Já faz algum tempo que a doutrina brasileira, tendo em vista os novos
conflitos emergentes da sociedade de massa, tem revisto, através de uma
interpretação ampliativa, o conceito clássico de assistência jurídica aos
necessitados
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. Busca-se resguardar não apenas os interesses do necessitado
de recursos financeiros, mas também o chamado “necessitado jurídico”,
compreendendo, essa expressão, aquele que necessita de que o Estado lhe
proporcione as garantias do contraditório e da ampla defesa. Nesse sentido,
veja-se o entendimento de Ada Pellegrini Grinover (1990a, p.246-247):
Novos canais se abrem hoje para o Estado prestador de serviços,
ligados a uma assistência judiciária entendida no seu mais amplo
sentido, e que também sirva aos conflitos emergentes, aos conflitos
próprios da sociedade de massa, contrapondo, de maneira diversa da
clássica, os interessados, nas grandes e nas pequenas causas. Para
esses conflitos todos, que o Judiciário deve saber atender, o Estado
há de responder com novos modelos, e também para esses novos
modelos deve ele viabilizar a tutela jurídica e o acesso à Justiça a
todos os litigantes.
Imensa é, pois, a tarefa do Estado na obrigação de possibilitar, a
todos, igual acesso à Justiça. E nessa visão parece necessário rever
o antigo conceito de assistência judiciária aos necessitados, porque,
de um lado, assistência judiciária não significa apenas assistência
processual, e porque, de outro lado, necessitados não são apenas os
economicamente pobres, mas todos aqueles que necessitam de
tutela jurídica: o réu revel no processo-crime, o pequeno litigante nos
novos conflitos que surgem numa sociedade de massa, e outros mais
que podem emergir em nossas rápidas transformações sociais.
A doutrina que trata da teoria do direito do consumidor tornou comum a
expressão “hipossuficiente”, para designar os consumidores desfavorecidos
economicamente.
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Essa expressão, entretanto, tem sido utilizada como
sinônimo de necessitado jurídico.
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Segundo Raphael Manhães Martins (2005, p.28): “Em virtude da crescente complexidade do
mundo hodierno, já não é possível que necessitado continue a ser sinônimo de ‘pobre’. O
pobre dos dias de hoje não é apenas aquele que não possui recursos financeiros para vir a
juízo sem prejuízo de sua família, pois as carências de hoje são de diversas ordens.”
Também defendendo a ampliação do sentido do termo “necessitado”, mas fazendo algumas
ressalvas acerca da abrangência ilimitada da palavra, doutrina Leandro Coelho de Carvalho
(2008, p.217): “[...] o operador do Direito deve ser cauteloso na interpretação do conceito de
necessitado. Uma abertura excessiva poderá desviar o Defensor Público de suas reais
atribuições constitucionais [...]”.
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Ver esclarecimentos sobre hipossuficiência e vulnerabilidade do consumidor na obra em que
são co-autores Antônio Herman Benjamin, Cláudia Lima Marques e Leonardo Roscoe Bessa
(2007).
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Ada Pellegrini Grinover (1998, p.116) utiliza a expressão nesse sentido, veja-se: “[...] E
assim a assistência judiciária aos economicamente fracos foi estendida aos hipossuficientes
jurídicos. O primeiro passo nesse sentido foi dado para a defesa penal, quando se tratasse
de acusado revel, independentemente de sua capacidade econômica. Mais recentemente,
porém, fala-se em uma nova categoria de hipossuficientes, surgida em razão da própria
estruturação da sociedade de massa: são os carentes organizacionais, a que se refere
Mauro Capelletti (2002). São carentes organizacionais as pessoas que apresentam uma