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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
GUSTAVO JAVIER REPETTI
DA CRÍTICA AO SERVIÇO SOCIAL TRADICIONAL À
PERSPECTIVA MODERNIZANTE. AS
PARTICULARIDADES DO PROCESSO DE
RECONCEITUAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NA
ARGENTINA
RIO DE JANEIRO
2008
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Gustavo Javier Repetti
DA CRÍTICA AO SERVIÇO SOCIAL TRADICIONAL À
PERSPECTIVA MODERNIZANTE. AS
PARTICULARIDADES DO PROCESSO DE
RECONCEITUAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NA
ARGENTINA
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-graduação em Serviço Social,
Escola de Serviço Social, Universidade Federal
do Rio de Janeiro, como exigência parcial para
a obtenção do título de Mestre em Serviço
Social.
Orientadora: Profª. Drª. Yolanda Demetrio Guerra.
Rio de Janeiro, 2008
FICHA CATALOGRÁFICA
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REPETTI, Gustavo Javier.
Da crítica ao Serviço Social Tradicional à
perspectiva modernizante. As particularidades
do Processo de Reconceituação do Serviço
Social na Argentina/
Gustavo Javier Repetti. - 2008.
164f.: il.
Dissertação (Mestrado em Serviço Social)
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de Serviço
Social, Rio de Janeiro, 2008.
Orientadora: Yolanda Demetrio Guerra
1.Reconceituação. 2.Perspectiva Conservadora.
3.Modernização. Dissertações.
I. Guerra, Yolanda Demetrio (Orient.). II. Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Escola de Serviço Social. III.
Título.
Gustavo Javier Repetti
DA CRÍTICA AO SERVIÇO SOCIAL TRADICIONAL À
PERSPECTIVA MODERNIZANTE. AS
PARTICULARIDADES DO PROCESSO DE
RECONCEITUAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NA
ARGENTINA
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-graduação em Serviço Social,
Escola de Serviço Social, Universidade Federal
do Rio de Janeiro, como exigência parcial para
a obtenção do título de Mestre em Serviço
Social.
Realizada em 03 de Março de 2008
________________________________________
Prof. Dra. Yolanda Demetrio Guerra - UFRJ
________________________________________
Profª. Dra. Ana Maria de Vasconcelos - UERJ
________________________________________
Prof. Dr. Carlos Montaño - UFRJ
RESUMO
REPETTI, Gustavo Javier. Da crítica ao Serviço Social
Tradicional à perspectiva modernizante. As particularidades
do Processo de Reconceituação do Serviço Social na
Argentina. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) Escola
de Serviço Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro, 2008.
A presente dissertação de mestrado propõe um estudo sobre os fundamentos
históricos e teórico-metodológicos das particularidades do Processo de Reconceituação
do Serviço Social argentino, no contexto e na conjuntura latino-americanos. Trata-se de
um estudo histórico-bibliográfico que visa contribuir com o debate para pensar a
profissão a partir da teoria social fundada por Marx. Nos três capítulos constitutivos do
corpo da dissertação explora-se, em primeiro lugar, a trajetória da tradição marxista na
América Latina, algumas particularidades que permitem compreender o cenário aberto
pela Revolução Cubana e o trajeto particular do contexto ídeo-politico argentino, a
propósito do período histórico em que se desenvolveu o chamado processo de
Reconceituação latino-americano. O segundo capítulo tenta captar as particularidades
desse processo centrando o eixo nas determinações do caso argentino, identificando as
suas próprias mediações. Finalmente, o capítulo III centra-se na critica à produção de
Ezequiel Ander-Egg, autor significativo do Movimento de Reconceituação na
Argentina, assim como em vários paises da América Latina. Trata-se da análise do
percurso da sua produção a propósito do processo de reconceituação, chamando atenção
para o que esse autor denominou “o marxismo dos não marxistas”.
Palavras-chave: Reconceituação. Perspectiva Conservadora. Modernização.
Dedico este trabalho
a meu querido avô “Negro” (In memoriam)
Agradecimentos
Quero expressar nestas linhas minha gratidão para um grupo humano que fez
com que o produto da minha pesquisa, que aqui apresento, cobrasse caráter coletivo. As
preocupações político-intelectuais que movimentaram a elaboração desta dissertação
inserem-se em um projeto que transcende as fronteiras das minhas necessidades e
interesses individuais. Inscrevem-se, por isso, na convicção de que um projeto de
profissão crítico é possível sempre que orientado pela luta por um outro projeto
societário.
A origem desse caminho encontra-se geograficamente distante do meu cotidiano
atual, como das minhas inquietações intelectuais, que foram fazendo importantes
rupturas graças a certos processos que só foram possíveis na interlocução critica no
interior da Universidade Argentina, particularmente na Faculdade de Trabalho Social da
Universidade Nacional de La Plata.
Mas, tem ainda uma instancia anterior. É, então, aos meus pais o meu primeiro
agradecimento. Esse agradecimento cobra um valor inexpressável porque tendo sido
negada para eles a possibilidade de acesso ao ensino superior, foram capazes de me
transmitir um profundo respeito pela Universidade Publica, que no meu próprio
processo de crescimento pessoal e intelectual se converteu na necessidade e na
responsabilidade ética de lutar na sua defesa. Junto com eles, a minhas queridas avós, a
meus três irmãos, a Ana e Santy, pelo apoio incondicional na distância. Mas, quero
fazer uma menção espacial a minha mãe e a minha querida vovó Tita, sem cujo apoio
cotidiano na distância, no dia a dia da escrita, não teria conseguido o resultado obtido.
Em segundo lugar, meu profundo agradecimento a minhas queridas colegas e
amigas com quem iniciei o caminho da vida universitária, Maria Lia, Mariana,
Florência e Valeria. Colegas de aula primeiro, interlocutores válidos das minhas
preocupações intelectuais, grandes amigas depois, até formar parte da minha família
escolhida.
A meus queridos amigos Viviana e Juan Pablo, grandes amigos e companheiros
na estrada da vida.
A Rosana, Manuel, Juliana, Eugenia e Susana queridos colegas dos inícios da
minha intervenção profissional e grandes amigos na atualidade, que fazem com que as
distâncias diminuam.
Disse no inicio que esta dissertação de mestrado tinha um caráter coletivo e é a
equipe de cátedra da disciplina Trabalho Social V”, da Faculdade de Trabalho Social
da Universidade Nacional de La Plata, a responsável por me fazer acreditar na
necessidade de pensar e construir coletivamente. Quero expressar meu grande
agradecimento a essa equipe nas pessoas das minhas queridas colegas e amigas: Prfª
Marina Capello, Prfª Carolina Mamblona, Profª Valeria Redondi, e por meio delas aos
meus 22 colegas de cátedra que acreditaram em mim para iniciar este caminho de
formação pós-graduada no Brasil, sem cujo apoio – em todo o sentido do termo:
humano, intelectual e até econômico – não teria conseguido chegar tão longe.
Meu grande agradecimento aos meus queridos amigos, companheiros de
inquietações teóricas, políticas e membros, também, da minha família escolhida:
Leandro, Soledad e Simon (que esta chegando), Adriana e Paloma e Lucila que junto
com Mariel, Ramiro, Inês, e todas as pessoas que nomeei até aqui me ajudaram a
transitar um dos momentos mais difíceis da minha vida.
Meu profundo agradecimento à Profª Drª Margarita Rozas Pagaza pelo seu apoio
incondicional neste projeto.
Até aqui se trata da reconstrução do caminho que me permitiu chegar, em
dezembro de 2005, na Escola de Serviço Social da UFRJ.
Meu grande agradecimento a Kátia e Ramiro que me fizeram sentir em casa
desde o inicio e cujas orientações foram inestimáveis nos tempos iniciais do meu
mestrado, tendo chegado a ser, hoje, dois grandes amigos.
A meus queridos Mariela e Javier, que me receberam em casa na minha segunda
chegada no Rio, inestimáveis interlocutores de debates teóricos, políticos, humanos.
Grandes amigos que souberam tornar menos dolorosa a distância, o desarraigo, a
ausência dessa “estrutura” que parece dar segurança.
Meu profundo agradecimento a minhas queridas amigas Solange e Elaine. Elas
levaram a parte mais difícil, conviver com uma pessoa em processo de elaboração da
sua dissertação de mestrado. Pelo prazer que significa partilhar com elas meu cotidiano.
A Silvina, Felipe e Lorenzo, amigos com quem sempre posso contar.
A Fernanda, Ernesto e Roberth, novos amigos deste caminho escolhido.
A Rai, Glauce, Sara, Flavio, Selma, Paula, Josiane, Nailsa, Luci e Nivia que me
emprestam o seu país e me fazem sentir em casa cada dia com a sua amizade.
A Rita, Ximena, Fernando, German e Maria Fernanda, seres humanos
excepcionais, que me orgulho de ter encontrado neste caminho.
Meu grande agradecimento ao professor José Paulo Netto, à Profª Marilda
Iamamoto e ao Profº Carlos Montaño pelas suas valiosas contribuições neste processo
de crescimento intelectual e humano e, no seu nome, a todos os professores da Escola
de Serviço Social da UFRJ. Meu reconhecimento também para Luiz Fernando, Luiza,
Fabio e Sergio pelo seu importante labor.
Quero expressar um agradecimento especial à Professora Drª Ana Maria de
Vasconcelos, pela sua generosidade.
Finalmente, e não por isso menos importante – muito pelo contrário, como
forma de salientar o meu reconhecimento - o meu eterno agradecimento à Profª. Drª
Yolanda Guerra. Orientadora inestimável e excepcional ser humano. Sua pertinência
teórica, suas exigentes orientações e, sobretudo, a sua qualidade humana neste processo
que tem a particularidade de ocorrer em situação de “estrangeiro” é de um valor
inenarrável. Por tudo isso MUCHAS GRACIAS!
Meu agradecimento ao CNPq pelo apoio econômico, que gerou as condições
para o desenvolvimento da pesquisa.
Índice
INTRODUÇÃO............................................................................................................... 12
CAPÍTULO I: O Processo de Reconceituação latino-americano historicamente situado. 18
1.1 A propósito da trajetória da teoria social de Marx na América Latina ..................... 21
1.2 O novo cenário aberto pela revolução cubana. A sua influência no
desenvolvimento do Serviço Social latino-americano................................................... 27
1.3 Aproximações para situar histórico-socialmente o Processo de Reconceituação na
particularidade da Argentina ........................................................................................ 42
CAPÍTULO II: As particularidades da Reconceituação do Serviço Social na Argentina . 76
2.1 A particularidade como campo de mediações ......................................................... 77
2.2 A propósito do Movimento de Reconceituação argentino, no contexto latino-
americano .................................................................................................................... 79
CAPÍTULO III: Para uma análise dos fundamentos do Movimento de Reconceituação
na Argentina, na ótica da obra de Ezequiel Ander-Egg................................................... 122
3.1 A critica ao Serviço Social Tradicional na ótica do Desenvolvimentismo: o
Assistente Social como Agente de Mudança............................................................... 123
3.2 O Trabalho Social como ação libertadora. De agentes de mudança para
conscientizadores-revolucionários.............................................................................. 135
3.3 A critica de Ander-Egg ao “Marxismo dos não Marxistas”................................... 144
CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 171
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................ 176
INTRODUÇÃO
A presente dissertação de mestrado é produto de uma pesquisa que parte de
compreender que a teoria social de Marx é a tradição teórico-metodológica que melhor
se debruçou sobre a crítica da economia política para captar a natureza do capitalismo, e
em conseqüência, as suas contribuições permitem a compreensão dos mecanismos de
produção e reprodução do capital entendido como relação social.
Com sustentação nessa perspectiva teórica, a nossa preocupação teorico-política
inicial estava orientada pelo estudo da presença e da incidência da teoria social de Marx
na formação profissional dos Assistentes Sociais na Argentina. Em face do fato de que
essa interrogação promoveria o desenvolvimento de uma pesquisa cujo resultado
parecia evidente antes de iniciá-la, a investigação foi redefinida na tentativa de pensar
uma contribuição para o diálogo entre o Serviço Social argentino e a tradição marxista.
Partindo então - da necessidade de pensar os fundamentos do Serviço Social
contemporâneo na Argentina nos baseando na teoria social de Marx e, em uma tentativa
de contribuir na apreensão das possibilidades efetivas de apropriação rigorosa do
marxismo por parte do Serviço Social argentino, iniciamos um estudo do percurso
histórico de nossa profissão nesse país, tendo como pressuposto de que a primeira
aproximação do serviço social ao marxismo se remontava ao período histórico
compreendido entre os anos 1965-1975, com o desenvolvimento do Movimento de
Reconceituação da nossa profissão na América Latina.
Dessa forma, no memento inicial, o processo de pesquisa centrou a sua atenção
nas produções de intelectuais brasileiros
1
, o que permitiu uma primeira aproximação ao
1
Essa escolha vincula-se com a minha própria trajetória intelectual, já que o acesso a
esse debate se deu através das produções de autores brasileiros. Esse fato responde, em
primeiro lugar, à quantidade, qualidade e rigor teórico-metodológico dessas produções.
Em segundo lugar, foi fundamental o convênio entre a Escola de Serviço Social da
Universidade nacional de La Plata com a PUC de São Paulo, que permitiu a instauração
debate contemporâneo do Serviço Social em uma perspectiva histórico-crítica
especificamente nos posicionando na teoria social de Marx -.
Então, a partir dessa primeira aproximação e considerando que o nosso ponto de
partida sustentava-se na premissa de que tinha se desenvolvido uma primeira articulação
entre o Serviço Social argentino e a tradição marxista na primeira metade da década de
60’ do século passado até finais da primeira metade da década seguinte – com o
processo de Reconceituação -; avaliou-se relevante um estudo rigoroso nesse campo.
Partimos, então, de considerar que a produção bibliográfica a respeito dessa
aproximação era ausente ou pelo menos insuficiente e fundamentamos a relevância da
nossa pesquisa nos três pontos seguintes.
Considerava-se que um estudo destas características poderia contribuir na
compreensão dessa aproximação (Serviço Social argentino-marxismo),
compreensão que poderia ser relevante para a apreensão das possibilidades
atuais desse diálogo, ou seja, o seu potencial.
Considerávamos que o estudo aprofundado das obras dos autores argentinos
mais relevantes do Movimento de Reconceituação em particular as
publicações das editoras ECRO e Humanitas - ia nos permitir avaliar,
problematizar e questionar como se deu esse encontro ou desencontro -. Ou
seja, de qual “Marxismo se tratou”, e qual foi a sua via de aproximação.
Fazíamos essa avaliação apesar das diversas filiações teóricas desses autores,
identificando conceitos mesmo que resgatados de forma enviesada ou
mecânica -, que considerávamos como expressão de uma primeira aproximação
do primeiro Mestrado em Serviço Social do país, constituindo um aporte significativo
para o acesso a essa perspectiva.
com a tradição marxista; qual seja as referências à Revolução e ao Método
dialético, por exemplo.
O desenvolvimento da investigação e a identificação de alguns equívocos de
ordem teórica nos orientaram na redefinição do objeto da pesquisa abandonando a
premissa inicial e redefinindo o objeto. Dessa forma o estudo das particularidades do
Processo de Reconceituação na Argentina orientou as reflexões que apresentamos na
presente dissertação, o que permitiu mesmo recorrendo às contribuições de autores
representativos de outros países – transcender o risco de um estudo anacrônico.
Esta produção, então, tem sustentação não só em um interesse meramente
acadêmico, ou seja, um interesse teórico-acadêmico, mas também, e ao mesmo
tempo, um interesse ético-político. Isto é, o estudo da compreensão da história é
pensado em termos de possibilidade de compreender as determinações atuais desse
campo. Significa pensar uma contribuição que permita “revitalizar” o Marxismo em um
campo profissional impregnado de conservadorismo e transformado pelo neoliberalismo
na sua tradução da compreensão e intervenção sobre a “questão social”. Trata-se de
pensar uma contribuição para a recuperação da teoria social de Marx em um contexto
profissional atravessado por essas determinações.
Nesse contexto, toda tentativa de aproximação e diálogo entre o serviço social e
a tradição marxista, a tese fundamental de Marilda Iamamoto que concebe o Serviço
social como profissão inserida na divisão sócio-técnica do trabalho quebrando o
fundamento da evolução das protoformas, as reflexões de Netto vinculada à emergência
do Serviço social no trânsito do capitalismo concorrencial para a era monopolista e
imperialista, etc.; são desqualificadas por considerar que essa perspectiva gera uma
“sociologização” do Serviço social. “Esquece-se do sujeito” disse aquela argüição, em
uma perspectiva aonde “(...) não há sociedade, só indivíduos” (Cf. Netto, 1995: 98).
Nesta lógica, o grande desafio do presente trabalho esta posto na possibilidade
de contribuir com a categoria profissional em um momento histórico que questiona a
formação profissional crítica – sustentada em uma perspectiva de totalidade - e promove
uma tecnificação” e fragmentação da formação profissional. Conhecer a gênese dos
encontros e desencontros da nossa profissão como a teoria social marxista, captar a sua
contemporaneidade significa resgatar para o coletivo a perspectiva totalizante que
permita desvendar o significado social da profissão e, a partir daí, aportar para um
projeto profissional qualificado e capaz de combater os embates do conservadorismo
que não geram outra coisa do que práticas profissionais sustentadoras e promotoras de
relações sociais reificadas.
A presente dissertação consta de três capítulos que propõem – em primeiro lugar
- uma análise dos fundamentos do processo de Reconceituação do Serviço Social
argentino, historicamente situado no contexto e na conjuntura latino-americana,
baseando essa reflexão na perspectiva teórico-metodológica da tradição marxista.
Apresenta-se, então, uma analise das determinações da trajetória da teoria social de
Marx na América Latina, uma contextualização do processo histórico do subcontinente,
aos fins de captar as particularidades do processo histórico argentino no período de
tempo compreendido entre a segunda metade da década de ’60 do século passado e a
primeira metade da década seguinte, que constituiu o cenário do chamado processo de
Reconceituação do Serviço Social.
O capitulo II apresenta uma discussão que visa captar algumas particularidades
do processo de reconceituação na Argentina, no contexto e na conjuntura latino-
americana. Finalmente o capitulo III propõe uma análise do Processo de Reconceituação
à luz de algumas produções de Ezequiel Ander-Egg a propósito desse processo. A
escolha desse autor para desenvolver algumas reflexões a través de algumas das suas
obras - sobre o Processo de Reconceituação na Argentina responde a uma necessidade
de delimitação, mas não é uma escolha qualquer. Segundo mostraremos no primeiro
capítulo, Ezequiel Ander-Egg é um autor que continua tendo uma influência
significativa na formação profissional dos Assistentes Sociais, tanto em alguns centros
de formação da Argentina quanto em diferentes paises da região. Consideramos que
na atualidade as produções do autor fornecem uma alternativa à tendência crítica
particularmente àquela fundada na tradição marxista - no Serviço Social. Entendemos,
então, a relevância da nossa crítica a partir dessas condições.
Esse último capítulo mostra o Movimento de Reconceituação como fenômeno
que emergiu do ideário desenvolvimentista e conseguiu transcendê-lo. Apresentaremos
uma discussão em face das determinações dessa “transcendência” e colocaremos a
nossa atenção em uma critica feita por esse autor ao que ele entende que foi “O
marxismo dos não marxistas”, que teria ferido de morte o processo de Reconceituação
no subcontinente. Essa critica nos permite pensar as reflexões do autor como
fornecedoras de sustentação para uma perspectiva que repõe uma lógica conservadora e
que desenvolve uma crítica desse processo nos termos em que Netto (1981)
compreendeu à Crítica Conservadora à Reconceituação.
CAPÍTULO I:
O Processo de Reconceituação latino-americano
historicamente situado
Analisar os fundamentos do processo de Reconceituação do Serviço Social
argentino, historicamente situado no contexto e na conjuntura latino-americana,
baseando essa reflexão na perspectiva teórico-metodológica da tradição marxista, exige
uma leitura cuidadosa da particularidade histórica desse país, que no seu processo
apresentou condições próprias para o avanço do debate nesse sentido. Esse processo é
uma condição que vai para além das fronteiras do Serviço Social, que condiciona a vida
intelectual e política do país, de uma geração e que deixa toda uma herança para as
gerações ulteriores.
O estudo histórico-bibliográfico que apresentamos se funda na compreensão da
necessária relação entre a abordagem teórica e a trajetória histórica. Isto é, compreende-
se que a análise teórica deve – necessariamente – se debruçar sobre o processo histórico,
significa entender o caráter ontológico dos fundamentos teóricos, a serem apreendidos
do e no processo histórico. É a própria historicidade do Processo de Reconceituação que
coloca os temas centrais a serem desenvolvidos, orientando o caminho percorrido pelas
nossas reflexões teóricas.
A preocupação intelectual e política, colocada no inicio, promoveu a elaboração
do que foi a nossa premissa inicial, isto é, orientou a nossa pesquisa com base em uma
suposta primeira aproximação entre nossa profissão e a teoria social de Marx no marco
do Movimento de Reconceituação do Serviço Social na América Latina. Entendemos
que esse movimento surge como resposta à necessidade de uma critica ao Serviço
Social que foi nomeado como Tradicional. Quando falarmos de Serviço Social
Tradicional, (...) deve entender-se a pratica empirista, reiterativa, paliativa e
burocratizada que os agentes realizavam e realizam efetivamente na América Latina”
(Netto, 1981: 60).
Esse processo se funda - o “ato da sua emergência” - a partir do Encontro de
Porto Alegre, Brasil, em 1965 e segundo Netto - vai se estender ao longo de uma
década, adquirindo um caráter “tipicamente latino-americano”.
O percurso da investigação
2
abre interrogações que provocam e orientam estas
reflexões. Em primeiro lugar é necessário resgatar o processo de reconceituação como
um Movimento heteróclito
3
, que apresentou particularidades em cada país. Em segundo
lugar, salientar que esse processo apresenta na sua trajetória dois grandes momentos que
serão analisados no percurso de nosso trabalho. Isto é, um primeiro momento situado a
partir de 1965 e que se estende até finais dessa década e um outro momento que se pode
situar a partir de 1969 e que vai até meados da década seguinte.
Se este processo tinha-se gestado como se colocou como resposta crítica
em face do Serviço Social Tradicional, a ruptura que permite um incipiente dialogo com
o Marxismo vai começar a emergir em um processo que se entre os anos ’69-‘71.
É nesse momento histórico que a Frente Ampla da Reconceituação, que questionava o
Serviço Social Tradicional, mas o fazia na perspectiva desenvolvimentista e da
modernização vai entrar em confronto com uma outra perspectiva que começa, de forma
incipiente, a promover a emergência das primeiras tendências marxistas no Serviço
Social latino-americano. A avaliação da bibliografia disponível mostra não que essa
tendência se gestou fora de Argentina, mas que a sua influencia chegou muito mais
tardiamente e por outras razões e vias. Essa tendência teve centralidade no Chile,
precisamente na Universidade de Valparaíso com a presença de Vicente de Paula
Faleiros –, com as contribuições de Diego Palma, Teresa Quiroz, Manuel Manrique
Castro e via CELATS.
2
Nesse percurso foi fundamental a interlocução com os professores José Paulo Netto,
Marilda Iamamoto, Carlos Montaño e Yolanda Guerra.
3
Nos termos de Netto (1981: 60).
1.1 A propósito da trajetória da teoria social de Marx na América Latina
Para compreender e interpretar os fundamentos do Processo de Reconceituação
do Serviço Social argentino, na perspectiva teórico-metodológica marxista, optamos
pela leitura de obras de autores como Löwy (2003), Khoan (1998), Tarcus (1996), Aricó
(1980) e Agustín Cuevas (1983). Esses autores permitem uma compreensão do percurso
da teoria social de Marx na América Latina, base sobre a qual se buscará apreender a
trajetória do Serviço Social argentino, especialmente no seu período de reconceituação.
A leitura desses autores apresenta eixos comuns do debate, alguns dos quais
questiona uma suposta lacuna ou incompreensão - no desenvolvimento teórico de
Marx no que diz respeito a análise desse autor sobre a realidade do subcontinente latino-
americano. Sobre esse assunto foi resgatada a crítica desenvolvida pela obra de Aricó,
que oferece elementos para derrubar essa premissa. Por outra parte, aparece como
importante a necessidade de compreender a grande diversidade de movimentos
históricos que em nome do marxismo foram construídos.
“Alguns pretendem derivar disto a impossibilidade presente e
futura de constituir, a partir de Marx, uma teoria da
transformação social e da conquista de uma sociedade sem
classes. Outros vislumbram ‘na crise do marxismo’ a
surpreendente vitalidade de uma teoria que pugna por se
aproximar a uma realidade totalmente distinta da que o viu
nascer”. (Aricó, 1980: 45, tradução nossa).
Nessa lógica, o mesmo autor faz referência ao desenvolvimento do movimento
social vinculado à complexidade maior das relações econômicas e políticas, fato que
tem repercussão sobre as construções teóricas.
“(...) A crise do marxismo, em conseqüência, antes do que o
signo da sua inevitável morte é o indicador da sua extrema
vitalidade, a morfologia que adquire a transformação das
relações entre teoria, movimento e crise, é verdade que ajusta
contas com um passado, mas faz emergir também as
potencialidades novas liberadas no processo mesmo da
redefinição da teoria nas suas relações com sua própria história,
com o movimento social e com o caráter epocal do
desenvolvimento capitalista”. (Ídem: 47, tradução nossa).
A idéia da crítica à teoria social de Marx como uma construção teórica
eurocentrica é questionada por Aricó na obra citada. Em primeiro lugar, o autor vai
questionar a idéia que explica uma posição determinada de Marx no que diz respeito ao
subcontinente baseada num suposto desconhecimento da realidade latino-americana na
Europa. Derrubado esse suposto, e afirmando que não na Europa toda, mas sim na
Inglaterra - existia, na metade do século XIX, um conhecimento amplo de nosso
continente, o recurso a uma limitação epocal do pensamento marxiano “(...) encobre a
aceitação a-crítica de um teto insuperável do conhecimento que nos restitui ao euro-
centrismo de Marx”. (Idem: 55, tradução nossa). Esse autor afirma que o movimento
socialista de filiação marxista constituiu-se antes que a obra de Marx fosse conhecida na
sua totalidade, cujo acesso a leituras e divulgações de Marx e Engels foi feito a partir de
uma perspectiva fortemente positivista “(...) a sustentação teórica da constituição de
uma ideologia sistematizadora do pensamento de Marx, de nítidos perfis cientificistas, à
qual os social-democratas europeus do final do século denominaram ‘marxismo’”
(Idem: 56, tradução nossa).
“(...) Daqui para frente, para Marx e Engels sea emancipação
nacional da Irlanda a condição primordial para a emancipação
social do proletariado inglês. Estamos em face de uma
verdadeira ‘viragem’ no pensamento de Marx que abre toda uma
nova perspectiva de análise no exame do conflituoso problema
das relações entre luta de classes e luta nacional, desse
verdadeiro punctum dolens de toda a história do movimento
socialista. (...) O Marx eurocêntrico privilegiador dos efeitos
objetivamente progressivos do capitalismo, que emergiu da
leitura do Manifesto, para se converter no único Marx da teoria e
da pratica social-democrata, deve ceder seu lugar a uma nova
figura (...) aberta aos novos fenômenos operados no mundo pela
universalização capitalista”. (Idem: 65, tradução nossa).
Assim, a crítica “eurocentrica” segundo o mesmo autor - (Idem:96) é superada
pelo fato de que Marx,
“(...) evita identificar com o desenvolvimento capitalista e a
presença de uma classe operária internacionalmente homogênea
as condições de ‘libertação’ dos povos dominados e, além disso,
quando o a submete ao comportamento do proletariado
europeu ocidental. Pelo contrário, Marx entrevê a possibilidade
de que as lutas desses povos quebrem a estabilidade da ordem
capitalista no mundo e na própria Europa. (...) Os pressupostos
teóricos e políticos, a partir dos quais podia ser pensada a
‘autonomia’ da região latino-americana existiam, então, no
pensamento marxiano (...)” (Idem: 96, tradução nossa).
Neste sentido, Portantiero (1989) vai aportar o que ele entende que é uma chave
para a compreensão histórica do continente - e que teria obtaculizado a perspectiva
socialista -, isto é, as formas que assumiram as relações Estado - Sociedade na América
Latina. Assim, essas relações vão aparecer como estranhas para a visão da Europa. Essa
estranheza vai se vincular à articulação dos processos de construção do Estado com
aqueles de construção da nação. Ou seja, essas relações entre Estado-Sociedade, o
entravam – e daí a estranheza - na forma clássica de compreender a Revolução moderna
nos parâmetros da França de 1848. Tratou-se, melhor, de uma revolução na lógica da
Reforma.
Segundo o autor citado, os Estados nacionais na América Latina teriam sofrido
um processo de transformação “pelo alto”, trataria-se de “semi-estados” que modelando
a si mesmos, modelavam a sociedade. Os exércitos erigiam Estados territoriais e
criavam um mercado econômico, a partir do qual a América Latina se integrasse ao
mercado mundial. Então, essa constituição é diferente do modelo europeu e diferente,
também, da sua contrapartida, o modelo asiático. Assim, segundo Portantiero, essa
particularidade que gerou a visão particular de Marx sobre o sub-continente teve
continuidade na II e na III Internacional que não tinham muito para dizer a respeito.
Processo que –voltando para as contribuições de Aricó - seria um dos fundamentos da
leitura feita por Marx no que diz respeito ao Estado Bolivariano”. Segundo esse autor,
para Marx o autoritarismo bolivariano era concebido como uma ditadura “educativa”
imposta coercitivamente ás massas que não pareciam estar maduras para uma sociedade
democrática. Mas o autor vai acrescentar que o projeto bolivariano o se esgotava no
bonapartismo nem no seu autoritarismo (Cf. Aricó, 1980: 134 e ss.).
Com relação à afirmação do parágrafo anterior, Portantiero salienta uma
dificuldade na tradição comunista para apreender uma situação que não pertence ao que
foi chamado como “questão colonial” e que tampouco pode ser assimilado ao
movimento anticapitalista nos paises avançados. (Cf. Portantiero, 1989: 336).
Assim, o autor citado afirma que uma produção latino-americana do socialismo
não consiste na aplicação ou na adaptação de uma ideologia pré-existente, mas na
capacidade de gerar e construir sujeitos políticos complexos, no duplo plano de uma
teoria capaz de dar conta das singularidades nacionais e de uma pratica hábil na
organização das massas. Assim, segundo Portantiero, os socialismos da II e da III
Internacional foram incapazes de elaborar essa problemática
4
.
Em termos de Aricó:
“A singularidade latino-americana não pôde ser compreendida
por esse movimento o tanto pelo seu ‘eurocentrismo’, quanto
pela singularidade dela. A condição nem periférica nem central
dos Estados-nação do continente; o fato de ter sido o produto de
um processo que gramscianamente poderíamos definir como de
revolução ‘passiva’; o caráter essencialmente estatal de suas
4
As características do presente trabalho não permitem aprofundar nos debates da II e da
III Internacional, mas mesmo que esse debate não seja desenvolvido aqui, é necessário
salientar que tratou-se de processos que apresentam diferenças consideráveis.
formações nacionais; o rápido isolamento ou destruição
daqueles processos tingidos de uma forte presença da
mobilização de massa, foram todos elementos que contribuíram
para fazer da América Latina um continente alheio à clássica
dicotomia entre Europa e Ásia que atravessa a consciência
intelectual européia desde a Ilustração a nossos dias. (…) A
presença obnubilante dos fenômenos de populismo que
caracterizam a história de nossos países no século XX levou
curiosamente a identificar eurocentrismo com resistência a toda
forma de bonapartismo ou de autoritarismo. O resultado foi uma
fragmentação cada vez mais acentuada do pensamento de
esquerda, dividido entre uma aceitação do autoritarismo como
custo iniludível de todo processo de democratização das massas,
e um liberalismo aristocratizante como único resguardo possível
do projeto de uma sociedade futura, ainda ao preço de perder o
apoio das massas”. (Aricó 1980: 140-141, tradução nossa).
Segundo Michael Löwy (Cf., 2003: 9) a compreensão do percurso do Marxismo
na América Latina precisa da definição de três períodos:
Um período revolucionário entre os anos 1920 e 1935. Nesse momento, a obra
mais importante é a de José Carlos Mariategui e a sua manifestação política
vincula-se à Insurreição Salvadorenha de 1932. A revolução latino-americana
era caracterizada como socialista, democrática e antiimperialista. A contribuição
de Mariategui é apresentada como uma possibilidade de superação entre as
posições contrapostas para pensar o Marxismo no sub–continente,
particularmente no que diz respeito à critica eurocêntrica e à argumentação
endógena, como já fora salientado nos parágrafos precedentes.
O período Stanilista entre os anos 1935 y 1959. Nesse momento a interpretação
soviética do marxismo foi hegemônica. A teoria da revolução por etapas de
Stalin coloca aquele momento como a etapa nacional democrática.
O novo período revolucionário, após a Revolução Cubana. Considera-se que as
inquietações que promoveram o presente trabalho exigem colocar a atenção
neste item. Por essa razão tentaremos daqui para frente dar conta dos debates
centrais desse momento histórico na América Latina. Para compreender esses
processos é necessária uma leitura crítica de toda a obra marxiana que nos
termos de Aricó, ao
“(...) evitar os fáceis recursos da justificação ‘epocal’ e da
limitação ‘eurocentrica’, nos permita estabelecer nos mesmos
textos os momentos de continuidade e de ruptura, a recíproca
relação entre teoria e história, entre análise morfológico e nível
do movimento de classe. É possível pensar que o Marx que
emergiria dessa operação estaria bastante longe da imagem
estereotipada e ‘cientificista’ à qual nos tem habituado o
marxismo oficial ” (Aricó,1980: 76, tradução nossa).
Como fora dito no inicio do presente capitulo, o Movimento de
Reconceituação do Serviço Social é um fenômeno que apresenta características
tipicamente latino-americanas. foi salientado, também, que foi um processo
heterogêneo que apresentou particularidades nos diferentes paises da região, com
heterogeneidades ao mesmo tempo nos debates no interior de cada país. As análises
publicadas no livro organizado por Alayón (2005), que apresentam uma leitura deste
processo 40 anos depois na Argentina, na Bolívia, no Brasil, no Chile, na Colômbia, na
Costa Rica, em Cuba, no Equador, em El Salvador, na Guatemala, em Honduras, no
México, na Nicarágua, no Panamá, em Porto Rico, no Uruguai, na Venezuela, como
também suas repercussões em paises da Europa, tal o caso da Espanha e Portugal, não
só dão conta das particularidades nacionais em face desse processo como também
apresentam alguns eixos comuns para a análise. A critica ao Serviço Social tradicional
presente na sua trilogia metodológica de caso, grupo e comunidade é uma constante. A
necessidade de resposta aos problemas da região dos quais as teorias e metodologias
importadas da Europa e dos Estados Unidos não davam conta é –também - uma
constante. O deslocamento dos profissionais do Serviço Social das instituições do
Estado de Bem-estar para as organizações de base, para as organizações não
governamentais, para as favelas e comunidades parece ser outra constante. A
caracterização desse movimento como processo vinculado à academia, às universidades,
parece uma afirmação que encontra consenso nesses artigos. É um processo inserido em
um complexo mais amplo de questionamento das ciências sociais, de institucionalização
em alguns dos paises da nossa profissão no mundo universitário e em um contexto
de Reforma universitária em muitos desses paises sob influencia do maio francês.
Finalmente, na hora de caracterizar e analisar o contexto histórico-social no qual
esse processo se insere e a partir do qual ele se origina, as análises feitas na obra citada
de Alayón coincidem na influência decisiva da Revolução cubana e no cenário aberto
por ela no subcontinente todo. Considera-se necessário – então – nos determos nos eixos
centrais do processo que essa revolução inaugura na América Latina.
1.2 O novo cenário aberto pela revolução cubana. A sua influência no
desenvolvimento do Serviço Social latino-americano
A vitória da revolução cubana de 1959 e a proclamação de Fidel Castro, em abril
de 1961, acerca do “caráter socialista do regime” significaram uma mudança radical
para o Marxismo na América Latina, cuja difusão tinha tido origem com a chegada das
primeiras idéias socialistas no subcontinente aos finais do século XIX. Terá lugar,
assim, uma consolidação de correntes radicais que vão afirmar a natureza socialista da
revolução e a legitimidade – em algumas ocasiões - da luta armada.
Esse novo período aberto para a América Latina cujo representante mais
importante é Che Guevara, vai gerar novas correntes revolucionárias no continente.
Assim os eixos colocados por Guevara salientados por Löwy (Cf. 2003: 43 e ss.)
tem a ver com:
A importância de uma ética comunista no processo revolucionário.
Trata-se de uma rejeição das medidas econômicas de construção socialista que se
baseavam “nas armas podres do capitalismo”. É uma critica ao modelo econômico,
político e social do socialismo real, na busca de um caminho alternativo, igualitário e
solidário.
O caráter socialista da revolução na América Latina, que implica a derrota do
imperialismo e da exploração local.
A luta armada como forma de combate aos regimes ditatoriais da América
Latina, é a compreensão da guerrilha rural como continuação da luta política
revolucionária, mas por outros meios.
Em 1967 teve lugar o Congresso da Organização latino-americana de
Solidariedade (OLAS), que se reuniu em Havana; numa tentativa de coordenação
continental – pela primeira vez desde Bolívar - do processo revolucionário latino-
americano. É, também, a proclamação da unidade do conteúdo democrático-socialista
da revolução latino-americana.
Assim, o Partido Revolucionário dos Trabalhadores (PRT) e o Exército
Revolucionário do Povo (ERP) na Argentina, o Movimento de Esquerda Revolucionária
(MIR) no Chile, os Tupamaros no Uruguai e o Exército de Libertação Nacional (ELN)
na Bolívia vão formar parte de uma junta de coordenação revolucionária que vai
organizar a corrente Guevarista em meados da década de ’70 do século passado e que
vai entrar em crise no final dessa década.
Nos anos ’60 juntamente com o Guevarismo, o Trotskismo
5
e o Maoismo
6
cresceram significativamente na América Latina. Esse crescimento é resultado da crise
5
“A pedra fundamental do Trotskismo foi, e continua sendo, a tese da revolução
permanente, formulada originalmente por Marx, que Trotsky reformulou em 1906,
aplicando-a a Rússia, e voltou a desenvolver em 1928. Trotsky via a transição para o
socialismo como uma serie de transformações sociais, políticas e econômicas, ligadas
entre si e interdependentes, que ocorrem em vários veis e em diversas estruturas
sociais feudal, subdesenvolvida, pré-industrial e capitalista - e em diferentes
conjunturas históricas. Esse “desenvolvimento desigual e combinado” seria motivado
pelas circunstâncias e pela sua própria dinâmica, a partir de sua fase burguesa
antifeudal, até sua fase socialista anticapitalista. Nesse processo, transcenderia as
fronteiras geográficas fixadas pelo homem e passaria de sua fase nacional a uma fase
internacional, no rumo da criação de uma sociedade sem classes e sem Estado em escala
global.(...) O estabelecimento de uma sociedade socialista sem classes não pode, de
acordo com o Trotskismo, ocorrer senão por meio de um rompimento revolucionário
com a ordem existente. O Trotskismo rejeita o progressivo caminho parlamentar dos
votos como ilusório; em sua concepção, as classes exploradas não serão capazes de
tomar o poder sem uma luta contra as classes proprietárias, que defenderão sua
dominação econômica. A vitória do proletariado nessa luta de classes terá de ser,
segundo o esquema trotskista, protegida pela criação de uma ditadura do
proletariado””. (Bottomore, 1983: 394-395). Para um aprofundamento dessas reflexões,
ver Campos (1986). Sugerem-se também as obras do próprio Trotsky: “A revolução
permanente”: Ciências Humanas, 1979. “A revolução traída”: Antídoto, 1977.
6
Segundo o dicionário de pensamento marxista de Bottomore (Idem: 231-233), “A
China da década de 1920, quando Mao começou o seu aprendizado da revolução, era, é
claro, um país economicamente muito atrasado significava que, apesar de tudo o que
pudesse dizer sobre a hegemonia do proletariado (ou de sua vanguarda), o partido
comunista tinha de recorrer aos camponeses como a maior força social suscetível de
apoiar a causa revolucionária. (...) sua estrutura de classes era constituída igualmente
por um numero limitado, mas em rápido crescimento, de trabalhadores urbanos e de
empresários chineses, uma “burguesia nacional”, por uma classe pequena, mas
extremamente poderosa, de proprietários de terras, por camponeses (ricos e pobres, com
terra e sem ela) e por uma grande variedade de outras categorias(...) As conseqüências
dessa situação refletem-se nos conceitos de “contradição principal” e de “aspecto
principal da contradição principal”, que desempenham um papel tão grande na
interpretação dada por Mao à dialética. (...). Ele tinha por axiomático que a principal
contradição era a que existia entre o proletariado e a burguesia e que assim continuaria
sendo até que o conflito fosse resolvido pela revolução socialista. Mao, por sua vez,
considerava como sua tarefa prática mais premente determinar, à luz do que lhe parecia
uma análise marxista, onde era possível abrir brechas decisivas, tanto na China como no
mundo. De certa forma, é claro, ele estava simplesmente seguindo uma linha de análise
esboçada pelo próprio Marx e desenvolvida por Lênin (e Stalin), segundo a qual não só
os camponeses, mas outras classes e grupos em uma sociedade pré-capitalista, poderiam
participar da fase democrática da revolução, e o comportamento das diferentes classes
em um determinado país poderia ser afetado pela realidade da dominação estrangeira. O
problema é que Mao sistematizou e desenvolveu essas idéias, delas extraindo
do movimento comunista tradicional e do fato de que a Revolução Cubana foi vista
como uma confirmação de teses defendidas pelos partidários da IV Internacional. Qual
seja, a teoria da revolução permanente compreendida como um processo que conduziria
ao avanço da revolução democrática em uma revolução socialista.
Essas correntes estabeleceram – as vezes - relações de colaboração. A fusão, em
1965, do grupo castrista e trotskista no PRT - que constituiu a seção Argentina da IV
internacional entre 1969 e 1973 -, foi exemplo disso na Argentina.
A relação Guevarismo-Maoismo, por sua vez, foi conflituosa na maioria das
vezes. A expressões maoístas propunham um retorno à política ofensiva do tempo da
Guerra Fria (1949 – 1953) e à tentativa de aplicar a estratégia do P.C. Chinês. Seguindo
o exemplo chinês propunha um “bloco de quatro classes” e o estabelecimento de um
governo revolucionário pela guerra popular. Uma revolução antiimperialista e
anticapitalista. O Partido Comunista Marxista-Leninista (P.C.M.L.) da Bolívia se
recusou a apoiar Che Guevara em 1967, o que gerou um confronto entre o Maoismo e o
Guevarismo no continente.
A corrente maoísta vai entrar em crise no continente como resultado da política
exterior da China nos anos ’70 do século passado, particularmente na sua aproximação
aos Estados Unidos e a sua ambigüidade diante de Pinochet no Chile.
Então, após 1960, o Guevarismo, o Trotskismo e o Maoismo enfrentaram um
grande desafio pela hegemonia dos partidos comunistas.
Nem o surto revolucionário na América Central (Cf. Löwy, 2003: 58) nem a
formação de novos movimentos operários populares no Brasil podem ser
conclusões filosóficas às quais atribuía validade geral. Pode-se argumentar que foi essa
dimensão de sua abordagem da revolução, juntamente com a sua concepção de que a
prática era primordial e a teoria secundária, que levou a uma o grande variedade de
interpretações, por vezes categoricamente opostas, do homem e de seus ideais”.
compreendidos sem a consideração de um fenômeno novo e inesperado, a radicalização
de amplos setores cristãos e a sua atração pelo marxismo, a partir do Concilio Vaticano
II. Segundo alguns autores como Gutierrez, citado na obra de Löwy, a proposta da
Teologia da Libertação apresentava-se mais radical do que os Partidos Comunistas
latino-americanos naquele período. Assim, a teologia da libertação é produto dessa
abertura da Igreja Católica.
Inicia-se (Cf. Portantiero, 1989: 339) então - para o socialismo latino-
americano um novo momento histórico. Ele vai aparecer marcado pela influencia do
castrismo como fusão ideológica de nacionalismo e socialismo, que sintetizava décadas
de histórias paralelas, e influenciado também pelo guevarismo enquanto inspiração de
ação política.
Continuando com o raciocínio do autor, além da Revolução Cubana,
“A crise cada vez mais aguda do movimento comunista
internacional provocará importantes efeitos, sobretudo a partir
do cisma chinês e da virada maoísta para a ‘revolução cultural’,
e, em alguns paises, como Argentina, através da difusão do
pensamento Gramsciano. Nos inícios dos anos ’70, por outro
lado, e em meio de uma segunda onda de ascensão
“guerrilheira”, chegara a seu apogeu no Chile uma outra versão
do crescimento do socialismo: a vitória eleitoral de Salvador
Allende, como prolongamento tardio da linha do VII congresso
do Comitern, que os partidos comunistas ortodoxos jamais
haviam abandonado”. (Idem: 340)
O autor vai colocar que aquela vontade de “latinoamericanizar“ o socialismo, na
geração de uma revolução continental não teria encontrado sucesso por ter considerado
a América Latina como uma unidade.
Essa onda revolucionária esteve presente em quase todos os paises do
subcontinente. A bibliografia consultada revela a derrota dessa primeira onda
revolucionária na segunda metade dos anos ’60, colocando como baliza disso a captura
e assassinato de Che Guevara em 1967.
É interessante, a partir destas reflexões, chamar a atenção para o lugar que o
processo de Reconceituação teve em Cuba. Segundo o artigo da Assistente Social
cubana Odalys González Jubán, que é parte do citado livro de Alayón (2005), Cuba não
teve participação nesse processo. Certamente ao tempo em que aquele processo se
estendia pela América Latina, a Revolução estava triunfando nesse país e as
inquietações que mobilizavam os profissionais do Serviço Social no subcontinente, em
termos de mudança social, mostravam signos de realidade naquele país. Apesar disso, a
autora citada coloca o fato de ter se gerado – com o triunfo da revolução – (Cf.
González Jubán, in Alayón, 2005: 144) uma concepção idealista na população que
acreditava que problemas sociais, como a pobreza, seriam erradicados. A autora
apresenta como dificuldade no desenvolvimento do Serviço Social Cubano o fato da não
re-abertura do curso de Serviço Social após o fechamento e posterior re-abertura das
Universidades e acrescenta avaliando o desenvolvimento do serviço social desde os
anos ’50 do século passado - que o Serviço Social não foi considerado uma profissão
necessária. Considera-se que o raciocínio é coerente com o movimento histórico de um
país onde triunfava a Revolução na direção de uma sociedade sem classes.
As afirmações feitas no parágrafo anterior devem ser cuidadosamente tratadas
para evitar uma compreensão que nos leve ao risco de fazer uma leitura reducionista
desse processo. Isto é, o fato de estarmos colocando algumas interrogações no que diz
respeito ao processo cubano e pontualmente o lugar da profissão de Serviço Social
nesse processo não deve, de forma alguma, ser entendido em termos da eliminação da
profissão como produto desse processo. Ou seja, a sociedade sem classes na qual o
Serviço Social não faria sentido, não pode ser reduzida à experiência de um país e,
menos ainda, em um processo de transição pós-revolução. Feita essa aclaração, é
possível pensar que foi a particularidade daquele processo que imprimiu uma trajetória
diferente ao Serviço Social da Ilha. Tentemos compreender as nossas interrogações a
partir das contribuições de Marx e Engels na Ideologia Alemã (1979: 72). Segundo os
autores, as idéias da classe dominante são em cada época as idéias dominantes “(...) isto
é, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força
espiritual dominante” (Ibidem). Nessa lógica, a classe que tem a sua disposição os
meios de produção material, tem também a sua disposição os meios de produção
espiritual “o que faz com que a ela sejam submetidas e em média, às idéias daqueles aos
quais faltam os meios de produção espiritual” (Ibidem). E ainda mais:
“As idéias dominantes nada mais são do que a expressão ideal
das relações materiais dominantes, as relações materiais
dominantes concebidas como idéias; portanto, a expressão das
relações que tornam uma classe a classe dominante; portanto, as
idéias de sua dominação” (Ibidem).
Entendemos seguindo a Iamamoto - que o Serviço Social, como profissão
inserida na divisão social e técnica do trabalho, participa na legitimação do poder dos
grupos e/ ou frações de classe dominante que controlam o aparelho estatal, através da
implementação de políticas sociais especificas. Isto é, a profissão não se insere de forma
imediata no processo de produção de produtos e de valor, ou seja, no processo de
valorização do capital (Cf. Iamamoto, 2000: 111), e continuando na lógica da autora,
“O modo capitalista de produzir supõe, pois, um ‘modo
capitalista de pensar’, que expressa a ideologia dominante, na
sua força e nas suas ambigüidades. Esse modo de pensar
necessário à ‘reelaboração das bases de sustentação
ideológicas e sociais do capitalismo’, é retriado [sic] a partir
do modo de produzir a riqueza material, da reprodução do modo
de vida instituído pelo capital. A economia capitalista, quando
comparada a períodos históricos anteriores, prescinde de laços
extra-econômicos de dependência pessoal, já que a própria lei da
oferta e procura estabelece uma dinâmica ‘natural’ às relações
econômico-sociais. Porém, não prescinde de novas formas de
controle social que garantam e fortaleçam o ‘consensus’ social.
É indispensável um mínimo de unidade na aceitação da ordem
do capital pelos membros da sociedade, para que ele sobreviva e
se renove. Uma vez que não existe sociedade baseada na pura
violência, é necessário recorrer à mobilização de outros
mecanismos normativos e adaptadores que facilitem a
integração social dos cidadãos e a redução do nível de tensão
que permeia as relações antagônicas. A burguesia tem no
Estado, enquanto órgão de dominação de classe por excelência,
o aparato privilegiado no exercício do controle social, embora
não se esgote, abarcando as instituições da sociedade civil.
Porém, o controle social, não se reduz ao controle
governamental e institucional. É exercido, também, através de
relações diretas, expressando o poder de influencia de
determinados agentes sociais sobre o cotidiano de vida dos
indivíduos, reforçando a internalização de normas e
comportamentos legitimados socialmente. Entre esses agentes
institucionais encontra-se o profissional do Serviço Social”
(Iamamoto, 2000: 106-108).
Assim, parece necessário colocar a interrogação no que diz respeito ao lugar da
profissão em um cenário onde estava triunfando um processo no qual as relações
materiais dominantes estavam mudando radicalmente na direção de uma sociedade sem
classes. Esse ganho revolucionário que é colocado como um acontecimento que abria
um novo cenário político e social para América Latina, que abria um horizonte novo
apresentando possibilidades de mudanças radicais e que teve uma influencia
considerável nos avanços e retrocessos do Serviço social latino-americano, abriu – pelas
mesmas razões um novo cenário com novos desafios para o Serviço Social Cubano
que daria conta da inexistência de um processo de Reconceituação da profissão nesse
país como se conheceu em quase todos os outros paises da região.
Esse cenário político-social que a Revolução Cubana abriu para o subcontinente
latino-americano apresentava-se como um grande perigo para os interesses do
imperialismo, razão pela qual a resposta norte-americana não tardou em chegar. A
Aliança para o progresso constituiu a resposta dos Estados Unidos em face do perigo de
“exportação” da experiência cubana para outros paises da região. Tratou-se de uma
estratégia tendente a garantir a ordem no “quintal” dos Estados Unidos. Essa resposta de
claro caráter econômico-político foi apresentada em termos de projeto técnico. Em
termos de “contribuições” ou sugestões” técnicas que acompanhavam uma proposta de
oferta de créditos que, juntamente com essas tais sugestões técnicas”, permitiriam o
desenvolvimento da região. No discurso pronunciado por Che Guevara na sessão
plenária do Conselho Interamericano econômico e social, pronunciado em 8 de agosto
de 1961 no Uruguai
7
, é possível encontrar uma minuciosa análise da realidade da
região, do significado da Revolução Cubana nos caminhos do Subcontinente, como
também do sentido daquela Conferencia e dos objetivos da Aliança para o Progresso
como estratégia tendente ao isolamento de Cuba e o disciplinamento dos restantes
paises que conformam o nomeado “quintal” do império. Em termos de Guevara:
“Disse Fidel Castro, com motivo da conferência de Costa Rica,
que os Estados Unidos tinham ido ‘com uma sacola de ouro em
uma mão e um capacete na outra’. Hoje, aqui, os Estados
Unidos vieram com uma sacola de ouro -afortunadamente maior
- em uma mão, e a barreira para isolar Cuba na outra. É, de
qualquer maneira, um ganho das circunstâncias históricas”
(Discurso de Guevara, Op. Cit., tradução nossa).
No percurso do discurso todo, Guevara mostra que trata-se de uma estratégia
que des-economiza e des-politiza o problema do desenvolvimento/ subdesenvolvimento
da região, e denuncia o fato de que aquele Conselho, mesmo se apresentando como um
conselho Técnico”, encobre um claro caráter econômico-político. O documento
denuncia com clareza a preocupação central dos Estados Unidos em termos da
necessidade de que os países de América Latina entrem em um processo de
crescimento, processo que evitaria o “perigo” de um fenômeno chamado "castrismo",
fenômeno que constituía um dos maiores riscos para o país do norte. Dizia Che Guevara
no discurso citado:
7
Disponível em: www.marxists.org.
“Temos denunciado que a «Aliança para o Progresso» é um
veículo destinado a separar o povo de Cuba dos outros povos de
América Latina, a esterilizar o exemplo da Revolução cubana, e,
depois, domesticar os outros povos segundo as indicações do
imperialismo” (Tradução nossa).
Se a partir do assassinato de Guevara em 1967 teria se fechado uma primeira
onda revolucionária, nos anos ’70 do século XX, teria se gestado uma outra onda
revolucionária com a volta para a luta armada. Essa segunda onda teria apresentado
características diferentes das do momento histórico anterior. Em primeiro lugar
produziu-se um deslocamento desde o ponto de vista geográfico, quer dizer, o centro da
cena teria se deslocado do norte da América Latina para o Cone Sul,
“(...) para os paises relativamente mais desenvolvidos (Brasil,
Argentina, Uruguai e Chile), e, metodologicamente, por causa
das características dessas sociedades o tipo de organização se
modificará: os novos grupos insurgentes (PRT-ERP na,
Argentina; ALM, no Brasil; Tupamaros, no Uruguai; e MIR, no
Chile) desenvolverão uma estratégia predominantemente
urbana”. (Portantiero, 1989:346).
Aqueles grupos insurgentes a que o autor faz menção na citação anterior, no
contexto urbano, vinculam-se fundamentalmente - ao movimento operário e
estudantil. Esses movimentos vão apresentar, com a influência do maio francês de 1968,
uma modalidade de luta que vai além das reclamações vinculadas somente à questão
salarial, quer dizer, em muitas dessas lutas coloca-se com clareza uma perspectiva
classista.
Em parágrafos anteriores se chamou a atenção sobre as dificuldades que
apresenta o fato de pensar a realidade latino-americana como uma unidade ou região
homogênea
8
. Por essa razão o momento histórico no subcontinente nos anos ’70 do
século passado apresentou particularidades. No caso particular de Argentina, significou
uma radicalização do antigo “movimento populista”que, segundo Portantiero, vai
combinar “a revolta operária guiada pelos sindicalistas, o progressismo militar e a
‘tradição populista’ do nacionalismo revolucionário”. (Idem: 348-349). Nos casos do
Uruguai e do Chile, a frente ampla no primeiro e a frente popular no segundo
respondem à aplicação, por parte de alguns partidos comunistas, da estratégia de
oposição proclamada pelo VII Congresso da Internacional.
As sangrentas ditaduras militares espalhadas desde os anos ’60 até meados dos
anos ’80 e inclusive aos noventa, como no caso chileno, foram constitutivas de uma
estratégia do capital nacional e internacional -, da forma que assumiu a dominação
para a remodelação das sociedades latino-americanas em face de uma nova crise de
acumulação. Foi a “inauguração” a nível mundial do que depois amadureceria como a
política neoliberal.
9
Essa afirmação é válida para o processo argentino liderado pelo
8
Para Netto, a unidade potencial da América Latina vincula-se com a luta de classes e a
conformação dos Estados, mas não uma identidade latino-americana. Segundo esse
autor, todos os processos na América Latina apresentam antagonismos similares: as
classes dominantes nacionais e o imperialismo, que no sub-continente está representado
principalmente por EE.UU. Assim, o que daria caráter de unidade à América Latina é
que todos os processos para a organização política e social nos Estados nacionais
encontraram como oposição os mesmos protagonistas. Mas as mediações históricas são
diferentes em cada Estado nacional, o que lhes dá uma base comum: Unidade de
diferenças (“América Latina na dinâmica capitalista contemporânea”. Palestra proferida
no GEAL / ESS. UFRJ. Outubro de 2006).
9
Pensar o modelo neoliberal como estrutural permite observar as respostas que,
segundo Hayek, apresentou em face de diversos problemas vinculados ao poder dos
sindicatos e, de forma geral, do movimento operário, que tinha socavado as bases da
acumulação privada com as suas pressões reivindicativas sobre os salários, para que o
Estado acrescentasse cada vez mais os gastos sociais. A solução, então, foi clara: manter
um Estado forte na sua capacidade de quebrar o poder dos sindicatos e no controle do
dinheiro, mas limitado no inerente aos gastos sociais. Então, foi necessária uma
disciplina orçamentária, com a limitação do gasto social e a restauração de uma taxa
“natural” de desemprego, ou seja, a criação de um exército industrial de reserva para
quebrar os sindicatos. Foram necessárias, também, reformas fiscais para incentivar os
ministro de economia da ditadura José Martinez de Oz e para o caso paradigmático do
Chile. O resto dos paises apresenta particularidades neste sentido.
Seguindo as análises de Agustín Cuevas (1983), o panorama da América Latina
na segunda metade dos anos setenta do século passado se apresentava como um cenário
nada alentador. A conjuntura política da América Latina é apresentada pelo autor nos
termos da citação seguinte:
“A ditadura militar do país mais importante do subcontinente, o
Brasil, parecia estar plenamente consolidada, ao cabo de mais de
doze anos de exercício do poder, e dotada de uma grande
capacidade de expansão em todos os sentidos. Na Bolívia, país
tradicionalmente turbulento, a ditadura de Banzer parecia ter
imposto, ‘por fim’, uma estável ordem pró-imperialista .
Uruguai e Chile sofriam, por sua parte, os mais rigorosos efeitos
dos regimes fascistas instaurados desde 1973; enquanto na
Argentina o governo da Sra. Estela Martinez de Perón se
desmoronava, dando lugar à rrea ditadura do General Videla.
Subjugado pela tirania de Stroesser desde 1954, o Paraguai não
fazia mais que corroborar o trágico quadro do Cone Sul latino-
americano (...) Esgotado no plano político, afetado por uma
aguda crise econômica e tendo inclusive seu líder histórico
fisicamente extenuado, o processo nacionalista e reformista do
agentes econômicos. Em outras palavras, significava reduções de impostos sobre as
atividades mais lucrativas e sobre as rendas. Assim, uma nova e saudável
desigualdade voltaria a dinamizar as economias avançadas, prejudicadas pela
estagflação (estancamento econômico com inflação). Isto significou uma forte
propaganda ideológica anti-estatista, privatista e de incentivo do medo à inflação e a
necessidade da estabilidade, ainda sobre grandes custos sociais. Anderson coloca os
resultados do neoliberalismo em três esferas: 1) Político-ideológico: logrou, com êxito
debilitar os sindicatos e as organizações da classe trabalhadora e constituiu-se como
modelo único, como única alternativa possível, para o senso comum da maioria da
população e também para partidos social-democratas que foram em muitos casos os
responsáveis pela implementação dessas políticas. Gerou individualismo e
despolitização como resultados buscados. 2) Social: êxito, na expansão e
aprofundamento da desigualdade e o desemprego. Foi um êxito porque não são
conseqüências o desejadas do projeto neoliberal, são objetivos dele. 3) Econômico
com um objetivo histórico: a reanimação do capitalismo avançado, sustentada em um
discurso que colocava a possibilidade de restauração das altas taxas de crescimento
estável próprias da onda expansiva dos ‘50 e ’60 (Cf. Anderson, 1999). Um debate
acabado sobre o neoliberalismo excede as possibilidades da presente dissertação. Nossa
intenção limita-se a colocar os pontos centrais que dão conta do significado da política
neoliberal.
Peru encerrava sua fase progressita em 1973, com a substituição
de Velazco Alvarado pelo general Morales Bermúdez. Quase
simultaneamente, no Equador, outra experiência militar
nacionalista, a do General Rodriguez Lara, expirava vitima das
suas próprias contradições: em janeiro de 1976, assumia o poder
o almirante Poveda Burbano, assinalando uma clara virada para
a direita” (Cuevas, 1983: 13)
O próprio Cuevas (Idem: 14 e ss.) continua apresentando esse panorama aberto
para a região assinalando a situação da Venezuela como uma situação de exceção onde
se desenvolvia uma forma democrático-burguesa de governo. A situação na América
Central não era diferente; no entanto, a Costa Rica tinha conseguido manter o seu
regime democrático, a Nicarágua continuava sob o regime do ditador Somoza e
Honduras encontrava-se fazendo um giro à direita após um período com matizes
progressistas que se estendeu até 1975. Quanto a situação de El Salvador e da
Guatemala, é quase desnecessário comentar: ditaduras ‘eleitas por sufrágio universal’ e
a repressão terrorista na ordem do dia” (Ibidem). A situação do Caribe apresentava a
particularidade de Cuba com a consolidação econômica e política do seu processo de
transição ao socialismo, mas esse regime continuava isolado no contexto universal.
Segundo Cuevas, no resto das Antilhas o panorama encontrava-se longe de mostrar
sinais alentadores.
“Como se pode comprovar através deste breve relato histórico, a
América Latina e o Caribe chegaram a formar uma área em que
a pax imperialista parecia ter-se imposto plenamente,
assegurando a estabilidade do ‘quintal’ estadunidense. O Sr.
Kissinger havia cumprido cabalmente sua missão e o ‘gorilismo’
crioulo também podia orgulhar-se do seu trabalho. O triunfo da
contra-revolução era um fato consumado em nove cimos da
região. E sobre essa base política, que significou uma
substancial alteração da correlação de forças existente no inicio
da década de ’70, o grande capital estava em condições de levar
adiante o reordenamento da economia latino-americana em
função da nova fase, de crise e de reacomodação, em que havia
entrado todo o sistema capitalista mundial ” (Cuevas, 1983:14).
É necessário salientar – acompanhando o raciocínio de Cuevas (1983: 15 e ss.)
que no contexto descrito o nosso subcontinente oferecia certos incentivos que eram de
interesse para o capital transnacional. Isto é, a região contava com uma o de obra
altamente desenvolvida, por causa da sua experiência no período da industrialização
anterior e de baixo custo. A América Latina oferecia uma estrutura viária e portuária
importante, um mercado interno desenvolvido e oferecia, também, a existência de
matérias primas, dentre as quais incluía recursos naturais e energéticos baratos.
“Trata-se de um desenvolvimento relativamente importante do
capitalismo que, em sua extrema complexidade, por um lado,
não deixava de aguçar uma série de contradições no processo de
acumulação de capital e, por outro, gerava simultaneamente uma
série de novas forças sociais empenhadas em articular projetos
alternativos de desenvolvimento para as sociedades latino-
americanas. Em muitos casos esses projetos apresentavam não
só direções progressistas como também trajetórias com objetivos
revolucionários” (Cuevas, 1983: 16).
Houve um importante crescimento da classe operária, tanto em termos
quantitativos, por causa do próprio desenvolvimento capitalista a que a citação anterior
faz referência, quanto em termos qualitativos; a raiz da capitalização de experiências e
triunfos reais como a Revolução Cubana em 1959 e o triunfo boliviano de 1952. Essa
realidade permitiu uma radicalização dos setores populares da região, que deu lugar as
mais diversas formas de luta a partir dos anos ’60 do século passado, situação que
converteu o subcontinente em um “perigo” constante para o imperialismo.
As respostas imperialistas em face desse “perigo” vão adquirindo novas formas
no devir do processo histórico. Já foi apresentada – em parágrafos anteriores – a Aliança
Para o Progresso como resposta ao “perigo” de empalhação do “exemplo” da Revolução
Cubana nos primeiros anos da década de sessenta. A resposta reacionária em face dessa
segunda onda revolucionária situada nos anos setenta do século XX, adquiriu a forma de
férreas ditaduras militares.
“(...) tal resposta, por exitosa que pudesse parecer, era em si
mesma uma faca de dois gumes: de imediato, diminuía e
desarticulava determinadas forças sociais portadoras de projetos
transformadores, conjurando momentaneamente o “perigo
iminente”, mas tal ‘conjuro’ estava muito longe de constituir
uma solução definitiva. Ao não modificar em um sentido
‘descompressor’ a base estrutural geradora deste acúmulo
explosivo de contradições e, aliás, agindo ao contrário - , a
própria repressão passava a converter-se em mais um elemento
de exasperação dessas mesmas contradições” (Cuevas, 1983:
16-17).
Cuevas continua a sua análise mostrando a forma em que esse contexto foi
compreendido pelo império e como a política de Carter “em favor dos direitos
humanos” constituiu uma resposta nessa direção.
“(...) em síntese não passava de uma inútil tentativa de
recuperação da hegemonia ideológica perdida pelo capitalismo
no ultimo período. Tratava-se, para o caso de América Latina,
de abrir uma lvula de escape, incentivando formulas de
mudanças governamentais capazes de apresentar uma fachada
democrática e civil, que tornasse menos explícita e odiosa a
dominação burguesa imperialista, sobretudo onde esta havia
posto a descoberto sua fase mais terrorista. Se com a política
Kissingeriana a repressão estivera na ordem do dia, agora, com a
política de Carter , parecia que ingressávamos na fase de
construção de um ‘consenso’ Assim foram concebidas as coisas;
mas ocorre que a história tem sua densidade objetiva. Os dois
ingredientes inerentes a toda dominação burguesa isto é, a
violência física e a manipulação ideológica não podem ser
dosados à vontade em qualquer ponto do sistema, pois o índice
de predomínio de um ou outro elemento corresponde a uma lei
estrita: a do desenvolvimento desigual das contradições do
capitalismo. A democracia burguesa como forma de dominação
sólida e estável – recordemo-lo – não é a superestrutura ‘natural’
do modo de produção capitalista, e sim a modalidade que tal
dominação adquire nos elos mais fortes (ou relativamente fortes)
do sistema, em função de determinadas características nacionais
e internacionais da luta de classes” (idem: 17).
O autor vai colocar a questão de uma contradição entre o “modelo econômico
que o sistema precisava aplicar para reativar seu processo de acumulação e o modelo
político que o próprio sistema requeria idealmente para ‘descongestionar’ a situação”
(Idem: 18).
É possível, nesta lógica, compreender a posição dos setores fascistas da região
que pareciam não entender o fato de que o mesmo imperialismo que havia apoiado a sua
emergência aos fins da realização do “trabalho sujo” em termos de Cuevas agora se
apresentasse sob a bandeira dos “direitos humanos”.
Assim, segundo as colocações do Löwy na obra citada (2003: 61) os finais dos
anos ’80 com a ofensiva neoliberal triunfante, com o impacto nas esquerdas marxistas
latino-americanas em face da queda do Muro de Berlim, o fim da URSS, a derrota
Sandinista e o desarmamento da Guerrilha na América Central, com o sinistro resultado
das ditaduras militares que o reprimiram, mas fizeram desaparecer parte
significativa da massa critica em alguns paises, somado às dificuldades com que Cuba
começou a se defrontar, dariam conta do fim do período aberto pela Revolução Cubana
em 1959 e que atravessou esses diferentes momentos no percurso histórico, segundo
tentamos dar conta no nosso desenvolvimento.
A partir das análises apresentadas até aqui e com o objetivo de avançar na
caracterização histórico-social e política que conforma o cenário de um momento
histórico da profissão de Serviço Social, tentaremos, no ponto seguinte, indicar
voltando a alguns temas já tratados - algumas particularidades do processo argentino.
1.3 Aproximações para situar histórico-socialmente o Processo de Reconceituação
na particularidade da Argentina
Pensemos agora na particularidade nacional da Argentina, situada nesse cenário
que a Revolução cubana abriu para o subcontinente e, tentemos também captar ou
pelo menos problematizar as mediações que permitem essa compreensão como
também as mediações que dão um caráter particular aos caminhos e descaminhos do
marxismo dentro das suas fronteiras nacionais. É nesse cenário e a partir dessas
mediações que acharemos algumas luzes para situar o desenvolvimento do Movimento
de Reconceituação - que teve um papel central nos avanços e retrocessos do percurso da
profissão de Serviço Social na região que teve na Argentina um epicentro importante,
como veremos nos dois próximos capítulos.
A análise que interessa aos fins de compreender o nosso objeto limita-se ao
espaço de tempo entre os anos de 1966 e 1976. Este é um período que começa e acaba
com regimes ditatoriais os quais chegam ao poder com a legitimação do apoio de grande
parte da população, embora com argumentos e características diferentes para cada uma
dessas ditaduras. Dentro dessa década apenas um período de governo democrático,
caracterizado por uma democracia fraca e intermitente.
A ditadura que se inicia em 28 de junho de 1966 na Argentina - que leva ao
poder o General Carlos Onganía após a queda do governo constitucional do Dr. Illia -
gerou grandes expectativas para os grandes empresários, o establishment econômico
com interlocutores no governo militar, e significou o fim da democracia “burguesa”
segundo a ótica de alguns grupos da extrema esquerda. Os partidos Radical, Socialista e
Comunista não apoiaram esse consenso (Cf. Romero, 2006: 160 e ss.).
O período inicial desse novo governo ditatorial significou a dissolução do
parlamento - ficando nas mãos do presidente os dois poderes (executivo e legislativo) -,
a dissolução dos partidos políticos cujos bens foram vendidos e confiscados, situação
que em termos do autor citado - fechou a vida política no país. Esse processo foi
caracterizado pelo próprio governo como uma etapa revolucionária e nomeado como
Revolução Argentina.
“(...) foi criado uma espécie de estado-maior da Presidência,
integrado pelos conselhos de Segurança, Desenvolvimento
econômico e ciência e tecnologia, pois segundo a nova
concepção, o planejamento econômico e a pesquisa cientifica
eram considerados insumos da segurança nacional” (Romero,
2006: 161)
Os setores que tinham apoiado o golpe de Estado compunham um grupo bem
heterogêneo, mas todos eles iam se unir na luta contra o comunismo, repressão que
incluía toda expressão de pensamento critico ou diferente daquele expressado pelo
Poder.
“O alvo principal foi a universidade, vista como o ambiente
típico de infiltração, berço do comunismo, lugar de difusão de
todo tipo de doutrina de dissolução da sociedade, foco da
desordem (...) as manifestações que reivindicavam um
orçamento maior eram um caso de exercício subversivo”
(Ibidem).
De fato, no dia 29 de julho de 1966 as universidades nacionais sofreram uma
intervenção, num ato de repressão contra estudantes e professores que silenciou a
intelectualidade crítica da academia, que tinha se fornecido na década anterior. Num
fato que foi conhecido como “a noite dos capacetes” a policia invadiu algumas
faculdades da Universidade de Buenos Aires espancando alunos e professores.
Instaura-se, assim, um forte processo de militarização das universidades e cria-se
(no mês de abril de 1967) a lei 17.245 que se propunha entre os seus objetivos a
“eliminação do estado de subversão interna”. Nesse sentido, cria-se em 1968 um
Tribunal Acadêmico cuja função estava vinculada a controlar e submeter os professores
relacionados à atividades subversivas”, ou seja, com visões críticas. Implementam-se
dispositivos de negação da universalidade do direito ao acesso à universidade, dentre
eles, a cobrança de taxas para o acesso ao exame.
Esses fatos inscrevem-se em uma lógica geral, vinculada aos programas de
racionalização e planificação dos organismos do Estado com fundos norte-americanos.
A ação repressiva alcançou não a esfera acadêmica e política, mas também
teve atuação na área da cultura e dos novos costumes que eram interpretados como ante-
salas do comunismo, neste sentido a igreja jogou um papel importante. Essa leitura
gozava também de certo consenso social.
O percurso que vem sendo reconstruído até aqui, a partir das contribuições de
Romero (2006), apresenta um cenário onde o inimigo central do novo governo ditatorial
é o comunismo ou a ameaça que ele representa, razão pela qual todo espaço, expressão
ou grupo que faça sentir esse perigo será censurado ou reprimido.
Nesta lógica de análise poder-se-ia compreender que esse novo governo militar
vai se inscrever na linha do ideário desenvolvimentista, na sua versão autoritário-
ditatorial. Esses programas aos quais já se fez referencia em parágrafos anteriores
vinculados à racionalização e planificação dos organismos do Estado com fundos norte-
americanos devem ser compreendidos de maneira articulada com as formas
organizadas de repressão e luta” contra o comunismo, formando parte de uma
estratégia econômico-política orientada á defesa da ordem social vigente.
Considera-se que é nessa lógica na qual deve-se compreender o Serviço Social,
inserido em um processo que exige dele algumas reformulações, pelo menos no inicio
do que depois foi nomeado como Movimento de reconceituação da Profissão. Isto é,
como será desenvolvido no ponto seguinte da presente dissertação, é necessário
compreender a emergência desse movimento inserida na lógica do ideário
desenvolvimentista que no percurso do mesmo processo vai apresentar fragmentações
que geram uma rachadura a qual imprime a tentativa de outra direção naquele processo.
Neste sentido e como fora exposto no ponto anterior a Aliança para o Progresso
constitui uma resposta dos Estados Unidos como estratégia em face do perigo da
emergência de novas revoluções no cenário aberto pela revolução cubana. Então, a
Aliança para o Progresso junto com as teorias desenvolvimentistas da CEPAL,
apresentavam um cenário onde a contribuição técnica” que o Serviço Social podia
oferecer no processo de desenvolvimento era fundamental. Essa estratégia articulada a
ditaduras militares como no caso argentino constituíam uma forte resposta em face
do já mencionado “perigo de surto revolucionário”.
No inicio da ditadura (de 1966), a política econômica não estava muito definida,
mas mesmo assim algumas medidas foram implementadas: redução de pessoal nas
empresas publicas e mudanças nas condições de trabalho foram impostas com o
objetivo de reduzir os custos. Essas medidas geraram conflito que foi fortemente
reprimido. Com a cena política fechada pela proscrição do peronismo e a repressão ao
sindicalismo, o movimento foi derrotado e o governo tinha gerado, assim, as suas
próprias condições para avançar na re-estruturação econômica e social sem oposição.
“Todas as esferas de expressão das tensões da sociedade , e
também as suas opiniões, tinham sido silenciadas. Assim, o
governo podia criar políticas com tranqüilidade, sem presa a
revolução não tem prazos, dizia-se – e com um instrumento
estatal poderoso nas mãos” (Romero, 2006: 162).
Os seis primeiros meses do governo Onganía se apresentaram –segundo o estudo
do autor (Idem: 163) sem um rumo muito claro, direcionado por uma equipe social-
cristã e longe das expectativas do establishment.
Chegando aos finais do ano 1966, a designação de Julio Alsogaray como
comandante-chefe do exército e de Krieger Vasena como ministro de economia e
trabalho ambos vinculados a grupos empresariais e a organismos internacionais
constituiu uma decisão favorável para os grupos liberais.
no ano de 1967 o novo ministro da economia vai propor a superação da crise
cíclica tentando, a longo prazo, racionalizar o funcionamento de toda a economia. Para
isso contava com as ferramentas de um Estado intervencionista. Recorreu à autoridade
estatal para a regulação da economia, congelou os salários por um prazo de dois anos e
suspendeu as negociações coletivas. Essas ultimas medidas foram possíveis pelo fato de
o governo ter submetido os sindicatos. Efetuaram-se acordos de preços com as
principais empresas. O déficit fiscal foi reduzido a partir da “racionalização” de pessoal,
de uma rigorosa arrecadação, de uma desvalorização de 40% e da cobrança de um
percentual similar sobre exportações agrárias.
Conseguiu-se a estabilidade cambial e em 1969 a inflação foi reduzida
drasticamente. Os investimentos estatais e as obras públicas na época foram
consideráveis. Foram tomados empréstimos do FMI. O PIB cresceu e o desemprego se
manteve relativamente baixo apesar do desemprego gerado pela re-estruturação estatal.
Os investimentos mencionados no parágrafo anterior foram concentrados nas
obras publicas, o investimento privado foi inexistente, por isso – segundo o autor
consultado (Idem: 164) - por volta de 1969 o crescimento parecia alcançar o seu limite.
O setor estrangeiro viu-se fortemente beneficiado por um processo de desnacionalização
da economia, pela compra das empresas nacionais por parte das empresas estrangeiras.
Os setores mais prejudicados foram: o setor rural pelos altos impostos sobre as
exportações; os setores empresariais nacionais pela falta de proteção e a
desnacionalização e as economias provinciais pelo fim das proteções.
“(...) tratava-se de um projeto próprio e específico da alta
burguesia, que podia ser proposto nessas circunstâncias
sociais e políticas. Apoiados pelos que gostavam de se chamar
de liberais, na verdade, era uma política que apesar de reduzir as
funções do Estado de Bem-Estar, conservava e ainda expandia
as do Estado intervencionista . Nem os empresários queriam
renunciar a essa poderosa alavanca, nem os militares teriam
aceitado a perda de importância das partes do Estado com as
quais se identificavam com mais facilidade: as empresas
militares orientadas de uma maneira ou outra à defesa, e as
próprias empresas estatais, que eles com freqüência eram
chamados a administrar. Nesses anos, a expansão do Estado
parecia perfeitamente funcional com a reestruturação do
capitalismo, mas provavelmente seus beneficiários sabiam dos
perigos em potencial de conservar uma ferramenta tão poderosa
em atividade” (Idem: 165).
Poder-se-ia dizer que no ano de 1968 vai ter inicio um processo que
anunciaria o fim da suposta paz. Nesse ano a CGT dos argentinos (que era a linha
ativista) promoveu um protesto que foi controlado pelo governo através de
favorecimentos e ameaças. Esse protesto conseguiu reunir grupos antagônicos, entre
eles, um denominado participacionista que estava disposto a aceitar as regras do jogo do
regime, ou seja, assumir a função de expressão corporativa, ordenada e despolitizada do
setor trabalhista.
Achava-se que terminada a re-estruturação econômica poder-se-ia passar para a
social com o apoio da CGT (Confederação Geral do Trabalho) domesticada, mas os
protestos eram crescentes. Os setores rural e empresarial nacional achavam que era
possível um desenvolvimento mais “nacional, popular e justo”. Em meados de 1968 o
comandante-chefe do exercito é substituído por outro menos definido do que o anterior
que era claramente liberal. O establishment vai criticar o excessivo autoritarismo do
General Onganía e vai começar a pensar numa saída política.
No ano de 1969 na cidade de Córdoba (capital do estado do mesmo nome) teve
lugar um fato histórico que foi conhecido como Cordobazo
10
. A data exata dos
acontecimentos foi o dia 29 de maio daquele ano, fato precedido por diferentes protestos
universitários e agitação sindical. A cidade de Córdoba era centro de uma concentração
industrial automotriz importante e sede de uma das universidades mais importantes do
país, condição que fez possível a confluência da militância estudantil e operária. A CGT
convocou para uma greve geral. A repressão policial foi a resposta oficial e produziram-
se violentos enfrentamentos. Segundo Romero (2006: 166-167), aqueles acontecimentos
constituíram um protesto espontâneo que não apresentava reivindicações nem
organizadores. Assim, os sindicatos, os partidos e os centros acadêmicos das
universidade foram pegos de surpresa. no dia 31 de maio a ordem tinha sido re-
estabelecida com um saldo de 20-30 mortos, 500 pessoas feridas e 300 presas. Um
conselho de guerra condenou dirigentes sindicais como responsáveis daquele fato, entre
eles o sindicalista Agustín Tosco.
É necessário resgatar a trajetória da profissão de Serviço Social nesse contexto,
cujo devir conta de um processo de avanços e retrocessos no interior da profissão-
que acompanhou esse movimento histórico. Se pensarmos no percurso do Movimento
de Reconceituação em termos gerais, essas mudanças a que fazemos referência na
trajetória histórica argentina constituem o cenário no qual o mencionado processo da
profissão começa a apresentar uma rachadura com o momento anterior que no nosso
raciocínio estava vinculado ao ideário desenvolvimentista-. Isto é, o novo cenário
10
Deve-se chamar a atenção para a compreensão desses acontecimentos sob influencia
do Maio francês.
apresenta os limites da resposta desenvolvimentista e, em conseqüência, os próprios
limites da estratégia Aliança para o Progresso. Esse panorama exige, como
desenvolveremos no ponto seguinte uma redefinição, uma critica, uma nova direção
no Processo de Reconceituação da profissão.
Os acontecimentos que caracterizam esse novo cenário deram lugar a uma onda
de mobilização que se estendeu até 1975. A partir daí o inimigo tinha sido identificado
na figura do poder ditatorial, que encarnava a presença multiforme do capital. Nesse
contexto se gerou uma nova atividade sindical que ultrapassava os limites da burocracia
sindical.
O ano de 1972 é colocado pelo autor como o momento da chegada dessa
mobilização na área metropolitana de Buenos Aires, que até aquele momento tinha sido
controlada pela burocracia sindical, a qual vinha sendo questionada. Nessas condições,
parecia possível passar de reivindicações concretas a um questionamento mais amplo
das relações sociais e da propriedade. A capacidade de mobilização vai gerar uma ão
sindical que assume o caráter da intervenção ativa e concreta, como invasão de fabricas
e tomada de reféns. O fenômeno iniciado em Córdoba se deslocou e aconteceu assim o
Rosariazo (cidade do estado de Santa Fé) e movimentos similares na cidade de Cipolleti
no sul do país.
Por volta dos anos de 1971-1972 a mobilização chegou a gerar uma agitação
rural principalmente no norte do país, aonde as ligas de camponeses protestam pelos
baixos preços do algodão e da erva mate. Somam-se protestos nos subúrbios das
grandes cidades e favelas e o descontentamento com o poder ditatorial foi se estendendo
para todos os ramos, até chegar ao empresariado nacional. A ditadura e os grupos que a
apoiavam foram identificados como os responsáveis pelos males da sociedade e se
enfrentaram assim com o povo em irmandade solidária.
“(...), pois toda a realidade parecia transparente e pronta para ser
transformada por homens e mulheres que seguiram o caminho
entre reivindicações imediatas e a imaginação de mundos
diferentes. Quais eram esses mundos e como se chegava a eles
eram questões que começavam a ser discutidas em outras
esferas.”(Idem:169).
Claro que essa onda de mobilização, de reivindicação e luta não foi um
fenômeno que aconteceu na Argentina de forma isolada, o mundo todo dava sinais de
acontecimentos nesse sentido.
“Os grandes acordos sociais que tinham regido o amplo ciclo de
prosperidade posterior à Segunda Guerra Mundial estavam-se
esgotando, como se podia ver na onda de descontentamento que
percorria a sociedade, e principalmente na revolta do grupo mais
sensível, os estudantes. Isso se manifestou em Praga, no México
ou em Berkeley, e teve o seu auge em Paris, em maio de 1968,
quando jovens bradaram contra o autoritarismo e a favor do
poder da imaginação. (...) Imperialismo - cambaleava diante
da onda de movimentos de emancipação” (Ibidem).
No que diz respeito á situação particular da América Latina no seu conjunto,
Romero faz as seguintes afirmações:
“Na América Latina, onde as perspectivas da aliança para o
progresso e o apoio as democracias tinham sido definitivamente
arquivados, os campos estavam bem delimitados. Se para o
poder autoritário, o desenvolvimento era um fruto da segurança
nacional,para aqueles que o enfrentavam a única alternativa à
dependência era a revolução, que levaria à libertação” (Idem:
170).
Como fora dito, Cuba constituía um claro exemplo e a ação de Che Guevara
mostrou as possibilidades e limites do enfoque revolucionário e segundo Romero - a
sua morte se converteu em símbolo para aqueles que lutavam pela libertação.
As guerrilhas urbanas de Brasil e Uruguai (tupamaros), os partidos marxistas
que levaram Allende ao poder pela via eleitoral no Chile e militares nacionalistas na
Bolívia e no Peru se alinhavam unidos pelo inimigo comum.
A igreja católica, historicamente oligárquica e tradicional, também se posicionou
neste processo. As mudanças promovidas pelo Papa João XXIII, o Concilio Vaticano II,
permitiram-lhe uma leitura singular.
Em 1967 os bispos do Terceiro Mundo pronunciaram a preocupação, não
apenas espiritual, mas real, pelos pobres, numa leitura – liderados pelo brasileiro Helder
Câmara - do significado do comprometimento e a reforma social. A Conferência
episcopal latino-americana de Medellín em 1968 que promovera uma teologia da
libertação fazia uma leitura no que diz respeito à compreensão da violência de baixo”
como conseqüência da violência “de cima”. Ou seja, a compreensão da “injustiça
social” como expressão de violência.
No caso particular da Argentina, os Sacerdotes do Terceiro Mundo promoveram
em 1968 - reivindicações e ações de protesto em favelas e assim segundo Romero
(Idem: 170-171) - a linguagem evangélica foi se tornando política.
Nesta lógica, a igreja, na sua leitura, compreendia o Povo como “os pobres e
marginais” e aparecia, assim, uma diferenciação das organizações classistas segundo as
quais o Povo era compreendido no marco dos trabalhadores assalariados.
Essa compreensão da igreja vinculou-a com o peronismo. Deu-se um processo
de politização de jovens de escolas católicas, educados no nacionalismo católico.
Mesmo assim, a igreja manteve aproximações com a esquerda o que permitia um
diálogo entre cristãos e marxistas.
Neste contexto seguindo com o raciocínio do autor - o peronismo constituía
uma forte atração; Perón, no exílio, fez movimentos para se adaptar à nova situação
histórico-social do país, abrindo assim múltiplos discursos que atingiam o catolicismo, o
nacionalismo, o revisionismo histórico e a esquerda.
É evidente que a análise do processo histórico argentino nos introduz em um
fenômeno altamente complexo, mas que se apresenta como iniludível para compreender
as mediações que explicam o processo desse país. Estamos nos referindo ao fenômeno
peronista. Atendendo essa complexidade e nos marcos de um trabalho das
características do presente, não temos a pretensão de esgotar a análise desse processo.
Tentaremos formular algumas interrogações e sistematizar algumas contribuições que
nos permitam nos aproximar a esse debate, isto é, colocar algumas determinações como
insumo para um futuro estudo aprofundado das suas mediações para o caso do Serviço
Social na Argentina.
Em primeiro lugar é necessário fazer uma leitura desse fenômeno nos termos
apresentados por Julio Parra:
“Nós acreditamos que o peronismo foi um movimento histórico
que tentou um projeto de desenvolvimento capitalista
independente, através de um governo bonapartista que
controlasse a classe operária para se apoiar nela” ( Parra, in: De
Santis, 2004: 20, tradução nossa).
O autor desenvolve uma fundamentação do fenômeno peronista a partir das
contribuições de Marx em “O XVIII Brumario de Luis Bonaparte”
11
. Isto é, apresenta o
peronismo direcionando um processo de ‘reacomodação’ do próprio sistema capitalista
em face de uma crise das velhas estruturas do sistema, mas, que em um processo no
qual a classe operaria ainda não conseguiu constituir o seu próprio partido por causa de
uma imaturidade que diz respeito ao seu processo histórico, a saída não pode ser a
revolução e sim essa mencionada ‘reacomodação’ no interior da ordem capitalista.
Desta forma, Perón vai apresentar um ‘projeto bonapartista’ se apoiando no proletariado
que lhe dará legitimidade -, em uma tentativa de desenvolvimento burguês nacional
independente, que as próprias condições do cenário internacional – marcado pelo fim da
Segunda Guerra Mundial faziam possível, mas sem assumir a representação de
nenhuma fração da burguesia em particular. Considera-se que o seguinte depoimento de
Perón, tomado de Parra é esclarecedor neste aspecto:
“’Se tem dito, senhores, que sou um inimigo dos capitais e se
vocês observarem o que acabo de dizer, não encontraram
nenhum defensor, diríamos, mais decidido do que eu, porque sei
que a defesa dos interesses dos homens de negócios, dos
industrias, dos comerciantes, é a defesa mesma do Estado’ (...)
‘Eu sou feito na disciplina. tinta e cinco anos que exercito e
faço exercitar a disciplina e durante esses anos tenho apreendido
que a disciplina tem uma base fundamental: a justiça’ (...) ‘Por
isso acredito que se eu fosse dono de uma fabrica, não me
custaria ganhar o afeto dos meus operários com um seguro
social realizado com inteligência. Muitas vezes isso se consegue
com o medico que vai na casa do operário que tem um filho
doente, com um pequeno presente em um dia particular, o patrão
que passa e da uma palmada amavelmente nos seus homens e
lhes fala, assim como nós fazemos com nossos soldados’”
(Parra, in: De Santis, 2004: 22, tradução nossa)
12
.
11
Marx, Kart. El XVIII brumario de Luis Bonaparte. Buenos Aires: Editora NEED,
1998.
12
Parágrafos tomados pelo autor do discurso pronunciado por Juan Domingo Perón
ainda Coronel e Secretario de Trabalho e Previsão em 25 de agosto de 1944, na Bolsa
de Comercio de Buenos Aires.
O autor vai mostrar a particularidade desse processo na Argentina, no
qual, diferente da Inglaterra e da Revolução Francesa, o Projeto de Perón mesmo
apresentado um caráter burguês – de desenvolvimento capitalista independente
não respondia ao impulso de uma burguesia em ascensão. A burguesia Argentina
nesse tempo é caracterizada como mesquinha, parasitaria e submissa do
imperialismo de turno, o que fez com que nunca conseguisse entender o
fenômeno peronista, ou seja, não conseguiu entender que Perón representava, em
parte, os seus interesses, enquanto tratava-se de um projeto burguês.
Diz Parra:
“Isto é, o bonapartismo apoiado na prosperidade conjuntural
pretendia eliminar a luta de classes, ‘equilibrar’ as forças da
burguesia, o imperialismo e a classe operária, se constituindo no
arbitro de todas as decisões (...) Esta é uma das contradições
mais explosivas do peronismo: a extração de classe da sua base.
Ainda não lutando pelos seus próprios objetivos históricos, a
classe operária penetra profundamente nas fileiras peronistas e
coloca seu selo em muitas das medidas do governo peronista”
(Idem: 29, tradução nossa).
Segundo o autor citado, a partir desta análise, poder-se-ia dizer que se tratava de
um projeto de desenvolvimento capitalista independente destinado a frear um processo
revolucionário frustrado pelas suas limitações de classe. Isso significa que em face da
inexistência de uma classe operária forte e madura, que fosse capaz de acompanhar a
expansão das forças produtivas por uma via de desenvolvimento socialista e em face,
também, de uma burguesia nacional incapaz de promover uma via de desenvolvimento
capitalista independente, “terá que surgir então o agente histórico dessa expansão,
adequada a todo esse conjunto de características contraditórias. Esse agente histórico
será a equipe militar conduzida por Perón” (Idem: 57, tradução nossa).
Resgatemos mais uma citação de Parra retomando conceitos de Perón. Essa
definição permite compreender com clareza o que foi nomeado como “terceira posição”.
“A tese de que capital e trabalho são dois elementos
indispensáveis da produção, que não devem lutar entre si, senão
confluir juntos na elaboração da riqueza e a grandeza da pátria.
O Estado, colocado por cima de ambos como pai protetor, se
encarregará de harmonizar interesses e limitar diferenças quando
estas surgirem, de ‘botar as coisas no seu lugar’” (Idem: 37,
tradução nossa).
Na obra citada, organizada por De Santis (2004), apresenta-se um outro artigo de
Julio Parra onde esse autor faz uma análise dos caminhos e descaminhos do marxismo
antes, durante e depois de Perón na Argentina
13
. O autor mostra o processo mediante o
qual nasce o Partido Comunista argentino no ano de 1918 e segue os caminhos do
movimento internacional, isto é, o surgimento da terceira Internacional e o seu posterior
processo de burocratização stanilista após a morte de Lênin.
“A classe operária perde então a sua alternativa de classe.
aparecem na sua frente diferentes variantes de reformismo
burguês ou pequeno burguês; disfarçados ou não com
fraseologia marxista. A classe operaria opta então pela variante
que aparece como mais atrativa. A que implementa o homem
que, desde a Secretaria de Trabalho primeiro e desde a
Presidência da nação realiza por decretos muitas conquistas
pelas quais os operários tem lutado durante tantos anos. (...)
Durante mais de uma década, o peronismo sepultará sob o peso
da sua força numérica, toda tentativa de construir um partido
marxista-leninista independente” (Parra, in: De Santis, 2004:
16).
13
Trata-se de um artigo extraído do trabalho Pequena burguesia e revolução, publicado
em El combatiente, Nº 54 e 55, janeiro e fevereiro de 1971.
No que o autor nomeia como o marxismo depois de Perón, vai mostrar um
processo mediante o qual se uma experiência que ele define como ‘entrismo
14
no
peronismo’ e que se vincula ao que é conhecido como ‘peronismo de esquerda’. Essa
possibilidade permitiu um dialogo entre peronismo e marxismo, mais precisamente
entre setores marxistas e a classe trabalhadora disputada.
Embora sabemos que uma leitura do lugar que ocupou o fenômeno peronista nas
décadas de ’60 e ’70 do século passado não pode desatender o percurso do processo
histórico entre a sua derrubada do poder em 1955 e a sua volta em 1973, depois de 17
anos de proscrição e exílio do seu líder, consideramos que os elementos salientados até
aqui no que diz respeito ao peronismo estão postos nas lutas políticas do ultimo
quarto do século XX e contribuem para a compreensão desse processo.
Assim, atendendo ao movimento histórico como foi dito Perón desde o
exílio nos inícios dos anos ’70 do século passado - fez movimentos de adaptação
atingindo no seu discurso ao nacionalismo, o catolicismo e a esquerda em geral. Isso fez
com que grandes setores da esquerda, considerando os trabalhadores como ator
fundamental no caminho da revolução e consciente de que a massa desses trabalhadores
era peronista, aceitasse “a religião” isto é, o peronismo, em termos de Romero (2006)
– com o objetivo de um caminho revolucionário em direção ao socialismo.
Mas o foram todas as organizações que aceitaram a religião”. A experiência
do Cordobazo permitiu a algumas correntes com uma perspectiva clássica - confiar
nas possibilidades de ação das massas e privilegiar “a classe” em vez do “povo”.
14
Entrismo”, é uma forma de nomear o fato da “entrada” de algumas vertentes
marxistas nas fileiras do Peronismo. Respeitou-se o termo na tradução porque é uma
criação que denota uma idéia precisa, que toda tentativa de tradução a esvaziaria da sua
riqueza na explicação do fenômeno histórico
“Aqueles que optaram pelo peronismo acabaram por ajustar sua
revisão ideológica e encontrar o lugar que esse movimento
ocupava no grande processo de construção do socialismo. (...)
Alguns vindos do marxismo (...) e outros do nacionalismo (...)
acabaram criando pelo menos aos olhos de quem os lia uma
via intermédia, na qual as exigências do socialismo eram
complementadas pelas da libertação nacional, um tema com o
qual contribuíam tanto o velho nacionalismo, quanto o
leninismo. (...) No pós-guerra, o peronismo tinha sido o
ambiente para um primeiro surgimento do povo no contexto
da industrialização, da burguesia nacional e do Estado
nacionalista e tornaria a sê-lo para um segundo, que estava em
preparação, no qual o contexto levaria à redefinição das
bandeiras históricas na direção da emancipação do imperialismo
e do socialismo”. (Romero, 2006: 172, 173).
Neste contexto, o debate sobre a concepção do “Povo” como “os miseráveis”
necessitados de uma direção, de um guia paternal e autoritário, ou compreendido como
a massa de trabalhadores assalariados, a classe operária segura e orgulhosa; perpassava
o âmbito da esquerda e do ativismo. Esse debate era superado pela exigência de ação no
novo contexto, no qual a ação tinha prioridade sobre a reflexão.
“A revolução era possível. Isso era o que mostravam Cuba, o
Cordobazo e a mobilização social, tão intensa quanto carente de
direção e programa. Encontrar-se na própria ação era a intenção
do novo ativismo. A alternativa democrática –desprestigiada
para os velhos militantes e sem sentido para os mais jovens
esteve totalmente ausente das discussões. A esquerda ofereceu
uma leitura clássica da mobilização e de suas possibilidades, por
meio do ‘classismo’ sindical, forte principalmente em Córdoba.
(...) os trabalhadores de Córdoba seguiam os classistas no nível
sindical, mas, em política, continuavam sendo peronistas”.
(Romero, 2006: 173).
O final da citação que precede faz referência ao fato de que o questionamento
das relações sociais e da propriedade ultrapassava os limites das reivindicações dos
protestos dessa massa trabalhadora. Essa fusão de marxistas, católicos terceiro
mundistas” e nacionalistas era possível, posto que se identificavam como amigos em
face de um inimigo comum.
Segundo o raciocínio de Romero, a falta de condições reais era compensada pela
vontade. Os Grupos que procuravam a mudança buscavam aval em tendências muito
diferentes, desde o leninismo até o guevarismo, por sua vez, o fascismo era o aval da
ditadura. Trata-se de uma concepção da política sob a lógica da guerra, num contexto de
mobilização popular que dispensava a realização ou aprofundamento do debate.
No que diz respeito às organizações guerrilheiras
15
, elas surgiram na Argentina
por volta dos anos ’60 no cenário da onda revolucionária iniciada pela Revolução
Cubana de 1959. A ação de Che Guevara na Bolívia incentivou-as e por causa da
ditadura militar, gerou-se a convicção de que não existia alternativa nenhuma para além
da luta armada. A partir de 1967 –coincidindo com a ão de Che Guevara na Bolívia -
surgiram diferentes grupos vinculados à esquerda e /ou ao peronismo. As duas
organizações que tiveram uma importância maior foram Montoneros nascido do
integrismo católico e do nacionalismo e o Exercito Revolucionário do povo (ERP)
vinculado ao grupo trotskista do partido revolucionário dos trabalhadores. Sem entrar
em uma análise minuciosa da conformação das organizações armadas, dos seus marcos
ideológicos, teóricos e políticos, é necessário aqui marcar a diferencia entre essa duas
organizações que foram salientadas como as mais fortes. No entanto, pode-se dizer que
o PRT e o ERP, como seu braço armado, constituíram uma organização armada
revolucionária com uma clara visão de classe, em uma perspectiva marxista leninista; a
organização Monotoneros, por sua parte, foi uma organização armada surgida dentro do
15
Sobre a conformação das organizações guerrilheiras, as suas linhas, as suas
orientações políticas e o papel desempenhado por cada uma delas no contexto analisado,
foi consultado o livro LA NUEVA IZQUIERDA ARGENTINA: 1960-1980 de Claudia
Hilb e Daniel Lutzky, Biblioteca Política Argentina 70. Para os fins deste trabalho
não nos propomos a aprofundar este debate.
Movimento Peronista e atravessada então pelas próprias contradições desse
movimento. O artigo de Julio Parra, citado, conta de uma contradição constitutiva
do que se nomeou ‘peronismo de esquerda’ ou ‘revolucionário’. Mesmo mostrando que
no percurso histórico a perspectiva do ‘peronismo revolucionário’ nos anos ´70 do
século passado mudou com relação à velha Resistência peronista pós 1955, observa-se a
expressão dessa contradição que – como já se salientou - lhe é constitutiva.
Diz Parra, neste sentido:
“No peronismo uma contradição, como temos assinalado,
entre o caráter predominantemente operário da sua base e a sua
ideologia burguesa. No caso da luta armada manifesta-se como a
contradição entre os métodos revolucionários utilizados e a
ideologia burguesa, a cujo serviço esses métodos são usados.
Isto é assim porque a luta armada e, em geral, o uso da violência
popular constitui a forma mais alta de luta de classes, o meio
pelo qual se expressa a luta de classe quando os meios pacíficos
da luta têm se esgotado total ou parcialmente. Em conseqüência,
os militantes peronistas ao fazerem uso da violência, estão
utilizando o método mais revolucionário possível, mas em
função de um objetivo que não tem nada de revolucionário,
como é a volta de Perón e a reconstituição do seu governo
burguês que tente a conciliação de classes” (Parra, in: De Santis,
2004: 52-53, tradução nossa).
Então, mesmo quando nessas novas condições - a diferença da resistência pós
’55 - o caráter revolucionário dos métodos da organização seja fundamental e mesmo
que de forma o muito clara a necessidade do socialismo esteja colocada, a volta de
Perón é entendida como um requisito fundamental desse processo de mudança
revolucionária, e é esse o eixo da contradição assinalado pelo autor citado.
A mobilização popular em face do cenário histórico fazia às vezes com que
organizações de diversas perspectivas confluíssem na luta, como mostra a seguinte
citação.
“Havia grandes diferenças teóricas e políticas entre todas as
organizações, mas elas compartilhavam de um mesmo espírito.
Todas aspiravam transformar a mobilização espontânea da
sociedade em um levante generalizado, e tinham em comum
uma cultura política que retomava e reforçava a dos grupos de
esquerda, mas que, de alguma forma, a usurpava de seus
adversários. A lógica de exclusão –essa constante da política no
século XX- era levada até as ultimas conseqüências. O inimigo –
lacaios do imperialismo, exército de ocupação- devia ser
aniquilado”. (Romero, 2006: 174-175).
A mobilização popular que está sendo descrita foi se identificando cada vez mais
com o peronismo, o que levou a força militar a considerar a possibilidade de uma saída
política que ia exigir negociações com diferentes forças políticas mas, sobretudo, com o
peronismo.
Neste contexto, nos inícios dos anos ’70 do século XX, questões vinculadas ao
funcionamento da economia e que tinham sido apresentadas pela ditadura como
sucessos que davam conta de uma ordem, começaram a mudar. Assim, a ameaça da
volta da inflação era persistente e capitais estrangeiros entraram em processo de
migração. Em face dessa realidade, o ministro da economia foi trocado por um outro da
mesma linha, mas com uma perspectiva “mais social”. Não obstante, o contexto tinha
mudado. As Forças Armadas encontravam-se divididas entre posições vinculadas a uma
saída que tinha a ver com o nacionalismo e um outro setor que mantinha uma posição
direcionada à implementação de uma ditadura mais extrema ou numa saída política.
Para essa ultima alternativa, o nome possível era o do General Aramburu, mas em 29 de
maio de 1970 - exatamente um ano depois do cordobazo - ele foi seqüestrado e
assassinado, fato que se constituiu – segundo Romero - no nascimento publico da
organização armada Montoneros. Poucos dias depois Ongania foi derrubado e
substituído pelo General Levington.
Nessas circunstâncias, houve mudanças na economia, impulsos de distribuição
salarial e uma tentativa por parte do governo de mobilizar o povo promovendo a criação
de novos partidos, criticando as velhas estruturas. A convocatória à CGT para
estabelecer uma negociação devolveu-lhe a sua vida e as demandas sociais foram
crescendo. A necessidade de uma saída política foi reconhecida.
O novo presidente também o foi capaz de conduzir o espaço de negociação
que a nova realidade impunha. Em março de 1971 uma nova mobilização de massas
teve lugar na cidade de Córdoba com uma forte presença de organizações armadas.
Após essa situação Levington foi substituído por Lanusse. Nessas condições, em março
do mesmo ano, a atividade política partidária foi restituída e foi feita uma convocatória
para próximas eleições gerais.
Na nossa leitura histórica sobre o percurso da profissão de Serviço Social,
algumas reflexões devem ser colocadas neste contexto que estamos expondo. Na análise
desenvolvida por Gustavo Parra (2000) a propósito do movimento de Reconceituação,
pode-se observar que é entre os anos 1969 e 1971 que emerge uma corrente que
apresenta divergências e constitui o que seria uma primeira aproximação da profissão
com a tradição marxista. Como fora colocado, esse desenvolvimento não teve o seu
epicentro na Argentina. Então, no contexto historio descrito e com a emergência dessa
“rachadura” no interior do Movimento de Reconceituação, é necessário chamar a
atenção para a tradução desse movimento na particularidade da profissão na Argentina.
Como será exposto no próximo capitulo, o devir do processo histórico apresentou para o
Serviço Social latino-americano em geral, e para o argentino em particular, os limites e
a posterior critica do desenvolvimentismo como resposta aos problemas do nosso
subcontinente. Essa leitura gera movimentos no interior da profissão que são coerentes
com uma visão vinculada à necessidade de “mudança de estruturas”. Essa mudança será
questionada no capítulo seguinte, na critica da proposta do Assistente Social como
Conscientizador-Revolucionário.
Então, por volta de meados do ano de 1971, a saída política era iminente, mas as
Forças Armadas o podiam garantir a segurança. No interior dessas forças
apresentavam-se discrepâncias sobre o enfrentamento das organizações armadas.
Foram criados um foro anti-subversivo e tribunais especiais para julgar guerrilheiros,
mas alguns setores das forças iniciaram um processo de repressão ilegal, torturas,
seqüestros e desaparição de pessoas.
A situação econômico-social do país apresentava-se com uma inflação
descontrolada, fuga de divisas, queda do salário real, desemprego e importantes
protestos.
Nesse contexto, no dia 25 de maio de 1973, Cámpora assume o governo
constitucional produto das eleições gerais feitas em março daquele ano. Foram muitas
as negociações naquele processo de “saída política”, entre elas a queda da proscrição do
peronismo em troca da autoproscrição de Perón. O peronismo, com o lema “Cámpora
ao governo, Perón ao poder”, obteve mais do 50% dos votos. As duas experiências
socialistas do subcontinente na época Chile e Cuba - presenciaram a assunção de
Cámpora nas pessoas de seus presidentes, Allende e Osvaldo Dorticós.
Segundo Moljo (Cf. 2005: 219 e ss.) a ascensão de Campora gerou uma grande
expectativa de mudança, a juventude mobilizada e altamente politizada exigiu e
consegui a anistia dos presos políticos o que provocou um clima de liberdade e o fim da
censura em todos os âmbitos. A juventude peronista considerava que esse seria o
governo do Povo. Apesar disso, a designação dos titulares dos diferentes Ministérios
dava conta da heterogeneidade do Peronismo que incluía personagens vinculados à
Juventude Peronista, à liderança sindical e até à direita peronista, tal o caso de Lopez
Rega no Ministério de Bem-Estar Social. Se observarmos essa heterogeneidade e se
observarmos, também, o fato da presença de Dorticós e Allende na ascensão de
Cámpora no poder, podemos reafirmar nessa terceira chegada do partido liderado por
Perón no poder – a caracterização que apresentamos no que diz respeito as contradições
que são constitutivas do projeto peronista.
No que diz respeito a essa expressão de heterogeneidade que o movimento
peronista apresentava na volta para o poder, Romero afirma:
(...) a figura simbólica de Perón, ao mesmo tempo uma e muitas,
chegou a substituir a sua figura real. Para todos Perón
expressava um sentimento geral nacionalista e popular, de
reação contra a recente experiência de desnacionalização e
privilégio. Para alguns –os peronistas de sempre, sindicalistas e
políticos-, isso se encarnava no líder histórico, que, como em
1945, traria a antiga bonança, distribuída pelo Estado protetor e
generoso. Para outros –mais jovens, ativistas de todas as
correntes-, Perón era o líder revolucionário do Terceiro Mundo,
que eliminaria os traidores de seu próprio movimento e
conduziria à libertação, nacional ou social, potencializando as
possibilidades de seu povo. Outros, ao contrário, encarnando o
anticomunismo ancestral do movimento, viam em Perón o
homem que decapitaria (...) a hidra [sic] da subversão. (...) para
muitos outros os setores de classe média ou alta, (...) Perón
era o pacificador (...) canalizar os conflitos da sociedade,
realizar a reconstrução e botar o país no caminho do crescimento
rumo à “Argentina potência”. (Romero, 2006: 180-181).
Ou seja, o ponto de encontro era o inimigo comum, os militares, o autoritarismo
que – com Perón - pareciam sair para não voltar. Essa análise, como dissemos,
reafirma a contradição constitutiva do peronismo no que diz respeito a um movimento
com uma ‘base popular’ mas, sustentado em uma ideologia de claro caráter burguês.
“A onda de mobilização, que estava levando o enfrentamento
social a um ponto extremo, tinha, em suas origens um
importante elemento de participação (...) elementos
potencialmente democráticos se cruzavam com toda uma cultura
política espontânea -formada em longos anos de autoritarismo e
democracia fingida-, que levava à identificação do poder com o
inimigo e à repressão, a menos que esse poder fosse ‘tomado’,
para reprimir por sua vez o inimigo. (...) a mobilização popular
foi afastada da alternativa democrática e levada a empreender o
combate final em outro terreno” (Idem: 185-186).
No dia 20 de junho de 1973 Perón, voltou para o país e no aeroporto
internacional no meio de uma multidão aconteceu um enfretamento entre distintas
tendências que acabou no que foi conhecido depois como o massacre de Ezeiza.
“Sem duvida, a juventude Peronista se mostrou capaz de
desdobrar um nível importante de organização de massas, o que
se mostrou em Ezeiza; embora, ao passar das horas, e em face
da demora do general, que não chegava ao esperado encontro, o
clima em redor de Ezeiza, donde se encontravam todas os
diferentes ‘ramos do movimento’ tornava-se cada vez mais
denso. Finalmente começou o enfrentamento armado (Cf.
Bonasso, 200: 131), e o que devia ter sido um dia de festa, se
transformou em uma tragédia, com mortos e pessoas pressas. A
partir daqui, a direita peronista, somada à ‘pátria sindical’,
começara a ganhar cada vez mais peso dentro do governo”
(Moljo, 2005: 225-226, tradução nossa).
Seguindo o raciocínio da autora citada, Perón na sua volta expressa o seu
apoio tanto aos setores sindicais quanto aos setores tradicionais do peronismo, e critica
fortemente os setores “radicalizados da juventude” que utilizavam novas bandeiras,
como a Pátria Socialista”, que eram alheias ao movimento, ao mesmo tempo abandona
as criticas às forças Armadas e à Oligarquia. O discurso de Perón está orientado à
“‘Comunidade Organizada, na qual capitalistas e trabalhadores deviam harmonizar os
seus interesses, em prol da ‘união nacional’; assim retornava o discurso do ‘Pacto
Social’, alheio às expectativas da juventude” (Idem: 226-227, tradução nossa).
Em junho de 1973, o presidente e o vice renunciaram sob pressões, foram
programadas novas eleições e a formula Perón-Perón chegou ao poder.
“À noite foram anunciados os resultados das eleições com uma
importante maioria da formula Perón-Perón. No dia seguinte das
eleições Lastiri decretou a ilegalidade do ERP. Em 25 de
setembro foi assassinado em Buenos Aires Rucci, secretario
geral da CGT e considerado o dirigente sindical mais próximo a
Perón e um ‘ativo militante’ dedicado a ‘purificar’ a infiltração
marxista dentro do movimento. (Viano, 2000). Foi uma
operação de Montoneros; a partir daí, Perón começou preparar o
‘aniquilamento de Montoneros’, chamando o Conselho Superior
Peronista, donde esse emitiu um comunicado reservado para
lutar contra a infiltração marxista em todos os níveis do
movimento (...) o enfrentamento era aberto” (Moljo, 2005:
231, tradução nossa).
Nesta lógica, o novo governo de Perón baseava-se no já mencionado “Pacto
Social”, o que requeria um Estado forte e do “bom funcionamento” da economia. A
partir das afirmações resgatadas até aqui, é claro que a proposta do terceiro governo
peronista estava muito longe da superação capitalista” que os setores da esquerda
peronista esperavam com a volta do seu líder.
“Todo o discurso e a política efetiva de Perón a partir desse
momento, se orientara à desmobilização dos diversos setores
sociais; começando pelos setores radicalizados do peronismo e
continuado com a classe trabalhadora peronista. Como tem
colocado Marín: ‘Perón fortalece a sua política através da
incorporação de uma ofensiva armada para atingir as frações
mais radicalizadas do seu movimento. Desenvolve essa política
através de duas táticas: a criação especifica de um organismo
‘pára-policial’, chamada tripla A, ‘AAA’ (Aliança
Anticomunista Argentina); e, a legitimação de uma política
armada das frações do seu movimento na implementação de
ações ‘golpistas’, o ‘Navarrazo’” ( Marín, in: Moljo, 2005: 233).
A mesma autora mostra como nos meses posteriores à ascensão de Perón no
Poder os enfrentamentos armados entre as “Forças de Segurança”, as organizações pára-
militares e pára-policiais e a guerrilha foram se tornando mais intensos, fato que foi
gerando um processo no qual o “Pacto Social” foi se debilitando aos poucos.
No dia 1º de julho de 1974 Perón morreu e foi substituído pela vice-presidente
Isabel Perón aa sua derrubada pelas juntas militares em 24 de março de 1976. Moljo
resgata uma serie de fatos que caracterizam o governo de Isabel Perón e que mostram o
devir de um processo que acaba com o Golpe Militar mencionado.
“As mudanças dentro do gabinete representavam uma nova
ofensiva autoritária, em todos os campos da vida social. As
universidades, os sindicatos e inclusive Estados inteiros
sofreram intervenções. (...) Dentro desse contexto é que os
Montoneros anunciaram a sua passagem à clandestinidade, por
causa de o governo de Isabel ter traído o Povo. A guerrilha
peronista retomava a guerra revolucionaria depois de ter
permanecido pouco ativa em termos operativos durante 15
meses (...) as organizações de esquerda foram brutalmente
reprimidas, o que permitiu uma ‘aproximação entre o ERP e
Montoneros’. Embora os seus alvos foram diferentes: o ERP
operava basicamente contra as Forças Armadas e as
multinacionais; Montoneros operavam contra a burocracia
sindical, o lopezreguismo, seus grupos pára-policiais e a policia.
Algo similar aconteceu do outro lado; as Forças Armadas
centraram-se sobre o ERP; e os grupos pára policiais e a policia
contra Montoneros (...) A tripla A que era financiada através de
‘contribuições’ do Ministério de Bem estar social, continuou a
sua matança. (...) Definitivamente a direita peronista tinha
tomado o Poder (...) o sindicalismo combativo foi dizimado (...)
em meio de uma grande crise o governo entrou na sua etapa
final (...) o golpe de março de 1976 vinha se preparando
muito tempo, depois da morte de Perón, mas o plano, nomeado
‘Operativo Aries’, foi posto em marcha 10 meses antes do
golpe, ideado pelos generais Videla e Viola” (Moljo, 2005: 239-
244, tradução nossa).
A chegada ao poder da última e mais sangrenta ditadura militar Argentina que se
estendeu até 1983 aconteceu com um forte grau de aceitação. A crise de autoridade
(Romero, 2006: 196), as lutas facciosas, a presença cotidiana da morte, a ação
espetacular das organizações guerrilheiras e o terror semeado pela Aliança
Anticomunista Argentina durante o governo de Isabel Perón criaram as condições para
essa aceitação.
“O caráter da solução projetada podia ser percebido nas
metáforas empregadas –doença, tumor, extirpação, cirurgia -
resumidas em uma expressão clara e contundente: cortar o
górdio com a espada. O golpe, na verdade, foi uma operação
integral de repressão, cuidadosamente planejada pela direção
das três armas, ensaiada primeiro em Tucumán, onde o Exército
intervinha oficialmente desde 1975, e depois executada
sistematicamente em todo o país”. (Idem: 196-197).
O percurso desenvolvido por Romero sintetiza esse processo militar em termos
de genocídio, grande transformação econômica, redução do Estado e ações dirigidas a
silenciar a sociedade.
No que diz respeito ao genocídio - entendendo que a repressão foi uma ação
sistemática do Estado - e considerando que a descrição do funcionamento dessa
maquina repressiva excede as possibilidades deste trabalho
16
- alguns dados aportados
por Romero são esclarecedores.
“Tratou-se de uma ação terrorista, dividida em quatro momentos
principais: seqüestro, tortura, prisão e execução. (...) Assim,
não houve mortos, apenas “desaparecidos”. Os
desaparecimentos foram massivos entre 1976 e 1978, o triênio
sombrio, e depois se reduziram a um numero mínimo. Foi um
verdadeiro genocídio. A comissão que investigou os
desaparecimentos documentou nove mil casos, mas indicou que
poderia haver muitos outros o denunciados, enquanto as
organizações defensoras dos direitos humanos procuravam por
30 mil desaparecidos. Eram jovens de entre 15 e 35 anos.
Alguns pertenciam às organizações armadas. O ERP foi
dizimado entre 1975 e 1976 (...) Os Montoneros, que também
sofreram grandes baixas em seus quadros, continuaram a operar,
16
Uma boa ntese desse acionar sistemático se encontra na obra de Romero citada pp.
196-201.
apesar de terem de se limitar a ões terroristas (...) O certo é
que quando a ameaça real das organizações desvaneceu, a
repressão continuou o seu caminho. Caíram militantes de
organizações políticas e sociais, dirigentes sindicais atuantes nas
comissões internas da fabricas (...) e junto com eles militantes
políticos, sacerdotes, intelectuais, advogados relacionados às
defesas de presos políticos, ativistas de organizações de direitos
humanos e muitos outros, pela única razão de serem parentes de
alguém, terem seu nome em um caderno de telefone ou serem
mencionados em uma sessão de tortura. Mas, apesar dos
acidentes e erros, as vitimas foram aquelas desejadas. Com o
argumento de enfrentar e destruir as organizações armadas em
seu próprio território, a operação procurava eliminar todo
ativismo, todo protesto social (...) toda expressão de pensamento
crítico, toda direção política possível do movimento popular que
tinha se desenvolvido desde meados da década anterior e que
estava sendo aniquilado. Nesse sentido, alcançaram exatamente
os resultados almejados.” (Romero, 2006: 196 e ss.).
Com uma sociedade aterrorizada, com toda possibilidade de espaço político e de
construção coletiva fechada, estavam dadas as condições, mesmo que sem uma adesão
explícita, para a implementação de transformações econômicas estruturais.
A solução a longo prazo encontrava sustentação no fato de avaliar que o Estado
intervencionista e benfeitor era o responsável pela desordem social e no seu lugar
aparecia o Mercado como órgão regulador por excelência das relações sociais.
“(...) o mercado parecia o instrumento capaz de disciplinar por
igual a todos os atores, premiando a eficiência e impedindo os
comportamentos corporativos nocivos. (...) No fim da
transformação conduzida por Martinez de Hoz, o poder
econômico se concentrou de tal modo em um conjunto de
grupos empresariais, nacionais e multinacionais, que a disputa
corporativa e a negociação já não eram sequer possíveis”.
(Romero, 2006: 201).
Essa “solução”, cuja implementação foi possível pelo terrorismo do Estado que
tinha e continuava fazendo-o - dizimado o jogo corporativo foi apoiada, sobretudo,
pelos Organismos Internacionais, pelos bancos estrangeiros e pelo establishment
econômico nacional.
Assim, as políticas aplicadas em termos econômicos sofreram grandes mudanças
estruturais. Tratou-se de um questionamento ao valor atribuído ao mercado interno (Cf.
Idem: 205-206), donde se deu prioridade às atividades que ofereciam vantagens para a
concorrência no mercado mundial. Essa estratégia fortaleceu o setor financeiro,
promoveu a abertura econômica e o endividamento do país.
O critério de proteger a industria criticada por sua falta de
competitividade - foi substituído pelo do prêmio à eficiência, e a
idéia de que o crescimento econômico e o bem-estar da
sociedade estavam associados com a indústria foi abandonada.
Tratava-se de um questionamento parecido com o do restante do
mundo capitalista, mas a resposta local foi muito mais destrutiva
que construtiva”. (Idem: 206).
Assim, a “redução” das funções do Estado foi um dos objetivos proclamados por
essa política, posição orientada ao desgaste do Estado social ou benfeitor e à abertura
para o mercado mundial.
“(...) substituir a direção do Estado pela do mercado
automático, limpo, impessoal-, que, mediante a distribuição
racional de recursos, de acordo com a eficiência de cada um,
destruiria toda possibilidade de conluio entre corporações.
Paradoxalmente, o ministério se propôs a utilizar o poder do
Estado para impor, pela força, a receita liberal e redimensionar o
próprio Estado” (Idem: 209-210).
Considera-se relevante salientar, na lógica deste trabalho, qual foi o papel
assumido pela Igreja católica neste processo. Segundo Romero, no início, a igreja
assumiu uma posição complacente com o regime, a hierarquia eclesiástica – com
algumas exceções “aprovou a associação que os militares faziam (...) entre terrorismo
de estado e virtudes cristãs, (...) justificou (...) a erradicação da subversão ateia, e
chegou mesmo a tolerar que alguns de seus membros participassem dela”. (Idem: 215).
Apesar de exceções, a igreja católica Argentina assumiu o mais vil dos papeis, dentre o
resto das igrejas latino-americanas. Sem pretensões de aprofundar nas relações mantidas
entre a igreja católica e a ditadura militar
17
, é preciso fazer algumas observações. Tanto
a leitura da obra de Mignone (1999), quanto as observações de Gorini (2006) a respeito
dessa questão, permitem pensar que a igreja católica Argentina em particular, mas
também a cúpula vaticana - assumiu um papel que transcende o que Romero denomina
de “complacência inicial”. A igreja católica Argentina desempenhou um papel orgânico
à ditadura militar e com participação direta na prática sistemática de desaparição de
pessoas, tortura e morte
18
. Tanto Romero quanto Mignone
19
coincidem no fato de que
essa posição da Igreja católica mostrou raras exceções. Nesse sentido, Mignone coloca
que dos mais de oitenta prelados que cumpriam funções e compunham o corpo
episcopal argentino, apenas quatro adotaram uma linha de denuncia aberta das violações
dos direitos humanos cometidas pelo regime terrorista (Cf. Mignone, 1999: 43, tradução
nossa).
“Tanto Tortolo quanto os cardeais Aramburu e Primatesta que
integravam em 1976 a Comissão Executiva da Conferencia
Episcopal, fecharam as portas às famílias das vitimas e apenas
por exceção as receberam (...) a mesma atitude adotaram a
17
Para uma melhor compreensão dessa relação ver Mignone (1999)
18
Os julgamentos contra membros da igreja católica Argentina na atualidade não
deixam lugar para duvidas, cite-se a modo de exemplo a recente sentencia contra o
Capelão da policia do Estado de Buenos Aires, Christian Von Wernich.
19
Emilio Mignone (1922-1998) foi advogado, fundador e reitor da Universidade de
Luján, no Estado de Buenos Aires, com ativa participação política e fervente militante
católico, pai de Mônica Mignone, desaparecida pela ditadura militar em 14 de maio de
1976. Na atualidade Mônica forma parte dos 30.000 argentinos detenidos-
desaparecidos”.
respeito das organizações de direitos humanos às quais
qualificavam de ‘comunistas’ e subversivas” (Idem: 44).
Mignone analisa o primeiro documento episcopal sobre essa problemática que
foi emitido em maio de 1976, a partir da pressão das famílias dos desaparecidos”.
Consideramos que esse documento condensa com clareza a posição da Igreja Argentina
em face do governo ditatorial e a sua política.
“Tem fatos que são mais do que um erro: são um pecado
expressa o documento -, os condenamos sem matizes, seja quem
for o seu autor [...] é o assassinar – com seqüestro prévio ou sem
ele e qualquer seja o bando do assassinado [...], mas, é preciso
lembrar que seria fácil errar com boa vontade contra o bem
comum se pretendera-se... que os organismos de segurança
atuaram com pureza química do tempo de paz, enquanto corre
sangue cada dia; que se arrumaram desordens, cuja
profundidade todos conhecemos, sem aceitar os cortes drásticos
que a situação exige; ou não aceitar o sacrifício, em aras do bem
comum, daquela cota de liberdade que a conjuntura pede, ou que
se procurasse com pretendidas razões evangélicas implantar
soluções marxistas (...) se poderia errar se (...) procurando uma
necessária segurança, se confundissem com a subversão política,
com o marxismo ou a guerrilha, os esforços generosos, de raiz
freqüentemente cristã, para defender a justiça, os mais pobres ou
os que não tem voz” (Primeiro Documento Episcopal. Emitido
em 15 de maio de 1976. In: Mignone, 1999: 44-45)
A citação anterior de Mignone expõe com clareza que a igreja assumiu um papel
fundamental na legitimação da estratégia ditatorial a partir como afirmamos da
participação direta na política sistemática de repressão, mas também na legitimação da
idéia da “guerra suja”, daí a referencia continua a “bandos”, subversão política, soluções
marxistas.
Levando em conta a situação de censura, perseguição política e desaparição
física de pessoas, os protestos mais importantes vinculavam-se ao reclamo pelos direitos
humanos. As autoridades eclesiásticas constituíam para muitos uma esperança de
resposta em face da desaparição de pessoas, a partir das influencias da igreja sobre a
ditadura, isto é, levou tempo para se tirar o véu da conivência entre igreja e ditadura. O
Movimento de denuncia foi se constituindo em diferentes vertentes, desde a Liga
Argentina pelos Direitos do Homem, a Assembléia Permanente pelos Direitos
Humanos, familiares de presos e desaparecidos por razões políticas e um grupo de mães
de pessoas detenidas-desaparecidas”
20
pelo terrorismo de Estado - começou se
organizar e foi se convertendo em um referente que transcendeu as fronteiras nacionais
no que diz respeito à luta pelos direitos humanos. Essa organização [Madres de Plaza de
Mayo] – que na atualidade apresenta fragmentações - surgiu como organização de mães,
que em procura do destino dos seus filhos desaparecidos, consideraram que essa luta
devia ser coletiva e não individual. Esse Movimento constituiu a primeira manifestação
publica contrária à ditadura militar, e, aproveitando a Copa do Mundo de 1978 a
organização desse evento foi capturada pela ditadura com fins de mostrar uma imagem
do país na imprensa mundial que encobrisse as graves violações aos direitos humanos
que começavam a se denunciar adquiriram visibilidade mundial. A organização foi
transcendendo a reivindicação particular da procura dos filhos - que tinha lhe dado
origem e foi se constituindo em um referente nacional e internacional na luta pelos
Direitos Humanos. A Organização constituiu, também, uma referência para outras
organizações, exemplo de luta e resistência. Essa organização incipiente soube utilizar
as novas determinações da política estadunidense no que diz respeito aos direitos
humanos a partir da estratégia de Carter que já foi analisada em paginas anteriores, claro
20
Conforme expressão textual do Movimento, razão pela qual se respeitou a expressão
em espanhol.
que os resultados não foram os esperados
21
. A seguinte citação de Gorini representa o
processo do surgimento e transformação dessa organização.
“Quando Hebe de Bonafini
22
disse que as mães foram paridas
pelos seus próprios filhos assinalou, com razão, que foi o
processo da busca dos desaparecidos o fatos que lhes deu
origem, o qual constituiu uma busca dupla. A física, que incluía
a recuperação dos corpos seqüestrados, e a ideológica, que
implicava o descobrimento ou o reconhecimento de uma
identidade que os militares pretendiam apagar para sempre da
face da Argentina. Nesse caminho nasceram as mães. E não
nasceram de uma vez e para sempre. Sucessivos partos de lutas
e alegrias, frustrações e conquistas fizeram vir ao mundo esse
movimento que não parou de se transformar a si próprio ao
longo de toda a sua história” (Gorini, 2006: 301-301).
A opinião publica começava a reaparecer, e os partidos políticos –fechados e
dizimados desde 1976 - começavam a se movimentar. Nesse contexto, em 1981 o
governo convocou os grupos de direita para pensar em uma saída política.
Os partidos políticos não aceitavam uma saída política condicionada nem uma
democracia submetida à tutela militar. Os protestos foram crescendo “(...) sindicalistas,
empresários, estudantes, religiosos, intelectuais e, principalmente, defensores dos
direitos humanos -, foram formando um coro que, no inicio de 1982, era difícil de
ignorar”.(Romero, 2006: 217).
Em 1982 a guerra das Malvinas constituiu o último intento dos militares por
gerar uma ação legitimadora em face do novo contexto. A derrota abriu a porta para a
saída eleitoral que foi o fim – em 1983 - do período mais trágico da história Argentina.
21
Para um aprofundamento na história de Madres de Plaza de Mayo, ver Gorini (2006).
Nessa análise aparece com muita clareza também o papel atroz assumido pela igreja
católica Argentina no terrorismo de Estado.
22
Presidente de Madres de Plaza de Mayo.
Esse cenário político e social aberto em 1976, é o cenário de derrubada do
movimento de Reconceituação da nossa profissão na Argentina, mas também no resto
dos paises do subcontinente. Embora o exista consenso no que diz respeito à data do
fim desse processo, é inegável que a instauração dos processos ditatoriais na região o
ferem de morte.
As possibilidades da Aliança para o Progresso, que já foi apresentada como
resposta em face do ‘perigo’ de expansão revolucionária, tinham sido enterradas como
alternativa viável de resposta frente à ‘nova onda’ revolucionária. Esse lugar será
ocupado, então, pelas ditaduras militares da região. Essa nova resposta em face desse
cenário não tentará somente despolitizar a economia e deseconomizar a política, tal
fora uma das estratégias da Aliança para o Progresso. A nova resposta para a
manutenção da ordem social se orientará diretamente em direção da eliminação –
física!- de todo perigo de questionamento.
Nessa lógica grande parte da produção critica foi censurada junto com os seus
representantes que foram no exílio, na clandestinidade, desaparecidos ou mortos.
CAPÍTULO II:
As particularidades da Reconceituação
do Serviço Social na Argentina
2.1 A particularidade como campo de mediações
Iniciamos o segundo capitulo da nossa dissertação após uma análise que
reconstruiu um processo orientado no esforço de situar sócio-históricamente o
Movimento de Reconceituação latino-americano na particularidade da Argentina
que constitui o objeto que norteia a nossa pesquisa. Como foi dito no capítulo anterior, é
a própria historicidade do Processo de Reconceituação que coloca os temas centrais a
serem desenvolvidos, orientando o caminho percorrido pelas nossas reflexões teóricas.
Captar essa particularidade vincula-se ao movimento intelectual de apreensão
das leis sociais em direção ao conhecimento dos fenômenos da sociedade. Nesse
sentido, Pontes fazendo uma análise das categorias de Mediação e Particularidade
retoma a seguinte afirmação de Netto.
“Buscar a legalidade de cada processo social é, em primeiro
lugar, determinar os processos sociais; em segundo lugar,
compreender sua dinâmica específica; e, em terceiro lugar,
vincular essa dinâmica específica a outras dinâmicas específicas
em outros processos sociais” (Netto, 1991: 5. In: Pontes, 1997:
84).
A partir dessa reflexão de Netto, Pontes afirma que a categoria de
particularidade assume um papel central na dinâmica do conhecimento, porque se
constitui em campo de mediações, conforme a colocação lukacsiana
23
(Cf. Pontes, 1997:
84-85).
23
“[…] Todavia, se nós considerarmos corretamente o movimento dialético do
universal ao particular e vice-versa, devemos observar que o meio mediador (a
particularidade) pode ainda menos ser um ponto firme, um membro determinado, e
tampouco dois pontos ou dois membros intermediários, como diz Hegel [...], mas sim
em certa medida, um inteiro campo de mediações, o seu campo concreto e real que,
segundo objeto ou a finalidade do conhecimento, revela-se maior ou menor” (Lukács,
1978: 113. In: Pontes, 1997: 85, grifos do autor).
Seguindo as reflexões de Pontes e, valendo-nos da afirmação de que a
compreensão dialética da seqüência aportada por Netto reside na elucidação da tríade
universalidade-particularidade-singularidade”, e de que “A dialética dessa tríade se
expressa na realidade da vida cotidiana de cada ser social” (Cf., idem: 85), é que nos
propomos captar um movimento histórico, na particularidade de um país, precisamente,
o caso argentino. Um estudo orientado a transcender o plano da imediaticidade, no qual
as categorias aparecem como formas autônomas do ser e “emergem despidas de
determinações históricas” (Ibidem), exige direcionar a atenção nas determinações do
objeto, no campo das suas mediações. Mas, o que significa isto em termos de Pontes?
Vejamos a seguinte reflexão.
“Assim, para se operar à ultrapassagem da singularidade é
preciso ‘buscar a legalidade de cada processo social’, através da
apreensão das determinações onto-genéticas dos processos
sociais. Não se trata de uma busca externa ao objeto, de
nenhuma determinação transcendente ao ser; trata-se de uma
captação a partir dos próprios fatos – aqui entendidos como
‘sinais empíricos’ o do seu automovimento, das mediações
com a dimensão de Universalidade” (Ibidem).
Citando Marx, Pontes aponta que é no plano da universalidade que estão
colocadas as grandes determinações gerais de uma dada formação histórica.
Determinações que, segundo Marx, o regidas por “leis tendenciais”. “A legalidade
social é a expressão da universalidade do processo. uma totalidade social e não
partes com totalidades autônomas”(Pontes, 1997: 86)
24
.
24
a ciência autentica [referindo-se à dialética de Marx – R.P.] extrai da própria
realidade as condições estruturais e suas transformações históricas e, se formula leis,
estas abraçam a universalidade do processo, mas de um modo tal que deste conjunto de
leis pode-se retornar ainda que freqüentemente através de muitas mediações aos
fatos singulares da vida. É precisamente esta dialética concretamente realizada de
universal, particular e singular” (Lukács, In: Pontes, 1997: 86).
Então, se entendermos a partir do método histórico-dialético a centralidade
da perspectiva da Totalidade, como “complexo de complexos”, “é imperativo apreender
as mediações que vinculam e determinam esses processos”, enquanto cada complexo
tem a sua existência mediatizada com os demais (Cf. Idem: 87-88).
Compreender a categoria de particularidade nos termos de Lukács, como um
campo de mediações , como espaço onde a legalidade universal se singulariza e a
imediatidade do singular se universaliza, é captar a própria essência dialética da tríade
universal-particular-singular. É captar o papel da mediação, o que permite transcender a
leitura dicotômica entre universal e singular, polarização que esvazia a categoria da
particularidade (Cf. Idem: 87).
A partir da perspectiva apresentada até aqui é que devem ser entendidas as
reflexões que apresentamos neste segundo capítulo, cujo direcionamento perpassa toda
a nossa produção.
2.2 A propósito do Movimento de Reconceituação argentino, no contexto latino-
americano
“Durante aproximadamente uma década 1965/1975 -,
desenvolveu-se, experimentando apogeu e refluxo, o compósito
processo a que se convencionou chamar de reconceptualização
do Serviço Social, algo tipicamente latino-americano. Enquanto
fenômeno sócio-cultural, o processo de reconceptualização
articulou-se como conseqüência da crise estrutural que, gestada
desde meados dos anos cinqüenta, afetou os padrões de
dominação sócio-política vigentes na América Latina. Enquanto
fenômeno profissional, ele instaurou-se como uma resposta
possível elaborada por setores da comunidade profissional como
alternativa à evidente falência do Serviço Social institucional
que, no continente sempre foi um Serviço Social a que cabe a
caracterização de tradicional” (Netto, 1981:59)
Começando o segundo ponto deste capitulo, consideramos pertinente explicar as
razões pelas quais temos optado por iniciá-o com a citação anterior. A necessidade
dessa explicação responde a pelo menos duas razões. Em primeiro lugar chamar a
atenção para o fato de que embora o objeto da nossa pesquisa seja orientado pelo estudo
do Movimento de Reconceituação na Argentina, a apelação à obra de um autor
brasileiro não deve nos levar a supor um anacronismo no nosso desenvolvimento. Isto é,
e sobretudo no capitulo III, apresentaremos questões que darão conta do processo
argentino, mas consideramos necessária a leitura de autores que contribuíram na análise
desse fenômeno latino-americano e, como é o caso do autor citado, a partir de uma
perspectiva crítica.
A citação que dá inicio ao segundo ponto do presente capitulo foi extraída de um
artigo publicado na Revista Serviço Social e Sociedade 5, em junho de 1981. Esse
artigo sob o titulo “A Crítica Conservadora á Reconceptualização” pode ser lido como
a resposta a uma critica de caráter conservador publicado no numero anterior da mesma
revista, de autoria de Helena Iracy Junqueira
25
.
A segunda razão responde ao fato de que a perspectiva crítica sustentada pelo
autor nos introduz na análise da Reconceituação propriamente dita como fenômeno
sócio-histórico e politicamente situado. A partir disso as nossas reflexões do capítulo I
cobram uma importância fundamental para compreender que:
“Na escala em que o processo de reconceituação inscreveu-se
num momento histórico em que as sociedades latino-americanas
fraturavam-se diferencialmente pelo mecanismo de uma crise
estrutural (a própria reconceptualização, aliás, é um dado dessa
fratura), era inevitável que o âmbito profissional fosse
percorrido pelas fissuras que trincavam a sociedade como um
todo. Pretender que a profissão não registrasse, em si mesma, as
incidências da Revolução Cubana, do rotundo fracasso do
programa modernizador e liberal da Aliança para o Progresso,
da guerrilha urbana e rural, dos novos padrões da dominação
25
Trata-se de JUNQUEIRA, H. I. Quase duas décadas de Reconceituação do Serviço
Social: uma abordagem critica. In: Revista Serviço Social e Sociedade 4. São
Paulo: Cortez, 1980.
imperialista (que determinaram, nos paises de maior peso no
continente, a emergência dos modelos militares-fascistas), da
hipertrofia urbana, da crise fundiária, do colapso e da renovação
de instituições tradicionais (como a igreja católica), das novas
pautas culturais de comportamento, etc. (mil etc.) essa
pretensão não merece mais que um sorriso de piedade” (Netto,
1981: 66).
Essas reflexões do autor são expostas em face de uma das críticas que
conformam a crítica conservadora à Reconceituação e, que diz respeito a uma suposta
des-profissionalização como resultado da politização da profissão a partir desse
movimento. Então, com base na nossa análise histórico-política de América Latina e da
Argentina em particular, nos anos ‘60/’70 do século XX e, resgatadas estas reflexões
que apresentam o Movimento de Reconceituação do Serviço Social historicamente
situado, estamos em condições de mergulhar nesse movimento que evidenciou, segundo
Netto, um caráter heteróclito (Cf., 1981: 60). Isto é, esse movimento albergou
tendências heterogêneas e até conflitantes. Poder-se-ia representar essa divergência de
tendências em um caminho de orientação modernizadora e em um outro caminho
orientado na direção da intenção de ruptura.
“Constituinte do processo internacional de crítica ao tradicionalismo profissional, a
Reconceituação está intimamente vinculada ao circuito sócio-político latino-americano da
década de sessenta do século XX – em nosso subcontinente, como observou um dos seus
protagonistas, ‘a ruptura com o serviço social tradicional se inscreve na dinâmica de rompimento
das amarras imperialistas, de luta pela libertação nacional e de transformações da estrutura
capitalista excludente, concentradora, exploradora’ (Faleiros. In: Netto, 2005:74). (...) a
reconceituação foi comandada por uma questão elementar: qual a contribuição do Serviço Social
na superação do subdesenvolvimento? (...)”. (Netto, 2005: 74).
A citação de Netto é clara em termos de colocar o ponto central da emergência
do movimento reconceituador vinculado ao Desenvolvimento num nível mais amplo.
Assim, ele vai dizer que aquela necessidade do Serviço Social contribuir na superação
da condição de subdesenvolvimento gerou um movimento amplo e muito heterogêneo.
A crise do serviço social tradicional, que gera esse movimento no interior da
profissão e como tentativa de acompanhamento do movimento sócio-político da região,
coloca em xeque os aportes teóricos, metodológicos, ideológicos e operativos que
fundamentavam o serviço social tradicional
26
.
Netto (2005: 76-77) propõe quatro pontos centrais que tem a ver com as
conquistas do Movimento reconceituador na América Latina:
Articulação de uma nova concepção da unidade latino-americana.
A explicitação da dimensão política da ação profissional.
A inauguração do pluralismo profissional.
A interlocução crítica com as ciências sociais.
É justamente essa interlocução crítica que vai permitir ao Serviço social se
afastar daquela posição passiva e de receptor acrítico da produção das ciências sociais,
permitindo uma interlocução com essa produção e, nesse marco, com a tradição
marxista.
Assim, segundo a colocação do autor “A principal conquista da Reconceituação,
porém, parece localizar-se num plano preciso: o da recusa do profissional de Serviço
Social a situar-se como um agente técnico puramente executivo (quase sempre, um
executor terminal de políticas sociais)”.
(Idem: 77).
Se fizermos uma avaliação da bibliografia existente no que diz respeito ao
processo de reconceituação vamos nos encontrar com uma obra coletiva de 1971 que
tenta uma primeira aproximação a esse respeito
27
.
26
Entendemos o Serviço Social tradicional nos termos de Netto. Por ‘Serviço Social
tradicional’ entendo aqui o desempenho profissional asistemático, intuitivo, carente de
procedimentos técnico-científicos mais refinados guiado por valores de origem liberal
burguês, orientado à correção (em uma perspectiva claramente funcionalista) de
disfunções sociais e apoiado em uma concepção (concientizadora ou não) idealista e/ ou
mecanicista do universo social, apenas compreendido enquanto universo social
capitalista” (Netto, 1974: 7, tradução nossa).
27
Trata-se de VV. AA. Reconceptualización del Servicio Social. Primera
aproximación. Buenos Aires: Humanitas, 1971.
Na obra citada, Herman Kruse
28
coloca a Reconceituação do Serviço Social no
final de um processo que ele reconstrói, através de uma lógica do que entende ser a
aplicação de um esquema dialético na compreensão da “evolução histórica” do Serviço
Social. Reconhecendo que essa “evolução” respondeu à influência do processo histórico
latino-americano e à trajetória do desenvolvimento do Serviço Social europeu e
particularmente estadunidense, a “seqüência evolutiva” teria o seguinte percurso. O
caminho teria se iniciado no que se conheceu como Serviço Social pára-médico, teria se
dado uma passagem para o Serviço Social ra-jurídico articulado ao Serviço Social
Beneficial, um terceiro momento daria lugar ao Serviço Social Tradicional em uma
perspectiva metodologista, teria se passado para um momento que o autor denomina
como cientificismo asséptico vinculado ao ideário desenvolvimentista e teria-se
chegado nessa lógica “evolutiva”, carregada de positivismo e sustentada na lógica
formal abstrata - no momento da Reconceituação do Serviço Social (Cf. Kruse, In: VV.
AA., 1971: 26).
“Em meados da década de sessenta, os assistentes sociais jovens
do cone sul reagiram contra os programas de formação copiados
do Estudo Internacional sobre Ensino do Serviço Social,
contra a falta de textos em espanhol que refletissem nossa
realidade e contra a falta de canais de comunicação entre as
novas gerações. 1965 foi um ano chave. No Uruguai, se
começou a discutir um novo currículo para a formação em cuja
elaboração participaram, pela primeira vez, os estudantes, ao
amparo do co-governo universitário que tinha-se conquistado
em 1958. Na Argentina, aparecia a revista ‘Hoy em el Servicio
Social” e pouco depois surgiria “Selecciones del Servicio
Social”. E no Brasil, organizava-se o I Seminário Latino-
americano de Serviço Social, onde organizadores e oradores
não eram os velhos ‘monstros sagrados’ da profissão, senão
figuras novas e desconhecidas que traziam uma mensagem
diferente. Falou-se naquela época da ‘geração do ‘65’ para se
referir aos atores desses fatos. Pouco depois imporia-se a
28
Assistente Social uruguaio, referência intelectual e política do processo de
Reconceituação no seu país e na região.
denominação mais precisa ‘a reconceituação’” (Kruse, 1986: 19-
20, tradução nossa).
Esse processo que é apresentado pelo autor como uma nova corrente dentro do
Serviço Social, é caracterizado como uma “olla hirviente”
29
, isto é, condensando uma
heterogeneidade que não permite compreendê-lo como unidade homogênea.
“A Reconceituação são os ganhos de não menos de cinqüenta
pequenos grupos que discutem criticamente o Serviço Social
desde o México até Montevidéu, desde Lima a o Rio de
Janeiro, chegando – às vezes – a descobrimentos muito distintos,
sem esquecer que a ênfase da discussão desses grupos às vezes
é completamente diferente. Mais ainda, os grupos que iniciaram
primeiro esse debate crítico tem passado por períodos nos quais
os temas examinados tem variado com o passar do tempo”
(Kruse, In: VV. AA., 1971: 27, tradução nossa).
Em primeiro lugar consideramos necessário nos determos nas determinações da
critica ao Serviço Social Tradicional na perspectiva do Desenvolvimentismo,
entendendo como já foi dito - que o questionamento critico da profissão em face do
tradicionalismo se inscreve nessa perspectiva.
“O arrogante triunfo da Revolução cubana pôs a descoberto as
vergonhosas condições de vida que se davam no continente. Sua
bandeira de denuncia do subdesenvolvimento foi rapidamente
tomada também pelo bando contrário, quando o presidente
Kenedy ofereceu no C.I.E.S
30
a aprovação da Aliança para o
Progresso” (Kruse, In: VV. AA., 1971:28).
O autor mostra a emergência de uma tendência desenvolvimentista no interior da
profissão, que foi formalizada através dos congressos Pan-americanos de Serviço
Social, Em São Jose de Costa Rica em 1961 e Lima, Peru em 1965.
29
Cuja tradução para o portugués seria “panela em ebulição”.
30
Trata-se do Conselho Interamericano Econômico e Social da OEA.
“No IV congresso
31
inaugurou-se uma nova corrente no Serviço
Social. A reunião se realizou apenas três meses depois da sessão
do CIES [Conselho Interamericano Econômico e Social] que
tinha institucionalizado a Aliança para o Progresso e orientou o
Serviço Social no que temos denominado como uma conceão
desenvolvimentista. O assistente social começou a ser visto
como um dos profissionais mais aptos para promover programas
de bem-estar individual ou familiar e de desenvolvimento
comunal que fortalecessem o sistema e impedissem a
propagação continental do exemplo cubano. As reuniões de
Lima, 1965 e de Caracas, 1968 foram a culminação desta
corrente” (Ander-Egg e Kruse, s/d: 12, tradução nossa).
No desenvolvimento do capítulo I do presente trabalho – e voltaremos sobre isso
também no próximo capítulo apresentamos a Aliança para o Progresso como resposta
imperialista, em face dos “riscos” de surtos revolucionários na região, sobretudo de
exportação da experiência cubana para outras latitudes. Agora, é necessário chamar a
atenção para o significado da Aliança para o Serviço Social e a sua influência decisiva
no seu processo de redefinições.
“Quando já estava amplamente difundido o sentido de frustração
dos Assistentes Sociais pelo divórcio entre a sua formação
teórica e as suas possibilidades práticas nas instituições, pela
ineficácia do método de caso para resolver problemas de fundo,
pela impossibilidade funcional de ir à causa dos problemas, um
fato político sacudiu o continente: a Revolução Cubana. Vista
pelos Estados Unidos como um perigo, o presidente Kennedy
decidiu afrontá-la com uma ação social de vastas proporções.
Foi assim como na reunião do CIES [Conselho Interamericano
Econômico e Social] de agosto de 1961, em Punta del Este, a
OEA aprovou um enorme programa que se denominou ‘Aliança
para o Progresso’. Os projetos da Aliança para o Progresso
transcenderam o estritamente político abordando o econômico e
o social, e obviamente incluíram também o serviço (Sic). O seu
ponto de partida foi um fato real, tangível, incontrastável: os
países da América Latina eram e desgraçadamente seguem
sendo subdesenvolvidos. O Propósito da Aliança para o
Progresso era atacar o subdesenvolvimento. Como? Com uma
pluralidade de projetos econômicos e sociais e algumas
31
Trata-se do IV Congresso pan-americano de Serviço Social, realizado em São Jose de
Costa Rica em 1961.
mudanças estruturais secundarias que viabilizassem aos países
latino-americanos conseguir a superação do
subdesenvolvimento. Subjacente a isso, estava a concepção do
subdesenvolvimento como etapa anterior e prévia ao
desenvolvimento do que se podia emergir com determinadas
cotas de inversão e algumas mudanças no sistema de posse e
exploração da terra, nos sistemas administrativo e fiscal e,
logicamente, superando os desníveis da balança de pagamentos,
etc., etc. (Kruse, 1986: 15-16, tradução nossa).
Considera-se necessário fazer algumas observações com relação à citação
anterior de Kruse. O autor continua analisando o significado da Aliança para o
Progresso no que diz respeito à inserção do Serviço Social em uma série de projetos em
nível continental. Coloca o fato de o Serviço Social ter conseguido reconhecer a
dimensão ideológica e afirma que a Aliança para o progresso “teve a franqueza de se
apresentar como o que realmente era: um programa político” (Idem: 17). Ainda sob o
risco de repetir uma argumentação que, em parte, foi desenvolvida no capitulo I da
presente dissertação, entendemos fundamental salientar novamente que a Aliança para o
Progresso constituiu uma resposta imperialista em face do novo cenário aberto no
Subcontinente e, portanto, esse projeto teve um claro caráter político. Esse caráter
aparece na Assembléia do CIES de 1961, a partir da denuncia nesse sentido expressa no
Discurso de Guevara que no capitulo anterior citamos oportunamente. Por essa razão é
que consideramos imperioso colocar entre aspas a questão de que o ataque ao
subdesenvolvimento” tenha sido o propósito dessa proposta. Isto é, parece necessário
salientar mais uma vez que essa Aliança perseguiu como seu objetivo central des-
politizar, des-economicizar e des-historicizar o problema do subdesenvolvimento na
região, convertendo a questão do desenvolvimento em um assunto puramente técnico,
que exigia portanto intervenções tecnocráticas para resolver o grave problema. Esse
problema na lógica do império - o era outro que a possibilidade de se espalhar as
experiências revolucionárias desde que os graves problemas da região não encontrassem
resposta oficial. Isto é, constituiu um “ganho” das lutas sociais, na lógica de uma
resposta de caráter adaptativo. Por isso a necessidade de chamar a atenção para o fato de
compreendê-la o como resposta em face de uma suposta preocupação pelo
subdesenvolvimento da região e sim como alternativa para a reprodução da ordem
social.
Kruse continua mostrando um processo através do qual esse papel
“transcendental” do Serviço Social no Desenvolvimento não conseguiu ir além do
verbalismo e rapidamente os limites dessa concepção começaram se manifestar (Cf.
Krusse, In: VV. AA., 1971: 28 e ss.). Assim em 1965 por causa do I Seminário
Regional de Serviço Social, realizado em Porto Alegre, Brasil,
“Começaram-se analisar com uma lupa as graves falhas do
Serviço Social Tradicional e do cientificismo asséptico e sem
sair ainda do desenvolvimentismo – se começou a ver o rol
revolucionário do Serviço Social. Passo a passo, a contribuição
marxista e a liberdade de expressão que existiam no Uruguai e
no Chile facilitaram ver as coisas desde outro ângulo. Não tem
uma, senão duas concepções de subdesenvolvimento: a que o
considera a etapa anterior ao desenvolvimento, e a que o
considera o preço do desenvolvimento de uns poucos” (Ibidem,
tradução nossa).
Considera-se, a partir daqui, que aparece a base do que será a ‘rachadura’ no
interior do Movimento no final da década de ’60. Isto é, compreendemos que o
Movimento de Reconceituação na América Latina condensa no seu interior duas
grandes perspectivas. Se esse movimento foi caracterizado como heterogêneo, mostra
também – uma importante heterogeneidade no seio de cada uma dessas duas tendências.
Poderíamos distinguir uma primeira tendência sob a designação de Desenvolvimentista
e uma segunda tendência vinculada a uma tentativa de diálogo com o campo marxista.
Kruse mostra, ainda, que essas duas concepções exigem do Serviço Social funções
diferentes. Toma o exemplo da necessidade da educação que é proclamada pelas duas
correntes mas salientado que “uma coisa é educar com métodos tradicionais para
integrar o homem ao sistema, e outra muito diferente educar, mediante cnicas de
conscientização, para ajudar o homem a se desalienar e se des-massificar” (Idem: 30,
tradução nossa). É evidente, nesta ultima citação do autor, a influência do pensamento
de Paulo Freire na compreensão e no papel outorgado à educação nesse processo. É
interessante salientar que Kruse chama a atenção para o fato de que, mesmo
apresentando essa heterogeneidade, o processo de Reconceituação não alberga no seu
interior corrente nenhuma que se posicione em defesa do Status quo.
Então, surgido nos marcos do ideário desenvolvimentista, o Processo de
Reconceituação enfrentou uma rie de problemas ou necessidades que a profissão de
Serviço Social começou a identificar, produto do processo histórico que estamos
analisando no percurso da nossa dissertação. Os pontos centrais da crítica ao
tradicionalismo profissional teriam colocado para o Serviço Social o desafio de
questionamentos no que diz respeito aos temas seguintes (Cf, Idem: 30 e ss.).
Em primeiro lugar é necessário colocar o papel assumido pela teoria nesse
processo e a emergência do debate sobre a necessidade de uma teoria própria do Serviço
Social. A questão da teoria – historicamente desprezada pela categoria profissional – vai
dar um giro a partir da criação do ECRO na Argentina. Trata-se do Esquema Conceitual
Referencial Operativo, vinculado ao Psiquiatra Pichón Riviere. Essa proposta surge da
necessidade de criação de uma teoria que superasse a histórica importação de teorias
provenientes dos Estados Unidos e da Europa e que pouco ou nada tinham a ver com a
realidade do subcontinente. Consideravam-se teorias obsoletas que não davam resposta
aos problemas da região. Inicia-se, assim, a busca de uma teoria própria do Serviço
Social latino-americano e nesse debate o encontro de Araxá ocupou um lugar central.
Agora, vejamos o que nos diz Netto sobre esse encontro e a perspectiva que afirma.
Tínhamos dito nos parágrafos anteriores que é possível identificar no processo de
Reconceituação duas grandes tendências, mas, para Netto (1998: 154) uma vez erodidas
as bases do Serviço Social Tradicional, a reflexão do Serviço Social no Brasil - se
desenvolveu em três direções principais no processo de renovação. Uma perspectiva
Modernizadora, uma perspectiva que se orienta na direção da Reatualização do
conservadorismo e uma terceira perspectiva que conforma a Intenção de ruptura.
“A primeira direção conforma uma perspectiva modernizadora
para as concepções profissionais um esforço no sentido de
adequar o Serviço Social, enquanto instrumento de intervenção
inserido no arsenal de técnicas sociais a ser operacionalizado no
marco de estratégias de desenvolvimento capitalista, às
exigências postas pelos processos sóciopolíticos emergentes no
pós ´64. trata-se de uma linha de desenvolvimento profissional
que, se encontra o auge da sua formulação exatamente na
segunda metade dos anos ’60 seus grandes monumentos, sem
duvidas, são os textos dos seminários de Araxá e Teresópolis
(...) o núcleo central desta perspectiva é a tematização do
Serviço Social como interveniente, dinamizador e integrador,
no processo de desenvolvimento” (Netto, 1998: 154)
Essa primeira perspectiva identificada pelo autor e, que pode ser entendida na
lógica mais ampla do ideário desenvolvimentista na região, parte da crítica ao
tradicionalismo profissional, mas não como forma de reação para a sua superação e sim
para “inseri-los [a esses valores e concepções] numa moldura teórica e metodológica
menos débil, subordinando-os aos seus vieses ‘modernos donde, por outro lado, o
lastro eclético de que é portadora” (Idem: 155). Nesse sentido é que se pode identificar,
no documento de Ara, uma subsunção do tradicional no moderno. A despeito de que a
análise feita por Netto em Ditadura e Serviço Social, foi a partir do desenvolvimento do
Serviço Social no Brasil, consideramos que os traços centrais dela contribuem para uma
análise que pode abranger a região, para além das fronteiras do Brasil. Assim, podemos
dizer, junto com o autor, que essa perspectiva modernizante no caso do Brasil a partir
dos documentos de Araxá e Teresópolis constituiu (Cf. Netto, 1998, 165) um
instrumento profissional de suporte às políticas de desenvolvimento.
“E é compreensível: a relação subdesenvolvimento /
desenvolvimento é pensada como um continuum, o
desenvolvimento aparecendo como uma etapa de um processo
cumulativo que, submetida a intervenções racionais e
planejadas, ver-se-ia ultrapassada e deslocada pela dinâmica que
conduziria ao outro pólo do continuum” (Idem: 166).
No capitulo III desta dissertação vamos nos deter em uma análise de algumas
das obras do sociólogo e cientista político argentino Ezequiel Ander-Egg, cuja
influencia no processo de Reconceituação nesse país mesmo que para além das suas
fronteiras foi significativa. Nessa análise identificaremos na trajetória da sua obra
a presença do que podemos entender como uma perspectiva modernizadora, onde o
papel outorgado ao Serviço Social adquiriu um caráter claramente tecnocrático na
lógica do desenvolvimentismo.
A leitura dos artigos que conformam o livro citado sob o nome A
Reconceituação do Serviço Social. Primeira aproximação, de 1971, mostra alguns
eixos que estão presentes nas reflexões de todos os autores. Assim, debates sobre a
ideologia, sobre a antinomia ciência / técnica, sobre a necessidade de criatividade
metodológica, de uma metodologia própria para o Serviço Social, norteiam o processo
de reflexão de grande parte dos autores significativos desse Movimento.
Kruse chama a atenção para o fato de que é a partir de dois trabalhos
apresentados no Seminário Regional de Montevidéu, em 1966, que começa a
“desgarrar-se o véu ideológico que alienava os profissionais e a profissão”. Isto é,
segundo o autor, o questionamento da premissa que colocava a incompatibilidade do
Serviço Social “com o existencialismo, com o marxismo ou com qualquer corrente de
pensamento que não fosse de forma insuspeitada ‘ocidental e cristã’”. O autor cita em
face desse processo de “emergência” da questão ideológica a influência de estudos do
ISAL (Igreja e Sociedade na América Latina) e de autores como Althusser e Paulo
Freire, esse ultimo particularmente no Chile, país que atravessava uma situação política
diferente das condições dos seus paises vizinhos, o que gerava um cenário favorável
para essas reflexões (Cf. VV. AA., 1971: 33).
Com relação à questão metodológica, encontramos tanto em Kruse como na
maioria dos autores significativos da época um questionamento orientado à necessidade
de ‘ruptura’ com a importação de metodologias, sobretudo provenientes dos Estados
Unidos. As condições histórico-sociais imperantes, que denunciavam uma realidade que
era lida na perspectiva do subdesenvolvimento, geraram um processo de
questionamento. Isto é, essas “metodologias importadas” não ofereciam respostas
concretas na intervenção nos problemas autóctones e impunham a urgente necessidade
de redefinição, de uma “Metodologia Básica”, segundo a expressão da época.
“Em finais de 1968 era notória e difundida a necessidade de
achar meios de ação mais eficazes. Abriram-se duas linhas de
procura (...) A linha externa orientou-se ao conhecimento e à
adaptação dos novos instrumentos criados pelas ciências sociais
(...) interesse na subcultura da pobreza de Oscar Lewis, no
método de conscientização de Paulo Freire, nas técnicas
conflitantes de Saul Alinsky, nos instrumentos para formular
tipologias, nos aportes da Psicologia do Eu, etc., etc. A procura
interna orientou-se a revisar a metodologia tradicional do
Serviço Social. Assim, vira moda a expressão ‘metodologia
básica’. A procura metodológica segue hoje três vias diferentes.
Uma, tem o seu centro no Brasil e aagora tem conseguido a
sua expressão máxima em trabalhos preparatórios (Jose Lucena
Dantas e Tecla Machado Soeiro) e no relatório de Teresópolis.
(...) a outra tem o seu centro na Escola de Serviço Social da
Universidade Católica do Chile. Primeiro procurou a ‘integração
de métodos’, quer dizer, aplicar conjuntamente caso, grupo e
comunidade, para ir vendo, aos poucos, que essas opções
operativas não são métodos, senão que Trabalho Social em si é
um todo (...) tem se lançado à formulação de uma
metodologia autóctone valida para a realidade latino-americana.
A terceira, finalmente, orienta-se a um estudo em profundidade
dos métodos tradicionais avaliando as suas possibildiades na
realidade continental e propondo as modificações
indispensáveis” (Kruse, In: VV. AA., 1971: 39-41, tradução
nossa).
Essa preocupação pela re-definição metodológica parece central na maioria dos
autores que produziram reflexões na época. Em um artigo da obra citada sob autoria de
Eliana Moreau de Young
32
, a autora coloca a questão da procura do Serviço Social de
uma resposta em face da “ETAPA PRE-REVOlucionária [maiúsculas da autora] que
esta vivendo América Latina”. E porque dissemos que a questão metodológica é uma
preocupação para a autora? O texto apresenta a incapacidade histórica do Serviço Social
para desenvolver uma ão que fosse significativa e questiona a ‘assepsia ideológica
que levou a acreditar que o caráter neutro da técnica social serviria melhor ao homem
do que o caráter comprometido. Voltaremos depois sob a questão do compromisso, mas
avaliemos agora a citação seguinte da autora:
“Sorte tiveram aqueles a quem pretendíamos servir, que a nossa
candidez chegasse a extremos tais que uma análise superficial
hoje, nos permite afirmar que fomos muito pouco eficazes ao
sistema, porque nossas ações importadas não tinham nenhuma
validez cientifica. Isto nos levou a fazer menos dano que o que
tivéssemos podido com uma técnica mais depurada” (De Young,
E. M., In: VV. AA., 1971: 78-79, tradução nossa).
Essas reflexões da autora permitem pensar que a questão metodológica que está
sendo questionada [particularmente a metodologia importada] ocupa um lugar central na
‘eficácia’ da intervenção do Serviço Social, a partir da possibilidade de lhe outorgar um
status técnico-científico. Isto é, segundo esse raciocínio, essas ões importadas teriam
32
No momento da publicação do artigo, a autora é assistente social e professora da
Escola de Serviço Social da Universidade do Chile, em Valparaíso.
levado inclusive a uma ação que nem na sua funcionalidade para a manutenção da
ordem social teria sido totalmente eficaz.
A mesma autora introduz uma outra questão fundamental para a compreensão do
Processo de Reconceituação na Região, qual seja, a articulação com setores religiosos,
particularmente setores da igreja Católica.
“Justo é reconhecer que os que produziram este impacto foram
pensadores cristãos, que com as suas idéias movimentaram
fortemente o Serviço Social latino-americano: Ander-Egg,
Herman Kruse; as idéias renovadoras da Escola de Serviço
Social da U. Católica de Santiago, que foi a primeira que iniciou
ações para re-orientar o Serviço Social; e a influencia de Paulo
Freire com toda a doutrina do seu método de conscientização”
(Idem, 79, tradução nossa).
Nessa lógica de pensamento a autora coloca como problema o fato de que esse
processo de renovação se circunscreveu a um grupo de elite que atingiu os alunos das
escolas de Serviço Social, a partir de cujas posições os professores se viram na
obrigação de se posicionar, mas, segundo essa reflexão o campo permaneceria virgem
no que diz respeito aos chamados ‘profissionais de campo’. Embora essa preocupação
esteja fundada em um fato que encontrava sustentação na realidade da época, a questão
deve ser lida com o cuidado necessário que evite o recurso a uma critica do processo
que pode se enquadrar em uma das oito críticas que Netto definiu como constitutivas da
Crítica Conservadora à Reconceituação a que fizemos referência em parágrafos
anteriores. Isto é, deve-se entender junto com Netto que:
“(...) Todo movimento revolucionário ou renovador se realiza,
inercialmente, engendrando uma estratificação própria,
reforçada, inclusive, pela solidariedade que os seus pioneiros
desenvolvem entre si. O que pode ser elemento judicativo é a
relação entre esses pequenos grupos, no seu processo de
maturação, e a comunidade profissional e não há qualquer
indicio confiável de que os grupos reconceptualizadores tenham
implementados políticas sistemáticas de exclusão” (Netto,
1981, 64).
A partir dessa critica, Moreau de Young se pergunta se o Serviço Social não terá
passado demasiado tempo discutindo sobre o problema ideológico e sobre o caráter
dicotômico – da profissão - entre ciência e tecnologia, debilitando dessa forma o
necessário debate sobre “uma construção metodológica de validez cientifica que de fato
levará a uma definição do status tecnológico ou cientifico da profissão e a transformar o
Serviço Social em um instrumento eficaz de mudança” (Moreau, E. de Y., In: VV. AA.,
1971: 80-81).
A autora coloca que o fato de o Serviço Social ter percorrido desde a sua
institucionalização um processo no qual a questão ideológica foi negada ou não
abordada, teria gerado neste novo cenário que ela definiu como Pré-revolucionário
um interesse que define como ‘exagerado’ no que diz respeito a essa questão. Nesse
sentido, chama a atenção para o fato de que como já dissemos foi um grupo cristão
que promoveu o ‘despertar critico’ do Serviço Social nos anos ’60 do século XX, se
inserindo nesse grupo – depois – outros grupos de tendência marxista. A autora continua
a sua análise acrescentando que não teriam se apresentado diferenças fundamentais
entre as opções de um e outro grupo. Segundo a autora, “Os grupos renovadores do
Serviço Social se jogam atualmente pelas mudanças estruturais, com ênfase em uma
ação conscientizadora do profissional junto com os indivíduos, grupos e comunidades,
para uma práxis que produza essas mudanças” (Moreau, In: VV. AA., 1971: 82,
tradução nossa).
Consideramos que uma avaliação dessa natureza acaba apagando algumas
diferenças fundamentais que dão forma ao caráter heterogêneo que, como dissemos, o
Movimento apresentou. Neste sentido, o consideramos acertada essa avaliação que
essas opções diferentes imprimiram leituras, ações e propostas diferentes das que
tentaremos dar conta ao longo da nossa dissertação.
A autora põe ênfase na influência de Paulo Freire, afirmando que todos os
assistentes sociais encontrar-se-iam tentando seguir as linhas do método desse autor que
“se constitui na metodologia que utiliza o povo para a criação da sua cultura e a
expressão da sua palavra” (Freire, ‘Sobre a ação cultural’; Icira, 1969. In: Moreau,
1971: 82).
Parece, então, que em face dessa perspectiva teria chegado o momento para o
Serviço Social abandonar a sua histórica posição de adaptação dos indivíduos ao
sistema, para assumir um lugar de “conscientização” das próprias injustiças do sistema,
promovendo a participação ativa do povo nas mudanças sociais.
Esta perspectiva parece introduzir elementos do que denominamos
anteriormente como uma “rachadura”, na frente ampla da reconceituação, que vai tomar
forma nos finais da década de ’60 do culo passado e que se afastaria da concepção
desenvolvimentista, mas voltaremos a isso.
Uma outra perspectiva é apresentada na mesma obra, no artigo sob autoria de
Sela Sierra
33
. A citação seguinte da própria autora vai nos colocar em face da sua
posição.
“(...) a tentativa de alguns colegas de chegar à Reconceituação
do Serviço Social partindo da sua negação desde a sua base. Ou
seja, considerando não já que o Serviço Social é hoje ineficaz ou
ainda atentatório para a mudança que se impõe, senão que o foi
desde a suas origens porque nasceu como o instrumento de um
sistema atualmente inaceitável, para contribuir à sua
sobrevivência. Entendo que como toda instituição social não
33
No momento da publicação do livro, a autora era assistente social, professora da
Escola de Assistentes Sociais da Universidade de Buenos Aires, presidenta da
Federação Argentina de Assistentes Sociais, e do Ateneo de Assistentes Sociais de
Buenos Aires.
pôde nem pode escapar aos condicionantes socioculturais
incluído o filosófico, o econômico, o político, o ideológico de
cada momento histórico. Mas entendo também que se a temos
escolhido é porque temos reconhecido nela uma validez
essencial, um sentido prospectivo que agora haverá que
reconsiderar, admito, mas cuja vigência essencial é
indispensável manter para dar sentido a qualquer tentativa de
reformulação. Toda eleição livre supõe um ato de valoração e de
adesão à coisa escolhida. É em ultima instância um ato de amor
e de fé. Esse ato de amor e de por um Serviço Social, o qual
se supõe que temos escolhido livremente, é a condição a partir
da qual pode se tentar a sua Reconceituação” (Sierra, S. In: VV.
AA., 1971: 119-120, tradução nossa).
Considera-se relevante fazer uma leitura das contribuições da autora na lógica de
análise que Netto definiu como a Reatualização do Conservadorismo. Isto é, não se
trata de importar uma lógica de análise e inseri-la na nossa realidade. Trata-se de captar
à luz das contribuições de Netto essa heterogeneidade, esse caráter heteróclito, do
processo que estudamos. Incluir nesta análise essa perspectiva é importante enquanto
permite apresentar o Processo na sua contradição. Em parágrafos anteriores e analisando
algumas contribuições do uruguaio Herman Kruse, dissemos que – segundo esse autor
existia no interior do grupo mais ativo da reconceituação uma heterogeneidade que
respeitava um patamar mínimo, isto é, o autor considerava que nenhum desses grupos
podia ser identificado com uma perspectiva teórico-ideológico-política que promovesse
a manutenção do Status quo. Agora, a nosso ver, as considerações da autora contribuem
para colocar interrogações em face da afirmação anterior de Kruse. Uma análise que
coloca em questão a compreensão do Serviço Social tal como começava a ser
entendido na época - no seu caráter de “instrumento de um sistema atualmente
inaceitável, para contribuir à sua sobrevivência [do sistema]”, constitui um dos
fundamentos das nossas interrogações nesse sentido. A autora faz referência à
necessidade de “reconsiderar” uma tal validez essencial” da profissão, mas, coloca
expressamente a necessidade de manter essa “vigência essencial” em um possível
processo de reformulação. O fato de afirmar que toda tentativa de Reconceituação
profissional deve partir de “um ato de amor e de fé” – ato que, segundo a autora, seria o
ponto de partida para tentar a Reconceituação de uma profissão que temos escolhido
livremente não só mostra – como dissemos uma perspectiva na lógica da
reatualização do conservadorismo, como também parece se contrapor com às
preocupações posteriores que a autora coloca no texto citado. Mas, uma leitura
cuidadosa permite entender que não se trataria de uma contradição nos termos e sim da
confirmação dessa perspectiva conservadora. Isto é, a preocupação pelo “Retorno ao
Apostolado”, pela dicotomia “Profissionais ou Redentores” (Idem: 120-126) e mais
claramente a contraposição entre “O Profissional e o Político” constituem elementos
para compreender essa perspectiva. O que estamos querendo salientar é o fato de que
subjacente à crítica a esse suposto “retorno ao apostolado” e, subjacente também, à
critica do lugar de “profissionais ou redentores”, parece se ocultar uma argumentação
que rejeita fortemente a dimensão ídeo-política que a profissão começava a reconhecer,
a partir do processo que vinha desenvolvendo em nível regional e continental. Mais
ainda, nessa lógica, o Serviço Social não é analisado em termos de profissão e sim como
vocação.
A autora continua a sua argumentação tratando uma questão que ela desenvolve
sob o titulo de “A limitação geográfica” (Cf. Idem: 126 e ss.). Vai apresentar uma
critica ao caráter latino-americano da Reconceituação. Nessa lógica chama a atenção
para o fato de que esse “fraternalismo” que perpetuaria a divisão entre “nós e eles”
restringiria “perigosamente o sentido da solidariedade universal, único que pode levar o
mundo a um sistema autenticamente humano de convivência” (Ibidem). Segundo a
autora, as mudanças pelas quais se lutava deviam compreender a sociedade toda e se
conseguiriam de forma “eficaz e duradoura”. Isto é, quando a consciência dessa
mudança atingisse a sociedade toda em uma projeção que a autora chama de
totalizante e não apenas América Latina. Nas afirmações da autora aparece
subjacente - uma concepção sustentada no universalismo abstrato e a-histórico, baseada
em princípios neotomistas.
34
“Evidentemente, se para a Geração do ’65 uma das
preocupações centrais era construir um Trabalho Social
genuinamente latino-americano, a Editorial Humanitas, e
particularmente esta revista
35
, se coloca na antípoda dessa
intenção. A preocupação se centrava, fundamentalmente, em
trazer o mais atualizado do “Social Work” norte-americano
(Parra, 2002: 112-113, tradução nossa).
Porque a importância de resgatar essa citação de Parra? Porque a publicação
dessa revista, na qual Sela Sierra teve ativa participação
36
cristalizou a perspectiva que
vimos desenvolvendo e que segundo Parra não teria feito nenhuma referência durante
1968 à questão da Reconceituação do Serviço Social.
“Nos quatro números publicados em 1968 (março, junho,
setembro e dezembro) não existe a menor referência, nem direta
nem indireta, a um processo de ‘renovação’, ‘reforma’ ou
‘reteorização’ do Trabalho Social. Os trabalhos que se publicam
são as traduções da revista norte-americana, principalmente
referidos aos métodos clássicos do Trabalho Social ou a campos
específicos da intervenção profissional, embora caiba salientar a
existência de uma importante quantidade de informação sobre
eventos no âmbito latino-americano e mundial” (Parra, 2002:
114, tradução nossa).
34
Voltaremos sobre a questão do neotomismo no próximo capítulo.
35
O autor esta se referindo à Revista “Selecciones del Social Work”, que a Editorial
Humanitas publicou a partir do mês de março de 1968 e que a partir do seu número 9,
do ano 1970, muda de nome para se chamar Selecciones del Servicio Social.
36
Deve-se lembrar que essa revista esteve sob a responsabilidade editoria de Aníbal
Villaverde, pedagogo argentino, marido de Sierra.
È necessário fazer uma diferenciação entre as publicações editadas pela
mencionada Editorial Humanitas e a Editorial ECRO
37
. Diz Parra nesse sentido:
“Se tivéssemos que assinalar uma distinção entre as publicações
realizadas pela editorial ECRO e as da Editorial Humanitas,
poderíamos indicar que estas primeiras, vinculadas à perspectiva
desenvolvimentista, procuravam adaptá-la à realidade latino-
americana e, em conseqüência, esboçavam muito timidamente
alguma possibilidade de critica ao tempo que, como
indicamos, vão incorporando outras temáticas ou discussões
para além da questão do ‘desenvolvimento’. Diferente disso, nas
publicações de Humanitas encontramos uma ‘tradução’
exclusivamente em termos da linguagem das propostas que se
desenvolviam no Trabalho Social norte-americano como das
provenientes das Nações Unidas e a OEA” (Parra, 2002: 111).
No aprofundamento da análise que estamos desenvolvendo, consideramos que a
seguinte contribuição de Netto vai nos ajudar em algumas aclarações, embora
permita-se a reiteração – as reflexões desse autor estejam orientadas à análise do
processo brasileiro.
“A empresa restauradora possível, portanto, deveria travar um
duplo combate: deter e reverter a erosão do ethos profissional
tradicional e todas as suas implicações sociotécnicas e, ao
mesmo tempo, configurar-se como uma alternativa capaz de
neutralizar as novas influências que provinham dos quadros de
referência próprios da inspiração marxista. Fazê-lo, porém,
supunha inovar na operação mesma da restauração supunha
reatualizar o conservadorismo, embutindo-o numa ‘nova
proposta’, ‘aberta’ e ‘em construção’” (Netto, 1998: 203).
Consideramos necessário fazer uma ultima referência à perspectiva que vimos
desenvolvendo até aqui, a partir das contribuições de Marta Azcurra
38
. As reflexões têm
37
Trata-se do Esquema Conceitual Referencial Operativo que resgata as contribuições
de P. Rivière e José Bleger e analisa as suas relações com o Trabalho Social. “Os
trabalhadores sociais tem que ter um ECRO. É requisito fundamental que durante a sua
formação como aluno cada futuro profissional de Serviço Social introjete um Esquema
Conceitual Referencial Operativo, o que tem que ficar indelevelmente apreendido em
toda a sua personalidade e o que exercitará permanentemente através da práxis”
(Barreix, 1967: 16. In: Parra, 2002: 105, tradução nossa).
sustentação em uma definição de serviço Social da UCISS apresentada no Congresso
internacional de Roma em 1925 e que a autora cita da seguinte forma:
“O Serviço Social é a atividade tecnicamente realizada por
profissionais capacitados para esses fins, que procura promover
ou fazer funcionar corretamente aqueles marcos sociais
necessários ou úteis para os homens, sempre que eles não
possam realizá-los por si próprios” (Azcurra, In: VV. AA.,
1971: 130).
Em todas as respostas da autora parece clara uma referencia à necessidade de
volta para esse “verdadeiro sentido social” que essas velhas concepções no seu
dinamismo continham, segundo o raciocínio da autora. Deve-se se salientar, também,
que em face da pergunta sobre os fatores que moviam o Movimento de Reconceituação
– que ela escolhe chamar de reformulação – não faz nem a mínima referencia ao cenário
histórico–político no qual a maioria dos autores da época situam esse processo. Parece
que o único fator externo tem a ver com a “incompreensão do papel profissional” do
Serviço Social e a partir dessa incompreensão ter-se-ia movimentado esse “processo de
reformulação”. A única referência, fora a questão do papel da profissão, diz respeito a
“outro fator que consiste na procura de soluções fora da essência e conteúdo próprio da
profissão” (Idem: 131).
38
Assistente Social de Buenos Aires e Presidente da UCISS, União Católica
Internacional de Serviço Social. Trata-se das resposta da autora em face de um
questionário titulado “Encuesta sobre el tema de la Reconceptualización del Servicio
Social” Esse questionário incluía as seguintes questões. 1) O que se entende por
“Reconceituação” do Serviço Social (ou atualização, ou reformulação, etc.)? 2) É hoje
necessária essa Reconceituação? Por que? 3) A que fatores responde esse movimento
atual de reconceituação do Serviço Social? 4) Quais deveriam ser os “novos conceitos”,
ou orientações novas, ou nova filosofia do Serviço Social para América Latina? 5) Que
aspectos do Serviço Social deveria abranger essa “reconceituação”? 6) Acrescente o que
desejar. (Publicada In: VV. AA., 1971: 129 e ss, tradução nossa).
Consideramos que com as reflexões realizadas até aqui pode-se identificar uma
corrente no interior da Reconceituação a partir dessas duas referencias para o caso
argentino. Avalia-se de grande relevância essa leitura já que em termos gerais os
estudos sobre reconceituação para o caso argentino apresentam geralmente o
processo como um movimento de ruptura com o tradicionalismo profissional. Quer
dizer, apesar de concordarmos com essa afirmação, é preciso salientar o fato de que essa
critica nem sempre apresentou avanços, por isso consideramos que esta leitura nos
permite resgatar o movimento de avanços e retrocessos próprio do movimento
contraditório da realidade.
Fazer uma leitura do processo de Reconceituação na América Latina com o eixo
centrado na trajetória desse Movimento na particularidade da Argentina exige observar
atentamente algumas contribuições de um autor que protagonizou o processo nesse país,
tal o caso de Natalio Kisnerman.
“Ninguém pode negar que a Reconceituação foi o produto de
uma atitude critica em face do modelo positivista funcionalista.
E a afirmação de um Trabalho Social consubstanciado com o
propriamente latino-americano, frente aos ataques dominantes
do poder norte-americano, de cujas formas profissionais
tínhamos sido transmissores desde os anos da nossa formação
(...) temos afirmado que ‘surgiu como processo de
questionamento, revisão e busca’. Que ‘o questionamento levou
a um estudo aprofundado da realidade latino-americana, seu
subdesenvolvimento e crescente dependência econômica, que a
revisão partiu das fontes mesmas da profissão, analisando
métodos, técnicas e procedimentos, categorias de análises da
realidade e a sua pratica institucional e formativa de
trabalhadores sociais, e de procura no sentido de conseguir
alternativas científicas de intervenção que contribuam para
transformar basicamente as situações-problema nas quais
atuamos (Kisnerman, 1998: 84)” (Kisnerman, In: Alayón, 2005:
35-36, tradução nossa).
Em uma análise do processo histórico do Serviço Social, Kisnerman citando
Hegel diz que “o mundo não esta construído por coisas acabadas, senão por um
conjunto de processos que uma lógica dialética do seu desenvolvimento poderia nos
facilitar a sua compreensão. Cada fenômeno histórico se produz através da ação de
processos históricos contrários”. Nessa lógica o autor diz compreender o processo
histórico da profissão de Serviço Social, “procurando-lhe um sentido efetivo às
necessidades históricas que tem produzido o seu desenvolvimento, como processo de
transformações na relação homem-mundo”. Isto é, não é do interesse de Kisnerman
segundo ele afirma - apresentar uma seqüência cronológica de fatos e sim uma análise
das ideologias com as quais o Serviço Social tem trabalhado e nutrido os seus conteúdos
(Cf. 1972: 14).
Nessa lógica, Kisnerman na obra anteriormente citada inicia a sua
formulação histórica a partir do Positivismo de Comte, passando pelas contribuições de
Stuart Mill, pela ideologia positivista liberal de Spencer, Parsons e aas contribuições
de “coetâneo e enfrentado com eles”, segundo Kisnerman Wright Mills. Chama a
atenção para os fatos que constituíam o cenário mundial ao tempo que Comte e Spencer
escreviam as suas obras e faz um percurso que o leva à análise da criação da COS
(Charity oraganization society) em Londres, no ano de 1869. Desta forma o autor teria
chegado à origem da Assistência Social como forma organizada de Assistência
39
.
Kisnerman avança nessa lógica de análise e chega em 1965, com contribuições que mais
interessam aos fins do nosso trabalho, em uma perspectiva que evidencia uma ausência
de rigor teórico-metodológico.
“Resumindo, dizemos que no processo histórico do Serviço
Social, a superação de cada etapa cria uma nova que a contem e
a nega. A etapa Assistência Social tem sido o ponto de partida.
Dura desde 1869, fundação da COS em Londres até 1917,
39
Não vamos nos determos aqui no debate sobre a concepção do autor em face da
gênese do Serviço Social como profissão. Um estudo aprofundado encontra-se em
Montaño (1998).
aparição do Social Diagnosis, de Mary E. Richmond. Surge
então o Serviço Social, o que começa a ser negado desde 1965
pelo movimento de reconceituação latino-americano, o que, a
modo de síntese, pretende superar o chamado Serviço Social
Tradicional de caso, grupo e comunidade, como entidades
isoladas e abstratas” (Kisnerman, 1972: 24, tradução nossa).
A leitura de diversas obras de Kisnerman, a propósito do Movimento de
Reconceituação, revela afirmações que dariam conta de um ecletismo a partir da
sustentação das suas contribuições em diversas correntes de pensamento. Encontram-se
reflexões referenciadas em Mao Tse Tung, em Lukács, em Weber, em Durkheim e na
influencia de Paulo Freire, como também referencias a Karel Kosik; o qual mostra
como já dissemos - a ausência de rigor teórico-metodológico.
No desenvolvimento da sua obra Servicio Social Pueblo, de 1972, aparecem uma
serie de formulações que evidenciam diferenças entre o que seria a concepção de objeto,
sujeito e objetivos entre o Serviço Social Tradicional e os avanços de um Serviço Social
reeconceituado.
“Objeto é aquilo que uma disciplina estuda e transforma pela
sua ação. Para o Serviço Social tradicional, o objeto foi o
homem, ou melhor, as formas de previsão e controle do
comportamento, para o qual os fins – adaptação do homem a sua
sociedade justificam os meios. Para o Serviço Social
reconceituado, o objeto são as situações problemas gerais por
carências e necessidades sociais, cujo antecedente aparece no
Social Diagnosis, em 1917, quando Mary E. Richmond
assinalou que era ‘a tentativa para definir com a maior exatidão
possível a situação e a personalidade de um ser humano em uma
carência social qualquer, não em relação com outros seres
humanos dos que depende ou que dependem dele, mas também
em relação com as instituições sociais da sua comunidade”
(Kisnerman, 1972: 41-42, tradução nossa).
No que diz respeito ao sujeito do Serviço Social o autor diz que enquanto para o
tradicionalismo profissional o homem era um objeto que vivenciava problemas sociais,
razão pela qual tinha que ser adaptado à sociedade, para o Serviço Social reconceituado
o homem é um transformador do mundo. Isto é, faz o mundo e se faz a si próprio, é um
sujeito.
O desenvolvimento teórico de Kisnerman, na obra citada, coloca a preocupação
com uma teorização do Serviço Social que pode se entender em uma orientação no
interior do processo de Reconceituação cientifica. A citação seguinte expressa
claramente essa posição do autor.
“A partir desse ano [o autor esta se referindo ao ano de 1965] se
começam a produzir formulações reconceituadoras em
diferentes lugares de América Latina, sendo o inicial o dado pela
Escola de Serviço Social da Universidade Católica de Santiago
de Chile. Essas formulações adquirem hoje duas formas ou
orientações: tecnológicas e cientificas. Nessa última, nos
colocamos nesta primeira aproximação, que o nosso esquema
reconceituador se baseia no método cientifico” (Kisnerman,
1970a: 16, tradução nossa).
Essa posição vinculada a um esquema inserido em produções baseadas no
“método cientifico”, associa-se segundo o mesmo autor (Cf. Kisnerman, 1970a: 15)
a uma revisão da metodologia tradicional que apresentaria “a falta de uma sincronização
e adequação dos três métodos básicos à realidade latino-americana”.
Essa posição esta contida nas proposições da sua critica à questão do
desenvolvimento, o que faz com que as contribuições do autor estejam inseridas em
uma lógica modernizante. O autor (Cf. Kisnerman, 1970: 108-119) mostra a trajetória
do conceito de desenvolvimento, em uma análise da Ética do Desenvolvimento. Dessa
forma chega à definição do Padre Lebret que retomaremos no próximo capitulo
entendendo o desenvolvimento como se expressa na citação seguinte;
“(...) a serie de passos para que uma população determinada
passe de uma fase menos humana a uma fase mais humana, ao
ritmo mais rápido possível, ao custo financeiro e humano menos
elevado possível, levando em conta a solidariedade entre todas
as populações” (Idem: 108, tradução nossa).
As determinações dessa concepção baseadas em uma ética de caráter neotomista
serão tratadas no capitulo seguinte. O que importa resgatar aqui é o fato de que embora
o autor nessa obra como nas outras citadas se posicione criticamente em face da
compreensão do Assistente Social como agente de mudanças” e defenda a necessidade
de o assistente social se colocar como promotor dessas mudanças e, mais ainda,
proponha a urgência de uma mudança nas estruturas, a sua lógica de análise não
transcende os limites de uma interpretação modernizante. Citando mais uma vez o Padre
Lebret, Kisnerman afirma:
“O desenvolvimento econômico ou mecanicista, como também
foi chamado, procura mais produção, mais riqueza, ter mais. A
sua ordem é quantitativa. O homem é um meio para
consegui-lo. Uma posição intermédia é o marxismo, para o qual
pondo em ordem a economia se solucionam todos os problemas,
o que a nosso juízo não deixa de ser mais do que uma forma de
novo idealismo. O desenvolvimento socioeconômico procura,
pelo contrário, a elevação humana a todos os níveis. Centra-se
no homem. Procura que ele valha mais, quer dizer, seja mais
homem. Interessa o valor qualitativo, porque ser mais significa
realização ótima de todas as potencialidades humanas” (Idem:
111, tradução nossa).
Essa ultima citação evidencia mais uma vez não apenas uma leitura neotomista,
coloca claramente uma leitura mecanicista e economicista do marxismo e rejeita no
que pareceria uma influencia durkheimiana
40
– toda possibilidade de revolução. Isto é, a
necessidade de uma mudança em um marco de solidariedade, em um esforço
mancomunado de mudança integral e harmônica. O autor entende, junto com Paulo VI,
que o desenvolvimento é “o novo nome da paz”. Pode-se identificar, porém, a influência
de Paulo Freire enquanto entende que “a educação básica deve ser o primeiro objetivo
40
Sugere-se a recorrência às obras do próprio Durkheim: “Las Reglas del Método
Sociológico”. Buenos Aires: Entrelíneas, 1996 e “Da Divisão do Trabalho Social”. São
Paulo: Martins Fontes,
de um plano de desenvolvimento”, em termos da conscientização da necessária
mudança. Citando mais uma vez Paulo VI, Kisnerman entende que,
“Não se trata de vencer a fome, nem de fazer retroceder a
pobreza. Trata-se de construir um mundo donde todo homem,
sem exceção de raça, religião ou nacionalidade, possa viver uma
vida plenamente humana, emancipado das servidões que lhe
vem de parte dos homens e de uma natureza insuficientemente
dominada; um mundo onde a liberdade não seja uma palavra
(...) Insistimos: o maior mal do subdesenvolvimento radica nas
estruturas mentais” (Idem: 113, tradução nossa, grifos nossos).
Seguindo as contribuições de Paulo Freire, Kisnerman afirma que trabalhar para
o desenvolvimento significa pôr a disposição dos outros o que se tem para “criar o
espírito de convivência e fazer descobrir o sentido de complementaridade social, e ter
sobretudo uma consciência crítica de quais sãos os problemas e como posso militar
ativamente junto aos outros na sua solução” (Idem: 119, tradução nossa).
“E acreditamos que a única forma de educar é utilizando o
método de conscientização, aplicando a doutrina do seu criador
Paulo Freire (brasileiro, s. XX) (Sic.). Criado para alfabetizar
adultos, acreditamos que na sua essência pode ser aplicado para
criar consciência de mudança e desenvolvimento. O método
propõe a promoção do homem para que seja livre. Freire diz que
‘só livre é homem’” (Kisnerman, 1970: 117, tradução nossa).
A partir das nossas reflexões até aqui, podemos dizer que a direção adotada na
análise do objeto nos levou a identificar algumas tendências no interior do Movimento
de Reconceituação, que apresentamos em termos de uma perspectiva (seguindo as
análises de Netto) modernizante, uma outra perspectiva que se vincula com à
Reatualização de Conservadorismo e entraremos na próximas paginas em outra
perspectiva que o autor citado denominou como Intenção de ruptura. Colocamos
também os eixos dos debates vinculados à metodologia, como também a discussão que
se centra na suposta dicotomia de uma perspectiva cientifica versus uma outra com
ênfase no “tecnológico”. Agora antes de entrar nas reflexões que dariam conta da
denominada intenção de ruptura, consideramos esclarecedor resgatar algumas
definições de Serviço Social sistematizadas por Alayón (1987: 19 e ss., tradução nossa)
que apontam essas diferentes perspectivas, expressas nas diferentes concepções de
profissão. Embora o autor apresente uma sistematização de 140 definições de Serviço
Social que abrangem quase todos os países da América Latina, vamos nos deter, apenas,
naquelas contribuições mais significativas de autores argentinos que se relacionam com
o momento histórico do Movimento de Reconceituação, incluindo algumas dos anos
imediatamente anteriores, isto é, dos inícios da década de 1960.
Consideramos de grande importância o resgate de algumas das definições de
Serviço Social sistematizadas por Alayón (1987) porque na avaliação histórica dessas
definições é possível acompanhar alguns movimentos no interior do Processo de
Reconceituação, agora na particularidade Argentina.
Se analisarmos a seqüência apresentada é possível identificar posições
vinculadas (nos primeiros anos da década de 1960) ao desenvolvimento harmônico de
possibilidades latentes”, definições vinculadas a “normas ou procedimentos de ajuda em
face de dificuldades” ou perspectivas orientadas ao tratamento de desajustes
socioeconômicos e culturais em face da busca do bem-estar. É a partir de 1965 que,
segundo essa crônica, começam a aparecer definições que propõem a necessidade de
“soluções de fundo”, isto é, a necessidade de transcender “o paliativo”, em uma
proposta de desenvolvimento individual e social, a um desenvolvimento “físico,
espiritual e socioeconômico harmônico”. Chegando no final da década de ’60 as
definições, mesmo ainda algumas delas dentro da lógica dicotômica marginalidade-
integração, apresentam uma orientação fortemente marcada pela necessidade de
“Conscientização”. Conscientização para a mudança, conscientização para a libertação
dos homens, compromisso humano com a transformação social. Embora essas novas
determinações mostrem uma “superação” - nos debates do Serviço Social argentino - no
que diz respeito ao ideário desenvolvimentista, ideário a partir do qual o movimento de
Reconceituação tinha emergido nesse país, considera-se que essas determinações ou
essas novas críticas não conseguiram transcender no caso argentino a lógica da
perspectiva modernizante. De fato em algumas das definições aparece a questão da
conscientização, da necessidade de mudança para a libertação dos homens, vinculada á
necessidade de mudanças mentais.
Vejamos, textualmente, quais são as afirmações das diferentes definições de
Serviço Social ou Trabalho Social apresentadas na citada obra de Alayón.
“A Assistência Social é a ‘ciência que equilibra as medidas
preventivas e protetoras para assegurar à sociedade em geral e a
seus indivíduos em particular, o desenvolvimento harmônico de
todas as possibilidades latentes que signifiquem progresso
físico, moral, econômico e/ ou social’” (Trillo, M. C. In:
Heredia, P. V., 1961: 21).
“Assistência Social: disciplina ou ciência normativa que se
ocupa de estabelecer os princípios, normas e procedimentos para
ajudar os indivíduos, grupos e comunidades, na solução dos seus
problemas e dificuldades’” (Sierra, S., 1963, grifos nossos).
“... define-se o Serviço Social como a atividade destinada a
promover o bem-estar social mediante o diagnóstico, tratamento
e prevenção dos desajustes sócio-econômicos-culturais dos
indivíduos, grupos e comunidades, como também a organização
e administração de serviços de bem-estar social, a investigação
social e política social’” (Ley 259/64, Estado de Misiones,
Argentina, 1964, grifos nossos).
“O Serviço Social profissional é um todo que não aponta aos
efeitos, mas, que atua sobre as causas que os provocam, não
cura ou paliativo, senão que o seu objetivo final é a ação
preventiva e construtiva por excelência, a do melhoramento do
meio social, a de orientar e lhes ensinar as pessoas a ‘se ajudar
a si próprios na procura e encontro de um caminho para uma
vida melhor’ e, ao mesmo tempo e simultaneamente, promover
novas formas de convivência humana que façam possível
soluções de fundo para alcançar níveis adequados do seu
desenvolvimento o individual mas também social’”
(Associação de trabalhadores sociais de Buenos Aires. In:
revista Hoy em el Servicio Social . Buenos Aires: ECRO, 1965,
grifos nossos).
“O Serviço Social é o conjunto de técnicas cientificas
adequadas, tendentes a prevenir, atenuar e suprimir os
problemas sociais, promovendo o harmônico desenvolvimento
físico, espiritual e socioeconômico, para conseguir o bem-estar e
as melhores relações que possam se dar em uma sociedade em
determinado tempo, mediante a atividade profissional
interdisciplinar e a participação livre, ativa e responsável dos
interessados, sobre a base da justiça social” (Heredia, P. V.,
1967: 165, grifos nossos).
“O serviço Social é uma técnica social; esta no plano da ação e
da engenharia social; de nenhuma forma pode ser considerada
como uma ciência ou como um método de investigação
aplicado, embora se apóie neles”. O Serviço Social tem uma
função de conscientização no processo de promoção do auto-
desenvolvimento de indivíduos, grupos e comunidades, a fim de
que, por meio da participação, passem de uma situação de
marginalidade a outra de integração na sociedade global”
(Ander-Egg, E., 1968: 61 e 58, grifos nossos).
“O Assistente Social, à diferença do psicólogo e do sociólogo,
que descrevem os fenômenos pessoais e coletivos; tende a
controlar construtivamente as mudanças que se operam no
individual e no social. Daí que os princípios práticos que
devem orientar a ação do Assistente Social suponham um
objetivo de bem-estar individual e social” (Escola de Assistência
Social da Universidade nacional de Córdoba, 1968, negrito
nosso, grifos do autor).
“Serviço Social: é a tecnologia que, em face da existência de
situações sociais de marginalidade, vulnerabilidade, e/ ou
opressão, que afetam os seres humanos, procura o
reconhecimento das raízes profundas responsáveis por elas,
para, a partir daí, desenvolver uma ação conscientizadora
destinada a promover as ações individuais, grupais e coletivas
necessárias para a mudança ou para a sua constante evolução
quando as condições cio-culturais básicas de vida digna lhe
estejam asseguradas” (Grupo ECRO, 1970, grifos nossos).
“O Serviço Social é uma tecnologia social; conseqüentemente,
a sua função principal se coloca fundamentalmente ao vel da
praxis. Dentro deste contexto, tudo o que diz respeito ao método
adquire uma centralidade indiscutível“O Serviço Social tem
uma função de conscientização no processo de promoção do
autodesenvolvimento independente de indivíduos, grupos e
comunidades, a fim de que, por meio da sua inserção crítica na
realidade e a sua participação ativa, passem de uma situação de
marginalidade para outra de integração em uma sociedade
global que permita a realização de todo o homem e de todos os
homens” (Ander-Egg,, 1971: 129 e 105, grifos nossos).
“O Serviço Social é uma atividade profissional que, estudando
as situações problemas, traduz necessidades sociais em ações
concretas” (Kisnerman, 1972: 206).
“O fim do Serviço Social é: contribuir e participar na
libertação do homem, entendendo por tal um processo de
personalização solidária através do qual o homem seja ator de
uma mudança pessoal de mentalidade, atitudes e conduta, e de
uma transformação simultânea da realidade social na que lhe
toca viver” ( Escola de Serviço Social de Mendoza, 1972, grifos
nossos).
“O trabalho Social é o conjunto de técnicas sociais, orientadas
pelo conhecimento científico, para conseguir o bem-estar, na
justiça social” ( Heredia, P. V., 1973: 33).
“O trabalho Social é uma profissão universitária que tem um
corpo de conhecimentos, princípios e metodologias próprios que
o identificam e o distinguem de outras profissões. É uma
profissão na qual o acúmulo de conhecimentos técnicos deve se
ver superado pelo compromisso humano dos que assumem a
responsabilidade da sua operacionalização. Deve atuar como
resposta das expectativas crescentes, cumprindo uma função
conscientizadora e dinamizadora que promova e oriente aptidões
e atitudes de responsável realização de indivíduos (Sic.), grupos
e comunidades” (Escola de Serviço Social. Universidade
nacional do nordeste, Misiones, Argentina, 1973).
“O Trabalho Social, na atualidade, é uma atividade profissional
de cada vez mais sólida base científica, de inspiração humanista,
com uma metodologia operativa e técnicas adequadas para
promover no meio no qual se aplica o pleno desenvolvimento da
personalidade humana, o crescimento dos sentimentos de
cooperação e o êxito de formas e sistemas de vida comunitária
cada vez mais elevados” (Escola de Serviço Social,
Universidade Nacional do nordeste, Misiones, Argentina, 1973).
Serviço Social: forma de ação social que supera a Assistência
Social, que organiza de maneira mais sistemática do que a sua
antecessora e mediante procedimentos técnicos mais elaborados,
a ajuda a indivíduos, grupos e comunidades, com o objetivo de
que possam satisfazer as suas necessidades, e resolver os seus
problemas de adaptação a um tipo de sociedade em mudança e
realizar ações de tipo cooperativo, para melhorar as condições
econômicas e sociais de vida” (Ander-Egg, 1974, grifos nossos).
Trabalho Social: Forma de ação social que supera a
Assistência Social e o Serviço Social. Na América Latina não
deve se confundir com o ‘Social Work’ norte-americano, porque
diferem substancialmente no que diz respeito à concepção
metodológica e intencionalidade. O Trabalho Social tem uma
função de conscientização, mobilização e organização do povo,
para que em um processo de promoção do autodesenvolvimento
independente, indivíduos, grupos e comunidades, realizando
projetos de Trabalho Social, inseridos criticamente e atuando
nas suas próprias organizações, participem ativamente na
realização de um projeto político que signifique o trânsito de
uma situação de dominação e marginalidade para outra de plena
participação do povo na vida política, econômica e social da
nação, que crie as condições necessárias para uma nova forma
de ser homem” (Ander-Egg, 1974, grifos nossos).
“O Serviço Social é uma atividade profissional que contribui à
transformação da sociedade através de uma práxis, (ação-
reflexão) sistemática, libertadora, em e desde o povo, no qual o
homem seja fazedor da sua história, desenvolvendo
integralmente os valores de solidariedade e responsabilidade
social, com a finalidade principal de eliminar todos aqueles
fatores que obstaculizam a tomada de decisões e a participação
dos esforços para a construção de uma sociedade na qual o
homem possa SER” (Escola de Serviço Social da Faculdade de
Direito e Ciências Sociais de Buenos Aires, 1974, grifos
nossos).
Agora bem, antes de apresentarmos essa série sistematizada de definições sobre
a profissão, afirmamos que o caso argentino mostrava um aggiornamento discursivo que
parecia ter superado a sustentação do ideário desenvolvimentista, mas que, de fato, não
tinha conseguido transcender a perspectiva modernizante. Algumas questões devem ser
ditas nesse sentido.
Observam-se, nas diferentes definições, distintas referências que outorgam um
caráter particular à profissão segundo esta seja compreendida em termos de técnica, de
tecnologia social, de ciência ou de práxis, ou, ainda, se coloque a centralidade na
questão metodológica; é suficiente para identificar essas diferenças atender para os
grifos que fomos colocando nas citações com o objetivo de chamar a atenção para essa
questão. Agora, podem se identificar duas grandes ausências que permitiriam
compreender os limites das propostas que embora pareçam mostrar uma superação,
como dissemos o conseguiram transcender as fronteiras da modernização. Em
primeiro lugar trata-se da ausência de uma referência que permita pensar o Assistente
Social na sua relação de assalariamento. Esta forma de conceber o Serviço Social, qual
seja como profissão assalariada, se confronta com aquela que a define como profissão
liberal. Vinculado à afirmação anterior não existe indicio nenhum que oriente a
discussão em termos de pensar a profissão como uma forma de especialização do
trabalho coletivo, que a insira na divisão social e técnica do trabalho. Essas ausências
colocam um véu sobre a forma de compreender a profissão que oculta o papel do
Serviço Social na produção e reprodução das relações sociais. Isto é, o vazio no que diz
respeito a um debate aprofundado sobre a natureza da profissão oculta o seu significado
social, que pode ser apreendido a partir das determinações expostas. Colocadas essas
determinações por fora, apenas resta espaço para o voluntarismo, o fatalismo ou o
messianismo, nos termos de Iamamoto e aos que voltaremos no capítulo seguinte.
“A superação do fatalismo e do messianismo na análise da
pratica social com as suas derivações no exercício profissional
implica desvendar a própria sociedade que gesta essas
concepções e a sua critica teórica radical historicamente
construída. Em outros termos, supõe resgatar a tradição
intelectual instaurada por Marx na análise da sociedade
capitalista. Por um lado, mostrar a atualidade do método e do
arsenal de categorias que permitiram expressar, no nível do
pensamento, as condições de existência real da sociedade. Por
outro lado, resgatar a dimensão pratica como ‘pratica-critica’,
com explícito caráter de classe. Essa são condições para
apreender a pratica profissional como parte e expressão da
pratica social, determinada pela divisão social do trabalho”
(Iamamoto, 1992: 184).
A citação anterior de Iamamoto permite compreender os limites aos que fazemos
referência a partir da ausência da critica radical da sociedade capitalista, da ausência da
‘prática critica’ e da ausência do caráter de classe. Isto é, as condições para apreender o
Serviço Social determinado pela divisão social do trabalho estão ausentes.
O mesmo acompanhamento feito a partir de uma seleção de definições de
Serviço Social - dos avanços e retrocessos nos debates constitutivos do Processo de
Reconceituação pode ser feito em uma leitura do que foram os Seminários Regionais e
Pan-americanos na época.
Ander-Egg e Kruse
41
fazem uma análise dos Seminários pan-americanos de
Serviço Social apresentando a seqüência seguinte: Santiago (Chile) 1945, Rio de Janeiro
(Brasil) 1949, San Juan (Puerto Rico) 1957, San José (Costa Rica) 1961, Caracas
(Venezuela) 1968 e Quito (Equador) 1971. Aos fins da nossa pesquisa é interessante
salientar as observações de Ander-Egg e Krusse a propósito da trajetória dos Seminários
a partir do IV Seminário celebrado em Costa Rica em 1961. Em termos dos autores:
“No quarto Congresso se inaugurou uma nova corrente no
Serviço Social. A reunião se realizou apenas três meses depois
da sessão do CIES [Conselho Interamericano Econômico e
Social] que tinha institucionalizado a Aliança para o Progresso e
orientou o Serviço Social no que temos denominado uma
concepção desenvolvimentista. O Assistente Social começou a
ser visto como um dos profissionais mais aptos para promover
programas de bem-estar individual ou familiar e de
desenvolvimento comunal que fortalecessem o sistema e
impedissem a propagação continental do exemplo cubano. As
reuniões de Lima, 1965 e de Caracas, 1968 foram uma
culminação desta corrente. Mas, já em Caracas pôde-se observar
que as conclusões finais supunham um difícil equilíbrio entre
duas tendências; a desenvolvimentista propriamente dita e outra,
mas ousada, mais incisiva, talvez mais revolucionária” (Ander-
Egg e Kruse, s/n: 12, tradução nossa).
41
Estamos nos referindo ao livro Del Paternalismo a la conciencia de cambio. Los
congresos Panamericanos de Servicio Social. Editado pela Editorial Humanitas em
Buenos Aires. o consta nele o seu ano de edição, como acontece com quase todas as
obras desse editorial consultadas na elaboração do presente trabalho.
Essa trajetória, a partir da qual a frente ampla da Reconceituação que como já
salientamos ao longo do nosso trabalho nunca se constituiu num grupo homogêneo,
apresentando diferentes tendências – inicia um processo de diversificação ainda maior, é
claramente analisado por Parra (2002) e datado a partir do ano de 1968
aproximadamente. Diz o autor:
“Aos poucos, a partir de 1968 e nos anos sucessivos, as posições
no que diz respeito à renovação profissional começam a
diversificar-se, a dividir-se e a radicalizar-se. As premissas que,
originalmente, uniam à Geração 65 em torno à construção de um
Trabalho Social genuinamente latino-americano, adaptando as
teses desenvolvimentistas às particularidades de nossos países
começam a se quebrar. Para alguns o tão ansiado
‘desenvolvimento’ era possível e, em conseqüência, o Trabalho
Social devia continuar o seu ‘aggiornamento’ modernizante na
procura dele. Para outros, a opção do desenvolvimento já tinha
fracassado e o Trabalho Social deveria ir noutra direção. Assim,
alguns setores profissionais de perspectiva conservadora,
começam se fazer eco da necessidade de uma renovação
profissional evidenciando no VI Congresso Pan-americano ou
no labor de ALAESS durante o período 1968-1971 – e começam
a se somar nesse processo. Para esses grupos a renovação estava
mais acorde com as discussões que a Geração 65 tinha
desenvolvido nos dois primeiros anos de Seminários Regionais
que sobre as que avançavam no final da década de 1960 e os
inícios da década de 1970” (Parra, 2002: 109, tradução nossa).
Em referência a essa “inflexão” no interior do Movimento e citando a Barreix
ativo membro da denominada Geração do 65 Parra (Cf. 2002: 114) coloca como
baliza dessa “rachadura” o fracasso da Aliança para o Progresso e das propostas
desenvolvimentistas. Isto teria feito com que os trabalhadores sociais começassem a
abandonar o discurso de ‘um Trabalho Social genuinamente latino-americano para
colaborar de forma comprometida com o desenvolvimento’ e começassem a incorporar
‘o conceito de ‘TRANSFORMAÇÃO’, de ‘MUDANÇA DE ESTRUTURAS’”
(Barreix, 1971: 54-55. In: Parra, 2002: 114).
Embora não exista consenso no que diz respeito ao momento do “debilitamento”
do Processo de Reconceituação do Serviço Social, o fato da instauração de ditaduras
militares na maioria dos paises de América Latina deve ser considerado como dado
iniludível para uma boa compreensão histórica. Mas, como já dissemos, não se tratou de
um processo homogêneo e se o ano de 1965 é salientado como ponto de inflexão na
critica ao Serviço Social tradicional, poder-se-ia indicar um outro momento de inflexão
entre os anos de 1969-1971- como fora dito -. Seguindo a análise de Parra (2002) no
que diz respeito ao importante papel que jogaram os Seminários latino-americanos neste
processo, pode-se observar que essa rachadura vai ter inicio no Seminário de Concepção
(Chile) de 1969 e vai se consolidar no Seminário de Quito (Equador) em 1971. Trata-se
de perspectivas que emergem à luz da crise do ideário desenvolvimentista, do Fracasso
da Aliança para o Progresso, da necessidade de criação de um Serviço social latino-
americano quebrando com a importação de teorias e metodologias” dos Estados
Unidos, que tinha se instaurado por sua vez - como critica à importação européia
anterior. Assim, vai começar a se falar em transformação, mudança de estruturas, o que
faria posicionar o profissional não como agente de mudança e sim como
revolucionário (Cf. Parra, 2002: 116).
Segundo o percurso dos seminários regionais latino-americanos analisado por
Parra é no IV Seminário, ocorrido em Concepção (Chile, 1969), que aparecerá pela
primeira vez a questão do Marxismo no Serviço Social. É nesse mesmo Encontro que
segundo o autor (Cf.: 123) vai se gerar uma confrontação entre os setores mais
progressistas representados pelo Grupo ECRO e o setor mais conservador e reacionário
representado pela UCISS
42
. Segundo dados de Parra, a presidente da UCISS a
Assistente Social Argentina Marta Ezcurra teria divulgado um documento acusando o
42
União Católica Internacional de Serviço Social.
grupo ECRO de comunista. Nesse contexto são colocadas preocupações, tais como a
possibilidade de inserir o Serviço Social no Processo Revolucionário jogando um papel
conscientizador.
Em face dessa inflexão, onde parecia ter consenso no que diz respeito à
necessidade de uma renovação a exceção dos setores mais conservadores -, o caráter
heterogêneo do Movimento passa a se expressar mais uma vez, de forma que essa
necessária “transformação” ou “mudança de estrutura” encontrará diversas tendências
de interpretação. Se a inquietação teórico-política que promoveu a nossa pesquisa se
orientava na direção de uma investigação que contribuísse no que diz respeito a um
dialogo entre o Serviço Social argentino com a tradição marxista, e se no inicio a nossa
premissa se sustentava em uma primeira aproximação para esse diálogo a partir do
desenvolvimento do Processo de Reconceituação latino-americano, o percurso da nossa
pesquisa vai mostrando, aos poucos, que esse diálogo foi nascendo – ainda que de forma
incipiente – para além das fronteiras argentinas.
Assim parecem mostrar as produções de Boris Alexis Lima, Vicente de Paula
Faleiros, Teresa Quiroz, e Diego Palma, como forte presença no Chile e via CELATS
43
.
No caso de Boris Alexis Lima
44
(1986) é possível identificar uma tentativa de
construção de um “método dialético” da intervenção a partir do Método dialético do
43
Para a análise desse processo de inflexão duas questões, pelo menos, devem ser
salientadas. Em primeiro lugar, chamar a atenção para a importância que representou a
criação do CELATS e ALAETS. Essas organizações profissionais articularam
encontros, seminários e publicações, qual seja o caso da revista “Acción Crítica”. Em
segundo lugar, é necessário fazer referência à criação, em 1978, do primeiro mestrado
latino-americano em Serviço Social, em Honduras. Essa experiência articulou
estudantes de toda a região e contou com o fundamental suporte financeiro da fundação
Konrad Adenauer. O “Magister latinoa-americano” teve sede na Universidade Nacional
autônoma de Honduras, em Tegucigalpa. Foi criado por iniciativa do CELATS, que se
afirmou como o organismo acadêmico da ALAETS. Formou quadros de docentes e
pesquisadores para quase todos os países do subcontinente, num momento histórico no
qual a formação pós-graduada estava institucionalizada apenas no Brasil.
44
Assistente Social Venezuelano.
conhecimento. Trata-se de uma análise que distingue o que seria o momento sensível e o
momento racional da intervenção em uma analogia do que Leila Lima Santos no
conhecido Método BH definiu como o momento sensível, que constituiria o ponto de
partida do conhecimento, e o momento abstrato, vinculado à reprodução de conceitos,
juízos e raciocínios. Ambas as contribuições identificam o momento sensível com uma
pratica contemplativa vinculada à experiência, razão pela qual a teoria se definiria como
uma abstração ou racionalização de sensações surgidas dessa experiência sensível. Esse
raciocínio leva consigo o risco da emergência de tantas teorias quantos sujeitos tenham
racionalizado as suas experiências individuais na realidade
45
.
Boris Lima (1986) apresenta um estudo do processo histórico do trabalho Social
que em lugar de centrar atenção para a oposição Tradicional-Progressista,
“(...) faz ênfase na polarização técnica-ciência, discutindo quatro
fases do Serviço Social: a pré-técnica, a técnica, a pré-científica
e a científica. Essas fases se caracterizam pelo tipo de
conhecimento predominante na profissão conforma à utilização
de instrumentos ou desenvolvimento de generalizações. Ao
Movimento de Reconceituação lhe corresponderia uma etapa
‘científica’ racional” (Faleiros, V. de P., 1987: 54, tradução
nossa).
A análise de Boris Lima (Op. Cit.) apresenta uma discussão que segue o
percurso da critica à metodologia tradicional do Serviço Social na conhecida trilogia
de Caso, Grupo e Comunidade -, passando por uma análise do que ele denominou a
Metodologia de Transição – em uma discussão do Método Integrado, o Método Único e
o Método Básico do Serviço Social -, chega em uma proposta que o autor define como
O Método de Intervenção na Realidade e que, como já fora colocado, tenta em uma
pretendida perspectiva dialética traduzir o método dialético do conhecimento em um
45
Uma boa análise vinculada à critica do ‘praticismo profissional’ que aprofunda os
debates aqui apresentados, encontra-se em Montaño: 1998: 146 e ss.).
método dialético para a intervenção. “Não basta ter presente as formas gerais do
pensamento conceitos, juízos, raciocínios. É imprescindível conhecer as formas em
que científica e sistematicamente se sucede o pensamento. Ele se expressa no Ascenso
metódico do abstrato ao concreto” (Lima, 1986: 148, tradução nossa). Nessa lógica,
Lima citando a Dialética da Natureza de Engels coloca a questão de que o caminho
do conhecimento da natureza, da sociedade e do pensamento seguiria uma lógica
que tem inicio na observação direta do fenômeno estudado do seu movimento como
totalidade concreta – para depois passar para o estudo dos seus elementos constitutivos.
A caracterização de Faleiros que coloca o momento da Reconceituação na
lógica de Boris Lima como uma etapa da profissão “científico-racional”, parece clara
na seguinte formulação de Lima, que citando a Mao Tse Tung diz:
“Mao Tse Tung explica que o desenvolvimento do processo do
pensamento vai das aparências, dos aspectos isolados, das
conexões externa, que constituem a etapa das sensações, para
depois passar ao conhecimento racional por meio da utilização
de conceitos desenvolvidos com o cérebro, os quais ao se inter-
relacionarem o lugar aos juízos e raciocínios. Então o
conhecimento é uma unidade dialética entre o ‘sensível’ e o
racional’” (Lima, 1986: 150, tradução nossa).
A citação anterior expressa uma perspectiva que dissemos que de pretensão
dialética não consegue transcender – inclusive fazendo referências a citações de obras
de Marx, tal o caso das Teses sobre Feuerbach e Elementos fundamentais para a Crítica
da Economia política como também se referindo à obra de Kosik (2002) uma leitura
que equipara o abstrato ao sensível e o concreto ao racional ou científico.
Nesse sentido Faleiros faz a afirmação seguinte:
“Esta classificação levanta um dos problemas centrais da
Reconceituação que o diferencia, por exemplo, das
preocupações predominantes dos anos 65: a construção do
conhecimento através do Serviço Social e não apenas o uso e
técnicas mais ou menos sofisticadas como o planejamento. Esta
construção de conhecimentos válidos, no movimento de
Reconceituação não significa simplesmente o seguimento de
uma lógica hipotético-dedutiva como aquela defendida por Boris
Lima e inspirada em P.V. Kopnin, que chega a afirmar que ‘a
reunião de fatos é a parte mais importante entre os componentes
da pesquisa científica. (1978 pp. 229), em uma clara adoção do
positivismo, sob a denominação de dialética. Kopnin, quem
inspirou a alguns formuladores do Movimento de
Reconceituação ( ver, para além de Boris Lima o todo B.H.)
formula um ponto de vista positivista, sob a denominação de
dialética, confundindo a análise marxista. Ele chega a afirmar
que ‘a fundamentação de origem experimental das idéias
constitui um momento essencial na concepção marxista da
idéia’(1978, pp. 315)” Faleiros, 1987: 54-55, tradução nossa).
A pesar destes equívocos, a proposta do Grupo de Belo Horizonte, é resgatada
por Netto como uma formulação renovadora na direção de uma alternativa global ao
tradicionalismo profissional (Cf. Netto, 1998, 276). Tratar-se-ia segundo o autor de
uma ruptura com os procedimentos típicos do tradicionalismo que apresenta uma
diferencia substancial com as perspectivas modernizadora e de reatualização do
conservadorismo.
“Este foi o traço mais visível da explicitação do projeto da
ruptura que se plasmou na atividade da Escola de Serviço Social
da Universidade Católica de Minas Gerais na primeira metade
dos anos setenta o ‘método’ que ali se elaborou foi além da
crítica ideológica, da denuncia epistemológica e metodológica e
da recusa das práticas próprias do tradicionalismo; envolvendo
todos esses passos, ele coroou a sua ultrapassagem no desenho
de um inteiro projeto profissional, abrangente, oferecendo uma
pauta paradigmática dedicada a dar conta inclusive do conjunto
de suportes acadêmicos para a formação de quadros técnicos e
para a intervenção do Serviço Social” (Netto, 1998: 276-277).
Netto, analisando esse processo no Serviço Social brasileiro, identifica três
fenômenos que sustentam uma primeira aproximação do Serviço Social à tradição
marxista (2003: 162, tradução nossa). Trata-se das determinações seguintes.
Crise do serviço social tradicional.
Pressão exercida pelos movimentos sociais revolucionários.
Rebelião
46
estudantil.
Assim, o autor vai dizer que essa aproximação foi realizada com uma exigência
teórica muito reduzida, com exigências de caráter ideo-político e com uma forte
determinação instrumental.
Nesse sentido, Netto acrescenta:
“(...) incorporação de um acervo de núcleos que, desvinculados
do seu contexto tenderam mais para o clichê e a consigna, que
para componentes teórico-metodológicos e crítico-analíticos
(…) aproximação contaminada de setores do serviço social à
tradição marxista contaminação derivada das exigências
políticas, do ecletismo teórico e do desconhecimento das fontes
‘clássicas’”. (Netto, 2003: 164, tradução nossa).
Aquele clichê ao qual o autor faz referência vinculava-se a uma aproximação à
tradição marxista apenas na sua projeção revolucionária, presente no contexto histórico-
social latino-americano, sem uma apreensão do cariz teórico na compreensão da
“reprodução ideal do movimento real constitutivo do ser social na ordem burguesa”
(Cf., Netto, 1991: 78), que inclui a alternativa da revolução socialista.
Os equívocos nessa aproximação encontram fundamento naqueles limites que
Netto (Cf., 2005: 78) salienta com relação ao Movimento reconceituador, e que tem a
ver com:
A denuncia ao conservadorismo próprio do tradicionalismo, disfarçado em
“apoliticismo”, conduziu ao ativismo e obscureceu as fronteiras entre a profissão
e o militantismo, conduziu – assim - ao messianismo.
Relativização da universalidade teórica e valorização da teoria “autóctone”.
46
No texto em espanhol : “Rebelión estudiantil”. Tradução nossa.
Confucionismo ideológico. Assim, recolheu no dialogo com a tradição marxista
“o que nela havia de menos vivo e criativo”.
Até ai, a impossibilidade de pensar o desenvolvimento da profissão para além da
leitura endógena do seu próprio percurso e, em conseqüência, a impossibilidade de
desvendar o seu significado histórico, gerou um movimento que tentou instrumentalizar
uma teoria na necessidade de negar e superar um cenário profissional tradicional.
Assim, uma critica profissional se confundiu com mudança social.
É fundamental compreender essas aproximações iniciais com a tradição marxista
à luz das contribuições de Consuelo Quiroga
47
(1991), que permitem tirar o véu da
invasão positivista no Marxismo. Sobre esta questão voltaremos no seguinte capitulo da
presente dissertação.
47
Cf. QUIROGA, C. Invasão positivista no marxismo: manifestações no ensino da
metodología no Serviço Social. São Paulo: Cortez, 1991.
CAPÍTULO III:
Para uma análise dos fundamentos do Movimento de
Reconceituação na Argentina, na ótica da obra de Ezequiel
Ander-Egg
3.1 A critica ao Serviço Social Tradicional na ótica do Desenvolvimentismo: o
Assistente Social como Agente de Mudança.
Chegamos ao terceiro capítulo de nosso trabalho após a apresentação – em
termos gerais - do significado, historicamente situado, do Processo de Reconceituação
na Argentina, no contexto latino-americano. Considerando que as nossas preocupações
encontram-se centradas na particularidade desse processo no cenário argentino,
tentaremos dar conta dos avanços e retrocesso do Movimento de Reconceituação nesse
país, a partir do estudo de algumas obras significativas de Ezequiel Ander-Egg. Em
primeiro lugar é necessário salientar que essa escolha como qualquer escolha não
tem um caráter arbitrário, de modo que apresentaremos as argumentações que
consideramos relevantes. Isto é, fazer uma leitura do Processo de Reconceituação na
Argentina através da obra de Ander-Egg, não significa desconhecer as contribuições de
outros autores que foram protagonistas desse Movimento - tanto na Argentina como no
subcontinente todo - no mesmo nível que Ander-Egg; tal o caso de Kisnerman, Alayón,
Barreix, por nomear alguns deles. Por que, então, essa escolha? Em primeiro lugar,
os limites e possibilidades das características de uma dissertação de mestrado fazem
necessária uma delimitação. Mas essa delimitação não é uma delimitação qualquer.
Considera-se que na atualidade é Ezequiel Ander-Egg o autor que continua tendo uma
significativa influencia na formação de profissionais em alguns paises da região, do
mesmo modo que em alguns centros de formação argentinos, sobretudo naqueles de
caráter não universitário
48
. Essa premissa faz com que as contribuições de um autor que
48
Considera-se necessário salientar que na Argentina coexistem instituições de
formação universitárias com outras de caráter não universitário. Essas instituições de
terciárias apresentam um currículo que sustenta uma formação técnica, inclusive
mantendo às vezes a clássica trilogia de caso grupo e comunidade. Seria possível
pensar como argumento da sua influência a exigência que uma formação dessas
nos anos de 1960/1970 oferecia uma perspectiva que se apresentava como crítica em
face do que o Serviço Social tinha de mais “atrasado” e tradicional, na atualidade a sua
influência responde ao fato de que as suas contribuições fornecem argumentações que
se constituem em alternativas à tendência crítica no Serviço Social. No percurso do
presente capitulo tentaremos mostrar a ausência do debate na sua produção no que
diz respeito ao significado social da profissão de Serviço Social e a ausência da inserção
da profissão na divisão social e técnica do trabalho, perspectiva que não permite uma
critica à sociedade capitalista e, portanto, outorga a essas proposições na lógica da
análise apresentada no capitulo anterior – um caráter conservador.
Feitas essas aclarações introdutórias, comecemos revisando algumas concepções
do autor que nos permitirão situar as suas contribuições a partir de compreender a sua
visão de profissão.
Partiremos, então, de compreender a concepção do autor no que diz respeito à
historicização da nossa profissão a qual, segundo ele, teria seguido um longo processo
que abrange o trânsito desde a perspectiva de “ajuste” até a de “transformação”. Essa
leitura histórica vai se remontar aos antecedentes da Assistência Social e do Serviço
Social na “ajuda aos necessitados na antiguidade”, isto é, desde o Código de
Hammurabí no ano 2100 A.C., passando pelas normas morais de ajuda ao próximo em
Confúcio nos anos 551-478 A.C., vai se remeter a Grécia, Esparta, Atenas e as
contribuições de Platão e Aristóteles; a Israel e o Antigo Testamento e ao Toráh; aos
Evangelhos e ao Cristianismo primitivo (Cf. Ander-Egg e outros, 1975: 15-26). Em
uma lógica que se insere claramente numa análise endógena da gênese profissional
49
, o
percurso da obra citada continua essa reconstrução analisando distintas formas de ação
características apresenta em face da necessidade de respostas imediatas, que exigem a
instrumentalização da produção teórica.
49
Ver Montaño (1998).
social fazendo referência à Esmola e à ajuda social das corporações como formas de
assistência social; ao Bem-estar social na Indoamérica e na América pós-colombiana,
até chegar nos primórdios da Assistência Social na forma de Ação Benéfico-assitencial
como forma de Assistência Social. Essa trajetória que continua com a
institucionalização do Serviço Social na sociedade capitalista do século XX o autor a
define como um processo que vai do intervencionismo estatal ao neoliberalismo
para chegar a uma análise do Serviço Social na América Latina em uma seqüência que o
autor apresenta como a evolução do Serviço Social partindo da beneficência
paternalista, a assepsia tecnológica, o desenvolvimentismo e a ação libertadora. É a
lógica desse ultimo trajeto dessa análise evolutiva que tentaremos captar nas obras do
autor que no percurso do presente capitulo analisaremos. Essa evolução é apresentada
pelo autor nos termos seguintes (Cf. Ander-Egg, 1975: 193 e ss., tradução nossa).
Assistência Social. a) Concepção benéfico-assistencial, b) Concepção
pára-médica e / ou pára-jurídica.
Serviço Social. a) Concepção asséptico-tecnocrática. b) Concepção
desenvolvimentista.
Trabalho Social. Concepção conscientizadora-revolucionária.
No estudo da obra de Ander-Egg, para fins do presente artigo, observa-se e
Parra (2002: 192-193) chama a atenção para esse fato que os seus textos produzidos
na época de auge e refluxo do Movimento de Reconceituação, tem sido editados em
diferentes obras e revistas, o que faz com que um texto apareça em diversas versões,
mas com o mesmo conteúdo. Esse é o caso de “Achaques e Manias do Serviço Social
Reconceituado”. A primeira versão aparece no número 23 da Revista Selecciones del
Servicio Social no ano de 1974. Esse artigo vai, depois, formar parte do livro “O
Trabalho Social como ação libertadora”
50
e mais tarde vai ser editado pela editorial
Humanitas com o nome do artigo original, isto é, “Achaques y Manias do Serviço
social Reconceituado”.
Considera-se necessária uma observação do que parece salvo erro na nossa
leitura uma característica nas obras consultadas para o presente artigo. As análises
feitas por Ander-Egg, no que diz respeito ao Movimento de Reconceituação, o
colocadas, quase sempre, em termos de análise do Serviço Social latino-americano.
Embora seja inegável que este processo tenha tido um caráter latino-americano,
considera-se que as análises devem resgatar as particularidades locais, ou poder-se-ia
correr o risco de homogeneizar o processo e de considerar a América Latina como uma
totalidade homogênea, as conseqüências dessa homogeneização o salientadas na nota
de rodapé 8
51
. Essa característica se apresenta como uma grande dificuldade
distinguirmos quem é o interlocutor das criticas ou leituras feitas pelo autor.
No estudo de três obras de Ezequiel Ander-Egg podemos identificar três eixos
aos fins analíticos dessas obras, que são coerentes com a lógica evolutiva apresentada na
obra citada de 1975. Na obra “Serviço Social para uma nova época” (de 1967), o eixo
está colocado no ideário desenvolvimentista. Por sua vez, na obra “O trabalho Social
como ão libertadora” (de 1971), o eixo parece estar colocado em uma perspectiva
que tenta questionar a resposta desenvolvimentista e introduz a necessidade de
“mudanças radicais”. Finalmente, na obra “Achaques e manias do Serviço Social
50
Livro que, por sua vez, é considerado como uma segunda edição de um outro livro:
“Servicio Social para una nueva época”.
51
Diz Netto em uma nota de rodapé: “Deve-se evitar o erro de considerar a América
Latina uma totalidade integrada sabe-se da diversidade problemática que constitui o
continente” (1981: 59).
Reconceituado” (de 1984)
52
, o eixo central responde a uma crítica ao Movimento de
Reconceituação, na lógica do que Netto (1981) chamou de Crítica conservadora à
Reconceituação.
Antes de analisar os pontos centrais das obras do autor, considerando que a
análise de uma produção requer um estudo historicamente situado, chamamos a atenção
para o fato de que a primeira obra que analisaremos foi produzida em 1967, isto é, essa
produção não pode se compreender isoladamente, não pode se explicar sem olhar para o
contexto do subcontinente e para a particularidade Argentina na época, razão pela qual
as reflexões do capitulo I da presente dissertação o fundamentais para compreender o
sentido da produção de Ander-Egg.
Em termos gerais
53
o Movimento de Reconceituação emerge como necessidade
de resposta crítica ao Serviço Social Tradicional, e no caso particular da Argentina
coerentemente com o que acontecia no resto da região -, vinculado ao ideário
desenvolvimentista, seja na sua versão democrática seja na sua versão autoritário-
ditatorial.
Teremos, então, que resgatar algumas formulações que nos permitam nos
aproximar ao esse tema. Diz Francisco de Oliveira, se referindo ao subdesenvolvimento:
“No plano teórico, o conceito do subdesenvolvimento como uma
formação histórico-econômica singular, constituída polarmente
em torno da oposição formal de um setor ‘atrasado’ a um setor
“moderno”, não se sustenta como singularidade: este tipo de
dualidade é encontrável não apenas em quase todos os sistemas,
como em quase todos os períodos. Por outro lado, a oposição na
maioria dos casos é tão-somente formal: de fato, o processo real
mostra uma simbiose e uma organicidade, uma unidade de
contrários, em que o chamado “moderno” cresce e se alimenta
da existência do “atrasado”, se se quer manter a terminologia. O
52
Como fora salientado essa obra se baseia num artigo do mesmo nome de 1972, e
em mais dois de 1979 e 1980.
53
Segundo as reflexões propostas no capítulo II.
“subdesenvolvimento” pareceria a forma própria de ser das
economias pré-industriais penetradas pelo capitalismo, em
‘trânsito’, portanto, para as formas mais avançadas e
sedimentadas deste; todavia, uma tal postulação esquece que o
“subdesenvolvimento” é precisamente uma “produção” da
expansão do capitalismo (...) em resumo, o
“subdesenvolvimento” é uma formação capitalista e não
simplesmente histórica” (Oliveira, 2003: 32-33).
Parece necessário, a partir das colocações do autor citado acerca do
subdesenvolvimento como produto da expansão capitalista, e não simplesmente como
uma produção histórica - nos perguntarmos sobre a particularidade histórica em cujo
processo a expansão capitalista se expressa nesse período. Teremos que nos perguntar
também como é que uma profissão como o Serviço Social vai se inscrever nesse devir.
Parece claro que o panorama aberto pela Revolução Cubana, que foi apresentado nos
capítulos anteriores, é central para compreender a expressão do desenvolvimentismo
desses anos. Nesse sentido Netto diz:
“Com efeito, a reconceptualização esta intimamente vinculada
ao circuito sócio-político latino-americano da cada de
sessenta: a questão que originalmente a comanda é a
funcionalidade profissional na superação do
subdesenvolvimento. Indagando-se sobre o papel dos
profissionais em face de manifestações da ‘questão social’,
interrogando-se sobre a adequação dos procedimentos
profissionais consagrados às realidades regionais e nacionais,
questionando-se sobre a eficácia das ações profissionais e sobre
a eficácia e legitimidade das suas representações, inquietando-se
com o relacionamento da profissão com os novos atores que
emergiam na cena política (fundamentalmente ligados às classes
subalternas) e tudo isso sob o peso do colapso dos pactos
políticos que vinham do pós-guerra, do surgimento de novos
protagonistas sóciopolíticos, da revolução cubana, do incipiente
reformismo gênero Aliança para o Progresso (Sic.) -, ao mover-
se assim, os assistentes sociais latino-americanos, através de
seus segmentos de vanguarda, estavam minando as bases
tradicionais da sua profissão” (Netto, 1998: 146).
É necessário chamar a atenção – embora já fora apresentada a questão nos
capítulos anteriores do que diz respeito à centralidade assumida pela Aliança para o
Progresso nesse cenário político-social latino-americano, aberto pela Revolução cubana.
Isto é, a Aliança para o Progresso deve ser entendida como resposta dos Estados Unidos
em face do perigo de “exportação” da experiência cubana para outros paises da região.
Dizia Che Guevara no seu discurso na sessão plenária do Conselho Interamericano
Econômico e Social, pronunciado em 8 de agosto de 1961 no Uruguai
54
:
“Temos denunciado que a «Aliança para o Progresso» é um
veículo destinado a separar o povo de Cuba dos outros povos de
América Latina, a esterilizar o exemplo da Revolução cubana, e,
depois, domesticar os outros povos segundo as indicações do
imperialismo” (Tradução nossa).
Na tentativa de nos aproximarmos à apreensão do processo através do qual o
Serviço Social como profissão se insere na lógica da análise que vimos apresentando,
voltemos para as afirmações no que diz respeito à profissão e ao desenvolvimento
apresentados na Obra de Ander-Egg (1967). Afirma o autor, se referindo à “evolução
histórica” do Serviço Social:
“Embora o Serviço Social ‘surgiu da necessidade de levar
alguma solução aos problemas derivados da miséria e da
doença, logo o seu campo de ação se ampliou por causa da
rápida evolução dos processos sociais, da complexificação das
relações indivíduo-sociedade, e da aparição de novos
conhecimentos e interpretações a respeito desses fatos. Assim,
progressivamente a sua significação adquiriu cada vez maior
transcendência’. Colocada no mundo contemporâneo a
problemática do desenvolvimento, é pertinente formular a
54
Discurso do Comandante Ernesto Che Guevara na quinta sessão plenária do
Conselho Interamericano Econômico e Social, em Punta del Este, Uruguai.
Pronunciado em 8 de agosto de 1961. Disponível em: www.marxists.org.
questão do papel do Serviço Social” (Ander-Egg, 1967: 37,
tradução nossa).
Essa consideração deixa de fora uma análise do processo de desenvolvimento
em termos históricos do sistema capitalista, que exige o aggiornamento dos
instrumentos que lhe são funcionais para a sua produção, reprodução e legitimação. Isto
é, a referencia à evolução dos processos sociais, da complexificação das relações
indivíduo-sociedade, a aparição de novos conhecimentos e interpretações a respeito
desses fatos, ampliará realmente o campo de ação? Ou trata-se das metamorfoses no
próprio sistema e como produto da sua expansão - das expressões da “questão social”
55
traduzidas em problemas sociais que requerem uma forma particular de intervenção do
Estado para a manutenção da ordem? Coerentemente com essa lógica, o autor
acrescenta:
“(...) queremos advertir que o ‘case work’ é um luxo para os
paises em vias de desenvolvimento. Não se trata de deixá-o ou
abandoná-o por ser inútil como método – sempre será necessário
-, mas a magnitude dos nossos problemas nos exige um esforço
55
Para compreender o que estamos considerando “Questão social”, é esclarecedora a
contribuição de Netto que se referenciando em Marx, faz a afirmação seguinte: “A
análise marxiana da ‘Lei geral de acumulação capitalista’, presente no vigésimo terceiro
capítulo do livro publicado em 1867, revela a anatomia da ‘questão social’, a sua
complexidade, o seu caráter de corolário (necessário) do desenvolvimento capitalista em
todas as suas fases. O desenvolvimento capitalista produz necessariamente a ‘questão
social’ diferentes fases capitalistas produzem diferentes manifestações da ‘questão
social’, esta não é uma seqüela adjetiva ou transitória do regime do capital: a sua
existência e as suas manifestações são indissociáveis da dinâmica específica do capital
transformado em potencia social dominante. A ‘questão social’ é constitutiva do
desenvolvimento do capitalismo. Não se suprime a primeira conservando-se o segundo.
(...) a ‘questão social’ esta basicamente determinada pelo traço próprio e peculiar da
relação capital/trabalho a exploração. Embora a exploração apenas remeta à
determinação molecular da ‘questão social’; na sua integra, longe de qualquer
unicausalidade, implica a confluência mediada por componentes históricos, políticos,
culturais etc. Sem ferir de morte os dispositivos exploradores do regime do capital, toda
luta contra as suas manifestações sócio-políticas e humanas (precisamente o que se
designa ‘questão social’) está condenada a enfrentar sintomas, conseqüências e efeitos”
(Netto, 2003a: 62-63, tradução nossa).
de impacto mais massivo” (Ander-Egg, 1967:18, tradução
nossa).
A citação anterior coloca a “necessidade” de ruptura com o Serviço Social
tradicional. O contexto apresentado gera a necessidade de criação de um “Serviço
Social latino-americano” que desse resposta aos “novos” problemas do subcontinente,
que estavam longe de ser semelhantes aos que a realidade européia ou norte-americana
apresentava. Introduz-se, assim, a questão do problema da metodologia, do
questionamento à clássica trilogia de caso, grupo e comunidade, emergindo, inclusive,
um debate sobre a necessidade do Método próprio do Serviço Social. Agora, é
interessante salientar que essa crítica na citação anterior não aparece vinculada aos
fundamentos filosóficos, nem ídeo-políticos do método, e sim, a uma avaliação que diz
respeito à necessidade de atingir um “publico alvo” maior. Ou seja e seguindo essa
lógica - em uma região com graves problemas sociais dos quais o subdesenvolvimento
parece ser o responsável, a atenção individualizada é inviável. Isto é, trata-se de um
problema metodológico de ordem quantitativa no que diz respeito ao impacto, a eficácia
e a eficiência da intervenção profissional.
Seguindo essa lógica, vejamos o que o autor entende como o papel da profissão
de Serviço Social. Diz Ander-Egg nesse sentido:
“Profissão baseada no reconhecimento da dignidade do ser
humano e na sua capacidade de superação, que através dos
procedimentos técnicos próprios, ajuda os indivíduos, grupos ou
comunidades a se valer por si próprios e conseguir o seu
desenvolvimento integral, especialmente nas situações sociais
que necessitam de ajuda alheia para atender às suas necessidades
e desenvolver as suas potencialidades” (Ander-Egg, 1967: 32,
tradução nossa).
Nos próximos parágrafos vamos nos deter no que significa para o autor o
problema do subdesenvolvimento, e se verá como essa concepção de Serviço Social é
coerente com aquela de desenvolvimento. Mas, no que diz respeito à sua concepção de
Serviço Social a citação anterior se insere em uma lógica conservadora com sustentação
em princípios éticos fundados no neotomismo
56
. Deve-se chamar a atenção para o fato
de que a obra de Ander-egg a que fazemos referência Servicio Social para uma nueva
época foi publicada na sua primeira edição em 1967, no mesmo ano da realização do
Seminário de Araxá, que aconteceu em março desse ano no Brasil. No capitulo anterior
chamamos a atenção seguindo as análises de Netto (1998) – para o lugar ocupado por
esse Seminário na afirmação da perspectiva modernizante. Então, é interessante
salientar que a referência à dignidade do ser humano” nos termos da citação anterior
de Ander-egg e que vinculamos a uma perspectiva neotomista - é coerente com a
definição dos objetivos do Serviço Social sistematizados no Documento de Araxá (cf.
Documento de Araxá, 1967: 7)
57
. O citado documento chama a atenção para a
necessidade de fazer uma distinção entre o Objetivo remoto do Serviço Social “(...) o
provimento de recursos indispensáveis ao desenvolvimento, à valorização e à melhoria
de condições do ser humano, pressupondo o atendimento dos valores universais (...)”
(Ibidem), que se vincula diretamente com esses princípios neotomistas, e os Objetivos
operacionais entendidos como fins imediatos e intermediários
58
.
Poder-se-ia dizer que é uma perspectiva que despolitiza, naturaliza e, portanto
des-historiza e psicologiza essas situações sociais nos determinados grupos ou
56
O neotomismo repõe, sob novas determinações históricas, a filosofia tomista. Para
esse pensamento filosófico a base teológica, o principio da existência de Deus confere
uma hierarquia aos valores morais, tendo em vista sua subordinação às ‘leis naturais’
decorrentes das ‘leis divinas’. A natureza humana é considerada a partir de uma “ordem
universal imutável”, donde as funções inerentes a cada ser apresentarem-se como
necessárias à ‘harmonia’ do conjunto social, cuja realização leva ao ‘bem comum’ ou à
‘felicidade geral’” (Barroco, 2003:91).
57
Recorremos ao documento de Araxá porque, embora se trate de um encontro
realizado no Brasil, consideramos que ele expressa o debate latino-americano da época.
58
Entendemos o Documento de Araxá, nos termos de Netto, como a expressão da
afirmação da perspectiva modernizadora (Cf. Netto, 1998: 167 e ss.).
comunidades que precisam da ajuda alheia para atender às suas necessidades e
desenvolver as suas potencialidades. Essa perspectiva é expressa com toda clareza na
seguinte afirmação de Ander-Egg:
“A convicção de que todos os homens ainda aqueles que estão
em situação infra-humana têm capacidade de superação, e que
se o o fazem é por falta de orientação e porque carecem de
uma razão para fazê-lo” (Ander-Egg, 1967: 32, tradução nossa).
Podemos afirmar as razões pelas quais a obra de Ander-Egg oferece uma
alternativa conservadora. Uma análise sustentada nesses fundamentos não diz nada a
respeito do significado social da profissão. Embora as análises que permitiram
compreender a profissão inserida na divisão social e técnica do trabalho são publicadas
apenas nos anos ’80 (especificamente Iamamoto e Carvalho, 1982), existiam condições
na época de publicação desta obra de Ander-Egg para inserir o debate da profissão pelo
menos em uma perspectiva que transcendesse a individualização dos problemas sociais.
Desta forma, as refrações da “questão Social” o captadas e abordadas como
problemáticas individuais
59
.
Vamos ver nos parágrafos seguintes que a concepção de desenvolvimento
apresentada por Ander-Egg é coerente com a lógica que estamos questionando. Em
termos gerais tratar-se ia da passagem “do menos humano para o mais humano”,
colocada essa afirmação em contraposição àquela centrada no aumento da renda
59
Nessa perspectiva [conservadora] o limite é claramente apontado por Netto na
seguinte citação: “(...) a intervenção estatal sobre a questão social’ se realiza, segundo
as características que já assinalamos, fragmentando-a y particularizando-a. E não pode
ser de outra forma: tomar a ‘questão social’ como problemática configuradora de uma
totalidade processual especifica é remetê-la concretamente à relação capital/ trabalho
o que significa, preliminarmente, colocar em xeque a ordem burguesa” (Netto, 1992: 22,
tradução nossa).
nacional. Nesse processo geral de desenvolvimento segundo o autor - o papel do
Serviço Social seria imprescindível. Vejamos o que nos diz Ander-Egg textualmente:
“(...) nos parece mais conforme à realidade a noção proposta por
François Perroux, segundo a qual o desenvolvimento é a
combinação de mudanças mentais e sociais de uma população,
que a tornam mais apta para fazer crescer, acumulativa e
duravelmente, o seu produto real global” (...) Segundo o Padre
Lebret, diremos que “o desenvolvimento é a serie de passos para
uma população determinada, de uma fase menos humana a uma
fase mais humana, ao ritmo mais rápido possível, ao custo
financeiro e humano menos elevado possível, levando em conta
a solidariedade entre todas as populações”” (Ander-Egg, 1967:
36-37, tradução nossa).
É clara a posição do autor nessa citação, e no avanço do presente capitulo vamos
apresentar o processo no qual essa concepção vai mudando e se aggiornando
historicamente. Veremos, também, que é um processo com fortes continuidades. A
referência à necessidade de mudanças mentais e sociais de uma população o deixa
lugar para duvidas na compreensão de que se trata de um raciocínio que individualiza os
problemas sociais e “libera” o próprio sistema da sua responsabilidade na geração
desses problemas sociais que não são outra coisa do que expressões da contradição
fundamental entre capital e trabalho, como já foi dito.
Se voltarmos para o discurso de Che Guevara no Uruguai (Op. Cit.),
observaremos que a sua critica à Aliança para o progresso que estava se apresentando
naquela sessão plenária, tinha entre os seus fundamentos algumas das questões
seguintes. Em primeiro lugar, a clara intencionalidade daquele Conselho para
deseconomizar a política e despolitizar a economia. Essa intencionalidade traduzia-se
em formulações técnicas orientadas por técnicos. A outra questão se centra na
colocação desses técnicos no que diz respeito à Educação e à Saúde como condição sine
qua non para iniciar o caminho do desenvolvimento. Nos parece que é essa lógica
técnica a que outorga para o Serviço Social um papel fundamental no processo de
desenvolvimento, fundamental segundo as indicações técnicas surgidas à luz dos planos
da Aliança para o Progresso. Fundamental, também, a partir da perspectiva apresentada
no parágrafo anterior. Isto é, essa “necessidade de mudanças mentais e sociais” exige
“inovações” técnicas, sobretudo em saúde e educação, para promover o suposto
processo de desenvolvimento.
Nessa lógica, e se referindo à modalidade operativa do Serviço Social no
processo de desenvolvimento, Ander-Egg se pronuncia preocupado pelo seu caráter
conformista e conservador “numa sociedade que, para sair do subdesenvolvimento,
exige de forma indefectível mudanças radicais” (Idem: 39, tradução nossa). Acrescenta
o autor: “(...) o serviço social tem uma função de conscientização e dinamização para
promover e orientar as mudanças estruturais da nossa sociedade” (Ander-Egg, 1967: 41,
tradução nossa).
Consideramos que esse caráter conformista e conservador a que o autor faz
referencia vincula-se à critica ao Serviço Social Tradicional que, como fora dito,
coloca em questão a sua sustentação teórico-metodológica em uma perspectiva de
Modernização Conservadora. É por essa razão que se considera que a afirmação do
autor no que diz respeito às “mudanças radicais ou mudanças estruturais da nossa
sociedade”, deve ser posta em questão e deve ser apreendida na lógica até aqui
apresentada.
3.2 O Trabalho Social como ão libertadora. De agentes de mudança para
conscientizadores-revolucionários.
A segunda obra central, proposta para a nossa análise foi produzida no ano de
1974 sob o titulo de O trabalho Social como ação libertadora. Considera-se pertinente
chamar a atenção como fizemos com a obra anterior para a necessidade de situar
historicamente esta nova produção. Quer dizer, as mudanças histórico-sociais e ideo-
políticas ocorridas entre 1967 e 1974 devem ser cuidadosamente estudadas no cenário
latino-americano para uma correta apreensão da posição do autor em face dos
acontecimentos da época, e para um melhor entendimento de algumas diferenças entre
as afirmações de 1967 e as de 1974. Se tivermos que colocar essas diferenças em termos
de rupturas e continuidades, poderíamos afirmar segundo iremos mostrando no
percurso do capítulo – que não se trata de um processo de ruptura e sim de um processo
que apresenta continuidades com alguns aggiornamentos que o próprio processo
histórico impôs.
Consideramos necessário lembrar, também, que segundo a nossa análise no
capitulo II os anos de 1969-1971 constituem um momento de inflexão no interior do
Movimento Reconceituador. É preciso salientar novamente que é à luz da Crise do
ideário desenvolvimentista e o “fracasso” da Aliança para o Progresso, que começa a se
gestar uma perspectiva que na crítica ao desenvolvimento introduz a possibilidade de
um diálogo com a tradição marxista. foi dito, também, que o seminário regional de
Concepção (Chile) de 1968 e o Seminário Pan-americano ocorrido em Quito em 1971
constituíram espaços que possibilitaram a visibilidade dessa tendência incipiente. A
inflexão a que fazemos referência enfrentou claramente duas tendências que podem ser
colocadas em termos de “conservadores versus progressistas ou revolucionários”. Deve-
se chamar a atenção para a ausência na citação de Kruse na nota de rodapé de
qualquer intervenção Argentina afirmando essa perspectiva revolucionária
60
.
Tentaremos, então, nos parágrafos seguinte analisar quais são as repercussões na
obra de Ander-Egg (1974) dessa inflexão no debate do Serviço Social a nível latino-
americano. Debate, esse, que se insere em um cenário ideo-político particular e a partir
do qual alguns autores colocavam na época a necessidade de uma nova
Reconceituação.
A obra intitulada “O Serviço Social como ação libertadora” (Andder-Egg,
1974) apresenta algumas diferenças como já foi dito - que poderiam ser lidas como
uma tentativa de aggiornar as reflexões de 1967, das que essa obra é continuidade
61
. No
inicio da parte 1, intitulada o Serviço Social na América Latina, o autor chama a
atenção para o fato de que: “A correlação entre o processo social e o processo das
ciências e das profissões, é um fato demais evidente” (Idem: 13, tradução nossa). Nesse
sentido, no prólogo para a edição de 1974 é colocada uma referencia explicita à
60
Trata-se do VII Congresso Interamericano de Bem-estar Social realizado em Quito,
Equador, entre os dias 25 e 31 de julho de 1971. Segundo Parra, em 28 de julho o
Congresso foi encerado pelo próprio presidente do Equador, Velazco Ibarra. A versão
oficial assinalava que o Congresso tinha sido encerrado fundamentalmente para lhe
evitar problemas aos congressistas estrangeiros que um participante equatoriano
tinha solicitado que esse Congresso realizasse um voto de apoio à greve geral
organizada pela Central de Trabalhadores Equatorianos” (Parra, 2002: 167, tradução
nossa). Mas, Parra introduz uma citação de Kruse, que salienta outros motivos para esse
encerramento. “A partir de que o Congresso se dividiu em comissões para fazer um
estudo aprofundado dos sub-temas em que tinha se dividido o temário principal, o
Serviço de Segurança começou gravar com nome, sobrenome e nacionalidade as
intervenções de todos os congressistas. Dos mil participantes, pelo menos 700 se
mostraram abertamente como pessoas de esquerda: camilistas colombianos, neo-
soviéticos bolivianos, marxistas chilenos, boschianos dominicanos, nacionalistas
peruanos, independentes porto-riquenhos, etc. Os agentes de segurança se alarmaram
quando ouviram todas essas pessoas falando livremente de marxismo, de materialismo
dialético e de revolução” (Kruse, 1971: 33. In: Parra, 2002: 167, tradução nossa).
61
Deve-se levar em conta que a edição consultada para a presente dissertação é de 1974
(6ª edição), o que faz com que ela guarde diferenças, também, com a sua versão original
de 1971.
situação chilena, em termos de angustia: “o acontecido no Chile, país que marchava na
direção de uma libertação nacional e social (o que fazia sentido para toda América
latina), mas cujo processo tem sido esmagado pelas ações criminais sem precedentes na
história do país” (Idem: 9, tradução nossa).
nas primeiras paginas dessa obra aparece uma posição que se distanciando da
obra de 1967 se coloca como critica ao desenvolvimentismo, salvo erro na nossa
interpretação. Neste sentido o autor retoma uma citação de Barreix, Alayón e Cassineri
(1971) na qual é salientada a necessidade de substituir a forma Serviço Social” pela
denominação TRABALHO SOCIAL como nova forma de ação social que é reclamada
pelas circunstâncias latino-americanas daquele momento, diz o autor:
“(...) uma forma de ação social distinta (talvez com objetivos e
intencionalidade histórica diferente e até opostos) deve
substituir o que não para mais [o autor esta se referindo ao
Serviço Social], porque não da mais o seu ‘gestor’ ideológico
(o desenvolvimentismo) derivado das concepções liberal-
capitalistas”. (Idem: 31, tradução nossa).
Assim, o debate colocado por Barreix, Alayón e Cassineri (1971) no que diz
respeito à denominação Trabalho Social, faz referencia a uma reconstrução da evolução
histórica da profissão que deve ser entendida em termos do que Carlos Montaño (1998)
chama de tese endogenista
62
. Essa lógica parece colocar o Serviço Social em uma
perspectiva desenvolvimentista, enquanto que o Trabalho Social assumiria uma posição
“concientizadora-revolucionária”.
“Quando procurava-se – ainda – ‘a vinculação entre os objetivos
do Serviço Social e os da política nacional do desenvolvimento’
(o que tivesse permitido criar uma concepção
desenvolvimentista do Serviço Social), alguns dos que se
colocam na vanguarda da Reconceituação encontraram-se com a
62
Já foi sugerida a recorrência à Montaño (1998) para o aprofundamento desse debate.
formulação da insuficiência do desenvolvimentismo
(formulação que provém de fora do Serviço Social)” (Ander-
Egg, 1974: 40, tradução nossa).
No que diz respeito ao que se nomeou nessa seqüência evolutiva como
Serviço Social, Ander-Egg resgata a diferenciação de duas concepções formuladas por
Barreix, a Concepção asséptico-tecnocrática
63
e uma concepção desenvolvimentista.
Essa ultima concepção - segundo Ander-Egg (Cf. 1974: 38) situa-se na centralidade que
o desenvolvimento adquiriu em todos os campos após um processo que começou com
um primeiro relatório da CEPAL (de 1949) e de posteriores estudos sobre a economia
latino-americana e sobre cada país em particular, impondo a idéia do desenvolvimento.
Mas vejamos o que Ander-Egg entende por concepção desenvolvimentista nesta
segunda obra dele que agora analisamos:
“(...) estamos fazendo referência a uma corrente de pensamento
e ação que surge na década de ’50, apoiada em diversos estudos
sobre o desenvolvimento latino-americano, cujo modelo
analítico examina situações em termos de transição de uma
sociedade tradicional para uma sociedade moderna,
apresentando ambas as situações como tipos ideais ou pólos de
um continuum conceitual, dentro de uma análise que quer ser
cientifica, a-ideológica e despolitizada. Este enfoque considera o
desenvolvimento econômico como um processo ou etapas que
abrangem diferentes aspectos, mas, em geral consiste na indução
da mudança em direção de uma situação modernizante, segundo
o modelo (nem sempre explícito), dos chamados paises
desenvolvidos” (Ander-Egg, 1974: 38, tradução nossa).
Segundo o autor teria se conformado um processo no qual pereciam estar dadas
as condições para a elaboração desenvolvimentista do Serviço Social, “(...) mas a
63
Concepção que faz referencia à influencia do Serviço Social norte-americano no
Serviço Social latino-americano, vincula-se à uma preocupação técnico-científica, com
um marco referencial psicologista na suposta tentativa de elevação do status
profissional.
dinâmica do processo leva a situações que parecem negar essa possibilidade, e colocam
o Serviço Social na sua atual crise profunda” (Ander-Egg, 1974: 40, tradução nossa).
O autor continua o raciocínio mostrando que essa centralidade posta no
Desenvolvimento perpassa as ciências sociais em geral e atinge o Serviço Social que
será compreendido como uma técnica social que deve contribuir no processo geral de
desenvolvimento econômico do país.
No que diz respeito à emergência do que foi nomeado como Trabalho Social,
Andder-Egg (Op. Cit.) vai salientar alguns fatores que levaram ao abandono do
desenvolvimentismo e ao novo enfoque do problema do desenvolvimento. Assim vai
colocar duas linhas de leitura: por um lado a inoperância dos planos de desenvolvimento
e o fracasso da Aliança para o Progresso; e por outro lado novas proposições com uma
perspectiva ideológico-política que “(...) fizeram ver e compreender os problemas de
nosso desenvolvimento de maneira diferente” (Ibidem).
Essa compreensão de “nossos problemas de maneira diferente” esta claramente
expressa na concepção de desenvolvimento que Ander-Egg oferece no seu Diccionario
de Trabajo Social (1974a), vejamos as afirmações do autor textualmente.
“(...) Tem-se afirmado que ‘o desenvolvimento como prática e
como ideologia constitui o desafio por excelência do homem
latino-americano; a sua teoria como ciência constitui o maior
desafio intelectual da América Latina’. Embora mais decisiva
que a própria problemática do desenvolvimento, é a luta pela
libertação que abrange e polariza o verdadeiro desafio latino-
americano, e do qual, o desenvolvimento é um aspecto
particular. E não qualquer desenvolvimento, senão aquele que
cada país latino-americano quer conforme ao seu modelo ou
projeto nacional. Isto significa que o desenvolvimento, mais que
como técnica de indução de mudanças sociais, se concebe como
uma manifestação do movimento de libertação que emerge da
situação de dependência e exploração que vivem nossos povos.
(...) o problema do desenvolvimento se coloca com um novo
caráter e de maneira global e totalizante; já não se trata de
‘passar’ de uma situação de subdesenvolvimento para outra de
desenvolvimento, senão de ‘romper’ uma situação na qual
existem posições de interesses contrapostos entre dominadores e
dominados. Em conseqüência, as transformações qualitativas
tem prioridade sobre as mudanças quantitativas, e a superação
da dependência e a ruptura com o sistema capitalista, aparecem
como tarefas iniludíveis para alcançar o desenvolvimento”
(Ander-Egg, 1974a: 77-78, tradução nossa).
Apresentamos a citação anterior o apenas por considerarmos que aponta uma
mudança a respeito da concepção de desenvolvimento proposta pelo autor em 1967,
mas por considerarmos também que introduz elementos para pensarmos os limites
das contribuições do autor no que diz respeito à possibilidade de uma mudança radical.
Uma chave fundamental para a apreensão desses limites vincula-se ao que
consideramos um esvaziamento de algumas categorias que permitiriam sustentar uma
crítica radical. Pode-se observar e aprofundaremos essa discussão nas paginas
seguintes – na citação anterior, uma referência ao suposto novo caráter “global e
totalizante” da problemática do subdesenvolvimento, que poderíamos ler como um
esvaziamento da categoria de Totalidade.
Ander-Egg, se referindo ao debate em face do Serviço Social e a sua
“passagem” para o Trabalho Social, vai colocar que não foi a crise desenvolvimentista
que deu origem à necessidade de reformulação do Serviço Social. Ele afirma que o
desenvolvimentismo foi o impulso da reconceituação como um aspecto das suas
políticas modernizantes, mas diz o autor:
“(...) quando se teve consciência clara – e a realidade o mostrava
de que o desenvolvimentismo era uma via morta para o
desenvolvimento e libertação de nossos povos, se deu o salto do
Serviço Social reconceituado (ou em vias de reconceituação),
para a aparição de um Trabalho Social latino-americano, que se
insere na busca da libertação de nossos povos” (Ander-Egg,
1974: 67, tradução nossa).
Essas colocações do autor mostram um processo que daria conta da emergência
do Movimento de Reconceituação no interior do ideário desenvolvimentista
caracterisitca que foi analisada no capitulo anterior - e que teria conseguido a partir
de posições mais “radicalizadas” - superar a proposta desenvolvimentista. Agora,
considera-se que resgatar a leitura que o autor faz daquele processo ajudará introduzir
uma reflexão sobre a crítica que ele faz – depois – ao “Marxismo dos não marxistas”.
Nesse sentido, o autor coloca que alguns setores afirmam que o fato de pensar na
possibilidade de uma concepção concientizadora-revolucionária da ação social é uma
utopia ou uma contradição. Isto é, o sistema não toleraria uma profissão que atenta
contra ele próprio e que foi criada para a correção de disfunções. Mas diz o autor:
“Na nossa opinião, é ingênuo pensar que haja possibilidades de
uma profissão revolucionária; o que pode ter são profissionais
revolucionários. Por outra parte, estamos muito longe de que
essa seja a direção dominante no Serviço Social. Embora, o que
os fatos mostram é que, na medida em que a situação social foi
virando critica, a aqueles que promoviam determinados
programas sociais aconteceu-lhes o que ao aprendiz de bruxo:
têm criado forças e impulsado processos que hoje o podem
controlar. Isto explica, ou melhor, ajuda para compreender a
natureza da reconceituação colocada nos últimos anos. De outra
forma, como poderia se explicar que o sistema capitalista tenha
gerado profissionais do Serviço Social comprometidos com a
libertação? Não se aplica aqui a predição de Marx acerca da
incapacidade do capitalismo para controlar as forças que gera?
Hoje, em 1974, isto não é uma aspiração de desejos; é a
realidade de alguns grupos profissionais geralmente os mais
ativos e eficazes - que estão surgindo em todos os cantos da
América Latina. O Serviço Social na América Latina, parece
estar dando lugar ao Trabalho Social latino-americano; o que
tinha de importado esta morrendo, enquanto nasce algo
propriamente nosso” (Ander-Egg, 1974: 40-41, tradução nossa).
As afirmações do autor na citação anterior dão lugar a uma serie de
interrogações no que diz respeito a sua leitura e apreensão da teoria social de Marx e
que nas paginas seguintes aparecerá com clareza. Em primeiro lugar o autor confunde as
formulações de Marx em relação ao que se deve entender por tendência histórica, que é
pensado com uma base material, e o coloca equivocadamente segundo a nossa leitura
em termos de predição. Pensar em termos de predição significa colocar a categoria de
tendência histórica na ordem da especulação ideal. Isto é, tratar-se-ia de afirmações
surgidas na base de um raciocínio abstrato eliminando a sustentação material que é a
base dessa tendência e que desvinculada dela carece de qualquer sentido. Porém, como
apresentaremos nas paginas seguintes, esse tipo de leituras da obra marxiana parece ser
questionada pelo próprio Ander-Egg na sua obra de 1984. Em segundo lugar, quando
coloca a questão em termos dessa suposta predição” acerca da incapacidade do
capitalismo para controlar as forças que gera” consideramos que o autor confunde a
categoria profissional com a conformação do proletariado como classe social, nos
termos de Marx e Engels no Manifesto do Partido Comunista (Marx e Engels, 1998: 12
e ss.). Dessa forma, o Serviço Social é pensado em uma perspectiva que Marilda
Iamamoto denominou de messianismo profissional. Isto é, (...) uma visão heróica do
Serviço Social que reforça unilateralmente a subjetividade dos sujeitos , a sua vontade
política sem confrontá-la com as possibilidades e limites da realidade social”
(Iamamoto, 1998:22). Colocado nesses termos, então, entendemos que se trata de uma
reflexão unilateral sobre a profissão no movimento de reprodução da sociedade, diz
Iamamoto nesse sentido:
“A reflexão teórica sobre o Serviço Social no movimento de
reprodução da sociedade não se identifica com a defesa da tese
unilateral que tende a acentuar, aprioristicamente, o caráter
‘conservador’ da profissão como esforço e apoio ao poder
vigente. Não significa, ainda, assumir a tese oposta, amplamente
divulgada no movimento de Reconceituação, que sustenta, a
principio, a dimensão necessariamente ‘transformadora ou
revolucionária’ da atividade profissional. Ambas as posições
acentuam, apenas e de modo exclusivo, um pólo do movimento
contraditório do concreto, sendo nesse sentido unilaterais”
(Iamamoto, 2000: 74).
Após essa passagem pela obra de Ander-Egg de 1974 que, como dissemos,
apresenta formulações aggiornadas a respeito da obra anterior pelas razões expostas,
vamos nos deter em uma terceira obra do autor Achaques e manias do Serviço Social
reconceituado (1984) -.
3.3 A critica de Ander-Egg ao “Marxismo dos não Marxistas”.
Começamos este ponto da mesma forma que os dois anteriores do presente
capítulo chamando a atenção para o cenário ideo-político em que essa nova obra do
autor é publicada. Como fora analisado no capitulo I, trata-se de um momento histórico
marcado pela volta para a democracia após um processo ditatorial com as graves
conotações estudadas e enfrentando – essa é uma particularidade do processo
histórico argentino – uma abertura democrática vinculada à abertura neoliberal.
Nesse contexto é publicada uma nova obra de Ander-Egg. A particularidade
dessa publicação não é o conteúdo em si mesmo, que tinha sido publicado pela primeira
vez por volta dos inícios dos anos ’70 do culo passado. O que chama a atenção nessa
publicação é uma entrevista feita por Diana Müller
64
em Alicante, Espanha, em março
de 1983. Na apresentação a autora diz que se trata de uma “avaliação parcial do que o
autor denomina [se referindo a Ander-Egg] “o uso não marxista do marxismo”. A autora
coloca o fato da data da entrevista, no mês e ano em que se comemorava o centenário
da morte de Marx.
64
Não consta na publicação outra informação sobre a autora da entrevista.
Parece claro que a critica central de Ander-Egg ao Movimento de
Reconceituação na América Latina
65
tem a ver com segundo palavras do autor “o
uso o marxista do marxismo”. Agora, considera-se necessário chamar a atenção para
os pontos centrais dessa critica que poderia se dizer que não consegue transcender
certos erros na leitura da obra de Marx. Nesse sentido, o autor enuncia três pontos para
fazer a sua critica na seguinte seqüência. Em primeiro lugar vai falar de um discurso
idealista com roupagem marxista, em segundo lugar de um sectarismo vanguardista e
finalmente de um manualismo de corte e confecção (Cf. Ander-Egg, 1984: 19 ess.,
tradução nossa).
Na critica feita no que diz respeito ao discurso idealista com roupagem
marxista, vai colocar o que ele compreende como um erro e que tem a ver com o uso da
retórica marxista “em lugar de aplicar o marxismo para analisar a realidade e orientar a
pratica” (Ibidem). O autor considera que essa “ilusão discursiva” preparou o fim do
movimento de Reconceituação. Considera, também, que levando em conta, segundo
ele, que o Serviço Social é uma profissão destinada ao atendimento dos problemas das
pessoas essa “infecundidade” intelectual é menos grave do que a infecundidade” de
serviço, porque esta afeta a todos.
“Esta pretensão os levou a escrever questões de epistemologia,
metodologia, lógica e uma série de problemas teóricos que,
quem deseje informar-se e documentar-se sobre eles, é evidente
que não recorrerá aos escritos de um trabalhador social. No
entanto, as questões que lhes concernem, são tratadas
lateralmente, ou se inserem em um discurso teórico que não
contribui em nada à compreensão da realidade, nem ao
melhoramento das praticas” (Ander-Egg, 1984: 20, tradução e
grifos nossos).
65
A critica é feita no livro “Achaques e Manias do Serviço Social reconceituado” (Op.
Cit.). A referência como já se chamou a atenção é sempre em termos de América
Latina, o que faz difícil saber exatamente quem são os interlocutores do autor.
Até aqui o raciocínio do autor parece se fundar por um lado e dar fundamento
para a já muito conhecida consigna que diz que na pratica a teoria é outra. Por outro
lado, se encontra explicita nesta citação uma clara perspectiva no que diz respeito ao
debate sobre a especificidade profissional. Assim, segundo Montaño (1998: 147) o
“espaço” ou a “especificidade” na divisão da ciência e da técnica parece ser o espaço da
pratica.
Segundo coloca Ander-Egg, a sua critica se baseia no que ele entende que foi a
transformação da teoria marxista em uma doutrina dogmática, em “algo acabado que
pretende explicá-lo todo” (Ander-Egg, 1984: 21). Neste sentido vai colocar, como
tentativa de compreensão desse fato, a interlocução marxismo-igreja católica
66
,
argüindo que a “conversão” do catolicismo para o marxismo teria possibilitado a troca
de uma escolástica por outra. Continua o autor o seu raciocínio argumentando que esse
reducionismo do pensamento deriva no maniqueísmo e sectarismo. . Nesse sentido,
argumenta o autor, tudo o que não fosse “(...) ortodoxia marxista, é funcionalismo ou
idealismo” (idem: 23). Nessa lógica, Ander-Egg entende que o uso que esses
“reconceituadores”
67
fizeram do marxismo é um uso “manualista”.
“Trata-se, simplesmente, de utilizar textos marxistas, expressões
e categorias marxistas, parafrasear e glosar escritos marxistas,
tudo isto sem muita preocupação por ter referência empírica,
salvo aquelas que filtro e que me servem para conferir o que
afirmam os textos. (...) Obnubilado no seu discurso marxista
ou pretendidamente tal - não são capazes de perceber as
contradições em que incorrem, além da sua desconexão com a
66
Essa interlocução exige um estudo particular que forma parte do nosso projeto
intelectual, mas que os limites da presente dissertação não nos permitem um
aprofundamento dessa questão.
67
se chamou a atenção para o fato da ausência de referencia explícita no que diz
respeito a essas criticas, o que dificulta a compreensão de quem são os interlocutores de
tal critica, atendendo à heterogeneidade do processo de reconceituação na América
Latina.
realidade que está na base de tudo. Teoricamente reconhecem
é um principio básico do marxismo admitido por todas as
tendências que nenhuma formulação teórica é valida senão na
medida em que é capaz de resistir à confrontação com a
realidade. A validez de uma teoria se mede precisamente pela
sua capacidade de nos orientar para interpretar a realidade e
transformá-la” (1984: 25 e ss., tradução e grifos nossos).
Essa validez da teoria, que segundo a citação precedente estaria dada pela sua
capacidade de nos orientar para interpretar a realidade e transformá-la, parece
reproduzir o recurso positivista que tenta encaixar uma teoria na compreensão da
realidade ou vice-versa. Isto é, a validez de uma teoria não pode ser colocada em termos
de “resistência” em face da confrontação com a realidade e sim em termos da sua
capacidade de reproduzir no campo das idéias o movimento do real.
Neste sentido, é esclarecedora a recorrência às reflexões de Sanchez Vazquez
enquanto nos permite compreender o caráter relativo da oposição teoria-prática, a qual
segundo o autor deve se compreender mais como uma diferença do que como uma
oposição.
“(...) quando se formulam com justeza as relações entre teoria e
prática, vemos que se trata mais de uma diferença do que de
uma oposição. Na verdade, se pode falar de oposição e,
sobretudo, de oposição absoluta quando as relações entre
teoria e prática são estabelecidas em uma base falsa, seja porque
esta última tende a desligar-se da teoria, seja porque a teoria se
nega a vincular-se conscientemente com a prática” (Sanchez
Vasquez, 2007: 239-240).
A partir das contribuições de Sanchez Vázquez, podemos compreender a
perspectiva de Ander-Egg na lógica do pragmatismo, isto é, a elevação ao nível de
doutrina filosófica de um modo de conceber as relações teoria-prática que não
transcende o ponto de vista do senso comum.
“Seu praticismo manifesta-se, sobretudo, em sua concepção de
verdade; do fato de nosso conhecimento estar vinculado a
necessidades práticas, o pragmatismo deduz que o verdadeiro se
reduz ao útil, com o que solapa a essência do conhecimento
como reprodução na consciência cognoscitiva de uma realidade,
ainda que só possamos conhecer essa realidade reproduzi-la
idealmente em nosso trato teórico ou prático com ela. É
preciso advertir, por outro lado, que, fiel ao ponto de vista do
senso comum, do ‘homem da rua’, o pragmatismo reduz o
prático ao utilitário, com o qual acaba por disolver o teórico no
útil” (Sanchez Vázquez, 2007: 241).
Dessa forma, fica claro que a pretendida validez de uma teoria a partir da sua
capacidade de orientar na interpretação da realidade para a sua transformação, é uma
clara concepção que coloca Ander-Egg na lógica do pragmatismo e do utilitarismo.
É necessário apontar para outro eixo significativo na pretendida crítica de
Ander-Egg a respeito do “marxismo dos não marxistas”. O autor apresenta uma série de
questões que dizem respeito ao “âmbito da metodologia no Trabalho Social” onde,
segundo ele, “a dialética produziu uma sedução especial” (1984: 32).
“Surpreendente simplificação: a dialética não é o método do
Trabalho Social. Também não se pode falar como se faz com
freqüência de que o método dialético é o método do Trabalho
social... outros dizem, de maneira mais atenuada, ‘a dialética é o
método para a análise e transformação da realidade social’, mas
pensando que isto se faz a partir do trabalho Social (...) Uma
leitura por correta e meditada que seja, não é per se garantia de
compreensão de um método e menos ainda da sua aplicação
(Idem: 33, tradução e grifos nossos).
Mais uma vez nessa critica aparece a confusão na compressão do método, em
termos de método de aplicação. Essa interpretação pode se vincular às reflexões
anteriores à respeito da sua perspectiva pragmática e à sua posição utilitarista, o que é
coerente com uma perspectiva que pretende a instrumentalização do método. Parece
necessário para uma melhor compreensão resgatar algumas reflexões no que diz
respeito ao método dialético. Vejamos a contribuição que Jose Paulo Netto faz na sua
obra O que é Marxismo sobre o método:
“O seu procedimento consistia sempre em avançar do empírico
(os ‘fatos’), apanhar as suas relações com outros conjuntos
empíricos, investigar a sua gênese histórica e o seu
desenvolvimento interno e reconstruir, no plano do pensamento
todo este processo. O circuito investigativo, recorrendo
compulsoriamente à abstração, retornava sempre ao seu ponto
de partida e, a cada retorno, compreendia-o de modo cada vez
mais inclusivo e abrangente. Os fatos, a cada nova abordagem,
se apresentam como produtos de relações históricas
crescentemente complexas e mediatizadas podendo ser
contextualizados de modo concreto e inseridos no movimento
maior que os engendra. É um método, portanto, que, em
aproximações sucessivas ao real, agarra a história dos processos
simultaneamente às suas particularidades internas. Um método
que o se forja independentemente do objeto que se pesquisa
o método é uma relação necessária pela qual o sujeito que
investiga pode reproduzir intelectualmente o processo do objeto
investigado“ (Netto, 2006: 30-31).
Vejamos, agora o que significa essa reprodução intelectual do objeto
investigado. Neste sentido, Karel Kosik vai se referir ao método de ascensão do abstrato
ao concreto como método de pensamento, como elemento que atua nos conceitos, no
elemento da abstração, e continua o autor:
“A ascensão do abstrato ao concreto o é uma passagem de um
plano (sensível) para outro plano (racional); é um movimento no
pensamento e do pensamento. Para que o pensamento possa
progredir do abstrato ao concreto, tem de mover-se no seu
próprio elemento, isto é, no plano abstrato, que é negação da
imediatidade, da evidência e da concreticidade sensível. A
ascensão do abtrato ao concreto é um movimento para o qual
todo inicio é abstrato e cuja dialética consiste na superação desta
abstratividade. O progresso da abstratividade à concreticidade é,
por conseguinte, em geral movimento da parte ao todo e do todo
para a parte; do fenômeno para a essência e da essência para o
fenômeno; da totalidade para a contradição e da contradição
para a totalidade; do objeto para o sujeito e do sujeito para o
objeto. O processo do abstrato ao concreto como método
materialista de conhecimento da realidade, é a dialética da
totalidade concreta, na qual se reproduz idealmente a realidade
em todos os seus planos e dimensões. O processo do pensamento
não se limita a transformar o todo caótico das representações no
todo transparente dos conceitos; no curso do processo o próprio
todo é concomitante delineado, determinado e compreendido”
(Kosik, 2002: 36-37)
68
.
À luz das reflexões anteriores é possível identificar – recorrendo mais uma vez a
Netto qual o núcleo do equívoco de Ander-Egg na sua forma de compreender a
questão do método. Diz Netto:
“(...) Da confusão entre método de exposição e método de
investigação. Isto, evidentemente, é a típica pauta positivista, o
formalismo é uma característica do positivismo (...) Supõe-se
que o método é uma pauta determinada de procedimentos para
conhecer alguma coisa daí a idéia de ‘aplicar’ o todo. Se o
método é, na verdade, a relação constituinte, necessária e
objetiva entre o investigador e o objeto investigado, é evidente
que não posso ‘aplicar’ método do mesmo jeito que aplico
injeção na veia (...) Confunde-se método como pauta de
intervenção, ou seja, como estratégia de intervenção, como
estratégia de ação. É evidente que as estratégias de ação o
intercambiáveis. Elas são selecionáveis eu posso escolher as
estratégias de ação alternativas. Mas isso não é todo.
Algumas pessoas tendem a reduzir a questão dizendo: Bom, mas
nós chamamos a isso metodologia de ação. Podem até chamar,
mas não tem nada a ver com método. Isto é um conjunto de
procedimentos prático-empíricos, prático-imediatos,
implementados para atingir determinados resultados” (Netto,
1986: 56).
Então, evidenciado por essas reflexões e partindo de uma perspectiva que tem
sustentação no pragmatismo, posto que, se baseando em uma concepção de verdade na
lógica do utilitarismo, Ander-Egg apreende a questão do Método como pauta de
procedimento para conhecer e daí a sua compreensão em termos de todo de
aplicação.
Consideramos que um outro equivoco de Ander-Egg, na sua compreensão do
que é a totalidade concreta nos termos de Marx, explicitado por Kosik, o levam a fazer
68
Embora o autor indique tratar-se de um movimento no pensamento do pensamento,
entendemos que a sua referência tenta captar o movimento da realidade conforme Marx
no item 3 da Introdução à Crítica da Economia Política.
afirmações no que diz respeito à dialética em termos de dialética interdisciplinar e
pensamento polinucleado (Cf. Ander-Egg, 1984: 56 e ss.). É necessária uma citação do
autor para demonstrar de que se trata a sua apreensão equivocada a que fazemos
referencia:
“Por uma parte o pensamento de Marx é dialético e ao mesmo
tempo interdisciplinar (economia, filosofia, política, história,
antropologia...) todas as perspectivas ou disciplinas se integram.
Por outro lado a teoria de Marx, como o explica Morin, é
ricamente polinucleada, (comporta como núcleos as idéias de
dialética, materialismo, luta de classes, necessidade do
socialismo, missão do proletariado). Algumas variantes
marxistas dão importância a um núcleo e acabam se
convertendo em doutrinas” (Ander-Egg, 1984: 56)
69
Partimos, então, de entender que o método na teoria social de Marx deve ser
compreendido não apenas como a relação necessária na reprodução do movimento da
realidade no nível do pensamento, senão também, a partir do principio de Totalidade.
Isto é, compreendendo a realidade nas suas leis e descobrindo a superficialidade e
causalidade dos fenômenos, as suas conexões internas. Isso é oposto ao empirismo que
considera as manifestações fenomênicas e causais e não chega à compreensão dos
processos do desenvolvimento do real (Cf. Kosik, 2002: 37).
Considera-se esclarecedora a contribuição de Carlos Nelson Coutinho que,
citando Lukács, oferece as seguintes afirmações para compreensão do princípio da
Totalidade:
“(...) é extremamente pertinente a célebre afirmação do jovem
Lukács segundo a qual a distinção básica entre o marxismo e a
ciência burguesa (na expressão dele) não é o predomínio de
motivos econômicos na explicação do social, mas sim o
principio da totalidade. Essa decisiva indicação metodológica,
69
Essas afirnações são feitas pelo autor na entrevista mencionada em face da
pergunta sobre o que é central no pensamento de Marx.
recolhida pelo marxismo da herança dialética de Hegel, significa
a necessidade de conceber a sociedade como totalidade, isto é,
como uma realidade complexa e articulada, formada por
mediações, contradições e processos. Por isso, o método mais
adequado para pensá-la é compreendê-la, em sua estrutura
ontológica básica, é precisamente aquele que privilegia a
totalidade. E essa totalidade, na trilha de Hegel, deve ser
compreendida como uma totalidade concreta, ou, em outras
palavras, não como um todo no qual as partes não sejam
explicitadas e bem definidas, mas como uma totalidade
constituída a partir da autonomia relativa de seus múltiplos
momentos parciais (...) A totalidade constituída proposta pela
dialética é constituída por diferentes níveis, sendo assim uma
totalidade hierarquizada, com momentos que possuem um peso
ontológico mais marcante do que outros”. (Coutinho, 1996: 92).
A partir das reflexões resgatadas até aqui podemos afirmar que a proposta de
compreensão de Ander-Egg em termos de dialética interdisciplinar e polinucleada”
responde a um equivoco de leitura a respeito do qual tínhamos chamado a atenção a
parir da substituição - feita pelo autor da categoria de totalidade pela denominação de
“caráter global ou totalizante”. As seguintes afirmações de Netto permitem visualizar
com clareza a questão colocada.
“O traço distintivo desta teoria é que ela toma a sociedade
(burguesa) como uma totalidade concreta: não como um
conjunto de partes que se integram funcionalmente, mas como
um sistema dinâmico e contraditório de relações articuladas que
se implicam e explicam estruturalmente. Seu objetivo é
reproduzir idealmente o movimento constitutivo da realidade
(social), que se expressa sob formas econômicas, políticas e
culturais, mas que extravasa todas elas” (Netto, In: Marx e
Engels, 1998: XXIX).
A partir da leitura de Ander-Egg que vimos propondo, consideramos que outra
base equivocada na sustentação da sua critica em face do “Marxismo dos não
marxistas” estaria sustentada no que avaliamos como uma confusão entre “pratica
profissional” como pratica imediata e “pratica social” como prática histórica
(Montaño, 1998: 157 e ss.), concepção que tem vinculação com a concepção
pragmatista que expusemos nos parágrafos precedentes. Seguindo Montaño, se
confunde “teoria” com “abstração”, com “generalização” e com sistematização”. Diz o
autor citado:
“Para Marx, o concreto é ‘a síntese de múltiplas determinações,
depois, unidade da diversidade’ (Marx, 1977:218). O concreto é,
portanto, o ‘todo’, o complexo, é o ponto de partida, mas
também o resultado do processo de conhecimento (Idem: 218-
219). E é precisamente essa afirmação, que incorretamente
interpretada, é tomada como ‘fundamento marxiano’ do
postulado da ‘prática como fonte de teoria’ e do processo
‘prática-teoria-pratica’: P-T-P (cf. Lima, 1986: 30). É que
identificam o ‘concreto’ marxiano com a ‘pratica’” (Montaño,
1998: 159, tradução nossa).
Nesse sentido, Ander-Egg apresenta uma critica à perspectiva que entende a
pratica como fonte de teoria. Assim, ele formula a critica em termos de especulações
teóricas sobre a pratica como fonte de teoria, mas... sem pratica.
“Que a pratica seja fonte de teoria é uma questão de velha data.
Mas o tema adquiriu grande significação no âmbito do Serviço
Social latino-americano em inícios da década de ’70 com motivo
da realização de alguns seminários internacionais que tratavam
da questão. Deles tem participado algumas pessoas que nunca
tem tido uma pratica de campo ou em terreno, ao ponto que
alguém depois de escrever sobre a ‘pratica como fonte de
teoria’, reconhece que ‘não existe uma pratica concreta’ que
sustente a teorização que faz. Incrível, mas real” (Ander-
Egg,1984: 38, tradução nossa).
Ander-Egg entende, adequadamente, que não é a pratica a fonte de teoria e sim a
reflexão teórica que fazemos sobre a pratica a partir de determinadas categorias teóricas
e que permitem elaborações teóricas.
Desta forma, parece claro que um dos pilares centrais da crítica feita por Ander-
Egg sustenta-se em uma suposta “ausência” de prática, o que mostra a perspectiva
praticista do autor. Diz Sanchez Vazquez a respeito dessa perspectiva:
“O senso comum é o ‘sentido da prática’. Como não
inadequação entre senso comum e prática, para a consciência
simples, o critério que esta estabelece em sua leitura direta e
imediata é inapelável. A consciência simples se a si mesma
em oposição à teoria, que a intromissão desta no processo
prático lhe parece perturbadora. A prioridade absoluta
corresponde à prática, e tanto mais corresponderá quanto menos
impregnada estiver de ingredientes teóricos. Por isso, o ponto de
vista do ‘senso comum’ é o praticismo; prática sem teoria, ou
com um mínimo dela” (Sanchez Vazquez, 2007: 240).
Seguindo com o seu raciocínio, Ander-Egg reproduz no corpo do seu texto uma
citação de Levi-Strauss:
“Depois de Rosseau e de forma decisiva, Marx ensinou que a
ciência não se edifica no plano dos acontecimentos, como
tampouco a física se edifica a partir dos dados da sensibilidade:
a finalidade é construir um modelo... para aplicá-lo depois à
interpretação do que acontece empiricamente” (Idem: 39,
tradução nossa).
Com essa citação o autor o parece voltar para o equivoco de interpretação
já sinalizado, como também mostra o caráter eclético da sua produção. Vejamos a
seguinte reflexão de Montaño:
“Se, para os praticistas, prática é a pratica profissional,
localizada especifica e singular, e se a teoria deve ter ‘nesta
pratica o critério de verdade, então estaríamos pensando,
necessariamente, em uma teoria como ‘saber instrumental’ (não
como reprodução ideal do movimento da realidade) que deve ser
aplicado’ a esta prática. Na verdade ai radica o grave erro de
interpretação, Marx pensa a prática histórico-social como um
todo, não como uma ‘atividade’ singular como interpretam os
praticistas. (Montaño, 1998: 177, tradução nossa).
Na sua lógica, Ander-Egg afirma que “esses teóricos” do Serviço Social nas
especulações sobre a pratica produzem uma teoria absolutamente divorciada da
realidade. È necessário, para apreender o equivoco dessa interpretação, resgatar alguns
pontos que Montaño (Cf. 1998: 170 e ss.) formula no que diz respeito à relação teoria-
prática na perspectiva praticista. Segundo o autor citado, essa perspectiva exclui a
possibilidade de um conhecimento teórico e cientifico que não surja do sensível, do
vivido, da pratica. Nesse sentido, para ser fiel ao objeto, à realidade, se deve partir do
contato direto, sensível com o objeto. Por causa disso, qualquer racionalização da
prática, qualquer sistematização, qualquer diagnóstico, é suficiente para construir um
conhecimento teórico. E isso leva à desprofissionalização do Serviço Social. E
finalmente sempre em termos de Montaño -, essa perspectiva não permitiria ou não
aceitaria a acumulação de conhecimento.
Agora voltemos para outra afirmação de Ander-Egg na sua critica ao Marxismo
dos não marxistas:
“A critica se limita quase exclusivamente a salientar o fato de
que o Serviço Social tem sido produto do sistema capitalista
para assegurar a manutenção dele. As vezes essa critica é tão
simplista que parece que o Serviço Social é fruto de uma grande
especulação dos capitalistas para criar primeiro, e depois
aproveitar, um instrumento para a manuteão do sistema. Não
digo que não seja utilizado, mas as classes dominantes tem
outros instrumentos mais eficazes para dominar – ou tentar fazê-
lo às outras classes sociais. Minha critica centra-se no
infantilismo desse raciocínio. Parece que imaginam a Kissinger
e uma horda de cérebros do sistema, horríveis de aspecto e
ferozes nos seus atos, tratando e analisando as formas de
aproveitar o Serviço Social em favor do capitalismo e do
imperialismo e contra o processo de libertação de nossos povos.
Ignoram o fato generalizado, tanto nos paises ricos como nos
paises do terceiro mundo, de que quando se produz a menor
crise ou restrição econômica, o primeiro que recortam são os
orçamentos dos serviços sociais. Se estes fossem tão importantes
e eficazes para a domesticação do povo, nas situações de crise se
acrescentariam os fundos para um melhor controle das classes
submergidas” (Ander-Egg, 1984: 45)
Algumas afirmações de Iamamoto na sua reflexão sobre o Serviço Social na
reprodução do controle e da ideologia dominante - vão nos permitir refletir sobre as
colocações de Ander-Egg na citação anterior:
“Essa dimensão privilegiada na análise da inserção do Serviço
Social no processo de reprodução das relações sociais deve ser
apreendida dentro dos reais limites em que se encontra
circunscrita a pratica profissional. Não se trata de superestimar a
importância ou a força dessa profissão como um dos
mecanismos mobilizados por aqueles setores sociais que a
legitimam e a demandam, dentro de uma estratégia de reforço do
controle social, e da difusão da ideologia dominante. O Serviço
Social é considerado , portanto, como um instrumento auxiliar e
subsidiário, ao lado de outros de maior eficácia política e mais
ampla abrangência, na concretização desses requisitos básicos
para a continuidade da organização social vigente. Isso, no
entanto, não minimiza o esforço de inserir a reflexão sobre a
profissão na direção apontada, procurando apreender as
implicações históricas desse tipo de intervenção na realidade,
inscrita dentro de um projeto de classe” (Iamamoto, 2000: 104-
105).
A leitura dessa última critica de Ander-Egg à luz das contribuições de Iamamoto
expressa com clareza o caráter conservador daquela critica. Essas afirmações
condensam uma perspectiva que tende a despolitizar e des-historicizar a profissão,
desconhecendo o seu papel social na produção e reprodução das relações sociais. Parece
suficiente para pôr em questão essas afirmações voltar às páginas precedentes e
observar os papeis diferenciais assumidos pela profissão nos tempos da Aliança para o
Progresso e depois nos processos ditatoriais espalhados por quase todos os paises da
nossa América Latina. E claro que nessa análise, o Serviço Social como instrumento do
Capital, joga papéis diferentes que devem ser historicamente situados. As reflexões de
Ander-Egg mostram uma ausência que permite entender melhor os fundamentos da sua
perspectiva, trata-se da ausência ao longo de toda a sua suposta crítica da
perspectiva de classe, o projeto de classe não conforma o universo das preocupações do
autor, o que faz a diferença no momento de compreender a realidade e pensar propostas
para a sua transformação.
Resgatemos a seguinte afirmação de Faleiros no que diz respeito à posição de
Ander-Egg em face da análise de diferentes perspectivas teóricas a propósito da
reconceituação.
“Ezequiel Ander-Egg (1984) reconhece o caráter marxista da
Reconceituação, embora o satiriza, o caracteriza como rígido,
incoerente, desvinculado de prática conseqüentemente de
teorismo e verbo, cheio de ‘achaques e manias’. Assim ele acaba
por decretar o final do movimento (...) voltando a propor o
esquema do planejamento como guia metodológico da profissão
no qual, pelas suas publicações (agora em obras completas
(sic!)) nunca deixou de incluir o seu texto ‘Achaques e Manias’,
o qual é mais um disparate do que uma tese científica” (Faleiros,
1987: 53-54).
Consideramos que esse caráter marxista” do Processo de Reconceituação
reconhecido por Ander-Egg segundo a análise de Faleiros deve ser colocado entre
signos de interrogação.
Resgatemos as afirmações de Otavio Ianni a propósito da construção das
categorias.
“A construção da categoria é, a meu ver, um desfecho, é a
síntese da proposta de Marx, isto é como se explica
cientificamente um acontecimento, como se constrói a
explicação. Na medida em que a explicação se sintetiza na
categoria que poderíamos traduzir, em ‘conceito’, numa lei,
então a construção da categoria é por assim dizer, o núcleo, o
desfecho da reflexão dialética. Explicar dialeticamente é
construir a categoria ou as categorias que resultam da reflexão
sobre o acontecimento que esta sendo pesquisado” (Ianni, 1986:
1).
Essa contribuição de Ianni nos permite pensar e entender alguns aspectos da
leitura das produções de Ander-Egg que propomos nos presente capítulo. Isto é, para
além de diferenças teóricas ou de interpretação consideramos que a compreensão da
forma que assume a construção da categoria e da sua função para a ciência é
fundamental para apreender o que consideramos que é uma leitura enviesada das
contribuições marxistas segundo a ótica de Ander-Egg. Dessa forma, nas suas
produções aprecem referências a categorias tais como Revolução e alienação, que
segundo o autor dariam conta por si próprias de uma tentativa de captação da teoria
social de Marx. Na verdade, Ianni nos ajuda a pensar que as categorias não constituem
propriedade de uma teoria social, pelo contrário são construções que contribuem na
teoria social para a reprodução a partir do método no nível do pensamento do
movimento da realidade. A análise da obra de Ander-Egg mostra, neste sentido, uma
recorrência à categoria e uma tentativa de encaixá-la na realidade para, a partir daí,
descrever o que acontece de fato e que com a utilização da categoria seria possível
conferir. Não existem mediações
70
para re-pensar essa categoria de forma que permita
70
É necessário salientar embora foi feita uma reflexão neste sentido no inicio do
capitulo II - que partimos de compreender a mediação entanto categoria ontológica nos
termos da contribuição de Marx, traduzida por Reinaldo Pontes. Diz o autor: “É assim,
como resultado da concepção trazida por Marx, que a mediação vai assumir um sentido
historicamente concreto, ultrapassando tanto a ‘acidentalidade’ quanto o ‘idealismo’. As
mediações são as expressões históricas das relações que o homem edificou com a
natureza e conseqüentemente das relações sociais daí decorrentes, nas varias formações
sócio-humanas que a história registrou. Assim, as mediações criadas historicamente na
complexa relação homem-natureza são indicadores seguros e fecundos, do ponto de
vista histórico-social, porque efetivamente constituem-se na expressão concreta do
envolver do processo de enriquecimento humano, na sua dinâmica de objetivar-se no
mundo e incorporar tais objetivações; na sua saga de buscar mediações cada vez menos
‘degradadas e bárbaras’ e cada vez mais humano-igualitárias, tanto no plano do ser
social quanto no plano do controle da natureza. A edificação de mediações cada vez
mais distantes da degradação e da barbárie necessariamente passa pela mediação central
da relação homem-natureza/homem-sociedade, que é a mediação do trabalho. Ou seja,
a construção de mediações entre as varias instâncias do existir humano que conduzissem
estas relações para o progresso econômico-social-cultural-espiritual da espécie, com a
plena superação da alienação, da exploração etc. Desta forma, visualizando a mediação
como constitutiva das relações sociais historicamente construídas, o seu sentido
ontológico nos parece perfeitamente explícito. A seguinte afirmação de Lukács bem
sintetiza a dimensão ontológica da categoria de mediação: ‘Não pode existir nem na
natureza, nem na sociedade nenhum objeto que neste sentido [...] o seja mediato, não
seja resultado de mediações. Deste ponto de vista a mediação é uma categoria objetiva,
ontológica, que tem que estar presente em qualquer realidade, independente do sujeito
(1979:90)” (Pontes, 1997: 78-79).
traduzir o movimento da realidade, trata-se apenas, de uma leitura da realidade que não
consegue transcender a aparência fenomênica por razão da forma em que a categoria é
apreendida e instrumentalizada.
“Neste sentido, a ontologia marxiana volta-se primordialmente
para os ‘processos de produção e reprodução da vida humana’,
sendo que as representações que surgem na mente humana, são
reflexos do real captados como representações na consciência.
Não possuem estas uma existência autônoma em si mesmas.
Sobre este tema Lukács diz que: ‘as categorias [...] não são
formas lógicas primárias que de algum modo se ‘apliquem’ à
realidade; mas sim os reflexos de situações objetivas na natureza
e na sociedade’ (1978: 75, grifos nossos)” (Pontes, 1997: 59).
Desse modo, entendemos que nas análises de André-Egg as categorias são
esvaziadas do seu sentido e significado histórico da mesma forma que o próprio autor,
depois, critica o que ele entende que foi o “Marxismo dos não marxistas” que teria
“ferido de morte” o Movimento de Reconceituação latino-americano.
Consuelo Quiroga, em uma análise orientada ao estudo da invasão positivista no
marxismo, a partir da análise do ensino da Metodologia no Serviço Social no Brasil, faz
as seguintes afirmações que oferecem uma chave para compreender alguns dos
reducionismos mais freqüentes e que aparecem – como temos mostrado – nas produções
nas quais Ander-Egg recorre ao marxismo ou critica-o.
“Assimilam-se e reproduzem-se, acriticamente, leituras que
apresentam, entre outros pontos discutíveis: um Marx que
agiganta a determinação do fator econômico como elemento
único, gerador do desenvolvimento da sociedade; um Marx que
supervaloriza o papel das classes, de sua luta, do significado do
sujeito construindo sua história, desvinculado da base material
que o sustenta; um Marx que é metodológico na própria acepção
positivista, ou seja, que se reduz ao método; um Marx atrofiado
à sua dimensão de cientista social ‘pesquisador’ da sociedade,
desligado de sua convicção da necessidade de transformação
dela” (Quiroga, 1991: 94).
Consideramos que a citação anterior de Quiroga condensa e sintetiza a crítica
feita até aqui à obra de Ander-Egg pelas seguintes razões. Em primeiro lugar, é claro
que na leitura do autor a teoria social de Marx o é apreendida na complexidade do
método histórico-dialético, da teoria do valor trabalho e da perspectiva Revolucionária.
Em diferentes pontos das reflexões de Ander-Egg encontram-se distintas referências no
que diz respeito a essas dimensões, mas nos termos da supervalorização de uma dessas
determinações. O final da citação de Quiroga permite voltar para a reflexão de Ander-
Egg apresentada em paginas anteriores sobre o caráter segundo a sua leitura –
“interdisciplinar e polinucleado” da obra marxiana.
Esse ponto da critica a Ander-Egg é central enquanto vai nos permitir
compreender os limites das suas propostas teóricas. Isto é, toda referência a um
profissional Conscientizador- revolucionário que não consiga se inserir em uma critica
radical da sociedade burguesa, sendo necessário para isso se debruçar sobre a Crítica da
economia política de Marx, sobre a teoria do valor trabalho, esvazia as possibilidades
de transformação e repõe uma alternativa conservadora. A ausência dessa crítica radical
faz com que o moderno se sobreponha ao tradicional, mas, sem transcender o caráter
conservador. Isto significa que a ausência dessa crítica apenas consegue transitar um
processo de aggiornamento, como tentamos mostrar, no qual o profissional abandona o
seu caráter de agente de mudança para se converter em concientizador. Mais ainda,
essa ausência supõe como dissemos o fato de deixar de fora a concepção de
classe, o que significa, portanto, fazer uma análise que desconhece a sua inscrição em
um projeto de classe. Daí que podemos identificar outro grande equivoco na perspectiva
apresentada por Ander-Eggg, que dizer, pensar uma análise ou neste caso uma ão
profissional – que se coloque como objetivo a transformação social, sem o eixo posto na
centralidade de um projeto de classe, converte-se em um formalismo ou no perigo que
significa supor que através da concientização” dos sujeitos, da mudança na forma em
que eles explicam e compreendem o mundo, produzir-se-ia uma mudança real.
Nesta lógica de análise, é interessante observar que em outro texto de Ander-
Egg
71
, no qual faz uma análise do Processo de Reconceituação no subcontinente,
desenvolve entre outros eixos a questão vinculada à diversidade de enfoques em
face desse processo. Assim vai formular sete correntes no interior da Reconceituação e
vai classificá-las segundo o eixo onde se coloca a ênfase. Dessa forma vai identificar
uma corrente com ênfase na dimensão cientifica, outra com ênfase no tecnológico-
metodológico, outra corrente com ênfase no ideológico-político, uma quarta corrente
com ênfase na constituição de uma nova ciência (ciência da vida cotidiana), que
será o novo Serviço Social; outra corrente com ênfase na profissionalização; outra que
enfatiza prática; e uma ultima corrente com a ênfase colocada na vida: a renovação
como desafio existencial (Cf. Ander-Egg, 1971: 13, tradução nossa). O autor se coloca
explicitamente no interior da última perspectiva enunciada, razão pela qual vamos nos
deter no significado dessa corrente segundo a sua análise. Essa posição que já é
colocada pelo autor na obra Servicio Social para una nueva época” (1967), vincula-se
a uma maneira de “viver a profissão”, vejamos isto em termos do próprio autor.
“Nossa proposta é muito pouco intelectual, é antes de tudo
existencial, vital. Nossa concepção supõe uma maneira de viver
a profissão, um estilo de vida; tudo isso, sem menosprezo algum
pelo estritamente cientifico e metodológico e as suas questões
conexas (...) se verdadeiramente temos optado por atuar no que
diz respeito ao profundo abismo existente entre o que ainda hoje
é o Serviço Social e a realidade oprimida, devemos nos enfrentar
com o desafio vital que a superação desse antagonismo supõe
intimamente em cada um de nós: quebrar a dicotomia
Trabalhador Social-Povo, vivendo fundamente a necessidade de
71
Trata-se de: La problemática de la Reconceptualización del Servicio Social
Latinoamericano, a comienzos de la década del ’70.
um desclassamento (Sic) existencial. A partir disso como o
básico e o essencial – se coloca todo o demais: filosofia e
ideologia do Serviço Social, elaboração metodológica e
elaboração da teoria do Serviço Social, papel do trabalhador
social e o Serviço Social como profissão” (Ander-Egg, 1971:
20-21, tradução e grifos nossos).
A citação precedente nos chama à reflexão por varias razões. Em primeiro lugar,
entendemos que desconhece a condição de assalariamento o fato da venda da sua
força de trabalho - do Assistente Social, deixando por fora do debate a sua inserção na
divisão social e técnica do trabalho. Essa perspectiva poderia equiparar a profissão de
Serviço Social com outras profissões de caráter liberal. Mas a partir da citação anterior
consideramos que essa exigência de “desclassamento” aproxima as reflexões do autor
sobre a profissão a uma perspectiva baseada no voluntarismo, ao que voltaremos nas
paginas seguintes. Vinculado a isso, consideramos que essa posição repõe a perspectiva
conservadora que abordamos na análise das contribuições de Sela Sierra - no capítulo II
da presente dissertação – enquanto apresenta a profissão em termos de vocação; isto é o
que – no nosso entender – mostra o fato de defini-la a partir de uma “opção existencial e
de vida”. Associada a essa posição se deriva uma outra questão que diz respeito à forma
na qual o autor entende o conceito de classe, ou, como já dissemos antes o problema da
ausência de uma análise ou compreensão desse conceito. Isto é, a proposta do autor em
relação à necessidade de um “desclassamento” estaria indicando uma concepção de
classe que deve ser questionada. Colocar a compreensão do conceito de classe nesses
termos significa esvaziá-lo no seu caráter marxista, significa entendê-lo como atributo
pessoal do qual individualmente o sujeito pode se despojar. Considera-se que o fato – já
questionado - de deixar fora a condição de assalariamento do Assistente Social faz com
que o autor coloque uma dicotomia entre o Serviço Social e o Povo que parece tentar
resolver a partir dessa proposta de “desclassamento”.
“Sinteticamente: o trânsito de uma classe em si à condição de
classe para si reclama tanto a consciência do que esta em jogo
nos confrontos quanto a autoconsciência da classe que se dispõe
à luta. É da elaboração e explicitação desta autoconsciência,
desta consciente perspectiva de classe, que o Manifesto se fez
responsável. Esta perspectiva de classe foi, essencialmente, o
dado novo posto teoricamente na concreção histórico-social pela
atividade de Marx e Engels” (Netto, In: Marx e Engels, 1998:
XXXVII).
Se com essa proposta de “desclassamento” Ander-Egg faz referencia a um
“compromisso existencial e vital” que se traduz na exigência de renuncia” em face de
uma condição de classe, é evidente que se trata mais uma vez de uma leitura enviesada
que como foi dito esvazia a categoria do significado histórico-social que a teoria
social de Marx lhe outorga, aparecendo novamente uma posição que é coincidente com
a pretendida crítica que Ander-Egg diz sustentar.
Continuando com a nossa análise, encontramos que em outra das obras de
Ander-Egg (1986) é proposta uma análise no que diz respeito à ideologia e à política na
esfera do Serviço Social. O autor coloca a emergência da questão ídeo-política na
profissão na década de ’60 do século passado no contexto do processo reconceituador.
“Estes textos foram elaborados no interior de um debate nos
finais da década de ’60 e nos inícios dos anos ’70. Simples
‘material de combate’ que contém as reflexões que se fazia
naquele tempo, tendo ‘em frente’ (não enfrentados) uma maioria
de trabalhadores sociais que entendiam que nem a ideologia,
nem a política tinham nada a ver com o Trabalho Social. Essa
mesma posição existia, em termos gerais, dentro do campo das
ciências sociais, caracterizadas pela importação a-crítica de
modelos funcionalistas e de posteriores elaborações do modelo
desenvolvimentista... nem a ideologia, nem a política tinham
nada a ver pelo menos isso se pensava com as Ciências
Sociais. A nossa discussão e a nossa preocupação era para
demonstrar os mecanismos de encobrimento e domesticação
clandestina que leva essa pretendida a-ideologização e a-
politicidade do trabalho Social. Preocupação que tinha no
interior do meu próprio campo profissional (a Sociologia e a
ciência política)” (Ander-Egg, 1986: 9, tradução nossa).
O autor chama a atenção para a centralidade do Chile nesse processo, para o fato
de que o processo de descolonização cultural contribuiu na colocação e compreensão
dos problemas de tipo ideológico e, finalmente, salienta a influência do pensamento
althusseriano, datando esse processo nos anos de 1968-1969 (Cf. Idem: 31).
Na análise da influência althusseriana e da sua discípula chilena Marta
Harnecker
72
, Ander-Egg enuncia uma série de problemas vinculados a essa leitura que
são apresentados também na sua critica feita em Achaques e manias do Serviço Social
reconceituado. Embora seja indiscutível o fato de que essa influência (a de Althusser e
a sua divulgação por Harnecker) foi responsável por uma leitura enviesada da obra
marxiana, consideramos que a critica feita por Ander-Egg sustenta uma posição que
reproduz a lógica apresentada no percurso do presente capítulo. Vejamos a seguinte
critica de Ander-Egg.
“A maioria dos reconceituadores do Serviço Social eram
professores de faculdades e escolas, e geralmente não tinham
quase nenhuma experiência de campo; em face dessa situação, a
idéia de ‘que não tem ciência possível sem a existência de umas
práticas específicas, distintas das obras práticas: a prática
científica ou teórica’, foi uma justificativa ‘cientifica’ para fazer
formulações sem conexão com a realidade. Pior ainda, ficavam
tranqüilos achando ter feito importantes contribuições à
profissão” (Idem:39, tradução nossa).
Poder-se-ia dizer que se a crítica em face da proposta de Althusser se vincula a
uma confusão entre prática e prática cientifica ou teórica, a critica de Ander-Egg
reproduz um erro como já mostramos em paginas anteriores na identificação entre
prática profissional e prática social. Isto é, outorga fundamentos para sustentar uma
72
Ver Harnecker, M. (1971).
posição praticista
73
. Mais ainda, Ander- Egg continua reproduzindo uma perspectiva
vulgarizada em face do que ele entende que é a ideologia na tradição marxista,
vulgarização estruturalista que evidencia-se nas seguintes formulações.
“Por outra parte segundo o marxismo as ideologias
pertencem ao nível superestrutural, baseado na infra-estrutura
econômica. Marx expôs isso da seguinte maneira: ‘sobre as
diferentes formas de propriedade sobre as condições de
existência social se levanta toda uma superestrutura de
impressões, de ilusões, de formas de pensamento e de condições
filosóficas particulares. A classe como entidade total as cria, as
forma partindo da base dessas condições materiais e das relações
sociais correspondentes. O individuo que as recebe por tradição
ou por educação pode chegar a imaginar-se que constituem as
verdadeiras razões determinantes e o ponto de partida da sua
atividade’ (...) Evidentemente, em Marx, a ideologia se concebe
fundamentalmente como ‘falsa consciência’ e como reflexo das
relações sociais que se estabelecem sobre a base de
determinadas relações de produção. A reciprocidade dialética
das determinações de consciência e as condições de existência,
parece ser um ponto pouco discutível. Porém, o que sim parece
discutível é que o ideológico se reduza apenas a falsa
consciência e que se trate de um simples fenômeno ‘reflexo’
determinado por umas relações de produção determinadas”
(Ander-Egg, 1986: 44, tradução nossa)
Porque dissemos, então, antes da apresentação da citação anterior que se trata de
uma vulgarização de caráter estruturalista? Porque se considera que essa leitura que
coloca como contribuição da teoria social de Marx a questão da divisão entre uma
Superestrutura que condensaria a dimensão ideológica e de produção política, uma
Estrutura que seria o espaço das relações de classe e uma Infra-estrutura que
responderia à esfera econômica, é uma leitura que se insere na lógica do marxismo
estruturalista francês próprio da década de 1960, vinculado à vulgata soviética. Significa
estatizar a apreensão da realidade, esvaziando-a do seu caráter dialético que lhe é
constitutivo e colocando a centralidade na economia quando essa centralidade na teoria
73
Nos termos de Montaño (1998).
social marxiana esta posta na Produção, e não apenas na produção de coisas, mas na
produção de relações entre sujeitos e entre classes, isto é, na produção e reprodução de
relações sociais.
No final da citação que apresentamos, Ander-Egg questiona uma suposta
“redução” [da ideologia] apenas a falsa consciência, a simples fenômeno reflexo
determinado por relações sociais específicas de produção. Considera-se que esse
questionamento apresenta vários problemas. Em primeiro lugar, e centralmente, essa
menção a “fenômeno reflexo determinado por umas relações de produção
determinadas”, é feita como dissemos antes sem a menor referência a categorias
que são centrais para fazer uma correta compreensão da teoria social de Marx. Isto é,
falar em “umas relações de produção determinadas” sem aprofundar a categoria
trabalho - partindo do seu caráter ontológico -, sem referência à exploração que no
modo de produção capitalista lhe é constitutiva -, sem compreender o fetiche da
mercadoria, que é fundamental para entender o processo de trabalho nessa lógica, leva
necessariamente, a uma leitura impertinente da teoria social marxista. Por fim, a
ausência dessas categorias na análise da ideologia feita por Ander-Egg coloca a questão
da ideologia como um aspecto da consciência individual e autonomizada, como aspecto
subjetivo individual, deixando por fora – dessa forma – o seu caráter social, articulado a
um determinado projeto de classe.
No final dos capítulos que Ander-Egg – na obra que estamos analisando – dedica
ao estudo do problema da ideologia, chama a atenção para a critica de uma perspectiva
que segundo ele utiliza a ideologia como resposta gica. Vincula essa posição a
trabalhadores sociais dedicados à docência sem pratica de campo institucionais e que
não teriam demonstrado “capacidades para fazer coisas, isto é, não são muito
competentes nas tarefas especificas da profissão (...) quando um trabalhador social sabe
fazer coisas: as faz; quando não sabe: fala de ideologia” (Ander-Egg, 1986: 50, tradução
e grifos nossos).
Redunda salientar mais uma vez que essa “crítica” repõe a falsa dicotomia -
abordada entre teoria e pratica como também repõe um debate sobre a
especificidade profissional, que não aprofundaremos mas que entendemos nos termos
de Montaño (1998), isto é, como esvaziamento de um debate sobre a legitimidade
profissional e o seu papel social. È clara, na citação anterior, a centralidade que o autor
outorga à questão do fazer, consideramos que essa posição representa a sua perspectiva
vinculada ao pragmatismo a qual fizemos referência nas paginas anteriores, expressando
um explicito desprezo pela teoria, ou, pelo menos, por qualquer debate teórico que o
seja instrumentalizável na imediaticidade da ação.
Tentemos visualizar como é que essa concepção equivocada de ideologia se
traduz na análise que - no mesmo livro - Ander-Egg faz sobre a questão da política e,
como ele entende o que foi o processo de politização do trabalho Social que - como já
afirmamos ele situa historicamente no Processo de Reconceituação. A sua análise
apresenta a Indiferença do Serviço Social em face da política como caráter constitutivo
da profissão até os anos ’60 do século passado mostrando, desse modo, a importância do
Processo de Reconceituação. Nesse sentido, esse Processo teria denunciado o fenômeno
de despolitização que era próprio do tecnocratismo asséptico e do cientificismo no
interior do Serviço Social Tradicional e que se correspondia a um movimento mais
amplo que incluía a sociedade e as suas instituições. Após algumas contribuições que
permitem para o autor compreender a a-politicidade como ignorância,
irresponsabilidade ou cumplicidade, apresenta-se a irrupção do político da seguinte
forma.
“Foi necessária uma geração crítica de trabalhadores sociais e de
estudantes, capaz de perceber com agudeza o drama e os
problemas de América Latina, e capaz de compreender a
desconexão que a profissão tinha do seu mundo circundante (...)
para que surgisse a problemática da politização do Trabalho
Social” (Ander-Egg, 1986: 69, tradução nossa).
Agora consideramos relevante trazer mais uma citação do autor em face do que
ele denominou de politização critica do Serviço Social porque consideramos que nessas
afirmações radica mais um elemento para sustentar a critica que estamos apresentando
no presente capítulo.
“Quando dizemos politização crítica, não estamos afirmando
uma politização com signo progressista ou de esquerda. Senão
simplesmente ser conscientes dos interesses políticos aos que
servimos. Mas ainda, tem que se admitir o pluralismo no interior
da politização profissional. Digo isto, ao tempo que devo
confessar que me resulta incompreensível um trabalhador social
de direita. o posso compreender como uma pessoa que esta
em contato com os problemas sociais, sirva aos interesses dos
exploradores... mas existem” (Idem: 70, tradução nossa).
Considera-se que as afirmações anteriores remetem a uma concepção de política,
vinculada a uma forma particular de compreender a ideologia, que se apresentam
descoladas de uma forma de compreender a teoria social desde uma perspectiva
totalizante que permita compreender dialeticamente a questão política, a questão
ideológica e a perspectiva de classe com uma base material que, transcendendo uma
compreensão fenomênica, permita captar o movimento da realidade. Isto é, a citação
anterior repõe vários dos problemas que já identificamos, na critica de Ander-Egg em
face do “marxismo dos o marxistas”. Expressar surpresa frente à presença de
profissionais que portam uma “ideologia de direita” é produto da mencionada
ausência de reflexão sobre a categoria de classe e os processos da sua constituição. É
produto, também, de uma análise que tem sustentação em uma perspectiva voluntarista
da profissão. Perspectiva que se expressa, que se evidencia na idéia de que o
profissional de Serviço Social deve” portar uma “sensibilidade” particular em face dos
problemas sociais, de forma universal e desarticulada de qualquer projeto societário
baseado em uma perspectiva de classe. Enfim, repõe a perspectiva messiânica - nos
termos de Iamamoto - abordada em paginas anteriores, a partir do que se entende como
uma identificação entre militância política e prática profissional.
Consideramos pertinente encerrar o presente capítulo com uma ultima reflexão
de Ander-Egg que vai nos permitir colocar algumas interrogações em face dos limites
da sua proposta teórica.
“Em todos os paises existe inquietação por reformular e repensar
o Serviço Social. Essas tentativas de Reconceituação da
profissão, ainda não tem achado o caminho adequado. A
renovação costuma se apresentar sob três formas desvirtuadas:
‘intelectualismo’, ativismo’ e ‘infantilismo’. O
‘intelectualismo’ está dado naqueles que tentam renovar o
Serviço Social; mas que, presos de formulações teóricas e das
inacabáveis discussões sobre o ‘dever ser’ do Serviço Social,
não conseguem chegar na ação. O ‘ativismo’ é a posição
assumida por aqueles que acreditam que a renovação se
consegue fazendo coisas novas, e muitas coisas, sem se
perguntar claramente para que fazê-las. Por ultimo, o
‘infantilismo’, manifestado em alguns movimentos estudantis
revolucionários que tem promovido a renovação, mas querem
converter as escolas de Serviço Social numa espécie de campo
de adestramento guerrilheiro” (Ander-Egg, 1970: 11, tradução
nossa).
Considera-se que essa crítica embora as preocupações do autor apresentem
uma base material - reproduz mais uma vez uma leitura fragmentada da questão teórica,
da questão prática e da questão política. Isto é, assim apresentado aparecem como
segmentos estanques e não se visualiza na crítica de Ander-Egg tentativa nenhuma de
captar a dialética constitutiva dessas dimensões o que se converte em um limite real
para transcender a reposição constante do conservadorismo profissional. Isto é, se a
preocupação do autor esta colocada no caráter conservador e conformista do Serviço
Social, em uma sociedade que segundo ele - reclamava uma revolução para
transcender o subdesenvolvimento, em uma critica à neutralidade e assepsia (Cf. Ander-
Egg, s/d: 6), as leituras apresentadas até aqui mostram o resultado contrário. Nesse
texto Ander-Egg faz a seguinte afirmação,
“O Serviço Social tem no processo de desenvolvimento uma
função essencialmente conscientizadora, isto é, promotora da
tomada de consciência do valor e dignidade pessoal, e do direito
que tem todo homem de libertar-se e se sentir integrado e
participante dentro da sociedade global (...) O Serviço Social
tem uma função conscientizadora e dinamizadora para
promover e orientar as mudanças estruturais da nossa
sociedade” (Idem: 9-10, tradução nossa, grifos do autor).
Porque afirmamos que as reflexões de Ander-Egg estão longe de uma pretendida
perspectiva revolucionária? Porque para além de toda a fundamentação nesse sentido,
até aqui apresentada, essa suposta função do Serviço Social vinculada a um processo
conscientizador e dinamizador não faz mais do que reproduzir uma perspectiva que
propõe a compreensão das representações como produto da consciência autonomizada,
de forma que a partir desse processo de conscientização seria possível – em uma
perspectiva com um forte componente idealista - mudar a explicação do mundo o que se
traduziria imediatamente em mudança material!
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Encerrar a presente dissertação de mestrado, longe de nos permitir a definição de
conclusões acabadas e absolutas, impõe-nos algumas considerações que são produto dos
avanços da pesquisa e gera a partir de compreender o conhecimento como provisório
em um processo de aproximações sucessivas, historicamente datadas novos
questionamentos, assentando as bases de futuras pesquisas que constituem o sustento de
nosso projeto intelectual.
Iniciamos a nossa exposição explicitando a premissa que promoveu as presentes
reflexões e que considerava uma suposta primeira aproximação entre o Serviço Social
argentino e a teoria social de Marx a partir do desenvolvimento do que se denominou
Processo de Reconceituação latino-americano. Consideramos que nesta instância
estamos em condições de fazer algumas considerações a respeito dessa formulação.
Netto (2005: 76-77) propõe quatro pontos centrais que tem a ver com as
conquistas do Movimento reconceituador na América Latina:
Articulação de uma nova concepção da unidade latino-americana.
A explicitação da dimensão política da ação profissional.
A inauguração do pluralismo profissional.
A interlocução crítica com as ciências sociais.
É justamente essa interlocução crítica que vai permitir ao Serviço social se
afastar daquela posição passiva e de receptor acrítico da produção das ciências sociais,
permitindo uma interlocução com essa produção e nesse marco com a tradição marxista.
Assim, segundo as afirmações do autor “A principal conquista da Reconceituação,
porém, parece localizar-se num plano preciso: o da recusa do profissional de Serviço
Social a situar-se como um agente técnico puramente executivo (quase sempre, um
executor terminal de políticas sociais)”.
(Idem: 77).
Embora essa premissa seja representativa, em termos gerais, de uma tendência
no interior do heterogêneo processo de reconceituação latino-americano, a
particularidade do caso argentino reconstruída no percurso desta dissertação mostra um
processo onde a aproximação da profissão de Serviço Social com essa teoria social se
desenvolveu para além das fronteiras daquele país. Mais ainda, a alise feita no
capítulo III a propósito da critica de Ander-Egg em face do suposto “marxismo dos não
marxistas” constitui uma alternativa para minar ou desprezar as possibilidades mesmo
incipientes naquele momento histórico desse diálogo. A critica feita em face das
reflexões desse autor são pensadas a partir de compreender que essa produção é
representativa de uma tendência, de uma perspectiva teórico-metodologica no interior
do Serviço Social. Isto é, essa crítica é relevante enquanto se trata de uma crítica á
perspectiva que a produção do autor sustenta.
Estas reflexões não significam, de nenhuma forma, o desprezo do Processo de
Reconceituação argentino nem o desconhecimento das suas contribuições na crítica ao
serviço Social Tradicional. Significa uma tentativa de captar a partir das
particularidades históricas – os avanços e limites desse processo na realidade desse país.
Isto é, reconhecer a importante contribuição a propósito dessa critica, e também, os seus
avanços no que diz respeito aos seus aportes para transcender a resposta
desenvolvimentista. Mas, é necessário captar as particulares determinações que
operaram como limite em face da possibilidade de uma crítica radical, limites que
permitiram a criação de contribuições que repuseram uma perspectiva conservadora
subsumindo o tradicional ao moderno.
Dissemos que as presentes reflexões abriam caminhos para futuras indagações.
Consideramos que esses caminhos se orientam no aprofundamento de pelo menos
dois fenômenos que particularizam o processo argentino e que a presente dissertação
por causa dos seus próprios limites apenas deixa enunciados ou analisados de forma
preliminar.
Trata-se da necessidade de um estudo aprofundado do fenômeno do peronismo e
a partir dele o singular papel assumido pelo partido comunista argentino no processo
histórico desse país. Por outra parte, considera-se necessário em forma articulada com
o anteriormente enunciado – um aprofundamento na análise da particularidade da igreja
católica Argentina, especificamente na sua participação política no processo histórico e,
em conseqüência, as determinações colocadas por ela no desenvolvimento profissional.
Articulado a essas reflexões, uma análise aprofundada das singulares características do
projeto político instaurado pela ditadura militar de 1976, outorga uma dimensão ao
processo histórico argentino à luz dos quais o debate profissional deve ser lido.
Considera-se que uma correta compreensão dessas determinações permitirá
captar algumas dimensões do processo de desenvolvimento do Serviço Social argentino
em face de um cenário ídeo-político que constituiu um condicionante histórico para o
seu encontro – ou desencontro – com uma interlocução com a perspectiva teórica
fundada na teoria social de Marx.
Isto é, o significado histórico do fenômeno peronista, em termos de projeto
político, se oferece como alternativa para o operariado nos termos de um reformismo
burguês -, oferece a concretização de conquistas históricas e nos termos de Parra
sepulta qualquer tentativa de construção de um partido marxista-leninista independente.
Nessa lógica, cria uma disputa pela captação da massa do operariado. Essa razão faz
imperiosa uma análise, então, do processo histórico do Partido comunista Argentino, em
face do que parece uma dificuldade na compreensão desse fenômeno histórico, como
também do seu lugar frente à trágica herança que a brutal ditadura militar de 1976
deixou.
Apesar da necessidade de aprofundamento desses processos, as análises
apresentadas na presente dissertação fornecem alguns elementos que foram abrindo
possibilidades de compreensão de um processo histórico que, no que diz respeito aos
avanços e retrocessos do debate profissional, marca certos limites. Limites que foram
configurando os caminhos percorridos pela profissão e que permitem considerar –
contrariando o que apresentamos como o que tinha sido a premissa promotora da nossa
pesquisa elementos que determinaram o fato de obstaculizar o diálogo da profissão
com a tradição marxista nesse país.
Esse fato - segundo argumentamos nas nossas reflexões esvaziou a
possibilidade de uma critica radical. Isto é, permitiu uma crítica em face do Serviço
Social tradicional que teve a sua origem no ideário desenvolvimentista, que conseguiu –
depois – questionar esse ideário, mas que, na tentativa de transcendê-lo, acabou repondo
uma perspectiva modernizante. A ausência de uma interlocução com a tradição marxista
única tradição capaz de questionar teoricamente o modo de produção capitalista e que
propõe uma alternativa política para a sua superação não permite mais do que a
reposição final de uma perspectiva conservadora, embora, reconhecemos que o Processo
de Reconceituação argentino tem apresentado avanços significativos.
O exposto significa compreender que a ausência dessa interlocução fez com que
essas produções que propunham uma perspectiva “conscientizadora-revolucionária”,
longe de revolucionar pela sua incapacidade de desvendar o significado social da
profissão, entre outras determinações acabaram por reproduzir reflexões teóricas e
práticas profissionais que não fizeram mais do que sustentar e reproduzir relações
sociais reificadas.
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