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Apesar de originário das conquistas individualistas do século XVIII, o Direito
Administrativo acompanhou (por implicação sistêmica), a evolução do constitucionalismo
social, que na busca de equilíbrio social reconfigurou o direito à liberdade e à propriedade,
tendo em vista o interesse coletivo, trazendo a esse ramo mecanismos de intervenção
fiscalizatórios, controladores e sancionatórios, visando a manutenção da ordem, a salubridade,
a segurança. É, portanto, neste contexto marcado pela reversão ao Estado de certo espaço de
atuação que tinha sido praticamente aniquilado com o liberalismo, que tem origem a técnica
de previsão da autorização administrativa de polícia.
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A função básica do ato de autorização, neste quadro interventivo é viabilizar o
equilíbrio jurídico da intervenção do Estado sobre a liberdade e propriedade do indivíduo,
pois possibilita amenizar a força interventiva gerada pela proibição genérica, àquele
interessado que atenda determinadas normas de segurança, dozando assim, a força
interventiva que poderia se mostrar inconstitucional, caso proibisse de forma irrestrita
determinada conduta, sem a possibilidade do campo deôntico da faculdade, e respeitando-se
em último grau, o princípio da igualdade, pois viabiliza tratamento diferenciado, nos termos
da lei, àqueles que não põem em risco a incolumidade pública.
As breves digressões que foram feitas não tiveram como intuito adentrar
dogmaticamente no estudo do tema da constitucionalidade de previsão legislativa da
autorização de polícia administrativa, uma vez que pela profundidade que exige o tema,
merece um trabalho todo exclusivo. Portanto, não encontrará o leitor nenhuma sistematização
para o controle de constitucionalidade do ato de autorização, o que não impediu que
fizéssemos, no decorrer do trabalho, registros pontuais de algumas barreiras jurídicas à
conduta do legislador.
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Após os movimentos do liberalismo século XVIII que concretizaram a mínima intervenção estatal na vida
individual, tem–se o acontecimento de movimentos de cunhos ideológicos sociais, menos individualistas que
proporcionaram novos espaços à atuação estatal, reabilitando sua possibilidade de intervenção na vida do
indivíduo. Tais movimentos datam da metade do século XIX, e atingem seu auge no chamado
constitucionalismo social, inaugurado pela Constituição de Weimar de 1919, ou segundo outros, pela
Constituição Mexicana de 1917, trazendo a judicialização dos Direitos Sociais. Paulo BONAVIDES, em obra já
citada, sintetiza todo o aludido: “Os novos direitos não só reabilitavam o Estado, senão que emergiam por
únicos capazes de emancipar a Sociedade. Proclamando a dimensão social do Homem com o valor mais alto ,
ao redor deles lavrava o mesmo fervor com que anteriormente se vira afirmar o princípio individualista...” A
Constituição Aberta, p. 184. É possível neste contexto afirmar que o ideológico do Estado de Direito Social
tende a sacrificar a liberdade, tão prestigiada no Estado liberal, em favorecimento ao valor da igualdade, e que
portanto, passam a ser a igualdade e a liberdade, os dois pólos básicos ao redor do qual gravita toda a ordem
Constitucional contemporânea. BONAVIDES, jamais demasiadamente citado, assevera a respeito: “Exprimem
eles, respectivamente, os dois ordenamentos-chaves do Estado moderno, a saber, as duas formas sucessivas que
o molde ideológico de organização política do Estado ocidental tomou nos dois últimos séculos: o Estado
liberal, abraçado à liberdade, com o culto da personalidade como valoração tutelar, e o Estado social, preso à
igualdade, com o culto democrático da dignidade humana”. (Ibid.)