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MARTA LÚCIA CABRERA KFOURI KANEOYA
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MARTA LÚCIA CABRERA KFOURI KANEOYA
A formação inicial de professoras de línguas para/em contexto mediado pelo
computador (teletandem): um diálogo entre crenças, discurso e reflexão
profissional
Tese apresentada para obtenção do título de Doutora em
Estudos Lingüísticos, área de Lingüística Aplicada, junto ao
Programa de Pós-Graduação em Estudos Lingüísticos do
Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”,
Campus de São José do Rio Preto.
BANCA EXAMINADORA
Profª. Drª. Maria Helena Vieira Abrahão
Professora Doutora
UNESP – São José do Rio Preto
Orientadora
Profª. Drª. Denise Bértoli Braga
Professora Doutora
UNICAMP
Prof. Dr. Nelson Viana
Professor Doutor
UFSCar
Profª. Drª. Ana Mariza Benedetti
Professora Doutora
UNESP – São José do Rio Preto
Prof. Dr. Douglas Altamiro Consolo
Professor Doutor
UNESP – São José do Rio Preto
São José do Rio Preto, 04 de dezembro de 2008.
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Ao Caio, meu filho, com quem aprendo constantemente a rever crenças, reconstruir
discursos e refletir sobre o mundo.
AGRADECIMENTOS
A querida Maria Helena, orientadora imprescindível, formadora incansável, amiga
singular, presente em todas as etapas importantes de minha formação discente e
docente. Muito obrigada!
Ao amado Kaoru, cujo apoio e carinho sempre foram fundamentais. Sem você, o
percurso teria sido bem mais longo.
A minha querida mãe, Zita, pelo amor e otimismo exemplares.
Aos meus irmãos, Renato e Cláudia, sempre meus companheiros e confidentes.
A N e H, minhas parceiras de pesquisa, pela confiança, paciência e dedicação, sem as
quais não seria possível realizar este trabalho.
Aos professores que se dispuseram a compor a banca examinadora desta tese, trazendo
contribuições importantes a este trabalho e a minha formação docente.
A FAPESP, pelo apoio financeiro e acadêmico, contribuindo significativamente para a
viabilização e a valorização das idéias defendidas nesta tese.
Aos amigos e pesquisadores do Projeto Teletandem Brasil, que também acreditam em
novos tempos de formação de professores e de ensino de línguas.
Ao Prof. Dr. João Antonio Telles, pela oportunidade e honra que tive por integrar o
Projeto Teletandem Brasil: línguas estrangeiras para todos.
Aos Professores Doutores Ana Mariza Benedetti e Douglas Altamiro Consolo, pelas
valiosas contribuições e pelo diálogo enriquecedor por ocasião do exame de
qualificação desta tese.
Ao Prof. Dr. José Horta, coordenador e docente do PPG em Estudos Lingüísticos da
UNESP-SJRP, pelo tratamento sempre atencioso, pelo profundo conhecimento nos
estudos do discurso e pelas importantes considerações feitas com respeito ao Exame de
Qualificação Especial.
A Profa. Dra. Mailce Borges Mota Fortkamp, da UFSC, pelas pertinentes sugestões e
comentários traçados em sessão de debate deste trabalho durante o VII SELin -
Seminário de Estudos Lingüísticos, UNESP- SJRP.
Aos professores do PPG em Estudos Lingüísticos, cuja seriedade e competência muito
contribuem para o desenvolvimento e reconhecimento dos cursos.
Aos funcionários da pós-graduação da UNESP-SJRP, sempre eficientes e prestativos
em seu trabalho.
(...) Porque vivemos em uma sociedade globalizada, não só. Porque, mais, somos
parcela da humanidade. O contato com outras culturas é parte da nossa cultura. Desde
a infância. Passa pelas línguas.
Rudyard Kipling, na versão em português de sua obra “O elefante infante”.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..........................................................................................................13
Formulação do tema de pesquisa e objetivos...........................................................15
Justificativa e relevância da pesquisa no cenário de investigações sobre
ensino/aprendizagem de línguas em meio virtual....................................................18
Um panorama de investigações na área de tecnologia e ensino/aprendizagem
de línguas....................................................................................................................21
As perguntas de pesquisa...........................................................................................37
Organização da tese....................................................................................................38
CAPÍTULO I: METODOLOGIA DA PESQUISA.................................................41
1.1 Natureza e caracterização da pesquisa...............................................................41
1.2 As participantes da pesquisa ...............................................................................49
1.3 Os instrumentos de coleta de dados utilizados na investigação .......................52
1.4 Procedimentos de análise.....................................................................................55
CAPÍTULO II: FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .................................................60
2.1 Crenças em contextos de ensino/aprendizagem de línguas...............................62
2.1.1 Um esquema para as pesquisas em cognição de professores de línguas.......76
2.1.2 Síntese dos conceitos apresentados na seção e o conceito de
crenças construído nesta investigação .............................................................80
2.2 Relações discursivas no processo de ensino/aprendizagem de línguas............83
2.2.1Os conceitos de ideologia e poder simbólico.....................................................85
2.2.2O poder no e por trás do discurso......................................................................90
2.2.3 O discurso do aconselhamento .........................................................................92
2.2.4 Abordagem Crítica da Linguagem e emancipação social:
a educação lingüística nas escolas ....................................................................94
2.2.5 A linguagem e o poder no mundo contemporâneo.........................................96
2.2.6 Síntese dos conceitos discutidos e a concepção de discurso nesta pesquisa..101
2.3 Formação de professores: competências, reflexividade e atuação em novos
contextos de ensino/aprendizagem de línguas....................................................104
2.3.1 A formação profissional docente e o ensino/aprendizagem de línguas:
as propostas oficiais e o conceito de competência diante das
transformações sociais contemporâneas..........................................................114
2.3.2 A telecolaboração: um olhar renovado sobre a aprendizagem colaborativa
em tempos de mudança e tecnologia................................................................122
2.3.1 Síntese das idéias tratadas nesta seção e construção do conceito de
reflexão nesta pesquisa......................................................................................126
2.4 Tandem e ensino/aprendizagem de línguas .......................................................130
2.4.1 A sessão de teletandem: funcionamento geral, fases e exemplos das
práticas de interagentes de português-espanhol.............................................137
CAPÍTULO III: ANÁLISE DOS DADOS...............................................................146
3.1 As categorias de crenças e expectativas no processo
de aprendizagem in-teletandem...........................................................................146
3.1.1Considerações sobre a análise das categorias de crenças e expectativas.......166
3.1.2 A interação 9: um exemplo típico de trocas culturais na formação do
discurso pedagógico in-teletandem...................................................................181
3.2 As categorias de reflexão e o discurso da mediação ..........................................200
3.2.1 Considerações sobre a análise das categorias de reflexão no discurso da
mediação in-teletandem ....................................................................................219
CAPÍTULO IV: CONSIDERAÇÕES FINAIS E ENCAMINHAMENTO
DAS QUESTÕES NA PRÁTICA.................................................234
4.1 O ponto de vista das interagentes N e H após a análise ....................................237
4.2 Contribuições práticas da pesquisa no âmbito da formação de professores
de línguas em contexto mediado pelo computador............................................241
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .....................................................................246
LISTA DE TABELAS
Quadro 1: Produções internacionais na área de formação de professores e
ensino/aprendizagem de línguas mediada pelo computador – p. 25
Quadro 2: Produções nacionais na área de formação de professores e
ensino/aprendizagem de Línguas Mediada pelo Computador – p. 35
Quadro 3: Instrumentos de pesquisa – p. 54
Quadro 4: Procedimentos desenvolvidos por N e/ou H em teletandem: produção de
autobiografias, questionários, interações e entrevista p. 57
Quadro 5: Procedimentos desenvolvidos por N em teletandem: diários de interação –
p. 58
Quadro 6: Procedimentos desenvolvidos por N e M em teletandem: mediações e
diários – p. 58
Quadro 7: Conceitos relativos ao estudo de crenças e ensino de línguas – p. 81
Quadro 8: Conceitos relativos ao estudo do discurso – p. 102
Quadro 9: Conceitos relativos ao estudo das competências, reflexividade e contextos
de formação e atuação do professor de línguas – p. 127
Quadro 10: Categorias e subcategorias de crenças – p. 165
Quadro 11: Categorias e subcategorias de reflexão – p. 218
Diagrama 1: Elementos e processos em cognição de professores de línguas – p. 77
Representação 1: Tandem Face-a-Face – p. 135
Representação 2: E-Tandem – p. 135
Representação 3: Teletandem – p. 136
LISTA DE ABREVIAÇÕES
LA: Lingüística Aplicada
LE: Língua Estrangeira
LP: Língua Portuguesa
LM: Língua Materna
PB: Português do Brasil
PP: Português de Portugal
CE: Cultura Estrangeira
PLM: Português Língua Materna
PLE: Português Língua Estrangeira
ELM: Espanhol Língua Materna
ELE: Espanhol Língua Estrangeira
RESUMO
Esta investigação enfoca a formação inicial de interagentes em contexto de
aprendizagem de português e espanhol in-teletandem, estando inserida no projeto
institucional Teletandem Brasil: línguas estrangeiras para todos (UNESP/ FAPESP).
Em termos gerais, a aprendizagem in-tandem envolve pares de falantes nativos de
diferentes línguas trabalhando, de forma colaborativa, para aprenderem a língua um do
outro, sem a presença de um professor, por meio do programa computacional MSN
Messenger. Nesse sentido, este estudo tem como participantes uma interagente
brasileira, licencianda em Letras por uma universidade pública paulista, uma interagente
mexicana, doutoranda em Lingüística Aplicada na Espanha, e uma mediadora, que
também é autora desta investigação. Tem como objetivo analisar de que maneira
crenças, discursos e reflexões se manifestam e se (re)constroem em relação ao processo
de aprender línguas e comunicar-se em um contexto mediado pelo computador. A
pesquisa tem base etnográfica e os dados foram coletados por meio de instrumentos
compatíveis com tal tipo de pesquisa, tais como interações e mediações gravadas in-
teletandem ou em chat, autobiografias, entrevistas, questionários e diários de pesquisa,
analisados sob uma perspectiva interpretativista. Nesse contexto, o teletandem
representa uma possibilidade real de comunicar-se com alguém, aprender sobre sua
cultura, os pensamentos e os costumes de um povo, aspectos reais que usualmente não
aparecem em livros didáticos. As mediações podem ser caracterizadas como um espaço
de aprendizagem e têm potencial para promover oportunidades significativas de
reflexão crítica, em busca de uma coerência para a formação inicial de professores in-
teletandem e conscientização quanto à responsabilidade pela aprendizagem em parceria.
Dessa maneira, o diálogo entre crenças, discurso e reflexão profissional é perfeitamente
compreendido nesta pesquisa. Por fim, considerando os resultados desta investigação, o
projeto pode colaborar com a formulação de diretrizes oficiais de formação superior
docente que contemplem essas novas realidades e necessidades, ou seja, uma educação
teórico-prática coerente e adequada aos novos tempos e contextos.
Palavras-chave: formação de professores de línguas; aprendizagem de línguas in-
teletandem; crenças; discurso; reflexão docente.
ABSTRACT
This investigation focuses on partner’s pre-service education in a context of Portuguese
and Spanish teaching/learning in teletandem, and is inserted in the institutional project
Teletandem Brasil: línguas estrangeiras para todos (UNESP/FAPESP). In general
terms, language learning in-tandem involves pairs of native speakers of different
languages working collaboratively to learn each other's language, without the presence
of a language teacher, mediated by the computer program MSN Messenger. This study
has as participants a Brazilian partner, which is a “Letters” student in a public
university; a Mexican partner, which is a Ph.D. candidate in Applied Linguistics and
lives in Spain; and a mediator, which is also the author of this thesis. The study aims at
analyzing the beliefs, the discourse and the reflective processes that are revealed and
(re)constructed in relation to communication and language learning processes, mediated
by the computer. The research has an ethnographic basis and the data were collected by
instruments that are compatible with this kind of investigation, such as the recording of
interactions and mediations developed in teletandem and in chat, autobiographies,
interviews, questionnaires and research diaries, which were analyzed through an
interpretative perspective. In this context, teletandem represents a real possibility for
communication and culture learning, real aspects which may not be explored by the
textbooks. The mediations can be characterized as learning contexts with the potential
to promote meaningful opportunities for critical reflection, searching for coherence in
pre-service teacher education and shared learning responsibility. This way, the dialogue
among beliefs, discourse and professional reflection is perfectly comprehensible in this
research. Finally, by considering the results of this investigation, we can figure out that
the project can contribute to the formulation of educational official documents which
focus on new realities and necessities, that is, a coherent theoretical and practical
education, according to contemporary times and contexts.
Key words: teacher language education; language learning in-teletandem; beliefs;
discourse; teaching reflection
RESUMEN
Esta investigación enfoca la formación inicial de interactuantes en contexto de
aprendizaje de portugués y español in-teletandem e integra el proyecto institucional
Teletandem Brasil: línguas estrangeiras para todos (UNESP/FAPESP). En términos
generales, el aprendizaje in-tandem envuelve parejas de hablantes nativos de diferentes
lenguas trabajando de forma colaborativa para aprender la lengua el uno de otro, sin la
presencia de un profesor, mediante el uso del aplicativo MSN Messenger. En este
sentido, este estudio tiene como participantes una interactuante brasileña, alumna de
Letras en una universidad pública paulista, una interactuante mejicana, alumna de
postgrado en Lingüística Aplicada en España, y una mediadora, que además es autora
de la presente investigación. Tiene como objetivos analizar de que manera las creencias,
los discursos e las reflexiones se manifiestan y se (re) construyen con relación al
proceso de aprender lenguas y comunicarse en un contexto mediado por computadora.
La investigación es de base etnográfica y los datos fueron recolectados por medio de
instrumentos compatibles con este tipo de investigación grabación de interacciones y
encuentros para mediación in-teletandem o en chat, autobiografías, entrevistas,
cuestionarios y diarios de investigación y analizados según una perspectiva
interpretativista. En ese contexto, teletandem representa una posibilidad real de que uno
pueda comunicarse con alguien y aprender sobre la cultura, pensamientos y costumbres
de un pueblo, aspectos reales que no son vistos en los libros didácticos. Los encuentros
de mediación pueden ser caracterizados como un lugar de aprendizaje con potencial
para generar oportunidades significativas de reflexión crítica hacia la búsqueda de
coherencia en la formación inicial de profesores in-teletandem y desarrollo de
consciencia en cuanto a la responsabilidad por el aprendizaje en parejas. Así, el diálogo
entre creencias, discurso y reflexión profesional es perfectamente comprendido en esta
investigación. Por fin, considerándose los resultados, el proyecto puede colaborar con
la formulación de directrices oficiales para la formación superior docente, las cuales
contemplen las nuevas realidades y necesidades, es decir, una educación teórico-
práctica coherente y adecuada a los nuevos tiempos y contextos.
Palabras-llave: formación de profesores de lenguas; aprendizaje de lenguas in-
teletandem; creencias; discurso; reflexión docente
INTRODUÇÃO
No contexto educacional brasileiro, observamos que os cursos de formação de
professores de línguas trazem, predominantemente, uma preocupação com o
desenvolvimento de uma competência lingüística de alunos-professores. Ficam em um
plano menor questões voltadas ao engajamento dos futuros docentes à prática do
discurso, bem como seu significado em contextos típicos de ensino, os quais se
constroem continuamente, por meio do conhecimento socialmente compartilhado entre
alunos e professores. Enfocando as discussões sugeridas por Moita Lopes, o discurso
em sala de aula,
diferentemente de outros eventos interacionais, orienta-se pelo
fato de ser socialmente justificável como um evento de
ensino/aprendizagem e, sendo assim, os papéis desempenhados
pelos atores interacionais – alunos e professores – têm uma
função central na construção de tal discurso (2000: p. 247).
O encontro ensino/aprendizagem, que deveria constituir-se como um evento de
co-participação social, caracteriza-se comumente por atitudes de passividade nos
alunos, já que, muitas vezes, os contextos mentais são promovidos de forma assimétrica
pelo professor, resultando em contextos discursivos desigualmente construídos, em uma
relação de poder perante o discurso (FAIRCLOUGH, 2001). Ainda para Moita Lopes,
uma das funções essenciais da escola é criar oportunidades para que os alunos
gerenciem contextos mentais em sala de aula, no dia-a-dia de suas ações discursivas, a
fim de desenvolver uma consciência crítica sobre o discurso e a aprendizagem,
atividades sociais nas quais estão envolvidos.
O caráter de obediência na relação professor-aluno, no que diz respeito ao poder
de ensinar que o primeiro manifesta sobre a aprendizagem do segundo, parece ser um
reflexo do pensamento tradicional de que aos professores de línguas em formação
inicial de nível superior ainda cabe a preocupação primordial de desenvolver uma
competência técnica sobre a LE, ao longo de quatro anos de licenciatura. Minimiza-se,
assim, a importância da tarefa de abordar aspectos referentes à formação pedagógica e
sociopolítica do futuro profissional, inerentes ao processo de ensino e aprendizagem de
uma língua.
Questões relativas à linguagem e seu papel fundamental na educação e na
formação docente são tratadas e documentadas na própria Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB), de 1996, que, no caso das LEs, apontam para a
obrigatoriedade de se oferecer pelo menos uma no ensino fundamental (Cap. IV art.24,
par. 3
o
.), não mais como simples prática educativa. No artigo 33 do mesmo capítulo,
faz-se referência ao ensino obrigatório de uma LE e outra como optativa, para o ensino
médio. A Lei afirma, ainda, que a preocupação com a preparação para o trabalho será
obrigatória nos ensinos fundamental e médio, sinalizando uma percepção mais
atualizada sobre o ensino de línguas para a comunicação em sociedade. Posteriormente,
as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação
Básica, em nível superior, de 2002, complementam o disposto na LDB, apontando
como fundamentos educacionais na formação docente a competência como espaço
nuclear na formação de profissionais e a coerência entre a formação teórica oferecida e
a prática esperada do futuro professor. Mais recentemente, a Reforma da Educação
Superior do Ministério da Educação, Documento II, de 2004, no capítulo “A missão da
Educação Superior no Brasil”, esclarece, entre outros aspectos relevantes, que a
internacionalização, própria à esfera do conhecimento, da ciência e das artes, deve ser
assumida como forma de fortalecer os compromissos com o desenvolvimento de nosso
país e a promoção da justiça social. A partir daí, pode-se compreender que o professor
de línguas, no Brasil, tem a responsabilidade de exercer um papel de articulador no
estabelecimento da realidade social, já que lida com a linguagem como instrumento de
trabalho e, pressupomos, possui uma capacidade lingüístico-comunicativa de interagir
— nos limites políticos, institucionais e teórico-metodológicos de sua profissão — com
falantes de outras nações, línguas e culturas.
Porém, a questão da formação profissional de docentes de LE parece ser ainda
preocupante, já que, em alguns contextos, os cursos de licenciatura apresentam aos
professores em formação inicial um embasamento teórico inconsistente durante a
graduação, não lhes possibilitando uma conscientização profissional futura, mas uma
prática baseada em modelos de ensino de línguas. Enfocando teorias pouco
problematizadoras em sala de aula, formadores limitam o espaço para que alunos-
professores desenvolvam uma capacidade para refletir sobre modelos teóricos e façam
escolhas politicamente conscientes quanto ao próprio ensino de línguas, em um
contexto social maior. Outro fator preocupante está relacionado ao componente
lingüístico-comunicativo da formação profissional, cuja deficiência compromete em
muito o envolvimento dos graduandos em uma futura prática de ensino de línguas, já
que grande parte dos ingressantes em cursos de Letras tem como objetivo aprender uma
língua, mas não necessariamente ensiná-la, mantendo-se na posição de alunos durante
boa parte do curso, pelo menos até que tenham que desenvolver os estágios
obrigatórios, algo que, em geral, acontece nos anos finais da graduação.
Assim, nas relações discursivas instauradas no contexto da sala de aula de
línguas, torna-se comum a apropriação da voz pelo professor, fazendo predominar uma
assimetria nas relações estabelecidas entre professor e aluno, a partir do próprio fato de
uma LE ser foco do processo de ensino/aprendizagem. Ignora-se a necessidade de
interagir, própria às relações humanas, nas quais o conhecimento é compartilhado.
Embora se tratando de contextos de nível superior, em que, supostamente, a própria
escolha profissional poderia ser um fator de busca de equilíbrio ou de diluição da
assimetria no relacionamento entre professores e alunos-professores, parece permanecer
uma prática pedagógica que valoriza o sucesso da aprendizagem do futuro profissional
sobre o que ensinar a seus futuros alunos.
Segundo Zeichner e Conklin (2008), não se trata de comparar de forma simplista
os conceitos de tradicional vs. alternativo na formação docente (op. cit., p. 276), por
tratar-se de uma questão que envolve múltiplos fatores, tais como o contexto social e
institucional, as visões sobre ensino, aprendizagem, educação, papel do professor e do
aluno e a missão do programa de formação, além dos critérios de admissão de alunos-
professores, currículo e organização interna, entre outros, gerando uma variedade de
efeitos no ensino e na formação. Para os autores, é fundamental, portanto, que
elementos de excelência constituam tal diversidade, no sentido de garantir o sucesso de
programas de formação, sejam quais forem suas características.
Nesse sentido, compreendemos que tal grau de excelência só parece possível por
meio de um posicionamento crítico frente às propostas e perfis dos cursos de formação
docente e, embora muito já se tenha feito a respeito, parece-nos sempre coerente discutir
questões que envolvem a formação crítico-reflexiva docente, já que vivemos um
momento de profundas mudanças sociais e de revisão de concepções e crenças, que se
refletem nos contextos educacionais e de formação de professores.
Formulação do tema de pesquisa e objetivos
Visando discutir a problemática acima apontada, a presente investigação de
doutorado enfoca o processo de formação inicial do aluno-professor em contexto de
ensino/aprendizagem de línguas in-teletandem. Tal modalidade educacional, além de
representar um meio alternativo, autônomo e, ao mesmo tempo, colaborativo de ensino,
pode constituir-se em um contexto inovador de análise de questões acerca da formação
profissional de futuros professores de línguas como interagentes ou atores interacionais
do discurso (MOITA LOPES, 2000) e de possíveis reflexões a respeito dos papéis
desempenhados, da importância de se ensinar/aprender uma língua, das crenças e das
ações envolvidas e transformadas durante o processo. Em se tratando de formação de
docente, é indiscutível a importância de trabalhos voltados ao convívio internacional e
às condições para que as trocas — lingüísticas, culturais, profissionais, sociais e afetivas
— instauradas por meio desse processo realizem-se. Assim, a prática da aprendizagem
de línguas por interagentes in-teletandem pode proporcionar uma minimização da
assimetria revelada em uma sala de aula convencional, já que se visualiza não apenas
uma troca de interesses lingüístico-comunicativos, mas a busca por uma comunicação
cultural e sociolingüisticamente engajada e mais democrática aos usuários.
Nesse sentido, este estudo enfoca a temática da formação inicial docente
para/em teletandem, atualmente estudado como um projeto de pesquisa em contexto
universitário brasileiro, tendo como participantes a interagente N, brasileira, e a
interagente H, mexicana, ambas consideradas em formação inicial, especificamente
para/em teletandem, já que esta é a primeira experiência de aprendizagem de línguas
mediada pelo computador na qual se inserem. Quanto ao papel que exerço nesta
pesquisa, esclareço que, além de pesquisadora, também sou participante, atuando como
mediadora, mais diretamente junto à interagente brasileira, embora os resultados
acabem sendo inevitavelmente discutidos entre N e H, nas interações subseqüentes às
mediações. Esclarecemos que maiores detalhes a respeito das participantes, bem como
do funcionamento das mediações, encontram-se no Capítulo I, em que abordamos a
metodologia da pesquisa.
O cenário maior é o projeto temático Teletandem Brasil: línguas estrangeiras
para todos, grupo de pesquisa pioneiro no Brasil, certificado pelo CNPq — Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e financiado pela FAPESP —
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. O projeto é coordenado por
docentes doutores e orientadores de alunos de graduação e de pós-graduação da UNESP
– Universidade Estadual Paulista, nas unidades de Assis e São José do Rio Preto, em
parceria com os departamentos de PLE de instituições de ensino superior na Alemanha,
Argentina, El Salvador, Espanha, Itália, Canadá, Estados Unidos e França.
Em termos de funcionamento, a aprendizagem de LEs in-tandem à distância
envolve pares de falantes nativos de diferentes línguas trabalhando, de forma
colaborativa, para aprenderem a língua um do outro. Assim, os departamentos de
português das universidades estrangeiras e a equipe coordenadora do projeto
Teletandem Brasil da UNESP
1
proporcionam o contato de alunos universitários
brasileiros que querem aprender ou já estão se licenciando como professores de uma LE
com alunos universitários de outros países que estão aprendendo português. Cada
interagente atua como aprendiz por uma hora, praticando a língua do parceiro, e como
tutor por mais uma hora, ajudando o parceiro a aprender sua língua, em uma troca de
papéis e de idiomas. O trabalho dos pares interagentes é supervisionado pela equipe de
professores-doutores, doutorandos e mestrandos das referidas unidades da UNESP e por
alguns professores das universidades estrangeiras, que atuam como mediadores no
trabalho desenvolvido pelos interagentes. Os aplicativos Windows Live Messenger e
Skype são softwares gratuitos que, por meio de uma conexão ADSL de banda larga,
permitem aos interagentes utilizar, em tempo real (comunicação síncrona), recursos de
voz, texto (leitura e escrita) e imagens, a partir do recurso de uma webcam. Outra
inovação presente no Teletandem Brasil quanto à aprendizagem de línguas são as
ferramentas pedagógicas do Quadro de Comunicações (disponível no Messenger) e do
Talk and Write (presente no Skype), que funcionam como “lousa” ou “bloco de
anotações” eletrônico, nos quais os pares podem desenhar e escrever as anotações
pertinentes àquilo que desejam salientar em relação a vocabulário, gramática ou
expressões de uso das línguas, no desenvolvimento da interação.
Como podemos verificar, a proposta representa, em síntese, um outro modo de
aprender línguas estrangeiras, que complementa ou inova abordagens calcadas na
gramática ou em pressupostos comunicativos de ensino de línguas, além de favorecer
um acesso socializador e gratuito de comunicação (cf.
www.teletandembrasil.org).
Em relação à pesquisa, o contexto investigativo do Projeto constitui-se de três
objetivos: 1) verificar o uso de aplicativos de mensagens instantâneas como
instrumentos pedagógicos para o ensino de línguas in-tandem à distância; 2) verificar as
características lingüísticas, culturais e pedagógicas da interação entre os pares de
aprendizes; e 3) investigar as ferramentas necessárias para a formação pré-serviço do
professor de língua estrangeira e os papéis do professor mediador no contexto
teletandem. Tais objetivos orientam as pesquisas de doutorado, mestrado e iniciação
1
Constituem a equipe de coordenadores do Teletandem Brasil: línguas estrangeiras para todos da Unesp
- Universidade Estadual Paulista os Professores Doutores João Antonio Telles (Assis), Maria Helena
Vieira Abrahão (São José do Rio Preto), Ana Mariza Benedetti (São José do Rio Preto) e Douglas
Altamiro Consolo (São José do Rio Preto).
científica desenvolvidas por alunos de graduação e de pós-graduação das unidades da
UNESP, tendo por orientadores os professores coordenadores do Projeto no Brasil.
Como tal, a presente investigação de doutorado busca contribuir para o terceiro objetivo
de pesquisa acima exposto, integrando o subprojeto guarda-chuva “O professor
mediador: crenças, ações e seus reflexos nas práticas docentes dos pares envolvidos no
tandem à distância”
2
.
Justificativa e relevância da pesquisa no cenário de investigações sobre
ensino/aprendizagem de línguas em meio virtual
Ao apresentar uma análise interpretativista das crenças e reflexões que
permeiam as ações e as relações discursivas de interagentes em situação de
ensino/aprendizagem de línguas à distância, este trabalho contribui para a formação
inicial de alunos-professores, diante da possibilidade de engajamento em uma visão
crítica e socialmente comprometida sobre o trabalho docente. Outro fator de relevância
na pesquisa remete ao binômio competência profissional / coerência teórico-prática,
sugerido pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores de
Educação Básica, de 2002, no sentido de procurar estabelecer reflexões acerca de como
são desenvolvidos, no contexto abordado, os fundamentos educacionais propostos para
a formação docente. É importante ressaltar, ainda, a inserção deste trabalho na área de
pesquisas voltadas à investigação da formação de professores de línguas em um espaço
de ensino/aprendizagem inovador no Brasil, que ultrapassa os limites da sala de aula
convencional e busca promover, ao mesmo tempo, a autonomia de interagentes em
relação aos propósitos do ensino. Assim, acreditamos que, por meio dos resultados
obtidos, podemos compreender a reflexão, fundamentalmente, como instrumento
socialmente engajador de formação profissional e de superação da racionalidade técnica
como modelo de ensino/aprendizagem.
Sendo a temática desta investigação o processo de aprender línguas em um
contexto contemporâneo de uso da tecnologia, valemo-nos, ainda, do conceito de
cultura de aprendizagem, presente nas discussões traçadas por Celani (2004). Em
paralelo com a visão de Dewey (1997) a respeito da dinamicidade que o novo nos
2
Tal subprojeto de pesquisa é coordenado pela Profa. Dra. Maria Helena Vieira Abrahão, docente do
Programa de Pós-Graduação em Estudos Lingüísticos, além de coordenadora do Projeto Teletandem
Brasil da Unesp de São José do Rio Preto.
provoca, a autora parte da necessidade de concepção de um outro paradigma social para
se encarar e refletir sobre os fatos, afirmando que a informação e as fontes de
conhecimento têm expansão crescente, já que os avanços na comunicação e na
tecnologia conferem ao tempo e ao espaço dimensões novas, tornando as bases do
conhecimento mais frágeis e provisórias, sendo que o equilíbrio emergirá da interação
espontânea e auto-organizável entre as pessoas idéia condizente com a de autonomia
e reciprocidade, dois dos princípios da aprendizagem de línguas in-tandem a serem
tratados posteriormente.
Para Celani (op. cit.), a busca pelo sucesso deve compreender um equilíbrio
entre estabilidade e instabilidade, em um processo essencialmente criativo de
desenvolvimento de novas possibilidades. Essa mudança de trajetória passa a ser
definida quando procuramos perspectivas diferentes para a solução de um problema
novo, ao qual os mapas antigos já não oferecem respostas adequadas mais uma vez,
podemos retomar Dewey (op. cit.), ao abordar o processo intelectual da reflexão. A
autora utiliza, assim, a metáfora de novos mapas mentais para novos mares, ao afirmar
que, para situações até então desconhecidas, não basta refinar os mapas já existentes.
Tal comparação estende-se aos contextos educacionais, nos quais, segundo Celani,
temos a tendência de procurar explicações estáveis e já testadas para fenômenos que, no
mundo contemporâneo, representam uma ruptura com as tradições e com a natureza,
afetando de maneira significativa nossas vidas.
Nesse sentido, o fim da tradição significa viver diante da influência crescente da
ciência e da tecnologia, em um mundo de relatividades e rapidez, no qual,
paradoxalmente, as relações humanas foram estreitadas pela internet, mas distanciadas
pela escola, que continua lenta e inflexível. Esse raciocínio implica desfazer-nos de
padrões antigos e práticas exemplares perpetuadas pela tradição escolar, que, entre
outras concepções, tem a aprendizagem como uma atividade unilinear, de simples
acúmulo de conhecimentos. Para Celani, a sala de aula de hoje é permeada pela
imprevisibilidade, sendo imprescindível aproveitar a multiplicidade de escolhas
oferecidas pelos avanços tecnológicos, os quais esta pesquisa pretende enfocar, ao
analisar um contexto específico de aprendizagem de línguas em teletandem. Em outras
palavras, é necessário correr o risco, conceito ligado à inovação, às transformações, às
iniciativas ousadas diante dos novos problemas (grifos da autora).
Nesse contexto dinâmico e complexo, a renovação da idéia de cultura em sala de
aula relaciona-se especialmente aos conceitos de identidade e aprendizagem, no sentido
de transformar a cultura da certeza em uma cultura de incerteza, na qual a informação e
as fontes de conhecimento crescem constantemente diante das novidades nas áreas de
comunicação e tecnologia, atribuindo ao tempo e ao espaço novas configurações.
Assim, diferentes sistemas de crenças entram em contato mais facilmente,
proporcionando a realização de pesquisas de âmbito social, no sentido de desenvolver
conhecimento e a sociedade.
Tal conjunto de fatores pode promover uma educação inovadora, que tem a
antecipação como elemento indispensável e oposto à adaptação. A aprendizagem
antecipatória, discutida por Celani (op. cit.), torna-se possível por meio da construção
de um saber novo e em movimento para o futuro, na qual os questionamentos sobre as
ações do passado são fundamentais para o desenvolvimento de uma reflexão crítica
sobre sistemas educacionais passados e seus pressupostos. Construímos, assim, um
saber novo, em movimento e em sintonia com as diversas culturas, histórias individuais,
tradições locais ou abrangentes, passando a aceitar as oscilações dos novos contextos de
incerteza. Nesse processo, Celani aponta a colaboração como algo imprescindível na
criação de uma cultura educacional de risco e incerteza, já que se faz necessário
elaborar novos mapas mentais para novas situações de educação, em um processo no
qual os questionamentos são mais importantes do que os resultados produzidos. Outro
aspecto de relevância apontado pela autora é o desenvolvimento da aprendizagem
autônoma nos grupos em colaboração, especialmente naqueles que envolvem culturas
educacionais diferentes, no sentido de evitar a supervalorização de uma em detrimento
da outra, promovendo a consciência de que as diferenças não devem ser ignoradas, tal
como nos propomos a trabalhar em contexto de teletandem. Tais ações podem levar a
uma reorganização dos sistemas de crenças dos grupos em aprendizagem contínua,
advinda, principalmente, dos novos desafios educacionais.
Por fim, a autora acrescenta os elementos de confiança e esperança como
igualmente indispensáveis a situações de ensino/aprendizagem produtivas e criadoras,
nessa nova trajetória de formação educacional. O primeiro porque é necessário haver
confiança para que as interações e as relações humanas nas culturas de aprendizagem
possam levar ao desenvolvimento da criatividade, distanciadas daquilo que a autora
denomina aprendizagem do papel carbono (op. cit., p. 55); além disso, sem confiança
não há como desenvolver relações de colaboração e, consequentemente, a própria
aprendizagem. O segundo elemento, a esperança, é para a autora uma necessidade
imperativa do docente, já que pode reduzir as incertezas e dar sentido de busca contínua
ao trabalho educacional.
Como percebemos, as reflexões de Celani muito contribuem para esta pesquisa,
no sentido de trazerem à tona idéias convergentes com as concepções de aprendizagem
de línguas in-teletandem, especialmente no que diz respeito aos princípios de
colaboração, autonomia em grupo e renovação de crenças e ações. Porém, a visão de
uma cultura educacional de risco e incerteza, que se constrói em um contexto
totalmente novo de relativização da aprendizagem e que leva em conta as contribuições
que os avanços tecnológicos podem representar às relações humanas é, sem dúvida, o
aspecto mais relevante das contribuições da autora para esta investigação.
Um panorama de investigações na área de tecnologia e ensino de línguas
Reconhecemos que o cenário mundial de pesquisas voltadas ao âmbito do uso do
computador como ferramenta para o desenvolvimento de processos de
ensino/aprendizagem inovadores e de formação de professores de línguas para tal
contexto tem se desenvolvido de maneira significativa nos últimos anos,
predominantemente na área de língua inglesa.
Em levantamento da literatura estrangeira especializada, realizado para esta
pesquisa, podemos destacar trabalhos recentes que abordam especificamente a temática
do tandem e ensino/aprendizagem de línguas, sendo que alguns deles serão discutidos
de maneira mais aprofundada em seção posterior, ao abordarmos o arcabouço teórico
desta investigação.
Nesse sentido, encontramos, por exemplo, trabalhos que enfocam as
modalidades de tandem na aprendizagem de línguas e na formação de professores em
um contexto inovador, tais como os de Brammerts et al. (s/d), Macaire (2004), Belz
(2002), Möllering (2002), Delille e Chichorro Ferreira (2002), Gaßdorf (2002),
Wiersema (2000), Ploetzner et al. (1999), Saltiel (1998) e de Sgroi e Saltiel (1998).
Lewis e Walker (2003) são os organizadores da obra Autonomous Language
Learning in Tandem, na qual estão reunidos capítulos que discutem temas diversos,
agrupados em cinco partes no livro, antecedidas por dois artigos de apresentação: um
dos próprios organizadores, que apresenta um relato da experiência de aprendizagem in-
tandem na Universidade de Sheffield, e outro de Lewis, que traz uma discussão do autor
sobre a aprendizagem in-tandem. A primeira parte da obra, intitulada Conceitos básicos
da aprendizagem in-tandem, reúne os artigos de Brammerts (2003) e de Little (2003),
que discutem, basicamente, a aprendizagem e o desenvolvimento da linguagem
autônoma in-tandem. A segunda parte, sobre Aprendizagem in-tandem, engloba as
discussões de Brammerts e Calvert (2003) a respeito de aprendizagem e comunicação
via tandem; de John e White (2003), que apresentam sugestões para o estabelecimento
das interações in-tandem; de Woodin (2003) e de Stickler e Lewis (2003), tratando da
aprendizagem in-tandem e o desenvolvimento da competência intercultural; de Otto
(2003), que discute a eficiência das estratégias de aprendizagem desenvolvidas in-
tandem. Na terceira parte do livro, que traz artigos sobre Apoio ao aprendiz in-tandem,
encontramos os trabalhos de Stickler (2003) e de Brammerts et. al. (2003), que discutem
o aconselhamento individual a aprendizes de línguas via tandem; o de Walker (2003),
cujo alvo é o papel dos diários no desenvolvimento da autonomia do aprendiz in-
tandem; e o de Helmling (2003), que aborda o trabalho de aconselhamento entre grupos
de pares interagentes. A quarta parte do livro, intitulada Ajuda prática: o apoio da
internet, traz o artigo de Brammerts e Kleppin (2003), que discutem o apoio face - a-
face na aprendizagem in-tandem. A quinta e última parte, Integrando o tandem ao
ensino superior: experiências nacionais, aborda questões como a integração do tandem
ao currículo das universidades, a formação de professores e a construção de novas
identidades profissionais para o tandem, discutidas por Lewis (2003), Gaßdorf (2003),
Hölscher et. al (2003) e Strobl e Carecho (2003). No mesmo capítulo, Mc Partland
(2003) e Hedderich (2003) enfocam em seus trabalhos o significado da aprendizagem de
línguas no tandem por e-mail (e-tandem).
Podemos encontrar, ainda, uma vasta bibliografia sobre aprendizagem de línguas
in-tandem, organizada por Brammerts (2007) e disposta no servidor tandem, no
endereço eletrônico http://www.enst.fr/tandem/learning/tanbib.html .
Outros autores estrangeiros igualmente traçam discussões a respeito da temática
de tecnologia e ensino de línguas, dentre os quais destacamos cinco trabalhos
significativos.
Warschauer e Lepeintre (1997) analisam os resultados de um estudo realizado
em contexto de ensino de LE mediado pelo computador, no sentido de abordar questões
relativas à construção de discursos gerada na troca de e-mails de um grupo de
aprendizes de inglês, levando em conta conflitos de poder e rupturas de interação, bem
como suas implicações para o estabelecimento da comunicação e para o processo de
empoderamento ou de submissão educacional nesses contextos. Em um trabalho mais
recente, Warschauer e De Florio-Hansen (2003) afirmam que o papel da linguagem na
construção da identidade dos falantes tem se tornado central na era pós-moderna,
momento no qual questões de tradição e estabilidade já não ocupam lugar no
estabelecimento de relações multilíngües propostas pelo Conselho da Europa (2001).
Assim, os autores discutem o papel de línguas e etnias como fatores essenciais na
construção das identidades dos falantes na era da informação, enfocando especialmente
o papel da linguagem no ciberespaço e o uso da internet como ferramenta para
promover a interação e a “revitalização da linguagem”. O trabalho de Melo (2004),
descreve a utilização da tecnologia no ensino e na intercompreensão de línguas
românicas por meio das primeiras experiências no “Projeto Galanet”, caracterizado
como um ambiente de aprendizagem colaborativa e de atividades de comunicação
plurilíngüe on-line (chats, fóruns de discussão, e-mails), compartilhadas entre grupos,
enfocando especialmente o PLE. Cziko e Park (2003) exploram, em seu artigo, o
potencial da internet como uma nova ferramenta para a aprendizagem de outras línguas,
apresentando uma revisão de seis programas gratuitos para Windows e Macintosh que
permitem a comunicação síncrona em áudio (e às vezes em vídeo) via internet, dando
ênfase à aprendizagem de línguas via tandem, descrita como um contexto em que os
participantes assumem turnos de interação tanto como aprendizes de outra língua quanto
como tutores de sua língua nativa. Por fim, o artigo de Godwin-Jones (2005) traça
considerações a respeito das “tecnologias emergentes” como novas ferramentas e
estratégias de aprendizagem de línguas da geração do século XXI, constituída pelos
“nativos da era digital” — aqueles para quem o mundo naturalmente se constrói por
meio da internet e da comunicação digital — e pelos “imigrantes da era digital” —
aqueles que tiveram de se adaptar ao mundo informatizado ou têm dificuldades para se
familiarizar e sentirem-se confortáveis nesse novo contexto, discutindo atividades
escolares que constituem um “terceiro espaço”, marcado por aspectos como construção
da identidade (avatars em games e chats), aprendizagem colaborativa (em estratégias
de desenvolvimento em jogos pela rede) e até mesmo aconselhamento (no auxílio aos
participantes de tais jogos de estratégia), considerados fatores importantes no processo
de formação dos jovens usuários das ferramentas tecnológicas, bem como no
estabelecimento da interação desses jovens com seus educadores.
A obra de Erben, Ban e Castañeda (2008) trata especificamente do uso da
tecnologia por aprendizes de inglês, explorando a utilização do computador e de outras
ferramentas tecnológicas para a aprendizagem da língua em diferentes áreas de
conteúdo e em diferentes níveis de acesso com diversos computadores em sala, com
apenas um computador para os alunos ou em usos eventuais de laboratório pelos
aprendizes.
A temática da globalização e ensino de línguas está presente em duas outras
obras de relevância no contexto enfocado. A primeira delas é a organizada por Block e
Cameron (2002), que traz artigos que discutem questões como o global e o local
(KUBOTA, 2002; HARRIS, LEUNG e RAMPTON, 2002; HELLER, 2002),
constituinte da primeira parte do livro; zonas de contato (CAMERON, 2002;
KRAMSCH e THORNE, 2002; WALLACE, 2002), enfoque da segunda parte do livro;
e métodos e materiais (BLOCK, 2002; CANAGARAJAH, 2002; GRAY, 2002), que
constitui a terceira e última parte da obra.
Tratando da globalização cultural e educação lingüística, Kumaravadivelu
(2008) aborda, de maneira crítica, diversos aspectos referentes ao tema, dentre os quais
a questão das fronteiras lingüísticas, o processamento e as complexidades da
globalização cultural, estereótipos culturais, pluralidade e hibridismo culturais, realismo
cultural, princípios pedagógicos e estratégias instrucionais e a comunicação
intercultural.
Trazemos, no quadro 1, a seguir, uma síntese das pesquisas apontadas, de
acordo com a autoria, o ano de produção e o país de origem, além do eixo temático
específico dos trabalhos, em relação à área abrangente de ensino de línguas mediado
pelo computador.
Autor(es), Ano de Produção e País de
Origem
Eixo Temático
Brammerts et al., s/d (Alemanha); Macaire, 2004
(França); Belz, 2002 (Reino Unido); Lewis, 2003
(Reino Unido); Möllering, 2002 (Austrália);
Delille e Chichorro Ferreira, 2002 (Portugal);
Gaßdorf ,2002 (Alemanha); Wiersema, 2000
(Reino Unido); Ploetzner et al., 1999 (Inglaterra);
Saltiel, 1998 (E.U.A.); Sgroi e Saltiel, 1998
(E.U.A.).
As modalidades de tandem para o
ensino/aprendizagem de línguas
Lewis e Walker (orgs.), 2003 (Reino Unido);
Brammerts, 2003 (Reino Unido); Little, 2003
(Reino Unido).
A linguagem autônoma na aprendizagem in-tandem
Brammerts e Calvert , 2003 (Reino Unido) Aprendizagem e comunicação via tandem
John e White, 2003 (Reino Unido) O estabelecimento das interações in-tandem
Woodin, 2003 (Reino Unido); Stickler e Lewis,
2003 (Reino Unido).
A aprendizagem in-tandem e o desenvolvimento da
competência intercultural
Otto, 2003 (Reino Unido)
A eficiência das estratégias de aprendizagem
desenvolvidas in-tandem
Stickler, 2003 (Reino Unido); Brammerts et. al.,
2003 (Reino Unido)
O aconselhamento individual a aprendizes de línguas
via tandem
Walker, 2003 (Reino Unido)
O papel dos diários no desenvolvimento da
autonomia do aprendiz in-tandem
Helmling, 2003 (Reino Unido)
O aconselhamento entre grupos de pares interagentes
in-tandem
Brammerts e Kleppin , 2003 (Reino Unido) O apoio face a face na aprendizagem in-tandem
Lewis, 2003 (Reino Unido); Lewis e Walker,
2003a (Reino Unido); Gaßdorf, 2003 (Reino
Unido); Hölscher et. al, 2003 (Reino Unido);
Strobl e Carecho, 2003 (Reino Unido)
A formação de professores e construção de novas
identidades profissionais para o tandem
Mc Portland, 2003 (Reino Unido); Hedderich,
2003 (Reino Unido)
O significado da aprendizagem de línguas no tandem
por e-mail (e-tandem)
Brammerts, 2007 (Alemanha)
Bibliografia sobre aprendizagem de línguas in-
tandem
Warschauer e Lepeintre, 1997 (Austrália)
A construção de discursos na troca de e-mails na
aprendizagem de inglês, os conflitos de poder e as
rupturas de interação
Warschauer e De Florio-Hansen, 2003 (Alemanha)
O papel de línguas e etnias na construção das
identidades dos falantes na era da informação: a
linguagem no ciberespaço e o uso da internet
Melo, 2004 (Portugal)
A utilização da tecnologia no ensino e na
intercompreensão de línguas românicas no “Projeto
Galanet”
Cziko e Park, 2003 (E.U.A.)
O potencial da internet e de programas gratuitos de
comunicação síncrona em áudio como ferramenta
para a aprendizagem de LE
Godwin-Jones, 2005 (E.U.A.)
“Tecnologias emergentes” como novas ferramentas e
estratégias de aprendizagem de línguas da geração do
século XXI
Erben, Ban e Castañeda, 2008 (E.U.A.) O uso da tecnologia por aprendizes de inglês em
diferentes áreas de conteúdo
Kumaravadivelu (2008) Globalização cultural e educação lingüística
Block e Cameron (orgs.), 2002 (E.U.A./Canadá) Globalização e ensino de línguas
Kubota , 2002 (E.U.A./Canadá); Harris, Leung e
Rampton, 2002 (E.U.A./Canadá); Heller , 2002
(E.U.A./Canadá)
Questões sobre o global e o local
Cameron, 2002 (E.U.A./Canadá); Kramsch e
Thorne , 2002 (E.U.A./Canadá); Wallace, 2002
Globalização e comunicação
Block, 2002 (E.U.A./Canadá); Canagarajah, 2002
(E.U.A./Canadá); Gray, 2002 (E.U.A./Canadá)
Métodos e materiais para o ensino de línguas em
contextos de globalização
Quadro 1: Produções internacionais na área de formação de professores e
ensino/aprendizagem de línguas mediado pelo computador
Como podemos observar no quadro apresentado, é notável o número de
trabalhos internacionalmente produzidos enfocando a tecnologia como ferramenta para
a aprendizagem e comunicação de aprendizes de línguas, bem como de formação de
professores e de formadores para novos contextos de ensino de línguas. Observamos,
especialmente, que os estudos sobre as modalidades de tandem no ensino de línguas já
constituem uma área de estudos sobre ensino/aprendizagem de línguas que envolvem
novos ambientes e novas interações comunicativas e interpessoais que diferem da
tradição de pesquisa cujo enfoque é a sala de aula e a relação professor-aluno.
Em âmbito brasileiro de pesquisas na área de aprendizagem de línguas mediada
pelo computador, comprovamos igualmente o desenvolvimento de um número
considerável de trabalhos científicos desenvolvidos em programas de pós-graduação no
país.
Começamos pelo programa de Pós-Graduação em Lingüística Aplicada e
Estudos da Linguagem da PUC — Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
enfocando, de maneira geral, processos de ensino/aprendizagem e de formação de
professores de línguas em cursos on-line.
Quanto ao processo de formação de professores para o meio digital, são de
relevância as pesquisas de doutoramento de Quevedo (2005), Lopes (2005), Sprenger
(2004), Geraldini (2003) e Carelli (2003).
Quevedo (2005) investigou a atuação de professores de língua inglesa da rede
pública paulista envolvidos em um curso de formação continuada on-line, na temática
de “Compreensão do Inglês Falado”, tendo o computador como ferramenta de mediação
na busca dos alunos para atingir seus objetivos, solucionar contradições e desenvolver
uma auto-percepção sobre seu engajamento nos contextos de produção do curso. A
investigação de Lopes (2005) enfoca os processos de formação tecnológica de
professores e multiplicadores em um curso de Letras, em contexto mediado pelo
computador, buscando o desenvolvimento de uma reflexão crítica sobre questões
relacionadas ao uso do computador no ensino, com base em uma abordagem sócio-
interacionista de ensino/aprendizagem e em uma visão crítico-reflexiva de formação de
professores. O trabalho de Sprenger (2004) tem como objetivos analisar o processo de
desenvolvimento da autonomia de professoras-alunas em um curso on-line de formação
continuada de professores, bem como verificar de que forma o diálogo crítico e
reflexivo, considerado essencial no desenvolvimento da autonomia, configura-se em
ambiente digital. Enfocando o contexto da escola pública como cenário para seu estudo,
Carelli (2003) investiga a atividade sociocultural de estudo on-line, desenvolvida por
professoras de língua inglesa, ao participarem de um curso de formação continuada
sobre leitura estratégica em meio virtual, no objetivo de compreender a dinâmica de
realização dessa atividade, bem como as dificuldades enfrentadas pelas participantes e
sua aprendizagem quanto ao uso da tecnologia. Por fim, o estudo de Geraldini (2003)
investiga a experiência de uma professora de perfil reflexivo, no contexto de um curso
de leitura instrumental em inglês via internet, tendo por principal objetivo contribuir
para a formação de professores reflexivos e sua atuação em ambiente digital.
Dentre as teses de doutorado no âmbito de pesquisas com foco no processo de
ensino/aprendizagem de línguas mediado pelo computador, destacamos os trabalhos de
Von Staa (2003) e Fontes (2002).
No primeiro, Von Staa (op. cit.) estuda a elaboração e a avaliação do design do
curso instrumental on-line Publish or Perish, voltado à escrita acadêmica digital em
inglês, no sentido de sugerir encaminhamentos para o aprimoramento do uso da
ferramenta digital em futuras pesquisas de contexto semelhante ou, ainda, em pesquisas
voltadas ao ensino/aprendizagem à distância em geral. O trabalho de Fontes (op. cit.),
por sua vez, enfoca aspectos relacionados a processos de ensino/aprendizagem de inglês
em meio digital, abordando a crescente importância do uso das novas tecnologias de
informação na área de educação e aos processos de ensino/aprendizagem de línguas
mediados pelo computador, em especial os da língua inglesa, e suas implicações
didáticas, pedagógicas e discursivas em ambiente educacional.
Em relação às dissertações de mestrado na temática de formação de professores
em contexto educacional mediado pela tecnologia, desenvolvidas ainda na PUC-SP,
encontramos os trabalhos de Malacrida (2006), Lang (2004), Oliveira (2004), Terzian
(2004), Perina (2003), Rezende (2003) e Santi (2003).
Malacrida (op. cit.) observa a prática de um professor egresso do “Programa em
Língua Inglesa Via Internet para Professores de Inglês de Escolas Públicas”, dirigido a
professores de inglês em serviço na rede pública paulista, no intuito de avaliar as
contribuições proporcionadas pelo programa, em termos de prática educacional. O
cenário de pesquisa do trabalho de Lang (op. cit.) é um curso de leitura instrumental em
inglês via internet, dirigido a professores de inglês da rede estadual paulista, no qual a
autora investiga as contradições presentes no processo de letramento digital e o
fornecimento de subsídios para o design de futuras versões do curso. Enfocando a
formação inicial de professores, a pesquisa de Oliveira (op. cit.) investiga as
representações de licenciandos em Letras de uma faculdade particular do interior
paulista a respeito de ensino/aprendizagem de língua inglesa e do uso do computador na
educação, por meio da implementação de um curso de leitura instrumental, levando em
conta o paradigma educacional contemporâneo, voltado ao uso da tecnologia. A
investigação de Terzian (op. cit.) enfoca o funcionamento do discurso de negociações
on-line via chat, mantidas por professores de inglês em serviço na rede estadual
paulista, inseridos no “Programa Teachers´Links”, desenvolvido pela PUC-SP em
parceria com a Sociedade Brasileira de Cultura Inglesa – São Paulo. Em seu estudo,
Perina (op. cit.) analisa as crenças de professores de inglês de escolas regulares e de
idiomas, em relação ao uso do computador em suas práticas docentes e ao seu papel na
sociedade digital, fundamentando-se no estudo de crenças e nos conceitos de
alfabetização e letramento tecnológicos, no intuito de trazer contribuições para a
compreensão das relações homem-máquina e para a utilização do computador no ensino
de línguas. A dissertação de Rezende (op. cit.) tem como objetivo contribuir para a
formação tecnológica de professores que, pela primeira vez, fazem uso do computador
no ensino, respondendo a expectativas institucionais ou por vontade própria, discutindo
temas diversos, em momentos de interação on-line e de co/re-construção de
conhecimentos. Finalmente, o trabalho de Santi (op. cit.) enfoca a presença de sinais de
afetividade nas falas de uma professora, bem como as marcas de poder presentes em sua
atuação com os alunos, em sessões de chat de um curso de inglês on-line.
Na área de ensino/aprendizagem de línguas mediado pelo computador,
salientamos as pesquisas de Sabbag (2002), de Santos (2002) e de Lacombe (2000),
também desenvolvidas junto à PUC-SP.
O trabalho de Sabbag (op. cit.) tem como objetivos centrais verificar de que
maneira a percepção lingüística se manifesta na linguagem escrita, em uma situação de
comunicação em contexto digital via chat em um curso de inglês on-line, bem como
analisar as possíveis implicações entre a percepção lingüística e o uso de tal modalidade
de comunicação síncrona, em uma situação de ensino/aprendizagem de LE mediada
pelo computador. No segundo estudo, Santos (op. cit.) investiga a integração do
computador à sala de aula de língua inglesa, tendo por foco a repercussão do uso de tal
recurso tecnológico como mediador pedagógico em aulas presenciais de 7ª. série de
ensino fundamental da rede particular de ensino. Por fim, o trabalho de Lacombe (op.
cit.) tem como objetivo analisar o desempenho e as atitudes de alunos de um curso de
Inglês básico ministrado pela internet, tendo como principal tarefa investigativa da
pesquisadora analisar como os alunos reagem ao ambiente virtual e ao material
proposto pelo curso, para, a partir dessa análise, encaminhar sugestões para o
aperfeiçoamento desses materiais.
Dentre os estudos que enfocam a utilização da ferramenta assíncrona de
comunicação on-line, encontramos os trabalhos de Mello Filho (2005) e de Victoriano
(2005), ainda na mesma instituição.
No primeiro, Mello Filho (op. cit.) parte do levantamento de problemas de
navegação vivenciados e relatados por usuários de cursos on-line desenvolvidos pelo
Grupo de Pesquisas Edulang, da PUC-SP, tendo por objetivo discuti-los e encontrar
soluções, por meio da utilização de um instrumento de intervenção, em um estudo de
acompanhamento e análise do trabalho desenvolvido pelos participantes da pesquisa no
curso on-line. O segundo estudo, de Victoriano (op. cit.), analisa o caráter ambíguo do
uso dos fóruns de discussão, ferramenta assíncrona on-line, no sentido de ora facilitar
ora apresentar dificuldades para a implementação de tarefas educacionais.
Na categoria de trabalhos voltados à investigação e análise do design de cursos
ambientados em contextos virtuais de ensino de línguas, encontram-se as dissertações
de Souza (2003) e de Wadt (2002).
O trabalho de Souza (op. cit.) investiga o desenho, a implementação e a
repercussão de um curso de Inglês ministrado a licenciandos de um curso de Letras em
ambiente multimídico, tendo em vista a exposição à língua-alvo por meio de recursos
tecnológicos. Segundo o autor, o desenho do curso privilegiou a criação de espaços
para a vivência de experiências no e com o idioma estrangeiro, e para a reflexão dos
alunos na e sobre a ação, interpretando as aulas a que assistiam e explorando
possibilidades para o futuro exercício docente. Já o trabalho de Wadt (op. cit.) traz
como objetivo analisar o design elaborado na ferramenta de autoria WebCT de uma das
unidades do módulo on-line Compreensão Oral em Inglês I, do “Programa Melhoria de
Ensino de Inglês”, voltado a professores de inglês de escolas públicas estaduais. a fim
de identificar inadequações que possam influenciar os processos de
ensino/aprendizagem da língua-alvo no curso, tendo por base teórica os estudos sobre
educação à distância e tecnologia educacional.
Por fim, constituindo o único trabalho levantado sobre elaboração de material
didático em contexto de curso de línguas on-line, encontramos a dissertação de Barbosa
(2004), que enfoca o ensino/aprendizagem de inglês instrumental em uma análise
lingüística do corpus e na avaliação teórico-metodológica da elaboração do material.
Quanto aos trabalhos desenvolvidos em outras universidades, encontramos
estudos representativos na UFSC — Universidade Federal de Santa Catarina, na
UNICAMP — Universidade Estadual de Campinas, na UFMG — Universidade Federal
de Minas Gerais, na UFRGS — Universidade Federal do Rio Grande do Sul e na
UNESP — Universidade Estadual Paulista.
Da UFSC, trazemos, respectivamente, as investigações de Silva (2003), Ferreira
(2001) e Sant’ana (2000), dissertações de mestrado defendidas pelo Programa de Pós-
graduação em Lingüística Aplicada da instituição. A primeira propõe a implementação
de um espaço virtual para disponibilizar material teórico e didático para professores de
LE da rede pública de Santa Catarina. A segunda enfoca o processo de
ensino/aprendizagem de português como LE em meio digital. E a terceira discute
métodos de ensino de línguas em contextos mediados por novas tecnologias.
Entre os estudos de pós-graduação em Lingüística Aplicada do Instituto de
Estudos da Linguagem (IEL) da UNICAMP, destacamos a tese de doutorado de Buzato
(2007), que aborda letramento e linguagem na inclusão digital. O estudo propõe uma
revisão do conceito de inclusão digital em relação à noção tradicional de inclusão como
acesso puro e simples às novas tecnologias da informação e da comunicação (TIC),
dando ênfase analítica ao contraste entre as diferentes visões da relação entre sociedade,
cultura e tecnologia que fundamentam os discursos acadêmicos, políticos e do senso
comum em torno da inclusão digital hoje. Entre as pesquisas envolvendo o uso do
computador como ferramenta educacional na aquisição de LE, na mesma instituição,
destacamos as dissertações de mestrado de Hatugai (2006) enfocando o
desenvolvimento da autonomia e a promoção de padrões mais ativos de aprendizagem
de inglês como LE em contextos de ensino fundamental mediados pelo computador
de Lourenço (2001) — que analisa a aquisição de LE (inglês) através da comunicação
síncrona e assíncrona mediada pelo computador — e de Pudo (2003) — cujo trabalho
enfoca a aquisição de língua inglesa nos contextos presencial e virtual de ensino público
de LE. Já abordando a temática de material para ensino de línguas em meio virtual,
encontramos as pesquisas de mestrado de Costa (2001), que discute a interação
aprendiz-material didático em contextos pedagógicos presenciais e virtuais de ensino de
LE; de Siqueira (2006), que investiga as estratégias de uso de material hipertextual na
aprendizagem de leitura em língua inglesa; de Sabadini (2007), que analisa a construção
e avaliação de materiais textuais digitais para cursos de inglês instrumental à distância.
Na mesma temática, a tese de doutorado de Almeida (2006) enfoca a internet como
fonte de material didático e como meio de ensino de LE, na criação e execução de
tarefas pedagógicas realizadas por alunos de Letras. Rocha (2001), em sua pesquisa de
mestrado, analisa a construção colaborativa da aprendizagem de leitura de textos em
inglês, por meio de recursos da internet. Trifanovas (2007) realiza pesquisa de mestrado
sobre a análise dos e-mails trocados entre coordenadores, professores e alunos em
contexto virtual de ensino-aprendizagem de inglês como LE. Objetiva-se, assim,
problematizar as relações de poder-saber em tal contexto, discutindo o discurso de
autonomia do sujeito em EaD, questionando o uso dos e-mails em contexto de gestão de
ensino e refletindo sobre práticas discursivas naturalizadas de tecnologias do eu. Souza
(2004) tem como tese de doutorado o estudo da hipermídia no ensino lexical de LE
(inglês) e Buzato (2001) é autor da única dissertação de mestrado encontrada sobre
formação de professores de línguas em meio virtual.
São seis os trabalhos em nível de mestrado produzidos no Programa de Pós-
graduação em Estudos Lingüísticos da Faculdade de Letras da UFMG, envolvendo as
temáticas de aprendizagem de línguas e formação de professores em contexto virtual.
Inseridas na primeira temática, encontramos as pesquisas de Oliveira (2005), cujo
enfoque é a motivação de alunos de LE no desenvolvimento do penpal eletrônico; de
Sabariz (2004) e de Assis (2004), que tratam das estratégias de aprendizagem e do
desenvolvimento da autonomia de aprendizes em contexto virtual de ensino de inglês;
de Braga (2004), cujo enfoque está nos aspectos da colaboração, autonomia e estratégias
sociais e de compensação analisados em contexto de aprendizagem de línguas em
regime de tandem via e- mail; e de Almeida (2004), que discute as percepções de
aprendizes de inglês sobre a utilização de tarefas online em sua aprendizagem de LE.
Somente o trabalho de Pordeus (2004) enfoca a formação de professores de LE em meio
digital, processo caracterizado pela autora como a construção do ciberprofessor.
A dissertação de mestrado de Hass (2004), defendida junto ao Programa de pós-
graduação em Letras da UFRGS, enfoca a aprendizagem de LE por meio do uso de sites
da internet como insumo para a realização de tarefas comunicativas, que culminam em
produções textuais em língua inglesa de alunos de cursos livres de idiomas de Porto
Alegre.
Por fim, apresentamos algumas das pesquisas de mestrado já concluídas no
programa de Pós-graduação em Estudos Lingüísticos da UNESP de São José do Rio
Preto, inseridas no projeto de pesquisa “Teletandem Brasil: línguas estrangeiras para
todos”. Tratam-se, respectivamente, dos trabalhos de Bedran (2008), Mesquita (2008),
Salomão (2008), Silva (2008), Fernandes (2008) e Santos (2008).
O trabalho de Bedran (op. cit.), caracterizado como uma pesquisa qualitativa de
cunho etnográfico, analisa as crenças sobre língua, ensino e aprendizagem, inferidas por
meio do discurso e das ações dos participantes, aprendizes das línguas italiana e
portuguesa e professores-mediadores, atentando para uma (re)construção dessas
crenças, bem como para sua origem e influência no processo de aprendizagem in-
teletandem. Os resultados sugerem uma diversidade de crenças trazidas pelos
participantes, diretamente ligadas as suas experiências de ensino/aprendizagem em
ambas as culturas, a brasileira e a italiana, representando uma tentativa de buscarem
formas de ensinar e aprender coerentes com suas expectativas no contexto enfocado e a
necessidade do desenvolvimento de uma formação reflexivo-crítica de professores de
línguas. Enfocando a mesma temática, a investigação de Mesquita (op. cit.) estuda as
crenças e as práticas de avaliação no processo de interação e nas mediações de um par
interagente de inglês-português in-teletandem. O estudo, de caráter qualitativo e
natureza etnográfica, tem como foco as ações de uma interagente brasileira e sua
mediadora, doutoranda no teletandem. A análise dos dados demonstra que a interagente,
quando no papel de par proficiente, preocupa-se predominantemente com a
comunicação, apresentando, assim, uma concepção aproximada dos princípios da
avaliação mediadora. Já como aprendiz, em interação com o par norte-americano, a
participante brasileira mostra-se preocupada em não cometer erros lingüísticos,
apresentando, assim, uma visão modificada de avaliação, mais voltada a concepções
tradicionais. Nesse sentido, o autor avalia que os dados sugerem uma instabilidade em
relação às crenças sobre aprendizagem por parte da interagente, apresentadas de
maneiras distintas durante as interações e as mediações. Salomão (op. cit.) desenvolve
uma pesquisa qualitativa de caráter etnográfico em torno da formação de professores em
um contexto virtual de aprendizagem colaborativa, enfocando os processos de
gerenciamento e as estratégias pedagógicas utilizadas na mediação dos pares no tandem
à distância, bem como seus reflexos nas práticas pedagógicas dos interagentes de
português-espanhol. Os resultados da análise interpretativista dos dados evidenciam a
experiência de ensinar e aprender línguas no referido contexto como uma oportunidade
para a formação reflexiva tanto do aluno-professor como interagente quanto do
formador de professores como mediador no teletandem. A pesquisa de Silva (op. cit.)
caracteriza o desenvolvimento interlinguístico em contexto de teletandem, observando
como as estratégias auxiliam e/ou inibem o processamento do insumo entre línguas
próximas, o português e o espanhol. O estudo revelou que, por tratar-se de um ambiente
novo de ensino/aprendizagem de línguas, a fase analisada caracteriza-se como uma
etapa de adaptação ao contexto, levando-se em conta os princípios do teletandem
(autonomia, reciprocidade e separação de línguas) e pela diversidade de condições entre
as interagentes da pesquisa. Além disso, por tratar-se de línguas próximas, fica evidente
a importância da LM na construção de processos intralingüísticos e cognitivos nas
interações instauradas à distância. A quarta investigação, de Fernandes (op. cit.), enfoca
um estudo acerca da contribuição dos recursos tecnológicos no processo de
aprendizagem de francês in-tandem e o papel do professor-mediador nesse contexto,
sendo que os dados sugerem que a ferramenta computacional é um importante recurso
para a otimização do processo, aliado ao papel significativo do mediador nas interações.
A última pesquisa, de Santos (op. cit.), analisa a caracterização do processo interacional
na aprendizagem de português-inglês em contexto de teletandem, partindo do
pressuposto de que uma proposta interacionista de aprendizagem de línguas prevê que
o aprendiz pode se beneficiar do engajamento em interações com outros falantes,
nativos ou não, no sentido de favorecimento do avanço da fase de interlíngua do
aprendiz. Nesse sentido, o autor busca compreender as características da interação em
contexto virtual de aprendizagem de línguas, destacando como resultados a percepção
de uma taxonomia de movimentos conversacionais e comportamentos interativos dos
participantes no decorrer do processo, com particular ênfase às contribuições
proporcionadas pela ferramenta tecnológica e pela instauração de um diálogo
colaborativo entre os participantes.
Em relação aos artigos nacionais publicados sobre a temática do ensino virtual
de línguas, destacamos o de Freire (2003), cujo enfoque dá-se na interação e no silêncio
em dois cursos desenvolvidos por meio de oficinas virtuais via e-mail e destinados ao
desenvolvimento da habilidade de redação em inglês. O artigo de Vassallo e Telles
(2006) traz uma apresentação e propõe um aprofundamento dos princípios da
aprendizagem de LEs in-tandem, além de caracterizar a proposta de Teletandem como
uma modalidade de tandem para o ensino de línguas; em Telles e Vassallo (2006), os
autores aprofundam a apresentação de conceitos, práticas e desafios teóricos a respeito
do Teletandem, desenvolvido no contexto de projeto de pesquisa intitulado “Teletandem
Brasil: línguas estrangeiras para todos”. Já o trabalho de Oeiras, Rocha e Almeida Filho
(s/d) constitui-se em fundamentos para o ensino de LE à distância, discutindo aspectos
como a motivação para o trabalho com LEs em ambiente computacional, a abordagem
de ensino de línguas, o design de cursos virtuais e a funcionalidade do ambiente virtual
(atividades, mecanismos de apoio à comunicação de professores, planejamento de
unidades, avaliação e produção de materiais).
Reunidos no volume A Inteculturalidade no Ensino de Inglês, uma publicação
do ARES – Advanced Research in English Series e organizado por Leda Maria Braga
Tomich, Maria Helena Vieira Abrahão, Carlos Daghlian e Dilvo Ristoff (2005),
encontramos vários trabalhos que particularmente nos interessam, tais como o de Motta-
Roth, que discute algumas das implicações organizacionais e pedagógicas presentes nas
relações entre o processo de ensino/aprendizagem de línguas mediado pelo computador
(sessões interativas via chat e e-mail) e os aspectos interculturais e tecnológicos
presentes em tal processo; o de Wielewicki, que analisa percepções e crenças de
professores e alunos de LE envolvidos em práticas de leitura e na busca de relações com
as novas tecnologias, no sentido de refletir sobre a noção de processo de leitura em meio
computacional; o de Souza, que propõe discutir uma proposta integrada de
ensino/aquisição de léxico em contexto de leitura em inglês como LE, baseada na
tecnologia hipermídia e em um modelo de competência lexical; e, ainda, o de Oliveira,
que apresenta e discute resultados de uma investigação realizada na UFSC com o
objetivo de verificar como aprendizes de inglês como LE constroem a coerência em um
processo de desenvolvimento da compreensão escrita em contexto eletrônico.
Concluindo este levantamento, citamos Araújo (2007), que organiza em seu
livro Internet & Ensino uma série de artigos de autores que tratam da temática da
internet e ensino, a partir de duas linhas de discussão: a de gêneros digitais: descrição e
implicações para o ensino e a do professor e a internet: alternativas e dilemas.
No quadro 2, a seguir, podemos identificar, em outra forma de apresentação, os
trabalhos citados acima, visualizando o tipo de produção desenvolvida, bem como seus
autores, ano de publicação e instituições de origem e o eixo temático a que se filiam:
Tipo de Produção
Autor(es), Ano de Produção
e Instituição de Origem
Eixo Temático
Tese de Doutorado
Quevedo (2005), Lopes (2005),
Sprenger (2004), Geraldini
(2003) e Carelli (2003) –
PUC/SP; Buzato (2007)
IEL/UNICAMP
Formação de professores
para/em meio digital e
letramento e inclusão digital
Tese de Doutorado
Von Staa (2003) e Fontes (2002)
- PUC/SP
Ensino/aprendizagem de línguas
mediado pelo computador
Tese de Doutorado
Almeida (2006); Sabadini (2007)
– IEL/UNICAMP
Material didático em contexto de
curso de línguas on-line
Tese de Doutorado
Souza (2004) – IEL/UNICAMP
hipermídia no ensino lexical de
LE (Inglês)
Dissertação de Mestrado
Malacrida (2006), Lang (2004),
Oliveira (2004), Terzian (2004),
Perina (2003), Rezende (2003),
Santi (2003) e Corrêa (2001) –
PUC/SP; Buzato (2001) –
IEL/UNICAMP; Pordeus (2004)
– UFMG
Formação de professores
para/em meio digital
Dissertação de Mestrado
Sabbag (2002), Santos (2002) e
Lacombe (2000) – PUC/SP;
Oliveira (2005), Sabariz (2004),
Assis (2004), Braga (2004) e
Almeida (2004) – UFMG; Hass
(2004) - UFRGS
Ensino/aprendizagem de línguas
mediado pelo computador
Dissertação de Mestrado
Mello Filho (2005) e Victoriano
(2005) – PUC/SP; Trifanovas
(2007) UNICAMP/IEL
Uso da ferramenta assíncrona de
comunicação on-line
Dissertação de Mestrado
Souza (2003) e Wadt (2002)
Análise do design de cursos em
ambientes virtuais de ensino de
línguas
Dissertação de Mestrado
Barbosa (2004) – PUC/SP;
Costa (2001), Siqueira (2006) e
Sabadini (2007) –
UNICAMP/IEL
Elaboração de material didático
em contexto de curso de línguas
on-line
Dissertação de Mestrado
Ferreira (2001) – UFSC
Ensino/aprendizagem de
português como LE em meio
digital
Dissertação de Mestrado
Silva (2003) – UFSC Material teórico e didático em
espaço virtual para professores
de LE da rede pública
Dissertação de Mestrado
Sant’ana (2000) – UFSC
Métodos de ensino de línguas
em contextos mediados por
novas tecnologias
Dissertação de Mestrado
Hatugai (2006), Lourenço
(2001) e Pudo (2003) –
UNICAMP/IEL
Uso do computador como
ferramenta educacional na
aquisição de LE
Dissertação de Mestrado
Rocha (2001) – UNICAMP/IEL
Leitura em língua inglesa por
meio da internet
Dissertação de mestrado
Bedran (2008), Fernandes
(2008), Salomão (2008),
Mesquita (2008), Santos (2008)
e Silva (2008) –
UNESP/SJRPreto
Ensino/aprendizagem de línguas
em teletandem
Artigo
Freire (2003) – PUC/SP;
Vassallo e Telles (2006) –
UNESP/Assis; Telles e Vassallo
(2006) – UNESP/Assis; Oeiras
et. al. (s/d) – IEL/UNICAMP
Ensino virtual de línguas
Livro
Araújo (2007) (org) – UFC (CE)
Gêneros digitais: descrição e
implicações para o ensino e a do
professor e a internet:
alternativas e dilemas
Capítulo de livro (Tomich, 2005,
org)
Motta-Roth (2005), Wielewicki
(2005) Souza (2005), Oliveira
(2005) - UFSC
Ensino/aprendizagem de LE
(Inglês) mediado pelo
computador
Quadro 2: Produções nacionais na área de formação de professores e
ensino/aprendizagem de línguas mediado pelo computador
Sem ter a pretensão de esgotar o número de trabalhos que se agrupam em
uma perspectiva de formação de professores para e no ensino/aprendizagem de LE
em ambiente computacional, o levantamento acima apresentado comprova que tal
campo de pesquisa vem se desenvolvendo de maneira considerável não só no
exterior, mas especialmente no Brasil, revelando uma preocupação de pesquisadores,
principalmente da área de LA, voltada ao uso do computador como ferramenta para o
desenvolvimento de processos de ensino/aprendizagem inovadores e de formação
inicial e continuada de professores para tal contexto, dando ênfase ao ensino de
língua inglesa e ao letramento digital. Por outro lado, vimos que o Projeto
Teletandem Brasil, embora tendo seu início há pouco mais de dois anos, já traz
resultados de pesquisas significativos enfocando questões inovadoras, como a do
papel do mediador na aprendizagem de línguas em meio digital, a partir de estudos
que envolvem não só o inglês, mas também outras línguas, entre as quais o italiano, o
espanhol e o francês, além do PLE.
Dessa maneira, sendo a modalidade de teletandem um cenário que começa a
despontar como espaço pós-moderno — portanto, crítico e ideológico — de
formação de professores e ensino/aprendizagem de línguas
3
, consideramos que este
trabalho poderá preencher uma lacuna de pesquisa em formação de professores de
línguas para contextos mediados pelo computador, especialmente pelo fato de tratar
da aprendizagem em um meio inovador, trazendo também a possibilidade de uma
ampliação de estudos que focalizem outras línguas, além do inglês, como ocorre
nesta pesquisa, sem contar a questão de podermos analisar o processo de
ensino/aprendizagem de PLE, área de pesquisa ainda escassa no contexto de estudos
da LA.
Por fim, os problemas investigativos abordados neste estudo contribuem,
sem dúvida, com a questão discursiva e político-ideológica que envolve a
hegemonia de pesquisas em torno da língua inglesa e, em um contexto histórico
globalizador, rompe as fronteiras investigativas na área de ensino/aprendizagem e
formação de professores de línguas, abrindo espaço para que línguas como o
espanhol e o português, em especial, ocupem o primeiro plano no cenário de
investigações em LA.
As perguntas de pesquisa
Nesta investigação, temos como ponto de partida as interações discursivas
instauradas no ensino de línguas pelo teletandem, levando em conta as crenças e
expectativas envolvidas na atuação e no discurso pedagógico das participantes, bem
como os aspectos sobre o processo de ensino/aprendizagem por elas valorizadas nas
interações. Buscamos, como já dito anteriormente, estabelecer reflexões a respeito de tal
formação, oferecida em um contexto inovador e colaborativo de ensino de línguas,
quanto à compreensão dos conceitos de competência profissional e coerência entre
teoria e prática, abordadas pelas Diretrizes Curriculares, no âmbito desta investigação.
Por fim, pretendemos compreender, ainda, como se desenvolve, no trabalho de
3
Entendemos pós-moderno, nesta pesquisa, em conformidade com as idéias de Kumaravadivelu (2006),
para quem a filosofia pós-moderna celebra a diferença, desafia as hegemonias e busca alternativas de
expressão e interpretação, (...) permitindo que se ultrapassem as fronteiras da sala de aula para investigar
estruturas sociais, culturais, políticas e históricas mais amplas (p. 139-142).
formação, o perfil do futuro professor de línguas, em relação à idéia de reflexão crítica e
socializadora e ao entendimento da linguagem como atividade socialmente construída.
Por estar inserido em um projeto maior de aprendizagem de línguas em meio
tecnológico e tendo por ênfase buscar contribuir para o terceiro objetivo traçado para o
projeto investigar as ferramentas necessárias para a formação pré-serviço do
professor de língua estrangeira e os papéis do professor mediador no contexto
teletandem — propomos a seguinte pergunta geral de investigação:
Como se caracteriza a formação inicial de professores de línguas interagentes
em um contexto de aprendizagem in-teletandem?
E, ainda, as seguintes subperguntas de pesquisa:
1-) Como se estabelecem as relações discursivas dos interagentes in-teletandem,
em contexto de formação inicial?
2-) De que maneira aspectos como crenças, expectativas e discurso pedagógico
podem promover ou não atitudes de reflexão sobre a profissão docente em
formação inicial, na atual sociedade da informática?
3-) Como se constrói o discurso da mediação, no sentido de possibilitar o
desenvolvimento de um processo crítico de reflexão quanto ao contexto de
teletandem?
Organização da tese
Esta tese de doutoramento está organizada em quatro capítulos, precedidos por
esta Introdução. A Introdução, além de trazer uma contextualização de pesquisas em
formação de professores mediada pelo computador e sua relevância no cenário de
estudos científicos na área de LA, apresenta, ainda, um panorama de trabalhos
recentemente desenvolvidos nesse âmbito, bem como a formulação do tema e os
objetivos desta pesquisa, sua justificativa e importância na perspectiva na qual se insere.
No Capítulo I, abordando a metodologia de pesquisa, esclarecemos o caráter
colaborativo estabelecido nas interações e mediações, enfocando os instrumentos e
procedimentos de coleta de dados utilizados na pesquisa, bem como os procedimentos
para a realização da análise.
No Capítulo II trazemos a fundamentação teórica para o desenvolvimento deste
estudo, tratando teoricamente das temáticas enfocadas, sendo elas “Crenças em
contextos de ensino/aprendizagem de línguas”, “Relações discursivas no processo de
ensino/aprendizagem de línguas”, “Formação de professores: competências,
reflexividade e atuação em novos contextos de ensino” e “Tandem e
ensino/aprendizagem de línguas”.
O Capítulo III envolve a análise dos dados coletados, referentes aos três pilares
desta tese, que são as crenças, o discurso e a atividade reflexiva, aspectos relativos à
formação das interagentes no/para o contexto analisado e que serão tratados a partir das
interações e de outros procedimentos resultantes da ação pedagógica em teletandem. O
intuito é o de buscar respostas às subperguntas de pesquisa propostas para esta tese.
Finalmente, no Capítulo IV, discutimos os resultados alcançados, buscando
vislumbrar respostas à grande pergunta de pesquisa proposta e trazer contribuições para
a temática da formação inicial de professores para o teletandem. Além disso,
apresentamos as considerações finais a respeito desta investigação, bem como trazemos
as perspectivas das interagentes após os resultados de análise de suas práticas
profissionais no teletandem, os pontos relevantes da análise e as limitações e
encaminhamentos desta investigação para pesquisas futuras.
CAPÍTULO I
METODOLOGIA DA PESQUISA
No presente capítulo, caracterizamos a natureza desta investigação e seu caráter
telecolaborativo, além de apresentar as participantes da pesquisa, do ponto de vista de
sua formação e atuação. Explicitamos, ainda, os instrumentos de coleta de dados e os
procedimentos utilizados para a análise.
1.1 Natureza e caracterização da pesquisa
De acordo com Dufva (2003), o processo de coleta de dados em si tem uma
natureza dialógica, já que reflete tanto a posição do pesquisador quanto a dos demais
participantes da pesquisa. Nesse sentido, a construção das crenças do pesquisador e
daquelas que ele encontra nos dados deve emergir de um diálogo entre ele e os outros
participantes, mesmo porque a voz do pesquisador está presente a todo momento no
processo de interpretação dos dados. O papel do pesquisador não é, portanto, o de um
observador externo e imparcial, mas de alguém que é participante de todo o processo.
Conforme mencionamos na Introdução deste trabalho, e, ainda, em diálogo com
as colocações teóricas a serem explicitadas no Capítulo II, este estudo caracteriza-se
como uma pesquisa de tipo etnográfico (ANDRÉ, 2000; RICHARDS, 2003), pois
pretende fornecer uma descrição e uma interpretação das ações educativas e da cultura
das participantes, envolvendo práticas, crenças, valores, conhecimento, discurso e
reflexões, em um contexto social específico de aprendizagem, o teletandem, no qual
ocorrem e são compreendidas e refletidas as interações e mediações. Nesse tipo de
trabalho, o pesquisador tem sempre um grau de interação com a situação estudada e os
dados são mediados pelo instrumento humano (ANDRÉ, op. cit., p. 28), já que é
também um participante e, por isso, os possíveis resultados de análise são revertidos na
transformação do contexto, em um movimento processual e em benefício dos
envolvidos. Nessa perspectiva, o pesquisador pode mover-se do contexto externo para o
contexto interno da pesquisa, tentando analisar os dados a partir da perspectiva dos
participantes do grupo, do qual também é constituinte (RICHARDS, op. cit., p. 14). Por
ter um caráter aberto, o cenário de investigação pode servir como espaço para o
estabelecimento de conflitos, discussões ou reelaborações, o que caracteriza esse tipo de
pesquisa, ainda, como participante, sendo isso o que ocorre, de fato, nesta investigação.
Por suas características, podemos afirmar igualmente que temos aqui um estudo de
campo ou exploratório, por haver uma aproximação contextual e prolongada entre as
participantes, no sentido de compreender o ambiente investigado e refletir sobre ele.
Os resultados da investigação, portanto, são incorporados continuamente ao
processo de pesquisa. Por tratar-se de um contexto educacional em rede, é crucial a
realização de um estudo coletivo e intersubjetivo, a fim de que mais de uma perspectiva
seja levada em conta no processo de interpretação das questões em análise, aumentando
a confiabilidade dos resultados. Segundo Nóvoa (1997), esse tipo de pesquisa busca não
apenas mudar o profissional,
mas mudar também os contextos em que ele intervém (...), sob uma
perspectiva ecológica de transformações interativas dos
profissionais e dos contextos, dando um novo sentido às práticas
de formação de professores (p. 28).
Levando em conta os princípios do trabalho in-tandem, fundamentados na
autonomia, na reciprocidade e no bilingüismo
7
, podemos afirmar que esta investigação
apresenta, ainda, um caráter de pesquisa colaborativa (BRAGA, 2007), ou então,
considerando o contexto virtual analisado, de pesquisa telecolaborativa (BELZ, 2002).
Nesse sentido, torna-se necessário que os professores compreendam o papel da
tecnologia em relação ao acesso ao conhecimento e ao poder social. No âmbito
educacional, a possibilidade de comunicação à distância de forma mais ágil e síncrona
oferece novas perspectivas para a aprendizagem, já que a interação existente entre os
participantes e entre eles e os novos conhecimentos é uma das características mais
marcantes da colaboração, gerada pela própria transformação dos contextos e pela
utilização dos recursos tecnológicos disponíveis, fatos que, retomando Braga (op. cit.),
podem propiciar o desenvolvimento de uma reflexão social crítica, na qual os
professores têm papel fundamental (p. 189).
Em relação ao caráter telecolaborativo sugerido por Belz (op. cit.), tomamos as
participantes desta pesquisa como agentes em contextos socioculturais, haja vista as
novas realidades em que o aprendizado se dá, o que tem levado pesquisadores a
7
O termo bilingüismo é aqui utilizado com base nos preceitos de Little (2002), para quem a comunicação
in-tandem possui natureza bilíngüe, já que cada participante alterna-se regularmente entre o papel de
aprendiz e de falante nativo (op. cit. , p. 32), e, ainda, na visão de Vassallo e Telles (2006), para quem a
aprendizagem de línguas in-tandem caracteriza-se como sessões bilíngües de conversação, nas quais
cada um dos parceiros é aprendiz de LE e tutor de sua LM ou de proficiência (op. cit., p. 83). Também
para Vassallo e Telles (2008), a atividade de tandem é realizada em sessões regulares bilíngües por
falantes competentes de duas línguas diferentes, que querem aprender a língua um do outro (op. cit., p. 2).
Brammerts (2002) afirma que, na aprendizagem de línguas in-tandem, duas pessoas de LMs diferentes
comunicam-se entre si, para aprender uma com a outra (op. cit., p. 17), conceito que pode nos remeter,
igualmente, à idéia de bilingüismo.
investigar um amplo contexto ecológico que afeta a aprendizagem e os usos da
linguagem na sociedade atual, tanto dentro quanto fora da sala de aula (op. cit., p. 61).
Assim, a telecolaboração é caracterizada como uma aplicação de redes de comunicação
global na formação docente e na aprendizagem de LE, por meio da aproximação de
pares ou grupos de participantes geograficamente distanciados e envolvidos em
diferentes contextos sócio-culturais e institucionais. Esses participantes trazem consigo
intenções, propósitos, crenças, aspectos autobiográficos, expectativas, experiências e
reflexões, com o objetivo de utilizar a linguagem tecnológica para comunicar, aprender,
relacionar-se e agir no mundo. Portanto, questões éticas e metodológicas, tais como a
diversidade cultural, os propósitos de aprendizagem e os fatores afetivos ligados à
língua-alvo, e, ainda, o papel facilitador e colaborativo dos parceiros em interação,
devem ser consideradas fundamentais na implementação de pesquisas que envolvam
tecnologia e aprendizagem de línguas, em contextos telecolaborativos.
Nesse cenário metodológico de caracterização de pesquisa em formação inicial
de professores de línguas, o papel do formador assume posição fundamental, no sentido
de se buscar o desenvolvimento de uma reflexão crítica, conforme veremos mais
adiante, no Capítulo II. Segundo Sól (2005), o nível crítico da reflexão é o mais
elevado, por relacionar-se a questões éticas, políticas e sociais, tais como as que foram
levantadas acima, presentes no discurso e na ação profissional. Porém, normalmente a
reflexão parece atingir apenas o domínio técnico a eficiência das técnicas utilizadas
na prática e o domínio prático a explicitação dos subsídios que remetem à prática.
Portanto, para a autora, o ideal seria que o formador pudesse trabalhar em conjunto
esses três domínios, no sentido de que professores em formação tivessem acesso a
possibilidades de formação teórica e crítico-reflexiva (op. cit., p. 61), o que,
entendemos, pode ser propiciado por uma supervisão colaborativa, na qual as decisões
são tomadas em conjunto, de maneira não-diretiva.
Analisando contextos presenciais de ensino/aprendizagem de línguas, Gebhard
(1984) discute, dentre os diversos modelos de supervisão que analisa, justamente o
papel do supervisor colaborativo, no sentido de participar de decisões ao lado do
professor, estabelecendo uma relação compartilhada. Os questionamentos são
essenciais, não no sentido de direcionarem respostas ou julgar atitudes, mas de
promoverem a reflexão sobre as idéias do professor em formação, os problemas
percebidos, os objetivos almejados e o contexto de atuação. A decisão sobre como agir
posteriormente é também trabalho de reflexão, porém, o professor deve ser respeitado
caso seus pontos de vista e os do supervisor não sejam compatíveis, já que ele é o
conhecedor maior do contexto em que atua e, no caso do teletandem, de seu interagente.
Segundo Korthagen (1982), a supervisão em contexto presencial é importante
para auxiliar professores em formação a compreender seu próprio processo reflexivo e,
portanto, não há um modelo a ser seguido em relação a isso. O autor sugere que o
supervisor tenha um grau considerável de aceitabilidade das reflexões do aluno-
professor, empatia, capacidade para concretizar situações nas quais o problema ocorre e
capacidade de generalização dos diversos problemas enfrentados pelo professor em
formação, no sentido de que se atinja uma consciência social crítica sobre os aspectos
essenciais do trabalho desenvolvido.
Para esta pesquisa, que enfoca um espaço virtual de interação, sabemos que o
papel do supervisor é assumido na representação do mediador, que atua como formador
de professores em um contexto inovador e virtual de aprendizagem de línguas. O
projeto Teletandem Brasil considera, pois, a aprendizagem dos professores e dos
professores-mediadores como construção compartilhada de conhecimentos e o próprio
conhecimento como co-construção de significados (VIEIRA-ABRAHÃO, 2007).
Assim, espera-se que conhecimentos a respeito da língua-alvo e sua aprendizagem
sejam construídos na interação, tanto entre interagentes quanto entre interagentes e
mediadores, sendo que, em ambas as relações, há sempre uma alternância entre os
pares, no sentido de assumir o papel de par mais competente na língua de aprendizagem.
Portanto, não podemos deixar de pensar em uma relação de poder nesse contexto, a
qual, como acena Bakhtin cujas idéias retomaremos posteriormente deve ser
substituída por um discurso persuasivo, que se instaura no dialogismo e na construção
dos conflitos como possibilidades de negociação e de reflexão. Já sabemos que, na
mediação, o papel do formador, mediador ou par mais competente é assumido por
mestrandos e doutorandos do projeto. Assim, no Teletandem Brasil, alguns princípios
de mediação foram delineados pelo grupo de participantes e, de forma colaborativa e
contextual, chegou-se aos seguintes princípios desejáveis na prática do mediador,
elencados pela autora:
- estabelecer uma boa relação com os interagentes de forma a criar uma atmosfera de
segurança e de confiança permanente entre eles;
- promover uma atmosfera informal e descontraída que instigue os interagentes a
verbalizar suas ansiedades, necessidades e dificuldades sem constrangimentos ou
receios;
- tentar diminuir a assimetria entre ele e os interagentes, pois ambos deveriam ser
“cúmplices” nesse processo de ensinar e aprender virtualmente, trabalhando
colaborativamente a fim de atingir um objetivo comum;
- procurar não prescrever um modo que ele acredita estar correto, evitando realizar,
assim, uma prática pedagógica diretiva que impossibilita a reflexão e a autonomia do
aprendiz;
- negociar constantemente com os interagentes em relação aos horários de mediação,
produção e entrega de dados de pesquisa e tipos de recursos do MSN Messenger
utilizados durante a mediação (câmera, áudio etc), entre outros;
- partir sempre das necessidades dos interagentes vivenciadas na prática;
- não condenar a prática pedagógica do interagente para não baixar a sua auto-estima
e não fazer com que ele se sinta incapaz e inferior aos demais;
- sugerir, pelo menos em um primeiro momento, alternativas para que o aluno-
professor pudesse refletir e decidir qual seria a mais viável e adequada para ser
colocada em prática;
- avaliar as alternativas apresentadas pelos interagentes frente as dificuldades;
- fazer uso, em um segundo momento, de supervisão colaborativa, dando liberdade
para que os interagentes reflitam sobre a sua prática, compreendam suas ações e
desenvolvam uma maior capacidade crítica;
- encorajar os interagentes, apontando os aspectos positivos e, posteriormente, realizar
reflexões acerca de questões conflituosas;
- colaborar para focalizar melhor o problema e ajudar o interagente a generalizar uma
questão, caso o mediador perceba que não se trata de um caso isolado e, sim, de um
problema que persiste durante toda a prática;
- procurar não trabalhar com respostas prontas, mas, sim, instigar o interagente a
buscar o melhor caminho para que ele aprenda a refletir e encontrar, de maneira
autônoma, soluções para possíveis problemas, tornando-os aptos para a resolução de
situações conflituosas com as quais inevitavelmente se depararão em suas experiências
pedagógicas futuras.
(VIEIRA-ABRAHÃO, op. cit., p. 5).
A autora também ressalta que o mediador do projeto é um formador de
professores (durante as sessões de mediação e o preparo das mesmas) e um formador de
professores em formação (nas reflexões em seus diários e durante as sessões de
orientação), além de aprendiz no uso da tecnologia para a aprendizagem de línguas,
ensino e supervisão e parceiro na construção de conhecimentos sobre o teletandem e o
ensino de PLE (op. cit., p. 6). Portanto, como podemos notar, o papel do mediador é
fundamental no processo de formação inicial e de aprendizagem pelo teletandem e,
ainda, para a própria formação do formador, que passa a atuar em um contexto tão novo
para ele quanto para os interagentes.
De acordo com a realidade de pesquisa traçada, procuramos utilizar instrumentos
que possibilitem um trabalho reflexivo de análise de dados. Nesse sentido,
consideramos que a escrita reflexiva é usada para referir-se a estratégias que requerem
do professor uma manifestação escrita de suas idéias, crenças e atitudes, especialmente
em relação a alguns tópicos ou experiências. Borg (2006) afirma que o uso de escrita
reflexiva tem uma longa tradição nas pesquisas educacionais em geral, particularmente
no campo de formação de professores, no sentido de documentar o desenvolvimento do
professor e encorajar a reflexão. Nesta investigação, utilizamos como instrumentos de
escrita reflexiva os diários de interação e de mediação e as autobiografias das
interagentes.
Os diários de pesquisa têm um caráter retrospectivo, enquanto as autobiografias
possuem um caráter introspectivo. Portanto, os diários associam aspectos lingüísticos,
cognitivos e sócio-culturais a partir da reflexão do participante e da documentação
escrita de suas idéias e crenças, o que, nesta pesquisa, ocorre tanto pela perspectiva da
interagente brasileira quanto pela perspectiva da mediadora. Para Borg (op. cit.), os
diários são uma ferramenta flexível de pesquisa, porém, é necessário que o pesquisador
analise se os participantes possuem habilidades para produzir um diário, tais como as de
articular, analisar, avaliar e refletir sobre as experiências e processos de construção do
pensamento, caso contrário o diário torna-se um mero instrumento de descrição de
eventos e, por essa razão, improdutivo para a pesquisa.
Na visão de Soares (2005), o diário é um instrumento de expressão da
experiência e de reflexão (p. 79). Nesse sentido, a autora toma por base o conceito de
gênero discursivo, extraído da teoria enunciativa de Bakhtin. Assim, se gêneros podem
ser vistos como ferramentas que determinam o comportamento do indivíduo, refinam e
diferenciam sua percepção da situação em que vai agir, então o diário como gênero
constitui-se em um instrumento valioso de reflexão dos participantes sobre sua própria
aprendizagem, tornando-os autores de seu próprio discurso. Outra visão trazida pela
autora sobre o diário reflexivo é a de que tal instrumento funciona como uma atividade
de linguagem, uma forma de discurso que reflete determinada prática social em um
contexto igualmente determinado socialmente. Portanto, o diário, como forma textual,
só pode ser interpretado dentro de condições de produção específicas. Ao escrever seu
texto, o participante assume a posição de autor e entra em sintonia com o discurso do
outro, o leitor, por meio de uma linguagem persuasiva. Assim, o participante-escritor já
traz imagens, opiniões e valores a respeito de seu destinatário e, ainda, representações
sobre si mesmo ou sobre o tema alvo do diário, e tudo isso depende do lugar que ocupa
na interação. Por isso, Bakhtin afirma que a compreensão do que vem a ser um diário
reflexivo vai sendo construída conforme o diário é escrito.
Soares (op. cit.) conclui suas idéias afirmando que o diário deve ser interpretado
dentro de seu contexto e sempre como um diálogo (p. 86), constituindo-se como “um
discurso de si para o outro” (grifo da autora). Por seu caráter integrador e intermediador,
o diário reflexivo é, ao mesmo tempo, uma ferramenta de manifestação individual e
social da linguagem.
No contexto desta pesquisa, a autobiografia aparece como um importante
instrumento escrito de revelação de crenças e experiências das interagentes a respeito de
sua escolarização, dos processos de ensino/aprendizagem de LM e de LE e do papel
desempenhado por seus familiares e professores durante as etapas da vida escolar e
pessoal. Borg (2006) acredita que os relatos autobiográficos são uma forma de escrita
reflexiva que examina experiências pessoais e profissionais dos participantes, tomando
forma de narrativa em um texto contínuo e que apresenta uma qualidade holística, isto é,
os fatos se encadeiam de maneira significativa. Assim, podem representar as percepções
subjetivas dos professores a respeito de fatos mais corriqueiros, recentes ou mais
distantes.
Para a análise dos dados obtidos por meio de tal instrumento, reportamo-nos
ainda às idéias de Telles (1998, 2002), para quem a abordagem autobiográfica ou
pesquisa narrativa representa uma forma de “colagem” de histórias sobre as
experiências do professor como indivíduo, como aluno e como profissional, podendo
abrir espaço para que o leitor “preencha” os espaços não contados das histórias,
interpretando-as pelas pistas do escritor. Propicia, então, não só a construção de
representações da prática pedagógica do professor, mas também a apresentação de suas
próprias experiências de vida.
Vassallo e Telles (2008, no prelo) afirmam que nessa modalidade qualitativa de
pesquisa, os participantes contam histórias e os pesquisadores escrevem narrativas, que
são relatos reflexivos que, ao lado de outros instrumentos textuais, constituem textos de
campo (op. cit. p. 3), muitas vezes teoricamente orientados, acerca dessas histórias.
Assim, os pesquisadores atribuem significados às experiências já vividas pelos
participantes, possibilitando o desenvolvimento de um processo interpretativo, em uma
relação aberta e marcada temporal, espacial e socialmente entre eles. É o que acontece
quando, nesta pesquisa, interpretamos as autobiografias analisadas, já que construímos
uma narrativa social como pesquisadores, partindo de narrativas pessoais, escritas pelas
participantes, construtoras de suas identidades como aprendizes de línguas pelo
teletandem. Também realizamos esse mesmo percurso narrativo ao analisar outros
dados da pesquisa, recolhidos por meio de diários, interações e mediações gravadas, já
que tudo passa pela trajetória de criação de novas narrativas, em outros tempos e
espaços de interpretação, nos quais todos os participantes interagem.
Na perspectiva de Vieira-Abrahão (2004), os auto-relatos podem não só explicar
com maior profundidade as ações dos professores em sala de aula, mas, antes, propiciar
um mapeamento das crenças trazidas por eles e suas prováveis origens, tal como se
propõe neste trabalho. O exame de narrativas pode permitir ao pesquisador
compreender a experiência de diferentes participantes, percebendo informações sobre as
quais o próprio narrador pode não ter tido consciência no momento em que as vivenciou
ou relatou, mas cujas percepções estão sujeitas a transformações à medida que o tempo
passa e as experiências se modificam.
Segundo Dufva (2003), instrumentos de pesquisa como entrevistas e narrativas
escritas podem ser muito eficientes na manifestação da voz do sujeito, remetendo-se
também a uma perspectiva bakhtiniana de discurso. Nesta, aquilo que é dito não é
apenas linguagem, em seu sentido formal ou estrutural, mas também significados,
opiniões, atitudes e mesmo reflexões a partir de pontos de vista muito particulares, já
que as palavras são sempre ditas por alguém. Nesse sentido, voz é um conceito usado
como ferramenta metodológica, referindo-se tanto a o quê quanto a como os
participantes dizem. Portanto, as entrevistas, também utilizadas como instrumento de
coleta de dados nesta pesquisa, devem ser tomadas como uma técnica de negociação, à
medida que se desenvolve como conversação e não como interrogatório. O pesquisador
e os participantes são vistos como parceiros engajados em manifestar seus pontos de
vista, sua voz, já que ambos integram o processo de investigação e estão inseridos no
mesmo contexto. Na visão da autora, o mesmo ocorre com os dados obtidos nas
histórias de vida, pois o objetivo é sempre garantir a presença da voz dos sujeitos o
máximo possível (op. cit., p. 133).
Seguindo esse raciocínio dialógico, Dufva (op. cit.) fala a respeito de linguagem
biográfica, afirmando que aquilo que um indivíduo sabe caracteriza-se como parte da
posição espaço-temporal que ocupa enquanto pessoa. Por outro lado, remete-se também
aos contextos nos quais tal conhecimento foi adquirido, levando-se em conta os
aspectos semânticos, pragmáticos e sociais que o constituem. Para a autora, as
memórias têm uma semelhança familiar entre pessoas que vivem em uma mesma
sociedade, pertencem a uma mesma geração ou, ainda, poderíamos acrescentar,
compartilham experiências educacionais e profissionais semelhantes. Nessa natureza
dialógica, nenhuma biografia é totalmente individual ou idiossincrática, já que os
indivíduos estão conectados a comunidades discursivas e à sociedade. Portanto, grande
parte do conhecimento adquirido advém dos discursos produzidos nos contextos sócio-
culturais e lingüísticos em que vivem esses indivíduos, caracterizando um interdiscurso
formulado também pela voz do outro. Nesse sentido, aquilo que é dito por um indivíduo
em uma entrevista, por exemplo, ecoa elementos de um debate contemporâneo, ou seja,
opiniões expressas em contextos sociais e políticos atuais que, por outro lado, dialogam
com debates passados, comprovando que as crenças, os discursos e a reflexão
manifestam-se em diversas temporalidades e vozes, ainda que manifestadas por uma
única pessoa.
No caso analisado nesta pesquisa, todas as participantes trazem seus debates
passados para uma nova realidade que constitui um debate contemporâneo pela primeira
vez experimentado por elas, sendo que a caracterização desse contexto de aprendizagem
de línguas dar-se-á justamente pela integração de vozes e tempos que se cruzam.
1.2 As participantes da pesquisa
No contexto de aprendizagem de línguas in-teletandem que integra esta
investigação, temos três participantes em atuação, às quais nos referimos por meio das
iniciais de seus nomes.
Trata-se, primeiramente, de N, a interagente brasileira, graduanda em Letras -
português e espanhol pela UNESP, falante de português como LM e de espanhol como
LE e aluna-professora de espanhol como LE. N também desenvolve projeto de iniciação
científica na área de LA, enfocando os processos de aprendizagem e de comunicação no
contexto intercultural em interação on-line, tendo como contexto de pesquisa suas
interações em teletandem. Sua opção pelo espanhol, no vestibular, deu-se por sua
experiência prévia com a língua, iniciada na 7ª. série do ensino fundamental, no Centro
de Estudos de Línguas de sua cidade, projeto que oferece a oportunidade de estudo de
LEs diferentes do inglês a alunos da rede pública estadual e onde N desenvolvia sua
capacidade comunicativa. Outro fator decisivo foi o desenvolvimento de um processo
desmotivador de aprendizagem de inglês, tanto na escola pública quanto em escolas de
idiomas, nas quais o ensino dava-se sempre por repetição de frases (ver autobiografia
de N, em anexo). N iniciou sua experiência docente como aluna-professora de espanhol
durante o segundo ano de graduação, quando deu aulas para uma 7ª e uma 8ª série do
ensino fundamental. Para ela, foi uma experiência muito interessante, visto que era o
primeiro contato dos alunos com a língua espanhola e seu primeiro trabalho como
professora. Desse contexto, N ressalta o fato de ter decidido abandonar a apostila usada
na escola, já que a considerava inadequada para a aprendizagem da língua, enfrentando
problemas com os pais e a coordenação pedagógica, que acabaram compreendendo sua
decisão. Seu trabalho passou a desenvolver-se por meio do uso de expressões
cotidianas, músicas, piadas, filmes e produção de pequenos textos em espanhol cujos
temas eram escolhidos pelos alunos, Com isso, N acredita que suas aulas passaram a
ser mais produtivas e agradáveis (ver autobiografia em anexo). Quanto ao interesse por
fazer parte do grupo de interagentes em teletandem, N afirma que, como aprendiz, tem
interesse em melhorar seus conhecimentos lingüísticos e comunicativos, além de se
aproximar de uma cultura diferente e fazer amigos, o que considera muito interessante;
como professora, poderá pensar na prática de ensino em contextos diferentes e que
encara os problemas de um mundo globalizado, aproximando aprendizes
interculturalmente (ver questionário 1, em anexo).
A interagente H é mexicana, doutoranda em LA na Espanha. H é filha de mãe
mexicana e pai estadunidense, caracterizando-se como falante bilíngüe de espanhol e
inglês. A participante enfatiza que teve uma forte formação lingüística inspirada no
inglês desde a infância até o ensino secundário, já que os avós paternos americanos
sempre a presenteavam com livros de contos e discos na língua. H também afirma que,
embora seus pais sempre conversassem com ela usando as duas línguas, aprendia
espontaneamente algumas palavras primeiro em inglês e depois em espanhol. Quando
estava em idade de escolarização, foi matriculada em uma escola bilíngüe, na qual
considerava as aulas de inglês fáceis e divertidas, enquanto as de espanhol eram difíceis
e sérias (ver autobiografia de H, em anexo). Estando prestes a concluir o ensino médio,
os pais de H passaram por uma crise financeira que a levou a estudar em uma escola
pública, na qual, segundo ela, sabia mais inglês que seus professores. A necessidade
financeira também a levou a ministrar aulas de ELE e de inglês para crianças,
experiências que se caracterizaram como suas primeiras no ensino de línguas. A partir
desse período, seu contato com a língua inglesa na escola tornou-se mais escasso e o
espanhol se sobressaiu, fato pelo qual considera o idioma como sua LM, já que hoje
escreve, fala e se relaciona socialmente muito mais em espanhol. Durante a licenciatura,
começou um curso de francês, mas, àquela época, teve poucas oportunidades de usar a
língua. Os estudos em inglês só foram retomados após a licenciatura, em um curso de
formação continuada para professores de língua inglesa, considerado por H o mais
importante de sua formação profissional. Recentemente, durante os estudos de
doutorado na Espanha, ensinou francês a uma amiga portuguesa, que, em troca,
ensinava-lhe português, de maneira muito informal e em apenas seis encontros,
realizando-se, assim, sua primeira experiência in-tandem presencial. A partir desse
contato com a língua portuguesa e após uma viagem a Portugal, decidiu estudar
português, língua que a faz feliz. Por essa razão maior, interessou-se pelo teletandem,
considerando a possibilidade de comunicação real com N, uma falante nativa de
português do Brasil, cuja música e literatura lhe soam poesia. Também estuda português
em contexto presencial de sala de aula, enquanto conclui seus estudos de doutorado na
Espanha.
Embora seja óbvio que H já possua considerável experiência em ensino de
línguas e esteja em processo avançado de formação continuada, e, ainda, que N, apesar
de graduanda em Letras, já desenvolva uma experiência docente como aluna-professora
de línguas há dois anos, é importante explicitar que ambas vivenciam, pela primeira vez,
o trabalho de ensinar e aprender línguas em uma modalidade de ensino inovadora e
mediada pelo computador. Por esta razão, consideramos, nesta pesquisa, que N e H
encontram-se em formação inicial, especificamente para o teletandem. Ainda que
tenhamos consciência da diversidade de formação e de experiências docentes entre
ambas, sabemos, em contrapartida, que tal fato pode representar possibilidades de
resultados igualmente enriquecedores para ambas, no contexto em que irão interagir
para aprender e ensinar a língua uma da outra.
Quanto ao papel de participante que exerço nesta pesquisa, esclareço que sou
identificada como M e, além de pesquisadora, atuo também como formadora, assumindo
a tarefa de gerenciar as mediações, mais diretamente junto à interagente brasileira.
Porém, os resultados do trabalho colaborativo de formação acabam sendo,
inevitavelmente, discutidos e refletidos entre N e H, nas interações subseqüentes às
mediações, como ficará comprovado na análise dos dados. De maneira geral, o trabalho
de mediação é proposto em encontros virtuais de aconselhamento e diálogo colaborativo
com as interagentes, realizados após as interações ou sempre que se fazem necessários,
como no caso desta pesquisa, no sentido de discutir e buscar compreender ações e
crenças e, ainda, proporcionar condições para a busca de encaminhamentos, a fim de
colaborar com a construção do processo de aprendizagem de línguas pelo teletandem e
promover reflexões sobre a formação crítica docente para/em tal contexto. Quanto à
minha formação, esclareço, ainda, que sou graduada em Letras e mestre em LA pela
UNESP, tendo dezessete anos de experiência docente na área de línguas, nos ensinos
fundamental, médio e superior, em escolas da rede pública e privada de ensino, além de
ter atuado como coordenadora no CEL e em um curso de Letras de uma faculdade
particular, ambos em minha cidade. À época da coleta de dados para esta pesquisa, atuei
como professora de N na graduação, nas disciplinas de “Lingüística Aplicada: ensino de
língua estrangeira” e de “Prática de Ensino de Língua Estrangeira”, fato que pode
reforçar as imagens de participante e de formadora por mim assumidas nesta
investigação.
1.3 Os instrumentos de coleta de dados utilizados na investigação
De acordo com a discussão metodológica traçada há pouco, fazemos uso de
instrumentos qualitativos de coleta de dados no contexto desta pesquisa. No intuito de
realizar um trabalho de triangulação de dados e garantir maior confiabilidade à análise
dos mesmos, a pesquisa vale-se, pois, dos dados obtidos por meio dos seguintes
instrumentos de pesquisa:
- Interações gravadas via MSN Live Messenger representam a operacionalização real
do ensino/aprendizagem em teletandem, constituindo-se no principal meio de geração
de dados sobre crenças, expectativas e ações das participantes.
- Autobiografias trazem informações e percepções pessoais que podem constituir
crenças, em forma de relato de memórias da vida familiar, escolarização, processos de
ensino/aprendizagem vivenciados e escolha profissional.
- Questionários da interagente N o primeiro, abordando suas crenças sobre
ensino/aprendizagem de línguas e o papel do professor e do aprendiz, foi aplicado pela
mediadora. O segundo, abordando as expectativas, experiências e resultados iniciais do
processo de aprendizagem de línguas pelo teletandem, foi aplicado pela coordenadora
de língua espanhola do projeto. É importante esclarecer que, embora esse tipo de
instrumento não seja compatível com pesquisas de cunho etnográfico, foi utilizado neste
contexto como forma de levantamento inicial de crenças e expectativas sobre os
aspectos acima demonstrados, manifestadas pela interagente brasileira ao integrar e ter
suas primeiras experiências no projeto.
- Entrevista semi-estruturada com H realizada por M, na fase final da investigação,
no intuito de compreender e refletir sobre as possíveis contribuições do processo de
aprendizagem de LE pelo teletandem para a interagente mexicana. Foi considerado para
ela um importante instrumento de reflexão e tomado como tema de longa discussão no
último encontro das interagentes, o qual proporcionou uma rica análise de diversos
aspectos considerados relevantes nesta investigação.
- Interações por chat embora sejam consideradas como interações de aproximação e
de primeiros contatos das interagentes e não tenham sido tomadas como foco para as
sessões de mediação, já trazem indícios reveladores de crenças, ainda que as
interagentes tenham tentado, basicamente, resolver problemas relacionados à
operacionalização do teletandem.
- Diários das interações trazem as impressões e reflexões de N sobre suas interações
com a parceira H (BAILEY, 1990; SOARES, 2005).
- Gravações das sessões de mediação trazem as discussões e reflexões feitas entre a
interagente N e a mediadora M, após a realização das interações e dos respectivos
diários.
- Diários das sessões de mediação trazem o registro das impressões e reflexões feitas
por N e M durante e após as sessões de medição realizadas (BAILEY, 1990; SOARES,
2005).
O quadro que se segue apresenta, sob outra forma de visualização, os
instrumentos de coleta de dados utilizados nesta investigação:
Instrumentos
Participante(s)
Fase da
Investigação
Forma de
Aplicação e de
coleta de dados
Objetivos
Gravações em
áudio e vídeo das
treze interações
via MSN Live
Messenger
N e H
no
desenvolvimento
do processo de
teletandem
enviadas à
pesquisadora por e-
mail ou entregues
pessoalmente,
gravados em CDs
gerar dados sobre as crenças,
expectativas e ações das
interagentes; encaminhar
discussões acerca da atividade
de formação, nas mediações.
Gravações das
três interações
por chat
N e H
início do
processo de
teletandem
enviadas à
pesquisadora por e-
mail ou entregues
pessoalmente,
gravados em CDs
trazer indícios reveladores de
crenças, em fase inicial do
teletandem.
Gravações das
cinco sessões de
mediação
N e M
no
desenvolvimento
do processo de
teletandem
gravadas pela
pesquisadora e pela
interagente via MSN e
armazenados em CDs.
trazer as discussões e
reflexões feitas entre a
interagente N e a mediadora
M, após a realização das
interações e dos respectivos
diários.
Autobiografias
N e H
início do
processo de
teletandem
escritas pelas
interagentes e
enviadas por e-mail à
pesquisadora, que as
gravou em CD
trazer informações e
percepções pessoais que
podem constituir crenças, em
forma de relato de memórias
da vida familiar,
escolarização, processos de
ensino/aprendizagem
vivenciados e escolha
profissional.
Questionário 1
N
início do
processo de
teletandem
aplicado pela
mediadora e
respondido por e-mail
pela interagente, foi
gravado em CD
abordar as crenças sobre
ensino/aprendizagem de
línguas e o papel do professor
e do aprendiz
Questionário 2
N
início do
processo de
teletandem
aplicado pela
coordenadora de
espanhol do Projeto e
enviado à
pesquisadora por e-
mail, foi gravado em
CD
abordar expectativas,
experiências e percepções
iniciais do processo de
teletandem.
Entrevista semi-
estruturada
H
final do processo
de teletandem
realizada por chat
entre pesquisadora e
interagente, foi
gravada em CD
compreender e refletir sobre as
possíveis contribuições do
processo de aprendizagem de
LE pelo teletandem para a
interagente mexicana
Diários das treze
interações
N
no
desenvolvimento
do processo de
teletandem
produzidos por N e
enviados à
pesquisadora por e-
mail, foram gravados
em CD
apresentar as impressões e
reflexões de N sobre suas
interações com a parceira H
Diários das cinco
sessões de
mediação
N e M
no
desenvolvimento
do processo de
teletandem
produzidos por N e M.
Enviados à
pesquisadora por e-
mail e gravados em
CD.
trazer o registro das
impressões e reflexões feitas
por N e M durante e após as
sessões de medição realizadas
Quadro 3: Instrumentos de pesquisa
1.4 Procedimentos de análise
Esta investigação constitui-se de um considerável campo de registros obtidos e
disponíveis para análise durante os anos de 2006 a 2008. De forma cronológica, durante
o primeiro ano a interagente brasileira respondeu aos dois questionários iniciais e ambas
as interagentes produziram suas autobiografias. Realizamos também a coleta de três
interações por chat e sete com áudio e câmera, mediações entre N e M e a produção de
diários de pesquisa correspondentes, escritos pela interagente brasileira e pela
mediadora. Durante o segundo ano, mais seis interações e mediações foram
desenvolvidas, totalizando dezesseis interações entre N e H e quatro mediações entre N
e M, seguidas dos respectivos diários. No mesmo ano, envolvemo-nos na análise dos
dados coletados e realizamos uma entrevista final com a interagente mexicana. No
terceiro e ultimo ano, realizamos a última mediação com a interagente brasileira e
voltamo-nos aos dados, para uma análise mais aprofundada e direcionada aos
encaminhamentos finais. Acrescentamos, pois, que todos esses passos tiveram como
objetivo buscar respostas para as perguntas de pesquisa propostas.
Em relação às dificuldades encontradas quanto à coleta de dados, é importante
esclarecer que contávamos com a possibilidade de enfrentar alguns contratempos, já que
tratamos de um contexto de ensino/aprendizagem de línguas no qual a interação precisa
ser promovida por meio de uma ferramenta tecnológica, fato que, obviamente, pode
acarretar falhas. No início, as interagentes tiveram dificuldades para conseguir usar a
câmera e os recursos de áudio, mas perceberam que os problemas se relacionavam à
configuração de seus computadores. Assim, para que as interações acontecessem,
passaram a utilizar três programas: o MSN para a imagem, o Mercusy, para que H
pudesse interagir com seu computador, um Macintosh, e o Skype para a oralidade. Esse
fato dificultava as gravações, pois os arquivos acabavam ficando bastante pesados, e a
maior parte das interações não pôde ser registrada, sendo que o trabalho de mediação,
por exemplo, fundamenta-se nos diários escritos pela interagente brasileira e nas poucas
interações gravadas. Entre uma sessão e outra de teletandem, as interagentes tiveram
certa incompatibilidade de horários, devido aos compromissos acadêmicos de ambas, e,
algumas vezes, as interações marcadas acabavam não acontecendo; porém, as
participantes sempre renegociavam os encontros por e-mail, mantendo contato e
demonstrando interesse pela continuidade das interações. Portanto, mesmo diante de
tantas dificuldades, podemos afirmar que, no que diz respeito à implementação do
teletandem para o processo de ensino/aprendizagem das línguas enfocadas, a
operacionalização se deu de forma bem-sucedida, já que, com exceção das três
primeiras interações, realizadas por chat, todas as demais foram desenvolvidas em
teletandem, isto é, utilizando-se os recursos de imagem e voz, totalizando, entre maio de
2006 e julho de 2007, dezesseis interações. Voltando às mediações, é importante
esclarecer que as sessões não eram realizadas logo após cada interação, mas sempre que
se faziam necessárias. Por isso, o número de mediações não é correspondente ao
número de interações realizadas. Por fim, todas as sessões foram realizadas com os
recursos de áudio e vídeo e gravadas, com exceção da última, que foi realizada por chat.
Na etapa final da pesquisa, realizamos uma entrevista virtual semi-estruturada
com H e, ainda, uma mediação final com N. Esta última mediação foi realizada por
chat, como já dissemos, porque N foi morar em outra cidade depois de formada e ainda
não tinha levado seu computador para lá. Por isso, conversamos por pouco tempo, já
que ela teve de ir a uma lan-house e pagar pelo uso do equipamento. Por fim,
esclarecemos que tais instrumentos possibilitaram-nos refletir sobre as considerações
gerais das interagentes a respeito do processo de aprendizagem de línguas e das
possíveis contribuições para a formação profissional em um contexto pedagógico
totalmente novo para ambas, instrumentos que nos serviram como avaliação final do
trabalho por nós desenvolvido.
Por fim, é importante esclarecer que optamos pela categorização dos dados
como procedimento de análise, baseando-nos em Burns (1999), para quem a análise
detalhada dos dados coletados em uma pesquisa pode nos proporcionar a identificação
de padrões mais específicos, no intuito de agrupar esses dados em categorias de
conceitos, estabelecidas de acordo com o que se deseja focalizar em termos de análise.
Assim, realizamos primeiramente uma organização de categorias e subcategorias de
crenças e expectativas, utilizando os dados obtidos nas autobiografias, entrevista,
questionários, interações por chat e via MSN Messenger e respectivos diários. O mesmo
procedimento de categorização foi adotado em relação à reflexão no processo de
mediação, partindo das mediações, respectivos diários e entrevista semi-estruturada com
H.
Tais procedimentos justificam-se porque, no âmbito de levantamento de crenças
e do processo reflexivo na formação docente, não basta indagar as participantes a
respeito de como agem, já que, muitas vezes, há divergências entre ações e palavras. A
triangulação dos dados por meio da categorização produz evidências para a pesquisa
que podem gerar um processo analítico-reflexivo sobre as questões investigadas.
Trazemos, assim, novos quadros a seguir, nos quais fica explícita a constituição
das fases de pesquisa, de acordo com os procedimentos desenvolvidos pelas
participantes no processo de teletandem:
Fase da pesquisa Procedimentos Participantes Data Formas de
Registro
Inicial Produção de
Autobiografias
N e H Março/ 2006 escrito
Inicial Respostas ao questionário
1
N Abril/ 2006 escrito
Inicial Respostas ao questionário
2
N Junho/ 2006 escrito
Inicial 3 interações de
aproximação
N e H Maio/2006 Por chat
Intermediária Interação 1 N e H Junho/2006 Não houve
Intermediária Interação 2 N e H Junho/2006 Não houve
Intermediária Interação 3 N e H Junho/2006 Não houve
Intermediária Interação 4 N e H Julho/2006 Não houve
Intermediária Interação 5 N e H Julho/2006 Não houve
Intermediária Interação 6 N e H Julho/2006 Não houve
Intermediária Interação 7 N e H Agosto/2006 Não houve
Intermediária Interação 8 N e H Setembro/2006 Não houve
Intermediária Interação 9 N e H Outubro/2006 Áudio- Skype
Intermediária Interação 10 N e H Outubro/2006 Áudio- Skype
Final Interação 11 N e H Novembro/2006 Áudio- Skype
Final Interação 12 N e H Março/2007 Áudio- Skype
Final Interação 13 N e H Julho/2007 Áudio- Skype
Final Entrevista semi-estruturada H e M Junho/2007 Por chat
Quadro 4: Procedimentos desenvolvidos por N e/ou H em teletandem: produção de
autobiografias, questionários, interações e entrevista
Fase da pesquisa Procedimentos Participantes Data Formas de
Registro
Intermediária Diário sobre Interação 1 N Junho/2006 Escrito
Intermediária Diário sobre Interação 2 N Junho/2006 Escrito
Intermediária Diário sobre Interação 3 N Junho/2006 Escrito
Intermediária Diário sobre Interação 4 N Julho/2006 Escrito
Intermediária Diário sobre Interação 5 N Julho/2006 Escrito
Intermediária Diário sobre Interação 6 N Julho/2006 Escrito
Intermediária Diário sobre Interação 7 N Agosto/2006 Escrito
Intermediária Diário sobre Interação 8 N Setembro/2006 Escrito
Intermediária Diário sobre Interação 9 N Outubro/2006 Escrito
Intermediária Diário sobre Interação 10 N Outubro/2006 Escrito
Final Diário sobre Interação 11 N Novembro/2006 Escrito
Final Diário sobre Interação 12 N Março/2007 Escrito
Final Diário sobre Interação 13 N Julho/2007 Escrito
Quadro 5: Procedimentos desenvolvidos por N em teletandem: diários de interação
Fase da pesquisa Procedimentos Participantes Data Formas de
Registro
Intermediária Mediação 1 N e M Agosto/2006 Áudio- Skype
Intermediária Mediação 2 N e M Outubro/2006 Áudio- Skype
Final Mediação 3 N e M Novembro/2006 Áudio- Skype
Final Mediação 4 N e M Abril/2007 Áudio- Skype
Final Mediação 5 N e M Maio/2007 Por chat
Intermediária Diário sobre a Mediação 1 N Agosto/2006 Escrito
Intermediária Diário sobre a Mediação 2 N Outubro/2006 Escrito
Final Diário sobre a Mediação 3 N Novembro/2006 Escrito
Final Diário sobre a Mediação 4 N Abril/2007 Escrito
Final Diário sobre a Mediação 5 N Maio/2007 Escrito
Intermediária Diário sobre a Mediação 1 M Agosto/2006 Escrito
Intermediária Diário sobre a Mediação 2 M Outubro/2006 Escrito
Final Diário sobre a Mediação 3 M Novembro/2006 Escrito
Final Diário sobre a Mediação 4 M Abril/2007 Escrito
Final Diário sobre a Mediação 5 M Maio/2007 Escrito
Quadro 6: Procedimentos desenvolvidos por N e M em teletandem:mediações e diários
Após termos esclarecido o caráter metodológico da investigação, bem como
darmos conhecimento das participantes e dos instrumentos e procedimentos de análise,
apresentamos, no capítulo que se segue, a fundamentação teórica pertinente às temáticas
que serão articuladas na análise dos dados as crenças, o discurso e a reflexão
profissional em contexto mediado pelo computador.
CAPÍTULO II
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
As proposições teóricas discutidas neste trabalho levam em conta os aspectos
investigados e analisados no processo de ensino/aprendizagem de línguas in-tandem,
especificamente no teletandem. Tendo por orientação as perguntas de pesquisa
propostas, partem do diálogo sugerido entre as crenças, o discurso e as ações reflexivas
presentes na pré-formação profissional das interagentes para aquela modalidade de
ensino, buscando compreender seus reflexos nas práticas docentes do par envolvido.
Sendo assim, quatro temáticas fundamentais são exploradas no contexto desta pesquisa,
representadas pelos respectivos referenciais teóricos pertinentes a esta investigação.
A primeira temática envolve o estudo de “Crenças em contextos de
ensino/aprendizagem de línguas”, enfocando, primordialmente, as concepções
discutidas em Barcelos (2006), Borg (2006), Dewey (1997), Pajares (1992, 1996),
Vieira-Abrahão (2004, 2005) e Vigotski (1998).
A segunda temática discute as “Relações discursivas no processo de
ensino/aprendizagem de línguas”, englobando as colocações teóricas presentes em
Bakhtin (1988, 1994), Bourdieu, (2003), Fairclough (2001), Kumaravadivelu (2006),
Moita Lopes (2000, 2006) e Peirce (1989).
Na terceira temática, agrupamos as discussões teóricas relativas à “Formação de
professores: competências, reflexividade e atuação em novos contextos de ensino”, a
partir de conceitos abordados por Almeida Filho (2001, 2004), Almeida Filho e Cunha
(2007), Belz (2002), Braga (2007), Dawson et al.(2006), Fundaburk (1998), Ghedin
(2002), Gimenez (2005), Mello (2000), Nóvoa (1997), Oliveira e Paiva (2005),
Perrenoud (1999, 2002), Pimenta (2002), Reagan e Osborn (2002), Vieira-Abrahão
(2001, 2004, 2005, 2007), Zeichner (2003) e Zeichner e Liston (1996). Apoiamo-nos,
ainda, nos preceitos regulamentares da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(1996), dos Parâmetros Curriculares Nacionais – Língua Estrangeira (1998), das
Diretrizes Curriculares para o Curso de Letras (2000), das Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Formação de Professores de Educação Básica (2002), da Reforma da
Educação Superior (2004) e, ainda, nas Orientações Curriculares para o Ensino Médio:
linguagens, códigos e suas tecnologias (2006).
Na quarta e última temática, discutimos proposições teóricas voltadas ao
Tandem e Ensino/Aprendizagem de Línguas”, que compreende as idéias trazidas por
Brammerts (2002, 2003), Brammerts e Calvert (2002), Gaβdorf (2002), Little (2002),
Vassallo e Telles (2006, 2008) e Telles e Vassallo (2006).
Tratamos, a seguir, de cada uma das temáticas propostas à luz das teorias que as
fundamentam neste trabalho, buscando discutir as principais idéias acerca dos aspectos
acima dispostos, em relação aos dados analisados no contexto de pesquisa
9
. Com base
nas relações traçadas entre o arcabouço teórico de sustentação desta tese e o contexto de
pesquisa abordado, trazemos, ainda neste capítulo, nossa conceituação a respeito de
discurso, crenças e reflexão no processo de formação de professores, no intuito de
buscar uma compreensão coerente desses aspectos em um contexto novo de
investigação e de ensino/aprendizagem de línguas.
9
As traduções dos estudos teóricos apresentados neste capítulo são de nossa responsabilidade.
2.1 CRENÇAS EM CONTEXTOS DE ENSINO/APRENDIZAGEM DE
LÍNGUAS
Primeiramente, esclarecemos que o estudo de crenças que sustenta esta tese tem
como fundamento visões bastante coerentes entre si, tomando por base os teóricos
apresentados há pouco.
Nesse sentido, iniciamos nossa discussão trazendo uma visão cognitiva de
ensino de línguas, bastante apropriada a esta pesquisa, apresentada principalmente nas
idéias de Borg (2006), porém discutida também por outros estudiosos, razão pela qual
procuraremos fazer associações entre os teóricos e suas idéias, sempre que possível.
Borg (op. cit.) apresenta um importante estudo histórico sobre a área de cognição de
professores de línguas — constituída, segundo ele, por aquilo que os professores
pensam, sabem e acreditam argumentando que a maior justificativa para o
crescimento de pesquisas nessa área, nos últimos 15 anos, está no reconhecimento de
estudiosos de que os professores são ativos, capazes de tomar decisões e de assumir um
importante papel na construção dos eventos de sala de aula. Dessa maneira, o autor
acredita que as contribuições do campo da psicologia na formação de professores
tenham mostrado como o conhecimento e as crenças podem ser fatores marcantes na
ação humana, sugerindo que compreender como os professores pensam é fundamental
para compreender como eles ensinam.
Abordando as origens do campo de pesquisas sobre cognição de professores,
Borg traça um panorama da tradição de pesquisa em educação ao longo dos últimos 30
anos, enfocando perspectivas, conceitos e descobertas históricas que contribuíram para a
área.
Assim, toma como ponto de referência a década de 1970, na qual predominam
estudos cujo enfoque é a sala de aula e aquilo que nela acontece, tendo por metodologia
de pesquisa a observação de comportamentos de alunos e professores em processo de
ensino/aprendizagem, relacionado àquilo que os alunos são capazes de realizar. O
aprendizado é visto, portanto, como produto do ensino (abordagem processo-produto),
que, por sua vez, está relacionado ao desempenho e ao comportamento dos professores
em sala de aula, constantemente treinados em programas mecanicistas de formação e de
hábitos de ensino. Não tarda, assim, para que surjam indagações a respeito da eficiência
de tal visão de ensino, influenciadas, basicamente, pelas teorias da psicologia
cognitivista — que sugerem ser necessário estudar não só o comportamento, mas
também a atividade mental dos docentes — pelo reconhecimento da capacidade do
professor de tomar decisões e, ainda, das limitações das pesquisas quantitativas sobre
comportamento e dos modelos generalistas de ensino. Como alternativa à abordagem
comportamental de pesquisa, os estudos sobre ensino de línguas passam a examinar o
trabalho individual dos professores, bem como seu pensamento, de maneira mais
qualitativa e holística, sendo os trabalhos nesse enfoque considerados os primeiros a
descrever e compreender as construções e processos mentais que embasam o
comportamento docente.
Nesse campo de estudos nos anos 80, os pesquisadores constatam que os
professores utilizam planejamentos mentais rotinizados na sala de aula e isso os torna
resistentes a abandonar determinadas práticas e recomeçar seu trabalho, mesmo
reconhecendo evidências de que este apresenta falhas. Uma explicação fundamental
para isso pode estar no fato de os professores quererem manter a atmosfera de
atividades estabelecida em sala de aula e, conseqüentemente, abandonar a rotina para
pensar em alternativas pode quebrar esse fluxo. Exige-se, portanto, um foco maior no
conhecimento do assunto a ser ensinado, discussão que acaba dando origem, no final da
década de 80, a pesquisas sobre o conhecimento prático do professor (BORG, 2006, p.
12).
Tal vertente de pesquisas sobre cognição de professores surge, a partir de
questionamentos a respeito de uma inadequação do papel do professor e de seu
conhecimento prático no âmbito curricular do ensino, idéia ainda hoje discutida em
pesquisas na área. O argumento básico é o de que o professor exerce um papel
fundamental e autônomo na definição do currículo, intimamente relacionado ao seu
conhecimento prático, isto é, muito daquilo que o profissional sabe origina-se de sua
prática e é usado para dar sentido e solução a problemas da prática. Tal visão contrasta
com a de pesquisas mais engessadas sobre tomada de decisão e processamento de
informação, de base mais comportamental que cognitiva, e que, por essa razão, são alvo
de muitas críticas na década de 80, na qual os estudos começam a mostrar que as
crenças parecem exercer papel fundamental não só na percepção, mas também nas
ações humanas. Notamos, assim, que as primeiras referências à necessidade de se
estudar crenças ao lado da cognição de professores começam a aflorar em meio aos anos
80, ainda que tal conceito seja abordado como algo estático, estabelecido e dificilmente
transformado.
Como podemos avaliar, o campo de estudos em cognição de professores passa
por um crescimento considerável de uma década a outra, já que, em anos anteriores, os
professores eram vistos como aqueles que tomavam decisões racionais, enquanto
diagnosticavam e resolviam problemas. Na década de 80, porém, a visão de professor,
passa a ser a daquele que constrói suas decisões e reflete sobre elas, sendo que o foco
volta-se também ao contexto de ensino: as escolas e as salas de aula são espaços de
ações sociais, psicológicas, físicas, políticas e metafísicas, inseridos no e modificados
pelo mundo que o cercam. Assim, os estudiosos sugerem, então, que as pesquisas
devem estar a serviço da prática do ensino, do trabalho do professor e assumir, portanto,
uma perspectiva de natureza qualitativa e representativa dos contextos reais de sala de
aula, integrando o planejamento do professor (reflexões que precedem e procedem as
ações); as reflexões interativas e as decisões do professor; e as crenças e teorias do
professor. A inclusão desta última categoria é significativa, haja vista a lacuna de
pesquisas que envolvem as crenças nos estudos sobre cognição de professores, até esse
momento.
Borg (op. cit.) continua afirmando que, em tal cenário crescente de investigações
a respeito da cognição de professores, a segunda metade da década de 80 desenvolve-se
tendo como foco investigativo o papel do conhecimento na ação docente, examinando-
se as origens desse conhecimento, como ele é adquirido, transformado e usado em sala
de aula, e, ainda, os caminhos pelos quais os professores graduados transformam esse
conhecimento obtido na universidade em conhecimento a ser comunicado e
compreendido pelos aprendizes. Assim, torna-se importante que professores
transformem seu conhecimento do assunto a ser tratado em algo que seja possível
ensinar e aprender, de maneira específica, levando em conta os diversos interesses e
habilidades dos aprendizes. Ainda como enfoque de pesquisas em cognição docente,
torna-se necessário desenvolver uma noção de ensino como atividade de cognição
profissional que leve em conta a natureza do conhecimento profissional do professor, as
formas como tal conhecimento é usado na tarefa de ensinar e, ainda, o papel do
conhecimento e do pensamento do professor no processo de transformação educacional.
Assim, no final da década de 80, o conceito de pensamento do professor passa a ser o
mais fortemente associado às pesquisas sobre cognição de professores.
Nessa mesma época, estudos enfocando especificamente as teorias e crenças de
professores são examinados por pesquisadores da área, ressaltando-se a confusão
terminológica e conceitual em relação a essa área de pesquisas. São apontadas, assim,
falhas nas investigações no campo de crenças, até então enfocadas sem que se levem em
conta as ações, o conhecimento experiencial e as histórias de vida de professores, numa
perspectiva basicamente cognitivista. É importante ressaltar aqui a influência da noção
de prática reflexiva, tão enfatizada por Schön (1983, 1987) como um componente
central no desenvolvimento profissional de professores, que passam a buscar
compreender o processo de reflexão, aquilo que este envolve e como afeta sua
aprendizagem. Em termos investigativos, a pesquisa em cognição docente volta-se a
examinar e a compreender, assim, aquilo que os professores fazem, sob uma orientação
reflexiva a respeito de suas ações em sala de aula.
Podemos notar que os anos de 1980 revelam-se como um período de grande
crescimento de pesquisas na área de cognição docente, no qual o conhecimento do
professor emerge como um conceito-chave de estudos, embora ainda haja fortes raízes
no tradicional modelo de tomada de decisão, intensamente criticado como reducionista
— por levar em conta apenas uma dentre as diversas atividades mentais e interativas do
professor — e limitador — pois as pesquisas com base em tal modelo enfocam
basicamente os fatos de sala de aula e não um contexto social maior na qual a sala de
aula está inserida.
Borg (2006) aponta, assim, o surgimento da década de 1990, em meio a um
crescente desenvolvimento de pesquisas em torno da atividade cognitiva docente nos
últimos anos de 1980. Segundo o autor, a nova década caracteriza-se por uma série de
importantes revisões abarcando diferentes aspectos da literatura em cognição de
professores. É nesse momento de proliferação de trabalhos científicos relevantes na área
de formação de professores que surge Pajares (1992), enfocando e explicando o
significado de crenças na pesquisa sobre contextos de ensino.
Podemos afirmar que Pajares tem um papel fundamental como estudioso de tal
categoria de pesquisas, já que traz uma significante contribuição para a revisão da
literatura sobre crenças de professores, até o momento muito pouco discutidas e ainda
associadas a construtos psicológicos como o conhecimento, as concepções e as atitudes.
Para o autor, embora se admita a influência das crenças nas percepções, julgamentos e
comportamentos em sala de aula, a pesquisa sobre crenças de professores caracteriza-se,
na verdade, como um campo de conflitos, já que não se tem uma clara definição para o
conceito, bastante amplo, difuso e desconstruído em diversos focos sobre os quais as
pesquisas podem apoiar-se. Assim, Pajares propõe que
as crenças podem ser definidas como um julgamento individual da
veracidade ou da falsidade de uma proposição, julgamento este
que só pode ser inferido a partir de uma compreensão coletiva
daquilo que os seres humanos dizem, pretendem e fazem (op. cit.:
p. 316).
Vimos, portanto, que a idéia de crença deve ser explicada de acordo com as
diferentes agendas de pesquisadores e propósitos de seus estudos e, portanto, crenças
devem ser inferidas, com base naquilo que as pessoas dizem (afirmações), pretendem
(intencionalidades) e fazem (ações) em contextos específicos de investigação. Pajares
afirma, ainda, que a natureza das crenças se explica comumente por um processo de
aculturação e construção social e, à medida que os indivíduos incorporam e interpretam
idéias em experiências sociais, também as crenças são geradas, reforçadas e
consolidadas, a menos que, por algum motivo bastante forte e conflitante, sejam
deliberadamente modificadas. Entretanto, segundo o autor, essa aparente rigidez
estrutural das crenças é fundamental para auxiliar indivíduos a compreender a si
mesmos e aos outros e, ainda, a adaptar-se ao mundo e ao lugar que nele ocupam, já que
as crenças têm significado pessoal e relevante para cada um. Além disso, elas também
auxiliam indivíduos a identificarem-se uns com os outros e a formar grupos e sistemas
sociais. Na visão do autor, em termos sociais e culturais, são as crenças que oferecem
elementos de estruturação, ordem, direção e valores compartilhados. De uma
perspectiva pessoal e sócio-cultural, os sistemas de crenças reduzem dissonâncias e
confusões, mesmo quando a dissonância é logicamente justificada pela inconsistência
das crenças que o indivíduo defende. Esta pode ser uma das razões pelas quais as
crenças adquirem dimensões afetivas e são tão resistentes a transformações. Ocorre que
indivíduos sentem-se confortáveis com suas crenças, as quais acabam se transformando
no “eu” dos sujeitos, que passam a ser identificados e compreendidos pela própria
natureza de suas crenças e hábitos, visão que julgamos interessante e que pode, de fato,
explicar comportamentos de maior resistência a mudanças, na ação pedagógica de
muitos docentes.
Pajares nos mostra que a visão mais comum sobre crenças é a de que estas se
formam bastante cedo no indivíduo e, da mesma forma, tentem a se auto-perpetuar,
resistindo à lógica, ao tempo, à escolarização e às experiências, sendo transmitidas
culturalmente (1992: 324-5). Tal concepção conservadora a respeito de crenças pode
nos levar a compreender, segundo o autor, os processos tradicionais de formação inicial
docente, nos quais
os professores se encontram como que enclausurados e não há
necessidade de redefinir tal situação, já que a sala de aula do
curso superior pouco difere da sala de aula onde os futuros
professores passaram anos, passivamente, como alunos (p. 323).
Assim, a realidade do cotidiano desses indivíduos em formação docente
mantém-se minimamente afetada pela educação superior, pois as circunstâncias em que
a formação pré-serviço se desenvolve geralmente não oferecem oportunidades para
experiências ou conflitos profissionais, nas quais possam avaliar ou reconstruir suas
crenças e colaborar na construção de um contexto de exercício profissional.
Concordando com esse posicionamento, podemos afirmar que o processo de
aprender línguas em um contexto inovador como o teletandem pode proporcionar
oportunidades para que professores em formação desenvolvam uma autonomia em
relação ao trabalho que realizam, conscientizem-se de suas escolhas pedagógicas e
compreendam as do parceiro. Ao mesmo tempo, os participantes podem atuar em um
contexto contemporâneo de desenvolvimento profissional, no qual a interação
comunicativa passa a ter sentido em tempo real, já que o interagente está de fato do
outro lado da tela e não é um falante ideal. Portanto, os dilemas lingüísticos e teóricos
assumem um papel secundário no processo, dando lugar a questões que envolvem
motivação para a aprendizagem, cultura(s), comunicação espontânea, estratégias de
aprendizagem, construção de discurso, entre outras, sobre as quais os interagentes
devem refletir constantemente, no sentido de construir seu exercício profissional em
colaboração com o outro, em uma sociedade que se desenvolve e se transforma
rapidamente.
Em um momento posterior, Pajares (1996) discute as contribuições da teoria
sócio-cognitiva, enfocando especificamente o componente das crenças sobre auto-
eficácia no estudo da auto-regulação e da motivação em contextos acadêmicos. Pajares
afirma que os indivíduos possuem um auto-sistema que os capacita a exercitar um
controle sobre seus pensamentos, sentimentos e ações, funcionando, assim, como um
mecanismo de auto-regulação que lhes possibilita alterar seu meio e suas próprias ações.
A teoria sócio-cognitiva fundamenta-se, assim, na mediação entre conhecimento e ação
e na auto-reflexão, processo em que os indivíduos avaliam suas próprias experiências e
processos cognitivos. Assim, a maneira pela qual as pessoas interpretam os resultados
de suas ações informa e altera seu meio e suas próprias crenças, que, por sua vez,
informam e alteram suas ações subseqüentes. Nessa relação, indivíduos agem tanto
como produto quanto como produtores de seu próprio meio e sistemas sociais, sob
influências socioculturais. Em contextos educacionais, os instrumentos de auto-eficácia
podem oferecer aos alunos respostas para seus problemas ou, ainda, engajá-los em
certas estratégias de auto-regulação e percepção de competências e habilidades,
podendo influenciar nas escolhas, no esforço, na perseverança e no crescimento desses
alunos. Portanto, estão intimamente ligadas à confiança e à motivação, aspectos
bastante valorizados pela teoria sócio-construtivista.
O autor conclui suas idéias declarando que, de acordo com a teoria sócio-
cognitiva, a confiança é tanto um construto individual quanto social. Os sistemas
coletivos — como as salas de aula, os grupos de professores, de administradores
escolares e de políticos da educação — desenvolvem crenças coletivas sobre as
capacidades de ensinar, aprender, administrar e resolver tarefas. Em relação à
aprendizagem, muitos fatores sociais podem influenciar no desenvolvimento da auto-
eficácia, ainda que os alunos tenham consciência de que a possuem. A falta de
incentivos, de bons professores, de equipamentos ou de outros recursos são fatores que
podem prejudicar o desempenho dos estudantes em suas tarefas acadêmicas. Assim,
como sistema social, é papel da escola, em qualquer nível de formação educacional,
oferecer e preservar as condições ideais para que as crenças de auto-eficácia de
estudantes e de professores se desenvolvam, no sentido de que possam assumir ações
educacionais e políticas sociais mais conscientes dentro de sua profissão.
De maneira geral, os estudos desenvolvidos sobre cognição de professores, na
década de 1990, abordam fundamentalmente questões conceituais, examinando um
vasto número de noções de conhecimento que emergem do contexto de formação de
professores.
No intuito de examinar estudos na área de cognição de professores,
pesquisadores começam a propor categorias, sugerindo também subtipos em cada uma
das categorias, procedimento que nos parece bastante eficiente na compreensão de
aspectos como crenças e processos reflexivos. Tal tratamento dado a diferentes tipos de
crenças sugere que a pesquisa em cognição docente mudou a perspectiva do estudo
generalizado para a de uma análise mais focada de crenças, tal como já sugerira Pajares
(1992).
Com a entrada do novo milênio, o interesse por pesquisas na área da cognição
docente intensifica-se, sendo que o conhecimento do professor passou a ser o conceito
mais amplamente utilizado na área. Muitas das publicações mais importantes surgidas
na década de 1990 são retomadas por estudiosos, especialmente em relação à tensão
entre o conhecimento formal e prático do professor. Nesse sentido, são focalizados,
particularmente, os conceitos de conhecimento-na-ação e de reflexão-na-ação, trazidos
por Schön (1983).
Dessa maneira, o conhecimento do professor passa a ser visto, de maneira mais
ampla, como aquilo que embasa suas ações na prática. O termo conhecimento é aqui
usado como o conceito maior para todos os tipos de construções cognitivas, já que, na
mente do professor, componentes do conhecimento, dentre os quais crenças, concepções
e intuições, são profundamente interligados. Assim, na investigação do conhecimento
docente, o principal foco de atenção deve estar na totalidade complexa de cognições e
seus desenvolvimentos, bem como na maneira pela qual estas interagem com as ações
do professor em sala de aula.
À medida que a primeira década de 2000 avança, vemos que a vertente de
pesquisas em cognição docente apresenta-se cada vez mais interessante à área de
formação de professores. Nesse cenário de investigações, presenciamos um crescimento
significativo de pesquisas e de conceitos sobre cognição de professores ao longo de
trinta anos, envolvendo conflitos e dilemas que continuam a apontar nas mais recentes
pesquisas relacionadas à formação docente.
Em termos de conceituação, Borg salienta o fato de que a área de estudos em
cognição docente delineia-se em torno de uma vasta terminologia, incluindo-se
conceitos como cognição, conhecimento (e seus subtipos), crenças, atitudes,
concepções, teorias, asserções, princípios, pensamento e tomada de decisão (op. cit: p.
272). Concordamos com o autor quando este afirma ser necessário que haja um esforço
pela busca de senso de unidade e de coerência conceitual nas pesquisas em tal campo de
estudos, por meio do estabelecimento e do uso consistente de um sistema terminológico
compartilhado entre pesquisadores, a fim de se evitar que conceitos similares continuem
sendo usados com diferentes significados, bem como que diferentes termos refiram-se
aos mesmos construtos.
Nesse sentido, Borg define cognição de professores de línguas como
um termo inclusivo, que se refere às redes de conhecimento,
pensamentos e crenças construídas por professores de línguas ao
longo de seu trabalho, sendo tais redes complexas, orientadas pela
prática, pessoais e sensíveis ao contexto, seja qual for o estágio
profissional em que o professor se encontre, ou o contexto de
ensino de línguas no qual atue, pense e desenvolva conhecimentos
ou crenças sobre qualquer aspecto de seu trabalho (op. cit: p.
272).
Concluindo suas idéias a respeito da natureza da pesquisa em cognição de
professores, Borg afirma que o estudo sobre as ações de ensino deve integrar-se ao
estudo da cognição de professores de línguas, já que nosso objetivo, como estudiosos da
área, deve ser não somente descrever teoricamente aquilo que os docentes acreditam e
sabem, mas, principalmente, compreender melhor esses docentes e seu ensino,
posicionamento com o qual concordamos e buscamos pôr em prática nesta pesquisa.
Enfocando a questão das crenças na formação inicial de professores de línguas
em trabalhos recentes, Vieira-Abrahão (2004, 2005) afirma haver evidências científicas
de que o conhecimento teórico-prático desenvolvido em cursos de formação de
professores pouco influencia nas atividades de docência em salas de aula, sendo os
professores altamente influenciados por suas crenças, valores e experiências pessoais ao
interpretar teorias e construir sua prática pedagógica. Outras investigações também
apontam que os professores, ao iniciarem seu exercício profissional, tendem a recuperar
experiências vividas enquanto alunos, fazendo prevalecer tais conhecimentos e valores
sobre as orientações feitas nos programas de formação, seja qual for a linha teórica
subjacente a eles. Isso vem a comprovar o fraco impacto que a educação formal exerce
na alteração dos efeitos da aprendizagem de observação (VIEIRA-ABRAHÃO, 2005,
p. 313).
No caso da formação pré-serviço nos cursos de Letras, o aluno-professor traz
uma experiência importante como aprendiz ou já como professor, sendo portador de
uma rica história de vida, além de conhecimentos teóricos sobre ensino e aprendizagem
de línguas. Porém, em contextos de formação inicial, esse aluno tem poucas
oportunidades de ver explicitado para ele próprio o que acredita ser linguagem, ensinar
e aprender, algo fundamental para orientar seu trabalho em sala de aula (VIEIRA-
ABRAHÃO, 2004, p.132), argumento que consideramos plausível nesta investigação. A
autora afirma que as concepções dos professores sobre ensinar e aprender podem
originar-se de fontes diversas, entre as quais suas experiências enquanto aprendiz e a
observação de professores; as experiências prévias de docência; a exposição a diferentes
métodos; a opinião formulada sobre o trabalho de outros docentes; as experiências
como pai ou mãe. Nesse sentido, ao inserir-se em um programa de formação inicial ou
em serviço, professores levam consigo crenças, valores, pressupostos, experiências e
conhecimento, gerados e transformados ao longo da vida e que, portanto, merecem ser
considerados. Para Vieira-Abrahão, independentemente da nomenclatura utilizada para
se conceber a idéia de crença, notamos que, atualmente, o professor não é mais tomado
como um indivíduo passível de treinamento — tal como era tratado em uma visão
tecnicista de formação de hábitos para a sala de aula — e que simplesmente incorpora
em sua vida pessoal e profissional as crenças, teorias e experiências “bem-sucedidas” de
profissionais tidos como “experientes” e como modelos de docência. Sabemos, hoje,
que é nos contextos de ação que as crenças se (trans)formam e nos quais professores —
como profissionais em sociedade — contribuem para a concepção da história do lugar
em que atuam e formam indivíduos, avaliando as contribuições e responsabilidades de
sua prática para seus alunos e a comunidade que integram. Entretanto, apesar de todas
as experiências prévias que traz para a graduação, o aluno-professor raramente tem
explicitadas para ele próprio suas concepções sobre o que é linguagem/língua, ensinar e
aprender, algo fundamental para orientar seu futuro trabalho em sala de aula.
Para Borg (2006), cada indivíduo em formação inicial é afetado pelos programas
de formação de diferentes maneiras, sendo necessária a realização de estudos
longitudinais a respeito do desenvolvimento individual de professores de línguas em
processo de formação inicial. Segundo o autor, a formação docente pode assumir
diversas formas, de acordo com o tempo, o público-alvo e os propósitos almejados;
portanto, a natureza dos cursos de formação é um dado importante na análise de seu
impacto sobre as crenças de futuros professores de línguas, conforme constataremos na
análise e na discussão dos dados desta pesquisa.
De acordo com Borg, as ações de professores de línguas são sustentadas e
influenciadas por uma gama de cognições pré-ativas, interativas e pró-ativas por eles
construídas. Entretanto, o autor também entende que a relação entre cognição e prática
no ensino de línguas não pode ser considerada nem linear nem unidirecional. No
primeiro caso, não é linear porque as cognições e as práticas podem nem sempre
coincidir, devido à influência mediadora de fatores contextuais (conforme discutiremos
à frente). No segundo caso, não é unidirecional porque as cognições de professores, por
si só, são definidas de acordo com aquilo que acontece em sala de aula. Assim, Borg
conceitua ensino de línguas como um processo de interações entre cognição, contexto e
experiência (op. cit.: p. 275). Igualmente para Barcelos (2006), uma questão central na
investigação de crenças é a relação entre contexto, crenças e ação, sendo necessário,
assim, situar o conceito em uma perspectiva atual, relacionada à área de cognição.
Podemos afirmar que Barcelos tem uma visão de cognição de professores
congruente com as idéias de Borg, que usa o termo para se referir àquilo que os
professores pensam, acreditam e sabem sobre ensinar línguas, três processos cognitivos
dificilmente dissociados entre si. Complementarmente, Barcelos apresenta sua idéia de
crenças também com base em uma visão deweyana, ao concebê-las como
uma forma de pensamento, como construções da realidade, maneiras
de ver e perceber o mundo e seus fenômenos, co-construídas em
nossas experiências e resultantes de um processo interativo de
intrepretação e (re)significação. Como tal, crenças são sociais (mas
também individuais), dinâmicas, contextuais e paradoxais (2006, p.
18).
Dewey (1997) associa o conceito de crenças à atividade de reflexão, ao afirmar
que crenças e suas conseqüências são a base do pensamento reflexivo, visto como a
consideração ativa, persistente e cuidadosa sobre essa mesma crença ou forma de
pensamento. Para o autor, a operação reflexiva se desenvolve por meio de dois
subprocessos: a) um estado de incerteza e de hesitação frente a um problema; b) uma
atitude de investigação que traga à luz fatos que corroborem ou anulem uma crença.
Dewey define problema como qualquer coisa que choque ou desafie a mente a
acreditar em incertezas (p.9) e, sendo assim, reflexão implica questionar uma base de
crenças, visão que nos parece interessante. Nesse sentido, o autor afirma que a função
pela qual uma coisa significa ou indica outra e nos leva a considerar seu valor para
justificá-la ou nela acreditar é o fator central em toda atividade intelectual reflexiva. A
origem da reflexão está, então, na dúvida que se instaura quando os dados ou as
crenças dos quais lançamos mão não são suficientes para encontrarmos a solução do
problema, já que apenas a sugerem, por meio de nossa experiência e conhecimento
prévios. Portanto, a reflexão tem como principal desafio nos deslocar da inércia
sugerida por crenças baseadas em experiências que já não servem para resolver um
problema novo. Manter a dúvida e prolongar os questionamentos é, pois, a essência do
pensamento reflexivo e da relatividade das crenças, corroborando a idéia de que estas se
constroem em contextos específicos de problematização. Concordamos com essa visão
e acreditamos que a atividade de reflexão deve ser cada vez mais estendida nos dias
atuais, em que os contextos se modificam e se nos apresentam tão desafiadores de
maneira cada vez mais rápida e transitória.
Voltando a Barcelos (2006), as interpretações mais atuais sobre cognição têm
influenciado também a visão sobre a natureza das crenças, indicando uma perspectiva
mais situada e contextual desse conceito (op. cit: p. 18). Estudos como o de Kalaja e
Barcelos (2003), do qual trataremos melhor adiante, apresentam uma idéia bastante
interessante a respeito de tal nova perspectiva, segundo a qual crenças são,
fundamentalmente, dinâmicas; emergentes, socialmente construídas e situadas
contextualmente; experienciais; mediadas; paradoxais e contraditórias; relacionadas à
ação de uma maneira indireta e complexa; não tão facilmente distintas do
conhecimento (BARCELOS, 2006, p. 19-20).
Barcelos sugere, pois, diretrizes de investigação de crenças para a construção de
uma agenda produtiva de pesquisa sobre crenças no Brasil (op. cit., p. 33). Dentre tais
sugestões, afirmo que algumas são enfocadas neste trabalho de doutorado:
- investigar crenças em contextos diversos, já que o teletandem é um ambiente
de pesquisas inéditas sobre crenças no Brasil;
- estudar crenças mais específicas, como as possibilidades de estudo entre
crenças e cultura, tal como realizamos nesta pesquisa, ao estudar as relações entre uma
brasileira e uma mexicana, na tarefa de aprender e ensinar línguas à distância;
- examinar a metodologia e os instrumentos de investigação de crenças, já que
gravações de interações via MSN, os diários das interações, as mediações e os diários
reflexivos sobre elas, além das autobiografias, são instrumentos contemporâneos e
inovadores de coleta de dados em pesquisas sobre crenças;
- estudar crenças sobre outras línguas estrangeiras além do inglês, já que as
línguas enfocadas nesta pesquisa são o espanhol e o PLE, esta última foco de um
número ainda pequeno de pesquisas;
- examinar o impacto da formação docente — e penso que também a humana
nas crenças de professores, já que esta pesquisa trata da formação inicial para o
teletandem, em contexto universitário;
- compreender o papel da linguagem na investigação de crenças e, na presente
pesquisa, como ela se articula nos discursos pedagógicos e pessoais das interagentes, ao
estabelecer uma relação de aprendizagem durável, mediada pelo computador.
Nesse sentido, Barcelos acredita também que os temas atuais de pesquisas
sugerem uma tendência da área por uma compreensão maior da função das crenças no
ensino e na aprendizagem de línguas e do papel do contexto em sua relação com as
crenças e as ações, envolvendo, assim, professores, alunos, ambientes de
ensino/aprendizagem de línguas e pesquisadores. Nessa relação, crenças e ações nem
sempre são congruentes, isto é, a prática de professores nem sempre reflete suas crenças
e seu discurso. Dialogando mais uma vez com as idéias de Borg (2006), Barcelos
explica que uma mudança de comportamento não leva necessariamente a uma mudança
cognitiva, sendo o contrário também verdadeiro. Isso ocorre porque o professor
desenvolve percepções e escolhas pedagógicas de acordo com o contexto instrucional e
os alunos, sendo que as crenças, necessidades e expectativas dos aprendizes parecem
ser os fatores que mais afetam a prática e a manifestação de crenças dos professores.
Assim, mais uma vez, podemos afirmar que o contexto é fundamental para
compreendermos possíveis contradições entre crenças e ações de docentes, bem como a
ambigüidade de suas práticas. Para Barcelos,
(...) na verdade, o professor encontra-se em uma rede intricada de
várias crenças e pode decidir, em determinado momento, optar
por uma ou outra crença que pode ser inconsistente com outras do
seu sistema, mas que vai ao encontro de necessidades mais
prementes de seu contexto (2006, p. 32).
Vimos, portanto, que os cenários sociais, institucionais, instrucionais e físicos
nos quais professores de línguas trabalham exercem grande impacto sobre suas
cognições e práticas, especialmente para professores iniciantes, cujos ideais sobre
ensino de línguas precisam, às vezes, ser deixados de lado — ao menos
temporariamente — enquanto tais docentes arcam com as realidades instrucionais e
sociais que encontram nas escolas ou em outros contextos de ensino. Dessa maneira,
para Borg (2006), fatores contextuais podem interagir com as cognições de professores
em dois sentidos: ora causando transformações nessas cognições ora alterando
diretamente as práticas sem modificar as cognições que as fundamentam. Neste último
caso, podemos ter uma lacuna de congruência entre as crenças já estabelecidas e as
práticas reais dos professores. Superficialmente, tal incongruência poderia ser
interpretada como uma inconsistência por parte do professor. Porém, uma interpretação
simplista como esta reflete uma apreciação ingênua a respeito de como cognição,
contexto e prática são mutuamente informados.
Outra questão relevante para esta pesquisa remete a uma compreensão da
natureza das cognições prospectivas de professores e de como estas são definidas, com
base em suas experiências de escolarização e de formação docente e, ainda, nas
experiências iniciais de ensino de línguas. Sabemos que os professores chegam aos
cursos de formação docente trazendo concepções estabelecidas, embora tácitas, sobre
ensinar e aprender. Temos, também, evidências das contribuições que as experiências de
professores enquanto aprendizes representam para o desenvolvimento de suas
cognições, ao longo de suas carreiras. Professores de L2 e de LE, em particular,
possuem concepções sobre seu trabalho as quais são influenciadas por suas próprias
experiências de aprendizagem de línguas e estudar tais experiências é fundamental para
compreendermos os fatores que dão forma aos construtos mentais desses professores.
As cognições prévias de professores em formação pré-serviço atuam, ainda,
como um filtro por meio do qual o insumo e a experiência se processam, durante a
formação profissional. Assim, o impacto da formação pré-serviço sobre aquilo que os
novos professores aprendem não pode ser tomado em vão; professores atribuem sentido
e são afetados por programas de formação de maneiras singulares e distintas, tornando
claro que a prática de ensino e as primeiras experiências em sala de aula representam
influência no desenvolvimento das cognições de futuros professores, já que
proporcionam seus primeiros encontros com as realidades da vida escolar e de sala de
aula, sob uma visão docente e não mais discente.
O campo de estudos em cognição de professores de línguas também tem se
beneficiado dos progressos mais recentes relativos à identificação de particularidades
nas cognições de professores que se encontram em níveis distintos de experiência ou
perícia na atividade docente, sendo questão primordial estudar a maneira como tal fator
é definido. Em alguns casos, Borg (op. cit., p. 278) afirma haver uma explícita
associação entre perícia e anos de experiência de ensino, embora reconheça que, nem
sempre, esses dois aspectos caminham juntos. Entretanto, estudos comparativos entre
professores novatos e peritos têm oferecido esclarecimentos sobre as diferenças no
conteúdo e estrutura de suas cognições. Assim, professores de línguas com uma perícia
mais desenvolvida apresentam cognições nas quais diferentes formas de conhecimento
experiencial e formal exercem um papel integrativo, tornando-os capazes de vislumbrar
o potencial de seus alunos para o aprendizado em contextos instrucionais, além de
antecipar problemas e de resolvê-los, geralmente por improvisação, exercitando, ao
mesmo tempo, as habilidades e as sensibilidades dos aprendizes. Por sua vez,
professores novatos caracterizam-se por um grau acentuado de compartimentalização do
conhecimento, pouca flexibilidade para oferecer respostas improvisadas aos alunos (isto
é, de aproveitar oportunidades não planejadas de aprendizagem), repertório instrucional
menos variado e dificuldades em pensar sobre o aprendizado a partir da perspectiva do
aluno, visões que, de fato, parecem-nos coerentes no contexto desta pesquisa.
2.1.1 Um esquema para as pesquisas em cognição de professores de línguas
Borg (2006) apresenta uma ferramenta para conceituar o campo de pesquisas
sobre professores de línguas (p. 281), representada em um diagrama indicativo de que
os professores de línguas têm, conforme o autor já afirmara anteriormente, cognições
sobre todos os aspectos de seu trabalho. Tais cognições podem ser descritas por meio de
vários construtos psicológicos, que, coletivamente, formam aquilo que Borg denomina
cognição docente. O diagrama proposto também delineia relações entre cognição
docente, aprendizagem do professor (tanto durante a escolarização quanto na formação
profissional) e prática de sala de aula.
Retomando o que foi discutido anteriormente, há uma ampla evidência de que as
experiências dos professores enquanto aprendizes (e, acrescentaria, também enquanto
crianças) podem indicar cognições sobre ensinar e aprender que podem continuar
exercendo certa influência no desenvolvimento das carreiras docentes. Há, ainda,
indícios de que, embora alguns programas de formação profissional possam, de certa
forma, “moldar” (grifo meu) as cognições de futuros professores, por outro lado,
aqueles que ignoram as crenças prévias de professores em formação pré-serviço podem
ser menos eficientes quanto ao impacto que causam na formação desses profissionais.
As pesquisas também têm demonstrado que as cognições e as práticas de professores
são mutuamente informadas, sendo que os fatores contextuais exercem o importante
papel de mediar a dimensão na qual esses docentes são capazes de instruir, em
congruência com suas cognições. Por considerarmos interessante a disposição dos
conceitos realizada pelo autor, trazemos, a seguir, a representação do diagrama de Borg
(o. cit.), contendo os elementos e processos da cognição de professores de línguas:
Diagrama 1. Elementos e processos em cognição de professores de línguas
(BORG, 2006, p. 283)
História pessoal e experiências
específicas de sala de aula, que
definem pré-concepções de
educação (por exemplo, o que é ser
professor, o que é ensinar).
Pode confrontar-se com cognições
pré-existentes, embora tal impacto
seja menor quando tais cognições
são desconhecidas.
ESCOLARIZAÇÃO
CURSO DE
FORMAÇÃO
COGNIÇÃO DO
PROFESSOR DE
NGU
A
S
Crenças, conhecimento,
teorias, atitudes, suposições,
concepções, princípios,
pensamentos, tomadas de
decisão
Sobre ensino, professores,
aprendizes, aprendizado,
disciplinas, currículos,
materiais, atividades,
avaliação, contexto, sobre si
próprio e
sobre os colegas
P
P
PRÁTICA DE SALA DE AULA
incluindo prática de ensino
FATORES CONTEXTUAIS
Ao redor e dentro da sala de aula, o
contexto é mediador entre cognições e
prática. Pode gerar transformações
nas cognições ou tensão entre
cognições e práticas de sala de aula.
Definida pela interação de cognições
e fatores contextuais. Por sua vez, a
experiência de sala de aula influencia
nas cognições de forma inconsciente
e/ou
p
or meio da reflexão.
Borg explica que o diagrama 1 nos mostra, primeiramente, que as experiências
iniciais de vida inseridas na caixa escolarização remetem a pré-concepções sobre
educação que podem ser definidas nas relações com o meio adulto, representado, por
exemplo, pelos pais. Em relação aos fatores contextuais, estes aparecem englobando a
prática de sala de aula, que se torna, por sua vez, parte do contexto. Há também uma
pequena lista de construtos para descrever a cognição docente — tal como o autor
sugere em relação à necessidade de racionalização terminológica na área de
investigação em foco — além de elementos temáticos sobre os quais os professores
podem desenvolver cognições. Por fim, o termo línguas acompanha o conceito de
cognição de professores disposto no centro do diagrama, tornando mais específico o
enfoque de estudos em cognição docente.
Podemos associar, assim, as afirmações de Borg às discussões de Vigotski
(1998), sobre o campo de estudos relacionados à formação de conceitos. O autor afirma
que tal tarefa torna-se árdua pela ausência de um método que dê conta de observar a
dinâmica interna do processo, já que o que se faz, em termos metodológicos, é
simplesmente definir ou abstrair sua definição, visando lidar com o produto acabado da
formação de conceitos. Métodos mais contemporâneos, porém, trabalham nas condições
funcionais da formação de conceitos, levando em conta a percepção e a elaboração
mentais do material sensorial que, ao lado da palavra, são essenciais ao processo. Tais
métodos consideram, assim, que um conceito não é uma formação isolada, fossilizada e
imutável, mas uma parte ativa do processo intelectual, constantemente a serviço da
comunicação, do entendimento e da solução de problemas (p. 67). Tal como ocorre em
relação às crenças, há uma inter-relação dos conceitos em um sistema, já que, segundo
Vigotski, conceitos não ficam guardados na mente do indivíduo como ervilhas em um
saco, sem qualquer vínculo que os una (p. 138), metáfora interessante e pertinente nesta
discussão. Se fosse assim, nenhuma operação intelectual seria possível, nem mesmo
qualquer concepção de mundo. Não há, assim, conceitos isolados enquanto tais, pois
sua natureza pressupõe um sistema.
Vigotski ressalta a idéia de que a formação de conceitos é um processo criativo e
não um processo mecânico e passivo, configurando-se no curso de uma operação
complexa, voltada à solução de problemas por uma tendência determinante. Assim,
podemos compreender que tal tendência determinante não leva em conta apenas as
imagens recorrentes do passado, reproduzidas nos momentos de tensão em nossa mente;
mais que isso, nossa mente (re)cria conceitos à medida que se vê frente a novos
objetivos, desejando realizar a nova tarefa experimental. O que parece diferenciar,
então, a experiência de resolver problemas entre o adolescente ou o adulto e a criança
em idade pré-escolar não é a abordagem do problema em si (sua visualização e
compreensão), mas a maneira como adultos o resolvem e trabalham para alcançar um
objetivo.
Este percurso de reflexão que aborda as idéias acima a respeito de formação de
conceitos processo, aliás, que, segundo Vigotski, só vem a se completar na
adolescência, por volta dos doze anos de idade parece valioso para compreendermos
a formulação das crenças que, em um caminho semelhante, tamm são geradas frente à
necessidade essencial de se resolver problemas, revelando os meios pelos quais o
homem aprende a organizar e a dirigir o seu comportamento (op.cit.: 69-70) e, ainda,
suas ações. Porém, segundo o autor, para compreendermos o processo de formação dos
conceitos, devemos levar em conta o fato de que todas as funções psíquicas superiores
são processos mediados e que, no caso dos conceitos, o signo mediador do processo de
formação é a palavra, que, posteriormente, torna-se o símbolo de um conceito. Portanto,
é por meio da palavra que conduzimos nossas operações mentais em direção à solução
do problema que enfrentamos e à formação de nossos conceitos, o que só vem a ocorrer,
conforme já citamos, em idade pré-adulta.
Vigotski continua sua discussão declarando que, nesse raciocínio, o ensino
direto de conceitos é impossível e improdutivo e um professor que tenta agir dessa
maneira geralmente atinge pouco ou nenhum resultado, a não ser a repetição de
palavras, o verbalismo vazio, que simula um conhecimento dos conceitos
correspondentes, mas que na realidade oculta um vácuo (p. 104). O autor acredita que
as explicações artificiais, como a memorização compulsiva e a repetição, representam a
razão da aversão apresentada pelos alunos em relação ao ensino, já que precisam, na
verdade, de oportunidades para adquirir novos conceitos e palavras a partir do contexto
lingüístico geral, isto é, a partir do momento em que sintam necessidade de usá-la, a
palavra e o conceito lhes pertencem, visão que consideramos bastante contemporânea e
representativa dos contextos de ensino convencionais.
Voltando-se à questão da aprendizagem de línguas, o autor afirma que, na LM,
os aspectos primitivos da fala são adquiridos antes dos aspectos mais complexos, que,
por sua vez, pressupõem certa consciência sobre as formas fonéticas, gramaticais e
sintáticas. Em sua própria língua, a criança faz uso de formas lingüísticas sem se dar
conta disso, enquanto que em uma LE distingue, por exemplo, entre os gêneros
feminino e masculino e tem consciência das formas gramaticais desde o início da
aprendizagem. O mesmo ocorre com a fonética, que se apresenta como dificuldade em
LE quando se trata da “fala espontânea”, fluente e segura, algo conquistado como
resultado positivo de um estudo demorado e árduo por parte do aprendiz (1998, p. 137).
Nesse aspecto, o teletandem pode representar um ambiente mais prazeroso de prática da
fala espontânea, já que ambos os interagentes aprendem a língua um do outro exercendo
sua autonomia em relação à aprendizagem, o que pode encurtar e facilitar o processo.
Ainda na opinião de Vigotski, da qual compartilhamos, o sucesso no
aprendizado de uma LE depende de certo grau de maturidade na LM, já que a criança
pode transferir para uma nova língua o sistema de significados que já possui na sua
própria. Para ele, o oposto também é verdadeiro — o conhecimento de uma LE facilita a
compreensão de formas mais elevadas na LM.
2.1.2 Síntese dos conceitos apresentados na seção e o conceito de crenças
construído nesta investigação
A fim de conceituar crenças em ensino de línguas em harmonia com o contexto
de investigação deste trabalho, devemos retomar, de maneira sucinta, algumas das
perspectivas teóricas discutidas pelos autores abordados. Dessa forma, trazemos, no
quadro que se segue, uma compilação das visões mais relevantes a este estudo no
campo de investigação de crenças, a partir de uma visão cognitiva de formação de
professores de línguas.
Conceito Definição Fonte
Crença
Julgamento individual da veracidade ou da
falsidade de uma proposição, que só pode ser
inferido a partir de uma compreensão coletiva
daquilo que os seres humanos dizem, pretendem
e fazem.
Pajares (1992)
Crenças
formas de pensamento, construções da realidade,
maneiras de ver e perceber o mundo e seus
fenômenos, co-construídas em nossas
experiências e resultantes de um processo
interativo de interpretação e (re)significação.
Como tal, são sociais (mas também individuais),
dinâmicas, contextuais e paradoxais.
Barcelos (2006)
Crenças
transformam-se nos contextos de ação, onde
professores — como profissionais em sociedade
— contribuem para a concepção da história do
lugar em que atuam e formam indivíduos,
avaliando as contribuições e responsabilidades de
sua prática para seus alunos e a comunidade que
integram.
Vieira-Abrahão
(2004)
Cognição de
Professores de
Línguas
termo inclusivo, que se refere às redes de
conhecimento, pensamentos e crenças construídas
por professores de línguas ao longo de seu
trabalho, sendo tais redes complexas, orientadas
pela prática, pessoais e sensíveis ao contexto, seja
qual for o estágio profissional em que o professor
se encontre, ou o contexto de ensino de línguas no
qual atue, pense e desenvolva conhecimentos ou
crenças sobre qualquer aspecto de seu trabalho.
Borg (2006)
Formação de
Conceitos
processo criativo e não mecânico e passivo,
configurando-se no curso de uma operação
complexa, voltada à solução de problemas por
uma tendência determinante.
Vigotski (1998)
Conceito
mais do que um hábito mental, é um ato real e
complexo do pensamento que não pode ser
ensinado por meio de treinamento. Não é uma
formação isolada, fossilizada e imutável, mas
uma parte ativa do processo intelectual,
constantemente a serviço da comunicação, do
entendimento e da solução de problemas.
Vigotski (1998)
Quadro 7: Conceitos relativos ao estudo de crenças e ensino de línguas
Tendo em vista as proposições apresentadas acima, extraídas das discussões dos
autores apresentados nesta seção, bem como o contexto de desenvolvimento desta
investigação, podemos afirmar que crenças são conceitos (re)construídos
cognitivamente, por meio de significações atribuídas às experiências, ações, intenções e
conhecimentos individuais ou negociados socialmente, em um contexto específico no
qual tais crenças emergem — neste caso, a aprendizagem de línguas pelo teletandem.
Por resultarem de um processo de interação, nem sempre são uniformes e podem trazer
consigo significados inconscientemente paradoxais, seja qual for o aspecto educacional
a ser considerado.
Vale salientar que o contexto, nesta investigação, aparece como aspecto
fundamental, pois deixa de ser a sala de aula convencionalmente investigada para
voltar-se a um ambiente virtual de interação e de ensino/aprendizagem, no qual não há a
figura tradicional do professor de línguas. Vislumbramos, portanto, a importância de
investigar crenças de acordo com as características individuais e sociais do cenário de
ensinar e aprender línguas, o que as torna resultado de um processo interativo de
interpretação e (re)significação.
2.2 RELAÇÕES DISCURSIVAS NO PROCESSO DE ENSINO/APRENDIZAGEM
DE LÍNGUAS
Iniciamos a discussão teórica sobre as relações discursivas no processo de
ensino/aprendizagem de línguas a partir de Fairclough (2001), que analisa o significado
da linguagem na produção, manutenção e transformação das relações sociais de poder,
no sentido de os indivíduos tomarem consciência a respeito de como a linguagem
contribui para a dominação de algumas pessoas sobre outras, já que, segundo o autor, a
consciência é o primeiro passo na busca pela emancipação (p. 1). Para tanto, enfoca a
temática por meio do que nomeia abordagem crítica da linguagem (doravante ACL)
10
.
À idéia de crítica, o autor atribui a tarefa de demonstrar conexões provavelmente
ocultas entre linguagem, poder e ideologia (p. 4), as quais, para ele, não são enfocadas
de maneira tão complexa em outras abordagens, tais como a lingüística, a pragmática, a
psicologia, a análise da conversação e a análise do discurso. Porém, segundo
Fairclough, a ACL não deve ser vista simplesmente como um complemento das demais
perspectivas, mas como uma orientação alternativa, que implica uma demarcação
diferente da de outras abordagens, ao ampliar o escopo da concepção dos estudos
sociais da linguagem (p. 11). Assim, a linguagem assume o sentido de discurso, visto
como prática determinada por estruturas sociais. O discurso, então, refere-se à fala ou à
escrita reais, sendo que o termo prática assume significado paralelo.
Na visão de Bourdieu (2003), cujas idéias são referência mundial nos estudos
críticos sobre a linguagem, a filosofia intelectualista trata a linguagem como objeto de
contemplação e não como um instrumento de ação e poder. Nesse sentido, o autor
aponta Saussure como um dos maiores representantes dessa visão de mundo social
como um universo de trocas simbólicas e que reduz a ação a um ato comunicativo.
Segundo o autor, embora seja legítimo tratar as relações sociais — inclusive as relações
de dominação — como interações simbólicas, isto é, como relações de comunicação que
implicam ações cognitivas, não devemos nos esquecer de que as relações
comunicativas, por excelência, são também relações de poder simbólico. Portanto, é nas
relações de poder entre os falantes ou seus respectivos grupos que as interações
comunicativas são legitimadas.
10
No original, o autor usa o termo critical language study (CLS).
Tomando especificamente a questão da linguagem e das trocas lingüísticas,
Bourdieu argumenta que a Lingüística meramente incorporou dentro de sua teoria um
objeto pré-construído, ignorando suas leis sociais de construção, isto é, sua gênese
social. Falar de língua sem qualquer especificação aprofundada, como fazem os
lingüistas formais, é aceitar tacitamente a "definição oficial" de "língua oficial" (grifos
do autor), proposta por uma unidade política. Essa língua é aquela que, dentro dos
limites territoriais de tal unidade, impõe-se à população como se fosse a única língua
legítima, produzida por autores que têm autoridade para escrevê-la e fixada e codificada
por gramáticos e professores que também dividem a tarefa de inculcar sua
superioridade. A língua torna-se um código, no sentido de cifra, capaz de estabelecer
equivalências entre sons e sentidos, além de representar um sistema de normas que
regulam as práticas lingüísticas, tal como vemos acontecer nas aulas de línguas, por
exemplo.
A marca lingüística se impõe como a única legítima e os diferentes dialetos (de
classe, de região ou de grupos étnicos) precisam lutar contra o uso obrigatório dessa
língua oficial. A integração em uma única "comunidade lingüística" (grifo do autor),
que é produto da dominação política infinitamente reproduzida por instituições capazes
de impor a língua reconhecidamente dominante, é a condição primária para o
estabelecimento de relações de dominação lingüística. A unificação política e a
conseqüente imposição de uma língua oficial estabelecem relações entre os "diferentes
usos da mesma língua", que diferem fundamentalmente a partir de relações teóricas
entre línguas diferentes, faladas por grupos econômica e politicamente independentes. A
comunicação entre classes ou, ainda, entre grupos étnicos, representa sempre uma
situação crítica em relação à língua em uso, qualquer que seja esta.
Portanto, estamos de acordo com o autor, ao afirmar que não há palavra inocente
e seus efeitos podem destruir sua aparente unidade de palavra comum. Cada palavra,
cada expressão, pode adquirir sentidos antagônicos, refletindo a maneira pela qual é
compreendida pelos interagentes. Sendo assim, os indivíduos modificam, de maneira
implícita e rotineira, suas expressões, no sentido de provocar receptividade — por
exemplo, a forma como os adultos alteram seu vocabulário e seu tom de voz para falar
com crianças. Para Bourdieu (op. cit.), toda expressão lingüística é, essencialmente, um
eufemismo, já que é sempre modificada por algo como um “auto-sensor”, que atua no
processo de antecipação. Visto dessa maneira, os fenômenos de polidez e de prudência,
isto é, de escolher a palavra certa para a ocasião certa, não são excepcionais, mas
simplesmente manifestações óbvias de qualquer produção lingüística. Finalmente, a
questão de estilo pode ser repensada, se vista como "um desvio individual da norma
lingüística" (grifo do autor), uma elaboração particular que tende a dar ao discurso
propriedades distintas relacionadas a percepções subjetivas, que permitem distinções
entre diferentes modos de dizer. Assim, as Ciências Sociais devem levar em conta a
autonomia da linguagem, sua lógica peculiar e suas regras específicas de
funcionamento. Particularmente, um indivíduo não pode compreender os efeitos
simbólicos da linguagem sem atentar para o fato de que ela é um mecanismo de
capacidades ilimitadas. Não há nada que não possa ser dito, nem mesmo o nada. Tudo
pode ser dito por meio da linguagem (BOURDIEU, 2003, p. 41), visão que
consideramos bastante adequada às constantes transformações sociais e educacionais
pelas quais temos passado.
2.2.1 Os conceitos de ideologia e poder simbólico
A idéia de ideologia aparece como fundamental nas discussões de Fairclough
(2001), que a define como sendo intimamente ligada ao poder, devido à natureza das
asserções ideológicas estarem implícitas em convenções particulares e apoiadas por
relações de poder. Além disso, ideologias são meios de legitimizar a existência de
relações sociais e diferenças de poder, por meio de formas comuns e familiares de
comportamento que certificam tais relações e desigualdades. Por tudo isso, ideologias
são fortemente associadas à linguagem, a forma mais corriqueira de comportamento
social, na qual confiamos a maior parte das asserções de senso-comum (op. cit.: p.2).
Na visão do autor, o exercício do poder, na sociedade contemporânea, está
embebido em ideologias, já que vivemos em uma época da linguagem. Assim, a
linguagem não se tornou apenas o meio mais importante de controle social, mas cresceu
absurdamente em termos de uso, de variações e de complexidade das capacidades
lingüísticas desenvolvidas pelo homem contemporâneo, levando-nos a compreender sua
natureza ideológica como um dos temas hoje mais abrangentes das Ciências Sociais.
Mesmo assim, o autor afirma que o conceito é ainda trabalhado de maneira inadequada,
tal como acontece nas escolas, onde professores de línguas comumente ignoram as
funções sociais da linguagem. O mesmo ocorre, concordamos, em contextos
acadêmicos, nos quais também predomina uma lacuna entre o nível de consciência
crítica que as posições contemporâneas de linguagem demandam e o nível de fato
alcançado.
Segundo Bourdieu (2003), o poder está em todos os lugares, ainda que de forma
implícita, mesmo que se queira negá-lo e, nesse sentido, o poder simbólico é uma forma
de poder invisível. Os diferentes universos simbólicos (os mitos, as línguas, as artes e as
ciências) são tratados, assim, como instrumentos de conhecimento, comunicação e
construção do mundo de objetos, as “estruturas simbólicas”. Na visão do autor, com a
qual estamos de acordo, devemos nos lembrar de que as ideologias são sempre
duplamente determinadas (op. cit., p. 169) e que suas características derivam não só dos
interesses das classes que elas representam, mas tamm dos interesses daqueles que as
produzem.
Nesse sentido, Bourdieu enfatiza que, no processo político de construção,
legitimação e imposição de uma língua oficial, o sistema educacional assume papel
decisivo. Ao trabalhar diariamente com a capacidade da criança para expressar idéias e
emoções, o professor utiliza uma mesma linguagem clara e fixa com indivíduos que
trazem, por sua vez, uma linguagem rica e diversificada para a escola. Assim, acaba por
incliná-los a ver, a sentir e a nomear as coisas dentro de uma mesma ótica, construindo
uma consciência comum de nação, a partir da imposição de uma linguagem legítima.
No teletandem, percebemos uma diluição desse poder, já que não temos um
representante de um discurso oficial, mas interagentes que aprendem a língua um do
outro a partir de perspectivas bastante particulares, já que não se trata de ensinar a
língua oficial de um país, mas de aprender a se comunicar nas línguas em um contexto
onde não há a figura “poderosa” do professor. Assim, ambos os interagentes passam a
ter acesso à língua um do outro por meio das próprias interações, cujo discurso se
desenvolve de maneira menos competitiva e mais colaborativa.
Fairclough (op. cit.) enfatiza ser importante fazer uma distinção entre o
exercício do poder por meio de coerção, de diversas naturezas, daquele que se
estabelece por meio do consentimento, já que as relações de poder dependem de ambos,
em variadas proporções. A ideologia, nesse sentido, é o significado primário do
consentimento, o que igualmente consideramos uma idéia pertinente. Em relação a
como a linguagem contribui para a dominação de alguns indivíduos sobre outros, as
idéias de resistência e de mudança não são apenas possíveis, mas realmente acontecem a
todo momento, dependendo do nível de consciência crítica sobre a dominação
desenvolvido e experimentado pelas pessoas.
Fica claro, portanto, que o discurso real é determinado por convenções
implícitas. A instância individual sempre implica convenções sociais, ou seja, a ordem
social é mais generalizada e refere-se à estruturação de um espaço social particular,
associado a vários tipos de prática. Fairclough (2001) afirma que podemos encontrar o
tipo discursivo “conversação” em variadas ordens de discurso, relacionadas a diferentes
instituições sociais. Na educação, por exemplo, a conversação é marcada por papéis
desempenhados não apenas em sala de aula, mas também no discurso de uma atividade
ou tarefa de casa. O poder reside, assim, na capacidade de controlar as ordens do
discurso, o que, no teletandem, parece gerar um tipo de poder negociado, tendo por
objetivo a autonomia do aprendiz, outro princípio da aprendizagem in-tandem.
Refletindo criticamente sobre a idéia de região, Bourdieu (2003) argumenta que,
ao estabelecer critérios objetivos para uma identidade "regional ou étnica", não devemos
nos esquecer de que, na prática social, tais critérios — por exemplo, a língua, os dialetos
e o acento — são objeto de representações mentais, isto é, as derivadas de atos de
percepção, apreciação e cognição, nos quais os agentes investem seus interesses e suas
pressuposições, e de representações materiais, tais como emblemas, bandeiras,
monumentos ou atos e estratégias de manipulação simbólica, que têm por objetivo
determinar a representação mental que outras pessoas podem formar dessas
propriedades e de seus proprietários.
Atualmente, a fronteira nada mais é que o produto de uma divisão que pode ser
mais ou menos baseada na "realidade" e podemos afirmar que as "regiões" estão
divididas de acordo com diferentes critérios conceituais (língua, habitat, manifestações
culturais) que nunca são homogêneos. A fronteira, que é produto de um ato legal de
delimitação, produz diferenças culturais, ao mesmo tempo em que é produto delas: basta
considerarmos o papel do sistema educacional no desenvolvimento da linguagem para
entendermos que a política pode desfazer aquilo que a História fez. No teletandem,
observamos que estas questões podem ser minimizadas, à medida que os interagentes
utilizam-se das próprias realidades fronteiriças para aprender sobre as diferentes
culturas e línguas envolvidas nas interações, no sentido de compreender as diferenças e
as semelhanças culturais a partir de perspectivas particularizadas dos participantes.
O discurso regionalista, na atualidade, é performativo, tendo como objetivo
apresentar como legítima uma nova definição das fronteiras e levar as pessoas a
conhecer e reconhecer a "região", que, como sabemos, é ainda delimitada por uma
definição tradicional e dominante. Podemos dizer que, no teletandem, busca-se
justamente o predomínio de uma visão dinâmica de fronteira, ao contrário da sala de
aula, onde raramente ocorre esse intercâmbio de manifestações lingüísticas, culturais e
sociais.
Para Fairclough (2001), os fenômenos lingüísticos são sociais porque sempre
que as pessoas falam, ouvem, escrevem ou lêem realizam essas ações de maneiras
determinadas socialmente, gerando efeitos igualmente sociais. Por sua vez, o modo
como as pessoas usam a linguagem em seus contatos mais íntimos e privados não é
apenas determinado por relações em família; há também efeitos sociais, no sentido de se
manter, ou, então, modificar essas relações. Em contrapartida, os fenômenos sociais são
lingüísticos, no sentido de que a atividade de linguagem presente nos contextos — tal
como ocorre em todas as atividades de linguagem — não é mero reflexo ou expressão
de processos e práticas sociais, mas uma parte deles. Não se trata, assim, de uma relação
simétrica entre linguagem e sociedade como duas facetas iguais de um todo; o todo é a
sociedade e a linguagem é um segmento do social (op. cit.: p. 19).
Fairclough diferencia, assim, a noção de discurso da de texto. Para ele, o
discurso refere-se ao processo de interação social do qual o texto, escrito ou oral, faz
parte. Tal processo, por sua vez, inclui o processo de produção, no qual o texto é
produto, e o processo de interpretação, no qual o texto é fonte. Nesse sentido, a análise
do discurso inclui o estudo de processos de produção e de interpretação, nos quais as
propriedades dos textos interagem com as diversas “fontes individuais” (grifo do autor)
que as pessoas guardam em suas mentes e às quais recorrem ao produzir ou interpretar
textos: o conhecimento de linguagem, as representações dos mundos natural e social, os
valores, as crenças, as asserções e outras, socialmente determinadas e ideologicamente
definidas. Assim, as pessoas internalizam e viabilizam para si aquilo que a sociedade
produz, recorrendo às suas fontes individuais para engajar-se na prática social, incluindo
o discurso. Nesse percurso, concordamos que as condições sociais definem as fontes
individuais trazidas para a produção e a interpretação de textos e estas, por sua vez,
definem o modo como os textos são produzidos e interpretados.
O autor acrescenta que não faz nenhuma diferenciação entre os tipos de discurso
e de textos a serem analisados, pois, mesmo quando estes são essencialmente orais, a
fala é intermediada por gestos, expressões faciais, movimentos e posturas, sendo, assim,
denominados pelo autor como textos visuais. Para ele, tais textos funcionam como uma
referência importante na compreensão do discurso falado e, muitas vezes, como seu
substituto — em movimentos afirmativos ou negativos com a cabeça e os ombros, por
exemplo. Além disso, o significado social da imagem muitas vezes adquire dimensões
bastante significativas, a exemplo das propagandas veiculadas pela mídia. Lembramos
que, para esta pesquisa, o texto visual produzido e interpretado por meio das imagens
possibilitadas pela webcam representa uma referência importante para as interagentes, à
medida que as aproxima e torna possível visualizar reações mediante a aprendizagem
das LEs, gerar conteúdo para a aprendizagem, além de representar um dos diferenciais
mais importantes entre o teletandem e as demais modalidades de ensino de línguas in-
tandem.
Discutindo os “papéis sociais” (grifo do autor), ou melhor, as posições subjetivas
assumidas particularmente na instituição escolar (FAIRCLOUGH, 2001, p. 31), o autor
acredita haver um sentido no qual podemos dizer que o professor e os aprendizes são
aquilo que fazem. Os tipos de discurso predominantes em sala de aula estabelecem
posições subjetivas para professores e alunos, e é somente “ocupando” (grifo do autor)
tais posições que eles se tornam professor ou aluno. Ocupar uma posição subjetiva é
essencialmente uma questão de fazer (ou não fazer) certas coisas, de acordo com os
direitos e deveres discursivos de professores e alunos — isto é, aquilo que a cada um é
ou não é permitido e solicitado dizer, por meio de tipos particulares de discurso. Para
Fairclough, trata-se aqui de um caso em que a estrutura social, na forma particular de
convenções discursivas, determina o próprio discurso. Em contrapartida, ao ocuparem
posições subjetivas particulares, professores e alunos acabam por reproduzi-las, já que
somente assim podem continuar a ser parte daquela estrutura social; o discurso, assim, é
que determina e reproduz tal estrutura social. O ponto fundamental desta discussão está
no fato de que a educação, ao lado de todas as outras instituições sociais, tem como sua
“agenda oculta” (grifo do autor) a reprodução de relações de classe e de outras
estruturas sociais mais elevadas, ao lado de sua agenda educacional aberta.
Dessa maneira, podemos compreender a escolha do autor pelo termo posição
subjetiva ao invés de “papel social”. Fairclough (op. cit.) destaca a ambigüidade contida
na palavra sujeito, que pode assumir tanto o significado de agente social e possuidor de
autoridade quanto o de pessoa passiva ou em posição de constrangimento. Porém, é
justamente no estado de estar constrangido que reside a pré-condição de tornar-se capaz,
ativo e criativo, no sentido de não apenas implementar discursos, mas de criá-los por
meio de uma combinação de tipos discursivos. Os tipos de discurso são recursos para os
sujeitos, mas a atividade de combiná-los em meio às demandas e contradições
constantemente mutáveis das reais situações sociais representa a verdadeira capacidade
criativa de re-produzir os discursos. Concluímos, portanto, que reproduzir, no sentido
de preservar, pode ser basicamente conservador, ou, então, fundamente transformador,
quando significa produzir de novo ou produzir o novo, algo que vemos acontecer em
um contexto inovador como o teletandem, no qual não há diferentes posições subjetivas,
já que ambos os participantes são interagentes em busca de sua autonomia na
aprendizagem de línguas. Portanto, o discurso produzido é realmente novo e vinculado
a cada contexto particular de interação, diferentemente da sala de aula, onde os
discursos tendem a se reproduzir e a ser preservados, independentemente do contexto no
qual se instauram.
2.2.2 O poder no e por trás do discurso
Observamos, assim, possibilidades de explorar diversas dimensões presentes na
relação poder e linguagem, sendo os dois focos mais importantes aqueles que remetem
ao poder no discurso e ao poder por trás do discurso. De maneira geral, o primeiro
refere-se ao discurso como o lugar no qual as relações de poder são verdadeiramente
exercitadas, enquanto que, na segunda perspectiva, focalizamos a maneira como as
ordens do discurso, enquanto dimensões de ordens sociais, são elas próprias
constituídas por relações de poder (Fairclough, 2001, p.36).
No primeiro aspecto, o poder no discurso é exercido por participantes que
controlam e limitam a atuação de participantes desprovidos de poder, em aspectos como
os conteúdos, aquilo que é dito ou feito; as relações, as ligações sociais vivenciadas por
pessoas em um discurso; e os sujeitos, as posições subjetivas que as pessoas podem
ocupar. Para Fairclough (op. cit.), isso pode variar de acordo com as ordens do discurso
que, por sua vez, alteram-se de acordo com as diferenças culturais enfocadas.
O autor chama-nos a atenção para algo bastante pertinente a esta pesquisa, ao
discutir a respeito da constituição do discurso contemporâneo, que envolve participantes
separados geográfica e cronologicamente, porém envolvidos por meio do que denomina
relações ocultas de poder (p. 41), proporcionadas, especialmente, pela mídia. Segundo
ele, a diferença mais óbvia entre o discurso face-a-face e o discurso da mídia é a
unilateralidade discursiva desta última. Na interação face-a-face, os participantes se
alternam entre serem produtores e intérpretes de um texto, enquanto no discurso
midiático vemos estabelecer-se uma relação entre produtores e consumidores. Outro
aspecto importante é que, no discurso face-a-face, os produtores visualizam suas
contribuições para pessoas com quem estão interagindo (interagentes reais), adaptando a
linguagem à luz dos feedbacks que recebem dos co-participantes. Entretanto, o poder
também pode estar oculto no discurso face-a-face, já que há uma óbvia conexão entre
pedidos e poder, isto é, pedir algo ou um favor a alguém é também uma manifestação de
poder. Nesse aspecto, há formas gramaticais mais ou menos diretas para se fazer
pedidos e que relativizam a manifestação do poder no discurso. É o que vemos
acontecer, constantemente, nos discursos instaurados entre professor e alunos, em sala
de aula. No teletandem, embora sendo uma modalidade virtual de ensino de línguas, a
interação visual dos participantes por meio de uma webcam permite sua aproximação
como em tempo real, sendo possível a visualização das reações dos interagentes e o
oferecimento de feedbacks apropriados, o que facilita a minimização do poder
discursivo e neutraliza a coerção.
A idéia de poder por trás do discurso significa que a ordem social do discurso
aparece como um efeito oculto de poder, representado por meio da padronização, parte
de um vasto processo de unificação econômica, política e cultural e também uma
maneira de estabelecer o nacionalismo, a forma mais relevante do capitalismo.
Fairclough acredita que a questão define-se, assim, sobre quem, de fato, possui acesso a
determinadas ordens de discurso e, ainda, a quem tem o poder de impor e determinar o
acesso ou a restrição a eles. O mito do discurso livre, no qual todos podem dizer aquilo
que desejam, é, na verdade, uma representação de poder amenizado, que remete ao
sentido das “mercadorias socialmente valiosas”: a saúde, o bom emprego, a casa
confortável. Embora saibamos que tais benefícios estão desigualmente distribuídos em
sociedade, o princípio embasador é o de que qualquer um tem o direito de obtê-los e de
manifestar seus argumentos livremente em busca dessas comodidades. O mesmo ocorre
em relação às qualificações, para as quais, fundamentalmente, todos são livres. Porém,
também é de nosso conhecimento que apenas o bloco dominante tem acesso a algumas
delas, tais como a Medicina, a Educação ou o Direito, levando a maior parte das pessoas
a capacitarem-se para ser “clientes”: o paciente, o aluno, o reclamante legal, o que não
lhes garante a posição de cidadãos incluídos em uma determinada instituição. O
discurso desses profissionais, incluindo vocabulários especiais ou jargões, é um meio de
inclusão de alguns e de exclusão de outros.
Na visão do autor, a qual nos parece muito coerente, o sistema educacional
exerce grande responsabilidade sobre as diferenças de acesso das pessoas em sociedade,
pois reproduz a existência social de divisões de trabalho e de relações de classe.
Entretanto, não há como atribuir-lhe a culpa ou o poder individual pelas limitações ou
acessos permitidos. Tal poder é dividido com outras instituições e origina-se no sistema
de relações de classe existentes no nível social.
2.2.3 O discurso do aconselhamento
A respeito da temática que intitula esta subseção, Fairclough (2001) afirma que o
impacto da economia e do Estado sobre a vida das pessoas tem levado muitos
indivíduos a experimentar problemas e as conhecidas “crises de identidade”, vistas
como dilemas pessoais para os quais buscam o auxílio de “organizações de ajuda”, em
que atuam desde profissionais da psiquiatria até voluntários ou samaritanos. Essas
organizações possuem uma considerável variedade de métodos terapêuticos e de
técnicas de aconselhamento, que, por constituírem-se como conhecimento científico
social, são, na verdade, exemplos autênticos de tecnologias discursivas.
A estratégia de aconselhamento tem como definição mais comum a forma de
comunicação inter-pessoal caracterizada pelo desenvolvimento de uma compreensão
emocional, geralmente descrita tecnicamente como “harmonia” ou “empatia”. Centra-se
em um ou mais problemas do(a) “cliente” e é livre de julgamentos autoritários e
pressões coercivas por parte do conselheiro. Seu objetivo é, geralmente, atingir
transformações comportamentais por meio da compreensão do(a) cliente a respeito de
fatos sobre os quais não tinha consciência. Funciona, pois, como um mecanismo de
reflexão e controle auto-conscientes, por meio de estratégias de reformulação
parafraseada das próprias conclusões do(a) interessado(a).
No entanto, Fairclough acrescenta que o aconselhamento oferece ajuda a
indivíduos que sofrem, na verdade, de males sociais gerais que não são simplesmente
dilemas pessoais, como são levados a acreditar. A idéia implícita nesse tipo de ajuda é a
de que os males sociais podem ser remediados por meio do conhecimento dos
potenciais ocultos dos indivíduos. Assim, o aconselhamento é visto como uma prática
ideológica, em conflito com práticas de mobilização política baseadas justamente no
princípio contrário, o de que os males sociais podem ser sanados apenas por meio da
mudança social. Portanto, o aconselhamento torna-se um ingrediente vital do controle
social (FAIRCLOUGH, 2001, p. 187), tendo colonizado rapidamente muitas ordens
institucionais de discurso, tais como o trabalho, a educação, a medicina geral, a
orientação vocacional, a lei e a religião, por meio de questões que envolvem relações de
controle social.
O autor argumenta, ainda, que o aconselhamento vem sendo tomado como uma
tecnologia com um novo mecanismo de alcance e de legitimação de ordem social nas
escolas, um tipo de “individualismo corporativo” que vê nas instituições escolares um
potencial de parceria em busca de benefícios às pessoas envolvidas, funcionando, em
muitos casos, mais como uma tecnologia disciplinar que como uma tecnologia
terapêutica. Nas palavras de Fairclough, em uma escola marcadamente autoritária, na
qual predomina um tipo pastoral de aconselhamento, existem poucas chances de real
compreensão de divisão de responsabilidades, de autodisciplina e de consenso e
respeito entre as pessoas (op. cit., p. 187).
Entretanto, como já observamos no Capítulo I, o grupo de mediadores do Projeto
Teletandem Brasil organizou, de forma conjunta, alguns princípios que devem orientar a
prática da mediação, entendida não apenas como aconselhamento, mas caracterizada
como um processo de estabelecimento de boa relação entre mediador e interagente, de
forma a criar uma atmosfera de confiança, informalidade e descontração, no sentido de
que possam verbalizar suas dúvidas, dificuldades e sucessos em relação ao processo.
Nesse sentido, há uma tentativa de diminuição da assimetria e de relativização do poder,
pois ambos buscam trabalhar em colaboração, na busca por atingir seus objetivos.
Portanto, o mediador deve estar atento para que não tome atitudes prescritivas, que
possam impedir a atividade reflexiva, propósito maior da mediação, bem como o
desenvolvimento da autonomia do interagente em relação as sua decisões e escolhas
práticas. Assim, é importante que o mediador realize uma supervisão colaborativa,
oferecendo alternativas para que o interagente possa refletir criticamente sobre qual
seria a decisão mais adequada a seu contexto, ou, ainda, que possa se decidir por manter
um procedimento já implementado com sucesso nas interações. Por fim, o intuito da
mediação deve ser o de valorizar a autonomia dos participantes, no sentido de que sejam
capazes de resolver as situações conflituosas presentes nas mais diversas experiências
pedagógicas.
2.2.4 Abordagem Crítica da Linguagem e emancipação social: a educação
lingüística nas escolas
Em suas discussões sobre o poder ideológico do discurso, Fairclough (2001)
reflete sobre o potencial da ACL na emancipação dos dominados e oprimidos
ideologicamente em nossa sociedade, enfocando, particularmente, a educação
lingüística nas escolas, onde a consciência crítica de linguagem deveria ser objeto
primordial. Nesse sentido, o autor argumenta que há vários contextos educacionais nos
quais a ACL poderia exercer importante papel na luta pela emancipação social, entre
eles as próprias escolas, e, ainda, as universidades e os contextos de formação em -
serviço.
Dos contextos envolvendo profissionais do ensino, o autor salienta o do ensino
de inglês como L2. Segundo ele, professores dessa área encontram-se em uma das mais
desvantajosas camadas profissionais da sociedade, cujas experiências de dominação e
racismo são particularmente demarcadas. Para alguns desses professores, seu papel em
termos de garantir empoderamento a seus alunos é o de auxiliá-los a desenvolver sua
capacidade de comunicação em situações que ultrapassam a sala de aula, lugar em que
o poder institucional pesa sobre eles, e prepará-los para os desafios, as contradições,
as argumentações, em situações nas quais a dinâmica do poder espera deles o silêncio.
Tal processo educacional pressupõe um diálogo sobre o significado do poder e seu
processamento na linguagem, sendo o ensino de inglês como L2 contexto ideal para o
desenvolvimento de uma consciência crítica de discurso e para uma ruptura de modelos
de ideologia discursiva (FAIRCLOUGH, 2001, p. 196-7).
No Brasil, sabemos que o campo de ensino de inglês como LE tem
caracterizações muito semelhantes e que há algum tempo professores, lingüistas
aplicados e filósofos da linguagem vêm desenvolvendo reflexões e críticas em busca de
um trabalho de conscientização a respeito dos papéis assumidos em relação ao inglês
como língua a ser aprendida. Tais ações vêm minimizando o poder atribuído ao inglês
no Brasil, reflexo de uma política mundial de valorização de outras culturas e línguas,
representada por fenômenos acadêmicos, sociais, lingüísticos e econômicos, como a
transformação do moderno para o pós-moderno e do colonial para o pós-colonial —
idéias que discutiremos à frente, em Kumaravadivelu (2006).
De qualquer maneira, o cenário que temos de ensino de línguas na atualidade
ainda é o fundamentalmente focado em tarefas instrucionais, isto é, no fazer uso da
língua efetivamente, corretamente e de maneira conveniente. O mesmo ocorre com a
formação de professores, que, na maior parte dos contextos de formação, continuam
sendo treinados para usar bem suas ferramentas de trabalho. Porém, a idéia de
Fairclough sobre o uso da linguagem — ou melhor, sobre a prática do discurso — não
se limita à função de executar simples tarefas, mas envolve a tarefa maior de expressar,
constituir e reproduzir identidades sociais, incluindo, principalmente, relações de poder.
Do ponto de vista de Fairclough, a escolha de um modelo de ensino de línguas
depende, evidentemente, de uma visão implícita de educação lingüística, e, mais ainda,
de educação em um âmbito geral. Nesse sentido, o autor diferencia educação de
treinamento, não só em relação às línguas, mas a todos os aspectos do currículo, já que
as visões instrumentalistas de ensino de línguas, como sabemos, possuem uma
orientação mecanicista e focada na transmissão de conhecimentos e habilidades,
partindo de conteúdos não problematizadores e ignorando as origens sociais da
aprendizagem. Para ele, a educação, ao contrário, não se restringe à passagem de
conteúdos, mas envolve um processo de desenvolvimento da consciência crítica dos
aprendizes a respeito de seu meio e de sua capacidade para tornar o mundo mais
igualitário (op. cit, p. 197).
Acreditamos, assim, que o papel da educação lingüística deve ser o de
conscientizar aprendizes a desenvolver suas capacidades individuais e coletivas como
produtores e intérpretes de discursos com reais propósitos. Esta seria, na visão de
Fairclough (op. cit.), a primeira tarefa desafiadora de educação pela linguagem: alcançar
o discurso emancipatório por meio da auto-consciência, da prática, dos desafios, das
rupturas e da transformação das ordens dominantes de discurso, tal como observamos
no teletandem, que também é um ambiente de emancipação para aprender. Na verdade,
a habilidade de falar ou escrever criticamente sobre a linguagem — a metalinguagem
constitui-se como uma importante parte do potencial lingüístico do aprendiz, tornando-o
capaz de falar sobre textos, interações e contextos sociais.
Outro princípio da conscientização crítica sobre a linguagem diz respeito às
capacidades lingüísticas já trazidas e experimentadas pelo aprendiz. Todos os
indivíduos possuem certo senso de compreensão a respeito não só de como fazer aquilo
que podem lingüisticamente, mas também quanto a alguns questionamentos sobre os
tipos de discurso, as posições subjetivas a serem assumidas e a (des)valorização social
da LM em comparação a outras, por exemplo. Nesse sentido, o aprendiz precisa
manifestar-se discursivamente a respeito desses fatores, a fim de capacitar-se a refletir,
sistematizar e explicar sua própria experiência de linguagem, desde os primeiros anos
de educação (FAIRCLOUGH, 2001, p. 200).
Por fim, Fairclough distingue dois tipos de discurso emancipatório: um que
assume a forma de empoderamento e outro que contribui para a transformação de
ordens existentes de discurso. No caso do primeiro, as pessoas que são comumente
excluídas de tipos particulares e de posições subjetivas de discurso são incentivadas a
infringir convenções, sem necessariamente alterá-las, pelo fato de passarem a “ter
acesso” a tais tipos e posições discursivas. O empoderamento assume o efeito de
“choque potencial” (grifo do autor), auxiliando indivíduos a superar sua sensação de
impotência perante ordens de discurso aparentemente imutáveis. A transformação de
ordens discursivas, por sua vez, constitui-se em uma questão de desconstrução de
ordens pré-existentes (grifo nosso) e reestruturação de novas ordens, em busca do
engajamento em discursos com propósitos significativos, tal como presenciamos nas
interações focadas nesta pesquisa.
2.2.5 A linguagem e o poder no mundo contemporâneo
As discussões finais de Fairclough apontam para mudanças contemporâneas
profundas e seus efeitos no modo pelo qual as pessoas passaram a ver o mundo, como
reflexo de “tendências globalizantes” iniciadas na década de 1980 e fortemente
expandidas a partir dos primeiros anos de 2000, afetando diretamente as questões de
poder.
Para o autor, as relações de dominação logicamente ainda existem e têm sua
significação dentro da nação-estado e suas instituições, mas o terreno de dominação
deixou de ser nacional para ampliar-se em global. Nesse sentido, devemos olhar as
relações sociais, suas estruturas e processos por uma escala internacional, se quisermos
compreender criticamente os efeitos da sociedade capitalista contemporânea, incluindo
o aumento da pobreza e do abismo entre ricos e pobres, as desigualdades e a exclusão
social (como se isso, em essência, fosse possível), o ressurgimento do nacionalismo e
do racismo, a dupla exploração de mulheres dentro e fora do mercado de trabalho e a
insustentável exploração das riquezas naturais. Tudo isso significa que, mesmo onde o
foco de análise é nacional ou local, predomina uma base de questionamentos
internacionais sustentando tais configurações, prevalecendo uma dialética entre o global
e o nacional/local, em um processo ambíguo de condicionamento e estruturação.
Portanto, questões que envolvem linguagem e poder são cruciais para
compreendermos a nova ordem mundial e suas políticas, já que a linguagem vem se
tornando extremamente importante em sociedade. Lutas de imposição ou rejeição da
nova ordem dão-se, freqüentemente, por meio da linguagem, seja pelos novos usos, seja
por representações lingüísticas de mudança, fazendo surgir dois fenômenos de extremo
potencial, que são a globalização do discurso e o discurso da globalização.
O primeiro não significa simplesmente que o discurso tornou-se homogêneo em
um escala global (embora haja uma pré-disposição para isso), mas que os fatos locais
concorrem com um horizonte global, isto é, moldam-se por tendências internacionais
afetando o discurso, que, por sua vez, também contribui para a constituição de tais
tendências. Como conseqüência dessa presença “global” em diversos países, temos um
constante ponto externo de referência e horizonte na constituição dessas práticas
discursivas.
Em relação ao discurso da globalização, Fairclough argumenta que conceitos
como “globalização” e “flexibilidade” são, em essência, partes de um discurso, pois
funcionam como palavras vazias de significado quando pessoas simplesmente falam
sobre como o mundo contemporâneo mudou, isto é, são apenas partes constituintes de
um discurso, de uma ideologia. Por outro lado, são também processos reais quando nos
referimos, por exemplo, à globalização econômica em larga escala, o que nos leva a
refletir, mais uma vez, sobre a relação entre linguagem e poder no mundo
contemporâneo. Nesse sentido, a globalização é definida pelo autor como um processo
parcialmente responsável por estarmos vivendo um constante retorno à linguagem na
vida social contemporânea, no qual aqueles que mais se beneficiam desejam
intensamente impor essa nova ordem, que não é apenas econômica, mas também
política e cultural. Portanto, a globalização proporciona “ações à distância” (grifo do
autor), permitindo que os processos e as relações sociais sejam estendidos, tanto em
termos espaciais quanto de diferenças sociais e culturais. Assim, a linguagem tem se
tornado tão importante porque o foco está, agora, naquilo que as pessoas podem fazer,
à distância, por meio de usos particulares de linguagem (FAIRCLOUGH, 2001, p.
205), visão que consideramos coerente, haja vista o contexto de pesquisa ao qual damos
enfoque. A crítica da linguagem passa a ser um importante elemento na política da nova
ordem global, que, por sua vez, também representa uma oportunidade e um desafio para
estudos lingüísticos críticos.
Nesse sentido, a aprendizagem de línguas pelo teletandem surge como uma
atividade resultante da globalização, ao permitir que as pessoas interajam para aprender
em contextos no qual o uso da linguagem tem características muito particulares e que,
por essa razão, aproximam-nas, ainda que as interações se dêem à distância.
Por fim, Fairclough afirma que os pesquisadores da ACL são vistos por alguns
como parciais, mas o autor acredita que isso é inevitável, pois optar pela emancipação
do conhecimento significa tomar mesmo partido de algo. Aliás, para ele, não há
neutralidade na pesquisa acadêmica e a análise crítica do discurso de nada serve se não
for uma fonte para a luta contra a dominação, idéia com a qual concordamos, ao propor
uma aprendizagem de línguas que não se restringe aos padrões de ensino tradicionais,
mas, ao contrário, busca desenvolver a autonomia dos envolvidos em relação a sua
própria aprendizagem.
Ao tratar de maneira bastante pertinente a questão da LA na era da globalização,
Kumaravadivelu (2006) apresenta discussões acerca de conceitos fundamentais a esta
investigação, como a própria idéia de globalização e de caracterização do discurso
crítico da transformação na filosofia pós-modernista, propondo situar a LA sob uma
nova perspectiva de transformação disciplinar. Dessa forma, o fenômeno atual de
globalização apontado pelo autor constrói-se de maneira dramaticamente diferente de
seus períodos anteriores em intensidade, mas não em intenção (p.131). Conforme
aponta o autor, para o United Nations Report on Human Development, de 1999, a
globalização ocorre mundialmente em três esferas fundamentais: na diminuição da
distância espacial, levando fatos ocorridos do outro lado do mundo a afetar a vida
pessoal e profissional das pessoas; na diminuição da distância temporal, já que as
tecnologias fazem com que atos distantes ocorram em tempo real, interferindo na
perspectiva temporal do cotidiano dos indivíduos; no desaparecimento de fronteiras,
algo que acontece não somente em termos comerciais, financeiros e de informação, mas
também interfere nas idéias, normas, culturas e valores. Para Kumaravadivelu, isso
significa que, mais do que nunca, as pessoas estão interligadas de forma intensa e
imediata em relação a valores sociais, culturais e em questões econômicas e políticas, e
o meio de comunicação que proporciona esse vínculo é a internet, formando identidades
culturais e lingüísticas. Esta pesquisa é, nesse sentido, uma constatação de tais
mudanças.
Deixando de lado visões extremistas de globalização, como a que iguala o
conceito ao fenômeno de mcdonaldização numa alusão à idéia de homogeneização
cultural consumista controlada pelos norte-americanos ou a de mundo em
descontrole na qual a globalização está se tornando cada vez mais descentrada, como
se fosse o reverso da colonização parece-nos mais coerente refletir sobre uma
terceira visão, na qual a globalização vem proporcionando um equilíbrio entre o local e
o global: o global está em conjunção com o local e o local é modificado para acomodar
o global (KUMARAVADIVELU, op. cit.: 134). Em síntese, podemos compreender
globalização atualmente como um sistema de trocas sociais ocorridas mundialmente, ao
mesmo tempo em que proporciona conexões significativas entre o local e o distante.
Seguindo tal raciocínio, o autor aborda a questão da linguagem e do discurso na
filosofia do pós-modernismo, que celebra a diferença, desafia as hegemonias e busca
formas alternativas de expressão e interpretação (op. cit., p. 139). Nesse sentido, o
discurso pós-modernista é essencialmente crítico, ao questionar os aspectos ideológicos,
étnicos, culturais, de poder e de conhecimento presentes na construção tanto de
discursos quanto de contradiscursos. O autor propõe que a LA passe a tratar a
linguagem não mais como sistema, mas como discurso, levando em consideração a
natureza política e ideológica das formações discursivas, tal como vimos em Fairclough
(2001) e em Bourdieu (2003). Para ele, uma língua, como discurso, não é apenas sua
estrutura; mais que isso, uma língua é aquilo que são as pessoas que a falam, seus
valores, ideologias, culturas e, portanto, não é desprovida de intenções, significado e
poder. Transpondo essas reflexões para o ensino, Kumaravadivelu afirma que o
discurso deve atravessar as fronteiras da sala de aula para investigar estruturas
sociais, culturais, políticas e históricas mais amplas que tenham relação com o input e
a interação em sala de aula (op. cit.: 142).
A idéia de processo discursivo de ensino/aprendizagem de línguas deve ser
encarada, pois, como um trabalho de ensinar e aprender a usar a língua em contextos
significativos de desempenho social. Nesse sentido, alunos e professores ocupam papéis
interacionais específicos de uma relação dialógica (BAKHTIN, 1988, 1994), a qual,
por outro lado, pode estar sujeita a relações de poder e de teor monológico implícitas no
uso da língua. Segundo Bakhtin, (...) o verdadeiro meio de enunciação, onde ela vive e
se forma, é um plurilingüismo dialogizado, anônimo e social como linguagem, mas
concreto, saturado de conteúdo e acentuado como enunciação individualizada (1988:
82). Sob tal perspectiva, o uso de uma língua pressupõe seu envolvimento com
múltiplas sublínguas, manifestas em variações de registros profissionais, classes sociais
e faixas etárias, comprovando a importância do contexto na comunicação. Nas relações
entre mundo e mente humana, o indivíduo coloca-se, concomitantemente, como
(re)criador e multiplicador de significados.
Nesse sentido, Bakhtin contrapõe à palavra autoritária a palavra persuasiva, que
não se submete à autoridade e, por isso mesmo, marginalizada. São, então, as nossas
palavras que se entrelaçam às palavras do outro, o que gera uma transformação da
consciência ideológica individual e coletiva, já que é na co-construção do discurso
persuasivo que reside a reflexão. Dada a natureza ideológica e dialógica do discurso,
podemos afirmar que tanto a palavra autoritária quanto a palavra persuasiva são
marcadas por posições ideológicas conflitantes. A diferença é que a primeira procura
neutralizar essas posições conflitantes por meio do discurso da verdade absoluta, tal
como acontece na escola. Já a segunda reconhece a variedade, a complexidade, o
conflito e o caráter histórico dos valores sociais, tornando-os oportunidade de
apreciação, discussão, reflexão e negociação, possibilitando a transformação
ideológica dos participantes da interação (SZUNDY, 2007).
Para Moita Lopes (2006), vivemos um tempo marcado por transformações
provocadas por desenvolvimentos tecnológicos que afetam o mundo e a maneira como
pensamos e vivemos. Consequentemente, temos uma nova constituição dos indivíduos e
de suas identidades, afetando, igualmente, as formações dos discursos. O autor aponta,
assim, a necessidade de criarmos alternativas para a pesquisa em LA, desenvolvendo
trabalhos que reflitam visões de mundo, ideologias, valores de seus proponentes e as
limitações implicadas nas próprias pesquisas, inseridas em práticas sociais específicas
justamente como buscamos apresentar nesta pesquisa já que não há mais resultados
indiscutíveis e permanentes. Para o autor, a pesquisa aplicada dever considerar,
portanto, as mudanças que vivemos em relação à vida sociocultural, política e histórica,
na qual, conforme já apontou Fairclough (2003), a linguagem tem importância
fundamental. É, pois, uma das tarefas do pesquisador indagar-se sobre a quem e para
que seu trabalho serve, bem como conscientizar-se das limitações do conhecimento que
está produzindo ou re-produzindo. Nesse sentido, Moita Lopes concebe uma LA
ideológica, que tem como fundamentais questões de vida social e de linguagem e que
deve questionar a pertinência e a relevância dos conhecimentos metodológicos que
utilizamos para fazer nossas pesquisas no contexto aplicado em um mundo em mudança
(op. cit., p. 22), reflexão totalmente cabível a este contexto de pesquisa.
Na perspectiva do ensino de línguas em nível superior — nesta pesquisa,
envolvendo a prática de aprendizagem pelo teletandem — que implica em trocas e
escolhas interacionais e pedagógicas, a assimetria característica das interações em sala
de aula poderia ser amenizada por meio de uma prática voltada a um aprendizado
emancipatório (PEIRCE, 1989), em que o aprendiz é responsável por seu sucesso na
vida. Nessa concepção peirciana, sucesso apresenta-se não como um avanço material,
mas como uma considerável capacidade de apreciação e compreensão críticas do
aprendiz sobre sua própria subjetividade e sobre suas relações sociais. Em contexto
convencional de formação de professores de línguas, notamos o predomínio de uma
prática denominada pelo autor como aprendizado autodirigido, solitário e centrado na
aquisição de uma aprendizagem direcionada, sobretudo, ao conteúdo a ser ensinado aos
hipotéticos alunos do futuro professor. Se em tal processo o aluno-professor é
conduzido a desenvolver capacidades individuais por intermédio do professor, na
pedagogia emancipatória deverá compreender como a sociedade exigirá dele o uso real
de tais capacidades. Há, então, uma revisão do conceito de competência lingüística, que
inclui a habilidade de dizer e de escrever o que se quer dizer, de ouvir o que é dito e o
que está oculto, de defender um ponto de vista, de argumentar, de persuadir, de
negociar (...) (op. cit, p. 411), conferindo ao falante um posicionamento mais
consciente, comprometido e reflexivo quanto à importância de seu discurso no contexto
sócio-político e educacional no qual está engajado. Portanto, no teletandem, a busca
pela emancipação dos interagentes também está intimamente ligada à busca pelo
sucesso na aprendizagem e, conseqüentemente, na vida dos participantes.
2.2.6 Síntese dos conceitos discutidos e a concepção de discurso nesta pesquisa
De maneira a auxiliar uma recapitulação das discussões teóricas que dão suporte
à temática do discurso nesta investigação, apresentamos abaixo um quadro que sintetiza
os principais conceitos e idéias trazidos pelos autores enfocados:
Conceito Definição Fonte
Discurso
refere-se à fala, à escrita ou à imagem reais, ou
ao processo de interação social do qual o texto,
escrito, oral ou imagético, faz parte, sendo que o
termo prática assume significado paralelo.
Fairclough (2001)
Discurso
o verdadeiro meio de enunciação, onde ela vive e
se forma, é um plurilingüismo dialogizado,
anônimo e social como linguagem, mas concreto,
saturado de conteúdo e acentuado como
enunciação individualizada.
Bakhtin (1988)
Discurso Persuasivo
reconhece a variedade, a complexidade, o
conflito e o caráter histórico dos valores sociais,
tornando-os oportunidade de apreciação,
discussão, reflexão e negociação, possibilitando a
transformação ideológica dos participantes da
interação.
Szundy (2007)
Discurso pós-
moderno
deve atravessar as fronteiras da sala de aula para
investigar estruturas sociais, culturais, políticas
e históricas mais amplas que tenham relação
com o input e a interação em sala de aula.
Kumaravadivelu
(2006)
Discurso da
globalização
tem como foco aquilo que as pessoas podem
fazer, à distância, por meio de usos particulares
de linguagem.
Fairclough (2001)
Ideologia
meio de legitimizar a existência de relações
sociais e diferenças de poder, por meio de formas
comuns e familiares de comportamento que
certificam tais relações e desigualdades.
Fortemente associada à linguagem, a forma mais
corriqueira de comportamento social, na qual
confiamos a maior parte das asserções de senso-
comum.
Fairclough (2001)
Ideologia
serve a interesses particulares que pretendem
funcionar como “interesses universais”
compartilhados por um grupo. É sempre
duplamente determinada: suas características
derivam não só dos interesses das classes que
elas representam, mas também dos interesses
daqueles que as produzem.
Bourdieu (2003)
Educação
lingüística
deve conscientizar aprendizes a desenvolver suas
capacidades individuais e coletivas como
produtores e intérpretes de discursos
emancipatórios com reais propósitos.
Fairclough (2001)
Competência
Lingüística
habilidade de dizer e de escrever o que se quer
dizer, de ouvir o que é dito e o que está oculto, de
defender um ponto de vista, de argumentar, de
persuadir, de negociar.
Peirce (1989)
Quadro 8: Conceitos relativos ao estudo do discurso
Tendo em vista todas as colocações e discussões teóricas com as quais
dialogamos anteriormente, bem como o contexto no qual desenvolvemos esta pesquisa,
definimos discurso como o meio conceitual que se constrói em situação de interação
social — sendo, também, por isso, um processo cognitivo, político e histórico — que se
preenche das crenças, ideologias, poderes, culturas e intenções trazidas pelos
indivíduos em atividade de co-construção discursiva. O discurso, como atividade
interativa, multiplica-se em outras vozes — os discursos de terceiros e os
contradiscursos — caracterizando-se como um exercício essencialmente dialógico, no
qual o conhecimento é produzido e reproduzido como forma de manifestação criativa,
no atual contexto de globalização.
2.3 FORMAÇÃO DE PROFESSORES: COMPETÊNCIAS, REFLEXIVIDADE E
ATUAÇÃO EM NOVOS CONTEXTOS DE APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS
Antes de iniciarmos as discussões teóricas relativas à terceira temática enfocada
nesta investigação, vale esclarecer que faremos uma reflexão a respeito dos principais
documentos referentes à formação de professores, ao ensino/aprendizagem de línguas e
às competências envolvidas em contextos contemporâneos brasileiros, enfocando,
ainda, discussões a respeito de refletividade e de transformação social, trabalhadas
também por teóricos estrangeiros.
De início, tomamos como referência as idéias de Sacristán (2002), bastante
críticas e desafiadoras, para quem a formação de professores tem sido, habitualmente,
alvo de críticas daqueles que se julgam capazes de fazer discursos a esse respeito,
normalmente outros professores atuando em escalas investigativas superiores em
relação às que atua o professorado em geral. Segundo o autor, grande parte da
investigação sobre formação de professores caracteriza-se como uma investigação
enviesada, parcial, desestruturada e descontextualizada, que não entra na essência dos
problemas (op. cit., p. 82).
A visão, já amplamente discutida há mais de uma década, daquilo que o autor
chama de agradável metáfora reflexiva ocupa espaço em um cenário no qual
professores são vistos como aqueles que devem refletir sobre sua prática, tornando-se
investigadores de sua própria ação pedagógica. Por outro lado, predomina igualmente
uma outra visão, que envolve uma crise de pensamento sobre as grandes organizações
educacionais, que questiona as hierarquias políticas e organizacionais difundidas nas
práticas de privatização, combatendo a idéia de que os professores estão isolados nos
sistemas educacionais. Nessa visão, professores são comunidades educativas,
colaboradores entre si, desenvolvendo ações que Sacristán (op. cit.) considera em parte
místicas, em parte políticas (p. 83). Para o autor, professores vivem, na verdade, a
entrada do mercado na educação, tornando-os meros produtos sujeitos ao gosto do
consumidor, o que não tem nada a ver com ciência.
Nesse sentido, Sacristán acredita que o caminho mais coerente a percorrer seria
aquele que chama de paradigma do senso comum, no qual o termo é aquilo que
caracteriza o homem e a mulher inteligentes, sábios, atinados, cultos, intuitivos (op. cit.,
p. 84). Para o autor, é necessário que passemos a refletir sobre alguns princípios, a
começar pelo tipo de pessoas que os sistemas de formação de professores atraem, dadas
as condições de trabalho oferecidas aos profissionais que irão atuar em sociedade, na
área educacional. Portanto, é fundamental, na perspectiva do autor, estudar os conteúdos
culturais trazidos pelos professores para que as investigações em torno da área de
formação sejam úteis.
Outro aspecto de relevância remete-se ao que o autor toma como primeiro nível
da reflexividade, que envolve a idéia de que todos nós atuamos de acordo com o que
pensamos, o que não quer dizer que os conteúdos de nosso pensamento sejam conteúdos
da ciência. Para Sacristán, pensar é algo muito mais importante para os professores do
que assimilar ciência, porque pensar é algo muito mais complexo do que transmitir
ciência (op. cit., p.85). Assim, professores pensam de acordo com sua cultura,
independente do que pode mostrar-lhe a ciência. Outro princípio citado pelo autor
complementa diretamente o anterior, ao afirmar que mesmo não sendo ciência, o
pensamento pode manifestar-se por meio da ciência, isto é, a ciência pode servir ao
pensar. Porém, ainda que professores possam refletir com o auxílio da ciência, isto não
quer dizer que a ciência os faça pensar de maneira diferente. Para o autor, o grande
fracasso das pesquisas em formação de professores reside no fato de que a ciência, tal
como é concebida, não serve aos professores, no sentido de atingirem um segundo nível
de reflexividade, que diz respeito ao mudar o profissional, a partir da reflexão sobre a
ciência, caminho ainda muito distante dos professores.
O autor também afirma que o pensamento não explica a ação, ao contrário do
que prega o positivismo científico, já que, muitas vezes, fazemos coisas que não
queremos, sem saber por que as fazemos. Isso significa, para Sacristán, que devemos
dar considerável atenção aos motivos da ação do professorado, já que não educamos a
vontade, embora as tradições de pesquisa atuem no treino das ações. Porém, para
educar, é preciso que haja motivos (op. cit., p. 86).
Assim, a idéia que nos fica mais latente a respeito das colocações de Sacristán,
nesta pesquisa, é a de que a matriz cultural dos professores não se adquire nos cursos de
formação, já que está enraizada em suas ações e nos faz entender como pensam e atuam,
o que nos leva a considerar os ambientes de aprendizagem, os contextos nos quais
emergem e as condições sócio-políticas que irão enfrentar enquanto profissionais.
Sob a perspectiva de Vieira-Abrahão (2001), a formação inicial do professor de
LE representa o início de sua construção como profissional (op. cit.: p. 156), a qual,
como sabemos, não se conclui com o término da graduação. Nesse percurso, a prática
reflexiva deve, segundo a autora, embasar os questionamentos do aluno-professor em
relação ao seu próprio desenvolvimento crítico como futuro docente, às teorias
acadêmicas e aos conceitos relacionados ao processo de ensino/aprendizagem de LE e
de formação de professores, no sentido de que possa construir suas próprias teorias e
práticas de sala de aula. Dessa maneira, a abordagem reflexiva é tomada como um
exercício de conscientização do aluno-professor sobre suas próprias teorias, com base
em valores e experiências pessoais, no sentido de compreender como a aprendizagem
ocorre e como o ensino a proporciona, a fim de construir uma prática de ensino
engajada e produtiva (VIEIRA-ABRAHÃO, op.cit.: p. 157). Posteriormente, Vieira-
Abrahão (2004) reafirma que, ao entrar em contato com o conhecimento teórico-prático
nos cursos de licenciatura, cada aluno-professor faz dele uma leitura particular, o que se
reflete na construção pessoal de sua prática pedagógica. Ademais, o aluno-professor traz
para sua formação inicial uma experiência relevante como aprendiz, ou mesmo já como
professor, mas, por outro lado, tem poucas oportunidades de ter explicitado para si
próprio suas concepções sobre linguagem, ensinar e aprender, aspectos que a autora
considera fundamentais para a realização do trabalho em sala de aula (op. cit.: p. 132).
Nesse sentido, a formação inicial pode representar ao futuro professor de línguas uma
oportunidade de tomada de consciência crítica a respeito de suas crenças, pressupostos e
conhecimentos prévios, tendo em vista a construção de novos conhecimentos sobre as
terias e práticas pedagógicas.
Assim, a autora discute o fato de que a educação formal da graduação acaba por
exercer pouca influência sobre a futura prática do professor em sala de aula, tomada,
muitas vezes, como a maior fonte de conhecimento do professor (VIEIRA-ABRAHÃO,
2005, p. 313). Portanto, podemos afirmar, com base nas proposições da autora, que o
contexto de ensino seja a sala de aula ou um espaço renovado, como no caso desta
pesquisa pode representar o cenário ideal para que a reflexão se concretize, não
apenas como atividade pessoal, mas como exercício social de compreensão do papel
politizador do professor de línguas e de busca por sua autonomia profissional.
Podemos dizer que a formação do formador de professores assume, pois, tarefa
das mais significativas, especialmente se pensarmos nos novos contextos de
ensino/aprendizagem gerados em ambientes virtuais, com os quais o professor de
línguas passa a conviver. Nesses contextos, muitas vezes, há uma alternância de papéis
entre aquele que aprende e aquele que ensina, conforme constataremos adiante, ao
abordarmos a quarta temática da fundamentação teórica, que trata de tandem e
ensino/aprendizagem de línguas. Portanto, a figura convencional do professor deixa de
ter relevância, abrindo espaço ao professor mediador, como já vimos nos capítulos
anteriores. Sabemos que tal papel pode ser desenvolvido tanto por um formador quanto
pelos próprios participantes do processo de ensino/aprendizagem em meio virtual, ao
tornarem-se responsáveis por sua própria aprendizagem, praticando, ainda, uma
autonomia quanto a sua própria formação e atuação profissionais. Nesse sentido, a
aprendizagem é vista como construção compartilhada de conhecimentos e o próprio
conhecimento como co-construção de significados (VIEIRA-ABRAHÃO, 2007, p. 4).
Da mesma forma, o conhecimento sobre a língua-alvo, sobre ensino e aprendizagem
podem ser construídos em interação, sendo a mediação uma oportunidade de
crescimento e de reflexão a respeito de tais conceitos.
Já nas discussões de Peréz-Goméz (1997), encontramos concepções bastante
críticas a respeito do trabalho reflexivo na formação docente, pois a autora compreende
a natureza da reflexão em uma relação de oposições. Para ela, tal atividade cognitiva
não é apenas um processo psicológico individual e independente de valores, mas
expressa interesses humanos, políticos, culturais e sociais particulares. Sendo assim, não
é passiva perante a ordem social, à medida que pode reproduzir ou transformar as
práticas ideológicas dessa ordem. Por fim, a reflexão não é um processo mecânico, mas
uma prática de reconstrução da vida social, ao participar na ação social. Portanto, o
formador/pesquisador também deve buscar ser capaz de atuar e de refletir sobre sua
ação como formador.
A perspectiva crítica de formação de professores de línguas surge igualmente de
forma interessante nas discussões de Reagan e Osborn (2002), no sentido de questionar
as tradições de pesquisa e de prática de formação docente frente às implicações de uma
atual visão emancipatória a respeito dos conceitos de linguagem, classe social, poder e
igualdade, sobre os quais se constrói o uso de uma língua. Assim, os autores
argumentam que uma perspectiva crítica deve enfocar não apenas o
ensino/aprendizagem de uma LE ou de um novo sistema lingüístico, mas,
principalmente, o conhecimento social e cultural envolvido, e, indo além, o
desenvolvimento de uma capacidade crítica dos alunos-professores e aprendizes de
línguas para examinar e compreender tal conhecimento. Em uma visão desafiadora a
respeito do ensino/aprendizagem de línguas no século XXI, os autores defendem uma
formação em línguas cuja força possa libertar a mente e o espírito de aprendizes e
formadores das prisões culturais e do provincialismo, das ideologias servis e das
distinções de classe (op. cit., p. 30), possibilitando que indivíduos possam pensar e
expressar-se livremente, alcançando sua emancipação pessoal e profissional.
Nesse sentido, podemos afirmar que a pesquisa que desenvolvemos no
teletandem confere a todas as envolvidas, isto é, interagentes e mediadora, a tarefa de
refletir a respeito do que fazem em um novo contexto de aprendizagem de línguas,
como dialogam e constroem seus discursos, no sentido de colaborarem umas com as
outras e desenvolver sua emancipação profissional, em um espaço sócio-educativo
mediado pela tecnologia, no qual nunca haviam atuado.
Na visão de Pimenta (2002), após a implantação do movimento e das pesquisas
em torno do professor reflexivo no Brasil, o termo parece ter se tornado um modismo, já
que a idéia de refletir, em si, é inerente ao ser humano. Assim, a autora propõe-se a
esclarecer a diferença entre reflexão como atributo dos professores, isto é, um adjetivo,
e o movimento que se denominou professor reflexivo, como conceito, iniciada com as
idéias filosóficas de Dewey e difundidas nos cursos de formação de profissionais por
Schön. Com suas idéias sobre reflexão-na-ação basicamente, a construção de novas
ações a partir de uma ação original e reflexão-sobre-a-ação uma análise sobre as
ações em busca de explicações sobre suas origens Schön abre perspectivas para a
valorização da pesquisa sobre as ações dos profissionais, concebendo a idéia de
professor como pesquisador de sua própria prática, o que, sem dúvida, trouxe mudanças
na concepção do professor enquanto profissional reflexivo em constante formação,
abrindo espaço para outras ações educacionais, como o oferecimento da formação
continuada pelas instituições de ensino superior.
Porém, sabemos que críticas vieram, como as de Zeichner e Liston (1996), para
quem a reflexão não é só uma atividade imediatista de resolver problemas em sala de
aula, como previa Schön, mas uma capacidade do professor de avaliar as origens, os
propósitos e as conseqüências de suas ações, assim como as forças materiais e
ideológicas que envolvem a sala de aula, a escola e os contextos sociais em que estas se
inserem. Para os autores, reflexão não pode ser calculada em procedimentos, sendo mais
que uma simples solução de problemas realizada de maneira lógica ou racional. Há que
se levar em conta o teor discursivo ou dialógico da formação do professor e, nesse
sentido, uma reflexão coletiva deve ser contemplada. Portanto, a reflexão não pode ser
uma prática individual, devendo haver atenção suficiente às condições sociais que
estruturam e influenciam a prática. Assim, na visão dos autores, nem tudo que
pensamos sobre ensino caracteriza-se como reflexão. Se um professor não questiona
seus valores e os objetivos que orientam seu trabalho, o contexto no qual ensina ou
examina suas concepções e crenças, então não ocorre engajamento em uma atividade
reflexiva. A reflexão é, pois, um conceito relacionado à responsabilidade do professor
por seu próprio desenvolvimento profissional. Portanto, o professor reflexivo crítico é
aquele que reconhece que qualquer sistema de crenças é falível e pode ser confrontado
com outros sistemas de crenças, tem a mente aberta, a responsabilidade e o
envolvimento necessários para observar e analisar suas ações, em um contexto no qual
age não só em termos educacionais, mas também políticos e sociais. Há que se levar em
conta, ainda, que profissionais reflexivos também falham, mesmo conscientes de seu
comprometimento com o contexto educacional e, portanto, é necessário criar contextos
de ações coletivas para que os professores não sejam meros agentes de outros.
Outra crítica feita a Schön parte de Pérez-Goméz (op. cit.), conforme vimos um
pouco atrás, para quem a atividade reflexiva é, em essência, crítica e fundamentalmente
contextual.
Assim, para caracterizar a reflexão na atualidade, Pimenta (2002) argumenta que
devemos ter em mente quais são, hoje, os desafios que os diferentes contextos sociais e
políticos representam para a educação, já que esta reproduz e retrata a sociedade, mas
também projeta a sociedade que se quer (op. cit., p. 38). Segundo a autora, temos hoje
dois desafios fundamentais a enfrentar, em termos sócio-políticos: a sociedade da
informação e do conhecimento e a sociedade do não-emprego e das novas
configurações do trabalho. Nesse sentido, a autora vê como crucial entender o que
difere o acúmulo de informações praticada na sociedade da informática do trabalho de
análise da relevância de tais informações para a formação do conhecimento, o que,
segundo ela, é tarefa essencialmente reflexiva do professor.
Quanto às novas configurações para o trabalho, a acirrada concorrência no
mercado tem gerado propostas de barateamento da formação, encurtando licenciaturas e
produzindo títulos de maneira rápida, o que está comprometendo a formação inicial
qualificada e comprometendo o trabalho posterior dos futuros professores, que correm,
depois, em busca de cursos que enfocam uma formação continuada que compense as
falhas da formação inicial. Nesse contexto, a idéia de competências, até então utilizada
nos âmbitos educacionais, é substituída por saberes e conhecimentos, que, na visão da
autora, é menos imediatista, controladora e avaliativa, mais ampla e aberta a críticas e
reflexões, além de politizadora em relação às atribuições do professor para o trabalho
docente. De nossa parte, optamos por utilizar o conceito de competências nesta
pesquisa, que será abordado um pouco mais adiante.
Para Pimenta, cabe ao professor e não exatamente à educação obtida na escola
buscar novas competências, saberes e conhecimentos ao longo da vida, deixando uma
perspectiva de professor reflexivo e solitário rumo a uma concepção de intelectual
crítico reflexivo, que lhe atribui uma tarefa de reflexão pública e ética. Nesse percurso,
o professor deixa de ser apenas um implementador de teorias em sua prática, passando a
ressignificar as teorias a partir dos conhecimentos da prática (práxis).
Conseqüentemente, a formação passa a ter outro âmbito, configurando-se como uma
combinação entre a formação inicial, o exercício profissional coletivo e os contextos
concretos que os determinam a ambos, nos quais a pesquisa passa a ser atividade
essencialmente integrante.
Segundo Zeichner (2003), não há interesses políticos em desenvolver as
capacidades do professor para exercer julgamentos sobre problemas educacionais,
dentro ou fora da sala de aula, nem mesmo para adquirir habilidades de auto-
monitoramento que o capacitem a ensinar a partir da própria prática. Portanto, há uma
mínima atenção ao papel social e político do professor e da escola e ao papel da reflexão
como prática social. O fato de professores considerarem seus problemas como
particulares e não inseridos em um sistema educacional é uma das conseqüências desse
isolamento dos professores, gerando uma falsa idéia de autonomia. O autor acredita que
a reflexão é sempre um ato político e que todas as ações educacionais têm suas
conseqüências pessoais, acadêmicas e políticas. A reflexão não se realiza, pois, como
um ato em si, mas como um processo vinculado ao ato de se fazer uma sociedade
melhor para todos os aprendizes. Portanto, é necessário buscar tomar decisões que não
limitem as oportunidades dos aprendizes, estando consciente de suas conseqüências. O
autor conclui suas idéias afirmando que, para que isso ocorra de forma significativa, não
podemos ignorar o contexto sócio-econômico da profissão docente, o qual nos mostra
que o professor é mal pago não só nos países subdesenvolvidos. O discurso sobre
professores proclama a autonomia, o fortalecimento e a profissionalização, mas as
condições materiais para seu trabalho, seu papel na sociedade e sua auto-estima
continuam sendo ignorados.
De acordo com Ghedin (2002), a tarefa essencial de um processo reflexivo é a
de proporcionar a si e a toda educação um caminho metodológico que possibilite a
formação de cidadãos autônomos (p. 146), e isso se concretiza por meio de um trabalho
reflexivo-crítico. Como alternativa educacional em uma era globalizada, a reflexão
permite-nos atravessar as fronteiras das sociedades da informação e do consumo de
conhecimentos produzidos em contextos alheios para que sejamos produtores de
conhecimentos politicamente construídos, em coletividade. Assim, para o autor, o
conhecimento adquire-se por meio da reflexão crítica e o mesmo acontece com a
possibilidade de mudança criativa e qualitativa. Nesse sentido, Ghedin afirma que o
ponto de chegada da reflexão não é ela própria nem mesmo o ensino (op. cit., p. 149),
já que não se trata de uma atividade de introspecção. O que alcançamos é a construção
política de uma sociedade mais potencializada a pensar, refletir, criticar e criar a
respeito do significado social da própria ação reflexiva na qual se instaura.
No caso do teletandem, acreditamos que a reflexão pode de fato assumir um
âmbito mais abrangente, pois experimentamos um novo contexto de aprendizagem de
línguas em uma realidade histórica marcada pela mediação tecnológica e pela ausência
do trabalho direto do professor. Portanto, há muito sobre o que refletir de maneira
crítica, atividade que extrapola a abordagem simplista de conteúdos normalmente
enfocada na formação inicial acadêmica.
Abordando a reflexão como atividade fundamental na formação docente sob
outro ponto de vista, podemos afirmar que os trabalhos em torno da área de PLE têm
constituído um terreno crescente de pesquisas a respeito do ensino/aprendizagem de
português para falantes de outras línguas
11
. Nesse sentido, segundo Cunha (2007), há
que se ter clara a distinção entre ensinar português como LM e PLE a grupos de
indivíduos de comunidades transplantadas, definidas pela autora como aquelas
formadas por estrangeiros radicados no Brasil e com descendentes brasileiros, já tendo,
portanto, uma vivência bilíngüe e bicultural em relação ao português. Além disso, de
maneira igualmente distinta se dá o ensino de português para estrangeiros, o que nos
leva a refletir, então, sobre uma questão bastante importante e ainda pouco enfocada
para a área a que nos referimos: a problemática da formação de professores de PLE.
Almeida Filho (2007) afirma que atuar na área de ensino de PLE significa não só
desenvolver atividades constantes, crescentes relativas a tal ensino, mas também
estudar os processos de ensinar e aprender PLE em distintos e específicos contextos (p.
34). Além disso, para o autor, o preparo de um professor de PLE, tal como de um
professor de línguas em geral, beneficia-se dos conhecimentos sobre o próprio processo
11
O termo língua estrangeira é atribuído ao português ensinado como outra língua, de acordo com a
SIPLE – Sociedade Internacional de Português Língua Estrangeira.
de ensino/aprendizagem, sobre a natureza de uma língua não-materna, sobre a cultura
em que se insere a língua-alvo e a sua aprendizagem (p. 36), aspectos estes abarcados
pela própria LA.
Entretanto, a respeito da problemática abordada, observamos uma preocupação
especial relativa ao ensino de línguas próximas, como é o caso desta pesquisa, cujas
interações em teletandem se instauram com base na aprendizagem mútua de português e
espanhol. Nesse sentido, Almeida Filho (2001) reflete sobre o fato de a proximidade do
espanhol gerar restrições e parâmetros na preparação e implementação do ensino de
português a seus falantes, já que as duas línguas são consideradas as irmãs da mesma
família lingüística, as línguas neolatinas, que mais possuem afinidades entre si.
Portanto, há de fato uma proximidade tipológica entre elas, percebida, por exemplo, na
ordem da oração, nas origens lexicais e nas bases culturais, aspectos em grande medida
compartilhados. O autor salienta que no plano da escrita essa proximidade se intensifica,
devido à característica formal de tal habilidade lingüística. Assim, quanto mais
formalmente educado for o aprendiz, maior será sua facilidade para iniciar uma
convivência com o outro idioma, especialmente na modalidade escrita, já que acessa
mais as estratégias de compreensibilidade e de tentativa de produção escrita inicial (op.
cit. p. 15). Ocorre também que pessoas menos temerosas do risco costumam avançar
mais em busca da proficiência em uma língua próxima do que entre línguas
tipologicamente diferentes, como o português e o inglês, por exemplo. Assim, há um
outro fenômeno interessante, que é o do apagamento da categoria de aluno
verdadeiramente principiante (op. cit., p. 15), já que, na prática, todo falante de
espanhol já conta com conhecimentos e habilidades comuns entre a língua-alvo e a
materna.
Reside aí uma outra questão que, na verdade, é enganosa, e que diz respeito à
aparente facilidade de se aprender línguas próximas. Porém, a tarefa pode tornar-se
complicada justamente pela constante ausência de aspectos explícitos e definidores da
nova língua, o que pode se intensificar caso não haja (auto)motivação, identificação
cultural ou mesmo estratégias eficientes para facilitar a compreensão da língua que está
sendo aprendida.
Em relação à complexidade do sistema fonológico das línguas, por exemplo, o
autor lembra que sabemos ser comum a crença de que o português é muito mais difícil
de ser aprendido que o espanhol, o que pode gerar erros de sotaque ao aprendiz falante
de espanhol. Por outro lado, ocorre também nas duas línguas um grande número de
falsos cognatos que caracterizam, entre outros aspectos, o conhecido “portunhol”, algo
que torna o léxico do dia-a-dia muito mais dificultoso de se aprender que o léxico
formal. Almeida Filho (2001) sugere, assim, uma (re)sensibilização para o português,
passando a ver de maneira menos preconceituosa o portunhol como manifestação
natural da interlíngua em desenvolvimento, a qual deve ser aceita e mesmo incentivada.
Para o autor, por meio dessa interlíngua, verificamos uma atitude de convergência
cultural, social ou psicológica com relação à nova língua (p. 18). Em relação a isso, é
necessário, entretanto, incentivarmos o discernimento do aprendiz em relação ao que o
autor chama de autocrítica da própria produção, isto é, a identificação dos pontos a
serem retocados pelo próprio aprendiz, no sentido de focalizar a autocrítica por meio da
consciência sobre tais pontos em busca de uma competência de comunicação. O autor
destaca, ainda, que, embora pareça contraditório mostrar imperfeições na produção do
aprendiz, no caso de línguas próximas essa atitude lhe parece inevitável, sem que se
perca de vista a motivação, já que, mais do entre línguas distantes, alguns desajustes ou
erros parecem imperceptíveis ao aprendiz e podem provocar uma fossilização precoce,
que deve ser tratada para que não se prejudique o desenvolvimento da aprendizagem.
Complementando esse mesmo aspecto, Almeida Filho (2004) já cita
anteriormente procedimentos que lhe parecem adequados, como contextualizar as
intervenções com o propósito de melhorá-las, sendo importante também ouvir, ler e
criticar o outro, mostrando exemplo, ou ouvir-se, ler-se e se auto-analisar com atenção
e persistência (p. 188). Para ele, a construção da nova interlíngua sempre acontecerá por
características próprias, sendo algumas advindas das duas línguas que se aproximam ou
até mesmo de uma outra língua recentemente aprendida, e outras do próprio sistema
interlingual em construção.
Portanto, podemos afirmar que a questão da formação de professores para o PLE
ainda é um tema de poucos debates e reflexões no Brasil, no sentido de que as
licenciaturas se preocupem com a questão de que o futuro professor poderá ensinar
nesse contexto e não apenas em contextos nos quais enfocará o ensino de LM ou o
ensino de outra língua como LE.
2.3.1 A formação profissional docente e o ensino/aprendizagem de línguas: as
propostas oficiais e o conceito de competência diante das transformações sociais
contemporâneas
Oliveira e Paiva (2005) avalia o perfil dos cursos de licenciatura em Letras na
atualidade, sobretudo a partir da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1996, que traz
como novidade a extinção dos currículos mínimos e a proposta de diretrizes
curriculares. A autora esclarece que tais diretrizes foram elaboradas seguindo certos
princípios, dando ênfase à liberdade de composição da carga horária e das unidades de
estudos a serem ministradas; às práticas de estudo independente, visando a autonomia
do aluno; ao aproveitamento do conhecimento, habilidades e competências adquiridas
fora do ambiente escolar; e à articulação teoria-prática. Dentre as metas a serem
alcançadas com a proposta de diretrizes curriculares, a autora também destaca algumas,
tais como atingir autonomia na definição dos currículos; oferecer carga horária
mínima para a flexibilização do tempo disponível pelo aluno; otimizar a estrutura
modular; orientar as atividades de estágio, incentivando as habilidades e competências
adquiridas fora da escola; e contribuir para a inovação e qualidade do projeto
pedagógico (op. cit., p. 349-50).
Como vimos, a questão das competências e habilidades aparece intimamente
relacionada ao princípio da autonomia, ficando claro que a valorização das experiências
desenvolvidas fora do ambiente acadêmico deve ser especialmente considerada, na
busca por tal autonomia. Mais adiante, as Diretrizes Curriculares, de 2001, trazem
como preocupação a flexibilização das estruturas dos cursos de Letras, no intuito de que
se criem oportunidades para o desenvolvimento das habilidades necessárias para se
atingir a competência desejada profissionalmente e a autonomia, por meio de uma
articulação constante entre ensino, pesquisa e extensão. Nesse sentido, o papel do
professor também é reavaliado, pois deixa de ser apenas o de responsável pelos
conteúdos, passando a exercer a função de orientador na qualidade da formação do
aluno. Assim, Oliveira e Paiva (op. cit.) acrescenta que há também um
redimensionamento das qualificações do profissional de Letras, de quem se espera que
tenha domínio do uso da língua ou das línguas que sejam objeto de seus estudos, em
termos de sua estrutura, funcionamento e manifestações culturais. Mais uma vez,
espera-se dele o desenvolvimento de múltiplas competências e habilidades,
proporcionado pela realização de atividades de caráter prático durante o curso, para
atuarem como professores, pesquisadores, críticos literários, tradutores, intérpretes,
revisores de textos, roteiristas, secretários, assessores culturais, entre outras atividades
(p. 351). Dentre as várias competências elencadas nas diretrizes a respeito da formação
do professor de línguas, acreditamos ser fundamental a que se refere à capacidade de
resolver problemas, tomar decisões, trabalhar em equipe e comunicar-se dentro da
multidisciplinaridade dos diversos saberes que compõem a formação universitária em
Letras. Consideramos a questão das competências e das expectativas em relação ao
profissional de Letras um questionamento bastante pertinente em termos de documento,
porém, no que diz respeito à problemática desta pesquisa, não há qualquer menção mais
específica ao papel do professor de PLE nem à formação específica para ele, algo, que,
sem dúvida alguma, não pode ser ignorado na sociedade globalizada na qual
convivemos.
A Resolução CNE/CP nº 1, de 2002, que institui Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Formação de professores de Educação Básica, em nível superior,
propõe que sejam consideradas, para a construção do projeto pedagógico das
licenciaturas em geral, as seguintes competências: as competências referentes ao
comprometimento com os valores inspiradores da sociedade democrática; as
competências referentes à compreensão do papel social da escola; as competências
referentes ao domínio dos conteúdos a serem socializados, aos seus significados em
diferentes contextos e sua articulação interdisciplinar; as competências referentes ao
domínio do conhecimento pedagógico; as competências referentes ao conhecimento dos
processos de investigação que possibilitem o aperfeiçoamento da prática pedagógica;
as competências referentes ao gerenciamento do próprio desenvolvimento profissional.
Como percebemos, as competências são princípios muito importantes para a construção
da identidade profissional dos docentes em sociedade, mas, como bem observa Gimenez
(2005), é necessário imprimir um caráter mais político e menos idealista em defesa dos
valores e da igualdade sociais, responsabilidade dos professores que lidam com línguas
e culturas diferentes e que devem fazer disso uma tarefa politizadora e não apenas
instrumental.
A questão das competências é amplamente tratada por Perrenoud (1999, 2002),
para quem não há competências sem saberes, e, ainda, as competências mobilizam
saberes. Portanto, o autor acredita que convém desenvolver competências já na escola,
ou melhor, relacionar constantemente os saberes e sua operacionalização em situações
complexas, o que não ocorre na escolarização, já que à escola cabe oferecer saberes e à
vida compete desenvolver competências. Porém, o autor questiona que nem todos os
saberes são adquiridos na escola, o mesmo ocorrendo com as competências e, ainda, que
nem todos os saberes acumulados na vida escolar terão significado em nossa vida
cotidiana ou profissional, o que pode ser apropriado tamm à formação de professores,
cuja abordagem tradicional de conteúdos em excesso leva-os a sentir-se pouco seguros
em relação à profissão.
Em linhas gerais, Perrenoud argumenta que, qualquer que seja a natureza de uma
competência concreta ou abstrata, comum ou especializada, de acesso fácil ou difícil
ela sempre permite afrontar, regular e adequadamente, uma família de tarefas e de
situações, apelando para noções, conhecimentos, informações, procedimentos,
métodos, técnicas ou, ainda, outras competências, mais específicas (1999). Por outro
lado, conhecer técnicas ou regras nem sempre significa ser competente ou saber usar o
conhecimento em um contexto singular: nas relações de trabalho, nas interações
culturais, nas relações pessoais, em eventualidades, em situações demarcadas
temporalmente. Portanto, as competências são dependentes do contexto e devem ser
adequadamente postas em prática em tempo útil e conscientemente, caso contrário, é
como se não existissem.
Em relação ao papel do professor, Perrenoud (2002) salienta que não basta que o
sistema educacional adote a linguagem das competências sem nada mudar de
fundamental. O professor precisa mudar sua representação e sua prática, exercendo a
cooperação profissional, em uma visão sócio-construtivista e interativa da
aprendizagem, que o faça quebrar rotinas, repensar sua profissão e gerar aprendizagens
fundamentais, visão bastante pertinente a esta pesquisa. Assim, antes de buscar
desenvolver competências nos aprendizes, o professor precisa ser capaz de identificar e
de valorizar as suas próprias, dentro da profissão e de outras práticas sociais, o que
exige um trabalho de relação com o próprio saber. Na visão do autor, o principal
recurso do professor é a postura reflexiva, sua capacidade de observar, de regular, de
inovar, de aprender com os outros, com a experiência. Para ele, há algumas
competências precisas ao trabalho do professor, dentre as quais saber gerenciar a classe
como comunidade educativa; saber organizar o trabalho nos mais vastos espaços-
tempos de formação; saber cooperar; saber identificar e modificar aquilo que dá ou
tira o sentido aos saberes e às atividades de aprendizagem; saber criar e gerenciar
situações-problema, identificar os obstáculos, analisar e reordenar as tarefas; saber
observar os aprendizes em suas tarefas; saber avaliar as competências em construção.
Portanto, segundo o autor, é sensato integrar as abordagens por competências à
formação inicial e continuada, visando à identidade profissional dos professores e a
democratização do acesso ao saber e às competências.
Mello (2000) também discute a questão, a partir da idéia de que competências
constituem um conjunto de conhecimentos, atitudes, capacidades e aptidões que
habilitam alguém para diversos desempenhos na vida, enquanto que as habilidades
relacionam-se a atributos que remetem não apenas ao saber-conhecer, mas ao saber-
fazer, ao saber-conviver e ao saber-ser. Assim, as competências pressupõem operações
mentais, capacidades para usar as habilidades e empregar atitudes adequadas à
realização de tarefas e conhecimentos, em um contexto específico no qual são
requeridas. Implicam, pois, uma mobilização dos conhecimentos e esquemas que o
indivíduo possui para desenvolver respostas inéditas, criativas, eficazes e contextuais
(op. cit., p. 2). Por fim, a autora enfatiza algumas competências possíveis, tais como
respeitar as identidades e diferenças; utilizar-se das linguagens como meios de
expressão, comunicação e informação; inter-relacionar pensamentos, idéias e
conceitos; desenvolver o pensamento crítico e flexível e a autonomia intelectual;
compreender os princípios das tecnologias e suas relações integradoras; entender e
ampliar fundamentos científicos e tecnológicos; desenvolver a criatividade; saber
conviver em grupo (op. cit., p. 1). Nesse sentido, o contexto de teletandem parece
oferecer condições para que estas e outras competências, inerentes ao contexto de
interação, sejam observadas e desenvolvidas em busca de uma aprendizagem
significativa.
Voltando às Diretrizes Curriculares de 2002, os cursos de formação devem
preparar professores, entre outros aspectos, para o uso das tecnologias de informação e
comunicação, bem como de estratégias e materiais de apoio inovadores, e, ainda, para
o ensino de algumas disciplinas à distância, por meio de ferramentas de interação
assíncrona, que promovem a aprendizagem colaborativa e eliminam limitações de
tempo e de espaço (Oliveira e Paiva, op. cit., p 354). Como se vê, já há uma
preocupação com a aprendizagem mediada pelo computador; porém, a comunicação
síncrona ainda não é algo discutido, especialmente em relação às línguas.
Para Oliveira e Paiva, é ainda inexpressivo o uso de tecnologias que podem
propiciar, ao aluno de Letras, experiências de interação não simulada com falantes ou
aprendizes de LE (op. cit., p. 360). Portanto, práticas interativas como a do teletandem
devem ser vistas como possibilidades reais de implementação das tecnologias na
formação do aluno de Letras, bem como de compreensão crítica da estrutura,
funcionamento e manifestações culturais das línguas aprendidas, conforme prevêem as
Diretrizes Curriculares. Por fim, notamos, também, uma ênfase ao desenvolvimento do
trabalho colaborativo em equipe; porém, a aprendizagem deve ser pautada pelo
princípio da ação-reflexão-ação e da resolução de problemas, uma visão ainda
imediatista de reflexão e um tanto contraditória em relação ao trabalho em equipe
proposto, já que não contempla uma visão politizadora e socializadora de educação.
A Reforma da Educação Superior, de 2004, apresenta princípios mais amplos
em relação às diretrizes anteriores, embora mantendo, como missão do Sistema de
Ensino Superior, a geração e divulgação dos conhecimentos culturais, científicos e
técnicos, promovendo uma profunda relação com a sociedade, valorizando a extensão
como mediadora entre as Instituições de Ensino Superior (IESs) e a sociedade. Porém,
percebemos um discurso muito mais politizador e agregador, ao atribuir às
Universidades o papel de formar profissionais de qualidade, produzir ciência e
tecnologia (...) e contribuir com o desenvolvimento social, econômico, cultural e
científico da nação, proporcionando a inclusão da diversidade étnico-cultural e a
redução das desigualdades sociais. A educação é definida como um processo ao longo
da vida, em uma alusão, posteriormente explicitada, ao comprometimento da
Universidade com o oferecimento da educação continuada.
Quanto às condições fundamentais para a viabilização da Reforma da Educação
Superior brasileira, o documento acena com três, sendo elas a relevância, a eqüidade e a
qualidade. A primeira, a relevância, diz respeito ao oferecimento do ensino, pesquisa e
extensão, articulados aos saberes locais. A segunda, a eqüidade, refere-se ao acesso e
permanência na Universidade de grupos social e culturalmente diversos que compõem a
sociedade brasileira. A terceira, a qualidade, envolve conteúdos disciplinares que
contribuam para o aprendizado de uma atitude crítica e interrogativa que deve permear a
formação profissional, superando atitudes de isolamento que predominam na
constituição tradicional dos currículos e inibe a criatividade e inovação universitárias.
Ainda nesta última condição, aparece a utilização didática das tecnologias de
informação e de comunicação, entendidas como Educação à Distância, que, segundo o
documento, demandam um sistema peculiar de gestão e avaliação com o objetivo de
acompanhar a qualidade do ensino e da aprendizagem. Como podemos notar, a questão
da atitude reflexiva é enfocada de forma mais significativa em relação à formação
profissional, no sentido de combater o isolamento característico da educação tradicional
com base em conteúdos. A questão cultural, já enfatizada nos primeiros documentos
analisados, aparece na Reforma de 2004 como algo imprescindível, ao propor a
valorização das diferenças étnico-culturais e a redução das desigualdades sociais.
A elaboração das Orientações Curriculares para o Ensino Médio: linguagens,
códigos e suas tecnologias, pelo MEC, em 2006, traz modificações importantes em
relação à formação inicial e continuada de professores, com iniciativas como a Pró-
Licenciatura e a Universidade Aberta do Brasil, tendo como discurso a aprendizagem
autônoma e contínua ao longo da vida e apresentando-se como uma proposta de
reflexão do professor a ser utilizada em favor do aprendizado.
Assim, em relação às línguas, notamos uma visão sócio-interacional que
percorre as definições de língua, linguagem e práticas de ensino, no sentido de se
compreender a relação homem-linguagem-mundo. Os conhecimentos são também
entendidos como gerados a partir de formas de linguagem, em ações intersubjetivas
manifestadas em atividades coletivas, isto é, na interação entre os sujeitos, sendo a
língua vista como uma das formas de manifestação de linguagem. Nesse contexto, a
língua portuguesa tem como papel possibilitar, por procedimentos sistemáticos, o
desenvolvimento das ações de produção de linguagem em diferentes situações de
interação, sendo que as práticas de linguagem a serem tomadas no espaço da escola
não se restringem à palavra escrita nem se filiam apenas aos padrões socioculturais
hegemônicos, o que pressupõe o respeito à diversidade cultural e às diferentes formas de
expressão pela linguagem. Por fim, salienta-se uma proposta de ensino e de
aprendizagem que busque promover letramentos múltiplos, concebendo a leitura e a
escrita como ferramentas de empedramento e inclusão social. Portanto, a visão de
discurso também aparece aqui, no sentido engajador e socializador que lhe cabe.
Vale explicitar que o documento entende por letramentos múltiplos aqueles que
envolvem uma variação de mídias multissemióticas e híbridas, tendo como exemplos
os hipertextos na imprensa ou na internet, ou, ainda, vídeos e filmes. O intuito maior é,
pois, levar adiante o desafio de criar condições para que os alunos construam sua
autonomia nas sociedades contemporâneas, tecnologicamente complexas e globalizadas,
respeitando culturas e comunidades. Portanto, para nós, aquilo que se dizia de maneira
sutil nos documentos anteriores em relação à tecnologia parece tornar-se explícito na
atual proposta, sempre se tendo em mente a formação do aluno para o mundo do
trabalho e para a cidadania.
Em relação aos conhecimentos de línguas estrangeiras, as Orientações
Curriculares têm por objetivos retomar a reflexão sobre a função educacional do ensino
de LEs na escola; reafirmar a relevância da noção de cidadania e discutir sua prática no
contexto; discutir o problema da exclusão no ensino face a “globalização” e do
aprendizado de LE como sinônimo de inclusão; introduzir teorias sobre linguagem e as
novas tecnologias; dar sugestões sobre a prática de ensino de LEs. Quanto às
habilidades enfocadas, destacam-se a leitura, a prática escrita e a prática oral
contextualizadas, porém expandidas em relação aos Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs), de 1998.
Os autores das Orientações Curriculares afirmam que os objetivos tradicionais
em torno do material lingüístico no ensino/aprendizagem de línguas necessitam ser
preenchidos com a compreensão de valores sociais. Nesse sentido, o conceito de
cidadania aparece como fundamental, por remeter à conscientização sobre o lugar
ocupado pelas pessoas em sociedade. Estender a dimensão temporal e espacial da
comunicação, compreender as diferentes formas de realização da experiência humana
por meio da linguagem, intensificar a percepção das características das LEs em relação
à LM e desenvolver a confiança do aprendiz nos desafios cotidianos do uso da língua
são tarefas que contribuem para o desenvolvimento da cidadania, segundo as
Orientações Curriculares. Como se vê, ações perfeitamente viáveis no teletandem.
Notamos, pois, a possibilidade de ampliação conceitual do espaço escola, o qual,
nos anteriores PCNs, configura-se como lugar único para se construir a aprendizagem,
já que, embora seu conhecimento seja altamente prestigiado na sociedade, as línguas
estrangeiras, como disciplinas, encontram-se deslocadas da escola e (...) seu ensino,
como o de outras disciplinas, é função da escola, e é lá que deve ocorrer (p. 20).
Os autores das Orientações Curriculares argumentam que, quando
consideramos os conceitos de heterogeneidade da linguagem e da cultura, fica difícil
compreendê-las como abstrações descontextualizadas (p. 103). Assim, são os contextos
específicos que caracterizam o uso complexo de formas variadas da linguagem em
comunidades, o que inviabiliza tratar o ensino de ensino por meio de “quatro
habilidades“. No teletandem, não podemos dizer que estamos privilegiando esta ou
aquela habilidade, já que são justamente as interações verbais e visuais, em tempo real,
que marcam formas específicas de comunicação. Portanto, a escrita, por exemplo, passa
a ter uma configuração totalmente diferente da praticada em uma aula convencional,
justamente pelas características da espontaneidade, do imediatismo e da presença real,
ainda que mediada pelo computador, do falante da língua que estamos aprendendo.
Assim, outros recursos podem ser acrescentados na interação visando o
desenvolvimento da aprendizagem, como a imagem (gestos, vestuário, expressões
faciais) e os aspectos presentes na fala (entonação, humor), criando-se um novo texto,
com novas características.
As Orientações Curriculares também enfocam a língua espanhola, cuja oferta
passa a ser obrigatória no ensino médio, nas escolas públicas e privadas brasileiras, fato
analisado pelos autores como uma atitude de enfoque cultural, político econômico. Em
relação ao ensino da língua no Brasil, a questão central reside nas variedades do
espanhol e em como ensiná-lo em contexto brasileiro. Os autores salientam que não
existe um mundo único e homogêneo de predominância de uma língua espanhola, já
que as variações da língua remetem a diferentes realidades e necessidades, valores,
culturas e histórias peculiares (p. 136). Nesse sentido, o papel dos professores passa a
ser o de articuladores de muitas vozes, variedades lingüísticas e culturais. Para isso, as
Orientações ressaltam que as variações apareçam contextualmente, por meio de um
falante real que mostre as tais variações em funcionamento. Assim, não é possível
delegar somente ao professor a tarefa de falar sobre a língua. O aprendiz precisa
compreender a heterogeneidade presente em culturas, povos, línguas e linguagens.
Nesse sentido, o teletandem também possibilita ao aprendiz eleger a variedade ou a
cultura com a qual mais se identificam, compensando as limitações da sala de aula,
impressas no livro didático.
No caso do espanhol para brasileiros, o documento ressalta a mesma
problemática que vimos anteriormente, ao discutir a questão do PLE. Isso quer dizer
que o fato de serem línguas genética e tipologicamente próximas, embora distanciadas
em muitos aspectos, leva a um questionamento importante sobre o lugar que o
português deve ocupar no processo de aprendizagem do espanhol. Neste caso, a falsa
idéia de que é fácil aprender espanhol é rapidamente frustrada, o que pode até gerar
desmotivação e desistência perante a aprendizagem. Os autores advertem que, na ânsia
de encontrar o que diferencia uma língua da outra, é comum aprendizes criarem uma
língua exótica, conhecida como “portunhol“, um fato natural da língua, submetida a
fenômenos de mescla (p. 141). Portanto, o papel da LM nesse processo é inegável, já
que estão envolvidas questões identitárias e de reflexão sobre os sucessos e os
insucessos na aprendizagem. Os autores concluem afirmando que o aprendiz traz
consigo uma longa história com sua língua e, portanto, a importância da LM e sua
cultura nesse processo de contato com a língua e a cultura estrangeiras não pode ser
desconsiderada. Enfim, na aprendizagem de línguas próximas podemos vislumbrar o
conhecimento sobre o outro e a reflexão sobre o modo como interagir ativamente em
um mundo plurilíngüe e multicultural, heterogêneo (p. 150). Fica claro, mais uma vez, a
necessidade de refletir a respeito da formação de professores para esses contextos nos
quais a LM assume papel totalmente inovador e agregador de identidades culturais.
Quando tratamos de línguas tão próximas, como é caso desta pesquisa, concluímos que
a responsabilidade pela aprendizagem torna-se ainda mais complexa, e a formação
inicial docente, nesse sentido, precisa ser tema de reflexão nos documentos oficiais,
agora que o espanhol tornou-se língua de currículo.
2.3.2 A telecolaboração: um olhar renovado sobre a aprendizagem colaborativa em
tempos de mudança e tecnologia
Considerando a realidade atual, marcada por mudanças rápidas e significativas
geradas tanto em contexto local quanto global, mediado pelo computador, Braga (2007)
acredita ser necessário que os professores compreendam de que maneira a tecnologia
pode facilitar ou bloquear o acesso ao conhecimento e ao poder social. No âmbito
educacional, a possibilidade de comunicação à distância de forma mais ágil e síncrona
oferece novas perspectivas para o ensino. Isso porque a interação, responsável pelo
encurtamento da “distância transacional” (grifo da autora) existente entre o aprendiz e
um conhecimento novo, é condição essencial para que a auto-monitoração ocorra e,
conseqüentemente, a autonomia se instaure na aprendizagem. Como nem todo aprendiz
é autônomo, a autora acredita que a ampliação e a melhoria dos novos canais abertos
pela internet para a comunicação favorecem as iniciativas de aprendizagem à distância
(op. cit., p. 183). Sem dúvida, a facilidade comunicativa também renovou o significado
da aprendizagem colaborativa, tanto para aprendizes quanto para professores, que passa
a poder monitorar seus alunos de forma mais eficiente e utilizando as informações
disponíveis pelos próprios recursos tecnológicos. Há, portanto, uma possibilidade de
ensino menos centrado no professor e mais voltado à interação e ao diálogo.
Para Braga (op. cit.), essas novas possibilidades nos levam a refletir sobre as
formas de construção de conhecimento que temos valorizado na escola, em contexto
formal, onde a ausência de trocas e de negociação real revela a predominância de uma
hierarquia que inibe a motivação e o engajamento em práticas mais significativas para
os aprendizes como tal e como indivíduos em sociedade. Na visão da autora, a nova
prática de construção de saberes parece mais democrática, já que estes se constroem por
escolhas em interação, e não por imposições de grupos socialmente dominantes. Dessa
maneira, os professores passam a enfrentar uma transformação em suas relações com os
grupos de aprendizes, já que deixa de ter o controle sobre os textos de referência e passa
a ter que lidar com o imprevisível ou mesmo o indesejável, encontrado na internet e
trazido para discussão em sala de aula. Na opinião de Braga, essa quebra da hierarquia
pode vir a tornar a escola mais horizontal, por meio de um movimento social mais
amplo, que se constitui de uma polifonia de vozes sociais que passa a questionar a
hegemonia e os saberes imutáveis (op. cit., p.186). Portanto, o ambiente virtual pode
aproximar grupos sociais, romper barreiras geográficas e políticas e valorizar a
interação, idéias que valorizam a proposta de estudo nesta pesquisa.
Por fim, a autora acredita que a tecnologia pode ser considerada boa ou ruim de
acordo com o uso que seja feito de seus recursos, o que, sendo realizado de forma crítica
e responsável, pode mudar a sociedade e ampliar possibilidades a grupos excluídos, um
passo necessário para o desenvolvimento da reflexão social crítica, no qual os
professores têm papel fundamental (op. cit., p. 189).
A questão da formação docente aqui tratada toma ainda como parâmetro a idéia
de compreensão de uma cultura de formação de professores, apontada por Nóvoa
(1997), por meio daquilo que o autor chama de redes de trabalho, desenvolvidas em
espaços coletivos nos quais a atividade profissional pode constituir um valioso
instrumento de formação. A instituição de ensino passa a ser, assim, um ambiente
educativo, no qual trabalhar e formar não são atividades distintas, mas integrantes de
um processo permanente dentro dos projetos de ação profissional e organizacional, nos
quais os agentes devem ser valorizados como profissionais e indivíduos em constante
formação e transformação (op. cit., p. 29-31).
Tal conceito vem ao encontro do que se denomina aprendizado telecolaborativo,
bastante pertinente nesta pesquisa, e que é apontado como um processo cada vez mais
comum na sociedade industrial, na qual as dinâmicas de organização no trabalho
assumem lugar relevante, por meio da tecnologia de rede (FUNDABURK, 1998; BELZ,
2002; DAWSON ET AL., 2006). Assim, em contexto educacional, o aprendizado
cooperativo pode ser definido como o uso de pequenos grupos de alunos trabalhando
juntos para desenvolver sua aprendizagem individualmente e com o grupo
(FUNDABURK, op. cit., p. 1). Para o autor, tal prática permite que a aprendizagem seja
mais acessível e improvisada e, para que tenha sucesso, a aula colaborativa on-line
deve constituir-se de quatro elementos: interdependência positiva; responsabilidade
individual; habilidades sociais; processamento de grupo. Fundaburk afirma, ainda, que
as pesquisas apontam como principal vantagem desse processo a possibilidade de se
obter, ao mesmo tempo, acesso à informação e comunicação on-line, de forma barata e
flexível (comunicação síncrona e assíncrona). Nesse sentido, o papel do supervisor, em
sua tarefa colaborativa como formador de professores, tem importância fundamental
nesta pesquisa.
Ao abordar as dimensões sociais da aprendizagem telecolaborativa de línguas,
Belz (2002) afirma que devemos reconhecer, em termos sociais, a natureza histórica e
culturalmente delineada da aprendizagem. Sendo assim, aprendizes de línguas devem
ser vistos como agentes em contextos socioculturais, cuja conceituação tem merecido
estudos importantes em relação às novas realidades em que o aprendizado se dá. Há,
portanto, nos dias atuais, uma profunda relação entre tecnologia e aprendizagem de
línguas, aspecto que tem levado pesquisadores a investigar um amplo contexto
ecológico que afeta a aprendizagem e os usos da linguagem na sociedade atual, tanto
dentro quanto fora da sala de aula. (op. cit., p. 61).
Nesse sentido, a autora define telecolaboração como uma aplicação de redes de
comunicação global na formação e aprendizagem de LE, conceito bastante adequado a
esta investigação. Como tal, o conceito tem particular validade em contextos que levam
em conta as dimensões sociais da aprendizagem, já que esse tipo de atividade consiste
em unir pares ou grupos de alunos distanciadamente localizados e envolvidos em
diferentes contextos sócio-culturais e institucionais. São levados em conta aspectos
diversos como as intenções, os propósitos e as reflexões dos aprendizes, vistos como
pessoas capazes de agir no mundo, sendo (inter)agentes de ações sociais. Tais ações
sociais presentes na atividade telecolaborativa constituem uma complexa e
multifacetada atividade humana, imbricada em inter-relações pessoais e institucionais,
em aspectos autobiográficos dos agentes, na experiência de utilizar a linguagem
tecnológica e, ainda, nas relações de poder envolvidas, uma configuração de
aprendizagem em total afinidade com o teletandem. As diferenças nacionais de uso da
tecnologia e de acesso a computadores são também aspectos que envolvem questões
éticas e metodológicas fundamentais para a implementação de estudos telecolaborativos
na aprendizagem de línguas, bem como a formação do professor de línguas, que, como
já vimos, necessita ser repensada em tempos de rápidas transformações contextuais. A
autora conclui suas idéias afirmando que, se de uma lado os pré-requisitos para uma
participação telecolaborativa podem beneficiar a aprendizagem de línguas em termos de
aumento da exposição e de oportunidades interativas nas línguas-alvo, também pode
resultar em práticas discriminatórias e mal implementadas. Buscamos, nesta pesquisa,
trazer uma experiência que possa contribuir para a validade de atividades
telecolaborativas, no sentido de apresentar uma parceria em busca de autonomia na
aprendizagem, da formação docente reflexiva e crítica e da responsabilidade pela ética e
pelo respeito à diferenças culturais e contextuais de aprendizagem de línguas.
Gaβdorf (2002) apresenta algumas considerações em relação à aprendizagem
tandem em currículo universitário de formação de professores de línguas, e, embora se
trate de um contexto alemão/inglês, constitui uma prática que nos interessa em especial
nesta pesquisa. Para a autora, tal prática representa uma nova concepção didática para o
ensino universitário, que há muito vinha necessitando da inclusão de elementos de
aprendizagem autônoma na formação de professores, bem como de adequar-se a uma
proposta ministerial de integrar nos currículos a utilização das tecnologias de
informação, além da possibilidade de internacionalizar os cursos superiores. No caso da
aproximação geográfica entre os contextos envolvidos, optou-se pelo tandem presencial;
porém, sabemos que, no Brasil, o contexto geográfico nos leva a crer que o teletandem
parece representar a melhor alternativa de aprendizagem de línguas in-tandem. Assim, o
curso dá ênfase às atividades tandem nos dois primeiros anos e às manifestações sócio-
culturais e regionais no terceiro ano. No quarto ano, os aprendizes realizam um estágio
obrigatório em um país de língua alemã, no qual devem dar aulas, sendo acompanhados
à distância pela universidade. Os elementos da aprendizagem autônoma dos quais os
aprendizes tomam conhecimento no decorrer das interações in-tandem, tais como a
formulação de objetivos individuais concretos de aprendizagem, a descrição do
processo de aprendizagem, as atividades práticas, os trabalhos interpares e o
aconselhamento individual, são constantemente retomados e constituem um
componente essencial na formação dos professores. Todas essas atividades, bem como a
avaliação vista como um parâmetro para buscar melhorias na aprendizagem
constituem a carga horária das horas letivas do docente responsável, já que a
aprendizagem autônoma não compromete o tempo disponível na disciplina.
Gaβdorf (op. cit.) acredita que sem a realização de um trabalho prévio com os
alunos-professores, a aprendizagem muitas vezes não tem a mesma eficiência, tanto no
que diz respeito a questões operacionais de uso do computador e suas ferramentas
quanto na preparação para o trabalho com o parceiro. O acompanhamento sistemático é,
pois, outra necessidade fundamental para o êxito do trabalho in-tandem, já que alguns
dos principais problemas e dificuldades dos aprendizes só são discutidos e refletidos nas
sessões de aconselhamento individual. Da mesma forma, o aconselhamento em grupo
favorece a troca recíproca e motiva reflexões mais freqüentes. De início, não há uma
compreensão adequada dos aprendizes a respeito da necessidade das sessões de
aconselhamento, ou, como consideramos nesta pesquisa, de mediação. Isso ocorre
principalmente com aqueles que tiveram uma formação escolar tradicional e nunca se
envolveram em práticas autônomas (poderíamos dizer que a maioria passou por esse
tipo de formação), encarando o trabalho in-tandem e seus procedimentos como uma
obrigação. Por isso, é fundamental imprimir à atividade uma combinação entre
mediação e trabalho autônomo, no sentido de que o aprendiz compreenda o sentido do
trabalho colaborativo. Vale ressaltar que, para a autora, os conhecimentos relativos ao
processo de aprendizagem não devem ser oferecidos pelo docente, mas ser um
resultado do conhecimento e da decisão do próprio aprendiz (op. cit., p. 142). Por fim,
a autora considera que a integração de atividades de tandem no currículo é uma medida
adequada que enriquece os processos de aprendizagem e de formação docente,
posicionamento que consideramos relevante em nosso contexto de investigação.
2.3.3 Síntese das idéias tratadas nesta seção e construção do conceito de reflexão
para esta pesquisa
Para melhor compreendermos a conceituação de reflexão nesta pesquisa,
consideramos pertinente sintetizar as principais discussões apresentadas de forma
teórica nesta seção, sem deixar de ter em mente as possibilidades contextuais de
formação reflexiva voltada ao pensamento crítico docente. Assim, trazemos, abaixo, um
quadro que envolve os conceitos fundamentais referentes à idéia de reflexividade na
formação de professores de línguas:
Conceito Definição Fonte
Reflexividade
envolve dois níveis: o primeiro remete à idéia de
que todos nós atuamos de acordo com o que
pensamos; o segundo diz respeito ao mudar o
profissional, a partir da reflexão sobre a ciência,
caminho ainda muito distante dos professores.
Sacristán (2002)
Reflexão
atividade não apenas individual, mas que
expressa interesses humanos, políticos, culturais
e sociais particulares; não é passiva perante a
ordem social, à medida que pode reproduzir ou
transformar as práticas ideológicas dessa ordem;
não é um processo mecânico, mas uma prática
de reconstrução da vida social, ao participar na
ação social.
Pérez-Gómez
(1997)
Reflexão
é sempre um ato político e realiza-se como um
processo vinculado ao ato de se fazer uma
sociedade melhor para todos os aprendizes.
Deve considerar, portanto, o contexto sócio-
econômico da profissão docente, o papel do
professor na sociedade, sua auto-estima e as
condições materiais para seu trabalho, em busca
da autonomia, do fortalecimento e da
profissionalização.
Zeichner (2003)
Prática reflexiva
deve embasar os questionamentos do aluno-
professor em relação ao seu próprio
desenvolvimento crítico como futuro docente, às
teorias acadêmicas e aos conceitos relacionados
ao processo de ensino/aprendizagem de LE e de
formação de professores, no sentido de que
possa construir suas próprias teorias e práticas
educacionais.
Vieira-Abrahão
(2001)
Processo reflexivo
tem como tarefa essencial proporcionar à
educação um caminho metodológico que
possibilite a formação de cidadãos autônomos,
na construção política de uma sociedade mais
potencializada a pensar, refletir, criticar e criar.
Ghedin (2002)
Perspectiva crítica
e emancipatória de
educação em
línguas
deve enfocar não apenas o ensino/aprendizagem
de uma LE ou de um novo sistema lingüístico,
mas, principalmente, o conhecimento social e
cultural envolvido, e, indo além, o
desenvolvimento de uma capacidade crítica dos
alunos-professores e aprendizes de línguas para
examinar e compreender tal conhecimento.
Reagan e Osborn
(2002)
Professor intelectual
crítico reflexivo
assume a tarefa de reflexão pública e ética,
deixando de ser apenas um implementador de
teorias em sua prática e passando a ressignificar
as teorias a partir dos conhecimentos da prática
(práxis).
Pimenta (2002)
Formação docente
passa a configurar-se como uma combinação
entre a formação inicial, o exercício
profissional coletivo e os contextos concretos
que os determinam a ambos, nos quais a
pesquisa é atividade essencialmente integrante.
Pimenta (2002)
Formação docente
deve integrar-se às abordagens por
competências, visando à identidade profissional
dos professores e a democratização do acesso
ao saber e às competências.
Perrenoud (2002)
Formação docente
deve preparar professores para o uso das
tecnologias de informação e comunicação, bem
como de estratégias e materiais de apoio
inovadores, e, ainda, para o ensino de algumas
disciplinas à distância, por meio de ferramentas
de interação assíncrona, que promovem a
aprendizagem colaborativa e eliminam
limitações de tempo e de espaço.
Diretrizes Curriculares (2002)
Formação docente
em PLE
beneficia-se dos conhecimentos sobre o próprio
processo de ensino/aprendizagem, sobre a
natureza de uma língua não-materna e sobre a
cultura em que se insere a língua-alvo.
Almeida Filho
(2007)
Tandem e formação
de professores de LE
promove a inclusão de elementos de
aprendizagem autônoma na formação de
professores; a integração da utilização das
tecnologias de informação aos currículos; a
possibilidade de internacionalizar os cursos
superiores; o favorecimento da reciprocidade e
da reflexão por meio do aconselhamento
individual e em grupo.
Gaβdorf (2002)
Ensino/aprendiza
g
em
de línguas próximas
vislumbra o conhecimento sobre o outro e a
reflexão sobre o modo como interagir
ativamente em um mundo plurilíngüe,
multicultural e heterogêneo, envolvendo-se
questões identitárias e de reflexão nas quais o
papel da LM é inegável.
Orientações
Curriculares (2006)
Competências
de natureza concreta ou abstrata, comum ou
especializada, de acesso fácil ou difícil,
permitem afrontar uma família de tarefas e de
situações, apelando para noções,
conhecimentos, informações, procedimentos,
métodos, técnicas ou, ainda, outras
competências mais específicas. São dependentes
do contexto e devem ser adequadamente postas
em prática em tempo útil e conscientemente.
Perrenoud (1999)
Competências
conjunto de conhecimentos, atitudes,
capacidades e aptidões que habilitam alguém
para diversos desempenhos na vida.
Mello (2000)
Competências
princípios importantes para a construção da
identidade profissional dos docentes em
sociedade.
Gimenez (2005)
Tarefas do professor
mudar sua representação e sua prática; exercer a
cooperação profissional, em uma visão sócio-
construtivista e interativa da aprendizagem;
quebrar rotinas, repensar sua profissão e gerar
aprendizagens fundamentais; buscar identificar
e valorizar suas próprias competências antes das
dos aprendizes, em um trabalho de relação com
o próprio saber; ter uma postura reflexiva, saber
observar, regular, inovar, aprender com os
outros e com a experiência.
Perrenoud (2002)
Tarefas do professor
de LE
estender a dimensão temporal e espacial da
comunicação; compreender as diferentes formas
de realização da experiência humana por meio
da linguagem; intensificar a percepção das
características das LEs em relação à LM;
desenvolver a confiança do aprendiz nos
desafios cotidianos do uso da língua,
contribuindo para o desenvolvimento da
cidadania.
Orientações
Curriculares (2006)
Inclusão e exclusão
digitais
a inclusão remete-se a uma consciência crítica
da heterogeneidade e da diversidade
sociocultural e lingüística; a exclusão seria
resultado de concepções de língua e cultura
como totalidades abstratas, fixas, estáveis e
homogêneas.
Orientações
Curriculares (2006)
Redes de trabalho
desenvolvidas em espaços coletivos onde a
atividade profissional pode constituir um
valioso instrumento de formação. Trabalhar e
formar não são atividades distintas, mas
integrantes de um processo permanente dentro
dos projetos de ação profissional e
organizacional, nos quais os agentes devem ser
valorizados como profissionais e indivíduos
em constante formação e transformação.
Nóvoa (1997)
Aprendizagem
colaborativa
possibilidade de ensino menos centrado no
professor e mais voltado à interação e ao
diálogo, cuja quebra da hierarquia e das
barreiras geográficas e políticas pode vir a
tornar a escola mais horizontal, por meio de
uma polifonia de vozes sociais que passa a
questionar a hegemonia e os saberes imutáveis.
É um passo necessário para o desenvolvimento
da reflexão social crítica, no qual os professores
têm papel fundamental.
Braga (2007)
Aprendizagem
telecolaborativa de
línguas
uso de pequenos grupos de alunos trabalhando
juntos para desenvolver sua aprendizagem
individualmente e com o grupo. Aplicação de
redes de comunicação global na formação e
aprendizagem de LE. Proporciona a
investigação de um amplo contexto ecológico
que afeta a aprendizagem e os usos da
linguagem na sociedade atual, dentro e fora da
sala de aula.
Fundaburk (1998);
Belz (2002)
Quadro 9: Conceitos relativos ao estudo das competências, reflexividade e
contextos de formação e atuação do professor de línguas
Tendo em vista as colocações dos autores acima sintetizadas, bem como a
realidade da pesquisa em foco, entendemos que reflexão, como atividade docente, é um
trabalho cognitivo de formação que deve levar em conta, primeiramente, o contexto
espacial e temporal que integra as pessoas nesse processo. Como tal, envolve pensar
coletivamente sobre culturas, valores, competências, saberes e limitações, ações e
motivações e, ainda, riscos, presentes na atual sociedade da tecnologia e da
relatividade de conceitos. Refletir deixou de ser uma atividade solitária e de resolução
de problemas do professor em sala de aula para caracterizar-se como uma tarefa
social, ética e histórica, em diversos contextos de aprendizagem.
2.4 TANDEM E ENSINO/APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS
Na quarta e última temática, abordamos as discussões teóricas a respeito das
modalidades de tandem em contextos inovadores de ensino/aprendizagem de línguas.
Para tanto, traçamos um panorama histórico do tandem e caracterizamos a modalidade
como meio para a aprendizagem autônoma de LEs, bem como trazemos as principais
características que diferenciam as três modalidades de tandem. Depois, fazemos uma
caracterização do teletandem como aquela que mais favorece a aprendizagem de línguas
mediada pelo computador, exibindo exemplos das partes de uma sessão de teletandem
retirados do próprio contexto estudado.
Historicamente, o conceito de Tandem — que remete ao veículo semelhante a
uma bicicleta de dois selins, operada por mais de uma pessoa — como aprendizagem
em pares surgiu com Joseph Lancaster e Daniel Bell, nos anos de 1800, em escolas de
educação fundamental de Manchester, como um sistema mútuo de aprendizagem de
Inglês em substituição ao ensino convencional por meio do professor. Em 1968, a idéia
de tandem como um par de aprendizes de uma mesma língua passou a ser
experimentado em línguas diferentes, entre jovens falantes de Francês e Alemão e,
posteriormente, a ser utilizado no Alemão-Turco, no trabalho com imigrantes em
Munique e em Frankfurt. Em 1979, Jürgen Wolff desenvolveu o procedimento de
tandem Espanhol-Alemão em Madri, que mais tarde tornou-se a base para a atual
TANDEM Network. Nos anos de 1980, as atividades na área de Francês-Alemão
continuaram a se desenvolver, freqüentemente voltadas a aplicações lingüísticas
técnicas e profissionalizantes: Direito, Hotelaria, Agronegócios, Telecomunicações. Na
Espanha, Wolff e outros desenvolveram um programa de cursos em Madri, dando
origem ao Centro Cultural Hispano-Alemán TANDEM, atualmente Escuela
Internacional TANDEM. Desde 1983, o método é reconhecido como um dos elementos
básicos em uma proposta alternativa de aprendizagem de línguas e a rede TANDEM
disseminou-se pela Alemanha, Canadá, Chile, Costa Rica, Espanha, França, Grã-
Bretanha, Hungria, Irlanda, Itália, Peru, Polônia e República Tcheca, além de algumas
parcerias com a Áustria, Portugal e Suíça. Sua estrutura facilita cursos de línguas no
exterior, intercâmbios estudantis, roteiros culturais e outras atividades de trocas
lingüísticas e culturais. Em 1994, fundou-se a TANDEM Fundazioa, com sede em
Donastia/ San Sebastián, no País Basco, a fim de propiciar a colaboração acadêmica das
universidades e o aperfeiçoamento de professores (cf. History of Tandem
12
).
Ainda nos anos 90, a International Tandem Network sistematizou os princípios
da aprendizagem in-tandem: bilingüismo, reciprocidade e autonomia (VASSALLO E
TELLES, 2006). O primeiro princípio, do bilingüismo, trata de garantir que os
aprendizes sintam-se desafiados a usar a língua-alvo — como uma sessão de Tandem
divide-se em duas partes, cada uma delas deve ser dedicada a uma das línguas na qual
um dos falantes é proficiente, trocando-se, na sessão seguinte, a língua que iniciará a
conversação. O segundo princípio, da reciprocidade, visa a preservar a auto-estima dos
aprendizes, à medida que proporciona trocas de conhecimento cultural e lingüístico
entre os interagentes, podendo, ainda, representar um feedback para que os participantes
percebam o que conseguiram ou não ensinar a seus parceiros sobre a língua-alvo,
durante a sessão. O terceiro princípio envolve a autonomia dos parceiros de Tandem
sobre o que, quando, onde e como estudar, e, ainda, sobre quanto tempo desejam
permanecer interagindo (tomadas de decisão). Engloba, portanto, níveis de
responsabilidade, comprometimento e poder dos interagentes sobre o processo de
aprendizagem, sem deixar de lado a colaboração, característica fundamental na
aprendizagem in-tandem, que garante o sucesso da aprendizagem, a socialização e a
preservação da motivação recíproca. Por isso, é importante ressaltar que a autonomia é
um princípio de interpretação relativa e que varia de acordo com os contextos de
implementação do Tandem, tais como escolas ou universidades — Tandem institucional
— ou encontros colaborativos entre indivíduos — Tandem independente.
Para Brammerts (2002), é unânime entre economistas, políticos e cientistas a
visão da necessidade de se criar oportunidades, disponibilidades e competências para
uma aprendizagem autônoma ao longo da vida (p. 15). No âmbito das LEs, a
autonomia pode levar, sobretudo, a uma formação mais consciente dos aprendizes a
respeito de estratégias e técnicas de aprendizagem. Nesse sentido, o autor vê na
aprendizagem in-tandem princípios simples de serem adotados e possibilidades de uma
aprendizagem aberta, cooperativa e autônoma, associada à comunicação intercultural
autêntica e disponível a outras áreas do saber. E, ainda, por ser acessada através das
12
http://www.tandemcity.info/general/en history.htm
novas tecnologias de comunicação, pode atingir um grande número de aprendizes e
atender a finalidades curriculares diversas.
O autor salienta que o objetivo principal da aprendizagem é a capacidade de
comunicação na LE, porém, isso não se limita à comunicação sobre a língua. Portanto,
predominam duas vertentes, a de comunicar e a de aprender. Nas interações in-tandem,
o cotidiano, as experiências e os conhecimentos do parceiro transformam-se no tema
quase que natural do diálogo, já que ambos tanto querem falar de si como saber mais do
outro. Nesse sentido, as informações, os pontos de vista e as atitudes de cada um podem
ajudar a compreender melhor o seu background cultural, de forma a reagirem mais
adequadamente nesse contexto (op. cit., p. 17).
Aprender línguas in-tandem significa aprender por meio de uma comunicação
autêntica, aspecto que normalmente está ausente nas situações simuladas de sala de
aula. Portanto, a situação ideal de aprendizagem dá-se entre pares, possibilitando uma
boa relação entre desempenho e aproveitamento, uma comunicação intercultural
significativa um exercício de autonomia. Outra necessidade no tandem é que haja pelo
menos um conhecimento mínimo das LEs pelos parceiros, já que a comunicação não se
caracteriza como ensino, mas como um auxílio à aprendizagem do outro.
Little (2002) também ressalta que o conceito de autonomia é fundamental no
tandem, já que é gerada e se alimenta da interdependência social dos interagentes. Para
o autor, a autonomia também é essencial para adquirirmos competência, pois não
parece haver grandes vantagens em se aprender uma LE na escola se posteriormente
não se puder utilizá-la como meio de comunicação em outros contextos (op. cit., p. 29).
Portanto, seria ótimo que, já na escola, cada aprendiz fosse motivado, de forma
sistemática, a desenvolver uma aprendizagem autodirigida (BRAMMERTS E
CALVERT, 2002, p. 47). Agir socialmente é, pois, uma oportunidade para a reflexão,
único meio pelo qual os aprendizes podem construir um ritmo próprio de aprendizagem
em harmonia com seus objetivos. Nesse contexto, é também possível refletir sobre a
LM e a LE, o que pode imprimir uma dimensão social e metacognitiva à autonomia do
aprendiz.
A motivação é outro aspecto bastante importante na aprendizagem in-tandem, tal
como em qualquer tipo de relação de intercâmbio, caso contrário a parceria não dura.
Assim, é conveniente que os parceiros falem de temas que interessem a ambos ou que
estejam relacionados à competência que pretendem atingir, afim de que se caracterize a
autenticidade (BRAMMERTS E CALVERT, op. cit., p. 48-9). Outra necessidade na
aprendizagem in-tandem, na visão dos autores, é o acompanhamento, entendido como
apoio aos aprendizes por meio de aconselhamento individual, ou, no caso desta
pesquisa, de mediação, que se constitui de um trabalho reflexivo realizado em encontros
presenciais ou virtuais, oralmente ou por escrito, com base no incentivo e na
colaboração com as atividades realizadas.
Segundo Vassallo e Telles (2006, 2008), a aprendizagem de LE in-tandem, ainda
pouco conhecida no Brasil, representa um contexto autônomo, recíproco e colaborativo
de aprendizagem, no qual dois falantes proficientes de diferentes LEs interagem para
ser, ao mesmo tempo, aprendiz da língua do outro e tutor de sua LM ou de proficiência.
Não se trata de uma aula particular, já que, do ponto de vista dos papéis desempenhados
pelos participantes, nenhum dos dois falantes se caracteriza como professor, na
concepção tradicional do termo; tampouco é um mero encontro casual ou um chat, no
qual duas pessoas simplesmente conversam sobre coisas corriqueiras na língua. Mais
além, a aprendizagem in-tandem é um evento de interação comunicativa, no qual dois
interagentes usam a língua-alvo para compartilhar idéias, informações culturais e
aprender a língua um do outro, por meio da motivação gerada na conversação real.
Voltando às questões de autonomia e de desempenho de papéis dos interagentes, é
importante compreender que a aprendizagem in-tandem não se assemelha à
aprendizagem convencional, pelo simples fato de não haver a figura do professor nas
sessões. Embora haja um grau maior de independência dos parceiros na organização da
aprendizagem, a colaboração é uma marca significativa na concepção de aprendizagem
nesse contexto. As atitudes de um interagente interferem nas do outro, já que o objetivo
em comum do par é tornar-se, primeiro, proficiente na língua um do outro, para, então,
ser proficiente em duas línguas. Há, assim, uma situação cooperativa de aprendizagem
que cria uma identidade de parceria, podendo levar, pela naturalidade das interações, ao
enfrentamento de barreiras psicológicas e lingüístico-comunicativas, tão comuns em
aulas convencionais de LE.
No Brasil, o interesse em comum pelo funcionamento da aprendizagem em
Tandem motivou o professor universitário João Antonio Telles e a leitora em língua
italiana Maria Luisa Vassallo, na UNESP de Assis, a iniciarem uma experiência pessoal
de tandem face-a-face em Italiano-Português. Porém, embora ambos conhecessem o
potencial dessa modalidade de ensino para a aprendizagem de línguas, igualmente
sabiam da inviabilidade de oferecê-lo a seus estudantes, tanto pelo isolamento
geográfico quanto pela impossibilidade do contato face-a-face com pessoas e culturas
de outros países. Após quatro anos trabalhando ao lado de Telles em contexto
universitário no Brasil, Vassallo retornou a Itália e ambos passaram a buscar
possibilidades para manter, geograficamente distantes, o contato mantido no tandem
face-a-face. Nesse contexto, pesquisaram um software com o qual pudessem
proporcionar situações de comunicação síncrona e de interação áudio-visual, dando
origem às primeiras idéias sobre o Projeto Teletandem Brasil, desenvolvido
primeiramente por meio do MSN Messenger, um software para mensagens instantâneas
e uma ferramenta para a comunicação à distância, cuja versão mais atualizada em uso é
o Windows Live Messenger. Dessa forma, Telles e Vassallo compreenderam que, mais
do que um tandem por e-mail ou um tandem face-a-face, a nova modalidade poderia
proporcionar aquilo que as outras duas fazem separadamente: trabalhar a produção e a
compreensão escritas e a produção e a compreensão orais, além da possibilidade da
imagem e do som, caracterizando-se como uma forma diferente de Tandem, por eles
nomeado Teletandem (TELLES E VASSALLO, 2006).
Institucionalizou-se, assim, o Projeto “Teletandem Brasil: línguas estrangeiras
para todos”, grupo de pesquisa pioneiro no Brasil, certificado pelo CNPq – Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e financiado pela FAPESP -
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, e coordenado por docentes
doutores e orientadores de alunos de graduação e de pós-graduação da UNESP, nas
unidades de Assis e São José do Rio Preto, em parceria com os departamentos de PLE
de instituições de ensino de línguas no Canadá, Espanha, Estados Unidos, França e
Itália (cf. “Projeto Teletandem Brasil: línguas estrangeiras para todos”).
Em relação ao funcionamento e finalidades comunicativas e pedagógicas das
modalidades de Tandem, notamos que existem diferenças fundamentais entre o tandem
face-a-face, o e-tandem e o teletandem. Basicamente, no primeiro, o tandem se restringe
ao modo face-a-face entre pessoas que compartilham um mesmo contexto geográfico;
no segundo, o tandem não focaliza a produção e a compreensão orais, tampouco as
habilidades de leitura de imagens, já que se restringe às habilidades e práticas de escrita
e leitura dos textos escritos via e-mail; já o teletandem explora as ferramentas e o
contexto apropriados para que os participantes, geograficamente distanciados, possam
praticar virtualmente a produção e a compreensão orais, além das habilidades de leitura
e escrita. Dessa forma, tal modalidade pode, ainda, proporcionar, de modo virtual, a
aproximação que caracteriza o processo de ensino/aprendizagem do modo face-a-face.
As representações que se seguem nos permitem visualizar as principais
diferenciações entre as três modalidades de tandem descritas acima:
Tandem face-a-face
Tandem face-a-face
Participantes compartilham mesmo
contexto físico e têm liberdade
para escolher as imagens que
desejam ler do outro e do
contexto
Geralmente, produção e
compreensão orais não são
compartilhadas de maneira
equilibrada – um participante
tende a falar ou ouvir mais
que o outro
A leitura e a escrita são
habilidades de pouca ênfase
e praticadas fora das
sessões de tandem; a primeira é
sugerida de sites da internet e a
segunda de temas específicos
discutidos pelos participantes
Representação 1: Tandem face-a-face
E-Tandem
E-Tandem
Cada participante limita-se a seu
próprio contexto físico, trocando
descrições dos contextos entre si;
Não há imagens
A produção e a compreensão orais
o são trabalhadas
A leitura é a habilidade mais
praticada, podendo ocorrer em
pares por
chat
(síncrona) ou por
e-mail (assíncrona). A escrita é
trabalhada de forma semelhante
Representação 2: E-tandem
Teletandem
Teletandem
Participantes estão separados
fisicamente, mas compartilham
imagens pela
webcam
, em um
contexto virtual
A prodão e a compreeno orais
se aproximam da conversação
natural, desde que
o equipamento funcione bem
As habilidades de leitura e escrita
podem ser praticadas como
desenvolvimento das interações,
por meio de anotões e
leitura de novo vocabulário
Representação 3: Teletandem
Notamos que a modalidade de teletandem pode oferecer as possibilidades mais
adequadas para um ensino/aprendizagem de línguas à distância bem-sucedido, a
começar pela quebra de barreiras de distância geográfica que impossibilitam, dificultam
ou encurtam o desenvolvimento do tandem face-a-face. As práticas de produção e
compreensão orais e de produção e compreensão escritas que ocorrem como
desenvolvimento das interações se aliam à naturalidade da realização comunicativa em
tempo real, a partir das imagens compartilhadas pela webcam. Tal aspecto proporciona,
ainda, o reconhecimento, pelos interagentes, de manifestações não-verbais (gestos,
expressões faciais, hesitações) do parceiro, referentes à compreensão da LE da
conversação, o que funciona como feedback da motivação apresentada pelos
interagentes no ensino/aprendizagem da língua-alvo, algo que não é possível ser
presenciado nas interações em e-tandem ou podem passar despercebidas, por exemplo,
na primeira modalidade.
2.4.1 A sessão de teletandem: funcionamento geral, fases e exemplos das práticas de
interagentes de português-espanhol
13
Como já sabemos, o software que possibilita o desenvolvimento de uma
interação via teletandem é o Windows Live Messenger, além do Skype, comumente
usado nas interações. Tendo-o instalado, um interagente clica no ícone de contato com o
parceiro (previamente incluído na lista de contatos) e abre-se uma janela de chat. No
topo do menu, clicando em “vídeo”, o interagente convida o parceiro para uma
conversação; se o parceiro aceitar o convite, a imagem de cada um é exibida no canto
direito da tela em poucos segundos, enquanto que, no alto do lado esquerdo, a janela de
diálogo por chat se reduz. Em uma janela do lado esquerdo, abaixo, os interagentes
podem escrever mensagens ou anotações sobre o conteúdo lingüístico das interações.
Terminada a sessão, os interagentes podem salvar as anotações para uma
referência posterior, para estudo ou preparação de tarefas. Caso não queiram utilizar
esse recurso, podem fazer uso do quadro branco do software, com as seguintes
vantagens: tomar notas; escolher a cor da fonte; sublinhar palavras e expressões;
desenhar; usar a “mãozinha” como indicador das anotações, de forma compartilhada e
simultânea, como se estivessem lado a lado. Os interagentes podem, ainda, salvar o
conteúdo do quadro branco para impressão ou como referência. As sessões também
podem ser gravadas.
De acordo com Telles e Vassallo (2006), uma sessão regular de teletandem pode
durar um mínimo de duas horas, uma para cada língua, e é composta de três fases
básicas:
1. Conversação sobre um ou mais tópicos (aproximadamente 30 minutos);
2. Feedback lingüístico (aproximadamente 20 minutos);
3. Reflexão compartilhada sobre a sessão (aproximadamente 10 minutos).
A seguir, explicitamos como cada fase se organiza, trazendo alguns exemplos
das práticas desenvolvidas por N e H, interagentes de português- espanhol no Projeto
“Teletandem Brasil: línguas estrangeiras para todos”.
13
Os trechos das interações aqui tomados como exemplos foram extraídos dos dados de pesquisa
analisados nesta tese de doutorado.
Fase 1: Conversação sobre um ou mais tópicos
Nessa primeira fase, a interagente 1 (H, na posição de falante proficiente de
espanhol) atenta sobre “o que” e “como” a interagente 2 (N, na posição de aprendiz) diz
coisas na língua-alvo, a fim de fazer a conversação fluir. Da mesma forma, a primeira
anota o vocabulário necessário a aprendiz, os erros gramaticais cometidos e os
problemas de pronúncia que afetam a compreensão da língua. Vejamos o excerto
abaixo, extraído de uma interação iniciada em espanhol, entre as participantes N e H.
1.N: ¿Y cómo estás?
2.H: Ahhhh, bien, cansada, cansada, con MUCHO MUCHO MUCHO
3.trabajo, bueno, ahora ya estoy mejor.
4.N: Sí [¿Y tu viaje?]
5.H: [Y tú ¿qué tal?]
6.N: Estoy bien, estoy bien, trabajando un poco ahora porque mis clases ya
7.volvieron otra vez ¿no? ¿Volvieron? ((questiona se está falando
8.corretamente))
9.H: Eh, más bien ya regresé a clase o ya empezaran mis clases otra vez.
10.N: Sí, entonces ya regresé a mis clases y luego los trabajos empiezan y
11.nos quedamos, bueno, como tú, con un montón de cosas que hacer
12.((risos))
13.H: La vida ¿qué tal?
14.N: ¡BIEN! Estoy dando clases de español, ahora tengo más dos alumnos
15.y estoy dando clases también a un colombiano, de lengua portuguesa,
16.ahora tengo un poco más de contacto con algunos materiales… humm…
17.para enseñanza de la lengua portuguesa para… para… extranjeros.
18.H: Hum-hum.
(Interação 10, em teletandem, 2006).
Como acabamos de ver, H, que é a interagente proficiente em língua espanhola,
oferece rápidas aberturas (linhas 5 e 13) para que N, na posição de aprendiz, possa
iniciar o uso da língua-alvo a partir de um convite para relatar coisas cotidianas da vida.
Quanto à correção, H a realiza a partir do questionamento de N sobre o uso que esta
acabara de fazer do verbo “volver” no passado, para o qual H oferece uma alternativa
simples, sem utilizar explicações gramaticais desnecessárias e que poderiam
interromper a naturalidade da conversação (linhas 7 a 9). O fato de H demonstrar
compreensão sobre o que N diz a respeito da dificuldade de ensinar sua LM a
estrangeiros parece confirmar o grau da confiança estabelecida entre ambas já no início
da interação, quando confidenciam estar bastante cansadas com os compromissos de
trabalho e de estudo, levando-nos a crer que H realmente dá importância àquilo que N
produz oralmente na língua-alvo.
Fase 2: Feedback lingüístico
Na segunda fase do teletandem, a falante proficiente de português (N) usa as
anotações feitas para oferecer a sua interagente (H, como aprendiz) explicações simples
e objetivas, preferencialmente sobre gramática, vocabulário e problemas de pronúncia.
Vejamos abaixo o que ocorre em outro trecho de interação, desenvolvida agora em
português:
1.H: Eu estava a ver a fotografia que você tem no messenger, é muito
bonita.
2.N: Obrigada, ((risos)) sou eu com duas amigas.
3.H: É muito bonita essa foto.
4.N: Essa do meio ela se chama A., foi no dia do casamento dela essa foto.
5.H: Sim.
6.N: E a outra também se chama N.
7.H: Então você tem uma mana ((ri))
8.N: Sim ((também ri))
9.H: ((continua rindo)) Tá bom ((observando N.)) você tem agora o cabelo
10.muito longo!
11.N: Hum-hum, comprido, bem comprido.
12.H: Comprido?
13.N: Sim.
14.H: Comprido.
15.N: Essa foto ela tem... deixa eu pensar... dois meses e meio, agora ele
16.deve tá um pouquinho mais comprido.
17.H: Eu acho que eu vou penear... penear? No, isso não é português
18.((reformula o que diz)). Eu quero que meu cabelo seja comprido outra
19.vez.
20.N: Hum- hum, vai deixar ele crescer, o cabelo.
21.H: Sí ((enquanto isso, N. escreve a expressão no quadro branco)).
22.H: Deixar... crescer ((lê a anotação)) para o verão, para coger.
23.N: Como?
24.H: Sim, porque... quando eu tenho o cabelo curto, no verão, eu não gosto
25.de fazer nada com el, é terrível, es que deixo o cabelo comprido no
26.verão,.puedo coger.
27.N: Amarrar, prender.
28.H: Amarrar?
29.N: Hum-hum ((escreve novamente no quadro)).
30.H: Amarrar... e é mejor ((ri)).
31.N: E não fica pegando no pescoço.
32.H: Amarrar, prender. AMARRAR se usa também para... otras coisas
33.como... hummm... a cuerda?
34.N: Sim!
35.H: OK! Amarrar ((N. acrescenta no quadro outros usos para amarrar))
36.amarrar ((lendo)) o cadarço.
37.N: [Sabe o que é cadarço?]
38.H: [Cadarço é cuerda?]
39.N: Não. Cadarço é aquela fitinha que a gente amarra o tênis ((faz o
40.gesto)) ((pausa)) sabes, no?
41.H: AGUJETA?
42.N: Eu não sei como fala em espanhol.
43.H: Los zapatos?
44.H: SIM, eso. No México é AGUJETA ((escrevendo no quadro)) A-GU-
45.JE-TA e aqui diz cinta ((na Espanha)).
46.N: Agujeta.
47.H: Porque aqui... AGUJETA é... A-GU-JE-TA ((relê o que
48.escreveu))...agujeta é... bueno, si um dia você CORRE MUITO ou joga
49.tênis depois de muito tempo que não joga e não faz nada...
50.N: [Hum-hum]
51.você tem no seguinte dia... você tem dor no corpo.
52.N: Ah, tá!
53.H: Então se tem dor no braço por jogar tênis com a raqueta você diz que
54.tem uma AGUJE-TA ((ri)) então [quando eu fiquei aqui, quando eu vim
55.de lá, uma amiga minha diz ...oh estou
56.N: [Hum-hum]
57.muito cansada, estou muito mal... eu diz ih agora tem o corpo LLENO de
58.agujetas.
59.N: ((ri))
60.H: ((escreve a expressão no quadro)) Agujetas.
(Interação 10, em teletandem, 2006).
No trecho apresentado, percebemos que N e H se propõem a interagir em
português, fazendo de N a interagente proficiente agora. Nesse contexto, a
espontaneidade da interação predomina novamente, a partir do próprio material gerador
da conversação, que é a foto de apresentação de N no messenger. A partir da fotografia,
H faz uma comparação entre o comprimento do cabelo de N na foto e agora, pela
imagem real gerada na webcam e, daí, surgem contextos didáticos relacionados à
palavra “cabelo” — cabelo comprido, pentear o cabelo, prender ou amarrar o cabelo,
que H já associa a “amarrar a corda” (linhas 32 e 33). Por sua vez, N expande o uso do
mesmo verbo amarrar para “amarrar o cadarço”, palavra que H não conhece e que N
explica, de maneira bastante simples e utilizando gestos (linhas 35 a 39). H, então,
associa-a imediatamente à “agujeta”, sinônimo de “cadarço” no México, mas “cinta” na
Espanha (linhas 44 e 45). Indo além, explica a N que “agujeta” também pode significar
uma dor muscular após uma partida de tênis, por exemplo (linhas 48 a 51). Notamos,
pois, que o contexto de ensino/aprendizagem, iniciado na língua portuguesa, acaba se
transformando em uma rica troca de conhecimentos lingüísticos, comunicativos e
culturais, confirmando a idéia de reciprocidade presente no teletandem. É importante
salientar, também, o uso que as interagentes fazem do quadro branco, recurso do
software que permite a visualização de palavras ou imagens as quais se pode recorrer,
caso a explicação oral não tenha sido suficientemente compreendida.
Fase 3: Reflexão compartilhada sobre a sessão
Na última fase básica de uma sessão de teletandem, a falante proficiente de
português (N), primeiramente, pode questionar sua interagente a respeito das sensações
ao utilizar a língua-alvo, ouvindo atentamente seus receios e problemas. Depois, insere
comentários, procurando ser otimista e salientando os pontos positivos da atuação da
parceira, buscando promover a autonomia e a reciprocidade — dois dos três pilares do
teletandem, ao lado do bilingüismo — evitando a competição destrutiva e a comparação
de desempenho entre ambas. Vejamos, a seguir, N e H encerrando uma interação em
português:
1.H: N, eu tenho que fugir.
2.N: ((rindo)) Pra onde?
3.H: ((rindo)) Eu tenho agora que terminar a interação porque eu tenho que
4.sair, mas eu tenho umas pequetitas coisas pra teu espanhol, tu queres que
5.eu diga?
6.N: Você tá com pressa? Quer redigir um texto e me enviar e eu redijo um
7.texto eu te envio também? Ou você quer falar agora os problemas?
8.H: É... se queres que te dê os problemas tu só tens quatro, pequeninos.
9.N: ((ri))
10.H: É que eu me esqueci ((de avisar do compromisso)) é que no princípio
estávamos a falar e/
11.N: ((rindo)) Não tem problema, quais são?
12.H: Tá bom, si queres que eu te diga, tu tenes muitos, si?
13.N: Si?
14.H: É, muitos erros mios.
15.N: Tenho quê?AH, muitos erros SEUS!
16.H: ERROS míos ((escreve no quadro))]
17.N: ((N. lê e ri)) Não são muitos, não são, não são erros, são equívocos.
18.H: Então... equívocos?
19.N: Sim
20.H: AH! E essa coisa, que es?
21.N: ((rindo))
22.H: Pues que significa erro?
23.N: Como?
24.H: Qué significa ERRO, entonces?
25.N: Ah, sim... ai ai ai... vamos lá ...ERRO seria um equívoco... que você
26.comete... é.../
27.H: AH, NÓS ESTAMOS A FALAR DA TEORIA LINGÜÍSTICA?
28.N: SIM!
29.H: AH, TÁ BOM ! Eu estava a pensar, eu conheço ela diferente, nós
30.hemos visto otro dia, eu estava a pensar que ERRO é alguma outra coisa
31.como... O SAPATO DO CAVALIO... ((fazendo piada))
32.N: ((ri)) Não, é exatamente isso que cê tá pensando, a diferença entre
33.erro e equívoco da Lingüística. Você não comete erros, você comete
34.EQUÍVOCOS ((continua rindo))
35.H: AH... é mejor ((ri))
36.N: ((ri))
(Interação 10, em teletandem, 2006).
Nesse excerto, conseguimos perceber que, ao falar em erros, já no final da
interação, as participantes parecem tomar cuidado para não gerar ansiedade entre ambas
e isso pode ser sentido até mesmo nas escolhas lingüísticas que fazem para amenizar a
idéia de “você cometeu um erro”. H, por exemplo, faz referência aos erros de N
primeiro como “umas pequetitas coisas pra teu espanhol” (linha 4) e depois como “tu só
tens quatro, pequeninos” (linha 8). Ao utilizar “pequetitas” e “pequeninos”, dois
vocábulos no diminutivo, H parece utilizar uma estratégia discursiva que minimiza a
importância das incidências de erros na produção oral de sua interagente, no intuito de
que esta não dê tanta importância a eles. Por outro lado, parece não ter essa mesma
visão sobre seu próprio desempenho oral em língua portuguesa, pois demonstra
acreditar que N tenha notado muitos problemas em sua produção (linha 12). N, por sua
vez, também busca minimizar o valor da incidência de erros de H, afirmando que não se
tratam de “erros”, mas de “equívocos” (linha 17). Ao recorrer a conceitos teóricos da
Lingüística, a tentativa de N para tranqüilizar sua parceira parece ter tido, de início, um
efeito contrário, já que H ficou um tanto confusa sobre o que seria essa distinção citada
por N. Logo em seguida, porém, H recorda a teoria já conhecida e a tensão dá lugar à
brincadeira – “Eu estava a pensar que ERRO... é alguma outra coisa como... O
SAPATO DO CAVALIO...” (linhas 30 e 31). Apesar dessa assimetria manifestada na
interação, de forma não intencional, percebemos que ambas tiveram o intuito de evitar
comparações de desempenho entre si. O fato de N ter sugerido que os problemas fossem
enviados posteriormente, por e-mail, pode ser tomado como uma tentativa de
negociação e de não competição, ou mesmo de evitar tratar de erros.
Compreendidas as três fases básicas de uma sessão de teletandem, é importante
relembrar que a língua-alvo de início das interações deve ser sempre alternada, ou seja,
que os interagentes não comecem as sessões sempre com a mesma LE, a fim de garantir
o bilingüismo, um dos princípios do teletandem. Além disso, nos intervalos entre uma
sessão e outra, os participantes podem escrever textos na língua-alvo e trocá-los por e-
mail, a fim de comentá-los e reescrevê-los. Veremos a seguir um trecho de um diário de
interação escrito por N, em 2006, no qual a interagente brasileira relata justamente essa
experiência de troca de produção textual por e-mail, bem como as dificuldades e
inseguranças sobre ensinar português como LE:
1.Esta interação foi diferente. Depois da mediação com a M, enviei um e-
2.mail para a H pedindo que ela escrevesse um texto em português me
3.contando sobre o congresso ao qual foi no final de semana. Fiz o mesmo,
4.e como fui a um bingo com meus pais, escrevi o seguinte texto para ela:
5.Bueno, voy a contarte una cosa que me ha pasado hoy. Acabo de llegar de
6.un bingo que fui con mis padres, no me gusta mucho pero es muy común
7.en mi ciudad y le gusta a mi papá, entonces voy a acompañarlo. El
8.objetivo de estos bingos que vamos es para coger algun dinero para
9.ayudar las iglesias de la ciudad, en ellos hay músicas, cosas de comer y
10.mucha gente. Los premios son donados entonces la iglesia solamente
11.gana con eso. Mi família es muy religiosa, yo casi no voy a la iglesia
12.catolica, prefiero orar en mi casa y a veces voy a la iglesia de mi novio
13.llamada "Congregação Cristã do Brasil" es evangélica y a mi me gustan
14.las sus oraciones y sus himnos. Pero, volviendo al bingo, mi profesora
15.dijo una vez que es más o menos lo que los españoles llaman de
16."verbena", conozco poco respecto a las verbenas, pero creo que sea un
17.poquito semejante. Llamamos eso de "quermesse".
18.E ela me escreveu o seguinte em português:
19.Nestos dias eu fui para um congreso sobre a escritura popular em
20.Zamora. Eu fui com o meu marido, e nós falamos sobre o blog. A
21.experiencia foi diversa. A noite anterior a nossa comunicação o
22.professor que foi o moderador da mesa fiz muitas perguntas um poco
23.agresivas e também um pouco retadoras, mais o dia depois ele foi muito
24.bom con nós. Eu acho que ele estava a fazer uma prova com nós. A nossa
25.comunicação resultou polemica e eu acho que isto foi bom porque depois
26.houve discução. Nós conhecimos muitas pessoas muito interessantes:
27.alguns investigadores importantes e outros com projetos novos como os
28.nossos. Depois do congreso nos fomos de turismo para Oporto que é
29.uma cidade muito bonita e também deliciosa porque tem muito vinho do
30.porto. Ao final da viagem eu fico cansada mais com muitos novos
31.projetos.
32.Corrigi o texto dela antes da interação, consultei gramáticas e alguns
33.textos para preparar a interação. Fazer isso foi bom, pois me senti mais
34.segura quanto àquilo que estava dizendo. A H fez o mesmo e enviou o
35.meu texto corrigido. No momento das explicações, senti dificuldades e
36.percebi que ela não se convenceu de algumas regras gramaticais que eu
37.expliquei. Por exemplo, o uso do acento grave em “à noite anterior à
38.nossa comunicação” poder acontecer, expliquei que era um uso
39.facultativo, mas não consegui esclarecer porque ele pode acontecer.
40.Outras questões se referiram às diferenças entre o português do Brasil e
41.o português de Portugal, acho que quanto a isso as coisas ficaram
42.claras.
43.Tive problemas com o estilo. Às vezes não sabia se a construção que ela
44.havia feito era uma transferência ou se era possível na língua
45.portuguesa, mas diferente do meu estilo, visto que as construções eram
46.possíveis, ao mesmo tempo em que me pareciam estranhas (como em “a
47.experiência foi diversa”).
(diário de interação de N, 2006).
Como acabamos de ver, a atividade de interação promovida pelo teletandem vai
além das trocas lingüísticas via MSN, já que a atividade de reflexão acerca do processo
de ensino/aprendizagem leva as interagentes a trabalharem questões de outro teor,
voltadas à compreensão da cultura, das crenças e das atividades cotidianas vivenciadas
por pessoas em contextos geograficamente distantes e cultural e politicamente distintos.
Esta é, sem dúvida, uma das tarefas mais significativas do professor criticamente
engajado em seu trabalho, inserido em um contexto que, antes de ser pedagógico, é
social e histórico (PIMENTA, 2002). Além disso, o fato de trocarem e-mails com suas
produções escritas em LE revela uma preocupação com a continuidade da interação,
algo que, em muitos contextos convencionais de ensino de línguas, não ocorre, já que,
nas escolas, o espaço de tempo que normalmente separa a aula dada da próxima é de
uma semana, havendo poucas oportunidades de contato dessa qualidade entre professor
e aluno. Observamos, ainda, que a tarefa de ensinar e de aprender línguas em
teletandem parte do contexto vivenciado pelos interagentes, traz informações culturais
que o outro não conhecia e constrói-se no diálogo pela busca do entendimento mútuo
por meio língua. Nesse sentido, interagentes passam a refletir não só sobre a língua que
aprendem, mas, sobretudo, sobre o ensino da LM, sobre a sua própria cultura e sobre o
papel que assumem como seus veiculadores a pessoas com propósitos semelhantes, do
outro lado do contexto. Essa nova tarefa permite-nos, sem dúvida, ensinar e aprender de
maneira mais significativa e comprometida com a realidade das novas trocas
lingüísticas e sociais.
Após termos tratado do arcabouço teórico que fundamenta esta investigação,
bem como termos conhecimento dos conceitos de crenças, discurso e reflexão
construídos em diálogo entre as proposições teóricas e o contexto estudado,
abordaremos, no capítulo que segue, a análise dos dados coletados nesta investigação.
CAPÍTULO III
ANÁLISE DOS DADOS
O presente capítulo traz a análise dos dados coletados nesta investigação, por meio dos
instrumentos anteriormente descritos, enfocando os três aspectos centrais desta pesquisa: as
crenças, o discurso e a atividade de reflexão das interagentes. O objetivo da análise de tais
enfoques é verificar de que maneira aparecem inicialmente caracterizados e de que forma se
modificam ao longo do processo de interação, buscando respostas para as perguntas de
pesquisa que fundamentam este trabalho.
Já esclarecemos anteriormente que optamos pela categorização dos dados, baseando-
nos em Burns (1999). Assim, identificamos categorias de crenças e expectativas e categorias
de reflexão no discurso da mediação, sendo que o percurso analítico traçado permite-nos
responder as três subperguntas propostas:
1-) Como se estabelecem as relações discursivas das interagentes in-teletandem, em
contexto de formação inicial?
2-) De que maneira aspectos como crenças, expectativas e discurso pedagógico podem
promover ou não atitudes de reflexão sobre a profissão docente em formação inicial, na atual
sociedade da informática?
3-) Como se constrói o discurso da mediação, no sentido de possibilitar o
desenvolvimento de um processo crítico de reflexão quanto ao contexto de teletandem?
Veremos, a seguir, o processo de categorização dos conceitos enfocados, bem como a
análise dos dados que ilustram as categorias e as considerações traçadas a respeito.
3.1 As categorias de crenças e expectativas no processo de aprendizagem in-teletandem
Realizamos a categorização do processo de formação das crenças e expectativas das
interagentes N e H em seus discursos oral e escrito, analisados em três interações por chat,
onze interações em teletandem, sendo três gravadas, autobiografias, questionários e diários
das interações. O objetivo da categorização é o de caracterizar o processo de manifestação e
(re)significação de crenças e expectativas trazidas pelas interagentes ao iniciar seu trabalho
como aprendizes de línguas in-teletandem, no sentido de compreendermos suas concepções a
respeito da dinâmica da aprendizagem de LEs em contexto inovador como o que estão
inseridas.
A seguir, apresentamos, primeiramente, as categorias e subcategorias elaboradas e, a
fim de explicitar e tornar compreensível o mecanismo de análise das categorias levantadas,
trazemos também os excertos dos contextos nos quais emergiram. Após esse detalhamento,
traçamos uma análise panorâmica da categorização. Apresentamos ainda, a caracterização da
análise do componente cultural em uma interação típica e as considerações gerais percebidas
no processo analítico.
Categoria 1: O significado do contexto de aprendizagem
1.1 Espaço afetivo e cultural diz respeito à importância das datas
comemorativas na infância de N (sua origem e significado) e à presença da família na
escola.
Excerto 1
1.Comecei a estudar em 1988, com três anos de idade, em uma escolinha
2.municipal. Nessa escola, fazíamos exercícios físicos, desenhos e muitas
3.festinhas em datas comemorativas (...).
4.Antes de cada comemoração, a professora nos ensinava os sentidos e as
5.origens daquelas festas, o que as tornava mais interessantes. Eu sempre
6.gostei muito do dia das mães, pois nesse dia minha mãe ia à escola
7.comigo.
(Autobiografia de N, 2006).
Excerto 2
1.Para iniciar mi autobiografía lingüística, es preciso explicar que mi madre es
2.mexicana y mi padre estadounidense y que, aunque mi infancia transcurrió casi
3.completamente en México (...), el inglés siempre formó parte de mi vida cotidiana
4.(…) En ese período hubo dos visitas importantes: primero la de mi abuelo
5.estadounidense con su segunda esposa (primeros años de la primaria). (…) No
6.hablaban español así que yo también les hablaba en inglés. Jugaban mucho
7.conmigo y tengo un grato recuerdo de esa época. La segunda visita, años
8.después (finales de la primaria) mi abuela estadounidense fue a México a vivir
9.con nosotros. Tampoco hablaba español y teníamos que hablar en inglés, pero
10.era una persona muy exigente para cosas de etiqueta y comportamiento social.
11.Recuerdo aquella época como triste, y mi abuela como una persona muy
12.distante.
(Autobiografía de H, 2006).
1.2 Condições de ensino público e desmotivação refere-se às políticas
educacionais, às trocas e ao despreparo dos professores, fatores que geram transtornos
e desmotivação no processo de aprendizagem de N e de H.
Excerto 3
1.A quarta série não foi um ano muito produtivo para mim, não sei por que, mas
2.sempre trocavam o professor e isso me desmotivava. Na quinta série houve uma
3.mudança na organização das escolas de minha cidade e a escola onde eu
4.estudava passou a ser apenas de ensino infantil. Então fui transferida para outra.
5.Foi nesse ano que a diretora implantou o ensino de língua inglesa na escola. Isso
6.foi um transtorno para todos (...) os professores não tinham preparação e nem as
7.salas de aula infra-estrutura, eram salas muito grandes e com muitos alunos, por
8.isso, não conseguíamos fazer os exercícios auditivos nem escutar as músicas que
9.a professora passava. Isso tudo me fez criar uma barreira com a língua inglesa e
10.me desmotivou na aprendizagem desta.
(Autobiografia de N, 2006).
Excerto 4
1.Al entrar a tercero de secundaria nos mudamos, debido a la crisis económica de
2.1994 en México y la consecuente quiebra del negocio de mis padres, de la ciudad
3.de Puebla al pueblo de San Miguel de Allende Guanajuato. Entré a una escuela
4.de gobierno (la anterior era de paga) donde todas las materias me resultaban
5.fáciles porque yo ya había estudiado eso, y donde yo sabía más inglés que mis
6.maestros.
(Autobiografía de H, 2006)
Categoria 2: Ensino/ Aprendizagem de LE
2.1 Extensão do aprendizado de LE para além da sala de aula diz respeito ao
uso do inglês por N para nomear objetos, figuras e palavras do cotidiano familiar, por
meio da aprendizagem da LE em frases trabalhadas no contexto escolar, em fase de
alfabetização.
Excerto 5
1.Tinha duas professoras, uma de língua portuguesa e demais disciplinas e outra
2.de língua inglesa, mas somente me lembro bem desta. Eu gostava das aulas (...),
3.a professora levava figuras e objetos e nos ensinava como falar o nome delas na
4.língua-alvo. Aprendíamos essas palavras fora de contexto, (...) mas depois da
5.aula chegava em casa e ensinava tudo para minha mãe e minha irmã. Quando
6.íamos ao mercado pedia para minha mãe comprar algumas frutas e doces e
7.procurava falar o nome em inglês, para ela adivinhar o que era.
(Autobiografia de N, 2006).
2.2 Estratégias de aprendizagem abordadas em dois momentos do processo de
aprender de N: no início da escolarização, quando estudava com uma amiga em forma
de “competição”, o que, segundo ela, elevava o rendimento e a motivação; e no
cursinho pré-vestibular, contexto no qual o estudo em grupo era uma forma de
“ensinar para aprender”. Quanto a H, evidencia-se uma crença sobre sua estratégia de
aprender PLE, por meio da prática de produção escrita.
Excerto 6
1.(...) Na primeira e segunda séries, tinha uma amiga chamada Carla e todos os
2.dias estudávamos juntas, um dia em minha casa, outro na casa dela, dessa forma
3.nos motivávamos mais. Éramos as melhores alunas da sala. Quando
4.estudávamos, fazíamos competições: quem acertasse mais exercícios, ganhava
5.alguma coisa daquela que havia perdido. (...) Em meus momentos de estudo,
6.ensinava o que sabia para meus amigos do cursinho (português, literatura,
7.história, geografia) e pedia ajuda naquilo que tinha dificuldade. Percebi que,
8.quando ensinava as coisas para meus amigos, estas ficavam bem mais
9.organizadas para mim, então adotei esta prática para aprender mais, já que
10.aquilo que eu não conseguia explicar procurava pesquisar para depois ensinar.
(Autobiografia de N, 2006).
Excerto 7
1.(…) Durante los cursos empecé a escribir en portugués una memoria de un viaje
2.a Portugal, pero lo he dejado por falta de tiempo. Lo lamento porque yo aprendo
3.mucho escribiendo.
(Autobiografía de H, 2006).
Excerto 8
1.H: ((ri)) Pero creo que tenemos aprendido mucho más con C., que todo tiene
2.estructurado, que es súper, súper organizada. C. nos he hecho trabajar
3.muchísimo.
(Interação 13, em teletandem, 2007).
2.3 Estratégias de correção refere-se aos procedimentos de correção e de auto-
correção na produção das interagentes, ao tratamento do erro nas interações, bem
como ao relato de N sobre a estratégia mais comum utilizada por elas durante a
conversação pelo teletandem e as razões para tê-la empregado.
Excerto 9
1.(...) Não fiz nenhuma correção quanto ao que ela [H] disse para não inibi-la. E
2.também não fui corrigida quando estava falando em espanhol.
(Diário de N sobre a interação 1, 2006).
Excerto 10
1.N: E S., tá bem?
2.H: Agora bem. Ele estava também muito enfermo... no, DOENTE, mas agora
3.está bem (...) E teu namorado, como está?
(Interação 10, em teletandem, 2006).
Excerto 11
1.H: É, se queres ver teus problemas eu só tenho quatro pequeninos (...)..então, se
2.queres eu te digo... tu tenes muitos meus?
3.N: Alguns (ri), não são muitos, não são (ri).
(Interação 10, em teletandem, 2006).
Excerto 12
1.N: Bueno, ¿tienes prisa? ¿Quieres que te escriba un texto y te envíe por correo
2.electrónico o prefieres que te lo diga ahora?
3.H: Sí (ri).
4.N: ¿Ahora?
5.H: No, si no te importas el texto para mi es mejor.
6.N: Entonces el texto. Y después también lo tiene como material para estudiar.
(Interação 10, em teletandem, 2006).
Excerto 13
1.H: (incompreensível). Y luego, tienes una cosa con la pronunciación que te haces
2.sonar como de la costa.
3. N: ¿Cómo?
4.H: Hace que te escuche, te oiga como a de la costa.
5.N: ¿Cómo?
6.H: Porque dices “velocidÁ” en vez de “velocidad”. O dices “mitÁ” en vez de
7.“mitad”. Entonces, con estas palabras que terminan en la “de”, mira, lo que tu
8.haces es que, como es la “de”, no la pronuncies y acentúas la “a”. La gente que
9.vive cerca del mar habla un poco así.
10.N: Hum…
11.H: Entonces, es eso. “Velocidad”, “mitad”.
12.H: ¿Y yo estoy hablando cómo?
13.H: La forma correcta es pronunciar la “de”.
14.N: Ah, sim.
15.H: Pero tu no la pronuncias.
16.N: ¿Y eso no está correcto?
17.H: Eso, deves decir “velocidad”.
(Interação 10, em teletandem, 2006).
Excerto 14
1.N: Pero esta corrección firme como es de C…los alumnos, tus compañeros, ¿no
2.se quedaran inhibidos?
3.H: Sí, creo que se sintieran así al principio.
4.N: No sé, no me gusta mucho esta corrección tan firme y… no sé si ya has
5.percibido, pero te dejo hablar bastante, dejo hablar, dejo hablar, y si estás
6.hablando incorrectamente, te dejo hablar y después hablo a respecto de tus
7.problemas. Hago esto también en mis clases de español con mis alumnos, que
8.hablan, hablan, hablan todo lo que tienen que hablar, en español, y después
9.comento con ellos… ¿existe “comentar” en español?
10.H: Sí, existe.
11.N: Hum-hum. Comento con ellos los problemas. Entonces no me gusta
12.quedarme hã…interrumpiendo cuando la persona está hablando. No me
13.gusta hacer eso. Bueno, no sé…es porque también no me siento bien cuando
14.hacen conmigo.
(Interação 13, em teletandem, 2007).
2.4 Motivação para a aprendizagem diz respeito àquilo que N declara como
importante para o desenvolvimento adequado da aprendizagem de LE, bem como
os fatores que dificultam tal processo, desde o início da escolarização, interferindo
em sua motivação. Posteriormente, no curso superior, esta subcategoria manifesta-
se em uma auto-motivação para aprender, na busca pessoal por meio de diversos
recursos.
Excerto 15
1.(...) Nunca fui muito tolerante com exercícios que considerava fáceis e não era de
2.insistir muito naqueles que não conseguia resolver (...) Agora, na universidade,
3.procuro desenvolver ao máximo minha capacidade comunicativa, procurando
4.aprimorá-la por meio de filmes, músicas, internet, literatura e textos teóricos na
5.língua-alvo, além, claro, da sal de aula e dos estágios e projeto, que são em
6.língua estrangeira.
(Autobiografia de N, 2006).
Excerto 16
1.Acredito que o contato com bons materiais na língua-alvo, como revistas
2.atuais, sites de notícias, músicas, filmes, cultura etc, além de um contato com
3.nativos da língua são fatores que podem favorecer a aprendizagem de um
4.idioma(...).
5.Penso que a fluência oral e a aceitação de certos valores da língua-alvo são as
6.principais dificuldades enfrentadas por uma pessoa que está aprendendo uma
7.LE.
(Respostas de N às pergunta 4 e 5 do questionário 1, 2006).
2.5 Conceito de ensino/ aprendizagem diz respeito à manifestação formal da
conceituação de N sobre ensinar e aprender línguas.
Excerto 17
1.Aprender um idioma é, além de aprender estruturas, aceitar os valores
2.culturais, sociais e ideológicos da língua-alvo, respeitando esses valores.
3.Ensinar um idioma é mostrar, além de estruturas lingüísticas, os valores
4.culturais, sociais e ideológicos que estão por detrás de um enunciado.
(Respostas de N às perguntas 2 e 3 do questionário 1, 2006).
Categoria 3: Português como LM (PLM) e como LE (PLE)
3.1 O período de alfabetização esta subcategoria de crenças refere-se às
experiências de formalização do PLM vivenciadas por N, nos anos iniciais da escola.
Nesse período, as atividades de alfabetização são caracterizadas por ela como “sem
sentido”, “repetitivas” e “muito fáceis”, chegando a ser vistas como desmotivadoras.
Já na 3ª. série do ensino fundamental, as aulas passam a ser consideradas marcantes,
pois a professora trabalha o conteúdo na lousa seguido de explicação e aplicação de
exercícios, propõe algumas atividades em grupos e os alunos podem ir à lousa. Porém,
quando essa mesma professora, grávida e sem condições de ficar muito em pé, coma
a praticar o ditado das atividades, N relata uma queda de rendimento em sua
aprendizagem, creditada à ausência de estímulo visual e à dificuldade de
memorização, estratégia utilizada para estudar o conteúdo em épocas de avaliação.
Excerto 18
1.Lembro-me de apenas alguns exercícios das aulas de língua materna. (...)Um que
2.me lembro e que não gostava era de quando ela [professora] levava figuras e nós
3.tínhamos que formar as sílabas da palavra correspondente à figura, não via
4.muito sentido nesse exercício, visto que as sílabas eram ditas por nós e ela
5.escrevia a palavra na lousa, isso se tornava fácil e repetitivo demais. (...)Gostava
6.muito da escola e da minha professora, que na época estava grávida. Lembro-me
7.perfeitamente de suas aulas. (...) Ela passava todo o conteúdo na lousa, explicava
8.e dava exercícios de fixação na sala de aula, às vezes resolvíamos os exercícios
9.em grupos e depois ela pedia para colocarmos a resposta na lousa, eu gostava
10.bastante quando ela me pedia que fosse à lousa, apesar de ficar um pouco
11.nervosa. (...) No final de sua gravidez meu rendimento caiu, pois ela não
12.passava mais o conteúdo na lousa, ela o ditava e minha memória sempre foi
13.muito visual. (...) Quando havia prova, lia as questões dadas pela professora e
14.depois minha mãe as “tomava” de mim. Na verdade, decorava as questões, o
15.problema é que às vezes a memória falhava.
(Autobiografia de N, 2006).
3.2 Português nos ensinos fundamental e médio para N, a LM no ensino
fundamental sempre foi ministrada por bons e poucos professores, fato que, segundo
ela, garantiu o sucesso de sua aprendizagem, embora a disciplina sempre tenha sido
abordada na escola com ênfase na gramática normativa e ausência de produção
textual. Tais fatores trouxeram-lhe dificuldades ao ingressar no ensino médio e ter que
produzir redações, em uma escola particular, o que a levou a desenvolver a leitura
como estratégia pessoal de compensação no uso da LM em disciplinas específicas na
escola e, a partir daí, ocorreu a escolha pelo curso de Letras.
Excerto 19
1.(...) Em língua portuguesa sempre tive bons professores. Acredito que ajudou
2.muito na minha formação quanto a essa disciplina o fato de que da 5ª. à 8ª. séries
3.nunca trocaram a professora de português.(...)Minha aprendizagem de língua
4.portuguesa foi pautada nas aulas de literatura e gramática normativa, não tive
5.aulas de produção de texto, o que me fez sofrer bastante no ensino médio,
6.sobretudo na 3ª. série. (...) Nessa escola, tive um pouco de dificuldade no começo
7.das produções de minhas redações, principalmente com a argumentação, não
8.tinha problemas com estrutura, gramática, coesão; percebi, então, que faltava
9.mais leitura. Comecei a ler mais livros de literatura e jornais, minhas produções
10..melhoraram e escrever se tornou algo muito interessante para mim. Foi
11.nessa fase que resolvi prestar Letras.
(Autobiografia de N, 2006).
3.3 Fatores de escolha da aprendizagem de PLE esta subcategoria refere-se aos
fatores motivacionais considerados por H — de ordem econômica, lingüística, cultural
e afetiva — em sua escolha pelo português como a LE a ser estudada ao terminar as
disciplinas do doutorado na Espanha.
Excerto 20
1.En España, al terminar las materias del doctorado, decidí que quería aprender
2.otra lengua (…) Elegí el portugués por varios motivos : el curso es más barato
3.que el de otras lenguas ( pero también lo son el italiano, ruso o japonés); en las
4.pocas clases que tomé con mi amiga me pareció que la lengua se me facilitaba;
5.al momento de decir la lengua ya había viajado a Portugal y me encantó, lo cual
6.me predispone favorablemente para aprender y practicar la lengua; y,
7.finalmente, quería estudiar una lengua que me gustara, que no supusiera para mí
8.un esfuerzo demasiado grande (como el alemán) ya que mi prioridad aquí es mi
9.investigación de doctorado, pero sobretodo quería estudiar algo que me hiciera
10.feliz y el portugués me hace feliz. La literatura me parece muy reflexiva, la
11.música brasileña me parece muy alegre y ambas variedades tienen una
12.sonoridad bellísima: cuando uno habla parece que está cantando, todo suena a
13.poesía.
(Autobiografía de H, 2006).
3.4 Professoras de PLE e metodologias de ensino esta subcategoria diz respeito
às expectativas e às experiências positivas e negativas vivenciadas por H em relação às
professoras de PLE, e, ainda, a como tais experiências se relacionam com as crenças
de H e de N sobre metodologia de ensino de LE.
Excerto 21
1.(…) El primer cuatrimestre, con una maestra de Bahía, fue interesante y lo
2.disfruté, pero ella estaba muy nerviosa, hablaba mucho de su vida privada en
3.clase y practicábamos poco. El segundo lo tomé también con una maestra
4.brasileña pero muuuucho más tranquila. Las clases han sido mejores con ella. Lo
5.único que lamento es que no siguiéramos un método específico de aprendizaje:
6.no teníamos libros ni audios, solo fotocopias y un intercambio de música en
7.portugués. Ahora nos dará clase una maestra portuguesa y espero que ella sí nos
8.dé un método específico.
(Autobiografía de H, 2006).
Excerto 22
1.H: Es que hay un contraste muy grande entre la forma de enseñar de mis
2.profesoras brasileñas y de C. Porque C. es tradicional, nos hace responder a los
3.ejercicios… (…) pero hemos aprendido mucho más con C., que todo tiene
4.estructurado, que es súper, súper organizada. C. nos he hecho trabajar
5.muchísimo.
(Interação 13, em teletandem, 2007).
3.5 A imagem do bom professor refere-se à imagem construída por N sobre bons
professores — os qualificados e permanentes — e sua responsabilidade na formação
do aluno, a partir das experiências vivenciadas na escola, especialmente na LP. Traz
também a visão de H sobre o papel do professor de línguas.
Excerto 23
1.(...) em língua portuguesa e matemática sempre tive bons professores. Acredito
2.que ajudou muito na minha formação quanto a essas disciplinas o fato de que da
3.5ª. à 8ª. séries nunca trocaram a professora de português (...).
(Autobiografia de N, 2006).
Excerto 24
1.H: Hã… bueno, cada profesor tiene su postura. Creo que el profesor tiene que
2.obedecer a dos cosas: el tipo de actividad y el tipo de arrollo. Sí el objetivo de la
3.actividad es comunicar, entonces está bien no corregir. Bueno, esta es mi
4.postura. Sí el objetivo es comunicar utilizando determinada estructura
5.gramatical, por ejemplo, hemos visto en las clases, los pretéritos, tiempos
6.pasados, y entonces la actividad era que cada alumno tenía que contar un
7.recuerdo de su infancia. Ahí se hay que interrumpir solo esos errores, sobretodo
8.los de la estructura porque el alumno tiene que estar monitoreando estas
9.estructuras dentro de su discurso, utilizando correctamente las estructuras. Y el
10.otro que creo que tiene que corregir constantemente a los alumnos son sus
11.fósiles.
12.N: Ah, claro, hã-hã.
13.H: Entonces esta es mi opinión sobre la corrección oral. Pero cada profesor
14.tiene…
15.N: Estoy de acuerdo contigo.
(Interação 13, em teletandem, 2007).
Categoria 4: Espanhol como LM (ELM) e como LE (ELE)
4.1 O espanhol no contexto escolar bilíngüe refere-se ao relato da
experiência de estudar espanhol em contexto escolar bilíngüe (ao lado do inglês) e à
imagem de língua “séria e difícil” atribuída por H ao idioma, com base em uma
concepção tradicional de ensino de diversas disciplinas na língua.
Excerto 25
1.Mis padres cuentan que siempre me hablaron en las dos lenguas y que algunas
2.palabras las aprendí primero en inglés y luego en español (como ‘chicken’).
3.Cuando estuve en edad de ir a la escuela mis padres me inscribieron en El
4.Colegio Americano, que es una escuela bilingüe. No recuerdo como eran las
5.clases, pero sé que antes de entrar a la primaria estudiábamos un año entero de
6.inglés. En la primaria, donde nos dividían por niveles de dominio de inglés
7.(siempre estuve en el más alto) estudiamos con dos sistemas: al principio
8.tomábamos un día de clases en inglés y otro en español; después, como desde 4º.
9.de primaria (hay seis niveles) tomábamos medio día en español y medio día en
10.inglés y al día siguiente empezábamos con el inglés y después español, así cada
11.día. (...) En español estudiábamos materias como la lengua española (recuerdo
12.que leíamos textos y nos enseñaban las partes de la oración, nos ponían a
13.subrayarlas, reglas de acentuación y no sé qué más), ciencias sociales, historia
14.de México y matemáticas. (...) Yo asociaba los estudios ‘serios’ y ‘difíciles’ con
15.el español (…). Cuando entré en la secundaria, (...) en español tomaba biología,
16.química y civismo (biología era aburrida y represiva por la maestra, química
17.fue mi terror y de civismo no me acuerdo de nada).
(Autobiografía de H, 2006).
4.2 A predominância do ELM diz respeito à conscientização de H sobre ELM,
embora o contexto educacional tenha lhe possibilitado vivenciar experiências mais
positivas com a língua inglesa.
Excerto 26
1.Aunque a partir de entonces no he vuelto a tener instrucción sobre la lengua
2.inglesa [final do ensino médio], no dejé de usarla (…) Sin embargo lo que leía sí
3.cambió mucho: dejé las novelas en inglés para leer literatura latinoamericana y
4.me quedó claro que, a pesar de que no tengo problemas para manejar el inglés,
5.mi lengua materna y dominante es el español. A partir de entonces escribo
6.mucho: diario, poesía, blog, todo en español.
(Autobiografía de H, 2006).
4.3 Experiência prévia positiva de aprendizagem de ELE refere-se aos relatos de N
sobre a experiência positiva de aprender espanhol, iniciada no CEL, relacionando-a
aos professores e sua metodologia e, ainda, à escolha posterior pelo referido idioma no
curso superior.
Excerto 27
1.Minha experiência com o espanhol iniciou-se na sétima série do ensino
2.fundamental no CEL (Centro de Estudos de Línguas), foi um curso muito
3.proveitoso de três anos, no qual a professora procurava desenvolver nossa
4.capacidade comunicativa. (...) Em 2004, aprovada no vestibular, comecei a
5.cursar Letras na Unesp. Optei pela língua espanhola como língua estrangeira,
6.visto que minhas afinidades eram maiores nessa língua.
(Autobiografia de N, 2006).
Categoria 5: Experiências de ensino de LE e formação inicial
5.1 Capacidade de resolver problemas e tomar decisões pedagógicas refere-se à
competência inicial de N e de H para resolver problemas e tomar decisões relacionadas
ao fazer pedagógico.
Excerto 28
1.No meu 2º. ano de faculdade, dei aulas para a 7ª. e 8ª. séries do ensino
2.fundamental e foi uma experiência muito interessante, visto que era o primeiro
3.contato dos alunos com a língua espanhola e minha primeira experiência como
4.professora. No entanto, (...) tive um grande problema com os pais depois da
5.segunda aula, quando resolvi abandonar a apostila. Resolvi esse problema com a
6.coordenadora da escola e disse que me recusaria a utilizar o material, ela
7.conversou com os pais dos alunos, que acabaram aceitando meu método (...).
(Autobiografía de N, 2006).
Excerto 29
1.En esa etapa (con 15 años de edad), sin formación alguna, empecé a dar clases
2.de español a.extranjeros y de inglés para niños. Así me ganaba un dinerito para
3.mis gastos personales. (…)Cuando terminó la licenciatura (...) no encontré
4.trabajo en el área de literatura, sino como maestra de inglés. Entonces empecé a
5.estudiar la gramática inglesa y sus reglas (…). La gramática inglesa fue un
6.descubrimiento: me encanta y adoro enseñarla.
(Autobiografia de H, 2006).
5.2 Graduação como aperfeiçoamento e preparação para ensinar LE diz
respeito à tomada de consciência de N e de H quanto à importância do curso superior
na formação inicial e de outros cursos na formação continuada como professoras de
línguas.
Excerto 30
1.Como tive uma experiência agradável e motivante com a língua espanhola,
2.encaro a graduação como um aperfeiçoamento e preparação para ensinar a
3.língua espanhola (...).
(Resposta de N à pergunta 7 do questionário 1, 2006).
Excerto 31
1.Este ano [terceiro ano do curso superior], iniciei meu projeto de iniciação
2.científica, no qual refletirei sobre os processos de aprendizagem e de
3.comunicação no contexto intercultural em interação on-line, além de produzir
4.dados para pesquisas maiores.
(Autobiografia de N, 2006).
Excerto 32
1.(...) Pronto me inscribí en la UNAM para estudiar el ‘Curso de formación de
2.profesores de inglés’. (…) En ese curso aprendí las bases para la enseñanza de
3.una lengua: planeación de clase, seguimiento de contenidos, evaluación, todo
4.con teoría y práctica. (…) Considero que ésa ha sido la parte más importante de
5.mi formación profesional, (…) que ese curso es mejor que todo lo demás que he
6.estudiado sobre lingüística y enseñanza de lenguas (…).
(Autobiografía de H, 2006).
5.3 A construção da auto-imagem de professora de LE traz as crenças de H
relacionadas à reflexão sobre sua auto-imagem e ações como professora de línguas.
Excerto 33
1.Después de ese curso enseñé inglés en la UNAM durante un par de años hasta
2.que obtuve la beca para hacer el doctorado en España. Considero que entonces
3.era una maestra responsable, me gustaba mi trabajo y lo disfrutaba, pero
4.también era muy exigente con mis alumnos. (…) Creo que yo les daba a mis
5.alumnos demasiada información en poco tiempo y que de haber reducido los
6.contenidos, quizá habrían tenido un mejor rendimiento.
(Autobiografía de H, 2006).
5.4 O poder e a responsabilidade do professor de LE esta subcategoria aborda a
visão de ambas as interagentes sobre o poder e a responsabilidade do professor de LE
em relação à efetivação da aprendizagem dos alunos.
Excerto 34
1.(...) Essa brincadeira nos fez refletir sobre o “poder” (no bom sentido) e a
2.responsabilidade que tem o professor de língua estrangeira, concluímos que ele
3.precisa ter a consciência disso e saber usar muito bem seus conhecimentos, para
4.que isso não prejudique a aprendizagem de seus alunos.
(Diário de N sobre a interação 8, 2006).
5.5. A experiência de ensinar LM como LE aborda as visões e as crenças de N e
H manifestadas na troca de experiências iniciais de ensino de suas LMs como LEs.
Excerto 35
1.N: (...) Estoy dando clases también para un colombiano, de lengua
2.portuguesa...
3.H: Ah, bien...
4.N: Ahora tengo un poco más de contacto con algunos materiales ... para
5.enseñanza de lengua portuguesa para extranjeros... y creo que eso va a
6.facilitar un poquito contigo, con nuestras interacciones.
7.H: Si, pues, cuando uno ve a los métodos de enseñanza de lengua materna, de SU
8.lengua materna, ve cosas diferentes... cambia la perspectiva, ¿no? para explicar
9.las cosas...
10.N: Hum- hum, claro...Es difícil porque no pensamos nuestra lengua materna
11.como extranjera.
12.H: No (risos).
13.N: (risos) Tenemos que pensarla de esa manera, para enseñarla para los
14.extranjeros tenemos que pensar nuestra lengua de otra manera. Y eso es un
15.poco difícil.
(Interação 10, em teletandem, 2006).
Categoria 6: Avaliação do teletandem
6.1 Aspectos sócio-culturais oportunidade de contato com o nativo da língua-alvo,
sua cultura e seus costumes; facilidade de cruzar fronteiras sem sair do país
(economia); oportunidade para fazer amigos.
Excerto 36
1.(...) O contato com o nativo da língua-alvo e seus costumes é muito importante
2.para a aprendizagem de línguas e o contexto in-tandem fornece esse contato sem
3.que seja necessário viajar para outros países, isso pensando na dificuldade
4.financeira de muitos aprendizes de língua estrangeira. Vejo-me como uma
5.aprendiz interessada em melhorar meus conhecimentos lingüísticos e
6.comunicativos, além de me aproximar de uma cultura diferente e fazer amigos, o
7.que é muito interessante. Penso que ensinar nesse contexto (...) é encarar os
8.problemas do mundo globalizado, (...) aproximar aprendizes interculturalmente.
(Respostas de N às perguntas 9, 10 e 11 do questionário 1, 2006).
Excerto 37
1.H: Eu acho que as pessoas em América sau muito mais interessadas e
2.envueltas... envolucradas? Qual é a palavra que você usou para política?
3.N: Engajada.
(Trecho da interação 9, em teletandem, 2006).
6.2 Aspectos lingüístico-comunicativos oportunidade para melhorar
conhecimentos lingüístico-comunicativos e o acento na língua-alvo; estabelecimento
de uma comunicação mais espontânea e atrativa; construções lingüísticas menos
artificiais; reflexões sobre a própria língua (LM), ao ter a responsabilidade de ensiná-
la como LE.
Excerto 38
1.(...) Com as interações que fiz, percebi que meu acento, ao me comunicar na
2.língua-alvo, está melhor, e que essa comunicação se inicia de maneira mais
3.natural agora, o que também ocorre com as construções lingüísticas. Também
4.passei a pensar mais sobre a língua portuguesa e a prestar atenção nos usos que
5.faço, já que surgem muitas perguntas sobre esses usos que nunca havia parado
6.para pensar (como marcadores discursivos, por exemplo).
(Resposta de N à pergunta 10 do questionário 1, 2006).
Excerto 39
1.Las interaciones con N me ayudan mucho: escucho una voz y un acento distinto
2.al de clase, aprendo cosas sobre la gramática de la lengua con una corrección y
3.retroalimentación personalizada, también aprendo sobre cultura y costumbres
4.(…).
(Autobiografía de H, 2006).
Excerto 40
1.N: Chega um momento que a gente começa a confundir língua espanhola com
2.língua portuguesa, e já não sei o que é que tô falando (risos) (...)
3.H: Es que pienso que “fui” es igual, por eso siempre quiero cambiar porque
4.digo, no, eso es español. Entonces, esto tengo que entender que es igual. (...)
(Interação 9, em teletandem, 2006).
Excerto 41
1.N: ¿Cuando vas a Chile?
2.H: Voy el 14, pero voy primero a Buenos Aires. ¿Puedo decir en portugués?
3.4.N: Si, claro.
4.H: Em português é pior porque eu... não tenho estudado muito tempo... então eu
5.acho que é pior. Mas, não importa (ri).
6.N: (ri também)
7.H: Vamos falar.
(Interação 10, em teletandem, 2006).
6.3 Aspectos pedagógicos oportunidade para pensar na prática docente em
contextos atuais de ensino, visto como um espaço que trata dos problemas de
aprendizagem no mundo globalizado e culturalmente diverso; visão das interagentes a
respeito do teletandem em relação à comunicação e à aprendizagem de LE.
Excerto 42
1.Penso que ensinar, neste contexto, me permitirá pensar na prática de ensino em
2.vários outros .contextos, além de já estar inserida em uma prática de ensino
3.atualizada, que encara os.problemas de um mundo globalizado e preocupada (a
4.prática) em aproximar aprendizes interculturalmente.
(Resposta de N à pergunta 10 do questionário 1, 2006).
Excerto 43
1.(...) A H. disse que não tem reclamações a fazer das “minhas aulas”, disse que
2.esse meio que utilizamos para aprender é muito agradável e motivador e que o
3.mais interessante é que aprendemos sem perceber.
(Diário de N sobre a interação 8, 2006).
6.4 Aspectos afetivos contato comunicativo mais prazeroso e atrativo, gerando uma
diminuição de bloqueios no uso da língua.
Excerto 44
1.(...) lo más importante es que me motiva. La comunicación con N es real: uso la
2.lengua para expresar mis pensamientos y sentimientos y no hay nada que motive
3.tanto como ese sentimiento de “logramos entendernos.
(Autobiografia de H, 2006).
Excerto 45
1.Para mim, as interações são muito agradáveis, é um modo de aprender
2.naturalmente e atrativamente, (...) o que torna as sessões muito interessantes.
3.Notei que passei a ‘encarar’ o uso da língua espanhola com mais ‘coragem’,
4.espero que continue sendo positivo (...).
(Resposta de N à pergunta 3 do questionário 2, 2006).
Excerto 46
1.N: H, se você quiser pode terminar a correção de sua tese.
2.H: Muito obrigada, eu vou voltar a meu trabalho aunque eu gosto muito de
3.chatear com você.
4.N: Eu também, é um momento de relaxamento.
5.H: Sim, eu penso em otras coisas, eu me relajo (...)
(Trecho da interação 2, por chat, 2006).
Excerto 47
1.H: (...) Estou muy contenta y ya te digo que, si e posible que de vez em cuando
2.hablemos, yo estaré encantada.
3.N: Sí, muy bien, entonces, gracias por todo… y vamos continuar hablando, no
4.voy a decir adiós!
(Interação 13, em teletandem, 2007).
6.5 Aspectos culturais esta subcategoria apresenta as impressões das interagentes
sobre as línguas-alvo a cultura na qual estão inseridas como nativas ou como
estrangeiras, bem como a transformação de suas crenças a partir dessas perspectivas.
Excerto 48
1.N: Não precisa ficar nervosa, nossas línguas são próximas.
2.H: E verdade mais eu creio que o português é muito mais musical. Eu gosto
3.desso. (...) É, não sei, bonito usar a língua fora da classe!
(Interação 1, por chat, 2006).
Excerto 49
1.N: (...) Ya has oído hablar de São Paulo, ¿sí?
2.H: Si, sobretodo del carnaval, pero no sé mucho más del lugar.
(Interação 1, por chat, 2006).
Excerto 50
1.H. me contou que na Espanha as coisas estão se tornando mais liberais, os casais
2.estão deixando de oficializar o matrimônio, passam a viver juntos e isso é muito
3.normal, o que me surpreendeu, já que sempre ouvi dizer sobre o
4.conservadorismo, a religiosidade e o tradicionalismo na Espanha.
(Diário de N sobre a interação 3, 2006).
Excerto 51
1.(...) O assunto nos levou a falar sobre as mulheres brasileiras, ela [H] me disse
2.que na Espanha somos conhecidas pela facilidade de se manter relações sexuais.
3.Para H, isso é muito natural e no país dela não parece ser pejorativo. Disse a ela
4.que nem todas as mulheres brasileiras são assim e me achei superconservadora
5.falando isso.
(Diário de N sobre a interação 6, 2006).
Excerto 52
1.H: A mi me parece muy extraño que seas madrina com uma persona que no es tu
2.pareja.
(Trecho da interação 9, em teletandem, 2006).
6.6 Dificuldades basicamente operacionais, como a necessidade do uso de três
programas diferentes: o MSN (para imagem), o Mercusy (para as interações em
Macintosh) e o Skype (para a voz). Os arquivos muito pesados também dificultam as
gravações. No início, a questão dos desencontros de horário e dos compromissos
acadêmicos das interagentes tamm atrasaram as interações, porém houve sempre a
possibilidade de negociação de novos encontros.
Excerto 53
1.Iniciei minhas interações em meados de maio de 2006. No início, fiz três
2.sessões por chat, porque tivemos problemas com nossos computadores, e sete
3.sessões com áudio e câmera, depois de tudo resolvido. Entre uma sessão e outra
4.tivemos alguns problemas de horário e algumas vezes as interações não
5.aconteceram (...) minha interagente não tinha tempo. Todos esses horários foram
6.negociados por e-mail. Minhas interações pararam há um mês por causa de uma
7.viagem que meu par está fazendo, mesmo assim, tivemos uma interação de uma
8.hora no dia 19 de agosto e ela me pediu para ter paciência até que ela volte para
9.a Espanha. Durante sua viagem procurei manter contato enviando-lhe e-mails.
(Resposta de N à pergunta 1 do questionário 2, 2006).
Excerto 54
1.No começo, tivemos algumas dificuldades para conseguir usar a câmera e os
2.recursos de áudio, mas descobrimos que eram problemas com as configurações
3.dos computadores e os resolvemos. Para que as interações aconteçam temos que
4.usar três programas: o MSN, para a imagem, o Mercusy para que a H possa
5.interagir com o computador dela (Mac) e o Skype para a oralidade, penso se isso
6.não trará problemas para gravarmos as sessões, já que o arquivo ficará muito
7.pesado. Enfim, a maioria das minhas dificuldades são técnicas.
(Resposta de N à pergunta 2 do questionário 2, 2006).
Excerto 55
1.H: Hola, querida mía, no pienses que me he olvidado de ti. He estado buscando
2.más programas para contactar con vídeo y sonido pero no he encontrado
3.ninguno gratis. Oye, me preocupa que no logro encontrar una manera para
4.comunicarmos con video, no es justo para ti, así que tengo una propuesta. Estuve
5.viendo en Internet las características del programa que van a usar para grabar
6.las interacciones (no me acuerdo el nombre), me parece que podría funcionar
7.con el programa de video que usamos la última vez y con skype para tener la voz
8.al mismo tiempo, es gratis.
9.N: Sin problemas. Solo un minutito, encontré una nueva versión del skype que
10.viene con camera.
11.H: Sí, a ti te puede servir esa, el problema es que no hay versión con cámara
12.para mac.
13.N: No comprendo muy bien cuando hablas en mac.
14.H: Mac es la computadora cuyo símbolo es una manzanita, no es una pc,
15.funciona con un sistema operativo diferente al de windows, por eso a veces no
16.le funcionan los programas. Lamento mucho que no hayamos logrado nada hoy.
17.N: Que triste (…) la semana que viene intentamos con mi cámara y con un
18.micrófono nuevo.
19.H: Ok. Bueno, gracias por tu paciencia.
20.N: Gracias, y que tengamos suerte!
(Trechos da interação 3, por chat, 2006).
De maneira a facilitar a visualização do levantamento de crenças analisadas nesta
seção, apresentamos a seguir um quadro que as sintetiza, trazendo as categorias, os conceitos
nelas abordados, as subcategorias e os dados nos quais emergem:
CATEGORIAS DE
CRENÇAS
PRINCIPAIS
CONCEITOS
ABORDADOS
SUBCATEGORIAS DE
CRENÇAS
DADOS
1. O significado do
contexto de
aprendizagem
As primeiras
experiências de
escolarização; os
primeiros contatos
com LEs; escola
pública vs. escola
particular
1.1 espaço afetivo e cultural; 1.2
condições de ensino público e
desmotivação.
Autobiografias
(N e H)
2. Ensino/
aprendizagem de LE
Os aspectos que
representam
determinada
importância nas
experiências de
aprendizagem das
interagentes
2.1 extensão do aprendizado de LE
para além da sala de aula; 2.2
estratégias de aprendizagem; 2.3
estratégias de correção; 2.4
motivação para a aprendizagem; 2.5
conceito de ensino/aprendizagem.
Autobiografias
(N e H)
Diário sobre
interação 1;
interação 10
Questionário 1
(N)
3. Português como LM
(PLM) e como LE
(PLE)
O processo de
aquisição de PLM; as
experiências sobre
aprender PLE
3.1 o período de alfabetização; 3.2
português nos ensinos fundamental e
médio; 3.3 fatores de escolha da
aprendizagem de PLE; 3.4
professoras de PLE e metodologias
de ensino; 3.5 a imagem do bom
professor.
Autobiografia (N
e H)
Diário sobre
interação 1 (N)
Interação 10
Interação 13
4. Espanhol como LM
(ELM) e como LE
(ELE)
Aspectos relacionados
à aquisição do ELM;
as experiências sobre
aprender ELE
4.1 o espanhol no contexto escolar;
4.2 a predominância do ELM; 4.3
experiência prévia positiva de
aprendizagem de ELE.
Autobiografia
(H)
Autobiografia
(H)
5. Experiências de
ensino de LE e
formação inicial
As primeiras
experiências no ensino
de LE e sua
importância para a
formação das
interagentes como
professoras de línguas
5.1 capacidade de resolver problemas
e tomar decisões pedagógicas; 5.2
graduação como aperfeiçoamento e
preparação para ensinar LE; 5.3
construção da auto-imagem de
professora de LE; 5.4 poder e
responsabilidade do professor de LE;
5.5 A experiência de ensinar LM
como LE
Autobiografias
(N e H)
Questionário 1
(N)
Diário sobre
interação 8 (N)
Interação 10
6. Avaliação do
contexto teletandem
Avaliações sobre o
teletandem da
perspectiva das
interagentes,
enfocando questões
relativas ao processo
interacional e à
aprendizagem das
línguas
6.1 aspectos sócio-culturais; 6.2
aspectos lingüístico-comunicativos;
6.3 aspectos pedagógicos; 6.4
aspectos afetivos; 6.5 aspectos
culturais; 6.6 dificuldades.
Autobiografia
(H);
Questionários 1 e
2 (N); Interações
1, 2, 3, 9 e10;
Diário sobre
interações 8, 3 e
6 (N)
Quadro 10: Categorias e Subcategorias de Crenças
3.1.1 Considerações sobre a análise das categorias de crenças e expectativas
Primeiramente, faz-se necessário lembrarmos que a análise das crenças e expectativas
nesta tese leva em conta, fundamentalmente, as questões abordadas nos autores enfocados na
fundamentação teórica, porém considerando o contexto de teletandem, espaço no qual
desenvolvemos, em realidade, uma análise totalmente particularizada em relação aos
contextos convencionais de aprendizagem de línguas. Dessa maneira, observamos que as
crenças e expectativas das participantes caracterizam-se de maneira dinâmica, personalizada e
são definidas e redefinidas com base nas experiências pessoais, educacionais e profissionais
vivenciadas pelas interagentes, e proporcionadas, principalmente, pelo contexto mediado pelo
computador.
Dessa forma, faz-se pertinente retomarmos o conceito de crenças que construímos
nesta investigação, segundo o qual sugerimos que
crenças em ensino de línguas são conceitos (re)construídos
cognitivamente, por meio de significações atribuídas às experiências,
ações, intenções, expectativas e conhecimentos individuais e negociados
socialmente, em um contexto específico no qual tais crenças emergem —
neste caso, o ensino de línguas pelo teletandem. Por resultarem de um
processo de interação, nem sempre são uniformes e podem trazer consigo
significados inconscientemente paradoxais, seja qual for o aspecto
educacional a ser considerado (cf. Capítulo II, p. 82).
Nesse sentido, as seis categorias, bem como suas respectivas subcategorias, levantadas
a partir do envolvimento das interagentes com a modalidade de teletandem, demonstram que
houve uma revelação de crenças e expectativas referentes a diversos contextos que remetem
ao significado da aprendizagem, ao processo de comunicação pelas línguas, às escolhas e
experiências profissionais, às LEs e LMs e à avaliação do teletandem como contexto em que
todos esses aspectos se configuram de uma forma inovadora.
Em relação à primeira categoria, o significado do contexto de aprendizagem, podemos
afirmar que, no caso de N, tal categoria refere-se às experiências iniciais de escolarização,
vividas no período do jardim da infância, em uma escola municipal. Nessa época, nota-se uma
grande afinidade com a vida escolar e a importância dada à presença da família na escola, em
datas comemorativas (excerto 1, linhas 6 e 7). Foi também nos anos iniciais, em escola
pública, que N teve suas primeiras experiências negativas com a aprendizagem de inglês
(excerto 3, linhas 4 e 5), o que passou a representar uma barreira para aprendizagens futuras
da língua (excerto 3, linhas 09 e 10). No caso da interagente H, a família também representa
grande influência nos primeiros anos de vida escolar, especialmente por ter avós paternos
falando inglês e maternos falando espanhol (excerto 2, linhas 1 e 2). Sua escolarização deu-se
em uma escola bilíngüe e as disciplinas eram trabalhadas em inglês e espanhol. Para ela, a
mudança de um contexto escolar privado para um público, no ensino médio, foi marcada por
perdas qualitativas de ensino e de professores (excerto 4, linhas 4, 5 e 6). Nesse sentido,
abordando as duas subcategorias levantadas, fica-nos clara a relevância das primeiras
experiências escolares de ambas como uma extensão da vivência familiar, já que a presença
dos pais e avós aparece com relevância nos relatos de aprendizagem e de formação cultural,
no período de alfabetização.
Conforme já vimos em Vigotski (1998), a fase que compreende a infância até a
adolescência não se caracteriza ainda como a de formação de conceitos, mas de
pseudoconceitos, justamente pelo fato de que as experiências vivenciadas e opiniões
formuladas precisam ainda da interferência de um adulto. Há, entretanto, fatores culturais e
contextuais que fazem com que as crenças sobre o processo de ensino/aprendizagem de
línguas, um dos focos principais desta pesquisa, constituam-se e reconstituam-se
posteriormente a essa fase, de maneiras ora distintas ora semelhantes entre as interagentes,
conforme veremos no decorrer desta análise.
Vale relembrar, ainda, que, para Vigotski (op. cit.), a formação de conceitos não leva
em conta apenas as imagens recorrentes do passado, reproduzidas nos momentos de tensão
em nossa mente, mas é o próprio estado de tensão que nos leva a realizar novas tarefas e a
buscar novos objetivos. Portanto, a visualização e compreensão da problemática da
aprendizagem de línguas modifica-se no teletandem justamente porque agora as interagentes
têm disponíveis novas formas de resolvê-la, originadas na inovação do próprio contexto de
ensino, que deixa de ser a sala de aula, caracterizando-se, fundamentalmente, pela autonomia
e reciprocidade almejada entre os aprendizes. Dessa maneira, acreditamos que as associações
positivas entre escola e família podem ter tido seus reflexos nas próprias interações, que,
conforme observamos, constroem-se com base no respeito entre as interagentes,
especialmente quanto às dificuldades com os equipamentos, às limitações de tempo pelos
compromissos de ambas e às dificuldades relativas ao processo inovador de comunicação e
aprendizagem pelo teletandem.
A segunda categoria, denominada ensino/aprendizagem de LE, reúne as crenças
relativas aos aspectos que representam determinada importância nas experiências de
aprendizagem de línguas vivenciadas pelas interagentes. Para N, por exemplo, o fato de poder
associar aquilo que aprendia nas aulas de LE a sua vida cotidiana era algo que a fascinava,
ainda que, em sala de aula, as palavras fossem aprendidas fora de um contexto significativo
(excerto 5, linhas 4 a 6). Isso parece significar que N busca dar sentido à aprendizagem,
fazendo associações coerentes entre o que aprende e o que vivencia, desde muito cedo. Para
ela, o grau de motivação e de auto-motivação para a aprendizagem são aspectos de relevância,
ao afirmar que, na escola, tanto as atividades repetitivas quanto as que representavam
dificuldades causavam-lhe desmotivação, o que sugere uma crença na necessidade de um
equilíbrio entre tarefas muito fáceis e muito complexas na motivação do aluno (excerto 15,
linhas 1 e 2). Nesse sentido, N cita, ainda, os bons materiais de ensino de LE, a internet e
outros recursos inovadores como instrumentos eficientes para a facilitação da aprendizagem
(excerto 16, linhas 1 e 2). A aceitação de valores culturais, sociais e ideológicos dos
aprendizes é também um aspecto crucial para o sucesso da aprendizagem (excerto 16, linhas 5
e 6), algo que aparece, ainda, em sua crença formalizada sobre ensino/aprendizagem de
línguas (excerto 17, linhas 1 a 4). Por fim, quanto às estratégias de aprendizagem
desenvolvidas por N desde muito cedo, parece predominar a parceria, forma pela qual acredita
aprender melhor (excerto 6, linhas 2 e 3 e 8 e 9) .
Em relação a H, a melhor estratégia para começar a aprender LE foi a produção escrita
das memórias de uma viagem a Portugal, habilidade pela qual a própria interagente reconhece
“aprender muito” (excerto 7, linhas 1 a 3). A interagente mexicana também declara que
acredita ter aprendido muito mais com a professora portuguesa, que apresenta tudo muito bem
organizado e explicado (excerto 8, linhas 1 e 2), declaração esta que sugere uma visão de
aprendizagem estruturada e dependente do professor.
Mantendo-nos na análise dos dados que ilustram a segunda categoria, observamos que
as estratégias de correção mais comuns utilizadas pelas interagentes, no teletandem, revelam
crenças diferenciadas a esse respeito, já que N, por exemplo, afirma evitar a correção direta e
que interrompa a produção do aprendiz (excerto 14, linhas 4, 11 e 12). Até mesmo ao final da
interação, momento estabelecido para o esclarecimento das incidências de erros ocorridos
durante a aprendizagem, a brasileira parece preferir não abordá-los diretamente e sugere o
envio dos erros de H por escrito, em e-mail posterior, ficando como um material para H
estudar (excerto 12, linhas 5 e 6). Por outro lado, H apresenta estratégias mais diretas,
esclarecendo problemas de pronúncia e tratando diretamente dos erros cometidos por sua
parceira de teletandem, logo após a interação (excerto 13, linhas 6, 7 e 17), ainda que os
considere “pequeninos” (excerto 11, linha 1).
Em relação à terceira categoria, que envolve português como LM (PLM) e como LE
(PLE), trazemos as crenças e expectativas manifestadas por N nas referências ao seu processo
de aquisição de PLM e também as de H, ao abordar suas experiências sobre aprender PLE. Na
visão de N, os primeiros anos da alfabetização constituem um período cansativo e repetitivo,
no qual a aprendizagem de PLM era desmotivadora (excerto 18, linhas 4 a 6). Já nos ensinos
fundamental e no médio, a dedicação à leitura e à produção escrita inclinou-a a opção pelo
curso de Letras no vestibular (excerto 19, linhas 9 a 11). De acordo com sua experiência
escolar, os bons professores sempre foram constantes e lhe deram a melhor formação em LM
(excerto 23, linhas 9 a 12).
No caso de H, os primeiros contatos com o PLE deram-se por razões variadas, de
ordem econômica, cultural e afetiva, sendo este último o fator mais preponderante, já que o
objetivo de H era estudar uma LE que a fizesse “feliz”(excerto 20, linhas 10 e 11). Nesse
contexto, as professoras e suas metodologias de ensino nas aulas convencionais de português
foram marcantes, já que a mexicana conviveu com posturas e ideologias de professoras
bastante diferentes entre si (excerto 22, linhas 1 e 2). As duas primeiras, brasileiras, eram para
H mais adeptas ao ensino pela comunicação, enquanto que a terceira e atual, portuguesa, é
mais tradicional e faz os alunos “responderem a mais exercícios, apresenta tudo estruturado”,
características que levou a turma a “aprender muito mais”, segundo a interagente (excerto 22,
linhas 4 e 5). Assim, podemos voltar a afirmar que a visão de bom professor para H parece ser
a do professor tradicional, “organizado”, e estruturalista, já que é assim que ela aprende mais.
Para ela, o professor deve levar em conta, fundamentalmente, o tipo e o objetivo da atividade,
bem como fazer o aluno trabalhar muito e corrigi-lo sempre que necessário, evitando, assim, a
fossilização (excerto 24, linhas 1 e 2 e 10 e 11).
No que se refere ao espanhol como LM (ELM) e como LE (ELE), a quarta categoria,
podemos compreendê-la em relação aos aspectos apontados por H quanto à aquisição da
língua, desde a infância e o período inicial de escolarização (excerto 25, linhas 1 a 4) até um
momento posterior, quando a interagente desenvolve uma conscientização sobre o fato de que
o espanhol tem maior peso como idioma materno, apesar de sua educação bilíngüe (excerto
26, linhas 4 a 6). Nesse contexto, a visão que a interagente constrói a respeito do espanhol
está associada aos estudos estruturalistas das matérias tradicionais na escola bilíngüe e aos
“estudos sérios e difíceis”, o que talvez explique sua concepção igualmente estruturalista de
aprendizagem de línguas (excerto 25, linhas 15 e 16). No caso de N, a escolha do espanhol
como língua de formação profissional deu-se por uma identificação anterior com a língua nos
três anos de curso no CEL (Centro de Estudos de Línguas), projeto de ensino de línguas da
rede estadual paulista, iniciado na 7ª. série do ensino fundamental, experiência considerada
por ela muito positiva (excerto 27, linhas 1 a 3).
A quinta categoria de crenças e expectativas aborda aspectos como escolha
profissional, formação inicial docente e experiências de ensino de línguas. Notamos que
algumas crenças aparecem de forma bastante clara, especialmente nos relatos autobiográficos,
levando-nos à possibilidade de sugerir que se originam das primeiras experiências escolares
vivenciadas pelas interagentes, mas se transformam e amadurecem posteriormente, a partir da
fase dos estudos em nível médio. No caso de N, por exemplo, já vimos, na categoria anterior,
que a escolha do espanhol nos estudos de nível superior ocorreu a partir de uma experiência
positiva de aprendizagem da língua no CEL, enquanto estudante do ensino fundamental. Para
H, também sabemos que o contato com livros em inglês e em espanhol, ainda na infância, os
estudos bilíngües posteriores e o gosto pela literatura e pela produção escrita levaram-na a
seguir a carreira docente na área de literatura, mas foi um curso de formação de professores a
experiência decisiva para aprofundar-se nos estudos de doutorado em LA (excerto 32, linhas 4
a 6).
Como observamos, ambas tiveram como motivação para a escolha profissional as
experiências positivas vivenciadas no contato com línguas. Para N, por exemplo, a formação
profissional docente (inicial e continuada) é vista como um espaço para preparação e
aperfeiçoamento para o ensino de línguas (excerto 30, linhas 2 e 3). Já no caso de H, as
experiências prévias de ensino parecem ter um papel fundamental na construção de crenças
relativas a sua auto-imagem de professora de línguas e à capacidade de refletir e tomar
decisões pedagógicas (excerto 33, linhas 3 a 6). Para N, tais experiências possibilitam-lhe
resolver conflitos resultantes do próprio desencontro entre suas crenças sobre
ensino/aprendizagem de línguas enquanto professora e as dos envolvidos no contexto, ou seja,
alunos, pais e administração escolar (excerto 28, linhas 4 a 7). Em sua visão, o “poder” (grifo
da interagente), a responsabilidade e o conhecimento são aspectos que precisam ser muito
bem administrados pelo professor, que deve desenvolver um trabalho consciente, a fim de não
prejudicar a aprendizagem de sues alunos (excerto 34, linhas 1 a 4).
Entretanto, nas primeiras experiências de ensino de LM como LE, em contexto de
teletandem, podemos notar que predomina em N e em H uma reflexão acentuada sobre o
papel que desempenham ao ensinar e aprender a LM uma da outra como estrangeira, pois,
para ambas, ensinar a própria língua para um estrangeiro exige “pensá-la de outra maneira”
(excerto 35, linhas 13 e 14), ou, como afirma H, “mudar a perspectiva das coisas” (excerto 35,
linhas 7 e 8), algo que vêem como um processo difícil (excerto 35, linha 14). Para Brammerts
(2002), cada parceiro de tandem deve contribuir com as competências lingüístico-
comunicativas que já possui na LM, normalmente superiores a do parceiro, especialmente
porque se constroem em seu meio cultural e social de manifestação da linguagem. Assim, é
responsabilidade do parceiro “aproveitar” adequadamente as competências do outro,
exercitando sua autonomia, ao mesmo tempo em que o parceiro proficiente deve utilizar sua
LM com cuidado, a fim de que proporcionar uma aprendizagem adequada, praticando a
reciprocidade.
Por fim, a sexta e última categoria apresentada envolve as crenças de N e H remetidas
à avaliação do contexto teletandem. Aqui, são abordadas questões relativas ao processo
interacional e à aprendizagem das línguas, sendo que as interagentes relatam as principais
vantagens e as dificuldades esperadas e encontradas em sua atuação como participantes no
projeto. A categoria também engloba impressões sobre as culturas enfocadas nas interações.
De maneira geral, podemos afirmar que, em termos avaliativos, as vantagens do
contexto remetem-se praticamente a algo que tomamos como dicotômico, ou melhor, a
proximidade das interagentes, apesar da distância espacial que há entre elas. Observamos que
as primeiras expectativas quanto ao projeto já se mostram favoráveis ao desenvolvimento das
interações: possibilidade de estabelecer um contato cultural e amigável, além do lingüístico-
comunicativo; realizar construções lingüísticas espontâneas; desenvolver o ensino e a
aprendizagem de forma interativa e atualizada; utilizar um recurso tecnológico inovador;
estudar outra língua de forma barata (excerto 36, linhas 1 a 7). Nesse sentido, o
estabelecimento da motivação para interagir confirma-se logo nos primeiros contatos, nas
quais o fator preponderante para a garantia da qualidade e continuidade das interações é o
afetivo, pois as interagentes buscam, a cada novo encontro, ensinar aquilo que agrada à outra
e aprender aquilo que lhe dá prazer. Desse modo, a “distância” espacial entre uma interagente
no Brasil e outra na Espanha, supostamente um primeiro entrave para que as interações se
estabelecessem, é superada, em essência, pelo vínculo estabelecido entre elas, e não
propriamente pela eficiência dos aplicativos computacionais, que, a princípio, deveriam
oferecer a possibilidade de reunir imagem, voz e texto na aprendizagem dos idiomas
enfocados, em tempo real. Entretanto, vimos que as dificuldades se estabelecem em torno
justamente da operacionalização do uso desses aplicativos, mas que a motivação afetiva,
gerada nos primeiros encontros por chat, levou as interagentes a buscarem alternativas para os
entraves de comunicação via teletandem (excerto 55, linhas 1 e 2 e 18 a 20).
Fica claro, pois, que as expectativas das interagentes emergem nesse contexto
motivado pelo objetivo de “buscar o entendimento”, como afirma H, em sua autobiografia
(excerto 44, linhas 1 a 3). Por sua vez, N reflete sobre as primeiras contribuições das
interações no uso do espanhol, tais como a percepção da melhora do acento da língua
(entonação) e o estabelecimento de uma comunicação mais natural, resultando em escolhas
lingüísticas igualmente mais espontâneas (excerto 45, linhas 1 e 2).
As contribuições são vistas por ela também em relação à própria LM, já que N afirma
“pensar mais agora sobre a língua portuguesa e os usos que dela faz”, algo sobre o qual nunca
havia refletido, mas passou a fazê-lo a partir dos questionamentos de H (excerto 38, linhas 4 a
6). Observamos, portanto, que há uma conscientização sobre o ensino da própria língua por
meio da aprendizagem de uma LE, despertada em um contexto marcadamente espontâneo de
ensino de línguas. Segundo Little (2002), o papel do falante nativo parece ser mais importante
que o do aprendiz, no que se refere ao desenvolvimento de uma consciência metalingüística,
proporcionado, sobretudo, pelo fato de ter de pensar mais sobre sua LM para oferecer
feedback ao parceiro que está aprendendo a língua.
Da mesma forma, para H as interações são muito importantes do ponto de vista do
processo de aprendizagem, já que o acento da LP em N (entonação) é diferente do que ouve
em classe, nas aulas de português com a professora de Portugal, além de poder desenvolver
uma “retroalimentação personalizada” sobre os usos e a gramática da língua e aprender sobre
cultura e costumes (excerto 39, linhas 1 a 4). Ainda na perspectiva de H, o mais importante
nas interações é a motivação, já que considera a comunicação com N como real, uma
oportunidade para expressar sentimentos, ser compreendida e compreender a parceira de
teletandem (excerto 44, linha 1). Por outro lado, é também um momento de descontração, no
qual pode pensar em coisas diferentes das de seu cotidiano (excerto 46, linhas 4 e 5). Para N,
as interações são igualmente muito positivas e agradáveis e representam momentos de
relaxamento, além de ser uma forma atrativa de aprender e de ter mais coragem de se
comunicar utilizando a língua espanhola (excerto 45, linhas 1 a 4). No caso de H, as
interações também lhe dão essa coragem e motivação, e, embora tenha consciência de que no
português é mais difícil, o que lhe importa é falar (excerto 41, linhas 2 a 7). Portanto,
podemos notar que o tandem aproxima a aprendizagem de línguas à aprendizagem em outras
áreas do conhecimento, propondo-se como uma aprendizagem aberta para a vida
(BRAMMERTS, 2002).
Em relação aos aspectos pedagógicos, consideramos relevante apresentar alguns
excertos que caracterizam uma avaliação do contexto de teletandem e que podem confirmar as
crenças e expectativas até então analisadas nos discursos das interagentes, quanto à
aprendizagem de línguas. Na reflexão que as interagentes fazem do novo contexto de
aprendizagem, bem como de sua atuação nessa condição, percebemos uma conscientização
sobre a aprendizagem de LE antes vivenciada apenas em contextos convencionais de sala de
aula, bem como uma manifestação do que foi considerado relevante ou falho nas interações,
no sentido de aprendizagem de línguas. Acompanhemos, pois, os excertos que serão trazidos
adiante, extraídos da última interação entre N e H, a de número 13, ocorrida em 2007. Nela,
ambas discutem a respeito da entrevista realizada entre M, a mediadora, e H, na qual trataram
das impressões gerais da interagente mexicana sobre o trabalho desenvolvido em teletandem.
Excerto 56
1.H: Pois, ela [M] falou com você do que nós falamos?
2.N: Não, ainda não falei com ela, não tive a oportunidade de falar com ela
3.ainda. ‘Cê quer me contar?
4. H: Hum... sim, se você quer, ela me perguntou o que é que eu gostei, o que é que
5.eu não gostei... Eu disse que eu gostei muito da comunica[z]ão viva...
6..N: Hum-hum.
7..H: Que é uma comunica[z]ão que eu pude aprender muito da cultura
8..(incompreensível) o que eu pus que eu não gostei é que algumas vezes nós
9.não...hã... eu senti que eu precisava mais de uma guia como temática, do que é
10.que nós vamos falar (incompreensível) isto é uma espécie de instru[z]ão? (...)
11.Pelo que eu estudei nas minhas aulas, com as duas, nas minhas aulas, aulas, na
12.sala, e com C.... é... eu posso lembrar-me muito melhor do que eu vi nas aulas
13.porque nós temos (incompreensível) uma coordenada, e os livros, tudo, pois...
14.mas quando eu penso nas nossas interações, é mais difícil, eu não posso
15.lembrar-me das correções, das telas, tudo fica um poco descartável...
(Interação 13, em teletandem, 2007).
Neste primeiro trecho, podemos observar que H dá declarações explícitas sobre o que
representou para ela o contexto de teletandem, visto como comunicação viva (linhas 5 e 6) na
qual ela pôde aprender muito da cultura na qual sua interagente está inserida. Porém, H
também deixa claro que, em teletandem, houve uma carência de aprendizagem em relação às
aulas de sua professora C, das quais confessa lembrar-se muito melhor, porque havia
“orientações, livros” (linha 13). Nesse sentido, H sentiu falta de um trabalho instrucional e
temático, já que as explicações e correções feitas por N praticamente se apagaram, por serem
um “pouco descartáveis” (linha 15). Assim, compreendemos que, para H, o teletandem
precisa de uma estruturação temática para que a aprendizagem de LE se concretize e não seja
esquecida, como afirma ter acontecido com ela, apesar do declarado ganho cultural.
Ao ser indagada pela parceira quanto a sua opinião a respeito do contexto de
teletandem, N se manifesta e declara o que percebeu como problemático nas interações,
conforme veremos no excerto a seguir:
Excerto 57
1.H: Você sente o mesmo?
2.N: (...) Um pouco, um pouco, sim... eu acho que... é...existiu um pequeno
3.problema com as nossas interações que foi a minha falta de experiência como
4.professora... é... de língua portuguesa. Na verdade, eu nunca dei aula de língua
5.portuguesa nem pra nativos. Eu dou aula de espanhol aqui. Então, eu acho que
6.faltou foi MUITO a minha experiência como professora de língua portuguesa.
7.É... quanto a minha aprendizagem, eu acho que pra mim foi mais fácil do que pra
8.você também por isso, porque você tem uma experiência maior do que eu, você
9.tem estratégias de ensino mais desenvolvidas do que eu, então pra eu aprender
10.foi melhor... e...
11.H: AH, FOI? (ri)
12.N: (ri) E também eu tenho um tempo de estudo de língua espanhola maior.
13.Então, algumas coisas que você me falava, eu já tinha sistematizado aquilo
14.algum dia. Então, foi como uma... é... foi como eu me LEMBRAR de algumas
15.coisas que eu já sabia, então, isso me ajudava a gra... a memorizar... a
16.memorizar com mais facilidade. Então, eu acho que no nosso processo de... nas
17.nossas interações... é... a aprendizagem foi mais positiva pra mim do que pra
18.você. Eu acho.
(Interação 13, em teletandem, 2007).
Conforme acabamos de ver, o problema das interações, para N, não se restringe ao
âmbito metodológico, mas reside em uma questão mais ampla, que envolve sua falta de
experiência para ensinar línguas, especialmente PLE. Nesse sentido, considera-se em
vantagem em relação à aprendizagem de LE, devido justamente à experiência e às estratégias
de H para o ensino de línguas, acreditando ter aprendido melhor do que pôde ajudar a
aprender, em contexto de teletandem (linha 7 a 9). Outro aspecto que considera ter lhe dado
vantagem em relação à aprendizagem do espanhol foi o fato de já estudar a língua de forma
sistematizada há muito tempo, sendo muito mais fácil memorizar o que era enfocado nas
interações (linha 16). Por isso, N avalia que a aprendizagem tenha sido mais positiva para ela
que para H (linhas 17 e 18). Constatamos, assim, uma conscientização crítica de N quanto às
limitações ocasionadas por sua formação acadêmica no que diz respeito ao seu desempenho
no teletandem, focalizando, especificamente, os objetivos de H em relação a uma
aprendizagem mais organizada e instrucional. Portanto, podemos dizer que há, em N, uma
reflexão sobre um aspecto bastante problemático nas licenciaturas, que vem a ser o da
formação teórica distanciada da prática, mostrando que, no caso da interagente brasileira, há
uma crença de que a formação profissional ainda a habilita a agir mais como aluna que como
professora (BARCELOS, 2006). Sabemos que o teletandem é um contexto no qual, como
uma modalidade in-tandem, os objetivos fundamentais são a comunicação e aprendizagem.
Porém, não podemos deixar de considerar o fato de estarmos em contexto investigativo de
formação de professoras de línguas, em um espaço especialmente novo, no qual o ensino
toma forma no “ajudar a aprender”, tarefa assumida pelos próprios interagentes, em busca de
sua autonomia e da reciprocidade, ao lado do mediador, sempre que este se fizer necessário.
Nesse sentido, todos os envolvidos neste novo contexto, sejam interagentes, mediadores ou
coordenadores, necessitam, primeiramente, aprender em teletandem.
N aprofunda suas argumentações, no sentido de refletir sobre o que devemos esperar
do teletandem enquanto contexto de aprendizagem de línguas, refletindo sobre uma visão
estruturalista manifestada por alguns participantes em reuniões do grupo de língua espanhola,
na Universidade. Vejamos o que declara N no excerto 58, a seguir:
Excerto 58
1. Houve sim uma preocupação muito grande de todos os... as pessoas.que estão
2.participando do projeto... e às vezes também surgiam muitas discussões nas
3.nossas reuniões que o teletandem seria... é... uma transposição da sala de aula
4.pro computador? Ou seja, se a gente ia ensinar a língua portuguesa como é
5.ensinada em sala de aula pra estrangeiro, é... como você disse, de uma maneira
6.mais tradicional, ou se nós iríamos fazer um... uma AULA , entre aspas, né, um
7.pouco mais... mais diferente. O objetivo principal do teletandem é... pelo menos
8.aí é o meu ponto de vista e eu vejo assim... é realmente a comunicação, a
9.interação com o outro que não faz parte da nossa cultura... e é esse câmbio,
10.essas trocas de experiências. Pra mim isso é mais importante do que o ensino
11.estrutural da língua... PRO TELETANDEM.
(Interação 13, em teletandem, 2007).
Fica claro, mais uma vez, um posicionamento bastante crítico de N quanto ao trabalho
em teletandem, que, para ela, vai muito além da simples transposição do ensino de línguas da
sala de aula para o computador. Em sua visão, o teletandem tem como objetivo principal a
comunicação, a interação com o outro que não faz parte da nossa cultura, a troca de
experiências (linhas 9 e 10), aspectos que, segundo N, são muito mais importantes que o
ensino estrutural da língua (linhas 10 e 11). Caracteriza-se, assim, uma crença explícita sobre
aprender pelo teletandem, sendo possível observar que, tal como apontam as leituras teóricas
que realizamos, as crenças manifestam-se em contextos específicos de significação social, em
uma relação entre contexto, crenças e ação, no qual refletimos e agimos.
O próximo excerto, de número 59, traz uma continuidade do processo reflexivo de N a
respeito de sua atuação no teletandem, justificando sua escolha por um ensino focado mais
nos aspectos culturais que nos estruturais, diferentemente do que fizeram alguns outros pares
de interagentes, participantes do projeto. Assim, vejamos o que mostra o trecho a seguir:
Excerto 59
1. (...) Um dia, estávamos eu e a M conversando a respeito das nossas interações
2.e... eu falava sobre isso com ela. Eu acho que a minha preocupação, a minha
3.pouca, a minha falta de preocupação com o ensino estrutural da língua
4.portuguesa com você era que você tinha aulas de... de... de gramática... etcetera,
5.com a professora de português aí na Espanha. Então eu acho que era mais
6.importante, pelo menos eu via assim, a nossa troca de informações mesmo,
7.informações culturais, é... às vezes... até mesmo o POUCO de informação
8.estrutural, eu te mostrando alguma coisa do português, do português aqui do
9.Brasil, você podia fazer uma relação com o que você tava aprendendo aí. Então
10.eu acho que a preocupação com a estrutura da língua no teletandem pra gente
11.não foi... o foco. (...) Há outras pessoas que participam também do projeto como
12.interagentes, como eu participo, que deram aulas de... aulas mesmo,
13.prepararam aulas antes e foram pro teletandem prontas pra dar aulas de
14.acentuação, pra dar uma aula de pontuação, pra dar uma aula de concordância
15.verbal.... Eu acho que isso não era tão interessante quanto trocar as
16.experiências que a gente tava trocando porque você tinha suas aulas aí. Eu
17.acho que seria interessante reforçar isso no teletandem, entende?
(Interação 13, em teletandem, 2007).
Vimos acima que N esclarece a H o foco de seu trabalho como interagente no
teletandem ao mesmo tempo em que justifica seus procedimentos levando em conta o
contexto convencional de aprendizagem das línguas no qual ambas também estavam inseridas
durante o processo. Dessa maneira, o estudo de português e de espanhol como LEs em
contexto de sala de aula fez com que a brasileira, como participante do teletandem, não
concentrasse sua preocupação na estrutura na língua, mas na troca de informações mais
culturais e menos estruturais (linhas 3 a 7). Para ela, esse foco mais voltado à comunicação
deve ser reforçado no teletandem (linhas 17 e 18), diferentemente do que alguns participantes
do projeto vinham realizando, isto é, preparando aulas, no sentido tradicional da palavra, para
ensinar conteúdos gramaticais pelo teletandem.
Por sua vez, H concorda com sua parceira, manifestando, no diálogo estabelecido, a
crença de que teletandem não é aula tradicional, conforme vemos no próximo excerto:
Excerto 60
1.H: Sim, que o teletandem não é aula... tradicional... e que não tem porque
2.funcionar com as regras, como forma tradicional de ensino, e que para mim
3.sempre foi mais importante a comunica[z]ão que a gente aprender uma língua...
4.Então, é que... é mais importante comunicar que fazer qualquer outra coisa no
5.teletandem.
6.N: Ah, sim, eu também acho.
7.H: É, de ensinar. Hum... é... eu também disse [para M] que pra mim foi muito
8.importante ter as interações com tudo que passou com a minha professora C (a
9.professora de Portugal).
10.N: Ah! (ri)
11.H: Porque... o teletandem foi uma motiva[z]ão pra seguir com o estudo da
12.língua, muito importante, e eu tenho que dizer esto pra você... e que você me
13.lembrou de que a língua é uma coisa viva. Não importante que C diga de limpar
14.a minha língua (incompreensível)
15.H: Que C fique com a sua limpeza...Que ela fique com ela, eu estou contente
16.com o meu português brasileiro porque é vivo e eu posso falar com você.
17.N: (ri) Que bom! Fico feliz!
18.H: Sim. Então, não é...o teletandem não foi muito... (incompreensível) inclusive
19.quando você me deu... corre[z]ões escritas muito pormenorizadas, eu ficava
20.sem um contexto. Agora, eu volto a elas e eu posso compreendê-las melhor do
21.que as primeiras corre[z]ões, muito avan[z]adas pro meu nível e que eu não
22.podia entender tudo isto. Mas tudo foi muito bom (ri), então eu acho que é uma
23.experiência muito boa.
(Interação 13, em teletandem, 2007).
Ao afirmar que o teletandem foi mais importante como comunicação do que como
aprendizagem de línguas (linhas 3 a 5), H parece estabelecer uma distinção entre
comunicação e aprendizagem, expressando novamente sua crença de que, para aprender uma
LE, é necessário haver um contexto mais formal. Confirmando esse posicionamento, a
interagente mexicana fala novamente a respeito das aulas de C, que, em sua perspectiva
tradicional de ensino, afirmou que iria “varrer” o português brasileiro de H, sendo que o
teletandem funcionou, mais uma vez, como uma motivação para que H continuasse a querer
aprender PLE (linhas 11 e 12). A partir dessas afirmações, podemos dizer que H constrói em
seu discurso duas metáforas bastante marcantes no processo de avaliação do teletandem: a da
limpeza da aula tradicional e a do português brasileiro como língua viva (linha 13).
Compreendemos, assim, aspectos relacionados à construção do discurso do professor em sala
de aula, carregado de ideologias e embebido em um poder que o leva a manipular a
aprendizagem e as próprias construções ideológicas do aluno, tal como aconteceu com C em
relação a H, cuja visão de língua limpa vs. língua suja, ou seja, de português de Portugal vs.
Português do Brasil acentuou uma fragmentação no conceito de aprendizagem construído por
H, para quem, como constatamos, só se dá em contextos formais e tradicionais de ensino de
línguas. De acordo com a definição de H de que o português brasileiro é língua viva, em
contexto de comunicação pelo teletandem, também poderíamos supor que o português
aprendido em sala de aula parece-lhe uma língua estática, talvez em razão do tratamento
formal atribuído à aprendizagem, naquele contexto.
O excerto 61 conclui as idéias de H a respeito de como ela acredita que o teletandem
deveria se estruturar, a partir das expectativas que tinha e daquilo que realmente foi realizado
em relação à aprendizagem de LE. Traz também a visão da interagente mexicana a respeito da
parceria ideal para o teletandem, com a qual N concorda, conforme podemos comprovar
abaixo:
Excerto 61
1.H: Para mim também, eu discuti também esto com a sua tutora, mas eu acho que
2.nós deveríamos... (incompreensível) eu falo mais por mim, que eu estava sempre
3.desligada de tudo, com minhas viagens e tudo isto. Nós deveríamos trabalhar
4.com mais disciplina, um pouco mais de ordem, eu acho que nós poderíamos
5.aprender muito mais. MAS, mas tu e eu somos duas professoras de língua. Eu
6.acho que duas pessoas que não têm uma forma[z]ão, uma educa[z]ão, da língua
7.não está fácil de facer, por que não tem uma forma[z]ão de como a nossa língua
8.funciona, como de explicar para outra pessoa, as regras e tudo isto.
9.N: Hum-hum.
10.H: Então, eu acho que com pessoas que conhecem a língua é possível aprender
11.com o teletandem, mas não com pessoas que não têm consciência da estrutura
12.da língua.
13.N: Hum-hum. Eu penso assim também. Eu também acho, eu acredito que seja
14.isso, inclusive/
15.H: Eu acho que... (...) Você está a gravar isto?
16.N: Sim!
17.H: Muito importante para que ouça M. porque eu acho que, M., eu fico com
18.ganas de te ver (ri). Eu acho não é possível que duas pessoas, vamos dizer um...
19.uma (incompreensível) e uma pessoa que trabalha em uma oficina como
20.montador tenham no teletandem um ensina português ao outro e o outro
21.espanhol ao outro porque não vão a ter as ferramentas... para explicar como es
22.(incompreensível). A comunicação é possível, mas se corre um risco de mal
23.aprender.
24.N: Hum-hum...é...
25.H: Aprende-se pela sobrevivência, sim? Então, isto é o que eu acho, que
26.para esse tipo de pessoas, é preciso uma ajuda que elas têm, aulas de língua
27.com elas. Hum... não sei. Vocês têm essa ajuda.
28.N: Sim, temos! Eu acho que é isso também, eu também penso assim como
29.você.
30.H: (…)Muy bien. Me gustaría N., si es posible, M. escuchar al principio de la
31.interacción dónde hablamos un poco más del proyecto porque ya te digo que yo
32.me quedo pensando en estas cosas …
33.N: Hum-hum. Ella es mi tutora y oye todas nuestras interacciones.
34.H: Ah, bueno…
35.H: Sobretodo quiero dejar claro que pienso que en teletandem las
36.interacciones son muy buenas porque… por toda la oportunidad real de
37.comunicación, pero que pienso que pueden… QUE POR SI SOLAS son
38.insuficientes para aprender una lengua (incompreensível)
(Interação 13, em teletandem, 2007).
Embora o excerto anterior tenha trazido a crença explícita de H de que teletandem não
é aula tradicional, observamos uma contradição a esse respeito manifestada pela mesma
interagente no excerto 61, ao afirmar que deveríamos trabalhar com mais disciplina, um
pouco mais de ordem (linhas 3 e 4), atitude que, segundo H, levaria as parceiras a aprender
muito mais (linha 5). Portanto, H parece trazer para o teletandem uma crença sobre
aprendizagem de línguas construída por ela em outros contextos, nos quais vivenciou o
processo, ou como aluna ou como professora de LE. A interagente também acredita que o
processo interacional foi possível porque N e ela têm uma formação lingüística, um
conhecimento de como as línguas funcionam (linha 8), mas que o trabalho seria impossível
entre pessoas que não têm essa consciência, havendo um risco de se aprender pela
sobrevivência (linha 25) e ocasionando um mal aprender (linha 22 e 23). Para esses casos, H
afirma que os interagentes devem ter uma ajuda (linha 27), como aulas de língua, por
exemplo, e considera importante que M ouça suas preocupações. Nesse sentido, N traz
concepções que coincidem com as de H, já que concorda com as afirmações da interagente.
De fato, Brammerts e Calvert (2002) afirmam que o nível de conhecimentos da LE dos
parceiros deve ser suficiente para que a comunicação entre eles seja viável, em pelo menos
uma das duas línguas e, conseqüentemente, dois principiantes não podem aprender em regime
tandem. Por fim, H reafirma seu posicionamento sobre a oportunidade real de comunicação
proporcionada pelo teletandem, mas que a modalidade, por si só, é insuficiente para se
aprender uma língua (linhas 37 e 38).
Nesse sentido, podemos encontrar respostas as duas subperguntas de pesquisa trazidas
no início deste capítulo, que são 1) Como se estabelecem as relações discursivas das
interagentes in-teletandem, em contexto de formação inicial? e 2) De que maneira aspectos
como crenças, expectativas e discurso pedagógico podem promover ou não atitudes de
reflexão sobre a profissão docente em formação inicial, na atual sociedade da informática?.
Diante de todos os posicionamentos analisados, a avaliação que as interagentes fazem do
teletandem na construção de seu discurso persuasivo parece confirmar a maior parte das
crenças e expectativas manifestadas pelas participantes no processo de interação,
considerando os dados analisados desde o levantamento autobiográfico até as últimas
interações. Constatamos que a expectativa trazida por N, antes de iniciar as interações,
coincide com o trabalho que afirma ter realizado, voltado à comunicação e à troca de
informações culturais pelo teletandem. Porém, na trajetória interacional, N encontrou
obstáculos referentes a uma questão que não esperava enfrentar ou sobre a qual não tinha
ainda consciência: a dificuldade de ensinar PLE, atribuída, declaradamente, a sua formação
acadêmica, que não dá foco a esse aspecto. Notamos também, pelas declarações de N, que não
houve uma preocupação com o ensinar ou o aprender espanhol e português como LEs,
justificada pela aprendizagem formal das línguas já vivenciada pelas interagentes, em seus
contextos acadêmicos. Nesse sentido, constatamos certa divergência em relação aos objetivos
idealizados, porém manifestados somente ao final, por H, que esperava uma maior
sistematização, organização e aprofundamento da aprendizagem, apesar de, nos dados
iniciais, afirmar que seu maior objetivo era buscar o entendimento com sua parceira. Assim, a
partir da experiência vivenciada por H, não é possível aprender línguas exclusivamente pelo
teletandem, levando em conta a crença sobre aprendizagem que construiu em contextos
convencionais de sala de aula e trouxe para as interações.
Brammerts (2002) afirma que, como conseqüência da íntima ligação entre os
princípios da autonomia e da reciprocidade, é natural que os objetivos concretos de
aprendizagem dos parceiros in-tandem sejam diferentes, cabendo aos aprendizes esclarecê-los
no sentido de torná-los reais, em um trabalho colaborativo entre interagentes com hábitos e
necessidades de aprendizagem diversos. Segundo Little (2002), ter consciência de suas metas
é um passo importante na busca pela autonomia, gerada e alimentada na interdependência
social dos interagentes.
Assim, poderíamos afirmar que pode ter havido uma falha no que se refere ao
conhecimento mútuo dos objetivos das participantes, traçados com base em suas próprias
expectativas, crenças, ideologias e experiências em relação ao processo de aprendizagem.
Tais objetivos são discutidos com maior profundidade na última interação, após uma
entrevista realizada entre M e H, considerada como uma negociação (DUFVA, 2003, p. 131)
e que, como vimos, gerou uma série de reflexões críticas entre as interagentes. Tais fatos nos
levam a pensar sobre a importância da supervisão como ferramenta para a reflexão e para a
compreensão de ações, crenças e objetivos dos participantes de teletandem, inclusive do
próprio mediador, conforme veremos em seção posterior.
Por fim, conforme veremos a seguir, a interação leva à construção de um discurso
pedagógico no qual a marca de poder da palavra do professor, na aula tradicional,
praticamente desaparece em situação de aprendizagem como troca, proporcionada em
contexto contemporâneo de aprendizagem de LE. Predomina, então, o discurso da
negociação, do entendimento e da emancipação, levando-nos a refletir sobre os novos papéis e
concepções assumidas em contextos de aprendizagem por meio da tecnologia: do aluno, do
professor, do material didático, da abordagem de ensino, do erro, de língua e de linguagem.
Portanto, percebemos como inevitáveis as conseqüências dessa reflexão na formação de
professores de línguas e, no caso desta pesquisa, na formação inicial de N, para quem as
experiências de interação têm trazido, além de oportunidades de refletir sobre a própria
prática, também de desenvolver um ensino e uma aprendizagem autônomas e responsáveis,
por meio do uso da língua e do exercício da linguagem nos âmbitos social, cultural e político,
aspectos que normalmente não desenvolvemos no curso superior.
3.1.2 A interação 9: um exemplo típico de trocas culturais na formação do discurso
pedagógico in-teletandem
19
Não podemos deixar de salientar que as trocas culturais constituem um aspecto
particularmente interessante na análise de crenças, aparecendo sempre como um ponto
positivo para ambas as interagentes, especialmente porque ambas podem discutir, em um
contexto significativo, um mesmo aspecto cultural sob três realidades sociais diferentes: a
brasileira, a espanhola e a mexicana. Assim, fica-nos claro que o enfoque cultural realiza-se
espontaneamente, quase sempre a partir da troca de imagens de N e H, veiculadas por suas
webcams. Nesse contexto real e autêntico, a aprendizagem sobre a língua ocorre também de
forma natural, quando uma ensina para a outra expressões lingüísticas ou valores próprios ao
contexto cultural no qual estão inseridas. Essas ocorrências constituem-se, sem dúvida, em
oportunidades muito mais ricas e significativas de aprendizagem, se comparadas à aula
tradicional, na qual o enfoque cultural é comumente abordado de maneira mais genérica, por
meio de datas festivas ou fatos históricos trazidos em livros didáticos e não vivenciados pelos
aprendizes.
Já deixamos claro que a questão cultural é um dos aspectos mais enfocados nas
interações realizadas por N e H, e que, por meio da abordagem cultural, a língua é trabalhada
de forma espontânea e como conseqüência dos questionamentos que emergem em torno de
determinada temática envolvendo cultura. Também já afirmamos que a imagem
proporcionada pelas webcams é, quase sempre, ponto de partida para a discussão de um
aspecto que envolve hábitos, costumes e crenças no Brasil, no México e na Espanha. Assim, o
enfoque cultural, que também acaba por englobar o geográfico, o social, o político, o
ideológico e o lingüístico, é, sem dúvida, aquele que gera a maior parte das interações nesta
pesquisa e que revela muitas das crenças e reflexões manifestadas pelas interagentes, dando-
lhes especial significado e estreitando os vínculos interacionais desenvolvidos. Além disso, é
19
Esclarecemos que a interação 9, na íntegra em anexo, foi transcrita pela interagente N, por ocasião
da análise dos dados para seu trabalho de iniciação científica. A transcrição traz, conforme pode ser
visto, uma preocupação com o detalhamento fonético na produção oral da interagente H, já que este
era um dos focos de análise de N. Portanto, foi respeitada a apresentação da transcrição tal como
fora realizada por N. Entretanto, salientamos que as demais transcrições de interações e de
mediações, realizadas pela pesquisadora, não enfatizam representações fonéticas, já que estas não
têm relevância na análise dos dados desta pesquisa.
por meio desse enfoque que o discurso das interações se re-produz, de maneira mais
equilibrada, pelo respeito às diferentes condições sociais em que também as culturas se re-
produzem.
Buscando dar respaldos teóricos a esta análise
20
, trazemos as idéias de Brammerts e
Calvert (2002), para quem a troca de informações auxilia os parceiros in-tandem a criarem
uma idéia imediata sobre a vida no país da LE, do ponto de vista de outra pessoa. Além disso,
os interagentes têm a possibilidade de comparar os conhecimentos que já possuem e seus
preconceitos com as informações dadas por seu parceiro, além de ter uma idéia de como seu
país e seus habitantes são vistos no exterior. Assim, os autores acrescentam que, quando os
parceiros utilizam suas LMs para trocar informações ou exprimir opiniões, a troca pode ir
além do ponto de vista lingüístico ou de conteúdo aos quais se limita uma aula convencional.
Brammerts (2002) também acredita que o trabalho em pares, realizado in-tandem, parece ser o
ideal, já que a colaboração entre dois parceiros gera maior empenho e aproveitamento em
relação à comunicação e à aprendizagem, simplificando, ainda, a comunicação intercultural,
já que cada parceiro considera a si próprio e ao outro, primeiramente, como indivíduos e,
complementarmente, como representantes de uma cultura. Assim, pode haver uma diminuição
dos estereótipos e uma superação das inibições, muitas vezes um entrave em trabalhos de
grupos maiores.
Kramsch (1993) argumenta que o ensino da cultura na visão tradicional de ensino de
LE dá-se pela simples transmissão de informação generalizada sobre as pessoas do país-alvo,
suas atitudes e visões de mundo. Ignora-se, pois, o fato de que grande parte daquilo que é
chamado “cultura” é, na verdade, um construto social, um conjunto de auto-percepções e de
percepções de outros. Assim, em uma visão ampliada de linguagem como prática social, a
interculturalidade passa a incluir uma reflexão sobre a cultura da língua-alvo e da língua
nativa, em um processo interpessoal de compreensão das identidades culturais. A autora
acrescenta que a dificuldade de se trabalhar cultura está no fato de que mito e realidade
condizem e reforçam um ao outro; porém, os mitos não podem ser descartados, pois afetam a
maneira como os aprendizes de LEs refletem e vêem uns aos outros como espelhos de si
próprios, ainda que os fatos evidenciem o contrário.
20
As proposições teóricas que fundamentam esta análise foram trazidas neste capítulo porque, originalmente,
não constituíam foco nesta pesquisa. Porém, à medida que os dados foram sendo analisados, percebemos que a
questão cultural era bastante relevante; portanto coube tratá-la aqui, junto à análise dos excertos que ilustram a
temática.
Dessa forma, Kramsch (op. cit.) observa que, quando duas culturas diferentes se
agregam em uma realidade multifacetada, passam a representar muitas subculturas diferentes,
em termos de ocupação, educação, região, idade, raça ou gênero. Para ela, a maneira mais
adequada de se construir uma compreensão mais completa e menos parcial de duas culturas
interrelacionadas é por meio de uma terceira perspectiva, que capacitaria aprendizes a ter uma
visão de dentro e de fora sobre as culturas envolvidas, consolidando-se uma educação
intercultural. Assim, além de tentar compreender a cultura estrangeira (CE) em seus termos
próprios, os aprendizes precisam ter consciência de seus próprios mitos culturais e de suas
realidades, os quais podem facilitar ou impedir a compreensão da imaginação estrangeira.
Assim, a abordagem intercultural tem, para a autora, um objetivo paradoxal, já que, ao
trabalhar com as fronteiras culturais, busca modificar pessoas durante o processo, ao levá-las
a descobrir que têm mais coisas em comum do que imaginavam ter. Nessa trajetória, a cultura
que emerge é diferente das culturas originárias do processo, já que é resultado da interrelação
pessoal e das reflexões sobre diferentes situações sócio-discursivas.
Portanto, podemos afirmar que, nesta pesquisa, o teletandem favorece esse trabalho
intercultural, à medida que as interagentes passam a desenvolver um conhecimento da cultura
da parceira que antes era escasso, além de poderem interpretar e refletir sobre os fenômenos
culturais implícitos em determinadas ações e na própria realidade social apresentada por elas,
em um contexto autêntico de aprendizagem de LE. Isso enriquece a negociação de
significados, a base da comunicação discursiva, e, conseqüentemente, favorece a
aprendizagem.
Em uma visão semelhante à de Kramsch, Hinkel (1999) afirma que cultura é um
conceito que engloba normas sociais, visões de mundo, crenças, suposições e sistemas de
valores que afetam o uso, o ensino e a aprendizagem de uma LE. Assim, é necessário que os
professores de línguas desenvolvam a consciência de que uma LE tem poucas chances de ser
aprendida sem que se remeta à cultura da comunidade em que é falada, já que a visão de
mundo dos aprendizes afeta seu aprendizado, compreensão, produção e interação em uma LE
e em uma CE. Portanto, sistemas lingüísticos, discurso e léxico refletem as maneiras de se ver
o mundo em diferentes realidades e aprendizes de LE tornam-se, necessariamente, aprendizes
de CE, pois a linguagem não pode ser aprendida sem uma compreensão do contexto cultural
em que é usada.
Por fim, Serrani (2005) também acredita que o componente sócio-cultural desempenha
um papel secundário em práticas de ensino de língua, seja pela dificuldade de concepção seja
pelos obstáculos em sua implementação. A autora salienta que, em qualquer sociedade, há
tendências e regras muito precisas de constituição e tomada do discurso que refletem
contextos específicos de língua-cultura. Da mesma forma, predominam aspectos ideológicos e
memórias discursivas que devem ser considerados em relação à significação dos enunciados,
além da linguagem não-verbal, que, como já foi adiantado, gera grande número das interações
discursivas veiculadas pelo componente intercultural, nesta pesquisa.
Nesse sentido, para a autora, o trabalho do professor de línguas não é tarefa simples, já
que a formação de um docente de línguas como interculturalista requer capacitação para que
a língua não seja vista como um mero instrumento a ser “dominado” (grifo da autora) pelo
aluno em estruturas gramaticais ou situações comunicativas (SERRANI, op.cit.: 17-8). O
papel do interculturalista, visto como sensível aos processos discursivos, requer que o
profissional considere, fundamentalmente, em sua prática, os processos de produção-
compreensão do discurso, relacionados diretamente à identidade sócio-cultural, na qual
predomina uma concepção polifônica de linguagem, tal como caracteriza o dialogismo de
Bakhtin (p. 18). Além disso, há que se considerar a dimensão afetiva subjacente à perspectiva
interculturalista na aprendizagem de línguas, pois, para a autora, é importante sensibilizar-se
para as diferenças enunciativas na construção dos discursos, trabalhando a questão afetiva,
seja por meio das temáticas enfocadas, seja pelas tomadas de posição dos aprendizes em
relação aos temas discutidos, constituindo a subjetividade e a identidade lingüístico-cultural.
Segundo Serrani, prazeres, desprazeres e conflitos subjetivo-ideológicos são matéria-prima
da discursividade, assim como o é a língua (op. cit.: 34).
Conforme já observamos anteriormente nas interações analisadas, o componente
afetivo é, de fato, propulsor do estabelecimento de um discurso significativo e equilibrado,
construído em um contexto de aprendizagem de línguas in-tandem no qual as interagentes
buscam o diálogo e a compreensão das diferenças e dificuldades. Conseqüentemente, torna-se
também mais proveitoso abordar cultura, já que a dimensão afetiva preserva as identidades
lingüístico-culturais.
Para caracterizar essas afirmações, trazemos a seguir a análise de uma interação típica
ocorrida entre N e H, em 2006, sendo esta a primeira interação em teletandem gravada. Trata-
se da interação 9 (na íntegra, nos anexos), na qual vários aspectos culturais são abordados, por
meio dos quais as línguas são aprendidas de maneira informal, porém, totalmente
contextualizada. Para confirmar a análise trazida, utilizamos também os excertos de outras
duas interações, a 10 e a 13, igualmente gravadas. Assim, a análise tem por ponto de partida
os próprios temas culturais enfocados e os excertos que os ilustram, por meio dos quais
traçamos as considerações mais pertinentes em relação às crenças e ao discurso pedagógico
das interagentes.
O tema abordado logo no início da interação é o das eleições, quando N e H se
cumprimentam e perguntam sobre as tarefas cotidianas e os compromissos da semana, sendo
um dos compromissos de N ter de ir votar, conforme vemos a seguir:
Excerto 62
1.N: Hoy tenemos elecciones en Brasil.
2.H: Ai, es verdad.
3.N: Sí.
4.H: ¿Y ya fuiste a votar?
5.N: No todavía no. Voy después, más tarde porque para mí me parece más
6.tranquilo. Mis padres fueron una hora pero yo me quede aquí para hablar
7.contigo. Es que me gusta más que votar. (risos)… Brasil está en una situación
8.complicada.
9.(incompreensível)… Perdóname H., no te he comprendido muy bien.
10.H: Platícame como es la situación ahora en Brasil.
11.N: Ah, sí. Es que la elección pasada elegimos Lula para nuestro presidente y no
12.fue lo que esperábamos, hubo muchas corrupciones. ¿Es así que se dice?
13.H: Corrupción.
14.N: Corrupción, sí. Hubo mucha corrupción… durante estos cuatros años,
15.pero ahora en esta elección no tenemos tantas opciones, buenas personas poner
16.en… su lugar y yo creo que va a ganar otra vez.¿Ganar?
17.H: Sí.
18.N: Sí, yo creo que va a ganar otra vez esta elección para presidente. Es que no
19.tenemos muchas opciones en Brasil. Los políticos aquí son…
20.H: Yo entendiendo bien eso. En Méjico es igual.
21.N: Sí… Es un problema porque… lo peor es que la populación no está
22.¿consciente? (concorda), consciente de estas cosas. Esto es importante,
23.poner un presidente que gobierne bien a tu país es muy importante. A mi me
24.parece que no están preocupados con estas cosas aquí en Brasil. Las cosas
25.ocurren y todo pasa y se queda todo bien. Como si nada estuviera pasado.
26.H: Sí, en Méjico es un poco así también. Aunque estas elecciones fueron
27.diferentes. La población estaba más interesada, pero al fin de cuentas va a ser
28.igual, al final no pasa nada.
29.N: Sí, siempre es así,
30.H: ¿Tú eres una persona muy comprometida políticamente?
31.N: Creo que no (risos). Creo que tengo un poco de conciencia pero como
32.decimos aquí en Brasil no soy tan “engajada”
33.H: ¿Eso que es?
34.N: Sería una persona que está muy envolvida con los… las cosas que
35.ocurren con la política, en el medio político y todo esto. Yo creo que no soy una
36.persona así. Hablo sobre política y todo, pero no soy una persona tan crítica
37.creo (risos).
(Interação 9, em teletandem, 2006).
Podemos comprovar acima que a construção do discurso realiza-se por meio da
temática das eleições, a qual N está vivenciando naquele momento. A partir daí, ambas
discutem a respeito de hábitos culturais de seus países relacionados ao enfoque político,
como, por exemplo, a pouca importância dada ao voto — como quando N afirma que prefere
ficar conversando com H a votar — a corrupção e o pouco envolvimento da população em
assuntos políticos. As interagentes percebem que os contextos são muito parecidos entre si no
Brasil e no México, já que, em ambos os países, as pessoas estão desinteressadas e há muita
corrupção. Isso confirma a idéia de Kramsch (1993), trazida a pouco, de que, ao se confrontar
culturas, descobre-se que há uma série de pontos em comum. Discutindo essas questões, N e
H abordam, de forma espontânea, particularidades da língua, como vimos acontecer quando N
questiona sobre o emprego de “hubo muchas corrupciones”, que H corrige para “corrupción”
(no singular) (linhas 12 a 15), tal como usamos no português. Em outro momento, quando H
pergunta à sua parceira se ela é politicamente comprometida, N responde que, no Brasil,
dizemos “engajada” para a pessoa envolvida em questões políticas, mas que ela não se
considera uma pessoa muito crítica quanto a isso (linhas 31 a 37).
Em outro momento da interação, a palavra “engajada” é retomada por H no enfoque
do tema que denominamos uso da tecnologia, conforme veremos abaixo:
Excerto 63
1.N: Na minha faculdade tem bastante estudos sobre blog.
2.H: Sí?
3.N: Tem uma professora que faz estudos sobre isso. Tem bastante coisas que
4.envolvem a internet, né, na minha faculdade, estudos sobre a internet. É bem
5.interessante, eu gosto.
6.H: Eu acho que as pessoas em América são muito mais interessadas e envueltas
7.... involucradas? Qual é a palavra que você usou para poli[t]ica? Que você
8.[d]isse, eu não sou...
9.N: Engajada.
10.H: Enganchada.
11.N: Assim, eu vou digitar.
12.H: Engajada. As pessoas aqui não são engajadas com as novas técnicas.
13.Engajada, é muito bonito. ¿Es como enganchada, no?
14.N: Que que significa enganchada?
15.H: Uma coisinha assim (usando a imagem)
16.N: Aqui a gente não... enganchada, de gancho.
17.H: (concorda) Como uma metáfora. Engajada, en-ga-jada.
18.(incompreensível)
19.N: Como?
20.H: Es que gancho es con ce hache.
21.N: Sí, gancho.
22.H: E engajada… ¿Es com [x]ota o com ce aga?
23.N: São coisas diferentes. Engajada, diria uma pessoa engajada, uma pessoa
24.politicamente envolvida, uma pessoa que está envolvida com as coisas.
25.Enganchada a gente usa mais pra coisas.
26.H: Ok... eu pensei que foram da misma raiz.
27.N: Não, acho que não. De gancho, né? Uma coisa está enroscada, assim
28.(uso da imagem), enganchada.
29.H: Sim.
30.N: Não sei se usa mais enganchada ou mais enroscada. Assim (digitando).
31.H: Ai, con doble ere, ok! Muitubrigada (incompreensível).
(Interação 9, em teletandem, 2006).
No caso acima, notamos que a aprendizagem ocorrida a pouco a respeito da palavra
“engajada” adquire significado em outro contexto abordado, sendo que H a associa com outro
vocábulo, “enganchada” (linha 13). Percebendo que ambas podem ter a mesma raiz (linha
26), H compreende a nova palavra como uma metáfora da que já conhecia, o que de fato faz
sentido, já que engajar-se é mesmo estar vinculado a, “enganchado” em uma idéia (linhas 16 e
17). Porém, N explica à parceira que enganchar é mais usado para coisas, assim como
enroscar, que N acaba escrevendo com dois erres. De toda forma, a aprendizagem do sentido
se concretizou e H compreendeu em qual contexto cada palavra deve ser empregada,
caracterizando aqui a memória discursiva, constituinte da identidade lingüístico-cultural.
Nos dois casos em que presenciamos o uso de “engajada”, manifestam-se não só
questionamentos e explicações em torno do vocábulo, mas também crenças das interagentes
sobre o ato de engajar-se, envolver-se em um assunto. Assim, percebemos as crenças de N e H
sobre envolvimento político em brasileiros e mexicanos, ambos os povos por elas
caracterizados como pouco comprometidos, e envolvimento tecnológico, que, na visão de H,
ocorre mais na América que na Europa, ao falar particularmente do contexto em que vive
temporariamente, a Espanha (linhas 6 e 7).
Em outro caso, a imagem proporcionada pelas webcams é pretexto para mais um
enfoque cultural na interação analisada, desta vez sob o tema gastos com beleza. No excerto
que veremos a seguir, de número 64, N e H falam a respeito de cabelos e dos custos para
cuidar da beleza no Brasil e no México:
Excerto 64
1.N: ¿Puedes ver que estoy rubia?
2.H: Sí, vi que tienes unos rayos.
3.N: Sí (risos)
4.H: ¿Hasta donde llega tu pelo?, ¿Qué tan largo es?
5.N: Está un poco longo, yo creo que cerca del…(…) Sostén. Sí, atrás… yo creo
6.que está cerca del sostén.
7.H: Oh, (incompreensível). Es muy largo.
8.N: Un poquito si. Es que estaba muy cortito el año pasado. Como el tuyo más o
9.menos. (H mostra seu cabelo) Sí, cortito. Y mi novio me pidió que lo dejara
10.crecer. Pero da mucho trabajo el pelo longo, largo.
11.H: Sí mucho, mucho.
12.N: Y ahora hice unos rayos. ¿Es así que se dice?
13.H: En Méjico sí, aquí no sé como se llama esto. Yo no me arreglo el pelo
14.porque es demasiado caro.
15.N: Yo no pago nada porque mi hermana es peluquera.
16.H: ¡Ah, qué bien!
17.N: Entonces puedo hacer esas cosas a veces. Es que los productos también son
18.un poquitos, poquito caros pero no necesito pagar la persona que va a hacer las
19.cosas entonces esto ya ayuda mucho.
20.H: Sí, y además estás segura de que la persona que hace entendiendo lo que
21.quieres que te haga.
22.N: Sí, esto es. Aquí estas cositas… (incompreensível) se llaman “luzes”.
23.H: Luces. Sí en Méjico luces se usa cuando no te decoloran antes el cabello y
24.rayos…Sí, cuando… a veces ponen el color directamente en tu pelo eso es luces.
25.N: En todo pelo.
26.H: Si. Pero si primero decoloran tu pelo, o sea, lo hacen como blanco y
27.después ponen el color, eso se llama rayos. Pero en España no sé…
28.N: Luces y rayos. Es que yo… yo creo, creo que lo que hice entonces fue
29.luces.
30.H: Ah, muy bien (…)
31.N: Esto es. Es que no me gusta mucho hacer cosas en mi pelo.
32.H: A mi tampoco.
33.N: Sí, es que da mucho trabajo cuidar de estas cosas, ¿no? Y no tenemos
34.tiempo porque tenemos que estudiar y trabajar mucho entonces… o nos
35.quedamos bella o estudiamos (risos).
(Interação 9, em teletandem, 2006).
No trecho apresentado, podemos verificar que, a partir do ponto de vista estético,
algumas questões culturais e econômicas são discutidas, por meio das quais a língua,
conseqüentemente, é trabalhada. Assim, observamos as interagentes conversarem a respeito
de comprimento de cabelo, dos altos custos para os tratamentos de beleza no México e no
Brasil e a diferença de sentido em espanhol entre “luces”, termo usado quando apenas
algumas poucas partes do cabelo são pintadas, e “rayos”, quando o cabelo é todo descolorido
e pintado de outra cor (linhas 23 a 25). Há também um comentário de N que, embora seja
feito em tom de brincadeira, traz consigo um ponto de vista ideológico a respeito de beleza e
intelectualidade, já que a interagente diz que elas não têm tempo para essas coisas porque
estudam e trabalham muito e têm de escolher entre ficarem bonitas ou estudar (linhas 34 e
35).
Tendo em vista as subperguntas de pesquisa 1 e 2 enfocadas, podemos observar, até o
momento, que o discurso pedagógico que vai se construindo nas interações nada tem de
semelhança com o de uma aula convencional, na qual o professor dificilmente trabalharia
questões como as que são abordadas na interação analisada, já que é o próprio contexto que
provoca esse tipo de enfoque. Podemos dizer que muito raramente um livro didático
proporcionaria, com a mesma significação, o desenvolvimento da aprendizagem das línguas
por meio da interação cultural.
Assim, surge mais uma questão interessante na interação 9, que envolve a cultura do
casamento e das relações afetivas. Em certo momento da interação, N e H falam por um bom
tempo sobre o casamento da irmã de N, que está muito próximo, e expõem pontos de vista
divergentes, principalmente a respeito de padrinhos, disposição para o casamento e relações
amorosas à distância, tópicos que proporcionam um uso bastante significativo da língua
espanhola, enfocada naquele momento da interação, pela natureza polêmica dos assuntos, que
leva à argumentação para defender pontos de vista. Vejamos essas questões no excerto citado,
a seguir:
Excerto 65
1.N: El matrimonio de mi hermana está llegando.
2.H: ¿Y cuándo es?
3.N: Es día 15 ahora.
4.H: Oh, ya es muy pronto.
5.N: Tenemos este final de semana ahora que viene y ya es el próximo.
6.H: Es verdad. ¿Y vas a ser madrina de algo?
7.N: Por eso hice las luces.
8.H: Ah… ¿Madrina de qué vas a ser?
9.N: En la iglesia y en el cartório.
10.H: Y es que, ¿registro civil?
11.N: Sí, esto es.
12.H: ¿Cómo se dice en portugués?
13.N: Cartório.
14.H:… Yo no sé como se escribe.
15.N: (digita a palavra). Cartório civil também.
16.H: Esto es interesante. ¿Y M. (noivo de H) va a estar ahí?
17.N: En el día que mi hermana va a casarse en el registro civil no. Porque día 12
18.es un festivo. Día de las crianzas, de los chiquitos, de los niños aquí y día 13 yo
19.creo que mi hermana va a casarse en el registro civil y en el día 14 que es el
20.sábado, día del matrimonio.
21.H: Ah muy bien (...) Entonces no se casan por civil. Bueno, ¿van a hacer
22.fiesta o van a hacer boda religiosa también?
23.N: ¿Cómo?
24.H: ¿La boda de tu hermana va a ser solo por el civil o también por la
25.iglesia?
26.N: Por la iglesia también.
27.H: Y por la iglesia es día 14.
28.N: Sí es 14 pero en civil es 13. Entonces M. no va a estar.
29.H: Ok.
30.N: Voy a ser madrina con el jefe de mi hermana.
31.H: Ah… ¿No es la pareja?
32.N: No, no hace falta ser una pareja.
33.H: En México sí.
34.N: ¿Tiene que ser casados?
35.H: Si.
36.N: Aqui no hace falta.
37.H: A mi me parece muy extraño que seas madrina con una persona que no es tu
38.pareja.
39.N: (risos) Imagino.
40.H: ¿Y estás nerviosa?
41.N: No, no estoy. No soy yo quien voy a casarme (risos). Entonces no hay
42.porque estar nerviosa. Mi hermana si debe de estar nerviosa.
43.H: ¿Y si te toca el ramo?
44.N: ¿Cómo?
45.H: Si te toca el ramo vas a ser la siguiente.
46.N: ¿El ramo?
47.H: Sí, de flores.
48.N: Ah, si.
49.H: ¿No tienen esta costumbre?
50.N: Sí tenemos, tenemos también.
51.H: De la novia que lanza su ramo por espalda y la mujer que lo cacha es la
52.siguiente que le toca a casarse.
53.N: Es que aquí se llama “buquê de flores”. Yo creo que lleva tilde (digitando a
54.palavra)… ya me ha tocado el ramo tres veces.
55.H: ¿Tres?
56.N: Sí, pero no me caso nunca.
57.(Risos)
58.H: No… ¿Por qué no quieres o por qué no se anima M.?
59.N: ¿Cómo? No comprendo.
60.H: Si ya te tocó el ramo tres veces pero no te casas, ¿es por qué tú no quieres o
61.por qué M. no se anima?
62.N: No, es que a mí me parece que M. es más animado que yo. Es que… yo creo
63.que es temprano todavía, quiero estudiar y hacer mis cosas primero…
64.(incompreensível)… y ahora está lejos y no quiero irme para onde él está,
65.todavía no.
66.H: Pero… bueno, ya me estoy poniendo muy personal. Iba a hacer una
67.pregunta muy indiscreta.
68.N: No, por favor, puede hacerla.
69.H: Iba a preguntar si el hecho de que él se haya a vivir lejos pone un poco en
70.peligro la relación.
71.N: No, yo creo que no.
72.H: No.
73.N: Ya hace tiempo que…
74.H: Ya están muy comprometidos.
75.N: Ya hace tiempo que estamos juntos entonces ya tenemos esto muy… como
76.algo muy serio y tenemos, hacemos planos y todo esto. Yo creo que no corremos
77.este risco, ¿es así que se dice?
78.H: Riesgo.
79.N: Riesgo, esto es.
80.H: Que bueno, porque a veces (incompreensível) un problema. Porque
81.cambia.
82.N: Sí, yo comprendo.
83.H: Tienen que ser muy resistentes.
84.N: Yo creo que M. es un poquito más flaco que yo. Es hombre, ¿sí? Yo creo que
85.los hombres son flacos. A veces no está muy bien porque se queda muy solo
86.donde está y sale con sus amigos y a veces llega muy tarde y un poquito
87.borracho y se duerme muy pronto y no necesita quedarse pensando en nada.
88.Ayer él, él hizo esto y ya conversamos y ya está todo bien. Yo creo que los
89.hombres son muy flacos, no saben enfrentar, ¿enfrentar se dice?
90.H: Sí.
91.N: No saben enfrentar las cosas como realmente tiene que ser.
92.H: Sí.
93.N: Pero…
94.H: Estoy de acuerdo contigo.
95.N: M. es una persona muy buena y al final está todo bien.
96.H: Pues me alegro.
(Interação 9, em teletandem, 2006).
O excerto acima representa exemplos de vários pontos de vista das interagentes N e H,
que refletem, sobretudo, crenças e culturas diferentes. Alguns aspectos tornam totalmente
explícitas algumas das crenças das interagentes e que traduzem convenções sociais e
ideologias dos países em que vivem. Por exemplo, a questão de N ser madrinha de sua irmã
no civil, ao lado de uma pessoa que não é de seu relacionamento, soa muito estranho para H,
que justifica seu espanto por tal prática não ser comum no México. Porém, para N, isso é
perfeitamente normal, como sabemos ser no Brasil (linhas 30 a 36). Um outro aspecto que
revela uma crença popular manifestada por H é a menção a pegar o buquê, fato que, se
acontecer, provavelmente fará com que N seja a próxima a se casar (linhas 45 a 52).
Entretanto, como a brasileira afirma que já pegou o buquê em três casamentos, H acredita que
ou ela ou M, noivo de N, não queira casar (linhas 60 e 61). Porém, N tem outra explicação
para isso, e alega que, na verdade, M quer muito casar, mas ela prefere terminar seus estudos
(linhas 62 e 63).
Assim, parece que H apresenta uma visão muito mais idealizada e romântica de
casamento do que N, algo que pode ser comprovado quando a mexicana acaba fazendo um
comentário que ela mesma julga muito pessoal (linhas 66 e 67). Trata-se do relacionamento
de N e M, à distância, já que ela estuda em Rio Preto e ele mora e trabalha em outra cidade.
Assim, H preocupa-se com o fato de ficarem distanciados e se isso não “põe a relação em
perigo” (linhas 69 e 70). Reside aqui, portanto, uma comprovação daquilo que afirma Serrani
(2005), a respeito das regras muito precisas de constituição e tomada do discurso que refletem
contextos específicos de língua-cultura.
Prosseguindo, N responde que não acredita em risco para seu relacionamento com o
noivo, pois estão juntos há muito tempo, embora admita que M encare a solidão de forma
diferente da dela, pois o considera “fraco” por ser homem (linhas 75 a 85). Aqui, também fica
clara a ideologia de N a respeito de relações amorosas, cuja crença é a de que os homens
procuram meios de fugir da solidão, como sair para beber com os amigos, revelando sua
fraqueza de comportamento, enquanto as mulheres “sabem enfrentar as coisas” como elas são
(linhas 85 a 92).
Por trás de todas essas questões de fundo ideológico presentes na discussão de um
assunto tão corriqueiro, ocorre o uso da língua em contexto, no qual ambas trocam
informações sobre expressões usuais em seus países, como “cartório”, que H não conhecia, ou
como “ramo”, que é “buquê” em espanhol e uma novidade para N. Assim, tendo em vista
novamente a constituição do discurso pedagógico enfocada na 2ª. subpergunta de pesquisa,
vimos que este constrói-se, mais uma vez, de maneira totalmente imprevisível e espontânea,
proporcionando, além da aprendizagem da língua, a manifestação de crenças e ideologias
construídas em contextos sociais específicos, isto é, nos países de origem e nos contextos em
que vivem as interagentes. Porém, essas mesmas crenças, manifestadas por uma das
interagentes, podem ser modificadas ou ter seu peso de “verdade” relativizado, à medida que
entra em contato com as crenças da outra interagente sobre um mesmo aspecto, dando espaço
à diversidade de crenças, ideologias e culturas, quando uma cultura passa a espelhar-se na
outra, como afirma Kramsch (1993). Portanto, as interações discursivo-culturais instauradas
por meio do teletandem podem ser um importante instrumento de relativização do poder, das
crenças e da própria aprendizagem, que deixa de ser linear e previsível para tornar-se
contextual e possível.
Os excertos que analisamos a seguir foram tratados a partir da perspectiva de temas
ecológicos, como água, clima e flores. O primeiro deles, o excerto 66, foi extraído ainda da
interação 9, enquanto o outro, que constitui o excerto 67, é parte da interação 10, conforme
veremos a seguir:
Excerto 66
1.N: Vocês só bebem água da garrafinha, água mineral, H.?
2.H: Os dois. Esta é água de la llave.
3.N: Como?
4.H: Agua de la llave. Do grifo?
5.N: Da torneira (digitando)
6.H: Tornera, tornera.
7.N: Torneira, assim.
8.H: Torne-i-ra... Em Espanha você pode beber água de torneira, mas em México
9.não. No México você tem que comprar água de garrafa e pode ser com gás o sin
10.gás.
11.N: (concorda)
12.H: Mineral o não mineral. E no Brasil?
13.N: Acho que é como na Espanha. A gente toma água da torneira e água
14.mineral também. Aqui na minha casa a gente toma mais água da torneira. Na
15.cidade onde eu moro, como tem muito cloro na água, então a gente compra ou
16.pega de poço.
17.H: Como pega de poço, você vai a um poço por água?
18.N: (risos) Não, é que tem as torneirinhas nas ruas e aí a gente pega água das
19.torneirinhas. Aqui a gente fala que é de um poço artesiano. É como a água
20.mineral mais ou menos. Não sei te explicar muito bem o que é isso. Eu sei que é
21.uma água pura e boa para se beber.
22.H: Como agua de manancial? Que sai de a tierra?
23.N: (concorda) É, é isso... de manancial.
24.H: Mas (incomprensivel) na rua...
(Interação 9, em teletandem, 2006).
No exemplo acima, as interagentes discutem sobre água a partir da imagem que N
de H pela câmera, tomando água de garrafinha. Logo, surgem vários questionamentos a
respeito dos hábitos quanto ao consumo da bebida, mais uma vez sob o ponto de vista das três
culturas envolvidas. N fica sabendo que, tal como no Brasil, na Espanha as pessoas tomam
tanto água de torneira quanto engarrafada, enquanto que, segundo H, no México é mais
comum o consumo de água engarrafada (linhas 8 a 10). Por sua vez, H ouve de N que, no
Brasil, existem os poços artesianos, algo que compara à “água de manancial”, mas estranha o
fato de haver torneiras nas ruas (linhas 12 a 24). Dessa forma, ambas aprendem vocabulário e
passam a conhecer um pouco do contexto social uma da outra, no que diz respeito ao hábito
de consumo em questão.
No trecho que se segue, N e H falam agora a respeito do clima e de flores e, conforme
já adiantamos, o excerto é extraído da interação 10:
Excerto 67
1.N: Tá frio aí?
2.H: Está a mudar o tempo. Agora está melhor... hoje fez um pouquinho de calor,
3.nós pudemos sair a rua sem abrigo. Então está melhor. A primavera comenza e
4.nos estamos felizes...
5.N: (ri) Aqui tá muito quente, muito quente...
6.H: Muito?
7.N: Muito...
8.H: QUANTO ERA muito quente? Quantos graus?
9.N: Ah, hoje? Deixa eu pensar... eu não tenho muita noção, também, mas...
10.Trinta e dois, trinta graus, eu acho.
11.H: Aiii...
12.N: Sim, tá calor, muito calor. Não consigo dormir, tenho que tomar três
13.banhos por dia...
14.H: (ri) Nós estamos este mês o verão porque aqui o inverno foi curto e poco
15.frio... então, nós achamos que o verão vai ser terrível. O verão passado nós
16.pegamos, hã, quarenta e cinco graus... Que é muito, muito pra nós...
17.N: Muito quente, pra nós também (ri).
18.H: É muito seco.
19.N: O verão é muito seco, né?
20.H: É, seco.
21.N: Porque aí não chove, no verão chove. É muito quente, mas é úmido, não é
22.tão seco assim.
23.H: Ah, pois, justamente. Isso porque eu estou a beber CHÁ...
24.N: É chá (ri)? Chá do quê?
25.H: É uma coisa que se chama “reibos”...
26.N: Como?
27.H: “Reibos”.
28.N: Como se escreve?
29.H: É uma planta da Índia que é como manzanilla, que os meninos, dão pra eles
30.dormirem, que tem uma flor... pequenina com o centro amarelo e...
31.N: Camomila!
32.H: Isto, é. Isto é “reibos”... “reibos” é... a camomila da Índia.
(Interação 10, em teletandem, 2006).
A temática tratada no excerto acima se desenvolve por meio de questionamentos
bastante informais, como o que aparece já na primeira fala de N: “Tá frio aí?” (linha 1).
Notamos que o uso da LP na interação é coloquial, fato que parece ser conseqüência de um
clima de confiança e de aproximação já instaurado entre as interagentes. Segundo Brammerts
e Calvert (2002), uma das estratégias de aprendizagem em regime tandem que os interagentes
reconheçam expressões utilizadas pelo parceiro como sendo potencialmente úteis para si;
portanto, o uso de expressões informais garante a aprendizagem do discurso real, construído
no contexto social que a interagente brasileira vivencia. Posteriormente, quando N diz a H que
em sua cidade está “muito, muito quente”, a mexicana questiona sobre o que ela considera
“muito, muito quente” (linhas 5 a 11), isto é, há um interesse em saber qual é a temperatura
considerada quente para N, já que, no último verão, os espanhóis enfrentaram temperaturas de
45 graus (linhas 15 e 16). Parece haver, aqui, uma revelação de interesse pela comparação de
realidades climáticas em contextos geográficos distintos, o que, obviamente, remete a uma
questão cultural. Em seguida, ambas falam sobre clima seco e clima úmido, percebendo que
essa característica é a que parece diferenciar, para elas, o verão na Espanha do verão no
Brasil: o primeiro é mais seco, o segundo mais chuvoso (linhas 20 a 23). Por fim, H mostra a
N que está bebendo chá, apesar do calor, e, nesse contexto, N aprende a respeito de uma erva
indiana chamada “reibos”, muito parecida com a camomila e da qual é feito o chá que H está
tomando (linhas 25 a 32).
Na interação 13, há um trecho que registra as interagentes conversando sobre a
temática que nomeamos culinária, na qual, além de falar sobre preferências alimentares e
trocar receitas de pratos que consideram saborosos, também conversam sobre manter a forma
física. Nesse contexto, trocam vocabulário e expressões referentes ao tema, conforme
veremos a seguir:
Excerto 68
1.N: Mi favorita es la comida italiana. Hoy yo hice, bueno, yo creo que es así que
2.se dice en español, ¿“nhoque”?
3.H: Ñoqui. Ñoqui.
4.N: Ñoqui. Yo hice “ñoqui” en la comida.
5.H: Pero esto es como de papa, ¿no?
6.N: ¿Cómo?
7.H: ¿Es con papa, con patatas?
8.N: Sí, sí, con patatas.
9.H: ¿Y cómo se lo come? Es que yo no lo conozco.
10.N: Se hace con patatas y harina de trigo, y se hace una pasta y después lo
11.pongo en una… bueno, ¿cómo voy a explicar eso?
12.H: ¿Horma?
13.N: No, es en una, en una…tarrina, como se dice…
14.H: ¿Traveja?
15.N: Sí, más o menos eso, pero es comprida y tiene unas… ¿cómo se dice
16.“furos”?
17.H: (incomprensible)
18.N: ¿Cómo?
19.H: Coladera.
20.N: No, no es, no es eso. No se explicarte como es. Bueno, y de esta pasta
21.hacemos…hã… trocitos así, pequeñitos, unas pelotitas y cocinamos en el
22.agua y después ponemos una salsa de tomates con carne picada…
23.H: Ai…
24.N: Fica muito bom! (ri)
25.H: (ri) ¡Segura que sí! Creo que en España y en el México no suelen
26.cocinarse pastas en casa, uno se compra la pasta pero no hace pasta en su casa.
27.Por eso para nosotros es tan bueno que mi amiga italiana Berta venga a hacer
28.pizza porque pone la harina, todo.
29.N: Ah, qué bueno. Pero el ñoqui que hicimos no hicimos con patatas aquí, aquí
30.en casa mi mamá prefiere hacer con… cómo se llama aquella maíz…
31.¿“mandioca”? Aquella maíz que es larga así.
32.H: ¿Camote?
33.N: ¿Camote?
34.H: ¿Que es un poco dulce?
35.N: Sí, es un poquito dulce… voy a confirmar esto, ¿sí?
36.H: ¿Es blanco y morado?
37.N: Sí, esto es. Dentro es blanco y después tiene una casca que es marrón.
38.H: Cáscara.
39.N: Cáscara. Una cáscara. Camote es...no, creo que no es camote...
40.H: ¿No?
41.N: No, bueno, yo sabía el nombre de eso pero me olvidé. Tiene que buscar ahí
42.“mandioca” para ver el imagen. Es una planta, la tengo en mi casa.
43.H: Ui, ¡qué padre!
44.N: ¿Cómo?
45.H: ¡Qué padre! (ri) Es como “Qué bien”. Es un mexicanismo, cuando algo nos
46.gusta decimos “¡qué padre!”.
47.N: ¡Qué padre!
48.H: Sí, “está padre”, para algo que… que está bien, ¿no?, que nos
49.gusta.(…)Estoy mirando unas fotos aquí de comida con mandioca…
50.N: Hum-hum… ¿estás vendo algún “bolinho de mandioca”?
51.H: ¡Sí!
52.N: ¿Y no te ha gustado?
53.H: Sí, sí, ¡que es buenísimo!
54.N: Sí, es muy bueno eso, muy bueno. Es una pasta de mandioca y de relleno
55.lleva carne picada y “catupiry”, creo que es.
56.H: ¿Y que es “catupiry”?
57.N: Es un queso, un “requeijão”. ¿Cómo se dice?
58.H: Requesón.
59.N: Sí requesón, creo que sí, en español. Es muy bueno eso, muy bueno. Es frito.
60.Pero nos deja muy regordetas (ri).
61.H: Sí, pero, bueno… (ri) Con eso… es que ya no sé que hacer, ¿sabes?
62.N: Ah, yo también. Ya no hago nada más. Yo mantengo. Yo busco mantener de
63ta manera.
64.H: Sigo perdida. Tu no tienes problemas de este tipo.
65.N: ¿Cómo?
66.H: Que tu te ves muy bien de peso, tu no tienes problemas de este tipo.
67.N: ¿No? Yo creo que sí…(ri)
68.H: Yo creo que no. Lo que pasa es que en Brasil sois muy exigentes con…
69.N: Haha!
70.H: Sí, esto es verdad.
71.N: Es verdad eso. Las mujeres en Brasil son muy exigentes con el cuerpo, y con
72. apariencia… ¿apariencia?
73.H: Sí.
74.N: Con la apariencia, con lo…
75.H: Sí, sí. Yo procuro no preocuparme mucho por estas cosas.
76.N: (ri) ¿Y yo dijo “preocupar con la apariencia” ahora?
77.H: Sí.
78.N: Perdón.
79.H: ¡No!
80.N: (ri e refaz a frase) Las mujeres se preocupan por la apariencia.
(Interação 13, em teletandem, 2007).
No excerto acima, notamos uma troca interessante de vocabulário entre N e H. A
brasileira passa a conhecer palavras como “ñoqui” (linhas 3 e 4), “camote” (linhas 33 e 34),
cáscara” (linhas 37 a 39), “requesón” (linhas 57 a 59) e, ainda, uma expressão tipicamente
mexicana, “¡Qué padre!”, usada quando queremos dizer que algo está maravilhoso, muito
bom (linhas 43 a 47). Também aprende sobre o uso da expressão “preocuparse por la
aparencia”, quando discutem sobre a vaidade excessiva das mulheres brasileiras (linhas 68 a
74). No caso de H, a interação igualmente lhe apresenta novidades em relação ao vocabulário,
como “mandioca” (linhas 41 e 42), “bolinho” (linhas 50 a 53) e “catupiry” (linhas 55 a 57),
além das próprias receitas que N lhe passa. Além dos aspectos lingüísticos, observamos
questões de fundo ideológico sendo tratadas pelas interagentes, como a que envolve aparência
e forma física, sobre a qual H declara pensar que as brasileiras se ocupam muito. Surge aqui
aquilo que Kramsch (1993) discute a respeito do mito, que não pode ser ignorado nas relações
discursivas, pois atinge a forma como aprendizes de LE vêem o outro e se espelham nele,
ainda que de maneira contraditória.
Tal quantidade de exemplos envolvendo aspectos sociais, políticos e econômicos,
pode mostrar-nos que, ao contrário do que ocorre em aulas convencionais de línguas, a
perspectiva cultural não se esgota em datas festivas e históricas, muitas delas inclusive
incorporadas ao calendário escolar, como uma forma de justificar que os professores estão
trabalhando “cultura”. No teletandem, tal aspecto representa um ponto de partida e de
continuidade interacional e de compreensão do outro, enquanto parceiro de
ensino/aprendizagem.
Nesse sentido, a cultura e a intercultura são conceitos trabalhados em meio à própria
manifestação discursiva, já que os sistemas lingüísticos, o discurso e as escolhas lexicais
refletem os modos de se ver o mundo e suas diversas realidades. Sendo assim, constatamos
que a aprendizagem de uma língua, de fato, passa pela aprendizagem da cultura que envolve
essa língua.
Por fim, um último aspecto é tratado sob a ótica cultural na interação 10, o
comportamento social. Nesse caso, as interagentes estão conversando sobre viajar pela
Europa, e logo H entra na discussão sobre o comportamento dos portugueses, quando esteve a
passeio em Lisboa. Para ela, os lusitanos são muito mais “respeitosos” que os espanhóis,
afirmando que, logo quando chegou a Espanha, eram inevitáveis as comparações entre os dois
povos, e mesmo com os mexicanos, já que os espanhóis lhe pareciam muito rudes, falavam
alto e faziam muitos gestos; no México, segundo H, as pessoas são muito “diplomáticas”. Por
sua vez, N argumenta que os espanhóis devem ter um comportamento social muito
semelhante ao dos italianos, povo de quem é descendente, inclusive tendo tios mais velhos
que são imigrantes italianos. É o que podemos comprovar a seguir, no seguinte excerto:
Excerto 69
1.H: España es un poco más barato que Inglaterra. (…) Pues también estamos a
2.planear un viaje (incompreensível) que es más barato que España y que es
3.precioso, que es Portugal.
4.N: Sí.
5.H: Aunque yo ya no sé si tienes mucho interés en conocer Portugal, la cultura y
6.tal… (incompreensível) pero es muy bonito y Lisboa… (incompreensível) es una
7.ciudad superbonita y la gente… bueno, así como los brasileños, porque, claro, yo
8.comparé a los portugueses con los españoles y los portugueses me perecían
9.mucho más… respetuosos… en 10.comparación con la forma de ser de los
10.españoles, que de todo les irrita, para todo dicen
11.palabrones…(incompreensível)
12.N: Entendi. E os espanhóis para você? Como foi? Em português (sugere a troca
13.da língua).
14.H: No princípio, quando eu cheguei, todos os dias eu voltava a casa dizia a S.:
15.“S., me gritaram na escola!”. Gritaram? É o mesmo verbo, gritar?
16.N: Sim.
17.H: “S., me gritaram no supermercado!”, ih... (fazendo voz de choro). “Me
18.gritaram na rua!”. Eu achava que as pessoas gritavam muito, que eram muito
19.toscas, muito... brutas.
20.N: Hum-hum.
21.H: Mas, não... agora que eu me habituei a viver aqui eu acho que é uma
22.cultura diferente, as pessoas falam com muita voz, muito forte, às vezes isto é
23.símbolo de simpatia. Elas falam forte para que tu fales com elas também, para
24.que as ouvas, não, ouças...
25.N: Ouça, hum-hum.
26.H: Ouça...é... para assim falar com elas também. Então, AGORA eu gosto dos
27.espanhóis também, mas no princípio foi um poco... eu teve um choque.
28.N: Hum-hum.
29.H: Por esta questão de... sobretudo cultural.
30.N: hum-hum.
31.H: Falam tudo com as mãos.
32.N: (ri) Não sei se tem alguma relação, os italianos também são, têm uma
33.maneira um pouco... grossa, um pouco... como você disse dos espanhóis, de
34.falar. A minha família é italiana...
35.H: Forte!
36.N: Forte, isso. A minha família é italiana e eles são assim também, gritam
37.muito, falam muito palavrão... Eu tenho alguns tios que preservam bastante
38.ainda da cultura italiana, alguns tios que moram em São Paulo, que vieram
39.muito pequenos da Itália e... eu sou descendente de italianos.
40.H: Hum-hum.
41.N: Então... deve ser um pouco parecido também. Não sei.
42.H: É, também são muito FRANCOS, sinceros...
43.N: Sim.
44.H: No México somos muito diplomáticos. Então, para dicer qualquer coisa
45.nós... falamos muito, preparamos o terreno. É... eu estava a pensar, esto que
46.agora eu falei, “puedes venir, mas... eu só posso oferecer-te a minha casa só
47.uma semana, esto é muito espanhol.
48.N: Não entendi, H., desculpa, cortou.
49.H: Estávamos a falar de que tu vais venir e que eu te digo, diretamente:
50.“Puede venir, eu posso oferecer-te a minha casa para ficar só uma semana
51.orque a minha casa é pequenininha.
52.N: Hum-hum...
53.H: Esta forma de decir diretamente é muito espanhola.
54.N: (ri)
55.H: Se eu, se nós... como nós decimos em português... se nós... tuviéssemos
56.falado isso quando eu estava no México e as minhas circunstâncias fossem
57.(incompreensível) eu... habría dito “sim, então, nós vamos ver, mira, a minha
58.casa é pequenininha...”
59..N: (ri)
60.H: Então... No princípio, esta forma de ser tão franca CHOCA, que às vezes as
61.pessoas (incompreensível) “eu não gosto de isto”, diretamente... é um poco um
62.choque, que pessoa tão mal-educada, tão... mas é muito útil. Os espanhóis não
63.têm problemas por estas coisas, se eles não gostam de algo dicem. Então...esto é
64.bom porque as pessoas resolvem muitos problemas em menos tempo. Porque
65.nós temos que dicir; “Mira, qué esto, qué el otro, qué no sé, qué quién sabe…”.
66.N: O que que eu poderia falar dos brasileiros? Não sei, acho que a gente é...
67.acho que é um pouco dos dois. Acho que depende um pouco da personalidade
68.de cada pessoa. Acho que eu me identifico mais com os espanhóis(ri).
69..H: Sim, então não vais ter problemas.
70.N: (ri) Pelo que você tava falando... eu acho que eu me identifico mais com os
71.espanhóis. É por causa da minha família, eu acho. A minha família é assim.
72.H: É que tu tens família italiana.
73.N: Isso (ri). Exato (ri).
(Interação 10, em teletandem, 2006).
As questões tratadas neste trecho de interação podem talvez ser consideradas as mais
expressivas em termos de interculturalidade, isto é, no sentido de compreendermos como a
cultura de um povo é aceita pelo outro, que, por sua vez, vem de uma cultura distinta. Além
do mais, há uma outra perspectiva cultural sendo enfocada nesta interação, que a da cultura
portuguesa, a qual H aprecia muito. Dessa forma, observamos também que, no contexto de
interculturalidade, o conhecimento se constrói, as relações sociais se organizam e os discursos
se estruturam. Portanto, confirmamos, como afirma Hinkel (1999), que uma LE tem poucas
chances de ser aprendida sem que se remeta à cultura da comunidade em que ela é falada. No
caso de H, embora já falasse espanhol, a compreensão de que talvez os espanhóis falem “forte
para que sejam ouvidos” (linhas 22 a 24) levou-a a sair do “estado de choque cultural” inicial
e a conviver com tais diferenças (linhas 27 a 29). Por outro lado, talvez uma explicação para o
forte sotaque lusitano do português de H possa ser encontrada justamente no aspecto sócio-
cultural, já que ela, como mostrou, considera os portugueses muito atenciosos e parece
identificar-se bastante com sua cultura (linhas 5 a 11).
Outro momento interessante da interação, e que remete ao que acabamos de afirmar
acima em respeito à estruturação do discurso, ocorre quando H afirma que, como mexicana,
tem o hábito de fazer rodeios e “preparar o terreno” para discutir determinados assuntos
(linhas 44 a 47). Porém, como no momento encontra-se envolvida em um contexto cultural
diferente, que é o espanhol, acabou por falar diretamente a N que, caso ela vá para Espanha,
só poderá recebê-la por uma semana, pois seu apartamento é pequeno. Para H, esse jeito
direto de dizer as coisas é “muito espanhol” (linha 47). Portanto, fica claro que, neste caso, o
discurso se adaptou ao contexto sócio-cultural, que, por sua vez, gerou também
transformações cognitivas e comportamentais que, conseqüentemente, alteram o uso da língua
e a ideologia das pessoas. O fato de H reconhecer que esse é um jeito mais prático e rápido de
resolver as coisas e incorporá-lo ao seu discurso transforma suas relações sociais e sua ótica
de mundo, experiência que N, por sua vez, ainda não teve oportunidade de vivenciar
presencialmente, já que nunca havia tido contato com realidades tão diferentes da sua, algo
que está sendo possível agora, pelo teletandem. Ao ser questionada por H sobre o
comportamento dos brasileiros, N acredita que no Brasil as pessoas agem das duas maneiras,
isto é, há pessoas mais ríspidas e outras mais brandas, dependendo da personalidade de cada
uma. Ela, entretanto, identifica-se com o jeito mais franco dos espanhóis, alegando que sua
ascendência italiana talvez influencie em seu jeito de ser e agir (linhas 70 a 73).
Concluindo a análise dos aspectos aqui tratados e, pela última vez, voltando-nos as
duas subperguntas de pesquisa enfocadas, constatamos que alguns aspectos presentes no
processo de aprendizagem de línguas in-teletandem apresentam-se como vantajosos em
relação ao contexto de sala de aula tradicional, especialmente em termos de construção de
crenças e expectativas, motivação, interação e construção do discurso pedagógico. Como
sabemos, tais aspectos são normalmente gerenciados pelo professor, o qual, na formulação de
seu discurso em torno de um conteúdo da aula, pode dirigir a interação e “oferecer”
motivação aos alunos, o que não garante que esses mesmos alunos se sintam motivados,
especialmente quando se aborda LE – o que geralmente acontece por meio da gramática e da
fragmentação da língua. Por termos no teletandem não a relação professor/aluno, mas a
interação real – daí os participantes serem interagentes – podemos afirmar que os aspectos
acima colocados ocorrem de forma bastante inovadora, tal como vimos nos excertos
apresentados. Nesse contexto, não há como interagir sem estar motivado, já que os encontros
realizam-se em parceria e há uma responsabilidade biunívoca de motivação – algo que nem
sempre ocorre em sala de aula, ou pelo grande número de alunos, às vezes em condições
desmotivadoras ou pela própria desmotivação do professor. Dessa maneira, a reflexão crítica
é algo que se desenvolve igualmente de maneira espontânea, em um contexto motivador de
discussões acerca das questões pedagógicas, culturais e humanas que permeiam a
aprendizagem pelo teletandem.
3.2 As categorias de reflexão e o discurso da mediação
Da mesma forma como no levantamento de crenças, a categorização do processo
reflexivo parece pertinente nesta pesquisa, para que possamos analisar a construção do
discurso entre a mediadora e as interagentes, no sentido de compreendermos como se
caracteriza a atividade de mediação no âmbito da formação de professores para/em contexto
de teletandem. Além disso, pretendemos verificar de que maneira e sob quais aspectos se
constrói a atividade de reflexão, por meio das mediações.
Veremos, abaixo, a categorização do processo de reflexão desenvolvido em especial
por N, em quatro mediações realizadas durante o processo, nos diários correspondentes
desenvolvidos pela interagente e pela mediadora e, ainda, as reflexões da própria mediadora
durante o processo. A quinta mediação, realizada depois que N e H encerraram os encontros,
foi considerada como uma reflexão final sobre o desenvolvimento do processo, assim como a
entrevista realizada com H, em meio virtual, já que foi tema para diversas reflexões
posteriores entre as interagentes. Buscamos, assim, compreender a construção dialógica
desses contextos discursivos, analisando possibilidades de desenvolvimento de uma visão
reflexiva crítica sobre a formação e a atuação docente para o teletandem.
Nesse sentido, buscamos, a partir da análise das categorias, encontrar respostas à
terceira subpergunta de pesquisa proposta nesta tese, que investiga 3) Como se constrói o
discurso da mediação, no sentido de possibilitar o desenvolvimento de um processo crítico de
reflexão quanto ao contexto de teletandem?
Categoria 1: O contexto de teletandem
1.1 As interações traz as primeiras impressões de N sobre o contexto de
teletandem e sobre como se constrói a interação com H, nesse contexto.
Excerto 70
1.Ah, no teletandem tá LEGAL... porque você não é obrigada a saber... e na hora
2.que você TÁ INTERAGINDO você tá com VONTADE de aprender.
(trecho da mediação 1, entre N e M, 2006).
Excerto 71
1.Acredito que esse contexto mediado pelo computador aumenta a autonomia do
2.aluno, a aprendizagem se torna espontânea e natural, diferente da sala de aula,
3.onde o aluno vê a língua estrangeira como uma disciplina a mais a ser aprendida
4.e, por isso, obrigatória.
(trecho do diário de N sobre a mediação 1, 2006).
1.2 A importância das gravações traz os comentários de N sobre a possibilidade
de refletir melhor sobre as ações nas interações quando estas são gravadas.
Excerto 72
1.É, acho que deu pra refletir bem [no último diário] porque como eu tinha a
2.gravação ... então eu não coloquei só as minhas IMPRESSÕES, não é? Mas eu
3.pude colocar também o que eu tava ouvindo na hora, porque, quando eu não
4.tinha a gravação, eu fazia as interações que duravam uma hora e meia, quase
5.duas horas... e era muito tempo pra lembrar de tudo, eu colocava só as minhas
6.impressões, né, na verdade, e não o que REALMENTE acontecia.
(mediação 2, entre N e M, 2006).
Excerto 73
1.Nesta mediação, como pude gravar a interação com a H, as críticas foram
2.muito construtivas e as reflexões que fizemos mais contextualizadas, visto que as
3.informações que estavam no meu diário eram mais “reais”.
(Diário de N sobre a mediação 2, 2006)
1.3 O uso das línguas engloba as reflexões de N sobre como se dá o uso das
línguas-alvo (português e espanhol) nas interações, ao se estabelecer a língua da
interação em cada encontro.
Excerto 74
1.É... o que eu tento fazer nas minhas interações... e eu não sei se eu consegui
2.isso... é... fazer com que eu fale mais espanhol do que a H e ela mais português
3.do que eu. Então é o que eu sempre tentei fazer... nas nossas interações.
APESAR
4.DELA FALAR mais do que eu, ela fala mesmo, ela é mais... MAIS
5.EXTROVERTIDA, eu acho, mais... ela é... ELA É MAIS COMUNICATIVA DO
6.QUE EU... eu acho. Comunicativa no sentido de conversar mesmo, ela é mais...
7.mais extrovertida do que eu. Eu sempre tento fazer isso, né, quando a gente tá
8.falando espanhol... falar mais em espanhol e, quando a gente tá usando o
9.português, fazer ela falar mais em português, embora seja difícil saber o que que
10.ela tá falando ((risos)).
(trecho da mediação 2, entre N e M, 2006).
1.4 O ensino da própria língua (LM) esta subcategoria apresenta os contextos de
reflexão de N sobre as dificuldades com o ensino de PLE no teletandem.
Excerto 75
1.N: É... igual nessa última interação...é... a H colocou que a professora não... no
2.texto dela... que a professora não, não... não MOTIVAVA, né? E não falava o que
3.que os alunos FIZERAM bom... e é fizeram DE BOM.
4.M: É, fizeram DE bom.
5.N: Fizeram de bom, tá, mas...
6.M: Como explicar?
7.N: Como explicar esse DE BOM? Que é uma expressão?É... o DE BOM é uma
8.expressão?((perguntando para M.)).
9.M: É... é uma expressão... fazer algo DE BOM.
10.N: É, foi a conclusão que eu cheguei. Porque você não tem esse DE BOM com
11.outro verbo, tem? Eu tentei procurar e não achei.
12.M: Não... fazer DE BOM, fazer DE RUIM... é uma expressão.
13.N: (++) Não sei se existe... é... com outro verbo. Eu falei pra ela que eu ia
14.procurar. É... COMPRAR DE BOM... é... não tem.
15.M: Tem. Por exemplo, o que que cê comprou de bom? Por isso, o DE BOM é
16.uma expressão. O que que cê fez de bom nesse final de semana? É uma
17.expressão.
18.N: É... aí eu expliquei pra ela... o que que você fez E QUE FOI BOM, né? É
19.esse o sentido da expressão, o que você fez DE BOM. Aí ela falou assim... ela
20.deu um exemplo... é... que a Madre Teresa fazia o... fazia BEM.
21.M: Não, é outro uso.
22.N: Eu falei, não, é diferente ((risos)). É tão óbvio, são coisas... EU NUNCA
23.PAREI PRA PENSAR... pra pensar porque que eu falo fizeram de bom!
(trecho da mediação 3, entre N e M, 2006).
Excerto 76
1.Com a gravação da última interação, percebi que falhei muito como professora e
2.que não expliquei muito bem algumas coisas; pretendo, na próxima interação,
3.retomar estas coisas e explicá-las novamente.
(diário de N sobre a mediação 2, 2006).
Excerto 77
1.(...) Aliás, a grande preocupação de N ao ouvir sua interação com H foi ter
2.despertado sua consciência para o fato de que não está preparada para ensinar
3.português, ainda mais a uma estrangeira. E que, no teletandem, as dúvidas vêm
4.surgindo tal como ocorre a interação, isto é, da espontaneidade, e a N não está
5.se sentindo segura para ensinar de maneira imediata.
(diário de M sobre a mediação 2, 2006).
1.5 A gramática traz os questionamentos de N a respeito dos procedimentos de
ensino no teletandem quando a questão é um tópico gramatical da LP.
Excerto 78
1.M: Eu acho que você vai ter que trabalhar desse jeito mesmo... mostrando pra
2.ela, olha, H, aqui é assim porque no português é desse jeito. Eu acho que vo
3.vai ter até que explicar quando que o esse tem som de ZE, quando não.
4.N: Hum-hum.
5.M: Porque ela já é professora, acho que não vai causar inibição fazer isso...
6.senão você não vai conseguir...
7.N: E eu recorro ((abaixa o tom de voz)) à gramática tradicional pra isso?
(trecho da mediação 2, entre N e M, 2006).
Excerto 79
1.Acho que a gramática é importante e conhecer a variedade padrão de uma
2.língua também, mas sempre em consonância com a cultura e comportamento da
3.sociedade a que a língua alvo corresponde.
(diário de N sobre a mediação 3, 2006).
1.6 Estratégias de correção refere-se às explicações de N sobre as estratégias que
emprega para corrigir erros na produção oral ou escrita de H.
Excerto 80
1.É... porque é assim... durante A INTERAÇÃO, eu procuro ser o menos direta
2.possível. Só se eu vejo assim que é um problema que ela tá cometendo MUITAS
3.VEZES... e daí eu fico preocupada de deixar pra CORRIGIR MAIS TARDE e
4.ela não conseguir ASSIMILAR..
(trecho da mediação 3, entre N e M, 2006).
Excerto 81
1.A N e eu conversamos sobre outras possibilidades de correção, já que, para ela,
2.a correção é também importante, pois é nesse momento (no feedback) que são
3.colocadas as “sistematizações da língua”. Ela acredita que sistematizar é
4.importante para que se evite a recorrência do erro, mas ressalta que essa
5.atividade só tem sentido quando vinculada aos aspectos cultural e social da
6.aprendizagem de línguas, pois, para ela, o uso de uma língua é conseqüência do
7.“comportamento da sociedade a que a língua-alvo corresponde”. Por fim, N
8.afirma que novas estratégias de correção são sempre importantes, já que, para
9.ela, são motivadoras e não inibidoras no processo de aprendizagem do aluno.
(trecho do diário de M sobre a mediação 3, 2006).
Excerto 82
1.Falamos sobre minhas interações, sobre a questão das correções, sobre a
2.elaboração de novas estratégias e de novas formas de correção. Disse a M que
3.acho a correção importante, para mim é no momento da correção e do feedback
4.que serão postas as sistematizações da língua, que não só para mim, mas
5.acredito que para H também, é uma necessidade natural. Sistematizar é
6.importante para evitar o erro e aprender com mais facilidade. A crítica que faço
7.à sistematização e à correção é quanto à desvinculação destas do aspecto
8.cultural e social. Sobre as novas estratégias de ensino e de correção, acho
9.importante desenvolvê-las, visto que elas desempenham um papel motivador e
10.não inibidor, respectivamente, no processo de aprendizagem do aluno.
(diário de N sobre a mediação 3, 2006).
1.7 Estratégias de aprendizagem diz respeito às percepções de N sobre as
estratégias de aprendizagem de H frente às explicações a respeito do PLE.
Também aborda as reflexões da interagente brasileira sobre as suas próprias
estratégias de aprendizagem do espanhol.
Excerto 83
1.Não... eu percebo quando eu tô explicando pra ela... ela se apega à forma
2.escrita, às vezes quando eu tô explicando pra ela algum aspecto gramatical...
3.igual...é... o verbo IR com sentido de movimento. Eu fiz a diferenciação da língua
4.falada, enfim, ela ACHA essas coisas importantes. Ela acha esses
5.esclarecimentos importantes... eu não... eu pergunto muito... EU PEÇO AJUDA
6.PRA ELA mais nas questões lexicais, pra conotação, eu acho. Eu fico toda
7.hora... H, é assim que fala? Como é que eu falo isso em espanhol?
(trecho da mediação 2, entre N e M, 2006).
1.8 A produção escrita em LE traz as impressões de N sobre o crescimento de H
na produção escrita, a partir de estratégias diferentes de trabalho com essa
habilidade.
Excerto 84
1.N: É, apesar de que NO TEXTO ela teve mais... mais CUIDADO. Eu vou
2.enviar no diário, ‘ cê... ‘cê vai ver, ela...ela... assim... A HORA QUE EU VI O
3.TEXTO, em comparação com o OUTRO que ela enviou DA OUTRA VEZ, eu
4.fiquei surpresa.
5.M: O que você acha que modificou?
6.N: Não sei, eu acho que... que ela... acho que ela viu que foi boa a estratégia da
7.outra vez ((sugerida na mediação, a estratégia era que ambas escrevessem sobre
8.algo que lhes aconteceu naquela semana, na LE, e.enviassem por e-mail, uma
9.para a outra)), que muitos erros dela.foram por falta de ATENÇÃO, eu acredito,
10.né?Então eu acho que ela teve um.pouco mais de atenção pra escrever esse
11.texto.
(trecho da mediação 3, entre N e M, 2006).
Excerto 85
1.Quando li o texto da H, me surpreendi com os usos que ela tentou.fazer da
2.língua, muitas vezes com muito êxito. Vê-se o progresso que ela está tendo, não
3.só com os textos, mas na língua oral também. Percebo em cada interação que ela
4.se atreve mais e já não se sente menos à vontade que eu.
(diário de N sobre a mediação 3, 2006).
Categoria 2: O meio virtual e a sala de aula
2.1 Internet e livro didático esta subcategoria apresenta o posicionamento de N
sobre o lugar de destaque ocupado pela internet, atualmente, no cotidiano dos
estudantes, e sobre a perda de posição do livro didático em relação à nova
ferramenta de ensino.
Excerto 86
1.N: Pra mim, eu considerava UM INSTRUMENTO DE TRABALHO, eu não via
2.por que tirar isso deles ((falando sobre os alunos que teve em uma escola
3.particular)), eles só falavam de internet.
4.M: Justamente, é.
5.N: Aí eu falei, né, que a gente tinha que USAR a internet como instrumento, não
6.tinha como querer negar isso, e ela((uma professora da escola)) saiu reclamando
7.da LAN-HOUSE, que a lan-house era uma FEBRE, né, e que ela ia falar com os
8.pais, que era pra todo mundo falar com os pais, pra pegar no pé dos filhos, pra
9.não deixar os filhos ficar o dia todo no computador. Não sei, parece que é muito
10.mais FÁCIL ‘cê fazer o CONTRÁRIO... TRANSFORMAR isso num instrumento
11.de trabalho pra você, né? Aí teve uma vez que a gente pensou em agendar um
12.dia na LAN-HOUSE, pra levar todos eles pra gente fazer pesquisa SÓ da língua
13.espanhola, abrir um tema... eles fazerem pesquisa na internet... tudo em
14.espanhol. Mas acabou não dando certo, ACABOU O ANO... mas, se eu voltar a
15.dar aula eu vou fazer isso com os alunos, porque eu acho que não tem como a
16.gente retirar isso deles. E daí eu tenho que falar pra eles, né, quando vocês
17.forem BAIXAR ALGUM JOGUINHO, tiverem o espanhol disponível, né, clica lá
18.na língua espanhola pra vocês CONFIGURAREM O JOGUINHO EM
20.ESPANHOL. É... JOGAREM em espanhol... tem uns joguinhos interessantes na
21.internet que... eles FALAM na língua que você escolher. Então eu sempre digo
22.pra eles... quando vocês forem jogar escolham o espanhol pra vocês escutarem,
23.se tiver alguma dúvida vocês trazem pra mim, então eu sempre dou uma
24.alternativa, né, pra eles. É interessante, né, assim... o livro já não fascina eles
25.mais, né, M ?O que fascina mesmo é a internet.
(trecho da mediação 1, entre N e M, 2006).
Excerto 87
1.Para N, o computador ainda é visto como nocivo ao aluno, o lugar onde o
2.estudante encontra trabalhos prontos, escreve errado e perde horas conversando,
3.prejudicando o estudo das disciplinas da escola. Era justamente isso que ouvia
4.nas reuniões de pais e professores, na escola particular onde trabalhou, no ano
5.passado. Os professores afirmavam, convictos, de que era urgente que os pais
6.tirassem seus filhos da frente do computador. Para N, foi justamente isso que a
7.aproximou dos alunos, pois ela mesma é uma pessoa que trabalha bastante no
8.computador e o considera essencial em seus estudos e relacionamento pessoal.
(diário de M sobre mediação 1, 2006).
2.2 Teletandem não é sala de aula aborda as reflexões de N sobre o contexto de
teletandem e suas peculiaridades em relação ao contexto tradicional de sala de
aula, o que a leva a questionar, inclusive, o que representa o Projeto “Teletandem
Brasil” em relação à aprendizagem tradicional de LEs.
Excerto 88
1.(...) É que é assim, M. É... Eu sou nativa em língua portuguesa, com certeza eu
2.falo MUITO MELHOR português do que espanhol, SEM DÚVIDA. Só que... a
3.LÍNGUA ESPANHOLA... hã... além de eu ter material pra estudar... assim, digo,
4.pra preparar as minhas aulas... hã... eu não sei, parece que com a língua
5.portuguesa eu só paro pra pensar quando a H me pergunta... e isso... e esse
6.problema... e daí eu tenho que resolver esse problema DE IMEDIATO. E é
7.difícil porque... eu vou pra sala de aula PREPARADA quando eu vou ensinar
8.espanhol. Se um aluno me pergunta alguma coisa QUE EU NÃO SEI eu levo na
9.outra aula... que eu não sei... mas a maioria das coisas tá dentro DAQUELE
10.TEMA DA AULA. ENTÃO... são problemas que eu consigo resolver porque eu
11.ESTUDEI pra’quilo. Pro teletandem NÃO... eu não sei do que a gente vai
12.falar... a minha interação com a H ela é boa nesse ponto, ela é muito natural,
13.ela é REALMENTE uma interação, é cultural, social, política... é como se eu
14.combinasse de encontrar com a H e começasse a conversar com ela de coisas
15.diversas. Eu não mando nada pra ela antes, é... pra ela ler...é... e isso, eu acho
16.que tá atrapalhando tanto no meu ensino quanto na aprendizagem da H. Eu
17.acho, porque o negócio podia tá muito mais acelerado se fosse, se fosse
18.diferente, mas... eu acho que ela é positiva nesse sentido((a interação)), ela é
19.natural, é como se eu encontrasse com o meu vizinho na esquina e começasse a
20.conversar com ele. Então na verdade eu sinto que quando a gente tá
21.conversando a gente pensa POUCO NAS LÍNGUAS e MAIS na comunicação,
22.como se eu estivesse conversando mesmo com uma amiga de faculdade... e isso
23.eu acho legal. SÓ QUE POR OUTRO LADO, pensando no ensino e na... na
24.aprendizagem, isso tá sendo ruim. JÁ PRA H, isso tá sendo mais fácil porque,
25.como eu coloquei no meu diário, ela JÁ DÁ aula pra estrangeiros desde os
26.quinze anos E EU NÃO, eu nunca lidei com isso ((pensa um pouco)). Então eu
27.acho assim... igual eu coloquei... é, me perguntei, coloquei isso no meu diário
28.também... Até que ponto se eu for preparar um esquema e conversar... é ... e for
29.mandar aquilo pra H... isso não vai ser só uma... UMA MUDANÇA DE
30.CONTEXTO da sala de aula pro computador?((pensa)) Não sei... eu fico me
31.perguntando...
(trecho da mediação 2, entre N e M, 2006).
Excerto 89
1.Anteriormente, ela já havia exposto esse sentimento na última reunião do grupo
2.de espanhol e expressou sua preocupação a respeito de que, ao ter de preparar
3.uma “aula” para o teletandem na qual tenha que explicar regras ou expressões,
4.poderá descaracterizar uma das marcas do projeto, que é justamente a
5.espontaneidade das interações. A coordenadora do grupo esclareceu-lhe, então,
6.que, como estamos tratando de contexto de ensino/aprendizagem e o foco é
7.também a formação inicial de professores, é necessário que os encontros de
8.teletandem tenham certa “previsibilidade” de temas ou de conteúdos, para que
9.se facilite o processo de ensino/aprendizagem.
10.Assim, N me questionou sobre minha opinião a respeito disso, pois sente que
11.talvez suas interações com a H passem a ser desinteressantes, caso tenham de
12.abordar temas pré-escolhidos.
(diário de M sobre a mediação 2, 2006).
Categoria 3: A formação de N como aluna e futura professora de línguas e as
implicações para a prática do teletandem
3.1 A teoria e a prática esta subcategoria diz respeito à reflexão de N sobre o
desconhecimento de uma teoria formal e a prática intuitiva de alguns procedimentos
metodológicos, durante as primeiras experiências de ensino de línguas que vivenciou,
ainda na graduação.
Excerto 90
1.Eu acho que, que... esse contexto DIFÍCIL que eu peguei acabou sendo BOM
2.porque ‘cê tem que saber é... é... porque assim, no segundo ano eu ainda não
3.tinha a TEORIA da LINGÜÍSTICA APLICADA. É, eu não tinha assim, sem
4.querer eu fiz... quer dizer, acabei fazendo um pouco do que a LINGÜÍSITICA
5.APLICADA, a abordagem comunicativa tem, sem querer... porque o próprio
6.contexto me pediu pra fazer aquilo. Às vezes eu penso, se eu NÃO TIVESSE, né,
7.tido esse contexto... de ter que cair na parte de comunicação, porque a gramática
8.não ia adiantar nada, eles não iam APRENDER NADA.
(trecho da mediação 1, entre N e M, 2006).
Excerto 91
1. N acredita que só está sendo possível interagir porque houve (e ainda há)
2.professores que lhe ensinam a língua e a cultura espanholas em sala de aula e
3.lhe dão suporte. Ela afirma, ainda, que não sabe se teria a mesma facilidade de
4.interação caso a língua-alvo fosse o russo ou o alemão, por exemplo, das quais
5.ela não conhece nada. Para ela, o ponto de partida foi a sala de aula, os
6.professores com quem aprendeu a língua espanhola.
(diário de M sobre a mediação 1, 2006)
3.2 A formação docente para a sala de aula e para o teletandem
aborda a visão
crítica de N sobre suas limitações para ensinar PLE, a partir de sua formação
voltada ao ensino de línguas para brasileiros, em contexto de sala de aula.
Excerto 92
1.AH, é que a H é professora de língua espanhola para estrangeiros já faz tempo.
2.Sei que isso não justifica as minhas dificuldades em ensinar o português para ela,
3.é que, pra mim, fazer essas associações é muito difícil, já que ensinar minha
4.língua para um estrangeiro é algo extremamente novo pra mim. Há quatro anos
5.me ensinam como ensinar espanhol e língua portuguesa para falantes de língua
6.portuguesa, em sala de aula. Ou seja, minhas práticas de ensino estão voltadas
7.para ESSE contexto. Antes de entrar numa sala de aula o conteúdo já tá
8.preparado e se tem uma PREVISÃO do que acontecerá naquela aula. No
9.teletandem isso não acontece e é EXATAMENTE esse desafio que me fascina,
10.mas é DIFÍCIL, entende?
(trecho da mediação 4, entre N e M, 2007).
Excerto 93
1.Por sua vez, N argumenta que H é professora de língua espanhola para
2.estrangeiros há tempos e, embora saiba que isso não justifica suas dificuldades
3.para ensinar português, considera muito difícil fazer essas associações, já que
4.ensinar sua língua para um estrangeiro é algo extremamente novo para ela.
(diário de M sobre a mediação 4, 2007).
Categoria 4: A formação de H como aluna e professora de línguas: a perspectiva de N
4.1 O contato e as dificuldades com o PLE traz as percepções de N sobre as
dificuldades de sua interagente mexicana com o PLE, comparando suas
necessidades de aprendizagem às da parceira.
Excerto 94
1..A própria N já me disse várias vezes que sua interagente mexicana necessita
2.muito mais da formalização lingüística que ela. Isso acontece porque a H já
3.possui um português oral bastante desenvolvido, por causa da prática com outros
4.falantes de português, na Europa; porém, falta-lhe o conhecimento formal e ela
5.deseja desenvolvê-lo. Já a N prefere ampliar seu vocabulário, conhecer aspectos
6.culturais e expressões comunicativas, pois afirma já trabalhar os aspectos
7.lingüísticos do Espanhol no curso de Letras (e já ter iniciado o estudo da língua
8.antes, no CEL). Como se vê, são experiências diferentes com as línguas que para
9.elas são estrangeirase, conseqüentemente, também diferem as necessidades.
(diário de M sobre mediação 2, 2006).
4.2 Professoras brasileiras versus professora portuguesa: diferenças de ensino e
influências na aprendizagem esta subcategoria de reflexão traz as colocações
feitas por H, e refletidas por N, a respeito do ensino de português por professores
de nacionalidades diferentes as duas primeiras brasileiras e a terceira
portuguesa fator que, para a interagente mexicana, interfere em seu processo de
aprendizagem de PLE.
Excerto 95
1.N: Nós falamos sobre as aulas de português dela... que eu falei, né, que eu tava
2.PREOCUPADA.
3.M: Hum-hum.
4.N: ... De ela querer desistir das interações, desanimar com a língua e tal. Ela
5.disse que não, que... que ela gosta de... que antes de tudo ela gosta de, DA
6.MINHA COMPANHIA, de FALAR comigo, e ela gosta DA LÍNGUA
7.PORTUGUESA. Então, independente DO PROFESSOR ela vai CONTINUAR
8.ESTUDANDO, até porque ela tem outros MEIOS pra estudar, né? Ela não
9.depende só de professor, ela JÁ É professora de língua e ela SABE o que ela tem
10.que fazer pra aprender.
11.M: É...
12.N: E... ela...ela tá chateada sim, mas com... com A CULTURA da própria
13.professora dela. Ela tá chateada, né, ela é uma pessoa mais RESERVADA ((a
14.nova professora)) e ela não tava acostumada com pessoas assim...
15.M: E parece que há alguns preconceitos, também, não é? ((a nova
16.professora de H é portuguesa, e disse que vai “limpar” o português
17.ensinado a ela pela professora brasileira))
18.N: É, é preconceito... mas ela disse que já tá começando a saber lidar com as
19.coisas... é ... ela faz o que a professora MANDA, a professora pediu pra ela que
20.se ela quiser FALAR no português do Brasil que tudo bem, mas que pra
21.ESCREVER tem que ser português de Portugal. Então é o que ela tá fazendo,
22.ela disse. Por exemplo, ela usa o... ela disse, eu uso o gerúndio em sala quando
23.eu vou FALAR, mas na hora de escrever eu tenho que usar o infinitivo.
(trecho da mediação 3, entre N e M, 2006).
Excerto 96
1.N: Deixa eu pegar o texto que eu leio ele pra você aqui (tempo) é... o título é...
2.AS AULAS DE PORTUGUÊS. A gente sempre escreve texto pequenininho, né, de
3.umas dez linhas mais ou menos. Aí ela diz que ela tava aprendendo o... infinitivo
4.pessoal, né? Aí ela escreveu... EU SOU PROFESSORA DE LÍNGUAS, MAS
5.FAZIA MUITO TEMPO QUE NÃO ESTUDAVA DE MANEIRA FORMAL
6.OUTRA LÍNGUA... ficou muito bom o texto, não tinha muitos problemas e
7.tal((continua a leitura)) AGORA ESTUDO PORTUGUÊS E JÁ TEVE TRÊS ((N.
8.comenta)) já TEVE, porque ela sempre troca a terceira pela primeira pessoa e já
9.TIVE, né, que seria o correto... TRÊS PROFESSORAS MUITO DIFERENTES. A
10.PRIMEIRA ERA BOA... era boa pessoa, mas a sua vida pessoal interferia COM
11.a aula, não é NA aula ((N comentanovamente)). A segunda não falava... é... da
12.sua vida PESSOAL, que fazia-nos trabalhar,mas não corrigia-nos o suficiente.
13.A terceira FAZE-NOS trabalhar e corrige-nos muito, MAS NUNCA DÁ BOAS
14.MOTIVAÇÕES, só fala do que está MAL no nosso uso de português. AGORA
15.EU ACHO QUE PRA SER UMA BOA PROFESSORA DE LÍNGUAS... aí ela
16.elencou quatro coisas ... É IMPORTANTE TERMOS CLARA A MATÉRIA DA
17.AULA, É NECESSÁRIO CORRIGIRMOS OS NOSSOS ALUNOS E É MUITO
18.BOM MOTIVAREM ELES. É INDISPENSÁVEL DIZEREM O QUE É QUE
19.ELES FIZERAM BOM.
20.M: A gente percebe claramente as crenças dela aí, né?
21.N: É, isso. Então, assim... eu senti que ela tava meio REVOLTADA com a
22.professora ((riso)).
23.M: É, parece que a professora não motiva MESMO, né?
24.N: NÃO, NÃO MOTIVA, ela disse que a professora, que a última vez que... que
25.ela falou com a professora, a professora disse que eles tinham que estudar
26.MUITO, ainda, que... o NÍVEL deles, teoricamente, é o INTERMEDIÁRIO, mas
27.que eles são de nível básico.
(trecho da mediação 3, entre N e M, 2006).
Excerto 97
1.N: É, então, ela disse que brincou com a professora dela na última aula. Ela
2.disse que o que tava FALTANDO era sair pra tomar um copo de cerveja
3.((risos)). Ela brincou com a professora, né...
4.M: ((risos)) E a professora?
5.N: A professora ela disse que deu risada, mas que ela é muito formal, ela é
6.MUITO FORMAL. ((lendo o texto de H)) Ao contrário das minhas outras
7.professoras porque, realmente, a gente se reunia A SALA INTEIRA (+) e a
8.professora pra tomar cerveja à noite, ela fala. Eram brasileiras, né, M?Assim...
9.é... a gente é ... assim, menos formal, né, menos SÉRIA.
(trecho da mediação 3, entre N e M, 2006).
Excerto 98
1.O texto produzido pela H, “As aulas de português”, abordou uma temática que
2.para ela é relevante, já que suas experiências como aprendiz de PLE têm sido
3.bastante diversificadas,pois, segundo ela, já passou por três professoras bastante
4.diferentes em termos de metodologia e atitudes pessoais (...).
(diário de M sobre a mediação 3, 2006).
Categoria 5: Avaliação do teletandem
5.1 Os pontos de vista de M refere-se aos pontos de vista da mediadora sobre
aspectos observados ou comentados a partir das interações, sendo eles:
• A gramática no teletandem apresenta o ponto de vista de M sobre a necessidade
de explicação do funcionamento do português a H, tendo como justificativa a
aprendizagem coerente da língua, já que há um contexto de ensino formal dessa
mesma LE sendo vivenciado por H.
Excerto 99
1.Bom, não assim de dar REGRINHA e pedir pra ela ESTUDAR e tal. Mas eu acho
2.que você vai ter sim que EXPLICAR o funcionamento... porque a gramática aqui
3.não tá sendo o ponto de partida, mas vai ser abordada porque você tá
4.percebendo que isso está... interferindo, te incomodando na interação. Porque se
5.a gente começa a ouvir e começa a achar estranho... você não vai fazer nada?
6.Acho que é o momento certo de fazer isso, não sei como você pensa... o que você
7.acha disso?
(trecho da mediação 2, entre N e M, 2006).
Estratégias de correção traz as sugestões de M para que N trabalhe explicações
sobre a LP com H.
Excerto 100
1.N: EU PERCEBO QUE ELA COLOCA ZÊ EM TUDO! Eu acho que... não sei se
2.foi um som que ela percebeu no português que não tem no espanhol... aí ela
3.aplica, ela aplica em tudo, coloca em tudo.
4.M: É... pode ser... a generalização no uso. Então, mas por isso eu ACHO que
5.você deve começar a fazer isso, até porque ela vai começar a ter.aulas com uma
6.portuguesa, né?
7.N: É.
8.M: Porque senão vai ficando mais difícil pra você, eu acho que você precisa
9.começar a trabalhar pra ela poder ter essa conscientização porque agora vai ter
10.que lidar com duas pronúncias diferentes da do espanhol... o português
11.brasileiro e o de Portugal.
(trecho da mediação 2, entre N e M, 2006).
5.2 As reflexões de M apresenta as reflexões propriamente ditas feitas pela
mediadora sobre diversos aspectos observados nas interações e discutidos nas
mediações, sendo elas:
• O ensino de PLE traz as reflexões da mediadora sobre o ensino de português do
Brasil e de Portugal, dois processos de aprendizagem distintos vivenciados por H – o
primeiro em teletandem e o segundo em sala de aula. Aborda, ainda, as reflexões de M
no sentido de compreender as colocações de N quanto às dificuldades para ensinar
PLE, em relação à experiência de H.
Excerto 101
1.Entendi. Mas acho que não é questão de aceitar ou não as variantes, mas de que
2.o português do Brasil não é apenas uma variante do português de Portugal, é
3.uma língua com outras características e formações, EMBORA nascida do
4.português de Portugal (risos). O que quero dizer... me desculpa se tô sendo
5.insistente... que eu sinto em alguns momentos que falta a ... conscientização do
6.uso. Tem construções na língua que são estranhas aqui e mesmo falando com
7.uma brasileira ela as utiliza. O que eu quero dizer é que tenho dúvidas quanto a
8.isso, isto é, se realmente ela está conseguindo fazer essa construção de
9.conhecimento, já que não é algo fácil, quando se trata de uso...
(trecho da mediação 4, entre N e M, 2007).
Excerto 102
1.N considera natural essa “interferência” do português de Portugal (PP) na
2.aprendizagem do português do Brasil (PB), pois, para ela, é na sala de aula que
3.H sistematiza a língua. Acrescentou, ainda, que sua interagente conhece as
4.diferenças entre uma variante e outra e, por isso, resolveu não “corrigi-la”
5.quanto a isso, já que a H viveu três meses em Portugal. Argumentei dizendo que
6.ambas já estão em contato pelo teletandem interagindo por um tempo
7.considerável, em situação de aprendizagem de LE. Além disso, a meu ver, não é
8.uma questão de ensinar/aprender uma variante do PP, mas uma língua com
9.formação e características (culturais e lingüísticas) próprias, apesar de
10.“nascida” do PP. N disse compreender minhas colocações, mas confessa que,
11.para ela, é difícil trabalhar com o ensino de PLE, pois passou quatro anos
12.sendo formada para dar aulas de espanhol e de português para alunos
13.brasileiros e não estrangeiros. E, ainda, considera o teletandem um contexto
14.bastante diferente da aula convencional, na qual preparamos o conteúdo a ser
15.trabalhado e podemos prever os resultados, ao passo que, nas interações com a
16.H, os fatos da “aula” são quase sempre imprevisíveis. Percebi, então, que, mais
17.uma vez, o problema da formação para ensinar sua.língua materna (LM) a uma
18.estrangeira é o maior desafio para N (ela mesma afirma isso) e me questionei
19.sobre essa sua aparente crença de que uma língua só se aprende de forma
20.sistematizada e que isso é mais fácil de acontecer em uma aula convencional;
21.além do mais, acredito que o fato de termos preparado previamente um tema
22.para uma aula não nos garante que atingiremos de forma plena nossos
objetivos.
(diário de M sobre mediação 4, 2007).
• A importância das mediações traz a avaliação de M sobre o trabalho de
mediação e qual sua importância para ela enquanto mediadora.
Excerto 103
1.De minha parte, esta mediação teve justamente o sentido de compreender as
2.interações, como elas se deram, o que estava por trás (as crenças, as
3.experiências das interagentes, os sentimentos que cada nova interação
4.despertou). O que mais me surpreendeu foi o tempo que permanecemos
5.conversando (praticamente duas horas) sem perceber, isto é, como a questão do
6.tempo é irrelevante nesse contexto. (...) Espero que seja cada vez melhor.
(diário de M sobre mediação 1, 2006).
Excerto 104
1.Como mediadora, tenho aprendido muito nas mediações e acho que o
2.teletandem pode proporcionar esse trabalho de reflexão coletiva muito mais
3.intenso do que uma aula convencional, onde, muitas vezes, a atividade reflexiva é
4.solitária e ocorre bem depois dos fatos ocorridos, das colocações feitas em classe
5.por alunos em relação as suas dúvidas e expectativas sobre o processo de
6.aprender uma língua.
(diário de M sobre mediação 3, 2006).
Excerto 105
1.Acabei por pedir desculpas a N, pois acredito que tenha exagerado em minhas
2.intervenções e sei que o intuito da mediação não é esse, isto é, tentar levar
3.ninguém a pensar como pensamos. Também disse a ela que sei que nem
4.precisava ter falado tanto a respeito disso, pois tenho conhecimento do quanto
5.ela tem refletido sobre esse processo. N acredita que, na mediação, é minha
6.“responsabilidade e obrigação fazê-la refletir” e considera esse processo algo
7.muito bom para ela.
(diário de M sobre mediação 4, 2006).
5.3 Os pontos de vista de N e H esta subcategoria apresenta os posicionamentos e
opiniões de N, em especial, e de H, em um processo de construção dialógica da
reflexão na e sobre a mediação.
O papel da mediadora apresenta o ponto de vista explícito de N a respeito do
papel de M no processo de mediação no teletandem.
Excerto 106
1.M: N, eu queria pedir desculpas sobre algumas intervenções que fiz...
2.N: FIQUE TRANQÜILA, essas coisas fazem parte da mediação. SUA
3.RESPONSABILIDADE E OBRIGAÇÃO É ME FAZER REFLETIR ((risos)). Isso
4.é MUITO bom.
(trecho da mediação 4, entre N e M, 2007).
• A importância das mediações aborda as opiniões de N e de H sobre a
importância das mediações para a reflexão sobre o teletandem.
Excerto 107
1.A mediação foi muito importante para colocar algumas idéias em ordem e
2.pensar sobre algumas coisas que não havia pensado quanto a minha
3.aprendizagem e quanto a minha prática como professora.
(Diário de N sobre a mediação 1, 2006).
Excerto 108
1.Fazer mediações com a M é muito bom. Além de mediadora, ela é minha
2.professora de Lingüística Aplicada e isso dá coerência à minha formação (...).
3.Todas essas idéias e conscientização da minha responsabilidade pela
4.aprendizagem da H vieram graças à mediação, que é muito importante, pois me
5.ajuda a refletir e a encontrar soluções.
(Diário de N sobre a mediação 2, 2006).
Excerto 109
1.Na mediação, eu e a M discutimos as questões citadas acima, ora
2.concordando, ora discordando em alguns pontos, o que para mim é muito
3.interessante, pois a cada problema me sinto mais motivada a pesquisar.
(Diário de N sobre a mediação 3, 2006).
Excerto 110
1.H: Entonces... y que para mi ha sido una noche muy buena chatear con ella [M]
2.hasta la una de la mañana… ((riem juntas))
(Interação 13, em teletandem, 2007).
5.5 Os questionamentos de N esta subcategoria de reflexão apresenta os
questionamentos de N durante as mediações, solicitando a opinião de M sobre
questões referentes ao ensino de línguas, em especial sobre a problemática de
enfocar ou não a estrutura da língua nas interações, ou, ainda, de transferir
procedimentos da sala de aula para o teletandem.
Excerto 111
1.M, eu não sei, eu não sei por ONDE COMEÇAR com a pronunciação da H.
2.Porque eu acho que COM O PORTUGUÊS (tempo) ela não tem TANTO
3.problema... é... com regência verbal...é... esse tipo de coisa, não é tão
4.problemático, vai ser um pouco mais fácil conseguir trabalhar. E a fonética? O
5.que que eu faço com ela? Ela... ela passa muito do espanhol pro português.
(trecho da mediação 2, entre N e M, 2006).
Excerto 112
1.(...) É, parece que é essa a preocupação deles em relação ao teletandem ((dos
2.coordenadores))... dessa outra CARA que a gente tá querendo dar ao teletandem,
3.de ensino e aprendizagem... porque daí também eu me pergunto se... se isso
4.também não vai fazer só com que a gente SAIA DA SALA DE AULA e vá pro
5.computador...
6.M: Transformar a sala de aula numa sala virtual?
7.N: É... que que cê acha?
(trecho da mediação 2, entre N e M, 2006).
5.6 Avaliação final do teletandem esta última subcategoria traz as avaliações das
interagentes ao final do processo de aprendizagem de LE pelo teletandem,
manifestadas por meio da entrevista virtual realizada entre M e H e da mediação
final entre M e N.
Excerto 113
1.M: (...) Então... o que você acha que foi mais complexo pra você: usar o
2.espanhol pra interagir com a H ou ensinar português pra ela?
3.N: COM CERTEZA ensinar o português para ela.(...) Um dos motivos, que
4.parece banal, mas não é, é que me sentia mais preparada para aprender
5.espanhol do que para ensinar o português. Estava na faculdade para
6.basicamente "aprender a ensinar"... mas meus conhecimentos como aprendiz de
7.língua espanhola eram maiores do que como professora de LP, principalmente
8.para estrangeiros.
9..M: (...) Você quer dizer que se sentia mais "confortável" na posição de
10.aprendiz?
11.N: ((risos)) Exatamente. E acho que grande parte das nossas interações
12.ganharam esse "molde". Eu me coloquei com mais freqüência no papel de
13.aprendiz, talvez por isso que a H tenha essa impressão que discutíamos a pouco
14.((de que não se aprende LE no teletandem)). Ela ensinou mais do que aprendeu.
15.M: É interessante você dizer isso. A que você atribuiria isso?
16.N: Acho que a inexperiência somada a essa despreocupação pelo fato de
17.saber que ela poderia aprender lá e treinar comigo.
18.M: Agora que você já está formada, como acha que a graduação te preparou
19.pra essa situação de teletandem? Isto é, você acha que desenvolveu
20.competências pra isso?
21.N: A abordagem lingüística que temos na graduação é muito importante
23.para pensar a língua portuguesa como estrangeira, os estudos em fonética e
24.fonologia e morfologia são, para mim, os principais para esse contexto. Acho
25.que agora que estou formada também teria um tempo maior de dedicação. Vejo
26.que me dediquei pouco as minhas interações e a H e...estou pensando (tempo)...
27.acho que pude desenvolver algumas competências diria que graças às
28.interações e não à graduação... já que esta me deu a teoria e a bibliografia
29.para me auxiliar... enquanto que nas interações pude praticar essas
30.competências. A primeira delas seria começar a pensar a língua portuguesa
31.como estrangeira, antes de falar com uma nativa de outra língua não tinha
32.parado para pensar nisso. Outra estratégia que utilizei durante as interações
33.foi buscar ocorrências no dia-a-dia para explicar com exemplos reais as
34.dúvidas que a H apresentava, mas hoje acho que poderia ter feito isso mais
35.vezes... está me entendendo?
36.M: Claro! Então, você acha que a graduação te deu mais a competência
37.teórica, mas a prática você desenvolveu no próprio contexto, isto é, quando
38.precisou mesmo...
39.N:Acho que sim. E dou a mesma importância para as duas competências...
(Mediação 5, entre N e M, por chat, 2008).
Excerto 114
1.M: (…) ¿Qué cree que ha sido más interesante en el teletandem?
2.H: Poder comunicarme realmente con alguien y haber hecho una buena
3.amistad con N, también me gustó mucho aprender sobre su cultura, no es
4.como en los libros, es muy bonito que alguien te cuente y explique cómo son las
5.costumbres y pensamientos reales de la gente.
6.M: ¿Y hubo algo que no le ha gustado?
7.H: Creo que teníamos poca idea de cómo realizar la actividad, es decir, al
8.principio sólo nos conectábamos y hablábamos no sabíamos cómo abordar
9.temas gramaticales y esas cosas. Quizá fuera útil tener una guía más específica
10.sobre qué hacer y cómo. Tampoco estoy contenta con mi desempeño porque
11.tuve que cancelar muchas veces, luego se me olvidaban los informes, y en
12.general no estuve demasiado comprometida con el proyecto, en parte porque el
13.portugués es para mí un poco como mi pasatiempo y mi tesis es mi prioridad,
14.pero quizá también me sentí así porque no sabía muy bien qué teníamos que
15.hacer en cada sesión se convirtió más bien en una relación personal, que es
16.muy bueno, pero podría haber sido más útil lingüística y pedagógicamente
17.hablando. Yo no le ayudé demasiado a N con su español. (…) En cuanto a
18.gramática sé que hay cosas que no pude explicarle a N. En cuanto a cultura, yo
19.soy una mexicana en España, a veces hablaba de mi cultura, otras de cómo veía
20.la cultura española y no estoy segura de haber transmitido una visión real de la
21.cultura española, una visión más propia de un nativo.
22.M: Cree que los resultados serían mejores caso hubiese una planeación...
23.H: Sí, por ejemplo un tema determinado para cada encuentro, por lo menos del
24ual partir, puede ser cultural, o personal, no sé, algo un poco más guiado.
25.M: H, ¿y cree que es posible enseñar y aprender lenguas en ese contexto, es
26.decir, fuera de la clase, sin un maestro?
27.H:¿Sin ningún tipo de guía? Porque N y yo somos maestras, así, si nos lo
28.hubiéramos propuesto, yo creo que habríamos avanzado más. Pero alguien que
29.no se dedique al estudio de las lenguas lo tendrá más difícil porque no es fácil
30.explicar los usos de la propia lengua. Creo que uno puede aprender mucho
31.sobre cultura, pronunciación, vocabulario, pero que en cuanto a la gramática
32.puede ser más bien difícil. Incluso se puede "mal aprender".
33.M: Comprendo. Ahora, a lo que se refiere a su experiencia como aprendiz de
34.portugués en dos contextos diferentes, la clase y el teletandem, ¿puede decirme
35.en cual de los dos ha aprendido más o en cual de los dos el aprendizaje fue más
36.significativa?
37..H: Ahora que tengo una maestra portuguesa, en el aula. Me explico: antes
38.tenía profesoras portuguesas que enseñaban con mucha libertad y un poco más
39.lento. En ese momento el teletandem iba más o menos al mismo ritmo. Pero
40.ahora tengo una profesora portuguesa que es muy exigente y la verdad
41.aprendimos muchísimo con ella este semestre. (…)La verdad creo que sólo con
42.el tandem no es suficiente [aprender], creo.que uno tiene que practicar más con
43.la lengua, con todas las habilidades, porque yo, por ejemplo, aprendo mucho
44.leyendo y escribiendo. Recuerdo gráficamente las palabras o las construcciones
45.y sólo con oír no es suficiente para mí. Es verdad que yo escribía y N me
46.corregía y ella escribía y yo la corregía pero no leímos textos en la otra lengua
47.y el problema con eso es que a veces uno intenta escribir cosas que están muy
48.por encima de su nivel y aunque te corrijan no puedes comprender en dónde
49.está el error. Reexplico (eso es palabra.inventada): lo escrito tendría que estar
50.también un poco guiado creo y tendríamos que leer textos también, no sólo las
51.correcciones. (…) Quizá sea una especie de "ilusión del aprendizaje", pero uno
52.tiene idea de qué tema está tratando y es más fácil recordarlo. Ahora mismo soy
53.incapaz de recordar rápidamente las correcciones que me hizo N, en cambio
54.puedo recordar bien las correcciones de mi clase por que tenía un orden.
55.M: ¿Hay diferencia entre enseñar español a un extranjero y a otro hablante de
56.español?
57.H: Sí, mucha, también entre enseñar a alumnos en inmersión y fuera de ella.
58.Los alumnos que aprenden español como lengua materna, o los extranjeros que
59.están en inmersión tienen la ventaja de tener más input, de tener que
60.desenvolverse en el contexto cultural específico, de aprender cosas
61."inconcientemente". El alumno extranjero toma clases en su país de origen,
62.como N de español en Brasil, no tiene todo ese input, tiene que aprender mucho
63.más concientemente. Hay ejemplos de uso de la lengua que yo no puedo usar
64.con N porque desconoce el contexto y que sí puedo usar con mis alumnos aquí.
65.¿Me expliqué?
66.M: Sí, está perfecto. Y en teletandem, ¿cómo se caracteriza el aprendizaje?
67.Estoy preguntándole y pensando al mismo tiempo, pues el teletandem no es una
68.clase para extranjeros tampoco un contexto de.inmersión...
69.H: ¡Joé! ¡Pregunta difícil! Estoy pensando...Yo diría que es algo así como un
70."espacio de contacto", ninguno es extranjero, ninguno está en inmersión, pero
71.los dos estamos en contacto. (…) Es un aprendizaje pero no formal porque lo
72.principal es la comunicación, aún por encima de su carácter didáctico. Lo
73.primero es comunicarnos, lo demás puede esperar, incluso el aprendizaje.
74.Entonces uno aprende otras cosas, no necesariamente la lengua, como
75.estrategias de comunicación. Uno aprende a comunicarse, pero no
76.necesariamente aprende la lengua. (…)No es educación convencional y no tiene
77.por qué funcionar como tal. (…) Lo de la planeación puede ayudar a salvar
78.esos puntos muertos pero no es una sugerencia de algo que "guie estrictamente"
79.el teletandem.
(Entrevista com H por chat, 2007)
A seguir, apresentamos um quadro com as mesmas categorias levantadas, porém
dispostas de outra maneira, a fim de facilitar a visualização do levantamento realizado a
respeito da reflexão:
CATEGORIAS DE
REFLEXÃO
PRINCIPAIS
CONCEITOS
ABORDADOS
SUBCATEGORIAS
DE CRENÇAS
DADOS
1. O contexto de
teletandem
O ensino de PLE, a
interação no
teletandem, o ensino de
LM as estratégias de
correção e de
aprendizagem, a
relevância dos
instrumentos de
pesquisa utilizados no
processo de interação.
1.1 a interação; 1.2 a
importância das
gravações; 1.3 o uso
das línguas; 1.4 o
ensino da própria
língua (LM); 1.5 a
gramática; 1.6
estratégias de correção;
1.7 estratégias de
aprendizagem; 1.8 a
produção escrita em
LE.
Mediações 1, 2 e 3
Diários de N e M sobre
as mediações
2. O meio virtual e a
sala de aula
O papel da tecnologia
no ensino de línguas, a
visão de N sobre
teletandem em relação
à sala de aula.
2.1 internet e livro
didático; 2.2 teletandem
não é sala de aula
Mediações 1 e 2
Diários de N e M sobre
as mediações
3. A formação de N
como aluna e futura
professora de línguas e
as implicações para a
prática do teletandem
Experiências de N
como aluna e
professora iniciante de
LE e as relações com
sua atuação no
teletandem.
3.1 a teoria e a prática;
3.2 a formação docente
para a sala de aula e
para o teletandem.
Mediações 1, 2 e 4
Diários de N e M sobre
as mediações
4. A formação de H
como aluna e
professora de línguas:
a perspectiva de N
Aspectos da formação
de H como aluna e
professora de línguas,
percebidos por N nas
interações.
4.1 O contato e as
dificuldades com o
PLE; 4.2 Professoras
brasileiras vs.
professora portuguesa:
diferenças de ensino e
influências na
aprendizagem.
Mediações 2, 3 e 4
Diários de N e M sobre
as mediações
5. Avaliação do
teletandem
Os pontos de vista,
reflexões e
(auto)avaliações de N ,
H e M a respeito de
todo o processo de
aprendizagem de
línguas vivenciado por
elas no teletandem.
5.1 Os pontos de vista
de M: a gramática no
teletandem; as
estratégias de correção;
5.2 As reflexões de M:
o ensino de PLE; a
importância das
mediações; 5.3 Os
pontos de vista de N e
H: o papel da
mediadora; a
importância das
mediações; 5.4 Os
questionamentos de N;
5.5 avaliação final do
teletandem.
Mediações 1, 2, 3, 4 e 5
Diários de N e M sobre
as mediações
Interação 13
Entrevista com H
Quadro 11: Categorias e Subcategorias de Reflexão
3.2.1 Considerações sobre a análise das categorias de reflexão no discurso da
mediação in-teletandem
Tal como realizamos anteriormente na análise das crenças e expectativas, a
categorização do processo crítico de reflexão na atividade discursiva nas mediações deve
levar em conta, fundamentalmente, os aspectos teóricos estudados, porém, sem deixar de
considerar sua relação com o contexto de teletandem, espaço no qual desenvolvemos, tal
como afirmamos antes, uma análise particular da aprendizagem de línguas, haja vista as
próprias particularidades do ambiente teletandem.
Dessa maneira, observamos que a reflexão crítica sobre diversos aspectos relacionados
ao contexto in-tandem caracteriza-se de forma a buscar a autonomia das participantes, em um
trabalho colaborativo, no sentido de manifestarem suas dificuldades, incertezas e sucessos no
processo e analisarem criticamente o papel socializador e politizador da aprendizagem no
contexto enfocado. Além disso, é nas mediações que as questões sobre a formação
profissional são pensadas, possibilitando a reflexão sobre as competências, os saberes e os
conhecimentos que, como sabemos, não são desenvolvidos exclusivamente na formação
docente, mas também no exercício profissional coletivo e nos contextos concretos que os
determinam a ambos, espaço de formação e espaço de exercício. Conforme já vimos em
Pimenta (2002, Capítulo II), e buscaremos analisar nos dados apresentados, o profissional
deve deixar de ser apenas um implementador de teorias em sua prática e assumir seu papel de
intelectual crítico reflexivo, passando a atribuir a tais visões teóricas um ressignificado, a
partir dos conhecimentos da prática (práxis).
É importante, pois, retomarmos o conceito de reflexão construído por nós nesta
pesquisa, na qual entendemos que
reflexão, como atividade docente, é um trabalho cognitivo de formação que deve
levar em conta, primeiramente, o contexto espacial e temporal que integra as
pessoas nesse processo. Como tal, envolve pensar coletivamente sobre culturas,
valores, saberes e limitações, ações e motivações e, ainda, riscos, presentes na
atual sociedade da tecnologia e da relatividade de conceitos. Refletir deixou de ser
uma atividade solitária e de resolução de problemas do professor em sala de aula
para caracterizar-se como uma tarefa social, ética e histórica, em diversos
contextos de aprendizagem.
(Capítulo II, p.129)
Nesse sentido, o levantamento das categorias e subcategorias de reflexão presentes nas
mediações mostra-nos que a atividade reflexiva se realiza de forma intensa no discurso das
participantes, principalmente nos significado atribuído aos resultados do trabalho in-
teletandem, à aprendizagem proporcionada e à formação profissional.
A primeira categoria de reflexão, denominada O contexto de teletandem, abrange
basicamente as reflexões iniciais de N a respeito dos diversos aspectos do teletandem, tais
como as interações; a relevância dos instrumentos de pesquisa utilizados no processo de
interação; o uso das línguas; o ensino de PLE; o enfoque na gramática; as estratégias de
correção e de aprendizagem implementadas pelas interagentes; e a produção escrita e as
crenças de H sobre o teletandem, a partir da visão de N. Notamos, pois, que o percurso
reflexivo não se restringe a aspectos técnicos ou à resolução de simples tarefas a serem
realizadas nas interações, mas, desde o início, envolve questões mais complexas, como a
ausência de obrigatoriedade em relação ao aprender, que é motivado pelo contexto (excerto
70, linhas 1 e 2) e pelo exercício da autonomia dos aprendizes, aspectos que, segundo N, não
são valorizados na aprendizagem obrigatória da sala de aula (excerto 71, linhas 2 a 4).
Dessa forma, a interagente reflete também sobre o uso das línguas, que deve ser
motivado nas interações, no sentido de que ambas usem ao máximo a LE uma da outra
(excerto 74, linhas 2 e 3 e 8 a 10), aspecto que a leva a refletir, conseqüentemente, sobre o
ensino da LM e as dificuldades diante da necessidade de explicar aspectos lingüísticos e
discursivos que antes lhe pareciam óbvios, já que nunca havia parado para pensar sobre eles
(excerto 75, linhas 22 e 23). A gramática, então, é tratada como algo a ser enfocado, porém, a
partir de uma relação significativa com a cultura e a sociedade a que a língua-alvo
corresponde (excerto 79, linhas 1 a 3), já que a N parece importante não abordar aspectos
lingüísticos de forma tradicional (excerto 78, linha 7).
As estratégias de correção e de aprendizagem também constituem foco de reflexão nas
mediações, quando N explica que, nas interações, procura ser o menos diretiva possível, a não
ser que seja um problema recorrente ou que H não consiga assimilar (excerto 80, linhas 1, 2 e
4), então, a correção é feita imediatamente. N acredita que a correção sistematizada seja uma
necessidade natural para ambas (excerto 82, linha 5), importante para evitar o erro e
aprender com mais facilidade (linhas 6 e 7 do mesmo excerto); porém, deve estar sempre
vinculada aos aspectos culturais e sociais que envolvem o uso da língua. Portanto, é também
interessante desenvolver novas estratégias de ensino e de correção, no sentido de motivar e
não de inibir o aprendiz (excerto 82, linhas 9 e 10). Quanto às estratégias de aprendizagem, N
reflete sobre o apego de H à forma escrita (excerto 83, linhas 1 e 2) , ou melhor, à
necessidade de sua interagente de justamente sistematizar as explicações gramaticais,
enquanto ela se interessa mais pelas questões lexicais e conotativas do espanhol (excerto 83,
linha 6 e 7), o que demonstra uma percepção crítica quanto aos objetivos diferenciados de
aprendizagem que ambas trazem para o teletandem. Isso se reflete no cuidado de H com a
produção textual (escrita), estratégia de aprendizagem que, já vimos, a interagente mexicana
gosta de exercitar. Por essa razão, M sugerira, em uma das mediações, que as interagentes
praticassem a criação de textos escritos na LE-alvo, nos quais falassem a respeito de uma
situação recente vivenciada por elas e, assim, trocassem as produções textuais para que uma
fizesse comentários a respeito do texto da outra. Assim, era possível abordar, ao mesmo
tempo, vivência cultural e aprendizagem de LE, estratégia que foi bem sucedida entre elas.
Por fim, as gravações das interações, inicialmente não realizadas por problemas
operacionais, assumem um papel fundamental na compreensão de aspectos da aprendizagem
que antes eram analisados apenas como impressões que ficavam para N sobre os encontros
virtuais com H (excerto 72, linhas 1 e 2), mas que, com as gravações, são percebidos como
reais (excerto 73, linha 3). Para N, o fato de poder voltar às interações por meio do registro
favorece, assim, a construção de críticas construtivas e reflexões mais contextualizadas nas
mediações (excerto 73, linhas 2 e 3), o que parece revelar em N um posicionamento de
comprometimento não só com o processo de aprendizagem, mas também com o processo
investigativo gerado a partir daí.
A categoria dois envolve O meio virtual e a sala de aula, isto é, enfoca questões de
reflexão a respeito dos aspectos que diferenciam o contexto convencional do contexto
mediado pelo computador, em relação à aprendizagem de línguas. Traz, entre outras
discussões, os posicionamentos de N a respeito do lugar ocupado pela internet no cotidiano
dos estudantes e sobre a perda de posição do livro didático em relação às novas ferramentas
de ensino. Porém, devemos enfatizar que, nesta categoria, a atividade crítico-reflexiva de N
aparece bastante acentuada, sobretudo ao deixar clara sua visão de que teletandem não é sala
de aula.
Assim, a internet é vista pela interagente como um instrumento de trabalho (excerto
86, linha 1), parecendo-lhe mais fácil transformá-la em instrumento de trabalho do que
ignorar sua influência entre os alunos (excerto 86, linhas 10 a 12). H também acredita que,
nessa nova realidade, o livro já não fascina mais, o que fascina é a internet (linhas 24 e 25 do
mesmo excerto). Como podemos notar, há uma familiarização de N com os recursos
tecnológicos aos quais os alunos têm muito mais acesso do que os professores, fato que,
sabemos, acaba gerando essa visão compartimentada de que aprendizagem e computador não
são compatíveis e, ainda mais, de que o computador é nocivo ao aluno, conforme registrei em
meu diário de mediadora, ao refletir sobre as colocações de N (excerto 87, linha 1).
A questão vai mais longe, quando N reflete sobre aspectos da aprendizagem em
teletandem que provavelmente não se configurariam em sala de aula, o que demonstra sua
convicção de que o teletandem não pode ser encarado apenas como um transposição da sala
de aula para o computador. Assim, em relação ao PLE, N acredita que, ao contrário da aula
convencional, não é possível prever no teletandem os questionamentos que H lhe fará quanto
à língua. Isso significa que, segundo N, a previsibilidade da aula permite ao professor ter mais
preparo para ensinar ou, ainda que não saiba responder a uma dúvida do aluno de imediato,
possa levar uma resposta na aula seguinte (excerto 88, linhas 7 a 9). Já no teletandem, a
dinâmica e a espontaneidade das interações são tão marcantes que muitas dúvidas da parceira
precisam ser esclarecidas de imediato, o que, sem dúvida, gera dificuldades quase sempre
inesperadas e que, se deixadas para depois, acabam perdendo o sentido, sem contar o caráter
cultural, social e político das interações (linha 13 do mesmo excerto), aspectos que muito
raramente são tratados na sala de aula. N expressa também uma consciência de que, embora
essa naturalidade seja positiva, pois, ao interagir com H, tem a sensação de estar conversando
com uma amiga da graduação, o fato de não terem nenhuma combinação prévia a respeito
daquilo que irão tratar na interação tem atrapalhado tanto o ensino quanto a aprendizagem,
que poderiam estar muito mais acelerados (linhas 17 e 18 do mesmo excerto). Porém, N
questiona-se a respeito de, caso prepare um esquema e conversar, isso não vai ser só uma
mudança de contexto da sala de aula para o computador (linhas 28 a 31 do mesmo excerto).
Em meu diário da mediação, recordo que N já havia comentado sobre algumas
orientações discutidas na reunião do grupo de espanhol, pois algumas interagentes estavam
realmente preparando aulas e explicando regras nas interações. Para N, tais procedimentos
podem descaracterizar uma das marcas do projeto, que é justamente a espontaneidade das
interações (excerto 89, linhas 4 e 5). Porém, a coordenadora do grupo de espanhol acredita
que, em contexto de formação de professores, essa previsibilidade de temas e conteúdos às
vezes seja necessária, o que levou N a pedir minha opinião como mediadora a respeito disso,
já que sua preocupação era a de justamente não tornar as interações desmotivadoras. Como se
vê, as reflexões da interagente brasileira são realmente complexas, no sentido de procurar
compreender o verdadeiro papel do teletandem como contexto de fato inovador de
aprendizagem de línguas, conceito que, para ela, não parece ser compartilhado pelo grupo
como um todo. Além disso, tais questionamentos vêm a comprovar a importância da
mediação como contexto de dialogismo e de colaboração e de possibilidades para o
desenvolvimento de uma reflexão crítica sobre os papéis desempenhados pelos interagentes.
A nosso ver, as interações devem constituir-se de modo a atingir os objetivos de
aprendizagem traçados pelos interagentes, em busca de sua autonomia. Assim, expliquei a N
que talvez fosse realmente necessário, às vezes, partir de certa organização temática ou
mesmo dar explicações mais estruturadas, que, a meu ver, não comprometeriam o caráter
comunicativo do teletandem. Além do mais, esse foi um dos problemas de suas interações já
percebidos por ela no excerto 88, conforme já observamos, e, constataremos mais à frente,
também manifestado por H em sua avaliação final como aprendiz de PLE in-tandem.
A terceira categoria deste estudo, denominada A formação de N como aluna e como
futura professora de línguas e as implicações para a prática do teletandem, apresenta as
reflexões de N sobre suas experiências como aluna e aluna-professora de LE, enfocando de
que maneira essas experiências se relacionam a sua atuação no teletandem. Assim, a
interagente fala a respeito de sua “intuição” para dar aulas mais voltadas à comunicação,
durante o segundo ano da graduação, embora ainda não tivesse tido contato com a teoria da
Lingüística Aplicada (excerto 90, linha 3). Portanto, reflete que acabou agindo assim porque o
próprio contexto lhe pediu para fazer aquilo (linha 6 do mesmo excerto).
Em outro momento, em meu diário de mediação, reflito a respeito de algumas
colocações de N, para quem a formação acadêmica em língua e cultura espanholas em sala de
aula lhe dá suporte para as interações (excerto 91, linhas 2 e 3). Para ela, o ponto de partida
foi a sala de aula, os professores com quem aprendeu a língua (linhas 5 e 6 do mesmo
excerto), e não sabe se teria a mesma facilidade de interação caso estivesse lidando com outra
LE, como o russo ou o alemão, por exemplo, das quais não tem conhecimento algum (linhas 4
e 5 do mesmo excerto). Por outro lado, N ressalta que a própria formação, voltada para
contextos de prática do ensino de espanhol e de português como LEs, gera dificuldades para
ensinar PLE (excerto 92, linhas 4 a 7). Porém, é justamente o desafio dessa prática espontânea
que considera fascinante, embora difícil (linhas 9 e 10 do mesmo excerto).
Portanto, podemos compreender que a formação acadêmica é, sem dúvida, um fator de
peso nas reflexões de N a respeito de suas interações com H, já que os professores parecem
estar lhe oferecendo a formação necessária para que interaja com uma falante de espanhol.
Por outro lado, essa mesma formação não lhe garante sucesso ao lidar com o ensino de PLE,
já que N afirma que, há quatro anos, ensinam-na como ensinar espanhol e português para
falantes de língua portuguesa e em sala de aula. Portanto, não há qualquer enfoque voltado à
formação de professores de PLE, lacuna que, sem dúvida, gerou falhas no contexto
pesquisado. Isso nos leva a crer que, tal como lhe aconteceu no segundo ano de graduação, N
continua a aprender em contexto, e que a teoria, na prática, ainda está muito distanciada das
novas e desafiadoras realidades educacionais.
A quarta categoria de reflexão envolve agora A formação de H como aluna e
professora de línguas: a perspectiva de N. Nela podemos encontrar as reflexões da
interagente brasileira sobre alguns aspectos da formação de H como aluna e professora de
línguas, percebidos por meio das interações e comentados nas mediações. Em meu diário de
mediação, exponho minhas impressões quanto à visão de N sobre as diferentes necessidades
percebidas entre ela e sua parceira, no que diz respeito às situações de aprendizagem e de uso
das LEs às quais estão expostas e a como isso interfere nas experiências e objetivos de
aprendizagem de ambas, no teletandem. Assim, relato que N tem consciência de que sua
parceira necessita muito mais da formalização lingüística do que ela (excerto 94, linhas 1 e 2),
apresentando como justificativa o fato de H já ter uma oralidade bastante desenvolvida do
português, pela prática com outros falantes europeus, faltando-lhe o conhecimento formal.
Quanto à brasileira, esta prefere ampliar seu vocabulário, conhecer aspectos culturais e
expressões comunicativas (linhas 5 e 6 do mesmo excerto) do espanhol, pois já tem um
conhecimento bastante desenvolvido do aspecto formal da língua, pois a estuda há muito
tempo (desde o ensino fundamental, no CEL). A meu ver, caracterizam-se aqui experiências e
necessidades consideravelmente diferentes, já que aquilo que foi trabalhado de maneira
intensa em uma carece na outra, em relação à aprendizagem das línguas envolvidas.
Outro aspecto que complementa essa diversidade de experiências de aprendizagem de
LE entre uma interagente e outra reside nas situações e professores envolvidos nos processos.
De maneira geral, N sempre aprendeu línguas com professores brasileiros há uma
professora salvadorenha na Universidade, que, porém, já vive há vinte anos no Brasil e em
contextos de sala de aula, nunca tendo tido contato com estrangeiros em nenhum tipo de
interação antes do teletandem. No caso de H, as constantes viagens pela Europa lhe
proporcionaram contatos espontâneos diversificados com falantes de diversas LEs, inclusive o
português, em uma viagem a Portugal. Além disso, como já sabemos, a interagente mexicana
aprende português em contexto convencional, na Espanha, e interage com N pelo teletandem,
em outro tipo de contexto de aprendizagem. Tudo isso, acredito, faz com que os objetivos de
aprendizagem se tornem, com razão, diferentes, já que, como temos dito nesta pesquisa, os
contextos é que determinam as interações e todos os aspectos nelas envolvidos, ou seja, as
crenças, as expectativas, os discursos e as reflexões possíveis.
Por fim, as experiências de H com três professoras de PLE, na Espanha, parecem ter
deixado claro o tipo de aprendizagem esperada por ela e, ainda, o tipo de desempenho
esperado de um professor, com base em suas próprias experiências enquanto aluna e
professora de LE. Assim, embora a antipatia causada pela professora portuguesa tenha gerado
até mesmo um clima de instabilidade no teletandem, pois N temia que H ficasse desmotivada
para continuar aprendendo PLE, foi justamente por meio do teletandem que a motivação se
reforçou, aspecto que, segundo H, está ausente nas aulas com a portuguesa. Por outro lado,
apesar de ela nunca dar boas motivações, H acredita que a portuguesa é uma boa professora
de línguas porque faze-nos trabalhar e corrige-nos muito (excerto 96, linha 13), o que parece
deixar claro que, também para H, teletandem e sala de aula têm objetivos e proporcionam
aprendizagens diferentes.
A quinta e última categoria deste estudo traz a Avaliação do teletandem, abordando as
reflexões das participantes N, H e M manifestadas a partir das mediações, bem como a análise
dos resultados alcançados no trabalho desenvolvido por elas durante o processo de
aprendizagem in-teletandem, caracterizando-se, ainda, como uma categoria de auto-avaliação.
As subcategorias apresentam, assim, os pontos de vista de M em um percurso
avaliativo sobre aspectos como a abordagem gramatical no teletandem e as estratégias de
correção observadas e sugeridas. Nesse sentido, ao perceber que N tem algumas dificuldades
quanto à pronúncia e à gramática no PLE que não consegue abordar, M acaba por fazer
sugestões em relação à explicitação de explicações a respeito de aspectos que incomodam na
interação (excerto 99, linhas 4 e 5). Assim, explica que a gramática não será ponto de partida,
já que o intuito é trabalhar para que H tenha uma conscientização, já que vai lidar com duas
pronúncias diferentes da do espanhol: o português do Brasil (PB) e o português de Portugal
(PP) (excerto 100, linhas 9 a 11). Relembramos aqui o que diz Almeida Filho (2001), já
discutido no Capítulo I, a respeito de a complexidade do sistema fonológico de ambas as
línguas poder ocasionar problemas de sotaque ao aprendiz de português falante de espanhol, o
que, para o autor, é algo natural, já que representa o processo de interlíngua por ele
desenvolvido. Entretanto, como também já sabemos, é necessário motivar o aprendiz a
desenvolver o que o autor chama de autocrítica da própria produção, em busca de uma
competência de comunicação, justamente por se tratar de línguas próximas. Podemos afirmar,
ainda, que tal necessidade se intensifica nesta pesquisa, dado o fato de H aprender PLE em
outro contexto, no qual o sotaque é ainda outro, ou seja, o do PP, aumentando as dificuldades
de N em relação ao trabalho com a língua.
Esse ponto de vista por mim manifestado confirma-se na segunda subcategoria, que
traz as reflexões da mediadora sobre a necessidade de N deixar claro para H que ela não está
aprendendo o mesmo PLE nos dois contextos, a ponto de N relevar certas sobreposições do
PP em relação ao do PB. Em minha visão, há dúvidas se realmente H está conseguindo
construir conhecimento, algo que não considera fácil, quando se trata de uso (excerto 101,
linhas 8 e 9). Por sua vez, N considera natural essa “interferência” do PP na aprendizagem
de PB, pois, para ela, é na sala de aula que H sistematiza a língua (excerto 102, linhas 1 a 3).
Além disso, sabe que H conhece as diferenças entre as duas variantes, pois viveu três meses
em Portugal e, por fim, confessa que tem muitas dificuldades para trabalhar com o PLE.
Disse-lhe que entendo as razões apresentadas, mas não concordo com o fato de não trabalhar
as diferenças.
Na própria mediação, tive consciência de que minha atuação extrapolou os princípios
já considerados em relação ao trabalho do mediador no teletandem, que, entre outros
procedimentos, deve evitar dar direcionamentos e fazer críticas a respeito das ações
pedagógicas dos interagentes. Por essa razão, pedi desculpas a N por minha insistência, já que
tenho conhecimento do quanto esse tema gera reflexões realmente profundas de sua parte, no
teletandem e, além do mais, não é intuito da mediação levar ninguém a pensar como
pensamos (excerto 105, linhas 1 a 3). Mesmo porque N manteve seu posicionamento e
continuou agindo segundo suas crenças e da maneira que considerava mais plausível em
relação aos contextos de aprendizagem de PLE vivenciados por H, demonstrando, mais uma
vez, uma consciência crítica bastante desenvolvida quanto a sua autonomia no trabalho em
teletandem. Sendo assim, acredito que foi possível praticar o que Bakhtin chama de discurso
persuasivo, que, ao contrário do manipulativo, considera os conflitos e os pontos de vista
divergentes como formas de discussão dialógica e colaborativa, garantindo sempre a presença
da voz dos sujeitos, já que o pesquisador é, antes de tudo, participante de todo o processo.
Além do mais, em diário de mediação, declaro que tenho aprendido muito nas mediações e
acho que o teletandem pode proporcionar esse trabalho de reflexão coletiva muito mais do
que uma aula convencional (excerto 104, linhas 1 a 3).
21
Apesar de haver posicionamentos contrários entre as participantes, o papel da
mediadora e a importância das mediações também são avaliados na quinta categoria. Assim,
podemos dizer que, na subcategoria que envolve os pontos de vista das interagentes, a
21
Justifico o uso da 1ª pessoa do singular pelo fato de tratar-se de um trecho bastante pessoal, no
qual exponho minhas próprias impressões a respeito da interferência exercida na mediação, refletida
em meu pedido de desculpas dirigido à interagente brasileira.
mediadora aparece para N como aquela que tem a responsabilidade e a obrigação de fazer o
interagente refletir (excerto 106, linhas 3 e 4), algo que considera positivo. Além disso, N
reflete em seus diários que na mediação, M e ela ora discordaram ora concordaram sobre
alguns pontos, o que para ela é muito interessante, pois a cada problema me sinto mais
motivada a pesquisar (excerto 109, linhas 1 a 3). Por fim, em outro diário, N afirma que fazer
mediações é muito bom, pois traz coerência para sua formação, conscientização de sua
responsabilidade pela aprendizagem da H e reflexões em busca de soluções (excerto 108,
linhas 1 a 5). Também para H, a conversa com M, por chat, resultou em uma noite muito boa,
embora tenha se estendido até a uma hora da manhã (excerto 110, linhas 1 e 2). Portanto,
podemos constatar que a atividade de mediação é crucial neste contexto, tanto para
interagentes quanto para mediadora.
O significado das mediações para a formação e atuação de N em contexto de
teletandem também pode ser percebido em seus questionamentos sobre o enfoque gramatical
nas interações ou, ainda, sobre transferir procedimentos de sala de aula para o teletandem, nos
quais fica clara a solicitação da opinião de M quanto a esses aspectos. Assim, vemos mais
uma vez a interagente brasileira afirmar que não sabe por onde começar com a pronunciação
da H, no português, chegando a questionar diretamente a mediadora, com perguntas como E a
fonética? O que eu faço com ela? (excerto 111, linhas 4 e 5). Em outro momento da mesma
mediação, a interagente transfere para a mediadora a pergunta que faz para si própria, talvez
no intuito de compartilhar os dilemas vividos no teletandem: (...) Isso não vai fazer com que a
gente saia da sala de aula e vá pro computador (...) transformar a sala de aula numa sala
virtual? O que você acha? (excerto 112, linhas 4 a 7).
Podemos observar que, nesses casos, é a própria interagente quem pede o
posicionamento da mediadora, reforçando a idéia de que o pesquisador não pode ser imparcial
na investigação e que, neste caso, seus pontos de vista são igualmente fundamentais para que
a mediação não se caracterize como um discurso de aconselhamento, o qual, segundo vimos
em Fairclough (2001), é uma prática de controle social em conflito com práticas de
mobilização política, nas quais os problemas sociais só podem ser resolvidos por meio da
mudança social. O que queremos dizer é que o pesquisador precisa se envolver nos problemas
do contexto que investiga porque estes são também seus e, portanto, só mesmo envolvido
neles fará com que os outros participantes deixem de encarar os conflitos como se fossem
individuais, no sentido de buscarem, em colaboração, as verdadeiras transformações sociais.
Portanto, preocupar-se com a caracterização do teletandem enquanto cenário inovador de
aprendizagem de línguas e não como uma transferência da sala de aula para a sala virtual é
uma problemática extremamente crítica e que, como tal, deve ser pensada em um contexto
social e político que envolva a todos.
Por fim, chegamos a avaliação final do teletandem, subcategoria na qual N e H
manifestam um autêntico posicionamento reflexivo crítico sobre suas atuações no teletandem,
os resultados esperados e obtidos e, ainda, sobre a caracterização da aprendizagem no
teletandem. N, em particular, manifesta sua visão a respeito da caracterização do teletandem e
das competências que a modalidade proporcionou-lhe desenvolver em relação a sua formação
inicial em contexto universitário. Nesse sentido, observamos declarações que revelam
fraquezas e limitações quanto a ser parceira na aprendizagem da outra, bem como a
constatação de que o teletandem foi uma oportunidade de trocas culturais e afetivas. Mais
uma vez, podemos constatar, então, que as mediações garantiram um clima de confiança e de
descontração que possibilitou às interagentes expressar seus sentimentos, necessidades e
dificuldades sem constrangimentos ou receios, tal como se propõe no “Projeto Teletandem
Brasil“.
Assim, N avalia que se sentiu mais preparada para aprender espanhol do que para
ensinar português, já que essa posição era mais confortável para ela (excerto 113, linhas 4 a 6,
9 a 11). Por essa razão, N acredita que grande parte das interações tiveram esse formato, isto
é, H ensinando espanhol e N aprendendo espanhol, levando a interagente brasileira a concluir
que sua parceira ensinou mais do que aprendeu (linhas 13 e 14 do mesmo excerto), devido
tanto a inexperiência de N quanto a sua certeza de que H estava aprendendo português em sala
de aula, na Espanha. Agora que está formada, N reflete também sobre sua própria formação e
de que forma o curso superior contribui para sua atuação no teletandem. Para ela, a
abordagem lingüística oferecida na graduação foi fundamental para a compreensão de
aspectos fonéticos, fonológicos e morfológicos envolvidos na aprendizagem in-teletandem,
porém, algumas competências só puderam ser desenvolvidas graças às interações e não à
graduação (linhas 27 e 28 do mesmo excerto), que são pensar a língua portuguesa como
estrangeira e buscar ocorrências do dia-a-dia para explicar com exemplos reais as dúvidas
de sua parceira (linhas 30 a 35). Assim, tanto a teoria oferecida na graduação quanto a prática
proporcionada pelas interações têm para N a mesma importância em termos de formação
profissional docente para o teletandem. Por fim, N acredita que o teletandem
se aproxima
muito de um contexto de imersão. Para ela, se é possível aprender estando em um país cuja
língua nunca aprendemos em sala de aula, então também é possível aprender em teletandem,
embora os contextos se caracterizem e promovam aprendizagens diferenciadas. Assim,
concorda com H ao afirmar que a aprendizagem de uma LE na interação entre falantes da área
de educação e entre falantes “leigos” se dá de formas diferentes, e o risco de se ensinar algo
errado no segundo contexto pode ser maior.
Quanto à avaliação realizada por H, a interagente acredita que o mais interessante no
teletandem foi a possibilidade real de comunicar-se com alguém, aprender sobre sua cultura,
os pensamentos e os costumes de um povo, aspectos reais que não aparecem em livros
(excerto 114, linhas 2 a 5). Por outro lado, H avalia que, como aspecto negativo, as interações
não tiveram um guia ou planejamento, seja gramatical, pessoal ou temático, fato que acabou
caracterizando-as como uma relação pessoal com poucas nuances pedagógicas ou lingüísticas
propriamente ditas. Nota-se também uma auto-crítica bastante acentuada em H enquanto
interagente, que acredita não ter se envolvido profundamente nas interações, não ter dado
explicações adequadas da língua espanhola a N e ter-lhe oferecido uma visão de cultura
espanhola da perspectiva de uma mexicana, algo que, para ela, não é o mesmo que a visão
apropriada de um nativo (linha 21 do mesmo excerto). Notamos, assim, uma atividade auto-
avaliativa por meio da reflexão sobre os aspectos mencionados. Na perspectiva de H, o fato de
sua parceira e ela terem formação docente poderia ter feito com que avançassem mais no
trabalho desenvolvido. Porém, acredita que uma pessoa que não tenha essa mesma formação
poderá aprender muito sobre cultura, pronúncia, vocabulário, mas terá muitas dificuldades
com gramática, inclusive podendo “mal aprender”, já que não é fácil explicar os usos da
própria língua (linhas 30 a 32 do mesmo excerto). H deixa claro também que aprendeu mais
PLE em sala de aula convencional do que no teletandem, ambiente que, segundo ela, não é
suficiente para que haja aprendizagem. Na sala de aula, H desenvolveu mais atividades de
leitura e de produção textual, estratégias que considera importantes para sua aprendizagem e
que foram escassas no teletandem. Assim, as explicações pareciam-lhe muito soltas, sendo
que H já não se sente capaz de recordar as correções feitas por N em suas produções. Nesse
sentido, H gostaria que também as explicações tivessem sido mais formalizadas no teletandem
e não apenas abordadas no contexto imediato, tal como acontecia nas aulas convencionais,
porque se seguia uma ordem (linhas 49 a 54 da mesma interação). Quando questionada sobre
como caracterizaria o contexto de teletandem, que, segundo ela, não é nem uma sala de aula
de línguas para estrangeiros nem um contexto de imersão, H responde que poderia ser algo
como um “espaço de interação”, no qual ninguém é estrangeiro, ninguém está em imersão,
mas ambos os interagentes estão em contato (linhas 70 e 71 do mesmo excerto). Para ela, a
aprendizagem ocorre, mas não é formal, já que o principal é a comunicação, mais que o
caráter didático nas interações. Assim, aprende-se a comunicar, mas não necessariamente a
língua. Como não é educação convencional, não tem que funcionar como tal. Para ela, o
planejamento poderia salvar os “pontos mortos” das interações, mas isso não quer dizer que
deva haver um “guia” para o teletandem (excerto 114, linhas 71 a 79).
Após a análise das categorias de reflexão que acabamos de expor, acreditamos que
seja possível, então, encontrar respostas para a terceira subpergunta de pesquisa: Como se
constrói o discurso da mediação, no sentido de possibilitar o desenvolvimento de um
processo crítico de reflexão quanto ao contexto de teletandem?
Podemos afirmar que, nesta pesquisa, o processo de mediação apresenta-se como
fundamental para a verbalização das dificuldades, frustrações, conquistas e reflexões a
respeito de diversos aspectos relacionados ao trabalho interativo em teletandem, tais como o
relacionamento pessoal entre as interagentes, a interculturalidade, a aprendizagem de LE, a
abordagem de LM como LE e a formação docente para tal contexto, entre outros. No ato de
verbalizar, as participantes podem ouvir e fazer ouvir sua voz como participantes do processo
e, assim, assumirem um posicionamento crítico quanto a sua atuação e a da outra no
teletandem, tanto em relação às interações quanto em relação às mediações. Dessa forma,
ficam explícitas as visões das participantes a respeito dos resultados dos dois processos,
interagir e mediar, para o estabelecimento de atitudes reflexivo-críticas de avaliação do
teletandem para a aprendizagem de línguas e para a formação de profissionais em/para tal
contexto.
Em relação aos posicionamentos conflituosos existentes em alguns momentos das
mediações, especialmente entre N e M, reafirmamos nosso ponto de vista de que o conflito é
elemento constituinte do dialogismo (BAKTHIN, 1988), já que as pessoas pensam de maneira
diferente e as tensões são resultados das distintas posições muitas vezes assumidas nos
processos de construção dialógica. Portanto, ignorar conflitos é igualmente ignorar a
característica persuasiva do discurso.
Como afirma Fairclough (2001), a consciência sobre a linguagem é o primeiro passo
na busca pela emancipação na prática do discurso. Nesse sentido, consideramos o
posicionamento de Fairclough bastante adequado a nossa realidade investigativa, já que,
enquanto interagente proficiente, cada participante do teletandem assume um poder negociado
e consentido pelo outro, estabelecendo-se relações geradas a partir de uma reflexão crítica
sobre os papéis assumidos, em busca da reciprocidade, um dos princípios do trabalho in-
teletandem. Lembremos que o autor também afirma que as pessoas usam a linguagem de
maneiras diferentes, produzindo efeitos sociais que podem manter ou modificar as relações, já
que a linguagem é parte do fenômeno social.
Discutindo os “papéis sociais” (grifo do autor), ou melhor, as posições subjetivas
assumidas particularmente na instituição escolar (FAIRCLOUGH, 2001, p. 31), o autor
acredita haver um sentido no qual podemos dizer que o professor e os aprendizes são aquilo
que fazem. Os tipos de discurso predominantes em sala de aula estabelecem posições
subjetivas para professores e alunos, e é somente “ocupando” (grifo do autor) tais posições
que eles se tornam professor ou aluno. Ocupar uma posição subjetiva é essencialmente uma
questão de fazer (ou não fazer) certas coisas, de acordo com os direitos e deveres discursivos
de professores e alunos — isto é, aquilo que a cada um é ou não é permitido e solicitado dizer,
por meio de tipos particulares de discurso. Para Fairclough, trata-se aqui de um caso em que a
estrutura social, na forma particular de convenções discursivas, determina o próprio discurso.
Em contrapartida, ao ocuparem posições subjetivas particulares, professores e alunos acabam
por reproduzi-las, já que somente assim podem continuar a ser parte daquela estrutura social;
o discurso, assim, é que determina e reproduz tal estrutura social. O ponto fundamental desta
discussão está no fato de que a educação, ao lado de todas as outras instituições sociais, tem
como sua “agenda oculta” (grifo do autor) a reprodução de relações de classe e de outras
estruturas sociais mais elevadas, ao lado de sua agenda educacional aberta.
A questão dos papéis sociais exercidos pelos sujeitos desta pesquisa confere-lhes o
significado de agentes sociais, mas, em alguns momentos, notamos situações de
constrangimento. Porém, como já vimos em Fairclough, é justamente nesses momentos que
reside a pré-disposição de tornar-se capaz, ativo e criativo, no sentido de criar novos discursos
e de questionar posicionamentos.
Da mesma forma, para Bourdieu (2003), os indivíduos em interação modificam a todo
momento suas expressões no sentido de gerar receptividade e o fato de, como mediadora, ter
pedido desculpas a N pela tentativa de interferir em suas ações representa essa busca
ideológica de agir com mais prudência e, ainda, de suavizar relações de poder que,
inevitavelmente, estão em jogo em qualquer atividade de supervisão.
Tendo em vista as mudanças contemporâneas profundas pelas quais temos passado,
como conseqüência dos “efeitos globalizantes” destacados por Fairclough (op. cit.), notamos
uma transformação significativa nas relações de poder. Assim, as (rel)ações à distância
assumidas nesta pesquisa permitem um entendimento mais amplo das diferenças sociais,
culturais e cognitivas das participantes. Por essa razão, a mediação à distância ampliou
também o significado do discurso e modificou aquilo que podíamos fazer, por meio dos usos
contextualizados da linguagem. Assim, foi possível mediar também com H, por meio de uma
entrevista virtual, e desenvolver, em diálogo, uma reflexão bastante crítica e explícita a
respeito do teletandem.
Verificamos, assim, que, nas mediações, o discurso persuasivo é o que predomina,
construindo-se e reconstruindo-se em uma realidade totalmente nova e inovadora para as três
participantes, fazendo com que nossas palavras se fundam, gerando transformações a respeito
de nossos papéis, poderes e limitações, por meio de uma consciência, ao mesmo tempo,
individual e coletiva. Tais aspectos abrigam a reflexão crítica, que é o elemento que constitui,
por sua vez, o próprio discurso persuasivo e, como vimos nesta pesquisa, possibilita a
negociação e a transformação ideológica das participantes, ou, ainda, um trabalho
telecolaborativo de reflexão.
Tendo concluído a análise dos dados proposta para esta investigação, traçaremos, no
próximo capítulo, as considerações finais a respeito do trabalho desenvolvido, bem como os
encaminhamentos da questão na prática e os posicionamentos das interagentes após a análise.
CAPÍTULO IV
CONSIDERAÇÕES FINAIS E
ENCAMINHAMENTO DAS QUESTÕES
NA PRÁTICA
O presente capítulo tem como objetivo discutir os resultados alcançados, no
sentido de vislumbrar respostas à grande pergunta de pesquisa proposta neste estudo:
Como se caracteriza a formação inicial de professores de línguas interagentes em um
contexto de aprendizagem in-teletandem? Temos, como intuito, apresentar sugestões
que possam contribuir para a área de investigação na qual esta pesquisa está inserida, a
partir das discussões já trazidas nos capítulos anteriores, a respeito de crenças, discurso
e reflexão, em um contexto de formação inicial de professoras de línguas para/em
teletandem. Dessa maneira, a seção traça considerações finais a respeito desta
investigação de doutorado, sugere encaminhamentos para a área e apresenta, ainda, as
perspectivas das interagentes a respeito dos resultados de análise.
A construção da prática docente em teletandem tem como primeiro diferencial
em relação às práticas convencionais uma questão com a qual professores estão muito
poucos habituados a lidar, que é a ressignificação do sentido de ensinar línguas. Como
já vimos e discutimos em capítulos anteriores, ao ensinar língua em teletandem, um
interagente ajuda o outro a aprender, já que o caráter tradicional de ensino não condiz
com a própria caracterização dos participantes, que são ambos interagentes e não aluno
e professor. Outra marca da modalidade em foco é o princípio da autonomia, que deve
capacitar interagentes a se responsabilizar pelo progresso de seu próprio aprendizado,
tornando explícitos seus objetivos, necessidades, dificuldades e limitações, no sentido
de que, em um trabalho recíproco, ambos possam aprender e comunicar nas línguas-
alvo. Portanto, é um trabalho verdadeiramente interdependente e, por essa razão,
complexo, pois, em contextos de sala de aula, temos poucas ou raras oportunidades de
exercitar nossa autonomia, ou, muitas vezes, nem temos consciência ou motivação para
isso.
Nesse sentido, a formação de atuantes para/em contextos de teletandem tem
como primeiro embate as questões que envolvem a formação tradicional de alunos e de
professores, já que, como vimos nesta pesquisa, muitas das crenças trazidas e mantidas
pelas participantes no processo de aprendizagem de línguas analisado foram geradas ora
como alunas, em momentos iniciais de escolarização, ora como alunas-professoras, em
formação inicial docente. Acreditamos, porém, que o próprio fato de estarmos nesta
pesquisa revela um posicionamento ou, pelo menos, uma iniciativa de encarar os novos
desafios de formação docente que a inovação do contexto nos apresenta, ou, usando as
idéias de Celani (2004), aceitamos o risco e a incerteza que essa aprendizagem
complexa representa. Assim, colocamo-nos todas como aprendizes, ainda que, em
muitos momentos, nossa visão de aprendizagem tenha nos feito acreditar que não
aprendemos de fato.
Por estarmos em um contexto novo e desafiador de ensino/aprendizagem, temos
de pensar em nossa formação e em nossas tarefas sob uma nova ótica, na qual a própria
visão de ensinar e de aprender ganha novas dimensões interacionais, deixando de ser
solitária ou baseada em tarefas instrucionais e no apoio em modelos de atividades ou de
professores. No atual contexto, aprender, ensinar e formar exigem exigem criatividade
e, tal como a interação, o planejamento passa a acontecer quase que em tempo real. Daí,
talvez, a reflexão de H de que não houve planejamento ou que a aprendizagem, tal como
ela a concebe
linear, organizada, explícita, formal
não tenha ocorrido no
teletandem. E, talvez, ainda, sejam as crenças construídas como aluna, os estudos
“sérios e difíceis” do espanhol e o discurso carregado de ideologias discriminatórias da
professora portuguesa de PLE aspectos importantes na caracterização de uma “ilusão de
aprendizagem” no teletandem manifestada pela interagente. Por outro lado, vimos
também em N uma constatação igualmente incômoda de que sua atuação ao ensinar
PLE deixou a desejar, já que acredita ter assumido a posição mais confortável de
aprendiz, a que vinha exercendo na graduação, a qual, conforme a própria participante
constatou, ofereceu-lhe a tradicional competência teórica, mas não dialogou com ela a
respeito de duas competências que ela mesma elencou, em seu percurso reflexivo:
pensar sobre a LP como estrangeira e buscar ocorrências no dia-a-dia para explicar
com exemplos reais as dúvidas da parceira. Como se vê, são preocupações distintas
entre as participantes e que revelam o desenvolvimento de diferentes percursos
reflexivo-críticos sobre o contexto e suas implicações para a formação docente.
Enfocando ainda a questão do ensino/aprendizagem, não podemos deixar de
enfatizar a importância da interculturalidade no processo de identificação no
teletandem, o que, nesta pesquisa, ocorreu de forma socializadora, politizadora e ética.
Percebemos que, por meio do enfoque cultural, houve de fato um processo de
ensino/aprendizagem não apenas das línguas, mas dos valores, ideologias, costumes e
diferenças conceituais, políticas, geográficas e pessoais que dão identidade aos povos
enfocados, no caso, por perspectivas bastante interessantes. Tivemos, assim, a visão
cultural de uma brasileira que nunca saiu de seu país e de uma mexicana que vive na
Espanha e tem como referencial, ainda, os costumes do povo português, uma das razões
pelas quais decidiu estudar PLE. Por esse prisma, visualizamos uma ampla perspectiva
de aprendizagem e de exercício da ética e da cidadania por meio do teletandem, que
ultrapassa barreiras territoriais e agrega diferentes nacionalidades, línguas e culturas,
promovendo, assim, a verdadeira educação pela linguagem. Em nossa visão como
pesquisadores e formadores, essa deveria ser a verdadeira função do ensino/
aprendizagem e da formação docente, isto é, agregar identidades e culturas, não no
sentido de homogeneização, mas no de busca pela consciência quanto às diferenças de
idéias, de crenças, de concepções e de objetivos. Portanto, para nós, é notório que a
aprendizagem ocorreu, de maneira criativa e inovadora, no teletandem.
Outra questão fundamental nesta pesquisa é a que se refere à mediação. Como
vimos, grande parte das reflexões e dos posicionamentos convergentes e divergentes em
relação ao contexto construíram-se e manifestaram-se nas mediações, revelando o
espaço de mediar como o ideal para que se instaure um discurso dialógico, persuasivo e
com bases reflexivas, em busca da emancipação. Porém, observamos que as
oportunidades de realização dessa atividade foram mais acentuadas entre N e M, que
realizaram cinco mediações ao longo do processo, do que entre H e M, que tiveram
apenas uma oportunidade de dialogar e, por sinal, bastante significativa e reveladora. Já
a possibilidade de mediação entre N, H e M nem chegou a existir, configuração
mediativa que, sem dúvida, teria promovido reflexões de outra ordem. Portanto, ainda
que as mediações com N acabassem por proporcionar discussões posteriores
importantes entre as interagentes, não houve um trabalho mais aproximativo entre H e
mediadora, que, na verdade, nem precisaria ter sido M, mas uma segunda mediadora
participante do processo, que realizaria com H um trabalho igualmente fundamentado
nos princípios de mediação propostos para o teletandem e com quem M poderia
dialogar, em um trabalho telecolaborativo também em termos de mediação, isto é, entre
mediadoras.
Dessa maneira, acreditamos que se faz necessário um envolvimento dos
responsáveis pelos interagentes estrangeiros, no sentido de que acompanhem os
trabalhos desenvolvidos pelos participantes e realizem com eles uma supervisão
colaborativa tal como nos propomos a realizar com os interagentes brasileiros. Caso
esse acompanhamento tivesse sido realizado com H, talvez tivéssemos compreendido
melhor os objetivos por ela almejados e as ansiedades reveladas por ela apenas na
entrevista final, colaborando, conseqüentemente, com o trabalho de N. Portanto,
acreditamos que a mediação é atividade essencial para o desenvolvimento de uma
reflexão crítica no âmbito da formação docente para/em contexto de teletandem.
Voltando à participante brasileira, discutimos, desde o início, a respeito de um
problema que nos pareceu gerador de todas as ansiedades e dificuldades no trabalho em
teletandem, que foi o seu total desconhecimento e despreparo para atuar com o PLE.
Acreditamos que, da mesma forma como na aprendizagem in-tandem, na qual é
necessário que os interagentes tenham pelo menos um conhecimento básico das LEs
enfocadas, também é crucial que, em se tratando de formação inicial para/em tal
contexto, o preparo docente na promoção do ensino/aprendizagem de PLE deva ser
tratado como questão fundamental nos currículos que almejam uma formação docente
para novos contextos mediados pela tecnologia. Como vimos nos documentos oficiais
analisados no Capítulo II, a visão de formação docente passou por transformações
significativas na elaboração das diferentes leis, diretrizes e reformas educacionais. O
papel sócio-politizador do professor e do lugar da aprendizagem de línguas deixou de se
restringir à sala de aula para serem considerados os diferentes contextos nos quais a
aprendizagem pode se dar. Nesse processo, torna-se inegável nos documentos a
presença de conceitos como globalização, letramento e competências gerais para um
ensino contextualizado e mediado pelo computador. Porém, não se fala, ainda, na
formação específica do professor de PLE, que, na visão contemporânea dos documentos
oficiais, deveria ocupar lugar de destaque. Não podemos pensar em intercâmbio de
culturas, nem mesmo em atuar de maneira sócio-politizadora como professores, sem
que tenhamos em mente que as trocas lingüísticas devem ser mútuas, e não baseadas na
antiga visão de que a aprendizagem de línguas é um caminho de via única, pois poucas
pessoas querem ou precisam aprender português. Portanto, os documentos devem
contemplar essa formação e as universidades devem ter condições de proporcionar sua
implantação, no sentido de que a atuação dos participantes em novas configurações
contextuais de ensino/aprendizagem de línguas mediada pelo computador tenha um
suporte teórico-prático consistente e relevante em relação a inovações do contexto.
4.1 O ponto de vista das interagentes N e H após a análise
Depois de preparada a versão preliminar desta tese, apresentamos às
participantes as considerações finais que constituem esta seção, no intuito de que
apresentassem seus pontos de vista a respeito dos processos desenvolvidos em
teletandem interações e mediações tecendo possíveis comentários. Nessas
condições, conversamos informalmente por e-mail, sendo que ambas enviaram suas
considerações, a serem apresentadas a seguir.
Hola, M,
He leído las conclusiones de tu trabajo y estoy hasta donde comprendo con mi
poco portugués de acuerdo con ellas. Me parecen muy importantes las
consideraciones en torno a lo que se puede aprender con el teletandem sobretodo sin
tener formación de profesor de lenguas extranjeras y me gustó mucho el apunte sobre
la convivencia y aprendizaje cultural.
Insisto en que me gustaría leer más de su tesis porque me interesa el tema y así
puedo seguir practicando mi portugués también.
Le deseo mucha suerte en el examen y ojalá me pueda contar cómo le fue.
Seguimos en contacto y felicitaciones por su trabajo.
H (27/09/2008)
Olá M,
Terminei de ler hoje as suas considerações finais e achei que você foi bem
coerente e concordo com as suas colocações. Fiquei contente por ver a idéia de que
o teletandem é uma aprendizagem natural, embora eu acredite que um pouco mais de
organização e formalidade não teriam feito mal às minhas interações com a H. Como
você pode notar, tomei como minhas as crenças dela, e penso assim porque acho que
teria facilitado sua aprendizagem se os encontros tivessem sido um pouquinho mais
estruturados. Mesmo assim, acredito que o teletandem seja exatamente o contrário
disso, ou seja, que nesse processo a aprendizagem se dê como em um contexto de
imersão, e digo isso principalmente porque depois de mais ou menos 10 meses sem
falar espanhol, consigo me lembrar de coisas que aprendi com ela (como informações
culturais, expressões, entonação, etc), mas não me lembro das regras que aprendi em
sala de aula e, então, corro para as gramáticas. Essas breves observações mostram o
quanto o teletandem foi importante para minha aprendizagem e como colaborou para
que eu começasse a refletir sobre minhas ações como professora. Espero que você
tenha muito sucesso (mais ainda!!!) com os resultados desse projeto, que considero um
pouquinho meu também... ehehehe. Fiquei curiosa para ler todo o trabalho e senti
saudades do projeto... Beijos,
N (25/09/2008)
Como acabamos de ver, N e H manifestaram interesse por ler toda a análise,
então decidimos enviar a ambas o capítulo de análise de dados, para que pudessem
posicionar-se de maneira mais adequada em relação ao processo analítico desenvolvido.
Entretanto, temos de esclarecer que, logo após, H teve de assumir as turmas de uma
professora da universidade em que é docente, acumulando muitas aulas e
sobrecarregando-se de trabalho. Sendo assim, escreveu-me a seguinte mensagem:
Querida M,
Lamento mucho tener que decirte que no he podido leer tu capítulo y que tengo
muy difícil leerlo ahora. Estoy completamente desbordada de trabajo porque una
profesora de la universidad renunció y he entrado a sustituirla en varios grupos y
ahora trabajo de 7 am a 9 pm. Lamento mucho no poder comentar ahora tu trabajo
pero es que de verdad me es imposible leerlo en estos días. De cualquier forma confío
en tu opinión y buen juicio. Te deseo mucha suerte con el examen, por favor escríbeme
para saber como fue. Saludos y disculpas outra vez.
H (29/10/08)
Por sua vez, N encaminhou por e-mail seu parecer a respeito da análise, o qual
trazemos em seguida:
Como interagente do projeto Teletandem Brasil e parte do trabalho que está
sendo defendido, passei a entender o que Guimarães Rosa quis dizer com a seguinte
citação: “Mestre não é aquele que ensina, mas que de repente aprende”. Para mim, é
dessa forma que se define o processo de ensino/aprendizagem, principalmente na
abordagem em questão. Essa mensagem ilustra bem a questão da reciprocidade e,
conseqüentemente, da aprendizagem colaborativa que se procurou, ou melhor, que se
procura desenvolver entre os pares interagentes.
Como já abordado pela pesquisadora, minha companheira H sempre esteve
muito envolvida e preocupada com o sucesso de nossas interações, o que me motivou e
fez com que superássemos os problemas técnicos iniciais e concretizássemos a
realização do teletandem, assim como era proposto pelo projeto. Além dessa motivação
“técnica”, a seriedade e o comprometimento de H, mesmo sem nenhum laço
institucional, possibilitaram o desenvolvimento do processo de ensino/aprendizagem
analisado.
Todo esse envolvimento e auxílio mútuo foram muito importantes para que
criássemos uma afetividade que seria, posteriormente, responsável pelo prazer em
aprender a língua uma da outra e, principalmente, pelo respeito às crenças e
convicções que tínhamos sobre o processo de ensinar e aprender: H mais organizada e
tradicional e eu com a única certeza de que devia me afastar das estratégias de ensino
e aprendizagem que não me agradavam.
Essas e outras crenças foram discutidas durante minhas mediações com M, as
quais tiveram um papel fundamental no desempenho de minhas ações e reflexões. Tais
mediações auxiliaram nas resoluções de dúvidas e no redimensionamento de algumas
ações, embora a discussão de alguns temas tenha gerado conflitos, o que proporcionou
reflexões ainda mais críticas do que aquelas em que não havia discordâncias entre
interagente e mediadora. É fato que M assumiu uma postura excepcionalmente
condutiva, entendendo o termo como uma atitude a fim de desenvolver a minha reflexão
crítica e nunca manipular e controlar as minhas ações.
Outra questão interessante a notar na análise de M sobre minha formação auto-
crítica é que as reflexões de H sobre sua aprendizagem de PLE corroboram com as
minhas reflexões como professora de PLE, mostrando que suas críticas com relação à
forma que realizávamos nossas sessões, sem uma ordem e sem exercícios
convencionais, são as mesmas que tive com relação as minhas ações, julgadas por mim
como inexperientes e insuficientes; tanto que assumi, por vários momentos, o papel
mais cômodo de aprendiz, enquanto, na verdade, deveria ensinar.
Essas críticas partiram de um cunho frustrante e atingiram um caráter reflexivo
e construtivo durante as mediações, que cumpriram com o seu papel social, coletivo e,
principalmente, democrático. Dessa maneira, tem-se presente uma pesquisa coerente e
comprometida com seus resultados, além de um trabalho responsável, não apenas por
apresentar e analisar dados, mas por contribuir de forma reverente na formação de
professores.
N(30/10/08)
Diante das considerações traçadas por N e H, acima apresentadas, reafirmamos o
comprometimento desta investigação com a formação docente em/para contextos
mediados pelo computador, especialmente em modalidade de teletandem, já que
percebemos uma reflexão acentuadamente crítica nas participantes a respeito da
formação docente para tal contexto, bem como sobre sua própria formação e sobre sua
atuação no teletandem, entre outros aspectos. Está clara, ainda, a manifestação das
participantes a respeito da importância da mediação como atividade propulsora de uma
reflexão emancipatória quanto às dúvidas, frustrações, ansiedades e conflitos presentes
na experiência de interagir e formar-se profissionalmente para/em contexto de
ensino/aprendizagem de línguas pelo teletandem.
4.2 Contribuições práticas da pesquisa no âmbito da formação de professores de
línguas em contexto mediado pelo computador
A investigação realizada nesta tese de doutorado, bem como o ponto de vista
manifestado pelas interagentes após a análise, sugerem alguns encaminhamentos que
sintetizam, de maneira geral, as discussões trazidas no desenvolvimento do estudo,
sendo eles:
- O teletandem pode caracterizar-se como um contexto de ensino/aprendizagem muito
próximo ao de imersão, no qual ambos os interagentes estão em contato, caracterizando-
se como um “espaço de interação”.
- A aprendizagem ocorre, mas não é formal, já que o principal é a comunicação. Assim,
aprende-se a comunicar, mas não necessariamente os componentes estruturais das
línguas. Como não é educação convencional, não tem que funcionar como tal,
atribuindo um sentido renovado ao ensino, no qual ambos os interagentes são
aprendizes em colaboração mútua. As interações devem constituir-se de modo a atingir
os objetivos de aprendizagem traçados pelos interagentes, em busca de sua autonomia.
O planejamento poderia salvar os “pontos mortos” das interações, mas isso não quer
dizer que deva haver um “guia” para o teletandem.
- A aprendizagem de uma LE na interação entre participantes da área de educação é
vista como a ideal, já que há um risco maior de se aprender de maneira equivocada entre
falantes “leigos”, isto é, que não estão envolvidos em contexto de formação docente.
- O teletandem representa uma possibilidade real de comunicar-se com alguém,
aprender sobre sua cultura, os pensamentos e os costumes de um povo, aspectos reais
que geralmente não aparecem em livros.
- A abordagem intercultural ou telecultural pode proporcionar oportunidades de
formação e de ensino/aprendizagem sociais, éticas, políticas, geográficas, históricas e
lingüísticas, além de gerar a valorização das diferenças e a formação de conceitos como
identidade e cidadania, essenciais em contextos mediados pela tecnologia, nos quais
podemos conviver, também, com o risco da homogeneização ou da desintegração
cultural.
- A formação responsável de professores para tais contextos é essencial no
estabelecimento de sistemas educacionais apropriados e que não estejam sujeitos aos
riscos acima apontados.
- As mediações podem ser caracterizadas como um espaço de aprendizagem e têm
potencial para promover oportunidades significativas de reflexão crítica. Estas, por sua
vez, motivam novas reflexões e a busca de soluções para os problemas surgidos,
proporcionando, ainda, coerência para a formação inicial in-teletandem e
conscientização quanto à responsabilidade pelo ensino/aprendizagem em parceria. Por
essas razões, a mediação deve ser realizada em ambos os contextos de formação
docente, o brasileiro e o estrangeiro, e, ainda, em telecolaboração entre mediadores –
formadores em formação para o/em teletandem – a fim de que as trocas também
aconteçam entre esses participantes, e não apenas entre interagentes e mediador,
gerando benefícios a todos os envolvidos e caracterizando o trabalho em “redes de
formação”.
- O discurso persuasivo parece ser o mais coerente tanto às interações quanto às
mediações, marcado pela interação dialógica, pela consideração dos conflitos como
oportunidades de negociação e de aprendizagem colaborativa e, principalmente, pela
capacidade de promover a reflexão crítica e emancipatória por meio da linguagem,
fenômeno interacional imprescindível nos atuais contextos sociais em que vivemos e
atuamos, sujeitos a constantes e rápidas transformações.
- As crenças são construtos pessoais, sociais, contextuais e cognitivos que nos auxiliam
na compreensão das expectativas e das concepções a respeito de língua, interação,
ensino/aprendizagem, cultura, papel do professor, motivação, tecnologia, entre outros,
trazidas para o contexto de teletandem e reconstruídas ou não nesse mesmo contexto.
Nesse sentido, podem gerar visões e discursos diferenciados de ensino/aprendizagem no
ambiente investigado. Complementarmente, o fato de as participantes ingressarem em
um projeto de formação e atuação in-teletandem já pode ser considerado como uma
predisposição para a reflexão crítica sobre os aspectos elencados acima e, ainda, para a
autonomia e para as incertezas presentes em contextos diferentes da sala de aula
convencional de LE. Portanto, o diálogo entre crenças, discurso e reflexão profissional é
perfeitamente compreendido nesta pesquisa.
- É necessário que os cursos superiores de formação de professores de línguas, bem
como os documentos que regulamentam o funcionamento de tais cursos, focalizem a
formação docente para novos contextos de ensino mediados pela tecnologia, nos quais
as configurações tradicionais de transposição de teoria já não funcionam tão
efetivamente. Assim, sugerimos uma inovação da formação docente, levando em conta
a formulação contextualizada das competências e a capacidade criativa do professor,
que, no contexto pesquisado, envolvem “pensar a LP como estrangeira” e “buscar
ocorrências no dia-a-dia para explicar com exemplos reais as dúvidas da parceira“.
Portanto, acreditamos que caberia ao Teletandem Brasil: línguas estrangeiras para
todos, por constituir um projeto institucional com proposta inovadora e inédita no
Brasil, colaborar com a formulação de diretrizes oficiais de formação superior docente
que contemplem essas novas realidades e necessidades, reunindo e documentando as
competências apontadas nesta pesquisa e, ainda, as que aparecerão em outros contextos
investigativos sobre o teletandem, em busca de uma formação teórico-prática coerente e
adequada aos novos tempos e contextos.
- A lacuna de pesquisa percebida na proposta desta investigação pôde ser preenchida, no
sentido de que os resultados representam contribuições para a formação de professores
de línguas para/em contextos mediados pelo computador, em uma modalidade de
ensino/aprendizagem de línguas inovadora no país. A questão da ruptura de fronteiras
lingüísticas em torno da hegemonia de pesquisas que enfocam a língua inglesa também
foi atingida, já que o trabalho mostrou resultados bastante importantes sobre ensino,
aprendizagem e formação de professoras de PLE e de ELE e, ainda, sobre a relação de
línguas muito próximas, como é o caso dos idiomas enfocados. Tratamos, enfim, como
nos havíamos proposto, de questões discursivas, ideológicas, sociais, de poder e de
crenças, em um cenário geográfico e lingüístico-cultural que deixou de ser a sala de aula
de inglês, acreditando ter contribuído com o traçado dos “novos mapas” sugeridos por
Celani (2004), na trajetória de pesquisas em LA.
Os aspectos levantados acima nos levam a argumentar que um trabalho reflexivo
de formação docente em contextos tecnológicos não pode se concretizar sem que haja,
primeiramente, uma predisposição de todos os participantes a um redimensionamento
crítico a respeito de crenças, discursos, teorias, contextos, riscos e desafios que
envolvem novas realidades profissionais. Tendo em vista a preocupação latente nesta
pesquisa, em torno da formação de professores para a atuação em contextos in-
teletandem que envolvem o português para falantes de outras línguas, proponho-me a
buscar desenvolver, em estudos de pós-doutorado, uma investigação acerca da temática
citada. Para tanto, acredito ser interessante enfocar não apenas o contexto brasileiro,
mas também o estrangeiro, já que, como pudemos notar nesta pesquisa, há
possibilidades de estudo interessantes a respeito de questões culturais, históricas,
educacionais e ideológicas que poderão emergir a partir do enfoque da formação
docente, o qual, sem dúvida nenhuma, será sempre tema para trabalhos de relevância na
área de LA.
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