
109
seja, a cobertura destes volumes, é resolvida com uma laje
impermeabilizada levemente inclinada que se liga à parede cega, e
a figura geométrica resultante assemelha-se a um “L”.
É neste nível que acontece de modo mais intenso a marcação de
ritmo das fachadas norte e sul, resultante do sequenciamento dos
sete volumes; com isso, além de a horizontalidade da composição
ser interrompida, restringindo-se ao segundo pavimento, aqui a
verticalidade impõe-se como marcação dominante. Portanto, uma
análise mais detalhada da volumetria do edifício permite concluir
que, compositivamente, o projeto de Baumgarten acaba por tratar
problemas que são também comuns às barras, como a série, a
repetição, a simetria, a horizontalidade e a verticalidade, mesmo
que tipologicamente e em termos de distribuição ele acabe por
afastar-se desta tipologia.
As sete casas são todas idênticas, apresentando 50m
2
de área no
pavimento inferior e 43m
2
no superior. Porém, nem todas as
unidades estão orientadas para o mesmo lado. Exceção feita às
duas casas localizadas na extremidade leste da barra, que foram
espelhadas e voltam suas áreas sociais e terraços para o leste, a
fim de garantir que ambas extremidades do terceiro pavimento
fossem livres, e não preenchidas por volumes construídos, todas
as demais são idênticas, estando suas áreas sociais e terraços
igualmente voltados para oeste. Com o espelhamento destas duas
unidades, Baumgarten consegue dar uma resposta ao problema da
extremidade, que, em última análise, é um problema típico do
emprego da estratégia de repetição.
196
Este espelhamento de duas unidades, mesmo coincidindo com a
posição, no térreo, da parede que divide o auditório com a área de
exposições, provoca uma quebra no ritmo de composição da
fachada,
já que, para viabiliazar a inversão de duas unidades,
outras duas acabaram tendo seus volumes superiores unidos,
enquanto que os demais são todos separados pelos terraços. A
parede cega e a laje de cobertura dos dois volumes unidos formam
uma figura que se assemelha à letra “Y”. Nas demais casas, esta
parede cega do terceiro pavimento corresponde, no pavimento
inferior, à parede divisória entre unidades habitacionais, e sua
marcação reforça a idéia de verticalidade presente na composição.
Esta mescla de um único e forte elemento horizontal com sete
elementos verticais permite supor que Baumgarten, ao mesmo
tempo em que deixava transparecer que seu projeto tratava-se de
um edifício para sete unidades habitacionais, também almejava
incorporar elementos que dessem unidade ao conjunto.
CONCLUSÕES
O tapete de residências unifamiliares do Hansaviertel, mesmo
apresentando uma significativa variedade de agrupamentos –
coexistem desde casas isoladas até conjuntos de duas, três, cinco
ou até setes casas –, demonstra, de um modo geral, um
vocabulário bastante moderno no que se refere à articulação
interna de cada casa. As plantas são, em sua maioria, bastante
integradoras, e, ao articularem, em alguns casos, um sistema de
planos perpendiculares e paralelos com grandes panos de vidro e
coberturas planas com lajes impermeabilizadas – exceção feita às
três casas projetadas por Sergius Ruegenberg e Wolf von
Möllendorf, de geometria bastante irregular –, remetem à Mies não
196
Caso análogo acontece, como veremos adiante, com o edifício de Niemeyer,
onde dois pilares em “V” foram colocados lado a lado como resposta (sic) ao
problema do emprego de um número par de módulos.
Detalhes da fachada sul do conjunto de casas de
Paul Baumgarten.
(Fotografia: Mara Oliveira Eskinazi)
110
só no que tange as suas casas-pátio, da década de 30, mas
também o Pavilhão Alemão de Barcelona, de 1929.
Ainda que, de um modo geral, praticamente todas as casas do
Hansaviertel utilizem a combinação de paredes, planos, vidro, lajes
planas, muros, pátios e jardins privados, esta combinação
acontece de diferentes maneiras. Coexiste uma grande diversidade
de plantas – em linha, em “L”, em “C”, em “T”, em “H”, etc. –,
assim como variadas possibilidades de agrupamento de casas.
Porém, independente da tipologia empregada em planta, a
privacidade dentro de cada unidade proporcionada pela existência
dos pátios – estejam eles localizados interna ou externamente, ou
ainda elevados, como no caso do conjunto de Paul Baumgarten,
onde o terraço, que pode ser entendido como uma releitura do
pátio, está situado no terceiro pavimento – é mantida em boa
parte das casas que se encontram envoltas em muros. Além disso,
enquanto em alguns conjuntos de casas, como o de Johannes
Krahn, o de Alois Giefer e Hermann Mäckler, o de Gerhard Weber e
o de o de Eduard Ludwig, há uma combinação de dois pátios
externos de tamanhos e hierarquia diferentes, nos projetos de
Arne Jacobsen e Günther Hönow há uma combinação de pátios
exteriores com pátios interiores.
Os pátios internos também trazem benefícios com relação à
insolação e ventilação das unidades. Com o emprego destes
elementos, é possível ocupar o interior da casa com ambientes
importantes (como é o caso da posição dada aos dormitórios nas
casas de Jacobsen), trazendo para estes espaços iluminação e
ventilação através dos próprios pátios internos. Além disso, no que
diz respeito à insolação e à orientação solar, nota-se, na maior
parte das casas, uma preocupação em voltar as maiores
superfícies envidraçadas, que geralmente abrigam as áreas sociais,
como estar e jantar, para o sul, assim como os dormitórios tendem
a estar voltados para o sul ou para o leste, consideradas as
melhores orientações.
A típica casa unifamiliar suburbana, separada da rua e das casas
contíguas, e disposta de tal maneira que os espaços principais
voltam-se para a frente da casa, que não está separado da rua,
parece discordante com as necessidades de privacidade e
segurança de uma sociedade urbana. Contrariamente, as casas
isoladas com pátio – sejam estes pátios internos à casa ou internos
aos muros que a circundam – proporcionam aos seus moradores
plena privacidade: o espaço que limita a casa junto à rua pertence
à casa, e não à rua, mediante o simples ato de encerrar-lo dentro
de paredes.
197
Além disso, entre outras vantagens desta tipologia
encontrada nas residências unifamiliares do Hansaviertel de casas
dotadas de pátios e cercadas por muros, podemos citar os
sistemas de construção nada complicados, a flexibilidade de
tamanhos e de disposição dos espaços, e a adaptabilidade dos
pátios aos problemas de orientação.
Portanto, considerando-se que as unidades unifamiliares que
compõe o tapete de casas do Hansaviertel consistem em uma
combinação de residências isoladas que são, em sua grande
maioria, fechadas por paredes que definem um conjunto de
espaços ajardinados de dimensões hierarquizadas, o resultado é,
no lugar de um modelo suburbano de edifícios isolados, uma
textura de residências contínuas, ou seja, um edifício quiçá mais
adequado ao estilo de vida do centro de uma grande cidade.
197
SHERWOOD, Roger (1983), op. cit., pág. 44.
111
3.3. TORRES
A investigação, neste capítulo, se concentrará no exame da
tipologia de torres residências de 16 a 17 pavimentos, que
apresentam uma significativa influência na configuração
urbanística geral do bairro. Esta tipologia, que pode ter
influenciado diversos conjuntos residenciais construídos ao longo
das décadas de 60 e 70, encontra no Hansaviertel sete
oportunidades de manifestação. Entre estas sete torres, duas
encontram-se solitárias, sendo uma localizada junto ao Berlin-
Pavillon e a outra, mais baixa, no Hanseatenweg, à oeste da
Akademie der Künste, enquanto que as demais cinco implantam-se
em série ao longo da Bartningallee.
A linha de cinco
Punkthochhäuser
(em tradução literal, edifícios
pontuais altos, ou simplesmente torres residenciais) que
acompanha a curva do viaduto do S-Bahn conforma a fronteira
norte da área de intervenção da Interbau. Do ponto de vista dos
pedestres que circulam ao longo da Bartingallee, a série de torres
limita a visualização não só da extremidade norte do bairro, como
também da elevada e dos trens que circulam ao longo dela, cuja
visual era indesejada. Com edifícios de alturas que variam entre 16
e 17 pavimentos, as torres colocam-se como elementos plásticos
livres frente ao céu aberto e podem ser claramente diferenciadas
umas das outras especialmente devido a variações existentes no
tratamento de fachadas e no arranjo de cores de cada uma.
A tipologia de edificações em altura enquadra-se na polêmica
disputa alemã protagonizada, de um lado, por Gropius – ao
defender o edifício em altura – e de outro por Ernst May – que
defende as edificações de três a cinco pavimentos. Mesmo que a
discussão estivesse, em um primeiro momento, relacionada com as
edificações lineares, ela também pode ser remetida à tipologia das
torres, devido à altura que estas alcançam. Esta discussão também
teve lugar nas reuniões do CIAM realizadas de 1929 a 1933 que
versaram sobre problemas urbanísticos.
198
A preferência pelo incremento no número de pavimentos
acompanhada por um simultâneo aumento do espaçamento entre
os edifícios foi descrita por Gropius em uma palestra proferida em
1930:
“(...) (
nestes casos
),
no 10º ou 12º pavimento de uma torre
habitacional, também os moradores do pavimento térreo podem
ver o céu! Ao invés de abrirem-se para um corredor de 20m, as
janelas revelam áreas verdes de 100m de largura, que auxiliam na
circulação de ar puro e oferecem espaços para as crianças
brincarem. (...)
199
Ou seja, de acordo com Gropius, quanto mais
unidades habitacionais forem dispostas umas sobre as outras,
melhores serão as distâncias ótimas de afastamento entre os
edifícios, resultando em melhores condições de higiene, de
exposição à iluminação, à ventilação e ao ângulo de incidência do
sol. Também do ponto de vista econômico, as edificações em
altura apresentam vantagens, como a diminuição de custos de
serviços coletivos, de instalações e de infra-estrutura das vias.
Além disso, mais espaços sociais e de convivência para lazer e
descanso resultarão para o proveito dos habitantes – argumentos
simples e claros muito proferidos pelos urbanistas nas décadas de
20 e 30 em toda a Europa, que prometiam solucionar os
198
BENEVOLO, Leonardo (1976), op. cit., pág. 508.
199
GROPIUS, Walter. Flach-, Mittel- oder Hochbau? Palestra proferida no III CIAM
em 27 de janeiro de 1930, em: CIAM, Dokumente 1928-1939, editado por Martin
Steinmann, Basel/ Stuttgart, 1979, pág. 96, apud DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e
SCHMIDT, Franziska (1999), op. cit., pág. 61.
Corte esquemático de Ernst May defendendo a
edificação baixa.
(Fonte: www.may-siedlung.de/architektu
r
)
Estudos compositivos de Walter Gropius defendendo
a edificação em altura e um maior afastamento entre
as edificações.
(Fonte: MARTÍS ARIS, Carlo. Las Formas de La
residencia en la ciudad moderna (2000), pág. 36)
112
problemas sociais, espaciais e estéticos das cidades modernas com
auxílio dos novos instrumentos de planejamento.
Portanto, segundo o que relata Gropius, na Alemanha, levando em
conta todos estes fatores, a altura considerada “ótima” seria entre
dez e doze pavimentos, uma vez que, deste modo, é possível se
obter a desejada coincidência de amplos espaçamentos com uma
grande densidade de construções. Por outro lado, os edifícios
usuais de três a cinco pavimentos defendidos por May seriam
considerados como um termo médio irracional, já que não
oferecem as mesmas vantagens e condições de higiene dos altos.
Baseando-se nas soluções defendidas por Ernst May, Martin
Wagner, arquiteto que dirigiu uma das seções do órgão técnico
municipal responsável pelo setor de construções de Berlim na
época de realização do conhecido bairro Britz (1925-33), de Bruno
Taut, considerava extremamente paradoxal o fato de serem
construídas torres residenciais em uma localização extremamente
central na cidade e em meio ao verde. Wagner – que criticou
fortemente tanto o projeto para o Hansaviertel como um todo
quanto a construção de edifícios residenciais altos no bairro, pois
estes, segundo ele, seriam de fabricação muito cara (já que
necessitariam de estrutura independente reforçada e de
elevadores) e, portanto, inapropriados para a construção
habitacional em massa – afirma que a tipologia de edifícios-torre
adequa-se somente para sedes de empresas, escritórios e
instituições, e não para moradia; segundo ele, o lugar onde pode
existir tanto verde entre os edifícios não é no centro urbano, e sim
nos subúrbios, e nos subúrbios as pessoas vivem próximas ao solo
e à vegetação, e não no 13º andar.
200
De fato, as poucas torres existentes em Berlim construídas no
período anterior à II Guerra Mundial não são edifícios
habitacionais, e sim sedes de empresas ou indústrias, e não se
localizam no centro da cidade, mas sim em meio a zonas de
produção. As primeiras torres de escritórios localizadas em zonas
centrais da cidade foram construídas somente após 1945, nos
arredores da rua Kurfürstendamm, centro da Berlim ocidental.
A primeira torre residencial a ser construída em Berlim foi fruto da
política de construções da Alemanha Oriental. Projetada em 1951-
52 por Hermann Henselmann, a torrre localizada em Berlim
Oriental é uma mostra da arquitetura eclético-acadêmica
empregada também no projeto para a Stalinallee, e apresenta
igualmente conceitos como unidade, simetria, e axialidade. Já em
Berlim Ocidental, a primeira torre residencial construída data de
1953-55, ou seja, é posterior à torre de Henselmann. Com 14
pavimentos, ela foi projetada por Felix Hinssen dentro do primeiro
grande projeto de reconstrução e restauração de um bairro
destruído pela guerra, o Ernst-Reuter-Siedlung. Ainda colocando-se
como precursora das torres do Hansaviertel, foi construída em
1954 uma torre de 16 pavimentos em Hohenzollerndamm, também
Berlim Ocidental. O projeto, de autoria de Franz Heinrich Sobotka
e Gustav Müller, apresenta planta baixa em forma de “Y” que
permite que os apartamentos localizados ao norte voltem parte de
suas áreas sociais para o sul.
No Hansaviertel, como o objetivo com o projeto de reconstrução
era proporcionar aos moradores generosos espaços livres que
pudessem ser utilizados de forma comum, e não conformar um
bairro com inúmeros pequenos pátios gramados, a visão de
166
DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT, Franziska (1999), op. cit., pág. 60.
Série de cinco torres ao longo da Bartningalle.
(Fotografia: Mara Oliveira Eskinazi)
Imagem da sequência de cinco torres.
(Fonte: Bezirksamt Tiergarten von Berlin (1995). Das
Hansaviertel - 1957 - 1993. Konzepte, Bedeutung,
Probleme, pág. 42)
113
Gropius a respeito da construção em altura adquire um significado
especial. Com isso, as
Punkthochhäuser
e as amplas áreas verdes
acabam por condicionarem-se reciprocamente e tornam-se
dependentes umas das outras, uma vez que com altos edifícios a
densidade desejada para o bairro poderia ser alcançada ao mesmo
tempo em que uma maior quantidade de áreas verdes fosse
liberada.
Além disso, a inserção das
Punkthochhäuser
quando do rearranjo
do projeto urbanístico do Hansaviertel acaba por mostrar-se como
uma forma pertinente de divulgar as diversas alternativas de
emprego do elemento torre residencial em uma composição
urbana: elas podem tanto ser empregadas como elemento solitário
quanto em grupos, ambos com presença geralmente dominante na
paisagem. Com esta função, as
Punkthochhäuser
foram muito
freqüentemente utilizadas no cenário arquitetônico europeu do
pós-guerra como forma de solucionar os graves déficits
habitacionais resultantes das destruições.
3.3.1. AS TORRES SOLITÁRIAS
Na Interbau, a torre residencial foi empregada em dois casos como
elemento solitário. Em um dos casos, o mais importante entre as
torres solitárias, o projeto desenvolvido por Klaus Müller-Rehm
201
e
Gerhard Siegmann, o edifício configura-se tipologicamente como
torre tanto em altura – aspecto característico bastante relevante
entre as torres – quanto do ponto de vista geométrico e
distributivo.
202
O outro edifício, projetado por Otto H. Senn, apesar
da baixa altura, foi aqui considerado como torre uma vez que,
tipologicamente, aproxima-se das torres geométrica e
distributivamente, já que emprega uma organização de planta
central.
A TORRE DE KLAUS MÜLLER-REHM E GERHARD SIEGMANN
O edifício de Müller-Rehm e Siegmann de 17 pavimentos marca o
acesso sul do Hansaviertel – o de maior fluxo de pedestres – e
configura-se como figura dominante na paisagem do bairro. Além
de ter sido, em 5 de agosto de 1955, a primeira obra iniciada para
a exposição e uma das poucas realmente prontas quando da sua
inauguração, o edifício impõe-se como elemento distintivo na
composição, principalmente devido à combinação de sua
privilegiada localização com sua elevada altura. Além disso, devido
a sua altura, que se sobressai da paisagem arborizada do parque e
a torna visível a partir de diversos pontos da cidade, a torre de
Müller-Rehm e Siegmann é reconhecidamente a marca de
identificação da exposição.
Diferentemente da sequência de cinco torres, que apresentam
implantações de perímetros quadrados ou retangulares,
volumetricamente o edifício de Muller-Rehm e Siegmann é formado
por duas barras deslocadas articuladas por um núcleo central onde
se localiza a circulação vertical. Cada barra possui
201
Klaus Müller-Rehm nasceu em Berlim Ocidental e graduou-se me 1931 na
Technische Hochschule em Berlim-Charlottenburg. Além dos diversos projetos
desenvolvidos na área da habitação social em bairros berlinenses como
Lietzensee, Lankwitz, ou Schillerhöhe, em Wedding, Müller-Rehm também atuou
como professor na Hochschule für Bildende Künste, em Berlim.
202
Gerhard Siegmann nasceu em Hannover e estudou na Technische Hochschule
em Stuttgart e na Technische Hochschule em Berlim-Charlottenburg, tendo
diplomado-se em 1945. Sua experiência concentra-se tanto em projetos para
edifícios habitacionais, como o construído em Neufahrland, Havelland, ainda em
1945, e os diversos projetos de reconstrução de residencias destruídas pela
guerra, bem como em projetos para concursos, como um concurso de idéias para
solucionar o problema do trânsito em Kiel, ou o concurso para um bairro
habitacional na região de Tegel, Berlim.
Planta baixa do pavimento tipo e vista da torre
solitária de Klaus Müller-Rehm e Gerhard Siegmann.
(Fotografia: Mara Oliveira Eskinazi)
114
aproximadamente 24m de comprimento, 9m de largura e 53m de
altura. Deste modo, independente de qual lado seja visualizado, o
edifício aparenta sempre ser mais esbelto e, portanto, mais alto
que as demais cinco torres altas – apesar de todas as seis altas
apresentarem alturas bastante similares.
A torre abriga ao todo dez apartamentos por pavimento, sendo
cinco em cada barra – ou seja, cinco distribuídos para o oeste e
cinco para o leste. Os dois apartamentos localizados na ponta sul
do edifício voltam suas salas de estar para o sul, enquanto que os
demais todos abrem-se essencialmente para leste ou oeste. Entre
as 165 habitações bastante compactas, 131 contam com somente
32m² de área, enquanto que os 33 apartamentos correspondentes
às pontas sudeste e noroeste são um pouco maiores,
apresentando área de 42m². O único apartamento cuja área
diferencia-se substancialmente dos demais é o do zelador, com
73m² - estranhamente maior que os demais.
A “TORRE BAIXA” DE OTTO H. SENN
O edifício de Otto H. Senn está aqui tratado como um caso
especial entre as torres, pois, mesmo apresentando planta baixa
bastante central, seus quatro pavimentos de altura correspondem,
volumetricamente, à altura das barras baixas. Além disso, seu local
de sua implantação entre a Bartningallee e o Hanseatenweg
confirma a idéia de que ele seria um caso especial, já que está
implantado junto ao conjunto de barras de três a quatro
pavimentos ao sul da Bartningalle, e não junto às próprias torres.
O edifício de Senn
203
configura-se como elemento articulador de
uma vizinhança de tipologias bastante variadas. A norte estão as
torres de 16 pavimentos analisadas neste capítulo, a sudeste está
a Akademie der Künste, e à estão oeste as três barras de quatro
pavimentos.
O projeto de Senn, um prisma de cinco faces com quatro
pavimentos, resulta em um edifício de planta central, onde os
apartamentos desenrolam-se ao redor de um corredor central de
forma também pentagonal. Contudo, o centro não configura-se
como núcleo construtivo, mas sim como patamar de distribuição
para as quatro unidades residenciais de cada pavimento.
Analisando a partir do sentido horário, os apartamentos voltam-se
para leste, sudeste, sudoeste e noroeste. O quinto lado do
polígono volta-se para o norte e abriga a escada.
As paredes divisórias entre apartamentos prolongam-se além do
plano da fachada e configuram-se como camadas de proteção para
a varanda do apartamento vizinho. Poderia se dizer que a
geometria da planta baixa assemelha-se, grosso modo, a uma
barra que foi se desenrolando, e está articulada a partir da
sucessiva rotação de cada uma das unidades habitacionais; com
isso, as varandas – e, conseqüentemente, os apartamentos –
recebem iluminação provinda de duas orientações. Os banheiros
localizam-se voltados para o núcleo central, sem iluminação e
203
Otto Senn formou-se em Zurique na década de 20 e trabalhou no escritório de
Paul Artaria e Hans Schmidt e após no de Rudolf Steiger. Karl Moser, seu
professor na Eidgenössischen Technischen Hochschule, é um dos fundadores da
arquitetura moderna na Suíça e foi presidente em 1928 da seção suíça do CIAM.
Artaria, Schmidt e Steiger fazem parte do grupo que, juntamente com Max Erst
Haefeli, Werner Max Moser, Emil Roth e Carl Hubacher planejou e construiu o
Werkbund Siedlung Neubühl. Senn, portanto, tomava parte nas discussões da
época sobre o problema da habitação multifamiliar. Em 1933, ele fundou seu
escritório em Basel, e com isso trabalhou no desenvolvimento de conceitos para
pequenas residências populares e pequenos bairros habitacionais, envolvendo-se,
assim, acima de tudo, com o projeto de habitações sociais.
Planta baixa do pavimento tipo e vista do edifício de
Otto H. Senn.
(Fonte: DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT,
Franziska (1999). Das Hansaviertel - Internationale
Nachkriegsmoderne in Berlin, pág. 91)
115
ventilação naturais, enquanto que a cozinha encontra-se integrada
com a sala de estar, separada somente através de um balcão e
recebendo iluminação e ventilação diretas.
3.3.2. AS TORRES EM GRUPO
Como contraponto às torre solitária de Muller-Rehm e Siegmann,
as demais cinco torres implantadas em sequência ao longo da
Bartningalle e acompanhando a curva da elevada colocam-se como
alternativa de emprego do elemento torre residencial em uma
composição em grupo. No espaço compreendido entre as torres
foram inseridas pelos arquitetos paisagistas responsáveis pela área
Gustav Lüttge e Pietro Porcinai (procedentes respectivamente de
Hamburgo e Florença) vastas áreas de lazer gramadas com
algumas árvores individualizadas. Entre o edifício de van den Broek
e Bakema e o edifício de Hassenplfug localiza-se uma série de
antigos Linden – árvore típica de Berlim – hoje caracterizada como
vestígio vivo da antiga conformação urbanística do bairro, que
possuía densa vegetação.
A TORRE DE LUCIANO BALDESSARI
Seguindo pela Bartingallle em direção à Estação Bellevue do S-
Bahn, a primeira
Punkthochhaus
da série é o edifício de 17
pavimentos com base comercial do arquiteto de Milão Luciano
Baldessari,
204
cuja experiência como teórico e pesquisador é, de
acordo com relato de Dolff-Bonekämper,
205
reconhecidamente
mais importante do que sua produção prática. O desenho do
perímetro de seu edifício, que apresenta aproximadamente 30m de
comprimento, 19m de largura e 54m de altura, resulta da
inclinação de quatro asas ortogonais que se voltam para o
alargado núcleo central onde se localiza a circulação vertical.
O acesso ao edifício se dá pelo centro da fachada leste. O térreo
abriga, além das áreas de circulação, o apartamento do zelador e
duas unidades destinadas para escritórios. As áreas de depósito,
lavanderia e equipamentos localizam-se no subsolo. Na cobertura
foi planejado um terraço de uso condominial. O edifício possui ao
todo 123 apartamentos, sendo 61 com 35m
2
e 62 com 52m
2
.
Cada pavimento tipo conta com oito apartamentos agrupados em
duas linhas, uma voltada para o leste e outra para o oeste. Por
isso, pode-se afirmar que o edifício é, na realidade, uma
combinação de torre e barra, já que, mesmo apresentando planta
central, os apartamentos distribuem-se em duas linhas paralelas e
simétricas com relação ao núcleo central.
Cada linha possui dois apartamentos centrais e dois nas
extremidades. Nos apartamentos centrais, que são JKs de 35m
2
, a
área molhada concentra-se em um volume trapezoidal localizado
no eixo transversal de simetria do edifício; contíguas a esta área,
localizam-se varandas com parte de sua área internalizada no
volume do edifício e parte saliente. Os apartamentos das
extremidades, maiores, possuem, além da área social voltada para
leste ou oeste, dois dormitórios voltados para norte ou sul.
204
Luciano Baldessari graduou-se em 1922 em Milão e viveu até 1926 entre Berlim
e Paris, onde desenvolveu projetos para cinemas e teatros. Após, ocupou-se com
edifícios para exposições – em 1927 ele participa da Seidenausstellung, em 1933
projeta o pavilhão de imprensa da V. Trienal de Milão e o pavilhão de indústrias
têxteis da Feira de Milão, e mesmo depois da guerra continua a participar de todas
as trienais de Milão. Além disso, Baldessari projetou pavilhões de exposições,
casas e edifícios para diversas cidades italianas.
205
DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT, Franziska (1999), op. cit., págs. 64-
66.
Planta baixa do pavimento tipo e vista da torre de
Luciano Baldessari.
(Fonte: DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT,
Franziska (1999). Das Hansaviertel - Internationale
Nachkriegsmoderne in Berlin, pág. 64 e fotografia:
Mara Oliveira Eskinazi)
116
A TORRE DE JACOB BEREND BAKEMA E JOHANNES HENDRIK VAN
DEN BROEK
Seguindo pela Bartningallee, a segunda torre residencial da
seqüência foi projetada pelos arquitetos holandeses Jacob Berend
Bakema – membro de uma das equipes de ação mais destacada
do Team X
206
– e Johannes Hendrik van den Broek. Em meados da
década de 50, ambos já possuíam reconhecimento mesmo fora da
Holanda devido ao projeto para o centro comercial
Lijnbann,
em
Rotterdam.
Van den Broek já havia realizado no início de sua carreira, entre
1931 e 1933, um projeto para um edifício residencial de 13
pavimentos em Rotterdam, e em 1937 desenvolveu um dos
primeiros projetos de
Zeilenbau
da Europa, um edifício de 10
pavimentos idealizado para famílias de trabalhadores. Em 1948,
Bakema, que desde 1941 atuava como membro do CIAM holandês,
se junta ao escritório de van den Broek, e ambos passam a
desenvolver projetos para edifícios comerciais, educacionais e
residenciais, além de terem se ocupado com o planejamento
urbanístico de um novo bairro no norte da Holanda.
207
Por ocasião do planejamento regional de Nord-Kennemerland, no
norte da Holanda, realizado entre 1957 e 1959, o escritório de van
den Broek e Bakema desenvolve, com a participação e
coordenação de J. M. Stokla, um projeto para um edifício
residencial de 15 pavimentos, que demonstra muitas semelhanças
com o projeto posteriormente desenvolvido para a Interbau. O
edifício para Berlim, cujo projeto contou igualmente com a
coordenação de Stokla, foi desenvolvido a partir de 1959, mas no
catálogo oficial da Interbau editado em 1957 já estão reproduzidas
imagens da maquete e da planta baixa do projeto; no entanto,
apesar de existirem perceptíveis diferenças entre a versão do
projeto editada no catálogo e a versão realmente construída,
pode-se afirmar que as modificações não afetaram a estrutura
compositiva básica do edifício.
A torre de van den Broek e Bakema localiza-se ao norte da
Bartningallee, entre as torres de Luciano Baldessari e Gustav
Hassenpflug. No entanto, talvez tão importante quanto fazer parte
da seqüência de cinco torres seja o fato de o edifício desempenhar
um significante papel na composição urbana desta parcela do
Hansaviertel, já que ele é responsável pelo fechamento do eixo
206
A conclusão da obra da torre de van den Broek e Bakema, em 1960, coincide
com o período em que a experiência do Team X foi mais influente, ou seja, ao
longo dos últimos anos da década de 50 e de toda a década de 60. Contudo, o
momento de criação da tradição do Team X é constituído alguns anos antes,
durante o IX CIAM realizado em Aix-de-Provence em 1953. Em 1954 é redigido um
manifesto, único texto programático do grupo, no qual se insiste especialmente que
para compreender o padrão das associações humanas, temos que considerar
cada comunidade em seu ambiente particular ou contexto”. Além disso, é
interessante assinalar que as reuniões do Team X não se realizam sob um tema
comum com proposições específicas, mas sim cada indivíduo se apresenta com
um projeto que é explicado e analisado frente aos demais participantes. Deste
modo, suas reuniões não geram manifestos, textos ou teorias, mas sim uma
grande quantidade de opiniões, fragmentos e breves ensaios que se unem aos
artigos que cada um de seus membros publica; com isto, pode-se afirmarr que seja
difícil delimitar claramente as idéias do Team X na medida em que as idéias deste
grupo são a soma dialética das idéias de cada membro. “De todo modo, junto com
essa diversidade de visões existe um laço comum entre todos esses arquitetos,
que se expressa em sua visão da cidade (tentando recuperar a vida urbana), da
tradição (contemplando-a com respeito, mas com distância, sem fazer nunca
referências literais, e sim interpretando-a), da arquitetura (sobre a qual se planeja
essencialmente uma revisão formal) e do papel social do arquiteto.” Em:
MONTANER, Josep Maria (1988). La Terceira Generación. Revista El Croquis,
número 35, agosto de 1988, págs. 15-17.
207
DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT, Franziska (1999), op. cit., pág. 66.
Torres de Luciano Baldessari e de Jacob Berend
Bakema e Johannes Hendrik van den Broek.
(Fotografia: Mara Oliveira Eskinazi)
Fachadas oeste e sul da torre de Jacob Berend
Bakema e Johannes Hendrik van den Broek.
(Fotografia: Mara Oliveira Eskinazi)
117
norte-sul que passa entre os edifícios de Oscar Niemeyer e Egon
Eiermann, bem como pela delimitação da praça existente entre os
edifícios de Max Taut e Eiermann.
O edifício possui, ao todo, 73 apartamentos, sendo 24 de 36m²
cada, 48 de 92m² cada, e um apartamento de 55m² localizado no
térreo, para uso do zelador. Além de apresentar 52m de altura
distribuídos em 16 pavimentos, sua projeção apresenta dimensões
em planta baixa que o aproximam de um quadrado, já que possui
24m de comprimento por 20m de largura.
208
Um dos aspectos mais marcantes do edifício, que reflete-se tanto
em seu interior quanto no resultado formal de suas fachadas, é a
complexa divisão em níveis apresentada: os pavimentos não são
simplesmente colocados uns sobre os outros, mas sim organizados
em um sistema de meios pés-direitos deslocados entre si. Ou seja,
a cada três pavimentos desenvolve-se, alternadamente à direita ou
à esquerda do núcleo de escadas, um corredor contínuo, a partir
do qual tem-se acesso tanto para quatro apartamentos de 36m² e
um dormitório cada, diretamente do nível da circulação principal,
quanto para oito apartamentos tipo duplex de 92m² cada, que se
situam ou meio pavimento abaixo ou meio pavimento acima do
nível do corredor. Para acessar estes apartamentos, desloca-se
através de uma pequena escada interna ou para baixo ou para
cima para atingir o primeiro nível do apartamento, e então seguir
respectivamente mais um nível abaixo ou um acima para atingir o
segundo nível do apartamento.
209
Essa distribuição interna originou apartamentos duplex com
aberturas tanto para o leste quanto para o oeste, que
beneficiaram-se, com isso, de ventilação cruzada. Além disso,
através de um deslocamento dos corredores, que alternam-se
entre o lado leste e o oeste do bloco das escadas, o compasso dos
apartamentos tornou-se também deslocado; assim, a alternância
dos apartamentos de um dormitório entre o lado leste e o lado
oeste faz com que estes estejam enquadrados na fachada pelos
pavimentos onde estão os dormitórios dos apartamentos duplex.
Logo, os corredores, que estão orientados longitudinalmente no
sentido norte-sul, existem em somente seis pavimentos, o que
torna o edifício extremamente econômico em termos de áreas
despendidas com circulação.
210
As circulações possuem tomadas
de iluminação e ventilação tanto para o sul, onde existe uma
sacada de pé-direito duplo que configura-se como área de uso
comum do edifício, quanto para o norte, onde há uma esquadria e
uma escada de serviços.
Além disso, considerando-se o fato de os apartamentos estarem
colocados transversalmente à circulação central, o edifício poderia
também ser considerado, em termos de estrutura de planta baixa,
um grande
Zeilenbau
de unidade reduzida. Porém, o esquema
empregado em corte com corredores alternados, somado ao fato
de o edifício apresentar planta de geometria praticamente
quadrada, resultam em uma atenuação horizontal ao bloco,
conferindo a ele uma aparência de torre.
208
Interbau Berlin 1957. Amtlicher Katalog der Internationalen Bauausstellung
(1957), op. cit., págs. 69-71.
209
DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT, Franziska (1999), op. cit., págs. 69-
70.
210
Interbau Berlin 1957. Amtlicher Katalog der Internationalen Bauausstellung
(1957), op. cit., págs. 69-71.
Vista do acesso na fachada oeste.
(Fotografia: Mara Oliveira Eskinazi)
Planta dos pavimentos tipo.
(Fonte: Interbau Berlin 1957. Amtlicher Katalog der
Internationalen Bauausstellung, pág. 71)
118
A estrutura é em concreto armado e o fechamento externo em
placas de concreto pré-fabricadas; já os parapeitos coloridos das
sacadas, revestidos com pastilhas formando mosaicos em azul,
amarelo e vermelho, articulam de forma suplementar o
empilhamento intercalado dos pavimentos: nos lados leste e oeste
cada cor aparece somente em um pavimento, enquanto que na
fachada frontal cada cor repete-se em dois pavimentos. A série de
esquadrias com divisões verticais equilibradas resulta, na fachada,
em uma composição leve e homogênea; no entanto, as profundas
sacadas conciliam na fachada o grande compasso existente entre
as unidades habitacionais, e emprestam a elas espacialidade e
peso.
A torre holandesa para o Hansaviertel é, segundo Sherwood,
211
a
solução mais importante e inovadora em edifícios de grande altura
desde que surgiu, em 1948, a primeira Unidade de Habitação em
Marselha. Porém, apesar de compartilhar muitas das
características essenciais do esquema de Corbusier – como
apartamentos em dois níveis, varandas dentro da estrutura do
edifício, corredores alternados com unidades de apartamentos
acima e abaixo, separação parcial da planta baixa e um terraço
superior destinado aos moradores –, a torre holandesa apresenta
também alguns avanços com relação ao modelo de Marselha.
O conceito corbusiano de explorar mais níveis de habitação com
uma única circulação e, com isso, reduzir a área de circulação
comum para proveito dos apartamentos, foi também utilizada no
projeto de Niemeyer para o Hansaviertel. Porém, através da
divisão em meios-pavimentos, que todavia não acontece nem no
esquema de Le Corbusier, nem no de Niemeyer, van den Broek,
Bakema e Stokla conseguiram, obedecendo a metragem de 92m²
desejada para os apartamentos de três dormitórios, localizá-los
com frente para duas faces do edifício.
Além disso, a torre holandesa oferece, segundo Sherwood
212
, uma
solução mais realista ao apartamento em dois níveis com
corredores dispostos alternadamente. Sherwood coloca que, por
mais satisfatório que seja o espaço de dupla altura da Unidade de
Habitação, sua desvantagem econômica é evidente. A seção
escalonada do edifício de van den Broek e Bakema tem uma
mudança de nível similar, porém mais econômica, já que acontece
somente em meio nível – ainda que neste caso não haja espaço
em dupla altura, existe certa sensação de expansão espacial ao
longo do corredor, entre os níveis superior e inferior.
Outra vantagem do sistema holandês quando comparado ao
corbusiano consiste, de acordo com Sherwood
213
, na diferença de
largura do módulo empregado. Os 24m de extensão da torre
foram divididos em somente quatro módulos com 6m de largura
cada, significativamente maiores que os 3,50m da Unidade de
Habitação. Esta característica permite uma variedade de
dimensões das habitações em uma superfície total muito menor –
80m
2
em comparação com os 110m
2
do apartamento típico de
Marselha.
211
SHERWOOD, Roger (1983). Vivienda: Protótipos del Movimiento Moderno.
Barcelona: Editorial Gustavo Gili, págs. 155-158.
212
SHERWOOD, Roger (1983), op. cit., págs. 155-158.
213
SHERWOOD, Roger (1983), op. cit., págs. 155-158.
Fachadas leste e sul da torre de Jacob Berend
Bakema e Johannes Hendrik van den Broek.
(Fotografia: Mara Oliveira Eskinazi)
119
O esquema utilizado em corte produz uma mescla específica de
dois tipos básicos de apartamentos: são necessárias quatro
unidades de 36m
2
para cada oito unidades de 92m
2
, ou seja, uma
combinação geral de 66,66% para 33,33%. Na Unidade de
Habitação de Berlim, também há uma mescla de apartamentos
duplex com apartamentos simples; no entanto, mesmo entre os
apartamentos duplex, coexistem duas tipologias distintas. Os seis
pavimentos inferiores são ocupados por apartamentos duplex de
61m², em que o segundo nível do apartamento, seja inferior ou
superior, é finalizado em uma parede de circulação; assim, como
os dois níveis ocupam somente metade da dimensão transversal
do edifício, a luz é obtida exclusivamente ou do leste ou do oeste,
não havendo ventilação cruzada. Os três pavimentos seguintes
contam com um longo corredor central e apartamentos JK à leste
e à oeste da circulação, todos desenvolvidos em um pavimento
apenas. Já nos últimos oito pavimentos do edifício encontram-se
os apartamentos duplex de maior área, com aproximadamente
100m
2
cada; aqui, foi utilizado o sistema de apartamentos duplex
desenvolvido por Corbusier para Marselha, em que o segundo nível
do apartamento, seja inferior ou superior, adicionalmente ao nível
do acesso, passa a ocupar toda a extensão transversal do edifício,
de leste a oeste, permitindo dupla orientação solar e ventilação
cruzada.
Portanto, pode-se afirmar que, em meio à série de
Punkthochhäuser
, o edifício de van den Broek e Bakema destaca-
se do conjunto especialmente devido à complexa solução adotada
para a articulação dos apartamentos em distintos níveis e às
inovações com relação ao modelo corbusiano. Além disso, o
recurso empregado mostra-se extremamente apropriado também
como solução para o problema da orientação solar, já que,
diferentemente de um
Zeilenbau
– cujas fachadas transversais
normalmente conformam-se como empenas cegas ou para onde
voltam-se apenas pequenas esquadrias secundárias ou aberturas
dos corredores de circulação –, em um edifício com planta central
geralmente é necessário fazer uso das demais orientações para
acomodar todos os ambientes residenciais.
Deste modo, pode-se afirmar que van den Broek, Bakema e Stokla
esforçaram-se para fazer de seu projeto uma clara combinação
entre as vantagens do
Zeilenbau
convencional com as vantagens
do esquema da Unidade de Habitação de Le Corbusier, em um
edifício com forma de torre, mas sem planta central.
Ou seja, o edifício não é somente complicado de descrever, como
também é complicado de ser construído – o que explica tanto a
demora na sua execução quanto o fato de que somente tenha sido
possível ser realizado sob as condições especiais da Interbau, e
não para um bairro planejado em 1957-1959 na Holanda. Por isso,
quando, no início dos anos 60, van den Broek e Bakema
desenvolveram, juntamente com Stokla, projetos para edifícios
residenciais que em seguida originaram novos bairros em
Hengeloo e Leeuwarden, o esquema ordenador do projeto foi
obrigatoriamente modificado e simplificado.
214
214
DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT, Franziska (1999), op. cit., págs. 69-
70.
Fachada oeste e corte transversal e perspectiva do
esquema de níveis.
(Fonte: SHERWOOD, Roger (1983). Vivienda:
Protótipos del Movimiento Moderno, pág. 158)
Torres de Jacob Berend Bakema e Johannes Hendrik
van den Broek, Gustav Hassenpflug e Raymond Lopez
e Eugène Beaudouin.
(Fotografia: Mara Oliveira Eskinazi)
120
A TORRE DE GUSTAV HASSENPFLUG
A terceira torre da série foi projetada pelo arquiteto de Munique
Gustav Hassenpflug.
215
Apesar de ter uma série de trabalhos
realziados entre os anos 20 e 30 em conjunto com diversos
arquitetos importantes, como Ernst Neufert , Marcel Breuer em
Berlim, Ernst May na Rússia – Hassenpflug mudou-se da Alemanha
para a Rússia no início de 1930 fazendo parte da equipe de May,
que emigrou por motivos políticos –, o edifício para o Hansaviertel
é a única torre projetada unicamente por Hassenpflug que foi
realmente construída. O edifício possui 16 pavimentos, ou seja, 14
pavimentos-tipo, mais térreo e cobertura. O térreo abriga, além
das áreas de circulação, um apartamento para zelador, lavanderia
e depósito para guarda de bicicletas e carrinhos de nenê.
Cada pavimento-tipo compõe-se de cinco apartamentos; destes,
quatro – dois voltados para o leste e dois para o oeste – são
apartamentos idênticos, porém espelhados, de dois dormitórios e
71m
2
cada, enquanto que o quinto apartamento possui apenas um
dormitório, 49m
2
e volta-se todo para o sul. Como a idéia inicial de
Hassenplfug era manter alguma variação na planta dos
pavimentos, ele projetou seis diferentes possibilidades de
distribuição interna para os tipos de 71m
2
; assim, as paredes
internas foram construídas de material leve para que pudessem ser
modificadas de acordo com o desejo de cada morador.
A fachada é constituida por elementos verticais e horizontais de
concreto que formam uma retícula perfeitamente regular, e,
recuadas em relação a estes elementos encontram-se as paredes
de fechamento, as esquadrias e as sacadas. Apesar de os
elementos horizontais serem claramente mais largos e
significativamente mais marcantes que os verticais, formalmente o
resultado assemelha-se com o de uma fachada cortina – no
entanto, para enquadrar-se dentro da linguagem de fachada
cortina desenvolvida pelos arquitetos modernos, as paredes
externas não poderiam ter função estrutural. Isto posto, Dolff-
Bonekämper
216
supõe que, mesmo o edifício de Hassenpflug não
configurando-se como uma “verdadeira” fachada cortina, o projeto
de Mies van der Rohe em Chicago para o Lake Shore Drive,
importante ícone ao mencionar torres residenciais modernas,
tenha influenciado o projeto de Hassenpflug para o Hansaviertel.
O edifício de Hassenpflug está, portanto, longe de alcançar a
complexidade de composição da torre de van den Broek e Bakema.
Entretanto, apesar de, à primeira vista, demonstrar um arranjo
extremamente convencional, uma análise mais aproximada mostra
que o edifício tem valor, acima de tudo, por divulgar uma
composição formal bastante presente e reincidente na arquitetura
moderna, mas até então sem representantes no Hansaviertel.
215
Gustav Hassenpflug estudou a partir de 1926 com Walter Gropius e Hannes
Meyer na Bauhaus em Dessau. A partir de 1929, após ter se graduado, ele começa
a trabalhar em Berlim como arquiteto autônomo e como colaborador de Marcel
Breuer. Nesta mesma época, ele participa tanto da Deutsche Werkbundausstellung
em Paris, em 1930, quanto da Bauausstellung Berlin, em 1931. Entre 1934-45, ele
desenvolve projetos residenciais e comerciais em Berlim e na Suíça. Porém, após
Hassenpflug ter desenvolvido um projeto logo após o final da guerra na área
hospitalar em parceria com Egon Eiermann, ele recebe de Sauerbruch a tarefa de
coordenar a reconstrução dos hospitais de Berlim. Seus trabalhos mais recentes
incluem uma escola em Hamburg-Horn, o pavilhão da navegação na
Verkehrsausstellung realizada em Munique em 1953, e o Instituto Biológico
Helgoland; além disso, Hassenpflug possui um vasto trabalho desenvolvido na área
de desenho de mobiliário, alguns expostos na Werkbundausstellung em Hamburgo
em 1956.
216
DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT, Franziska (1999), op. cit., págs. 72-
73.
Planta do pavimento tipo.
(Fonte: Interbau Berlin 1957. Amtlicher Katalog der
Internationalen Bauausstellung, pág. 73)
Torre de Gustav Hassenpflug.
(Fotografia: Mara Oliveira Eskinazi)
121
A TORRE DE RAYMOND LÓPEZ E EUGÈNE BEAUDOUIN
Raymond Lopez
217
e Eugène Beaudouin, ambos provenientes de
Paris, foram responsáveis pelo projeto da quarta torre da
seqüência na Bartningalle. Beaudouin
218
recorreu a experiências
antes desempenhadas com projetos de torres, já que ele havia
desenvolvido entre 1931 e 1934, juntamente com seu então sócio
Marcel Lods, o projeto para um grupo de torres residenciais em
Paris, que se caracteriza como um dos primeiros projetos de
habitação social construído com esta tipologia.
219
No entanto, a
torre residencial desenvolvida por Beaudouin e Lopez para a
Interbau não apresenta muitas semelhanças com o projeto de
Beaudouinpara Paris: em Berlim a planta baixa é mais elaborada, e
os apartamentos são maiores.
O edifício para Berlim apresenta planta quadrada, com 22m x 22m,
51m de altura e possui, ao todo, 87 apartamentos, sendo 31 com
45m
2
e 56 com 62m
2
. Ele constitui-se de duas alas simétricas em
relação a um eixo norte-sul, articuladas por um núcleo central,
envidraçado e recuado em relação às alas de apartamentos, que
abriga as escadas. Um elevador e um depósito estão internalizados
junto a cada uma das alas. O subsolo estende-se por todo o
perímetro do edifício e abriga depósitos, enquanto que a
lavanderia encontra-se no pavimento de cobertura.
Um segundo eixo de simetria, porém traçado no sentido leste-
oeste, organiza, no pavimento tipo, cada uma das duas alas de
apartamentos. Cada ala agrupa três apartamentos, totalizando seis
por pavimento, organizados internamente com divisórias leves.
Contudo, os apartamentos não estão todos no mesmo nível. Os
quatro apartamentos das extremidades norte e sul de ambas as
alas, todos de um dormitório, encontram-se deslocados meio nível
com relação aos dois apartamentos JK centrais. Assim, os
apartamentos das extremidades possuem duas entradas cada,
uma que acessa o corredor interno de circulação do apartamento a
partir do patamar de uma das duas escadas principais do edifício,
e outro que acessa a cozinha através de pequenas escadas
colocadas no hall de distribuição principal de cada pavimento.
As fachadas leste e oeste dividem-se em três módulos idênticos de
7,0m de largura demarcados por quatro planos verticais de
concreto que se estendem por toda a altura do edifício; cada um
destes módulos foi novamente dividido em três partes iguais, que
217
Raymond Lopez, morador de Paris ganhou reconhecimento tanto por seus
projetos quanto por sua atuação como professor na Ecole Nationale dês Ponts et
Chaussées e na Ecole Speciale d´Architecture em Paris. Em sua atuação prática,
desenvolveu projetos para hospitais em Brest e Nantes, um asilo em Dakar e
escolas em Paris, Dakar, Brest, Nevers, Chalons-sur-Saône, além de uma série de
edifícios residenciais e comerciais em Paris. Na área do urbanismo, Lopez
desenvolveu projetos para a reconstrução de dez pequenas cidades francesas, um
plano de ampliação para a cidade de Dakar, além de ter se envolvido com a
solução de diversos problemas urbanos de Paris.
218
Eugène Beaudouin nasceu em Paris, estudou na Academie de France, em
Roma, e trabalhou para o governo francês. Além disso, atuou como professor de
arquitetura e urbanismo em diversas escolas, como a Ecole dês Beaux-Arts em
Paris, a Universidade de Genebra, e a Ecole Nationale, em Paris. Como arquiteto,
Beaudouin desenvolveu projetos para edifícios com temas bastante diversos, como
escolas, edifícios residenciais – entre eles o quarteirão Rotterdam, em Strasburg -,
industriais, institucionais e comerciais, além de ter participado de outras exposições
além da Interbau – seu projeto para a Exposição Mundial realziada em Paris em
1937 foi classificado em primeiro lugar. Como urbanista, Beaudouin também possui
uma atuação expressiva, tendo realizado projetos urbanísticos para Havana e
Cidade do Cabo, além de outros projetos regionais na África do Sul, no oeste da
Suíça e em Paris.
219
MONNIER, Gérard. Histoire Critique da l’Architecture em France 1918-1950.
Em: DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT, Franziska (1999), op. cit., pág. 73.
Torres de Gustav Hassenpflug, Raymond Lopez e
Eugène Beaudouin e Hans Schwippert..
(Fotografia: Mara Oliveira Eskinazi)
Torres de Raymond Lopez e Eugène Beaudouin.
(Fotografia: Mara Oliveira Eskinazi)
122
correspondem alternadamente a varandas internalizadas no corpo
do edifício, ou sala de estar, ou ainda dormitório, no caso dos
apartamentos das extremidades. O guarda-corpo das varandas e o
parapeito das janelas dos apartamentos das extremidades estão
meio nível elevados em relação aos mesmos elementos do
apartamento central, gerando um jogo de cheios e vazios que
reforça com clareza o deslocamento de meios níveis da planta nas
fachadas. Além disso, a marcação predominantemente vertical
sugere que o edifício seja mais alto e esbelto do que realmente é.
Nas fachadas norte e sul também há um predomínio da
verticalidade; porém, nelas o deslocamento de níveis não
manifesta-se, já que tanto os dois apartamentos voltados para o
sul quanto os dois voltados para o norte encontram-se todos no
mesmo nível. Assim, pode-se afirmar que estas duas fachadas
caracterizam-se por cinco faixas verticias, duas cegas nas
extremidades, duas com varandas e esquadrias dos apartamentos
e uma faixa central envidraçada, recuada em relação às demais,
correspondente à circulação vertical.
A TORRE DE HANS SCHWIPPERT
O fechamento da seqüência de cinco torres acontece com o
projeto de Hans Schwippert,
220
de Düsseldorf. O edifício de
Schwippert, localizado ao sul da estação Bellevue do S-Bahn, é a
mais oriental das torres, e separa-se das demais devido ao traçado
da Bartningallee. Com planta baixa (25,10m x 25,10m) de
distribução interna bastante central, o edifício constitui-se de três
alas de mesma largura e profundidade, orientadas para sul, leste e
oeste; as três alas dão as costas uma para as outras, e suas
paredes internas dão forma ao núcleo central do edifício. Para o
norte volta-se um plano envidraçado que ilumina o núcleo central
de circulação, com escada e elevador.
O edifício de Schwippert apresenta uma complexa organização que
mescla apartamentos simples com apartamentos duplex. Uma
possível explicação para o fato de Schwippert ter feito uso deste
esquema de organização dos pavimentos é encontrada no catálogo
original publicado para a exposição: “
Para individualizar os
apartamentos, foram também empregados apartamentos de dois
pavimentos. Estes pequenos e de certo modo autônomos
apartamentos foram colocados uns sobre os outros com o objetivo
de montar uma torre residencial. Os seus habitantes deveriam
sentir como se estivessem morando em residências
unifamiliares
”.
221
Há uma grande variação de tipos de apartamentos, totalizando 61
apartamentos de três diferentes tamanhos. As alas voltadas para
leste e oeste abrigam dois apartamentos cada, sendo um em
pavimento único de um dormitório com 46m
2
e um duplex de dois
dormitórios com 84m
2
, enquanto que a ala voltada para o sul
220
Hans Schwippert estudou no princípio da década de 20 em Hannover,
Darmstadt e Stuttgart, e logo após formar-se trabalhou nos escritórios de Eric
Mendelsohn e de Mies van der Rohe. A partir de 1927, Schwippert torna-se
professor na Werkkunstschule em Aachen, e entre 1929-31 trabalha com Rudolf
Schwarz no projeto para a Fronleichnamskirche, em Aachen, uma das primeiras
igrejas modernas. Porém, Schwippert é reconhecido sobretudo por seu projeto
realizado para a Plenarsaal para o Parlamento de Bonn, em 1949. No pós-guerra, o
arquiteto especializa-se em projetos para edifícios comerciais e educacionais, além
de ter participado da reconstrução de diversas igrejas, como a St. Hedwigs-
Kathedrale, em Berlim Oriental. Portanto, como seus projetos concentraram-se
mais em temas não residenciais, a torre para o Hansaviertel acaba por
caracterizar-se como peça única no conjunto de sua obra.
221
Interbau Berlin 1957. Amtlicher Katalog der Internationalen Bauausstellung
(1957), op. cit., pág. 77.
Planta do pavimento tipo da torre de Raymond Lopez
e Eugène Beaudouin.
(Fonte: Interbau Berlin 1957. Amtlicher Katalog der
Internationalen Bauausstellung, pág. 76)
Torres de Raymond Lopez e Eugène Beaudouin e
Hans Schwippert.
(Fotografia: Mara Oliveira Eskinazi)
123
abriga um apartamento de planta em “U”, com três dormitórios e
93m
2
. Ao longo dos 16 pavimentos, intercalam-se dois pavimentos
tipo, o inferior com cinco apartamentos por pavimento, e o
superior com três apartamentos mais o segundo nível dos dois
apartamentos duplex.
Esta complexa organização em planta reflete-se nas fachadas,
especialmente através do deslocamento das varandas. As fachadas
sul, leste e oeste compõem-se de uma grelha formada por
elementos verticais de concreto e pelos guarda-corpos das
varandas marcando a horizontalidade. Nas fachadas leste e oeste,
as extremidades desta grelha tomam outra proporção, já que onde
há apartamentos duplex, a marcação horizontal é reduzida à
metade.
A abundância de varandas reforça a idéia de integração com o
verde. Assim, Dolff-Bonekämper
222
supõe que as varandas no
edifício de Schwippert tiveram significado semelhante ao da idéia
de varandas desenvolvida por Le Corbusier para o “
Immeuble-
Villa
”, assim como permitem uma comparação com a idéia de
terraço-jardim no último pavimento da Unidade de Habitação,
porém transferidos para as varandas e, conseqüentemente, para o
interior dos apartamentos. Schwippert toma emprestado o
conceito utilizado por Le Corbusier para a organização tipológica
das unidades residenciais, porém introduzindo adaptações, uma
vez que empilha apartamentos duplex lado a lado com
apartamentos simples.
CONCLUSÕES
As seis torres altas e a torre baixa de Senn, quando analisadas
comparativamente, apresentam algumas semelhanças,
especialmente com respeito à sua articulação interna e ao modo
com que circulação horizontal e circulação vertical relacionam-se. A
torre que menos semelhanças apresenta com as demais é a de van
den Broek e Bakema, que acaba por destacar-se por sua complexa
solução de articulação interna em diferentes níveis; além disso, ela
representa também uma solução que pode ser entendida como
contenedora de alguns avanços com relação ao modelo corbusiano
para as Unidades de Habitação.
O núcleo central de circulação vertical é uma constante, mesmo na
torre de Bakema; porém, nesta, a circulação horizontal não se
desenvolve em torno deste núcleo central, como nos outros casos,
mas sim paralela a ele, de forma linear. Os apartamentos de
Bakema também configuram-se como exceção por serem os
únicos a voltarem-se para leste e oeste e, com isso, estarem
dotados de ventilação cruzada; os demais apartamentos, com
pontuais exceções feitas às unidades de esquina, voltam-se para
uma única orientação. Norte e sul são as orientações preferenciais
para alocar escadas e elevadores, enquanto que os apartamentos
beneficiam-se preferencialmente do leste e do oeste.
No entanto, as torres solitárias e as cinco torres agrupadas
demonstram que mesmo edifícios de mesma tipologia e
semelhante articulação interna podem apresentar significativas
diferenças, seja em seu sistema construtivo, em seu fechamento,
planta-baixa, perímetro, projeção e aparência formal. Isto permite-
nos afirmar que, apesar de possuírem tipologia semelhante, elas
representam claramente as idéias de cada um de seus autores.
222
DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT, Franziska (1999), op. cit., pág. 82.
Planta do pavimento tipo da torre de Hans Schwippert
(Fonte: Interbau Berlin 1957. Amtlicher Katalog der
Internationalen Bauausstellung, pág. 78)
Torre de Hans Schwippert.
(Fotografia: Mara Oliveira Eskinazi)
124
Quando analisadas junto ao conjunto da obra dos seus autores, as
torres da Interbau podem ser consideradas peças individuais em
três casos especiais. As torres projetadas por Baldessari,
Hassenpflug e Schwipert configuram-se como exemplares únicos
desta tipologia no conjunto da obra de cada um. No entanto, a
contribuição dos escritórios de van den Broek e Bakema e de
Lopez e Beaudoin, cujo conjunto da obra contém outros projetos
para edifícios residenciais de escala e repertório comparáveis ao
dos projetos realizados para o Hansaviertel, também acabaram
tornando-se peças únicas, porém devido à especificidades das
soluções adotadas.
Contudo, seria um erro designá-las como modelos exemplares de
uma coleção de edifícios desta tipologia, já que algumas delas
podem ser ditas interessantes mais por fazerem parte do conjunto
de uma exposição do que como peças individuais. Portanto, para a
exposição, os valores deste grupo significativo de edificações
residem tanto no expressivo resultado urbanístico do conjunto de
cinco torres, que segue de modo muito efetivo a curva do viaduto
do S-Bahn, quanto em sua pluralidade, já sinalizada à distância.
Assim, as
Punkthochhäuser
demonstram, seja colocadas em
grupos ou individualmente, alguns dos princípios urbanísticos
então vigentes, e seu emprego foi na época recomendado de
forma extremamente enfática. Além disso, Dolff-Bonekämper
supõe que os inúmeros conjuntos residenciais construídos nas
décadas de 60 e 70 cujos edifícios possuem tipologia semelhante à
das torres tenham sofrido alguma influência do conjunto da
Interbau.
223
223
DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT, Franziska (1999), op. cit., pág. 82.
Foto da maquete com as torres abaixo e vista panorâmica da série de cinco torres.
(Fontes: www-users.rwth-aachen.de Fonte: Bezirksamt Tiergarten von Berlin (1995).
Das Hansaviertel - 1957 - 1993. Konzepte, Bedeutung, Probleme, pág. 43)
125
3.4. BARRAS
A edificação em linha – ou
Zeilenbau
– emergiu como paradigma a
partir de uma variedade de aplicações realizadas ao longo dos
anos 20 e 30 que permitiram reconhecê-la como configuração
característica de diversas propostas habitacionais elaboradas pela
cultura moderna. Contudo, a forma linear não deve ser vista como
uma invenção moderna, já que possui uma grande tradição
histórica tanto no mundo rural quanto em concentrações urbanas.
Mesmo antes da difusão da arquitetura moderna, já haviam sido
elaboradas concepções maduras de cidades-jardim que apontavam
para formas de implantação linear.
As formas abertas ou lineares não são, como se pretendeu
às vezes, patrimônio exclusivo da arquitetura moderna. De
fato, a forma linear, originariamente ligada ao mundo
agrícola, é um dos grandes arquétipos da arquitetura, e
como tal influencia decisivamente nas formações urbanas de
diversas épocas. No período da Ilustração, a forma linear
adquire maior importância, tanto no desenvolvimento das
áreas residenciais, como na gênesis de edifícios públicos tais
como hospitais, mercados, quartéis, armazéns ou fábricas.
Analisando exemplos de implantações modernas com alguns
exemplos tardo-setecentistas, nota-se a profunda
similaridade formal que existe entre ambos, e também é
possível dar-se conta até que ponto as propostas da cultura
moderna são devedoras de algumas das idéias que estavam
já implícitas nas elaborações mais avançadas da cidade
ilustrada
”.
224
Além disso, a forma linear possui uma evidente analogia com a
cadeia de montagem representativa do processo de produção do
mundo industrial. Sua tipologia é coerente com o princípio de
repetição de um mesmo elemento e com a busca por uma seriação
regida por uma norma constante. De acordo com Martí Arís, “
Em
alguns conjuntos residenciais da arquitetura moderna, a forma
linear constitui um objetivo de assumir as condições impostas pela
produção industrializada como um dado básico da disposição
arquitetônica. (...) Assim, o conceito de linearidade se converte,
para a cultura moderna, em um modo genérico de conceber a
instalação do habitar humano sobre o território que se identifica
com a disposição lógica por excelência
”.
225
No entanto, o aspecto mais importante com relação à edificação
em linha para a cultura moderna aponta para a capacidade desta
tipologia em proporcionar uma equivalência de condições entre
todas as unidades habitacionais e os elementos que a configuram,
já que ela supõe uma ausência de hierarquia entre as diferentes
partes do edifício. Ao garantir igual orientação solar e iguais
possibilidades de desfrutar as áreas livres para todas as moradias,
o
Zeleinbau
se converte em um dos principais fundamentos da
arquitetura residencial do modernismo, simbolizando a aspiração
igualitária da sociedade moderna. Enquanto isso, a planta central,
por oposição, ao estabelecer um centro e uma hierarquia a qual
todas as partes estão submetidas, representa a idéia de
arquitetura e sociedade tradicionais.
Os diversos Siedlungen construídos na Alemanha a partir dos anos
20 são sucessores diretos da cidade jardim de Howard, onde
prevalece a baixa densidade e o contato direto com a natureza. O
224
MARTÍ ARÍS, Carlos (2000), op. cit., pág. 44.
225
MARTÍ ARÍS, Carlos (2000), op. cit., pág. 33.
126
modelo de cidade jardim, impregnado por uma concepção
naturalista que se manifesta na predileção por traçados
curvilíneos, por ritmos descontínuos e pela variedade de
configurações espaciais, passará, no urbanismo moderno, por um
processo de liberação de seus componentes pitorescos. Neste
processo, a forma linear mostra-se um importante e coerente
elemento de configuração, pois ela permite a adoção de um
traçado geométrico rígido, de edificações regulares e de orientação
solar constante.
226
Deste modo, o novo paradigma baseado na forma linear exerceu
grande influência sobre a construção da cidade moderna e sobre
seus modos de inserção no território. As características
arquitetônicas individuais encontradas nos
Zeilenbau
que
interessaram aos arquitetos modernos são repetidas no campo de
ação do urbanismo: ausência de hierarquia entre as partes,
capacidade de crescimento indefinido, equivalênca de condições
para os diversos elementos, contato imediato entre o espaço
construído e o espaço natural, etc.
O Hansaviertel foi construído utilizando-se do emprego de uma
grande variedade tipológica; contudo, as edificações em linha
apresentam uma posição de destaque no plano urbanístico geral,
já que além de estarem presentes em quantidade bastante
numerosa e terem sido implantadas em locais de bastante
evidência no conjunto, estão de acordo com esta nova realidade
territorial. Além disto, é possível supor que a presença simultânea
de edificações em linha altas e baixas também estaria enquadrada
dentro da influência da polêmica alemã anterioremente descrita
entre o edifício de dez a doze pavimentos e o edifício de três a
cinco pavimentos.
Neste capítulo, serão analisados os edifícios construídos na
Interbau baseando-se no paradigma da forma linear, que serão
agrupados, para fins de análise, em dois conjuntos – as barras de
três a quatro pavimentos e as barras de oito a dez pavimentos. E,
como já anteriormente mencionado e justificado, dentro do
conjunto de barras altas, o edifício projetado por Oscar Niemeyer
será analisado em maior profundidade.
3.4.1. BARRAS DE 3 A 4 PAVIMENTOS
A tipologia de barras habitacionais de três a quatro pavimentos
está presente em basicamente duas regiões do Hansaviertel. O
conjunto mais marcante, já que está organizado em uma série
paralela de quatro barras que proporcionam forte ritmo à
composição, encontra-se à oeste da Klopstockstraße, enquanto o
outro, com barras menores ora paralelas ora perpendiculares umas
às outras, se localiza ao sul da Bartningallee. Em cada uma dessas
regiões, as barras apresentam diferentes proporções e uma
variação nas relações geométricas entre si e com as vias de
tráfego. Neste capítulo, será desenvolvida uma análise geral das
duas áreas em que há um predomínio da tipologia de barras de
três quatro pavimentos.
226
MARTÍ ARÍS, Carlos (2000), op. cit., pág. 35.
127
3.4.1.1. ÁREA JUNTO À KLOPSTOCKSTRAßE
A área compreendida entre a Klopstockstraße e o viaduto do S-
Bahn é ocupada por uma seqüência de quatro barras voltadas para
a praça triangular conformada entre esta via e os edifícios de
Gropius e Vago. Respectivamente projetadas pelos berlinenses
Hans Christian Müller, Günther Gottwald, Wassili Luckhardt e
Hubert Hoffmann, assim como pelo arquiteto de Düsseldorf Paul-
Schneider-Esleben, as quatro barras de quatro pavimentos cada
possuem suas fachadas principais voltadas para o sul e estão
implantadas com seu eixo longitudinal no sentido leste-oeste. Isto
contraria a doutrina dos Zeilenbau, segundo a qual os edifícios
devem ser implantados no sentido norte-sul, de modo que todas
as unidades residenciais recebam igual insolação provinda do leste
e do oeste. No entanto, considerando a proximidade e a relação
geométrica com a elevada, faria pouco sentido nesta área seguir a
doutrina, pois com os edifícios implantados no sentido norte-sul, os
apartamentos ficariam mais sujeitos aos incômodos provocados
pelo constante fluxo de trens. Assim, os planejadores da Interbau
procuraram, além de implantar estas barras o mais afastado
possível da elevada, também girá-las levemente no sentido
noroeste. Deste modo, as fachadas voltadas para o noroeste, onde
na maior parte dos casos foram localizadas áreas de circulação,
cozinha e banheiros, dão as costas para a elevada, enquanto que
as fachadas sudeste, onde foram colocados principalmente salas-
de-estar e dormitórios, encontram-se relativamente resguardadas
do barulho. Ou seja, houve uma flexibilização do esquema racional
baseado na busca pela melhor orientação em função das
características intrínsecas ao lugar, e, assim, cada edifício
conformou, através da posição de sua implantação, sua própria
parede protetora.
Na realidade, nesta área entre a elevada e a Klopstockstraße, de
acordo com o plano urbanístico desenvolvido por Otto Bartning,
havia sido inicialmente prevista a construção de cinco barras. A
seqüência iniciaria ao sul, próximo ao Berlin-Pavillon, com um
edifício de menor comprimento projetado pelo arquiteto Alexander
Klein. Contudo, enquanto as demais quatro barras já encontravam-
se prontas ou em construção na época da inauguração da
exposição, o edifício de Klein, mesmo que se fizesse presente nos
desenhos de implantação e na maquete, não teve sua obra
iniciada. Mais tarde o projeto foi definitivamente abandonado, e a
edificação histórica original ocupante desta área, a Haus Joseph-
Haydn-Straße 1, conhecida pelo nome de Charlottenhof, foi
mantida.
A BARRA DE HANS CHRISTIAN MÜLLER
Com isso, a partir do acesso sul da Klopstockstraße, a seqüência
de quatro barras se inicia de fato com o edifício de Hans Christian
Müller. Müller buscou, a partir do emprego de uma composição
com volumes deslocados, intensificar a proteção contra a
propagação do som originado pelo fluxo dos trens. Ele diviviu a
sua barra em três volumes, que a partir da face mais próxima com
a elevada foram gradualmente sendo deslocados para o norte.
Além disso, ressaltam-se na composição geral o volume das
escadas, ao norte, e o volume formado à direita das paredes
divisórias de cada uma das três partes deslocadas. Este, além de
abrigar um estreito dormitório, auxilia a proteger o terraço no
térreo e as sacadas nos demais pavimentos contra o barulho;
porém, acaba também diminuindo a incidência de insolação oeste
nas mesmas.
Vista atual da Klopstockstraße mostrando, à direita,
as barras de Günther Gottwald e de Wassili
Luckhardt e Hubert Hoffmann.
(Fotografia: Mara Oliveira Eskinazi)
Foto da maquete mostrando vista ao longo da
Klopstockstraße. À esquerda, vê-se o conjunto de
quatro barras de quatro pavimentos.
(Fonte: Wiederaufbau Hansaviertel –
Sonderveröffentlichung zur Interbau Berlin 57.
Volume 1, pág.13)
Pavimentos tipo da barra de Hans Christian Müller.
(Fonte: Interbau Berlin 1957. Amtlicher Katalog der
Internationalen Bauausstellung, pág. 97)
128
O edifício constitui-se por três volumes deslocados, com um núcleo
de escada internalizada por volume e possui quatro tipos de
apartamentos, que apresentam áreas desde 50m
2
até 118m
2
ficando os maiores bastante acima da média de área das demais
unidades residenciais no Hansaviertel. Assim, conseqüentemente,
o edifício conta com três volumes de escadas, cada uma delas
dando acesso a um apartamento grande ou a dois pequenos,
dependendo do pavimento. As áreas de acesso à circulação
vertical são pequenas e bastante resguardadas. O edifício possui
estrutura com paredes portantes somente na faixa central que
abrange as circulações verticais e nas paredes divisórias entre
apartamentos, resultando em plantas baixas bastante flexíveis no
interior de cada unidade residencial. Nos apartamentos menores
esta liberdade não é reduzida, já que todos contam com aberturas
para sul e norte e conseqüentemente com ventilação cruzada. A
fachada sul é dotada de uma maior quantidade de esquadrias;
porém, algumas têm sua funcionalidade questionável, já que são
rasgos horizontais pequenos, que permitem pouca incidência de
sol no interior das habitações, e acima de tudo com peitoril muito
alto, o que restringe a contemplação das visuais.
A BARRA DE GÜNTHER GOTTWALD
A barra seguinte foi projetada por Günther Gottwald, que se
diplomou em 1935 em Graz, na Áustria, e trabalhou a partir de
1938 em Berlim no escritório de Hermann Rimpls. Após a guerra,
Gottwald fundou um escritório em Frankfurt em sociedade com
Gerhard Weber, e em 1952 tornou-se professor na Hochschüle für
Bildende Künste, em Berlim. Seu interesse centrava-se na
investigação de novos materiais e métodos construtivos. A barra
de Gottwald para o Hansaviertel é testemunha desta pesquisa por
ele desenvolvida, já que apresenta fachadas exteriores
acinzentadas que são resultado do emprego do concreto.
Hans Christian Muller evitou, em sua barra, aspectos geométricos
usuais da tipologia dos Zeilenbau, como plantas baixas espelhadas
ou em linha, ou ainda axialidade e simetria entre as unidades
residenciais. Gottwald, diferentemente, fez uso destes princípios na
planta baixa de seu edifício. Ele dividiu a barra no sentido
longitudinal em oito módulos iguais, de forma que todos os
apartamentos possuem sacadas de mesma largura voltadas para a
fachada sul, dando ritmo à composição; os materiais utilizados no
parapeito das sacadas, que formam um jogo através da mistura de
elementos vazados de concreto com chapas metálicas Eternit,
auxiliam na marcação do ritmo. Além disso, na fachada sul, além
de todos apartamentos possuírem exatamente a mesma largura,
também apresentam a mesma profundidade, otimizando o
aproveitamento da orientação sul.
Três núcleos de escada respondem pela circulação vertical, sendo
que os das pontas leste e oeste atendem a três apartamentos –
dois de dois dormitórios e um JK – enquanto que o núcleo central
atende a dois apartamentos idênticos e simétricos de um
dormitório cada. As escadas estão colocadas longitudinalmente em
cada um destes núcleos, paralelas à parede externa, e a área por
elas ocupada está marcada na fachada norte através de um
grande rasgo envidraçado. Para o lado norte estão voltados, além
das escadas, também os dormitórios de seis dos oito
apartamentos. Contudo, nesta fachada o ritmo muda, já que
marcante é a divisão em três correspondente aos núcelos axiais de
circulação vertical. O núcleo central possui dimensão menor que os
das pontas, e a fachada norte expressa com clareza esta diferença.
Vista da fachada sul da barra de Hans C. Müller.
(Fonte: DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT,
Franziska (1999). Das Hansaviertel - Internationale
Nachkriegsmoderne in Berlin, pág. 162)
Vista da fachada sul da barra de Günther Gottwald.
(Fotografia: Mara Oliveira Eskinazi)
Pavimento tipo da barra de Günther Gottwald.
(Fonte: Interbau Berlin 1957. Amtlicher Katalog der
Internationalen Bauausstellung, pág. 99)
129
A BARRA DE WASSILI LUCKHARDT E HUBERT HOFFMANN
A barra seguinte, a terceira da série, localiza-se entre os edifícios
de Günther Gottwald e Paul Schneider-Esleben, e foi projetada por
Wassili Luckhardt
227
e Hubert Hoffmann. A barra divide-se em
quatro volumes – dois menores nas pontas e dois mais largos no
centro – de estrutura independente, e esta divisão é acentuada
através da posição dos três núcleos de circulação vertical, que
articulam os quatro volumes de apartamentos. Cada núcleo de
escada dá acesso a dois apartamentos por pavimento.
A barra de Luckhardt e Hoffmann mostra-se como um importante
exemplo da variedade tipológica presente na Interbau, já que
agrega, em um único edifício, uma série de diferentes
possibilidades de configuração e tamanhos de apartamentos. Ao
mesclar seis tipologias e tamanhos diferentes de apartamentos, os
arquitetos agregam, em um edifício de princípio construtivo
bastante simples, uma variedade de possibilidades de combinações
que abrangem apartamentos duplex e simples de áreas que vão de
27m
2
até 95m
2
por unidade.
Além disso, a barra configura-se como uma significante variante do
emprego dos temas “repetição”, “série” e “simetria” em edificações
lineares, já que incorpora todos esses princípios em sua
composição geral. Cada um dos volumes de apartamentos repete-
se duas vezes, enquanto que o núcleo de escadas repete-se três
vezes, reforçando as idéias de série e de ritmo da composição, e
agregando implicitamente a possibilidade de repetição infinita. A
simetria está presente na volumetria geral a partir da marcação de
um eixo no centro da barra, que a divide em duas partes menores
e volumetricamente simétricas. Contudo, como veremos a seguir,
um olhar mais aproximado mostra que o emprego da simetria não
é uma constante, já que em muitos casos utilizou-se da linearidade
e da seqüência, e não do espelhamento.
Os dois volumes centrais maiores são idênticos, porém não são
simétricos, já que estão colocados linearmente, e não espelhados.
Além disso, internamente eles são compostos por duas unidades
residenciais diferentes cada – uma maior, localizada na porção
leste do volume, e outra menor, na porção oeste – sendo que o
apartamento menor do volume à oeste do eixo central de simetria
é duplex, enquanto que os demais se desenvolvem em um
pavimento.
Já os dois blocos menores, localizados nas extremidades,
participam da composição simétrica geral, já que são espelhados,
mas internamente também apresentam assimetria, pois foram
divididos em duas unidades com larguras ligeiramente distintas.
Em alguns pavimentos, estes volumes foram divididos em dois
apartamentos cada, um menor e outro ligeiramente maior,
enquanto em outros eles configuram uma única unidade de maior
área.
227
Wassili Luckhardt trabalhou durante muitos anos com seu irmão Hans no
escritório por eles fundado, chamado “Bruder Luckhardt”, que teve também Alfons
Anker como colaborador. Após a morte de Hans em 1954, Wassili passou a dirigir o
escritório sozinho e então convidou Hubert Hoffmann para atuar como seu parceiro
no projeto para a Interbau – já que o projeto de uma torre residencial, então
destinado a Hoffmann e ao arquiteto Bernard Pfau, havia sido eliminado do
programa da exposição. Os irmãos Luckhardt, juntamente com Anker, realizaram
importantes obras em Berlim na década de 20, como o Schorlemmer Allee em
Berlim-Dahlen (1927-30), e duas vilas em Rupenhorn, em Berlim-Charlottenburg
(1929-30). Também no pós-guerra, Wassili Luckhardt realizou sozinho importantes
obras de elevada qualidade arquitetônica, como um grupo de edifícios residenciais
de oito a onze pavimentos no Kottbusser Tor, em Kreuzberg, um dos primeiros
grandes complexos habitacionais do pós-guerra em Berlim.
Pavimentos tipo da barra de Wassili Luckhardt e
Hubert Hoffmann.
(Fonte: Interbau Berlin 1957. Amtlicher Katalog der
Internationalen Bauausstellung, pág. 101)
130
Uma especulação que pode ser levantada remete à idéia de que
talvez Luckhardt e Hoffmann realmente não considerassem
adequado estabelecer uma organização simétrica total. A
articulação de todos os elementos baseando-se no princípio da
simetria pode gerar composições muito rígidas, que geralmente
acabam por engessar os projetos – resultado provavelmente não
desejado por eles.
A composição da fachada sul corresponde principalmente à
marcação dos volumes envidraçados de circulação vertical, que
mais do que unir acaba por dividir a barra em quatro blocos
menores. Além disso, o ritmo é dado tanto pela marcação das
paredes divisórias entre apartamentos, que se sobressaem e se
alinham ao plano do guarda-corpo das varandas, quanto pelo
próprio desenho das varandas, que nas salas de estar encontram-
se recuadas em relação ao plano da fachada. Atualmente, as
paredes divisórias entre os apartamentos, assim como as da
fachada norte e das empenas leste e oeste, revestidas com chapas
Eternity brancas, estabelecem um forte contraste tanto com o
revestimento em placas vermelhas dos guarda-corpos das
varandas quanto com os panos envidraçados dos volumes das
escadas; contudo, originalmente as placas que hoje são brancas
eram cinza claro, e o contraste não era tão intenso.
Portanto, as unidades residenciais do edifício de Luckhardt e
Hoffmann são bastante variadas, estando presentes desde
pequenos JK, apartamentos duplex ou até apartamentos com três
dormitórios. Todos possuem varandas orientadas para o sul, e a
grande maioria possui ventilação cruzada, já que volta-se também
para o norte.
Esta variedade tipológica presente no interior do edifício é em
grande parte responsabilidade de Hubert Hoffmann, que foi aluno
da Bauhaus, em 1945 trabalhou junto com Johannes Göderitz na
Academia Alemã de Urbanismo
228
e colaborou, após o final de II
Guerra Mundial, com os debates e planejamentos sobre a
reconstrução de cidades destruídas. Porém, não só Hoffmann,
como também Luckhardt, trouxe contribuições para o projeto
realizado por ambos para a Interbau oriundas de experiências
anteriores em trabalhos com habitação multifamiliar, já que este
projetou um importante grupo de edifícios residenciais de oito a
onze pavimentos localizado em Kottbuser Tor, em Berlim.
A BARRA DE PAUL SCHNEIDER-ESLEBEN
O último edifício residencial desta seqüência de quatro barras tem
projeto de autoria de Paul Schneider-Esleben.
229
A barra de quatro
pavimentos é dividida em 10 módulos de 5,50m; cada módulo
corresponde a um apartamento duplex, totalizando 20 unidades
residenciais idênticas estruturadas com paredes portantes. Assim,
diferente da barra de Luckhardt e Hoffmann, a de Schneider-
Esleben presta-se pouco a uma mistura social, já que seus
apartamentos possuem todos os mesmos 77m
2
de área e mesma
distribuição interna.
228
Deutsche Akademie für Städtebau, Reichs- und Landesplanung.
229
A obra de Paul Schneider-Esleben já tinha obtido, na época da Interbau,
reconhecimento dentro da Alemanha. Em 1951 ele projetou a Mannesmann-
Hochhaus, em Düsseldorf, primeiro edifício comercial com uma perfeita fachada
cortina a ser construído na Alemanha. O edifício, cuja execução foi concluída em
1956, tornou-se um ícone da arquitetura moderna do pós-guerra no país; além
disso, o edifício realizado para a Interbau encontra-se conectado com a sua
atuação na firma Mannesmann, já que as cores utilizadas para revestimento da
fachada da barra do Hansaviertel coincidem com as cores da empresa, da qual
Esleben havia sido empregado. Após, Schneider-Esleben ainda projetou uma série
de edifícios comerciais, e, entre 1962-70, o aeroporto de Colônia-Bonn.
Vistas da fachada sul e da esquina das fachadas sul
e leste da barra de Wassili Luckhardt e Hubert
Hoffmann.
(Fotografias: Mara Oliveira Eskinazi)
Vista da fachada norte, mostrando as relações de
série e simetria presentes na barra de Wassili
Luckhardt e Hubert Hoffmann.
(Fonte: Interbau Berlin 1957. Amtlicher Katalog der
Internationalen Bauausstellung, pág. 100)
131
A circulação vertical se dá a partir de dois núcleos externos de
escadas, acoplados à barra e localizados junto à fachada norte. Os
apartamentos duplex inferiores são acessíveis diretamente do nível
da rua, enquanto que os superiores conectam-se às escadas a
partir de um corredor de circulação horizontal que se desenvolve
externo e paralelo à barra, localizado no quarto pavimento. No
térreo e no quarto pavimentos localizam-se cozinha, sala-de-estar
e uma varanda recuada em relação ao plano da fachada, enquanto
no segundo e no terceiro estão banheiro e dois dormitórios; deste
modo, verticalmente a zona de dormir encontra-se no centro do
edifício, e a zona de estar nas extremidades.
A fachada norte encontra-se dominada pelos elementos de
circulação, seja horizontal ou vertical, e por faixas horizontais de
esquadrias. A sul divide-se em três faixas horizontais – à série de
sacadas com guarda-corpos metálicos no térreo sobrepõem-se dois
pavimentos que respondem pelos dormitórios, tanto dos duplex
inferiores quanto dos superiores; estes estão revestidos com
cerâmica cor lilás e possuem rasgos verticais nas extremidades,
junto às paredes portantes. O último pavimento repete a faixa do
térreo. As empenas laterais são cegas.
A barra de Schneider-Esleben emprega, em sua composição,
princípios como linearidade, equilíbrio, simetria, repetição e série.
Seguindo o princípio da linearidade, os apartamentos são dispostos
lado a lado no sentido longitudinal da barra, conformando uma
composição ritmada; seguindo a simetria, existe um claro eixo
estruturador norte-sul que divide a planta do edifício ao meio,
restando cinco módulos e um núcleo de escada espelhados para
cada lado; seguindo a correspondência, em termos compositivos
há um equilíbrio formal e funcional do térreo com a cobertura e do
segundo com o terceiro pavimentos: o segundo e o terceiro
agrupam-se e recebem tratamento idêntico, enquanto que o
pavimento inferior dos duplex inferiores (o térreo) corresponde –
volumetricamente, devido às varandas internalizadas,
funcionalmente, e compositivamente, devido ao desenho das
esquadrias – ao pavimento superior dos duplex superiores (o
quarto pavimento).
Após a barra de Schneider-Esleben, o fechamento desta série de
edificações se dá, rumo à Hansaplatz, com o conjunto formado
pelo jardim de infância e a igreja St. Ansgar. O jardim de infância
localiza-se entre a barra de Paul-Schneider-Esleben e a igreja, e
havia sido projetado inicialmente pelo arquiteto de Stuttgart
Günther Wilhelm, que propôs uma planta de formato pentagonal;
contudo, o projeto de Wilhelm não chegou a ser desenvolvido, e o
edifício acabou sendo projetado pelo Bezirksamt Tiergarten –
órgão municipal responsável pelos projetos da área. O projeto final
conforma-se a partir de dois volumes quadrados de um pavimento
cada, ligados por uma passarela envidraçada para o sul.
Já o projeto da igreja, localizada diretamente na Hansaplatz, no
cruzamento entre a Klopstockstraße e a Altonaerstraße, é de
autoria de Willi Kreuer, parceiro de Gerhard Jobst na proposta
vencedora do concurso de 1953 para reconstrução do
Hansaviertel. Apresentando uma planta baixa com desenho de
parábola, a obra de Kreuer não é a primeira igreja a ser construída
no pós-guerra com esta forma. Entre 1953-57, Rudolf Schwarz,
reconhecido na região de Rheinland como construtor de igrejas,
projetou a igreja Heilig-Kreuz, localizada em Botropp, utilizando-se
de planta baixa semelhante.
Pavimento tipo da barra de Paul Schneider-Esleben.
(Fonte: Interbau Berlin 1957. Amtlicher Katalog der
Internationalen Bauausstellung, pág. 102)
Vistas da fachada sul da barra de Paul Schneider-
Esleben.
(Fotografias: Mara Oliveira Eskinazi)
132
O quarteirão formado pelas quatro barras, o jardim de infância e a
igreja localizados entre a Klopstockstraße e o viaduto do S-Bahn
preenche por completo o objetivo dos planejadores da Interbau.
Enquanto as barras, individualmente, testemunham a viabilidade
da mescla de tipologias em uma cidade moderna, e comprovam
que a tipologia dos Zeilenbau – vista por urbanistas de certa época
como doutrinária, sem-graça e até não-urbana – oferece mais
possibilidades de configuração e uso do que geralmente admitiu-
se, o conjunto como um todo, ao agregar habitações com jardim
de infância e igreja, evidencia também a viabilidade da mescla de
diferentes funções.
3.4.1.2. ÁREA JUNTO À BARTNINGALLEE
A área do Hansaviertel localizada entre a Bartningallee e o parque
Tiergarten concentra as menores edificações pertencentes à
tipologia de barras de três a quatro pavimentos. Atualmente, a
região difere bastante do conceito inicialmente proposto pelos
organizadores da exposição, que haviam planejado uma área com
o predomínio de pequenas barras e de residências unifamiliares
econômicas de até dois pavimentos.
De acordo com o planejamento inicial, esta área, mesmo contando
também com casas de até dois pavimentos, seria diferente daquela
onde concentram-se as residências unifamiliares ao longo da
Händelallee, no sul do Hansaviertel, onde um tapete de casas com
jardins privados configuram uma densa estrutura construída. Na
área ao sul da Bartningallee, a densidade seria menor, e estariam
mescladas três tipologias distintas: barras longas e curtas, casas
reunidas em meio a uma área verde de modo escalonado, em
pequenos grupos ou linhas, e um edifício de planta central. Na
maquete com o plano urbanístico final para o bairro, é possível
observar três barras longas de três pavimentos cada – sendo uma
delas já projetada por Max Taut –, quatro barras mais curtas,
quatro grupos de casas escalonadas e um edifício de planta central
e geometria pentagonal (ver figuras na página 70). Os arquitetos
paisagistas Wilhelm Hübotter, de Hannover, e Christian Theodor
Sörensen, de Copenhagen, procuraram, com o projeto paisagístico,
tornar as fronteiras entre os terrenos livres ou com sutis
demarcações. Assim, cada grupo de casas seria delimitado
unicamente através de cercas-vivas ou muros plantados.
Contudo, na época da inauguração da Interbau, a construção
desta área de casas não havia sido iniciada. No catálogo oficial da
exposição, os projetos estão demonstrados somente a partir de
desenhos de plantas baixas ou maquetes. A realização das
habitações unifamiliares desta área dependia da venda dos
terrenos para investidores privados que se interessassem por
construir casas com seu próprio capital. Os projetos já haviam sido
desenvolvidos pelos arquitetos Bernhard Hermkes, de Hamburgo,
Manfred Fuchs, de Colônia, Bernhard Pfau, de Düsseldorf, Franz
Heinrich Sobotka e Gustav Müller, ambos de Berlim, Godber
Nissen, de Hamburgo, F. R. S. Yorke, de Londres e Franz Schuster,
de Viena. Como não houveram interessados em promover o
financiamento e a construção de todas estas habitações
unifamiliares,
230
em 1958 a construtora Hansa AG decidiu
230
Possivelmente a falta de interessados deveu-se a existência de uma grande
variedade de ofertas de residências unifamiliares de baixo custo com entre 100m
2
e
150m
2
em bairros dos anos 20 localizados nos arredores de Berlim, como o
Hufeisensiedlung de Bruno Taut em Britz, o Waldsiedlung Zehlendorf ou o Freie
Scholle em Waidmannlust. Porém, nestes bairros as unidades residenciais eram
relativamente modestas, e não destinadas para as camadas mais altas da
população. Além disso, provavelmente as famílias interessadas em morar em
Trecho de implantação mostrando o planejamento
inicial para a área ao sul da Bartningallee.
(Fonte: Bezirksamt Tiergarten von Berlin (1995).
Das Hansaviertel - 1957 - 1993. Konzepte,
Bedeutung, Probleme, pág. 38)
Trecho de implantação mostrando a área ao sul da
Bartningallee após as modificações implementadas
no plano original. Legenda: 1 – Franz Schuster; 2 –
Kay Fisker; 3 – Max Taut; 4 – Akademie der Kunste.
(Fonte: Wiederaufbau Hansaviertel –
Sonderveröffentlichung zur Interbau Berlin 57.
Volume 1)
3
2
1
4
133
restringir, nesta área, as habitações às três barras e ao edifício de
planta pentagonal, eliminando os agrupamentos de casas e
acrescentando um novo equipamento à área, a Akademie der
Künste – ou academia de artes.
Assim, na área ao sul da Bartningallee compreendida ao longo do
Hanseatenweg encontram-se, atualmente, somente uma barra
orientada no sentido leste-oeste – de autoria de Franz Schuster –,
duas barras orientadas no sentido norte-sul – projetadas por Kay
Fisker e Max Taut – e um edifício de planta central pentagonal
projetado por Otto H. Senn, e já analisado anteriormente, devido
às suas características distributivas, em conjunto com as torres.
Estes encerravam originalmente o objetivo de estabelecer a
transição entre as cinco torres de 16 pavimentos localizadas ao
norte da Bartningallee, o agrupamento de casas localizado junto à
fronteira do parque, porém não construído, e o próprio Tiergarten.
O edifício de Schuster não localiza-se diretamente na
Bartningalllee, mas auxilia na conformação do fechamento sul de
todo este conjunto, e, ao mesmo tempo, do fechamento norte da
extensa área ajardinada localizada entre o edifício de Niemeyer, a
Akademie der Künste e o Tiergarten. As duas demais barras que
configuram esta área ao sul da Bartningallee apresentam-se como
pertencentes a um mesmo grupo, já que são elas, juntamente
como o edifício de Otto H. Senn, que efetivamente fazem frente à
série de torres de 16 pavimentos e que estabelecem a transição
com o parque. Como artifício para auxiliar nesta transição, estes
edifícios possuem variações em suas alturas: a altura das duas
barras orientadas no sentido norte-sul diminui de quatro para três
pavimentos na medida em que se afastam da Bartningalllee e se
aproximam do Tiergarten, enquanto que o edifício de planta
pentagonal possui três pavimentos e mais um pavimento de
cobertura recuado em relação ao plano da fachada – ou seja,
mesmo não caracterizando-se como barra, ele também auxilia
nesta transição devido a sua localização.
A BARRA DE FRANZ SCHUSTER
O projeto do arquiteto vienense Franz Schuster efetivamente
construído diferencia-se substancialmente do edifício por ele
projetado para a área – um conjunto de dois pavimentos
abrigando quatro unidades habitacionais com 99m
2
cada – antes
da eliminação do agrupamento de casas. O segundo projeto por
ele desenvolvido, o que se encontra hoje executado, é uma barra
orientada leste-oeste de três pavimentos com sete unidades
habitacionais idênticas por pavimento – com exceção do
apartamento junto a fachada oeste, cujo ambiente voltado para o
norte possui um pequeno prolongamento no volume, fazendo o
fechamento do corredor de circulação do edifício. A circulação
vertical se dá por meio de uma única escada que configura um
volume trapezoidal acoplado na fachada norte. Os sete
apartamentos distribuídos linearmente na planta baixa são
acessíveis através de um corredor linear de circulação aberto junto
à fachada norte do edifício. Os apartamentos pequenos e bastante
econômicos possuem cozinha e banheiro voltados para o norte, e
uma sala com varanda voltada para o sul.
A concepção formal da barra de Schuster, amparada em uma sutil
tradição de objetividade e simplicidade, porém com refinamento
nos detalhes, remonta aos ensinamentos de Heinrich Tessenow,
casas de até 150m
2
talvez não desejassem morar em uma área de exposição ou
em casas enfileiradas.
Planta do pavimento tipo e vista da fachada sul da
barra de Franz Schuster.
(Fonte: DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT,
Franziska (1999). Das Hansaviertel - Internationale
Nachkriegsmoderne in Berlin, pág. 85)
134
com quem Schuster estudou e foi assistente em Dresden até 1923.
Após este período, ele retorna a Viena e passa a trabalhar em
projetos de Siedlungen com o objetivo de suprir as grandes
demandas habitacionais do pós-guerra. Deste modo, sua
contribuição para a Interbau, localizada na área que mais sofreu
modificações entre o plano final e a efetiva construção do bairro,
encontra-se em sintonia com a sua produção arquitetônica de até
então, que se ocupava em dar soluções emergenciais para o
problema da habitação.
A BARRA DE KAY FISKER
O edifício de Kay Fisker, uma barra orientada no sentido norte-sul,
é paralela e vizinha à barra de Max Taut e possui altura variável
entre três e quatro pavimentos. A barra é formada por duas alas
levemente deslocadas, uma ao sul, que se aproxima do
Hanseatenweg e da barra de Schuster, e uma ao norte, junto à
Bartningallee, que agrega o único núcleo de escadas presente no
edifício internalizado em uma de suas unidades.
A ala norte tem quatro pavimentos e foi dividida em três módulos
iguais, sendo que dois correspondem a dois apartamentos duplex
de três dormitórios cada que, empilhados, respondem por quatro
apartamentos; o terceiro módulo, que divide espaço com a
circulação vertical, corresponde a apartamentos JK de um
pavimento orientados somente para o oeste que, empilhados,
totalizam quatro unidades. Nesta parte, o térreo é elevado e abriga
abaixo um subsolo semi-enterrado. A ala sul foi dividia em quatro
módulos iguais, mas possui somente três pavimentos – o térreo e
o segundo correspondem a quatro apartamentos duplex de três
dormitórios, enquanto que a cobertura abriga quatro apartamentos
JK de um pavimento.
Com relação à circulação vertical, a idéia era viabilizar uma barra
com apartamentos distribuídos linearmente utilizando-se do
mínimo possível de escadas. Assim, um único núcleo de escadas
conectado ao apartamento da ala norte que faz divisa com a ala
sul é responsável pela circulação vertical para as duas alas. A
circulação é distribuída através de corredores lineares abertos
voltados para o leste – na ala norte os corredores estão no térreo
meio nível elevado e no terceiro pavimento, enquanto que na ala
sul somente no terceiro, já que no térreo as unidades residenciais
são acessadas diretamente a partir do nível da rua.
A concepção interna do edifício é legível a partir de sua volumetria,
uma vez que o deslocamento das duas alas é percebido tanto
verticalmente, já que na ala norte o térreo é semi-elevado, quanto
horizontalmente, já que a ala sul está avançada para o oeste em
relação à norte. Contudo, para não prejudicar a unidade de
composição das fachadas, apartamentos iguais receberam
tratamentos de fachada diferentes – na ala norte somente os
apartamentos JK localizados no mesmo nível da sala-de-estar dos
apartamentos duplex receberam varanda; os demais receberam
dois rasgos quadrados cada. Além disso, na facahada oeste as
paredes divisórias entre apartamentos sobressaem-se duplamente
do plano das esquadrias: primeiro porque se prolongam
volumetricamente, e segundo porque receberam tratamento de
cores distinto. Enquanto o plano das esquadrias é pintado em
cinza escuro, as paredes divisórias são claras, em concreto
aparente.
Vista da fachada oeste da barra de Kay Fisker.
(Fotografia: Mara Oliveira Eskinazi)
Plantas do térreo, segundo e terceiro pavimentos (de
baixo para cima) da barra de Kay Fisker.
(Fonte: DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT,
Franziska (1999). Das Hansaviertel - Internationale
Nachkriegsmoderne in Berlin, pág. 90)
135
A mistura de apartamentos duplex com apartamentos que se
desenvolvem em um único pavimento no Hansaviertel não é uma
exclusividade do edifício de Fisker – também aparece nas barras
de Wassili Luckhardt e Hubert Hoffmann e de Pierre Vago, e nas
torres de Bakema e van den Broek e de Hans Schwipert. Porém,
na obra de Kay Fisker, esta mescla de tipologias habitacionais em
um mesmo edifício aparece como estreante.
A BARRA DE MAX TAUT
O edifício de Max Taut,
231
além de fazer parte do conjunto que tem
a importante função de articular a transição entre o parque e as
torres de 16 pavimentos, também faz frente à esplanada criada à
leste do edifício de Eiermann, onde foi implantado um eixo norte
sul que estabelece uma significativa conexão entre os edifícios de
Bakema e de Niemeyer.
Max Taut almejou que seu projeto para a Interbau fosse visto
como uma importante colaboração para a discussão a respeito do
planejamento de grandes bairros habitacionais e suas formas de
moradia. Segundo a sua concepção, através de edifícios como o
seu a vida em um grande Siedlung poderia ser configurada com
uma significativa parcela de individualidade.
232
Taut buscou evitar a imagem de um Zeilenbau convencional,
dividindo seu edifício em três volumes menores, entre os quais
estão colocados dois volumes aproximadamente 5m recuados de
superfícies envidraçadas que abrigam as escadas. Assim,
volumetricamente a face oeste assemelha-se a uma barra dividida.
Entretanto, na fachada voltada para o leste, este jogo de volumes
é realmente intenso somente no pavimento térreo, pois nos
pavimentos superiores a área de conexão construída entre cada
um dos três blocos aumenta e é ocupada pelos apartamentos,
resultando em somente dois volumes salientados em apenas 1m.
O volume central abriga, do segundo ao quarto pavimento, dois
apartamentos de forma retangular de um dormitório cada por
pavimento, orientados com a maior dimensão do retângulo
colocada no sentido leste-oeste. Em cada unidade, a sala de estar
está voltada para o oeste e o dormitório e a cozinha para o leste;
banheiro e corredor de distribuição estão no centro, sem
iluminação ou ventilação naturais. No pavimento térreo, o bloco
central abriga uma área coletiva, com salas para festas e jogos.
Com isso, Taut objetivou proporcionar aos moradores a
possibilidade de usufruírem, junto a suas casas, de uma vida em
sociedade; contudo, esta área, assim como o pavimento coletivo
do edifício de Niemeyer, não contou com grande aceitação de
parte da população ali residente.
Cada um dos dois volumes das extremidades também se divide em
dois apartamentos por pavimento, sendo um de um e outro de
dois dormitórios; porém, aqui, diferente do que acontece no
volume central, os apartamentos têm sua maior dimensão
231
Max e Bruno Taut trabalharam juntos até 1933, quando da proibição imposta
pelo nazismo. Max especializou-se em edifícios para escolas e sindicatos,
enquanto Bruno ocupava-se com projetos residenciais. Por volta de 1945, Max
começou a atuar na área habitacional – Bruno faleceu em 1938 na Turquia. Após
uma série de encargos na Alemanha Ocidental, entre 1954-55 Max Taut projeta um
conjunto na Methfesselstraße, esquina com a Dudenstraße, no bairro de Tempelhof
em Berlim, que é vizinho de outro importante edifício por ele projetado, a Haus der
Deutschen Buchdrucker (1924-25), um dos primeiros edifícios habitacionais de
Berlim Ocidental, atualmente tombado. Assim, a concepção do projeto de Taut para
a Interbau não surgiu do acaso, mas sim representa uma primeira busca, apesar da
então predominância das posições doutrinárias, por novos conceitos para a
construção de bairros habitacionais.
232
DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT, Franziska (1999), op. cit., pág. 87.
Plantas do térreo e do pavimento tipo da barra de
Max Taut.
(Fonte: DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT,
Franziska (1999). Das Hansaviertel - Internationale
Nachkriegsmoderne in Berlin, pág. 86)
Vista da fachada oeste da barra de Max Taut.
(Fotografias: Mara Oliveira Eskinazi)
136
desenvolvida no sentido norte-sul, e assim eles voltam-se ou
exclusivamente para o leste, ou exclusivamente para o oeste –
exceção feita às janelas dos banheiros, colocadas nas empenas
norte e sul. Os apartamentos das extremidades voltados para o
leste tem maior área que os voltados para o oeste, já que
incorporam a área correspondente ao acréscimo da zona contígua
à circulação vertical.
Apesar de sua barra estar implantada no sentido norte-sul, Max
Taut acabou por rejeitar alguns dos dogmas fundamentais
empregados com freqüência na construção de bairros modernos.
Nem todos os seus apartamentos beneficiam-se de ventilação
cruzada – na realidade, somente dois dos seis apartamentos tipo
contam com este artifício, enquanto os outros quatro voltam-se
inteiramente para uma única orientação, ou leste ou oeste; além
disso, como somente dois contam com dupla orientação, todos os
demais abdicam da orientação solar tida como correta e usual para
barras habitacionais – dormitórios voltados para o leste e áreas de
estar para o oeste. Com isso, Max acaba por distanciar-se, em
alguns aspectos, do trabalho desenvolvido por seu irmão Bruno,
reconhecido pela autoria de importantes projetos de bairros
habitacionais modernos na década de 20.
137
3.4.2. BARRAS DE 8 A 10 PAVIMENTOS
A tipologia de barras habitacionais de 8 a 10 pavimentos
predomina em duas abrangentes áreas do Hansaviertel – a
sudoeste e a nordeste do eixo grosso modo simétrico formado pela
Altonaerstraße. O grupo formado por ao todo seis barras
deslocadas entre si – quatro a sudeste e duas a nordeste – excerce
um importante papel tanto para a composição espacial quanto
formal do bairro. Isto porque as barras, a partir de sua
implantação, auxiliam na estruturação geral e na configuração
urbanística da área. Na versão vencedora do concurso urbanístico
de 1953, as grandes barras formavam dois semi-círculos abertos
em direção ao Tiergarten, que, na versão construída, mantiveram-
se somente como vestígio. No projeto efetivamente executado,
elas foram reunidas duas a duas, e, como veremos a seguir, cada
par auxilia na delimitação de um largo, praça ou área de convívio.
Na área a sudoeste da Altonaerstraße, a partir do acesso sul
marcado pelo Berlin-Pavillon e pela torre de Müller-Rehm, o
primeiro par de barras de 8 a 10 pavimentos é composto pelos
edifícios projetados por Walter Gropius e Pierre Vago. Como
conjunto, ambos excercem um importante papel para a
organização espacial de todo o Hansaviertel, já que é com eles que
se inicia a seqüência de grandes barras que estruturam a
composição.
A BARRA DE WALTER GROPIUS
O edifício de Walter Gropius, uma barra de 9 pavimentos mais
cobertura, com planta em formato arqueado implantada no sentido
leste-oeste, de frente para a Händelallee, constitui o gancho de
ligação entre a torre de Müller-Rehm, a barra de Pierre Vago e a
Kaiser-Friedrich-Gedächtnisskirche. Para o plano geral da Interbau,
o edifício de Gropius recebeu a importante tarefa de acolher os
visitantes, já sua aparente curvatura – que, na realidade, não
possui nenhuma linha curva, mas é sim resultante da dobra de
cinco superfícies lineares em quatro pontos de articulação
correspondentes ao eixo de cada um dos núcleos de circulação
vertical – volta-se para o acesso sul da área de exposições.
O edifício é, portanto, formado por uma combinação de linhas
inclinadas que conferem uma impressão de concavidade, com
quatro núcleos de circulação acoplados junto à fachada norte.
Estes volumes possuem um formato duplo-trapezoidal – sendo que
os trapézios menores, que abrigam os elevadores, são colocados
como adição à barra, enquanto os maiores, que abrigam as
escadas, são em grande parte internalizados no corpo do edifício.
O trecho dos trapézios maiores que não se encontra internalizado
corresponde somente aos patamares das escadas. Os quatro
volumes de circulação vertical acabaram tornando-se os únicos
elementos volumétricos estruturadores da fachada norte. Aliás, as
fachadas norte e sul mostram-se extremamente contrastantes em
tratando-se de articulação, refinamento e detalhamento de seus
elementos compositivos.
O pavimento térreo, recessivo em relação ao plano da fachada,
encontra-se todo ocupado pelos halls de acesso e distribuição para
a circulação vertical e pelas dependências ali instaladas, como
depósitos e áreas de serviço.
233
Deste modo, os elementos
233
Tradicionalmente, os edifícios habitacionais na Alemanha contam com uma área
coletiva com depósitos (usados geralmente para guarda de bicicletas, meio de
locomação muito difundido no país) e lavanderias, com máquinas de lavar e secar
roupas de uso coletivo, já que os apartamentos não costumam ser dotados de
áreas de serviço. Assim, estes equipamentos acabam sendo dispostos, em muitos
Trecho de implantação e foto da maquete
mostrando a área ocupada pelas barras altas. 1 –
Walter Gropius; 2 – Pierre Vago; 3 – Alvar Aalto; 4 –
Jaenecke e Samuelson; 5 – Egon Eiermann; 6 –
Oscar Niemeyer.
(Fonte: Wiederaufbau Hansaviertel –
Sonderveröffentlichung zur Interbau Berlin 57)
As seis barras altas, com o edifício de Walter Gropius
em primeiro plano.
(Fonte: www.burgerverein-hansaviertel.de)
3
2
1
4
6
5
138
verticais da fachada sul mostram-se mais destacados no térreo do
que no corpo do edifício, contribuindo para a marcação de ritmo.
O pavimento tipo tem oito apartamentos de três dormitórios com
em média 77m
2
cada, totalizando 67 apartamentos (64 no corpo
do edifício e três no pavimento de cobertura). Cada dois
apartamentos são servidos por um núcleo de circulação vertical. As
paradas dos elevadores localizam-se entre cada dois pavimentos;
ou seja, para acessar o nível dos apartamentos, ou se sobe ou se
desce meio pavimento. Assim, longos corredores foram eliminados
e a área restante foi aproveitada em benefício dos apartamentos.
Todos apartamentos têm dupla orientação, voltando-se para norte
e sul, com sala de estar, cozinha e um dormitório voltados para o
sul, enquanto que banheiro e os outros dois dormitórios voltam-se
para o norte. Porém, a distribuição interna dos apartamentos
mostra-se bastante peculiar e próxima de soluções encontradas na
cidade oitocentista, já que, para se chegar na sala de estar a partir
do acesso do apartamento, passa-se obrigatoriamente pelos
acessos dos dormitórios, cozinha e banheiro – ou seja, a sala é o
último ambiente a ser alcançado. Ou seja, os apartamentos de
Gropius se organizam, em planta baixa, como um conjunto de
recintos, e sua concepção, ao aproximar-se mais de soluções
empregadas na cidade oitocentista, diferencia-se das plantas
baixas mais modernas, flexíveis e integradoras presentes em
outros projetos da Interbau, como os edifícios de van den Broek e
Bakema, Hassenpflug, Niemeyer e Eiermann, entre outros.
A organização interna dos apartamentos remete, ainda, ao projeto
de Gropius para o bairro de Siemensstadt, de 1929-30. As
variações entre as plantas originam-se basicamente na diferença
de profundidade, menor na barra do Hansaviertel. Além disso, o
edifício para a Interbau, diferente do de Siemensstadt, que está
estruturado sobre paredes portantes, apresenta estrutura
independente de concreto, o que permite uma maior liberdade à
planta.
O pavimento de cobertura é acessível por somente três dos quatro
núcleos de circulação vertical e tem ocupação assimétrica, já que
os apartamentos ali presentes ocupam a porção mais ocidental do
pavimento, o que confere algum dinamismo à volumetria. Nele
encontram-se dois terraços e três apartamentos, sendo um de três
dormitórios e outros dois apartamentos de dois dormitórios. Os
terraços são privativos dos apartamentos, e o restante do
pavimento é ocupado com laje impermeabilizada.
Na fachada sul, as varandas possuem parte internalizada no
volume do edifício e parte saliente, tratada como adição; ao
intercalaram-se a cada dois apartamentos – tanto no sentido
horizontal quanto vertical –, resultando em um desenho que
assemelha-se a um tabuleiro de xadrez, conformam-se como
elemento ordenador na composição da fachada. Além disso, nos
apartamentos localizados em ambas extremidades do 3°, 4°, 7° e
8° pavimentos, as varandas sofrem um giro de 90°, voltando-se
para leste ou oeste, enquanto para o sul volta-se uma parede
cega; assim, com o acréscimo das quatro varandas destacadas em
cada extremo, a idéia de adição é reforçada. Gropius propõe, com
isso, uma modificação e uma revalorização das usualmente cegas
empenas de uma barra habitacional. Os guarda-corpos das
varandas são revestidos com chapas brancas, e, como forma de
casos, em porões nos subosolos ou pavimentos semi-enterrados. Porém, no
edifício de Gropius, acabaram por ocupar a área bastante privilegiada do
pavimento térreo.
Plantas pavimento tipo e cobertura da barra de Walter
Gropius.
(Fonte: Interbau Berlin 1957. Amtlicher Katalog der
Internationalen Bauausstellung, págs. 80 e 81)
Fachadas sul e norte da barra de Walter Gropius.
(Fotografia: Mara Oliveira Eskinazi)
139
estabelecer um contraste de cores na composição, as sacadas do
2°, 5°, 6° e 9° pavimentos receberam elementos de fechamento
vermelhos entre cada par e também em suas respectivas laterais.
Nas varandas do 3°, 4°, 7° e 8° pavimentos – que correspondem
aos pavimentos com as varandas rotacionadas –, as placas
vermelhas foram utilizadas somente nas laterais. Os trechos de
fachada localizados entre as varandas são ocupados por bandas de
esquadrias horizontais e peitoris cinza escuros.
A fachada sul é, portanto, caracterizada por uma trama de
elementos horizontais, mais marcantes, e de outros verticais. Os
elementos verticais são, além das já descritas varandas e
esquadrias, também quatro abas brancas que correspondem aos
alinhamentos superiores e inferiores dos volumes formados pelas
varandas rotacionadas. Já os elementos verticais correspondem às
paredes divisórias dos apartamentos; eles sobressaem-se do plano
da fachada e destacam-se do fundo cinza escuro por estarem
pintados de branco.
É sabido que o fundador da Bauhaus não desenhava
234
, e que,
portanto, acabava contando sempre com o auxílio de
colaboradores para o desenvolvimento de seus projetos. Alguns de
seus melhores projetos, como a fábrica Fagus em Alfeld,
Alemanha, de 1911-12, foram desenvolvidos através da parceira
firmada com Adolf Meyer entre 1910-25. Na Inglaterra, Gropius
realiza igualmente bons projetos, porém formalmente
desenvolvidos em outra direção, através da parceria firmada com
Maxwell Fry entre 1934-37.
No caso do Hansaviertel, Dolff-Bonekämper
235
supõe que o edifício
de Gropius apresente uma solução arquitetônica de qualidade
inferior a outros projetos seus. Segundo ela, este prejuízo pode
dever-se, entre outros, ao fato de que, na realidade, o projeto foi
desenhado e desenvolvido por Norman Fletcher, seu colaborador
no TAC (The Architects Collaborative), escritório fundado por
Gropius em Cambridge, Massachussets, Estados Unidos. Em
Berlim, a condução do projeto coube a Wils Ebert, conhecido por
ter participado do Kollektivplan de 1946 e por ser professor na
Hochschule der Künste. Contudo, somente a colaboração de Ebert
é mencionada no catálogo oficial da Interbau.
236
De acordo com o
católogo, pode-se apreender que a tipologia construtiva, as plantas
baixas, e o arranjo das varandas, bem como a idéia de curvar o
edifício são creditadas ao próprio Gropius. Porém, as sutilezas e
detalhes de desenvolvimento do projeto, principalmente no que se
refere à fachada sul, são atribuídas a Norman Fletcher. Enquanto
isso, o detalhamento do interior do edifício – como as áreas de
escadas e os revestimentos de forro, paredes e pisos – ficou a
cargo de Wils Ebert, cuja experiência mais significativa na área
habitacional havia sido o conjunto realizado entre 1953-54 na
Rixdorfer Straße, no bairro de Mariendorf, em Berlim.
O edifício de Gropius para a Interbau é, portanto, produto do
trabalho realizado por uma equipe de três parceiros bastante
heterogêneos. De qualquer forma, a idéia de colocar um edifício
assinado por um dos mais reconhecidos arquitetos modernos
alemães, implantado em um dos locais de maior destaque da área,
certamente deu brilho à exposição.
234
DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT, Franziska (1999), op. cit., pág. 157.
235
DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT, Franziska (1999), op. cit., pág. 157.
236
Interbau Berlin 1957. Amtlicher Katalog der Internationalen Bauausstellung
(1957), op. cit., pág. 80.
Fachada oeste da barra de Walter Gropius.
(Fotografia: Mara Oliveira Eskinazi)
Detalhes da fachada sul da barra de Walter Gropius.
(Fotografia: Mara Oliveira Eskinazi)
140
A BARRA DE PIERRE VAGO
A barra orientada no sentido norte-sul projetada por Pierre Vago
237
conforma, para o lado oeste, em conjunto com a barra de Gropius,
uma praça triangular que faz frente à seqüência de barras de
quatro pavimentos localizada na margem oposta da
Klopstockstraße. Sua face voltada para o leste funciona como
parede de fechamento para o conjunto de residências unifamiliares
localizado no coração do Hansaviertel. Além disso, o edifício auxilia
na conformação do meio-de-campo entre a área sul do bairro e a
área junto à Hansaplatz formada pela estação de metrô e pelo par
de barras dos arquitetos escandinavos.
Construído com estrutura em concreto armado, o edifício
apresenta 64m de comprimento, 12,5m de profundidade e 28m de
altura. Volumetricamente, a barra possui altura equivalente a sete
pavimentos mais cobertura. O térreo recessivo, em parte
construído e em parte com pilotis, é elevado em função do subsolo
semi-enterrado. Nele encontram-se os três acessos ao edifício e
seus correspondentes núcleos de circulação vertical. A porção
norte do pavimento térreo é em grande parte livre e configura-se
como zona fluída de ligação entre o leste e oeste; seu piso,
estendido em direção ao norte, integra o vestíbulo como parte da
paisagem.
A cobertura tem somente 60% de sua área ocupada com três
apartamentos; o restante permanece como área de terraço, livre
para o proveito de todos os moradores. Uma laje plana é
responsável pelo coroamento superior da cobertura. A idéia de
manter parte da área condominial para uso coletivo também
aparece no térreo, onde uma significativa parte das áreas livres foi
transformada em playground coberto. O subsolo acolhe as funções
de lavanderia e depósito, além de abrigar a infra-estrutura do
sistema de calefação.
Nos pavimentos tipo, a solução utiliza-se de uma complexa
composição que associa apartamentos em dois níveis com
apartamentos comuns a partir do deslocamento de meios níveis.
No 2°, 5° e 8° pavimentos, os apartamentos possuem todos o
mesmo nível de piso, porém duas diferentes alturas de pé-direito;
enquanto isso, os apartamentos do 4° e 7° pavimentos possuem
lajes de forro niveladas e de piso em dois níveis. Ou seja, cada
dois apartamentos que se desenvolvem em um pavimento e meio
ocupam altura correspondente a três pavimentos, restando entre
eles um nível livre para um pequeno apartamento intermediário.
Somente os 3°, 6° e 9° pavimentos não apresentam variações de
altura nem nas lajes de piso nem nas de forro.
A composição das fachadas, tanto a leste quanto a oeste, está de
acordo com a organização em níveis dos apartamentos. A fachada
voltada para o leste articula faixas de varandas interrompidas por
panos envidraçados – que correspondem aos ambientes com
altura equivalente a 1,5 pé-direito. Os guarda-corpos das
varandas, alternando planos claros fechados de placas de concreto
com planos em chapas metálicas perfuradas, auxiliam na
articulação dos diferentes níveis em planta. A fachada sul é, por
sua vez, composta a partir de faixas coloridas – branco, amarelo,
237
Pierre Vago, nascido na Hungria, estudou arquitetura na França com Robert
Mallet-Stevens e Auguste Perret, mas era acima de tudo conhecido como
publicador e “diplomata” da arquitetura. Ele foi durante muitos anos editor da
renomada revista francesa L´Architecture d´Aujourd´dui, bem como colaborador
tanto no Bundes Deutscher Architekten das duas Alemanhas, como na fundação da
UIA (União Internacional de Arquitetos).
Plantas pavimentos tipo e corte transversal da barra
de Pierre Vago.
(Fonte: Interbau Berlin 1957. Amtlicher Katalog der
Internationalen Bauausstellung, págs. 84 e 85)
141
azul claro e cinza claro – delimitantes das áreas ocupadas por
esquadrias que, com diferentes formas e tamanhos, adaptam-se à
função e ao tamanho de cada ambiente interno. A empena voltada
para o norte é praticamente cega, já que apresenta somente
pequenas aberturas nos banheiros, enquanto que a voltada para o
sul é composta por esquadrias de salas de estar (com altura
equivalente a 1,5 pé-direito) e de dormitórios.
De acordo com Dolff-Bonekämper,
238
o que levou Vago a projetar
um edifício com tamanha complexidade de solução em níveis foi
seu desagrado com relação aos apartamentos duplex com sala de
estar de pé-direito duplo – como, por exemplo, os desenvolvidos
por Le corbusier para suas Unités d´Habitation. A idéia de projetar
uma sala de estar com 1,5 pé-direito, e não duplo como nas
Unités, parecia para ele formalmente mais equilibrada e
economicamente mais viável.
A BARRA DE ALVAR AALTO
A sequência de grandes barras de oito a dez pavimentos
prossegue com o par de edifícios projetados pelos arquitetos
escandinavos Alvar Aalto e Fritz Jaenecke e Sten Samuelson.
Ambos são responsáveis pela configuração da importante área
pública em forma de praça triangular gerada entre as duas barras
e a Altonaerstraße, onde localizam-se a biblioteca e a estação de
metrô. Os dois acessos ao metrô – tanto este quanto o localizado
no lado oposto da Hansaplatz, junto ao centro comercial e ao início
da série de torres – encontram-se implantados perfeitamente em
um eixo norte sul que atravessa o centro da Hansaplatz e o
conjunto de residências unifamiliares, culminando na igreja Kaiser-
Friedrich-Gedächtniskirche. Além disso, os edifícios fazem a
fronteira e o fechamento norte da área de casas ao longo da
Händelallee e, juntamente com os edifícios de Niemeyer e
Eiermann, auxiliam na delimitação sul da Hansaplatz, área central
e de maior tensão urbana do Hansaviertel. Ou seja, as duas barras
possuem a importante função de conformar e articular
espacialmente a área.
O edifício de Aalto para Berlim incorpora temas organizativos
reincidentes em sua obra
239
,
como a casa átrio e o foro romano. A
referência do autor a estes dois protótipos espaciais é constante
durante mais de 40 anos, e diversos dos seus edifícios contam com
um átrio central. Na Vila Mairea, de 1937-39, assim como em sua
casa de verão, em Muuratsalo, ou na Prefeitura de Säynätsalo, de
1950-51, o pátio adquire a forma de um espaço exterior privado e
fechado. O pátio também pode adquirir a forma e um grande
edifício público interior, semelhante a um foro, semi-fechado por
238
DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT, Franziska (1999), op. cit., pág. 160-
161.
239
A obra de Alvar Aalto, arquiteto de origem finlandensa, já encerrava
reconhecimento mundial na época em que recebeu o encargo de projetar um
edifício residencial para o Hansaviertel. Entre seus projetos mais importantes,
pode-se citar o Clube dos Trabalhadores em Jyväskylä, de 1924, o Sanatório de
Paimio, de 1929-1933, a biblioteca em Viipuri, de 1933-1935, a Villa Mairea, de
1937-1939, o pavilhão finlandês na Exposição Mundial de Paris, de 1937, o
pavilhão finlandês na Feira de Nova Iorque, de 1938-1939, a residência estudantil
do MIT em Massachusetts, de 1947-1949, a universidade politécnica de Otaniemi,
de 1949-1967, a prefeitura de Säynätsalo, de 1950-1951, o pavilhão finlandês na
Bienal de Veneza, de 1956, e um palácio de congressos em Helsinque, de 1967-
1975. E, além de desenvolver projetos tanto na área habitacional quanto industrial
e institucional, Aalto possui também uma vasta experiência no projeto de
mobiliários, incluindo o desenho de cadeiras, mesas, camas e bancos, onde o
emprego da madeira se dá de forma orgânica e natural. Para Aalto, a arquitetura e
o design são partes inseparáveis de um todo, e devem ser projetados
concomitantemente.
Fachada oeste, fachada leste e acesso junto à
fachada leste da barra de Pierre Vago.
(Fotografias: Mara Oliveira Eskinazi)
142
grandes edifícios, como o Sanatório de Paimio,
240
de 1938, ou a
Universidade de Jyväskylä, de 1952.
241
O edifício está implantado no sentido norte-sul, entre a
Klopstockstraße e a biblioteca. Ele não constitui uma exceção à
regra quando comparado ao conjunto da obra do arquiteto, já que
nele aplicam-se dois conceitos de pátio. Sua forma aproxima-se a
um “C” aberto para o leste, e a entrada do edifício desde a rua se
realiza através de um pátio parcial formado pelas alas laterais,
desde um vestíbulo que também pode ser interpretado como
espaço de átrio. Além disso, cada apartamento é, em si mesmo,
uma casa átrio reduzida, já que contém um ambiente central
ligado a uma varanda em torno dos quais desenvolvem-se as
demais atividades.
Contudo, a incorporação da idéia de pátio acabou por tornar a
volumetria do edifício distinta da volumetria das usuais barras, já
que se caracteriza por dois volumes grosso modo quadrados, um
ao norte e outro ao sul, com quatro apartamentos em cada,
ligados por uma ala central mais estreita com uma ligeira quebra
de inclinação, onde encontram-se dois apartamentos por
pavimento. A fachada oeste apresenta-se como um plano linear,
com uma leve dobra, enquanto que a fachada leste caracteriza-se
por essa subtração no volume, que assemelha-se a um pátio
parcial. As empenas não são cegas.
Deste modo, é possível afirmar que o projeto formou, a partir de
duas torres, uma barra, mas que, porém, apresenta vestígios dos
usuais pátios internos das edificações residenciais em Berlim.
242
Contudo, mesmo o edifício podendo ser caracterizado como uma
barra, a centralidade está bastante presente em diversos níveis de
sua concepção, o que remete a comparações com a tipologia das
torres residenciais, onde há um predomínio de plantas com
estrutura organizativa central.
O edifício conta com subsolo, onde encontram-se depósitos e
lavanderia, térreo, sete pavimentos tipo, além de um pavimento de
cobertura, em grande parte explorável pelos moradores como área
livre. A área total de 5.732m
2
é dividida em 78 apartamentos de
seis diferentes tipos e tamanhos, dispondo de unidades de um,
dois e três dormitórios, além de JKs. Ao todo, são 24 apartamentos
com entre 38m
2
e 45m
2
, 8 com 77m
2
, e 46 com entre 83m
2
e
90m
2
.
O térreo abriga somente oito apartamentos – quatro em cada
ponta –, já que a ala central é um hall de uso coletivo. Além disso,
este pavimento, elevado com relação ao nível da rua, é acessível a
partir de rampa no lado oeste ou escada no leste. Neste nível, a
ala central de ligação é livre, ocupada somente com pilotis, o que
permite tanto integração visual entre o leste e o oeste do edifício,
bem como funciona como passagem de pedestres entre ambos os
lados.
240
O projeto para o Sanatório de Paimio, fruto de concurso vencido por Aalto em
janeiro de 1929, prenuncia uma tipologia de organização que o arquiteto irá utilizar
futuramente em seu projeto para Berlim. Nos apartamentos dos funcionários do
Sanatório, ele desenvolveu plantas baixas sem zonas específicas de circulação, ou
seja, a circulação era distribuída para os demais ambientes a partir de um ambiente
central geral, assim como nos apartamentos do seu projeto para a Interbau.
241
SHERWOOD, Roger (1983), op. cit., pág. 108.
242
De acordo com Sherwood, ainda que o edifício de Aalto para Berlim esteja
planificado de maneira tal que requer aberturas para todos os lados, leves
modificações poderiam adequar o edifício para formar um tipo construtivo contínuo,
inserido em um tecido de cidade oitocentista. Em: SHERWOOD, Roger (1983), op.
cit., págs. 108-111.
Planta do pavimento tipo e perspectiva da barra de
Alvar Aalto.
(Fontes: Interbau Berlin 1957. Amtlicher Katalog der
Internationalen Bauausstellung, pág. 87, e
SHERWOOD, Roger (1983). Vivienda: Protótipos
del Movimiento Moderno, pág. 109)
143
Com isso, Aalto consegue transferir para a prática um dos mais
importantes princípios condutores da Interbau, que reside na idéia
de tornar as áreas térreas dos edifícios em locais fluídos,
integrados com as áreas verdes do parque. Entretanto, o térreo do
edifício de Aalto está equipado com bancos ancorados nos guarda-
corpos de concreto, que, ao mesmo tempo em que protegem do
vento e dão maior privacidade à área, tornam-a mais estreita e
sombria e obstaculizam as visuais para o oeste.
Em termos de circulação vertical, o edifício está dividido em dois
núcleos, sendo cada um deles servido por um conjunto de escada
e elevador. Cada núcleo de circulação vertical está implantado
grosso modo no eixo de cada um dos volumes extremos e é
acessível a partir da área coletiva do térreo. Os dois núcleos
contam com iluminação e ventilação diretas, estando suas
aberturas voltadas para o pátio conformado pelo edifício. Cada
núcleo dá acesso a cinco apartamentos por pavimento, sendo
quatro pertencentes a cada uma das alas extremas e um à ala
central.
Cada pavimento tipo conta com dez unidades, entre as quais nove
possuem varandas – o que não possui é o único apartamento JK –,
sendo que duas delas voltam-se para o leste, duas para o sul e as
cinco restantes voltam-se para o oeste – face privilegiada por Aalto
devido a sua posição e a dobra. Todas as varandas possuem uma
pequena empena lateral voltada para o sul.
A planta baixa dos apartamentos de Aalto reproduz, de certa
forma, o princípio de centralidade utilizado por ele na concepção
do edifício como um todo – no centro do edifício, com acesso para
todos os quatro lados, encontra-se uma generosa área coletiva e
um pátio conformado pelo edifício; os núcleos de circulação
também são grosso modo centrais em relação aos volumes das
extremidades, e os apartamentos são acessíveis a partir de três de
suas quatro faces (já que a quarta face volta-se para o pátio). Nos
apartamentos, este princípio de centralidade se repete, e o
Allraum
243
– ambiente universal típico em habitações suecas, bem
iluminado, localizado no centro do apartamento, e que pode ser
utilizado como sala de estar, como sala de jogos, como sala de
jantar, como escritório, ou seja, de acordo com as necessidades da
família –, a área de maior coletividade da residência, localiza-se
em quase todas as tipologias no centro do apartamento, e a partir
dela é possível acessar todos os demais recintos. Os serviços de
cozinha e banheiro se desenvolvem em paredes contíguas aos
corredores, deixando livre toda a superfície com contato exterior
para as varandas e janelas de dormitórios.
Apesar de ter vencido, em 1958, o concurso para o bairro
habitacional de Kampementsbaken, em Estocolmo, com um
projeto que em muito lembra os apartamentos por ele projetados
para o Hansaviertel, o conceito de centralidade em diversos níveis
desenvolvido por Aalto para Berlim não encontra reincidência em
sua obra construída com o tema da habitação, já que o bairro
sueco não chegou a ser executado. Assim, o edifício projetado por
Alvar Aalto para a Interbau, além de permanecer como peça
avulsa no conjunto de sua obra, permanece também sem
seguidores na arquitetura moderna do pós-guerra da Alemanha ou
de Berlim Ocidental.
243
De acordo com descrição o catálogo da Interbau, este ambiente chama-se, na
Suécia, de Allraum, ou, em tradução livre, “ambiente universal”.
Vistas da barra de Alvar Aalto.
(Fonte: imagem superior: DOLFF-BONEKÄMPER,
Gabi e SCHMIDT, Franziska (1999). Das Hansaviertel
- Internationale Nachkriegsmoderne in Berlin, pág.
123; demais: fotografias de Mara Oliveira Eskinazi)
144
A BARRA DE FRITZ JAENECKE E STEN SAMUELSON
O par de barras escandinavas completa-se com o edifício projetado
pelos arquitetos suecos Fritz Jaenecke
244
e Sten Samuelson,
245
a
Schwedenhaus. O edifício, além de ter sido um dos poucos prontos
na época da inauguração da Interbau, contava também com um
apartamento modelo totalmente mobiliado disponível para
visitação.
Assim como as barras de Gropius, de Baumgarten e o conjunto de
quatro barras de quatro pavimentos ao longo da Klopstockstraße,
a barra dos suecos também se orienta no sentido leste-oeste. Além
de excercer importante papel na conformação da praça triangular
onde se localizam a biblioteca e a estação de metrô e de funcionar
como fechamento para o conjunto de casas da Händelallee, o
edifício configura, juntamente com a barra de Oscar Niemeyer,
uma situação de portão, marcando o acesso ou a saída do
Hansaviertel a partir do eixo formado pela Altonaerstraße. Isto se
dá devido à valorizada posição de implantação de ambas as
barras, que formam um ângulo de 45º com relação ao eixo da
grande avenida.
Construído em estrutura de concreto armado, o edifício de
Jaenecke e Samuelson possui aproximadamente 85m de
comprimento, 11m de largura e 31m de altura, distribuídos em 10
pavimentos. O pavimento térreo, recessivo em relação ao corpo do
edifício, configura-se como centro comercial, com quatro lojas
(totalizando 385m
2
), quatro depósitos (totalizando 207m
2
) e três
escritórios (totalizando 216m
2
), abrigando atualmente cabelereiro,
solarium, consultórios médicos e, na ponta leste, um café com
mesas ao ar livre. Sobre o pavimento térreo encontram-se oito
pavimentos tipo e um pavimento de cobertura, que abrigam ao
todo 68 apartamentos, estando 64 distribuídos no corpo do edifício
– oito apartamentos idênticos de 95m
2
cada por pavimento – e
quatro na cobertura, com 115m
2
cada.
Os apartamentos são acessíveis a partir de dois núcleos de
circulação vertical colocados na fachada norte, junto às
extremidades, que distribuem a circulação para um corredor
horizontal aberto junto à mesma face. Outros dois conjuntos de
escada, de posição mais central, servem somente ao térreo e ao
segundo pavimento. Todos volumes de circulação vertical possuem
a empena sul cega, e as faces leste e oeste cobertas por panos de
vidro com estrutura metálica pintada em amarelo. Além disso,
cada par de apartamentos é servido por um elevador, colocado no
hall de distribuição para os apartamentos, ou seja, em posição
internalizada em relação aos abertos corredores horizontais.
Um eixo de simetria é traçado no centro de cada conjunto de
escadas, e a partir deste espelham-se dois apartamentos idênticos.
Cada unidade conta com um dormitório, cozinha e banheiro
voltados para o norte, e um dormitório e sala de estar voltados
para o sul – todos os três dotados de varandas interligadas.
244
Fritz Jaenecke estudou em Dresden e em Berlim e trabalhou, a partir de 1927,
no escritório de Hans Poelzig em Berlim, fundando, na seqüência, escritório com
Egon Eiermann. Por motivos políticos, ele emigra em 1937 para a Suécia, e, em
1942, após ter obtido a cidadania sueca, funda escritório próprio em Malmö,
passando a atuar na área habitacional. Assim, ele é um dos poucos emigrantes
alemães a ter retornado, com seu encargo para a Interbau, para a cidade de sua
atuação inicial.
245
Sten Samuelson graduou-se em 1950 em Estocolmo, e após uma longa viagem
de formação pela América do Norte, torna-se colaborador no escritório de
Jaenecke em Malmö, na Suécia.
Planta pavimento tipo e cobertura da barra de Fritz
Jaenecke e Sten Samuelson.
(Fonte: DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT,
Franziska (1999). Das Hansaviertel - Internationale
Nachkriegsmoderne in Berlin, pág. 119)
Fachada sul e fachada norte da barra de Fritz
Jaenecke e Sten Samuelson.
(Fotografias: Mara Oliveira Eskinazi)
145
Os apartamentos de Jaenecke e Samuelson apresentam um ponto
em comum com os apartamentos do edifício de Alvar Aalto, que é
a presença de uma peça de uso flexível. Contudo, uma observação
mais atenta da planta baixa dos apartamentos de cada um dos
edifícios demonstra que a articulação desta peça com os demais
ambientes do apartamento é diferente, uma vez que, no caso de
Aalto, além de ela assumir uma posição de real centralidade na
planta, em torno da qual todas as demais atividades se
desenvolvem, ela também agrega em um mesmo ambiente as
funções de sala de estar e de ambiente universal. No caso do
edifício de Jaenecke e Samuelson, esta peça flexível, além de não
apresentar a mesma idéia de centralidade que a dos apartamentos
de Aalto – já que uma de suas faces volta-se para a fachada –, ela
configura-se como um ambiente adicional à sala de estar, já que
além desta peça foi planejado um outro ambiente para servir como
estar, e ambos podem ser utilizados ou integrados ou de modo
independente. Além disso, no caso finlandês, o próprio ambiente
flexível distribui a circulação para os demais ambientes, enquanto
que no edifício sueco existe um corredor responsável por distribuir
a circulação, o que torna este ambiente universal menos
centralizador. Assim, o uso e a valorização desta peça
desenvolveram-se de modo diferente em cada caso.
Todos apartamentos voltam-se para norte e sul, estando
igualmente providos de ventilação cruzada; porém, na fachada
norte as esquadrias voltam-se para o corredor de circulação
horizontal. Ambas fachadas norte e sul são preenchidas com
varandas que reforçam a idéia de horizontalidade, e as fachadas
compõem-se a partir da combinação de largos elementos
horizontas (os guarda-corpos das varandas) e de delgados
elementos verticais (cada unidade habitacional corresponde a três
módulos verticais) que, juntos, formam uma grelha. Assim, o
sistema construtivo e a modulação estrutural expressam-se nas
fachadas. Enquanto na fachada norte as faixas horizontais, em cor
laranja claro, correspondem aos corredores de circulação abertos,
na sul elas são em cor azul claro e correspondem às varandas dos
apartamentos. Na fachada norte, a horizontalidade é quebrada
com os volumes de circulação vertical.
O escritório de Jaenecke e Samuelson especializou-se, desde o
princípio dos anos 50, na racionalização da edificação habitacional
por meio de elementos pré-fabricados e pré-moldados. Em
parceria com uma grande construtora sueca, a Skanska
Cementgjuteriert, eles desenvolveram uma larga experiência na
construção de grandes conjuntos habitacionais utilizando-se deste
tipo de técnica construtiva.
A BARRA DE EGON EIERMANN
A nordeste do eixo formado pela Altonaerstraße, o par formado
pelas barras de Egon Eiermann e Oscar Niemeyer conforma-se
como importante elemento para a configuração da Hansaplatz, já
que implanta-se em posição destacada na composição urbana
geral do bairro. Ambas as barras auxiliam também na configuração
do espaço coletivo à leste do edifício de Eiermann, composto pelo
eixo norte-sul que conecta os edifícios de Niemeyer e Bakema e
que encontra nos edifícios de Eiermann e Taut seu limite e
fechamento.
Vista da fachada norte da barra de Fritz Jaenecke e
Sten Samuelson na época da exposição.
(Fonte: www.diestadtvonmorgen.de)
Detalhe da fachada sul da barra de Fritz Jaenecke e
Sten Samuelson.
(Fotografia: Mara Oliveira Eskinazi)
146
O edifício de Egon Eiermann
246
está entre os poucos a aparecer
somente como volume na maquete do plano urbanístico final.
Além dele, as barras baixas de Günther Gottwald e Paul Schneider-
Esleben e a torre de Luciano Baldessari mostram-se indefinidos
nos desenhos iniciais.
Como a construção da barra de Eiermann teve início somente após
o término da Interbau, o projeto não consta no catálogo oficial.
Assim, comparando-se fotos da época da exposição, quando o
edifício ainda não estava construído, com fotos atuais, é possível
observar sua importância no planejamento urbano de toda a área.
Ele exerce o papel de promover o fechamento (ou marcar o início,
dependendo do ponto de vista) da seqüência de seis grandes
barras deslocadas entre sí responsáveis pela estruturação de toda
a composição.
Implantado no sentido norte-sul, o edifício localiza-se ao norte da
Altonaerstraße e ao sul da Bartningallee, levemente avançado para
o oeste com relação à barra projetada por Niemeyer. Ele tem como
vizinhos ao norte a torre de Bakema, ao sul a grande praça
formada em frente à barra de Niemeyer, e a leste barra de três a
quatro pavimentos de Max Taut. Sua fachada principal, voltada
para o oeste, faz frente ao centro comercial, à estação de metrô e
à Hansaplatz.
Assim como Niemeyer, Eiermann também voltou a fachada
principal do edifício para o oeste, compondo-a com varandas
compreendidas entre as paredes divisórias entre apartamentos.
Entretanto, com igual número de pavimentos – 9, ao todo – o
edifício de Eiermann diferencia-se do de Niemeyer essencialmente
no que diz respeito a forma de tratar os pavimento térreo e de
cobertura. No caso de Niemeyer, o térreo elevado é quase todo
livre, com pilotis, e a cobertura, de uso condominial, está
demarcada na fachada como coroamento, restando sete
pavimentos para o corpo do edifício. No projeto de Eiermann, o
térreo é recessivo, porém ocupado com lojas, depósitos e área
condominial; o corpo do edifício conta com oito pavimentos, e não
existe pavimento de cobertura definido ou marcação de
fechamento superior.
O edifício estrutura-se a partir de paredes portantes de concreto
de mesmo tamanho e espessura do térreo até a laje de cobertura.
Alinhadas com o plano dos guarda-corpos das varandas, as
paredes avançam em relação ao plano da fachada onde estão as
esquadrias e portas de acesso às varandas. Assim, conformam-se
também como brises verticais de proteção ao sol oeste.
Assim como no projeto de Niemeyer, o edifício de Eiermann é
dividido em doze módulos iguais no sentido longitudinal a partir
das paredes portantes, e cada módulo corresponde a um
apartamento. Porém, como a barra de Niemeyer é mais extensa,
os apartamentos são, conseqüentemente, mais largos que os de
Eiermann.
Duas torres de circulação vertical, cada uma dotada de um
elevador e uma escada, acoplam-se nas empenas norte e sul e
distribuem a circulação para corredores horizontais que ocupam
246
Eiermann foi responsável por projetos como a reconstrução da Kaiser-Wilhelm-
Gedächtniskirche, o pavilhão alemão para a exposição mundial de Bruxelas,
realizado em parceria com Sep Ruf em 1958, a residência do Conde Hardenberg
em Baden-Baden, de 1960, a embaixada alemã em Wasington D.C., de 1959-1964,
a ampliação do Hotel Prinz Carl, em Buchen, Odenwald, de 1962-1967, o campus
da fábrica da IBM em Stuttgart, de 1967-1972, ou ainda as torres da fábrica da
Olivetti, em Frankfurt am Main, de 1968-1972.
Plantas pavimentos tipo da barra de Egon Eiermann.
(Fonte: DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT,
Franziska (1999). Das Hansaviertel - Internationale
Nachkriegsmoderne in Berlin, pág. 58)
Vistas da fachada oeste da barra de Egon Eiermann.
(Fotografias: Mara Oliveira Eskinazi)
147
toda a dimensão longitudinal da barra e alternam-se a cada dois
pavimentos. Assim, no corpo do edifício, alternam-se duas
variantes de pavimentos tipo.
Para fins de análise, pode-se afirmar que, nos pavimentos em que
existe o corredor de circulação horizontal, o edifício foi dividido em
três faixas longitudinais: junto a face leste encontra-se uma faixa
ocupada com depósitos, sendo um para cada apartamento; a faixa
mais estreita corresponde à circulação, e foi colocada na porção
mais próxima à fachada leste; e a faixa mais generosa
corresponde a apartamentos JK, com banheiro e cozinha
internalizados e um ambiente correspondente a sala ou quarto
com varanda voltado para o oeste.
No eixo das paredes divisórias entre apartamentos, oposto ao eixo
em que se concentram banheiros e cozinhas, foi projetada uma
escada que dá acesso ao pavimento desprovido de corredor de
circulação e de parada de elevadores. Esta escada leva a um
pequeno hall que distribui para a entrada de dois apartamentos de
um dormitório cada. Neste pavimento tipo, os apartamentos são
estruturados de modo semelhante aos apartamentos do pavimento
anterior – com cozinha e banheiro interiorizados e sala com
varanda voltada para o oeste; são, porém, maiores, já que
incorporam a área correspondente às faixas de circulação e de
depósitos, ocupando-a em benefício dos apartamentos como um
dormitório voltado para o leste.
O edifício para o Hansaviertel é considerado peça única no
conjunto da obra de Eiermann, uma vez que sua trajetória
profissional concentrou-se especialmente em projetos para
fábricas, edifícios administrativos e igrejas. Seu encargo de maior
destaque foi o projeto para a reconstrução da Kaiser-Wilhelm-
Gedächtniskirche – igreja que é um dos símbolos de Berlim,
247
localizada na Breitscheidplatz, uma das extremidades da rua
Kurfürstendamm, mais importante alameda comercial da cidade
até então –, obtido a partir de concurso vencido por Eiermann um
ano após a realização da Interbau. Eiermann, que possui uma
destacada produção no desenho de mobiliário, também projetou
todo o mobiliário e os equipamentos do interior da igreja, como o
altar, o púlpito, a concha de batismo, os candelabros, as
luminárias e as cadeiras.
247
A Kaiser-Wilhelm-Gedächtniskirche, construída entre 1891 e 1895 e
originalmente projetada por Franz Schwechten (mesmo arquiteto a projetar a
Anhalter Bahnhof, importante estação de ferroviária de Berlim construída entre
1874 e 1880, muito destruída por bombardeios em 1945 e após implodida),
caracterizava-se por sua escala monumental e pela presença de cinco torres, a
mais alta delas com 113m. A igreja foi bombardeada em novembro de 1943, e em
1957 foi aberto concurso de propostas para sua reconstrução, vencido por Egon
Eiermann. Eiermann propôs a manutenção, como monumento contra a guerra, das
ruínas do que havia restado da torre original de 68m, e a construção de uma nova
torre de planta hexagonal e uma nova capela de planta octogonal. A obra foi
concluída em dezembro de 1961.
148
A BARRA DE OSCAR NIEMEYER
248
O projeto de Niemeyer passou por fortes modificações nas mãos
dos construtores alemães antes de ser construído. Assim, as duas
versões do projeto, a original e a efetivamente construída, serão
objeto de análise neste capítulo.
Oscar Niemeyer, o único representante latino-americano na
Interbau, elabora seu primeiro projeto para Berlim no auge da sua
fama, após visitar a cidade em fevereiro de 1955
249
, meses antes
de assumir o cargo de Diretor do Departamento de Arquitetura da
NOVACAP. Os desenhos do projeto original se publicam em
Módulo, a revista lançada pelo arquiteto, no número 2 (agosto de
1955), e logo no livro de Stamo Papadaki, "Oscar Niemeyer: Works
in Progress".
250
Entretanto, o edifício construído no mesmo terreno
obedece a um segundo projeto, substantivamente diferente. Aliás,
como já dito em 2.9., situação similar ocorre com Le Corbusier,
cujo projeto construído difere bastante do original sem que isso se
possa creditar à mudança de terreno, do Hansaviertel para a
periferia de Charlottenburg, pelo porte avantajado da sua Unidade
de Habitação, mas sim às intervenções dos construtores alemães.
A visibilidade do sítio de Niemeyer é máxima, aberto para a
Hansaplatz e para o Tiergarten.
251
No projeto inicial, como no
construído, o edifício que propõe tem serviços comuns num andar
intermediário. O corpo se ergue sobre pilares em V, limitando um
andar térreo com portarias e diversas caixas de escada. Na
memória do projeto inicial
252
, o arquiteto diz ter fixado seu
trabalho a partir de uma sugestão recebida, a de fazer os
primeiros quatro pavimentos servidos somente por escada. De
fato, o corpo e a base contida são como pequenos edifícios sem
elevador que se associam em três barras, se empilham com a
barra do meio de cabeça para baixo e logo se unem à torre de
elevadores a leste via passarelas no andar térreo, no andar
intermediário diferenciado (que é como o térreo da barra superior
e da barra intermediária) e na cobertura.
Niemeyer procura compatibilizar o máximo de altura com o mínimo
de paradas de elevador e ruas internas, garantindo ventilação
cruzada e dupla orientação para o apartamento normal junto com
o máximo de privacidade no seu acesso. As salas se dispõem a
oeste, voltadas para a Hansaplatz, os dormitórios se dispõem a
leste, voltados para o parque. Cada patamar de escada é
compartilhado só por dois apartamentos. O estacionamento é ao
ar livre. O subsolo na projeção do corpo acolhe depósitos,
lavanderia e local para guarda de bicicletas. E se a idéia de
serviços comuns num andar diferenciado paga tributo à unidade de
habitação de Marselha, a eliminação de ruas internas é uma
alternativa, se não uma crítica. Mas há também um pouco de
Reidy no esquema de base. Afinal, o bloco curvilíneo do
248
A opção por desenvolver uma análise mais detalhada deste paradigmático
edifício deve-se ao fato de ele caracterizar-se como único projeto brasileiro na
Interbau e como único projeto de Niemeyer na Alemanha. A análise aqui colocada
reproduz trecho do artigo “Niemeyer em Berlim”, escrito em parceria com Carlos
Eduardo Dias Comas e publicado na Revista Arqtexto 10-11, agosto de 2008, págs.
114-155.
249
Conforme a data de 15/02/55 no croquis perspectivo assinado publicado na
Revista Módulo, número 2, agosto de 1955.
250
PAPADAKI, Stamo (1956). Oscar Niemeyer: Works in Progress. New York:
Reinhold.
251
O edifício encontra-se implantado perpendicularmente à Straße des 17. Juni,
importante avenida que se encerra no Portão de Brandenburgo e em cujo
prosseguimento se inicia a Unter den Linden, ambas avenidas partes do eixo que
atravessa Berlim no sentido leste-oeste.
252
Revista Módulo, número 2, agosto de 1955.
Corte transversal esquemático da primeira versão do
projeto de Niemeyer, ainda com 12 pavimentos, mas
já com somente 3 ligações entre a torre externa de
circulação e o corpo principal do edifício.
(Fonte: PAPADAKI, Stamo. Oscar Niemeyer: Works
in Progress)
Desenho da fachada leste, de acordo com a versão
inicial do projeto de Niemeyer. O edifício ainda
contava com 12 pavimentos, e a torre de circulação
tinha a forma de um envelope curvo, abrigando não só
elevadores, como rampas.
(Fonte: Revista Módulo, número 2, outubro de 1955)
Perspectiva mostrando a versão inicial do projeto,
ainda com 12 pavimentos perfazendo três barras
empilhadas.
(Fonte: BOTEY, Josep Maria. Oscar Niemeyer. Obras
y proyectos)
149
Pedregulho tem também um andar intermediário diferenciado,
equipado e pontuado por caixas de escada comunicando com
apartamentos acima e abaixo.
O projeto inicial propõe três barras de quatro andares empilhadas.
Cinco caixas de escada levam do térreo aos apartamentos do 2º,
3º e 4º andares. Entre os dois volumes em que essas caixas se
aglutinam há passagens públicas de carros e pedestres. O andar
intermediário diferenciado é o oitavo comunicando via as caixas de
escada com três andares abaixo – o 5º, 6º e 7º - e a três acima –
o 9º, 10º e 11. Os nove andares-tipo tem dez apartamentos com
cozinha e banheiros interiorizados. São nove apartamentos de dois
quartos e um apartamento de um quarto por andar, este acessível
pela penúltima caixa de escada a norte. A distância entre essa
caixa e a caixa extrema vizinha fica menor que a padrão, mas
disfarçada no térreo por sua associação num dos dois volumes em
que se aglutinam as caixas de escada.
Os apartamentos se distribuem em dezenove módulos estruturais
de 3,75 metros de largura, correspondendo no térreo a dez pilares
em V que limitam nove vãos de 7,50 metros. O comprimento é da
ordem de 71,25 metros e a profundidade, 15,50 – incluindo os
balanços de 1,50 e 2 metros de largura. Os apartamentos maiores
tem em torno de 90m
2
e ocupam dois módulos com um pilar
isolado no meio da sala. O quarto e sala não passa de 34m
2
. Os
pilares térreos são semelhantes em proporção aos utilizados no
Palácio da Agricultura do Ibirapuera e no Hospital Sul América, de
conotações orgânicas e primitivistas. Integram uma série que inclui
os pilares em V de ordem colossal no condomínio hoteleiro do
Quitandinha, (1950) e os pilares em W do conjunto JK (1951). O
número ímpar de módulos garante a alternância de pilares e vãos
no andar térreo. A discrepância entre os dezenove vãos e os
dezessete de algumas perspectivas publicadas é irrelevante nesse
sentido - mas em qualquer caso a planta tipo não prescinde de um
apartamento especial.
Em termos de função, o andar intermediário diferenciado se
imagina feito um clube, com duas varandas ao longo do
comprimento do prédio. O espaço de estar fluído se estende entre
os espaços devidamente compartimentados do bar-restaurante-
cozinha num extremo e da sala de jogos e do auditório (que a
legenda diz ser sala de TV) no outro. O percurso para atingir as
caixas de escada é transversal ou lateral. Em termos de
configuração exterior, é uma fenda nas duas fachadas
longitudinais, envidraçado por trás das colunatas periféricas em
contraste com as empenas cegas e os panos de vidro sobre os
bordos dos andares-tipo.
A cobertura se dedica ao cultivo do corpo de carne e osso, com
ginásio, piscina, playground, circundados por terraço, canteiros
ajardinados e parapeito baixo. A cobertura é colonizada por formas
particulares. Uma laje de bordos mistilíneos feito língua acomoda o
estar junto à piscina, espécie de positivo da fenda que anima o
interior do Pavilhão das Indústrias construído no Parque do
Ibirapuera. A casca abobadada a que se acopla abriga o ginásio e
tem secção oval, versão bebê, sem exo-esqueleto, da primeira
proposta para o Pavilhão supra-citado. A torre de circulação é um
envelope curvo abrigando rampas e dois elevadores, implantada
em uma posição que divide a fachada leste em uma proporção
aproximada de 1:2. A torre justaposta ao corpo do edifício é uma
característica do edifício residencial moderno brasileiro desde o
Tapir de Jorge Moreira (1941). Seu afastamento e conexão por
Plantas baixas do subsolo, térreo, pavimento coletivo
e pavimento tipo de acordo com a versão original do
projeto.
(Fonte: Revista Módulo, número 2, outubro de 1955)
Croquis perspectivo do pavimento de cobertura.
(Fonte: BOTEY, Josep Maria. Oscar Niemeyer. Obras
y proyectos)
150
passarelas é inovação que configura uma articulação porosa entre
torre e corpo.
A base comporta dois volumes envidraçados abrigando as portarias
e as caixas de escada, recuados atrás das linhas de pilares em V e
elevados de um metro em relação ao nível do terreno, sobre um
soclo de pedra. Entre um volume e outro tem passagem para
pedestre e para veículo ao rés do chão. Vinculando a Hansaplatz
com o Tiergarten, a base se mostra porosa e penetrada por rota
pública, como no Ministério da Educação carioca e exemplar.
Paredes de pedra, paredes rebocadas e incrustadas com pedras,
paredes azulejadas e painéis de vidro aparecem nas perspectivas
publicadas temperando a transparência e enriquecendo
consideravelmente a gama de texturas do projeto. Fineza e leveza
se temperam com rusticidade.
Como no Ministério, o chão limitado e tratado para além da
projeção da barra é um elemento ativo da composição,
constituindo uma esplanada que singulariza o quarto oriental da
Hansaplatz. À diferença do Ministério e à semelhança do Yacht
Club Fluminense, a esplanada se expande sem limites construídos
laterais contínuos. Margeada pela passagem de carros, acolhe dois
volumes diferenciados soltos como moldura da entrada. Um é
similar ao restaurante proposto antes para o Ibirapuera. A casca
de duas abóbadas que ecoa o clube de Diamantina não tem função
identificada. O abrigo de ônibus se correlaciona com a rampa que
leva a portaria sul, diretamente vinculada à torre de elevadores.
Tomada junto com o pilotis transparente, a esplanada remete à
base composta que é uma constante dos projetos residenciais
anteriores de Niemeyer, a combinação de uma base expandida
com andar superior recessivo em relação ao corpo do edifício que
distingue o condomínio hoteleiro Quitandinha em Petrópolis e o
conjunto JK belo-horizontino como os edifícios COPAN, Montreal e
Eiffel no centro de São Paulo.
Para a revista
Bauwelt
, no seu caderno 12/1955, o projeto é
sensacional, e "
os arquitetos de todo o mundo virão para Berlim,
assim como peregrinam hoje para Marselha a fim de conhecer o
edifício de Corbusier
". A revista considera tratar-se de "
uma
experiência de configuração espacial extremamente ousada, com
determinações e princípios construtivos da habitação social
".
253
Um
ano depois, a
Módulo
4, março de 1956,
254
publica uma vista da
maquete do projeto que será construído, mencionando a vinda ao
Rio de Janeiro de engenheiro-arquiteto representante da Prefeitura
de Berlim para "
acertar os últimos detalhes da obra
", Gerd
Biermann, que o catálogo da Interbau (1957) dá como arquiteto
para contato e encarregad da obra. O mesmo catálogo publica as
plantas do andar-tipo e do andar intermediário diferenciado, com a
vista oposta da maquete, creditando o projeto estrutural a
Joaquim Cardozo e a revisão a Max Hannemann. O paisagismo do
entorno é creditado a Hertha Hammerbacher (Berlin) e Edvard
Jacobson (Karlstadt, Suécia). É provável que o arquiteto alemão
Hans Georg Müller tenha participado desse segundo projeto. Em
"L'Architecture d'Aujourd'hui" número 75, dezembro de 1957, são
republicadas as plantas do andar-tipo e do andar intermediário
diferenciado, junto a duas fotos muito próximas de
axonometrias.
255
253
Revista Bauwelt, 12/55, pág. 231.
254
Revista Módulo, número 4, pág. 57.
255
Revista L'Architecture d'Aujourd'hui, número 75, págs. 8-9.
Croquis das fachadas oeste e leste.
(Fonte: Revista Módulo, número 2, outubro de 1955)
Croquis do térreo, de Oscar Niemeyer.
(Fonte: Revista Módulo, número 2, outubro de 1955)
151
Em prol do conforto, o projeto construído reduz a três o número
de andares acessíveis só por escada, e o número total de andares
é reduzido para oito. São seis os andares-tipo e o andar
intermediário diferenciado é agora o sexto. Em prol da economia,
os apartamentos não excedem os 80m
2
– implicando a redução da
sua largura e consequentemente alterações no dimensionamento
da estrutura. No projeto inicial, o apartamento de dois dormitórios
tem 7,50m de largura, correspondendo a dois vãos estruturais de
3,75. Agora, largura e vão estrutural de 6,20 metros coincidem. O
par de apartamentos de dois dormitórios alterna com o
grupamento de um apartamento de um dormitório e outro de três.
Todos têm agora uma varanda e a cozinha ganha ventilação e
iluminação diretas - compensando a redução da largura do
dormitório. As zonas de estar e cozinha, localizadas a oeste e
comunicadas com a varanda, estão conectadas com a zona de
dormir, localizada a leste, através de um estreito corredor com um
armário embutido arqueado. São doze apartamentos e seis caixas
de escada nos seis andares-tipo. A profundidade do edifício não se
altera, mas o comprimento aumenta um pouco e alcança 74,40
metros. Para compensar a diminuição do número de apartamentos
em função da diminuição de altura do edifício em relação ao
projeto original, o andar intermediário diferenciado passa a ter uso
misto, comportando uma fita de seis apartamentos menores sem
varanda e orientados somente para o leste; entre eles, cinco são
apartamentos de dois dormitórios de planta praticamente idêntica,
o sexto tem área reduzida devido à passarela de conexão com a
torre de circulação vertical, comportando somente um dormitório.
São no total 78 apartamentos com 44 m
2
, 72 m
2
e 79m
2
de área,
doze a menos que no primeiro projeto.
Em conseqüência dessas alterações, o percurso para atingir as
caixas de escada no andar diferenciado passa a ser intermediário,
incorporando os patamares. O restaurante é eliminado do
programa. A planta publicada mostra dois salões fechados com
vidro, com uns 51m
2
e 120m
2
respectivamente, o maior incluindo
área para um pequeno auditório. Os salões alternam com espaços
de uso não especificado nos extremos e no transepto que se
articula com a passarela levando aos elevadores. A torre que os
contém se torna triangular, com seu ângulo mais agudo apontado
para o sul, e se acerca ao corpo do edifício. As rampas se
eliminam. Acima, o coroamento vira um sótão fechado
lateralmente por muros altos e opacos com pequenas perfurações.
O espaço é indiviso sob o telhado de cimento-amianto, salvo por
uma bateria de depósitos complementares.
No andar térreo, os pilares em “V” se tornam mais abatidos, com
arestas retas. Como o número de módulos é par, há uma
duplicação de pilares: um conjunto de quatro pilares limitando três
vãos se justapõe a outro de três pilares limitando dois vãos. A
porosidade do prédio se modifica. Não se pode mais atravessá-lo
segundo uma rota ao rés do chão. Toda a laje do subsolo é sobre-
elevada entre as duas filas de pilares em “V”. Os dois volumes
incorporando as caixas de escada desaparecem, e elas se soltam.
Os panos de vidro ao longo da elevão para a torre se substituem
por corrimões, aumentando a permeabilidade da base e
banalizando-a ao mesmo tempo. Do outro lado, a esplanada vira
gramado, e a rampa de acesso ao nível térreo se implanta paralela
à barra.
A fachada de entrada oeste inverte a proposição original. Os
andares tipos se apresentam em recesso atrás de uma grelha
Maquete da versão final do projeto
(Fonte: Revista Módulo, número 4, março de 1956)
Planta do pavimento tipo da versão construída.
(Fonte: Interbau Berlin 1957. Amtlicher Katalog der
Internationalen Bauausstellung, pág. 91)
152
conformada verticalmente pelas paredes divisórias dos
apartamentos, versão achatada da grelha do Hospital Sul América.
O andar intermediário diferenciado se envidraça no prumo. O
guarda-corpo das varandas é parcialmente fechado por placas
azuis ou amarelas. No lado oposto, intercalam-se bandas
transparentes, parapeitos pintados de verde e bordos de laje em
contraste com a torre de elevadores, cujas paredes cegas de
concreto têm a superfície marcada com pontos verdes opacos
regularmente distribuídos. Não há mais pavimento diferenciado. As
empenas ganham tiras de vidro correspondendo à iluminação dos
banheiros, que também as divide numa proporção de 1:2. As
paredes altas do sótão se enfeitam com pequenos rasgos tímidos
para ventilação. O coroamento remete uma vez mais ao Hospital
Sul América – e seus precedentes, como o Instituto de Resseguros
dos irmãos Roberto e o Pavilhão Suiço, de Le Corbusier.
As mudanças não são de todo injustificadas, em particular a
diminuição do número de andares servidos exclusivamente por
escadas. Apesar disso, em termos de fineza e leveza, o projeto
construído é definitivamente inferior ao original. Desaparece o
contraste forte entre o recuo dos pilares e o volume do corpo
avançado, a alternância entre colunatas aparentes e panos de
vidro. Os pilares em V abatidos são pesados, mas é sua
justaposição que impacta como um solecismo. Manter o número
ímpar de vãos não reduziria o número de apartamentos, desde que
se aproveitasse o fato do projeto definitivo manter a parada de
elevadores na cobertura para adicionar um ou dois andares ao
bloco. Não soa problemática a diminuição do comprimento do
bloco para 68,20 metros. Por exemplo, onze apartamentos em sete
andares tipo mais cinco apartamentos no andar diferenciado
(redução de um) dá 82 apartamentos, mais que o construído, e se
fossem oito os andares tipo o total seria 93 apartamentos, mais
que os 90 do projeto original. Os apartamentos do andar tipo não
seriam todos iguais, mas tal não parece ser obrigação, nem grande
dificuldade de projeto.
Na verdade, há um paradoxo curioso aí, porque a justificativa
econômica não parece se aplicar à combinação de redução de área
e número de apartamentos com redução da altura. De outro lado,
outros edificios na Interbau - como a Schwedenhaus - foram
construídos com apartamentos de áreas iguais ou maiores às do
projeto original de Niemeyer.
O outro problema é o andar diferenciado. Na proposta original são
1.104m
2
dos quais se poderiam deduzir uns 240 m
2
para
circulação, resultando em 864m
2
correspondentes a 9,6m
2
de área
condominial por apartamento. Na segunda são 409m
2
correspondentes a 5,25m
2
de área condominial por apartamento.
Afinal, alguém tem que pagar pelo efetivo desenvolvimento das
“diferentes possibilidades de lazer e de contato” que as intenções
originais perseguiam. É certo que a sugestão final deixa a desejar
e poderia ser revista, precisada nas suas especificações,
considerando até a introdução de mais apartamentos. Em qualquer
caso, caberia ser mais taxativo na aceitação da maior flexibilidade
da planta compartimentada em relação à indivisa, contrariamente
ao argumento corbusiano que identifica aquela com planta
paralisada. Afinal, a não execução de nenhum dos salões previstos
é outro paradoxo. Larga demais para simples circulação e
desprovida de mobília, a área fica sub-utilizada, desperdiça espaço.
Niemeyer não se orgulha do edifício, a julgar por seu depoimento
de 1975:
Planta do pavimento intermediário da versão
construída.
(Fonte: Interbau Berlin 1957. Amtlicher Katalog der
Internationalen Bauausstellung, pág. 90)
Edifício de Oscar Niemeyer visto a partir da barra de
Jaenecke e Samuelson.
(Fotografias: Mara Oliveira Eskinazi)
153
“O conjunto habitacional de Berlim foi projetado numa de
minhas estadias na Alemanha e, uma vez sua construção
terminada, eu não me preocupei com ir visitá-lo. Sua
concepção original tinha sido muito modificada: aumento da
seção das colunas externas, modificação da fachada assim
como do interior, supressão de um andar em comum que
justificava o sistema de acesso previsto”.
256
Nem o edifício é valorizado pelos autores que documentaram a
obra de Niemeyer. Não aparece no Papadaki de 1960, nem no
Penteado de 1985 ou no Puppi de 1987. Em 1995, Jean Petit
(1995) data o encargo de 1953 e o projeto da viagem de 1954
(sic), menciona modificações e acrescenta uma pequena foto.
Botey publica só o projeto original em 1996 – com texto que
reitera o equívoco dos vinte vãos ao invés de dezenove.
Historiadores como Bruand ou Frampton o ignoram. Benenvolo e
Curtis mencionam rapidamente a Interbau. O interesse volta a
partir do fim dos 1990, no Brasil em monografias, artigos,
dissertações e teses de alunos e professores do PROPAR
257
, na
Alemanha em livros sobre o Hansaviertel como o de Gabi Dolff-
Bonekämper e Franziska Schmidt.
258
Maior pesquisa seria necessária para saber se o projeto definitivo
foi desenvolvido no escritório de Niemeyer. Possivelmente, como
acontece com o primeiro projeto, o detalhamento é
responsabilidade dos alemães, mas a publicação em sua revista
atesta que ao menos aprovou algumas das modificações, mesmo
que de afogadilho e a contragosto. É significativo que a maquete
seja fotografada como uma axonometria evidenciando a fachada
oeste para a Hansaplatz, onde se pode observar a presença das
varandas nos apartamentos e o envidraçamento do andar
diferenciado, a simplificação da base e do coroamento.
A situação com Le Corbusier é parecida. Apesar do desgosto do
arquiteto francês com a supressão, por parte dos promotores
alemães, dos equipamentos comuns e dos apartamentos com
dupla orientação tão importantes no protótipo de Marselha, ou
com a elevação do pé-direito de 2,26 para 2,60m, ele não deixa de
publicar a Unidade de Habitação de Berlim na sua
Œuvre
Complète
. Em ambos os casos, os filhos podem ser bastardos, mas
os pais não renegam de todo a paternidade – ao contrário do que
faz Lucio Costa com a Casa do Brasil executada em Paris por Le
Corbusier. A propósito, pilares muito parecidos ao pilar em V da
Interbau se podem ver na sede da Fundação Getúlio Vargas
(1955-58) de Niemeyer com Hans Georg Herrmann Muller,
mencionado por reportagem de Carmen Stephan em Spiegel
Online International de 14/12/2007 como a pessoa que veio de
Berlim com carta da Cidade para "
recordar Niemeyer de sua
obrigação de projetar um edifício para o Hansaviertel
".
O resultado não satisfaz as expectativas de Bauwelt. Não
entusiasma, não é heróico. Mas não ofende, envelheceu com
dignidade. Como seus vizinhos, o Niemeyer-Haus é hoje um dos
endereços atraentes da cidade para quem procura um bairro
sossegado, embora haja quem reclame que o esquema de
circulação não é "amistoso".
259
É fácil esquecer como eram raros
256
PETIT, Jean (1995). Niemeyer, poeta da arquitetura. Lugano: Fida Edizioni
d’Arte, pág. 26.
257
PROPAR - UFRGS. Carlos Eduardo Comas, Fátima Beltrão, Fernanda Drebes,
Carlos Alberto Bahima, Mara Oliveira Eskinazi.
258
DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT, Franziska (1999), op. cit.
259
Segundo o site http://www.galinsky.com/buildings/niemeyerinterbau/, acessado
em 21.12.2007 às 21.38hs, que denomina o arquiteto de Oscar Niemeyer e Soares
Vistas das fachadas oeste e leste e detalhe do pilares
em “V”.
(Fotografias: Mara Oliveira Eskinazi)
154
nos idos de 1957 berlinenses os edifícios de apartamentos de área
e custo razoáveis com elevadores, peças iluminadas por grandes
panos de vidro, cozinhas com mobília ajustada às paredes e
banheiros com água quente corrente.
A eliminação da esplanada junto à Hansaplatz se compensa em
parte com a pavimentação que o articula com os edifícios
enfrentados de Egon Eiermann e de Max Taut, ou a torre de van
den Broek e Bakema do outro lado, o primeiro com nove andares,
o segundo com três e a terceira com dezesseis, todos construídos
após 1957. O edifício de Eiermann usa um esquema de circulação
parecido ao de Niemeyer, mas empilhando casas de altos e baixos
antes que edifícios de três ou quatro andares. Os elevadores que
param de dois em dois andares ficam em torres nas empenas,
vinculando-se a galerias entre bateria de depósitos e apartamentos
JK. Entre cada par de apartamentos se dispõe uma escada levando
ao quarto e sala superior de dupla orientação. A torre dos
arquitetos holandeses tem apartamentos de secção escalonada
similar a que Niemeyer adota no condomínio hoteleiro Quitandinha
e no conjunto JK.
Parcialmente frustrado nas suas soluções plásticas e funcionais, o
Niemeyer-Haus não deixa de ilustrar em muitos aspectos a série
de "unidades de habitação à brasileira" que o arquiteto elabora na
primeira metade da década de 1950. Como o projeto que o
antecede, é a versão suburbana que complementa – sem o
comércio – o Quitandinha em entorno rural e, em entorno urbano
ou metropolitano, o JK, o COPAN, o Montreal e o Eiffel. A despeito
das queixas de Niemeyer, a inovação que apresenta em termos de
esquema de circulação continua retendo validade em contextos
menos favorecidos. É curioso que não tenha sido retomado
posteriormente no Plano-Piloto de Brasília, oportunidade ímpar
para diversificar a oferta tipológica de habitação coletiva no país,
mas essa é outra história, para outra ocasião.
CONCLUSÕES
As barras habitacionais presentes no Hansaviertel demonstram a
riqueza de soluções que podem ser encontradas dentro de um
conjunto de edifícios de mesma tipologia. Os Zeilenbau
apresentam, além da variação de alturas, de áreas e de articulação
interna dos apartamentos – encontramos edifícios de 9m a 31m de
altura e apartamentos, seja de um pavimento ou duplex, de 27m
2
até 118m
2
–, também uma significativa diversidade no que tange
as relações entre circulação horizontal e circulação vertical. Aqui,
coexistem barras com um ou dois volumes de circulação vertical
externalizados, acoplados à ela, combinados com longos
corredores de circulação horizontal, como é o caso de Schuster ou
Schneider-Esleben; barras com dois ou mais volumes de circulação
vertical acoplados, restringindo os longos corredores a pequenos
halls de distribuição, como é o caso de Gropius ou Jaenecke e
Samuelson; barras com circulação vertical internalizada, como é o
caso de Aalto, Gottwald, ou Vago; e barras que apresentam uma
combinação de circulação vertical internalizada com um volume
externo acoplado, como é o caso do edifício de Niemeyer.
Porém, independente das variações presentes na quantidade de
pavimentos, na área dos apartamentos e no tipo de relação entre
circulação horizontal e circulação vertical empregado, a edificação
Filho e menciona que o andar comum para eventos se chama "conjunto" no Brasil
(sic). O site registra ainda que um morador do prédio desde 1959 se espantou ao
saber que Niemeyer projetara a capital do Brasil e perguntou: "Como alguém que
não sabia projetar um elevador decente podia projetar uma cidade?"
Vistas do pavimento térreo.
(Fotografias: Mara Oliveira Eskinazi)
155
em linha coloca-se, no Hansaviertel e no urbanismo moderno,
como importante meio para alcançar uma equivalência de
condições entre seus elementos e para alcançar uma ausência de
hierarquia entre suas partes, principalmente no que se refere à
relação entre a frente e os fundos do edifício. Este aspecto torna-
se especialmente relevante no contexto da Interbau, uma vez que,
de um modo geral, na nova implantação do Hansaviertel, não
existem claras definições a respeito de o que configura-se como
frente e o que configura-se como fundos.
De acordo com Panerái,
260
o quarteirão da cidade
“haussmanniana” apresenta, em seu conjunto, aspectos comuns
que claramente o diferenciam da estrutura urbana moderna, já
que ele se divide em uma periferia e em um interior. Assim, acaba
por estabelecer uma evidente hierarquia, desenvolvida em
seqüência em direção ao interior – primeiro pátio, corte, segundo
pátio, corte, etc. –, além de uma clara diferenciação entre exterior
e interior. A parte exterior, ou seja, a periferia, tem uma conexão
direta com a rua, que é entendida como lugar de trocas, e suas
fachadas, públicas, recebem geralmente um grau hierárquico
superior às fachadas internas; contrariamente, o interior é uma
zona mais privativa, afastada do contato com a rua, e que carece
de funções de representação global. Segundo Panerái, “
A
oposição que se suscita no quarteirão entre a periferia e o interior
deve ser entendida como um sistema de diferenças que facilita
ordenar uma determinada complexidade (a complexidade do
tecido urbano)
”.
261
No entanto, neste sentido, seria possível, a partir das análises
individuais realizadas de cada uma das barras presentes no
Hansaviertel, questionar esta ausência de hierarquia entre frente e
fundos de alguns dos edifícios. Nas barras em que ou a circulação
horizontal se dá paralela à maior dimensão da barra, junto à
fachada, ou naquelas em que os serviços voltam-se todos para
uma determinada face, é possível supor que há uma
hierarquização da frente em relação ao fundo, já que nestes casos,
normalmente as funções mais nobres, como sala de estar e
ambientes de convívio, voltam-se para a melhor orientação, e a
fachada que seria considerada como “frente” recebe um
tratamento plástico e formal diferenciado.
Outro aspecto de destaque relacionado às barras reside em sua
capacidade de abrigar altas densidades populacionais. Quando
comparadas às torres habitacionais, as barras lineares
(principalmente as altas) evidenciam-se como alternativa para a
obtenção de uma maior densidade habitacional com menor
número de pavimentos. As barras, ao ocuparem uma maior porção
de solo, conseguem atingir significativas densidades, porém em
menor altura. Já as torres, ao ocuparem menos, precisam elevar-
se mais para atingirem densidades populacionais mais altas.
Assim, apesar de a concepção inicial das grandes barras do
Hansaviertel – que, em conjunto, formavam duas baías abertas em
direção ao Tiergarten – ter sido significativamente alterada quando
das modificações implementadas no projeto vencedor do concurso
urbanístico, e a configuração dos semi-círculos ter restado
somente como vestígio, a importância destes elementos para a
estruturação urbana do bairro foi mantida. As seis barras altas
260
PANERAI, Philippe; CASTEX, Jean; DEPAULE, Jean-Charles (1986). Formas
urbanas: da la manzana al bloque. Barcelona: Gustva Gilli, págs. 44-45.
261
PANERAI, Philippe; CASTEX, Jean; DEPAULE, Jean-Charles (1986), op. cit.,
pág. 44.
Vistas da fachada leste e do pavimento coletivo.
(Fotografias: Mara Oliveira Eskinazi)
156
que, combinadas duas a duas, dão forma a largos e praças, e as
quatro barras baixas organizadas em dois grupos – sendo que, em
um deles elas encontram-se implantadas em uma série paralela,
de forma que dão ritmo à composição, e em outro auxiliam na
transição das torres para o parque – têm a capacidade de
organizar os edifícios e os espaços a seu redor. Além disso, mais
do que uma combinação de edifícios soltos em um amplo espaço
aberto, as barras configuram-se como um conjunto de edifícios de
natureza e propriedades de forma, tamanho e proporção
determinantes para a definição do espaço urbano do bairro.
157
4. ANEXOS
4.1. QUADRO COMPARATIVO:
RESIDÊNCIAS UNIFAMILIARES
4.2. QUADRO COMPARATIVO:
TORRES
4.3. QUADRO COMPARATIVO:
BARRAS DE 3 A 4 PAVIMENTOS
4.4. QUADRO COMPARATIVO:
BARRAS DE 8 A 10 PAVIMENTOS
158
159
160
161
162
163
5. CONCLUSÃO
5.1. RESULTADOS
5.2. COMPARAÇÃO E CRÍTICA
5.3. EPÍLOGO: O HANSAVIERTEL NA CONTROVÉRSIA
URBANÍSTICA DA BERLIM PÓS-REUNIFICAÇÃO
164
5.1. RESULTADOS
Apesar da divisão de Berlim e de sua posição como “ilha”, por
muitos anos após o término da II Guerra Mundial, devido ao
impulso desencadeado pelo enorme volume de construções e
reconstruções, a cidade exerceu o papel de centro experimental e
de fonte de idéias para uma nova arquitetura e um progressivo
desenvolvimento urbano. Por mais de 40 anos, foram
desenvolvidos diversos projetos, tanto no leste como no oeste, que
deram um impulso decisivo para o desenvolvimento arquitetônico
e urbanístico da cidade e do país – na época também dividido.
262
No Hansaviertel, a iniciativa de construir um bairro moderno em
pleno centro urbano foi precedida por uma desmaterialização do
modelo arquitetônico e urbanístico com que foram projetadas as
operações na cidade oitocentista previamente existente.
Aqui, a
grande transformação no processo de construção da paisagem
consistiu na substituição da cidade “haussmanniana” – do
quarteirão fechado –, onde prevalecia uma ordem edificatória
estreitamente ligada à forma urbana mediante o parcelamento, à
rua, aos pátios e às formas de uso, pela cidade moderna – que
teve como propulsores os bairros de Frankfurt e a
cité radieuse
do bloco livre e da barra habitacional, onde a autonomia do objeto
edificatório rompe toda a referência ao substrato planimétrico da
cidade.
263
A materialização da proposta arquitetônica e urbanística colocada
em prática pela Interbau, ao implantar um bairro moderno em
meio à cidade existente, todavia sem romper completamente com
o substrato planimétrico existente – uma vez que são claros, no
novo plano, os vestígios do traçado anterior – alçou a cidade de
Berlim na vanguarda das iniciativas urbanas da época. Não
obstante o grande número de discussões entre os defensores do
modelo de cidade moderna empregado pela Interbau e aqueles
que a rechaçam, a importância dos resultados alcançados pela
exposição é inegável.
Os amplos espaços entre os edifícios e as edificações isoladas
resultaram em uma paisagem fluída e abstrata. Do ponto de vista
funcional, os edifícios habitacionais foram, grosso modo,
agrupados de acordo com semelhanças tipológicas: os edifícios
mais baixos ocuparam as fronteiras com o parque, buscando
estabelecer uma transição entre área construída e área verde,
enquanto que na área vizinha à curva do viaduto do S-Bahn foram
implantadas duas séries, uma de quatro barras baixas e uma de
cinco torres, que dão ritmo à composição e são responsáveis pelo
enfrentamento do bairro junto à cidade existente. As barras altas e
o tapete de casas foram implantados em regiões mais centrais,
assim como a Hansaplatz, que configura-se como centro focal,
coletivo e comercial, para onde convergem todas as vias principais.
O sistema viário foi resolvido com um número reduzido de vias,
algumas principais e outras secundárias, e estacionamentos
próximos aos edifícios. Um sistema de caminhos para pedestres
isolava o transeunte dos automóveis. Ou seja, ao lidar, no plano
das edificações, com diferentes tipologias habitacionais e com uma
variedade de equipamentos coletivos, e no plano do paisagismo,
262
IMHOF, Michael e KREMPEL, Leon (2001), op. cit., pág. 5.
263
SOLA-MORALES, Manuel de (1985). Em: PANERAI, Philippe; CASTEX, Jean;
DEPAULE, Jean-Charles (1986). Formas urbanas: da la manzana al bloque.
Barcelona: Gustva Gilli, pág. 10.
165
com um sofisticado zoneamento de funções e com uma rede de
caminhos que fluem através de áreas ajardinadas e arborizadas, o
plano para o Hansaviertel acabou por operar também com
diferentes escalas de intervenção urbana e com uma grande
variedade de espaços – a praça composta, os largos fechados de
três ou dois lados gramados e/ou pavimentados, as ruas sem
saída, os caminhos – definidos pelos diferentes tipos habitacionais,
pelas diferentes funções e pelo paisagismo. O resultado é uma
composição urbanística bastante sofisticada, que, ao combinar
elementos como a axialidade, a simetria, a série, a inversão e a
erosão da geometria elementar, coordena com muita propriedade
o projeto dos edifícios com o projeto dos espaços abertos.
Posteriormente, a Interbau influenciou uma série de intervenções
modernas – caracterizando-se por edificações isoladas em amplos
espaços verdes – realizadas em Berlim no final da década de 50 e
principalmente ao longo da década de 60, como os bairros de
Charlottenburg Nord, de 1956, Gropiusstadt, de 1962, e
Märkisches Viertel, de 1963; contudo, estes bairros, diferente do
Hansaviertel, localizam-se em regiões periféricas da cidade.
Também propostas enviadas para o concurso internacional
Hauptstadt Berlin
(Berlim Capital), convocado em 1958 pelo lado
ocidental – importante iniciativa com a finalidade de reconstruir a
cidade destruída, que teve como principal diretriz estabelecer um
plano para uma futura Berlim reunificada –, como o projeto
enviado por Alison e Peter Smithson
264
, podem ter recebido
influência do urbanismo moderno praticado pela Interbau.
265
Entretanto, em que pese seu débito com a cultura moderna, a
exposição mostrava-se, sob a ótica de dois aspectos em especial,
comprometida com objetivos urbanísticos de certo modo distintos
dos apresentados nos projetos acima citados desenvolvidos no
período do pós-guerra para a construção de habitações em massa.
Além de configurar-se como uma intervenção realizada em pleno
centro urbano, e não na periferia – como a grande maioria dos
bairros habitacionais modernos construídos na Alemanha –, a
densidade planejada para o Hansaviertel é baixíssima.
Contudo, para os objetivos deste estudo, após uma análise
aproximada de cada um dos edifícios, o aspecto mais importante a
ser ressaltado a respeito dos resultados obtidos com a
reconstrução moderna promovida pela Interbau consiste na
constatação de que a idéia de abrigar diferentes formas de habitar
na cidade moderna mostrou-se muito mais complexa e variada do
que as quatro tipologias classificadas neste estudo – casas, torres,
barras baixas e barras altas – pareciam indicar. Isto porque cada
um destes tipos, internamente, acabou por comportar uma grande
variedade de soluções no que diz respeito principalmente às
questões compositivas e às distributivas, ou seja, essencialmente
ao modo como relacionam-se circulação vertical e horizontal.
Além disso, na Interbau, a preocupação com a coexistência de
diferentes tipos edificatórios ao invés da indicação de uma solução
única – baixa altura ou altura elevada – também pode ser
interpretada como uma resposta à polêmica alemã entre Gropius e
May ou ao próprio debate ocorrido no interior dos CIAMs.
264
Em seu projeto enviado para o concurso Hauptstadt Berlin, os Smithsom, ao
invés de continuarem defendendo as megaestruturas, optaram por volumes
localizados e livres de tráfego, materializados na forma de plataformas elevadas,
demonstrando, com isso, uma obsessão pela promessa libertadora da mobilidade
das massas.
265
Hans Scharoun também enviou proposta para este concurso.
166
O olhar mais atento sobre cada um dos edifícios construídos por
ocasião da Interbau demonstra também que, no âmbito da obra
de cada um dos arquitetos participantes, houve tanto casos de
contribuições inovativas, quanto de contribuições que são
claramente provenientes de conceitos já desenvolvidos e testados
em projetos anteriores. Tanto as barras altas de Fritz Jaenecke e
Sten Samuelson e a de Pierre Vago, quanto a própria Unidade de
Habitação de Le Corbusier – apesar das modificações sofridas
demonstram continuidade e semelhanças com a produção anterior
de seus respectivos arquitetos.
Já outros arquitetos, como Oscar Niemeyer, Luciano Baldessari,
Alvar Aalto e Jacob Bakema desenvolveram para a Interbau
projetos bastante particulares e pioneiros quando comparados com
a obra por eles construída em seus paises de origem. Oscar
Niemeyer já havia projetado no Brasil uma série de barras com
circulação acoplada; porém, a idéia de empilhar duas barras com
somente três paradas de elevador é empregada de modo pioneiro
em seu edifício de Berlim. Os apartamentos da barra de Alvar Aalto
assemelham-se com os por ele projetados para o bairro de
Kampementsbaken, em Estocolmo; porém, como o bairro sueco
não chegou a ser executado, o conceito de centralidade
desenvolvido por Aalto para Berlim não encontra reincidência em
sua obra residencial construída. A torre de Luciano Baldessari
configura-se como exemplar único desta tipologia em sua obra,
enquanto que a torre de van den Broek e Bakema apresenta
semelhanças com outra torre por eles projetada para o norte da
Holanda, ocasião em que os holandeses ensaiaram um complexo
sistema de organização em níveis. Porém, o edifício de Berlim foi
novamente o único efetivamente construído.
Esta variedade de tipos de edifícios acompanha, no caso do
Hansaviertel, também uma grande variedade de configuração e de
tamanhos de apartamentos. Coexistem no bairro desde
apartamentos JK até de três dormitórios, de 27m
2
até 118m
2
,
apartamentos cuja geometria tende a um quadrado, outros mais
retangulares, apartamentos com dupla orientação e ventilação
cruzada com outros voltados unicamente para uma fachada,
apartamentos duplex, apartamentos em um único pavimento, etc.
Ou seja, o tema da mistura social possibilitada pela variedade
tipológica demonstra-se bastante presente, tornando-se evidente
que, mesmo que os edifícios do Hansaviertel configurem-se, para
os padrões alemães da época, como habitação social, estava claro
que o importante não era a realização de apartamentos espaçosos
com o mínimo de investimento, mas sim ofertar apartamentos de
diferentes tipos e tamanhos que atingissem a diferentes camadas
sociais, desejos e exigências, possibilitando uma integração e
mistura representativa da estrutura da sociedade da época. Com
isso, o bairro alcança um outro patamar de interesse econômico e
social em termos de moradia. Atualmente, os apartamentos da
Interbau estão longe de configurar-se como habitação social, uma
vez que, principalmente devido a sua localização, extremamente
central na cidade, e ao mesmo tempo em meio ao verde, são
extremamente valorizados no mercado imobiliário local.
Além disso, a Interbau também promoveu no Hansaviertel uma
mescla de habitações com outras atividades tradicionais presentes
na vida urbana, como comércio, escola, teatro, museu, estação de
metrô, biblioteca e igrejas, manifestando, com isso, além da
variedade tipológica, também uma expressiva diversidade
funcional. Assim, mesmo que, em diversos aspectos, o projeto de
Croquis e caricatura representando o Hansaviertel.
167
reconstrução do Hansaviertel tenha se pautado no modelo de
cidade ideal pretendido pela arquitetura moderna, a mescla de
tipologias e de funções aqui encontrada acaba, de certa forma, por
contestar o zoneamento monofuncional ditado pela Carta de
Atenas e a visão caricata de que a cidade moderna consistia em
uma repetição mecânica e acrítica de blocos habitacionais
idênticos.
Ou seja, em meio a um contexto de construções e reconstruções
de bairros habitacionais, principalmente de âmbito social e baixo
custo, como a representada na imagem ao lado, da cidade-
trabalho de Sarcelles, em Paris, o Hansaviertel acaba, mais uma
vez, por colocar-se como exceção no quadro arquitetônico e
urbanístico do momento. Isto porque, ao partir de uma aplicação
menos superficial dos ideais do urbanismo moderno, que reage às
características do local e às reais necessidades de um contexto
urbano múltiplo, heterogêneo e bastante variado, o bairro
berlinense agrega características que nos permitem qualificá-lo
como um exemplo bem sucedido de cidade moderna.
5.2. COMPARAÇÃO E CRÍTICA
Esta idéia de cidade proposta pela arquitetura moderna, em que
prevaleciam o zoneamento monofuncional e a repetição, além de
ter influenciado diversas intervenções para a reconstrução de
cidades européias no pós-guerra, como os bairros habitacionais
periféricos anteriormente citados ou outros projetos urbanísticos
realizados para Berlim – como os projetos enviados por Le
Corbusier, Hans Scharoun e pelos Smithson para o concurso
Hauptstadt Berlin,
ou o projeto para as redes de rodovias urbanas
, serviu também como base para as discussões a respeito do
modelo de cidade desencadeadas pelo processo da IBA 1987. A
IBA, ao buscar resgatar a essência da cidade “haussmanniana”,
coloca-se como grande momento crítico da Interbau.
Junto com a IBA, diversos autores estabeleceram posições críticas
ao modelo de cidade moderna em parte empregado pela Interbau
– em parte porque, como vimos, esta funciona como exceção ao
ideal de urbanismo moderno por contestar o zoneamento mono-
funcional e apresentar uma grande diversidade nos mais variados
níveis de seu planejamento. Assim, a comparação da Interbau com
a teoria e a prática da IBA foi aqui entendida como meio para a
tomada de conclusões a respeito da Interbau e das visões críticas
estabelecidas com a revisão do movimento moderno.
Entre estas críticas, destaca-se o artigo “From large housing
estates on the outskirts to rebuilding the inner city – urban
development debates in germany 1960-1980”, escrito por Vittorio
Magnano Lampugnani. Para Lampugnani
266
, de um modo geral, o
desenvolvimento urbano na Alemanha no período após o final da
II Guerra até a década de 70, que se concentrou acima de tudo
em conjuntos residenciais para suprir as deficiências causadas pela
guerra, foi um capítulo pouco glorioso na sua história
arquitetônica. A partir do final dos anos 50, os terrenos nos
centros urbanos caíram em grande parte nas mãos dos interesses
comerciais, como resultado de uma má política das terras e de
uma brutal especulação, o que levou os conjuntos habitacionais a
serem retirados dos centros urbanos, substituídos por edifícios
266
LAMPUGNANI, Vittorio Magnano (2003). From large housing estates on the
outskirts to rebuilding the inner city – urban development debates in Germany 1960-
1980. Em: KLEIHUES, Josef Paul; KAHLFELDT, Paul; LEPIK, Andres; SCHÄTZE,
Andreas (2003), op. cit., págs. 67-79.
Vista aérea de 1963 da cidade dormitório de Sarceles,
no oeste parisiense, planejada em 1950 como respota
às demandas habitacionais do pós-guerra. De acordo
com Marvick, não há dúvidas de que a grande falência
das políticas sociais dos anos 60 reside nos projetos
de habitação social.
(Fonte: MARVICK, Arthur. The Sixties. Cultural
Revolution in Britain, France, Italy, and the United
States, c.1958-c.1974. Oxford University Press, 1998,
p. 648)
Rede de rodovias urbanas de Berlim.
(Fonte: Leitfaden – projekte, daten, geschichte.
Berichtsjahr 1984. Internationale Bauausstellung Berlin
1987, pág. 21)
168
comerciais e levados para as regiões periféricas das cidades. A
separação de moradias e espaços de trabalho demandada por Le
Corbusier e outros arquitetos modernistas nos anos 20 agora
acontecia de modo diferente: cidades dormitório monofuncionais
proliferaram nas periferias urbanas, enquanto que edifícios
comerciais ocuparam os prédios históricos remanescentes da
guerra.
Porém, as críticas não começaram só na IBA. Mesmo na época da
Interbau, em 1957, J. M. Richards publica na Revista Architectural
Review, nº 722, de março de 1957, o artigo “What has happened
to the Modern Movement?”. Richards coloca que os projetos de
cidades modernas podem ser ditos destrutivos para o
planejamento da cidade devido ao fato de que, se há um visível
sintoma de falência na aplicação dos princípios da arquitetura
moderna às necessidades do mundo no pós-guerra, este provém
da obstinação pela qual os edifícios permanecem como porções
individuais de arquitetura, ao invés de estarem vinculados com
uma imagem mais coesa de cidade:
267
Existia uma grande expectativa com os resultados desses
projetos, pois a guerra veio em um momento em que a
revolução dos anos 20 e 30, que objetivava substituir uma
arquitetura baseada em precedentes históricos por uma
arquitetura baseada em análises científicas, foi rapidamente
consolidada. A nova preocupação dos arquitetos com
problemas sociais e funcionais e as técnicas de construção
amplamente industrializadas utilizadas para resolver estes
problemas, juntamente com a nova linguagem visual
derivada da solução destes problemas, resultou, ao longo do
século 19, no chamado Movimento Moderno. A expectativa
era de que as reconstruções do pós-guerra dariam a este
movimento um enorme ímpeto; de fato estes primeiros 10
anos de reconstrução emergiram com uma Europa
transformada de um cenário de confusão surgido de
gerações com objetivos conflitivos e prejudiciais, em um
cenário adornado com um consistente, apesar de
regionalmente diferenciado, padrão de arquitetura
merecedor do adjetivo “moderno
””.
268
Portanto, segundo pode-se apreender deste trecho do artigo de
Richards, o grande volume de edificações surgido nos primeiros
dez anos de reconstruções do pós-guerra teria servido como
propulsor para o desenvolvimento e a consolidação da arquitetura
moderna. Porém, de acordo com Martí Arís, “
a repetição acrítica e
acomodativa desta fórmula, especialmente nos anos posteriores à
II Guerra Mundial, acabou por conduzi-la ao seu descrédito e
esgotamento
”.
269
A título de comparação, apesar de inicialmente apresentarem-se
como situações opostas, a Interbau e a IBA também oferecem
algumas semelhanças. Além de ambas configurarem-se como
intervenções localizadas em regiões centrais da cidade, elas
apresentam objetivos finais semelhantes – reconstruir, restaurar
ou renovar bairros e regiões de Berlim que se encontravam em
grande parte destruídos ou degradados devido às conseqüências
ocasionadas pela II Guerra Mundial. Porém, ambas demonstraram
meios completamente distintos para alcançar estes fins.
267
RICHARDS, J. M (1957). What has happened to the Modern Movement?
Revista Architectural Review, nº 722, março de 1957, págs. 159-160.
268
RICHARDS, J. M (1957), op. cit., pág. 159.
269
MARTÍ ARÍS, Carlos (2000), op. cit., pág. 37.
Propostas enviadas para o concurso Hauptstadt
Berlim, respectivamente, por Le Corbusier, Hans
Scharoun e Alison e Peter Smithson.
169
A teoria e a prática relacionadas ao caso da IBA foram ao encontro
da idéia de que a cidade deve ser vista como uma construção
indissociável de sua história, memória, cultura e tradição, ou seja,
o tecido urbano histórico não deve ser ignorado, e as edificações
não devem ser pensadas como objetos arquitetônicos individuais.
Ou seja, a IBA buscou evidenciar as contradições da arquitetura e
do urbanismo modernos através de uma arquitetura identificada
com as condições locais – seja em escala urbana ou na escala do
objeto arquitetônico, a IBA cultiva a idéia de “lugar” (derivada do
reconhecimento inicial do
genius loci
, da história e dos elementos
pré-existentes de um sítio) em oposição à noção abstrata de
“espaço”, tal como este foi idealizado pela arquitetura moderna.
Ou seja, enquanto a IBA relaciona as novas edificações com a
cidade oitocentista, onde a geometria dos edifícios relaciona-se
integralmente com o alinhamento das vias, na Interbau os edifícios
isolados e espaçados rompem a referência com o tecido urbano.
Além disso, na IBA a preocupação maior não residia no projeto do
edifício em si, mas sim no resultado que este conjunto de edifícios
traria para o tecido urbano e para o desenho da paisagem urbana.
Com isso, a IBA acaba por não lidar com os conceitos de tipo e
tipologia da mesma forma como a Interbau.
Assim, pode-se afirmar que a oposição que a IBA estabelece à
cidade moderna provavelmente não deva-se à exemplos onde
coexistem temas como a variedade – em oposição à repetição –
ou a combinação de atividades – em oposição à
monofuncionalidade –, como é o caso da Interbau, mas sim
eventualmente aos exemplos mal sucedidos. E, em que pese que
muitos dos argumentos da IBA incidam justamente sobre os temas
da repetição e da monotonia do urbanismo moderno, essa análise
detalhada realizada a respeito da variedade tipológica presente na
Interbau mostra que uma cidade moderna pode comportar a
heterogeneidade, a multiplicidade e a riqueza da cultura urbana.
Ao mesmo tempo, demonstrar que a Interbau, ao apresentar uma
série de diferenças com relação às visões mais simplificadoras do
urbanismo moderno, constitui-se como um exemplo bem sucedido
de cidade moderna, não invalida a iniciativa da IBA, nem as
posições críticas por ela perseguidas – mesmo que dificilmente a
IBA valorizasse uma iniciativa como a Interbau, pricipalmente
porque, naquele momento, a tendência era atentar mais para os
defeitos do que para as qualidades da arquitetura moderna. Isto
porque, justa ou injustamente, as reconstruções massivas do pós-
guerra –sobre as quais grande parte dos eixos teóricos destacados
pela IBA se pautaram – podem ter levado ao naufrágio conceitos
importantes da arquitetura moderna que, ao serem empregados e
disseminados de forma acrítica, levaram parte da boa arquitetura
moderna produzida nos anos 50 ao descrédito e ao esgotamento.
Portanto, a Interbau, que foi, acima de tudo, uma demonstração
de alto calibre da arquitetura e do urbanismo internacional do pós-
guerra, demonstra que não é necessário estar de acordo com todo
o conjunto normativo dos CIAMs para que a iniciativa seja
valorizada como um modelo bem sucedido de materialização de
um fragmento de cidade moderna. Além disso, o laboratório de
tipologias no qual a Interbau se transformou, ou seja, um local
onde diferentes alternativas de tipos edificatórios residenciais
encontraram campo para ser testadas e experimentadas,
demonstrou que há muito ainda que se aprender desta variedade
e das diferentes possibilidades de se habitar em uma cidade
moderna.
170
5.3. EPÍLOGO: O HANSAVIERTEL NA CONTROVÉRSIA
URBANÍSTICA DA BERLIM PÓS-REUNIFICAÇÃO
A cidade de Berlim vem sendo construída, reformulada e
reconstruída pelas vanguardas do pensamento arquitetônico em
diferentes períodos de sua história. Os movimentos culturais que
nortearam a concepção de teorias e práticas no campo da
arquitetura foram configurando uma paisagem urbana composta
de fragmentos desses diferentes períodos históricos. A ocorrência
de uma série de significativas intervenções arquitetônicas, no
decorrer do século XX, resultou em uma paisagem com
características complexas, em que elementos históricos
remanescentes de quase oito séculos de história situam-se lado a
lado com estruturas modernas e contemporâneas recém-
construídas.
O desenvolvimento dos anos 60 e 70, especialmente construção do
Muro de Berlim, em agosto de 1961, a destruição de edifícios
antigos existentes e a construção de megaestruturas
arquitetônicas tanto no centro da cidade quanto nas periferias
levou, acima de tudo, em Berlim, a uma revisão dos conceitos
arquitetônicos e urbanísticos conduzidos no pós-guerra, que
culminou, noas anos 80, na iniciativa da IBA 1987. Porém, a
mudança mais recente e talvez uma das mais profundas acontece
partir de 1989 com a queda do Muro. Com ela, as condições em
Berlim mudaram drasticamente, já que a arquitetura pós-
reunificação deixou a cidade sem os pressupostos originais sobre
os quais as decisões urbanísticas haviam sido definidas por mais
de 40 anos, durante o período do pós-guerra.
270
A partir de então,
duas metades que foram sendo (re)construídas desde o término
da guerra com modelos muito diferentes deveriam, então, ser
unidas para formar um todo, e para se converter, em junho de
1991, novamente na capital do país reunificado. Tratava-se agora
de dotá-la de equipamentos e instalações condizentes com uma
importante metrópole européia, através de um processo que se
mostrou bastante delicado e complexo, não só política e
socialmente, mas também arquitetonicamente. Instalava-se,
portanto, com a da queda do Muro, uma nova fase de
desenvolvimento, em que Berlim deveria, além de tornar-se centro
intelectual, cultural e político da Alemanha, ter uma posição
especial entre o leste e o oeste na Europa e estar, sobretudo, em
condições de entrar na disputa em um mundo globalizado.
271
Assim, dando prosseguimento à IBA, após 1989, Berlim se
transformou, principalmente nas suas regiões mais centrais, em
um canteiro de urbanismo e de história da arquitetura nacional e
internacional. Com todas as transformações ocorridas, depois da
reunificação começa em Berlim um processo de ampla análise do
existente e de seus vestígios históricos, com a cidade vista como
uma memória construída de seus habitantes. Contudo, na
competição ilimitada dos sistemas por criar a “cidade nova”, a
“nova sociedade”, o “progresso”, e na busca de novas formas de
organização e orientação urbanísticas, se perdeu, pouco a pouco,
o que, no seu centro, havia sido constituído como uma típica
metrópole européia.
Hans Stimmann foi nomeado chefe do departamento de
arquitetura e urbanismo do município de Berlim e arquiteto
encarregado de orientar e conduzir o destino arquitetônico e
urbanístico da cidade e o processo de reestruturação urbana nos
270
IMHOF, Michael e KREMPEL, Leon (2001), op. cit., págs. 9-10.
271
KIEREN, Martin (1998). Neue Architektur, Berlin 1990-2000. Berlin: Jovis.
171
anos após a reunificação. Sua atuação compreendeu questões
relacionadas à estética dos edifícios e à intermediação entre
interesses públicos e privados. Segundo Stimmann, Berlim perdeu,
no momento de sua reunificação, grande parte de sua memória, e
essa história da destruição está até hoje sendo disfarçada como o
lema de “Berlim como o lugar do novo”.
Para enquadrar seu trabalho exercido após a reunificação,
Stimmann apropria-se do termo “reconstrução crítica” (termo
amplamente difundido por Kleihues durante o processo da IBA) no
direcionamento das novas constrões; porém, a apropriação
deste termo para as intervenções urbanas que se seguem após a
queda do Muro, por ter se tratado da importação fechada e acrítica
de um modelo para contemplar solicitações bastante distintas das
que desencadearam a IBA, deve ser vista dentro de uma ótica
restritiva, uma vez que dá margem a uma interpretação
reducionista do enfoque originalmente proposto por Kleihues.
272
Enquanto a IBA atuou em um âmbito prioritariamente doméstico, a
nova reconstrução é desencadeada a partir de uma situação
política e institucional singular, radicalmente distinta daquela
enfrentada por Kleihues, tanto em caráter, como em sua própria
escala e metas estabelecidas. Após a queda do Muro, os interesses
voltaram-se na busca pela atração de investidores e recursos
privados. Deste modo, a figura do investidor privado, e não mais
os interesses da cidade como espaço urbano coletivo, se converteu
agora no personagem principal. A arquitetura configurou, em
muitos casos, um valioso recurso de marketing para a instalação
de grandes empresas privadas em Berlim. Assim, uma das maiores
críticas aos projetos aprovados nesta época reside justamente
neste objetivo implícito de promover a revitalização econômica
com base em estratégias que envolvessem a reconstrução de
trechos da cidade.
Se por um lado o encaminhamento de Kleihues partiu de
um posicionamento teórico flexível e pouco dogmático que
esteve aberto à experimentação e ao confrontamento de
idéias, o de Stimmann parece haver sido conduzido a partir
de um mecanismo regulador para impor uma ordem
superficial às milhares de propostas que de um dia para o
outro inundaram Berlim através de investidores e
arquitetos. Atuando pelo caminho inverso ao de Kleihues,
tratava-se de administrar o renascimento de uma capital
entre os interesses mais diversos que pouco espaço
deixavam para o tratamento quase que exclusivo que teve
o tema da arquitetura no período da IBA. Porém, em se
tratando de rotular, o termo reconstrução crítica passa
para a história principalmente através de sua superfície,
deixando para trás sua substância”.
273
É dentro deste contexto que Hans Stimmann apresenta, em 1996,
através do Senado de Gerência do Desenvolvimento da Cidade,
Proteção ao Meio-ambiente e Tecnologia, o “Planwerk Innensatdt”,
plano que resultou, essencialmente, do esforço de regular as
construções na cidade no período do pós-guerra e das iniciativas
principalmente por parte dos investidores de exigir um maior
adensamento populacional de regiões centrais da cidade pouco
densas a partir de seus entendimentos, como o Mitte, antigo
centro de Berlim Oriental destruído pela guerra e pelas demolições
do pós-guerra. Neste plano, cujas propostas para um novo
272
PASSARO, Laís Bronstein (2002), op. cit., págs. 200-201.
273
PASSARO, Laís Bronstein (2002), op. cit., pág. 201.
172
desenho da paisagem urbana influenciam, até a atualidade, o
processo de reconstrução de Berlim pós-reunificação, a idéia de
adensamento das regiões centrais não restringiu-se ao Mitte ou à
ocupação de terrenos baldios ainda remanescentes na antiga
Berlim Oriental, mas estendeu-se a propostas de concentração
também na Berlim Ocidental, alcançando, por fim, o Hansaviertel.
Aqui, Stimmann propõe a construção de novas edificações
adicionais ao longo da Altonaerstraβe, e indica o projeto para um
edifício isolado a ser implantado na área gramada entre os edifícios
de Oscar Niemeyer, Egon Eiermann e a Hansaplatz, a fim de
configurar a esquina, para ele faltante. Além disso, entre os
edifícios de Fritz Jaenecke e Sten Samuelson e o de Paul
Baumgarten, Stimmann propõe a construção de um pequeno
edifício, que para ele preencheria uma lacuna também faltante.
Felizmente, nas versões posteriores e mais elaboradas do
“Planwerk Innensatdt”, essas idéias foram abandonadas, mas não
foram esquecidas. Em abril de 1998, os arquitetos Salomon
Schindler, Urs Füssler e Tobias Nöfer expuseram na estação de
metrô Hansaplatz suas propostas para uma nova reconstrução do
Hansaviertel, onde manifestavam o desejo de que a estrutura
histórica do antigo bairro fosse resgatada.
274
Portanto, na medida
em que estas idéias de adensamento tanto do próprio
Hansaviertel, bem como as tendências de adensamento
construtivo do seu entorno vão se confirmando e tornando-se cada
vez mais próximas da realidade, esta área da cidade torna-se um
fragmento cada vez mais precioso e valorizado.
Mesmo que estas idéias não devam ser levadas a sério, nunca
sejam colocadas em prática e permaneçam somente na fantasia de
seus idealizadores, permanece o pretexto de esforçar-se pela
conservação não só dos edifícios construídos pela Interbau
individualmente, mas do plano urbanístico para o Hansaviertel
como um todo. Com este intuito, o bairro, seus edifícios e seus
jardins foram tombados em 1995 pelo patrimônio histórico de
Berlim como monumento arquitetônico, paisagístico, urbanístico e
histórico. Assim, apesar de toda a atualidade dos edifícios e do
espaço urbano gerado, a arquitetura e o urbanismo do
Hansaviertel, que em 2007 comemorou 50 anos de sua
inauguração, tornaram-se o moderno já passado, ou seja,
patrimônio.
274
DOLFF-BONEKÄMPER, Gabi e SCHMIDT, Franziska (1999), op. cit., pág. 199.
Selo comemorativo aos 50 anos de
inauguração da Interbau, completados em
2007.
(Fonte: www.berliner-hansaviertel.de)
173
6. DOCUMENTAÇÃO.
I. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
II. REVISTAS E NÚMEROS MONOGRÁFICOS
III. SITES DE INTERNET
IV. FONTES DOCUMENTAIS
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I. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Kreuzberg Museum für Stadtentwiclung und Sozialgeschichte
Adalbertstraße 95A - 10999 Berlin
180
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Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
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