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FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ
UNIVERSIDADE DE FORTALEZA - UNIFOR
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS - CCJ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CONSTITUCIONAL
A DEFENSORIA PÚBLICA E A PROTEÇÃO DOS DIREITOS
METAINDIVIDUAIS NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
Maria Noêmia Pereira Landim
Fortaleza - CE
Novembro, 2008
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MARIA NOÊMIA PEREIRA LANDIM
A DEFENSORIA PÚBLICA E A PROTEÇÃO DOS DIREITOS
METAINDIVIDUAIS NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Direito como requisito
parcial para a obtenção do título de Mestre
em Direito Constitucional, sob a
orientação da Profª Dr.ª Lília Maia de
Morais Sales.
Fortaleza - Ceará
2008
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___________________________________________________________________
L257d Landim, Maria Noêmia Pereira.
A defensoria pública e a proteção dos direitos metaindividuais no estado
democrático de direito / Maria Noêmia Pereira Landim. - 2008.
112 f.
Cópia de computador.
Dissertação (mestrado) – Universidade de Fortaleza, 2008.
“Orientação : Profa. Dra. Lília Maia de Morais Sales.”
1. Defensoria pública. 2. Assistência Jurídica. I. Título.
CDU 347.921.8
__________________________________________________________________
_
MARIA NOÊMIA PEREIRA LANDIM
A DEFENSORIA PÚBLICA E A PROTEÇÃO DOS DIREITOS
METAINDIVIDUAIS NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________
Prof.ª Dr.ª Lília Maia de Morais Sales
UNIFOR
_____________________________________________
Prof.ª Dr.ªMaria Lírida Calou de Araújo e Mendonça
UNIFOR
_____________________________________________
Prof.ª Dr.ª Maria Luíza Pereira Alencar Mayer Feitosa
UFPB
Dissertação aprovada em:
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, João e Uanda, pelos exemplos de honestidade,
dedicação e respeito ao próximo.
Ao meu marido, Enéas Vasconcelos, por seu amor, por seu incentivo e
pela história que se constrói entre nós a cada dia.
Ao meu filho, Heitor, por ser fonte de vida e de amor incondicional.
À Defensoria Pública do Estado do Ceará, pelo apoio financeiro na
concretização deste trabalho.
Aos assistidos da Defensoria Pública, pelas lições obtidas através do
trabalho diuturno.
À Universidade de Fortaleza, pela oportunidade que me deu de
desenvolver este estudo, na pessoa de seus professores do mestrado.
A minha orientadora, Professora Doutora Lília Maia de Moraes Sales, cujo
brilho profissional é apenas um reflexo de sua luz interior.
À Faculdade Christus, pelo incentivo e pela oportunidade de exercer a
atividade de ensino jurídico.
Aos colegas de turma, Isabella, Cilana, Adriano e Marcelo, pela amizade
e companheirismo demonstrados durante o período do curso de mestrado.
Às minhas amigas Ana Cecília Martins, Gabriella Pontes, Hylnara Salatiel,
Márcia Farias e Patrícia Ágnes, pela fidelidade e respeito demonstrados
durante tantos anos de amizade.
À memória da amiga Natália Furtado Ribeiro, que tão jovem deixou essa
vida, mas que permanece viva em meu coração, por todo o seu idealismo.
Aos colegas defensores públicos do estado do Ceará, por partilharem
comigo o sonho de fazerem parte de uma instituição forte e reconhecida.
As professoras integrantes da banca examinadora, Doutoras Joyceane
Bezerra de Menezes e Maria Luíza Pereira Alencar Mayer Feitosa, pela
atenção em compor a banca de defesa.
À Professora Núbia Maria Garcia Bastos, pela criteriosa revisão
metodológica e pela cordialidade.
6
RESUMO
A presente pesquisa analisa a possibilidade jurídica de atuação da Defensoria
Pública na proteção dos direitos metaindividuais, sob a perspectiva do seu
perfil constitucional. A partir da Constituição de 1988, o modelo do Estado
Democrático de Direito, fundado na proteção da dignidade da pessoa humana,
na assistência jurídica integral e gratuita das pessoas pobres pela Defensoria
Pública, passou a ser um direito fundamental de todo cidadão, sendo
indispensável para a garantia da dignidade da pessoa humana das pessoas
carentes. Entretanto, a Defensoria Pública, por muito tempo, foi vista como a
instituição responsável apenas pela defesa individual das pessoas pobres,
havendo, em razão disso, grande resistência da doutrina e jurisprudência
tradicionais, acerca da aceitação da legitimidade da referida instituição para
propositura de ações coletivas em defesa dos direitos metaindividuais.
Contudo, uma nova postura a respeito desse entendimento, limitador da
atividade da Defensoria Pública, vem sendo paulatinamente adotada,
especialmente após a vigência da Lei n. 11.448, de 2007, que, modificando a
Lei da Ação Civil Pública, previu expressamente a legitimidade da Defensoria
Pública para a propositura de ação civil pública em defesa dos direitos
metaindividuais. A possibilidade de a Defensoria blica atuar em favor da
proteção dos direitos metaindividuais das pessoas carentes democratiza o
acesso à justiça e contribui para a efetivação dos princípios da igualdade
material e da dignidade da pessoa humana.
Palavras-chave: Acesso à Justiça. Assistência jurídica. Defensoria Pública.
Direitos metaindividuais.
ABSTRACT
This research has the scope of understanding the role of Public Defenders in
state action after the Constitution. Since the 1988 Constitution, the Rule of Law,
based upon the protection of the dignity of the human being, the entire juridical
assistance of the poor by Public Defender has become a fundamental right of
every citizen a way to guarantee the protection of human dignity. Public
Defenders, however, have been seen, for a long time, as responsible only for
the individual protection of poor people, what has been causing opposition in
Court decisions and Law Books about the possibility for Public Defenders to do
state actions. A new view for the role of Public Defender in State Action is
becoming more often, especially after the Law number 11.448, 2007, that has
given public defenders legitimacy to propose State Action. The possibility for
Public Defenders to make State Actions is a way of extending democracy and
access to Justice to poor people in order to guarantee the principal of human
dignity and equality (material due process of Law).
Key-Words: Access to Justice. Judicial assistence. Public Defender. State
Action.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...............................................................................................................12
1 ACESSO A JUSTIÇA, ASSISTÊNCIA JURÍDICA E DEFENSORIA PÚBLICA ..16
1.1 Acesso à justiça................................................................................................... 16
1.1.1 Obstáculos ao acesso à justiça.................................................................18
1.2 Assistência jurídica gratuita no Brasil.................................................................21
1.2.1 Conceito 21
1.2.2 Síntese histórica da assistência jurídica no Brasil................................... 23
1.3 A defensoria pública............................................................................................26
1.3.1 A Defensoria Pública e o seu significado na ordem constitucional de
1998 27
1.3.2 Da estrutura da Defensoria Pública......................................................... 28
1.3.2.1 A Defensoria Pública da União................................................ 29
1.3.2.2 As Defensorias Públicas estaduais........................................... 30
1.3.3 Das funções da Defensoria Pública......................................................... 30
1.3.4 Dos princípios institucionais da Defensoria Pública............................... 33
1.3.4.1 Princípio da unidade.................................................................33
1.3.4.2 Princípio da indivisibilidade.....................................................34
1.3.4.3 Princípio da independência funcional...................................... 34
1.3.5 Os beneficiários do serviço prestado pela Defensoria Pública................35
2 DIREITOS METAINDIVIDUAIS...............................................................................39
2.1 Direitos e Interesses.............................................................................................39
2.2 Direitos humanos e direitos fundamentais.......................................................... 42
2.3 Direitos fundamentais e direitos metaindividuais............................................... 44
2.4 Dos direitos metaindividuais............................................................................... 48
2.4.1 Conceito 49
2.4.2 Direitos difusos........................................................................................50
2.4.3 Direitos coletivos.....................................................................................52
2.4.4 Direitos individuais homogêneos............................................................ 53
2.4.5 Distinções entre direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.. 55
3 A DEFENSORIA PÚBLICA E A DEFESA DOS DIREITOS METAINDIVIDUAIS
NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO........................................57
3.1 A Defensoria Pública e a proteção dos direitos fundamentais no Estado
Democrático de Direito.................................................................................... 57
3.2 A Defensoria Pública como garantidora do princípio da dignidade da pessoa
humana no Estado Democrático de Direito......................................................59
3.3 A função da Defensoria Pública na proteção dos direitos fundamentais
individuais e metaindividuais das pessoas carentes......................................... 63
3.3.1 A Defensoria Pública e a proteção dos direitos difusos.......................... 66
3.3.2 A Defensoria Pública e a proteção dos direitos coletivos em sentido
estrito 68
3.3.3 A Defensoria Pública e a proteção dos direitos individuais homogêneos
69
3.4 A legitimidade da Defensoria Pública para a tutela dos direitos metaindividuais
.......................................................................................................................... 72
3.4.1 Legitimidade Ad Causam para propositura de ações civis públicas....... 74
3.4.1.1 A legitimidade da Defensoria Pública antes da vigência da Lei
n. 11.448, de 15 de janeiro de 2007.......................................76
3.4.1.2 A legitimidade da Defensoria Pública após a vigência da Lei n.
11.448, de 15 de janeiro de 2007...........................................80
3.5 Da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3943...............................................81
3.5.1 Da possibilidade de atuação ilimitada da Defensoria Pública na defesa
dos direitos metaindividuais.................................................................89
3.6 A função da Defensoria Pública na tutela dos direitos metaindividuais na
sociedade complexa: os novos direitos.............................................................92
10
3.6.1 A função da Defensoria Pública na proteção coletiva do direito do
consumidor carente...............................................................................94
3.6.2 A função da Defensoria Pública na proteção coletiva das pessoas
carentes afetadas por ilícito ambiental................................................. 97
CONCLUSÃO.................................................................................................. 100
REFERÊNCIAS............................................................................................... 109
11
INTRODUÇÃO
A Defensoria Pública é uma instituição essencial à função jurisdicional
do Estado, pois tem a incumbência de prestar assistência jurídica integral e
gratuita às pessoas que não possuem condições financeiras para contratar os
serviços de advocacia particular ou para o pagamento de custas processuais.
Prevista, pela primeira vez, na Constituição de 1988, a Defensoria Pública
torna possível o acesso à justiça da população carente, propiciando aos
menos favorecidos economicamente as informações técnico-jurídicas e os
meios para exercitar direitos garantidos na Constituição e nas leis
infraconstitucionais.
A Defensoria Pública é vista como a instituição responsável pela defesa
individual das pessoas pobres. Entretanto, em relação aos conflitos que
envolvem direitos metaindividuais, ou seja, direitos cuja titularidade não
pertence ao indivíduo, e sim às coletividades de pessoas, restam, por parte da
doutrina e da jurisprudência pátrias, dúvidas acerca da possibilidade de
atuação dessa instituição, mesmo em casos em que seja visível o interesse de
número indeterminado de pessoas carentes financeiramente.
Dentro desse contexto, busca-se mostrar que a Defensoria Pública, a
partir de seu papel constitucional de promover o acesso à justiça aos
necessitados, poderá atuar também na tutela dos direitos coletivos, sendo
possível a sua legitimidade ativa em feitos dessa natureza.
O interesse pelo tema nasceu quando do conhecimento da interposição
da ação direta de inconstitucionalidade n. 3943, pela Associação Nacional do
Ministério Público junto ao Supremo Tribunal Federal. Com essa ação, o
Ministério Público visa à declaração da inconstitucionalidade da Lei n. 11.448,
de 2007, que alterou o art. 5º, da Lei da Ação Civil blica (Lei n. 7.347, de
1985), conferindo legitimidade à Defensoria Pública para interposição de ação
civil pública.
A Associação do Ministério Público interpôs a referida ação por entender
que a constituição confere à Defensoria Pública o papel de apenas defender
direitos individuais,o direitos metaindividuais. Ressalte-se que a defesa dos
interesses metaindividuais dá-se, especialmente (não exclusivamente), através
da chamada ação civil pública. D a razão de a ação direta de
inconstitucionalidade impugnar a possibilidade de vir a Defensoria Pública
utilizar ações civis públicas para a defesa dos referidos direitos.
Objetivou-se, especificamente, encontrar respostas para os seguintes
questionamentos: haveria alguma inconstitucionalidade na atuação da
Defensoria Pública em favor dos direitos metaindividuais? Possui essa
instituição legitimidade ativa para interposição de ações civis públicas que
tutelem direitos coletivos? Poderia a Defensoria Pública contribuir para a
efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana através da interposição
de ações que visem à tutela metaindividual?
Para a realização do presente trabalho, utilizou-se como metodologia
pesquisas bibliográfica e documental. A pesquisa bibliográfica foi realizada com
base em livros e artigos científicos constantes de revistas especializadas e
publicações avulsas sobre os temas referentes ao Acesso à Justiça, à
Assistência Jurídica Integral e Gratuita, à Defensoria Pública, e também aos
Direitos Metaindividuais e Tutela Coletiva. A pesquisa documental deu-se
mediante a análise da legislação que trata da instituição da Defensoria Pública
e dos Direitos Metaindividuais, bem como das decisões proferidas pelos
tribunais pátrios, dando-se maior ênfase aos acórdãos proferidos pelo Superior
Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, que tratam da legitimidade da
Defensoria Pública para interposição de ação civil blica, na defesa dos
direitos metaindividuais.
Procurou-se seguir uma seqüência lógica na estruturação deste trabalho,
que foi dividido em três capítulos. Para tanto, foram esclarecidos alguns
conceitos, sem os quais a compreensão do trabalho ficaria comprometida, tais
13
como Acesso à Justiça, Assistência Jurídica, Defensoria Pública e Direitos
Metaindividuais.
Assim, no primeiro capítulo, buscou-se, inicialmente, a compreensão
acerca do significado jurídico do direito ao acesso à justiça e de como é
possível materializar esse direito. No ordenamento jurídico brasileiro, o acesso
à justiça dos necessitados é garantido através do dever do Estado de prestar
assistência jurídica gratuita àqueles que comprovem insuficiência de recursos.
Por sua vez, a instituição prevista pela Constituição Federal de 1988 para
prestar o serviço de assistência jurídica gratuita aos necessitados é a
Defensoria Pública. Nesse capítulo, busca-se esclarecer noções essenciais
para a compreensão do tema deste trabalho, tais como em que consiste o
direito ao acesso à justiça, e como esse direito pode ser concretizado através
de uma eficiente assistência jurídica.
Procurou-se, ainda, no primeiro capítulo, demonstrar em que consiste a
assistência jurídica gratuita aos necessitados, bem como apresentar a
Defensoria Pública, informando o seu perfil constitucional, a sua estrutura, as
suas funções dentro do Estado Democrático de Direito e os possíveis
beneficiários do serviço prestado pela instituição. No segundo capítulo, buscou-
se definir em que consistem os direitos metaindividuais. Procurou-se mostrar
onde estão situados os direitos metaindividuais na teoria dos direitos
fundamentais, para assim evidenciar a importância daqueles direitos para a
ordem jurídica vigente. Também nesse capítulo apresentou-se a classificação
dos direitos metaindividuais, segundo a legislação e a doutrina nacional.
Esclareceu-se, portanto, em que consistem os direitos difusos, direitos
coletivos em sentido estrito e direitos individuais homogêneos, como espécies
do gênero direitos metaindividuais.
No terceiro capítulo, analisou-se se é adequado ao perfil constitucional da
Defensoria Pública a possibilidade da atuação dessa instituição na defesa dos
direitos metaindividuais. Também procurou-se investigar em que medida essa
atuação contribui para efetivação do princípio da dignidade humana no Estado
Democrático de Direito.
14
Nesse último capítulo, ainda demonstrou-se a situação da defesa dos
direitos metaindividuais através da Defensoria Pública antes e após a vigência
da Lei n. 11.448, de 2007. Fez-se uma análise dos fundamentos da Associação
do Ministério Público, na ação direta de inconstitucionalidade n. 3943,
contrários à possibilidade de atuação da Defensoria Pública na defesa
daqueles direitos. Ainda buscou-se demonstrar a possibilidade de atuação da
Defensoria Pública em cada uma das espécies de direitos metaindividuais, bem
como analisou-se se existiria alguma limitação a essa atuação. Finalmente,
esse capítulo terceiro mostrou alguns direitos metaindividuais, cuja tutela
jurisdicional foi realizada através da iniciativa da Defensoria Pública, sendo
essa atuação reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça.
Percebeu-se, a partir do que foi pesquisado, que possibilidade
constitucional para que a Defensoria Pública atue na proteção dos direitos
metaindividuais. Ademais, ao se reconhecer que a referida instituição tem,
também, a função de defesa de tais direitos, contribui-se para maior
democratização do acesso à justiça, tornando mais efetivo o princípio da
dignidade humana.
15
1 ACESSO A JUSTIÇA, ASSISTÊNCIA JURÍDICA E
DEFENSORIA PÚBLICA
Para melhor compreensão do que é a Defensoria Pública na ordem
constitucional de 1998, sua estrutura e suas funções, é necessário esclarecer
alguns conceitos, sem os quais o entendimento do texto ficaria comprometido.
Assim, inicia-se este capítulo com o estudo do significado jurídico de
acesso à justiça, para posteriormente tratar-se da assistência jurídica gratuita
(que é decorrência do movimento universal de acesso à justiça). Somente após
tornar claros esses conceitos, é que se tratará da Defensoria Pública como a
instituição criada para a prestação do serviço público de assistência jurídica
gratuita, demonstrando-se, ainda, sua estrutura e a importância das suas
funções na ordem jurídica vigente.
1.1 Acesso à justiça
A compreensão do significado jurídico
1
de acesso à justiça vem se
modificando ao longo do tempo. Essas modificações ocorrem sob as
influências políticas, sociológicas e filosóficas que acompanham o
desenvolvimento da sociedade e do Direito. Apesar de não haver noção exata
ou imutável do significado de acesso à justiça, essa expressão tem tomado o
contorno de um direito social básico nas sociedades modernas em que se
busca assegurar o princípio da igualdade de todos na reivindicação de direitos.
(CAPPELLETTI; GARTH, 2002, p.15).
1
“O chamado movimento universal de ‘acesso à justiça’ pode ser objeto de pesquisa nos
diversos compartimentos das ciências sociais, mas é na ciência do direito e no direito positivo
de muitos países que ele assume um novo enfoque teórico, com o qual se repudia o
formalismo jurídico - enquanto sistema que identifica o direito como sob a perspectiva
exclusivamente normativa - e se preconiza a inserção de outros componentes reais, como os
sujeitos, as instituições e os processos, tudo em sintonia com a realidade e o contexto
social.” (LEITE, 2002, p.19).
No século XVIII, nos estados liberais, como os procedimentos adotados
para que fossem dirimidos os conflitos refletiam a filosofia individualista da
época, acesso à justiça significava a garantia formal de que ao indivíduo era
possível, em tese, a utilização do poder judiciário para assegurar um direito
violado. Portanto, garantia-se uma igualdade de todos perante a lei, sem que
também fossem garantidos mecanismos jurídicos que amenizassem as
eventuais desigualdades advindas de condições econômicas, sociais ou
culturais entre as partes de um processo.
2
O Estado não se preocupava em
dotar o indivíduo, sem recursos financeiros, de meios jurídicos para atuar junto
ao poder judiciário com iguais condições em relação àquele que detinha
recursos e conhecimentos para atuar em favor de seu direito.
Entretanto, com o advento do desenvolvimento industrial e a economia
voltada para o mercado, com produção em massa de bens de consumo, uma
sociedade marcada por desigualdades sociais torna-se evidente. A partir dessa
realidade, o Estado passou a adotar postura intervencionista, obrigando-se a
obrigações positivas, no sentido de minimizar as desigualdades existentes e
promover o bem-estar de todos. Nesse contexto, percebeu-se que apenas a
garantia de igual tratamento perante a lei era insuficiente para promover justiça,
pois na realidade dos fatos, as pessoas eram diferentes. O Estado buscou,
assim, fornecer instrumentos para suprir as situações de desigualdade.
Percebeu-se que apenas ao tentar superar a desigualdade de fato, é que se
poderia alcançar a igualdade de direito.
3
O sentido de acesso à justiça passou a significar, portanto, após a nova
dimensão alcançada pelo princípio da igualdade, não apenas a possibilidade
2
Sobre esse período, observa Caio Márcio Loureiro (2004, p.82): “Essa incapacidade de
efetivamente ter o acesso à justiça, especialmente em razão da condição de pobreza, não
era preocupação do Estado. Aliás, infausta, mas proclamada a posição do Estado de que tais
excluídos o eram pela sua própria sorte, nada se podendo, e sequer, devendo fazer.”
3
Tratando sobre parâmetros para realização da isonomia através de fatores de discriminação,
Celso Antônio Bandeira de Mello (1998, p.23) menciona dois requisitos a serem observados
pelo legislador: “a) a lei não pode erigir em critério diferencial um traço tão específico que
singularize no presente e definitivamente, de modo absoluto, um sujeito a ser colhido pelo
regime peculiar; b) o traço diferencial adotado, necessariamente de residir na pessoa,
coisa ou situação a ser discriminada; ou seja: elemento algum que não exista nelas mesmas
poderá servir de base para assujeitá-las a regimes diferentes.” O autor conclui: “Com efeito, a
igualdade é o princípio que visa a duplo objetivo, a saber: de um lado propiciar garantia
individual (não é sem razão que se acha insculpido em artigo subordinado à rubrica
constitucional “Dos Direitos e Garantias Fundamentais) contra perseguições e, de outro,
tolher favoritismos.”
17
de acesso formal ao judiciário, mas o acesso ao processo justo, em que sejam
garantidas iguais condições de defesa de direitos. Como diz Ada Pellegrini
Grinover (1990a, p.244):
No processo (porque é o processo que nos interessa agora), a
igualdade, nessa dimensão dinâmica, significa a par condicio,
significa a igualdade de armas, significa a obrigação do Estado de
propiciar a todos iguais condições para, dentro do processo, superar
as desigualdades de fato.
Ao tratar do significado de acesso à justiça, Kazuo Watanabe et al. (1988,
p.135) entendem que deve ser empregado como o direito à ordem jurídica
justa, sendo dados elementares desse direito:
1) O direito à informação e perfeito conhecimento do direito
substancial e à organização de pesquisa permanente a cargo de
especialista e orientada à aferição constante da adequação entre a
ordem jurídica e a realidade sócio-econômica do País; 2) direito de
acesso a Justiça adequadamente organizada e formada por juízes
inseridos na realidade social e comprometidos com o objetivo de
realização da ordem jurídica justa; 3) direito à preordenação dos
instrumentos processuais capazes de promover a efetiva tutela de
direitos; 4) direito à remoção de todos os obstáculos que se
anteponham ao acesso efetivo à Justiça com tais características.
Para que tenham acesso à justiça é necessário que as partes processuais
sejam tratadas de igual forma, sendo garantido a cada uma o devido processo
legal, bem como um julgamento imparcial, em que a tutela jurisdicional seja
prestada adequadamente.
4
Dessa forma, o direito ao acesso à justiça, que está ligado ao princípio da
igualdade, na verdade visa a efetivar a igualdade das partes através de um
processo justo, tornando-as aptas a defender as suas pretensões em igual
condição, apesar das desigualdades fáticas que podem existir, como diz
Gomes Canotilho (1998, p.392): “o princípio da igualdade sob o ponto de vista
jurídico-constitucional assume relevo enquanto princípio de igualdade de
oportunidades (Equality of opportunity) e de condições reais de vida.”
1.1.1 Obstáculos ao acesso à justiça
4
Interessante o posicionamento de Cândido Rangel Dinamarco (2002, p.115), para quem “Só
tem acesso à ordem jurídica justa quem recebe justiça. E receber justiça significa ser
admitido em juízo, poder participar, contar com a participação adequada do juiz e, ao fim,
receber um provimento jurisdicional consentâneo com os valores da sociedade. Tais são os
contornos do processo justo, ou processo équo, que é composto pela efetividade de um
mínimo de garantias e de resultados.”
18
Os Estados devem fornecer meios para que seja assegurado a cada
indivíduo e à sociedade como um todo a defesa de seus direitos. Tal medida é
imprescindível para o desenvolvimento da cidadania. Entretanto, para que seja
possível aos Estados a garantia efetiva do acesso à justiça, é preciso que
sejam desmontados alguns obstáculos que se opõem à plena satisfação dos
direitos materiais tutelados.
Isso foi verificado por Cappelletti e Garth (2002, p.15-29), que elencaram
três grandes obstáculos, a saber: a) as custas processuais; b) a desigualdade
de fato entre as partes; e c) os problemas que envolvem os interesses difusos.
Em relação aos obstáculos econômicos, estes se referem aos altos
custos das despesas processuais e dos honorários advocatícios, além das
despesas advindas de uma sucumbência.
5
Aliás, a demora na resolução do
feito já ocasiona, muitas vezes, grandes prejuízos às partes.
Veja-se que o fator econômico é singularmente importante na demanda
individual, isso porque a ausência de recursos suficientes para suportar todos
os custos do processo é fator determinante para que o lesado pobre desista da
idéia de pleitear, em juízo, violação do seu direito, especialmente se este
envolver objeto jurídico de pequena repercussão financeira.
Cappelletti e Garth (2002) ainda trazem, em seus estudos, os entraves ao
pleno acesso à justiça no que diz respeito aos direitos difusos. Esses direitos
são aqueles que pertencem a número indeterminado de pessoas, cujo objeto
tutelado não pode ser dividido em quotas-partes, pois têm natureza indivisível,
cujo exemplo clássico é o direito ao meio ambiente sustentável.
O problema relativo aos direitos difusos ocorre em virtude dos obstáculos
processuais que muitas vezes impedem a proteção desses direitos. O direito
processual civil foi criado para a tutela dos direitos individuais, cuja noção de
direito subjetivo foi essencial para sua compreensão. A idéia de que a cada
direito violado corresponderia uma ação é típica do processo de raiz ideológica
5
Sucumbência diz respeito aos honorários advocatícios que são pagos pela parte vencida ao
advogado da parte vencedora.
19
liberal. Ocorre que essas noções perdem o sentido diante do fenômeno da
sociedade complexa de massas.
Os direitos difusos pertencem às coletividades, cujos titulares sequer
podem ser identificados. Como então fazer a sua tutela? Quem deverá ser a
parte legitimada a propor uma ação que coloque termo à sua violação? Nem
sempre as legislações processuais dos Estados estão aptas a assegurar,
portanto, um efetivo acesso à justiça nas questões que envolvem a tutela
desses direitos. No Brasil, algumas iniciativas para a proteção dos direitos
difusos existem, como a legislação que trata da ação popular (Lei n. 4.717,
de 1965), e da ação civil pública (Lei n. 7.347, de 1985), dentre outras.
Entretanto, ainda existem entraves que precisam ser removidos para proteção
dos referidos direitos, como é o caso da dificuldade para representação das
coletividades.
Em virtude das dificuldades para efetivação do acesso à justiça, as
diversas legislações dos Estados ocidentais passaram a prever meios de
superação desses obstáculos, cujas propostas ficaram conhecidas como
“ondas renovatórias” e são resumidas em três fases.
6
A primeira onda renovatória diz respeito aos esforços dos países
ocidentais para proporcionar aos menos favorecidos economicamente um
serviço de assistência jurídica, ou seja, a possibilidade de fornecer às pessoas
necessitadas de recursos financeiros um serviço de orientação jurídica e
representação judicial, sem que haja a necessidade de pagamento de
honorários advocatícios.
A segunda onda renovatória centrou esforços para o aperfeiçoamento do
acesso à justiça, no enfrentamento do problema relativo à representação dos
direitos difusos.
a terceira onda sintetiza as propostas dos dois movimentos anteriores,
mas vai além da representação judicial. O que se buscou foi ampliar ainda mais
o significado do acesso à justiça, para inserir instituições, pessoas, novos
6
A expressão “ondas renovatórias” foi utilizada por Cappelletti e Garth (2002, p.31), sendo
amplamente difundida após o estudo sobre acesso à justiça desses autores.
20
mecanismos e novas práticas para prevenir disputas na sociedade moderna.
No Brasil, poderia ser identificada, como conseqüência desse movimento, a
introdução das práticas alternativas de resolução de conflitos, tais como a
mediação e a conciliação.
1.2 Assistência jurídica gratuita no Brasil
Como visto, um dos grandes entraves ao acesso de todos à justiça são as
custas processuais; além disso, poucas pessoas têm recursos financeiros
suficientes para pagar os honorários de um advogado para propositura de
ações ou mesmo para consultoria jurídica. Em razão desses fatos é que surgiu
nos países ocidentais a preocupação de garantir meios de acesso à justiça de
sua população. A seguir será demonstrado como o Brasil tentou superar esse
problema através da prestação de assistência jurídica gratuita.
1.2.1 Conceito
O verbo “assistir” significa auxiliar, socorrer, proteger. (FERREIRA, 2002,
p.69). Por sua vez, a expressão assistência jurídica compreende o auxílio
jurídico que se presta a determinada pessoa, ou a grupos de pessoas, na
orientação dos institutos jurídicos, aconselhamento e na atividade de
representação de pessoa ou grupos de pessoas nos âmbitos judicial e
extrajudicial.
Importante não confundir, portanto, as expressões assistência jurídica
gratuita, assistência judiciária, assessoria jurídica e a gratuidade da justiça.
Apesar de algumas vezes essas expressões serem utilizadas como sinônimas,
existem entre as mesmas diferenças conceituais e práticas.
7
A assistência judiciária tem conotação menos ampla e vem a traduzir-se
em benefício estatal que consiste na defesa técnica gratuita dos interesses da
7
Conforme leciona Rogério Nunes de Oliveira (2006, p.74): “Em verdade, assistência jurídica
gratuita é gênero, que tem como espécies derivadas a consultoria jurídica, a assistência
judiciária e a gratuidade da justiça. A Constituição da República, ao assegurar a prestação da
assistência jurídica gratuita, ampliou o campo de abrangência do instituto para abarcar não
o patrocínio judiciário, reduzido à garantia de um profissional habilitado para a defesa em
juízo, como também as atividades de aconselhamento, informação jurídica e orientação em
geral para a prática de atos extrajudiciais.”
21
pessoa assistida perante o Poder Judiciário. No Brasil, apesar de oferecido
pelo Estado, tal serviço pode ser exercido por particulares, de forma voluntária
ou por determinação judicial.
8
A assessoria jurídica é a atividade de orientação dos institutos jurídicos e
suas implicações práticas e a atividade de aconselhamento, em que o
profissional do direito indica, dentro da sua especialidade de trabalho, por
exemplo, a maneira mais eficaz para se conseguir realizar determinado ato
jurídico. A assessoria jurídica gratuita poderá ser prestada tanto por órgãos
próprios do Poder Público, como também por livre iniciativa de instituições
privadas ou profissionais liberais das carreiras jurídicas.
Por sua vez, gratuidade de justiça é o direito de ter dispensadas as
despesas processuais àqueles que não tenham condições financeiras de litigar
em juízo sem prejuízo de sua subsistência ou de sua família. Implica, desta
forma, a gratuidade de custas e despesas, tanto judiciais como extrajudiciais,
atinentes a um processo judicial. Este benefício está regulamentado pela Lei n.
1.060, de 1950.
9
A Constituição Federal de 1988 (art. 5º., inciso LXXIV) trouxe a
assistência jurídica gratuita como garantia de acesso à justiça àqueles que
demonstrem insuficiência de recursos. Assim, mais do que um benefício a ser
prestado pelo Poder Público, a assistência jurídica gratuita é um dever do
Estado brasileiro. No mesmo sentido doutrina Cléber Francisco Alves (2006, p.
263), que afirma:
[...] é preciso dizer que embora seja comum se referir tanto à
assistência jurídica quanto à assistência judiciária como se fossem
modalidades de ‘benefícios’ outorgados pelo Estado em prol dos
cidadãos, essa terminologia não é a que melhor se ajusta à realidade.
Com efeito, parece inequívoco que é dever-função do Estado,
inerente à sua própria existência, a garantia da paz social, evitando-
se que impere na vida em sociedade a ‘lei do mais forte’ que seria
fonte de ignominiosa injustiça e resultaria em total decadência dos
8
Exemplo bastante comum da assistência judiciária gratuita por determinação judicial ocorre
na esfera criminal em que o juiz nomeia advogado para assistir a réu que se encontra sem
advogado constituído e não há defensor público disponível para realizar a sua defesa.
9
Para se obter o deferimento tanto da assistência judiciária como a gratuidade da justiça, é
necessário uma petição ao Juízo, afirmando que não se está em condições de pagar as
custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo ou da sua família,
presumindo-se a sua veracidade.
22
padrões civilizatórios que são uma aspiração comum na natureza
humana. Esse dever-função costuma ser também denominado de
‘função protetiva’ do Estado. Por isso, tratando-se de dever estatal,
seu adimplemento o se configura um mero ‘benefício’, mas
verdadeiro ‘direto subjetivo público’.
Os direitos individuais e sociais necessitam de mecanismos que os
tornem efetivos e realizáveis. Nesse sentido, importante a possibilidade de as
pessoas conhecerem em que consistem os seus direitos e a melhor forma de
protegê-los, através dos meios extrajudiciais e judiciais existentes. Por isso, a
existência da assistência jurídica gratuita, da forma como foi prevista no texto
constitucional, tem a importante função de proporcionar à pessoa carente a
possibilidade de defesa de seus direitos, em casos em que esses direitos
estejam sendo ameaçados ou violados.
1.2.2 Síntese histórica da assistência jurídica no Brasil
Desde a época da colonização portuguesa, existia no Brasil um modelo
de assistência judiciária (e não jurídica) baseada na defesa da pessoa de baixa
renda.
10
Essa assistência era desempenhada por advogados e tinha a feição de
obra de caridade.
11
Era o modelo vigorante na Europa, o qual foi trazido para o
Brasil por Portugal. Entretanto, a Constituição monárquica de 1824 não previa
o direito ao acesso ao judiciário, nem a assistência jurídica gratuita.
12
O Código de Processo Penal do Império, com alterações em seu texto
legal em 1841, passou a prever um benefício para o réu pobre, que seria o
pagamento de apenas metade das custas processuais, enquanto durasse a
situação de pobreza.
Alguns juristas da época, como no caso de Nabuco de Araújo, Ministro da
Justiça do Império, que em 1870 ocupou a presidência dos Institutos de
10
As referências históricas foram extraídas dos estudos realizados por Cléber Francisco Alves
(2006); Paulo Galiez (2007) e Sérgio Luiz Junkes (2008).
11
Neste período, segundo Cléber Francisco Alves (2006, p.237): “[...] desde o início da
colonização portuguesa a defesa das pessoas pobres perante os tribunais era considerada
uma obra de caridade, com fortes laços religiosos, seguindo o modelo que se achava
presente por toda a Europa durante a Idade Média. Essa era, de um modo geral, a idéia que
inspirava as ordenações do Reino de Portugal que vigoravam no Brasil [...].”
12
Mesmo sem previsão constitucional, segundo informações de Suzana Pastore (2004, p.
154), em relação à assistência jurídica gratuita, em 20.10.1823, foram ratificadas as
disposições previstas nas Ordenações Filipinas estabelecidas em 1603, que permitia o
benefício da assistência judiciária apenas com a apresentação do interessado de uma
certidão de pobreza, que era requerida à autoridade policial.
23
Advogados Brasileiros IAB, preocupavam-se com a situação da falta de
acesso dos pobres aos Tribunais. Esse jurista foi um dos responsáveis pela
criação de um conselho no Instituto de Advogados do Rio de Janeiro que
prestaria assistência judiciária aos indigentes nas causas civis e criminais.
Paralelamente às iniciativas da classe dos advogados, ainda no período
imperial, foi criado, pela Câmara Municipal da Corte, o cargo de Advogado dos
Pobres, remunerado pelo Poder Público. Este cargo tinha a função de defesa
do réu miserável nos processos criminais e foi extinto em 1884.
Após a proclamação da República, o governo provisório baixou o Decreto
n. 1.030, de 1890, regulamentando o funcionamento da justiça no Distrito
Federal. Nesse decreto, em seu art. 175, foi prevista a criação de um serviço
de assistência judiciária aos pobres através do Ministério da Justiça.
Entretanto, nenhuma providência concreta foi tomada nos seis anos
subseqüentes ao referido instrumento normativo. Por sua vez, a Constituição
Federal de 1891 foi omissa quanto a qualquer referência de serviço de
prestação de assistência jurídica.
13
Somente em 1897, através do Decreto n. 2.457, foi criado, no Distrito
Federal, o primeiro serviço de assistência judiciária custeado inteiramente pelo
Poder Público. Esse decreto foi um avanço para a época, pois previu a
assistência judiciária para autores e réus, tanto na área cível como criminal, e
ainda a total isenção de custas e despesas processuais para o pobre.
Em 1916, houve a promulgação do Código Civil. A partir dessa época,
alguns Estados, como Bahia e São Paulo, promoveram reformas em seus
Códigos de Processo Civil (nessa época, a legislação em processo civil não era
da competência da União, como atualmente), prevendo nos mesmos a
possibilidade de assistência judiciária e a isenção de custas processuais.
13
Em relação às garantias constitucionais, a constituição de 1891 inovou ao assegurar a ampla defesa (mesmo
sem dispor como essa seria feita). No art. 72 dispunha: A Constituição assegura a brazileiros e a estrangeiros
residentes no paiz a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à
propriedade nos termos seguintes: parágrafo 16. Aos acusados se assegurará na lei a mais plena defesa,
com todos os recursos e meios essenciaes a ella, desde a nota de culpa, entregue em vinte e quatro horas ao
preso e assignada pela autoridade competente, com os nomes do accusador e das testemunhas.
24
Com a criação da Ordem dos Advogados do Brasil OAB, em 1930,
novas perspectivas para a assistência judiciária surgiram. Em seu regulamento,
previu-se que a assistência judiciária, tanto no Distrito Federal quanto nos
Estados e Territórios, ficaria sob a jurisdição exclusiva da OAB. Também a
noção de prestação da assistência judiciária por advogados deixou de ser
considerada obra de caridade, para se tornar um dever da profissão, cuja
violação poderia gerar penalidades.
Conquista histórica para o instituto da assistência judiciária ocorreu em
1934, com a promulgação de nova Constituição.
14
Nesta foi prevista o dever da
União e dos Estados de prestar assistência judiciária aos necessitados. Sob a
influência da Constituição de Weimar, tentando estruturar o modelo de Estado
social, a Constituição de 1934 previu a assistência como uma obrigação do
poder público. Ressalte-se, entretanto, que, a partir dessa época, a assistência
judiciária, apesar de ser considerada um dever do Estado, continuou a ser
prestada, em grande medida, pela advocacia privada.
Com o golpe de Estado de Getúlio Vargas, foi outorgada a Constituição
de 1937, que nada mencionou sobre a possibilidade da prestação, pelo poder
público, de qualquer serviço jurídico aos pobres. Apenas com a Constituição de
1946, a situação modificou-se, retomando a assistência judiciária ao patamar
constitucional de dever jurídico do Estado.
Em 1950, foi editada a Lei n. 1.060, ainda em vigor, que regulou a
assistência judiciária às pessoas carentes de recursos financeiros. Em seu
texto normativo, conforme preceito constitucional, a assistência judiciária foi
considerada dever dos poderes públicos federal e estadual. Além disso, previu
que a nomeação de advogado particular para prestar o serviço de assistência
judiciária somente ocorreria se não houvesse um serviço público específico
para tal finalidade.
As Constituições Federais de 1967 e de 1969 previram a assistência
judiciária aos necessitados, contudo, em suas redações, informaram apenas
14
Para Suzana Pastore (2004, p.164-165): “A Carta Constitucional de 1934 assumiu teses e
soluções da Constituição de 1891, mas rompeu com a tradição até então existente, porque,
sepultando a velha democracia liberal, instituiu a democracia social [...].”
25
que esse serviço seria prestado na forma da lei, sem mencionar se esse
serviço seria prestado pelo poder público ou pela advocacia privada.
Entretanto, como a Lei n. 1060/ 50, foi considerada recepcionada por esses
novos regimes constitucionais, a assistência judiciária continuou com a mesma
feição de obrigação do Estado, cujo serviço de advocacia privada seria
utilizado apenas subsidiariamente, caso não houvesse serviço público
específico.
Durante o período em que vigorou a Constituição de 1969, os Estados
brasileiros, com exceção de Santa Catarina, providenciaram a instalação de um
serviço de assistência judiciária, na área criminal e cível 3. O governo militar
chegou a implantar um serviço dessa natureza no âmbito da Justiça Militar,
para promover a defesa de acusados, que geralmente eram soldados sem
grandes recursos financeiros.
A partir de meados da década de oitenta, o País passou a se recompor do
regime de exceção que perdurou desde os anos sessenta, e as instituições
democráticas passaram a se restabelecer. Uma Assembléia Nacional
Constituinte foi convocada para elaboração de uma nova Constituição. Esta foi
promulgada em 1988, assegurando não assistência judiciária, mas uma
assistência jurídica integral e gratuita. Além disso, o texto constitucional previu
a criação da Defensoria Pública, instituição encarregada de patrocinar em juízo
e extrajudicialmente os interesses jurídicos dos necessitados.
Dessa forma, consolidou-se no Brasil a necessidade de se garantir aos
necessitados acesso à justiça de forma mais ampla do que havia sendo feito
anteriormente. Isso porque o Estado assumiu o compromisso de fornecer não
o patrocínio gratuito dos interesses judiciais (acesso aos Tribunais) dos
necessitados, mas também a fornecer serviço de orientação jurídica e
representação em conflitos extrajudiciais
15
, através de uma instituição voltada
para patrocínio jurídico dos interesses dos necessitados.
1.3 A defensoria pública
15
É preciso ressaltar que a assistência jurídica continua sendo prestada pela advocacia
privada ou mesmo por instituições privadas, como no caso dos núcleos de prática jurídica
das universidades.
26
Como visto, a Defensoria blica foi prevista apenas na Constituição de
1988 com a missão de tornar possível o acesso à justiça da população carente,
isso porque propicia aos menos favorecidos economicamente as informações
técnico-jurídicas e os meios para exercitar direitos garantidos na constituição e
nas leis infraconstitucionais.
A seguir se apresentada a Defensoria Pública na perspectiva
constitucional vigente, bem como a sua estrutura e funções desenvolvidas.
Também se tratado o perfil das pessoas que podem ser beneficiadas pelo
serviço prestado por essa instituição.
1.3.1 A Defensoria Pública e o seu significado na ordem
constitucional de 1998
A Constituição Federal, em seu art. 134, definiu a Defensoria blica
como a instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a
orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados.
Sobre a essencialidade da Defensoria Pública, Rogério Nunes de Oliveira
(2006, p.78) assevera que:
A Constituição Federal, em seu art. 134, anunciou que a Defensoria
Pública é essencial à função jurisdicional do Estado, denotando, no
plano constitucional, a sua imprescindibilidade social e a sua
importância para o contexto jurídico brasileiro, o como órgão
auxiliar ou simples coadjuvante, mas na qualidade de instituição
imprescindível à legitimação do exercício democrático do poder
jurisdicional.
A Defensoria Pública desempenha função essencial na ordem
democrática nacional, pois, ao tornar possível o acesso à justiça da população
carente, resgata a cidadania das pessoas menos favorecidas economicamente,
contribuindo para que sejam efetivadas a paz e a segurança jurídica da
sociedade.
A assistência jurídica, prestada por um órgão do próprio Estado, é
indispensável em um país democrático, especialmente naqueles em
desenvolvimento, em que parte da população, carente de recursos financeiros,
não consegue, em algumas situações, identificar seus direitos. A consultoria
jurídica tem o papel de fornecer as informações necessárias a essas pessoas,
27
possibilitando-lhes que busquem junto ao judiciário superar as dificuldades de
efetivação dos direitos e garantias asseguradas na Constituição, fazendo com
que não passem apenas de meras promessas.
1.3.2 Da estrutura da Defensoria Pública
Com a finalidade de atender à previsão do art. 134, parágrafo 1º, da
Constituição Federal, foi sancionada a Lei Complementar Federal n. 80, de 12
de janeiro de 1994, publicada no Diário Oficial na União, em 16 de janeiro de
1994.
Esta lei complementar, portanto, veio organizar a Defensoria Pública da
União e fixar as normas gerais em relação às Defensorias Públicas Estaduais.
Por tal finalidade, é considerada a Lei Orgânica da Defensoria Pública,
estabelecendo as regras estruturais de funcionamento da Defensoria blica
em âmbito nacional.
16
As Defensorias Públicas apresentam certas diferenças em sua concepção
organizacional, de acordo com a esfera de atuação de cada uma delas. Por
exemplo, a Defensoria Pública da União, com atuação em todo o território
nacional, atua perante a Justiça Federal, nos moldes da competência da sua
jurisdição. as Defensorias Públicas estaduais atuam perante a Justiça
Comum dos Estados. Entretanto, é uma instituição que segue, no campo
normativo, uma disposição uniforme em seus aspectos estruturais. Por
aspectos estruturais quer se fazer referências àquelas que tanto qualificam a
Defensoria Pública como um órgão distinto dos demais, e, ainda, em um
sentido mais amplo, representam os pilares nos quais se assenta aquela
instituição. (JUNKES, 2008, p.86).
Assim, as Defensorias Públicas dos Estados são criadas e organizadas
através de normas editadas pelos próprios estados-membros. A autonomia das
unidades da federação é suplementar, pois é competência da União
estabelecer as normas gerais, ou seja, os estados-membros possuem a
16
O art. 2º. Da Lei Complementar prevê: “Art. 2º. A Defensoria pública abrange: I- a Defensoria
Pública da União; II- a Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios; III as
Defensorias Públicas dos Estados.”
28
competência legislativa remanescente, que deve ser exercida em conformidade
com normas gerais traçadas na Constituição e na lei complementar referida.
1.3.2.1 A Defensoria Pública da União
A atividade da Defensoria Pública da União abrange todo o território
nacional, inclusive os estados-membros e o Distrito Federal. Como se disse
anteriormente, atua perante a Justiça Federal, tanto Comum, como
Especializada, como a que diz respeito à Justiça do Trabalho, Eleitoral e Militar
Federal.
A estrutura da Defensoria da União compreende órgãos de administração
superior: Defensoria Pública-Geral; Subdefensoria Pública-Geral; o Conselho
Superior e a Corregedoria-Geral da Defensoria da União. Possui órgãos de
atuação nos Estados e núcleos de atuação. Também órgãos de execução,
formados pelos defensores públicos da União nos Estados, Distrito Federal e
Territórios.
A Defensoria da União poderá firmar convênios com as defensorias
estaduais, pois o art. 14, da Lei Complementar n. 80, pre expressamente
esta possibilidade. Também pode atuar através de núcleos especializados.
Os órgãos de atuação da Defensoria Pública em cada Estado, no Distrito
Federal e nos Territórios, são dirigidos por um defensor-chefe, escolhido pelo
defensor público-geral da União, dentre dos integrantes da carreira. Este chefe
tem suas funções de coordenação estipuladas no art. 15, parágrafo único da
LONDEP.
As funções dos defensores da União vão além da assistência judiciária,
pois ainda atuam como orientadores e mediadores, atividades estas
garantidoras do acesso à justiça.
A carreira do defensor público da União é composta por três categorias:
defensor de categoria, que é a inicial, com atuação na Justiça Federal de
primeiro grau; defensor de categoria, com atuação nos Tribunais Federais e
defensor de categoria especial, com atuação perante os Tribunais Superiores.
29
Da mesma forma que o defensor público estadual, os defensores da União
ingressam na carreira através de concurso público de provas e títulos.
1.3.2.2 As Defensorias Públicas estaduais
As Defensorias Públicas dos estados são organizadas, mantidas e
estabelecidas juridicamente pelas próprias unidades da Federação, com
recursos, componentes e legislação estaduais, e têm como incumbência geral
a atuação no âmbito da Justiça estadual e das instâncias administrativas
estaduais, podendo, por isso, interpor recursos e a atuar perante os Tribunais
Superiores, mas desde que dentro da competência jurisdicional da Justiça
Comum.
Possuem o dever de prestar orientação e defesa dos necessitados
também na esfera extrajudicial, através de atividade de conciliação e
mediação. Daí a grande relevância da sua atividade na pacificação dos
conflitos existentes na sociedade, especialmente nos centros urbanos mais
carentes de atenção por parte do poder público.
A estrutura das Defensorias Públicas estaduais segue a orientação das
normas gerais constantes da Lei Orgânica Nacional da Defensoria. Da mesma
forma que a Defensoria Pública da União, possuem órgãos de administração,
de atuação e de execução.
1.3.3 Das funções da Defensoria Pública
A Constituição Federal previu a Defensoria Pública como a instituição que
presta assistência integral e gratuita às pessoas com carência de recursos
financeiros. Desta forma, as funções desta instituição são mais abrangentes
que a atividade da assistência judiciária, limitada aos trabalhos forenses, pois a
Defensoria Pública também atua extrajudicialmente, apaziguando conflitos.
A Lei Complementar n. 80 prevê, em seu art. 4º., as funções da
Defensoria Pública, que são: promover, extrajudicialmente, a conciliação entre
as partes em conflito de interesses; patrocinar ação penal privada e a
subsidiária da pública; patrocinar ação civil; patrocinar defesa em ação penal;
30
patrocinar defesa em ação civil e reconvir; atuar como curador especial, nos
casos previstos em lei; exercer a defesa da criança e do adolescente; atuar
junto aos estabelecimentos políticos e penitenciários, visando a assegurar à
pessoa, sob quaisquer circunstâncias, o exercício dos direitos e garantias
individuais; assegurar aos seus assistidos, em processo judicial ou
administrativo, e aos acusados em geral, o contraditório e a ampla defesa, com
recursos e meios e ela inerentes; atuar junto aos Juizados Especiais de
Pequenas Causas; patrocinar os direitos e interesses do consumidor lesado.
Ressalte-se que este rol de funções institucionais é meramente exemplificativo,
haja vista que a finalidade de prestações da assistência jurídica integral pode
exigir que outras e novas funções sejam exercidas pela Defensoria Pública.
17
Uma das funções mais importantes da Defensoria Pública é a sua
atuação em conflitos extrajudiciais. O Defensor Público, atuando como
conciliador, poderá, inclusive, referendar acordos que, uma vez não cumpridos,
poderão ser executados. O art. 585, nº. II, do digo de Processo Civil
considera expressamente como título executivo extrajudicial o instrumento de
transação referendado pela Defensoria Pública.
Importante ressaltar que a Defensoria blica poderá, também, exercer
funções atípicas. Típicas são todas as funções que a Defensoria Pública
exerce em prol das pessoas que não têm condições de arcar com as despesas
processuais e honorários advocatícios, sem prejuízo do próprio sustento.
Atípicas são as funções que a Defensoria blica desempenha
independentemente da condição econômica da pessoa assistida
18
. Isso ocorre
17
Segundo Raphael Manhães Martins (2005, p.28): [...] A referida Lei Complementar, além de organizar e
estabelecer as normas gerais das Defensorias Públicas da União, dos estados, do Distrito Federal e
territórios, enumerou no art. 4º algumas de suas funções institucionais. As atribuições contidas nesse
dispositivo, longe de serem consideradas como numerus clausus , como se infere da própria redação do
caput com a expressão ‘dentre outros, possuem um caráter mais exemplificativo e assegurador do que
propriamente exaustivo. Nesse diapasão, cabe à lei federal ou estadual, ou mesmo em decorrência da
própria atividade do defensor, orientada pelos princípios institucionais da Defensoria, ampliar o leque [...].
18
Adriana Britto (2008, p.22) informa alguns casos em que a atuação da Defensoria Pública
mostra-se atípica, ou seja, quando não presente interesse de pessoa carente de recursos
financeiros: “Com efeito, ninguém discute a autuação da Defensoria Pública na defesa de
acusados no processo penal (inciso IV do art. 4º. Da LC 80, de 1994), o que pode ocorrer
independentemente da carência de recursos financeiros do réu, ou na hipótese de revelia ou
na ausência de advogado constituído, por força do que dispõem os artigos 261 (‘nenhum
acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor’) e art.
263 (‘Se o acusado não o tiver, ser-lhe-á nomeado defensor pelo juiz’), ambos do Código de
Processo Penal. Outrossim, podemos citar a atribuição de atuar como Curador Especial
(inciso VI do art. 4º., da LC 80, de 1994), nas hipóteses previstas no art.9º., II, do Código de
31
em várias situações, como no caso em que o Defensor Público é nomeado
para atuar, no processo penal, em favor do réu que não constitui advogado. Tal
fato ocorre independentemente da situação financeira do acusado, que não
pode ser processado sem defesa, em razão dos princípios constitucionais da
ampla defesa e do contraditório.
Pode ocorrer de o defensor público atuar de forma atípica também no
processo civil, quando atua como curador especial em favor do réu revel ou de
um menor em que os seus interesses colidem com os dos seus representantes
legais. Também neste caso, a nomeação do defensor público independe da
situação financeira do curatelado.
Processo Civil.”
32
1.3.4 Dos princípios institucionais da Defensoria Pública
A Constituição Federal não menciona os princípios que regem a atuação
funcional da Defensoria Pública. Estes foram previstos apenas na Lei
Complementar 80, de 12 de janeiro de 1994.
Segundo o art. 3º. da referida lei, são princípios institucionais: a) a
unidade; b) a indivisibilidade; e c) a independência funcional. A seguir será
especificado o significado de cada um destes princípios, conforme
entendimento da doutrina nacional.
1.3.4.1 Princípio da unidade
Este princípio informa que os defensores públicos de cada Estado da
Federação, seja qual for a sua titularidade na carreira, integram um órgão,
sob a direção de chefe, que no caso será o defensor público geral do Estado. A
mesma coisa se diga da Defensoria Pública da União.
Paulo Galliez (2007, p.29), ao discorrer sobre o assunto, afirma que
“sendo um conjunto de normas fundamentais e interdependentes, a Defensoria
Pública opera como um todo, sem facção ou segmento.”
Assim, para o exercício das funções asseguradas constitucionalmente à
cada Defensoria Pública, não se permite a criação de outras instituições
públicas paralelas com a mesma função exercida por essa instituição, com
administrações diferentes sob uma mesma base política.
Esse também é o entendimento de Sérgio Luiz Junkes (2008, p.90):
O princípio da unidade significa que a Defensoria Pública é um todo
orgânico formado por idênticos aspectos estruturais. Desse princípio
decorre a vedação de existirem instituições públicas concorrentes,
com a mesma base política e com chefias distintas, para o exercício
das funções cometidas a cada Defensoria Pública.
1.3.4.2 Princípio da indivisibilidade
Decorrente do princípio da unidade
19
, o princípio da indivisibilidade vem
significar que os integrantes da carreira de defensor público podem ser
substituídos uns pelos outros, segundo os preceitos legais.
Assim, o defensor público de Juazeiro do Norte, uma vez promovido para
a Comarca de Fortaleza, poderá ser substituído por um outro colega, que
assumirá as funções naquele município, sem qualquer prejuízo para a defesa
dos assistidos por esta Instituição.
A indivisibilidade existe em relação a cada defensoria pública. Veja-se
que um defensor público estadual não poderá assumir as funções de um
defensor público da União. Também um defensor público do estado do Ceará
não poderá substituir um defensor público do estado da Paraíba, por exemplo.
1.3.4.3 Princípio da independência funcional
Por este princípio, cada membro da Defensoria blica é vinculado
apenas à sua consciência jurídica.
20
Desta forma, estão livres para se
manifestar de acordo com o próprio entendimento, independentemente dos
demais órgãos da administração pública.
21
Galleiz (2007, p.41), informando a importância do referido princípio, chega
a escrever:
O princípio em destaque elimina qualquer possibilidade de hierarquia
diante dos demais agentes políticos do Estado, incluindo os
magistrados, promotores de justiça, parlamentares, secretários de
estado e delegados de polícia.
19
Sobre a correlação entre os princípios da unidade e da indivisibilidade, observa Sérgio
Junkes (2008, p.90), após tratar do princípio da unidade: “O princípio da indivisibilidade
decorre do anterior, na medida em que, sendo a Defensoria Pública um todo orgânico, não
admite rupturas e fracionamentos. Isto implica a possibilidade de seus membros
substituírem-se uns aos outros sem qualquer prejuízo para atuação da instituição ou para a
validade processual.”
20
O termo “consciência jurídica” é aqui empregado no sentido de conhecer e julgar a realidade
posta à sua análise, dentro dos critérios estabelecidos no ordenamento jurídico vigente.
21
“Os defensores públicos podem ser considerados agentes políticos do Estado, atuando com
ampla liberdade funcional no desempenho de suas competências constitucionais.”
(CONRADO, 2004, p.47).
34
Trata-se de princípio indisponível, inarredável diante de qualquer
situação ou pretexto, cabendo ao defensor público, mediante postura
adequada, impor-se pela educação, respeito e firmeza.
Deve ser ressaltado ainda que a subordinação a que os Defensores
Públicos estão sujeitos ao chefe da Instituição é apenas administrativa, e não
hierárquica, pois, no plano administrativo, estão os Defensores blicos
sujeitos aos atos e decisões de direção, organização e fiscalização dos Órgãos
Superiores da Defensoria Pública. (JUNKES, 2008, p.90).
Também a LONDEP, em seu art. 43, ao relacionar as garantias dos
defensores públicos, coloca a independência funcional dentro das demais
garantias funcionais, tais como a inamovibilidade, irredutibilidade de
vencimentos e estabilidade.
Assim, além de ser um princípio institucional, a independência funcional
do defensor público é também uma garantia sua. Entretanto, as garantias e
prerrogativas legais existem em função do papel do defensor público, como
garantidor do acesso à justiça daqueles menos favorecidos juridicamente. É em
razão destes que a Defensoria Pública veio a ser concebida. Os princípios
institucionais, as garantias e as prerrogativas legais buscam, na realidade, não
favorecer estes servidores, mas dar possibilidades para que atuem de forma
satisfatória na realização das grandes responsabilidades que têm para
desempenhar.
1.3.5 Os beneficiários do serviço prestado pela Defensoria Pública
A Constituição Federal, em seu art. 134, dispõe que o “necessitado” será
o beneficiado pela prestação de serviço prestado pela Defensoria Pública,
através da orientação jurídica e da defesa de seus interesses.
Verifica-se que a Constituição Federal não trouxe critérios para a
identificação de quem seriam os “necessitados” a serem assistidos pela
Defensoria Pública. Por sua vez, o art. 2º, da Lei n. 1.060, de 5 de fevereiro de
1950, ainda em vigor, externou o conceito de necessitado, como aquele cuja
situação econômica não lhe permita arcar com as custas do processo e com
honorários advocatícios, sem prejuízo do seu próprio sustento ou de sua
35
família. Entretanto, ainda a expressão “sem prejuízo próprio e de sua família”
mostra-se vaga e sujeita a subjetivismos, razão pela qual o conceito de
necessitado deve ser identificado através da construção doutrinária.
Para Moacyr Amaral dos Santos (1990, p.312), a idéia de necessitado,
para fins de obtenção do benefício de assistência jurídica, deve ser
compreendida em seu sentido relativo, e não absoluto, ou seja, não para
significar o miserável, aproximando-se à situação do pobre.
A idéia de fixar determinada renda para obtenção do benefício é criticada
por Eduardo Pinheiro (1996, p.100), para quem a condição de necessitado não
pode ser medida com instrumento de precisão apenas pelo critério da renda
mensal.
A partir da Lei Complementar n. 80, de 1994, em que se estabeleceu
como princípio institucional da Defensoria Pública, o princípio da independência
funcional, coube aos membros dessa instituição o exame das condições
daquele que busca a prestação do serviço de assistência jurídica gratuita,
verificando, no caso concreto, se possui o perfil socioeconômico adequado ao
destinatário da garantia constitucional. O defensor público analisa não apenas
os rendimentos auferidos mensalmente pela pessoa interessada em seus
serviços, mas também os seus gastos, as dívidas que possui, a quantidade de
dependentes econômicos que mantém, a localidade em que reside, dentre
outros critérios.
22
Ao tratar do conceito de “necessitado” para fins de assistência jurídica,
Adriana Britto (2008, p.16) afirma:
A primeira idéia que se tem é a necessidade econômica, pela
ausência de recursos materiais para arcar com tais despesas, o que,
logo se pode observar, não restringe à miserabilidade, tendo em vista
que deve ser levada em consideração a carência material vinculada
ao prejuízo do sustento próprio ou da família. Dessa forma, mesmo
que haja razoável condição financeira (rendimentos), mas se
demonstre o comprometimento total para as despesas básicas
(gastos), haverá carência financeira para despender com custas e
honorários, autorizando que se exerça plenamente o direito à
assistência jurídica.
22
No Ceará, a pessoa que procura a Defensoria Pública preenche um formulário de análise de
condição socioeconômica, a fim de subsidiar o entendimento do defensor público acerca da
necessidade da sua assistência jurídica.
36
faz algum tempo que a doutrina brasileira, tendo em vista os novos
conflitos emergentes da sociedade de massa, tem revisto, através de uma
interpretação ampliativa, o conceito clássico de assistência jurídica aos
necessitados
23
. Busca-se resguardar não apenas os interesses do necessitado
de recursos financeiros, mas também o chamado “necessitado jurídico”,
compreendendo, essa expressão, aquele que necessita de que o Estado lhe
proporcione as garantias do contraditório e da ampla defesa. Nesse sentido,
veja-se o entendimento de Ada Pellegrini Grinover (1990a, p.246-247):
Novos canais se abrem hoje para o Estado prestador de serviços,
ligados a uma assistência judiciária entendida no seu mais amplo
sentido, e que também sirva aos conflitos emergentes, aos conflitos
próprios da sociedade de massa, contrapondo, de maneira diversa da
clássica, os interessados, nas grandes e nas pequenas causas. Para
esses conflitos todos, que o Judiciário deve saber atender, o Estado
de responder com novos modelos, e também para esses novos
modelos deve ele viabilizar a tutela jurídica e o acesso à Justiça a
todos os litigantes.
Imensa é, pois, a tarefa do Estado na obrigação de possibilitar, a
todos, igual acesso à Justiça. E nessa visão parece necessário rever
o antigo conceito de assistência judiciária aos necessitados, porque,
de um lado, assistência judiciária não significa apenas assistência
processual, e porque, de outro lado, necessitados não são apenas os
economicamente pobres, mas todos aqueles que necessitam de
tutela jurídica: o réu revel no processo-crime, o pequeno litigante nos
novos conflitos que surgem numa sociedade de massa, e outros mais
que podem emergir em nossas rápidas transformações sociais.
A doutrina que trata da teoria do direito do consumidor tornou comum a
expressão “hipossuficiente”, para designar os consumidores desfavorecidos
economicamente.
24
Essa expressão, entretanto, tem sido utilizada como
sinônimo de necessitado jurídico.
25
23
Segundo Raphael Manhães Martins (2005, p.28): “Em virtude da crescente complexidade do
mundo hodierno, não é possível que necessitado continue a ser sinônimo de ‘pobre’. O
pobre dos dias de hoje não é apenas aquele que não possui recursos financeiros para vir a
juízo sem prejuízo de sua família, pois as carências de hoje são de diversas ordens.”
Também defendendo a ampliação do sentido do termo necessitado”, mas fazendo algumas
ressalvas acerca da abrangência ilimitada da palavra, doutrina Leandro Coelho de Carvalho
(2008, p.217): “[...] o operador do Direito deve ser cauteloso na interpretação do conceito de
necessitado. Uma abertura excessiva poderá desviar o Defensor Público de suas reais
atribuições constitucionais [...]”.
24
Ver esclarecimentos sobre hipossuficiência e vulnerabilidade do consumidor na obra em que
são co-autores Antônio Herman Benjamin, Cláudia Lima Marques e Leonardo Roscoe Bessa
(2007).
25
Ada Pellegrini Grinover (1998, p.116) utiliza a expressão nesse sentido, veja-se: “[...] E
assim a assistência judiciária aos economicamente fracos foi estendida aos hipossuficientes
jurídicos. O primeiro passo nesse sentido foi dado para a defesa penal, quando se tratasse
de acusado revel, independentemente de sua capacidade econômica. Mais recentemente,
porém, fala-se em uma nova categoria de hipossuficientes, surgida em razão da própria
estruturação da sociedade de massa: são os carentes organizacionais, a que se refere
Mauro Capelletti (2002). São carentes organizacionais as pessoas que apresentam uma
37
Percebe-se, assim, que a doutrina pretende alargar o sentido de
necessitado, para fins de assistência jurídica, para que o acesso à justiça seja
garantido a um maior número de pessoas. A pluralização do conceito de
necessitado uma nova dimensão ao universo dos excluídos a partir do
momento em que vai considerar os diversos tipos de carência existentes no
mundo contemporâneo. (BRITTO, 2008, p.18).
Importante ressaltar nesse contexto que, com a evolução do conceito de
necessitado, para significar não somente aquele que se encontra em situação
de desvantagem financeira, mas também de desvantagem jurídica, no sentido
supramencionado, o papel a ser assumido pela Defensoria Pública também
será mais abrangente e terá que se adaptar a uma nova realidade, no sentido
de tornar possível o acesso à justiça daqueles que se encontram fragilizados
nas relações sociojurídicas da sociedade complexa.
particular vulnerabilidade em face das relações sociojurídicas existentes na sociedade
contemporânea. Assim, por exemplo, o consumidor no plano das relações de consumo; o
usuário de serviços públicos; os que se submetem a uma série de contratos de adesão; os
pequenos investidores do mercado mobiliário; os segurados da Previdência Social; o titular
de pequenos conflitos de interesse, que via de regra se transforma em um litigante
meramente eventual. Todos aqueles, enfim, que no intenso quadro de complexas interações
sociais hoje reinantes, são isoladamente frágeis perante adversários poderosos do ponto de
vista econômico, social, cultural ou organizativo, merecendo, por isso mesmo, maior atenção
com relação ao seu acesso à ordem jurídica justa e à participação por intermédio do
processo.”
38
2 DIREITOS METAINDIVIDUAIS
Esse capítulo visa a esclarecer em que consistem os direitos
metaindividuais, demonstrando como se inserem dentro da teoria dos direitos
fundamentais. Também será trazida, com as devidas explicações, a
classificação desses direitos segundo a legislação e a doutrina pátrias. Esse
estudo é imprescindível para a elucidação do tema escolhido, que trata da
proteção dos referidos direitos através da atuação da Defensoria Pública.
2.1 Direitos e Interesses
A palavra “interesse não é propriamente jurídica, e significa, na língua
portuguesa, segundo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (2000), vantagem;
proveito; benefício.
26
Para o Direito, o seu significado usual geralmente é
desenvolvido pela doutrina processualista, muito embora seja o termo
pertencente à teoria geral do direito.
Quando se estudam os direitos coletivos lato sensu, também chamados
de metaindividuais, é comum encontrar na doutrina nacional ora a referência a
direitos coletivos, ora referência a interesses coletivos, como expressões
sinônimas. Tal fato é explicado, haja vista ter a Constituição Federal, no art.
129, III, ter atribuído ao Ministério Público a função institucional de promover o
inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e
social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.
Por sua vez, a Lei n. 7.347/85, que trata da ação civil pública, em seu art.
1º, menciona que tal dispositivo rege as ações de responsabilidade por danos
morais e patrimoniais causados ao meio ambiente; ao consumidor; a bens e
26
Para este autor também tem o significado de lucro material; ganho, parte ou participação
que alguém tenha em alguma coisa, cobiça, avidez; zelo, simpatia ou curiosidade por alguém
ou algo. Também pode vir a significar empenho. (FERREIRA, 2002).
direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; a qualquer
outro interesse difuso ou coletivo; por infração da ordem econômica e da
economia popular; a ordem urbanística.
Também o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 81, usa as
expressões como sinônimas, ao definir o que sejam interesses ou direitos
difusos; interesses ou direitos coletivos e interesses ou direitos individuais
homogêneos.
27
Entretanto, interesses e direitos o se confundem. Importante conhecer
exatamente o significado de cada expressão, isso porque, ao se desenvolver
uma teoria jurídica, cada palavra é como uma pequena parte de um quebra-
cabeça que se deseja montar. Obscuro o significado de um termo base, em
que se pretende construir uma idéia, o trabalho teórico ficará em parte
comprometido. Esta é a razão pela qual se buscará desenvolver o tema
estudado sob a conceituação mais aprimorada da doutrina nacional.
28
Carreira Alvim (1996, p.4) relata que tanto na doutrina brasileira, como
também na estrangeira, não existe uniformidade de entendimento acerca do
conceito de interesse. Exemplifica o autor que, para Ugo Rocco, o interesse é
um juízo formulado por um sujeito acerca de uma necessidade, sobre a
utilidade ou sobre o valor de um bem, enquanto meio para satisfação dessa
necessidade. para Carnelutti (ano), o interesse não é um juízo, mas uma
posição do homem à satisfação de uma necessidade.
Certo é, segundo Alvim (1996, p.5), ainda nesse mesmo contexto, que o
interesse consiste numa relação, que etimologicamente a própria palavra
27
O Código de Defesa do Consumidor dispõe: “art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos
consumidores e das vítimas poderá ser exercido em juízo individualmente, ou a título
coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I- interesses
ou direitos difusos, assim entendidos para efeito deste Código, os transindividuais, de
natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por
circunstâncias de fato; II- interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos
deste código, os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria
ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;
III- interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de
origem comum”.
28
Em sentido contrário veja-se Kazuo Watanabe (2000, p.718), para quem “a partir do
momento em que passam a ser amparados pelo direito, os ‘interesses’ assumem o mesmo
status de direitos’, desaparecendo qualquer razão prática, e mesmo teórica, para a busca
de uma diferenciação ontológica entre eles.”
40
deriva de quod inter est, expressão latina que vem a significar: aquilo que está
entre, e, assim, “aquele que está entre uma necessidade e um bem apto a
satisfazê-la, está numa posição que se chama ‘interesse’. ”
Interessante a doutrina de José dos Santos Carvalho Filho (2007, p.27),
para quem, na sistemática do direito processual civil pátrio, os termos “direitos”
e “interesses” não são sinônimos. O sentido de interesse é bem mais amplo do
que se entende por direito. A noção de interesse foi associada à de
necessidade dos indivíduos. Por outro lado, nem todo interesse recebe a
proteção jurídica necessária para a consolidação de sua satisfação prática,
mas isso é possível tão somente ao interesse juridicamente protegido.
José Frederico Marques (1971, p.29) já havia doutrinado, bem antes do
autor acima comentado, citando Del Vecchio, que os mandamentos jurídicos
que disciplinam e regulamentam a vida em sociedade contêm em si a tutela de
determinadas categorias de interesses e as suas diversas limitações,
assimilando, assim, a idéia de que o interesse não é o direito, mas faz parte do
mesmo.
De fato, numa sociedade cada vez mais complexa, como a que se
observa nos dias atuais, inúmeros são os interesses pertencentes aos
membros que a formam. Entretanto, nem todos esses interesses são tutelados
juridicamente, mas apenas aqueles que o legislador entendeu como
necessários ao pleno desenvolvimento do ser humano, seja na esfera
individual, seja na esfera coletiva
29
, em que o interesse na verdade não
pertence a uma única pessoa, mas a várias.
29
Marcelo Abelha Rodrigues (2004, p.33) elogia a Lei da Ação Civil Pública, que “ao falar em
interesse ou direito evitou criar um espaço negativo relativamente à tutela dos valores que
pretende proteger.” A seguir o autor explica seu entendimento: “Ocorre que sempre
diferenciamos o direito do interesse pelo fato de que o primeiro é mais do que o segundo. O
direito seria o interesse juridicamente protegido. Mais ainda, sob um ranço individualista,
sempre imaginamos que o direito (subjetivo) pressupõe um titular identificado ou identificável.
Para evitar essa identificação infrutífera e passar ao largo de perguntas do tipo: ‘Há direito se
não se identifica seu titular ?’, o legislador foi sábio ao dizer que o objeto de tutela da LACP
são direitos ou interesses (como queiram!) difusos ou coletivos.”
41
2.2 Direitos humanos e direitos fundamentais
Antes de relacionar direitos fundamentais e direitos coletivos, faz-se
necessário tecer alguns comentários acerca da expressão “direitos humanos”.
É que parte da doutrina nacional muitas vezes usa de forma indiferente às
expressões “direitos humanos”, “direitos do homem” e “direitos fundamentais.”
Paulo Bonavides (2001, p.514), percebendo o uso indiscriminado das
expressões, questionou: “podem as expressões direitos humanos, direitos do
homem e direitos fundamentais ser usadas indiferentemente? Temos visto
neste tocante o uso promíscuo de tais denominações na literatura jurídica [...].”
O autor comentado explica que as expressões direitos humanos e direitos
do homem são empregadas de preferência pela doutrina anglo-saxônica e
latina, ao passo que a expressão direitos fundamentais é empregada
preferencialmente pela doutrina jurídica alemã.
No Brasil, e no exterior, direitos humanos, direitos do homem e direitos
fundamentais são utilizados para designar direitos inalienáveis do homem, os
quais, nem em época de guerra, o legislador democrático pode alterar
30
.
Direitos humanos e fundamentais fundamentam-se em um mesmo princípio
universal: todos os homens devem ser tratados com igual respeito e
consideração.
Eles são resultado de um processo histórico de sucessiva ampliação da
promessa de inclusão: o homem deixou de ter um tratamento jurídico distinto
baseado no nascimento ou na posição social e passou a ter igual
reconhecimento, independente de sua condição social, decorrente da natureza
do homem enquanto homem.
30
Nos países de língua inglesa, utiliza-se human rights e fundamental rights. Na França, droits
de l´Homme e du Citoyen foi utilizado na Declaração de Direitos da Revolução, mas também
se emprega Droits humaine e droits fundamenteaux. Na Alemanha, foi consagrada a
expressão Grundrecht, direitos fundamentais, especialmente depois da Lei Fundamental de
Bonn (a Constituição alemã de 1949), razão pela qual, devido a influência do direito alemão
no Brasil, é largamente empregada quando se refere à Constituição de 1988.
42
No Direito moderno, todo cidadão tem o direito subjetivo de ser tratado
com o mesmo respeito e é digno de igual consideração, mesmo que seja pobre
ou rico, culpado ou inocente, nobre ou plebeu. E a responsabilização de
qualquer pessoa pelo Estado pressupõe a observância de rigorosos
procedimentos, cercados de garantias, que atribuem até ao terrorista ou ao
homicida o direito a um julgamento por um Tribunal independente em que se
ouvido e assistido por uma defesa técnica (um advogado, privado ou público,
caso não tenha condições financeiras de arcar com os custos da defesa
processual).
Embora direitos humanos e direitos fundamentais tenham esta mesma
origem, é possível, e necessário em um trabalho acadêmico, que se proceda à
distinção entre estes direitos, que se baseia na distinção na positivação destes
direitos. Entende-se que os direitos fundamentais são os direitos humanos que
se encontram positivados nas constituições. Na definição de Ana Maria D’ Ávila
Lopes (2001, p.35), os direitos fundamentais são “os princípios jurídica e
positivamente vigentes em uma ordem constitucional que traduzem a
concepção da dignidade humana de uma sociedade e legitimam o sistema
estatal”.
Pérez Luño (2001, p.48) explica com clareza a distinção de positivação
entre direitos humanos e fundamentais:
Los derechos humanos suelen venir entendidos como un conjunto de
faculdades e instituciones que, en cada momento histórico, concretan
las exigências de la dignidad, la libertad y la igualdad humanas, las
quales deben ser reconecidas positivamente por los ordenamientos
jurídicos a nível nacional e internacional. En tanto que com la noción
de los derechos fundamentales se tiende a aludir aquellos derechos
humanos garantizados por el ordenamiento jurídico positivo, en la
mayor parte de los casos em su normativa constitucional, y que suele
gozar de uma tutela reforzada.
Autores que tratam, no Brasil, do direito interno usam normalmente a
terminologia direitos fundamentais; os que tratam do direito internacional
preferem utilizar direitos humanos. Utilizam a expressão direitos fundamentais
constitucionalistas, como: Gilmar Mendes et al. (2000, p.197-210); Paulo
Bonavides (2001, p.514); Ingo Sarlet (2008, p.88). Utilizam a expressão direitos
humanos internacionalistas, como Cançado Trindade (1999, v.2, p.17-58).
43
Com efeito, os chamados “direitos humanos” e os “direitos fundamentais”
remetem-se à mesma noção, sendo a sua distinção fundada na sua
positivação, nacional (direitos fundamentais) e internacional (direitos humanos).
2.3 Direitos fundamentais e direitos metaindividuais
Quanto à relação existente entre os direitos fundamentais e direitos
metaindividuais, esta se à medida que a identificação dos direitos
metaindividuais, como categoria especial de direitos, com características
próprias, foi percebida a partir da evolução da teoria dos direitos fundamentais.
De fato, ao se estudar a evolução histórica dos direitos fundamentais,
costuma-se falar em geração de direitos. A idéia de geração de direitos é
contestada por alguns doutrinadores, isso porque a palavra “geração” traz a
noção de “ser” que origem a outro semelhante, e ao longo tempo deixa de
existir. Por mais que os direitos fundamentais tenham aos poucos se ampliado
e tomado corpo nas Constituições e Declarações de Direitos, não se pode dizer
que os direitos que foram inicialmente reconhecidos deixaram de existir. Daí
porque parte da doutrina prefere falar em dimensões de direitos fundamentais,
terminologia que será adotada neste trabalho.
Cronologicamente, em primeiro lugar, foram reconhecidos os chamados
direitos de primeira dimensão. A teoria destes direitos se firmou nos séculos
XVII e XVIII e corresponde ao desenvolvimento das idéias liberais do chamado
Estado Liberal, que tinha como característica a evidenciação do indivíduo,
devendo o mesmo intervir de forma mínima na vida social. Dalmo Dallari (1991,
p.233) relembra que “[...] no século XVIII o poder público era visto como
inimigo da liberdade individual, e qualquer restrição ao individual em favor do
coletivo era tida como ilegítima.”
Os direitos de primeira dimensão são os direitos de liberdade e os direitos
políticos. Aqueles que precisavam ser reconhecidos para que fosse combatido
o absolutismo monárquico. Representaram a instauração de uma nova forma
de governo político e econômico, no qual o Estado deveria se abster de
44
interferir nas relações sociais. Neste contexto, a liberdade individual era o
direito por excelência.
Segundo Bonavides (2001, p.517), ao explicar o que seriam os direitos da
primeira dimensão, diz: “são os primeiros a constarem do instrumento
normativo constitucional, a saber, os direitos civis e políticos, que em grande
parte correspondem, por um prisma histórico, àquela fase inaugural do
constitucionalismo do Ocidente.”
São, assim, os direitos de resistência ao Estado, o seu titular é o
indivíduo, visto sob a perspectiva singular, e, portanto, com faculdades e
atributos frente ao Estado.
Pedro Lenza (2008, p.32) menciona os documentos históricos que
marcaram a configuração e emergência dos direitos humanos de primeira
geração, a saber: a) a Magna Carta, de 1215, assinada pelo rei “João Sem-
Terra”; b) Paz de Weatfália (1648); c) Hábeas Corpus Act (1679); d) Bill of
Rights (1688); e) Declarações de Direitos, seja a Americana (1776), seja a
Francesa (1789).
Ademais, como os direitos acompanham a evolução da sociedade e esta
sofreu profundas alterações no contexto dos séculos XIX e XX, pode-se dizer
que, após a Revolução Industrial européia, outros direitos fundamentais
encontraram ambiente para seu reconhecimento. Ainda na lição de Lenza
(2008, p.32), observa-se que:
[...] em decorrência das péssimas situações e condições de trabalho,
eclodem movimentos como o cartista (Inglaterra) e a Comuna de
Paris (1848), na busca de reivindicações trabalhistas e normas de
assistência social. O início do século XX é marcado pela 1ª. Grande
Guerra e pela fixação dos direitos sociais. Isso fica evidenciado,
dentre outros documentos, pela Constituição de Weimar, de 1919,
(Alemanha) e pelo Tratado de Versalhes, 1919 (OIT). Portanto, os
direitos humanos, ditos de geração, privilegiam os direitos sociais,
culturais e econômicos, correspondendo aos direitos de igualdade.
Neste contexto, passou-se do Estado Liberal ao Estado Social. Inúmeras
foram as transformações sociais, econômicas e políticas da época. Surgiram os
grandes centros urbanos, com todas as vicissitudes decorrentes do
45
capitalismo, grandes metrópoles industriais, com a economia voltada para
massas, proliferação de cartéis, consumismo exacerbado.
O Estado teve que desenvolver mecanismos de interferência nas relações
sociais, a fim de apaziguar as desigualdades sociais decorrentes da realidade
anterior. Como menciona Juliana Carlesso Lozer (2005, p.13), ao tratar da
evolução dos direitos fundamentais da primeira dimensão para a segunda
dimensão:
E como as relações sociais não eram mais as mesmas, o modelo
de Estado antes vigente também sofreu alterações. Não bastava ao
indivíduo o reconhecimento, no plano formal, de seu direito à
liberdade.
A partir disso, passa-se a reconhecer uma nova categoria de direitos:
os direitos de segunda geração, ou direitos sociais, econômicos e
culturais. No movimento constitucionalista, o reconhecimento dessa
nova classe de direitos veio com a Constituição de Weimar de 1919 e
a Constituição mexicana de 1917.
Os direitos fundamentais de segunda dimensão nascem fundamentados
no princípio da igualdade. O Estado deve promover o bem de todos e dar
oportunidade para que os indivíduos possam desenvolver suas
potencialidades.
No final do século XX, passou-se a reconhecer os direitos da terceira
dimensão, os quais deixam de se voltar para indivíduos ou grupos e têm como
objetivo resguardar a humanidade como um todo. São os chamados direitos de
fraternidade ou de solidariedade .
De fato, Paulo Bonavides (2001, p.523) se refere a esses direitos como
sendo “um novo pólo jurídico de alforria do homem que se acrescenta aos
direitos de liberdade e da igualdade.” Esse autor afirma ainda:
Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos
da terceira geração tendem a cristalizar-se neste fim de século
enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção
dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado
Estado. Tem primeiro por destinatário onero humano mesmo, num
momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em
termos de existencialidade concreta.
A partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948,
aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, foram reconhecidos
formalmente direitos da humanidade. Também os direitos de terceira dimensão
46
foram proclamados na Carta Africana dos direitos humanos e dos direitos dos
povos, aprovada em 1981, no Quênia; na Convenção sobre a diversidade
biológica, assinada no Brasil em 1992, dentre outros pactos internacionais.
Os direitos da terceira dimensão o aqueles que buscam resguardar a
paz, o meio ambiente equilibrado e o patrimônio da humanidade. Nessa
perspectiva encontram-se os homens como detentores de direitos
metaindividuais, ou seja, direitos indivisíveis, cujos titulares não são
previamente determinados.
Os direitos metaindividuais são aqueles que ultrapassam a esfera
puramente individual e foram reconhecidos como direitos fundamentais de
terceira dimensão. A fraternidade e solidariedade devem ser objetivos comuns
de todos os povos, que estes interagem mutuamente em todo o planeta,
sendo que a preservação da espécie humana depende da colaboração de
todos. Neste sentido, importante comentário de Pedro Lenza (2008, p.32-33):
Marcados pela alteração da sociedade, por profundas mudanças na
comunidade internacional, (sociedade de massa, crescente
desenvolvimento tecnológico e científico), as relações econômico-
sociais se alteraram profundamente. Novos problemas e
preocupações mundiais surgem, tais como a necessária noção de
preservacionismo ambiental e as dificuldades para proteção dos
consumidores, para lembrar aqui dois candentes temas. O ser
humano é inserido em uma coletividade e passa a ter direitos de
solidariedade.
Ressalte-se, ainda, que alguns doutrinadores, dentre eles Paulo
Bonavides (2001, p.524), ainda reconhecem a existência de uma quarta
dimensão de direitos, que seriam decorrentes da globalização, quais sejam: os
direitos à democracia, à informação e ao pluralismo.
Bobbio (1992, p.6) entende como sendo de quarta dimensão os
direitos “referentes aos efeitos cada vez mais traumáticos da pesquisa
biológica, que permitirá manipulações no patrimônio genético de cada
indivíduo.”
Importante mais uma vez relembrar que cada dimensão assumida pelos
direitos fundamentais pressupõe, ao largo de uma superação, uma ampliação
dos direitos fundamentais anteriores.
47
Este trabalho focará o estudo em relação aos direitos de terceira
dimensão, tentando demonstrar que a partir do reconhecimento formal desses
direitos fundamentais no texto constitucional de 1988, passou o direito
processual brasileiro a se tornar ineficiente e inadequado para instrumentalizar
a resolução dos litígios coletivos. Afinal, os instrumentos processuais antes
utilizados para a solução do conflito individual perdem a sua funcionalidade
perante as novas situações jurídicas surgidas no seio da sociedade de massas.
Assim, é necessário encontrar meios que tornem efetivos os direitos
fundamentais de terceira dimensão, os chamados direitos metaindividuais ou
coletivos em sentido lato. Será evidenciado, desta forma, que a Defensoria
Pública poderá contribuir para que a prestação jurisdicional se adapte às novas
realidades e necessidades sociais.
2.4 Dos direitos metaindividuais
Celso Antônio Pacheco Fiorillo (1995, p.63), fazendo um breve histórico
acerca da ação civil pública no País, informa que o estudo pioneiro a tratar
sobre os direitos metaindividuais foi de José Carlos Barbosa Moreira, em
trabalho denominado “A ação popular do direito brasileiro como instrumento de
tutela jurisdicional dos chamados ‘interesses difusos’”. Esse trabalho havia sido
elaborado em Florença e publicado no Brasil em 1977.
31
Assim, apenas há 31 anos foi que, no Brasil, os doutrinadores passaram a
se preocupar com a nova realidade social, de conflitos de natureza coletiva, o
que demonstra que a literatura sobre tais direitos é recente. (LENZA, 2008,
p.5).
naquela época, em que inexistia a legislação que trata da ação civil
pública, o professor José Carlos Barbosa se preocupava com a legislação
processual que, em seu entender, acudia apenas situações de conflito de
interesses individuais. (FIORILLO, 1995, p.64).
31
Para Fiorillo (1995, p.63): “De fato, foi a partir desse estudo que começou a desenvolver-se
o tema ligado a este ‘ personagem misterioso’.”
.
48
Após fazer referência ao trabalho de José Carlos Barbosa, Celso Fiorillo
(1995, p.65) relata a preocupação de Waldemar Mariz de Oliveira Júnior, ainda
no ano de 1978, em artigo jurídico “Tutela Jurisdicional dos Interesses
Coletivos”, de compreender a problemática dos interesses difusos sob a ótica
processual, mais precisamente acerca da questão da legitimidade ativa para
defesa dos direitos coletivos e também sobre a questão do acesso ao Poder
Judiciário pelos grupos intermediários ou corpos intermediários.
O que se percebe é que, passadas três décadas dos primeiros trabalhos
de doutrina sobre os direitos metaindividuais (também chamados
transindividuais ou coletivos em sentido lato), várias dúvidas ainda persistem
no que se refere à tutela efetiva dos direitos fundamentais de terceira geração.
Não são poucas as questões postas sob a análise do Poder Judiciário
envolvendo conflitos relacionados à legitimidade de alguns órgãos ou
instituições na defesa dos “novos direitos”
32
, apesar da existência de algumas
leis que disciplinam em parte a tutela dos mesmos, o que não existia na
década de 70, tais como a lei que trata da ação civil pública (Lei n. 7.347, de
1985), o Código de Defesa do Consumidor, dentre outros.
A seguir serão esclarecidos alguns conceitos importantes para o
desenvolvimento do tema tratado, que necessários para compreensão da
questão da necessidade de proteção dos direitos metaindividuais das pessoas
necessitadas através da Defensoria Pública.
2.4.1 Conceito
Os direitos metaindividuais são aqueles que se encontram em uma zona
intermediária entre os direitos individuais e os direitos blicos. São também
chamados de direitos coletivos em sentido lato ou ainda de direitos
transindividuais.
Segundo Hugo Nigro Mazzilli (2006), a doutrina e a jurisprudência têm
usado indistintamente as expressões direitos transindividuais e direitos
32
A expressão “novos direitos” é utilizada por Norberto Bobbio (1992, p.11), na nota 09, do
capítulo introdutório do clássico livro “A era dos direitos”.
49
metaindividuais
33
, muito embora este autor preferência à primeira
expressão.
34
Também vai o doutrinador informar que sob o aspecto
estritamente processual, o que caracteriza os direitos coletivos em sentido lato
não é apenas o fato de serem compartilhados por diversos indivíduos, mas
também:
[...] a circunstância de que a ordem jurídica reconhece a necessidade
de que o acesso individual dos lesados à Justiça seja substituído por
um processo coletivo, que não apenas deve ser apto a evitar
decisões contraditórias como ainda deve conduzir a uma solução
mais eficiente da lide [...].
Os direitos coletivos são protegidos constitucionalmente, que na Carta
Magna, em seu art. 5º., no Título II, Capítulo I, trata dos direitos e deveres
individuais e coletivos.
Entretanto, foi com a edição do Código de Defesa do Consumidor que se
buscou dar aos direitos metaindividuais uma conceituação mais precisa. Foi
esta lei que tratou de classificar estes direitos, o que o fez através do art. 81. A
seguir será feita a classificação dos direitos coletivos, conforme disposto no
Código de Defesa do Consumidor.
2.4.2 Direitos difusos
Segundo o digo de Defesa do Consumidor, em seu art. 81, parágrafo
único, inciso I, interesses ou direitos difusos são aqueles transindividuais, de
natureza indivisível, de que são titulares pessoas indeterminadas, ligadas por
circunstâncias de fato.
33
Neste sentido é a doutrina de Mazzilli (2006, p.48), que afirma: “situados numa posição
intermediária entre interesse público e o interesse privado, existem os interesses
transindividuais (também chamados de interesses coletivos em sentido lato), os quais são
compartilhados por grupos, classes ou categorias de pessoas (como os condôminos de um
edifício, os sócios de uma empresa, os membros de uma equipe esportiva, os empregados
do mesmo patrão). São interesses que excedem o âmbito estritamente individual, mas não
chegam a constituir interesse público.”
34
“Embora, em rigor de formação gramatical, seja preferível utilizarmo-nos da primeira
expressão, porque é neologismo formado com prefixo e radical latinos (diversamente da
segunda, que, enquanto hibridismo, soma prefixo grego a radical latino), a verdade é que a
doutrina e a jurisprudência têm usado indistintamente ambos os termos para referir-se a
interesses de grupos, ou a interesses coletivos, em sentido lato.” (MAZZILLI, 2006, p.50).
50
Assim, fazem parte do gênero direitos metaindividuais (ou
transindividuais), cujo objeto não pode ser dividido, e seus titulares não podem
ser identificados, ligados por uma relação fática.
Segundo Marise Cavalcanti Chamberlain (2005, p.46), em artigo
constante do livro coordenado por Carlos Henrique Bezerra Leite, ao tratar da
conceituação dos direitos metaindividuais:
Os direitos difusos por excelência são aqueles pertinentes ao meio
ambiente e às relações de consumo, mas nada impede que um direito
individual relativo à vida, à liberdade, assim como um social
pertinente à educação ou à saúde, por exemplo, venham a se
manifestar difusamente. Interesses difusos surgem da idéia de
pulverização
Assim, as características dos direitos difusos são: a indeterminação dos
sujeitos, a indivisibilidade do bem jurídico e a existência de uma situação fática
interligando os titulares do direito. O doutrinador Roberto de Camargo Mancuso
(2001, p.89) vai definir os direitos difusos da seguinte forma:
[...] direitos metaindividuais que, não tendo atingido o grau de
agregação e organização necessários à sua afetação institucional
juntou certas entidades ou órgão representativos dos interesses
socialmente definidos, restam em estado fluído, dispersos pela
sociedade civil como um todo.
De fato, os direitos difusos se referem a um conjunto indeterminado de
pessoas. Daí a necessidade de sua tutela coletiva, em virtude da relevância do
interesse social envolvido. Por outro lado, o direito difuso tutelado é
insuscetível de repartição em quotas atribuíveis a pessoas ou grupos
preestabelecidos. Como diz Marcelo Abelha Rodrigues (2004, p.42): “ao
interesse difuso, pelo seu grau de dispersão e indeterminalidade de seus
titulares, o se pode atribuir qualquer tipo de exclusividade na fruição do
objeto de interesse.” Assim, o que marca a idéia de direito difuso é que esse
pertence a cada um e a todos ao mesmo tempo.
35
35
Kazuo Watanabe (2000, p.720) alguns exemplos de direitos difusos no âmbito do direito
do consumidor, a saber: publicidade enganosa ou abusiva, veiculada através da imprensa
falada, escrita ou televisionada (que afeta mero incalculável de pessoas); colocação no
mercado de produtos com alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança
dos consumidores (o ato atinge todos os consumidores potenciais do produto).
51
Apesar de não constar expressamente na definição do Código de Defesa
do Consumidor, outras características são atribuídas aos direitos difusos, tais
como a conflituosidade e a transitoriedade.
Quanto à intensa litigiosidade interna, esta é percebida na medida em que
se observa que os grupos envolvidos nos conflitos coletivos desta natureza têm
interesses colidentes entre si. Como exemplo, Hugo Nigro Mazzilli (2006, p.49)
leciona:
[...] nos conflitos coletivos, temos, não raro, grupos, categorias ou
classes de pessoas com pretensões colidentes entre si, como as de
um grupo que, ao invocar o direito ao meio ambiente sadio, deseje o
fechamento de uma fábrica, e as de outro grupo de pessoas que
dependam, direta ou indiretamente, da manutenção dos respectivos
empregos ou da continuidade da produção industrial para sua própria
subsistência.
Em relação à transitoriedade dos direitos difusos, essa característica
decorre das próprias modificações na situação fática. Muitas vezes, não
havendo tutela eficaz dos direitos difusos ameaçados, a lesão torna-se
insuscetível de reparação.
2.4.3 Direitos coletivos
Segundo art. 81, parágrafo único II, os interesses ou direitos coletivos (em
sentido estrito) são aqueles indivisíveis, pertencentes a um grupo determinado
ou pelo menos determinável de pessoas, reunido por uma relação jurídica
básica comum. Hugo Nigro Mazzilli (2006, p.52) adverte que:
Embora o CDC se refira a ser uma relação jurídica base o elo comum
entre os lesados que comunguem o mesmo interesse coletivo
(tomado em seu sentido estrito), ainda aqui é preciso admitir que essa
relação jurídica disciplinará inevitavelmente uma hipótese concreta;
entretanto, no caso de interesses coletivos, a lesão ao grupo não
decorrerá propriamente da relação fática subjacente, e sim, da
própria relação jurídica viciada que une o grupo.
Os direitos coletivos geralmente dizem respeito aos direitos nascidos das
relações contratuais, quando uma das partes age de forma abusiva em relação
à outra. O caso mais comum é do caso de lesão a consumidores por conta de
contratos adesivos, com cláusulas abusivas.
52
Assim, os direitos coletivos em sentido estrito são transindividuais por não
ser possível a divisão desse direito. Não se concebe tratamento diversificado
entre membros de uma mesma categoria. Entretanto, diferenciam-se dos
direitos difusos por duas razões: existe uma relação jurídica base unindo os
titulares do direito, e estes podem ser determinados, o que o ocorre com os
direitos difusos.
Kazuo Watanabe (2000, p.721-722) ressalta que essa relação jurídica que
une os titulares desses direitos coletivos (em sentido estrito) é preexistente à
lesão ou ameaça de lesão do interesse ou direito do grupo, categoria ou classe
de pessoas.
Ricardo dos Santos Castilho (2004, p.42), ao procurar ressaltar as
diferenças entre direitos coletivos e direitos difusos, asseverou:
a) timas de propaganda enganosa, veiculada por meio de
comunicação de massa, estão ligadas pelo simples fato de estarem
expostas a tal propaganda e, ainda, pelo fato de terem adquirido o
produto que prometia o resultado que não poderia jamais realizar;
essas vítimas são indetermináveis e não uma relação jurídica a
uni-las; aqui, então, há um interesse difuso a ser defendido;
b) um exemplo apresentado por Nélson Nery Júnior e Rosa Maria de
Andrade Nery: o direito dos alunos de uma determinada escola de ter
assegurada a mesma qualidade de ensino em determinado curso:
são determináveis os interessados e estão unidos por uma relação
jurídica base (ou básica) comum entre eles e com a parte contrária de
um eventual e futuro processo (a escola); aqui, um exemplo de
interesse coletivo a ser defendido em juízo. O primeiro caso constitui
exemplo de interesse difuso. o segundo de interesse coletivo em
sentido estrito.
Importante que se compreenda por grupo, categoria ou classe de
pessoas, para fins de identificação do direito coletivo, aquela coletividade que é
titular de um objeto indivisível. Como exemplo, ainda Kazuo Watanabe (2000,
p.722) vai citar os interesses ou direitos dos contribuintes do imposto de renda,
pois segundo esse autor: “entre o fisco e os contribuintes existe uma relação
jurídica base, de modo que, à adoção de alguma medida ilegal ou abusiva,
será perfeitamente factível a determinação das pessoas atingidas pela
medida.”
2.4.4 Direitos individuais homogêneos
53
São aqueles direitos de grupo, categoria ou classe de pessoas
determinadas ou determináveis, cujo objeto poderá ser partilhado, ou dividido,
entre esses mesmos titulares. Esses direitos possuem uma origem fática
comum.
A ligação com a parte adversária é conseqüência da própria lesão e pode
ser individualizada na pessoa de cada um dos prejudicados. Estes são
ofendidos de forma diferenciada, o que permite seja o prejuízo experimentado
também de forma individualizada. Esta situação possibilita que cada um dos
prejudicados exerça seu direito, ou por meio de demanda individual, ou por
meio da demanda coletiva, para tutela dos direitos individuais homogêneos.
Estes direitos são, portanto, divisíveis, podem ser atribuídos a cada um
dos prejudicados, na proporção do dano ocasionado a cada um deles.
Contudo, por terem uma origem comum, acabam sendo tratados de forma
coletiva. Originam-se de uma situação fática, porquanto não é uma relação
jurídica base que vem a unir os interessados.
Exatamente por terem o objeto divisível, parte da doutrina brasileira
entende que os direitos individuais homogêneos são apenas acidentalmente
coletivos. Pedro Lenza (2008, p.70) afirma que a transindividualidade é da
essência dos direitos difusos e coletivos (em sentido estrito), em relação aos
direitos individuais homogêneos:
[...] a transindividualidade decorre de uma construção legal e artificial,
na medida em que os interesses de cada um dos indivíduos
apresentam-se perfeitamente cindíveis, sendo divisível e disponível o
seu objeto, tratando-se de maneira diferente cada um dos indivíduos
isoladamente, em razão de sua situação particular.
36
Um exemplo de direitos individuais homogêneos de fácil compreensão é
dado por Mazzilli (2006, p.54), quando diz:
36
Também no mesmo sentido, Marcelo Abelha Rodrigues (2004, p.44) afirma, baseando seu entendimento
nas lições de José Carlos Barbosa: tais direitos são acidentalmente coletivos, porque ontologicamente, na
sua raiz, não guardam uma natureza coletiva. Com isso se quer dizer que apenas por ficção jurídica o
legislador permitiu que em casos específicos de interesse social assumida a natureza indivisível do objeto,
ou, a rigor, a multiplicidade de objetos, que pertencem a cada um dos interessados’ indeterminados num
primeiro momento) fossem tais direitos tratados de modo coletivo, ou seja, permitindo que se lhes
aplicassem também todas as regras de direito processual coletivo contida no próprio CDC ou na lei da ação
civil pública, seja para dar maior efetividade ao direito material invocado, seja por economia processual [...].
54
[...] suponhamos os compradores de veículos produzidos com o
mesmo defeito de série. Sem dúvida, uma relação jurídica comum
subjacente entre esses consumidores, mas que os liga no prejuízo
sofrido não é a relação jurídica em si (diversamente, pois, do que
ocorreria quando se tratasse de interesses coletivos, como numa
ação civil pública que visasse a combater uma cláusula abusiva em
contrato de adesão), mas sim é antes o fato de que comparam carros
do mesmo lote produzidos com defeito em rie (interesses
individuais homogêneos). Neste caso, cada integrante do grupo terá
direito divisível à reparação devida.
2.4.5 Distinções entre direitos difusos, coletivos e individuais
homogêneos
Apesar de explicitados alguns pontos de diferenciação entre as
espécies de direitos coletivos (em sentido amplo), esse tópico procura
evidenciar ainda mais as diferenças existentes, a fim de tornar mais fácil a
compreensão destes direitos.
Assim, o que vai caracterizar um direito difuso é que o liame que une os
titulares deste direito é uma situação tica compartilhada de forma indivisível.
Já nos direitos coletivos, o que une os titulares do direito é uma relação jurídica
comum que, uma vez solucionada, aproveitará todos de forma uniforme e
indivisível. Para Marcelo Abelha Rodrigues (2004, p.38), a diferença
substancial entre direitos difusos e direitos coletivos é que a única coisa que
une os sujeitos do interesse difuso é a indivisibilidade do objeto, podendo tais
sujeitos não ter qualquer agregação entre si. para os direitos coletivos, seus
titulares possuem uma agregação, que pode decorrer tanto do fato de serem
titulares do mesmo objeto, que pertence a todos, como também porque podem
guardar entre si uma relação jurídica.
Por sua vez, o direito individual homogêneo, apesar de se originar de um
fato comum, tem titulares determinados ou determináveis e o objeto do direito
poderá ser dividido de forma diferenciada para cada titular, a depender do dano
suportado por cada pessoa.
Ainda com base nas lições de Mazzilli (2006, p.56), entende-se que não
necessariamente uma ação civil pública ou coletiva deverá discutir apenas uma
espécie de direito transindividual. Segundo o autor, geralmente se discutem
várias dessas espécies de direitos. Em suas palavras:
55
Assim, à guisa de exemplo, numa única ação civil pública ou coletiva,
é possível combater os aumentos ilegais de mensalidades escolares
aplicados aos alunos atuais, buscar a repetição do indébito e,
ainda, pedir a proibição de aumentos futuros; nesse caso, estaremos
discutindo, a um tempo: a) interesses coletivos em sentido estrito
(a ilegalidade em si do aumento, que é compartilhada de forma
indivisível por todo o grupo lesado); b) interesses individuais
homogêneos (a repetição do indébito, proveito divisível entre os
integrantes do grupo lesado); interesses difusos (a proibição de
imposição de aumentos para os futuros alunos, que são um grupo
indeterminável). (MAZZILLI, 2006, p.56).
Interessante as explicações do autor acima comentado, pois informa que,
para se saber se um direito é considerado difuso, coletivo ou individual
homogêneo, deve ser observado o pedido que o legitimado faz na ação civil
pública. Assim, comenta:
Se na ação civil pública ou coletiva se pedir uma reparação indivisível
em proveito de grupo determinável, os interesses ali discutidos serão
difusos; se a reparação objetivada for indivisível, mas de grupo
determinável, e estiver sob ataque apenas a relação jurídica básica
que deve ser decidida de maneira uniforme para todos os integrantes
do grupo, os interesses serão coletivos, em sentido estrito; se a
reparação objetivada for divisível entre integrantes determináveis do
grupo lesado, então os interesses serão individuais homogêneos.
37
(MAZZILLI, 2006, p.56).
No próximo capítulo será discutida a atuação da Defensoria Pública em
cada uma das espécies de direitos metaindividuais. Como será percebido,
alguns questionamentos são colocados pela doutrina nacional no tocante à
atuação dessa instituição no caso dos direitos difusos e coletivos, razão pela
qual a compreensão da diferenciação entre esses direitos se mostra essencial
para o desenvolvimento deste trabalho.
37
Kazuo Watanabe (2000, p.728) explica que o que vai importar para fins da tutela jurisdicional
é o que o autor da demanda coletiva traz para o processo, ou seja, o seu objeto litigioso. “No
plano sociológico, o conflito de interesses pode dizer respeito, a um tempo, a interesses
ou direitos ‘difusos’ e ‘individuais homogêneos’. Suponha-se, para raciocinar, uma
publicidade enganosa. Enquanto publicidade, a ofensa atinge um número indeterminável de
pessoas, tratando-se em conseqüência de lesão a interesses ou direitos difusos’. Porém, os
consumidores que, em razão da publicidade, tiverem adquirido o produto ou o serviço
ofertado, apresentarão certamente individualizados e diferenciados, de sorte que estamos
diante de lesão a interesses ou direitos ‘individuais homogêneos.”
56
3 A DEFENSORIA PÚBLICA E A DEFESA DOS DIREITOS
METAINDIVIDUAIS NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE
DIREITO
Neste terceiro capítulo, o que se pretende é revisitar as idéias até aqui
explicitadas sobre o acesso à Justiça e o papel da Defensoria, demonstrando a
necessidade da atuação da Defensoria Pública na defesa dos direitos
metaindividuais, através de uma interpretação constitucionalmente adequada
do acesso à Justiça na sociedade complexa.
O que se fará, então, é, a partir da teoria constitucional e da teoria do
direito, propor um modelo constitucionalmente adequado de acesso à Justiça,
estabelecendo qual é a função constitucional da Defensoria Pública na tutela
dos direitos metaindividuais no Estado Democrático de Direito.
3.1 A Defensoria Pública e a proteção dos direitos
fundamentais no Estado Democrático de Direito
O compromisso formulado no Estado Democrático de Direito é com a
proteção dos direitos fundamentais do homem, razão da existência do próprio
Estado, que deve ter suas normas e ações limitadas pelas normas
constitucionais. Assim, é obrigação do Estado garantir os direitos civis e
políticos do cidadão, bem como os direitos sociais básicos (tais como educação
fundamental, saúde) e os direitos culturais. A efetivação desses direitos é
fundamental à adequação da realidade às normas constitucionais.
Por esta razão, para a proteção dos direitos fundamentais de pessoas
carentes que necessitem de provimento judicial, tanto no pólo ativo como no
pólo passivo, em questões penais ou civis, torna-se necessária uma instituição
que realize a defesa jurídica dessas pessoas perante os Tribunais e os órgãos
administrativos, sem olvidar a função preventiva e de mediação dos conflitos
jurídicos que os envolvam. A existência da Defensoria Pública é um corolário
da democracia na medida em que, sem defesa dos necessitados, diversos
direitos fundamentais das pessoas com menos recursos financeiros ficariam
sem proteção judicial. Por essa razão, garantir a defesa judicial de pessoas
carentes significa dar concreção ao princípio da dignidade da pessoa humana.
38
A ausência de proteção jurídica, por intermédio da Defensoria Pública,
conforme preconizado na Constituição Federal, em seu art. 5º, LXXIIII,
significaria a erosão do próprio significado do Estado Democrático de Direito
que, em vez de garantir a dignidade da pessoa humana, poderia, por ausência
de defesa técnica especializada, responsabilizar e condenar criminalmente, até
com pena de prisão, pessoas inocentes pobres e poderia, também, deixar sem
amparo judicial as pessoas que tiverem o seu direito subjetivo violado,
justamente àquelas que mais precisam de proteção judicial, os indivíduos
“necessitados”.
Com efeito, no Estado Democrático de Direito, a existência do Estado se
fundamenta na proteção da dignidade da pessoa humana.
39
A importância
basilar deste princípio exige, contudo, que se proceda a uma releitura do seu
significado no Estado Democrático de Direito, para que se compreenda
adequadamente a função da Defensoria Pública na garantia da dignidade da
pessoa humana.
38
Ana Paula de Barcellos (2002, p.103) afirma que “Um dos poucos consensos teóricos do
mundo contemporâneo diz respeito ao valor essencial do ser humano. Ainda que tal
consenso se restrinja muitas vezes apenas ao discurso ou que essa expressão, por demais
genérica, seja capaz de agasalhar concepções as mais diversas – eventualmente
contraditórias-, o fato é que a dignidade da pessoa humana, o valor do homem como um fim
em si mesmo, é hoje um axioma da civilização ocidental, e talvez a única ideologia
remanescente.”
39
O título I, Dos Princípios Fundamentais, da Constituição dispõe: “Art. A República
Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a
soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do
trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana
do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta
Constituição.”
58
3.2 A Defensoria Pública como garantidora do princípio da
dignidade da pessoa humana no Estado Democrático de
Direito
Depois da tragédia humanitária que foi a Segunda Guerra Mundial,
40
as
Constituições ocidentais passaram a reconhecer expressamente o princípio da
dignidade da pessoa humana
41
. O Brasil, em 1988, previu a dignidade da
pessoa humana como princípio fundamental do Estado Democrático de Direito
(art. 1º, III da CF). O Estado passa a existir para garantir a dignidade da pessoa
humana, devendo tratar sempre e em qualquer circunstância todas as pessoas,
criminoso ou pai de família, rico ou pobre, com igual respeito e consideração.
Após a Constituição de 1988, aos poucos, a doutrina passou a
reconhecer a posição de destaque da dignidade da pessoa humana. Nesse
sentido, veja-se o que afirma Luiz Roberto Barroso, em prefácio ao livro de Ana
Paula de Barcellos (2002, p.54,) que versa sobre dignidade da pessoa
humana:
O princípio da dignidade da pessoa humana ainda vive, no Brasil e no
mundo, um momento de elaboração doutrinária e de busca de maior
densidade jurídica. Eu próprio, em texto escrito no início da
década de 90, quando algumas decisões ameaçavam a
efetividade e a força normativa da Constituição, manifestei
ceticismo em relação à sua utilidade na concretização dos
direitos fundamentais. Foi uma manifestação datada, que
representava uma reação à repetição de erros passados. A
Constituição de 1988, no entanto, impôs-se como um documento
normativo, dando ao princípio, hoje, uma potencialidade que não
se vislumbrava dez anos atrás. Tornou-se imprescindível,
40
A Segunda Guerra Mundial foi responsável por uma tragédia humanitária sem precedentes:
“O número total de mortos é assombroso (os cálculos aqui apresentados não incluem baixas
japonesas, norte-americanos, nem de povos não-europeus). Essa estatística torna pequeno
o índice de mortandade registrado na Grande Guerra de 1914-1918, absolutamente
vergonhoso. Conflito algum registrado pela história matou tanta gente em tão pouco tempo.
Porém, o mais importante é o número de mortos entre os civis e não-combatentes: ao menos
19 milhões, ou seja, mais da metade do total. O número de mortos entre a população civil
superou as baixas militares na União Soviética, Hungria, Polônia, Iugoslávia, Grécia, França,
Holanda, Bélgica e Noruega. Somente no Reino Unido e na Alemanha as baixas militares
superaram significativamente as baixas entre civis.” (JUDT, 2008, p.31-32).
41
Segundo Ingo Sarlet (2008, p.66), a Constituição alemã de 1919 (Constituição de Weimar)
havia previsto em seu texto o princípio da dignidade da pessoa humana, assim como a
Constituição portuguesa de 1933 e a Constituição da Irlanda de 1937. Entretanto, deve ser
esclarecido que apenas após a segunda guerra mundial, o princípio da dignidade humana
adquiriu o contorno de princípio fundante da ordem constitucional nos Estados democráticos.
Veja-se, por exemplo, a Constituição alemã de Bonn, que segundo Konrad Hesse (1998, p.
243): “encontra seu ponto central na personalidade, que se desenvolve livremente no interior
da comunidade social, e na sua dignidade.”
59
todavia, estabelecer os contornos de uma objetividade possível,
que permita ao princípio transitar de sua dimensão ética e
abstrata para as motivações racionais e fundamentadas das
decisões judiciais. (Grifou-se).
De fato, o significado da dignidade da pessoa humana é de difícil
apreensão. Segundo Othon Lopes (2003, p.212), somente em Kant o
significado filosófico da dignidade humana foi plenamente desenvolvido,
conferindo-lhe consistência e densidade teórica. Esse autor relata:
A experiência histórica e os parâmetros delineados por Kant em sua
Fundamentação da Metafísica dos Costumes indicam o conteúdo
jurídico da dignidade da pessoa humana, que pode ser sistematizado
em quatro pontos sicos: 1) a universalidade do homem como
sujeito de direito e a afirmação de direitos subjetivos; 2) a dignidade
da pessoa humana como princípio jurídico fundamental e absoluto; 3)
a dignidade da pessoa humana como um princípio em constante
reconstrução; e 4) a dignidade da pessoa humana como direito à
afirmação de um projeto individual.
Para Ingo Sarlet (2008, p.46), o princípio da dignidade da pessoa humana
independerá das circunstâncias concretas, pois é inerente a toda e qualquer
pessoa humana. Em suas palavras: “todos - mesmo o maior dos criminosos
são iguais em dignidade, no sentido de serem reconhecidos como pessoas
ainda que o se portem de forma igualmente digna nas suas relações com
seus semelhantes, inclusive consigo mesmos.”
Ainda ressaltando o entendimento de Lopes (2003, p.207), este
doutrinador afirma que a dignidade da pessoa humana, por ser um valor
absoluto, não admite relativização:
A dignidade da pessoa humana por ser essencialmente um valor
absoluto não pode ser objeto de relativização ou ponderação. A
dignidade da pessoa humana define um núcleo intocável de direitos e
é a partir desse núcleo que os princípios e direitos fundamentais se
definem e podem ser ponderados. Apreciar, valorar ou relativizar é
tirar todo o sentido da dignidade da pessoa, colocando em risco a
própria existência do princípio. A dignidade humana não pode ser
reduzida, mas sim afirmada, devendo ser o marco inicial e referência
central na ponderação e mensuração de todos os outros valores.
A importância do princípio da dignidade da pessoa humana tem sido
ressaltada pelo Supremo Tribunal Federal brasileiro que, a partir da
Constituição de 1988, tem fundado importantes decisões na garantia do
princípio da dignidade da pessoa humana. Especialmente significativo,
60
inaugurando uma nova fase no debate dos direitos fundamentais no Brasil, foi
caso dos judeus, que foi decidido nos termos do acórdão em favor da
“prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade
jurídica.” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. Habeas Corpus.
HC 82.424-2. Rio Grande do Sul. Relator originário Ministro Moreira Alves.
Relator para o acórdão Ministro Maurício Corrêa, DJ de 19.03.04).
A este se seguiram diversos outros julgamentos que ressaltam a
importância da dignidade, como ocorreu no julgamento sobre as pesquisas em
células-tronco e está acontecendo agora no julgamento sobre o aborto de feto
anencefálico.
Deve ser ressaltado que, por ter alçado o princípio da dignidade da
pessoa humana à condição de princípio fundante do ordenamento jurídico,
devem as normas infraconstitucionais e as instituições garantirem a sua
efetividade. Por esta razão, a Constituição garantiu a defesa jurídica gratuita às
pessoas carentes e criou a Defensoria Pública para fazer esta defesa, pois sem
a existência da Defensoria blica, os pobres, principal objeto das ações
criminais, careceriam, na maioria dos casos, de defesa técnica adequada.
Manter pessoas pobres presas por longo prazo, por fatos juridicamente
irrelevantes ou condená-las sem as provas devidas é uma manifestação de
ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana, cuja existência da
Defensoria Pública serve para mitigar os efeitos maléficos de uma sociedade
injusta na responsabilização criminal e na execução criminal.
A efetiva garantia da dignidade da pessoa humana pela Defensoria
Pública começa a se manifestar, no processo penal, nos diversos relaxamentos
de prisão por excesso de prazo efetuado pelos Tribunais, inclusive pelos
Tribunais Superiores, pela aplicação mais abrangente e freqüente do princípio
da insignificância, que impede que uma pessoa pobre continue presa e seja
processada por ter furtado objetos de ínfimo valor, como um pão, um par de
chinelos etc., pela reforma de diversos processos criminais em favor da defesa
pelos Tribunais de Justiça e pelos Tribunais Regionais Federais, bem como
pelos Tribunais Superiores.
61
A assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem
insuficiência de recursos na esfera cível também é indispensável para garantir
a dignidade da pessoa humana: a) no direito de família, v. g., os filhos de
pessoas pobres poderiam ficar sem qualquer possibilidade de pedir a
prestação de alimentos e o reconhecimento de paternidade sem a existência
da assistência jurídica gratuita; b) no direito das sucessões, os bens de baixo
valor que vários irmãos herdarem e precisam repartir ficariam irregulares sem a
existência da assistência jurídica gratuita; c) no direito contratual, v. g., as
pessoas carentes ficariam sempre à mercê da parte mais dotada de recursos
financeiras que poderia estabelecer diversas cláusulas abusivas
unilateralmente, sem a existência da assistência jurídica gratuita, o que as
tornaria ainda mais frágeis; d) nos direitos reais, a usucapião constitucional não
passaria de letra morta se o morador de uma favela que reside há muitos anos
em um casebre precisasse pagar um advogado para obter o registro do imóvel.
Percebe-se, assim, a estreita relação entre a dignidade da pessoa
humana e a assistência jurídica gratuita, entre direitos fundamentais e
democracia. A Defensoria Pública, ainda que em fase de organização e
ampliação institucional, já exerce, pelo menos em alguns estados da
Federação, várias décadas, a proteção dos direitos individuais das pessoas
pobres para garantir a sua dignidade.
A partir da Constituição de 1988, o modelo do Estado Democrático de
Direito, fundado na proteção da dignidade da pessoa humana, a assistência
jurídica integral e gratuita às pessoas pobres (art. 5º, LXXIIII da CF) pela
Defensoria Pública (art. 134 da CF) passou a ser um direito fundamental de
todo cidadão, sendo indispensável para a garantia da dignidade da pessoa
humana das pessoas carentes.
A compreensão adequada da função da Defensoria Pública na tutela dos
direitos individuais e coletivos no modelo constitucional brasileiro (além das
idéias sintetizadas nos capítulos anteriores, sobre o Acesso à Justiça e o papel
da Defensoria, sobre os direitos metaindividuais e sobre a defensoria pública e
a defesa destes direitos metaindividuais) exige que se compreenda o papel do
62
Estado na proteção, especialmente na judicialização, dos direitos fundamentais
na sociedade complexa.
3.3 A função da Defensoria Pública na proteção dos direitos
fundamentais individuais e metaindividuais das pessoas
carentes
Tradicionalmente, a Defensoria Pública era vista como a instituição
responsável pela defesa individual das pessoas pobres, tanto no direito penal,
em que é responsável pela defesa das pessoas carentes acusadas de crimes
ou contravenções, quanto como curador de revel, função atípica da Defensoria.
No direito civil, a Defensoria Pública foi associada à tutela individual dos
direitos subjetivos das pessoas carentes no direito de família, no direito das
obrigações e dos contratos, nos direitos reais e no direito de sucessões etc.
A ênfase conferida à tutela do direito do indivíduo decorre da própria
evolução do direito no Brasil, que apenas muito tardiamente passou a
reconhecer os direitos coletivos em sentido amplo e da origem e do significado
conferidos ao conceito de direito subjetivo na Modernidade.
José Reinaldo de Lima Lopes (2005, p.113), historiador do direito da
Universidade de São Paulo, esclarece sobre a importância dos direitos
subjetivos, que:
Desde algum tempo a teoria do direito ocidental está fundamentada
sobre uma categoria: o direito subjetivo. Não importa que tal categoria
seja objeto de crítica e análise acadêmica. De fato, a prática jurídica,
seja dos tribunais, dos advogados, dos legisladores, dos
administradores públicos, do homem comum em geral, consagra à
idéia de direito subjetivo a primazia. Tenho direito de fazer isso?
Tenho direito a isto ou àquilo? Está-se sempre diante da idéia do
direito subjetivo.
Na teoria geral do direito privado, conforme enunciado no atual Código
Civil (conforme pre o art. 189 do Código: “Violado o direito, nasce para o
titular a pretensão”), inspirado na dogmática do Direito Civil alemão , continua a
prevalecer a noção do direito subjetivo: a) a cada direito do sujeito, direito
subjetivo, corresponde uma obrigação da qual decorre um dever jurídico para
outrem; b) violado o direito subjetivo, surge uma pretensão do sujeito de ter seu
direito atendido por outrem que tem o dever jurídico de satisfazê-lo; c) para
63
garantir que o direito subjetivo violado seja respeitado pelo outro, é necessário
que a cada pretensão gerada pela violação do direito da qual é titular o
indivíduo exista uma ação correspondente.
O conceito de direito subjetivo surge, portanto, associado à idéia de
indivíduo, de sujeito, como revela o próprio conceito, direito subjetivo. Daí
decorre que as categorias do direito, substantivo e processual, foram criadas
para atender à pretensão jurídica do direito subjetivo do indivíduo que fora
violado e para o qual deve existir uma ação correspondente.
Legitimidade de agir, interesse de agir e coisa julgada foram categorias
construídas (na teoria geral do processo) para resolver os problemas de
desrespeito ao direito subjetivo do indivíduo.
Daí porque qualquer previsão de transformação nestes conceitos para
atender às necessidades da sociedade complexa, em que não se pode
atomizar, e até mesmo individualizar, determinados direitos, gerou tanta
perplexidade para o direito processual e encontra, até hoje, dificuldade, na
própria teoria geral do processo, para se adaptar à a nova realidade decorrente
da sociedade de massa.
Esta mesma resistência, encontrada na teoria geral do processo e em
alas mais conservadoras da teoria do direito, refletiu-se na discussão sobre a
legitimidade da Defensoria Pública para propor ações coletivas em defesa das
pessoas carentes. A nova postura, contudo, que situa a Defensoria como
instituição legitimada para propor ações individuais e coletivas em defesa das
pessoas carentes, mais do que uma escolha é uma imposição da nova
realidade que o direito procura acompanhar: o direito do consumidor e
ambiental, por exemplo, exigem um tratamento coletivo em diversas situações
porque eles são direitos de novos tempos e exigem uma reconstrução das
categorias tradicionais do direito, inclusive do direito subjetivo, que continua a
ser determinante, mas que convive com uma nova realidade e se transforma
diante dela.
Se no modelo tradicional, centrado no conceito de direito subjetivo,
somente os direitos fundamentais que se referissem a uma violação individual,
64
amparada por uma ação judicial, é que teriam proteção do Estado por
intermédio do Poder Judiciário, daí a ênfase nos direitos civis em detrimento
dos direitos sociais e dos direitos metaindividuais. No Estado Democrático de
Direito, torna-se necessário um tratamento jurídico integral dos direitos
fundamentais, de modo a garantir a proteção de todos os direitos fundamentais
do cidadão para que todo cidadão seja digno de igual respeito e consideração,
dignidade da pessoa humana.
Portanto, sem olvidar a proteção dos direitos subjetivos do indivíduo
carente, que em caso de violação precisam ser defendidos pela Defensoria
Pública por imperativo constitucional, é necessário que seja feita, também, a
tutela dos direitos sociais e dos direitos metaindividuais das pessoas carentes,
por intermédio da tutela coletiva dos direitos fundamentais, como ocorre no
caso das ações coletivas do consumidor e do meio ambiente pela mesma
ordem constitucional.
A existência do direito ambiental e do direito do consumidor demonstra
a necessidade de uma releitura da dogmática tradicional, com ênfase na tutela
dos direitos subjetivos para a tutela metaindividual. Nas relações jurídicas do
consumidor, à tutela individual do direito subjetivo lesionado de um consumidor
específico corresponderia uma ação individual para reparar o dano; mas em se
tratando de um contrato de adesão, todos os demais consumidores que se
encontrarem na mesma situação deixarão de ser abrangidos pela decisão
judicial. Nesta situação, o tratamento do problema sob a perspectiva atomizada
do direito subjetivo tradicional acarretará irracionalidade do sistema jurídico em
face do número explosivo de demandas judiciais (o que poderá retardar
exageradamente a Defensoria Pública e o Poder Judiciário), da desigualdade
de tratamento da mesma situação e da ausência de tutela para os
hipossuficientes que não ingressarem com uma ação judicial, o que acarretará
um tratamento fático desigual, tornando a situação ainda mais onerosa para a
pessoa pobre, muitas vezes mais mal informada, o que é incompatível com o
princípio da igualdade. Por esta razão, os direitos subjetivos pressupõem uma
tutela metaindividual para que haja um tratamento igualitário de todos os
cidadãos.
65
Deste modo, a tutela dos direitos metaindividuais na sociedade complexa
se torna indispensável, inclusive para que sejam respeitados os direitos
individuais: o tratamento atomista do direito subjetivo de uma sociedade de
poluição em massa, de consumo em massa e de pobreza em massa exige a
tutela metaindividual para evitar que o próprio sistema jurídico entre em
colapso, em face do excessivo número de demandas.
3.3.1 A Defensoria Pública e a proteção dos direitos difusos
Conforme demonstrado no segundo capítulo deste trabalho, os direitos
difusos são caracterizados por serem transindividuais, terem uma natureza
indivisível, cuja titularidade pertence a pessoas indeterminadas e ligadas por
circunstancias de fato.
42
Apesar de pertencerem a pessoas indeterminadas, é preciso ressaltar
que os direitos difusos podem ter uma abrangência maior ou menor, a
depender do grupo envolvido no conflito coletivo a ser analisado. Para Hugo
Nigro Mazzilli (2006, p.51):
interesses difusos: a) tão abrangentes que chegam a coincidir
com o interesse público (como o do meio ambiente como um todo); b)
menos abrangentes que o interesse público, por dizerem respeito a
um grupo disperso, mas que não chegam a confundir-se com o
interesse geral da coletividade (como o dos consumidores de um
produto); c) em conflito como interesse da coletividade como um todo
(como os interesses dos trabalhadores na indústria do tabaco); d) em
conflito com os interesses do Estado, enquanto pessoa jurídica (como
interesse dos contribuintes); e) atinentes a grupos que mantém
conflitos entre si (interesses transindividuais reciprocamente
conflitantes, como os dos que desfrutam do conforto dos aeroportos
urbanos, ou da animação dos chamados trios elétricos carnavalescos,
em oposição aos interesses dos que se sentem prejudicados pela
correspondente poluição sonora).
Assim, podem existir direitos difusos relacionados apenas a interesses de
hipossufucientes (por exemplo, no caso, de propaganda enganosa de loja de
móveis populares) e também direitos difusos relacionados, ao mesmo tempo,
42
“Os interesses difusos são apresentados como o último degrau numa ordem escalonada de
coletivização. Os interesses difusos apresentariam um grau de coletivização que permitiria
toda a sorte de posicionamento, de conteúdo fluido (por exemplo, “qualidade de vida”), mais
abrangente do que o interesse geral ou o interesse público. Do ponto de vista sociológico, os
interesses difusos estão ligados ao tipo de sociedade na qual vivemos, pós-revolução
industrial, pós-moderno, denominada sociedade de massa sob o impacto de um novo
fenômeno a globalização.” (MORAES, 2003, p.27).
66
tanto a hipossuficientes quanto a pessoas sem carências financeiras (o que
ocorre em caso de lesão ao meio ambiente, em que todos são prejudicados).
Em livro de co-autoria, doutrinadores como Luiz Rodrigues Wambier,
Teresa Arruda Alvim Wambier e José Garcia Medina (2007, p.313) entendem
que, ao se permitir que a Defensoria Pública atue em defesa dos direitos
difusos, poderá ocasionar o desvio de sua missão constitucional, que
poderão beneficiar pessoas não carentes de recursos financeiros.
É preciso ressaltar que, para a atuação da Defensoria Pública na
proteção dos direitos difusos, de estar presente o interesse jurídico de
pessoas necessitadas. Entretanto, o fato de, em alguns casos, em relação a
alguns direitos difusos, estar presente também o interesse de pessoas sem
carências financeiras, não pode impedir que a Defensoria Pública atue nessa
defesa. Esse tipo de interpretação não é consentâneo com a democratização
do acesso à justiça, tão buscada hodiernamente.
José Augusto Garcia de Sousa (2008, p.241) é bastante claro em relação
à possibilidade da defesa dos direitos difusos através da legitimação da
Defensoria Pública, conforme suas palavras:
Ainda no terreno dos escopos políticos do processo, saliente-se que a
legitimidade da Defensoria Pública para causas coletivas,
independentemente do que diga a lei, não deve ser recusada nem
mesmo naqueles casos em que o resultado da demanda puder
beneficiar, de maneira concomitante, carentes e também não
carentes- algo inevitável em inúmeras situações, principalmente
quando invocados direitos difusos da população. Incide na hipótese a
força normativa do solidarismo participativo, que já vimos plenamente
positivado na ordem constitucional brasileira. Mais uma vez, aliás,
deparamos com valor muito caro à transformação da nação. Fundas
são as nossas tradições individualistas. O homem ‘cordial’
brasileiro tem grande dificuldade para enxergar ordenações
coletivas. O princípio solidarista opõe-se a esse individualismo
arraigado e apresenta múltiplos desdobramentos, um deles a
ampliação da legitimidade quando se miram interesses
comunitários relevantes. À luz desse princípio, parece absurdo
restringir as ações da Defensoria no plano coletivo por conta do
terrível ‘risco’ de serem beneficiadas, também, pessoas não
necessitadas [...]. (Grifo no original).
Como foi visto, o bem jurídico tutelado através do direito difuso é
indivisível, a necessidade individual é irrelevante frente à proteção desse bem,
que a toda uma coletividade pertence. Para facilitar a compreensão, imagine-se
67
que em uma determinada cidade exista uma favela que seja entrecortada por
um rio que esteja poluído. O direito ao meio ambiente sadio é um direito de
todos, inclusive das pessoas que residem nos bairros mais nobres dessa
cidade. Não poderia a Defensoria Pública interpor ação civil pública nesse
caso, para obrigar o Poder blico a proceder de imediato aos meios
necessários para despoluir este rio e salvaguardar a população carente que
tem contato com o local, simplesmente porque trata-se de direito difuso, cuja
proteção será sentida por todos os moradores da cidade, até mesmo os ricos
que residem no lugar ? Não seria consentâneo com os princípios democráticos
uma resposta negativa. Como explica Marcelo Abelha Rodrigues (2004, p.42),
quanto aos direitos difusos: “[...] pelo seu grau de dispersão e
indeterminabilidade de seus titulares, não se pode atribuir qualquer tipo de
exclusividade na fruição do objeto do interesse.”
Assim, se a Defensoria Pública, atuando em favor dos hipossuficientes,
vier, por via oblíqua, beneficiar pessoas sem carências financeiras, o
qualquer inconstitucionalidade em relação a isso, pois o Estado Democrático
de Direito fundamenta-se na dignidade da pessoa humana e tem como
objetivos fundamentais construir uma sociedade solidária e promover o bem de
todos.
3.3.2 A Defensoria Pública e a proteção dos direitos coletivos em
sentido estrito
Segundo o art. 81, parágrafo único do CDC, os direitos coletivos em
sentido estrito são aqueles cujos titulares são grupos determinados ou
determináveis de pessoas, reunidas por uma relação jurídica sica comum.
Nesses direitos, segundo leciona Hugo Mazzilli (2006, p.52), a lesão ao grupo
decorre da relação jurídica viciada que une o grupo.
Um exemplo da violação desse direito seria um contrato de financiamento
de veículos populares usados, para pessoas de baixa renda, com cláusulas
abusivas, tais como juros exorbitantes e vantagens exageradas em favor da
empresa financiadora. As vítimas desses abusos seriam, portanto, todos
aqueles consumidores que firmaram o referido contrato. Nesse caso, apesar
68
de a defensoria pública atuar individualmente, para qualquer um dos lesados,
seria mais interessante a interposição de ação civil pública em favor de todos
os lesados.
Essa vantagem ocorre em virtude do aproveitamento da decisão judicial,
que em caso de procedência da ação civil pública todos que estão sendo
vítimas de cláusulas abusivas serão beneficiados. O interesse pelo objeto da
ação (no caso acima mencionado se relaciona à anulação de cláusulas ilegais)
será compartilhado por todo o grupo lesado de forma indivisível, evitando-se a
interposição de várias ações individuais.
Por ter o seu objeto indivisível, e em algumas situações, os titulares do
direitos coletivo não serem identificados pessoalmente, também se questiona a
possibilidade de atuação da Defensoria Pública na proteção desses direitos.
Entretanto, para a atuação da Defensoria Pública na proteção dos direitos
coletivos em sentido estrito, não necessidade de identificação pessoal de
todas as pessoas que foram lesionadas em razão de determinada relação
jurídica. Essa identificação pessoal é necessária apenas em relação ao conflito
individual. Os processos coletivos devem ser regidos por princípios próprios,
43
dando-se tratamento diferenciado em relação ao processo individual.
No processo que envolva direitos coletivos em sentido estrito, a atuação
da Defensoria Pública deve ocorrer em favor de pessoas necessitadas, ligadas
por uma relação jurídica comum, que esteja a violar direitos.
3.3.3 A Defensoria Pública e a proteção dos direitos individuais
homogêneos
A doutrina não vem questionando a possibilidade de atuação da
Defensoria Pública na proteção dos direitos individuais homogêneos, isso
porque, conforme a definição do art. 81, parágrafo único, inciso III, do Código
de Defesa do Consumidor, os direitos individuais homogêneos o aqueles
pertencentes a grupo, categoria ou classe de pessoas determinadas ou
determináveis, que compartilham prejuízos divisíveis, de origem comum,
43
Sobre os princípios do processo coletivo, ver artigo de Ada Pellegrinni Grinover et al. (2007,
p.11-15).
69
oriundos das mesmas circunstâncias de fato. Ou seja, as críticas que são feitas
à atuação da Defensoria Pública nos casos de direitos coletivos pertencentes
às pessoas indeterminadas deixam de existir no caso dos direitos individuais
homogêneos.
Na realidade, os direitos individuais homogêneos são direitos individuais,
em sua natureza, entretanto, tratados de forma coletiva em razão da relevância
social que os caracteriza. Assim, o dano que é individualmente sofrido adquire
caráter coletivo, recomendando-se a pretensão jurisdicional “molecularizada” e
não “atomizada”.
44
Por isso alguns doutrinadores afirmam que os direitos
individuais homogêneos são acidentalmente coletivos. Em relação aos direitos
individuais homogêneos, também de se observar os interesses de pessoas
necessitadas, para fins de atuação da Defensoria Pública.
O quadro abaixo resume, assim, os requisitos necessários para atuação
da Defensoria Pública na defesa dos direitos metaindividuais, de acordo com o
que foi explicitado:
Tipo de direito meta-
individual
Interesses ou direitos
difusos
Interesses ou direitos
coletivos
Interesses ou
direitos
individuais
homogêneos
Previsão normativa Art. 81, I do CDC Art. 81, II do CDC Art. 81, III do
CDC
Natureza do Direito natureza indivisível Natureza indivisível natureza divisível
Determinação das
pessoas titulares do
direito
Titulares pessoas
in determinadas
Titular pessoas
determináveis
(pertencentes a
grupo, categoria ou
classe de pessoas
ligadas entre si ou
com a parte
contrária)
Titulares pessoas
determinadas
44
Expressões utilizadas por Lenza (2008, p.104). O autor menciona o exemplo de caso de
tutela coletiva em direito individual homogêneo no caso de empresa que despeje detritos em
curso d’água. As pessoas que consumirem essa água contaminada em suas casas suportam
dano individual. Entretanto, em razão da relevância social desses direitos que envolvem a
proteção da saúde pública, esses direitos podem ser tutelados de forma coletiva.
70
Tipo de ligação entre os
titulares do direito
ligadas por circunstâncias
de fato
Relação jurídica base os decorrentes de
origem comum
Função da defensoria
pública
Dar assistência jurídica
integral e gratuita as
pessoas ligadas por
circunstâncias de fato
que comprovarem
insuficiência de recursos
Dar assistência
jurídica integral e
gratuita às pessoas
ligadas por uma
relação jurídica base
que comprovarem
insuficiência de
recursos
Dar assistência
jurídica integral
e gratuita às
pessoas que
tem lesão a
direito os
decorrentes de
origem comum
que
comprovarem
insuficiência de
recursos
Exemplos Ex. 1) Poluição ambiental
(em que não se pode
terminar o número de
agentes atingidos):
contaminação de rio,
emissão de poluentes no
ar (Cubatão);
2) Propaganda: todos os
consumidores expostos à
propaganda ilícita que
tenha como público alvo
população de baixa
renda (produto que não
cumpre o que promete,
que causa dano à saúde)
Ex.: Todas as
pessoas de baixa
renda que adquiriram
produto lesivo à
saúde (relação
jurídica base comum,
o mesmo contrato);
Todas as pessoas de
baixa renda que
celebraram contrato
com cláusula abusiva
Ex.: Pessoas
que sofreram
danos
decorrentes de
um produto,
como carro
popular com
defeito que
cause acidente;
Brinquedos da
Matel;
Portanto, é juridicamente possível o reconhecimento da legitimidade da
Defensoria Pública para ingressar com ação coletiva que trate de direito de
pessoa pobre para garantir a dignidade da pessoa humana no Estado
Democrático de Direito na sociedade complexa. A seguir serão abordadas
algumas questões processuais envolvendo a capacidade da Defensoria Pública
para postular em juízo, em favor dos necessitados, em conflitos coletivos.
71
3.4 A legitimidade da Defensoria Pública para a tutela dos
direitos metaindividuais
O Código de Processo Civil foi elaborado com vistas a atender,
essencialmente, a resolução do conflito individual. Basta que se observem as
regras que tratam da legitimação para agir, para verificar-se que,
ordinariamente, a legitimidade é buscada a partir da situação material deduzida
em juízo. (VIANA, 2006, p.129).
Segundo a regra do art. 6º, do referido estatuto legal: “Ninguém poderá
pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei.” Daí
se infere que, em regra, a legitimação é aferida a partir da titularidade do direito
invocado.
Ocorre que esse modelo individualista do processo vem se mostrando
ineficiente para os conflitos da sociedade moderna
45
. A partir do momento em
que novos direitos fundamentais foram reconhecidos, a saber: direitos
metaindividuais, estes pertencentes a número indeterminado ou pelo menos
indeterminável de pessoas, novos mecanismos tiveram que ser criados para
tornar possível a efetivação dos mesmos.
É preciso observar que, em sua evolução, deve o processo civil passar a
estabelecer maior ligação com o direito constitucional, e especialmente com a
teoria dos direitos fundamentais. Neste sentido, interessantes são as
observações de Tiago Fensterseifer (2008, p.58):
A efetivação dos direitos e a pacificação social são o verdadeiro fim’
das normas processuais. Como instrumento ou meio de realização do
direito material, o processo não pode opor barreiras formais à
concretização dos direitos, especialmente quando estiverem em
causa direitos fundamentais, sempre em vista da garantia
constitucional do acesso à justiça, da garantia da inafastabilidade do
controle jurisdicional (art. 5º, XXXV) e do direito fundamental a uma
tutela jurisdicional efetiva.
Para atender a algumas demandas coletivas, instrumentos normativos
foram criados, dentre os quais: a) Lei da ação popular (Lei n. 4.717, de 1965)
45
Para Luiz Guilherme Marinoni (1993, p.54), esse entendimento fica bastante evidente
quando diz: “a complexidade da sociedade moderna, com o intrincado desenvolvimento das
relações econômicas, lugar a situações nas quais determinadas atividades podem causar
prejuízo aos interesses de um grande número de pessoas, fazendo surgir problemas
ignorados às demandas meramente individuais.”
72
que visa a proteger o patrimônio público dos atos e contratos lesivos; b) Lei da
ação civil pública (Lei n. 7.437, de 1985) que trouxe a possibilidade de defesa
contra atos lesivos ao meio ambiente, consumidor, bens e direitos de valor
artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, a qualquer outro interesse
difuso ou coletivo e à ordem econômica; c) Código de Defesa do Consumidor,
que dispôs não apenas sobre a proteção dos direitos dos consumidores, mas
também trouxe normas de cunho processual aptas ao combate das práticas
abusivas e ilegais contrárias a esses direitos.
46
Relembre-se que a Constituição Federal de 1988 dispôs sobre o
reconhecimento da legitimidade das entidades associativas e sindicatos para
defesa de direitos coletivos, previu a possibilidade da utilização de mandado
coletivo (art. 5º, LXX) e ainda a legitimidade do Ministério Público para ação
civil pública (art. 129, III).
Atualmente a Lei n. 11.448, de 2007, modificando o art. 5º., da Lei n.
7.347, de 1985 (Lei da Ação Civil Pública), conferiu legitimidade à Defensoria
Pública para propositura de ação civil pública em favor dos direitos
metaindividuais. Entretanto, ao entrar em vigor a referida lei, foi interposta a
ação declaratória de inconstitucionalidade no. 3943, pela Associação Nacional
do Ministério Público - CONAMP, perante o Supremo Tribunal Federal, visando
a que o supremo se manifeste pela inconstitucionalidade do artigo mencionado.
Em relação aos argumentos da Associação Nacional do Ministério
Público, esses serão devidamente tratados, após o estudo da possibilidade
jurídica de se conferir legitimidade processual à Defensoria Pública para
propositura de ações civis públicas.
46
Esses são apenas alguns exemplos, já que ainda existem outros instrumentos normativos de
tutela dos direitos metaindividuais, tais como a Lei n. 7.853, de 1989 (que trata dos direitos
dos portadores de deficiências; a Lei n. 8.069, de 1992 (Estatuto da Criança e do
Adolescente); mais recentemente a Lei n. 10.741, de 2003 (trata dos interesses das pessoas
idosas), dentre outros.
73
3.4.1 Legitimidade Ad Causam para propositura de ações civis
públicas
A fim de tornar possível a proteção dos direitos metaindividuais, o
legislador brasileiro passou a dispor de um novo modelo de processo, em que
o titular do direito violado, que neste caso é a coletividade, é representado em
juízo por um legitimado disposto em lei, como diz Lenza (2008, p.165):
[..] seguindo a tendência mundial, alterou o clássico conceito de ‘justa
parte’, desvinculando-o do titular do suposto direito material violado,
mitigando, assim, o princípio clássico da coincidência entre aquele
referido titular e o sujeito do processo, através da criação do modelo
de um representante ideológico da massa, do ideological plaintiff
(Louis Jaffe), do ente esponenziale di um gruppo non occasionale
(Massimo Servero Giannini), enfim do representante adequado para,
em juízo, satisfazer os requisitos dos princípios constitucionais do
contraditório e da ampla defesa, analisados, também, sob a ótica
coletiva.
Assim, “para a defesa dos direitos metaindividuais, o eixo de análise deixa
de ser a titularidade do direito material e passa a ser o reconhecimento da
adequada representação, no processo, para proteger e tutelar esses direitos.”
(RODRIGUES, 2004, p.68).
A legislação brasileira adotou, para escolha dos representantes dos
direitos metaindividuais, um caráter misto, legitimando tanto representantes
adequados públicos quanto privados. Assim, a Lei n. 7.347, de 1985 (Lei da
Ação Civil Pública), em seu art. 5º, dispõe que são representantes das
coletividades: 1. Ministério Público; 2. Defensoria Pública; 3. União, Estados-
membros, Distrito Federal e Municípios; 4. autarquia, empresa pública,
fundação e sociedade de economia mista; 5. Associação Civil que esteja
constituída pelo menos um ano e tenha como finalidade institucional a
proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre
concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e
paisagístico.
47
Ressalte-se que não existe subsidiariedade em relação aos legitimados à
propositura da ação civil pública, estes concorrem em igualdade de condições
47
No Brasil, o legislador arrola os legitimados a propositura da ação civil pública, ao contrário
do que ocorre no sistema americano, em que o juiz verifica, em cada caso, a posição de
legitimidade daquele que se diz representante de determinada classe ou grupo.
74
para interposição da ação civil. Também qualquer legitimado poderá propor,
sem a anuência dos demais, esse tipo de ação, sendo o litisconsórcio
eventualmente formado pelos representantes, facultativo e não necessário. Em
razão destas características é que se diz que a legitimidade para defesa dos
interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos é concorrente e
disjuntiva.
48
Quanto à natureza jurídica da legitimação concorrente e disjuntiva,
divergência doutrinária acerca dessa questão. Uma corrente doutrinária
majoritária entende que a legitimação adotada para representação do direito
metaindividual é extraordinária, pois há substituição processual da coletividade.
Neste sentido é a doutrina de Dinamarco (2001, p.219), Vigliar (1998, p.153),
dentre outros.
Outra corrente, liderada por Nélson Nery Júnior e Rosa Nery (2008,
p.170), trata deste tipo de legitimação como sendo autônoma em relação à
defesa dos direitos difusos e coletivos e em legitimação extraordinária em
relação à defesa dos direitos individuais homogêneos. Para esses autores:
Como os titulares dos direitos difusos são indetermináveis e os dos
direitos coletivos indeterminados (CDC 81 par.ún. I e II), sua defesa
em juízo é realizada por meio da legitimação autônoma para a
condução do processo (selbstandige Prozeführugsbefugnis), estando
superada a dicotomia clássica legitimação ordinária e extraordinária.
para Pedro Lenza (2008, p.178), a legitimação para a tutela coletiva
deve ser compreendida como uma legitimação extraordinária especial, em que
se prioriza a “molecularização dos conflitos”. Em seu entendimento, trata-se de
“uma legitimidade extraordinária sui generis, havendo, no sentido proposto,
necessariamente substituição processual da coletividade, por um legitimado
adequado.”
48
Marcelo Abelha Rodrigues (2004, p.69-70) discorda dessa nomenclatura. Segundo o autor:
“preferimos outra terminologia para designar o mesmo significado, por entendermos ser mais
correta denominá-la legitimidade coletiva e exclusiva (não complexa). [...] Trocando em
miúdos, a legitimidade prevista é do tipo coletiva, porque existem vários entes que a
possuem (especificamente previstos na norma); do tipo exclusiva porque não precisam de
anuência um do outro para proporem a demanda; e por fim, taxativa porque os entes
arrolados na lei é que receberam a atribuição de representantes adequados para a tutela dos
interesses coletivos lato sensu.
75
3.4.1.1 A legitimidade da Defensoria Pública antes da vigência da
Lei n. 11.448, de 15 de janeiro de 2007
Antes da vigência da Lei n. 7.347 de 1985
49
, havia apenas a Lei da ação
popular que permitia a defesa de direitos metaindividuais, através da tutela
coletiva, dando legitimidade ao cidadão brasileiro para resguardar o patrimônio
nacional.
Entretanto, por ter o seu objeto limitado, que exclui a reparação de
lesões causadas por instituições privadas e certas lesões causadas pelo poder
público, esta lei se mostrou insuficiente para tutelar de forma efetiva os
diversos direitos metaindividuais.
Naquela época, antes da vigência da lei da ação civil pública, existiam
duas correntes doutrinárias que defendiam que certas instituições ou órgãos
públicos poderiam pleitear em juízo direitos transindividuais,
independentemente de previsão legal no direito processual.
Uma primeira corrente sustentava a possibilidade da tutela jurisdicional
dos direitos metaindividuais por qualquer entidade. Neste caso, a legitimidade
poderia ser reconhecida a partir da análise sistemática do ordenamento
jurídico. Essa doutrina era baseada nas lições de José Carlos Barbosa Moreira.
(FIORILLO, 1995, p.63-64).
Uma segunda corrente procurava extrair do próprio direito processual
vigente a legitimidade ativa para a defesa dos direitos difusos ou coletivos.
Kazuo Watanabe (apud CARNAZ, 2007, p.160), por exemplo, defendia a idéia
de que deveria ser dada uma interpretação extensiva ao art. 6º. do Código de
49
Trata-se da Lei n. 4.717 de 1965, que dispõe: art. 1º: “Qualquer cidadão será parte legítima
para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União,
do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de
economia mista (Constituição, art. 141, § 38), de sociedades mútuas de seguro nas quais a
União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais
autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja
concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita ânua,
de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos
Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres
públicos. § 1º - Consideram-se patrimônio público para os fins referidos neste artigo, os bens
e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico.”
76
Processo Civil, para se aceitar como ordinária a legitimidade ativa das
entidades criadas pela própria sociedade, na defesa dos direitos
metaindividuais.
Com a edição da Lei n. 7.347
50
, de 1985, a questão da defesa dos direitos
metaindividuais foi expressamente prevista, tendo a referida lei mencionado
quais as instituições legitimadas a propor esse tipo de ação. Em seu texto
original, a Defensoria Pública não foi contemplada como uma das instituições
legitimadas a propor ação civil pública em defesa dos direitos difusos, coletivos
e individuais homogêneos.
Entretanto, ainda que sem previsão expressa na Lei da Ação Civil
Pública, passou-se a admitir a sua legitimidade para defesa dos direitos
metaindividuais relacionados aos direitos dos consumidores. O fundamento
legal para a aceitação da legitimação ativa da Defensoria Pública no
ajuizamento desse tipo de ação estava nas disposições dos artigos 81 e 82 do
Código de Defesa do Consumidor e na Lei Complementar n. 80, de 1994, que
rege a estrutura e as funções da Instituição. Veja-se o que mencionam:
Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das
vítimas poderá ser exercida em juízo ou individualmente, ou a título
coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
[...]
III- interesses e direitos individuais homogêneos, assim entendidos os
de origem comum.
Art. 82. Para fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados
concorrentemente:
[...]
III- as entidades e órgão da Administração Pública, direta ou indireta,
ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinadas à
defesa dos interesses protegidos por este Código.
Por sua vez, a Lei complementar n. 80, de 12 de janeiro de 1994, em seu
art. 4º., III e XI, dispõe:
Art. 4º. São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre
outras:
III- patrocinar ação civil;
[...]
50
Em seu art. Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as
ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: l - ao meio-ambiente;
ll - ao consumidor; III – à ordem urbanística; IV – a bens e direitos de valor artístico, estético,
histórico, turístico e paisagístico; V - por infração da ordem econômica e da economia
popular; VI - à ordem urbanística.
77
XI- patrocinar os interesses do consumidor lesado;
Também a Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XXXII, afirma caber
ao Estado, na forma da lei, a defesa do consumidor. Destaque-se que a
Defensoria Pública, nos termos constitucionais, é órgão essencial à função
jurisdicional do Estado, sendo a sua função a defesa dos necessitados. Ora, na
medida em que estes possam ser prejudicados em seus direitos de
consumidores, nada mais justo seja esta Instituição encarregada de fazer sua
defesa em juízo.
51
Com estes argumentos, antes do advento da Lei n. 11.448, de 2007,
passou-se a admitir a defesa de diretos metaindividuais, pela Defensoria
Pública, apenas em relação aos direitos dos consumidores. Neste sentido, o
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul chegou a decidir:
Processual civil. Ação civil pública. Interesse coletivo dos
consumidores. Legitimidade ativa da Defensoria Pública.1. A
Defensoria Pública tem legitimidade, a teor do art. 82, III, a Lei 8.078;
90 (Cód. Defesa do Consumidor), para propor ação coletiva visando à
defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos
dos consumidores necessitados. A disposição legal não exige que o
órgão da Administração Pública tenha atribuição exclusiva para
promover a defesa do consumidor, mas específica, e o art. 4º., XI, da
LC 84;90, bem como o art. 3º., parágrafo único, da LC 11.795;02- RS,
estabelecem como dever institucional da Defensoria Pública a defesa
dos consumidores. 2. Apelação improvida. (RIO GRANDE DO SUL
TJRS, apelação cível 70014404784, 4ª. Câm. Cív, rel, Des. Araken de
Assis, DJU 12.04.2006).
O Superior Tribunal de Justiça também teve a oportunidade de se
manifestar sobre a questão, antes das inovações trazidas pela Lei Federal n.
11.448, de 2007. Inicialmente, houve certa resistência ao reconhecimento
dessa legitimação, podendo tal fato ser aferido da leitura da ação civil pública
proposta pelo núcleo de defesa do consumidor da Defensoria Pública do Rio de
Janeiro – NUDECON, em defesa dos consumidores de energia elétrica daquele
Estado. As partes promovidas eram Light Serviços de Eletricidade S.A e CERJ
Companhia de Eletricidade do Rio de Janeiro. Nesta ação, questionou-se a
legalidade de alguns artigos da Portaria n. 466, de 1997, do DNAEE
52
, bem
51
“[...] quanto mais se alarga a legitimidade para a propositura dessas ações, mais se
intensifica a participação do cidadão - ainda que representado por entidades - e dos grupos
no poder e na vida social.” (MARINONI, 2006, p.199).
52
Trata-se do Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (órgão que foi substituído
pela ANEEL- Agência Nacional de Energia Elétrica).
78
como a devolução de valores pagos indevidamente pelos consumidores do
serviço. (BRASIL. STJ, REsp 734-176-RJ, rel. Min. Francisco Falcão, j.
07.03.2006, DJ 27.03.2006)
Neste julgamento, o Ministro Francisco Falcão entendeu que a Defensoria
Pública o era legitimada a interpor a referida ação, em defesa dos direitos
coletivos envolvidos, em nome próprio. Isso, segundo seu entendimento,
porque esta instituição não figurava entre os legitimados a mover ação civil
pública da Lei n. 7.347, de 1985, e , também, por não ter sido destinada à
tutela dos interesses consumeristas, conforme o art. 82, III, do Código de
Defesa do Consumidor.
em momento posterior, em outro julgamento, o Superior Tribunal de
Justiça admitiu que o NUDECON, como órgão especializado da Defensoria
Pública do estado do Rio de Janeiro, tinha legitimidade para interpor ação civil
pública em favor dos consumidores que haviam firmado contrato de
arrendamento mercantil, para aquisição de veículos, com cláusulas contratuais
que dispunham de indexação monetária vinculada à variação cambial.
(BRASIL. STJ, REsp 555.111- RJ, rel. Min. Castro Filho, j. 05.09.2006, DJ
18.12.2006).
Segundo o acórdão proferido neste caso, a Defensoria Pública estava
legitimada para interpor aquela ação porque a intenção do legislador, conforme
art. 82 e incisos do CDC, e também o art. 5º., XXXII da Constituição Federal,
era ampliar os casos de legitimidade ativa para defesa dos interesses dos
consumidores.
Nesse acórdão foi reconhecida expressamente a relevância social
envolvida, pois ainda que se tratasse de direitos essencialmente individuais,
era vislumbrado o interesse da sociedade na solução coletiva do litígio, para
atender às políticas judiciárias, no sentido de propiciar a defesa plena do
consumidor, com a conseqüente facilitação ao acesso à Justiça, e para garantir
a segurança jurídica em tema de extrema relevância, evitando-se a existência
de decisões conflitantes.
79
O relator do recurso especial reconheceu a legitimidade da Defensoria
Pública para a propositura daquela ação, considerando que a defesa dos
consumidores estaria entre uma das suas funções institucionais. Ademais,
considerou que os consumidores, naquele caso, eram vulneráveis perante o
fornecedor, sendo, assim, frágeis em relação a este.
Atualmente, a Defensoria Pública encontra-se no rol dos legitimados da
lei da ação civil pública. Na época das decisões acima comentadas, não havia
previsão legal expressa.
Conforme salientado anteriormente, o reconhecimento da legitimidade
da Defensoria blica na defesa dos consumidores em razão da análise
sistemática do ordenamento jurídico, buscou conciliar a lei da ação civil pública
com as disposições do Código de Defesa do Consumidor, a Lei Complementar
n. 80 de 1994 e a própria Constituição Federal.
3.4.1.2 A legitimidade da Defensoria Pública após a vigência da
Lei n. 11.448, de 15 de janeiro de 2007
A Lei n. 7.347, de 1985, conhecida como Lei da Ação Civil Pública,
sofreu, através da Lei n. 11.448, de janeiro de 2007, alteração em seu art. 5º,
que dispõe sobre as instituições legitimadas para propositura desse tipo de
ação. Em sua nova redação, atualmente prevê:
Art. 5º.. Tem legitimidade para propor a ação principal e a ação
cautelar:
I- o Ministério Público;
II- a Defensoria Pública;
III- a União, o Distrito Federal e os Municípios;
IV- a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de
economia mista;
V- a associação que, concomitantemente:
a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;
b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio
ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou
ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
Ocorre que, ao entrar em vigor a Lei n. 11.448, como mencionado, a
Associação Nacional dos Membros do Ministério Público - CONAMP interpôs a
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn 3943), alegando a
80
inconstitucionalidade dessa lei, ao atribuir legitimidade irrestrita à Defensoria
Pública, em relação aos direitos coletivos.
53
Em seus argumentos, o Ministério Público alega que a referida Lei “afeta
diretamente” as suas atribuições. Além disso, contraria os artigos 5º, LXXIV, e
art. 134, da Constituição Federal, que dispõem sobre as funções institucionais
da Defensoria Pública, no que pertine à prestação de assistência jurídica
integral e gratuita aos que não possuem recursos financeiros.
No entendimento deste órgão, não possibilidade de a Defensoria
Pública atuar na defesa de interesses difusos e coletivos: sua atuação deve ser
apenas no que se refere aos direitos individuais. A seguir serão tratados os
principais argumentos da referida ação.
3.5 Da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3943
A Ação Direta de Inconstitucionalidade
54
n. 3943 está em tramitação
no Supremo Tribunal Federal e tem como relatora a Ministra Cármem Lúcia
Antunes da Rocha. Em seu pedido final, a Associação Nacional dos Membros
do Ministério Público requer seja declarada a inconstitucionalidade da Lei n.
11.448, de 2007, nos seguintes termos:
Por todo o exposto, a Associação proponente pede, após colhidas as
informações de praxe e após dada vista dos autos aos
Excelentíssimos Senhores Advogado Geral da União e Procurador-
Geral da República, seja julgada procedente esta ação, declarando-
se a inconstitucionalidade do inciso II do art. 5º. da Lei 7.347, de 24
de junho 1985, com redação dada pela Lei no. 11.448, de 15 de
janeiro de 2007, por contrariar o disposto no art. 5º., LXXIV, e art.
134, caput, da Constituição da República.
Todavia, se essa excelsa Corte concluir pela possibilidade
constitucional de os defensores públicos poderem ajuizar ação civil
pública na defesa de interesses coletivos e individuais homogêneos,
que, alternativamente, se interpretação conforme ao texto
constitucional, para excluir a legitimidade ativa da Defensoria Pública,
53
Apesar de ser a CONAMP órgão de representação nacional do Ministério Público, é preciso
ressaltar que a posição assumida pelo mesmo não representa o entendimento de grande
número de promotores de justiça e de procuradores da república, no que concerne ao
entendimento de que a Lei n. 11.448, de 2007, seria inconstitucional, por legitimar a
Defensoria Pública na defesa de direitos coletivos. Em reação à atitude da Associação
Nacional do Ministério Público (CONAMP), a ONG Movimento do Ministério Público
Democrático”, presidido pelo Promotor de Justiça Roberto Livianu, veiculou nota em que diz
com a referida lei “[...] será fortalecido também o acesso à Justiça”. ANADEP (2008, on line).
54
Segundo Lenio Luiz Streck (2002, p.426), a ação direta de inconstitucionalidade genérica é
destinada à decretação in abstrato de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou
estadual, consoante previsão no art. 102, I, a, da Constituição.
81
quanto ao ajuizamento de ação civil pública para defesa de interesses
difusos.
55
Esse pedido é fundamentado em argumentos equivocados, pois utiliza a
afirmativa de que a Lei n. 11.448, de 2007, extrapola as atribuições
constitucionais da Defensoria Pública. Em seus argumentos, a CONAMP
dispõe que a Constituição Federal atribui à Defensoria Pública apenas a
missão de defender o necessitado de recursos financeiros, tornando possível o
seu acesso ao Poder Judiciário. Assim, para que a Defensoria Pública atue é
necessário que se identifique a pessoa que está sendo defendida,
demonstrando que esta faz jus aos benefícios da justiça gratuita.
No caso dos direitos difusos e coletivos (em sentido estrito), como uma
das características desses direitos é a não identificação dos titulares do direito,
não se poderia, pois, demonstrar, no caso concreto, a condição de necessitado
das pessoas assistidas pela Defensoria Pública.
Esse tipo de raciocínio está presente nas argumentações de Karin Sohn
Genz e Júlio César Finger (2008, on line):
A Lei 11.448, de 15/01/2007, veio a inovar a redação do art. da
Lei nº 7.347/85, conferindo à Defensoria blica legitimidade ativa
para o ajuizamento de ações civis públicas.
A legitimidade atribuída pela lei ordinária desborda completamente
das atribuições da Defensoria Pública, tal qual estão elas definidas na
Constituição da República. Com efeito, a Defensoria Pública é
instituição destinada a concretizar a garantia fundamental do acesso
à justiça e da ampla defesa (art. 5º, incisos XXXVI e LV) a todos
quantos não puderem fazer por recursos próprios, sem prejuízo de
sua subsistência. Outra conclusão não se retira dos dispositivos
constitucionais pertinentes:
Art. 5º [...]
LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos
que comprovarem insuficiência de recursos.
[...]
Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a
defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º,
LXXIV.
Portanto, a importante missão constitucional da Defensoria Pública
destina-se a aproximar o cidadão se condições financeiras da
prestação jurisdicional e da assistência jurídica.
A ação civil pública, prevista constitucionalmente como ‘função
institucional’ do Ministério Público, embora não exclusiva (art. 129, III
e parágrafo 1º), destina-se à proteção do patrimônio público e social,
55
A redação da petição é assinada pelos advogados distritais Aristides Junqueira Alvarenga e
Juliana Moura Alvarenga. Toda a ação está disponível para cadastrados para processos
virtuais no site do Supremo Tribunal Federal.
82
do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. Não é
difícil vislumbrar, nesse quadrante, que a categoria ‘cidadão
necessitado’, que constitucionalmente autoriza a legitimidade
processual da Defensoria Pública, não se comunica com a categoria
‘titular de interesses difusos e coletivos’. É possível divisar que um
cidadão possa ser ao mesmo tempo ‘necessitado’ e titular de direito
coletivo (nunca difuso), mas também não é difícil de verificar que
defender um interesse difuso e coletivo na esfera judicial, não
permitiria verificar a sua condição de necessitado.
Enquanto os interesses difusos e coletivos são transindividuais,
normalmente sem a possibilidade de identificação de seus titulares,
‘necessitado’ é sempre alguém cuja condição pode e deve ser
verificável concretamente.
A Constituição Federal incumbiu a Defensoria Pública do papel de atuar
em favor dos necessitados, prestando-lhes orientação jurídica e a defesa, em
todos os graus, na forma do art. 5º, LXXIV, que dispõe: “O Estado prestará
assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de
recursos.”
Ocorre que, ao contrário do que dizem os autores acima comentados, a
condição de “necessitado” pode ser verificada também em relação aos titulares
dos direitos difusos e coletivos. Por exemplo, uma propaganda enganosa que
diga respeito à aquisição de casa própria para aqueles que não ganham sequer
o salário mínimo. Ou ainda, em casos em que algumas empresas financeiras
firmam com pessoas de baixa renda, contratos de tulo de capitalização,
eivados de cláusulas abusivas.
No primeiro caso, não é possível demonstrar a quantidade de pessoas
prejudicadas por conta da propagada enganosa; aliás, mesmo pessoas não
carentes são abrangidas pela prática ilegal, mas não se pode deixar de
perceber que a propaganda foi constituída para lesar pessoas hipossuficientes.
A mesma coisa se diga para o segundo caso, em que o contrato é voltado para
estabelecer relações contratuais com pessoas de baixa renda.
A Constituição não afirmou que o necessitado que deve ser defendido
pela Defensoria Pública deve ser identificado individualmente. Aliás, esse tipo
de raciocínio destoa da teoria dos direitos fundamentais, que informa que em
relação à interpretação das normas que tratam da defesa dos direitos
83
fundamentais deve ser a mais ampla possível.
56
A alegação dos referidos
autores não são pertinentes ao processo em que se tutelam direitos coletivos.
O legislador originário buscou dar o máximo de efetividade aos direitos
fundamentais. A prestação do serviço de assistência jurídica gratuita e integral
é uma grande conquista dos Estados democráticos e um direito fundamental,
sem nenhuma dúvida. Por isso se deve interpretar a Constituição de forma a
fazer com que o acesso à justiça chegue a número cada vez maior de pessoas.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça decidiu:
Ementa. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO COLETIVA. DEFENSORIA
PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA. ART. 5º, II, DA LEI N. 7.347,1985
(REDAÇÃO DA LEI N. 11.448, 2007). PRECEDENTE.
1. Recursos especiais contra acórdão que entendeu pela legitimidade
ativa da Defensoria Pública para propor ação civil coletiva de
interesse coletivo dos consumidores.
2. Esta Superior Tribunal de Justiça vem-se posicionando no sentido
de que, nos termos do art. 5º., II, da Lei no. 7.347, 85 (com redação
dada pela Lei no. 11.448, 07), a Defensoria Pública tem legitimidade
para propor ação principal e a ação cautelar em ações civis coletivas
que buscam auferir responsabilidade por danos causados ao meio-
ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético,
histórico, turístico e paisagístico e dá outras providências.
3. Recursos especiais não providos.
57
Assim, grande equívoco no raciocínio acima explicitado. Se a
Constituição, ao tratar da Defensoria Pública, não impõe que seja o
necessitado identificado individualmente, nem a legislação infraconstitucional,
não poderia esse tipo de interpretação prevalecer, até porque vem a restringir o
direito da população carente, que muitas vezes desconhece seus direitos, e,
56
Interessante a doutrina de Flávia Piovesan (2008, p.715), ao tratar da hermenêutica dos
direitos fundamentais sociais, para quem o intérprete deverá observar o princípio da
“interpretação efetiva”, que segundo o seu entendimento assume especial importância, por
“conferir aos direitos sociais a maior efetividade possível.” A autora também destaca o
princípio da“ interpretação ótima” da Constituição: “Cabe ao intérprete maximizar e
potencializar o alcance das normas veiculadoras de direitos humanos, evitando
interpretações restritivas e reduzidas afetas a estes direitos.”
57
RESP N. 912.849 - RS, Relator Ministro José Delgado, DJU 25.04.2008. Interessante
mencionar o voto de vista do Ministro Francisco Falcão, que diz: As normas
infraconstitucionais de legitimação da Defensoria blica deve ser interpretadas levando em
consideração as funções institucionais estabelecidas na Constituição. Nos termos do art. 134
da CF, A Defensoria Pública é instituição essencial n à função jurisdicional do Estado,
incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na
forma do art. 5º., LXXIV”. Esse dispositivo a que se reporta a norma estabelece, por sua vez,
que o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem
insuficiência de recursos.” Considerando o princípio da máxima efetividade da
Constituição e, especialmente, dos instrumentos de tutela dos direitos por ela criados,
não dúvida de que os dispositivos transcritos conferem à Defensoria Pública
legitimação ativa ampla no plano jurisdicional, tanto sob o aspecto material, quanto no
instrumental [...].” (Grifou-se).
84
portanto, não tem nem mesmo consciência de buscar socorro em suas
carências junto ao poder judiciário.
Outro equívoco da CONAMP é fundamentar o pedido de declaração de
inconstitucionalidade da Lei n. 11.448, de 2007, afirmando que esta afeta as
atribuições do Ministério Público.
Émerson Garcia (2008, on line), em texto veiculado na internet, defende o
argumento da CONAMP, conforme suas palavras:
No âmbito das funções essenciais à justiça, foram incluídos (1) o
Ministério Público, (2) a Defensoria Pública, (3) a Advocacia Pública e
(4) a Advocacia Privada. A primeira dessas instituições foi incumbida
da ‘defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses
sociais e individuais indisponíveis’, terminando por abarcar um rol de
atribuições, efetivo ou potencialmente outorgável pela legislação
infraconstitucional, de indiscutível amplitude. A segunda, por sua vez,
vale dizer, a Defensoria Pública, foi incumbida da orientação jurídica e
da defesa dos necessitados. Enquanto o Ministério Público somente
poderá defender os necessitados quando possível o enquadramento
na norma-quadro que delineia suas atribuições, a Defensoria Pública
tem sua atividade finalística restrita à defesa dessa camada da
população.
É importante realçar a absoluta coerência lógica do modelo
constitucional, criando uma certa especialização de funções de modo
a evitar que uma Instituição viesse a absorver a outra. No entanto, o
que fez o legislador infraconstitucional na literalidade da Lei no.
11.448; 2007) Equiparou atribuições, permitindo que o intérprete
coloque em dúvida a referida coerência lógica do sistema
constitucional.
Entretanto, não razão para dizer que a Lei n. 11.448, de 2007, confundiu
atribuições do Ministério Público e da Defensoria Pública. Realmente, as duas
instituições tem perfis diferentes. Isso não significa dizer que aquela segunda
não possa interpor ações civis públicas.
O que fez a Lei n. 11.448, de 2007, foi deixar expressa a legitimação da
Defensoria Pública para propositura de ACP, legitimação esta que, em alguns
casos, era aceita nos Tribunais brasileiros (no caso da defesa dos direitos
dos consumidores), apenas pela análise sistemática das normas
constitucionais e de alguns diplomas legais infraconstitucionais, como no caso
do Código de Defesa do Consumidor.
A missão constitucional da Defensoria Pública é fazer com que o
necessitado tenha acesso à justiça. Ocorre que a pessoa carente de recursos
85
financeiros tanto se envolve em conflitos individuais, como também em
conflitos coletivos, ainda mais na sociedade de massas, extremamente
complexa e frágil perante determinados setores econômicos.
Não se pode, de plano, dizer que a Defensoria Pública é parte ilegítima
para defender direitos difusos, pois esses direitos, a depender do caso
concreto, apesar de não ter uma titularidade definida, poderá dizer respeito
exatamente a indeterminado número de pessoas hipossuficientes.
A Lei n. 7.347, de 1985, desde que entrou em vigor, trouxe em seu texto
legitimidade para interpor ação civil pública a mais de uma instituição,
atualmente o Ministério Público divide essa atribuição com a Defensoria
Pública, e mais: a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, as
autarquias, as empresas públicas, fundações, sociedades de economia mista e
associações a legitimidade para propor ação civil pública
58
.
Ressalte-se que o texto legal, apenas em relação às associações, impõe
que esteja constituída mais de um ano, e que tenha, entre suas finalidades
institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem
econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico,
turístico e paisagístico.
A Lei n. 7.347, de 1985, prevê a legitimidade do Ministério Público sem
qualquer ressalva. Entretanto, esta instituição não poderá interpor ação civil
pública para defesa de direitos individuais homogêneos, quando não estiver
presente qualquer interesse público ou relevância social.
59
58
A propósito da alegação de que a Lei 11.448, de 2007, estaria afetando as atribuições do
Ministério Público, segundo fundamentação jurídica exposta na ADI 3943, bem observou
Tiago Fensterseifer (2008, p.68) “Por sua vez, causa estranheza que o Parquet nunca tenha
levantado a sua voz contra a constitucionalidade da legitimidade dos demais entes arrolados
no rol do art. 5º. da LACP, mas apenas da Defensoria Pública agora. É provável que assim
tenha ocorrido em razão de que a legitimidade dos demais entes, ao menos no âmbito da
tutela do ambiente, praticamente nunca saiu do papel, sendo que, até hoje,
aproximadamente 95% das ações civis públicas ambientais são (e foram) ajuizadas pelo
órgão ministerial. Na prática, consolidou-se um ‘monopólio’”, o qual se hoje ameaçado
pela atuação crescente da Defensoria Pública.”
59
Veja-se o que diz Kazuo Watanabe (2000, p.735) “tanto os interesses difusos como os
coletivos, para efeitos do Código, deve ser ‘transindividuais de natureza indivisível’. A
indivisibilidade do bem jurídico tutelando, nota mais marcante dos interesses ou direitos
difusos e coletivos, deve dizer respeito a toda a coletividade (difuso) ou a todo o grupo
(coletivos), o que significa que entidades privadas e públicas, inclusive o Ministério Público,
não estão legitimadas para a tutela de interesses individuais agrupados (exclusão feita à
hipótese no inc.III do mesmo dispositivo), mormente em se tratando de interesses
86
Da mesma forma, a Lei n. 11.448, de 2007, não fez ressalva à
legitimação da Defensoria Pública, entretanto, em sua atuação, deverão estar
presentes os interesses de hipossuficientes, sejam estes determinados ou não.
Não se pode, de plano, alijar a atuação da Defensoria Pública na defesa
dos direitos coletivos (em sentido lato), na forma como está sendo pleiteada,
em pedido principal, na Ação Declaratória de Inconstitucionalidade n. 3943.
Como pedido sucessivo, na ação declaratória de Inconstitucionalidade
3945, o CONAMP requer:
Todavia, se essa excelsa Corte concluir pela possibilidade
constitucional de os defensores públicos poderem ajuizar ação civil
pública na defesa de interesses coletivos e individuais homogêneos,
que, alternativamente, se interpretação conforme ao texto
constitucional, para excluir a legitimidade ativa da Defensoria Pública,
quanto ao ajuizamento de ação civil pública para defesa de interesses
difusos.
Ou seja, o primeiro pedido requer que se retire a legitimidade da
Defensoria Pública defender direitos coletivos. Entretanto, caso o Supremo
Tribunal Federal venha a entender que essa legitimidade é possível, que então
a Corte Constitucional do País declare que essa instituição não poderá atuar na
defesa dos direitos difusos.
Em relação aos direitos difusos, no subcapítulo 3.3.1, foi comentada a
viabilidade de proteção dos direitos difusos através da atuação da Defensoria
Pública, razão pela qual remete-se à leitura do mesmo.
Nesse contexto, é preciso frisar que o Supremo Tribunal Federal teve a
oportunidade de analisar as limitações da atuação da Defensoria Pública, em
relação à defesa de direitos coletivos. Isso aconteceu quando da análise da
ação direta de inconstitucionalidade n. 558-8, em que o Procurador Geral da
República alegou a inconstitucionalidade do art. 176, caput, da Constituição
Estadual do Rio de Janeiro, que prevê que a Defensoria desse Estado poderá
contrapostos de membros de um mesmo grupo, classe ou categoria de pessoas. Essa
mesma interpretação deve prevalecer em relação ao inc.III do art. 129, CF, sob pena de
transformar o Ministério Público em defensor de interesses individuais disponíveis, quando
sua atraibuição é mais relevante [...].” Ou seja, o Ministério Público, no caso concreto,
também passa por uma análise se sua representação é adequada. (ver exemplos de tal
análise nas decisões do Superior Tribunal de Justiça (RESP N. 70.997-SP; RESP N. 39.757-
MG, dentre outros).
87
prestar orientação jurídica, a postulação e a defesa em juízo dos direitos e
interesses coletivos dos necessitados, e também alegou a inconstitucionalidade
daquela constituição estadual do seu art. 176, parágrafo 2º., inciso V, e, 1ª.
parte, que prevê ainda que a instituição poderá patrocinar ação civil em forma
de associações destinadas à proteção dos direitos difusos.
O relator do feito foi o Ministro Sepúlveda Pertence, que acompanhado
pela unanimidade de seus páreas, afirmou em relação ao art. 176, caput:
Certo, a própria Constituição da República giza o raio da atuação
institucional da Defensoria Pública, incumbindo-a da orientação
jurídica e da defesa, em todos os graus dos necessitados (art. 134).
Daí, contudo, não se segue a vedação de que o âmbito da assistência
judiciária da Defensoria Pública se estenda ao patrocínio dos ‘direitos
e interesses [...] coletivos dos necessitados’, a que alude o art. 176,
Caput, da Constituição do Estado: é óbvio que o serem direitos e
interesses coletivos não afasta, por si só, que sejam necessitados os
membros da respectiva coletividade.
Ocorre que mesmo admitindo a possibilidade da defesa dos direitos ou
interesses coletivos pela Defensoria Pública, o Supremo Tribunal Federal
entendeu que sua atuação deve ser limitada, pois deve estar presente o
interesse de hipossuficientes de recursos econômicos. Ao analisar a
constitucionalidade do art. 176, parágrafo 2º., V, e, f, afirmou o referido relator:
Mais delicada é a extensão do benefício do patrocínio da Defensoria
Pública, indiscriminadamente, às associações de defesa de
interesses coletivos (C. est, art. 176, parágrafo 2º., e), assim como,
com igual universalidade, à defesa dos direitos e interesses de
qualquer consumidor lesado (ib. alínea f).
Ao contrário dos interesses difusos – que são indivisíveis-, o direito ou
interesse coletivo, pelo menos, em uma das suas acepções correntes,
é direito ou interesse que se desdobra em tantos direitos ou
interesses individualizados quantos sejam os membros da
coletividade considerada: nesse sentido, por exemplo, é que o
adjetivo qualifica o mandado de segurança coletivo em defesa de
membros ou associações das entidades legitimadas (CF. Art. 5º.,
LXX): por isso, ao contrário do que ocorre com os direitos difusos, o
patrocínio do interesse coletivo não é necessariamente altruístico,
mas pode traduzir-se em privilégio de defesa gratuita de interesses
privados de uma série de titulares não necessitados, o que não
desbordaria dos deslindes da vocação constitucional da Defensoria
Pública, como caracterizaria afronta à isonomia das partes no
processo.
O mesmo é de dizer-se da alínea f, questionada, quando estendida a
incidência do dispositivo ao patrocínio do consumidor lesado, quando
não concorra o requisito da hipossuficiência do interessado.
De fato, todos os legitimados a propor ações civis públicas, mesmo não
constando expressamente na lei da ação civil pública, passam por um controle
88
judicial, no momento em que o julgador analisa a sua representação adequada
naquele conflito. Ou seja, diante do caso concreto, o judiciário analisa os
objetivos, a função da instituição ou órgão que atua no pólo ativo da ação,
verificando se naquela situação poderá atuar em favor da coletividade
representada.
A Defensoria Pública também não fugirá a essa análise do Judiciário,
tanto que o Supremo Tribunal Federal, como se disse anteriormente, já
sinalizou que haverá de se observar se o predomínio do interesse dos
hipossuficientes.
Na prática, a situação pode conferir certa complexidade ao julgador a
analisar a legitimidade da Defensoria blica na defesa dos direitos difusos,
isso porque, em caso de violação desses direitos, tanto ricos quanto pobres
são prejudicados.
60
Assim, a tendência será mesmo ver a questão da predominância dos
interesses em questão, se o predomínio do interesse do hipossuficiente,
nenhuma dúvida deve restar à possibilidade de atuação da Instituição.
3.5.1 Da possibilidade de atuação ilimitada da Defensoria Pública
na defesa dos direitos metaindividuais
Poderia a Defensoria Pública ingressar com uma ação civil pública sem
demonstrar, a princípio, o interesse do necessitado? Marina Mezzavilla Verri
(2007, p.178) entende que isso é possível, pois a instituição não deve agir
apenas em prol dos necessitados, mas também:
[...] respeitando um princípio maior, o da dignidade da pessoa
humana, servindo como um legitimado atuante das causas sociais,
tendo em vista suas atribuições institucionais que são várias, inclusive
a tutela ao meio ambiente que tem como titulares pessoas
indeterminadas ou indetermináveis, não só pessoas com escassez de
recursos.
Essa doutrina baseia-se na idéia de que a Lei da Ação Civil Pública o
limitou a atuação da Defensoria Pública, como o fez em relação às
60
Em sentido contrário, Tiago Fensterseifer (2008, p.71), que entende que sempre o caso
concreto trará elementos fáticos capazes de indicar a existência ou não de interesses de
pessoas pobres.
89
associações. Outro argumento utilizado é de que a limitação da atuação da
Defensoria Pública em relação aos direitos difusos não tem qualquer razão
para existir, haja vista que quando um direito difuso é violado, todos são
prejudicados. Assim, sob o prisma do processo coletivo, a Instituição poderá
atuar em favor da própria sociedade, quando relevante socialmente for o
interesse a ser protegido. Daniele Regina Marchi Nagai Carnaz (2007, p.166)
afirma o seguinte:
Considerando que todos somos prejudicados quando um interesse
difuso é violado: ricos, pobres, analfabetos, católicos, judeus,
mulçumanos, asiáticos, afro-descendentes, mulheres, homens, e toda
a gama de qualificativos intermediário, ou seja, o critério, o elemento
identificador da qualidade de representante adequado da Defensoria
Pública não seria de fácil aferição.
[...] Parece-nos que, ainda que tais ações venham a beneficiar
pessoas as quais não deveriam ser assistidas pela Defensoria
Pública, tendo em vista a sua situação financeira privilegiada, que
se ter em mente outros princípios que circundam a propositura das
ações civis públicas, notadamente quando tal ação versar sobre tema
com reconhecida relevância social, em que se vislumbra o interesse
da sociedade na solução coletiva do litígio, seja como forma de
atender às políticas judiciárias no sentido de sepropiciar a defesa
plena da sociedade, seja para garantir a segurança jurídica em tema
de extrema relevância, evitando-se a existência de decisões
conflitantes [...].
É de se observar que a Constituição Federal, em seu preâmbulo,
demonstra que a instituição do Estado Democrático visou a assegurar o bem-
estar de todos, sendo a igualdade e a justiça valores supremos de uma
sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. Ao mesmo tempo, em seu
artigo 3º., dispõe que são objetivos básicos da República Federativa do Brasil:
a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a erradicação da
pobreza e da marginalização; a redução das desigualdades sociais e regionais;
além da promoção do bem de todos, sem que haja qualquer forma de
preconceito ou de discriminação.
Ocorre que a Defensoria Pública, apesar de ter sido legitimada sem
reservas pela Lei n. 11.448, de 2007, de sofrer adequação de seu perfil
constitucional na representação da coletividade, cujos direitos estão sendo
ameaçados.
Por essa razão, mais correta se apresenta a doutrina que limita a atuação
da Defensoria Pública à presença de interesse de pessoas necessitadas.
90
Entretanto, de se acrescentar a esse entendimento que a expressão
“necessitado” para fins da assistência jurídica vem adquirindo concepção mais
abrangente. Ada Pellegrini Grinover (1998, p.116) fala naqueles que são
carentes “organizacionais”, ou seja, as pessoas que de alguma forma mostram-
se vulneráveis frente às relações sociojurídicas na sociedade contemporânea.
Assim, ao se modificar a compreensão do significado de “necessitado”,
adquirindo essa expressão a idéia de vulnerável jurídico, de se admitir,
como conseqüência, a ampliação da atuação da Defensoria Pública.
Com essas modificações legais, a sociedade é que vem ganhando, pois
mais uma instituição pode atuar em favor daqueles bens jurídicos que, uma vez
violentados, trazem prejuízo para as coletividades, que pertencentes a um
número indeterminado (ou pelo menos indeterminável) de pessoas.
Ressalte-se que, atuando na defesa dos direitos metaindividuais, os
Defensores Públicos, especialmente aqueles que atuam no interior dos
Estados, podem contribuir enormemente para o desenvolvimento social das
cidades em que prestam o serviço de assistência jurídica. Com exceção de
algumas cidades do interior de grandes estados-membros, a maioria das
cidades que compõe o interior do Brasil são pobres, com imensas
necessidades, sendo que, muitas vezes, ao Ministério Público é, de certa
forma, difícil abranger toda a defesa dos direitos coletivos, sendo importante a
atuação de mais uma instituição, que também representa o Estado na
promoção do bem comum.
91
3.6 A função da Defensoria Pública na tutela dos direitos
metaindividuais na sociedade complexa: os novos direitos
se viu até agora que a vinculação entre a tutela dos direitos individuais
e a limitação da legitimidade da Defensoria Pública decorre de um anacronismo
derivado da ênfase conferida aos direitos subjetivos no Direito Moderno.
O destaque que o direito tradicionalmente dedica ao direito subjetivo
provém do sistema de codificações, cujos grandes marcos são o Código Civil
Francês e o Código Civil Alemão (o BGB), ambos do século XIX.
Concebidos para resolver os problemas do indivíduo da sociedade
burguesa, ambos os sistemas Codificados se preocupavam em proteger os
direitos subjetivos do cidadão, cuja violação acarretaria uma pretensão, para
qualquer caso, amparada por uma ação judicial.
Ocorre que, depois de amplas reformas e da entrada em vigor de diversas
leis especiais ao lado do sistema Codificado Civil (Lei de Alimentos, Lei do
divórcio, Lei da União Estável etc.), as transformações sociais exigiram a
criação de novos microssistemas jurídicos para dar conta dos novos problemas
que deixam de se centrar exclusivamente na lesão a direito subjetivo para se
centrar na proteção dos direitos fundamentais do homem integralmente
considerados, os denominados direitos fundamentais de terceira geração.
Os novos microssistemas surgem para resolver problemas típicos da
sociedade complexa de produção em massa em que as relações deixam de ser
pessoais e passam a ser quase anônimas, muitas vezes entre indivíduos e
grandes empresas que fornecem produtos em larga escala, os quais são
vendidos através de contratos de adesão.
Para reequilibrar esta desigualdade provocada pela própria dinâmica da
sociedade pós-industrial, surgem o direito do consumidor e rios outros
direitos, todas amparados na necessidade de proteção dos direitos de
solidariedade, procurando garantir a inclusão de todos e um tratamento
igualitário.
92
Surge, portanto, o direito do consumidor para regular as relações de
consumo e reestabelecer o equilíbrio nas relações jurídicas que, sem este
direito, seriam ditadas e conduzidas pelas grandes empresas que fabricam os
produtos e determinariam as regras do mercado, que o cidadão consumidor
teria grande dificuldade de litigar em condições adequadas contra grandes ou
médias empresas.
Ainda em decorrência desta evolução dos direitos fundamentais, surgem
diversos novos microssistemas do direito, típicos da sociedade complexa, que
passam a criar e trazer para o direito diversas demandas que não seriam
admitidas em uma sociedade tradicional: o direito ambiental, o direito da
criança e do adolescente; o direito dos deficientes físicos, dentre outros.
Estes direitos geram, ao mesmo tempo, tanto demandas decorrentes do
desrespeito ao direito subjetivo quanto do direito do sistema codificado, como
também demandas coletivas que precisam ser tratadas coletivamente.
O reconhecimento destas novas demandas coletivas é peculiar ao direito
na sociedade complexa e se manifesta de modo claro e inequívoco nos novos
direitos, que exigem um tratamento coletivo para garantir a coerência do
sistema jurídico e a proteção dos direitos fundamentais integralmente
considerados.
No caso da Defensoria Pública, é importante que essa instituição venha
desempenhar a função de proteger, em processos coletivos, os direitos
metaindividuais. A seguir serão abordados dois desses novos direitos (direito
do consumidor carente e direito ao meio ambiente saudável por parte da
população carente), cuja atuação da Defensoria Pública foi reconhecida
judicialmente, pelo Superior Tribunal de Justiça, órgão do judiciário que aufere,
no caso concreto, o cumprimento da legislação infraconstitucional. Em relação
ao entendimento do Supremo Tribunal Federal, como se tratou no
subcapítulo 3.5, ainda encontra-se em tramitação da ação direta de
inconstitucionalidade n. 3943, cuja decisão final se posicionará acerca da
legitimidade da referida instituição da defesa dos direitos metaindividuais,
impondo ou não limites a esta atuação.
93
3.6.1 A função da Defensoria Pública na proteção coletiva do
direito do consumidor carente
O direito do consumidor foi o primeiro microssistema jurídico estruturado
para resolver um problema jurídico da sociedade complexa. As questões
ligadas à desigualdade entre o consumidor hipossuficiente, diante do
fornecedor de produtos produzidos e vendidos em massa, muitas vezes em
contratos padrão, foram as que mais rapidamente evoluíram e em que primeiro
se apresentou o problema da legitimação da tutela coletiva (em sentido amplo)
pela Defensoria Pública.
Na evolução da sociedade de massa, o direito do consumidor, quer pela
prática jurisprudencial mais freqüente e antiga (pelo menos desde 1990, cujo
número de casos vem crescendo e o transformando no direito mais
discutido em juízo pelo cidadão comum), quer pela doutrina consumerista, ou
pelo próprio sistema legislativo, que foi o primeiro a criar, processualmente, as
novas categorias dos direitos metaindividuais (direitos difusos, coletivos em
sentido estrito e individuais homogêneos, como se viu), tem sido o campo para
as maiores inovações no sistema jurídico, do qual é um bom exemplo a
importância inicialmente conferida pelo direito do consumidor ao princípio da
boa-fé, agora devidamente enfatizado pelo novo Código Civil, pela doutrina
civilista contemporânea e pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
Neste diapasão, foi no direito consumerista que primeiro se reconheceram
a importância e a necessidade da legitimação da Defensoria Pública para a
tutela coletiva dos direitos do consumidor, o que aconteceu, inicialmente, no
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul, e,
posteriormente, do Superior Tribunal de Justiça, como já se viu, e por parte da
doutrina, como bem sintetizam Benjamin, Marques e Bessa (2007, p.325):
Antes mesmo da nova redação do art. 5.º da Lei 7.347/85, a
resistência de alguns tribunais em relação à legitimidade da
Defensoria Pública era despropositada, pois o art. 82, III, do CDC é
bastante claro ao conferir legitimidade às ‘entidades e órgãos da
Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem
personalidade jurídica, especificamente destinados á defesa dos
interesses e direitos protegidos por este Código’. De acordo com o
art. 4.º da Lei Complementar 80/94 que organiza a Defensoria
Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e prescreve
normas gerais para sua organização nos Estados são funções
94
institucionais da Defensoria Pública ‘patrocinar ação civil pública’,
‘exercer a defesa da criança e do adolescente’, patrocinar os direitos
e interesses do consumidor lesado’. É de se ressaltar que, ao ser
editada a LC 80/94 já estava sedimentada, no ordenamento jurídico, a
proteção dos direitos coletivos. Portanto, quando o art. 4.º alude a
‘patrocinar ação civil’, entenda-se a ação civil individual ou coletiva,
conforme exigência natural da hipótese. Em meio às controvérsias,
existentes até janeiro de 2007, o TJRJ e TJRS editaram vários
julgados em favor da Defensoria Pública. Também, quatro meses
antes da alteração do art. 5.º, da Lei 7.347/85, o STJ manifestou-se
favoravelmente à legitimidade da Defensoria Pública.
O próprio direito processual teve que se transformar para se adaptar à
nova realidade social da sociedade de produção em massa, da qual o direito do
consumidor é decorrência, tendo repensado categorias tradicionais da teoria do
processo (como legitimidade e interesse para agir, coisa julgada e,
evidentemente, a tutela do direito).
Além da necessidade de evitar incoerência do sistema jurídico resultante
de decisões conflitantes e de proteger o consumidor, a legitimidade para a
propositura de Ações Coletivas em favor dos consumidores carentes é uma
forma de garantir a efetiva proteção do consumidor pobre.
É que, em uma Ação Coletiva, não se decide apenas o caso de um
indivíduo lesado, mas a situação jurídica, como a nulidade de uma cláusula
contratual excessivamente onerosa em desfavor do consumidor carente, sendo
incompatível com o papel do direito do consumidor na sociedade complexa
exigir que a Defensoria blica entre com milhares de ações judiciais
individuais quando uma ação coletiva pode resolver o problema referente a
todo consumidor carente que se encontra na situação objeto da ação coletiva.
Os exemplos, enfrentados em parte pela jurisprudência, se apresentam
em grande volume no dia-a-dia do cidadão consumidor: a) uma empresa
financeira estabelece cláusulas contratuais abusivas em desfavor do idoso
aposentado por todo país; 2) uma empresa faz propaganda enganosa
oferecendo produto que não cumpre o prometido para a população de baixa
renda e milhares de pessoas compram o produto inadvertidamente sem que
consigam ter o dinheiro de volta. O que deve a Defensoria Pública fazer?
Esperar que o número de casos aumente ainda mais para ingressar com
milhares de ações, sem impedir que novas pessoas sejam lesadas?
95
Neste caso, a própria cisão do direito, de modo a permitir a tutela pela
defensoria apenas dos direitos individuais homogênoes, o dos difusos ou
coletivos, seria contraditória e incoerente, pois teria como conseqüência tornar
a ação coletiva inadequada para cessar o dano, proibindo a veiculação da
propaganda abusiva, por exemplo.
Querer restringir a legitimidade da Defensoria para excluir a tutela dos
direitos difusos ou coletivos, como se discute na ADI proposta pela CONAMP,
não se coaduna com o atual tratamento que se confere ao direito do
consumidor e aos direitos metaindividuais na sociedade complexa.
O que não quer dizer que a Defensoria Pública deva ter legitimidade tout
court para qualquer caso de direito metaindividual, que deve se centrar na
sua missão constitucional, que é defender as pessoas carentes, que não deve
sofrer desvios, mesmo porque o número de demandas, individuais e coletivas,
que envolve pessoas pobres já é suficiente para lotar a Defensoria.
Difícil, porém, é se fixar um critério absoluto para restringir a atuação da
Defensoria, que, como se disse, deve centrar-se na defesa da pessoa
necessitada, como as pessoas definidas como de baixa renda, que sofrerem
lesão ou ameaça de lesão aos seus direitos como cidadãos consumidores.
Uma vez havendo interesse de pessoa pobre, contudo, não se pode
limitar a atuação da Defensoria na tutela coletiva por envolver pessoas mais
abastadas, pois tal separação é incompatível com o significado do direito do
consumidor e dos novos direitos na sociedade complexa. Portanto, se uma
determinada fornecedora de veículos automotores que vende carros populares
estabelece um contrato padrão, com cláusulas abusivas igual para todos os
seus modelos de veículo, não razão para limitar a atuação da Defensoria
apenas para os carros populares. Situação diversa seria se a cláusula abusiva
envolvesse apenas veículos de luxo de uma montadora, o que tornaria a
Defensoria ilegítima para propor a ação individual ou coletiva.
O que se deve exigir é que, na tutela coletiva, a Defensoria Pública do
consumidor tenha sua atuação iniciada e fundada pela presença de pessoa
pobre e que atue, portanto, para garantir a assistência jurídica integral e
96
gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos (art. 5º, LXXIV da CF),
ainda que a ação venha repercutir sob pessoas que não sejam carentes.
Referido critério de atuação para a tutela coletiva da Defensoria Pública,
que se aplica ao direito do consumidor, aplica-se também, com as
peculiaridades inerentes a cada direito, aos outros novos direitos, como o
direito ambiental, o direito da infância e da juventude, o direito do idoso, dentre
outros.
3.6.2 A função da Defensoria Pública na proteção coletiva das
pessoas carentes afetadas por ilícito ambiental
O direito ambiental está no centro da visão, holística ou integral, dos
direitos fundamentais: a preocupação com o meio ambiente e sua conseqüente
proteção jurídica decorrem da mudança na forma como o homem vê a natureza
e na preocupação em manter um desenvolvimento equilibrado para garantir às
gerações, futura e atual, uma existência harmônica com o meio ambiente.
Apesar da mudança de paradigma em relação ao meio ambiente, os
ilícitos ambientais são bastante freqüentes e somente existem na sociedade
complexa porque antes tais fatos não eram reconhecidos como ilícitos pela
ordem jurídica.
Agora, os danos causados ao meio ambiente são encarados pelo
ordenamento jurídico como atos ilícitos, civis, administrativos e criminais. As
pessoas vítima de dano decorrente de ilícito ambiental podem, portanto,
ingressar com ações individuais para pedir ressarcimento do prejuízo sofrido,
mas, diversas vezes, o principal objetivo das ações ambientais é (e deveria ser
mesmo) a prevenção dos danos futuros ou iminentes.
Neste caso, o direito ambiental, em face do princípio da prevenção, passa
a ser centrado, no âmbito processual, na tutela coletiva destes direitos, em
grande parte difusos, já que um ilícito ambiental afeta não uma pessoa
como um número indeterminado de pessoas, como ocorre com a poluição
ambiental do ar por indústria ou com a poluição das águas de um grande rio,
que afetará a comunidade ribeirinha ao longo de seu curso, mas também
97
afetará os banhistas, freqüentadores do local ou pessoas que ali comparecem
de forma esporádica.
Em situações em que ocorra dano ambiental, as pessoas pobres não
podem, em razão de sua pobreza, ficar sem amparo jurídico para ter o
ressarcimento pelo prejuízo causado, razão pela qual serão defendidas pela
Defensoria Pública, nos termos do art. 5º, LXXIIII c/c art. 134 da CF.
Nos casos em que importa ao cidadão pobre, mais do que o
ressarcimento, para a prevenção de danos, a tutela individual do direito
ambiental apresenta-se insuficiente: é impossível mandar que uma indústria
determine que o ar deixe de ser poluído apenas para uma pessoa, ou mesmo
um grupo de pessoas residente em uma comunidade carente, do mesmo modo
que não se pode proibir que uma indústria despeje dejetos tóxicos em apenas
uma parte do rio para deixar de prejudicar população ribeirinha carente, para
continuar a poluir o meio ambiente na outra margem.
No direito ambiental, havendo o interesse direto de uma pessoa carente
envolvida, é necessário (por ordem constitucional, nos termos do art. 5º, LXXIIII
c/c art. 134 da CF) que a Defensoria Pública atue na tutela individual e coletiva
do direito fundamental a um ambiente sadio das pessoas pobres (art. 186, II da
Constituição Federal).
Com efeito, havendo pessoa pobre prejudicada diretamente pela poluição
ambiental, legitimidade da Defensoria Pública em face da visão integral dos
direitos humanos e do seu papel na garantia da dignidade da pessoa humana
no Estado Democrático de Direito (art. 1º, III da Constituição). Nesse sentido,
decisão do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do Recurso Especial
912849, do Rio Grande do Sul, Relator Ministro José Delgado, DJ 28.04.2008:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO COLETIVA. DEFENSORIA PÚBLICA.
LEGITIMIDADE ATIVA. ART. 5º, II, DA LEI 7.347/1985
(REDAÇÃO DA LEI Nº 11.448/2007). PRECEDENTE. 1. Recursos
especiais contra acórdão que entendeu pela legitimidade ativa da
Defensoria Pública para propor ação civil coletiva de interesse
coletivo dos consumidores.
2. Este Superior Tribunal de Justiça vem-se posicionando no sentido
de que, nos termos do art. 5º, II, da Lei 7.347/85 (com a redação
dada pela Lei 11.448/07), a Defensoria Pública tem legitimidade
para propor a ação principal e a ação cautelar em ações civis
98
coletivas que buscam auferir responsabilidade por danos causados
ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico,
estético, histórico, turístico e paisagístico e dá outras providências.
3. Recursos especiais não-providos.
Nesse contexto, a Defensoria Pública pode contribuir para exigir, através
da tutela coletiva jurisdicional, que o poder público atue positivamente na
efetivação dos direitos fundamentais das pessoas necessitadas. Em relação ao
direito do consumidor e ao meio ambiente, isso foi reconhecido, conforme
explicitado. Entretanto, muito ainda poderá ser feito pela Defensoria Pública
também em relação aos novos direitos previstos em outros microssistemas
legais, tais como: o direito da criança e do adolescente necessitados, direito do
idoso necessitado e ainda em defesa dos direitos sociais das pessoas
necessitadas, que digam respeito à educação, saúde, trabalho, dentre outros.
99
CONCLUSÃO
Buscando-se a compreensão do significado jurídico de acesso à justiça,
descobriu-se que esse conceito vem se modificando ao longo do tempo. Essas
modificações ocorrem sob as influências políticas, sociológicas e filosóficas que
acompanham o desenvolvimento da sociedade e do Direito. Entretanto, o que
se observa é que essa expressão tem significado um direito social básico nas
sociedades modernas, em que se busca assegurar o princípio da igualdade de
todos na reivindicação de direitos.
Por muito tempo, sob a égide do Estado Liberal, o acesso à justiça
significou apenas uma garantia formal de que ao indivíduo era possível, em
tese, a utilização do poder judiciário para assegurar um direito violado. Ocorre
que essa garantia não era suficiente para que fossem resguardados
mecanismos jurídicos que amenizassem as eventuais desigualdades advindas
de condições econômicas, sociais ou culturais entre as partes de um processo.
A partir do advento do Estado Social de direito, o sentido de acesso à
justiça passou a ter significado mais abrangente, pois veio a referir-se não
apenas à possibilidade de acesso formal ao judiciário, mas ao acesso ao
processo justo, em que devem ser garantidas iguais condições às partes na
defesa de seus direitos.
Através do estudo, foram verificados os grandes obstáculos à efetivação
do direito ao acesso à justiça, que, segundo doutrina de Cappelletti e Garth
(2002), dizem respeito às custas processuais; às desigualdade de fato entre as
partes; e aos problemas que envolvem os interesses difusos.
Em relação aos obstáculos econômicos, estes se referem aos altos
custos das despesas processuais e dos honorários advocatícios. Na demanda
individual, poucas pessoas podem suportar os custos do processo, o que
ocasiona, inclusive, a desistência de algumas pessoas em pleitear, em juízo,
provimento que abstenha a violação do seu direito.
Quanto aos obstáculos que dizem respeito aos direitos difusos (aqueles
que pertencem a número indeterminado de pessoas, cujo objeto tutelado não
pode ser dividido em quotas-partes, pois m natureza indivisível), o problema
geralmente é relacionado à insuficiência do direito processual vigente em
alguns ordenamentos jurídicos, que não dispõem de técnicas adequadas à
proteção desses direitos.
No Brasil, a fórmula encontrada para minimizar o obstáculo econômico
para a efetivação do acesso à justiça foi garantir aos menos favorecidos
economicamente um serviço de assistência jurídica gratuita, ou seja, a
possibilidade de fornecer às pessoas necessitadas de recursos financeiros um
serviço de orientação jurídica e representação judicial, sem que haja a
necessidade de pagamento de honorários advocatícios ou de custas
processuais.
Ressalte-se que, na atual Constituição Federal, com base no art. 5º.,
inciso LXXIV, a assistência jurídica gratuita é tratada como uma garantia de
acesso à justiça àqueles que demonstrem insuficiência de recursos, sendo
considerada um dever do Estado brasileiro. Nesse contexto, a assistência
jurídica gratuita abrangerá acesso ao poder judiciário (assistência judiciária),
atividade de aconselhamento e orientação dos institutos jurídicos (assessoria
jurídica) e a dispensa do pagamento de despesas processuais (gratuidade da
justiça).
Para garantir também o acesso à justiça e tornar possível a concretização
efetiva da assistência jurídica gratuita, foi criada, através de previsão
constitucional, a Defensoria blica. Segundo o art. 134 da Carta Magna de
1988, essa instituição é definida como essencial à função jurisdicional do
Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus,
dos necessitados.
Portanto, a Defensoria Pública foi prevista para desempenhar função
essencial na ordem democrática nacional, pois tanto em âmbito federal, como
101
em âmbito estadual, torna possível o acesso à justiça da população carente, o
que é imprescindível para o resguardo da cidadania dessas pessoas, que, em
muitas situações, desconhecem seus direitos fundamentais.
Com a finalidade de atender à previsão do art. 134, parágrafo 1º, da
Constituição Federal, foi sancionada a Lei Complementar Federal n. 80, de 12
de janeiro de 1994, publicada no Diário Oficial na União, em 16 de janeiro de
1994. Nessa lei são previstas as funções da Defensoria Pública, das quais
destacam-se: o patrocínio da ação civil; a defesa da criança e do adolescente;
a atuação junto aos estabelecimentos políticos e penitenciários, visando a
assegurar à pessoa, sob quaisquer circunstâncias, o exercício dos direitos e
garantias individuais; a defesa de seus assistidos, em processo judicial ou
administrativo, e aos acusados em geral, assegurando o contraditório e a
ampla defesa, com recursos e meios a ela inerentes; o patrocínio dos direitos e
interesses do consumidor lesado.
Através do presente estudo, observou-se que a Lei Complementar n. 80,
de 1994, apenas exemplifica algumas funções a serem exercidas pela
Defensoria blica, haja vista que a finalidade de prestações da assistência
jurídica integral pode exigir que outras e novas funções sejam exercidas por
essa instituição.
Também foi verificado que é de grande importância para a atuação da
Defensoria Pública os princípios institucionais que regem a sua atuação, tais
como o princípio da unidade, da indivisibilidade e da independência funcional.
Esses princípios visam a tornar a atuação da Defensoria blica isenta de
influências estranhas ao pleno desenvolvimento processual. Assim, em defesa
dos direitos de seus assistidos, a Defensoria poderá, inclusive, atuar contra o
poder público.
Quanto ao beneficiário pela atuação da Defensoria Pública, foi visto que a
Constituição Federal, em seu art. 134, dispõe apenas que esse será o
“necessitado.” Como se trata de conceito vago, o termo “necessitado” passa
por um processo de construção doutrinária. Em princípio veio a significar
aquele que não possui rendimentos suficientes para demandar em juízo, sem
102
prejuízo para seu sustento ou de sua família. Entretanto, atualmente, vem a
doutrina ampliando o seu conceito, para abranger, também, o necessitado
jurídico, categoria na qual se inserem aqueles que necessitam de tutela
jurídica, como ocorre com o réu revel no processo-crime, o pequeno litigante
nos novos conflitos que surgem numa sociedade de massa, como é o caso do
consumidor, dentre outros.
Dessa forma, extrai-se desse contexto que, com a evolução do conceito
de necessitado, para significar não somente aquele que se encontra em
situação de desvantagem financeira, mas também de desvantagem jurídica, no
sentido supramencionado, o papel a ser assumido pela Defensoria Pública
será mais abrangente e terá que se adaptar a uma nova realidade, no sentido
de tornar possível o acesso à justiça daqueles que se encontram fragilizados
nas relações sociojurídicas da sociedade complexa.
Quanto ao segundo obstáculo para o pleno acesso à justiça, verificou-se
que esse diz respeito à inadequação do direito processual para o
desenvolvimento do processo que envolva direitos que pertencem à
coletividade de pessoas. No Brasil, o direito processual tradicional é
considerado insuficiente para resolver questões ligadas à representação dos
chamados direitos metaindividuais. Entretanto, alguns passos foram dados
para retirar os obstáculos que se opõem a esses direitos, tais como a
legislação que trata da ação popular, ação civil pública e, ainda, os
microssistemas legais que vêm sendo construídos para a defesa dos “novos
direitos”, tais como direitos que dizem respeito ao consumidor, à criança e ao
adolescente, ao idoso e ao meio ambiente.
No contexto da teoria dos direitos fundamentais, os direitos da terceira
dimensão são aqueles que buscam resguardar a paz, o meio ambiente
equilibrado e o patrimônio da humanidade. Nessa perspectiva, encontram-se
os homens como detentores de direitos metaindividuais, ou seja, direitos cujos
titulares não são previamente determinados. São também chamados de
transindividuais ou coletivos em sentido amplo, sendo considerada inviável a
sua tutela jurisdicional realizada de forma individualizada.
103
O estatuto legal que categoriza os direitos metaindividuais é o Código de
Defesa do Consumidor, através das disposições do seu art. 81. Segundo tal
diploma legal, os direitos metaindividuais podem ser difusos, coletivos ou
individuais homogêneos.
Os direitos difusos são caracterizados pela indeterminação dos sujeitos, a
indivisibilidade do bem jurídico a ser tutelado e a existência de uma situação
fática interligando os titulares do direito. Exemplo clássico são os direitos
decorrentes da violação ao meio ambiente.
Os direitos coletivos em sentido estrito compreendem aqueles indivisíveis,
pertencentes a um grupo determinado ou pelo menos determinável de
pessoas, reunido por uma relação jurídica sica comum. Esses direitos
podem ser identificados, por exemplo, em conflitos advindos das relações
contratuais, quando uma das partes age de forma abusiva em relação à outra.
Exemplo comum é o caso de lesão a consumidores por conta de contratos
adesivos, com cláusulas abusivas.
Os direitos individuais homogêneos o aqueles direitos de grupo,
categoria ou classe de pessoas determinadas ou determináveis, cujo objeto
poderá ser partilhado, ou dividido, entre esses mesmos titulares. Esses direitos
possuem uma origem fática comum. A ligação com a parte adversária é
conseqüência da própria lesão e pode ser individualizada na pessoa de cada
um dos prejudicados. Estes são ofendidos de forma diferenciada, o que permite
seja o prejuízo experimentado também de forma individualizada. Em razão da
característica da divisibilidade do direito, os direitos individuais homogêneos
são considerados apenas acidentalmente metaindividuais. Na verdade o
tratamento “coletivo” que se em relação a esses direitos é feita por intenção
do legislador e não propriamente em razão da natureza indivisível desses
direitos.
Tradicionalmente, a Defensoria Pública é compreendida como a
instituição responsável pela defesa individual das pessoas sem recursos
financeiros, tanto no direito penal, em que é responsável pela defesa das
pessoas carentes acusadas de crimes ou contravenções, quanto como curador
104
de revel, função atípica da Defensoria, como no direito civil, em que é
associada à tutela individual dos direitos subjetivos das pessoas carentes no
direito de família, no direito das obrigações e dos contratos, nos direitos reais e
no direito de sucessões, dentre outros.
A ênfase conferida à tutela do direito do indivíduo decorre da própria
evolução do direito no Brasil, que apenas muito tardiamente passou a
reconhecer os direitos coletivos em sentido amplo e da origem e do significado
conferidos ao conceito de direito subjetivo na Modernidade.
O conceito de direito subjetivo surge, inicialmente, associado à idéia de
indivíduo, de sujeito. Daí decorre que as categorias do direito, substantivo e
processual, foram criadas para atender à pretensão jurídica do direito subjetivo
do indivíduo que fora violado e para o qual deve existir uma ação
correspondente.
Ocorre que esse modelo tradicional de processo, baseado no direito
subjetivo do indivíduo, não se adapta mais às necessidades da sociedade
complexa, em que alguns direitos não podem ser atomizados ou
individualizados.
Dentro desse contexto, é imprescindível que a defesa dos direitos
metaindividuais seja realizada de forma ampla, razão pela qual quanto mais
instituições estiverem com atuação voltada para sua proteção, melhor será
para a sociedade.
Assim, é que algumas inovações legais estão sendo realizadas para
tornar juridicamente possível a defesa desses direitos através de um
representante adequado desses direitos.
Em janeiro de 2007, a Lei Federal n. 11. 448, modificou o artigo 5º. da Lei
n. 7.347, de 1985 (Lei da ação civil pública), conferindo legitimidade à
Defensoria Pública para a interposição da ação civilblica para proteção dos
direitos metaindividuais.
Essa lei foi questionada perante o Supremo Tribunal Federal, em ação
direta de inconstitucionalidade interposta pela Associação Nacional do
105
Ministério Público (CONAMP). Entretanto, através da realização desta
pesquisa, constatou-se que não inconstitucionalidade na Lei n. 11.448, de
2007. Isso porque, através da atuação na defesa da tutela metaindividual, a
Defensoria Pública não está extrapolando as suas atribuições constitucionais;
ao contrário, está tornando mais efetiva ainda a função de defesa do
necessitado, através de uma tutela coletiva que abrange número maior de
pessoas beneficiadas pelo provimento jurisdicional. Verificou-se que não
limitação constitucional à atuação da Defensoria Pública apenas ao conflito
individual.
Também não é correto o entendimento de que a Defensoria Pública não
poderá atuar em conflitos que envolvam direitos difusos ou coletivos, sob o
pretexto de que essa atuação traria benefícios para a população que o
possui necessidades econômicas, pois o Estado Democrático de Direito
fundamenta-se na dignidade da pessoa humana e tem como objetivos
fundamentais construir uma sociedade solidária e promover o bem de todos,
razão pela qual, mesmo que venha a Defensoria blica, através de sua
atuação, beneficiar, por via oblíqua, pessoas abastadas, não se poderá dizer
que atua de forma inconstitucional.
Deve prevalecer o entendimento de que é mais importante atuar em favor
do necessitado, beneficiando o não carente de recursos financeiros, do que ser
inerte diante de situações que violam direitos fundamentais da pessoa
necessitada, por assim poder trazer vantagens ao não-necessitado.
Em relação à legitimidade ativa para propositura de ações civis públicas,
é o legislador brasileiro que dispõe quais as instituições que são adequadas
para representação da coletividade, cujos direitos são violados.
Para a aferição da possibilidade de defesa dos direitos metaindividuais, a
análise do legislador deixa de ser a titularidade do direito material e passa a ser
o reconhecimento da adequada representação, no processo, para proteger e
tutelar esses direitos.
Dessa forma, a legislação brasileira adotou, para escolha dos
representantes dos direitos metaindividuais, um caráter misto, legitimando tanto
106
representantes adequados públicos quanto privados. A Lei n. 7.347, de 1985
(Lei da Ação Civil Pública), em seu art. 5º, dispõe que são representantes das
coletividades: 1. Ministério Público; 2. Defensoria Pública; 3. União, Estados-
membros, Distrito Federal e Municípios; 4. autarquia, empresa pública,
fundação e sociedade de economia mista; 5. Associação Civil que esteja
constituída pelo menos um ano e tenha como finalidade institucional a
proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre
concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e
paisagístico.
Não existe subsidiariedade em relação aos legitimados à propositura da
ação civil pública, porquanto estes concorrem em igualdade de condições para
interposição da ação civil. Também qualquer legitimado pode propor, sem a
anuência dos demais, esse tipo de ação, sendo o litisconsórcio eventualmente
formado pelos representantes, facultativo e não necessário. Essa possibilidade
demonstra que a legitimidade ativa da Defensoria Pública para a propositura de
ação civil pública não interfere na competência de outra instituição legitimada,
que esta não perderá a possibilidade de ingressar na mesma ação civil
pública, para efetivação de uma atuação conjunta.
Por outro lado, a prestação do serviço de assistência jurídica gratuita e
integral é um dever do Estado, que deverá ser prestado a número cada vez
maior de pessoas, objetivo que é atingido através da tutela dos direitos
coletivos.
A missão constitucional da Defensoria Pública é fazer com que o
necessitado tenha acesso à justiça. Ocorre que a pessoa carente de recursos
financeiros tanto se envolve em conflitos individuais, como também em
conflitos coletivos, ainda mais na sociedade de massas, extremamente
complexa e frágil perante determinados setores econômicos.
Dentro de todo esse contexto, conclui-se que a Defensoria blica como
instituição legitimada para propor ações individuais e coletivas em defesa das
pessoas carentes, mais do que uma escolha, é uma imposição da nova
realidade que o direito procura acompanhar. Essa atuação vem a contribuir
107
para a efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana no Estado
Democrático brasileiro, garantindo que mais cidadãos necessitados sejam
dignos de igual respeito e consideração, da mesma forma que são aqueles que
não possuem necessidade da prestação do serviço realizado por essa
instituição.
108
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