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Universidade de São Paulo
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
Marisa Barda
A importância da arquitetura vernacular e dos traçados históricos para a cidade
contemporânea
São Paulo
2007
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Universidade de São Paulo
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
Marisa Barda
A importância da arquitetura vernacular e dos traçados históricos para a cidade
contemporânea
São Paulo
2007
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Marisa Barda
A importância da arquitetura vernacular e dos traçados históricos para a cidade
contemporânea
Dissertação apresentada à Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade
de São Paulo, para obtenção do tulo de
Mestre em Arquitetura e Urbanismo.
Área de Concentração: História e
Fundamentos da Arquitetura e Urbanismo.
Orientador: Prof. Doutor Paulo Julio V.
Bruna.
São Paulo
2007
4
AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE
TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO,
PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
ASSINATURA:
E-MAIL:
Barda, Marisa
B245i A importância da arquitetura vernacular e dos traçados
históricos para a cidade contemporânea / Marisa Barda. –São
Paulo, 2007.
154 p. : il.
Dissertação (Mestrado - Área de Concentração: História e
Fundamentos da Arquitetura e Urbanismo) - FAUUSP.
Orientador: Paulo Júlio Valentino Bruna
1.Arquitetura vernacular 2.Arquitetura – Recuperação
3.Patrimônio histórico I.Título
CDU
728
5
À Iara, Marco e Alberto
6
Agradecimentos
Agradeço às minhas amigas: Francesca Leonardis, pelas conversas
estimulantes; e Haifa Sabbag pela paciência e carinho.
Ao meu orientador Prof. Paulo Bruna, grande estimulador e conselheiro, minha
gratidão eterna.
Ao meu filho Marco que me ajudou com as imagens e montagem da tese.
7
Resumo
Barda, Marisa. A importância da arquitetura e dos traçados históricos
para a cidade contemporânea. 2007. 154p. Dissertação (Mestrado)
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo,
2007.
Não é possível fazer uma avaliação do patrimônio histórico somente por
meio de valores estéticos; o desenho e os mbolos da cidade também se
tornam memória na medida em que adquirem uma dimensão coletiva: é
necessário considerar a importância da edificação como característica de um
processo de reconhecimento do lugar e não da capacidade do seu autor. A
cidade resulta das relações que cada elemento estabelece com todos os
outros, da existência de traçados históricos e de edificações capazes de
manter e traduzir a memória histórica do lugar, também e principalmente com
aqueles espaços imateriais, como os vazios urbanos, ou com edifícios
industriais, pois eles marcam o território.
Técnicas de expansão urbana foram substituídas na Europa por
práticas de recuperação e remodelação fundamentadas na história, por meio
de significados coletivos, intrínsecos e estratificados, ou seja, baseados nas
tradições regionais e pertencentes à cultura popular. Esta se manifesta de
modo muito diferente em cada região, em função de suas raízes, costumes e
identidade.
Para exemplificar esse fenômeno, foram selecionadas duas situações de
recuperação arquitetônica em Milão que se desenvolvem em duas escalas de
interferência urbana diferentes, considerando em ambos os casos os efeitos de
“re-equilíbrio” e impacto no entorno; um edifício de arquitetura vernacular com
fortes relações com o entorno, cuja localização é central, e uma área extensa
de obsolescência industrial de forte impacto urbano localizada em área
periférica.
PALAVRAS-CHAVE: Traçados históricos, preexistências, arquitetura
vernacular, espaço metavernacular, preservação, obsolescência industrial.
8
Abstract:
Barda, Marisa. A importância da arquitetura e dos traçados históricos
para a cidade contemporânea. 2007. 154p. Dissertação (Mestrado)
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo,
2007.
It is not possible to make an assessment of the historical patrimony only
by means of esthetical values; the design and the symbols of a city also
become part of its memory as they acquire a collective dimension; it is
necessary to consider the importance of the buildings as a characteristic of a
process of knowing the place and not the skill of its author. The city is the result
of the relationships that each element establishes with all the others, of the
existence of a historical heritage and of buildings able to maintain and translate
the historical memory of the place, also and mainly with those immaterial
spaces, as the urban emptiness, or with industrial buildings, because they mark
the territory.
Urban expansion techniques were substituted in Europe by
recuperation and remodeling practices based on History, by means of
collective, intrinsic and stratified meanings; that is, based on the regional and
collective traditions belonging to popular culture. This culture manifests itself in
very different ways in each region, as a function of its roots, habits and identity.
To exemplify this phenomena, two situations of architectural recuperation
in Milan were selected that develop in two different scales of urban interference.
In both cases the effects of “re-equilibrium” and impact on their surroundings
were considered; a building of vernacular architecture with strong relationships
with its surroundings in a central location, and a large area of industrial
obsolescence with a strong urban impact situated in a peripheral area.
KEY-WORDS: Historical drawings - Pre-existences - Vernacular
Architecture
Metavernacular Space – Preservation - Industrial obsolescence
9
Sumário
Introdução ........................................................................................... 10
1. A Consciência Popular e os Valores Históricos, Urbanos e
de Conservação da Cidade .....................................................
16
2. A Importância dos Traçados Históricos ................................ 37
3. Arquitetura Vernacular e Espaço Metavernacular ................ 59
4. Extensão do Conceito de Preservação.................................... 77
5. Estudo de Casos ...................................................................... 106
Conclusão ...................................................................................... 136
Bibliografia ........................................................................................ 140
Ilustrações ...................................................................................... 149
10
Introdução
Estender o conceito de preservação de monumentos até o aspecto da
cidade como um todo tem a finalidade de obter uma nova postura nas
intervenções urbanas, cujo tecido histórico como trama do existente deve
ser considerado dentro do seu contexto tal qual um sistema contínuo de
referências para a transformação e tutela dos valores históricos e culturais.
Com essa abordagem, a importância da conservação não se limita
somente a monumentos arquitetônicos, mas abrange também a arquitetura
vernacular, uma arquitetura “menor”, não necessariamente antiga, que reflete
um determinado momento histórico da cidade, relacionando-o à formação de
suas ruas e bairros. A conservação diz respeito, neste caso, a espaços
metavernaculares (neologismo por mim empregado), ou seja, a edifícios
públicos, edifícios industriais, espaços intermediários, jardins que dividem um
espaço privado da rua ou até mesmo a vazios urbanos que ao longo do tempo
conseguiram estabelecer inter-relações entre o espaço urbano e os indivíduos,
entre os espaços públicos, privados e semiprivados.
É preciso lembrar que o termo conservação vem acumulando inúmeros
conceitos, equívocos e variações do mesmo teor como reestruturação,
revitalização ou recuperação. Essas nuances e diferentes interpretações
deveriam ser cuidadosamente estudadas e analisadas para uma melhor
compreensão. Mas não é intenção discutir aqui sobre métodos ou técnicas
dessa disciplina, embora estejam apontados em alguns momentos do trabalho.
Os conceitos aqui adotados são, em sua grande maioria, criados por
historiógrafos, antropólogos, arquitetos ou mesmo urbanistas, em sua maioria,
11
italianos, elaborados a cerca de cinqüenta anos na Itália e, mais recentemente,
na Europa. Na Itália, como é sabido, o sentimento de sacralidade do espaço e
das preexistências históricas foi e é sempre muito forte.
No Brasil, ao contrário, não existe interesse por parte do cidadão, e
mesmo do arquiteto, pela arquitetura vernacular ou pelos espaços
“metavernaculares”, tão apreciados no exterior. Aqui, destroem as construções
sem se dar conta do significado que representam como referências para criar
ou modificar as relações entre os diversos aspectos do território urbano, da
importância histórica que têm e que vai além de aspectos arquitetônicos físicos
e estéticos.
A idéia deste trabalho não é propor soluções para São Paulo ou para
qualquer outra cidade; porém, indiretamente, o Paulo será sempre pano de
fundo de algumas situações e suas possibilidades. E a Itália, mais
especificamente Milão, uma referência, apesar de este país não ter dado
muitas oportunidades aos arquitetos de criarem, oferecendo, por outro lado e
devido à sua própria condição histórica, contribuições teóricas extermamente
interessantes.
A indicação de “não mais se expandir, mas recuperar áreas obsoletas”
está sendo adotada em grande escala no mundo todo. A intenção, portanto, é
analisar questões referentes a valores históricos, urbanos e de conservação,
com ênfase nos bens culturais e nas relações existentes entre o patrimônio
construído e a cidade, ou em outras palavras, entre espaços e arquitetura
“metavernaculares”. Porque o espaços que deixaram signos e símbolos
espaciais também na mente dos cidadãos.
12
Dividido em quatro capítulos, o ponto focal de cada um foi a indagação:
“até que ponto o novo pode apagar a história?”
O primeiro capítulo aborda as teorias sobre a preservação das
preexistências históricas e ambientais e sua importância, que envolvem na
mesma medida tanto a arquitetura quanto o urbanismo e a sua pertinência no
desenvolvimento das identidades individual e social, apontadas desde a
década de 1940 por Ernesto N. Rogers, arquiteto italiano e diretor da revista de
arquitetura Casabella Continuità.
Não é possível fazer um juízo sobre o patrimônio histórico somente por
meio de valores estéticos. A forma e os símbolos da cidade também se tornam
memória na medida em que adquirem uma dimensão coletiva; é necessário
considerar o significado da edificação como característica de um processo de
reconhecimento do lugar e não da capacidade de seu autor. Daí a importância
do conceito de tipologia, nesse caso delineado através do ponto de vista de
historiógrafos e arquitetos que o estudaram mais a fundo.
O segundo capítulo tenta diferenciar o espaço público e o privado da
cidade contemporânea. As teorias estão relacionadas com os conceitos de
espaço na cidade contemporânea e de não-lugar do antropólogo francês Marc
Augé (1993) em contraposição ao genius loci romano, desenvolvido por vários
autores, principalmente pelo arquiteto norueguês Christian Norberg-Schulz
(2003).
Correndo algum risco, o terceiro capítulo tenta definir e diferenciar a
arquitetura vernacular dos monumentos, o espaço público do espaço privado e
a presença ou não de identidade e cidadania. Como afirma Léon Krier em
“Carta Per La Ricostruzione Della Città Europea”:
13
somente em uma relação dialética entre Arquitetura e Edificação,
entre cultura clássica e popular, entre público e privado, pode-se dar
aos abrigos humanos a dignidade e a cultura coletiva. Sob o ponto de
vista filosófico, Clássico e Vernacular não estão baseados na
diferença de classes, mas na diferença entre coletivo e individual,
entre monumentos e edificações públicas e urbanas, entre habitações
privada e popular
1
.
As indicações oferecidas pela história não são vínculos indissolúveis,
mas elementos reconhecíveis e material analítico de reflexão. Nessa
perspectiva, a arquitetura vernacular é uma ponte entre a história e a
arquitetura.
No quarto capítulo, são abordados a questão da extensão do conceito
de conservação e o significado que isso comporta para uma cidade
contemporânea ou mesmo para uma metrópole.
Invejamos as cidades européias sem perceber que mesmo no pequeno
lapso de tempo que ocorreu desde a formação do Brasil e a história de suas
cidades, demolimos ao invés de tentar entender e manter o que é importante
para uma identidade. Lembramos que esse fenômeno acontece da mesma
maneira no indivíduo; sua formação depende de suas origens, antecedentes,
educação e regras; quando esses fatores não estão presentes, foram
destruídos ou não fazem parte de suas reminiscências (anamnese), o indivíduo
perde parte de si mesmo.
A questão espacial é também abordada na psicologia e considerada
essencial na formação de um indivíduo. Convém observar nesse sentido que a
deusa Héstia, divindade feminina primordial na Grécia, ou Vesta no mundo
romano, foi considerada o coração da vida grega, o fogo sagrado, também
1
As traduções de textos do italiano para o português são de minha autoria.
14
venerado em outras religiões antigas. Sua imagem era considerada
arquitetônica, justificada pelo seu papel de guardiã dos lares e por ter sido a
divindade que primeiro construiu uma casa. A psicologia atualmente considera
Héstia a revisão da alma em termos de metáforas espaciais, recordando o
poder que ela tem de conduzir a alma a um estado de moradia; a perda da
Héstia, da moradia, é uma ameaça para a psique como um todo; não limites
que distingam a intimidade da moradia interior e o mundo externo, pois não
uma casa psíquica que ofereça paredes protetoras (HILLMAN, 1980).
Para concluir, no quinto capítulo o realizados dois estudos de casos;
para isso, foram selecionadas duas situações de recuperação arquitetônica em
Milão que se desenvolvem em duas escalas de interferência urbana diferentes;
o primeiro, na escala do projeto arquitetônico por meio da análise da
recuperação de uma construção de arquitetura vernacular de uso misto. O
segundo, na escala metropolitana por meio de estudo do projeto de um pólo
integrado em uma área de obsolescência industrial, da Pirelli-Bicocca, onde até
o início dos anos 1980 funcionava a fábrica da Pirelli. Para uma melhor
compreensão dos dois casos, é apresentado um breve desenvolvimento da
história e do urbanismo milanês. Nos últimos decênios, Milão, assim como
Roma, não participaram concretamente – como fizeram outras grandes cidades
européias, Paris, Barcelona e Berlim – do debate arquitetônico relativo às
grandes transformações urbanas. Atualmente, estas cidades italianas estão
tentando reafirmar seu papel nas esferas arquitetônica e urbanística
internacionais por meio da experiência das outras metrópoles.
15
O texto se desenvolve em uma dialética contínua entre tempos
históricos diferentes porque são fatos que se repetem e suas interferências
estão presentes, seja direta, seja indiretamente.
16
1.
A Consciência Popular e os Valores Históricos, Urbanos e de
Conservação da Cidade
Enquanto nas cidades gregas os edifícios eram
corpos articulados, compostos por componentes
individuais, os monumentos romanos não foram
concebidos para serem organismos
independentes, mas sim conjuntos integrantes e
espaços fechados no interior de um complexo
urbano maior. (NORBERG-SCHULZ, 2003, p. 138)
Na Europa, particularmente na Itália, as inter-relações entre as pessoas,
a cidade, a arquitetura, o design, a moda e até mesmo o próprio quotidiano são
permeadas pela história. A formação urbana resulta de um grande número de
sobreposições ao longo dos séculos. As cidades não são apenas uma
somatória de edificações, elas têm um passado e uma forte ligação com o
território onde os traçados históricos são sempre respeitados. É em razão
dessa convivência, diretamente vinculada aos valores ancestrais, que o povo
italiano tenta se afirmar.
Fig. 1 – Sobreposição mapa Milão 1980/ Muralhas romanas século I
17
Quando Secchi afirma que “a história da cidade européia é a história da
lenta modificação das relações entre o corpo e o espaço aberto ou coberto,
coletivo ou privado”, podemos supor a mudança das idéias e das relações
sociais, como também a inércia das formas espaciais:
A suposta cidade barroca, como a neoclássica e mais tarde a
moderna, nunca conseguirão conquistar todo o espaço urbano. Mas
cada uma das formas de cidade do passado, mais que depositar
arquiteturas no território, deixou a idéia e o testemunho de uma
experiência espacial diversa, em particular, de uma experiência
diversa do espaço aberto, individual e coletivo e de sua relação com
aquele coberto (SECCHI, 2000, p. 152).
Nesse sentido, tanto os centros antigos, como a cidade moderna,
constituem obviamente um patrimônio para toda a coletividade: nos centros
antigos e na cidade moderna gradualmente se concretizou a história de
sociedades inteiras e de culturas do passado; muitas de suas características
táteis, visíveis, sonoras e olfativas estão ainda presentes, ou vivas na memória
de alguns de seus habitantes; não surpreende que alguns queiram, com
diferentes intenções, conservá-las.
Fig. 2 –
Praça do Duomo di Milão Fig. 3 –
Praça de Siena
18
Por outro lado, o crescimento da cidade antiga, tendo como referências
contextos sociais bem estáticos e de lenta transformação, favoreceu uma
construção organizada por necessidades comuns, uma espécie de senso
estético coletivo expresso por uma comunidade que poderia ser considerada
homogênea, segundo modelos adquiridos coletivamente.
Desde a antiguidade mais remota, afirma Argan, a cidade configurou-se
como um sistema de informação e de comunicação, com uma função cultural e
educativa. Já na época de Homero, a cultura era considerada, acima de tudo, o
conhecimento das cidades:
Os monumentos urbanos tinham uma razão não apenas
comemorativa, mas também didática: comunicavam a história das
cidades, mas comunicavam-na em uma perspectiva ideológica, ou
seja, tendo em vista um desenvolvimento coerente com as premissas
dadas (ARGAN, 1993, p. 244).
A realização de uma construção, mesmo quando determinada por
exigências de ordem prática, é também um dos meios utilizados desde sempre
pelo homem para representar, mais ou menos conscientemente, a própria
noção de vida social, da qual a arquitetura e o desenho urbano são sempre sua
concretização.
Sob este ponto de vista, também podemos considerar primária a
habitação como objeto de conhecimento e de construção da cidade. Cada casa
tem raízes profundas na cultura de um povo e também nas estratificações da
história, mas é a partir da Idade Média que a hierarquia social e econômica
muda com a transferência do campo para a cidade da burguesia nascente e
das riquezas emergentes de alguns senhores rurais.
19
Tipologia Arquitetônica
Entender o significado da relação entre tipo arquitetônico e forma urbana
é fundamental para compreender a estruturação urbana e para subsidiar a
metodologia do projeto arquitetônico e urbanístico.
Na cultura da arquitetura da cidade tradicional na Europa, a estreita
ligação entre habitação e cidade é tal que, em muitos casos, torna indivisível a
relação entre tipo de edificação e a própria forma da cidade. A identificação
entre arquitetura e cidade, sem dúvida, resulta mais forte na cidade histórica e,
cada vez menos, na cidade contemporânea.
A tipologia não significa uma simplificação da complexidade, nem a
construção de modelos simples e repetíveis que possam oferecer fundamentos
a certas disciplinas arquitetônicas. É, ao contrário, a pesquisa de um sentido,
ou de muitos possíveis sentidos, que vão além da forma na qual o objeto é
delimitado, a pesquisa do sentido oculto das coisas pela estratificação de
imagens e significados dos quais o objeto é depositário. Um sentido que se
pode colher somente percorrendo todos os significados, os tempos e
alcançando, assim, a desvinculação “do tipo como forma”
Embora os estudos de tipo e tipologia remontem aos séculos XVIII e XIX
quando pesquisadores da arquitetura buscavam os tipos e modelos dos
“projetos ideais”, os estudos foram particularmente desenvolvidos pelo
tratadista francês Quatremére de Quincy, e retomados, tentando criar um nexo
entre tipologia construtiva e morfologia urbana como uma reação à Arquitetura
e ao Urbanismo Modernos, principalmente por arquitetos ou historiógrafos
italianos, entre eles, Carlo Aymonino, Giulio Carlo Argan (1909-1992), Vittorio
Gregotti e Aldo Rossi (1931-1995).
20
Eles se interessaram de modo bem específico em estudar e aprofundar
os conceitos de tipo. Inúmeros outros autores se dedicaram ao estudo da
tipologia arquitetônica, mas é a partir do ponto de vista de cada um desses
quatro estudiosos que se tentará aqui entender seu amplo significado.
Aymonino tem um enfoque mais urbano; Argan, como é esperado, aborda a
questão sob um aspecto ligado à história da arquitetura; Rossi tem uma visão
ligada à morfologia da arquitetura, enquanto Gregotti analisa a semântica da
tipologia do território urbano.
Todos os quatro são unânimes ao afirmar que o tipo é, portanto, uma
concepção totalmente antimoderna da forma, compreendida não como ato de
afirmação e definitivo, mas como reabertura da dimensão de possibilidades e
de novo significado de um objeto.
“Os instrumentos da morfologia urbana e da tipologia arquitetônica”,
afirma Carlo Aymonino,
servem para análises comparativas ou não do “existente”
(compreendem também as soluções não realizadas ou realizadas
parcialmente, como parte integrante de uma história urbana)
mudando substancialmente seu valor até o desaparecimento total de
seu caráter ordenador se a hipótese “a ser realizado” é aplicada
(AYMONINO, 2000, p. 145).
O importante é que a relação entre tipologia construtiva e morfologia
urbana se mantenha como parâmetro de referência que une o passado e o
presente.
Para Aldo Rossi, o tipo vai se constituindo segundo necessidades e
segundo aspirações de beleza; único, se bem que bastante variado em
diferentes sociedades, está ligado à forma e ao modo de vida. Portanto, é
21
lógico que o conceito de tipo se torne um fundamento para a arquitetura e seja
aplicado tanto na prática como nos tratados.
Ele usou o conceito de tipo e “modelo” de Quincy: “A palavra tipo não
representa tanto a imagem de uma coisa a ser copiada ou imitada
perfeitamente, como a idéia de um elemento que deva servir de regra ao
modelo. (...) O “modelo”, entendido segundo a execução prática da arte é um
objeto que deve se repetir tal como é; o tipo é, pelo contrário, um objeto
segundo o qual, qualquer pessoa pode conceber obras que não se
assemelharão entre si. “Tudo é preciso e fornecido pelo modelo, tudo é mais ou
menos vago no tipo (ROSSI, 1978, p. 31) e partir desse conceito, ele enfrentou
a discussão sobre a arquitetura da cidade e a importância de sua continuidade
histórica, estudando os elementos dos quais as cidades são compostas e a
forma como eles se agrupam para formar os bairros, identificando o tipo como
o elemento fundamental da arquitetura.
O nascimento de um tipo está condicionado ao fato de existir uma
série de edifícios que têm entre si uma evidente analogia formal e funcional: em
outros termos, segundo Argan quando um tipo se fixa na prática ou na teoria
arquitetônica ele existe numa determinada condição histórica da cultura
como resposta a um conjunto de exigências ideológicas, religiosas ou práticas.
Acrescida com o pensamento de Aymonino, a tipologia arquitetônica se torna
um instrumento indispensável não tanto pela classificação do existente como
pelas indicações operativas de projeto, ou seja, não é mais um método de
análise das necessidades, mas sim a catalogação de protótipos que
definiram e resolveram aquelas mesmas necessidades.
22
“Nenhum tipo se identifica com uma forma mesmo se todas as formas
arquitetônicas sejam relacionadas a tipos”, afirma Aldo Rossi (1978, p. 32). A
tipologia, segundo ele, se apresenta como o estudo de tipos dos elementos
urbanos não mais reduzíveis tanto de uma cidade como de uma
arquitetura. Assim sendo, nota Argan, as séries tipológicas não se formam na
história da arquitetura apenas em relação às funções práticas dos edifícios,
mas especialmente em relação à configuração deles. Isto é, o tipo é sempre
deduzido da experiência histórica; trata-se, porém, de observar por que, no
processo ideativo do artista que traça o projeto de uma obra arquitetônica, a
experiência da história se configura, ao menos em parte, como esquema
tipológico.
O tipo é uma constante e se apresenta com caráter de
necessidade; mesmo quando determinado, reage dialeticamente com
a técnica, com as funções, com o estilo, com o caráter coletivo e o
momento individual do fato arquitetônico (ROSSI, 1978, p. 33).
Fig. 4 – Diferentes disposições de objetos em um terreno.
23
Para Gregotti, a tipologia disciplina que se ocupa da discussão,
classificação e fundamentação dos tipos constitui-se, pelo conjunto de seus
resultados e métodos, em uma matéria importante para a arquitetura.
Porém, muitas disciplinas, além da arquitetura, da matemática à
sociologia, da geografia à literatura, fazem largo uso do conceito de tipo. Assim
sendo, um mesmo fenômeno, sob o ponto de vista de Gregotti, pode ser
submetido a esquemas tipológicos diversos, segundo a ótica com que se
analisam suas relações constitutivas internas e referenciais e segundo a
utilização que se queira fazer daquele fenômeno.
Portanto, pode-se falar de tipos de ambientes geográficos, de tipos de
ocupação agrária do solo, de tipos de utilização funcional, de tipos de
circunscrições formais, de “tipos de circunstantes, de tipos de tecido urbano, de
tipos de cidade, de tipos” de construção, de tipos de bens de consumo, etc.,
mas “é possível corresponder a cada um destes mesmos tipos diversas
ordenações tipológicas ou remontar a diversos tipos ideais”, conforme observa
Gregotti (1977, p. 149).
Aymonino reitera que não existe uma única definição de tipologia
arquitetônica; esta é redefinida a cada vez, em função das pesquisas que se
queiram realizar. De acordo com ele, o conceito de tipologia encontrou, ao
longo do século XIX, um campo de aplicação principalmente nos equipamentos
urbanos destinados à coletividade que, exatamente por se apoiarem em
exemplos tipológicos, se tornavam pontos de referência da cidade “ampliada”
até se constituir, nos melhores exemplos, um verdadeiro sistema urbano.
Nesse processo, as quantidades residenciais apesar de terem sido
individuadas pelos tratadistas como “edifícios privados na cidade e na área
24
rural” foram delegadas a um papel subalterno em relação ao conceito de
tipologia ou então foram totalmente ignoradas (AYMONINO, 2000).
No exame sobre a formação do conceito de tipologia arquitetônica,
Aymonino constatou como o próprio conceito na sua acepção moderna
tende a definir-se independente das relações com a morfologia urbana e, como
resultado, as concretas tipologias arquitetônicas tenham adquirido um caráter
de legitimização, aplicável em todos os casos de desenvolvimento das cidades
em metrópoles, com base em uma economia do tipo capitalista. E como essa
legitimização tenha, por sua vez, influenciado a morfologia urbana que, em
muitos casos, de determinante tornou-se determinada pelas tipologias
arquitetônicas delas “independentes”; assim (como conseqüência), a relação
entre os dois termos foi substancialmente mudada.
Gregotti (1977) ressalta a importância semântica do tipo, não só do
ponto de vista de seu uso, mas do significado que este assume como elemento
de referência de vida associada, na qual se solidificam uma série de juízos de
valor acerca da condição histórica, da relação com a tradição e da esperança
no futuro. Às vezes, ele também aponta o significado do tipo em relação à
própria concepção cosmológica de um grupo humano e de um certo modelo de
cultura.
Entretanto, para Argan (2001), todo projeto arquitetônico tem um
aspecto tipológico, seja no sentido de que o arquiteto busca conscientemente
aproximar-se de um tipo ou afastar-se dele, seja no sentido de que toda obra
arquitetônica visa, definitivamente, colocar-se como um tipo.
Na visão de Aymonino (2000), a tipologia arquitetônica é determinada
pelo planejamento
urbano relações entre quarteirões, percursos, eventuais
25
pontos (praças, rios, canais, etc.) – o que, por sua vez, é fruto de uma
somatória de tipos arquitetônicos similares ou iguais, determinados por novas
exigências mercantis ou residenciais que não possuem mais nenhuma forma
de referência nem de dimensionamento ou funcionalidade com os tipos
arquitetônicos precedentes, tanto de origem medieval, fundiária ou
arquitetônica. Desta maneira, a dimensão arquitetônica coincide com partes de
cidades e uma não tem significado se tomada isoladamente, mas o assume se
está relacionada tanto dentro do quarteirão como dentro de vários quarteirões
que compõem a parte.
Por outro lado, para Argan, o momento da aceitação do tipo é um
momento de suspensão do juízo histórico; como tal, é um momento negativo,
mas “intencionado” no sentido da formulação de um novo valor na medida em
que, pela sua própria negatividade, coloca para o artista a necessidade de uma
nova determinação formal, de uma ideação. Fica claro que a posição do artista
em relação à história tem dois momentos: da tipologia; e da definição formal.
Com a transformação das condições históricas, sempre que a invariante
tipológica supera uma certa distância da escolha fenomênica estabelece-se
segundo Gregotti, uma diferença, uma tensão com a realidade que se resolve
com a construção de um novo tipo a partir de um novo exame da realidade, da
qual participa a esquematização tipológica em questão.
Argan reforça esta idéia ao lembrar que arquitetura industrial,
respondendo a exigências totalmente novas, criou novos tipos que
freqüentemente tiveram uma grande importância para os desenvolvimentos
posteriores das formas arquitetônicas.
26
Gregotti (1977) afirma que os conceitos que temos atualmente de função
e “fruição”, vão se diluindo numa continuidade de mutações de uso e
significado e, por isso, a idéia de transformação e variação acaba coincidindo
com a própria idéia de uso; o sentido da arquitetura está vinculado
intrinsecamente e cada vez mais à capacidade de compreender e solidificar o
significado da mutação. Esta capacidade o está simplesmente ligada à
definição tipológica, senão, mais genericamente, à forma do objeto
arquitetônico; não se pode obtê-la apenas mecanicamente pela transformação
física desse objeto ou de sua indiferença funcional, mas também por meio de
um novo estudo de formas e de suas modificações que institui pelas qualidades
do significado (qualidade densa em estratos e capaz de pôr em movimento
continuas e diversas decodificações), uma dialética com a multiplicidade de
usos e uma rede de situações possíveis.
Fig. 5 – Divisões do quadrado, do paralelogramo e suas combinações com o círculo.
27
Aymonino não duvida sobre o mérito do movimento funcional estender a
temática da tipologia arquitetônica à quantidade de residências, que aentão
salvo poucas exceções era prerrogativa da intervenção privada e de seus
instrumentos aperfeiçoados (loteamentos, regulamentos, vínculos, etc.) todos
referidos a uma “quantidade urbana” genérica (planos de expansão ou
desenvolvimento) sem nenhuma relação com edifícios definidos
arquitetonicamente.
Continuando, a possibilidade de criar uma relação entre tipologia
arquitetônica e a morfologia urbana muda substancialmente na época
contemporânea, quando as mudanças não parecem acontecer como
fenômenos comparáveis tout court com aqueles do passado, mas parecem se
abrir a novas hipóteses que partem da constatação da perda de significado do
termo “forma urbana” (AYMONINO, 2000).
Finalizando, Rossi sustenta que tipo significa a própria idéia da
arquitetura, ou tudo o que está mais próximo à sua essência. Ou seja, aquilo
que apesar de qualquer mudança sempre se impôs “ao sentimento e à razão”,
tal como o princípio da arquitetura e da cidade.
28
O Valor de Historicidade da Cidade e seu Patrimônio Arquitetônico
Por um longo período, digamos por toda a época medieval, a cidade era
totalmente separada do campo, muito compacta, defendida por espessos
muros. Isto definia não somente o caráter da cidade, como suas relações com
o território. O espaço da cidade, urbano e público,
era delimitado, embora na
praça medieval tudo acontecesse. No século XVI,
no entanto, a cidade modificou-se e ampliou-se
satisfazendo, em boa parte, uma espécie de
anseio estético comum aos cidadãos.
Imediatamente após o Renascimento iniciou-se
uma história diferente, denominada por Leonardo
Benévolo (1991) como “A conquista do infinito”, a
partir da dimensão do infinito de Galileo Galilei e
depois de Leibniz. A idéia do infinito, que tanto
fascina a cultura ocidental, é encontrada na
cidade renascentista onde os espaços se
diversificam, se especializam – da rua, à praça, ao
teatro e em cada um ocorrem diferentes ações,
de maneira muito clara. O espaço da cidade
contemporânea, ao contrário, não possui essa
clareza; ele é constituído pelos fragmentos,
resultantes dos espaços que sobram após as
construções de edifícios.
Fig. 6
Campo rural
Fig.7 – Galeria Vittorio Emanuele.
Fig. 8 – Uma rua de
Milão
29
As primeiras reflexões que Bernardo Secchi faz em relação à cidade
antiga estão relacionadas com a adequação do espaço para o público: uma
questão que não está relacionada somente com as formas, as dimensões e
articulações desses espaços, mas também com as condições do micro-clima
construído pelas dimensões dos espaços não construídos, da orientação dos
edifícios, dos materiais utilizados para uns e para outros. Em seguida,
estritamente interligada às primeiras, está a natureza do espaço aberto: ruas,
praças, pátios internos, jardins, trechos de campo delimitados. Por fim, o
espaço aberto que a cidade medieval estabelece com o edifício, através de
dispositivos específicos, relações variadas e extremamente complexas que se
revelam em espaços desconexos, continuamente variáveis (SECCHI, 2005).
Gregotti também reforça esses conceitos quando observa que “a cidade
é dotada de particular capacidade de conservação da estratificação histórica
dos signos, aos quais a comunidade atribui um valor particularmente elevado; a
cidade, portanto, não pode ser considerada somente como um fenômeno de
edificação; ela reúne mais valores e significados do que o ambiente territorial”
(GREGOTTI,1966, p. 65).
Assim sendo, a questão, sobre a importância das preexistências
históricas, enfrentada de forma muito sensível por Rogers, parte de
sua premissa de que(...) a história nunca foi definida como sendo um
sistema estático e foi sempre resolvida com uma sucessão de
mutações que transformaram um presente em um outro. Portanto
seria lógico concluir que, não não se pode impedir que a
sociedade contemporânea se expresse, mas é de basilar importância
afirmar nossa presença temporal, com a nossa natural ocupação no
espaço (E. N. ROGERS, 1958, p. 276).
Ludovico Quaroni (1981) em La città sica tem um enfoque muito
parecido: para ele, na cidade, aproximam-se, misturam-se, e se sobrepõem
30
elementos naturais e humanos: o ar, a luz, o solo, a água, a vegetação, as
construções feitas pelo homem. Esses elementos, quando condições fortuitas
de cultura e civilização regularam o uso para nossa felicidade,
freqüentemente, e de modos quase naturais geram uma composição, no
sentido arquitetônico da palavra, ou seja, um organismo perfeitamente
completo e unitário. A unidade é característica indispensável e fundamental da
composição, tanto para o edifício em si quanto para a cidade: para que um
conjunto possa se chamar organismo, não se deve poder tirar ou acrescentar
nada sem alterar irremediavelmente o equilíbrio preexistente, sem
comprometer a unidade. Isto não significa que a cidade deva ser considerada
como algo estático, imutável no tempo e no espaço; como todos os
organismos, a cidade também está sujeita a transformações, mas estas devem
ser sempre reguladas pelas leis da composição (QUARONI, 1981).
Figura 9 Variações da estrutura urbana na praça do Duomo em Mio de 1730 a 1960
E. N. Rogers afirmava também que, ao favorecer o processo criativo
de nossas obras, elas, além de não condicionarem negativamente o
existente, podem potencializá-lo, ao construir uma ponte entre o passado e o
31
futuro: “o futuro depende em parte de nós, como nós dependemos em parte
do passado: tradição é esse perpétuo fluir e ser moderno é participar
conscientemente como elemento ativo desse processo” (ROGERS, 1958, p.
276).
Nesta dialética entre obras do passado e obras do futuro é importante
deixar claro que, além da organização, deve existir fundamento histórico no
conjunto da cidade, isto é, tanto na cidade antiga como na moderna. “Pôr em
discussão sua historicidade global equivale a pôr em discussão o valor ou a
legitimidade histórica da sociedade contemporânea, que talvez alguns queiram,
mas que o historiador não pode aceitar” (ARGAN, 1993, p. 79).
A cidade histórica pode ser o motor de transformação para uma
modernização qualitativa da cidade contemporânea, portanto
o historiador deve preocupar-se o com o congelamento ou a
fixação da cidade antiga, da qual pode apenas prorrogar a existência,
mas com um desenvolvimento coerente com a sua realidade
histórica, de modo que, mesmo na diversidade das organizações e
dos níveis, uma articulação funcional assegure o dinamismo de todo
tecido urbano (ARGAN, 1993, p. 81).
No início do século XX, o estudo da cidade começa a ter forte
aproximação com temáticas sociológicas, relacionáveis tanto com a ideologia
marxista quanto com a obra de Max Weber e de Louis Mumford, iniciando-se a
afirmação de uma metodologia interdisciplinar. Vale afirmar que o caráter
orgânico do sistema urbano é dado pela história, mesmo quando a cidade é
recente. Mas, ao considerar a concentração urbana, temos que refletir também
sobre todas as conceituações realizadas no início do século XX, a partir da
oposição da cidade-campo de Marx-Engels; a cidade como fruto da divisão do
32
trabalho (Smith), a cidade como lugar de uma extraordinária concentração de
poder (Weber); a cidade como produto da revolução industrial (Landes).
Não há nada de novo nisso; foram utilizadas aqui as contribuições mais
diversas para proceder à formação de uma teoria de fatos urbanos que tenha
correspondido com a realidade. No livro Il território della architettura (O
Território da Arquitetura), Gregotti evidencia como a dilatação do fenômeno
urbano sobre territórios de inusitada dimensão, induzem a criação de novas
relações com os caracteres topográficos de cada parte do território que tenha
um projeto urbano ou de arquitetura. Em seu livro Larchitettura della città (A
Arquitetura da Cidade). Aldo Rossi interpreta a história da cidade européia
como sendo uma contínua construção e redefinição dos caracteres tipológicos
do espaço urbano. Venturi, em Complexidade e Contradição na Arquitetura
abre caminho para a aceitação de uma experiência urbana, em que, como nas
cidades italianas do antigo regime por ele estudadas profundamente, a
adaptação e a estratificação prevalecem sobre a afirmação rígida de um
princípio. Outros textos falam sobre a cidade e sobre sua história com pontos
de vista diferentes daqueles do passado, entre os quais os de Giedion,
Banham, Tafuri, Jane Jacobs, Koolhaas.
Em tempos remotos, mas não neles, a sobrevivência dependia de
uma boa relação com o lugar, tanto no sentido físico quanto psíquico. Portanto,
as cidades devem ser tratadas como lugares individuais e não como espaços
abstratos onde as forças cegas da economia e da política podem se expandir
livremente; respeitar o genius loci não significa re-copiar os modelos antigos,
mas colocar luz sobre a identidade do lugar e interpretá-la de maneira nova.
33
Desde a antiguidade o genius loci, o espírito do lugar, foi considerado
como sendo aquela realidade concreta que o homem enfrenta na vida
quotidiana. Fazer arquitetura significa visualizar o genius loci: o papel do
arquiteto é criar lugares significativos para ajudar o homem a habitá-los.
O genius loci é um conceito romano; de acordo com um credo antigo,
cada ser independente tem seu genius, seu espírito guardião. Este espírito
oferece vida aos povos e aos lugares, os acompanha desde o nascimento até a
morte e determina seu caráter ou essência. Até os deuses têm seu genius, fato
que explica a natureza fundamental da concepção. A finalidade existencial da
edificação (arquitetura) é transformar um sítio em um lugar, ou seja, descobrir
os significados potencialmente presentes no ambiente considerado. Seguindo
esta mesma linha de pensamento, pode-se dizer que a forma urbana é
intrinsecamente conectada ao caráter da cidade e ao seu genius loci.
“A estrutura de um lugar não é uma condição fixa, eterna; geralmente os
lugares mudam e às vezes mudam rapidamente. Isto não significa que o genius
loci deva ser modificado ou perdido” (NORBERG-SCHULZ, 2003, p. 18).
Continuando com o ponto de vista de Argan e de outros historiadores e
urbanistas citados, sobre a importância da história para a cidade
contemporânea, a única continuidade, a rigor, o único desenvolvimento
histórico é dado pela transmissão de certos significados através de certos
signos arquitetônicos; mais exatamente, pelos diversos significados que, em
épocas sucessivas, foram atribuídos a esses signos. Não importa se uma
cidade tem uma história mais recente. A história é um fato eminentemente
urbano, e sua relação com a cidade é muito estreita, embora não seja
importante se sua história é mais recente ou secular.
34
Depois da Segunda Guerra Mundial, os lugares na Europa sofreram
profundas mudanças. Como diz Schulz, “nas cidades o tecido urbano ficou
‘dilacerado’, a continuidade dos muros que delimitavam as cidades foi
interrompida, e a coerência dos espaços urbanos, deteriorada” (NORBERG-
SCHULZ, 2003, p. 189). Assim sendo, traçados viários, redes de infra-
estrutura, nós de comunicação, margens de rios e lagos, grandes acessos,
perderam sua identidade e a cidade não é mais uma totalidade configurável.
Mutações, transformações, simples alterações, têm, portanto,
tempos diferentes; fenômenos particulares, acidentais como as
guerras ou as expropriações, podem alterar em pouco tempo
situações urbanas que pareciam definitivas, ou então estas
mudanças podem acontecer em tempos mais longos devido a
mudanças sucessivas e transformações pontuais. Em todas estas
modificações, atuam muitas forças relativas à cidade, que podem ser
de natureza econômica, política, entre outras (ROSSI, 1978, p. 189).
Em sua fase inicial, a indústria se instalou nas grandes cidades ou em
suas imediações, dando lugar a fluxos migratórios que multiplicaram em até
dez vezes a população urbana e praticamente destruíram a coesão das
comunidades urbanas tradicionais. “Multiplicou-se, portanto, a quantidade e,
paralelamente, degradou-se a qualidade urbana” (ARGAN, 1993, p. 78). A
mobilidade oferecida pelo automóvel permitiu a muitas famílias adequar o
próprio espaço de moradia à sua condição social, ou seja, residir em áreas
distantes do centro da cidade ou em fragmentos de cidade dispersos pelo
campo.
Por muito tempo, a melhoria das técnicas de transporte foi considerada
como a maior responsável pela concentração urbana e industrial; foi
responsável pelo distanciamento das indústrias das fontes de matéria prima e
35
por sua proximidade com os mercados. O transporte foi também, em boa parte,
responsável pela destruição da pequena indústria local, desenvolvida em
muitas regiões na época pré-moderna e durante as primeiras fases da
modernidade.
Ao redor dos centros históricos, conservados apenas em parte,
cresceram, sem outro princípio, a não ser a máxima densidade de população,
enormes periferias superpopulosas; e “como a especulação tende à exploração
total dos solos, não é raro as periferias estarem pouco dotadas de serviços,
pesando, portanto sobre as frágeis estruturas do centro” (ARGAN, 1993, p.
257).
Em uma escala mais ampla, o arquiteto deve recuperar conceitualmente
e fisicamente aquele diálogo entre espaço e indivíduo que caracterizou a
história, desde a ágora grega ao fórum romano, às perspectivas espaciais das
ruas renascentistas às propostas visionárias de Charles Fourier ou Claude N.
Ledoux do Iluminismo. Deve-se dar um significado mais amplo aos lugares
funcionais para que permitam, hoje, aos indivíduos, uma aproximação física-
perceptiva à nova intervenção. É importante que as intervenções tenham a
capacidade de interligar mas não mimetizar a própria arquitetura com o
entorno, abandonando qualquer forma de se salientar ou, no máximo,
considerando a edificação como fator caracterizante de um processo de
reconhecimento do lugar e não relacionado com a capacidade do arquiteto.
Construir uma cidade não coincide com o ato de erguer um ou vários
edifícios, nem da combinação entre a definição de objetos físicos o cheio e
sua composição com intervalos o vazio. A cidade resulta das relações que
36
cada elemento estabelece com os outros, mesmo e principalmente com
aqueles imateriais.
Nesse sentido, Argan afirma que
a cidade é o produto de toda uma história que se cristaliza e se
manifesta. O que interessa são suas mudanças no tempo e essas
mudanças não obedecem a leis evolutivas, são o efeito de um
antagonismo entre vontade inovadora e tendências conservadoras
(ARGAN, 1993, p. 244).
37
2. A Importância dos Traçados Históricos
O saber científico age no passado por meio da
seleção e eliminação, enquanto as ciências
humanas estão mais ligadas à seleção para se
obter a recuperação (RUSSO, 1998, p. 75).
Ao desenvolver a relação entre história e contemporaneidade,
arquitetura e arte, o conceito de “centro histórico” pode ter uma utilidade
pragmática, mas é um falso conceito. Na compreensão de Argan sobre a
cidade, ela é in toto (em seu total) uma construção histórica onde a divisão da
cidade em partes “históricas” e “não-históricas” não existe.
As próprias deformações e malformações urbanas devidas à
gestão capitalistas são fatos, apesar de não gloriosos, da história de
nossa época. Mas também está obviamente incluída na história de
nossa época a tentativa de mudar a gestão da cidade e o sistema no
qual se enquadra (ARGAN, 1993, p. 260).
A partir do IV congresso do CIAM (Congresso Internacional de
Arquitetura Moderna), em 1933, e as conseqüentes resoluções fixadas na
Carta de Atenas, dedicadas à cidade funcional, a atenção sobre a concepção
do espaço na modernidade destacava a necessidade da separação das
funções, da separação do tráfego de pedestres daquele destinado à circulação
de automóveis, a concepção da cidade como organismo dinâmico e a sua
conseqüente estruturação de modo flexível.
A Carta de Atenas (CIAM, 1933) ao se referir ao Patrimônio Histórico
(item 65) apontava como necessidade primária inventariar os monumentos
históricos dos vários países e estender o conceito de respeito, manutenção e
38
salvaguarda da fisionomia da cidade, especialmente em torno dos monumentos
propriamente ditos, assim como assegurar a preservação de certas
perspectivas.
Por outro lado, a Carta de Atenas, que por 20 anos definiu amplamente
o objeto da prática arquitetônica moderna, foi e continua sendo um dos
manifestos mais contestados e míticos do movimento moderno. Mesmo
Bernard Huet, no texto que escreve para a revista tus, em 1984, sobre a
Carta de Atenas, observa que
enquanto a cidade histórica é totalmente percorrida por uma rede de
hierarquias simbólicas nas quais o contexto e elementos emergentes,
habitação e monumentos se confrontam, se contrapõem ou se
associam para produzir significados e diferenças, o modelo proposto
pela Carta, ao suprimir esta dialética da habitação, torna-se
monumento. Não um instrumento de monumentalidade destinado a
exaltar determinados valores coletivos, mas um monumento em si,
tipo Unidade de Habitação de Marselha.
Observa-se, então, que as primeiras manifestações arquitetônicas do
Movimento Moderno se limitavam a isolar os fenômenos e miravam uma
objetividade de expressão que representasse
cada produto artístico por si próprio, nos
limites autônomos de sua existência
individual. Até F. L. Wright e Le Corbusier,
apesar de sensibilizados às sugestões do
“ambiente natural” (o primeiro tentando
confundir-se nele de acordo o gosto romântico; o outro, opondo-se, segundo
uma concepção clássica), não tiveram por muito tempo nem ocasião, nem
desejo, portanto nem consciência, de possíveis relações com um “ambiente
Fig.10 – F.L. Wright, Casa da Cascata
39
cultural”. “Os próprios desenhos urbanísticos, mesmo estendendo a
espacialidade das áreas de influência, resultaram em visões autóctones de
respeito à realidade histórica precedente, indiferentes e até mesmo adversas a
ela” (ROGERS, 1958, p. 306).
Fig. 11 – Proposta de Le Corbusier para a Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro
,
1937.
Ser moderno significa simplesmente sentir a história contemporânea
como uma continuidade cuja própria colaboração aumenta e enriquece as
atuais possíveis combinações formais de relações universais. Ernesto N.
Rogers, em 1945 dizia que construir um edifício em um ambiente
caracterizado pelas obras de outros artistas impõe a obrigação de respeitar
essas presenças, levando a própria energia como um novo alimento para a
perpetuação do pré-existente.
A construção de uma nova obra só pode se realizar com um ato criativo,
mas este ato não pode ser insensato. “É preciso lembrar que os primeiros
mestres do Movimento Moderno se consideravam precursores” (ROGERS,
1958 , p. 308), mas sabemos agora que existiam outras vanguardas.
“Se vamos construir em uma paisagem natural, devemos interpretar o
seu caráter e seguir exigências práticas; em uma paisagem urbana
manteremos o mesmo princípio, mas nosso ato intuitivo não poderá
40
ser completo se não tiver uma interpretação pessoal dos dados
objetivos” (ROGERS, 1958, p. 308).
E. N. Rogers afirmava que recopiar formas tradicionais era impossível,
mas, somente o desenho de uma arquitetura, que resultasse apenas
satisfatório ao nosso gosto e às condições da técnica contemporânea, não
poderia ser suficiente se o caráter e as necessidades práticas o fossem
interpretadas.
De acordo com todas essas definições, alguns dos temas aqui
discutidos, principalmente aqueles relativos à história, ao centro histórico, à
função e à permanência, devem ser considerados como bastante significativos.
Embora esses temas mereçam um desenvolvimento particular, pretende-se
aqui apenas delinear o esquema da história na arquitetura da cidade,
abordando algumas implicações nas relações entre os indivíduos.
É provável que o valor da história como memória coletiva, entendida
portanto como relação da coletividade com o lugar e com a idéia desse lugar,
nos ajude a compreender o significado da estrutura urbana, de sua
individualidade e da arquitetura da cidade que é a forma dessa individualidade.
Por pouco importante que tenha sido o pós-modernismo, algumas idéias
desenvolvidas tanto por seus seguidores ou por seus críticos, deixaram
indiretamente marcas significativas na continuidade do pensamento urbano e
arquitetônico contemporâneo.
David Harvey, em seu livro Condição Pós-Moderna cita Krier como
sendo um dos pós-modernistas europeus que busca entre outras direções
cultivadas pelos pós-modernistas,
41
a restauração e a recriação ativas dos valores urbanos ‘clássicos’
tradicionais. O que significa a restauração de um tecido urbano mais
antigo e a sua reabilitação para novos usos e a criação de novos
espaços que exprimam as visões tradicionais com todo o avanço que
as tecnologias e materiais modernos permitam (HARVEY, 1989, p.
70).
É importante não confundir esta postura nostálgica de citações
históricas, pós-modernista, com a postura historicista que reivindica um papel
crítico e interpretativo da história. Os pós-modernistas apenas acenam para a
legitimidade histórica por meio de uma “extensa e muitas vezes eclética citação
de estilos passados” (HARVEY, 1989, p. 85). O pós-modernista, de acordo com
a definição de Harvey (1989, p. 69), “cultiva um conceito do tecido urbano
como algo necessariamente fragmentado, um palimpsesto’ de formas
passadas, superpostas, e uma ‘colagem’ de usos correntes, muitos dos quais
podem ser efêmeros”.
Os s-modernistas, além de atender a “impulsos nostálgicos”, mantêm
concepções radicalmente diferentes sobre o espaço enquanto os modernistas
o vêem como algo a ser moldado para propósitos sociais e, portanto, sempre
subserviente à construção de um projeto social. os pós-modernistas vêem o
espaço como coisa independente e autônoma a ser moldada segundo objetivos
e princípios estéticos sem necessariamente nenhuma relação com algum
objetivo social abrangente, salvo talvez, a atemporalidade e a beleza
“desinteressada” como fins em si mesmas.
A cidade contemporânea, ao contrário da cidade antiga e mesmo da
moderna, está sujeita a mudanças múltiplas, rápidas e mesmo transitórias,
portanto o permite propor modelos cuja referência seja estável, a não ser
42
como fragmentos de cidade e fragmentos de um projeto arquitetônico. “Lugar
da diversificação de atividades e mescla de pessoas, a cidade contemporânea
é, por natureza, instável; sede de mudanças contínuas que provocam formação
de situações críticas e soluções transitórias dos problemas: casas que viram
fábricas, fábricas que viram teatros, escolas que viram casas, jardins que viram
parques, ruas tranqüilas que viram eixos de tráfego intenso”. (SECCHI, 2000,
p. 80).
Mesmo hoje, ao projetar a cidade contemporânea, não se pode deixar
de introduzir ltiplas funções, pensando da mesma maneira os elementos
tipicamente urbanos e elementos arquitetônicos, a tal ponto que, mesmo as
infra-estruturas possam ser imaginadas como espaços “habitáveis” e não
mono-funcionais (grandes e complexas avenidas, viadutos, pontes). A
residência permanece sempre o elemento capaz de exprimir e resumir,
também do ponto de vista simbólico, os caracteres fundamentais da cultura de
um povo.
Aldo Rossi (1966) afirma que uma parte da cidade constituir uma outra
cidade no seu interior, não significa contestar um outro aspecto da teoria
funcionalista, aquele do “zoneamento”. Em contraposição, para Secchi, ao
expressar-se sobre a cidade contemporânea, adverte sobre a dissolução e
interpretação de alguns conceitos. Ou seja, dissolve-se o conceito de função na
diversidade de atividades e sujeitos que caracterizam a cidade contemporânea;
com o multiplicar de situações diversas, dissolve-se o conceito de zoneamento
e hierarquia, de densidade e proximidade.
43
Na visão moderna, decorrente da cidade industrial européia, o espaço
público reduz sua intensidade de participação na medida em que a cidade
amplia seu território. Aqui coincide com a trama das ruas e praças da cidade.
A cidade contemporânea, porém, substituiu os lugares tradicionais da
sociabilidade por outros lugares ainda em via de progressiva definição
funcional e formal.
A fábrica ou o escritório onde os trabalhadores passam a maior parte
da jornada, se torna, para a grande maioria da sociedade industrial, o
verdadeiro lugar da integração social. Substitui a rua, o mercado e os
lugares da sociabilidade tradicional (SECCHI, 2000, p. 91).
A rua tornou-se um espaço da sociedade contemporânea, que concentra
edifícios ao invés de se configurar como espaço de convivência coletiva
quotidiana. Todos os edifícios, contemporâneos e/ou vernaculares, têm uma
fachada pública com uma função positiva ou negativa sobre o espaço público,
capaz de enriquecê-lo ou empobrecê-lo. O conceito de interior privado do
edifício se manifesta, em geral, na soleira que separa e une o interior com o
exterior e confere à rua, a sua particular presença. Segundo Luis Khan, a rua é
uma sala de espera... “[a] rua é dedicada à cidade por todo proprietário de uma
casa...” (KHAN, 1974, p. 280).
Em Prima lezione di urbanistica (Primeira Lição de Urbanismo), Secchi
escreve que na cidade moderna os principais equipamentos urbanos se
tornaram lugares cada vez mais especializados e exclusivos: hospitais, escolas
de todas as categorias e graus, teatros, ginásios esportivos, estádios, igrejas.
Os equipamentos coletivos tornaram-se ilhas separadas do contexto urbano.
44
Em muitos casos, mesmo em grandes pólos de atração de públicos
específicos, não são mais lugares centrais como o foram nas cidades antigas,
lugares de sua própria sociabilidade. “O que ainda hoje chamamos, graças à
inércia da linguagem, de equipamento coletivo, antes era verdadeiramente
espaço do público. Um espaço que se prolongava para o exterior do edifício, no
átrio, na praça e no bairro”.
Na Carta para a reconstrução da cidade européia, elaborada em 1985,
Léon Krier afirma que uma cidade se articula em espaços públicos e espaços
privados, monumentos e construções urbanas, arquitetura e edificações
“exatamente nesta ordem”. No entanto, somente uma grande complexidade
funcional pode levar a uma articulação dos espaços, dos bairros urbanos e da
cidade como sendo um conjunto legível, claro, satisfatório no tempo e bonito.
Demarcações Territoriais: os Novos Conceitos de Espaço Público e Privado
Os conceitos de “público” e “privado” podem ser interpretados como a
Fig. 12 – Léon Krier – carta para reconstrução da cidade européia.
45
tradução em termos espaciais de “coletivo” e “individual”. (HERTZBERGER,
1996). Podemos dizer que “público” é a área acessível a todos, a qualquer
momento; a responsabilidade por sua manutenção é assumida coletivamente.
“Privado” é a área cujo acesso é determinado por um pequeno grupo ou por
uma pessoa, que tem a responsabilidade de mantê-la.
Ao longo do tempo existiram diferentes conceitos de espaço público
urbano. Jeff Weintraub
2
define duas versões de espaço público na Europa:
uma versão clássica de origem greco-romana uma visão moderna ligada à
experiência secular e à pratica social na cidade multifuncional e compacta. Na
concepção clássica, o espaço público de uma comunidade política está
baseado na cidadania, na participação coletiva da tomada de decisões. Sua
representação física e social é a pólis (autônoma, deliberativa, democrática). A
vida social pública se identifica com a ágora, um espaço de discussão e
confronto. Na visão moderna, decorrente da cidade industrial européia, o
espaço público reduz sua intensidade de participação na medida em que a
cidade amplia seu território. Aqui coincide com a trama das ruas e praças da
cidade.
David Harvey define o conceito de espaço como “multidimensional”, na
medida em que possui um significado diferente de acordo com a formação
cultural, a capacidade de percepção e o escopo científico. Se aceitarmos esse
propósito “multidimensional”, perceberemos que ele pode ser explícito em
várias e apropriadas geometrias.
A cidade moderna propõe temas e problemas que, em combinações
diversas, são reencontradas em todo lugar e que, portanto, podem tornar-se
2
citado em LOPEZ DE LUCIO, 2000
46
objeto de reflexões gerais enquanto não se encontram características idênticas
nas cidades contemporâneas do mundo ocidental.
Mas, se faz necessário um breve esclarecimento sobre o que nos
referimos quando falamos da cidade moderna e o que nos referimos quando
falamos de cidade contemporânea, o que mudou e o que se conservou. A
passagem de uma época para outra não é improvisada; cada forma
desenvolvida contém, dentro de si mesma, resquícios da forma precedente e
isto se verifica – em maior ou menor grau – em todas as épocas históricas.
Os arquitetos do Movimento Moderno preconizaram um novo modelo de
cidade onde o espaço público deveria ser maior. Ele não se limitaria às ruas,
avenidas e praças. Englobaria os edifícios residenciais, que não se fechariam
em habitações, mas estariam inseridos em uma paisagem ilimitada e verde: é
uma nova utopia de cidade integrada à natureza. Mas, o “fluir” contínuo de
espaço, que mal distingue o interior do exterior, não pode se adaptar em uma
situação urbana. De certa maneira, pode-se dizer que a ocupação urbana
moderna é concebida como uma casa ampliada ao invés de lugar urbano. Na
cidade, é fundamental uma clara distinção entre domínio público e domínio
privado, o espaço não pode fluir sem essa diferença. A relação interno-externo,
aspecto primário do espaço concreto, subentende que o espaço possui uma
variedade de extensão e fechamento. Ou seja, ocupação e paisagem têm uma
relação de figura e fundo. Segundo T. Hall (1968, p. 61), em La dimensione
nascosta
3
(A Dimensão Oculta), “a percepção espacial não compreende
somente tudo o que é percebido mas também aquilo que é excluído”.
3
HALL, E. T.The Hidden Dimension. Garden City, N.Y.: Doubleday, 1966, edição original em
ingles.
47
Além do que, o estilo internacional estava atrelado às questões do
homem-tipo (biologicamente idêntico independentemente de seus valores
sociais e culturais) e, conseqüentemente, à habitação como “máquina de
morar”. Admitindo um modelo de homem universal, reduziu-se a vida urbana
àquelas quatro funções básicas habitação, lazer, trabalho e circulação e
ignoraram-se as condições específicas do local tanto em termos físico-
ambientais quanto cio-culturais. Surgiram concepções de cidades baseadas
em princípios formais e funcionais, com tendência a uma maior
homogeneização dos espaços urbanos.
Segundo Gregotti, a complexidade funcional, isto é, a mistura de usos e
atividades, é condição básica para que ocorra viabilidade de um espaço público
urbano. Na cidade clássica, a sobreposição de habitação, comércio, serviços
de base, equipamentos públicos e privados médios, pequenos escritórios,
criam as condições corretas da complexidade funcional. As técnicas de
zoneamento asseguram a uniformização funcional e social, reduzindo a
complexidade urbana.
A cidade contemporânea parece, para muitos, um confuso amálgama de
fragmentos heterogêneos, no qual não é possível reconhecer nenhuma ordem,
nenhum princípio de racionalidade que a faça inteligível.
Por isso, tanto
a cidade contemporânea, como a antiga, é lugar privilegiado da
miscigenação e da simultaneidade de casas e oficinas, de
escritórios e lojas, de equipamentos públicos e privados, de
linguagens arquitetônicas, de culturas, figuras sociais, técnicas
produtivas, produtos. Partes da cidade, materiais urbanos e formas
espaciais pertencentes a diversos períodos da história mesclam-se a
outros materiais, formas, figuras e técnicas que anunciam aspectos
do futuro e da modernidade. Sede de mudanças contínuas que
provocam formação de situações críticas e soluções transitórias dos
48
problemas, a cidade contemporânea é por natureza instável: casas
viram fábricas, fábricas viram teatros, escolas viram casas, jardins
viram parques, ruas tranqüilas viram eixos de tráfego intenso
(SECCHI, 2000, p. 80).
Entretanto, muitas dessas mudanças da cidade contemporânea têm
suas raízes profundamente incrustadas na modernidade, ou, pelo menos, na
sua última fase industrial.
Na cidade contemporânea, caracterizada cada vez mais pela economia
e pelo consumismo, ocorre uma transformação radical dos modos como se
produz espaço urbano e espaços públicos.
O espaço público e seu domínio, sua qualidade estética e o seu poder
de socialização nunca foram o resultado de um acontecimento casual, mas de
uma percepção e de uma vontade civil. Pois o espaço público urbano é o lugar
privilegiado do exercício da cidadania e da expressão dos direitos civis: uma
cidade que funciona exclusivamente com o automóvel, organizada em centros
especializados e fechados, não facilita o progresso da cidadania tendendo à
segmentação, individualismo e exclusão. De acordo com o pensamento de
Marc Augé, o espaço descaracterizado, abstrato, que troca sua imobilidade por
uma mobilidade virtual, passa a permitir que o corpo, graças a sua inerente
mobilidade, o incorpore tornando-se uma estranha imagem onde seria figura e
fundo de sua própria história. Alguns dos mais evidentes aspectos da cidade
contemporânea fragmentação, heterogeneidade e dispersão têm sido
muitas vezes atribuídos às numerosas e sucessivas ondas de progresso
técnico ocorridas no campo das comunicações e do transporte.
O primeiro, no século XIX, está vinculado à melhoria da rede viária e
ao início do transporte ferroviário; o segundo, na segunda metade do
49
mesmo século, relaciona-se ao pleno desenvolvimento das redes
ferroviárias e do telégrafo; o terceiro, na primeira metade do século
XX, liga-se ao desenvolvimento rodoviário e ao rádio; o quarto, na
segunda metade do culo passado, ao desenvolvimento da
eletrônica e da telemática; e o quinto, que provavelmente se inicia
agora, baseia-se na convergência desses desenvolvimentos
tecnológicos, em complexas redes telemáticas e mecânicas (HALL,
1997 apud SECCHI, 2000, p. 83).
Ao mesmo tempo, a moderna revolução cibernética mudou
definitivamente alguns dos parâmetros clássicos de socialização. Surgem os
“não-lugares” repetidamente descritos por Augé em seu livro “Não-Lugares”: as
estradas de rodagem, os aeroportos, os grandes centros comerciais,
compartilhados por milhões de pessoas, são exemplos mais evidentes, além de
cinemas, estádios, aeroportos, discotecas, ginásios de esportes, parques de
diversão. Lugares onde muito freqüentemente se sente certa nostalgia pelo
passado, como no espaço para pedestres e climatizado do shopping center,
organizado como o centro antigo de uma pequena cidade européia (AUGÉ,
1993).
Diferentemente destes “pseudo-espaços públicos”, a utilização do
espaço público convencional não está submetida a outras regras nem códigos
Fig. 13 – Desenho de um Shopping Center ou um “não-lugar”
50
de comportamento além daqueles de direito civil geral. As atividades lúdicas e
políticas são permitidas (dentro de certos limites), sem que sejam submetidas
aos imperativos do consumismo.
Esses novos equipamentos urbanos, em geral, não encontraram espaço
dentro da cidade existente e de seu sistema de compatibilidade e
incompatibilidade.
Graças à mobilidade permitida pelo automóvel e pelas novas
técnicas de transporte coletivo embora não por sua causa, os novos
equipamentos, compostos por hotéis, salas de congresso, ginásios e
equipamentos esportivos à semelhança da miscigenação e
articulação da cidade antiga –
acabam dispersos em um território
imaginado cada vez mais como um grande campus, um parque de
objetos e fragmentos da cidade, isolados e livremente dispostos no
verde (SORKIN, 1992 apud SECCHI, 2000, p. 93).
Nesse sentido, como observou o urbanista espanhol López de Lucio
(2000), a falta de continuidade espacial do tecido urbano, provocada pela
formação de áreas autônomas, segregadas entre si por estradas ou vazios,
pode gerar uma sociedade desestruturada. Quando as escalas se tornam
grandes demais ou a conservação e a
administração de uma área comunitária não
podem mais ser entregues àqueles que estão
diretamente envolvidos nelas, tornando necessária
uma organização especial, não é possível formar
espaço público.
No mundo todo encontramos graduações
de demarcação do território, acompanhadas pela
sensação de acesso. Às vezes, o grau de acesso
Fig. 14
A soleira
da porta
51
é uma questão de legislação, mas em geral é exclusivamente uma convenção
respeitada por todos. O conceito de intervalo é a chave para eliminar a divisão
rígida entre áreas com diferentes demarcações territoriais.
Nos espaços intermediários, onde os moradores sentem-se mais
inclinados a expandir sua esfera de influência em direção à área pública, a
qualidade deste espaço será consideravelmente aprimorada no interesse
comum. A soleira é tão importante para o contato social quanto as paredes
grossas para a privacidade, lugar de encontro entre os vizinhos e de
reconciliação entre a rua e o espaço privado (HERTZBERGER, 1996).
Por outro lado, é importante criar níveis mínimos de integração e coesão
social entre a população. Não importa a magnificência dos projetos urbanos
criados; se não existe coesão, não se pode assegurar a vitalidade do espaço
público. A alternativa é a retração na privacidade, o ócio ou o consumo
oferecidos pelo setor privado.
Sobre este aspecto, são interessantes os estudos do antropólogo
americano Edward T. Hall sobre a proxêmica, que pode ser explicada como
sendo uma técnica de leitura da
espacialidade, como canal de
comunicação.
A comunicação proxêmica
constitui-se no jogo de distâncias e
proximidades que se entrelaçam
entre as pessoas e o espaço. Traduz
as formas como nos colocamos e movemos uns em relação aos outros, como
gerimos e ocupamos o nosso espaço envolvente. A relação que os
Fig. 15 – Espaço “público /semi-privado” de um
edifício na rua Maranhão em S.P.
52
comunicantes estabelecem entre si, a distância espacial entre eles, a
orientação do corpo e do rosto, a forma como se tocam ou se evitam, o modo
como dispõem e se posicionam entre os objetos e os espaços, permite-nos
captar mensagens latentes.
A proxêmica nos ajuda a
entender o significado de
espaço. Não nos diz o quê, nos
espaços abertos é necessário
conservar ou destruir. Mas nos
lembra que hoje, neste setor,
estamos conservando ou
destruindo, indiscriminadamente, algo que não conhecemos, algo que
freqüentemente ignoramos o peso ou mesmo a existência. Como toda ciência,
portanto nos oferece os argumentos para uma conscientização mais clara de
nossa situação
4
.
Em última instância, o espaço público se reduz à habitação familiar,
como afirma Javier Echevarria. Passear pelas ruas e praças da cidade não é
mais necessário. O indivíduo se conecta na internet e participa virtualmente do
mundo. Ou seja, a perspectiva do espaço público s-moderno apresenta dois
aspectos: na sua contração virtual dentro do âmbito de uma privacidade ligada
à TV e ao PC, até uma concepção instrumental vazia de conteúdos sociais e
degradada à redução dos “não-lugares”. (ECHEVARRIA citado em LOPEZ DE
LUCIO, 2000).
4
V. o prefácio de Umberto Eco à tradução do livro The Hidden Dimension de E.T. Hall, para o
italiano
Fig. 16 – Espaço “intermediário”: Pórticos na Itália
53
Para Marc Augé, se um lugar pode se definir como identificador,
relacional e histórico um espaço que não pode se caracterizar como
possuidor de uma identidade, nem como relacional, nem como histórico,
definirá um não-lugar.
O espaço do não-lugar não gera nem identidade individual nem relação,
mas sim solidão e similitude. Porém, os códigos e regras de comportamento
nos não-lugares são iguais e isto oferece sensação de segurança ao indivíduo.
“O não-lugar é o contrário da utopia: ele existe e não abriga nenhuma
sociedade orgânica” (AUGÉ, 1992, p. 101).
As Relações Existentes entre o Edifício Construído e a Cidade
Como foi visto, ao estudar uma determinada realidade em um contexto
específico, como um edifício, um espaço vazio, uma área verde, tentou-se
Fig. 17 – Um não-lugar: o Cebolão da Marginal Pinheiros /Marginal Tietê - SP
54
analisar não somente suas componentes presentes e visíveis, mas procuramos
também individuar os vestígios, os sinais, as regras, as estratificações, as
seqüências, as ações e retroações que são sobrepostas e entrecruzadas no
espaço e no tempo. Ao interpretar e selecionar os diversos momentos,
descobrimos articulações ocultas: interrupções ou potenciais solicitados que
utilizamos como instrumentos e ocasiões para revelar a trama complexa dos
signos e das relações entre as condições atuais e as suas origens mais
distantes. Operando nas periferias, deveríamos agir do mesmo modo,
pesquisar a integridade dos fragmentos do território não ocupado, os vazios, as
margens e os resíduos; interpretá-los como última fase de um longo processo
de sedimentação e sinal da estrutura histórica e natural muito variada,
freqüentemente relacionada à cidade, cuja fundação e construção não é
somente a materialização física de um modelo teórico espacial e social, mas
também, em muitos casos, a extensão das características morfológicas e
naturais de um lugar, a priori, selecionado.
Que sentimento da cidade pode ter ou conservar o operário que vive em
periferias? Ir ao centro é para ele uma façanha, como era outrora “ir à cidade”
para os habitantes do vilarejo; e é no mínimo curioso que, cada vez que se fala
em sociedade e em comunidade, se excluam os operários, relegando-o aos
subúrbios periféricos, justamente aqueles que, além de “constituir a parte
numericamente maior da população, são os protagonistas mais diretos da
chamada ‘função urbana’” (ARGAN, 1993, p. 230-231). “Distanciar e separar: o
grande paradigma sobre o qual, a partir do culo XVIII, se construiu a cidade
moderna” (SECCHI, 2000, p. 80).
55
Na cidade, todos os edifícios, sem exclusão, são representativos e com
freqüência, identificam as malformações, as contradições, as vergonhas da
comunidade.
É o caso da péssima qualidade arquitetônica que a especulação
descontrolada acumulou nas cidades e a cujo respeito se diz com
demasiada freqüência que não são arquitetura – mas são, e são
arquiteturas representativas de uma infeliz realidade social e política
(ARGAN, 1993, p. 243).
As condições físicas de um ambiente, praças, pátios, ruas, áreas verdes,
favorecerem ou inibem o desenvolvimento de relações humanas. Ficou
demonstrado que, quando o espaço resulta de baixa qualidade, ele acaba por
receber somente atividades necessárias, indispensáveis ou obrigatórias, como
caminhos, escola, trabalho, supermercados; pequenas atividades que prevêem
percursos realizados a pé, que se desenvolvem durante o ano inteiro e em
qualquer condição física ou climática. Segundo Argan tudo o que não funciona
na cidade, reflete, em ultima análise, os defeitos da cultura arquitetônica ou
revela sua incapacidade de preencher suas funções institucionais. Quando, ao
contrário, o ambiente se revela de alta qualidade, fornecendo uma ampla gama
de oportunidades e estímulos, as atividades necessárias se desenvolvem com
a mesma freqüência, mas logo surgem outras espontaneamente, se o lugar
favorece: passear, praticar esportes, comprar, sentar, falar conversar, brincar,
observar (ARGAN, 1993 p. 243).
O desenvolvimento da identidade individual e social é um processo lento
que não se pode verificar em um ambiente em contínua mudança. Schulz
acredita que a alienação hodierna seja devida, em grande parte, às escassas
possibilidades de orientação e de identificação oferecidas pelo ambiente
56
contemporâneo. As pesquisas de Piaget de fato demonstram que o mundo em
movimento manteria o homem em um estágio egocêntrico de desenvolvimento,
enquanto um mundo estável e estruturado liberaria suas faculdades mentais
(NORBERG-SCHULZ, 2003).
Normalmente é na cidade onde a vontade inovadora e as tendências
conservadoras se enfrentam. Quem defende história e tradição urbana e quem
trata a cidade como um deserto para se colocar objetos de design se insere
num debate que não ocorre na Itália ou na Europa, onde o percurso da
história é longo. É um debate em arquitetura. Mesmo com menor força, ele
ocorre em todas as cidades contemporâneas. Como dizia Rossi (1978, p. 179),
a ligação entre o passado e o futuro está para a cidade assim como a memória
está para a vida de uma pessoa. Esta realidade permanece nos seus fatos
históricos pontuais, nos seus monumentos, na idéia que temos deles; isto
explica também por que a antiguidade tinha o mito como fundamento da
cidade.
Assim, o objeto arquitetônico assumiu uma autonomia técnica e formal
que antes era desconhecida; uma liberdade que destruiu gramáticas e
sintaxes, hierarquias e ordens precedentes. O conflito entre quem invoca o
respeito do genius loci, da cidade como tecido a ser respeitado, contra a
arquitetura como imagem indiferente aos lugares, ou seja, a dos não-lugares.
Ao definir o conceito de “não-lugar”, Marc Augé sustenta que o não lugar
pode gerar temores e insegurança emocional, pois não existe possibilidade de
identificação e a carência de estímulos induz a uma certa passividade,
reduzindo a capacidade intelectual. Mas sem chegar a tanto, “a verdadeira
crise da cidade manifesta-se não apenas em uma diminuição do seu nível
57
cultural, mas também na perda do seu caráter original de organismo cultural”
(ARGAN, 1993, p. 257).
A cidade contemporânea é o lugar de destruição de consolidados
sistemas de valores simbólicos e monetários, de novos lugares de comércio, de
lazer, da comunicação e interação social, de uma nova geografia de
centralidades. Isso e outros valores, com a progressiva uniformização e
democratização do espaço urbano, determinam, segundo Secchi (2000, p. 82),
uma instabilidade na cidade contemporânea, pois dão origem a um
contínuo deslocamento e reorganização das diversas atividades, a
obsolescência, os fenômenos de degradação e filtering-down, cujas
conseqüentes ações de reutilização, recuperação e o up-grading de
partes limitadas e circunscritas da cidade se apresentam ao indivíduo
como um sistema caótico.
Não se pode esquecer que as cidades são “bens culturais” em seu
conjunto e que, portanto, é inútil sanear bairros antigos se não se procura, ao
mesmo tempo, lhes restituir uma função que não seja artificial. (ARGAN, 1993,
p. 249).
A universalização da cultura, o difundir dos símbolos comuns, o
progresso tecnológico e o acesso cada vez maior dos meios de transporte para
grandes distâncias, torna hoje, no nosso modelo de cultura, os homens bem
mais indiferentes ao ambiente urbano e territorial de origem ou atenua a
relação entre ambiente físico e a cultura dos grupos sociais. (GREGOTTI,
1977, p. 68).
No reconhecimento que se deve a Venturi de a arquitetura ser o
muro que divide o interior do exterior, pode-se afirmar que na cidade
contemporânea, com o desaparecimento da estrutura urbana tradicional, os
58
percursos e as praças urbanas são definidos por edifícios que incorporam os
significados reunidos pela cidade (VENTURI, 1980).
O espaço urbano é um vazio, um vazio estruturado e estruturador. Ele
tem uma hierarquia, dimensões e caráter, o pode ser simplesmente uma
conseqüência casual do construir. Muitas vezes é um espaço desperdiçado,
um falso luxo e, em pequenas quantidades, uma falsa economia.
Fig. 18 – Brasília – Desenho do plano piloto.
Naturalmente, estamos conscientes de que
a realidade territorial é formada por uma série de estratos bem
complexos e interagentes que se constituem em modelos espaciais
diferenciados (geográficos, administrativos, demográficos,
econômicos, etc). E devem ser organizadas entre si tendo um
objetivo comum que se concretizará em uma nova forma do território.
(Gregotti, 1977, p. 79).
59
3. Arquitetura Vernacular e Espaço Metavernacular
A cidade, como objeto humano por excelência, é
constituída por sua arquitetura e por todas aquelas
obras que constituem o real modo de
transformação da natureza (ROSSI, 1978, p. 30).
A cidade contemporânea, e não a européia, é composta de vários
estratos, um palimpsesto, uma paisagem formada por edificações construídas
em fases e tempos diferentes do crescimento urbano. Em cada época, cada
sociedade se diversifica da que a precedeu, por meio de sua própria
representação nos monumentos arquitetônicos, tentando o impossível – marcar
aquele momento determinado além das necessidades e dos motivos
contingentes pelos quais os edifícios foram construídos. Além disso, cada
indivíduo no decorrer do quotidiano deixa um sinal no próprio ambiente urbano
e, dessa maneira, contribui na definição das características daquele espaço.
Nas relações entre as várias partes e a sua forma geral, a cidade é
totalmente percorrida por uma rede de hierarquias simbólicas nas quais o
contexto e os elementos emergentes como habitações e monumentos se
confrontam, se contrapõem ou se associam para produzir significados e
diferenças.
Em seu livro Il significato delle città (O Significado das Cidades), Carlo
Aymonino observa que o patrimônio edificado apresenta massa construída,
configuração espacial, relação entre volume edificado e vazio, ritmo, cores e
inserção na paisagem urbana ou natural. A individualidade e, portanto, o
reconhecimento de cada elemento, se compõe para criar um conjunto cujos
60
fundamentos estão exatamente na coerência das partes em relação ao todo.
Dessa maneira, a história urbana se delineia imediatamente como história das
construções, do espaço físico, uma história que aborda como as formas e os
modos de vida se adaptaram, pois o espaço possui uma memória infinitesimal
em que nada escapa.
Independente do motivo pelo qual certos edifícios ou monumentos
arquitetônicos foram construídos, a cidade quer fixar, marcar aquele tempo
determinado, que é sempre diferente daquele que o substituiu, tornando-se
uma herança que testemunha aspirações pessoais ou coletivas. “A beleza de
uma cidade, o seu poder de ser ‘arte’, é um dado próprio pela contradição
existente entre o tema inicial (o motivo pelo qual surgiu o monumento) e a
realidade continuamente mutável pelo uso que se faz de tal herança”
(AYMONINO, 2000, p. 18).
Recuperar a dialética da unidade e do fragmento, do contínuo e do
descontínuo, do idêntico e do diverso significa aceitar um espaço urbano
carregado de valores simbólicos hierarquizados que dão um significado
diferencial à arquitetura. Hoje, é necessário se adaptar a cada situação e
reinventar soluções.
Aymonino ressalta não haver dúvidas de que a relação de diferenciação
das várias partes constituintes de uma cidade em relação a uma definição
arquitetônica tenha constituído ou constitua ainda o elemento dialético
fundamental do desenvolvimento de uma cidade sob o aspecto da arquitetura.
E que é exatamente a mudança das relações, seja como substituição, seja
como sobreposição de mais épocas, que determina a individualização de uma
cidade em relação à outra e sua possível aceitação como “obra de arte”.
61
A história não se manifesta apenas na materialidade da cidade e sim na
sua imaterialidade: na cultura, na memória humana e em muitos outros modos
não relacionados à conservação patrimonial.
Porém, como observou Aldo Rossi (1978), é costume transformar
monumentos, edifícios e espaços particulares, tornando-os lugares da memória
coletiva, símbolos imutáveis em um mundo mutável. No entanto, os modelos
urbanos do passado não são capazes de abrigar todas as complexas relações
contemporâneas. Muitas vezes, em nome do moderno e do progresso tende-se
a um rompimento com o passado, com o antigo e com tudo aquilo que se
identifica com ele.
Mas não é suficiente. Os urbanistas tentam dar forma, estrutura e
coesão aos elementos urbanos; os arquitetos, por meio de obras de edificação,
ultrapassam a marcação do tempo, enquanto a arquitetura vernacular, mais
espontânea, revela e interliga sua historicidade à tradição, dando caráter ou
genius loci à cidade. “A arquitetura não se constrói só com purezas, mas
também com contaminações”, admite o arquiteto e teórico italiano,
contemporâneo, Daniele Vitale
5
, explicando o patrimônio vernacular e sua
continuidade, tanto em relação aos significados que os traçados do passado
assumem em relação às novas exigências, como às novas formas da vida
urbana.
A arquitetura vernacular entendida como arquitetura comum, anônima,
construída sem interferência de arquitetos ou engenheiros constitui a
fisionomia da cidade, ou seja, é aquela que se exprime com linguagens e
expressões que refletem o lugar e o ambiente onde foi formada. Uma cidade
5
Em conferência proferida na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP em 2004.
62
nunca é igual à outra; as cidades resultam de uma infinidade de diferenças
geográficas ou da tradição. A arquitetura vernacular é uma das chaves para se
poder entender o genius loci de uma cidade. Talvez por essa arquitetura
geralmente se mostrar modesta, muitas vezes uma simples cabana, não
consegue obter o valor necessário; todavia, apenas a sua grande diversidade
poderia ser argumento interessante a ser aprofundado.
Isto reforça o conceito de que a arquitetura vernacular somente deve ser
considerada dentro do seu contexto, como uma ponte entre a história e a
arquitetura, como um sistema contínuo de referências para a transformação e
tutela dos valores históricos e culturais e para a formação de uma consciência
popular.
Visto que muitos edifícios sobrevivem à sua função, transformá-los é, e
continuará a ser, uma ação importante. O monumento, testemunho sócio-
cultural de um determinado período histórico, explica a sua função de memória
e ensinamento histórico somente se pertence à comunidade. Qualquer obra de
arte não accessível a todos perde seu valor histórico. Do mesmo modo como é
importante transformá-los fisicamente, é importante analisar o conceito e
Fig. 19 – Trulli: casas tradicionais de
Alberobello, Bari, Itália
63
aprofundar seu fundamento gico. A sua longevidade deve-se a uma
constante redistribuição de conhecimento duramente conquistado. Diferente
das artes e da arquitetura dos monumentos, a vernacular nunca seguiu
caprichos e modismos; evoluiu no tempo de maneira quase imperceptível,
adaptando-se às dimensões e necessidades humanas sem grandes
apetrechos ou elementos supérfluos.
Mas, a partir do momento que um “estilo” foi fixado, criando assim
tradições na arte de construir habitações, mudar pelo simples fato de mudar é
totalmente impensável e, em alguns lugares, a utilização exclusiva de materiais
de construção locais garante o perdurar de métodos construtivos
experimentados ao longo do tempo. Quando são introduzidos materiais e
métodos novos, as tradições locais se dissolvem, as novas tendências
aparecem e o vernáculo se perde.
Na arquitetura vernacular a inovação não é considerada uma virtude.
Nela, não são reconhecidos estilos, mas somente um único estilo que é fixo e
imutável na sua essencialidade tipológica e morfológica, da mesma maneira
como o são os objetos na natureza e, como na natureza, as realizações deste
Fig. 20
Sobrados em Perdizes, São Paulo
64
estilo são infinitamente variadas. Observa Aymonino (2000), que em todos os
países a arte de fabricar regularmente nasceu de um germe preexistente.
Reafirma que sempre é necessário um antecedente; em nenhum modelo,
nunca nada vem do nada; isto se aplica a todas as invenções dos homens.
Tanto a cultura vernacular quanto a clássica se baseiam na repetição de
alguns tipos construtivos e espaciais fundamentais, que são a expressão
universal das atividades humanas, do trabalho e do prazer, coletivos e
individuais. Porém, sob o ponto de vista filosófico, clássico e vernacular não
estão fundamentados em uma distinção de classes, mas na distinção entre
coletivo e individual, entre monumentos e edificações urbanas, entre edifícios
públicos e habitações privadas.
“Não nos interessam os monumentos” (SAGGIO, 2006) afirmavam os
arquitetos modernos, interpretando Frank Lloyd Wright, e tinham razão. De
fato, a palavra monumento (do latim monere, ou seja “fazer lembrar”, “avisar”,
“iluminar”, “instruir” entre as duas Guerras, era usada para exprimir o poder do
Estado, freqüentemente uma ditadura que pretendia exaltar a autoridade, o
poder, a hierarquia.
Os arquitetos modernos, aqueles do CIAM, tinham problemas bem mais
prementes a serem resolvidos: a casa para todos, a utilização de novos
materiais e novas tecnologias construtivas, o urbanismo e os assentamentos.
Mas é na habitação que se realiza o estudo de caracteres específicos,
tipologias e suas modalidades de agregação na cidade. O próprio Secchi, em
La città del ventesimo siecolo, afirma que “em continuidade com o reformismo
oitocentista a habitação e a política da habitação permanecem, por um longo
65
período, no centro da reflexão de uma multiplicidade de estudiosos e de atores
institucionais”.
Ruas, Praças, Traçados
A necessidade de infra-estrutura varia no tempo e de acordo com as
classes sociais e muitas vezes refere-se a valores, em parte necessários e em
parte distorcidos (os tais consumos induzidos). Esse fato produziu na história
recente e, provavelmente, produzirá no futuro na avaliação de Carlo Aymonino
(2000), uma oscilação entre necessidades individuais e necessidades coletivas,
nem sempre com a intenção de “promover” as individuais em benefícios
coletivos. Quando essas necessidades alcançam um estágio de organização
mais complexo e articulado, com uma conseqüente tendência de se tornarem
definitivas, isto é, estáveis em relação a um determinado período de tempo,
nasce a ulterior necessidade (e, portanto, diversa daquela inicial) de realizar
uma estrutura apropriada capaz de confirmar e desenvolver, resolvendo
aquelas necessidades por meio da própria presença arquitetônica. Só então
poderemos falar de equipamentos urbanos como núcleo originário da moderna
tipologia arquitetônica não residencial. Este tipo de arquitetura foi definido
durante o século XVIII como arquitetura civil e é com esse conceito que
Aymonino observa as mudanças que ocorreram e os novos papéis que se
entende atribuir à arquitetura.
No seu livro O Significado das Cidades, Aymonino coloca, ainda, que a
arquitetura civil contemporânea não é somente a “não religiosa” ou a “não
militar”; as novas arquiteturas tendem a identificar-se com a cidade nova,
constituída não somente por edifícios, mas por ruas, esgotos, tubulações
hidráulicas, iluminação. Não o centro histórico de uma cidade ou
66
construções de caráter artístico, histórico ou cultural são fundamentais na
memória pública; os elementos que compõem a cidade contemporânea tendem
a construir e formar identidades difíceis ou precárias, que se contrapõem com o
ambiente urbano formado por elementos absolutamente concretos. Cada
espaço da cidade faz parte de diferentes narrativas históricas.
A infra-estrutura organiza principalmente o tempo quotidiano do habitar,
como também o tempo dos ciclos produtivos. O conflito social gerado
freqüentemente pelos projetos infra-estruturais revela uma distância entre os
modos pelos quais cada pessoa usa e habita a cidade e o desejo coletivo por
uma cidade melhor, com mais qualidade no ambiente urbano.
Infra-estruturas são aqueles elementos necessários para satisfazer as
necessidades humanas em uma determinada sociedade; de acordo com
Aymonino, são necessários dois adjetivos para definir o caráter de uma infra-
estrutura – público e privado – indicadores de uma referência jurídica em
relação à propriedade e à gestão. Por coincidência, ele relaciona o primeiro
com o conceito de coletivo e o segundo com o conceito de individual;
coincidência superficial porque existe uma série de infra-estruturas privadas
com caráter coletivo.
A relação entre infra-estrutura e cidade tem várias nuances; tanto pode
ser pouco significativa, como muito significativa, acontecendo de diferentes
maneiras ao longo do tempo. O lugar onde está o papel que desempenha e as
influências que uma exerce sobre a outra mudou significativamente, seja no
tempo, seja devido à expansão urbana.
Porém, nas relações entre infra-estrutura e construção do espaço
quotidiano, como já foi visto no capítulo anterior, o conceito de intervalo sempre
67
foi e ainda é a chave para eliminar a divisão rígida entre áreas com diferentes
demarcações territoriais.
Além disso, para Jane Jacobs (2000), ruas e calçadas constituem os
mais importantes lugares públicos de uma cidade e seus órgãos mais vitais.
Porém, isoladas, as calçadas da cidade não significam nada além de uma
abstração; têm significado somente em relação aos edifícios quando se situam
ao longo deles ou de outras calçadas imediatamente próximas, e a outras
construções existentes.
Ao analisar as relações entre os serviços urbanos e seus equipamentos,
Aymonino (2000) também constata que, dentro de uma nova estrutura urbana
parcial, mas resolvida, existem mutações interessantes; os percursos,
organizando-se em ruas, tornam-se serviços públicos coletivos com mais
funções presentes: para pedestres (calçadas), para automóveis (faixas), para
infra-estrutura (esgotos e tubulações em geral), etc.
Porém, o aumento do tráfego motorizado, sua prioridade e organização
sem critérios nas áreas de acesso às moradias desvalorizam a rua como
espaço comunitário; à medida que aumenta a prosperidade, desaparecem as
afinidades entre os moradores.
Ao empregar o termo “metavernacular”, cria-se um neologismo que
transcende o significado do termo vernacular, que o prefixo meta exprime
uma estrutura cujas ramificações, no caso, seriam as diferentes realidades de
um lugar. Entende-se como lugar o espaço construído ou não da cidade
contemporânea, caso das edificações vernaculares, áreas verdes, áreas de
obsolescência industrial e os próprios vazios urbanos, espaços abertos ou
68
fechados, individuais, coletivos e espaços intermediários que dividem o espaço
privado da rua.
O vazio não é imediatamente visível nos espaços intersticiais, aqueles
praticamente imperceptíveis, ocultos entre os edificados. Esses vazios, esses
espaços em negativo podem se ampliar indefinidamente pela contaminação da
obsolescência vizinha. Significa um crescimento contínuo do indiferenciado.
Indicativos de baixa atividade imobiliária, estes espaços são reservados assim
para uso futuro; quando inutilizados, se tornam perceptíveis ao atingirem o
ponto crítico, a amplitude de toda a área, inviabilizando sua re-inserção no
mercado comercial.
Extremamente ligada à semântica do espaço “metavernacular” está a
natureza do espaço aberto, das ruas, das calçadas, das praças, dos jardins,
dos pátios, das galerias, dos pilotis, ou seja, espaços de interconexão que
estabelecem com o edifício relações variáveis e complexas. Isto depende de
como os edifícios se apóiam, elevam-se e se abrem no solo; é a soleira que
separa e une o espaço interno do externo e relaciona a estrutura urbana à
arquitetura.
Às vezes, a rua é vitrine, noutras, é palco, lugar de trabalho ou de
convivência; tudo depende da rua que está sendo focada. Certamente não é a
das vias expressas, não é o espaço de circulação, mas aquela enquanto lugar
e suporte de sociabilidade.
É a rua que resgata a experiência da diversidade, possibilitando o
encontro entre desconhecidos, a troca entre diferentes pessoas, a
multiplicidade de usos em um espaço público regulado por normas da
69
administração municipal. É o espaço que se opõe, em termos de estrutura, ao
do domínio privado da casa e das relações familiares.
Mesmo um pequeno edifício demarca o espaço público e se relaciona
com ele. Se ele se relaciona com uma rua, avenida, alameda, galeria, praça,
largo, cada um desses artefatos urbanos pode sugerir articulações diferentes
na forma, dimensão, função, densidade urbana, relações espaciais e modos de
habitar.
Na reflexão sobre os elementos que compõem o espaço urbano, nas
relações entre edifício e rua, entre espaço público e lote privado, entre o
espaço dos automóveis e o de pedestres, entre os próprios espaços
construídos abertos e fechados, cheios e vazios entre a rua e espaços
abertos, perderam-se muitos dos aspectos que caracterizavam a cidade. Seja
por motivos de segurança, seja por individualismo exacerbado, o espaço semi-
privado desaparece deixando em seu lugar grades e muros psicologicamente
intransponíveis. Interesses econômicos ou mesmo políticos impediram de se
contrapor possíveis alternativas a este modelo de infra-estrutura.
Em uma análise sobre a cidade contemporânea, Pierluigi Nicolin
(1987, p. 11) constata que a ausência
de espaço público na cidade
contemporânea é interligável à
redução, na cultura técnica dos
urbanistas, das convenções que se
exprimem em determinadas formas e
por uma linguagem específica
socialmente aceita; os termos “rua”, avenida”, etc., têm conotações formais e
Fig. 21
Concerto em uma praça em Perugia, Itália
70
espaciais bem precisas que compreendem milhares de ruas, avenidas e praças
diferentes no tempo e no espaço. Na ausência dessas condições, tudo se
confunde, o espaço da cidade se desagrega e a arquitetura, perdendo qualquer
referência, cai na insignificância ou é conduzida a uma pura e simples redução
do seu significado: o edifício se torna um sinal, uma imagem.
Jane Jacobs questiona, em diferentes momentos de seu livro Vida e
Morte de Grandes Cidades, sobre as funções das calçadas e lugares públicos
e o motivo pelo qual os lugares de reunião organizada não conseguem se
desenvolver. Para ela, a grande questão é de que maneira a vida coletiva de
tipo informal que se desenrola nas ruas pode ser apoio a uma vida pública mais
formal e organizada.
O espaço público urbano significa um lugar privilegiado do exercício da
cidadania e da expressão dos direitos civis; uma cidade que depende
exclusivamente do automóvel e vive de edificações especializadas e fechadas
não facilita o exercício da cidadania; uma cidade, onde automóveis e
telecomunicações substituíram o contato humano, tende à segmentação, ao
individualismo e à exclusão.
Diz Koolhaas em S, M, L, XL (1994) que o espaço aberto da cidade não
é mais um teatro coletivo onde “algo” acontece: não resta mais nenhum “algo”
coletivo. A rua tornou-se um resíduo, uma engrenagem organizativa, um mero
segmento do plano metropolitano contínuo no qual os vestígios do passado
enfrentam as infra-estruturas do novo em uma inquieta situação de impasse.
Mas a cidade não é feita de grandes dimensões, observa ele, e não se pode
fazer tábula rasa de uma cidade inteira, recomeçar das grandes dimensões e
71
reinventar o coletivo. Ela coexiste com a cidade clássica mesmo sem
estabelecer, conforme ressalta Koolhaas, relações diretas com ela.
Se a praça é lugar de encontro, descanso e ponto de observação, a rua
convida ao movimento, estimula sensações mais ricas, desenvolve
oportunidades de conhecimento de
outras pessoas. É necessário apontar
que as festas e a vida social que
acontece nas ruas têm um caráter
público e servem para reunir pessoas entre
as quais o existem conhecimentos íntimos ou particulares. Isto é, a dinâmica
de interação entre as pessoas e os lugares públicos resulta em ações de
pessoas que determinam a identidade de um espaço, ou seja, voltamos ao
conceito de E. T. Hall (1966) sobre a proxêmica. O projeto de um espaço
público pode propor visões que, mediante a reorganização das potencialidades
e das energias, criam condições para estimular encontros e trocas.
Para Hertzberger (1996), o segredo é dar aos espaços públicos uma
forma tal que a comunidade se sinta pessoalmente responsável por eles,
fazendo com que cada membro da comunidade contribua à sua maneira para
um ambiente com o qual possa se relacionar e se identificar. Em outras
palavras, as partes da cidade, ricas em episódios, com suas variadas funções e
momentos de atração, aumentam a sensação de “pertencer” nos cidadãos, que
não terão mais necessidade de procura de novos modelos de espaço urbano.
Porém, ruas, praças e suas variantes são formas otimizadas para
espaços coletivos. De fato, nenhuma empresa, pública ou privada, realiza
Fig. 22
Pórticos em Imola, Itália
72
espaços públicos espontaneamente, como livre expressão de suas atividades.
O espaço público e seu domínio, sua qualidade estética e o seu poder de
socialização nunca foram o resultado de um acontecimento casual, mas de
uma percepção e de uma vontade civil.
O espaço privado torna-se cada vez mais restrito. Por outro lado,
segundo Pierluigi Nicolin, (1987, p. 11) a privatização da cidade tem duas
conseqüências contraditórias: por um lado, obriga o poder público a estender
cada vez mais seu controle, por outro, impede a articulação do espaço com a
criação de uma verdadeira arquitetura urbana. Porque a cidade, os lugares
construídos, os espaços urbanos determinados pelas ruas e praças formam o
grande e complexo universo de relações que permite a coexistência da “grande
cidade pública” com as inúmeras “cidades privadas”, as inúmeras situações de
edificações produtivas, residenciais, serviços urbanos e comércio com as quais
todo cidadão se relaciona a cada dia. A urbanização de um lugar se torna, hoje
mais do que nunca, uma imagem importante da modernidade e do
desenvolvimento.
A passagem da cidade moderna com lugares com referências centrais
(equipamentos públicos como possíveis monumentos), ao sistema de percurso
como modo de representação total das instalações urbanas, conforme nota
Aymonino (2000) anula qualquer significado de homogeneização e
globalização da cidade e de si própria, com as relativas percepções e imagens,
dando às infra-estruturas o papel de elementos basilares da própria instalação.
73
O Genius Loci e o Não-Lugar
É importante entender as relações entre arquitetura e o genius loci de
uma cidade, como também o valor do monumento na cidade e suas relações
com o ambiente, que se contrapõem ao conceito de monumento. O
monumento, além de sua existência ser historicamente determinada, possui
uma realidade analisável. Construir monumentos pressupõe a existência de
uma arquitetura, de um “estilo”, e cada monumento possui uma individualidade.
“São ‘como datas’; sem elas, isto é, o antes e o depois, jamais poderemos
entender a história.” (ROSSI, 1978, p. 172).
Aquilo que era considerado monumento, elemento catalisador de
paisagens, eventos, memórias, hoje significa a infra-estrutura para as
periferias. Aquilo que era considerado monumento como lugar de agregação,
hoje foi substituído pelo “percurso”, ou seja, pelo lugar de passagem e, ao
mesmo tempo, por novas formas de agregação. A ruptura, mais ou menos
epistemológica no modo de viver, interpretar e transformar a periferia, deve
necessariamente reconhecer esse processo. É nesse contexto que são
situados os não-lugares contemporâneos.
Reitera Aymonino (2000), que as novas edificações possuem um novo
papel ao se tornarem um ponto de referência dos percursos nos quais se
organiza a nova estrutura urbana; assim, os limites entre “tipo” e “modelo”
freqüentemente serão passageiros.
O século XX é caracterizado pela formação de novos valores e
referências, pela modificação contínua dos imaginários individuais e coletivos.
Em relação ao espaço urbano, o século XX para Secchi (2000) é o da
banalização, fragmentação e da progressiva burocratização. Ainda segundo
74
ele, uma das principais características desse século é a autonomia do sujeito
que emerge; cada vez fica mais evidente sua rejeição pelas instituições do
poder e a resistência em desaparecer no anonimato de sua classe ou
categoria; o individualismo mostra-se cada vez maior dando mais espaço aos
aspectos privados da existência e aos valores de interesse puramente pessoal.
A atenção ao quotidiano caracteriza todo o século XX, evidentemente
associada à crescente autonomia do indivíduo; depois de longo período de
repressão ideológica, esse indivíduo atinge a abstração da cidade moderna,
sua materialidade e suas diferenças. Cada indivíduo e grupos sociais inteiros
conferem ao quotidiano uma importância tanto maior na medida em que se
sentem menos representados pelas principais instituições políticas (SECCHI,
2005).
Os fatos que estão relacionados com a cidade e com o território são tão
numerosos e nós estamos tão envolvidos que ainda é difícil fazer uma
avaliação completa e convincente. O problema se agrava quando se impõe
perguntar sobre o que se deve decidir, salvaguardar e desenvolver.
Podemos afirmar que nossos conceitos de função e fruição vão se
diluindo numa continuidade de mutações de uso e significados e, por isso, a
idéia de transformação e variação acaba coincidindo com a própria idéia de
uso. O sentido da arquitetura está vinculado, cada vez mais intrinsecamente, à
capacidade de compreender e solidificar o significado da mutação.
75
Vimos que esta capacidade não está
simplesmente ligada à definição tipológica,
senão, mais genericamente, à forma do
objeto arquitetônico. o se pode obtê-la
apenas mecanicamente por meio da
transformação física do continente ou de sua
indiferença funcional, mas também por um
novo estudo de formas e de suas
modificações, que institui por meio das
qualidades do significado (qualidade densa em
estratos e capaz de pôr em movimento contínuas e diversas decodificações),
uma dialética com a multiplicidade de usos e uma rede de situações possíveis
(GREGOTTI, 1977).
Invejamos as cidades européias sem perceber que no pequeno lapso de
tempo determinado a partir de sua formação, e que demarca a história de
nossas cidades, demolimos ao invés de tentar entender aquilo que é
importante para preservar. Como ocorre com as pessoas, cuja formação
depende de suas origens, antecedentes, educação e regras. Quando sua
história não é lembrada, os indivíduos podem perder parte de si mesmos.
Nas cidades, cada construção, cada cheio ou vazio, faz parte de sua
história. As relações que se estabeleceram e se conservaram no tempo entre o
signo e seu significado, na forma da cidade e seu papel e as funções
desenvolvidas por cada elemento que constitui o espaço urbano, fazem parte
de sua história.
Fig. 23 – Unité d’Habitation de Marseille
(Le Corbusier)
76
O problema de diferenças sociais mais complexas da cidade, além
daquelas históricas, pode acentuar a forma das diversas soluções
arquitetônicas de caráter urbano. Forma que adquire caráter de necessidade
enquanto oferece às próprias diferenças sociais a possibilidade de serem
representadas, de existirem com uma linguagem arquitetônica própria (2000).
Qual o sentido em arquitetura, tanto em termos gerais quanto
específicos, do termo coletivo, escreve Aymonino quando as instituições e seus
correspondentes equipamentos arquitetônicos, ditos coletivos, hoje são
compreendidos, construídos e, principalmente, usados como lugares nos quais,
casualmente ou não, se somam apenas exigências individuais de maior
número de pessoas. É importante lembrar a ilusão da sociologia norte-
americana produzida pelos shopping centers como lugares sociais; a rápida
difusão do esporte passivo, a crise das instituições como o cinema ou o teatro,
etc. E o fato de as cidades antigas cada vez mais adquirirem papel comparável
ao dos fenômenos naturais em relação ao turismo de massa.
Hoje, também assistimos à difusão virtualmente infinita dos não-lugares.
Eles vivem não como os da cidade consolidada, de sua presença física e
identidade, mas também do efêmero tempo da percepção, do uso e consumo
mais ou menos ocasional por um indivíduo anônimo. São lugares não
habituais, não permanentes, mas, como quaisquer outros objetos de consumo,
submetidos à gica da moda, destinados a seguir as mudanças periódicas e
improdutivas das tendências coletivas.
77
4. Extensão do Conceito de Preservação
Quando se começou a considerar históricos não
só os feitos dos grandes, mas também as do povo,
o valor de historicidade da cidade estendeu-se a
todo o tecido urbano. (ARGAN, 1993, p. 260).
A eternidade é o significado intrínseco da memória, alimentando nas
ciências humanas uma idéia de progresso que radicado no passado
permite manter vivas e operantes as relações entre seus próprios valores.
“Escrever para a eternidade(RUSSO, 1998, p. 75
)
é uma metáfora, mas não
dúvida que a obra de arte não é superada do mesmo modo em que são
superados objetos tecnológicos. Este ponto de vista esboça como o saber
científico age no passado por meio de seleção e eliminação, enquanto as
ciências humanas estão mais ligadas à seleção para a sua recuperação.
O trabalho seletivo, afirma Michelangelo Russo em seu livro Aree
dismesse, adquire um valor progressivo no patrimônio da memória e do
passado e informa uma posição teórica cuja conservação é guiada pela
intenção de “atenuar o esquecimento”, de afirmar uma memória coletiva como
conjunto de valores ligados a uma tradição, instituições e idéias.
Conservar quer dizer, em primeira instância, individuar os valores
implícitos nos bens culturais e nas relações existentes entre o patrimônio e a
cidade; significa também individualizar estratégias para sua manutenção e sua
continuidade em relação aos significados que os traçados do passado
78
assumem em relação às novas exigências e às novas formas da vida
associada.
A ampliação do conceito de conservação está
relacionada com a passagem de uma cultura
integrada, cuja permanência dos valores na
história está conectada à idéia de projeto. O
ambiente urbano, o território, são, portanto,
referências para criar ou modificar as relações
entre os bens que são objeto de conservação e
cuja importância vai além do aspecto físico e
estético (RUSSO, 1998, p. 76).
Mas, em muitos casos, a preservação torna-se operação contraditória. A
política de preservação, de fato, é dominada por uma intenção documental e
pedagógica, muitas vezes não totalmente clara, que constrói escalas de
valores, contradizendo freqüentemente a mesma história que se pretende
testemunhar. O tema é bem conhecido: em vez de estudar o processo de
alteração dos edifícios e dos espaços urbanos, o processo de seleção
cumulativa responsável pelo extraordinário palimpsesto de toda cidade antiga
procura se fixar, arbitrariamente, em um estatuto imutável. Ao invés de se
estudar a história, o papel das técnicas construtivas e da articulação dos
edifícios e dos espaços urbanos, modifica-se o comportamento estrutural de
edifícios e de partes inteiras da complexidade urbana, com a inserção de
materiais, técnicas e concepções estruturais a eles danosos; em vez de
estudar as relações entre espaços, atividades e práticas dos centros antigos,
impõem-se ao centro antigo e à cidade moderna papéis e funções que os
submetem a um excesso de pressão ou de abandono. (SECCHI, 2000).
É importante que se estenda o conceito de conservação de monumentos
arquitetônicos para a fisionomia da cidade como um todo, por meio de
“revitalizações” ou mesmo “restauros”, para melhor se compreender as
79
intervenções urbanas. O tecido histórico como trama do existente deve ser
considerado dentro do seu contexto, ou seja, como um sistema contínuo de
referências para a transformação e tutela dos valores históricos e culturais. O
ambiente urbano e o território são, portanto, referências para criar ou modificar
as relações entre os bens que constituem objetos de conservação e têm uma
importância histórica que vai além dos aspectos arquitetônicos físicos e
estéticos.
Na Europa, e de modo particular na Itália, um novo conceito de “herança
histórica” amplia a opinião tradicional de relação monumento/documento, ou
seja, o conceito de patrimônio não se limita aos monumentos, mas se estende
progressivamente à herança do passado, da mais distante à mais próxima, por
características de ordem cultural. A prioridade, dirigida somente à conservação
de obras relevantes, começa a abranger edificações sem importância
arquitetônica significativa, prevalecendo o valor da história sobre a estética.
Hoje, após décadas de reflexão, alguns historiadores ainda insistem em
diferenciar a arquitetura, como menor, maior ou monumental.
A idéia seria ampliar a preservação aos tecidos urbanos menores, áreas
e imóveis industriais obsoletos ou abandonados, arquitetura rural e vernacular,
formas de paisagem alterada pelo homem. “Desta maneira, a questão do
patrimônio se tornaria o resultado de um processo complexo de seleção crítica
agregada a um valor memorial” (RUSSO, 1998, p. 12).
Todo discurso de preservação da memória, da história e da identidade é
questionado pela forma, tipo e modo de apropriação desses espaços. A
reutilização de um bem é a maneira mais eficaz para garantir sua preservação,
pois um monumento sem uso se deteriora rapidamente. Os poderes
econômico
80
e comercial se apropriam do valor cultural; para ser usufruído pela cultura
predominante, acabam por desvinculá-lo de toda a sua rede de relações
anteriores.
Uma dinâmica que engendra permanente proliferação entrópica, o
acúmulo de construções abandonadas, bricas vazias e áreas de demolição
convertidas em estacionamentos, centros de culto ou depósitos, são espaços à
espera de valorização. É o momento de conciliar a re-interpretação da
multiplicidade e densidade da cidade histórica com as exigências do presente,
ocupando o “vazio” com edifícios e espaços bem definidos.
Sem nunca ter realmente deixado de existir, persiste o desejo
mercadológico e financeiro, em substituição ao aspecto quase metafísico que a
cidade tinha no passado. Com uma preocupação de agregação de valor
econômico ao patrimônio, a escolha de um tipo de uso não compatível com o
edifício, imposta por interesses puramente econômicos e sem uma atenta
avaliação do impacto que pode produzir no próprio edifício e seu entorno, seja
ele um monumento, uma indústria obsoleta ou uma arquitetura vernacular,
pode resultar em danos comparáveis àqueles determinados por um abandono.
Observa o sociólogo francês Henri-Pierre Jeudy que a revitalização dos
centros históricos provoca a sua morte, transformando-os em “museus”.
Segundo ele, esta transformação tem como origem uma estratégia de
marketing para atrair turistas e que se soma ao temor da população de perder
sua identidade cultural. Contraditoriamente, diz ele, o resultado são cidades
mais homogêneas e menos interessantes. O sociólogo acredita também que
essa preservação está ligada ao medo de se perder a identidade cultural; uma
contradição, no seu entender, porque acredita que a cidade sempre possui
81
identidade, mesmo que não seja bonita. Cita como exemplo São Paulo, cidade
“considerada muito feia, mas cuja feiúra é de uma estética fantástica; pode-se
amar também o que há de feio na cidade, a ponto de esses territórios
passarem a ser considerados tão bonitos quanto o centro de Salvador”,
observa Jeudy (2005).
A beleza de uma cidade, porém, não depende de seu aspecto
morfológico. O mais apropriado seria enfocar o genius loci, ou seja, o espírito
do lugar, aquela matéria abstrata cujo espaço físico pode criar, segundo
Heiddeger, uma relação existencial entre o homem e o ambiente (NORBERG-
SCHULZ, 1979), que sobrevive às contínuas modificações das estruturas
urbanas e confere um caráter indestrutível à cidade e à paisagem. Já diziam os
povos antigos que um lugar com genius loci era um lugar ligado ao cosmo.
Para alguns autores, como Augé, a
metrópole vive e cresce ignorando e
destruindo a natureza peculiar dos
lugares, apagando diferenças e
complexidades, cobrindo o território de
funções e de não-lugares, ou seja, de
espaços sem identidade, relações e
história.
A verdadeira vitória do mercado e
de suas mais aberrantes formas
especulativas sobre o projeto civil hoje,
afirma Secchi, é totalmente representado,
tanto em termos práticos quanto teóricos,
Fig. 24 – Terminal de onibus Dom Pedro II
SP
82
no urbanismo quantitativo, na tentativa de reduzir de maneira homogênea os
valores que governam as construções e transformações da cidade, segundo
valores financeiros (SECCHI, 2000).
A cidade antiga é uma estratificação de traçados e de memórias, cujas
relações de proximidade e vizinhança são o resultado de cada época que
representou no próprio projeto de cidade sua idéia de espaço; traçados e
memória que agiram no imaginário e no comportamento coletivo, seja na
cidade medieval, renascentista, colonial ou mesmo industrial. Ignorar a
importância dessas imagens e os processos pelos quais elas se tornaram
imagens em que sociedades inteiras se reconheceram, pode ser um erro;
muitos projetos contemporâneos procuram recuperar na cidade uma certa
compostura, sem com isso levá-la a assemelhar-se à cidade do passado.
O centro antigo, porém, não deve ser pensado como museu, como
realidade a ser considerada externa de um ciclo vital de transformação; ao
contrário, deve existir uma relação entre o que se constrói e o que se recupera
na cidade.
Assim sendo, escreve o urbanista napolitano Michelangelo Russo (1998,
p. 76):
a extensão do conceito de conservação está relacionada com a
abertura de uma cultura setorial (essencialmente ligada ao valor
histórico, de um patrimônio arquitetônico visto essencialmente como
monumento) direcionando-se para uma cultura integrada, na qual a
sobrevivência dos valores da história conecta-se à idéia de projeto. O
ambiente urbano e o território são referências para se criar ou
modificar as relações entre os bens que são objetos de conservação,
cuja importância vai além da dimensão física e estética.
Na declaração final do Congresso sobre o Patrimônio Arquitetônico
Europeu de Amsterdã, em 1975, foi afirmada a validade dos princípios de
83
“proteção global” e “conservação integrada”, subentendendo-se “integrar os
valores da conservação do patrimônio cultural com as formas complexas da
cidade, entendida como conjunto de funções, relações e práticas sociais”
(RUSSO, 1998, p. 76). Tal complexidade requer uma visão intersetorial e
interdisciplinar dos problemas urbanos, com condições de equilibrar as ações
de conservação e modificação, mas também de assegurar a continuidade e
desfrutar os valores da história. Ambos os princípios proteção global e
conservação integrada – afirma Michelangelo Russo (1998, p. 76), “fundam seu
reconhecimento na validade dos dois elementos essenciais para a vida
associada: o significado do patrimônio arquitetônico e a legitimação de sua
conservação”.
A sensação de pertencer a um lugar por parte dos indivíduos que o
habitam, nasce e é alimentada com elementos da história pessoal ou familiar,
relacionados com os próprios lugares; lugares se tornam códigos de memórias
coletivas nos quais os cidadãos se reconhecem. Com isso se quer dizer que a
memória o é simples lembrança do passado, mas subjetividade do presente,
fonte de identidade; historicamente, materializa-se e é representada de
maneiras diversas. Exprime-se por meio de formas artísticas, pintura, escultura,
arquitetura e literatura. Pode ser organizada em arquivos, imagens,
audiovisuais e enriquecida por sujeitos coletivos como família e associações ou
instituições como escolas e organizações estatais.
A sociedade habita a cidade e nela organiza seus espaços e ambientes,
elabora suas relações, celebra e demole legendas, mitos, ideais e ideologias,
manifesta suas inerentes ou novas diversidades. Portanto, história social e
84
história urbana avançam para uma interação complexa, onde guerra e paz
deixam sinais e signos dos tempos, sedimentando riquezas e tragédias.
A preservação, nesta sua concepção mais recente, constitui o modo
sempre mais decisivo, uma base de fundo para práticas artísticas, projetuais e
criativas em geral; isto é, para aqueles que usam como instrumento de
conhecimento a imaginação e a memória. A conservação se torna assim um
percurso privilegiado em direção à lembrança do passado, como seleção crítica
daquilo que tem valor coletivo: uma postura preservadora se afirma no
contemporâneo em contraposição a uma idéia de modernização “que tudo
destrói e esquece” (RUSSO, 1998, p. 75). As noções de memória e
esquecimento constituem aquela membrana semipermeável que, na
interpretação de Paolo Rossi (citado em RUSSO, 1998), distingue as ciências
naturais das ciências humanas: a dialética entre eternidade e transitoriedade
indica o modo diferente de conceber o passado como material sobre o qual
construir o futuro.
A transitoriedade é o valor que prende a ciência ao seu progresso; o
esquecimento, como estatuto do transitório, leva o saber precedente à
superação das teorias, coincidindo com o avançar dos percursos da pesquisa
científica.
Para Jeudy (2005), na Europa, no entanto, persiste o dever de cultivar a
memória. A conservação patrimonial visa proteger os rituais, manter uma
lembrança simbólica do espaço. “Na Europa, as pessoas sentem culpa quando
esquecem algum fato histórico, o que também resulta das guerras, pelas quais
passaram” (JEUDY, 2005).
85
A forma da urbs é a realidade na qual a civitas se reconhece e se
identifica e é composta pela consistência de seus tecidos, pela
representatividade de seus edifícios coletivos, pela permanência de sua
história; assim, a representação da identidade coletiva torna-se um
estratagema para caracterizar e re-qualificar o espaço urbano. É bom lembrar
que na língua latina urbs significava o espaço físico e civitas o social (RUSSO,
1998).
A identidade da metrópole atualmente é aquela de figuras parciais, de
fragmentos emblemáticos e de uma perda de valores básicos de urbanidade e
de vida coletiva; por essa razão, o centro histórico deve estar cada vez mais
integrado às exigências da cidade contemporânea, estabelecendo porém
relações significativas nas suas diferenças com os conceitos de cidade e
memória.
Figura 25 – Favela Marginal Tietê / Ponte de J. Mesquita Neto – SP
86
A evolução do conceito de conservação constitui o resultado de um
processo teórico obtido através da idéia de conjunto urbano, de paisagem e
ambiente, compreendidos como finalidades gerais para orientar qualquer tipo
de política. Isto ocorre segundo Russo, a partir de uma noção de bem cultural e
de memória ligados essencialmente a um edifício, a um monumento ou a uma
criação artística, cuja dimensão e importância histórica podem ser mais ou
menos expressivas.
Na Europa, a partir do século XV, muita gente começou a reler os
clássicos gregos e latinos, a visitar e dar importância às arquiteturas daquele
período, a procurar imitá-las na tentativa de reconstruir, em oposição à
“maneira gótica”, um mundo tal qual se imaginava que fosse o da Antiguidade
Clássica. Mas o que se produziu foi algo muito diferente e novo, uma
esplêndida re-elaboração do passado à qual damos o nome de Renascimento,
e que consideramos o início da modernidade (SECCHI, 2000).
A operação de demolição, como a própria história ensina, é parte
integrante do processo de construção e regeneração da cidade, provocado em
geral por mudança de nones estéticos, funcionais, militares ou sociais que
induzem julgar anacrônica e obsoleta a produção arquitetônica vernacular de
um determinado período.
A defesa do antigo e a intensificação da produção arquitetônica e
artística contemporânea são dois lados de uma mesma moeda: o ações
paralelas que devem coexistir e sobrepor-se com a firme intenção de melhorar
a qualidade do espaço urbano.
Conforme Michelangelo Russo, o passado não é uma realidade a ser
fossilizada ou re-proposta; ao contrário, o passado deve ser decomposto e
87
analisado por regras e referências estruturais precisas. E, como notavam
Karl Marx no 18 do Brumário de Louis Bonaparte, e mesmo os conceitos de
base de Sigmund Freud, sem um profundo conhecimento e análise do passado
não há perspectivas para se corrigir o presente.
Em História da Arte como História da Cidade, Argan (1993) afirmava
que
a lembrança do passado é instrumento de conhecimento que vai além
da memória. Se a conservação pode inibir a criação, a falta de zelo
para com o patrimônio histórico pode levar à perda dos fundamentos
históricos do conhecimento, indispensáveis a toda criação
contemporânea e mesmo à inovação.
Técnicas de expansão foram substituídas por práticas de recuperação e
remodelação fundamentadas na história, por meio de significados coletivos,
intrínsecos e estratificados, ou seja, baseados nas tradições regionais e
pertencentes à cultura popular. Esta se manifesta de modo muito diferente em
cada região em função de suas raízes, costumes e identidade. A recuperação
deveria considerar os efeitos do re-equilíbrio e da transformação em escala
urbana e territorial, levando em conta a ampla estratégia de valores.
Em resumo, pode-se dizer que a construção da cidade se desenvolve
em um processo contínuo de modificações, demolições ou reconstruções que
acompanham ou contrastam com as transformações sociais da história.
A Obsolescência Industrial
A obsolescência e a desativação industrial também pertencem à história
da cidade, seja como fenômeno contínuo de substituição, seja como abandono
88
Figura 26 Edifício São Vito SP
repentino que inesperadamente muda a geografia urbana. Grande parte da
cidade medieval foi construída sobre lugares entre edifícios e dentro de
espaços obsoletos e desativados da antiga cidade clássica, recuperando os
materiais, contaminando-os com novas práticas sociais. A obsolescência e a
desativação não implicam apenas uma mudança da distribuição das atividades
dentro do espaço urbano. Indicadoras de uma impossibilidade, a obsolescência
e desativação freqüentemente implicam mudança de escalas e de relações
espaciais (BENEVOLO, 1993; SECCHI, 2000). O objeto de reestruturação e
expansão, no Brasil, não é a cidade medieval, mas sim a cidade colonial.
As habitações construídas a partir de 1950 em diante, também sofrem
um ritmo acelerado de obsolescência. Entretanto, a intervenção em edifícios
contemporâneos exige maior atenção crítica e a discussão sobre preservação
em certas mega-estruturas de habitaçao popular com perfil degradante, deve
ser bem avaliada.
89
O fenômeno da obsolescência industrial e da descentralização desse
setor ocorre pelo menos há 30 anos na Europa. É possível, assim, traçar um
roteiro das mudanças através do reconhecimento das diferenças de cada caso,
de suas origens, condições e valores estratégicos. Muitas dessas áreas
desocupadas ou em fase de abandono o extensas, outras menos
expressivas, podendo mesmo se tratar de edifícios isolados, mas o contexto
urbano e as carências subjacentes serão fundamentais.
Uma reflexão sobre o princípio da conservação, que leva a considerar
sua “proveniência” e sua progressiva extinção durante a história, feita por
Michelangelo Russo, pode levar à afirmação de que a cidade industrial e seus
múltiplos significados, sub espécie de extintas áreas industriais, constituam
parte integrante do patrimônio urbano.
É indispensável definir a condição pós-industrial da cidade a partir de
fenômenos de declínio urbano, da crise dos modelos e das lógicas de produção
conseqüentes das crises energéticas, revolução da informática, até
transformações de mercados e assim por diante. (RUSSO, 1998)
Vez ou outra, em razão das novas técnicas de comunicação, a atividade
desterritorializa-se, dissolve-se como uma nuvem, dispersando-se em uma
miríade de lugares e de terminais que utilizam infra-estruturas em grande parte
imateriais; em outras ocasiões, a atividade desloca-se para diversas partes do
mundo, deixando para trás uma classe operária velha e desmotivada, da qual
apenas uma parte consegue inserir-se em outros setores produtivos. Em
algumas circunstâncias, no entanto, a atividade apenas se transfere para
outros edifícios localizados na mesma cidade, modificando a geografia
90
funcional ou simbólica e, sobretudo, transformando-a na “cidade difusa”
(SECCHI, 2000).
Essa descentralização industrial não está ligada somente à transferência
das áreas de produção, mas à modernização de serviços e infra-estruturas. Ela
cria a perspectiva de uma melhora do equilíbrio demográfico e do
preenchimento das carências de serviços em determinadas áreas da cidade,
prevalecendo o conceito de construir no já construído.
Mas nem tudo que caracterizou a cidade industrial fábricas, áreas de
produção, equipamentos superados pode ser considerado como patrimônio,
como objeto a ser conservado e tutelado. Isso exige uma revisão analítica e
crítica desses valores, isto é, quais valores manter, como mantê-los e que
relações devem estabelecer com a cidade.
Figura 27 Marginal Tietê / Ponte do Pacaembú SP
91
Essas fábricas, armazéns e galpões, antes em regiões relativamente
afastadas dos centros das cidades, hoje, engolfados pelo crescimento urbano,
ganham nova centralidade. A obsolescência industrial gera estratagemas, pois
torna disponíveis para novos “tipos” de usos, áreas e partes do território ou
imóveis com uma posição central e estratégica no contexto urbano, e um grau
de infra-estruturas e relações de diferentes intensidades, mas já existentes.
A reutilização destas áreas e edifícios é geralmente caracterizada por
novos usos e funções de caráter coletivo e público, com tendência ao
saneamento ambiental. E, com a mesma lógica de marketing para conservação
de monumentos, os investimentos privados têm grande interesse neste tipo
intervenção.
Do Restauro Romântico ao Restauro Crítico
É importante reconstruir um percurso que, a partir do fim do século XIX,
mostre como o conceito de preservação se transformou. Se antes a
preservação era uma finalidade ligada ao significado de monumento e de
patrimônio histórico-artístico e à tutela de seus valores simbólicos, por meio de
técnicas e práticas específicas, hoje, a ampliação da disciplina do restauro faz
com que a conservação assuma progressivamente a dimensão de “método” em
relação a regras e abordagens que integram diversos saberes e diferentes
disciplinas.
É no Renascimento que se inicia o interesse por edificações do
passado, principalmente aquelas da Antiguidade Clássica. Alberti teve papel de
grande relevância com seu tratado De re aedificatoria, escrito em 1452,
92
baseado no estudo de autores latinos e gregos, em particular dos dez livros De
architectura, de Vitruvius. Mas, a noção de historicidade como entendida hoje,
começou a se estruturar somente a partir do século XVIII, com o nascimento da
arqueologia e da antropologia, ciências incentivadas pela descoberta, em 1740,
das cidades romanas de Herculano e Pompéia. Com o Iluminismo despontava
um sentimento de proteção em relação a um passado arquitetônico, a edifícios
notáveis e a ambientes urbanos ameaçados de perda irremediável devido às
incessantes transformações. Entretanto, os pesquisadores estavam mais
interessados nos vestígios de civilizações antigas, egípcias, gregas e romanas.
A primeira metade do século XIX até as primeiras décadas do século XX
constituem um período dominado por um pensamento elaborado por dois
teóricos com tendências opostas, em relação ao restauro, o arquiteto francês
Eugéne Viollet-Le-Duc (1814-1879) e o pensador e escritor inglês John Ruskin
(1819-1900). Suas teorias foram consagradas pela historiografia da
preservação de monumentos históricos, pela grande influência que exerceram
em sua época e resultaram em atuações e posturas de capital importância.
Viollet-Le-Duc formula o restauro estilístico, em que o restaurador deve
penetrar na mentalidade do arquiteto que realizou a obra a ser restaurada. Ele
desenvolve extensamente suas idéias em 1858, reproduzidas no seu
Dictionnaire raisonné d'architecture, no qual acreditava que restaurar um
edifício o queria dizer apenas conservar, reparar ou reconstruir, mas
aperfeiçoá-lo a uma condição de plenitude como ele jamais esteve. A partir
destes princípios, numerosas obras foram restauradas com uma metodologia
arbitrária e manipulados sem muitos escrúpulos, pois complementações e
substituições destruíram características específicas do objeto em questão.
93
John Ruskin, por sua vez, testemunha o desenvolvimento da Inglaterra e
as transformações ocorridas na Europa com a Revolução Industrial; ele
acreditava no artesanato como expressão da criatividade humana, da sua
individualidade e de seu equilíbrio com a natureza e com Deus e se opunha à
produção industrial enquanto causa de alienação e despersonalização. Através
dessa ótica, Ruskin afirmava que o monumento devia permanecer assim como
estava, conservado apenas, sem intervenções, modificação ou falsificação.
Segundo ele, o monumento quando está em ruínas deixa de ter uma imagem
de acabado e adquire uma dimensão infinita que se confunde com a natureza,
este tipo de intervenção foi mais tarde denominado restauro romântico. Para
Ruskin, mesmo a simples substituição das antigas pedras destruiria o
monumento e como resultado se obteria somente um modelo do velho edifício.
John Ruskin e o artista inglês William Morris (1834-1896), um dos
principais fundadores do movimento britânico Arts and Crafts, mais tarde
prefiguram um sentido de conservação como distinção entre o espaço do
conhecimento e da interpretação e o espaço criativo. Pensam a conservação
da cidade como estrutura carregada de relações com o antigo, cujo tecido
deveria ser considerado patrimônio intocável, e cuja salvaguarda assumiria
caráter de uma prática que bloqueia os efeitos devastadores do tempo.
Depois de quase meio século de predomínio do método estilístico na
Itália, durante as décadas de 1880/1890, amadurecem novas posturas em
relação às posições extremas de Viollet-le-Duc e Ruskin o restauro histórico
e o restauro moderno associadas respectivamente às figuras dos arquitetos
Luca Beltrami (1854-1933) e Camillo Boito (1836-1914).
94
O restauro histórico se fundamenta na filologia e na convicção de que
todos os monumentos o distintos e finalizados por si mesmos; o monumento
é considerado essencialmente como um documento. As intervenções deveriam
ser realizadas baseando-se em dados de arquivos, livros, gravuras e na análise
da própria construção, portanto, em provas fornecidas pela pesquisa histórica e
pelo próprio objeto de estudos.
Em relação ao restauro moderno, Boito em 1883 concebia os
monumentos como documentos da história da civilização, apoiando radicais
demolições na Itália sem sensibilidade ao contexto ambiental. Ele acreditava,
basicamente, que os monumentos são documentos da história dos povos;
neles deviam ser evitados acréscimos e renovações, embora as alterações
ocorridas em outras épocas pudessem ser consideradas como partes dos
mesmos.
O arquiteto e historiador vienense Camillo Sitte (1843-1903), sugere que
o espaço urbano torne-se o espaço em negativo da arquitetura. Considera o
espaço entre edifícios com vida própria, como se se tratasse de um
monumento. Em seu livro L'arte di costruire le città (A Arte de Construir as
Cidades, 1981), até hoje uma referência para os arquitetos, ele observa que a
cidade antiga constituía uma figura histórica, um modelo evolutivo cujo último
estágio coincide com a civilização industrial. Posiciona-se contra a rigidez e
simetria dos projetos urbanísticos contemporâneos, criticando o isolamento dos
monumentos, preocupando-se com a estética das cidades. Defende a
preservação e perpetuação dos tecidos urbanos tradicionais, onde as pessoas
se sentiam bem. Ele afirma que a decadência da qualidade estética da cidade
moderna ocorre devido à falta total de princípios de composição que controlem
95
a escala dos projetos e as técnicas de construção. Com referência à forma da
cidade antiga e seu estudo morfológico, seu método de refletir sobre a história
e sobre a conservação, torna-se instrumento de conhecimento do projeto para
se obter aspectos formativos e estruturais.
A obra de Alois Riegel (1858-1905), arquiteto e historiador de arte
austríaco, reformula as bases teóricas para a definição do conceito de
monumento. Seu raciocínio para um conceito moderno de patrimônio urbano
fundamenta-se em uma codificação de valores que estão além do caráter
puramente estético e semântico. Para ele, o valor do antigo é totalmente
independente dos valores que se encontram no material, na tradição das
técnicas de execução e no significado histórico-artístico. Na realidade, o valor
manifesta-se pela deterioração lenta, que o cessa nunca. O valor da
antiguidade representa a memória, isto é, reaparece nos sinais do tempo que
permanecem.
Entretanto, antes de continuar este breve, mas indispensável excursus
histórico, é fundamental registrar o pensamento do filósofo alemão Nietzsche
que, de certo modo, influenciou a intelectualidade da época. Nietzsche (1844-
1900) exaltava a necessidade da história para a vida e a ação. Voltando-se
contra a “história decorativa”, escreve: “Queremos servir à história somente na
medida em que ela sirva à vida”.
A cultura moderna, para ele, parece tomada por uma “hipertrofia” do
saber histórico a doença histórica. Para descrever e tentar curar esta doença
nociva, Nietzsche escreve “Sobre a Utilidade e Danos da História para a Vida”.
O esquecimento, segundo ele, é necessário para a vida; para se poder viver no
presente, é necessário esquecer o passado, para que ele não nos domine, nem
96
paralise. Esse pensamento não significa que a história, fundada na memória do
passado, seja inevitavelmente perniciosa; o importante é a lembrança do
momento certo e na medida adequada. “A história deve ser colocada a serviço
da vida” e não o contrário (NIETZSCHE,1978, p.60).
Ainda, segundo Nietzsche, perdeu-se a relação que deveria subsistir
entre a história e a vida. A história tornou-se ciência objetiva e sem interesse
que impede suas relações com a vida; sua palavra de ordem tornou-se fiat
veritas, pereat vita (seja revelada a verdade, morra a vida). Mas a vida para
Nietzsche deve dominar a ciência, porque um conhecimento que destrói a vida
destrói a si mesmo.
Os conceitos de conservação com tendência, baseados na memória e
na história, foram superados graças às teorias do italiano Gustavo Giovannoni
(1873-1947). Ele era um intelectual polêmico em relação aos cânones
acadêmicos da época; situando-se entre a análise histórica e o projeto de
restauro, impôs uma visão muito ampla do “estudo dos monumentos”, que se
estende para a totalidade do ambiente urbano circundante. Seu conceito de
planejamento urbano estava, de certa forma, em continuidade com o
pensamento de Riegel, desenvolvendo-se em direção à integração dos saberes
e competências diversas do arquiteto e aos diferentes aspectos da cidade que
a compõem.
Ele retoma as regras de Sitte sobre a formação do espaço público da
cidade observando que ao longo dos séculos os tecidos antigos se adensaram
e causaram uma ruptura do equilíbrio da densidade física e social. Porém,
Giovannoni critica as teorias de Haussmann acreditando que é necessário ter
um certo cuidado em relação aos tecidos pré-existentes para não criar cortes
97
no tecido urbano, mas sim percursos que mantêm sua fisionomia e impedem
danos causados aos elementos urbanos pelas retificações que freqüentemente
provocam o isolamento dos monumentos e rompem a harmonia urbana
herdada da antiguidade.
A partir de 1935, começam a aparecer em revistas especializadas
artigos sobre arquiteturas menores. O conceito de arquitetura menor ou
vernacular nasce de uma das ramificações do regionalismo e serve para atrair
a atenção de estudiosos como Pagano sobre uma série de áreas e de centros
abandonados.
O pensamento de Gustavo Giovannoni influenciou, com sua visão
italiana, toda a primeira metade do século XX, a ponto de ser adotado na Carta
de Atenas de 1933 que também questionou a proteção aos monumentos
históricos, embora a questão da preservação das cidades não estivesse ainda
em discussão.
Foi somente com Cesare Brandi, nos anos 40 do século XX, que a
dialética entre história e estética no restauro seria formulada abertamente.
Teórico e crítico italiano de história da arte, Cesare Brandi (1906-1988) criou a
teoria da restauração, editada em 1963, distinguindo a restauração de produtos
industrializados daquela realizada em obras de arte. A primeira refere-se à
recuperação da funcionalidade dos objetos e a segunda tem o objetivo de
restaurar a autenticidade material da obra. Leva em consideração seus
aspectos estéticos, correspondentes ao senso artístico, e históricos
relacionados a uma produção humana de um determinado tempo e lugar,
priorizando a estética em caso de conflito.
98
No período do pós-guerra, a Europa teve que enfrentar as
conseqüências das destruições; na Itália, é adotado o restauro crítico, segundo
o qual o monumento deve ter inegável qualidade artística.
Em julho de 1951, a área central, definida como Coração da Cidade, foi
tema do 8
o
CIAM (Congresso Internacional de Arquitetura Moderna), na
pequena cidade de Hoddesdon, próxima a Londres. Naquele encontro, se
vislumbraria um processo de diferenciação mais profundo do movimento
moderno e as idéias centraram-se na retificação da Carta de Atenas. Citaram-
se cidades americanas e seus subúrbios, a criação de zonas centrais para
pedestres nas cidades inglesas, suecas e holandesas, ressaltando a
importância dos centros históricos das cidades italianas. O congresso se
propôs individuar maneiras para “humanizar a vida urbana”, como nova missão
social dos CIAM do pós-guerra. As principais intervenções foram de Sigfried
Giedion, com “As Raízes Históricas do Coração”; José Luis Sert e “A
Necessidade do Coração”; Le Corbusier, em “O Aspecto Humano do Coração”;
Walter Gropius: “A Educação do Arquiteto”. O centro urbano passava a ser o
elemento caracterizador de uma comunidade, voltado aos seus habitantes
(Sert), o repositório da memória da coletividade (Gropius), e o local que
possibilitava entender o aspecto comunitário da vida humana (Jacob B.
Bakema)
6
.
Entretanto, conforme escreve Michelangelo Russo, foi na Convenção
Internacional de Veneza, em 1964, que se marca uma passagem importante
para ampliação dos princípios de conservação. Na Carta de Veneza, o
documento é essencialmente baseado numa extensão da noção de
6
Os atos do Congresso podem ser encontrados no livro ROGERS, E.N.; TYRWHITT, J.; SERT
J.L. Il cuore della città. Milano: Hoepli, 1952.
99
monumento para a de ambiente, evidenciando o valor das estratificações
culturais, que incluíam também obras modestas.
a Carta de Amsterdã (1975) estabelece a conservação integrada, isto
é, associa os dois conceitos de conservação/restauro e suas atribuições a um
uso apropriado. O monumento deve ter uma função compatível com sua
natureza e que não comporte modificações violentas ou indiscriminadas. A
história nos demonstra como a sobrevivência da arquitetura antiga está
diretamente ligada ao seu uso.
O patrimônio histórico passou a ser considerado não apenas como
testemunho de gerações passadas que nos transmitem seus valores culturais e
de uso, mas também começou a respeitar ou assimilou os valores sociais e
econômicos da atualidade.
Deste excursus percebe-se como não somente o conceito de restauro
sofreu fortes transformações no tempo sob o influxo das modas, filosofias,
acontecimentos políticos e do próprio conceito de arte e de arquitetura, mas
também como o profissional denominado restaurador mudou sua postura.
Entre intervalos de admiração, nostalgia e qualquer outro tipo de culto
pelas obras do passado, sucederam-se diversos momentos marcados por forte
aversão pelos símbolos e monumentos de uma cultura sócio-religiosa
precedente, concomitantes a revoluções ideológicas drásticas.
Com a Revolução Industrial, com os novos meios de transporte e,
principalmente pelo grande respeito que a ciência suscita no mundo
contemporâneo, mesmo a conservação de monumentos percorre caminhos
totalmente novos, sem precedentes em épocas passadas.
100
Como Jane Jacobs (2000) nota, as cidades o um imenso laboratório
experimental, teatro dos falimentos e dos sucessos da construção e da
arquitetura urbana.
Podemos assim concluir que o nascimento e a evolução da idéia de
patrimônio urbano têm origem na passagem cultural que transforma a cidade
material em objeto de saber histórico; tal conversão, pode-se dizer,
aconteceu no fim do Oitocentos, em seguida às transformações da cidade
industrial e aos inevitáveis efeitos sobre o espaço urbano devido à
desorganização do ambiente tradicional. A cidade antiga, mesmo a colonial, é
uma cidade de proximidade e vizinhança, enquanto a contemporânea é feita de
intervenções fragmentárias, de subtrações e acréscimos cumulativos que,
embora ajam pontualmente e localmente, conseguem dar um novo sentido a
todo o complexo urbano.
Mescla de Pessoas e Diversificação de Atividades
Todo discurso de preservação da memória, da história e da identidade
que atravessa o século é posto em xeque pelo tipo, forma e modo de
apropriação desses espaços. A reutilização de um bem é a forma mais eficaz
para garantir sua preservação, pois um monumento sem uso se deteriora
rapidamente. Os poderes econômico e comercial se apropriam do valor
cultural; para ser usufruído pela cultura predominante, acabam por desvinculá-
lo de toda a sua rede de relações anteriores.
Segundo Michelangelo Russo (1998), conservar, em primeira instância,
significa especificar os valores implícitos nos bens culturais e nas relações
101
existentes entre o patrimônio e a cidade, mas significa também individualizar
estratégias para a sua manutenção e sua continuidade.
A preservação da cidade deve manter os modos de vida a ela
vinculados. A arquitetura vernacular necessita ser considerada dentro do seu
contexto, como uma ponte entre a história e a arquitetura, como um sistema
contínuo de referências para a transformação e tutela dos valores históricos e
culturais e para a formação de uma consciência popular. Visto que muitos
edifícios sobrevivem a si mesmos e à sua função, transformá-los é e continuará
a ser uma ação importante. Do mesmo modo como é importante transformá-los
fisicamente, é importante analisar o conceito e aprofundar seu fundamento
lógico.
A recuperação deve considerar os efeitos do re-equilíbrio e
transformação em escala urbana e territorial, em conexão com uma ampla
estratégia de valores, entre os quais uma mescla bem complexa de usos que
requer uma variedade enorme de ingredientes para conferir à cidade a
segurança das ruas, os contatos entre os habitantes.
As intricadas misturas de usos diversos nas cidades o são uma forma
de caos; ao contrário, elas representam uma complexa e altamente evoluída
ordem. De qualquer maneira, fica evidente que as intricadas mesclas de
edifícios, usos e visuais o necessárias para a vitalidade dos bairros urbanos.
É verdade que as diversidades trazem consigo inconvenientes que lhes são
atribuídos pela doutrina e literatura urbanísticas como feiúra, conflito entre os
vários usos, e congestionamentos, conforme previsto por Jane Jacobs, entre
outros urbanistas.
102
Escreve David Harvey (1992), que, atualmente, é norma procurar
estratégias pluralistas e orgânicas para a abordagem do desenvolvimento
urbano, como uma colagem de espaços altamente diferenciados, ao invés de
perseguir planos baseados no zoneamento funcional de atividades diferentes.
A cidade-colagem é agora o tema explorado, e a “revitalização urbana”
substitui a “renovação urbana” como a palavra-chave do léxico dos
planejadores. Em qualquer espaço de território urbano são imprescindíveis
serviços diversificados com importância territorial que permitam os
intercâmbios com as outras partes da cidade.
A esse respeito, Jane Jacobs escreve que as cidades têm necessidade
de usos complexos e diversificados independentes entre si, tanto sob o aspecto
econômico quanto social. As zonas doentes são exatamente aquelas nas quais
falta esta espécie de complexa inter-independência.
Os centros urbanos nasceram para ter funções. Hoje, é necessário
reforçar aquelas funções e aqueles valores, recuperar a ordem natural que
mescla os diversos setores: comercial, residencial, laboratórios, escritórios,
lojas, equipamentos públicos e privados, também porque esses setores estão
ligados a uma dimensão da identidade histórica extremamente diversificada. O
bairro, ou melhor ainda o maior número possível de zonas que o compõem
continua Jane Jacobs, deve servir para muitas funções primárias possíveis, de
preferência mais de duas. Estas funções têm de assegurar a presença de
pessoas que povoem as ruas em horários diferentes e que, apesar de
freqüentarem a região por motivos diferentes, mantenham o mesmo modo de
uso de seus equipamentos.
103
As ruas sempre asseguraram às cidades uma continuidade sem a qual
qualquer bairro poderia pertencer a qualquer cidade. Sempre tiveram grande
importância na estrutura e formação das cidades brasileiras como também nas
inter-relações entre os cidadãos.
Da mesma maneira, a mistura de usos aos quais são destinados os
edifícios reflete-se diretamente em uma variedade de “usuários que entram e
saem em horários diferentes, em função de seus trabalhos; o ambiente urbano
torna-se uma complexa seqüência de usos e utilizadores” (JACOBS, 2000, p.
88).
Jeudy alerta para o fato de que ao tentar recuperar os centros históricos
pode-se fazer uma tábula rasa da região; expulsar a população, mudar a
configuração do lugar para atrair um público mais rico, instalar restaurantes etc.
Diz ele que poderiam ser feitas as mesmas coisas com a colaboração da
população, sem removê-la; com a participação das instituições que ali atuam e
com ajuda do governo. A prática hoje consiste em expulsar antes para depois
restaurar tudo, embelezando para habitantes mais ricos que aí irão residir
(Jeudy, 2001).
Portanto, a extensão do conceito de preservação pode efetivar-se
somente a partir da re-interpretação da mescla de atividades, multiplicidade e
densidade do ambiente urbano. E esse é o caminho para se efetuar um novo
equilíbrio ao desenvolvimento desordenado da cidade e à falta de serviços
adequados no plano metropolitano, urbano e local.
Quanto mais uma cidade conseguir misturar em suas ruas,
quotidianamente, uma variedade de usos e utilizadores, tanto melhor. Em
outras palavras, escreve Jane Jacobs “quanto mais, os habitantes puderem
104
animar e manter vivos os parques, de forma espontânea e econômica, melhor
será para a cidade” (JACOBS, 1961, p. 103). Os parques, por sua vez, poderão
conferir aos seus bairros amenidade e prazer, ao invés de desolação.
A vida coletiva de tipo informal, que se desenrola nas ruas, pode dar
apoio a uma vida pública mais formal e organizada. Gastam-se fortunas com a
segurança urbana, mas a cidade somente é segura quando se pode encontrar
pessoas nas ruas, a qualquer hora.
Resumindo o pensamento de Jane Jacobs, nas nossas cidades temos
necessidade de todas as formas de diversidade misturadas entre si de modo
que uma mantenha a outra, que a vida urbana possa acontecer de maneira
decorosa e construtiva e que seus habitantes possam manter vivas suas
diversidades e desenvolver melhor ainda esse particular tipo de sociedade e
civilização. Porém, a diversidade urbana nasce na maioria das vezes das
atividades de inúmeros indivíduos e organismos privados diversos, animados
por idéias e finalidades variadas, que programam e operam fora do quadro
formal da intervenção pública. Para se tornarem econômica e socialmente
aptos à formação da diversidade e de seu desenvolvimento otimizado, os
bairros urbanos deverão possuir eficazes misturas de usos primários, edifícios
de idades diferentes e um elevado número de população. “O ambiente urbano
é feito de coisas absolutamente concretas”, escreve Jacobs (1961, p. 88).
Por se tratar de lugar de mistura e diversificação, a cidade
contemporânea é por natureza instável. É a sede de mudanças contínuas que
provoca a formação de situações críticas e soluções transitórias dos
problemas: casas que viram bricas, fábricas que se transformam em teatros,
105
escolas que viram casas, jardins que se tornam parques, ruas tranqüilas que
viram eixos de tráfego intenso.
O fim da modernidade, ressalta Secchi (2000), como o foi para a
cidade antiga, agora é simultaneamente obsolescência e desativação,
transformação e reutilização de muitas de suas partes; como a desativação de
fábricas, de escolas e quartéis, de molhes, de ginásios esportivos, de estações
e pátios ferroviários por terem perdido sua função original. Mescla,
diversificação e obsolescência, sucedendo-se, destroem valores posicionais
7
e
continuamente propõem novos problemas culturais, quer digam respeito aos
graus de tolerância, compatibilidade e incompatibilidade em relação ao outro, a
suas práticas, a seus usos e atividades, aos ruídos, aos odores, quer se refiram
às temporalidades sobrepostas e entrecruzadas.
7
Roy Harrod, um importante economista inglês, para indicar, em termos mais neutros, que o
valor de um bem ou de um serviço pode depender não de sua raridade ou de seu custo de
produção, quanto de sua posição na sociedade ou na cidade, fala de valores posicionais. Ver
Secchi, B., 2000, p. 81.
106
5. Estudo de Casos
Os casos propostos aqui apresentam elementos que têm forte relação
com os temas tratados. Compreendem a importância da arquitetura vernacular
para o genius loci da cidade e para reforçar a cidadania; a reconversão e
recuperação de áreas de obsolescência industrial que interagem com a
complexa estratégia de conservação urbana; a importância dos traçados
históricos e do espaço metavernacular como memória coletiva; os tecidos
mistos sob a ótica da mescla de pessoas e diversificação de atividades; a
questão do espaço público e privado e como eles atuam no espaço semi-
público ou intermediário.
107
Milão
A cidade de Milão contemporânea situa-se em um contexto onde
convivem diferentes realidades, todas facilmente reconhecíveis e
potencialmente expressivas, que partem da sua formação romana, com o
centro medieval, os burgos lineares, os pequenos municípios anexados (mas
não aniquilados), a malha viária do século XIX, a cidade industrial até as
periferias do século XX.
Milão é a capital econômica da Itália pela riqueza e pelos benefícios que
produziu para seus habitantes. É diferente em relação às outras cidades
italianas, até mesmo de Roma, mais atrasadas econômica e socialmente, ainda
Fig. 28 – vista aérea do Duomo e do centro de Milão
108
provincianas e com resquícios da mentalidade camponesa, alimentada e
reforçada durante o fascismo.
Milão, como São Paulo para o Brasil, é a cidade que conduz a Itália por
ter se tornado o centro financeiro e por determinados aspectos culturais. Hoje,
ela é a força motora do país.
Suas origens datam do IV e V culo a.C. com a migração dos celtas e
gálios. A localização estratégica na encruzilhada das vias de comunicações
terrestres e fluviais, entre Veneza, Gália, Espanha e Roma, deu origem ao
nome Mediolanum, do qual derivou Milano.
Em 194 aC, Milão, já então rica e potente, é conquistada pelos
romanos; de suas primeiras muralhas, construídas em meados do século I
a.C., origina-se a cidade concêntrica em redor da qual ela foi crescendo até
nossos dias. No fim do século
III, ela se posiciona como a
segunda cidade em importância
da Europa, atrás de Roma.
No século XV, a
cidade se caracteriza pela
ampliação dos canais e dos
cursos de água, originados com
a finalidade de defesa, para
fornecer água e energia
necessárias à vida da cidade e
às atividades artesanais. Em
Fig. 29 - Desenho esquemático de Leonardo
Da Vinci para Milão - 1497
109
meados do século XV, desenvolve-se, com a colaboração de Leonardo da
Vinci, um sistema inovador de represas e comportas para permitir a
comunicação entre canais de níveis diferentes e de interligação da cidade com
o lago de Como. Mais tarde, Napoleão III amplia essa rede de comunicação
criando uma conexão indireta com o mar ao interligar entre vários rios e lagos
do norte da Itália. Mas essa forma de transporte fluvial decai na segunda
metade do séc. XIX devido à lentidão nas viagens e, principalmente, à
concorrência da ferrovia. Mais tarde, a navegação se ressente principalmente
com o progressivo aumento de automóveis; boa parte dos canais são cobertos
entre 1929 e 1930, durante o período fascista.
A partir do século XVI, Milão é dominada por espanhóis austríacos e
franceses. Cartografias de meados do século XVIII mostram uma cidade
substancialmente igual à do século anterior: o tecido é mais denso de
construções e localizado próximo às muralhas romanas (também chamadas de
republicanas) enquanto que as “espanholas” construções iniciadas em 1535,
durante os 170 anos da ocupação espanhola constituem um limite físico e
administrativo da cidade. Esta área rarefeita será saturada somente em
meados do século XIX (BELSKI; MONTRUCCOLI, 2002).
Em 1796, Napoleão Bonaparte invade Milão e expulsa os austríacos,
dando início a uma rie de infra-estruturas que permite à Itália uma
comunicação direta com a França. Milão se afirma cada vez mais como um
cruzamento de vias de ligação da Itália para a Europa.
A expulsão dos austríacos e a subseqüente proclamação da Unidade
Nacional da Itália, em 1861 a Itália não existia até como nação, ela era
uma somatória de cidades determina o desenvolvimento ferroviário da
110
Região Lombarda, impedido antes pelos invasores. A realização da galeria
Vittorio Emmanuele II e a organização da Praça do Duomo reforçam o
monocentrismo da cidade, relegando a um segundo plano as relações com os
territórios limites.
Em uma análise de planos e projetos para a cidade de Milão Moderna e
Contemporânea, as arquitetas e pesquisadora M.P. Belski e S. Montruccoli em
seu livro Milano, da posta per cavalli a città regioneafirmam que, ao contrário
de Paris com Haussmann (1853) e Barcelona com Cerda y Suer (1859), em
Milão o foi criado nenhum projeto de reurbanização e desenvolvimento. A
estrutura existente se adaptou ao novo modo de vida da cidade industrial sem
1800 – 110 mil habitantes dentro
dos muros espanholas
1860 – 185 mil habitantes incluindo
subúrbios
1900
490 mil habitantes
1940
1
milh
ã
o e 300 mil habitantes
Fig.
30
Milão, seqüência da
dilatação
urbana
1800
-
1940
111
conflitos com o pré-existente, ao contrário, tenta-se
fortificar a cidade histórica. em 1953 ocorre a
aprovação de um plano regulador muito esquemático
para resolver rapidamente as devastações da
Segunda Guerra.
No início do século XX, a expansão industrial, em
apenas dez anos, faz com que a população radicada
junto às muralhas espanholas se reduza, mas fora
delas o povoamento praticamente duplica,
principalmente ao longo do eixo norte-sul de
interligação com o resto da Europa.
Entre 1921 e 1936, período fascista, foram
demolidos inteiros quarteirões milaneses para dar monumentalidade a certos
edifícios ou para criar novas perspectivas. O centro torna-se desestruturado
pela abertura de novas ruas e pelas construções do metrô; nos vazios
resultantes o edificados prédios para o setor terciário. Além disso,
aumentam-se diversos andares nos edifícios existentes dentro das muralhas
republicanas, com a conseqüente alteração das relações dos telhados e do tipo
de construção, embora o alinhamento dos edifícios com a rua e o formato do
quarteirão se mantenham (BELSKI; MONTRUCCOLI, 2002).
Com a lei de Urbanismo Nacional de 1942 a população então com
cerca de 1,2 milhão de pessoas criam-se as “zonas”, que permanecem até
hoje. Isto é, a cidade divide-se em áreas autônomas em relação à Prefeitura;
nada mais do que uma forma de descentralização, cuja competência, entre
Fig. 31
- Expansão urbana de São Paulo
1905, 1930, 1954, 1985.
112
outras, é a aprovação de todo e qualquer projeto, incluindo reformas internas
nos edifícios a até unidades imobiliárias.
Nos anos de 1960, aumenta a especulação urbana do “existente”, isto é,
torna-se comum demolir todo o interior de um edifício de caráter histórico e
artístico mantendo a fachada. Para frear os abusos, alguns anos depois,
instituem-se os Conselhos de Zona, cuja participação direta dos moradores
gera um controle de vizinhança, evitando assim obras abusivas “dentro do
edifício ou da própria unidade imobiliária.
Fig. 32
Divisão da cidade de Milão em zonas
-
200
0
113
A Arquitetura Moderna na Itália
À arquitetura italiana faltaram, na segunda metade do século
passado, os impulsos sociais e econômicos que, nos países da
Europa central e setentrional, abriram o caminho à renovação dos
processos construtivos e colocaram as premissas do urbanismo e da
edificação moderna (ARGAN, 2001, p. 175).
No que concerne à arquitetura milanesa, o único movimento de vanguarda de
certa importância consiste no Futurismo, oficialmente nascido em Milão em
1910 com poeta italiano Filippo Tommaso Marinetti, e concretizado em 1914,
pelo o “Manifesto da Arquitetura Futurista” de Antonio Sant’Elia, (Argan, 2001;
Belski, 2002) que proclama a necessidade de uma profunda renovação formal,
embora afirmasse que a arquitetura “devia permanecer a todo custo arte e
beleza”. (Argan, 2001, p.177)
Com a morte de Sant’Elia, em 1916, a
atmosfera que se respira na Itália era a da
academia, não na arquitetura mas na
pintura também com o retorno de um novo
classicismo. Voltados para um enfoque
Moderno se destacam os arquitetos Giuseppe
Terragni e Giuseppe Pagano. O primeiro, ligado a uma sutil critica do
racionalismo europeu; o segundo, por uma arquitetura humana, historicamente
determinada pelos problemas vitais da sociedade moderna. Edoardo Persico,
mestre de Pagano, contrário à arquitetura monumental oficial do fascismo que
então se produz na Itália e, particularmente em Milão, “é o primeiro a
compreender que a arquitetura moderna não nascia com o cubismo, ou teria
morrido, engatinhando, com Le Corbusier. Mas no ‘sulco do Impressionismo’; e
Fig. 33 - Terragni - Casa Rustici,
Milão, 1935
114
Wright pode ser considerado o Cézanne da arquitetura nova“. (Argan, 2001,
p.205). Segundo Giulio Carlo Argan esta é a única idéia válida expressa na
Itália ou fora dela em torno da arquitetura moderna.
É somente depois da Segunda Guerra Mundial, que se determina na
Itália um movimento concreto rumo à arquitetura moderna; entre 1950 e 1960,
Milão apresentou uma das mais valorizadas arquiteturas da Europa, graças a
profissionais como Giò Ponti, Caccia Dominioni, Giuseppe Teragni, Studio
BBPR (Banfi, Belgioioso, Peressutti, Rogers), Luigi Figini, Gino Pollini, entre
outros.
Nesse período, a arquitetura milanesa estava dividida entre a fidelidade
ao movimento moderno internacional e a busca de novos ideais, em
continuidade com a história, e que exprimissem os conceitos de consciência
Fig. 34 - Edifício Pireli – arq. Giò Ponti
1955 – 1960
Fig. 35 - Torre Velasca
projeto BBPR 1957/59
115
histórica, tradição e importância do sítio, expostos por Rogers na expressão
preesistenze ambientali (pré-existência no ambiente) por ele criada.
Entretanto, entre os anos de 1970 e de 1990, a cidade passa por
período obscuro em função de ideais políticos, principalmente da esquerda,
abrindo mercado de trabalho para arquitetos “menores”. O debate somente
ocorria no âmbito da Universidade de Arquitetura, com Aldo Rossi, Gae Aulenti,
Vittorio Gregotti, pouco apreciados na Itália em razão do forte tradicionalismo
no país.
116
Projeto de Recuperação Edifício de Via Bramante em Milão (1996-1999)
O edifício de via Bramante é uma típica estrutura arquitetônica
vernacular da Lombardia, chamada na língua original de casa de ringhiera.
Estas construções surgiram em meados do séc. XIX, reproduzindo modelo
das
Fig. 36
Milão
,
co
m localização da via Bramante
, 2002
Fig. 37 – edifício da via Bramante pouco antes das obras
de recuperação, 1996.
Fig. 38 – edifício da via Bramante após as obras
de recuperação, 1999.
117
Fig. 40
Ed. via Braman
te Planta 1° andar
casas rurais, principalmente junto às portas da cidade embora sejam também
numerosas em áreas centrais, nas proximidades de pequenas industrias. Este
tipo de habitação, construído como apartamentos de aluguel destinados à
classe operária e a pequenos
artesãos, constitui uma amostragem
da vida popular de então.
A casa popular milanesa, a
clássica casa de ringhiera,
caracterizava-se não pelo pátio
interno e uma fonte central para
lavagem de roupas, mas por
ringhieras ou ballatoi, ou seja, terraços
com um metro de largura no
máximo, que percorriam todos os
pavimentos ao redor do pátio e por
onde se tinha acesso aos
apartamentos. Essas habitações
eram compostas por dois quartos,
de 4,20 x 4,20m cada; um,
voltado para o pátio interno , era
a zona diurna, usada para
cozinhar, comer, ler, ou
conversar; o outro, com janela
Fig. 42
Ed. via Bramante Planta 3° andar
Fig. 41
Ed. via Bramante Planta 2° andar
Fig. 39
Ed. via Bramante Planta térreo
118
para a rua, era destinado ao repouso. Em muitas dessas casas o
existia água corrente. Os banheiros de uso comunitário estavam localizados
no ballatoio e os apartamentos eram aquecidos com carvão. O espaço era um
luxo e estes apartamentos eram ocupados por famílias de cinco a sete
pessoas. O andar térreo, como as bodegas medievais, em geral era usado
para oficinas, estrebarias, secagem de salames ou engarrafamento de vinhos.
Somente os que tinham acesso direto à rua ficavam abertos ao público.
As casas de ringhiera revelam como se entrelaçavam os diferentes
aspectos do quotidiano, visto que muitas ocupações se desenvolviam em
público, principalmente no pátio que representava o centro de atividades das
famílias residentes.
Com o passar dos anos e a chegada de novas tecnologias com
máquinas de lavar roupa, fogão a gás, aquecimento centralizado, o
desmembramento da propriedade de um único dono para vários, a subdivisão
das unidades e sua transformação em condomínio, com o crescente aumento
da renda
Fig. 43 – Ed. via Bramante pouco antes
das obras
de recuperação, 3° andar.
Fig. 44 – Ed. via Bramante após as obras
de
recuperação, local para lavagem de roupa.
119
individual, provocaram sérias modificações nos apartamentos. As atividades
comunitárias de então foram substituídas por outros aspectos da sociedade
contemporânea, visto que o pátio de espaço privado torna-se semipúblico.
O edifício de via Bramante resulta de sucessivas edificações iniciadas
em meados do séc. XIX, em função da pequena fábrica de tabaco localizada
em suas proximidades. No início do século XX, a construção de outro edifício
de ringhiera altera a conformação original do grande pátio quadrado,
destinando metade desse espaço para cada um dos prédios. Não existem,
porém, documentos precisos que identifiquem esse processo.
A obra em questão é apenas um exemplo entre centenas de outros
edifícios vernaculares com as mesmas características que, como toda obra de
Fig. 45 – Ed. via Bramante pouco antes
das obras
de recuperação, 1996.
Fig. 46 – Ed. via Bramante após
as obras
de recuperação,1999.
120
importância estética ou simplesmente histórica, por força das circunstâncias
torna-se objeto de transformação, de adaptações, de reconstruções.
Esta tipologia típica milanesa inspirou Aldo Rossi no projeto do
Gallaratese, em que a construção toda se desenvolveu ao longo de
uma galeria ou passagem a ballatoio. Constata-se, portanto, que o passado e
o estilo local propõem as fórmulas
da arquitetura moderna, e “a galeria
se torna uma rua interna elevada”.
(ROSSI, 1984, p. 25) resultando em
uma “construção que se realiza na
manipulação consciente dos
elementos da arquitetura” (MONEO,
2004, p. 50).
É evidente também a relação tipológica que Gregotti faz com as casas de
habitação popular da Bicocca; ele respeita a planta interna com dois ambientes,
modernizando-a com banheiros e cozinha, mas mantendo a dupla relação de
janela/pátio, janela/rua; respeita o aspecto externo das casas de ringhiera mas
não parece preocupado com a liberdade que utiliza os elementos
caracterizantes, em que o ballatoio se torna privado, os pátios se abrem para o
entorno, o tipo é reduzido à imagem. Na realidade, a identificação de um tipo,
neste caso a ringhiera e o tio - elementos familiares ao milanês - segundo
Moneo (2004), pode ser a maneira com a qual o arquiteto pode estabelecer
relações sólidas com a sociedade;
Fig. 47 – Edifício habitação popular Gallaratese
(1967-1972) projeto arq. Aldo Rossi.
121
A Via Bramante, hoje, encontra-se em bairro extremamente central,
junto às primeiras muralhas (romanas ou republicanas); a estrutura econômica
e social de seus ocupantes é diferente e varia, apesar de que, em 1999, época
de sua recuperação, ainda existiam apartamentos com a mesma estrutura
original e moradores que aí viviam nas mesmas condições de quando foi
construído o edifício, sem banheiro ou aquecimento.
A população operária foi expulsa e substituída por uma classe média e
média/alta, mas isso não ocorreu devido à re-qualificação do edifício. O
processo vem de mais longe, da mudança da sociedade moderna em um
primeiro momento e, depois, com a cidade contemporânea. O próprio centro
histórico mudou como mudaram as condições de comércio e de economia
também.
Hoje as casas de ringhiera são particularmente caracterizadas pela
presença de diversos grupos sociais e etnias diferentes. O edifício adquire
assim significado urbano, tal qual um pedaço de cidade pela presença de
escritórios, lojas e atividades abertas ao público, localizados no térreo tanto
aqueles com acesso direto à rua, quanto os com acesso somente pelo pátio
que substituíram oficinas ou estrebarias.
Fig. 48 – Edifício habitação popular na Bicocca (1999) projeto arq. Vittorio Gregotti.
122
Atualmente, no edifício de Via Bramante, poucos apartamentos
mantiveram a estrutura original: foram reformados pelos proprietários que
reuniram vários módulos, criando unidades de várias dimensões das 70
residências e 26 espaços comerciais, passaram respectivamente a 30
residenciais e 11 comerciais; foram acrescentados aquecimento, cozinhas e
banheiros. Isto implicou em modificação nas instalações hidráulicas, elétricas,
telefônicas, de esgoto, gás individual, sem nenhum planejamento na estrutura
do prédio – dando ao edifício um aspecto extremamente degradado.
Em Milão e na Itália em geral, os edifícios não são tombados um a um
seguindo critérios de valor arquitetônico que podem ser facilmente
Fig. 49 – Vista do edifício de via Bramante apos as obras de recuperação.
123
contestados. A cidade é considerada como um todo, com a sua formação
histórica e arquitetônica que caracterizam seu genius loci. Todos os edifícios
considerados “históricos” mesmo sem importância arquitetônica significativa,
não podem ser demolidos a não ser que atinjam níveis de degradação com
um risco estrutural grave. E existem normas da prefeitura muito rígidas para a
restauração destas construções.
O Via Bramante, é considerado um edifício com vínculo histórico ao
qual a população atribui um valor particularmente elevado; para sua
recuperação respeitaram-se as normas da prefeitura e mantidas as
características das Casas de ringhiera Vecchia Milano com a cor, estrutura e
simplicidade dos elementos componentes e decorativos: deu-se porém uma
nova imagem ao edifico com particular atenção aos detalhes que introduziram
uma relação de continuidade entre os diversos tipos e elementos.
124
Area Pirelli – Bicocca (1984 – 2006)
O
projeto de intervenção em Bicocca, antiga área industrial da Pirelli,
constitui uma das intervenções urbanas mais amplas e significativas realizadas
em Milão. Aborda uma complexidade de
temas que compreendem a
requalificação e recuperação de uma
área da periferia historicamente
consolidada pela estratificação de
valores sociais, industriais e urbanos,
com traçados históricos bem definidos e
imagens formais consolidadas que
pertencem ao contexto da periferia
industrial.
A área da Bicocca é muito
particular, faz parte de uma periferia
Fig. 50
-
Foto área
da área Bicocca antes das obras,
1984
.
Fig. 51 - Quatro plantas de Milão e Monza e suas
áreas edificadas, 1908, 1914, 1944, 1984.
125
localizada ao norte de Milão, a cerca de dez quilômetros do centro, onde foram
implantadas as grandes indústrias pesadas do início do século passado. Ainda
permanecem nela muitas indústrias pequenas e sua população é bastante
densa.
O nome de Bicocca (casa abandonada) dado ao bairro, deriva da
localização na área de uma casa de campo do século XVI que pertencia a uma
família nobre milanesa, os Arcimboldi; hoje restaurado, o imóvel é sede de
reuniões da direção da Pirelli. Com o tempo, o nome de Bicocca degli
Arcimboldi foi simplificado para Bicocca.
As indústrias Pirelli haviam se
transferido, alguns anos, para um
subúrbio mais adequado, visto que a área
onde funcionava a sede desde 1900, então
zona rural, hoje faz parte do hinterland de
Milão. Esse caso espelha a crise da cidade
contemporânea e da perda de uma cultura do habitar em razão dos vazios
deixados pelos complexos industriais que refletem também um problema
comum em várias metrópoles.
Com uma superfície total de aproximadamente 680 mil metros
quadrados de superfície e cerca de vinte novas edificações, o projeto foi
totalmente realizado pelo arquiteto italiano Vittorio Gregotti, vencedor de um
concurso fechado a alguns arquitetos, realizado em 1985.
Fig. 52 - A “Bicocca degli Arcimboldi”
séc.
XVI
126
O Concurso
Organizado em duas fases pela própria Pirelli, o concurso contou com a
participação, na primeira etapa, de dezenove arquitetos de renome
internacional, entre os quais o brasileiro Joaquim Guedes. O objetivo seria
ocupar os terrenos da Bicocca com um centro tecnológico polifuncional,
agrupando laboratórios, centros de pesquisa e desenvolvimento, atividades
industriais de tecnologia de ponta, centros de informática e telemática,
institutos de formação profissional e universitária, e ainda espaços de
encontros e serviços para atender às necessidades dos usuários.
A segunda fase teve a participação dos arquitetos Gino Valli, Roberto
Gabetti, Aimaro Isola e Vittorio Gregotti. O projeto vencedor, de Gregotti, foi
aprovado pela prefeitura somente em 1988, depois de muitas discussões e
mudanças de objetivos solicitadas
pelos vários órgãos municipais.
A Pirelli e a prefeitura
estipularam acordos econômicos
básicos, com a colaboração entre
iniciativa privada e pública,
determinando quais edificações
responderiam às necessidades da
cidade. Para isso, utilizaram basicamente o critério de contrapartida e o
pagamento de emolumentos à prefeitura para obter concessões de construção,
por meio de lei aprovada em Milão, em 1977. Foi feito um macro-acordo entre
grupos políticos para definir diretrizes estratégicas de desenvolvimento e de
Fig. 53 – A avenida dos depósitos das Indústrias
Pirelli – Bicocca, em 1922
127
potencialização da cidade. O problema centrava-se sempre na avaliação de
novos e possíveis usos do território.
Na Bicocca, questionou-se o aproveitamento desta específica área de
localização estratégica, próxima à rodovia de ligação com o norte da Europa;
as hipóteses variavam entre um imenso bairro residencial ou a fragmentação
da área de maneira que ocorresse sua expansão natural.
Conceitos do Projeto
O projeto original sofreu grandes modificações; vários requisitos da
prefeitura condicionaram sua aprovação. Um projeto de uma área tão relevante
para a cidade como para todo o território deveria analisar a qualidade do
espaço aberto e de uso público, fazer uma leitura da paisagem, do lugar, da
sua atmosfera, de seu genius loci, das relações com o sitio. Deveria verificar,
segundo Gregotti (1999), também, a articulação e diversificação das funções,
mescla das atividades, dos serviços que definem a hierarquia dos espaços
construídos e a presença de serviços de valor territorial que estabelecessem
intercâmbios com outras partes da cidade, de forma individualizada.
Fig. 54 - Uma passagem de interligação
entre dois edifícios das Indústrias Pirelli
– Bicocca, em 1947.
Fig. 55 - Uma passagem de interligação
entre dois edifícios universitários na
Bicocca, 2001.
128
O projeto resultante não procurou responder somente às
ideologias de mercado; pretendia ser a simulação da
reorganização ideal de uma sociedade reconstruída, sem
pretensão de se tornar referência.
Questionou-se o novo desempenho dessa específica
área e decidiu-se por concentrar nela aspectos muito especiais
da periferia, como fixar em seu interior uma zona de uso misto e
diferenciado por meio de residências e de serviços,
especialmente de uso comunitário, ou seja, hospitais, escolas e
universidades. Considerando, conforme Russo (1998, p. 111)
afirma em Aree dismesse, que “a qualidade da operação urbana
está na integração equilibrada entre funções diversificadas, [...]
de maneira sejam criadas as condições de complexidade
urbana”.
Esses serviços exigem intercâmbios com outros setores
da cidade, gerando possibilidades para suportar variações e
complementação sem perda de identidade da população local,
seja por tipo de atividade, poder econômico, origens ou idade.
Os recursos não se limitariam somente ao bairro
circundante, mas se integrariam ao território, posicionando-o
como pólo centralizador em relação ao norte da cidade, a fim de
que o centro histórico de Milão não fosse o único ponto de
referência da cidade.
“Na Itália, um centro histórico de periferia deve se
129
caracterizar por seis condições que representam uma precisa tomada de
posição no debate sobre regulamentação e desregulamentação do desenho da
expansão urbana”. (I GREGOTTI, 1999, p. 30). Esses pontos que
determinaram o desenho da Bicocca seguem abaixo na versão de Gregotti:
1 Uma suficiente articulação dos diferentes usos e serviços e a
presença de um serviço superior, de valor territorial, para promover
intercâmbio com outras partes da cidade e da área;
2 Uma população socialmente diferente em seu próprio espaço
interno – tanto por atividades, capacidade financeira, como mistura de
origens, de idade e de condições;
3 Cuidado no desenho e na gestão dos espaços abertos e
coletivos: ruas, praças, espaços verdes, avenidas, etc. A relação
entre os espaços construídos é tão importante quanto a qualidade da
própria construção;
4 Um sistema de transportes com acesso eficiente e variado sem
acumular em seu interior um tráfego impróprio;
5 Um desenho urbano ordenado por precisas regras de ocupação
territorial, com uma leitura clara e, ao mesmo tempo, densa, para
constituir um sistema rico e um conjunto de relações diferenciadas
entre as partes;
6 Uma estrutura em condições de organizar e fazer reconhecer
partes ou espaços específicos e mistos, que estejam em condições
de favorecer um sistema de orientação simples e em vários níveis de
percepção (GREGOTTI, 1999, p.30 -32).
Fig. 56
Uma vista aérea da Bicocca de hoje.
130
O projeto, portanto, procurou conciliar a re-interpretação da
multiplicidade e densidade da cidade histórica com as exigências do presente,
ocupando o "vazio" com edifícios e espaços bem definidos (GREGOTTI, 2000).
A Bicocca deveria se transformar em um "centro histórico" da periferia. Para
isso, além da construção de edifícios residenciais destinados a várias
classes sociais, e de comércio, foi construída a segunda Universidade de
Milão; um grande teatro lírico, Degli Arcimboldi , que substituiria o teatro de
ópera Alla Scala enquanto este estava sendo restaurado; um centro de
pesquisa nacional, uma série de grandes bancos internacionais como a
Deutsch Bank, pela excelente e estratégica localização. E espaços públicos,
como uma seqüência de grandes praças, a fim de que essas obras
adquirissem um valor dominante em todo o complexo.
Foi a ocasião de se poder, finalmente, oferecer, pelo menos em parte,
uma direção ao desenvolvimento desordenado da cidade e suprir a falta de
serviços adequados no plano metropolitano, urbano e mesmo de bairro.
(GREGOTTI, 1999; RUSSO, 1998).
Fig. 6
2
: Torre de esfriamento da Pirelli em obras de requalificação
visto da avenida de acesso à cidade.
131
A tipologia das construções da Bicocca inspira-se, mais do que na
cidade histórica, nos elementos tradicionais da cidade operária do início do
século; Gregotti quis dar a idéia da periferia milanesa com características de
solidez do ponto de vista volumétrico, de simplicidade.
Fica claro que, em uma operação urbana dessa importância territorial, é
necessário dar relevância não aos objetos arquitetônicos, mas à relação
entre eles, às seqüências, às escalas, ao espaço metavernacular.
A população prevista para a área é de 10 mil residentes, mais 40 mil
composto de usuários ligados às atividades diurnas; para tanto, foi muito
importante para essa movimentação de pessoas, a transformação do sistema
de transportes urbanos milanês.
Em conclusão,
a arquitetura resultante não nasceu do nada, faz parte de uma
história em transformação, da vontade de seguir novas atividades,
novas funções e novas possibilidades de vida, embora ainda
prevaleçam as tradições do início do século passado, quando a
região começava a ser a mais produtiva de Milão. Isto não pode ser
esquecido e nós o lembramos através da nossa arquitetura
(GREGOTTI, 2000).
Este fato explica a tipologia
das construções da Bicocca,
inspirada mais nos elementos
tradicionais da cidade operária
daquele período, do que na cidade
histórica.
Seguidor de um esquema mais rígido, de influência do norte europeu, onde a
funcionalidade dos espaços internos é regra, Vittorio Gregotti constrói
Fig. 6
3
: Antigos hangares, hoje espaços usados
para exposições em geral.
132
espaços de grande riqueza embora com um mínimo de diversificação de
materiais, os detalhes foram cuidadosamente desenhados para serem
reconhecidos nas diferentes escalas e para que não houvesse diferenças
entre eles e o conjunto. Soluções contínuas seja voltadas para o terciário,
seja para o espaço público ou residencial – oferecem uma imagem convincente
do complexo. O projeto mantém a mesma altura dos edifícios do restante da
cidade, tanto os de caráter residencial como os de caráter terciário,
caracterizados por meio do coroamento com soluções estéticas diferentes.
Existe uma grande coerência entre o desenho urbano geral do complexo e as
características arquitetônicas dos edifícios que o compõe, além de grande
unidade na concepção do desenho dos edifícios.
Fig. 64
Bicocca, praça na proximidades da Universidade de geologia
133
Simplicidade, ordem, organicismo e precisão, dão relevo ao resultado
estético de Bicocca. O sistema viário foi perfeitamente resolvido e ampliado,
complementando a trama preexistente que já se amalgamava com a cidade.
Ao desenho dos espaços abertos observou-se igual importância do
desenho do espaço construído assim como suas relações. Os espaços verdes
são bem maiores proporcionalmente do que aqueles do restante da cidade
milanesa, mas foram tratados como elementos arquitetônicos diferentes.
O sistema viário perfeitamente resolvido respeita a implantação da velha
área industrial conurbada à cidade. A trama original dava continuidade ao
tecido urbano externo e, como tal, se ligava à cidade preexistente. Além disto,
esta trama definia grandes quarteirões nos quais se colocou uma série de
espaços públicos para pedestres o espaço é todo público como uma
seqüência de grandes praças que adquire um valor dominante em todo o
conjunto.
Fig.
65
-
66
– Praça na Universidade de
Ciências, Bicocca, 2001.
134
Durante cinco anos após o concurso, tudo parou devido à transferência
de alguns setores da Pirelli que funcionavam ainda na cidade e a problemas
institucionais. Depois, o processo de construção se agilizou, mas foram
necessários mais dez anos para a estrutura ser plenamente utilizada.
Atualmente existe um sistema de metrô de superfície, permitindo que a
Universidade funcione perfeitamente com mais de 20 mil alunos; o projeto hoje
se estendeu para pequenas áreas limítrofes obsoletas.
A Pirelli resolveu permanecer no local, com suas fundações dos centro
de pesquisa, sede administrativa e da diretoria internacional.
O projeto de Gregotti revela uma leitura pessoal da paisagem, do lugar,
da sua atmosfera, das relações com o sítio. Não a paisagem como realidade
vegetal ou pertencente a um ecossistema, mas como obra construída pelo
homem para se destacar do seu entorno. O conceito de paisagem aqui transita
entre o ato da leitura do visual e a percepção de seu entorno. Pois no entorno
existe tudo: do vazio ao espaço construído, da praça à comunicação visual. Os
códigos, para Gregotti, não são mais as relações entre a estrutura e a forma ou
a fachada e a distribuição interna, e sim a interação destes aspectos entre si e
entre os espaços da cidade. (GREGOTTI, 1999). Entretanto, não significa
regionalismo. O projeto da Bicocca resgata tanto as demarcações dos terrenos
industriais quanto as coberturas dos galpões, com leitura contemporânea da
arquitetura em que os “ismos” são referências e não uma linguagem unívoca.
135
SUPERFÍCIE DA ÁREA: 676.000 m²
ÁREA TOTAL CONSTRUÍDA: 628.366 m²
ÍNDICE DE USO DO TERRITÓRIO: 0,92 m²/
ESTACIONAMENTOS PÚBLICOS: 65.831 m²
Fig. 67 - Planta geral do projeto Bicocca de Gregotti e os
tipos de uso.
EDIFÍCIOS PARTICULARES ÁREA CONSTRUÍDA em m²
Pesquisa e produção 135.227
Residência 132.177
Atividades administrativas 130.538
Formação e pesquisa 114.200
Serviços para empresas 20.248
Parques e jardins 109.143
Serviços públicos e áreas públicas 49.590
Praças e percursos para pedestres
46.000
Equipamentos esportivos
77.500
Ruas e avenidas 98.000
(GREGOTTI, 2001, p.67).
136
6. Conclusão
Na cidade histórica, a morfologia urbana tem a
função de assegurar a permanência, a unidade e a
continuidade no espaço e no tempo, enquanto a
arquitetura é submetida a uma transformação
continua que lhe impõe, por definição, ser
heterogênea, descontinua e fragmentária (HUET,
1984).
Hoje, as cidades são formadas por arquiteturas que se tornaram
monumentos isolados, em razão de o espaço não ser mais estruturado em um
tecido urbano composto por ruas, praças, cheios e vazios, o que acabou
alterando a relação indivíduo-espaço. O modo mais corrente de dar vida a um
pedaço da cidade no cotidiano contemporâneo é o rito do consumismo, que
através dessa compulsão passa-se a imagem não do que o indivíduo é, mas do
que pode vir a ser ao comprar e ostentar determinados bens de consumo.
Na metrópole contemporânea não se oferece mais a ágora ao cidadão,
a espacialidade física de lugares públicos que incentivam encontros, trocas e
relações sociais; não mais arquiteturas que desenvolvem o bem-estar no dia-a-
dia, mas muitos não-lugares, sem conotações mais consistentes.
Em uma análise da qualidade de vida cotidiana que considere a
destruição do espaço urbano pela desvalorização da rua e dos espaços livres
públicos, portanto, da memória e da própria história urbana, constata-se que as
referências comuns desaparecem, os lugares se tornaram não-lugares, uma
vez que é no não-lugar que não existe espaço para a memória, para a história
e para a percepção sensorial. O não-lugar pode ser qualquer lugar que não
137
mantenha ligações com o genius loci do território que o circunda; é aquele
onde o indivíduo inexiste ao se diluir na massa de passantes e consumidores,
cada qual procurando somente satisfazer suas próprias exigências. Conforme
assevera Marc Augé, é no anonimato dos não-lugares, das paisagens
contemporâneas esvaziadas de sentido e de história, que se vivencia hoje,
solitariamente, a comunhão dos destinos humanos. As exigências mudaram,
mas alerta o arquiteto espanhol Oriol Bohigas (1994), “é prioridade organizar os
espaços públicos para controlar a cidade”. É o que está além do espaço
privado que constitui a cidade; ao renovar ou reutilizar o espaço público,
provoca-se uma evolução e recuperação do espaço privado.
Dessa maneira, a conservação como prática específica para
salvaguardar e tutelar os valores históricos e garantir sua continuidade deve
ampliar seus próprios significados e potencialidades, integrando-se ao
complexo processo de transformação urbana, às suas múltiplas formas de vida
contemporânea e às relativas modificações.
Construir no construído aproveitando principalmente as áreas de
obsolescência que fazem parte dos tecidos e traçados existentes aliada à
conseqüente melhoria da cidade consolidada, valorizando as preexistências e
os traçados históricos e geográficos, são idéias estratégicas para a
rearticulação da organização urbana e de seus espaços públicos. A
recuperação das áreas de obsolescência caminha paralelamente a um
processo de investimento voltado à modernização do sistema urbano.
Essa questão pode parecer de importância menor para uma grande
metrópole, em razão das inúmeras problemáticas que deve enfrentar
comparativamente a uma cidade de tamanho médio. No entanto, é preciso
138
avaliar quão relevante significa ordenar pelo menos parte do tecido
metropolitano para evitar sua dissolução em um território sem limites, e, ao
mesmo tempo, identificar e poupar os elementos emblemáticos e as relações
que estabelecem entre si, suas conseqüências, escalas e hierarquias.
Cada cidade tem sua história, sua evolução, seu próprio
desenvolvimento, sua problemática e soluções que podem ser generalizadas.
Mas, por maior que sejam os desafios que a cidade tenha que enfrentar, a
cultura de uma comunidade, entendida em seu aspecto mais amplo de ser, de
viver, de confrontar-se, nasce da consolidação e conscientização de
experiências e valores que os indivíduos da própria comunidade acatam. A
lembrança e a memória são elementos fundamentais para a formação de uma
cultura. Não se pode esquecer que memória nada mais é do que um
depositário das experiências coletivas que se transmitem e se tornam cultura; a
memória tem a faculdade de conservação do saber fazer, da consciência de si
próprio, da lembrança de valores coletivos e de semente para o
desenvolvimento da personalidade. Ela é criadora da identidade das cidades,
dos países, de seus ritos, das celebrações e festas que acontecem nas ruas,
nas praças, nas próprias calçadas que acabam definindo o espaço urbano
construído , estabelecendo forte relação entre arquitetura e a cidade.
A cidade hoje deve poder ser lida, reinterpretada e re-proposta de
maneira sempre atualizada, dispor de seus recursos, entre a arquitetura
vernacular e o espaço metavernacular. Um percurso que se articula por meio
de contínuas explorações no contexto das dinâmicas urbanas, à procura de
uma possível hierarquia de valores que concentram o valor da urbs e da civitas
139
ou, dito de outra maneira, uma trajetória que aponta para a relação entre a
memória e os signos, a cidade e a sociedade.
É necessário que os habitantes conheçam o próprio patrimônio
vernacular e fazer entender o quanto esse valor se reflete na própria
identidade. De maneira diferente das artes decorativas e da arquitetura
monumental, a arquitetura vernacular nunca seguiu caprichos e modismos. Ao
contrário, evoluiu no tempo de maneira quase imperceptível, adaptando-se às
dimensões e às necessidades humanas sem maneirismos. Através dela pode-
se estudar tipos e tipologias esquecidos, delinear um processo de exploração,
de conhecimento e crítica de uma realidade cujo sentido mais profundo parece
submerso e complexo.
140
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ILUSTRAÇÕES:
Fig. 1 – Sobreposição mapa Milão século 1980/ Muralhas romanas
FONTE: GAMBI, Lucio; GOZZOLI, Maria Cristina. La città nella storia d’Italia:
Milano. Roma: Laterza, 1982, p.41.
Fig. 2 – Piazza Del Duomo di Milano
FONTE: <www.discountmilano.com/tour/Classico/PzaDuomo418x296.jpg>,
acesso em 15 nov. 2006.
Fig. 3 – Piazza di Siena
FONTE:<http://www.benessereviaggi.it/alberghi.asp/a_siena-terme/hotels-
siena-terme.html>, acesso em 15 nov. 2006.
Fig. 4 – Diferentes disposições de objetos em um terreno
FONTE: CIANCARELLI, Luca. Tipo e complessità architettonica: trasformabilità
e scomponibilità tipologica. Roma: Kappa, 2005, p. 2.
Fig. 5 Divisões do quadrado, do paralelograma e suas combinações com o
círculo.
FONTE: CIANCARELLI, Luca. Tipo e complessità architettonica: trasformabilità
e scomponibilità tipologica. Roma: Kappa, 2005, p. 3.
Fig. 6 – Campo rural
FONTE: <www.confagricoltura.org/imgnews/campi2.jpg>, acesso em 15 nov.
2006.
Fig. 7 – Galeria Vittorio Emanuele, em Milão, Itália
FONTE: <www.egm.it/comuni/milanogalleria.jpg>, 15 nov. 2006.
Fig. 8 – Uma rua de Milão
FOTO: Marisa Barda
Fig. 9 Variões da estrutura urbana na praça do Duomo em Milão de 1730 a
1960
FONTE: AYMONINO, Carlo. Il significato delle città. Venezia: Marsilio Editore,
2000, p. 29.
Fig. 10 – Casa da Cascata F.L. Wright
FONTE: <www.gibson-design.com/images/sketch-kaufmann2.jpg>, acesso em
11 abr. 2006
Fig. 11 Proposta de Le Corbusier para a Universidade do Brasil, no Rio de
150
Janeiro
FONTE: <http://www.arcoweb.com.br/debate/debate64.asp>, acesso em 15
nov. 2006.
Fig. 12 – Léon Krier: carta para reconstrução da cidade européia
FONTE: <http://www.stefanoborselli.elios.net/scritti/krier_carta.htm>, acesso
em 15 nov. 2006.
Fig. 13 – Desenho de um Shopping Center
FONTE: <http://faculty.washington.edu/jbs/itrans/kasp4.gif>, acesso em 15 nov.
2006.
Fig. 14 - A soleira da porta
FONTE: <www.dj-design.com/Paintings/Old_Woman.JPG>, acesso em 15 nov.
2006.
Fig. 15 Espaço Público/ semi-privado de um edifício da rua Maranhão, São
Paulo
FOTO: Marisa Barda.
Fig.16 – Espaço Intermediário, pórticos na Itália.
FONTE: < http://www.diegobridi.it/ultimidipinti.htm> acesso em 04 jan. 2007.
Fig. 17 – Um não-lugar: Cebolão da Marginal Pinheiros /Marginal Tietê – SP
FOTO: Pulsar Imagens foto Delfim Martins.
Fig. 18 Brasília.
FONTE: SANOVICZ, Abrão V.; KATINSKI, Julio R. Acrópole: Brasília. São
Paulo: Editora Max Gruenwald, 256, 257, 1960, p. 42.
Fig. 19 – Trulli: casas tradicionais de Alberobello, Bari, Itália.
FONTE: <http://home.worldcom.ch/~negenter/458aSemperIntro.html> acesso
em 15 nov. 2006.
Fig. 20 – Sobrados em Perdizes, São Paulo
FOTO: Pulsar Imagens, foto Delfim Martins)
Fig. 21 – Concerto em uma praça em Perugia, Itália
Fig. 22 – Pórticos em Imola, Itália
FONTE: <http://temi.comune.imola.bo.it/riqualifica/portici/progetto.htm>, acesso
em 15 nov. 2006.
Fig. 23 – Unité d’Habitation de Marseille (Le Corbusier)
Fig. 24 – Terminal de ônibus Dom Pedro II – SP
151
FOTO: Pulsar Imagens, foto Delfim Martins
Fig. 25 – Favela Marginal Tietê /Ponte de J. Mesquita Neto – SP
FOTO: Pulsar Imagens, foto Delfim Martins.
Fig. 26 – Edifício São Vito – São Paulo.
FONTE: <www.benettontalk.com/sao.paulo.link.jpg>, acesso em 15 nov. 2006.
Fig. 27 – Marginal Tietê /Ponte do Pacaembú – São Paulo
FOTO: PulsarImagens, foto Delfim Martins.
Fig. 28 – Vista aérea do Duomo e do centro de Milão, 2006.
FONTE: <http://web.tiscali.it/kribo/Varie/milano/milano.htm>, acesso em 17 dez.
2006.
Fig. 29 – Desenho de Leonardo da Vinci, 1497 com estudo de canais para
Milão.
FONTE: GAMBI, Lucio; GOZZOLI, Maria Cristina. La città nella storia d’Italia:
Milano. Roma: Laterza, 1982, p. 45.
Fig. 30 – Quatro seqüências das dilatações urbanas: 1800, 1860, 1900, 1940.
Desenho Giuseppe De Finetti em 1969.
FONTE: GAMBI, Lucio; GOZZOLI, Maria Cristina. La città nella storia d’Italia:
Milano. Roma: Laterza, 1982, p. 320
Fig. 31 – Expansão urbana de São Paulo 1905, 1930, 1954, 1985.
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Fig. 32 – Esquema da cidade de Milão dividida por zonas, 2000.
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Fig. 33 – Arquivo Giuseppe Terragni – Casa Rustici, Milão, 1935-1937
FONTE. <http://www.consarc-ch.com/URLnuovo/galle/musi/musrus.jpg>,
acesso em 6 nov. de 2006.
Fig. 34 – Expansão urbana de São Paulo desde 1905.
FONTE: <http://www.unesco.org.uy/phi/libros/radar/art25.html>, acesso em 15
nov. 2006.
Fig. 35 – Torre Velasca – projeto BBPR 1957/59
FONTE: <www.olivari.it/designers/bbpr.html>, acesso em 17 dez. 2006.
Fig. 36 – Milão, com localização da via Bramante, 2002
FONTE:Tutto città Milano 2004, Milano: editore Seat, 2004, p. 5.
152
Fig. 37 – Edifício da via Bramante pouco antes das obras de recuperação.
FOTO: Marisa Barda.
Fig. 38 – Edifício da via Bramante após as obras de recuperação.
FOTO: Marisa Barda.
Fig. 39 – Edifício da via Bramante Planta andar térreo.
FONTE: Arquivo Marisa Barda.
Fig. 40 – Edifício da via Bramante Planta primeiro andar.
FONTE: Arquivo Marisa Barda.
Fig. 41 – Edifício da via Bramante Planta segundo andar.
FONTE: Arquivo Marisa Barda.
Fig. 42 – Edifício da via Bramante Planta terceiro andar.
FONTE: Arquivo Marisa Barda.
Fig. 43 – Ed. via Bramante pouco antes das obras de recuperação, 3° andar.
FOTO: Marisa Barda.
Fig. 44 – Ed. via Bramante após as obras de recuperação, local para lavagem
de roupa.
FOTO: Matteo Piazza.
Fig. 45 – Ed. via Bramante pouco antes das obras de recuperação.
FOTO: Marisa Barda.
Fig. 46 – Ed. via Bramante após as obras de recuperação.
FOTO: Matteo Piazza
Fig. 47 – Edifício habitação popular Gallaratese (1967-1972) projeto arq. Aldo
Rossi.
FONTE: Rossi, Aldo. Buildings and Projects. New York: Rizzzoli, 1985. p. 80.
Fig. 48 – Foto de edifício de habitação popular na área da Bicocca. Projeto
arquivo Vittorio Gregotti, 1999.
FOTO: Marisa Barda.
Fig. 49 – Vista do edifício de via Bramante após as obras de recuperação.
FOTO: Matteo Piazza.
Fig. 50 – Foto área da área Bicocca antes das obras, 1984.
FONTE: Progetto Bicocca: invito alla progettazione urbanística e architettonica
di un centro tecnologico integrato. Milano: Pirelli, 1984, p. 8-9.
Fig. 51 – Quatro plantas de Milão e Monza e suas áreas edificadas, 1908,
1914, 1944, 1984.
153
FONTE: I quaderni della Bicocca 01: 1985-1998. Milano: Skira, 1998, p.10.
Fig. 52 – A “Bicocca degli Arcimboldiséculo XVI.
FONTE: <http://www.turismo.comune.milano.it/pls/milano/!turismo?pid=21501>,
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Fig. 53 – A avenida dos depósitos das Indústrias Pirelli – Bicocca, em 1922.
FONTE: Progetto Bicocca: invito alla progettazione urbanística e architettonica
di un centro tecnologico integrato. Milano: Pirelli, 1984, p. 17.
Fig. 54 – Uma passagem de interligação entre dois edifícios das Indústrias
Pirelli – Bicocca, em 1947
FONTE: Progetto Bicocca: invito alla progettazione urbanística e architettonica
di un centro tecnologico integrato. Milano: Pirelli, 1984, p. 22.
Fig. 55 – Uma passagem de interligação entre dois edifícios universitários na
Bicocca, 2001.
FONTE: I quaderni della Bicocca 01: 1985- 1998. Milano: Skira, 1998, p. 74.
Fig. 56 – Uma vista aérea da Bicocca de hoje.
FONTE: <http://www.mater.unimib.it/Segreteria_Didattica/Images/Bicocca-
sat1.jpg>, acesso em 16 nov. 2006
Fig. 57 – Torre de esfriamento da Pirelli, 1980.
FONTE: Progetto Bicocca: invito alla progettazione urbanística e architettonica
di un centro tecnologico integrato. Milano: Pirelli, 1984, p. 52.
Fig. 58 – Corte da torre de esfriamento com projeto da nova sede da Pirelli.
FONTE: Desenho fornecido pelo escritório do arquiteto Vittorio Gregotti.
Fig. 59 – Foto da torre de esfriamento da Pirelli visto de cima no início obras do
projeto de requalificação, 2003.
FONTE: Costruire, n° 237, Editrice Abitare Segesta, fev. 2003, p. 50.
Fig. 60 – Foto da torre de esfriamento da Pirelli dentro do edifício invólucro da
torre.
FONTE: Costruire, n° 237, Editrice Abitare Segesta, fev. 2003, p. 50.
Fig. 61 – Foto da ex-torre de esfriamento/Nova sede geral da Pirelli – Bicocca,
2004.
FONTE: Abitare, n° 439, Editrice Abitare Segesta, maio 2004, p. 101.
Fig. 62 – Torre de esfriamento da Pirelli em obras de requalificação, visto da
avenida de acesso à cidade.
FOTO: Marisa Barda
154
Fig. 63 – Antigos hangares, hoje espaços usados para exposições em geral.
FONTE: Marisa Barda
Fig. 64 – Bicocca, praça na proximidades da Universidade de geologia
FONTE: <www.mib.infn.it/layout/bicocca.jpg>, acesso em 04 jan. 2007.
Fig. 65 – Praça na Universidade de Ciências, Bicocca 2001.
FONTE: I quaderni della Bicocca 01: 1985- 1998. Milano: Skira, 1998, p. 19.
Fig. 66 – Praça na Universidade de Ciências, Bicocca 2001.
FONTE: I quaderni della Bicocca 01: 1985- 1998. Milano: Skira, 1998, p. 20.
Fig. 67 – Planta geral do projeto Bicocca de Gregotti e os tipos de uso.
Fonte: I quaderni della Bicocca 01: 1985- 1998. Milano: Skira, 1998, p. 109.
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