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Dissertação apresentada ao curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação
em Comunicação da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre em Comunicação Social.
Área de concentração: Comunicação e Sociabilidade Contemporânea
Linha de Pesquisa: Meios e Produtos da Comunicação
Orientadora: Prof. Dra. Patrícia Moran Fernandes
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Que são estes, dedicados à família forjada na conjunção entre Cardosos e Coutinhos,
em especial ao seu Ieso e à dona Sônia; à Patrícia, pela atenciosa orientação em constante
ebulição criativa; à Carla e a todos os outros amigos, longe ou perto; à Lígia, Fredu, Filipe,
Victor, Renné, Rafa e colegas afim, prova irrefutável que conhecimento é construído em
conjunto; à Bia, César, Paulo, Bruno e Vera, por lições e carinho em doses generosas; à
Miriam e ao Alessandro, sempre atarefados mas muito prestativos; à Capes, por financiar a
realização deste trabalho. Se há algum mérito neste trabalho, ele é todo de vocês.
O presente trabalho busca problematizar os MUDs, espécie de jogo multiplayer
disponível na Internet, enquanto um espaço privilegiado para a construção de histórias em
comunhão, ou seja, um espaço lúdico que permite que a narrativa construída por um jogador
de encontro a narrativas de outros jogadores, de modo que nesse cruzamento elas sejam
mutuamente tocadas. Nesse domínio marcado por um entrelaçamento da narrativa e do jogo,
procura-se compreender mais especificamente de que maneira as relações estabelecidas entre
os jogadores nesse ambiente de jogo originam uma história que se abre a um intenso processo
de interação social na sua própria dinâmica de constituição e existência, caracterizando-se
assim pela transitoriedade, indeterminação, não-fechamento e presencialidade.
Palavras-Chave: História; Jogo; Narrativa; MUD; Multiplayer.
The objective of this research is to problematize MUDs, a sort of multiplayer game
avaiable on the Internet, as a privileged space for the construction of stories in communion,
that is, a ludic space which allows the narrative constructed by a player to meet other player's
narratives, in such a way that in this crossing both are mutually touched. In this domain
marked by an interlacement of narrative and game, the study tries to understand more
specifically in which way the relations established between the players in this game
environment originate a story that opens itself to an intense process os social interaction in its
own constitutuion and existence, therefore characterized by transitority, indetermination, non-
closing and presentiality.
Key-Words: Story; Game; Narrative; MUD; Multiplayer.
Enquanto Teseu desbravava o labirinto de Creta à procura do Minotauro, de sua mão
desprendia-se o filamento de um novelo de que era, a um tempo, uma artimanha que
evitava que ele se perdesse nos meandros das bifurcações, mas também o liame de sua
história; à medida que o aventureiro adentrava o desconhecido, o fio de Ariadne registrava sua
trajetória e se tornava uma espécie de testemunha dos acontecimentos ocorridos durante sua
aventura. A metáfora é banal, porém permite perceber que, desde tempos longínquos, havia
uma preocupação com a ordenação do desconhecido, e uma das principais maneiras
encontradas para se lidar com o labirinto heterogêneo da experiência humana foi a criação de
histórias. Histórias essas que, no entanto, se manifestam de diversas maneiras ao longo do
desenvolvimento da cultura ocidental.
Em um pequeno trecho de seu texto O narrador, Walter Benjamin aponta para uma
mudança da forma como os homens narram suas histórias marcadamente após a Primeira
Guerra. Segundo o autor, com o advento da modernidade, há uma perda progressiva do ato de
se contar histórias em comunhão com os ouvintes, à maneira dos viajantes de antigamente que
trocavam experiências através de relatos orais. Como o autor afirma, “quem escuta uma
história está em companhia do narrador; mesmo quem a partilha dessa companhia. Mas o
leitor de um romance é solitário”. (Benjamin, 1994, p.213) Benjamin nessa diferença de
registro uma marca de seu tempo, onde as histórias são então compostas em um momento
distinto de sua recepção, em contraposição a histórias confeccionadas ao redor de uma mesa,
onde o interlocutor podia dar alguma opinião e talvez mudar o destino daquela narrativa.
Entretanto, em paralelo a essa figura centralizadora do autor de romances, e de vários outros
produtos midiáticos, pode-se perceber o surgimento de objetos expressivos que possibilitam
uma nova configuração desse fazer narrativo. Notadamente localizada em meios eletrônicos,
essa outra forma de narrar se configura como uma trajetória por um banco dinâmico de
informações, onde os eventos da narrativa, longe de estarem encadeados previamente em um
enredo, vão se delineando através de uma diversidade de caminhos percorridos. Muitas vezes,
essa história é realizada num mesmo ambiente onde várias outras pessoas transitam em grupo,
numa comunidade virtual. Um dos lugares no ambiente de rede onde essas histórias contadas
em conjunto podem ser encontradas são um tipo de jogo multiplayer disponível na Internet, os
MUDs. Como bem afirma Sherry Turkle,
MUDs são uma nova forma de jogo virtual e uma nova forma de comunicação.
Além disso, MUDs são uma nova forma de escrita colaborativa. Jogadores de MUD
são autores de MUD e também consumidores de conteúdo midiático. Logo,
participar de um MUD tem muito em comum com a escrita de roteiros, arte
performática, teatro de rua, teatro de improviso ou até mesmo commedia dell’arte.
(Turkle, 1995, p.11)
1
O presente trabalho pretende delinear um esforço de compreensão desses fazeres
narrativos contemporâneos, que apresentam diferenças bem marcadas frente a narrativas mais
cristalizadas, como o romance. Mais especificamente, centra-se o olhar nos MUDs, espécie de
jogo baseado em uma plataforma telemática que permite a interação entre vários jogadores
num mesmo universo ficcional. Cada MUD é um mundo coletivamente imaginado no qual
máquina e jogadores geram continuamente um gigantesco bloco textual que, apesar de ter um
início (dificilmente recuperável), apresenta um meio completamente multimorfo, e
dificilmente algum dia chegará a seu fim (se houver, provavelmente se dará por razões
exteriores à lógica interna do jogo como, por exemplo, problemas técnicos no servidor).
Quem é que conta, portanto, as histórias que se desenrolam nesse mundo virtual? Conforme
Janet Murray,
não um único contador de histórias num MUD; o próprio programa de
computador serve como um narrador da história, publicando os diálogos dos
jogadores em seus monitores e anunciando entradas, saídas, descrições e alguns
acontecimentos. (Murray, 2003, p.123)
Não por acaso, todos os jogadores se congregam em torno de um servidor para poder
participar desse mundo em companhia de outros. Entretanto, afirmar que a interface do jogo
se configura como a instância que narra a história se torna problemática, pois nesse tipo de
texto maquínico, reticular, a narrativa é caracterizada não por um encadeamento fixo dos
eventos, mas sobretudo pela trajetória segundo a qual o usuário atravessa as passagens
textuais. Logo, é necessário problematizar de maneira mais específica a questão da construção
dessa história, procurando entender como se processa a relação entre o jogador e a máquina
cibertextual. Certamente, ela se através de uma interface; ao organizar a maneira como o
1 “MUDs are a new kind of virtual parlor game and a new form of communication. In addition, text-based
MUDs are a new form of collaboratively writing. MUD players are MUD authors, the creators as well as
consumers of media content. In this, participating in a MUD has much in common with script writing,
performance art, street theater, improvisation theater – or even commedia dell’arte”. (Trad. do A.)
usuário opera seus comandos para aquele ambiente, a estrutura do programa modela, até certo
ponto, a gama de possibilidades expressivas permitidas ao jogador. Como afirma Murray,
é evidente que os interatores podem criar aspectos das histórias digitais em todos
esses formatos [narrativas reticulares], com o maior grau de autoria criativa sendo
alcançado naqueles ambientes que refletem a menor quantidade possível de
prescrições. Mas os interatores podem apenas atuar dentro das possibilidades
estabelecidas quando da escritura e programação de tais meios. (Murray, 2003,
p.149)
Como a autora lembra, trata-se de uma questão centrada nas prescrições que os
ambientes oferecem a seus usuários. Além da interface, também o problema da escrita
procedimental que acontece quando da criação de cada ambiente dentro dos MUDs: os
criadores desse universo não escrevem os fatos que acontecem em determinada passagem
de uma sala como, por exemplo, instituem as maneiras como esse universo irá se comportar
diante das ações dos jogadores. Ainda segundo Murray,
autoria procedimental significa escrever as regras pelas quais os textos aparecem
tanto quanto escrever os próprios textos. O autor procedimental não cria
simplesmente um conjunto de cenas, mas um mundo de possibilidades narrativas.
(...) O interator, seja ele navegador, protagonista, explorador ou construtor, faz uso
desse repertório de passos e ritmos possíveis para improvisar uma dança particular
entre as muitas danças possíveis previstas pelo autor. (Murray, 2003, p.149)
Apesar de ressaltar a centralidade dessa escrita procedimental para o ato criativo dos
jogadores, ainda assim a autora faz uma importante ressalva quanto às possibilidades de
expressão em um MUD: um repertório limitado de ações não necessariamente limita o uso
que se pode fazer delas. Não porventura, é impossível afirmar que pessoas diferentes
construirão uma mesma trajetória em meio à vasta (ainda que finita) gama de possíveis
caminhos e decisões a se tomar nesse universo. Além da multiplicidade de escolhas, por se
tratar de um jogo multiplayer, os jogadores estão a todo momento em companhia (ou em
conflito; afinal, trata-se de um jogo) de outros jogadores, de maneira que um pode incidir no
comportamento dos outros. Numa encruzilhada entre o oral e o escrito, e a escrita e a leitura, a
experiência de cada jogador estará intimamente ligada a intervenções dos outros jogadores
nesse mundo. É necessário ressaltar que essas relações presentes no jogo são as principais
responsáveis pela garantia de um envolvimento fiel de cada jogador com o universo de cada
MUD. As relações entre os jogadores adquirem especial relevância na medida em que, de
acordo com Murray, “Compartilhar um ambiente de fantasia improvisado com outras pessoas
envolve uma negociação constante do enredo e também dos limites entre a ilusão consensual
e o mundo real”. (Murray, 2003, p.117) Se essas interações entre os jogadores através do
cibertexto são o principal mecanismo responsável pela confecção das histórias presentes nos
MUDs, como se pode então caracterizá-las? Como a coerência será dada pelo jogador, e não
pelo bloco textual em si, é difícil remeter essa dinâmica a uma organização homogênea e bem
estruturada. Logo, torna-se necessário buscar comparações com outros tipos de expressão que
levem em conta um processo mais livre e espontâneo de composição. Conforme indica
Aarseth,
estruturalmente, uma sessão de MUD não se parece com mais nada do que uma
sessão improvisada de jazz, onde os músicos improvisam um platô rítmico de
acordes, riffs, vozes e contra-vozes. Nessa perspectiva, a questão da literariedade de
MUDs se torna auto-evidente e localizável: não em grandes temas estruturais, como
prosas narrativas, intrigas de jogos de aventura, ou visões líricas, mas como
happenings, cujo nível de sucesso depende da competência e da performance dos
jogadores. (Aarseth, 1997, p.158)
2
Se os MUDs, como bem aponta Aarseth, operam sob a lógica de construção da obra à
medida que ela é executada, como por exemplo as sessões de jazz, procurar-se-á compreender
como os jogadores realizam essa operação de interação, gerando a partir dela uma história. Se
ela é realmente engendrada através dessas trocas – possivelmente oriundas da atividade lúdica
–, quais as conseqüências desse fazer para a construção dessa narrativa? De que maneira as
trocas entre os jogadores se tornam mecanismos narrativos acionados num contexto lúdico
durante toda a experiência do jogo? É possível, afinal de contas, dizer que essas histórias
vivenciadas a partir dos MUDs se constituem em comunhão, onde a distância entre quem
conta e quem ouve é praticamente abolida? De que maneira essa centralidade comunal que
perpassa as histórias se configura à medida que o jogador progressivamente vai se inserindo
na vida social presente no jogo? O problema central da pesquisa se configura como uma
indagação sobre o modo como as inter-relações entre os jogadores em um cibertexto lúdico
poderiam levar à construção de uma história preponderantemente comunal. Em outras
palavras, interessa analisar como as trajetórias dos jogadores por esse universo geram
histórias em constante colisão durante o ato de jogo.
O capítulo Pressupostos e Considerações apresenta uma breve genealogia dos MUDs,
assim como uma visão descritiva das práticas recorrentes de seus jogadores. Em seguida,
busca-se problematizar a experiência dos jogadores em MUD tendo como referência noções
de oralidade e escrita, escrita e leitura, e escritura e corporalidade. Com a definição desses
2 “Structurally, a MUD session resembles nothing so much as a jazz jam session, in which musicians
improvise a rhythmic plateau of chords, riffs, voices, and counter voices. In this perspective, the question of
literariness of MUDs becomes self-evident and locatable: not in grand-structural schemes, such as prose
narratives, adventure game intrigues, or lyrical visions, but as happenings, whose level of success depends on
the competence and performance of other players”. (Trad. do A.)
conceitos, torna-se mais claro um possível caminho para a escolha de uma metodologia que
permita responder às questões previamente delineadas, que são então apresentadas ao final
desse capítulo.
no capítulo Narrar, jogar, busca-se uma aproximação entre os conceitos de
narrativa e jogo, margeando também a noção de comunidade, que se constituem como
alicerces analíticos para as investigações presentes nos capítulos posteriores. Ao situar a
experiência do jogador de MUDs entre a narrativa e o jogo, é possível tanto construir uma
fundamentação mais sólida para as indagações, definindo mais precisamente as questões a
serem estudadas, quanto complementar a metodologia previamente delineada, buscando
agregar novas ferramentas ao processo analítico.
A partir de pressupostos delineados nos capítulos precedentes, define-se que a análise
seja construída a partir da experiência de um jogador em um MUD específico, Achaea
(disponível em www.achaea.com), e que esse jogador seja controlado pelo próprio
pesquisador, cujo período de tempo de jogo foi então dividido em 8 sessões de jogo de
duração de 20 minutos, espaçadas entre si por 4 horas, totalizando 32 horas de jogo. Ao final
desse procedimento, o material coletado foi arquivado em formato de texto e vídeo,
disponíveis em anexo no DVD que acompanha esta dissertação.
Com o material empírico devidamente compilado, procede-se à construção de um
relato que demonstre a trajetória do jogador ao longo das 8 sessões, sumarizando as atividades
desenvolvidas, os eventos ocorridos e as relações sociais estabelecidas. O processo analítico
baseia-se no estudo acerca de tal relato, recorrendo também a transcrições de eventos-chave
que ocorreram durante as sessões emulando através de cores o que estava inscrito na tela da
maneira como ela se apresentava ao jogador. O estudo das sessões divide-se em 5 capítulos,
sendo que nos 4 primeiros Viver, contar [Mimicry], Veículo [Ilinx], Indeterminado,
irreversível [Alea] e Teia [Agôn] –, destacam-se elementos das 8 primeiras sessões que
permitam uma compreensão mais detalhada da relação estabelecida entre o jogador e o
sistema de jogo. O último capítulo, Um novelo, mil fios, é o ponto fulcral da pesquisa, onde se
compreende, através do enlace de todas as sessões anteriores, que a constituição de uma
história construída em comunhão, através do embate das narrativas dos jogadores, acontece
justamente devido a uma crescente socialização na comunidade que habita o jogo. A hipótese
que norteia esse fechamento da análise é que quanto mais os jogadores se socializam e passam
a fazer parte de uma comunidade no decorrer do jogo, mais suas histórias são afetadas por
forças alheias à sua própria. Trata-se, em suma, de uma tentativa de problematização das
dinâmicas que marcam uma história que se desenrola em meio a um jogo cuja comunidade de
jogadores partilha um mundo ficcional.
Multi-User-Dungeon, Multi-User-Discourse, Multi-User-Domain, Multi-User-
Dimension; as atribuições ao acrônimo são muitas, e nenhuma é definitiva. No entanto, todas
se referem ao jogo multiplayer disponível na Internet que congrega centenas de pessoas
dentro de um mundo ficcional construído eletronicamente. Trata-se, em suma, de um tipo de
jogo no qual cada jogador, ao se conectar a um sistema de banco de dados digital, cria um
personagem para si, e começa a interagir com outros jogadores e com a própria máquina em
um ambiente preponderantemente textual. O que pode parecer a princípio uma denominação
complicada e obscura se torna mais compreensível à medida em que se realiza uma breve
genealogia dos MUDs.
A tradição de se contar histórias em grupos acompanha a humanidade desde eras
longínquas, mas se atualiza em diversas modalidades nos diferentes períodos históricos. No
século XX, em meados da década de 70, começaram a surgir nos EUA grupos de jovens,
geralmente de 4 a 6 pessoas, que organizavam encontros para contar histórias em conjunto; o
peculiar é que o faziam a partir de livros de regras que estabeleciam parâmetros para que
essas histórias fossem construídas in loco. Esses jogos de RPG (role-playing games, ou jogos
de interpretação de papéis), como vieram a ser conhecidos esses encontros, funcionam
segundo uma ritualística bastante específica. Primeiramente, o grupo é dividido em dois
flancos: de um lado, o mestre do jogo, uma espécie de narrador-mor cujo papel é criar e
gerenciar situações a serem vivenciadas pelo grupo; de outro, o restante dos jogadores que,
criando de antemão personagens fictícios para interpretarem, devem descrever as ações e
respostas de suas personas no contexto do jogo. Com o auxílio do livro de regras e de fichas
de personagem, o resultado de cada ato desempenhado pelos jogadores é resolvido a partir de
um lance de dados dos mais variados números de face. Em suma, com o auxílio de um
sistema formal de regras, as escolhas dos personagens e do mestre como um todo moldam a
direção para a qual o jogo, e conseqüentemente a história, caminha. Uma das características
mais marcantes dos RPGs frente a vários jogos é que não há nem ganhadores nem perdedores,
ou seja, não há competição entre os participantes, mas sim um esforço colaborativo de se criar
um mundo ficcional coerente e povoá-lo com personagens criadas pelo próprio grupo.
Paralelamente ao desenvolvimento do RPG, prosperava também uma incipiente
cultura dos videogames, jogos eletrônicos controlados por um processador computacional,
normalmente jogados a partir de uma tela também eletrônica. De um início tímido nas
décadas de 50 e 60, os jogos eletrônicos ganharam força na década de 70, sobretudo através
dos arcades americanos, marcados por jogos clássicos como Pong, no qual os jogadores
controlavam uma raquete virtual durante um jogo de ping-pong, e Pac-man, em que o jogador
personificava um círculo amarelo que deveria coletar todos os grãos de um labirinto antes que
fantasmas inimigos pudessem alcançá-lo. Em pouco tempo, com toda a parafernália eletrônica
disponível nas universidades inglesas e americanas, jovens estudantes começaram a tentar
transpor para jogos eletrônicos as sessões de RPG. A cria mais notória desse processo foi um
jogo chamado Adventure, desenvolvido por Will Crowther, que consistia de uma interface
majoritariamente baseada em caracteres textuais no qual o jogador era instado a digitar
comandos respondendo às perguntas realizadas pelo computador. Dali até os MUDs, a
distância já era praticamente inexistente.
O primeiro MUD foi criado por volta de 1978 por dois estudantes ingleses da
Universidade de Essex, Richard Bartle e Troy Rubshaw, cujo nome era simplesmente MUD1.
Tratava-se de um jogo nos moldes de Adventure, com a diferença de que havia mais de um
jogador envolvido na intriga. A operação envolvida nessa criação era exatamente a de
conjugar os jogos eletrônicos que estavam sendo desenvolvidos com a incipiente rede
telemática que começara a ganhar notoriedade levando também em consideração elementos
característicos das sessões de RPG. O ciberespaço
3
se mostrou um meio fértil para o
desenvolvimento de tal ambiente, uma vez que facilitava enormemente o trabalho de conexão
de um grupo de pessoas a um mesmo sistema de informações. Em suma, as pessoas não
3 A concepção de ciberespaço utilizada no presente trabalho é a mesma trabalhada por André Lemos: “O
ciberespaço é (...) um ecossistema complexo onde reina a interdependência entre o macro-sistema
tecnológico (a rede de máquinas interligadas) e o micro-sistema social (a dinâmica dos usuários),
construindo-se pela disseminação da informação, pelo fluxo de dados e pelas relações sociais criadas”.
(Lemos, 2004, p.137)
compartilhavam o jogo visando unicamente acrescentar outros adversários (humanos), mas
principalmente para interagir à maneira dos jogos de RPG.
A partir de então começaram a surgir os mais variados tipos de MUD. Havia os MUDs
puramente voltados para a aventura em grupo, como o Oubliette, criado no início da década
de 80 por Jim Schwaiger. O primeiro MUD a permitir não somente a interação de várias
pessoas com o sistema, mas também programar dentro desses sistemas foi o TinyMUD, criado
em 1989 por James Aspnes. Com o advento do TinyMUD os MUDs efetivamente abriram
suas portas para um desenvolvimento coletivo das intrigas e interações. Ao passo que em
MUDs anteriores os jogadores adentravam um mundo totalmente programado pelos seus
responsáveis, o TinyMUD era um mundo em constante construção, com os próprios jogadores
inserindo elementos persistentes no sistema. Desde então os MUDs vêm se desenvolvendo,
alguns se especializando em redes sociais, voltados somente para o convívio pacífico entre
seus participantes perdendo quase inteiramente seu caráter dico –, outros se
especializando em jogos de guerra e arenas de combate. Entretanto, a maioria dos MUDs, em
torno de 1600 espalhados pela Internet
4
, busca um equilíbrio entre esses extremos.
Apesar dessas diferenças, todos os MUDs funcionam a partir de dois elementos
fundamentais: a conectividade entre os participantes e um banco de dados remoto. Para
adentrar no universo de um MUD, os jogadores devem se conectar a uma máquina que faz o
papel de servidor central, que normalmente é configurada num sistema de BBS
5
. O
procedimento mais usual é aquele no qual a pessoa, através do seu navegador de Internet,
acessa a página do MUD e encontra acesso ao programa que realiza essa conexão, isto é,
que media as relações entre o mundo e cada jogador. Trata-se de um ambiente de dimensões
massivas normalmente os maiores MUDs têm milhares de jogadores cadastrados em seus
servidores, e é comum que a cada sessão centenas de jogadores estejam conectados ao mesmo
tempo.
Quando um jogador entra pela primeira vez em um MUD, ele é instado a criar um
personagem, que será uma espécie de boneco nesse mundo. Tipicamente, após uma longa
introdução explicando os mecanismos de controle do jogo, pode-se dar início à exploração do
4 Dados de acordo com o site The MUD Connector em ago.2006.
5 Um sistema BBS, ou Bulletin Board System, é um sistema computacional que roda um software que permite
que vários outros usuários se conectem a seu sistema para poder, entre outras possibilidades, acessar um
banco de dados, fazer downloads e uploads de programas e informações, ler notícias, trocar mensagens e
informações com outros usuários. No caso específico dos MUDs, trata-se de um banco de dados que guarda
as informações acerca dos lugares, objetos e personagens presentes no jogo-universo, e que, a partir de um
input dos usuários em sua interface de uso, gera os textos dinamicamente a cada sessão.
universo do jogo, durante a qual é possível a interação entre personagens controlados tanto
pelo próprio computador quanto por outras pessoas. Todo o desenvolvimento da história se
passa textualmente, como numa sala de chat (conversa online através da troca de mensagens
com uma ou mais pessoas em um mesmo ambiente em tempo real), através de frases que
aparecem na tela conforme eventos vão se desenrolando no universo do jogo. Ainda que
muitos jogadores utilizem material de apoio disponível na Internet como mapas e guias, o
universo de ação dos jogadores é circunscrito à tela negra na qual estão dispostas as palavras.
Lendo e escrevendo, os jogadores interagem com o mundo no qual estão imersos, seja
conversando entre si, seja atravessando salas, manuseando objetos, participando de eventos
como batalhas, casamentos e funerais. Nesse meio cuja disposição geográfica e temporal é
também totalmente construída textualmente convivem não somente personagens vividos
pelos jogadores, mas também outros que são controlados pelo servidor do jogo (usualmente
chamados de bots).
É importante notar que se trata de um ambiente persistente, ou seja, cada MUD, a
partir de sua criação, se torna um mundo no qual o tempo flui continuamente. Portanto, se o
jogador, por exemplo, entra nesse universo a cada duas semanas, no tempo do jogo duas
semanas também haverão se passado, e todo o bloco textual gerado então não lhe estará
disponível para consulta. A ambientação de cada universo-jogo varia de MUD para MUD,
indo desde referências a famosas obras literárias e cinematográficas, como Alice no País das
Maravilhas e Jornada nas Estrelas, a temas mais genéricos como ficção científica ou fantasia
medieval. Esses usuários, ao participar do jogo, devem interagir entre si e com o ambiente à
sua volta através de comandos também escritos, pelo uso do teclado de seu computador. Todo
comando do jogador se insere de maneira dupla no sistema de jogo. Ao mesmo tempo em que
se acopla à partícula textual precedente, ele faz surgir no sistema uma nova partícula textual
que é justamente uma resposta do MUD àquela ação perpetrada. Esse universo-jogo, ainda
que aberto a intervenções dos usuários, é construído e monitorado por uma equipe de
funcionários de cada MUD. De tempos em tempos, esses monitores adicionam novos lugares
ao universo de jogo, além de também fiscalizar o bom comportamento dos participantes.
Como foi dito anteriormente, a comunicação realizada no âmbito dos MUDs é
estritamente textual. A interface do jogo, conforme a figura na página seguinte retrata,
emprega a maior parte de sua área disponível para o rolamento do bloco textual, normalmente
colorido sobre um fundo preto. Para cada tipo de unidade textual que aparece na tela, uma
cor correspondente; falas dos personagens aparecem em azul, por exemplo, e descrições das
saídas de cada lugar aparecem em verde. Pode-se afirmar que toda a ação de um MUD ocorre
a partir da decantação de pequenas partículas do bloco textual que são engendradas pelo
jogador através de comandos que interagem com a máquina. Nem todas as partículas são
equivalentes, uma vez que, dependendo do comando do jogador, o sistema reage de uma
maneira distinta. Uma partícula de evento ou de evento/fala após um comando indica que algo
foi alterado no sistema, que se trata de um enunciado revelando que a ação transcorrida
aconteceu de fato. Uma partícula de fala anuncia uma mudança no sistema, podendo tanto
acionar uma resposta pré-programada por parte de personagens controlados pelo computador,
quanto respostas variadas de outros personagens controlados por pessoas. Uma partícula
descritiva indica que houve ou um deslocamento geográfico do personagem, ou então que
algum objeto está descrito ou então funciona de maneira diferente. Em suma, dependendo do
comando do jogador, o sistema reagirá de uma forma distinta, num diálogo textual dotado de
nuances que possibilitam uma sensação de imersão para o usuário.
uma certa interface gráfica de apoio, periférica ao rolamento sob fundo negro, mas
que na verdade nada mais são que botões que, ao serem acionados, inscreverão comandos
escritos na máquina textual. Portanto, efetivamente tudo o que acontece durante uma sessão
de MUDs se dá textualmente, sob a forma de um bloco textual que se desenrola na tela. Trata-
se inclusive de uma característica singular frente à maioria dos jogos multiplayer disponíveis
na Internet, nos quais a interface gráfica exerce um papel fundamental na experiência do jogo.
Se a comunicação textual é portanto o veículo que permite as trocas simbólicas que
constroem a experiência dos jogos de MUDs, é necessário estabelecer de antemão parâmetros
que possam nortear a metodologia utilizada para o processo de análise. A simples
predominância de uma interface textual parece apontar para uma comunicação marcadamente
escrita entre os jogadores; no entanto, em que medida os MUDs, considerando a passagem
dessa atividade das mesas à rede telemática, ainda parecem conservar certos trejeitos de uma
comunicação oral tão presente às rodas de RPG? Ora, esse trajeto entre o oral e o escrito
nunca se deu de maneira simples. Não se trata absolutamente de uma relação de substituição –
lá, onde a oralidade não alcança, está a escrita –, mas principalmente de uma relação dual,
onde o desenvolvimento de uma modalidade de expressão afeta diretamente a outra. Não é
porque nos MUDs se tecla letras ao invés de se pronunciá-las oralmente que se pode afirmar
que se trata de uma relação estabelecida puramente através da escrita. Uma maneira de evitar
a simplificação é procurar perceber exatamente que diferenças existem entre a comunicação
oral e a escrita que ultrapassam a questão do suporte no qual elas se constituem ainda que o
suporte represente uma dimensão fundamental para a compreensão de cada modalidade de
expressão. Segundo Walter Ong,
a situação das palavras em um texto é muito diferente da sua situação na linguagem
falada. Embora se refiram a sons e não tenham sentido até que possam ser
relacionadas (...) aos sons ou, mais precisamente, aos fonemas que codificam, as
palavras escritas estão isoladas do contexto pleno no qual as palavras faladas
nascem. (...) As palavras faladas constituem sempre modificações de uma situação
que é mais que verbal. Elas nunca ocorrem sozinhas, em um contexto simplesmente
de palavras. (Ong, 1998, p.118)
O autor aponta, no caso da escrita, para uma certa separabilidade do ato da execução
para o ato da elocução de determinada expressão. A própria materialidade da escrita permite
que o autor de uma sentença a crie numa dada situação e, anos depois, outra pessoa possa lê-
la, em um contexto muitas vezes completamente diferente. A oralidade, desconsiderando
modernos instrumentos para a gravão e reprodução da voz, irá pressupor uma ligação
necessária entre a projeção da voz e a recepção desta por parte do interlocutor;
necessariamente, requer uma performance em um ambiente compartilhado pelos possíveis
destinatários da sentença. Em outras palavras, Roland Barthes e Eric Marty afirmam que
O escrito funciona numa relação com o idêntico, o oral numa relação com o outro;
relação com o idêntico, a repetição, a re-enunciação que faz o leitor do texto que lê;
relação com o outro, a comunicação oral que tem origem na alteração, no desvio
produzido pela presença do outro. (Barthes; Marty, 1987, p.49)
Mais do que localizar o escrito nos vestígios visuais deixados nos mais variados tipos
de suporte, é possível percebê-lo enquanto marca de um determinado tipo de comunicação. A
pergunta que se coloca no momento é, portanto, em que medida a comunicação exercida no
ambiente dos MUDs pode ser caracterizada como um cruzamento entre a escrita e a oralidade.
Como visto anteriormente, em MUDs trocas simbólicas dos jogadores com a máquina e
entre si, através da escrita; ao mesmo tempo em que uma materialização da palavra cuja
apresentação é de certa maneira separada, nesse tipo de jogo é a vivência em conjunto que
importa salvo raras exceções, os jogadores não gravam suas sessões de MUDs para depois
assistí-las novamente. Gary Shank compartilha essa dúvida, e a coloca da seguinte maneira:
a comunicação na Net é como uma conversação? Bastante. Mensagens na Net
tendem a ser informais, serem expressas em forma conversacional, e podem
engendrar uma grande quantidade de intercâmbio direto e diádico. A comunicação
na Net é como uma escrita? Sem dúvida. Mensagens são escritas ao invés de faladas.
Deixas não-verbais, gesticulais e articulares, tão importantes no discursos, não
aparecem (...).
6
(Shank, 1993)
6 “Is Net communication like conversation? Quite a bit. Messages on the Net tend to be informal, to be phrased
in conversational form, and can engender a great deal of direct and dyadic interchange. Is Net communication
like writing? Absolutely. Messages are written instead of spoken. Nonverbal, gestural and articulatory cues,
so important in speech, are missing (...)”. (Trad. Do A.)
Ainda que existam tentativas de emulação desse contexto, como os emoticons, trata-se
de uma diferença brutal em relação a uma oralidade performada corpo a corpo. É possível
perceber então que a comunicação que acontece nos MUDs está vinculada a uma modalidade
mista de expressão, entre a oralidade e a escrita. Como o autor ressalta,
de um ponto de vista oral, é como se todos que estivessem interessados em falar
entrassem na conversa ao mesmo tempo, ainda que suas vozes individuais possam
ser ouvidas. De um ponto de vista escrito, é como se alguém tivesse começado a
escrever uma obra, mas antes que possa desenvolver isso, pessoas estão
magicamente para adicionar, corrigir, competir, ou extender a obra. Portanto, o
que temos é uma quase-discussão escrita que tem potencial para utilizar as forças de
cada forma.
7
(Shank, 1993)
Por mais que haja uma materialização da expressão e que esta esteja potencialmente
diferida do momento de sua criação, em ambientes compartilhados como MUDs ela somente
irá fazer sentido quando for expressada frente a um sujeito interlocutor, seja este outro
jogador ou a própria máquina. Inevitavelmente, trata-se de uma escrita cujo propósito é gerar
um diálogo sincrônico; ao contrário de uma escrita para a posteridade, feita para durar, trata-
se de uma escrita evanescente, operada justamente para dar continuidade a um diálogo não-
diferido temporalmente. No caso específico dos MUDs, talvez a palavra mais adequada para
essa interlocução não seja diálogo, mas sim multílogo. Em contraposição a um solilóquio
usualmente ligado à escrita, MUDs são povoados de vozes que muitas vezes utilizam uma
mesma dimensão espacial e temporal, ocasionando uma conversa heterogênea que faz mover
o bloco textual perante os olhos de cada jogador. No meio do caminho entre o oral e o escrito,
eis um fazer que, exatamente por ser compartilhado e evanescente, faz sentido na medida
em que engendra outros textos a partir de si.
Considerar essa modalidade mista de expressão é também perceber que a própria
recepção desse texto construído não se simplesmente sob a marca da leitura. Se o jogador
não lê, como também participa ativamente através da escrita desse multílogo no ambiente
do jogo, é seguro dizer que a sua atividade se desdobra para além de um fazer interpretativo.
Logicamente, a fruição de qualquer objeto irá requerer sempre algum tipo de investimento por
parte do interlocutor; no entanto, no âmbito da leitura, como afirma Espen Aarseth, o leitor,
como um espectador num jogo de futebol, ele pode especular, conjecturar,
extrapolar, até mesmo xingar, mas ele não é um jogador. Como um passageiro no
trem, ele pode estudar e interpretar a paisagem móvel, ele pode descansar os olhos
7 “From the oral side, it is as if everyone who is interested in talking can all jump in at once, but still their
individual voices can be clearly heard. From the written side, it is as if someone had started writing a piece,
but before he/she gets too far, people are there magically in print to add to, correct, challenge, or extend the
piece. Therefore, what we have is a written quasi-discussion that has the potential to use the strengths of each
form”. (Trad. Do A.)
quando for de seu agrado, até mesmo acionar o freio de emergência e descer, mas
ele não é livre para mover os trilhos em outra direção. (...) O prazer do leitor é o
prazer do voyeur. Seguro, mas impotente.
8
(Aarseth, 1997, p.4)
A impotência mencionada pelo autor se no sentido de que por mais que o leitor
conjecture, imagine e discorde da obra diante de si, a obra permanecerá intacta diante do
leitor. Mais importante ainda, esse fazer, a não ser que seja expressado verbalmente, não
reconfigura a própria obra perante outros leitores. Entretanto, diversos objetos, como os
próprios MUDs, que fogem dessa característica ao exigir uma atividade do interlocutor que
ultrapassa um investimento mental e/ou afetivo; o jogo não requer somente interpretação, mas
sobremaneira demanda que o usuário alimente o sistema de maneira palpável, material. Em
tais ocasiões, como afirma Simone Pereira de Sá,
(...) a participação não é uma ‘possibilidade’ que amplia a liberdade do receptor,
mas é antes uma condição de utilização do sistema o que significa que frente a um
software, o usuário tem que fazer escolhas e participar, a fim de dar sentido ao
mesmo. (Sá, 2003, p.150)
Trata-se, portanto, de uma determinada textualidade na qual a intervenção do leitor
não se restringe ao domínio cognitivo e é também materializada no próprio texto através da
escrita. O objeto da fruição não se comporta mais de maneira estática, mas é sobretudo
marcado por uma considerável abertura frente às ações de seu interlocutor. À maneira de uma
engrenagem, nesse âmbito existirá texto a partir do momento em que seus interlocutores
exerçam uma força tangível que o faça literalmente se movimentar, seja pela adição de novos
elementos textuais, seja pela alteração de elementos textuais existentes. É Aarseth quem
cunha um termo propício para uma melhor compreensão dessa textualidade:
Cibertexto (...) é a grande gama (ou perspectiva) de textualidades possíveis vistas
como uma tipologia de máquinas, como vários tipos de sistemas de comunicação
literária em que as diferenças funcionais entre as partes mecânicas exercem um
papel decisivo na determinação do processo estético.
9
(Aarseth, 1997, p.22)
Essas partes mecânicas, que congregam tanto elementos textuais recombináveis
quanto receptáculos para a escrita alheia, possibilitam precisamente a existência de uma
permeabilidade às ações do interlocutor. É possível então considerar os MUDs como uma
grande máquina de significação que é constantemente alimentada por seus interlocutores; na
8 “Like a spectator at a soccer game, he may speculate, conjecturate, extrapolate, even shout abuse, but he is
not a player. Like a passenger on a train, he can study and interpret the shifting landscape, he may rest his
eyes wherever he pleases, even release the emergency brake and step off, but he is not free to move the tracks
in a different direction. (…) The reader’s pleasure is the pleasure of the voyeur. Safe, but impotent. (Trad. do
A.)
9 “Cybertext (...) is the wide range (or perspective) of possible textualities seen as a typology of machines, as
various kinds of literary communication systems where the functional differences among the mechanical
parts play a defining role in determining the aesthetic process”. (Trad. Do A.)
verdade, uma espécie de construto textual onde, exatamente por se constituir como um
multílogo no qual a participação de outrem é substancial, a escrita gera uma reconfiguração
do bloco textual e, conseqüentemente, um material sempre dinâmico e mutante disponível
para leitura. Não somente a própria escrita afeta o processo de leitura, mas o interlocutor é
constantemente atingido e deslocado pelas escritas alheias que povoam o sistema do jogo.
Conforme salienta o autor, “como pode ser inferido pela etimologia da palavra, um cibertexto
deve conter algum tipo de mecanismo de resposta à informação”.
10
(Aarseth, 1997, p.19) É
exatamente essa espécie de máquina que faz com que nenhuma sessão de MUD seja igual à
outra, de maneira que dois jogadores, mesmo que estejam numa mesma sala no ambiente do
jogo, presenciem diante de si textos absolutamente díspares correndo por suas respectivas
telas de computador.
É importante ressaltar que máquinas cibertextuais não necessitam obrigatoriamente de
um meio eletrônico para existirem. Há muito, vários escritores, como Raymond Queneau com
seu Cent milliard de poèmes, tentam levar ao limite o próprio suporte papel/códice,
procurando exatamente um tipo de disposição que permita que o fazer do leitor altere
materialmente o objeto lido. No entanto, é com o advento das mídias digitais que esse tipo de
organização textual encontra o ambiente mais propício para se desenvolver. O que permite
que esse texto-máquina floresça com maior evidência nesse meio é justamente a maneira
como as novas mídias eletrônicas organizam e geram a informação. Ao passo que em suportes
clássicos como o papel uma contigüidade material entre o conteúdo expressivo de um
objeto e a maneira como ele se apresenta, em meios digitais há um espaço entre a informação
existente (normalmente guardado sob forma de um banco de dados) e a apresentação desse
conteúdo, que se atualizará de diferentes maneiras conforme a interface escolhida para a
leitura da informação. Segundo Lev Manovich,
um objeto das novas mídias não é algo fixado definitivamente, mas algo que pode
existir em diferentes, potencialmente infinitas versões. (...) Velhas mídias envolviam
um criador humano que manualmente organizava elementos textuais, visuais e/ou
sonoros numa composição ou seqüência particular. Essa seqüência era então
armazenada em algum material, e sua ordem determinada para sempre. (...) Novas
mídias, em contraste, são caracterizadas pela variabilidade. (...) Em vez de cópias
idênticas, um objeto da nova mídia tipicamente dá vazão a muitas visões
diferentes.
11
(Manovich, 2001, p.36)
10 “As can be inferred from its etymology, a cybertext must contain some kind of information feedback loop”.
(Trad. do A.)
11 “A new media object is not something fixed once and for all, but something that can exist in different,
potentially infinite versions. (…) Old media involved a human creator who manually assembled textual,
visual and/or audio elements into a particular composition or sequence. This sequence was stored in some
material, its order determined once and for all. (…) New media, in contrast, is characterized by variability.
Na medida em que essa nova organização cibertextual ganha força com os ambientes
digitais, é interessante perceber que o funcionamento maquínico do texto irá pressupor um
outro tipo de envolvimento do leitor nesses ambientes expressivos. Essa abertura para a
participação se configura, portanto, como uma característica essencial de todos os jogos
eletrônicos. onde a escrita está acoplada à leitura, o sistema do jogo é readaptado a cada
decisão dos jogadores. Cada escolha é um input no sistema, e cada input seguinte será dado
sobre um sistema já alterado pelo input anterior.
Esse investimento do jogador na máquina não se dá, evidentemente, de uma forma
simples ou direta. O sistema do jogo funciona através de uma linguagem estritamente
matemática, composta segundo uma lógica de banco de dados e algoritmos, à qual o jogador
não tem acesso; sempre uma membrana simbólica entre o jogador e o sistema, que
permitirá que o jogador possa usufruir o jogo sem que necessite entender a matemática que
corre por trás dele. É indispensável, portanto, a existência de uma interface no caso
específico dos MUDs, predominantemente textual. Uma característica essencial é que é
exatamente ela que irá delimitar como o usuário pode interferir no jogo, isto é, é ela que
transporta o investimento do jogador e o materializa no universo do jogo. É necessário algum
tipo de mediação pois essa relação pressupõe que, para que o jogador avance no jogo, ele de
alguma forma precisa ser projetado naquele universo. Como afirma Arlindo Machado,
muitos desses “mundos” atribuem a cada participante certas qualidades que podem
ser incrementadas ou diminuídas, conforme as experiências (boas ou más)
acumuladas, ou conforme o desempenho demonstrado. O resultado é sempre um
processo de negociação entre, de um lado, as iniciativas, as fantasias e os desejos de
um jogador real projetado num avatar e, de outro, as convenções, atributos e
possibilidades previstos no programa. (Machado, 2002, p.9)
A interface prevista é, portanto, o artifício segundo o qual o jogador entra na lógica do
jogo, permitindo um diálogo eficaz entre as partes. Machado aponta uma variante dessa
ecologia de interfaces, o avatar: trata-se de um tipo de representação na qual o jogador
acompanha o desenrolar do jogo à maneira de um manipulador de marionetes que controla
remotamente uma representação de um corpo nem sempre humanóide que se desloca em
meio à ação. Essa figuração, entendida aqui como o que torna palpável uma idéia ou ão, é
principalmente da ordem do inteligível, ou seja, não necessariamente está ligada a uma
visualidade gráfica desse corpo, mas principalmente ligada a uma necessidade de ação dele no
sistema do jogo. Em MUDs, os avatares consistem de descrições textuais da aparência e
(…) Instead of identical copies, a new media object typically gives rise to many different visions. And rather
than being created by a human author, these versions are often in part automatically assembled by a
computer.” (Trad. do A.)
estado físico dos jogadores, e vestimentas e equipamentos que eles portam; sua presença
material no jogo se portanto como uma descrição textual: ao se adentrar em uma sala, a
máquina, ao descrever o ambiente, descreve também os outros jogadores lá presentes.
A palavra avatar tem sua origem mais remota no sânscrito antigo, avatāra, e significa
originalmente a descida deliberada de uma divindade ao reino dos mortais. Trata-se de um
termo popularizado para o universo dos jogos eletrônicos a partir de seu uso na série de jogos
para computador Ultima, no qual a personagem controlada pelo jogador, um humanóide que
perambulava por um mundo desconhecido, tinha o nome próprio Avatar. A partir de então,
popularizou-se o termo avatar para a designação de todo construto corpóreo controlado
remotamente pelo jogador o círculo amarelo do jogo Pac-man, por exemplo, é um avatar.
Com esse artifício, o sistema do jogo é alimentado mediante uma figuração que estará sujeita
às regras da máquina. Segundo Michael Mateas,
um avatar pode prover tanto amarras materiais e formais às ações de um jogador. O
avatar pode prover a exposição da personagem através de traços como um
maneirismo físico e padrões de fala. Essa exposição da personagem ajuda a situar o
jogador através das amarras da trama. Através tanto de uma filtragem tanto do input
quanto do output, o avatar pode prover amarras materiais para a ação
12
. (Mateas,
2004, p. 27)
O avatar é a fina película que permite a conexão entre a lógica que torna possível o
desenrolar do jogo perante as vontades e afetos dos jogadores. A metáfora da encarnação
terrena de uma divindade a que remete o termo se encaixa perfeitamente na percepção dessa
relação entre os jogadores e a máquina do jogo. Nos jogos que utilizam avatares, o
investimento do jogador não é realizado através de uma figuração onisciente e onipotente,
mas sim por meio de um enviado desse plano superior que, de certa maneira, precisa ser
subjugado às leis terrenas daquele outro reino. O input realizado pelo jogador se reveste de
uma gravidade inerente às regras do jogo, e portanto o avatar se configura como uma
instância de interface entre as vontades do jogador e as possibilidades oferecidas pelo sistema.
Essa relação de encarnação pressupõe que o jogador seja inserido em considerável de
igualdade com o restante da ecologia presente no universo de cada jogo. Como afirma Renata
Gomes,
estar no mundo pela presença corporificada de um personagem constitui boa parte
do que significa o jogar em si, e para cada desafio proposto, uma grande medida
estará diretamente associada à possibilidade de obter do corpo que controlamos (...)
12 “An avatar can provide both material and formal constraints on a player's actions. The avatar can provide
character exposition through such traits as physical mannerisms and speech patterns. This character
exposition helps the player to recapitulate the formal plot constraints. Through both input and output filtering
(...), the avatar can provide material constraints (...) for action” . (Trad. do A.)
a percepção, a ação, a resposta precisa necessária para sua execução. (Gomes, 2005,
p.5)
Logo, o jogo somente acontece se essa mediação é realizada de maneira eficaz e, de
certa maneira, transparente. O avatar, personificação do jogador, se constitui numa espécie de
tradutor do sistema de regras do jogo, e permite que o jogo seja jogado sem que o jogador
seja, a todo momento, lembrado de que aquele é um jogo tornado possível por um
emaranhado complexo de regras e algoritmos. Como afirma Jesper Juul,
são as regras do xadrez que permitem ao jogador realizar um xeque-mate sem as
regras, não xeque-mate, somente movimentos de peça sem sentido sobre um
tabuleiro. Regras especificam limitações e possibilidades. Elas proíbem os jogadores
de realizar ações como fabricar jóias a partir das peças de jogo, mas tamm
agregam significado para as ações permitidas e isso possibilita atos significativos
onde antes não era possível de outra maneira. (Juul, 2005, p.58)
Portanto, é o avatar uma das peças fundamentais que irá traduzir essas limitações e
possibilidades numa experiência palpável para o jogador. É possível, então, afirmar que o
avatar se insere numa lógica de transparência entre o jogo e o jogador, ou em outras palavras,
uma dimensão de familiaridade; afinal, se o avatar não respondesse aos movimentos
comandados pelo jogador, ou se não refletisse para o jogador as alterações decorrentes no
sistema, toda a experiência estaria comprometida. É necessário, para que um jogo seja de fato
jogável, que ele deixe de se preocupar com seu avatar para então poder imergir
tranqüilamente na lógica do jogo, e efetivamente usufruí-lo. Essa lógica, no entanto, longe de
se configurar de maneira tão simples, torna-se mais complexa a partir do instante que se
atenta para a real dimensão corporal desses avatares. Poder-se-ia dizer que essas figurações
são realmente corpos que percorrem o universo do jogo?
Esse corpo é composto de uma representação gráfica visível para os olhos do jogador
que, para o sistema de jogo, é um construto de stats e regras. A cada comando, elas são postas
em ação perante o sistema gico da matemática do jogo. Trata-se, portanto, de uma
representação de corpo, um símile que, apesar de remeter ao corpo, apresenta tão somente
uma ínfima parcela de suas características. Segundo David Le Breton,
o tempo da conexão abre-se a um mundo descorporificado, sem interioridade, pura
superfície. O corpo não se impõe nem mesmo como injunção de identidade, pois a
esse respeito todos os jogos são possíveis. (...) O peso do corpo é eliminado, não
importa a idade, a saúde, a conformação física; os internautas encontram-se em um
plano de igualdade justamente pelo fato de o corpo ser colocado entre parênteses.
(Le Breton, 2003, p.131)
Percebe-se, portanto, como o dito corpo figurado pelos avatares se configura na
verdade como uma vontade de corpo. Como visto anteriormente, a gravidade que pesa sobre
esse querer-ser-corpo e suas inscrições são sujeitas às regras do jogo durarão à medida
que as regras do jogo permitirem, através de, por exemplo, incorporação de indumentárias aos
avatares. Como afirma Paula Sibilia, trata-se de
um mundo em que as fronteiras se misturam e em que o corpo se apaga, em que o
outro existe na interface da comunicação, mas sem corpo, sem rosto, sem outro
toque além do teclado de computador, sem outro olhar além do olhar da tela. (...)
Nela, o corpo deixa de se impor como materialidade e ainda mais como injunção de
identidade, porque todos os jogos são possíveis a esse respeito. (Sibilia, 2002, p.142)
Dessa feita, as representações de corpos prefigurada pelos avatares representam uma
ínfima parte de todos os sabores, possibilidades e paixões presentes nos corpos da vida offline.
uma dimensão irredutível dos corpos que resiste a qualquer tentativa de apreensão através
de representações como, no presente caso, os avatares. Materialmente, trata-se de um
construto que remete a um corpo, mas que ainda não o é; um corpo em vias de se concretizar,
mas que ainda não o fez, e provavelmente nunca o fará. Trata-se, portanto, não de uma
corporalidade plena, mas sim de uma corporalidade em termos, ou melhor, de uma vontade de
corporalidade. Um certo corpo-inteligência, que ipressupor, evidentemente, algum nível de
investimento afetivo sobre essa representação. Um quase-corpo compartimentado, ou seja,
esvaziado de gravidade, mas ainda assim inexoravelmente acoplado a vestimentas, utensílios,
descrições e movimentos. Mesmo que não seja em plena forma, ainda subsiste nessa
representação algo da vitalidade inerente à nossa corporalidade. Inclusive, talvez seja possível
afirmar que a relação entre o jogador e seu avatar não seja simplesmente uma relação de
transparência, mas também de afeto. Se o avatar é essa vontade-de-corpo, logicamente
resíduos de subjetividade que, se o sistema de regras do jogo permitir, poderão ser postas à
mostra através do avatar. Trata-se de uma relação particularmente poderosa especialmente em
MUDs, nos quais os avatares convivem numa verdadeira teia social em meio ao sistema de
jogo. Eis então que o fazer do jogador, para além de um pacto de imersão com a máquina do
jogo, se insere numa lógica de escritura, no sentido barthesiano da palavra. Segundo Roland
Barthes, escritura quando “as palavras não são mais concebidas ilusoriamente como
simples instrumentos, são lançadas como projeções, vibrações, maquinarias, sabores: a
escritura faz do saber uma festa”. (Barthes, 1980, p.21) Aproximando a noção de palavra para
a dimensão do que o jogador inscreve no sistema, trata-se de uma relação na qual o
investimento da pessoa não é simplesmente da ordem de uma burocracia programática, com
fins absolutamente pragmáticos e bem definidos, mas sim de um investimento repleto de
significado simbólico. As inscrições que são feitas no sistema são efetivamente uma escritura,
pois dizem respeito não somente à maneira como elas atuam sobre o sistema de regras, mas
também são indicadores de uma subjetividade do jogador que se mostra a todos que jogam o
mesmo jogo que ele. Como afirma Leyla Perrone-Moysés, utiliza-se a noção de escritura
“para designar todo discurso em que as palavras não são usadas como instrumentos, mas
postas em evidência (encenadas, teatralizadas) como significantes”. (Perrone-Moysés, 1980,
p.75) Ora, se como visto anteriormente, esse fazer se reveste não simplesmente como um
simples comando frente às regras do sistema, mas também como exercício de subjetividade, é
possível advogar que o fazer do jogador se configura à maneira de uma escritura. O avatar,
essa vontade de corpo, seria exatamente um veículo que inscreveria espacialmente essa
escritura do jogador perante a máquina do jogo, e em seguida perante os outros jogadores.
Nessa perspectiva, uma certa corporalidade e a escritura se encontram intimamente
entrelaçados na experiência de um jogador de MUDs. Se o avatar é esse mensageiro entre o
mundo das regras e dos jogadores, é também ele que, segundo as prescrições dessas
determinações, permitirá determinados afetos se inscreverem no jogo que as transcendam, isto
é, só façam sentido para o próprio jogador e para seus companheiros de jogo.
A participação de um jogador em uma sessão de MUD estará inexoravelmente ligada a
essa dimensão imersiva, cibertextual da experiência. Seja a partir de uma comunicação
marcada pela confluência da oralidade e da escrita, seja através de uma leitura engendrada
materialmente pela escrita, seja através da escritura investida na tessitura do jogo, não
possibilidade de se usufruí-lo de maneira incólume, isto é, sem que a própria participação
altere consideravelmente o próprio objeto de apreciação. Eis então alguns parâmetros para o
desenvolvimento de um procedimento metodológico que permita uma aproximação ao objeto
empírico de maneira a respeitar suas especificidades. Não basta observar uma sessão de MUD
para analisá-la; afinal, o que está em jogo não é somente uma massa textual que escorre pela
tela, mas sim uma complexa relação entre o jogador, a máquina cibertextual e os outros
jogadores. O engajamento do próprio pesquisador no sistema do jogo torna-se sobremaneira
fundamental para o bom desenvolvimento do processo analítico. Logo, propõe-se como
primeiro passo para o estudo desses processos narrativos uma coleta de sessões de jogo em
um MUD realizadas pelo próprio pesquisador.
Como visto anteriormente, o desenrolar dos MUDs acontece a partir de uma
trajetória específica de cada jogador nesse ambiente. Logo, é possível estabelecer uma
rotina de coleta a partir de sessões de jogo, nas quais o pesquisador irá gravar o desenrolar da
atividade durante o período em que permanecer conectado Na tentativa de abarcar vários
períodos da “vida” de um ser virtual, pretende-se criar um novo personagem em um MUD (de
nome Dova, escolhido arbitrariamente), e registrar seu envolvimento com outros jogadores,
presenciar as interações entre outros jogadores e, conseqüentemente, com o universo ficcional
à sua volta. Para tanto, é necessária a escolha de um MUD a fim de realizar esta coleta.
Achaea, dreams of divine lands, localizado no endereço eletrônico www.achaea.com, é um
MUD gratuito criado em 1997, cujo universo vem se desenvolvendo ininterruptamente desde
então. O tema do jogo combina elementos de mitologia grega com uma ambientação
marcadamente medieval, no qual as armas mais comuns são, por exemplo, espadas e
machados. Seus principais atrativos são um vasto território explorável e grande variedade de
escolhas para a formação de um novo personagem. Achaea é um dos MUDs de maior
proeminência no cenário atual dos jogos eletrônicos, uma vez que tem uma das maiores bases
de jogadores ativos de 100 a 400 jogadores conectados durante as sessões de jogo e é
considerado por sites especializados como um MUD que define parâmetros de qualidade para
seus pares. A escolha por esse MUD específico se deve tanto pelo alto número de
participantes em qualquer horário do dia (facilitando os procedimentos de coleta), quanto pela
própria representatividade perante a comunidade de adeptos de MUDs.
O processo de coleta começa com a criação desse personagem, cujo controle estará a
cargo do próprio pesquisador, que registrará então sua trajetória pelo MUD. Esse registro
compreende duas formas simultâneas: (1) através de um gravador de desktop, que gera um
vídeo digital do que está se passando na tela do computador do pesquisador quando ele estiver
jogando (dessa maneira, tem-se uma reprodução o mais próxima possível daquelas sessões de
que o pesquisador participou); (2) utilizando uma ferramenta que a própria interface do
programa disponibiliza, grava-se um log (pequeno arquivo de texto sem formatação, com
terminação .txt) de cada sessão. Portanto, para cada sessão de jogo, tanto imagens em
movimento quanto um registro textual da atividade – que, vale lembrar, estão disponibilizados
para consulta no DVD que acompanha a dissertação.
Para dar início à coleta da empiria, é necessário de antemão estabelecer um recorte
temporal para a duração das gravações, que é importante uma delimitação tanto qualitativa
quanto quantitativa do volume de material apreendido. Se, por um lado, deve-se coletar
elementos suficientes para permitir uma análise ampla das dinâmicas presentes nessa
experiência, é preciso evitar uma documentação muito vasta que impossibilite o estudo de
todo o período coletado de maneira uniforme. A partir de experiências anteriores do
pesquisador com MUDs, define-se um tempo de 160 minutos de jogo como um montante
adequado para que se possa fazer a análise com um material empírico rico e diversificado.
Entretanto, para permitir o registro de situações mais variadas de jogo, evitando um
empobrecimento da empiria, propõe-se a coleta de 20 minutos a cada 4 horas de jogo.
Portanto, ao completar os 160 minutos de material empírico, o pesquisador terá participado do
MUD por 32 horas. A coleta deverá, portanto, ser medida em unidades de sessões, de 20
minutos cada. Ao final do procedimento, haverá à disposição arquivos em vídeo e texto de
todas as 8 sessões
13
, que comporão um painel representativo das experiências do jogador
durante seu tempo de jogo.
Definidos o recorte empírico e a maneira de realizar essa aproximação, é necessário
então definir eixos analíticos que possam delinear a análise propriamente dita da empiria, uma
vez que são esses operadores que permitirão um estudo que ultrapasse a simples descrição do
funcionamento dos MUDs. Antes de introduzí-los, no entanto, apresenta-se um guia sintético
contendo as fichas de cada sessão capturada durante o processo de coleta. Cada ficha contém
o número da sessão, os minutos a que correspondem a duração de cada sessão frente às 32
horas, uma descrição sucinta dos acontecimentos experienciados pelo personagem, e a
evolução do nome do personagem uma importante parte de seu avatar no decorrer das
sessões.
13 Por razões de backup, e também em caso de desdobramentos futuros da pesquisa, o resto do tempo não
incluso nas sessões de 20 minutos será também gravado em formato de texto, em arquivos .txt.
Ao longo do capítulo precedente, foram estabelecidos parâmetros para apreender as
trocas simbólicas postas em jogo durante uma sessão de MUD. No entanto, a fim de articular
as perguntas que delinearão o processo analítico, é necessário delimitar que atividades
caracterizam essas trocas na experiência dos jogadores. Nesse sentido, interessa menos definir
o MUD enquanto jogo, narrativa ou comunidade, mas sim perceber o quanto estão imbuídos
na experiência de um jogador de MUD fazeres lúdicos, narrativos e comunitários. Em outras
palavras, procura-se fundamentar as indagações do presente estudo não a partir de uma
essencialização de qualidades distintivas de um MUD, mas sobretudo a partir da complexa
relação instaurada entre os jogadores e o próprio jogo. Dessa feita, desloca-se as noções de
jogo, narrativa e comunidade enquanto características definidoras somente do MUD em si,
procurando trabalhá-las enquanto eixos analíticos que permitam justamente apreender
diversas facetas dos encontros entre os interlocutores envolvidos no jogo.
Jogar um MUD é, como visto anteriormente, criar um personagem virtual para si no
sistema de jogo para então explorar o mundo que se oferece à sua volta. E desde o primeiro
passo, o primeiro ato realizado ou a primeira fala proferida nesse sistema de jogo, se pode
dizer que narrativa. Afinal, não necessariamente a narrativa deve ser concebida enquanto
um objeto localizável materialmente determinada história contida no MUD, ou o enredo
passado no ambiente de jogo mas pode também ser pensada como a relação estabelecida
entre o interlocutor e o objeto no acontecimento da história. Conceber a narrativa como o
conteúdo de uma história uma seqüência de enunciados, fixos ou não, de que se compõe
uma história ou como manifestação unilateral dessa história narrativa localizada no ato
enunciativo de quem conta essa história –, de certa maneira enrijece as dinâmicas que
perpassam todo o processo de interlocução entre as partes então envolvidas. Em outras
palavras, mais que perceber a narrativa como o próprio jogo online, trata-se de concebê-la
como um acontecimento constante no contato entre o jogador e o próprio jogo. Afinal, como
afirma Bruno Leal, pensar a narrativa como uma relação permite elaborá-la à maneira de
(...) formas capazes de articular o estar-num-mundo aberto, em fluxo, tecido no
entremear de imagens, falares, tradições, saberes. Afinal, narrar significa buscar e
estabelecer um encadeamento e uma direção, investir o sujeito de papéis e criar
personagens, indicar uma solução. As narrativas, assim, tecem a experiência vivida e
podem aparecer no cotidiano, contadas pelos seres humanos, ajudando-os a viver e
agrupando-os, distinguindo-os, marcando seus lugares e possibilitando a criação de
comunidades. (Leal, 2006, p.20)
Trata-se de pensar a narrativa como uma operação que é acionada para ordenar os
acontecimentos que ocorrem à volta dos sujeitos, através da qual os significados são
construídos. Nesse sentido, esse pacto se traduz em um processo tanto de percepção dos
elementos à volta como de ordenação desses elementos. Segundo André Parente,
o ato de narração remete, por um lado, a dois processos que ele liga: o ato da
narração é um processo de diferenciação, uma vez que escolhe e ordena os objetos e
as ões, e um processo de configuração ou de integração, pelo qual integra seus
objetos e ações e lhes dá um sentido que eles não têm por si só. (Parente, 2000, p.36)
No desenrolar desse duplo movimento, o mundo se descortina enquanto elementos
discretos que, para fazerem sentido, devem ser ordenados pelo sujeito que procura
compreendê-los. A operação da narrativa pode ser eno comparada à de um viajante que
diante de um mapa, puramente descritivo e cujos lugares não têm a priori nenhuma relação
estabelecida entre si, reconstitui sua viagem, organizando em tempo real um relato que
aproxima, diferencia e faz significar os vários lugares pelos quais passou. Como afirma
Michel de Certeau,
onde o mapa demarca, o relato faz uma travessia. O relato é “diegese”, como diz o
grego para designar a narração: instaura uma caminhada (“guia”) e passa através
(“transgride”). O espaço de operações que ele pisa é feito de movimentos: é
topológico, relativo às deformações de figuras, e não tópico, definidor de lugares.
(Certeau, 1994, p.214)
A construção da narrativa se situa justamente nesse movimento operado pelo viajante
que articula essa experiência. A narrativa não é construída da passagem de um porto seguro a
outro, mas é sobretudo constituída na travessia entre esses portos. Durante essa trajetória, não
simplesmente um pulo de um ponto ao outro, mas ocorre a própria constituição do que
significa cada ponto, já que a travessia é o que lhes dará significação. Como o próprio Certeau
ressalta, “nessa organização, o relato tem papel decisivo. Sem dúvida, 'descreve'. Mas 'toda
descrição é mais que uma fixação', é 'um ato culturalmente criador'”. (Certeau, 1994, p.209)
Essa articulação leva em conta certamente outros fatores além do próprio chão no qual o
viajante pisa; trata-se de um percurso que será sempre devedor de várias circunstâncias que
organizam esse acontecimento. Segundo Leal,
(...) uma narrativa estrutura-se na articulação de elementos específicos cuja inserção
na economia textual deve-se, porém, ao diálogo com outros textos, à situação de
comunicação e ao conjunto de relações histórico-sociais que a localizam num
contexto. (Leal, 2006, p.22)
Ou seja, durante a narrativa, existe a construção de um texto que necessariamente irá
pressupor toda uma gama de fatores que incidem na constituição dessa relação. Portanto,
torna-se seguro dizer que dois sujeitos diferentes, mesmo diante de uma mesma seqüência de
enunciados um livro ou um filme, por exemplo –, estabelecerão narrativas que, ainda que
similares, jamais serão perfeitamente uniformes. Na medida em que a narrativa se encontra na
relação e não somente em uma das partes, ela se torna imbuída de uma mobilidade e de uma
permeabilidade frente aos envolvidos no processo de interlocução. Dessa maneira, torna-se
mais precisa a asserção de Maurice Blanchot, ao afirmar que
a narrativa não é o relato do acontecimento, mas o acontecimento mesmo, a
aproximação desse acontecimento, o lugar onde ele próprio é convocado a se
produzir, acontecimento ainda por vir e, através de seu próprio poder de atração, a
narrativa pode esperar, ela também, realizar-se.
14
(Blanchot, 1959, p.14)
Assim como a travessia, a narrativa se constitui então como acontecimento, ou seja, o
encontro de um interlocutor com algum texto, de maneira que a história então criada seja fruto
da interação entre as partes. Trata-se de uma relação travada à maneira de um pacto no qual a
narrativa, ao ser instaurada a partir desse encontro, emerge e se manifesta, fortemente
alicerçada tanto no texto no qual estava contida em potência, quanto no interlocutor que a
aciona e a faz acontecer. Pensar em termos de narrativa só faz sentido a partir do momento em
que ela é pensada como movimento, como acontecimento evanescente. Conforme Blanchot
afirma, a narrativa
relata somente a si mesma, e esta relação, ao mesmo tempo em que se faz, produz o
que ela conta, é possível como relação se ela atualiza o que se passa nela mesma,
pois ela detém portanto o ponto ou plano onde a realidade que a narrativa “descreve”
pode sem cessar se unir à realidade enquanto narrativa, garantí-la e nela encontrar
sua garantia.
15
(Blanchot, 1959, p.14)
14 “Le récit n'est pas la relation de l'événement, mais cet événement même, l'approche de cet événement, le lieu
où celui-ci est appelé a se produire, événement encore à venir et par la puissance attirante duquel le récit peut
espérer, lui aussi, se réaliser”. (Trad. do A.)
15 “Il ne “relate” que lui-même, et cette relation, en même temps qu’elle se fait, produit ce qu’elle raconte, n’est
possible comme relation que si elle réalise ce qui se passe en cette relation, car elle détient alors le point ou le
plan la réalité que le récit “décrit” peut sans cesse s’unir à sa réalité en tant que récit, la garantir et y
trouver sa garantie”. (Trad. Do A.)
Em outras palavras, a narrativa não é o discurso de alguém sobre alguma coisa, é a
própria irrupção de um discurso em alguém criando alguma coisa. Como assegura André
Parente, “ela [a narrativa] não conta sobre personagens e coisas, conta as personagens e as
coisas” (Parente, 2000, p.35); isto é, essas personagens e coisas não acontecem enquanto estão
adormecidas no interior de um texto ou de uma seqüência de enunciados, mas sobremaneira
quando são acionadas por um interlocutor que, ao ser por elas afetado, lhes um significado
concernente àquele acontecimento específico. Dessa feita, nota-se porque não se pode
conceber a narrativa como um enunciado, ou mesmo localizá-la somente na instância que
profere esse enunciado. Ao tomar a narrativa como encontro, como acontecimento, percebe-se
que, nas palavras de Parente,
a narrativa não é um enunciado de fato que representa um estado de coisas, mas um
enunciável. Ou seja, é, antes de tudo, um movimento de pensamento que precede, ao
menos em direito, os enunciados de fato. (...) O enunciável é a condição de direito
que explica como o acontecimento constitui a narrativa, e a narrativa, a realidade.
(Parente, 2000, p.35)
A narrativa se constitui portanto como o próprio movimento que atravessa esses
enunciados e institui suas amarrações dentro desse contexto. O enunciável, ou seja, o que se
pode enunciar, se transmuta em narrativa na medida em que conjuga os enunciados a partir de
uma ordenação própria de quem aciona o texto. Os enunciados, imbuídos em um contexto
específico como visto anteriormente em Leal –, oferecem uma matéria-prima que é
acionada e praticada pela pessoa que os usufrui.
Nesse contexto, se o enunciado nos MUDs corresponde às pequenas partículas de
texto que decantam na tela de jogo perante o usuário, é à medida que se trafega por esse
ambiente que sua narrativa acontece. Como se trata de um enunciado dinâmico, permeável às
decisões do jogador, pode-se afirmar que os MUDs se estruturam como um grande mapa
repleto de elementos aguardando para serem acionados, e a história acontecerá somente a
partir do momento em que o avatar começar a se deslocar e a interagir com esse texto. No
percurso dessa viagem, o relato se constitui ao mesmo tempo em que a travessia é realizada, e
as histórias que então emergem sempre estarão intimamente ligadas a cada encontro realizado
nesse trajeto. Ao imergir em um MUD, o jogador se depara com um ambiente que tem uma
geografia própria, habitado por outros participantes, e deve então começar a interagir com as
coisas à sua volta, estabelecendo dessa maneira uma ordem, uma trajetória na qual sua
história irá então se desenrolar. No entanto, esse pacto narrativo também se faz presente na
relação estabelecida entre os outros jogadores e esse sistema, e portanto, eles também operam
essa ordenação do sistema à sua volta, fazendo acontecer suas narrativas. Essa possibilidade
de construção de um mundo partilhado por milhares de pessoas altera consideravelmente a
maneira como as histórias que são lá geradas se organizam. Segundo Edmond Couchot,
a história se compõe em dupla: ela é, parcialmente, mas efetivamente, obra do
observador, a projeção de suas reações, de seus pensamentos, de sua subjetividade;
ela é o produto de dois sujeitos que hibridam sua singularidade respectiva através de
uma interface. E quando esta obra coloca em relação, via rede numérica, uma
multidão de outros atores navegando no mesmo espaço dialógico, esta
responsabilidade se partilha, se fractaliza em milhares de co-autores. (Couchot,
2003, p.279)
Essa história que emerge de cada sessão individual nos MUDs pode ser caracterizada,
como bem aponta o autor, como fractalizada; ou seja, não somente é construída a partir de
uma trajetória própria, individual, mas esse caminho é trilhado a partir de relações de conflito
e cooperação com outras pessoas, e por ambientes que são dinamicamente modelados não
por si próprios, mas por outros agentes inteligentes, tanto humanos quanto não-humanos.
Retomando o caráter de multílogo que caracteriza os MUDs, é inevitável a comparação da
organização da construção das histórias nesses ambientes com a caracterização que Walter
Benjamin faz do narrador que as constrói na oralidade, em contraposição ao escritor de
romances. De acordo com o autor,
o narrador retira da experiência o que ele conta: sua própria experiência ou a
relatada pelos outros. E incorpora as coisas narradas à experiência dos seus ouvintes.
O romancista segrega-se. A origem do romance é o indivíduo isolado, que não pode
mais falar exemplarmente sobre suas preocupações mais importantes e que não
recebe conselhos nem sabe como dá-los. (Benjamin, 1994, p.201)
obviamente uma grande distância entre a dinâmica apontada por Benjamin nesses
relatos orais e os processos em jogo nos MUDs. Quando o autor diz da experiência sendo
incorporada à sua história, Benjamin na verdade diz de um processo cultural e tecnológico
que afeta a maneira como a obra dos autores é permeada por aspectos de sua própria vivência
em sociedade. Precisamente por se tratar de um mundo lúdico e, como visto anteriormente,
até certo ponto um espaço simbólico diferido da vida cotidiana dos jogadores, não senão
vestígios de histórias de vida carregadas pelos leitores a esse universo-jogo. Ainda assim, é
absolutamente pertinente observar que o fazer narrativo presente nos MUDs se distancia
consideravelmente de narrativas centralizadas numa figura autoral. Novamente segundo
Benjamin,
(...) numa narrativa a pergunta e o que aconteceu depois? é plenamente
justificada. O romance, ao contrário, não pode dar um único passo além daquele
limite em que, escrevendo na parte inferior da página a palavra fim, convida o leitor
a refletir sobre o sentido de uma vida. (Benjamin, 1994, p.213)
É possível reconhecer, em atividades como jogar MUDs, algumas características
semelhantes àquelas apontadas pelo autor nos relatos orais que diferem radicalmente da
organização romanesca da obra, sobretudo na razão em que a história é construída à medida
em que está sendo contada, através de intervenções alheias. Trata-se de um convite à não-
amarração do texto, visto que ele se constitui no próprio ato de leitura e escrita do jogador e
de outros jogadores alheios. Nessa toada, as constantes intervenções sobre o sistema impedem
que essa seja uma história criada solitariamente, diferida temporalmente de sua apresentação.
É importante ressaltar que não se advoga para as experiências vividas nos MUDs uma
comunicabilidade semelhante àquela dos relatos orais descritos por Benjamin, para quem a
impossibilidade de um compartilhamento da experiência é uma forte marca do período pós-
Primeira Guerra. No entanto, a lógica de funcionamento dos MUDs permite afirmar que, à
maneira dos relatos que Benjamin resgata, a narrativa de um jogador atravessa a de outro;
ainda que díspares, cada um desses cruzamentos irá afetar de alguma maneira a relação que
estava então se desenrolando.
Essa margem de contato entre cada história engendrada pelos jogadores não acontece,
entretanto, em um ambiente despojado de regras que delineiam e tensionam a maneira como
ocorre esse cruzamento. Afinal, todo esse processo narrativo se em meio a um processo
lúdico instaurado entre os jogadores, ambiente esse que marca indelevelmente o modo como
essas narrativas são engendradas. À maneira da narrativa, procura-se aqui definir jogo
enquanto uma atividade de interação, em detrimento de um objeto, ou conjunto de objetos, o
que pressupõe localizá-lo num espectro maior da vivência simbólica das pessoas. Ainda que
comumente se refira aos MUDs como jogos, o conceito torna-se mais polivalente e prolífico
quando pensado como uma prática, e não como um objeto existente fisicamente. Como afirma
Johan Huizinga,
(...) poderíamos considerá-lo uma atividade livre, conscientemente tomada como
“não-séria” e exterior à vida habitual, mas ao mesmo tempo capaz de absorver o
jogador de maneira intensa e total. É uma atividade (...) praticada dentro de limites
espaciais e temporais próprios, segundo uma certa ordem e certas regras. (Huizinga,
1999, p.16)
O ato de jogar pressupõe que, enquanto esse pacto durar, os atos e falas das pessoas
envolvidas estarão circunscritos a um universo particular e delimitado que funciona de uma
maneira pré-estabelecida pelos participantes. A princípio, joga-se quando o fluxo da vivência
cotidiana é interrompido e provisoriamente substituído por regras arbitrárias e por um
universo imaginário que estruturarão esse novo e fugaz naco de experiência. Em outras
palavras, de acordo com Huizinga,
o jogo distingue-se da vida comum” tanto pelo lugar quanto pela posição que
ocupa. (...) É “jogado até o fim” dentro de certos limites de tempo e de espaço.
Possui um caminho e um sentido próprios. O jogo inicia-se e, em determinado
momento, “acabou”. Joga-se até que se chegue a um certo fim. Enquanto está
decorrendo tudo é movimento, mudança, alternância, sucessão, associação,
separação. (Huizinga, 1999, p.12)
Essa atividade é facilmente percebida nas brincadeiras que permeiam as várias
culturas humanas, do pique-esconde à roleta russa, passando pelos videogames e pelos mais
variados tipos de esporte. De acordo com Roger Caillois, seria possível fazer uma
categorização dos jogos existentes segundo as estratégias que eles utilizam para envolver o
jogador na atividade, e que em seu conjunto constituiriam um amplo painel de experiências
lúdicas é importante ressaltar de antemão que não se tratam de categorias rígidas e auto-
excludentes, uma vez que a maioria dos jogos empregam, em maior ou menor grau, todo o
conjunto de estratégias expostas a seguir.
O autor apresenta primeiramente Agôn (competição em grego), estratégia proeminente
em jogos de competição, nos quais os jogadores, normalmente dotados dos mesmos recursos
no início do jogo, devem disputar entre si a conquista de algum objetivo para então ser
declarado campeão. Exemplos de jogos de competição são esportes em geral, individuais ou
coletivos, ou mesmo jogos de teste de conhecimentos gerais e jogos de tabuleiro.
Em seguida Caillois propõe Alea (jogo de dados em latim) como uma segunda
categoria, que representaria jogos de sorte e azar como cartas, roleta e dados. Em jogos nos
quais predomina essa estratégia, participantes necessitam somente da sorte para que seja
decidido o resultado do jogo, sem que utilizem efetivamente alguma habilidade física ou
mental que possa lhes favorecer. Como afirmar o autor, um jogo baseado em Alea está
assentado “(...) sobre uma decisão que não depende do jogador, sobre uma decisão na qual ele
não pode ter certeza de algum ganho, e por consequência não se trata de ganhar de um
adversário mas sim sobre o destino
16
” (Caillois, 1958, p.56).
Mimicry (mimetismo em inglês) é o nome dado à terceira categoria, que consiste em
jogos cujo objetivo do jogador é incorporar algum papel ou personagem; ou seja, o que está
efetivamente em jogo é a capacidade de se exercer algum tipo de simulação. Trata-se de uma
16 “(...) sur une décision qui ne dépend pas du joueur, sur laquelle il ne saurait avoir la moindre prise, et où il
s'agit par conséquent de gagner bien moins sur un adversaire que sur le destin.” (Trad. Do A.)
estratégia centrada não em atingir algum objetivo específico, mas principalmente na invenção
de um outro eu ilusório, mas que nos limites do jogo deve ser vivenciado enquanto realidade
objetiva. Exemplos variam desde crianças brincando de incorporar personagens até mesmo
práticas comuns de imitação de pessoas.
Caillois apresenta finalmente Ilinx (nome grego para turbilhão d'água), estratégia que
denominaria jogos cujo objetivo é de alguma maneira colocar em cheque a própria noção de
corpo do jogador. O autor afirma que Ilinx é predominante em jogos que consistem em “uma
tentativa de destruir por um instante a estabilidade da percepção e de infligir à consciência
lúcida um tipo de pânico voluptuoso
17
(Caillois, 1958, p. 68). Brincadeiras recorrentes como
rodopiar em volta de si mesmo até atingir um estado de tontura ou brinquedos de parques de
diversão que induzem o mesmo estado são claros exemplos de jogos incluídos em tal
definição.
Nessa miscelânea de jogos, não importa qual variedade estratégica eles empreguem,
interessa perceber que o pacto estabelecido irá sempre pressupor uma certa ambivalência
entre uma dimensão pragmática e uma dimensão mágica desse fazer. Por um lado, é
necessária a existência de regras; por outro, torna-se imperativo que os jogadores acreditem e
compartilhem esse domínio imaginário que é instaurado ao redor de si. Em suma, jogos se
encontram duplamente apoiados em dois elementos fortemente imbricados, regras e ficção.
Segundo Jesper Juul,
regras são descrições finitas do que pode e o que não pode ser feito em um jogo, e
providenciam desafios que o jogador deve progressivamente descobrir como
ultrapassar. Ficção é ambígua o jogo pode projetar mundos ficcionais mais ou
menos coerentes que o jogador pode então imaginar. (...) Ficção leva o jogador a
entender as regras, e as regras podem ajudar o jogador a imaginar um mundo
ficcional.
18
(Juul, 2005, p.197)
Inevitavelmente, todo e qualquer jogo estará assentado sobre essas duas dimensões
complementares. Da brincadeira de pega-ladrão, passando pelo bem-me-quer-mal-me-quer,
até os videogames de última geração, regras e ficção articulam essa experiência de maneira a
garantir sua coerência e fruição. Certamente, a maneira como cada elemento desse par estará
presente em cada jogo varia segundo muitas variáveis possíveis, como por exemplo o próprio
17 “(...) une tentative de détruire pour un instant la stabilité de la perception et d'infliger à la conscience lucide
une sorte de panique voluptueuse”. (Trad. Do A.)
18 “Rules are definite descriptions of what can and cannot be done in a game, and they provide challenges that
he player must gradually learn to overcome. Fiction is ambiguous the game can project more or less
coherent fictional worlds that the player may then imagine. (...) Fiction cues the player into understanding the
rules, and rules can cue the player into imagining a fictional world”. (Trad. Do A.)
suporte da brincadeira no bangue-bangue de faz-de-conta as regras são acordadas
verbalmente e nos jogos eletrônicos definidas numericamente pelo programador do
computador –, ou mesmo o grau de enredo ficcional envolvido na atividade uma partida de
Tetris não mobiliza uma história à maneira de um grupo de jovens envolvidos em um jogo de
RPG. Não importa em qual jogo, regras particulares são estabelecidas muitas vezes
tacitamente –, e os participantes precisam adequar suas ações de acordo com elas. Todavia, é
pertinente observar que o ato de jogar, segundo esses parâmetros, igualmente se encontra
presente nos mais variados procedimentos culturais, seja no funcionamento econômico das
bolsas de valores, seja na corte amorosa visando a conquista da pessoa amada. Pode-se
afirmar que jogar constitui uma atividade inerente à própria cultura, e que portanto muitas
vezes essa divisão é severamente permeada, senão abolida, pela experiência cotidiana do
jogador. É necessário estabelecer uma definição capaz de abranger diversas facetas dessa
atividade para além das mais aparentes, como as brincadeiras de criança. Juul propõe a
seguinte definição:
Como atividade, o jogo é um sistema que muda de estado segundo uma série de
regras implementadas por pessoas, computadores, ou leis da natureza. O jogo é
conduzido de tal forma que seu resultado é indeterminado, variável e quantificável.
Os jogadores têm ciência de que alguns resultados o melhores do que outros. Os
jogadores podem exercer esforço para tentar modificar o resultado. Os jogadores
sentem-se emocionalmente ligados a um eventual resultado. Finalmente, as
conseqüências do jogo foram negociadas, idealmente antes do início do jogo.
19
(Juul,
2005, p.46)
Ora, eis uma definição que não somente possibilita o discernimento de partículas
elementares de seu funcionamento, como também permite percebê-lo até mesmo enquanto
princípio fundante da própria noção de sociedade; o que ela é, senão um grande conjunto de
atividades e comportamentos regidos por normas e regras constantemente negociadas que,
conscientemente ou não, visam movimento, mudança, alternância, sucessão, associação e/ou
separação? Logo, a própria cultura humana se constitui como um inefável entrecruzamento de
jogos, alguns de duração mais longa – tomando-o como metáfora para a própria sociedade e
outros mais passadiços, como as já referidas brincadeiras infantis.
Onde situar a experiência de jogar MUDs, portanto, nesse universo tão heterogêneo de
jogos? Considerar todas essas atividades como jogos não significa de maneira alguma
19 “As an activity, a game is a system that changes state according to a set of rules that are implemented by
humans, computers, or nature laws. The game is such that its outcome is undetermined, variable and
quantifiable. The players are aware that some outcomes are more desirable than others. The players are able
to exert effort in order to influence the outcome. The players feel attached to the eventual outcome. Finally,
the consequences of the game have been negotiated, ideally before the beginning of the game”. (Trad. Do A.)
equipará-los a um mesmo tipo de vivência. Um possível pametro para essa diferenciação
pode ser encontrado na presença ou não dessa separação simbólica entre o jogo e uma suposta
experiência cotidiana, “comum” nas palavras de Huizinga. Como afirma Herman Parret,
um jogo finito (...) tem um começo preciso e um fim definido: ele tem portanto
limites espaciais, temporais e numéricos. No jogo infinito ou o jogo de cultura, não
limites de tempo e espaço, que o tempo e o espaço são criados no próprio jogo
e não são por isso restrições aplicadas de fora para dentro. (Parret, 1997, p.48)
Eis uma concepção que, ao mesmo tempo em que permite diferenciar jogos mais
palpáveis como as brincadeiras de outros mais diluídos como a conquista amorosa –,
proporciona a noção da própria cultura como jogo. À primeira vista, poder-se-ia considerar
MUDs como um jogo finito; afinal de contas, o jogador, ao sentar de frente para seu
computador e adentrar o universo do jogo, se desvencilha das amarras cotidianas e imerge
num ambiente interativo suportado por regras muitas vezes diferentes das de sua vida comum.
Em um MUD, as restrições espaço-temporais são definidas de fora do próprio ambiente de
jogo. No entanto, trata-se de uma categorização delicada, especialmente na medida em que se
nota que um MUD contradiz o que seria uma característica fundamental dos jogos finitos.
Segundo o autor,
torna-se portanto aparente que todo jogo finito é contraditório: “Sendo o propósito
de todo jogo finito terminar o jogo com a vitória de um dos jogadores, cada jogo
finito é jogado para que o próprio jogo termine”. Como conseqüência, o jogo finito é
um jogo contra o próprio jogo. (Parret, 1997, p.49)
Essa restrição espaço-temporal extrínseca aos jogos deveria pressupor um
envolvimento de tal ordem entre os jogadores de maneira que os esforços são direcionados
para garantir algum tipo de objetivo, e assim emergir do universo mágico do jogo de maneira
vitoriosa afinal, ganhar um jogo implica no término desse jogo. Ora, MUDs escapam a essa
lógica no exato momento em que a meta maior de seu jogador é desenvolver o personagem, e
através de pequenas conquistas circunstanciais garantir sua persistência em um mundo
igualmente persistente. Apesar da existência desse começo preciso e fim estabelecido de cada
sessão, não é possível demarcar nesse ambiente quando o jogo termina, já que o desenrolar de
cada sessão está diretamente ligado às sessões anteriores e posteriores. Nessa perspectiva, a
lógica dos jogos de MUD se assemelha em alguma medida ao funcionamento dos jogos de
cultura, dos jogos infinitos, nos quais joga-se para prosseguir jogando; especialmente por ser
um jogo partilhado por várias pessoas, joga-se para continuar o jogo nos outros. A competição
subsiste nos MUDs mas, ao invés de sobrepujar o oponente para que o jogo termine, o
jogador busca a vitória sobre o antagonista como meio de construção de uma trajetória dentro
do jogo: aquela provavelmente não será sua última batalha, ela é somente mais um que
amarrou diferentes passagens da vida virtual do personagem – e de seu adversário. O combate
nos MUDs, ou em termos mais abrangentes, o enfrentamento entre jogadores não é um meio
para que se atinja uma rápida vitória no jogo, mas é sobretudo uma própria finalidade inefável
do sistema de jogo. Em suma, as interações nesse âmbito se configuram não como um meio,
mas como os próprios fins dessa atividade. Afinal, como indica Parret,
(...) o jogador do infinito não é de fato um calculador nem um combatente pela
vitória. O jogador do infinito é muito mais como um dançarino. Deveria haver então
uma concepção coreográfica da estratégia: o duelo dos combatentes tornar-se-ia
então o duo dos dançarinos. (Parret, 1997, p.50)
Pensar o MUD como um jogo que compartilha características tanto dos jogos finitos
quanto dos jogos infinitos possibilita perceber que seus jogadores se encontram sob uma
dupla ascendência, da figura do combatente e do dançarino. Numa, luta; noutra, coreografia.
Nessa intersecção, onde a competição convive em constante tensão com a colaboração, torna-
se pertinente refletir em que medida essa característica dos MUDs se traduz na própria
dinâmica entre os jogadores. No entanto, para avançar nessa questão é necessário conceituar o
aglomerado de participantes para além do simples termo multiplayer. Trata-se de uma
agregação de jogadores, ou poderia-se pensar em termos de comunidade?
A linha que divide agregações eletrônicas de comunidades virtuais é tênue, e um bom
começo para proceder a esse pulo é considerar as especificidades de agregações entre pessoas
nos ambientes telemáticos. Inexoravelmente, agregações virtuais acontecem quando um grupo
de pessoas materializa suas interações a respeito de interesses compartilhados a partir do uso
de ferramentas disponíveis na rede, como blogs, listas de discussão, fóruns e jogos
multiplayer. Howard Rheingold simplifica a questão ao afirmar que se trata de “agregações
sociais que emergem na Internet quando um número de pessoas conduz discussões públicas
por um tempo determinado, com suficiente emoção e formando teias de relações sociais”.
20
(Rheingold, 1993) No entanto, nem sempre é possível asseverar que essa interação irá se
traduzir num sentimento comunitário entre seus participantes. Como aponta André Lemos,
(...) podemos dizer que no ciberespaço existem formas de agregação eletrônica de
dois tipos: comunitárias e não comunitárias. As primeiras são aquelas onde existe,
por parte de seus membros, o sentimento expresso de uma afinidade subjetiva
delimitada por um território simbólico, cujo compartilhamento de emoções e troca
de experiências pessoais são fundamentais para a coesão do grupo. O segundo tipo
refere-se a agregações eletrônicas onde os participantes não se sentem envolvidos,
20 “(...) social aggregations that emerge from the Net when enough people carry on those public discussions
long enough, with sufficient human feeling, to form webs of personal relationships in cyberspace”. (Trad. Do
A.)
sendo apenas um locus de encontro e de compartilhamento de informações e
experiências de caráter totalmente efêmero e desterritorializado. (Lemos, 2004)
É interessante notar que o autor utiliza o adjetivo “desterritorializado” para
caracterizar agregações que nãoo comunitárias. Ora, o termo remete a uma participação na
qual o interlocutor não cria raízes simbólicas profundas no espaço de interlocução. Em
agregações comunitárias, ao contrário, prevalece esse enraizamento do qual os participantes
são responsáveis e que, de certa forma, indícios de como a participação se estrutura nesse
espaço pode-se afirmar inclusive que este se configura então como espaço praticado. Esse
sentimento de pertencimento não interessa na medida em que se encontra imaginado
cognitivamente no interior da cabeça dos membros da comunidade, mas sim na medida em
que ele emerge na própria tessitura do ambiente dessa comunidade. Esse espaço praticado
corresponderia a esse espaço da experiência que se contrapõe a um espaço localizado
fisicamente, que não leva em conta as rias intervenções nele realizadas por seus usuários.
indícios fortes da presença de uma comunidade em espaços onde ocorre uma certa
customização dos locais e ferramentas destinados à congregação dos participantes.
Em outras palavras, é possível pensar a comunidade tanto para além de um lugar
específico o ambiente de jogo dos MUDs, por exemplo quanto além de um sentimento
solipsista de pertencimento presente em cada um de seus participantes. A comunidade pode
ser considerada à maneira de um pacto entre os interlocutores de uma determinada agregação
cujo sentimento de pertencimento deve necessariamente florescer materialmente no espaço
onde essas interlocuções acontecem. Afinal, o que raízes fazem, senão alterar a própria
constituição do solo no qual estão enraizadas? Como complementa Lemos, “as dimensões
espacial e temporal são fundamentais para se definir uma comunidade virtual: ela deve durar
enquanto comunidade e ter um terreno próprio de desenvolvimento”. (Lemos, 2004) Esse
terreno próprio de desenvolvimento é justamente moldado pelas interações contínuas dos
membros da comunidade que invariavelmente lhe imprimem uma feição afeita a suas
preferências e idiossincrasias. Simone Pereira de também atribui essa centralidade ao
processo de trocas simbólicas ao afirmar que
uma comunidade é um objeto concreto e material de estudo, delimitado por
referências temporais e espaciais sejam elas geográficas ou não; mas é também, e
ao mesmo tempo, um processo comunicativo de negociação e produção de sentido,
estrutura e cultura comum; (...) uma comunidade “sempre” imaginada, abstrata, em
construção e comunhão. (Sá, 2005, p.59)
Portanto, não somente ligado a um centramento geográfico e temporal estritamente
determinado, a noção de comunidade pressupõe o estabelecimento de um pacto entre pessoas
que partilham um determinado território simbólico em comum e, ao fazê-lo, deixam marcas
desse pacto no próprio espaço compartilhado. Procurar por pactos comunitários em MUDs
torna-se principalmente uma tarefa pela busca de indícios de elos simbólicos que possam
traduzir esse sentimento de pertencimento entre os jogadores para além de um simples
aglomerado de pessoas que compartilham de um mesmo universo de jogo. É justamente com
o desvelamento desse pacto que se torna mais aparente em que medida a dinâmica do jogo
entre os participantes dos MUDs se encontra balanceada entre a luta e a coreografia; afinal,
não seria o pertencimento advindo de uma comunidade um componente primordial para o
estabelecimento de vários laços simbólicos um dos fatores proeminentes na construção dessa
dinâmica de interlocução onde encontram-se entrelaçados competição e colaboração? Nesse
âmbito, a atividade lúdica se encontra intimamente ligada ao pacto comunitário, de maneira
que ambos, ao permearem o fazer dos jogadores de MUDs, deixam pistas e marcas no próprio
ambiente onde eles acontecem.
Da narrativa ao jogo, atravessando a comunidade, eis um percurso que leva tanto à
delineação dos eixos analíticos que fundamentam o estudo quanto à formulação mais
específica das indagações que orientam o presente trabalho. De uma maneira geral, procura-se
compreender como a atividade do jogador de jogos multiplayer online, especificamente
MUDs, ao se organizar em torno de forças lúdicas, narrativas e comunitárias, faz emergir
histórias criadas em comunhão, numa dinâmica complexa de entrecruzamento. Essas
dinâmicas necessitam ser apreendidas em meio a uma complexa sociabilidade que permeia o
universo dos MUDs. Se a história acontece no encontro entre o jogador e os interlocutores
(que também são jogadores) à sua volta, ela possivelmente estará sujeita a intervenções das
mais variadas procedências, e portanto constituir-se-á no seio de um encontro entre diversas
narrativas que afetam direta e indiretamente umas às outras. Em que medida as regras (tanto
do jogo em si quanto da organização social nele presente) que estruturam a convivência nos
MUDs, ao se fazerem presentes na própria sociabilidade entre os interlocutores, estabelecem
uma demarcação entre onde começam e onde terminam esses laços comunitários, e
conseqüentemente tensionam as circunstâncias para o acontecimento dessas dinâmicas?
Quando essas dinâmicas se manifestam durante o jogo, elas incidem de maneira direta ou
indireta sobre o personagem, e de que maneira isso se relaciona com o fato de os jogadores de
MUDs estarem divididos entre a figura do lutador e a figura do coreógrafo? Se o jogador se
socializa aos poucos ao passo em que adentra o universo do jogo, estabelecendo raízes de
pertencimento, como se dá essa passagem da pequena ascendência de outros jogadores na sua
própria narrativa a um maior influxo da narrativa de outros jogadores à sua? Em meio a essas
questões, urge definir procedimentos analíticos que permitirão extrair do material empírico
coletado explicações satisfatórias à problematização anteriormente realizada.
Uma etapa primordial é a criação de um relato da trajetória do personagem do
pesquisador durante as sessões de jogo. Se, como visto anteriormente, a narrativa acontece na
instauração de uma travessia, é imprescindível saber de antemão que percurso foi esse, e o
que aconteceu durante ele. Tendo como base os logs disponíveis após cada sessão, o
pesquisador relatará a trajetória de seu personagem através das sessões. Para abarcar todo o
percurso do personagem, é preciso relatar não somente os acontecimentos de cada sessão, mas
também aqueles que ocorreram durante os intervalos entre as sessões. Esses intervalos,
referidos como interlúdio, não são utilizados enquanto sessões de jogo, mas ainda assim são
de suma importância para o estabelecimento de um relato coerente que possa sustentar as
análises. Para facilitar o entendimento de termos específicos contidos no relato, um glossário
acompanha este trabalho, no capítulo anterior à bibliografia.
O processo de análise é dividido em duas partes distintas. Nos quatro catulos
seguintes, são analisadas questões pontuais presentes nos relatos a partir das estratégias
lúdicas elaboradas por Roger Caillois. Cada um desses capítulos se inicia com o relato de um
par de sessões, para que então, ao fazer o uso de transcrições de passagens, sejam
investigados acontecimentos que se refiram, em ordem, às noções de Mimicry, Ilinx, Alea e
Agôn. Mais que procurar atrelar o processo analítico a determinada categoria, trata-se de
utilizá-las como um referencial que permita uma aproximação a diferentes facetas da
experiência dos jogadores e, conseqüentemente, de uma melhor compreensão do que
caracterizaria as histórias então criadas. Dessa maneira, tais histórias podem ser investigadas
segundo especificidades da própria prática lúdica na qual estão circunscritas.
Ao longo de tais capítulos, uma verdadeira tapeçaria analítica é construída em meio à
trajetória do personagem, e retomando-a à maneira da remontagem de um quebra-cabeça
espera-se encontrar respostas pertinentes às perguntas anteriormente expressas. No último
capítulo, que também é a conclusão, procura-se fazer um enlace de todos os aspectos
previamente estudados com a totalidade do relato, de maneira a perceber como a história, de
uma maneira geral, foi sendo construída à medida que tais estratégias foram se manifestando.
Neste capítulo, a noção de Mimicry, simulacro, é utilizada de maneira a problematizar
como os jogadores de MUDs se envolvem com o ambiente de jogo, e em que medida as
histórias então construídas são vividas e contadas pelos jogadores. De partida o relato das
duas primeiras sessões coletadas, e em seguida a análise a partir de transcrições de textos
retirados dessas sessões.
Este relato se inicia com o nome do personagem criado, Dova
21
, uma vez que se trata
do primeiro dado requisitado pelo jogo. No menu de escolhas, define-se também a raça do
personagem, humana, e sua idade, 18 anos. Logo após sua criação, Dova se encontra
localizado ao norte da cidade de Nova Thera, numa encruzilhada de estradas. Uma senhora
muito velha se aproxima, vinda do sudoeste, mancando apoiada em uma bengala. Ela
pergunta a Dova seu nome, e também se ele estava ali para participar da Prova. Ela pede a ele
para seguí-la, até chegarem aos pés de uma árvore gigantesca, a Árvore do Mundo, também
conhecida como Yggdrasil. dentro, a velha chama a atenção para a Chama de Yggdrasil,
situada no centro da sala. A velha explica que a Prova é realizada além da Chama, e que Dova
deve sem medo penetrar a fogueira. Dova entra na Chama, e perde a consciência.
Dova acorda nu em outra caverna, ao lado de uma mulher que se apresenta como
Pasiphae*. Ela lhe um robe para se vestir, e lhe diz que, para completar a prova, ele deve
21 Ao longo dos relatos, quando um nome é apresentado pela primeira vez, ele é transcrito em itálico. Outro
dado importante é que sempre que a personagem apresentada seja um bot, seu nome virá acompanhado de
um asterisco.
lhe trazer uma pedra preciosa de nome Orbe do Dragão. Antes de partir em busca da Orbe,
Dova deve antes procurar ajuda para se acostumar ao mundo de Achaea, e visita Severian*,
que lhe ensina a geografia básica do continente, como se movimentar e se comunicar, e com
Gruul*, um instrutor de artes marciais que lhe ensina comandos básicos de luta. De volta a
Pasiphae, ela explica a Dova que a pedra pode ser encontrada de duas formas: enfrentando seu
guardião, ou atravessando um labirinto. Dova escolhe a primeira opção, derrota o guardião, e
entrega a pedra para Pasiphae. Dova passou no teste, e é então teleportado para o Portal dos
Deuses, um lugar a partir do qual se pode acessar várias localidades de Achaea
instantaneamente.
No Portal, Dova conversa com um dos guias, de nome Juliet, sobre o que deveria fazer
então. Ela lhe aconselha a viajar até a casa de Certimene* na cidade de Delos, onde as pessoas
podem se registrar em clãs de profissões. Dova empreende essa viagem, e na casa de
Certimene se diante de uma grande gama de opções de profissão. Dova se interessa pela
classe dos palhaços, e descobre que para pertencer a esse clã ele deve se inscrever no Instituto
Carnivalis de Palhaçadas. Lendo um manual no escritório de Certimene, ele descobre que
palhaços exercem atividades desde festas, entretenimento, como também permite a seus
integrantes se tornarem combatentes e ladrões sempre utilizando habilidades que se
aprendem no Instituto. Dova decide se tornar um palhaço.
Ainda na casa de Certimene, Dova registra-se como um integrante do Instituto
Carnivalis de Palhaçadas. Assim que o registro é completado, é aberto um canal de
comunicação telepático compartilhado por todos os integrantes do Instituto, que prontamente
dão as boas vindas a Dova. Conversando amenidades com outros integrantes especialmente
mais novos como ele –, Dova descobre que quando se entra no Instituto é atribuído ao nome
próprio um prefixo, “Patinho de borracha”. Dova descobre ainda que ele é apenas um newbie,
um aprendiz, e que deverá passar por muitas avaliações e provas antes de se tornar um
membro efetivo do Instituto. Como primeira atribuição, Dova deve ler vários documentos
detalhando o funcionamento do Instituto, como regras de conduta e pessoas importantes a
serem conhecidas.
De volta para o Portal, Dova decide ir para a terra de Minia, local onde os recém-
chegadas em Achaea costumam ter suas primeiras aventuras. Chegando nessa terra, Dova se
desdobra em duas atividades: uma, caçar borboletas para vendê-las a um colecionador de
nome Vellis*; a outra, praticar bashing, isto é, matar seguidamente vários monstros, em duas
tribos vizinhas inimigas uma da outra, a dos pixies e dos imps.
Após um bom tempo praticando bashing e caçando borboletas, Dova faz uma visita a
Delos, cidade onde está localizado o Instituto, mas ainda não tem coragem de entrar na sede.
Resolve então visitar Shallam, uma grande cidade vizinha, onde resolve fazer compras: um
pouco de comida, e suas primeiras peças de roupa: uma calça e um par de sandálias.
Rapidamente, Dova retorna a Minia para mais bashing. Dessa vez, no entanto, durante uma
briga com um dos monstros, Dova se descuida e morre (seus indicadores de saúde chegam a
zero). Após alguns devaneios, o personagem acorda ileso em uma caverna, sem saber direito
onde está. Pedindo ajuda aos deuses, é teleportado ao Círculo de Portais, e então retorna a
Minia para se vingar de seu agressor.
Dova eno resolve fazer nova visita a Delos, e dessa vez visitar o Instituto. Após
conhecer as salas e alguns companheiros, ele sai da sede para fazer uma viagem até Ashtan,
uma cidade próxima. Explorando a cidade, Dova esbarra em uma companheira do Instituto,
Pós-Pingüim Varu Storm, Galinha Esparrenta e se cumprimentam de forma tímida. Em outra
esquina, tornam a se esbarrar, e começam a conversar mais animadamente. Varu está
associada bastante tempo ao Instituto, e se oferece para ser o mentor de Dova na sua
trajetória para se tornar um membro efetivo. Dova aceita, e Varu lhe aconselha a continuar
mais um tempo em Minia antes de freqüentar as cidades.
Em Minia, Dova continua a dividir seu tempo entre as borboletas e o bashing nas vilas
inimigas. No entanto, o canal telepático do Instituto torna-se mais presente no seu cotidiano, e
Dova já tem coragem para trocar algumas palavras nesse canal de comunicação. Cansado do
bashing, ele resolve visitar o Instituto para ter suas primeiras lições como palhaço. Chegando
ao Instituto, Dova desce as escadas até chegar à sala do palco de teatro, onde se encontra com
o instrutor oficial, um simpático pato falante de um metro e meio de altura chamado Sr.
Quackers* e com Lady Claudia Longshanks, Duquesa de Delos, membra do Instituto
bastante tempo. Dova pede ajuda a Claudia com as lições, e ela concorda em lhe ensinar
algumas habilidades em Tarô e Travessuras (cada clã tem 3 habilidades especiais no
Instituto aprende-se essas duas e também Manipulação de Bonecos). Nesse ínterim, 'Prendiz
Pingüim Kunai Darkbreeze, Brinquedo de Banho de Ata também entra na sala, e enquanto
as aulas para Dova, Claudia conversa animadamente com Kunai.
Ainda no palco de teatro, dentro do instituto, Dova termina suas lições, e agradece a
Claudia e Kunai pela companhia. Dova retorna então a Minia para praticar mais bashing, e
tentar ganhar um pouco mais de experiência. Durante uma dessas matanças ele é surpreendido
por outra aluna do Instituto, Patinha de borracha Alaisha, que diz ser contra matar pixies, e
tenta convencer Dova a fazer o mesmo – o que ele prontamente recusa.
Depois de algum tempo Dova retorna para o Instituto para aprender mais algumas
lições, dessa vez sozinho com o Sr. Quackers. Nessa visita, Dova aproveita o tempo livre e
começa a vagar pelas salas do Instituto, conhecendo as instalações e alguns de seus
habitantes, como o palhaço Cottle* e os Srs. Cuco* e Buzina*, dois pássaros que devido a um
estranho acidente tiveram seus quadris colados um ao outro, como dois pássaros siameses. De
saída, Dova começa a perambular pelas lojas de Delos e, em seguida, pelos bazares de
Hasham (uma cidade localizada ao Sul do continente) para adquirir os itens necessários para
tentar passar por seu primeiro rito de passagem no clã no qual ele deve responder algumas
perguntas sobre o Instituto, adquirir duas tatuagens, vestir-se adequadamente, e providenciar
objetos como poções mágicas e alguns tipos de ervas medicinais. Durante essas andanças
Dova se encontra fortuitamente com Varu, que ao saber de seus progressos lhe um novo
título: Dova agora aparece para outros jogadores como Patinho de Borracha Dova, Pequeno
Espasmo de Varu. Após essas compras, Dova pratica um pouco mais de bashing em Minia.
Quem conta a história de Dova? Ora, como visto nos capítulos anteriores, a questão da
narração está longe de encontrar uma resposta simples. Tomando como base somente o relato
organizado pelo próprio pesquisador utilizando-se da terceira pessoa, pode-se localizar a
narrativa no encontro desse enredo cristalizado em papel, com um leitor que efetivamente lhe
dará sentido. Tal relato, no entanto, deve ser utilizado apenas como uma ferramenta que ajude
a contextualizar os vários acontecimentos da personagem para o leitor. A indagação que move
o presente capítulo deve ser pensada no seio do próprio jogo enquanto estava sendo jogado,
ou seja, no exato momento onde a história era gerada em um contexto de jogo.
O texto gerado por um MUD é um bloco de caracteres eletrônicos gerado em tempo
real e persistente a partir dos comandos do jogador. Se a narrativa se configura como o
encontro entre o texto e o interlocutor, nos MUDs esse embate se reveste de duas
características peculiares, uma vez que o próprio encontro altera consistentemente o texto, e
que esse enfrentamento é levado a cabo através de regras não somente de significação, mas
também de outras regras advindas do caráter lúdico desse ambiente. Trata-se, em última
instância, de uma conversa entre sistema e usuário, a partir da qual a história irá emergir.
Desde o início da trajetória de cada personagem criado, são comuns os encontros com
personagens controladas pelo sistema. Além de responderem automaticamente aos comandos
de cada jogador, também muitas vezes fornecem sugestões de comando para que os jogadores
executem ações pré-determinadas pelo próprio sistema do MUD, como no exemplo a seguir:
Dentro da Árvore-Mundo.
Queimando a uma altura de seis pés, mas sem emitir
calor, a Chama de Yggdrasil parece emanar um odor forte
de lavanda, curiosamente. Apoiando-se numa bengola
enroscada, uma velha aguarda aqui.
Você vê uma única saída para leste.
-
Uma velha diz, “Mas é isso que realmente te interessa,
não é?”
-
Uma velha aponta para a Chama de Yggdrasil.
-
"Vá, olhe bem a Chama. Não vai machucar seus olhos, não
é uma chama comum.”
- olhar chama
Seis pés de altura e quase sem calor, a Chama parece
queimar sem danificar nada à sua volta e sem usar
qualquer combustível. Um forte mas agradável odor de
lavanda emana dela.
-
"Sem titubear agora”, diz a velha calmamente. hora de
cumprir o que você veio aqui fazer. Entre na Chama,
Dova, e comece sua Prova do Renascimento"
- entrar chama
A velha sussurra suavemente à medida que você se
aproxima da Chama...
-
..."Que os Deuses estejam com você, Dova."
O episódio Chama de Yggdrasil é um momento no qual o jogador começa a ser
introduzido ao universo do jogo, aprendendo então como ele funciona fase usualmente
referida como tutorial. Como pôde ser visto na transcrição, durante todo esse período (que, no
caso específico de Achaea, vai do minuto 0001 a 0035) o jogo diz exatamente o que o
jogador deve fazer, dessa maneira educando-o na lógica de escrita do jogo. Os comandos do
jogador (que em todas as notações estarão sempre coloridos de laranja) denotam, nessa fase
específica, uma resposta pré-determinada a uma fala de uma personagem controlada pelo
sistema de jogo.
Nesse contexto específico, o motor que gera o texto está mais sob controle do sistema
que sob do próprio jogador, uma vez que, apesar de seu necessário input, não verdadeira
liberdade para tomada de decisões e, com isso, gerar um texto próprio, autônomo frente as
expectativas do sistema de jogo. No entanto, logo após o término do tutorial, o jogador tem
mais liberdade para interagir com o jogo, e fazer decisões próprias, construindo assim mais
livremente sua narrativa, como no trecho a seguir presente no episódio Encontro com Sr.
Quackers e Claudia no Instituto:
Palco de Teatro.
Sr. Quackers, o Pato está parado aqui sobre seus dois
pés laranjas. Um selo no formato de um monolito
retangular está pregado ao chão. Um totem rúnico está
plantado solidamente no chão. Soltando espuma de sua
boca, um dromedário está parado aqui. Lady Claudia
Longshanks, Duquesa de Delos está aqui. Ela maneja um
pequeno cassetete-de-borracha na sua mão esquerda e um
boneco vivo de Attrocity.
Você vê uma única saída para sul.
552h, 540m ex-
Claudia levanta sua mão cumprimentando Dova e diz “Oi!”
552h, 540m ex-oi claudi
Você levanta sua mão cumprimentando Claudia e diz “Oi!”
552h, 540m ex-dizer mmm, escute
Você diz, “Mmm, escute."
552h, 540m ex-dizer você poderia me ajudar com as minhas
primeiras lições?
Você diz, “Você poderia me ajudar com as minhas
primeiras lições?"
552h, 540m ex-
Claudia se entusiasma, "Claro!"
552h, 540m ex-
Sr. Quackers, o Pato curva-se perante Claudia,
terminando a lição em Titeragem.
552h, 540m ex-tirarf 1 myrrh
Como a passagem indica, naquele momento Dova pretendia aprender algumas
habilidades de sua classe (palhaços) através de algumas aulas com Sr. Quackers (uma
personagem controlada pelo computador). No entanto, a presença de uma outra personagem
na sala, desta vez humana Claudia Longshanks abriu novas possibilidades de interação,
facilitando inclusive o processo de aprendizagem de Dova que pôde fazer a Claudia
perguntas que Sr. Quackers, por ter um repertório limitado de interação, não poderia
responder. A própria presença de outros jogadores, ainda que não interagindo diretamente
com a personagem Dova, povoam o universo no qual ele está inscrito, e alteram
substantivamente o texto gerado pela máquina. O episódio bashing em Minia traz um bom
exemplo, no qual Dova, enquanto dormia no chão da floresta, ouvia seus companheiros de clã
entabular uma alegre conversa no canal paralelo de comunicações do Instituto.
Você fecha seus olhos, enrola seu corpo sobre si mesmo,
e adormece.
159h, 540m ex-
A imagem familiar de uma grande floresta aparece diante
de você. Você nota um leve brilho à distância, e à
medida que ele se aproxima e se torna maior, vo pode
ver que na verdade trata-se de uma chama, aumentando à
medida que ela se aproxima, chamas atravessando e
tocando o céu. Você olha desesperançoso e chora à medida
que a floresta desaparece em cinzas.
192h, 540m ex-
(Bobos): Claudia diz, "Ah por falar nisso, sou
maluquinha!."
205h, 540m ex-
(Bobos): Alaisha diz, "Eu tem mãos direitas.
*risadinhas*."
218h, 540m ex-
(Bobos): Eshu diz, "Vou comprar uma lanterna."
218h, 540m ex-
(...)
(Bobos): Kunai diz, "Não acho que ninguém nesse clã não
seja maluquinho."
428h, 540m ex-
Etéreas, fragmentadas cenas de amor e de família passam
pela sua cabeça.
474h, 540m ex-
(Bobos): Kunai diz, "E eu sou o único que não é um
palhaço aqui."
500h, 540m ex-
Escalando um alto pico nas montanhas, você atinge o topo
e inala o ar à sua volta, percebendo a exuberante beleza
do reino. Campos verdes alongam-se infinitamente,
atravessando colinas repletas de árvores, e toda a terra
está calma a não ser por uma leve brisa. Um falcão grita
acima de você a trilha perfeita para complementar a
harmonia do silêncio e da beleza que te envolve.
533h, 540m ex-
(Bobos): Claudia diz, "Eu sou uma maluquinha especial."
579h, 540m ex-
(Bobos): Alaisha diz, "*risinhos* Pelo menos um
pouquinho."
579h, 540m ex-status
Em MUDs, a interação entre os jogadores, especialmente aquela feita por personagens
do mesmo clã, se também por canais de comunicação paralelos à ação física dos
personagens no mundo. No caso específico de Achaea, trata-se de um elo telepático que liga
todos os personagens que compartilham alguma instituição social seja um clã, uma cidade,
ou uma religião. Em suma, mesmo se estivesse em uma ilha deserta Dova poderia se
comunicar com seus colegas de instituto a qualquer momento utilizando esse canal de
comunicação etéreo cuja diferenciação de outras partículas textuais se pelo prefixo
(bobos) que aparece antes de tais manifestações no correr do texto. De toda maneira, seja
presencialmente como na segunda citação, ou como pano de fundo, como nessa última, trata-
se de interações cujo papel do sistema é tão somente fornecer regras e padrões para que a
interação entre os jogadores seja de certa maneira livre ainda que restrita a convenções
impostas pelo sistema.
Ora, o que se pode perceber é que, se por um lado a força motriz que desenrola essa
história em vista do personagem Dova é majoritariamente gerada por ele, e a isso o
computador pode responder de maneira automatizada, por outro lado quando acontecem
encontros frente a outras pessoas com o mesmo grau de controle autônomo de seu
personagem, o encontro acontece de uma maneira instável, sem que haja uma fácil previsão
do seguimento de tal embate. Se, como visto na passagem de Dova com a velha, a trajetória
do personagem se deu de maneira quase automática, e pode-se até mesmo dizer preparada
automaticamente pelo jogo afinal, tratava-se de um tutorial –, da segunda e terceira
passagens não se pode afirmar o mesmo, que o padrão de ações que Dova poderia seguir
não estava definido a priori pelo jogo. Em ambos os encontros mencionados de Dova com
outros personagens controlados por outros jogadores, um aspecto que problematiza um
pouco mais a questão da proveniência dessa história, que é o forte caráter lúdico da
incorporação de papéis pelos jogadores. Como em todo sistema lúdico, em MUDs o jogador é
instado a transitar na fina pecula simbólica presente entre sua existência cotidiana e sua
existência no MUD caracterizada justamente pela criação de um avatar logo no início do
jogo.
Esse jogo de interpretação de personagens, além de fazer com que os jogadores
interajam entre si segundo parâmetros específicos de comportamento desejável, se constitui à
maneira de um mecanismo de simulação que ajuda a agregar coesão à trajetória dos
personagens mesmo quando diante de outros jogadores. Se o que gera esse texto são tanto os
jogadores que interagem entre si quanto o sistema, é preciso que esse casamento seja feito a
partir de um pano-de-fundo bem delineado frente aos jogadores. Como o próprio relato deixa
transparecer, um forte componentetico que perpassa as histórias que se desenrolam nos
MUDs. No caso específico de Achaea, trata-se de uma ambientação medieval, que advém
principalmente da ambientação que é proposta exatamente pela própria máquina de jogo.
Como a próxima citação deixa transparecer, é o sistema que indica o que está em jogo:
Pasiphae se volta em sua direção à medida que você se
aproxima, e uma expressão de orgulho atravessa seu rosto
quando ela vê o brilho da Orbe do Dragão nas suas mãos.
361h, 420m ex-
Pasiphae exclama, "A Orbe do Dragão!"
361h, 420m ex-
Pasiphae diz: “Conta-se por que os maiores dragões de
Achaea carregam uma parte da Chama de Yggdrasil dentro
de si, de onde eles retiram sua força e seu poder. Os
mais poderosos Achaeanos, ao atingir o nonagésimo-nono
nível de experiência, ganham o poder de se transformar
dragões-anciões; no centésimo nível, podem se
transformar inclusive em Lordes Dragões.
361h, 420m ex-
Pasiphae diz “Seja seu objetivo ou destino se juntar aos
Dragões Anciões algum dia, ou se tornar um poderoso
político, um guerreiro hábil, um artista famoso, um rico
comerciante, ou qualquer outra atividade que você deseje
almejar em Achaea, essa Orbe do Dragão simboliza o
potencial a ser libertado de dentro de você.”
361h, 420m ex-
À medida que Pasiphae fala, você sente a Orbe
progressivamente perder seu peso, e seu brilho
aumentando. A Orbe de fogo se expande, te envolvendo
dentro sela com um calor radiante. Ao contrário de uma
sensação intensa, destruidora, a sensação dessa vez é de
um calor rejuvenescente.
361h, 420m ex-
(...)
Pasiphae pergunta, “Você será um Sylvan, mestre das
artes da gica elemental e natural, ou um Apóstolo,
evocando demônios para realizar seus comandos? Um
Clérigo com um anjo da guarda a seu lado, ou uma vil
Serpente que ataca das sombras?
460h, 460m ex-
Pasiphae pergunta, “Um maligno Cavaleiro Infernal, um
honroso Runewarden, ou um Paladino, jurado para defender
o bem? Um caótico e sagaz Ocultista, um Shamã místico,
um Bardo intrépido, ou um alegre brincalhão como um
Palhaço?”
460h, 460m ex-
Pasiphae pergunta, “Você inundará sua mente e corpo com
disciplina como um Monge, ou canalizar a força dos
elementos e vibrações como um Mago? Você deseja proteger
as florestas como um Sentinela, ou cuidar de seu Bosque
de poder como um Druida?
460h, 460m ex-
A passagem anterior, pertencente ainda à fase tutorial logo ao final do episódio da
Chama de Yggdrasil apresenta um verdadeiro monólogo da personagem Pasiphae (que, é
preciso lembrar, é controlada pelo computador). Nesse quase discurso, a personagem
comemora os feitos realizados por Dova, e apresenta uma breve introdução a todos os tipos de
personagens que poderão então ser desenvolvidos. Mais que criar um ambiente fantasioso ao
mencionar dragões, esferas mágicas e afins, utilizando uma linguagem rebuscada para o
ambiente telemático no qual o jogo es inserido, o que o discurso de Pasiphae pretende
instituir é uma certa ordenação mítica que leva a uma pavimentação segura do que seria um
caminho para o herói. Em Achaea, e em quase todos os jogos de aventura, cada jogador é um
herói em processo constante de crescimento, cuja jornada tem início de forma extremamente
humilde, para então passar por diversas provações, e após atravessar as adversidades,
conquistar seu lugar junto a um panteão mítico de vencedores cheios de glória. Ora, essa
verdadeira pavimentação simbólica que ajuda a ordenar a trajetória de cada jogador através do
MUD nada mais é que um mecanismo narrativo que ajuda a ordenar o processo de
incorporação de papéis dos jogadores durante seu progresso no ambiente de jogo. Tal
dinâmica ocorre não somente no início do jogo, pelo contrário, uma constante
rememoração do papel mítico que cada jogador deve desempenhar a cada rito de passagem
presente no jogo. Um desses ritos é a entrada num dos clãs disponíveis para os jogadores ao
início de sua trajetória justamente aquela miríade que Pasiphae havia mencionado em sua
oratória. Para efetivar seu registro em uma dessas casas, Dova foi até a casa de registro, e
como indica a passagem a seguir, fez sua escolha:
Você o que está escrito em uma pequena placa
colorida: Olá olá! Bem vindo ao escritório oficial de
Certimene, o prédio administrativo para novos
aventureiros no reino!
Por favor leia AJUDA CERTIMENE, AJUDA CLASSES, AJUDA
LISTACLASSES para ter uma idéia geral das classes
existentes em Achaea
Caso queira se juntar a uma classe, você deve fazer o
seguinte: PEDIR CERTIMENE PARA SE TORNAR <nome da
classe>
Caso queira se juntar a um Clã, você também pode fazer:
PEDIR CERTIMENE ADENTRAR <nome do clã>. Você pode
encontrar uma lista de todos os Clãs em LISTACLA
Lembre-se, no entanto, que se você tiver quaisquer
perguntas que você não consiga encontrar via AJUDA
<qualquer coisa>, talvez você tenha que pedir ajuda no
Canal Newbie, onde Romeo, Juliet ou qualquer outro bom
aventureiro possa ajudar na pergunta!
Aproveite os reinos, aventureiro. Um dia você estará
andando pelas estradas e passando por outros que também
passaram por isso.
500h, 500m ex-ajuda certimene
(...)
500h, 500m ex-ajuda classe palhaços
8.1.5 A CLASSE DOS PALHAÇOS
Os seguintes clãs podem se tornar palhaços: Sentaari,
Sentinelas, Lotus-negro, Guardiães, Serpentes da Sombra,
Comerciantes da Coroa, Warlocks, Dawnstriders, Wardens,
Mojushai, Instituto Carnivalis de Palhaços, Congregação,
Punho de Marfim, Tybeirdd
A classe dos palhaços tem sua origem na Achaea moderna
quando um terremoto temporal anômalo trouxe Silvestri
Carnivalis, bobo da corte do Império Seleucariano de
seiscentos anos atrás, para os dias atuais. Entre os
anos desde a queda do Império e os dias de hoje, a
preciosa arte dos palhaços foi perdida, para espanto de
Silvestri. Silvestri imediatamente fundou a guilda dos
Palhaços para restaurar essa arte no mundo moderno, e
portanto essa classe foi fundada em 299 D.Q.
Palhaços muitas vezeso um bando de descompromissados,
frequentemente bobos e sem preocupações. Alguns podem
querer vagar pelas estradas encenando shows improvisados
para transeuntes; outros planejam e executam toda uma
produção teatral. Eles podem ser cidadãos de qualquer
cidade, ou podem escolher não se juntar a nenhuma. Eles
têm um compromisso com a diversão, pegadinhas e humor.
Não-alinhados a nenhuma divindade, pode-se encontrar
tanto Palhaços que veneram o mal como Palhaços que
Digite MAIS para continuar a leitura. (49% mostrado)
500h, 500m ex-mais
perseveram no caminho da luz. Muitos Palhaços preferem a
neutralidade, que o ideal de diversão transcende
qualquer alinhamento.
Ao passo que muitas de suas habilidades têm como função
entretenimento, um Palhaço bem treinado não deve ser
subestimado no campo de batalha. Com corpos treinados em
acrobacias, suas cambalhotas e piruetas podem, em um
curto espaço, fazer mais que apenas divertir. Palhaços
também são famosos pela sua habilidade de criar várias
ferramentas para uso próprio, como balões que podem ser
inflados e levar pessoas até o céu, uma grande variedade
de bombas-surpresa, caixas-surpresa contendo brinquedos
mortais, e muito mais. Tudo isso combinado com sua
habilidade para criar bonecos mágicos para manipular
outras pessoas, seja com intuitos letais ou para
diversão, um Palhaço habilidoso pode ser um formidável
oponente em qualquer combate.
As habilidades que os Palhaços detém o as seguintes:
Travessuras, Titeragem e Tarot. Um iniciante nessa
classe possuirá Tarot e Travessuras.
** Por favor esteja avisado que a habilidade
Transcendente dos Palhaços em travessura, a de treinar
ratos-bomba suicidas, estará disponível apenas para
aqueles que se juntarem ao Instituto Carnivalis de
Palhaçadas. Aqueles da classe dos Palhaços que não
pertencerem ao Instituto não terão acesso à sala de
treinos para esses ratos. Digite MAIS para continuar a
leitura. (97% mostrado)
500h, 500m ex-mais
Veja também: AJUDA TRAVESSURAS, AJUDA TITERAGEM, AJUDA
TAROT, AJUDA 8, AJUDA CLASSE
O próprio processo de escolha da classe e do clã a que cada personagem irá aderir está
intimamente relacionado a uma certa aura fantasiosa incorporada às descrições de cada clã – a
citação não mostra, mas Dova havia lido pelo menos a descrição de outros 5 clãs que lhe
interessavam antes de efetivar sua escolha. É importante perceber que, ao invés de detalhar
friamente o que cada clã pode oferecer em termos pragmáticos de habilidades para o
engajamento de combate frente a oponentes virtuais, o papel que as descrições de cada clã
cumprem é dar contínuo seguimento a um ambiente mítico e fantasioso que perpassa toda a
experiência do jogo.
Mais que agregar coesão ao ambiente de jogo, a presença desse linguajar e padrões de
comportamento fantasiosos permitem que o jogo de incorporação de papéis seja mais
permeável ao entrecruzamento de histórias provenientes dos jogadores. Dessa feita, as
histórias muitas vezes apresentam como pontos de cruzamento não acontecimentos pontuais,
mas muitas vezes a solidificação e a confirmação de um ambiente fantasioso mútuo e
acordado no qual os participantes podem estar seguros que seu pacto de imersão com o
sistema de jogo está salvaguardado. Trata-se de passagens como a que se segue, na qual uma
discussão paralela no canal telepático do Instituto Carnivalis de Palhaçadas aborda a questão
das divindades e da ressurreição:
Palco de Teatro.
Um longo palco foi construído nessa sala revestida de um
marfim negro recentemente polido. Pendurados nas
extremidades do palco estão numerosos estandartes de
púrpura e ouro, cada um apresentando trabalhos únicos de
costura provenientes de várias atividades dos palhaços.
Várias fileiras de bancos de madeira se encontram em
frente ao palco de maneira a prover conforto a uma
pequena audiência. No palco, uma variedade enorme de
objetos, de echarpes a vários pacotes de cartas de
baralho e alguns dados. Penduradas no teto estão várias
tochas de bronze, emitindo um leve brilho de luz. Sr.
Quackers, o Pato está parado aqui sobre seus dois pés
laranjas. Um selo no formato de um monolito retangular
está pregado ao chão. Um totem rúnico está plantado
solidamente no chão. Soltando espuma de sua boca, um
dromedário está parado aqui. Lady Claudia Longshanks,
Duquesa de Delos está aqui. Ela maneja um pequeno
cassetete-de-borracha na sua mão esquerda e um boneco
vivo de Attrocity. 'Prendiz Pingüim Kunai Darkbreeze,
Brinquedo de banho de Ata está aqui.
Você vê uma única saída para sul.
552h, 540m ex-
(Bobos): Patras diz, sempre Maya quem lhe retorna a
vida quando se morre?
552h, 540m ex-cumprimentar kunai
Você cumprimenta Kunai com um sorriso sincero.
552h, 540m ex-
(Bobos): Claudia diz, "Sim."
552h, 540m ex-
(Bobos): Eshu diz, "Simsim."
552h, 540m ex-cumprimentar quackers
Você cumprimenta Sr. Quackers, o pato, com um sorriso
sincero. Sr. Quackers, o pato diz “As gatinhas me
curtem. Sabe como é? Hahaha.”
552h, 540m ex-
(Bobos): Kunai diz, "Acho que costumava ser Sarapis."
552h, 540m ex-
(Bobos): Concertina diz, "A não ser que seja um druida."
552h, 540m ex-
Claudia deixa escapar uma risada melodiosa
552h, 540m ex-
Lady Claudia Longshanks, Duquesa de Delos diz, "O
velhaco."
552h, 540m ex-rir
A partir de tal passagem torna-se mais claro que essa pavimentação simbólica é um
fruto não somente do sistema de jogo e dos personagens controlados pelo computador, mas
também é sobremaneira reproduzida e regenerada pelos jogadores que povoam o ambiente de
jogo. A partir de tal constatação pode-se perceber como a noção de comunidade ajuda a
compreender como essas histórias são geradas. Como visto no capítulo anterior, uma noção de
comunidade implica no estabelecimento de um universo simbólico em comum, que seja
compartilhado entre os participantes de um determinado ambiente cultural, e que esse espaço
simbólico de alguma maneira deixe rastros materiais nesse ambiente. Ora, tais rastros são
exatamente a ambientação tornada texto pelos jogadores, seja através de conversas informais,
seja através da redação de memorandos e arquivos de ajuda, ou em casos mais extremos até
na construção de descrições arquiteturais para prédios construídos pelos jogadores a
descrição do palco de teatro presente na citação anterior, que mimetiza e representa todo um
universo de pertencimento simbólico dos palhaços, foi em algum momento escrita e
materializada através do fazer de um jogador que, em determinada época, era líder do clã.
O próprio arquivo de ajuda que Dova consultou quando estava para escolher a qual clã
ele iria se juntar foi também escrito por membros do clã, ou seja, outros jogadores que,
imbuídos do espírito lúdico da interpretação de papéis, deram continuidade a um certo espírito
do tempo que perpassa a experiência dos jogadores em Achaea. Ora, para realizar essa
decisão, Dova não somente fez uma escolha arbitrária, mas principalmente ponderou acerca
de suas expectativas para o jogo a maneira como ele poderia ser jogado e o fez a partir de
um painel mais amplo que estava inscrito na malha cultural que permeava o jogo. Se as
trocas simbólicas entre jogadores se dão sob essa ascendência lúdica da simulação, porque
não afirmar que a própria ambientação do jogo é originária não somente do sistema de jogo,
mas também de uma certa cristalização de vários outros jogadores que passaram pelo jogo
antes dele? Todas as vontades de simulação presentes no jogo, de alguma forma, moldam uma
certa cola cultural que sabor e movimento ao universo do jogo que, por sua vez, irá
decididamente impregnar cada jogador que resolver se aventurar por esses meandros. Se um
dos aspectos fundamentais do processo lúdico é a capacidade do jogador de se desprender
momentaneamente de um certo padrão de ações e abraçar cognitivamente um novo padrão de
tomada de decisões uma constante readaptação frente a conjuntos de regras diferentes –, no
caso dos MUDs trata-se de um processo que irá sobremaneira afetar tudo o que se for
desenrolar num plano mais narrativo da história; as regras que sustentam o jogo e ajudam a
dar forma à narrativa se confundem portanto entre as próprias regras do jogo e as regras de
inserção social presentes no próprio seio da experiência lúdica. Se, como visto anteriormente,
um jogo se sustenta através do par regras-ficção, é preciso então atentar que nos MUDs essa
dupla é construída não somente pelo sistema de jogo mas principalmente através das
interações entre os jogadores, exercendo essa cristalização de regras operacionais/sociais, de
maneira a gerar um universo ficcional que unifique e estabeleça bases comuns para o
compartilhamento da experiência entre os jogadores.
Essa sustentação para as trocas entre os jogadores e perante o sistema se constituem
portanto a partir de uma base comum de expectativas e padrões de comportamento e
pertencimento, ou seja, uma verdadeira malha social cristalizada no texto. A fala praticada
pelos jogadores nos MUDs se apresenta portanto como um forte foco de tensão entre os
jogadores, que é através dessas interações que os processos de troca social irão acontecer -
a as falas se constituem portanto como um chão comum para os encontros entre os jogadores.
Nesse sentido, é possível retomar a indagão que inicia o presente capítulo, e prontamente
problematizá-la. Afinal de contas, trata-se de uma história gerada no seio de interações lúdicas
a partir de um pano de fundo mítico e fantasioso. Se cada jogador interpreta seu personagem,
e é capaz de interagir com outros personagens humanos e/ou autômatos a partir de bases
comuns de entendimento, sem precisar expor toda uma trajetória de vida, faz mais sentido
afirmar que ele tanto vive essa história como conta essa história. O ato de contar uma história
consiste exatamente em organizá-la à maneira de um enredo (muitas vezes) inteligível que
deve então ser fruído por determinado interlocutor. Contar pressupõe, portanto, uma certa
diferição entre o acontecimento de uma história e sua reprodução. Sob a ascendência do jogo,
no entanto, esse diferimento nem sempre se faz presente, na medida em que a história de cada
jogador é gerada para ser vivida, e não reproduzida. Dova, por exemplo, não conta a história
de quando foi louvado por Pasiphae durante seu rito de iniciação, ou mesmo de seu encontro
com Claudia durante sua primeira visita ao Instituto; ao contrário, ele viveu essas histórias, à
medida que o jogador que o controlava incorporava a personagem de Dova nesse universo. As
histórias em tais ambientes não são contadas ou recitadas mas, sobretudo, são experienciadas
in loco, e com pouco ou nenhum distanciamento dos atores que a engendraram
procedimento advindo justamente do caráter lúdico da interpretação de papéis. Dessa maneira,
pode-se inclusive pensar tais histórias como evanescentes, ou seja, interessam ao próprio
jogador que as constroem enquanto brincam de incorporar papéis. Nesse sentido, pode-se
afirmar que no jogo teatral dos jogadores de MUDs não espaço para a constituição de uma
platéia. É exatamente essa dimensão de simulação que faz com que tais histórias façam
sentido no momento mesmo de seu acontecimento através da narrativa. Evanescentes, feitas
não para serem eternizadas e fixadas, mas principalmente para serem vividas.
Ainda vão existir, certamente, algumas instâncias nas quais os jogadores reproduzem
histórias realizadas no passado de maneira a ganhar fama e reconhecimento na rede social na
qual estão incluídos – todo clã possui, por exemplo, registros escritos de feitos memoráveis de
seus membros. Nessa medida, espaço em MUDs para a reprodução de histórias. No
entanto, trata-se de momentos específicos e finamente localizados no jogo, que não
correspondem à vivência mais geral dos jogadores no decorrer do jogo. O entrecruzamento de
histórias em um MUD não necessariamente implica em compartilhar essas histórias, no
sentido de eu-lhe-conto-a-minha-se-você-me-contar-a-sua, mas sobretudo de compartilhar um
mesmo mundo imaginário, e vivê-lo em companhia de outras pessoas, de maneira que sua
história, ainda que seja vivida para não ser exatamente compartilhada, possa ser construída de
maneira não solipsista, e experienciada enquanto parte de um sistema simbólico rico e em
constante movimento.
A história portanto emerge a partir do esforço narrativo de cada jogador de tentar
delinear seu caminho através de um mundo no qual o padrão de ação é delineado por regras e
ficção que advém justamente do embate entre esse jogador e todos os outros que povoam o
MUD. Em última instância, quem vive as histórias presentes no MUD é cada jogador, mas
nunca de maneira individual, sempre cotejando-a e tensionando-a frente a histórias alheias.
Histórias alheias essas que não estão presentes no sentido de histórias acabadas, à maneira de
enredos com início, meio e fim, mas sempre como pedaços evanescentes de histórias que se
fazem notar num breve rastro para depois evanescer, e se solidificarem discretamente
enquanto pano-de-fundo simbólico. Histórias para serem contadas, mas principalmente
vividas.
Ilinx, ou turbilhão d'água, é o ponto de partida que guia a análise de como os jogadores
são inseridos no sistema de jogo do MUD, e como esse processo de imersão afeta a maneira
como a história se desenrola. Como no capítulo anterior, inicia-se com o relato de duas
sessões, e logo depois a análise que incorpora trechos transcritos desse mesmo relato.
Ainda praticando bashing e ganhando experiência, Dova passa algum tempo em
Minia, para então resolver se deslocar pelo continente utilizando um mapa das estradas de
Achaea –, até adentrar a cidade de Ashtan (localizada no Norte do continente).
em Ashtan, Dova se dirige imediatamente à praça do mercado, na qual começa a
fazer compras de itens como sapatos até então caminhava descalço e vestimentas mais
caras, como uma jaqueta e uma calça escura de seda. Aproveitando o ensejo, de maneira a
complementar a maneira como os outros jogadores no jogo o verão quando olharem para ele,
Dova complementa sua aparência com uma descrição de seus traços particulares de feição:
quem o percebe que ele “não está muito confiante de si mesmo, e isso aparece. O queixo
treme, assim como seus dentes, e por aí adiante”.
Ainda durante as compras em Ashtan, Dova compra, entre outros itens, cartas para
praticar Tarot, um isqueiro e dois cachimbos para fumar as ervas medicinais. Ele continua
suas compras não somente em Ashtan, mas também nas cidades de Hasham e em Delos.
Aproveitando sua estadia, Dova passa pelo Instituto e tem mais algumas lições com Sr.
Quackers enquanto ao mesmo tempo entabula uma conversação no canal de seu clã a
respeito dos sons que bombas fazem quando explodem.
nos ajustes finais para seu primeiro rito, Dova precisa afinar sua descrição pessoal,
e altera a que havia feito anteriormente para: “ele é um pouco alto e gordo. Enorme na
verdade. Apesar de ser um cara branco de cabelos compridos e uma boca do tamanho de um
cânion estampada na face, sua voz não consegue deixar de soar como um grande e longo
murmúrio grave. Os olhos também são pretos, e pequenos, em contraste com seu grande
nariz. Um cara grande, isso sim”. Ainda em Delos, Dova anuncia no canal do clã que está
pronto para sua entrevista de promoção, e Varu dá início então à sua entrevista, acompanhada
de Caçadora de Histórias Kyraleth, Sra. ICP, Mestre das Charadas. Ela inspeciona todos
seus pertences, e pergunta a Dova para que serve cada um deles, e a maneira como utilizar-
los, além de também fazer várias perguntas acerca da história do Instituto. Por fim, Dova deve
contar uma piada, e tanto Varu como Kyraleth avaliam se ela é engraçada. Ao final da
entrevista, Kyraleth anuncia que Dova passou em seu primeiro teste, e que a partir de então
ele passa a ser conhecido como Recruta Pingüim Dova, Pequeno Espasmo de Varu.
Depois de ser festejado no canal do clã e receber os cumprimentos, Dova aproveita e
quais são os requerimentos para seu próximo teste. Como estava ao lado da loja de
tatuagens, providencia as tatuagens de javali e de pena de galinha que serão necessárias em
um futuro próximo. Em seguida, Dova ruma novamente para Minia, para praticar bashing.
Enquanto estava lutando com alguns pigmeus numa das vilas de Minia, Dova é
subitamente carregado por dois fortes ogros, e jogado para fora das terras de Minia, logo do
lado de fora de sua entrada. Dova tenta entrar novamente, e mais uma vez é expulso dessas
terras. Dova pergunta a razão desse estranho comportamento para sua mentora Varu, e ela lhe
diz que ele está muito forte para andar por aquelas bandas, e que deve agora procurar novos
lugares para se aventurar – ela lhe sugere a Grande Rocha ou então a terra de Bopalopia como
bons lugares para explorar.
Antes de ir para esses novos lugares, Dova uma passada pelo Instituto para ter
lições com Sr. Quackers, e encontra com Patinho de Borracha Mikkhai, Pequeno Espasmo
de Varu, aparentemente outro aluno de sua mentora. Dova acende um cachimbo e oferece a
Mikkhai, que recusa a oferta. Mikkhai conta para Dova que ele está se preparando para fazer
sua entrevista para se tornar também um Recruta Pingüim. Enquanto isso, Sr. Quackers pede
um cigarro para Dova, que por sua vez lhe oferece seu cachimbo. Dova e Mikkhai riem da
engraçada imagem de um pato fumante. Depois de algumas lições, Dova tenta se gabar de
seus talentos como manejador de cartas de Tarot para Mikkhai, mas seu truque falha Dova
ainda não sabe utilizar as cartas de Tarot.
Finalmente Dova consegue inscrever a imagem do Carro em uma carta de Tarot, e
então a de presente para Mikkhai. De saída do instituto, Dova pesquisa mais sobre sua
próxima entrevista, e parte para a compra de mais alguns itens necessários. Varu interrompe
Dova para lhe dizer novamente da importância de certas poções, que ele próprio havia
acabado de morrer queimado vítima de um acidente com um explosivo numa floresta nas
redondezas de Cyrene e o processo de ressurreição em Achaea é bem trabalhoso. De saída
de Delos, Dova segue para Shallam para continuar suas compras. Durante um bom tempo,
Dova pratica ratança nas ruas de Shallam, e, depois de um tempo, em Ashtan, entremeando
seu trabalho com algumas conversas casuais no canal de comunicação do Instituto.
Dova resolver então visitar a Grande Rocha. Nessa sua viagem, Dova estranha que, ao
chegar nesse lugar, todos os aposentos estão vazios, pontuados de vez em quando por algum
aventureiro calado que nem mesmo lhe cumprimenta. Aparentemente o que havia de
aventuras a se realizar nessa região haviam sido erradicadas por outros aventureiros. Na
saída da rocha, Dova avista alguns morcegos gigantes e resolve ir se debater contra eles. De
volta a Ashtan, Dova dá continuidade à ratança. Cansado de ratos, Dova resolve explorar uma
floresta ao lado de Ashtan, a Floresta Negra.
Colocar a própria percepção do corpo em xeque implica, necessariamente, na presença
de um tal corpo que possa ser desestabilizado. Nos MUDs, esse quase-corpo preconizado pelo
avatar é exatamente a zona de contato entre o jogador e o sistema, e portanto todos os
encontros e interações entre os jogadores inevitavelmente acontecem através dessa interface.
Afinal, todo o processo de inscrição dos comandos do jogador no sistema se através da
mediação do avatar, de maneira que o jogador oscile durante todo o tempo de jogo entre uma
sensação de controle de um personagem, e uma sensação de estar vivendo esse personagem –
que se quando a mediação manifesta-se de forma quase internalizada frente ao usuário.
Essa dinâmica pode ser percebida de uma maneira bem simples numa visada do processo de
locomoção do jogador nos meandros do MUD, como no trecho a seguir:
Sala de recepção.
Você vê saídas para nordeste e sul (porta aberta).
940h, 482m ex-n
Não há saída nessa direção.
940h, 482m ex-ne
Sala do trono da Rainha dos pixies.
A rainha dos pixies está aqui olhando para o nada.
Você vê uma única saída para o sudoeste.
940h, 482m ex-cumprimentar rainha
Você cumprimenta a rainha dos pixies com um sorriso
sincero.
940h, 482m ex-
A rainha dos pixies, numa voz estridente, diz,
“Saudações, meu jovem. Você gostou da nossa vila?”
940h, 482m ex-dar imp para rainha
Você entrega o corpo do imp alquimista para a Rainha dos
Pixies, que alegremente diz, “Oh obrigada, obrigada. É
um imp a menos para incomodar e matar meus súditos. Por
favor pegue esse punhado de ouro como recompensa.
940h, 482m ex-dar imp para rainha
Mesmo uma simples cadeia de ações de Dova demonstra que esse quase-corpo se
configura enquanto uma possibilidade de ação: ele responde aos movimentos estipulados pelo
usuário, e a interação tanto com o deslocamento entre-salas quanto a interação com os bots
é possível se ambos os avatares estiverem presentes no mesmo aposento. Trata-se de uma
percepção que pode ser aguçada quando o processo inverso ocorre, ou seja, quando algum
mecanismo de jogo afeta o controle do avatar vivido pelo jogador, prevenindo-o de exercer
alguma atividade desejada em algum momento do jogo, como na passagem a seguir:
Depósito de armas.
Uma comum borboleta almirante vermelha voa sobre sua
cabeça. Neófita Matha está aqui.
Você vê saídas para sul e oeste.
1100h, 482m ex-
Martha sai pelo sul.
1100h, 482m ex-bater borboleta
Você bate na borboleta almirante vermelha com seu
blackjack. O golpe final é muito forte para a borboleta
almirante vermelha, que morre, piedosamente.
1100h, 482m ex-
Você matou uma borboleta almirante vermelha, e começa a
carregar seu corpo. Sua alma se enche de êxtase à medida
que ela alcança novosveis de poder. Você avançou para
o nível 21. Você atingiu o ilustre nível de Vibrante.
1100h, 482m e-
Você recuperou o equilíbrio nos membros.
1140h, 482m ex-s
Um par de ogros enormes aparecem de surpresa, te
agarram, e te jogam numa poça de lama para fora da terra
de Minia.
Perto do lago Vundamere (estrada).
Preenchendo o firmamento está um conjunto de nuvens
cinzas. Uma runa no formato de um cavalo foi inscrita no
chão daqui. A garrafa de vidro vazio está deixada aqui,
equilibrada sobre o chão. Uma pequena placa de madeira
está pregada toscamente a um poste aqui.
Você vê saídas para norte, sudeste, sul e oeste.
1140h, 482m ex-
Nesse trecho, Dova havia acabado de atingir um nível de experiência incompatível
com a dificuldade apresentada por aquele lugar específico, a terra de Minia, um lugar
designado justamente para personagens de níveis baixos. O processo de expulsão do
personagem consiste especificamente na perda momentânea de controle sobre o avatar.
Quando esse controle foi restabelecido, já do lado de fora de Minia, não se podia fazer nada,
uma vez que o quase-corpo não mais respondia aos comandos de entrada para a região. Toda
uma gama de possibilidades havia sido então bloqueada do repertório de ações possíveis do
jogador através da resistência do avatar frente a um simples comando do usuário. Nessa
perspectiva, o avatar dos personagens nos MUDs aparece à maneira de um veículo que,
apesar de levar a cabo as vontades e ações de cada usuário, é sempre passível de manipulação
também pelo sistema de jogo de maneira a frear as iniciativas dos usuários um verdadeiro
mecanismo de troca entre o jogador e a máquina.
Para além dessa dimensão instrumental do avatar na fruição do espaço dos MUDs,
também uma dimensão simbólica desses quase-corpos, que afeta inclusive a própria maneira
como os jogadores se relacionam ao longo do jogo. Ora, como visto anteriormente, o avatar se
constitui enquanto uma representação gráfica visível ao usuário, e reconhecível pelo sistema
de jogo. Em MUDs especificamente, o avatar é construído a partir da conjunção de vários
stats, alguns escondidos do usuário, como força, destreza, energia e mana (os dois últimos
representados por números que se repetem ao final de cada partícula textual), e a descrição
textual que acompanha os usuários à medida que eles perambulam pelo jogo. Se dois
jogadores de um MUD resolvem duelar até a morte, o jogo, através de uma lógica que
combina esses atributos e uma certa dose de aleatoriedade, irá determinar quem foi o
ganhador. No entanto, as descrições que os jogadores fazem de seu próprio avatar pouco
importam para o intrincado sistema de regras; para a máquina, tanto faz uma descrição
literariamente brilhante, como palavras digitadas a esmo sem nenhum encadeamento lógico.
Nesse sentido, interessa retomar aqui a noção de escritura para denotar o investimento do
jogador no sistema de jogo que não somente insere comandos pertinentes para o computador,
mas principalmente nesse meio-termo carrega junto de si uma grande carga de significação
simbólica inteligível somente aos outros jogadores que compartilham o espaço de jogo.
Ora, a descrição de um jogador em MUDs é composta de vários elementos, alguns
fixos, como o sexo e a raça do personagens, mas também de dois elementos variáveis, como a
auto-descrição dos personagens compostos pelos próprios jogadores e o vestuário que
cada um porta. Trata-se de componentes da descrição que são definidos livremente pelo
jogador – ainda que circunscritos a um conjunto de regras de conduta. O vestuário, por si só, é
indicado através das aquisições do jogador, ou seja, se ele quiser se vestir de determinada
maneira, ele deve ir até uma loja que tenha determinado item e comprá-lo. Na esteira do
vestuário, a auto-descrição dos personagens também é restringida por uma série de indicações
feitas pelo sistema, como o trecho a seguir indica:
Você paga 250 moedas e recebe um par de sandálias
simples.
530h, 482m ex-vestir sapatos
Você agora está vestindo um par de sandálias simples.
530h, 482m ex-olhar dova
Ele é humano. Ele está portando um par de luvas de
couro, calças folgadas de tekura feitas com seda da lua,
uma jaqueta de marrom, um maço de cartas de Tarot,
uma mochila de pano, um colorido e sacolejante chapéu de
lã, uma camiseta simples e um par de sandálias simples.
530h, 482m ex-ajuda descrição
4.11 SUA DESCRIÇÃO PESSOAL
DESCREVER SI MESMO <qualquer coisa>
O <qualquer coisa> está limitado a 2034 caracteres de
extensão.
Não inclua sua roupa, seu sexo, raça, ou o que você está
carregando: esses são descritos automaticamente
quando alguém te olha.
Tirando isso, você pode dizer praticamente qualquer
coisa que você queira. Lembre-se que isso será colocado
na seguinte ordem: Seu_nome é um <raça> e <qualquer
coisa>
Por exemplo, digamos que Siranae, uma humana, colocou
sua descrição como “uma larga, forte e extremamente
cabeluda pessoa.” Quem a examinar verá: “Siranae é uma
humana e é uma larga, forte e extremamente cabeluda
pessoa.
Por favor tenha bom gosto quando for escrever sua
descrição. Além disso, lembre-se que adicionar roupas à
sua descrição fará com que você pareça bobo, pois
Digite MAIS para continuar a ler. (83% mostrado)
530h, 482m ex-descrever si mesmo self não está muito
confiante de si mesmo, e isso aparece. O queixo treme,
assim como seus dentes, e por aí adiante.
Sua descrição agora é: não está muito confiante de si
mesmo, e isso aparece. O queixo treme, assim como seus
dentes, e por aí adiante.
Quando for se descrever, tenha em mente que suas roupas
e o que você está vestindo estão descritos. Seu
gênero e sua raça também estão incluídos, como a seguir:
Ele é um <raça> e <sua descrição começa aqui>. Para ver
sua descrição, e mais um pouco, digite OLHAR MIM.
530h, 482m ex-olhar mim
Ele é um humano e não está muito confiante de si mesmo,
e isso aparece. O queixo treme, assim como seus dentes,
e por adiante. Ele está portando um par de luvas de
couro, calças folgadas de tekura feitas com seda da lua,
uma jaqueta de marrom, um maço de cartas de Tarot,
uma mochila de pano, um colorido e sacolejante chapéu de
lã, uma camiseta simples e um par de sandálias simples.
530h, 482m ex-status
Um dos principais ritos de passagem pelos quais os jogadores necessariamente passam
é a construção de uma descrição pertinente para seu personagem que indique, ainda que
resumidamente, o porte físico de seu avatar. Em Achaea, por exemplo, a classe dos palhaços
impõe a seus associados roupas que sejam espalhafatosamente coloridas. Em relação às
roupas espalhafatosas, trata-se de um acessório sem utilidade imediata para um
desenvolvimento segundo as regras do jogo, mas ao mesmo tempo ele se configura como uma
marca pessoal que o jogador inscreve sobre seu avatar. Como o trecho a seguir evidencia,
Dova gastou um dinheiro que não precisaria ser gasto, somente para trocar uma calça que,
para o sistema de jogo, funcionaria da mesma maneira que a outra:
Você paga 600 moedas e recebe um par de calças pretas
simples.
530h, 482m ex-retirar calças
Vilatia desaparece num clarão de luz, teletransportada
pelo poder dos Deuses.
530h, 482m ex-
Você retira calças folgadas de tekura feitas com seda da
lua.
530h, 482m ex-info segurando
Você está manejando:
blackjack42761 : um pequeno blackjack na mão direita.
Você está segurando:
"calças64505" calças folgadas de tekura feitas com seda
da lua
"frasco180497" um pequeno frasco de madeira de pinha
"frasco259678" um frasco cor de neve
"frasco355763" um frasco cor de neve
"calças253770" um par de calças simples pretas
530h, 482m ex-vestir 253770
Você agora es vestindo um par de calças simples
pretas.
530h, 482m ex-colocar calças na mochila
Você coloca calças folgadas de tekura feitas com seda da
lua na mochila.
530h, 482m ex-olhar dova
Ele é um humano e não está muito confiante de si mesmo,
e isso aparece. O queixo treme, assim como seus dentes,
e por adiante. Ele está portando um par de luvas de
couro, uma jaqueta de lã marrom, um maço de cartas de
Tarot, uma mochila de pano, uma camiseta simples, um par
de sandálias simples, meias coloridas com sinos
estampados, um colorido e sacolejante chapéu de lã, e um
par de calças pretas simples.
530h, 482m ex-e
Na lógica dessas figurações, o que interessa ao sistema é somente a parte dos stats, dos
atributos que poderão ser interpretados matematicamente pela máquina. A diferença de uma
calça folgada de tekura para uma calça preta simples, aos olhos daquina, é inexistente. No
entanto, tal escolha se configura enquanto muitas variáveis possíveis de significação, seja um
pertencimento a um clã, de um rito de passagem para pertencer a uma tribo, ou mesmo para
atender a alguma inusitada vontade pessoal do jogador. É interessante notar como Dova
compôs seu guarda-roupa de maneira meticulosa, e, mais do que isso, seguindo um padrão a
um tempo instituído pelo próprio sistema de jogo (as peças disponíveis ou não) e pelas
expectativas de seu próprio grupo de pertencimento – uma vez que o próprio jogador, durante
o processo de seleção das roupas que pretendia adquirir, cotejava suas escolhas a partir de um
arquivo de ajuda. De toda forma, todo esse processo de auto-descrição versa sobre um forte
investimento subjetivo dos jogadores que significam para além das regras do jogo; aborda
uma significação não somente de cater pessoal, solipsista, mas principalmente
compartilhada entre os jogadores.
É possível ainda recuperar a evolução dos vários nomes que Dova teve ao longo de
sua trajetória para perceber como o avatar traz em si as marcas de uma crescente inserção
social no seio do Instituto: na sessão 01, era anunciado como Dova, simplesmente, para outros
usuários quando adentrava um aposento; na sessão 02, era apresentado como Patinho de
Borracha Dova, uma referência clara à facção a que pertencia; na sessão 03, Patinho de
Borracha Dova, Pequeno Espasmo de Varu, numa referência a uma espécie de filiação afetiva
no próprio interior da facção; a partir da sessão 05, o prefixo adotado passou a ser Recruta
Pingüim Dova, Pequeno Espasmo de Varu, que passa a denotar um avanço no ranqueamento
interno do Instituto. Trata-se de um avatar que deve ser pensado portanto como um
receptáculo que carrega não somente dados necessários para uma conversa entre a máquina de
jogo e o usuário, mas que principalmente transporta indícios dos elos simbólicos gerados ao
longo da estada dos jogadores no ambiente de jogo. Tais prefixos e sufixos empregados nos
nomes e descrões dos personagens são um claro exemplo da relevância social que tais
quase-corpos adquirem na dinâmica de jogo, principalmente no encontro entre jogadores,
como a passagem a seguir demonstra:
Palco de teatro.
Sr. Quackers, o Pato está parado aqui sobre seus dois
pés laranjas. Um selo no formato de um monolito
retangular está pregado ao chão. Um totem rúnico está
plantado solidamente no chão. Soltando espuma de sua
boca, um dromedário está parado aqui. Patinho de
Borracha Mikkhai, Pequeno Espasmo de Varu está aqui. Ele
maneja uma rede de borboletas na mão esquerda, e um
blackjack na direita.
Você vê uma única saída para Sul.
1140h, 482m ex-oi mhikkai
"Wheeeeee!" Mhikkai guincha alegremente.
1140h, 482m ex-
Você levanta sua mão num cumprimento para Mikkhai e diz
“Oi!
1140h, 482m ex-
Mhikkai lhe dá um forte abraço.
1140h, 482m ex-
Mhikkai sorri alegremente.
1140h, 482m ex-dizer o que você está fazendo?
Você diz: “O que você está fazendo?”
1140h, 482m ex-acender cachimbo
Você cuidadosamente acende seu querido cachimbo até que
ele pegue fogo propriamente.
1140h, 482m ex-fumar cachimbo
Você dá uma longa tragada no cachimbo.
1140h, 482m ex-dizer quer fumar?
Você diz: “Quer fumar?”
1140h, 482m ex-
Patinho de Borracha Mikkhai, Pequeno Espasmo de Varu
diz, “Este coelhinho-patinho está se preparando para a
entrevista.
1140h, 482m ex-
Mhikkai sorri abertamente para você.
1140h, 482m ex-cumprimentar pato
No trecho específico, um dos principais fatores de reconhecimento que deu origem a
uma camaradagem instantânea foi o compartilhamento do prefixo Patinho de Borracha e
também do sufixo Pequeno Espasmo de Varu de ambos os personagens. Ora, o se tratava
simplesmente de um reconhecimento mútuo de membros de um mesmo clã que
membros do clã m acesso a essa área do teatro no Instituto mas principalmente de uma
sensação de compartilhamento de estágios de crescimento dentro do clã; afinal, ambos eram
iniciantes, e estavam sendo tutorados pela mesma pessoa. De uma forma mais abrangente,
toda relação instituída nos MUDs entre jogadores em algum momento leva em consideração
as informações que cada jogador carrega em seu avatar. Ainda que não necessariamente cada
jogador execute o comando de olhar para um colega a fim de ler sua descrição e ver o que ele
está vestindo, o próprio nome que cada um carrega em seu avatar é suficiente para que vários
pré-conceitos sejam acionados, estabelecendo bases, ainda que momentâneas, para um
incipiente contato. Se essa vontade de corpo preconizada pelo avatar carrega a escritura de
cada jogador, e esse espaço é partilhado por todos os jogadores, esses sentidos tendem a de
certa forma colidir uns com os outros, e gerar novas significações a partir desses encontros.
Esse quase-corpo torna-se portanto uma verdadeira metáfora das próprias bases sobre
a qual se sustenta a experiência de jogo, a saber regras e ficção, e as histórias que são então
criadas nessa ambientação. Por um lado, trata-se da instância que media todo o intricado
conjunto de regras elaboradas pela máquina e que deve funcionar de maneira simplificada
frente o jogador. Por outro, todo um conjunto de elementos simbólicos carregados pelo
avatar que ajudam a solidificar não somente as relações entre os jogadores, mas a própria
ambientação do jogo, que é justamente a porção de ficção que liga a toda a experiência do
jogo. Logo, percebe-se que tais histórias são engendradas através de quase-corpos que podem
se tocar nesses ambientes; de certa maneira tais histórias se materializam durante a dinâmica
de jogo, e sempre existirá uma chance de que num encontro casual numa das salas desses
universos os personagens que se cruzem saiam maculadas, tendo então o rumo de suas
histórias alteradas. Em última instância, trata-se de um simples arranjo de textos dispostos
frente a outros jogadores, mas que afeta sobremaneira sua inserção no mundo de jogo, e a
mesmo a maneira como sua trajetória nesse mundo irá se desenrolar.
No presente capítulo, utiliza-se a noção de Alea, jogo de dados, como uma referência
para perceber em que medida a história até então vivida se desdobra sob ascendência de uma
força que transcende os próprios jogadores, que é o grau de indeterminabilidade, e
conseqüente irreversibilidade, da direção que as histórias nesses ambientes tomam.
Novamente, após as duas sessões é apresentada uma análise que utiliza trechos transcritos dos
relatos.
Aventurando-se na Floresta Negra, Dova encontra-se desorientado pois não sabe
exatamente como se guiar especialmente porque ele procurava algo bem específico na
floresta, um cogumelo mágico que, se comido, o transportaria da Floresta Negra para
Bopalopia, uma terra acessível somente através desse teletransporte. Após uma longa procura,
Dova encontra um desses cogumelos e, após comê-lo, é levado a um lugar chamado Floresta
dos Cogumelos – provavelmente uma região em Bopalopia.
Lá chegando, Dova encontra um castor gigante que parece amigável, com vários
blocos de anotações a seu lado, chamado Q-Ball, o Curioso*. Num arroubo de
irracionalidade, Dova sem nem mesmo cumprimentá-lo resolve se atracar com o castor, e no
decorrer da luta, Dova percebe que o castor é muito mais forte que ele. Os indicadores de
energia de Dova tornam-se amarelos, depois vermelhos, e logo em seguida Dova morre. Dova
então começa a rezar pela salvação de sua alma. Subitamente, Dova acorda na mesma
Floresta de Cogumelos, rodeado por três druidas: Protetora-do-coral Aethele Moonflair-
Disfara, Espírito de Aeris Sephira Moonflair-Disfara e Shorin Quicksilver Tubarão
Sangrento. Desorientado, Dova vaga pelos arredores, e ouve um dos druidas reclamando que
“os novatos de hoje em dia nem agradecem mais...”. Ele se referia à ressurreição que eles
proporcionaram a Dova, e que este nem agradecera.
Tão rápido se levantara, Dova se deparou com um cogumelo gigante andante e
pensou que desta vez teria mais sorte. Dova se lança para o ataque mas, novamente seus
indicadores de energia caem rapidamente, e Dova morre novamente. Desta vez, os druidas
não o revivem. Depois de alguma espera, e de perder alguns pontos de experiência, Dova
acorda numa caverna nos arredores de Minia, e deve refazer seu caminho para alguma cidade.
Percebendo que ainda estava fraco para se aventurar em Bopalopia, Dova retorna a
Ashtan para praticar mais ratança e tentar ganhar experiência. Dova começa então a caçar
ratos nas principais cidades de Achaea.
Na cidade de Cyrene, Dova dá prosseguimento à ratança, matando ratos e vendendo-os
a Jorj*, o responsável pela limpeza da cidade. Depois de algum tempo, Dova resolve sair de
Cyrene, e viaja até Jaru, uma pequena cidade vizinha, para conhecer um pouco mais do
continente.
Em Jaru, Dova resolve cumprir um dos passos necessários para seu próximo rito de
passagem, que é saber de cor como se chega às principais cidades do continente; uma delas,
Mhaldor, Dova ainda não visitara e ele receava essa visita por tratar-se de uma cidade cujos
habitantes o quase sempre malignos, e não costumam tratar bem visitantes. Depois de se
perder algumas vezes, e ser xingado e amedrontado por guardas nos portões de Mhaldor,
Dova retorna a Ashtan, para então seguir para Eleusis, outra cidade que faltava em seu
itinerário.
Depois de tais explorações, mais experiente, Dova experimenta retornar a Bopalopia e
tentar então enfrentar os perigos que o aguardavam e dessa vez conversar com qualquer
criatura antes de atacá-la. Ao cumprimentar um gato que usava um chapéu, Dova é
magicamente transportado para Delos. Desanimado de retornar a Bopalopia, resolve passar
um tempo no Instituto conversando com quem aparecesse por lá.
Precisando de dinheiro para comprar mais itens, Dova parte para Hashan e pratica
ratança. Perambulando pelas lojas, toma interesse por máscaras, e resolve iniciar uma coleção,
prometendo a si mesmo dali em diante sempre que possível adicionar uma nova máscara a seu
inventário sua primeira aquisição foi uma máscara de coelho. Durante esse período, Dova
termina todas as tarefas necessárias para iniciar sua nova entrevista, e então espera que um
dos anciões do instituto tenho tempo para conduzir seu rito de passagem.
Desde Aristóteles, é senso comum afirmar que toda história tem um começo, um meio
e um fim. Afinal, nas palavras do autor, “'Todo' é aquilo que tem princípio, meio e fim. (...) É
necessário, portanto, que os mitos bem compostos não comecem nem terminem ao acaso, mas
que se conformem aos mencionados princípios”. (Aristóteles, 1997: 113) No entanto, essa
própria noção de uma história encadeada normativamente a partir de um senso estrito de
ordenação foi desafiada inúmeras vezes por vários contadores de história seja em filmes,
livros ou mesmo canções ao subverter essa ordem ou mesmo a considerar o acaso como
uma parte fundamental de suas obras. Uma história que acolhe o acaso em seus mecanismos
narrativos está aberta a uma constante indefinição dos rumos que irá tomar. A força do acaso
em MUDs está presente de várias maneiras, principalmente relacionada aos vários encontros
que acontecem ou não com cada jogador ao longo de seu percurso pelo jogo. Toda a trajetória
do jogador, que constitui sua narrativa, se através dos variados encontros ao longo das
sessões de jogo, seja com outros jogadores, com bots, ou até mesmo objetos inanimados que
são necessários para a performance de uma ação. Logo no início da sessão 05, Dova
tencionava viajar para a terra de Bopalopia, um lugar acessível somente depois que o
personagem comesse um certo tipo de cogumelo mágico. Como a passagem a seguir
demonstra, Dova precisou percorrer várias localidades da floresta até conseguir encontrar o
desejado cogumelo:
Floresta Negra.
Uma porção de nuvens cobre o céu, envolvendo-o com teias
de cinza.
Você vê saídas para norte, leste e sul.
1246h, 1180m ex-n
Colônia de Cogumelos.
Uma porção de nuvens cobre o céu, envolvendo-o com teias
de cinza. Um totem rúnico está plantado solidamente
sobre o chão. Uma grande colméia está dependurada em uma
árvore. Um bonito tapete de ervas naturais está
espalhado aqui, convidativo para qualquer um que passe
por ali. Um forte golem de terra está de guarda aqui. Um
javali com presas bem estranhas está procurando
castanhas e coisas afins para matar sua fome.
Você vê saídas para norte, sul e oeste.
1246h, 1180m ex-info aqui
"totem151795" um totem rúnico
"colmeia256016" uma colméia
"tapete324788" um bonito tapete de ervas naturais
"golem332040" um forte golem de terra
"javali36452" um javali selvagem
Número de objetos: 5
1246h, 1180m ex-olhar javali
(...)
Caminho impenetrável.
Uma porção de nuvens cobre o céu, envolvendo-o com teias
de cinza. Um cogumelo roxo com bolotas amarelas es
aqui, estranhamente convidativo.
Você vê saídas para leste e oeste.
1246h, 1180m ex-pegar cogumelo
Você pega um cogumelo roxo com bolotas amarelas.
1246h, 1180m ex-comer cogumelo
Você engole o cogumelo roxo com bolotas amarelas e
subitamente se sente muito estranho, como se seu corpo
fosse feito de gelatina e alguém estivesse te puxando. O
mundo fica desfocado à medida que uma sensação de
vertigem toma conta de você. Finalmente seus olhos se
ajustam e você percebe que não está onde era para vo
estar.
Floresta de Cogumelos.
Você saídas para nordeste, sudeste, sudoeste,
noroeste.
1246h, 1180m ex-ne
Floresta de Cogumelos.
Você vê saídas para norte, leste e sudoeste.
1246h, 1180m ex-n
Por mais simples que seja essa constatação, em MUDs os caminhos nunca estão
traçados com segurança, e mesmo uma operação simples como achar um cogumelo numa
floresta estará sujeita a uma certa indeterminação que parte tanto do sistema de jogo quanto da
própria natureza dos jogos. Alea enquanto estratégia representa a força do acaso levada às
últimas conseqüências, mas em praticamente todo tipo de jogo o acaso irá exercer um papel
fundamental que é exatamente retirar a previsibilidade de cada lance de jogo. O nível de
descontrole de cada jogador varia de jogo para jogo, mas a indeterminação que advém da
sorte é uma das forças que mantém o jogador interessado no jogo; afinal, cada lance pode ter
um resultado diferente, dependendo da maneira como os dados são lançados.
Em MUDs, o acaso advém de encontros tanto simulados segundo um algoritmo
gerado pela máquina de jogo como no trecho anterior onde o achado do cogumelo dependia
de um sorteio feito pela máquina quanto com outros personagens que também perambulam
o espaço de acordo com suas próprias agendas. Nesse caso, as possibilidades são duas: ou
um encontro com bots, que seguem também rotinas específicas previamente programadas, ou
então com outros jogadores, que perambulam no espaço de acordo com seus próprios
desígnios. A cada movimento do jogador, ou mesmo a cada movimento adiado, as
possibilidades de novos encontros se bifurcam indefinidamente, e cada lance realizado um
movimento para um novo aposento, um ataque junto a um inimigo, uma conversa um pouco
mais demorada no meio de uma praça produz um novo quadro situacional sobre o qual
ações posteriores deverão ser tomadas. Dessa maneira, percebe-se que a trajetória de cada
jogador é realizada passo a passo, que cada direção a ser tomada dependerá das
conseqüências da ação realizada anteriormente.
Tal dinâmica de progressão não admite que o jogador possa reconstruir seus passos
como se seus atos anteriores não tivessem sido feitos. Assim como na grande maioria dos
jogos, em MUDs o espaço de jogo não é reversível: uma vez que um comando é dado, e a
trajetória tem prosseguimento, a ação realizada te afetado o sistema, que não poderá
posteriormente retornar a esse mesmo estado de coisas. Trata-se de uma dinâmica acentuada
em MUDs por se tratar de um ambiente partilhado por vários jogadores: o sistema de jogo é
um só para todos, logo as ações de cada jogador reverberam para todos.
A noção de irreversibilidade em meio a essa indeterminação do percurso dos jogadores
pode ser exemplificada através do próprio conceito de morte presente nos MUDs. Como visto
anteriormente, os jogadores nos MUDs são presentificados no sistema de jogo através de seus
avatares, que possibilitam a interação com o mundo ao redor. Esse avatar tem como uma de
suas características uma barra de energia que indica o nível de saúde do jogador, que o
exatamente os números que aparecem em verde, amarelo ou vermelho ao final de cada
partícula textual. Quando o primeiro desses números chega a zero, o personagem morre, e
toda interação com o sistema de jogo é interrompida por um tempo, como na passagem a
seguir:
Q-Ball, o Curioso te corta vigorosamente.
370h, 1180m ex-bater castor
Você avança e bate Q-Ball, o Curioso no nariz com seu
blackjack.
370h, 1180m e-
Um castor militante entra arrogantemente pelo lado
leste.
370h, 1180m e-gole frasco
Você toma um gole de um pequeno frasco de madeira de
pinha
O elixir te acalma e te cura.
695h, 1180m e-
Q-Ball, o Curioso te corta vigorosamente.
422h, 1180m e-
(...)
Q-Ball, o Curioso te corta vigorosamente.
67h, 1180m e-bater castor
Você recuperou o equilíbrio nos membros.
67h, 1180m ex-
Você avança e bate Q-Ball, o curioso no nariz com seu
blackjack.
67h, 1180m e-bater castor
Você sangra 29 pontos de energia.
38h, 1180m e-
Você precisa recuperar seu equilíbrio antes.
38h, 1180m e-
Você pode agora tomar mais um gole de uma poção de
energia ou de mana.
100h, 1180m e-gole frasco
Q-Ball, o Curioso abre um rasgo no seu braço com um
potente golpe..
Você foi morto por Q-Ball, o Curioso.
Um pião cai de sua mochila de pano.
Um simples machado de ferro cai de sua mochila de pano.
O corpo de um rato jovem cai de seu inventório.
O corpo de um rato bebê cai de seu inventório.
O corpo de um rato cai de seu inventório.
O corpo de um rato cai de seu inventório.
O corpo de um rato cai de seu inventório.
Uma noz cai de seu inventório.
0h, 1180m ex-
Você está morto e não pode fazer nada.
0h, 1180m ex-
Você recuperou o equilíbrio nos seus membros.
0h, 1180m ex-
Q-Ball, o Curioso se enrola num canto para dormir.
0h, 1180m ex-
Movendo-se arrogantemente, um castor militante saí em
direção ao leste.
0h, 1180m ex-rezar pela salvação
A luz parece se esvair e a escuridão envelopa sua
consciência...
0h, 1180m ex-
Você acorda como se estivesse dormindo e olha para os
lados com espanto. A escuridão te envolve e com muita
dificuldade você pode discernir os detalhes. Muros de
uma pedra não-familiar estão espaçados de uma maneira
uniforme, à medida que um longo corredor se estende à
sua frente, levando em direção a uma escuridão
impenetrável.
0h, 1180m ex-
Sua mana se esvai à medida que você se concentra em
manter uma relação com o mundo dos vivos.
0h, 1030m ex-rezar pela salvação
No caso específico, o personagem enfrentou um bot que lhe excedia em força, e
acabou perecendo em combate quando seu indicador de energia chegou a zero. O resultado de
tal enfrentamento é calculado a partir de dois elementos preponderantes: a força de cada
oponente, mas também o acaso, que, a cada golpe executado, o sistema realiza um lance de
dados escondidos para definir qual a extensão de sucesso do movimento. Cada turno de um
enfrentamento nos MUDs, portanto, está ligado tanto aos stats de cada personagem quanto
também a uma instabilidade inerente aos lances de dados jogados a cada rodada do combate.
A morte nesse caso nada mais é que o resultado de uma ação que, uma vez iniciada, estava
duplamente relacionada à sorte e à força dos participantes, e que uma vez culminada em
vitória ou em derrota, seria também irreversível. A morte em Achaea é sempre superável, ou
seja, a personagem de cada jogador nunca será obliterada pelo sistema de jogo de maneira a
impedir que o personagem possa continuar perambulando futuramente pelo universo de jogo.
No entanto, cada morte se apresenta como um novo leque de possibilidades aberto frente ao
jogador: um encontro com um velho companheiro que se encontrava justamente numa sala a
oeste, mas que não ocorreu, ou mesmo um tal encontro que tenha ocorrido exatamente porque
ambos morreram ao mesmo tempo, e acordaram juntos do lado de fora da caverna. Até uma
ação parecida com a anterior não necessariamente procederá de uma maneira idêntica, mesmo
que os personagens envolvidos no embate sejam os mesmos. Logo depois de ser ressuscitado,
Dova enfrentou um monstro de força equivalente a Q-Ball na mesma sessão, e morreu
novamente. Dessa vez, no entanto, não foi ressuscitado por druidas (mais um exemplo de uma
intervenção fortuita), e a ruptura foi ainda maior, pois ele acordou do lado de fora da Caverna,
um lugar muito distante daquele onde ele estava quando morrera pela primeira vez:
Quando você recupera a consciência, você está confuso
sobre onde está e como você chegou ali. Escuridão te
envolve, salvo por uma única vela acesa. Um olhar ao
redor lhe diz que vo está em uma caverna rústica, com
uma única mesa servindo de suporte à vela. Uma entrada,
visível somente porque ela é um pouco mais clara que o
resto da sombra, se lhe mostra nos fundos da caverna.
0h, 0m ex-
Sentado numa posição supina, você olha para seu corpo e
percebe que está curado e inteiro mais uma vez. Ainda
maravilhado com sua experiência, você calmamente
agradece Maya, a Grande Mãe pelo dom da vida, e deixa a
Caverna.
1246h, 1180m ex-olhar
Do lado de fora da Caverna (estrada).
Gotas ocasionais de chuva caem do céu, cinza de tantas
nuvens. Você está de do lado de fora da Caverna. Um
lendário, místico lugar, onde nenhum mortal entrou
sem ajuda divina. Cercado por uma mata de árvores
vermelhas gigantes, uma grande rocha negra de origem
não-conhecida jaz aqui, indiferente ao mundo à sua
volta. musgo verde dependurado do monolito em alguns
lugares, colorindo o preto com algumas áreas de cor. Um
único pássaro está dependurado no topo do monolito,
assobiando melodicamente e inspirando uma sensação de
tranquilidade que penetra seu ser. Pode-se tentar o
tanto que quiser, mas vo não consegue encontrar a
entrada que você sabe que está lá. Um selo no formato de
um monolito retangular está pregado no chão.
Você vê saídas para sudoeste e noroeste
1246h, 1180m ex-inspecionar
Você discerne que você está na floresta Ithmia Oeste.
O ambiente à sua volta é de uma estrada.
Você está no plano material primário.
1246h, 1180m ex-inspecionar
Como o último trecho citado indica, a morte do personagem implica numa
desorientação momentânea, como se todo o curso até então estabelecido na história tivesse
sido bruscamente interrompido, e devesse ser retomado segundo um ângulo de possibilidades
inteiramente diferente. Seja como for, a trajetória estabelecida por cada um dos milhares de
jogadores é gerada a cada partícula de texto que brota do fundo da tela de jogo, e grande parte
do que irá emergir não depende necessariamente de uma ação do jogador, mas possivelmente
de uma conjuntura de ações e reações fora de seu alcance.
Nesse sentido, essa dupla convergência de instabilidade e irreversibilidade do sistema
criam uma certa aura de perigo, significando exatamente que o controle da trajetória de cada
personagem nunca estará somente a cargo do jogador que o manipula: cada novo lance
significa tanto uma nova conjuntura de possíveis ações quanto a erradicação de toda uma
possível conjuntura anterior e assim por diante. A construção dessa história se portanto
sempre sob um terreno movediço, no qual o jogador participa ativamente dessa construção,
mas sempre sob uma sombra de possíveis, e freqüentes, distúrbios alheios. À maneira dos
jogos de sorte, nos quais o resultado do jogo independe da vontade, habilidade ou
determinação do jogador, mas somente de uma probabilidade, a dinâmica do envolvimento
entre jogador e sistema de jogo em MUDs também impossibilitam ao jogador o controle
estrito dos destinos tanto de seus personagens quanto da história que então é engendrada. Sim,
uma história construída em tais trajetórias, mas ela é intimamente perturbada por
interferências externas que advêm da própria lógica lúdica na qual ela está inserida. Se cada
esquina apresenta um redobrado perigo de novos acontecimentos deslocarem o destino do
personagem, deve-se atentar para o caráter de descontrole que tais histórias apresentam
perante seus condutores.
Agôn, disputa, é a derradeira estratégia lúdica que se utiliza como mote para o trabalho
analítico. Após o relato das duas últimas sessões, procura-se perceber como as relações
sociais são construídas nos MUDs, e de que maneira essas dinâmicas desempenham um papel
central nas histórias que são então vividas.
De volta a Delos, Dova tenta agendar com algum dos anciãos do Instituto uma
entrevista, mas não obtém sucesso. Decide então retornar a Shallam para praticar ratança.
Após se cansar, Dova decide explorar o Vale de Pash, logo nos arredores de Shallam. Sem
querer, Dova acaba descobrindo uma cidade que não estava indicada no mapa, chamada
Nimick. Lá, se encontra com alguns moradores que lhe pedem ajuda para lidar com alguns
monstros que estão habitando uma mina abandonada.
Depois de se aventurar pela mina, Dova retorna para Shallam para continuar a ratança,
e assim juntar mais dinheiro e ganhar experiência. Entre uma ratança e outra, ele se dirige à
sede do Instituto para aprender novas lições. Dova pergunta novamente no canal do clã se um
dos anciões estaria então disponível, e ninguém lhe responde. Para passar o tempo, Dova
resolve visitar a cidade de Eleusis, e depois Hashan. No caminho de Eleusis para Hashan,
Dova um passo em falso, cai num buraco e é atacado por uma lesma gigante. Ele acaba
sendo envenenado, tendo que recorrer a uma das ervas medicinais que seus colegas de clã
haviam indicado para que Dova adquirisse. O caminho de volta para a superfície é trabalhoso,
e Dova se envolve em mais alguns combates. Finalmente em Hashan, Dova pede a Triptika
que ela lhe conceda uma entrevista, mas ela lhe nega, afirmando estar muito ocupada.
Entediado da espera, Dova começa a vagar entre Delos e Shallam praticando ratança enquanto
um dos anciões não encontra um tempo livre para entrevistá-lo. Na saída da cidade de Delos,
Dova se subitamente perseguido por uma entidade chamada Mestre-das-Almas, que
começa a controlar seus atos: Dova está sendo roubado por um outro jogador, chamado
Euronymous.
Ao perceber que está dando seus pertences para o ladrão involuntariamente, Dova
começa a correr por uma floresta nos arredores de Delos, tentando despistar a entidade, e ao
mesmo tempo pede ajuda no canal de comunicação do Instituto. Desorientado, é ajudado por
duas pessoas que por sorte presenciaram o ocorrido, Campeão da Luz Sir Kellonius Setanus-
Weltsdown e Eleihoff, que prontamente socorreram o aprendiz de palhaço, afugentando o
Mestre-das-almas. Passado o susto, Dova se deu conta que havia perdido várias de suas
posses durante o ataque, muitos deles objetos necessários para sua entrevista de promoção na
guilda.
Após o ocorrido, todos do clã que estavam presentes começam a aconselhar Dova a
respeito do ocorrido, e das várias maneiras diferentes de se prevenir contra tais ataques. Dova
se lamenta no canal do clã pois agora que estava pronto para a entrevista vários frascos foram
roubados, e terá que voltar a praticar ratança nas cidades a fim de comprar novas poções.
De volta a Shallam, Dova pratica ratança por um longo tempo até poder comprar
novamente suas poções mágicas. Numa dessas ratanças, Dova reclama com Kyraleth (que
havia sido quem lhe entrevistou em seu primeiro rito) que nenhum dos anciões têm tempo
para cuidar de sua entrevista. Kyraleth o acalma, e diz que vai interceder a seu favor. Pouco
tempo depois Kyraleth lhe diz que conseguiu fazer com que Dragonknight, um dos anciões,
faria sua entrevista naquele momento mesmo, na sede do Instituto. Logo que Dova chega no
prédio, ele se encontra com Dragonknight, que vai diretamente ao assunto e já pede para Dova
lhe mostrar os itens necessários. Enquanto Dova lhe mostrava seu equipamento, Dragonknight
resolve tirar um cochilo, e pede para Dova esperar alguns minutos. Assim que ele desperta,
Dova acaba de lhe mostrar seus itens. Depois de lhe fazer mais algumas perguntas,
Dragonknight pede para que Dova lhe acompanhe numa caminhada pelo continente, para ver
se Dova sabia chegar nas principais cidades. Logo nos arredores de um pântano perto de
Mhaldor, os dois são atacados por um Lycopod, um monstro parecido com uma gosma
gigante, que ataca primeiramente Dragonknight, deixando-o parcialmente cego. Num
primeiro momento Dova foge, para então retornar de surpresa, retirando a aflição de
Dragonknight, possibilitando então que este lutasse e derrotasse o monstro. Terminado o tour
pelas cidades, Dragonknight se despede de Dova, lhe os parabéns, e lhe eleva o posto para
'Prendiz Pingüim Dova. Dova recebe os cumprimentos dos companheiros de clã, e agradece
pessoalmente a Kyraleth por sua ajuda. Com suas finanças exauridas pelo teste, Dova resolve
praticar um pouco mais de ratança em Shallam.
Achaea, sendo um jogo multiplayer, carrega na própria definição uma de suas
principais características: trata-se de um jogo jogado por vários jogadores ao mesmo tempo.
Uma constatação até aqui já percebida como óbvia mas que, no entanto, permite
problematizar a questão da interação entre os jogadores. Afinal, se eles compartilham esse
espaço, eles eso em constante contato. Portanto, é preciso discutir de que maneira essa
interação acontece, e conseqüentemente se essas interações possivelmente dão origem a uma
complexa organização social dentro do jogo.
Tal tarefa pode ser iniciada com uma delimitação de quem são os atores que levam a
cabo essa dinâmica social. A princípio, poderia-se considerar que todo personagem de
Achaea, controlado por um humano ou não, terá ao menos algum papel na construção dessa
teia social. A presença de bots nessas dinâmicas interativas, no entanto, esbarra num problema
que é a automação e suas respostas frente aos atos dos jogadores. Considere-se a seguinte
passagem, ocorrida quando Dova adentrava uma cidade pela primeira vez, e entabulava uma
conversa com o xerife da cidade.
Residência do xerife.
O xerife de Nimick es aqui. Balançando despreocupada
uma cesta, a mulher de um fazendeiro está aqui.
Você vê uma única saída para oeste (porta aberta)
1460h, 1460m ex-info qaui
Você quer informações sobre o quê?
(Para informações sobre uma pessoa, digite HONRAS
<pessoa>”.)
INFO AQUI (ou IA) informação sobre coisas perto de
você.
INFO INV (ou II) informação sobre coisas que vo
está segurando e vestindo.
INFO MAO - informação sobre coisas que você está
segurando, mas não vestindo.
INFO FISSURA (ou IR) informações sobre coisas
guardadas na fissura.
1460h, 1460m ex-info aqui
"borash99554" XerifeBorash
"mulher292662" a esposa de um fazendeiro
Número de objetos: 2
1460h, 1460m ex-
(Bobos): Kyraleth diz, “Escolhas feias e opções
estrangeiras podem ser tão sábias quanto escolhas
familiares e bonitas, talvez até mais do que se
imagine”.
1460h, 1460m ex-cumprimentar borash
Você cumprimenta o xerife Borash com um sorriso sincero.
Borash retorna o cumprimento retirando educadamente seu
chapéu.
O xerife Borash diz, “Bem, eu imagino que era apenas uma
questão de tempo até que Nogak saísse da cidade. Bem-
vindo à nossa cidadezinha, e tome muito cuidado com a
besta que habita as minas abandonadas”.
1460h, 1460m ex-cumprimentar borash
Você cumprimenta o xerife Borash com um sorriso sincero.
Borash retorna o cumprimento retirando educadamente seu
chapéu.
O xerife Borash diz, “Bem, eu imagino que era apenas uma
questão de tempo até que Nogak saísse da cidade. Bem-
vindo à nossa cidadezinha, e tome muito cuidado com a
besta que habita as minas abandonadas”.
1460h, 1460m ex-
A redundância das interações de jogadores com os bots salta aos olhos na primeira vez
que determinado contato é repetido: as respostas serão sempre as mesmas, visto se tratar de
uma espécie de gatilho que, acionado pelo jogador, dispara uma reação pré-fixada do sistema
do MUD como foi visto também nas interações de Dova com outros bots, como o Sr.
Quackers, por exemplo. Apesar de povoar o universo de Achaea, tais personagens têm uma
função claramente definida desde sua concepção pelos criadores do jogo, que é servir de
instrumentos designados para cumprir funções específicas, seja para ajudar os jogadores
caso de Certimene, da sessão 01, que faz o registro dos personagens no clã de sua escolha ,
seja na função de antagonista como no caso de Q-Ball, que foi o responsável pela morte de
Dova na seso 05. Dessa maneira, apesar de se constituir como uma parte importante da
dinâmica de jogo e da construção de motes para as aventuras dos jogadores, não é possível
afirmar que os bots sejam atores sociais em MUDs, justamente porque as possibilidades de
interação com os jogadores são radicalmente restritas a mecanismos simples de ação/reação
que redundam inevitavelmente em um uso objetificado deles por parte dos jogadores. Como a
passagem transcrita evidencia, após um único cumprimento, Dova havia retirado do Xerife
todas as informações necessárias para seguir adiante em sua trajetória, e após aquele momento
não voltaria mais a se encontrar nem a cumprimentar novamente o xerife afinal, assim
tinham sido todos seus encontros com bots durante sua trajetória de jogo.
Com a restrição da dinâmica social aos jogadores, é preciso indagar que tipo de
organização é construída nos ambientes de MUDs. Se, como foi afirmado anteriormente, as
histórias em MUDs são não somente contadas mas principalmente vividas, é possível
imaginar que tais vidas em contato no MUD, por mais vicárias que sejam, dão origem a um
microcosmos social que se organiza de uma maneira muito específica. Deve-se, portanto,
procurar indícios palpáveis que demonstrem como esse contato entre pessoas acontece, de
maneira a evidenciar a presença de elos simbólicos que confirmem a existência de uma
comunidade de jogadores que ultrapasse uma simples agregação de pessoas.
Um forte indício da existência de uma teia social nos MUDs é a divisão dos jogadores
em clãs, classes, casas, profissões. Independentemente do nome que essa divisão tenha em
cada MUD diferente em Achaea trata-se de clãs –, trata-se sempre de um indício de uma
especialização de cada jogador perante seus pares. No entanto, mais que um conjunto de
habilidades a serem adquiridas por cada jogador, essa divisão implica necessariamente em um
sentimento de pertencimento de determinada facção frente a outras. Trata-se de uma sensação
que não está presente somente na mente de cada jogador, mas principalmente é materializada
em diversas instâncias ao longo do jogo. No caso específico de Achaea, como visto no
capítulo 05, os nomes são um forte indício da divisão de facções nessa teia social é possível
recordar, por exemplo, o prefixo brincalhão de Dova, Recruta Pingüim, em contraste com o
prefixo de outros personagens, como o de Campeão da Luz, Sir Kellonius, mais sisudo. Além
de apontar para diferenças entre os vários clãs, tais prenomes possibilitam um fácil
reconhecimento da facção a que cada pessoa que se encontra fortuitamente pertence e
conseqüentemente que tipo de ação se pode esperar de tal pessoa. As relações estabelecidas
entre dois jogadores que se encontram não são portanto definidas em função simplesmente
daquele encontro específico, mas também de um pano de fundo social, uma vez que cada
jogador carrega acoplado a seu nome o grupo de jogadores a que pertence.
Outro forte índice dessa organização social materializada no sistema de jogo são os
próprios arquivos de ajuda presentes em cada facção, como aquele consultado por Dova na
casa de registro na sessão 01, quando de sua escolha pelo Instituto Carnivalis de Palhaçadas.
Durante todo seu progressivo envolvimento com outros jogadores no clã, Dova era sempre
instado a consultar frequentemente arquivos de ajuda que o educavam não somente no sistema
de jogo e nas regras de funcionamento do Instituto, mas principalmente traziam embutidas um
código próprio de como se comportar durante as sessões de jogo, e como se portar frente a
outros jogadores, sejam eles membros do Instituto ou não. Cada facção escreve seus próprios
arquivos de ajuda e, portanto, cada clã irá educar seus newbies à sua própria maneira. Clãs de
alinhamento maligno, por exemplo, ensinam que não problemas em roubar outros
jogadores; outras facções com um alinhamento diferente terão uma outra opinião acerca
dessa conduta. Dessa forma, pode-se perceber que cada jogador, ao adentrar o universo de um
MUD, não está se movendo em um terreno insípido de regras sociais, muito pelo contrário;
desde o primeiro segundo é possível perceber que ele está se inserindo numa intrincada rede
social dotada de regras muito particulares, e que demanda vários posicionamentos frente a ela
– como a supracitada escolha por uma facção, por exemplo.
A presença desses fortes elos simbólicos materializados enquanto regras de conduta e
enquanto marcas que os próprios jogadores carregam em seus avatares parecem indicar a
existência de verdadeiras comunidades nos MUDs. Resta saber, no entanto, se se trata de uma
grande comunidade em harmonia, ou se na verdade uma dinâmica de coexistência de
várias comunidades que, vez ou outra, entram em conflito. O próprio sentimento de
pertencimento aos clãs, como no caso de Dova em relação ao Instituto, somado a um canal de
comunicação específico de cada clã são indícios da existência de canais diferenciados de
envolvimento simbólico entre membros de uma mesma comunidade os laços criados em
torno desses membros seriam mais fortes e duradouros do que em relação a outros jogadores
que pertençam a clãs diferentes e que não partilhem, por exemplo, de um mesmo canal de
comunicação telepática. O trecho a seguir, que acompanha a fuga de Dova de seu assaltante,
procura exemplificar a disparidade entre as ações dos jogadores frente a personagens que não
pertencem à sua comunidade de origem em contrapartida a companheiros de facção:
Limites de uma grande floresta (estrada).
As estrelas cintilam no céu da noite clara. Um mímico
vestido com roupas coloridas está preso em uma caixa
invisível aqui.
Você vê saídas para leste e para oeste.
1500h, 1500m ex-l
Limites da Ithmia Leste (estrada).
As estrelas cintilam no céu da noite clara. Levitando
acima do chão está um altar inspirador para Pandora.
Você vê saídas para leste e para oeste.
1500h, 1500m ex-
(Bobos): Kunai diz, "Somente se você quiser que todas as
outras entidades dele também te ataquem."
1500h, 1500m ex-l
Limites da Ithmia Leste (estrada).
As estrelas cintilam no céu da noite clara.
Você vê saídas para leste e para oeste.
1500h, 1500m ex-hnt droga!
(Bobos): Você diz, "Droga!"
1500h, 1500m ex-
(Bobos): Ata diz, "E é leal a alguém.. não muito
esperto."
1500h, 1500m ex-
(Bobos): Kyraleth diz, "Com sua força, provavelmente
não. E dará a ele o direito de te matar também."
1500h, 1500m ex-hnt ok então
(Bobos): Você diz, "Ok então."
1500h, 1500m ex-
Uma entidade mestre-da-alma solta um grito horrível à
medida que uma corrente negra de caos primitivo sai de
dentro dela e adentra seu próprio ser.
1500h, 1500m ex-desgarrar mestre-da-alma
Você sente sua vontade ser manipulada pela entidade
mestre-da-alma.
1500h, 1500m ex- desgarrar mestre-da-alma
Você remove uma armadura de escamas.
1500h, 1500m e-
Você deve se equilibrar primeiro.
1500h, 1500m e-
Você deve se equilibrar primeiro.
1500h, 1500m e-
Você retomou seu equilíbrio.
1500h, 1500m ex-
Tesla chega seguindo o Campeão da Luz, Sir Kellonius
Setanus-Weltsdown. Kellonius se aproximaa, espada
brilhando à postos. Euronymous se contorce e grita à
medida que Kellonius o ataca com sua lâmina.
1500h, 1500m ex-
Kellonius traga longamente uma baforada de seu cachimbo.
1500h, 1500m ex-
(Bobos): Kyraleth diz, "Ele ainda está seguindo você?"
1500h, 1500m ex-
Kellonius toma um gole de um frasco cor de madeira-rosa.
1500h, 1500m ex-
Atraída pelo cheiro de sangue fresco, a sanguessuga
salta e se prende ao corpo de Kellonius.
1500h, 1500m ex-
Euronymous se levanta e estende seus braços.
1500h, 1500m ex-o
Euronymous diz, "Duanathar."
1500h, 1500m ex-
Limites da Ithmia Leste (estrada).
As estrelas cintilam no céu da noite clara. Levitando
acima do chão está um altar inspirador para Pandora.
Você vê saídas para leste e para oeste.
1500h, 1500m ex-
Uma corrente negra de caos primitivo sai do seu corpo.
1500h, 1500m ex-olhar
(...)
(Bobos): Você diz, "Deixe-me checar meus frascos."
1500h, 1500m ex-info mao
Você está manejando:
escudo274088 : um escudo na mão esquerda.
blackjack42761 : um pequeno blackjack na mão direita.
Você está segurando: "isqueiro355761" um isqueiro negro/
"cachimbo350640" um cachimbo simples de madeira/
"cachimbo224360" um cachimbo escuro e aromático/
"cotademalha321722" uma armadura de cota de malha/
"doce187936" um pedaço de doce de leite/ "rede88865" uma
rede de caçar borboletas
1500h, 1500m ex-
(Bobos): Kyraleth diz, "O mestre-das-almas ainda está te
seguindo?"
1500h, 1500m ex-hnt aparentemente não
(Bobos): Você diz, "Aparentemente não."
1500h, 1500m ex-
Empurrando seu carrinho de mão à sua frente, Eithne sai
para o sudoeste.
1500h, 1500m ex-
Kellonius contacta você, "Ele pegou alguma coisa de
você?"
1500h, 1500m ex-hnt bem droga, ele pegou alguns
frascos...
(Bobos): Você diz, "Bem droga, ele pegou alguns
frascos..."
1500h, 1500m ex-
Toda a passagem é pontuada por dois elementos principais: o primeiro deles, a ação
principal, é o próprio ato do roubo, e a fuga do personagem tentando se esconder de seu
ladrão; o segundo, não é exatamente uma ação, mas sim uma conversa paralela no canal
privado de comunicação dos membros do Instituto, no qual o próprio roubo era discutido e
soluções e considerações eram levantadas. A trajetória do personagem, que estava saindo de
Delos para se dirigir a outra cidade, foi abruptamente interrompida pela tentativa de roubo, e
dessa maneira seu antagonista provocou um distúrbio e, por conseguinte, um deslocamento na
cadeia de ações que o personagem tencionava então fazer. Não o personagem, através de
um encontro com um antagonista, teve seu caminho momentâneo alterado, mas
principalmente toda uma cadeia de eventos futuros notadamente, a entrevista de promoção
em seu clã – foram alterados. No início do episódio, nota-se que Dova carregava consigo itens
que seriam utilizados numa entrevista que aconteceria na sede da guilda à qual pertence. De
posse deles, Dova intentava chegar a seu destino, ou seja, tomou um curso de ações
específicas de maneira a garantir que seu objetivo fosse concluído o que incluía, entre
muitas variáveis, apresentar os frascos contendo poções necessárias à realização da entrevista.
A entrevista teria de ser adiada, e vários passos que Dova havia cumprido deveriam ser
repetidos. É preciso perceber, ainda, que a trajetória de Dova é deslocada não somente pelo
antagonista momentâneo, mas também pelos conselhos e avisos dados por seus companheiros.
Trata-se, afinal, de uma verdadeira rede social construída à sua volta, estabelecida desde
antes de sua chegada, e cuja ascendência sobre as ações de cada jogador se faz presente desde
o momento em que ele seus primeiros passos em Achaea. Afinal, durante todo o processo
de aprendizado dos mecanismos de jogo, também são aprendidas várias das regras de conduta
e comportamento que regem tanto a convivência no MUD como um todo, e também a vida
comum dentro de cada facção. Mais uma vez, os alicerces que regem as dinâmicas de jogo se
fazem presentes na própria dinâmica de convívio nos MUDs; à medida que as histórias são
construídas em meio a um pano de fundo ficcional em comum, as regras, tanto de
funcionamento do sistema de jogo quanto sociais, são internalizadas e conseqüentemente
postas em prática pelos jogadores.
O episódio do roubo dos frascos do personagem é um exemplo pontual, mas que
permite perceber que qualquer contato com outro jogador, seja este participante ou não de seu
círculo comunitário, irá exercer algum tipo de influência nas tomadas de ações de cada
jogador e, conseqüentemente, na maneira como sua história irá se desenrolar. Seja através de
atritos bruscos, como no episódio do roubo, seja através de opiniões e arquivos de ajuda
manifestados pelos companheiros de facção, a narrativa que acontece entre jogador e jogo
contamina-se constantemente com as outras narrativas que acontecem sincronicamente no
mesmo espaço de jogo. Muitas vezes as ações de cada personagem, ao construírem sua
história, afetam não apenas o sistema do jogo, mas também outros jogadores. Afinal, como
Agôn permite lembrar, trata-se de jogadores que, dotados dos mesmos recursos iniciais, têm
condições de se enfrentarem para disputar algum tipo de supremacia, seja física, seja
econômica – no caso específico, houve uma breve luta cujo prêmio ao ganhador seriam alguns
frascos de poções mágicas. Portanto, é no cerne das histórias de cada jogador que as disputas
são realizadas. O próprio mecanismo narrativo de tais ambientes incorpora a disputa como
espécie de mola propulsora para que os participantes, ao interagirem entre si, saiam do embate
havendo perdido ou ganhado algo, seja através de uma simples conversa, ou mesmo numa
tentativa de assalto. Eis então um importante aspecto dessas histórias: elas são disputadas, ou
seja, de alguma maneira são postas à prova perante outros jogadores que compartilham o
universo do jogo.
Essa disputa acontece a partir de uma superfície de contato que são exatamente os
personagens de cada jogador. tanto disputas diretas, como no caso supracitado do roubo
das poções, como disputas que incidem no personagem de forma indireta, como na extensa
recorrência aos arquivos de ajuda que guiam grande parte da conduta do jogador no ambiente
de jogo. Dessa feita, torna-se ainda mais pertinente a afirmação de que o jogador de MUDs se
encontra dividido entre a figura do lutador e a do coreógrafo; ao longo da experiência de jogo,
as metáforas se fundem, na medida em que cada jogador, seja entrando em conflitos com
outros jogadores, seja recorrendo a amigos para pedir auxílio, a um tempo forja o ambiente
de jogo que será compartilhado por seus pares. Tanto a competição quanto a colaboração
exercem um mesmo papel, o de afetar tanto no sentido de influência quanto no de afeto a
história que cada jogador leva a cabo no MUD. Afinal, tanto na briga quanto na ajuda, o que
conta para o personagem não é uma derrota ou vitória momentânea, mas principalmente um
novo rumo no desenrolar de sua história que não seria possível sem essas interferências
alheias. A um tempo, disputa e colaboração ou, de maneira mais abrangente, a teia social
que envolve cada jogador se constitui como um fator preponderante na maneira como as
histórias são engendradas nos MUDs.
Ao final do percurso, pode-se notar que cada um dos capítulos anteriores, apesar de
centrados em um aspecto específico da experiência dos jogadores, compartilha de uma mesma
questão recorrente, a do freqüente encontro e interação entre jogadores. A partir de um
alicerce comum a percepção da necessária agência do usuário frente à máquina e a divisão
dessa experiência entre a narrativa e o jogo – cada capítulo analítico apresentou uma diferente
faceta que ajuda a compor, sob vários ângulos distintos, a maneira como cada jogador é
instado constantemente a pôr sua trajetória e, conseqüentemente, sua história à prova do
sistema e de outros jogadores.
Essas histórias que se constituem no entremear dos conflitos entre jogadores portam
marcas a um tempo provenientes da narrativa e do jogo. A prática narrativa posta em
acontecimento se reveste portanto de camadas advindas de práticas lúdicas que também
perpassam essas experiências. Assentadas sobre essas quatro grandes dimensões de Mimicry,
Ilinx, Alea e Agôn, as histórias criadas em tais ambientes se desvelam enquanto marcas do
próprio encontro e embate entre os vários jogadores que compartilham tal universo fantástico.
Afinal, trata-se de um espaço permanentemente aberto a intervenções alheias, que permite
uma narrativa sem um ponto final fixo: a cada instante, determinado percurso que se
imaginava planejado é alterado por conta de uma única ação de outra pessoa que invade a tela
de jogo. A personagem se encontra portanto em meio a duas forças que procura balancear
nesse processo de escolha: a força da narrativa que, como vimos anteriormente, busca dar
sentido e ordenar segundo uma lógica própria os acontecimentos que se desenrolam frente a
ele, e a força desconexa do jogo, que justamente por colocá-lo frente a outras vontades que
entram em choque com a sua acabam por fazê-lo deslocar-se em direção a caminhos não
trilhados antes, e a fazer escolhas que talvez não faria se pudesse pavimentar todo o caminho
sem nenhuma interferência pontual nesse processo. Tais abalroamentos são levados a cabo
presencialmente num sistema de jogo compartilhado, onde cada jogador vive suas ações e
afetos numa atmosfera de indeterminação e irreversibilidade, que a cada momento a teia
social na qual ele está envolvido se configura de uma maneira determinada. Trata-se de
aspectos relativos à experiência de cada jogador que acontecem justamente porque, por um
lado, trata-se de um jogo que envolve no processo de construção narrativa as estratégias
anteriormente delimitadas –, e por outro porque se trata de um ambiente multiplayer. No
entanto, uma rápida retomada do percurso do personagem Dova permite demonstrar que esse
processo não ocorre de uma maneira uniforme durante o andar do jogo, e que essas dinâmicas
somente acontecem de maneira pronunciada a partir do momento em que a socialização dos
jogadores começa a se aprofundar. Todos os processos caros à dinâmica de construção de
histórias em um MUD adquirem mais vida à medida que eles são postos em prática junto a
outros jogadores, em uma verdadeira dinâmica de convívio social. Todos os tempos mortos
em que os personagens devem se dedicar a bashings ou a ratanças nada mais são que uma
espécie de período de provação para que o jogador avance para aquilo que realmente
interessa, que é a interação entre os outros jogadores que partilham o sistema como foi
dito anteriormente, importa ao jogador não uma vitória ou acontecimento que um fim ao
jogo, mas principalmente conquistas pontuais; de certa maneira, o que se busca é a
continuidade do jogo nos outros jogadores.
Durante esses tempos mortos, todas as dinâmicas delimitadas nos capítulos anteriores
estão presentes, mas essas aparecem com muito mais força e relevância em momentos como
nos episódios do Roubo de Dova, ou mesmo do Encontro com Mikkhai, por exemplo.
Considerando-se o desenvolvimento da história como um todo, pode-se perceber que foram
exatamente os trechos de maior convívio social que possibilitaram à história de Dova um
contato mais extenso e significativo com as histórias alheias, tornando-a, portanto, mais
conturbada, ou seja, mais compartilhada, mais afetada pelas outras. Em tempos de maior
convívio social, os avatares em contato com o do próprio jogador são investidos de escrituras
alheias, justamente porque outra pessoa do outro lado do sistema que também vive esse
outro personagem; o acaso se reveste de uma potência renovada porque não depende
somente de um cálculo matemático ou de algum algoritmo, mas da própria criatividade de
outros jogadores que, no contexto apropriado das regras deslocam a personagem desse
jogador; o contato entre jogadores, que pontua freqüentemente os tempos mortos através do
canal da facção, adquire mais relevância à medida em que as interações possíveis ultrapassam
a fala; finalmente, histórias mais vivas para se chocarem umas contra as outras na medida
em que ambas foram geradas por jogadores que não estabelecem uma separação entre o que
está sendo vivido, e o que vai ser contado. Em suma, cada pequena estratégia desvela
minúcias de um acontecimento que compõe um painel maior perante a dinâmica que perpassa
a experiência dos jogadores de jogos multiplayer na construção de suas histórias.
Por todas essas razões, é possível afirmar que todas as estratégias de jogo se
potencializam na medida em que são experienciadas no contato entre vários jogadores. Trata-
se de pensar uma história que é gerada não somente numa conjunção da narrativa e do jogo,
mas principalmente que se abre a um intenso processo de interação social na sua própria
dinâmica de constituição e existência. Não , obviamente, qualquer história construída ao
longo de toda a cultura ocidental que não carregue em si marcas de toda uma tessitura social
que a envolve, até mesmo porque o próprio ato de fruição de qualquer obra implica, a um
tempo, tanto na atualização de várias referências de outros trabalhos que a obra carrega dentro
de si, como um processo interpretativo que está intimamente ligado a uma inserção social do
indivíduo. No entanto, é possível afirmar que histórias geradas em ambientes de jogo
compartilhados praticamente eliminam essa distância entre a composição de uma obra e sua
fruição, na medida em que esse par é reconfigurado à maneira de um complexo construto
social em que todos os jogadores concomitantemente constroem, destroem e fruem de uma
história história essa que não é a sua simplesmente, mas é a sua história entremeada de
várias outras histórias alheias.
De uma maneira mais ampla, pode-se inclusive vislumbrar a possibilidade de
existência de histórias que mobilizem estragias para além daquelas próprias do fazer
narrativo mais tradicional. A história que acolhe em sua lógica as estratégias oriundas dos
jogos e se abre ao compartilhamento de várias pessoas se permite a processos não possíveis
anteriormente. Portanto, de forma mais abrangente, talvez seja seguro afirmar que pensar
histórias nesse ambiente peculiar que é o ciberespaço marcado pela conectividade, pela
convergência e pela partilha de informação implique justamente no abandono de certos
parâmetros clássicos para a criação e avaliação dessas histórias, tais como enredo, coerência
do início ao fim, autoria e fechamento. Tais histórias, como visto ao longo de todo o processo
analítico até aqui construído, podem também ser pensadas a partir de outros parâmetros como
transitoriedade, indeterminação, não-fechamento e presencialidade.
Num ambiente de características tão peculiares como os jogos multiplayer, o mito do
fio de Ariadne, nos moldes clássicos como apresentado no início deste percurso, perde sua
força. Afinal, em um ambiente múltiplo e móvel, não há como pensar em um labirinto único e
estático, e mesmo em um único aventureiro percorrendo seus meandros. O liame condutor da
história em jogos como MUDs, e porque não em qualquer história que incorpore o jogo e a
lógica multiplayer em seu seio, poderia então ser pensado à maneira de um fio de Ariadne
cujo novelo é composto não somente da que o aventureiro porta, como também de
filamentos alheios que atravessam seu caminho, ora toscamente embolados, ora
cuidadosamente amarrados, atravessando um labirinto sem um minotauro um labirinto
descentrado. Trata-se de entrelaçamentos que contribuem tanto para o deslocamento quanto
para a composição dessa história através do labirinto narrativo-lúdico. Histórias a um
tempo vividas, contadas, disputadas, indeterminadas, evanescentes, presenciais,
compartilhadas; destarte, histórias em comunhão.
Se refere tanto ao nome do jogo, como é também o
nome dado ao continente onde toda a ação física do
jogo se passa.
Alinhamento se refere às escolhas morais e éticas que
caracterizam os personagens controlados pelos
jogadores, bots, monstros e sociedades ao longo do
jogo.
Termo utilizado em Achaea para se referir aos
enfrentamentos entre jogadores e bots
principalmente quando o jogador não está
participando de uma quest. Em suma, trata-se de
matar monstros a esmo com o único fim de ganhar
experiência e juntar dinheiro.
O Blackjack é uma arma, no formato de um baralho
de cartas, que os adeptos da habilidade Travessuras
utilizam para bater em seus inimigos.
Denominação comum dada aos personagens
controlados pelo sistema de jogo. Estes podem ser
personagens pacíficos, habitantes de uma cidade, por
exemplo, ou então podem ser personagens
agressivos, como monstros e criaturas encontradas
quando o jogador se aventura por Achaea.
Pequena caixa ornamentada com temas infantis, que
ao ser aberta assusta quem a abriu ao fazer saltar de
dentro de si uma cabeça de palhaço.
Nome do fundador do Instituto.
Depois da Queda do império seleucariano (medida de
tempo em Achaea).
Trata-se de uma representação numérica para o
quanto o jogador se sente fisicamente bem – quando
a energia se esgota, o personagem morre.
Trata-se de um pedaço de ícone que pode ser
encontrado em posse de monstros [cf. Ícones].
Trata-se de um lugar etéreo, acessado através de
poderes especiais, utilizado para guardar itens que
não são portáteis em uma mochila ordinária. Quando
alguém pretende por alguma coisa na Fissura, basta
imaginá-la, estender a mão ao ar livre, e eis então lá
onde está a mão um recipiente para guardar o objeto.
Cada Achaeano tem sua própria Fissura, e cada uma
delas somente é acessível pelo seu proprietário.
Referência usual a uma das Deusas de Achaea,
Maya. Segundo referências encontradas no jogo,
Maya existe desde a fundação da realidade desse
universo. Para os Achaeanos, a realidade,
experienciada através da consciência ordinária, é só
uma das manifestações de Maya e de sua energia
criativa.
Termo comum a todos RPGs online, trata-se do
processo de aperfeiçoamento do personagem no qual
ele não participa de quests, mas principalmente fica
parado em um mesmo local esperando monstros
surgirem para então matá-los.
Pequeno roedor, semelhante a um hamster, porém
mais peludo.
Cada um dos clãs em Achaea possui um totem que
acumula energias mágicas, e dá aos membros do clã
poderes especiais. Ícones são, portanto, símbolos de
poder, e cada ícone é tão mais poderoso à medida que
é alimentado com estilhaços de ícone.
Imps são um tipo de demônio, normalmente de baixa
estatura. Eles são os demônios menos malignos, mas
ainda assim possuem alinhamento maligno.
Nome dado ao clã dos palhaços. Quando adentram no
clã, os membros passam a fazer parte do Instituto
Carnivalis de Palhaçadas, localizado na cidade de
Delos. Os membros se referem ao Instituto tanto
como ao lugar físico quanto à entidade jurídica do
clã.
Mana representa força mental. Quando o personagem
esgota sua mana, ele não pode exercer ações que
requerem qualquer esforço mental – como utilizar
magias, por exemplo.
Erva normalmente utilizada durante as sessões de
aprendizagem, já que acelera o funcionamento da
mente. Comprada normalmente sob forma pastosa.
Que se diz de um adversário – que pode tanto ser
controlado por outro jogador quanto pelo computador
– cuja força ultrapassa em muitos níveis a própria.
Pequenas fadas que habitam florestas, normalmente
de alinhamento neutro.
Como a própria tradução do termo indica, trata-se de
uma missão na qual o jogador deve ir em busca de
um objetivo, cumprí-lo, e ao retornar, receber uma
recompensa por isso. Quests são uma das principais
molas de enredo presentes nos RPGs online.
Prática comum entre os Achaeanos para coletar
dinheiro: nas grandes cidades, mata-se os ratos que
infestam as ruas, e então vende-se para a prefeitura
os corpos dos ratos, e se recebe uma recompensa.
Trata-se de um meio tedioso e demorado para
conseguir moedas de ouro.
Runas são desenhos que, ao serem rascunhados no
chão, em uma pessoa, em uma armadura ou em
alguma arma, podem gerar tanto benefícios quanto
malefícios – dependendo da runa desenhada.
Semelhante à runa, porém utilizado como uma
espécie de cadeado para que determinado item não
seja removido do lugar onde está.
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