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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO
MAURICIO CANDIDO DA SILVA
Christiano Stockler das Neves e o
Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo
São Paulo
2006
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MAURÍCIO CANDIDO DA SILVA
Christiano Stockler das Neves e o
Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo
Dissertação apresentada Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade
de São Paulo para obtenção do título de
Mestre em Arquitetura.
Área de Concentração: História e
Fundamentos da Arquitetura e do
Urbanismo
Orientador: Prof. Dr. Lúcio Gomes Machado
São Paulo
2006
à
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AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO,
POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E
PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
ASSINATURA:
Silva, Maurício Candido
S586c Christiano Stockler das Neves e o Museu de Zoologia da Uni-
versidade de São Paulo / Maurício Candido Silva. - - São Paulo,
2006.
283 p. : il.
Dissertação (Mestrado Área de Concentração: História e
Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo) FAUUSP
Orientador: Lúcio Gomes Machado
1. História da arquitetura - São Paulo 2. Museologia
3. Museus (Arquitetura) 4. Neves, Christiano Stockler das,
1889-1982 I. Título
CDU 72.036(816.1)
FOLHA DE APROVAÇÃO
Mauricio Candido da Silva
Christiano Stockler das Neves e o Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo
Dissertação apresentada à Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade
de São Paulo para obtenção do título de
Mestre em Arquitetura.
Área de Concentração: História e
Fundamentos da Arquitetura e do
Urbanismo
Orientador: Prof. Dr. Lúcio Gomes Machado
Aprovado em:
Banca Examinadora
Profa. Dra.
Instituição: Assinatura
Prof. Dr.
Instituição: Assinatura
Prof. Dr.
Instituição: Assinatura
Prof. Dr.
Instituição: Assinatura
Prof. Dr.
Instituição: Assinatura
DEDICATÓRIA
À Marilúcia Bottallo e Indiara Mar,
sempre presentes, noite e dia,
por toda a vida.
Ao Prof. Dr. Lúcio Gomes Machado, que me acolheu em um novo campo do
conhecimento, tornando-se, além de mestre , um amigo.
À Profa. Dra. Heloisa Barbuy, pelas dicas de leitura e pelo entusiasmo transmitido
no estudo da história do Ypiranga.
Ao Prof. Dr. Agnaldo Farias, que, ao longo destes anos de estudo da arquitetura,
constitui-se como referência na análise dos processos museológicos.
À Lourdes Bottallo, pelas preciosas revisões gramaticais e sugestões de escrita,
que deram brilho e segurança ao texto final.
À Marilúcia Bottalllo, pelas inúmeras leituras, dicas e constante carinho e apoio ao
meu estudo acadêmico e ao meu trabalho profissional.
À Profa. Dra. Cristina Bruno, que, lá, no começo desse trabalho, apontou a fresta,
por onde o caminho poderia ser percorrido.
Aos meus amigos e estagiários, Alex Franceschet e Rodolfo Leão, que, sempre
humorados, editaram algumas das imagens e transformaram o desafiador
cotidiano em divertidos momentos de trabalho.
Aos amigos e colegas do Museu de Zoologia, em especial, Carlos Roberto Ferreira
Brandão, Elisabeth Zolcsak, Mirian David Marques e Sergio Antonio Vanin, pelo
incentivo na construção dessa dissertação associando-o ao meu crescimento
profissional.
À Dione Seripierri, Neusa Kazue Habe, Rosilene Lefone Macia Garcia, Shirley
Ribeiro da Silva, Tatiana Vasconcelos dos Santos e Teresa Beatriz Nunes
Guimaes: arquivistas, bibliotecárias e documentalistas que indicaram,
separaram e disponibilizaram valiosos documentos, sempre com dedicação e
carinho.
À Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, pela
oportunidade de realização do curso de mestrado.
Agradeço também à todos os meus familiares e amigos, que ao longo destes três
anos estiveram ao meu lado, torcendo pela concretização dessa dissertação, que,
a partir deste momento, configura como um patrimônio pessoal.
Muito obrigado à todos!
AGRADECIMENTOS
"'Dois de cada espécie virão a ti, para os conservares em vida'.
Essa era a missão de Noé. Seus descendentes espirituais ainda
seguem suas pegadas, observando o evangelho segundo o
qual as coisas não podem se perder, estragar, ser esquecidas,
desaparecer completamente."
Philipp Blom
RESUMO
SILVA, M. C. da. Christiano Stockler das Neves e o Museu de Zoologia da
Universidade de São Paulo. 2006. 275 f. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.
Esta dissertação se constitui como estudo da História da Arquitetura e da Museologia por
meio da análise do projeto arquitetônico e dos elementos formais do edifício que abriga o
Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo. O seu desenvolvimento está
estruturado na reconstituição do programa arquitetônico, a partir do processo histórico do
qual este Museu faz parte. Associado à tradição dos Museus de História Natural,
organizados cientificamente, portadores de coleções de pesquisa e de ensino, o Museu
de Zoologia da USP se caracteriza como uma instituição dedicada à preservação das
referências patrimoniais da Zoologia Neotropical, mantenedor de coleções naturais que
datam desde meados do século XIX. Christiano Stockler das Neves, autor do projeto
arquitetônico deste Museu, ao receber um programa de necessidades historicamente
determinado, construiu um edifício totalmente voltado ao atendimento dos requisitos da
museologia do final da década de 1930. Assimilou as idéias de organização de museu
daquele período e as recodificou em formas arquitetônicas que representam um
importante momento para a história dos museus. Esta construção torna-se assim uma
referência patrimonial, portanto, portadora de sentidos, no estudo da arquitetura e da
museologia.
Palavras-chave: História da Arquitetura. Museologia. Museus. Neves, Christiano
Stockler das.
ABSTRACT
SILVA, M.C. da. Christiano Stockler das Neves and the Museum of Zoology of
the University of São Paulo. 2006. 275p. Dissertation (Mastership) - Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.
This dissertation is a study constituted in the fields of the History of Architecture and
Museology. It is based in the analysis of the architectonic project and the formal
elements of the building that shelters the Museum of Zoology of the University of São
Paulo. Its development is structured in the re-establishment of the architectonic
project based on the historical process this Museum belongs to. It is associated to
the Natural History Museums tradition which means that they are scientific
organized and hold research and study collections. The Museum of Zoology of USP
is recognized as an institution dedicated to the preservation of the heritage
references of South American Zoology and it maintains natural collections that are
dated beginning from the second half of XIXth Century. The author of the
architectonic project of this Museum, Christiano Stockler das Neves, received a
program of needs historically settled and constructed a building totally devoted to
the accomplishment of the requirements of the final of the 1930's museology. He has
assimilated ideas of that period on museum organization and has re-codified them
in architectonic forms that represent an important moment for the history of
museums. Because of that this construction becomes a heritage reference and
being so it can be understood as a holder of meanings in the study of architecture
and museology.
Keywords: History of Architecture. Museology. Museums. Neves, Christiano
Stockler das.
1. Notas de pesquisa
1.1. fontes de pesquisa ............................................................................................ 13
1.2 características dos documentos pesquisados .................................................. 14
2. Introdução
2.1 apresentação ..................................................................................................... 18
2.2 algumas hipóteses ............................................................................................. 21
2.3 resumo dos capítulos ......................................................................................... 23
3. Uma análise museológica a partir da história da arquitetura
3.1. considerações museológicas ............................................................................. 26
3.2. evolução institucional .......................................................................................... 27
3.3. história natural como cultura material .................................................................. 34
3.4 contexto histórico-museológico ........................................................................... 38
3.5 considerações arquitetônicas .............................................................................. 48
3.6 contexto histórico-arquitetônico .......................................................................... 52
3.7 quadro cronológico ............................................................................................. 70
4. Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay:
pilares do Museu de Zoologia
4.1 museus e coleções científicas ............................................................................. 79
4.2 museus enciclopédicos ....................................................................................... 97
4.3 Hermann von Ihering:
proposta de um Museu de História Natural ........................................................ 101
4.4 Afonso D'Escragnolle de Taunay:
proposta de um Museu de Zoologia ............................................................... 124
5. Christiano Stockler das Neves e a realização do Museu de Zoologia
5.1 uma biografia ................................................................................................... 143
5.2 embates com o modernismo ............................................................................. 160
5.3 o programa arquitetônico de um espaço museológico ...................................... 167
6. A construção
6.1 a realização do programa arquitetônico do Museu de Zoologia ......................... 181
6.2 a obra ................................................................................................................. 192
6.3 estrutura, serviços e alegorias ............................................................................ 215
7. A proposta de um espaço dedicado à Preservação da Zoologia
7.1 quando a arquitetura se une a museologia
em favor da Musealização da Natureza ............................................................. 244
sumário
8. Fontes
8.1 bibliografia ......................................................................................................... 249
8.2 websites ............................................................................................................ 257
8.3 manuscritos e textos originais, não publicados
8.3.1 Fundo do Museu Paulista .......................................................................... 258
8.3.2 Documentos da diretoria do MZUSP ......................................................... 261
8.3.3 Obras raras da biblioteca do MZUSP ........................................................ 262
8.3.4 Obras raras da biblioteca da FAUUSP ...................................................... 263
8.3.5 Cópias de plantas do MZUSP localizadas na seção de obras
raras da biblioteca da FAUUSP ................................................................. 263
CGG - Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo
DZ - Departamento de Zoologia
MP - Museu Paulista
MZ - Museu de Zoologia
USP - Universidade de São Paulo
siglas
notas de pesquisanotas de pesquisa
13
notas de pesquisa
1.1 fontes pesquisadas
A documentação referente ao projeto
arquitetônico do Museu de Zoologia da
Universidade de São Paulo
Encontra-se dispersa em diferentes núcleos
arquivísticos, em acervos históricos,
organizados, sobretudo, por assuntos que
não se relacionam necessariamente com o objeto desta dissertação. Por sua própria
natureza, os diferentes acervos oferecem inúmeros caminhos que remetem à um amplo
leque de conjecturas. Para este trabalho, coube planejar e trilhar um deles, chegando ao
resultado aqui apresentado.
Além do próprio edifício, como espaço físico, que abriga as atividades
museológicas do Museu de Zoologia, assimilado como documentação primária, a
pesquisa se desenvolveu em três arquivos distintos: Fundo arquivístico do Museu
Paulista, Acervo de obras raras da biblioteca da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
USP e Acervo de obras raras da biblioteca do Museu de Zoologia da USP. Em
complementação, foram ainda realizadas pesquisas nos Arquivos do Estado e do
Município de São Paulo e no Banco de Dados do Jornal 'Folha de São Paulo'.
Por sua vez, o resultado das consultas à livros mais específicos ligados ao tema
desta dissertação gerou uma bibliografia voltada a história, à arquitetura e à museologia,
áreas das Ciências Humanas que compõem a natureza interdisciplinar desse trabalho.
A metodologia de trabalho se consolidou por meio de pesquisas às fontes
primárias (plantas, iconografias e textos), consulta a uma bibliografia multidisciplinar e
não é escassa.
1. Notas de pesquisa
Análise dos elementos arquitetônicos da edificação em estudo, também apreendido
como fonte iconográfica. Esta dissertação buscou extrair assim um sentido comum, com
base nos múltiplos caminhos, que conduzissem à do tema com o contexto
histórico que envolveu o projeto arquitetônico de um Museu Científico no final da década
de 1930, qual seja, Christiano Stockler das Neves e o Museu de Zoologia da
Universidade de São Paulo.
2.2 características dos documentos pesquisados
Os documentos pesquisados se mostraram um pouco restritos quanto aos
1
aspectos informativos, sobretudo quanto ao programa arquitetônico do edifício , foco
central de interesse desta pesquisa. Na verdade, não foi possível encontrar o
detalhamento desse programa, assinado pelos interessados na edificação em estudo.
Por sua vez, o Decreto nº 9.918, de 11 de janeiro de 1939, que criou o Departamento de
Zoologia da Secretaria de Agricultura, Indústria e Comércio do Estado de São Paulo foi
adotado como expressão oficial, tornando-se um relevante documento, mas pertencente
a um conjunto maior de referências documentais. Foi necessário reconstruir o contexto
2
histórico do projeto arquitetônico do Museu de Zoologia , por meio de uma
documentação paralela, que trouxe à tona não somente pequenos fragmentos do
programa arquitetônico, como também inúmeros aspectos informativos relativos à
história, à proposta museológica e ao partido arquitetônico adotado, que culminaram,
vinculação
1
Também chamado de programa de necessidades ou simplesmente programa. Surgido juntamente com o
pragmatismo da engenharia, o Programa Arquitetônico será inicialmente apresentado como "Classificação
do conjunto de necessidades funcionais correspondentes à sua utilização do espaço interno e à sua divisão
em ambientes, recintos ou compartimentos, requerida para que um edifício tenha um determinado uso. É
fundamental sua definição antes de iniciar o Projeto Arquitetônico.(ALBERNAZ, 2003, p. 519).
2
É necessário ressaltar a distinção entre Programa e Projeto Arquitetônico, sendo o primeiro necessário ao
desenvolvimento do segundo. Este, por sua vez, é composto essencialmente por representações gráficas e
escritas do edifício a ser construído.
14
notas de pesquisa
15
notas de pesquisa
com a construção do edifício objeto de nossa investigação.
Portanto, num primeiro momento, o que apareceu como uma lacuna na
documentação consultada, transformou-se em essência na configuração do aspecto
contextual do tema em pesquisa. Ou seja, com base na documentação consultada,
optou-se pela reconstrução do processo histórico referente a edificação do Museu de
Zoologia. Dessa opção resultou a caracterização do programa como um conjunto de
características e desdobramentos históricos da arquitetura e, neste caso, da museologia.
Os documentos originais consultados pertencem a diferentes categorias, tais
como ofícios institucionais, relatórios anuais, cartas pessoais, correspondências diversas,
plantas arquitetônicas, fotografias de época e o próprio edifício. Seus remetentes ou
destinatários se referem a quatro personagens centrais nesta dissertação, sendo eles:
Hermann von Ihering, Afonso D'Escragnolle de Taunay, Christiano Stockler das Neves e
Olivério Mário de Oliveira Pinto. Todos eles são os responsáveis, direta ou indiretamente,
3
pelos programas arquitetônico e museológico do Museu de Zoologia, em relação ao
planejamento ou mesmo execução.
As pesquisas a todos estes documentos tiveram como meta principal o estudo e a
(re)construção dos processos históricos que culminaram no edifício do Museu de
Zoologia, buscando compreender os projetos arquitetônico e museológico como
institucionalização da pesquisa em zoologia, divulgação científica e apropriação do
espaço urbano, entendendo as vicissitudes decorrentes das atividades realizadas pelo
arquiteto e pelos ex-diretores dos Museus em estudo enquanto praxis histórica (SCHAFF,
1991).
à sua
Esse foi um dos caminhos escolhidos na realização deste trabalho. Outros há, a ser
3
O Programa Museológico será entendido como os procedimentos de trabalho em um Museu, os aspectos
necessários para o desenvolvimento de suas tarefas e a adequada articulação desses espaços para o pleno
cumprimento de sua missão (MARKES, 1992).
16
notas de pesquisa
foto 01 - projeto paisagístico de Christiano das Neves para o Museu de Zoologia - 1939.
reprodução: Mauricio Candido da Silva
data: agosto de 2002
fonte: arquivo iconográfico do STM/DDC/MZUSP
criados e percorridos, pois a documentação é extensa e o tema abrangente e fascinante.
introduçãointrodução
18
introdução
2.1 apresentação
Criado em 1894, transformado em
uma instituição especializada em 1939,
instalado em seu atual edifício em 1941 e
incorporado a Universidade de São Paulo
em 1969, o Museu de Zoologia, estruturado
em coleções de pesquisa (CLERQ, 2003),
4
Preserva as referências patrimoniais da zoologia da região neotropical , com
registros históricos que englobam o período que vai da segunda metade do século XIX até
5
os dias atuais . As origens dessas coleções remontam ao Museu Provincial, pertencente à
Sociedade Auxiliadora do Progresso da Província de São Paulo, à pouco conhecida
Coleção Peçanha e ao Museu Sertório, de propriedade de Joaquim Sertório - localizado na
Rua da Consolação, região central da cidade paulistana, em franca expansão, em
meados do século XIX.
Com o propósito de contextualizar historicamente o desenvolvimento dessa
dissertação, buscando uma melhor compreensão dos desdobramentos do processo
histórico que culminaram com a construção do edifício, tornou-se necessário lançar um
Posteriormente, a colina do Ipiranga foi o local escolhido, por 45
anos, para o estabelecimento dessas coleções no prédio do Museu Paulista, e, nos
últimos 65 anos, no edifício projetado por Christiano Stockler das Neves.
2. introdução
4
No campo da museologia, o conceito de preservação será adotado em sentido amplo, como cadeia
operatória, envolvendo as ações museológicas de coleta, pesquisa, salvaguarda, comunicação e avaliação
(BRUNO, 1995). Além desse aspecto processual e aplicativo, o conceito de preservação também será
adotado como 'projeto de construção do presente' (BOLLE, 1984).
5
Por abrigar coleções paleontológicas, este período remete data da formação do acervo e não datação
do próprio acervo.
à à
olhar mais amplo sobre o projeto de Christiano Stockler das Neves, tanto no aspecto
temporal quanto no espacial. Isso porque o projeto arquitetônico em estudo nasceu da
divisão entre as coleções zoológicas e históricas do Museu Paulista, resultante da
reformulação de sua missão, ocorrida ainda na década de 1920, proposta por Afonso
D'Escragnolle de Taunay, diretor do Museu naquele momento.
Este trabalho também aborda alguns dados da história do projeto e construção do
Museu Paulista que, de algum modo, influenciaram o desenvolvimento da obra edificada
para o Museu de Zoologia. Ou seja, além do estudo formal do edifício, uma análise da
trajetória histórica das coleções naturais abrigadas por este Museu. O objetivo dessa
estratégia é a de melhor compreender o momento histórico da criação do Museu Paulista
que, por ser um espaço projetado na qualidade de edifício-monumento (ELIAS, 1996),
cuja destinação para fins evocativos e comemorativos é marcante, possui importantes
desdobramentos que, de alguma forma, compõem o programa arquitetônico do projeto
de Christiano Stockler das Neves. Para isso, cabe lembrar que, na sua origem, o Museu
6
Paulista era caracterizado como Museu de História Natural .
O seu primeiro diretor, Hermann von Ihering, naturalista alemão, esteve a frente do
Museu no período compreendido entre 1894 e 1916. Dentro de um processo de perda de
espaço para as coleções referentes a história nacional, ocorrido durante a gestão de
Afonso D'Escragnolle de Taunay, que dirigiu o Museu Paulista de 1917 a 1945, todas as
coleções zoológicas foram, em 1925, organizadas em uma única secção, para, em 1942,
deixarem física e definitivamente a sede do Museu Paulista. Em 11 de janeiro de 1939, com
19
introdução
6
No artigo 2º do Decreto nº 249, de 26 de julho de 1894, que aprovou o Regulamento do Museu Paulista,
está escrito: "o caráter do Museu em geral será o de um Museu Sul-Americano, destinado ao estudo do reino
animal. De sua história zoológica e a História Natural e cultural do homem. Serve o Museu de meio de
instrução pública e também de instrumento científico para o estudo da natureza do Brasil e do Estado de São
Paulo, em particular.” (TAUNAY, 1937, 45).
o Decreto 9.918, Olivério Mário de Oliveira Pinto, destacado zoólogo”, no dizer de
Taunay, assumiu a direção do recém-criado Departamento de Zoologia, ainda sediado no
Museu Paulista.
Christiano Stockler das Neves, renomado mestre da arquitetura paulistana
naquele momento, envolveu-se nesse processo, quando projetou e coordenou a
construção do edifício que abrigaria as coleções zoológicas que não interessavam mais
nova forma organizacional do Museu Paulista.
Entre 1939 e 1942 ocorreu o fato histórico de maior interesse: o desenvolvimento
do projeto arquitetônico e a construção do edifício para o Museu de Zoologia,
equivocadamente denominado de Departamento de Zoologia, pelo Decreto e pelo
governo que o criou. No entanto, este fato não deve ser compreendido isoladamente, mas
sim como uma conseqüência de fatores históricos, desdobramentos de um processo
institucional, que envolveram também uma certa complexidade política e social daquele
momento, aqui analisados sob o viés da arquitetura e da museologia. O edifício foi
estudado como documento (LE GOFF, 1992), carregado de informações traduzidas em
forma de dissertação. Do mesmo modo, com essa fissão institucional, que resultou no
projeto e construção de um museu, uma nova ordem se instaurou apresentada aqui de
forma resumida e como sugestão para novos estudos.
Esta dissertação pode ser caracterizada como um estudo histórico-arquitetônico-
museológico, uma vez que a perspectiva histórica adotada envolve as referências
museológicas para o desenvolvimento da análise arquitetônica na delimitação territorial
onde se instalou o Departamento de Zoologia da Secretaria de Agricultura e Comércio do
Estado de São Paulo, atual Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo.
à
20
introdução
2.2 algumas hipóteses
Os pressupostos teóricos e metodológicos levam em consideração o contexto
histórico de desenvolvimento do programa arquitetônico, tendo como foco os vetores
museológicos institucionais que culminaram com o projeto arquitetônico e a construção
do Museu de Zoologia. No caso em estudo, torna-se importante destacar a inovação de
um projeto para uma instituição com vocação museológica que abriga coleções de
pesquisas zoológicas, sendo uma das primeiras sediadas no Estado de São Paulo.
As análises resultantes das consultas realizadas às fontes propõem algumas
hipóteses, que, de alguma forma, direcionaram a leitura e a interpretação da
documentação e da bibliografia consultadas, bem como na redação desta dissertação,
assim apresentadas esquematicamente:
1-) A implantação de um Museu de História Natural no edifício-monumento gerou, com o
passar dos anos, uma situação desagradável e insustentável tanto para o tipo de
museu que se consolidava quanto para o edifício que o abrigava.
2-) O centenário da independência (1922) e a reestruturação institucional do Museu
Paulista, conduzida por Afonso D'Escragnolle de Taunay, foram decisivos para
impulsionar a elaboração do programa arquitetônico do Museu de Zoologia.
3-) O Museu Paulista partiu de uma coleção eclética para sua especialização; uma
trajetória similar ao Museu Britânico, que deu origem ao Museu de História Natural de
Londres e, provavelmente, a tantos outros museus.
4-) Christiano Stockler das Neves incorporou da Europa e dos Estados Unidos soluções
para o programa arquitetônico do Museu de Zoologia, rejeitando, devido sua
formação, as influências nacionais.
5-) A construção do Museu de Zoologia, como fato museológico (RÚSSIO,1987), foi
à
21
introdução
impulsionada por uma situação incômoda, conseqüente de um arranjo indesejável, e
não como um projeto governamental, tanto que não recebeu o nome de Museu.
Contudo, o projeto arquitetônico, resultante de um programa museológico tradicional,
conseguiu superar muitas adversidades.
6-) Os problemas surgidos após a abertura e funcionamento do novo edifício são de
ordem administrativa: o Decreto de criação do Departamento de Zoologia não atendia
demanda do programa museológico. Contudo, o edifício construído foi considerado
adequado para o programa de necessidades.
Além dessas hipóteses, surgiram algumas questões preliminares, resultantes dos
trabalhos programados, elaborados ao longo do Programa de Mestrado. :
1-) Por que foi chamado de Departamento de Zoologia da Secretaria de Agricultura e
Comércio do Estado de São Paulo, atual Museu de Zoologia da Universidade de São
Paulo e não de Museu de Zoologia do Estado de São Paulo?
2-) Qual a influência de Hermann von Ihering, Afonso D'Escragnolle de Taunay e de Olivério
Mário de Oliveira Pinto no programa, no projeto e na construção do Museu de
Zoologia?
3-) Havia outros projetos para o Museu de Zoologia?
4-) Qual a inserção urbanística do Museu de Zoologia no Eixo Monumental do Ipiranga?
Christiano Stockler das Neves levou em conta este Eixo?
5-) É possível falar em uma tipologia arquitetônica para os Museus de História Natural?
6-) Qual era a concepção de Museu de Christiano Stockler das Neves e o contexto
histórico da museologia no Brasil na década de 1930?
7-) Quais foram as referências museológicas para o arquiteto projetar este edifício?
Estas questões serviram de orientação para o desenvolvimento deste trabalho. Não
à
São elas
22
introdução
se buscou aqui responder cada uma delas, mas sim diluir estas preocupações ao longo
da leitura e interpretação das fontes consultadas, bem como da redação final da
dissertação.
2.3 resumo dos capítulos
O desenvolvimento conceitual dessa dissertação ocorre em quatro capítulos. Após
os dois primeiros capítulos introdutórios, no terceiro, denominado uma análise
museológica a partir da história da arquitetura, é feita a categorização do Museu de
Zoologia por meio de uma análise histórica e tipológica, contextualizando-o
historicamente, em seus aspectos museológicos e arquitetônicos. Ao final é apresentado
um quadro de referência cronológica, que envolve a temporalidade abordada na
dissertação. Esse capítulo constitui-se assim como a identificação e definição do objeto
de estudo: o Museu de Zoologia.
O quarto capítulo, cuja característica analítica é histórica, é denominado Hermann
von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia. Essa é
uma importante parte da dissertação, que busca demonstrar que o programa
arquitetônico do Museu de Zoologia foi constituído a partir de premissas museológicas
tradicionais, pautadas pela pesquisa e divulgação dos valores científicos da História
Natural. Nesse sentido, os dois primeiros diretores do Museu Paulista foram
determinantes na fundamentação tipológica do Museu de Zoologia: um Museu Científico,
portador de coleções de pesquisa e ensino.
Considerando que o Museu em estudo pertence a uma tradição museológica
secularmente constituída, o quinto capítulo apresenta o autor do projeto e responsável
pela construção do objeto de estudo dessa dissertação. Como enfoque histórico da
23
introdução
24
introdução
Arquitetura, esta pesquisa não poderia deixar de analisar o perfil do arquiteto responsável
pelo edifício em estudo. Christiano Stockler das Neves e a realização do Museu de
Zooologia é o nome do terceiro capítulo. Trata-se de um olhar biográfico, focado para os
aspectos que caracterizam os estilos e os traços ideológicos deste arquiteto.
Considerando os aspectos representativos da arquitetura, este capítulo busca identificar
como este arquiteto assimilou os diferentes elementos constituintes do programa,
transformando-os em uma obra edificada.
O sexto capítulo aborda os aspectos formais do Museu de Zoologia. Denominado a
obra, nele se destacam os elementos projetados e construídos para atender um
programa claramente definido: um Museu Especializado, portador de coleções
científicas. Trata-se da observação e descrição dos elementos formais presentes na
arquitetura que denotam significados de uma museologia praticada séculos que, ao
ser introduzida no Brasil e em São Paulo, sob determinadas circunstâncias históricas e
estilísticas, assumiu conformações específicas. Ou seja, como o arquiteto expressou a
idéia de Museu, portador de coleções de pesquisa e ensino. Para tanto, a arquitetura é
compreendida como significante.
Os aspectos conclusivos aparecem no sétimo e último capítulo, cujo título é a
proposta de um espaço dedicado à preservação da zoologia. Nele são reunidas as
informações essenciais de cada um dos capítulos e apresentadas, resumidamente, de
forma a apresentar os resultados formais do projeto arquitetônico de um Museu que ao se
especializar buscou construir sua identidade entre tradição e inovação das práticas
museológicas. Essa história está registrada na arquitetura que abriga o Museu de
Zoologia.
uma análise
museológica a
partir da história
da arquitetura
uma análise
museológica a
partir da história
da arquitetura
26
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
3.1 considerações museológicas
As considerações museológicas
abordam dois aspectos que, em seu
conjunto, justificam, neste estudo, o
emprego da denominação Museu de
Zoologia para o, então, Departamento de
Zoologia da Secretaria de Agricultura,
Indústria e Comércio do Estado de São Paulo. O primeiro aspecto refere-se praxis
museológica (THOMPSOM, 1994) definida pelos procedimentos inerentes a uma
instituição museológica. O segundo refere-se a aplicação do conceito de cultura material
(PEARCE, 1994) às coleções preservadas pelo Museu de Zoologia. Por fim, como
resultado da análise do conjunto destes aspectos, é edificado o conceito de Preservação
da Natureza em Museus. Estas considerações, em seu conjunto, formam a plataforma
de análise da realização arquitetônica de Christiano Stockler das Neves para o Museu de
Zoologia, diluídas no programa arquitetônico do edifício projetado e construído.
Partindo do princípio de que o processo de preservação instaurado nas instituições
museológicas requer a estruturação e a articulação das atividades de aquisição, da
pesquisa, dos serviços de salvaguarda (documentação e conservação) e da
comunicação museológica (exposição e ação educativa) (DESVALLÉES, 1998), é possível
enunciar que esta cadeia operatória culmina no fato museal. No momento em que se
defronta com o objeto, em um cenário construído, que o visitante tem a possibilidade de se
apropriar, estética e conceitualmente, da carga informativa trazida pelo objeto exposto. Tal
momento torna-se, então, o ápice do processo de musealização. O momento (fato)
à
3. uma análise museológica a partir da história da arquitetura
27
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
como essência do processo museológico (fenômeno).
A praxis museológica possui assim certa dialética, que tensiona o desejável
instante da observação, pelo visitante, do objeto musealizado com o longo processo
institucional de processamento museológico ao qual os objetos são submetidos ao serem
inseridos no Museu. A prática museológica, com base em coleções, é uma ação
específica das instituições que objetivam a preservação de um determinado bem
patrimonial. No entanto, essa praxis não se restringe às instituições denominadas Museu.
Numa perspectiva mais abrangente, ela se estende à diversas instituições e/ou
organizações. Por exemplo, os Parques Nacionais possuem um acervo (atributos naturais
e culturais), salvaguardam (segurança e conjunto da legislação) e comunicam este acervo
(programas de uso público), exercendo, assim, uma ação de preservação de uma dada
reserva natural. Portanto, nada impede que o conjunto de suas ações sejam observadas
como praxis museológica. Da mesma forma, os tradicionais Jardins Botânicos e
7
Zoológicos podem ser analisados museologicamente (ZOLCSAK, 1996).
3.2 evolução institucional
Com o objetivo de padronizar sua denominação neste trabalho, a partir desse
momento, o Departamento de Zoologia da Secretaria de Agricultura, Indústria e Comércio
do Estado de São Paulo será designado como Museu de Zoologia. Isso porque ele não
7
Os primeiros jardins botânicos a serem correntemente citados como tais - aliás, devem ser entendidos
como 'hortus medicus', porque a botânica aparece com Lineu, e os primeiros jardins que hoje chamamos
botânicos eram dedicados ao estudo das plantas úteis para o ensino da medicina - é o da Universidade de
Pádua e da Universidade de Pisa. Ambos foram fundados no século XVI, possivelmente ambos em 1545 -
uma disputa entre as duas cidades sobre quem foi o primeiro. Os autores aqui também se dividem - uns
dizem que é Pádua, outros que é Pisa. O certo é que o Jardim Botânico de Pádua é hoje Patrimônio Mundial
da UNESCO por ser considerado o primeiro. No entanto, é preciso lembrar que, desde o século IX, se
cultivavam plantas medicinais na Europa para fins de estudo. Isso para não falar nas universidades árabes
pré-medievais - Cordova em Espanha, Constantinopla e Bagd - na Ásia. A origem dos jardins zoológicos é
mais complexa. Estiveram associados às famílias nobres e reais e nenhum às universidades. A primeira
'ménegerie' associada a um grande museu foi a do Jardin des Plantes, depois Muséum National d'Histoire
Naturelle de Paris. (Informação pessoal), mensagem recebida por [email protected] em 17 maio 2006.
á
28
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
exercia a praxis museológica, como era designado Museu antes do Decreto 9.918 e,
depois de 30 anos, passa a ser chamado de Museu novamente, como mostra o gráfico 01.
Desde a sua origem, com maior ou menor intensidade, até os dias atuais, sempre atuou na
preservação das referências patrimoniais da zoologia da região neotropical. Mesmo
que com diferentes técnicas, com maior ou menor intensidade, sempre coletou,
documentou, conservou, pesquisou, publicou e expôs, para fins didáticos, as referências
patrimoniais da fauna sul-americana. Em mais de 110 anos de existência, o Museu de
Zoologia nunca deixou de lado o seu programa museológico, destinado ao estudo do
reino animal. Ele sempre foi um Museu.
gráfico 1: coleções científica e praxis museológica herdadas pelo Museu de Zoologia.
autor: Mauricio Candido da Silva
data: maio de 2006
Esse aspecto é reforçado pelo insatisfação de Olivério Mário de Oliveira Pinto com
a designação e com os rumos que a instituição poderia tomar, imediatamente após a
publicação do Decreto de criação do Departamento de Zoologia. O seu objetivo era dar
continuidade aos trabalhos da antiga Secção de Zoologia do Museu Paulista. Para ele, o
Departamento de Zoologia manteve sempre as suas características de Museu. Em julho
de 1939, seis meses após a publicação desse Decreto, ele apresentou ao Secretário da
Agricultura um anteprojeto de reformulação do novo Departamento, cujo Artigo dizia o
seguinte: “Fica criado, na Secretaria de Agricultura e Comércio, o Museu Paulista de
Coleções científica e praxis museológica
herdadas pelo Museu de Zoologia
experiência
européia e nacional
1877 1894 1925 1939 1969
2006
Museu Provincial
Museu Paulista
Secção de Zoologia
do Museu Paulista
Museu de
Zoologia da USP
Departamento
de Zoologia
29
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
Zoologia, em substituição ao Departamento de Zoologia.(Anteprojeto escrito por Olivério
Mário de Oliveira Pinto, apresentado ao Secretário da Agricultura, julho de 1939).
É importante notar que ele apresentou este documento no início da elaboração do
projeto arquitetônico do prédio para o Departamento de Zoologia, e não propôs a
desvinculação do Museu com a Secretaria de Agricultura. Olivério Mário de Oliveira Pinto
reapresentou este anteprojeto sistematicamente. Com pequenos ajustes ele manteve a
sua essência: alteração da denominação da instituição criada e modificações na sua
organização administrativa. Isso ocorreu tanto em setembro de 1939, como em 1940 e
1941. Os anteprojetos foram precedidos por cartas que reforçavam o caráter museológico
da nova instituição, “[...] de modo a dar continuidade aos trabalhos da antiga Secção de
Zoologia do Museu Paulista.(Anteprojeto escrito por Olivério Mário de Oliveira Pinto,
apresentado ao Secretário da Agricultura, setembro de 1939).
Para Olivério Mário de Oliveira Pinto, a nova instituição não deveria significar uma
ruptura, mas, sim, uma continuidade, ou melhor, um aperfeiçoamento e até uma
ampliação da referida praxis museológica. No item h do Artigo deste anteprojeto, no qual
constam as finalidades do Museu Paulista de Zoologia, ele escreveu:A organizão sob
orientação cnica, de um parque ou jardim zoológico, em que sejam exibidos, ao vivo,
escimes da fauna brasileira e que sirva, ao mesmo tempo, como órgão complementar dos
estudos a que o Museu é expressamente voltado.(Anteprojeto escrito por Olivério Mário de
Oliveira Pinto, apresentado ao Secretário da Agricultura, setembro de 1939). Mesmo que o
jardim zoológico constasse no Decreto publicado em janeiro, ele resolveu mantê-lo para
poder implementá-lo.
A estas propostas se soma a de 26 de janeiro de 1945, na qual, mudando de
estratégia, mas não de consistência institucional, Olivério Mário de Oliveira Pinto propôs a
criação do Instituto de Zoologia em substituição ao Departamento de Zoologia. que se
30
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
destacar que, mesmo se tratando de um instituto, a vocação museológica permaneceu
A organização na Capital do estado de uma exposição permanente de
escimes zoológicos, aproveitando o que já existe, e substituindo,
gradativamente, a exibição de indivíduos isolados por grupos em que se procure
dar imagem, tão aproximada quanto possível, da natureza, dos ambientes, e das
8
relações biológicas existentes entre os seres vivos. (Carta de Olivério Pinto
a José de Mello Morais, Secretário de Estado dos Negócios da
Agricultura, Indústria e Comércio, 26 de janeiro de 1945).
É interessante pensar que mesmo com a denominação de Instituto de
Zoologia proposta em 1942, trata-se claramente de um Museu. Apesar disso, parece
mesmo haver um sentido de perda, pois buscava-se manter a antiga tradição de pesquisa
desenvolvida ainda no Museu Paulista, como justifica Olivério Mário de Oliveira Pinto ao
seu superior hierárquico:
[...] Pelo respeito devido à obra constituída pelos nossos antepassados, como
pela natureza mesma dos valores materiais e morais que justificaram a sua
criação e garantem sus existência, houve mister conservar ao Departamento de
Zoologia o caráter predominante de museu de História Natural, sem prejuízo das
atividades outras que lhe foram conferidas. [...] cabem aos museus duas
finalidades perfeitamente distintas: a de instruir o público, através das galerias de
exposição permanente, e a outra, não menos relevante, de oferecer os elementos
materiais, indispensáveis aos que trabalham pelo progresso dos conhecimentos
no domínio que lhes diz respeito, pondo ao alcance dos estudiosos coleções
reservadas exclusivamente para este fim, de par com os recursos indispensáveis
de instrumental bibliografia. (Carta de Olivério Pinto para José de Mello
Morais, Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Indústria
e Comércio, 26 de janeiro de 1945).
A criação do Departamento de Zoologia foi coordenada pela Secretaria de
Agricultura, que, em 1942, transformou o Departamento de Botânica em Instituto de
Botânica de São Paulo. Aliás, o Governo do Estado concebia estas instituições como
complementares, “[...] considerando que as necessidades que impuzeram a criação do
Departamento de Botânica do Estado se fazem igualmente sentir no setor de Zoologia.
(Decreto Nº 9.918 - Cria na Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Indústria e
Corcio, o Departamento de Zoologia e outras providênciasde, 11 de janeiro de 1939).
:
8
Letra d do Artigo do anteprojeto de criação do Instituto de Zoologia da Secretaria de Agricultura,
apresentado em 26 de janeiro de 1945.
31
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
Contudo, diferentemente do Departamento de Botânica, Olivério Mário de Oliveira
Pinto persistiu na vocação museológica da instituição que dirigia. A sua intervenção foi
fundamental para garantir a manutenção da praxis museológica de Hermann von Ihering
(fotos 02 e 03).
Naquele momento de profundas mudanças, a instituição buscava sua identidade.
O primeiro anteprojeto que mencionou a designação Museu de Zoologia da Universidade
de São Paulo data de 1947 - vinte e dois anos antes da sua concretização oficial. Ele foi
assinado por Olivério Mário de Oliveira Pinto. No entanto, ele anexa consigo um outro
documento, uma contribuição dos profissionais da instituição, que propuseram a
transformação do Departamento de Zoologia em Museu de História Natural da
Universidade de São Paulo.
. A finalidade principal deste modelo institucional está descrita no
Artigo do anteprojeto: O estudo e a investigação científica de todos os ramos da
História Natural, sob qualquer ponto de vista considerando necessário ao
desenvolvimento científico e cultural do Estado e do País. (Contribuição dos biologistas
ao anteprojeto de Regulamento do Projeto do Museu de Zoologia da Universidade, data
provável 1947).
Este documento indica uma expansão da missão museológica, gerando uma nova
e abrangente expectativa para os trabalhos no Museu, [...] o Departamento de Zoologia
passará muito brevemente a fazer parte integrante (por enquanto tem sido apenas instituto
complementar) da Universidade de São Paulo, como Museu de História Natural. Essa
reforma irá provavelmente fornecer à repartição mais elementos para trabalhar com
campo de nossas referências. (Carta de Olivério Mário de Oliveira Pinto ao Conde Nyls
Gyldenstolpe - Royal Natural History Museum Estocolmo, Suécia, 26 de novembro de 1946).
O interessante é que essa proposta não foi apresentada pelo
diretor superintendente da instituição, mas colocada como uma contribuição dos
biologistas ao diretor
foto 02 - acervo zoológico em exposição no Museu Paulista.
autor: desconhecido
data: entre 1900-1910
fonte: Fundo Museu Paulista / MPUSP
foto 03 - aspectos da primeira exposição no edifício do Museu de Zoologia.
autor: desconhecido
data: início da década 1943
fonte: acervo iconográfico do STM/DDC/MZUSP
32
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
33
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
Trata-se de uma tentativa de recuperar a abrangência que o Museu possuía quando era
dirigido por Hermann von Ihering. Essa expansão da praxis museológica é evidenciada
pelas quatro divisões previstas no Artigo da contribuição dos biologistas:
O Museu de História Natural compõe-se de:
1-) Serviços Técnicos, compreendendo:
a-) Divisão de Zoologia
b-) Divisão de Botânica
c-) Divisão de Mineralogia
d-) Divisão de Geologia e Paleontologia. (Contribuição dos Biologistas
ao anteprojeto de Regulamento do Projeto do Museu de Zoologia
da Universidade, data provável 1947).
Todos estes documentos, e outros que, certamente, se seguiram e que culminaram
na criação do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo pelo Decreto-lei n.º 98, de
13 de junho de 1969, corroboram a tese de que a denominação Departamento de
Zoologia foi um equívoco. A saída das coleções zoológicas foi uma questão
administrativa. A praxis museológica nunca foi interrompida. Ela sofreu ajustes com a
especialização do Museu. Da proposta de Hermann von Ihering de um Museu como meio
de “instrução pública e de um instrumento científico para o estudo da natureza” para a
proposta de Olivério Mário de Oliveira Pinto de um Museu que “[...] instrua o público, por
meio de exposições, e que ofereça elementos materiais para o progresso do
conhecimento e do reconhecimento das inúmeras espécies que povoam o planeta e a
9
investigação dos laços de parentescos entre os seres vivos” , pouca coisa mudou (gráfico
2). Isso não foi uma revolução, mais sim uma evolução institucional. Trata-se, portanto, da
história de um Museu que, na construção de sua identidade, oscilava entre a abrangência
e a especialização de suas atividades museológicas.
9
Carta de Olivério Mário de Oliveira Pinto para José de Mello Marais, Secretário de Estado dos Negócios da
Agricultura, Indústria e Comércio, 26 de janeiro de 1945.
gráfico 2: primeiras propostas de transformações institucionais do Museu de Zoologia.
autor: Mauricio Candido da Silva
data: junho de 2006
3.3 história natural como cultura material
O Museu de Zoologia, entendido como um espaço dedicado a salvaguarda, pesquisa
e comunicação das referências patrimoniais da zoologia neotropical, desempenha suas
atividades com base em coleções zoológicas, constituídas por espécimes biológicas
extraídas do seu meio natural e inseridas no circuito de atividades museológicas. Estas
coleções são formadas por exemplares musealizados, constituindo-se como acervo do
Museu. Nessa óptica, estas coleções, que envolvem milhares de exemplares, são
compreendidas como cultura material.
Considerando-se que o zoólogo extrai do mundo natural referências capazes de
levá-lo a inferir conhecimento sobre parcela da totalidade, a idéia crucial que se constitui é
a da seleção. É o ato da seleção que transforma uma parte do mundo natural em um objeto
e o princípio para sua transformação em uma peça de museu. Susan M. Pearce
desenvolve com maior profundidade este conceito:
1925
Secção de Zoologia
do Museu Paulista
Primeiras propostas de
transformações institucionais
do Museu de Zoologia
experiência
européia e nacional
1877 1894 1939 1969
2006
Museu Provincial
Museu Paulista Museu de
Zoologia da USP
Departamento
de Zoologia
1942
Instituto de Zoologia
1939
Museu Paulista de Zoologia
1945
Museu de História Natural da USP
Museu de Zoologia da USP
1947
34
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
[...] os fragmentos do mundo físico, no qual o valor cultural está inscrito, incluem
não meramente aqueles fragmentos pequenos, capazes de serem movidos de
um lugar para outro, que é o que queremos expressar quando dizemos 'coisa' ou
'artefato', mas também o amplo mundo físico da paisagem com todas as
estruturas sociais que ele carrega, animais e espécimes de plantas que têm sido
afetados pela espécie humana, a preparação de alimentos em que os animais e
as plantas transformam-se e também a manipulação da carne e do ar a qual
produz sons e falas.” (PEARCE, 1994, p. 9, tradução nossa).
A autora conclui sua assertiva com a sentença de Deetz sobre cultura material,
Cultura Material é aquele segmento do meio ambiente físico do homem que é
propositadamente formado por ele de acordo com um plano ditado culturalmente. Deetz
10
(1997 apud; PEARCE, 1994, p. 9, tradução nossa) .
Os espécimes que compõem o acervo do Museu de Zoologia se constituem como
cultura material porque, por meio da seleção, salvaguarda, pesquisa e comunicação
foram transformados em uma parte dos valores humanos do mundo, na qual o zoólogo, o
leitor das publicações ou o visitante das exposições do Museu deseja incorporar ao seu
sistema pessoal de valor. Isso é válido para os milhões de objetos de história natural
inseridos nas coleções do Museu de Zoologia, para os quais, espécimes, que
representam um exemplo selecionado de um grupo, é um termo usual (fotos 04 e 05).
[...] a aquisição de um espécime de história natural envolve seleção, de acordo
com princípios contemporâneos, retida do contexto natural, e organização em
algum tipo de relacionamento (muitos são possíveis) com outro, ou diferente,
material. Esse processo transforma um 'objeto natural' em uma definida peça
humanizada isso significa que objetos de história natural e coleções, como todas
as outras coleções, têm seus próprios modos e histórias de estudo, também
podem ser tratados como cultura material e discutidos nesses termos. O
desenvolvimento da epistemologia contemporânea sugere que nenhum fato
pode ser lido transparentemente. Aparentemente todos fatos 'naturais', são na
verdade, fatos discursivos 'natureza' não é uma coisa pronta, mas é ela mesma
resultado da construção histórica e social. Para chamar alguma coisa de objeto
natural deve-se percorrer um caminho de concepção que depende de um
sistema classificatório: se não houvesse ser humano na terra, as rochas ainda
estariam aqui, mas elas não seriam 'rochas', porque não haveria nem mineralogia
nem linguagem para distinguí-las ou classificá-las. Espécimes de história natural
são portanto construções sociais como flechas ou máquinas de escrever, e com
suscetibilidade para análise social.
;
;
(PEARCE, 1994, p. 10, tradução
nossa).
35
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
10
DEETZ, James In small things forgotten: the archaeology of early American life. Garden City, N.Y.: Anchor
Press/Doubleday, 1977. 184 p.
36
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
foto 04 - acervo zoológico do Museu Paulista.
autor: desconhecido
data: entre 1900-1910
fonte: Fundo Museu Paulista / MPUSP
foto 05 - acervo zoológico do Museu Paulista.
autor: desconhecido
data: entre 1900-1910
fonte: Fundo Museu Paulista / MPUSP
Considerar o acervo biológico como cultura material torna-se relevante na medida em
que ele reforça a praxis museológica exercida pelo Museu de Zoologia. Um conceito
alimenta outro. No conjunto, estes dois aspectos são entendidos como a justificativa
conceitual para a denominação, aqui neste trabalho, do Museu de Zoologia desde 1939,
quando, logo após o Decreto 9.918, Christiano Stockler das Neves iniciou o projeto
arquitetônico do Museu. Nesse sentido, é possível afirmar que a denominação do Museu
de Zoologia como Departamento de Zoologia da Secretaria de Agricultura, Indústria e
Comércio do Estado de São Paulo foi muito mais uma circunstância político-administrativa
do que uma redefinição do programa museológico dessa instituição, uma vez que as
práticas relacionadas à preservação das referências patrimoniais da zoologia
11
neotropical não sofreram alterações significativas . Por sua vez, a praxis museológica,
representada temporalmente pelo gráfico 1, está inserida numa tradição ocidental
absolutamente consolidada no século XIX. esta prática, que resume a praxis
museológica e a presença da cultura material em museus com coleções naturais, será
adicionado o conceito de Musealização da Natureza.
O fortalecimento dos Museus de Ciências Naturais ocorreu por meio da extração das
referências patrimoniais do meio natural, da sua conservação e da sua ordenação lógica e
sistêmica para a transmissão de informações por meio de publicações especializadas e
exposições para o grande público. A partir dessa cadeia sistêmica é que se consolidou o
fenômeno museológico, por meio da organização de um processo de trabalho
especializado, bem como pela possibilidade do estabelecimento do fato museal. Em
1683, a abertura do Ashmolean Museum para visitação pública efetiva oficialmente as
ações museológicas, traduzidas aqui como Preservação da Natureza em Museus.
À
37
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
11
Isso pode ser afirmado porque os temas das publicações científicas do Museu, entre as décadas de 1930
e 1940, na Revista do Museu Paulista e nos Arquivos de Zoologia do Museu de Zoologia, respectivamente,
permanecem praticamente inalterados.
Lineu (1707 - 1778), autor de 'Systema Naturae' (Sistema natural), publicado em 1735,
apresentou uma nova proposta taxonômica para os reinos animal, vegetal e mineral. Com
ele, o cientificismo e a Musealização da Natureza ganharam seu maior impulso,
recebendo contornos que ainda hoje servem de orientação para as ações museológicas
desenvolvidas não só em museus científicos, como também em todas as categorias de
museus, inclusive os de arte e os históricos. Estes passaram a adotar um sistema
organizacional e uma lógica expositiva que estavam sob a influência do pensamento
científico e classificatório, baseada na teoria de Lineu.
Nesse sentido, este objeto de estudo deve levar em conta o fenômeno
museológico herdado de uma tradição que, no âmbito histórico, interferiu no conteúdo do
programa arquitetônico do Museu de Zoologia. Cabe destacar que não se trata de
qualquer edifício, mas de um espaço que transforma a natureza em espécimes, em
objetos culturais. Portanto, a Musealização da Natureza é um fenômeno que é parte
integrante dos anseios daqueles que se envolveram com a implantação do Museu e,
principalmente, do arquiteto, que, de alguma forma, representou este fenômeno em sua
obra, portanto, passível de ser observado, o que torna o Museu de Zoologia uma fonte
portadora de significados históricos, arquitetônicos e museológicos.
3.4 contexto histórico-museológico
O Museu de Zoologia pertence a uma tradição de pesquisa e ensino com base em
coleções museológicas. A partir de 1939, a sua nova configuração não deve ser tratada
como uma ruptura, mas sim como inserção em um longo processo histórico. Os Museus
12
Modernos, com coleções científicas , tomando como referência a abertura pública do
38
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
12
Por coleções científicas serão compreendidas as coleções utilizadas para pesquisa e ensino da ciência -
researching and teaching collections (CLERCQ, 2003). O acervo do Museu de Zoologia é composto por
coleções científicas.
Ashmoleam Museum, pertencem a uma mesma tradição. Este é um vasto programa,
presente, mesmo que de forma subliminar, nas necessidades a serem atendidas pela obra
de Christiano Stockler das Neves, que, por suas afinidades com o neoclassicismo e com o
positivismo, depositava suas esperanças nos propósitos educacionais das instituições.
Para um melhor recorte da concepção de Museu e, consequentemente, de museologia,
aplicada na organização e na formação do Museu de Zoologia, é importante traçar um
panorama do conceito de Museu vinculado às coleções de Ciências Naturais. Isso como
forma de criar uma primeira fresta para este percurso, que parte da premissa de que o
Museu de Zoologia faz parte de uma tradição museológica, vinculada a Musealização da
Natureza.
Não é objetivo traçar a gênese das Ciências Naturais, compreendidas de forma
abrangente como ciências que observam e estudam a natureza e os fenômenos naturais,
tais como biologia, botânica, zoologia, mineralogia, geologia e paleontologia. Contudo,
buscando a inserção inicial deste discurso, torna-se válido um sobrevôo. A Antigüidade foi
um marco no desenvolvimento da investigação deste campo do conhecimento,
principalmente com Aristóteles e Plínio, que observaram e escreveram sobre a zoologia,
numa tentativa de formulação de uma enciclopédia da natureza (BLOM, 2003). no seu
início, portanto, na sua forma organizacional, este campo do conhecimento se estruturou
por meio de coleções. Os museus da Antigüidade, templos das musas (SHAER, 1994),
13
tornaram-se locais ideais para o desenvolvimento deste conhecimento . Com o passar
dos séculos, na Baixa Idade Média, tais coleções foram, aos poucos, adquirindo status
científico.
39
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
13
Em uma sinopse histórica dos museus, destacando as referências dos precursores e dos eventos mais
significantes, Marta Lourenço descreve mais de uma dezena de coleções organizadas na Antigüidade
destinadas a transmissão de conhecimento (LOURENÇO, 2005).
As coleções científicas foram mais bem organizadas e estruturadas a partir do
nascimento das universidades, no início do século XII (LOURENÇO, 2003). Sendo,
também, compreendidas como formadoras dos núcleos básicos dos Gabinetes de
Curiosidades do século XV (TAVARES, 1999), cumpriram perfeitamente a função da
pesquisa e do ensino a que se destinavam, refletindo também a pretendida dominação do
meio natural, do saber e da ciência (FOUCAULT, 1995). Estas coleções e as atividades que
delas decorrem se constituem como as matrizes dos Museus Modernos de Ciências. O
Museu de Zoologia pertence a essa tradição, pois reflete sua vocação de Museu
Universitário que sempre o acompanhou, seja na gestão de Hermann von Ihering, Afonso
D'Escragnolle de Taunay, seja na de Olivério Mário de Oliveira Pinto,
.
A sua organização museológica, com suas atividades firmadas em coleções
científicas, nos moldes estabelecidos por Hermann von Ihering, remete à tradição de
coleções de pesquisa e ensino, que foi impulsionada pelas universidades e, mais adiante,
pelos os Gabinetes de Curiosidades que se estabeleceram ao longo dos séculos XVI e XVII
(MAURIÈS, 2002).
Em 1931, a intenção de se tornar uma instituição universitária começa a ganhar
forma. Afonso D'Escragnolle de Taunay inicia um esforço político que, em 1934, tornaria o
Museu Paulista uma instituição complementar e, em 1963, um Museu da própria
Universidade de São Paulo.
Pelo Dr. Arthur Neiva estive estudando com o Sr. Dr. Antonio Piccarolo e Prof.
Alcantara Machado o projeto para uma Faculdade Superior de Sciencias e Letras,
projeto que visava um estudo preliminar para a fundação da futura Universidade
de São Paulo. Com a saída do Dr. Neiva nada se positivou a esse respeito.
(Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista de 1931: de Afonso
d'Escragnolle Taunay para Francisco de Salles Gomes Júnior
(Secretário da Educão da Saúde blica), 30 de janeiro de 1932).
A Universidade de São Paulo foi criada em 1934 num contexto marcado por
ainda que não assim
nominado
40
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
importantes transformações sociais, políticas e culturais, pelo Decreto Estadual 6.283,
de 25 de janeiro de 1934, por decisão do Governador do Estado de São Paulo, Armando
de Salles Oliveira que em 1933, visitara o Museu Paulista e se reunira com o seu diretor
para tratar de assuntos relacionados a criação da universidade. No mesmo ano, o Museu
Paulista, ainda portador das coleções zoológicas, se vinculou a Universidade em forma de
instituição complementar. Afonso D'Escragnolle de Taunay, que havia se constituído
como uma iminência na academia paulista (ELIAS, 1996), foi convidado para ser um dos
primeiros membros do Conselho Universitário da USP:
Com a fundação da Universidade de São Paulo ficou o Museu Paulista
incorporado a esta grande agremiação scientífica e cultural, em tão boa hora
criada pelo atual governo. Passou a ser um dos institutos anexos ao núcleo
universitário. Tive a honra de ser eleito para o Conselho Universitário na qualidade
de um dos três delegados dos institutos anexos [...]. (Relatório Anual de
Atividades do Museu Paulista de 1934: de Afonso d'Escragnolle de
Taunay para Márcio P. Munhoz (Secretário dos Negócios da
Educação e da Saúde Pública), 28 de janeiro de 1935).
Em função dessa sua influência política e notoriedade acadêmica, tendo como
meta a construção do perfil do Museu de História, em 1935 ele oficializou uma proposta
para a saída da Secção de Zoologia do Museu Paulista:
Pensa-se agora na separação dos museus, o de História Natural e o de História
como tanto é para se desejar de acordo com os centros modernos. Neste sentido
trocamos idéias preliminares com o Dr. Almeida Prado Vice Reitor da
Universidade tendo o seu assentimento. Passará o Museu de História Natural a
incorporar-se à Faculdade de Philosophia de Sciencias e Letras. (Relatório
Anual de Atividades do Museu Paulista de 1935: de Afonso
d'Escragnolle de Taunay para Cantidio de Moura Campos (Secretário
dos Negócios da Educação e da Sde Pública), 31 de janeiro de 1936).
Essa consideração de dois Museus em um se deu por estratégia e por acreditar
cada vez mais na especialização das coleções e nas atividades dos Museus. Ambos
alocados no edifício-monumento. Um era responsável pelas coleções de história nacional
e etnografia, designado por ele de Museu de História. O outro, mantinha as coleções de
botânica, mineralogia, geologia, paleontologia e, principalmente, zoologia, recebendo o
41
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
nome de Museu de História Natural. Trata-se de uma visão especializada dos Museus. Aos
poucos ele buscava afirmar a identidade e o caráter monumental do edifício, como
também, na mesma medida, negava o perfil de um Museu de História Natural para a
instituição que dirigia. As estratégias adotadas foram inúmeras. Nesse momento,
destacou-se uma que se configurou 35 anos após o seu primeiro intento, o vínculo do
Museu com a Universidade de São Paulo. Portanto, a configuração de um Museu
Universitário. O curioso é que, para isso, Afonso D'Escragnolle de Taunay foi
paulatinamente criando um Museu dentro de outro. O Museu de História Nacional foi
gerado a partir do Museu de História Natural. Ao ser alimentado com mais ênfase cresceu
mais vigoroso e acabou devorando o seu progenitor que, já sem espaço, teve de mudar
para outro canto. Não se trata de abandono, mas sim de uma estratégia. O espaço, que
era pequeno para um, tornou-se irrisório para dois Museus.
O desejo oficial de passar o Museu de Zoologia para a Universidade de São Paulo,
tornando-o em um Museu Universitário, ocorreu, primeiramente, no projeto de criação da
própria Universidade. Seja por razões administrativas ou mesmo devido ao seu perfil
institucional, o fato é que Afonso D'Escragnolle de Taunay oficializou essa proposta.
Durante muito tempo ele investiu nessa empreitada política. No entanto, não obteve
sucesso. No aspecto museológico, não foi possível identificar uma justificativa clara para o
Museu de História Natural de Taunay se integrar à Universidade. Por parte dele, não havia
um projeto para um Museu dessa natureza, ao contrário do Museu Paulista. O vínculo com
a Universidade de São Paulo mudaria não somente um perfil, mas, acima de tudo,
reafirmaria a vocação de um Museu Universitário. Provavelmente, a sua intenção era a de
tornar o Museu de História Nacional o mais asséptico possível das influências e dos
incômodos administrativos e museológicos do Museu de História Natural, que além de
tudo, devido taxidermia necessária ao processamento do acervo, cheirava mal e traziaà
42
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
uma aparência nada agradável para o edifício-monumento.
Contudo, um fator histórico que interferiu nesse quadro. Desde 1929, atuava no
Museu o ornitólogo Olivério Mário de Oliveira Pinto, “um exímio zoólogo”, no dizer de
Afonso D'Escragnolle de Taunay . Em 1929, ele ingressou no Museu Paulista
como assistente da Secção de Zoologia, sub-secção de vertebrados, e, em 1934, com a
morte de H.Luederwaldt, ele passou a assumir a direção do Museu Paulista na ausência
d diretor interino. Ele ocupou a vaga deixada por Afrânio do Amaral, herpetologista, que,
ao sair do Museu Paulista e antes de dirigir o Instituto Butantan, foi para a Universidade de
Harvard, nos Estados Unidos, tornando-se um importante elo entre estas duas instituições
de pesquisa. Lá, obteve financiamentos para que o Museu Paulista realizasse expedições
científicas pelo território nacional e permutas por meio de convênios. Esse processo foi
considerado profícuo pelas duas instituições.
(fotos 06 e 07)
o
43
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
fotos 06 e 07 - Ilustrações científicas de autoria de Olivério Mário para o Instituto Butantan.
reprodução: Rodolfo de Oliveira Leão
data: 1927
fonte: (Fonseca 1949)
As manifestações de Olivério Mário de Oliveira Pinto a respeito da organização do
museu, ou mesmo sobre museologia, tornaram-se mais evidentes somente após o
Decreto 9.918, de 1939, quando ele passou a assumir a direção da nova instituição. Em
várias ocasiões ele manifestou o seu interesse pelo vínculo do Museu com a Universidade,
pretendendo assumir o caráter de um Museu Universitário, portador de coleções
científicas, com ênfase nas ações de pesquisa e ensino. Após a separação dos Museus,
que fez do Museu de Zoologia - assim como o Museu Paulista - uma instituição
complementar a Universidade de São Paulo, o desejável vínculo do Museu de Zoologia
passou a ter o apoio dos pesquisadores da instituição recém criada, assim como a
aprovação do Conselho Universitário e do Governo do Estado, mediante manifestações
favoráveis do Secretário da Agricultura. Mas nunca foi efetivado durante a gestão de
Olivério Mário. Isso ocorreu somente trinta anos após a criação do Museu de Zoologia.
Não foi possível saber o motivo dessa postergação.
Olivério Mário de Oliveira Pinto também foi membro do Conselho Universitário,
participou de uma comissão responsável pela elaboração do programa do Museu de
História Natural da USP, que contava com um projeto arquitetônico da Comissão da
Cidade Universitária, com a participação de Ernesto de Souza Campos, Luiz Ignacio de
Anhaia Mello, Christiano Stockler das Neves, José Maria da Silva Neves e Adriano Machini.
Olivério Mário de Oliveira Pinto, certamente, buscava uma maior segurança institucional,
ainda não obtida junto a Secretaria de Agricultura. O planejamento institucional se
concentrou no caráter de pesquisa e ensino, praticados pelo próprio Museu de
Zoologia. Conscientemente ou não, ele buscava a configuração de um Museu
Universitário, portador de coleções científicas, em que, de acordo com CLERQ &
LOURENÇO (2003), as ações elementares estão vinculadas à pesquisa e ao ensino, por
meio de coleções estudadas, salvaguardadas e comunicadas.
44
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
14
A Universidade de Bolonha foi criada em 1088, a Universidade de Paris foi criada entre 1150 e 1170. O
primeiro título de 'reitor' foi conferido a Universidade de Oxford em 1214 (VERGER, 1996).
15
Nesse contexto, o desenvolvimento científico no campo da medicina torna-se um interessante exemplo.
Teatros de anatomia foram criados em 1594 na Universidade de Pádua (Itália) e Leyden (Holanda). Logo,
estes museus pedagógicos mostraram espécies anatômicas, modelos de cera e curiosidades. Cabe
destacar, que os objetos zoológicos, empalhados ou taxidermizados, foram desenvolvidos com base no
ensino de anatomia e da medicina. Isso demonstra a importância dessas coleções para os estudos
comparativos.
Essa perspectiva adotada por Olivério Mário de Oliveira Pinto não é inédita no
panorama da história da museologia. Pelo contrário, trata-se de uma tradição secular, na
qual ele procurava inserir o Museu de Zoologia. Vale lembrar que as primeiras
14
universidades reuniam objetos, tais como selos, documentos, relíquias e retratos .
Criada na Idade Média, a Universidade também se consolidou por ser um instrumento
universal na preservação e na transmissão do aprendizado, formação de especialistas e
no avanço da sociedade. Para isso, as coleções científicas nas universidades sempre
foram fundamentais. O aprendizado com espécies palpáveis ou a observação do objeto
15
verdadeiro sempre foi considerado melhor do que sua mera ilustração ou reprodução .
Pertencente a esta tradição, Olivério Mário de Oliveira Pinto enfatizou essa conduta
durante toda a sua gestão frente ao Museu de Zoologia. Ao pedir apoio governamental
para participar do X Congresso Internacional de Ornitologia em Upsala, Suécia, justifica
sua perspectiva:
[...] não há estudioso da História Natural que desconheça a necessidade, para
resolver os problemas relacionados com a sistemática das plantas e dos animais,
examinar-se o material acumulado nos museus do Velho Mundo. Pela atividade
pioneira dos naturalistas e colecionadores que exploraram o nosso país no
decurso do século passado. (Carta de Olivério Mário de Oliveira Pinto ao
Secretário de Estado dos Negócios de Agricultura, José Edgard
Pereira Barreto, 8 de novembro de 1949).
Mesmo um pouco antes da criação do Museu de Zoologia, já ocorria uma busca
pelo formato mais adequado dessa nova instituição museológica. Nascida de uma fissão
institucional, essa busca pelo vínculo com a universidade conduziu a um programa
45
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
arquitetônico do Museu de Zoologia como uma nova instituição. O vínculo com a
Secretaria de Agricultura resolveu um grande problema para Taunay, mas gerou um
sentido de perda para a equipe do Museu de Zoologia, principalmente para o seu jovem
diretor. As coleções organizadas e pesquisadas pelos cientistas que trabalhavam em São
Paulo na passagem do século - Orville Derby, Alberto Loefregren, o próprio Hermann von
Ihering, dentre tantos outros - passaram a ser reunidas por uma instituição sem
identidade, com dezoito divisões científicas, poucos profissionais especializados, sem o
necessário vínculo com a Universidade e que não se chamava museu. Possuía um
edifício, mas não um nome apropriado. Além disso, já havia um outro Departamento de
Zoologia, o da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo,
criado juntamente com a Universidade, em 1934, excluindo as coleções zoológicas
16
oriundas do Museu Paulista . No seu início, em 1939, o Museu de Zoologia tinha uma
identidade dúbia. Constantemente era necessário avisar aos colaboradores do Museu
que ele não era mais o Museu Paulista, assim como também não era o Departamento de
Zoologia da USP. Além disso, o Museu de Zoologia não publicava mais a tradicional
17
'Revista do Museu Paulista' , passando a publicar, já em 1939, os 'Arquivos de Zoologia
do Estado de São Paulo'. Aliar toda essa desventura administrativa à tradicional e
consolidada praxis museológica não foi uma tarefa fácil. Coube ao jovem diretor fazê-lo.
Ele persistiu com o projeto de vincular o Museu de Zoologia a Universidade de São Paulo
por mais alguns anos. Insistiu, mas não conseguiu. Esse processo se efetivou em,
46
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
16
“O Departamento de Zoologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências da Universidade de São Paulo
foi criado em 1934 como parte integrante do Curso de História Natural. Iniciou suas atividades no porão da
Faculdade de Medicina da USP, passando depois ao Palacete Street da Alameda Glete, onde permaneceu
até 1956. Nesse ano mudou-se para o Prédio Zoologia, atualmente Edifício Ernst Marcus, o primeiro da área
que o Instituto de Biociências ocupa no campus, onde se encontra até hoje. Em 1964, o Departamento de
Zoologia passou a integrar o Curso de Ciências Biológicas e, a partir de 1970, foi incorporado ao Instituto de
Biociências da USP. ( http://marcus.ib.usp.br/historico, 2 de julho de 2006).
17
A Revista do Museu Paulista foi criada por Hermann von Ihering, sendo o seu primeiro número publicado
em 1895 e o último em 1938, compreendendo, ao todo, 23 volumes.
47
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
junho 1969, sob a direção de Paulo Emílio Vanzolini, treze anos após o fim da gestão de
Olivério Mário de Oliveira Pinto.
O projeto arquitetônico de Christiano Stockler das Neves se tornou um catalisador
de ânimos para superar estes percalços administrativos. Uma evidência disso é a
estampa na contracapa do primeiro número da nova Revista do Museu de Zoologia (foto
08). Mesmo sem prédio próprio, sem ser reconhecido pelo Governo Estadual como
Museu, sob a administração do interventor federal no Estado, Adhemar de Barros, Olivério
Mário de Oliveira Pinto apresentou na contracapa de uma das mais importantes revistas
científicas da América, uma estampa com o desenho do futuro prédio do Museu, o projeto
paisagístico de Christiano Stockler das Neves. Um vir a ser que alimentou as ações
museológicas do período transitório.
foto 08 - capa do 1º número dos Arquivos
de Zoologia do Estado de São Paulo -
1940.
reprodução: Alex Franceschet
data: abril de 2006
fonte: arquivo iconográfico do
STM/DDC/MZUSP
48
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
18
Le Goff destaca ainda a “Revolução Documental”, iniciada na década de 1960, com a introdução do
computador, em que o novo documento produzido é armazenado e manuseado nos bancos de dados (LE
GOFF, 1992).
É inegável que a criação da Universidade de São Paulo colocou mais ingredientes
na criação do Museu de Zoologia. No mínimo, manteve o assunto candente,
principalmente nos discursos de Afonso D'Escragnolle de Taunay. Por algum motivo, que
não ficou evidenciado nas fontes consultadas, foi criado um novo Departamento de
Zoologia vinculado indiretamente à Universidade fora dos planos do diretor do Museu
Paulista. Talvez isso tenha desanimado a equipe de zoólogos que trabalhava nesse
Museu, cientes do limbo em que se encontravam. Contudo, não desanimou Afonso
D'Escragnolle de Taunay, que insistiu até conseguir expurgar todas as coleções naturais
do Museu Paulista, deixando para Olivério Mário de Oliveira Pinto os encargos políticos
para esta vinculação, tão necessária para a consolidação da vocação de um Museu que
sempre trouxe em seu cerne atividades de pesquisa e ensino, com base em coleções
científicas, com ações voltadas para a preservação das referências patrimoniais da
região neotropical.
3.5 considerações arquitetônicas
O entendimento de uma obra arquitetônica como documento histórico pressupõe
admitir uma linha historiográfica que amplia a noção de documento, tal como propõe a
História Nova e os fundadores da Revista História dos Anales,
[...] a história deve se fazer mesmo na ausência de documentos escritos [...].
Contudo o que, pertencendo ao homem, dependendo do homem, serve ao
homem, exprime o homem, demonstra a presença, a atividade, os gostos e as
maneiras de ser do homem.” (LE GOFF, 1992, p. 540).
É importante destacar que, para Jacques Le Goff, a história é uma forma científica
18
da memória coletiva e que se constitui por meio de documentos e monumentos , sendo
49
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
estes selecionados naturalmente pelo tempo ou por ações humanas e pela seleção do
historiador. Cabe acrescentar, além da seleção, a interpretação dos documentos e a forma
da escrita, como elementos constituintes da análise histórica.
Se por um lado o edifício do Museu de Zoologia é entendido como documento, por
outro, ele será compreendido como uma edificação projetada e planejada a partir de uma
possível tipologia de Museu de História Natural, definido como construção do discurso
dos programas arquitetônico e museológico, historicamente constituídos. Tendo em
mente toda a influência da história da museologia, por meio da organização e proliferação
dos Museus Modernos, organizados com critérios científicos, bem como a orientação
criadora de Hermann von Ihering, a reformulação institucional promovida por Afonso
D'Escragnolle de Taunay e a implantação de um Museu Especializado por Olivério Mário
de Oliveira Pinto, é possível inferir que Christiano Stockler das Neves herdou um programa
de necessidades bastante direcionado. Mesmo que seja assumido o Decreto 9.918
como a síntese oficial deste programa, as influências dos fatores históricos são adotadas
como determinantes. Uma tipologia museológica que se transfigurou na arquitetura,
representada por uma forma arquitetônica:
Esquema mental complexo, culturalmente modificado por intermédio de uma
prática social, que associa determinadas configurações físicas a um problema
usual de projeto do ambiente construído. Pode-se vê-lo como um veículo de
informações condensadas, onde a definição genérica da natureza das
finalidades, disponibilidade e limitações que caracterizam o problema é dada
simultaneamente com a definição genérica das características geométricas,
técnico-construtivas e figurativas de sua solução arquitetônica. (COMAS,
1986, p. 127).
É importante que se leve em conta que a compreensão da obra arquitetônica não
deve se restringir simplesmente à plasticidade da obra, que todo o seu contexto espacial e
temporal devem ser considerados:
Mais que qualquer outra manifestação artística, a arquitetura depende
diretamente das condições materiais, e excluir os aspectos históricos e
geográficos dentro dos quais ela se desenvolveu implicaria não compreender
seu significado e sua própria razão de ser. (BRUAND, 2002, p. 11).
É por essa razão que uma ênfase na análise histórica da construção do Museu
de Zoologia. Entender um edicio, a arquitetura de um Museu, consiste em compreender a
necessidade que o levou a ser projetado e constrdo, bem como a função que ele deve cumprir,
pois o uso é um elemento fundamental na definição da forma, uma vez que, [...] em nenhuma
outra arte a função desempenha papel tão importante, tão definitivo. (COLIN, 2000, p. 27).
Por ser uma ação cultural, a arquitetura está imersa na história, sob a influência
temporal e espacial dos agentes sociais. Quanto a isso, parece haver um certo consenso
entre os historiadores da arte e os próprios arquitetos:
[...] a arquitetura depende ainda, necessariamente, da época da sua ocorrência,
do meio físico e social a que pertence, da técnica decorrente dos materiais
empregados e, finalmente, dos objetivos visados e dos recursos financeiros
disponíveis para realização da obra, ou seja, do programa proposto. Pode-se
então definir a arquitetura como construção concebida com o propósito de
organizar e ordenar plasticamente o espaço e os volumes decorrentes, em
função de uma determinada época, de um determinado meio, de uma
determinada técnica, de um determinado programa e de uma determinada
intenção. (COSTA, 2005, p. 21).
Portanto, por ser um dos pilares das belas-artes, a análise da arquitetura não se
restringe unicamente ao utilitário. Deve-se buscar uma compreensão de sua função que
vá além do atendimento aos requisitos técnicos, como a solidez estrutural e a qualidade
dos materiais e das demandas utilitárias, como a adequação dos espaços aos usos. O
estudo da história da arquitetura tem a possibilidade de transitar pelo econômico, social e
cultural, para, então, focar nas possibilidades biográficas dos autores dos projetos e
construções, bem como da forma e função do edifício. Para ser analítica, a arquitetura
deve ser observada do ponto de vista histórico. Isso porque ela não se apresenta como tal;
é preciso que seja descoberta. A arquitetura, sob o aspecto da arte, é simbólica, portanto,
representa valores econômicos, políticos e, principalmente, culturais de uma época
(TEIXEIRA COELHO, 1979). Assim, a análise histórica torna-se fundamental.
50
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
19
Em latim, escrita do texto original, 'firmitas', 'utilitas', 'venustas' (MORGAN, 1914).
O contexto histórico e regional de desenvolvimento do projeto e construção do
Museu de Zoologia assemelha-se às forças exógenas atuantes. Como obra arquitetônica,
portanto, artística, esta edificação recebeu inúmeras influências externas. Por outro lado,
ela é o resultado de um ato criador, de uma força endógena. Assim, ela é simbólica. O
maior interesse é o de que haja um equilíbrio desses olhares. Tal equilíbrio tem suas bases
nos sistemas da arquitetura, propostos por Vitrúvio, para quem tudo que se constrói deve
19
ter solidez, utilidade e beleza .
Envolvido por uma cidade transformada pela constante descaracterização urbana,
o Museu de Zoologia resiste ao tempo. Ainda que, nos dias atuais, a área construída se
mostre demasiado pequena, o seu programa museológico permanece: Musealização da
Natureza. Por sessenta e cinco anos ele ainda exerce o seu programa. Esse resultado não
é mérito exclusivo do arquiteto. A arquitetura permanece não só porque o programa é o
mesmo. O projeto e a construção atendem à demanda. Os programas arquitetônico e
museológico, historicamente constituídos, foram assimilados e traduzidos em forma de
fachadas, corredores e salas que fluem por intermédio de um hall central. Este articula os
espaços por meio de uma escadaria que acolhe e distribui, permitindo o uso e provocando
a contemplação. A arquitetura permanece
dos materiais e da excelência técnica empregada. Ela persiste porque o
Museu está vivo. A Musealização da Natureza é constante e o edifício abriga, permite e
motiva essa ação humana.
Levando-se em consideração que, além de resistir ao desgaste natural provocado
pelo tempo, deve o edifício (Museu) abrigar uma atividade (museológica), que também se
transforma com o passar do tempo, é possível inferir que um edifício que resiste,
desempenha minimamente bem, ou de forma adequada, uma boa relação com a cidade
graças a esses atributos e, também, à
durabilidade
51
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
52
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
(função sintática), representa o seu conteúdo (função sentica) e abriga
satisfatoriamente uma atividade (função pragmática). O conjunto dessas funções
constitui-se de diferentes maneiras, de acordo com o programa arquitetônico. Para um
Museu, o programa pressupõe a praxis museológica, podendo se configurar como uma
tipologia de museus. No caso dos Museus de História Natural, categoria da qual o Museu
de Zoologia faz parte, a Musealização da Natureza tem forte influência na determinação
do programa, que, em conjunto com o processo histórico envolvendo o projeto, a
construção e o arquiteto, gera forma e função ao edifício.
A forma de um edifício é constituída pelo volume, pelo espaço e pela superfície. O
conteúdo da forma é o resultado da transformação da matéria, cuja finalidade é a de se
obter um objeto individualizado, um edifício, que possui silhueta, massa, cor, textura, jogo
de luzes e sombras, relação e disposição de cheios e vazios. A forma arquitetônica de um
edifício pode ser analisada de fora (volumetria), do seu interior (espacial) e na divisão do
exterior com o interior (muro divisório) (COLIN, 2000). Portanto, é na forma que o arquiteto
expressa suas idéias a respeito da arquitetura em si, de sua relação e do programa que vai
abordar. Ou seja, a forma arquitetônica é um importante canal para se analisar a história da
arquitetura, que, juntamente com a função, tornam-se a fresta para o percurso da análise
do edifício. No caso em estudo, a forma que abriga o Museu de Zoologia é compreendida
como documento iconográfico, e a arquitetura como manifestação artística.
3.6 contexto histórico-arquitetônico
Com o objetivo de historiar a obra de Christiano Stockler das Neves para o Museu
de Zoologia, este sub-capítulo partirá do ano de 1823, quando se deu a primeira proposta
de instituir a data de 7 de setembro como “dia de festa nacional” (OLIVEIRA, 1997),
aniversário da independência brasileira, com o projeto de construção de um monumento
feito por membros do Governo Provisório da Província de São Paulo. Este recuo se justifica
por se tratar do primeiro momento de estabelecimento de um marco espacial no território
20
paulista, no que viria a ser o Eixo Monumental do Ipiranga , local onde, em 1940, se
iniciaram as obras do Museu de Zoologia. Assim, este estudo abrangerá o período de
1823 a 1969, da proposta de criação de um marco memorial no bairro do Ipiranga até a
criação estatutária do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo. Contudo, o foco
de análise dar-se-á num período menor, que vai de 1894, quando Hermann von Ihering
assumiu a direção do Museu Paulista, até 1941, quando foi inaugurado o edifício projetado
por Christiano Stockler das Neves. É nesse período que se concentra este estudo, que tem
como objetivo melhor compreender um projeto oficial para a Musealização da Natureza.
Partindo do princípio de que o programa arquitetônico para o Museu de Zoologia
está associado a origem do Museu Paulista, à essa história deve ser articulado o
desenvolvimento do pensamento científico do século XIX, que se desdobra em ações
ligadas à preservação da zoologia em museus no Brasil, fazendo parte de uma tradição
museológica, aplicada à essa tipologia de coleção.
Nitidamente sob a influência européia, como resultante da noção de portador de
uma matéria-prima natural abundante, e, exclusivamente disponível para as emergentes
pesquisas em franca expansão por toda a Europa, o Brasil foi, durante a maior parte de
sua história, local de destino de muitos viajantes naturalistas na busca de espécimes que
abasteceram museus e coleções do mundo inteiro, fomentando substancialmente a sede
por novos conhecimentos de pesquisadores estrangeiros (LOPES, 1997).
Em sintonia com o que ocorria no mundo inteiro, o século XIX foi um momento de
53
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
20
O Eixo Monumental do Ipiranga é aqui compreendido pela junção da Av. D. Pedro I com a Av Nazaré,
envolvendo, principalmente, o Monumento à Independência, a Casa do Grito, o Jardim do Monumento, o
edifício do Museu Paulista, o Bosque da Independência (antigo Horto Botânico) e, neste estudo, o Museu de
Zoologia.
grande expansão dos Museus no Brasil. Primeiramente, no Rio de Janeiro, local onde se
instalou a Família Real, com o Museu Real, antiga 'casa dos pássaros'. Mais adiante, com o
Museu Emílio Goeldi, na região Amazônica, onde se sabia do grande potencial para
investigações naturais. E, no final do século XIX, em São Paulo, onde ocorreu uma
apropriação de um edifício-monumento para a implantação de um Museu de História
Natural - isso para falar somente dos grandes museus.
Partindo do contexto histórico internacional para o nacional, chegando ao contexto
regional, podemos inferir que foi durante os séculos XVIII e XIX, que a ideologia iluminista
impulsionou e favoreceu a expansão dos Museus Modernos, organizados com critérios
científicos. No Brasil, essa perspectiva foi adotada com a chegada da corte portuguesa
que, quando aqui se instalou, em 1808, logo ordenou a vinda da Missão Francesa, que
chegou ao Brasil em 1816, fundando a Academia de Belas Artes em 1826. Com isso,
instaurou-se com maior vigor uma cultura européia, que, naquele momento, estava
plenamente calcada no racionalismo e no cientificismo. Com uma formação que
valorizava os espaços dedicados a contemplação e a pesquisa, tais como os Museus e
Bibliotecas, D. João VI esteve na base desse impulso da descoberta científica no Brasil do
século XIX (LOPES, 1997).
É nesse contexto histórico, pautado pelo Iluminismo, derivado do fluxo de
conhecimento gerado pelos estudos desenvolvidos sobre as referências patrimoniais
naturais, possibilitado principalmente pelas expedições marítimas ao Novo Mundo, que as
Ciências Naturais e os Museus se uniram e influenciaram a construção do Mundo
Moderno, no qual o racionalismo e o cientificismo tiveram papel determinante. Os Museus
de História Natural, tradição da qual o Museu de Zoologia faz parte, são sementes e frutos
desse período e desse pensamento europeu, uma tentativa de recolher todo os registros
54
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
do mundo natural para o interior de uma área edificada, muito bem protegida, como forma
de salvaguardar sua integridade física, tendo como proposta o estudo de sua
materialidade, a produção de novos conhecimentos e a divulgação de um olhar científico
por meio de publicações e exposições.
Trata-se da construção de um mundo novo, em que apropriação, transformação e
representação formam o substrato cultural, e os museus são uma via institucional de
aplicação dessa lógica. Ao se tornar científico o Museu se tornou oficial e irrecusável, pois
a ele se somou o caráter de veracidade e até mesmo de sacralidade, calcando-se a
missão de savalguardar a materialidade, compreendê-la por meio de técnicas científicas e
comprová-la por meio de exposições e publicações (foto 09). Por isso, os Museus
Modernos integram-se ao processo histórico de consolidação das ciências,
principalmente as naturais, um modelo institucionalizado no século XVIII, que é
plenamente válido para os dias de hoje.
55
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
foto 09 - Ilustração científica da zoologia,
autoria desconhecida - século XIX.
reprodução: Rodolfo de Oliveira Leão
data: maio de 2006
fonte: acervo de obras raras da biblioteca do
MZUSP
no final do século XIX, na Europa inicia-se a industrialização dos elementos
arquitetônicos, principalmente em função do barateamento do custo de produção, além
da geração de mais empregos. Os olhares se voltavam para os estudos científicos,
procedimentos racionais e técnicas construtivas, a alta produtividade tornava-se um valor
preciso no planejamento e construção dos novos edifícios. Como resultados dessa
conduta, podemos citar o surgimento, anos mais tarde, da Bauhaus, escola fundada em
Weimar (1919) pelo arquiteto Walter Gropius.
Por outro lado, a chegada da Família Real no Brasil, trouxe inovações para o
desenvolvimento das Ciências Naturais, para pesquisas e estudos, estímulo para criação
de museus e bibliotecas, como também para a arquitetura. A vinda da Missão Francesa, a
convite de D. João VI, e a implantação da Academia trouxeram, definitivamente, modelos
oficiais de construção e de apropriação do espaço, “[...] difundindo a Arquitetura
Neoclássica, favorecendo a implantação de tipos mais refinados de construção,
contribuindo para o abandono das velhas soluções coloniais.” (FILHO, 1970, p. 36).
O estilo neoclássico na sua asserção elementar, cuja base, principalmente em São
Paulo, se assentou em uma linha estética eclética, foi adotada por Christianos Stockler das
Neves em boa parte de suas obras, incluindo o Museu de Zoologia. Este estilo inaugural
da acadêmia foi determinante no desenrolar da arquitetura brasileira, pois dele derivaram
inúmeros outros estilos, inclusive o ecletismo, que predomina em grande parte do
territorial nacional. O ecletismo, que tem como ponto de partida o neoclássico, traz em si
uma combinação entre o ideal da 'nobre simplicidade' com a aplicação racional dos
elementos clássicos, típicos do estilo inaugural da Academia de Belas Artes do Rio de
Janeiro:
56
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
No exterior, impunha-se a necessidade de comunicar sensações de
grandiosidade e de força, enquanto no interior buscava-se a comodidade e o
bem-estar. [...] As linhas volumétricas dominantes são as horizontais [...]
Contrapondo-se à arquitetura do barroco, que buscava a confusão e diversidade
e propendia aos efeitos expansivos e centrífugos, a neoclássica caracterizou-se
por uma tendência à coesão. [...] O neoclassicismo se propôs a recuperação da
nitidez do contorno, tanto na pintura e na escultura, como na criação de volumes
arquitetônicos: nas elevações, nas plantas e nas seções [...]. Nas plantas,
revalorizam-se as formas quadradas, retangular ou centralizada; as plantas
irregulares desaparecem, marginalizam-se as soluções arredondadas e
retornam os módulos compositivos [...]. Aspira alcançar, por meio da nobre
simplicidade, a estabilidade, a solidez e a consistência de volumes.
(MIRABENTE, 1991, p. 17-19).
Mais adiante, no capítulo VI dessa dissertação, poder-se-ão constatar alguns
destes aspectos impressos na ideologia estilística de Christiano Stockler das Neves.
O arquiteto Grandjean de Montigny, fundador da Escola de Belas Artes do Rio de
Janeiro, foi o responsável pela introdução do estilo neoclássico no Brasil. Trata-se de um
marco na história da arquitetura nacional. A partir desse momento, as influências
européias nas construções e na formação dos núcleos urbanos passa a ser mais incisiva.
Primeiramente no Rio de Janeiro, onde o neoclassicismo foi mais pleno, depois em outras
cidades, como São Paulo, onde este estilo passa a ser uma referência como ponto de
partida, para logo em seguida se ajustar aos anseios das classes emergentes, derivando
em aspectos extremamente particulares desta província em transformação. Nesse
sentido, a cidade de São Paulo foi um grande exemplo,
um ecletismo
tipicamente paulistano. Assim, o século XIX paulistano encontrou a sua própria forma
arquitetônica:
O Ecletismo era cultura arquitetônica própria de uma classe burguesa que dava
primazia ao conforto, amava o progresso (especialmente quando melhorava sua
condição de vida), amava as novidades, mas rebaixava a produção artística e
arquitetônica ao nível da moda e do gosto. (PATETTA, 1987, p. 13).
Dessa herança arquitetônica da qual faz parte Christiano Stockler das Neves,
materializada no edifício projetado e construído para o Museu de Zoologia, surge uma
de assimilação entre a tradição
regional e esse estilo europeu, emergindo dessa conjunção antropofágica
57
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
tensão entre o progresso técnico-científico e a expansão da engenharia, quando o
arquiteto não conseguia mais se opor às certezas do cálculo da ciência das construções e
às conquistas alcançadas pela técnica das instalações industriais.
Nesse contexto, a grande transformação na arquitetura paulista ocorreu a partir da
segunda metade do século XIX, tendo como fatores decisivos a decadência do trabalho
escravo e o início da imigração européia. Disso resultou o início do trabalho remunerado e
o desenvolvimento de novas técnicas construtivas. É nesse panorama que se deu a
construção do Museu Paulista, quando a revolução industrial passou do âmbito
econômico para o artístico, mais precisamente, o da arquitetura.
Em 1823, logo após a Proclamação da Independência, com a proposta de criação
de um monumento, teve início uma série de desdobramentos históricos, conseqüentes de
21
uma vontade política de tornar o Brasil uma nação independente do Império Português .
Além das estratégias políticas, tornou-se fundamental a construção de um marco
22
simbólico para a fundação da nação . Para a consolidação da independência era
necessária a construção de um referencial mnemônico, carregado do simbolismo inerente
a todo monumento (LE GOFF, 1992), afastando o perigo do retorno da era colonial e
estruturando o caminho para a completa separação do Brasil de Portugal. A influência
potica na delimitão dos marcos históricos, dos museus e, consequentemente, dos planos
urbanísticos da cidade torna-se evidente nesse processo. É assim que se inicia o processo
de construção do mais importante marco e da região hisrica para a nação brasileira,
58
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
21
Coincidentemente ou não, no mesmo ano em que se iniciaram as discussões sobre a construção do
monumento à independência, iniciou-se, também, o sonho arquissecular do patriarca José Bonifácio, que
propunha a transferência da capital para Goiás nos idos 1823 (COSTA, 2005). Neste mesmo ano, o mesmo
patriarca foi quem propôs inicialmente a construção de um edifício-monumento em São Paulo, local também
cogitado por ele para ser, como Goiás, a Capital do Império (ELIAS, 1996).
22
A respeito da importância da construção de símbolos para marcos políticos ver CARVALHO, 1990.
[...] contando com o beneplácito do Imperador, as autoridades locais, a dois de
setembro de 1825, além de colocarem um marco que assinalava, conforme
'testemunhas de cena', o local preciso da proclamação, delimitaram o terreno
mais propício para a inauguração da obra prevista. (OLIVEIRA, 1997, p. 215).
A história da idealização deste monumento estendeu-se por meio século, marcada
por disputas políticas e discussões acerca das suas características arquitetônicas. Ao
mesmo tempo em que o edifício do Museu Paulista começou a ser construído, em 1890,
então monumento da independência, novas técnicas construtivas estavam sendo
desenvolvidas no contexto internacional, resultantes de uma Revolução Industrial em seu
período de expansão.
O caráter de monumentalidade, típico do neoclassicismo, teve influência, de uma
forma ou de outra, em vários dos edifícios que pontuam a Avenida Nazaré, pertencente ao
Eixo Monumental do Ipiranga. Mesmo o Museu de Zoologia, que possui fachadas
austeras e um hall central composto por uma escadaria e um conjunto de arcos plenos,
assemelha-se com a proposta do engenheiro Tommaso Gaudenzio Bezzi para o Museu
Paulista. Aliás, não só o Museu de Zoologia, todo o conjunto urbanístico do Eixo
Monumental do Ipiranga está sob a influência da obra de Bezzi. Essa influência ocorre por
dois aspectos: primeiro pela inovação tecnológica e segundo pela sua monumentalidade.
A influência arquitetônica do Museu Paulista na formação urbanística dessa região foi
muito significativa. É possível afirmar que essa obra também compõe, principalmente sob
o aspecto formal, o programa arquitetônico de Christiano Stockler das Neves para o
Museu de Zoologia.
Por ser construído no arrabalde do Ipiranga (foto 11), à margem da estrada que
ligava São Paulo a Santos, o edifício-monumento interferiu brutalmente no
desenvolvimento urbano local, desempenhando uma frenética especulação imobiliária na
59
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
região, muito bem detalhada por Elias:
A construção do edifício-monumento possibilita uma discussão sobre a questão
urbana muito interessante, da expansão urbana da Cidade de São Paulo: O
Ipiranga era, em 1885, um arrabalde deserto, à beira de um caminho abandonado
que levava a Santos, desativado desde meados do século XIX. Porém, ao final do
século, São Paulo conhece a explosão demográfica e concomitante explosão da
malha urbana. Em plena 'moda' de higienização, do sanitarismo, essa explosão
privilegia, na 'bélle-époque', os lugares altos, ventilados, secos, considerados
mais salubres. Em São Paulo, cidade interiorana, cercada por incrível quantidade
de vales, baixadas, rios, riachos e ribeirões, os 'fundo de vale', compostos de
várzeas inundáveis, constituiam a antítese das condições ideais de salubridade
defendidas na época. Em um período de explosão demográfica é natural que os
terrenos altos valorizassem e fossem objeto de especulação imobiliária. Um
marco desse processo é, sem dúvida, a avenida Paulista, inaugurada em 1891. A
região do Ipiranga era, ela também, uma região alta, cercada pelos vales dos rios
Ipiranga e Tamanduateí, elevando-se em direção a serra do Mar. A imprensa trata
diversas vezes da salubridade do Ipiranga, ao mesmo tempo que reivindica a
abertura de vias de acesso ao bairro, visando explicitamente o loteamento do
mesmo. O monumento figura como impulsionador desta ocupação, pois exige,
por suas proporções e beleza, a urbanização do seu entorno e a construção de
uma grande avenida que o ligasse à cidade [...]. A ocupação útil do monumento
do Ipiranga vai ser considerada condição essencial para a urbanização do bairro;
e, dessa forma, será insistentemente pedida pela imprensa pós- 1890 [...] mais
interessante será o conflito de terras envolvendo o monumento do Ipiranga e José
Vicente de Azevedo, loteador de terrenos do Ipiranga, alegando filantropia [...].
Tudo indica que o monumento do Ipiranga foi enredado pelo movimento
especulativo do final do século XIX: o bairro do Ipiranga foi invadido por grandes
construções, como orfanatos, colégios, conventos, igrejas e tentou-se, por algum
tempo, vendê-lo como região de elite. Sabemos que estes esforços foram em
vão, e logo o Ipiranga seria tomado por indústrias. (ELIAS, 1996, p. 123-124).
60
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
foto 11 - Margens do Ipiranga, tendo ao fundo o Museu Paulista.
autor: desconhecido
data: início do século XX
fonte: Fundo Museu Paulista / MPUSP
A construção do Museu Paulista também deve ser vista sob o ponto de vista
histórico-econômico. No decorrer da segunda metade do século XIX, uma conjugação de
fatores transformou São Paulo no centro econômico do Brasil: a cafeicultura, a mão-de-
obra especializada imigrante, o comércio, as ferrovias mudavam radicalmente a feição e o
papel desta província. Um dos ícones dessa mudança foi a Hospedaria do Imigrante, [...]
construída em São Paulo, na várzea do Tamaduateí, pelo Visconde de Parnaíba, em 1888.
Pelas suas vastas construções, pelo pequeno comércio e as pensões modestas abertas
nas ruas vizinhas, marcou um progresso da cidade no espaço [...]. (SINGER, 1968, p. 37).
Christiano Stockler das Neves foi um típico arquiteto atuante dentro do progresso
econômico paulista, projetando e construindo algumas estações da estrada de ferro, que
expandia suas ações além da fronteira do Estado de São Paulo (fotos 12 e 13).
61
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
foto 12 - expansão da ferrovia e da economia de São Paulo - início da década de 1940.
reprodução: Mauricio Candido da Silva
data: abril de 2006
fonte: setor de obras raras da biblioteca da FAUUSP
62
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
foto 13 - expansão da ferrovia e da economia de São Paulo - início da década de 1940.
reprodução: Mauricio Candido da Silva
data: abril de 2006
fonte: setor de obras raras da biblioteca da FAUUSP
A economia próspera de São Paulo trouxe mudanças substanciais na urbanização
da cidade. O edifício-monumento é considerado um marco, grandioso símbolo dessa
prosperidade paulistana, representando as transformações tanto nos aspectos estilísticos
quanto no plano urbano:
A ruptura com a tradição local, ocorrida em 1878 com o ‘Grand Hotel’ do alemão
Puttkamer, se firmou com a construção do monumento comemorativo da
Independência, vasta construção com arcadas e ordem coríntia, sem
originalidade nem poesia, mas de proporções corretas. Inaugurou a era italiana
em São Paulo. (BRUAND, 2002, p. 38).
Em São Paulo, o ecletismo teve um caráter bem particular, um toque italiano,
perceptível principalmente depois de 1900, em oposição ao predomínio arquitetônico
francês que ocorria, então, no Rio de Janeiro:
Desde os anos finais do século XVIII até 1850, São Paulo praticamente não
conheceu nenhuma novidade arquitetônica. Tão perto do Rio de Janeiro,
praticamente não conheceu o Neoclássico trazido pela Missão Francesa.
(LEMOS, 1987, p. 72).
A (r)evolução arquitetônica acompanhou o franco desempenho da economia
paulistana. Era necessário (re)começar uma nova cidade, assimilando os valores culturais
externos e os associando aos anseios de uma burguesia emergente. Uma grande ansiedade
em substituir as construções antigas por novas invadiu corações e mentes dos paulistanos,
que vislumbravam as derivações materiais e de bem estar que o poder dos cafezais lhes
possibilitariam. Assim, em São Paulo, o ecletismo nasceu da necessidade de a classe dia
de ver-se livre da pecha de caipira, procurando criar uma identidade nova e particular:
Ecletismo, sinônimo de progresso e linguagem do poder econômico - era o
capitalismo inaugurado com o café que chegava a cidade, por meio do Porto de
Santos e pelas estradas de ferro, sendo a primeira inaugurada em 1867 [...]. Com
as mudanças, a taipa velha foi definitivamente substituída pelo tijolo. São Paulo foi
reconstruída de alvenaria. Em 1875, no comecinho da euforia remodeladora, a
cidade tinha menos de três mil prédios. Em 1886, ano em que Ramos de Azevedo
iniciou seus trabalhos na Capital, os prédios passavam de sete mil. Em 1900 a
capital do café abriu o século com vinte e um mil prédios construídos no
perímetros urbano. Em 1910 as construções chegaram a trinta e duas mil.
(LEMOS, 1987, p. 72-73).
Projetado e construído pelo engenheiro italiano Tommaso Gaudenzio Bezzi, o
edifício do Museu Paulista foi finalizado no final do século XIX. Concluído em 1890, após
cinco anos de construção, este edifício passou a ser um marco arquitetônico na vida da
cidade. Foi erigido como construção neoclássica na primeira intenção, no partido
arquitetônico, mas comprometida pela ornamentação renascentista. Sendo monumento
à Independência do Brasil, o Museu Paulista foi erguido em uma colina, às margens do
riacho do Ipiranga. A concepção do edifício é composta por uma planta essencialmente
retangular, com 123 metros de comprimento e 18 metros de largura (foto 14). Os principais
elementos estruturais do prédio são constituídos por grossas paredes de alvenaria, com
cerca de dois metros de largura. Cabe mencionar não a grandiosidade do edifício,
, “[...] um palácio
neo-renascentista, implantado a quilômetros do núcleo urbano. Por certo uma imagem
insólita nas colinas do Ipiranga, já beirando a exuberante Mata Atlântica que se formava
como também o momento em que foi construído e local da construção
63
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
64
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
em dirão ao litoral. (LIMA, 1997, p. 172).
Pela sua imponência e importância histórica, este edifício possui valores
agregados, pensado monumento, transformado em Museu, a construção de Tommaso
Gaudenzio Bezzi é, sem dúvida, um palácio (WITTER, 1997) (foto 14).
A construção do Museu Paulista é entendida aqui como sendo resultado, mesmo
indireto, do rompimento da herança colonial (tradicional),
. Soma-se a esse aspecto a riqueza advinda
do café, que trouxe um fenômeno de urbanização intensa, dando um impulso sem
precedentes à atividade imobiliária, que rapidamente se tornou uma das mais prósperas
do país (BRUAND, 2002).
Como primeiro diretor, Hermann von Ihering inaugurou o Museu Paulista em 7 de
setembro de 1885. Desenvolveu seus trabalhos consolidando uma instituição com perfil
rompimento que se inicia com o
fluxo de imigrantes europeus para São Paulo
foto 14 - Museu Paulista.
autor: desconhecido
data: início do século XX
fonte: Fundo Museu Paulista / MPUSP
65
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
de História Natural por 22 anos. Afonso D'Escragnolle de Taunay assumiu a direção deste
Museu em 1917. A reformulação da missão do Museu Paulista se iniciou com a
promulgação da Lei 1.911, de 29 de dezembro de 1922 - que criou as Secções de
História e Etnografia e a Secção de Botânica e a Secção de Zoologia. Em julho de 1925 foi
publicado o Decreto 3.871, adicionando a Secção de Zoologia às outras duas
existentes e em dezembro de 1927, a recém criada Secção de Botânica, deixou de existir.
Em 1939 a Secção de Zoologia foi transformada em Departamento de Zoologia da
Secretaria de Agricultura. A partir desse momento, o Museu Paulista concretiza o seu
plano de um Museu Especializado na História Nacional, com ênfase para a História de São
Paulo.
O Museu de Zoologia, resultante desse processo administrativo deveria
desempenhar uma função oficial de aplicação, atuando na contínua busca de
conhecimento sobre a fauna neotropical, colaborando também na identificação dos
problemas que afetavam às culturas agrícolas e pecuárias. Isso ocorreu devido ao vínculo
com a Secretaria de Agricultura, Indústria e Comércio do Estado de São Paulo, que era
uma secretaria forte e influente na política local e na economia nacional. No entanto, as
relações do Museu de Zoologia com essa secretaria antecedem em muito a publicação do
Decreto 9.918, de 11 de janeiro de 1939. Em 1904, por exemplo, [...] o Museu ocupa
uma posição relevante junto a esta secretaria, assessorando-a nos problemas relativos ao
desenvolvimento agrícola. Ihering responde a várias solicitações.(ELIAS, 1996, p. 174).
Ou seja, essas transformações administrativas, resultantes da reformulação da missão do
Museu Paulista, revelam que Afonso D'Escragnolle de Taunay, primeiramente com a
Secção e depois com o Museu de Zoologia, projetou e implantou um novo modelo
institucional para o Museu Paulista, no qual o perfil de um Museu de História Natural, como
o proposto por Hermann von Ihering, não fazia mais parte dos anseios dessa “nova
66
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
Instituição”. Era o Museu de História que buscava a sua identidade, muito mais do que o
Museu de História Natural, que já havia consolidado a sua praxis museológica, desde o
início de suas atividades, com o seu primeiro diretor, a partir de 1894.
É nesse momento de redefinições e mudanças em que as históricas coleções
científicas, ligadas a Musealização da Zoologia, encontravam-se, quando, em 1939,
23
Christiano Stockler das Neves foi contratado pela Secretaria de Agricultura de São Paulo
para projetar o edifício que deveria abrigar as coleções que integraram o Museu Paulista, e
que, naquele momento, passariam a compor o Museu de Zoologia. Dai em diante, essas
coleções teriam a sua própria trajetória, especializadas no campo da zoologia. Este é um
dos traços que mais fortemente moldaram a história do Museu de Zoologia. A instalação
no novo edifício, aqui adotado como Musealização da Zoologia, a sua forte
especialização nos campos da sistemática e taxonomia o tornaram referência
internacional nessas áreas. Assim, o Museu de Zoologia não inaugurou uma nova era na
história da arquitetura nem da museologia. Também não estava na contramão da história.
Ele é um vetor da museologia e da ciência, que, entre os séculos XVII e XX envolveu o
surgimento, proliferação, especialização e diversificação dos Museus Modernos,
organizados cientificamente.
Nessa perspectiva histórica é que se insere o projeto que deveria abrigar um
conjunto de coleções que a cada dia se tornavam mais especializadas. Essa perspectiva
gerou um programa arquitetônico bastante direcionado, no qual o arquiteto soube muito
bem explorar o seu horizonte profissional, adquirido ao longo dos seus quase trinta anos
de experiência ao assumir este projeto, buscando com sensibilidade e precisão um
23
O engenheiro responsável pela inspeção e vistoria do final da obra do Museu de Zoologia criticou a
contratação do arquiteto, pois, segundo ele, ela deveria ter ocorrido pelo Departamento de Obras, órgão
responsável pelas construções na Cidade. (Relatório da vistoria realizada por engenheiros da Diretoria de
Obras Públicas, em 13 de março de 1943).
partido arquitetônico que expandia as possibilidades de uso das coleções zoológicas em
uma única edificação. Um caso a parte entre as instituições de pesquisa em crescimento
24
em todo o solo paulista daquele período , aqui foi projetado e construído um edifício com
uma função claramente definida, um espaço dedicado a Musealização da Zoologia (foto
15). Durante seus sessenta e cinco anos de uso, o Museu de Zoologia manteve o mesmo
programa museológico, qual seja: coleta, salvaguarda, pesquisa e comunicação das
referências patrimoniais da zoologia neotropical.
Do mesmo modo que o Museu de Zoologia está situado em um longo processo
foto 15 - Museu de Zoologia, logo após o início de suas atividades museológicas.
autor: desconhecido
data: início da década 1940
fonte: banco de imagens do jornal Folha de São Paulo
67
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
24
Diferentemente do Instituto Biológico (projetado pelo arquiteto Mário Whately e construído no período de
1928 a 1945), do Instituto de Botânica (desvinculado do Museu Paulista em 1927) e do Instituto Butantan
(reconhecido como instituição autônoma em fevereiro de 1901), o projeto arquitetônico do atual Museu de
Zoologia contemplou um programa baseado na coleta, salvaguarda, pesquisa e comunicação das
referências zoológicas em um único edifício, estruturado nos modelos consagrados na Europa e nos
Estados Unidos.
68
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
histórico-museológico, pertencendo a uma tradição secular, o seu edifício pertence a um
contexto histórico da arquitetura. Ele está inscrito num avanço paulatino dentro da
evolução geral dos museus, que se iniciou com o surgimento dos Museus Modernos,
organizados de forma científica, na forma de receptáculos do colecionismo: Evolução da
idéia primitiva e, ao mesmo tempo, moderna de museu, ou seja, o museu que começa
como armário ou caixa, como gabinete de colecionador ou câmara das maravilhas, como
recinto ou continente básico. (MONTANER, 2003, p. 28).
Os novos modelos arquitetônicos de Museus passaram a buscar o cumprimento
de programas museológicos que se associam às organizações científicas destas
instituições. Com o passar dos séculos, do fim do século XVII até o início do XX, os museus
consolidaram os seus programas museológicos e expandiram suas formas para todas as
partes do planeta, numa tendência de especialização, tal qual o rumo tomado pelas
ciências. O Museu de Zoologia é uma síntese dessa história, ou melhor, um vetor pelo qual
se pode enxergar este processo histórico. Um Museu Especializado, organizado
cientificamente, derivado de um Museu Enciclopédico, tal qual os Museus de História
Natural. No edifício projetado e construído para abrigar o Museu de Zoologia estão
inscritas essas histórias da museologia, tanto quanto um resumo da história da arquitetura
paulista, do urbanismo do bairro do Ipiranga e da economia regional. Enfim, de tantas
histórias possíveis de serem contadas por um edifício, um documento iconográfico.
Por outro lado, o projeto arquitetônico de Christiano Stockler das Neves se
assemelha a ', no qual cada sala, cada espaço tem a sua função, a de
guardar cada uma das coleções nos andares superiores para serem pesquisadas nos
gabinetes contíguos e expostas no principal pavimento do edifício: “O ritual de acesso ao
museu comporta a rememoração da experiência primordial e do significado inicial: uma
caixa que é franqueada para que, sob um olhar atento, se revelando um saber
Wunderkammer
69
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
escondido até aquele momento.” (MONTANER, 2003, p. 28).
Definitivamente, o Museu de Zoologia nunca deixou de ser um Museu. Na verdade,
nunca foi tão Museu quanto durante a construção da sua atual sede, seja pela ininterrupta
praxis museológica, ou mesmo pela plena contemplação do programa museológico no
espaço planejado e construído por Christiano Stockler das Neves. Os esforços dos
pesquisadores em assegurar o Museu, na sua contínua missão, foram imensos. Graças a
eles, o Museu de Zoologia manteve-se fiel a essa praxis museológica, inaugurada por
Hermann von Ihering e pelos cientistas que colaboraram para a formação das coleções
científicas que ainda hoje são referências nas pesquisas zoológicas, constituindo-se em
verdadeiro patrimônio material. A arquitetura simboliza essas tensões históricas. Por isso
ela possui um caráter documental, testemunho material entre ser um Museu e não receber
essa distinção. A arquitetura permanece. Isso se registra na busca do arquiteto da justa
medida entre cheios e vazios, na fixação de volumes, no uso dos materiais e no seu valor
expressivo, em obediência severa aos preceitos técnicos e funcionais, à escolha,
coordenação e orientação de uma idéia inicial, que tem como objetivo a forma plástica de
um programa de necessidades, transmitindo conjunto, ritmo, expressão, unidade e
clareza. A arquitetura permanece porque o Museu de Zoologia é possuidor de programas
arquitetônico e museológico condizentes com o edifício que o abriga. Sob os olhos da
história da arquitetura, o Museu de Zoologia é ao mesmo tempo um Museu Histórico, um
Museu da Arquitetura e um Museu de História Natural, todos resultantes de uma
arquitetura que permanece.
70
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
3.7 quadro cronológico
Com o objetivo de criar algumas balizas para a inserção do projeto de Christiano
Stockler das Neves na história dos Museus de Ciências, foi organizado um quadro
cronológico que destaca alguns pontos de interesse para essa dissertação. Sua função é
menos analítica e mais de apresentação de alguns parâmetros históricos da arquitetura e
25
da museologia .
25
Trata-se de um breve resumo. Para informações mais completas sobre formação de coleções científicas
na Europa vide LOURENÇO, 2005; no Brasil vide LOPES, 1993 e relatórios constantes na Revista do Museu
Paulista. Para a história do Museu Paulista vide ELIAS, 1992.
1659
1675
1735
1759
1808
1810
1818
1793
1753
1683
data
acontecimento
Coleção Tradescant é repassada à Elias Ashmole.
Elias Ashmole doa suas coleções à Universidade de Oxford.
Ashmolean Museum, em Oxford, abre sua exposição permanente para o
público.
O parlamento inglês adquire as coleções e a biblioteca do médico da
família real, Hans Sloane (1660 - 1753), e propõe suas coleções e
biblioteca à nação. Uma das maiores coleções que a Europa viu, base
do Museu Britânico e do Museu de História Natural da Inglaterra. O Museu
Britânico é oficialmente fundado.
Fundação do Museu de História Natural de Paris, com a transformação do
‘Jardin du Roi' ou 'Jardin des Plantes', criado em 1625.
Museu do Louvre é aberto à visitação pública.
Carolus Linnaeus (Lineu) publica 'Systema Naturae'.
Abertura para visitação pública do Museu Britânico.
Inauguração da Biblioteca Real (RJ).
71
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
1819
1823
1826
1838
1844
1850
1858
1863
1866
1869
1871
1874
1876
1877
1880
1881
1880 -
83
data
acontecimento
D. João VI fundou a Academia de Belas Artes no Rio de Janeiro.
Fundação do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro.
Nasce Tommaso Gaudenzio Bezzi (Turim).
Fundação do American Museum of Natural History, Nova Iorque.
Hermann von Ihering chega ao Brasil.
Fundação da Smithsonian Institution, Washington D.C.
25 de setembro: inauguração do Museu Paranaense, cujos objetivos eram
"[...] introduzir, aclimatar, domesticar, propagar e melhorar espécies, raça
ou variedades de animais e vegetais em toda a província do Paraná."
(LOPES, 1997: 209).
72
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
1883
1885
1886
1889
1890
1891
1892
data
acontecimento
73
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
1893
1894
1895
1896
1898
1901
1902
1903
1905
1906
1908
1909
data
acontecimento
11 de março: nesce Olivério Mário de Oliveira Pinto.
Reconhecimento do Instituto Butantan como instituição autônoma.
1911
I
74
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
1912
1913
1915
1916
1917
1918
1919
1921
1918 -
19
data
acontecimento
75
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
1922
1924
1925
1927
1929
1930
1931
1923 -
25
data
acontecimento
(ELIAS, 1996).
-
76
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
1934
1937
1938
1939
1940
1941
1942
1944
1946
data
acontecimento
Morre Samuel das Neves.
77
uma análise museológica a partir da história da arquitetura
1947
1956
1958
1963
1969
1981
1982
data
acontecimento
Morre Olivério Mário de Oliveira Pinto.
Morre o arquiteto Christiano Stockler das Neves.
Hermann von
Ihering e Afonso
D'Escragnolle de
Taunay: pilares do
Museu de Zoologia
Hermann von
Ihering e Afonso
D'Escragnolle de
Taunay: pilares do
Museu de Zoologia
79
4.1 museus e coleções científicas
O estudo da origem ou gênese de
qualquer fenômeno não é o foco da análise
histórica, principalmente quando a ele está
associado ao caráter de verídico (SCHAFF,
1991). Por outro lado, o processo de
transformação, a dinâmica, ou melhor, a
dialética formada por uma conjunção de fatores contrários é que impulsionam e
transformam a história. É o caso das coleções científicas, associadas à própria evolução
da História da Ciência que, sem dúvida alguma, passa pela história dos Museus. O ponto
de partida para compreender o longo trajeto histórico do Museu de Zoologia é o século
XVII, quando são formadas as coleções Tradescant, que deram origem ao Ashmolean
Museum. Naquele momento ocorreu o marco na constituição do que aqui é definido como
Musealização da Natureza, tradição essa responsável pela formação e organização dos
Museus Modernos, organizados cientificamente. Colecionismo, Ciência e Museu são os
termos centrais desse enunciado.
Uma forma em particular oferece indícios das bases em que se assentaram os
aspectos científicos dos Museus Modernos. Trata-se do 'studiollo', local constituído para
avaliar e avalizar a cientificidade das coleções, como atesta Philip Blom,
Durante a Idade Média, príncipes da Igreja e governantes seculares acumularam
tesouros de relíquias, vasos de luxo, jóias e objetos como chifres de unicórnio
(narval) ou outras criaturas lendárias. Desses tesouros, surgiu uma forma mais
privada de apreciação, o studiollo, um estúdio especialmente construído para
abrigar objetos antigos, pedras preciosas e esculturas, popular na Itália entre
homens de recursos e conhecimentos, a partir do século XIV. Olivero Forza, em
Treviso, foi dono do primeiro studiolo de que registro, em 1335. (BLOM,
2003, p. 33).
4. Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay:
pilares do Museu de Zoologia
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
80
Essa informação indica o crescimento acentuado das coleções, paralelamente ao
crescimento das universidades. A partir da década de 1550 uma rede de coleções
especializadas estendeu-se pela Europa, como registrou o colecionador holandês Hubert
Goltzius. Esses estudiosos correspondiam-se regularmente e formulavam métodos sobre
o objetivo e a ordem de suas coleções em livros eruditos:
Entre 1556 e 1560, o colecionador holandês Hubert Goltzius relacionou 968
coleções que ele conheceu nos Países Baixos, Alemanha, Áustria, Suíça, França
e Itália; e um século depois outro colecionador, Pierre Borel, orgulhava-se de ter
visto 63 coleções. a República Veneziana tinha mais de setenta coleções
notáveis dentro de suas fronteiras. (BLOM, 2003, p. 36).
O desenvolvimento dessas coleções de cunho científico está associado a Era
Moderna de nossa história, que tem como marco, dentre vários aspectos, a queda de
Constantinopla, o período das grandes navegações e o descobrimento das Américas no
fim do século XV. A Idade Moderna pode ser caracterizada pelo humanismo, pelo
fortalecimento do comércio e pelas descobertas marítimas de novos continentes. Enfim,
uma nova ordem política, econômica e cultural desenhou uma nova mentalidade (ARIES,
1989). No campo cultural, Jean Baudrillard aponta transformações vinculadas a própria
noção de Museu, “[...] na modernidade ocorreu o fim da ordem natural, a idéia de um
mundo não mais dado, mas produzido: dominado, manipulado, inventariado e
controlado, enfim, adquirido.(BAUDRILLARD, 1973, p. 34).
Numa linha de pensamento não muito distinta, Giulio Carlo Argan apresenta uma
análise referente a essa transformação de mentalidade, que também trouxe reflexos na
constituição dos Museus,
[...] momento histórico em que o homem marca a sua distinção dentre os
organismos vivos, separa-se assim da existência biológica. Os antropólogos
explicam que o homem não se adapta ao ambiente mas adapta o ambiente a si;
por isso a sua existência na terra não deixa marcas casuais, mas signos que têm
valor de mensagem e com os quais podemos começar a reconstruir a história.”
(ARGAN, 2001, p. 16).
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
81
Nesse panorama histórico, as coleções naturais se expandiram significativamente.
Devido às suas características de pesquisa e ensino, aplicadas aos estudos de
sistemática e taxonomia, as coleções zoológicas sempre contaram com coleções
avultadas. O Museu de Zoologia, logo após a sua transferência para o edifício projetado
26
por Christiano Stockler das Neves, possuía cerca de duzentos mil exemplares ,
,
atualmente conta com mais de 7.000.000 (www.mz.usp.br 22 de junho de 2006). De certo
modo, isso é um indício da própria organização dos Museus de História Natural.
Essa prática acumulativa de grandes coleções, antecede o surgimento dos
Museus Modernos. Assim como os 'studiollos' simbolizam a comprovação da
cientificidade das coleções, os gabinetes de curiosidades consolidaram as práticas de
coleta e de estudo, de salvaguarda e de intercâmbio. No entanto, o acesso era restrito a
nobreza, pesquisadores e colecionadores. A variedade de objetos coletados já no
começo do século XVII é impressionante. É interessante notar que os navios, capitães e
marinheiros tornam-se importantes meios de aquisição de mercadorias dos
colecionadores:
[...] de armas, porcelanas e caligrafia japonesas, os artigos registrados em
armários holandeses tinham origem em entrepostos de um mundo mercantil que
incluía China, Índia, Indonésia, Austrália, regiões africanas diversas [...], as ilhas
Malaca, o Caribe, as Américas do Norte e do Sul, Egito, Oriente Médio e até
mesmo Groelândia e Sibéria. Esta abundância de coisas exóticas, e o jeito de
transportá-las, geralmente a cargo de marinheiros indiferentes às complexidades
da preservação, tiveram curiosos efeitos colaterais, como o longo debate sobre
se as aves do paraíso tinham ou não pernas (inspirando a bela e trágica lenda de
que eram condenadas a voar até morrer pensava-se que os colibris enfiavam o
bico nas árvores, onde ficavam pendurados para descansar), porque a grande
maioria dos espécimes que chegavam à Europa tinham apenas corpo, em geral
faltando a cauda e a cabeça. Conchas e moedas, por serem fáceis de preservar e
guardar, eram mais procuradas. (BLOM, 2003, p. 41).
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
26
Pouco antes da criação do Museu de Zoologia, Taunay fez a seguinte consideração: As coleções
zoológicas do Museu são talvez as maiores da América do Sul e referem-se à fauna neotropical
exclusivamente. Consta o seu acervo de cerca de 16.000 aves, 4.000 mamíferos, 3.000 peixes, 2.000
ophidios e outros répteis, 120.000 insetos, 17.000 moluscos, etc etc, material perfeitamente conservado e
distribuído pelas duas seções de vertebrados e invertebrados, a cargo de cinco naturalistas e dois
taxidermistas.” (TAUNAY, 1937, p.119).
82
Esse intercâmbio foi, aos poucos, se sofisticando, para chegar a uma forma mais
aperfeiçoada de permutas, fundamentais para o desenvolvimento das Ciências Naturais
até os dias de hoje.
Além dos 'studiollos' e dos gabinetes de curiosidades temos também a 'câmara das
maravilhas' como precursores dos Museus Modernos de Ciências Naturais. A 'câmara de
milagres' (Wunderkammer) representa a idéia unificadora e de uma esncia no centro de
tudo, surgindo logo em seguida a 'câmara de artifício' (Kunstkammer), como colão de
curiosidades naturais. Armários pequenos, às vezes ricamente decorados, com portas,
gavetas e inúmeros compartimentos, nos quais se guardava e se mostrava um pouco de
tudo:
O século XVI, um dos mais famosos armários da época foi encomendando pelo
mercador e colecionador Filipe Hainhofer [...]. Os objetos eram dispostos nas
gavetas como intricadas alegorias representando os mundos animal, vegetal e
mineral, os quatro continentes, e a amplitude das atividades humanas; e a frente
era enfeitada com centenas de pinturas em miniatura, ilustrando o triunfo da arte
e da ciência sobre a natureza, e a primazia da religião sobre tudo o mais.
(BLOM, 2003, p. 50).
O descobrimento de novas terras e as múltiplas expedições realizadas a partir do
século XVI levaram ao velho continente uma diversidade de formas naturais nunca vistas.
27
Coletar, reunir, organizar e mostrar representantes fidedignos desse mundo novo, até
então desconhecido pela eminente ciência, passou a ser uma etapa fundamental na
história das coleções científicas. Nesse sentido, essas coleções passaram a adquirir uma
maior importância histórica a partir do século XVII. Juntamente com a formação dessas
coleções, desenvolveram-se técnicas de preservação, observação analítica, ilustrações
(fotos 16, 17 e 18) e expedições científicas. Um conjunto de atividades presentes no
cotidiano dos museus com coleções naturais ainda nos dias de hoje.
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
27
Fidedignidade, documentalidade e fidelidade são aspectos intrínsecos ao documento museológico, que,
por essência, pertence a uma coleção. Nem tudo é coletado, reunido, organizado e mostrado, mas apenas
as referências patrimoniais (RUSSIO, 1983).
83
Nesse momento, os objetivos da História Natural estavam se solidificando nos
museus, quais sejam: a seleção, a classificação e a ordenação do mundo natural. Reunir
coleções para estudá-las e divulgá-las. Requisito necessário para isso, a sua salvaguarda
passou a configurar-se como a essência dos Museus organizados cientificamente. Para
ilustrar esse momento de passagem para os Museus Modernos, torna-se interessante
lembrar Sir Hans Sloane (1660 - 1753), que organizou uma das maiores coleções da
Europa, base do Museu Britânico e do Museu de História Natural da Inglaterra. Em suas
viagens de coleta pelas índias, comenta sobre os perigos que suas coleções corriam, seja
por causa dos ex-escravos rebeldes, ou pelo clima (excesso de calor e chuva): “Tentei
preservar as peles e penas de beija-flores, e fui obrigado, para protegê-las de formigas, a
pendurá-las na ponta da corda de uma roldana presa ao teto, e ainda assim elas deram
um jeito de chegar ao teto e destruí-las. (BLOM, 2003, p. 98). Hans Sloane foi,
provavelmente, o último dos 'colecionadores universais', um homem que se ergueu no
vértice da velha tradição de gabinetes de curiosidades e da nova maneira de colecionar
cientificamente com base em classificação metódica.
Nessa época os estudiosos se reuniam para discutir e compartilhar suas
pesquisas, conduzindo de forma metódica a abordagem do mundo material, com formas
mais especializadas de colecionar, classificar racionalmente e descrever completamente
a natureza. Foi no Iluminismo, com o fortalecimento das academias, que as Ciências
Naturais consolidaram sua base de conhecimento e sua metodologia de pesquisa nos
Museus. Conhecer o universo e mensurá-lo parecia possível, como sugere o
28
enciclopedista e filósofo francês Denis Diderot (1713-1784) , em suas 'Reflexões sobre a
interpretação da natureza'. É nesse período que entra em cena Carl von Linné também,
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
28
Em colaboração com o matemático Jean le Rond d'Alembert, dirigiu e foi redator do projeto de 35 volumes
do 'Dicionário lógico das ciências, artes e dos ofícios', mais conhecida como a 'Enciclopédia', um dos
símbolos do Iluminismo.
conhecido como Lineu, naturalista sueco, fundador da história natural moderna, que, com
sua classificação de plantas, mudou a face da pesquisa científica da natureza,
influenciando até hoje a organização, a pesquisa e a exibição de coleções de história
natural. Enquanto os gabinetes de curiosidades dos séculos XVI ao XVIII, formados no
bojo do fluxo de exemplares naturais do novo mundo para a Europa, coletaram todas as
referências materiais de estranhamento da natureza, o Iluminismo, caracterizado pelo
racionalismo e cientificismo objetivou a ordenação das coisas e a sua aplicação dentro de
um grande sistema. Enfim, “[...] o estabelecimento de uma ordem científica sobre todas as
coisas.” (TAVARES, 1999, p. 46). Nesse contexto, cabe destacar que Lineu desprezou a
obra de Hans Sloane.
84
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
foto 16 - Ilustração científica da zoologia - autoria desconhecida.
reprodução: Rodolfo de Oliveira Leão
data: início do século XIX
fonte: acervo de obras raras da biblioteca do MZUSP
foto 17 - Ilustração científica da zoologia - autoria desconhecida.
reprodução: Rodolfo de Oliveira Leão
data: início do século XIX
fonte: acervo de obras raras da biblioteca do MZUSP
85
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
foto 18 - Ilustração científica da zoologia - autoria desconhecida.
reprodução: Rodolfo de Oliveira Leão
data: início do século XIX
fonte: acervo de obras raras da biblioteca do MZUSP
86
Os gabinetes coletaram todas as referências materiais de estranhamento do
mundo ocidental. Sob a influência das teorias de Lineu, o Iluminismo, o racionalismo e o
cientificismo objetivaram a ordenação das coisas e a sua aplicação dentro de um grande
sistema. O estabelecimento dentro de uma ordem científica:
O Iluminismo e o surgimento das academias, onde estudiosos se reuniam para
discutir e compartilhar suas pesquisas, conduziram a formas mais metódicas de
abordar o mundo material e a formas mais especializadas de colecionar [...] a
classificação racional e a descrição completa da natureza e, finalmente, da arte.
(BLOM, 2003, p. 107).
Com as teorias de Lineu, entraram em cena os Museus Modernos, com ênfase para
a organização e difusão do conhecimento científico. Contudo, os Museus já anunciavam
tais mudanças. Em 1683, o Ashmolean Museum foi aberto a visitação de estudantes, o
primeiro modelo institucionalizado de museu laboratório com sucesso, sendo
reproduzido em várias partes do mundo (CLERCQ, 2003). Trata-se de um importante
momento para a oficialização e expansão dos museus e da difusão do conhecimento
científico por meio da organização de coleções em espaços especialmente preparados
para Musealização da Natureza.
Da institucionalização dos Museus Universitários, quando o Ashmolean Museum
29
abriu sua exposição permanente para o público , passando pela abertura oficial do
Museu Britânico em 1759, até a transformação do Jardim do Rei ou Jardim das Plantas
pela Revolução Francesa em Museu de História Natural e a inauguração do Louvre como
museu público, ambos em 1793, passaram-se mais de cem anos. Modelos de museus
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
29
Em 1675, Elias Ashmole deixou suas coleções à Universidade de Oxford, para uso dos estudantes. Estas
se tornaram acessíveis somente em 1983. Além de abrigar coleções científicas, o Ashmolean Museum, por
ser o primeiro museu a abrir suas portas ao público mais abrangente e por pertencer à Universidade de
Oxford, é considerado o precursor na institucionalização dos Museus Universitários. Cabe destacar que as
suas coleções tiveram como núcleo básico a Arca de Tradescant, um Museu, que em 1627 possuía de tudo
um pouco. Este museu era o mais famoso de toda a Europa: “[...] um homem tornou-se visitante regular da
Arca de Tradescant: Elias Ashmole, advogado, cientista e colecionador apaixonado [...]. A Arca, disse ele ao
colecionador, deveria ser preservada para a posteridade, muito além da vida dele ou de sua mulher. [...] Aos
poucos convenceu o casal de que ele tinha recursos e relações capazes de garantir a sobrevivência da
coleção. Finalmente, em 1659, registrou em seu diário que o casal 'resolveu, enfim, entregá-la a mim'.
(BLOM, 2003, p. 74).
87
que influenciaram, e ainda influenciam, o mundo museológico. Muitas distinções e
semelhanças separam e unem estas instituições históricas. Contudo, o racionalismo
aplicado na seleção das referências patrimoniais, a implantação de uma museotecnia
especializada no tratamento e na interpretação do acervo, bem como na difusão do
conhecimento gerado e gerenciado por esse tipo de instituição, consolidaram-se na
modernidade, expandiram-se e diversificaram-se na contemporaneidade. É no conjunto
desses procedimentos museológicos que se afirmou o elo de ligação entre estes
importantes museus. Desse ponto de vista, o Ashmolean Museum, o Museu Britânico, o
Museu de História Natural de Paris e o Museu do Louvre são representantes históricos da
ideologia racionalista no campo da museologia. Com eles, a importância das referências
patrimoniais na construção das representações simbólicas ganha força, tornando-se um
sistema inerente aos Museus.
À medida que o Iluminismo se consolidava, governantes de toda a Europa
começaram a tornar suas coleções mais acessíveis, adotando uma abordagem científica
que, até então, fora exclusividade das coleções naturais. Dominique Vivant Denon (1747
1804),
-
:
Seu mandato como diretor foi um marco na história da exposição de obras de arte, pois ele
arranjava objetos obedecendo a idéias e metodologia históricas, não ao acaso, ou de
acordo apenas com o gosto do curador, como ocorria antes. Concentrava-se na
cronologia, nas escolas nacionais e na evolução de estilos. O 'grand système' das ciências
naturais contagiara a exposição de obras de arte. (BLOM, 2003, p. 141).
Com estes exemplos, origina-se uma tipologia de museus e uma prática de
procedimentos museológicos. Estes museus, com suas escalas grandiosas, se tornaram
modelos oficiais para os que se formaram posteriormente. Enfim, institucionalizou-se uma
indicado por Napoleão para dirigir o Museu do Louvre, criou as justificativas para os
espólios praticados, projetando nesse museu a Galeria de Rafael com o propósito de
servir como um curso de história da arte da pintura uma organização científica
argumentativa de uma proposição, por meio da arte
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
88
museotecnia. Como forma a exemplificar a expansão da tipologia dos Museus de História
Natural, serão citados, em ordem cronológica, seis grandes museus, estrangeiros e
brasileiros, criados entre os séculos XVIII e XIX, que, de alguma forma, integram o contexto
histórico-museológico do projeto arquitetônico de Christiano Stockler das Neves para o
Museu de Zoologia, servindo como bases culturais em que se assentaram os princípios da
preservação das referências patrimoniais na região neotropical.
Museu Britânico
O Museu Britânico foi criado em 1759, por votação do parlamento inglês, que
decidiu comprar a coleção de Hans Sloane (1660-1753). O Museu de História Natural foi
desmembrado em 1880 - a ornamentação em terracota de suas fachadas pode ter servido
de inspiração para Christiano Stockler das Neves (fotos 19 e 20).
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
foto 19 - Museu Britânico.
autor:
fonte: ,
Simon Yue-Wah Ho
http://www.simonho.org/images/London/London_BritishMuseum.jpg 08/07/2006
foto 20 - Museu de História Natural de Londres - projeto de Alfred Waterhouse.
autor:
fonte: ,
Simon Yue-Wah Ho
http://www.simonho.org/images/London/London_BritishMuseum.jpg 08/07/2006
Museu de História Natural de Paris
O Museu de História Natural de Paris foi fundado em 1793 e reformado pelo decreto
de 3 de outubro de 2001. O Museu tem 10 departamentos, sendo que um deles, o
Departamento de Parques Botânicos e Zoológicos, administra 5 parques botânicos e 4
parques zoológicos do território francês. O Horto Botânico implementado por Hermann
von Ihering e o zoológico constante no Decreto 9.918 podem ter sofrido influência deste
Museu (foto 21).
Museu Nacional
Em 6 de junho de 1818 D. João VI criou o Museu Real no Rio de Janeiro. Inicialmente
sediado no Campo de Sant'Ana, o Museu Real foi transferido para a Quinta da
89
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
90
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
Boa Vista em 1892. Mais tarde, em 1922, o Museu Real passou a se chamar Museu
Nacional. Foi incorporado à Universidade do Brasil, como Instituição Nacional, pelo
Decreto-Lei nº 8.689, de 16 de janeiro de 1946. Atualmente integra o Fórum de Ciência e
Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi consultado para ajudar na criação
do Museu Provincial, cujas coleções formaram parte da base nuclear do Museu Paulista
(LOPES, 1997) (foto 22).
Museu Paraense Emílio Goeldi
O Museu Paraense Emílio Goeldi é uma instituição de pesquisa vinculada ao
Ministério da Ciência e Tecnologia do Brasil. Está localizado na cidade de Belém, Estado
do Pará, região amazônica. Desde sua fundação, em 1866, suas atividades concentram-
se no estudo científico dos sistemas naturais e socioculturais da Amazônia, bem como na
divulgação de conhecimentos e acervos relacionados à região. Contudo, somente em 25
foto 21 - Museu de História Natural de Paris - ‘Jardin de Plantes’.
fonte: www.beaconschool.org/~amccormi/parisproject/parks_gardens/pages/Jardin%20des%20Plantes.html,
08/07/2006
de março de 1871, o Museu Paraense foi instalado oficialmente pelo Governo do Estado,
tendo sido nomeado Domingos Soares Ferreira Penna como seu primeiro diretor.
Ocorreram inúmeros intercâmbios científicos entre este Museu e o Museu Paulista (foto
23).
Museu de História Natural de Nova Iorque
O Museu de História Natural de Nova Iorque abriu suas portas ao público em 27 de
abril de 1871. Atualmente, trata-se de um dos museus com coleções científicas mais
visitados no mundo, destacando-se como referência no campo da comunicação
museológica para muitos museus de História Natural. Foi adotado pelos pesquisadores
do Museu Paulista e do Museu de Zoologia como modelo de sucesso dentre os Museus
de Ciências Naturais (foto 24).
91
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
foto 22 - Museu Nacional do Rio de Janeiro.
fonte: , http://acd.ufrj.br/~museuhp/homep.htm 08/07/2006
92
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
foto 23 - Museu Paraense Emílio Goeldi.
autor: F.A. Fidanza
data: 1902
fonte: , http://www.museu-goeldi.br/institucional/i_parque.htm 08/07/2006
foto 24 - Museu de História Natural de Nova Iorque.
autor: Maurício Candido da Silva
data: setembro de 2003
fonte: acervo iconográfico do STM/DDC/MZUSP
Museu Paulista
Projetado pelo engenheiro italiano Tommaso Gaudenzio Bezzi, as obras do edifício
que abriga o Museu Paulista foram concluídas em 1890, sendo aberto oficialmente ao
público somente em 1895. Transformado em Museu Histórico graças a gestão de Taunay,
este Museu foi organizado inicialmente como um Museu de História Natural, com coleções
zoológicas, botânicas, arqueológicas, antropológicas, geológicas, de artes e também de
história do Brasil (foto 25).
93
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
foto 25 - Museu Paulista da Universidade de São Paulo.
autor: José Rosael
data: 1997
fonte: (WITTER, 1997)
94
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
Durante o século XIX, foram criados outros importantes museus com
características científicas, tais como: o Museu do Instituto Arqueológico Histórico e
Geográfico Pernambucano (Pernambuco) que data de 1862 e o Museu de Mineralogia e
Geologia da Escola Nacional de Minas e Metalurgia (Minas Gerais), de 1876. Além disso,
o desenvolvimento das Ciências Naturais existia, tanto quanto várias coleções de
pesquisa, como demonstra M. Margaret Lopes (LOPES, 1997). Com isso, é possível
reafirmar que o projeto do Museu de Zoologia não inaugura uma nova fase, mas sim se
integra a um longo processo histórico.
Além dos museus propriamente ditos, cabe mencionar as experiências
museológicas obtidas com as exposições universais,
“Tais representações são construídas com base no conhecimento científico e
dirigidas pelos próprios cientistas.” (BARBUY, 1999, p. 53).
No caso específico da Exposição Universal de Paris, ocorrida em 1889, as
representações tornaram-se mais didáticas para cumprirem sua função pedagógica,
ainda que seja a da popularização das maravilhas tecnológicas. Daí surgiram e ganharam
força linguagens de apoio sofisticadas, tais como: dioramas, painéis ilustrativos,
projeções luminosas, modelos didáticos de cera e, até mesmo a lógica industrial do
espetáculo expositivo é mostrada, como se fora o bastidor,
[...] cabine de vidro que deixava à vista o 'maestro' do espetáculo. Manipulando a
luz de lâmpadas elétricas, um operador acionava os mecanismos e os jatos de
água, isso tudo devendo funcionar, também, como explicação lógica do
engenho, num local conhecido como 'quiosque de observação.' (BARBUY,
1999, p. 85).
As exposições universais traduziam e alimentavam as experiências museológicas
dos Museus com coleções científicas. Essas Exposições integravam um complexo e
que exerceram forte influência como
difusoras do conhecimento científico que os museus deveriam desempenhar. Buscando
atrair um público cada vez mais amplo, essas exposições exibiam um realismo avalizado
pela ciência.
95
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
envolvente sistema didático praticado por estes museus que se proliferavam por todo o
mundo. Enfim, elas formavam uma parte importante da composição e da expressão da
museologia do século XIX.
Além de serem possuidoras de grandes coleções - o National Museum em
Washington D.C. (Smithsonian Institution), por exemplo reunia mais de três milhões de
itens, por volta de 1890 (LOPES, 1997) -, os Museus de História Natural, portadores de
coleções científicas, caracterizam-se por programas específicos de pesquisa e ensino,
sendo este segundo aspecto, o de maior interesse no momento, por fornecer mais
elementos pertinentes a museologia aplicada à arquitetura. Richard Owen, responsável
pela criação do Museu de História Natural de Londres, propõe uma função claramente
educativa para o Museu,
O Museu Metropolitano de História Natural de uma grande nação deveria exibir
uma compreensiva, filosófica e conectada visão de todas as diferentes classes.
Além disso, havia um grupo entre os leigos e os especialistas que precisavam ser
envolvidos. Isso incluía o coletor de pássaros, de ovos de pássaros, conchas,
insetos, fósseis etc - assalariado inteligente, comerciante ou profissional, cujos
interesses podiam levá-los a devotar seu simples lazer na busca de um ramo
especializado da História Natural. (GIROURD, 1981, p. 12-13,
.
A fim de atingir seu objetivo, a implementação de um Museu Educativo, ele apelou
para um poderoso sentimento britânico: o orgulho nacional. Para tanto, o projeto do
Museu foi apresentado na década de 1860 como marcha da civilização (GIROURD, 1981),
sustentando o 'status' da Inglaterra como o maior império colonial e comercial do mundo,
um espaço para o crescente público de naturalistas amadores da classe média.
Gottfried Wilhelm Leibnitz (1646-1716), filósofo e matemático alemão, tinha uma
concepção de difusão do conhecimento que muitos museus contemporâneos ainda hoje
adotam em seus discursos institucionais. Em relação aos Museus, aos gabinetes de
curiosidades e as 'Kunstkammern', Leibnitz afirmou:
tradução
nossa)
96
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
[...] é absolutamente essencial que sirvam não apenas de objeto da curiosidade
geral, mas também de meio para aperfeiçoar as artes e as ciências [...]. Esses
gabinetes deverão conter todas as coisas importantes e todas as raridades
criadas pela natureza e pelo homem [...]. Em resumo, tudo que possa esclarecer
30
e agradar os olhos. Leibnitz ( apud; BLOM, 2003, p. 88) .
O desenvolvimento do pensamento científico neste momento encontrou no Novo
Mundo um território extremamente fértil de possibilidades inovadoras e de renovação do
pensamento humano. Os objetos coletados, reunidos e interpretados, das mais diversas
formas, serviram de apoio a novas teorias sobre o mundo e sua formação. As coleções
destes objetos deram sentidos às teorias humanistas em desenvolvimento e geraram
novos significados na relação humana com a natureza, aspecto este essencial na
31
organização do mundo moderno . Leibnitz, um extemporâneo, traduziu muito bem a
expectativa dos Museus e de suas coleções científicas. A Modernidade gerou este tipo de
organização institucional, que reuniam objetos retirados do meio natural, como referência
patrimonial, conservando-os para pesquisa e ensino, sob critérios cientificamente aceitos.
A Musealização da Natureza se estruturou na Modernidade sob este prisma. Ao longo
dos anos se difundiu, assumindo formatos mais especializados, de acordo com as
coleções salvaguardadas. Pertencente a esta tradição, o Museu de Zoologia possui um
estilo arquitetônico que simboliza o seu programa museológico, não pela volumetria
acentuadamente racionalista, como também pela ornamentação alerica que anuncia a
funcionalidade do edicio, numa simbiose dos processos de salvaguarda e comunicão,
voltados para a preservão da fauna da rego neotropical.
1871
30
Gottfried Wilhelm Leibnitz num memorando a Pedro, o Grande, em V. Gerje, Otnoschenije Leibinitza k
Rossii I Petru Velikomu, São Petersburgo, 1871, p. 76.
31
Uma das inúmeras faces resultantes da influência dessa relação com o Novo Mundo foi a idéia de
'natureza selvagem', que chegou nas artes, de forma especial na arquitetura, sob a forma de 'pitoresco', que
Prince desenvolveu ainda no século XVIII: “O pitoresco se encontra na irregularidade, na variação das formas
e cores, na união de elementos arquitetônicos e naturais e na utilização de efeitos de luz e sombra para
suscitar sensações [...] pitoresco se faz presente, por exemplo, na disposição e na prática decorativa dos
jardins ingleses do século XVIII, nos quais, ao contrário do rígido formalismo dos franceses e holandeses,
pretendia-se obter a impressão de paisagem natural, evitar a intervenção evidente da mão do homem.
,
(MIRABENT 1991, p. 14).
97
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
4.2 museus enciclopédicos
A noção de acúmulo de conhecimento era parte integrante do pensamento
iluminista, tendo nos Museus Enciclopédicos boa parte de sua sustentação prática. Os
Museus Modernos, juntamente com as universidades e as bibliotecas, foram instituições
fundamentais para o desenvolvimento do Iluminismo, que tinha na razão humana. A
partir daí, tais Museus tornaram-se modelos institucionais a serem seguidos. A
necessidade da sistematização dos procedimentos do trabalho museológico, aliada a
especialização do trabalho científico - envolvendo a formação de coleções (coleta,
compra, troca, doação), o registro, a conservação da integridade física dos objetos, a
pesquisa científica e as divulgações para leigos (exposições) e especialistas
(publicações) - evoluiu concomitante ao pensamento iluminista, fortalecendo assim as
instituições museológicas:
A idéia de museu formou-se pouco a pouco a partir da Renascença, mas foi no
contexto racionalista do século das luzes que essas fantásticas instituições
inauguraram sua principal característica: produção e difusão do conhecimento a
partir de coleções. (TAVARES, 1999, p. 46).
Os Museus Enciclopédicos organizaram e estabeleceram seus processos
museológicos com sentido na plenitude e na universalidade. Assumindo o papel de
educadores públicos, os jovens Estados passaram a absorver inúmeros museus
inchados de coleções principescas e das heranças dos gabinetes de curiosidades. Sobre
a idéia de 'um museu organizado cientificamente' se construiu e se consolidou uma
organização institucional a serviço da pesquisa e do ensino, legitimando, em muitos
casos, o progresso das nações emergentes. Desde então, o poder legalizador da ciência
encontrou nos Museus um grande aliado na educação popular (SCHWARCZ, 1993). No
entanto, o caráter de objetividade, que transformou grandes coleções em verdadeiros
catecismos de grandeza científica, não ficou confinado aos museus de propriedade do
98
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
Estado. Isso também se estendeu aos colecionadores particulares. Assim, os Museus
Modernos também se potencializaram como instituições de interesse para a consolidação
dos emergentes governos, em forma de aparelhos ideológicos do Estado (BOTTALLO,
1995), típico do momento contemporâneo iniciado com a Revolução Francesa, no fim do
século XVIII.
Ainda imbuídos das preocupações dos enciclopedistas, os Museus respondiam a
uma demanda teórica e prática: conservar as espécies representativas dos três reinos
(minerais, vegetais e animais) conforme as taxonomias comprovadas, com a finalidade de
orientar os futuros especialistas e o público leigo. Embora haja um hiato temporal
significativo, de quase um século, o Museu Paulista, no momento de sua criação, estava
totalmente imerso na periférica atmosfera dos Museus Enciclopédicos. A busca por
coletar um pouco de tudo e o estabelecimento de um caráter educativo marcou as duas
primeiras gestões deste Museu.
A compreensão das visões museológicas de Hermann von Ihering e Afonso
D'Escragnolle de Taunay tem o objetivo de reconstruir o programa arquitetônico do Museu
de Zoologia. Isso porque ambos dirigiram o Museu Paulista no momento de estruturação e
expansão das coleções de pesquisa zoológicas. Enquanto o primeiro estabeleceu uma
diretriz de Museu de História Natural para a musealização de tais coleções, o segundo, ao
redefinir a instituição como um Museu de História Nacional, acabou por influenciar
decisivamente a reordenação destas coleções em um novo espaço. Certamente, estes
ex-diretores possuíam projetos museológicos para este Museu e muito provavelmente
estavam sob a influência dos Museus Modernos, organizados cientificamente, tais como
O Museu Britânico, os Museus de História Natural de Londres, de París, de Berlim e Nova
Iorque, além do diálogo constante com seus pares nacionais, como foi o caso do Museu
99
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
Paraense Emílio Goeldi e o Museu Nacional. Daí derivou um aperfeiçoamento da
arquitetura dos Museus, buscando atender a demanda de um programa bastante
consolidado (RICO, 1999).
Para o entendimento do programa museológico da obra de Christiano Stockler das
Neves, é importante estudar o perfil profissional destes homens que influenciaram a
formatação das ações museológicas do início do século XX no território paulista.
Principalmente, se levado em conta que o estudo do programa pode adquirir uma maior
amplitude quando se consideram os fatores históricos, políticos, sociais e geográficos
que o envolvem.
A direção institucional de um Museu define, na maior parte dos casos, os
processos museológicos, incluindo as linhas curatoriais (THOMPSOM, 1991). Isso vale
dizer que o diretor assume a responsabilidade pela orientação dos processos de
aquisição, salvaguarda, pesquisa e comunicação da instituição (MASON, 2004). Não é a
toa que, muitas vezes, a entrada, ou mesmo a saída, de um novo diretor altera os rumos do
museu. casos de museus que passaram ou deixaram de existir com ingresso ou saída
de um diretor. Herman von Ihering e Afonso d'Escragnolle de Taunay são exemplos
nacionais dessa tese. Contudo, outros casos, anteriores ao surgimento do Museu
Paulista. Vale a pena resumir um deles, especialmente por reunir elementos marcantes na
constituição dos Museus Enciclopédicos, portadores de coleções científicas.
Charles Willson Peale (1741-1827), pintor norte-americano, foi o retratista mais
importante do período Federal dos Estados Unidos. Dificilmente seu nome chegou aos
ouvidos de Herman von Ihering e Afonso d'Escragnolle de Taunay. Contudo, é adotado
aqui como um ícone do espírito dos dirigentes de Museus de Ciências Naturais que
representavam bem a estrutura e os anseios dos Museus Modernos:
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
Incansável na caça de objetos e em prepará-los para exposição (segundo as
32
idéias divulgadas por Lineu e Buffon ) em seu museu, o melhor de todos os
museus idealizados no século XVIII. [...] A parte central do museu era uma
comprida galeria com iluminação natural, na qual expôs os retratos de grandes
americanos que ele próprio pintara, enquanto na parte inferior ficavam expostas
as ordens menores da natureza: animais e pássaros habilmente empalhados e
expostos atrás de lâminas de vidro. Outros armários continham insetos, minerais
e fósseis. [...] Ali não devem ser vistas duplicatas, as variedades de cada
espécie, tudo colocado nos pontos de luz mais claros, para que se tenha a
melhor visão [...]. Cenários pintados com paisagens apropriadas valorizavam a
exposição [...]. No piso da galeria toda uma paisagem adquiria forma, com mato,
grama, árvore e uma lagoa, na qual espécimes empalhados dos elementos
apropriados (não recheadas de palha mas espichadas em madeira para dar uma
aparência mais realista) caminhavam, se arrastavam e nadavam diante dos
visitantes admirados. O grande urso pardo em especial, apoiado nas patas
traseiras em pose ameaçadora, deve ter causado grande impressão. (BLOM,
2003, p. 111-112.
Em 1784, a galeria de exibição do Museu de C. W. Peale foi transformada,
provavelmente, no primeiro museu americano, misturando história natural e cultural. Seu
projeto veio a ser um modelo de valiosa observação, pois remete ao elo museológico entre
os gabinetes de curiosidades e os Museus Modernos, organizados de forma científica.
Nessa concepção, que não é exclusivamente sua, Peale explica:
[...] numa extensa coleção podem ser encontrados vários elementos do mundo
animal, espécimes de tribos vegetais, todos os minerais em seu estado puro,
corpos humanos 'petrificados'. Não duplicatas, mas a variedade de cada
espécie, todas colocadas no melhor ponto de luz, para melhor serem vistas, sem
serem tocadas.(STEWART, 1994, p. 206, .
Susan Stewart, que analisou as questões da vida e morte nas obras de C.W. Peale,
ressaltou a importância do objeto verdadeiro nas coleções do Museu para fins didáticos.
O Museu de C.W. Peale foi montado apenas com objetos originais, sem réplicas ou
moldes. Em sua pesquisa, Susan Stewart encontra um trecho de Emílio, obra de J.J.
Rousseau (1712 1778), sublinhada por C.W. Peale, “[...] nunca substituir representação
por realidade, sombra por substância, mas ensinar a partir de objetos originais.”
tradução nossa)
32
à
Georges Louis Leclerc Buffon (1707-1788), naturalista francês, autor de um dos primeiros tratados globais
sobre história da biologia e da geologia não-baseados na Bíblia. Sua principal obra foi História Natural,
trabalho em 36 volumes publicados entre 1749 e 1789. Nele, se oferece a primeira versão naturalista da
história da Terra, qual Buffon recorre exclusivamente a causas empíricas para explicar os fenômenos
naturais.
100
33
Sellers, C. Coleman Mr Peale’s Museum: Charles Willson Peale and the first Popular Museum of Natural
Science and Art. New York, 1980, p. 101.
101
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
33
Sellers 1994, p. 209, .
Por volta de 1791, após uma ampla reformulação em seu museu, para torná-lo mais
científico, C.W. Peale acrescentou uma série de observações na página inicial do livro de
visitantes. Ali explicou que sua intenção era seguir o sistema de Lineu.
Os Museus Enciclopédicos agregaram valores ideológicos, de cunho nacionalista,
aos Museus Científicos. Tornaram-se instituições politizadas, portadoras e guardiãs do
vasto tesouro do conhecimento da humanidade. Recuperaram, guardaram, estudaram e
divulgaram esse conhecimento. Com o auxílio dos Museus, a era do imperialismo
(HOBSBAWN, 2003) reforçou seus discursos, quando grandes tesouros foram retirados
do seu local de origem para serem devidamente preservados nos grandes Museus que se
formavam e se expandiam por todo o ocidente. Os Museus Enciclopédicos também
legitimaram as pretensões políticas das nações emergentes, fossem elas européias ou
colonizadas.
4.3 Hermann von Ihering: proposta de um Museu de História Natural
A criação do Museu Paulista, pela Lei nº 200, do qual o Museu de Zoologia é seu
maior herdeiro, está inscrita num momento considerado pela historiografia como a 'Era
dos Museus' (LOPES, 1997), num contexto de expansão dos Museus de caráter científico
e enciclopedista. Um movimento cultural internacional, cujo epicentro foi a Europa, centro
irradiador do Iluminismo:
Os museus criados na Europa nos séculos XVII e XVIII e multiplicados no mundo
todo ao longo do século XIX foram em grande medida os responsáveis por essa
mobilização geral do mundo, que está na base do processo intrincado que forjou
as Ciências Naturais [...]. Durante o período iluminista, quando ocorreu a
(1980 apud; STEWART, tradução nossa)
102
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
transformação dos Gabinetes em instituições de produção e disseminação de
conhecimentos, nos moldes que lhe exigiam as concepções científicas vigentes,
alterando-se com elas em seus objetivos, programas de investigação, métodos
de coleta, armazenamento e exposição de coleções. (LOPES, 1997, p. 14-
15).
No Brasil, a Proclamação da Independência, em 1822, desencadeou um processo
de busca da construção da nação brasileira. De forma geral, os museus, como aparelhos
ideológicos do Estado, cumpriram muito bem o papel de consolidação da nação, de
instrumento de reconhecimento do território nacional e de construção dos lugares da
memória (NORA, 1984). As Comissões Geográficas e Geológicas foram criadas
legalmente ao longo do século XIX com o objetivo de reconhecimento e delimitação do
território nacional, inclusive avalizando as determinações governamentais. Os resultados
dos trabalhos realizados pelas diferentes CGGs espalhadas pelo território nacional
abasteceram muitos dos museus em expansão naquele período. Essa foi uma forma de
reconhecimento científico e, portanto, legal do território nacional. Assim, os museus se
constituíram em fiéis depositários e importantes instrumentos de pesquisa, geradores e
gerenciadores de informações para as estratégias de constituição da nação.
Um pouco antes da Proclamação da República, em 1886, foi criada a Comissão
Geográfica e Geológica da Província de São Paulo (CGG), responsável pela formação
nuclear das coleções de pesquisa que possibilitaram o início da institucionalização e do
desenvolvimento das práticas museológicas do Museu Paulista. Em seus primeiros anos
de existência, a CGG tinha o intuito de realizar pesquisas que servissem de base à
ocupação planejada do território paulista (MAKINO, 1996). Em suas expedições, a CGG
realizava coletas que serviam de amostragem da fauna, flora, elementos geológicos e
minerais do Estado, além de colher documentos e testemunhos materiais da presença
humana do território de São Paulo. Como resultado dessa estratégia de (re)conhecimento
territorial, foi organizado um acervo extremamente significativo das referências naturais
103
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
dessa região, dando origem a importantes coleções científicas que compõem diversas
instituições de pesquisas do Estado de São Paulo.
Ainda antes da criação da CGG, foi formado o Museu Sertório, que em 1890 foi
adquirido pelo Conselheiro Francisco de Paula Mayrinke e doado ao Governo do Estado
em 1892, formando-se assim o núcleo do Museu do Estado. O reconhecimento da
importância dessas coleções levou à fusão do Museu do Estado com o acervo da CGG.
Em 1893, o novo museu passou a chamar-se Museu Paulista, perdendo seu vínculo
administrativo com a CGG. A influência política do botânico e meteorologista Alberto
Löefgren, que havia sido encarregado da organização do acervo do Museu Sertório,
ajudou a indicar o nome do chefe da seção de zoologia a dirigir o novo Museu. Dessa
forma, surgiu o primeiro diretor do Museu Paulista, o zoólogo alemão Hermann von
Ihering, que inaugurou o atual prédio no Ipiranga, em 7 de setembro de 1895, iniciando
assim uma gestão extremamente afinada com os princípios políticos, científicos e
organizacional da CGG.
Do mesmo modo que a história dos Museus se revela a história dos seus criadores
e organizadores, a análise da trajetória dos criadores e organizadores dos Museus oferece
importantes indícios sobre a história dos Museus, da museologia e, para este estudo, da
história da arquitetura, pois deles partem ou executam-se os programas aquitetônico e
museológico embrionários.
Da sua criação, em 1891, até 1893 o Museu do Estado funcionou na sede da CGG,
na Rua da Consolação, 91. Possuía uma ala grande, quatro quartos para exposição das
coleções e dois quartos para o serviço de pessoal (KOZERITZ, 1972). Em 25 de agosto de
1893, o poder público estadual decidiu transformar o Museu do Estado em uma instituição
isolada geograficamente, sediada no edifício-monumento, enorme construção finalizada
104
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
em 1890, desocupada e sem função. Em 15 de janeiro de 1894 o alemão Hermann von
Ihering, então pesquisador e chefe da seção de zoologia da CGG, foi escolhido para dirigir
a nova instituição. Em 3 de fevereiro de 1894 recebeu as chaves da construção projetada
por Tommasio Gaudenzio Bezzi. No dia 7 de fevereiro mudou com sua família para o
Ipiranga. Em 11 de maio concluiu a transferência das coleções do Museu Sertório e do
Museu Provincial, sediadas na CGG. Em 7 de setembro de 1895 o Museu foi aberto ao
público. O Museu iniciou suas atividades sem instrumentos, sem pessoal qualificado e no
edifício-monumento, dedicado a Independência do Brasil. Desse processo resultou uma
progressiva consolidação de uma instituição museológica voltada para as ciências
naturais, com características científica e enciclopédica. O lançamento da Revista do
Museu Paulista na abertura pública do Museu foi um marco nesse processo (ELIAS, 1996).
Hermann von Ihering foi o grande idealizador e executor durante os primeiros 22 anos do
Museu Paulista:
Seus estudos abrangeram as mais diversas áreas da História Natural, tendo
deixado publicações botânicas, antropológicas e etnológicas, dedicando-se
porém ao longo de toda sua vida, desde sua tese de doutorado, à Zoologia e
Paleozoologia de moluscos. Considerado um notável malacólogo, era também
autoridade em diversos ramos da zoologia, como a ornitologia e a mamalogia
[...]. Para cumprir tais finalidades os produtos naturais deveriam ser coletados em
diversas regiões para estudos comparativos na América do Sul; classificados de
acordo com 'métodos mais aceitos nos museus científicos modernos' e
conservados 'acompanhados de indicações explicativas ao alcance dos
entendidos e do público'. (LOPES,1997, p. 270).
foi comprovado pela bibliografia que estuda a passagem de Ihering pelo Museu
Paulista a sua responsabilidade pela construção do perfil naturalista, enciclopédico e,
principalmente, científico deste Museu, “[...] com a pretensão de reunir exemplares de
todo o conhecimento humano [...]. Tendo como base um saber evolutivo, classificatório e
pautado no modelo das Ciências Biológicas [...]. (ELIAS, 1996, p. 133). Essa vocação
estava impressa no Decreto 249, assinado pelo Presidente Bernardino de Campos, em
1894, inspirado por Ihering. Nos dois primeiros artigos deste Decreto, referentes à
105
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
instituição e seus fins, esta escrito:
Artigo - O Museu Paulista tem por fim estudar a história natural da América do
Sul e em particular a do Brasil, cujas produções naturaes devem colligir,
classificando-as pelos methodos mais acceitos nos museus scientíficos
modernos e conservando-as, acompanhadas de indicações, quando possível,
explicativas, ao alcance dos entendidos e do público.
Artigo - O caráter do Museu em geral será o de um museu Sul-Americano,
destinado ao estudo do reino animal, de sua história zoológica e da história
natural e cultural do homem. Serve o museu de meio de instrução pública e
também de instrumento scientífico para o estudo da natureza do Brasil e do
estado de São Paulo, em particular. (TAUNAY, 1937, p. 45).
À frente do Museu Paulista, Ihering empregava uma linha européia na condução
dos seus trabalhos (foto 26). Principalmente no que tange ao papel de 'instrutor público' e
de contribuidor ao progresso da ciência que o Museu deveria desempenhar, foram
adotadas por Ihering as concepções museológicas do curador norte americano George
34
Brown Goode (1851-1896) . Os museus eram assunto nacional, e tinham um papel a
desempenhar na formação e no aperfeiçoamento da nação. Chegaram, na definição do
curador G.B. Goode, ao ponto em que se tornariam “[...] uma coleção de etiquetas
instrutivas ilustradas por espécimes bem selecionados”. (BLOM, 2003, p. 146). Este
curador tinha plena convicção da museologia que acreditava que deveria ser aplicada:
Os princípios para a administração de Museus de Goode eram os seguintes: a)
uma organização estável e meios adequados de manutenção; b) um plano
definido, sabiamente enquadrado de acordo com as oportunidades da instituição
e as necessidades da comunidade que dele se beneficia; c) material de trabalho
boas coleções ou facilidades de criá-las; d) um staff de curadores competentes;
34
Em 1877, George Brown Goode deixou Wesleyan, Indiana, sua cidade natal, e foi para a Smithsonian
Institution, primeiramente como curator assistente e, mais tarde, curador. Em 1879, após o estabelecimento
formal do Museu Nacional dos Estados Unidos, Goode se tornou diretor assistente. Em 1887, foi designado
secretário assistente. Logo em seguida, assumiu completamente a responsabilidade do Museu Nacional.
Boa parte de sua carreira foi dedicada a administração. Goode era fervoroso advogado da ciência.
Acreditava na melhoria da vida de todos os cidadãos. Para ele, não havia nenhuma distinção entre a ciência
pura e aplicada; o aumento do conhecimento e a aplicação de seus benefícios eram inseparáveis. Também
acreditava na difusão do conhecimento científico ao público geral, para quem o museu era um veículo
preliminar. Escreveu sobre a teoria e a prática dos museus e transformou-se provavelmente no mais
importante museólogo de seu tempo. Organizou muitas exposições especiais, inclusive fora do seu local de
trabalho. Goode manteve interesse pela história, especialmente pelo desenvolvimento da ciência na
América. Entre seus trabalhos estão títulos como “O começo da história natural na América” (1886), “O
começo da ciência americana” (1886), e As origens das instituições científicas e educacionais nacionais
dos Estados Unidos” (1890). Gastou os dois verões anteriores à sua morte num trabalho dedicado a história
da Smithsonian, que foi publicado postumamente: A instituição Smithsonian 1846-1896” (1897).
(http://www.mnh.si.edu/vert/fishes/baird/goode.html, 26 de junho de 2006, tradução nossa).
106
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
E) um lugar de trabalho em edifício adequado [...]. A separação das coleções
públicas e de estudos caracterizariam o caráter científico dos museus. Para ele,
as exposições públicas deveriam tornar-se cada vez mais interessantes e
instrutivas, suprimindo as cansativas vitrinas lotadas com espécies do mesmo
gênero, que aos especialistas interessavam. Nesse sentido, revelavam-se o
Museu de Paris, com suas informações minunciosas e pequenos mapas
ilustrando a distribuição geográfica de certos gêneros e famílias, e o British
Museum com a organização dos seus mostruários zoológicos de acordo com as
teorias ecológicas, que privilegiavam a exposição dos animais em seus habitats e
não nas antigas séries uniformes de animais isolados. Goode (1895 apud;
35
LOPES, 1997, p. 285-286) .
Os museus deveriam acompanhar o desenvolvimento da ciência. Seguindo essa
linha de pensamento, Ihering tornou-se adepto do princípio da separação entre as
coleções de estudo e as de exibição ao público:
Dessa divisão resulta claramente a separação entre as atividades de pesquisa e
de ensino, para as quais Ihering sugeria que os professores das escolas viessem
primeiro ao museu, para que ele os instruísse sobre as diversas coleções e esses
então posteriormente trariam seus alunos e se encarregariam eles próprios das
explicações. (LOPES, 1997, p. 278).
35
Goode, G.B. The Principles of Museum Administration. Reports of Proceedings with the Papers Read at the
Sixth Annual General Meeting Held in New Castle-Upon-Tyne, July 1895. London: Dulan an Co., 1895, p. 69-148.
foto 26 - Hermann von Ihering na diretoria do Museu Paulista.
autor: desconhecido
data: início do século XX
fonte: Fundo Museu Paulista / MPUSP
107
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
Ihering propagava seus conceitos museológicos de diversas formas. Uma prova
disso é o 'Guia pelas Collecções do Museu Paulista', escrito em 1907 por seu filho,
Rodolpho von Ihering, custeado pelo Museu Paulista. Essa publicação era dirigida aos
leigos em zoologia, “[...] possuidores que sejam de certa dose de curiosidade pelas
causas da nossa natureza e pelo 'como' se trabalha em Zoologia.” (GUIA pelas Collecções
do Museu Paulista 1907, p. 3). Ele explica que, “Sempre foi mantida uma separação
estricta dos materiais de estudo das collecções expostas ao público.” (GUIA pelas
Collecções do Museu Paulista 1907, p. 8). Ihering era um adepto confesso das teorias
administrativas de Museus propagadas por George Brown Goode.
Esse princípio foi fundamental na constituição do Horto Botânico do Museu
Paulista, “[...] as excicatas dos herbários se destinavam a coleções de estudo e que para o
público leigo não havia melhor método do que organizar jardins botânicos, os quais
também deveriam ser utilizados para estudos.” (LOPES, 1996, p. 278).
36
O Horto Botânico começou a ser instalado em 1905 , nos terrenos ao sul do
edifício-monumento, ocupando toda a sua área posterior (fotos 27 , 28, 29, 30, 31 e 32). No
início, foram introduzidos espécimes indígenas e exóticas com finalidades científicas:
Tenho de mencionar afinal que liguei atenção ao terreno situado ao sul do museu
e destinado para ser o seu futuro parque. Plantei pinheiros numa área de 600 mil
metros quadrados e comecei a melhorar, por plantação de mudas e ainda outras
medidas, a capoeira, que com o tempo deve constituir uma bela mata instrutiva.
Deste modo o parque será uma espécie de Horto Botânico, destinado a mostrar
as árvores de nossas matas e por este motivo não se planta neste parque outras
mudas a não ser as da nossa rica flora indígena. (Relatório Anual de
Atividades do Museu Paulista de 1905: de Herman Von Ihering para
Cardoso de Almeida (Secretaria de Estado dos Negócios do Interior
e da Justiça), 1906.).
36
Nesse mesmo ano, foi reformado o parque (ou jardim), que ficava em frente do Museu. Trata-se da
primeira grande reforma do Museu Paulista. Em 1906, H. Luederwaldt foi contratado para, dentre outras
tarefas, cuidar do Horto Botânico. Tarefa que desempenhou com grande zelo, até o ano de sua morte, em
1934.
108
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
foto 27 - planta das áreas do Museu Paulista, indicando o Horto Botânico.
autor: Hermann von Ihering
data: início do século XX
fonte: Fundo Museu Paulista / MPUSP
foto 28 - planta das áreas do Museu Paulista, indicando o Horto Botânico (jardim botânico).
Autor: Hermann von Ihering
data: entre 1910 e 1925
fonte: Fundo Museu Paulista / MPUSP
109
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
foto 29 -
autor: desconhecido
data: início do século XX
fonte: Fundo Museu Paulista / MPUSP
paisagem no entorno do edifício monumento.
foto 30 - Horto Botânico no início de sua implantação.
autor: desconhecido
data: início do século XX
fonte: Fundo Museu Paulista / MPUSP
foto 32 - Hermann von Ihering e familiares no Horto Botânico.
autor: desconhecido
data: início do século XX
fonte: Fundo Museu Paulista / MPUSP
110
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
foto 31 - Horto Botânico no início de sua implantação.
autor: desconhecido
data: início do século XX
fonte: Fundo Museu Paulista / MPUSP
111
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
Servindo de instrução pública e transformando a paisagem local, este Horto tinha
como objetivo a representação da “[...] flora dos Estados do Brasil, quando a sua cultura
fosse de interesse biológico ou econômico.” (LOPES, 1997, p. 278). Juntamente com o
Horto Botânico, Ihering concretizou os ensinamentos de George Brown Goode na
construção de um Museu como meio de instrução, mantendo a exposição pública como
37
principal instrumento de ensino aos leigos nas práticas científicas . Embora demandasse
grandes esforços, o Horto Botânico progrediu ano a ano (foto 33):
[...] estão progredindo bem os trabalhos que fiz com o parque situado atrás do
Museu. Estou plantando constantemente árvores e arbustos e pretendo construir
neste ano um pavilhão ou pequena torre para apreciar-se a bela vista do lugar,
bem como uma gruta para guardar plantas ornamentais que necessitam de
sombra e abrigo. Estes trabalhos não gastam grandes despesas, de sorte que
espero poder continuar com os mesmos lentamente, isto é, em conformidade
com os recursos regulares da repartição. (Relatório Anual de Atividades do
Museu Paulista de 1907: de Herman Von Ihering para Gustavo de
Godoy (Secretário de Estado dos Negócios do Interior), 1908).
O parque do museu situado atrás do mesmo (rumo sul) e que ocupa uma área
muito mais intensa que a do jardim [...] representa um jardim botânico e nele se
aceitam exclusivamente plantas brasileiras. Entre os grupos do reino vegetal para
os quais maior progresso tenho a registrar, saliento: as cactáceas, que ocupam
duas colinas, sendo uma com espécies de São Paulo e outra com plantas do
sertão da Bahia, bem como samambaias, das quais as espécies arborescentes
do Estado de São Paulo parecem estar reunidas quase por completo. Este
parque não está ainda em condições de ser aberto ao público e os trabalhos
progridem vagarosamente devido a falta de recursos. (Relatório Anual de
Atividades do Museu Paulista de 1908: de Herman Von Ihering para
Carlos Guimarães (Secretário de Estado dos Negócios do Interior),
1909).
Foi notável o progresso do parque, [...] de modo que o caráter de um jardim
botânico nacional, isto é dedicado exclusivamente a flora do Brazil, se patenteia
cada vez mais. (Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista de
1909: de Herman Von Ihering para Carlos Guimarães (Secretário de
Estado dos Negócios do Interior), 1910, 16).
Um grande serviço V.Exa. prestou ao trabalho do jardim tendo o Sr. Dr. Emílio
Ribas diretor do serviço sanitário o favor de mandar ao museu a cada semana
dois ou três caminhões de estrumes. A terra na colina do Ypiranga é de qualidade
37
Ficava aberto aos domingos, às terças e quintas-feiras, dias feriados e santificados. Houve anos, como o
de 1909, que a média diária foi de 392 pessoas! Essa estatistica levou Ihering a comemorar a popularização
dessa instituição, “O Museu Paulista tem proporcionalmente uma freqüência tão boa como o Museu de
Sydney e melhor que os museus de Londres, Viena, Hamburgo e Dresden.” (
). O número anual de visitantes do Museu Paulista importava em mais de 20% da
população da cidade.
Relatório Anual de Atividades
do Museu Paulista de 1909: de Herman Von Ihering para Carlos Guimarães (Secretário de Estado dos
Negócios do Interior), 1910
péssima. A conservação deste jardim é de uma dificuldade extraordinária
(ventos, chuva, e seca geram problemas) [...] Acrescentei viveiros e sementeiras
neste ano, devendo este serviço ser complementado por um vasto galpão para
guardar na sombra mudas de plantas. Tivemos muito que lutar com a entrada de
cães, cabras, porcos etc pelas cercas do jardim [...] Algumas vezes prendemos
cabras no jardim que foram entregues ao depósito da Câmara Municipal. Isto nos
valeu desgosto e inimizades mas representava uma solução definitiva.
(Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista de 1910: de
Herman Von Ihering para Carlos Guimarães (Secretário de Estado
dos Negócios do Interior), 18 de abril de 1911).
A importância do Horto Botânico era tamanha que, ao referir-se pela primeira vez
aos festejos do centenário da independência, com doze anos de antecipação,
Embora que este parque esteja destinado exclusivamente a representação da
flora do Brasil o terreno é absolutamente insuficiente. Desenvolver de
conformidade com as minhas propostas o museu destinado a ilustração da
natureza e história do País, doar o mesmo com um jardim botânico destinado
unicamente para a rica flora do Estado de São Paulo eis um programa digno de
festa do centenário da independência e de pleno acordo com as intenções que
promovem a construção do monumento da independência. (Relatório Anual
de Atividades do Museu Paulista de 1910: de Herman Von Ihering
para Carlos Guimarães (Secretário de Estado dos Negócios do
Interior), 18 de abril de 1911, 14).
ressalta a
importância de ampliar-se o terreno destinado ao parque:
foto 33 - Ilustração de Orchidacea descrita por
Hoehne no Horto Botânico do Museu Paulista.
reprodução: Rodolfo de Oliveira Leão
data: início da década de 1920
fonte: (HOEHNE 1925)
112
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
113
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
Embora o Horto Botânico tenha deixado de existir oficialmente somente em 1939,
já, em 1911, se constatavam os curtos limites de seu alcance, devido à especulação
imobiliária da região, à falta de compreensão e de apoio do governo estadual:
Teve bom desenvolvimento o jardim botânico destinado a flora deste Estado.
conta uma bela e variada representação de nossa flora, sendo, entretanto,
evidente, que para a formação de um verdadeiro Jardim Botânico, o terreno
situado atrás do museu, [...] não é suficiente. Era intenção do governo adquirir as
terras adjacentes até a Rua Bom Pastor [...]. Este terreno pertencia, em parte, a
um proprietário estrangeiro, representado pelo corretor Fox Rule, que o ofereceu
a venda por preço razoável e que correspondia mais ou menos a Rs3$000 o
metro quadrado. A Companhia Brasileira de Linhas, instalada aqui no Ypiranga,
comprou e ofereceu ao Governo por 6$000 o metro quadrado. Mais adiante o
preço se elevou a 15$000. quinze anos o Governo perdeu a oportunidade de
comprar a Rs$5000”. Nos últimos dois anos tem sido extraordinário o
desenvolvimento no bairro do Ypiranga, onde já existem três grandes fábricas e
três outras de menor importância. O preço que tem sido pago por particulares , na
circunvizinhança do museu, tem deste modo subido, dentro de dois a três anos,
de 2$000 a 10$000 o metro quadrado. Achava conveniente que se criasse para o
museu uma seção de botânica e desenvolver um bom jardim botânico para
flora de São Paulo, mas, entendo, que nas condições atuais esta idéia não é mais
realizável, visto que um jardim botânico igual aos que atualmente existem em
muitas grandes cidades do globo, necessita de um terreno extenso, como hoje
no Ypiranga não se conseguirá mais. Atualmente ainda existem, além do
pequeno jardim do museu, só dois jardins botânicos no Brasil: o célebre do Rio
de Janeiro, que é mais um parque e o do Pará ao qual falta também o necessário
terreno para um desenvolvimento vantajoso. (Relatório Anual de Atividades
do Museu Paulista: de Herman Von Ihering para o Secretário do
Interior,1911, II - III).
As mudanças estruturais promovidas por Afonso D'Escragnolle de Taunay fizeram
com que o Horto perdesse seu caráter de local de pesquisa e ensino, transformando-se
num bosque destinado ao lazer. Parte desta área foi ocupada por uma Companhia do
Corpo de Bombeiros da Capital que permanece até hoje, Em 1961 o então prefeito de
São Paulo, Engenheiro Francisco Prestes Maia, acompanhado do prefeito de Milão para
uma visita ao Museu Paulista, lamentou não ter conseguido impedir a instalação desta
guarnição em terras do antigo Horto Botânico.” (ELIAS, 1996, p. 15).
Francisco Prestes Maia também era prefeito da cidade quando o terreno do Horto
Botânico foi transferido para o Museu de Zoologia, e, no mesmo ano, repassado à
114
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
Prefeitura, transformado em Bosque de lazer . Enfim, a completa descaracterização do
Horto Botânico ocorreu em 1939, quando as coleções zoológicas saíram do Museu
Paulista. É interessante pensar que o Museu de Zoologia brotou no
Horto Botânico, fenômeno episódico da seca transforma o
sertão em área extremamente vulnerável, obrigando homens e animais a constantes
migrações. O Museu de Zoologia se desenvolveu com a função de Musealizar a
Natureza numa área construída e preservada por Hermann von Ihering.
Além da definição e construção de uma instituição de pesquisa e ensino, com base
no estudo de coleções e publicações científicas, logo nos primeiros anos frente à direção
do Museu, Ihering buscou consolidar as propriedades imobiliárias do Museu Paulista.
Preocupado com o rápido desenvolvimento urbano da região, estimulado pelo progresso
econômico paulista e pela implantação do Museu Paulista no bairro, ele tinha plena
convicção da importância em sanar as questões de acessibilidade ao Museu, do seu
entorno e da própria organização interna. Isso tudo para melhor acolher e atender o
público que visitava essa instituição museológica. Os assuntos ligados a especulação
imobiliária foram tratados por ele como sendo de máxima relevância:
Caiu a histórica ponte sobre o arroio do Ypiranga. A antiga estrada de rodagem
na parte em que foi proclamada a independência do país se acha em estado
intransitável, nem está marcada a Avenida da Independência achando-se
invadida pelos proprietários dos terrenos vizinhos. Um deles chegou a construir
uma casa no centro da referida avenida. Atualmente como começou a
transformação do Bairro do Ypiranga em um centro de importantes fábricas,
torna-se indispensável que o governo cuide dos grandes interesses que tem na
colina do Ypiranga, procedendo com urgência a aquisição dos terrenos que
necessita [...]. (Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista de
1907: de Herman Von Ihering para Gustavo de Godoy (Secretário de
Estado dos Negócios do Interior), 1908).
38
‘semi-árido’
(HOEHNE, 1925) do onde o
38
1,
Francisco Prestes Maia foi nomeado prefeito da Capital Paulista de maio de 1938 a novembro de 1945,
pelo Interventor Federal no Estado de São Paulo, Adhemar de Barros. Teve ainda uma segunda gestão, de
1961 a 1965. Assumiu o cargo de Prefeito Municipal de São Paulo, numa das maiores votações até então
recebidas por um homem público (http://www.usp.br/jorusp/arquivo/2005/jusp720/pag101 8 de julho de
2006).
115
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
Ihering lutou contra a especulação imobiliária do entorno do Museu. Nesse sentido,
o Horto Botânico, além da sua função instrutiva, garantiu a permanência desse grande lote
de terreno, cerca de seiscentos mil metros quadrados, no Museu Paulista. Ainda em
relação ao desenvolvimento urbano do arrabalde do Ipiranga, Ihering foi um dos seus
maiores impulsionadores (fotos 34, 35, 36 e 37), expressando claramente o seu
contentamento com a chegada do transporte coletivo:
[...] a falta de freqüência de visitantes era motivada unicamente pela péssima
comunicação que existia entre este monumento e a cidade, o que felizmente ora
não se em virtude do serviço de bondes bem feito que a Cia Light and Power
organizou para este arrabalde do Ypiranga. (Relatório Anual de Atividades
do Museu Paulista de 1913: de Herman Von Ihering para Carlos
Guimarães (Secretário de Estado dos Negócios do Interior), 13 de
junho de 1914).
foto 34 - planta com
destaque da região a
ser ocupado pelo
Museu Paulista.
autor: Hermann von
Ihering
data: início do século XX
fonte: Fundo Museu
Paulista / MPUSP
116
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
foto 35 - linha férrea à margem do Museu Paulista.
autor: desconhecido
data: início do século XX
fonte: Fundo Museu Paulista / MPUSP
foto 36 - início do loteamento urbano na região do Ipiranga.
autor: desconhecido
data: início do século XX
fonte: Fundo Museu Paulista / MPUSP
foto 37 - vista das fábricas da região do Ipiranga a partir do edifício-monumento.
autor: desconhecido
data: entre 1910 - 1930
fonte: Fundo Museu Paulista / MPUSP
117
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
A sua comemoração efusiva do sucesso do Museu Paulista deveu-se ao fato de
considerar-se o responsável direto pela consolidação popular do edifício-monumento
como lugar da memória nacional:
O Museu foi visitado neste ano (1903) por 37.781 pessoas, contra 34.813 no ano
precedente. O aumento é quase exclusivamente devido a grande afluência de
visitantes, no dia 7 de setembro, que foi de 5.022 contra 197 em 1903 e 18 em
1901 [...]. É particularmente o alto preço das passagens da linha do Ypiranga que
dificulta não a visita ao Museu, mas, também o progresso do bairro.
(Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista de 1904: de
Herman Von Ihering para Cardoso de Almeida (Secretaria de Estado
dos Negócios do Interior e da Justiça), 1905, 2).
em relação ao papel instrucional do Museu, Ihering buscou implantar, em termos
de igualdade, a função de pesquisa e difusão do conhecimento, coisa que muitos museus
atuais ainda almejam, ao menos no seu plano diretor: O museu cumpriu sua dupla
missão: visitação e exploração científica do Estado e do Brasil. [...] É preciso ainda
substituir muitas peças mal preparadas por outras e renovar os rótulos explicativos.
118
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
(Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista de 1905: de Herman Von Ihering para
Cardoso de Almeida (Secretaria de Estado dos Negócios do Interior e da Justiça), 1906).
Em 1907, Ihering realizou uma interessante viagem para à Europa, para visitar os
seus Museus Modernos, com a finalidade de “[...] conhecer de perto os materiais
referentes a história natural e antropológica do Brasil que se acham guardados nos
museus europeus.(Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista de 1907: de Herman
Von Ihering para Gustavo de Godoy (Secretário de Estado dos Negócios do Interior),
1908). Buscou avaliar não somente a organização administrativa e as áreas técnicas, mas
também a arquitetura dessas instituições. Seguindo as orientações de George Brown
Goode, Ihering criticou algumas das construções, avaliando-as inadequadas para seus
fins, culpando os arquitetos que [...] 'procedem segundo suas inclinações artísticas sem
mesmo consultar os chefes técnicos e científicos competentes', considerava o
representante mais infeliz desse tipo de edifícios o do Museu de Hamburgo [...].” (LOPES,
1997, p. 287). Em outro trecho deste relatório, Ihering enfatiza o seu olhar científico sobre
os Museus,
Obedecendo às novas exigências do 'atual estado da ciência', outra inovação na
exposição das coleções determinava que estas deveriam ser organizadas, não
mais com base somente na classificação sistemática, mas em agrupamentos
determinados pela convivência sob as mesmas condições físicas e biológicas e
pelas relações que mantinham na natureza e com a natureza: 'um progresso
notável, que data dos últimos decênios, é a exposição de preparações
biológicas, de grupos naturais de animais, destinados a ilustrar seu modo de
39
viver'. Ihering (1907 caput; ALVES, 1998, p. 145) .
Três problemas foram constantemente relatados por Ihering: a equiparação salarial
com os outros dois grandes Museus, o Nacional e o Goeldi; falta de segurança; falta de
espaço para as coleções e áreas expositivas. Por esse último motivo, quase todas as
obras de arte foram transferidas para a Pinacoteca do Estado de São Paulo, a primeira
instituição museológica oriunda do acervo do Museu Paulista. (ARAÚJO, 2002).
39
Ihering, Hermann von. A organisação actual e futura dos Museus de Historia Natural. São Paulo: Diário
Oficial, 1907. In Revista do Museu Paulista. V. VII. p. 436.
119
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
Ihering, que parecia odiar os arquitetos, relatou que, de todos os males que a
arquitetura poderia causar aos museus para seu melhor desempenho na análise dos
objetos e no exercício da instrução pública, o maior era a falta de uma boa claridade no
edifício
(1853-1925; no MP, de 1902 a 1925) e Hermann
Luederwaldt (1865-1934; no MP, de1905 a 1934)
embora não se concentrasse na
, “[...] indispensável para o exame dos objetos ou para outros trabalhos [...] a
questão da luz deverá preocupar muito mais o espírito do diretor e do arquiteto, em casos
de construções para museus, devendo-se ligar mais importância a este assunto.Ihering
40
(1907b caput; ALVES, 1998, p. 46) . No entanto, criteriosamente, não atacou Tommaso
Gaudenzio Bezzi. Reclama da inadequação do edifício, mas poupa o arquiteto de críticas,
O construtor do Monumento do Ypiranga, em que está instalado o Museu, talvez
jamais imaginasse que fosse aproveitado desta forma o edifício, de cuja
acomodação a este fim, contudo, não podemos queixar-nos muito. (GUIA
pelas collecções do Museu Paulista 1907, p. 6).
O caráter científico do Museu Paulista origem do Museu de Zoologia, foi construído
durante toda a gestão de Ihering. A constituição do seu acervo reforçava o aspecto
naturalista do Museu, que contava com coleções zoológicas, botânicas, mineralógicas,
paleontológicas, pinturas, de história da nação, antropológicas e arqueológicas. Dois
naturalistas que integravam o quadro profissional do Museu foram fundamentais para a
constituição deste acervo: Ernest Garbe
(fotos 38 e 39). Enquanto E. Garbe atuou
nas explorações científicas, fotografando e coletando acervos naturais, H. Luederwaldt
organizou e classificou as coleções de pesquisa e de ensino, atuando inclusive na
implantação e manutenção do Horto Botânico.
Com a saída de Ihering e o novo perfil institucional adotado por Taunay, o Museu
Paulista foi, pouco a pouco, se especializando. Desta grande matriz museal saíram vários
outros museus, dentre eles o Museu de Zoologia que,
40
Ihering, Hermann von A organisação actual e futura dos Museus de Historia Natural. São Paulo: Diário
Oficial, 1907. In Revista do Museu Paulista. V. VII. p. 439.
120
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
foto 38 - Ernest Garbe, naturalista viajante do
Museu Paulista.
autor: desconhecido
data: início do século XX
fonte: acervo iconográfico do STM/DD/MZUSP
foto 39 - , naturalista pesquisador do Museu Paulista.
autor: Jean Massart
data: início da década de 1920
fonte: (Hoehne 1925)
Hermann Luederwaldt
121
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
sistemática e taxonomia da zoologia sul americana, almejou manter os moldes do Museu
Paulista.
Com base na leitura dos relatórios anuais do Museu Paulista, a primeira vez que se
constata a proposta de um novo edifício para as coleções naturais deste Museu data de
1910. falta de segurança que as
coleções em vias úmidas, conservadas em álcool, geravam ao edifício-monumento. “[...]
Agora o Sr. comandante do Corpo de Bombeiros insiste na remoção do museu de todas as
coleções guardadas em álcool e das oficinas de preparação e desinfecção e V.Exa.
(Secretário da Agricultura) mandou elaborar o plano de um edifício de dependência.”
(Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista de 1910: de Herman Von Ihering para
Carlos Guimarães (Secretário de Estado dos Negócios do Interior), 18 de abril de 1911).
Este argumento é importante, pois foi a ele que, anos mais tarde, Afonso D'Escragnolle de
Taunay se apegou para iniciar sua empreitada na retirada das coleções zoológicas do
Museu e concretizar seu plano de constituição de um Museu Especializado, totalmente
dedicado a História Nacional.
No ano seguinte, aos procedimentos de preparação dos exemplares taxidermizados
somou-se o do risco de incêndio: “É inconveniente ter nas belas salas do monumento as
oficinas de preparadores, cujo serviço não raras vezes incomoda por seu caráter sujo e
fedorento.” (Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista de 1911: de Herman Von Ihering
para o Secrerio do Interior, em 20 de fevereiro de 1912). Aos poucos, mas de forma
consistente, o edifício-monumento foi se mostrando inadequado ao programa museológico
implantado por Ihering.
Em função dessa demanda, em 1911 foi elaborada a primeira proposta de
reorganização do museu. Com o apoio da Escola Polytechinica e do Corpo de Bombeiros
foram feitos planta e orçamento de um edifício. Infelizmente não foi possível localizar estes
Propunha-se a construção de um prédio anexo devido à
122
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
documentos, que previam não somente a construção de um novo espaço, mas também
melhorias nos contratos dos funcionários.
a garantia da conservação das ricas coleções, a continuação dos serviços científicos
ou daqueles que diziam respeito aos visitantes.
Após vinte anos à frente do Museu Paulista, Hermann von Ihering foi forçado a
deixar a direção. Muitos motivos foram apontados pelos que estudam sua gestão: desvio
de acervo e de livros; antigermanismo em função da I Guerra; inimizades com a elite,
41
principalmente com a Cia. Ferroviária Paulista . Contudo, em função do enfoque deste
estudo, aqui se destacará a inadequação do programa museológico do Museu de História
Natural ao edifício-monumento do Ipiranga. Ihering tinha ciência dessa inadequação.
Prova disso foi sua viagem de pesquisa, realizada em 1907, aos Museus Europeus,
quando observou e relatou a arquitetura dos Museus.
Com o afastamento de Ihering, assumiu seu fiho, Rodolpho von Ihering, que, em
pouco tempo, também sob pressão, foi afastado do cargo. Assumiu interinamente a
direção do Museu Paulista Armando Prado, advogado, que ficou no cargo por apenas seis
meses. Com sua saída, entrou em cena uma nova direção, que durou vinte e oito anos.
Ao assumir o Museu Paulista, Ihering realizou uma vontade profissional: dirigir um
grande Museu. Como a realização dos sonhos nunca é plena (MODESTO, 1996), Ihering
herdou um edifício completamente inapropriado, além de não ser construído para ser um
Museu,
Os aspectos indispensáveis a serem mantidos
eram
uma vez que fora construído para ser um monumento histórico, comemorativo da
41
foi a justificativa para sua
, em
,
a
W. Dean considera que a luta de Ihering em defesa das florestas demissão do
Museu Paulista (DEAN 1996). Isso se fundamenta em um trecho do relatório de Ihering, que defendia a
criação de um parque natural: “[...] A bela região de Monjolinho, com sua exuberante flora e a fauna intacta,
poderia mesmo tornar-se um parque igual o Yellow-Stone, Estados Unidos, onde tudo fosse preservado
contra a ação destruidora do homem.(Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista de 1909: de Herman
Von Ihering para Carlos Guimarães (Secretário de Estado dos Negócios do Interior), 1910 12). Ainda em
1909, Ihering fundou, no Alto da Serra, que incluia a bela região de Monjolinho, uma estação biológica para
pesquisa científica e defesa das matas da serra de Paranapiacaba, buscando tr snformá-la em parque para
sua conservação.
123
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
Independência do Brasil. Essa herança determinou, a médio prazo, a construção do
Museu de Zoologia. Ihering parecia saber que a ocupação do Museu Paulista, como um
museu dedicado 'ao estudo do reino animal', naquele edifício, era provisória. Porém, o que
talvez não soubesse era que isso lhe custaria injustas acusações e difamações, até hoje
nunca comprovadas.
foto 40 - Hermann von Ihering em seu lugar predileto no Horto Botânico.
autor: desconhecido
data: início do século XX
fonte: Fundo Museu Paulista / MPUSP
124
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
4.4 Afonso D'Escragnolle de Taunay: proposta de um Museu de Zoologia
Com o fim da gestão de Hermann von Ihering, assumiu, em 1917, a direção do
Museu Paulista Afonso D'Escragnolle de Taunay (foto 41),
[...] com a missão de erigir um templo evocativo da supremacia paulista. Havia a
necessidade de completar o cenário que a solitária tela de Pedro Américo
esboçava. Taunay foi mais longe, inaugurou uma nova museologia para os
Museus Históricos, praticamente inexistente em nosso território. (ELIAS, 1996,
p. 213).
Filho do escritor e monarquista Visconde de Taunay, redirecionou não só a
administração do Museu, mas, sobretudo, instaurou uma nova missão institucional,
pautada pela concepção de um Museu Histórico, dedicado à pesquisa e ao ensino da
História Nacional, e não mais à História Natural em primeiro plano. Trata-se de uma
excepcional mudança institucional, com conseqüências diretas não para o Museu
Paulista, como também para outras instituições museológicas paulistas.
foto 41 - .
autor: desconhecido
data: década de 1920
fonte: Fundo Museu Paulista / MPUSP
Afonso D'Escragnolle de Taunay
125
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
Taunay era o historiador-mor do Estado, buscava a 'história total', informação
completa por meio de uma documentação exaurida. Escreveu imensa hisria da Cidade de
o Paulo, desde a fundação jestica até meados do século XIX, a qual se estendeu por
impressionantes dezoito volumes e 5.850 páginas, na sua vero sica. Essa mesma ânsia
por uma 'história geral' fez Taunay dedicar quinze volumes e 6.994 páginas à sua 'História do
Ca no Brasil' (ELIAS, 1996). Uma eloqüência que lembra os enciclopedistas do culo XVIII.
Consolidou o perfil do Museu Paulista nas suas dimensões de Museu Nacional e
Regional. Formou e organizou um acervo que expressava sinteticamente a nação, desde o
território até a população, e, ao mesmo tempo, panteão da nacionalidade. Ou seja, ele
configurou museologicamente a memória simbólica da emancipação política da nação.
A sua primeira grande tarefa foi a de organizar o museu para o centenário da
independência, em 1922. Este evento foi marcado pela inauguração do Eixo Monumental
do Ipiranga, reabertura pública das exposições e, meses depois, pela organização da
Secção de História Nacional e Etnografia. O dia 7 de setembro daquele ano ficou marcado
por uma grande festa: “Houve quem calculasse em 50.000 pessoas. Os menos
exagerados admitiam 35.000. Oficialmente foram computados 20.000.(Relatório Anual
de Atividades do Museu Paulista de 1922: de Afonso d'Escragnolle Taunay para Alarico
Silveira (Secretário do Interior), 23 de janeiro de 1923). Cumprida essa primeira etapa,
iniciou-se uma transformação mais profunda na organização do Museu.
Até 1916 fora o Museu Paulista um museu exclusivamente, por assim dizer, de
zoologia. Contava dezessete salas, das quais além do Salão de Honra vazio, onze
de zoologia, uma de numismática, uma de etnografia, uma de mineralogia e duas
de “objetos históricos”, que não passava do mais irracional depósito de bric a
brac, onde os móveis velhos [...] amontoados, se contrapunham às jóias da
coleção Campos Salles [...]. Atualmente conta o museu com 27 salas de
exposição: doze de zoologia, uma de etnografia, uma de mineralogia, uma de
botânica, uma de numismática nacional e onze consagradas à história nacional,
sobretudo de São Paulo. (Relatório Anual de Atividades do Museu
Paulista de 1922: de Afonso d'Escragnolle Taunay para Alarico
Silveira (Secretário do Interior), 23 de janeiro de 1923).
126
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
A
[...] a pequena Praça da Independência ficou prejudicada pela rua por onde
passa o bonde. Para piorar ainda mais essa situação aconteceu que a pedido do
Dr. José Vicente de Azevedo a Câmara Municipal deu um novo alinhamento a
Avenida Nazareth alargando-a sem necessidade de 20 a 30 metros e cortando
deste modo uma faixa de 10 metros do terreno do Governo. Dirigi-me a V.Exa. em
oficio a esse respeito pedindo a defesa dos interesses do Governo por acordo
com a Câmara Municipal a fim dos interesses do Governo a fim de que o
alinhamento anterior segundo o qual foi construída já a casa do jardineiro
continuasse em vigor. (Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista:
de Herman Von Ihering para o Secretário do Interior,1911, 13-14).
s obras de melhoria no Eixo Monumental (fotos 42, 43, 44, 45 e 46), cuja comissão
responsável era presidida pelo engenheiro Francisco Prestes Maia, foi um plano
idealizado no âmbito governamental, durante a gestão de Washington Luís Pereira de
Souza, então presidente do Estado, que havia colocado empecilhos aos planos
urbanísticos de Ihering para essa região. Embora Ihering concordasse com o
desenvolvimento regional, ele discordava da ampliação da avenida Nazaré e lutou contra
a colocação do caminho do bonde sobre a Praça da Independência. Essa luta Hermann
von Ihering perdeu.
foto 42 - homens trabalhando na construção do Eixo Monumental do Ipiranga.
autor: desconhecido
data: início da década de 1920
fonte: Fundo Museu Paulista / MPUSP
127
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
foto 43 - homens trabalhando na construção do Eixo Monumental do Ipiranga.
autor: desconhecido
data: início da década de 1920
fonte: Fundo Museu Paulista / MPUSP
foto 44 - Eixo Monumental do Ipiranga em construção.
autor: desconhecido
data: década de 1920
fonte: Fundo Museu Paulista / MPUSP
foto 45 - vista do Eixo Monumental do Ipiranga a partir do edifício-monumento.
autor: desconhecido
data: década de 1920
fonte: Fundo Museu Paulista / MPUSP
128
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
foto 46 - Museu Paulista após as reformas de 1992.
autor: desconhecido
data: entre 1920 e 1940
fonte: Fundo Museu Paulista / MPUSP
129
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
A idéia de juntar os Museus de História Nacional e o de História Natural em um
único edifício era um equívoco administrativo, mas passível de ser corrigido. Taunay,
então, passa a fazer novas reivindicações por um novo edifício.
Com a expansão das atividades expositivas do Museu, os espaços se tornaram
ainda mais escassos. Havia ainda a falta de segurança. Era necessário um espaço mais
apropriado para as coleções em álcool:
Com a abertura das salas novas precisei remover para os últimos cômodos
vagos o enorme material que outrora se armazenava em nosso andar térreo. Não
mais lugar para coisa alguma no museu [...]. Encaro com verdadeiro temor a
hipótese de um incêndio no nosso instituto onde em depósito milhares de litros
em álcool nas coleções em séries! Infelizmente com as obras da avenida não se
realizaram as minhas esperanças da construção de um prédio novo adequado
para a instalação da administração, laboratório, depósitos, oficinas e biblioteca,
ficando o Monumento unicamente consagrado às exposições públicas [...].
(Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista de 1922: de
Afonso d'Escragnolle Taunay para Alarico Silveira (Secretário do
Interior), 23 de janeiro de 1923).
Evidentemente, a idéia dos dois Museus fazia parte de um programa museológico,
proveniente da valorização da arquitetura do edifício-monumento como lugar da memória.
Com essa idéia, Taunay construiu a justificativa necessária para a reivindicação de um
novo espaço para o Museu de História Natural, resguardando o monumento unicamente
para o Museu Paulista. Esse aspecto é relevante, pois indica a manutenção do perfil de um
Museu de História Natural para o Museu Paulista, ainda que dividido por seções. Por que,
anos mais tarde, ele abriu mão do programa museológico de um Museu de História
Natural se arquitetonicamente era possível resolver os dilemas espaciais, derivados da
natureza do lugar da memória nacional? Por que ele não criou um único grande Museu?
Por que ele excluiu e não agregou, como fez Hermann von Ihering? Por que ele
especializou o programa do Museu quando poderia torná-lo mais completo? Poder-se-ia
afirmar que os Museus Contemporâneos são especializados. Contudo, em 1946 o Museu
de Zoologia, como afirmado neste trabalho, na busca de sua identidade, apresentou
130
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
uma proposta de criação de um Museu de História Natural da Universidade de São Paulo,
enquanto o Museu Paulista direcionava o foco de suas ações para a História Nacional,
com destaque para São Paulo. Isso demonstra que a história da museologia possui a sua
própria dinâmica, envolvida por uma dialética que transforma a história em Ciência, vez
que complexa e exigente nos métodos e nas análises enunciativas. A história da
museologia nacional ainda carece de pesquisas nessa área.
Taunay o projetou um edifício para o seu Museu de História Natural, mas indicou
aquele que considerava o mais adequado para um museu dessa qualidade, revelando a sua
concepção de uma tipologia de museu. Tratava-se do Grupo Escolar Rodrigues Alves (foto 47):
O museu precisa de um prédio anexo de grande porte, do tipo do Grupo Escolar Rodrigues
Alves, na Av. Paulista, por exemplo, para poder atingir ao desenvolvimento que seu material
acumulado reclama.(Relario Anual de Atividades do Museu Paulista de 1922: de Afonso
d'Escragnolle Taunay para Alarico Silveira (Secrerio do Interior), 23 de janeiro de 1923, 25).
O Grupo Escolar Rodrigues Alves foi construído pelo escritório Ramos de Azevedo
/ Severo & Villares, juntamente com Alfredo Borioni, em 1917. Com essa proposta
arquitetônica de Taunay, ao lado da idéia dos dois Museus em um edifício e a sua
reivindicação por mais espaços para as exposições, o programa arquitetônico do Museu
de Zoologia ganhou corpo e projeção de efetivação. Essas reivindicações foram
retomadas insistentemente nos relatórios anuais durante todos os anos, de 1922 a 1939,
até que ele conseguisse a redefinição do Museu Paulista por completo, como um museu
dedicado única e exclusivamente à História Nacional.
Até 1927, Taunay praticamente repetiu o relato das necessidades afirmadas por
Hermann von Ihering: falta de espaço, melhores salários e melhoria na segurança do
Parque da Independência. A partir de 1928, ele adicionou mais ingredientes a essas
131
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
reivindicações, que, certamente, se tornaram elementos basais do programa do Museu
de Zoologia.
:
Tudo teria a ganhar a nossa instituição com essa separação dos dois museus: o
de História e Etnografia e o de História Natural. Se V. Ex., em seu alto critério,
puder realizar este desdobramento, que acho indispensável, apenas
embaraçado pelas dificuldades financeiras do momento, terá prestado enorme
serviço ao Museu Paulista. [...] Um edifício de arquitetura simples como os
museus congêneres dos Estados Unidos se enquadra perfeitamente em nossos
planos. Poderá ser feito em dois exercícios. Continua dentro do edifício do museu
a oferecer contínuo perigo o enorme material zoológico conservado em álcool.
[...] Seria para este Estabelecimento um imenso benefício que V. Ex. pudesse
dotá-lo de um anexo para o qual se transportasse o material em exposição
pública e as coleções em séries zoológicas botânicas e mineralógicas.
Atualmente as salas de visita pública ocupam no Museu uma área de 800m2. Um
pavilhão que tivesse dois ou três andares de arquitetura sóbria como a dos
museus norte americanos com um total de uns 1.600 m2 seria absolutamente um
desafogo da maior relevância para o Museu Paulista, reservando-se metade para
as salas abertas ao público e a outra metade para a instalação de depósito e
gabinetes de estudo. [...] Nos grandes museus do mundo, sobretudo nos
Estados Unidos a relação entre estas áreas geralmente é de pelo menos dois
terços do total ocupados pelos laboratórios e depósitos e um terço com as salas
públicas. [...] Assim possa V. Ex. encetar tão benemérita obra. O Museu Paulista
Passou a detalhar o seu programa, especificando inclusive medidas,
tomando como referência os Museus norte-americanos
foto 47 - Grupo Escolar Rodrigues Alves.
autor: Mauricio Candido da Silva
data: abril de 2006
fonte: acervo iconográfico do STM/DDC/MZUSP
132
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
ficar-lhe-á devendo o maior serviço. (Relatório Anual de Atividades do
Museu Paulista de 1929: de Afonso d'Escragnolle Taunay para José
Manoel Lobo (Secretário do Interior), 30 de janeiro de 1930, 30).
O projeto arquitetônico de Christiano Stockler das Neves para o Museu de Zoologia
2
foi concebido com área total construída de aproximadamente 6.700m em quatro
pavimentos e uma arquitetura sóbria. Algo semelhante ao que Taunay havia sugerido. A
empreitada de Taunay não foi uma tarefa simples, principalmente porque no início da
década de 1920 as principais coleções do Museu Paulista eram as zoológicas, a maioria
42
dos pesquisadores eram naturalistas e a maior parte dos artigos publicados na Revista
do Museu Paulista eram referentes às coleções do seu Museu de História Natural.
O Museu de História Nacional do Museu Paulista se estruturava conceitualmente
em três importantes aspectos: o lugar da memória - às margens do Ipiranga, o edifício-
monumento - com finalidade comemorativa e o quadro de Pedro Américo - o Grito da
Independência. Com espírito nacionalista, contrariamente à estrutura estrangeira da
História Natural, soube, como poucos, integrar e solidificar a comunicação museológica à
arquitetura . Criou aspectos de uma exposição permanente no
Museu, adicionando ao edifício-monumento uma monumental exposição.
Sintomaticamente, o Horto Botânico, criado em 1905 por Hermann von Ihering,
com finalidades de pesquisa e de instrução pública, recebeu tratamento secundário de
Taunay, mas não de H. Luederwaldt, pesquisador da subsecção de invertebrados,
O Sr. Luederwaldt com grande carinho, presidiu a todos os trabalhos realizados
no horto. Numerosas árvores foram transplantadas, vindas da Cantareira e das
e solidificar essa integração
42
Pesquisadores em atuação no museu em 1922, não necessariamente do quadro funcional: H.
Luederwaldt (invertebrados); João Leonardo de Lima Júnior (morcegos); Hempel (coccidas, aleurodidas e
entomologia); Afrânio do Amaral (assistente do Butantan, determinou o material de ophidios); Alípio de
Miranda Ribeiro (Museu Nacional, revisou coleção de batrachios); F.C. Hoehne (convolvuláceas); José Pinto
da Fonseca (lepidópteros); Julio Melzers (coleópteros); Bruno Pohl (lepidópteros); João e Horacio Lane
(estudantes de entomologia); J. Holf (americano, ornitologia); frei Zacharias van der Hoeven (coleópteros);
Francisco de Assis Empting e I. Wolfgang Kretz (flora).
133
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
matas da Serra; cresceu muito a coleção de filicíneos e orchideas. Considerável
área está ainda a ser aproveitada embora se tenha aumentado a que estava
sistematizada. (Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista de
1922: de Afonso d'Escragnolle Taunay para Alarico Silveira
(Secretário do Interior), 23 de janeiro de 1923, 47).
H. Luederwaldt, além de cuidar do Horto Botânico, era responsável pela
organização das exposições naturais. Substituiu Taunay na direção do Museu por várias
vezes, sendo seu trabalho elogiado e reconhecido pelo diretor:
[...] uma coleção zoológica deve ser bem organizada, bem conservada e
cientificamente classificada, como testemunha da fauna de um país [...] as
nossas coleções entomológicas são as maiores e melhor organizadas do Brasil,
senão de toda a América do Sul. (Relatório Anual de Atividades do Museu
Paulista de 1927: de Afonso d'Escragnolle Taunay para Fábio de
Barreto (Secretário do Interior), janeiro de 1928, 27).
Em 1929, sentindo-se envelhecido e cansado pediu dispensa da superintendência
do Horto. Contudo, os novos funcionários não se adaptaram ao serviço. Taunay pediu a H.
Luederwaldt que continuasse somente na coordenação dos trabalhos, e ele, por
dedicação, aceitou. Por outro lado, os novos hábitos da grande metrópole trouxeram
novos problemas para a conservação do Horto. A situação parecia fora do controle, o
Horto Botânico estava com seus dias contados:
A grande área do Horto Botânico apenas se acha delimitada por pequeno valo a
que cerca uma sebe viva de bambu. Antigamente ela era respeitada pelo fato de
que estavam desertos os terrenos contíguos. Infelizmente, com o crescimento
enorme da população do bairro do Ypiranga vieram estabelecer-se em nossa
vizinhança, nos terrenos baldios, contíguos ao nosso clube de football. Tornou-se
este vasto terreno verdadeiro logradouro público para pickniks aos domingos; e
os dias de semana serve de ponto de encontro a grande número de vagabundos e
malandros. Com a maior sem cerimônia estes indivíduos passam por cima do
nosso vallo, cortam o nosso bambu, depredam as nossas orchideas,
samambaias etc fazem todos os malefícios que lhe são possíveis, chegando até a
cortar pequenas árvores e não como cohibir estes abusos, pois fogem taes
indivíduos ao perceberem a presença dos nossos dois únicos guardas para uma
área de mais de 10 hectares! O único recurso viável para a conservação do nosso
horto, seria murá-lo inteiramente, mas isto exigiria uma despesa de dezenas de
contos de reis. Não posso pensar em ter cães de guarda porque estes animais
certamente fugiriam pelas abertas da nossa cerca que são innumeras.
(Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista de 1927: de
Afonso d'Escragnolle Taunay para Fábio de Barreto (Secretário
do Interior), janeiro de 1928, 27).
134
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
Diferentemente de H Luederwaldt, Taunay não guardava interesse pelo Horto. Em
1922, uma nova conjuntura afetou a organização deste setor do Museu, causando
inúmeros e indesejáveis transtornos ao diretor. Ao deixar o Instituto Butantan, que tinha
como anexos o Horto Oswaldo Cruz e a Estação Biológica do Alto da Serra, a Secção de
Botânica tornou-se parte integrante do Museu Paulista. Assim, naquele ano, o Museu
Paulista passou a ser organizado por duas seções, uma de História Nacional e outra de
Botânica. Da primeira, era seu chefe Frederico Carlos Hoehne, pesquisador proveniente
do Instituto Butantan. Não havendo espaço no Museu para o funcionamento da Secção de
Botânica, sua sede continou provisoriamente no seu lugar de origem. F.C. Hoehne passou
a coordenar os trabalhos no Horto, em parceria com H. Luederwaldt. Cabe ressaltar que,
num dado período, o Museu Paulista teve dois Hortos Botânicos, o do Ipiranga e o do
Butantan. Por mais força que tivesse o aspecto do lugar da memória no Museu Paulista, a
vocação de um Museu de História Natural persistia. Embora F.C. Hoehne tivesse uma
preocupação maior com culturas terapêuticas, pouco interferiu no Horto Botânico do
Museu Paulista, que começou a ser fragmentado, ou melhor, descaracterizado de fato
com a introdução de alguns objetos estranhos à botânica em seu circuito expositivo. O
primeiro deles foi o esqueleto de uma baleia, que Hermann von Ihering expunha no
Perystilo do Museu. Depois, foram construídos barracões para abrigarem maquinaria do
café, um carretão, um engenho de pilões além de outros pequenos objetos (foto 48, 49 e
50). Mais tarde foi montado o hidroavião Jahu, que fez o trajeto de Gênova a São Paulo, no
primeiro ensaio brasileiro de um vôo transatlântico, “[...] sendo necessário derrubar umas
tantas árvores do nosso pinheiral para a construção do telhado de zinco.” (Relatório Anual
de Atividades do Museu Paulista de 1928: de Afonso d'Escragnolle Taunay para José
Manoel Lobo (Secretário do Interior), 28 de janeiro de 1929, 18). Diga-se de passagem,
pinheral este plantado por Ihering em 1905! Nesta área ainda foi projetado e construído
135
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
um galpão para abrigar as atividades de taxidermia do Museu. Este projeto, de autoria do
43
engenheiro Francisco Prestes Maia , foi aprovado por Taunay:
É um grande cômodo amplo cheio de luz tendo uma bela mesa central fixa para o
preparo de grandes peças sobre a qual existe uma viga para a suspensão dos
animais em trabalho - 48 m2, a mesa central de mármore tem 2x1, 8 janelas e 2
portas. (Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista de 1927: de
Afonso d'Escragnolle Taunay para Fábio de Barreto (Secretário
do Interior), janeiro de 1928, 15).
Ainda em relação ao Horto, cabe lembar que Rodolpho von Ihering, vendo-o
fechado à visitação, fez duras críticas a Taunay, por abandoná-lo, bem como à F.C.
Hoehne, por devastar as matas no entorno de São Paulo. Taunay considerou prudente não
43
n
Franciso Prestes Maia, primeiro como diretor do Serviço de Obras Públicas e depois como Prefeito da
Capital, teve inúmeras participações em projetos de melhorias do Museu Paulista: presidiu as obras do Eixo
Monumental; projetou e construiu o galpão de taxidermia; efetuou vários serviços de retoques e pinturas no
Museu; melhorias nas áreas de circulação entre os galpões construídos no Horto e o Museu; transformou o
Horto em bosque de lazer. Além disso, ele foi amigo pessoal de Christiano Stockler das Neves, trabalhando
juntos na construção da avenida Nove de Julho e no combate à ideologia modernista.
foto 48 - áreas do Museu Paulista, com a indicação do Horto Botânico e a construção dos pavilhões
industriais e do esqueleto de baleia.
autor:
data: entre 1925 e 1935
fonte: Fundo Museu Paulista / MPUSP
Afonso D'Escragnolle de Taunay
137
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
dar contestação a essa acusação e F.C. Hehne publicou o 'Album da secção de botânica
do Museu Paulista e suas dependências', em 1925, para se defender. Para resolver a
questão relativa a unificação da Secção de Botânica ao Museu Paulista, Taunay propôs
enfaticamente a construção de um grande pavilhão no próprio Horto, construção essa que
nunca foi executada: [...] terreno temos de sobra poderíamos localizar as casas na
extremidade do Horto Botânico. Teríamos assim guardas naturaes para o nosso terreno
que é muito grande e está todo em aberto.(Relatório Anual de Atividades do Museu
Paulista de 1924: de Afonso d'Escragnolle Taunay para José Manoel Lobo (Secretário do
Interior), 15 de janeiro de 1925, 17). Essa questão parece que foi resolvida no ano de 1927,
quando foi alugado um salão na Rua da Consolação para abrigar a Secção de Botânica.
A partir desse momento F.C. Hoehne passou a reclamar por mais verbas para sua
seção. Taunay rebate, afirmando ser essa seção a que mais recursos recebera ao longo
do ano. Esse desentendimento terminou em dezembro de 1927, quando a Secção de
Botânica saiu do Museu Paulista e uniu-se ao recém criado Instituto Biológico de Defesa
Agrícola e Animal. Dessa forma, o 'novo' regulamento de 1925 se tornou obsoleto em dois
anos. F.C. Hoehne prosseguiu sua carreira, levando avante a Secção de Botânica, sendo
que em 1938 conseguiu sua autonomia, transformando-a em Departamento de Botânica e
em 1942 em Instituto de Botânica da Secretaria de Agricultura, existindo até hoje com essa
denominação. Esse precedente da Secção de Botânica abriu o caminho legal para o
Museu de Zoologia, que se transformou em Departamento de Zoologia da mesma
Secretaria em 1939. Enfim, a saída da Secção de Botânica do Museu Paulista gerou mais
um problema para o Horto Botânico, que passou a depender exclusivamente dos esforços
de H. Luederwaldt para sobreviver. Em 1934, no mesmo ano de sua morte, coordenou
ainda a pavimentação dos caminhos do Horto com pedras.
Em 1925 foi criada a Secção de Zoologia, com as subsecções de vertebrados e
138
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
invertebrados, integrando-se assim às duas outras seções existentes. As tarefas ligadas a
zoologia causavam grande descontentamento à Taunay, “Por exigência do serviço fui
também obrigado a continuar a fazer a resenha bibliográfica sobre ciências naturais para a
Revista do Museu Tomo XV, e a superintender a impressão deste volume.(Relatório Anual
de Atividades do Museu Paulista de 1925: de Afonso d'Escragnolle Taunay para José
Manoel Lobo (Secretário do Interior), 28 de janeiro de 1926, 13).
Além da reorganização administrativa, a implantação da Seção de Zoologia do
Museu Paulista foi também decorrência do número expressivo de trabalhos ao redor das
coleções zoológicas, que cresciam em tamanho e importância. Nesse sentido, cabe ainda
analisar qual das situações impulsionaram com maior força a saída de tais coleções do
Museu Paulista, demandando a criação de uma nova instituição. A situação resultante
desse processo caracterizou o perfil do programa arquitetônico para o Museu de
Zoologia.
O ano de 1927 foi de muitas realizações, principalmente as que se referem a
construção do cenário museológico do Museu Paulista. Vale mencionar a instalação das
ânforas de vidro (fotos 51 e 52), que continham as águas dos principais rios do Brasil. No
entanto, longe de ser uma atividade zoológica, ou melhor, biogeográfica, tratava-se de um
gesto do historiador, dedicado ao expansionismo empreendido pelos bandeirantes,
responsáveis pela grandiosidade do território nacional:
[...] 20 ânforas de vidro passam a fazer parte da decoração da escadaria,
sustentadas por vasos de bronze. Estas ânforas deviam conter a água de dezoito
rios que, por sua localização geográfica, representariam todas as regiões do
Brasil. Duas ânforas, as mais simbólicas, conteriam os marcos de união entre o
Norte e o Sul (contendo as águas misturadas do Oiapoque e do Chuí) e entre o
Leste e o Oeste (com as águas do Javarí e do Capiberibe). Curiosa representação
territorial, que não se pelos elementos geológicos ou zoológicos, mas pelo
elemento hídrico. A intenção de Taunay era clara: reforçar o caráter nacional do
monumento, exibindo-o como templo de patriotismo brasílico (ELIAS, 1996, p.
244).
139
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
Ainda em 1927, o Museu Paulista atingiu o maior índice de visitação até então -
243.658 - abrindo somente as terças, quintas e domingos, das 14h às 17h; às 16h30min
tocava a sineta informando que a exposição fecharia. Neste ano, o Museu abriu 120 dias,
sendo que no dia 7 de setembro visitaram as exposições 11.488 pessoas. Esse aspecto
popular do Museu Paulista levou o Dr. Fritz Köhler, viajante alemão, a tecer o seguinte
comentário: [...] embora um pouco longe da cidade e sempre freqüentado ao público.
Nunca vi, em museu algum, tão numerosa romaria de visitantes, e de visitantes cheios de
interesse. ( Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista de 1926: de Afonso
d'Escragnolle Taunay para José Manoel Lobo (Secretário do Interior), 28 de janeiro de 1927).
Em 1937, um pouco antes do fim da Secção de Zoologia do Museu Paulista,
Taunay publicou o 'Guia da Secção Histórica do Museu Paulista'. Nesta publicação ele
fotografia 52 - ânfora do Museu Paulista.
autor: desconhecido
data: entre 1927 - 1940
fonte: Fundo Museu Paulista / MPUSP
fotografia 51 - ânforas do Museu Paulista.
autor: desconhecido
data: entre 1927 - 1940
fonte: Fundo Museu Paulista / MPUSP
descreveu a história, as linhas de pesquisas e as áreas expositivas do Museu. Das mais de
cem páginas deste Guia, o fotografia alguma das colões naturais. Consta, apenas no
final desta publicação, o seguinte comentário: Além das salas públicas da Secção de
História, descrita neste Guia, conta ainda mais doze de zoologia, duas de botânica e uma de
mineralogia e paleontologia [...].(TAUNAY, 1937, p. 119). Em um resumo de seis linhas ele
descreve todo o acervo naturalista. No último parágrafo do livro (com cerca de 120 ginas)
ele escreve: “Preparam os dignos naturalistas do Museu o Guia referente à parte consagrada
às ciências naturais, que deverá ser impresso brevemente. (TAUNAY, 1937, p. 119).
Também é notável a ausência de referências ao Horto Bonico. O perfil hisrico do Museu
estava consagrado; a total concretizão era uma questão de tempo, de alguns meses.
Com um atraso de trinta anos, esta publicação parece uma revanche contra o 'Guia
pelas collecções do Museu Paulista', publicada em 1907 por Rodolpho von Ihering, uma
publicação para não iniciados nas práticas científicas, que relegava a um segundo plano
os aspectos históricos, tão valorizados por Taunay:
O presente 'Guia' comprehende exclusivamente a parte zoológica do Museu
Paulista, devendo uma segunda parte completá-lo, para servir de guia nas outras
secções de que o mesmo Museu exhibe collecções: Paleontologia, Archeologia,
Ethnographia, História Pátria e Numismática. (GUIA pelas collecções do
Museu Paulista 1907, p. 4).
Taunay redefiniu a missão institucional do Museu Paulista, tentando se desvencilhar
daquele que verdadeiramente o erigiu e o consolidou. A sua luta para constituir uma
museologia própria, por meio da resignificação de objetos históricos, pela criação de
cenários, ou mesmo por uma desmensurada busca pela 'história total', parecia ser movida
para superar o feito de Hermann von Ihering, qual seja, a implantação de um dos maiores
Museus que existiu no Brasil. Expurgar as coleções que constituíam o Museu de
Ciências Naturais foi uma meta que, ano após ano, Taunay registrou em seus relatórios,
até o ano de 1939.
140
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
foto 53 - .
autor: desconhecido
data: final da década de 1920
fonte: Fundo Museu Paulista / MPUSP
Afonso D'Escragnolle de Taunay
141
Hermann von Ihering e Afonso D'Escragnolle de Taunay: pilares do Museu de Zoologia
Christiano
Stockler das
Neves e a
realização do
Museu de Zoologia
Christiano
Stockler das
Neves e a
realização do
Museu de Zoologia
Cristiano Stockler das Neves e a realização do Museu de Zoologia
5.1 uma biografia
Com uma produção extremamente
significativa para a história da arquitetura
contemporânea, Christiano Stockler das
Neves (Casa Branca, SP, 1889 São Paulo, SP,
1982) (foto 54) passou a trabalhar no
44
escritório de seu pai, Samuel das Neves , a
partir de 1912,
Formado em 1911 pela Universidade da Pensylvania, EUA, assimilou
profundamente os ensinamentos de seus professores Warren Laird e Paul Cret
que, formados na escola de Beux-Arts francesa, influenciaram toda uma geração
de arquitetos americanos. (ESPÍRITO SANTO, 1988, p. 58).
Inspirado nas mesmas estruturas didáticas e acadêmicas da escola norte
americana, Christiano das Neves criou em 1917 o curso de Arquitetura na Escola de
Engenharia do Mackenzie, contando para essa empreitada com a ajuda de Warren P.
Laird, Paulo P. Cret, Alfred Gumaer, Osborne, Nortan Whitney e Everett, professores do
curso de arquitetura da Universidade da Pensylvania. Juntamente com seu pai, foi um dos
inovadores na tecnologia da construção em São Paulo, na utilização de estruturas e
esquadrias metálicas, além do concreto armado, deixando para cidade de São Paulo o
seu primeiro arranha-céu: o edifício Sampaio Moreira, construído no Vale do Anhangabaú,
em 1924. Esse conhecimento inovador, principalmente das estruturas e esquadrias
5. Cristiano Stockler das Neves e a realização do Museu de Zoologia
143
44
, , p.
Samuel das Neves (São Félix, BA, 1863 o Paulo, SP, 1937) formou-se em engenharia agronômica pela
Imperial Escola Agrícola da Bahia. Foi um dos profissionais mais ativos da capital paulista. O Vale do
Anhangabfoi o local intensamente marcado pelas construções de seu escritório. Jornalista, escreveu para o
'Correio Paulistano' e para 'A Noite'. Conseguiu se relacionar muito bem com a nascente sociedade burguesa e
industrial estabelecida na cidade e que começava a exigir a transformação com a nova tecnologia de alvenaria,
da tradicional paisagem urbana construída de taipa.(ESPÍRITO SANTO 1988 57).
metálicas, foi amplamente utilizado no projeto do Museu de Zoologia, dando a ele uma
característica bastante particular no contexto urbano local, mas recorrente na produção de
sua obra.
Embora fosse um crítico ferrenho da arquitetura moderna, chamada por ele de
45
arquitetura bolchevique , Christiano Stockler das Neves, sempre foi respeitado por seus
colegas: “[...] deixou numerosa obra arquitetônica, sempre coerente com o pensamento
que defendia historicismo como tônica de projeto numa produção da maior importância
para o estudo da passagem do ecletismo para a arquitetura moderna em São Paulo.”
(ESPÍRITO SANTO, 1988, p. 58).
Com inúmeros artigos em jornais e em revistas especializadas, ele sempre recorria a
história, com especial ênfase a tradição clássica, para justificar seus ideais. Esse mesmo
historicismo o orientava em seus trabalhos. Valorizando as linhas clássicas, a funcionalidade
Cristiano Stockler das Neves e a realização do Museu de Zoologia
144
45
Em relação a esse termo ver KOPP, 1990.
foto 54 - Christiano das Neves - início da década
de 1940.
reprodução: Mauricio Candido da Silva
data: abril de 2006
fonte: banco de imagens do jornal Folha de São
Paulo
46
“Distinção genérica entre os estilos Luís XIV, Luís XV e Luís XVI: coroamento do edifício com mansardas
para o primeiro, corpos avançados ligeiramente salientes e decoração mais ou menos rococó para o
segundo, fachadas retilíneas em planta e retangulares em elevação, tetos planos mascarados por
balaustrada para o último.” (BRUAND 2002, p. 37). J.A. Gabriel, o mais autêntico representante do estilo Luis
XVI no campo da arquitetura, demonstrou, em suas primeiras obras, entre as quais se destaca a 'Escola
Militar', o gosto barroco, que transparece mesmo em criações esteticamente relacionadas com o mundo
clássico. Nesse edifício, a cúpula, de cristalina inspiração barroca, contrasta com o classicismo da
fachada.” (MIRABENT 1991, p.15). Este estilo foi empregado por Christiano das Neves com maior ênfase no
projeto para a Estação Inicial Sorocabana, cuja execução final foi bastante alterada, e ficou sob a
responsabilidade de Christiano das Neves.
das edificações e o traçado artístico, Christiano das Neves adotou o estilo Luís XVI e suas
46
variantes como linha mestra de seus trabalhos . No Museu de Zoologia é possível verificar
aspectos do estilo por ele adotado, que, somado a tradão criadora herdada de seu pai
evidencia um estilo eclético que reflete, inclusive, suas incursões pelo Art deco, tomando
como princípio de fundamento estistico o neoclassicismo (SAMPAIO, 1996).
Além do Museu de Zoologia, cabe mencionar outras obras de destaque deste
arquiteto: Ministério da Guerra da Escola Naval (RJ); Sede do automóvel club (SP); Fábrica
de vidros de Conrado Sorgenicht à Rua do Triunfo, 10; Faculdade de Arquitetura
Mackenzie, SP, 1956; Grupo Escolar Campos Salles, SP, 1926; Hospital da Clínica
Psiquiátrica do Hospital das Clínicas, SP, 1952; Hospital da Real Beneficência Portuguesa
na Rua Maestro Cardim, SP, 1942; Residência Rodolfo von Ihering. Teatro Bijou na Rua
Líbero Badaró, 95, SP, 1912; Viaduto do Chá, 1912, e, sua mais importante obra, a Estação
Inicial da Sorocabana, em São Paulo, construída entre 1926 e 1938. Diluído na grande
produção deste arquiteto, o Museu de Zoologia não recebeu destaque. Não aparece
como obra de grande importância no seu currículo.
Após ter realizado seus estudos iniciais em São Paulo, em 1911 obteve seu diploma
de arquiteto na Universidade da Pennsylvania (foto 55), na qual a influência da 'École des
Beaux Arts' de Paris foi fundamental na formação de seu pensamento. Depois da sua
formatura, passou seis meses viajando pela Europa e Estados Unidos antes de retornar ao
Brasil, em 1912. No mesmo ano, quando começou a exercer sua profissão, a força política
Cristiano Stockler das Neves e a realização do Museu de Zoologia
145
Cristiano Stockler das Neves e a realização do Museu de Zoologia
146
foto 55 - Postal de Christiano das Neves com imagem da Universidade da Pensilvânia.
reprodução: Mauricio Candido da Silva
data: abril de 2006
fonte: setor de obras raras da biblioteca da FAUUSP
paulistana no cenário econômico e, portanto, político nacional, estava consolidada.
Juntou-se ao escritório de seu pai 'Escriptório Téchnico de Construções', situado na Rua
XV de novembro, 37 (sobrado) e iniciou seu trabalho profissional participando das obras
do edifício Conde de Prates (foto 56).
No Estado, o Partido Republicano Paulista tinha plenos poderes e a Cidade de São
Paulo encontrava-se em franca ascendência populacional e econômica. O
desenvolvimento da população paulistana registrou os seguintes índices: 1886 = 47.697
habitantes; 1900 = 239.820 habitantes; 1920 = 579.033 habitantes; 1940 = 1.337.644
habitantes. o desenvolvimento econômico apresentou os seguintes dados: em 1920 a
produção industrial paulista representou 31,5% da nacional; em 1938 contribui com 43,2%
para a produção industrial do país; São Paulo superou o Rio de Janeiro, então capital,
como grande centro industrial entre 1920 e 1938 (SINGER, 1968). A dinamização da
economia teve também como conseqüência intensa atividade nos ramos imobiliário e da
construção civil. Desde o final do século XIX se verificou uma desenfreada especulação de
terrenos e abertura de loteamentos, de construção de imóveis para alugar ou de negócios
com materiais de construção (SAMPAIO, 1994).
Primeiro o Museu Paulista, depois o Museu de Zoologia, ambos nasceram como
frutos da prosperidade econômica do Estado de São Paulo. O Museu projetado por
Christiano das Neves surgiu na crista deste crescimento econômico e estava vinculado a
secretaria mais forte do governo, tanto no aspecto econômico quanto no político, a
Secretaria dos Negócios da Agricultura, Indústria e Comércio. Isso permitiu a contratação
direta, sem concurso, de um renomado arquiteto, para a construção de um edifício com
mais de 6.000 metros de área construída, obra essa realizada em menos de dois anos.
Cabe lembrar que durante os anos de 1939 a 1942, que envolvem a saída da Secção de
Zoologia do Museu Paulista e a construção do Museu de Zoologia, o Brasil vivia a 'Era
Vargas' e o Estado de São Paulo estava sob a intervenção federal de Adhemar de Barros.
Em relação aos aspectos arquitetônicos, em seu conjunto, é possível considerar
Cristiano Stockler das Neves e a realização do Museu de Zoologia
147
foto 56 - edifício Conde de Prates.
autor: desconhecido
data: década de 1920
fonte: Fundo Museu Paulista / MPUSP
que acompanhou, impulsionou e refletiu as mudanças na cidade:
A arquitetura do início do século traria poucas transformações de importância,
inclusive no que se refere à implantação. Suas virtudes residiam mais no
aperfeiçoamento dos detalhes construtivos; seus programas e soluções
plásticas repetiriam quase sempre os esquemas dos primeiros anos da
República. (FILHO, 1970, p. 36).
Ainda segundo Nestor Goulart Filho, as primeiras transformações tecnológicas
importantes ocorreram a partir da década de 1920, com a consolidação do
desenvolvimento industrial no país. Por outro lado, as técnicas construtivas tiveram seu
aprimoramento devido, em grande parte, à influência da mão-de-obra imigrada (FILHO,
1970). Concomitante a introdução dessa mão de obra, na virada do século XIX para o
século XX, se deu o franco desenvolvimento da economia paulista. Juntos, estes aspectos
alteraram os hábitos e o modo de vida dessa população que, até meados do século XIX,
vivia na província mais recôndita dentre todas do Império brasileiro. Ou seja, os efeitos da
consolidação econômica resultante da expansão industrial, do fim da escravatura e do
período colonial foram definitivamente sentidos no campo da arquitetura na década de
1920, causando uma grande transformação urbana, entendida por uns como evolução e
por outros como revolução.
Toda a trajetória acadêmica e profissional do arquiteto Christiano das Neves, tudo
indica para um caminho de múltiplas influências na projeção do atual Museu de Zoologia.
Se não houve uma consulta direta ao projeto do arquiteto Alfred Waterhouse para o Museu
de História Natural de Londres, fatores históricos institucionais similares, soluções
arquitetônicas e aspectos estéticos que dialogam, pois algumas soluções se
assemelham, principalmente quanto à ornamentação e aplicação de elementos
figurativos que denotam significância arquitetônica na Musealização da Natureza. Ainda
que fosse necessário comparar aspectos arquitetônicos de outros museus, tais como o
Museu de História Natural de Paris, o Museu Americano de História Natural, o Museu
Cristiano Stockler das Neves e a realização do Museu de Zoologia
148
Cristiano Stockler das Neves e a realização do Museu de Zoologia
149
Nacional e até o Museu Emílio Goeldi, é possível apresentar a seguinte questão: um
formalismo no programa e nas soluções arquitetônicas dos Museus de História Natural?
uma tipologia arquitetônica para esta categoria de museus?
Não foi possível identificar estudos dessa natureza. No entanto, no período que
envolve a construção do Museu de Zoologia, parece haver uma certa fórmula construtiva,
incluindo certos aspectos arquitetônicos esperados, tais como fachada simétrica, entrada
central por um imponente frontispício, hall central no interior e, se necessário, uma grande
escadaria para marcar as pretensões do exterior.
Em contato com a documentação relativa aos processos que descrevem suas
obras, é possível constatar que, à semelhança de Tommaso Gaudenzio Bezzi, as relações
de Christiano das Neves com o governo e os responsáveis pelo empreendimento não
foram pacíficas, traço, aliás, marcante em sua vida profissional, repleta de processos
movidos contra seus empregadores, motivados por razões diversas que vão desde o não-
cumprimento dos contratos por parte dos contratantes, até situações criadas em virtude
do seu gênio difícil de artista.
Talvez o maior exemplo desse traço seja o edifício construído para a Estão Inicial da
Estrada de Ferro Sorocabana, um ícone na prodão arquitetônica de Christiano das Neves
(fotos 57, 58, 59 e 60). Considerado um grande projeto de sua longa carreira, nele pode
expressar sua inflncia pelo estilo Luís XVI, sendo premiado no III Congresso Pan-
americano de Arquitetos, realizado em Buenos Aires, projetando-o para outros trabalhos.
Esse projeto tornou-se um emblema da luta desse arquiteto contra a administração pública,
neste caso representada pelo engenheiro arquiteto Bruno Sio Magro, professor da Escola
Polytechnica de São Paulo e engenheiro da Estrada de Ferro Sorocabana. Christiano das
Neves escreveu muitas cartas ao governo, principalmente a Armando de Salles Oliveira,
eno governador do Estado de o Paulo, protestando contra as mutilações do projeto
Cristiano Stockler das Neves e a realização do Museu de Zoologia
150
fotos 57 e 58 - estrutura metálica da cobertura da plataforma de embarque da Estação Inicial
Sorocabana.
reprodução: Mauricio Candido da Silva
data: abril de 2006
fonte: setor de obras raras da biblioteca da FAUUSP
foto 59 - detalhe do teto da Estação Inicial Sorocabana.
reprodução: Mauricio Candido da Silva
data: abril de 2006
fonte: setor de obras raras da biblioteca da FAUUSP
Cristiano Stockler das Neves e a realização do Museu de Zoologia
151
foto 60 - detalhe dos captéis da Estação Inicial Sorocabana.
reprodução: Mauricio Candido da Silva
data: abril de 2006
fonte: setor de obras raras da biblioteca da FAUUSP
Cristiano Stockler das Neves e a realização do Museu de Zoologia
152
Em 1952, em texto publicado no jornal 'Última Hora', Prestes Maia escreveu artigo
intitulado 'Atentado aos Edifícios Públicos', defendendo Christiano das Neves, seu amigo,
e criticando a inoperância do governo diante da barbárie que o projeto arquitetônico da
Estação Inicial da Estrada de Ferro Sorocabana sofrera (foto 61):
As estações ferroviárias são vítimas prediletas da arquitetura oficial. Um exemplo
é a estação Sorocabana. Embora em desacordo com o partido inicialmente
adotado, num estilo pouco justificável na época e ao fim, caso é que, bem ou mal,
estava a obra em grande parte construída, quando entendeu o governo de fazer
economia a custa da sua arquitetura. Não cabe incriminar o arquiteto, que
procedeu como lhe ordenaram e o melhor que pode. Mas, o fato é que o Luís XVI
perdeu, logo de saída todo o seu corpo superior, os torreões e a grande
mansarda, absolutamente característica do partido adotado, viu alterada a sua
torre e, o que é inacreditável, transformado em pátio descoberto e ajardinado o
que devia ser o 'hall' majestoso. Com todas essas mutilações, a quem olha, surge
logo uma dúvida atroz: se a arquitetura é francesa ou italiana. (Atentado aos
Edifícios Públicos”, recorte do jornal 'Última Hora', 4 de abril de
1952, por Prestes Maia).
É nesse clima de descrença na administração pública que Christiano das Neves foi
contratado, em 1940, para desenvolver o projeto para o Museu de Zoologia.
foto 61 - aspectos da arquitetura e do entorno da .
reprodução: Mauricio Candido da Silva
data: abril de 2006
fonte: setor de obras raras da biblioteca da FAUUSP
Estação Inicial da Estrada de Ferro Sorocabana
Cristiano Stockler das Neves e a realização do Museu de Zoologia
153
Ao longo da década de 1940, a Universidade de São Paulo, tendo como Reitores
Jorge Americano (1941-46), Antônio de Almeida Prado (1946-47), Lineu Prestes (1947-49)
e Miguel Reale (1949-50), e sob a influência do interventor federal no Estado, Adhemar de
Barros, formou a Comissão Cidade Universitária para atuar no projeto de urbanização do
Campus de Pinheiros. Integravam essa Comissão Ernesto de Souza Campos, Luiz Ignacio
de Anhaia Mello, José Maria da Silva Neves, Adriano Machini e Christiano das Neves. No
plano geral de urbanização da Cidade Universitária, desenvolvido ao longo dos anos, com
reuniões quinzenais, bem como apresentações de relatórios e detalhamentos de projetos,
aparecem inúmeros aspectos arquitetônicos, tais como uma pista de aviação civil, um
jardim botânico e, o mais interessante para esta dissertação, a proposta de uma praça da
reitoria, que agregava um grande auditório, biblioteca e um Museu. A influência que o
Museu de Zoologia teve no currículo de Christiano das Neves é perceptível nesse projeto.
É possível identificar a proposta de Olivério Mário de Oliveira Pinto e do grupo de
biologistas do Museu de Zoologia, pois na versão do projeto apresentado pela Comissão,
em 1945, apareceu a indicação de um Museu de História Natural, tendo em sua frente a
Faculdade de Ciências e o Planetarium (fotos 62, 63 e 64). Isso ocorreu no mesmo ano em
que o Museu de Zoologia formulou sua proposta de transformação para um Museu de
História Natural da Universidade de São Paulo (Contribuições dos Biologistas ao ante-
projeto de Regulamento do projetado Museu de Zoologia da Universidade, 1945). Trata-se
do mesmo projeto. Por sua vez, esse processo é entendido também como uma derivação
da proposta de Afonso D'Escragnolle de Taunay, cuja intenção era criar um Museu de
História Natural vinculado a Faculdade de Philosophia de Sciencias e Letras?
Pensa-se agora na separação dos museus, o de História Natural e o de História
como tanto é para se desejar de acordo com os centros modernos. Neste sentido
trocamos idéias preliminares com o Dr. Almeida Prado Vice Reitor da
Universidade tendo o seu assentimento. Passará o Museu de História Natural a
incorporar-se à Faculdade de Philosophia de Sciencias e Letras. (Relatório
Anual de Atividades do Museu Paulista de 1935: de Afonso
Cristiano Stockler das Neves e a realização do Museu de Zoologia
154
fotos 62 e 63 - planta da Cidade Universitária, proposta da Comissão da Cidade Universitária -
reprodução: Mauricio Candido da Silva
data: abril de 2006
fonte: setor de obras raras da biblioteca da FAUUSP
destaque para localização do Museu de Ciências Naturais.
fotografia 64 - planta da Cidade
Universitária, proposta da
Comissão da Cidade Universitária -
reprodução: Mauricio Candido da
Silva
data: abril de 2006
fonte: setor de obras raras da
biblioteca da FAUUSP
destaque para localização do
Museu de Ciências Naturais.
Cristiano Stockler das Neves e a realização do Museu de Zoologia
155
D'Escragnolle Taunay para Cantidio de Moura Campos (Secretário
dos Negócios da Educação e da Saúde Pública), 31 de janeiro de
1936).
De uma forma ou de outra, ele esteve ligado com projetos governamentais e
edifícios públicos, sendo muitos deles ligados a programas acadêmicos.
Christiano das Neves definiu a função da arquitetura como “arte de espiritualizar a
arte de construir, de poetizar a matéria”. Em relação ao carárater monumental das obras de
arquitetura, não considerava a sua definição por este ou aquele tamanho que pretendesse
estabelecer. São as formas de expressão que devem conduzir a edificação artística ou
monumental (fotos 65 e 66),
É o sentimento que cria a obra de arte e não a ciência, as teorias estéticas, o
mundo objetivo, porque a emoção estética é um fenômeno puramente subjetivo,
variável [...] arquitetura sem beleza é corpo sem alma. (Documento de
Christiano Stockler das Neves, apreciação sobre a alteração da
alínea b do artigo 30 do Conselho Regional de Engenharia e
Arquitetura (6ª região), década de 1960).
fotografia 65 - postal de Christiano das Neves com
imagem escultórica de Firenze.
reprodução: Mauricio Candido da Silva
data: abril de 2006
fonte: setor de obras raras da biblioteca da FAUUSP
Cristiano Stockler das Neves e a realização do Museu de Zoologia
156
Em relação ao aspecto monumental da arquitetura, como, por vezes, são os
museus, Christiano das Neves tinha uma idéia bastante particular, associando este
aspecto ao neoclássico, seu ponto de partida como estilo:
Em 1922 elaborei o projeto da Estação D. Pedro II, para a Central do Brasil,
inspirando-me nas magníficas concepções para a 'Grand Central Station' [...].
Adotei o estilo neoclássico, único indicado para edifícios públicos de caráter
monumental. Pois, muito bem, meu caro patrício. A
Central do Brasil resolveu abandonar esse meu
projeto, fundamentando suas razões no facto de eu
ter adoptado um stylo de uma época em que nem
havia estrada de ferro!. Isto obrigou-me a escrever
um memorial que será apresentado ao Ministro da
Viação [...]. (Documento da Seção de obras
raras da Biblioteca da FAU/USP, sem data,
grifo do autor).
fotografia 66 - anotações de
Christiano das Neves - 1927.
reprodução: Mauricio Candido
da Silva
data: novembro de 2005
fonte: setor de obras raras da
biblioteca da FAUUSP
Cristiano Stockler das Neves e a realização do Museu de Zoologia
157
Ainda em relação aos monumentos, no início da década de 1970, após ser
convidado para presidir o júri de um concurso de arquitetos, assim como para escolher o
local em São Paulo para instalação de um monumento para glorificar o Expedicionário
(pracinhas), teceu alguns comentários sobre esta forma de perpetuação do passado,
citando Julien Guadet, da Escola de Belas Artes de Paris, “O monumento comemorativo
deve exprimir simplesmente e sem equívoco o fato histórico a que se refere. Sua
eloqüência deverá ser concisa tendo por fim a lembrança de um fato à posteridade através
dos tempos e da Arte, que é eterna e não efêmera como a moda.” (Carta em resposta ao
convite do Prefeito Paulo Maluf, 22 de novembro de 1970). Com isso, é possível afirmar
que ele manteve a coerência em seu discurso, durante toda a sua trajetória prfissional,
uma marca desse grande arquiteto paulista.
Sob a inflncia da sua formação nos Estados Unidos, Christiano das Neves nutria
uma grande admiração por aquele país. Ele considerava que a grandeza da América do
Norte estava fundamentada no espírito de associação e de solidariedade dos norte-
americanos (foto 67 e 68). Na década de 1940, após exercer um curto mandato na prefeitura
de o Paulo, entre março a agosto de 1947, ele comentou a libertação dos prisioneiros
cubanos pelo povo norte-americano escrevendo, “O capitalismo, tal qual é praticado nos
Estados Unidos, es ao alcance de todos, por ser democrático. [...] um capitalismo humano,
nivelador, cienfico, cristão, democrático. (Documento assinado por Christiano Stockler das
Neves, ex Prefeito de São Paulo, 'Grande Gesto de Grande Povo', sem data). O seu
alinhamento político com uma ideologia mais conservadora, do governo e da igreja, resultou
numa concepção estica partiria e tradicionalista, “Estamos precisando muito de uns
comandos estéticos neste país, afim de evitarmos esse bolchevismo artístico que por ai
campeia infrene, em detrimento da nossa civilizão, da nossa cultura, da nossa tradição, da
nossa capacidade (Documento intitulado 'Bom Gosto, porque te escondes e
Cristiano Stockler das Neves e a realização do Museu de Zoologia
158
foto 68 - postal de Christiano das Neves com imagem do Museu de Ciência e Indústria de Chicago.
reprodução: Mauricio Candido da Silva
data: abril de 2006
fonte: setor de obras raras da biblioteca da FAUUSP
foto 67 - Postal de Christiano das Neves com imagem do Lincoln Center.
reprodução: Mauricio Candido da Silva
data: abril de 2006
fonte: setor de obras raras da biblioteca da FAUUSP
foto 69 - publicação de Christiano
das Neves.
reprodução: Mauricio Candido da
Silva
data: novembro de 2005
fonte: setor de obras raras da
biblioteca da FAUUSP
Cristiano Stockler das Neves e a realização do Museu de Zoologia
159
não reages?', assinado por Christiano das Neves, publicado no 'Correio Paulistano' nos
dias 9, 11 e 12 de dezembro de 1951) (foto 69).
Com esse posicionamento, Christiano das Neves evidencia a sua ideologia e,
consequentemente, um estilo marcado pela valorização dos parâmetros históricos e por
uma crença numa cultura clássica consolidada na Europa. Possuidor de uma visão elitista
dos valores humanos, cujo estilo arquitetônico por ele adotado tinha sempre como ponto
de partida o neoclassicismo. Acreditava nos valores transformadores graduais, evolutivos,
no cumprimento das etapas para se chegar no patamar mais elevado da cultura. A
ideologia de Christiano das Neves o colocou em confronto com os que pensavam de outra
forma e assim foi com os arquitetos modernos.
Cristiano Stockler das Neves e a realização do Museu de Zoologia
160
5.2 embates com o modernismo
Resultante da expansão econômica e da força política de São Paulo, o governo de
Washington Luís Pereira de Souza surgiu como um divisor de águas na arquitetura paulista
de forma geral, no Museu Paulista, em particular. Expoente, erudito e político, foi Prefeito
(1913 a 1919), Presidente do Estado (1920 - 1924) e, em 1926, eleito Presidente da
República. Em função do golpe militar de 1930, não chegou a terminar esse último
mandato. Remodelou a estrada que ligava São Paulo a Santos. Mantinha grande interesse
pela história, com um certo revivalismo (ELIAS, 1996). Amigo de Afonso d'Escragnolle de
Taunay, não mediu esforços para ajudá-lo na transformação e consolidação do Museu
Paulista como um Museu de História do Brasil, com destaque para São Paulo. Na verdade,
ele é quem o indicou para o cargo de diretor deste Museu (ELIAS, 1996). Protetor da
estética neocolonial, Washington Luís Pereira de Souza realizou algumas viagens de
campo juntamente com os arquitetos Ricardo Severo e Victor Dubugras para a
recuperação da típica arquitetura paulista. Graças a sua atuação frente a administração da
cidade e do Estado de São Paulo, estabeleceu-se um clima cultural que promoveu os
valores históricos dessa região. O auge foi a celebração do centenário da Independência,
ocorrida no Museu Paulista em 1922. Apoiou os discursos de Ricardo Severo em prol da
arquitetura neocolonial, como forma de promover os valores históricos da arquitetura.
Sempre atuante nas discussões sobre os estilos arquitetônicos, principalmente
após 1917, quando criou e passou a dirigir o curso de Arquitetura na Escola de Engenharia
do Mackenzie, Christiano Stockler das Neves era frontalmente contra o estilo propugnado
por Ricardo Severo,
[...] julgava a nossa produção colonial muito pobre e de mau gosto, ainda mais
que advinda de um pais sem tradições artísticas e num enorme arrazoado vai
buscar num dos seus gurus espirituais, o tratadista Cloquet, o apoio que lhe
faltava. Dizia Cloquet que se devia 'ou bem adaptar as fórmulas de um estilo
histórico ou bem inverter fórmulas inteiramente novas' [...]. Para Christiano das
Cristiano Stockler das Neves e a realização do Museu de Zoologia
161
Neves, a arquitetura brasileira tinha um caminho: adotar os 'nobres' estilos
europeus, especialmente o Luiz XVI. [...] e também porque inventar fórmulas
inteiramente novas era impossível devido ao fato do Brasil ainda não poder arcar
com essa responsabilidade à vista de ainda ter uma sociedade em processo de
formação. (LEMOS, 1987, p. 93).
Analisando estas considerações do historiador da arquitetura Carlos Lemos, torna-
se mais evidente por que para Christiano das Neves o verdadeiro modernismo estava nos
Estados Unidos e na França. Em longo artigo para o jornal 'O Estado de São Paulo',
possivelmente publicado em 1917, Monteiro Lobato escreveu texto provocativo dirigido a
Christiano das Neves. Valorizando o novo estilo de caráter tradicionalista, criticou o
arquiteto:
[...] esse movimento fecundo que Ricardo Severo iniciou com tanta descrição e
ao qual se filia uma plêiade de artistas altamente comprehensivos é o primeiro
vagido de uma coisa muito mais significativa do que o Sr. Stockler suppõe. É o
tactear dos primeiros passos para a criação do estilo brasileiro. Mas o Sr. Stockler
nega que o possamos ter. Põe-nos assim numa situação à parte no mundo, visto
como 'todos' os povos têm. Outorga-nos o 'record da incapacidade'. (LEMOS,
1987, p. 93).
Este foi apenas um dos inúmeros embates ideológicos que Christiano das Neves
travou ao longo de sua promissora carreira. Contudo, o maior foi travado a partir do final da
década de 1920, quando a arquitetura moderna entrou definitivamente no cenário
nacional. Ele foi um dos maiores opositores desse movimento, desde o seu início, em
1929, com a construção do edifício para o Ministério da Educação (RJ), de cujo concurso
ele chegou a participar, até a década de 1970, registrando suas convicções em jornais, em
periódicos nacionais, internacionais e em inúmeras correspondências.
Uma das críticas mais ferozes ao modernismo feita por Christiano das Neves foi em
relação ao conceito de moradia e habitação, difundida por Le Corbusier, segundo o qual a
construção da cidade se baseia completamente sobre a definição de um elemento
primário, máquina para habitar ou simples 'célula habitável' (LE CORBUSIER, 1973). Trata-
se de um modelo de habitação surgido após a Revolução Russa de 1917 e a I Guerra, em
Cristiano Stockler das Neves e a realização do Museu de Zoologia
162
que a moradia, unidade mínima da cidade, deveria servir para qualquer um. Denominando
Le Corbusier de “fan dos pilotis”, Christiano das Neves o criticou por inconsistência
estética e por sua concepção teórica:
Em flagrante incoerência com suas antigas idéias, o 'fan' dos 'pilotis' preconiza
agora quartos sem janelas, e com superfície estritamente necessária, iluminados
artificialmente, arejados mecanicamente. Seu quarto é um cubo de 2,26 de lado,
e que ele chama 'Modular'. [...] Tornou-se agora inimigo do sol. É tenebroso.
(Documento intitulado 'Bom Gosto, porque te escondes e não
reages?', assinado por Christiano das Neves, publicado no 'Correio
Paulistano', nos dias 9, 11 e 12 de dezembro de 1951).
Esse foi um período extremamente rico para a história da arquitetura, pois a
mudança de paradigmas, sobre os quais os arquitetos se posicionavam, acima de tudo,
ideologicamente, revela um momento em que o “moderno não era um estilo e sim uma
causa” (KOOP, 1990).
Para Bernard Huet, que fez uma análise crítica sobre o período em que Christiano
das Neves produziu boa parte de suas obras, entre as décadas de 1920 e 1940, não é a
habitação que define a cidade, pois a arquitetura é arbitrária, incapaz de fazer a cidade
sozinha. Essa questão fica mais evidente quando ele aponta para uma das causas
resultantes da arquitetura moderna, uma vez, que para este historiador da arquitetura, “[...]
a transformação da cidade em um espaço homogêneo se cumpre na fragmentação
arquitetônica e na dissolução da forma urbanística.” (HUET, 1986, p. 85). Continua o autor,
na sua crítica a essa nova forma de planejar e o ocupar o espaço urbano de forma
massificada,
Não cabe aqui uma crítica detalhada sobre os efeitos desse tipo de urbanização.
Assim, nos limitaremos a lembrar que não se tratou somente de uma decadência
social e cultural: junto ao patrimônio urbano e arquitetônico desaparecia também
aquela escola de civilização, aquela fábrica de cultura que a cidade européia
sempre representou. (HUET, 1986, p. 85).
Numa análise histórica desse momento, Josep Maria Montaner avalia que o
movimento moderno pensou em um ”homem total”, idealizando seres humanos
Cristiano Stockler das Neves e a realização do Museu de Zoologia
163
aspticos e racionais, sendo todos eles iguais e com as mesmas necessidades (MONTANER
1993). Este tipo de análise não está sozinha, encontrando sustentação em outras, que
caracterizam essa nova objetividade e funcionalismo como mecanicista, que abafa a
criatividade artística e acarreta perdas dos valores espirituais tradicionais (LANE 1985).
A idéia de um movimento moderno como uma causa ideológica e não apenas
como estilo tem em Christiano das Neves uma grande sustentação. Em março de 1947,
durante sua administração na prefeitura da capital, foi criada a 'Comissão Estética do
Município', com a finalidade de evitar “os monstrengos que o modernismo recomendava”.
Em 1955, escreveu um documento intitulado “Por um governo sociocrático”, que pregava
a disciplina e a ordem como lema, inclusive para a arquitetura. Citando Alexandre Severo,
afirmou que a sociocracia era o meio termo entre o extremismo de esquerda (acracia) e o
de direita (holocracia). Ele utilizava-se dessas idéias para pregar contra o estilo moderno,
contra a denominada arquitetura bolchevique. Como antídoto ao Marxismo propôs a obra
de Jean Izoulet, 'La Cité Moderne'. Considerva a liberal democracia uma aberração,
criticando o partidarismo que dela decorria. Ao seu ver, tratava-se de uma falsa
democracia. Nessa disputa, parecia estar perdendo a luta, isso porque usou o termo
'salvar' inúmeras vezes neste documento por ele redigido:
[...] a ditadura é uma medida de salvação pública. [...] sairemos da
desoladora situação em que nos encontramos quando a direção do país estiver
nas mãos de homens honestos, cultos, capazes, patriotas, em condições de
prepararem um plano de grande envergadura para a salvação nacional. [...] se
insistirmos com a mistificadora liberal democracia [...] estaremos preparando o
campo para o comunismo, para a anarquia. Salvemos essa mocidade que vai
dirigir os destinos do Brasil de amanhã [...].(Documento intitulado “Por um
Governo Sociocrático”, de Christiano Stockler das Neves, 1955,
grifo nosso).
Christiano das Neves não estava sozinho neste embate com a arquitetura
moderna, ele fazia parte de um grupo de arquitetos, engenheiros, artistas e alunos que
questionavam a nova tendência da primeira metade do século XX, dentre eles Edmundo
Cristiano Stockler das Neves e a realização do Museu de Zoologia
164
Krug, Luís Carlos Berrini, Oswaldo Bratke, Carlos Ekman, Italo Martinelli, José Paulo Machado,
Maria Penteado Coelho, Eva Rubin. Em conjunto, dentre outros, assinaram um abaixo-assinado
e o enviaram ao Ministro da Educão, Gustavo Capanema, protestando contra a contratação
de corpo docente de modernistas para a Escola Nacional de Belas Artes,
[...] os signatários architectos engenheiros artistas e estudantes arte São Paulo
lamentam serem convidados docência Escola Nacional Bellas Artes apologistas
corrente pseudo artística que não necessita mestres porque está ao alcance de
todos. (Documento da Seção de obras raras da Biblioteca da
FAU/USP, sem data).
Por ter lutado pela legalização do exercício da profissão de arquiteto e engenheiro,
Christiano das Neves não acreditava na arquitetura popular. Para ele, a arquitetura era uma
questão profissional, somente os bem preparados é que podiam exercê-la,
[...] tinham uma visão elitista das questões arquitetônicas, não passando pelas
cabeças deles (Christiano das Neves e Monteiro Lobato) a possibilidade de se
incluir na polêmica a produção popular, que logo surgiu se apropriando do
Neocolonial [...]. Ambos não perceberam que naqueles quase cinquenta anos de
miscegenação estava praticamente definida, dentro da linguagem
classicizante, uma arquitetura popular tipicamente paulistana, muito diferente,
por exemplo, da arquitetura carioca contemporânea baseada na presença dos
mestres de obras portugueses (LEMOS, 1987, p. 94).
Os embates travados entre Christiano das Neves e o grupo modernista não
cessaram. Um ano após a sua saída da direção do curso de Arquitetura do Mackenzie, em
homenagem prestada aos futuros arquitetos, Geraldo Ferraz fez duras críticas ao ex-
diretor desse pioneiro curso,
[...] nos defrontamos com o arquiteto Christiano das Neves desde 1929, quando
da primeira exposição de uma casa modernista no Pacaembú, a segunda que
construíra Gregori Warchavchik, que foi atacado nas colunas deste mesmo jornal
pelo atual diretor do Mackenzie. [...] o Sr. Christiano das Neves permanece
estacionário. Suas concepções de 1929 são as mesmas que hoje defende. De
nada lhe serviram estes quase vinte anos de progresso do mundo. (Jornal
'Diário de São Paulo', 23 de maio de 1948).
Além das críticas, Christiano das Neves sofreu acusações, cujos fundamentos
não foram pesquisados neste trabalho. Em nota de esclarecimento ao Jornal da Tarde,
sem data de publicação, Christiano das Neves, como presidente da Comissão Julgadora,
Cristiano Stockler das Neves e a realização do Museu de Zoologia
165
foi acusado de jogar fora o projeto do engenheiro Flávio de Rezende Carvalho, no
concurso para a embaixada da Argentina no Rio de Janeiro. Os trabalhos de Lúcio Costa,
para este mesmo concurso, foram apresentados em outra sala da Escola de Belas Artes,
pois não atendia às solicitações. Mesmo assim seus trabalhos foram classificados em
primeiro lugar. Embora o edifício não tenha sido construído, a polêmica permaneceu por
muito tempo em pauta de discussão. Christiano das Neves refutou todas as acusações.
Com plena convicção em sua causa contra o modernismo, o longo texto que
Christiano das Neves escreveu para o jornal 'Correio Paulistano', intitulado Bom Gosto,
porque te escondes e não reages?”, foi uma reação em função de uma série de debates
entre defensores e críticos da I Bienal de Arte Moderna de São Paulo. Sua publicação foi
concomitante a ocorrência deste evento. O autor iniciou seu artigo criticando o ícone da
arquitetura moderna nacional, “Discordamos dos que consideram feio o Ministério da
Educação. E o fazemos porque não achamos feio esse edifício, mas simplesmente
feíssimo.Neste documento, fica mais evidente sua concepção de uma evolução da arte e
não de sua revolução,
Como a natureza, a arte não faz saltos. Evolui. Não decorre da vontade deste ou
daquele indivíduo, deste ou daquele grupo. Arquitetura não se inventa e estilo não
se impõe. Não estilo pessoal em arquitetura [...] não passa de pretensiosa
busca de originalidade tudo que se fizer em contrário àqueles princípios e outro
fator na concepção arquitetônica a tradição. Não estilo arquitetônico que não
procede de outra, por ser o reflexo de uma civilização. Conforme disse Latino
Coelho, nenhuma civilização brotou autóctone e espontânea. (Documento
intitulado 'Bom Gosto, porque te escondes e não reages?', assinado
por Christiano das Neves, publicado no 'Correio Paulistano', nos
dias 9, 11 e 12 de dezembro de 1951).
Assim, torna-se mais clara sua crença na necessidade de importar o verdadeiro
estilo arquitetônico da civilização européia, que aos poucos estava imigrando para os
Estados Unidos. A máxima aparece ao citar Gioberti, em seu 'Discorse sul Belo', [...] a arte
de construir poderá existir entre os povos menos civilizados, enquanto que a arquitetura é
Cristiano Stockler das Neves e a realização do Museu de Zoologia
166
o resultado da mais alta civilização.” Com base nessa matriz, ele desenvolveu o seu
argumento em prol da França e dos Estados Unidos, origem de sua formação: Tal edifício
(Ministério da Educação) tornou-se uma das curiosidades da 'Cidade Maravilhosa', que,
deste modo, serviu de cobaia ao Karl Marx da arquitetura, ao decapitador desta grande
arte civilizadora, ao destruidor da nobre profissão do arquiteto. Conjuntamente,
expressou o seu pensamento positivista, por meio do conceito de raça e miscigenação:
Em países novos como o Brasil, cuja população ainda não constitui uma raça definida
devido ao constante afluxo de sangue estrangeiro, a idéia de pátria é precária e precisa ser
incutida em todos os espíritos, principalmente na infância.(Documento intitulado 'Bom
Gosto, porque te escondes e não reages?', assinado por Christiano das Neves, publicado
no 'Correio Paulistano', nos dias 9, 11 e 12 de dezembro de 1951). Definitivamente, não se
trata puramente de questões estéticas, mas, acima de tudo, políticas e ideológicas. A
documentação relativa a obra de Christiano das Neves demonstra que, por ser uma ação
cultural, o exercício da arquitetura está longe de ser um ato isolado. Ele tem interferência
nas relações humanas, tornando-se assim ação histórica.
Hoje em dia sabe-se do revisionismo pelo qual o modernismo passou a partir da
década de 1960, gerando novas formas de planejamento e construção dos espaços,
principalmente aos relativos a forma de moradia. Muitos deles partiram do desejo de
reconstruir a Europa, destruída pela Guerra, no renovado apreço pelos movimentos e
sítios históricos e no reinvocado sentimento nacionalista-regionalista, somados ao
sentimento de frustração ante as promessas da modernidade, que acabara de mostrar
sua face mais predadora.
Certamente, Christiano das Neves não foi o responsável e nem atuou diretamente
nesse panorama do revisionismo. Contudo, é curioso pensar que o pós-modernismo
nasceu onde ele estudou, nos Estados Unidos. A origem do movimento está na chamada
Cristiano Stockler das Neves e a realização do Museu de Zoologia
167
'Escola de Filadélfia', que vincula a figura carismática de Louis Kahn, formado na
Universidade da Pennsylvania, de orientação tradicionalista, ao trabalho teórico e prático
de Roberto Venturi, cujas idéias muito devem ao seu período de estudos em Roma. A
cultura arquitetônica pós-modernista resultou de um cruzamento de conceitos da crítica
histórica tradicional, da cultura da pop-art e aplicação de metodologia de análise
linguística-estrutural. O movimento teve seu apogeu quando Philip Johnson, uma lenda do
modernismo, adere a suas fileiras assinando o projeto do edifício da AT&T, em Nova York
(1978 1983) (COLIN, 2000).
É impossível negar o interesse que Christiano das Neves nutria pela história da
arquitetura. Mantinha em seu arquivo pessoal inúmeros recortes de jornais com os
projetos arquitetônicos em discussão ou em implantação pelo país, independente do
estilo, tais como o projeto de um Centro Cultural de Brasília, de autoria do arquiteto Sérgio
Bernardes e de dois projetos de Oscar Niemeyer, um da catedral de Brasília e outro de um
Museu da Terra, uma proposta do início da década de 1970, do Ministério das Minas e
Energia, que tinha o objetivo de integrar todas as suas especialidades: geologia,
mineração, energias nuclear, hidrelétrica e termoelétrica e petróleo, tendo o prédio três
pavimentos e uma base de 16 metros apoiada em apenas duas pilastras centrais; o último
pavimento atingiria 88 metros de vão livre. Como se vê, Christiano das Neves tinha plena
consciência do seu papel na história da arquitetura paulista e procurou exercê-lo,
opinando, projetando edifícios, manifestando sua ideologia. Enfim, tornando-se um
agente histórico.
5.3 o programa arquitetônico de um espaço museológico
O Programa Arquitetônico como intenção e propósito é uma exigência de uma
Cristiano Stockler das Neves e a realização do Museu de Zoologia
168
época. Por tras dele uma idéia. A obra resultante, que engloba o projeto arquitetônico e
a edificação em si, é significante. No Museu de Zoologia está codificada essa significação,
por meio da história que envolve o programa arquitetônico, a ocupação no espaço urbano,
o propósito museológico do edifício, o conjunto dos elementos arquitetônicos que
compõem o Museu e a própria trajetória profissional do arquiteto, tornando-se um valioso
vetor dos significados presentes no programa, uma vez que além de ser o elo entre os
solicitantes (ex-diretores) e o produto (a obra), foi preponderante como arquiteto, portanto
criador, carregado de intenções artísticas. Nesse sentido, estudar o arquiteto, em sua
atuação profissional e política, torna-se fundamental na decodificação do programa
arquitetônico do Museu de Zoologia. A análise do processo de construção do Museu
ajuda a entender o seu arquiteto, do mesmo modo que uma compreensão da trajetória de
Christiano das Neves nos ajudará a abranger e aprofundar a noção museística embutida
no Museu de Zoologia.
Os problemas com a falta de espaço em Museus com coleções naturais não são
uma exclusividade da história do Museu de Zoologia. Pela similaridade do processo
histórico vivido é possível citar aqui um pequeno aspecto da história do Museu de História
Natural de Londres, que, quando ainda ocupava uma parte do Museu Britânico, recebeu
nova área que, contudo não foi suficiente: As novas construções para as coleções de
História Natural, entre 1823-47, aumentaram a capacidade de guarda, mas logo se
mostraram insuficientes.“ (GIROUARD, 1981, p. 8, tradução nossa). Em função disso,
neste caso, um dilema se implantou:
[...] o Museu Britânico deveria ser ampliado ou seria necessário construir um
novo edifício? Que forma deveria ter o novo edifício, qual o tamanho, qual a
proporção do espaço para exposições, pesquisa e reserva técnica?“.
(GIROUARD, 1981, p. 8-9, tradução nossa).
Girourd apresenta dados significativos, relacionados às soluções arquitetônicas
Cristiano Stockler das Neves e a realização do Museu de Zoologia
169
empregadas para um programa voltado a uma instituição museológica, cuja finalidade é a
Musealização da Natureza. Como exemplo dessas soluções, é possível destacar o
pórtico de entrada e emprego de um hall central, no qual a iluminação superior e a rigidez
simétrica estão em sintonia com a aceitação de uma imagem contemporânea de um
Museu ou de uma galeria de pinturas. Christiano das Neves parte de um programa
semelhante para o seu projeto de Preservação da Zoologia. A entrada do Museu de
Zoologia é caracterizada por uma escada de estilo romano (KOCH, 2001) e emprega, da
mesma forma, um hall central, não com galerias, tal qual um museu de arte, mas sim
conectado a um único grande salão expositivo. A escadaria interna não se propõe à
grandiosidade, pois ela não era pública, por isso margeia o espaço central e conduz a uma
iluminação natural, ornamentada por um conjunto de vitrais.
A semelhança entre estes dois projetos está mais no programa de necessidades
do que nas soluções apresentadas por estes dois arquitetos, principalmente se levarmos
em conta a trajetória histórica vivida por estas duas instituições, que tiveram suas coleções
naturais retiradas da instituição original. Enquanto Richard Owen traçou o programa
arquitetônico do Museu de História Natural de Londres para Alfred Waterhouse, Olivério
Mário de Oliveira Pinto discutiu e apresentou a sua idéia de museu com coleções
científicas para Christiano das Neves, enfatizando a permanência da tradição, fundada n
a (fotos 70, 71, 72, 73, 74 e 75): [..] Fulgura o Departamento de Zoologia, herdeiro
das tradições da antiga Seção de Zoologia do MP, entre os estabelecimentos que o turista
nacional ou estrangeiro procura visitar, quando de passagem da nossa capital. (Relatório
apresentado pelo Diretor em 15 de janeiro de 1941 a José Levy Sobrinho, Secretário da
Agricultura, Indústria e Comércio de São Paulo).
o
Museu Paulista, ressaltando mais o propósito de salvaguarda e comunicação do que o de
pesquis
foto 71 - aspecto das coleções de pesquisa do Museu de Zoologia.
autor: desconhecido
data: década de 1940
fonte: acervo iconográfico do STM/DDC/MZUSP
foto 70 - acervo zoológico no Museu Paulista.
autor: desconhecido
data: entre 1910-1925
fonte: Fundo Museu Paulista / MPUSP
Cristiano Stockler das Neves e a realização do Museu de Zoologia
170
foto 73 - acervo zoológico para pesquisa no Museu de Zoologia - início da década de 1940.
reprodução: Mauricio Candido da Silva
data: abril de 2006
fonte: banco de imagens do jornal Folha de São Paulo
foto 72- Rodolpho von Ihering no Museu
Paulista.
autor: desconhecido
data: entre 1900-1915
fonte: Fundo Museu Paulista / MPUSP
Cristiano Stockler das Neves e a realização do Museu de Zoologia
171
foto 75 - aspectos da primeira exposição no edifício do Museu de Zoologia.
autor: desconhecido
data: início da década 1943
fonte: acervo iconográfico do STM/DDC/MZUSP
foto 74 - acervo zoológico em exposição no Museu Paulista.
autor: desconhecido
data: entre 1900-1910
fonte: Fundo Museu Paulista / MPUSP
Cristiano Stockler das Neves e a realização do Museu de Zoologia
172
Cristiano Stockler das Neves e a realização do Museu de Zoologia
173
Dessa forma, ele também foi o herdeiro e tradutor dos ensinamentos da
administração de museus divulgados por George Brown Goode, tão bem assimilados por
Hermann von Ihering ainda no início do século XX para o Museu Paulista, que, aqui
resumidas e enquadradas, pregavam a separação das coleções de estudo das coleções
públicas (researching and teaching collections), definindo assim o caráter científico do
Museu. Olivério Mário de Oliveira Pinto parece avançar nessa linha, principalmente no que
diz respeito a forma pela qual as coleções públicas deveriam ser apresentadas:
[...] foi possível inaugurar uma grande mostra, representando uma vasta
panorâmica da paisagem campestre, animada por algumas espécies, entre as
mais típicas desse ambiente faunístico. No primeiro plano um grande tamanduá
bandeira (Myrmecophaga tridaciyla), no ato de abrir com as unhas possantes
volumoso ninho de cupins (Termitidae), um tamanduá-mirim (Tamandua
tetradactyla) sobe pelo tronco da árvore próxima, em cujos galhos se observa um
chã-chã (Colaptes campestris) e, à pequena distância, uma pombinha das almas
(Xolmis cinerea). No solo, contribue para o interesse da cena um ninho de João
bobo (Nystalus chacuru), de onde se ve partir a ave de asas abertas,a em direção
à companheira, empoleirada perto. (Relatório apresentado pelo Diretor
em 15 de janeiro de 1941 a José Levy Sobrinho, Secretário da
Agricultura, Indústria e Comércio de São Paulo) (foto 76).
A ambientação dos animais, a sua contextualização nas exposições, consistia em
um dos aspectos principais na concepção de Olivério Mário de Oliveira Pinto para os
Museus de História Natural (fotos 76 e 77). Além de ser herdeiro de uma tradição, ele era
um pesquisador que realizou inúmeras expedições científicas, levando em consideração
a visão do conjunto ambiental fundamental para a compreensão da zoologia. Estas idéias
passaram a ter caráter normativo, quando apresentadas em forma de ante-projeto de
criação do Instituto de Zoologia de São Paulo, em 1945, ao definir as finalidades da
instituição proposta:
[...] a organização na Capital do estado de uma exposição permanente de
escimes zoogicos, aproveitando o que já existe, e substituindo,
gradativamente, a exibição de indivíduos isolados por grupos em que se procure
dar imagem, tão aproximada quanto possível, da natureza, dos ambientes, e das
relações biológicas existentes entre os seres vivos. (Carta de Olivério Mário
de Oliveira Pinto para José de Mello Morais, Secretário de Estado
dos Negócios da Agricultura, Indústria e Comércio, 26 de janeiro de
1945).
Cristiano Stockler das Neves e a realização do Museu de Zoologia
174
fotos 76 e 77 - aspectos da primeira exposição no edifício do Museu de Zoologia.
autor: desconhecido
data: início da década 1940
fonte: banco de imagens do jornal Folha de São Paulo
Cristiano Stockler das Neves e a realização do Museu de Zoologia
175
Enquanto a Revista atingia o público especializado, a exposição objetivava o
público leigo, em caráter de instrução pública,
Alegraram-me sobremodo as suas referências, demasiado generosa aliás, à
orientação nova que venho imprimindo a Exposição Pública do nosso museu
zoológico. É pena que, por deficiência de meios muito lentamente possa ir
fazendo a reforma que imaginei, no intuito de modernizar, digo melhor substituir,
os nossos velhos mostruários. Se através dela eu conseguir despertar entre o
povo e especialmente na mocidade estudiosa maior amor pela nossa natureza e
algum gosto pelo conhecimento das cousas que lhe dizem respeito, terei
alcançado o meu maior objetivo. [...] julgo ter afastado o inconveniente das visitas
em massa, reservando as terças-feiras às pessoas desejosas de examinar as
coleções menos superficialmente, e muito particularmente aos estabelecimentos
de ensino, alguns dos quais começaram a trazer turmas de alunos. (carta de
Olivério Mário de Oliveira Pinto a J. Ribeiro do Valle, 12 de outubro
de 1944).
É interessante ressaltar que Olivério Mário de Oliveira Pinto entrou no Museu
Paulista em 1929, no lugar de Afrânio do Amaral, herpetologista, que, anos mais tarde,
dirigiu o Instituto Butantan. Logo nos primeiros anos de atuação, direcionou suas
pesquisas para a ornitologia, tornando-se em pouco tempo em uma referência mundial
neste campo do conhecimento da zoologia. Recebeu inúmeros elogios de Afonso
D'Escragnolle de Taunay, que aproveitou, como sempre, para criticar a direção de
Hermann von Ihering no Museu Paulista,
Recatalogou a coleção ornithológica do Museu Paulista, condenando 'in totum' a
administração do Dr. Ihering pelo grande defeito de privar cada exemplar de um
número próprio de série, condição básica e elementar da catalogação, sem a
qual não é possível fazerem-se referências às singularidades que em cada
exemplar devem ser recomendadas aos entendidos. Enquanto assistente da
sub-seção de vertebrados, ele escreve também sobre mamíferos e organiza as
coleções de peixes. (TAUNAY, relatório de atividades de 1930, p. 53).
Em 1930, um ano após a sua contratação, ele assumiu a direção do Museu Paulista
na ausência de Afonso D'Escragnolle de Taunay e de H. Luederwaldt. Ele era homem de
confiança do diretor do Museu.
Por outro lado, a releitura do relatório de viagem de Ihering aos Museus europeus,
em 1907, deixa ver que ele propôs algo muito semelhante, cerca de trinta anos antes do
projeto do Museu de Zoologia:
Cristiano Stockler das Neves e a realização do Museu de Zoologia
176
Obedecendo às novas exigências do 'atual estado da ciência', outra inovação na
exposição das coleções determinava que estas deveriam ser organizadas, não
mais com base somente na classificação sistemática, mas em agrupamentos
determinados pela convivência sob as mesmas condições físicas e biológicas e
pelas relações que mantinham na natureza e com a natureza: 'um progresso
notável, que data dos últimos decênios, é a exposição de preparações
biológicas, de grupos naturais de animais, destinados a ilustrar seu modo de
viver'. (ALVES, 1998, p. 145).
No entanto, Olivério Mário de Oliveira Pinto tinha ciência da longa trajetória de sua
pesquisa científica, bem como da trajetória do Museu de Zoologia em implantação. Em
um artigo de caráter histórico, ele escreve sobre o nascente interesse pelas ciências
naturais no Brasil, muito antes da 'Era dos Museus':
Com a carta de Pero Vaz Caminha, tão cheia de observações sobre o aborígene,
plantas e animais, a curiosidade pela natureza é contemporânea mesma do
descobrimento da terra brasílica. [...] muitos escritos foram condenados ao
silêncio dos arquivos [...] a sorte que tiveram a célebre carta do Padre Anchieta
sobre as 'coisas da natureza da Capitania de São Vicente' (escrita em 1560, mas
vinda à luz da publicidade em 1799), o 'Tratado do clima e da terra do Brasil' do
Padre Fernão Cardim (datado de 1585 e dado primeira a lume em 1847) e o
extraordinário 'Tratado descritivo do Brasil em 1587' de Gabriel Soares de Souza
(inédito até 1825). (Oliveira Pinto, s/d)
Mais tarde, após a abertura do Museu de Zoologia ao público, na busca da melhor
configuração desta instituição, Olivério Mário de Oliveira Pinto expôs mais abertamente
sua visão sobre o que deveria ser o Museu, revelando assim uma busca de equilíbrio entre
a tradição e a renovação da pesquisa científica, e do compromisso com a instrução
pública que esta instituição deveria assumir:
[...] Pelo respeito devido à obra constituída pelos nossos antepassados, como
pela natureza mesma dos valores materiais e morais que justificaram a sua
criação e garantem sua existência, houve mister conservar ao Departamento de
Zoologia o caráter predominante de Museu de História Natural, sem prejuízo das
atividades outras que lhe foram conferidas. [...] cabem aos museus duas
finalidades perfeitamente distintas: a de instruir o público, através das galerias de
exposição permanente, e a outra, não menos relevante, de oferecer os elementos
materiais, indispensáveis aos que trabalham pelo progresso dos conhecimentos
no domínio que lhes diz respeito, pondo ao alcance dos estudiosos coleções
reservadas exclusivamente para este fim, de par com os recursos indispensáveis
de instrumental bibliografia. Sob qualquer destes aspectos, a missão precípua
das instituições desta natureza é desenvolver a parte da História Natural
conhecida pelo nome de Sistemática, compreendendo-se sob esta
denominação, assim no campo da zoologia, como da Botânica, a diferenciação
e o reconhecimento das inúmeras espécies que povoam o planeta, a
Cristiano Stockler das Neves e a realização do Museu de Zoologia
177
investigação dos laços de parentesco e a afinidade genealógica existente entre
os seres vivos, o levantamento estatístico das formas peculiares às diferentes
unidades geográficas, e, finalmente, os fatos referêntes à sua distribuição natural
na superfície da Terra. (Carta de Olivério Mário de Oliveira Pinto a José
de Mello Morais, Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura,
Indústria e Comércio, 26 de janeiro de 1945).
Em termos formais, Christiano das Neves realizou este programa em dois níveis: no
grande salão expositivo, mais propício para a exibição de ambientes naturais,
tecnicamente chamados de dioramas, e no conjunto dos vitrais, nos quais os animais
foram representados em contextos naturais. Além disso, alguns moldes de gesso e
cerâmica vitrificada, em forma de ornamento arquitetônico, também representam animais
em contexto natural, curiosamente e não por acaso, as aves foram os animais
contextualizados, em seus ambientes naturais, ou em 'cenas vivas' (foto 78) , uma vez que
Olivério Mário de Oliveira Pinto era ornitólogo.
Talvez por conta do seu caráter eclético, no projeto arquitetônico para o Museu de
Zoologia, ao dar ênfase na especificidade dos espaços internos, ele reagiu contra a
museologia do século XIX que amontoava os objetos sem caracterizá-los nem outorgar-
lhes espaços específicos. Do mesmo modo, podemos dizer que ele reagiu contra a
47
indefinição da planta livre do museu moderno, que se propõe como contentor neutro .
Na tentativa de identificar as permanências e rupturas nesse longo processo
histórico, entre as semelhanças e diferenças dos projetos arquitetônicos do Museu
Paulista e do Museu de Zoologia, cabe destacar o fato do edifício ocupado pelo Museu
Paulista não ter sido projetado para ser Museu. Depois de um disparate administrativo
governamental, acentuado pela transição de um regime imperial para um republicano, o
edifício projetado por Tommasio Gaudensio Bezzi tornou-se um entrave, sem destinação,
47
É possível citar dois exemplos clássicos que ocorreram no Brasil: o projeto de Lina Bo Badi para o Museu
de Arte de São Paulo e o projeto de Afonso Eduardo Reidy para o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.
Ambos criticados por Christiano Stockler das Neves.
Cristiano Stockler das Neves e a realização do Museu de Zoologia
178
pois não havia um programa explícito, ficando cinco anos vazio (1885 - 1890). Depois de
todos os investimentos feitos, de todas as disputas poticas, a elite responsável pela sua
construção não sabia o que fazer com o edicio. Foi, então, transformado em um Museu de
História Natural. Completamente diferente foi a história do projeto arquitetônico do Museu de
Zoologia, construído especialmente para preservação das referências patrimoniais da
foto 78 - ornamentação alegórica das aves em contexto ambiental, localizada no hall central
(monocramáticas) e nas fachadas (coloridas) do Museu de Zoologia.
autor: Wagner Souza e Silva
data: abril de 2004
fonte: acervo iconográfico do STM/DDC/MZUSP
Cristiano Stockler das Neves e a realização do Museu de Zoologia
179
zoologia neotropical. Ele tinha um programa de necessidades e seu arquiteto projetou e
construiu-o de maneira a formalizar uma edificação que atendesse essas necessidades
da melhor forma possível, dentro dos recursos disponíveis.
O Museu de Zoologia é tradição e ruptura porque teve um programa arquitetônico
que remeteu à origem de suas práticas museológicas, iniciadas ainda antes da existência
do Museu Paulista. Contudo, por meio deste mesmo programa, articulou as necessidades
práticas inerentes aos processos museológicos com as possibilidades espacias,
peculiares de um arquiteto, gerando assim um projeto específico, que trouxe para a
experiência concreta algo completamente novo para a arquitetura paulista, um espaço
especialmente construído para a preservação da zoologia.
a construçãoa construção
a construção
6.1 a realização do programa arquitetônico
do Museu de Zoologia
A constituição do programa
arquitetônico do Museu de Zoologia tem um
momento especial no ano de 1894, quando
Hermann von Ihering assumiu a direção do
Museu Paulista e começou a trabalhar na
implantação de um Museu de História
Natural do Estado de São Paulo. Aqui é admitida a idéia de que foi um equívoco
administrativo a ida das coleções naturais que estavam na Comissão Geográfica e
Geológica para o edifício-monumento. Equívoco este que levou 45 anos para ser
corrigido.
O ano de 1939 simboliza o fim do Museu (Enciclopédico) de História Natural e início
do Museu (Especializado) de Zoologia. Símbolos que, ao mesmo tempo que
representam, denotam as mudanças e as transformações que definiram a trajetória
histórica da recém criada instituição museológica.
Seis foram os fatores decisivos, resultantes de um processo histórico, que
representam as transformações institucionais, impregnadas nas formas arquitetônicas e
nas práticas museológicas do Museu de Zoologia.
O primeiro diz respeito à publicação do Decreto 9.918, que oficializou a saída
das coleções naturais do Museu Paulista, sedimentando um antigo desejo de Afonso
D'Escragnolle de Taunay. O segundo foi a nomeação de Olivério Mário de Oliveira Pinto
para a direção interina do Museu de Zoologia, uma instituição que teria em seu foco o
6. a construção
181
a construção
estudo da sistemática e taxonomia, com base em coleções científicas. O terceiro se refere
a encomenda do projeto arquitetônico do novo edifício à Christiano Stockler das Neves,
um arquiteto que tinha grande prestígio nacional. O quarto foi o fim do Horto Botânico, um
projeto naturalista, , deixado de lado,
transformado em espaço de descanso e lazer. O quinto trata-se do fim da “Revista do
Museu Paulista”, que foi transformada por Olivério Mário de Oliveira Pinto em Arquivos de
Zoologia do Estado de São Paulo”, com o objetivo de dar continuidade a tradição e os
empreendimentos iniciados no Museu Paulista. O sexto, talvez o mais emblemático, foi a
48
morte de Rodolpho von Ihering , maior herdeiro das idéias de seu pai, Hermann von
Ihering. Portanto, 1939 foi um ano de transformações, marcado pela busca de identidade
do novo museu que nascia. O projeto arquitetônico surgiu como a esperança de um novo
tempo.
O processo de desvinculação das coleções zoológicas do Museu Paulista deixou
muitas marcas de rupturas e de continuidades entre duas importantes instituições
museológicas paulistas, que trazem em suas histórias uma enorme contribuição para o
progresso da ciência. No conjunto, estes fatores compõem uma importante marca no
processo histórico do programa arquitetônico do Museu de Zoologia, num movimento
aparentemente linear, mas que, quando detalhado, mostra-se complexo e com inúmeras
nuances. Tudo isso refletido na forma traduzida e criada pelo arquiteto, que, como artista,
torna-se um vetor cultural do seu tempo e do seu espaço.
Embora houvesse inúmeras discordâncias ideológicas entre Christiano Stockler
das Neves e os modernistas, aqui foi tomada a liberdade de citar uma conceituação sobre
tendo como meta a pesquisa e a instrução pública foi
182
48
Esteve no Museu Paulista de 1903 a 1917. Em 1927, após 10 anos afastado das atividades de pesquisa em
Zoologia, entrou para o Instituto Biológico de Defesa Agrícola e Animal, na qualidade de assistente da Seção
de Entomologia e Parasitologia. Em 1934, tornou-se chefe do serviço científico da seção de zoologia deste
Instituto. Do seu ingresso no Museu Paulista até sua morte produziu uma vasta bibliografia referente a
zoologia para iniciantes, estudantes e professores, e para seus pares cientistas naturalistas (Pereira 1941).
a construção
a arquitetura de Lúcio Costa, por ser considerada abrangente, abordando a questão da
permanência da arquitetura,
A mais tolhida das artes, a arquitetura é, antes de mais nada, construção; mas
construção concebida com o propósito primordial de organizar e ordenar o
espaço para determinada finalidade e visando a determinada intenção. [...] É
nesse processo fundamental de organizar, organizar e expressar-se que ela se
revela igualmente arte plástica, porquanto nos inumeráveis problemas com que
se defronta o arquiteto desde a germinação do projeto até a conclusão efetiva da
obra, sempre, para cada caso específico, certa margem final de opção entre
os limites - máximo e mínimo - determinados pelo cálculo, preconizados pela
técnica, condicionados pelo meio, reclamados pela função ou impostos pelo
programa, cabendo então ao sentimento individual do arquiteto - como artista,
portanto - escolher, na escala dos valores contidos entre tais limites extremos, a
forma plástica apropriada a cada pormenor em função da unidade última da obra
idealizada. (COSTA, 2005, p. 20).
O projeto arquitetônico de Christiano das Neves para o Museu de Zoologia é
tomado como expressão gráfica do programa arquitetônico até aqui apresentado. Com
quase 30 anos de carreira e com uma vasta experiência em edifícios públicos , ele tinha
plena consciência do seu projeto (fotos 79 e 80). Deste ponto de vista, esta análise leva em
conta que ele possuía um propósito claro para este edifício, resultante de sua experiência
e de um programa de necessidades existente. Ele herdou uma tradição museológica para
a qual deveria criar a expressão em termos formais:
[...] a essência real do museu consiste em reconhecer as peças da própria
colão, conferindo-lhes espaços à sua medida, conforme às suas
características, conforme uma luva ou uma capa, ao mesmo tempo em que se
aceita e reconhece o ambiente circundante. É uma posição que se fundamenta
no respeito aos dados preexistentes: para o interior, coleção e critérios
museológicos e para o exterior, espaço urbano, jardins e paisagem.
(MONTANER, 2003, p. 76).
Tratava-se de um desafio considerável, uma vez que a condição contemporânea
influi nesse olhar, pois o museu é dinâmico, os processos museológicos são ativos e a sua
inserção na sociedade é latente:
[...] de baluarte da alta cultura ele passou a ser um soberano da indústria cultural
para as massas; converteu-se em um edifício cada vez mais hedonista (prazer
como bem supremo) e popular, divertido e comunicativo; estabeleceu-se como
elemento chave de muitas cidades: em direção ao interior e ao local para
recompor a coesão social, em direção ao exterior e ao global para reforçar a
imagem urbana e turística. (MONTANER, 2003, p. 94).
questão de grande interesse para este estudo:
183
a construção
184
fotografia 80 - Christiano das Neves apresenta o projeto para o Ministério da Guerra (RJ) - início da
década de 1940.
reprodução: Mauricio Candido da Silva
data: abril de 2006
fonte: banco de imagens do jornal Folha de São Paulo
fotografia 79 - Christiano das Neves
em seu escritório de Arquitetura -
início da década de 1940.
reprodução: Mauricio Candido da
Silva
data: abril de 2006
fonte: banco de imagens do jornal
Folha de São Paulo
a construção
O período em que o Museu de Zoologia foi projetado e construído foi
extremamente dinâmico para a arquitetura de forma geral, mas, sobretudo, em especial
para os novos museus. Sob a influência da arquitetura moderna, principalmente após a
abertura do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, em 1939, dez anos após a sua
fundação, é possível observar uma maior ocorrência de projetos para Museus com um
estilo de arquitetura moderna, que, cada vez mais, tornavam-se especializados:
Podemos considerar que as idéias modernas de museus concretizam-se, no final
dos anos 30 e início dos anos 40, em quatro modelos: a idéia de museu de
crescimento ilimitado, definido em 1939 por Le Corbusier como uma forma
retilínea que se enrosca; a idéia de museu para uma pequena povoação (1942),
projetado por Mies van der Rohe como platônico museu de planta livre, o museu
de Guggenheim de Nova Iorque (1943-1959), criado por Frank Lloyd Wright como
forma orgânica e singular gerada por seu percurso helicoidal; e a exigência de
Marcel Duchamp de total dissolução do museu, com seus objects trouvés
surrealistas e com suas propostas de um minúsculo museu portátil, a Boîte en
valise (1936-1941), que abriu novos caminhos para as exposições e para os
museus. (MONTANER, 2003, p. 10).
Christiano das Neves discordava de todos, com breve excão a um deles, “No
momento, na edificação, temos visto coisas originais em Frank Lloyd Wright. Este, porém,
é artista; embora excêntrico, às vezes agrada.(Documento intitulado 'Bom Gosto, porque te
escondes e o reages?', assinado por Christiano das Neves, publicado no 'Correio Paulistano'
nos dias 9, 11 e 12 de dezembro de 1951). Como o Guggenheim de Nova Iorque ficou pronto
somente em 1959 a sua inflncia no projeto do Museu de Zoologia é nula. De modo geral, o
MOMA de Nova Iorque tornou-se a refencia da arquitetura moderna para os museus:
O primeiro edifício de desenho novo, uma caixa vertical germinada projetada por
Philip L. Goodwin (MOMA, 1939) não somente foi o primeiro museu dedicado à
arte moderna e construído com arquitetura moderna. Inaugurado em 1929 sob a
direção de Alfred Barr, o MOMA foi, ademais, o primeiro a introduzir em suas
coleções a fotografia, o cinema, a arquitetura e o desenho industrial. Com o
MOMA passava-se do funcionamento horizontal da caixa para a concatenação
vertical das exposições, tal como permitiam os avanços da indústria da
construção. (MONTANER, 2003, p. 40).
Sob a influência do fenômeno MOMA, os Museus de Arte passaram a despertar
maior interesse governamental e popular. Contudo, isso não significa que eles 'roubaram’
185
a construção
visitantes dos museus com coleções científicas, ou melhor, com coleções naturais. Os
museus, consolidados como instituições, passam a expandir suas variações e ainda mais
seu público. Primeiro conquistaram (séculos XVII XVIII), depois consolidaram (séculos
XVIII XIX), por fim, diversificaram-se por meio de sua especialização (séculos XIX XX). A
arquitetura foi fundamental nesse processo. Ao mesmo tempo que estimula, ela reflete um
processo de crescimento e amadurecimento destas instituições:
Cada novo museu surge como uma interpretação daqueles que o precederam,
gerando obras que partem da redefinição dos elementos essenciais da tradição
como vestíbulos, salas e clarabóias e que comportam edifícios de uma estrutura
definida e compartimentada. (MONTANER, 2003, p. 62).
A obra de Tommaso Gaudenzio Bezzi certamente teve influência no programa
arquitetônico do Museu de Zoologia. É possível ainda identificar alguns elementos, tais
como peristilo, hall central, escadaria, corredores de distribuição, vestíbulo, rotunda e
recepção como espaços centrais na estruturação espacial do Museu. Contudo, há duas
diferenças a serem assinaladas de que, acredita-se, Christiano das Neves tinha plena
consciência. As influências do Museu Paulista eram limitadas, pois ele não fora construído
para ser um espaço museológico, mas sim um edifício-monumento. O Museu Paulista
tinha cerca de dois terços do seu espaço dedicado às exposições. O Museu de Zoologia é
projetado para ter um terço do seu espaço dedicado às exposições.
Considerando que a história da organização e das formas de representação tem o
potencial de revelar aspectos importantes da história da arquitetura dos museus, é
importante se levar em conta os pressupostos informativos dos objetos para sua
incorporação nas coleções científicas. David Clercq e Marta Lourenço apresentam cinco
critérios para a formação (CLERCQ, 2003). Aqui, estes critérios são admitidos como
elementos integrantes do programa arquitetônico para o Museu de Zoologia. São eles:
186
a construção
Se os resultados de pesquisa foram interessantes, a coleção deverá ser preservada;
2° Se alguns objetos são considerados representativos, eles integrarão uma coleção de
referência;
Alguns objetos particularmente ilustrativos comporão a coleção pedagógica;
Outros poderão ser mostrados devido a uma atração estética ou por ter características
impressionantes;
5°. Coleções também podem ficar disponíveis por não serem relevantes ou por simples
falta de espaço (CLERCQ, 2003, p. 5).
Christiano das Neves parece ter levado em consideração critérios semelhantes a
estes para a elaboração do projeto arquitetônico do Museu de Zoologia. Tais critérios, ou
seus semelhantes passaram pelo diretor interino do Museu de Zoologia, quando este
ainda era localizado no interior do Museu Paulista (foto 81). Essas informações tornaram-
se importantes elementos de composição do programa arquitetônico. O arquiteto teve a
incumbência de traduzí-los em forma de um espaço museológico.
187
foto 81- aspecto das instalações do Museu de
Zoologia no Museu Paulista.
autor: desconhecido
data: início da década de 1940
fonte: Fundo Museu Paulista / MPUSP
a construção
A construção do novo edifício foi muito aguardada pelo diretor do Museu Paulista e
pelo novo diretor interino do Museu de Zoologia. O lançamento da pedra fundamental,
marcando o início das obras, foi um marco nesse processo (foto 82). A ansiedade pelo
novo edifício está registrada no discurso de Olivério Mário de Oliveira Pinto na ocasião
deste evento, que contou com a presença do Interventor Federal no Estado, Adhemar de
Barros, e do secretário da Agricultura, José Levy Sobrinho, que assumiu pessoalmente a
responsabilidade pela criação do Museu e pela contratação do arquiteto:
[...] o lançamento da pedra fundamental e o início imediato da construção da
sede própria, foi, sem dúvida, o acontecimento mais memorável na história do
Departamento de Zoologia, durante o ano transato. Só poderá sobrepujá-lo em
alcance e significação a inauguração do novo prédio, que tudo leva a crer deverá
verificar-se durante o ano vigente. [...] Prende-se ela em parte à falta de espaço e
consequente impossibilidade de boa ordem com que a repartição se a braços,
angustiada nas salas estreitas do último pavimento do prédio do Museu Paulista.
(Relatório apresentado pelo Diretor em 15 de janeiro de 1941 a José
Levy Sobrinho, digno Secretário da Agricultura, Indústria e
Comércio de São Paulo).
Nesse mesmo discurso, Olivério Mário de Oliveira Pinto evidenciou a trajetória da
nova instituição, que não era nova, mas sim um reforço da linha de pesquisa adotada há
muito pelo Museu Paulista, quando este ainda se definia como um Museu voltado para a
pesquisa de animais da América do Sul. Christiano das Neves também estava no
momento do discurso (foto 83), e, certamente, ouviu e apreendeu os dizeres do orador:
[...] tem como fins o inventário metódico de nosso imenso patrimônio faunístico, a
determinação da área de dispersão de seus componentes, das relações que
mantém entre si ou com a vida humana, com animais domésticos, ou as plantas
cultivadas. [...] a sua função, antes de tudo, a Zoologia taxonômica, o que vale
dizer a sistemática [...]. (Relatório apresentado pelo Diretor em 15 de
janeiro de 1941 a José Levy Sobrinho, digno Secretário da
Agricultura, Indústria e Comércio de São Paulo).
Esse intricado processo, entre uma nova institutição com base nas antigas tradições, um
novo edifício nos antigos terrenos e uma nova construção com formas históricas, revela
uma complexa relação, expondo interessantes coincidências (fotos 84 e 85). Em 1895,
Hermann von Ihering, lançou a Revista do Museu Paulista na abertura pública do Museu.
188
a construção
189
foto 82 - lançamento da pedra fundamental - o Interventor Federal no Estado de São Paulo, Adhemar de
Barros autoriza a construção do edifício do Museu de Zoologia.
autor: Giro Pastore
data: 9 de julho de 1940
fonte: (Arquivos de Zoologia do Estado de São Paulo - Volume I, 1941)
foto 83 - lançamento da pedra fundamental - Olivério Mário discursa para as autoridades presentes,
sendo observado ao fundo por Christiano Stockler das Neves (indicado).
autor: Giro Pastore
data: 9 de julho de 1940
fonte: (Arquivos de Zoologia do Estado de São Paulo - Volume I, 1941)
arquiteto
a construção
Em 1940, Olivério Mário de Oliveira Pinto lançou os Arquivos do Museu de Zoologia, não na
abertura da exposição, mas juntamente com o lançamento da pedra fundamental. A
construção do edifício tinha um grande significado, a realização de um projeto
museológico, historicamente constituído:
Os primeiros exemplares do Tomo I dos 'Arquivos de Zoologia do Estado de São
Paulo', correspondente ao exercício de 1939, foram distribuídos em 9 de julho do
ano passado, na ocasião mesma em que era solenemente lançada a pedra
fundamental da futura sede do Departamento de Zoologia[...]. A nova publicação
vem logrando merecer os mesmos favores dispensados à 'Revista do Museu
Paulista', de que ela se propôs ser continuadora. [...] pode o Departamento de
Zoologia felicitar-se pelas boas relações que mantém com os mais importantes
dos nossos institutos técnicos similares. Do Museu Paulista não necessitarei
falar; trabalhando com ele lado a lado e sob o mesmo teto, mantêm-se vivas as
mesmas tradições de lealdade e camaradagem dos tempos em que eramos
parte integrante de sua estrutura. (Relatório apresentado pelo Diretor em
15 de janeiro de 1941 a José Levy Sobrinho, digno Secretário da
Agricultura, Indústria e Comércio de São Paulo).
As correspondências enviadas por Olivério Mário de Oliveira Pinto aos seus pares
demonstram que a expectativa da construção do novo edifício era grande:
Projeta-se neste momento construir sede própria para o Departamento de
Zoologia da Secretaria de Agricultura (que é mister não confundir com a repartição
homônima integrada na Universidade de São Paulo). Preciso estar presente às
discussões sobre este assunto, capital para o futuro do nosso instituto, cujas
perspectivas, em vista disso, são bastante animadoras. (Carta de Olivério
Mário de Oliveira Pinto ao Dr. A. Wetmore, do Museu Nacional dos
Estados Unidos, Washington, 27 de junho de 1940).
. O resultado do seu trabalho, unido a sua trajetória
profissional, que, por sua vez, estava totalmente imersa na sua ideologia política, traduz a
concepção de um universo pertencente a história da museologia. Ao mesmo tempo, os
aspectos construtivos do Museu de Zoologia tornaram-se codificadores de um sistema,
configurando este processo como linguagem arquitetônica e museológica. Esta obra
torna-se, assim, um edifício representativo da história da arquitetura e da museologia.
A realização dos programas arquitetônico e museológico alcançou sua maior
expressão no projeto (do Museu), vértice de anseios e necessidades que se constituíram
ao longo de quase meio século
190
fotografia 85 - acervo zoológico em exposição no edifício do Museu de Zoologia.
autor: desconhecido
data: início da década 1943
fonte: acervo iconográfico do STM/DDC/MZUSP
foto 84 - acervo zoológico no Museu Paulista.
autor: desconhecido
data: entre 1920-1925
fonte: Fundo Museu Paulista / MPUSP
a construção
191
6.2 a obra
A análise dessa obra arquitetônica toma como pressuposto que a arquitetura
possui enunciados que são vinculados por suas formas. Ao enunciar, ela se constitui
como linguagem: “Ela possui a capacidade de representar para pessoas algo mais que a
sua simples presença.” (COLIN, 200, p. 75).
Isso é possível porque ela possui uma forma, volumétrica, inserida num espaço
urbano. Não em qualquer espaço. Essa distinção é importante porque o Museu de
Zoologia foi constituído no 'locus histórico' do Ipiranga (fotos 87, 88 e 89).
De forma que se contextualize espacialmente o projeto de Christiano das Neves a partir
de uma perspectiva urbanística, o Eixo Monumental do Ipiranga se sugerido para am
foto 86 - aspecto da fachada principal do Museu de Zoologia.
autor: Ronaldo Aguiar
data: novembro de 2004
fonte: Acervo iconográfico do STM/DDC/MZUSP
a construção
192
a construção
193
foto 88 - vista da região do Ipiranga a partir do edifício-monumento.
autor: desconhecido
data: décadas de 1930 - 1940
fonte: Fundo Museu Paulista / MPUSP
foto 87 - vista da região do Ipiranga a partir do edifício-monumento - em destaque o Museu de Zoologia.
autor: desconhecido
data: décadas de 1930 - 1940
fonte: Fundo Museu Paulista / MPUSP
a construção
194
do complexo abrangido pelo Parque da Independência. Soma-se ao complexo abrangido
pelo Museu Paulista, o Museu de Zoologia, o Internato da Sagrada Família, a
Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição, o Instituto Nossa Senhora
Auxiliadora, o Grupo Escolar São José, o Instituto Maria Imaculada, o Instituto Padre Chico,
o Instituto de Artes da Unesp e a UNIFAI Centro Universitário Assunção. No conjunto,
estes edifícios constituem um complexo que desempenha atividades de pesquisa,
educação, cultura, saúde e assistência social em toda a região, conhecida popularmente
como Alto do Ipiranga, ou mesmo Colina do Ipiranga. Mesmo que o estudo deste contexto
espacial não seja aprofundado, é importante tê-lo como horizonte, pois ele havia se
constituído no momento da construção do Museu de Zoologia, resultado da urbanização
da região em função do Museu Paulista como lugar da memória, o 'locus histórico'.
foto 89 - Vista aérea do Parque da Independência, Eixo Monumental do Ipiranga - em destaque o
Museu de Zoologia.
autor: Google Earth
data: 2005
fonte: Google Earth
a construção
Planejado para ser construído em um espaço urbano constituído pelo Eixo
Monumental, vale a pena retomar a análise de Bernard Huet para os espaços urbanos,
principalmente porque ele, assim como Christiano das Neves, foi muito crítico em relação
às soluções modernas para estes espaços.
O projeto urbano não define a embalagem dos edifícios a serem construídos de
uma forma mais ou menos imperativa, mas consiste na individualização de quatro
elementos que constituem o tecido urbano: o traçado, as hierarquias
monumentais, a subdivisão e, enfim, as regras de organização espacial. (HUET,
1986, p. 86).
A construção do Museu de Zoologia no Parque da Independência foi determinada
por uma circunstância mais administrativa do que urbanística. Talvez mesmo para agilizar
sua saída do Museu Paulista, tão desejada por Afonso D'Escragnolle de Taunay, que
havia cogitado, inclusive, sua transferência para a Universidade de São Paulo. A sua
construção está situada em um importante momento da História da Arquitetura
contemporânea brasileira. Até 1940 a industrialização de materiais de construção era
tímida (FILHO, 1970), levando os arquitetos e engenheiros construtores a importarem boa
parte dos materiais construtivos, principalmente aqueles empregados nas grandes obras
49
e nas inovações das técnicas construtivas . O crescimento vertical da cidade de São
Paulo, iniciado no começo do século XX, ganhava força nesse momento. A reviravolta
decisiva ocorreu em consonância com a aceleração do progresso industrial. Foi em 1936,
quatro anos antes do início das obras do Museu de Zoologia, que a produção industrial
nacional, com 8 milhões de cruzeiros, superou a produção agrícola, com 6 milhões e 200
milhões de cruzeiros (BRUAND, 2002). Também é importante frisar que em 1943 foi
concluído o primeiro edifício público moderno na Capital do Brasil, o Ministério da
Educação e Saúde. Em função da Guerra que assolava a Europa, grandes
195
49
Um outro aspecto que reforça a idéia do momento de renovação da técnica construtiva é o fato de que as
décadas de 1930 a 1940 assistiram à multiplicação de uma grande renovação no setor residencial de os
prédios urbanos.
a construção
transformações políticas e, principalmente, econômicas chegaram até aqui, interferindo
em muitos aspectos, inclusive no desenvolvimento e nas formas da arquitetura. Por outro
lado, este período também foi marcado por uma intensa industrialização e urbanização no
país. Ocorrera, então, um vertiginoso avanço técnico e econômico, acompanhado de
profundas transformações sociais (FILHO, 1970).
Como não houve concurso para a construção do Museu de Zoologia, cabe
perguntar o porquê da escolha de Christiano das Neves entre tantos arquitetos e estilos
que haviam naquele momento. É difícil obter uma resposta conclusiva. O fato é que ele
era reconhecido pelo curso de arquitetura que fundara e ainda dirigia no Mackenzie, pela
sua vasta produção, pela sua premiação com o projeto da Estação Sorocabana, pelo
edifício para o Ministério da Guerra e pela influência que exercia no meio político paulistano
e que o levou à Prefeitura da Cidade de São Paulo anos mais tarde. É importante destacar
que esta obra foi administrada diretamente pela Secretaria de Agricultura de São Paulo e
que seu pai, ainda em 1911, como vencedor do concurso de projetos para a nova
Penitenciária do Estado, apesar de não executada, estabeleceu importantes vínculos de
negócios entre esta Secretaria e o seu 'Escriptório Téchnico de Construções', sendo
convidado no mesmo ano para chefiar os melhoramentos da Capital, no centro urbano,
principalmente no Vale do Anhangabaú. Embora Afonso D'Escragnolle de Taunay
considerasse Samuel das Neves “mestre de cortesia”, não foi possível identificar algum
tipo de ligação mais formal entre este arquiteto e o diretor do Museu Paulista, ou mesmo
com Olivério Mário de Oliveira Pinto. É curioso saber que consta no currículo de Christiano
das Neves a construção de uma residência para Rodolpho von Ihering, sem data definida.
Como obra museológica dedicada a preservação das referências patrimoniais
da zoologia neotropical, o edifício atualmente ocupado pelo Museu de Zoologia foi
erguido na colina do Ipiranga. Dividido em quatro pavimentos, com uma área construída
196
a construção
com pouco mais de cinco mil metros quadrados, o edifício ocupa um lote de esquina,
entre a avenida Nazaré e a rua Padre Marchetti, na parte sul em relação ao Museu Paulista,
onde se localizava parte do Horto Botânico projetado e implantado por Hermann von
Inherig ainda na primeira década do século XX (HOEHNE, 1925). Trata-se de um lote
retangular, medindo 62,15 x 81,5 metros, e a edificação construída mede 52 x 52 metros. A
menor medida do terreno se refere a fachada principal, voltada para a avenida Nazaré e a
50
maior medida refere-se à fachada da rua Padre Marchetti . As outras duas fachadas
voltam-se ao extinto Horto Botânico (fotos 90 e 91). Os elementos estruturais do prédio são
constituídos por grossas paredes de alvenaria, com cerca de meio metro de largura, por
colunas de perfil quadrado e vigas de sustentação com perfil semicircular. Em função de
um leve declive, o aproveitamento do terreno gerou quatro pavimentos, na verdade, três e
três quartos, pois o primeiro pavimento, considerado sub-solo, devido àquela declividade,
não ocupa toda a área do edifício, tendo um quarto de sua área subterrada.
No próprio projeto, o arquiteto especificou com detalhes o uso de cada espaço,
destacando-se as áreas de pesquisa, de coleções, da biblioteca, da administração e o
197
50
“A denominação dos logradouros dessa região do bairro do Ipiranga teve forte influência do Conde José
Vicente de Azevedo. Para conhecer seu legado basta ir à Avenida Nazaré e seus arredores e observar as
grandes instituições que ali surgiram graças a suas doações, como a Fundação Nossa Senhora Auxiliadora
do Ipiranga, o Santuário Sagrada Família e o Seminário das Irmãzinhas da Imaculada Conceição, o Instituto
de Cegos Padre Chico, o Hospital e Maternidade Dom Antônio Alvarenga, o Instituto de Artes da UNESP, a
UniFai e o Colégio São Francisco Xavier, entre outras. Descendente de portugueses, José Vicente nasceu
em Lorena, interior de São Paulo, em 7 de julho de 1859. Em julho de 1876, veio para a capital morar com um
tio. Formou-se na Faculdade de Direito do Largo São Francisco e ingressou na política, integrando a
Assembléia Legislativa Provincial de São Paulo em meados de 1880. durante a República, foi eleito
também para a Câmara e para o Senado do Vale do Paraíba. Em 1885 elaborou um projeto sugerindo a
criação daquela que seria a primeira universidade do Brasil. Segundo o projeto, seria instalada no edifício
que se encontrava em construção na colina do Ipiranga. Tratava-se do Monumento à Independência, hoje
Museu Paulista. O projeto não foi em frente, mas demonstrava a atenção do Conde para com a região e
prenunciava a vocação que o bairro viria desenvolver, abrigando diversas universidades. Proprietário de
vários lotes de terra adquiridos no início do governo republicano, o Conde José Vicente de Azevedo foi
responsável pelo surgimento da avenida Nazaré, providenciando a abertura do seu traçado com 30 metros
de largura e uma extensão próxima da que tem hoje a Avenida Paulista. Também foi responsável pelo
a s f a l t a m e n t o d o s p r i m e i r o s 5 0 0 m e t r o s d a a v e n i d a , e m 1 9 2 9 ” .
(http://www.jabaquaranews.inf.br/suplementos/ipiranga, 8 de julho de 2006).
a construção
198
foto 90 - planta de situação do
Museu de Zoologia.
reprodução: Wagner Souza e
Silva
data: abril de 2002
fonte: arquivo da diretoria do
MZUSP
foto 91 - vista aérea do Museu de Zoologia - em primeiro plano a Rua Padre Marchetti.
autor: desconhecido
data: entre as décadas de 1960 -1970
fonte: Fundo Museu Paulista / MPUSP
a construção
199
salão para exposição. Nessa linha, é possível ainda verificar uma área pública e uma área
de uso restrito. Seu programa museológico foi pautado pela lógica organizacional, de
ocupação e de distribuição dos espaços, segundo a função a ser desempenhada (fotos
51
92, 93 e 94 ).
foto 92 - planta do pavimento térreo do Museu de Zoologia.
reprodução: Wagner Souza e Silva
data: abril de 2002
fonte: arquivo da diretoria do MZUSP
51
Falta a reprodução da planta do sub-solo.
a construção
200
fotos 93 e 94 - plantas dos primeiro e segundo pavimentos do Museu de Zoologia.
reprodução: Wagner Souza e Silva
data: abril de 2002
fonte: arquivo da diretoria do MZUSP
a construção
Após levantamento e estudo de cinqüenta e cinco cópias de plantas elaboradas
para o Museu de Zoologia, comparando-as com o edifício que de fato foi construído é
possível afirmar que houve pouca alteração entre projeto e execução. Após estudos
preliminares, em dois anos, entre 1939 1941, praticamente todo o projeto desenhado foi
executado, com adaptações significativas apenas nos aspectos ornamentais e da
escadaria do hall central. Analisando o Processo AS/nº 91223/1941, referente a
construção da sede do Museu de Zoologia, foi possível verificar que, após concorrência, a
empreiteira Pegado & Souza, cujo engenheiro responsável era o renomado professor Caio
Luís P. de Souza, foi contratada para ser a construtora do edifício, sendo a responsável por
toda a estrutura do prédio: fundações, colunas, vigas e lajes. Do mesmo modo, Ricardo
Katz de Castro fez a aplicação de quartzlite e a Casa Francesa aplicou gesso no forro.
Em 15 de agosto de 1940, logo após o início das obras, com o lançamento da
pedra fundamental, ocorreu a assinatura do contrato entre o governo do Estado e
Christiano das Neves. Inicialmente orçada em Rs 1.100:000$0 (mil e cem contos de réis), a
obra foi construída rapidamente e a um custo considerado baixo por especialistas da
época. Embora a obra tenha sido executada praticamente na íntegra, sem alterações
substanciais, eventos ocorridos demonstram a dinâmica da construção e os naturais
conflitos entre programa e projeto arquitetônico.
Durante a construção do Museu de Zoologia surgiu um personagem que se inseriu
de forma determinante na relação programa-projeto-construção. Trata-se do engenheiro
Antenor da Silveira, chefe da divisão de engenharia rural, designado como responsável
51
direto pela construção do prédio e fiscalização da obra . Juntamente com Olivério Mário
de Oliveira Pinto, sua intervenção garantiu a execução praticamente integral do projeto
201
51 Em novembro de 1959, ele e Christiano das Neves foram homenageados com a Medalha de Prata do
Mérito da Engenharia e Arquitetura pelo Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura
http://www.confea.org.br/publique, 8 de julho de 2006.
a construção
arquitetônico. Manteve grande afinco na sua responsabilidade de garantir a [...]
construção deste majestoso edifício que vai servir a um dos mais importantes serviços
científicos. [...] e respeito e admiração por Christiano das Neves, cujo nome como
profissional e como professor em sua especialidade é sobejamente conhecido e
acatado. (Ofício de Antenor da Silveira para José de Paiva Castro, diretor geral da
Secretaria da Agricultura, mais ou menos dois meses após o início das obras, 26 de
agosto de 1940).
Este respeito pelo arquiteto tinha fundamento porque Christiano das Neves atuava
também como engenheiro, sendo reconhecido pelo consagrado trabalho com
concreto. No item III do contrato com a construtora, como administrador da obra,
especificou com detalhes o que deveria ser executado: “O concreto será construído com
3700 kilos por centímetro quadrado.” (Processo AS/ nº 91223/1941). Ele ainda estipulou
em 105 dias o término desse trabalho. Visitou a obra quinzenalmente e determinou, ainda
em contrato com a empreiteira, o custo de 300 contos de réis para toda a fundação, quase
30% do valor de toda a obra. O arquiteto conhecia muito bem a técnica da concretagem,
tão comum composição da arquitetura moderna.
Christiano das Neves foi contratado como arquiteto, engenheiro e administrador da
obra. Acumulava três habilidades em um profissional. Toda a sua exigência também
pode ser vista nas especificações para o revestimento das fachadas (fotos 95, 96, 97, 98,
99 e 100):
Será feito com argamassa de cimento branco Atlas ou similar, areia branca,
lavada, quartzo, mica, de pedra, conforme as amostras feitas pelo
Administrador das obras. O cimento branco constituirá uma parte do traço e os
demais ingredientes três partes. A espessura será de 0,01m. Este revestimento
será lavado a ácido (1:10). O serviço deverá ser executado com perfeição, isento
de manchas e outros defeitos. Após a lavagem com ácido o revestimento deverá
receber abundante lavagem com água a fim de não serem prejudicados os
caixilhos de ferro, peitoris e soleiras. Todas as arestas deverão ser vivas, bem
assim os cantos. A mistura de argamassa deverá apresentar coloração uniforme.
Os peitoris terão as necessárias pingadeiras, bem assim todas as molduras
salientes. (Processo AS/ 91223/1941).
202
fotos 95, 96 e 97 - desenho das fachadas e corte lateral do Museu de Zoologia.
reprodução: Wagner Souza e Silva
data: abril de 2002
fonte: arquivo da diretoria do MZUSP
a construção
203
a construção
204
fotografia 98 - Museu de Zoologia em construção.
autor:
data: 1943
fonte: Fundo Museu Paulista / MPUSP
João Alberto José Robbe
fotografia 99 - Museu de Zoologia em construção.
autor:
data: 1943
fonte: Fundo Museu Paulista / MPUSP
João Alberto José Robbe
a construção
Em função da II Guerra, o aspecto econômico foi o que mais interferiu na relação
programa-projeto-construção. Na maior crise da construção, na busca de redução de
gastos, o arquiteto propôs suprimir todo o segundo andar do edifício: A modificação que
proponho no projeto definitivo não irá, ao meu ver, prejudicar os serviços do Departamento
de Zoologia, porém, sacrificará a concepção arquitetônica, tirando-lhe as boas
proporções do projeto original.” (Carta de Christiano das Neves para Antenor da Silveira,
13 de dezembro de 1940) (foto 101).
Antenor da Silveira, preocupado com a completa representação do projeto
arquitetônico e do programa arquitetônico na construção do Museu, manifestou-se
contrário à proposta:
Incontestavelmente as modificações que determinaram aumento de despeza,
trouxeram vantagens ao edifício pois lhe deram maior área útil, mas essas
modificações não devem agora constituir motivo para se mutilar a construção
pois que se assim acontecer dois males decorrerão. Primeiro prejuízo aos
205
foto 100 - Museu de Zoologia, logo após concluída sua construção.
autor: desconhecido
data: início da década 1940
fonte: acervo iconográfico do STM/DDC/MZUSP
Foto 101 - proposta arquitetônica para retirada de um pavimento do Museu de Zoologia.
reprodução: Wagner Souza e Silva
data: abril de 2002
fonte: arquivo da diretoria do MZUSP
a construção
206
serviços do Departamento de Zoologia, não obstante em contrário parecer ao Sr.
Christiano das Neves, mas o erro desse modo de ver decorre do
desconhecimento por parte do referido senhor do que são atualmente e de que
em futuro muito próximo virão a ser as atividades do Departamento de Zoologia.
[...] Seria imprevidência construir-se um edifício que tende a se desdobrar, tendo-
se em vista a situação desse serviço no momento e mais que uma imprevidência,
um erro, procurar-se uma acomodação que sacrifica um serviço constrangendo-
o a ser realizado em locais impróprios. [...] Melhor que eu dirá sobre esse assunto
o Sr. Diretor do Departamento de Zoologia. [...] O segundo mal, é o próprio
arquiteto que propõe a modificação quem o aponta quando diz que essa
modificação 'sacrificará a concepção arquitetônica, tirando-lhe as boas
proporções do projeto original'. [...] Sendo de notar que para parte do edifício cuja
supressão é proposta, foi feito pedido de material. [...] Em resumo se pode
dizer que a modificação pretendida implica na construção de um prédio
arquitetonicamente torturado que não preenche os fins a que se destina. (Carta
de Antenor da Silveira para o diretor geral da Secretaria de
Agricultura, José de Paiva Castro, 17 de dezembro de 1940).
Tudo indica que o projeto arquitetônico foi muito bom, atendendo ao programa
museológico, inclusive no âmbito histórico detalhado aqui, mas a sua proposta para
resolver os problemas executivos, originados pela necessidade de se conter despesas,
não foi bom, como afirmou o diretor interino do Museu, [...] longe de ser inócua, como
supõe o seu proponente, sacrificaria não a concepção arquitetônica da obra, como
significaria ainda enorme prejuízo para as necessidades da repartição, privando-a de todo
um andar e oferecendo-lhe em troca um porão, inadequado aos fins para o primeiro.”
a construção
(Carta de Olivério Mário de Oliveira Pinto para o diretor geral da Secretaria da Agricultura,
José de Paiva Castro, 7 de janeiro de 1941).
Após a tramitação dessa questão por dois meses, Antenor da Silveira demonstrou
contabilmente que a obra era econômica e com pequena soma de recursos poderia ser
concluída satisfatoriamente. Contrariamente aos argumentos do arquiteto, o diretor geral
da Secretaria de Agricultura concordou com os argumentos do diretor interino e do
engenheiro fiscal. A construção deveria seguir o projeto original, em atendimento ao
programa museológico. No entanto, atrazos nos repasses de verba acabaram por
postergar a conclusão da obra,
O Estado de andamento das obras e a premente necessidade em que se
encontrava o Departamento de Zoologia de defender o seu precioso material
científico, deixando quanto antes as suas péssimas condições de localização
em dependências do MP que para serem atingidas obrigava a perigoso transito
por estreito passadiço de madeira apoiado sobre telhados, ligando janelas que
serviam de abertura de acesso [...]. Não é demais fazer notar aqui que o custo
por metro quadrado da referida construção, ficou até a fase em que foram
paralisadas as obras, quase concluidas como foi dito, em muito menos de
300$0 o que é surpreendente e quase inacreditável. (Carta de Antenor da
Silveira para o diretor geral da Secretaria da Agricultura, José de
Paiva Castro, 23 de abril de 1942).
Após dois anos do início das obras, em julho de 1942, o Museu concluiu a
transferência de suas coleções, pessoal, biblioteca, exposição e administração para seu
novo espaço museológico (foto 102). Contudo, a obra não estava plenamente pronta. O
repasse financeiro ainda não havia se efetivado. Sem as mesmas pompas comemorativas
marcadas pelo lançamento da pedra fundamental, na abertura pública do Museu de
Zoologia, não há registro de um evento festivo, por isso a sua data é incerta. Tudo indica
que a abertura tenha ocorrido entre julho e setembro de 1942. A forma mais contundente
de manifestar a indignação pela não conclusão da obra foi o fechamento da recém aberta
exposição:
Reiterando considerações expedidas verbalmente e tendo em vista a crescente
ansiedade com que o público não cessa de reclamar, ora junto ao Museu
207
a construção
Paulista, ora diretamente a esta repartição, a reabertura da exposição
permanente de animais naturalizados, cuja transferência foi feita do primeiro para
a última, sinto-me no dever de encarecer perante Vossa Excelência a
necessidade de se tomarem urgentes providências no sentido de serem
concluídas as obras do edifício do Departamento de Zoologia, que é tão só do
Que está a depender o benefício tão instantaneamente solicitado. (Carta de
Olivério Mário de Oliveira Pinto ao Secretário do Estado dos
Negócios da Agricultura, Paulo de Lima Corrêa,12 de fevereiro de
1943).
Aliado ao compromisso da obra em atender o programa museológico,
principalmente no que tange ao seu uso como meio de instrução pública, Antenor da
Silveira reforçou o pedido do diretor interino do Museu de Zoologia,
Faço aqui notar que por determinação superior o prédio que aqui interessa foi
ocupado com os serviços da repartição para o qual destinado, entretanto, por
falta da terminação dos serviços não pode o mesmo franquear ao público, como
deve, o seu Museu, isto para não falar dos outros inconvenientes. (Carta de
Antenor da Silveira para José de Paiva Castro, 3 de março de 1943).
Com uma arquitetura datada do final da década de 1930, o edifício do Museu de
208
fotografia 102 - Museu de Zoologia, logo após o início de suas atividades museológicas.
autor: desconhecido
data: início da década 1940
fonte: acervo iconográfico do STM/DDC/MZUSP
a construção
209
foto 103 - aspectos ornamentais presentes no edifício do Museu de Zoologia: detalhe de um vitral.
autor: Wagner Souza e Silva
data: abril de 2002
fonte: acervo iconográfico do STM/DDC/MZUSP
Zoologia parece adotar alguns diálogos com o seu entorno - Eixo Monumental do Ipiranga.
Mantendo uma coleção iniciada ainda no final do século XIX, o projeto do Museu buscou,
por meio de vários elementos figurados, dispostos em suas fachadas, mostrar aos
transeuntes o que o prédio abriga em seu interior: um programa arquitetônico voltado para
a Preservação da Zoologia. Do mesmo modo, evidencia aos usuários internos, por meio
de moldes figurados e dos vitrais dispostos em torno da escadaria do hall central, o que se
faz em seu interior. Dessa forma, os elementos figurados presentes nas fachadas
principais do Museu, juntamente com o hall central, que abriga os moldes figurados e os
vitrais formam o conjunto ornamental que representa a ilustração da zoologia no projeto
deste edifício (fotos 103 e 104).
foto 104 - aspectos ornamentais presentes no edifício do Museu de Zoologia: motivos alegóricos
presentes no hall central e nas fachadas.
autor: Wagner Souza e Silva
data: abril de 2002
fonte: acervo iconográfico do STM/DDC/MZUSP
a construção
210
O edifício do Museu de Zoologia da USP faz parte de um conjunto de edifícios
planejados entre as décadas de 1930 e 1940 voltados para a pesquisa científica, ligados a
Secretaria de Agricultura e Comércio do Estado de São Paulo, mas é um dos poucos
edifícios da Cidade de São Paulo planejados para salvaguardar e comunicar coleções
científicas. Embora tenha sido inaugurado em 1939 para abrigar o Departamento de
Zoologia da Secretaria de Agricultura e Comércio do Estado de São Paulo, e não o Museu
de Zoologia de São Paulo, é impossível negar a vocação museológica dessa instituição,
seja pelo desempenho de suas atividades iniciais (pesquisa e divulgação da Zoologia),
seja mesmo pelo próprio projeto arquitetônico, com espaços típicos de um museu.
Nesse sentido, destaca-se o projeto que Christiano das Neves fez para o
Departamento de Botânica da Secretaria de Agricultura, denominando-o de Museu de
Botânica (fotos 105 e 106). Este projeto representa importantes aspectos da história do
Museu de Zoologia. Isso porque estas duas instituições que nasceram do Museu Paulista,
a construção
211
fotos 105 e 106- Projeto para o
Museu de Botânica.
Autor ( : Christiano das
Neves
data: d
fonte: Fundo Museu Paulista /
MPUSP
provável)
écada de 1930
vinculando-se numa mesma Secretaria, foram pensadas como Departamentos, Institutos
e Museus, sendo consideradas complementares, gerenciadas por um mesmo órgão
governamental e, como destaque, foram projetadas museologicamente pelo mesmo
arquiteto. Entretanto, cabe mencionar a proposta de F.C. Hoehne (1925) para o também
Museu de Botânica, quando ele ainda atuava no Museu Paulista. Não foi possível
descobrir se Christiano das Neves teve participação neste projeto, ou se este projeto o
influenciou, mas, pelas fotos, é indiscutível a semelhança entre ambos, principalmente se
for levado em conta a alegoria científica proposta (botânica) para as fachadas deste
edifício projetado, que nunca chegou a ser construído (fotos 107 e 108). O Museu de
Zoologia e o Instituto de Botânica têm uma trajetória histórica muito comum, que se divide
em quatro momentos. O primeiro ocorreu em 1927, quando a Secção de Botânica do
Museu Paulista foi transferida para o Instituto Biológico. O segundo, em 1938, quando a
Seção de Botânica do Instituto Biológico foi transformada em Departamento de Botânica
da Secretaria de Agricultura. O terceiro quando este Departamento transforma-se em
Instituto de Botânica de São Paulo. O quarto, em 1969, quando o Departamento de
Zoologia foi incorporado a Universidade de São Paulo. A partir deste último momento,
cada uma destas instituições passou a ter o seu próprio trajeto histórico. Essas instituições
congêneres, ao se especializarem, tomaram diferentes rumos.
Por projetar os dois Museus, mesmo que um deles não tenha sido construído,
Christiano das Neves, nesta dissertação, é considerado o arquiteto oficial dos Museus
Naturais, com coleções científicas, do Estado de São Paulo, durante a década de 1940.
Ele foi tradutor arquitetônico das linhas de pesquisa e ensino almejadas pelo Estado, que
estendeu seu projeto para a Universidade de São Paulo, quando atuou na Comissão da
Cidade Universitária durante toda aquela década. Por ter sido executado e por pertencer a
uma arquitetura que insiste em permanecer, o Museu de Zoologia torna-se um verdadeiro
a construção
212
a construção
213
fotos 107 e 108 - Projeto para o Museu de
Botânica.
autor: Christiano das Neves (Provavelmente)
data: começo da década de 1920
fonte: (Hoehne 1925)
a construção
patrimônio para a análise desse período histórico do desenvolvimento da pesquisa e
ensino das ciências naturais em São Paulo, com base em coleções científicas.
Adotando linhas sóbrias, o projeto do Museu de Zoologia mescla um certo
formalismo na objetivação de uso de um edifício público, visando à pesquisa e a
divulgação da ciência, talvez mesmo derivada da natureza histórica do Parque da
Independência.
O terreno inicialmente repassado para o Museu de Zoologia incluia o Horto
Botânico do Museu Paulista, extinto em 1939, que totalizava uma área aproximada de
2
45.700m . Por sua vez, o Decreto 12.303, de 7 de novembro de 1941, passou todo o
terreno, incluindo o do Museu para a Prefeitura da capital. Por fim, a Lei 4.362, de 13 de
novembro de 1957, regularizou a situação, deixando o bosque para a Prefeitura e somente
2
a área construída para o Museu, algo entorno de 5.100m .
A proposta de construção do Museu de Zoologia no canto de um imenso terreno,
fora da simetria do Monumento a Independência, parece ter sido de Afonso D'Escragnolle
de Taunay, uma vez que o Interventor Federal do Estado, Ademar de Barros, o incubiu
dessa responsabilidade:
Tenho a honra de entregar a V.Exa. pedida em que se a localização do
Museu Paulista no Parque do Ipiranga e a do seu antigo Horto Botânico
hoje dependência do Departamento de Zoologia da Secretaria de
Agricultura. Este Horto tem duas faces sobre vias públicas, sobre a Av.
Nazareth 258 ms.70, sobre a Rua Padre Marchetti 166m60. [...] a área
total deste Horto corresponde a uns 43.000 mts2. Portanto mais de um
alqueire e meio.” (Carta de Afonso D'Escragnolle de Taunay
para Adhemar de Barros, Interventor Federal do Estado, 7 de
maio de 1940).
No verso deste documento a seguinte anotação:
214
a construção
“Cópia do despacho exarado pelo Snr. Dr. Adhemar de Barros na carta cuja cópia está aqui anexo:
Dr. Christiano das Neves para estudar e projetar o Departamento de Zoologia
(a) A.B.
S.P. 8/V/1940
Terreno: + ou m
50 de frente
por 100 de fundo
Na Av. Nazareth
Verificar o Diretor do Museu do Ipiranga o melhor local e com o Diretor do Dep. De Zoologia a área
necessária aos diversos serviços.
(a) Ad.B. 9. (Carta de Afonso D'Escragnolle de Taunay para Adhemar de Barros, Interventor Federal
do Estado, 7 de maio de 1940).
Mais uma vez, a escolha desse lote de esquina parece ter sido determinada mais
por uma questão administrativa do que por um partido arquitetônico ou para atender ao
programa museológico. O diretor do Museu Paulista tinha problemas com a segurança
desse área do Horto, localizado ao sul do edifício-monumento, [...] terreno temos de
sobra poderíamos localizar as casas na extremidade do Horto Botânico. Teríamos assim
guardas naturaes para o nosso terreno que é muito grande e está todo em aberto.
(Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista de 1924: de Afonso d'Escragnolle Taunay
para José Manoel Lobo (Secretário do Interior), 15 de janeiro de 1925). Assim é possível
conjecturar que o prédio do Museu de Zoologia teria uma outra função para o Museu
Paulista: guardiã para os terrenos localizados atrás do Museu Paulista.
Por ser arte, a arquitetura é simbólica. Nesse caso, mesmo não sendo algo
predeterminado, ela representa uma opção, um prédio de canto, voltado para o
crepúsculo do Ipiranga.
215
6.3 estrutura, serviços e alegorias
O Museu de Zoologia possui um volume bem definido, as paredes delimitam
rigorosamente o muro envoltório. Não há margens para sugestões. Ele não se confunde
com o antigo Horto Botânico, desvinculando-se por completo de sua história e da herança
de Hermann von Ihering. Assim, desvincula-se também da herança do Museu Paulista,
simbolicamente ocupando um lote de esquina, fora da simetria do Monumento do
Ipiranga. O Museu de Zoologia, ao contrário do Museu Paulista, que tem sua fachada
frontal voltada para o norte (Serra da Cantareira), recebendo insolação direta desta face
do edifício em todas as épocas do ano, possui sua fachada frontal voltada para oeste
(poente) para o riacho do Ipiranga. O Museu Paulista, com sua fachada sempre
ensolarada, nunca recebe projeção de sombras, brilha com sua silhueta voltada para a
cidade. Não mais de frente, para o esplendor da aurora, sob a sombra do edifício
monumento que simboliza o espelho do “sol da liberdade”, o edifício que passou a abrigar
as coleções zoológicas volta-se para o oeste, para o crepúsculo do Ipiranga.
Talvez seja essa a maior contribuição de Afonso D'Escragnolle de Taunay para o
projeto arquitetônico do Museu de Zoologia. O edifício que abrigava as coleções que
deram origem ao Museu Paulista, deveria ocupar o canto do lote, sem identificação com o
Eixo Monumental. Símbolo do expurgo das coleções naturais que ocuparam
indevidamente o edifício monumento, dedicado a memória da independência do Brasil.
Resultado de um processo histórico, marcado por gestões públicas que raramente criam
edifícios para Museus e quando o fazem se negam a identificá-las como tal.
Christiano das Neves não deixou dúvidas, projetou em volume real e não virtual: o
Museu de Zoologia é um bloco sólido, com quatro pavimentos, três alas e dois jardins
internos. Sua forma cúbica, com volume estruturado em planta com justaposição, propõe
a construção
216
Uma percepção em termos de constância de forma, no qual ocorre a impressão de uma
compreensão do volume real, independente do posicionamento da observação de sua
volumetria. É exatamente neste aspecto que a sua obra parte de um princípio
neoclassicista, uma vez que ela “[...] aspira alcançar, por meio da nobre simplicidade, a
estabilidade, a solidez e a consistência de volumes [...]. (MIRABENT, 1991, p. 19).
Esta opção projectual da volumetria adquire maior relevância quando se trata de
marcos arquitetônicos, [...] edifícios de grande função representativa na sociedade, tais
como edifícios institucionais e marcos comemorativos. Neste caso, a função semântica
(representativa) do objeto arquitetônico vai exigir uma forma volumétrica marcante.
(COLIN, 2000, p. 55). Ao valorizar esse aspecto, Christiano das Neves tem plena ciência do
seu trabalho, uma vez que os museus são locais com carregados de força semântica
(MONTANER, 2003).
A sintática de composição do espaço interno do Museu de Zoologia é marcada
pela racionalização e compartimentação dos espaços. Para os quatro pavimentos é
possível distinguir, em termos museológicos, três categorias espaciais e um vértice, sendo
eles: espaço público (exposição), espaço semi-público (biblioteca e salão de
conferências), espaços privados (diretoria, coleções e laboratórios) e articulação entre os
espaços (hall central), gráfico 3.
a construção
217
Público
(exposição)
Privado
(diretoria, coleções
e laboratórios)
Semi-público
(biblioteca e salão
de conferências)
Vértice
(hall central)
gráfico 3: sintática de composição do espaço interno
do Museu de Zoologia.
autor: Mauricio Candido da Silva
data: maio de 2006
A hierarquia dos espaços pode ser aferida pela proposta descrita e elaborada pelo
arquiteto para a pavimentação dos pisos das áreas internas: “Salão de conferência: taco
entabeirado até 23$000; Diretoria, secretaria e sala de espera: taco entabeirado até
21$000; nos demais cômodos os tacos serã até 20$000. (Processo 91223/1941).
Com essa maneira de conjugar os espaços internos do Museu de Zoologia,
Christiano das Neves adotou um sistema de polarização, característico dos Museus
Modernos, cientificamente organizados. Contudo, ao mesmo tempo, trata-se de um
edifício que possui um programa que inclui o acolhimento de leigos no assunto - uma
tradição inaugurada pelo Ashmoleam Museum. O Museu de Zoologia mantém em seu
programa a polaridade livre-restrito.
Uma outra polaridade expressa no projeto está presente na volumetria real e
cúbica, que distingue muito bem o exterior-interior do edifício. Este sistema encerra
definitivamente a proposta do primeiro diretor do Museu Paulista, Hermann von Ihering, de
articular o exterior com o seu interior, por meio da implantação do Horto Botânico.
Christiano das Neves propôs um Museu contentor de conhecimento, em que o único
diálogo com o exterior ocorre por meio da ornamentação das fachadas.
O Museu pode estar aberto ou fechado. Uma grande porta de ferro evidencia a
possibilidade de se adentrar no edifício contentor, ou não. Contudo, as esquadrias
metálicas e os vidros anunciam e estimulam a curiosidade e um possível retorno. Uma vez
dentro do espaço museológico, se estabelece a polaridade entre as áreas livres ou
restritas, pois um museu com coleções científicas possui não uma área expositiva,
como também uma biblioteca para consultas de especialistas e laboratórios com
coleções raras, materiais e equipamentos caros. Existe distinção entre o conhecimento
especializado e o popular, a arquitetura, por meio de um sistema de polarização, evidencia
essa distinção. A pesquisa é feita em gabinetes e os visitantes não podem interromper os
a construção
218
trabalhos. A pesquisa é fundamental. O museu, nessa concepção, pode até fechar para a
visitação, mas nunca para os trabalhos dos pesquisadores. A polaridade livre-restrito é
trabalhada de diferentes maneiras nos museus, constituindo-se mesmo em sub-
categorias tipológicas (RICO, 2003). No Museu de Zoologia, Christiano das Neves
desenvolveu uma forma imediata, espaços amplos e abertos são livres, corredores e
escadas sinalizam com as restrições.
Mesmo adotando a polarização na sintaxe espacial, Christiano das Neves não
abriu mão da aplicação de um elemento estruturador dessa organização. Similar na sua
funcionalidade ao peristilo, projetado por Tommaso Gaudenzio Bezzi para o Museu
Paulista, e aos vestíbulos adotados pelos arquitetos da Art deco, ele concebeu um feixe de
elementos que convergem paralelamente para um ponto principal, foco da composição.
Este conjunto é composto por escadaria de entrada, porta principal, saguão, grande hall e
escadaria central. A partir deste ponto é possível seguir para qualquer outro lugar do
edifício. Trata-se de um sistema racional e funcionalista, que garante toda a fruição do
espaço museol
Em função da necessidade de redução de custos, o acabamento das escadas foi
alterado, sendo executado em granito, embora o projeto original previsse um estilo sóbrio
para estes elementos arquitetônicos (fotos 109, 110 e 111),
A externa será em granito rosa, degraus de 0,04, espelho de 0,02, bem assim os
respectivos rodapés. O piso será de granito de 0,02 (patamar). O guarda-corpo
desta escada será também em granito rosa, de 0,02. Tudo em picota fina. A
escada interna será de mármore Aurora veiado, degraus de 0,03 e espelhos de
0,02, lustrados, bem assim os patamares, acima especificados. Os rodapés da
escada serão do mesmo material, obedecendo tudo ao desenho de detalhe.
(Processo 91223/1941).
ógico(gráfico 4).
a construção
219
a construção
220
gráfico 4: planta do pavimento térreo do Museu de Zoologia destacando a polaridade da circulação dos
espaços.
reprodução: Mauricio Candido da Silva
data: julho de 2006.
fonte: acervo iconográfico d STM/DDC/MZUSP
acesso / circulação pública
acesso / circulação restrita
foto 109 - detalhe da escada e do hall central do Museu de Zologia - para reduzir o custo da obra, foi
alterado o piso da escada e foi reduzido o número de elementos figurados .
reprodução: Mauricio Candido da Silva
data: abril de 2006
fonte: setor de obras raras da biblioteca da FAUUSP
A escadaria interna cumpre uma função pragmática no vértice dos espaços. Por
não ser central, não se apresenta como disponível. Diferentemente do Museu Paulista, ela
não está no mesmo eixo da escada externa, que convida os transeuntes a adentrarem no
Museu. Ela restringe. Na periferia, ela margeia o hall central, apenas insinua. A opção do
arquiteto em não colocá-la ao centro da nave tensiona o espaço. Tensão essa aumentada
quando decorada por um conjunto de vitrais, que têm a sua visão privilegiada, no
conjunto, quando observados do segundo pavimento do Museu, após percorrida toda a
escadaria. De fato, uma polarização acirrada por uma concepção elitista, na qual poucos
a construção
221
fotos 110 e 111 - detalhe do hall central construído para o Museu de Zoologia.
autor: Wagner Souza e Silva
data: novembro de 2002
fonte: acervo iconográfico do STM/DD/MZUSP
a construção
222
têm acesso. A distinção entre os pesquisadores e os visitantes ganha força. A escadaria
interna não é um prosseguimento, continuidade, da escadaria externa. Trata-se de uma
delimitação simbólica e física dos espaços do Museu.
A opção por um único grande salão de exposição, ao invés de um conjunto de
galerias expositivas, parece demonstrar um programa museológico dedicado a uma visão
abrangente da zoologia. Também é possível considerar a experiência negativa que o
Museu Paulista herdou do edifício-monumento, cuja finalidade inicial foi cogitada inclusive
para ser um grupo escolar, com pequenas salas, que se transformaram em galerias
expositivas, completamente inadequadas para exposições naturais
Esse aspecto indica uma maior preocupação e, consequentemente,
compreensão, dos procedimentos de coleta, salvaguarda e pesquisa. Maior do que dos
processos de comunicação museológica, porque a montagem de uma única “exposição
permanente” resolveria essa questão. Isso era um reflexo da própria organização
institucional, cujo quadro funcional não previa um profissional exclusivo para este setor do
Museu: sua coordenação estava diretamente associada à direção do Museu. Vale lembrar
que a existência do mobiliário expositivo e o seu aproveitamento para o novo Museu
também interferiu nessa concepção: um único e grande salão expositivo - o que sugere
que o programa arquitetônico foi definido pelo programa museológico. O valor patrimonial
que se dava ao mobiiário expositivo não permitia o seu descarte. A arquitetura deveria se
ajustar ao que existia, como destacou Olivério Mário de Oliveira Pinto: A aquisição mais
importante feita pela repartição no que toca o mobiliário foi a de 30 armários modelados
Ihle, fruto da encomenda feita no ano de 1939 à Tapeçaria Scjultze desta capital.
(Relatório apresentado pelo Diretor em 15 de janeiro de 1941 a José Levy Sobrinho, digno
Secretário da Agricultura, Indústria e Comércio de São Paulo). Cabe ainda lembrar que
outra parte do mobiliário expositivo não foi comprada, mas sim doada em 1930 por
.
a construção
223
Edmundo Navarro de Andrade, então Secretário da Agricultura para o Museu Paulista, que
o distribuiu entre os dois Museus de Taunay de História Nacional e de História Natural. Isso
ocorreu em função da extinção da seção industrial do Museu Agrícola e Industrial que
funcionava no Palácio das Indústrias, sendo eles 61 grandes armários, 12 vitrinas
octagonais, 12 oblongas e 12 prismáticas baixas. Parte ficou para o Museu Paulista e outra
para o Museu de Zoologia (fotos 112, 113, 114, 115, 116 e 117).
Este conjunto de elementos, que centralizam a fruição do espaço museológico,
resume a sintaxe espacial, ordena a polarização livre-restrito do Museu de Zoologia de
forma gradativa da passagem público-aberto-descoberto para o privado-cerrado-
coberto, por meio do percurso calçada-escadaria-porta-saguão-hall central. A partir
desse ponto, o usuário poderá livremente escolher o seu destino. Além dessa ordenação
lógica do espaço, toda a ornamentação aplicada sobre estes elementos estruturais
amenizam a polarização e criam a sedutora alegoria poética de um espaço dedicado a
Musealização da Natureza (BACHELARD, 1997).
a construção
224
foto 112 - aspectos do grande salão e da primeira exposição no edifício do Museu de Zoologia.
autor: desconhecido
data: início da década 1943
fonte: acervo iconográfico do STM/DDC/MZUSP
foto 113 - aspectos do grande salão e da primeira exposição no edifício do Museu de Zoologia.
autor: desconhecido
data: início da década 1940
fonte: banco de imagens do jornal Folha de São Paulo
a construção
225
foto 115 - aspectos das vitrinas na primeira exposição no edifício do Museu de Zoologia.
autor: desconhecido
data: início da década 1940
fonte: acervo iconográfico do STM/DDC/MZUSP
a construção
226
foto 114 - Vitrinas para exibição de acervo zoológico no porão do Museu Paulista.
autor: desconhecido
data: início da década de 1940
fonte: Fundo Museu Paulista / MPUSP
foto 116 - aspectos das vitrinas na exposição no edifício do Museu de Zoologia.
autor: desconhecido
data: década 1970
fonte: acervo iconográfico do STM/DDC/MZUSP
a construção
227
foto 117 - aspecto da vitrina na reabertura da exposição no edifício do Museu de Zoologia.
autor: Márcia Fernandes Lourenço
data: 2002
fonte: acervo iconográfico do STM/DDC/MZUSP
Diferentemente dos modernistas, Christiano das Neves projetou as paredes não
para separar os espaços, mas também para o cumprimento de outra importante função.
As paredes que delimitam o Museu constituem em si um elemento vedante, constituindo-
se como uma volumetria encerrada em si, tornando-as fundamentais na caracterização
mural do Museu. As paredes possuem linhas sóbrias, marcadas por um ritmo geométrico,
acentuadas pela quadratura das esquadrias das portas e janelas, são realçadas não pela
cor, mas sim pela sua textura rugosa, que receberam mica na sua composição. O uso de
mármore foi projetado apenas nas duas escadarias do Museu. Cumpre a função não de
polidez, mas de realce da própria sobriedade e robustez do edifício, que, em seu cume,
sustenta a rica, diversa e colorida fauna neotropical, representada por um conjunto de 32
cerâmicas vitrificadas com motivos alegóricos faunísticos. A decoração aplicada na forma
mural do edifício não poderia ser mais emblemática: na parte mais alta do edifício. Todos
esses detalhes com o objetivo de conferir formas alusivas ao destino do prédio (fotos 118,
119, 120 e 121).
Aqui cabe mais uma comparação com o projeto de Alfred Waterhouse para o
Museu de História Natural de Londres, que projetou toda uma ornamentação figurativa da
fauna atual e extinta em terracota. Essa opção material se deu em função da sua
durabilidade e característica individual. A opção de Waterhouse pela terracota era
adequada para uma produção moldada em larga seção e as peças tendiam a variar
ligeiramente nas cores. Waterhouse gostava da irregularidade obtida nas pequenas
peças, encantando-se quando o fogo dava uma bela tonalidade acidental. Na verdade,
ele usou a terracota como uma brincadeira arquitetônica, equivalente a um quadro de
aquarela. Utilizou a terracota não apenas por ser barata e durável mas também resistente a
ácidos e facilmente lavável, isso foi o material ideal para a face de entrada da construção,
na poluída cidade vitoriana do século XIX (GIROURD, 1981).
a construção
228
a construção
229
foto 119 - desenho da fachada lateral (R. Padre Marchetti), expressando o ritmo geométrico, ditado
pelas esquadrias metálicas e pela mudança de compasso marcada pela porta, que delimita a
de volume do edifício.
reprodução: Mauricio Candido da Silva
data: abril de 2006
fonte: setor de obras raras da biblioteca da FAUUSP
alteração
foto 118 - desenho da fachada e plantas dos pavimentos do Museu de Zoologia. Em destaque é
possível verificar o estudo de aberturas do pavimento térreo para os jardins internos. Talvez essa seja
a maior alteração substancial no projeto de circulação que não chegou a ser efetivado - os jardins
foram mantidos, porém com acesso exclusivo para os usuários internos do Museu .
reprodução: Mauricio Candido da Silva
data: abril de 2006
fonte: setor de obras raras da biblioteca da FAUUSP
a construção
230
foto 120 - vista aérea da volumetria do edifício do Museu de Zoologia.
autor: desconhecido
data: entre as décadas de 1960 -1970
fonte: Fundo Museu Paulista / MPUSP
foto 121 - detalhe do conjunto de s vitrificadas com motivos alegóricos faunísticos presentes
na fachada principal do Museu de Zoologia.
autor: Wagner Souza e Silva
data: abril de 2004
fonte: acervo iconográfico do STM/DD/MZUSP
cerâmica
Embora Christiano das Neves o tenha detalhado a sua opção pelos elementos
decorativos, ele sinalizou no contrato com a construtora que “[...] os motivos decorativos das
fachadas seo em terra-cota e seo fornecidos pela Secretaria de Agricultura.” (Processo
91233/1941). O engenheiro Antonio da Silveira lutou para que toda a ornamentação fosse
executada, ainda que em cimento e porcelana 'majolica'. A identidade de cada quadro foi
obtida pela queima e pintura individual, mesmo para os motivos que se repetem (foto 122).
a construção
231
foto 122 - ornamentação alegórica da fachada do Museu de Zoologia.
autor: Wagner Souza e Silva
data: abril de 2004
fonte: acervo iconográfico do STM/DDC/MZUSP
Christiano das Neves foi pioneiro na utilização de esquadrias metálicas nas
construções de edifícios na cidade de São Paulo,
Atribui-se à influencia de Christiano o emprego de estruturas metálicas e de
concreto armado nos edifícios do centro da cidade, entre os quais estes dois
Blocos do Conde (de Prates). Foram utilizados também nesses prédios, pela
primeira vez em São Paulo, caixilhos metálicos produzidos pela firma inglesa
'Hope'. (SAMPAIO, 96, p. 105).
No Museu de Zoologia ele utilizou esse recurso para acentuar a simetria geométrica
da composição arquitetônica, uma vez que ficou a cargo deste elemento o ritmo simétrico
da composição da obra. Foram aplicadas janelas com esquadrias metálicas em todas as
faces externas do Museu, mais na periferia dos jardins internos. O ritmo gerado pela
alternância das janelas e a repetição de espaços regulares, evidenciam a forma simétrica
da composição. Contudo, a assinatura do arquiteto aparece na fachada da Avenida
Nazaré, no conjunto que engloba a porta principal e janelas da sala de conferência,
encimados pela grafia ZOOLOGIA - embora essa não tenha sido executada. Vale assinalar
que essa experiência havia sido empregada por Christiano das Neves no projeto
arquitetônico para a Estação Inicial Sorocabana (fotos 123 e 124). Por sua vez, a
platibanda percorre todo o perímetro volumétrico do edifício, arrematada na sua frente
principal por duas faces de leões de cimento moldados. Esse conjunto sustenta e compõe
a ornamentação alegórica da identidade do Museu, cuja coroação vem em forma de uma
águia, que observa o pôr do sol na margem direita do riacho do Ipiranga. Assim como as
faces dos leões, a águia foi confeccionada nas oficinas do Liceu de Artes e Ofícios de São
Paulo. A diferença reside no fato dela ter sido reproduzida a partir da mesma matriz
utilizada na produção das águias da base dos postes que iluminam a fachada principal do
Museu Paulista. Contudo, o projeto de Christiano das Neves preenche uma lacuna que
havia no Museu Paulista: a Musealização da Zoologia. Assim, a forma mural torna-se
determinante nessa categorização do Museu (125, 126, 127 e 128).
a construção
232
foto 125 - detalhe de ornamento da fachada do Museu de
Zoologia.
autor: Mauricio Candido da Silva
data: abril de 2004
fonte: acervo iconográfico do STM/DDC/MZUSP
fotos 123 e 124 - esquadria de ferro da Estação Inicial da Sorocabana e do Museu de Zoologia.
reprodução: Mauricio Candido da Silva
data: abril de 2006
fontes: setor de obras raras da biblioteca da FAUUSP e acervo iconográfico do STM/DDC/MZUSP
a construção
233
O emprego da marquise torna-se significante pelo seu caráter de abrigo,
protegendo os usuários do Museu de Zoologia, bem como na inter-face edifício-avenida,
tão explorada por Christiano Stockler das Neves.
foto 126 - águia do Museu de Zoologia.
autor: Ronaldo Aguiar
data: novembro de 2004
fonte: Acervo iconográfico do STM/DDC/MZUSP
foto 127 - águia do Museu Paulista.
autor: Maurício Candido da Silva
data: maio de 2006
fonte: Acervo iconográfico do STM/DDC/MZUSP
a construção
234
O que aqui será destacado nesse momento é o conteúdo temático adotado pelo
partido arquitetônico. Há aspectos ilustrativos nas figuras que adornam e dão o tema da
edificação. Tome-se como exemplo os vitrais que estão apresentados na escadaria do vão
central do Museu - espaço nobre do edifício. No conjunto dos três vitrais do pavimento
superior temos a composição de uma cena silvestre, na qual um felino está prestes a
atacar a sua presa (foto 129). Na cena central é possível visualizar um bando de animais no
entorno de um lago - zebras, flamingos e araras - possíveis objetos do ataque do felino. Na
cena à direita temos um tamanduá, macacos e gazelas. Há um problema biogeográfico
nessa montagem, pois estes animais não compartilham o mesmo ambiente. Além disso,
nem todos são da América do Sul, o que certamente seria questionado por Hermann von
Ihering. Porém, parece que isso não foi uma preocupação para a proposta arquitetônica.
O que parece ser mais importante é que as zebras, os flamingos, as araras, o tamanduá
compõem uma cena de equilíbrio e de efeito estético, com cores fortes e formas que se
ajustam perfeitamente a um tipo de suporte tão expressivo como os vitrais, que se
a construção
235
foto 128 - carimbo do Lyceu de Artes
e Officios na base da águia do
Museu de Zoologia.
autor: Mauricio Candido da Silva
data: abril de 2004
fonte: Acervo iconográfico do
STM/DDC/MZUSP
52
Se iluminam naturalmente com a aurora solar. Construídos pela Casa Conrado , o
conteúdo ilustrativo destes vitrais pode ser analisado por um conceito que aqui é definido
como “alegoria científica de um edifício museológico”, com base em uma idéia mais
ampla, já apresentada como Musealização da Natureza. Esse é apenas um dos
exemplos dentre outros encontrados nos elementos figurativos presentes neste museu. A
conclusão apontada é a de haver uma clara preocupação em ilustrar a zoologia num
primeiro plano e informar o conteúdo científico num segundo plano. Podemos mesmo
dizer que o Museu de Zoologia é um Museu de Ciências com uma arquitetura que ilustra a
zoologia. Essa edificação demonstra como a arquitetura se torna fundamental para a
implementação de um programa museológico mais abrangente e, assim, mais efetivo.
a construção
236
52
Em 1874, chegou a São Paulo, capital, o artesão Conrado Sorgenicht, vindo da Renânia católica,
Alemanha. Abriu uma pequena oficina na qual ofereceu serviços de pintura de ornamentos, tapeçaria e
colocação de vidros para vidraças. São Paulo cresceu, a clientela aumentou e o ateliê começou a criar vitrais.
Em 1889, foi fundada a Casa Conrado que em cem anos de atividade, criou mais de 600 obras, espalhadas
pelo Brasil. O escritório de Samuel e Christiano das Neves contratou os serviços da Casa Conrado em
diversas situações (fotos 130 e 131) - os documentos mais antigos datam de 1914, para a residência na rua
Fausto Ferraz 9.
foto 129 - conjunto de vitrais do Museu de Zoologia.
autor: Wagner Souza e Silva
data: abril de 2004
fonte: acervo iconográfico do STM/DDC/MZUSP
foto 130 - nota fiscal da Casa Conrado de
1915, contratada por Samuel das Neves.
reprodução: Mauricio Candido da Silva
data: novembro de 2005
fonte: setor de obras raras da biblioteca da
FAUUSP
foto 131 - detalhe de vitral do Museu de Zoologia - em destaque assinatura da Casa Conrado.
autor: Wagner Souza e Silva
data: abril de 2004
fonte: acervo iconográfico do STM/DDC/MZUSP
a construção
237
Aqui cabe uma arriscada e instigante interpretação de um possível elemento
integrante do programa arquitetônico, representado nestes vitrais. Eles formam uma
alegoria representativa faunística, uma metáfora do cotidiano dos animais. Afonso
D'Escragnolle de Taunay resignificou inúmeros objetos do Museu Paulista, principalmente
os iconográficos, por considerá-los como um apoio didático ideal, capaz de reter a
atenção de um público variado. Para ele, o valor da tela devia estar na mensagem que
transmite e não na fidelidade histórica das informações que contém. Por “falhas” no
acervo, não hesitou em mandar confeccionar imagens ou obras, que preenchessem as
lacunas dos discursos históricos, necessários para os fins didáticos do Museu. O contexto
do cotidiano seria a melhor forma de mostrar e legitimar a história. O quadro “O grito do
Ipiranga”, de Pedro Américo é um dos exemplos, no qual o brado da independência é
dado em meio ao cotidiano de uma cena rural, no arrabalde do Ipiranga, ressaltado por um
transeunte a esquerda, que conduzia um carro de boi. Este quadro foi extremamente
valorizado em seus aspectos educacionais por este diretor. Do mesmo modo, os vitrais,
assimilados como elementos iconográficos, portanto com potencial uso instrutivo,
tornaram-se importantes para mostrar o ambiente e o cotidiano da fauna. Não importava
sua fidedignidade, mas sim o valor de sua mensagem. Assim, aqui se propõe os vitrais
como uma obra museológica de Afonso D'Escragnolle de Taunay. Se não foram
encomendados por ele, certamente ele atuou subliminarmente no programa museológico
representado no projeto do Museu de Zoologia. Se isso de fato não ocorreu diretamente e
não como afirmar, pois não foram localizados documentos nesse sentido - uma
sugestão e potencialidade que tenha ocorrido.
O estilo neoclássico é identificado em alguns aspectos desse projeto
arquitetônico. Um deles diz respeito às plantas do edifício (fotos 132 e 133). Embora
houvesse a possibilidade de usar diferentes dimensões do lote do terreno que foi
a construção
238
repassado pela Secretaria de Agricultura, todo o terreno da face sul do Museu Paulista,
onde estava situado o Horto Botânico, foi feita a opção de um lote, quase um quadrado
(62,4 x 81,15 m). A valorização das formas quadradas, retangulares ou centralizadas, em
detrimento das plantas irregulares, da marginalização das soluções arredondadas e o
retorno aos módulos compositivos formam uma caracterização do neoclassicismo. Trata-
se, portanto, de uma negação ao estilo barroco e uma busca aos valores clássicos, tão
almejados por Christiano Stockler das Neves.
Dos quatro pavimentos, o térreo foi projetado como espaço público. Na entrada
principal foram aplicadas portas com esquadrias metálicas, medindo cerca de três metros
e meio de altura e motivos geométricos. Estas portas, que compõem a fachada da Av.
Nazaré, dão acesso ao hall principal do Museu. Por meio dele chega-se à escadaria que
cria o acesso a todos os pavimentos e alas do edifício. Este ponto central cria a unidade e
fruição dos processos de atividades desempenhadas por esta instituição. Elemento
fundamental no acolhimento e distribuição da circulação, o hall central é entendido aqui
como clímax da concepção arquitetônica de Christiano das Neves. Neste local, o arquiteto
aplicou a síntese estilística do seu projeto e é possível decodificar seu partido
arquitetônico, por meio de arcos, capitéis, vitrais e toda a ornamentação alegórica. São
recursos que foram aplicados em diversas outras obras deste arquiteto, que aqui se
52
reuniram num único ponto: o hall central .
Dessa forma, a vocação museológica dessa instituição também pode ser verificada
pelo traçado de suas linhas e pela distribuição dos espaços internos a partir da existência
de um eixo central no piso térreo, pelo qual se chega aos outros pavimentos e aos
extremos do edifício, inclusive às duas salas que se conectavam originalmente ao espaço
a construção
239
52
Em termos de função, é possível mesmo traçar um paralelo com as rotundas desenvolvidas para os
museus neoclássicos (RICO, 1999).
expositivo, que hoje, resignificado, abriga importantes coleções de pesquisa. Durante as
décadas de 1960 e 1970, a área expositiva do Museu foi reduzida a praticamente
cinqüenta por cento do que foi originalmente projetada e construída. Isso demonstra
claramente que o programa científico do museu avançou mais do que o programa de
comunicação por meio de exposições. Esse fato pode ser confirmado pela manutenção
da mesma exposição por cerca de 40 anos. A proposta de uso deste espaço principal
como espaço expositivo demonstra uma clara orientação de uso do prédio, que pode ser
reforçada com a presença da biblioteca também no mesmo pavimento.
a construção
240
foto 132 - plantas de elevação do piso térro e do sub-solo, por onde é possível observar a forma
geométrica adotada pelo arquiteto.
reprodução: Mauricio Candido da Silva
data: abril de 2006
fonte: setor de obras raras da biblioteca da FAUUSP
a construção
241
foto 133 - detalhe do projeto arquitetônico para os elementos ornamentais.
reprodução: Mauricio Candido da Silva
data: abril de 2006
fonte: setor de obras raras da biblioteca da FAUUSP
foto 134 - detalhe do projeto arquitetônico para as formas espaciais do Museu de Zoologia.
reprodução: Mauricio Candido da Silva
data: abril de 2006
fonte: setor de obras raras da biblioteca da FAUUSP
A decoração aplicada no Museu de Zoologia ameniza, complementa e reforça toda
a sintática, a semântica e o pragmatismo do edifício. Seja nos detalhes das modinaturas
dispostas sobre os elementos arquitetônicos (foto 135), o mesmo pelos elementos mais
evidentes. Esse conjunto de alegorias faunísticas e elementos geométricos dinamizam a
composição arquitetônica e complementam o ritmo simétrico, marcado em sua essência
por um estilo eclético funcional, típico da arquitetura paulista. No seu conjunto, formam a
ornamentação do edifício, que, no lado externo, na forma mural, criam a identidade do
edifício no meio urbano, no seu espaço de inserção social. Em seu caderno de estudos,
Christiano das Neves citou Charles Blanc, “Um edifício visto à distância deve dizer 'sou um
templo' um 'tribunal' uma 'alfândega' etc.(Documentos diversos da Seção de obras raras
da Biblioteca da FAU/USP, sem data).
a construção
242
foto 135 - detalhe dos ornamentos da fachada principal.
autor: Wagner Souza e Silva
data: abril de 2004
fonte: acervo iconográfico do STM/DD/MZUSP
O arquiteto deve saber expressar em termos formais um programa de
necessidades, o edifício deve ocupar o seu espaço, caracterizando e criando sua
expressão e sua inserção no espaço. À sombra do Museu Paulista, como vigilante de uma
herança perdida, a obra edificada para o Museu de Zoologia, buscou e encontrou sua
própria identidade, um Museu Especializado, que por muitos anos tornou-se conhecido
como sendo o Museu dos Bichos.
a construção
243
a proposta de um
espaço dedicado à
Musealização da
Natureza
a proposta de um
espaço dedicado à
Musealização da
Natureza
a proposta de um espaço dedicado à Musealização da Natureza
7.1- quando a arquitetura se une a museologia
em favor da Preservação da Zoologia
A partir da identificação e da análise das
várias tensões históricas que caracterizam o
período que envolve o programa, o projeto e a
construção do edifício do Museu de Zoologia,
foi possível reconhecer uma maior incidência
nos aspectos de permanência do que mudanças dos processos museológicos
praticados por esse Museu.
Malgrado todas as transformações que envolvem a história da arquitetura do
Museu de Zoologia, a conclusão é a de que elas não foram capazes de romper com os
paradigmas da museologia e da arquitetura tradicionalmente estabelecidos. Esse
processo pertence a uma história de longa duração (BRAUDEl, 1988), cujo referencial
museológico é a abertura do Ashmoleam Museum e, para os aspectos arquitetônicos, o
historicismo propagado pelo neoclassicismo. A origem do Museu de Zoologia está ligada
diretamente à fundação do Museu Paulista e à direção de Hermann von Ihering. Esse
aspecto influenciou não somente a composição do programa do Museu de Zoologia,
mas, certamente, todo o projeto arquitetônico e construtivo do edifício.
A história do Museu de Zoologia se revela por meio de sua arquitetura. Sob uma
aparente transformação institucional, o que se nota, na verdade, é uma continuidade nas
práticas museológicas, voltadas às ciências naturais. Isso se deve, em boa parte, à solidez
institucional criada por Hermann von Ihering, no início das atividades do Museu Paulista.
Afonso D'Escragnolle de Taunay, por sua vez, não conseguindo romper, nem transformar
7- a proposta de um espaço dedicado à Musealização da Natureza
244
essa herança, optou pelo descarte das coleções naturais do Museu Paulista. A sua opção
em criar dois Museus Especializados - um de História Nacional e outro de História Natural-
é contraditória, pois ele era um “enciclopedista”.
No entanto, a estratégia de Afonso D'Escragnolle de Taunay corrigiu um erro
histórico: a implantação de um Museu de História Natural em um edifício-monumento. Ele
foi o responsável direto pela construção do edifício para o Museu de Zoologia. Ambos
foram os responsáveis pelos programas museológico e arquitetônico do Museu de
Zoologia. Hermann von Ihering legou os aspectos museológicos e Afonso D'Escragnolle
de Taunay deu as bases dos aspectos arquitetônicos.
Este programa encontrou em Olivério Mário de Oliveira Pinto o seu tradutor. Ele
buscou implantar uma instituição entre a tradição das práticas museológicas
tradicionalmente desempenhadas pelo Museu Paulista e as novas formas especializadas
que ganhavam força pelos museus do mundo inteiro. Encontrou um ponto de equilíbrio
entre essas possibilidades e uma nova organização institucional baseada em antigas
práticas. As atividades continuaram a ser exercidas com base em coleções científicas,
vocacionadas à pesquisa e ao ensino. O Museu de Zoologia manteve suas ações voltadas
à preservação das referências patrimoniais da zoologia da região neotropical - como
propunha Hermann von Ihering em 1895, na inauguração do Museu Paulista.
Nesse sentido, o projeto arquitetônico de Christiano Stockler das Neves surgiu
como canalizador de esperanças para o novo formato institucional. Certamente, a sua
ideologia, baseada em princípios historicistas, encontrou um campo fértil nos programas
museológico e arquitetônico do Museu de Zoologia. Atendeu com muita eficiência a
demanda que lhe fora solicitada. Partindo do Neoclássico, com rápidos sobrevôos pelo
Art deco, apresentou uma proposta racionalista: um Museu com vários compartimentos,
a proposta de um espaço dedicado à Musealização da Natureza
245
intercalados por um sistema central (hall), que acolhe e distribui (corredores), para áreas
restritas (laboratórios), semi-públicas (biblioteca) e de uso comum (exposição). A
espacialidade deste Museu segue a lógica da Zoologia e da Museologia: seleção,
ordenação e divulgação. Toda a sua expressividade ornamental não deixa dúvidas, trata-
se de um espaço dedicado à Musealização da Natureza.
O prédio do Museu de Zoologia é o canalizador de tempos diferentes, mas de uma
única objetividade: coletar, salvaguardar, pesquisar e comunicar a partir de princípios
museológicos. Musealizador da natureza, ele foi projetado e destinado à preservação da
zoologia. A sua trajetória é iniquívoca, ele sempre foi um Museu. Tudo isso está escrito na
história da sua arquitetura, cuja assinatura é Christiano Stockler das Neves e o Museu
de Zoologia da Universidade de São Paulo.
a proposta de um espaço dedicado à Musealização da Natureza
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,
257
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8.3- manuscritos e textos originais, não publicados
8.3.1- Fundo do Museu Paulista
- Inventário do Arquivo Permanente do Museu Paulista: Fundo Museu Paulista e Museu
Republicano, 1994.
- Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista de 1903: de Herman Von Ihering para
Bento Pereira Bueno (Secretaria de Estado dos Negócios do Interior e da Justiça), 1904.
- Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista de 1904: de Herman Von Ihering para
Cardoso de Almeida (Secretaria de Estado dos Negócios do Interior e da Justiça), 1905.
- Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista de 1905: de Herman Von Ihering para
Cardoso de Almeida (Secretaria de Estado dos Negócios do Interior e da Justiça), 1906.
- Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista de 1906: de Herman Von Ihering para
Gustavo de Godoy (Secretário de Estado dos Negócios do Interior), 1907.
- Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista de 1907: de Herman Von Ihering para
Gustavo de Godoy (Secretário de Estado dos Negócios do Interior), 1908.
- Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista de 1908: de Herman Von Ihering para
Carlos Guimarães (Secretário de Estado dos Negócios do Interior), 1909.
- Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista de 1909: de Herman Von Ihering para
Carlos Guimarães (Secretário de Estado dos Negócios do Interior), 1910.
- Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista de 1910: de Herman Von Ihering para
Carlos Guimarães (Secretário de Estado dos Negócios do Interior), 18 de abril de 1911.
- Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista: de Herman Von Ihering para o
Secretário do Interior,1911.
- Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista de 1911: de Herman Von Ihering para o
Secretário do Interior, em 20 de fevereiro de 1912.
- Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista de 1912: de Herman Von Ihering para
Carlos Guimarães (Secretário de Estado dos Negócios do Interior), 26 de junho 1913.
258
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- Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista de 1913: de Herman Von Ihering para
Carlos Guimarães (Secretário de Estado dos Negócios do Interior), 13 de junho de 1914.
- Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista de 1914: de Herman Von Ihering para
Carlos Guimarães (Secretário de Estado dos Negócios do Interior), 20 de março de 1915.
- Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista de 1915: de Herman Von Ihering para
Carlos Guimarães (Secretário de Estado dos Negócios do Interior), 30 de março de 1916.
- Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista de 1922: de Afonso d'Escragnolle
Taunay para Alarico Silveira (Secretário do Interior), 23 de janeiro de 1923.
- Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista de 1923: de Afonso d'Escragnolle
Taunay para Alarico Silveira (Secretário do Interior), 2 de fevereiro de 1924.
- Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista de 1924: de Afonso d'Escragnolle
Taunay para José Manoel Lobo (Secretário do Interior), 15 de janeiro de 1925.
- Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista de 1925: de Afonso d'Escragnolle
Taunay para José Manoel Lobo (Secretário do Interior), 28 de janeiro de 1926.
- Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista de 1926: de Afonso d'Escragnolle
Taunay para José Manoel Lobo (Secretário do Interior), 28 de janeiro de 1927.
- Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista de 1927: de Afonso d'Escragnolle
Taunay para Fábio de Barreto (Secretário do Interior), janeiro de 1928.
- Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista de 1928: de Afonso d'Escragnolle
Taunay para José Manoel Lobo (Secretário do Interior), 28 de janeiro de 1929.
- Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista de 1929: de Afonso d'Escragnolle
Taunay para José Manoel Lobo (Secretário do Interior), 30 de janeiro de 1930.
- Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista de 1930: de Afonso d'Escragnolle
Taunay para Arthur Neiva (Secretário do Interior), 26 de janeiro de 1931.
- Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista de 1931: de Afonso d'Escragnolle
Taunay para Francisco de Salles Gomes Júnior (Secretário da Educação da Saúde
Pública), 30 de janeiro de 1932.
259
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- Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista de 1932: de Afonso d'Escragnolle
Taunay para Augusto de Meirelles Reis Filho (Secretário da Educação da Saúde Pública),
27 de janeiro de 1933.
- Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista de 1933: de Afonso d'Escragnolle
Taunay para Christiano Altenfelder Silva (Secretário dos Negócios da Educação e da
Saúde Pública), 31 de janeiro de 1934.
- Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista de 1934: de Afonso d'Escragnolle
Taunay para Márcio P. Munhoz (Secretário dos Negócios da Educação e da Saúde
Pública), 28 de janeiro de 1935.
- Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista de 1935: de Afonso d'Escragnolle
Taunay para Cantidio de Moura Campos (Secretário dos Negócios da Educação e da
Saúde Pública), 31 de janeiro de 1936.
- Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista de 1936: de Afonso d'Escragnolle
Taunay para Cantidio de Moura Campos (Secretário dos Negócios da Educação e da
Saúde Pública), 30 de janeiro de 1937.
- Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista de 1937: de Afonso d'Escragnolle
Taunay para Francisco Gomes Júnior Janeiro (Secretário dos Negócios da Educação e da
Saúde Pública), janeiro de 1938.
- Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista de 1938: de Afonso d'Escragnolle
Taunay para Alvaro de Figueredo Guião (Secretário dos Negócios da Educação e da
Saúde Pública), 31 de janeiro de 1939.
- Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista de 1939: de Afonso d'Escragnolle
Taunay para Mario Guimarães de Barros Lins (Secretário da Educação e Saúde Pública),
31 de janeiro de 1940.
- Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista de 1940: de Afonso d'Escragnolle
Taunay para Mario Guimarães de Barros Lins (Secretário da Educação e Saúde Pública),
20 de janeiro de 1941.
- Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista de 1941: de Afonso d'Escragnolle
Taunay para José Rodrigues Alves Sobrinho (Secretário da Educação e Saúde Pública), 10
de janeiro de 1942.
260
fontes
- Relatório Anual de Atividades do Museu Paulista de 1942: de Afonso d'Escragnolle
Taunay para Theotônio Monteiro de Barros Filho (Secretário da Educação e Saúde
Pública), 31 de janeiro de 1943.
- Carta de Afonso D'Escragnolle de Taunay para Adhemar de Barros, Iinterventor Federal
do Estado, 7 de maio de 1940.
8.3.2- Documentos da diretoria do MZUSP
- Decreto 9.918 - Cria na Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Indústria e
Comércio, o Departamento de Zoologia e outras providências, 11 de janeiro de 1939.
- Anteprojeto escrito por Olivério Mário de Oliveira Pinto, apresentado ao Secretário da
Agricultura, julho de 1939
- Anteprojeto escrito por Olivério Mário de Oliveira Pinto, apresentado ao Secretário da
Agricultura, setembro de 1939
- Oficio de Antenor da Silveira para José de Paiva Castro, diretor geral da secretaria da
agricultura, mais ou menos dois meses após o início das obras, 26 de agosto de 1940.
- Carta de Christiano das Neves para Antenor da Silveira, 13 de dezembro de 1940.
- Carta de Antenor da Silveira para o diretor geral da Secretaria de Agricultura, José de
Paiva Castro, 17 de dezembro de 1940.
- Processo AS/nº 91223/1941, referente a construção da sede do Museu de Zoologia.
- Carta de Olivério Mário de Oliveira Pinto para o diretor geral da Secretaria da Agricultura,
José de Paiva Castro, 7 de janeiro de 1941.
- Carta de Antenor da Silveira para o diretor geral da Secretaria da Agricultura, José de
Paiva Castro, 23 de abril de 1942.
- Carta de Olivério Mário de Oliveira Pinto ao Secretário do Estado dos Negócios da
Agricultura, Paulo de Lima Corrêa,12 de fevereiro de 1943.
- Carta de Antenor da Silveira para José de Paiva Castro, 3 de março de 1943.
- Relatório da vistoria realizada por engenheiros da Diretoria de Obras Públicas, em 13 de
março de 1943.
261
fontes
- Carta de Olivério Pinto para José de Mello Morais, Secretário de Estado dos Negócios da
Agricultura, Indústria e Comércio, 26 de janeiro de 1945.
- Carta de Olivério Mário de Oliveira Pinto ao Conde Nyls Gyldenstolpe - Royal Natural
History Museum Estocolmo, Suécia: 26 de novembro de 1946.
- Contribuição dos Biologistas ao anteprojeto de Regulamento do Projeto do Museu de
Zoologia da Universidade, data provável 1947.
8.3.3- Obras raras da biblioteca do MZUSP
- Carta de Olivério Mário de Oliveira Pinto ao Dr. A. Wetmore, do Museu Nacional dos
Estados Unidos, Washington, 27 de junho de 1940.
- Oficio de Antenor da Silveira para José de Paiva Castro, diretor geral da secretaria da
agricultura, mais ou menos dois meses após o início das obras, 26 de agosto de 1940.
- Relatório apresentado pelo Diretor em 15 de janeiro de 1941 a José Levy Sobrinho,
Secretário da Agricultura, Indústria e Comércio de São Paulo
- Carta de Olivério Mário de Oiveira Pinto a Paulo de Lima Corrêa - Secretário do Estado dos
Negócios da Agricultura, Indústria e Comércio, 12 de fevereiro de 1943.
- Carta de Olivério Mário de Oliveira Pinto a Dr. J. Ribeiro do Valle, 12 de outubro de 1944.
- Contribuições dos Biologistas ao ante-projeto de Regulamento do projetado Museu de
Zoologia da Universidade, 1945.
- Carta de de Olivério Mário de Oliveira Pinto para José de Mello Marais - Secretário de
Estado dos Negócios da Agricultura, Indústria e Comércio, 26 de janeiro de 1945.
- Carta de Olivério Mário de Oliveira Pinto ao Conde Nyls Gyldenstolpe - Royal Natural
History Museum Estocolmo, Suécia: 26 de novembro de 1946.
- Contribuição dos biologistas ao anteprojeto de Regulamento do Projeto do Museu de
Zoologia da Universidade, 1947 (data provável).
- Carta de Olivério Mário de Oliveira Pinto ao Secretário de Estado dos Negócios de
Agricultura, José Edgard Pereira Barreto, 8 de novembro de 1949.
262
fontes
8.3.4- Obras raras da biblioteca da FAUUSP
- Documento assinado por Christiano Stockler das Neves: apreciação sobre a alteração da
alínea b do artigo 30 do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (6ª região),
década de 1960.
- Diversos documentos da seção de obras raras da Biblioteca da FAU/USP, sem data.
- Atentado aos Edifícios Públicos”, recorte do jornal 'Última Hora', 4 de abril de 1952, por
Prestes Maia
- Documento intitulado “Por um Governo Sociocrático”, de Christiano Stockler das Neves,
1955.
- Carta em resposta ao convite do Prefeito Paulo Maluf, 22 de novembro de 1970
- Documento assinado por Christiano Stockler das Neves, ex prefeito de São Paulo,
'”Grande Gesto de Grande Povo”, sem data.
- Documento intitulado “Por um Governo Sociocrático”, de Christiano Stockler das Neves,
1955
- Jornal 'Diário de São Paulo', 23 de maio de 1948
8.3.5- Cópias de plantas do MZUSP localizadas na seção de obras raras da
biblioteca da FAUUSP
263
16
17
18
19
20
concreto armado
laje do andar térreo
concreto armado
vigas do 1° andar
concreto armado
vigas do 1° andar
concreto armado
vigas do 1° andar
concreto armado
vigas do 1° andar
3/12/1940
2/01/1941
2/01/1941
corrigido:
26/12/1940
corrigido:
26/12/1940
assinatura do engenheiro
civil João Birman
obs: - anotação:
“substituição a folha 12”
assinatura do engenheiro
civil João Birman
assinatura do engenheiro
civil João Birman
assinatura do engenheiro
civil João Birman
assinatura do engenheiro
civil João Birman
volume 1
nº do desenho
título data detalhes e observações
25
26
concreto armado
vigas do 2° andar
concreto armado
vigas do 2° andar
17/01/1941
17/01/1941
assinatura do engenheiro
civil João Birman
assinatura do engenheiro
civil João Birman
27
28
29
26506
obs: fundusp
26508
obs: fundusp
26507
obs: fundusp
26506
obs: fundusp
26510
obs: fundusp
concreto armado
caixa d'água
concreto armado
viga A
viga B
viga C
Museu de Zoologia
planta do porão
Museu de Zoologia
planta 1º pavimento
Museu de Zoologia
planta pavimento térreo
Museu de Zoologia
planta 2º pavimento
Museu de Zoologia
fachada principal
obs: aparece a inscrição
“zoologia” no desenho
da fachada principal
sem data
sem data
12/01/1984
20/01/1984
13/01/1984
19/01/1984
05/01/1984
13/02/1941
assinatura do engenheiro
civil João Birman
assinatura do engenheiro
civil João Birman
assinatura do engenheiro
civil João Birman
autores: Martins e Tuca
autores: Martins e Tuca
autores: Martins e Tuca
autores: Martins e Tuca
26505
obs: fundusp
sem número
26620
obs: fundusp
Museu de Zoologia
planta de situação
viga do portão
concreto armado
Depto de Zoologia
cortes AA BB
levantamentos
obs: projeto Juan
15/01/1984
sem data
15/01/1984
autores: Martins e Tuca
autores: Martins e Tuca
autores: Martins e Tuca
assinatura do engenheiro
civil João Birman
21
22
24
22
23
concreto armado
vigas do 1° andar
concreto armado
vigas do 2° andar
concreto armado
vigas do 2° andar
concreto armado
lage do andar
“marquize
concreto armado
escada
2/01/1941
17/01/1941
17/01/1941
04/01/1941
e
06/01/1941
15/01/1941
assinatura do engenheiro
civil João Birman
assinatura do engenheiro
civil João Birman
assinatura do engenheiro
civil João Birman
assinatura do engenheiro
civil João Birman
assinatura do engenheiro
civil João Birman
fontes
264
volume 1
nº do desenho
título data detalhes e observações
fontes
265
1
1A
2
planta de situação
porão e andar térreo
Concreto armado
sapatas
16/4/1940
sem data
15/08/1940
obs: - aparece a
inscrição (logotipo)
“Escriptorio Tecnico
Christiano S das Neves
Architecto”.
- calçadas ajardinadas.
- aparecem as avenidas
Nazareth (30,0 m de larg)
e a rua Padre Marchetti
(18,0 m de larg).
- esquinas chanfradas.
- 4 jardins alinhados entre
si, sendo dois internos e
dois externos, estes dois
últimos onde hoje se
localiza o estacionamento
- destaque para
escadaria externa de
acesso ao edifício.
- aparece uma N.B.:
nova localização do
edifício de acordo com
a determinação do
Exmo. Sr. Interventor.
obs: - aparece a inscrição
(logotipo) “Escriptorio
Tecnico Christiano S das
Neves Architecto”.
- diferentemente da
planta da fachada
(sem número), essa é
muito mais próxima da
situação atual.
- o térreo se divide
basicamente entre a
biblioteca, a diretoria e a
exposição.
- não aparece o elevador.
assinatura do engenheiro
civil João Birman
nº do desenho
título data detalhes e observações
volume 2
1 Concreto armado
Situação das sapatas e
vigas de baldrame
15/08/1940 assinatura do engenheiro
civil João Birman
fontes
266
2
2A
2B
planta do pavimento
térreo
planta do pavimento
térreo
secção A
planta do pavimento
térreo
secção B
21/6/1940
8/8/1940
8/8/1940
assinatura de Christiano
Stockler das Neves
obs: - aparecem as
inscrições (logotipo)
“Projeto para construção
do Departamento de
Zoologia do Estado” e
“Escriptorio Tecnico
Christiano S das Neves
Architecto”.
- aparece N.B.
modificado em 23/X/1940
(escada para o porão da
biblioteca), com
assinatura de C.S. das
Neves.
assinatura de Christiano
Stockler das Neves
obs: - aparecem as
inscrições (logotipo)
“Projeto para construção
do Departamento de
Zoologia do Estado” e
“Escriptorio Tecnico
Christiano S das Neves
Architecto”.
- detalhe de meia fachada
a direita (sala do diretor).
assinatura de Christiano
Stockler das Neves
obs: - aparecem as
inscrições (logotipo)
“Projeto para construção
do Departamento de
Zoologia do Estado” e
“Escriptorio Tecnico
Christiano S das Neves
Architecto”.
- detalhe do meio para a
direita (sala do diretor).
volume 2
nº do desenho
título data detalhes e observações
fontes
267
2C
3
3
assinatura de Christiano
Stockler das Neves
obs: - aparecem as
inscrições (logotipo)
“Projeto para construção
do Departamento de
Zoologia do Estado” e
“Escriptorio Tecnico
Christiano S das Neves
Architecto”.
- detalhe da ala da
exposição.
- o espaço expositivo
inicia após os banheiros.
assinatura de Christiano
Stockler das Neves
obs: - aparecem as
inscrições (logotipo)
“Projeto para construção
do Departamento de
Zoologia do Estado” e
“Escriptorio Tecnico
Christiano S das Neves
Architecto”
- na ala da direira
aparece a sala de
conferência, sanitário
feminino, peixes (2 salas),
assistente (3 salas),
répteis e anfíbios. Na ala
esquerda mamíferos
(2 salas), assistente
(3 salas) e aves (2 salas).
volume 2
nº do desenho
título data detalhes e observações
planta do pavimento
térreo
secção C
planta do 1º andar
Vigas de baldrame
8/8/1940
21/6/1940
fontes
268
3E
4
assinatura de Christiano
Stockler das Neves
obs: - aparecem as
inscrições (logotipo)
“Projeto para construção
do Departamento de
Zoologia do Estado” e
“Escriptorio Tecnico
Christiano S das Neves
Architecto”
- esta seção eqüivale ao
corte da metade para
direita: aparece metade
da sala de conferência,
sanitário feminino, peixes
(2 salas), assistente (3
salas), répteis e anfíbios.
obs: - aparecem as
inscrições (logotipo)
“Projeto para construção
do Departamento de
Zoologia do Estado” e
“Escriptorio Tecnico
Christiano S das Neves
Architecto”
- descreve os seguintes
espaços: vazio do salão
de conferência, ala
esquerda: entomologia,
ala direita: assistente
(4 salas), invertebrado
marinho (2 salas),
crustáceos, moluscos,
sanitário masculino.
volume 2
nº do desenho
título data detalhes e observações
planta do 1º pavimento
seção E
planta do 2º andar
4/9/1940
21/6/1940
modificado
em 6/II/1941
fontes
269
volume 2
nº do desenho
título data detalhes e observações
5
6*
assinatura de Christiano
Stockler das Neves
obs: - aparecem as
inscrições (logotipo)
“Projeto para construção
do Departamento de
Zoologia do Estado” e
“Escriptorio Tecnico
Christiano S das Neves
Architecto”
- descreve os seguintes
espaços: almoxarifado,
depósito de livros,
depósito, viveiros, sala de
fotografia com câmara
escura, entrada
(fachada ala direita) e
reservatório de água com
as bombas
assinatura de Christiano
Stockler das Neves
obs: - aparecem
inscrições (logotipo)
“Projeto para construção
do Departamento de
Zoologia do Estado” e
“Escriptorio Tecnico
Christiano S das Neves
Architecto”.
- aparecem os quadros
com motivos zoológicos
na fachada.
- aparece a inscrição
“ZOOLOGIA” na
platibanda central.
- aparecem as iniciais DZ
na porta principal.
Planta do porão
fachada principal
21/6/1940
modificado
em 7/XI/1940
4/6/1940
modificado em
7/XI/1940
fontes
270
volume 2
nº do desenho
título data detalhes e observações
7*
8
8
9
assinatura de Christiano
Stockler das Neves
obs: - aparecem as
inscrições (logotipo)
“Projeto para construção
do Departamento de
Zoologia do Estado” e
“Escriptorio Tecnico
Christiano S das Neves
Architecto”
assinatura de Christiano
Stockler das Neves
obs: - aparecem as
inscrições (logotipo)
“Projeto para construção
do Departamento de
Zoologia do Estado” e
“Escriptorio Tecnico
Christiano S das Neves
Architecto”
assinatura de Christiano
Stockler das Neves
obs: - aparecem as
inscrições (logotipo)
“Projeto para construção
do Departamento de
Zoologia do Estado” e
“Escriptorio Tecnico
Christiano S das Neves
Architecto”
assinatura de Christiano
Stockler das Neves
obs: - aparecem as
inscrições (logotipo)
“Projeto para construção
do Departamento de
Zoologia do Estado” e
“Escriptorio Tecnico
Christiano S das Neves
Architecto”
Fachada da ala direita
Corte AB
Corte AB
Corte CD
21/6/1940
modificado em
7/XI/1940
21/6/1940
modificado em
7/XI/1940
21/6/1940
modificado em
7/XI/1940
16/8/1940
modificado em
7/XI/1940
fontes
271
volume 2
nº do desenho
título data detalhes e observações
10
10C
11
14
14A
assinatura de Christiano
Stockler das Neves
obs: - aparecem as
inscrições (logotipo)
“Projeto para construção
do Departamento de
Zoologia do Estado” e
“Escriptorio Tecnico
Christiano S das Neves
Architecto”
assinatura de Christiano
Stockler das Neves
obs: - aparecem as
inscrições (logotipo)
“Projeto para construção
do Departamento de
Zoologia do Estado” e
“Escriptorio Tecnico
Christiano S das Neves
Architecto”
assinatura de Christiano
Stockler das Neves
obs: - aparece a inscrição
(logotipo) “Escriptorio
Tecnico Christiano S das
Neves Architecto”.
assinatura de Christiano
Stockler das Neves
obs: - aparece a inscrição
(logotipo) “Escriptorio
Tecnico Christiano S das
Neves Architecto”.
assinatura de Christiano
Stockler das Neves
obs: - aparece a inscrição
(logotipo) “Escriptorio
Tecnico Christiano S das
Neves Architecto”.
detalhe das esquadrias
de ferro
detalhe do telhado
sem nome
sete motivos diferentes
total = 40
total = 2 (diferentes)
projeção do telhado
calhas e condutores
projeção do telhado
madeiramento
26/9/1940
13/12/1940
28/10/1940
13/12/1940
fontes
272
volume 2
nº do desenho
título data detalhes e observações
15
16
16A
assinatura de Christiano
Stockler das Neves
obs: - aparecem as
inscrições (logotipo)
“Projeto para construção
do Departamento de
Zoologia do Estado” e
“Escriptorio Tecnico
Christiano S das Neves
Architecto”.
- a escada é
completamente vazada
para o vão central,
diferente da que foi
executada.
- corrimão totalmente
diferente, com curvas e
contínuo.
- aparece a anotação
“sem efeito”.
assinatura de Christiano
Stockler das Neves
obs: - aparece a inscrição
(logotipo) “Escriptorio
Tecnico Christiano S das
Neves Architecto”.
assinatura de Christiano
Stockler das Neves
obs: - aparece a inscrição
(logotipo) “Projeto para
construção do
Departamento de
Zoologia do Estado”.
- detalhe das colunas e
de friso decorado.
- salão de conferência
com 7,5 m de pé-direito.
- hall do térreo com 5m
de pé-direito.
- sanca na sala de
conferência.
- ornamento na parte
superior das colunas.
detalhe da escada
do 1º andar
detalhe da porta lateral
ala direita
detalhe da decoração do
hall e sala de
conferências.
9/1/1941
9/1/1941
28/11/1941
fontes
273
volume 2
nº do desenho
título data detalhes e observações
16B
16C
17
sem número
assinatura de Christiano
Stockler das Neves
obs: - aparece a inscrição
(logotipo) “Projeto para
construção do
Departamento de
Zoologia do Estado”.
- esse detalhe expressa
elementos neoclássicos,
tais como arcos e frisos.
- alguns detalhes não
foram executados.
assinatura de Christiano
Stockler das Neves
obs: - aparece a inscrição
(logotipo) “Projeto para
construção do Depto. de
Zoologia do Estado”.
- aparecem inúmeros
moldes figurados, sendo
que apenas alguns é que
de fato foram executados
(borboleta, escaravelho,
caranguejo) outros que
foram executados não
aparecem nesse
desenho.
assinatura de Christiano
Stockler das Neves
obs: - aparece a inscrição
(logotipo) “Projeto para
construção do Depto. de
Zoologia do Estado”.
assinatura de Christiano
Stockler das Neves
obs: - aparecem as
inscrições (logotipo)
“Projeto para construção
do Departamento de
Zoologia do Estado” e
“Escriptorio Tecnico
Christiano S das Neves
Architecto”.
detalhe da passagem
detalhe da escada
detalhe dos tetos do hall
e do salão de conferência
planta do 2º pavimento
5/3/1941
10/3/1941
20/3/1941
3/9/1940
fontes
274
volume 2
nº do desenho
título data detalhes e observações
obs: - aparecem as
plantas do térreo,
fachada, 1º e 2º andares
no mesmo desenho.
- diferente do que foi
construçido: o elevador a
frente do local onde está
hoje.
- Aparece o jardim
botânico projetado por
Hermann von Ihering.”
ante-projeto para o
Departamento de
Zoologia do Estado.
27/5/1940
obs: - aparecem as
inscrições (logotipo)
“Projeto para construção
do Departamento de
Zoologia do Estado” e
“Escriptorio Tecnico
Christiano S das Neves
Architecto”.
- tabela das dimensões
das janelas e portas
- fotocópia
- algumas anotações
parecem ser recentes
planta do 1º andar
secção D
10/3/1941
Além destes desenhos uma fotocópia ampliando parte da planta 5 e outra da planta 3.
* Original encontra-se arquivado na diretoria do Museu de Zoologia da Universidade de
São Paulo.
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