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Fernanda da Costa Portugal Duarte
A materialidade dos dispositivos na construção
de experiências em net artes
Belo Horizonte
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG
2007
Dissertação apresentada ao Curso
de Mestrado do Programa de Pós
Graduação em Comunicação Social
da Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas da Universidade Federal
de Minas Gerais, como requisito à
obtenção do título de Mestre em
Comunicação.
Área de concentração: Comunicação
e Sociabilidade Contemporânea
Orientadora: Prof. Drª Patrícia Moran
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Universidade Federal de Minas Gerais
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
Programa de Pós Graduação em Comunicação Social
Dissertação intitulada “A materialidade dos dispositivos na construção de
experiências em net artes”, de autoria da mestranda Fernanda da Costa
Portugal Duarte, aprovada pela Banca Examinadora constituída pelos
seguintes professores:
_______________________________________________________
Profª Drª Patrícia Fernandes Moran – FAFICH/UFMG – Orientadora
_______________________________________________________
Profª Drª Giselle Beiguelman – COS/PUCSP
_______________________________________________________
Profª Drª Maria Beatriz Almeida Sathler Bretas – FAFICH/UFMG
_______________________________________________________
Prof. Dr. Paulo Bernardo Vaz
Coordenador do Programa de Pós Graduação em Comunicação Social:
Comunicação e Sociabilidade Contemporânea– FAFICH/UFMG
Belo Horizonte, 18 de maio de 2007.
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3
Agradecimentos
À família e amigos, pelo apoio e paciência;
Ao PPGCOM/UFMG e à CAPES pela acolhida da pesquisa;
Aos professores e colegas de mestrado, sempre dispostos a conversar sobre o
universo das net artes;
À PUC Minas, a Diretoria de EAD e o grupo de estudos de Poéticas
Audiovisuais, pela oportunidade de discussões;
À Patrícia Moran, pela orientação, dedicação e interesse pela pesquisa.
4
Resumo
Ao refletir sobre a materialidade dos dispositivos, os lugares do sujeito e
os modelos de representação nas net artes, procura-se delinear as relações
entre estas formas expressivas e os sujeitos na construção das experiências.
As net artes constituem-se materialmente nos códigos numéricos
registrados nos computadores. A construção de suas visualidades é operada
pela transcodificação destes códigos nas interfaces gráficas. Uma questão que
nos interessa nas net artes é a problematização das funções simbólicas que
constituem suas interfaces. Ao pensar sobre as estratégias que as constituem,
as net artes desarticulam os modelos de representação vigentes nas interfaces
gráficas para propor outros usos.
Cabe à esta pesquisa investigar os entrecruzamentos entre as
materialidades do dispositivo e as poéticas dos autores para dizer sobre a
sensibilidade que emerge destes encontros com os sujeitos.
Palavras-chave: net artes, materialidades, dispositivo, representação,
experiências
5
Abstract
When reflecting upon the materialities of the device, the subject’s places,
and the representational models of net arts, we intend to outline the relations
between these expressive forms and the subjects’ experiences.
Net arts are materially constituted in numeric codes registered on
computers. The building of their visualities is worked through the
transcodification of these codes on graphic user interfaces. One aspect that
interests us on net arts is how they render the symbolic functions that constitute
their interfaces. As they think about the strategies that constitute them, net arts
dismount the established representation models on graphic interfaces to
suggest other uses.
It is suitable to this research to investigate how the materialities of the
device and the authors’ poetics relate and comment on the sensibilities that
emerge from these encounters with the subjects.
Keywords: net arts, materialities, device, representation, experiences.
6
Lista de figuras
Fig. 1 - Imagem em computação gráfica do robô do projeto Telegarden, de Ken
Goldberg ________________________________________________________ p. 19
Fig. 2 - Página inicial da www.etoy.com ________________________________ p. 36
Fig. 3 - Código de barras disponibilizado no projeto Mejor Vida Corporation_____p. 37
Fig. 4 - Um dos telões do projeto Egoscópio ____________________________ p. 40
Fig. 5 - Imagem da obra Truisms que deu origem ao projeto Please Change Beliefs, de
Jenny Holzer ______________________________________________________ p. 41
Fig. 6 - Imagem de My boyfriend came back from the war, de Olia Lialina______p. 45
Fig. 7 - Imagem de Looking for the new universal harmony __________________p. 60
Fig. 8 - Página inicial de Refresh_______________________________________ p.67
Fig. 9 - Uma das páginas iniciais de Jodi.org ____________________________ p. 70
Fig. 10 - Site com divulgação dos telefones públicos da estação de trens de
King Cross________________________________________________________p. 75
Fig. 11 - Página inicial de Form Art Competition __________________________p. 101
Fig. 12 - Página índice de Form Art Competition _________________________ p. 103
Fig. 13 - Imagem inicial da seção ‘Bingo’_______________________________ p. 104
Fig. 14 - Alteração do padrão da animação após intervenção do
usuário__________________________________________________________p. 104
Fig. 15 - Páginas da seção ‘Game’ indicam um roteiro possível do jogo em Form Art
________________________________________________________________p. 105
Fig. 16 - Página integrante da seção ‘Pics’ onde os forms simulam a bandeira
americana ______________________________________________________ p. 106
Fig. 17 - Imagem gerada pelo algoritmo Postianeclipse do projeto Net
Abstraction______________________________________________________ p. 110
Fig. 18 - Imagem gerada pelo algoritmo Asphratus do projeto Net
Abstraction_______________________________________________________ p. 110
Fig. 19 - Após 47 horas, o algoritmo Asphratus interrompe a produção das imagens.
Na mensagem lê-se “All possible threads exhausted” (“Todos os caminhos possíveis
esgotados”) ______________________________________________________ p. 112
Fig. 20 - Indicação da URL do projeto Form Art não resulta em formação de imagem.
A mensagem de erro indica ‘All possible threads exhausted’ (‘Todos os caminhos
possíveis esgotados’) ______________________________________________ p. 115
7
Sumário
1. Introdução ________________________________________________ p. 10
1.1. Da construção do olhar _____________________________________p. 12
1.2. Da organização do argumento _______________________________ p. 15
2. Net arte: conceitos, heranças e tendências ______________________ p. 17
2.1. Definições_______________________________________________ p. 17
2.2. Questionamentos no sistema da arte _________________________ p. 22
2.2.1. Espaços de legitimação e a relação com as Instituições__________ p.23
2.2.2. Os lugares do sujeito ____________________________________ p. 28
2.3 - Temáticas recorrentes em net artes __________________________ p. 34
2.3.1. Ativismo ______________________________________________ p .34
2.3.2 . Interatividade e Tele presença _____________________________ p. 38
2.3.3. Narrativas hipertextuais e hipermidiáticas ____________________ p. 42
2.3.4 Auto referencialismo ____________________________________ p. 46
3. Materialidade das redes _____________________________________ p. 49
3.1. Do objeto de exibição ao sistema de interação___________________p. 50
3.2 - Princípios materiais da ‘imagem’ síntese ______________________ p. 53
3.2.1 Representação numérica ________________________________ p. 56
3.2.2 Automação ___________________________________________ p. 57
3.2.3 – Transcodificação _______________________________________ p. 59
4. Poéticas do dispositivo ______________________________________ p. 64
4.1 Imagens dispositivo nas net artes ___________________________ p. 67
4.2 O dispositivo Internet _____________________________________ p. 71
5. Da construção de experiências _______________________________ p. 79
5.1. Dos materiais ____________________________________________ p. 79
5.2. Da transparência e da opacidade_____________________________ p. 88
5.3. Da presença e do sentido __________________________________ p. 95
5.4. Da comunicação __________________________________________ p.99
6. (Re) Construindo interfaces _________________________________ p. 101
6.1. Form Art Competition (1997) Alexei Shulgin __________________ p.101
6.2. Net Abstraction (2001) Dyske Suematsu ____________________ p. 109
6.3. Entrecruzamentos _______________________________________ p. 114
7. Considerações finais _______________________________________ p.118
8
8. Referências Bibliográficas __________________________________ p. 122
9. Anexos _________________________________________________ p. 127
Título
9
1. Introdução
Ao refletir sobre as materialidades, os lugares do sujeito e os modelos
de representação das manifestações artísticas na Internet, denominadas net
artes, procura-se delinear as relações destes princípios com as experiências
dos sujeitos.
O modo pelo qual os observadores constroem e se deixam afetar pelas
formas perceptivas diz dos modos de produção e do regime visível hegemônico
em cada período histórico. As transformações das técnicas de representação
relacionam-se também à concepção dos objetos artísticos e dos objetos
midiáticos. As apropriações dos aparelhos de comunicação e a
problematização das questões que concernem à mídia enquanto entidade
cultural na produção artística questionaram os padrões tradicionais de
interação com novas maneiras de intervenção pelo público.
Algumas das propostas das vanguardas da década de 1920 e 1960
traziam em sua poética a abertura para intervenção dos atores sobre a própria
materialidade da obra. Percebe-se, então, um deslocamento da concepção
artística como expressão autoral de um sujeito para a proposição de trabalhos
coletivos, nos quais o público não interfere sobre a materialidade do projeto
e o atualiza, mas assume uma co-responsabilidade criativa na sua constituição.
A dissolução de um objeto artístico construído na cena formal dos museus e
das galerias age em favor da proposição de sistemas e dispositivos mais atenta
às funções do que aos próprios objetos. É nesta busca por outra sensibilidade,
que se percebe uma crescente abertura no processo de criação artística no
qual o espectador assume um papel fundamental.
10
Das net artes escolhidas para composição do corpus uma questão
em comum que diz respeito ao tema que abordam. Ambos os projetos
assumem nas poéticas elementos próprios à materialidade do dispositivo no
qual se enredam. Form Art Competition, de Alexei Shulgin questiona o uso
funcional de botões, formulários e checkboxes ao disponibilizá-los o como
forma de acesso aos hiperlinks do site, mas como composições visuais, que
não levam o observador a outros ambientes, mas chamam sua atenção para a
própria construção da interface. Em Net Abstraction, de Dyske Suematsu, um
programa constrói uma imagem dinâmica a partir dos fragmentos do(s) site(s)
indicados pelo usuário. Esta colagem modifica-se na medida em que o
programa mapeia os links e arquivos relacionados no site indicado. A
visualidade constituída é composta por trechos de programação, de textos e
partes da interface gráfica. Este projeto incorpora nestas imagens a arquitetura
própria da rede e evidencia os mecanismos operadores da sua construção.
Nestes projetos, as imagens em net artes enfatizam as conexões
estabelecidas com os sujeitos e, internamente com o programa que opera o
código conformador de sua porção visível. o predomínio de uma
problematização da própria linguagem e das funções simbólicas nas quais os
objetos midiáticos se engendram. Uma vez que estão propostas reinvenções
dos modelos de representação, resta-nos investigar como os elementos
materiais e a reconstrução das estratégias de representação atravessam as
experiências dos sujeitos nas net artes. Propõe-se a análise destas duas
propostas de net artes que problematizam as noções de imagem e dispositivo e
como este tencionamento, em movimento de oscilação entre ocultação e
11
revelação da mediação material da interface atuam sobre a relação com os
sujeitos.
1.1 – Da construção do olhar
Os estudos recentes em comunicação têm frisado a pluralidade do
campo da comunicação e a necessidade de definição de um olhar
comunicacional. Apostamos que um olhar da comunicação seria aquele que
busca a relação, independente dos aspectos ou questões que serão tomadas
como objeto de pesquisa, isto é, o objeto de um pesquisador de nosso campo
pode ser a mídia, podem ser as relações de identidade ou tecnológicas, ou um
aspecto de um desses; o que garante a configuração desse olhar é a certeza
de que qualquer fenômeno se na relação, se institui “em relação a”, na
complexidade do movimento do qual ele faz parte.
Pensar a constituição das formas expressivas na Internet a partir das
relações que estabelece vai ao encontro da necessidade de abertura do campo
de pesquisa em comunicação para além da mídia tradicional e corporativa e
das atividades informacionais. Eduardo Duarte (2003), ao propor o
deslocamento dos objetos tradicionais da comunicação e do próprio campo,
percebe a comunicação como um estado “em relação que implica na
emergência de uma superfície comum de troca, ou uma zona de encontro de
percepções de emissores e receptores” (2003, p. 53).Conclui que:
O que está em jogo na localização deste objeto, não é o suporte
no qual ele se expressa, mas qual a comunhão que ele permite a
12
partir da informação posta na relação. Qual o sentido de troca que
se estabelece a partir da percepção recíproca do outro? Se
formas de se localizar este diálogo dos meios com suas massas
que passam a compor de forma mais clara o universo dos que
percorrem as fronteiras, teremos um objeto de comunicação, mas
um veículo de informação não traz a priori a condição de ser um
meio de comunicação. (DUARTE, 2003, p.54)
Ao localizar as experimentações artísticas na Internet como objeto de
pesquisa, não o tomamos como imediatamente próprio da comunicação
somente por se constituir em um meio fundado sobre tecnologias de
comunicação, mas por promover em suas poéticas a constituição de propostas
que se realizam mediante a atuação de outros sujeitos. Se a promoção de
relações comunicativas é o que move as artes das novas mídias, é natural que
este tipo de arte utilize-se recorrentemente da interação. Ou melhor, a
interação passa a ser entendida como pressuposto à comunicação. Desta
forma, podemos perceber a relação entre os sujeitos e obra como uma relação
comunicacional.
Nesta proposta, estudar a construção da percepção em “diálogos e
partilhas” significa aproximar a recepção da emissão. É neste sentido que
repensamos o conceito de comunicação como controle
1
por comunicação
como interação, um encontro de sujeitos sociais onde um se defronta com o
outro em um agir conjunto; onde uma ação molda e reinventa o lugar do outro.
A idéia fundamental é então que a comunicação é não um processo
no qual os estados intencionais são previamente providos de suas
determinações, onde os fatos e as hipóteses (representações de um
mundo real pré-definido) tornam-se mutuamente manifestos, mas
uma atividade conjunta de construção de uma perspectiva comum,
de um ponto de vista compartilhado, como base de inferência e de
ação. (QUERÈ, 1991, p.7)
1
A noção de comunicação como controle remete ao paradigma informacional segundo o
modelo de Shannon e Weaver (Ver SHANNON, Claude e WEAVER, Warren. Teoria
Matemática da Informação. The mathematical theory of communication. Urbana : The
University of Illinois, 1949.)
13
Ao privilegiar um viés relacional, a comunicação se constitui como
processo onde os interlocutores interagem em negociações, embates e trocas
de experiências para uma construção conjunta de sentidos. Compreende-se
uma mobilidade dos papéis de emissor e receptor para além desta dualidade,
que se rearticula em cada relação que estabelece. Por isso a comunicação é
aqui entendida como parte de um sistema social complexo ao evidenciar a inter
relação dos sujeitos no processo de significação.
Ao reconhecer a percepção como fronteira do processo de comunicação
- centrado em uma realidade cultural partilhada por “outros” a identificamos
como uma operação intersubjetiva. Para estas intersubjetividades imersas em
realidades múltiplas e fragmentadas, a existência corpórea é o que vincula e
sintetiza os signos dispersos em representação. Por isso, percebemos o
aspecto material como premissa original e originária do sentido e da
significação para a constituição da experiência; atuamos sobre nossos modos
de representação como seres conscientes tanto quanto seres “carnais”. Sendo
assim, as trocas existentes entre os diversos aspectos materiais, subjetivos,
perceptivos etc devem ser consideradas em uma mesma concretude na análise
da relação dos sujeitos entre si e os objetos; os aspectos materiais e mentais
que emergem das relações entre os sujeitos e os objetos devem ser levados
em consideração em uma mesma relevância.
Para Duarte (2003), a comunicação passa necessariamente por estes
momentos de embate, encontro e negociação, “é um construir com o outro um
entendimento comum sobre algo. É o fenômeno perceptivo no qual duas
consciências partilham na fronteira”. Ao relacionar percepção e comunicação, a
externalidade das relações é rompida. O uso das mídias para explorar o
14
potencial dialógico nas artes traz novos elementos para a análise estética. A
arte pode ser percebida em caráter processual: o sentido da obra está em
construção em "diálogos e partilhas mediadas por tecnologias em detrimento
da arte como um objeto fechado.”
2
.
O que nos parece mais relevante nos estudos de comunicação não se
refere à qualificação de eficácia dos meios ou estruturas na difusão de
mensagens. Não está em um suposto resultado de um ato comunicativo. Mas
justamente na compreensão, ou tentativa de apreensão, da dinâmica em que
os processos comunicativos se fundam. A comunicação não se quando o
produto se define ou se materializa, mas enquanto trocas e constituição de
experiências entre os sujeitos. Se considerarmos a constituição das formas
expressivas e suas experiências, através da articulação dos atores envolvidos
nessas propostas, por um viés relacional, podemos associá-la, então, a uma
dimensão comunicativa.
1.2 – Da organização do argumento
Para o desenvolvimento da pesquisa, estruturamos a dissertação em
cinco capítulos.
O primeiro capítulo “Net artes: conceitos, heranças e tendências” tem
como objetivo esclarecer as questões principais que concernem ao nosso
objeto de estudo. Nele está discutida a definição de net artes, como elas
dialogam com o sistema de arte vigente e com o público, as temáticas
2
Diana Domingues, disponível em http://www.ucs.br . Acesso em outubro de 2005.
15
recorrentes nas poéticas assim como as contribuições de outros movimentos
artísticos.
No segundo capítulo “Materialidade das redes” discutimos as
características materiais da imagem síntese e como estes aspectos contribuem
para o estabelecimento de um outro sistema de representação. No capítulo
seguinte, “Poéticas do dispositivo”, ao evidenciar os elementos operadores
destas imagens e sobrepor a exibição dessas estratégias à sua plasticidade,
percebemos que se mostram enquanto imagem dispositivo. Uma imagem que
se assume para além da própria visibilidade.
Apresentamos em seguida no quarto capítulo, intitulado “Da construção
de experiências”, como estes vetores materiais atuam sobre as relações dos
sujeitos com as interfaces. O foco desta seção é discutir como os modelos
representacionais das interfaces utilitárias articulam-se em prol de sua
transparência, da construção de elementos ‘amigáveis’
3
para o
estabelecimento de uma navegação ‘natural’ no espaço informático; enquanto
que as interfaces das manifestações artísticas tendem para um movimento
contrário, privilegiando a opacidade das relações e enfatizando as camadas de
mediação entre os sujeitos e os sistemas.
Por fim, uma análise dos projetos Form Art e Net Abstraction articulam
as discussões teóricas anteriores.
3
O termo ‘user-friendly’, traduzido aqui como ‘amigável’ é recorrente no estudo das HCI
(Human Computer Interface) para designar interfaces de navegação intuitiva.
16
2. Net artes: conceitos, heranças e tendências
2.1. Definições
Desde os primeiros experimentos, em 1994, as net artes sofreram
grandes transformações tanto em suas formas expressivas quanto em termos
de desenvolvimento técnico. Um exemplo disso é que as primeiras
manifestações caracterizavam-se pelo uso de técnicas de programação low
tech, como html, e um forte envolvimento político. as manifestações
recentes utilizam programações mais complexas, como php, flash, actionscript
(java), ruby on railes, e o ativismo passou a ser um dentre vários temas de
interesse. A velocidade destas transformações faz com que as net artes
mostrem-se multifacetadas, o que de certa forma dificulta a sua definição. No
entanto, ainda assim encontramos características comuns em suas diversas
manifestações que podem nos auxiliar a circunscrever seus princípios gerais;
não de modo fixo ou definitivo, uma vez que as formas expressivas na Internet
tendem a engendrar-se na dinamicidade da rede.
É preciso deixar claro que nem toda ‘arte’ disponível na rede é
considerada como pertencente ao campo das net artes. A reprodução digital de
uma pintura ou de um filme, considerados obras de arte em seu suporte
original ou em suas formas de exibição, nada mais é do que a documentação
ou registro de uma forma artística cuja poética é indiferente à sua
disponibilidade e distribuição na Internet. Consideram-se net artes, projetos de
arte criados exclusivamente para a Internet. E isto, em grande parte os define.
17
Por net artes entendemos as formas expressivas artísticas que
tematizam e problematizam questões próprias da Internet, são produzidas,
distribuídas e legitimadas nesta rede. São propostas que assumem caráter
metalingüístico ao desenvolverem linguagens que descrevem e colocam em
xeque os sistemas de códigos da World Wide Web. Sendo este um elemento
central em sua poética, acreditamos que não possam ser experimentadas em
nenhum outro ambiente que não o da rede. A criação e disponibilidade de um
projeto de net artes é então um critério definidor destas manifestações uma vez
que os projetos modificam-se, sofrem acessos e intervenções no momento em
que estão presentes nela.
Encontramos uma variedade de termos empregados na definição destas
formas expressivas. Entre eles, net.art, web art, internet art, são os mais
recorrentes. Algumas vezes suas aplicações são realizadas de modo pouco
criterioso ou sem distinção entre cada um dos termos. Pretendemos aqui
demonstrar como eles são delineados pelas comunidades virtuais, listas de
discussão, coletivos, enfim; pessoas que se relacionam diretamente à
produção das net artes. Broegger (2000) percebe que “net art”, ou em sua
tradução literal ‘arte da rede’, pode ser considerada uma abreviação para
“Internet art” e, portanto, um termo ‘guarda chuva’ para todas essas
manifestações. “web art” diz de um lugar próprio, a world wide web, uma
rede específica de computadores comumente acessada através de browsers
como Internet Explorer e Mozilla Firefox, entre outros, que utiliza um protocolo
específico para interpretar dados (http protocolo de transferência por
hipertexto).
18
Fig.1- Imagem em computação gráfica
do robô do projeto Telegarden, de Ken
Goldberg.
Um limite desta definição, que impede que conta das potencialidades
do fazer artístico, é que não necessariamente a proposta artística confina-se no
espaço informático. Em diversos projetos, os artistas apropriam-se da www
para promover ações e conexões que se realizam fora da rede. A relação
destes projetos artísticos com o meio o desloca para dois lugares: o primeiro
onde a Internet assume centralidade na poética e os processos criativos
realizam-se na própria rede tecnológica. O segundo, no qual ela é o lugar de
encontro e atua como mediadora das relações criativas que se desdobram em
outros meios e/ou no espaço físico. Exemplo deste último caso é o projeto
Telegarden(1995)
4
, de Ken Goldberg. O propositor possibilitou que vários
usuários conectados na Internet pudessem manipular remotamente um robô e
cuidar de um jardim. O jardim, que era
monitorado 24 horas por dia por
webcams, tinha suas sementes
plantadas, regadas, a iluminação
controlada pelos usuários registrados
no site. Com este projeto, Goldberg
procurou integrar elementos biológicos
com sistemas informáticos e, desta
interação mobilizar um público que reunido no ciberespaço, conseguisse se
organizar em torno de um objetivo comum cuidar do jardim. O resultado
coletivo das ações tomadas pelo blico na Internet teve, por sua vez,
conseqüências em uma existência concreta, física; plantas morreram, outras se
propagaram. Em ambas as possibilidades percebe-se que é o modo de
4
Disponível em http://www.usc.edu/dept/garden/. Acesso em novembro de 2006.
19
apropriação da Internet e as reflexões motivadas por ela que se demonstram
como ponto em comum nas problematizações do meio.
O termo “net.art” requer uma explicação mais detalhada. Versões
contraditórias sobre seu surgimento apontam para poéticas distintas e
questões relativas à indefinição conceitual do campo do fazer. Shulgin e
Bookchin (1999) nos lembram em Introduction to net art
5
que o termo surgiu de
um mau funcionamento de software. Vuk Cosic, um net artista esloveno então
conhecido nas comunidades de discussão sobre arte e tecnologia como a
Rhizome.org e a Nettime.org relatou ter recebido um email com um erro no
processamento da mensagem que o tornava ilegível, exceto pelo trecho
“net.art”. Cosic vinha buscando uma denominação para as experimentações
que desenvolvia na Internet e achou conveniente assumir este erro do
programa inclusive como parte da poética de suas manifestações. Se o que lhe
interessava eram as questões específicas deste meio, percebemos os erros
informáticos como parte constituinte e constante no uso da rede tecnológica. O
termo rapidamente se difundiu nas comunidades e listas de discussão para
designar as atividades de arte e comunicação na Internet. Bosma (2003) algum
tempo depois contradisse a versão de Cosic ao afirmar que o termo foi
cunhado em comum acordo no encontro “net art per se”, realizado em 1996,
em Trieste, Itália. Passado um ano, Shulgin
6
fez circular uma mensagem na
lista Nettime.org na qual assumia que o termo era realmente um ready-made,
originado de uma mensagem mal codificada, confirmando a versão de Cosic.
Enfim, diante dessas contradições um ponto pacífico entre os net artistas
que relaciona este termo à uma divisão histórica nessas manifestações.
5
Disponível em http://www.easylife.org/netart. Acesso em novembro de 2006.
6
Ver mensagem em http://www.nettime.org/Lists-Archives/nettime-l-9703/msg00094.html.
Acesso em novembro de 2006.
20
Segundo Greene (2000), net.art refere-se ao período heróico desta forma de
expressão, na qual predominava o interesse social e político, os trabalhos se
caracterizavam por uma simplicidade tecnológica, basicamente com
programações em html, e uma postura anti institucional e irreverente.
Curiosamente, o evento “net.art per se”, organizado por Cosic em 1996 trouxe
como tema o fim da net.art
7
. É no momento deste festival que as
manifestações artísticas da Internet começaram a vivenciar certa inclusão nos
circuitos da arte contemporânea e perderam um pouco da marginalidade.
Percebe-se a consolidação de uma esfera de legitimação e o início da
formação de um mercado para estas propostas, o que provocou um conflito
entre os realizadores que pretendiam fazer parte de um circuito mais central e
outros que relutavam em deixar uma condição mais periférica.
Diante de todos estes termos e suas variações, percebemos a
necessidade de apontar uma terminologia que possa ser abrangente o
suficiente para abarcar os possíveis desdobramentos das manifestações
artísticas da Internet e ainda assim assumir um caráter quase auto-explicativo.
Durante o desenvolvimento deste trabalho optaremos pela expressão “net
artes”. “Net” por abarcar outras redes e associações para além da world wide
web, e “artes”, no plural, para caracterizar um espaço de pesquisa aberto, não
formado por objetos pré-concebidos e disposto a reinventar-se. Prezamos,
desta forma, por um olhar disposto a acolher as potencialidades do fazer
artístico.
7
Para maiores detalhes e descrição das exposições, ver http://www.ljudmila.org/naps/ e
http://www.notam02.no/motherboard/articles/03_netart_bosma.html. Acesso em novembro de
2006.
21
2.2 - Questionamentos no sistema da arte
Como veremos a seguir, na discussão dos deslocamentos e questões
principais das net artes, a multiplicidade de termos e definições apontam não
só para a pluralidade das poéticas, mas também para a necessidade de pensar
o lugar destas manifestações artísticas diante do estatuto tradicional das artes.
Deve-se levar em consideração como os conceitos relacionados à esfera
da arte engendram-se nas novas formas de mediação tecnológica das relações
sociais. Segundo Napier (2000):
A net.art torna possível que a obra de arte seja algo mais extensivo,
que não seja somente um objeto para admirar, mas que também se
converta em um evento do qual se possa participar. que a rede
tem o poder de combinar as ações de muitas pessoas em uma
composição coerente, o verdadeiro para o artista es em utilizar
este poder para fins tanto estéticos quanto humanísticos. (Tradução
livre)
8
Percebemos então, que um deslocamento de enfoque de um objeto
artístico fechado em sua materialidade para uma proposta que destaca o
evento, uma malha de interações emergente da ação de outros sujeitos. É
neste sentido que Adrian (1999) afirma interessar-se pela conformação de
redes de usuários e como eles se apropriam e subvertem esses sistemas
informáticos. Mais do que a criação de imagens ou expressões plásticas, o que
lhe chama atenção é a porção estratégica das possibilidades conectivas.
As conexões entre arte e mídia imbricam-se de modo a contaminar suas
8
"La noción de arte ha llegado a una coyuntura crítica. La red desafía el concepto de que la
obra de arte es un objeto precioso y singular que permanece inmóvil en una galería o en un
museo. El net.art hace posible que la obra de arte sea algo más comprensivo, que no sea tan
sólo un objeto para admirar, sino que también se convierta en un evento en el que se pueda
participar. Ya que la red tiene el poder de combinar las acciones de muchas personas en una
composición coherente, el reto para el artista está en utilizar ese poder para fines tanto
estéticos como humanísticos.” . Disponível em
http://www.elpais.es/especiales/2001/arte/artis.htm. Acesso em novembro de 2006.
22
técnicas, seus conceitos e objetos. A emergência da mídia arte (ou artemídia)
apresenta aos artistas um desafio que extrapola a apropriação direta das
tecnologias dos meios. Busca-se a construção de visualidades que
desarticulam os usos padronizados dos aparelhos e propõe perspectivas
inovadoras em prol de objetivos estéticos
9
. Ao contrariar a organização
industrial dos meios e buscar formas alternativas de expressão, a artemídia
posiciona-se como instrumento crítico das produções culturais
contemporâneas. A arte mídia
(...) possibilita praticar, no interior do próprio meio, e de seus
derivados institucionais (portanto não nos guetos acadêmicos ou
nos espaços tradicionais da arte), alternativas críticas aos modelos
atuais de normalização e controle da sociedade. (Tradução Livre)
(MACHADO, p.18, 2005)
10
Por isso pode ser reconhecida como figura metalingüística da sociedade
midiática – ambiguamente ao mesmo tempo em que faz parte dela.
Diante deste cenário de questões cabe discutir mais profundamente
como as net artes se posicionam diante das noções tradicionais das artes, os
circuitos de legitimação e os lugares do sujeito no processo criativo.
2.2.1 – Espaços de legitimação e a relação com as Instituições
Greene (2000) nos lembra que entre 1994 e 1998, quando se formou a
maioria das comunidades virtuais voltadas para a discussão sobre arte, a
Internet possibilitou que os net artistas se organizassem à margem dos âmbitos
9
MACHADO, Arlindo. Arte y Medios: Aproximaciones y Distinciones. La Puerta FBA, La Plata,
v. 1, n. 0, p.15-22, 2005.
10
(...) posibilita practicar, em el interior del propio médio, y de sus derivados institucionales (por
lo tanto no sólo em los guetos acadêmicos o em los espacios tradicionales del arte),
alternativas críticas a los modelos actuales de normativización y control de la sociedad.
23
institucionais. Foi neste momento em que comunidades como a Rhizome
11
e a
Nettime
12
consolidaram-se como lugar de discussão sobre elementos políticos
e sociais da tecnocultura. Na Europa Oriental, com o surgimento de uma
sociedade civil atuante erguida sobre o neo-liberalismo e a abertura dos meios
de comunicação ao pluralismo político, a Internet foi percebida como um
instrumento de exercício da liberdade de expressão. em 1995, alguns
intelectuais de esquerda, artistas, subversivos e técnicos começaram a se
organizar em torno de coletivos artísticos como The Thing
13
e La Sociètè
Anonyme
14
. Estes coletivos produzem trabalhos artísticos e textos reflexivos
sobre as condições da produção artística mediada pela rede tecnológica. A
princípio foram conhecidos apenas pelos nomes do coletivos, mas aos poucos
os indivíduos por trás das produções se revelaram.
As ações artísticas criadas, produzidas e disseminadas não tratam
somente de subverter a lógica industrial dos meios de comunicação de massa,
não se limitam à proposição de performances pontuais construídas em torno do
artista contra o sistema. Outras vezes preferem explorar a elasticidade espaço
temporal da rede e estabelecer conexões em uma teia de relações. Couchot
(2003) percebe essa diferença de socialização dos artistas quando ocorre uma
dispersão do coletivo nas redes digitais: o operador social rebelde passa a
atuar na emergência de uma “consciência” reticular ao invés de tentar tomar a
mídia e desmontar seu poder centralizador. A Internet possibilita para estes
coletivos o desenvolvimento de uma “consciência desmembrada” e por isso os
11
Rhizome está disponível em http://ww.rhizome.org. Para acesso completo é necessário filiar-
se e pagar uma taxa anual.
12
Nettime está disponível em http://www.nettime.org. Para acesso, basta assinar a lista sem
custos. Hoje a nettime conta com listas específicas em diversas línguas para a América Latina,
Sudeste da Europa, China França, Alemanha, Brasil entre outros.
13
The Thing. Disponível em http://www.thething.net. Acesso em novembro de 2006.
14
La Sociètè Anonyme. Disponível em http://www.aleph-arts.org/lsa. Acesso em novembro de
2006.
24
trabalhos são propostos não mais centralizados em eu-autor-indivíduo, mas em
um eu-propositor-distribuído. Certamente, estes coletivos se constituíram como
um espaço alternativo de criação, legitimação e publicação dos trabalhos
artísticos.
Em 1999, Shulgin e Bookchin organizaram uma exposição chamada
Introduction to net art composta por gravações em pedra de um manifesto que
dizia sobre questões centrais das net artes. Entre eles, o modo de lidar com as
instituições é fundante para o caráter contra cultural das propostas. Para eles,
os net artistas devem:
a. Trabalhar fora da Instituição
b. Declarar que a Instituição é má
c. Desafiar a Instituição
d. Subverter a Instituição
e. Tornar-se uma Instituição
f. Atrair a atenção da Instituição
g. Repensar a Instituição
h. Trabalhar dentro da Instituição.
(Tradução livre)
15
De acordo com o manifesto, a dinâmica de trocas com as Instituições
vigentes inicialmente concentrava seus esforços em opor-se à elas,
posicionando-se de forma independente às suas instâncias legitimadoras. O
que podemos perceber é que com a consolidação dos coletivos artísticos,
em 1998
16
, predominava exatamente o movimento contrário: os coletivos a
então marginais aos poucos tornaram-se centrais na discussão sobre arte,
15
Interface with Institutions: The Cultural Loop
a. Work outside the institution
b. Claim that the institution is evil
c. Challenge the institution
d. Subvert the institution
e. Make yourself into an institution
f. Attract the attention of the institution
g. Rethink the institution
h. Work inside the institution . Disponível em http://www.easylife.org/netart. Acesso em
novembro de 2006.
16
Em 1998, os principais coletivos (Teleportacia.org, Irational.org, Hell.com, Ludjmila.org,
Potatoland.org etc) já haviam consolidado sua presença nas discussões sobre arte e tecnologia
e inclusive já faziam parte de festivais renomados como o Ars Electronica (http://www.aec.at).
25
tecnologia e comunicação e passaram a ser referência no que tange à essas
manifestações que, de modo crescente, difundiram-se na rede. Ainda que
presente um radicalismo inicial, percebe-se uma tentativa de relacionamento
com o sistema tradicional da arte que envolve os museus, galerias, curadores e
críticos de arte. As net artes acabam por relacionar-se ambiguamente no
circuito da arte contemporânea ao participar de festivais e premiações
organizadas por estas Instituições.
Apesar desta constante tentativa de inserção em instituições físicas, as
net artes ainda apresentam-se como um desafio aos museus e colecionadores.
Existe uma grande insegurança sobre como conservar tais obras, já que, com a
mudança das tecnologias os suportes necessários para sua realização podem
passar a serem inviáveis de serem mantidos. A incompatibilidade tecnológica
acabaria por impedir a transcodificação da informação contida no projeto para
sua interface gráfica ou ainda a sua disponibilização em rede. A grande
questão para os museus é se será preciso também colecionar as máquinas
que possam expor tais obras. Além disso, como estes projetos seriam exibidos
uma vez que efetivamente se realizam quando disponíveis na rede.
De fato, as net artes em sua constituição não foram pensadas para
existirem em museus e galerias. Ocorre uma centralização em torno da
Internet, ambiente no qual se realizam as diversas etapas do processo criativo,
desde a sua concepção e realização à legitimação que gira em torno das
comunidades e listas de discussão. A centralização no meio explica uma outra
ruptura, talvez definitiva: “O objetivo utópico de diminuir o abismo crescente
entre a arte e o cotidiano, talvez, pela primeira vez, tenha sido alcançado e
tornado uma prática real, diária e arotineira” (SHULGIN e BOOKCHIN, 1999.
26
Tradução livre).
17
A possibilidade de experienciar um projeto artístico no
computador em ambientes domésticos traz uma outra perspectiva sobre a
produção artística. A arte não faz parte do cotidiano, mas insere-se em um
ambiente que congrega funções diversas, da visitação a distância de pontos
turísticos, do desenvolvimento de pesquisas científicas por centros acadêmicos
dispersos geograficamente a pagamentos online em sites de bancos. Não se
trata mais de uma ‘obra’ que leva o cotidiano à galeria, mas sua inserção em
um ambiente informático que agora faz parte da maioria das práticas diárias, e
ainda pode ser acessado a qualquer instante.
Ainda se levarmos em consideração a relativa institucionalização das net
artes, devemos ainda lembrar dos pontuais, mas constantes, surgimentos de
trabalhos politizados como os dos hackativistas
18
e outros grupos articulados
com mídias táticas
19
. Os modos de atuação destes grupos encontram
semelhanças na análise de Certeau (1994) sobre como as estratégias e as
táticas lidam com as relações de poder. A estratégia é definida por ele como a
forma de organização hegemônica dessas relações, é a fala autorizada que
gere como e quais sujeitos e instituições se articulam entre si. No cotidiano,
lugar que as instituições não alcançam por completo, onde espaço para o
exercício das singularidades do sujeito, surgem brechas nas falhas das
17
The utopian aim of closing the ever widening gap between art and everyday life, perhaps, for
the first time, was achieved and became a real, everyday and even routine practice. Disponível
em www.easylife.org/netart. Acesso em outubro de 2005.
18
Por hackativismo entendemos as atividades hackers não mais preocupadas apenas em
quebrar sistemas informáticos pela diversão, mas focados em questões políticas e sociais
baseadas nos Direitos Humanos e na Liberdade de Expressão. Para mais detalhes ver
http://www.hacktivismo.com. Acesso em novembro de 2006.
19
Na definição do grupo Mídia Tática Brasil (http://www.midiatatica.org) trata-se de “um
conceito alternativo de mídia que surgiu nos anos 90, fruto de uma série de práticas de ativistas
de mídia e festivais de novas mídias pela Europa e EUA. O fundamento básico do conceito
mídia tática é um uso diferenciado das potencialidades midiáticas tornado possível graças à
crescente acessibilidade dos materiais e equipamentos de mídia, e à consequente explosão de
produção faça-você-mesmo.Tal forma diferenciada implica num uso "político" desses meios,
desvinculado dos interesses mercadológicos vigentes.”
27
estruturas hegemônicas que abrem espaço para a emergência de táticas. O
conceito de tática opõe-se à estratégia, no sentido de não efetuar um confronto
direto com o poder hegemônico, mas através de “apropriações furtivas”, de
modos de atuação que minam as suas forças e efeitos devastadores. Elas não
se mantêm ou pretendem tornar-se hegemônicas; operam como levantes,
como decorrência da vivência social e de forma não planejada.
Com esta atitude, os net artistas encaram as Instituições que à princípio
renegam e depois passam a associar-se; de modo a ganhar vida no fazer da
prática artística, criando sua maneira de fazer, manipulando e alterando as
prescrições impostas.
2.2.2 – Os lugares do sujeito
As net artes constroem-se a partir de trocas constantes de informação
entre os observadores, propositores e comunidades virtuais, cuja cooperação
mútua contribui para a consolidação de uma rede de produção artística. Ascott
afirma que a a nova arte é feita para ser construída do interior. Ou você está
no interior da rede, ou você não está em lugar nenhum. E se você está no
interior da rede, você está em todos os lugares”. (ASCOTT, 1998, p.166).
Aquele familiarizado com a máquina não a percebe como prótese ou
ferramenta, mas como uma extensão do próprio ambiente do usuário. “O artista
reside no ciberespaço enquanto que outros simplesmente o encaram como
instrumento. (ASCOTT, 1998, p.167)”.
28
O aspecto conectivo da rede propõe uma outra percepção espacial do
trabalho artístico. Imagens obtidas artesanalmente, como na pintura, inserem-
se em um contexto contemplativo de interação. O observador se desloca para
a galeria e aprecia sua materialidade aparente. Por mais que tenha contato
com outras leituras daquela obra, ela é intocável. A natureza da imagem digital
possibilita o estabelecimento de relações entre os sujeitos diferentes daquelas
realizadas no contexto das imagens tradicionais. As imagens digitais residem
não fisicamente em ambientes comunicacionais, o que as tornam disponíveis
espacial e temporalmente. O acesso e a familiaridade operacional com a
informática não mais fazem com que o aspecto técnico se mostre como
impedimento para a navegação das interfaces utilitárias e dos trabalhos
artísticos. Em algumas vezes, a possibilidade de se explorar um projeto
artístico pelo computador do próprio quarto conotam uma familiaridade não
presente no contato com uma obra de arte tradicional, cujas ferramentas e
processos não fazem parte do cotidiano do observador.
O modo de lidar com os processos possibilita que observador e trabalho
compartilhem um contexto de atuação, materializado na interface, onde o
observador é incluído no trabalho. Os espaços em que as formas expressivas e
seus observadores se encontram são campos de linguagem por meio dos
quais o olhar reescreve as imagens que enxerga. Entre aparência e aparição, o
olhar organiza o que o trabalho deixa ver e propõe, promove o trânsito entre o
observador e a superfície de contato. Assim pode ser constituído um espaço
interativo no qual o observador explora e se insere, através do uso de algum
mecanismo da interface.
29
Mais do que as formas e conteúdos plásticos, as transformações
artísticas detectadas nas net artes voltam-se para o investimento no próprio
processo de criação, que em grande parte se dá coletivamente. O artista passa
a ser entendido como propositor de interfaces: “ele explora as relações entre os
seres e as coisas, ele propõe uma nova abertura nas vias de comunicação, na
qual outros poderão interferir” (O’ROURKE, 1998, p.9). O observador assume
uma co-responsabilidade criativa, uma vez que é impelido não a interpretar
a proposta apresentada mas a fazer parte da sua constituição.
A exploração do potencial interativo é uma característica recorrente nas
net artes. O observador é provocado a escolher caminhos através da ativação
de hiperlinks que o guiam na exploração do trabalho e geralmente colocado em
posição de contribuir ou inserir dados próprios (sejam eles imagens, textos etc)
que podem alterar a visibilidade do projeto. Devido à essa maleabilidade
caracterizam-se como projetos em processo, não conformados
independentemente ou a priori da presença do observador. Sendo assim,
percebe-se a elaboração de poéticas capazes de construir uma relação única
com cada indivíduo.
O potencial dialógico das redes digitais oferece vários caminhos nesse
sentido. Diálogo, para Bakhtin
20
, é entendido como “reação do eu ao outro,
como reação da palavra à palavra de outrem, como ponto de tensão entre o eu
e o outro, entre círculos de valores, entre forças sociais” (MARCHEZAN, 2005,
p.123). Relaciona-se não à uma construção lingüística passiva e solitária, mas
à uma construção atuante em uma rede complexa e heterogênea de sujeitos
sociais. Em um ponto de vista dialógico os sujeitos participam do jogo entre os
20
Bakhtin In MARCHEZAN, Renata Coelho. Diálogo. In Bakhtin, Outros Conceitos-Chave. Beth
Brait (org). Ed. Contexto, 2005.
30
interlocutores, os enunciados e as vozes dos textos. Eles detêm uma postura
analítica uma vez que associam falas diversas e compreendem como elas se
articulam.
O exercício do diálogo é presente na dinâmica da rede tida
inicialmente como metáfora e depois materializada pela tecnologia digital.
Vista através dos princípios da multiplicidade, ubiqüidade, interconectividade e
da mobilidade
21
, as relações entre os sujeitos na rede se constituem
diferentemente se comparadas à outras estruturas; em uma dinâmica espaço-
temporal própria.
Entre outros motivos, por organizar-se em nós e funcionar através da
comutação por pacotes, onde a informação não segue uma trajetória única e
definida, podemos dizer que a Internet incorpora um conceito chave de rede de
arquitetura aberta
22
. Neste mecanismo não linear de transporte de dados, a
rede consegue aproximar todos os usuários, que tudo que estiver contido na
rede está contido virtualmente em cada nó, e por conseqüência obtêm-se a
comunicação em tempo (quase) real.
(...) derivada da comutação por pacote, é a possibilidade de os nós
serem também emissores de informação. A Internet como meio de
comunicação rompe com a distribuição hierárquica entre emissores e
receptores ao possibilitar que cada possa produzir e distribuir
mensagens.
(VAZ, 2001, p.10)
Estabelece-se uma relativa igualdade entre os agentes na rede uma vez
que todos compartilham de uma mesma potencialidade interativa. Ainda assim,
cabe lembrar que em grande parte dos projetos lidamos com uma
21
DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia. Volume 1.
São Paulo: Ed.34, 1995.
22
LEVY, Pièrre. As tecnologias da Inteligência. São Paulo: Ed. 34, 1998.
31
interatividade incipiente, que em muitas vezes, limita a atuação do observador
à agir reativamente à uma programação previamente definida. Ao invés de se
colocar em um lugar de contribuição efetiva onde ele realmente interfere sobre
a materialidade da imagem das net artes, assume uma posição operacional
onde ele é responsável por acionar ou não um sistema pré programado. A
exploração do potencial interativo relaciona-se ao grau de liberdade concedida
ou conquistada pelo sujeito para subverter e surpreender as expectativas do
propositor inicial. Por vezes, este observador pode encontrar caminhos e
soluções não previstas pelo artista inicialmente. É deste modo que Domingues
percebe as relações entre artista observador e as net artes: “trata-se de um
processo de comunicação que se faz representar mais por um sistema ou uma
estrutura do que num motivo ou objeto”
23
. Como o sentido da obra está em
construção em diálogos e partilhas mediadas por tecnologias, percebe-se
destaque sobre as relações estabelecidas entre os agentes em detrimento da
exibição de um objeto artístico fechado.
Esta alteração no estatuto de produção contribui para que o lugar do
sujeito observador seja revisto nas net artes. Claudia Giannetti (2002) afirma
que o observador, ao encontrar a abertura da obra, assume uma função
criadora. Ao modificar a materialidade da obra, assume a função de co-criador.
Uma obra permeável, que torne possível a integração do público,
tem que alcançar necessariamente uma estrutura aberta, que
permita este acesso. (...) Trata-se afinal de instaurar um canal de
troca de informação entre obra e espectador e entorno que chegue
a configurar uma rede dialógica suficientemente aberta, pela qual
não só circulem dados, e sim pela qual se desfrute a comunicação.
Portanto, consideramos que não procede a proclamação
hiperbólica da morte do autor, substituído por um receptor que
assume a função de criador; trata-se de uma nova compreensão
23
DOMINGUES, Diana. Arte Interativa e Ciber Cultura. Disponível em
http://www.ehu.es/netart/alum0506/Ines_Albuquerque/Arte%20Interativa%20e%20Ciber%20Cu
ltura.htm. Acesso em outubro de 2005.
32
do conceito de autoria. Tradução livre. (Tradução livre.
GIANNETTI, 2002, p. 107)
24
Não podemos dizer, portanto, que as net artes põem fim à noção de
autoria e declaram a morte do autor. Pelo contrário, em vários projetos pode-se
rastrear em meio às inúmeras interações aquela responsável pelo início da
proposição. Todavia, a noção de autor único desloca-se na medida em que a
responsabilidade criativa é compartilhada e se dispersa em trabalhos
colaborativos.
E por estar vulnerável a diversas intervenções, considera-se que as net
artes possuem graus de imprevisibilidade. Cada participante atua como um
jogador e tem em suas mãos a possibilidade de atualização do trabalho. Ainda
que os resultados sejam prescritos na programação, para aquele que explora o
trabalho desconhecimento das possibilidades. Cria-se ou pelo menos,
simula-se - uma instabilidade e o resultado não cabe mais exclusivamente a
um artista, está potencialmente em cada ponto, em cada participante.
Por mais que possamos dizer de um deslocamento e uma mudança de
papel do sujeito, não podemos fixá-lo em uma única posição. Os lugares que
ele ocupa emergem das relações que ele estabelece com os projetos de net
artes. Em alguns contextos ele se posiciona como observador, na medida em
que observa e participa ativamente na construção do sentido, em outros como
interator, quando age sobre os sistemas e interfere sobre as materialidades, ou
ainda como usuário, quando se restringe a operar as articulações previstas de
24
Una obra permeable, que haga posible la integración del público, tiene que lograr
necesariamente uma estructura abierta, que permita este acceso. (...) Se trata, al fin y al cabo
de instaurar um canal de intercambio de información entre obra espectador y entorno que
llegue a configurar uma red dialógica lo suficientemente abierta, por la qual no sólo circulen los
datos, sino mediante la cual se logre la comunicación. Por conseguiente, consideramos que no
procede la proclamación hiperbóloca de muerte del autor, sustituido por um receptor que
asume la función de creador; de lo que se trata es uma nova comprensión del concepto de
autoría.”
33
um programa. O que nos parece central é dizer que os lugares deste sujeito
das net artes ou talvez da mídia arte, de uma forma geral - não pode ser
percebido como o mesmo de formas expressivas que são atravessadas por
regimes representacionais e poéticas distintas. Podemos dizer que nos
referimos a um sujeito não absoluto, mas em construção, moldado pelas
experiências que sofre nas realidades que ele mesmo constrói.
Diante destas questões que concernem e motivam as net artes,
percebemos a concentração dos projetos em alguns temas que certamente
dizem de elementos próprios da Internet e de como a rede tecnológica se
manifesta nas esferas culturais. Discutiremos a seguir estes temas e traremos
exemplos de propostas de net artes que se enquadram em cada um deles.
2.3 - Temáticas recorrentes em net artes
2.3.1 - Ativismo
As primeiras manifestações em net artes organizadas por artistas e
coletivos reivindicavam uma produção que privilegiasse a criação coletiva em
crítica à hierarquização tanto na esfera artística, no caso do conferimento de
um status superior ao artista, crítico e curador em relação ao público em geral;
quanto na disponibilização dos meios de produção industrial, no qual a Internet
se demonstrava como um ambiente de exercício da democracia e da igualdade
entre os sujeitos. Pensavam a dissolução das diferenças entre arte e vida,
34
quando os artistas iniciariam uma nova forma de fazer arte, abandonando os
formatos tradicionais e se posicionando como new practioners”, aqueles que
produzem os contextos e situações para as experiências, propositores. Como
discutido na seção sobre as interfaces com as Instituições tradicionais
artísticas, os net artistas iniciaram um processo de resistência ao comércio da
arte, levando as questões estéticas para outras direções. As práticas de
cooperação, participação e co-autoria permitiram uma redefinição do papel
social do artista assim como a possibilidade de integração e diálogo entre as
artes e as diversas disciplinas.
A constituição da Internet funda-se sobre a idéia de democratização da
tecnologia e da informação na medida em que propõe a descentralização e a
multidirecionalidade das trocas comunicacionais com amplo acesso do público
às ferramentas de publicação de conteúdo. Abriga um crescente número de
atividades ativistas através de uma organização que tende para a não
hierarquia e para o caos; possibilitada por uma estrutura rizomática. É também
espaço de organização de minorias, que tanto se articulam através da rede
como vêem nela um novo espaço de atuação ou de visibilidade para suas
atividades. O movimento zapatista, coordenado pelo Exército Zapatista de
Liberação Nacional foi pioneiro ao utilizar a rede para articulações e
manifestações políticas, instaurando o ciberativismo. Tinham como objetivo
perturbar a ordem de forma não violenta, criticar através dos meios de
comunicação, tornando suas ações visíveis e públicas e instaurando uma
guerrilha da informação. Um protesto digital foi organizado pelo grupo de
artistas suíços da Etoy.com quando os direitos sobre o endereço deste site
foram questionados. Em 1999, quando este domínio estava registrado e em
35
Fig.2 - Página inicial da www.etoy.com
uso pelos artistas há cinco anos, uma
loja online de brinquedos, registrada
no endereço www.etoys.com, moveu
um processo contra o grupo de artistas
alegando que a semelhança dos
endereços estava comprometendo os
negócios da loja. A questão é que
esta loja em 1999 era um dos endereços mais valiosos na Internet, avaliado
em cerca de seis bilhões de dólares. Como resultado do processo uma corte da
Califórnia sentenciou a etoy.com a pagar uma multa de 10 mil dólares por cada
dia que o site fosse mantido no ar. A saída encontrada pelos artistas da
etoy.com tratou de mobilizar as pessoas que acessavam o seu site da seguinte
forma: criaram um programa que uma vez instalado no computador, acessava
o site da etoys.com ininterruptamente. Uma semana antes do Natal, os
acessos eram tantos que congestionaram o sistema de compras online e as
ações da etoys.com caíram vertiginosamente. Finalmente, após uma queda de
70% nas ações, a etoys.com cedeu os direitos do domínio para a etoy.com. O
grande apoio a essa causa não foi propriamente devido à popularidade do
grupo de artistas. Mas à possibilidade da supressão da liberdade de expressão
movida pelo capital financeiro. Outro projeto que lida com a questão do
ativismo político é Mejor Vida Corporation
25
, da mexicana Minerva Cuervas. A
proposta lida com a simulação de uma corporação com sede na Cidade do
25
Disponível em http://www.irational.org/mvc. Acesso em novembro de 2006.
36
Fig.3-Código de barras
disponibilizado no projeto Mejor
Vida Corporation.
México que organiza campanhas, ações, cria e vende produtos que criticam as
regras políticas e econômicas do capitalismo. A empresa disponibiliza através
do site, por exemplo, etiquetas com códigos de barra que podem ser usadas
em supermercados no lugar das etiquetas oficiais para que se pague pelo
produto um preço abaixo daquele solicitado. Também estão disponíveis falsas
carteiras de estudantes assim como tíquetes para metrô. Dentre as campanhas
realizadas está a que questiona a realização do censo na Cidade do México.
Assim como no Brasil, o recenseamento é realizado em domicílio por pessoas
cadastradas pelo governo federal. Inevitavelmente, aqueles que não possuem
endereço fixo, como é o caso dos moradores
de rua ou de abrigos, são excluídos da
contagem final da população. Assim, deixam
de fazer parte da composição populacional do
país e não são reconhecidos como cidadãos
do país. Nesta campanha, Cuervas
problematiza como a conquista ou perda da cidadania é refletida pelos
instrumentos políticos do Estado.
Percebemos principalmente no projeto Mejor Vida Corporation como as
ações se contaminam de uma grande carga de irreverência e ironia. Esta forma
de publicizar seus pontos de vista está relacionado com o modo tático de se
posicionar diante das posições políticas hegemônicas. É assim também que
projetos que lidam com a questão da privacidade e da tele vigilância atuam.
iSee
26
é um aplicativo disponível online que faz um mapeamento da localização
de câmeras de vigilância nas cidades. No projeto está disponível o mapa com
26
Disponível em http://www.appliedautonomy.com/isee.html. Acesso em novembro de 2006.
37
as localizações em Manhattan onde os usuários podem buscar rotas que
permitam que eles circulem pela cidade sem ter sua privacidade invadida e sua
imagem capturada pelas câmeras. iSee permite que o blico inverta a
condição de monitoração, deixam de ser objeto de captura para se tornar
captores das câmeras. As ações táticas adotadas nestes projetos insinuam-se
no lugar do outro, evita-se o confronto direto e promove-se intrusões
temporárias, como se organizassem uma guerrilha silenciosa.
2.3.2 – Interatividade e Tele presença
O desenvolvimento de trabalhos em net artes que trabalham com tele
presença estão relacionados com a manipulação de robôs e outros dispositivos
a distância. O desenvolvimento das tecnologias de criação de realidades
virtuais também tem possibilitado outras formas de interação com ambientes
sintéticos, gerados por computador que simulam perspectivas imersivas em
primeira pessoa ou através de avatares. A questão comum que interessam aos
projetos que lidam com a interatividade e tele presença é o controle remoto de
alguns elementos do projeto e como esta interferência altera sua composição.
Por “interatividade”, Bettetini (1996) entende “a imitação da interação por
parte de um sistema mecânico ou eletrônico, que contemple como seu objetivo
principal ou colateral também a função de comunicação de ou com um usuário
38
(ou entre vários usuários)” (Tradução livre)
27
. Conclui-se então que as formas
interativas incluem uma intenção dialógica. Que a interatividade não está
definida por um aparato técnico, mas na capacidade de se manter trocas
informacionais recíprocas – ainda que assimétricas - entre os agentes.
Braga (2001) discute a reciprocidade, ou ainda, nos termos do autor, a
simetria das interações proporcionada pelos meios. Segundo ele, poderiam ser
organizadas em processos difusos e diferidos, quando não há um retorno
imediato de respostas (ex. rádio e televisão); processos apenas difusos,
quando um retorno possível previsto ou uma seletividade avançada pelo
usuário (ex. sites e bancos de dados); e processos dialógicos, quando há
retorno midiático direto (ex. telefone, chats). O autor chama a atenção para que
deixemos de perceber as interações sociais por um viés reducionista, por
conseqüência de se perceber as interações sociais apenas pela relação bipolar
entre os meios e os usuários. É preciso lembrar a insuficiência deste olhar
diante da complexidade das interações sociais na própria sociedade,
atravessada pelos meios de comunicação. Por isso mesmo, pensar a
interatividade apenas pela eficiência do sistema, por proporcionar ou não
possibilidades mais ou menos flexíveis, mais ou menos abertas à alteração do
conteúdo, pode caracterizar um olhar restrito sobre o que emerge das
interações mediatizadas. Braga chama a nossa atenção para percebermos a
(as)simetria das relações não apenas pelos aspectos técnicos. A complexidade
da malha de interações sociais, mediadas e mediatizadas, é construída por
camadas, firmadas em cada relação, por aspectos políticos, culturais e fatores
pessoais que desestabilizam a suposta ‘igualdade’ entre os sujeitos e podem
27
“la imitación de la interacción por parte de um sistema mecánico o electrónico, que
contemple como su objetivo principal o colateral también la función de comunicación de com
um usuário (o entre vários usuários)”. (BETETTINI, Gianfranco, 1996, p.16)
39
acionar valores hierárquicos. A interatividade, portanto, não pode ser percebida
apenas como uma ‘ação e reação mútuas’ entre emissor e receptor, uma vez
que percebemos as interações enredadas em tramas complexas; ou ainda
como imanente às novas tecnologias da comunicação; mas como decorrente
dos modos de apropriação e usos dos aparelhos e daquilo que emerge no
momento de encontro entre os sujeitos. Quaisquer que sejam as categorias em
que se encaixam os processos (difusos e diferidos, diferidos ou dialógicos), as
possibilidades interativas, em maior ou menor grau também estão presentes.
Em um processo dialógico, provavelmente estará mais explícita que o
retorno é direto e imediato. em processos e meios difusos e diferidos, o
retorno é sutil, não específico, ‘trata-se, na verdade, de relações amplas entre
um subsistema produtor/produto e um subsistema receptor/produto, permeadas
ainda em outras mediações’ (BRAGA, 2001, p.27). O subsistema
receptor/produto age como ‘um conjunto de processos interpretativos e críticos
que retroagem, direcionando e conformando a produção’ (BRAGA, 2001, p.28).
Encontramos no projeto
Egoscópio (2002), de Giselle
Beiguelman, a proposição de um
sistema de interações telemáticas no
qual o blico era convidado a
participar na criação de uma
entidade midiática. A intervenção foi
articulada entre um site, onde os usuários eram convidados a inserir dados
biográficos sobre um sujeito descorporificado existente apenas na virtualidade
informática o próprio egoscópio e a projeção destes dados, transformados
Fig.4 - Um dos telões do projeto Egoscópio.
40
em vídeos, em dois telões localizados na avenida Faria Lima, em São Paulo.
Simultaneamente, webcams dispostas neste espaço urbano captavam os
telões, o entorno e as projeções e os transmitiam em tempo real para a
internet. Neste looping quase espelhado, a combinação de espaços
informatizados e urbanos, de ltiplas e fragmentadas identidades promoveu-
se um circuito de trocas no qual o público assumiu força motriz.
Segundo Domingues (2000), a exploração da tele presença e da
interatividade nas net artes ocorre porque os artistas percebem o computador e
a Internet como um sistema complexo que possibilita explorar os sistemas
interativos onde a relação do corpo com as tecnologias provoca cópulas
estruturais entre o biológico e o artificial.
As produções exploram o processamento de sinais por captura e
tradução, evidenciam a capacidade de auto-organização, a
simulação e manipulação de forças e fenômenos físicos, provocam
encontros e relações sociais em ambientes virtuais entre outras
situações que podem enriquecer a dimensão subjetiva das
tecnologias, sua capacidade expressiva e o poder de reinventar
mundos.
(DOMINGUES, 2000, p.3)
Os observadores agem e
percebem outros espaços, sejam eles
sintéticos, simulados ou físicos, mas
distantes geograficamente, mediados
por tecnologias que conferem atributos
próprios à percepção. A
mobilização do público está presente
em Please Change Beliefs
28
(1996), de
28
Disponível em http://www.adaweb.com/project/holzer/cgi/pcb.cgi. Acesso em novembro de
2006.
Fig.5 - Imagem da obra Truisms que deu
origem ao projeto Please Change
Beliefs, de Jenny Holzer.
41
Jenny Holzer. Este projeto, na verdade, é a condensação de outros vídeos e
instalações realizadas pela artista desde o final da década de 70. A questão
principal nestas propostas anteriores é a disseminação de truísmos concebidos
por ela em espaços públicos de forma a promover uma fusão entre as frases e
a paisagem urbana. Para isso foram utilizados painéis eletrônicos, cartazes em
muros, telefones públicos etc de modo que funcionassem também como
comentadores do ambiente em que estavam inseridos. Na adaptação desta
poética para a Internet, a questão da esfera pública também é presente. Os
usuários, ao conectarem-se ao site, deparam-se com um dos truísmos
disponíveis no banco de dados do sistema. Através de um clique, podem
visualizar outro truísmo ou acessar o próprio banco de dados, onde têm a
oportunidade de modificar, deletar ou inserir um ou mais truísmos. A cada
acesso ou interferência ocorrem alterações na composição deste projeto, que
apenas se constrói pela intervenção dos usuários e que por isso mesmo nunca
se consolidará em uma visibilidade fixa.
2.3.3 - Narrativas hipertextuais e hipermidiáticas:
Sendo o hipertexto o elemento que rege a navegação associativa, não
linear entre os sites na Internet, sua dinâmica é incorporada às poéticas das
net artes.
Para Lévy (1998) o hipertexto é um conjunto de nós ligados por
conexões. O hipertexto compõe-se de textos, imagens, sons relacionados em
links, que por sua vez os conectam diretamente a outros elementos a serem
42
ativados, conformando uma rede contextual sem princípio ou fim, em uma
dinâmica circular. Com o objetivo de circunscrever os operadores desta
construção reticular, Lévy (1998) denomina alguns princípios que explicaremos
brevemente a seguir. O autor afirma que "a rede hipertextual está em constante
construção e renegociação. Ela pode permanecer estável durante certo tempo,
mas esta estabilidade é em si mesma fruto de um trabalho" (LÉVY, 1998, p.25).
Percebe que a própria composição da rede submete-se à ação dos agentes
envolvidos, sejam eles os sujeitos operadores ou elementos internos do próprio
sistema; o princípio de metamorfose explicita a idéia, suficientemente
vivenciada por todos os que lidam diariamente com informações, de que a
rede de significações cuja dinâmica é compartilhada com a rede tecnológica
está em constante transformação. O princípio da multiplicidade marca a
inexistência de um único sujeito ou de um único objeto, fixos e imutáveis. Uma
estrutura múltipla é capaz de adaptar-se aos agenciamentos, mudando de
natureza na medida em que aumentam suas conexões. Pode ser associada à
uma organização fractal, qualquer ou conexão pode revelar-se como
componente de uma rede maior e assim indefinidamente. Através do princípio
de heterogeneidade discute-se a relação entre todos os nós, que se
estabelecem de forma não linear, tabular. Por isso mesmo se manifesta uma
mobilidade dos centros. A equipotência dos nós permite que todos eles
assumam uma maior ou menor condição de poder, dependendo da
configuração da rede em que estão inseridos. É a sua posição em relação aos
condicionamentos e às potencialidades que determinam a sua natureza e
situação. O princípio de exterioridade pretende caracterizar a permanente
abertura da rede hipertextual, o que estabelecem-se, em instâncias
43
temporárias, são fronteiras móveis que regulam esta abertura. Por fim, o
princípio da topologia nos diz sobre o modo pelo qual a rede se expande. De
estrutura plana e rasa, cresce e se transforma tridimensionalmente. A rede
transborda em dimensões transversais e não por sobreposições acumulativas
verticalmente.
Tendo esclarecido os operadores que regem a dinâmica das redes,
podemos perceber como em narrativas hipertextuais, os papéis de autor e leitor
são intercambiáveis, uma vez que os conteúdos estão abertos para escolha ou
inserção do usuário. A linearidade seqüencial conformada pela leitura no
suporte impresso desloca-se com o hipertexto para uma leitura multilinear e em
relativa liberdade associativa.
A noção de hipermídia está intimamente relacionada ao conceito de
hipertexto na medida em que trata da mesma condição associativa estendida
agora à sons, imagens em registros diferentes. A tendência convergente de
outras mídias e suportes ao computador e à Internet trazem questões sobre
como se articulam diferentes sistemas de representação em um ambiente
compartilhado. Cabe lembrar que a conformação deste sistema dito ‘híbrido’
não se pela simples soma ou agrupamento de outras tecnologias de
difusão. Os canais de rádio transmitidos pela Internet e os programas de tv,
disponibilizados no YouTube, por exemplo, assumem uma outra conformação
diferente daquela que constitui o seu suporte original. uma contaminação
entre as diferentes linguagens, que não alteram sua própria constituição no
momento em que passam a fazer parte do dispositivo Internet, mas modificam
uns aos outros e contribuem para os modos com que os observadores
interagem com os objetos midiáticos.
44
Um exemplo da reinvenção e apropriação das linguagens é o projeto de
net arte de Olia Lialina, My boyfriend
came back from the war
29
. Nesta
proposta, a artista convida o
observador a experimentar as diversas
combinações de textos e imagens, que
se dividem em frames na medida em
que aciona os links, para criar uma
narrativa. O trabalho de Lialina sugere
o diálogo da personagem feminina com o namorado quando ele retorna da
guerra. Percebe-se um interesse em uma abordagem romântica das relações e
a influência da linguagem cinematográfica na composição das imagens, o
acesso aos links também simula uma montagem fílmica. Sobre este projeto, a
artista nos conta que para incitar a discussão sobre linguagem cinematográfica
na rede, poderia simplesmente disponibilizar filmes inteiros na internet, em
formatos .avi, por exemplo. Mas o que lhe interessava era justamente como a
imagem em movimento e o pensamento fílmico se comportaria atravessada por
uma lógica hipertextual
30
.
A web torna possível o experimento com montagens lineares,
paralelas e associativas. Com "My boyfriend came back from the
war", uma pessoa pode influenciar na narração. É um tipo de
montagem interativa. Mas as possibilidades que o usuário tem são
limitadas, porque não sabe o que acontece quando clica em
determinado campo.
31
29
Disponível em http://www.teleportacia.org/war. Acesso em novembro de 2006.
30
Entrevista com Olia Lialina disponível em
http://encina.pntic.mec.es/~jarv0000/comienzos.htm. Acesso em novembro de 2006.
31
Idem anterior.
Fig.6 - Imagem de My boyfriend came
back from the war, de Olia Lialina.
45
Vemos assumidamente como este projeto incorpora características de
um jogo, onde o sujeito explora o ambiente e adequa-se às novidades
apresentadas pelo sistema na sua navegação. A experiência do sujeito nestes
tipos de trabalhos é marcada por saltos e interrupções na medida em que o
conteúdo o transporta à conexões heterogêneas que o fazem romper com a
linearidade do texto.
2.3.4 – Auto referencialismo
Vuk Cosic comenta que muitas de suas programações em html
apresentavam erros quando visualizadas nos browsers da Internet. Por vezes
se perguntava se esses erros eram contra ou a favor da proposta. Chegou à
conclusão que eles fazem parte da natureza rizomática da rede, que incorpora
em suas manifestações ocorrências imprevistas, por isso deveriam ser
assumidos em seu trabalho
32
. A atitude de Cosic é recorrente entre os net
artistas; são comuns os trabalhos que assumem a metalinguagem dos
processos, conceitos e técnicas específicas da Internet. Por remeterem a
elementos próprios da sua constituição material e não necessariamente
relacionarem a temas externos à rede, denominamos estes projetos como
auto-referentes.
Diversos projetos de Jim Punk
33
, entre eles, Dreams e Fake4Silence,
utilizam as janelas dos browsers para simular a autonomia do sistema. Em
32
Disponível em http://www.platoniq.net/mk2/press/TB3.html. Acesso em novembro de 2006.
33
Disponível em http://www.jimpunk.com. Acesso em novembro de 2006.
46
Dreams, uma janela pop up toma expande-se e ocupa todo o espaço da tela.
Uma imagem com uma composição geométrica hipnótica serve de pano de
fundo para várias animações em .gif. Ao primeiro clique sobre esta imagem,
uma profusão de pequenas janelas pop ups invadem sua tela, algumas
compostas pelo mesmo fundo geométrico, outras com um fundo liso vermelho.
A velocidade em que surgem não permite que consigamos fechar todas as
janelas, enquanto fechamos algumas novas surgem. Poucos segundos após a
emergência deste caos, do mesmo modo inesperado em que surgiram, a
profusão de janelas desaparece. Em Fake4Silence o uso deste mecanismo é
mais acentuado. A sensação que temos ao acessar este projeto é que tivemos
a máquina invadida por algum vírus que está a destruir o hard disk. O que
prevalece é o descontrole quase total sobre a abertura de janelas, sua
movimentação na tela e a manipulação do conteúdo disponível nelas. Este
projeto assume sua existência praticamente independente da ação do
observador sobre ele e mostra como os sistemas informáticos podem ser
programados em um nível tal a simular uma inteligência autônoma. Em ambas
as propostas de Jim Punk, notamos também que não referência a
elementos pré existentes fora da Internet. Com isto queremos dizer que o
sistema de representação em jogo especificamente nestas net artes não diz da
relação de uma imagem à um objeto externo, mas dela própria em relação à
elementos que dizem da sua constituição.
Este raciocínio levado ao limite deu origem a trabalhos artísticos
chamados software art. Os softwares são responsáveis por ditar os padrões e
regras que serão seguidos durante o uso das ferramentas, o que interessa à
software art é justamente problematizar esta estruturação. Ao invés de se
47
apropriarem dos programas para explorar suas potencialidades e limitações,
estes artistas vão direto ao código e desenham seus próprios programas.
Esta possibilidade de intervenção sobre o código apresenta-se devido às
características materiais que atuam na constituição das imagens. No capítulo
seguinte, discutiremos como estes aspectos materiais lhes conferem este grau
de maleabilidade.
48
3. Materialidade das redes
Quando nos voltamos para a noção das ‘materialidades’, é preciso
compreender que
(...) significa ter em mente que todo ato de comunicação exige a
presença de um suporte material para efetivar-se. Que os atos
comunicacionais envolvam necessariamente a intervenção de
materialidades, significantes ou meios pode parecer-nos uma idéia já
tão assentada e natural que indigna de menção. Mas é precisamente
essa naturalidade que acaba por ocultar diversos aspectos e
conseqüências importantes das materialidades na comunicação –
tais como a idéia de que a materialidade do meio de transmissão
influencia e até certo ponto determina a estruturação da mensagem
comunicacional.
(FELINTO, 2001)
34
As formas de percepção são engendradas nas relações entre os
sujeitos, as técnicas de representação e as tecnologias de comunicação. Isso
significa que as tecnologias não se restringem a instrumentos com os quais os
sujeitos produzem sentido. Imbricados em uma rede de forças sociais,
econômicas e cnicas, sujeitos e tecnologias compartilham um contexto
cultural. Neste amálgama, tanto sujeitos quanto tecnologias também são
mediados e constituídos historicamente por suas materialidades. Pode-se dizer
que cada prática de armazenamento e transmissão de informação tem uma
história material que diz tanto dos produtos e usos das tecnologias quanto da
noção de sujeito.
Mas é preciso também chamar atenção para a idéia de que o termo
“materialidades” significa sempre uma matéria física e concreta. Pfeiffer (citado
por Erick Felinto, 2001) esclarece que as materialidades podem “funcionar
34
Disponível em http://www.uff.br/mestcii/felinto1.htm. Acesso em abril de 2007.
49
como uma metáfora geral para o impacto conjunto das instituições (igreja,
sistemas educacionais) e dos meios que elas predominantemente empregam
(rituais, livros de tipos especiais, etc.)” (cit in Felinto; 2001).
O estudo das materialidades nas novas tecnologias da comunicação
vem dizer de uma materialidade não palpável, nem sempre aparente,
codificada no fluxo elétrico dos bits. E ainda assim, pouco evidente, diz de uma
trama social de conceitos, valores e técnicas.
3.1. Do objeto de exibição ao sistema de interação
Os trabalhos de net artes não assumem materialidade em um espaço
físico, mas enquanto código numérico na memória de um computador. Pode
ser percebido em um monitor através da oscilação luminosa de pixels e da
reprodução de sons. Para Tisma, “um trabalho artístico na web é uma
visualização evanescente das idéias do criador e do usuário, o reflexo dos
impulsos e reações das suas mentes a provocações sensoriais, sempre se
mantendo imaterial, intangível e predominantemente mental”
35
. Discordamos
de Tisma no que diz respeito à imaterialidade das imagens em net artes.
Acreditamos que não se trata de dizer de uma anulação ou inexistência de sua
porção material uma vez que esta é fundante na constituição da imagem e
suas características, tais como a codificação numérica, por exemplo,
35
A web work is thus na evanescent visualization of the creator’s and user’s ideas, a reflection
of their minds’ impulses and a reactionto sensual irritations, always remaining immaterial,
intangible and predominantly mental” Andrej Tisma. Web.art’s nature. Disponível em
http://members.tripod.com/~aaart/webartsn.htm. Acesso em março de 2006.
50
transparecem e são responsáveis pela conformação da sua camada visível. A
materialidade digital não se apresenta com a mesma visibilidade que outros
materiais artesanais ou analógicos, mas ainda assim não podemos negar o seu
papel na conformação das imagens visíveis. Ao assumir um estado de
transição entre ‘uma arte dos objetos’ onde um objeto fisicamente constituído
é exibido como obra - e uma ‘proposição de interações’ onde o trabalho
artístico apenas se realiza a partir da ação dos outros sujeitos - as net artes
fazem uso da flexibilidade inerente às tecnologias digitais para privilegiar as
conexões assumidas entre os sujeitos.
De certa forma, podemos perceber nas net artes também elementos de
movimentos anteriores que se apropriavam de meios e aparelhos de
comunicação nas décadas de 20 e 60. Uma iniciativa pioneira neste sentido foi
processo de execução da série Telefonebuilder de Moholy-Nagy (1922). O
artista encomendou por telefone a execução de cinco pinturas de porcelana
esmaltada. Para isso, ele tinha em mãos a tabela de cores da fábrica e o
desenho em um papel quadriculado, por onde ditava as coordenadas para um
operário que então executava a obra.
Moholy transmitiu a informação pictórica fazendo com que o
processo de transmissão fosse parte imprescindível da experiência
como um todo. A transmissão dramatizou a idéia de que o artista
moderno pode estar subjetivamente distante, removido do
trabalho.
36
(KAC, 1997)
Mais uma vez, o autor aparece como propositor, abrindo espaço para
que outras pessoas participem do processo de execução da obra. Moholy-Nagy
acreditava que a motivação intelectual era tão válida quanto o impulso emotivo
no processo de criação. Os experimentos de Moholy-Nagy servem de
36
Disponível em <<http://www.ekac.org/telecomport.html>> Acesso em dezembro de 2005.
51
inspiração para os que se seguem, a partir da cada de cinqüenta, quando os
artistas começam a se apropriar intensamente das tecnologias de
comunicação, modificando a relação e a organização dos espaços artísticos e
comunicacionais. Esta primeira experiência foi o início de um grande
movimento que se fortaleceu nas décadas de cinqüenta e sessenta, com a
utilização principalmente dos satélites e do deo. John Cage e os integrantes
do Fluxus
37
organizavam performances que poderiam ser executadas por
qualquer pessoa e que faziam uso de aparelhos de comunicação. Nam June
Paik utilizou aparelhos de televisão para desconstruir a imagem e propor novas
apropriações do televisor para além da contemplação. Também o movimento
da mail art ou arte postal propunha o intercâmbio de trabalhos de arte através
dos correios. Os artistas não enviavam e recebiam ‘obras’ através do
serviço postal e promoviam um compartilhamento das poéticas, mas também
criavam projetos coletivamente, nos quais cada remetente interferia sobre o
conjunto. Com a mail art, foi promovida ampla circulação de imagens, textos e
colagens para a construção de trabalhos multimídia realizados coletivamente.
Concluímos, então, que vários elementos constituintes das poéticas das
net artes já se colocavam em manifestações artísticas anteriores. A abertura da
obra para a participação do observador estava presente nas experiências da
literatura, com o Livre
38
, de Mallarmé; a problematização do sistema artístico
37
As manifestações do grupo Fluxus incluíam performances, happenings e qualquer tipo de
experiência onde o acaso pudesse atuar. Misturavam música com artes visuais em espetáculos
onde predominava uma simplicidade estrutural que valorizava a ocorrência do evento natural.
38
O Livre consistia em um livro que deveria sofrer intervenções de cada indivíduo que com ele
tivesse contato, seria uma experiência diferente para cada um: tanto cada pessoa receberia
uma obra diferente, como teria uma experiência única ao atualizar a obra. Apesar de não ter
sido concretizado, já que Mallarmé não dispunha dos meios técnicos para tal, este projeto
ainda inspira várias criações contemporâneas e, principalmente, a construção de uma outra
concepção artística, que privilegia uma obra não acabada, sempre em processo, que atualize
suas virtualidades. Para mais detalhes ver ECO, Umberto. Obra aberta. São Paulo:
Perspectiva, 1968.
52
tradicional, composto pelas figuras do curador, museus e galerias foi
proposto pelos happenings, assim como a exploração do acontecimento,
intimamente relacionada com o dadaísmo
39
e o Fluxus. Entre todos estes
movimentos percebemos uma idéia em comum que busca destacar a
centralidade da participação dos observadores e a dissolução de um objeto
artístico acabado em exibição nos museus.
3.2 - Princípios materiais da ‘imagem’ síntese
Os questionamentos trazidos pelos movimentos artísticos anteriores ao
surgimento da Internet foram retomados nas net artes a partir das
particularidades do regime visível no qual elas se enredam. As possibilidades
de produção de imagens síntese, a partir do desenvolvimento de tecnologias
eletrônicas e digitais, conferem à visibilidade dos trabalhos características
próprias da organização de seus aspectos materiais.
Os aspectos materiais constituintes da fotografia, por exemplo, fazem
com que uma imagem fotográfica seja gerada a partir da captura foto sensível
do objeto de interesse. É necessário para que se materialize a presença do
objeto, referente fotográfico em questão, o dispositivo maquínico e o sujeito
operador do mecanismo. Uma vez com a imagem revelada em os, seja em
39
O movimento dada foi um movimento de negação da arte até então vigente, que procurava
libertá-la do tradicionalismo e do racionalismo. Com essa visão niilista da produção artística,
procurou subverter o processo de criação através da valorização da ironia e do acaso levados
ao limite da provocação. Um dos seus maiores expoentes foi Marcel Duchamp com os seus
ready-mades, objetos escolhidos ao acaso, e que, após leve intervenção e ao receberem um
título, adquirem a condição de objeto de arte. Desta forma, Duchamp questionou a noção de
autoria e a pretensa sacralidade do fazer artístico.
53
papel, metal etc, a associamos indicialmente ao gesto fotográfico e a
iconicidade da imagem com o objeto retratado. quando lidamos com
imagens síntese notamos que sua visualidade é construída simbolicamente
pelas programações e códigos numéricos dos aparelhos independente da
existência de um referente. uma modificação do status representacional
erguido sobre uma lógica que até então relaciona diretamente a imagem visível
a um referente existente no mundo ‘real’, físico. Se a noção convencional de
imagem refere-se à representação de uma experiência ou objeto presente no
mundo ‘real’, físico pré existente a ela, poderíamos chamar ‘imagem’ uma
representação que não remete a algo externo a si mesma?
Ainda, no caso da imagem gerada por computador onde se forma a
imagem? Uma vez que o computador opera com números e o que existe de
fato é um banco de dados de valores subjugados à algoritmos podemos dizer
da presença de uma imagem? É fato que para que ela adquira visibilidade é
preciso forjar procedimentos específicos de visualização, agentes que
traduzirão o código matemático em elementos plásticos. Mas não tão
simplesmente; cabe levar em consideração que a imagerie informática é regida
sobre convenções de representação que são emergentes dos embates de
representação plástica acumulados ao longo dos séculos, tal como a tradição
da pintura e da fotografia.
A transformação das técnicas de figuração leva à invenção de novos
modelos de representação. Nessa concepção os modelos óticos de figuração
originados a partir da perspectiva renascentista produzem imagens que se
oferecem aos olhos como um duplo do real – ao passo que os modelos
numéricos e digitais produzem imagens onde não figuram simplesmente o
54
visível, não representam tão diretamente o real pré-existente. Tais imagens
chamadas de imagens de síntese, auto-referentes, figuram o modelizável, uma
simulação de ‘realidades’; desconstróem os estratagemas que a constituem
para jogar com eles.
Para Dubois (2004), é com a imagem informática que é refeito o circuito
tradicional de representação no qual o sujeito apodera-se de uma máquina
para representar um objeto presente fisicamente no mundo. Nela, o referente
para a representação é maquínico, uma vez que é gerado por computador.
Isto produz uma transformação fundamental no estatuto dessa
‘realidade’, entidade intrínseca que a câmara escura do pintor
captava, que a química fotográfica inscrevia e que o cinema e a
televisão podiam, em seguida, projetar ou transmitir. Não mais
necessidade destes instrumentos de captação e reprodução, pois de
agora em diante, o próprio objeto a se ‘representar’ pertence à
ordem das máquinas. Ele é gerado pelo programa de computador e
não existe fora dele. É o programa que o cria, forja e modela a seu
gosto (...) É uma máquina não de reprodução, mas de concepção.
(DUBOIS, 2004, p.47)
Por isso mesmo, Dubois (2004) defende a idéia que, de certa forma, a
imagem de síntese não existe, é apenas um conjunto de possíveis organizados
em um programa à espera de uma atualização que a torne visível’. Diante das
possibilidades combinatórias do banco de dados que operam a visibilidade da
imagem pode-se ou não acionar certos elementos. Cada combinação resultará
em uma apresentação visual única.
Para que possamos perceber os traços marcantes da imagem síntese,
julgamos fundamental apontar os princípios materiais que moldam a relação
destas imagens com os sujeitos.
Em sua pesquisa sobre a linguagem da ‘Nova Mídia’, Manovich (2001)
identificou uma série de princípios materiais que não necessariamente
determinam a constituição dos objetos midiáticos contemporâneos, mas
55
tendenciam suas formas de organização. Dos cinco princípios apontados pelo
autor - representação numérica, modularidade, variabilidade, transcodificação e
automação - percebemos que os limites entre um e outro são tênues, e por
algumas vezes, são ultrapassados. Após análise destes princípios, decidimos
reagrupá-los em três grupos principais que podem ser percebidos como
vetores que atravessam e moldam as representações imagéticas das net artes.
3.2.1 – Representação numérica:
O que a representação numérica implica na constituição da imagem
síntese, além da reestruturação do esquema representacional discutido, é a
possibilidade de lidarmos com dados quantificados e descontínuos. Isto
possibilita que a imagem possa ser manipulada diretamente no código que se
traduz em sua porção visível; esta flexibilidade lhe confere uma multiplicidade
de atualizações até então impensadas. Assim como Dubois (2004), Manovich
(2001) também percebe uma lógica fractal operando essas manifestações:
Os elementos da mídia, sejam eles imagens, sons, formas, ou
comportamentos, são representados como conjuntos de amostras
distintas (pixels, polígonos, voxels, caracteres, scripts). Estes
elementos são reunidos em objetos maiores mas continuam
mantendo suas identidades próprias
(MANOVICH, 2001, p. 30)
40
(Tradução livre)
A autonomia destes elementos, que a cada recombinação assumem
40
“Media elements, be they images, sounds, shapes, or behaviors, are represented as
collections of discrete samples (pixels, polygons, voxels, characters, scripts). These elements
are assembled into larger-scale objects but continue to maintain their separate identities. The
objects themselves can be combined into even larger objects – again without losing their
independence.”. (MANOVICH, 2001, p.30)
56
uma visualização distinta, ao mesmo tempo em que existem
independentemente de serem acionados é o que torna a substituição e a
permutabilidade dos dados viável. Como os comandos de programação são
formadas por linhas de texto, basta alterar diretamente nesses scripts para que
a camada visível da imagem se altere.
No nível da interface de interação homem-computador, este princípio
significa que ao usuário são dadas muitas opções para modificar a
performance de um programa ou objeto, seja ele um jogo de
computador, um website ou o próprio sistema operacional. O usuário
pode alterar o perfil de um personagem num jogo, quais itens ficarão
à vista na ‘área de trabalho’ etc. Se aplicarmos este princípio à
cultura de uma forma ampla, significaria que cada escolha
responsável por dar uma identidade única a um objeto cultural pode
permanecer sempre aberta..
41
(MANOVICH, 2001, p.43-44) (Tradução livre)
Como conseqüência, o objeto da nova mídia nunca se torna algo fixo,
mas potencialmente existe em diversas versões. Podemos dizer que, nos
objetos das novas mídias, lidamos com imagem em ‘trânsito’; uma gama de
visualidades latentes à espera da atualização dos sujeitos.
3.2.2 – Automação:
A codificação numérica das imagens aliada à maleabilidade da
programação erguida sobre a lógica fractal cria condições para a exploração do
41
”On the level of human-computer interface, this principle means that the user is given many
options to modify the performance of a program or a media object, be it a computer game, web
site, web browser, or the operating system itself. The user can change the profile of a game
character, modify how folders appear on the desktop, how files are displayed, what icons are
used, and so forth. If we apply this principle to culture at large, it would mean that every choice
responsible for giving a cultural object a unique identity can potentially remain always open”
(MANOVICH, 2001, p43-44).
57
potencial auto gerativo dos sistemas e algoritmos, força motriz da flexibilidade
da arquitetura em rede. Exemplos deste princípio descritos por Manovich são
os programas de computadores que podem criar automaticamente objetos 3D
como árvores, cenários e figuras humanas, tanto quanto animações prontas
para o uso de eventos naturais complexos como incêndios e quedas d’água.
Desenvolve-se em um banco de dados prováveis combinações que resultam
em alguns tipos de imagens padrão. O usuário, ao fazer uso de um software,
pode acionar o acesso a uma dessas imagens-padrão já previstas. Deste
modo, ao disponibilizar imediatamente essas imagens síntese, o sistema
simula uma certa autonomia na medida em que essas imagens foram criadas
independentemente da atuação do usuário
42
.
O desenvolvimento de respostas mais complexas em termos de
automação vão ao encontro das pesquisas em AI, inteligência artificial, que
buscam não proporcionar uma resposta imediata ao estímulo do usuário,
mas tornar o sistema cada vez mais autônomo (ou pelo menos simulá-lo como
tal), de forma a identificar e atender demandas internas sem depender da
interferência do usuário. Os agentes de software, os spywares e cookies dos
websites são exemplos do investimento em automação. Estes programas, ao
serem assimilados pelo computador, passam a fazer parte da sua estrutura e
independentemente da atuação do usuário sobre eles, cumprirão a função
determinada em sua programação.
42
Neste caso, levamos em consideração o usuário que corresponde à concepção de
funcionário de Flusser; ou seja, aquele que o domina o mecanismo gerador de imagens e
lida apenas com o canal produtivo, mas não com o processo codificador interno.
58
3.2.3 – Transcodificação:
O princípio da transcodificação demonstra que ainda que a mediação
das HCI (Human Computer Interface) desenvolva-se na direção de tornar-se
mais amigável e inteligível, de forma a promover o reconhecimento do espaço
informático como detentor de sentido; não como negar que, por trás desta
superfície gráfica, encontra-se um sistema convencionado por estruturas
matemáticas.
É o caráter transcodificador que confere capacidade de transformação
aos diversos objetos midiáticos contemporâneos. Fundados sobre uma mesma
lógica, um mesmo arquivo digital pode ser compreendido por softwares
diferentes; o que irá alterar-se é a apresentação dos dados contidos nele. Um
arquivo de imagem, por exemplo, pode ser lido por um editor de texto, mas ao
invés de ter sua informação transcodificada em pixels, será apresentado em
forma de letras e números, caracteres operadores da visibilidade deste
software.
A possibilidade de transformação deste código a príncípio não legível em
elementos gráficos, de associação mais rápida, possibilita o desenvolvimento
de interfaces gráficas amigáveis fundamentais para a ampla circulação das net
artes na rede. “In short we are no longer interfacing to a computer but to culture
encoded in digital form”
43
(MANOVICH, 2002, p.70). Para o autor, a interface
humano-computador pode ser percebida como uma interface cultural, uma vez
43
“Em breve não estamos mais em contato com o computador mas com a cultura decodificada
digitalmente.” Tradução livre. MANOVICH, Lev. The Language of New Media. Cambridge:MIT
Press, 2001.
59
Fig.7 - Imagem de Looking for the new
universal harmony.
que acumula funções, as mesmas metáforas e interfaces computacionais, as
mesmas lógicas de banco de dados, são utilizadas para fins de diversão, lazer
e processamento de informação. Podemos entender a HCI (human computer
interface) como elemento meta-operador para se compreender a sociedade da
informação. No caso das net artes, ela assume um entre lugar que congrega as
atividades de produção, publicação, distribuição, promoção, diálogo, consumo
e crítica artística.
A agregação de diversos usos às potencialidades do ambiente, resvalam
no diálogo estabelecido pelos propositores e observadores e, por
conseqüência, na construção dos projetos artísticos. Umas das implicações
destas relações, instauradas no próprio meio, é que estes trabalhos assumem
um caráter metalingüístico uma vez que extrapolam os aspectos de conteúdo e
destacam modos de agir sobre um sistema. As net artes explicitam que o que
está em jogo não é um objeto monolítico, mas um sistema de representação.
Não se trata do fim da representação, mas como ela se arquiteta: não
mais no sentido reprodutível de uma realidade apriorística, mas na percepção e
representação das estratégias do meio no qual ela dialoga e faz parte.
Quando em contato com
projetos como Looking for the new
universal harmony (2002) nos
questionamos sobre os limites de uma
imagem que põe em questão as
estratégias de sua própria
composição.
Looking for the new universal
60
harmony
44
é um experimento em criação de imagens e sons abstratos a partir
da interação do usuário com a interface do site e do número do IP do
computador de onde ele o acessa. Logo quando entra no site, ocorre a
detecção do IP pelo sistema e o usuário é separado em um dos três grupos
possíveis; o critério para essa distinção é exatamente a primeira porção do
número IP do computador. O primeiro grupo de usuários controla o som emitido
pela caixa de som esquerda, o segundo grupo, uma voz emitida por ambas as
caixas, e o terceiro grupo, uma voz emitida pela caixa de som direita. Na
interface, um painel com alguns círculos onde pode se manipular a
execução do som através da seleção de diferentes velocidades de rotação.
Cada clique sobre o painel que altera a apresentação em áudio, configura
também a composição de uma imagem. Estas imagens são formadas por
partículas coloridas cujas cores são definidas pelo número do IP dos usuários
conectados ao site. Assim, a sincronicidade dos múltiplos acessos confere uma
infinidade de composições, que alteram-se a partir do simples acesso ao site,
independente de uma ação do usuário sobre a interface. Os movimentos
assumidos na imagem são definidos pela articulação da programação com as
interferências sobre o áudio. O resultado da participação do usuário é a
formação de imagens e sons dinâmicos que alteram-se continuamente a partir
de cada gesto sobre a interface. São imagens que não assumem uma relação
direta com referentes externos, pelo contrário, assumem uma posição auto-
referente na medida em que se relacionam com o próprio código e as
estruturas internas do programa. Como mesmo define Machado (2001) são
representação plástica de expressões matemáticas.
44
Looking for the new universal harmony (2002), de Pall Thayer. Disponível em
http://130.208.220.190/nuharm/. Acesso em novembro de 2006.
61
Tecnicamente, as máquinas informáticas e as redes de computadores
erguem-se sobre uma gica matemática binária, de zeros e uns. Esta lógica
operadora tanto dos hardwares quanto dos softwares, por ser organizada em
unidades discretas, confere-lhes maior flexibilidade de manipulação dos dados,
que a partir dos comandos da programação se rearticulam em deslocamentos,
recombinações e convergências para reconfigurar sua porção visível.
Na análise de Johnson (2001), a ruptura tecnológica que o computador
apresenta reside no fato de que ele lida com sistemas simbólicos e não com
sistemas simplesmente mecânicos, caso de outras ferramentas. A articulação
de zeros e uns não é compreendida como instrução matemática apenas, mas
representa imagens, ações e palavras. “Para que a mágica da revolução digital
ocorra, um computador deve também representar-se a si mesmo ao usuário,
numa linguagem que este compreenda” (JOHNSON, 2001, p.17). Um
diferencial em relação a tecnologias anteriores está no modo de colocar em
jogo o sistema representacional anterior. Enquanto as máquinas mecânicas
se demonstram como aparelhos de representação no momento em que o
observador as utiliza como forma de registro de palavras ou imagens, o
computador atua simbolicamente em qualquer tipo de relação, seja com o
usuário ou internamente com seu sistema. Cabe ao programa descrito nele,
decifrar os códigos binários e reaplicá-los a partir dos inputs dos usuários da
máquina.
Esta organização gica é possível devido à constituição digitalmente
codificada desses objetos midiáticos. Isto quer dizer que, por este traço
material, todos estes objetos podem ser decupados matematicamente através
de algoritmos e funções e tornam-se passíveis de serem programados e
62
manipulados. Talvez este caractere flexível aja no sentido de destacar as
operações atuantes na constituição da imagem e implique na evidência dessas
estratégias na poética criativa: a imagem síntese deixa de ser apenas
visualidade e manifesta claramente as manobras que a conformam.
63
4. Poéticas do dispositivo
Duguet (2002), ao analisar o vídeo, percebe que a ‘obra’, ao evidenciar
suas estratégias de funcionamento, suas condições e possibilidades acaba por
exigir que o observador (seja ele expert ou não) assuma uma postura meta
crítica. Consideramos que as net artes compartilham com o vídeo tais
questionamentos uma vez que o que lhes interessa também é “(...) manifestar
seu processo de produção, revelar as modalidades de sua percepção por meio
de novas propostas” (Tradução livre) (DUGUET, 2002, p.21)
45
. Ao demandar
que o observador torne-se mais atento à própria atividade perceptiva e às
estratégias do jogo do qual ele faz parte na constituição da experiência, as net
artes assumem uma concepção de ‘obra’ como sistema relacional. Portanto,
não se limitam a relação meramente técnica com o suporte sobre o qual se
inserem e assumem diferentes instâncias enunciadoras e perceptivas.
O caráter metalingüístico aliado às condições materiais da imagem
síntese convergem na criação de poéticas que orientam os sujeitos para
postura meta crítica. Ao evidenciar suas estratégias e provocar os sujeitos a
debater-se com eles e reprogramá-las, encontramos coincidências com a
noção de dispositivo proposta por Duguet (2002). Este é um termo que é
tratado por diversos autores, alguns com abordagens mais abrangentes e
outras mais específicas. Dada a peculiaridade do objeto empírico em questão,
as net artes, julgamos relevante tratar da primeira abordagem do termo,
realizada por Foucalt em Vigiar e Punir, e das abordagens de Duguet (2002) e
45
“(...)manifester le procés de sa production, de révéler les modalités de sa perception par de
nouvelles propositions. (DUGUET, 2002, p.21).
64
Dubois (2004) devido à aplicação do termo aos objetos contemporâneos, como
a arte eletrônica.
Foucault, através da análise do Panóptico”, projeto de prisão formulado
por Jeremy Bentham, discute como se arquitetam as relações entre técnicas,
espaços institucionais, discursos, relações de poder e formas de lidar com os
sujeitos inscritos socialmente para a construção de uma sociedade disciplinar.
O panóptico organiza em um determinado espaço com o objetivo de disciplinar
os indivíduos da forma mais anônima possível o que importa é a vigilância
permanente dos que estão nas celas. A disposição circular das celas
individuais, divididas por paredes e com a parte frontal exposta à observação
do diretor, ou o “Grande Irmão”
46
, por uma torre do alto, no centro, permite que
o diretor “veja sem ser visto”. Isto proporcionaria um acompanhamento discreto
da conduta do vigiado, mantendo os observados num ambiente de incerteza
sobre a presença concreta do vigilante; tendo sido invadida a sua privacidade,
ele mesmo se vigiaria. O exercício do poder é ininterrupto e impessoal, mas
acarreta uma clara sujeição dos aprisionados. Além disso, o olhar panóptico
observa os indivíduos permanentemente, produzindo dados passíveis de
estudo, todo um saber indissociável do exercício do poder dentro do panóptico,
e que permite experimentações com o fim de ordenar, disciplinar, normalizar.
Mas a idéia de panóptico de Bentham não se restringe ao espaço prisional, sua
pretensão é entendê-lo com uma rede de dispositivos disciplinares que esteja
naturalmente presente em diversas manifestações da sociedade. A prisão seria
então, em uma relação metonímica, um dispositivo particular dentre uma rede
de dispositivos disciplinares.
46
ORWELL, George. 1984. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1998
65
Ele programa, ao nível de um mecanismo elementar e facilmente
transferível, o funcionamento de base de uma sociedade atravessada por
mecanismos disciplinares. Foucault percebe a configuração da rede de
dispositivos disciplinares como historicamente determinada, que podem ser
vistos como linhas de força que atravessam a sociedade de forma generalizada
operando conjuntamente sobre todo o corpo social. Deste modo, Foucalt
percebe o dispositivo como um esquema de relações que se forma a partir de
multiplicidades, um aglomerado de forças distintas que operam conjuntamente
para uma finalidade comum.
De certa forma, no que tange à multiplicidade de forças e suas
operações coincidência da concepção de Foucault com a noção de
dispositivo de Duguet (2002). No entanto, por se tratarem de objetos de análise
completamente distintos, a sociedade disciplinar para Foucault e o deo para
Duguet, as semelhanças somente podem ser percebidas em plano geral. Para
a autora, o dispositivo diz sobre os mecanismos e estratégias que operam as
experiências da ordem do sensível. É um conjunto de relações que reúne os
princípios de concepção da ‘obra’, as experiências consolidadas, as
apropriações e recolocam em jogo subjetividades, sujeitos, técnica e a própria
linguagem. O dispositivo opera segundo uma dinâmica de reconstrução:
identifica os elementos constituintes da representação e o comportamento dos
vetores que moldam sua construção para reposicioná-los em novas
configurações. A obra se constrói assim a partir de um conjunto de propostas
donde emerge a complexidade e envolve o espectador num processo de
66
Fig. 8 - Página inicial de Refresh.
percepção do novo espaço”
47
(Tradução livre)(DUGUET, 2002, p.30). Por esta
característica auto-reflexiva, o observador se parte de um dispositivo que o
instaura ao mesmo tempo enquanto sujeito e objeto de seu próprio olhar;
imergir na experimentação implica principalmente na descoberta das próprias
regras que a constituem. Deparamo-nos aqui com um outro entendimento da
relação entre observador e trabalho artístico, no qual o ato do olhar não
acarreta em uma separabilidade das instâncias observadoras e observadas.
Olhar diz tanto da construção dos sentidos como da percepção dos modos de
agir da construção.
4.1 – Imagens dispositivo nas net artes
Refresh
48
(1996), de Alexei Shulgin é
um projeto reconhecido pelas
comunidades virtuais que se
interessam por net artes que retoma
essas questões que concernem ao
dispositivo. Segundo definição do
próprio autor, trata-se de um website
que proporciona uma sessão de navegação online multi nodal criado para um
47
“L’oeuvre se construit ainsi à partir d’um ensemble de propositions qui em fait la complexité
et engage nécessairement lê spectateur dans um procès de perception nouveau de l’espace”.
DUGUET, 2002, p.30.
48
Refresh, Alexei Shulgin, 1996. Disponível em http://www.easylife.org. Acesso em outubro de
2006.
67
número não especificado de usuários. Inicialmente o projeto constituía-se de
uma página inicial que a cada 10 segundos se atualizava e aleatoriamente
levava o usuário sem que ele clicasse em nenhum link para uma outra página
que estivesse cadastrada no banco de dados de um dos diversos servidores
em Roterdã, Moscou, São Petersburgo, Amsterdã etc. A proposta previu que
esta rede desenvolvesse relativa autonomia a partir do momento em que os
usuários foram convidados a participar do projeto por meio da criação de sites
que passaram a fazer parte desta cadeia. Com algumas restrições tecnológicas
que dizem respeito ao volume de memória exigido para armazenamento e
carregamento do site, a intervenção do público alcançou o número máximo de
trinta websites na constituição deste looping. Embora atualmente possa
parecer um número pouco expressivo, de se levar em consideração que
esta experiência ocorreu em um momento onde o acesso à rede e o
conhecimento sobre programação e web design encontrava-se em estágio
incipiente e/ou não difundido amplamente, os projetos de net art
caracterizavam-se justamente por serem low tech, poucos organizados
institucionalmente, realizados de forma pontual. Refresh, que em inglês se
refere ao comando ‘atualizar’ presente na barra de ferramentas dos browsers,
explora a instabilidade, a imprevisibilidade e o caráter fluido da navegação na
internet. Construído em um enredamento de websites, o observador se deixa
levar pelo looping programado no script do projeto ao mesmo tempo em que
tem a oportunidade de interferir sobre a constituição da própria rede. É ao
mesmo tempo o processo de percepção que é ativado e analisado, que coloca
em jogo não o ver, mas o modo de ver; em uma verdadeira propedêutica do
olhar (Duguet, 2002).
68
Neste sentido, concordamos com Duguet (2002) ao afirmar que não é
mais possível pensar a representação somente em termos de imagem, ou
melhor, da visibilidade de uma imagem. Ela se apreende primeiramente como
um sistema, um processo ao mesmo tempo técnico, sensível e mental. As
relações que estabelecem com o dispositivo com o qual se articulam abrangem
desdobramentos de alcance maior do que o visualizado no monitor. O efeito
estético não diz somente da plasticidade de um produto, retoma as estratégias
de realização do projeto e os operadores destas imagens e excede o terreno
do visível.
Por assumir na sua constituição elementos da dinâmica da internet
percebemos a imbricação das imagens produzidas pelas net artes e o
dispositivo no qual se enredam. Nestas manifestações, o dispositivo,
organizado nas bases materiais, técnicas e sociais molda as particularidades
das formas discursivas onde se inscreve a imagem. Entendemos dispositivo e
imagem como indissociáveis engendrados por um complexo amálgama social.
Dubois (2004), quando discute o vídeo como dispositivo o sugere como estado
e não como um produto, ou seja, como uma imagem que não pode ser
desvinculada do dispositivo para o qual foi concebida.
Para pensar o vídeo (como estado e não como objeto) convém não
somente pensar junto a imagem e o dispositivo, como também, e
mais precisamente, pensar a imagem como dispositivo e o
dispositivo como imagem.
(DUBOIS, 2004, p.101)
Nas net artes, essas instâncias realmente se confundem e nos fazem
questionar seus limites e duvidar de uma diferenciação. Como por exemplo, no
69
Fig.9 - Uma das páginas iniciais de Jodi.org.
projeto da dupla Dirk Paesmans e Joan Heemskerk, jodi.org
49
. A dupla
geralmente trabalha com a criação de websites cuja interface é visualmente
composta por parte de códigos de programação, gráficos, fluxogramas, linhas e
texturas monocromáticas pixelizadas, simulação de mensagens de erro e
atuação de vírus geralmente
sobrepostas umas às outras
50
. A
cada acesso nos é apresentada uma
página inicial diferente, como por
exemplo, a que simula a tela preta
com caracteres verdes dos primeiros
computadores pessoais ou a que
assume o piscar incessante e o movimento ininterrupto das barras de rolagem
que nos remetem à televisão. A construção dessas imagens frenéticas
desconstróem de certa forma as expectativas do observador que busca
estabelecer relações de sentido diante desta profusão de imagens. A
organização visual aparentemente aleatória não direciona o observador a um
caminho de navegação, cabe à ele explorar o espaço que lhe é apresentado.
O usuário procura sentido para as conexões realizadas, que não
atuando como o conhecido, geram um desconforto pela desordem
provocada e pelo inesperado. Associada à esta idéia de desconforto,
o sentimento constante de medo dos vírus, das doenças, que
conseguem danificar e apagar a memória das máquinas e a vida das
pessoas. Uma ameaça permanente que dependendo da escolha de
percurso do usuário chega ao fim, ao nada. O usuário fica em "pane"
ou entra em "looping"! Este site configura "máquinas", que não
trabalham como o esperado e rompem com a relação de significado
49
Jodi.org. Disponível em http://www.jodi.org. Acesso em outubro de 2003.
50
A dupla de artistas Dirk Paesmans e Joan Heemskerk realizou diferentes projetos em net
art, todos mantiveram uma mesma identidade visual, descrita aqui. No entanto, alerto para a
mutabilidade e a fragilidade dessas manifestações, principalmente diante da freqüência de
atualizações que jodi.org sofre, que podem fazer com que a descrição do site aparente
incoerência em acessos futuros.
70
e objeto. Produzindo uma sensação de imersão na tecnologia da
comunicação em redes e trabalhando com a idéia de burlar o
comportamento estabelecido utilizando os próprios códigos de
produção e corrompendo a função estrutural e semântica das
informações produzidas e veiculadas neste meio.
(DONATI, 1997, p.111)
jodi.org trabalha com os procedimentos e comportamentos que são
próprios à internet, coloca em xeque o seu próprio estado, a multiplicidade e
descontinuidade da dimensão temporal que atravessam a imagem-dispositivo.
Diante da inseparabilidade entre imagem e dispositivo, entendemos
que para compreender as particularidades destas imagens, torna-se necessário
também mapear as particularidades do dispositivo internet.
4.2 – O dispositivo internet
Não podemos pensar a construção do dispositivo Internet de forma
autônoma ou distinta dos dispositivos e da linguagem dos meios anteriores. É
preciso perceber como se opera sua constituição em diálogo com os meios
anteriores; como se define enquanto dispositivo que, ao mesmo tempo que
pensa sobre si mesmo, pensa também sobre os outros (Dubois, 2004).
O importante me parece estar em outro lugar, e residir no fato de o
vídeo não ser, ingenuamente, o outro da televisão, sua vanguarda ou
sua revolução, sua contra ideologia (...) Ao discurso do “contra”,
creio ser mais interessante opor um discurso do “sobre”. Um sobre”
que seria “dentro” e que operaria “junto com”.
(DUBOIS, 2004, p.111)
Como nos lembra Benjamin (1993), os modos de percepção e
representação do mundo se alteram historicamente em consonância com os
71
modos de organização social (instituições) e o desenvolvimento cnico.
Inevitavelmente, o surgimento de novas técnicas de representação
desencadeia um movimento de rearticulação dos papéis e usos das técnicas
anteriores, que ao mesmo tempo em que tem seus valores repensados
moldam a técnica mais recente. É assim que percebemos o olhar de Dubois
(2004) ao contrariar o pretenso antagonismo das formas de representação do
vídeo e da televisão. Não é necessário ao vídeo se opor à televisão para
assumir uma linguagem ‘própria’, como se desconsiderasse por completo suas
contribuições no exercício da linguagem audiovisual. Do mesmo modo,
podemos estabelecer relações semelhantes nos embates entre a linguagem
cinematográfica e a televisiva, entre o vídeo e a imagem ntese. o se trata
de definir territórios por exclusão, mas de mapear as diversas contribuições e
particularidades de cada dispositivo.
As materialidades dos dispositivos nas quais as net artes se inserem
evocam contextos e referências como o vídeo, a realidade virtual e as ciências
da computação, por exemplo, que se apoderam de modelos consolidados de
representação para desmontá-los e jogar com eles de outra forma. A
fragmentação e justaposição da edição das imagens videográficas e seu
caráter abstrato, não figurativo são retomadas e acentuadas na composição da
imagem síntese, transformando-se em um registro mais manipulável e por isso
mesmo, mais fugaz. Para Dubois (2004), este modelo visual vai ao encontro da
lógica matemática dos fractais, em que qualquer parte da imagem contém
todas as imagens a ela relacionadas, e, portanto o nem ‘dentro’, nem
‘fora’, tudo está contido nessa ‘espessura da imagem’. Essa espessura toma
forma através da sobreposição de superfícies latentes, à espera de atualização
72
do observador. Materialmente, esta dinâmica toma forma nos bancos de dados
dos sites, diversos blocos de dados que podem vir à tona na interface a partir
da atuação dos usuários dos computadores. Ao invés de obedecer a uma
seqüência linear de planos, as imagens síntese se formam nas relações
multidirecionais determinadas pelos algoritmos e comandos de programação
dos computadores.
Em 1984, por ocasião dos Jogos Olímpicos de Los Angeles, o Electronic
Café
51
foi criado por Kit Galloway e Sherrie Rabinowitz como uma iniciativa
pioneira para articulação de espaços, atividades culturais e na condução de
pesquisas estéticas por meio do desenvolvimento de trabalhos multimídia
colaborativos em tempo real. O Electronic Café o buscava apenas
disponibilizar uma estrutura de telecomunicação e funcionar como um canal
entre indivíduos isolados para trocas de idéias, mas como um laboratório de
pesquisa artística e cultural em rede onde as pessoas pudessem participar e
propor projetos coletivamente. Com este intuito realizam-se vários eventos
como tele performances em VRML e vídeos interativos, execuções em conjunto
de músicos em espaços físicos diferentes assim como performances de DJ’s
dispersos geograficamente uns dos outros e das pistas onde são tocadas as
músicas.
A construção de trabalhos artísticos realizados a distância de forma
colaborativa no Electronic Café assume uma poética semelhante às
performances da Satellite Art desenvolvidas por Nam June Paik na década de
70. Segundo ele:
51
Para mais informações, acesse http://www.ecafe.com. Acesso em outubro de 2006.
73
“Satellite art” em seu sentido pleno não trata meramente de transmitir
sinfonias e óperas já existentes para outros lugares. Tem que
considerar como alcançar um conexão de via dupla entre lados
opostos da Terra, como incutir uma estrutura conversacional à arte,
como dominar diferenças temporais, como jogar com o improviso,
não determinismo, ecos, feedbacks, e espaços vazios no sentido
conferido por Cage; e como manejar instantaneamente várias
nações. Satellite art tem que assumir a maioria destes aspectos
(uma vez que eles podem se tornar forças ou fraquezas), criando
uma sinfonia multitemporal e multiespacial...
(PAIK, 1984)
52
(Tradução livre)
Assim como os idealizadores do Electronic Café, Paik reforça que
embora a estrutura tecnológica em rede seja o que torne viável a conectividade
dos sujeitos que realizam os trabalhos artísticos, o que lhe parece mais
relevante não é a transmissão dos dados em si, mas a possibilidade de
realização coletiva e como estas colaborações alteram a concepção
contemporânea dos objetos artísticos. O estabelecimento desta malha
planetária de satélites e outras formas mais portáteis de telecomunicação,
como os celulares, permitiram o desenvolvimento de propostas artísticas que
investissem na promoção de relações entre os sujeitos mais do que na exibição
de um objeto. Privilegia-se a produção em um contexto compartilhado, onde
variáveis são acionadas pelos sujeitos e podem ou não resultar em alguma
manifestação sensível. Segundo Karen O’Rourke (1998), “o artista torna-se
criador de interfaces: ele explora as relações entre os seres e as coisas, ele
propõe uma nova abertura nas vias de comunicação, na qual outros poderão
interferir”. Esta é uma das questões centrais das manifestações artísticas nas
52
Satellite art in the superior sense does not merely transmit existing symphonies and operas
to other lands. It must consider how to achieve a two-way connection between opposite sides of
the earth; how to give a conversational structure to the art; how to master differences in time;
how to play with improvisation, indeterminism, echos, feedbacks, and empty spaces in the
Cagean sense; and how to instantaneously manage various nations. Satellite art must make the
most of these elements (for they can become strengths or weaknesses), creating a
multitemporal, multispatial symphony...
74
redes telemáticas: a dissolução de um objeto fechado e um direcionamento de
práticas que retomam as características fundantes do próprio meio.
Ao apropriar-se e subverter o uso convencional das tecnologias de
comunicação, as experimentações artísticas nas redes telemáticas agem em
prol de manifestações que apenas se realizam a partir das ações do público,
que assume então uma co-responsabilidade criativa. Esta rearticulação da
construção do trabalho artístico acaba por privilegiar uma abordagem
processual e as ações que o conformam, e não necessariamente uma
finalidade previamente definida por quem o propõe.
Kings Cross Phone-in
53
, projeto de net artes de1994 idealizado por
Heath Bunting, assumiu em sua
proposta estas características. O
artista divulgou em um site uma lista
com o número dos 36 telefones
públicos da estação de trem londrina
Kings Cross e propôs que às 18h do
dia 05 de agosto de 1994 as
pessoas ligassem e conversassem
com quem quer que atendesse. A descrição da proposta e das situações
ocorridas naquele dia na estação King Cross foi divulgada em várias listas de
discussão e comunidades sobre arte e tecnologia. Considerada pelo propositor
um grande sucesso (não pelo cumprimento das orientações propostas, mas
pela mobilização do público em torno da ação, realizando-a de acordo com as
53
King Cross Phone-in, Heath Bunting. Disponível em
http://www.irational.org/cybercafe/xrel.html. Acesso em outubro de 2006.
Fig. 10 - Site com divulgação dos telefones
públicos da estação de trens de King Cross.
75
regras ou transgredindo-as), os telefones públicos da estação de trem tocaram
naquele dia ininterruptamente e receberam ligações de vários países.
A questão central deste projeto não concerne ao conteúdo ou às formas
artísticas, mas à reapropriação do meio telefone e como a reinvenção do seu
uso rearticula noções do campo da arte e as relações entre o artista, a “obra” e
o observador. King Cross Phone-in remete a discussões sobre a
desmaterialização do objeto, a dissolução de papéis fixos no processo criativo
na medida em que o autor da ‘obra’ deixa de ser um sujeito único, pois esta
apenas se constitui a partir da intervenção dos observadores, sobre a inserção
de objetos do cotidiano na produção artística e a capacidade de mobilização
social através de associações firmadas por meio da internet.
Em plano geral, a apropriação dos meios de comunicação e a
transgressão dos seus usos funcionais demonstra-se nas propostas artísticas,
com destaque para as net artes. Ao invés de submeter-se à lógica industrial
das redes telemáticas, nas net artes há um esforço de subverter o seu
programa e transformá-lo continuamente de forma a tencionar e romper - os
limites das máquinas semióticas. A incorporação das máquinas à produção
artística, nos lembra Machado (1997), faz com que as imagens cnicas
produzidas através dessas apropriações não sejam percebidas como mera
“duplicação inocente do mundo”, se levarmos em conta a mediação por
conceitos formais que ditam o modo de funcionamento dessas mesmas
máquinas. Existem alguns princípios que dizem respeito a uma programação
prévia da máquina e que modulam o resultado final da imagem. Flusser
(2002), em seus ensaios sobre a fotografia em “Filosofia da Caixa Preta”, nos
alerta para as formas de atuação do artista sobre os aparelhos automatizados.
76
Percebe que as atividades de produzir, manipular e armazenar símbolos vem
sendo exercida por aparelhos. Aquele usuário incapaz de perceber a
programação do aparelho é denominado como funcionário, mero operador de
inputs e outputs da máquina.
Isto porque o complexo “aparelho-operador” é demasiadamente
complicado para que possa ser penetrado: é caixa preta e o que se
é apenas input e output. Quem input e output o canal e não o
processo codificador que se passa no interior da caixa preta. Toda
crítica da imagem técnica deve visar o branqueamento dessa caixa.
Dada a dificuldade de tal tarefa, somos por enquanto analfabetos em
relação às imagens técnicas. Não sabemos como decifrá-las.
(FLUSSER, 2002, p.14)
Decifrar essas imagens seria o mesmo que reconstituir os textos que tais
imagens significam e capturar não a composição dos textos, mas também a
organização do alfabeto que os conforma. Para romper com o ciclo de
ignorância do funcionamento das imagens técnicas, segundo Flusser, de se
jogar contra o aparelho. Isso quer dizer que é necessário a reflexão sobre os
próprios mecanismos de produção imagética para que se possa dilacerar a
solidez da caixa preta e reorganizar seus procedimentos. Flusser identifica
como criação artística original, ou não meramente reativa ao programa, àquela
que é fruto de uma ação que reorganiza a lógica operacional até então vigente
no aparelho. Ora, é justamente esta postura que identificamos na noção de
dispositivo discutida ao longo deste capítulo. A imagem-dispositivo é uma
aparição que deixa à mostra seus elementos operadores como convite ao
usuário para reconstruir as próprias engrenagens. Cabe à ela por em questão
seus próprios procedimentos e demandar do sujeito uma postura meta crítica
que o instigue a agir sobre os mecanismos de produção da imagem. Nos
projetos de net artes Jodi.org e Looking for the new universal harmony a
visibilidade instiga os observadores a pensar sobre os modos de construção da
77
imagem. Em algumas situações ocorre uma oscilação que alterna a presença
da visibilidade e a presença das estratégias do dispositivo. O que nos interessa
nestas imagens é pensar como a evidência dos seus procedimentos de
construção, que roça a auto-referência, deixa claro seu caráter metalingüístico.
78
5. Da construção de experiências
Como discutido anteriormente, os diálogos entre sujeitos e as net
artes relacionam-se com os materiais do dispositivo. Notamos que as
visibilidades das imagens transformam tanto os modos como elas se
relacionam com os sujeitos quanto o estatuto das formas expressivas e o
mundo da arte. O uso da câmara escura no Renascimento, que possibilitou a
representação através de um sistema ótico, até o emprego de tecnologias
eletrônicas e digitais, que transformaram profundamente o fazer artístico,
explicitam como o surgimento de técnicas e materiais e sua assimilação no
campo da arte incidem sobre sua própria linguagem e as poéticas adotadas
pelos autores. Diante disso, o que concerne a esta pesquisa é dizer,
principalmente, sobre como estes princípios materiais das imagens e das
interfaces das net artes organizadas em dispositivos - se relacionam com a
experiência dos sujeitos.
5.1. Dos materiais
Crary (1992) nos lembra que a relevância para os estudos nesta área
não está nas mudanças da visão ou da percepção, mas nas mudanças
ocorridas nas forças e regras que constituem o campo no qual a percepção
ocorre. E o que conforma um ‘modo de ver’ de uma certa época não são
79
aspectos da infra-estrutura ou a própria economia, por exemplo, mas o
funcionamento de um assemblage de variáveis distintas em uma situação
social compartilhada. Os aparelhos que emergem destas situações sociais são
principalmente pontos de intersecção onde discursos filosóficos, científicos e
estéticos se debatem com técnicas mecânicas, questões institucionais e forças
socioeconômicas. Crary reforça que cada tecnologia ou aparelho não se limita
ao objeto no qual ele se materializa como a máquina fotográfica ou o
computador – mas pelas forças que o entrecruza.
Ao denominar-se para além das suas especificidades técnicas e
assumir-se como uma organização densa e complexa de um modo de
percepção e organização do conhecimento, o dispositivo diz sobre o status do
observador de uma época. Do mesmo modo que os sujeitos atuam como
forças sobre a modelagem das mediações técnicas entre eles e o mundo, são
submetidos também à eles, na medida em que constroem e são construídos
pelas diversas realidades. Percebe-se que o lugar do sujeito e sua atitude de
perceber o mundo se edificam tanto através das artes e da literatura, quanto
pelos mais diversos sistemas de representação e discursos, como a política e a
filosofia.
Os entrecruzamentos entre as materialidades do dispositivo e as
poéticas dos autores dizem diretamente sobre a sensibilidade que emerge
destes encontros com os sujeitos. Por isso reafirmamos que o dispositivo atua
na experiência sensível; mais do que uma simples organização técnica, o
dispositivo coloca em jogo diferentes instâncias enunciadoras.
Segundo Crary, nos séculos dezessete e dezoito o modelo ótico da
câmera escura atuou como metáfora filosófica para percebermos o lugar do
80
sujeito desta época. Inspirou tanto as linhas racionalistas e empiricistas a
defender a noção de construção do conhecimento como desvelamento da
verdade através de inferências obtidas por observação.
Antes de mais nada a câmera escura incita à individualização, isto é,
necessariamente inscreve o observador em um isolamento, restrito e
autônomo dentro de seus confins escuros. Impele a um tipo de
askesis, ou retirar-se do mundo, para que regule-se e purifique-se a
relação deste sujeito com os vários conteúdos do mundo agora
“externo”. (CRARY, 1992, p. 39)
54
(Tradução livre)
Ao mesmo tempo que exclui o sujeito do mundo ‘externo’ e impede seu
contato direto com o objeto observado e sua representação, a câmera escura
induz à interiorização do indivíduo, que passa a perceber-se soberano da sua
própria razão. A experiência sensória de percepção do mundo ‘externo’ é
suplantada pela mediação mecânica com o aparelho e pela idéia pré-concebida
de alcance de uma verdade objetiva.
Por um lado, o observador é posto à parte da operação do aparelho
e permanece como uma testemunha descorporificada de uma re-
presentação mecânica e transcendental da objetividade do mundo.
Por outro lado, porém, a sua presença na câmera implica em uma
simultaneidade espacial e temporal da subjetividade humana e da
objetividade do aparelho. Assim, o espectador é mais um habitante
à deriva no escuro, uma presença marginal sobressalente
independente da maquinaria de representação. (CRARY, 1992,
p.41)
55
(Tradução livre)
Definitivamente, Crary percebe no modelo da câmera escura uma visão
de sujeito que é alheio ao processo de representação, no que concerne à
mediação sensual do próprio corpo e a submissão da percepção a uma
54
First of all the camera obscura performs as operation of individuation; that is, it necessarily
defines an observer as isolated, enclosed, and autonomous within its dark confines. It impels a
kind of askesis, or with-drawal from the world, in order to regulate and purify one’s relation to
the manifold contents of the “now” exterior world.
55
On one hand the observer is disjunct from the pure operation od the device and is there as a
disembodied witness to a mechanical and transcendental re-presentation of the objectivity of
the world. On the other hand, however, his or her presence in the camera implies a spatial and
temporal simultaneity of human subjectivity and objective apparatus.
81
objetividade pré-concebida
56
. Basta-lhe capturar e articular signos já existentes
no mundo externo e submetê-los à uma organização racional na qual a
subjetividade é descartada.
nos séculos seguintes, com o avanço da modernização, uma
variedade de discursos e práticas levaram ao deslocamento do lugar ocupado
por este sujeito. Os estudos acerca da visão humana tornaram-se foco de
pesquisa para que se pudesse compreender o funcionamento de um órgão que
fabrica imagens diferentes em cada um dos olhos e consegue reuní-las em
uma única imagem tridimensional. Crary aponta a invenção do estereoscópio
como ponto central para a realocação do observador no processo de
representação. Através da reconstrução da experiência visual, acredita ser o
estereoscópio um modelo ótico, assim como a câmera escura, que metaforiza
a visão subjetiva no século dezenove. Com este aparelho, rompe-se com o
racionalismo absoluto e a condição estática do observador na câmera escura.
A noção de verdade torna-se relativa e o corpo assume importância como
mediador para a compreensão da ‘realidade’, não mais externa ao sujeito, uma
vez que o observador se percebe imerso e inseparável dela.
Não podemos esquecer das conseqüências trazidas pelo processo de
industrialização inaugurado pela revolução industrial e o desenvolvimento de
novas tecnologias (como o telégrafo, o telefone e o automóvel) que levaram a
uma aceleração do tempo até então inédita. O aumento do ritmo de produção
de bens de consumo, a introdução de tecnologias de comunicação que
possibilitaram simultaneidades temporais em espaços geograficamente
dispersos e o desenvolvimento de meios de transporte mecânicos
56
A menção deste modelo de sujeito é breve propositadamente devido ao foco da pesquisa.
Abordamos em uma visão generalista alguns pontos compartilhados pelo racionalismo e pelo
empirismo, ainda que estas duas linhas possuam diferenças marcantes.
82
dissociaram a relação espaço tempo em uma dinâmica diferente daquela
imposta pelas limitações físicas humanas. Espaço e tempo perderam a
equivalência direta que tradicionalmente possuíam e tornaram-se também
relativizados. Por conseqüência, o sujeito moderno reinventou suas formas de
representação e percepção da realidade. Benjamin (1983), em suas análises
sobre a condição do homem moderno, descreveu um cenário no qual
prevalece a formação de grandes centros urbanos, o individualismo e a
consolidação de uma economia capitalista competitiva.
Como parte integrante
desta massa urbana, os cidadãos passam a se confrontar com um largo
contingente de anônimos que compartilham o mesmo espaço, além do frenesi
das máquinas, da ebulição dos reclames e de mercados em plena expansão.
Os confrontos do ritmo da metrópole, a simultaneidade de informações e a
variedade de estímulos em embate com o sujeito desestabiliza os padrões de
percepção e altera os parâmetros da experiência. A vivência do choque
desencadeada pela vivência no centro urbano resulta em uma fragmentação
da subjetividade do indivíduo. Para exemplificar esta condição, Benjamin
lança mão de uma alegoria: a figura do operário. O operário de uma linha de
produção em série realiza tarefas padronizadas que devem ser executadas
em um ciclo que se repete indefinidamente. Para ele lhe é indiferente
quaisquer ações antecedentes ou posteriores às dele, uma vez que
terminado um ciclo de tarefas, este sempre se reinicia de um mesmo ponto.
Não retenção sensível dos resultados de suas ações ou progressão das
ações futuras baseadas nas presentes, mas um esgotamento de qualquer
possibilidade de construção de um sentido totalizante sobre as operações
que ele executa. Cada gesto é, em tese, rigorosamente idêntico ao anterior
83
ao mesmo tempo em que independe dele. Não resulta em nenhum acúmulo
de saber e está condenado a esvaecer com o tempo. O que dura, dura
naquele breve momento presente e se desmancha. Benjamin percebe a
experiência na modernidade submetida à ditadura de um tempo homogêneo
e vazio, vivida de forma atomizada e fragmentada, ditada pelo aparecimento
do choque.
A experiência do choque desenvolve-se em paralelo ao declínio da
aura e à fetichização das mercadorias
57
. A fantasmagoria dos espaços
‘artificiais’ dos grandes centros urbanos e a evanescência das provocações
sensuais traduzem-se na constituição de discursos e dispositivos que moldam
a experiência do homem moderno. Benjamin identifica na figura do flaneur
características que dizem da dificuldade de consolidação de uma experiência
nos moldes tradicionais e da emergência de vivências próprias do espaço da
metrópole. O flaneur refugia-se na multidão e ocupa-se de observar os
passantes através dos diversos cenários da cidade. A flanerie o conduz para
um tempo suspenso no qual a cidade se mostra como uma grande paisagem
à sua disposição; cabe à ele reunir vestígios e ressonâncias e montar
fragmentos do que se passou. Imerso em um estado inebriante do coletivo
fantasmagórico das massas o flaneur é atordoado pela vivência dos choques
e tenta aproximar-se daquilo que lhe escapa continuamente. A promessa de
reconstituição de uma aura, ou de consolidação de uma experiência a partir
da paisagem acelerada da metrópole acena ao flaneur, que segue em missão
para desvendar as irrupções dos estímulos.
57
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica. In Obras
escolhidas vol. I: magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense,1993.
84
Crary nos lembra a associação feita por Baudelaire
58
ao corresponder
a construção perceptiva do sujeito moderno à constituição fragmentada da
imagem do caleidoscópio. Este instrumento ótico materializa a abstração
crescente de uma representação estática para uma referência em movimento
ao ser capaz de desintegrar a unidade da subjetividade, dispersar o desejo e
organizá-lo segundo estruturas móveis. A própria configuração do aparelho
dois espelhos planos inclinados que ocupam a extensão de um tubo e
pequenas pedras ou contas em uma das extremidades conferem à
constituição da imagem a mesma composição fragmentada e múltipla da
experiência das massas diante dos estímulos da metrópole moderna.
Embora Benjamin não explicite em seus textos uma demarcação
definitiva de ‘experiência’, percebemos em seus argumentos uma diferença
decisiva da experiência consolidada nos modos de percepção tradicionais e
aqueles advindos da modernidade. A experiência (Erfahrung) para Benjamin
é algo que é indissociável de um sentido de passado na medida em que
funda-se sobre a construção de uma relação significativa com
acontecimentos estruturados na memória. É inseparável da tradição e do
contexto no qual se insere o sujeito e pode-se dizer que traduz uma noção de
historicidade do passado. No caso da modernidade, a vivência imediata
(Erlebnis) decorre da experiência do choque, que, como descrito na alegoria
do operário, está destinada a ser um momento no tempo presente ou parte de
um ciclo que retoma um tempo sempre idêntico.
58
CRARY, Jonathan. Techniques of the observer. On vision and modernity in the niniteenth
century. MIT Press, 1992, p.113-116.
85
Na análise de Benjamin sobre a relação do espectador com o
cinema
59
, é a mudança brusca de imagens que funda a experiência do
choque. São as linhas de força do dispositivo cinema as imagens exibidas
em seqüência, a sala escura, o projetor para exibição etc responsáveis pela
conformação da relação entre o espectador e as imagens exibidas. Benjamin
discute que diferentemente da contemplação proporcionada pela pintura, o
cinema não se apropria apenas da satisfação dos sentidos, entretendo-os,
mas os expande pela força da provocação, pelo choque, ao movimentar a
sensibilidade. Para ele, a força do dispositivo cinematográfico está justamente
na possibilidade de deslocar o sujeito em uma dinâmica de identificação e
estranhamento das imagens. Ele reconhece a si mesmo nas representações
projetadas na tela ao mesmo tempo em que se distancia da situação real
para obter dela uma consciência crítica.
Ainda que em outros textos, como por exemplo, Experiência e
Pobreza, Benjamin possa dizer de um esgotamento da experiência julgamos
não ser esta uma posição definitiva que anularia completamente as
possibilidades de acúmulo em memória dos acontecimentos. Por assumirem
diversas vezes um tom ensaístico, os textos de Benjamin o abertura para
aparentes contradições e mudanças de pontos de vista. de se levar em
consideração o momento e o contexto histórico de produção destes textos;
uma Alemanha que sofria as conseqüências de uma grande guerra e a
ascensão do nazismo. O esgotamento e a pobreza, a impossibilidade de
comunicar a experiência dizem muito de um pano de fundo social e
59
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica. In Obras
escolhidas vol. I: magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense,1993, p. 165-196.
86
econômico que cerceavam a condição cultural do país. É importante lembrar
que, mais do que dizer de uma experiência de choque (Erlebnis) em
detrimento de uma experiência ‘autêntica’ (Erfahrung), Benjamin nos mostra
como a emergência de outra velocidade, outros valores, técnicas e discursos
confluíram em formas perceptivas diferentes das anteriores. Ao analisar a
experiência do cinema notamos um tom mais otimista a partir do momento
em que Benjamin reconhece a reprodutibilidade técnica como fundante da
produção cultural contemporânea. É deste modo que, para ele, a obra de arte
se emancipa da existência parasitária do ritual.
(...) no momento em que o critério de autenticidade deixa de
aplicar-se à produção artística, toda a função social da arte se
transforma. Em vez de fundar-se no ritual, ela passa a fundar-se
em outra práxis: a política. Nas obras cinematográficas, a
reprodutibilidade técnica do produto não é, como no caso da
literatura ou da pintura, uma condição externa para sua difusão
maciça. A reprodutibilidade técnica do filme tem seu fundamento
imediato na técnica de sua produção.
(BENJAMIN, 1993, p. 171-172)
A reprodutibilidade técnica é tida então como modo de ampliação do
acesso do público às obras. A recepção coletiva de uma obra confere um
caráter progressista ao cinema já que a as reações do indivíduo, dentro de uma
sala escura, são condicionadas pela reação coletiva do público, em um controle
mútuo. É esta ligação direta ente ver e sentir coletivamente que constitui para
Benjamin um valioso indício social e reduz a distância entre a atitude de fruição
e a atitude crítica. “A reprodutibilidade técnica da obra de arte modifica a
relação da massa com a arte. Retrógrada diante de Picasso, ela se torna
progressista diante de Chaplin” (BENJAMIN, 1993, p. 187). Portanto, podemos
dizer que a concepção de Benjamin sobre a condição da experiência na
modernidade não pode ser determinada somente pelo viés de um possível
87
esgotamento, mas deve ser considerada pela multiplicidade dos fatores que a
condicionam, pelo advento de outros modos de percepção e outras relações
entre os sujeitos e as obras. A decantação dos estímulos perceptivos na
memória e sua consolidação em experiência frente ao choque trazido pelas
imagens em movimento diz respeito à capacidade de assimilação dos sentidos
humanos frente a um dilema: por um lado espera-se que a obra de arte
produza um efeito duradouro em sua relação com os sujeitos e, por outro, que
se conforme em alto grau de complexidade. Diante das limitações físicas do
aparelho perceptivo humano são ofertadas obras cujas cargas informacionais e
o modo como são apresentadas desafiam as possibilidades de apreensão das
mensagens. Interessa-nos esta análise de Benjamin para perceber como os
atravessamentos da experiência com os sujeitos diante da reprodutibilidade
técnica se configuram de acordo com os discursos e materialidades vigentes
na época.
5.2. Da transparência e da opacidade
No dispositivo cinematográfico, as mediações entre o sujeito e as
imagens, como por exemplo, nas projeções na tela, é que envolvem o sujeito
em uma cultura visual instituída pelas imagens técnicas. É a tela o primeiro
contato e talvez o mais impactante entre o espectador e o filme; é através da
projeção que ele depara-se finalmente com a película de potência realizada a
ato. Ao assumir-se como superfície de encontro entre as expectativas do
88
sujeito e o que a película tem a oferecer, a interface tela/projeção demonstra-se
como de vital importância para a realização da própria exibição enquanto obra
cinematográfica. O filme enquanto obra não existe a priori de sua projeção.
Podemos dizer de registros fotográficos seqüenciais em película, mas o
cinema, compreendido por todos os aspectos culturais que dizem sobre sua
visualidade, toma forma no momento da exibição e através do olhar do
espectador. As interfaces, entendidas como mediações, efetivam-se nos gestos
dos sujeitos sobre elas, na construção conjunta dos sentidos. Assim como no
cinema, podemos perceber esta construção simbólica nas mediações de todos
os dispositivos.
“Mediadora entre processos, a interface engloba os processos que
mediatiza, a representação desses processos e os agentes
(usuários) e dispositivos (computadores, ferramentas) neles
envolvidos. Ela não só inclui o ambiente que configura, como
também define um amplo contexto de relações:”
(DUARTE, Cláudia, 2000, p.10)
Neste sentido, tomamos como fundamento central da interface estar
“entre”: entre dispositivos, entre representações, entre processos, agentes,
entidades. Tudo aquilo que é tradução, transformação, passagem, é da ordem
da interface
60
. Ao acionar seus elementos, o sujeito passa a compartilhar
relações em movimento neste espaço virtual cujas representações dinâmicas
desencadeiam o funcionamento da própria interface, sem esgotar nesta ação
sua própria concepção como uma superfície em transição. “A interface nunca
está entre o mesmo, pois define, em permanente instabilidade, a alteridade dos
processos que intermedeia.” (DUARTE, 2000, p.12)
60
LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática.
Rio de Janeiro: Editora34, 1995.
89
A dinâmica de (re)construção dos sentidos da interface, realizada no
gestos dos agentes em relação com o dispositivo, depende da experiência do
outro. A identificação, o estranhamento e a associação dos elementos que a
constituem é que irão dizer das compatibilidades e dos confrontos dos
processos mediados por ela. A organização dos elementos da interface,
principalmente no que diz respeito às interfaces gráficas dos computadores, é
realizada visando garantir as condições para troca de conhecimento entre cada
processo. A interface realiza-se enquanto intermediadora entre os agentes na
medida em que suas representações tornam-se reconhecidas por eles.
Ao atuar como agenciadora dos processos, a interface toma para si a
função de reguladora das ações que se desdobram dos embates entre os
agentes e as representações. Do mesmo modo em que atua como ‘reguladora’
das mediações, a desigualdade das forças que a atravessam a desestabilizam
e garantem a transitoriedade do fluxo de informações que ela mesmo promove.
E é nesse trânsito, instável e auto regulável, que a representação da interface
orienta a atenção do sujeito para si própria, enquanto superfície mediadora, ou
para sua desaparição, explicitando os processos que articula.
Esta dinâmica é reconhecida por Bolter e Grusin (1999) como a
oscilação entre opacidade e transparência, ou hipermediação e imediação da
interface. A hipermediação diz de um momento de ciência das camadas
mediadoras na composição da interface e a imediação diz da sensação de
superação e acesso direto ao que se encontra por trás dela. Esta oscilação é
operada pela dupla lógica da remediação, que diz sobre a articulação das
formas de representação dos media a partir de outros anteriores. Bolter e
Grusin problematizam que McLuhan, ao argumentar que o (conteúdo) de todo
90
meio é outro meio, chamava a atenção para o processo de reinvenção dos
media não por uma simples apropriação ou substituição de um por outro mas,
por um complexo arranjo no qual um media incorpora e reorganiza a
representação dos media anteriores. A lógica da remediação opera
dialeticamente tanto no sentido dos media predecessores reinventarem os usos
dos media contemporâneos, quanto estes últimos conformarem outras
apropriações para os primeiros. Por seu caráter agregador e múltiplo,
percebemos a media digital como terreno fértil para se pensar essas
articulações.
O movimento de remediação tenta capturar a ambivalência com a qual
as novas mídias atuam na medida em que ao mesmo tempo em que multiplica
os aparatos tecnológicos como óculos de realidade virtual, acesso por rede
wireless, telas para projeção em 360 graus o faz com o objetivo de minimizar
a sensação de mediação entre o usuário e o conteúdo e deixar-nos na
presença direta da coisa representada. Esta mesma lógica podemos identificar
na Renascença quando da criação da técnica da perspectiva
61
cujo objetivo era
simular a sensação de tridimensionalidade em um espaço bidimensional
criando, assim, continuidade (ou sensação de) do espaço físico ocupado pelo
sujeito para o espaço virtual ocupado pela representação. Nos ambientes de
realidade virtual, a criação sintetizada de uma cena análoga à uma cena ‘real’,
existente no mundo físico é o seu objetivo final. A possibilidade de apresentar
a sensação de presença da representação gráfica ao sujeito que faz uso dos
aparelhos de realidade virtual (óculos, luvas, sensores etc) implica a
61
Panofsky, em “A Perspectiva como forma simbólica” (1993), nos lembra que esta técnica
pretendia simular a visão através do espaço”. A construção linear da perspectiva fundava-se,
através do uso da matemática, na idéia de mensuração e reprodução fiel dos volumes
ocupados no espaço físico no espaço de representação.
91
sobreposição desta representação agora tida como ‘natural’ - à mediação da
interface computacional.
O desejo de acesso imediato, ou imediação, demonstra-se como
tendência nas tecnologias computacionais não a partir do investimento em
realidade virtual ou efeitos especiais, mas principalmente desde o
desenvolvimento das interfaces gráficas (GUI). Em uma interface de software,
os comandos de programação atuam entre uma camada superficial gráfica
que o usuário médio tem acesso - e outras camadas mais profundas, que
realmente dizem da funcionalidade do software, das linhas de informações
responsáveis pela estruturação do comportamento do programa diante do input
do usuário. Nesta camada profunda, as palavras reproduzem modelos,
variáveis e operações codificadas que ocultadas aos usuários, deixam
transparecer apenas suas representações funcionais que permitem ao usuário
utilizá-las sem conhecer sua conceituação, suas sintaxes internas ou os
componentes de linguagem a que estão condicionados. A metáfora do desktop
utilizada pelas mais populares interfaces computacionais e que induz a
associação das representações gráficas (como a lixeira, as pastas etc) aos
objetos de um escritório, além do mouse e da pen tablet que garantem
simultaneidade do movimento do corpo para sua representação na tela - são
exemplos de como a imediação torna estas interfaces menos arbitrárias e mais
naturais.
Para a criação deste sentido de presença, ou de imediação, a realidade
virtual deve se aproximar cada vez mais da nossa experiência visual cotidiana.
Devido ainda às dificuldades tecnológicas, o potencial imersivo destes
aparelhos se interrompido frequentemente por panes computacionais. De
92
qualquer forma, é preciso pensar criticamente as limitações técnicas e
representacionais dos modelos de realidade virtual ou quaisquer outros que
se voltem para a anulação ou transparência completa da interface.
O público sabia até um ponto que o filme de um trem não era
realmente um trem, e ainda assim ele se maravilhava com a
discrepância entre o que ele sabia e o que o seus olhos diziam. Por
outro lado, o encantamento o poderia ter acontecido sem que a
lógica da imediação tivesse tido apelo aos observadores. Havia uma
impressão a favor da crença da realidade da imagem, e teóricos
desde a Renascença haviam assegurado esta crença. Este olhar
‘ingênuo’ sobre a imediação é expressão de um desejo histórico, e é
metade necessária da lógica dupla da remediação
62
(BOLTER, Jay David, GRUSIN, Richard, 1999, p.31) (Tradução livre)
Inevitavelmente, como nos lembra Bolter e Grusin, não estado de
presença que se prolongue indefinidamente, transparência completa e/ou
constante. A organização dos elementos da interface cria as condições para o
estabelecimento de deslocamentos nos sujeitos que aciona tanto a aparição da
coisa representada quanto as próprias estratégias de representação; alimenta
tanto a crença na ‘realidade’ da imagem, quanto revela sua virtualidade em
representação. O estado de presença imediata é apenas uma face da moeda
que não se sustenta que não de forma articulada com seu estado oposto, a
hipermediação.
A hipermediação funda-se sobre a afirmação da heterogeneidade dos
elementos que compõem a interface. Seja no patchwork digital dos canais de
notícias, como Bloomberg ou CNN, que incendeiam a tela com infográficos,
notícias transmitidas oralmente e indíces da bolsa em geradores de caracteres,
62
“The audience members knew at one level that the film of a train was not really a train, and
yet they marveled at the discrepancy between what they knew and what their eyes told them.
On the other hand, the marveling could not have happened unless the logic of immediacy had
had a hold on the viewers. There was a sense in which they believed in the reality of the image,
and theorists since the Renaissance have underwritten that belief. This ‘naive view of
immediacy is the expression of a historical desire, and it is one necessary half of the double
logic of remediation.”
93
ou na multiplicidade de janelas abertas nos desktops dos computadores
acionando programas que trabalham com vídeo, navegação por hipertexto,
calculadora e troca de mensagens instantâneas. A discussão sobre como a
interface gráfica (GUI) e a representação icônica dos elementos no desktop
informatizado promoveram a transparência e o acesso mais ‘direto’ entre
sujeito e conteúdo também pode ser vista pela face da hipermediação. O que
acontece é que, ao referir-se não só a elementos culturalmente familiares (ex. a
ampulheta enquanto passagem de tempo para o processamento das
informações do computador) mas também a media anteriores - como o
software editor de texto, associado ao impresso, ou o de tratamento de
imagens, associado à pintura cria-se, na verdade, um amálgama complexo
no qual formas icônicas e simbólicas interagem.
Se a lógica da imediação conduz para anular ou automatizar o ato da
representação, a lógica da hipermediação reconhece os atos
múltiplos de representação e os torna visíveis. Onde a imediação
sugere a unificação de um espaço visual, a hipermediação
contemporânea oferece um espaço heterogêneo no qual a
representação não é concebida como uma janela de acesso para o
mundo, mas como o próprio mundo emoldurado com janelas que
abrem para outras representações e outros media.
63
(BOLTER, Jay David, GRUSIN, Richard, 1999, p.33-34) (Tradução
livre)
Olhar para e olhar através caracterizam não a dicotomia, uma vez que
não são estatutos absolutos, mas a postura divergente entre interfaces
construídas em prol da eficácia e interfaces que desconstróem sua
63
If the logic of immediacy leads one either to erase or to render automatic the act of
representation, the logic of hypermediacy acknowledges multiple acts of representation and
makes them visible. Where immediacy suggests a unified visual space, contemporary
hypermediacy offers a heterogeneous space in which representation is conceived of not as a
window on to the world, but rather as windowed” itself with windows that open on to other
representations or other media.
94
funcionalidade para explorar o potencial estético. David Rokeby
64
percebe que
enquanto a construção de algumas interfaces aperfeiçoam-se com o
desenvolvimento tecnológico para a criação de ilusão de transparência, os
artistas exploram o significado da interface nela mesma, usando informações
de outros media como referência para explicitar a opacidade entre as
mediações sócio técnicas.
5.3. Da presença e do sentido
As net artes geralmente propõe interfaces que se articulam com os
sujeitos de modo a potencializar o desdobramento dessas relações para outros
processos, atravessados por outras mediações. A proposta artística, porém,
se realiza se o sujeito o legitima como tal, se ele o transforma através de seu
olhar, sua ação sobre a interface. No trânsito entre o olhar do sujeito e a
visualidade da proposta construída de acordo com os discursos que a
entrecruzam ele a convoca a assumir ou mascarar seus esquemas
representacionais.
O olhar é a ação através da qual o espectador atualiza o trabalho e
produz a experiência estética: oscilando entre as impressões
perceptivas e a reorganização dessas impressões, o olhar
desencadeia os processos de concepção e produção da obra de
arte.
(DUARTE, Cláudia, 2000, p. 33)
64
ROKEBY, David in BOLTER, Jay David, GRUSIN, Richard. Remediation. Understanding New
Media, 1999, p.42.
95
Tanto para o sujeito observador quanto para as net artes, a proposta
artística se instaura plenamente quando a interface assume sua condição
mediadora, ou até catalisadora, entre os sujeitos e suas experiências. É neste
aspecto que o papel da interface nas net artes diferencia-se das interfaces
funcionais. Na medida em que subverte o seu uso como ‘painel de controle’ ou
‘meio de acesso’ a algo tido como interno, mas isolado a ela, reorganiza os
modelos vigentes pelas representações condicionadas pela égide da
transparência. As linhas de força que atravessam a relação dos sujeitos com as
interfaces que privilegiam a opacidade resultam em experiências que se
diferenciam daquelas dos dispositivos utilitários, uma vez que estes últimos não
deixam à vista as estratégias que estabelecem seus processos. Ainda sobre
realidade virtual, Brenda Laurel
65
nos diz sobre a coerência entre o ponto de
vista subjetivo proporcionado pelos aparelhos de VR e os próprios sentidos
humanos. Sendo assim, considerando a simulação gráfica de ambientes
análogos ao mundo físico, as experiências decorrentes do uso destes
aparelhos são inevitavelmente ‘coladas’ à realidade tal qual conhecemos. a
inversão do foco de atenção para a interface e não para o que se pode
acionar através dela poderia projetar os sujeitos e deslocá-los para zonas
imprevistas, ou pelo menos para esquemas representacionais discordantes da
funcionalidade hegemônica.
Quando discutimos sobre a construção das imagens dispositivo nas net
artes, dizemos sobre como estas representações evidenciam suas estratégias
de constituição e incitam o observador a assumir uma postura meta crítica
diante da sua posição de sujeito consciente e integrante do processo de
65
LAUREL, Brenda in DUARTE, Cláudia. Marcel Duchamp. Olhando o Grande Vidro como
interface. Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos, 2000, p. 16.
96
criação artística. Por isso podemos dizer que a construção das interfaces nas
net artes também expõe seus esquemas de produção, seus traçados
conformadores de sua visibilidade. O olhar atento do sujeito captura as ordens
de visibilidade que estão submetidas às imagens e ao rearticular as
associações mentais das representações, as (re)significa. Ao apontar para a
multiplicidade das camadas de mediação, as imagens nas net artes voltam o
olhar para sua multiplicidade inerente: a abertura para leituras e a própria
instabilidade fazem com que não seja apreensível em uma única visada; pelo
contrário, é sua mutabilidade que desafia o sujeito a realizar novas associações
entre o que se dá a ver e o que se esconde.
Ao jogo de mostrar e esconder, Gumbrecht (2004) chama de produção
de presença, que indica todos os tipos de eventos e processos nos quais o
impacto de objetos presentificados
66
à percepção humana ocorrem ou são
intensificados. A presentificação ocorre não de forma absoluta, mas através da
oscilação entre os efeitos de presença que apelam aos sentidos e os
efeitos de sentido que apelam à atribuição de significado. O que é presente -
e aí queremos dizer de uma referência espacial e não temporal – é algo
supostamente tangível, ainda que não fisicamente, mas que assume um
impacto imediato sobre os corpos humanos. A produção da presença vem
trazer à tona a possibilidade deste movimento oscilatório entre o embate dos
sujeitos e seus corpos com os objetos de conhecimento e a atenuação
deste choque através da atribuição de sentido.
A abordagem de Gumbrecht indica claramente seu interesse por
perceber como os fenômenos de sentido são afetados pelas materialidades.
66
Gumbrecht reforça que embora nenhum objeto de conhecimento possa estar disponível de
forma não mediada, ainda assim a idéia de ‘presentificação’ inclui o desejo de superação desta
mediação.
97
Felinto e Pereira (2004) percebem o enfoque das ‘materialidades da
comunicação’ como o esboço de “um modelo teórico no qual a determinação
dos sentidos nos fenômenos comunicacionais era menos importante que o
estudo dos mecanismos materiais que permitiam a emergência desses
sentidos” (p. 2), sendo assim inclui todos os fenômenos e condições que
contribuem para a produção de significado, sem que sejam eles mesmos o
significado. um deslocamento “da interpretação como identificação de
estruturas de sentido dadas para a reconstrução daqueles processos através
dos quais estruturas de sentido articulado podem surgir”. (GUMBRECHT in
FELINTO, Erick, PEREIRA, Vinícius, 2004, p.2). E é deste modo que o corpo
principalmente, acoplado a materialidade dos media e de suas interfaces,
afirma seu papel enquanto mediador no processo de significação. Nesta visão,
caem por terra quaisquer apontamentos cartesianos ou transcendentes no que
diz respeito aos atravessamentos da experiência, que não dizemos mais
sobre um sujeito compartilhado entre mente e matéria nem supervalorizamos
os fenômenos e o que está além e aquém deles em detrimento da presença
material.
O caminho percorrido nos entrecruzamentos entre os fenômenos e os
materiais é gerido pela diferença; a interface ou quaisquer outras camadas
mediadoras evidencia as discrepâncias entre os elementos, de modo a
promover o fluxo, ou oscilação entre um e outro. O sujeito apenas reconhece o
trabalho artístico e o explora porque o percebe como diferente dele; mesmo
que se identifique com a proposta a ponto de conseguir perceber nas
articulações artísticas seus próprios mecanismos de desejo, o faz porque o
trabalho está “fora” dele. A interface atua garantindo a diferença de cada fator,
98
cada processo. Ao entender sua ação e os efeitos dessa ação sobre a
interface, o sujeito estabelece uma estratégia de relação, que inclui as
projeções, conflitos, os embates e transformações tanto nele, nos outros
sujeitos e na proposta artística. Deste modo, a interface confunde-se também
com os deslocamentos que mediatiza, deixando de ser apenas um painel de
acesso e passando a ser o próprio objeto de interesse do sujeito.
5.4. Da Comunicação
A partir deste modo de ver a construção de experiências nos trabalhos
artísticos na Internet, percebemos que um deslocamento para uma noção
de experiência aberta e formativa. Para Giannetti (2002), a revisão do lugar e
do papel exercido pelo sujeito no processo de concepção artística foi essencial
para a superação de valores baseados em uma fruição puramente subjetiva,
que ignora a relevância da porção material das mediações, e dos valores
essencialmente racionalistas, a favor de uma abordagem comunicacional da
arte.
O interesse pelo papel ocupado pelo sujeito no contexto do trabalho
artístico conduz à premissa de que a arte não pode ser definida
independentemente de como é assimilada. Cláudia Giannetti (2002) reforça
que grande parte das teorias estéticas românticas, modernas e
contemporâneas se detém aos aspectos concretos do objeto de arte, como o
estudo da sua estrutura ou aspecto formal, ou a seus critérios semânticos etc.
99
Prova de que estas abordagens universalistas encontram-se equivocadas
encontra-se na própria arte que sustenta-se sobre questionamentos de seu
estatuto. A arte, ao conceber-se nesta rede dialógica e no domínio das
interações entre as materialidades e os sujeitos, não pode deter-se a um ‘tipo’
determinado de objeto ou situação, muito menos assumir uma pretensa
autonomia independente das relações que estabelece. É este argumento que
a autora apresenta para objetar contra as teorias que consideram a arte uma
entidade independente do observador, como as ontologias transcendentes.
67
Por entendermos o domínio da arte como um contexto compartilhado
entre sujeitos culturalmente demarcados, não podemos deixar de percebê-la
também como imersa nesta rede de relações econômicas, sociais etc. Como
conseqüência, as teorias que dizem sobre os atravessamentos das
experiências dos sujeitos também devem seguir os mesmos modelos
processuais, abertos e relacionais.
É neste sentido que percebemos que as relações entre os sujeitos e a
materialidade dos dispositivos se constroem por um viés comunicacional. Ao
comunicação funda-se quando do encontro entre os sujeitos na construção de
experiências, em constantes negociações, embates e diálogos.
67
GIANNETTI, Cláudia. Estética Digital: sintopía del arte, la ciencia y la tecnologia. Barcelona:
Associación de Cultura Contemporània L’Angelot, 2002, p166-167.
100
Fig. 11 - Página inicial de Form Art
Competition.
6. (Re)Construindo interfaces
Das variadas manifestações em net artes, sugerimos discutir duas
propostas que problematizam a relação de seus vetores materiais com a
emergência de um sistema de representação atravessado pela lógica do
dispositivo. Também nos interessa compreender como estes elementos
materiais operam a oscilação das interfaces entre opacidade/transparência,
hipermediação/imediação, efeito de presença/efeito de sentido.
6.1 – Form Art Competition (1997) – Alexei Shulgin
http://www.c3.hu/collection/form/
Em julho de 1997
68
, Alexei
Shulgin, renomado fotógrafo russo
e net artista conhecido na
Internet, divulgou a chamada de
trabalhos para a primeira
competitiva internacional em Form
Art
69
. Segundo o próprio, esta
68
Mensagem publicada por Alexei Shulgin na lista Nettime em 11 de julho de 1997. Disponível
em http://www.nettime.org/Lists-Archives/nettime-l-9707/msg00035.html. Acesso em junho de
2005.
69
Form Art, pode ser traduzida para o português de dois modos distintos. O primeiro como
‘Arte da Forma’, ou ‘Arte Formal’, apresenta alguma coerência com a proposta já que as
próprias regras estabelecidas pelo propositor incentivam a apropriação de mecanismos
estruturais. O segundo modo, como ‘Arte de Formulário’, também apresenta certa coerência
101
‘nova’ forma expressiva define-se por sua íntima e exclusiva relação com a
lógica organizacional da Internet. Para participar da competitiva, os artistas
submeteram sites compostos apenas por linguagens de programação de
computador. Não foram permitidos na sua construção textos, arquivos de
imagem ou áudio; apenas botões, formulários, áreas de texto e menus.
Submetidos os trabalhos, foram avaliados por um júri composto unicamente
por Alexei Shulgin – e o melhor projeto recebeu um prêmio de mil dólares.
Desde a chamada dos trabalhos até a divulgação do resultado da
competição feita durante o Ars Eletrônica de 97 houve grande repercussão
nas listas de discussão especializadas em net artes devido às questões que
este projeto suscitou. Primeiramente, uma crítica ao sistema de competições
dos festivais de arte e as formas de financiamento dos artistas pelas
instituições. Nos festivais, as premiações são concedidas por um corpo de
jurados composto por autoridades de renome, a fim de legitimar a decisão de
escolha da “melhor” obra de arte. Na Form Art Competition, a form art foi
definida por Shulgin, o primeiro projeto e as implicações deste gênero foram
criados por ele, assim como a primeira competitiva, os critérios do júri e a
decisão dos sites vencedores. Percebe-se nesta tentativa de subversão dos
circuitos tradicionais de legitimação dos projetos artísticos através de uma
grande dose de ironia.
A produção crítica e a tentativa de se buscar circuitos alternativos de
legitimação está presente em vários outros projetos, anteriores a este inclusive.
O que nos parece mais relevante na Form Art Competition se demonstra em
dois elementos complementares: o modo pelo qual subverte o uso habitual dos
uma vez que a composição do site é feita a partir de forms (formulários) de programação em
html. Disponível em http://www.c3.hu/collection/form/. Acesso em junho de 2005.
102
Fig. 12-Página índice de Form Art Competition
elementos de programação e a problematização do papel da interface.
Discutiremos cada um destes aspectos a seguir.
A programação de Form Art é
relativamente simples; o usados
apenas elementos padronizados em
html, considerados como opções
default quando da montagem de um
site em softwares de webdesign. Ao
clicar em cada um dos botões que
compões a palavra ‘form’ na página
inicial do projeto, temos acesso à uma página índice
70
. Cada checkbox e botão
nesta página acesso a uma seção do projeto, em um total de vinte seções.
Entre estas, dezenove contém experimentações visuais e uma contém um
mapa do site. Agrupamos estas experimentações
71
em alguns grupos a partir
do critério de semelhança de linguagem e estratégia.
O primeiro grupo, e o mais numeroso, contém aquelas seções nas quais
as formas expressivas jogam com a visibilidade característica de outros meios,
como o vídeo, a televisão e os vídeo games. Nestas propostas muitas vezes o
sistema simula uma autonomia ao dar início a um looping automaticamente,
sem a interferência do usuário. Em outras vezes, o usuário pode interferir e
alterar o tempo do looping, mas não pode interferir sobre sua própria estrutura.
Vejamos um exemplo destes casos:
70
Disponível em http://www.c3.hu/collection/form/index1.html?. Acesso em fevereiro de 2007.
71
Um roteiro exploratório da arquitetura dos links do projeto encontra-se disponível em anexo.
103
Fig.13 - Imagem inicial da seção ‘Bingo’.
Fig.14 - Alteração do padrão da animação
após intervenção do usuário.
Ao acionarmos um dos checkboxes da
página índice, uma nova janela
72
é
aberta e nos apresenta uma animação
composta, no centro, por vários
checkboxes quadrados que piscam
incessantemente, emoldurados por
vários outros redondos. também um
botão logo abaixo os checkboxes
animados que, ao ser acionado, altera o
padrão da animação. De um piscar
intenso passamos a um deslocamento
hipnótico das linhas das extremidades
para o centro, de linhas horizontais que
descem pelos checkboxes, entre outras
variações. Além desta possibilidade, um outro checkbox ao lado do botão
que pode ser acionado. Quando o fazemos o padrão de pequenos quadrados
atualiza-se em uma caixa de textos, cuja seleção automática de linhas fornece
uma outra animação semelhante à estática televisiva. Do mesmo modo, é
possível alterar a visibilidade através da seleção de outras linhas da caixa de
texto ou apenas clicando no botão.
O segundo grupo de experimentações inclui aquelas que constroem
estratégias semelhantes a jogos de plataforma, onde o usuário escolhe o
caminho a percorrer, explora o espaço a fim de alcançar um objetivo. Uma
72
Esta seção foi nomeada por Shulgin como ‘Bingo e está disponível em
http://www.c3.hu/collection/form/bingo/index.html. Acesso em fevereiro de 2007.
104
diferença marcante aqui é que estas manifestações não tratam de concretizar
tarefas, mas de assumir uma postura investigativa diante das possibilidades
apresentadas, de marcar e construir simbolicamente o espaço. O exemplo mais
marcante encontra-se na seção ‘Game’
73
.
Aqui, o usuário é impelido a acionar checkboxes e botões e, a cada
intervenção a barra de rolagem move-se para revelar uma porção da interface
ainda não vista. Não é possível prever facilmente a que lugar cada ação levará,
73
Esta seção pode ser acionada através do botão nomeado por ‘Gomputer Game’ na página
índice do projeto ou diretamente através do link .
http://www.c3.hu/collection/form/game/index.html. As setas indicam a relação temporal das
interferências pelo usuário. Acesso em fevereiro de 2007.
Fig. 15 - Páginas da seção ‘Game’ indicam um roteiro possível do jogo em Form Art.
105
Fig. 16 - gina integrante da seção ‘Pics’
onde os
forms
simulam a bandeira americana.
navega-se de forma não linear por vários elementos de programação até que,
inevitavelmente o usuário depara-se com a mensagem “YOU LOSE” e é
convidado a reiniciar o looping deste jogo.
O último grupo é composto pelas manifestações que, através da
disposição dos elementos de programação, criam visibilidades semelhantes à
objetos e cenas. Shulgin cria com
os botões e formulários, padrões e
séries visuais que estabelecem
relações icônicas com outros
objetos. Dentre as várias
representações estão figuras
humanas, uma bola de basquete,
um tanque de guerra etc.
Ao restringir a configuração do projeto Form Art apenas aos forms de
programação em html, a construção da interface poderia provocar um
estranhamento completo, mas o usuário consegue promover relações com a
visibilidade apresentada no decorrer da navegação por lidar com elementos
identificáveis por ele. Todos estes elementos, lidos em seu código de fonte, são
apenas textos que descrevem o seu funcionamento. Mas eles também têm
uma aparência com a qual se pode criar composições visuais. As relações de
identificação da obra não se conformam somente por essas composições
visuais, mas principalmente pelo lugar comum que estes elementos formais
ocupam em nosso cotidiano.
Shulgin, ao propor na Form Art, uma outra leitura dos elementos de
programação para além de sua instrumentalização, subverte sua
106
funcionalização e recria seus usos. Os botões e formulários, se antes atuavam
como meio de acesso a um fim (como, por exemplo, um botão de confirmação
para envio de dados cadastrais em um site de vendas), assumem uma outra
função que os colocam como fim em si mesmo. A interface, ao invés de ser
percebida como painel de controle, é tida como algo substancial; que não deve
ser olhado através, mas examinado, observado atentamente. Além da
subversão da funcionalidade dos elementos da interface gráfica que deixam
de ser ferramentas de acesso para assumirem uma função estética está
presente a subversão do papel da própria interface. Não se apresenta mais
como superfície instrumental, porção visível de um conteúdo, mas como o
objeto em si. A interface deixa de falar sobre algo que não está presente, mas
pode ser convocado a estar para voltar-se a si mesma, problematizando sua
própria constituição.
Em um plano geral, podemos dizer que todas estas experimentações
lidam com a subversão da funcionalidade dos elementos de programação e
atribuem à eles um outro lugar, os submetem à uma lógica representacional
que à princípio não lhes cabe. Queremos dizer de quando os checkboxes, os
botões e as caixas de textos deixam de funcionar como instrumento de acesso
ou facilitador das operações da interface para constituírem uma visualidade
própria. Eles não remetem há algo que lhes é ‘interno’ ou a objetos que lhes
são indiferentes (no caso das representações icônicas descritas pouco),
mas refletem sobre suas próprias características, suas condições materiais e
os discursos que atravessam sua constituição as linguagens de outros meios
e de outros objetos.
107
Esta flexibilidade e as possibilidades de reinvenção demonstram-se
através das características materiais do dispositivo na qual se encontram as
formas expressivas. A possibilidade de (re)agrupar dados quantificados e
descontínuos promovem inúmeras possibilidades de alteração da estratégia e
da aplicação da porção visível da interface. Em Form Art vemos um mesmo
checkbox assumir conotações distintas, variando conforme o contexto em que
é inserido; de um formulário ‘clicável’ e que acesso a um link a
representações icônicas de objetos que, à princípio, não compartilham
semelhanças com sua plasticidade informática. Ao mesmo tempo em que os
botões, caixas de textos e formulários se enquadram em uma lógica fractal
na medida em que um elemento é idêntico aos outros – rompem com a
previsibilidade funcional que cada um destes elementos assume um sentido
distinto em cada caso. Não são fixos ou unidimensionais mas existem
potencialmente em várias versões.
São os modos pelo quais nos apropriamos e reinventamos os usos dos
elementos materiais que constituem a interface que dirão sobre a operação de
estados ‘opacos’ e ‘transparentes’ entre o sistema e o usuário. Quando o uso
se restringe à aplicação habitual, já arraigada e percebida inclusive como
‘natural’, como se nunca houvesse tido ou haverá de ter outra diferente, a
interface apresenta-se quase como ausente. Da repetição ao hábito, gera-se
um automatismo no modo de lidar com as partes que compõem sua
visualidade; como é o caso dos checkboxes tidos como instrumento de seleção
que remete a um link.
Ao lidar com projetos como o de Alexei Shulgin, percebe-se uma
dinâmica contrária ao movimento da transparência. A Form Art, ao explicitar os
108
elementos padrões das construções das interfaces em html, nos torna ciente
da existência da mediação. Condizente com a lógica do dispositivo, o
movimento que percebemos neste projeto é de deslocamento de um lugar
previsível e utilitário para uma zona transitória erguida por meta operações. O
sujeito atravessado pela opacidade das relações com a interface também
desloca seu olhar de um olhar através para um olhar para si e para as
estratégias do entorno. O estranhamento e o choque provocados por
apresentações incomuns dos elementos materiais das interfaces como é o
caso dos formulários da Form Art reinventados em animações e composições
visuais é que desencadeia, ou ainda, catalisa o movimento oscilatório entre
transparência e opacidade na identificação da interface pelo sujeito. Nesta
dinâmica, onde não prevalência permanente de um estado sobre o outro,
reconhecimento e estranheza se alternam nos atravessamentos que regem as
experiências.
6.2. Net Abstraction (2001) – Dyske Suematsu
http://dyske.com/netabstraction/
O projeto Net Abstraction, do artista japonês Dyske Suematsu, propõe
representar a fluidez da Internet em uma imagem dinâmica através de um
programa em Shockwave. O propositor desenvolveu uma programação que
funciona da seguinte forma: o usuário insere um ou mais endereços (URL’s) no
formulário inicial do programa. Este, por sua vez, aciona um agente ‘inteligente’
109
Fig. 17 - Imagem gerada pelo algoritmo
Postianeclipse do projeto Net Abstraction.
Fig. 18 - Imagem gerada pelo algoritmo
Asphratus do projeto Net Abstraction.
que mapeia os links, imagens e linhas de comando de programação em geral
contidos no site indicado. De modo randômico, o programa seleciona um dos
links indicados, realiza o download da página e aleatoriamente escolhe outros
links para seguir; e este procedimento é repetido exaustivamente.
O resultado é
uma colagem de trechos e
vestígios do caminho traçado por
este agente. Esta colagem é
contínua até que o usuário
interrompa o programa ou quando
há um esgotamento dos links.
O programa atua com dois
tipos de algoritmos, um chamado
Postianeclipse, que produz imagens a partir de um algoritmo de grade
randômica, e outro chamado Asphratus, que produz imagens a partir de um
algoritmo de distribuição normal. Os algoritmos definem como a busca dos links
é realizada, em um cálculo probabilístico definido por variáveis internas, e
ainda, como os fragmentos das interfaces mapeadas se organizam na
composição das imagens.
É interessante destacar que
ainda que seja fornecido um
mesmo site referência para
atuação do programa, as imagens
criadas nunca serão as mesmas.
Isto porque a atualização das
110
páginas é constante e a cada acesso o algoritmo lida com elementos
diferentes. A mutabilidade explicitada na colagem é reflexo da existência desta
condição na Internet e conseqüência da representação numérica a que este
objeto está submetida. Por ser descrito formalmente em funções matemáticas,
as imagens se submetem à manipulação dos algoritmos e assumem uma
visualidade que se pode programar. Como as páginas da internet são formadas
por elementos discretos, é possível mapeá-las e criar imagens transitórias a
partir de seus fragmentos.
É a articulação dessas condições materiais a quantificação dos dados
em elementos discretos e a possibilidade de reorganizá-los em outras malhas
estruturais que permite o grau de automação presente na conformação das
imagens em Net Abstraction. A possibilidade de intervenção do usuário, neste
caso, é limitada à inserção dos endereços URL’s sobre os quais o programa
atuará. A construção visual em si depende apenas do comando ditado pelo
programa. O usuário é responsável pela inicialização do sistema, mas o modo
como reage no contato com outros sites, como apreende e processa os dados
compete inteiramente à programação.
Por isso podemos dizer que, na Internet, não lidamos com objetos ou
imagens fixas e imutáveis. Se o trunfo da reprodutibilidade mecânica é produzir
inúmeras pias de um original de modo a ser impossível distinguir entre eles,
as materialidades digitais atuam em prol da variabilidade de criações a partir da
(re)articulação de elementos descontínuos. Os endereços recomendados pelo
usuário atuam para a programação como um banco de dados aberto, onde o
agente explora as interconexões, recolhe fragmentos e cria imagens fugazes.
111
Fig. 19 - Após 47 horas, o algoritmo Asphratus
interrompe a produção das imagens. Na
mensagem lê-se “All possible threads
exhausted” (“Todos os caminhos possíveis
esgotados”).
Quando entendemos a rede por um modelo de arquitetura aberta, ou
ainda, por um modelo tabular, como define Sèrres (1964), lhe conferimos
flexibilidade, multiplicidade e capacidade auto gerativa. Por estar aberta a
diversas interferências parciais e circunstanciais, assim como no jogo de
xadrez, a rede está sempre se modificando a cada novo lance.
Tudo se passa, pois, como se a minha rede fosse um conjunto
complicado e em constante evolução, representando uma situação
instável de poder, distribuindo perfeitamente as suas armas ou
argumentos num espaço de trama irregular. (SÈRRES, 1964, p.10)
Cada movimento das peças reconfigura todas as possibilidades do jogo
fazendo com que este esteja sempre em transformação. Desta forma, o
resultado de uma partida – ou a emergência de uma situação através de
interações - não pode ser atribuído a um movimento único, em uma relação de
causalidade; muito menos à soma de ações do usuário, uma vez que a
estrutura do jogo permite que as relações estabelecidas não sejam somente
lineares ou reativas. Deste modo, podemos perceber a idéia rede e por
conseqüência sua manifestação
material, a Internet como,
teoricamente, uma malha de
relações sem início nem fim, de
ilimitadas possibilidades de
reinvenção.
Quando acionamos um dos
algoritmos de Net Abstraction
conseguimos visualizar estas
propriedades da rede e as
112
limitações do modelo teórico da própria rede. Eventualmente, o agente
inteligente que busca os links e a programação que conforma as imagens
chega a um beco sem saída e o processo é interrompido. A realização da
metáfora rizomática encontra barreiras nas limitações técnicas. Limitações
previstas, quando da definição do comportamento do algoritmo, que o fazem
procurar por determinadas extensões de arquivo ou priorizar certos padrões de
links, e imprevistas, quando decorrentes do embate com as características
próprias do material, que definem, por exemplo, a capacidade de
armazenamento e processamento de dados.
Estes dados, a princípio agrupados por coordenadas matemáticas são
transcodificados em elementos gráficos para constituição das interfaces. O que
Net Abstraction opera é a desconstrução de uma unidade ‘aparente’ das
interfaces dos sites indicados e a revelação das suas descontinuidades.
Quando da construção de uma interface gráfica, as representações são criadas
com o objetivo de promover um diálogo direto ou menos ruidoso possível
entre o usuário e o sistema. A transcodificação tem um objetivo funcional pois,
mascara as linhas de comando e códigos numéricos que existem em um nível
anterior responsáveis pelo estabelecimento de trocas informáticas com outros
programas e pela organização da visualidade. Ao reverter o movimento usual
da transcodificação, da interface gráfica para o código numérico, podemos
dizer também que Net Abstraction constitui-se sobre o viés da opacidade.
Promove relações opacas, que privilegiam a hipermediação na medida
em que explicita suas estratégias de conformação, enfatiza o modo de agir
sobre o sistema e reafirma a rede de mediações simbólicas a que está
submetida. A emergência e desaparição dos fragmentos gráficos e dos
113
códigos de programação evocam o efeito de presença nas imagens produzidas
pelos algoritmos, que por sua vez também é reforçado pelo automatismo do
fluxo que as constituem. Não tempo de decantação das imagens, ou de
sedimentação das experiências na memória, a irrupção do fluxo nos leva
adiante sem necessariamente termos registrado o estadual atual da
visualidade. As imagens constituídas em Net Abstraction representam o ritmo
próprio do fluxo da Internet, em suas continuidades e rupturas, assumidamente
metamórficas.
Ao mesmo tempo, podemos dizer que em alguns momentos as relações
entre o sujeito e estas imagens tendem para a transparência. Por mais fugazes
que sejam, é quando o sujeito se deixa levar pelo ritmo no qual elas se
reconstroem é que um deslocamento da presença dos elementos materiais
para um efeito de sentido. Quando se mostra possível realizar associações
abstratas, ainda que primárias, e construir significações. Neste momento, a
oscilação entre presença e sentido, que atravessa as experiências, desloca a
atenção do sujeito das estratégias que conformam a imagem para a sua
própria plasticidade.
6.3. Entrecruzamentos
Pareceu-nos interessante, diante das estratégias das propostas
analisadas, promover um entrecruzamento das poéticas presentes em ambos
trabalhos. Está claro que nos dois projetos problematizações sobre a
114
Fig. 20 - Indicação da URL do projeto Form Art não resulta em formação de imagem. A
mensagem de erro indica ‘All possible threads exhausted’ (‘Todos os caminhos possíveis
esgotados’).
constituição da interface e a subversão de regimes representacionais.
Enquanto que em Form Art estas questões estão propostas pela
refuncionalização de checkboxes, caixas de texto e formulários de elementos
utilitários para a composição de séries visuais em Net Abstraction a
conformação da imagem se opera de acordo com a ação de um programa
sobre o fluxo informacional da Internet reconstruindo os elementos gráficos e
os códigos de programação das interfaces.
Um entrecruzamento nos incita a pensar sobre o tencionamento das
fronteiras de cada trabalho e as possíveis contaminações das poéticas.
Pensando nisso, decidimos indicar a URL da Form Art para a conformação de
uma imagem no projeto Net Abstraction. No teste com os dois algoritmos, a
resposta foi a mesma. O programa não conseguiu formar nenhuma imagem.
115
É interessante lembrar que as páginas que compõem o projeto Form Art
são compostas apenas por determinados elementos de webdesign e que,
muito provavelmente, este ‘erro’ ocorre porque o programa do Net Abstraction
constrói suas imagens através da busca de determinadas extensões de arquivo
e padrões específicos de links não existentes na Form Art. Ainda assim, para
além das questões técnicas, esta situação coloca em pauta uma questão
central sobre a construção das representações: até que ponto as imagens são
percebidas como um sistema complexo, entendida como uma construção em
processo onde cada elemento pode reinventar-se e assumir funções diferentes,
ou como apenas visualidades, cujas funções são previsíveis e rasas?
Podemos dizer que, por um lógica industrial cujo interesse é a eficiência,
a contenção das representações é interessante para que as associações
realizadas entre o usuário e a interface sejam imediatas
74
. Para que haja
produtividade é preciso padronização. Portanto mantêm-se a construção das
interfaces, os usos de seus elementos conforme os modelos apreendidos
pelos usuários. A interface utilitária condiciona o usuário, impõe seus modelos,
seus modos de “compreender” o mundo, supostamente naturais para aquela
construção.
Ainda assim, se pensarmos nas séries visuais da Form Art, quais seriam
os limites entre a emergência do próprio dispositivo e a plasticidade da
imagem? Quando nos deparamos com as animações autônomas dos
checkboxes ou com os jogos formados pelos botões a divisão dessas duas
facetas não estão tão explícitas e chegam a se contaminar. Por isso mesmo,
cremos ser a Form Art um projeto que opera no limite da fronteira do auto
74
Exemplo disso é o uso de contadores de cliques para mensuração da eficiência de banners
de propaganda.
116
referencialismo. Percebemos que todos os vetores que atravessam a sua
constituição - das materialidades do próprio dispositivo e de outras linguagens,
como a videográfica no fim das contas, apontam para ela mesma. A sua
interface não é composta por elementos que remetem a outros que não eles
próprios.
Ao reorganizar as estratégias das interfaces utilitárias, a Form Art
convoca o público para construir outros modos de relação com estes elementos
que dizem o sobre a imagem/dispositivo visível, mas também da sua
própria postura enquanto sujeito. Promove-se uma circularidade onde o sujeito
se propõe a desvendar as estratégias da representação ao mesmo tempo em
que esta se constitui ao colocar em xeque seus modos de construção. Longe
de uma simples consumação onde a interface apresenta-se como um mapa a
ser explorado, estamos diante de processos que combinam elementos flexíveis
para a construção de caminhos próprios. Ao invés de um mapa que direciona
para um fim, temos um espaço virtual que é o fim em si mesmo; onde a
interface é o próprio objeto.
117
7. Considerações Finais
Percebemos que as apropriações tecnológicas pelas formas expressivas
da Internet não se realizam apenas através do uso previsto das ferramentas de
criação, mas de forma imbricada à reflexão das poéticas. As aplicações
constituídas das tecnologias digitais reinventam-se em outras condições de
atuação que problematizam os modos de lidar com a interface. É no encontro
dos usuários com essas interfaces que emergem e submergem sujeitos
capazes de percebê-las enquanto construções simbólicas.
Os lugares que o sujeito ocupa diante das net artes não é fixo, assim
como o embate entre os sujeitos e as interfaces também não são
completamente previsíveis e controlados. Preexiste à aparência das interfaces
e à materialidade resultante das interações, a idéia de que, ao se buscar uma
dimensão relacional, a situação se modela pelo momento vivido em um modo
de agir em conjunto, que se organiza na medida em que se desenvolve. A
instabilidade das trocas simbólicas é movimento presente tanto na constituição
das net artes quanto no próprio olhar comunicacional. França e Maia (2003)
reforçam que
Se a comunicação é confluência de vários elementos e dinâmicas
a relação dos interlocutores, a construção discursiva, a produção e
interpretação de sentidos, realizada por suportes específicos,
enraizadas em um dado contexto sócio-histórico), uma perspectiva
de estudo comunicacional implica uma abordagem, uma metodologia
que busque dar conta da apreensão do movimento, pluralidade e
interseção dos elementos aí contidos
(FRANÇA, Vera; MAIA, Rousiley, 2003, p.198)
A apreensão do movimento discutido pelas autoras não se restringe ao
olhar metodológico, mas na constituição própria das net artes. O desafio de
118
circunscrever as particularidades tanto dessas manifestações
artísticas quanto
do campo da comunicação (e os cruzamentos entre eles) nos direciona para a
apreensão da multiplicidade de suas facetas sem, no entanto, cair na
cristalização dos conceitos e das formas expressivas. O potencial inventivo dos
campos das artes e da comunicação impede que os engessemos em
definições restritas e nos encoraja a considerar o que está por vir.
É preciso problematizar os objetos de estudo entre as artes e a
comunicação através dos jogos relacionais que eles acionam assim como
pensamos os jogos estabelecidos pelos sujeitos e as interfaces
75
. Braga (2004)
percebe os estudos de interface como relevantes para os estudos da
comunicação por considerá-la a “área de tensão e não simplesmente como
espaço de sobreposição de objetivos e compartilhamento harmônico ou
panorâmico de investigação” (p.230)
Sejam as interfaces objetos informáticos ou metáforas para a construção
de um campo de conhecimento, em nenhum caso, podemos dizer de uma
transparência completa, quando tendemos para a relativização e ousamos
dizer de uma anulação das fronteiras e diferenças entre os saberes; ou de uma
opacidade totalizante, a ponto de não se poder estabelecer relações entre as
áreas de conhecimento. Nas interfaces informáticas é impossível anular as
mediações sociotécnicas que modulam as relações dos sujeitos com o mundo,
ou apreender completamente as potencialidades dos sentidos das realidades;
75
BRAGA, J. L. Os estudos de interface como espaço de construção do Campo da
Comunicação. In: ENCONTRO NACIONAL COMPÓS, 8, 2004, São Bernardo do Campo.
Anais... São Bernardo do Campo: Compós, 2004. 1 CD-ROM.
119
assim como também não como isolar-se dos processos de representação,
mesmo porque eles são parte da nossa constituição enquanto sujeitos.
Entre a oscilação dos papéis diante das imagens técnicas, o sujeitos se
vêem por vezes, rendidos à complexidade dos sistemas informáticos e se
colocam como sujeitos da transparência, meros acionadores de reações
programadas no sistema. Condizente com a concepção de usuário de Flusser
(2002), dizemos daquele que se deixa levar pela magicização das imagens e
das representações e aliena-se aos instrumentos de sua criação. Ele é incapaz
de decifrar as imagens e reconstituir as dimensões abstraídas. Não se serve
das imagens, mas vive em função delas, as percebe como verdadeiras e não
consegue apreender as estratégias e os discursos ideológicos que as
conformam. Para ele, elas parecem indecifráveis porque, aparentemente, não
precisam ser decifradas; como se o significado das imagens se imprimisse
automaticamente sobre sua superfície.
O caráter aparentemente não simbólico, objetivo, das imagens
técnicas faz com que seu observador as olhe como de fossem
janelas, e não imagens. O observador confia nas imagens técnicas
tanto quanto confia em seus próprios olhos. (...) A aparente
objetividade das imagens técnicas é ilusória, pois na realidade são
tão simbólicas quanto o são todas as imagens. Devem ser decifradas
por quem deseja captar-lhes o significado. Com efeito, o elas
símbolos extremamente abstratos: codificam textos em imagens, são
metacódigos de textos.
(FLUSSER, 2002, p.14)
Quando há um esforço para decifrar as imagens técnicas, o sujeito
depara-se com um mundo conceitual até então camuflado pela visualidade. Ele
percebe que os dispositivos e os modelos de representação que operam a
construção das ‘realidades’ não estão explícitos naquela primeira superfície
visual, mas imbricados nos desdobramentos conceituais que a articula. A
atitude meta crítica discutida por Duguet (2002) inclui esta postura auto
120
reflexiva, que implica em perceber não o objeto, mas a concomitância da
relação sujeito/objeto e o modo de construção do olhar. Ao atentar para a
circularidade dos movimentos perceptivos, onde as mediações são marcadas
por ambigüidades próprias da linguagem, podemos admitir a opacidade dessas
relações. Enquanto que sob a égide da transparência a apreensão do objeto se
propõe direta e unidirecional, as relações contaminadas pela opacidade exibem
a complexidade das suas modulações.
Nos diversos papéis que o observador assume, ele é antes de tudo um
sujeito da linguagem. Embora circunscrita simbolicamente, a linguagem
constrói-se em um espaço latente de sentidos que, tomado pelos sujeitos em
relação, tencionam sua extensão para a infinitude. É função das experiências
emergentes dos embates sociais abrir novos mundos dentro de um mundo já
constituído. É que a linguagem historicamente constituída - ganha novas
dimensões. Acreditamos ser este sujeito social, atravessado pela linguagem, o
sujeito da comunicação.
121
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em outubro de 2006.
126
9. Anexos
Descrevo abaixo um roteiro exploratório do projeto ‘Form Art Competition’, de
Alexei Shulgin. A navegação está sinalizada através de números e setas. As
setas indicam a origem e o destino dos cliques.
- ‘Form Art Competition’: http://www.c3.hu/collection/form/
Os botões contornados pelo limite amarelo levam à pagina inicial do projeto. Os
outros botões redirecionam para sites externos e não interessam propriamente
ao conteúdo.
- Página Índice da Form Art: http://www.c3.hu/collection/form/index1.html
1
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4
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7
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12
13
14
127
1. http://www.c3.hu/collection/form/two/index.html
A barra de rolagem vertical movimenta-se autonomamente. quatro opções
de links no formulário à esquerda. Cada opção, ao ser clicada, origem a um
número diferente de barras de rolagem horizontais que apenas se movimentam
quando acionadas pelo interator.
15
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10
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14
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19
20
128
2. http://www.c3.hu/collection/form/untitled/index.html
As checkboxes aparecem e são acionadas randomicamente pelo sistema
provocando uma atualização contínua da página. Na medida em que o interator
aciona uma ou mais checkboxes, elas mudam de forma (de círculos para
quadrados ou o contrário) e marcam automaticamente as checkboxes que
ocupam a mesma linha.
3. http://www.c3.hu/collection/form/pics/index.html
Nesta seção, os botões, checkboxes e formulários têm sua funcionalidade
deslocada para representar iconicamente alguns objetos e situações. Estão
representados (na ordem de acionamento dos checkboxes que organizam o
129
acionamento da visualização): castelo, computador, rosto humano, rosto com
feições animais, bandeira americana, bola de basquete, pistola, silhueta de um
corpo humano, outro corpo humano mas com expressões faciais, uma pêra,
um cenário composto por um casal (o homem feliz e a mulher triste), uma casa,
um carro e o sol, um prato e dois talheres, um tanque de guerra, uma janela,
um cachorro.
4. http://www.c3.hu/collection/form/game/index.html
Nesta seção encontramos um jogo onde o interator é impelido a acionar
checkboxes e botões. A cada clique, a barra de rolagem revela uma fase do
jogo ainda não vista. Inevitavelmente, em algum momento, o interator depara-
se com a mensagem ‘YOU LOSE’ e é convidado a reiniciar o looping.
5. http://www.c3.hu/collection/form/late/index.html
130
Nesta seção encontramos uma série de animações em formulários formadas
apenas pela seleção das linhas que o compõem. Esta seleção é realizada
randomicamente pelo sistema e não como o interator interferir sobre elas.
Quando selecionadas, as linhas passam a ter uma cor mais escura que, em
contraste com as linhas claras dão a sensação de movimento da animação.
6. http://www.c3.hu/collection/form/szia/index.html
Aqui encontramos outra animação randômica e automática de textboxes. Não
há possibilidade de intervenção do interator sobre esta seção.
7. http://www.c3.hu/collection/form/scroll/index.html
Ao acionar um dos checkboxes, a tela se atualiza e vários textboxes surgem.
As barras de rolagem verticais movimentam-se automaticamente, mas
possibilidade de interferir sobre o movimento. Há possibilidade também de
preencher os boxes com textos. No entanto, assim que a primeira letra é
digitada, desaparece.
131
8.http://www.c3.hu/collection/form/anim/index.html
Nos mesmos moldes da terceira seção, onde os botões deixam de servir como
painel de controle para assumirem uma iconicidade, as imagens desta seção,
além disso, assumem movimento. Algumas das representações reaparecem
aqui em forma de animação acionada apenas pela atualização da página em
uma ação automática dos checkboxes e dos textboxes. Estão presentes um
navio atravessando ondas, uma vela com a chama em movimento, um carro
que atravessa a tela, um cigarro cuja fumaça sobe pela tela, um homem
abrindo e fechando os braços, um cachorro caminhando, um cenário onde a
neve cai sobre uma casa e um pinheiro, um tanque atirando e uma televisão
transmitindo estática.
9. http://www.c3.hu/collection/form/click/index.html
132
Aqui também nos deparamos com um looping de padrões de botões que se
reorganizam a partir do clique ou automaticamente, sem haver o acionamento
por parte do interator.
10. http://www.c3.hu/collection/form/gaze/index.html
Esta seção é composta por uma tela com dois botões. Ao acionar o botão da
esquerda, abre-se uma nova janela que contém quatro colunas de checkboxes
animados, que selecionam-se automaticamente. O efeito do acionamento no
botão da direita é similar, apenas diferindo-se pela presença de uma animação
em textboxes, também automática.
11. http://www.c3.hu/collection/form/gaze/index2.html
O botão identificado como de número 11 acesso à mesma programação
presente na seção anterior.
133
12. http://www.c3.hu/collection/form/newfolder/index.html
Nesta seção, um único checkbox pode ser clicado. Ao ser acionado, a página é
atualizada e a alteração transcorrida está no número de barras de rolagens
verticais presentes. Estas barras movimentam-se (na verdade, não o
conseguem fazer devido ao número de barras presentes) automaticamente.
13. http://www.c3.hu/collection/form/texts.html
Nesta seção, uma textbox possibilita que o interator insira palavras e, ao clicar
no botão ao lado, que estas palavras sejam formadas por checkboxes. Não se
trata de uma reprodução do texto em caracteres tipográficos compreendidos
como fontes, mas da representação das formas das letras através da
disposição dos checkboxes.
134
14.http://www.c3.hu/collection/form/stars/index.html
Aqui encontramos uma outra animação, onde uma textbox em branco atualiza-
se automaticamente, selecionando e desmarcando linhas. De modo randômico,
a seleção das linhas se altera, ora para seleção completa ora seleção
nenhuma, provocando um constante piscar.
15. http://www.c3.hu/collection/form/list.html
Aqui encontra-se o ‘mapa’ do site.
16. http://www.c3.hu/collection/form/two/index.html
O redirecionamento é o mesmo da seção acionada pelo botão de número um.
17. http://www.c3.hu/collection/form/going/index.html
135
Nesta seção, dois checkboxes no alto da página podem ser clicados e atualizar
a página. Esta se compõe apenas pelas barras de rolagem horizontais que ora
se movimentam automaticamente em um mesmo sentido, ora movimentam-se
em sentidos contrários.
18. http://www.c3.hu/collection/form/car/index.html
Nesta seção o interator assume o controle de um carro formado por uma
textbox e alguns checkboxes. Os botões no alto da gina, ao serem
acionados, são responsáveis por conferir velocidades e sentidos distintos para
a animação.
19. http://www.c3.hu/collection/form/medium/index.html
Nesta seção, uma página com quatro botões acesso a outra página através
do clique de um deles. Nesta outra página encontramos uma animação de
textboxes que evolui automaticamente, exibindo caixas de maior e de menor
tamanho a cada nova atualização.
136
20. http://www.c3.hu/collection/form/bingo/index.html
Nesta seção primeiramente nos deparamos com uma tela composta por vários
checkboxes redondos e quadrados. Os redondos, dispostos ao redor da tela
como uma moldura, não apresentam nenhum movimento ou possibilidade de
intervenção. os de forma quadrada dispostos na parte central da tela
possuem uma animação decorrente da seleção ou não dos checkboxes. Ao
acionarmos o botão, localizado na parte inferior da janela, a página se atualiza
e a animação é iniciada. Ao acionarmos o checkbox redondo, ao lado deste
mesmo botão, a gina é atualizada e nos deparamos com uma textbox em
branco, cuja animação se constitui no movimento das linhas escuras e claras.
Ao clicar sobre o botão novamente, a página se atualiza e a animação se
transforma em um piscar azul e branco.
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