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Para a Ilha dos Prazeres, PARADISE NOW, vem todos os neuróticos,
macumbeiros, macartistas, esfarrapados, disponíveis, impossíveis, boxers,
mancos, frouxos, devoradores, trogloditas, picaretas, enfermeiras,
pistoleiras, secretárias, empregadinhas, taxidermistas, beatos, naufragas,
ratos, peitudas, bundudas, astecas, débeis, grossas, pernas grossas, chatas,
coxos, piranhas, duros, verdugos, aleijados e recalcados de São Paulo.
A locução do narrador se dá sobre imagens igualmente incomuns, com o intuito
provável de nos apresentar os predicados anarco-pornográficos da famigerada Ilha dos
Prazeres: mulheres correm pela praia arrancando os biquínis; um bêbado cercado de
garrafas, livros, um sapato e uma vitrola; personagens que dançam tresloucados como
num ritual religioso; um homem abraçando duas mulheres nuas; uma “bunduda”
dançando a dança do ventre.
Sobe uma música pop suingada que logo dá lugar novamente à narração:
Ângela, ou simplesmente a rainha dos bossais, tarados, telegrafistas,
suicidas pernambucanos, colonizados, tucanos, aves raras, apopléticos,
crédulos, anõezinhos, choferes de táxi, turcos, leiteiros, magros,
importadores, foliões, orelhudos, embandeirados, sambistas, radialistas,
Cleópatras, turistas, botocudos, amazônicos em geral.
Como dissemos acima, este tipo de narração está presente na cinematografia de
Sganzerla desde o Bandido e segue, em maior ou menor grau, por toda sua obra
ficcional.
Não encontramos em nenhuma crítica ou análise aos filmes de Sganzerla uma
tentativa direta e objetiva de esclarecer esse recurso tão corrente em sua filmografia. As
melhores análises (Bernardet, Xavier, Ramos) tocam neste assunto quando tratam de
questões como a da identidade/não-identidade, principalmente no Bandido, onde esta
questão é fundamental. Ou seja, no Bandido, as diferentes profissões, motivações, locais
de origem e adjetivações têm o propósito de construir a incerta, ambígua e fragmentária
identidade do personagem-título. E esta construção/desconstrução da identidade é de
fundamental importância para a trama e o conceito do filme.
Aqui, em A Mulher de Todos, não há, na verdade, essas contradições com
relação à identidade da personagem-título e, no entanto, o recurso às adjetivações
exageradas e pouco comuns continua.
Tal recurso pode ser enxergado como o equivalente verbal da linguagem
propriamente cinematográfica do autor. Imagética e verbalmente, narrativa e
cinematograficamente, Sganzerla faz ‘poucas escolhas’, que é o mesmo que dizer —