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FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ
UNIVERSIDADE DE FORTALEZA - UNIFOR
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS - CCJ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CONSTITUCIONAL
A NATUREZA CONTRATUAL DA RESPONSABILIDADE DO
EMPREGADOR PELO ACIDENTE DE TRABALHO SOFRIDO
PELO EMPREGADO PREVISTA NO INC. XXVIII DO ART. 7
DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Antônio Carlos Alexandre Teixeira Filho
Fortaleza - CE
Outubro - 2008
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ANTÔNIO CARLOS ALEXANDRE TEIXEIRA FILHO
A NATUREZA CONTRATUAL DA RESPONSABILIDADE DO
EMPREGADOR PELO ACIDENTE DE TRABALHO SOFRIDO
PELO EMPREGADO PREVISTA NO INC. XXVIII DO ART. 7
DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Direito como requisito parcial para
a obtenção do título de Mestre em
Direito Constitucional, sob a
orientação da Prof.ª Dr.ª Uinie
Caminha.
Fortaleza - Ceará
2008
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___________________________________________________________________________
T266n Teixeira Filho, Antônio Carlos Alexandre.
A natureza contratual da responsabilidade do empregador pelo acidente
de trabalho sofrido pelo empregado prevista no inc. XXVIII do art. 7 da
constituição federal / Antônio Carlos Alexandre Teixeira Filho. - 2008.
99 f.
Cópia de computador.
Dissertação (mestrado) – Universidade de Fortaleza, 2008.
“Orientação : Profa. Dra. Uinie Caminha.”
1. Responsabilidade civil. 2. Contrato de trabalho. 3. Acidentes de
trabalho.
I. Título.
CDU 347.51
___________________________________________________________________________
ANTÔNIO CARLOS ALEXANDRE TEIXEIRA FILHO
A NATUREZA CONTRATUAL DA RESPONSABILIDADE DO
EMPREGADOR PELO ACIDENTE DE TRABALHO SOFRIDO
PELO EMPREGADO PREVISTA NO INC. XXVIII DO ART. 7
DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________
Prof.ª Dr.ª Uínie Caminha
UNIFOR
_____________________________________________
Prof. Dr. Fernando Bastos Ferraz
UNIFOR
_____________________________________________
Prof. Dr. José Júlio da Ponte Neto
UNIFOR
Dissertação aprovada em:
Dedico esta dissertação à minha
filha Ana Letícia, única razão para
que eu ame, proteja, estude,
trabalhe e tenha sucesso.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, fonte de todo o conhecimento e inspiração, à Ana Carolina por todo o
incentivo para que eu concluísse este trabalho.
Agradeço à minha orientadora, Uínie Caminha, pela paciência e pelo espírito científico
que sempre cultivou.
Agradeço à minha família pelo constante apoio nos momentos de fraqueza e presença
nos momentos de alegria.
“Não basta saber, é preciso
também aplicar; não basta querer,
é preciso também agir.”
(GOETHE)
RESUMO
O princípio protetor no Direito do Trabalho é a pedra de toque para a interpretação das
normas jurídicas trabalhistas, de modo que, respeitadas as científicas regras da hermenêutica,
deve-se dar uma solução ao caso de acordo com a interpretação mais favorável ao
trabalhador. A determinação da natureza jurídica da responsabilidade do empregador pelo
dano moral causado ao empregado é pressuposto para que se saiba, no processo, a quem
incumbirá o ônus de provar o quê. Caso a responsabilidade seja a contratual, caberá ao
empregado apenas a prova do fato causador do dano, restando ao empregador provar que não
agiu com dolo ou culpa, resolvendo-se a querela com a aplicação do art. 389 do novo Código
Civil. Caso se verifique que a responsabilidade é extracontratual, ficará a cargo do empregado
provar, além do dano sofrido, o fato de que o empregador o fez agindo com dolo ou culpa,
com a incidência do art. 186 do código civil. Não é necessário qualquer esforço para perceber
que a responsabilidade extracontratual traz pesado fardo processual ao empregado. No
entanto, no Processo do Trabalho, a hipossuficiência econômica do empregado não é razão
suficiente para a inversão do ônus da prova, devendo haver razões jurídicas relevantes para
tanto. Sugere-se, neste trabalho, a existência de uma cláusula de incolumidade integrante de
um conteúdo mínimo legal do contrato de trabalho, de modo que sua violação poderá causar
dano moral ao empregado, resultando em responsabilidade contratual do empregador pela
indenização. Superada a questão da natureza jurídica, passar-se-á a averiguar a possibilidade
de a responsabilidade subjetiva do empregador prevista no inc. XXVIII do art. 7º da
Constituição Federal ser suplantada pela responsabilidade civil objetiva prevista no parágrafo
único do art. 927 do Código Civil, mediante a averiguação dos danos que podem ser causados
ao princípio da segurança jurídica previsto no caput do art. 5º da Constituição Federal,
analisando-se a possibilidade sob o pálio do princípio da proteção.
Palavras-chave: Responsabilidade. Objetiva. Subjetiva. Natureza. Contrato. Dano.
ABSTRACT
The protection principle is the skeleton key to the interpretation of labor juristic rules.
Nevertheless, the scientific hermeneutic rules must be obeyed in order that the interpretation
be valid. The juristic nature of the employer responsibility for the damages caused to the
employee is required to one know who will be in charge to proof most evidences in court. If
one concludes contractual responsibility, the employee will only have to proof the damage
and the employer that he did not act in a guilty way or actually willing for the damage to
happen. In case one concludes the extra contractual responsibility, the employee, besides
proving the damage, will also have to prove that the employer acted in a guilty way. It is not
necessary any extra effort to realize that the contractual responsibility is a heavy burden for
the employee. However, in the Labor Law procedural system, the fact that the employee is the
fragile part in the labor relation is not enough to invert the “onus probandi”. It is suggested in
this paper the existence of a insurance clause which is part of a minimum content of labor
contract, and its violation may cause damage to the employee, resulting in contractual
responsibility of indemnifying for the employer. After examining the question of juristic
nature of the employer responsibility for the damages caused to the employee, one shall
examine the feasibility of the employer subjective responsibility present in XXVIII art. 7 of
Federal Constitution be overcome by the subjective employer responsibility present in
paragraph one art. 927 of Civil Code, with the examination of the damage that may be caused
to the safety principle present in Federal Constitution, under the analysis of the protection
principle that directs Labor Law.
Key words: Responsibility. Objective. Subjective. Nature. Contract. Damage.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................................11
1 NATUREZA JURÍDICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL...........................................14
1.1 Concepções de natureza................................................................................................16
1.2 Natureza jurídica ..........................................................................................................17
1.3 Natureza jurídica da responsabilidade civil..................................................................20
1.4 A responsabilidade civil e a obrigação de indenizar ....................................................20
1.5 Elementos da responsabilidade civil: pressupostos......................................................21
1.5.1 Conduta humana.................................................................................................22
1.5.2 Dano ...................................................................................................................23
1.5.2.1 Nexo de causalidade.............................................................................29
1.6 Responsabilidades objetiva e subjetiva ........................................................................30
1.7 Quantificação do dano: a doutrina dos “punitive demages” como fator de distribuição de
renda pela justiça do trabalho.........................................................................................34
1.8 Competência da Justiça do Trabalho para ações de dano decorrentes de acidente do
trabalho após a Emenda Constitucional 45/2004........................................................36
2 NATUREZA CONTRATUAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR:
RESPONSABILIDADES CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL.............................40
2.1 Responsabilidades contratual e extracontratual............................................................43
2.2 O ônus de se provar o fato e o dano .............................................................................45
2.3 Natureza contratual da relação de emprego..................................................................51
2.4 Responsabilidade contratual da obrigação de indenizar: conteúdo mínimo legal do
contrato de trabalho......................................................................................................52
2.4.1 Teoria da cláusula de incolumidade ...................................................................54
2.4.1.1 A cláusula de incolumidade e os fatos diretamente relacionados ao
trabalho.................................................................................................60
10
2.4.1.2 A cláusula de incolumidade e os fatos aparentemente não relacionados ao
trabalho..................................................................................................63
3 RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO EMPREGADOR PELO ACIDENTE DE
TRABALHO: A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E O NOVO CÓDIGO CIVIL...........68
3.1 Do conflito aparente de normas....................................................................................70
3.2 Da superabilidade das regras por princípios.................................................................74
3.3 Critérios objetivos para a ponderação de normas.........................................................77
CONCLUSÃO..........................................................................................................................91
REFERÊNCIAS .......................................................................................................................94
INTRODUÇÃO
O objetivo do presente trabalho é constatar que a natureza jurídica da responsabilidade
civil do empregador pelo acidente de trabalho, prevista no inc. XXVIII do art. 7º da
Constituição Federal, é contratual, de modo que o acidente sofrido pelo empregado, por ato
doloso ou culposo do empregador, caracteriza-se descumprimento contratual, ensejando a
responsabilidade subjetiva com presunção de culpa. Ao empregado cabe somente a prova do
ato faltoso e ao empregador a prova de que não agiu nem com dolo nem com culpa.
O Tribunal Superior do Trabalho tem entendido que a responsabilidade do empregador
pelo dano é a subjetiva com presunção de culpa sem, no entanto, dizer em que se funda
referida presunção, uma vez que esta não decorre, como se demonstrará, da pura e
simplesmente vontade do aplicador da lei, mas dependente de toda uma construção teórica no
sentido de se averiguar a contratualidade das relações de trabalho. Em sendo qualquer de suas
cláusulas descumpridas, presume-se a existência do dano e da obrigação de indenizar.
A averiguação da natureza jurídica da relação de emprego é essencial ao
desenvolvimento deste trabalho, haja vista que caso se constate que a relação de emprego tem
natureza contratual, uma vez que em se constatando que a natureza é institucional, a
obrigação de indenizar decorrente do acidente do trabalho decorreria da responsabilidade
extracontratual. Caso se constate que a natureza é contratual, nascendo o vínculo jurídico
entre empregado e empregador de um contrato de trabalho, sustentar-se-ia que as normas de
proteção à relação de trabalho se imantariam ao contrato, formando um conteúdo mínimo que
deve ser respeitado e que não é suscetível de renúncia por parte do empregado, nem possível
sua livre pactuação, desde que se cogite melhoria das condições já impostas pela
Constituição, lei, instrumentos coletivos e determinações dos órgãos administrativos do
trabalho.
Sendo vencedora a tese da contratualidade da relação de emprego, dentre os direitos
existentes no conteúdo mínimo do contrato de trabalho, estariam os de personalidade, tais
como o direito à integridade física do empregado, que, muito embora seja direito objetivo,
12
pode ser perfeitamente inserto em contrato e sua violação redundaria em descumprimento
contratual.
Mostrar-se-á, no curso do presente trabalho, que o direito à integridade física está
direitamente relacionado com o fato de o empregador ter obrigação contratual de manter,
zelar e conservar referidos direitos de personalidade, de modo que o acidente de trabalho
causado por dolo ou culpa do empregador se consubstanciaria em violação de contrato,
ensejando a obrigação de indenizar prevista e disciplinada não nos arts. 186 e 927 do Código
Civil, mas no art. 389 do mesmo diploma legal.
A sustentação da existência de um conteúdo mínimo do contrato de trabalho com base
no art. 444 da Consolidação das Leis do Trabalho, como neste trabalho se verá, leva à teoria
da cláusula de incolumidade, que é instituto trazido do contrato de transporte segundo o qual
o transportador, mediante cláusula implícita, obriga-se a transportar a coisa ou pessoa,
incólume, do lugar de origem ao destino, e a violação dessa obrigação seria descumprimento
contratual.
Na relação de trabalho, demonstrar-se-á que a relação jurídica estabelecida entre
empregado e empregador correspondente ao contrato de emprego cria, de forma implícita,
uma obrigação por parte do empregador de zelar pela segurança do trabalhador contra todo
acidente dito profissional e de vê-lo retornar a casa ou ao trabalho incólume ao final da
jornada. Como adiante será visto, a inobservância da referida cláusula gera obrigação de
indenizar e, caso se conclua pela responsabilidade contratual, ao empregado bastará
demonstrar o descumprimento contratual (dano) pelo empregador, presumindo-se que a parte
que não observou o contrato agiu com dolo ou culpa na sua inexecução.
Sustentar-se-á no presente trabalho que há desrespeito à cláusula de incolumidade
decorrente do conteúdo mínimo legal do contrato de trabalho quando o fato ensejador do dano
estiver diretamente relacionado ao trabalho do empregado, assim entendida não apenas a
prestação em si de serviços, mas todos os aspectos internos e externos à relação jurídica de
trabalho, ou seja, aos fatos aparentemente relacionados ao trabalho e aos aparentemente não
relacionados ao trabalho, bem como o local em que efetivamente presta serviços, seja este
dentro ou fora do estabelecimento do empregador.
Demonstrar-se-á que há situações constrangedoras pelas quais poderá passar o
empregado por ato de seu empregador que parecerão, à primeira vista, nada terem a ver com a
13
relação de emprego, como, por exemplo, ato faltoso perpetrado pelo empregador num
domingo à noite, na fila do cinema, em que se encontrem empregado e empregador, este
disparando contra aquele ofensas à sua honra ou boa fama. A obrigação de indenizar, nesse
caso, é contratual ou extracontratual?
E as ofensas à honra e à boa fama levadas a efeito pelo empregador ou seus prepostos
não contra o empregado, mas contra seus familiares, a obrigação de indenizar é contratual ou
extracontratual? São duas situações distintas que, à primeira vista, parecem merecer
tratamentos distintos.
Finalmente, sustentar-se-á neste trabalho que a responsabilidade do empregador pelo
acidente de trabalho é subjetiva, ou seja, dependente de ato doloso ou culposo do empregador,
conforme previsão no inc. XXVIII do art. 7º da Constituição Federal. No entanto, no decorrer
do presente trabalho, demonstrar-se-á que há entendimentos no sentido de se aplicar a
responsabilidade objetiva prevista no parágrafo único do art. 927 do Código Civil quando a
atividade desenvolvida pelo tomador de serviços implicar risco para terceiros. Assim, caso o
empregador desenvolvesse atividade empresarial de risco, a responsabilidade do empregador
pelo acidente sofrido pelo empregado seria objetiva, não dependendo nem de ato doloso nem
de ato culposo.
Procurar-se-á demonstrar que a norma constitucional que prevê a responsabilidade
subjetiva do empregador pelo acidente ocorrido com o empregado não pode ser suplantada
por norma infraconstitucional sem causar danos ao princípio da segurança jurídica que está
previsto no art. 5º, caput, da Constituição Federal, e, muito embora o princípio da proteção
norteie o Direito do Trabalho, provar-se-á que ele não é, de modo algum, absoluto, ao ponto
de suplantar preceito constitucional, a fim de privilegiar norma infraconstitucional, nem há
situação extraordinária que autorize sem que se ponham em risco importantes preceitos
constitucionais.
1 NATUREZA JURÍDICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL
A palavra “natureza” deriva do latim natura e construiu-se a partir de uma série de
conceitos, que, segundo Abbagnano (1999, p.222), possui alguns pontos em comum: princípio
do movimento ou substância; ordem necessária ou conexão casual; exterioridade, contraposta
à interioridade da consciência; e campo de encontro ou de unificação de certas técnicas de
investigação.
A interpretação da Natureza como um princípio de vida e de movimento de todas as
coisas existentes é, dentre as mencionadas, a mais antiga, tornando-se, por conseguinte, a
mais recorrente no uso do termo. Aristóteles (2004, p.117) definiu a Natureza nesse sentido:
“a Natureza é o princípio e a causa do movimento e do repouso da coisa à qual ela inere
primariamente e por si, e não por acidente.” Assim, para esta primeira idéia, concretizada no
pensamento de Aristóteles, a causalidade diferiria a ação da Natureza da obra realizada pelo
homem.
Pode-se considerar a Natureza também como matéria, a admitir-se como faziam os pré-
socráticos, que a matéria tem em si própria um princípio de movimento e de mutação; mas é
realmente esse mesmo princípio, portanto a forma ou substância em virtude da qual a coisa se
desenvolve e torna-se o que é. Por esse motivo a Natureza assume o significado de forma,
quando é perfeita em sua substância.
O segundo desses pontos refere-se à ordem necessária ou conexão casual. A origem
dessa concepção está nos estóicos, segundo assevera Abbagnano (1999, p.224), para os quais
a Natureza é a “disposição a mover-se por si segundo as razões seminais, disposição que leva
a cabo e mantém unidas todas as coisas que dela nascem em tempos determinados e coincide
com as próprias coisas das quais se distingue.” Esta concepção de natureza perdurou por todo
o período clássico da ciência moderna, ilustrada em Kant (1988, p.35):
Pela expressão Natureza entendemos a conexão dos fenômenos para a sua existência
segundo regras necessárias ou leis. Existem, portanto, certas leis a priori que tornam
possível uma Natureza; as leis empíricas podem estar presentes e ser descobertas
15
apenas através da experiência, portanto depois das leis originárias graças às quais
começa a ser possível a própria experiência.
Assim, para esta idéia de natureza, ao observar-se uma pedra ser arremessada e sua
trajetória descrever uma parábola, elabora-se uma regra que determina que pedras
arremessadas daquela forma devam descrever trajetória parabólica. E, a partir desta lei
originária, a experiência mostrará a sua confirmação. Consolida-se, assim, o método indutivo
de produção do conhecimento.
Para a terceira concepção, Natureza é a manifestação do espírito, ou ainda um espírito
diminuído ou imperfeito, ou seja, que foi degradado de seus verdadeiros caracteres. Essa
concepção ficou famosa nas idéias de Hegel, que explicava que na Natureza, não só a
interrelação das formas está à mercê de uma acidentalidade desregrada e desenfreada, como
também nenhuma forma tem, por si, o conceito de si mesma (apud ABBAGNANO, 1999).
Alguns autores, como Schelling, fizeram contraponto à teoria hegeliana, considerando a
Natureza como uma manifestação da vida divina. Ao considerar a Natureza como
manifestação do Absoluto, o autor procurou destacar a estreita relação entre a Natureza e o
Absoluto.
A quarta concepção de Natureza pode ser discernida de modo implícito ou na forma de
pressuposto na prática efetiva da pesquisa científica e em algumas análises da metodologia
científica contemporânea, a exemplo das técnicas de observação simples, observação
participante e pesquisa-ação. Nesta concepção, a Natureza não se identifica com um princípio
ou com uma aparência metafísica, nem com determinado sistema de conexões necessárias,
mas pode ser determinada, em cada fase do desenvolvimento cultural da humanidade, como a
esfera dos possíveis objetos de referência das técnicas de observação que a humanidade
possui.
Com base nas idéias aqui expostas, pode-se tomar como referencial para os conceitos de
natureza jurídica a primeira e quarta concepção. A partir da observação de objetos de
referência, pode-se estabelecer a essência e um determinado campo de aplicação a este ou
aquele instituto, e é esta a idéia central que permeia o conceito da expressão natureza jurídica,
como se verá adiante.
16
1.1 Concepções de natureza
Como visto em momento anterior, a palavra “natureza” tem em seu bojo a idéia de
designação de um conjunto de seres ou coisas existentes no universo, ou ainda de uma série
de elementos que permita classificar a essência de algo. Na seara jurídica, natureza assinala a
essência de um objeto, um ato ou, ainda, um ramo da ciência jurídica.
Comece-se pela definição de Kant (1954, p.80) para direito: “Direito é o conjunto de
condições pelas quais o arbítrio de um pode conciliar-se com o arbítrio do outro, segundo uma
lei geral de liberdade.” Existem elementos nessa afirmação que se destacam; o conjunto de
condições, arbítrio e liberdade. Para fins deste estudo, concentrar-se-á no primeiro elemento.
Direito enquanto conjunto de condições de manifestação de arbítrio denota uma
determinada essência, haja vista que, para que o direito possa se manifestar, possa surgir, uma
série de condições tem de acontecer. Assim, se uma das condições não permite a livre
manifestação de arbítrio, ter-se-á figura distinta daquilo definido como direito por Kant. É a
partir deste conceito que se estabelece a interpretação da natureza jurídica como essência de
determinado instituto, como afirma Delgado (1994, p.349):
O conceito de natureza jurídica pretende expressar a essência de determinado
instituto e o seu pertencimento classificatório no âmbito do ramo jurídico em que se
projeta, devendo conter, ademais, certa plasticidade de modo a não se desnaturar
com superficiais alterações legislativas.
Um ponto merecedor de destaque é a parte final da idéia de Delgado (1994, p.349):
“aquele conceito deverá ser munido de certa plasticidade de modo a não se desnaturar com
superficiais alterações legislativas.” Depreende-se daí uma série de conclusões: a primeira
delas no sentido de que a elaboração de determinado instituto muitas vezes se cerceia de
cuidados, sob pena de criar um instituto de difícil enquadramento nesta ou naquela categoria
do direito, ou ainda um instituto frágil, que derroca sob a primeira crítica. Verifica-se este
mesmo zelo na construção de todo o ordenamento jurídico; assim, não somente uma figura,
como também a norma e todo o conjunto de normas que permeiam o direito. Elasticidade faz
com que muitos dos conceitos e princípios-normas sejam atemporais, ou que se adaptem com
facilidade, sem perda de seu intuito original.
Não convém confundir a natureza jurídica de determinada figura legal com os efeitos
dela emanantes ou com sua fundamentação técnico-jurídica. Silva (1979, p.174) explica a
natureza jurídica como uma atividade lógica de classificação, pela qual se “integra
17
determinada figura jurídica no conjunto mais próximo de figuras existentes no universo do
Direito, mediante a identificação e cotejo de seus elementos constitutivos fundamentais.” Os
efeitos emanantes desta figura jurídica refletem a legislação aplicável a este instituto, bem
como que juízo seria competente para lidar com questões relacionadas a este ou àquele
instituto.
1.2 Natureza jurídica
A palavra “responsabilidade” deriva de responsável e designa aquele que possui o dever
de responder pelos próprios atos. Responsabilidade é a possibilidade de prever os efeitos do
próprio comportamento e de corrigi-lo com base em tal previsão. Desta definição origina-se a
idéia jurídica de responsabilidade civil, que se falará mais adiante.
Em termos de filosofia, a idéia de responsabilidade foi utilizada inicialmente nas
questões relacionadas à idéia de liberdade. Segundo Hume, em sua obra mais conhecida –
Tratado da Natureza Humana –, percebe-se a incompatibilidade do juízo moral com a
liberdade e necessidade absolutas. Isto porque a noção de responsabilidade se baseia na idéia
de escolha (visto que envolve comportamento e efeitos), e a escolha, pela sua natureza, indica
uma liberdade limitada – afinal, aquele que escolhe necessita negar as outras opções em prol
de apenas uma.
Nesse sentido, pode-se afirmar que a teoria da responsabilidade civil encontra suas
raízes no princípio fundamental do neminem laedere, justificando-se diante da liberdade e da
racionalidade humanas, como imposição, portanto, da própria natureza das coisas. Ao
escolher as vias pelas quais atua na sociedade, o homem assume os ônus correspondentes,
apresentando-se a noção de
responsabilidade como corolário de sua condição de ser
inteligente e livre. (BITTAR, 1998).
Responsabilidade, pela sua idéia originária, diferencia-se de imputabilidade, que
significa a atribuição de uma ação a um agente, considerado seu causador. A imputação,
palavra aproximada de imputabilidade, pode ser definida como o “juízo em virtude do qual
alguém é considerado como autor [...] de uma ação que está submetida a leis e se chama fato.”
(KANT, 1988, p.78). Percebe-se, com base nestes dois conceitos, porque responsabilidade se
diferencia de imputabilidade; enquanto esta corresponde atribuir a alguém a autoria de um
18
fato (seja este uma ação ou omissão), a responsabilidade implica na idéia de correção,
reparação daquele ato ou dos seus reflexos. (ABBAGNANO, 1999).
A partir destas considerações iniciais, inicia-se o desenvolvimento da idéia da natureza
jurídica da responsabilidade civil.
É fato sabido que a responsabilidade, pelo seu conceito, decorre da prática de um ato.
Em termos normativos, encontra-se a previsão da responsabilidade em vários institutos legais,
tais como a Constituição, os Códigos Civil e Penal, entre outros. Para os fins deste estudo,
deter-se-á na idéia de responsabilidade aquiliana trazida à lume pelo Código Civil Brasileiro,
muito embora a responsabilidade contratual prevista no art. 389 do mesmo diploma encerra a
mesma idéia de reparação: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária,
negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente
moral, comete ato ilícito.”
O conceito de imputabilidade, tal qual visto em sua originalidade, corresponde ao artigo
do Códice ora em comento. Afinal, há a imputação de uma autoria sobre a prática de um
determinado ato, in casu, um ato ilícito. E, a partir desta imputação, surgirá o dever de repará-
lo: “Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado
a repará-lo.” O descumprimento contratual revela a mesma idéia de reparação na medida em
que o art. 389 do novel Código Civil estabelece que “não cumprida a obrigação, responde o
devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais
regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.”
Dessa forma, depreende-se que uma vez imputada a autoria do ato a alguém, e este ato
gere reflexos negativos a outrem, haverá a obrigação legal de reparar tais reflexos.
Assim, a responsabilidade civil é decorrente da prática de um ato lícito ou ilícito, isto é,
de uma violação da ordem jurídica, que gera um desequilíbrio social. (PAMPLONA FILHO;
STOLZE, 2001). E, para trazer novamente à tona este equilíbrio perdido, há a necessidade da
sanção, ou seja, a conseqüência (neste caso, jurídica) que determinada ação produz na
ordenação (jurídica) (MAYNEZ, 1951 apud PAMPLONA FILHO; STOLZE, 2001). Na
mesma linha, Bittar (1998, p.16) enxerga a necessidade de reparação:
Havendo dano, produzido injustamente na esfera alheia, surge a necessidade de
reparação, como imposição natural da vida em sociedade e, exatamente, para a sua
própria existência e o desenvolvimento normal das potencialidades de cada ente
personalizado. É que investidas ilícitas ou antijurídicas no circuito de bens ou de
19
valores alheios perturbam o fluxo tranqüilo das relações sociais, exigindo, em
contraponto, as reações que o Direito engendra e formula para a restauração do
equilíbrio rompido.
A sanção também pode, de certa forma, ser um estimulador da conduta moral, social ou
juridicamente aceitável. E, neste segundo possível entendimento para a palavra sanção,
enquanto gênero, ela se aproxima da idéia de pena, que, por sua vez, é espécie. Afinal, a partir
do momento em que se impõe uma “retaliação” negativa ao autor de determinado ato, há o
estímulo à prática de atos que não se configurem como aquele ato específico. A pena,
portanto, tem o caráter de estimular uma determinada conduta.
Justamente por isso, não há que se dizer que a indenização ou compensação, decorrente
da responsabilidade civil, seja uma pena, pois esta é uma conseqüência da prática de um
delito (o ato ilícito, na sua concepção criminal), ou seja, “a conduta humana que lesa ou expõe
a perigo um bem jurídico protegido pela lei penal.” (NORONHA, 1998, p.103). No entanto, é
perfeitamente factível e aceitável que a pena se configure como um tipo de sanção.
Sendo assim, tanto a determinação judicial de pagamento de indenização ou reparação
quanto a condenação de um réu em uma determinada pena caracterizam o reconhecimento,
por parte do órgão jurisdicional, de que houve a prática de um ato ilícito, devendo ser aplicada
a sanção correspondente, de acordo com a espécie adequada, seja civil, penal, administrativa.
Deve-se ainda frisar que mesmo em casos em que a responsabilidade de reparar decorre
de imposição legal, como se aduz do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil Brasileiro
(“Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados
em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua
natureza, risco para os direitos de outrem”), as indenizações devidas aos prejudicados não
deixam de ser sanções. Possuem naturalmente o diferencial de não decorrerem de um
processo de escolha, mas o fato de ser um reconhecimento do direito positivo não tira a
característica sancionadora.
Assim, mesmo nestes casos, em que os danos já eram potencialmente previsíveis em
função de um eventual risco, a obrigação de reparar tem caráter sancionador. Por tais
fundamentos, conclui-se que a natureza jurídica da responsabilidade será sempre
sancionadora, independentemente da forma como se materialize. (DINIZ, 2004).
20
1.3 Natureza jurídica da responsabilidade civil
A responsabilidade civil é um instituto que tem suas raízes no princípio geral do direito
enunciado como neminem laedere – entendido como um princípio proibitivo de lesar outrem,
enfatizando que a liberdade consiste em poder fazer tudo o que não é prejudicial ao próximo.
É um tema invariavelmente polêmico e interessante desde o início da civilização humana,
diante de sua espantosa expansão e seus reflexos na sociedade. Ressalta Maria Helena Diniz
(2004, p.5):
A responsabilidade civil é, indubitavelmente, um dos temas mais palpitantes e
problemáticos da atualidade jurídica, ante sua surpreendente expansão no direito
moderno e seus reflexos nas atividades humanas, contratuais e extracontratuais, e no
prodigioso avanço tecnológico, que impulsiona o progresso material, gerador de
utilidades e de enormes perigos à integridade da vida humana.
A todo o momento, a questão da responsabilidade civil é discutida, pois se têm cada vez
mais ocorrido violações aos direitos do homem, relativos à sua pessoa e ao patrimônio,
ocorrendo um desequilíbrio na ordem social, moral ou patrimonial, havendo necessidade da
descoberta de soluções. De acordo com Maria Helena Diniz (2004, p.5), o interesse em
restabelecer o equilíbrio violado pelo dano é a fonte geradora da responsabilidade civil, isto é,
a perda ou a subtração realizada no patrimônio do lesado ou o dano moral é que faz aparecer a
reação legal movida pela ilicitude.
Destarte, é grande o valor da responsabilidade civil no mundo contemporâneo, pois se
trata de meio de restabelecer o equilíbrio social, cada vez mais difícil de ser atingido, em
razão dos complicados e ásperos problemas jurídicos.
1.4 A responsabilidade civil e a obrigação de indenizar
Segundo o lingüista Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (2004), o significado de
“conceito” é muito amplo, mas, para este trabalho, é importante a seguinte assertiva: o
conceito é a ação de formular uma idéia por meio de palavras. Contudo, não há um conceito
absoluto, que leve esse ou aquele autor a ser o mais correto, principalmente no Direito, em
que nada é absolutamente apresentado de forma a ser considerado uma posição estanque.
Toda manifestação da atividade humana traz em si o problema da responsabilidade. A
palavra responsabilidade consiste também na idéia de segurança ou garantia da restituição ou
compensação. Diz-se, assim, que responsabilidade e todos os seus vocábulos cognatos
21
exprimem idéia de equivalência de contraprestação, de correspondência. O conceito de
responsabilidade civil encontra-se delineado no novo Código Civil, não apenas no art. 186,
em que se ressalta a responsabilidade extracontratual ou aquiliana, mas no art. 389 da mesma
lei, prevendo a responsabilidade contratual.
Para o conceito de responsabilidade civil, baseia-se, preliminarmente, na culpa, ou
conceitua-se a responsabilidade como uma obrigação imposta pelas normas às pessoas, em
que estas responderão pelas conseqüências prejudiciais de suas ações. Diante destas
divergências doutrinárias, Maria Helena Diniz (2004, p.39) conceitua a responsabilidade civil
da seguinte forma:
É a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar o dano moral ou
patrimonial causados a terceiros em razão de ato próprio imputado, de pessoa por
quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda (responsabilidade
subjetiva), ou, ainda, de simples imposição legal (responsabilidade objetiva).
Essa sinótica definição parece abranger, com elevado rigor doutrinário, as diversas
hipóteses de obrigação de indenizar decorrentes da responsabilidade civil, seja ela subjetiva
ou objetiva. Em se tratando de responsabilidade civil, o que se pretende, portanto, é reprimir o
dano privado, restabelecendo o equilíbrio individual perturbado. Na responsabilidade civil são
compelidas a reparar o dano cometido, tanto as pessoas físicas como as jurídicas, sejam elas
públicas ou privadas.
Infere-se, portanto, que a responsabilidade civil tem cunho compensatório, pois abrange
uma indenização ou reparação de dano causado por ato lícito, mas com repercussão negativa
no patrimônio de outrem, ilícito contratual ou extracontratual, em que este ato ilícito tem
maior realce na esfera individual, devendo o ofendido cobrar ou não a responsabilidade do
agente, pois se trata de uma faculdade do ofendido.
1.5 Elementos da responsabilidade civil: pressupostos
Firmado o princípio de que todo aquele que causar dano a outrem deve repará-lo, torna-
se importante analisar os pressupostos da responsabilidade civil. Dos artigos 186 e 389 ambos
do Código Civil de 2002, extraem-se os seguintes pressupostos da responsabilidade civil:
conduta humana (ação ou omissão), culpa ou dolo do agente, relação de causalidade, e o dano
experimentado pela vítima.
22
Todavia, com a certeza de que o Código Civil não só admitiu a responsabilidade civil
sem culpa, isto é, a responsabilidade objetiva, não se deverá afirmar ser a culpa ou dolo um
elemento essencial para caracterizar a responsabilidade civil. Atualmente, percebe-se ser a
responsabilidade sem culpa a ensejadora da maioria das demandas judiciais, sendo, portando,
forçoso concluir que não se pode dizer que a responsabilidade subjetiva é a regra e a objetiva
a exceção, como afirmam Pamplona Filho e Stolze (2003, p.28-29):
A culpa, portanto, não é um elemento essencial, mas sim acidental pelo que
reiteramos nosso entendimento de que os elementos básicos ou pressupostos gerais
da responsabilidade civil são apenas três: a conduta humana (positiva ou negativa), o
dano ou prejuízo, e o nexo de causalidade.
Não se pode abandonar, no entanto, o grande valor no exame da culpa, na
responsabilidade civil, porquanto, nos termos de Caio Mário da Silva Pereira (1997), a
abolição total do conceito da culpa vai dar num resultado anti-social e amoral, dispensando a
distinção entre o lícito e o ilícito, ou desatendendo à qualificação da boa ou má conduta, uma
vez que o dever de reparar tanto corre para aquele que procede na conformidade da lei, quanto
para aquele outro que age ao seu arrepio.
Desta forma, a responsabilidade civil não pode se afirmar apenas na culpa ou no risco,
pois sempre haverá casos em que um destes critérios se mostrará precário. A teoria do risco
não vem substituir a teoria subjetiva, mas sim completá-la, pois, apesar dos progressos da
responsabilidade objetiva, que vem ampliando seu campo de aplicação, seja através de novas
disposições legais, seja em razão das decisões dos tribunais, por mais numerosas que sejam,
continuam com grande importância no instituto da responsabilidade civil.
Estabelecido esse entendimento, mantêm-se como pressupostos da responsabilidade
civil: a conduta humana, o dano e o nexo causal.
1.5.1 Conduta humana
A conduta humana, como elemento básico da responsabilidade civil, é a ação ou
omissão, lícita ou ilícita, voluntária, capaz de causar dano a outrem. Maria Helena Diniz
(2004, p.43-44) diz que a conduta humana é: “o ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito
ou lícito, voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiro, ou o fato de
animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos
do lesado.”
23
Extrai-se dessa definição que a responsabilidade que decorre de ato ilícito baseia-se na
culpa, enquanto na responsabilidade sem culpa (objetiva), fundamenta-se no risco. De outra
banda, a conduta negativa ou positiva pode ser cometida pelo próprio agente do dano, por
terceiros (filhos, curatelados, tutelados, prepostos) e, ainda, por animais que estejam sob a
responsabilidade do agente.
1.5.2 Dano
Para que a conduta humana ocasione a responsabilidade civil do agente, haverá a
necessidade da existência de um dano. Este consiste num prejuízo amargado pela vítima.
Cuida-se, portanto, do dano injusto, aplicando-se o princípio pelo qual a ninguém é dado
prejudicar outrem (neminem laedere). O dano é um dos pressupostos da responsabilidade,
contratual ou extracontratual, portanto, sem a sua ocorrência não existirá a indenização.
Ressalta Sérgio Cavalieri Filho (2006, p.96) que:
O dano é, sem dúvida, o grande vilão da responsabilidade civil. Não haveria que se
falar em indenização, nem em ressarcimento, se não houvesse dano. Pode haver
responsabilidade sem culpa, mas não pode responsabilidade sem dano. Na
responsabilidade objetiva, qualquer que seja a modalidade do risco que lhe sirva de
fundamento – risco profissional, risco proveito, risco criado etc. -, o dano constitui o
seu elemento preponderante. Tanto é assim que, sem dano, não haverá o que reparar,
ainda que a conduta tenha sido culposa ou até dolosa.
A natureza meramente econômica dos direitos patrimoniais dominou o pensamento dos
tribunais superiores que não reconheciam a tutela jurídica de bens jurídicos que não se
revestissem dessa conotação. Por vezes, referidas Cortes de Justiça negaram amparo judicial
ao malferimento de um bem inerente à natureza humana, qual seja, sua própria dignidade.
Referido entendimento perdurou por décadas no judiciário brasileiro não obstante o
disposto no artigo 159 do Código Civil brasileiro de 1916 comportar qualquer modalidade de
dano, na medida em que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou
imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.” Ante
o fato de que a lei não distinguiu que tipo de dano ficaria o agente omissivo ou comissivo
obrigado a reparar, não poderia o julgador fazê-lo de modo a excluir a reparação pelo dano
moral.
Toda construção é constituída por etapas e não poderia deixar de ser assim a evolução
jurisprudencial acerca desse tema. Ainda que escassa, em meados do século passado surgiram
as primeiras decisões tutelando o patrimônio imaterial do ser humano. Atingido em sua
24
intimidade, magoado em seus sentimentos, ainda que decorrentes de atos físicos, o dano
moral passou a ser visto com outros olhos.
Rodrigues (1997, p.116) destaca acórdão curioso proferido em 7 de abril de 1949 pelo
Tribunal de Justiça do Estado do São Paulo, em que “a autora, formosa mulher, ao submeter-
se a uma ondulação permanente em seu cabeleireiro, teve seus cabelos queimados pelo
empregado que a atendia; após tal fato os cabelos começaram a cair com o mero passar do
pente.” A moça propôs ação de indenização contra o dono do salão de beleza tendo sucesso
no deslinde da demanda, embora o réu houvesse alegado a ausência de prejuízos e a
transitoriedade da lesão, posto que os cabelos dela iriam crescer, como de fato cresceram:
Os prejuízos são patentes. A autora tem vinte e dois anos (fls. ...); e está em sua
idade núbil e, pela fotografias de fls. ... vê-se a grande transformação por que passou
o seu físico, depois da permanente. Vem a pêlo o rifão: mais vale casar com velha
endinheirada do que com moça descabelada. Não é só: a autora exerce a profissão de
enfermeira. Ora, uma enfermeira de aspecto inestético influi sobremaneira sobre os
doentes a seu cargo. Daí concluir-se, pelos aspectos figurados, quão extensos são os
seus prejuízos.
Mais uma vez, Rodrigues (1997, p.117) aponta decisão que segue a mesma sorte da
primeira. É o caso em que ação de um determinado agente resultou em lesão permanente em
sua vítima, por sua inabilidade profissional:
Moça solteira submeteu-se a tratamento radioterápico para curar-se de moléstia na
pele e dele resultou em feio ferimento na testa, com perda inclusive das
sobrancelhas. A corte julgadora, reconhecendo a culpa do médico pelo dano estético
experimentado por sua cliente, condenou-o ao pagamento das despesas com
tratamento por ela feito com outros facultativos e ainda de dotá-la de acordo com
sua condição e estado.
Pioneiras, as decisões, assim como algumas outras que lhe seguiram, constituíram-se
em vozes solitárias. Mas os julgados retrógrados foram sendo substituídos pouco a pouco por
julgados avançados, culminando, em meados da década de 80, com maciço entendimento pela
tutela dos bens jurídicos imateriais. Agora, o entendimento minoritário passou a se dar pela
inexistência de dano moral.
A certeza da tutela jurídica do dano moral somente veio a se confirmar com a
promulgação da Carta Política de 1988, que elencou dentre os direitos individuais
fundamentais do cidadão o da reparação por danos morais, com previsão expressa em seu art.
5º, incisos V e X, na exata medida em que “é assegurado o direito de resposta, proporcional
ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem” sendo ainda
“invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o
25
direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”,
respectivamente.
Não bastasse, o novo Código Civil, em seu art. 186, quase que repetindo a redação do
art. 159 do Código Civil precedente, acrescentou à redação a reparação do dano moral, pois
“aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e
causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
A Consolidação das Leis do Trabalho é omissa quanto à indenização por danos
materiais, morais e estéticos. Por mais que os artigos 482 e 483 da Consolidação enumerem,
respectivamente, faltas graves tanto de empregados quanto de empregadores, faltas estas que
podem ensejar a rescisão do contrato de trabalho por justa causa do empregado e do
empregador, nada falam acerca da possibilidade de se indenizar pela ocorrência de tais fatos
danosos ao patrimônio subjetivo de um e de outro, levando o estudioso menos atento a
afirmar que o instituto da indenização do dano moral não é aplicado ao Direito do Trabalho.
No entanto, o parágrafo único de seu art. 8º prevê a possibilidade de o direito comum
ser fonte subsidiária do Direito do Trabalho quando este for omisso, exceto naquilo em que
for com ele incompatível. O senso comum no Direito do Trabalho é o de que a reparação do
dano exclusivamente moral foi absorvida do Direito Civil, ainda mais quando se sabe, por
força do artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho
1
, que o empregado, além de
subordinado juridicamente, encontra-se, no mais das vezes, sob a dependência econômica de
seu empregador, dependência de que muitas vezes se vale o tomador de serviços para
vilipendiar os direitos do trabalhador e, não raro, subjugá-lo até sua completa humilhação.
Teixeira Filho (2003, p.230) classificou e dividiu o dano em duas categorias distintas,
quais sejam: a) dano patrimonial ou material; b) dano não patrimonial ou dano moral. Para
ele, dano patrimonial ou dano material corresponde ao bem que apresenta os caracteres de
exterioridade, de valoração pecuniária e correspondência a uma necessidade econômica. Já o
dano não patrimonial ou moral se refere propriamente a estados da alma, a sofrimentos e
sensações dolorosas que afetam os valores íntimos da subjetividade.
1
O artigo 3º define empregado urbano como sendo “a pessoa física que presta serviços de natureza não-eventual
a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.”
26
a) Dano material (patrimonial)
O dano material consiste no atingimento do patrimônio da vítima, acarretando perda ou
deterioração, total ou parcial, entendendo-se o patrimônio como o conjunto de bens que se
pode apreciar em pecúnia. O dano patrimonial abarca o dano emergente, que é o dano que
atinge direta e imediatamente o bem do lesado, e o lucro cessante, este considerado um
reflexo futuro do ato ilícito sobre os bens patrimoniais da vítima, consistindo, portanto, na
perda do ganho esperável na frustração da expectativa de lucro.
O dano patrimonial, segundo observa Dallegrave (2007, p.152), alcança tanto o dano
atual quanto o dano futuro. Aquele é conhecido como dano emergente, constituindo-se em
tudo aquilo que se perdeu e que já seja suscetível de liquidação pela aplicação da teoria da
diferença entre o patrimônio anterior e posterior à inexecução contratual ou o fato gerador do
dano.
O dano emergente, assim como o lucro cessante, está contemplado no artigo 402 do
atual Código Civil: “salvo as expressões expressamente previstas em lei, as perdas e danos
devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente
deixou de lucrar.” Segundo ainda Dallegrave (2007, p.158), a parte final do dispositivo define
o lucro como a perda do ganho esperável, a frustração da expectativa de lucro, a diminuição
potencial do patrimônio do ofendido, apurado segundo o juízo razoável de probabilidade, de
acordo com o normal desenrolar dos fatos.
b) Dano moral (extrapatrimonial)
Dano moral é aquele que não tem caráter patrimonial, ou seja, todo dano não material.
Neste caso, dano moral é qualquer dano que não cause prejuízo pecuniário. Dano moral é
ainda humilhação, a dor, o sofrimento, a aflição. Tudo isso pode ser traduzido em poucas
palavras - dignidade da pessoa humana, este princípio constitucional é inerente a toda e
qualquer pessoa, pobre, rico, negro, homossexual, enfim, como a própria Constituição Federal
de 1988 prescreve, não poderá haver qualquer discriminação entre as pessoas. Neste diapasão,
a própria Constituição Federal de 1998 ofereceu subsídios para que haja a reparação integral a
todos os prejuízos injustamente causados à pessoa humana.
27
Na definição de Silva, (1997, p.306), danos morais acabam sendo: “[...] lesões sofridas
pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu patrimônio ideal, em contraposição a
patrimônio material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico.”
Dias (1998, p.354) bem esclarece a questão da reparação independente do dano moral,
ao doutrinar:
Mais que todos esses dispositivos, entretanto, fala em favor da reparação do dano
moral o art. 159 do Código Civil (atualmente art. 186). É precisamente aí que se
alude ao dano como elemento da responsabilidade civil. E não há uma palavra nesse
contexto da qual se possa inferir que o dano indenizável é apenas o material [...]. O
que se contém nos arts. 1533 e seguintes é, conforme se vê critério para liquidação e
não fundamento, base e princípio de reparabilidade. O art. 159, confirmado pelo art.
1518, é que dá sustentação doutrinária: todo dano é reparável, como ofensa ao
direito alheio. E não há possibilidade de se contestar que o patrimônio moral
corresponde a direitos.
Bittar (1998, p.354) empresta sua definição, afirmando que o dano moral:
Repercute internamente, ou seja, na esfera íntima, ou no recôndito do espírito,
dispensando a experiência humana qualquer exteriorização a título de prova, diante
das próprias evidências fáticas. Nesse sentido a morte em acidente provocado por
outrem, do pai para os filhos; a do marido para a mulher e a do amigo para os
parentes com que se afinava é bastante para o desencadeamento de sentimentos
vários em que a dor moral é tônica. É intuitivo e, portanto, insuscetível de
demonstração, para os fins expostos, como se tem definido na doutrina e na
jurisprudência ora prevalecentes, pois se trata de dannum in re ipsa. A simples
análise das circunstâncias fáticas é o suficiente para sua percepção, pelo magistrado,
no caso concreto.
E para finalizar, José Afonso da Silva (2005, p.354), comentando o inc. X do art. 5º da
Constituição Federal, afiança:
A vida humana não é mais um conjunto de elementos materiais. Integram-na,
outrossim, valores imateriais, como os morais. A Constituição empresta muita
importância à moral como valor ético-social da pessoa e da família, que se impõe ao
respeito dos meios de comunicação social. Ela, mais que as outras, realçou o valor
da moral individual, tornando-a mesmo um bem indenizável (art. 5º, incs. V e X). A
moral individual sintetiza a honra da pessoa, o bom nome, a boa fama, a reputação
que integram a vida humana como discussão imaterial. Ela e seus componentes são
atribuídos sem os quais a pessoa fica reduzida a uma condição animal de pequena
significação. Daí porque o respeito à integridade moral do indivíduo assuma feição
de direito fundamental. Por isso é que o Direito Penal tutela a honra contra a calúnia,
a difamação e a injúria.
Danos morais, portanto, são danos sofridos pela vítima que não comportam reflexos em
seu patrimônio econômico-financeiro, mas em seu íntimo, em sua auto-estima, em seu
orgulho. São danos de difícil compreensão, pois apenas a vítima sabe a real extensão e
complexidade de seus efeitos, coisa que os que estão de fora apenas podem presumir.
28
Mesmo após o advento da atual Constituição Federal, em que se assegurou a
indenização do dano moral nos incisos V e X de seu artigo 5º e do art. 186, caput, do novel
Código Civil, resta ainda um tanto quanto difícil sua aquilatação e quantificação, de modo que
ainda não há (algum dia haverá?) meios precisos e seguros para a sua quantificação.
c) Dano estético
O dano estético é entendido como a lesão física que causa modificação permanente ou
duradoura na beleza física da pessoa, causando-lhe humilhações e desgostos, dando origem a
uma dor moral, podendo ser o dano estético um dano moral e, em alguns casos, como quando
houver redução para a incapacidade de trabalho, dano patrimonial. Segundo ensina Diniz
(2004, p.76), o dano estético é:
[...] toda alteração morfológica do individuo, que, além do aleijão abrange as
deformidades ou deformações, marcas e defeitos, ainda que mínimos, e que
impliquem sob qualquer aspecto um afeiamento da vítima, consistindo numa
simples lesão desgostante ou num permanente motivo de exposição ao ridículo ou de
complexo de inferioridade, exercendo ou não influência sob sua capacidade
laborativa.
Se o dano estético é dano moral, hoje prevalece a teoria de sua cumulação. Magalhães
(1999, p.124), ao aceitar ser o dano estético também dano moral, levanta a questão, afirmando
ser possível a cumulação. Apesar de ser o dano estético também dano moral, pode haver
cumulação entre os dois, pois no primeiro o sofrimento é gerado pela transformação física e
no segundo pelo dano à imagem social da pessoa.
No artigo 5º, inciso V, da Constituição Federal encontra-se a base legal para a
cumulação de dano estético e dano moral, pois admite a reparação para três tipos de danos: o
moral, o material e o dano à imagem. Entendendo o dano à imagem com valor ético, que
inclui o respeito e a aceitação social, é possível sua cumulação com danos morais.
2
Importante atentar que a cumulação entre dano estético e dano moral só deve acontecer
em situação grave, quando as deformações ou desfigurações acarretem vergonha para a vítima
e causem sua rejeição no meio social e profissional. Assim sendo, se ocorre o dano estético
sem desfigurar a pessoa, e assim não importar sua rejeição no ambiente social em que vive,
não se pode admitir a reparação pelo dano estético, moral ou material, no caso de a beleza ser
ferramenta de trabalho.
2
REsp. 116.372- MG - 4ª T. - j. 11.11.97 - rel. Min. Sálvio de Figueredo Teixeira - DJU 02.02.1998 - RT
751/230
29
1.5.2.1 Nexo de causalidade
Segundo Kelsen (2002, p.86), a definição de nexo causal não é jurídica, dimana das leis
naturais. É o liame ou ligação de causa e efeito entre a conduta e o resultado. (CAVALIERI
FILHO, 2006, p.71). A relação causal, portanto, estabelece um vínculo entre a conduta
humana (ação ou omissão do agente) e um evento, sendo, conseqüentemente, esta conduta a
causa do dano. Isto quer dizer que, a despeito da existência do dano, se a sua causa não estiver
relacionada com a conduta do agente, não será possível a existência desse liame e, portanto,
não haverá obrigação de indenizar.
Não é qualquer ação, omissão e, conseqüentemente, descumprimento contratual que
gera a obrigação de indenizar, mas apenas e tão-somente aquele capaz de macular o
patrimônio material ou imaterial do empregado, devendo-se, assim, sopesar a ação ou
omissão do empregador e o dano efetivamente experimentado pela vítima. Na realidade, num
primeiro momento, o que se afere não é o dano, mas, sim, o fato ensejador do dano e sua
correlação lógica com o autor e vítima.
Assim, não basta o simples cometimento de ato ilícito ou descumprimento contratual
para que surja, in continenti, a obrigação de indenizar. Em muitos casos, o dano não aparece
de forma automática, como nos casos de dano moral puro, mas deve-se fazer a prova de tal
dano para que se verifique a obrigação legal ou contratual de indenizar. A Justiça Comum,
por intermédio do Superior Tribunal de Justiça, por já cuidar da matéria há várias décadas,
tem entendido reiteradamente que o simples descumprimento não acarreta obrigação de
indenizar, simplesmente porque o dano pode nem acontecer.
3
Descumprido o contrato pelo empregador, inclusive a cláusula de incolumidade,
4
poderá o empregado considerar rescindido o contrato e pleitear a indenização compensatória.
A indenização por danos materiais e morais só terá lugar se referido descumprimento
contratual tiver o condão de causar um prejuízo ao empregado de natureza pecuniária ou não.
A Justiça do Trabalho já andou bem nesse particular ao entender que o simples
descumprimento do contrato, como o atraso ou o não pagamento de salários, não traz em si
necessariamente um dano moral. A decisão da Juíza do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª
3
BRASIL. STJ – RESP 592083 – RJ – 4ª T. – Rel. Min. César Asfor Rocha – DJU 25.10.2004 – p. 00362
4
Sobre cláusula de incolumidade vide p. 00 deste trabalho.
30
Região, Dra. Marlene T. Fuverki Suguimatsu, reflete o pensamento dominante sobre o
assunto
5
:
A falta, assim como o atraso, de pagamento de salários – De fato, um sério problema
para o trabalhador – Enseja providências como o reconhecimento de justa causa do
empregador, para rescisão do contrato de trabalho, além de condenação ao
pagamento pelos encargos da mora. O dano moral pode ser uma conseqüência
desses atrasos, desde que, é claro, perdurem por tempo suficiente para causar
prejuízos concretos à imagem do trabalhador perante a comunidade. Porém, há que
se considerar que o empregado que não recebe salários fica desobrigado de sua cota
de deveres no contrato, que é comutativo. Portanto, não se cogita de que deva
permanecer no estreito cumprimento de suas obrigações contratuais, e assista, de
modo passivo, à inadimplência do empregador, até que os danos materiais se
acumulem de forma tal que já se possa falar em abalo moral. Recurso a que se nega
provimento para manter a sentença que rejeitou o pedido por falta de prova do dano
moral.
No entanto, situações há em que inadimplemento salarial por parte do empregador
poderá trazer como conseqüência dano ao empregado. Suponha-se o não pagamento por
período prolongado das verbas salariais mensais do empregado de modo que este não possa
honrar com seus compromissos habituais, tais como, pagamento de conta aberta em
mercadinhos, açougues, farmácias, de modo a cortarem-lhe o crédito e ainda positivar seu
nome nos cadastros de inadimplentes.
Vislumbre-se ainda o caso em que a mora salarial por parte do empregador possa
resultar no corte de fornecimento de energia elétrica da residência do empregado. Fato este
que é sempre realizado com alarde, dado o conhecimento geral de que o profissional que
realiza o corte de energia vem devidamente fardado e instrumentado como tal, de sorte que
toda a vizinhança fica logo sabendo do acontecido, espalhando-o, e aumentando ainda mais a
humilhação e o vexame por que passa o empregado.
1.6 Responsabilidades objetiva e subjetiva
Antes de se adentrar na questão de prova do fato que ensejou o dano ou do próprio
dano, imperiosa a distinção entre responsabilidade subjetiva e responsabilidade objetiva. Na
realidade, em rigor, não se pode afirmar serem espécies diversas de responsabilidade, mas sim
maneiras diferentes de encarar a obrigação de reparar o dano, segundo entendimento de
Rodrigues (1997, p.110).
5
PARANÁ. TRT 9ª R. – Proc. 01599-2002-658-09-00-6 – (21237-2003) – Relª Juíza Marlene T. Fuverki
Suguimatsu – DJPR 26.09.2003
31
O Direito Civil moderno consagra o princípio da culpa como basilar da
responsabilidade extracontratual, abrindo, entretanto, exceções para a responsabilidade por
risco, criando-se, assim, um sistema misto de responsabilidade. A responsabilidade civil,
conforme o seu fundamento, pode ser objetiva ou subjetiva.
Na responsabilidade civil subjetiva, a idéia central é a de culpa, já que sem a presença
desta não há ilícito e, conseqüentemente, não há responsabilidade. O Código Civil de 2002,
em seu art. 186, manteve a culpa como fundamento da responsabilidade subjetiva. A palavra
culpa está sendo aqui empregada em sentido amplo, lato sensu, para indicar não só a culpa
stricto sensu, como também o dolo. Dessa forma, para que se configure a responsabilidade
subjetiva, mister se faz a presença de dolo ou culpa do lesante para ser devida a obrigação de
reparar, cabendo ao lesado prová-los.
Por essa concepção clássica, todavia, a vítima só obterá a reparação do dano se provar a
culpa do agente, o que nem sempre é possível na sociedade moderna. O desenvolvimento
industrial, proporcionado pelo advento do maquinismo e outros inventos tecnológicos, bem
como o crescimento populacional geraram novas situações que não podiam ser amparados
pelo conceito tradicional de culpa. Caio Mário Pereira (1997, p.38) observou aspectos
negativos da teoria subjetiva:
A insatisfação com a teoria subjetiva tornou-se cada vez maior, e evidenciou-se sua
incompatibilidade como o impulso desenvolvimentista de nosso tempo. A
multiplicação das oportunidades e das causas de danos evidenciou que a
responsabilidade subjetiva mostrou-se inadequada para cobrir todos os casos de
reparação. Esta, com efeito, dentro da doutrina da culpa, resulta da vulneração de
norma preexistente, e comprovação de nexo causal entre o dano e a antijuridicidade
da conduta do agente. Verificou-se, como já ficou esclarecido que nem sempre o
lesado consegue provar estes elementos. Especialmente a desigualdade econômica, a
capacidade organizacional da empresa, as cautelas do juiz na aferição dos meios de
prova trazidos ao processo nem sempre logram convencer a existência da culpa, e
em conseqüência a vítima remanesce não indenizada.
Tratando da distinção entre a responsabilidade objetiva e subjetiva, Aguiar Dias (1988,
p.94) escreveu: “no sistema da culpa, sem ela, real ou artificialmente criada, não há
responsabilidade; no sistema objetivo, responde-se sem culpa, ou, melhor, esta indagação não
tem lugar.”
Na responsabilidade objetiva, a atitude culposa ou dolosa do agente causador do dano é
de menor relevância, pois, desde que exista relação de causalidade entre o dano
experimentado pela vítima e o ato do agente, surge o dever de indenizar, quer tenha o agente
agido ou não culposamente. Também denominada de teoria do risco, parte do pressuposto de
32
aquele que, por intermédio de sua ação, cria um risco de dano a outrem, deve ser obrigado a
repará-lo, ainda que tal ação ou seu comportamento sejam isentos de culpa, isto é, a atitude
culposa do lesante é despicienda para ensejar a obrigação de indenizar, bastando apenas que
exista uma relação de causalidade entre o dano experimentado pelo lesado e o ato do lesante,
nascendo o dever de indenizar, quer tenha o lesante agido ou não culposamente.
Exemplo clássico da teoria da responsabilidade civil objetiva é o do comerciante que
vende um produto com defeito de fábrica ao consumidor, cabendo ao primeiro o
ressarcimento do dano experimentado pelo destinatário final do produto, ou seja, o
comerciante não tem culpa pelo produto defeituoso, todavia tem a obrigação de indenizar o
cliente pelo prejuízo experimentado. Conforme orienta Gonçalves (2004, p.21):
Nos casos de responsabilidade objetiva, não se exige prova de culpa do agente para
que seja obrigado a reparar o dano. Em algumas ela é presumida por lei. Em outros,
é de todo prescindível, porque a responsabilidade se funda no risco (objetiva
propriamente dita ou pura).
Como já dito, a teoria do risco é a da responsabilidade objetiva, assim, aquele que,
através de sua atividade, cria um risco de dano para terceiros deve ser obrigado a repará-lo,
ainda que sua atividade e seu comportamento sejam isentos de culpa. Examina-se a situação e,
se for verificada, objetivamente, a relação de causa e efeito entre o comportamento do agente
e o dano experimentado pela vítima, esta tem o direito de ser indenizada por aquele. Poder-se-
ia sustentar que a responsabilidade do empregador deveria ser objetiva, pois é ele quem
suporta os riscos da atividade econômica e em vários casos sua atividade expõe a vida de seus
trabalhadores a um risco constante, como no caso dos mineiros, eletricitários, donos de postos
de gasolina, hospitais.
Verificado o dano ocorrido em decorrência de acidente de trabalho, impor-se-ia ao
empregador a responsabilidade de repará-lo independentemente do modo como agiu: com ou
sem culpa. De lege ferenda, a coisa deveria funcionar exatamente assim. No entanto, de lege
lata, a atual Constituição Federal, em seu art. 7º, inc. XXVIII, prevê claramente que a
responsabilidade do empregador pelos danos decorrentes de acidente de trabalho é a
subjetiva: “seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a
indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.” Ora, se a
indenização só é devida quando o empregador incorrer em dolo ou culpa, sua
33
responsabilidade é subjetiva e não objetiva, e o Tribunal Superior do Trabalho já assentou
entendimento nesse sentido.
6
Ponto de vista interessante, muito embora equivocado, é o exposto por Cairo Júnior
(2003, p.68) quando a omissão ou comissão dolosa do patrão não é capaz de causar acidente
do trabalho na acepção estrita do termo porque, primeiramente, o acidente do trabalho é
causado por um evento não esperado, e o dolo traz a intenção do prejuízo. Na mesma linha de
raciocínio, Cesarino Júnior (1951, p.479):
[...] se o infortúnio do trabalho é casual – é acidental – ele exclui o dolo. Assim, o
ato da pessoa de ferir-se propositadamente – o autolesionismo – ou fingir que o dano
sofrido noutro local foi ocasionado pelo trabalho – a simulação – não constituem
evidentemente infortúnios do trabalho, porque não são acontecimentos casuais, são
intencionais ou dolosos.
Entende-se, assim, completa Cairo Júnior (2003, p.68), “que nas hipóteses de culpa ou
dolo do empregador, previsto pela Lex Legum, a hipótese será de responsabilidade decorrente
de descumprimento de cláusula contratual e não de, tecnicamente, acidente de trabalho.”
Referido raciocínio não tem a mais mínima razão de ser. Segundo adverte Stoco (2004,
p. 144), divide-se o dolo em direto e indireto. O dolo direto é quando o resultado do ato
praticado corresponde exatamente à intenção e à vontade do agente. O dolo indireto, por sua
vez, desdobra-se em dois aspectos: alternativo e eventual. Alternativo quando o agente quer
um ou outro dos resultados possíveis; eventual, quando ele prevê o resultado como possível, e
o admite como conseqüência de sua conduta, embora não queira propriamente atingi-lo.
Ora, é perfeitamente possível que o empregador, agindo com dolo eventual, cause real
acidente de trabalho ao empregado. Cite-se a hipótese em que o empregador deliberadamente
não fornece ao empregado os equipamentos de proteção ambiental ou não toma os cuidados
necessários para reduzir o risco de acidente porque tais medidas redundariam em maiores
investimentos e menores lucros. Muito embora não queira o acidente (porque seriam mais
prejuízos ainda), o resultado é previsível e o empregador sabe que sua conduta pode causar
dano a outrem. Acontecendo o dano, acidente do trabalho na acepção técnica do termo.
6
BRASIL. TST – AIRR 20113 – 3ª T. – Rel. Juiz Conv. Cláudio Couce de Menezes – DJU 18.06.2004.
34
1.7 Quantificação do dano: a doutrina dos “punitive demages” como fator
de distribuição de renda pela justiça do trabalho
Sabe-se que o Juiz do Trabalho pode socorrer-se, quando compatível, da aplicação
subsidiária do Código Civil, por autorização expressa do art. 8º, parágrafo único, do texto
consolidado. Com efeito, o art. 1533 do Código Civil trata da fixação por arbitramento da
indenização por atos ilícitos. Deve o Magistrado Trabalhista valer-se do arbitramento, ante a
ausência de critérios legais.
É bem verdade que essa é uma questão técnica deixada ao livre arbítrio do juiz. Este,
quando do entendimento da ocorrência ou não do dano moral, já utilizou a “præsumptio
hominis.” Desta vez, com respaldo legal expresso, mais uma vez dela lança mão novamente,
não mais para qualificar o ato como danoso, mas para quantificar o dano experimentado pelo
empregado.
Livre para quantificar o dano, ao juiz resta apenas equivaler o conforto da vítima ao
desestímulo do ofensor. É claro que quanto maior o conforto da vítima maior o desestímulo
do ofensor, na medida em que quanto maiores forem as indenizações menores os graus de
reincidência do ofensor ou até mesmo de incidência de outros ofensores.
Referido posicionamento encontra guarida no Direito americano sob o véu da doutrina
dos “punitive demages”, também conhecida como teoria do valor do desestímulo, calcada em
indenizações milionárias com o inegável objetivo de se desestimular atos faltosos pelo alto
valor das indenizações cabíveis. João de Lima Teixeira Filho (2003, p.632) empresta a
seguinte decisão oriunda do Direito norte-americano:
Alguns casos de punitive demages nos EUA, segundo Andrés V. Gil e Michael F.
Melcher, do escritório de Advocacia Davis Polk & Wardwell, N.Y.: 1º por um
derramamento de óleo no Alaska, em 1995, a Exxon Corporation foi condenada a
pagar o total de US$ 5 bilhões a vários pescadores locais. O prejuízo econômico dos
pescadores foi de US$ 287 milhões e a punição equivaleu acerca de 18 vezes esse
valor (In re the Exxon Valdez, 1995 WL 527988, D. Alaska). 2º Devido ao incêndio
que se seguiu à colisão de uma pick up, acarretando a morte de um motorista, a
General Motors foi condenada a pagar a US$ 101 milhões, o correspondente a US$
20 por cada uma das 5.000.000 de camionetes GM que trafegam com tanque de
combustível lateral (General Motors Corporation v. Moseley et al., 213 Ga. App.
875, 1994). 3º Em razão do assédio sexual a uma secretária, cuja relação de emprego
durou 2 meses, um grande escritório de advocacia americano foi condenado a pagar,
em 1º grau o montante de US$ 7,1 milhões a vitima, valor reduzido para US$ 3,5
milhões em 2º grau. Ficou provada a tolerância do escritório com o comportamento
do advogado que anteriormente assediara outras empregadas. A punição
correspondeu ao valor atual de 70 vezes o valor do dano a empregada, US$
50.000,00 (Weeks v. Bakes & McKenzie, 1994, WL 774633, Cal. Superior). Além
35
desses casos, informe do Escritório de Advocacia Cleary, Gottlieb, Steen &
Hamilton, de New York, dá a conhecer que a Suprema Corte americana, em março
de 1996, entendeu que as penalidades econômicas impostas pelos Estados aos
transgressores da legislação local devem ter sustento no interesse do próprio Estado
de proteger os consumidores e sua economia. Mas para evitar excessos, balizou a
fixação da punitive demages award a partir de 3 diretrizes constitucionais: o grau de
repreensibilidade da conduta do acusado, a disparidade entre o prejuízo material
sofrido e a punição pecuniária e, finalmente, a discrepância entre estas punções e as
multas civis e penais aplicáveis a casos comparáveis. (BMW v. Gore).
A bem da verdade, as três diretrizes constitucionais da Suprema Corte de Justiça
americana em nada serviram para a limitação dos “punitive damages award”, visto que ainda
hoje se relatam casos de indenizações milionárias. Não se pode olvidar que tais indenizações
são por demais absurdas e que o próprio povo americano já as alcunha de “smart money”. A
um dano não tão significante são deferidos valores milionários a título de indenização para o
conforto da vítima ou de sua família e para desestimular outras ações similares. A vítima de
uma simples “cantada” é capaz de ter garantida a aposentadoria para o resto da vida.
Ainda que inexista o chamado “prætuim doloris”, Santini (1997, p.114) pontifica que
“o dinheiro serve para mitigar, para consolar, para estabelecer certa compensação”, ou nos
dizeres de Pereira (2000, p.338):
[...] oferecer (ao ofendido) a oportunidade de conseguir uma satisfação de qualquer
espécie, seja de ordem intelectual ou moral, seja mesmo de cunho material, o que
pode ser obtido no fato de saber que esta soma em dinheiro pode amenizar a
amargura da ofensa e de qualquer maneira o desejo de vingança.
Deve-se dar satisfatividade à vítima do dano moral, mas não de maneira a torná-la
milionária, mas sim de modo a compensá-la pela dor com uma melhoria de suas condições,
aliada ao fato de uma punição severa para o infrator, de modo a sentir significativamente em
seu bolso, para não mais repetir o ato faltoso.
O que não pode é o Juiz do Trabalho servir-se do inegável paternalismo que reina na
Justiça do Trabalho e, sob o manto da arbitragem do valor dos danos morais sofridos pelo
empregado, utilizar-se da “punitive demages doctrine” para efetivar uma melhor distribuição
de renda, fingindo-se de “Hobin Hood” para retirar dos empresários grandes somas de
dinheiro e entregá-las aos empregados.
Acontecendo este fato, não apenas estar-se-ia desnaturando o sentido da indenização
por danos morais, mas igualmente o sentido da própria Justiça do Trabalho já tão alvejada
pela sociedade, acarretando um número sem sentido de ações de indenização. Para utilizar a
36
expressão de Zenun (1998, p.54), uma “chuveirada de ações”, a chamada indústria do dano
moral que deve ser combatida.
Aliás, a Justiça do Trabalho tem tido cada vez mais sua natureza deturpada perante o
Governo Federal diante do fato de que este enxerga nela um mero ente eficiente de
arrecadação de contribuições previdenciárias hoje devidas à União por força da instituição da
Super Receita pela Lei nº 11.457, de 16 de março de 2007.
O órgão defasado em suas receitas tem encontrado na Justiça Especializada do Trabalho
uma ótima fonte de “custeio” para o prosseguimento de suas atividades, tanto que as recentes
Varas do Trabalho criadas surgiram não da necessidade de se dar maior celeridade aos
processos sob seus cuidados, mas da necessidade de uma célere arrecadação de contribuições
sociais.
É de se lamentar que se enxergue a Justiça do Trabalho através de lente côncava, isto é,
de ponta-cabeça. Deveria ela ser vista pela finalidade que realmente cumpre, qual seja, a de
conferir uma efetiva tutela jurisdicional de direitos àqueles que a buscam.
1.8 Competência da Justiça do Trabalho para ações de dano decorrentes
de acidente do trabalho após a Emenda Constitucional 45/2004
Rocha (2000, p.45), entende por competência a distribuição da função jurisdicional do
Estado dentro dos órgãos do Poder Judiciário
7
. Antes da Emenda Constitucional nº 45/04, em
que se conferiu competência à Justiça do Trabalho para processar e julgar ações de
indenização decorrentes da relação de emprego, prevista no inc. VI do art. 114 da
Constituição Federal, a competência da Justiça do Trabalho para referidas demandas existia
apenas na jurisprudência dos Tribunais Superiores, sendo fruto de mera interpretação da
antiga redação do art. 114 da Constituição Federal, conforme se vê:
Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e
coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público
externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito
Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes
da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de
suas próprias sentenças, inclusive coletivas.
Ora, a competência estava reservada à Lei Ordinária na medida em que a Justiça do
Trabalho só seria competente para conciliar e julgar outras controvérsias decorrentes da
7
Nesse mesmo sentido Antonio Carlos de A. Cintra, Ada P. Grinover e Cândido R. Dinamarco (1999, p.155).
37
relação de trabalho na forma de lei
8
. De 5 de outubro de 1988 até 30 de dezembro de 2004,
não foi editada nem promulgada qualquer lei que atribuísse competência à Justiça do
Trabalho para julgar questões de dano material e moral decorrentes da relação de emprego.
O interessante é que a própria Justiça do Trabalho dá fundamento à questão de forma
acertada, mas conclui erroneamente que a competência da Justiça do Trabalho antes da
Emenda 45/04 era para questões que se fundassem na aplicação da Lei Trabalhista. Quaisquer
outras controvérsias em que se aplicassem normas de direito comum, como o civil, no caso de
danos morais, ainda que decorrentes da relação de emprego, dependeriam de Lei Ordinária
para que a Justiça Especializada do Trabalho as apreciasse e as julgasse.
9
Não se duvida de que a melhor justiça para apreciar dano moral decorrente da relação
de emprego seja a do trabalho, mas desde que se respeite o princípio da reserva legal. E nem
se venha afirmar que a jurisprudência, como forma de integrar o Direito, editou norma
jurisprudencial no sentido de suprir lacuna existente, uma vez que referida competência
estaria reservada, como até hoje está, à existência de pelo menos uma lei ordinária sobre o
assunto.
Fato é que não havia qualquer lacuna no ordenamento jurídico. Muito pelo contrário.
Havia expressa previsão constitucional a esse respeito, inclusive remetendo à necessidade de
existência de lei para tal competência. Como a lei nunca veio, os Tribunais, ferindo de morte
o princípio da tripartição dos poderes, pondo em risco inclusive o Estado Democrático de
Direito, inconstitucionalmente legislaram sobre a matéria editando norma jurisprudencial
consubstanciada na Orientação Jurisprudencial de nº 327 da Subseção de Dissídios
Individuais 1 do Tribunal Superior do Trabalho: “327. Dano Moral. Competência da Justiça
do Trabalho. Nos termos do art. 114 da CF/1988, a Justiça do Trabalho é competente para
8
A expressão “decorrentes da relação de trabalho” ganhou novo significado com a Emenda Constitucional 45,
resultado da interpretação conforme a Constituição sem redução de texto dada pelo Supremo Tribunal Federal
ao julgar a ADIN XXX. O acontecido foi que o STF ao compatibilizar a novel redação do art. 114, incisos I e
IX fez gramatical distinção entre “oriundo da relação de trabalho” (inc. I art. 114) e “decorrente da relação de
trabalho”, na medida em que na primeira, a competência da Justiça do Trabalho se restringiria às ações que
tivessem origem, que se originasse e ainda tivessem natureza jurídica trabalhista. Na segunda, as ações teriam
natureza jurídica diversa da trabalhista, ou seja, penal, tributaria ou fiscal, previdenciária, civil, mas que com a
relação de trabalho tivesse qualquer elo dela decorrendo. Assim, crimes contra o trabalho, execução de
imposto de renda, exemplificativamente, teriam natureza criminal e fiscal, respectivamente, mas decorreriam
da relação de trabalho, tendo com ela ligação, e somente poderia ser de competência da Justiça do Trabalho na
forma da lei.
9
TST – RR 794847 – 1ª T. – Rel. Juiz Conv. Altino Pedrozo dos Santos – DJU 25.06.2004; TST – RR 1310 – 1ª
T. – Rel. Min. João Oreste Dalazen – DJU 11.06.2004.
38
dirimir controvérsias referentes à indenização por dano moral, quando decorrente da relação
de trabalho.”
O Supremo Tribunal Federal, segundo Marques de Lima (2001, p.98), é órgão do Poder
Judiciário que há muito se perdeu em decisões de cunho meramente político. Esquecendo-se
de sua função de mentor e guardião jurídico da Constituição, chancelou o entendimento
dispensado pela Justiça do Trabalho, não respeitando a norma de eficácia limitada que se
continha na antiga redação do art. 114 da Constituição.
10
Com a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 45/2004, fez-se desaparecer a
inconstitucionalidade do comando jurisprudencial, acalmando-se os ânimos na medida em
que foi conferida à Justiça do Trabalho competência para processar e julgar as ações de
indenização por dano moral ou patrimonial decorrentes da relação de trabalho, por força do
desmembramento do art. 114 da Constituição e com a inserção de um inciso IV em seu
conteúdo. Indiscutivelmente, agora é a Justiça do Trabalho competente para processar e julgar
as ações de indenização por danos materiais e morais decorrentes da relação de emprego.
Mas, e as decorrentes de acidente de trabalho?
Mesmo com o alargamento de sua competência para processar danos materiais e morais
decorrentes da relação de trabalho, observou-se um dissenso entre o Supremo Tribunal
Federal e o Tribunal Superior do Trabalho, a respeito da questão da competência para
processar e julgar ações de indenização por danos materiais e morais decorrentes de acidente
de trabalho.
A discordância entre as cortes constitucional e infraconstitucional cingia-se à diferença
entre Ação Acidentária e Ação de Indenização por Danos Morais decorrentes de Acidente de
Trabalho. As duas são constitucionalmente previstas no art. 7º, inc. XXXVIII, em que se
garante seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a
indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.
A primeira ação é chamada Ação Acidentária, que o empregado interpõe contra o órgão
da Previdência Social perante a Justiça Estadual por força do art. 109, inc. I, da Constituição,
tratando-se de competência residual da Justiça Comum estadual. A segunda é Ação
10
RE 421455 ED / ES - Espírito Santo, Emb. Decl. Nº Recurso Extraordinário – relator (a): Min. Carlos Velloso
julgamento: 10/08/2004 órgão julgador: Segunda Turma Publicação: DJ data-27-08-2004 pp-00080
Ementário v.-02161-04, p-00740.
39
Trabalhista de Danos Materiais e Morais contra o empregador para obrigá-lo a indenizar
trabalhador vítima de acidente. Na primeira, vislumbra-se a chamada responsabilidade
objetiva oriunda do risco social, de modo que a Previdência Social, independente da culpa do
empregado ou empregador, deverá fornecer à vítima (o trabalhador segurado obrigatório) os
benefícios a que tem direito.
Na segunda, tem-se a chamada responsabilidade subjetiva em que o empregado prova o
fato ocorrido e, por força de culpa presumida decorrente da responsabilidade contratual, como
se verá mais adiante, o empregador, a fim de se livrar da obrigação, tenta provar que não agiu
com dolo ou culpa ou ainda qualquer outra excludente de responsabilidade, como caso
fortuito, força maior, estrito cumprimento do dever legal, estado de necessidade ou ainda
legítima defesa própria ou de outrem. O Tribunal Superior do Trabalho, antes e após a
Emenda Constitucional 45, sustentou sua posição calcada na diferença entre as Ações
Acidentárias, estas de competência da Justiça Comum, e as Ações de Dano decorrentes do
Acidente do Trabalho, de competência da Justiça do Trabalho.
11
Para Dallegrave (2007, p.
193):
[...] a afirmação de que a Justiça Comum estadual detém competência residual é
correta; porém, tais exegetas incorrem em erro quando nela incluem litígios
acidentários civis. Deveras, o que compõe a competência residual da Justiça Comum
não são as lides acidentárias contra o empregador, mas tão-somente aquelas movidas
contra o INSS acerca dos benefícios devidos ao trabalhador, segurado obrigatório.
Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal também se manteve firme no seu
entendimento de que a competência para ações de dano moral decorrente de acidente de
trabalho é da Justiça Comum, até que no dia 29 de junho de 2005, uma quarta-feira, por dez
votos a zero, concluiu pela competência material da Justiça do Trabalho para processar e
julgar ações de indenização por danos materiais e morais decorrentes de acidentes de trabalho,
decisão que foi tomada em julgamento do Conflito de Competência nº 7204, relatado pelo
ministro Carlos Aires Brito, que afastou a competência da Justiça Estadual para julgar essas
ações e afirmou a competência trabalhista.
11
Nesse mesmo sentido Carlos Henrique Bezerra Leite, Mauro Schiavi, Francisco Antônio de Oliveira, Manuel
Antônio Teixeira Filho e Francisco Gerson Marques de Lima. Cf também TST – ERR 621890 – SBDI 1 – Relª
Juíza Conv. Rosita de Nazaré Sidrim Nassar – DJU 19.11.2004.
2 NATUREZA CONTRATUAL DA RESPONSABILIDADE
CIVIL DO EMPREGADOR: RESPONSABILIDADES
CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL
O dano e sua reparação podem decorrer tanto de uma obrigação contratual quanto
extracontratual. Uma pessoa pode causar prejuízo a outra tanto por descumprir uma obrigação
contratual, como por praticar outra espécie de ato lícito ou ilícito. Assim, existe uma
responsabilidade contratual diversa da responsabilidade extracontratual, também conhecida
como responsabilidade aquiliana.
1
Na hipótese de responsabilidade contratual, antes da obrigação de indenizar existe entre
as partes um vínculo jurídico derivado do contrato. Na hipótese da responsabilidade aquiliana,
nenhum elo jurídico existe entre o agente causador do dano e a vítima, até que o ato daquele
ponha em ação os princípios geradores de sua obrigação de indenizar.
Entende-se que as duas responsabilidades são de igual natureza, não havendo porque
discipliná-las separadamente. De fato, na configuração da responsabilidade contratual, como
na da aquiliana, tem-se a apresentação dos mesmos pressupostos, tais como a ação ou omissão
do agente, o dano experimentado pela vítima e, obviamente, o nexo de causalidade entre a
ação ou omissão do agente e o dano experimentado pela vítima.
Para alguns autores, como Rodrigues (1997, p.9), “na responsabilidade contratual a
indenização, em muitos casos, se não em todos, é, por igual, um substitutivo da prestação
contratada.” Cita como exemplo o caso de um artista, contratado para uma série de
apresentações, se recusa a dar um ou mais dos recitais combinados, fica ele sujeito a reparar
as perdas e danos experimentados pelo empresário. A indenização abrangerá o prejuízo
efetivo, tais como o aluguel do teatro, a publicidade feita, a impressão das entradas, etc.”
Para Gomes (1998, p.182), a classificação da responsabilidade civil em contratual e
extracontratual depende da natureza da violação. Se preexiste um vínculo obrigacional, a
1
In lex aquilia et levíssima culpa venit.
41
responsabilidade civil será contratual. Na responsabilidade civil extracontratual, a obrigação
de indenizar “como conteúdo imediato da obrigação imposta pela lei.”
No entanto, a responsabilidade contratual não se restringe basicamente à obrigação de
indenizar danos materiais experimentados pela vítima em decorrência do descumprimento
contratual, pois da inobservância da cláusula do contrato pode igualmente advir um dano
exclusivamente moral, puro ou não, como a perda da credibilidade do empresário do teatro no
meio artístico, donde surgiriam incontestavelmente os danos materiais e morais.
Desse modo, sustenta-se aqui com base em Pereira (2000, p.350), a quem assiste razão
quando diz que “as perdas e danos, a que fica sujeito o contratante inadimplente, são coisas
inteiramente diversas da prestação inadimplida. Pois, na realidade, a indenização não é o
equivalente da obrigação descumprida, mas a reparação do prejuízo defluente da inexecução.”
Prejuízo este que, como sustentado, pode ser material e moral ou exclusivamente moral.
Em matéria probatória, e é isto que mais diretamente interessa, sustenta-se que na
responsabilidade contratual, uma vez demonstrado pelo credor que a prestação foi
descumprida, o onus probandi se transfere para o devedor inadimplente, que terá de
evidenciar a inexistência de culpa ou dolo de sua parte, ou presença de caso fortuito ou força
maior, ou ainda outra excludente da responsabilidade capaz de eximi-lo do dever de
indenizar. Enquanto que se for aquiliana a responsabilidade, caberá à vítima o encargo de
demonstrar a culpa ou dolo do agente causador do dano.
O Novo Código Civil disciplina distintamente as duas modalidades de responsabilidade.
Nos artigos 186 e 187 do Código, sob o título “Dos atos ilícitos”, regula a matéria que é
complementada nos arts. 927 e seguintes do mesmo diploma civil. Já a responsabilidade
contratual, como conseqüência da inexecução das obrigações, é disciplinada nos artigos 389 e
seguintes.
Não se pode pretender aqui que a distribuição do ônus da prova no processo do trabalho
se dê única e exclusivamente em decorrência do princípio protetor, mas deve decorrer do
estudo sistematizado dos institutos de natureza civil, trabalhista, da Hermenêutica Jurídica e, é
claro, da Teoria Geral do Direito, gênero do qual a Teoria Geral do Direito do Trabalho é
espécie, devendo, portanto, seguir suas linhas mestras gerais sem delas se desviar.
42
Tal observação se dá em decorrência do fato de que o Tribunal Superior do Trabalho,
em muitos de seus julgados,
2
considera que em caso de acidente do trabalho sofrido por
empregado presume-se a culpa do empregador, sem fazer qualquer referência a que método
hermenêutico se serviu para chegar à dita conclusão. As decisões são dadas e as conclusões
tiradas sem nenhuma construção teórica que dê sustentação ao fato de que realmente a culpa é
presumida, como bem assenta Stoco (2004, p.150):
Em determinadas circunstâncias é a lei que enuncia a presunção. Em outras é a
elaboração jurisprudencial que, partindo de uma idéia tipicamente assentada na
culpa, inverte a situação impondo o dever ressarcitório, a não ser que o acusado
demonstre que o dano foi causado pelo comportamento da própria vítima.
Para Delgado (2006, p.200):
No tocante, por sua vez, ao processo de interpretação de normas, não poderá o
operador jurídico suplantar os critérios científicos impostos pela hermenêutica
Jurídica à dinâmica de revelação do sentido das normas examinadas, em favor de
uma simplista opção mais benéfica para o obreiro (escolher, por exemplo, uma
alternativa inconsistente de interpretação, porém mais favorável). Também no
Direito do Trabalho o processo interpretativo deve concretizar-se de modo objetivo,
criterioso, guiado por parâmetros técnico-científicos rigorosos. Assim, apenas se,
respeitados os rigores da Hermenêutica Jurídica, chegar-se ao contraponto de dois
ou mais resultados interpretativos consistentes, é que procederá o intérprete à
escolha final orientada pelo princípio da norma mais favorável. É óbvio que não se
pode valer do princípio essencial justrabalhista para comprometer o caráter lógico-
sistemático da ordem jurídica, elidindo-se o patamar de cientificidade a que se deve
submeter todo processo de interpretação de qualquer norma jurídica. (grifou-se).
Delgado (2006) não disse nada de novo nem de inovador, apenas chamou a atenção dos
operadores do Direito do Trabalho para algo que muitos esqueceram: o Direito do Trabalho,
apesar de ramo do Direito com princípio e regras próprias que lhe impõem autonomia
disciplinar e acadêmica, é tão “direito” quanto o civil, penal, administrativo, tributário,
constitucional, enfim, é ramo da Teoria Geral do Direito, devendo se submeter a seus
princípios gerais e às regras gerais de hermenêuticas, delas se especificando apenas quando
compatíveis com seus princípios gerais.
Assim, procurar-se-á demonstrar no curso do presente trabalho que a responsabilidade
do empregador pelo dano sofrido pelo empregado decorrente de acidente do trabalho é
contratual, invertendo-se o ônus probatório, pelo que o empregador, diante da presunção de
culpa, deverá comprovar que não agiu nem com dolo nem com culpa para se livrar da
2
E-RR - 3130/1996-023-02-00.8, Relatora Ministra: Rosa Maria Weber Candiota da Rosa, Data de Julgamento:
04/08/2008, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: 08/08/2008; E-ED-RR -
930/2001-010-08-00.6 , Relator Ministro: João Oreste Dalazen, Data de Julgamento: 07/08/2006, Subseção I
Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: 01/09/2006.
43
obrigação de indenizar, bastando para o empregado comprovar o fato do descumprimento
contratual.
2.1 Responsabilidades contratual e extracontratual
Em matéria probatória, o empregado não está tão desamparado frente ao empregador.
No decorrer do presente trabalho, fez-se a diferença entre responsabilidade contratual e
responsabilidade extracontratual ou aquiliana. Concluir-se-á, por força da natureza contratual
da relação de emprego, que a responsabilidade do empregador de indenizar o empregado
decorre de descumprimento de cláusula contratual.
Contrariando o pensamento de Rodrigues (1997, p.114), para quem essa definição tem
finalidade meramente didática, entende-se que a distinção entre os dois tipos de
responsabilidade, contratual e extracontratual, exorbita a finalidade meramente didática para
se inserir no campo prático-processual na medida em que somente se sabe quem deverá
provar o quê, quando se definir se a responsabilidade deriva de relação jurídica preexistente
entre as partes ou não.
Em matéria de prova, por exemplo, na responsabilidade contratual, regulada pelo art.
389 e seguintes do Código Civil, demonstrado pelo credor (empregado) que a prestação foi
descumprida, o ônus da prova se transfere para o devedor inadimplente (empregador), que
terá a árdua tarefa de evidenciar a inexistência de culpa de sua parte, ou a presença de força
maior, ou outra excludente da responsabilidade capaz de eximi-lo do dever de indenizar. Por
outro lado, na responsabilidade aquiliana, caberá à vítima a culpa do agente causador do dano.
Para Gonçalves (1995, p.98), na responsabilidade contratual o inadimplemento
presume-se culposo. O credor lesado (empregado) encontra-se em posição mais favorável,
pois só está obrigado a demonstrar que a prestação foi descumprida, sendo presumida a culpa
do inadimplente (empregador). Logo, pelo fato de a responsabilidade de indenizar dano moral
decorrente da relação de emprego ser de origem, como adiante se demonstrará, cabe ao
empregado provar ato faltoso do empregador, e a este a prova da inexistência de culpa, sendo
esta presumida.
Entretanto, ainda resta um pergunta a ser respondida: o empregado, além de provar o
fato, tem que provar o dano moral sofrido?
44
Como dito anteriormente, por estar a Justiça do Trabalho engatinhando no que diz
respeito à reparabilidade de dano, deve ela buscar não soluções, mas, pelo menos, orientações
na Justiça Comum que já lida com a matéria há várias décadas. Os Tribunais de Justiça
comuns firmaram entendimento no sentido de que o dano moral puro, qual seja, aquele que
não gera nenhuma repercussão de cunho patrimonial ou material, deve ser presumido por ser
sua prova, quando não muito difícil, de resto impossível.
3
Florindo (2002, p.346-347) afirma existirem três correntes distintas sobre a prova do
dano moral. A primeira delas seria a teoria da prova do dano in re ipsa para quem “o dano
moral se prova por si mesmo.” A segunda teoria defende que os danos morais devem ser
cabalmente provados, assim como os materiais. E a terceira, intermediária entre as duas,
considera suficientes as presunções do homem, ou presunções simples, também ditas comuns,
“que se forma na consciência do juiz e que são as conseqüências que o juiz, como homem, e
como qualquer homem criterioso, atendendo ao que ordinariamente acontece, extrai os fatos
da causa, ou suas circunstâncias e nas quais assenta sua convicção quanto ao fato probrando.”
A Justiça Comum acolheu essa terceira corrente e parece que é a mais acertada a ser
aplicada aos casos concretos surgidos perante os Juízes do Trabalho. Atente-se para o fato,
mais uma vez, de que não é o mero descumprimento contratual capaz de ensejar o dano moral
e a sua reparação: o descumprimento tem que ser tal que enseje, realmente, um dano e assim a
obrigação de repará-lo.
Trazendo para o campo do direito do trabalho, e.g., um empregado que é tratado com
rigor excessivo por seu empregador de modo a humilhá-lo perante os colegas, não precisa
chorar na frente do juiz e dizer o quão infeliz está ou ficou. Este empregado tem apenas o
ônus de provar a conduta faltosa do empregador. Provada referida conduta e se dela resultar,
præsumptio hominis, ofensa à honra, à dignidade, ao orgulho do empregado, decerto restará a
obrigação do empregador de indenizá-lo.
Situação oposta se verifica quando o empregador aplica uma penalidade ao empregado
desproporcional à falta cometida. Nesse caso está-se também diante da figura “tratar o
empregado com rigor excessivo” prevista na alínea “b” do art. 483. À falta do empregado
3
Confira neste sentido TAPR – AC 0262544-7 – (226969) – Toledo – 6ª C.Cív. – Relª Juíza Conv. Maria A.
Blanco de Lima – DJPR 04.02.2005; TJDF – APC 20020110648144 – 5ª T.Cív. – Relª Desª Haydevalda
Sampaio – DJU 25.11.2004 – p. 65; TJRO – AC 100.001.2003.009883-0 – C.Cív. – Rel. Des. Renato Mimessi
– J. 28.09.2004.
45
cabia uma punição disciplinar de 3 (três) dias de suspensão e o empregador aplicou-lhe 7
(sete) dias. O descumprimento contratual se verificou, pois o empregador tem a obrigação de
tratar seus empregados com o rigor equivalente às suas faltas, obrigação esta de cunho
contratual. No entanto, pergunta-se, qual o prejuízo moral acarretado? Decerto que nenhum.
Pois não se enxerga aí a certeza do prejuízo.
Assim, a presunção comum ou do homem deve ser aplicada caso a caso e não de
maneira genérica, como a teoria que sustenta a prova do dano pela simples ocorrência do fato
desabonador. A Justiça do Trabalho já se manifestou em casos dessa natureza, na medida em
que a simples inadimplência de caráter salarial não é capaz de configurar o dano moral, que
decorre da lesão sofrida pela pessoa em sua esfera de valores ideais, integrantes de sua
personalidade, dos seus sentimentos. A lesão material está divorciada desse conceito. Assim,
eventual atraso no pagamento dos salários, por si só, não basta para caracterizar o dano,
cabendo à parte prejudicada comprovar a existência de lesão dessa natureza
4
, à exceção, é
claro, dos danos materiais pelo que o atraso no pagamento de salários pode ocasionar, desde
que igualmente comprovado o prejuízo patrimonial.
É certo que a mora salarial pode causar inúmeras dificuldades e dissabores ao
empregado, mas não alberga a pretendida indenização por dano moral, pois, para a espécie, já
existe sanção própria, qual seja: a rescisão indireta do contrato de trabalho, com os
consectários inerentes
5
. No caso acima, o descumprimento contratual é certo. Mas não há,
conseqüentemente no caso apresentado, a certeza do prejuízo capaz de se fazer presumir a
existência de dano moral.
2.2 O ônus de se provar o fato e o dano
Antes mesmo de se adentrar especificamente o tema da natureza da responsabilidade do
empregador pelo dano causado ao empregado, cumpre distinguir-se a natureza jurídica da
relação de emprego. A distinção se impõe devido ao fato de que ao se concluir pela natureza
jurídica da relação de emprego como institucional, a disciplina da responsabilidade será
diversa daquela encontrada para a origem da relação de emprego com base no contrato como
acordo bilateral de vontades.
4
TRT 19ª R. – RO 00175.2003.006.19.00.2 – Relª Juíza Helena e Mello – J. 20.04.2004
5
TRT 15ª R. – RO 37.322/2000-6 – 5ª T. – Rel. Juíza Olga Aida Joaquim Gomieri – DJSP 04.03.2002 – p. 09
46
Assim, no caso de a relação de emprego ser institucional, a responsabilidade do
empregador será necessariamente aquiliana. No caso de ser contratual, contratual será sua
obrigação de indenizar
6
.
Historicamente, surgiram duas correntes teóricas para explicar a natureza jurídica da
relação de emprego: a teoria anticontratualista ou acontratualista e a teoria contratualista. A
primeira, acontratualista, como o próprio nome está a indicar, nega que a relação de emprego
tenha origem no contrato de trabalho.
A teoria anticontratualista ou acontratualista subdivide-se em duas: a institucionalista
e a da relação de emprego. Apesar de diferentes, ambas têm um ponto em comum que é a
negação do contrato de trabalho como antecedente à relação de emprego. Tanto uma quanto a
outra são decorrentes da ideologia corporativista da época na qual a empresa era tida como
uma instituição, ou seja, de acordo com Delgado (2006, p.319): “um corpo social que se
impõe objetivamente a um certo conjunto de pessoas e cuja permanência e desenvolvimento
não se submetem à vontade particular de seus membros componentes.”
A Carta del Lavoro
7
, instrumento fascista no qual a Consolidação foi buscar inspiração,
em sua Declaração VII – A Empresa – estatui que o “Estado corporativo considera a iniciativa
privada no campo da produção como o instrumento mais eficaz e mais útil no interesse da
nação.” Dizia ainda que o “prestador de serviços, o técnico, empregado ou operário é um
colaborador ativo da empresa econômica, cuja direção cabe ao empregador, pela
responsabilidade que assume.”
Para Bassalho Pereira (1991, p.9-39), a subordinação jurídica do empregado ao
empregador “implica evidentemente, a inevitável submissão de cada trabalhador, enquanto,
pelo menos, dura o trabalho à hierarquia da unidade produtora à qual preste serviços.” Mais à
frente arremata:
[...] e isso é válido, ressalte-se, quer se entenda a subordinação como imperativo da
organização da atividade produtiva, como um status do empregado, como
decorrência de um direito de conformação do empregador, como situação de fato,
decorrente do contrato e reconhecida e regulada pelo direito, ou como vínculo de
integração contratual da atividade do trabalhador na organização da empresa.
6
No entanto, a responsabilidade contratual do empregador na obrigação de indenizar pelo dano moral não se
resolve assim tão facilmente. Ver-se-á casos em que a obrigação do empregador decorrerá de ato que
aparentemente nada tem relação com a relação jurídica de emprego.
7
A Carta Del Lavoro foi um conjunto de princípios que inspirou a Constituição fascista italiana de 1927 e
acabou por se incorporar à Constituição brasileira de 1934.
47
Com efeito, a atividade organizadora do empregador no âmbito da empresa era tida
como de interesse nacional, conseqüentemente tornando o empresário responsável perante o
Estado pelo êxito alcançado no exercício desta função. No entanto, a parte final da Declaração
VII impõe igualmente ao empregado tal responsabilidade, mas não na função organizadora da
empresa, pois esta cabe ao empregador, mas na posição de que move efetivamente a máquina
industrial, respondendo ativamente pela produção da empresa, portanto, o sujeito ativo da
relação de emprego e visto como um colaborador da atividade organizada da empresa.
A conseqüência jurídica dessa “colaboração” é o fato de que o empregado, ao prestar
serviços na empresa, não o faz por ato de vontade no sentido de contratar com o empregado
ou com a empresa, mas o empregado se engaja (embouchage) naquela atividade, pois sua
prestação de serviços é imprescindível ao bom funcionamento da empresa, colaborando para
que aquele interesse nacional fosse colimado. Segundo Romita (2001, p.110-111):
Esta idéia (corporativismo) haveria de refletir-se, necessariamente, no campo da
regulação das relações de trabalho, pela ampla e pacífica aceitação da teoria do
institucionalismo social, que via na empresa uma instituição no interior da qual
empregados e empregador colaboram para a realização dos superiores interesses da
produção nacional.
O Estado Social, preocupado com o bem-estar e a paz social, evitando assim a luta de
classes, procurava prestar ações positivas em prol daqueles desprovidos de maiores condições
econômicas suficientes à sua subsistência, de modo que com programas sociais provia a
população trabalhadora carente com previdência social, saúde, educação, moradia,
alimentação e outros
8
, reduzindo a pobreza, a desigualdade social, e apaziguando a questão
social, de modo a se manter no poder e afastar o fantasma comunista que, com Marx, pregava
a ditadura do proletariado.
No entanto, para a realização de tais prestações positivas, o Estado necessitava de
recursos, os quais eram obtidos principalmente com a tributação sobre a produção da
empresa. Criava-se, portanto, um ciclo econômico-social: os trabalhadores se engajavam na
empresa porque sabiam que se trabalhassem a empresa produziria, com a produção haveria
tributação e, com esta, recursos suficientes para programas sociais destinados a eles próprios,
trabalhadores de baixa renda.
Nascimento (2004, p.536) define a teoria acontratualista como sendo “o movimento de
idéias que procura fundamentar a relação jurídica trabalhista fora dos quadros do direito civil
8
Coincidentemente as mesmas prestações positivas estatais previstas no art. 6º da atual Constituição Federal.
48
e das teorias contratuais.” De fato, para Nascimento (2004, p.541), o pressuposto da união
entre empregado e empregador:
Não está na autonomia da vontade contratual, porque à obra a que se propõe a
empresa, perpetuada e durável, aderem os membros desse organismo social,
surgindo uma relação entre o indivíduo e um estado social objetivo no qual o
indivíduo está incluído. O empregado, a luz do institucionalismo, submete-se a uma
situação fundamentalmente estatutária, sujeitando-se às condições de trabalho
previamente estabelecidas por um complexo normativo constituído pelas
convenções coletivas, pelos regulamentos de empresa, etc. Ao ingressar na empresa,
nada cria ou constitui, apenas se sujeita.
Apesar de coincidentes, as teorias institucionalista e da relação de trabalho têm sua
divergência: enquanto o institucionalismo nega completamente a existência de um contrato de
trabalho; a teoria da relação de trabalho chega a admitir certo subjetivismo na concorrência da
vontade do trabalhador, porque ninguém será obrigado a prestar trabalhos pessoais sem o seu
consentimento. Entretanto, o simples acordo bilateral de vontades não é suficiente para o
surgimento da relação de trabalho, pois esta pressupõe a efetiva prestação de serviços, donde
Mario de la Cueva (apud NASCIMENTO, 2004) criou o chamado contrato-realidade.
A teoria acontratualista, apesar de se fazer inserir em alguns dispositivos celetistas,
como no art. 442, ao estabelecer que o contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou
expresso correspondente à relação de emprego, não teve mais repercussão no Direito do
Trabalho brasileiro. Aliás, Süssekind (2003, p.230-231), que viveu a época do apogeu da
teoria institucionalista, advertiram que tudo não passava do “gosto pela novidade”:
Parece-nos – data venia – que vai em tudo isto, a par do gosto pela novidade, uma
grande confusão a respeito do que se deve entender, juridicamente por contrato.
Contrato – é a lição da escola – é um acordo de duas ou mais vontades tendo em
vista produzir efeitos jurídicos. Ora se o empregado é admitido para trabalhar na
empresa, essa admissão pressupõe, como é lógico, um acordo de vontades: um
contrato, pois. Dir-se-á que a manifestação de vontade do empregado se resume a
um ato de adesão a condições prefixadas pelo empregador ou pela lei. Mas, como
frisa De Page ‘nenhum texto ou princípio de direito exige, para a validade de um
acordo de vontades que o conteúdo do contrato seja estabelecido pelas duas partes
ou tenha sido objeto de negociações e discussões preliminares’. Todo contrato – diz
aquele eminente jurista – ‘pode converte-se num contrato de adesão, sem que, por
esse motivo, as condições de sua validade sofram a menor modificação.
Atualmente, a teoria contratualista é a que sustenta que a natureza jurídica da relação de
emprego é um contrato. Somente a livre manifestação de vontades para a celebração do
contrato de trabalho é que pode dar origem à relação jurídica de emprego existente entre
empregado e empregador. A teoria contratualista (tradicional e moderna) foi a primeira a
tentar desvendar os mistérios da natureza jurídica da relação de emprego, na medida em que
esta relação tem sua origem no contrato de trabalho que necessariamente a antecede.
49
A teoria contratualista tradicional se divide em teoria do arrendamento, teoria da
compra e venda, teoria do mandato e teoria da sociedade. A teoria do arrendamento, também
conhecida como teoria da empreitada ou do aluguel, é a que mais se assemelha com o
contrato de emprego. É originária do locatio conductio operis (empreitada) e da locatio
conductio operarum (locação de serviços), ambas do direito romano. Na primeira, o que se
contrata não é a força de trabalho em si, mas determinada e certa obra. Na segunda, há
contratação da força de trabalho do prestador de serviços.
Gomes e Gottschalk (2000, p.136) afirmam que a diferença entre o contrato de locação
de serviços (mão-de-obra ou obra certa) e o contrato de emprego reside na subordinação.
Enquanto neste contrato o tomador (empregador) dirige a prestação pessoal dos serviços do
empregado, naquele o prestador de serviços o faz de maneira autônoma, não ditando o
empregador as regra de como o prestador deve realizar seus serviços.
Acrescente-se, ainda, o fato de que no trabalho autônomo, geralmente, o risco da
atividade econômica é transferido para o prestador de serviços. Já no trabalho subordinado,
em virtude da alteridade presente na própria definição de empregador (art. 2º da Consolidação
das Leis do Trabalho), apenas e tão-somente este assume os riscos da atividade econômica,
não se podendo transferir em hipótese alguma para o trabalhador.
Segundo a teoria da compra e venda, a força de trabalho do empregado seria uma
mercadoria e, portando, passível de ser comercializada através de um contrato de venda e
compra. No entanto, a força de trabalho do empregado é fator de produção de mercadorias,
estas sim possíveis de serem comercializadas. Ademais, como se verá adiante, o contrato de
emprego que origina a relação de emprego é de trato sucessivo, de execução continuada, não
se executando instantaneamente como a compra e venda de uma mercadoria. Pago o preço e
entregue a coisa, findo está o contrato. Ainda, o contrato de compra e venda encerra uma
obrigação de dar e o de emprego uma obrigação de fazer.
A teoria do mandado encontraria respaldo jurídico no art. 653 do Código Civil atual, de
modo que se opera o mandato quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome,
praticar atos ou administrar interesses mediante procuração. Não obstante várias
características do mandado se assemelharem ao do contrato de emprego, são eles dois
contratos naturalmente distintos.
50
A distinção principal que tem o condão de afastar a teoria do mandato para dar origem à
relação de emprego é a de que, no mandato, o mandatário, necessariamente, age em nome do
mandante, praticando atos que geram efeitos jurídicos. No contrato de emprego, o empregado
não age em nome do empregador, tampouco pratica atos jurídicos, mas apenas os chamados
atos de atividade que só se relacionam com a atividade para a qual foi contratado.
É verdade que determinados empregados que detêm cargos de confiança agem em nome
do empregador. Nesse caso, coexistem, lado a lado, interligados, mas autônomos, o contrato
de emprego e o de mandato, sem se confundirem, o que reforça claramente a diferença entre
ambos.
Para a teoria da sociedade, a relação de emprego originar-se-ia a partir de um contrato
de sociedade, em que empregado e empregador se uniriam com a finalidade convergente de
produção. No entanto, a affectio societatis e a subordinação são institutos que se excluem.
Não se perca de vista que na sociedade os sócios dividem os riscos da atividade econômica.
Na relação de emprego, o risco da atividade econômica é suportado apenas pelo empregador
(art. 2º da Consolidação). Existe uma relação de coordenação entre os componentes da
sociedade. A relação de emprego é caracterizada pela direção por parte do empregador da
prestação pessoal dos serviços do empregado.
Com esteio na livre manifestação de vontade em contratar, a teoria contratualista
moderna, assim como a tradicional, enxerga que a natureza jurídica da relação existente entre
empregado e empregador é um contrato. No entanto, um contrato novo e com características
próprias, e não igual àqueles já existentes no Direito Civil, tais como o mandato, compra e
venda, sociedade e arrendamento.
Referido contrato, denominado de contrato de emprego, teria como elementos
caracterizadores de sua existência uma obrigação de fazer personalíssima (pois o contrato de
emprego é realizado intuitu personae em relação ao empregado), prestada com não-
eventualidade, subordinação e intenção de receber salário. Assim, a natureza jurídica da
relação de emprego é contratual, o que leva a crer que a responsabilidade do empregador
pelos danos morais causados ao empregado seja contratual.
51
2.3 Natureza contratual da relação de emprego
Nos capítulos anteriores, sustentou-se que a natureza jurídica da relação de emprego é
contratual. Somente com a celebração do contrato de emprego é que nasce a relação jurídica
de emprego, que por definição legal do art. 442 da Consolidação é ato jurídico bilateral tácito
ou expresso em que, para sua formação, concorreram hígidas manifestações de vontade de
agentes capazes para a prestação de serviços lícitos e possíveis.
Sendo contratual, a obrigação de indenizar dano moral decorrente da relação de
emprego mostrar-se-á mais adiante que não poderia derivar senão de uma responsabilidade
contratual, pois tanto empregado quanto empregador estão obrigados aos termos do contato
de emprego firmado, deles não podendo se furtar sem o sofrimento das conseqüências
jurídicas pelo descumprimento contratual praticado.
Para Gonçalves (2004, p.145), a mais significativa diferença entre a responsabilidade
contratual e a extracontratual, ou aquiliana, diz respeito ao ônus da prova. Na
responsabilidade contratual, o inadimplemento presume-se culposo. O credor lesado
encontra-se em posição mais favorável, pois só está obrigado a demonstrar que a prestação foi
descumprida, sendo presumida a culpa do inadimplente. Por outro lado, na responsabilidade
extracontratual, ao lesado incumbe o ônus de provar a culpa ou dolo do causador do dano,
bem como o nexo de causalidade entre a ação ou omissão do agente e o dano experimentado.
Registre-se, ainda, a questão da obrigação do empregador de manter a incolumidade
física, psíquica e fisiológica do empregado, que faz parte dos direitos de personalidade e,
portanto, fundamentais, os quais se constituem em direitos de observância obrigatória geral,
de modo que qualquer um, independente de relação jurídica pré-existente ou não, deverá
guardar os direitos de personalidade dos demais, sob pena de ilicitude e da obrigação de
indenizar. Como se verá mais adiante, mesmo os direitos fundamentais de personalidade
podem ser objeto de cláusula contratual mínima e, portanto, sua inobservância importaria em
descumprimento contratual.
Existem ainda fatos que aparentemente nada têm a ver com a relação de trabalho,
desrespeitos aos direitos de personalidade que poderiam ser perpetrados contra qualquer um
por qualquer um, mas que, como se verá adiante, na verdade constituem-se em verdadeiros
52
descumprimentos contratuais, com base nas teorias da cláusula de incolumidade e na do
conteúdo mínimo do contrato.
2.4 Responsabilidade contratual da obrigação de indenizar: conteúdo
mínimo legal do contrato de trabalho
O artigo 444 da Consolidação das Leis do Trabalho estabelece que “as relações
contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação entre as partes interessadas em
tudo quanto não contravenham às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos
que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.” Ora, como assevera
Cairo Júnior (2003, p.73), o contrato de trabalho tem seu conteúdo mínimo fixado em lei, pois
mesmo em suas formas tácita e verbal as disposições legais mínimas de proteção ao
trabalhador fixam direitos e obrigações mínimos que devem ser observados pelas partes.
A celebração tácita ou expressa do contrato de trabalho tem o efeito imediato de tornar
referido instrumento em um magneto, atraindo para si todas as disposições mínimas de
proteção ao trabalhador. As cláusulas obrigatórias encontram-se presentes no contrato ainda
que nenhuma das partes tenha feito qualquer menção a seu respeito, de modo que os direitos
ao aviso prévio (art. 487, consolidado), 13º salário (Lei nº 4090/62), repouso semanal
remunerado (Lei nº 605/49), fundo de garantia do tempo de serviço (Lei nº 8036/90), jornada
máxima de trabalho (inc. XIII, art. 7º, Constituição Federal/88), assim como outros, imantam-
se ao contrato de trabalho, formando seu conteúdo mínimo.
Ainda que os interessados na celebração do contrato de emprego nada tenham acordado
expressamente, tem o empregador, e.g., o dever de guardar e zelar pela integridade física,
psíquica, o bom nome e a fama do empregado, na medida em que constituem falta grave do
empregador, podendo o prestador de serviços promover a denúncia cheia do contrato – o que
equivale em termos trabalhistas à rescisão indireta – quando o tomador de serviços exigir
serviços superiores às forças do empregado, alheios à moral e aos bons costumes, defesos por
lei, contrários ao contrato; tratar o empregado com rigor excessivo, expô-lo a perigo
manifesto de mal considerável, ofender sua honra, boa fama ou integridade física, reduzir-lhe
a importância dos salários ou promover qualquer outro descumprimento contratual.
Coincidência ou não, todas as hipóteses aqui elencadas encontram-se no art. 483, CLT, e são
justamente as faltas graves cometidas pelo empregador que podem levar o empregado a
considerar o contrato de trabalho imediatamente rescindido.
53
Assim, a prática de qualquer de tais atos poderá redundar na rescisão contratual por
parte do trabalhador, ainda que nada tenha sido acordado expressamente entre as partes. Note-
se que no rol de tais condutas estão presentes as que hoje são chamadas de direitos de
personalidade e estes, portanto, fazem parte do conteúdo mínimo do contrato de trabalho por
expressa imposição legal.
Gomes e Gottschalk (2000, p.175) identificam duas espécies de obrigações do
empregador: uma que tem como fonte imediata o contrato de trabalho; outra que se incorpora
ao seu conteúdo por adesão necessária às determinações legais, sem lhe retirar, todavia, o seu
caráter contratual.
Caso as partes queiram acordar outras condições de trabalho, podem livremente fazê-lo,
como dispõe o art. 444 consolidado, desde que não contravenham às normas protetivas da
relação de trabalho. Tal se justifica diante do fato de que o trabalhador encontra-se, no mais
das vezes, na dependência econômica do empregador, sem prejuízo da subordinação
decorrente do surgimento do poder empregatício do empregador que lhe dirige a prestação
pessoal de serviços.
A norma jurídica trabalhista surgiu exatamente para regular as relações entre
empregados e seus tomadores de serviços, pois antes de seu surgimento estes últimos se
encontravam em grande desvantagem jurídica. Subordinados economicamente ao
empregador, tinham os trabalhadores sua força de trabalho regida pelas leis de mercado da
oferta e da procura. Historicamente, sempre houve mais mão-de-obra disponível do que
postos de trabalho, de forma que a desvantagem das leis de mercado para o trabalhador era
flagrante.
Com as normas regulamentadoras da relação de trabalho, os trabalhadores continuaram
a depender economicamente de seus empregadores. Entretanto, no campo jurídico, ao
regularem a relação de trabalho e por força do princípio da proteção, impuseram ao
empregador um respeito mínimo à dignidade da pessoa humana do trabalhador, conferindo-
lhe direitos mínimos de proteção ao trabalho, fundamento de qualquer Estado Democrático de
Direito e principalmente da República Federativa do Brasil (art. 1º, inc. III, Constituição
Federal/88).
Resta saber, no entanto, se o ato do empregador em não causar qualquer tipo de dano
moral ao empregado encontra-se como cláusula pertencente ao conteúdo mínimo legal do
54
contrato de trabalho, de modo que sua inobservância se constitua em inadimplemento
contratual e, portanto, em responsabilidade contratual do empregador, devendo o empregado
provar apenas o fato danoso, cabendo ao empregador, por sua vez, o ônus de provar que não
agiu com dolo ou culpa.
2.4.1 Teoria da cláusula de incolumidade
Segundo Fernandes (2003, p. 59), a relação jurídica estabelecida entre empregado e
empregador expressa no contrato de emprego cria, implicitamente, uma obrigação por parte
do patrão de zelar pela segurança do trabalhador contra todo acidente dito profissional e de
vê-lo retornar incólume ao final da jornada. Para Botija (1951, p.58),
a segurança do indivíduo é um dos principais fundamentos da segurança social, mas
é também uma conseqüência decorrente do contrato de trabalho. [...] ao mesmo
tempo, além dos deveres ético e econômicos de proteção por parte das empresas, há
essa forma de proteção, que chamamos material e que se realiza por meio de quatro
deveres específicos do empresário: a) organização racional do trabalho; b) higiene
dos locais e segurança industrial; c) reparação de sinistros e incapacidade.
Às obrigações
9
prescritas por Botija (1951), acrescente-se também a obrigação do
empregador – e é claro que se trata de uma obrigação recíproca – de tratar o empregado com
urbanidade não apenas nos locais de trabalho quando estiver em serviço, mas em todo e
qualquer lugar ante o liame jurídico de emprego existente entre ambos.
No entanto, a restrição da cláusula de incolumidade aos acidentes de trabalho e à
integridade física ao trabalhador não tem qualquer razão de ser. Na atual configuração do
ordenamento pátrio
10
, está claramente associado à idéia de personalidade acima referida um
plantel de direitos, comumente denominados de “direitos da personalidade”, que abrangem o
respeito às integridades física, moral e intelectual, além da proteção à imagem e à identidade.
Ocorre que, entendida tantas vezes referida personalidade jurídica apenas como a
aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações, chegar-se-ia à absurda conclusão
de que todos os direitos subjetivos seriam direitos de personalidade. Tal constatação não
9
Na realidade a autora fala em “deveres” do empregado. Segundo o Professor Arnaldo Vasconcelos (1991), a
palavra “dever” tem conotação política e “obrigação”, conotação jurídica. Como estamos falando dos efeitos
de um ato jurídico bilateral – contrato – seguiremos com o termo obrigação por melhor se adequar ao caso em
estudo
10
E aqui, por absolutamente desnecessário ao objeto da discussão, não se vai aprofundar querela entre
naturalistas e positivistas: os direitos da personalidade são inatos, anteriores ao seu reconhecimento por uma
ordem jurídica já estabelecida, ou decorrem do desenvolvimento histórico das instituições humanas? Basta ao
objetivo do presente artigo reconhecer que, adotada uma ou outra postura, é fato inconteste que, hoje, os
direitos da personalidade são uma realidade no sistema jurídico brasileiro.
55
escapou à doutrina, tendo De Cupis (1961, p.17) registrado, precisamente, que quaisquer
direitos subjetivos:
[...] poderiam chamar-se direitos da personalidade. No entanto, na linguagem
jurídica corrente, essa designação é reservada àqueles direitos subjetivos, cuja
função, relativamente à personalidade, é especial, constituindo o ‘minimum’
necessário e imprescindível ao seu conteúdo. Por outras palavras, existem certos
direitos sem os quais a personalidade restaria uma susceptibilidade completamente
irrealizada, privada de todo o valor concreto: direitos sem os quais todos os outros
direitos subjetivos perderiam todo o interesse para o indivíduo — o que equivale a
dizer que, se eles não existissem, a pessoa não existiria como tal.
Admitida essa distinção, sem a qual os direitos da personalidade seriam apenas mais
uma denominação para direitos subjetivos em geral, não se pode afastar a convergência entre
os primeiros e direitos fundamentais. De fato, também quanto aos direitos fundamentais,
reconhece-se a existência de um núcleo essencial, intangível, que deve ser preservado mesmo
quando colidem dois direitos diversos, cabendo à ponderação a tarefa de resolver a questão
sem o sacrifício total de um dos direitos, sob pena de excessiva restrição, o que se tenta
evitar.
11
Evidentemente, da semelhança acima constatada não resulta uma necessária identidade
absoluta entre direitos da personalidade e direitos fundamentais. Em realidade, como bem
observa Canotilho (1991, p.240), “muitos dos direitos fundamentais são direitos da
personalidade, mas nem todos os direitos fundamentais são direitos da personalidade.” E não
é preciso mais que uma rápida leitura comparativa para verificar que há normas
constitucionalmente alçadas à condição de direitos fundamentais que, entretanto, não têm
pertinência direta com os direitos da personalidade. É o caso, por exemplo, da previsão do art.
5º, LIX, da Carta Magna, segundo a qual “será admitida ação privada nos crimes de ação
pública, se esta não for intentada no prazo legal.”
Quando, porém, as duas categorias de direitos (da personalidade e fundamentais)
convergem, o núcleo essencial que ambas buscam preservar guarda necessária referência à
dignidade da pessoa humana. Com efeito, Santos (1998, p.27) afirma que a dignidade da
pessoa humana é sustentar que o homem seja visto como um fim em si mesmo, “não podendo,
11
Acerca do princípio da proporcionalidade e seus subprincípios, dentre os quais o da proporcionalidade em
sentido estrito, que veda precisamente o sacrifício absoluto do conteúdo essencial de um direito fundamental
para preservar outros, cf., entre outros, Guerra Filho (1999, p.66-68). Para a aplicação desse princípio na
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, como critério de aferição da constitucionalidade das leis: Gilmar
Ferreira Mendes (1999, p. 42-44).
56
de conseguinte, ser usado como instrumento para algo e, justamente por isso, tem dignidade, é
pessoa.”
Ser pessoa humana é, pois, segundo Sarlet (2001, p.87), dispor de dignidade, que
somente pode ser assegurada através de um sistema de direitos a ela associados: “sem que se
reconheçam à pessoa humana os direitos fundamentais que lhe são inerentes, em verdade
estar-se-á lhe negando a própria dignidade.”
Não é precisamente essa a função dos direitos da personalidade? Permitir a proteção da
própria noção de personalidade e, portanto, da pessoa humana? Não por outro motivo, de
longa data, já afirmava Gomes (1998, p.149): “sob a denominação de direitos da
personalidade, compreendem-se os direitos considerados essenciais à pessoa humana, que a
doutrina moderna preconiza e disciplina, a fim de resguardar a sua dignidade.”
Por conseguinte, os direitos da personalidade e muitos direitos fundamentais apresentam
uma identificação que se funda na dignidade da pessoa humana, que as duas categorias
buscam preservar.
12
Assim, a proteção às integridades física e moral, por exemplo, tanto são
resguardadas pela Constituição (como direito fundamental) quanto pelo Código Civil (como
direito da personalidade).
Assim, não faz sentido a cláusula de incolumidade querer resguardar apenas a
integridade do empregado com relação ao acidente de trabalho, mas deve resguardá-lo de todo
e qualquer ato do empregador que, descumprindo o contrato de emprego, cause dano ao
empregado, ainda que exclusivamente moral. Cairo Júnior (2003, p.69) sustenta com acerto
que “o contrato de trabalho, por ser bilateral, origina uma séria de obrigações tanto para o
empregado quanto para o empregador”, e conclui:
Em relação ao primeiro, a obrigação principal consiste em prestar serviços, e quanto
ao segundo, o pagamento de salário. Além das obrigações supramencionadas, o
pacto laboral é constituído por outras de natureza acessória, sendo estas últimas
definidas por lei, convenções coletivas, acordos coletivos, sentença normativa ou
pelo contrato, desde que não contrarie os princípios reguladores do Direito do
Trabalho, em face do princípio protetivo que lhe é peculiar.
12
E a jurisprudência não é infensa ao reconhecimento de tal circunstância, aceitando a identificação entre
direitos da personalidade e alguns direitos fundamentais: “a responsabilidade civil decorrente de abusos
perpetrados por meio da imprensa abrange a colisão de dois direitos fundamentais: a liberdade de informação e
a tutela dos direitos da personalidade (honra, imagem e vida privada)” (STJ – REsp 719592/AL – 4ª T – Rel.
Min. Jorge Scartezzini – DJU de 01.02.06, p.567)
57
Sustenta em seguida que “dentre as cláusulas acessórias existe uma implícita, mas
importante, que impõe ao empregador o dever de proporcionar segurança, higiene e saúde
para seus empregados, também denominada obrigação de custódia, dever de segurança ou
cláusula de incolumidade.”
Para tanto, Cairo Júnior (2003) faz um comparativo com o contrato de depósito na
medida em que surge para o depositário a obrigação legal de manter, guardar, zelar e
conservar a coisa a si confiada, respondendo por eventuais danos ocorridos na mesma,
devendo empregar todo o cuidado e as diligências necessárias para sua conservação até o
momento em que deve restituí-la ao proprietário.
Se a relação entre a coisa e seu detentor merece toda uma regulamentação jurídica no
sentido de prever a obrigação do depositário de guardar, manter e conservar a coisa sob sua
posse, o mesmo deve acontecer na relação empregado-empregador. Não que se esteja aqui
querendo dar tratamento de coisa ao trabalhador nem de mercadoria à sua prestação de
serviços. Mas a relação de emprego merece sim todos os cuidados, a fim de que o empregado,
ao final de cada dia de trabalho, volte ileso para casa.
O tratamento semelhante se justifica pelo seguinte: com a celebração do contrato de
trabalho, surge no mundo jurídico a relação de trabalho entre empregado e empregador. Para
este último, há o nascimento jurídico do poder empregatício, consistente, segundo Delgado
(1996, p.163), no poder diretivo, fiscalizatório, disciplinar e regulamentar.
Pela própria definição de empregador constante do artigo 2º da Consolidação das Leis
do Trabalho, considera-se empregador a empresa individual ou coletiva que, assumindo os
riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços do
empregado. É inerente à própria definição legal de empregador a direção da prestação pessoal
de serviços do empregado, de modo que este, quando da celebração do contrato de emprego,
põe à disposição do empregador toda sua força de trabalho.
Note-se que o que o empregado põe à disposição do empregador não é sua própria
pessoa, de modo que a subordinação não pode ser encarada sob o ponto de vista subjetivo,
mas sua prestação de serviços, esse sim o objeto do contrato de trabalho. Delgado (1996,
p.163) assevera que a subordinação é encarada sob um prisma objetivo: ela atua sobre o modo
de realização da prestação e não sobre a pessoa do trabalhador:
58
É, portanto, incorreta, do ponto de vista jurídico, a visão subjetiva do fenômeno, isto
é, que se compreenda a subordinação como atuante sobre a pessoa do trabalhador,
criando-lhe certo estado de sujeição (status subjectionis). Não obstante essa situação
de sujeição possa concretamente ocorrer, inclusive com inaceitável freqüência, ela
não explica, do ponto de vista sócio-jurídico, o conceito e a dinâmica essencial da
relação de subordinação. Observe-se que a visão subjetiva, por exemplo, é incapaz
de captar a presença de subordinação na hipótese de trabalhadores intelectuais e de
altos funcionários.
Referido trabalho é explorado em favor não do próprio empregado, sujeito ativo da
relação de emprego, mas de seu sujeito passivo, o empregador. Entretanto, a prestação de
serviços não pode ser dissociada da pessoa física do empregado, de modo que este ficaria num
determinado local e sua força física noutro. De forma alguma. Ao prestar serviços para o
empregador, encontra-se o empregado fisicamente lá trabalhando, de modo que não raras
vezes sua atividade se reveste de certo risco imediato, como nos casos de periculosidade e
risco de morte, ou mediato, como a prestação de serviços em atividades insalubres.
A lei trabalhista, por exemplo, no tocante à incolumidade física do trabalhador tem
normas específicas relativas à segurança, saúde e medicina do trabalho, com normas que
tentam evitar a fadiga; as que impõem o uso de equipamentos de proteção individual; as que
determinam que o empregador deva expedir ordens de serviços sobre segurança do trabalho e
fiscalizar o empregado para que as cumpra; as que impõem compensação pecuniária pelo
trabalho em condições mais gravosas, como a sobrejornada, jornada noturna, e ainda os
adicionais de insalubridade e periculosidade.
A questão da segurança de pessoas está presente em contratos de natureza civil, como o
de transporte. Gonçalves (1995, p.686) analisa no contrato de transporte a obrigação do
transportador de promover a segurança do passageiro, afirmando que implicitamente se obriga
a conduzir o transportado ao seu destino são e salvo. Se durante o percurso o mesmo sofre um
acidente, configura-se o inadimplemento contratual, ensejando o dever de indenizar.
Poder-se-ia questionar se tais dispositivos seriam passíveis de aplicação ao Direito do
Trabalho. Com efeito, responde-se afirmativamente com fulcro no art. 8º e seu parágrafo
único da Consolidação das Leis do Trabalho, na medida em que na falta de disposições
contratuais e legais o direito comum, no caso o civil, será fonte subsidiária do Direito do
Trabalho, naquilo em que não lhe for incompatível. Como a cláusula de incolumidade
encontra-se pricipiologicamente em alguns contratos de natureza civil com o intuito de
proteger determinados bens jurídicos, mostra-se de todo razoável invocá-la no Direito do
Trabalho para a proteção de bens relacionados ao empregado.
59
Mas como dito antes, não é só a integridade física de que se ocupam os direitos da
personalidade e fundamentais, de modo que não é apenas com relação a estes que o
empregador deve guardar em relação ao empregado. E de fato não se ocupa. Há ainda os
direitos à honra e à boa fama do empregado, à intimidade e à privacidade do trabalhador, que
o empregador, mesmo ante seu poder fiscalizatório e hierárquico, deverá observar em respeito
à cláusula implícita de incolumidade não apenas física, mas igualmente moral.
A própria Consolidação das Leis do Trabalho, em seu art. 483, prevê a obrigação de o
empregador ou superiores hierárquicos respeitarem a honra e a boa fama, não somente do
empregado, mas igualmente quando as ofensas forem desferidas contra pessoas de sua
família.
Estabelecido, assim, que os direitos da personalidade existem em função da dignidade
da pessoa humana, objetivando sua preservação, e que apenas de forma mediata e quando
cabível através de um esforço hermenêutico, são extensíveis às pessoas jurídicas, pode-se,
então, elencar suas características.
Sendo tais direitos referentes uma forma de proteger a dignidade da pessoa humana, um
dos fundamentos do Estado brasileiro (art. 1º, III, Constituição Federal de 1988), e guardando
referência a cada ser humano individualmente considerado, que terá o direito de invocá-los
contra terceiros, não se lhes pode negar o caráter de absolutos. O termo, entretanto, somente é
cabível porque significa sua oponibilidade erga omnes e não um eventual caráter
incontrastável, aqui sequer cogitado.
Os mesmos direitos não podem ser objeto de renúncia ou disposição, porque inerentes à
condição de ser humano. Sendo irrenunciáveis e indisponíveis, pode-se abdicar ou negociar a
condição de pertencente ao gênero humano. A indisponibilidade, porém, é apenas relativa,
visto que pode ser abrandada no caso concreto, como ocorre quando se negocia o uso da
imagem de alguém.
A impossibilidade de disposição – ou sua mitigação, como seria mais correto afirmar –
decorre, ainda, de seu caráter extrapatrimonial. Os direitos da personalidade, dada sua estreita
conexão com o reconhecimento da dignidade da pessoa humana, não têm referibilidade
econômica direta. Precisamente por isso, são também impenhoráveis e inexpropriáveis, até
porque impossível sua separação da pessoa natural a que se referem.
60
Poder-se-ia argumentar, a bem da verdade, que a incolumidade da pessoa humana, por
ter caráter personalíssimo, não poderia ser objeto de um contrato. No entanto, como já
analisado neste trabalho, constitui-se tal direito como de personalidade e fundamental de todo
cidadão e, ao mesmo tempo, um direito do sujeito empregado quando da execução do contrato
de trabalho. Para Dallegrave Neto (2007, p.41-42):
É importante, contudo, que se diga que em alguns momentos os direitos de
personalidade se tornarão mais efetivos quando confundidos com os deveres anexos
de conduta dos contratantes. [...] Os direitos de personalidade constituem uma
supracategoria jurídica, núcleo de toda ordem legal. Com efeito, o princípio maior
que deve ser considerado é o da sua máxima efetividade. Vale dizer: os direitos de
personalidade podem tanto ser aplicados como uma categoria autônoma, um direito
fundamental, absoluto, intransmissível, indisponível, irrenunciável, extrapatrimonial
e imprescritível, como também pode ser visto como um direito subjetivo que se
manifesta na órbita dos contratos, inclusive do contrato de trabalho. O que importa é
a sua máxima efetividade e irradiação de efeitos.
Esse entendimento, entretanto, não resiste à mínima análise, como entende Cairo Júnior
(2003, p.72-73):
Não resta dúvida que a disposição das partes vitais do corpo humano é proibida pelo
ordenamento jurídico nacional. Todavia, quando se cuida de deve de custódia ou de
segurança o que se objetiva é a manutenção do estado de saúde físico e psíquico da
pessoa, o que é praticamente aceito quando se trata de contrato de seguro contra
acidente de vida. Muito pelo contrário, o que não produz qualquer efeito é a cláusula
que exclua qualquer responsabilidade pelo advento do dano conseqüente de
infortúnio laboral. O trabalhador, quando admitido, cede ao patrão sua força de
trabalho, passando a ser credor não só da contraprestação salarial, mas da garantia
de que não será acometido de qualquer mal que afete a sua saúde, mesmo porque
dela depende para seu sustento e de sua família. A força de trabalho do operário
constitui sua principal, senão a única, fonte de renda, pelo que sua preservação
depende da adoção de medidas que anulem ou façam atenuar os riscos laborais.
Assim, de acordo com a teoria da cláusula de incolumidade, instituto igualmente
existente no Direito Civil, a obrigação do empregador de guardar, conservar e manter a
integridade física e psíquica do empregado não pode ser encarada simplesmente como direito
de personalidade oponível erga omnes independente de relação jurídica preexistente, mas
também como cláusula do contrato de trabalho, não apenas porque lhe daria uma máxima
efetividade, mas igualmente porque se trata de obrigação inserta em contrato por força de lei.
2.4.1.1 A cláusula de incolumidade e os fatos diretamente relacionados ao
trabalho
Carece de qualquer esforço doutrinário enxergar que há desrespeito à cláusula de
incolumidade decorrente do conteúdo mínimo legal do contrato de trabalho quando o fato
ensejador do dano está diretamente relacionado ao ambiente de trabalho do empregado, assim
61
entendido o local em que efetivamente presta serviços, seja este dentro ou fora do
estabelecimento do empregador.
Desse modo, referido fato gerador do dano constitui-se em violação contratual e,
portanto, capaz de encetar a responsabilidade contratual do empregador, fazendo-se incidir a
norma insculpida no art. 389 do Código Civil na medida em que “não cumprida a obrigação,
responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices
oficiais regularmente estabelecidos.”
As perdas e danos nos dispositivos previstos podem ser morais, materiais e estéticos,
pois já que o legislador não distinguiu não caberá ao intérprete fazer a distinção. Os juros e
correção monetária são perfeitamente aplicáveis no processo do trabalho, tendo inclusive o
art. 39 da Lei nº 8177/91 prescrito que a correção monetária dos débitos trabalhista correrá a
partir da data em que a obrigação deveria ter sido satisfeita; os juros de mora, a razão de 1%
ao mês, a partir da data da interposição da ação.
Há, portanto, descumprimento contratual por parte do empregador quando o dano
experimentado pelo empregado estiver relacionado diretamente com seu o ambiente de
trabalho. Isto pode ser demonstrado enumerando-se as hipóteses previstas no art. 483
consolidado, o que, aliás, vai ao encontro da teoria do conteúdo mínimo do contrato, de modo
que nenhum acordo de vontade entre as partes, mais hígido que se pareça, pode afastar as
hipóteses de falta grave cometidas pelo empregador. Assim, cada uma delas configura-se em
cláusula implícita do contrato de trabalho e seu desrespeito pelo empregador enseja
descumprimento contratual e gera o dever de indenizar.
Deve-se ter em mente, no entanto, que a indenização a que faz expressa menção o caput
do art. 483 não é indenização por perdas e danos a que alude o art. 389 do Código Civil, mas
sim a indenização compensatória pela rescisão sem motivo dado pelo empregado – entretanto,
pelo empregador – que hoje são os 40% (quarenta por cento) sobre os depósitos do fundo de
garantia do tempo de serviço, nos casos de contratos por prazo indeterminado.
Isto se justifica porque, como se verá adiante, o mero descumprimento contratual não é
capaz de ensejar danos materiais ou morais, os quais devem ser efetivamente experimentados
pela vítima. Assim, as indenizações relativas aos 40% sobre o Fundo de Garantia do Tempo
de Serviço e as perdas e danos são cumulativas porque visam a compensar situações distintas,
não se caracterizando em bis in idem.
62
As hipóteses de descumprimento contratual, como dito, são aquelas previstas nas
alíneas do artigo 483, concluindo-se dali que o empregador tem a obrigação de zelar pelas
cláusulas contratuais e assim assegurar seu fiel cumprimento não apenas com a satisfação de
todos os créditos e direitos trabalhistas do empregado, mas também assegurando sua saúde,
segurança e integridade física e moral. No entanto, poderá o empregado considerar rescindido
o contrato e pleitear a devida indenização quando:
a) Forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários
aos bons costumes, ou alheios ao contrato;
b) For tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor
excessivo;
c) Correr perigo manifesto de mal considerável;
d) Não cumprir o empregador as obrigações do contrato;
e) Praticar o empregador, ou seus prepostos, contra ele ou pessoa de sua família,
ato lesivo da honra e da boa fama;
f) O empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de
legítima defesa, própria ou de outrem;
g) O empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a
afetar sensivelmente a importância de seus salários.
Entende-se que o legislador poderia ter simplificado o rol apenas afirmando que o
empregado pode considerar o contrato de trabalho rescindido e pleitear a devida indenização
quando o empregado descumprir as obrigações do contrato, pois as outras alíneas, acredita-se,
cabem todas na hipótese de simples descumprimento contratual. No entanto, andou bem o
legislador ao desdobrar o descumprimento contratual nas demais hipóteses do mesmo art.
483, na medida em que preservou a segurança do instituto e evitou a elaboração de teses e
teorias no sentido de afastar a proteção trabalhista pretendida, que certamente apareceriam e
atrasariam a real compreensão da norma consolidada.
Nessas hipóteses, acredita-se estarem compreendidas todas as possibilidades de atos do
empregador que possam ensejar dano ao empregado. Para facilitar a compreensão, chama-se a
atenção para duas faltas graves que podem ser cometidas pelo empregador: a) fazer o
empregado correr perigo manifesto de mal considerável; b) praticar o empregador, ou seus
prepostos, contra ele ou pessoa de sua família, ato lesivo da honra e da boa fama.
Na hipótese de o empregador fazer o empregado correr perigo manifesto de mal
considerável, saliente-se que o preposto encontra-se embutido neste dispositivo de lei. Assim,
tanto empregador quanto seus prepostos têm obrigação contratual de zelar pela integridade
física e fisiológica do empregado, na medida em que devem observar todas as normas de
segurança, saúde, higiene e medicina do trabalho, de forma a não criar situações de risco ou
63
agravá-las com o não fornecimento, por exemplo, de equipamentos de proteção individual ou
seu fornecimento inadequado ou insuficiente.
É sabido que há situações em que a exposição da vida e da saúde do empregado a perigo
manifesto de mal considerável faz parte da própria atividade do empregador e inerente aos
serviços prestados pelo empregado. Mas, mesmo assim, continua o empregador com a
obrigação contratual de zelar por sua saúde, vida e integridade física, sempre de modo a
eliminar, neutralizar, os perigos ou diminuir-lhes os efeitos, fornecendo-lhes os Equipamentos
de Proteção Individual adequados e primando por condições mais seguras e confortáveis de
trabalho.
Relativamente à segunda hipótese, praticar o empregador, ou seus prepostos, contra ele
ou pessoa de sua família, ato lesivo da honra e da boa fama, igualmente se revela
descumprimento contratual da cláusula de incolumidade decorrente da obrigação de o
empregador tratar o empregado com urbanidade. À guisa de exemplos, tem-se a dispensa
caluniosa de empregado fomentada pela suposta prática de um crime, ou a dispensa injuriosa,
posto que, no momento da despedida contra si, lhes foram desferidas palavras, muitas vezes
de baixo calão, que lhe atingiram a honra e a boa fama, difamando o empregado.
O assédio sexual parece ser uma precisa hipótese de retrocitada falta grave do
empregador. Tão em moda hoje em dia, quando praticado pelo empregador ou preposto
hierarquicamente superior ao empregado assediado, é ofensa à honra desse empregado, na
exata medida em que cria um constrangimento e mais: assediador tenta tirar proveito sexual
de sua vítima, oferecendo-lhe favores, vantagens, promoções no emprego, aumento salarial ou
o que o valha. A vítima sente-se ofendida em sua honra, pois está sendo tratada como um
objeto e sua intimidade sexual como uma mercadoria, assim como ocorre com as chamadas
“mulheres de vida fácil”.
2.4.1.2 A cláusula de incolumidade e os fatos aparentemente não relacionados
ao trabalho
Há situações constrangedoras pelas quais poderá passar o empregado por ato de seu
empregador que parecerão, à primeira vista, nada terem a ver com a relação de emprego.
Então, questiona-se: todo e qualquer ato faltoso perpetrado pelo empregador contra o
empregado será necessariamente decorrente da relação de emprego? Exemplificativamente,
num domingo à noite, na fila do cinema, em que se encontrem empregado e empregador, este
64
dispara contra aquele ofensas à sua honra ou boa fama, constrangendo-o, cometendo ato
ilícito. A obrigação de indenizar, nesse caso, é contratual ou extracontratual?
Ofensas à honra e à boa fama são levadas a efeito pelo empregador ou seus prepostos
não contra o empregado, mas contra seus familiares. A obrigação de indenizar é contratual ou
extracontratual? São duas situações distintas que merecem, por enquanto, tratamentos
distintos. Na primeira delas, apesar de o ato danoso perpetrado pelo empregador contra o
empregado aparentemente nada ter a ver com a relação de emprego, porque totalmente fora do
ambiente de trabalho, continua a subsistir a responsabilidade contratual do empregador.
É que apesar de Delgado (2006, p.303-304) haver dito que a subordinação entre
empregado e empregador deve ser enfocada de forma objetiva, ou seja, o que o empregador
dirige é a prestação de serviços e não a pessoa do empregado, não se pode negar – e ele
mesmo não fez isso – a realidade de que no plano fático existe uma subordinação subjetiva do
empregado ao empregador, subordinação esta de cunho pessoal e econômico, de forma que o
empregado é muitas vezes forçado a passar por situações constrangedoras sem poder se
manifestar, a fim de se manter no emprego.
No plano jurídico, de acordo com o art. 5º, caput, da atual Constituição Federal,
empregado e empregador estão em pé de igualdade, mas no plano econômico, o empregador,
dono dos meios de produção, sempre terá vantagem econômica sobre o trabalhador. E não se
pense que o empregador não sabe de sua vantagem econômica, sabe sim. Tanto sabe que dela
se utiliza para ainda mais explorar e subjugar o prestador de serviços a ele subordinado.
Se empregado e empregador encontram-se no mesmo nível jurídico em relação ao
contrato, por que o empregado não se utiliza de ações contra o empregador para evitar ou
compensar os constrangimentos sofridos? A resposta à pergunta não oferece resistência. Por
mais que o empregado possa deter todos os meios jurídicos para parar os atos do empregador,
inclusive considerar o contrato injustamente rescindido e pleitear a indenização competente,
sem prejuízo daquela por danos materiais ou morais, o empregado vai pensar duas, três,
muitas vezes, antes de fazê-lo, porque sabe que precisa do emprego e a contraprestação ali
percebida é geralmente a única fonte de renda para manter sua subsistência e a de sua família.
Muito embora já haja precedentes no Tribunal Superior do Trabalho no sentido de se
considerar vil e, portanto, nula de pleno direito a dispensa abusiva de empregado por ter
ingressado com reclamação contra o empregador, determinando sua conseqüente reintegração
65
ao emprego, o que aparentemente diminuiria sua subordinação pessoal em relação ao
empregador, pois teria o empregado condições de, no curso do contrato de trabalho, ingressar
com ações contra o empregador, esta medida não se mostra faticamente viável dada a
morosidade com que são tratadas referidas ações no poder judiciário trabalhista, pois por mais
que se tenha uma medida acautelatória antecipatória de tutela, os juízes trabalhistas teimam
por não seguir o rito e deixar para apreciar o pedido liminar de reintegração quando da
audiência preliminar (deveria ser única, art. 849, CLT), no mais das vezes realizadas meses
depois do ingresso da ação, deixando empregado sem emprego e sem salário com suas contas
todas por pagar.
Some-se a isto o fato de que o judiciário trabalhista, no mais das vezes, determina o
pagamento dos salários do período do afastamento somente quando da decisão final, ficando a
satisfação do crédito dependente de execução, em vez de ser efetivado quando do deferimento
da liminar de reintegração, se houver.
Diante de tais fatos, o empregado, antes de agir, vai refletir sobre a possibilidade ou não
de arranjar novo emprego, quanto tempo passará desempregado e até que ele crie forças para
lutar contra essa coação quase irresistível, que é sua dependência econômica perante o
empregador, vai passar por vários e vários constrangimentos. Essa situação de sujeição
pessoal e econômica existe e com inaceitável freqüência, não se podendo dela esquecer pelo
só fato de não se coadunar com a natureza jurídica da subordinação.
Nunca é demais lembrar Bassalho Pereira (1991, p.34) para quem a subordinação
subjetiva, pessoal e econômica do empregado em relação ao empregador decorre
incontestavelmente da relação de emprego existente entre ambos, pois sem esta não haveria
que se falar em dependência econômica, na medida em que o empregado não estaria
prestando serviços nem sendo remunerado em decorrência do contrato de trabalho celebrado.
Sustenta ainda o retrocitado autor que
à obrigação de obediência do empregado, a doutrina atribui conteúdo e fundamento
contratual: ao estipular o contrato de trabalho, o empregado obriga-se a seguir as
instruções emitidas pelo empregador. Por tal motivo, este comanda não como chefe
ou monarca, mas como credor; o empregado deve obedecer não como inferior, mas
porque, ao celebrar livremente o contrato, prometeu obedecer. (PEREIRA, 1991,
p.41)
A lei previu a possibilidade de o empregado considerar rescindido o contrato e pleitear a
devida indenização quando o empregador ou seus prepostos praticarem contra ele ato lesivo
66
da honra e da boa fama. Furtado (1997, p.169-170) esclarece, com razão, que a falta grave do
empregador ali prevista não precisa se dar no ambiente de trabalho, pode ser em qualquer
outro ambiente. Mas não é por isso que deixará de ter relação com o trabalho, de modo que,
mesmo fora do ambiente da empresa, o empregador e seus prepostos deverão tratar o
empregado com urbanidade.
Assim, o ato do empregador ou de seus prepostos de ofensa à honra e à boa fama do
empregado é descumprimento contratual da obrigação de tratar o empregado com urbanidade,
o que fere de morte a cláusula de incolumidade, que é parte integrante do conteúdo mínimo
legal do contrato de trabalho, gerando para o empregador a obrigação de reparar o dano
causado, de modo que o empregado necessitará provar apenas o fato danoso e ao empregador
o ônus de provar que não agiu com dolo ou culpa, por se tratar de responsabilidade contratual.
Passa-se agora à análise da segunda situação: o empregador ou seus prepostos
ofenderem a honra ou a boa fama dos familiares do empregado. Aqui igualmente a lei permite
ao empregado rescindir o contrato de trabalho e pleitear a indenização pela rescisão indireta
do contrato de trabalho, que, sendo o contrato por prazo indeterminado, corresponde a 40%
(quarenta) por cento sobre os depósitos do fundo de garantia do tempo de serviço.
As questões que se impõem são as seguintes: a) pode o empregado, ante a ofensa da
honra e da boa fama de alguém de sua família, pleitear indenização do empregador? b) a
responsabilidade do empregador, nesse caso, é contratual ou extracontratual? c) a
responsabilidade do empregador pelo dano causado aos familiares e junto a estes é contratual
ou extracontratual?
À primeira questão se responde afirmativamente. Há dois tipos de lesados em matéria
indenizatória: os diretos e os indiretos (dano moral em ricochete). Os primeiros são atingidos
imediatamente pela conduta lesiva. Os segundos são atingidos de forma reflexa, ou seja,
atinge-se a esfera jurídica de alguém e tal ofensa repercute, por reflexo, em terceiro.
Em acórdão lapidar acerca da matéria, entendeu o Superior Tribunal de Justiça que, em
se tratando de ação reparatória, não só a vítima de um fato danoso que sofreu a sua ação direta
pode experimentar prejuízo moral. Também aqueles que, de forma reflexa, sentem os efeitos
do dano padecido pela vítima imediata, amargando prejuízos, na condição de prejudicados
indiretos. Nesse sentido, reconhece-se a legitimidade ativa do viúvo para propor ação por
danos morais, em virtude de ter a empresa ré negado cobertura ao tratamento médico-
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hospitalar de sua esposa, que veio a falecer, hipótese em que postula o autor, em nome
próprio, ressarcimento pela repercussão do fato na sua esfera pessoal, pelo sofrimento, dor,
angústia, que individualmente experimentou.
13
Com efeito, se um pai ou uma mãe alega ter sido ofendido, em sua condição de genitor,
por ofensas dirigidas aos seus filhos por seu empregador, está-se claramente diante de lesados
indiretos, dano em ricochete, pessoas que foram atingidas pela ofensa perpetrada contra a
prole pelos empregadores dos genitores.
O judiciário brasileiro não é infenso a esse entendimento, tendo já pontificado que os
direitos da personalidade, de que o direito à imagem é um deles, guardam como principal
característica a sua intransmissibilidade, mas nem por isso, contudo, deixa de merecer
proteção a imagem de quem falece, como se fosse coisa de ninguém, porque ela permanece
perenemente lembrada nas memórias, como bem imortal que se prolonga para muito além da
vida, estando até acima desta. Daí porque não se pode subtrair da mãe o direito de defender a
imagem de sua falecida filha, pois são os pais aqueles que, em linha de normalidade, mais se
desvanecem com a exaltação feita à memória e à imagem de falecida filha, como são os que
mais se abatem e se deprimem por qualquer agressão que possa lhes trazer mácula.
14
Conseqüentemente, a figura do lesado indireto pressupõe o nascimento de um dano
próprio, dissociado da pessoa originalmente ofendida e que, por isso mesmo, pode se revelar
ainda durante a vida do lesado direto. Assim, o empregado, na qualidade de lesado indireto,
pode sim pleitear indenização por danos morais pela ofensa perpetrada contra pessoas de sua
família. Sustenta-se aqui que a responsabilidade do empregador continua contratual, uma vez
que a ofensa aos familiares do empregado encontra-se absorvida pela obrigação do
empregador de tratar o empregado com urbanidade, uma vez que tais ofensas, ainda que de
maneira reflexa, poderão atingir a honra e a moral do empregado, que pela situação de
dependência econômica que se encontra em relação ao empregador, torna sua angústia ainda
maior, posto que faticamente ficará impedido de agir para não perder o emprego.
Com relação aos familiares do empregado, não restam dúvidas de que são legitimados
diretos para ingresso de ação indenizatória contra quem os ofendeu. No entanto, como não há
qualquer liame jurídico entre eles, a responsabilidade do ofensor é extracontratual, aquiliana,
portanto, se resolvendo pelo art. 186 do Código Civil, e não pelo art. 389 do mesmo diploma.
13
STJ – REsp 530602/MA - 3ª T – Rel. Min. Castro Filho – DJU de 17.11.2003, pág. 326.
14
STJ – RESP 268660/RJ – 4ª T – Rel. Min. César Asfor Rocha – DJU de 19.02.2001, pág. 179.
3 RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO EMPREGADOR
PELO ACIDENTE DE TRABALHO: A CONSTITUIÇÃO
FEDERAL E O NOVO CÓDIGO CIVIL
Na vigência do Código Civil de 1916, prevalecia a idéia de que a responsabilidade do
empregador era subjetiva, ou seja, dependente de prova de culpa do empregador, dada a
literalidade da redação do seu dispositivo
1
. O fundamento utilizado na prática forense não
divergia muito do artigo 159 do Código Civil que, em suma, dizia que todo aquele que
causasse dano por ação ou omissão era obrigado a reparar o dano causado. Ou seja, na
sistemática do Código de 1916, em caso de acidente de trabalho, o empregado devia provar a
culpa do empregador, por exemplo, por falta de equipamento de proteção, para que se gerasse
o dever de indenizar do empregador.
Com a entrada em vigor do Código Civil, em janeiro de 2003, houve, de imediato, um
movimento muito forte no sentido de que houvesse uma modificação da responsabilidade do
empregador; assim, em vez de responder o empregador subjetivamente, por culpa, agora ele
responderia de forma objetiva, sem averiguação de culpa, tendo em vista a cláusula geral de
responsabilidade objetiva por desempenho de atividade de risco prevista no novo Código, no
parágrafo único do artigo 927
2
. Os defensores desta idéia argumentam que, sob a égide de um
contrato de trabalho, há um risco inerentemente assumido pelo empregador, e de que é
previsível a ocorrência de acidentes em seus empregados, sendo então objetiva a
responsabilidade do empregador. Questiona-se ainda se seriam beneficiados os empregados
não diretamente expostos ao risco.
No entanto, torna-se generalizante e, portanto, precipitado, afirmar-se que com o novo
Código Civil o empregador responde objetivamente, sem culpa. Fazem-se, então, necessários
alguns esclarecimentos.
1
“Art. 159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar
prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.” Lei 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil
(Revogado pela Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002.
2
“Parágrafo único, art. 927, CC. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos
especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua
natureza, risco para os direitos de outrem.”
69
Não se pode negar que o Código, ao instituir seu parágrafo único, inovou, pois em todos
os casos que possam ser considerados eventos danosos ocorridos em sede de desempenho de
atividade de risco ou perigosa, deverá ser aplicada a cláusula geral de responsabilidade
objetiva prevista no novo Código Civil. Mas não se pode olvidar que esta cláusula se
consubstancia em exceção ao sistema de responsabilidade civil previsto nessa codificação,
que seguindo a tradição, continua sendo pela responsabilidade subjetiva, por culpa, como
regra geral, antes no art. 159, e agora nos arts. 186 e 927, caput, do Código.
No que tange aos acidentes de trabalho, não se pode afirmar peremptoriamente que
todos eles ocorreram em decorrência de a atividade desenvolvida pelo empregador ser uma
atividade de risco. Porém, mais importante que isto, é o fato de que a origem dessa
responsabilização do empregador não é o Código Civil.
Antes da Carta de 1988, o Código Civil era, indubitavelmente, o fundamento legal para
a responsabilidade do empregador por acidente de trabalho. No entanto, com a promulgação
da Constituição, fez-se valer o disposto no artigo 7º, XXVIII: “São direitos dos trabalhadores
urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] XXVIII -
seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que
este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.”
A norma constitucional menciona o dever de indenizar o empregado acidentado, é fato.
Mas é bem claro que isso deverá acontecer quando o empregador incorrer em dolo ou culpa.
E dolo e culpa são elementos constituintes da teoria subjetiva da responsabilidade civil, o que
já foi suficientemente demonstrado ao longo deste estudo. E por, de certa forma, herdar a
redação do artigo 159 do Código deposto, deu-se a errônea impressão de que o fundamento da
responsabilidade estaca no Código, mesmo depois de 1988. Na realidade, a norma que dispõe
sobre a responsabilidade do empregador por acidentes do trabalho no Brasil é constitucional,
a qual é hierarquicamente superior ao novo Código Civil, devendo assim prevalecer.
Dessa forma, para que pudesse parecer razoável responsabilizar o empregador sem
averiguação de culpa, ou seja, pela teoria da responsabilidade civil objetiva, haveria
necessidade de se colocar, por exemplo, o Código Civil acima da Constituição, o que seria
uma aberração jurídica do ponto de vista da pirâmide de poderes, que coloca a Constituição
atrás apenas da Norma Hipotética Fundamental. Outra hipótese, também nada factível, seria a
de se inverter os critérios de resolução das antinomias jurídicas, colocando o critério da
70
temporalidade acima do critério da hierarquia. Assim, através desta nova teratologia, o
Código de 2002, por ser mais recente que a Lex Legum, seria prevalecente.
A última hipótese, menos absurda e muito difícil de acontecer, por refletir uma decisão
que envolve direitos individuais, seria a modificação da Constituição no sentido de retirar a
expressão “quando incorrer em dolo ou culpa” do inciso XXVIII, artigo 7º. Mas para isso,
haveria necessidade de uma nova Constituinte, posto que é uma cláusula pétrea e, portanto,
não pode ser objeto de Emenda Constitucional.
3
Assim, chega-se à conclusão de que, na realidade, existe uma inversão dos valores
utilizados quando da aferição da responsabilidade do empregador em caso de acidente de
trabalho. Naturalmente que esta regra comporta exceções, e são justamente aquelas contidas
no parágrafo único do artigo 927 do Código Civil.
Nestes casos, é natural compreender-se que, se a atividade desenvolvida pelo
empregador implicar risco à integridade física/mental daquele empregado, em caso de
acidente haverá a obrigação de reparar o dano independente de averiguação de dolo ou culpa
por parte do empregador.
Portanto, seria objetiva e, portanto, independente de ato comissivo ou omissivo doloso
ou culposo do empregador quando este desenvolvesse atividade de risco à integridade física
do trabalhador. Caso este viesse a sofrer acidente de trabalho, a obrigação de indenizar
surgiria por força de expressa disposição legal. Ver-se-á no presente capítulo que não é
juridicamente possível aplicar-se o parágrafo único do artigo 927 do novo Código Civil aos
acidentes de trabalho, de modo que continua o empregador a responder pelo dano somente
quando for provado que agiu com dolo ou culpa, conforme se verifica nos termos do artigo
389 do Código Civil, e, mais propriamente, por aplicação direta do artigo 7º, inciso XXVIII,
da Constituição de 1988.
3.1 Do conflito aparente de normas
A questão que se traz no presente trabalho é a seguinte: pode a regra do inc. XXVIII do
art. 7º da Constituição Federal, que estabelece ser a responsabilidade do empregador pelo
acidente de trabalho do empregado subjetiva, isto é, dependente de dolo ou culpa, ser
3
Art. 60, §4º “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: [...] IV - os direitos e
garantias individuais.”
71
excepcionada pelo parágrafo único do art. 927 do Código Civil, que proclama
responsabilidade objetiva, independente de culpa, quando a atividade do tomador de serviços
envolver riscos para direitos de outrem?
Pelo prisma da Teoria Pura do Direito, (KELSEN, 2002, p.215), as normas
infraconstitucionais vão buscar seu fundamento de validade formal e material na própria
Constituição, de modo que a partícula condicional “quando” inserta no inciso XXVIII do art.
7º da Constituição subordina e limita a responsabilidade do empregador e sua obrigação de
indenizar pelo acidente de trabalho sofrido pelo empregado à ocorrência de dolo ou culpa,
portanto, responsabilidade subjetiva. Não havendo nexo de causalidade entre a ação ou
omissão do empregador e o dano experimentado pelo empregado não há que se falar em
indenização.
A dificuldade em se aceitar tão facilmente a exceção da norma constitucional pela
infraconstitucional deve-se ainda ao fato de que o inc. XXVIII do art. 7º, CF/88, prescreveu
claramente, definindo assim o instituto, que a responsabilidade do empregador é subjetiva,
não dando margem para interpretação de outra forma, uma vez que se seguiria a velha
máxima segundo a qual “onde o legislador não distinguiu não cabe ao intérprete fazê-lo”, nas
palavras de Justiniano. (FRANÇA, 1977, p.65).
Para Reale (2000, p. 30 e 40), “há condições estruturais preexistentes no processo de
cognição que fazem com que o sujeito interprete algo anterior que se lhe apresenta para ser
interpretado. Pode-se com isso afirmar que o uso comunitário da linguagem constitui algumas
condições de uso da própria linguagem. Termos como ‘vida’, ‘morte’, ‘mãe’, ‘antes’, ‘depois’
apresentam significados intersubjetivos, que não precisam, a toda nova situação, ser
fundamentados”. Assim, a partícula condicional “quando” inserta no inciso XXVIII do art. 7º
da Constituição deve ser previamente lida, entendida e interpretada como “se”, “caso”, “na
condição”, e não de outra forma, sob pena de se afrontar o léxico e a finalidade das palavras
utilizadas nos dispositivos para exprimirem regras ou princípios.
Para Bobbio (1999, p.107), a aplicação da regra da hierarquia viria a calhar, uma vez
que uma regra superior prescreve uma conduta (responsabilidade subjetiva) e a regra inferior
prescreve o seu contrário (responsabilidade objetiva), optando-se, em caso de conflitos, pela
regra de hierarquia superior, o que redunda na teoria de Kelsen, segundo a qual as normas
inferiores buscam seus fundamentos de validade nas superiores.
72
As soluções encontradas acima, apesar de darem conta de que deve prevalecer a
responsabilidade civil subjetiva do empregador pelo acidente de trabalho sofrido pelo
empregado, são de fraca e incipiente técnica e precisão, na medida em que atualmente se tem
dado inigualável valor aos princípios que norteiam o Direito, seja como forma de direcionar a
aplicação da regra seja como forma de determinar qual regra prevalecerá em caso de
confronto.
Dworkin (2002, p.46), quanto às regras
4
, não diferencia muito de Bobbio e Kelsen, na
medida em que para
ele as regras são aplicadas no modo tudo ou nada, no sentido de que se a hipótese de
incidência de uma norma é preenchida, ou a regra é válida e a conseqüência
normativa deve ser aceita ou a norma não é considerada válida. No caso de colisão
entre regras uma delas deve ser considerada inválida.
Para Alexy (1993, p.38), que constrói sua teoria a partir da de Dworkin, as regras
jurídicas “são normas cujas premissas são, ou não, diretamente preenchidas e no caso de
colisão será a contradição solucionada seja pela introdução de uma exceção à regra, de modo
a excluir o conflito, seja pela decretação de invalidade de uma das regras envolvidas”.
Explica-se: segundo a teoria de Roberto Alexy, no caso de conflito “aparente” de normas ou a
aplicação de uma norma exclui necessariamente a outra, (e.g., a aplicação da responsabilidade
subjetiva seria absoluta, e a regra da responsabilidade objetiva seria tida como inválida e
imprestável no âmbito de aplicação trabalhista) ou encontra-se uma exceção à regra e as duas
passam a conviver harmonicamente no ordenamento (e.g., a regra seria a responsabilidade
subjetiva, mas quando a atividade do tomador de serviços trouxer perigo a outra, a
responsabilidade seria objetiva).
À primeira vista, a solução parece perfeita e adequada para a solução do caso proposto:
quando a atividade do empregador não oferecer naturalmente riscos ao empregado, a
responsabilidade do empregador seria subjetiva, isto é, somente estaria obrigado a indenizar o
dano sofrido caso incorresse em dolo ou culpa. No entanto, quando a atividade do empregador
envolver risco para o empregado, a responsabilidade do primeiro pelo dano experimentado
pelo segundo seria objetiva, independente de culpa. Uma perfeita sincronia entre regra geral e
excepcional.
4
A diferença virá quanto à aplicação e conflito entre princípios o que será visto mais adiante.
73
A harmonia estaria inabalada não fosse um detalhe: as implicações fáticas e jurídicas
que levariam a uma total inobservância do princípio da segurança e certeza jurídicas, bem
como maculariam o postulado da proibição do excesso.
Ávila (2006, p.44) bem resume a doutrina de Ronald Dworkin e Robert Alexy sobre
princípios e regras. Para o primeiro,
as regras são aplicadas no modo tudo ou nada (all-or-nothing) no sentido de que, se
a hipótese de incidência de uma regra é preenchida, ou a regra é válida e a
conseqüência normativa deve ser aceita, ou ela não é considerada válida. Os
princípios, ao contrário, não determinam absolutamente a decisão, mas somente
contêm fundamentos provenientes de outros princípios [...]. Daí a afirmação de que
os princípios, ao contrário das regras, possuem uma dimensão de peso (dimension of
weight), demonstrável na colisão entre princípios, caso em que o princípio com peso
relativamente maior se sobrepõe ao outro, sem que este perca sua validade.
Para Alexy, segundo Ávila (2006, p.44),
apesar de atribuir importância à criação de exceções e de salientar o seu distinto
caráter prima facie, define as regras como normas cujas premissas são ou não
diretamente preenchidas e que não podem ser ponderadas. [...] as regras instituem
obrigações definitivas, já que não são superáveis por normas contrapostas, enquanto
os princípios instituem obrigações prima facie, na medida em que podem ser
superadas ou derrogadas em função de outros princípios colidentes.
Aperfeiçoando a distinção entre regras e princípios proposta por Ronald Dworkin e por
Robert Alexy, Ávila (2006, p.44) propõe e prova que as regras podem sim ser ponderadas.
Segundo afirma,
[...] o modo de aplicação de uma regra não está determinado pelo texto objeto de
interpretação, mas é decorrente de conexões axiológicas que são construídas (ou, no
mínimo, coerentemente intensificadas) pelo intérprete, que pode inverter o modo de
aplicação havido anteriormente como elementar. Com efeito, muitas vezes o caráter
absoluto da regra é completamente modificado depois da consideração de todas as
circunstâncias do caso.
Mais à frente ratifica:
[...] a conseqüência estabelecida prima facie pela regra pode deixar de ser aplicada
em face de razões substanciais consideradas pelo aplicador, mediante condizendo
fundamentação, como superiores àquelas que justificam a própria regra. Ou se
examina a razão que fundamenta a própria regra (rule’s purpose) para compreender,
restringindo ou ampliando a outras razões, baseadas em outras normas, para
justificar o descumprimento daquela regra. (ÁVILA, 2006, p.45).
Assim, o caráter hipotético-condicional da regra contida no dispositivo do inciso
XXVIII do art. 7º da Constituição Federal – se-então –, se o empregador agir com dolo ou
culpa, então deverá indenizar o empregado, tão claro, evidente e elementar, poderia ser
perfeitamente suplantado pelo parágrafo único do art. 927 do Código Civil, na medida em
74
que, de acordo com Plá Rodriguez (1993, p.53-57), o princípio da proteção, em sua vertente o
princípio da norma mais favorável, estabelece que no confronto entre duas normas
trabalhistas aplicadas ao mesmo caso concreto, prevalece aquela mais favorável ao
empregado.
Sem adentrar nos detalhes da teoria de Humberto Bergman Ávila, o princípio da
proteção, princípio primeiro, principal e regente do Direito do Trabalho, seria levado em
consideração para a solução do suposto conflito entre o inc. XXVIII do art. 7º, CF/88, e o
parágrafo único do art. 927, Código Civil, uma vez que se deve, na aplicação da regra, atender
não apenas a sua literal disposição, mas confrontá-la com outros princípios e regras de modo a
se buscar sua real finalidade e interpretação, pois, segundo Ávila (2006, p.48):
[...] só a aplicação do caso concreto é que irá corroborar as hipóteses anteriormente
havidas como automáticas, [...] uma vez que a interpretação das regras também
depende da conjunta interpretação dos princípios que a elas digam respeito (por
exemplo, regras do procedimento legislativo em correlação com o princípio
democrático) e, de outro, que os princípios normalmente requerem a
complementação das regras para serem aplicados.
Entretanto, concluir que há responsabilidade objetiva em acidente de trabalho quando o
empregador desenvolver atividades que ponham em risco a vida de seus empregados,
excepcionando assim a regra constitucional, não é nem de longe assim tão simples.
3.2 Da superabilidade das regras por princípios
É possível a superação das regras por princípios desde que haja uma razão plausível e
extratordinária para tanto, desde que a argumentação utilizada para suplantar a regra pelo
princípio demonstre que o princípio veiculado pela norma suplantada não está sendo violado,
muito pelo contrário, em muitos casos está sendo atingido. É necessário ainda que a
suplantação da regra não cause instabilidade jurídica, criando caos com sua aplicação
desordenada. Nunca é demais lembrar que o sistema jurídico brasileiro é o legislativo – Civil
Law – a lei é a regulamentadora de condutas e deve ser obedecida em sua extensão, como
dizem Dworkin e Alexy. No entanto, a superação de uma regra por um princípio ou de uma
regra hierarquicamente superior por uma inferior, levando-se em consideração os princípios
que nelas se contêm, só pode ser feita com uma fundamentação extraordinária capaz de se
sobrepor à barreira decorrente da concepção de que a regra deve ser obedecida. Como bem
adverte Maximiliano (1999, p.19):
75
[...] no enquadrar um caso concreto em a norma jurídica adequada, submete às
prescrições da lei uma relação de vida real; procura e indica o dispositivo adaptável
a um fato determinado. Por outras palavras: tem por objeto descobrir o modo e os
meios de amparar juridicamente um interesse humano.
Para se ter uma idéia, trazem-se casos recentes e conhecidos em que o Supremo
Tribunal Federal afastou a aplicabilidade das sanções previstas em regras para prestigiar
princípios e outras regras que se conflitavam com a superada. Ávila (2006, p.45) apresenta,
por exemplo, o caso em que o STF afastou a incidência do crime de estupro presumido:
A norma construída a partir do art. 224 do Código Penal, ao prever o crime de
estupro, estabelece uma presunção incondicional de violência para o caso de a
vítima ter idade inferior a 14 anos. Se for praticada uma relação sexual com uma
menor de 14 anos, então deve ser presumida a violência por parte do autor. A norma
não prevê qualquer exceção. A referida norma, dentro do padrão classificatório aqui
utilizado, seria uma regra e, como tal instituidora de uma obrigação absoluta: se a
vítima for menor de 14 anos, e a regra for válida, o estupro com violência presumida
deve ser aceito. Mesmo assim, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o caso em que
a vítima tinha 12 anos, atribuiu tamanha relevância a circunstâncias particulares
não previstas pela norma, como a aquiescência da vítima ou a aparência física e
mental de pessoa mais velha, que terminou por entender, preliminarmente, como não
configurado o tipo penal, apesar de os requisitos normativos expressos estarem
presentes. Isso significa que a aquela obrigação, havida como absoluta, foi superada
por razões contrárias não previstas pela própria ou outra regra (grifos no original).
5
Humberto Ávila (2006) traz outros exemplos:
A norma construída a partir do inciso II do art. 37 da Constituição Federal
estabelece que a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação
prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos. Se for feita admissão
de funcionário público, então essa admissão deverá ser precedida de concurso
público; caso contrário essa investidura deverá ser considerada inválida. Além disso,
o responsável pela contratação terá, conforme a lei, praticado ato de improbidade
administrativa com várias conseqüências, inclusive o ingresso da ação penal cabível.
Mesmo assim, o Supremo Tribunal Federal deixou de dar seguimento à ação cabível
ao julgar o caso em que a prefeita de um município foi denunciada porque, quando
exercia a chefia do Poder Executivo Municipal, contratou sem concurso público um
cidadão para a prestação de serviços de gari pelo período de nove meses. No
julgamento do habeas corpus considerou-se inexistente qualquer prejuízo para o
Município em decorrência desse caso isolado. Além disso, considerou-se atentatório
à ordem natural das coisas, e, por conseguinte, ao princípio da razoabilidade, exigir
a realização de concurso público para uma única admissão para o exercício de uma
atividade de menor hierarquia. Nesse caso, a regra segundo o qual é necessário
concurso público para a contratação de agente público incidiu, mas a conseqüência
do seu descumprimento não foi aplicada (invalidade de contratação e, em razão de
outra norma, prática de ato de improbidade) porque a falta de adoção do
comportamento por ela previsto não comprometia a promoção do fim que a
justificava (proteção do patrimônio público). Dito de outro modo: segundo a
decisão, o patrimônio público não deixaria de ser protegido pela mera contratação de
um gari por tempo determinado. (grifos no original).
6
5
BRASIL. STF, 2ª Turma, HC 73.662-9-MG, rel. Min. Marco Aurélio, j. 21.05.1996, DJU 20.09.1996, p.
34.535.
6
BRASIL. STF, 2ª Turma, HC 77.003-4-PE, rel. Min. Marco Aurélio, j. 16.06.1998, DJU 11.09.1998, p. 5.
76
E ainda:
A legislação tributária federal estabelecia que o ingresso no pagamento simplificado
de tributos federais implicava a proibição de importação de produtos estrangeiros. Se
fosse feita a importação, então a empresa estaria excluída do programa de
pagamento simplificado. Uma pequena fábrica de sofás, enquadrada como empresa
de pequeno porte para efeito de pagar conjuntamente os tributos federais, foi
excluída desse mecanismo por ter infringido a condição legal de não efetuar
importação de produtos estrangeiros. De fato, a empresa efetuou uma importação. A
importação, porém, foi de quatro pés de sofás, para um só sofá, uma única vez.
Recorrendo da decisão, a exclusão foi anulada por violar a razoabilidade, na medida
em que uma interpretação dentro do razoável indica que a interpretação deve ser
feita ‘em consonância com aquilo que, para o senso comum, seria aceitável perante a
lei’. Nesse caso, a regra segundo a qual é proibida a importação para a permanência
no regime tributário especial incidiu, mas a conseqüência do seu descumprimento
não foi aplicada (exclusão do regime tributário especial), porque a falta de adoção
do comportamento por ela previsto não comprometia a promoção do fim que a
justificativa (estímulo à produção nacional por pequenas empresas). Dito de outro
modo: segundo a decisão, o estímulo à produção nacional não deixaria de ser
promovido pela mera importação de alguns pés de sofá. (grifos no original).
7
Nos três casos que se apresentam, nota-se que a sanção prevista em cada norma deixou
de ser aplicada em face de razões substanciais consideradas pelo aplicador, mediante forte
fundamentação superior àquelas que justificam a própria regra. Assim, as regras não
apresentam um modo incondicional de aplicação e interpretação; muito pelo contrário, podem
ser ponderadas com outros princípios e regras e superadas por razões constantes ou não em
outras normas. Como explicita Ávila (2006, p.52-55), a ponderação não é privativa dos
princípios:
A ponderação ou balanceamento (weighing and balancing, Abwängung), enquanto
sopesamento de razões e contra-razões que culmina com a decisão de interpretação,
também pode estar presente no caso de dispositivos hipoteticamente formulados,
cuja aplicação é preliminarmente havida como automática [...] a atividade de
ponderação ocorre na hipótese de regras que abstratamente convivem, mas
concretamente podem entrar em conflito. Costuma-se afirmar que quando duas
regras entram em conflito, de duas, uma: ou se declara a invalidade de uma das
regras, ou se abre uma exceção a uma das regras de modo a contornar a
incompatibilidade entre elas. Em razão disso, sustenta-se que as regras entram em
conflito no plano abstrato [...] e podem ter seu conteúdo preliminar de sentido
superado por razões contrárias, mediante um processo de ponderação de razões.
Ademais, isso ocorre na hipótese de relação entre a regra e suas exceções. A exceção
pode estar prevista no próprio ordenamento jurídico, hipótese que em que o
aplicador devera, mediante ponderação de razões, decidir se há mais razões para a
aplicação da hipótese normativa da regra ou, ao contrário, para a de sua exceção. [...]
a exceção pode não estar prevista no ordenamento jurídico, situação em que o
aplicador avaliará a importância das razões contrárias à aplicação da regra,
sopesando os argumentos favoráveis e os argumentos contrários à criação de uma
exceção diante do caso concreto. [...] o importante é que o processo mediante o qual
as exceções são constituídas também é um processo de valoração de razões: em
função da existência de uma razão contrária que supera axiologicamente a razão que
fundamenta a própria regra, decide-se criar uma exceção. Trata-se do mesmo
processo de valoração de argumentos e contra-argumentos – isto é, ponderação.
7
Processo 13003.000021/99-14, 2º Conselho de Contribuintes, 2ª Câmara, sessão de 18.10.2000.
77
Em todos esses casos, o intérprete terá de examinar as várias razões contra e a favor da
incidência da regra ou investigar um conjunto de razões plausíveis para decidir quais
elementos constituem as razões para sua observância ou afastamento. O aplicador deve ainda
analisar a finalidade da regra e somente a partir de uma ponderação de todas as circunstâncias
do caso pode decidir que elemento de fato tem prioridade para definir a finalidade da norma.
No entanto, surgem as seguintes indagações: como o intérprete deverá reconhecer as
várias razões da norma para decidir se aplica ou afasta a norma? Como o intérprete poderá
distinguir qual elemento terá prioridade para definir a finalidade da norma? Frise-se que caso
o intérprete não tenha critérios precisos de aplicação e argumentação, ele pode ser conduzido,
indiretamente, a um uso arbitrário dos princípios conforme os interesses em jogo.
3.3 Critérios objetivos para a ponderação de normas
Ávila (2006, p.91) afirma que é preciso que se tenha cuidado com a flexibilização de
uma norma que deveria ser aplicada com maior rigidez:
O tiro sai pela culatra: à pretexto de aumentar a efetividade da norma, a doutrina
denomina-a de princípio, mas, ao fazê-lo, legitima sua mais fácil flexibilização,
enfraquecendo sua eficácia; com a intenção de aumentar sua valoração, a doutrina
qualifica determinadas normas de princípios, mas, ao fazê-lo, elimina a
possibilidade de valoração das regras, apequenando-as; com a finalidade de
combater o formalismo, a doutrina redireciona a aplicação do ordenamento para
princípios, mas ao fazê-lo sem indicar critérios minimamente objetiváveis para sua
criação, aumenta a injustiça por meio da intensificação do decisionismo; com a
intenção de difundir uma aplicação progressista e efetiva do ordenamento jurídico, a
doutrina qualifica aquelas normas julgadas mais importantes como princípios, mas,
ao fazê-lo com a indicação de que os princípios demandam aplicação intensamente
subjetiva ou flexibilizadora em função de razões contrárias, lança bases para que o
próprio conservadorismo seja legitimado.
Já foi dito neste trabalho que as regras devem ser obedecidas em situações normais
porque sua obediência promove uma solução previsível e eficiente, tanto é assim que a
conduta tachada de jurídica pela norma foi tomada dentre várias para a regulamentação das
relações intersubjetivas. As regras, em geral, não são absolutas, mas também não são
superáveis com facilidade. Resta saber agora quais são as condições necessárias para sua
superação.
Ávila (2006, p.115) esclarece que, sendo as regras instrumentos de solução previsível,
eficiente e geralmente equânime de conflitos, sua superação será tanto mais flexível quanto
menos imprevisibilidade, ineficiência e desigualdade geral ela provocar. Propõe que as regras
podem ser superadas mediante a observância de três requisitos: a) condiciona a superação de
78
regras ao preenchimento de determinado requisito de conteúdo; b) condiciona a superação de
regras ao preenchimento de determinados requisitos de forma; c) procura analisar quando e
mediante a implementação de quais condições elas podem ser superadas.
Explica-se: primeiro, deve-se entender qual a finalidade da norma passível de superação
e os princípios em si envolvidos; segundo, procura-se saber se o valor formal da segurança
jurídica não é restringido, de modo que circunstância particular do caso concreto não possa
ser facilmente reproduzida em outras situações similares; terceiro, se sua finalidade está ou
não sendo contrariada; quarto, se sua superação traria mais benefícios ou malefícios. Esta
última ligada diretamente à questão da segurança jurídica.
Para que no plano exemplificativo se entenda o que foi dito no parágrafo anterior, é
necessário que se volte aos casos concretos mencionados
8
. O primeiro caso narrado foi a de
uma empresa excluída do modo simplificado de pagamento de tributos federais porque
importou (e não poderia tê-lo feito, sob pena de exclusão do benefício) quatro pés para um
único sofá.
A hipótese de incidência da norma aconteceu: a empresa importou, logo a conseqüência
jurídica deveria ter sido aplicada, mas não o foi
9
. Explica-se o acontecido pela superabilidade
da norma por uma exceção que sequer se encontra prevista em lei, mas pela simples
ponderação da norma diante do princípio da segurança jurídica e diante do fato de que a
finalidade da norma não foi maculada pela importação de apenas quatro pés de sofá.
A finalidade da norma em comento é o estímulo à produção nacional por pequenas
empresas atrelada ao princípio da proteção ao mercado nacional. Não é razoável que o fato de
a empresa ter importado quatro pés de sofás, uma única vez, para um só sofá, vá comprometer
todo um conjunto de medidas destinadas ao estímulo da produção nacional por pequenas
empresas. Aliás, a importação dos quatro itens deverá certamente ser utilizada como modelo
ou molde para a confecção de itens semelhantes, incrementando a produção nacional por
pequenas empresas em vez de estagná-la, promovendo, ainda, sua competitividade no
mercado interno e externo.
O critério segurança jurídica não foi comprometido na medida em que a circunstância
particular de importação de pequenas peças de um bem não seria facilmente alegável ou
8
Confira as páginas 6 e 7 do presente trabalho.
9
Processo 13003.000021/99-14, 2º Conselho de Contribuintes, 2ª Câmara, sessão de 18.10.2000.
79
reproduzível por outros contribuintes que fizessem importação de peças e quisessem
permanecer no sistema simplificado de pagamento de tributos federais. Além do mais, a
demonstração de sua anormalidade seria de difícil comprovação por outros contribuintes que,
para alegar o mesmo, devem se encontrar em situação extremamente excepcional, não
podendo importar qualquer mercadoria em qualquer quantidade e alegar dito precedente, mas,
muito pelo contrário, deverá demonstrar que as extraordinárias circunstâncias do caso
concreto o deixaram de fora da aplicação da norma e o introduziram numa exceção
jurisprudencialmente criada.
Finalmente, como as situações de exceção à norma são de difícil prova e argumentação,
a superação da regra no caso concreto e individual trouxe mais benefícios do que prejuízos à
produção nacional por pequenas empresas, visto que com a importação dos modelos de pés de
sofá a produção tornar-se-ia muito mais competitiva.
O segundo caso é o de que a norma construída a partir do art. 224 do Código Penal, ao
prever o crime de estupro, estabelece uma presunção incondicional de violência para o caso
de a vítima ter idade inferior a 14 anos. Se for praticada uma relação sexual com uma menor
de 14 anos, então deve ser presumida a violência por parte do autor. A norma não prevê
qualquer exceção. No entanto, a hipótese de incidência aconteceu, o fato foi juridicizado, para
bem usar as palavras de Vasconcelos (1991) mas a conseqüência da norma, presunção de
violência, não foi implementada.
10
A finalidade da norma – proteção à inocência e à infância
– não foi maculada uma vez que o Supremo Tribunal Federal entendeu que diante das
circunstâncias extraordinárias do caso, como a aquiescência da vítima, sua experiência, sua
aparência física e mental, não se tratava de criança inocente e, portanto, não fez incidir a
conseqüência prevista na própria norma.
Tais circunstâncias extraordinárias estão longe de poder ser utilizadas em todo e
qualquer processo, uma vez que a reunião da aquiescência da vítima, sua experiência,
aparência física e mental são situações de fato extremamente difíceis de serem reunidas em
outros processos de idêntica natureza, não restringindo a aplicação do princípio da segurança
jurídica.
O terceiro caso foi o da contratação de servidor sem prévio concurso público, como
determina o art. 37, inciso II e parágrafo 2º da Constituição Federal. A admissão de servidor
10
STF, 2ª Turma, HC 73.662-9-MG, rel. Min. Marco Aurélio, j. 21.05.1996, DJU 20.09.1996, p. 34.535.
80
sem o atendimento de tal requisito é nulo de pleno direito
11
. No entanto, o Supremo Tribunal
Federal deixou de aplicar a sanção prevista na norma para o caso concreto em questão. Foi
que a finalidade da norma, proteção ao patrimônio público, impessoalidade e máxima
eficiência não foram afastadas pela contratação de um único servidor gari sem concurso por
determinada municipalidade.
No julgamento do habeas corpus considerou-se inexistente qualquer prejuízo para o
município em decorrência desse caso isolado. Além disso, considerou-se atentatório à ordem
natural das coisas, e, por conseguinte, ao princípio da razoabilidade, exigir a realização de
concurso público para uma única admissão para o exercício de uma atividade de menor
hierarquia. A falta de adoção do comportamento por ela previsto não comprometia a
promoção do fim que a justificava (proteção do patrimônio público). Dito de outro modo:
segundo a decisão, o patrimônio público não deixaria de ser protegido pela mera contratação
de um gari por tempo determinado.
A superação da regra é de difícil repetição e trouxe mais benefícios do que prejuízos na
medida em que economizou a Administração Pública com procedimento licitatório demorado
para uma única contratação de somenos importância. E mais, reproduzir-se referida situação
de exceção é por demais extraordinária para comprometer a segurança jurídica trazida pela
norma excepcionada.
No entanto, o oposto é verdadeiro. Uma regra condicionava a interposição de recurso à
juntada de cópia da decisão impugnada bem como da petição inicial que comprovassem a
discussão existente nos autos. Referido recurso foi protocolizado sem as referidas peças
obrigatórias, restando não conhecido o recurso pelo tribunal. Inconformada, a recorrente
interpôs novo recurso contra o despacho denegatório de conhecimento, alegando
malferimento ao princípio da universalidade da jurisdição e excessivo formalismo na
interpretação da regra que exigia a juntada dos documentos. O tribunal, contudo, manteve a
decisão sob o argumento de que o recorrente deve instruir seu recurso com todas as peças
essenciais ao entendimento do assunto debatido.
12
Nesse caso, o fato previsto na hipótese da regra aconteceu e a conseqüência de seu
descumprimento foi implementada – não conhecimento do recurso – porque a falta de adoção
11
STF, 2ª Turma, HC 77.003-4-PE, rel. Min. Marco Aurélio, j. 16.06.1998, DJU 11.09.1998, p. 5.
12
BRASIL. STJ, 1ª Turma AgR nos ED no AgI 633.751, rel. Min. Luiz Fux, j. 07.04.2005, DJU 02.05.2005, p.
183.
81
do comportamento por ela previsto comprometia a promoção do fim a que se destinava:
segurança das partes. Na hipótese, caso fosse aberta exceção sem qualquer circunstância
extraordinária que a justificasse, mas apenas e tão-somente pelo simples fato de se ter
atingido o princípio da universalidade da jurisdição, todo e qualquer formalismo legal seria
facilmente afastado por força do princípio da celeridade, economicidade, informalidade,
oralidade, universalidade da jurisdição, e a segurança das partes no processo estaria
comprometida porque não mais se teria a mínima condição de se estabelecer critérios
objetivos para se saber quais formalidades deveriam ser obedecidas e quais não. Ademais, se
a lei criou certas circunstâncias e requisitos formais, é porque os predeterminou de
importantes e conseqüentemente devem ser obedecidos.
Num dado momento, determinado juiz entenderia, com base no seu livre
convencimento, que formalidade tal deveria ser afastada, mas sem qualquer situação
extraordinária que se lhe justificasse a medida, apenas porque era formal demais. A
quantidade de casos parecidos, idênticos ou assemelhados seria tão recorrente que a incerteza
jurídica reinaria sobre o Direito Processual a tal ponto de inviabilizá-lo, pela implicação
irresponsável e sem sustentação de um princípio.
O mesmo pode ser dito em relação à questão da superabilidade da regra da
responsabilidade subjetiva do empregador pelo acidente de trabalho sofrido pelo empregado
(art. 7º, inc. XXVIII, CF/88) pela responsabilidade objetiva do empregador quando sua
atividade envolver risco para o empregado (parágrafo único do art. 927 do Código Civil) e
conseqüente acidente.
No caso do aparente conflito de regras entre o inc. XXVIII do art. 7º da Constituição
Federal e o parágrafo único do art. 927 do Código Civil, em que a ocorrência de acidente de
trabalho em atividade perigosa implicaria em responsabilidade objetiva do empregador, dando
conta, portanto, de superação (exceção) da regra constitucional por uma infraconstitucional,
por força da aplicação dos princípios da proteção e da norma mais favorável, não é nem de
longe cogitada.
É que como foi aqui argumentado, a superação de uma regra por princípios – e que
neste caso em particular redundaria na aplicação de uma regra infraconstitucional sobre uma
constitucional – só poderia ser feita se houvesse razões extraordinárias para tanto, bem como
ausência de prejuízos para outros casos de mesma natureza, de modo que a finalidade da regra
82
não seja comprometida, uma vez que a hipótese excepcional não traga prejuízos para a
segurança jurídica em outras situações similares.
Sabe-se que para a superação de uma regra por um princípio ou de uma regra
constitucional por uma infraconstitucional, deve-se obedecer aos seguintes requisitos:
a) Entender a finalidade da norma passível de superação e os princípios em si
envolvidos;
b) Se sua finalidade está ou não sendo contrariada;
c) Saber se o valor formal da segurança jurídica não é restringido, de modo que a
circunstância particular do caso concreto não possa ser facilmente reproduzida
em outras situações similares e que sua superação traga mais benefícios que
prejuízos.
No entanto, tanto a regra do inc. XXVIII do art. 7º, CF/88, quanto a regra do parágrafo
único do art. 927 do Código Civil, dão conta do princípio protetor. Note-se, no entanto, que a
regra do inc. XXVIII, do art. 7º, CF/88, traz em si não apenas o princípio da proteção do
trabalhador, mas igualmente os princípios da livre iniciativa e dos valores sociais do
trabalho previstos no art. 1º inc. IV da Constituição Federal, insertos na relação de equilíbrio
dinâmico entre duas forças antagônicas: a livre iniciativa, em que de um lado maior será o
lucro quanto menos direitos tiver o empregado, e, de outro, o valores sociais do trabalho, de
modo que quanto mais direitos, menor o lucro do empregador. Afonso da Silva (2005, p.783)
ensina que a livre iniciativa:
[...] num contexto de uma Constituição preocupada com a realização da justiça
social (o fim condiciona os meios), não pode significar mais do que ‘liberdade de
desenvolvimento da empresa no quadro estabelecido pelo poder público,
e, portanto,
possibilidade de gozar das facilidades
e necessidade de submeter-se às limitações
postas pelo mesmo’.
É legítima, enquanto exercida no interesse da justiça social.
Será ilegítima, quando exercida com objetivo de puro lucro
e realização pessoal do
empresário.
Assim, o balanço e o equilíbrio dinâmicos da livre iniciativa e dos valores sociais do
trabalho devem realmente ser entendidos pela liberdade de desenvolvimento da empresa
dentro do interesse da justiça social, na medida em que não se pode onerar por demais a
empresa, de modo a inviabilizar sua normal continuidade, nem muito menos utilizá-la de
forma perniciosa, de modo a aviltar a condição de pessoa humana do trabalhador, retirando-
lhe direitos com o objetivo do puro lucro, desafiando a existência da dignidade da pessoa
humana e dos valores sociais do trabalho.
O princípio protetor como corolário dos valores sociais do trabalho, nas palavras de Plá
Rodrigues (1993, p.28), o critério fundamental que orienta o Direito do Trabalho, pois este,
83
em vez de inspirar-se num critério formal da igualdade, responde ao objetivo de estabelecer
um amparo preferencial a uma das partes: o trabalhador. Plá Rodrigues (1993, p.35) continua
seu raciocínio afirmando que a igualdade material resulta do fortalecimento e do apoio ao
elemento trabalhador, graças ao qual pode se situar no mesmo nível jurídico que o
empregado.
A idéia de equilíbrio entre a livre iniciativa e os valores sociais do trabalho não pode ser
reputada recente nem muito menos trazida apenas na atual Constituição Federal. Há muito
que o art. 766 da Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto 5452/43) prescreve que “nos
dissídios sobre estipulação de salários, serão estabelecidas condições que, assegurando justos
salários aos trabalhadores, permitam também justa retribuição às empresas interessadas.”
Assim, nos julgamentos dos dissídios coletivos, não pode o juiz simplesmente, sob o pálio do
princípio da proteção, buscar aplicar cada vez mais salários maiores sem se preocupar com a
viabilidade das empresas, esta última assegurada pelo princípio constitucional da livre
iniciativa.
A bem da verdade, o equilíbrio das relações de trabalho acaba protegendo de uma forma
ou de outra o empregado, na medida em que, estipulando-se justo salário e justa retribuição às
empresas, de modo a não onerá-las de forma demasiada, promove-se a continuidade dos
contratos de trabalho, pois a inviabilidade econômica do empregador resultaria, sem sombra
de dúvidas, na solução de continuidade dos contratos e certamente no engrossamento da fila
de desempregados.
Mas não é só aí. Jurisprudencialmente, referido equilíbrio pode ser conferido através da
Orientação Jurisprudencial 93 da Seção de Dissídios Individuais 2 do Tribunal Superior do
Trabalho, na medida em que caberá mandado de segurança da decisão do juiz que determinar
penhora sobre faturamento de empresa (art. 655, inc. VII, CPC), que limitada a certo
percentual comprometa o desenvolvimento regular de suas atividades.
Os exemplos não param aqui. Mesmo sob o pálio do princípio da proteção, que nem de
longe é absoluto, é juridicamente possível que em determinadas situações especiais,
excepcionais e extraordinárias, o risco da atividade econômica – precipuamente do
empregador (art. 2º, CLT) – possa ser transferido para o empregado em maior ou menor
escala como, por exemplo, nos casos de caducidade do contrato por força maior (art. 501,
CLT) e factum principis (art. 486, CLT), como também nos casos de pagamento de comissões
84
e percentagens em que a regra da periodicidade máxima mensal dos salários, prevista no art.
459, CLT, é excepcionada.
No primeiro caso, ocorrendo força maior, assim legalmente definida como qualquer
acontecimento imprevisível e inevitável em relação à vontade do empregador e para o qual
este não concorreu de forma direta ou indireta capaz de determinar a dissolução dos contratos
de trabalho (art. 501, CLT), a indenização paga ao empregado é pela metade (art. 502, CLT).
No segundo caso, factum principis, este se define pelo fato de a autoridade praticar
determinado ato administrativo ou legislativo no sentido de inviabilizar a continuidade dos
contratos de trabalho. Nesta hipótese, as verbas rescisórias de natureza indenizatória são
pagas pela autoridade e não pelo empregado e, dependendo do valor, mediante precatórios de
acordo com o art. 100 da Constituição Federal.
Muito embora a regra do art. 459 da Consolidação das Leis do Trabalho seja clara no
sentido de que os salários têm periodicidade máxima mensal, existe exceção quanto ao
pagamento de comissões e percentagens que somente serão exigíveis pelos empregados
depois de ultimada a transação a que se referem (art. 466, CLT), ou seja, somente se o cliente
pagar o preço da mercadoria comprada é que o empregado terá direito às comissões, apesar de
o inc. VII do art. 7º da Constituição Federal garantir salário nunca inferior ao mínimo para os
que percebem remuneração variável.
Além desses casos, há as hipóteses constitucionais e infraconstitucionais de
flexibilização dos direitos trabalhistas que, segundo Ferraz (2006, p.26), têm por objeto “o
atendimento a peculiaridades regionais, empresariais e profissionais; a implementação de
nova tecnologia ou de novos métodos de trabalho; preservação da saúde econômica das
empresas e dos respectivos empregados.”
Assim, não é de se espantar e não há qualquer novidade quando se sustenta neste
trabalho que no dispositivo do inc. XXVIII do art. 7º da Constituição Federal, ao estabelecer
que “são direitos do trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de
sua condição social o seguro contra acidente de trabalho, a cargo do empregador sem prejuízo
da indenização por este devida em caso de dolo ou culpa”, trouxe à baila a definição
constitucional de um instituto, qual seja, a de que a responsabilidade do empregador pelo
acidente do trabalho é subjetiva. Com isso, visa a regra a prestigiar o equilíbrio entre os
valores sociais do trabalho, dignidade do trabalho e livre iniciativa, na medida em que optou
85
por não sobrecarregar o empregador com o fardo da indenização quando o dano causado não
resultar de nenhuma ação ou omissão dolosa ou culposa.
Aliás, Mendes, Coelho e Branco (2002, p.44) conceituam normas definidoras de direito
como aquelas que definem direitos fundamentais. E não se venha dizer que os dispositivos
contidos no art. 7º da Constituição Federal são apenas direitos fundamentais e destinados aos
empregados urbanos e rurais, uma vez que naquele rol não apenas têm-se dispositivos de que
se pode extrair princípios e regras, mas normas definidoras de direitos, como exemplo
justamente o art. 7º, XXVIII, que definiu o instituto da responsabilidade do empregador como
sendo subjetiva e mais: há normas ali que nem direitos o são, não obstante estarem no rol do
art. 7º. Fala-se da regra de prescrição prevista no inciso XXIX, que está longe de ser um
direito, quando na verdade é uma limitação temporal ao exercício do direito de ação tanto do
empregado quanto do empregador.
Não se pode dizer que o empregado esteja desprotegido, na medida em que a empresa é
obrigada a contratar seguro contra acidente do trabalho, cujo ônus é exclusivo do empregador,
não ficando o empregador desamparado em caso de alguma contingência. Caso se entenda
que esta regra pode ser superada pela responsabilidade objetiva do empregador, quando sua
atividade importar em risco para o prestador de serviços, é onerar em demasia o empregador,
desvirtuando o mandamento constitucional e desequilibrando o balanço já mencionado.
Assim, tendo sido o inc. XXVIII do art. 7º da CF/88 calcado no equilíbrio valores
sociais e na livre iniciativa, a exceção da regra constitucional por uma infraconstitucional,
apelando para o princípio da proteção, desvirtua o equilíbrio e promove a insegurança
jurídica, como adiante se verá.
Como já sustentado, o dispositivo que prevê a responsabilidade subjetiva do
empregador não apenas visa a proteger o empregado, mas, igualmente, proteger o empregador
de uma responsabilidade excessiva nos casos em que não agir de forma omissiva ou
comissiva para o dano.
A regra do inc. XXVIII do art. 7º, CF/88, somente poderia ser suplantada pela contida
no parágrafo único do art. 927 do Código Civil em caso excepcional, especial e extraordinário
que o justifique, mediante argumentação, desde que não cause nenhuma afronta ao princípio
contido na norma e não possa ser facilmente reproduzido em casos similares.
86
Primeiro não se pode sustentar que a hipótese de responsabilidade objetiva contida no
parágrafo único do art. 927, Código Civil – atividade empresarial que envolva risco de
acidente para o empregado – seja situação extraordinária suficiente que justifique a
inaplicabilidade da regra da responsabilidade subjetiva, pois tanto numa hipótese quanto na
outra a indenização continuaria sendo devida mediante a aplicação do princípio da proteção
do trabalhador, e não há qualquer argumentação superior, como requer Ávila, para afastar a
aplicação da norma constitucional. A dois, porque a superação de uma regra tem que se dar
em sua inteireza e não de forma parcial; assim, mesmo que se entenda responsabilidade
objetiva, continuaria sendo aplicada a parte da norma em que fala da indenização, apesar de
que se estaria modificando o quesito existência de culpabilidade, querendo-se, forçosamente,
incluir uma exceção onde não tem.
Segundo, ainda que a situação da atividade de risco do empregador fosse situação
extraordinária suficiente, a superação da referida norma constitucional pela
infraconstitucional, em virtude do princípio da proteção do empregado, traria conseqüências
nefastas e funestas à coerência do ordenamento jurídico, ao sistema do civil law e à segurança
jurídica. Prova-se: é que o terceiro e último requisito para a superabilidade das regras
jurídicas por princípios – redundando na observância do princípio na aplicação de uma norma
hierarquicamente inferior – seria facilmente reproduzido em situações similares, ou seja, por
força do princípio da proteção e seu corolário princípio da norma mais favorável, segundo o
qual, entre duas normas jurídicas aplicáveis ao mesmo caso concreto, deve-se decidir pela
mais favorável ao empregado, seria muito fácil suplantar qualquer tipo de regra jurídica
trazendo incerteza e caos.
Imagine-se, por exemplo, que o art. 7º, inc. XXIX da CF/88, estabelece que a prescrição
quanto ao crédito trabalhista é de cinco anos limitada a dois anos após a extinção do contrato
de trabalho, inclusive para os casos de indenização por dano material e moral
13
. Ora, pelo
princípio da proteção (norma mais favorável), no caso de prescrição do direito de ação em
matéria cível, o prazo é de até 3 (três) anos após a ocorrência do fato danoso. Caso o
empregado sofra acidente de trabalho e seja despedido logo em seguida, teria apenas 2 (dois)
anos após a extinção do contrato de trabalho para ingressar com referida ação por acidente de
trabalho contra o empregador. Acontece que o Código Civil estabelece que, em se tratando de
13
Entendimento que ficou pacificado junto ao TST após a Emenda Constitucional 45 de 31.12.2001.
87
pedido de indenização, a ação poderia ser proposta em até 3 (três) anos da ocorrência do fato
danoso.
O ato jurídico nulo no Direito Civil é imprescritível. Já o ato jurídico nulo no processo
do trabalho prescreve
14
no prazo de cinco anos a partir da actio nata. De acordo com a
aplicação do princípio da norma mais favorável, o Código Civil deveria ser aplicado e não o
Direito do Trabalho.
Noutra situação, pela regra contida no inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição
Federal, os processos devem ter duração razoável. Ao se dar força demais ou absoluta a este
princípio, toda norma tem que ser obrigatoriamente interpretada à luz da celeridade e ser
suplantada facilmente por outra. Por exemplo, no processo civil, há basicamente dois ritos: o
ordinário e o sumário. O sumário, obviamente, muito mais célere do que o ordinário, que é de
longe o mais moroso. Assim, sob o pálio de uma interpretação, conforme a Constituição, as
regras do ordinário não seriam mais observadas para dar lugar às do sumário.
No processo do trabalho, o art. 884 da Consolidação ainda fala em prazo de 48
(quarenta e oito) horas para pagamento ou garantia do juízo sob pena de penhora. O art. 475-L
do Código de Processo Civil estabelece que o prazo é de 10 dias, não há penhora e se a parte
devedora não pagar no prazo acresce-se ao valor principal uma multa de 10% (dez por cento).
Muito embora a CLT tenha norma expressa regulamentando a matéria, e ainda o art. 889,
CLT, disciplinar que nos casos omissos a fonte subsidiária principal no processo de execução
é a lei de execuções fiscais, todas estas seriam suplantadas pelo princípio da celeridade e
aplicado o código de processo civil.
Pelo princípio da proteção, todas as exceções ao princípio, segundo o qual ao
empregador cabem os riscos do empreendimento, seriam superadas assim sem mais nem
menos, só porque afrontam o absoluto princípio da proteção. Onde estaria a segurança
jurídica trazida pela lei se esta pode ser facilmente abandonada por princípios?
Quer dizer, sem qualquer situação de fato extraordinária, várias regras jurídicas seriam
facilmente suplantadas por princípios, sem se precisar quais critérios objetivos devem ser
utilizados para tanto, mas apenas porque se deu força absoluta a certos princípios sem
nenhuma razão. Este raciocínio levaria a uma situação caótica: a de que os princípios sempre
poderiam superar normas constitucionais e infraconstitucionais, levando à incerteza e à
14
Súmula 292 do Tribunal Superior do Trabalho aplicando o inc. XXIX do art. 7º da Constituição Federal.
88
insegurança jurídicas, pois todas as regras de direito poderiam ser flexibilizadas por normas
principiológicas.
A prescrição trabalhista não mais seria aquela prevista no inc. XXIV, art. 7º da CF/88,
ou seja, dois anos após a extinção do contrato de trabalho, mas sim, por força do princípio da
proteção e da norma mais favorável, a prescrição do código civil que, de longe, é bem mais
benéfica ao trabalhador. No campo ainda do Direito do Trabalho, a regra contida no caput do
art. 466 da Consolidação, que estabelece que as comissões e percentagens seriam devidas
após a ultimação da transação, estariam suplantadas pelo princípio da proteção e,
conseqüentemente, da alteridade. Assim, tais princípios protetores seriam absolutos. E é
sabido que nem os fundamentais o são.
No campo do direito processual, sob o pálio do princípio da duração razoável do
processo, não seriam mais aplicadas as normas processuais de execução trabalhista, mas sim
normas processuais civis, suplantando-se as regras construídas para a segurança na execução.
No processo civil, como o procedimento sumário é mais conciso que o ordinário, as regras
que o estabelecem estariam igualmente suplantadas pelo princípio da duração razoável do
processo, que não é apenas privilégio do processo do trabalho, mas de todos os ramos
processuais.
Nota-se, por conseguinte, que a superabilidade da regra constitucional pela
infraconstitucional traz mais prejuízos que benefícios, de modo que se deve concluir que,
neste caso em particular, deve prevalecer o comando constitucional em sua forma intacta.
Como é ensinado por Canotilho (1991, p.1151), o princípio da prevalência da
Constituição “impõe que dentre as várias possibilidades de interpretação, deve-se escolher
uma interpretação não contrária ao texto e programa das normas constitucionais”
15
; apenas
em casos extraordinários e de acordo com argumentação exposta, fugir-se-ia ao texto
constitucional, adverte Ávila (2006). Não é através do postulado da razoabilidade
16
que se
resolve o aparente conflito entre o inc. XXVIII do art. 7º da Constituição Federal e o
15
No mesmo sentido confira Christiane Oliveira Peter da Silva (2005, p.75).
16
Segundo Humberto Ávila (2006, p.123), princípios e postulados teriam funções distintas. Os primeiros são
definidos como normas imediatamente finalísticas, isto é, normas que impõem a promoção de um estado ideal
de coisas por meio de uma prescrição indireta de comportamentos cujos efeitos são havidos como necessários
àquela promoção. Já os postulados não impõem a promoção de um fim, mas, em vez disso, estruturam a
aplicação do dever de promover um fim; de outro, não prescrevem indiretamente comportamentos, mas modo
de raciocínio e de argumentação relativamente a normas que indiretamente prescrevem comportamentos.
Rigorosamente, segundo Ávila, não se confundam princípios com postulados.
89
parágrafo único do art. 927 do Código Civil. É que se o caso for analisado de forma rigorosa,
tanto parece razoável que o empregador somente arque com a indenização pelo acidente do
trabalho quando realmente incorrer em dolo ou culpa, responsabilidade subjetiva, portanto,
quanto parece igualmente razoável que, em se tratando de tomador de serviços (in casu,
empregador), cuja atividade implique risco para o prestador (in casu, empregado), a
responsabilidade pela indenização seja objetiva; independa de dolo ou culpa.
Este conflito aparente de normas seria resolvido por Dowrkin ou Alexy com a aplicação
de uma das duas e a conseqüente exclusão da outra ou pelo fato de que a segunda seria uma
exceção à primeira e as duas continuariam a existir no mundo jurídico. Esta solução estaria
em perfeita consonância com uma das vertentes do Princípio da Proteção, qual seja, o da
aplicação da norma mais favorável, segundo o qual, de acordo com Pla Rodriguez (1993, p.
53), no caso de duas normas jurídicas serem aplicadas ao mesmo caso concreto, opta-se pela
mais favorável ao empregado.
Poder-se-ia argumentar ainda que as normas fundamentais e o inc. XXVIII do art. 7º da
Constituição são normas fundamentais, as quais devem ser interpretadas da forma mais ampla
possível, dando-se-lhes máxima efetividade. Aliás, princípio sobre o qual Dallegrave Neto
(2007, p.42-00) sustenta seu entendimento, no sentido de que a responsabilidade deve ser
objetiva quando a atividade do empregador envolver risco para o empregado:
Estas premissas axiológicas constitucionais (máxima efetividade) são utilizadas
como pressupostos da confirmação da tese defendida nessa obra, qual seja, a
construção de uma teoria capaz de identificar a rigor as obrigações contratuais,
mormente os seus limites – estribados na função social do contrato e na boa fé
objetiva – além de fundamentar a aplicação da responsabilidade civil objetiva da
empresa e a ampla indenização em prol da dignidade do trabalhador. A edificação da
teoria é fundamental nesse instante histórico em que as obrigações de resultado
ganham espaço sobre as obrigações de meio, na esfera das relações de emprego. O
resultado dessa equação é que essa nova modalidade de autonomia pode estar
reinventado novas formas de exploração e servidão, já que as exigências de
resultado na prática retiram autonomia do trabalhador.
Muito embora verdadeira a colocação, tal argumentação, em sua literalidade, iria de
encontro ao texto constitucional previsto no inc. XXVIII do art. 7º CF/88, sem prejuízo do
fato de que se estaria dando incomensurável, irresponsável e desarrazoada prevalência do
princípio da proteção (norma mais favorável), em detrimento do postulado da proibição do
excesso. Este último proíbe restrição excessiva a qualquer direito fundamental. A realização
de uma regra ou princípio fundamental não pode conduzir à restrição a um direito
fundamental que lhe retire um mínimo de eficácia. (ÁVILA 2006, p.133).
90
Assim, dar demasiada importância ao princípio da proteção é restringir o da livre
iniciativa, retirando a eficácia do equilíbrio dinâmico entre este e os valores sociais do
trabalho. E mais: a manutenção do referido balanço não retira de forma alguma a obrigação
do empregador de indenizar; ela apenas não vai ser tão ampla e irrestrita quanto numa
responsabilidade objetiva, mas a indenização continuará sendo devida nos casos em que o
tomador de serviços tenha agido ou se omitido com dolo ou culpa, independente de sua
atividade trazer ou não riscos para o prestador de serviços.
CONCLUSÃO
Durante a apresentação do presente trabalho, foram abordadas as seguintes questões: a
questão da natureza jurídica da relação de trabalho, a natureza jurídica da responsabilidade do
empregador pelo acidente sofrido pelo empregado, a existência de um conteúdo mínimo legal
do contrato de trabalho, a existência de uma cláusula de incolumidade e, finalmente, a
possibilidade de suplantação de uma norma constitucional por uma infraconstitucional.
Constatou-se que a natureza jurídica da responsabilidade civil do empregador pelo
acidente de trabalho prevista no inc. XXVIII do art. 7º da Constituição Federal é contratual de
modo que o acidente sofrido pelo empregado por ato doloso ou culposo do empregador se
caracteriza em descumprimento contratual ensejando a responsabilidade subjetiva com
presunção de culpa, pelo que ao empregado cabe somente a prova do ato faltoso e ao
empregador a prova de que não agiu nem com dolo nem com culpa.
A averiguação da natureza jurídica da relação de emprego foi essencial ao
desenvolvimento deste trabalho, vez que se demonstrou que ela tem natureza contratual,
nascendo o vínculo jurídico entre empregado e empregador de um contrato de trabalho,
chegando-se à conclusão que as normas de proteção à relação de trabalho se imantam ao
contrato formando um conteúdo mínimo que deve ser respeitado e que não é suscetível de
renúncia por parte do empregado.
Dentre os direitos existentes no conteúdo mínimo do contrato de trabalho estão os de
personalidade, tais como o direito à integridade física do empregado, que, muito embora seja
direito objetivo, pode ser perfeitamente inserto em contrato e sua violação redundaria em
descumprimento contratual. Foi demonstrado que o direito à integridade física está
direitamente relacionado ao fato de o empregador ter obrigação contratual de manter, zelar e
conservar referidos direitos de personalidade, de modo que o acidente de trabalho causado por
dolo ou culpa do empregador se consubstancia em violação de contrato, ensejando a
obrigação de indenizar prevista e disciplinada não nos arts. 186 e 927 do Código Civil, mas
no art. 389 do mesmo diploma legal.
92
A sustentação da existência de um conteúdo mínimo do contrato de trabalho com base
no art. 444 da Consolidação das Leis do Trabalho levou à teoria da cláusula de incolumidade
que é instituto trazido do contrato de transporte segundo o qual o transportador, mediante
cláusula implícita, obriga-se a transportar a coisa ou pessoa, incólume, do lugar de origem ao
destino e a violação dessa obrigação seria descumprimento contratual.
Na relação de trabalho, a relação jurídica estabelecida entre empregado e empregador
correspondente ao contrato de emprego cria, de forma implícita, uma obrigação por parte do
empregador de zelar pela segurança do trabalhador contra todo acidente dito profissional e de
vê-lo retornar à casa ou ao trabalho incólume ao final da jornada. A inobservância da referida
cláusula gera obrigação de indenizar de modo que bastará o empregado demonstrar o
descumprimento contratual (dano) pelo empregador, para que se presuma que a parte que não
observou o contrato agiu com dolo ou culpa na sua inexecução, invertendo-se em relação a
esta o ônus de provar que não agiu nem com delo e nem com culpa.
Assim, chegou-se à conclusão neste trabalho que a responsabilidade do empregador
pelo dano é a subjetiva com presunção de culpa, de modo que em sendo qualquer de suas
cláusulas descumpridas, presume-se a existência do dano e da obrigação de indenizar. Tal
ocorre quando há desrespeito à cláusula de incolumidade decorrente do conteúdo mínimo
legal do contrato de trabalho quando o fato ensejador do dano estiver diretamente relacionado
ao trabalho do empregado, aqui entendida não apenas a prestação em si de serviços, mas
todos os aspectos internos e externos à relação jurídica de trabalho.
Finalmente, demonstrou-se que a responsabilidade do empregador pelo acidente de
trabalho é subjetiva, dependente de ato doloso ou culposo do empregador, conforme previsão
do inc. XXVIII do art. 7º da Constituição Federal. Chegou-se a conclusão também que não é
possível a aplicação da responsabilidade objetiva prevista no parágrafo único do art. 927 do
Código Civil quando a atividade desenvolvida pelo tomador de serviços implicar em risco
para terceiros, mesmo no caso de o empregador desenvolver atividade empresarial de risco,
posto que a responsabilidade do empregador pelo acidente sofrido pelo empregado é
subjetiva, dependendo de ato doloso ou culposo do tomador de serviços.
Demonstrou-se que a norma constitucional prevê a responsabilidade subjetiva do
empregador pelo acidente ocorrido com o empregado não pode ser suplantada por norma
infraconstitucional sem causar danos ao princípio da segurança jurídica que está previsto no
93
art. 5º, caput, da Constituição Federal. Muito embora o princípio da proteção norteie o Direito
do Trabalho, concluiu-se que ele não é de modo algum absoluto, ao ponto de suplantar
preceito constitucional a fim de privilegiar norma infraconstitucional, nem há situação
extraordinária que autorize referido entendimento sem que se ponham em risco importantes
preceitos constitucionais.
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