74
Para descrever a relação com Carmilla (a vampira), Laura começa narrando seu
primeiro encontro com aquela mulher de formas encantadoras; fato que a marcou
profundamente, desde sua mudança para aquele castelo isolado. Ainda criança, ela diz ter
conhecido Carmilla em uma noite aos pés de sua cama, porém, à época, não seria capaz de
identificar esta mulher.
Eu não tinha mais de seis anos quando, acordando uma noite em meu quarto, não vi
em torno de mim nem minha babá, nem minha governanta. Pensei que estava sozinha.
Eu não tinha medo, não era dessas crianças criadas no temor dos fantasmas e na
crença dos contos de fada. Mas fiquei descontente de me ver abandonada e me pus a
choramingar. De repente, vi com surpresa alguém ao lado de minha cama: uma jovem
mulher ajoelhada, de rosto grave mas muito bonito, me olhando. Vendo-a parei de
chorar. Ela me acariciou, depois estendeu-se ao meu lado, apertando-me contra ela e
sorrindo. Imediatamente acalmada voltei a dormir. Mas fui acordada de novo pela
sensação de duas agulhas me transpassando simultaneamente a garganta, e gritei de
dor.
4
(LE FANU, 1985, p.12-13)
Logo após esse fato, esse primeiro encontro surpresa com aquela mulher tão
sedutora, Laura ficou durante muito tempo sem vê-la novamente e por todo esse tempo de
distanciamento, foi levada a crer que tudo não passara de um sonho ruim, pois era criança e
suas criadas não a queriam assustar. Além do fato de que situações como essa, descrita pela
menina, não eram levadas a sério por seu pai, pois ele acreditava que não passaria de uma
história fantasiosa, uma crendice popular.
Era comum àquela época o choque de crenças e interesses que surgia entre as
pessoas da parte rural e urbana, e principalmente entre homens e mulheres. A crença em fatos
sobrenaturais era dominada pelo conhecimento popular e considerada desprezível diante das
4
I can’t have been more than six years old, when one night I awoke, and looking round the room from my bed,
failed to see the nursery maid. Neither was my nurse there; and I thought myself alone. I was not frightened, for I
was one of those happy children who are studiously kept in ignorance of ghost stories, of fairy tales, and of all
such lore as makes us cover up our heads when the door cracks suddenly, or the flicker of an expiring candle
makes the shadow of a bedpost dance upon the wall, nearer to our faces. I was vexed and insulted at finding
myself, as I conceived, neglected, and I began to whimper, preparatory to a hearty bout of roaring; when to my
surprise, I saw a solemn, but very pretty face looking at me from the side of the bed. It was that of a young lady
who was kneeling, with her hands under the coverlet. I looked at her with a kind of pleased wonder, and ceased
whimpering. She caressed me with her hands, and lay down beside me on the bed, and drew me towards her,
smiling; I felt immediately delightfully soothed, and fell asleep again. I was wakened by a sensation as if two
needles ran into my breast very deep at the same moment, and I cried loudly. (LE FANU, 2005, p.9-10)