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FÁBIO ANTUNES VIEIRA
DE POLICIAIS A COMBATENTES:
A PM de Minas e a Identificação com a DSN em Meados
do Século XX
Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social – PPGDS
Mestrado em Desenvolvimento Social
Montes Claros, dezembro de 2007
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FÁBIO ANTUNES VIEIRA
DE POLICIAIS A COMBATENTES:
A PM de Minas e a Identificação com a DSN em Meados do
Século XX
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Desenvolvimento
Social (PPGDS) da Universidade
Estadual de Montes Claros Unimontes,
como requisito à obtenção do título de
Mestre em Desenvolvimento Social.
Orientadora: Professora Drª. Márcia
Pereira da Silva.
Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social – PPGDS
Mestrado em Desenvolvimento Social
Montes Claros, dezembro de 2007
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Vieira, Fábio Antunes.
V658d De Policiais a Combatentes [Manuscrito] : a PM de Minas e a
Identificação com a DSN em Meados do culo XX / Fábio
Antunes Vieira. – 2007.
133 f. ; il.
Bibliografia : f. 130-133
Dissertação (Mestrado) Universidade Estadual de Montes
Claros Unimontes. Programa de Pós-Graduação em
Desenvolvimento Social/PPGDS, 2007.
“Orientadora Profa. Dra. Márcia Pereira da Silva”.
1. Desenvolvimento social. 2. Policia militar mineira. 3. Exército
brasileiro. 4. Doutrina de Segurança Nacional. I. Universidade
Estadual de Montes Claros. II. Título.
CDD 355
Catalogação: Maria Gorete J. C. Cordeiro – CRB/6 - 1.932 e Silvana Souto Lunardi - CRB/6 - 1.657
Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social – PPGDS
Mestrado em Desenvolvimento Social
Dissertação intitulada DE POLICIAIS A COMBATENTES: A PM de Minas e a Identificação
com a DSN em Meados do Século XX”, de autoria do mestrando Fábio Antunes Vieira,
aprovada pela banca examinadora constituída pelos seguintes professores(as):
___________________________________________________________
Profa. Drª Márcia Pereira da Silva - PPGDS / Unimontes - Orientadora
_______________________________________________
Prof. Dr. Rodrigo Patto Sá Motta – FAFICH / UFMG
_______________________________________________
Prof. Dr. Antônio Dimas Cardoso – PPGDS / Unimontes
________________________________________
Profa. Drª Maria Helena de Souza Ide
Coordenadora do PPGDS / Unimontes
Montes Claros, 10 de dezembro de 2007.
Aos meus pais, Antônio e Maria do
Socorro, bem como aos meus amigos,
Márcia, Regina, Alysson, Alessandro e
Carlos, pessoas sem as quais este
trabalho não seria possível. Neste
pequeno espaço, o registro da minha
especial gratidão a vocês.
AGRADECIMENTOS
Em meio a tantos à agradecer, não poderia deixar de externar, inicialmente, gratidão
a minha orientadora, professora Márcia Pereira da Silva. Aqui, muito além da inegável
competência com que me conduziu ao longo do trabalho, agradeço a amizade oriunda desde
os tempos de graduação, o exemplo profissional, bem como a confiança em mim depositada
no decorrer de todo o processo de realização desta dissertação.
Neste momento, também não poderia ocultar méritos aos professores do Programa de
Mestrado, em especial Luciene Rodrigues, Herbert Toledo, João Batista Costa e Antônio
Dimas Cardoso, pela contribuição, cada um com suas particularidades, para a composição de
um conhecimento mais seguro. Pela mesma razão, agradeço aos professores Marcos Fábio
Martins de Oliveira, Geraldo Reis e Ilva Ruas. De igual modo, agradeço ao pessoal da
Secretaria do PPGDS, especialmente ao amigo Luis Quintino Gonzaga, cujas informações
práticas muito facilitaram meu trânsito pela Universidade nesses dois últimos anos.
Aos professores das bancas de qualificação e apresentação, Herbert Toledo, Antônio
Dimas Cardoso e Rodrigo Patto Motta (UFMG), por atenderem solicitamente ao convite,
mas, principalmente, por cada crítica proferida oportunamente a dissertação. Certamente, sem
tal contribuição, a qualidade do texto não seria a mesma.
Do Departamento de História da Unimontes, meus agradecimentos aos professores
Laurindo Mékie Pereira e Cláudia Maia, pelo crédito e pela atenção com que me atenderam
em relação à “carta de apresentação”, quando da seleção do mestrado. A vocês, eis o retorno
da confiança inicial. Também do Departamento de História, minha gratidão ao professor Jânio
Marques Dias que, na qualidade de Chefe do referido Departamento, me concedeu a
oportunidade de exercer o magistério superior nesta Universidade.
Não menos importante, agradeço a professora e amiga Regina Célia Lima Caleiro,
pelo carinho fraterno e pelo apoio incondicional que sempre me dispensou desde os tempos de
graduação. Neste momento tão especial, registro com grande satisfação meu reconhecimento,
assim como à amiga Márcia, de grande débito pessoal e profissional a você.
Tamanha injustiça cometeria, se também não registrasse minha gratidão e apreço aos
amigos Alysson Luiz Freitas de Jesus, Alessandro de Almeida e Carlos Sérgio Lima,
provenientes dos tempos de graduação. Aqui, além da gratidão ao inestimável apoio nos
momentos de dificuldades, me atenho principalmente aos momentos cotidianos que, entre
uma cerveja no fim do dia e as discussões no ambiente de trabalho, mais nos aproximam, seja
no aspecto pessoal ou profissional.
No tocante a família, minha gratidão aos meus pais, Antônio e Maria do Socorro,
bem como aos meus irmãos, Sandra e Márcio, por serem, além do meu esteio seguro, o
reflexo do ser humano que me tornei. A vocês, a quem também dedico este trabalho, meu
muito obrigado por constituírem ou sintetizarem o que há de melhor em mim.
Antes de concluir, gostaria de agradecer também aos militares do 10º Batalhão da
PMMG pelos depoimentos e, de igual modo, aos familiares do Coronel Georgino Jorge de
Souza, que sempre me receberam tão bem em todas as ocasiões em que a eles recorri. A
todos, especiais agradecimentos pelas informações e materiais disponibilizados, sem os quais
não seria possível a realização deste trabalho.
Por fim, concluo agradecendo a Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Minas
Gerais FAPEMIG pelo apoio financeiro, sem o qual não poderia ter dispensado a devida
atenção e dedicação à pesquisa, que resultou no texto que se segue.
Os fatos históricos repetem-se nas linhas
mestras; conhece-los é apossar de um
material de recorrência, essencial para
o estudo do presente.
Nicolau Maquiavel.
RESUMO
Historicamente, é possível afirmar que o período republicano no Brasil consolidou os
militares como atores políticos no cenário nacional. Observando o fato, alguns pesquisadores,
como José Murilo de Carvalho, têm chamado a atenção quanto à importância de novos
estudos sobre o assunto. Nesse sentido, em meio aos reflexos da Guerra Fria no Brasil, parte
do Exército Brasileiro, em nome da Doutrina de Segurança Nacional sistematizada pela
Escola Superior de Guerra, assumiu a vanguarda de um processo que, segundo os militares,
tinha por objetivos a segurança e o desenvolvimento do País. Assim concebendo, sob a
justificativa da ameaça comunista, articularam alianças com grupos civis antipopulistas, a fim
de viabilizarem as condições favoráveis para a tomada do poder. Inserida nesse contexto, a
polícia militar em Minas Gerais não partilhou os postulados da referida doutrina, como foi
ampliada e transformada de força policial em força combatente, com o propósito de atender as
necessidades de uma possível guerra civil em 1964. Mediante o exposto, a intenção deste
trabalho foi ater-se ao conjunto de circunstâncias que, a partir de Minas Gerais, viabilizaram a
interação entre sua Polícia Militar e o Exército Brasileiro em meados do século XX, tomando
por base a DSN. Para tanto, além da bibliografia cabível, destaca-se a utilização de
publicações internas, depoimentos orais, fotografias e periódicos como fontes.
ABSTRACT
Historically, we can affirm that the republican period in Brazil consolidated the military as
political actors in the Brazilian scenery. By observing this fact, some researchers such as José
Murilo de Carvalho, have drawn attention to the importance of new studies over this issue.
This way, among the cold war reflexes in Brazil, part of the Brazilian Army, in the name of
the “Doutrina de Segurança Nacional” - DSN (National Security Doctrine) systematyzed by
“Escola Superior de Guerra” (Superior War School) assumed the forefront of a process that,
according to the military, had the aim to protect and develop the country. Thus, under the
excuse of communism threat, they articulated and conceived alliances with civil anti-populist
groups, in order to enable favourable conditions to take power. Inserted in this context, the
military police in Minas Gerais not only shared postulates over this Doctrine, but was
enhanced and transformed from police force to defeating force, with the purpose of fulfilling
the needs of an eminent civil war in 1964. Before what has been exposed, the aim of this work
was to focus on a set of circunstances that from Minas Gerais, enabled the interaction between
its Militar Police and the Brazilian Army in the middle of the 20
th
century, taking the DSN as
basis. For such, besides appropriate bibliography, internal publishing, oral statements,
photographs and journals have also been used as sources.
LISTA DE SIGLAS
ADESG – Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra
BGP – Batalhão de Guardas Presidenciais
CAMDE – Campanha da Mulher Democrática
CET – Comando Estadual dos Trabalhadores
CFO – Curso de Formação de Oficiais
CIA – Central de Inteligência Americana
CTB – Companhia Telefônica Brasileira
CTSP – Curso Técnico de Segurança Pública
DI – Departamento de Instrução
DIA – Defense Intelligence Agence
DSN – Doutrina de Segurança Nacional
EB – Exército Brasileiro
EMBRAER – Empresa Brasileira de Aeronáutica
ESG – Escola Superior de Guerra
EUA – Estados Unidos da América
FEB – Força Expedicionária Brasileira
GATE – Grupo de Ações Táticas Especiais
GPMI – Grupo Permanente de Mobilização Industrial
IBAD – Instituto Brasileiro de Ação Democrática
ID/4 do EB – 4ª Divisão de Infantaria do Exército Brasileiro
IHGMG – Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais
IMBEL - Empresa Brasileira de Material Bélico
IPES – Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais
LIMDE - Liga da Mulher pela Democracia
MG – Minas Gerais
NWC – National War College
PM – Polícia Militar
PMMG – Polícia Militar do Estado de Minas Gerais
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro
RJ – Rio de Janeiro
SP – São Paulo
SS – Sessões de Segurança (Schutzstaffel)
UDN – União Democrática Nacional
URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
4ª RM do EB – 4ª Região Militar do Exército Brasileiro
10º BI da PMMG – 10º Batalhão de Infantaria da Polícia Militar de Minas Gerais
10º BPM – 10º Batalhão de Polícia Militar
12º RI do EB – 12º Regimento de Infantaria do Exército Brasileiro
17º BVP – 17º Batalhão de Voluntários da Pátria
LISTA DE FOTOS E MAPAS
FOTO DE CAPA Policiais militares mineiros em frente ao Palácio da Alvorada
MAPA 01 – Mapa Rodoviário de Minas Gerais ..................................................................... 94
MAPA 02 Geomorfologia e Relevo de Minas Gerais ...................................................... 95
FOTO 01 – Militares em posição de ataque. Cena da Segunda Guerra Mundial ................. 115
FOTO 02 – Metralhadora Madsen – modelo dinamarquesa ................................................. 115
FOTO 03 – Metralhadora Madsen modelo 935 – adotada pela PMMG .............................. 116
FOTO 04 – Solenidade de assentamento da pedra fundamental do quartel do 10º BI da
PMMG .................................................................................................................................. 117
FOTO 05 – Militares do 10º BI da PMMG em marcha para Brasília ................................... 118
FOTO 06 Militares do 10º BI da PMMG em Brasília ....................................................... 119
FOTO 07 Fuzil Mauser alemão, modelo 1908 .................................................................. 120
FOTO 08 – Pelotão do 10º BI da PMMG em Brasília, após a queda de João Goulart ......... 120
FOTO 09 – Policiais militares mineiros em frente ao Palácio da Alvorada ........................ 121
FOTO 10 Militares do Exército Brasileiro e da PMMG, em visita a algumas unidades das
Forças Armadas em Brasília ................................................................................................. 122
FOTO 11 Policiais militares mineiros acantonados no teatro municipal de Brasília ........ 123
FOTO 12 – Desfile militar por ocasião da posse do Marechal Castelo Branco ................... 123
SUMÁRIO
Apresentação ......................................................................................................................... 13
Introdução ............................................................................................................................. 14
Capítulo 1 – A Polícia Militar Mineira e o Exército Brasileiro em um Breve Estudo Histórico
Comparado .............................................................................................................................. 27
Capítulo 2 Os Militares e a Questão do Desenvolvimento no Brasil pela via da Doutrina de
Segurança Nacional no pós-Guerra ......................................................................................... 48
Capítulo 3 – Minas Gerais e a Doutrina de Segurança Nacional ........................................... 71
Capítulo 4
A Segurança Nacional e as Particularidades de Minas Gerais .......................... 93
4.1 – De Policiais a Combatentes: Algumas Imagens de uma Transformação ..... 114
Considerações Finais ........................................................................................................... 124
Fontes ................................................................................................................................... 128
Referências Bibliográficas .................................................................................................. 130
13
APRESENTAÇÃO
Apresentamos a dissertação de mestrado intitulada: De Policiais a Combatentes: A
PM de Minas e a Identificação com a DSN em Meados do Século XX, que toma como sujeitos
os policiais militares de Minas Gerais, em meio ao movimento civil-militar que resultou na
ascensão das Forças Armadas ao poder político nacional, em 1964.
Acerca das discussões sobre a reorganização do Estado Brasileiro após o término do
regime militar, é notório que, inicialmente, indevida atenção foi dispensada as corporações
policiais militares. Corroborando com tal afirmação, basta memorar que a Constituição de
1988, a exemplo do que estabelecia a Constituição de 1946, manteve as forças policiais
militares subordinadas ao Exército Brasileiro.
É certo que, institucionalmente, as polícias militares estaduais foram submetidas a
algumas adequações, com o propósito de se inscreverem aos postulados de um Estado
democrático. Entretanto, considerando que a história da chamada Nova República vem sendo
marcada pela ampliação dos problemas sócio-morais, que cada vez mais refletem o aumento
da violência e da criminalidade, o uso da força coercitiva do Estado também tem se
intensificado gradativamente. Assim, entre a dicotomia dos direitos humanos e a necessidade
crescente de segurança em um País quase desprovido de capital social, ao mesmo tempo em
que as corporações policiais militares tentam implementar um tipo de policiamento dito
comunitário, intensificam e fortalecem suas unidades de combate, cujos treinamentos não
deixam nada a desejar a alguns comandos especializados do próprio Exército Brasileiro.
Com base no exposto, entendendo que boa parte das discussões atuais sobre o
assunto encontra respaldo no passado, o presente trabalho também se presta nesse sentido,
uma vez que fornece material de recorrência para se pensar o contexto de uma polícia
militarizada sob o controle do Exército, diante dos atuais problemas nacionais. Desse modo,
embora esta dissertação não tenha sido elaborada com o propósito de discutir o tipo de polícia
que melhor atenderia aos anseios da sociedade brasileira no momento, certamente contribui
para tanto, ao viabilizar informações úteis sobre um passado não muito distante, em que uma
corporação policial militar ajudou a alterar o destino do País.
14
INTRODUÇÃO
Dentre as inúmeras abordagens acerca da história do Brasil, é possível afirmar que
após a Segunda Guerra Mundial os militares se consolidaram como atores políticos no cenário
nacional. Entretanto, inseridos em uma sociedade marcada pelos embates e incertezas
pertinentes ao futuro do País, eles terminaram assumindo posturas diferenciadas nesse
contexto, fato que implicou prejuízos aos caros princípios da hierarquia e da disciplina.
Assim, avaliando que em meio a Guerra Fria as disparidades dentro das Forças Armadas eram
o reflexo de um processo subversivo em marcha no País, parte dos militares passou a enfatizar
a idéia de que a Pátria estava ameaçada pelo “perigo vermelho”. Partindo do princípio de que
os governos civis não dispunham das condições cabíveis para encadear progresso com
soberania nacional, um grupo de oficiais terminou por conceber a chamada Doutrina de
Segurança Nacional - DSN, a fim de legitimarem o assalto ao poder.
Entendida como uma ideologia por alguns estudiosos, a exemplo de Nilson Borges, a
DSN foi formulada no Brasil através da Escola Superior de Guerra ESG. Criada no Rio de
Janeiro em 1949 pelo Exército Brasileiro, nos moldes da National War College norte-
americana, a ESG iniciou suas atividades ministrando instrução a civis e militares destinados
a exercerem funções de direção e planejamento no âmbito da segurança nacional. Todavia,
avaliando que os efeitos da bipolarização mundial conturbavam cada vez mais o cotidiano
pátrio, os dirigentes da referida escola, sob a influencia dos Estados Unidos, passaram a
sustentar a idéia de que a segurança do País estava diretamente condicionada ao seu grau de
desenvolvimento econômico. Desse modo, percebe-se que a DSN foi engendrada com o
propósito de promover a submissão das atividades da Nação a uma política de segurança,
destinada a rechaçar o comunismo e transformar o Brasil em uma potência capitalista.
Como evidenciado pelos postulados da DSN, o projeto de desenvolvimento para o
País estava vinculado a um esforço de guerra, a despeito dos princípios do bem-estar social.
Tomando outros termos, em um mundo marcado pela Guerra Fria, caberia ao Brasil angariar
os recursos cabíveis para empreender luta contra a chamada guerra revolucionária de cunho
comunista, bem como assegurar a manutenção da aliança com o bloco capitalista. Nesse
sentido, como argumentava o General Golbery do Couto e Silva, sendo o Brasil parte
integrante do Ocidente, não poderia ficar alheio ao dever de conter o trabalho de comunização
interna, que ameaçava subverter a ordem institucional e a própria Pátria.
Sobre o anticomunismo manifesto pelos militares, apesar de vários estudiosos
enfatizarem o fato dele ter se prestado aos propósitos conspiratórios das forças que
15
compunham a chamada direita no País, Rodrigo Patto Sá Motta, corroborando parcialmente
com tal idéia, advoga por outro lado que “os defensores da ordem não estavam exagerando
totalmente quando denunciaram o perigo vermelho”. Nesse sentido, avaliando o contexto
nacional após a Segunda Guerra Mundial, o autor é da opinião de que a “situação era de
molde a causar uma reação de temor sincero ao comunismo, considerado um inimigo ativo e
perigoso”
1
. Assim, muitos militares acreditavam que, infiltrados no governo federal, os
comunistas estariam se preparando para dar um golpe, quando tivessem acumulado forças
suficientes para desencadearem a revolução com o intento de ocuparem o poder.
Do mesmo modo, para Márcia Pereira da Silva, a afirmação de que o discurso
anticomunista contido na DSN não passou de mera manipulação, configura uma interpretação
demasiadamente simplória, que não condiz com a realidade observada no Brasil durante a
Guerra Fria. Segundo a autora, nenhum discurso pode ser avaliado apenas como um meio
para se alcançar determinado objetivo, uma vez “que revela concepções e crenças de quem o
faz, bem como daqueles para quem se destina”. Nessa perspectiva, é possível dizer que a
ênfase atribuída à idéia da “Pátria em perigo”, inscrita na Doutrina de Segurança Nacional,
remontava a crenças compartilhadas tanto pelas Forças Armadas, como por alguns segmentos
da sociedade brasileira, a exemplo da chamada classe média
2
. Além disso, apesar da DSN ser
uma ideologia exógena, Florestan Fernandes esclarece que, embora “as nações hegemônicas
exportem suas ideologias e utopias”, em regra elas também são compartilhadas “pelas classes
dominantes das nações dependentes”, como no caso brasileiro
3
.
Além do exposto, é válido ressaltar que vários acontecimentos observados
internamente, sobretudo entre 1960 e 1964, contribuíram para ratificar a convicção na ameaça
comunista. Tomando exemplos, é conveniente memorar as agitações de esquerda, seja no
campo ou nas cidades, a política de neutralidade do governo federal em relação à Guerra Fria,
as constantes quebras na hierarquia militar, a condecoração de comunistas no País, a
politização das massas urbanas, as declarações de Luis Carlos Prestes favoráveis a União
Soviética e o impacto da Revolução Cubana, dentre outros casos que também confirmariam o
exposto. No mais, exacerbadamente ou não, cabe salientar que vários noticiários davam nota
da infiltração de agentes comunistas no País, fato que certamente tinha impacto no imaginário
dos militares quanto à questão da segurança nacional.
1
MOTTA. Em Guarda Contra o ‘Perigo Vermelho’, p. 193.
2
SILVA. A Defesa Legal do Arbítrio, pp 103-104.
3
FERNANDES. A Revolução Burguesa no Brasil, p. 315.
16
Conforme discorrido, admitindo a expansão comunista no País como uma ameaça
real, parte dos militares ideologicamente vinculados a ESG, sob a justificativa de que os
poderes constitucionais lhes aferiam a responsabilidade pela defesa da Nação, desencadeou
uma verdadeira mobilização de guerra contra a subversão interna. Para tanto, como
argumentava o General Castelo Branco em 1955, “o melhor caminho para a participação dos
militares na recuperação do País” seria “intervir” e “assumir o controle do governo”
4
. Na
verdade, essa crença dos militares de que eles representavam a classe mais identificada com
os interesses nacionais remontava aos primórdios dos ideais republicanos no Brasil, ocasião
em que a classe castrense foi condicionada a uma formação mais política do que profissional.
Sobre o assunto, cabe lembrar que a própria Proclamação da República em 1889
também foi um fenômeno militar, ocorrida à revelia do povo que a quase tudo assistiu
bestializado, como observou na época Aristides Lobo
5
. Além disso, mesmo após o término da
“República da Espada”, muitos oficiais entendiam que o Exército precisava estar apto para
exercer sua “função conservadora e estabilizante dos elementos sociais em marcha e
preparado para corrigir as perturbações internas, tão comuns na vida tumultuária das
sociedades que se formam”
6
. Assim, atinente ao processo histórico, não é surpreendente que
na década de 1960 parcelas das Forças Armadas avaliassem a intervenção política como
legítima e necessária para a preservação dos interesses maiores da Nação. Destarte, como
“não acreditavam haver partido político ou civis capazes de garantirem a lei e a ordem”, os
militares direitistas “decidiram intervir diretamente no Estado”, em nome da DSN
7
.
No mais, cabe salientar que a própria burguesia nacional no momento em questão,
“inscrita em um capitalismo dependente (...) que não visava à autonomia do desenvolvimento
capitalista nacional”
8
, entendia que “sem a militarização e a tecnocratização (...), seria
impossível colocar o Estado nacional no centro das transformações históricas em curso”. Mais
especificamente, Florestan Fernandes esclarece que, no entendimento da burguesia nacional, a
intervenção das Forças Armadas seria necessária para “manter o nexo entre a exploração
modernizadora e a regeneração dos costumes e da ordem”, bem como para “converter a
reação auto-defensiva” da própria “burguesia ameaçada, numa fonte de auto-afirmação e de
4
SILVA. O Poder Militar, p. 349.
5
Aristides Lobo nasceu em 1838 na Paraíba. Personalidade de relevo dentre os chamados “republicanos
históricos”, ao longo da vida foi jurista, promotor, jornalista e político. Faleceu em Barbacena no ano de 1896.
6
CARVALHO. Forças Armadas e Política no Brasil, p. 41.
7
SILVA. A Defesa Legal do Arbítrio, pp 108-109.
8
FERNANDES. A Revolução Burguesa no Brasil, p. 320.
17
autoprivilegiamento das classes burguesas como um todo”. Para o autor, “o consenso burguês
traduziu, nessa matéria, a essência pragmática e realista de sua racionalidade”
9
.
Aproveitando as contradições observadas durante o governo de João Goulart, os
militares oposicionistas, bem como seus aliados civis, cerraram aliança com o propósito de
angariarem as condições cabíveis para a tomada do poder. Para tanto, muito valeram as ações
articuladas entre o Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais IPES, com o Instituto Brasileiro
de Ação Democrática IBAD, ambos subordinados ideologicamente a ESG. Através dessa
parceria, que agregou praticamente todos os grupos civis, militares, eclesiásticos e
estrangeiros contrários à política populista que vinha sendo exercida no Brasil, emergiu o que
Maria Helena Moreira Alves definiu como “complexo ESG/IPES/IBAD”
10
. Além disso, por
meio de tal complexo foi possível não cooptar a classe média como base de legitimação da
Doutrina de Segurança Nacional, como engendrar as próprias ações governamentais dos
militares, após a derrubada de João Goulart em abril de 1964.
Entretanto, visto que as Forças Armadas não representavam um todo indivisível e as
camadas mais humildes da população coadunavam mais com os setores de esquerda, o grupo
da ESG entendia que a ascensão ao poder se daria por meio de uma guerra interna. Dessa
forma, crentes de que era preciso iniciar um levante militar, antes que os comunistas
atingissem condição de pleitear o comando do País, o complexo ESG/IPES/IBAD passou a
tecer estudos destinados ao melhor modo e local para desencadeá-lo. Nesse contexto,
considerando alguns fundamentos inscritos na Doutrina de Segurança Nacional, como a
“geopolítica” e a “geoestratégia” por exemplo, os conspiradores chegaram à conclusão de que
Minas Gerais abrigava as condições mais favoráveis à consecução de tal intento.
Pertinente ao exposto, é certo afirmar que Minas Gerais figurou como o mais
destacado estado da federação, frente às ações militares irrompidas sob a justificativa da
segurança nacional. Para tanto, além da articulação conspiratória estabelecida com o
complexo ESG/IPES/IBAD em torno da DSN, as características geográficas do estado
mineiro compuseram um conjunto de significativa importância. Parte constituinte do chamado
“núcleo central brasileiro”, Minas Gerais era o estado que melhor viabilizava acesso a
Brasília, recém-inaugurada com o propósito de se tornar o centro do poder político nacional.
Na mesma linha, por ocupar posição estrategicamente limítrofe com diversos
estados, dentre os quais São Paulo e Rio de Janeiro, Minas poderia facilmente receber apoio
de aliados deles provenientes. Além disso, relativo ao contexto político-militar observado nos
9
FERNANDES. A Revolução Burguesa no Brasil, p. 342.
10
ALVES. Estado e Oposição no Brasil, p. 29.
18
idos de 1964, Minas era o único dentre os grandes estados brasileiros em que o governo
estadual, a polícia militar e as forças do Exército e da Aeronáutica se mantinham coesas
contra o governo de João Goulart. Condizente aos argumentos apresentados, dentre outros que
serão devidamente abordados, é notório que o estado mineiro condensava as melhores
condições para desencadear o levante militar contra o governo federal. Assim, como chegou a
ser exaltado pelo General Carlos Luís Guedes, “tinha que ser Minas”
11
.
No entanto, embora o estado de Minas estivesse inscrito em um conjunto de fatores
favoráveis para assumir a vanguarda das operações militares, existiam algumas deficiências a
serem supridas. Considerando a responsabilidade atribuída ao governo de Minas, de levantar
armas sob a perspectiva de uma guerra civil, seu problema mais crítico era exatamente a parca
presença das Forças Armadas em seu território, sobretudo do Exército Brasileiro. Marcada
pela continentalidade, Minas era entendida como um estado de menor potencial de risco, na
eventualidade de uma invasão estrangeira. Desse modo, dispondo de um reduzido contingente
de aproximadamente 4 mil militares do Exército Brasileiro em 1964, o estado mineiro não
ocupava privilegiada posição quanto à distribuição dessa Força pelo País. Assim,
comparativamente, enquanto São Paulo e Rio de Janeiro abrigavam duas das quatro mais
poderosas divisões do Exército pelo Brasil, Minas contava apenas com frações menores.
A partir dos argumentos apresentados, conclui-se que o Exército em Minas não
compunha força suficiente para iniciar sozinho o levante militar. Admitindo a complexidade
do problema aos propósitos almejados, a solução encontrada consistiu no sistemático
envolvimento da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais PMMG, frente aos
acontecimentos destinados a ascensão das Forças Armadas ao poder político nacional. Tal
medida, compreendida como possível, tinha a vantagem de passar pela articulação direta entre
o governador do estado, o comando da Corporação policial e demais membros civis e
militares inscritos no complexo ESG/IPES/IBAD, fato que dispensou pouca atenção do
governo federal e portanto não implicou desconfiança quanto aos procedimentos utilizados.
Entretanto, é válido salientar que, embora PM e Exército sejam corporações
marcadas pelo caráter do militarismo, são distintas quanto ao tipo de serviços que prestam à
Nação. Nesse ponto, resumidamente, enquanto as funções do Exército são pautadas pela
guerra, em regra contra inimigos estrangeiros, as polícias militares se prestam às funções de
segurança pública e, por conseqüência, ao trato com compatriotas civis. Condizente com essa
diferenciação, partindo do pressuposto de que o tipo de ação militar para ambos os casos
11
GUEDES. Tinha que Ser Minas.
19
exigem treinamentos distintos, os destinados à segurança pública não eram os mais
adequados, na visão das Forças Armadas, para os efeitos de um tipo de luta que demandava
táticas de guerrilha. Assim, para que a Polícia Militar mineira tivesse êxito frente ao processo
destinado a tomada do poder, foi preciso adequar a Corporação
12
. Para tanto, mediante um
intensivo treinamento conjunto com o Exército Brasileiro, intensificado por volta de 1962, a
Polícia Militar de Minas Gerais foi transformada de força policial em força combatente,
segundo afirma Heloísa Starling
13
.
Referente a esta explanação inicial, muito embora ela represente apenas uma prévia
das abordagens subseqüentes, é notório que, frente aos acontecimentos que resultaram na
deposição do presidente João Goulart, a PM de Minas se prestou aos postulados da DSN.
Nesse sentido, apesar do conflito armado não ter ocorrido, quem entenda que o
envolvimento e a preparação da Corporação militar mineira na ocasião, foi relevante para o
sucesso das ações militares. No mais, é válido salientar que a PMMG foi a única corporação
policial militar a atuar como força combatente, em meio ao levante iniciado em 31 de março
de 1964. Esse fato, que conduziu as Forças Armadas ao poder político nacional, alterou as
perspectivas de desenvolvimento e segurança até então observadas no Brasil, realidade que
atribui à Polícia Militar mineira uma grande responsabilidade pelos acontecimentos, uma vez
que seus atos contribuíram para alterar o destino do País.
Como é possível observar a partir da síntese apresentada, este trabalho se inscreve na
dimensão da História Política, muito em razão dos seus enfoques estarem vinculados às
relações de poder, ideologias e instituições. Sobre o assunto, apesar de algumas críticas da
Escola dos Annales a partir da década de 1930, segundo José D’Assunção Barros, as últimas
décadas do século XX foram marcadas pela revalorização das discussões políticas no âmbito
da História. Conforme o autor, por volta de 1980 abordagens vinculadas à guerra, diplomacia,
instituições, ideologias e relações de poder começaram a ser retomadas com particular
interesse pelos pesquisadores. Além disso, “as relações políticas entre grupos sociais de
diversos tipos”, bem como “os movimentos sociais e políticos” também fixaram-se como
“pontos de especial interesse por parte da nova historiografia” proveniente do século XX
14
.
Não obstante, admitindo “que não existem fatos que sejam exclusivamente”
vinculados a uma dimensão histórica
15
, apesar deste trabalho ter por ênfase a História Política
como elucidado, também está submetido a interfaces com a História Social e a História do
12
Maiores detalhes acerca desta adequação podem ser observados no item 4.1 do capítulo 4.
13
STARLING. Os Senhores das Gerais, p. 119.
14
BARROS. O Campo da História, pp 107-109.
15
BARROS. O Campo da História, p. 16
20
Imaginário. Dessa forma, salienta-se que algumas abordagens realizadas estão articuladas às
dicotomias inscritas na sociedade brasileira, concernentes às discussões e perspectivas quanto
ao desenvolvimento do País. De modo somático, visto que o recorte temporal deste estudo se
insere no contexto da Guerra Fria, o imaginário construído em torno do comunismo, seja no
sentido de ameaça à Pátria ou como meio de angariar reformas sociais, também teve
significativa inserção no todo das argumentações.
Em termos específicos, as abordagens vinculadas aos domínios supracitados foram
distribuídas em quatro capítulos. Considerando que ao longo de todo o trabalho as
explanações procuram destacar as particularidades da PM de Minas em relação ao Exército e
à DSN, o primeiro capítulo tem por intento discorrer, comparativamente, sobre a evolução
histórica de ambas as corporações até o ano de 1964. Nesse sentido, apesar do enfoque
convergir para a PMMG, não seria coerente desvincular o Exército Brasileiro das discussões,
uma vez que suas origens estão interligadas. Além disso, partindo do pressuposto de que PM e
Exército são corporações militares distintas, o estudo comparativo entre elas, tomando por
base publicações internas e textos constitucionais, termina por elucidar as características que
lhes são correspondentes. Destarte, estabelecida essa dessemelhança, é possível compreender
com maior facilidade o quanto os policias militares mineiros foram desvinculados de suas
funções para atenderem aos postulados da Doutrina de Segurança Nacional.
Ressalva seja aberta ao fator tempo, é certo que o primeiro capítulo extravasa o
recorte cronológico no qual se inscreve a maior parte deste trabalho. Para tanto, toma-se aqui
como justificativa, o argumento de Marc Bloch de que “o recorte mais exato” para abordar
determinado assunto “não é forçosamente o que faz uso da menor unidade de tempo”, mas
aquele capaz de viabilizar sua compreensão
16
. Além disso, admitindo que o “ofício de
historiador” exige a compreensão “do presente pelo passado”
17
, muitas das razões que
condicionaram a ascensão dos militares ao poder em 1964, estão vinculadas ao processo de
institucionalização das corporações militares ao longo da história do País, bem como suas
articulações entre si, com a sociedade e com próprio Estado brasileiro. No mais, como
defende Madeleine Rebérioux, “quando um historiador volta suas atenções para um problema,
nunca o isola de outros”. Assim, “mesmo quando seu período de trabalho é muito curto, será
incompreensível sem o que o precede e o que o segue”
18
.
16
BLOCH. Apologia da História, pp 150-151.
17
BLOCH. Apologia da História, p. 25.
18
REBÉRIOUX. História e Representação, p. 118.
21
Quanto ao segundo capítulo, reconhecendo que em meio aos reflexos da Guerra Fria
os embates observados no Brasil estiveram vinculados às perspectivas do tipo de país que ele
deveria se tornar, seu conteúdo está direcionado ao projeto de desenvolvimento proposto
pelos militares, a partir da DSN. Sobre o assunto, além da bibliografia compilada e submetida
a análises comparativas, as informações mais relevantes provieram dos estudos publicados
pelo General Golbery do Couto e Silva, principal ideólogo da referida doutrina no Brasil.
Em termos de contexto geral, Paulo Vizentini esclarece que entre o fim do Estado
Novo e a queda de João Goulart, o Brasil foi marcado pela disputa entre os chamados
“nacionalistas” e “entreguistas”, que defendiam projetos de desenvolvimento distintos para o
País. Segundo o autor, enquanto o primeiro grupo “buscava certa margem de autonomia frente
aos Estados Unidos, para impulsionar” a industrialização “calcada em certa perspectiva de
reforma social”, o segundo apoiava-se “nas fronteiras ideológicas definidas pela Escola
Superior de Guerra e pelo liberalismo econômico”
19
.
Inseridos evidentemente no segundo grupo, os militares direitistas, entendendo que o
“binômio desenvolvimento e segurança era a única resposta para a solução dos problemas”
nacionais, assumiram o poder e “promoveram a submissão das atividades da Nação aos
postulados da DSN”
20
. Antes porém, tais militares, procurando legitimar essa atitude como
necessária aos interesses maiores do País e que as Forças Armadas poderiam garantir,
engendraram a “idéia de Pátria em perigo”, a partir da qual fundamentaram o projeto de
desenvolvimento que julgavam cabível para o Brasil. Assim, embora para efeitos
comparativos o segundo capítulo agregue algumas argumentações atinentes às perspectivas de
desenvolvimento preconizadas por parte dos chamados nacionalistas, de um modo geral seu
conteúdo se atém, mais especificamente, à articulação estabelecida pelos militares direitista,
entre a DSN e a política de desenvolvimento nacional por eles traçada.
Na continuidade, visto o compromisso assumido pelo governo de Minas Gerais, de
iniciar o levante militar contra o governo federal, coadunado com o “complexo
ESG/IPES/IBAD”, o terceiro capítulo se ocupa em constatar a identificação da sociedade
mineira com a DSN, em particular com os policiais militares. Nesse sentido, considerando a
literatura e os depoimentos sobre o assunto, não faltam argumentações que ratificam o
exposto. Assim, mediante o trabalho desenvolvido, é possível afirmar que em Minas, a DSN
encontrou suficiente respaldo para engendrar a idéia de legitimidade, condição admitida como
importante por alguns estudiosos, para a sua aplicabilidade. Aqui, reconhecendo como Márcia
19
VIZENTINI. Do nacional-desenvolvimentismo à política externa independente, p. 197.
20
BORGES. A Doutrina de Segurança Nacional e os Governos Militares, p. 25 e 36.
22
Pereira da Silva, que “para ser legítimo, o poder deve pautar-se em crenças e valores
constituintes do querer de um número majoritário dos membros do Estado”
21
, em Minas
Gerais as manifestações de apreço aos militares e de oposição ao governo Goulart assim
faziam crer, como será demonstrado oportunamente.
Apesar do exposto, cabe deixar claro não ser pretensão deste trabalho exprimir a
idéia de que apenas o governo de Minas Gerais partilhou a ideologia contida na DSN, direta
ou indiretamente, uma vez que tal argumentação seria inconcebível. No entanto, apesar de
admitir sua incidência em âmbito nacional, com variações de intensidade em cada estado
federado, o intento é destacar as particularidades que a referida doutrina assumiu em Minas.
Nessa linha, salienta-se que os estudos publicados têm dispensado pouca notoriedade sobre o
assunto, com raras exceções, a exemplo do livro Os Senhores das Gerais de Heloísa Starling.
Além disso, a abordagem é significativa, não apenas pelo fato de Minas Gerais ter abrigado as
condições favoráveis ao início do levante militar, mas principalmente pelo fato dos policiais
militares mineiros terem sido adequados a um tipo de ação inscrita na DSN, nos idos de 1964.
Sobre o quarto capítulo, uma vez verificado que os policiais militares mineiros se
encontravam identificados com a DSN, ele tem por finalidade elucidar como e em que medida
eles foram desvinculados de suas funções de segurança pública, para atuarem como força
combatente. Além disso, cumpre também ao capítulo, discorrer sobre os fatores que
resultaram na idéia da necessidade do envolvimento da PMMG no processo destinado a
ascender as Forças Armadas ao poder político nacional. Para tanto, as publicações da própria
Corporação, os depoimentos de alguns militares e os periódicos foram de grande valia.
Por fim, apesar de não compor propriamente um capítulo, a seção de fotos tem por
finalidade viabilizar uma outra perspectiva de análise sobre a adequação dos policiais
militares ao âmbito da guerra. Entretanto, cabe deixar claro que, embora elas corroborem com
o conteúdo tratado no capítulo quatro, não foram utilizadas especificamente com tal
propósito. Nesse sentido, admitindo como Michel Vovelle, que as imagens possuem
“confissões involuntárias”
22
, seu tratamento enquanto fonte não deve se prestar apenas “como
mera ilustração” para se confirmar o que “já foi percebido através do discurso escrito”.
Assim, como afirma José D’Assunção, “a imagem visual tem ela mesmo algo a ser dito”,
realidade que impele a cada observador fazer as perguntas cabíveis que a “faça falar”
23
.
21
SILVA. A Defesa Legal do Arbítrio, p. 50.
22
VOVELLE. Ideologias e Mentalidades, p. 70.
23
BARROS. O Campo da História, p. 106.
23
Pertinente ao tratamento dispensado às fontes, salienta-se que o método utilizado foi
o comparativo. Para tanto, admitindo a definição de “metodologia” como “o domínio da
estrutura e do procedimento lógico do conhecimento científico”
24
, segundo Henri Pirenne, o
método comparativo é o “instrumento capaz de transformar a história em uma ciência, ao
permitir a passagem da descrição para a explicação dos processos históricos”
25
. Além disso,
como argumenta Witold Kula, “nenhum trabalho científico (...) pode dispensar totalmente o
método comparativo, pois é impossível a introdução de novos elementos em um terreno
qualquer do conhecimento sem compará-los com os já conhecidos”
26
.
Do mesmo modo, Marc Bloch também defendia a validade do método comparado
para os fins científicos. Discorrendo ser uma “ilusão imaginar que a cada problema histórico
corresponde um tipo de documento”, uma vez que a “história é feita recorrendo-se a uma
multiplicidade” deles, compará-los criticamente termina por viabilizar informações mais
seguras ao assunto abordado. Nesse ponto, o autor destaca que o “trabalho de comparação”
necessariamente acarreta “ressaltar tanto semelhanças como diferenças” de um corpo de
fontes, a fim de angariar dados reincidentes úteis à pesquisa
27
. Na mesma linha, Giovanni
Sartori afirma que “para encontrar uma semelhança” entre certas coisas comparáveis” é
“preciso isolá-la de tudo o que não é semelhante. Em outras palavras, a semelhança precisa
ser ‘extraída’ da dessemelhança” pois, “se as diferenças não forem bem identificadas”, as
analogias “correm o risco de serem fraudulentas ou confusas”
28
.
Considerando o exposto, para os fins deste estudo, todas as informações tomadas
como efeito de verdade derivaram explicitamente do trabalho de compilação, comparação e
seleção dos dados análogos entre as fontes. Relativo aos procedimentos, uma vez compiladas
as fontes, elas foram agregadas em classes ou tipos, condição admitida como essencial para os
fins comparativos, segundo Sartori
29
. Feito isso, a etapa seguinte consistiu em comparar o
conteúdo das fontes de cada classe, com o propósito de verificar e destacar as informações
reincidentes. Cumprida essa prática em relação às publicações institucionais, periódicos e
depoimentos orais, o próximo passo foi efetuar nova comparação, agora entre as classes, a
partir das informações selecionadas.
Desse crivo, os dados análogos foram digitados, arquivados e utilizados ao longo dos
capítulos, de acordo com a necessidade e em conformidade com a fundamentação teórica.
24
SARTORI. A Política, p. 214.
25
CARDOSO. Os Métodos da História, p. 410.
26
KULA. Problemas y métodos de la historia económica, p. 571.
27
BLOCH. Apologia da História, p. 27 e 109.
28
SARTORI. A Política, p. 208.
29
SARTORI. A Política, p. 209.
24
Aqui, admitindo que tais cuidados não se prestam apenas às fontes, mas também à
bibliografia, neste trabalho as citações dela decorrentes, em regra, também foram submetidas
a análises comparativas. Nesse sentido, como entende Eliseu Verón, para a obtenção de
determinada informação “não se analisa jamais um texto: analisa-se pelo menos dois, quer se
trate de um segundo texto escolhido explicitamente para a comparação, quer se trate de um
texto implícito (...) introduzido pelo analista” para tal propósito
30
.
Embora como esclarecido, este trabalho tenha se pautado pelo método comparativo,
compreendendo que cada tipo de fonte requer uma atenção diferenciada, paralelamente isso
foi observado. Reconhecendo que as publicações institucionais e os periódicos compõem o
conjunto das fontes escritas deste estudo, quantitativamente majoritárias, algumas
considerações sobre o assunto são oportunas. Partindo do princípio de que qualquer texto “é
simultaneamente um ‘objeto de significação’ e um ‘objeto de comunicação’ complementares
entre si”, especial atenção foi dispensada não ao aspecto “estrutural do texto”, mas
principalmente à relação estabelecida “entre um destinador e um destinatário”. Para tanto,
segundo José D’Assunção, a análise da fonte escrita deve “contemplar simultaneamente três
dimensões fundamentais: o intratexto”, que avalia o texto como objeto de significação, o
“intertexto”, que prima pela comparação de um texto com outros, e o “contexto”, que
corresponde “à relação do texto com a realidade que o produziu”
31
.
Claramente, embora sem negar a preocupação com o intratexto, as duas últimas
dimensões se prestaram mais aos propósitos deste trabalho. Assim, partilhando a idéia de que
“todo texto é produzido em um lugar que é definido não apenas por um autor, pelo seu estilo e
pela história de vida deste autor, mas principalmente por uma sociedade que o envolve”
32
, o
trabalho aqui desenvolvido procurou, dentro do que foi possível, estabelecer as devidas
comparações e contextualizações entre as fontes e o momento histórico em que elas se
inscrevem. Para tanto, salienta-se o esforço constante destinado a evitar os perniciosos juízos
de valor, bem como anacronismos. Nessa linha, como afirmava Marc Bloch, o objetivo da
“análise histórica” é “compreender” e não “julgar”. No mais, um “fenômeno histórico nunca
pode ser explicado plenamente, fora do estudo de seu momento”
33
.
Para concluir as explanações sobre metodologia, relativo às fontes orais, apesar de
seu emprego ter se prestado de modo complementar, porém importante, algumas
argumentações específicas são pertinentes. Sobre o assunto, salienta-se que as entrevistas
30
VERÓN. A Produção do Sentido. Citado em: BARROS. O Campo da História, p. 139.
31
BARROS. O Campo da História, pp 136-137.
32
BARROS. O Campo da História, p. 137.
33
BLOCH. Apologia da História, p. 30 e 60
25
realizadas e utilizadas neste trabalho, se enquadram no que Alice Beatriz Lang definiu como
“depoimentos orais”. Para a autora, as fontes orais podem assim ser consideradas, quando o
interesse do pesquisador é obter informações referentes à atuação ou ligação do indivíduo em
ocasiões ou fatos específicos, que se inscrevam no seu objeto de estudo
34
. Assim foi feito.
Quanto à realização das entrevistas, admitindo que os militares entrevistados tiveram
um papel diferenciado frente aos acontecimentos históricos que se prestaram a esta pesquisa,
elas não obedeceram a uma padronização rígida. Fundamentando a questão, Paul Thompson
argumenta que “ser bem-sucedido ao entrevistar exige habilidade”, uma vez que muitas são as
formas para se obter as informações. Desse modo, conforme o autor, o bom entrevistador é
aquele que consegue desenvolver “uma variedade do método” que o harmonize com o
entrevistado, a fim de produzir os melhores resultados
35
.
Pelo discorrido, é possível dizer que o pesquisador não deve se limitar à execução de
entrevistas com procedimentos gerais para todos os casos. Partilhando idéia afim, Jorge
Eduardo Lozano defende que o entrevistador “é algo mais que um gravador que registra os
indivíduos, pois procura fazer com que o depoimento não desloque a pesquisa e a conseqüente
análise histórica”
36
. Cabe esclarecer que, ao valer da citação “fazer com que o depoimento
não desloque nem substitua a pesquisa”, não se tem por intenção expressar que o entrevistador
controle a entrevista no sentido de obter as respostas que ele quer ouvir. Pelo contrário, o
intento é salientar que a entrevista seja conduzida de modo inteligível, a fim de conseguir uma
quantidade significativa de informações relativas ao objeto de estudo, explorando com
oportunismo as possibilidades apresentadas pelo entrevistado.
Na mesma linha de entendimento, Pierre Bourdieu propõe uma série de
procedimentos que possibilitam encadear “uma comunicação não violenta” entre entrevistado
e entrevistador. Para tanto, o autor deixa implícito ser de fundamental importância a
capacidade do pesquisador inteirar o entrevistado ao objeto de sua pesquisa, bem como
empregar uma linguagem adequada que os aproximem. Dentre outras recomendações, o autor
também sugere ser necessário ao pesquisador “tentar situar-se em pensamento no lugar que o
entrevistado ocupa no espaço social”, não no sentido de “executar a projeção de si em
outrem”, mas sim de ater-se às “condições sociais das quais ele é produto”, a fim de conduzir
a entrevista de modo inteligível
37
.
34
LANG. História Oral, p. 31.
35
THOMPSON. A Voz do Passado, p. 254.
36
LOZANO. Práticas e estilos de pesquisa na história oral contemporânea, p. 17.
37
BOURDIEU. A Miséria do Mundo, pp 695-700.
26
Nesse contexto, tomando as entrevistas utilizadas para os efeitos deste trabalho, a
realizada com o Coronel Georgino Jorge de Souza, por exemplo, teve um caráter mais formal
e eloqüente que as dos demais militares entrevistados, cujas informações foram transmitidas
em meio a grande emotividade. Assim, enquanto as informações do referido Coronel estão
mais vinculadas à história tida como oficial, em razão do conhecimento que o entrevistado
tem dela, os outros militares que ele comandou e não foram por ela agraciados, viram nas
entrevistas uma oportunidade para exporem o que viveram, presenciaram ou interpretaram,
muito em virtude de seus nomes não terem ficado registrados na memória coletiva.
Por fim, proferidas essas considerações iniciais, salienta-se que a partir das fontes e
da fundamentação teórica, este trabalho procurou traduzir, com base na DSN, o ponto de vista
dos militares sobre o Brasil, especialmente entre o término da Segunda Guerra Mundial e a
queda de João Goulart. Todavia, considerando não existir esforço suficientemente capaz de
eliminar os efeitos da subjetividade em um trabalho científico, as explanações aqui tecidas,
embora metodologicamente e teoricamente fundamentadas, não fogem a essa regra. Assim,
admitindo como Adam Schaff, que o conhecimento “é um processo de acumulação das
verdades parciais” que tende “ao limite que é o conhecimento completo”, inalcançável e
“infinito”
38
, as idéias aqui encadeadas não têm a presunção de se apresentarem como verdades
absolutas. Portanto, considerando que a própria “racionalidade científica” demanda a
“mutabilidade do conhecimento”
39
, qualquer embate sobre o assunto aqui abordado é
pertinente.
38
SCHAFF. História e Verdade, p. 113.
39
LUZ. Natural; Racional; Social, p. 30.
27
CAPÍTULO 1
A POLÍCIA MILITAR MINEIRA E O EXÉRCITO BRASILEIRO EM UM BREVE
ESTUDO HISTÓRICO COMPARADO.
Compreender as razões que envolvem a vinculação entre o Exército Brasileiro - EB -
e as Polícias Militares em meados do século XX requer, inicialmente, estabelecer algumas
considerações que possibilitem um certo esclarecimento sobre essas corporações, sobretudo
quanto aos seus respectivos campos de atuação. Para tanto, uma breve abordagem
comparativa sobre suas origens e evolução ao longo da história do País, com ênfase na Polícia
Militar do Estado de Minas Gerais - PMMG, faz-se viável para uma melhor compreensão
sobre o estudo proposto, particularmente em relação ao capítulo quatro.
Embora atribuam datas de origens distintas, é possível observar que o Exército
Brasileiro e a Polícia Militar mineira têm um histórico de formação convergente durante o
período colonial, uma vez que, “reproduzindo a estrutura e o pensamento ibérico”, tais
corporações atuaram “em diversos momentos de forma integrada, seja na defesa de fronteiras
ou na manutenção da ordem pública”
40
. Além disso, como argumenta o Coronel Sena, “nos
tempos coloniais não havia um Exército Nacional homogêneo, com unidade de comando
como o entendemos nos dias atuais.” Para ele, ao contrário, “as forças terrestres eram locais”,
destinadas a “atribuições policiais e sob o controle (...) do Comandante das Armas das
capitanias”
41
. Com similar entendimento, João Camilo Torres define que antes “do período
regencial não havia distinção entre uma tropa de Exército, destinada à segurança nacional, e à
tropa policial, visando manter a ordem”
42
.
Admitindo, como Sahid Maluf, que o Brasil só atingiu sua “condição de Estado” com
a proclamação da “independência”
43
, seria incoerente conceber como Exército Nacional
qualquer força militar anterior a 07 de setembro de 1822. Todavia, partindo do pressuposto de
que suas raízes remontam ao período colonial, a Corporação considera a vitória sobre os
holandeses em Guararapes
44
o acontecimento embrionário de sua formação. Para alguns
40
COTTA. Breve História da Polícia Militar, p. 45.
41
SENA. Exército Brasileiro – Ontem, Hoje, Sempre, p. 114.
42
TORRES. História de Minas Gerais, p. 1151.
43
MAFUF. Teoria Geral do Estado, p. 370.
44
A reorientação da política financeira e tributária da Companhia das Índias Ocidentais em relação ao nordeste
brasileiro, danosa aos interesses econômicos locais, contribuiu para desencadear um sentimento de oposição ao
governo holandês, sobretudo após o retorno do Conde João Maurício de Nassau à Europa em 1644. Assim,
considerando o momento oportuno, parte da população nordestina, a partir de Pernambuco, iniciou uma guerra
28
militares, entre eles o General João Batista Mascarenhas
45
, por ocasião de referida batalha
“surgiu o sentimento nativista”, que conduziu “a população a dar ao território habitado um
valor mais elevado do que o da simples propriedade, porquanto robustecida pelo amor à terra
natal e a noção de solo inviolável, enfim a consciência de Pátria.”
46
. Assim, entendendo a
Batalha dos Guararapes como sua gênese, o Exército Brasileiro adotou a data de 19 de abril
de 1648 como o de sua origem, conforme é possível observar em seu brasão heráldico.
Quanto à Polícia Militar do Estado de Minas Gerais, estudos divulgados atribuem
suas origens ao advento da mineração no século XVIII. Nessa afirmativa, quem entenda
que “a história da institucionalização de um corpo militar responsável pela polícia nas Minas
do Ouro” se iniciou em 1719 com a chegada dos Dragões em Vila Rica”, primeiras tropas
militares regulares enviadas e mantidas pela Coroa Portuguesa na região. Nesse sentido,
apesar de não se apresentarem como uma força especificamente preparada para exercer as
atribuições vinculadas a manutenção da ordem pública, os Dragões sofreram “um processo de
especialização policial precoce”, pois, “para que o coração da América Portuguesa bombeasse
o sangue dourado com regularidade, seria necessário manter em níveis toleráveis a
tranqüilidade e o sossego públicos”
47
.
Entretanto, com o passar dos anos e o gradativo aumento populacional observado na
Capitania em função da atividade aurífera, as companhias de Dragões, tanto pelo custo quanto
pela distribuição e organização, deixaram de atender aos plenos interesses da Coroa
Portuguesa, sendo, portanto, reorganizadas. Desse modo, em 1775, com a dissolução das suas
três companhias, compostas por 242 militares, o governador Dom Antônio de Noronha criou
o Regimento Regular de Cavalaria de Minas, composto por mais de 400 militares divididos
em oito companhias custeadas com recursos da própria Capitania. Na ocasião, integrava a
Sexta Companhia o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, vulgo Tiradentes
48
.
Relativo a data de fundação, embora a Corporação admita o dia 09 de junho de 1775
como seu marco inicial e por conseqüência sua data comemorativa, Francis Cotta argumenta
entre 1645 e 1654, cujo marco foi a Batalha de Guararapes em 1648. Derrotados os holandeses, Portugal
retomou o controle colonial sobre a região.
45
O General João Batista Mascarenhas foi o comandante da Força Expedicionária Brasileira FEB, enviada à
Itália em 1944 por ocasião da Segunda Guerra Mundial.
46
SENA. Exército Brasileiro Ontem, Hoje, Sempre, p. 21. Além disso, o Exército Brasileiro tem o
acontecimento como significativo, pelo fato de nele terem participado elementos que para a Corporação
compõem o povo brasileiro, ou seja, brancos, negros e índios. No mais, é salutar o fato da vitória sobre os
holandeses ter ocorrido com base em uma força nativa, uma vez que Portugal, amarrado a um tratado de paz
anterior com a Holanda, não chegou a empregar de fato suas forças militares no conflito.
47
COTTA. Breve História da Polícia Militar, p. 45.
48
SILVEIRA. Crônica da Polícia Militar de Minas, p. 40. Ver também: SENA. Exército Brasileiro - Ontem,
Hoje, Sempre, p. 62. O posto de Alferes era equivalente ao de um Segundo Tenente nos dias atuais. MARCO
FILHO. História Militar da PMMG, p. 104.
29
que essa data “não tem apoio documental”, apesar de ser referendada por alguns estudiosos
militares
49
e até pelo Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais - IHGMG
50
. Para o
autor, essa data atribuída como oficial no livro Crônica Militar, editado em 1960 e de autoria
do estudioso Augusto de Lima Júnior, não derivou de uma pesquisa mais aprofundada que lhe
atribuísse sustentação. Assim, após anos de pesquisa, inclusive em Portugal, Francis Cotta,
não encontrando documentos que ratificassem a informação de Lima Júnior, chegou a
conclusão de que seria mais coerente atribuir ao mês de janeiro de 1775 a importância como
marco inicial da Polícia Militar de Minas Gerais, que data desse mês à determinação régia
que criou o Regimento Regular de Cavalaria.
Esse Regimento, que a Polícia Militar mineira tem como sua célula mater, embora
preparado para o combate em uma guerra regular”, aprimorou-se no exercício da
“manutenção da ordem pública”
51
. Nessa perspectiva, em um ambiente marcado por
contrastes, em que a opressão e a miséria potencializavam a prática da violência, a ação dos
militares consistia em manter os interesses da Coroa Portuguesa. Para tanto, era preciso atuar
em relação a todos aqueles que não usufruíam as benesses auríferas ou o faziam de modo
fraudulento. Pertinente a esses “desclassificados do ouro”, como define Laura de Mello e
Souza, cabiam aos militares do Regimento de Cavalaria executar as ordens de coação para
que não incorressem na prática da vadiagem e as de coerção nos casos de tipologia criminal
52
,
bem como trabalhos de escolta de valores e fiscalização.
Apesar das considerações sobre suas origens, na verdade não existia uma distinção
clara entre as forças terrestres quanto às atribuições de segurança pública e a prática de
guerra, durante o período colonial. Como esclarece o Ten Cel Marco Filho, na capitania de
Minas o Regimento Regular de Cavalaria executava “missões de natureza militar” (no sentido
da guerra) “e de natureza policial”
53
. Tal realidade também fora constatada e relatada por
alguns viajantes que percorreram a região em princípios do século XIX, como August de
Saint-Hilaire. Segundo o naturalista francês, a província de Minas Gerais” possuía “um
49
Como em MARCO FILHO. História Militar da PMMG, p. 6. Apesar de mencionar a referida data, salienta-se
que na ocasião em que o livro foi publicado, ou seja, 1990, a Corporação considerava como a data de sua
fundação o dia 10 de outubro de 1831, ocasião em que foi criado o Corpo de Guardas Municipais Permanentes
em Minas Gerais, substituto do Regimento Regular de Cavalaria de Minas.
50
Segundo Francis Albert Cotta, foi após estudo encomendado pela Polícia Militar mineira a esse Instituto em
1992, que a data de 09 de junho de 1775 passou a ser considerada oficial, em substituição a de 10 de outubro de
1831. Entretanto, os estudos do IHGMG também tomaram como base de análises as informações de Augusto
Lima Júnior, fato que viabilizou considerar Tiradentes como membro da Corporação e não apenas patrono.
COTTA. Breve História da Polícia Militar, pp 64-65.
51
COTTA. Breve História da Polícia Militar, pp 68-70.
52
SOUZA. Desclassificados do Ouro.
53
MARCO FILHO. História Militar da PMMG, p. 7.
30
Regimento de Cavalaria pago pelo seu próprio tesouro e cujo serviço” era “especialmente
consagrado a esta província, mas que” podia “em caso de necessidade ser chamado a atuar
alhures, a serviço do soberano”
54
.
Na perspectiva da guerra contra o inimigo externo, o Coronel Sena, abordando os
conflitos pela delimitação territorial na região da Bacia Platina em meados do século XVIII,
argumenta que a atuação de parte dos Dragões (militares) da Capitania de Minas, representou
a “força terrestre profissionalizada, braço armado da Nação que nascia ao sudeste do
continente americano”
55
. Aqui, implicitamente, percebe-se uma correspondência histórica
entre a Polícia Militar mineira e o Exército Brasileiro, não no sentido de atuação militar,
como também no limiar de um sentimento nativista ainda no período colonial.
Não obstante as vinculações entre os primórdios das duas Corporações nesse
período, seus respectivos processos organizacionais ganharam projeção a partir das
necessidades demandadas pelas Guerras Napoleônicas e a conseqüente transferência da Corte
Portuguesa para o Brasil, em 1808. Tais fatos passaram a exigir do Príncipe Regente um
maior aparato militar para o Brasil, tanto no trato com inimigos externos, quanto de ordem
pública. Sem muitas alternativas iniciais, uma vez que o era interessante a política
colonialista que o Brasil tivesse constituído maior poder militar que a Metrópole, Dom João
empreendeu um conjunto de medidas no intuito de minorar o problema, reorganizando e
otimizando as forças de terra e mar na nova sede da Monarquia Portuguesa. Para tanto, se por
um lado contou com o auxilio dos militares portugueses que o acompanharam e a proteção de
unidades da marinha inglesa, por outro, teve que dispor dos efetivos constituídos ao longo
do território brasileiro, que a maior parte das forças militares lusitanas ficaram na Europa
Ocidental, unidas à Inglaterra na luta contra os franceses.
Mediante os acontecimentos, Dom João “organizou o primeiro ministério para
assessorá-lo na antiga Colônia, em 11 de março de 1808. Entre as secretarias instituídas” se
encontrava a dos “Negócios Estrangeiros e da Guerra, geratriz dos Ministérios das Relações
Exteriores e do Exército”
56
. Além disso, criou o Primeiro Regimento de Cavalaria no Rio de
Janeiro, entendido como unidade do Exército
57
, por força da Lei datada de 13 de maio de
1808. Para tanto, desmembrou o Regimento Regular de Cavalaria de Minas, tomando-lhe
duas companhias, ao mesmo tempo em que organizou as demais sob a denominação de
54
SILVEIRA. Crônica da Polícia Militar de Minas, p. 41.
55
SENA. Exército Brasileiro – Ontem, Hoje, Sempre, p. 20.
56
SENA. Exército Brasileiro – Ontem, Hoje, Sempre, p. 217.
57
COTTA. Breve História da Polícia Militar, p. 73.
31
Regimento de Cavalaria de Linha, termo adiante alterado para “Segundo Regimento de
Cavalaria, com parada em Vila Rica”
58
.
Com o fim do período Joanino e a proclamação da independência em 1822, teve
inicio uma nova fase na história militar do Brasil, marcada pela necessidade da
institucionalização das forças de terra e mar junto ao novo Estado. Aqui, como admite
Maquiavel, “sem possuir armas próprias, nenhum” Estado “está seguro, antes, está à mercê da
sorte, não existindo virtude que o defenda nas adversidades”
59
. Tal preocupação, observada
antes mesmo do reconhecimento da emancipação do Brasil por parte de Portugal, pode ser
verificada no Artigo 150 da Constituição de 1824, ao determinar que “uma Ordenança
especial” regulasse “a organização do Exército do Brasil, suas promoções, soldos e disciplina,
assim como da Força Naval”
60
. Tomando por base essa determinação constitucional, no dia 24
de novembro de 1830, foi publicada a Lei que reorganizou o Exército Brasileiro. “Nela
suprimiu-se o Primeiro Regimento de Cavalaria no Rio de Janeiro, continuamente desfalcado
e pouco disciplinado”, enviando parte do seu parco contingente para o Rio Grande do Sul.
Todavia, na oportunidade, o Segundo Regimento de Cavalaria de Minas Gerais passou a
constituir o Primeiro Corpo de Cavalaria do Exército, com parada destinada ao Rio de
Janeiro
61
. Novamente é notória a vinculação histórica entre a futura Polícia Militar mineira
com o Exército Brasileiro.
Destarte a Lei datar de 1830, “no ano seguinte nenhuma providência havia sido
tomada”, dada às implicações que sua execução desencadearia na província de Minas. A esse
respeito, em resposta ao Aviso Regencial de 02 de agosto de 1831, que ratificava o
cumprimento da Lei, o presidente Melo e Souza argumentou quanto à inviabilidade de
desfalcar a Província de Minas de sua força militar, uma vez que feito isso sem uma forma de
compensação a contento, o resultado seria a desordem, o aumento do contrabando e da
violência, bem como o prejuízo da própria fazenda imperial
62
.
Avaliando as razões fundamentadas por Melo e Souza, o Ministro da Guerra
deliberou quanto ao assunto de modo obediente a Lei de 24 de novembro de 1830, mas
atendendo também aos interesses da província de Minas. Para tanto, determinou que o
Primeiro Corpo de Cavalaria do Exército fosse constituído por 397 militares provenientes dos
outrora chamados Segundo Regimento Regular de Cavalaria de Minas e Primeiro Regimento
58
SILVEIRA. Crônica da Polícia Militar de Minas, p. 43.
59
MAQUIAVEL. O Príncipe, p. 57.
60
CAMPANHOLE. Constituições do Brasil, p. 806.
61
SILVEIRA. Crônica da Polícia Militar de Minas, p. 44.
62
Baseado no Ofício de 31 de agosto de 1831, destinado ao governo regencial. Ver: SILVEIRA. Crônica da
Polícia Militar de Minas, pp 44-47.
32
de Cavalaria, que manteve uma companhia destacada no Rio de Janeiro por ocasião de sua
transferência para o Rio Grande do Sul. O cumprimento desta determinação, resultou um
efetivo excedente, disponibilizado para constituir um corpo militar que atendesse aos
interesses da província de Minas. Além disso, dentro do plano distributivo do Exército pelo
Brasil, o Primeiro Corpo de Cavalaria foi mantido em Ouro Preto, local em que permaneceu
até 1834, quando foi transferido para o Rio de Janeiro
63
.
Devido à necessidade da constituição de uma força militar mais voltada para as ações
pertinentes a manutenção da ordem pública, foi criado no Rio de Janeiro, por força da Carta
de Lei de 10 de outubro de 1831, o Corpo de Guardas Municipais Permanentes. Pela mesma
Lei, em seu Artigo 2º, as demais províncias também ficaram autorizadas a “criarem iguais
corpos”. “Em Minas Gerais, o Aviso de 11 de novembro assinado por Feijó”, deliberou que o
efetivo militar excedente ao Primeiro Corpo de Cavalaria do Exército fosse aproveitado para
tal fim
64
. Assim, em 12 de dezembro de 1831, na Reunião do Conselho da Província, foi
criado o Corpo de Guardas Municipais de Minas Gerais que, no dia 16 do mesmo mês,
recebeu seu primeiro comandante, o Alferes Francisco de Assis Manso da Costa Reis
65
. Até
1992, o Corpo de Guardas Municipais fora considerado a célula mater da Polícia Militar
mineira. Entretanto, no ano supracitado, após o referido estudo realizado pelo Instituto
Histórico e Geográfico de Minas Gerais, a Corporação passou a considerar como sua força
embrionária , o Regimento Regular de Cavalaria de Minas, criado em 1775
66
.
Com o desprestígio do Exército Brasileiro pelo governo regencial
67
, bem como seu
direcionamento para a proteção de fronteiras, em especial na região Platina, coube a Guarda
Nacional
68
e aos Corpos de Guardas Municipais Permanentes
69
, as ações vinculadas à
63
O efetivo do Exército Brasileiro para o ano de 1831 foi fixado em 12 mil homens. SILVEIRA. Crônica da
Polícia Militar de Minas, p. 49.
64
MARCO FILHO. História Militar da PMMG, p.7. Ver também: SILVEIRA. Crônica da Polícia Militar de
Minas, p.53. E ainda: COTTA. Breve História da Polícia Militar, p. 75.
65
Composto por 418 militares divididos em 4 companhias, foi destinado ao emprego “na Capital e demais
povoações da Província”. MARCO FILHO. História Militar da PMMG, p. 7. Na ocasião, atenderia a uma
população estimada entre 800 mil a 1 milhão de habitantes, segundo Ofício de Melo e Souza à Regência em 31
de agosto de 1831. SILVEIRA. Crônica da Polícia Militar de Minas, p. 45. Quanto à instalação, o Corpo de
Guardas ocupou “o quartel da chácara do Xavier”, que fora erguido a partir de 1775 durante o governo de Dom
Antônio de Noronha na capitania de Minas. Situado à rua das Flores na outrora Vila Rica, o prédio, que também
abrigou o Regimento Regular de Cavalaria de Minas, hoje não existe mais. SILVEIRA. Crônica da Polícia
Militar de Minas, p. 49.
66
A data e a origem foram alteradas após o referido estudo encomendado pelo Comando da PMMG ao
Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais (IHGMG). COTTA. Breve História da Polícia Militar, p. 65.
67
Durante o governo regencial boa parte dos oficiais do Exército Brasileiro ainda compunha-se de portugueses,
muitos deles alheios e/ou até contrários aos interesses da aristocracia rural escravista, elite que na ocasião era
composta, em sua maioria, por brasileiros.
68
Criada por força de Lei regencial datada de 18 de agosto de 1831. MARCO FILHO. História Militar da
PMMG, p.8. Semelhante a sua congênere francesa, a Guarda Nacional foi criada por meio de uma Lei cuja idéia
consistia em organizar um corpo armado de cidadãos confiáveis, capazes de reduzir tanto os excessos do
33
manutenção da ordem interna. Quanto a esses últimos, data de 22 de outubro de 1831 o
Decreto que deliberou quanto às suas “normas de regulamentação”, ato discricionário
conseqüentemente observado pelo presidente da Província de Minas Gerais. Por tal Decreto,
os Corpos de Guardas Municipais passaram a ter como atribuições legais boa parte das ações
atualmente correspondentes ao trabalho policial militar. A título de exemplo, é válido destacar
as chamadas “patrulhas de segurança” que, a ou a cavalo, percorriam diferentes bairros
ostensivamente, a fim de coibirem e reprimirem , até mesmo com o emprego de força letal se
a necessidade exigisse, a prática de atos contrários à ordem pública estabelecida
70
.
Na continuidade, em 15 de dezembro de 1835, durante o governo de José Feliciano
Coelho em Minas, foi ordenada a execução da Lei Provincial 08, de 28 de março de 1835,
que deliberou sobre as adequações a serem realizadas junto ao Corpo de Guardas Municipais
da província, denominado a partir de então como Corpo Policial
71
. Na ocasião, seu efetivo foi
“fixado em trezentas praças de infantaria e trinta de cavalaria, incluindo-se nesse número os
oficiais e sargentos”
72
. Quanto ao serviço, cabia ao Corpo Policial auxiliar a justiça, executar
ações de policiamento ostensivo, manter a ordem e a segurança públicas, “tanto na capital da
província e seus subúrbios, como nas comarcas, através de seus destacamentos”
73
.
Apesar das iniciativas destinadas a institucionalização de forças policiais militares
voltadas ao exercício da segurança pública, o diminuto valor regencial dispensado ao Exército
Brasileiro, somado as tensões da região Platina, bem como o risco de ruptura da unidade
nacional, demandaram a necessidade do empenho policial também em ações de guerra. Nesse
contexto, pertinente a Província de Minas Gerais no que diz respeito ao seu envolvimento na
Guerra dos Farrapos, em 02 de abril de 1841 o presidente Marechal Sebastião Barreto, “com o
beneplácito da Assembléia Legislativa (...) através da Resolução 205”, autorizou o
deslocamento de um efetivo militar para o sul do País, no qual encontrava inserido parte do
governo centralizado como as ameaças das classes consideradas perigosas pelas autoridades do Império. Na
prática, a nova instituição ficou incumbida de manter a ordem no município onde fosse formada. Foi chamada
em casos especiais a enfrentar rebeliões fora do município e a proteger as fronteiras do País sob o comando do
Exército. Compunha-se obrigatoriamente dos cidadãos com direito a voto nas eleições primárias, com idade
entre 21 e 60 anos. O alistamento obrigatório para a Guarda Nacional desfalcou os quadros do Exército, pois
quem pertencesse à primeira força ficava dispensado de servir no segundo.
69
Ao contrário da Guarda Nacional, cujo alistamento era obrigatório, os Corpos de Guardas Municipais
Permanentes, também destinados a manutenção da ordem pública, eram compostos por homens que solicitavam
engajamento voluntariamente, desde que possuíssem idade entre 18 e 40 anos.
70
MARCO FILHO. História Militar da PMMG, p.11.
71
O Regulamento Provincial 06, executado pela referida Lei 08, além de determinar o efetivo do Corpo
Policial, estabelecia, dentre outras coisas, os critérios para provimento de postos e graduações, fardamento,
questões pertinentes ao armamento, destacamentos, pagamentos, rancho, benefícios e punições. MARCO
FILHO. História Militar da PMMG, p.12. Ver também: COTTA. Breve História da Polícia Militar, p. 78.
72
SILVEIRA. Crônica da Polícia Militar de Minas, p. 66.
73
COTTA. Breve História da Polícia Militar, p. 79.
34
Corpo Policial
74
. Por ocasião das batalhas no decorrer do ano de 1843, os policiais de Minas
Gerais, integrados ao Exército Brasileiro, lutaram “sob as ordens do então Barão de Caxias,
contra os federalistas Farroupilhas”
75
.
Além da Guerra dos Farrapos, outro importante acontecimento que integrou o
Exército e a Polícia Militar durante o Império foi a Guerra do Paraguai. Nesse sentido, “em
1865, a tropa de Minas”, denominada Brigada Mineira e parte integrante do 17º Batalhão de
Voluntários da Pátria 17º BVP
76
, tomou parte no conflito. Iniciando a marcha no dia 10 de
março do mesmo ano, esse Batalhão, em 11 de janeiro de 1867, “recebeu missão de invadir o
Paraguai (...) como vanguarda” das forças comandadas pelo Coronel Carlos de Morais
Camisão. Após algumas vitórias, em 1868 o 17º BVP, “entrando em ação contra forças muito
superiores” obtiveram uma vitória de Pirro
77
. Assim, “enfrentando a Retirada da Laguna, os
mineiros, com minguado remanescente, sobreviveram à dramática travessia de Chaco e ainda
se recompuseram e tomaram parte na queda de Assunção”
78
. “Nos princípios de 1870, após
guarnecer a praça de Humaitá, (...) o 17º Batalhão de Voluntários da Pátria embarcou de volta,
chegando ao Rio de Janeiro no dia 23 de fevereiro.” Quanto aos mineiros especificamente,
chegaram a Ouro Preto em 23 de março de 1870
79
.
Apesar de ter sofrido alterações em seus regulamentos internos durante o Segundo
Reinado, o Corpo Policial de Minas se manteve como tal até os acontecimentos que
resultaram na queda da Monarquia. Com o advento da República e as transformações dela
decorrentes, inclusive a projeção do Exército Brasileiro no cenário político nacional, as
corporações policiais militares foram reorganizadas de modo mais rígido e assentadas nos
recursos econômicos dos estados federados. No caso de Minas Gerais, a exemplo dos demais
estados, em cumprimento à Lei 07 de 24 de outubro de 1891, o Corpo Policial recebeu a
designação de Força Pública
80
.
74
SILVEIRA. Crônica da Polícia Militar de Minas, p. 67.
75
MARCO FILHO. História Militar da PMMG, p.07.
76
Sob o comando do Ten Cel Enéas Galvão, o 1BVP era constituído por elementos do Corpo Policial de
Minas, “voluntários civis, elementos recrutados da Guarda Nacional e unidades paulistas. No total, até o fim do
conflito, estima-se que este Batalhão tenha sido constituído por 6 mil homens. MARCO FILHO. História Militar
da PMMG, p.31. Geraldo Tito, argumenta que a Brigada de Minas fora constituída por mil e duzentos
homens, entre policiais e voluntários civis. SILVEIRA. Crônica da Polícia Militar de Minas, p. 73.
77
SILVEIRA. Crônica da Polícia Militar de Minas, p.73. Ver também MARCO FILHO.História Militar da
PMMG, p.31.
78
COTTA. Breve História da Polícia Militar, p. 80.
79
SILVEIRA. Crônica da Polícia Militar de Minas, p. 74.
80
Em “1894, a Corporação mudou novamente de designação, passando a se chamar Brigada Policial de Minas
Gerais, de acordo com a Lei 60 de 22 de julho de 1893.” Na oportunidade, seu efetivo foi fixado em 2500
homens e suas unidades passaram a denominar-se “Batalhões”. No entanto, por meio da Lei 597, de 30 de
agosto de 1913, novamente a força policial voltou a ser denominada como Força Pública. SILVEIRA. Crônica
da Polícia Militar de Minas, pp 79-82.
35
Segundo o Ten Cel Marco Filho, por ocasião da transferência da Capital mineira de
Ouro Preto para Belo Horizonte em 1897, a Força Pública passou a elaborar seus primeiros
“planos de instrução” destinados ao aprimoramento profissional, embora com características
“acentuadamente” militares. Nessa perspectiva, aliás, os treinamentos e armamentos
vinculados às forças públicas no início do século XX destinavam-se muito mais as ações de
guerra, a exemplo do Exército Brasileiro, que as atribuições de segurança pública. A título de
exemplo, basta mencionar que a Força Pública de Minas passou a fazer uso dos “conceituados
fuzis Mauser” alemães, empregados nas duas grandes Guerras Mundiais, bem como se dotou
de uma “Seção de Metralhadoras” em 1920
81
.
Além disso, em 24 de dezembro de 1912, ao firmar contrato com Roberto Drexler,
então Capitão do Exército suíço comissionado no posto de Coronel da Força Pública de
Minas, a Corporação, sob a subserviência do governo estadual, converteu o treinamento
policial em treinamento de guerra
82
. Pertinente a essas considerações, é possível admitir que
durante a República Velha a Força Pública de Minas poderia ser considerada muito mais um
“exército estadual” do que uma corporação policial, uma vez que “seus manuais, cerimônias,
treinamentos, processos de formação e atividades eram de natureza bélica”
83
.
Na verdade, esse belicismo observado na Força Pública mineira era reflexo de um
“movimento renovador dentro do Exército”, contrário, na ocasião, ao envolvimento dos
militares nos assuntos políticos, porém favoráveis ao processo de profissionalização. Essa
perspectiva, definida pela idéia do “soldado profissional”, embora não fosse unânime dentro
do Exército, encontrou respaldo junto à boa parte do seu oficialato, influenciado pelo rigor do
Exército alemão e, posteriormente, pela chamada “missão francesa”, que viabilizou a
formulação de uma política de defesa nacional para o Brasil. No mais, “a guerra mundial
chamava dramaticamente a atenção para o problema da defesa nacional e para a conseqüente
necessidade de fortalecer as Forças Armadas”
84
.
Respeitadas as particularidades de ambas as corporações, é possível afirmar que a
República Velha marcou uma certa identificação ideológica entre a Polícia Militar mineira e o
81
MARCO FILHO. História Militar da PMMG, pp 18-19.
82
“Com o Coronel Roberto Drexler, a instrução se iniciara com vigor e entusiasmo e, dentro de algum tempo,
grande parte da Força Pública se achava instruída, (...) adotando os métodos e processos alemães”. SILVEIRA.
Crônica da Polícia Militar de Minas, p. 149.
83
COTTA. Breve História da Polícia Militar, p. 91.
84
CARVALHO. Forças Armadas e Política no Brasil, pp 27-41. Quanto a falta de unanimidade no Exército, o
movimento tenentista da década de 1920, tendo como um dos seus mentores Juarez Távora, representou uma
parte dos militares, sobretudo de oficiais subalternos e intermediários, que defendiam a idéia do “soldado-
cidadão”. Por ela, cabia aos militares enquanto “cidadãos fardados”, o direito de “participar da vida política do
país”, fato pernicioso, no entender do Comando do Exército, aos princípios da disciplina e da hierarquia.
36
Exército Brasileiro
85
. Partilhando tal compreensão, o Exército, por meio do Decreto 4926
de 29 de janeiro de 1918, subordinou as Forças Públicas militares estaduais ao seu controle,
admitindo-as como forças auxiliares
86
. Assim, esse Decreto, ao mesmo tempo em que
propunha a hegemonia do Exército Brasileiro frente ao fortalecimento exacerbado das forças
policiais estaduais, também legitimou a essas últimas um condicionamento militar para além
das funções de segurança pública, uma vez que poderiam ser empregadas para fins de guerra
em casos de necessidade.
O belicismo da Força Pública mineira nesse período, pode ser identificado por meio
dos registros de sua participação nos diversos conflitos que marcaram a década de 1920 no
Brasil. Nesse sentido, após atuarem na Revolução de 1924, os policiais militares mineiros
foram novamente empregados em 1925 contra integrantes da Coluna Prestes que, segundo o
Comando do Exército, se encontravam praticando atividades de guerrilha em Mato Grosso.
Na ocasião, o 5º Batalhão da Força Pública mineira, considerado a tropa de choque da Capital,
foi deslocado para o teatro de operações e integrado às forças legalistas do Exército
87
.
Essa força conjunta, composta por 2 mil homens e dispondo de Seções de
Metralhadoras Pesadas, se envolveu em combates “encarniçados”, como o de Couto
Magalhães. Segundo o Ten Cel Marco Filho, no dia 20 de junho, às 6 horas da manhã, uma
“pequena guarnição” sob o comando do Tenente Antônio Maria, identificou a presença de
uma “coluna inimiga”, fato que precipitou o combate. Rastejando pela vegetação, os
“rebeldes”, ao avistarem os militares mineiros que guarneciam o local, iniciaram, “com
violência, tremenda fuzilaria a qual foi respondida por fortes rajadas” de “metralhadoras”,
resultando mortos de ambos os lados.
88
No mesmo conflito, em fins do mês de julho, nas proximidades da cidade de
Mineiros, a luta se intensificou. Segundo o Coronel Tito Silveira, o “desmantelamento das
forças revoltosas” foi feito praticamente pela “Força Pública de Minas que, mediante
estratégia do Major Klinger e da capacidade de resistência dos soldados”, foi minguando
lentamente as possibilidades de ação dos “rebeldes”, em combates travados em pleno sertão
mato-grossense. Assim, após vários dias de carnificina e privações, como a falta de água para
ambos os lados, os “rebeldes abandonaram” o local, “deixando no terreno vários mortos”.
85
COTTA. Breve História da Polícia Militar, p. 91.
86
MARCO FILHO. História Militar da PMMG, p. 19.
87
A Tropa Mineira agiu como Corpo Auxiliar da Brigada Gaúcha, no chamado Destacamento Centro, sob o
comando do Coronel Malan, que teve o Major Bertholdo Klinger como Chefe do Estado-Maior. MARCO
FILHO. História Militar da PMMG, pp 40-41.
88
MARCO FILHO. História Militar da PMMG, p 42.
37
Na ocasião, o retrato da violência e desolação pôde ser resumido pela imagem
marcante de um soldado revoltoso que morrera no volante de um caminhão após ter sido
ferido em luta corporal com um militar legalista. Notado em estado de putrefação, acabou
sendo “enterrado” isolado dos companheiros, atrás das linhas inimigas. Além disso, avaliando
que o volume de cadáveres era considerável, o comando terminou por determinar ações mais
práticas de higienização do campo, como a cremação dos demais “corpos dos inimigos”,
devido à falta de “sapas” (pequenas pás) e de “tempo para enterrá-los”
89
. Como é evidente, a
integração entre a Polícia Militar mineira e o Exército Brasileiro, significativa no momento
das ações que resultaram a instauração dos governos militares a partir de 1964, provém de
longa data, em nome do “dever patriótico de defender as instituições e a ordem, ameaçadas
por demolidores da Pátria”
90
.
Outro exemplo ilustrativo que demonstra o alinhamento entre ambas as Corporações,
pode ser ministrado por meio de algumas observações sobre a chamada Escola de Sargentos
da Força Pública mineira. Criada em 1927, tinha por intento condicionar os praças ao
oficialato. Para tanto, em um “contexto extremamente militar, onde os batalhões” eram
caracterizados como sendo de “infantaria”, os “oficiais se debruçavam sobre os
conhecimentos de estratégias e táticas de guerra, bem como os praças passavam o dia a limpar
as metralhadoras hotchkiss, Madsem, FMZB e Stokes”. Apesar disso, quem destaque que
“num tempo em que os capacetes de aço, as baionetas e as evoluções militares eram
realidades cotidianas, o estudo das humanidades”, que também fazia parte do treinamento,
representou “um avanço considerável”, sobretudo para “os praças”
91
.
Porém, se como evidenciado até o momento, as relações entre o Exército e a Polícia
Militar mineira eram de um modo geral convergentes, é válido discorrer também que em
alguns momentos ela foi conflituosa. Por ocasião da Revolução de 1930, por exemplo, os
policiais militares de Minas Gerais, firmando apoio ao governo estadual pAliança Liberal,
se viram dispostos a empenharem esforços contra o 12º Regimento de Infantaria do Exército
Brasileiro - 12º RI/EB. Sediado em Belo Horizonte, o referido Regimento era então favorável
aos princípios constitucionais que legitimavam a presidência de Washington Luís.
89
SILVEIRA. Crônica da Polícia Militar de Minas, pp 99-100.
90
Parte da congratulação enviada pelo presidente Arthur Bernardes ao Tenente Coronel Joviano de Melo,
comandante de Batalhão da Força Pública Mineira, por ocasião dos combates de 1925. Em 1964, discursos
desta natureza também são observados pelos principais personagens que contribuíram para o implemento do
regime militar, como os do governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto. SILVEIRA. Crônica da Polícia
Militar de Minas, p. 103.
91
COTTA. Breve História da Polícia Militar, p. 98.
38
Pelo fato do governo federal contar, principalmente, com significativo apoio dos
estados da Bahia, Espírito Santo, São Paulo e Distrito Federal, coube a Força Pública de
Minas Gerais guarnecer suas fronteiras e ocupar internamente as repartições e demais
unidades representativas do poder federal. Em meio a essas medidas inseridas nas chamadas
“Ordens Secretas”, o presidente de Minas Gerais, Olegário Maciel, ordenou ao Coronel Luis
Fonseca o ataque ao 12º RI do Exército, ordem que se cumpriu por volta das 5 horas da
manhã do dia 4 de outubro, devido à negativa de rendição por parte dos militares federais
92
.
Em meio à intensidade do tiroteio que se seguiu, civis que se encontravam nas proximidades
se dispersaram em busca de locais seguros. Na continuidade, após dias aos sons de fuzis e
metralhadoras, na manhã do dia 8 de outubro, o Capitão Duarte da Força Pública de Minas
conseguiu fazer chegar ao pátio dos adversários um conjunto de informações que os deixaram
a par do andamento da revolução. Isso assim ocorreu, em razão dos militares do 12º RI
estarem confinados no quartel com os meios de comunicações cortados, fato que inviabilizava
a obtenção de notícias seguras provenientes do Comando do Exército ou do governo federal.
Na ocasião, a situação do 12º RI era desoladora. Segundo relatos de desertores,
embora bem municiados e entrincheirados, os militares do Regimento padeciam de feridos
sem tratamento por falta de médicos, cadáveres e cavalos mortos em estado de putrefação,
mau cheiro, escassez de veres e falta de água. Além disso, afirmaram ainda que o choro
constante de “uma criança levada por sua mãe para o interior do Quartel no início do cerco
policial, aumentava o sofrimento dos militares”, sem preparo adequado para lidarem com o
envolvimento de civis compatriotas no âmbito da luta.
Diante das circunstâncias, por volta das 11 horas da manhã, após alguns contatos
entre os comandantes de ambos os lados junto ao governo estadual e estabelecido o acordo de
rendição, “a polícia ocupou o Quartel”. Para tanto, muito facilitou o atendimento à seguinte
solicitação do Capitão Josué Freire: “Havendo no quartel deste Regimento alguns feridos,
inclusive uma criancinha de dez meses necessitando de socorros cirúrgicos, peço, em nome da
humanidade” e em conformidade aos “preceitos da Cruz-Vermelha, que seja assegurado o
transporte” desses para um local apropriado onde “possam ser medicados”
93
. Avaliando o
ocorrido e a Revolução de 1930 de um modo geral, José Murilo de Carvalho argumenta que
“a maior parte do êxito do movimento se deveu à ação dos dois grandes estados envolvidos,
92
MORAIS. Minas na Aliança Liberal e na Revolução, pp 419-422.
93
MARCO FILHO. História Militar da PMMG, pp 68-70.
39
Minas Gerais e Rio Grande do Sul, que contavam com suas poderosas polícias militares, tão
antagonizadas pelas forças federais”
94
.
Tomando por base a referida contenda em Belo Horizonte durante a Revolução de
1930, embora tenha se tratado de um combate entre militares, parece oportuno destacar a idéia
defendida por Hannah Arendt de que em uma guerra civil a força policial se mostra mais
confiável que o Exército, uma vez que, pelo próprio treinamento, tem mais facilidade para
enxergar o compatriota, o conterrâneo, como inimigo
95
. Apesar da filósofa basear sua idéia
em função da experiência alemã, na qual Hitler prescindiu o uso do exército e optou pelas
forças policiais na escalada do poder, no Brasil, salvo as devidas peculiaridades, algumas
comparações também são cabíveis, como nos casos da Revolução Constitucionalista de 1932
e da instauração do regime militar em 1964. No primeiro caso, a Força Pública paulista foi
empregada em uma guerra civil, em que terminou por lutar basicamente sozinha ao longo de
nove meses contra as forças vinculadas ao governo federal. Já em 1964, a Polícia Militar
mineira, de modo coeso, se encontrava preparada para os fins de uma possível guerra civil,
caso João Goulart tivesse optado pela resistência.
Relativo aos acontecimentos de 1964, não há dúvidas quanto a superioridade e
atuação das Forças Armadas, principalmente do Exército. Entretanto, é válido salientar que
nem todos os militares partilhavam dos mesmos pressupostos quanto à tomada do poder e,
mesmo os grupos articulados para tanto, temiam um confronto entre companheiros de farda.
Além disso, para justificar suas ações, os militares direitistas constituiram a idéia de Pátria em
perigo, a fim de viabilizarem um comportamento coercitivo contra os indivíduos considerados
traidores e, portanto, indignos da condição de cidadãos brasileiros ou compatriotismo.
Claro que essa linha de pensamento foi observada junto aos polícias militares
mineiros, como demonstram alguns depoimentos. No entanto, é válido ater-se ao fato de que
identificar e reprimir o elemento subversivo da ordem faz parte do trabalho cotidiano do
policial militar e não do Exército, que teve de incorporar tal condição. Assim, nos idos de
1964, a Doutrina de Segurança Nacional proveniente da Escola Superior de Guerra - ESG,
sob a influência dos Estados Unidos, não ensinou aos policiais mineiros enxergarem o outro
como inimigo, apenas os condicionou quanto aos preceitos do tipo de ordem que deveria ser
mantida, circunstância indispensável para a definição do inimigo a ser combatido.
Retomando a década de 1930, os acontecimentos em Minas Gerais e a Revolução
Constitucionalista haviam demonstrado ao Exército que as forças policiais detinham um poder
94
CARVALHO. Forças Armadas e Política no Brasil, p. 62.
95
ARENDT. Origens do Totalitarismo, p. 470.
40
que precisava, de fato, ser controlado. Nesse sentido, era inegável que as policias
militarizadas extrapolavam e muito, em termos de efetivos e armamentos, o necessário para
uma atividade meramente policial, embora tivessem sido úteis ao próprio Exército em várias
oportunidades. Além disso, analisando dados estatísticos, após 1930 os efetivos das polícias
militares em vários estados, a citar Minas Gerais e São Paulo, superavam o do Exército neles
distribuídos
96
. Mediante tal fato, para que se tornasse viável executar qualquer política de
defesa nacional, era “crucial que elas deixassem de ser forças à disposição dos governos
estaduais e passassem a ser auxiliares do Exército”
97
.
A perspectiva centralista do Exército, ampliada sobremaneira após a extinção da
Guarda Nacional em 1918, esteve diretamente relacionada com a idéia da “intervenção
moderadora”, defendida por oficiais como Bertholdo Klinger e es Monteiro. Apesar de ter
ganhado maior notoriedade durante o Estado Novo, tal idéia, ainda na década de 1920,
começou a firmar seus postulados. Por meio dela, parte da oficialidade do Exército Brasileiro
passou a primar pela intervenção otimizada da Corporação na política nacional. Para tanto, era
preciso a Força federal “estar aparelhada para sua função conservadora e estabilizante dos
elementos sociais em marcha e preparada para corrigir as perturbações internas, tão comuns
na vida tumultuaria das sociedades que se formam”.
Essa intervenção controladora ou moderadora, “a ser levada a efeito pela
Organização”, sob a orientação do seu Estado-Maior, estava condicionada a hegemonia das
Forças Armadas sobre as demais corporações militares estaduais
98
, muito mais obedientes aos
interesses dos respectivos governos estaduais do que a um projeto destinado ao
desenvolvimento nacional. Como é possível observar implicitamente, por essa idéia, também
definida como soldado-corporação, parte do comando do Exército concebia como necessária à
prática de medidas destinadas ao controle da ordem interna nacional, até então atribuição mais
específica das corporações policiais militares.
O posicionamento do Exército em relação à política nacional pós 1930, esteve
vinculado ao entendimento que os oficiais tinham de segurança nacional naquele momento,
bem como seu papel no processo de desenvolvimento do País. É certo que a idéia de
Segurança Nacional já podia ser observada desde o Império, como implícito no Artigo 145 da
Constituição de 1824. Na oportunidade, em meio a um contexto de independência e da
própria consolidação do Brasil enquanto Estado soberano, ela era entendida como “defesa da
96
Em 1933 o efetivo policial militar de Minas Gerais era de 7.494 homens e o de São Paulo era de 6.806
homens. CARVALHO. Forças Armadas e Política no Brasil, pp. 57-58.
97
CARVALHO. Forças Armadas e Política no Brasil, p. 96.
98
CARVALHO. Forças Armadas e Política no Brasil, pp 41-42.
41
Pátria a ser preservada pela comunhão nacional contra o agressor externo” ou colonialistas
descontentes
99
. Entretanto, a partir da missão francesa pós-Primeira Guerra Mundial, a nova
concepção de defesa passou a abranger “todas as dimensões relevantes da vida nacional,
desde a preparação militar propriamente dita até o desenvolvimento de indústrias estratégicas
como a siderúrgica”
100
.
Incorporando a idéia de que “segurança é desenvolvimento e sem desenvolvimento
não segurança”
101
, parte dos oficiais das Forças Armadas chamou para si a
responsabilidade de contribuírem para o progresso do País. Todavia, como ainda não haviam
alcançado a maturidade política necessária para assumirem o poder, divergiam quanto ao
melhor modo de atuação. Assim, enquanto alguns apoiavam a política nacional-industrialista
de Getúlio Vargas, sustentando suas pretensões centralistas, outros propunham maior
envolvimento das Forças Armadas, argumentando que “países incultos como o Brasil deviam
ser tutelados pela corporação mais bem organizada e menos viciada, pela elite mais autorizada
e mais forte”, ou seja, “o Exército”
102
.
Segundo José Murilo de Carvalho, “a desunião inicial dos militares permitiu a
Vargas, mestre da manipulação, utilizá-los em benefício de seus interesses políticos”. A ele
interessava a “existência de uma força armada suficientemente forte para servir de contrapeso
às remanescentes lideranças oligárquicas”
103
, mas não tão forte que pudesse prescindir sua
liderança. Desse modo, Vargas foi se equilibrando no poder, empreendendo um governo ao
mesmo tempo nacional-desenvolvimentista e de controle das massas, que gradativamente foi
agradando a uma significativa parcela dos militares federais, base de apoio importante aos
seus propósitos. Além disso, tratou de atender boa parte das reivindicações das Forças
Armadas, como a ampliação dos orçamentos e efetivos, aquisição de armamentos,
melhoramento da estrutura física e minimização dos conflitos internos via expurgos. No mais,
legitimou o Exército como corporação hegemônica frente às forças policiais militares
estaduais, condição tida como essencial à execução de qualquer política de defesa nacional.
Mediante tal compreensão, terminada a Revolução Constitucionalista de 1932, como
conseqüência, foram iniciados os trabalhos destinados ao implemento de uma nova Carta
Magna para o País. Em meio aos trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte, as
discussões quanto à reorganização das forças públicas estaduais ganharam relevante atenção.
99
BICUDO. Segurança Nacional ou Submissão, p. 13.
100
CARVALHO. Forças Armadas e Política no Brasil, p. 29.
101
BICUDO. Segurança Nacional ou Submissão, p. 43.
102
CARVALHO. Forças Armadas e Política no Brasil, p. 71.
103
CARVALHO. Forças Armadas e Política no Brasil, p. 105.
42
Dentre as propostas apresentadas, a Emenda de nº 829, do Coronel Octávio Campos do
Amaral, defendia que as polícias militares, denominadas por ele milícias estaduais, passassem
a ser “consideradas parte integrante das forças nacionais permanentes”. Em sua justificativa, o
Coronel argumentou que a medida se fazia necessária para ampliar a “eficiência do aparelho
de defesa nacional” e submeter as polícias militares a um “regime uniforme de organização,
de instrução e justiça”.
Entretanto, o comitê responsável pela sua deliberação, terminou por reprová-la na
integra, alegando que “não se deve confundiras Forças Armadas com instituições policiais
militarizadas, uma vez que suas finalidades são distintas. Procurando esclarecer a recusa, os
constituintes advogaram que “em um País que tenha atingido grau elevado de progresso, em
que o desenvolvimento de todas as atividades haja produzido uma situação geral quase
perfeita, é razoável que não se confunda Exército”, força apta para as questões de guerra, com
polícias militares estaduais que se prestam a outros fins.
Em resposta a esse “parecer esdrúxulo”, o Coronel Octávio retificou que essa era
uma “teoria que jamais foi praticada no Brasil” conforme demonstrava a História. Na
continuidade, seguiu argumentando que nas ocasiões de movimentos armados os governos
brasileiros sempre se valeram não do Exército, mas também das forças policiais.
Exemplificando, o referido Coronel ratificou que “nas lutas intestinas do primeiro Império, na
Guerra do Paraguai” e demais conflitos no período republicano, os policiais militares
“cooperaram eficazmente, não como tropas de reserva, não como forças auxiliares, mas como
tropa de primeira linha”. Apoiado por Odilon Braga, relembrou o episódio da retirada da
Laguna, “uma das páginas mais épicas da Guerra do Paraguai”, ocasião em que um dos
efetivos de maior destaque foi a Brigada Mineira, integrada por militares da Força Pública da
então província de Minas Gerais
104
.
Apesar da eloqüente defesa por parte do Coronel Octávio, a Emenda não foi aceita.
Promulgada a Constituição de 1934, iniciou-se uma nova fase de organização das forças
públicas militares estaduais, que passaram a subordinação e controle do Exército Brasileiro,
muito ansioso pela hegemonia militar no País. Na verdade, é certo que o Decreto 4926
de 29 de janeiro de 1918 havia lhe viabilizado tal hegemonia. Porém, visto que os
acontecimentos da Revolução de 1930 demandaram novas discussões relativas à segurança
nacional, ele acabou sendo suprimido. Assim, em meio às prerrogativas estabelecidas pela
Constituição de 1934, o Artigo 167 definiu que as forças públicas estaduais, doravante
104
SILVEIRA. Crônica da Polícia Militar de Minas, pp 156-157.
43
denominadas polícias militares, passassem a ser “consideradas reservas do Exército”, gozando
“das mesmas vantagens a este atribuídas, quando mobilizadas ou a serviço da União”
105
.
Subordinadas ao Exército, era preciso definir matéria quanto à reorganização das
polícias militares, uma vez que isso não cabia a Constituição. Assim, no dia 17 de janeiro
1936, Getúlio Vargas decretou a Lei 192 para atender a tal propósito. Analisando seu
conteúdo, é possível dizer que ela de fato atendeu aos interesses do Exército em relação ao
controle sobre as forças policiais. De um modo geral, ao longo dos seus 28 artigos, ficou
estabelecido que o treinamento, armamento, hierarquia, efetivo e uniformes deveriam estar
submetidos a regulamentação do Exército. Além disso, quanto aos comandos, o Artigo
determinou que eles seriam “atribuídos, em comissão, a oficiais superiores e capitães do
serviço ativo do Exército ou a oficiais superiores das próprias corporações” policiais, desde
que “possuidores de curso da Escola de Arma de Exército ou da própria Corporação”
106
.
Quanto à formação dos oficiais da Polícia Militar em Minas Gerais, foi
implementado em 1934, em meio ao Departamento de Instrução - DI - em Belo Horizonte, o
Curso de Formação de Oficiais - CFO. Com o decreto da Lei 192, o curso, único meio de
acesso ao comando da Corporação por parte de seus integrantes, foi adaptado para atendê-la.
Segundo Francis Cotta, em 1935 o Departamento de Instrução comandado pelo Coronel
Edmundo Lery Santos, já “possuía um quadro de instrutores do Exército Brasileiro”, inclusive
o Capitão Ernesto Dornelles, “primo do presidente Getúlio Vargas”. Para o autor, essa
“Missão Militar Instrutora” iniciou à chamada “Escola Francesa, em substituição à Escola
Prussiana de Drexler”
107
.
Com o advento da Intentona Comunista em 1935, Getúlio Vargas encontrou respaldo
das Forças Armadas para iniciar uma ditadura em 1937, uma vez que naquele momento ela
era entendida como necessária ao empreendimento do projeto de Brasil-futuro idealizado por
boa parte da cúpula militar. Além disso, a partir do Estado Novo, o Exército consolidou
irreversivelmente a hegemonia sobre as polícias militares, postas sob o controle do Ministério
da Guerra. Proibidas de utilizarem armamentos pesados, atribuídos como de exclusividade das
Forças Armadas, bem como submetidas à regulamentação do Exército Brasileiro, as polícias
militares, novamente chamadas de forças públicas, embora mantendo seu caráter militar,
passaram a ser mais condicionadas às ações de segurança pública, inclusive interagindo com
as polícias civis de modo mais direto.
105
CAMPANHOLE. Constituições do Brasil, p. 705.
106
SILVEIRA. Crônica da Polícia Militar de Minas, pp 158-160.
107
COTTA. Breve História da Polícia Militar, pp 107-108.
44
Pertinente ao processo de reorganização das corporações policiais militares, em
outubro de 1939 foi instalada, junto à Força Pública de Minas Gerais, a Justiça Militar, nos
moldes da aplicável nas Forças Armadas. Em regra, é possível dizer que a função da Justiça
Militar é tratar dos casos que imputem ações penais ao meio militar e até mesmo ao meio
civil, nas circunstâncias definidas por lei, segundo estabelecido pelo Artigo 111 da
Constituição Federal de 1937. Ainda sobre a reorganização, em setembro de 1939, Getúlio
Vargas determinou que as forças públicas passassem a ser denominadas forças policiais. Com
essa atitude, o presidente terminou por explicitar sua predisposição em diferenciar as
corporações policiais do Exército que, na oportunidade encontrava-se em estado de alerta em
decorrência dos acontecimentos na Europa Ocidental.
Com o término da Segunda Guerra Mundial e a conseqüente deposição de Getúlio
Vargas, os militares federais se consolidaram como atores políticos junto à estrutura de poder,
passando eles próprios a empreenderem uma doutrina de segurança que viabilizasse o
progresso do País. Para tanto, submetidos a influência norte-americana em meio a Guerra
Fria, couberam às forças policiais militares contribuírem com o Exército quanto à segurança
interna contra elementos considerados subversivos.
Nessa perspectiva, se por um lado o Artigo 177 da Constituição Federal de 1946
atribuiu às Forças Armadas a responsabilidade pela “defesa da Pátria, da lei e da ordem”, por
outro, em seu Artigo 183, atribuiu as doravante chamadas “polícias militares” a
responsabilidade pela manutenção da ordem nos Estados”, agindo como “forças auxiliares”
do Exército e dele consideradas “reservas”
108
. Conforme entende o Ten Cel Marco Filho, após
a Constituição de 1946, “o antigo pensamento expressado pela filosofia militarista que
caracterizava” a Polícia Militar mineira “foi dando lugar à mentalidade manifesta pelos jovens
oficiais, cujo objetivo seria proporcionar à sociedade uma segurança policial”
109
.
Condizente a tal realidade, embora não tenha suprimido o treinamento militar, a
partir de 1950 a Polícia Militar mineira, via Departamento de Instrução, desenvolveu um
programa de Instrução Policial” destinado a segurança pública, como o policiamento
ostensivo pelas ruas das cidades, seja ele a ou motorizado. Segundo Francis Cotta, esse
tipo de instrução tinha “caráter e finalidade muito diferente da militar” e por isso foi preciso a
adoção de “processos e meios diferentes dos conhecidos pela tropa”. Para tanto, a
“administração da Polícia Militar” foi transformando “os métodos rotineiros numa orientação
108
CAMPANHOLE. Constituições do Brasil, p. 498.
109
MARCO FILHO. História Militar da PMMG, p. 22.
45
mais objetiva para as finalidades da função policial que, em virtude da própria” civilidade
deveria “ser mais humana, mais social, mais preventiva e mais educativa”.
Relativo às condições para o exercício do policiamento ostensivo nessa época, o
candidato deveria receber um treinamento intensivo por dois meses, período em que teria
instrução de ação policial, armas e instrumentos do crime, artes marciais, etiqueta social,
legislação básica, instrução militar, técnica policial, noções gerais de trânsito e organização
policial. Além disso, considerando que as práticas delituosas mais significativas ocorrem a
noite, o treinamento envolvia instrução noturna, destinada à prática e aprimoramento dos
conhecimentos adquiridos
110
.
Pertinente ao tipo de conteúdo ministrado junto aos policias em formação, analisando
o Manual de Instrução Policial Básica, aprovado pelo comando da Corporação para o ano de
1962, percebe-se grande preocupação em condicionar a ação policial como a garantia da
manutenção dos princípios legais e tidos como positivos, que regem o bom convívio social.
Quanto a definição, o manual conceitua a “polícia como um órgão da administração do Estado
encarregado de manter a ordem e a segurança públicas”. No mais, destaca que a Corporação é
neutra e deve proteger a todos sem distinção, buscando garantir aos cidadãos a liberdade, o
bem-estar social, a paz e a segurança
111
. Para tanto, enfatizando, antes de tudo, que “o povo
adora a autoridade enérgica, mas odeia o policial violento”
112
, dispõe quanto aos
procedimentos técnicos, legais e psicológicos a serem observados no trato das várias
circunstâncias que envolvem o trabalho policial militar.
Apesar de ressaltar que as ações preventivas representam grande parte do sucesso
contra a criminalidade, o manual também dispõe quanto ao uso da força discricionária.
Considerando que na execução das funções, o policial “está sujeito a sofrer prejuízos em sua
saúde física ao lidar com elementos desordeiros e criminosos”, é lícito, para “resguardar sua
integridade corporal” ou de terceiros, bem como “possibilitar o cumprimento da lei”, usar
“dos meios necessários (...) à quebra da resistência que lhe for oposta no exercício regular do
dever”, condição que não se confunde com violência arbitrária
113
. Nesse sentido, considera-se
como lícito o emprego da força nos casos de resistência, agressão, desobediência, desacato e
tentativa de fuga, desde que não haja violência arbitrária ou abuso de poder. Além disso, cabe
110
COTTA. Breve História da Polícia Militar, pp 119-123.
111
SANTOS. Policiamento, pp 42-43.
112
SANTOS. Policiamento, p. 27.
113
SANTOS. Policiamento, p. 35
46
ao policial observar os princípios do estado de necessidade, legítima defesa, estrito
cumprimento do dever legal ou o exercício regular de direito, para ter o amparo legal
114
.
Quanto ao armamento, considerando que desde a Lei 192 de janeiro de 1936, em
seu Artigo 12, as polícias militares vinham sendo gradativamente proibidas de empregarem
armamentos considerados como pesados pelo Exército, o revolver calibre 38 e o cassetete
passaram a constituir o armamento básico do serviço policial
115
. Essa constatação, não
significa que as corporações militares estaduais limitassem seus paióis ou treinamentos aos
armamentos supracitados, mas apenas que no cotidiano, em geral, os policiais poderiam
resolver a maioria dos casos utilizando-os quando houvesse necessidade. É certo que os
policiais, sobretudo aqueles inseridos em grupamentos especiais ou executando serviços como
guarda de cadeia, manuseavam armamentos diferenciados e de maior impacto, sem, no
entanto, representar a regra geral e sim casos especiais, como os observados atualmente
116
.
Apesar desse direcionamento da Polícia Militar mineira quanto a especialização do
trabalho vinculado a segurança pública, sobretudo após o término da Segunda Guerra
Mundial, por ocasião das ações destinadas a instauração do regime militar em 1964, ela foi
envolvida no processo, de modo a cooperar com o Exército Brasileiro para tal finalidade. Na
oportunidade, estimulados pela Doutrina de Segurança Nacional, organizada por oficiais de
cúpula a partir da ESG, segmentos das Forças Armadas, entendendo segurança e
desenvolvimento como fatores indissociáveis, desencadearam, juntamente com seus aliados
civis e sob a influência dos EUA, uma guerra total contra o comunismo que, segundo eles,
ameaçava subverter a ordem nacional e a própria existência da Pátria. Nesse contexto, Minas
Gerais e sua Polícia Militar se envolveram sistematicamente nos acontecimentos que
resultaram na tomada do poder, assunto que será abordado em momento oportuno, em meio
às discussões relacionando Exército e Polícia com a Doutrina de Segurança Nacional.
Conforme foi discutido até o momento, é possível observar que o Exército Brasileiro
e a Polícia Militar do Estado de Minas Gerais tiveram suas origens durante o período colonial,
ocasião em que não existiam grandes distinções entre suas atribuições, ou mesmo um
compêndio normativo mais específico que as organizassem. Na continuidade, após a
independência, apesar do Exército ter sido desprestigiado frente a Guarda Nacional, foram
114
SANTOS. Policiamento, p. 341.
115
SANTOS. Policiamento, p. 51.
116
A título de exemplo, durante o Curso Técnico em Segurança Pública (CTSP) entre 2002 e 2003, realizado no
10º Batalhão da PMMG em Montes Claros, os soldados foram condicionados a manusearem explosivos, armas
de grande impacto (como escopetas) e de longa distância (como fuzis), além de automáticas (como
submetralhadoras), capacitando-os a exercerem os diversos tipos de atividade policial, mesmo em grupamentos
especiais como o Pelotão de Choque e o GATE. Entretanto, uma vez formados, a maioria deles foram destinados
ao exercício de atividades que exigem, grosso modo, apenas o uso do resolver calibre 38.
47
deliberadas algumas leis para sua institucionalização, sendo suas funções destinadas,
sobretudo, a defesa do País contra inimigos estrangeiros e controle de fronteiras. Por outro
lado, embora às forças policiais couberam as atribuições de segurança pública juntamente
com a Guarda Nacional, na prática, devido aos diversos conflitos internos que ameaçaram a
unidade nacional, bem como os conflitos externos como a Guerra do Paraguai, elas foram
integradas ao Exército e desempenharam funções de guerra.
Com o advento da República, as polícias militares passaram a ser organizadas
segundo as condições de cada estado federado, enquanto o Exército, gradativamente,
conquistou a hegemonia do serviço militar frente a Guarda Nacional, extinta em 1918. No
entanto, visto o alto grau de militarização alcançado pelas polícias militares estaduais, o
comando do Exército e o governo federal, principalmente durante a ditadura varguista,
desencadearam um conjunto de medidas legais para subjugá-las.
Atribuídas como forças auxiliares e reservas do Exército pela Constituição de 1946,
as polícias militares passaram a destinar gradativamente suas ações, de modo mais específico,
a prática da segurança pública. Todavia, pertinente a Minas Gerais, essa orientação foi
interrompida a fim de atender aos postulados da Doutrina de Segurança Nacional, que pautou
as ações de boa parte das Forças Armadas, especialmente do Exército Brasileiro, em meio ao
processo destinado a tomada do poder em 1964.
Nesse sentido, conforme será tratado oportunamente no terceiro capítulo, a decisão
dos conspiradores de iniciar o levante militar contra o governo Goulart a partir do estado de
Minas Gerais, demandou a necessidade do envolvimento dos policias militares no contexto.
Entretanto, considerando as perspectivas de uma possível guerra civil, foi preciso transformar
a força policial em força combatente
117
, bem como adequá-la aos postulados da Doutrina de
Segurança Nacional, assunto trabalhado no quarto capítulo.
117
STARLING. Os Senhores das Gerais, p. 119.
48
CAPÍTULO 2
OS MILITARES E A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO NO BRASIL PELA VIA
DA DOUTRINA DE SEGURANÇA NACIONAL NO PÓS – GUERRA
Conforme é possível constatar, até o processo de redemocratização observado em
1985, a história republicana no Brasil foi mais intensamente marcada pelas ações diretas ou
indiretas dos militares. Assim admitindo, a exemplo de José Murilo de Carvalho, é certo
afirmar que, procurar compreender o País na perspectiva dos militares, especialmente após a
Segunda Guerra Mundial, viabiliza um melhor entendimento sobre os atuais problemas
nacionais. Teorizando a questão, Michel de Certeau discorre que fundada sobre o corte entre
um passado, que é seu objeto, e um presente, que é o lugar de sua prática, a história não para
de encontrar o presente no seu objeto, e o passado nas suas práticas”
118
. Partilhando tal idéia,
o propósito aqui é demonstrar como os militares vinculados a Escola Superior de Guerra
ESG, sobretudo do Exército Brasileiro, entendiam a questão do desenvolvimento pela via da
Doutrina de Segurança Nacional - DSN, uma vez que suas implicações ainda se manifestam
em vários aspectos do cotidiano nacional.
Criada em 1949 com a assistência de consultores franceses e norte americanos, nos
mesmos moldes da National War College sediada em Washington, a ESG tinha por missão
inicial capacitar “pessoal de alto nível no sentido de exercer funções de direção e
planejamento de segurança nacional”
119
. Entretanto, visto o acirramento da Guerra Fria, a
referida escola aprimorou um “método de análise e interpretação dos fatores políticos,
econômicos, diplomáticos e militares”, que estrategicamente condicionou à questão do
desenvolvimento à segurança nacional
120
. Segundo Nilson Borges, foi a partir da criação da
ESG, também conhecida como a Sorbonne do establishement militar, que a “Doutrina de
Segurança Nacional se inscreveu na política brasileira”
121
.
Partindo do pressuposto de que “não pode haver Segurança Nacional sem um alto grau
de desenvolvimento econômico”
122
, os militares brasileiros vinculados a ESG, comprometidos
com a idéia de defesa do mundo livre preconizada pelos Estados Unidos em meio a Guerra
118
CERTEAU. A Escrita da História, p. 46.
119
Conforme Artigo da Lei número 785 de 20 de agosto de 1949, que fundou a Escola Superior de Guerra
ESG. Citado em ALVES. Estado e Oposição no Brasil, p. 28. Ver também: SILVA. A Defesa Legal do Arbítrio.
Os Governos Militares e a Cultura da Legalidade (1964-1985), p. 119.
120
Manual Básico da Escola Superior de Guerra, publicado pelo Estado-Maior das Forças Armadas. Ver Estado
Maior das Forças Armadas, Escola Superior de Guerra ESG Departamento de Estudos, 1976, p. 19. Ver
também: VIZENTINE. Do naciona-desenvolvimentismo à política externa indepedente, p. 205.
121
BORGES. A Doutrina de Segurança Nacional e os Governos Militares, p.36.
122
ALVES. Estado e Oposição no Brasil, p. 57.
49
Fria, iniciaram um planejamento que julgaram adequado a consecução da referida idéia. Para
tanto, organizaram a chamada “Estratégia Nacional” que, definida como a própria ”Política de
Segurança Nacional”
123
, tinha como um dos seus propósitos centrais promover “a expansão da
capacidade produtiva” do País
124
. Nesse sentido, o intuito era assegurar todos os recursos
necessários em prol dos “Objetivos Nacionais, a despeito dos antagonismos internos e
externos existentes ou presumíveis”
125
. Em outras palavras, mediante as relações dicotômicas
entre “o Ocidente cristão e o Oriente comunista”, caberia ao Brasil angariar os recursos
cabíveis para empreender luta contra a chamada Guerra Revolucionária” e por conseqüência
assegurar a manutenção dos “objetivos nacionais permanentes”
126
.
Definida pelos militares da ESG como um “conflito normalmente interno, estimulado
ou auxiliado pelo exterior”, a guerra revolucionária, “geralmente inspirada em uma
ideologia”, era entendida como a forma pela qual os comunistas procurariam atingir o poder,
através do “progressivo controle da nação”
127
. Do mesmo modo, Rodrigo Patto Motta
admite que esse “conceito havia sido elaborado pelo Estado-Maior do Exército e pela ESG, a
partir de influências recebidas de teóricos militares estrangeiros, particularmente franceses e
norte-americanos”, em meio a um conjunto de estudos destinados a entender e teorizar os
mecanismos de atuação dos comunistas em sua ascensão “à tomada violenta do poder”
128
.
Assim, se como evidenciado, parte dos militares brasileiros concebia a existência de
um movimento comunista revolucionário em curso no País, “a guerra interna ou a eliminação
do inimigo interno passou a ser uma estratégia imposta pelos imperativos da segurança
nacional”
129
. Desse modo, o propósito era resguardar os interesses gerais da Nação, inseridos
nos “objetivos nacionais permanentes”. No mais, sendo o Brasil parte integrante do Ocidente,
onde “se criou desde o berço e cujos ideais democráticos e cristãos profundamente incorporou
à sua própria cultura”, não poderia ficar alheio ao dever de conter o trabalho de comunização
interna, tido como um fato corrente em meio a Guerra Fria
130
.
123
SILVA. Geopolítica do Brasil, p. 157.
124
Assim Maria Helena Moreira Alves define desenvolvimento em seu sentido econômico. ALVES. Estado e
Oposição No Brasil, p. 22.
125
SILVA. Geopolítica do Brasil, p. 160. Ver também: SERBIN. Diálogos na Sombra, p. 87.
126
Em teoria, os “objetivos nacionais permanentes” compreendiam a “soberania nacional” e a “independência
política do País”, a manutenção “de um estilo de vida democrático”, o “federalismo”, a “integração nacional”, a
manutenção “da moral cristã”, o desenvolvimento econômico, social e cultural, a solidariedade e cooperação
entre os países americanos”, o “fortalecimento do prestígio do Brasil no exteriore a vigilância constante contra
doutrinas nocivas a manutenção do status quo” no continente sul-americano. SILVA. Conjuntura Política
Nacional, pp 74-75.
127
Estado Maior das Forças Armadas, Escola Superior de Guerra – Departamento de Estudos, 1976, p. 78.
128
MOTTA. Em Guarda Contra o ‘Perigo Vermelho’, p. 261
129
BORGES. A Doutrina de Segurança Nacional e os Governos Militares, p. 28.
130
SILVA. Conjuntura Política Nacional, p. 226.
50
A partir dessa análise, é correto interpretar que, dentro da Doutrina de Segurança
Nacional, “a defesa militar, mais do que as necessidades básicas da população, foi
considerada o principal objetivo do desenvolvimento econômico”
131
. Coerente com essa
afirmação, os dados referentes aos gastos com as Forças Armadas após a instauração do
regime militar em 1964 demonstram tal prioridade. Sobre o assunto, Clovis Brigagão
apresentou uma série de estatísticas que demonstraram, por exemplo, que os gastos militares
brasileiros quadruplicaram entre 1960 e 1980. Além disso, entre 1967 e 1972, as aquisições
de armamentos feitas pelo Brasil representaram mais de 40 por cento dos 600 milhões de
dólares vendidos à América Latina pela Europa. Na seqüência, tecendo uma avaliação pessoal
sobre os acontecimentos, o autor enfatizou que “quanto mais um País” dependesse do
fortalecimento de sua “força bélica, maior seria a possibilidade de que as necessidades básicas
de sua população não fossem atendidas”, como no caso “do Brasil”, onde “ficaram à margem,
ignoradas e desassistidas”
132
.
Considerando que após a Segunda Guerra Mundial, “a economia brasileira ainda era
quase colonial, no sentido de depender da exportação de produtos tropicais”
133
, os militares
vinculados a ESG, motivados pelas contradições da Guerra Fria, passaram a sustentar que o
“Estado brasileiro precisava dotar-se de plenos poderes para organizar a infra-estrutura”
industrial “necessária a Segurança Nacional, em especial para garantir a segurança interna”
134
.
Assim, concebendo desenvolvimento como uma necessidade voltada para a defesa da Nação,
parte das Forças Armadas, em nome da Doutrina de Segurança Nacional, passaram a justificar
a imposição de um sistema de governo que não tinha por prioridade a promoção do bem-estar
social, tão cara aos anseios populares.
Pertinente a essa perspectiva, é certo afirmar que para os militares, a questão da
legitimidade do Estado centralizado estava atrelada a sua condição de promover o
desenvolvimento capitalista, ao mesmo tempo em que, desempenhando seu papel como
defensor dos valores da Pátria, conseguisse empreender os recursos cabíveis contra a ameaça
dos inimigos internos e externos
135
. Para Nilson Borges, essa crença de que os militares
131
ALVES, Estado e Oposição no Brasil, p. 58.
132
BRIGAGÃO, O Mercado da Segurança, p 27 e 37.
133
SINGER, Paul. O Significado do Conflito Distributivo no Golpe de 1964. In: TOLEDO, Caio Navarro de
(org.). 1964 - Visões Críticas do Golpe. Campinas: Editora da Unicamp, 1997, p. 16. Apesar da avaliação de
Singer, é importante salientar que para Celso Furtado, o “sistema industrial” já constituía “a espinha dorsal da
economia do país” no início da década de 1960, embora concorde que as “exportações” fossem, de fato,
“formadas essencialmente de produtos agrícolas” no mesmo período. FURTADO, Celso. Análise do Modelo
Brasileiro. 7.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982, p.34.
134
ALVES, Estado e Oposição no Brasil, p. 49.
135
ALVES, Estado e Oposição no Brasil, p. 31.
51
“seriam os mais identificados com os interesses nacionais”, remonta aos primórdios dos ideais
republicanos no País, ocasião em que eles foram habituados a uma “formação mais política do
que” especificamente “profissional”
136
.
Nesse sentido, cabe lembrar que a própria proclamação da República em 1889 foi um
fenômeno militar, ocorrida à revelia do povo que a quase tudo assistiu bestializado, como
observou Aristides Lobo, na ocasião um dos mais destacados entusiastas do republicanismo
no Brasil
137
. Além disso, mesmo após o término da República da Espada, muitos militares, a
exemplo de Bertholdo Klinger, argumentavam que o “Exército precisava estar aparelhado
para sua função conservadora e estabilizante dos elementos sociais em marcha e preparado
para corrigir as perturbações internas, tão comuns na vida tumultuária das sociedades que se
formam”
138
. No mais, também na década de 1930, vários oficiais propunham “o
fortalecimento das Forças Armadas”, mediante entendimento de que “países incultos como o
Brasil deviam ser tutelados” pelo Exército, “Corporação mais bem organizada e menos
viciada”, constituída pela “elite mais autorizada e mais forte”
139
.
Sobre o assunto, há quem entenda que de 1889 até a deposição de João Goulart em
1964, “as intervenções militares foram sempre justificadas mediante manifestações e
depoimentos das chefias” civis e militares, “em nome da missão constitucional das Forças
Armadas e do interesse nacional”. Assim, admitindo o processo histórico, não surpreende que
na década de 1960, “a intervenção dos militares na esfera política” fosse tida por eles “como
legitima e necessária para a preservação dos interesses maiores da Nação”, como a
manutenção da “ordem institucional”
140
. Além disso, no plano internacional, os militares,
juntamente com as “classes burguesas”, ajustaram “seus papéis à ‘unidade do hemisfério’, à
interdependência das nações democráticas e à defesa da civilização ocidental”
141
.
136
BORGES. A Doutrina de Segurança Nacional e os Governos Militares, pp 18-19.
137
Aristides Lobo fazia parte do grupo denominado como “republicanos históricos” em 1889. Quanto à pífia
participação popular no processo, José Murilo de Carvalho destaca que isso assim ocorreu não por mera
ignorância das camadas mais humildes da sociedade, mas por apatia delas em relação ao novo regime, uma vez
que não acreditavam que isso pudesse resultar melhorias sociais. Para o autor, o povo foi na verdade “bilontra”,
ou seja, espertos por não se envolveram efetivamente nas discussões e conflitos provenientes de em um processo
de alteração de regime de governo que, na prática, não resultou melhorias sociais à maioria da sociedade, pelo
menos durante a “República Velha”. CARVALHO. Os Bestializados.
138
CARVALHO. Forças Armadas e Política no Brasil, p. 41. Bertholdo Klinger, na década de 1930, fazia parte
de um grupo de oficiais brasileiros conhecidos como “jovens turcos”, que propunham “uma intervenção
controladora ou moderadora do Exército” em relação ao Estado, “orientada pelo seu órgão de cúpula, ou seja o
Estado-Maior”. Klinger apoiou com ressalvas o tenentismo, se opôs ao governo Vargas e apoiou a ascensão dos
militares ao poder político nacional em 1964.
139
CARVALHO. Forças Armadas e Política no Brasil, p. 71.
140
BORGES. A Doutrina de Segurança Nacional e os Governos Militares, p. 18
141
FERNANDES. A Revolução Burguesa no Brasil, p. 315.
52
Tomando a máxima de Thomas Hobbes, de que “a guerra consiste não só na batalha
ou no ato de lutar, mas num período de tempo em que a vontade de disputar a batalha é
suficientemente conhecida”
142
, os militares vinculados a ESG, sob a justificativa de que “a Lei
maior fez” deles os “defensores de toda a Pátria (...), dos poderes constitucionais (...), da lei e
da ordem”
143
, passaram a empreender uma verdadeira mobilização de guerra contra a
subversão interna, em nome da segurança e do desenvolvimento nacionais. Para tanto, como
acreditava o General Castelo Branco em 1955, “o melhor caminho para a participação dos
militares na recuperação do País” seria “intervir” e “assumir o controle do governo”
144
.
Nesse sentido, é válido salientar que a avaliação dos militares acerca dos
acontecimentos nacionais, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial, não era pautada por um
conjunto de idéias alienadas, mas sim por uma ideologia concebida com o propósito de
assegurar os interesses da Nação. Além disso, Márcia Pereira da Silva entende que “não é
possível para qualquer grupo exercer dominação política, se sua ação não for precedida e
pautada em freqüente exercício intelectual que propicie a compreensão do processo social e
político da sociedade para a qual se volta a dominação”. Assim, admitindo que a “dominação
política” está “associada a uma função intelectual”, os militares brasileiros vinculados à
Escola Superior de Guerra não fugiram à regra
145
.
Considerando que no pós-guerra a atividade intelectual de parte dos militares estava
condensada na Doutrina de Segurança Nacional, a perspectiva quanto a tomada do poder
também estava muito vinculada ao entendimento que eles possuíam quanto ao papel do Brasil
no âmbito da chamada “guerra total” contra os comunistas. Conceito estreitamente ligado ao
contexto da Guerra Fria, genericamente a “guerra total” correspondia à soma de esforços dos
países ocidentais, sob a liderança dos Estados Unidos, no sentido de empreenderem luta
contra a expansão do comunismo pelo mundo. Desse modo, é possível interpretar que a
segurança de um país estava ligada a segurança de todo o bloco ocidental, “uma vez que, com
o clima de Guerra Fria, um sistema de segurança isolado não era admissível no mundo
capitalista”. Assim, mediante um embate em escala global que impelia uma aliança coletiva,
142
Citado em HOBSBAWM, Era dos Extremos, p. 224.
143
Manifesto proferido em 20 de março de 1964, pelo então governador de Minas Gerais,
Magalhães Pinto, contra o governo federal. TORRES. História de Minas Gerais, p. 1563. Na
verdade o intento do governador era procurar dotar de legalidade a ação dos militares,
tomando em sua argumentação o conteúdo da Constituição dos Estados Unidos do Brasil de
1946 (então vigente em 1964) “Título VII Das Forças Armadas”, Artigo 177 que traz o
seguinte texto: “Destinam-se as Forças Armadas a defender a Pátria e garantir os poderes
constitucionais, a lei e a ordem”.
144
SILVA. O Poder Militar, p. 349.
145
SILVA. A Defesa Legal do Arbítrio, p. 86.
53
qualquer política de neutralidade, como a defendida pelo presidente João Goulart, era
conseqüentemente refutável
146
.
Na mesma linha, rcia Pereira da Silva argumenta que mediante a bipolarização
mundial após a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos abandonaram a “política
isolacionista” e adotaram a “idéia de uma guerra permanente contra a subversão inimiga”,
caracterizada pela ação dos socialistas e dos comunistas. Para tanto, o chamado “bloco
ocidental”, liderado pelo grande “irmão do norte” nos dizeres do General Golbery, não
poderia admitir neutralidades. Nesse caso, a situação era definida de modo a cooptar os
governos latino-americanos a uma aliança irrestrita ao capitalismo norte-americano. Por outro
lado, qualquer atitude que fugisse a essa condição era atribuída como sendo de cunho
comunista, implicando uma suposta ameaça que deveria ser rechaçada
147
.
Em outro aspecto, admitindo que no Ocidente a expansão dos comunistas estava
associada a um processo gradual de subversão interna que os conduzissem ao poder pela via
revolucionária, como no caso de Cuba, o confronto fugia aos padrões convencionais da guerra
moderna. Assim, pelos postulados da DSN, caberia a cada aliado dos EUA angariar os
recursos nacionais cabíveis ao empreendimento das ações coercitivas em seus respectivos
territórios, não fugindo o Brasil a essa regra. Segundo Nilson Borges, foi “nesse quadro de
conflito que a Doutrina” de Segurança Nacional promoveu “a submissão das atividades da
Nação à sua política de segurança”
148
.
Avaliando essa perspectiva de desenvolvimento como um esforço de guerra, o General
Golbery também destacou a responsabilidade de cada cidadão para com a Pátria, ao exaltar o
conceito de nacionalismo que, na sua concepção, se prestava aos interesses do País. Para ele,
“ser nacionalista” significava “sobrepor a quaisquer interesses individuais”. Seria “estar
sempre pronto a sacrificar qualquer doutrina (...), sentimento, paixões, ideais e valores”
considerados perniciosos e de “fato incompatíveis com a lealdade suprema que se devia
dedicar, sobretudo, à Nação”
149
. No entanto, como argumentou Celso Furtado, “o
nacionalismo surgiu como uma técnica de legitimação e como um meio de consolidação da
aliança” entre os grupos civis vinculados ao capitalismo industrial associado-dependente
“com as Forças Armadas”
150
, a fim de conduzirem o País rumo a uma política de
desenvolvimento inserida na Doutrina de Segurança Nacional.
146
BORGES. A Doutrina de Segurança Nacional e os Governos Militares, p. 24.
147
SILVA. A Defesa Legal do Arbítrio, p. 111.
148
BORGES. A Doutrina de Segurança Nacional e os Governos Militares, p. 25.
149
SILVA. Geopolítica do Brasil, p. 102.
150
FURTADO. Análise do Modelo Brasileiro, p.36.
54
Em contraste, se por um lado exaltou-se o tipo de nacionalismo compatível com o
projeto de governo dos militares, por outro, foi preciso definir a figura daqueles que, não
aceitando o modelo imposto passaram a condição de traidores. Nessa linha, é possível
interpretar que para o mesmo General Golbery, o traidor era aquele que “endeusava” e se
submetia de modo “desfibrado a tudo o que” vinha “da Rússia e cujo anverso” seria “o ódio
sistemático e mesquinho (...) às democracias do Ocidente,” evidenciando “que seus fins”
divergiam “da soberania e do engrandecimento nacional”
151
. Sem dúvidas, mediante uma
sociedade inserida nas contradições da Guerra Fria, para os militares direitistas “quem não”
fosse “contra o comunismo” era “comunista”. No mais, não seriam “inimigos da Pátria apenas
os adeptos ou simpatizantes do comunismo, mas também os indiferentes”
152
. Aqui,
novamente é notório o repúdio a uma política de neutralidade, seja interna ou externamente.
Por meio de tais considerações, percebe-se que frente a Doutrina de Segurança
Nacional o indivíduo estava sujeito a uma subordinação tácita em relação ao Estado, sob o
risco, caso contrário, ser caracterizado como parte “dos elementos filiados ao credo vermelho
ou a ele vinculado”
153
. Assim, é coerente avaliar que, na perspectiva dos militares, qualquer
atitude considerada nociva ao binômio desenvolvimento e segurança proposto, justificava a
identificação do cidadão como sendo comunista, ou mais tecnicamente como um inimigo
interno do Estado que deveria ser eliminado para o bem maior da Nação.
Sobre o assunto, é possível afirmar que na década de 1960, o imaginário anticomunista
no Brasil havia se consolidado, não nos meios militares, mas também entre as classes
civis “médias e superiores”. Nesse sentido, basta memorar como eram freqüentes “as
representações do comunismo como inimigo da Nação e a identificação das forças
revolucionárias com as forças do mal”, contrárias a todos os valores tidos como positivos,
inseridos no modo de vida ocidental. Para Rodrigo Patto Motta, “desde o advento da
Revolução Soviética em 1917 e, principalmente, a partir da chamada Intentona Comunista de
1935, havia se consolidado um conjunto de representações associando os comunistas e o
comunismo a caracteres negativos”
154
.Além disso, no período em questão, salienta-se que às
críticas também eram proferidas na tentativa de descredibilizar o modelo comunista,
atribuindo-o como frágil no âmbito econômico e débil no plano social. No mais, segundo
151
SILVA. Geopolítica do Brasil, p. 102.
152
MOTTA. Em Guarda Contra o ‘Perigo Vermelho’, p. 222.
153
GUEDES. Tinha que ser Minas, p. 56. O mesmo discurso também pode ser observado em meio às entrevistas
realizadas com alguns policiais militares que operavam na ativa no período em questão, como o Coronel
Georgino Jorge de Souza. Cel Georgino Jorge de Souza (Comandante do 10º BI em 1964) em entrevista
concedida a Fábio Antunes Vieira (fit. mag.). Montes Claros, 19 de outubro de 2000.
154
MOTTA. Jango e o Golpe de 1964 na Caricatura, p. 157.
55
Rodrigo Patto Motta, “sob o impacto da Revolução Cubana”, o Brasil, bem como toda a
“América Latina, se viu” lançado “para o centro da Guerra Fria”
155
.
Conforme explicitado, a projeção de uma Guerra Revolucionária de cunho
comunista no Brasil, enfatizada pela presença de “inimigos internos, ocultos e
desconhecidos”, desencadeou na sociedade civil “um clima de suspeição, medo e divisão” que
favoreceu a ação dos militares, bem como a reestruturação do Estado pelo uso da força e o
implemento do terror
156
. Nesse sentido, embora não seja possível associar o autoritarismo dos
militares brasileiros com os pressupostos dos regimes totalitários, ainda assim, quanto à
questão do terror, uma comparação é possível. Se para Hannah Arendt, na perspectiva
histórica da luta de classes o terror consistia em aniquilar gradativa e continuamente as classes
consideradas opostas àquelas que detêm o poder em um determinado momento
157
, no Brasil,
parte dos militares tinha compreensão similar. Para eles, sendo o País conduzido em direção
ao caos, era preciso assumir o poder pelo uso da força e exterminar todos àqueles contrários
aos postulados da segurança nacional e do desenvolvimento propostos, mesmo que isso
representasse o sacrifício de uma parcela considerável da população.
Nessa linha, conforme Alfred Stepan, a intensificação da “violência extralegal” no
Brasil após a instauração do regime militar em 1964 foi tão expressiva, que as “agências de
inteligência militares” passaram a “ser temidas até mesmo pelas Forças Armadas”. Segundo o
autor, esse fato contribuiu para que na década de 1980 elas iniciassem o processo de
redemocratização, em parte para reconquistar o controle desses órgãos de repressão
158
. Do
mesmo modo, Nilson Borges admite que uma das grandes conseqüências da importância
atribuída pela DSN à questão da segurança interna no Brasil, foi o fortalecimento dos serviços
de inteligência, que chegaram a assumir uma superioridade no bloco de poder, inclusive
determinando “as técnicas e estratégias” destinadas à supressão dos “inimigos do regime”.
Destarte, mediante a perspectiva do terror, “todo aquele que não se pronunciasse a
favor do regime” era tido como um “inimigo interno”. Enquanto tal, representava “um mal
que deveria ser extirpado”, uma vez que colocava “em perigo a segurança do País e, por
conseqüência, o seu desenvolvimento político, econômico e social”
159
. Como visto, mediante
as dicotomias da Guerra Fria, o estado de tensão desencadeado pela expansão comunista
condicionou nas Forças Armadas brasileiras a idéia de que todos os recursos matérias e
155
MOTTA. Em Guarda Contra o ‘Perigo Vermelho’, pp 230-231.
156
ALVES. Estado e Oposição no Brasil, p.31.
157
Sobre o terror em Hannah Arendt ver, ARENDT. Origens do Totalitarismo, pp 512-531.
158
Citado em
SMALLMAN
. A Profissionalização da Violência Extralegal das Forças Armadas do Brasil, p. 390
159
BORGES. A Doutrina de Segurança Nacional e os Governos Militares, pp 35-36.
56
humanos deveriam ser direcionados aos postulados da segurança interna, não cabendo
manifestações em contrário.
Pertinente ao exposto, segundo a óptica militar não havia “como fugir a necessidade
de sacrificar o bem-estar social em proveito da segurança”, mediante crença de que ela estava
“realmente ameaçada”
160
. Ratificando o argumento, em certa ocasião o General Golbery
tomou como válido e oportuno a adoção do slogan “mais canhões, menos manteiga” de
Hermann Goering
161
. Na ocasião, sua intenção foi expressar que a “segurança nacional impõe
o ônus tremendo de uma economia visceralmente destrutiva aos anseios normais de
desenvolvimento e bem-estar que animam a todos os povos”, sobretudo àqueles que “ainda se
vêem à margem das regiões mais adiantadas do planeta”
162
.
Definida e justificada que a segurança interna figurou como o objetivo central da
política de desenvolvimento apregoada pelos militares em meio a DSN, cabe agora tecer
algumas argumentações quanto à escolha do modelo adotado, bem como as considerações
pertinentes às parcerias e meios que viabilizaram as ações práticas rumo a organização do
novo Estado. Nesse ponto, estando o Brasil “a sombra projetada pelos Estados Unidos (...),
superpotência líder reconhecida do Ocidente”
163
, o sistema defendido pelos militares
correspondia à própria manutenção do capitalismo, como discorrido anteriormente, embora
isso não tenha ocorrido de modo coeso nos meios castrenses.
Nesse sentido, é sabido que as Forças Armadas não correspondiam um todo
homogêneo quanto a melhor política econômica que resultasse o desenvolvimento do Brasil.
Prova disso, foram os embates desencadeados entre os chamados “nacionalistas” e os
denominados “entreguistas”, que se arrastavam desde a “Era Vargas”. Em termos gerais, os
primeiros partilhavam os postulados do “nacional-desenvolvimentismo”, que apregoava um
processo de desenvolvimento gerenciado pelo Estado, sobretudo em setores considerados
estratégicos, a fim de viabilizar um capitalismo industrial de cunho nacional. Por outro lado,
os segundos defendiam uma parceria irrestrita com os Estados Unidos em meio a Guerra Fria,
“em troca de apoio financeiro para o desenvolvimento do País”, bem como uma postura
160
SILVA, Geopolítica do Brasil, p. 14.
161
Hermann Goering foi o comandante da Luftwaffe (Força Aérea Alemã) durante a Segunda Guerra Mundial e
um dos nazistas mais próximos a Hitler. Preso e julgado a morte por crimes de guerra pelo tribunal de exceção
de Nuremberg após a Segunda Guerra Mundial, cometeu suicídio antes da execução da sentença.
162
SILVA, Geopolítica do Brasil, p. 13.
163
SILVA. Geopolítica do Brasil, p. 76.
57
“liberal em termos econômicos”. No mais, como em regra estavam vinculados a ESG, eram
ferrenhos anticomunistas e antipopulistas
164
.
Como demonstra a História, em 1964 os denominados entreguistas terminaram por
vencer seus adversários, sobretudo através de expurgos, e assumiram o controle da Nação.
Relativo ao assunto, Octavio Ianni entende que a ascensão desse grupo de militares ao poder
no ano em questão, marcou drasticamente o rompimento com as “diretrizes e as práticas
destinadas a implementar o capitalismo nacional” no País, ao inaugurarem “as diretrizes e
práticas destinadas a implementar o capitalismo associado ou dependente”
165
.
Sobre o assunto, Florestan Fernandes esclarece que “o ciclo da Revolução Burguesa”
no Brasil, inscrito em um capitalismo dependente (...), não visou à autonomia do
desenvolvimento do capitalismo nacional ou a revolução nacional”. Ao contrário, “visou à
autonomia das classes e dos estratos de classe burguesas dentro da sociedade de classes
brasileira”, bem como “a possibilidade (...) de chegar ao fim e ao fundo da transformação
capitalista, sem remover a situação de dependência e os efeitos” dela provenientes, “sobre o
subdesenvolvimento relativo do País”
166
.
Partilhando idéia afim, Maria Helena Moreira Alves expõe que “a crescente
penetração do capital internacional após meados da década de 1950, configurou uma aliança
entre o capital multinacional, o capital nacional associado-dependente e o capital de Estado”.
Para ela, ao final do governo JK o Brasil “vivia um processo de desenvolvimento
caracterizado por uma situação de dependência”, que foi “reforçado após o golpe militar de 31
de março de 1964”
167
. Do mesmo modo, Márcia Pereira da Silva argumenta que “o Estado
instaurado em 1964 buscou reformar e impulsionar o crescimento econômico, sempre
orientado pela distribuição desigual dos recursos, que privilegiou os grandes grupos
capitalistas em detrimento da população em geral”, ainda que os governos militares tenham
encampado o discurso de que o Estado representava “todas as camadas sociais”
168
.
Analisando o caso de Minas Gerais, Otávio Dulci também partilhou a idéia de
desenvolvimento associado-dependente. Conforme o autor, “com a internacionalização da
economia brasileira, fomentada desde Kubitschek pela atração de companhias estrangeiras e
sua associação com parceiros domésticos”, os setores empresariais mineiros foram
164
SMALLMAN. A Profissionalização da Violência Extralegal das Forças Armadas do Brasil, p. 395. Além do
autor, essa divisão também pode ser identificada nos estudos de Thomas Skidmore, Nilson Borges, Heloísa
Starling e René Dreifuss, dentre outros.
165
IANNI. As Estratégias de Desenvolvimento, p. 138.
166
FERNANDES. A Revolução Burguesa no Brasil, p. 320.
167
ALVES. Estado e Oposição no Brasil, p. 21.
168
SILVA. A Defesa Legal do Arbítrio, p. 132.
58
condicionados a uma perspectiva político-econômica correspondente a observada
nacionalmente, inclusive “com interfaces internacionais”. Assim, tomando o modelo de
industrialização adotado em Minas, sobretudo após a queda de Goulart, é possível dizer que
um dos seus pilares era o capital externo, fato que caracterizou a situação de dependência, a
exemplo do restante do País
169
.
Como visto, apesar da situação de dependência e desigualdades, frente à opinião
pública foi preciso fundamentar a opção pelo capitalismo em bases teóricas, com o intuito de
legitimá-lo como escolha planejada e adequada à promoção do desenvolvimento nacional.
Para tanto, os militares e civis vinculados à ESG não dispensaram estudos e críticas as teorias
marxistas. Dentre os pontos abordados, merece destaque à importância dada ao fato de Karl
Marx ter negligenciado o poder da ação reguladora do Estado sobre o sistema capitalista.
Nesse sentido, os militares direitistas entendiam que o Estado interventor poderia exercer
controle sobre os efeitos nocivos do capitalismo no âmbito social, ao mesmo tempo em que
conservaria suas vantagens no aspecto econômico. Assim, tecendo argumentações contrárias
ao socialismo científico e suas variantes
170
, por conseqüência enaltecia-se o sistema capitalista
como opção viável ao desenvolvimento da Nação, bem como a manutenção de uma aliança
natural com o bloco ocidental do qual o Brasil faz parte
171
.
Condizente ao descrédito atribuído ao marxismo, o General Golbery, procurando
associar o grupo dos denominados nacionalistas ao comunismo, discorreu que “entreguismo”
na verdade era “dispor” das “riquezas” nacionais “em benefício da pseudopátria do
socialismo”. Para ele, realmente era “indispensável” desencadear um processo de
“desenvolvimento econômico e social” que atendesse aos anseios da sociedade brasileira.
Entretanto, advertiu que isso não podia ocorrer mediante repúdio aos “valores espirituais” da
Nação, em benefício dos “simples padrões materialistas” que configurariam uma “rendição
interesseira e covarde à onda ameaçadora da ideologia soviética, fundamentada no dogma
rígido do materialismo dialético”
172
.
Seguindo essa linha de raciocínio, é notório que os embates entre capitalismo e
socialismo superavam as discussões de cunho econômico, na medida em que contribuíram
para acentuar os antagonismos entre o “Ocidente democrata e o Oriente comunista”, que
envolviam outros aspectos relevantes, como a corrida armamentista. Nesse sentido, é correto
169
DULCI. Política e Recuperação Econômica em Minas Gerais, p. 186.
170
Nesse sentido, uma das formas para se atingir esse objetivo foi o uso das caricaturas, com o propósito de
“mostrar o modelo soviético como ineficiente em comparação às economias capitalistas”. MOTTA. Jango e
Golpe de 1964 na Caricatura, p. 167.
171
Manual Básico da Escola Superior de Guerra, p. 343.
172
SILVA. Conjuntura Política Nacional, p. 194.
59
salientar que, em meio à proposta de desenvolvimento inserida na Doutrina de Segurança
Nacional, os militares pretendiam desenvolver o segmento da industria bélica no Brasil,
substituindo gradativamente a política de importações. No entendimento dos oficiais da
Escola Superior de Guerra, uma política econômica voltada para os fins da Segurança
Nacional, vinculada a um projeto de industrialização associado ao investimento estrangeiro,
“deveria dar ao Brasil acesso a mais recente tecnologia” então existente, que estrategicamente
resultaria o aparelhamento das Forças Armadas
173
.
Para compreender a preocupação dos militares brasileiros em relação à indústria
bélica, é pertinente avaliar, além dos antagonismos provenientes da Guerra Fria, o
envolvimento do Brasil na Segunda Guerra Mundial. Apesar de relevante o fato de ter sido o
único País latino-americano a enviar tropas para lutar na Europa Ocidental durante o conflito,
a participação brasileira demandou recursos bélicos e financeiros dos Estados Unidos,
demonstrando a fragilidade do aparato de defesa nacional para um empenho de maior
envergadura. Segundo José Murilo de Carvalho, para tal empreendimento, “o Brasil
custeou com recursos próprios o fardamento Força Expedicionária Brasileira - FEB. Os
víveres foram pagos pelo Lend Lease e o armamento e equipamento foram cedidos
gratuitamente pelo V Exército americano, num valor aproximado de 20 milhões de
dólares”
174
. Além disso, como afirma Clóvis Brigagão, até “o começo dos anos 60, as Forças
Armadas brasileiras eram basicamente supridas através de ajuda e financiamento dos EUA e
de materiais utilizados na Segunda Guerra Mundial e na Guerra da Coréia”
175
.
Com base no que foi exposto, conclui-se que a atuação do Brasil na Segunda Guerra
Mundial foi viabilizada pelos recursos norte-americanos, fato evidente a partir de uma
pesquisa ao Museu da FEB em São João del-Rei
176
. Nesse sentido, observando a origem dos
equipamentos e armamentos disponíveis que foram utilizados pelos “pracinhas”, verifica-se
que a maior parte deles tiveram procedência norte-americana. Assim, reconhecendo que o
Brasil ainda era um País majoritariamente agro-exportador em fins da Segunda Guerra
Mundial, os militares da ESG, partilhando a idéia de que o “poder militar baseia-se no poder
industrial do País”
177
, estabeleceram uma política de desenvolvimento econômico nos moldes
173
BRIGAGÃO, Mercado da Segurança, p. 23.
174
CARVALHO. Forças Armadas e Política no Brasil, p. 89.
175
BRIGAGÃO, Mercado da Segurança, p. 40.
176
O Museu da Força Expedicionária Brasileira FEB, sediado no município de São João del-Rei, estado de
Minas Gerais, encontra-se sob a responsabilidade do 11º Batalhão de Infantaria de Montanha do Exército
Brasileiro, também sediado no mesmo município, que não enviou parte do seu efetivo para compor a FEB,
como participou da tomada de Montese na Itália em 1945. O Museu encontra-se localizado na esquina da
Avenida Hermílio Alves com a Avenida Andrade Reis, no centro histórico de São João del-Rei.
177
BRIGAGÃO, Mercado da Segurança, p. 40.
60
de um capitalismo associado-dependente, atrelado à questão industrial em meio a Doutrina de
Segurança Nacional. Aqui, mais uma vez parece oportuno retomar o slogan de Hermann
Goering, “mais canhões, menos manteiga” para caracterizar o pensamento de parte dos
militares brasileiros em relação à perspectiva de desenvolvimento, que se prestava aos
propósitos da segurança do País.
Coerente a tais idéias, as ações dos governos militares após 1964 demonstram a
tentativa da aplicabilidade da DSN para a consecução dos objetivos propostos, especialmente
no que concerne ao desenvolvimento de um “complexo militar-industrial”. Para tanto, em
1965 foi dado o primeiro passo, a partir da criação do Grupo Permanente de Mobilização
Industrial GPMI. Definido como uma “associação da indústria privada do estado de São
Paulo, com os representantes dos mais importantes departamentos de defesa das Forças
Armadas”, sobretudo do Exército Brasileiro, o GPMI tinha por objetivos ampliar suas
atividades e capacitar tecnicamente alguns setores da indústria civil, a fim de adequá-los a
produção de material bélico. Nesse sentido, os segmentos mais destacados correspondiam a
fabricação e adaptação de veículos, componentes e equipamentos mecânicos, aeronáuticos,
eletroeletrônicos e médico-hospitalares, fardamento, além de algumas armas e munições
178
.
Do mesmo modo, em 1975 surgiu a Empresa Brasileira de Material Bélico IMBEL,
definida como “uma holding estatal, criada com a” finalidade “de tornar-se auto-suficiente em
armas e de atingir uma capacidade de exportação”. Para Clóvis Brigagão, essa “companhia
instituída sob o Ministério do Exército”, tinha por intento a busca de novas opções de
investimentos, bem como a “diversificação de exportações e facilidades para importar bens de
produção”. Adquirida essas condições, a expectativa era a de “fortalecer a infra-estrutura
industrial do País, de maneira que fosse capaz de enfrentar as necessidades de segurança”
179
.
No mesmo contexto, é importante salientar que o período também foi marcado pela
criação da Empresa Brasileira de Aeronáutica EMBRAER, com o propósito de modernizar
a aviação militar subordinada a Força Aérea Brasileira – FAB, bem como empreender
concorrência no mercado internacional. Pertinente ao primeiro propósito, o projeto
considerado mais audacioso foi o chamado AMX, desencadeado entre os governos Geisel e
Figueiredo em parceria com o governo italiano. Ambicionando dotar o País de uma aviação
de combate que contasse também com tecnologia nacional, após alguns anos de pesquisa e
negociações, em 1980 um acordo ítalo-brasileiro foi firmado, envolvendo a EMBRAER, a
Aeritalia e a Aermacchi. A partir de então, teve início a produção conjunta e em série do avião
178
BRIGAGÃO. O Mercado da Segurança, pp 39-40.
179
BRIGAGÃO. O Mercado da Segurança, p. 44.
61
de caça denominado AMX, que chegou a ser empregado “com sucesso” na Guerra da Bósnia,
pela Força Aérea Italiana. Entretanto, apesar da operacionalidade em ambos os países, a
aeronave não foi um sucesso de vendas no mercado externo, como esperavam os militares.
Sobre o assunto AMX, Roberto Pereira discorre que “os economistas não cessam de
acusar o elevado custo de desenvolvimento desse avião, cujo preço unitário ficou bem acima
do valor de compra de aeronaves similares estrangeiras”. Por outro lado, embora admita a
política belicista dos governos militares brasileiros, argumenta que pertinente ao projeto em
questão, foi “inegável o aporte de experiência que ele trouxe”. No mais, defende que o
investimento feito pelo Brasil em cada AMX adquirido pela Força Aérea Brasileira, foi o
alto preço da capacitação tecnológica que habilitou a EMBRAER assumir a liderança mundial
no nicho de mercado onde atua”
180
.
Tomando o exposto, apesar das argumentações tecidas não esgotarem o assunto em
questão, elas referenciam as preocupações dos militares acerca de uma perspectiva de
desenvolvimento vinculadas aos propósitos da Doutrina de Segurança Nacional. Assim,
embora seja certo que o Brasil não tenha se tornado uma potência militar, como esperavam os
governos militares, a criação das empresas referenciadas, bem como a adoção das medidas a
elas articuladas, dentre outras, demonstram a fidelidade a uma política belicosa, coerente aos
anseios de segurança e desenvolvimento planejados. Desse modo, como afirma Maria Helena
Moreira Alves, “o slogan governamental segurança com desenvolvimento”, terminava por
vincular o “desenvolvimento capitalista associado-dependente à defesa da segurança interna,
contra o inimigo interno”
181
.
Como evidenciado até o momento, o projeto de desenvolvimento elaborado pelos
militares para o Brasil, inserido na Doutrina de Segurança Nacional, não privilegiava o bem-
estar social como um dos seus aspectos primários. Assim, considerando que o período de
governo de João Goulart representou um momento de grande efervescência política por parte
das camadas populares, ansiosas por um amplo programa de reformas que promovesse
melhorias sociais, os militares passaram a interpretar os acontecimentos que se seguiam como
arriscados aos propósitos de Brasil-futuro pensado por eles.
Condizente a essa interpretação, a quem entenda que “na década de 1960 a hegemonia
capitalista foi considerada ameaçada pelo” fortalecimento das forças de esquerda, fato “que
fez com que os militares se considerassem o braço armado” capaz de defender a ordem
capitalista”. Para tanto, mediante crença de que não havia “partido político ou civis capazes
180
Revista Avião Revue, edição especial de 2001, pp 4-9.
181
ALVES. Estado e Oposição No Brasil, p. 31.
62
de garantirem a lei e a ordem naquela situação, decidiram intervir diretamente no Estado”
182
.
De modo similar, Robert Campos entendia que os “políticos civis nunca estiveram bem
amadurecidos e preparados para dirigir um país tão grande como o Brasil”. Assim, “após anos
de incompetência e corrupção caberia aos militares ‘arrumar a casa’ para garantir
desenvolvimento e progresso”
183
.
Como evidenciado, os militares identificados como grupo da ESG” partilhavam
interesses compatíveis com os dos grupos vinculados ao capital multinacional-associado,
“tanto na perspectiva quanto no sentido de urgência em” consolidar “uma sociedade industrial
capitalista” no País. Por essa razão, trataram de atribuir o governo Goulart como uma porta de
entrada para o comunismo internacional, a fim de justificar as ações pertinentes à tomada do
poder
184
. Para tanto, os militares direitistas empregaram a chamada “estratégia
psicossocial”
185
que, integrada a política de Segurança Nacional, foi desencadeada junto às
“instituições da sociedade civil”, tais como “a família, escolas e universidades, os meios de
comunicação de massas, sindicatos, Igreja e empresas privadas”
186
. Nessa linha, o objetivo era
promover ações específicas aos propósitos da Doutrina de Segurança Nacional como, por
exemplo, projetar um clima de ameaça interna durante o governo Goulart, que justificasse sua
deposição.
Na realidade, quem interprete que mediante a Guerra Fria, a dinâmica do governo
Goulart acentuou os antagonismos internos que vinham se arrastando desde a Era Vargas, sob
a égide do populismo. Amparado pelo “trabalhismo”, o populismo pode ser entendido como
“um modo determinado e concreto de manipulação das massas”, bem como “um modo de
expressão de suas insatisfações”. Destarte, embora no Brasil não tenha sido um todo
indiferenciado, essencialmente é possível dizer que o populismo implicava uma identificação
entre as “massase o “líder carismático”. Nesse ponto, enquanto o líder via nas “classes
populares” sua base legitimadora do poder, essas o viam como o representante de seus
interesses, sobretudo sociais, que eram gerenciados, em regra, através de uma política
trabalhista controlada por meio do Estado.
Nessa perspectiva, após a Revolução de 1930, a questão do operariado deixou de ser
um problema de “ordem pública” e passou a ser um problema de “ordem social”. A partir de
182
SILVA. A Defesa Legal do Arbítrio, pp 108-109.
183
Citado em SILVA. A Defesa Legal do Arbítrio, p. 127.
184
O chamado “grupo da ESG” pode ser entendido como um grupo formado por militares e civis que tiveram
passagem pela referida Escola Superior de Guerra e que, conseqüentemente partilhavam os mesmos postulados
da Doutrina de Segurança Nacional. Sobre o assunto ver: DREIFUSS. 1964: A Conquista do Estado, p. 78. Ver
também SILVA, O Poder militar, p. 357.
185
SILVA. Geopolítica do Brasil, p.161.
186
ALVES, Estado e Oposição no Brasil (1964-1984), p. 53
63
então, o chefe de Estado passou a “atuar como árbitro dentro de uma situação de
compromisso que, inicialmente formado pelos interesses dominantes”, passou a contar com as
“massas urbanas” tuteladas por ele próprio. Conforme Francisco Weffort, a massa urbana
tomou a “legislação do trabalho” como a “primeira forma através da qual ela viu definida sua
cidadania e seus direitos de participação nos assuntos do Estado”, fato visto como uma
“ameaça pelas elites”
187
.
Todavia, durante o Estado Novo, enquanto a política de massa foi interpretada pelos
militares como uma forma de controle social e manutenção da ordem institucional, eles
mantiveram o apoio ao chefe da Nação. Porém, após os reflexos da Segunda Guerra Mundial
e o advento da Guerra Fria, parte das Forças Armadas, vinculada aos postulados da Doutrina
de Segurança Nacional, passou a considerar como potencialmente perigosa à emergência
política dos trabalhadores em meio a um regime democrático, bem como a suposta capacidade
dos líderes populistas em mobilizá-los em torno de interesses avaliados, no mínimo, como
duvidosos. Além disso, parte da elite civil vinculada ao capital externo e aos princípios do
liberalismo econômico, via no nacional-desenvolvimentismo um obstáculo aos seus
interesses. Assim, partilhando linhas de raciocínio e interesses conciliáveis, militares e civis
insatisfeitos com a política populista empreenderam aliança para assumirem o poder.
Para tanto, a própria crise da política trabalhista acentuada durante o governo Goulart,
contribuiu para caracterizar as agitações de esquerda como um processo de subversão interna,
destinado a comunizar o País pela via revolucionária. Para Weffort, com a crise do populismo,
teve inicio uma “verdadeira mobilização política popular, exatamente em razão da economia
urbano-industrial ter iniciado o esgotamento da capacidade de absorção de novos
migrantes”
188
. Considerando os ditames da lei da oferta e da procura, esse fato implicou a
diminuição dos empregos formais e das rendas, imputando o colapso do trabalhismo.
Mediante tal realidade, durante o governo Goulart parcelas cada vez maiores das
classes populares urbanas passaram a levantar a bandeira do reformismo, bem como do
radicalismo de esquerda. Esse fato, observado como alarmante pelos grupos civis e militares
articulados aos postulados da Doutrina de Segurança Nacional, acabou sendo tomado como a
última etapa precedente à ascensão dos comunistas ao poder nacional. Nesse sentido, como
187
WEFFORT. O Populismo na Política Brasileira, pp 62-70. Obs: a definição de massas ou classes populares
pode ser entendida aqui como “expressões imprecisas mas de qualquer modo úteis para captar a homogeneidade
possível” a um “grande número de pessoas que ocupam os escalões sociais e econômicos inferiores nas diversas
áreas do sistema capitalista” brasileiro. WEFFORT. O Populismo na Política Brasileira, p. 72.
188
WEFFORT. O Populismo na Política Brasileira, p. 75.
64
afirma Rodrigo Patto Motta, num País praticamente sem tradição de participação política
popular, qualquer tentativa” de mobilização dos “de baixo provocava tremores nas elites”
189
.
A partir do exposto, é possível entender, como define Hélio Silva, que o “levante
militar” foi motivado “na ação das massas em torno de um programa de reformas
socializantes que infundia o terror da comunização”
190
. Na mesma linha, Moniz Bandeira
entende que “o comunismo” difundido no Brasil “era, enfim, a própria democracia que, com a
presença de Goulart na presidência da República possibilitava a emergência política dos
trabalhadores”
191
. Em ambos os casos, percebe-se que os militares da ESG e seus aliados
civis, valendo-se da argumentação de que uma guerra revolucionária de cunho comunista
estava em curso no País, assumiram o poder em nome da Segurança Nacional. Não por acaso,
o fizeram justamente em um momento da história nacional em que as massas mais buscavam
ampliar sua participação nos assuntos políticos e públicos
192
, se aproximando assim do que
Robert Putnam definiu como “comunidade cívica”.
Abrindo um pequeno parêntese teórico sobre o assunto, Putnam entende que “numa
comunidade cívica a cidadania se caracteriza primeiramente pela participação nos negócios
públicos”. Para tanto, embora não seja necessária a adoção de uma conduta altruística, cada
um tem o direito de buscar seus interesses “definidos no contexto das necessidades públicas
gerais”, uma vez que elas também são “sensíveis aos interesses dos outros”. Desse modo, na
comunidade cívica a cidadania “implica direitos e deveres iguais para todos”, condição que
mantém essa comunidade unida “por relações horizontais de reciprocidade e cooperação, e
não por relações verticais de autoridade e dependência”. Assim, tal comunidade será
gradativamente mais cívica, a medida em que a participação no governo e o ideal de equidade
política entre os cidadãos que seguem as regras de reciprocidade, forem ampliadas
193
.
Com base no exposto, admitindo que “a principal característica de uma democracia é a
constante sensibilidade do governo em relação às preferências de seus cidadãos”
194
, condição
que demanda uma maior consciência política e participação da sociedade nos assuntos
nacionais, a quem entenda que o governo Goulart representou um momento em que essas
condições se aproximaram. Para Moniz Bandeira, “pela primeira vez no Brasil a pressão dos
189
MOTTA. Em Guarda Contra o ‘Perigo Vermelho’, p. 183.
190
SILVA. O Poder Militar, p. 238.
191
BANDEIRA. O Governo João Goulart, p.178.
192
Para Florestan Fernandes, no momento em questão, “o que houve, e os analistas do ‘populismo’ deixam bem
claro, foi ‘um momento de tentativa de afirmação das massas’ (...), suprimido de modo insólito pela reação auto-
defensiva da burguesia”. FERNANDES. A Revolução Burguesa no Brasil, p. 340.
193
PUTNAM. Comunidade e Democracia, pp 101-102.
194
PUTNAM. Comunidade e Democracia, p. 77.
65
trabalhadores” havia alcançado “o nível da Presidência da República, influenciando o
comportamento e as decisões políticas do Governo”
195
. Entretanto, considerando que as
aspirações das massas, inseridas nas chamadas “Reformas de Base”, não condiziam com o
projeto de Brasil elaborado pelos militares e seus aliados civis, suas expectativas de melhorias
sociais em meio a um governo democrático foram suprimidas, em “beneficio do capital
transnacional, da alta burocracia estatal, dos setores modernos da economia agrícola e
industrial”, bem como da classe média
196
.
Inscrito nesse contexto, Florestan Fernandes esclarece que “as classes burguesas”
também “não queriam abrir mão das próprias vantagens e privilégios, do controle de que
dispunham sobre si mesmas, (...) sobre as classes operárias, sobre as massas populares e as
bases nacionais das estruturas de poder”. Para o autor, pertinente a “Revolução Burguesa”
então em curso no Brasil, “as vantagens e privilégios estavam na raiz de tudo, pois se as
classes burguesas realmente ‘abrissem’ a ordem econômica, social e política perderiam, de
uma vez, qualquer possibilidade de manter o capitalismo” associado-dependente “e preservar
a íntima” ligação “existente entre a dominação burguesa e a monopolização do poder estatal”
pelos próprios “estratos hegemônicos da burguesia”
197
.
Fazendo uma breve comparação entre a política de desenvolvimento vinculada às
chamadas “Reformas de Base” durante o governo Goulart, com a desencadeada pelos
militares após 1964, é possível entender que, de fato, seguiram direcionamentos diferentes.
Nesse sentido, em termos gerais, René Dreifuss definiu que Goulart defendia como
“alternativa” para o desenvolvimento do País um conjunto de ações “sócio-econômica
distributiva e nacionalista”
198
, em moldes similares as desencadeadas no governo de Getúlio
Vargas. Por outro lado, Celso Furtado, avaliando as ações dos governos militares, discorreu
que o “tipo de capitalismo que veio a prevalecer no País”, ampliou o problema da
“concentração de renda”, caracterizado como um “traço perverso de nossa economia”
199
.
Na mesma linha, Florestan Fernandes discorreu que, na luta pela “sobrevivência do
capitalismo dependente” e pela sua própria “sobrevivência”, a “burguesia” nacional, também
“dependente” (...), “confundiu” as “duas coisas com a sobrevivência da ‘civilização ocidental
cristã’”, coadunando assim com o discurso dos militares, do qual se serviu. Para o autor, nas
“mãos” dessa burguesia, “o individualismo egoístico, o particularismo agressivo e a violência
195
BANDEIRA, O Governo João Goulart, p. 178.
196
BRIGAGÃO, O Mercado da Segurança, p. 16.
197
FERNANDES. A Revolução Burguesa no Brasil, p. 364.
198
DREIFUSS, 1964: A Conquista do Estado, p.38.
199
FURTADO, Análise do Modelo Brasileiro, p. 2.
66
‘racional’ se voltaram para um fim: a continuidade do tempo econômico da Revolução
Burguesa”. Em outras palavras, “a intensificação da exploração capitalista e da opressão de
classe, sem a qual ela é impossível”
200
.
Admitindo “que o crescimento econômico pode ocorrer espontaneamente pela
interação das forças do mercado”, mas que o “desenvolvimento social é fruto de uma ação
política deliberada” entre governo e suas forças sociais” de apoio
201
, Goulart procurou
mobilizar as camadas populares em torno das “diretrizes” de um Estado “nacional-
reformista”, que propunha exercer suas “funções distributivas e desenvolvimentistas”
202
. Para
tanto, o presidente “não desejava desencadear uma revolução social”. Todavia, “sendo
empiricamente reformista, acreditava na transformação gradual” do País, até que os benefícios
do “socialismo” fossem alcançados
203
, não pela via marxista revolucionária, mas pela via da
social-democracia, conforme é possível interpretar.
Salientando os principais aspectos do governo Goulart em uma óptica
desenvolvimentista, a quem afirme que ele “procurou (...) recuperar o projeto de Vargas (...),
reorientando o processo de industrialização (...) para os setores de base e para a produção de
bens de capital”, com a finalidade “de viabilizar um desenvolvimento mais equilibrado e
autônomo do capitalismo brasileiro”
204
. Evidentemente, tal posicionamento contrariava os
interesses dos grupos vinculados ao capital multinacional-associado. Em outro aspecto,
referente à política externa, Goulart procurou “criar condições para que o Brasil expandisse e
diversificasse seu mercado exterior”. Para tanto, procurando manter uma política de
neutralidade em relação à Guerra Fria e ampliou, “tanto quanto foi possível, os intercâmbios
com o bloco socialista”, a fim de potencializar as exportações nacionais
205
. Porém, como
foi tratado anteriormente, essa conduta acentuou a oposição do grupo da ESG e dos Estados
Unidos ao seu governo.
Além disso, as reformas agrária, tributária, educacional, eleitoral e habitacional, bem
como a lei de limitação das remessas de lucro das empresas estrangeiras para o exterior,
inseridas nas chamadas “Reformas de Base”, representaram um momento de grande
antagonismo em seu governo. Nesse contexto, se por um lado elas eram entendidas pelas
massas como necessárias ao provimento de melhorias sociais, por outro eram encaradas pela
oposição como a etapa final do processo de comunização do País.
200
FERNADES. A Revolução Burguesa no Brasil, p. 360.
201
BIDERMAN. Conversas com Economistas Brasileiros, p. 64.
202
DREIFUSS. 1964: A Conquista do Estado, p. 135.
203
BANDEIRA, O Governo João Goulart, p. 179.
204
BANDEIRA, O Governo João Goulart, p. 118.
205
BANDEIRA, O Governo João Goulart, p. 115.
67
Entretanto, no Brasil o processo de politização das massas não passou por um
amadurecimento suficiente, a ponto de constituir o que Robert Putnam chamou de “capital
social”
206
. Embora não tenha um conceito claro, sobre capital social é possível entender que
sua idéia está associada à capacidade dos compatriotas de se organizarem socialmente com
base em vínculos de solidariedade mútua, a fim de empreenderem ações coordenadas que
viabilizem a promoção do bem comum. Nessa percepção, é possível afirmar que nos países
que o detêm, as ações do Estado não são avaliadas como simples problemas do governo, mas
sim de toda a sociedade que, sentido-se parte dele, procura atuar com o propósito de ampliar
sua eficiência.
Obviamente, tal condição provem de um processo histórico, não sendo
possível ser alcançada em um curto intervalo de tempo.
Tomando o exposto, é certo que em um país como o Brasil, cujo Estado foi imposto ao
povo desde as suas origens, como entende José Murilo de Carvalho, qualquer tentativa a curto
prazo de alterar a estrutura do poder, implica o temor nas elites. No mais, em uma sociedade
carente dos “vínculos horizontais de reciprocidade coletiva (...) e autodisciplina, a hierarquia e
a força” terminam por constituírem a “única alternativa” a tudo que denote anarquia”
207
.
Assim, como o populismo no Brasil viabilizou a ascensão das massas ao “contexto político”,
esse “ingresso acelerado e não ordenado” terminou por acentuar ao longo do tempo as
fissuras institucionais”. Conforme Hélio Silva, em meio a esse quadro o governo Goulart
“perdera a capacidade de autocorrigir-se”, facilitando o trabalho de maquinação e ascensão da
direita ao poder nacional
208
. No mais, como afirma Rodrigo P. Motta, “no decorrer do seu
governo e à medida que a crise foi se aguçando, as referências ao perigo vermelho tornaram-
se mais intensas e constituíram-se no principal ponto da campanha contra Goulart”
209
.
Fazendo uma breve análise dos momentos finais do governo Goulart, Boris Fausto
entende que, mesmo parte da oficialidade não vinculada a ESG, direcionada a manter a ordem
constitucional, acreditava que a manutenção da ordem social e institucional, bem como o
respeito à hierarquia e o controle do comunismo eram princípios mais importantes a serem
mantidos. Assim, pertinente à óptica militar, rompidos tais princípios a ordem se transforma
em desordem, e a desordem termina por justificar a intervenção
210
. Enfatizando essa análise, é
pertinente salientar que o apreço das Forças Armadas à manutenção da ordem também
206
PUTNAM. Comunidade e Democracia, p. 177.
207
PUTNAM. Comunidade e Democracia, p. 125.
208
SILVA. O Poder Militar, p. 240.
209
MOTTA. Jango e o Golpe de 1964 na Caricatura, p. 157.
210
Além disso, segundo Nilson Borges, “a intervenção dos militares na política aparece como legítima e
necessária para a preservação dos interesses maiores da Nação: a ordem institucional.” BORGES. A Doutrina de
Segurança Nacional e os governos militares, p. 18.
68
possuía apelo legal, uma vez que o artigo 177 da Constituição de 1946 a atribuía como
responsabilidade dos militares.
Como demonstrado, o projeto de desenvolvimento articulado pelo governo Goulart
não atendia aos anseios dos militares ligados a ESG e seus aliados civis, que pretendiam
consolidar um capitalismo associado-dependente no País. Entendendo ser esse o melhor
caminho rumo ao desenvolvimento e a segurança nacional, mesmo a revelia do bem-estar
social, os militares direitistas, postos todos os limites antagônicos do governo Goulart,
optaram pela tomada do poder em obediência a DSN.
Para tanto, é certo que a conspiração civil-militar montada em torno do Instituto de
Pesquisas e Estudos Sociais IPÊS, bem como do Instituto Brasileiro de Ação Democrática –
IBAD, sob a coordenação da ESG, teve grande importância em meio à aplicação da já referida
“estratégia psicossocial”, teorizada pelo General Golbery. Além disso, considerando o
contexto da Guerra Fria, vários documentos e trabalhos divulgados
211
demonstraram o
envolvimento do governo norte-americano no processo, não contribuindo ideológica e
financeiramente com o que Maria Helena Moreira Alves definiu como “complexo
ESG/IPÊS/IBAD”
212
, mas também disponibilizando seu poderio militar, assunto que será
tratado oportunamente.
Ressalva seja feita à expressão “complexo ESG/IPÊS/IBAD”, seu emprego é
pertinente para representar os opositores do governo Goulart, por agregar os anseios e as
ações de todos os grupos civis e militares interessados na tomada do poder. Assim, por abrigar
os postulados da Doutrina de Segurança Nacional e por conseqüência um forte apelo
anticomunista que, como referenciado, serviu aos propósitos conspiratórios, nas páginas
que se seguem neste trabalho, ela será utilizada com certa freqüência.
Sobre o assunto, apesar de não empregar a expressão, José Murilo de Carvalho define
os grupos de oposição que compunham o referido “complexo ESG/IPES/IBAD”. Conforme o
autor, ele era constituído por “liberais” agregados na “União Democrática Nacional UDN”,
e por “militares anticomunistas” vinculados a ESG, ao “governo norte-americano” e seus
agentes atuantes no Brasil. Junto a eles, somava-se parte do “empresariado brasileiro ligado
ao capital internacional”, bem como o “próprio capital internacional, representado na época,
211
Como os arquivos do presidente Lindon Johnson, utilizados por vários estudiosos como Moniz Bandeira e
René Dreifuss. Além disso, referenciando alguns trabalhos que discutem a articulação da conspiração civil-
militar em torno do complexo ESG/IPES/IBAD ver: BANDEIRA. O Governo João Goulart. Ver também:
DREIFUSS. 1964: A Conquista do Estado. E ainda: STARLING. Os Senhores das Gerais.
212
Definição utilizada por Maria Helena M. Alves, para representar todos os grupos opostos ao governo Goulart.
ALVES. Estado e Oposição no Brasil, p. 29.
69
sobretudo, pelas grandes multinacionais”
213
. Além deles, cabe salientar também os segmentos
católicos e estudantis de direita. No mais e não menos importante, ressalva-se a classe média
como sua base de sustentação e legitimidade.
Referente a isso, as Forças Armadas compreendiam que “a adesão da sociedade ao
projeto de Estado proposto” por elas, era imprescindível para a concretização de quaisquer
objetivos almejados para o país”. Desse modo, apesar “do conjunto de concepções militares
acerca do Brasil” ter sido “racionalmente e cuidadosamente” expressado pela Doutrina de
Segurança Nacional, ela “não foi uma criação isolada”. Nesse sentido, a quem afirme que o
conteúdo da DSN “combinava valores já aceitos pela sociedade brasileira como positivos,
com elementos caros à profissão militar”. Assim, os postulados que sustentaram a DSN
foram, “na década de 1960, expostos e aceitos pela elite civil” e pela classe média, através da
atuação do complexo ESG/IPÊS/IBAD
214
.
Com efeito, “o processo de afirmação dos governos militares se baseou no discurso de
eficiência do regime”, pautado no binômio segurança nacional e desenvolvimento econômico.
Para tanto, a ampliação gradativa dos “conflitos sociais” em decorrência da crise do
trabalhismo, “a queda do ritmo de crescimento e o aumento da inflação colaboraram para a
polarização da sociedade brasileira quanto as possíveis soluções dos problemas fundamentais
do país”. Destarte, muito em razão desse antagonismo, “em lugar da crença nos dons
extraordinários do líder” populista, “no Brasil da década de 1960 promoveu-se a difusão e a
exaltação” do referido binômio inserido na DSN, como solução viável para as deficiência
nacionais
215
. Todavia, aproveitando o quadro da Guerra Fria, sua aplicabilidade estava
condicionada a ascensão dos militares direitistas ao poder nacional, fato viabilizado pela
intensificação da idéia de que a Pátria encontra-se em perigo, frente ao avanço das ações
subversivas de cunho comunista.
Concluindo, é válido memorar que após terem assumido o poder, os militares
mantiveram uma postura coerente em relação à Doutrina de Segurança Nacional,
empreendendo uma política de governo cuja preocupação esteve centrada na segurança
interna. No mais, fieis aos compromissos assumidos com os grupos vinculados ao capital
multinacional-associado, colocaram em prática uma política de desenvolvimento a despeito
do bem-estar social. Sob a promessa de ser necessário “fazer o bolo crescer para então
reparti-lo”, como argumentava o então Ministro do Planejamento Delfim Netto, as parcelas
213
CARVALHO. Cidadania no Brasil: o longo caminho, p. 128.
214
SILVA. A Defesa Legal do Arbítrio, p. 90.
215
KLEIN. Legitimidade e Coação no Brasil pós-1964, p. 58.
70
mais humildes da população arcaram com o ônus de um processo de pauperização, que ainda
apresenta suas graves implicações sociais.
Por fim, é certo que os governos militares tiveram seus méritos em relação à classe
média, priorizada como segmento indispensável às políticas econômicas destinas ao mercado
interno. Entretanto, como definiu Celso Furtado, “a desordem que se implantou na economia
brasileira a partir de 1964” superou “as previsões pessimistas dos críticos mais acerbos da
política econômico-financeira”. Para o autor, ironicamente talvez esse tenha sido o
“verdadeiro milagre”: os militares, “dispondo de poderes quase sem limites”, ao assumirem a
responsabilidade “por essa política” econômica “conduziram o país à presente situação de
insegurança e desamparo”
216
. Assim, relativo aos equívocos econômicos que cometeram, o
fato é que os governos militares ampliaram as disparidades sociais no Brasil. Ao
implementarem um modelo de desenvolvimento submetido à Doutrina de Segurança
Nacional, beneficiaram os grupos vinculados aos interesses do capital associado-dependente,
em detrimento dos anseios sociais de grande parte da população.
Nessa perspectiva, o trabalho de Otávio Dulci permite interpretar que existia uma
correspondência de interesses entre as elites mineiras” e os grupos nacionais, civis e
militares, contrários aos postulados do nacional-desenvolvimentismo e a política populista.
Assim, para o autor, em vários aspectos a “defesa dos ‘interesses de Minas’ era identificada
com a defesa dos interesses do país, revestindo-se de conteúdo estratégico alusivo à segurança
nacional”. A partir do exposto, “é possível traçar um paralelo desta idéia com a visão
geopolítica da elite mineira a respeito de seu papel no Brasil”
217
, assunto inserido no próximo
capítulo.
216
FURTADO, Análise do Modelo Brasileiro, p. 3.
217
DULCI. Política e Recuperação Econômica em Minas Gerais, p. 207.
71
CAPÍTULO 3
MINAS GERAIS E A DOUTRINA DE SEGURANÇA NACIONAL
Desde o período colonial existe sobre Minas Gerais um imaginário de liberdade que
transcende o próprio lema dos inconfidentes eternizado em sua flâmula. Esse ideal de
liberdade, vislumbrado pelos mineiros como a síntese das melhores tradições de um Estado
democrático-cristão, terminou por conferir-lhes uma imaginária disposição para a luta, sempre
que as circunstâncias históricas impelirem uma interpretação contrária à manutenção desse
legado. Em suas origens, nos idos do século XVIII, observava o Conde de Assumar, então
governador da Capitania que, em Minas Gerais, “destilam liberdade os ares” e o “clima é a
tumba da paz e berço da rebelião”
218
. Mediante tal pensamento, não por acaso, foi durante seu
governo que se instalou na Capitania a primeira Companhia de Dragões, tropa militar regular
enviada pela Coroa Portuguesa em 1719. Evoluída à condição de Polícia Militar do Estado de
Minas Gerais PMMG, a outrora Companhia de Dragões talvez não surpreendesse Assumar,
ao exaltar em seu hino a “liberdade” que séculos antes o fez temer e acabou massificada no
contexto da mineiridade.
Parêntese aberto ao hino da Polícia Militar mineira, embora não seja possível negar o
caráter militar nele contido, seu conteúdo circunda de modo significativo alguns pressupostos
que constituem o próprio imaginário da mineiridade. Nessa perspectiva, parafraseando
algumas de suas partes, não necessariamente em seqüência, é possível tecer um texto
identificável com a figura do mineiro e alguns de seus valores. Assim, os “filhos de Minas
erguendo” a “voz” conclamam a “luta”, sempre que a defesa de suas “doutrinas”, “sonhos”,
“paz”, “segurança”, “liberdade” e “história” se fizer necessária. Para tanto, “fortes” como as
montanhas e os “heróis” do passado, que a exemplo do “Alferes Tiradentes” do qual
“descendem”, derramaram seu “sangue”, eles também o farão com toda a “glória”, para o bem
de Minas Gerais e do Brasil
219
.
Embora a mineiridade não constitua um conceito pronto e acabado, “não mineiro”
que não a sinta ou sorria frente ao que ela “lhe apresenta como sendo seu espelho”
220
. Mesmo
aqueles que se encontram “na diáspora”, sentem mais sensivelmente “a questão de sua
identidade, mesmo por que ela lhe é freqüentemente lembrada como elogio ou acusação”
221
.
Síntese de um conjunto de definições externas com o sentimento adquirido ao longo de
218
VASCONCELOS. Mineiridade, p. 16.
219
Ver o hino na íntegra em: MARCO FILHO. História Militar da PMMG, p. 101.
220
STARLING. Os Senhores das Gerais, p. 145.
221
CARVALHO. Pontos e Bordados, p. 09.
72
séculos, a mineiridade terminou por constituir o reflexo do próprio mineiro. No entanto,
embora não perca sua condição de indíviduo e cidadão brasileiro, o mineiro traz em si um
corpo de representações e normas que permitem sua identificação enquanto tal, seja como
sujeito ou em meio à coletividade
222
. Assim, “desdobrando o mundo real em um mundo
imaginário”, há quem entenda a mineiridade como uma “ideologia”
223
.
Herdeiro do altruísmo de um Tiradentes heroicizado pela República, o mineiro, seja
ele o sertanejo de Guimarães Rosa, ou o que tem ferro na alma como presume a licença
poética de Carlos Drummond de Andrade
224
, carrega em si o orgulho da mineiridade e seu
apelo universalizante de liberdade, “poderoso elemento de unificação social” que reforça de
modo significativo “a noção de identidade e de homogeneidade da sociedade mineira”, bem
como seu “papel específico a desempenhar dentro do corpo da Nação”. Nesse sentido, em
meio ao que Alceu Amoroso Lima atribuiu como a “tríplice missão” de Minas Gerais, ou seja,
prezar pela “tradição”, reformar “o que o tempo já tenha corrompido” e atuar como ponto de
“equilíbrio” do País, Otávio Dulce sintetiza que sua “vocação” é buscar “estabelecer a fusão
entre a aspiração de liberdade e a necessidade de ordem”
225
, definição estreitamente
vinculável aos postulados da Doutrina de Segurança Nacional – DSN.
Pertinente ao assunto, sobre Minas Gerais quem entenda que da sua “geografia
derivou uma leitura geopolítica que, de um lado, sustentou a idéia do tradicionalismo e da
moderação dos mineiros e, de outro lado, concebeu para o estado um papel especial no País”.
Assim, Minas seria a “encruzilhada dos caminhos”, cabendo-lhe uma “missão unificadora no
plano nacional”. Para tanto, segundo João Pinheiro manifestava em 1906, muito contribuía
sua “posição central entre os demais estados, à origem” sincrética “de sua população, e sua
condição de síntese do solo e do povo brasileiros”
226
.
Na mesma linha, Milton Campos argumentou que “dessa condição de centro
geográfico” decorriam “muitas conseqüências, o apenas de ordem humana e política”. Para
ele, o centro tinha por característica servir como “ponto de convergência e nucleação, dando a
idéia de síntese, de dureza e de estabilidade”. Com base no exposto, “o papel de Minas no
Brasil seria, portanto, o de assegurar o equilíbrio e a conciliação dos interesses das várias
regiões”. Para tanto, sua “localização central conferia aos mineiros sensibilidade para os
222
BOMENY. Guardiões da Razão, pp 18-19.
223
STARLING. Os senhores das Gerais, p. 146.
224
“noventa por cento de ferro nas calçadas. Oitenta por cento de ferro nas almas”. Trecho do poema
“Confidências de um Itabirano”. Ver ANDRADE. Sentimento do Mundo.
225
STARLING. Os Senhores das Gerais, pp 146-147.
226
DULCI. Política e Recuperação Econômica em Minas Gerais, p. 202.
73
problemas de todos os estados, condição que lhes permitiam exercer ação integradora e
estabilizadora”, em meio aos princípios da ordem e da liberdade
227
.
Relativo a compatibilidade entre a liberdade e a doutrina proveniente dos quadros da
Escola Superior de Guerra ESG, pelo menos em discurso, as considerações do General
Golbery do Couto e Silva são elucidativas. Para o General, principal ideólogo da Doutrina de
Segurança Nacional no Brasil, “segurança e liberdade são dilemas decisivos com que sempre
se viu defrontada a humanidade, porém nunca em “circunstâncias tão dramáticas e
imperiosas”. Todavia, apesar de ser um apreciador da “maravilha argumentativa” de Thomas
Hobbes, Golbery advogava não caber acreditar que o “sacrifício da liberdade pudesse
conduzir sempre a um aumento da segurança”. Tomando a História, justificava que as
“tiranias” observadas ao longo dos “séculos” implicavam claros exemplos de que “escravos
não são bons combatentes”. Assim, concluiu que “salvaguardar”, considerando os devidos
“limites”, aliberdade do cidadão dentro do Estado moderno” é “alicerçar as bases” da
“Segurança Nacional”
228
.
Admitindo o poder mobilizador que o apelo pela liberdade e pela ordem exercem
sobre os mineiros, é possível afirmar que a DSN, abrigando em si tais anseios, teve grande
receptividade e um ambiente favorável em Minas Gerais para se expandir, frente aos
antagonismos da Guerra Fria pós-Segunda Guerra Mundial. Partindo do pressuposto de que os
militares por meio da DSN, entendiam ser necessário travar uma guerra interna a fim de
assegurarem a ordem e o desenvolvimento da Nação, bem como sua liberdade ou soberania
frente ao comunismo internacional que se fazia sentir no País, boa parte dos mineiros não
tiveram dificuldades para assimilar tal ideologia
229
, como é possível identificar em vários
documentos e depoimentos que antecedem a tomada de poder em 1964.
Nessa perspectiva, um significativo documento que demonstra a compatibilidade
entre a DSN e o clima de apreensão existente em Minas Gerais nos momentos precedentes a
instauração do regime militar, foi o manifesto elaborado por um grupo de médicos mineiros
em 24 de fevereiro de 1964. Na ocasião, os “destemerosos” médicos, assim como “todos os
patriotas e democratas convictos e conscientes”, julgaram erguerem “do alto” das “montanhas
onde nasceram e morreram para a liberdade Tiradentes, Filipe dos Santos e tantos outros
baluartes da nossa independência”, um “veemente protesto contra o pertinaz trabalho de
227
DULCI. Política e Recuperação Econômica em Minas Gerais, p. 203.
228
SILVA. Conjuntura Política Nacional e Geopolítica do Brasil, p. 14.
229
Segundo assim entende Nilson Borges a Doutrina de Segurança Nacional. Para ele, “a manutenção de um
regime não pede, mas exige uma ideologia como a Doutrina de Segurança Nacional, cujos postulados fornecem
a estrutura necessária à instalação ou à manutenção de um Estado forte. BORGES. A Doutrina de Segurança
Nacional e os Governos Militares, p. 33.
74
aniquilamento da autoridade” e da “legalidade” . Além disso, tal protesto veio seguido de um
apelo confiante para que “as gloriosas Forças Armadas”, guardiãs das “tradições de fidelidade
à lei, à ordem e à soberania do País”, atuassem, “agindo em todo instante pela sustentação e
valorização da democracia, dizendo um basta aos agentes da perniciosa guerra fria”
230
.
Outro documento significativo para ilustrar a conformidade existente, a grosso modo,
entre a DSN e boa parte da sociedade mineira, remete-se ao pronunciamento proferido pelo
então governador Magalhães Pinto ao povo mineiro, em março de 1964. Por meio dele, o
governador, afirmando cumprir “o dever de interpretar as aspirações, as angústias e a atitude
da gente mineira”, manifestou esperar uma “atitude clara e conseqüente das Forças Armadas”,
uma vez que a “Lei Maior fez delas, não defensoras de parcialidades do País, mas de toda a
Pátria; não garantidoras de um, mas dos poderes constitucionais; servidoras não de situações e
eventualidades, mas da lei e da ordem”. Por fim, conclamando todos os mineiros, afirmou que
“Minas” estava “determinada a preservar a democracia e a tradição cristã”, frente ao “caos” a
que o País estaria sendo arrastado
231
.
Em outra oportunidade, o mesmo governador, rompendo com o governo federal
momentos antes dos acontecimentos de 31 de março de 1964, em novo pronunciamento,
agora dirigido à Nação, voltou a exaltar alguns postulados contidos na Doutrina de Segurança
Nacional, como a “liberdade”, a “ordem”, a “hierarquia”, a “segurança” e o desenvolvimento
do País. Adiante, conclamou “o povo mineiro”, juntamente com as “forças vivas da Nação”, a
tomar parte do momento histórico, a fim de atender aos anseios nacionais de “reforma cristã e
democrática”, em meio “a legalidade”
232
.
Como evidenciado, embora os exemplos tomados não concluam as discussões sobre
o assunto, atestam uma identificação entre a DSN e a interpretação que os mineiros
concebiam sobre os acontecimentos nacionais durante o tumultuado governo de João Goulart.
É fato que nem todos os mineiros partilhavam tal entendimento. Certamente, significativa
parte deles admitia a postura do governo federal como sendo de cunho nacionalista, ou até
mesmo como o caminho que resultaria à “emergência política dos trabalhadores”, segundo
argumenta Moniz Bandeira
233
. Contudo, é relevante considerar que, mediante as pretensões
presidenciáveis de Magalhães Pinto, sua atitude de apresentar-se como o líder civil do que ele
definiu como Revolução de 1964, explicitou sua intenção de ganho político, obviamente
viável apenas se naquele momento encontrasse respaldo junto à sociedade mineira e nacional.
230
GUEDES. Tinha que Ser Minas, p. 148.
231
TORRES. História de Minas Gerais, p. 1563.
232
TORRES. História de Minas Gerais, pp 1564-1565.
Ver também
: CARONE. A Quarta República, pp 266-267
233
BANDEIRA. O Governo João Goulart, p. 178.
75
Nessa linha, Heloísa Starling enfaticamente afirma que “ao aderir à conspiração, o hábil
político (...) procurou agir de modo a extrair do movimento os benefícios necessários à
consolidação de sua candidatura à sucessão presidencial”
234
.
Além disso, considerando a literatura sobre o assunto, não faltam argumentações que
ratificam o fato de que a DSN encontrou em meio aos mineiros suficiente respaldo para
engendrar a idéia de legitimidade, condição importante a ser atingida para sua aplicabilidade.
Aqui, admitindo como Márcia Pereira da Silva, que “para ser legítimo o poder deve pautar-se
em crenças e valores constituintes do querer de um número majoritário dos membros do
Estado”
235
, em Minas Gerais, as manifestações de apreço aos militares e de oposição ao
governo Goulart assim faziam crer.
Nesse sentido, os estudos de Heloísa Starling, João Camilo Torres, Carlos Luís
Guedes e Francis Cotta, dentre outros, permitem tal interpretação. A título de exemplo, João
Camilo Torres ao discorrer sobre os acontecimentos que resultaram na tomada do poder em
abril de 1964, relata ter ocorrido em Belo Horizonte “enorme regozijo” popular, quando
“chegou à notícia de que o Rio” de Janeiro havia sido “ocupado pelas forças revolucionárias”.
Na mesma ocasião, lembrou o autor que à “noite realizou-se grande manifestação de aplausos
ao governador Magalhães Pinto, cuja atitude, decisiva para a solução da crise do regime que
já vinha de muito, foi consagrada pelo povo mineiro”
236
.
Além de Belo Horizonte, as demonstrações de apoio aos militares também foram
observadas no interior. No caso de Montes Claros por exemplo, o Sargento Francisco de Assis
relatou que ao regressarem de Brasília em abril de 1964, ele e seus companheiros de farda
foram saudados pela população ao longo de todo o percurso dentro do território mineiro,
“sobretudo por crianças que antes da revolução morriam de medo de soldado”. Continuando,
proferiu emotivamente que aquele foi um dos maiores presentes que eles receberam
237
. No
mais, como noticiado pela revista Montes Claros em Foco, mesmo chegando à cidade debaixo
de forte temporal, os militares do 10º Batalhão de Infantaria da PM de Minas desfilaram pelas
ruas e foram recepcionados festivamente pela população
238
.
A partir da explanação, é possível observar que a cooptação da sociedade mineira
pelos grupos interassados na deposição do presidente João Belchior Marques Goulart, foi um
234
STARLING. Os Senhores das Gerais, p. 138.
235
SILVA. A Defesa Legal do Arbítrio, p. 50.
236
TORRES. História de Minas Gerais, p. 1569.
237
Terceiro Sargento Francisco de Assis Rocha (Soldado do 10º BI da PMMG em 1964) em entrevista concedida
à Fábio Antunes Vieira (fit. Mag.). Montes Claros, 09 de abril de 2002.
238
Revista Montes Claros em Foco, nº 25, edição de junho e julho de 1964, p. 11.
76
dos pontos mais expressivos para a legitimação de tal objetivo
239
. Além disso, como
argumenta Carl Schmitt, “a decisão política fixada pela comunidade”, se revela “como
pressuposto determinante” para a “legitimação de uma estrutura legal” ou que se pretensa ser
legal
240
. Pelo discorrido, é certo dizer que as manifestações de apoio dos mineiros às ações
dos militares e por conseqüência a DSN, contribuíram para vincular ao novo regime
instaurado em abril de 1964 um caráter de legitimidade, sem o qual não poderiam criar um
corpo de leis com pretensões à legalidade.
Apesar do exposto, cabe deixar claro não ser intenção deste trabalho exprimir a idéia
de que apenas em Minas Gerais a ideologia contida na DSN foi partilhada, seja direta ou
indiretamente. Essa argumentação seria inconcebível, uma vez que muitos outros estudos
publicados, como 1964: A Conquista do Estado de René Dreifuss, fundamentam sobre a
ocorrência de tal fato em âmbito nacional através do “complexo ESG/IPES/IBAD”
241
,
sobretudo a partir do eixo Rio-São Paulo. Entretanto, não negando o contexto nacional, o
intento é destacar as particularidades de Minas Gerais no processo, cujos estudos têm
dispensado pouca notoriedade, com raras exceções, a exemplo de Heloísa Starling e seu livro
Os Senhores das Gerais. Além disso, a abordagem se faz salutar, não apenas pelo fato de
Minas Gerais ter abrigado as condições favoráveis ao início das ações que resultaram na
instauração do regime militar em 1964, mas também pelas próprias peculiaridades vinculadas
a expansão da DSN junto à sociedade mineira, da qual fazem parte os policiais militares.
A esse respeito, cabe destacar a singular difusão da DSN junto a Corporação, uma
vez que ela foi sistematicamente preparada para atuar conjuntamente com o Exército
Brasileiro, frente às ações que resultaram na tomada do poder em abril de 1964. No entanto,
discorrer quanto aos meios utilizados para cooptar o apoio da sociedade civil e dos militares
em Minas Gerais aos postulados da DSN, implicaria em mera reprodução do estudo realizado
por Heloisa Starling, publicado no já mencionado livro Os Senhores das Gerais. Nessa obra, a
autora esclarece como ocorreu a interação entre os grupos vinculados ao complexo
ESG/IPES/IBAD com seus partidários e representações em Minas Gerais, através dos
chamados “Novos Inconfidentes”
242
. Assim, admitindo uma abordagem paralela, a proposta
239
STARLING. Os Senhores das Gerais, p. 104.
240
SILVA. A Defesa Legal do Arbítrio, p. 50.
241
ALVES. Estado e Oposição no Brasil: 1964-1984, p. 29.
242
Para saber sobre os “Novos Inconfidentes”, ver Parte II do Capitulo II da obra mencionada. STARLING. Os
Senhores das Gerais, pp 77-140. Resumidamente, esse grupo era constituído por indivíduos provenientes da
classe média (inclusive oficiais da PM) e das elites mineiras, identificados e articulados com o complexo
ESG/IPES/IBAD.
77
aqui é enfatizar a identificação dos postulados da Doutrina de Segurança Nacional entre os
mineiros, sobretudo os policiais militares.
Mediante tal contexto, mais do que entre os civis, os depoimentos de maior
representatividade que demonstram a força dos postulados da DSN em Minas Gerais, são
encontrados no meio policial militar. Para tanto, considerando o clima de Guerra Fria e seus
antagonismos, esses depoimentos, a exemplo do observado nacionalmente, vêm marcados
pela oposição ao comunismo, ponto central massificado pelas forças de direita. Como afirma
Rodrigo Patto Motta, entre “1937 e 1964 a ameaça comunista foi o argumento político
decisivo para justificar os respectivos golpes políticos, bem como para convencer a sociedade
(ao menos parte dela) da necessidade de medidas repressivas contra a esquerda”
243
, idéia
difusa na DSN e insistentemente trabalhada pelo complexo ESG/IPES/IBAD.
Embora não destoe da regra nacional, a propaganda anticomunista em Minas Gerais
tomou uma projeção maior que a defesa da democracia e suas instituições, uma vez que
atingiu a própria idéia de liberdade, tão cara ao imaginário da mineiridade, por encerrar, como
referenciado anteriormente, as melhores tradições de um Estado democrático-cristão, sua
ordem e razão de existência. Sobre essa perspectiva, parte do discurso do Deputado Federal
Oscar Corrêa no Congresso Nacional, após a deposição de João Goulart em abril de 1964, a
exemplifica claramente. Segundo ele, “a Polícia Militar de Minas Gerais” foi “para Brasília
assegurar” ao “Congresso o clima de liberdade, para que por ele respirasse livre a Nação” e
fosse garantida a “democracia”. Ao término do discurso, advogou que “voltaram os soldados
mineiros às montanhas, onde há séculos se acastelou a liberdade”. Voltaram ao “lar tranqüilos
(...), cônscios de que se nunca a liberdade sofreu, como agora, tão duramente os embates da
opressão entre nós, também nunca foi, como agora, tão firme a disposição de preservá-la”
244
.
Ainda sobre a temática da liberdade, também dentro da Corporação militar é fácil
constatar sua evocação. Por ocasião das ações que resultaram no movimento civil-militar em
1964, assim se dirigiu, em essência, o Coronel José Geraldo de Oliveira em discurso aos seus
subordinados da Polícia Militar mineira: “a fidelidade aos princípios de liberdade, tema de
invulgar constância nas linhas tradicionais de nossa história-pátria”, que outrora “o Alferes
Joaquim José da Silva Xavier jurou defender (...), constituiu a basilar fundação da Polícia
Militar de Minas Gerais, que se tornou, na dualidade de sua função profissional”, órgão de
243
MOTTA. Em Guarda Contra o ‘Perigo Vermelho’, p. XXII.
244
SILVEIRA. Crônica da Polícia Militar de Minas, p. 260.
78
segurança pública do Estado e “estrutura oponente aos fluxos de destruição dos sentimentos
de autodeterminação de um povo voltado, por vocação, para a vida democrática”
245
.
Partilhando tal entendimento, os policiais militares mineiros terminaram por firmar
apoio a DSN e aos grupos a ela vinculados, mesmo que boa parte o tenha feito de modo
inconsciente, a partir do momento em que admitiram o comunismo como um inimigo satânico
a ser eliminado em prol da segurança, cristandade e desenvolvimento do País. Além disso,
considerando os propósitos a serem atingidos pelos conspiradores, o “anticomunismo
constituiu um elemento agregador (...), um instrumento ideológico para facilitar a união das
corporações militares”, uma vez que a existência de um poderoso e ameaçador inimigo
comum contribui para tanto.
246
Apesar de todo um contexto de manipulação cuja ocorrência não pode ser negada,
cabe ressaltar que a “crença no ‘perigo comunista’ por parte dos militares era sincera”.
Certamente diante das ações doutrinárias, não raro muitos acreditaram estarem atuando em
benefício da Nação, como assim expõe o Coronel Georgino Jorge de Souza. Comandante do
10º Batalhão de Infantaria da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais sediado em Montes
Claros, na ocasião da instauração do regime militar em 1964, o referido oficial manifestou em
entrevista que “naquele momento histórico acreditava piamente, que marchando a frente de”
seus “homens para Brasília” estaria “limpando a Pátria de toda a corrupção”. Para tanto,
afirmou estar disposto, juntamente com seus subordinados, “pagar qualquer preço” para
“barrar os bandidos comunistas no seu trabalho de cubanização do Brasil”. Após tão
veemente afirmação, concluiu melancolicamente dizendo que acabaram “cruelmente traídos”
posteriormente, uma vez que “a corrupção de hoje é muito maior do que a que havia”
247
.
Considerando o exposto, vários outros depoimentos permitem demonstrar a
identificação dos policiais militares mineiros com a DSN, pela via do anticomunismo. Assim,
para referenciar que o apenas os oficiais, mas também os praças da Polícia Militar
interpretavam os acontecimentos nacionais pela óptica da DSN, o depoimento do Sargento
Antônio de Araújo Moreira é bastante significativo. Segundo o militar, no primeiro
qüinqüênio da década de 1960, “um regime dito comunista estava querendo se apossar do
comando do País”. Continuando, justificou que “as bagunças, as greves e quebradeiras”
chegaram a tal ponto, “das famílias acharem que estava na hora de uma providência das
Forças Armadas e saíram às ruas aclamando isso”. Concluindo, ratificou que diante do quadro
245
SILVEIRA. Crônica da Polícia Militar de Minas, p. 263.
246
MOTTA. Em Guarda Contra o ‘Perigo Vermelho’, p. 118.
247
Coronel Georgino Jorge de Souza (Comandante do 1BI da PMMG em 1964) em entrevista concedida à
Fábio Antunes Vieira (fit. Mag.). Montes Claros, 19 de outubro de 2000.
79
que se seguia “acreditava que se as Forças Armadas não tivessem tomado as providências,
teria ocorrido um levante comunista no País”
248
.
Em outro depoimento similar mencionando os acontecimentos observados no mesmo
período, o Sargento Sílvio Soares Ribeiro lembrou que a “época era um caldeirão de pólvora”.
Segundo ele, “não o militar, mas também o civil percebia a imagem da introdução do
comunismo no País”, pois em certa ocasião “até o Che Guevara foi condecorado no Brasil e
isso avivou mais os brasileiros”, já que ele “era um líder guerrilheiro e o povo não é besta”
249
.
Apesar das considerações sobre a identificação dos policiais militares mineiros com a
DSN através do anticomunismo, outras motivações também podem ser observadas, uma vez
que a própria doutrina assim viabiliza, por incorporar outros postulados como o binômio
segurança e desenvolvimento, cristianismo, ordem e democracia. Nesse sentido, um
documento que apresenta uma noção geral sobre a difusão da DSN junto a Polícia Militar
mineira, é o texto do discurso de ascensão ao comando da Corporação, proferido pelo Coronel
José Geraldo de Oliveira em março de 1962. Na oportunidade, cabe chamar atenção quanto à
importância do evento, uma vez que naquele momento o ato representava implicações à
própria articulação militar entre Minas Gerais e os demais estados da federação. Além disso,
por se tratar de uma solenidade oficial e de grande publicidade, a presença de representantes
dos diversos segmentos profissionais, civis e militares, bem como da sociedade de um modo
geral, deve ser considerada como significativa.
Demonstrando amplo conhecimento sobre a Doutrina, como se houvesse dispensado
considerável atenção aos manuais da Escola Superior de Guerra ESG, o Coronel iniciou
suas palavras exaltando ter seu “pensamento voltado para Deus, que se compraz na realização
de seus desígnios insondáveis através de instrumentos” aparentemente “inadequados”.
Continuando como quem quer se apresentar como o escolhido para a execução de “uma
missão (...) árdua e penosa” em meio a contextualização implícita da Guerra Fria, enalteceu os
“princípios da hierarquia, da disciplina e da lealdade”.
Na mesma ocasião, como não podia deixar de ser, mediante a presença de
representantes das Forças Armadas na solenidade, o Coronel ratificou a aliança existente, ao
afirmar que a “Polícia Militar de Minas se orgulha de sua condição, por dispositivo
constitucional, de reserva do glorioso Exército Brasileiro”. Manifestando “a mais irrestrita
admiração” pelos “camaradas” da Corporação Federal, adiantou a “certeza da mais estreita
248
Terceiro Sargento Antônio de Araújo Moreira (soldado do 10º BI da PMMG em 1964) em entrevista
concedida em nome de Fábio Antunes Vieira (fit. Mag.). Montes Claros, 20 de novembro de 2002.
249
Terceiro Sargento Sílvio Soares Ribeiro (soldado do 10º BI da PMMG) em entrevista concedida à Fábio
Antunes Vieira (fit. Mag.). Montes Claros, 17 de outubro de 2000.
80
colaboração naquilo que estivesse ao seu alcance”, fato que naquele momento vinha
ocorrendo através de uma vasta rede de relações que envolvia, dentre outros, não só o Coronel
José Geraldo, mas também o governador Magalhães Pinto, o General Carlos Luis Guedes e o
General Golbery do Couto e Silva.
Retornando ao discurso e suas vinculações com a DSN, outro aspecto expressivo foi
a abordagem sobre o binômio segurança e desenvolvimento. Embora não de modo extenso
mas bastante positivista, José Geraldo, atento não apenas às Forças Armadas, mas também à
Polícia Civil mineira, advogou pela “união” e “amizade” entre ambas as corporações
estaduais, a fim “de proporcionar ao povo mineiro aquele clima de tranqüilidade, de ordem e
de segurança que permite as grandes arrancadas do progresso”. Nesse ponto, aproveitando a
oportunidade, não deixou de tecer ferrenha oposição ao comunismo.
Apelando para o “reconhecido espírito de coesão das corporações militares”, cuja
“invejada disciplina” havia se tornado alvo dos comunistas, conclamou ser necessário contra
tal mal, que elas se solidificassem “em um bloco indestrutível”. Em tom de advertência,
discorreu “que o inimigo insidioso e oculto, o inimigo de Deus e da Pátria, procura abrir uma
brecha” entre os militares, lançando para isso “mãos de todos os recursos, desde a intriga mais
solerte à calúnia mais deslavada”. Após tal argumentação, encerrou em tom de ordem, uma
observação que circunda um dos estudos de Rodrigo Patto Motta sobre o comunismo:
“Mantenhamo-nos em guarda” contra o perigo vermelho.
Além das observações apresentadas, o mesmo discurso ainda traz em si mais dois
aspectos curiosos, pertinentes ao advento das mulheres no ambiente de luta contra o
comunismo e o valor dispensado a autoridade do líder. Relativo a questão das mulheres, o
Coronel José Geraldo de Oliveira, cumprimentando o Coronel Meira Júnior, que na ocasião
transmitia o comando da Corporação, teceu reverência “à sua excelentíssima esposa, modelo
peregrino das virtudes da mulher mineira”. Esse ato, que notadamente tinha por função aludir
a ação feminina no contexto da DSN, seja por meio da Igreja Católica ou de entidades
representativas como a CAMDE e a LIMDE, representou a importância a elas atribuídas no
processo de legitimação das ações militares que se seguiram.
A cooptação do apoio feminino aos postulados da DSN foi intensificada em 1962,
quando o Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais IPES passou a organizar e custear, a
partir do Rio de Janeiro, a chamada Campanha da Mulher pela Democracia CAMDE, que
rapidamente expandiu suas representações pelo País. Em Minas Gerais, em janeiro de 1964,
após terem contribuído significativamente para coibir a realização de um congresso trabalhista
tido como comunista em Belo Horizonte, um grupo de mulheres mineiras criou a Liga da
81
Mulher Democrática LIMDE, vinculada ao IPES/MG e aos Novos Inconfidentes. Segundo
Heloísa Starling, a inserção feminina no contexto da luta contra o comunismo tinha um
profundo conteúdo emocional. Nesse ponto, se tratavam de “mães e donas de casa que
falavam publicamente de medo, violência, morte e destruição”, que apelavam à “coragem dos
homens e sua própria”, em defesa da família, das tradições, da religião e da Pátria ameaçada
pelo fantasma do comunismo
250
. Como demonstrado, não parece gratuita a menção do
Comandante da PMMG às “virtudes da mulher mineira”, representadas na oportunidade pela
esposa do seu companheiro de farda.
Quanto ao segundo aspecto referente a autoridade do der, o Coronel José Geraldo
argumentou que “comandar é um trabalho de equipe”, devendo dele “participar todos aqueles
que se sentem reunidos por um laço de solidariedade decorrente de uma missão comum”,
como o combate ao comunismo, por exemplo. Além disso, enfatizou que quem recebe “ordem
e a cumpre com satisfação, está participando do aspecto mais belo do comando, que é a
obediência de homens livres a princípios básicos que norteiam a vida humana”. Em outro
momento do discurso, como que incorporando as teorias de Jacques Bossuet em meio à corte
de Luis XIV, conclamou a união em “torno do (...) eminente governador” Magalhães Pinto,
que representava e encarnava “o princípio sagrado de autoridade, princípio divino (...)
emanando pelo próprio Deus”
251
. Como é perceptível, até mesmo teorias absolutistas foram
evocadas para enaltecer novamente os princípios da disciplina e da hierarquia tidos como os
pilares das corporações militares, bem como para antagonizar o diabólico comunismo frente
as forças favoráveis a manutenção de um Estado democrático-cristão.
Sobre essa representação, Rodrigo Patto Sá Motta argumenta que “essencialmente, o
comunismo foi identificado à imagem do mal, tal qual as sociedades humanas normalmente
entendem e significam o fenômeno”. Assim, mediante toda uma publicidade negativa
intensificada desde o governo Vargas, constituiu-se sobre o comunismo um imaginário de
sofrimento, miséria, fome, tortura, escravização, pecado e desordem, muito em função da
manipulação, pelos órgãos de coerção e propaganda do Estado, das informações provenientes
da União Soviética e de seus aliados, sobretudo após o início da Guerra Fria. Em meio ao
processo de demonização do comunismo, “Moscou foi chamada ‘império do poder das trevas
e cidade de Satanás’”. Do mesmo modo, o Bispo de Diamantina, Dom Geraldo Sigaud chegou
a manifestar em 1962, que o “comunismo é uma seita internacional que segue a doutrina de
250
STARLING. Os Senhores das Gerais, p. 174.
251
O discurso aqui apresentado, pode ser verificado na integra em: SILVEIRA. Crônica da Polícia Militar de
Minas, pp 240-243.
82
Karl Marx”, trabalhando “para destruir a sociedade humana baseada na lei de Deus e no
Evangelho, bem como para instaurar o reino de Satanás neste mundo”
252
.
Como evidenciado, constituído o processo de demonização do comunismo junto a
sociedade brasileira, é coerente pensar que mediante circunstâncias de puro maniqueísmo, as
forças eregidas sobre a bandeira do cristianismo atribuíssem o caráter do sagrado aos seus
líderes, símbolos maiores do sacrifício a ser exercido por todos na cruzada anticomunista.
Claro que considerando uma sociedade marcada pela razão e cientificismo, essa idéia parece
inconcebível. Porém, admitindo a como uma letargia da racionalidade ou uma justificativa
para o que ela não consegue explicar, como é possível extrair da filosofia agostiniana, a
ordem metafísica se presta à manipulação, sobretudo das camadas menos instruídas ou de
maior tradicionalismo cristão.
Ao longo da História do Brasil, vários exemplos ilustram a apropriação do sagrado
aos propósitos de grupos que dele dependiam para legitimar seus atos, ou angariar o apoio de
segmentos sociais para tanto. Sem alastrar a discussão, uma representação significativa para
exemplificar o exposto, corresponde a mitificação de Tiradentes no início da República.
Partindo do princípio de que “heróis são (...) instrumentos eficazes para atingir a cabeça e o
coração dos cidadãos a serviço da legitimação de regimes políticos”, a elite republicana,
percebendo a falta de envolvimento real do povo na implantação do regime”, tentaram
compensá-la “por meio da mobilização simbólica”. Nesse ponto, dentre outros fatores,
Tiradentes encarnava o sofrimento dos oprimidos frente a coerção do Estado, bem como a
ânsia pela liberdade. Além disso, mediante um conjunto de comparações meticulosamente
preparadas, todo o contexto do enforcamento correspondia simbolicamente ao da
crucificação, pois,“a forca é equiparada à cruz, o Rio de Janeiro a Jerusalém, o Calvário ao
Rocio” e Joaquim Silvério dos Reis a Judas.
Em função do exposto, se por um lado muitos reconheciam em Tiradentes o
“patriota, o soldado, o herói cívico que se sacrificara por amor a uma idéia”, outros, como
Castro Alves, o identificavam como “o cristo da multidão”. Para José Murilo de Carvalho,
“isso calava profundamente no sentimento popular, marcado pela religiosidade cristã. Na
figura de Tiradentes todos podiam identificar-se”, uma vez que “operava a mística dos
cidadãos, o sentimento de participação, de união em torno de um ideal, fosse ele a liberdade, a
independência ou a república”
253
.
252
MOTTA. Em Guarda Contra o Perigo Vermelho, pp 47-50.
253
CARVALHO. A Formação das Almas, pp 55-68.
83
Certamente não há correspondência entre Tiradentes e o governador Magalhães Pinto
nos termos aqui tratados, ou muito menos um conjunto de circunstâncias que sustentem a
sacralidade de sua autoridade. Entretanto, no campo simbólico de uma guerra
ideologicamente maniqueísta, a evocação do Coronel José Geraldo nesse sentido contribuiu
para enaltecer, pelo menos aos olhos dos mineiros, a liderança civil do governador frente aos
acontecimentos que resultaram na derrubada de João Goulart em 1964, o que segundo alguns
setores da imprensa de fato ocorreu.
Sabe-se que Magalhães Pinto oscilou inicialmente seu apoio entre Goulart e os
conspiradores, em razão da perda ou ganho político que tais alianças pudessem representar.
Entretanto, quando pressionado pelo complexo ESG/IPES/IBAD a assumir “integralmente o
movimento” ou arcar com as conseqüências de uma deposição, tomou efetivamente posição
favorável à direita. No mais, a “segunda opção não interessava politicamente a nenhuma das
partes envolvidas”, uma vez que podia “acarretar sérias conseqüências” à própria conspiração,
“em função da influência” que o governador “detinha, dentro e fora do estado”
254
.
Quanto à influência de Magalhães Pinto no circulo nacional e suas ligações com
representantes do governo norte-americano, vários periódicos e estudos publicados atestam
sua efetividade e contribuição para a execução das ações que resultaram na queda de Goulart.
Sobre o assunto, enquanto Heloísa Starling discorre sobre os contatos estabelecidos entre o
governador de Minas e o embaixador Lincoln Gordon, um dos principais articuladores entre
os conspirados no Brasil com o governo norte-americano
255
, o General Guedes os ratifica,
relatando inclusive suas iniciativas para conseguir “obter armas, munições e abastecimentos”
junto aos “irmãos do norte” (nos dizeres do General Golbery) necessários ao “concurso” das
ações destinadas a tomada de poder
256
.
Em outro aspecto, René Dreifuss afirma que Magalhães Pinto mantinha, dentre
outros contatos intermediários, “ligações diretas com o Marechal Denys e o Brigadeiro Clóvis
Travassos, um dos ideólogos geopolíticos da ESG”. Em outro momento, destaca seus contatos
com “o centro de assuntos políticos” por meio de seu “sobrinho” e “executivo do IPES, José
Luiz de Magalhães Lins, estreitamente vinculado aos Generais Castelo Branco e Cordeiro de
Farias, além dos Marechais Dutra e Odílio Denys, dentre outros militares e personalidades
civis, como o Juiz Antônio Neder
257
.
254
STARLING. Os Senhores das Gerais, p. 137.
255
STARLING. Os Senhores das Gerais, p. 125.
256
GUEDES. Tinha que Ser Minas, p. 190.
257
DREIFUSS. 1964: A Conquista do Estado, p. 413.
84
Assim, apesar de suas vicissitudes iniciais, após cobrir as solenidades de posse do
Marechal Castelo Branco à presidência da República em abril de 1964, a revista Manchete
noticiou que “as maiores aclamações a governadores foram tributadas aos senhores
Magalhães Pinto e Adhemar de Barros, que se misturaram com o povo, dispensando a
proteção policial”
258
. Apesar da menção ao governador paulista, também fortalecido
politicamente, embora tenha relutado iniciar a ação militar que depôs Goulart a partir de São
Paulo, a reportagem permite avaliar a influência que “Magalhães, o herói da Revolução”
259
,
detinha no contexto da instauração do regime militar, bem como sua contribuição para a
difusão da DSN em Minas Gerais.
Somado ao posicionamento assumido por Magalhães Pinto frente ao governo
Goulart, em março de 1964 alguns acontecimentos confirmaram a coesão e apoio dos
policiais militares mineiros aos postulados inseridos na DSN e as lideranças civis e militares
de Minas Gerais. Nesse sentido, tem relevância a pressão exercida pelo Comando Estadual
dos Trabalhadores CET, para que o Coronel José Geraldo de Oliveira fosse substituído do
comando da Corporação. Na justificativa, a direção da CET ressaltava a falta de cooperação
por parte do comando da PMMG junto às manifestações trabalhistas no estado de Minas,
naquele momento observadas pelos policiais como atos subversivos ou mais precisamente
apologia ao comunismo.
Visto as circunstâncias, os oficiais superiores da Corporação redigiram um
documento de apoio ao comando e o destinaram ao governador. Por meio dele, os oficiais
manifestando repúdio a tentativa de “intromissão indébita”, apelaram às tradições que,
segundo eles, encerravam “mais de um século de respeito à legalidade, à ordem institucional,
à liberdade e à democracia autêntica”. Assim considerando, continuaram argumentando que
se sentiram no dever de prestarem “irrestrito apoio e apreço ao Comandante Geral,” cujo
“cumprimento do dever” pautava-se nos “princípios constitucionais, legais e regulamentares”.
Concluindo, enfatizaram que a substituição do Comandante satisfaria apenas aos anseios de
forças subversivas, em “sacrifício” do “bem-estar social” e em benefício da “desmoralização
da autoridade e o conseqüente falecimento de princípios formadores de uma Nação
democrática”. Segundo o Coronel Geraldo Tito Silveira, mediante tal posicionamento dos
policiais militares, também correspondido pelos Generais Guedes e Mourão, o governador
258
Revista Manchete, edição de 25 de abril de 1964, p. 17.
259
Revista O Cruzeiro, edição de 10 de abril de 1964, p. 13.
85
Magalhães Pinto manteve o Coronel José Geraldo no comando da Corporação, ratificando a
liderança de ambos junto a tropa, bem como seu apoio ao movimento conspiratório
260
.
Como foi evidenciado até o momento, existia entre os militares mineiros uma forte
identificação com a DSN, embora Minas Gerais não constituísse o centro ideológico
progenitor da doutrina. Assim, é cabível discorrer que apesar da ESG estar sediada no Rio de
Janeiro, suas representações encontravam-se espalhadas pelo País, não sendo diferente no
caso mineiro. Para tanto, cada estado federado se encarregou de implementar suas filiais,
denominadas de ADESG - Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra. “Com
objetivo de estudar os problemas brasileiros, os cursos da ADESG, sempre sob o controle da
ESG”, eram “dirigidos para um público-alvo, em que o binômio desenvolvimento e
segurança” fosse partilhado como “a única resposta para a solução dos problemas do País”
261
.
No caso de Minas Gerais, René Dreifuss cita que o contato entre a ADESG e o governo
mineiro era Theófilo Azeredo Santos, sobrinho de Magalhães Pinto que, segundo citação do
autor, possuía significativa influência no “movimento civil-militar”
262
.
Além dos cursos da ADESG, a dinâmica das ações em torno da DSN em Minas
Gerais também esteve vinculada a uma rede de relações pessoais diretas que, por vezes, fugiu
ao controle do próprio complexo ESG/IPES/IBAD. A esse respeito inclusive, vários são os
relatos que apontam uma precipitação por parte do General Mourão, em consonância com
Magalhães Pinto, quanto ao início das operações militares em 31 de março de 1964. Nesse
ponto, como afirmou o General Guedes, a notícia foi tomada com surpresa e apreensão pelo
General Castelo Branco no Rio de Janeiro, que chegou a pedir para que a marcha militar fosse
abortada, sob a justificativa de que a precipitação implicaria a derrota, o que não ocorreu
263
.
Do mesmo modo, em entrevista concedida em 1966, Carlos Lacerda explanou que do seu
“gabinete no Palácio da Guanabara, enquanto mobilizava recursos do governo carioca para
resistir ao cerco que se armava”, declarou “que se algum dia esta revolução” saísse vencedora
“uma estátua ao General Mourão” deveria ser levantada em homenagem a sua “precipitação
que desencadeou a “revolução militar”
264
.
Na verdade, embora o General Mourão seja lembrado como um dos protagonistas do
movimento civil-militar de 31 de março de 1964, era uma personalidade observada com
ressalvas pelos conspiradores do eixo Rio-São Paulo e suas ações eram supervisionadas de
260
SILVEIRA. Crônica da Polícia Militar de Minas, pp 246-247.
261
BORGES. A Doutrina de Segurança Nacional e os Governos Militares, p. 36.
262
DREIFUSS. 1964: A Conquista do Estado, p. 413.
263
GUEDES. Tinha que Ser Minas, p. 215.
264
Revista Realidade, edição de abril de 1966, p. 35.
86
perto pelo General Guedes, então comandante da Divisão de Infantaria do Exército
Brasileiro – ID/4 do EB – em Belo Horizonte. Nesse sentido, além de chefiar, de fato, “o setor
militar e ser o principal articulador entre a Polícia Militar e o Exército em Minas Gerais, o
General Guedes também estava ligado ao estado-maior do IPES – São Paulo”
265
.
Entretanto, se por um lado o exemplo do General Mourão demonstra que os
conspiradores do complexo ESG/IPES/IBAD não detinham o controle total sobre a gama de
articulações entre seus colaboradores, por outro representa casos isolados, uma vez que no
contexto geral o círculo de relações, especialmente em Minas Gerais, se prestou à consecução
dos propósitos ideologicamente manifestos na DSN. Assim, a trama de ligações envolvendo o
governo mineiro, sua Força blica e conspiradores regionais com o complexo
ESG/IPES/IBAD e a mesmo com o governo norte-americano, funcionou eficazmente e
resultou na ascensão dos militares ao poder.
Tomando por partes, a começar pela vinculação do General Golbery do Couto e
Silva com os conspiradores em Minas Gerais, é interessante remontar ao ano de 1955, ocasião
em que, após ter sido exonerado de suas funções na Escola Superior de Guerra, assumiu o
comando da ID/4 do Exército em Belo Horizonte. Apesar de ter permanecido pouco tempo na
Capital mineira, conseguiu estabelecer vínculos com influentes personalidades identificadas
com a DSN, seja por compatibilidade ideológica ou por oposição a política empreendida pelos
governos considerados populistas. A título de exemplo, foi nessa época que o então Tenente
Coronel Golbery estabeleceu contato com o advogado Aluízio Aragão Villar, que em 1964
assumiu destacado papel de articulação entre os denominados “Novos Inconfidentes”
266
(em
Minas Gerais) com o IPES no Rio de Janeiro, chefiado pelo General Golbery, responsável
pela preparação estratégica destinada a aplicação da DSN e a conseqüente tomada de poder
267
.
No campo militar, como já referenciado, o elo de ligação entre a PMMG e o Exército
Brasileiro foi o General Guedes, apesar da publicidade atribuída ao General Mourão.
Assumindo o comando da ID/4 em Belo Horizonte em 1961, o General Guedes tratou de
estreitar seus contatos com o governador Magalhães Pinto, bem como com o Coronel José
Geraldo de Oliveira, que como dito anteriormente, passou a comandar a PMMG a partir de
1962. Além disso, sensível aos postulados da DSN, encontrava-se ligado ao complexo
ESG/IPES/IBAD, sobretudo a partir de São Paulo, onde o General Agostinho Cortes em
consonância com o General Golbery chefiava o “grupo IPES que operava junto às Forças
265
DREIFUSS. 1964: A Conquista do Estado, pp 389-393.
266
STARLING. Os Senhores das Gerais, pp 53-54.
267
DREIFUSS. 1964: A Conquista do Estado, p. 391.
87
Armadas e Informação”
268
. No mais, assim como o governador Magalhães Pinto, o General
Guedes manteve significativo contato com representantes do governo norte-americano, fato
que contribuiu para acarear recursos e equipamentos, parte deles destinados ao aparelhamento
da Polícia Militar mineira, bem como a garantia de apoio, inclusive militar, na eventualidade
de uma guerra civil.
Sobre o assunto, segundo citado por Heloísa Starling, nos idos de 1964 o General
Guedes “manteve encontros com o Vice-Cônsul Lawrence Laiser, cujas atividades eram
muito mais ligadas à” Central de Inteligência Americana “CIA, que diplomáticas”. Além
disso, também manteve contatos em Belo Horizonte “com o adido militar da Embaixada
norte-americana, General Vernon Walters, da Defense Intelligence Agence - DIA (serviço
secreto do exército norte-americano) e coordenador das operações da CIA no Brasil”
269
.
Relatando posteriormente os acontecimentos, o próprio General Guedes afirmou quanto ao
apoio dos Estados Unidos aos conspiradores, “que tinha a convicção de que não (...) faltariam
meios”, uma vez que um “Brasil comunista” representaria “uma América Latina comunista e
a inevitável derrota do mundo ocidental”. Assim, segundo ele, “mais valeria” aos Estados
Unidos prestar ajuda naquele momento, do que “permitir uma reedição da Coréia em
proporções continentais”
270
.
Quanto à ação do governo norte-americano junto aos conspiradores Brasileiros, além
de terem engendrado a própria ideologia da DSN a partir da National War Collge, da qual a
ESG é uma espécie de filial, bem como o apoio financeiro e material, como o fornecido à
Polícia Militar mineira, chegaram a organizar uma mega operação militar conhecida como
“Brother Sam”. Sobre essa operação, da qual tinham conhecimento, dentre outros, o
governador Magalhães Pinto e o General Guedes, várias informações foram publicadas,
como em uma reportagem especial da Revista Nosso Século editada em 1980.
A partir da exposição de alguns telegramas, secretos no momento da instauração do
regime militar brasileiro em 1964, a operação “Brother Sam” foi planejada e retida nos
Estados Unidos, à espera das informações enviadas pelo Embaixador Lincoln Gordon, que
acompanhando de perto a movimentação militar em Minas Gerais e mantendo contato direto
com o governador Magalhães Pinto, determinaria se “as forças policiais do Estado”
necessitariam “de um apoio americano antecipado”. A esse respeito, Caio Prado Júnior
argumentou que o governo norte-americano “se arrogou o direito (...) de usar de todos os
268
DREIFUSS. 1964: A Conquista do Estado, pp 391-393.
269
STARLING. Os Senhores das Gerais, pp 125-126.
270
GUEDES. Tinha que Ser Minas, p. 190.
88
recursos, sejam eles quais forem, inclusive a força armada (...) para assegurar a
inviolabilidade e permanência do imperialismo”
271
.
Desse modo, avaliadas as circunstâncias, “no dia 31 de março uma reunião em
Washington deliberou” pela ação. A partir desse momento, “uma esquadra liderada pelo
porta-aviões Forrestal” apoiada por destróieres, recebeu ordens para partir de “Norfolk na
Virgínia no dia 1º de abril, trazendo um carregamento de armas para os rebeldes”. Além disso,
“dois petroleiros” deveriam ser enviados. No mais, julgando a necessidade de um apoio mais
rápido, “sete aviões de transporte C-135, oito aviões de caça e oito tanques” foram preparados
para chegar ao “Rio de Janeiro” no mesmo dia, trazendo “110 toneladas de armas portáteis e
munição”. Toda essa preparação codificada como “Brother Sam”, foi abortada às “17 horas e
30 minutos do dia de abril”, após o embaixador “Lincoln Gordon ter enviado um
“telegrama ao Departamento de Estado dos EUA”, argumentando acreditar que estava tudo
terminado, “com a rebelião democrática 95 por cento vitoriosa”. Assim, no dia seguinte, a fim
de disfarçar a operação, ela foi denominada como sendo de treinamento pelo governo norte-
americano e rebatizada sob a codificação de “Quick Kick”, ou seja, “Rebate Rápido”
272
.
Dado o clima de Guerra Fria, os acontecimentos no Brasil repercutiram na imprensa
norte-americana. Nesse ponto, é relevante a matéria divulgada pelo The New Journal
American do dia 04 de abril de 1964, por demonstrar claramente a posição do governo norte-
americano em relação ao Brasil, bem como a compatibilidade de perspectivas em relação à
DSN. Segundo os editores do jornal, “embora a revolta tenha sido dirigida contra Goulart,
prisioneiro do comunismo, em um certo sentido (...) evidenciou a determinação militar de não
permitir outra Cuba no Brasil”. Em outro momento, felicitaram “a ação rápida do presidente
Lyndon B. Johnson, ao cumprimentar o novo presidente brasileiro, o civil Ranieri Mazzili,
que” refletia, para eles, “o critério do governo de Washington sobre a validade constitucional
da mudança de poder no Brasil”
273
.
Na verdade, considerando os postulados da DSN e o clima de Guerra Fria, tal
operação havia sido considerada necessária pelos militares da ESG anos antes da queda de
Goulart. Nesse sentido, em seus estudos sobre a situação do Brasil em relação ao bloco
ocidental, o General Golbery entendia que, como resposta a “tática manhosa da subversão
insuflada pelos comunistas” na América Latina, uma guerra interna deveria ser travada em
cada País com a ajuda dos Estados Unidos, “principal bastião do Ocidente”. Para tanto, “seria
271
PRADO JR. A Revolução Brasileira, p. 198.
272
Revista Nosso Século - 1960-1980, Editora Abril, publicação: 1982, 5º fascículo: Revolução de 1964, p. 79.
Maiores detalhes sobre o assunto ver também: CARONE. A Quarta República, pp 271-276.
273
Revista Nosso Século - 1960-1980, Editora Abril, publicação: 1982, 5º fascículo: Revolução de 1964, p. 77.
89
necessário contar com forças militares ao da obra, organizadas de preferência com
elementos locais devidamente equipados e assistidos”, reforçados, se preciso, “por
destacamentos dotados de armamentos do mais moderno e potente”. No mais, seria prudente
manter “nas proximidades” das áreas em conflito, “forças-tarefas móveis”, a fim de assegurar
socorro em “caso de alarma”
274
.
Conforme é perceptível, existia uma equivalência entre o imaginário corrente nos
Estados Unidos e no Brasil acerca dos acontecimentos provenientes da Guerra Fria, muito em
função da difusão da DSN em ambos os países. É certo que as atribuições cabíveis ao governo
norte-americano e ao governo brasileiro pertinentes à defesa do Ocidente eram diferenciadas,
porém, o sentimento anticomunista era similar. Assim entendendo, o caso cubano é
significativo para exemplificar o exposto. Em termos da DSN, a revolução que conduziu Cuba
ao comunismo desencadeou uma perspectiva de intensa ameaça no continente, uma vez que
rompeu com a idéia de segurança postulada. Dessa maneira, enquanto nos Estados Unidos a
chamada “Crise dos Mísseis”
275
esteve envolta à possibilidade de uma guerra nuclear, no
Brasil a apreensão e medo somavam-se a insatisfação dos conspiradores contra a parcimônia
política do presidente João Goulart em relação ao governo cubano. Além disso, boa parte da
sociedade civil e em especial os militares, assistiam perplexos a heroicização de Che Guevara
por segmentos estudantis de esquerda, sem contar a lembrança negativa de sua condecoração
durante o governo de Jânio Quadros
276
.
Mediante os fatos, o temor de que “o Brasil se transformasse em uma grande Cuba”,
sentimento compartilhado pelos EUA, acabou contribuindo para cooptar maior apoio aos
postulados da DSN, via complexo ESG/IPES/IBAD. Sobre o assunto, não faltam depoimentos
que definam o governo Goulart como parte de um processo de “cubanização do País”, como
demonstram os do Coronel Georgino Jorge de Souza, referenciados anteriormente. Além dos
apresentados, outros também poderiam ser descritos, como os do General Guedes ou do
Coronel José Geraldo de Oliveira, que também os manifestavam com certa freqüência.
274
SILVA. Conjuntura Política Nacional, p. 245.
275
A chamada “Crise dos Mísseis” observada durante o governo de John F. Kennedy no ano de 1962, foi
desencadeada após descoberta de que a União Soviética estava instalando armas nucleares em solo cubano,
direcionados contra o território norte-americano. Assim, em meio às tensas negociações entre as duas potências,
que deixou o mundo apreensivo quanto à perspectiva de uma guerra nuclear, a situação foi resolvida com a
retirada dos mísseis de Cuba por parte do governo soviético, sob a condição de que o governo norte-americano
abortasse seus projetos similares em relação à Turquia. Sobre a questão ver: SHLESSINGER JR. Mil Dias
John F. Kennedy na Casa Branca, Volume 1.
276
Sobre os detalhes da condecoração de Che Guevara no Brasil ver: CARONE. A Quarta República, pp 180-
181. Ver também: SILVA. O Poder Militar, pp 195-198.
90
Como foi demonstrado até o momento, em Minas Gerais a Doutrina de Segurança
Nacional encontrava-se plenamente difundida junto à sociedade civil e principalmente militar.
Desse modo, os policiais militares mineiros, partilhando os postulados da DSN, seja por
consonância ideológica ou por pertencerem a uma tradicional sociedade marcada pelo temor
de uma ameaça comunista intensificada em razão da Guerra Fria, cerraram apoio aos
propósitos destinados à tomada do poder. Na ocasião, salienta-se que de um modo geral, os
policiais militares acreditavam agirem em prol da defesa da liberdade e o que ela correspondia
no imaginário do que fosse um Estado democrático-cristão para eles.
Ressalva seja feita, embora alguns estudiosos como Maria Helena Moreira Alves,
Moniz Bandeira e Edgard Carone, dentre outros, sejam mais críticos no sentido oposto,
Rodrigo Patto Motta adverte que apesar do anticomunismo ter se prestado aos propósitos
das forças que compunham a chamada direita no País, “os defensores da ordem não estavam
exagerando totalmente quando denunciaram o perigo vermelho”. Avaliando o contexto geral
do momento em questão, o autor é da opinião de que a “situação era de molde a causar uma
reação de temor sincero ao comunismo, considerado um inimigo ativo e perigoso”
277
. No
mais, “o fato de os comunistas e a esquerda influenciarem o governo não pode ser negado, e
nesse sentido a ‘ameaça vermelha’ não foi mera fabulação”
278
. Assim, muitos militares
tinham a concepção de que infiltrados no governo federal, os comunistas estariam se
preparando para dar um golpe, quando tivessem acumulado forças suficientes para
desencadearem a revolução e ocuparem o poder.
Para Márcia Pereira da Silva, a afirmação de que o discurso anticomunista por parte
dos militares não passou de mera manipulação, configura uma interpretação demasiadamente
simplória, que não condiz com a realidade. Conforme a autora, o “discurso não é apenas um
meio para se alcançar um determinado objetivo, já que revela concepções e crenças de quem o
faz, bem como daqueles para quem se destina à fala”. Nessa perspectiva, “a produção do
discurso incorpora idéias compartilhadas entre” interlocutor e receptor, uma vez que seu
conteúdo representa muito mais que um conjunto de palavras encadeadas com o objetivo de
convencer alguém. Assim, é possível afirmar que a “ênfase dada pelo discurso oficial para a
idéia da Pátria em perigo, remontava a crenças compartilhadas tanto pelas Forças Armadas,
como pelos setores da sociedade brasileira e estavam, convém reiterar, explicitadas na
Doutrina de Segurança Nacional”
279
.
277
MOTTA. Em Guarda Contra o ‘Perigo Vermelho’, p. 193.
278
MOTTA. Jango e o Golpe de 1964 na Caricatura, p. 169.
279
SILVA. A Defesa Legal do Arbítrio, pp 103-104.
91
No mais, é válido salientar que vários acontecimentos observados no País após a
Segunda Guerra Mundial, contribuíram para ratificar a crença no “perigo vermelho”.
Tomando exemplos, é conveniente memorar alguns fatos, tais como as agitações de esquerda,
seja no campo ou nos centros urbanos, a política de neutralidade do governo federal em
relação à Guerra Fria, as constantes quebras na hierarquia militar, a condecoração e ingresso
de comunistas no País, a politização das massas urbanas, as declarações de Luis Carlos
Prestes favoráveis a União Soviética e as implicações da Revolução Cubana e da Intentona
Comunista de 1935, dentre outros que também confirmariam o exposto. No mais, de modo
manipulado ou não, é válido ressaltar que vários noticiários davam nota da infiltração de
agentes comunistas no País, realidade que certamente tinha impacto no imaginário dos
militares quanto à questão da segurança nacional.
A título de exemplo, em 1952 notificou-se que “milhares de agentes subversivos
soviéticos” haviam “entrado no Brasil (...) com o propósito de orientar e deflagrar o levante
comunista”. Em caso crítico, em Minas Gerais o “exército apátrida” foi “seguramente
avaliado em 18 mil guerrilheiros armados, concentrado em sua maior parte no Triângulo
Mineiro”
280
. Além disso, “em janeiro de 1964, por exemplo, Prestes, numa entrevista à
televisão, declarou que a esquerda estava no poder, e deu a entender que os comunistas
apoiavam a permanência de Goulart na presidência após o fim do mandato”
281
. Como visto, é
correto afirmar que notícias desse gênero produziam grande repercussão nos meios militares,
não sendo diferente no caso dos policiais militares mineiros.
Ademais, também é singular considerar que dentro das Forças Armadas e das
Polícias Militares já havia uma “tendência natural a respeitar” o modo de vida ocidental e suas
representações. Portanto, se o comunismo figurava no sentido oposto, era coerente aos
militares a postura de refutar os projetos revolucionários, contrários à manutenção da ordem
que constitucionalmente deveriam manter. Outro aspecto importante estava assentado no fato
de que os “militares tinham um profundo respeito pela noção de hierarquia e um forte espírito
de corpo”, condição que os levavam a “temer as conseqüências de uma revolução para a
estrutura das Forças Armadas”
282
.
Como se procurou evidenciar, justificar o imaginário militar contra o comunismo
apenas como decorrência exclusiva de um processo de manipulação, significaria incorrer em
defesa insustentável. Por certo, apesar dos empreendimentos do complexo ESG/IPES/IBAD
280
MOTTA. Em Guarda Contra o ‘Perigo Vermelho’, p. 145.
281
MOTTA. Jango e o Golpe de 1964 na Caricatura, p. 164.
282
MOTTA. Em Guarda Contra o ‘Perigo Vermelho’, p. 37.
92
com o propósito de alterarem a estrutura do poder nacional, a Doutrina de Segurança Nacional
tinha uma gica cabível em relação ao comunismo. Desse modo, é coerente afirmar que
quando os militares foram conclamados a tomarem uma atitude salvacionista em relação à
Nação, sobretudo pelos setores médios urbanos, muitos deles concebiam a ação como um
dever patriótico, conforme demonstram alguns depoimentos já referenciados.
Assim, em meio ao conjunto de fatores que conduziram Minas Gerais a desencadear
as operações militares que resultaram na deposição de João Goulart, a Polícia Militar
terminou sendo preparada a fim de contribuir para tal propósito. Nesse sentido, ao contrário
de uma tendência nacional, os polícias militares mineiros, sob o comando do governador
Magalhães Pinto e do Coronel José Geraldo de Oliveira, foram sistematicamente integrados
aos padrões de treinamento do Exército Brasileiro destinado às ações de guerra, em
detrimento de um condicionamento mais específico às ações de segurança pública, assunto
que será abordado no próximo capítulo.
93
CAPÍTULO 4
A SEGURANÇA NACIONAL E AS PARTICULARIDADES DE MINAS GERAIS
Em meio às ações destinadas a tomada do poder durante o atribulado governo de
João Goulart, o complexo ESG/IPES/IBAD desenvolveu uma série de levantamentos e
estudos, com o objetivo de avaliar o melhor local para desencadear o levante militar. Assim,
considerando os fundamentos da geopolítica”
283
e da “geoestratégia”
284
no âmbito da
Doutrina de Segurança Nacional
285
, os conspiradores chegaram à conclusão de que Minas
Gerais abrigava as condições mais favoráveis à consecução de tal intento. Sobre o assunto,
Hélio Silva, através de entrevista concedida em 1974, argumentou que ao “fixar a
preponderância do papel desempenhado por Minas Gerais” no movimento civil-militar de
1964, não pretendia “ignorar ou minimizar” a efetiva participação de “outras lideranças” pelo
País, que “igualmente” se prontificaram a “deter o processo em que mergulhara a vida pública
da Nação”. Porém, inegavelmente, “foi em Minas que as resistências democráticas e as
próprias Forças Armadas encontraram a instrumentação política e militar que assegurou o
desfecho do 31 de março”. Na mesma linha, como chegou a afirmar o General Odílio Denys,
“se Minas Gerais não tivesse se levantado a Revolução teria sido impossível”
286
.
Pertinente ao exposto, é certo afirmar que Minas Gerais figurou como o mais
destacado estado da federação, frente às ações militares irrompidas sob a justificativa da
segurança nacional. Para tanto, além da articulação conspiratória estabelecida com o
complexo ESG/IPES/IBAD em torno da DSN, cuja identificação foi evidenciada no capítulo
anterior, as características geográficas de Minas também compuseram um conjunto de
significativa importância. Parte constituinte do que o General Golbery definiu como o “núcleo
central brasileiro, estruturado sobre o triângulo de potência” que integra o Rio de Janeiro, São
Paulo e Belo Horizonte, Minas Gerais era o estado que melhor viabilizava acesso a Brasília,
centro do poder político nacional. No mais, por ocupar posição estrategicamente limítrofe
283
Tomando o conceito da Escola de Munique da década de 1930, Geopolítica pode ser entendida aqui como
uma “ciência da vinculação geográfica” com “os acontecimentos políticos”. Ver: SILVA. Conjuntura Política
Nacional, p. 163.
284
Segundo o General Golbery, na Geoestratégia “os fatores geográficos condicionam mais ou menos
severamente todos os elementos e fundamentos do poder e do Potencial Nacionais, sejam propriamente políticos,
sejam econômicos, psicossociais ou militares”. Em síntese, a Geoestratégia pode ser “entendida” como a
“Geopolítica de segurança nacional”. SILVA. Conjuntura Política Nacional, p. 167.
285
Os conceitos de “geopolítica” e “geoestratégia”, inseridas na DSN, foram concebidos pelo General Golbery
quando de sua passagem pela Escola Superior de Guerra na década de 1950. SMALLMAN. A Profissionalização
da Violência Extralegal das Forças Armadas no Brasil, p. 401.
286
Revista História, nº 10, edição de março de 1974, p. 87.
94
com diversos estados, dentre os quais São Paulo e Rio de Janeiro, poderia facilmente receber
apoio dos seus aliados neles nucleados.
MAPA 01
.
Mapa Rodoviário de Minas Gerais
FONTE: Site Ambiente Brasil. Disponível em
<http//www.ambientebrasil.com.br/imagens/estadual/ minas_gerais/cnt_mg.gif&ir>. Acesso
em: 07 de agosto de 2007.
Em outra análise, mediante perspectivas de uma guerra civil, o relevo acidentado de
Minas constituía um imponente obstáculo defensivo contra as forças do governo federal, caso
Goulart tivesse optado resistir ao processo de deposição. Como entendia o General Guedes,
em Minas as “montanhasrepresentariam “um poderoso escudo”, sob a “sombra” das quais
os militares poderiam “resistir” ou, sob condições favoráveis, se lançarem “para qualquer
parte”
287
. Conforme visto, “frente a um método de combate eminentemente defensivo”, a
287
GUEDES. Tinha que Ser Minas, p. 48.
95
“superioridade relativa oferecida por Minas estava em garantir vantagem no aproveitamento
do terreno”, a fim de permitir a “inversão na correlação de forças” com o governo federal
288
.
MAPA 02. Geomorfologia e Revelo de Minas Gerais
FONTE: Site Ambiente Brasil. Disponível em
<http//www.ambientebrasil.com.br/imagens/estadual/ minas_gerais/cnt_mg.gif&ir>. Acesso
em: 07 de agosto de 2007.
Sobre essa condição, salienta-se que tal preocupação defensiva não era injustificada.
Que pese o esforço empreendido em contrário pelos conspiradores, as Forças Armadas não
constituíam um todo indivisível em torno do complexo ESG/IPES/IBAD. Assim, como
observou José Murilo de Carvalho, em 1964 Goulart não foi deposto por falta de apoio civil-
militar, mais sim pela falta de virtú em empreender resistência. Para o autor, embora a
“responsabilidade principal pelo golpe” tenha sido “dos que o deram e não dos que o
288
STARLING. Os Senhores das Gerais, p. 48.
96
sofreram”, os “vencedores contaram (...) com a ajuda dos perdedores”
289
. Desse modo,
admitindo que a guerra civil era uma possibilidade real, era pertinente dotar Minas das
condições cabíveis para empreender resistência.
Relativo ao contexto político-militar observado nos idos de 1964, Minas Gerais era o
único dentre os grandes estados brasileiros em que o governo estadual, a polícia militar e as
forças do Exército e da Aeronáutica se mantinham coesas contra João Goulart
290
. A título de
exemplo, o editorial do jornal O Globo, de 26 de fevereiro de 1964, referenciou que Minas
estava “mobilizada contra os inimigos das instituições” e havia constituído “o maior centro de
resistência às investidas malsãs do comunismo”
291
. Sobre tais afirmações, uma breve
comparação entre Minas e os demais estados de maior relevância no cenário nacional é válida,
para elucidar algumas razões que as ratificam.
Começando as comparações a partir de São Paulo, a primeira distinção em relação a
Minas consistiu na relutância do então governador Adhemar de Barros, em iniciar o levante
militar a partir do território paulista. Para tanto, apelava sistematicamente à Revolução
Constitucionalista de 1932, ocasião em que, como enfaticamente recordava, o estado lutara
sozinho contra o governo federal. Assim, valendo-se da máxima de que “São Paulo não”
repetiria “o erro de 1932”, Adhemar de Barros procurou justificar sua cautelosa conduta,
embora tenha manifestado que apoiaria qualquer outro estado, “pequeno ou grande”, que
insurgisse contra o processo de comunização do País.
292
É certo que existia um imaginário negativo em meio à sociedade paulista, quanto ao
empenho do estado enquanto vanguarda das ações militares contra as forças leais a Goulart.
Nesse ponto, às lembranças dos acontecimentos de 1932 tinha apelo tão expressivo, que o
próprio General Mourão, momentos antes de iniciar a marcha militar a partir de Juiz de Fora,
escreveu em seu diário sobre a possibilidade do Exército vir contra ele a exemplo do que
“aconteceu com São Paulo em 1932”
293
. No entanto, não desmerecendo o exposto, a postura
assumida por Adhemar de Barros representou muito mais sua astúcia pessoal frente aos
acontecimentos, cujo ganho político fazia-se duvidoso, do que altruísmo ao povo paulista.
Sobre o assunto, que pese o fato do governador não deter controle sobre os militares
federais no estado, uma vez que isso fugia a sua competência, ao que é possível identificar
289
CARVALHO. Forças Armadas e Política no Brasil, pp 118-126.
290
Revista Nosso Século – 1960-1980, Editora Abril, publicação: 1982, 71º fascículo, p. 66.
291
MOTTA. Em Guarda Contra o ‘Perigo Vermelho’, p. 262.
292
Sobre a relutância de Adhemar de Barros ver: SKIDMORE. Brasil: De Getúlio a Castelo, p. 363 / GUEDES.
Tinha que Ser Minas, p. 186 / Revista História, 10, edição de março de 1974, p. 88 / Revista Realidade,
edição de abril de 1974, p. 123.
293
Revista História, nº 10, edição de março de 1974, p. 94.
97
através dos periódicos e estudos publicados, também não lançou mão da poderosa Polícia
Militar paulista como força combatente, ao contrário do ocorrido em Minas Gerais. Para
constar, mediante as fontes utilizadas para a realização deste trabalho, a única menção feita a
Polícia Militar de São Paulo em meio aos acontecimentos desencadeados em 31 de março de
1964, foi a invasão de militares da Corporação à “Companhia Telefônica Brasileira”, com o
propósito de prender “32 rebeldes” nela sitiados
294
. Evidente que resumir a atuação da PM
paulista a esse acontecimento seria incorrer em grave erro, todavia, a pouca publicidade
dispensada às ações da Corporação contribuem para ratificar a idéia do seu parco empenho.
Condizente às vicissitudes do governo paulista, cabe destacar que o próprio Adhemar
de Barros veio a apoiar oficialmente o governador Magalhães Pinto de Minas Gerais,
pouco antes da meia-noite do dia 31 de março, ou seja, 18 horas após o início do levante
militar em Juiz de Fora pelo General Mourão
295
. No mais, avaliando a situação, assim
procedeu após tomar conhecimento que o General Amauri Kruel, comandante do II Exército
sediado no estado, havia decidido apoiar os conspiradores. Como visto, embora após a queda
de Goulart o governador Adhemar de Barros tenha empreendido forte campanha contra os
comunistas, que outrora representaram boa parte do seu eleitorado
296
, efetivamente pouco
contribuiu, pelo menos no sentido militar, para que a vitória ocorresse.
Ainda sobre São Paulo, outro ponto controverso envolve exatamente a situação do
referido II Exército, uma das maiores e mais poderosas divisões da força terrestre no País.
Apesar de nuclear importantes representantes e aliados do complexo ESG/IPES/IBAD, o II
Exército vinha sendo comandado pelo General Amauri Kruel, que tendia apoiar João Goulart.
Nesse sentido, em sua última ligação ao presidente, o General afirmou que ficaria ao seu lado
e levaria o II Exército em sua defesa”. Para tanto, solicitou o cumprimento de algumas
condições atribuídas como necessárias para apaziguar os ânimos dos militares, como afastar
do governo suspeitos de subversão, a exemplo de Darcy Ribeiro, além de por na ilegalidade
algumas representações de esquerda como a UNE e a CGT. No entanto, mediante negativa do
presidente, Kruel terminou optando pelos conspiradores às 23 horas do dia 31 de março, em
meio à iminência de choque entre seus subordinados e as forças militares provenientes de
Minas Gerais, que na ocasião haviam atingido os limites do estado de São Paulo
297
.
Se em São Paulo, governo, conspiradores e Forças Armadas, mesmo após a Marcha
da Família com Deus pela Liberdade, não haviam atingido a coesão necessária para iniciar o
294
Revista O Cruzeiro, edição de 10 de abril de 1964, p. 26.
295
Revista O Cruzeiro, edição de 10 de abril de 1964, p. 26.
296
MOTTA. Em Guarda Contra o ‘Perigo Vermelho’, p. 170.
297
GUEDES. Tinha que Ser Minas, p. 230 / SKIDMORE. Brasil: De Getúlio a Castelo, p. 363.
98
levante militar, no outrora estado da Guanabara a situação era ainda pior. Governado por
Carlos Lacerda, conspirador de velha data, embora tenha se destacado como um dos
principais opositores do governo Goulart e integrar o grupo interassado em sua deposição, não
tinha o mesmo apelo político de Magalhães Pinto ou Adhemar de Barros. Além disso, vale
lembrar que nos idos de 1964, a Guanabara era um estado circundante ao Rio de Janeiro que,
apesar de ter deixado de ser a Capital Federal em 1960, ainda abrigava boa parte da antiga
estrutura administrativa que o mantinha no círculo do poder.
Desprovido de recursos cabíveis para empreender uma cooperação militar de maior
envergadura, no momento em que os militares tomaram marcha em Minas, Lacerda se
encontrava “ilhado, vigiado e hostilizado, em visível inferioridade”
298
. “Entrincheirado” no
desfecho dos acontecimentos, Lacerda chegara a dar ordens para que caminhões de lixo
fossem usados como barricadas na avenida que dava acesso ao Palácio da Guanabara. No
mais, tomando “duas metralhadoras portáteis e uma pistola”, prostrou-se ao telefone para ter
acesso às informações através da PM carioca, “aguardando confirmação dos boatos” sobre “os
fuzileiros navais do Almirante Aragão”, que ameaçavam “atacar o Palácio”
299
.
Outro problema, mais especificamente no Rio de Janeiro, era o I Exército
comandado pelo General Morais Âncora. Entendendo que a manutenção de João Goulart na
presidência representava a legalidade constitucional, Âncora ordenou o deslocamento de
tropas contra Minas Gerais
300
. Entretanto, no momento em que os militares do I Exército e os
provenientes de Minas se posicionaram para o combate no vale do Paraíba na madrugada do
dia 01 de abril, o General Âncora tomou conhecimento da decisão do General Kruel de enviar
tropas contra o Rio de Janeiro. No correr dos fatos, vendo seu comando esvair-se frente a
fragmentação do I Exército, que abrigava boa parte dos oficiais integrados ao complexo
ESG/IPES/IBAD, Âncora terminou não tendo muito que o fazer. Além disso, ratificando a
tese da falta de virtú” por parte de Goulart, na ocasião do seu retorno do Rio de janeiro para
Brasília no dia 01 de abril
301
, o presidente deixou instruções “de que não queria choque
militar” àquela altura dos acontecimentos
302
. Assim, por volta das 15 horas do mesmo dia, o
298
GUEDES. Tinha que Ser Minas, p. 197.
299
SKIDMORE. Brasil: De Getúlio a Castelo, p. 364. Ver também: Revista Realidade, ed. abril de 1966, p. 35.
300
Revista O Cruzeiro, edição de 10 de abril de 1964, p. 70.
301
João Goulart estava no Rio de Janeiro por ocasião de ter participado de uma solenidade promovida pelos
sargentos da Polícia Militar carioca, na noite de 30 de março. Esse acontecimento, segundo José Murilo de
Carvalho, contribuiu para acentuar o descontentamento dos opositores ao seu governo. CARVALHO. Forças
Armadas e Política no Brasil, pp 123-124.
302
SKIDMORE. Brasil: De Getúlio a Castelo, p. 364.
99
General Âncora desmobilizou as tropas, implicando a vitória dos conspiradores, ainda que a
situação no Sul do País não tivesse sido resolvida
303
.
A respeito do Rio Grande do Sul, as circunstâncias eram semelhantes, ou seja,
governador conspirador, comando militar legalista. Desse modo, a exemplo do Rio de Janeiro
e de São Paulo, o Rio Grande do Sul não detinha as condições favoráveis para iniciar as
operações militares, mesmo porque sua localização geográfica também não configurava fator
contributivo. No mais, apesar de Ildo Meneghetti ser o governador, a personalidade política
de maior representatividade era Leonel Brizola que, empreendendo aliança com o General
Ladário e com o comandante do III Exército, General Galhado, procurou criar meios para que
Goulart desencadeasse a resistência. Sobre o assunto, como afirmou Darcy Ribeiro, mediante
os acontecimentos “Brizola fez o que podia para forçar Jango à luta armada com o auxílio das
tropas sediadas no Rio Grande do Sul e do povo gaúcho. Ele não quis”, preferindo exilar-se
no “Uruguai no dia 04 de abril”, confidenciando não querer desencadear uma “guerra civil
que poderia resultar 1 milhão de mortes” estimativamente
304
.
Voltando à Minas Gerais, além das peculiaridades até aqui salientadas, outro fator
que lhe era favorável em relação aos demais estados brasileiros, estava vinculado a sua
capacidade de angariar e distribuir suprimentos à tropa, na eventualidade de um conflito de
maior duração. Condizente à afirmação, basta dizer que Minas ocupava lugar de destaque em
termos de produção agropecuária, além de possuir extensa malha viária interligando seu
território, seja internamente ou com os demais estados circundantes. Fato admitido como
plausível na época, a idéia da sustentabilidade de mantimentos foi defendida pelo próprio
secretário estadual de Agricultura, Roberto Resende, ao assegurar que Minas dispunha de
provisões para “resistir por cem dias”. É interessante dar nota que esta suposta condição, não
posta a prova, extrapolava até mesmo a própria estimativa de duração do conflito que,
segundo Magalhães Pinto seria de dez dias, caso Goulart tivesse optado pela resistência
305
.
Tecnicamente, de acordo com os estudos da APEC publicados em 1964, a agricultura
configurava-se como a atividade mais importante” de “Minas Gerais”, embora mantivesse
um relativo atraso frente às novas tecnologias de plantio e colheita. Entretanto, apesar de
tecerem algumas críticas, de um modo geral as análises da APEC permitem interpretar que, de
fato, a “agricultura mineira” ocupava “lugar de relevo na produção nacional”. Nesse sentido, é
oportuno destacar que em 1960, dentre outros gêneros alimentícios, Minas Gerais era o maior
303
Revista O Cruzeiro, edição de 10 de abril de 1964, p. 17.
304
RIBEIRO. Confissões, pp 354-355. Ver também: Revista Realidade, edição de julho de 1966, p.50.
305
Revista O Cruzeiro, edição de 10 de abril de 1964, pp 16-17.
100
produtor de feijão e o segundo maior produtor de arroz do País, alimentos considerados
essenciais à mesa dos brasileiros.
Quanto à questão viária, em que pese os comentários contrários a primazia do
transporte rodoviário, a APEC terminou por salientar, através de gráficos, a importância de
Minas como ponto de articulação entre as várias regiões do Brasil. A título de exemplo, basta
lembrar que o município de Montes Claros no norte do estado, abrigava o segundo maior
entroncamento rodoviário do País
306
. Assim, como elucidado, os estudos da APEC
contribuem para ratificar a idéia de que Minas Gerais detinha as condições cabíveis para
armazenar e gerenciar a distribuição de mantimentos em seu território, caso houvesse
necessidade de defesa por um período prolongado.
Embora até o momento tenham sido explicitadas as circunstâncias que cooperaram
para a escolha de Minas Gerais como o estado precursor do levante militar, pertinente a
geoestratégia ele apresentava alguns empecilhos que precisaram ser contornados. Relativo ao
assunto, o que se presta às discussões imediatas refere-se a continentalidade de Minas, que
dificultaria às comunicações com seus aliados pelo litoral. Nesse aspecto, apesar do relevo,
localização e proporcionalidade do estado contribuírem para a prática de uma guerra
defensiva, a ausência de uma faixa litorânea era observada como uma complicação. Desse
modo, a estratégia de ação concebida pelos militares, que previa apoio logístico dos Estados
Unidos caso as condições se fizessem desfavoráveis aos conspiradores, ficaria comprometida.
Considerando o exposto, mediante as incertezas no Rio de Janeiro e em São Paulo,
os conspiradores em Minas procuraram solucionar o problema através do Espírito Santo, em
negociações iniciadas desde 1962. Envolvendo os respectivos governos estaduais, suas forças
públicas e representantes das Forças Armadas, constituiu-se uma aliança a partir da garantia
de que o estado capixaba cooperaria, desde que a autonomia federativa fosse resguardada.
Assim, no correr dos acontecimentos, o ato oficial de adesão foi obtido na manha do dia 31 de
março, paralelo ao deslocamento das tropas do General Mourão em Juiz de Fora. Com esse
ato, o governador capixaba, Lacerda Aguiar, assegurou a Minas a utilização do porto de
Vitória, indispensável à boa execução da operação “Brother Sam” posta a disposição pelo
governo norte-americano, conforme contemplada no capítulo anterior
307
.
306
APEC. A Economia Brasileira e suas Perspectivas, pp 231-241. A idéia de Minas Gerais como “encruzilhada
dos caminhos” e sua “missão unificadora no plano nacional”, também é manifestada nos estudos de Otávio
Dulci. A esse respeito, ver: DULCI. Política e Recuperação Econômica em Minas Gerais, p. 202.
307
Sobre a articulação entre Minas Gerais e o Espírito Santo ver: Revista Realidade, ed. abril de 1974, p. 125 /
Revista História, 10, ed. março de 1974, p. 90 / SILVEIRA. Crônica da Polícia Militar de Minas, p. 249 /
STARLING. Os Senhores das Gerais, p. 126.
101
Sobre o livre acesso ao porto de Vitória por parte dos conspiradores mineiros, é fácil
encontrar argumentações que discorram quanto a sua importância para o sucesso das
operações militares, no caso de uma guerra civil. Nesse sentido, tecendo considerações sobre
o assunto, o General Guedes destacou que se Minas fosse impelida a uma resistência
prolongada, “os abastecimentos seriam feitos através da Estrada de Ferro Vale do Rio
Doce”
308
, que favorecia a conexão entre Belo Horizonte e o porto de Vitória. Além disso,
como chegou a identificar o próprio governo federal através de Darcy Ribeiro, no correr do
“dia 31 de março” o presidente, circunscrito em informações imprecisas, tomou conhecimento
de que “a força naval” destinada a “invadir o País” estava “articulada não com Lacerda”, mas
sim “com Magalhães Pinto”
309
através do Espírito Santo.
Como visto, apesar dos argumentos apresentados até o momento não encerrarem o
assunto, contribuem para confirmar a escolha de Minas como o estado sublevador contra o
governo federal. Assim, como chegou a ser exaltado pelo General Guedes, “tinha que ser
Minas”. Na sua concepção, os demais estados “que se juntassem” a ele, ou o “combatessem”.
Conforme o mesmo General, Minas Gerais possuía “os meios suficientes para lutar sozinha e
possibilidades de mobilização”, que dariam aos militares “elementos” para alcançarem a
“vitória”, caso o “isolamento afinal se positivasse”
310
.
No entanto, embora Minas estivesse inscrita em um conjunto de fatores favoráveis,
segundo assim entendiam os principais integrantes do complexo ESG/IPES/IBAD, existiam
algumas deficiências, sem a solução das quais a execução das ações militares seria inviável.
Como referenciado, a comunicação do estado com o litoral através do Espírito Santo,
representou significativo avanço dentre os empecilhos de maior relevância. Porém,
considerando a responsabilidade atribuída ao governo de Minas, de levantar armas sob a
perspectiva de uma guerra civil, seu problema mais crítico era exatamente o diminuto efetivo
das Forças Armadas em seu território, sobretudo do Exército.
A esse respeito, dispondo de um reduzido contingente de 4 mil homens
aproximadamente em 1964
311
, Minas Gerias não ocupava privilegiada posição quanto à
distribuição do Exército Brasileiro pelo País. Assim, enquanto São Paulo e Rio de Janeiro
abrigavam duas das quatro mais poderosas divisões dessa força federal pelo Brasil, Minas
contava apenas com frações menores. A título de exemplo, é relevante salientar que as duas
308
GUEDES. Tinha que Ser Minas, p. 190.
309
RIBEIRO. Confissões, p. 353.
310
GUEDES. Tinha que Ser Minas, p. 189.
311
Revista Realidade, edição de abril de 1974, p. 124. Ver também: Revista História, 10, edição de março de
1974, p. 89.
102
representações do Exército mais significativas em solo mineiro eram a Divisão de
Infantaria ID/4 em Belo Horizonte (sob o comando do General Guedes) e a Região
Militar RM em Juiz de Fora sob o comando do General Mourão. Hierarquicamente, a
primeira se subordinava a segunda e ambas eram partes integrantes do I Exército sediado no
Rio de Janeiro. Como esclarecido, do ponto de vista estratégico, Minas Gerais não dispunha
de comando de Exército.
Marcado pela continentalidade e pela “ausência do perigo” ou “de uma invasão
iminente” por parte de um agressor estrangeiro, Minas Gerais, dentro das “prioridades” do I
Exército, era o “último” estado “a receber material bélico” e sua “importância militar” estava
“voltada para o suprimento de recursos”. Em decorrência disso, os comandos militares no
estado “não eram operacionais e sim logísticos”. Mediante esse conjunto de fatores, Minas
fugia as características dos lugares tidos como ideais para se fazer carreira militar
312
.
Avaliando as condições observadas como necessárias para o empreendimento do
levante militar, o General Guedes, admitindo não existir “maior risco do que a improvisação
ou uma reação movida apenas pelo desespero” no âmbito da luta, também entendia como
crítica a situação das forças federais em Minas. Para ele, a vitória se afirmaria pela capacidade
de ação baseada em “número de soldados instruídos, armados e equipados”, disponíveis para
o cumprimento das metas confiadas ou missões atribuídas. Nesse ponto, o “Exército em
Minas valia somente pela qualidade”, uma “vez que seus efetivos eram reduzidos e, ademais,
sofriam limitações resultantes do irrisório tempo de serviço”. Basicamente, seus quadros eram
constituídos de reservistas, “parte dos quais com instrução incompleta”, por prestarem
serviços à Corporação “durante três a quatro meses por ano”
313
.
Visto a precariedade do Exército em Minas para os efeitos de uma ação militar de
maior envergadura contra o governo federal, uma medida interna cabível seria a transferência
de efetivos para o território mineiro. Nesse sentido, o próprio Magalhães Pinto considerava ter
um “trunfo político poderoso”, exatamente por governar o estado “para onde recuariam
militarmente Rio e São Paulo, no caso de uma campanha militar de longa duração”
314
. No
entanto, embora essa perspectiva tivesse sido cogitada, antecipa-la para antes do levante
significaria despertar a atenção dos generais legalistas e por conseqüência do próprio
presidente, quanto aos preparativos destinados a tomada de poder.
312
STARLING. Os Senhores das Gerais, p. 112.
313
GUEDES. Tinha que Ser Minas, p. 47.
314
STARLING. Os Senhores das Gerais,p. 136.
103
Condizente ao argumento, basta memorar que os comandantes do I Exército no Rio
de Janeiro e do II Exército em São Paulo, respectivamente Generais Morais Âncora e Amauri
Kruel, aderiram aos conspiradores horas após o início das operações militares em Minas e,
ainda assim, após terem tentado, inutilmente, se conciliarem com Goulart. Com base nessas
considerações, a fim de não colocarem a conspiração em risco mediante uma possível reação
antecipada por parte do governo federal e seu aparato de defesa, a transferência de efetivos ou
redistribuição dos comandos militares terminaram apresentando-se como opções inviáveis.
Entretanto, se como já dito, o Exército em Minas não compunha força suficiente para
iniciar sozinho o levante militar, a solução encontrada consistiu no sistemático envolvimento
da Polícia Militar mineira nos acontecimentos. Tal medida, compreendida como possível,
tinha a vantagem de passar pela articulação direta entre o governador do estado, o comando
da Corporação policial e demais membros civis e militares inscritos no complexo
ESG/IPES/IBAD, fato que dispensou pouca atenção do governo federal e portanto não
implicou desconfiança quanto aos procedimentos utilizados.
Sobre o assunto, quem entenda que a Polícia Militar mineira foi “imprescindível
para o sucesso do dispositivo militar organizado pelo IPES” juntamente com os conspiradores
em Minas. Para tanto, muito valeu o “cuidadoso processo de articulação”, que permitiu, em
março de 1964, a PM desempenhar “relevante papel no planejamento de ação militar em
Minas, em termos de sua participação conjunta com o Exército na distribuição dos diversos
destacamentos militares”
315
. Do mesmo modo, segundo o Coronel Tito Silveira, se de “Minas
partiu, mais uma vez o impulso libertador de nossa Pátria, foi da Polícia Militar, aliada à
Guarnição Federal, que surgiu a arrancada de 31 de março, acordando as demais forças da
hipnose e da insensibilidade em que se achavam”
316
.
Como ficou claro, se Minas havia sido escolhida para iniciar o levante militar e o
efetivo do Exército distribuído em seu território, 4 mil homens aproximadamente, não era
adequado para a missão, o envolvimento da Polícia Militar terminou sendo a solução
encontrada. No entanto, seu empenho deveria ocorrer enquanto tropa combatente e não como
força destinada às práticas de segurança pública. Explicitando melhor o assunto, Nilson
Borges argumenta que pertinente a Doutrina de Segurança Nacional, formulada pela Escola
Superior de Guerra, a questão da “segurança interna comporta ações que se desenvolvem em
duas grandes áreas”, sendo-as, à “defesa interna” e a “defesa pública”. Conforme o autor, a
primeira se ocupa “dos antagonismos e pressões vinculadas ao processo subversivo”,
315
STARLING. Os Senhores das Gerais,p. 119.
316
GUEDES. Tinha que Ser Minas, p. 265.
104
enquanto a segunda está ligada “ao setor de segurança pública (...), que se ocupa dos
antagonismos e pressões de toda a espécie que não contenham conotações ideológicas”
317
.
Desse modo, considerando que o tipo de ão militar para ambos os casos exigem
treinamentos distintos, os destinados à segurança pública não eram os mais adequados para os
efeitos de um tipo de luta que demandava táticas de guerrilha. Assim, para que a Polícia
Militar mineira tivesse êxito frente ao processo destinado a tomada do poder, cuja justificativa
era exatamente garantir a segurança interna supostamente ameaçada pela subversão, foi
preciso adequar à Corporação. Para tanto, foi necessário que ela perdesse suas características
de polícia e assumisse apenas seu caráter militar, em conformidade aos padrões exigidos ao
empenho de guerra, segundo campo de atuação do Exército Brasileiro.
É certo que a Polícia Militar de Minas a muito recebia treinamento militar e havia
participado de outras ações compatíveis às práticas de guerra, como as desencadeadas em
decorrência da Revolução Constitucionalista de 1932. Todavia, apesar das experiências
anteriores, as proporções dimensionadas para o conflito, onde o próprio presidente estimou
um milhão de mortos, bem como o momento de transformações observadas junto as
corporações policiais militares de todo o País, aferiram a PM de Minas uma condição peculiar
frente as demais congêneres.
Com o término da Segunda Guerra Mundial, as Forças Armadas brasileiras se
consolidaram como atores políticos no cenário nacional, passando elas mesmas a elaborarem
um projeto de desenvolvimento para o País, vinculado a Doutrina de Segurança Nacional
318
.
Nessa perspectiva, os militares federais, principalmente do Exército, entendiam como vital a
hegemonia sobre o controle da segurança interna do País, ainda relativamente vinculada às
polícias militares estaduais. Assim, dando continuidade a um processo desencadeado durante
o governo Vargas, o Exército Brasileiro conseguiu, através da Constituição de 1946,
consolidar seu controle sobre as corporações policiais militares. A partir da Carta Magna, tais
corporações passaram à condição de forças auxiliares e reservas do Exército. No mais,
revertendo gradativamente o belicísmo outrora observado, embora tenham mantido seu
caráter militar, suas funções policiais foram sistematicamente direcionadas à prática de
segurança pública , nos moldes discorridos por Nilson Borges, conforme já mencionado.
Acompanhando tais mudanças, a exemplo das demais congêneres no País, a PM de
Minas, a partir da década de 1950, desenvolveu um programa de “instrução policial”
destinado a segurança pública, semelhante ao aplicado atualmente. Segundo alguns
317
BORGES. A Doutrina de Segurança Nacional e os Governos Militares, p. 37.
318
SILVA. A Defesa Legal do Arbítrio, p. 14.
105
estudiosos, esse tipo de instrução tinha “caráter e finalidade muito diferente da militar”, razão
pela qual foi preciso a adoção de “processos e meios diferentes dos conhecidos pela tropa”.
Para tanto, a “administração da Polícia Militar” de Minas Gerais foi transformando “os
métodos rotineiros, numa orientação mais objetiva para as finalidades da função policial que,
em virtude da própria” civilidade deveria “ser mais humana, mais social, mais preventiva e
mais educativa”
319
.
Como visto, no início da década de 1960, seguindo uma tendência nacional, os
policiais militares mineiros estavam recebendo um tipo de treinamento que não se prestava
especificamente as ações de uma guerra defensiva ou de guerrilha, que atendesse aos
propósitos dos conspiradores. Assim, uma vez avaliada como imprescindível ao levante
militar a partir de Minas Gerais, a Polícia Militar mineira, ao contrário de suas congêneres,
passou a receber treinamento de guerra coordenado pelo Exército, em consonância com o
governador Magalhães Pinto e seu comandante geral, Coronel PM José Geraldo de Oliveira.
Inicialmente, apesar de ambas as corporações já terem atuado conjuntamente em
ocasiões anteriores, foi preciso apaziguar um certo clima de rivalidades entre elas, sobretudo
em Belo Horizonte, em função das lembranças de 1930. Na ocasião, em meio ao processo
revolucionário que conduziu Getúlio Vargas ao poder, os policiais militares mineiros
cercaram e combateram os militares do Exército Brasileiro confinados no quartel do 12º
Regimento de Infantaria 12º RI do EB, fato que resultou mortes e era lembrando
negativamente por ambos os lados.
Todavia, a boa articulação entre o General Guedes e o Coronel José Geraldo,
viabilizou a união entre a Polícia Militar e o Exército, de tal modo que terminaram por se
complementarem militarmente. Para tanto, ambos os oficiais, demonstrando “grande
habilidade na condução do processo de aproximação entre as duas corporações”, conseguiram
“vencer rixas, em especial através da organização de um sistema de promoções conjuntas”,
que envolvia competições esportivas, visitas, formaturas” e festividades
320
. Paralelamente,
procedeu-se um treinamento também conjunto que transformou a Polícia Militar “de força
policial em força combatente”
321
.
A apropriação da PM de Minas para os fins de guerra, pode ser identificada desde a
quase duplicação de seu efetivo em menos de quatro anos, até a análise de alguns armamentos
operacionalizados pelos policiais em 1964, em decorrência do próprio treinamento. Sobre o
319
COTTA. Breve História da Polícia Militar, pp 119-120.
320
GUEDES. Tinha que Ser Minas, p. 62.
321
STARLING. Os Senhores das Gerais, p. 119.
106
efetivo, segundo o Coronel Marco Filho, em 1960 a Polícia Militar de Minas dispunha de
11.396 militares. No entanto, quando da deposição de João Goulart esse número havia subido
para 18 mil, conforme confirma o General Guedes. Ao enaltecer o comando da Polícia Militar
mineira, o comandante da ID/4 do EB expressou que no correr dos acontecimentos em 1964,
o “Coronel José Geraldo (...) representava os 18 mil homens da Polícia Militar de Minas
Gerais (...), prontos para serem lançados como tropa combatente e não mais como
policiais”
322
. Como explicitado, em 1964 a Corporação de Minas superava em mais de quatro
vezes o efetivo do Exército Brasileiro em solo mineiro.
Dimensionando estatisticamente esse súbito crescimento da PM mineira em relação à
demografia, é possível afirmar que ele se prestou muito mais aos propósitos do levante militar
e aos efeitos de guerra, do que ao âmbito da segurança pública. Tomando como válidos os
dados da APEC, verifica-se que entre 1940 e 1960 a população mineira cresceu 45 por cento
aproximadamente
323
. Por outro lado, no mesmo período o policiamento cresceu 34 por cento,
não acompanhando, portanto, o crescimento demográfico. Além disso, durante o período de
governo de Getúlio Vargas, mediante um conjunto de leis destinadas ao controle das polícias
militares estaduais, esse crescimento foi de apenas 9 por cento.
No período em questão, segundo afirmou o Coronel Tito Silveira, “o efetivo não
cresceu e nem diminuiu”, apenas variou. Esse fato representou sério problema, uma vez que a
demanda de trabalho e o número de municípios haviam aumentado”, realidade que não “era
levada em conta”. Confirmando a afirmação, é coerente ressaltar que em 1932 o efetivo
policial militar em Minas Gerais era de 8.537 homens, enquanto em 1954 era de 9.316
policiais. Conforme o exposto, é possível concluir que em 22 anos o acréscimo foi de apenas
959 homens, número muito aquém da demanda de trabalho
324
.
Como demonstrado estatisticamente, antes da década de 1960 não existia uma
significativa preocupação em promover o aumento do efetivo policial em razão da demanda
de serviço vinculada ao crescimento demográfico. Assim, não critérios plausíveis para
admitir que a demasiada ampliação do número de policiais em um curto intervalo de tempo,
tenha ocorrido com base em preocupações pertinentes ao âmbito da segurança blica,
mesmo porque os índices de criminalidade também não corroboravam para tanto. Por outro
lado, retomando o argumento do General Guedes, de que a vitória na guerra contra os
comunistas se afirmaria pela capacidade de ação baseada em “número de soldados instruídos,
322
GUEDES. Tinha que Ser Minas, p. 175.
323
APEC. A Economia Brasileira e suas Perspectivas, pp 227.
324
SILVEIRA. Crônica da Polícia Militar de Minas, p. 207.
107
armados e equipados”, percebe-se o real objetivo da quase duplicação do efetivo da PM de
Minas, ao longo dos primeiros anos da década de 1960.
Nesse ponto, as seguintes palavras de Magalhães Pinto permitem encerrar a questão.
Segundo afirmou o ex-governador em 1979, “na verdade, quando dois anos antes” de 1964,
“atribuíra ao Coronel José Geraldo a responsabilidade de preparar Minas” para uma ação
militar de “larga envergadura, temia que fosse inevitável um confronto armado”. Desse modo,
cumprindo as “minhas recomendações”, o referido comandante “tratou de elevar” o efetivo da
Corporação. Ao cabo de “dois anos de treinamento, pode a PM ser mobilizada com seus
soldados profissionais, preparados inclusive psicologicamente para a ação, por um corpo de
oficiais que”, conforme testemunho “dos Generais Guedes e Mourão”, bem como de “outras
altas patentes do Exército, honrariam qualquer corporação armada”
325
.
Encerradas as discussões estatísticas e antes de passar às observações cabíveis ao
treinamento e armamento, é interessante analisar um importante aspecto abordado por
Magalhães Pinto, condizente ao envolvimento da PM de Minas no contexto do levante militar
em 1964: a questão psicológica. Pertinente ao assunto, é certo que para atuar como
combatentes, os policiais tiveram que se submeterem a um treinamento destinado à prática da
guerra, cuja afinidade com as demandas de segurança pública eram mínimas. Todavia,
admitindo que a perspectiva da guerra esperada em 1964 envolvia o confronto entre
compatriotas, dispor de uma Corporação militar cujo trabalho cotidiano exige a prática da
coerção e o uso da força contra concidadãos, ainda que identificados como criminosos,
representava uma vantagem maior aos conspiradores.
Estudiosa sobre o assunto, Hannah Arendt argumentava que o Exército, “treinado
para lutar contra o agressor estrangeiro, sempre constituíra instrumento duvidoso para fins de
guerra civil, mesmo em condições totalitárias”, uma vez que “sente dificuldades em olhar o
próprio povo” como inimigo. Por outro lado, as forças policiais, em decorrência do próprio
treinamento e necessidades do trabalho, possuem preparo psicológico para tanto
326
.
Exemplificando, é oportuno lembrar que na Alemanha nazista, os principais executores da
chamada “solução final” que vitimou milhões de alemães de descendência judia, não
advinham do Exército, mas sim da SS e da Gestapo, que compunham as forças policiais de
confiança de Adolf Hitler.
No caso dos policiais militares mineiros, a incorporação da ideologia contida na
Doutrina de Segurança Nacional, somada ao preparo psicológico para identificarem inimigos
325
GUEDES. Tinha que Ser Minas, p. 6.
326
ARENDT. Origens do Totalitarismo, p. 470.
108
em meio aos concidadãos, contribuiu para desencadear um sentimento de extrema aversão aos
indivíduos caracterizados como subversivos. Aqui, considerando os postulados de uma guerra
civil, cuja vitória de um grupo também depende da capacidade dos seus integrantes
enxergarem compatriotas como inimigos, o empenho de uma força militar que tenha
facilidade para tanto é significativo.
Com o intento de evitar falsas impressões, é válido discorrer que embora a
eliminação do inimigo interno seja uma característica dos regimes totalitários, existe uma
distinção entre “inimigo objetivo” e “inimigo suspeito”. O primeiro caso é o que se presta ao
totalitarismo, em decorrência de ser definido e eliminado pela própria força que representa o
Estado. Para Hannah Arendt, essa categoria de inimigo é identificada ideologicamente pelos
regimes totalitários, indiferente de alguma manifestação contrária ao Estado. Por outro lado, o
inimigo suspeito é definido pelo suposto desejo de subverter a ordem do Estado, suas
instituições ou seu sistema de governo
327
. Através dessa argumentação, salienta-se a clara
vinculação da Polícia Militar de Minas com o segundo caso, coerente aos postulados da
Doutrina de Segurança Nacional.
Ainda condizente a questão psicológica, um acontecimento observado no noroeste de
Minas Gerais no dia 01 de abril de 1964, contempla a idéia de Hannah Arendt quanto a
viabilidade do empenho das forças policiais em uma guerra civil. Desencadeado o levante
militar pelo General Mourão a partir de Juiz de Fora, em Montes Claros, o 10º Batalhão de
Infantaria da PM de Minas 10º BI da PMMG, em estado de prontidão, aguardava ordens
para agir. Inicialmente designado à atuar juntamente com o 12º Regimento de Infantaria do
Exército 12º RI do EB, na ocasião em deslocamento de Belo Horizonte à Brasília, o 10º BI
da PM de Minas terminou por receber nova missão em caráter de urgência.
Na noite do dia 31 de março, após tomarem conhecimento de que um Batalhão de
Guardas Presidenciais do Exército Brasileiro BGP do EB
328
- havia iniciado deslocamento
de Brasília intentando atingir a cidade de Paracatu no noroeste de Minas, o comandante do 10º
BI da PM mineira, Tenente Coronel Georgino Jorge de Souza, reuniu seus subordinados e
partiu no sentido da mesma cidade. Segundo João Camilo Torres, essa operação embora tenha
sido menos focalizada “pelo noticiário”, foi “talvez a mais difícil” realizada pela PM de
327
ARENDT. Origens do Totalitarismo, p. 474. Ver também: SILVA. A Defesa Legal do Arbítrio, p. 125.
328
Segundo o General Guedes essa informação foi conseguida através de um reconhecimento aéreo. Esse
Batalhão, favorável à Goulart, compunha-se de “uma coluna motorizada constante de três carros de combate”,
bem como de unidades de infantaria, cujos militares foram conduzidos em “onze ônibus”. GUEDES. Tinha que
Ser Minas, p. 234. Segundo o Coronel Georgino, o Batalhão era composto por uns “600 homens”, que
dispunham de “armamento moderníssimo” e “três tanques”. Coronel Georgino Jorge de Souza (Comandante do
10º BI da PMMG em 1964) em entrevista concedida à Fábio Antunes Vieira (fit. Mag.). Montes Claros, 19 de
outubro de 2000.
109
Minas em 1964. Para o autor, o deslocamento dos policiais militares de Montes Claros à
Paracatu com o objetivo de “fechar” o acesso dos militares legalistas à Minas, apesar de ter
ocorrido em “estradas carroçáveis, atravessou o território mineiro (...) numa arrancada
fulminante, digna de um Rommel”
329
.
Pensando empreender o máximo de resistência ao BGP do EB, até à chegada do 12º
RI do EB, o Ten Cel Georgino chegou à cidade de Paracatu e adotou os procedimentos do que
ele definiu como “episódio de guerra psicológica”. Verificando a inferioridade bélica do seu
batalhão frente ao BGP do Exército e portanto a inviabilidade de um confronto direto, o
comandante do 10º BI ordenou aos seus subordinados da Companhia de Metralhadoras
Pesadas que ficassem de prontidão para um possível combate, ao mesmo tempo em que sitiou
com os demais policiais a cidade. Ciente de que o BGP já se encontrava nas proximidades da
ponte do rio São Marcos, importante via de acesso à Brasília próxima a Paracatu, o Ten Cel
Georgino tentou atingir os militares federais psicologicamente, ao centralizar o município e
seus cidadãos como parte do cenário de uma carnificina, caso seu comandante optasse
avançar sobre os policiais.
Condizente ao episódio, Georgino veio a admitir em entrevista posteriormente, que
na ocasião tomou alguns de seus oficiais ostensivamente armados e partiu ao encontro do
prefeito e demais personalidades de Paracatu. Mediante reunião, deixou claro seu
posicionamento em meio à “guerra” então em curso. Além disso, enfatizou que ocorrendo o
confronto “a cidade” seria “destruída”, uma vez que, vindo sobre eles “os bandidos
comunistas” poderiam “oferecer combate de rua”, em razão da superioridade bélica do
inimigo, que dispunha inclusive de “tanques”. Na continuidade, ao ser interpelado pelo
prefeito a lutar fora dos limites da cidade, o comandante do 10º BI ratificou que as casas
serviriam de “trincheiras” e o “sangue” dos civis mortos iria “clamar o Brasil a se levantar
contra os bandidos comunistas”. Por fim, advertiu que ninguém se esqueceria do que
aconteceria ali, bem como dos que tombariam como mártires da Nação. Por outro lado,
àqueles que se opusessem a essa “glória” seriam entendidos também como “comunistas”.
Terminado o diálogo, segundo afirmou o Coronel Georgino, alguns representantes de
Paracatu vendo-o intransigente e abalados psicologicamente, terminaram por fazer o que ele
esperava. Nesse sentido, tomaram alguns automóveis e foram ao encontro do comandante do
BGP do Exército, dali distante a alguns quilômetros, pedir para que não ordenasse o ataque
329
TORRES, História de Minas Gerais, p. 1568. Rommel era um oficial nazista e um dos homens de confiança
de Adolf Hitler.
110
que vitimaria muitos civis e destruiria a cidade, sitiada por forças policiais dispostas a lutar
330
.
Não é possível saber os efeitos que tal solicitação teve sobre o comando do BGP do EB,
todavia, o fato é que o confronto não chegou a ocorrer. Apesar de ter permanecido nas
proximidades por mais algumas horas, ainda no dia 01 de abril os militares federais
retornaram à Brasília. A essa altura dos acontecimentos, sabiam que o II e o I Exércitos
haviam aderido aos conspiradores. Através do exposto, é possível observar que o fator
psicológico terminou por ser empregado pela força policial como um instrumento de luta,
contra a força do Exército.
Pertinente a questão do treinamento, como abordado em outro capítulo, até 1962 a
PM de Minas vinha recebendo uma instrução adequada ao cumprimento das atribuições de
segurança pública, a exemplo das demais congêneres estaduais. Sem querer estender aqui
discussões realizadas, vale retomar, todavia, que o Manual de Instrução Policial Básica,
aprovado pelo comando da PMMG para o ano de 1962, destacava a Polícia Militar “como um
órgão da administração do Estado” de Minas Gerais “encarregado de manter a ordem e a
segurança públicas”
331
. Porém, acertado que a Corporação atuaria como força combatente no
levante militar, os policiais passaram a ser condicionados a arte da guerra, especificamente
defensiva, aproveitando a geografia do estado mineiro.
Como observado, a opção por um tipo de guerra defensiva ou de guerrilha tinha
suas razões vinculadas à possibilidade de oposição por parte de Goulart a sua deposição.
Assim, caso o presidente tivesse reagido militarmente, o governador de Minas Gerais
decretaria “estado de beligerância” em nome da soberania nacional e empreenderia a
resistência necessária para obter apoio dos aliados, inclusive dos Estados Unidos. A partir
dessa atitude, articulada entre o complexo ESG/IPES/IBAD e os representantes do governo
dos EUA no Brasil, o presidente Lindon Johnson reconheceria como legítima a ação contra
Goulart, justificando desse modo o envio da operação Brother Sam. Segundo Moniz Bandeira,
o apoio logístico e bélico enviado pelos Estados Unidos chegaria a Minas Gerais “através do
porto de Vitória e da estrada de ferro Vale do Rio Doce, conforme o General Guedes acertara
com” o General Vernon “Walters e um agente da CIA chamado Lawrence” Laser
332
.
Quanto aos recursos disponibilizados para que a PM de Minas se adequasse aos
propósitos dos conspiradores, além dos angariados pelo IPES-Novos Inconfidentes, uma parte
foi conseguida por intermédio direto de Magalhães Pinto e do General Guedes junto aos
330
Coronel Georgino Jorge de Souza (Comandante do 1BI da PMMG em 1964) em entrevista concedida à
Fábio Antunes Vieira (fit. Mag.). Montes Claros, 19 de outubro de 2000.
331
SANTOS. Policiamento, p. 42.
332
BANDEIRA. O Governo João Goulart, p. 173. Ver também: GUEDES. Tinha que Ser Minas, p. 190 / p. 223.
111
representantes do governo norte-americano no País, sobretudo o embaixador Lincoln Gordon
e o General Walters. Para tanto, alguns acordos escusos foram firmados, bem como certos
programas foram adotados, como o chamado “Ponto IV”. Segundo cita Heloísa Starling, esse
programa “implicava auxílio de material pertinente à missão policial-militar, estando
excluído, ao menos do ponto de vista formal, o fornecimento de armas a PM”. Além disso, à
CIA coube contribuir no processo de “adestramento” dos policiais através de seus agentes, a
exemplo de “Dan Mitrione”, morto em 1970 no Uruguai pelos guerrilheiros Tupamaros
333
.
Entretanto, apesar da formalidade, o próprio General Guedes afirmou ter solicitado a
Lawrence Laser, em caráter de urgência, “blindados, armamentos leves e pesados, munições,
combustíveis, aparelhagem de comunicações, enfim todo o complexo material que a guerra
exige e que Minas dispunha em quantidade ínfima”
334
. Embora existisse uma preocupação em
tentar evitar comentários malévolos e, de certa forma, impedir insinuações da influência do
governo norte-americano no movimento” civil-militar contra Goulart
335
, o certo é que ela
inegavelmente existiu, conforme demonstram vários estudos já publicados.
Abordando os aspectos que viabilizam demonstrar a transformação dos policiais em
força combatente, o depoimento a seguir e uma breve análise de alguns armamentos
utilizados, permitem tecer uma idéia dessa adaptação. Nesse sentido, segundo afirmou em
entrevista o Sargento Francisco de Assis, em 1964 estava sendo realizado no 10º BI da
PMMG o chamado Curso de Formação de Soldados CFS. Na oportunidade, mediante o
“clima de guerra”, alguns “recrutas” foram escolhidos, inclusive ele, para compor a
denominada “Companhia de Metralhadoras Pesadas”. Conforme lembrou o militar, a partir
dessa seleção eles passaram a receber um “especial” e “intenso treinamento”, que os
capacitaram operarem um “armamento de guerra e não de policiamento”. Justificando a
escolha, argumentou que em função da natureza do trabalho, como estavam em “plena forma
física” devido a exaustiva prática de exercícios diários, o “comando considerou” que eles
eram os mais aptos para tanto
336
.
Além do depoimento, o manejo de armamentos de guerra pela PM de Minas em
1964, também pode ser identificado pelo conteúdo da “Ordem de Operação 01”. Emitida
em “30 de março” pelo “Estado-Maior Geral” em Minas, essa ordem estabelecia, dentre
outras coisas, que as “unidades” policiais “mobilizadas” deveriam “compor-se de 03
333
STARLING. Os Senhores das Gerais, p. 126. Ver também: BANDEIRA. O Governo João Goulart, p. 126.
334
GUEDES. Tinha que Ser Minas, p. 223.
335
GUEDES. Tinha que Ser Minas, p. 223.
336
Terceiro Sargento Francisco de Assis Rocha (Soldado do 10º BI da PMMG em 1964) em entrevista concedida
à Fábio Antunes Vieira (fit. Mag.). Montes Claros, 09 de abril de 2002.
112
companhias de fuzis” constituídas “de 170 homens cada”, bem como de “01 companhia de
metralhadoras pesadas, leves ou mistas, constituída de 134 homens”. Quanto ao excedente, se
ocorresse, deveria ser organizado “nos mesmos moldes”
337
. No mais, ao longo da preparação,
foram montadas “oficinas de armeiros e fabrico de armas”, tais como “bazucas, metralhadoras
de mão, fuzis e granadas”
338
.
Com o intuito de comparar o quanto o emprego desses armamentos em larga escala
destoava das funções policiais convencionais, faz-se relevante tecer algumas considerações
sobre o assunto. Segundo o Manual de Policiamento aprovado pelo comando da PMMG para
o ano de 1962, “o revólver” calibre trinta e oito era tido como “a arma normal” a ser utilizada
pelo “policial militar” no âmbito das funções de segurança pública”, além do cassetete e
algemas
339
. Todavia, como evidenciado anteriormente, em 1964 os policiais manuseavam
fuzis e metralhadoras, armamentos de uso convencional do Exército Brasileiro, cuja
destinação principal é a prática da guerra.
Assim, mediante o exposto, a partir da análise de alguns desses armamentos, é
possível ter uma noção do quanto os policiais militares foram desvinculados das funções de
segurança pública, a fim de atenderem aos propósitos de uma possível guerra interna,
postulada pela Doutrina de Segurança Nacional. Para os fins comparativos, considerando que
na atividade policial convencional, a abordagem de um cidadão suspeito ou infrator
geralmente ocorre a curtas distâncias, exigindo inclusive a verbalização e o contato físico para
os efeitos de prisão, se o uso da força letal for necessária e discricionária, o emprego do
revólver é o mais coerente. Nesse ponto, dentre outros fatores, além da facilidade do manejo,
é menos ostensivo ao público civil, bem como permite um disparo com precisão a 20 metros
do alvo, distância que circunda a maior parte do trabalho policial.
No entanto, em 1964, dada a preparação para a guerra, os policiais empunhavam
principalmente um tipo de fuzil chamado “mauser”. Esse armamento de origem alemã, foi
largamente utilizado nas duas Grandes Guerras Mundiais. No caso da PM de Minas, embora o
modelo empregado tenha sido fabricado em 1908, podia vitimar um inimigo a 2 mil metros de
distância, apesar de sua precisão de tiro ser de 300 metros. Além disso, seu projétil era capaz
de varar um muro, se disparado a 400 metros de distância. Como visto, é um armamento para
tiros precisos a longas distâncias, onde o propósito é eliminar o oponente
340
.
337
MARCO FILHO. História Militar da PMMG, p. 86. Ver também: GUEDES. Tinha que Ser Minas, p. 199.
338
Revista História, nº 10, edição de março de 1974.
339
SANTOS. Policiamento, p. 51.
340
SOBRINHO. Manual de Armamento da PMMG, pp 100-102.
113
Além do fuzil, as metralhadoras também compunham o arsenal da Polícia Militar
mineira em 1964. Dentre as disponíveis na época, as mais utilizadas pelas companhias eram a
FMZB e a Madsen. Historicamente, a Primeira Guerra Mundial “havia provado que a
principal necessidade da infantaria era o poder de fogo preciso, continuado e portátil”. Assim,
a outrora Tchecoslováquia desenvolveu o fuzil metralhador FMZB, enquanto os
dinamarqueses desenvolveram a Madsen, armamentos com alto poder de fogo largamente
empregados na Segunda Guerra Mundial.
Pertencentes ao campo das armas automáticas, tanto a FMZB quanto a Madsen
exigiam em seu emprego a operacionalidade de mais de um militar. Viabilizando disparos
precisos à 200 e 400 metros de distância, embora capazes de produzirem ferimentos letais a
900 e 1200 metros respectivamente, essas armas disparavam mais de 180 tiros por minuto,
dependendo da habilidade do militar. Quanto ao empenho, eram úteis em situações onde a
defesa de pontos estratégicos fosse exigida, mediante perigo iminente do avanço de tropas
inimigas, aplicação que se prestava aos propósitos de resistência em Minas
341
.
Ressalva seja feita, é certo que determinados serviços prestados pela Polícia Militar
exigem o emprego de alguns armamentos e equipamentos especiais, inclusive de uso das
Forças Armadas. Nesse ponto, é inegável que o aumento da violência e o incremento das
ações criminosas têm exigido das forças policiais uma resposta mais enérgica, o que
conseqüentemente implica investir em capacitação, equipamentos e armamentos que
viabilizem o bom desempenho das funções.
Todavia, como mencionado, a arma de maior aplicabilidade ao trabalho policial é
o revolver calibre trinta e oito e não fuzis e metralhadoras, que embora empregados em
circunstâncias especiais no âmbito de segurança pública, se destinam ao uso das Forças
Armadas para fins de Guerra. Assim, observando que em 1964 os policiais militares faziam
uso desses armamentos em larga escala, é notório que as preocupações com a defesa interna e
conseqüentemente com uma possível guerra civil, eram maiores que as pertinentes à
segurança pública, admitida aqui segundo definição de Nilson Borges, já mencionada.
Conforme discorrido ao longo do capítulo, mediante necessidade de um levante
militar contra o governo federal, embasado pelos postulados da DSN, os conspiradores
passaram a analisar o melhor lugar para tanto. Assim, observando que Minas Gerais, em meio
a “Geopolítica” e a “Geoestratégia” detinha as melhores condições para desencadear as ações
militares, o estado foi escolhido e passou a ser preparado para a execução de tal missão.
341
SOBRINHO. Manual de Armamento da PMMG, pp 112-123.
114
Entretanto, apesar de estar inscrita em um conjunto de fatores favoráveis, Minas
Gerais detinha um diminuto efetivo do Exército Brasileiro, que não constituía força suficiente
para empreender luta contra as forças leais ao governo federal, caso houvesse resistência.
Assim, dentre as soluções possíveis, o envolvimento da PMMG nos acontecimentos foi
atribuído como a decisão mais acertada. Todavia, considerando que as circunstâncias exigiam
sua atuação como tropa combatente e não como força policial, um treinamento intensivo
coordenado pelo Exército Brasileiro passou a ser ministrado com tal intento.
Assim, a partir de 1962, a PM de Minas, ao contrário do observado junto às demais
congêneres pelo País, passou a receber treinamento de guerra, em detrimento das atribuições
de segurança pública. Desse modo, somando a incorporação da ideologia contida na DSN,
com a facilidade de identificar o compatriota como um inimigo do Estado, os policias
militares potencializaram a aversão ao indivíduo caracterizado como subversivo ou mais
precisamente comunista, fator relevante ao advento de uma possível guerra civil.
Dessa maneira, empenhada como força combatente, embora o conflito não tenha
ocorrido, quem entenda que o envolvimento e a preparação da PM de Minas frente aos
acontecimentos foi relevante para o sucesso das ações militares desencadeadas a partir do
estado em 1964. Nesse sentido, é válido salientar que a PMMG foi a única corporação policial
militar a atuar como força combatente, no levante que depôs o presidente João Goulart. Esse
fato, que conduziu às Forças Armadas ao poder, alterou a perspectiva de desenvolvimento e
segurança até então observada no Brasil, realidade que atribui a PM de Minas uma grande
responsabilidade pelos seus atos, uma vez que as implicações afetaram o destino do País.
4.1 - De Policiais a Combatentes: Algumas Imagens de uma Transformação.
Esta parte do trabalho foi elaborada com o intento de oferecer ao leitor, uma outra
perspectiva sobre a transformação dos policiais mineiros em força combatente. Nesse sentido,
muito embora as imagens corroborem com as explanações tecidas até o momento, “a proposta
aqui não é apresenta-las como meras ilustrações”
342
. Assim, respeitando o fato de que cada
imagem tem suas próprias peculiaridades
343
, a intenção foi tratar o material fotográfico como
fonte, como documento válido “para a análise do objeto histórico em tela”
344
.
Relativo a primeira fotografia, não informações disponíveis quanto a data ou
identificação dos militares por ela contemplados. Entretanto, é possível afirmar que seu
342
MOTTA. Em Guarda Contra o ‘Perigo Vermelho’, p. 90.
343
BARROS. O Campo da História, p. 106.
344
MOTTA. Em Guarda Contra o ‘Perigo Vermelho’, p. 90.
115
conteúdo registrou uma cena da Segunda Guerra Mundial. Assim, no que a imagem se presta
especificamente a este trabalho, o destaque é a metralhadora Madsen operada pelo militar ao
centro, armamento que também foi utilizado pela PM de Minas no início da década de 1960.
FOTO 01. Cena da Segunda Guerra Mundial. Ao centro, o combatente opera uma metralhadora Madsen.
FONTE: Site Military Power. Disponível em <http//www.militarypower.com.br/madsen>. Acesso em: 29 de abril de 2007.
Em detalhe, a segunda fotografia apresenta a metralhadora Madsen. De origem
dinamarquesa, o projeto do referido armamento remonta ao início do século XX, mas foi
aperfeiçoado e utilizado em larga escala durante a Segunda Guerra Mundial.
FOTO 02. Metralhadora Madsen – modelo dinamarquês.
FONTE:
Site Military Power. Disponível em <http//www.militarypower.com.br/madsen>. Acesso em: 29 de abril de 2007.
Pertinente a esse armamento, a terceira fotografia mostra o modelo adquirido pela
PM mineira. Denominada madsen 935, tecnicamente é uma metralhadora “calibre 7 mm”,
cuja velocidade prática é de 250 tiros por minuto, com alcance útil (letal) de 900 metros.
Segundo o Major PM Benjamim Sobrinho, trata-se de uma metralhadora de “grande
mobilidade e cadência de fogo”, bem como de “alto poder de penetração”. No mais, para o
116
oficial, seu empenho é “inviável ao serviço policial cotidiano”, uma vez que se presta as
“operações de guerrilha rural e defesa de pontos ocupados contra ataques”
345
.
FOTO 03. Metralhadora Madsen modelo 935 – adotada pela PMMG
FONTE:
Site PMMG. Disponível em <http//www.pmmg.6rpm.mg.gov.figuras/metralhadoras_madsen.asp>. Acesso em: 17
de setembro de 2007.
Pertinente a afirmação de que os policiais militares mineiros foram adequados às
práticas de guerra durante o governo Goulart, a fotografia a seguir é elucidativa nesse sentido.
Por ocasião das solenidades vinculadas ao assentamento da pedra fundamental, no local onde
foi erguido o quartel que hoje abriga o 10º Batalhão de PM de Minas na cidade de Montes
Claros, o então Ten Cel Georgino Jorge de Souza hasteou a Bandeira Nacional entre duas
metralhadoras Madsen, montadas em tripé. O registro, feito em dezembro de 1962, corrobora
com o argumento apresentado de que, a partir do referido ano, foi intensificado o
treinamento visando adequar o policiais para os fins de uma guerra interna.
345
SOBRINHO. Manual de Armamento da PMMG, p. 131.
117
Na mesma foto, considerando os reflexos da Guerra Fria, também é significativa a
associação entre o aspecto religioso (representado pelo altar improvisado), o poder militar
(representado pelas armas e pela própria presença do oficial) e o sentimento nacionalista
expressado pelo hasteamento do Pavilhão nacional. De modo implícito, dentre as
interpretações possíveis, é coerente abstrair da imagem a idéia dos militares como defensores
dos valores da Pátria, sobretudo contra o temerário comunismo.
FOTO 04. Solenidade de assentamento da pedra fundamental do quartel do 10º Batalhão de Infantaria da PM de
Minas, em dezembro de 1962. O militar hasteando a Bandeira é o Ten Cel Georgino Jorge de Souza, então
comandante do referido Batalhão. Quanto as duas armas, tratam-se de metralhadoras Madsen modelo 935.
FONTE: Arquivo pessoal de Dinorah Teixeira de Souza (viúva do Coronel Georgino Jorge de
Souza). Montes Claros, 03 de maio de 2007.
118
Condizente a atuação dos policiais militares mineiros como força combatente, frente
aos acontecimentos que resultaram na queda de João Goulart, a quinta fotografia mostra os
militares do 10º Batalhão de Infantaria da PM de Minas nas proximidades da cidade de
Paracatu, na manhã do dia primeiro de abril de 1964. Na ocasião, conforme tratado no
capítulo quatro, o 10º BI tomou marcha às pressas a partir da cidade de Montes Claros, com o
propósito de fazer frente a um Batalhão de Guardas Presidenciais que havia partido de
Brasília rumo a Minas, intentando bloquear o acesso das forças oposicionistas à Capital
Federal. Na ocasião o risco do confronto foi iminente
346
.
Atendo-se a questão bélica, pela imagem é possível observar que os polícias militares
carregavam consigo armamentos não convencionais as funções de segurança pública, mas sim
de guerra, novamente evidenciando a transformação de que trata o presente capítulo. Na foto,
principalmente no primeiro caminhão, é notório o manuseio da metralhadora madsen, bem
como dos fuzis mauser de origem alemã. Além disso, o próprio fardamento tem similitudes
com os utilizados pelo Exército Brasileiro na ocasião.
FOTO 05. Militares do 10º BI da PM de Minas em marcha sentido Brasília, na manhã do dia 01 de abril de 1964.
FONTE: Arquivo pessoal de Dinorah Teixeira de Souza (viúva do Coronel Georgino Jorge de Souza). Montes
Claros, 03 de maio de 2007.
346
Segundo o Coronel Georgino Jorge de Souza (Comandante do 10º BI da PMMG em 1964) em entrevista
concedida à Fábio Antunes Vieira (fit. Mag.). Montes Claros, 19 de outubro de 2000.
119
em Brasília, a sexta fotografia demonstra o momento em que alguns policiais
militares do 10º BI posaram frente à câmera, a fim de registrarem suas respectivas atuações
junto aos acontecimentos que, segundo eles tinham por intento a salvação da Pátria contra o
comunismo. Quanto as armas, o primeiro militar posa com um fuzil metralhador FMZB,
enquanto os outros cinco seguram fuzis mauser.
FOTO 06. Militares do 10º BI da PM de Minas em Brasília. Abril de 1964.
FONTE: Arquivo pessoal do Sargento Silvio Soares Ribeiro, soldado do 10º BI em 1964 (na foto o quinto da
esquerda para a direita). Januária, 17 de outubro de 2000.
Em detalhe, a sétima fotografia apresenta o fuzil mauser modelo 1908 de origem
alemã. Largamente utilizado nas duas Grandes Guerras Mundiais, esse armamento permite
um disparo preciso a 300 metros de um alvo com 30 centímetros quadrados, apesar de
tecnicamente possuir um poder letal a 2 quilômetros de distância. Além disso, seu projétil é
capaz de varar um muro, se disparado a 400 metros de distância. Como base nas informações
contidas no Manual de Armamento da PMMG, o fuzil mauser destina-se a situações de
combate que demandem tiros precisos a longas distâncias, onde o propósito é eliminar o
oponente
347
. Apesar de continuar em operação, embora em versões mais atualizadas (como o
modelo de 1968), seu emprego operacional na PM de Minas é muito raro e em regra fora dos
347
SOBRINHO. Manual de Armamento da PMMG, pp 100-102.
120
perímetros urbanos. Entretanto, em razão de seu histórico na Corporação, acabou sendo
tomado como um símbolo dos praças
348
, que continuam a manuseá-los em desfiles militares.
FOTO 07.
Fuzil Mauser de origem alemã, modelo 1908.
FONTE.
Site Military Power. Disponível em <http//www.militarypower.com.br/madsen>. Acesso em: 29 de abril de 2007.
Inserida no contexto do regozijo pela vitória sobre as forças subversivas que,
segundo os militares direitistas atentavam contra a ordem e a soberania nacionais, a oitava
fotografia mostra um pelotão do 10º BI da PMMG registrando sua participação nos
acontecimentos que conduziram as Forças Armadas ao controle do País. Para tanto,
significativamente os policiais tomaram como fundo a chamada Esplanada dos Ministérios,
um dos símbolos de poder da Capital Federal.
FOTO 08. Pelotão do 10º BI da PMMG em Brasília, após a queda de João Goulart. Abril de 1964.
FONTE: Arquivo pessoal de Dinorah Teixeira de Souza (viúva do Coronel Georgino Jorge de Souza). Montes
Claros, 03 de maio de 2007.
348
Na PMMG, soldados, cabos, sargentos e sub-tenentes compõem o conjunto das praças militares.
121
A fotografia a seguir, embora não assuma aqui um caráter de prova, é bem
representativa no que concerne o sentimento e a participação dos policias militares mineiros,
em relação aos acontecimentos desencadeados em nome da Doutrina de Segurança Nacional.
Em frente ao Palácio da Alvorada em Brasília, momentos após a queda de Goulart, alguns
oficiais resolveram estender a bandeira de Minas Gerais frente ao símbolo do poder político
nacional, a fim de registrarem aquele momento histórico. Aqui, como afirmou o Cel Georgino
Jorge de Souza, o objetivo da fotografia não foi apenas materializar uma lembrança
individual, mas registrar um importante momento na história do Pais, em que a PM de Minas
contribuiu para “rechaçar o comunismo que ameaçava os mais caros valores da Nação”
349
.
FOTO 09. Policiais militares mineiros em frente ao Palácio da Alvorada. Brasília, 02 de abril
de 1964. O militar à esquerda (com capacete sob o braço) é o Ten Cel Georgino Jorge de
Souza (na época comandante do 10º BI da PMMG). À sua esquerda se encontra o Cel José
Geraldo de Oliveira, então comandante geral da PMMG. Não informações disponíveis
sobre a identidade dos demais policiais.
FONTE: Arquivo pessoal do Coronel Georgino Jorge de Souza. Montes Claros, 20 de outubro de 2000.
349
SOUZA, Cel Georgino Jorge de. Na verdade esse comentário não foi gravado, uma vez que foi proferido no
momento em que o militar, emotivamente, cedia a foto ao autor em 20 de outubro de 2000. Entretanto, na
ocasião ele foi anotado, inclusive a parte entre aspas, reproduzida na íntegra.
122
A décima fotografia, tem por intento contribuir para demonstrar a interação existente
entre o Exército Brasileiro e a Polícia Militar de Minas, nos idos de 1964. Na cena em
questão, lado a lado estão os maiores protagonistas do levante militar a partir de Minas
Gerais, ou seja, os Generais Mourão e Guedes e o Coronel José Geraldo de Oliveira.
FOTO 10. Militares do Exército Brasileiro e da Polícia Militar de Minas Gerais, em visita a algumas unidades
das Forças Armadas em Brasília. A data não é precisa, mas foi tirada em abril de 1964. Da esquerda para a
direita estão: Cel PM José Geraldo de Oliveira (Comandante Geral da PMMG), General Carlos Luis Guedes
(Comandante da ID/4 do EB Belo Horizonte), General Mourão Filho (Comandante da RM do EB Juiz de
Fora) e Ten Cel Georgino Jorge de Souza (Comandante do 10º BI da PMMG Montes Claros). A identidade do
militar ao fundo é desconhecida.
FONTE: Arquivo pessoal do Coronel Georgino Jorge de Souza. Montes Claros, 20 de outubro de 2000.
A seguir, a cima primeira fotografia mostra os policiais militares mineiros,
sobretudo de 10º Batalhão de Infantaria, acantonados no teatro municipal de Brasília. A partir
desse local, onde permaneceram ao longo de quase todo o mês de abril de 1964, o 10º BI foi
solicitado a executar missões de captura e prisão de vários indivíduos considerados
comunistas pelo novo regime, dentre eles Darci Ribeiro e Francisco Julião
350
.
350
Segundo o Coronel Georgino Jorge de Souza (Comandante do 10º BI da PMMG em 1964) em entrevista
concedida à Fábio Antunes Vieira (fit. Mag.). Montes Claros, 19 de outubro de 2000. Ver também: RIBEIRO.
Confissões, p. 356.
123
FOTO 11. Policias militares mineiros, sobretudo de 10º BI, acantonados no teatro municipal de Brasília. Não
informações precisas sobre a data específica da fotografia, exceto que foi tirada em abril de 1964.
FONTE: Arquivo pessoal de Dinorah Teixeira de Souza (viúva do Coronel Georgino Jorge de Souza). Montes
Claros, 03 de maio de 2007.
Por fim, a última fotografia selecionada para compor esta parte do trabalho, refere-se
ao desfile militar realizado por ocasião da posse do Marechal Humberto de Alencar Castelo
Branco, eleito de modo indireto, por pressão da cúpula militar que assumiu o poder, em 15 de
abril de 1964. Na oportunidade, policiais militares mineiros tomaram parte do evento,
ratificando a participação nos acontecimentos que alteraram os destinos do País, e cujos
reflexos continuam notórios no cotidiano nacional.
FOTO 12. Desfile militar por ocasião da posse do Marechal Castelo Branco. Brasília, abril de 1964.
FONTE: Arquivo pessoal de Dinorah Teixeira de Souza (viúva do Coronel Georgino Jorge de Souza). Montes
Claros, 03 de maio de 2007.
124
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir de uma análise comparada ao longo da história do Brasil, foi observado que
o Exército Brasileiro e a Polícia Militar do Estado de Minas Gerais tiveram suas origens
durante o período colonial. No momento em questão, é possível afirmar que não existiam
grandes distinções entre suas atribuições ou mesmo um compêndio normativo mais específico
que as organizassem. Contudo, após a independência, apesar do Exército Brasileiro ter sido
desprestigiado frente a Guarda Nacional, foram deliberadas algumas leis para sua
institucionalização, ocasião em que suas funções foram destinadas, sobretudo, a defesa do
País contra inimigos estrangeiros e o controle de fronteiras. Por outro lado, embora couberam
às forças policiais as atribuições de segurança blica (juntamente com a Guarda Nacional),
na prática, devido aos diversos conflitos internos que ameaçaram a unidade nacional, bem
como os conflitos externos como a Guerra do Paraguai, elas foram integradas ao Exército
Brasileiro e terminaram por desempenharem funções de guerra.
Na continuidade, com o advento da República as polícias militares passaram a ser
organizadas segundo as condições de cada estado federado, enquanto o Exército Brasileiro,
por outro lado, gradativamente conquistou a hegemonia do serviço militar frente a Guarda
Nacional, extinta em 1918. Todavia, visto o alto grau de militarização alcançado pelas
polícias militares estaduais, o comando do Exército e o governo federal, principalmente
durante a ditadura varguista, desencadearam um conjunto de medidas legais para subjugá-las.
Assim, atribuídas como forças auxiliares e reservas do Exército Brasileiro pela Constituição
de 1946, as polícias militares passaram a convergir gradativamente suas ações, de modo mais
específico, a prática da segurança pública. Entretanto, pertinente a Minas Gerais, essa
orientação foi interrompida no início da década de 1960, em decorrência dos fatos que
resultaram à ascensão dos militares ao poder em abril de 1964.
Nesse sentido, considerando que os reflexos da Guerra Fria, bem como as próprias
contradições dos governos considerados populistas, haviam afetado as Forças Armadas, os
militares passaram a conceber idéias salvacionistas para o Brasil. Assim, inseridos em uma
sociedade marcada pelos embates e incertezas pertinentes ao futuro do País, eles terminaram
assumindo posturas diferenciadas nesse contexto, fato que implicou prejuízos aos caros
princípios da hierarquia e da disciplina. Desse modo, avaliando que as disparidades dentro das
Forças Armadas eram o reflexo de um processo subversivo em marcha no Brasil, parte dos
militares passou a empreender a idéia de que a Pátria estava ameaçada pelo “perigo
vermelho”. Destarte, partindo do princípio de que os governos civis não dispunham das
125
condições cabíveis para encadear progresso com soberania nacional, um grupo de oficiais
terminou por conceber a chamada Doutrina de Segurança Nacional - DSN, a fim de
legitimarem o assalto ao poder.
A partir da difusão da DSN, parte da oficialidade militar, avaliando que os efeitos da
bipolarização mundial conturbavam cada vez mais o cotidiano pátrio, passaram a sustentar a
idéia de que a segurança do País estava diretamente condicionada ao seu grau de
desenvolvimento econômico. Nesse contexto, é correto afirmar que a DSN foi engendrada
com o propósito de promover a submissão das atividades da Nação a uma política de
segurança, destinada a rechaçar o comunismo e transformar o Brasil em uma potência
capitalista. Assim, pelos postulados da referida doutrina, o projeto de desenvolvimento para o
País estava vinculado a um esforço de guerra, a despeito dos princípios do bem-estar social.
Tomando outros termos, em um mundo marcado pela Guerra Fria, caberia ao Brasil angariar
os recursos cabíveis para empreender luta contra a chamada guerra revolucionária de cunho
comunista, bem como assegurar a manutenção da aliança com o bloco capitalista.
Sobre o anticomunismo manifesto pelos militares, apesar de rios estudiosos
enfatizarem o fato dele ter se prestado aos propósitos conspiratórios (como Moniz Bandeira),
a quem advogue que ele não era totalmente desprovido de razão, como é o caso de Rodrigo
Patto Motta. Conforme discorrido, admitindo a expansão comunista no País como uma
ameaça real, parte dos militares ideologicamente vinculados a Escola Superior de Guerra -
ESG, sob a justificativa de que os poderes constitucionais lhes aferiam a responsabilidade
pela defesa da Nação, desencadeou uma verdadeira mobilização de guerra contra a subversão
interna. Para tanto, fundamentados pela DSN, avaliaram que a intervenção política era
legitima e necessária para a preservação dos interesses maiores do País.
Nesse sentido, a idéia de exercerem o controle direto do Estado brasileiro foi
intensificada com a ascensão de João Goulart à presidência da República. Aqui, dentre outros
fatores antagônicos, cabe salientar que a retomada do projeto nacional-desenvolvimentista
varguista, bem como a política externa independente, não atendiam aos anseios dos militares
ligados a ESG e seus aliados civis, que pretendiam consolidar um capitalismo associado-
dependente no País. Assim, entendendo ser esse o melhor caminho rumo ao desenvolvimento
e a segurança nacional, mesmo a revelia do bem-estar social, os militares direitistas, postos
todos os limites antagônicos do referido governo, optaram pela tomada do poder em
observância a Doutrina de Segurança Nacional.
Entretanto, visto que as Forças Armadas não representavam um todo indivisível e as
parcelas mais humildes da população coadunavam mais com os setores de esquerda, o grupo
126
da ESG entendia que a ascensão ao poder se daria por meio de uma guerra interna. Assim,
crentes de que era preciso iniciar um levante militar, antes que os comunistas atingissem
condição de pleitear o comando do País, os conspiradores passaram a tecer estudos destinados
ao melhor modo e local para desencadeá-lo. Nesse contexto, considerando alguns
fundamentos inscritos na DSN, chegaram à conclusão de que Minas Gerais abrigava as
condições mais favoráveis à consecução de tal intento.
Pertinente ao exposto, é certo afirmar que Minas Gerais figurou como o mais
destacado estado da federação, frente às ações militares irrompidas sob a justificativa da
segurança nacional. Para tanto, além da articulação estabelecida com os conspiradores dos
demais estados em torno da DSN, as características geográficas do estado mineiro
compuseram um conjunto de significativa importância. Nessa perspectiva, sendo parte
constituinte do chamado “núcleo central brasileiro”, Minas Gerais era o estado que melhor
viabilizava acesso a Brasília, centro do poder político nacional. Além disso, relativo ao
contexto político-militar observado nos idos de 1964, Minas era o único dentre os grandes
estados brasileiros em que o governo estadual, a polícia militar e as forças do Exército e da
Aeronáutica se mantinham coesas contra o governo de João Goulart.
No entanto, embora Minas estivesse inscrita em um conjunto de fatores favoráveis
para assumir a vanguarda das operações militares, existiam algumas deficiências a serem
supridas. Aqui, considerando a responsabilidade atribuída a Minas, de levantar armas sob a
perspectiva de uma guerra civil, seu problema mais crítico era exatamente a diminuta
presença do Exército Brasileiro em seu território. Marcada pela continentalidade, o estado de
Minas era entendido como de menor potencial de risco, na eventualidade de uma invasão
estrangeira. Desse modo, dispondo de um reduzido contingente aproximado de 4 mil militares
do Exército Brasileiro em 1964, o estado mineiro não ocupava privilegiada posição quanto à
distribuição dessa Força pelo País. Assim, comparativamente, enquanto São Paulo e Rio de
Janeiro abrigavam duas das quatro mais poderosas divisões do Exército pelo Brasil, Minas
Gerais contava apenas com frações menores.
A partir dos argumentos apresentados, conclui-se que o Exército em Minas não
compunha força suficiente para iniciar sozinho o levante militar. Assim, admitindo a
complexidade do problema aos propósitos almejados, a solução encontrada consistiu no
sistemático envolvimento da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais, frente aos
acontecimentos destinados a ascensão das Forças Armadas ao poder político nacional. Tal
medida, compreendida como possível, tinha a vantagem de passar pela articulação direta entre
127
o governador do estado, o comando da Corporação policial e demais conspiradores civis e
militares inscritos em âmbito nacional, fato que dispensou pouca atenção do governo federal.
Entretanto, é válido salientar que embora PM e Exército sejam corporações marcadas
pelo caráter do militarismo, são distintas quanto ao tipo de serviços que prestam a Nação.
Nesse ponto, resumidamente, enquanto as funções do Exército são pautadas pela guerra, em
regra contra inimigos estrangeiros, as polícias militares se prestam as funções de segurança
pública e por conseqüência ao trato com compatriotas civis. Condizente a breve diferenciação,
partindo do pressuposto de que o tipo de ação militar para ambos os casos exigem
treinamentos distintos, os destinados à segurança pública não eram os mais adequados para os
efeitos de um tipo de luta que demandava táticas de guerrilha. Assim, para que a Polícia
Militar mineira tivesse êxito frente ao processo destinado a tomada do poder, foi preciso
adequar à Corporação. Para tanto, retomando as discussões iniciais, mediante um intensivo
treinamento conjunto com o Exército Brasileiro, intensificado por volta de 1962, a Polícia
Militar de Minas foi transformada de força policial em força combatente.
Assim, em meio ao conjunto de fatores que conduziram Minas Gerais a desencadear as
operações militares que resultaram na deposição de João Goulart, a Polícia Militar terminou
sendo preparada a fim de contribuir para tal propósito. Nesse sentido, ao contrário de uma
tendência nacional, a PM de Minas foi sistematicamente integrada aos padrões de treinamento
do Exército Brasileiro, destinado às ações de guerra, em detrimento de um condicionamento
mais específico às ações de segurança pública. Além disso, somando a incorporação da
ideologia contida na DSN, com a facilidade de identificar o compatriota como um inimigo do
Estado, os policias militares potencializaram a aversão ao indivíduo caracterizado como
comunista, fator relevante ao advento de uma possível guerra civil.
Dessa maneira, empenhados como força combatente, embora o conflito não tenha
ocorrido, a quem entenda (como Heloísa Starling) que o envolvimento e a preparação da PM
de Minas frente aos acontecimentos foi relevante para o sucesso das ações militares
desencadeadas a partir do estado em 1964. Nessa linha, salienta-se que a PM mineira foi a
única corporação policial militar a atuar como força combatente no levante iniciado em 31 de
março de 1964. Esse fato, que conduzirou às Forças Armadas ao poder, alterou a perspectiva
de desenvolvimento e segurança até então observadas no Brasil, realidade que atribui a PM de
Minas uma grande responsabilidade pelos seus atos na ocasião, uma vez que suas implicações
afetaram o destino do País.
128
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do Estado de Minas Gerais PMMG em 1964, atuando junto ao 10º Batalhão de Infantaria
(hoje 10º Batalhão da Polícia Militar) sediado em Montes Claros.
ROCHA, Sargento Francisco de Assis, em entrevista concedida a Fábio Antunes Vieira
(fit. mag.). Montes Claros, 09 de abril de 2002. O entrevistado era Soldado da Polícia Militar
do Estado de Minas Gerais PMMG em 1964, atuando junto ao 10º Batalhão de Infantaria
(hoje 10º Batalhão da Polícia Militar) sediado em Montes Claros.
SOUZA, Coronel Georgino Jorge, em entrevista concedida a Fábio Antunes Vieira (fit. mag.).
Montes Claros, 19 de outubro de 2000. O entrevistado era Tenente-Coronel da Polícia Militar
do Estado de Minas Gerais PMMG em 1964. Na ocasião da instauração do regime militar
brasileiro comandava o 10º Batalhão de Infantaria (hoje 10º Batalhão da Polícia Militar)
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129
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REALIDADE. São Paulo: Abril Cultural, edição de julho de 1966.
REALIDADE. São Paulo: Abril Cultural, edição de abril de 1974.
Pesquisa de campo:
Museu da Força Expedicionária Brasileira FEB. Avenida Hermílio Alves, Centro Histórico
de São João del-Rei Minas Gerais. O museu encontra-se sob a responsabilidade do 11º
Batalhão de Infantaria de Montanha do Exército Brasileiro, sediado na mesma cidade. No
referido Museu, na data de 13 de julho de 2006, foi observado o tipo e a procedência de
alguns equipamentos e armamentos utilizados pelos militares brasileiros na Segunda Guerra
Mundial.
Fotografias:
Cedidas ao autor pelo Coronel Georgino Jorge de Souza, comandante do 10º BI da PMMG
em 1964. Montes Claros, 20 de outubro de 2000.
Cedidas ao autor por Dinorah Teixeira de Souza (viúva do Coronel Georgino). Montes Claros,
03 de maio de 2007.
Cedidas ao autor pelo Sargento Sílvio Soares Ribeiro, soldado do 10º BI da PMMG em 1964.
Januária, 17 de outubro de 2000.
Obtidas através do site: http//www.militarypower.com.br, visitado em 29 de abril de 2007.
130
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