Download PDF
ads:
UFMS
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL
Campus de Aquidauana
RODRIGO SIMÃO CAMACHO
O ENSINO DA GEOGRAFIA E A QUESTÃO AGRÁRIA NAS SÉRIES
INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
Aquidauana
2008
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
RODRIGO SIMÃO CAMACHO
O ENSINO DA GEOGRAFIA E A QUESTÃO AGRÁRIA NAS SÉRIES
INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
Dissertação apresentada ao curso de pós-graduação
em geografia da UFMS, campus de Aquidauana,
como requisito necessário para a obtenção do título
de mestre.
ORIENTADORA: PROFª. DRª. ROSEMEIRE APARECIDA DE ALMEIDA
Aquidauna
2008
ads:
3
DEDICATÓRIA
Aos meus pais pela experiência concedida, carinho, dedicação e atenção, durante todos esses
anos que propiciou com que eu conseguisse alcançar meus objetivos.
A todos os meninos e meninas do campo que nos
proporcionaram entender a complexidade na construção dos
diferentes saberes a fim de que possamos construir um saber
emancipatório.
A minha namorada Juliana pela
preocupação, auxílio, atenção, nos
momentos mais difíceis. Espero que
continuemos sempre juntos nessa
caminhada pela construção de uma
sociedade liberta da opressão do capital,
cumprindo nosso dever enquanto
sujeitos educadores e geógrafos.
4
AGRADECIMENTOS
- Aos meus pais Adelina Simão Fracasso e José Francisco Camacho por todo apoio que me
deram durante minha vida inteira e na realização deste trabalho.
- A minha namorada Juliana (Peixe-boi) pelo apoio e companheirismo nas horas difíceis,
pelas discussões teóricas, e pela ajuda desde a graduação.
-A Orientadora Rosemeire Aparecida de Almeida por sempre ter apoiado e acreditado no meu
trabalho desde o tempo de graduação.
-Aos sujeitos-estudantes da quarta série C da escola EMEF Raquiel Jane Miranda, dos anos de
2005, 2006 e 2007. Obrigado pela colaboração e, principalmente, pela troca de experiências.
- Aos educadores e educandos da escola EMEF Raquiel Jane Miranda, que colaboraram para
que essa pesquisa fosse produzida. Espero que essa pesquisa lhes seja útil de alguma maneira.
- Aos amigos de infância e adolescência, que mesmo estando tão distantes e, que
provavelmente nunca terão a oportunidade de ler o que escrevi, foram de grande importância
no meu processo de construção enquanto ser social, no qual me encontro hoje. Especialmente
aos amigos de Franco da Rocha e Francisco Morato, onde compartilhamos juntos as
dificuldades e as experiências do modo de vida da periferia: Mário, Marcelo, Tadeu, Wagner
(dentinho), Klayton, entre outros.
- Aos amigos do CEFAM (Centro Específico para Formação de Aperfeiçoamento do
Magistério) de Franco da Rocha e de Tupi Paulista (turma do fundão), por tudo que vivemos e
vivenciamos em um momento muito especial da minha vida, em particular: Luciano Grechia
(Dente), Wellington Ferrari (Mano) e Daniel (Ismir).
- Aos amigos da Graduação em geografia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul no
campus de Três Lagoas (especialmente a turma do fundão), sendo eles: Frederico Gradela,
Ismar Renan, Lucimeire, Arilton, Fábio (Mineiro), no qual, compartilhamos nossas
experiências e construímos juntos grande parte do nosso conhecimento científico adquirido.
- Aos amigos do mestrado, especialmente, Frederico Gradela (novamente), João (cavaleiro da
escuridão), Emerson (Podrão) e Anderson, pela ajuda, incentivo e discussões teóricas que me
auxiliaram na compreensão da realidade.
5
- Aos amigos de Tupi Paulista, sempre presentes nas festas, baladas, e também nas discussões
teóricas na busca de um mundo melhor: Élder (Bolinha), Alexandre (Falcão), Luciano (Dente
de novo), Luís (Luid), Karina (Keka), Jaqueline (Rã), Diego (Mijão), Diego (Rato), Adriano
(Juca), Rodolfo (Rodolfão), Gabriel (Dr. Coco), Marcelo (D2), Mauro, Nicolau, Uiara, Zizeli,
Fábio (Fafá), Éder (Édão), Karla, Marlon, Vitor Hugo (Véio), Pedro (Pedrinho Cabonga),
Tiago Bertolin, Amanda, Lilian (Li), Valmir e Daniela (Dani).
- Aos amigos de Aquidauana pela amizade, “pela hospedagem solidária”, desde a prova de
seleção, e pelas discussões teóricas: Thiago (Thiagão), Gabriela (Gabi), André (Pirçoso) e
Sócrates (Totonho).
- Aos amigos, colegas de trabalho e companheiros de luta: Mieceslau Kudlavicz, Eduardo
Parro, Eduardo (Anarcopunk) e André (Metal).
- Aos meus tios e primos pelo companheirismo, amizade e apoio: Antônio (Tio Tonho), Tio
Diogo, Tia Regina e Tio Luis, Augusto César (Guto), Marcos (Marquinhos), Elaine, Simone,
Elder, Flávio (Flavinho), Fernando (Nandão) e Valdeis (Deis).
- Ao Senhor Ilson (Senhor padeiro), Dona Júlia (Julieta) e Giovana pela paciência,
compreensão e auxílio no decorrer deste trabalho;
- A todos os meus professores da Educação sica das escolas estaduais onde estudei:
escola de Tupi Paulista; Prof. Bueno de Azevedo Filho e Prof. José de Bezerra Sanches de
Francisco Morato; CEFAM de Franco da Rocha e CEFAM de Tupi Paulista. Pois, estes me
ajudaram a construir a base que me propiciou dar continuidade aos meus estudos.
- Aos meus professores da graduação em geografia do campus de Três Lagoas e da pós-
graduação (mestrado) em geografia do campus de Aquidauana, por me indicarem os caminhos
a serem percorridos.
- A todos que colaboraram de maneira direta, ou indiretamente, para que o trabalho pudesse
ser realizado.
6
EPÍGRAFE
Fábrica
Nosso dia vai chegar
Teremos nossa vez
Não é pedir demais:
Quero justiça
Quero trabalhar em paz
Não é muito o que lhe peço
Eu quero um trabalho honesto
Em vez de escravidão
Deve haver algum lugar
Onde o mais forte não
Consegue escravizar
Que não tem chance
De onde vem à indiferença
Temperada a ferro e fogo?
Quem guarda os portões da fábrica?
O céu já foi azul, mas agora é cinza
O que era verde aqui já não existe mais
Quem me dera acreditar
Que não acontece nada
De tanto brincar com fogo
Que venha o fogo então...
Legião Urbana/Renato Russo
1
1
Álbum Dois, 1986.
7
RESUMO
Por meio desta pesquisa construímos uma reflexão acerca da educação,
principalmente da Educação do Campo, e do ensino da geografia, como instrumentos de
transformação social, tendo em vista a emancipação das camadas subalternas. Buscando,
portanto, romper com a educação ideológica/reprodutora/domesticadora neoliberal e
estabelecer como proposta a construção de uma Educação Libertadora/Emancipatória.
Fizemos também, uma reflexão acerca da questão agrária, pois a
concentração fundiária é um problema que se iniciou no período colonial e, atualmente, está
relacionada com a internacionalização da economia brasileira. Situação que envolve o
agronegócio latifundiário exportador de um lado e o campesinato, de outro e desperta
diferentes interpretações teóricas acerca dessa questão tanto por parte dos intelectuais como
da mídia. Neste debate, se torna indispensável à discussão da luta da classe camponesa
pela/na terra em busca de seu processo de recriação contra a territorialização do capital no
campo e a sujeição de sua renda ao capital, fruto de um movimento de reprodução desigual e
contraditório do capital.
Acreditamos na necessidade de construção de uma Educação do Campo para
trabalhar as especificidades dos moradores do espaço rural, respeitando seu saber popular e
auxiliando na luta contra a territorialização do capital no campo e a sujeição da renda
camponesa ao capital. Tendo em vista que os povos do campo sempre estiveram excluídos
devido à existência de um modelo socioeconômico que valoriza o agronegócio latifundiário
exportador e o espaço urbano como símbolos da modernidade/avanço/progresso. No processo
educativo oficial, sempre houve uma educação rural reprodutora/domesticadora que objetiva
formar para a submissão, preparando mão-de-obra barata para o capital urbano e para o
agronegócio, reproduzindo, assim, as relações sociais vigentes que são, por sua vez,
excludentes. Logo, necessidade de construção de uma Educação Emancipatória dos
habitantes da área rural.
Num mundo capitalista globalizado se faz necessário entendermos a
produção do conhecimento científico geográfico, bem como a produção do espaço geográfico
dentro dessa lógica. Neste sentido, é imprescindível pensarmos em uma geografia e um ensino
de geografia que possibilite a leitura da realidade de maneira crítica e transformadora, que
permita romper com a ideologia neoliberal e o processo globalitário capitalista excludente.
Por tanto, defendemos a necessidade de se construir uma geografia escolar fundamentada nos
pressupostos teórico-metodológicos do materialismo histórico e dialético.
8
Concebendo os PCNs como o principal recurso teórico do professor é
relevante levantar a discussão teórico-metodológica e ideológica desse documento,
principalmente na geografia, a fim de entendermos os avanços e os retrocessos que trouxeram
para educação nacional. Tendo em vista que os PCNs se encontram inseridos dentro de uma
lógica de mudanças globais motivadas por políticas neoliberais.
Para atingir nossos objetivos de auxiliar no processo de construção de uma
educação condizente com a realidade do campo, precisamos entender quem são esses sujeitos
do campo que estudam no Ensino Fundamental (1ª a séries), ou seja, precisamos entender a
realidade desses estudantes-camponeses. Desta maneira, vamos conhecer como são as
relações socioespaciais destes sujeitos-estudantes por meio de fontes orais e escritas,
pensando no tripé trabalho, lazer e escola que fazem parte da vida desses estudantes. Para que
assim possamos construir uma educação que entenda os sujeitos do campo e suas
especificidades. Vamos conhecer também, alguns trabalhos produzidos por estes alunos em
sala de aula que expressam as suas opiniões e a sua realidade.
Refletiremos, também, a partir da opinião dos professores das séries/anos
iniciais do Ensino Fundamental a respeito da questão agrária, da Educação do Campo e do
ensino de geografia, tendo em vista que os professores são peças fundamentais para a
construção de um processo educativo transformador. Por isso, necessitam de uma formação
que permita ler a realidade para além do discurso neoliberal, compreendendo a realidade dos
seus educandos e possibilitando que estes possam adquirir uma consciência crítica que lhes dê
autonomia intelectual de observar, analisar, questionar e transformar a realidade.
PALAVRAS-CHAVE: Educação Emancipatória; Educação do Campo; Questão Agrária;
Ensino de Geografia; Transformação Social.
9
RESUMEN
Por medio de esta investigación construimos una reflexión sobre la
educación, especialmente en el ámbito de la Educación del Campo y en la enseñanza de la
geografía, como instrumentos de transformación social, con miras a la emancipación de las
camadas subalternas. Buscando, así, romper con la educación ideológica/reproductora
neoliberal y establecer como propuesta la construcción de una educación
libertadora/emancipadora.
Hicimos también, una reflexión sobre la cuestión agraria, porque la
concentración de la tierra es un problema que comenzó en el período colonial y, en la
actualidad, está ligada a la internacionalización de la economía brasileña. Situación que
envuelve la participación del agribusiness latifundista de exportación de un lado y el
campesinado de otro, y despierta diferentes interpretaciones teóricas acerca de este problema
tanto para los intelectuales como para los medios de comunicación. En este debate, es esencial
la discusión de la lucha de la clase campesina, por la tierra y en la tierra, en busca de su
proceso de recreación contra la territorialización del capital en el campo y la sujeción de su
rienda al capital, resultado de un movimiento de reproducción contradictorio y desigual del
capital.
Creemos en la necesidad de construcción de una Educación del Campo para
trabajar las características específicas de los residentes del espacio rural, respetando sus
conocimientos y auxiliando en la lucha contra la territorialización del capital en el campo y la
sujeción de la rienda campesina al capital. Considerando que los pueblos del campo siempre
estuvieran excluidos debido a existencia de un modelo socioeconómico que valoriza el
agribusiness latifundista exportador y el espacio urbano como símbolos de la
modernidad/avance/progreso. En el proceso educativo oficial, siempre existuna educación
rural reproductora que tiene por objetivo formar para la sumisión, y para la preparación de
mano de obra barata para el capital urbano y para el agribusiness, reproduciendo, así, las
relaciones sociales que son, por su vez, excluyentes. Luego, hay necesidad de construcción de
una educación emancipadora de los habitantes de la zona rural.
En un mundo capitalista globalizado debemos entender la producción del
conocimiento científico geográfico, así como la producción del espacio geográfico dentro de
esta lógica. En este sentido, es imprescindible pensar en una geografía y una enseñanza de la
geografía que posibilite la lectura de la realidad de manera crítica y transformadora, que
permita romper con la ideología neoliberal y con el proceso de exclusión del capitalismo y de
10
la globalización. Por lo tanto, defendemos la necesidad de construir una geografía escolar
basada en los presupuestos teórico-metodológicos del materialismo histórico y dialéctico.
Concibiendo los PCNs como el principal recurso teórico del profesor es
relevante levantar la discusión teórico-metodológica e ideológica del documento,
principalmente en la geografía, a fin de entender los avances y retrocesos que trajeran para la
educación nacional. Teniendo en cuenta que los PCNs se encuentran dentro de una lógica de
mudanzas globales motivadas por las políticas neoliberales.
Para alcanzar nuestros objetivos de auxiliar en el proceso de construcción de
una educación en consonancia con la realidad del campo, tenemos que entender quién son
estos sujetos del campo que estudian en la enseñanza fundamental (1 a 4 series), es decir,
tenemos que comprender la realidad de estos estudiantes-campesinos. De esta manera, vamos
conocer como son las relaciones socio-espaciales de estos sujetos-estudiantes por medio de
fuentes orales y escritas, pensando en el trípode trabajo, entretenimiento y la escuela que
hacen parte de la vida de estos estudiantes. A fin de que podamos construir una educación que
comprenda los sujetos del campo y sus singularidades. Vamos a conocer también, algunas
obras producidas por estos estudiantes en la clase que expresan las sus opiniones y su
realidad.
Pensaremos, también, a partir de la opinión de los profesores de las
series/años iniciales de la enseñanza fundamental en relación a la cuestión agraria, la
Educación del Campo y la enseñanza de la geografía, porque los profesores son componentes
fundamentales para la construcción de un proceso educativo transformador. Por eso, necesitan
de una formación que permita leer la realidad más allá del discurso neo-liberal, para la
comprensión de la realidad de sus alumnos y que les permita adquirir una conciencia crítica
que les dé la autonomía intelectual de observar, analizar, cuestionar y transformar la realidad.
PALABRAS CLAVE: educación emancipadora; Educación del Campo; cuestión agraria;
enseñanza de la geografía; transformación social.
11
SUMÁRIO
1 – INTRODUÇÃO................................................................................................................... 26
2 - PERSPECTIVAS PARA OS ESTUDOS DA QUESTÃO AGRÁRIA NO BRASIL NO
SÉCULO XXI: O AGRONEGÓCIO VERSUS A AGRICULTURA CAMPONESA ........ 38
2.1 - Concentração fundiária: um problema histórico brasileiro 38
2.2 - A questão agrária no modo de produção capitalista 43
2.2.1 - A terra como mercadoria................................................................................................................. 46
2.2.2 – O processo de monopolização do capital e a territorialização do capital monopolista no campo51
2.3 - O campo na internacionalização da economia do Brasil: a barbárie moderna do
agronegócio versus a reforma agrária 54
2.3.1 – O agronegócio latifundiário exportador e suas implicações socioambientais: o modelo
agrário/agrícola brasileiro .......................................................................................................................... 61
2.3.2 - Os bio (agro) combustíveis e a substituição da matriz energética mundial................................. 67
2.4 A agricultura dos povos do campo: garantia de soberania alimentar e de preservação da
sociobiodiversidade nacional 72
2.5 - Concepções teóricas acerca do estudo da questão agrária no Brasil 82
2.5.1 – A tese do movimento desigual e contraditório no desenvolvimento capitalista no campo
brasileiro....................................................................................................................................................... 90
2.6 - O campesinato: uma classe em movimento 96
2.6.1 - Os movimentos sociais do campo: o MST e a luta pela terra e na terra.................................... 109
2.6.2 - O MST e a reforma agrária: os camponeses versus os latifundiários do agronegócio e o poder
ideológico da mídia burguesa ................................................................................................................... 114
2.6.3 – O processo de espacialização e de territorialização da luta pela/na terra do MST.................. 124
3- POR UMA EDUCAÇÃO TRANSFORMADORA PARA A EMANCIPAÇÃO DAS
CAMADAS SUBALTERNAS................................................................................................ 128
3.1 - Educação: uma produção inerente ao ser humano 128
3.2 - A educação formal e suas implicações reprodutoras 131
3.3 - Educação e ideologia neoliberal: as tendências pedagógicas conservadoras 137
3.4 - Educação e transformação social: Paulo Freire e sua Pedagogia Libertadora 149
3.5 - Por uma educação formal transformadora: instrumentalizando os sujeitos para a mudança
social 155
3.6 - A possibilidade e a necessidade da mudança social 160
3.7 - A educação e a produção do espaço geográfico 163
4 - POR UMA EDUCAÇÃO DO CAMPO: UMA PERSPECTIVA EMANCIPATÓRIA166
12
4.1 - Por uma reterritorialização do saber: a necessidade de construção de uma Educação do
Campo 167
4.2 - A Educação do Campo: um projeto emancipatório construído em conjunto com os sujeitos
do campo 173
4.3 - Pressupostos teórico-metodológicos que constroem a Educação do Campo 181
4.4 - Educação do Campo: um direito assegurado pela lei 186
4.5 A Educação do Campo: uma forma de resistência do campesinato à expropriação e ao
êxodo rural 190
5 - A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO GEOGRÁFICO E O ENSINO DA GEOGRAFIA
NO SÉCULO XXI: A GEOGRAFIA NA ESCOLA COMO INSTRUMENTO DE
TRANSFORMAÇÃO SOCIAL............................................................................................. 199
5.1 - Crise de paradigmas no século XXI: em busca da totalidade e da construção de um novo
projeto civilizacional 199
5.2 Globalização e mundialização do capital: característica básica do espaço geográfico no
século XXI 204
5.3 - O campo: uma totalidade inclusa em relações globais 213
5.4 Produção do espaço social/geográfico e das relações socioespaciais: relações de trabalho
sociedade/natureza. 216
5.5 - O trabalho e a produção/organização espacial no modo de produção capitalista: espaço de
reprodução do capital 220
5.6 - O território como categoria de análise geográfica 230
5.7 - A geografia escolar: um instrumento de transformação social 232
5.7.1 - O materialismo histórico e dialético como pressuposto teórico-metodológico do ensino da
geografia: a Geografia Crítica/Dialética em sala de aula....................................................................... 240
5.7.2 - O ensino da geografia nas séries/anos iniciais do Ensino Fundamental .................................... 250
5.8 – Geografia e ideologia: aparência e essência 253
5.9 - O ensino da geografia e a questão agrária em sala de aula: por uma geografia escolar dos
camponeses 257
6 - OS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: UM
DEBATE TEÓRICO/IDEOLÓGICO/UTÓPICO............................................................... 264
6.1 - Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental: necessidades de
superação 265
6.2 - Os PCNs e o Construtivismo: discutindo o paradigma pedagógico ........................... 272
6.3 – Os pressupostos teórico-metodológicos presentes no PCN de geografia 276
6.4 A concepção histórico-social numa perspectiva dialética: entendendo a interpretação
marxista da realidade 287
13
6.5 - Questão ideológica: respondendo as críticas negativas que estão no PCN de geografia
acerca do marxismo 294
7 - PESQUISA REALIZADA NA ESCOLA RAQUIEL JANE MIRANDA NO MUNICÍPIO DE
PAULICÉIA-SP ...................................................................................................................... 305
7.1-O Município de Paulicéia 306
7.2 – A estrutura fundiária do município de Paulicéia atualmente 312
7.3 - A escola EMEF Raquiel Jane Miranda 323
7.4 - Entrevistando os sujeitos-estudantes da série do Ensino Fundamental: conhecendo suas
opiniões 323
7.5 - Pesquisa com os sujeitos-estudantes da escola EMEF Raquiel Jane Miranda em 2006335
7.6 - Trabalho em sala de aula no ano de 2006 339
7.6.1 - O filme: “Os dois filhos de Francisco”.......................................................................................... 339
7.6.2 - Os bóias-frias dos canaviais em Paulicéia .................................................................................... 341
7.7 – Pesquisa e atividades desenvolvidas em sala de aula em 2007 342
7.7.1 – Entrevistando pais e alunos: conhecendo sua realidade e compreendendo o espaço como uma
totalidade construída pelos sujeitos.......................................................................................................... 343
7.8 - Geografia Agrária e Educação Artística: ilustrações 2006-2007 350
7.9 - Conhecendo os estudantes do campo do município de Paulicéia/SP: trabalho, lazer e escola.
354
7.10 - Experiências vividas em acampamentos e assentamentos do INCRA pelos camponeses-
estudantes·: entendendo as relações da recriação camponesa. 383
7.11 Ouvindo os docentes da escola EMEF Raquiel Jane Miranda no município de Paulicéia
em 2005 392
7.12 Ouvindo os docentes da escola EMEF Raquiel Jane Miranda no município de Paulicéia
em 2006 406
8 - CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................ 431
9 - REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ................................................................................. 446
14
LISTA DE FIGURAS
Figura 01 - Charge sobre o êxodo rural ...........................................................................190
Figura - 02 - Localização de Paulicéia no Estado de São Paulo .....................................306
Figura 03 - Mapa de localização da área de estudo.........................................................307
Figura 04 – Ilustração do Poema “Morte e Vida Severina” e “Madrugada Camponesa”
......................................................................................................................................351
Figura 05 – Ilustração do Poema “Morte e Vida Severina” e “Madrugada Camponesa”
......................................................................................................................................352
Figura 06 - Ilustração do Poema “Morte e Vida Severina” e “Madrugada Camponesa”
......................................................................................................................................352
Figura 07 - Ilustração a respeito do trabalho escravo infantil no campo: laranjal,
carvoaria, canavial e sisal. .........................................................................................353
Figura 08 - Ilustração do lugar onde moro ......................................................................354
15
LISTA DE TABELAS
Tabela 01 - Número de estabeleci
mentos até 20 hectares no município de Paulicéia
em 1970, 1980, 1985. ...................................................................................................311
Tabela 02- Produto Interno Bruto do município de Paulicéia .......................................312
Tabela 03- Estrutura fundiária de Paulicéia....................................................................312
Tabela 04 – Soma total da estrutura fundiária do município de Paulicéia...................320
Tabela 05 - Soma total das fazendas com mais de 1000 hectares no município de
Paulicéia.......................................................................................................................320
Tabela 06 - Área ocupada pelas maiores propriedades em Paulicéia em porcentagem321
Tabela 07 - Número de propriedades em Paulicéia em porcentagem ...........................322
Tabela 08– Lugar onde moram os alunos da 4ª série C -2005........................................324
Tabela 09 - Lugar onde moram os alunos entrevistados da 4ª série C - 2005...............325
Tabela 10 - Resposta dos alunos a respeito de que se gostam ou não do lugar onde
moram..........................................................................................................................326
Tabela 11 - Resposta dos alunos a respeito de que se gostam ou não do lugar onde
moram..........................................................................................................................326
Tabela 12 - Resposta dos alunos a respeito do lugar onde gostariam de morar...........327
Tabela 13 - Resposta dos alunos a respeito do lugar onde gostariam de morar...........328
Tabela 14 - Justificativa dos moradores da área rural que querem continuar morando
no campo......................................................................................................................329
Tabela 15 - Justificativa dos alunos da área rural que gostariam de morar na área
urbana..........................................................................................................................330
Tabela 16 - Justificativa dos alunos da área urbana que querem continuar morando na
cidade...........................................................................................................................330
Tabela 17 - Justificativa dos alunos da área urbana que gostariam de morar na área
rural. ............................................................................................................................331
Tabela 18 - Resposta dos alunos a respeito do que pensam sobre o MST.....................332
Tabela 19 - Resposta dos alunos a respeito do que pensam sobre o MST.....................333
16
Tabela 20 - Resposta dos alunos a respeito do que sabem sobre o MST (alunos as área
urbana ) .......................................................................................................................333
Tabela 21 - Resposta dos alunos a respeito do que sabem sobre o MST.......................334
Tabela 22– Número de alunos provenientes da área rural, segundo a rota de transporte -
2006. .............................................................................................................................335
Tabela 23 - Quantidade de alunos da escola em porcentagem - 2006............................335
Tabela 24 - Lugar onde moram os alunos da área rural - 4ª série C - 2006..................336
Tabela 25 - Lugar onde moram os alunos da área rural na 4ª série C - 2007...............342
Tabela 26 - Data de nascimento dos alunos da 4ª série C por ano - 2007......................343
Tabela 27 - Lugar de origem dos alunos da 4ª série C - 2007.........................................344
Tabela 28 - Lugar onde os alunos da 4ª série C já moraram..........................................345
Tabela 29 - Ano em que os pais dos alunos vieram morar em Paulicéia - 2007 ...........346
Tabela 30 - Lugar de origem dos pais dos alunos da 4ª série C - 2007. .........................346
Tabela 31 - Lugar de origem dos pais dos alunos da 4ª série C por Estado – 2007......347
Tabela 32 - Lugar de origem das mães dos alunos da 4ª série C - 2007 ........................348
Tabela 33 - Lugar de origem das mães dos alunos da 4ª série C por Estado - 2007.....348
Tabela 34 - Motivos pelos quais os pais dos alunos da 4ª série C mudaram - se para
Paulicéia.......................................................................................................................349
Tabela 35 – Mudanças que aconteceram em Paulicéia desde a chegada dos pais dos
alunos...........................................................................................................................349
Tabela 36– Profissões dos pais dos alunos da sala de aula – 2007 .................................350
Tabela 37 - Profissão das mães dos alunos da sala de aula – 2007.................................350
Tabela 38 - A importância do ensino da geografia agrária para os alunos do 2º ciclo das
séries/anos iniciais.......................................................................................................396
Tabela 39– As dificuldades encontradas para que ocorra a aprendizagem da questão
agrária no 2º ciclo das séries iniciais.........................................................................396
Tabela 40– Opinião dos professores se atualmente o conteúdo de geografia agrária
permite a formação de um aluno crítico...................................................................397
Tabela 41 - O objeto de estudo da ciência geográfica segundo os professores .............398
17
Tabela 42 - Informações que os professores possuem a respeito dos movimentos sociais
do campo......................................................................................................................399
Tabela 43 – O conhecimento dos professores a respeito da Geografia Crítica.............400
Tabela 44 - Como trabalhar a interdisciplinaridade a partir do conteúdo de geografia
agrária .........................................................................................................................400
Tabela 45 - A opinião dos professores a respeito da descontextualização da geografia
agrária ensinada nas escolas......................................................................................401
Tabela 46 - Quantidade de professores que acreditam que a questão agrária faz parte da
realidade dos alunos de Paulicéia..............................................................................401
Tabela 47 - O que os professores aprenderam sobre a questão agrária em sua formação
acadêmica ....................................................................................................................402
Tabela 48 - A opinião dos professores a respeito da importância do conteúdo de
geografia, comparado com o de língua portuguesa e o de matemática .................402
Tabela 49 - Conhecimento dos professores de como é tratada a questão agrária pelos
PCN’s e pela LDB.......................................................................................................402
Tabela 50 - Pontos positivos e pontos negativos da abordagem dos PCN’s acerca da
questão agrária ...........................................................................................................403
Tabela 51 - Como os professores avaliam sua prática docente ......................................404
Tabela 52 - Cursos concluídos pelos professores.............................................................404
Tabela 53 - Sugestões e críticas dos professores a respeito da pesquisa elaborada......405
Tabela 54 - Opinião dos professores a respeito do grau de dificuldade das perguntas405
Tabela 55 - Opinião dos professores a respeito da importância das perguntas do
questionário estruturado............................................................................................405
Tabela 56 - Curso superior que os professores fizeram ou estão fazendo.....................408
Tabela 57 – Quantidade de professores que estudaram/estudam em instituições públicas
ou privadas..................................................................................................................409
Tabela 58 - Opinião dos professores se a questão agrária faz parte da realidade dos
nossos alunos da escola...............................................................................................409
Tabela 59 - Quantidade de professores que trabalham a respeito da questão agrária410
Tabela 60 - Dificuldades encontradas para que ocorra a aprendizagem da questão
agrária .........................................................................................................................411
18
Tabela 61 - Informações que os professores possuem a respeito dos movimentos sociais
do campo......................................................................................................................412
Tabela 62 - Quantidade de professores que aprenderam a respeito da questão agrária e
os movimentos sociais em sua formação acadêmica................................................412
Tabela 63 - Opinião dos professores sobre se consideram estar preparados para
trabalhar a respeito da questão agrária em sala de aula........................................414
Tabela 64 - Opinião dos professores sobre se consideram esse conteúdo menos
importante do que os outros conteúdos ensinados, como em língua portuguesa e em
matemática. .................................................................................................................415
Tabela 65 - Opinião dos professores se os educadores das séries/anos iniciais do Ensino
Fundamental devem saber estas questões ................................................................416
Tabela 66 - Resposta dos professores a respeito das revistas que lêem ou jornais que
lêem ou assistem..........................................................................................................417
Tabela 67 - Resposta dos professores se eles confiam nas informações que esses jornais
ou revistas trazem.......................................................................................................418
Tabela 68 - Opinião dos professores a respeito do que esses jornais ou revistas falam
acerca dos movimentos sociais ..................................................................................419
Tabela 69 - Opinião dos professores a respeito do MST (a favor ou contra)................420
Tabela 70 - Respostas dos professores se conheceram a discussão acerca da Educação do
Campo na sua formação acadêmica .........................................................................421
Tabela 71 - Resposta dos professores sobre qual é seu livro didático de geografia
preferido e se este livro traz discussões referentes à questão agrária ...................422
Tabela 72 - Respostas dos professores se sabem a respeito de como o PCN trata a
questão agrária. ..........................................................................................................422
Tabela 73 - Quantidade de professores que aprenderam a respeito dos pressupostos
teórico-metodológicos presentes no PCN de geografia ...........................................423
Tabela 74 - Respostas dos professores se eles leram algum autor da geografia durante
sua formação acadêmica ............................................................................................424
Tabela 75 - O que os professores aprenderam sobre o materialismo histórico e dialético
em sua formação acadêmica ......................................................................................425
Tabela 76 - Respostas dos professores a respeito dos livros do Paulo Freire que leram
durante a formação acadêmica .................................................................................426
Tabela 77 - Opinião dos professores a respeito da função que desempenha a educação
formal na sociedade....................................................................................................427
19
Tabela 78 - Opinião dos professores se a educação formal tem a função de transformar a
sociedade......................................................................................................................428
Tabela 79 - Opinião dos professores se a educação atualmente está sendo reprodutora ou
transformadora...........................................................................................................428
Tabela 80 - Opinião dos professores a respeito das questões respondidas....................430
20
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico - 01 - Soma total da estrutura fundiária do município de Paulicéia................320
Gráfico - 02 - Área ocupada pelas maiores propriedades em Paulicéia........................321
Gráfico - 03 - Número de propriedades em Paulicéia.....................................................322
Gráfico - 04 - Lugar onde moram os alunos da 4ª série C – 2005..................................324
Gráfico - 05 - Lugar onde moram os alunos entrevistados da 4ª série C - 2005...........325
Gráfico - 06 - Resposta dos alunos a respeito de que se gostam ou não do lugar onde
moram..........................................................................................................................326
Gráfico - 07 - Resposta dos alunos a respeito de que se gostam ou não do lugar onde
moram..........................................................................................................................327
Gráfico - 08 - Resposta dos alunos a respeito do lugar onde gostariam de morar.......328
Gráfico - 09 - Resposta dos alunos a respeito do lugar onde gostariam de morar.......328
Gráfico - 10 - Justificativa dos moradores da área rural que querem continuar morando
no campo......................................................................................................................329
Gráfico - 11 - Justificativa dos alunos da área urbana que querem continuar morando
na cidade......................................................................................................................330
Gráfico - 12 -Justificativa dos alunos da área urbana que gostariam de morar na área
rural. ............................................................................................................................331
Gráfico - 13 - Resposta dos alunos a respeito do que pensam sobre o MST.................332
Gráfico - 14 - Resposta dos alunos a respeito do que pensam sobre o MST.................333
Gráfico - 15 - Quantidade de alunos da 4ª série C em 2006............................................337
Gráfico - 16 - Lugar de origem dos alunos do campo na 4ª série C – 2006...................338
Gráfico - 17 - Lugar de origem dos alunos da 4ª série C - 2007 ....................................344
Gráfico - 18 - Lugar de origem dos pais dos alunos da 4ª série C por Estado - 2007...347
Gráfico - 19 - Lugar de origem das mães dos alunos da 4ª C por Estado - 2007..........348
Gráfico - 20 - Curso superior que os professores fizeram ou estão fazendo.................408
Gráfico - 21 - Quantidade de professores que estudaram/estudam em instituições
públicas ou privadas (em porcentagem)...................................................................409
21
Gráfico - 22 - Quantidade de professores que trabalham a respeito da questão agrária e
dos movimentos sociais em sala de aula (em porcentagem) ...................................410
Gráfico - 23 - Quantidade de professores que aprenderam a respeito da questão agrária
e os movimentos sociais em sua formação acadêmica (em porcentagem).............413
Gráfico - 24 - Opinião dos professores sobre se consideram estar preparados para
trabalhar a respeito da questão agrária em sala de aula (em porcentagem)........414
Gráfico - 25 - Quantidade de professores que aprenderam a respeito dos pressupostos
teórico-.........................................................................................................................424
22
LISTA DE ANEXOS
ANEXO 1 - Redação: falando sobre o lugar onde moro (Hélton) ........................ 458
ANEXO 2 – Redação: falando sobre o lugar onde moro (Victor).......................... 458
ANEXO 3 – Redação: falando sobre o lugar onde moro (Stefani) ........................ 459
ANEXO 4 – Redação: falando sobre o lugar onde moro (Joisse) .......................... 460
ANEXO 5 – Redação: falando sobre o lugar onde moro (Leonardo).................... 460
ANEXO 6 - Redação: falando sobre o lugar onde moro (Aline)............................ 461
ANEXO 7 - Redação: falando sobre o lugar onde moro (Tatiane)........................ 461
ANEXO 8 - Redação: falando sobre o lugar onde moro (Marcos) ........................ 462
23
LISTA DE SIGLAS
APEOESP - Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo
CATI - Coordenadoria de Assistência Técnica Integral
CEBs – Comunidades Eclesiais de Base
CEFAM – Centro Específico para a Formação e Aperfeiçoamento do Magistério
CENP – Coordenação de Estudos e Normas Pedagógicas
CEFFAs - Centros de Formação Familiares em Alternância
CFR - Casas Familiares Rurais
CNA – Confederação Nacional da Agricultura
CNBB – Confederação Nacional de Bispos Brasileiros
CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
CPT – Comissão Pastoral da Terra
CUT – Central Única dos Trabalhadores
ECR - Escolas Comunitárias Rurais
EFAs - Escolas Familiares Agrícolas
EMEF – Escola Municipal de Ensino Fundamnetal
FAO – Organização das Nações Unidas para a Agricultura
FETAGRI – Federação dos Trabalhadores na Agricultura
FHC – Fernando Henrique Cardoso
GO - Goiás
GTRA - Grupo de Trabalho e Apoio à Reforma Agrária
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICMS – Imposto de Circulação de Mercadoria e Serviço
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
MEC – Ministério da Educação
MPA – Movimento de Pequenos Agricultores
MS – Mato Grosso do Sul
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
OGMs – Organismo Geneticamente Modificado
OTMs - Organismos Transgeneticamente Modificados
PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais
PDA – Projeto de Desenvolvimento Agrícola
PNRA – Plano Nacional de Reforma Agrária
24
PRONAF – Programa Nacional de Apoio a Agricultura Familiar
PSDB - Partido Social Democrata Brasileiro
PT – Partido dos Trabalhadores
SEE – Secretaria de Estado da Educação
SEF – Secretaria da Educação Fundamental
SINGA – Simpósio Internacional e Nacional de Geografia Agrária
UFMS – Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
UNB – Universidade Nacional de Brasília
Unesco - Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura.
UNESP – Universidade Estadual Paulista
Unicef - Fundo das Nações Unidas para a Infância
USP – Universidade de São Paulo
25
26
1 – INTRODUÇÃO
O século XXI é marcado por muitas mudanças, a principal delas é a
consolidação do processo de globalização que atinge o ser humano, inclusive em suas
subjetividades. O processo de globalização atual é marcado pelo lucro e acúmulo de capital,
visto que a globalização, por meio da evolução da técnica, da ciência e da informação, veio
dar as condições necessárias para a difusão do capital em escala global. Fazendo com que este
período histórico seja o ápice da internacionalização do capital. Esse processo produz um
período histórico diferente de tudo que a humanidade vivenciou, pois, pela primeira vez,
temos relações socioeconômicas unificadas mundialmente (SANTOS, 2001).
Entretanto, acreditamos que ao contrário do que prega a ideologia neoliberal,
esse processo não é irreversível, pois é possível transformar a globalização atual em um
processo não mais centrado no capital, mas centrado no ser humano. Pois, o discurso
ideológico da globalização procura disfarçar que ela vem avigorando a riqueza de uns poucos
e aumentando a pobreza e a miséria de milhões (FREIRE, 1999). Construir uma outra
globalização significa, portanto, uma ruptura com o processo neoliberal de globalização atual,
centralizado na maximização dos lucros e exploração do ser humano pelo capital.
Daí a importância de rompermos com a ideologia fatalista neoliberal que
quer nos impor a existência de uma realidade imutável, desconsiderando a possibilidade e a
necessidade da transformação social. Tentando impedir que os sujeitos sejam
produtores/construtores/transformadores da realidade. Negando, assim, a dialética da
realidade, ou seja, o processo totalitário, dinâmico, desigual e contraditório de
construção/reconstrução da realidade em diferentes tempos e espaços.
Essa ideologia tem o objetivo de opacizar os fatos para que não consigamos
entender a essência da realidade, tentando naturalizar a desigualdade como se fosse produto
de uma entidade metafísica, escondendo o caráter excludente/classista/contraditório das
relações socioespaciais organizadas e condicionadas pelo modo de produção capitalista. Esta
obstacularização para o entendimento da realidade causada pela ideologia cumpre a função de
manter as estruturas sociais vigentes, via procedimentos jurídicos, políticos, religiosos,
educacionais etc.
Por isso, sempre tivemos no Brasil uma educação funcionando como
aparelho ideológico do Estado capitalista, inculcando valores cujo objetivo é reproduzir esta
ideologia fatalista/neoliberal para assim contribuir na manutenção do status quo dos
detentores do poder. A educação ideologicamente produzida no modo de produção capitalista
27
se transforma em mais uma arma que auxilia no processo de dominação e domesticação da
elite com relação aos oprimidos, assegurando a reprodução de nossa sociedade
estratificada/classista. Mantendo a classe subalterna obediente e submissa para vender a sua
mão-de-obra ao capital e, assim, possibilitando que a burguesia continue acumulando capital e
se reproduzindo enquanto classe dominante.
Considerando que parte do processo de conscientização ou não do sujeito
ocorre na escola, à educação e ao ensino da geografia cabe a tarefa fundamental de auxiliar
nesse processo de mudança. Tendo em vista que o processo educativo não é neutro, nossa
posição é de produzir uma ciência e uma educação que seja voltada para a transformação
social, auxiliando os oprimidos em sua luta. Logo, necessidade no processo educativo da
formação da consciência crítica de que nos fala Paulo Freire, que permita ao indivíduo ler a
realidade em sua essência para além do discurso ideológico neoliberal/fatalista dominante.
Para isso, então, precisamos romper com a ideologia neoliberal, e fazer da
prática educativa não mais uma prática reprodutivista e domesticadora atrelada ao poder
dominante, mas fazer de nossa prática uma ação revolucionária/humanizadora/libertadora.
Transformando o processo educativo não mais em um processo de produção/reprodução de
mão-de-obra para o capital, e, sim, um processo que permita a reflexão crítica sobre a
realidade de maneira que o indivíduo possa atuar em sua realidade como um ser ativo no
processo de criação/recriação da realidade.
Desse modo, ao longo do texto, faremos uma apresentação de nossas
reflexões a respeito da nossa concepção de se fazer uma educação transformadora, para a
emancipação das camadas populares. E dentre essas modalidades de educação
transformadora, discutiremos especificamente a Educação do Campo, suas vantagens e
necessidades de aplicação prática para a melhoria da educação e das condições de vida no
campo.
Nessa direção, nossa pesquisa está relacionada com a reflexão acerca da
intencionalidade da prática educativa, tendo em vista que a educação como qualquer outra
prática social, não é neutra. Ou seja, o ser humano como ser sociopolítico produz ações com o
objetivo de romper ou de reforçar o modelo socioeconômico vigente. Daí a necessidade de
assumirmos uma postura contra a sociedade desigual que está em vigência e auxiliar no
processo de ruptura do modo de produção vigente.
Portanto, existe a necessidade de refletirmos a respeito das conseqüências
negativas existentes nas relações entre sociedade e natureza que estão subordinadas ao modo
de produção capitalista. Pois, este modo de produção possui como essência a exploração do
28
trabalho para a produção/reprodução, acúmulo e centralização do capital. Suas conseqüências
podem ser visualizadas no êxodo rural, segregação socioespacial, miserabilidade, fome,
violência, desemprego etc. Logo, a única alternativa viável é a ruptura com as estruturas
estabelecidas.
Entendemos, dessa maneira, a educação como um dos instrumentos capazes
de auxiliar no processo de ruptura com a ordem vigente e de construir juntamente com seus
sujeitos outro modelo socioeconômico, que tenha como princípio fundamental o ser humano,
e não o mercado. Rompendo assim com o processo de alienação/exploração/coisificação do
ser humano inerentes ao modo de produção capitalista.
Por conseguinte, sem defendermos nenhum idealismo ingênuo e simplista da
educação como “única forma para a salvação da humanidade”, ou como “o motor principal da
transformação social” concordamos com Paulo Freire que a educação deve ser um
instrumento de libertação/humanização, auxiliando em uma mudança social. Sendo assim,
essa transformação poderá vir pela emancipação das camadas subalternas, em um processo de
conscientização que ultrapassa os muros da escola. Portanto, estamos baseados na crença de
que os sujeitos são agentes construtores da realidade e que esta realidade é parte de um
movimento dialético, construído historicamente a partir das possibilidades, na qual, a
educação se encontra inserida juntamente com outras instâncias sociais.
Buscamos, neste sentido, repensar a prática educativa e o ensino da
geografia hoje, a fim de construirmos uma educação que ofereça a oportunidade de o
educando ter a sua realidade inserida em sala de aula e que sua vivência participe do processo
educativo. Pois, a educação é um processo inerente ao ser humano que ultrapassa os muros da
escola, por isso a realidade do aluno deve ser inserida em sala de aula.
Logo, a necessidade de se reterritorializar o saber no campo, ou seja,
produzir o conhecimento numa perspectiva condizente com a produção territorial camponesa,
ou seja, a partir da “lógica camponesa”, para que eles sejam os sujeitos da produção de seu
território e de sua educação. Possibilitando assim, aos sujeitos do campo
geografar/territorializar e temporalizar/historicizar as relações socioespaciais, uma vez que
este se torna agente ativo do processo de construção de sua realidade.
É por isso que está sendo construída a Educação do Campo, uma educação
revolucionária, que tem a finalidade de reterritorializar o conhecimento, trazendo a cidadania
aos habitantes da área rural. Pois, a educação nunca foi construída de maneira dialógica com
os habitantes do campo. Assim, é alto o número de analfabetos na área rural, pois nunca
houve realmente uma política pública direcionada a atender as necessidades educacionais dos
29
moradores do espaço rural. A ideologia dominante cristalizou a posição de que para os
habitantes do campo “qualquer coisa estava de bom tamanho”.
A elite detentora do poder, principalmente no campo, sempre impôs desde a
colonização do Brasil, o discurso ideológico de que aprender a ler e a escrever para os
camponeses seria inútil e desnecessário. Dessa forma, pensar, ler, escrever e refletir seria
somente necessário aos habitantes do espaço urbano. Desde a colonização do Brasil vivemos
uma educação manipulada pelas elites, cujo único interesse é de continuar se perpetuando no
poder, reproduzindo a desigualdade social.
As formas reprodutoras de educação fizeram com que todo esse tempo se
produzisse uma educação voltada para preparar pessoas úteis ao modelo de produção
industrial urbano, ou seja, mão-de-obra barata na cidade. Nessa concepção, a educação rural
não teria utilidade para o sistema capitalista. E, dessa maneira, essa elite dominante sempre
quis nos fazer pensar que o camponês não precisa de escola, que para mexer” com a terra
não precisa saber ler e escrever, e nem pensar e refletir.
A educação rural até então sempre apresentou a cidade e o agronegócio como
sinônimos de desenvolvimento/modernidade, construído pelos “vencedores” e a agricultura
camponesa como arcaica, inútil e em vias de extinção. Essa posição influenciou o êxodo rural
e perpetuou a lógica de que ou os moradores do campo vão para cidade estudar, ou então,
estudam no campo para ir morar na cidade.
A Educação do Campo é construída junto com seus sujeitos e a partir de suas
necessidades. Produzindo-se, assim, um conhecimento dialogicamente com “os de baixo”,
numa concepção de libertação e resistência. Tentando superar as condições precárias
educacionais, nas quais se encontram os habitantes do campo, na atualidade. Buscando
romper com a domesticação e a submissão até então presentes na educação rural.
Por isso, a Educação do Campo tem origem nos problemas enfrentados pelos
camponeses e, conseqüentemente, na busca de soluções por parte dos movimentos sociais do
campo, impedindo que o capitalismo destrua o campesinato ou mantenha-os a margem da
sociedade. Possuímos uma realidade, hoje, de total exclusão social dos moradores do campo,
onde a prioridade dada ao agronegócio latifundiário exportador tem levado ao aumento da
pobreza das populações rurais. Logo, a Educação do Campo busca auxiliar no processo de
luta contra a territorialização do capital no campo e contra a sujeição da renda camponesa ao
capital, que lhes impõe a miserabilidade.
Sendo assim, a Educação do Campo forma um conjunto de procedimentos
socioeducativos que objetivam a resistência política e cultural camponesa frente às tentativas
30
de sua destruição por parte do capital, principalmente, na forma do agronegócio. Por isso,
cumpre seu objetivo de formação educacional em conjunto com os movimentos sociais, daí
sua concepção revolucionária, pois a construção de uma Educação Emancipatória não pode
ser feita isoladamente.
Tem como uma de suas metas, formarem trabalhadores/moradores do campo
comprometidos com as causas coletivas de nossa sociedade, que possam ser militantes dos
movimentos sociais. Desenvolvendo um processo de luta contra o capital, principalmente na
forma do agronegócio latifundiário, que expropria os camponeses e todos os povos do campo
ou os mantém sob a subordinação de sua renda.
Como a marginalização dos habitantes do campo está intrinsecamente
relacionada com a questão agrária no Brasil, necessário se faz ao se refletir acerca da
Educação do Campo entender como se dão as relações capitalistas no campo brasileiro e
como essas relações foram produzidas historicamente. Bem como refletir o modo como se
deu a concentração fundiária existente atualmente no Brasil.
Possuímos uma concentração fundiária que tem origem no Brasil colonial,
primeiramente com as sesmarias e depois com lei de terras de 1850, que concentrou a terra na
mão de poucos e negou o acesso da população oprimida à terra. Esse quadro determinou que
tivéssemos na atualidade a segunda maior concentração fundiária do mundo.
O resultado do fato de termos “poucos com muita terra e muitos com pouca
terra” (OLIVEIRA, 2003), ou até mesmo muitos sem nenhum pedaço de terra, produz uma
sociedade com permanentes conflitos, seja no campo ou na cidade. Pois, a concentração
fundiária gera êxodo rural que, por sua vez, causa o desemprego, subemprego, segregação
socioespacial, favelização, violência, criminalidade etc.
Nessa concentração fundiária é que se instala o agronegócio no Brasil, ou
seja, o agronegócio foi à forma encontrada pelo capitalismo para se desenvolver no campo
sem precisar fazer a reforma agrária. Pois, atualmente os grandes proprietários de terra são os
capitalistas, os mesmos que detêm o capital financeiro, industrial e comercial, por isso são
capitalistas proprietários de terra.
Para entendermos as transformações atuais no campo nacional, temos que
relacioná-las a um contexto de internacionalização da economia do Brasil num mundo
capitalista globalizado. Isto quer dizer que atualmente os grandes grupos econômicos
nacionais e, sobretudo, internacionais, comandam a exploração de nossos recursos naturais
visando à exportação. Ou seja, produzimos para as nações desenvolvidas consumirem,
principalmente no setor de grãos e, crescentemente, no setor agroenergético.
31
Essa relação entre monocultura e latifúndio tem formado uma combinação
impactante socioambientalmente. Tendo como principais culturas a cana, a soja e o eucalipto.
Os agroecossistemas simplificados do agronegócio requerem a utilização cada vez maior de
agroquímicos, além das sementes transgeneticamente modificadas, para combater pragas e
garantir a produtividade, ocasionando grandes impactos a nossa sociobiodiversidade.
Destacamos a produção de impactos socioambientais e destruição da
sociobiodiversidade por parte do agronegócio, porque além da destruição ambiental o
agronegócio interrompe o processo humano de produção da cultura popular, pois
des(re)territorializa os sujeitos produtores desta cultura no campo. Nos territórios onde o
agronegócio se territorializou, são os territórios onde não existe a produção da cultura popular
que a agri-cultura camponesa propicia como as festas juninas que comemoram
tradicionalmente as colheitas. Pois, o agri-negócio não produz cultura, somente capital, por
isso que não existem festas populares onde o capital se territorializou (GONÇALVES, 2004).
Logo, o agronegócio é predador da sociobiodiversidade.
Estamos no início de uma nova fase do agronegócio no Brasil, a dos
agrocombustíveis. Devido à mudança da matriz energética mundial, com a queda crescente do
uso do petróleo, os agrocombustíveis têm sido a matéria–prima energética substitutiva. O
Brasil, enquanto país tropical tem sido um dos maiores produtores mundiais, principalmente
da cana-de-açúcar. Essa combinação monocultura-agrocombustíveis-latifúndio, além da
exclusão/expropriação dos povos do campo, e dos danos ambientais, tem sido um dos
causadadores do encarecimento de alimentos, atingindo as populações com menos recursos
financeiros.
O agronegócio latifundiário/exportador tem sido considerado como símbolo
da modernidade no campo, mas esconde, por trás da aparência moderna, a barbárie da
exclusão social e expropriação dos povos do campo que sua concentração de terra e de renda
provoca. Por isso, defendemos a agricultura camponesa e a dos povos tradicionais do campo
por entender que eles possuem uma relação de equilíbrio com a natureza fruto de sua prática
da policultura orgânica, e porque estes entendem a produção de alimentos como requisito
principal.
O agronegócio quando invade o campo expropriando o campesinato e
proletarizando-o significa a efetivação do processo de territorialização do capital monopolista
no campo (OLIVEIRA, 1999; 2004). Isso ocorre quando proprietário da indústria e
proprietário da terra é a mesma pessoa, ou mesmo grupo empresarial. Mas, a territorialização
do capital no campo, isto é, quando o camponês é expulso para a cidade, faz com que
32
aumente a força de sua luta pelo retorno, a fim de se reterritorializar novamente, produzindo
um território camponês através dos assentamentos.
Mas nem sempre o capital precisa, necessariamente, se territorializar no
campo, podendo também ocorrer à monopolização do território pelo capital monopolista
(OLIVEIRA, 1999; 2004). Esse processo ocorre quando o capital não se territorializa, ou seja,
os camponeses continuam sendo os proprietários da sua terra, e da força de trabalho, mas
possuem a sua renda subordinada ao capital, pois são obrigados a vender o produto de seu
trabalho ao capital. Outras formas de extração da renda camponesa pelo capital são por meio
de empréstimos bancários e na compra de insumos agrícolas. Logo, a extração da renda
camponesa pode ser feita pelo capital industrial, financeiro e comercial.
A sujeição da renda camponesa ao capital permite a reprodução do
campesinato paralela à reprodução do capital. Esse processo é possível porque o capitalismo é
contraditório e desigual, por isso necessita de formas não-capitalistas, como o campesinato,
para a reprodução de capital. Pois isso garante, por exemplo, uma contenção de custos do
capitalista com relação à contratação de mão-de-obra.
Esta tese distingue-se, diametralmente, das teses marxistas-leninistas-
Kautskyanas que entendem o campesinato como uma classe condenada à extinção, pois para
estes no processo evolutivo do capitalismo só teríamos duas classes antagônicas: capitalistas e
assalariados. Segundo essas teses o campesinato estaria condenado a proletarização ou, no
melhor dos casos, ao aburguesamento se tornando um capitalista proprietário de terra.
Outra condição essencial que as teses que pregam a extinção do campesinato
não levam em conta é a capacidade de luta dos sujeitos. Luta esta que acompanhamos no
Brasil onde o campesinato se recria por meio da luta (ALMEIDA, 2006). Os camponeses
expropriados lutam para retornarem ao campo por meio dos movimentos sociais do campo,
principalmente o MST que possui um projeto de construção de uma nova sociedade justa e
democrática, onde os camponeses são sujeitos ativos importantes nessa transformação e o
meros espectadores passivos frente às tentativas de sua destruição por meio do capitalismo na
forma de agronegócio latifundiário. E o MST inclui a Educação do Campo como projeto
fundamental para atingir seus objetivos.
Os camponeses também lutam na terra contra o capital a fim de manterem-se
enquanto classe. Pois, entendem que família, trabalho e terra são partes indivisíveis do seu
processo de reprodução. Entendem que o trabalho tem que ser autônomo e não subordinado
ao capital. Dessa maneira, entendemos o campesinato como uma classe que está em
movimento, pois luta para reproduzir-se enquanto tal. Formando uma classe ambígua, pois
33
são ao mesmo tempo proprietários de terra e trabalhadores (ALMEIDA, 2006). Mas isto não
impede sua luta contra o capital pela manutenção da “terra de trabalho” e contra a sujeição de
sua renda ao capital.
Por isso, o MST apresenta uma luta contra o capital, é a luta da classe
camponesa pela/na terra em busca de seu processo de recriação e de reprodução. Pois, existe a
luta contra a territorialização do capital no campo que expropria o campesinato, e a luta contra
a monopolização do capital no campo, que subordina a renda camponesa lhe impondo um
estado de miserabilidade. Daí, a necessidade de pensarmos que a reforma agrária tem que ser
uma luta contra o capital. E o MST o faz por meio de suas estratégias de espacialização como
as romarias, os acampamentos, ocupações etc.; e por meio de territorialização da luta, nos
assentamentos, reivindicando terra e melhores condições de sobrevivência, melhoria da
qualidade e especificidade da educação etc.
Pensando na necessidade de se reterritorializar o saber aos moradores do
campo, e mais especificamente à classe camponesa, a geografia, enquanto disciplina, precisa
estar diretamente relacionada com o espaço produzido pelo camponês para ser uma disciplina
capaz de compreender a realidade camponesa e produzir seu conhecimento a partir dessa
realidade. Por isso, precisamos fazer uma geografia que entenda e atenda as necessidades do
morador da área rural, e que valorize o seu conhecimento popular, numa perspectiva
relacional com o conhecimento científico.
A geografia enquanto disciplina que estuda a sociedade através das relações
socioespaciais e da territorialização produzida por nossa sociedade capitalista, cabe um papel
singular no auxílio para a transformação social. o a geografia, mas também as outras
ciências que estão na educação formal como disciplina escolar devem instrumentalizar os
alunos para que possam pensar criticamente a realidade possibilitando um processo de
mudança social, ou seja, a geografia escolar deve desenvolver no aluno a capacidade de
observar, analisar, interpretar e pensar/refletir/indagar criticamente sobre a realidade com o
objetivo de fomentar uma ação transformadora sobre essa realidade (OLIVEIRA, 1994a).
O conhecimento da geografia para a classe subalterna deve servir para que
sejam capazes de perceber as formas de opressão na qual estão sendo submetidos, e quem são
os responsáveis por essa exploração (BATISTA, 1995). Tendo em vista que a geografia deve
se destinar a transformar a realidade, e não explicá-la. Rompendo, com a característica de
neutralidade presente no processo educativo, assumindo uma posição de classe, direcionando
o educando a perceber as conseqüências negativas à humanidade produzidas pelo modo de
produção capitalista.
34
O espaço geográfico é uma totalidade dinâmica/contraditória produzida nesse
processo material de produção/reprodução do capital mediada pela super-estrutura, ou seja, os
poderes simbólicos, políticos, ideológicos, jurídicos etc. Por estarmos em uma sociedade de
classes, o espaço geográfico refletirá a natureza classista dessa sociedade, bem como sua
forma de produção e o consumo dos bens materiais. Neste caso, o espaço geográfico no modo
de produção capitalista se transforma em um espaço de reprodução do capital.
Por isso, defendemos a geografia escolar sob os pressupostos teóricos e
metodológicos do materialismo histórico e dialético. Visto que este método é revolucionário,
pois permite entender a realidade como uma totalidade em constante movimento de
transformação, onde o processo de produção/reprodução socioespacial e territorial se fazem
historicamente pelas classes que compõem a sociedade por meio das relações de trabalho
entre sociedade e natureza. Produção esta que, por sua vez, se encontra subordinada a um
processo desigual e contraditório do modo de produção capitalista.
Este paradigma entende a necessidade e a possibilidade de ruptura com
modelo socioeconômico vigente por meio da participação ativa dos sujeitos
oprimidos/explorados que compõe a sociedade. A necessidade dessa ruptura com o modelo
vigente se faz devido à coisificação/alienação/exploração do ser humano decorrente do modo
de produção capitalista e de sua sociedade estratificada. Daí a necessidade de luta por uma
sociedade mais justa e igualitária construída a partir dos movimentos sociais e de um projeto
de ensino de geografia e de educação emancipatórios.
Expomos nossas considerações a respeito da possibilidade de construção de
uma Geografia Crítica no Ensino Fundamental baseada nos pressupostos teórico-
metodológicos do materialismo histórico dialético. Nesta perspectiva, discutimos os avanços e
retrocessos dos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) e suas implicações teórico-
metodológicas. Tendo em vista que este documento faz críticas e rompe teoricamente, de
maneira contraditória, com o materialismo histórico e dialético.
Respondemos as críticas negativas feitas ao marxismo pelos PCNs, pois são
superficiais e tendenciosas, uma vez que discute apenas o marxismo Mecanicista/Vulgar.
Com isso, demonstram seu comprometimento com a reprodução ideológica do modelo
neoliberal. O ecletismo teórico-metodológico adotado pelos autores do documento demonstra
uma imprecisão com relação à interpretação da realidade que gera uma confusão de
entendimento a respeito da ciência geográfica e de seu objetivo enquanto disciplina escolar.
O subjetivismo extremo adotado pelo documento retira da explicação acerca
da construção do espaço geográfico, as relações de poder, as relações socioeconômicas e as
35
relações de trabalho. Desconsiderando as contradições inerentes ao modo de produção
capitalista e sua sociedade estratificada. Estabelecendo uma explicação da sociedade como se
fosse construída com igualdade e harmonia e não houvesse condicionantes estruturais que
interferem nas ações individuais e coletivas. Dessa maneira, acaba entendendo a realidade
apenas na sua aparência, não buscando romper com a ideologia neoliberal que mantém a
reprodução da exploração/alienação/coisificação do ser humano. Sendo assim, impossível de
fomentar um processo transformador da realidade, pois não entende a necessidade da
mudança e a educação como instrumento auxiliar nesta ruptura.
Concordamos com o Construtivismo enquanto concepção teórico-
metodológica que rompe com o positivismo/empirismo no processo de ensino-aprendizagem
e concebe o educando como sujeito ativo nesse processo. Porém, o Construtivismo não
superou o discurso de neutralidade do processo educativo. Por isso, necessitamos da
conscientização política e da opção de classe feita pela Pedagogia Libertadora Freireana.
O Construtivismo não trata das relações socioeconômicas entre sociedade e
educação, logo é incompleto para fomentar isoladamente um processo libertador por meio da
educação. Desse modo um projeto educativo, somente construtivista não está diretamente
relacionado à construção de um processo educativo libertador, ou seja, um projeto antagônico
ao projeto reacionário/conservador/reprodutor/domesticador/neoliberal atual.
Nessa direção, a fim de auxiliarmos no processo de construção de outra
prática educativa, ou seja, de outra geografia escolar, e de uma Educação do Campo, se faz
necessário conhecermos quem são os sujeitos-estudantes do campo que estão no Ensino
Fundamental, e qual é a sua realidade, ou seja, precisamos entender a realidade desses
estudantes-camponeses. Porque é de suma importância que os próprios sujeitos se expressem
dizendo como é sua vida cotidiana, e descrevendo como é o lugar em que eles moram.
Por isso, por meio do desenvolvimento em sala de aula de atividades de
produção de texto, através de entrevista oral e de um questionário estruturado, os alunos da
série, da escola EMEF Raquiel Jane Miranda, nos anos de 2005, 2006 e 2007, falam de sua
vida e do lugar onde moram. Vamos por meio destas falas tentar entender quem são os
educandos do campo e o que pensam a respeito de onde moram. Buscamos refletir a respeito
dessas falas, principalmente a partir das concepções desenvolvidas por Carlos Rodrigues
Brandão (1999) acerca do estudante-camponês e, também, a partir de outros autores que
discutem o campesinato enquanto produção familiar que resiste ao capitalismo.
Para que possamos construir uma educação que entenda os sujeitos do campo
e suas especificidades, vamos conhecer as falas desses sujeitos-estudantes, pensando no tripé
36
trabalho, lazer e escola que faz parte da vida desses estudantes. Essas são as três faces
principais que envolvem o processo de reprodução material e simbólica do camponês-
estudante. Vamos conhecer também alguns trabalhos produzidos por estes alunos em sala de
aula que expressam a sua opinião e a sua realidade.
Característica inerente a esses estudantes-camponeses é a vivência do
trabalho familiar, pois terra, trabalho e família constituem outro tripé, o da composição da
produção camponesa. Isto quer dizer que esses estudantes são ao mesmo tempo estudantes e
trabalhadores. O trabalho familiar constitui tarefas cotidianas cuja obrigação avança
proporcionalmente com a idade. Esse trabalho familiar tem característica socioeducativa e de
subsistência obrigatória.
As ações dos camponeses-estudantes estão sempre relacionadas ao seu
território de vida, ou seja, estão relacionadas aos animais que vivem juntos no dia-a-dia, aos
córregos, as plantações, ou mesmo, ao seu trabalho diário, onde ajudam seus pais nas tarefas
diárias. Mostrando, dessa forma, estarem inseridos em relações que são bem diferentes das
que vivenciam os alunos da cidade. É esse universo dos alunos que vamos procurar
compreender a partir de suas próprias falas. Suas atividades de lazer também se misturam ao
trabalho familiar, não existindo uma separação rígida entre trabalho e lazer como ocorre na
cidade. O lazer no campo envolve os animais da propriedade, os vizinhos e os passeios pela
redondeza, onde ocorre a visita a córregos, para nadar ou pescar, além das próprias atividades
de trabalho familiar.
Partindo das reivindicações dos movimentos sociais e de todos os teóricos
envolvidos nessa discussão de Educação do Campo sobre a necessidade de se ter cursos
preparatórios aos professores acerca da Educação do Campo refletirmos a partir da opinião
dos professores das séries/anos iniciais do Ensino Fundamental a respeito da questão agrária,
da Educação do Campo e do ensino de geografia. Esta investigação tem como pressuposto
que os professores são peças fundamentais para a construção de um processo educativo
transformador.
Com o questionário semi-estruturado, objetivamos apreender se o professor,
que não tem uma formação específica para trabalhar com os alunos da área rural, conseguiu
durante seu curso universitário e na Educação Continuada entender a complexidade das
relações construídas no campo e as especificidades dessas relações estabelecidas pelos seus
sujeitos, tendo em vista a construção de uma educação adequada aos mesmos. Também
buscamos entender qual é o envolvimento que o professor das séries/anos iniciais do Ensino
Fundamental, formado em pedagogia e/ou magistério, tem com o conhecimento geográfico.
37
Veremos que os próprios professores admitem estar despreparados para
entender a complexidade da questão agrária e para trabalhá-la em sala de aula, pois não
tiveram uma formação inicial e continuada que trabalhasse com esta questão de maneira
plena. Também não tiveram uma formação específica para trabalhar com os alunos do campo,
por isso desconhecem a discussão a respeito da Educação do Campo e a essência dos
movimentos sociais, pois possuem, em sua maioria, como fonte de análise as informações da
mídia hegemônica a respeito do assunto, desconhecendo o referencial bibliográfico que trata a
questão em sua essência.
Quanto à geografia escolar a maioria tem como base principal de
entendimento os PCNs e, por isso, não tem envolvimento com o materialismo histórico e
dialético, comprometendo a formação crítica do educando, pois este documento com o seu
ecletismo teórico-metodológico confuso e o seu envolvimento com neoliberalismo, não é
capaz de propiciar um entendimento crítico ao professor a respeito das relações socioespaciais
Todavia, não podemos condenar os professores por causa de seu despreparo,
pois os professores, na maioria dos casos, são um produto de um processo excludente onde
tiveram uma formação na Educação Básica e, conseqüentemente, no Ensino Superior
precárias, tem uma remuneração baixa e uma carga de trabalho exorbitante que não permite o
seu aprimoramento e a produção de pesquisa, situação que acaba produzindo uma separação
entre docente e pesquisador. Este quadro torna os professores vulneráveis à ideologia
dominante, encontrando vasta dificuldade em compreender a essência da realidade.
Enfim, confirmamos nossa posição de que é necessário produzir ciência e
trabalhar com educação e ensino de geografia para a transformação social, a fim de questionar
a desigualdade e opressão existente na essência do modo de produção capitalista.
Combatendo, dessa maneira, o discurso neoliberal que naturaliza a opressão e a desigualdade
produzida em nossa sociedade classista. Deste modo, concordamos com Oliveira que “[...] uns
fazem da ciência instrumento de ascensão social e envolvimento político, outros procuram
colocar o conhecimento científico a serviço da transformação e da justiça social”. (1999,
p.64).
38
2 - PERSPECTIVAS PARA OS ESTUDOS DA QUESTÃO AGRÁRIA NO BRASIL
NO SÉCULO XXI: O AGRONEGÓCIO VERSUS A AGRICULTURA CAMPONESA
Malditas sejam
Todas as cercas!
Malditas todas as
propriedades privadas
que nos privam
de viver e de amar!
Malditas sejam todas as leis,
amanhadas por poucas mãos
para ampararem cercas e bois
e fazer da terra, escrava
e escravos os humanos!
Dom Pedro Casaldáliga
Neste início de século, parece ser este o grande nó: insistir no
economicismo, na viabilidade econômica dos assentamentos ou assumir o
caráter de classe da Reforma Agrária, isto é, o enfrentamento entre terra
de trabalho (camponeses) versus terra de negócio (capitalistas). Caso o
caminho seja a primeira opção, deixaremos de questionar a estrutura do
poder, isto é, a ruptura do pacto terra-capital, fazendo a Reforma Agrária
do Estado que combina o arcaico e o moderno, por conseguinte, agradando
a elite fundiária pela possibilidade que cria de ser justa, lenta e com prévia
indenização. (ALMEIDA, 2003, p.78).
2.1 - Concentração fundiária: um problema histórico brasileiro
Morte e vida Severina
Essa cova em que estás,
com palmos medida,
é a cota menor
que tiraste em vida.
- é de bom tamanho,
nem largo nem fundo,
é a parte que te cabe
neste latifúndio.
- Não é cova grande.
é cova medida,
é a terras querias
ver dividida.
- é uma cova grande
para teu pouco defunto,
mas estarás mais ancho
que estavas no mundo.
39
- é uma cova grande
para teu defunto parco,
porem, mais que mundo
te sentirás largo.
- é uma cova grande
para atua carne pouca,
mas a terra dada
não se abre a boca.
João Cabral de Melo Neto.
Reforma agrária já! (um século atrás)
Precisamos combater o regime capitalista na agricultura, dividir a
propriedade agrícola, dar a propriedade da terra ao que efetivamente cava
a terra e não ao doutor vagabundo e parasita, que vive na ‘casa grande’ ou
no Rio ou em São Paulo. é tempo de fazermos isso e é isso que eu
chamaria o problema vital.
Lima Barreto apud Mylton Severiano, 2008
2
Possuímos uma concentração fundiária responsável pela desumana realidade
na qual estão submetidos os moradores do campo no Brasil. De maneira sintética, podemos
considerar a situação dos camponeses brasileiros da seguinte forma:
[...] Uma grande massa de lavradores, que conta exclusivamente com o
trabalho da família e que corresponde a mais de 70% das unidades de
produção existentes, ou ocupa a terra sem garantias e direitos assegurados
(como é o caso dos posseiros), ou terra insuficiente para trabalhar em
condições dignas [...]. (MARTINS, 1991, p.13).
Todavia, apesar da concentração fundiária promovida pelo agronegócio ser
um problema bem atual, essa problemática tem que ser entendida historicamente, ou seja,
temos que pensar a respeito de quais foram às condições criadas para que fosse possível a
concentração fundiária no Brasil, que é a segunda maior do mundo perdendo apenas para os
latifundiários brasileiros que “invadiram” o Paraguai.
Neste sentido, temos uma concentração fundiária que se inicia no Brasil
colonial, ou seja, as capitanias hereditárias foram a primeira forma de distribuição de terras no
2
Lima Barreto (1881-1922), escritor brasileiro, havia escrito a um século atrás a respeito da concentração
fundiária brasileira e ainda hoje sua reflexão continua atual.
40
Brasil. Dessa maneira, a elite brasileira/portuguesa desde o início optou por concentrar terras
no Brasil, visto que eram entregues aos integrantes da nobreza grandes extensões de terra.
Logo, é nesse período que se tem o início da concentração fundiária no Brasil. Esses
donatários poderiam deixar essas terras como herança e, ainda, distribuí-las em parcelas a
outros membros da elite que pudessem explorá-las, gerando assim lucros e tributos à coroa
portuguesa, eram as chamadas sesmarias
3
. Confirmando nossa afirmativa, Stedile explica:
A primeira forma de distribuição da terra foi o sistema de capitanias
hereditárias, pelo qual a Coroa destinava grandes extensões de terra a
donatários, que eram sempre membros da nobreza portuguesa ou prestadores
de serviços á Coroa. Em troca de favores e de tributos, eles recebiam essas
concessões, obrigando-se a explorá-las e, sobretudo, á protegê-las, tendo
ainda o direito de deixar para seus herdeiros essas terras. Os donatários
tinham o direito de repartir e distribuir parcelas de sua capitania, que eram
chamadas de Sesmarias entregues aqueles que, além de interesse,
apresentassem recursos para explorá-las. Isso implicava produzir gêneros
comercializáveis, gerando tributos e, conseqüentemente, lucros para a Coroa.
(1998, p. 09).
Esse período é encerrado com a Lei de Terras de 1850 decretada por D.
Pedro II, cujo objetivo era manter os privilégios da elite, que na época eram os senhores
escravocratas. Ou seja, dando um preço a terra, restringe-se o acesso a ela e, mantinha-se a
classe de ex-escravos e imigrantes europeus subordinadas como mão-de-obra, pois não
conseguindo adquirir um pedaço de terra continuariam dependentes desta elite.
O contexto histórico em que essa Lei é formulada vem a calhar com a
crise na Europa, crise esta responsável pela expropriação e exclusão camponesa. Desta
forma, a vinda destes imigrantes ao Brasil resolveria, parcialmente, o problema dos dois
países. A partir dessa lei a terra, no Brasil, se torna mercadoria capitalizada, com isso esses
imigrantes passaram a ter a ilusão de que conseguiriam adquirir um pedaço de terra para se
reproduzirem como camponeses. Nesta perspectiva, Stedile explica que:
[...] percebendo a inevitabilidade da libertação dos escravos, a Coroa tratou de
legislar o processo de posse, para que o acesso á terra fosse mais restrito,
assegurando a disponibilidade de mão-de-obra, já que os escravos libertos
deveriam permanecer nas fazendas como trabalhadores assalariados. Nessa
mesma época, na Europa, a tensão social agravava-se em decorrência da crise
verificada, sobretudo no campo, onde crescia o número de camponeses pobres
3
“Sesmaria – Nome dado ao lote de terra que as autoridades portuguesas davam a pessoas para que as
cultivassem. Variavam de meia légua a 20 léguas quadradas. Geralmente a gua de sesmaria possui 6.600
metros”. (ALMEIDA, 2004, p. 2).
41
ou miseráveis compelidos a emigrar para a América, o que resolveria
parcialmente os problemas sociais naqueles países. Mas esses camponeses
europeus tinham já uma tradição de propriedade da terra e dificilmente seriam
atraídos para a América para se tornarem assalariados rurais. Foi dentro desse
contexto que dom Pedro II promulgou a Lei n°. 601, de 18 de setembro de
1850, conhecida como a primeira Lei de Terras, que definiu a forma como
seria constituída a propriedade privada no Brasil. Essa lei determinava que
somente poderia ser considerado proprietário da terra quem legalizasse sua
propriedade nos cartórios, pagando certa quantidade para a Coroa. (1998, p.
10-11).
Nesta direção, podemos perceber que o Brasil, durante toda sua história,
sempre foi controlado por uma aristocrática rural que utilizou seu poder econômico e político
para garantir que a distribuição da terra não fosse feita de maneira igualitária, concentrando
grandes extensões de terras nas mãos de uma minoria. E com a lei de terras de 1850, essa
realidade se torna, assim, cada vez mais desigual.
Portanto, sempre houve uma luta de classes que marcou o campo brasileiro.
Essa luta de classes histórica no campo brasileiro pode ser resumida da seguinte forma:
tínhamos uma relação de senhores latifundiários e escravos, no período colonial e imperial;
depois, no período republicano, a relação era entre senhores latifundiários (coronéis) e os
camponeses; e, hoje, temos os latifundiários do agronegócio e os camponeses. Por isso, para
Nascimento, as relações sempre foram construídas a partir de uma visão unilateral entre o
urbano-rural, entre o senhor (proprietário) e o escravo, criando uma forte dependência de
classes, ou seja, os camponeses/as na dependência dos coronéis ligados ao ruralismo
brasileiro”. (2003, p. 3).
Podemos afirmar que no Brasil possuímos uma questão agrária ainda longe
de solução. O Brasil é o quinto país do mundo em extensão territorial, logo, o problema de
acesso a terra não era para existir dentro do espaço brasileiro. No entanto, não é isso que
verificamos analisando a nossa estrutura fundiária, via dados oficiais do INCRA. De nossa
área territorial total de 850,2 milhões de hectares, temos 170,0 milhões de terras devolutas, ou
seja, terras que deveriam pertencer ao Estado e a União, e poderiam, assim, ser utilizadas para
a reforma agrária. Entretanto, todo esse espaço está sendo ocupado e, em grande parte,
ilegalmente, logo que existem latifundiários com propriedades maiores do que seus títulos
alegam oficialmente. Segundo Oliveira, o Brasil tem:
[...] uma área territorial de 850,2 milhões de hectares. Desta área total, as
unidades de conservação ambiental ocupavam no final do ano de 2003,
aproximadamente 102,1 milhões de hectares, as terras indígenas 128,5
42
milhões de hectares, e área total dos imóveis cadastrados no INCRA
aproximadamente 420,4 milhões de hectares. Portanto, a soma total destas
áreas um total de 651,0 milhões de hectares, o que quer dizer que ainda no
Brasil aproximadamente 199,2 milhões de hectares de terras devolutas. Ou
seja, terras que podem ser consideradas a luz do direito, como terras públicas
pertencentes aos Estados e a União. Mesmo se retirarmos 29,2 milhões dessa
área ocupada pelas águas territoriais internas, áreas urbanas e ocupadas por
rodovias, e posses que de fato deveriam ser regularizadas, ainda restam 170,0
milhões de hectares. Essas terras devolutas, portanto, públicas, estão em todos
os Estados do país. Entretanto, [...] não terra sem que alguém tenha
colocado uma cerca e dito que é sua. Assim, os que se dizem “proprietários”
estão ocupando ilegalmente estas terras. Ou seja, suas propriedades têm
provavelmente, uma área maior do que os títulos legais indicam. [...]. (2004,
p. 126-127).
Diante dessa problemática, a situação se torna ainda mais absurda quando as
informações atestam que existem latifúndios do tamanho de alguns estados brasileiros. Por
isso, Oliveira nos afirma que no Brasil estão os maiores latifúndios registrados na história
da humanidade. Sendo que “nem os senhores feudais conseguiram concentrar em suas mãos
essa quantidade de terras”. (informação verbal)
4
.
[...] no Brasil estão os maiores latifúndios
5
que a história da humanidade
registrou. A soma das 27 maiores propriedades existentes no país atinge uma
superfície igual a aquela ocupada pelo Estado de São Paulo, e a soma das 300
maiores atinge uma área igual á de São Paulo e do Paraná. Por exemplo, uma
das maiores propriedades, aquela de Jarí S/A que fica parte no Pará e parte no
Amapá, tem uma área superior ao estado de Sergipe. (OLIVEIRA, 2004, p.
126-127).
Segundo dados do INCRA de agosto de 2003: “[...] enquanto mais de 2,4
milhões de imóveis (57,6%) ocupavam 6% da área (26,7milhões de hectares), menos de 70
mil imóveis (1,7%) ocupavam uma área igual a pouco menos que a metade da área cadastrada
no INCRA, mais de 183 milhões de hectares (43,8%)”. (OLIVEIRA, 2004, p.127).
Analisando a estrutura fundiária
6
brasileira, podemos resumi-la em uma
frase: “[...] muitos tem pouca terra e poucos têm muita terra [...]”. (OLIVEIRA, 2004, p. 127,
grifo do autor). Ou, ainda, complementar essa análise acrescentando que “[...] cerca de 1%
4
Palestra proferida pelo professor Ariovaldo de Oliveira em Três Lagoas, 2006.
5
“Latifúndio É a grande propriedade. Temos latifúndio por exploração e o latifúndio por dimensão. Diz-se
que o latifúndio é improdutivo (latifúndio por exploração) quando sua área é mal explorada ou totalmente
inexplorada”. (ALMEIDA, 2004, p. 1).
6
“Estrutura Fundiária Corresponde à forma de acesso à propriedade da terra e a explicação da distribuição da
propriedade, sendo seu estudo de grande importância, porque dela vai depender a melhor compreensão da
estrutura agrária e dos fatores que presidem a formação da morfologia agrária”. (ALMEIDA, 2004, p.1).
43
dos proprietários [e/ou empresas] detém 46% de todas as terras do país. [...]”. (MAURO;
PERICÁS, 2001, p. 70). E, logo, o resultado dessa estrutura é a reprodução de uma sociedade
em permanente conflito (MAURO; PERICÁS, 2001).
2.2 - A questão agrária no modo de produção capitalista
Entendemos que a questão agrária não pode ser concebida externa ao
contexto das relações capitalistas de produção. Sendo que essas relações se constroem em sua
plenitude, de maneira especificamente capitalista, a partir do momento em que ocorre o
apartamento entre o trabalhador e os meios de produção, pois isto o torna dependente do
salário pago pelo capitalista para sobreviver.
As relações capitalistas de produção são relações baseadas no processo de
separação dos trabalhadores do meio de produção, ou seja, os trabalhadores
devem aparecer no mercado como trabalhadores livres de toda a propriedade,
exceto de sua própria força de trabalho [...]. (OLIVEIRA, 1986, p.61).
É dessa forma que o trabalhador acaba sendo expropriado dos meios de
produção. Pois, a liberdade acentuada no discurso capitalista é uma ideologia que busca a
expropriação dos trabalhadores de seus meios de produção. Dito de outra maneira: “[...] esse
processo, chamado pela ideologia capitalista de liberdade, assenta no processo de
expropriação dos meios de produção dos trabalhadores, ocorrido em período histórico
imediatamente anterior”. (OLIVEIRA, 1986, p.61). Assim sendo, essa ideologia segue uma
lógica que é a de que: “[...] pessoas livres e iguais podem ter um contrato. Um contrato de
compra e venda da força de trabalho [...]”. (OLIVEIRA, 1986, p.61).
Dessa relação de expropriação surgem, então, duas classes antagônicas: de
um lado a burguesia que detém os meios de produção e, logo, o capital e, do outro lado os
proletários expropriados dos meios de produção. E, por isso, estes últimos são donos apenas
de sua força de trabalho e, como não detém o capital, necessitam do trabalho para sobreviver.
Dito outra forma, essa relação gera duas classes sociais: “[...] o proprietário dos meios de
produção e os proprietários da força de trabalho. Agentes que são sociais, antes de serem
individuais”. (OLIVEIRA, 1997, p.61).
Gerando, assim, uma relação de interdependência entre os seres humanos.
Relação essa contraditória e desigual, pois é uma relação de submissão e de exploração.
Existe uma produção coletiva e uma apropriação privada do produto do trabalho dos seres
44
humanos, por isso não é uma relação de cooperação, onde as relações são coletivizadas como
no modo de produção primitivo. É, portanto, uma relação de exploradores (capitalistas) e
explorados (trabalhadores).
Podemos afirmar, de maneira sintética, que devido à grande importância
dado ao valor de troca, onde tudo ou quase tudo acaba se tornando mercadoria, o capitalismo
criou a sociedade do valor de troca ou da mercadoria. Nessa relação, todas as pessoas estão
inclusas numa rede de relações e, portanto, de interdependência, onde sua posição social, ou
seja, o “lugar” que você ocupa na hierarquia social, acaba por condicionar ou é condicionada
pelo lugar que outras pessoas ocupam nessa hierarquia social. Neste sentido, Martins nos
afirma que, ao mesmo tempo em que somos individualmente livres, nunca o seremos
totalmente, pois dependemos de relações que estabelecemos com outras pessoas de diferentes
hierarquias, por isso, essa é uma contradição própria de nossa sociedade capitalista. Em suas
palavras:
No capitalismo, é pessoa quem troca, que tem o que trocar e tem liberdade
para fazê-lo. A condição humana, a condição de pessoa, específica dessa
sociedade, surge da mediação das relações de troca: uma pessoa somente
existe por intermédio de outra. Essa é uma contradição própria do capitalismo,
para entrar em relação de troca, cada um tem que ser cada um,
individualizado, livre e igual a todos os outros, ao mesmo tempo, cada um
nunca é cada um, porque a existência da pessoa depende totalmente de todas
as outras pessoas, das relações que cada um estabelece com os outros. Cada
pessoa se cria na pessoa do outro. (MARTINS apud OLIVEIRA, 1986, p.61).
Dentro dessa relação capitalista, de desigualdade e interdependência,
podemos concluir que “[...] o capitalista ganha e o trabalhador perde [...]”. (OLIVEIRA, 1986,
p.61). Visto que o trabalhador ganha pelo seu trabalho um salário que é apenas “[...] o que
precisa para reproduzir-se como trabalhador, ou seja, para que ele continue trabalhador, e
assim continue também vendendo sua força de trabalho para o capitalista”. (OLIVEIRA,
1986, p.61). Pois, se os trabalhadores ganhassem o suficiente para se tornarem, também,
donos dos meios de produção, romper-se-ia, assim, a lógica de dominação por parte do
capitalista. O que, obviamente, não é interessante para a burguesia.
Desta maneira, temos que analisar a agricultura nacional sempre no interior
de um contexto de subordinação das relações capitalistas de produção. Nesse caso, necessário
se faz entender o funcionamento do modo de produção capitalista. Neste sentido, podemos a
45
partir de Marx reconhecer as características principais que sustentam sua reprodução, ou seja,
quais são as relações que estão na essência desse modelo socioeconômico.
Dentre as principais características, podemos destacar: a exploração do
trabalhador assalariado, por parte da burguesia que detém os meios de produção, a fim de
produzir a mais-valia; a necessidade de um exército de reserva para manter um controle
salarial e evitar o desenvolvimento de direitos trabalhistas; a transformação do produto do
trabalho em mercadorias com valor de troca; e, a transformação da força de trabalho em
mercadoria. Neste sentido, Gorender nos afirma:
Eu defino o que é capitalismo seguindo aquele que me inspira e que não
tenho receio de declarar, que é Marx. Defino o capitalismo como modo de
produção em que operários assalariados, despossuídos de meios de
produção e juridicamente livres, produzem mais-valia; em que a força de
trabalho se converte em mercadoria, cuja oferta e demanda se processam
nas condições da existência de um exército industrial de reserva; em que os
bens de produção assumem a forma de capital, isto é, não de mero
patrimônio, mas de capital, de propriedade privada destinada à produção
ampliada sob a forma de valor, não de valor de uso, mas de valor que se
destina ao mercado. [...]. (2002, p.16).
Por isso, no modo de produção capitalista, a agricultura é mais um setor
econômico com potencialidade para (re)produção do capital. Neste sentido, não importa ao
capitalismo a reprodução material e simbólica de seus sujeitos, mas a quantidade de produção
a ser transformada em mercadoria após a venda e, também, a transformação do dinheiro em
capital. Entretanto, existe uma diferença (que o capitalismo não consegue superar) entre a
agricultura e os outros ramos produtivos da economia, esta diferença é a terra. Pois, esta se
trata de um recurso natural, portanto incapaz de ser produzido industrialmente, ou seja, a terra
não é transformada em mercadoria pelo trabalho humano, mas, sim, por uma questão jurídica
capitalista.
[...] Com referência ao modo de produção capitalista, a agricultura se
incorpora ao sistema econômico como um dos seus ramos industriais. No
modo de produção capitalista constituído, a agricultura não é simplesmente
agricultura, ela é também um ramo industrial como siderurgia, a tecelagem,
o ramo mecânico, como o ramo químico ou qualquer outro. Mas, se isso
acontece, uma peculiaridade que na agricultura é impossível de eliminar,
que é o problema da terra, uma vez que esta constitui um recurso limitado e
insubstituível. [...]. (GORENDER, 2002, p.17).
46
Percebemos, no contexto de relações capitalistas, um avanço da
industrialização no campo, é a agroindústria que quer transformar o camponês em proletário.
Esse processo, que é o resultado da internacionalização do capital, permitiu a oportunidade,
aos capitalistas/proprietários de terra, a apropriação da renda capitalista da terra. Ou seja, a
terra se torna uma mercadoria e a produção a partir dela também. Produção esta que se
vendida para a apropriação da mais-valia por parte do capitalista. Corroborando neste sentido,
Oliveira escreve:
No campo esse processo está igualmente marcado pela industrialização
agrícola, ou seja, pelo desenvolvimento da agricultura capitalista que abriu a
possibilidade histórica aos proprietários de terra ou aos
capitalistas/proprietários de terra para a apropriação da renda capitalista da
terra na sua forma diferencial e/ou absoluta. Está marcado, pois, pelo
processo de territorialização do capital, sobretudo dos monopólios.
(OLIVEIRA, 1999, p.76-77).
Neste sentido, a questão agrária está intrinsecamente relacionada com a
transformação da terra em mercadoria pelo modo capitalista de produção. Por isso, existe a
diferença entre “terra de negócio” e “terra de trabalho”, ou seja, quando “[...] o capital se
apropria da terra, esta se transforma em terra de negócio, em terra de exploração do trabalho
alheio; quando o trabalhador se apossa da terra, ela se transforma em terra de trabalho”.
(OLIVEIRA, 1986, p.113).
Logo, temos de um lado o trabalhador camponês, que produz sua vida e sua
cultura na terra de trabalho e, do outro lado, temos o agronegócio latifundiário que, com a
posse da terra de negócio, expropria o camponês e destrói a sua cultura. Gerando a
desigualdade social e colocando em risco a soberania alimentar. Este é, pois, o retrato do
capital que procura se desenvolver em sua plenitude no campo.
2.2.1 - A terra como mercadoria
É notório, tanto por parte dos teóricos da geografia urbana como para os
teóricos da geografia agrária, que a questão da terra como mercadoria é um ponto
fundamental na discussão da desigualdade social. Tendo em vista que nos países capitalistas,
a terra é uma mercadoria e a sua acumulação propicia o acúmulo de riquezas. Por isso, hoje,
os recursos naturais como: terra, água e ar, foram transformados em mercadoria pelo sistema
capitalista, por exemplo, as áreas com menor poluição e com abastecimento de água possuem
47
um maior valor de troca. Logo, a posse da terra é definida não pela necessidade de cada um,
mas pela capacidade de compra de cada um, por isso a elite burguesa detém a maior parte das
terras no Brasil. Isto quer dizer que na economia capitalista tudo se torna mercadoria, até
mesmo a terra. O preço do aluguel ou da compra de propriedades não é determinado pelo fato
de ser um bem indispensável à vida, mas pelo fato de ser propriedade de alguns homens e não
ser de outros (SPOSITO, 1989, p.74). Ou seja, no capitalismo, a terra é sempre definida como
terra de negócio e nunca como terra de trabalho.
Entretanto, na concepção marxista, e da maioria das correntes teóricas,
mercadoria é tudo aquilo que necessita do trabalho humano para ser produzido. Nesse sentido,
a terra não pode ser mercadoria, mas apenas um recurso natural. Ou seja, o trabalho na terra
origem a produções humanas, que é a natureza humanizada, como as edificações ou os
fixos, que nos fala Milton Santos. Ou ainda, produzem os frutos da terra, como na agricultura,
que são produtos do trabalho humano. Mas a terra continua sendo um recurso natural, isto é,
não pode ser produzida pelo trabalho humano.
A terra é um bem natural, não pode ser reproduzida, não pode ser criada
pelo trabalho. Quando alguém trabalha na terra, não é para produzir a terra,
mas sim o fruto da terra, ou então as edificações sobre a terra. O fruto da
terra, as edificações sobre a terra são produtos do trabalho, mas a própria
terra não é. (RODRIGUES, 1990, p.16).
No entanto, o tempo passa e a terra continua sendo reserva de valor. E o seu
preço normalmente tende a aumentar, por isso quem pode pagar a possui. Tendo em vista
que o trabalho estabelece valor às mercadorias, o preço da terra vai poder ser decidido
juridicamente ou pelo mercado econômico através do “jogo capitalista” de oferta e procura.
Podemos dizer, então, que a terra tem preço, mas não tem valor, por isso o capitalismo,
ideologicamente/juridicamente, forja um valor de troca à terra, que é inexistente, pois não
existe produção de terra, mas, sim, produção simbólica de preços a terra, por meio da
economia de mercado.
um consenso, aceito sem a menor contestação por todas as correntes de
pensamento: o trabalho cria valor. A terra é uma mercadoria que tem
preço, que é vendida no mercado, e que não é reproduzível, ou seja, tem um
preço que independe de sua produção. É uma mercadoria sem valor, no
sentido de que seu preço não é definido pelo trabalho na sua produção, mas
pelo estatuto jurídico da propriedade da terra, pela capacidade de pagar dos
seus possíveis compradores. (RODRIGUES, 1990, p.17).
48
Partindo desta afirmação de que o preço da terra é forjado ideologicamente
pelo sistema jurídico do Estado capitalista, vamos resgatar historicamente como esse processo
se deu. Como havíamos descrito anteriormente, a primeira lei que regulamentou a posse da
terra no Brasil foi a Lei de Sesmarias”, que fornecia o direito ao rei na atribuição das
doações para uma pessoa que tivesse condições de produzir na terra, ganhando, assim, poder
político e administrativo. Essa lei vigorou até 1822. Desta data até 1850 a ocupação passou a
ser sem controle, ou seja, por meio de invasão. Esse período é encerrado com a Lei de Terras
de 1850, decretada por D. Pedro II. É quando então a terra no Brasil transforma-se em
mercadoria, o objetivo dessa lei era manter os privilégios da elite rural que na época eram os
senhores escravocratas. A partir dessa data a terra se torna mercadoria capitalizada.
Desse modo, a terra passa a ter um preço exatamente para que haja a
reprodução da força de trabalho, ou seja, impedindo o acesso das camadas subalternas aos
meios de produção, justamente num período de ascensão do modo de produção capitalista no
Brasil. Em outras palavras: “[...] o preço da terra se define originalmente como uma forma de
impedir, no momento histórico da ascensão do capitalismo no Brasil, o acesso do trabalhador
sem recursos à terra: ‘Este momento refere-se à passagem do escravismo ao trabalho livre’.
[...]”. (RODRIGUES, 1990, p.18).
O imigrante e o ex-escravo, dessa forma, não teriam acesso aos meios de
produção. A partir desse momento a terra passa a ter um preço para que se torne, portanto,
inacessível ao trabalhador e dominada pela aristocracia rural. Dito de outra forma: “[...] a terra
tornou-se uma mercadoria do modo de produção capitalista. Uma mercadoria que tem um
preço, só acessível a uma determinada classe”. (RODRIGUES, 1990, p.18).
Este acontecimento histórico marcará até hoje a questão agrária no Brasil,
pois, se oficializa, a partir de então, a propriedade privada da terra e é dado início ao acúmulo
de terra como reserva de valor. Começa-se, portanto, a definir quem são os donos da terra, ou
seja, qual é a classe social que terá acesso a ela. Criam-se, dessa maneira, valores de troca
diferenciados no espaço (renda diferencial), sendo que apenas as pessoas que tem maior poder
aquisitivo acabam se beneficiando desses espaços valorizados. Ou seja, é o poder jurídico
legitimando a desigualdade de distribuição de terras. Ou para usar a expressão de Nascimento,
é o “poder de direito”, utilizado em benefício dos latifundiários, que forja um valor
econômico e social a terra, legitimando legalmente a propriedade privada da terra. Nesta
perspectiva, Rodrigues nos afirma:
49
Com a lei 601 de setembro de 1850, conhecida como a lei das terras,
quem podia pagar era reconhecido como proprietário juridicamente definido
em lei. Além do valor moral, a propriedade como ocorria anteriormente -
tinha também valor econômico e social. O capitalismo se desenvolveu e
impôs politicamente o reconhecimento da propriedade privada da terra.
(1990, p.17, grifo nosso).
Reafirmamos que por não ter sido produzida com trabalho humano, a terra
tem um preço, mas não tem valor. A terra, no capitalismo, gera o que chamamos de renda
capitalizada da terra, ou seja, é o tributo cobrado pelo capitalista, que detém a posse da terra,
para utilização dela como meio de produção. Este fato gera a grilagem
7
, que é uma forma de
conseguir a posse da terra sem ter que pagar por ela, na maioria das vezes, à custa de um
violento conflito rural, onde, o camponês acaba perdendo, sendo até mesmo assassinado à
mando dos capangas do grileiro. Vejamos a explicação de Oliveira:
No capitalismo, a terra, transformada também em mercadoria, tem um preço,
mas não tem valor, porque não é produto criado pelo trabalho humano. A
propriedade capitalista da terra é renda capitalizada; é direito de se apoderar
de uma renda, que é uma fração da mais-valia social e, portanto, pagamento
subtraído da sociedade em geral. Isso ocorre devido ao fato de que uma classe
detém a propriedade privada da terra e permite a sua utilização como meio
de produção (arrendada ou não), através cobrança de um tributo: a renda
capitalista de terra. É por isso que, sob o capitalismo, a compra da terra é
compra de renda antecipada. Quando estamos diante da grilagem de terras,
esse processo revela seu verdadeiro caráter: o caminho “gratuito” do acesso à
renda, do acesso ao direito antecipado de obter o pagamento da renda, sem
mesmo ter sequer pago para poder auferi-la. (OLIVEIRA, 1986, p.61).
Neste sentido, são os proprietários de terra que vivem da renda fundiária, seja
ela urbana ou rural. A renda fundiária significa o tributo pago pela sociedade ao proprietário
da terra para que ela seja posta em circulação. Dito de outra maneira: “[...] a origem da renda
fundiária reside no fato de que um grupo de pessoas detém a propriedade do solo em
detrimento do restante da sociedade que, por sua vez, necessita pagar um tributo para que essa
terra seja disponibilizada para a produção”. (ALMEIDA, 2003, p.80). Ou ainda nas palavras
de Marx: “[...] o apropriar-se da renda é a forma econômica em que se realiza a propriedade
fundiária, e a renda fundiária supõe propriedade fundiária, que determinados indivíduos sejam
proprietários de determinadas parcelas do globo terrestre”. (apud ALMEIDA, 2003, p.80).
Nesta direção, Almeida vai nos dizer que a terra se torna um equivalente de
capital ou equivalente de mercadoria porque apesar da terra não poder ser um capital, pois
7
“Grilo - área de terra apossada de terceiros de maneira fraudulenta ou pela força”. (ALMEIDA, 2004, p.2).
50
esta não é produzida pelo trabalho, o capital se apropria da terra a partir do pagamento de um
tributo, que é a renda. Sendo que esta renda não é transferida ao proprietário no momento da
produção, mas sim na circulação, ou seja, no momento da venda das mercadorias juntamente
com o processo de extração da mais-valia. Isto é o que denominamos de renda capitalista da
terra.
[...] da mesma forma que o capital se apropria do trabalho, que também não
é fruto do trabalho (não tem valor), ele consegue se apropriar da terra,
mediante o pagamento de um tributo, a renda. A apropriação capitalista da
terra vai transformá-la em equivalente de capital, tornando possível a
subordinação do trabalho agrícola. A renda que será paga ao proprietário da
terra não nasce na produção, ela somente será transferida a ele no momento
da distribuição da mais-valia, considerando que é na produção que mais-
valia é originada, mas é somente na circulação da mercadoria que ela se
realiza. Martins (1981, p. 169) consegue desvendar a origem do pagamento
da renda da terra: ela é paga pela sociedade. (ALMEIDA, 2003, p. 81).
No capitalismo, a terra está sempre se valorizando, mas não pode ser
considerada como mercadoria ou capital, porque não passa pela atividade produtiva. Sendo
considerada, por isso, como um “falso capital” ou um “equivalente de capital”. Porque seu
valor de troca regula-se no mercado, devido à monopolização de seu acesso, ou seja, a partir
da lógica mercadológica de oferta e demanda: “quanto menor a quantidade do produto no
mercado para vender, maior valor esse produto alcançará”. Logo, a terra se valoriza, mesmo
sem o trabalho ou mesmo sem o seu uso, pois está inserida no “jogo capitalista” da
propriedade privada da terra e, por isso, apesar de ser um bem essencial à vida, torna-se
escasso e acessível apenas para alguns. Corroborando com nossa análise, Rodrigues explica
que:
A terra é um equivalente de mercadoria ou um equivalente de capital. A
valorização do capital dinheiro aplicado em terra está relacionada à
“valorização” média do capital em geral. A terra é um equivalente de capital
em geral. A terra é um equivalente de capital, porque se “valoriza” sem
trabalho, sem uso. Para produzir renda o ter e o usar não estão juntos. Pauta-
se nas regras de valorização do jogo capitalista, que se fundamenta na
propriedade privada. Mas, é uma falsa mercadoria e um falso capital. É um
valor que se valoriza pela monopolização do acesso a um bem necessário à
sobrevivência e tornado escasso e caro pela propriedade. (1990, p.17).
Dessa maneira, percebemos que a questão agrária está intrinsecamente
relacionada com a transformação da terra em mercadoria pelo modo capitalista de produção,
ou seja, está relacionada à transformação da terra de trabalho em terra de negócio. Logo,
51
somos favoráveis à reforma agrária, por uma terra de trabalho, ou seja, a favor da terra como
valor de uso e não com valor de troca como ocorre atualmente, onde a terra serve para reserva
de valor ao latifundiário capitalista e/ou para exploração do trabalho alheio.
2.2.2 O processo de monopolização do capital e a territorialização do capital
monopolista no campo
Entendemos que a produção/reprodução do território não se faz de maneira
isolada das relações capitalistas de produção, ou seja, produção/reprodução ampliada do
capital. Logo, se faz necessário entender essas relações para entendermos os processos e as
transformações territoriais que permeiam o campo na atualidade. Sabemos que essas relações
são responsáveis pelas desigualdades entre frações de uma mesma formação territorial. Nesta
direção, de acordo com Oliveira, o desenvolvimento capitalista segue sua lógica de
desenvolvimento gerada pela produção/reprodução do capital, circulação, valorização do
capital, reprodução da força de trabalho e de um exército de reserva. Essa é a gica de
construção/desconstrução de formações territoriais em todo o mundo, que faz com que essas
formações territoriais sejam desiguais, com relação à produção e reprodução do capital. Essa
lógica mundializada do capital é combinada e desigual, por isso o capital se mundializou,
porém ela convive contraditoriamente com uma lógica nacional como explica Oliveira:
A lógica do desenvolvimento do modo capitalista de produção é, pois,
gerada pelo processo de produção propriamente dito (reprodução
ampliada/extração da mais-valia/produção do capital/extração da renda da
terra), circulação, valorização do capital e a reprodução da força de
trabalho. É essa lógica contraditória que constrói/destrói formações
territoriais em diferentes partes do mundo ou faz com que frações de uma
mesma formação territorial conheçam dinâmicas desiguais de valorização,
produção e reprodução do capital, conformando as regiões. Trabalhamos,
pois, com o princípio contraditório de que, ao mesmo tempo em que o
capital se mundializou, mundializando o território capitalista, a terra se
nacionalizou. É, pois, também dessa contradição que nasce a possibilidade
histórica do entendimento das diferentes e desiguais formações territoriais e
das regiões como territorialidades concretas, totalidades históricas, portanto,
da espacialização contraditória do capital (produção/reprodução ampliada) e
suas articulações com a propriedade fundiária, ou seja, a terra. Assim, volto
a insistir que o capital é na sua essência internacional, porém a lógica que
envolve a terra é na essência nacional. (2004, p. 41).
O campo atualmente, devido à internacionalização da economia, é marcado
pelo processo de industrialização e de implantação do agronegócio, isso quer dizer que foi o
52
“[...] desenvolvimento da agricultura capitalista que abriu a possibilidade histórica aos
proprietários de terra ou aos capitalistas/proprietários de terra para a apropriação da renda
capitalista da terra na sua forma diferencial e/ou absoluta [...]”. (OLIVEIRA, 1999a, p. 76).
Esse fenômeno está marcado pelo processo de “territorialização do capital monopolista” ou
de monopolização do território pelo capital monopolista”. A existência desses dois
processos se deve ao fato que “[...] o capital não transforma de uma vez todas as formas de
produção em produção ditadas pelo lucro capitalista. O desenvolvimento do capitalismo se faz
de forma desigual e contraditória”. (OLIVEIRA, 1999a, p. 76).
Quando ocorre a territorialização do capital monopolista, o camponês é
expropriado e tende a proletarizar-se, pois nesse caso, o capitalismo, em seu processo de
produção/reprodução ampliada do capital, se desenvolve de forma plena. Por isso, o capital
destrói o processo de produção/reprodução territorial camponesa, pois estes são expropriados
e obrigados a tornarem-se assalariados urbanos ou rurais, ou seja, os bóias-frias. Nesse
processo, o capitalista é o proprietário industrial e o proprietário latifundiário ao mesmo
tempo, por isso extrai concomitantemente o lucro da produção industrial e agrícola e a renda
da terra gerada dessa produção agrícola. É nessa lógica que se instala o agronegócio,
caracterizando a paisagem do campo com a lógica da produção agrícola do capital
mundializado, ou seja, um mar de monocultura. Em outras palavras, quando ocorre o processo
de territorialização do capital monopolista...
[...] ele [o capital] varre do campo os trabalhadores, concentrando-os nas
cidades, quer para serem trabalhadores da indústria, comércio ou serviço,
quer para serem trabalhadores assalariados no campo (bóias-frias). Nesse
caso o processo especificamente capitalista se instala, a reprodução
ampliada do capital desenvolve-se em sua plenitude. O
capitalista/proprietário da terra embolsa simultaneamente o lucro da
atividade industrial e da agrícola (cultura da cana, por exemplo) e a renda da
terra gerada por esta atividade agrícola. A monocultura se implanta e
define/caracteriza o campo, transformando a terra num mar” de cana, de
soja, de laranja, de pastagens etc. (OLIVEIRA, 2004, p. 42).
Entretanto, quando ocorre à monopolização do território pelo capital
monopolista, o capitalista se utiliza do camponês para acumular e reproduzir seu capital.
Nesse caso, o camponês não é expropriado, mas sua renda fica subordinada ao capital, sendo
obrigado a repassar o produto do seu trabalho para o capitalista. No entanto, neste processo,
ele consegue se reproduzir enquanto camponês, pois ocorre uma redefinição das relações
camponesas de produção pelo capital. Portanto, o camponês continua existindo e se
53
reproduzindo material e simbolicamente enquanto classe social. Em última instância este
processo impede o êxodo rural e a expropriação camponesa, possibilitando uma melhor
distribuição de renda
8
. Ou seja,
[...] quando o capital monopoliza o território, ele cria, recria, redefine
relações de produção camponesa, portanto familiar. Ele abre espaço para
que a produção camponesa se desenvolva e com ela o campesinato como
classe social. O campo continua povoado e a população rural pode até se
expandir. Nesse caso, o desenvolvimento do trabalho no campo pode
possibilitar, simultaneamente, a distribuição da riqueza na área rural e nas
cidades, que nem sempre são grandes. (OLIVEIRA, 2004, p. 42).
O capital se territorializa, apropriando–se de grandes propriedades, em
setores econômicos onde a renda é alta como a soja, a pecuária de corte e, principalmente na
atualidade, os agrocombustíveis. Mas nos setores alimentícios de baixo custo, o capital
apenas monopoliza o território para extrair uma parcela da renda camponesa da terra. Neste
sentido, Martins nos explica:
[...] o capital tem se apropriado diretamente de grandes propriedades ou
promovido a sua formação em setores econômicos do campo em que a
renda da terra é alta, como no caso da cana, da soja, da pecuária de corte.
Onde a renda é baixa, como no caso dos setores de alimentos para o
consumo interno generalizado [...] o capital não se torna proprietário de
terra, mas cria condições para extrair o excedente econômico, ou seja,
especificamente renda onde ela aparentemente não existe. (apud
ALMEIDA; PAULINO, 2000, p. 122).
Nessa concepção, podemos sintetizar o conflito territorial, capital X
campesinato, da seguinte maneira: a territorialização do capital é a antítese da territorialização
camponesa. Ou seja, para o campesinato se reproduzir enquanto classe se faz necessário que o
capitalismo não se reproduza no campo em sua plenitude, ou seja, não se territorialize. Visto
que a territorialização do capital no campo desterritorializa (des-re-territorializa
9
) o camponês
8 Mas a monopolização do capital no campo, apesar de permitir que o campesinato continue se reproduzindo,
traz a subordinação da renda camponesa fazendo com que o camponês se reproduza numa situação precária, daí
a necessidade ruptura com o capital.
9
Des-re-territorialização é um conceito utilizado por Porto-Gonçalves ([200?]) e por Rogério Haesbaert (2002;
2006), para explicar o processo de desterritorialização e, conseqüentemente, a automática reterritorialização,
tendo em vista que ninguém vive sem estar territorializado, ou seja, a territorialização é uma característica
inerente ao ser humano e a sociedade. (vamos explicar esse assunto no capítulo 4).
54
enquanto classe, que terá que se “(re)territorializar precariamente
10
enquanto assalariado,
desempregado e/ou segregado socioespacial, ou ainda Sem Terra ou Sem Teto. Destituindo-
se, assim, de sua condição de classe
11
. Dito de outra maneira:
A territorialização do capital significa a desterritorialização do
campesinato e vice e versa. [...]. No interior do processo de territorialização
do capital há a criação, destruição e recriação do trabalho familiar. Da
desterritorialização do campesinato produzem-se o trabalho assalariado e o
capitalista. [...]. (FERNANDES, 2000, p. 281).
Dessa forma, podemos explicar o espaço agrário contemporâneo, a partir da
análise geográfica/territorial, através dos processos de “[...] territorialização do monopólio e a
monopolização do território [...]”. (OLIVEIRA, 2004, p. 43). Esses processos “[...] estão se
constituindo em instrumento de explicação geográfica para as transformações territoriais do
campo”. (OLIVEIRA, 2004, p. 43).
2.3 - O campo na internacionalização da economia do Brasil: a barbárie moderna do
agronegócio versus a reforma agrária
Nosso período histórico está, intrinsecamente, relacionado com o processo de
globalização que atinge a todos em maior ou menor grau, transformando esse período
histórico em um período diferente de tudo que foi vivenciado pela humanidade. Este fato
caracteriza a singularidade de nosso período histórico, pois a globalização é um processo que
chega a influenciar desde o nível econômico até mesmo a subjetividade humana.
Estamos, portanto, diante de uma realidade onde “[...] o capitalismo
monopolista mundializado adquiriu novos padrões de acumulação e exploração, e é essa nova
feição que muitos chamaram de modernidade, pós-modernidade etc. [...]”. (OLIVEIRA, 2004,
p. 27).
10
“Precariamente territorializados” e “precariamente incluídos” são conceitos utilizados por Rogério Haesbaert
para explicar que os grupos humanos que estão à margem do sistema estão, ainda assim, territorializados e
incluídos, pois essas relações estão sendo construídas no interior desse sistema e de um território. Por isso, os
Sem Terra estariam precariamente territorializados, daí a luta pela territorialização plena. Em suas palavras: “[...]
territórios precários que abrigam sem-tetos, sem terras e os tantos grupos minoritários que parecem não ter lugar
numa des-ordem de ‘aglomerados humanos’”. (HAESBAERT, 2006, p.17). (vamos explicar esse assunto no
capitulo 4).
11
Destituição de sua classe não significa, segundo Klass Woortmann (1990), perda de suas
subjetividades/qualidades, que o autor denomina de “campesinidade”. Pois, essas características podem manter-
se vivas mesmo nos assalariados da cidade.
55
Neste sentido, a partir, principalmente, da revolução verde, ocorrem
mudanças no mundo rural que atingem a sociedade como um todo, pois o espaço é uma
totalidade. Com essas mudanças agrava-se a exclusão social, dando mostras de se tratar de um
modelo insustentável, visto que o modelo neoliberal aplicado ao campo brasileiro intensificou
a exclusão social e os danos à biodiversidade:
O mundo rural passou a ser subordinado a um novo e insustentável padrão
de consumo, de caráter eminentemente urbano definindo pelas variações do
mercado. O modelo neoliberal agrava e acentua aspectos negativos e amplia
danos à biodiversidade como a exclusão social, o extermínio das políticas
sociais essenciais à produção, população, a desigualdade de gênero e a falta
de perspectivas para jovens e pessoas da terceira idade. (WIZNIEWSKY;
LUCAS, [200?], p. 2).
Esse modelo de desenvolvimento, que causa exclusão social no campo,
desencadeia os grandes problemas dos centros urbanos como a violência, a conurbação, o
desemprego etc., que marcam as sociedades atuais, definindo assim a relação intrínseca entre
o rural e o urbano:
Os rumos atuais do desenvolvimento brasileiro vêm acentuando o intenso
processo de exclusão social, característico da natureza histórica das
estruturas econômica e social do país. As altas taxas de desemprego,
miséria, violência e marginalidade dos grandes e médios centros urbanos
apontam para a exclusão, cada vez maior, de parcelas da população [...].
(WIZNIEWSKY; LUCAS, [200?], p. 2).
Nesta perspectiva, temos uma realidade brasileira que é marcada pela
desigualdade e exploração. E, por sua vez, de acordo com Oliveira, temos que entender essas
questões de maneira plena, num contexto de internacionalização da economia do Brasil num
mundo capitalista globalizado. Isto quer dizer que, hoje, os grandes grupos econômicos -
nacionais e, sobretudo, internacionais - comandam a exploração de nossos recursos naturais
visando à exportação. Esta lógica, por sua vez, é justificada pelos governantes e pelas elites
como sendo necessária para o pagamento da dívida externa que, entretanto, é impagável. Ou
seja, o trabalhador brasileiro vende sua força de trabalho para que as nações desenvolvidas se
apropriem de nossos recursos naturais. Dito de outra maneira:
A sociedade se move, se agita. Os grandes grupos econômicos vão
implantando seus grandes projetos de exploração/expropriação das riquezas
naturais do país. E em nome do “exportar é o que importa”, a riqueza
56
produzida no Brasil não tem conseguido pagar a impagável vida externa
que estes mesmos trabalhadores não fizeram.
O lugar do Brasil no contexto do capitalismo monopolista se redefiniu,
redefinindo o lugar internacional do trabalho dos trabalhadores brasileiros.
O país produz para as nações avançadas consumirem. E objetivando
produzir para exportar, o país endividou-se e foi endividado. A lógica da
dívida não é e é, ao mesmo tempo, nacional. A economia brasileira
internacionalizou-se, mundializou-se no seio do capitalismo mundial.
(OLIVEIRA, 1994b, p.136).
Devido ao processo de internacionalização da economia temos uma maior
atenção e apoio ao agronegócio, se tornando a prioridade econômica e política por ser,
segundo o discurso ideológico da nossa elite, modernizador do campo brasileiro. Entretanto,
o que essa aparência esconde é a concentração de terra e renda que, por sua vez, produz a
exclusão social no campo brasileiro. Confirmando essa análise, Balduíno (2004, p. 23) afirma
que o agronegócio é “[...] portador de divisas, modernizador, aglutinador de uma elite rica,
porém, ao mesmo tempo, concentrador de renda e de terra e gerador de pobreza na população
do campo”. Em outras palavras o agronegócio é ao mesmo tempo: “Barbárie e Modernidade”
(OLIVEIRA, 2003).
Sempre houve a opção por parte do Estado capitalista brasileiro de beneficiar
ao agronegócio latifundiário, priorizando os produtos destinados a exportação ao invés da
produção de alimentos para a população. Corroborando com essa análise, Gorender nos
afirma:
Está claro que semelhante impulso ao desenvolvimento capitalista é feito
pelo Estado de maneira rigorosamente discriminatória, beneficia os grandes
proprietários, prioridade aos produtos de exportação e à pecuária bovina
de corte, privilegia certas regiões política e economicamente mais
poderosas. (2002, p.37).
No modelo de agronegócio latifundiário exportador brasileiro, temos toda a
produção de grãos e de produtos energéticos destinados à exportação. Logo, a produção de
alimentos para o mercado nacional, que teria que ter a atenção especial, acaba ficando
comprometida. Dito de outra maneira “[...] todo o setor de grãos e de produtos energéticos,
como a cana
12
, são basicamente destinados à exportação. O Brasil poderia comer o dobro do
12
Mais especificamente o produto produzido a partir da cana-de-açúcar é que é destinada a exportação, no caso,
o álcool/etanol.
57
que está comendo se não vendesse para o exterior a sua produção agropecuária. [...]”.
(STEDILE, 2002, p. 316).
Nesse contexto de globalização capitalista, podemos considerar que o
agronegócio foi à forma encontrada pelo capitalismo para se desenvolver no campo sem
precisar fazer a reforma agrária. Notamos que os detentores do capital industrial, financeiro e
comercial urbano são os donos do agronegócio no campo: “[...] hoje as grandes propriedades
rurais brasileiras estão nas mãos de grandes grupos econômicos que operam em várias áreas,
como banco, comércio, indústria
13
[...]”. (STEDILE, 2002, p. 316).
Nesta direção, segundo Stedile, a forma capitalista de desenvolvimento no
campo brasileiro foi auxiliada pela concentração de terras existentes aqui desde as
capitanias hereditárias. Este fato possibilitou um desenvolvimento mais rápido do
agronegócio, pois permitiu a produção de monocultura em larga escala. Em suas palavras:
[...] o capitalismo [que] se desenvolveu na agricultura brasileira nas últimas
duas décadas avançou de tal maneira que a grande propriedade, o latifúndio,
em vez de ser um empecilho para o desenvolvimento do capitalismo, ao
contrário, possibilitou que o capitalismo se desenvolvesse de uma maneira
mais rápida e mais concentrada. (2002, p. 313).
Por isso, a idéia, muitas vezes difundida, de que a concentração fundiária é
um empecilho para o desenvolvimento do capitalismo no campo, é equivocada
14
. Logo, a
reforma agrária não é uma necessidade para a maioria das frações da burguesia brasileira
15
,
13
[...] hoje o maior projeto de laranja que existe em São Paulo, que nem começou a produzir, é do Grupo
Votorantin, [...]. A Votorantin tem fábrica de cimento, tem banco, tem fábrica de computador, fábrica de fax,
fabrica “o escambau”. [...]. Essa é a nova burguesia que manda no meio rural. Não é mais aquele latifundiário
que a gente estava acostumado a ver, estilo Jeca Tatu, que é o dono de mil hectares com três cabeças de boi em
cima. Mudou a face dos proprietários de terra no Brasil. [...]. (STEDILE, 2002, p. 314-315).
14
[...] O PCB aos dias atuais defendia a tese de que para fazer o socialismo no Brasil, havia que resolver uma
contradição fundamental que existiria entre setores da burguesia nacional com o imperialismo. Que para as
forças progressistas, democráticas e populares, seria necessária uma aliança com a burguesia nacional que tinha
essas contradições com o imperialismo e, com essa aliança, fazer a revolução ou fazer reformas democráticas, e
ai implantar a reforma agrária. Nesta visão, o PCB sempre defendeu que a burguesia nacional, a burguesia
industrial, com quem eles tinham a intenção de se aliar, tinha também interesse em fazer a reforma agrária no
campo, porque a terra estaria em mãos de grandes senhores, grandes coronéis que, na leitura teórica, eram
interpretados como quase senhores feudais, e então essa revolução democrática precisava, junto com a burguesia
capitalista, derrotar esses senhores “feudais” ou esses resquícios do feudalismo, para então, liberar a terra para o
desenvolvimento natural do capitalismo. [...]. (STEDILE, 2002, p. 307-308).
15
Apesar de acreditarmos que a reforma agrária seja importante, mesmo no modo de produção capitalista, pois
diminui a miséria no campo e na cidade, todavia, ao capitalista a reforma agrária não é uma necessidade, como
pensava a esquerda anteriormente, pois atualmente os capitalistas são os donos da terra concentrada. Essa é a
contradição que está na essência capitalista: enquanto produz capital e concentra capital e terra, produz,
proporcionalmente, a miséria que pode significar sua própria ruína.
58
pois estes se beneficiam de nossa histórica concentração fundiária, visto que o crédito rural, a
mecanização, a monocultura, a proletarização do campesinato, entre outros elementos, que
são partes integrantes do agronegócio, foram resultado da concentração fundiária brasileira.
Logo...
[...] para a burguesia brasileira não precisa fazer reforma agrária para
desenvolver o capitalismo, para desenvolver o mercado interno, porque o
capitalismo que se adotou aqui, nesta forma dependente, mas acoplada aos
interesses dos monopólios e das multinacionais, foi perfeitamente
viabilizado com a estrutura de propriedade concentrada que nós temos, sem
que houvesse nenhum empecilho nesse sentido. Ao contrário, o fato de
existirem grandes propriedades facilitou que se implantasse de maneira
mais rápida o crédito rural, que se implantasse uma modernização mais
rápida, a mecanização e a monocultura. [...]. (STEDILE, 2002, p. 313).
Portanto, a concentração fundiária é um problema apenas para a classe
subalterna, expulsa do campo, desempregada e moradora das periferias das grandes cidades.
Enquanto cresce o nosso PIB, e os capitalistas acumulam seu capital, a distribuição de terra e
renda não acompanha essa evolução. Em quase nada esse crescimento do PIB melhora a
qualidade de vida da população, pois somente a distribuição de terra e renda faria isso.
Vejamos o que diz Romeiro:
Em resumo, a história mostrou que a estrutura agrária concentrada não foi
obstáculo para a continuidade do processo de crescimento econômico. Foi,
sim, obstáculo ao processo de desenvolvimento sócio-econômico que eleva
a qualidade de vida da população em geral. [...]. (2002, p.123).
Temos, atualmente, uma concentração de terra sob o controle dos grandes
grupos econômicos. Esta concentração chega ao ponto desses grupos econômicos serem
donos de propriedades que somadas são equivalentes ao tamanho de alguns Estados
brasileiros. No Brasil hoje “[...] apenas 46 grandes grupos econômicos controlam, sozinhos,
mais de 20 milhões de hectares. É como se eles fossem donos de quase todo o Estado de São
Paulo, ou todo Rio Grandes do Sul, ou diversos Estados menores somados [...]”. (STEDILE,
2002, p. 314). Para termos uma idéia comparativa utilizando dados desta nefasta realidade da
estrutura agrária brasileira, destacamos que esses 46 grupos econômicos controlam 60% da
terra, enquanto 5 milhões de pequenos agricultores, arrendatários e meeiros ficam com o resto
da terra (STEDILE, 2002)
16
.
16
Palestra no Seminário sobre Socialismo, junho de 1991, São Paulo.
59
Neste contexto, como parte integrante do agronegócio, temos um
componente inerente à continuidade de seu processo, que passou a ser uma regra na estrutura
de produção nacional dos alimentos, que é a agroindústria. Nas palavras de Stedile: “[...] outro
elemento novo nas últimas duas décadas, no capitalismo brasileiro, foi à introdução da
agroindústria. Hoje, praticamente, todos os alimentos que a população brasileira consome [...]
passam por um processo agroindustrial [...]”. (2002, p. 314).
Podemos afirmar que a industrialização é uma marca contemporânea do
processo capitalista na agricultura, sendo que este processo de industrialização está
intrinsecamente relacionado à internacionalização da nossa economia. Isto é, possuímos
historicamente uma indústria nacional interligada às indústrias estrangeiras e, sobretudo,
atualmente, assistimos, cada vez mais, ao aumento das alianças e fusões da indústria nacional
com as indústrias estrangeiras. Sendo que este processo se faz sob o consentimento do poder
político do Estado, pois nossos governantes sempre optaram pela submissão e fusão ao capital
internacional, imperialista, dominante em cada período histórico. Nas palavras de Oliveira,
(2002, p.51):
[...] o processo de desenvolvimento do capitalismo na agricultura de nossos
dias está marcado pela sua industrialização, uma industrialização que deve
ser entendida internacionalmente, pois não mais, ou nunca houve uma
rígida separação entre as indústrias nacionais e estrangeiras; ao contrário, a
história dos últimos tempos tem sido uma história de alianças e fusões com
a participação ou com o beneplácito do Estado [...].
Dessa forma, o modelo de agroindústria-capitalista que temos no Brasil é um
fator extremamente negativo para o campesinato, pois [...] retira a autonomia daquele que
trabalha na terra, porque ele sabe que não está mais produzindo um produto para o mercado.
Ele sabe que está produzindo apenas um produto para a indústria. [...]. (STEDILE, 2002, p.
314).
Por conseguinte, se faz necessário discutir a reforma agrária
17
numa
perspectiva socialista, de embate com indústria multinacional, pois, somente assim, o pequeno
produtor pode conseguir ganhar o suficiente para viver com dignidade no campo. Podemos
destacar no Brasil a presença de “[...] 50 grandes empresas agroindustriais como a Nestlé, a
Sadia, [...] a maioria delas multinacionais. Uma reforma agrária no Brasil, para funcionar, tem
17
Reforma Agrária O conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição da terra, mediante
modificações no regime de sua posse ou uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de
produtividade”. (ALMEIDA, 2004, p. 1).
60
que desapropriar essas empresas. É impossível um produtor de leite ganhar mais pelo seu leite
sem que a Nestlé, o leite Glória, percam [...]”. (STEDILE, 2002, p. 314).
Por isso, entendemos que a luta pela reforma agrária deve se tratar de uma
luta contra o capital. Ou seja, deve ir além de um modelo conservador de simples distribuição
de terra. Pois, estas empresas do agronegócio subordinam a renda do campesinato lhes
condenando a miséria. Reproduzindo seu capital por meio da renda extraída do campesinato
18
.
É por esta razão que a luta pela terra não se encerra em si, devendo ser
entendida, sobretudo como luta contra o capital. Isso retira o sentido de uma
reforma agrária distributivista, pois a renda encontra-se subjugada pelo
capital, impedindo o trabalhador familiar de libertar-se do círculo de
miserabilidade que lhes é imposto. (ALMEIDA; PAULINO, 2000, p. 122).
Logo, entendemos que somente a ruptura com o modelo de acumulação
capitalista, que gera necessariamente a exclusão social, pode garantir a construção de uma
sociedade mais justa e igualitária que respeite os sujeitos do campo. Nesta concepção,
entendemos que a reforma é o instrumento que pode romper com o modelo de
desenvolvimento agrário vigente no Brasil, tendo em vista que este modelo capitalista de
desenvolvimento é excludente/explorador e concentrador de terra e renda permitindo a
reprodução no poder da burguesia do agronegócio. Corroborando neste sentido, Wizniewsky e
Lucas afirma que “no atual modelo de desenvolvimento agrário, a Reforma Agrária seria o
principal instrumento político para a ruptura com o atual modelo de desenvolvimento
excludente, concentrador de terra e renda, reproduzindo o poder das oligarquias. [...]”.
([200?], p. 2). Pois “[...] a reforma agrária é fundamental para viabilizar o acesso das famílias
a terra”. (CANUTO apud SILVA, 2005, p.10).
No entanto, o sucesso da reforma agrária depende de políticas públicas no
campo que valorizem a produção camponesa familiar como um fator de extrema importância
para o desenvolvimento do país. E valorize o camponês enquanto classe e habitante do
campo, que produz sua cultura por meio de sua relação com a terra. “Por sua vez, a Reforma
Agrária só terá sustentabilidade econômica e social se estiver inserida num contexto de
políticas globais de valorização e ampliação do papel estratégico da agricultura em regime de
economia familiar para o desenvolvimento do país [...]”. (WIZNIEWSKY; LUCAS, [200?],
p. 2).
18
Discutimos essa questão quando explicamos o processo de monopolização do território pelo capital.
61
Faz-se necessário então a presença do Estado como um incentivador da
agricultura camponesa, pois os camponeses dependem além da distribuição de terras, de
recursos para se manter e de um acompanhamento técnico. Por isso, o florescimento da
agricultura camponesa, como nos explica Gorender, favorecerá a economia do país como um
todo, para todos, e não somente para a burguesia. Porém, o Estado nacional capitalista sempre
optou pelo agronegócio latifúndiário.
Uma reforma agrária no Brasil o pode deixar de considerar com
prioridade a linha do desenvolvimento camponês. O que significa a
distribuição da terra dos latifúndios sob forma familiar, para exploração
familiar. Com apoio creditício, técnico e comercial do Estado,
desvencilhada da pressão latifundiária, a exploração familiar-camponesa
florescerá e beneficiará a economia do País numa escala hoje inimaginável.
[...]. (GORENDER, 2002, p.43).
Concordamos com Wizniewsky e Lucas, que a produção familiar da
agricultura camponesa é de extrema importância “[...] para a construção de um novo modelo
de desenvolvimento para o campo”. Além de ser um setor estratégico para a manutenção e a
recuperação do emprego, também é para a redistribuição de renda “[...] que contribuirá na
superação da crise social e econômica do país”. ([200?], p. 3).
Neste sentido, a reforma diz respeito ao aumento da qualidade de vida de
toda a população brasileira pobre. Logo, “[...] a reforma agrária se coloca como questão
fundamental para o desenvolvimento da sociedade brasileira, do ponto de vista das grandes
massas trabalhadoras do campo e da cidade”. (GORENDER, 2002, p. 43).
Temos que entender que a dominação do agronegócio no Brasil traz mais
uma problemática para os estudos de geografia agrária, visto que existe um antagonismo hoje
no campo entre o agronegócio e a reforma agrária, isto é, o “agronegócio latifundiário,
predador, destruidor, o cabe ao lado de uma reforma agrária”. (CASALDÁLIGA apud
SILVA, 2005, p. 11).
2.3.1 O agronegócio latifundiário exportador e suas implicações socioambientais: o
modelo agrário/agrícola brasileiro
[...] transgênicos, produtos orgânicos, vaca louca, Monsanto, Via
Campesina, McDonald’s, José Bové, gripe do frango, agronegócio,
zapatistas, agroecologia, MST fazem parte de uma mesma tensão
62
contraditória em que se debate o futuro da humanidade. (GONÇALVES,
2004, p.243).
Para Gonçalves, o atual modelo agrário/agrícola nacional está ancorado em
dois pilares básicos: “[...] (1) no uso de um modo de produção de conhecimento próprio do
capital que se traduz na supervalorização da ciência das técnicas ocidentais (que se querem
universais); na expansão das terras cultivadas, sobretudo em regiões onde as terras são
baratas”. (GONÇALVES, 2004, p. 224). Modelo este de reprodução ampliada do capital que
em forma de agronegócio apresenta claramente suas implicações socioambientais negativas.
Concordamos com Oliveira que o agronegócio é a contradição da “barbárie e
modernidade”, isso significa dizer que esse modelo agrário-agrícola nacional apresenta uma
roupagem moderna de alta produtividade (que na verdade é mentira, pois quem mais produz é
a pequena propriedade), tecnologia avançada, produtor de divisas etc. Por outro lado, esconde
ideologicamente suas raízes intrinsecamente ligadas ao modelo latifundiário colonial nacional
de plantations e, logo, a sua exclusão social e degradação ambiental como continuidade. Daí
a expressão “moderno-colonial” utilizada por Gonçalves para explicar as relações capitalistas
ditas modernas nos paises subdesenvolvidos.
A estrutura desse modelo agrário-agrícola nacional é a aliança entre o capital
nacional e o capital internacional: capitalistas proprietários de terra, o capital financeiro
internacional, capital industrial agroquímico e o capital comercial. Vejamos a explicação de
Gonçalves:
[...] esse modelo agrário-agrícola analisado, que se apresenta como o que há
de mais moderno, sobretudo por sua capacidade produtiva, na verdade
atualiza o que há de mais antigo e colonial em termos de padrão de poder ao
estabelecer uma forte oligárquica entre: (1) as grandes corporações
financeiras internacionais; (2) as grandes indústrias-laboratórios de adubos
e de fertilizantes, de herbicidas e de sementes; (3) as grandes cadeias de
comercialização ligadas aos supermercados e farmácias; e (4) os grandes
latifúndios exportadores de grãos. Esses latifúndios produtivos são, mutatis
mutandis, tão modernos como o foram as grandes fazendas e seus engenhos
de produção da principal commodity dos séculos XVI e XVII: a cana-de-
açúcar, no Brasil e nas Antilhas. À época não havia nada de mais moderno.
A modernidade bem vale uma missa! (2004, p. 227).
Dessa forma, o agronegócio brasileiro é o capitalismo globalizado no campo
em forma de latifúndio, fruto da internacionalização da economia brasileira. Houve assim, a
63
união dos capitalistas latifundiários exportadores nacionais e as empresas transnacionais que
controlam o mercado agrícola mundial, o resultado é o agronegócio. Nas palavras de Stedile:
Agronegócio é neoliberalismo da agricultura.
Esse modelo neoliberal teve a sua amplitude também na agricultura. Selou-
se uma aliança subordinada entre os grandes fazendeiros, os capitalistas,
que se dedicam à exportação, com as empresas transnacionais que
controlam o comércio agrícola internacional, as sementes, a produção de
agrotóxicos e a agroindústria. O filhote desse matrimônio chamou-se
agronegócio. [...]. (2006a, p. 17).
Nesse comércio globalizado temos dez empresas transnacionais que
controlam todo o mercado do setor de agronegócio. Segundo Stedile (2006a, p. 17): “[...]
Monsanto, Bunge, Cargil, ADM, Basf, Bayer, Sygenta, Novartis, Nestlé e Danone, controlam
praticamente toda a produção agrícola, de agrotóxicos, de sementes transgênicas e o comércio
agrícola de exportação”.
Corroborando nesta análise Gorender afirma que existe uma participação
política do Estado em benefício dessas empresas imperialistas. É, pois, “[...] uma política
conjugada com interesse da indústria de equipamentos e de insumos agrícolas e com indústria
transformadora das matérias-primas agrícolas, setores nos quais predominam amplamente as
grandes multinacionais imperialistas. [...]”. (2002, p.37).
Apesar de a palavra agronegócio significar qualquer operação comercial de
produtos agrícolas, no Brasil esse conceito ganhou uma nova significação, está relacionado
com a implantação de um modelo de produção agrícola que, por sua vez, é fruto de uma
aliança com o capital agropecuário internacional representado pela Associação Brasileira de
Agribusiness. Seu fundador foi um grande produtor de cana, laranja e soja chamado Roberto
Rodrigues, como nos explica Stedile (2006a, p. 17):
Na essência, a palavra agronegócio está mal utilizada, pois ela é apenas
sinônimo de qualquer operação comercial com produtos agrícolas. Mas aqui
no Brasil teve conotação de modelo, de aliança de classe, colocada pelos
próprios fazendeiros subordinados, ao criarem a Associação Brasileira de
Agribusiness, tendo como filiados grandes produtores e as empresas
transnacionais. Seu fundador, estimulador e primeiro presidente foi o senhor
Roberto Rodrigues, um grande fazendeiro de cana e laranja na região de
Ribeirão Preto, e dono de outra grande propriedade de soja em Balsas,
Maranhão.
64
São características marcantes desse modelo de produção denominado de
agronegócio, o latifúndio mecanizado e o uso de agrotóxicos que movimentam o mercado das
transnacionais produtoras desses insumos agrícolas. Como nas tradicionais “plantations”
coloniais, o agronegócio baseia se na tríade: latifúndio, monocultura e exportação.
Mostrando-se, por isso, ser um modelo socioambientalmente degradante:
Esse modelo propaganda e implementa diversas características, como:
estimulo às grandes fazendas modernizadas, com grandes extensões de
terra, que usam intensivamente os agroquímicos e os agrotóxicos. Se
dedicam à monocultura e produzem prioritariamente para exportação.
(STEDILE, 2006a, p. 17).
Nesta perspectiva, os impactos socioambientais causados por este modelo de
produção agrícola, são notáveis na sociedade brasileira. Tendo em vista que o aumento da
concentração fundiária, característica inerente ao modelo de produção do agronegócio,
expulsa os camponeses de suas terras, causando o êxodo rural. Corroborando nesta análise,
Stedile afirma que: “[...] a concentração da propriedade da terra continuou aumentando. Eles
acumularam nestes últimos anos mais de 30 milhões de hectares, somente nas fazendas acima
de 1.000 hectares [...]”. (2006a, p. 17).
Do outro lado, também, a mecanização da produção, outra característica
intrínseca ao processo, retira as possibilidades de emprego no campo. Por isso, segundo
Stedile: “[...] no ano passado, 300.000 assalariados rurais perderam o emprego no campo e
foram para a cidade [...]”. (2006a, p. 17). Gerando como conseqüência a diminuição da
população do campo que, conseqüentemente, acarreta os problemas urbanos como: a exclusão
social na cidade, o desemprego, a segregação socioespacial e a violência urbana.
Ao contrário do que se pensa o uso das sementes transgênicas não está
diretamente associado ao aumento da produtividade, mas, sim, a diminuição de custos com
mão-de-obra devido à possibilidade de não precisar combater as pragas e as facilidades de
semeadura. O resultado disso é a produção de uma agricultura sem agricultores, pois se
necessita de menos empregos no campo, elevando-se o êxodo rural e todas as conseqüências
negativas deste processo. Os transgênicos, além de ser uma forma degradante ambientalmente
de produção porque gera a erosão genética, também acarretam o desemprego no campo como
nos explica Gonçalves:
A semente de soja transgênica não brinda necessariamente aumento na
produtividade por área cultivada, como salientam vários estudiosos, e, sim,
65
proporciona diminuição dos custos principalmente de mão-de-obra, na
medida em que os produtores não têm de realizar tarefas de combater a
pragas, além do que com as técnicas de plantio direto facilitam, também, as
tarefas de semeadura. Trata-se, portanto, de uma técnica que acentua a
tendência a uma agricultura sem agricultores, agravando problemas num
momento em que o novo padrão de poder proporciona pelas novas
tecnologias também não emprega tanta gente nas cidades e suas periferias,
como o fazia à época da desruralização européia e estadunidense. (2004, p.
227).
A monocultura, outra marca do agronegócio, fragiliza a biodiversidade,
colaborando no aumento de pragas devido à homogeneização do ecossistema e, sobretudo,
coloca em risco a segurança alimentar que se produz para exportar estimulando produções
que nem sequer se destinam a alimentação. E, por último, o uso de agrotóxicos que polui o
solo e a água aumentando a degradação ambiental. Nas palavras de Stedile (2006a, p. 17):
[...] Essa é a formula de competitividade de nossos sábios empresários
agrícolas: apropriação de grandes extensões de terra para aumentar escala
combinada com os mais baixos salários da agricultura capitalista do mundo.
Suas técnicas agridem o meio ambiente. O uso intensivo de agrotóxicos
aplicados irresponsavelmente, combinado com monocultura, destrói a
biodiversidade e compromete os recursos naturais para as gerações futuras.
Esses agroecossistemas produzidos pelo agronegócio comprometem a
biodiversidade, pois a monocultura simplifica ao extremo as relações naturais existentes,
necessitando de uma grande quantidade de produtos externos, insumos agroquímicos para que
a produção possa acontecer. Nesse sentido, Gonçalves nos afirma que nos agroecossistemas
do agronegócio a...
[...] dependência de alguns poucos cultivadores, torna esses
agroecossistemas vulneráveis não só a pragas e às variações climáticas,
como também os tornam extremamente dependentes de insumos externos,
como adubos, agrotóxicos e energia vindo de outras regiões. (2004, p. 207-
208).
Essa relação se torna ainda mais delicada quando verificamos que esses
agroecossistemas estão sendo implantados no Brasil e no restante dos países tropicais tendo
como base uma racionalidade científica européia, cujo clima é temperado e não tropical. Por
isso, necessitaríamos outra racionalidade técnica-científica para produção em países tropicais,
pois nesses lugares os impactos se tornam mais violentos que nos países de clima temperado,
66
que tem uma menor quantidade de energia envolvida no processo e onde a diversidade
biológica é menos intensa.
Salientamos que toda uma ciência agronômica e florestal, com base na
racionalidade científica européia, tem sido desenvolvida para tornar mais
eficientes em produção de biomassa exatamente áreas como as regiões
temperadas, que dispõem de menor intensidade de energia solar em relação
às regiões tropicais. [...]. (GONÇALVES, 2004, p.208).
É necessário sabermos que a implantação dos agroecossistemas simplificados
não responde da mesma forma em biomas distintos. Todavia, nossa ciência eurocêntrica tenta
ideologicamente homogeneizar esses ecossistemas por interesses de exploração da nossa
biodiversidade, reduzindo a complexidade desses sistemas naturais tropicais. Relação esta que
se estabelece desde a época colonial. O resultado dessa imposição de um modelo estranho a
nossa realidade é o acarretamento de conseqüências nocivas a nossa sociobiodiversidade:
São graves as conseqüências que se avizinham com a expansão para novas
áreas de uma lógica mercantil que reduz a complexidade dos ecossistemas e
de múltiplas culturas a agroecossistemas simplificados com os
monocultivos de soja, milho, girassol, algodão, eucalipto e pinnus. Atente-
se ainda, para o fato de os diferentes biomas do planeta não respondem da
mesma forma às ações que sobre eles se fazem. A complexidade da
dinâmica de matéria e energia das regiões tropicais, sabidamente menos
conhecida pela ciência ocidental, com freqüência todo um sistema
técnico-agrícola pensando a partir de uma ciência natural desenvolvida a
partir de dinâmicas mais simplificadas das regiões frias e temperadas ser
arrogantemente transplantando, com conseqüências socioambientais
danosas. (GONÇALVES, 2004, p.230).
Devido à fragilidade desses agroecossistemas se faz necessário o uso cada
vez maior de insumos industriais como os fertilizantes. É notável como vem aumentando a
quantidade do uso desses insumos ao longo do tempo. Esse aumento é alvo de críticas por
parte de entidades preocupadas com o bem-estar das pessoas e do meio-ambiente no campo.
A expansão exponencial do uso de adubos e fertilizantes, herbicidas,
pesticidas, e fungicidas vem sendo décadas objeto de intensas críticas de
ambientalistas de órgãos ligadas à saúde e de sindicatos de trabalhadores,
sobretudo rurais. Nos últimos cinqüenta anos, enquanto a produção de grãos
aumentou três vezes, o uso de fertilizantes foi multiplicado simplesmente
catorze vezes, segundo dados da FAO. Assim, a relação entre produção de
grãos e uso de fertilizantes caiu de 42 toneladas para 13 toneladas de grãos
67
por cada tonelada de fertilizante usada entre 1950 e 2000. Uma queda
significativa! (GONÇALVES, 2004, p.225).
Esses insumos agroquímicos não ofendem somente a natureza, mas atingem
diretamente a saúde dos moradores e/ou trabalhadores do campo. Neste sentido, Gonçalves
nos relata que até o desfolhante químico conhecido por agente laranja usado na guerra do
Vietnã, é usado no preparo da terra nos agroecossistemas.
Ainda recentemente, em novembro de 2002, pudemos constatar no preparo
da terra para o cultivo de grãos na região do Bico do Papagaio, entre o
Maranhão e o Tocantins, lançamento, por avião, do desfolhante químico
conhecido como agente laranja, de triste memória pelo seu amplo uso na
guerra do Vietnã. Assim, aqueles que trabalham na agricultura sofrem o
impacto direto do uso desses derivados da agroquímica, com sérios danos à
sua saúde, conforme acusa uma ampla literatura médica e científica. (2004,
p.225).
2.3.2 - Os bio (agro) combustíveis
19
e a substituição da matriz energética mundial
Mudanças muito marcantes com relação à ciência, a técnica e a informação
fazem com que nosso período histórico seja diferente dos demais. No entanto, uma das
diferenças marcantes dessa nova etapa de desenvolvimento capitalista globalizado, está
relacionada à mudança da matriz energética mundial, visto que, durante o período da segunda
revolução industrial, tínhamos como elemento energético fundamental, o petróleo.
Dessa forma, constatamos que: “[...] na década de 1960 o petróleo contribuía
com mais de 60% da oferta mundial de energia [...] e, atualmente ele contribui com cerca de
20% desse total, com tendência ainda declinante. [...]”. (VESENTINI, 1995, p. 9). Isto está
ocorrendo porque outras fontes de energia, em especial as oriundas da biotecnologia, estão
superando o uso do petróleo.
A energia produzida a partir das plantas, ou seja, os combustíveis vegetais ou
bio (agro) combustíveis são considerados energia limpa e renovável, produzido a partir da
fotossíntese das plantas. Assim, nos explica Vidal (2007, p. 36): “são combustíveis vegetais,
renováveis e limpos do ponto de vista ambiental, de natureza química, que substituem os
19
Com relação aos biocombustíveis, os movimentos sociais decidiram denominar de agrocombustíveis, pois, no
Brasil sua produção está relacionada ao agronegócio e não a vida que é o significado de bio. Neste sentido, Frei
Betto (2007) nos indaga: “O prefixo grego bio significa vida; necro, morte. O combustível extraído de plantas
traz vida? [...]”. (Não paginado). E assim sugere que os biocombustíveis sejam chamados de necrocombustíveis.
68
combustíveis derivados do petróleo e podem ser obtidos a partir da energia solar por meio da
fotossíntese das plantas. [...]”. Ainda, segundo Vidal, (2007, p. 36), os combustíveis vegetais
são: “[...] a) álcool etílico, obtido por fermentação dos açúcares ou amidos; b) os óleos
vegetais e a celulose, e seus inúmeros derivados. [...]”.
Esses combustíveis são considerados renováveis porque tem origem na
radiação solar. E eles não produzem o efeito estufa porque o balanço entre a quantidade de
dióxido de carbono retirado do ar, pelas plantas utilizadas na sua produção, e a quantidade
liberada na sua queima acaba resultando em um total negativo:
[...] esses combustíveis são renováveis, pois têm origem na radiação solar;
não produzem efeito-estufa devido ao equilíbrio negativo entre o CO
2
retirado da atmosfera para a formação dos hidratos de carbono e lipídeos
das plantas e o CO
2
resultante da queima dos combustíveis vegetais
derivados etanol, óleos vegetais e celulose, e seus derivados. (VIDAL,
2007, p. 36).
Estamos vivendo um período em que devido ao inevitável esgotamento dos
combustíveis fósseis, vê-se a necessidade de se produzir uma forma alternativa de energia e,
logo, uma destas formas opcionais de energia renovável e limpa é com os bio (agro)
combustíveis, principalmente, a cana-de-açúcar.
Entretanto, a cana-de-açúcar é uma planta típica dos países tropicais, pois
necessita de calor e água em abundância para se reproduzir. Neste sentido, o Brasil, enquanto
maior país tropical do mundo tende a dominar a produção mundial do produto. Neste
contexto, muda-se, assim, a lógica das relações comerciais internacionais vigentes até então,
pois, os paises desenvolvidos, Europa e EUA, não possuem o clima tropical necessário para o
desenvolvimento desse produto, obrigando-os a vir comercializar esse produto com os países
subdesenvolvidos tropicais. Corroborando nesta análise, o sociólogo Vasconcelos (2007b, p.
34) afirma que:
A questão é física, geográfica, envolvendo a incidência de sol, de
quantidade de calor e de água doce. O leitor não poderia perder de mira, por
ocasião da visita do presidente Bush, que nenhum gênio ianque, japa ou
tesdesco será capaz de inventar uma tecnologia, digamos, um computador
prodígio, que consiga transferir o sol de Belém do Pará para Wall Street.
Acompanhando essa lógica, podemos dizer que com a detenção dos
mananciais energéticos nos trópicos, o imperialismo estadunidense revigora-se, uma vez que a
69
energia é essencial para o desenvolvimento da sociedade moderna nos países dominantes.
Portanto, juntamente com a mudança da matriz energética, muda-se a configuração
geopolítica do século XXI, implantando-se o que poderíamos denominar de uma nova forma
de colonialismo dos países dominantes sobre os países tropicais:
[...] esses mananciais energéticos se situam nas regiões dos trópicos, sendo
o Brasil a maior nação tropical do planeta, de modo que a espoliação
internacional está de olho gordo na apropriação energética dos países
tropicais. Resulta desse dado objetivo que a cobiça neocolonial se revestirá
de um componente energético, pois este é imprescindível á sobrevivência
ou reprodução societária dos países dominantes. Essa situação afeta a
dinâmica do colonialismo no século 21. (VASCONCELOS, 2007b, p. 34).
Os combustíveis fósseis, principalmente o petróleo e o carvão mineral, foram
utilizados até então pela humanidade, e, sobretudo, pelos paises dominantes nos últimos 300
anos, proporcionando a eles esse patamar de desenvolvimento que estão hoje. Por isso, a
energia é um fator primordial de desenvolvimento da sociedade capitalista após a revolução
industrial. Entretanto, esses combustíveis utilizados até hoje, além de serem finitos e não-
renováveis, se mostraram, também, extremamente ofensivos à natureza, inclusive sendo
responsáveis pela aceleração do aquecimento global:
O elemento energético é decisivo junto com o dispositivo tecnológico. Os
dois países colonialistas e imperialistas que tomaram a dianteira da história
nos últimos trezentos anos, a Inglaterra e os Estados Unidos, o fizeram por
causa do carvão mineral e da máquina a vapor, e do petróleo e do motor a
expulsão; todavia, esses combustíveis são fósseis, finitos, não renováveis, e
se encontram em fase de extinção no mundo inteiro além de serem
poluidores e responsáveis pelo infortúnio climático e o aquecimento da
Terra. (VASCONCELOS, 2007b, p. 34).
Neste sentido, o imperialismo dos países desenvolvidos fica evidente quando
constatamos que empresas trans/multinacionais estão interessadas em produzir o etanol em
nosso território e, conseqüentemente, explorar nossa mão-de-obra e destruir nossa
biodiversidade. Essas empresas têm como prática produtiva o uso descomedido de
agrotóxicos e a produção em monocultura que visa à exportação a fim de atender as
necessidades de consumo de seus países imperialista-dominantes de origem. Países estes da
Europa, além do Japão e, sobretudo, o EUA. Sendo assim, inúmeras multinacionais estão
interessadas em instalar suas usinas em nosso território. Entre os interessados nesse negócio,
está o já “bilhardário” Bill Gates, como nos diz Vasconcellos:
70
[...] o saqueio do território brasileiro está montado e planejado. General
Motors, Nascar, GM, Indy. As multinacionais estão excitadíssimas em tacar
mão no etanol dos trópicos, assim como o nada bobo Bill Gates, com sua
Ethanol Pacific, na Califórnia, está a fim de comprar as terras de Mato
Grosso e Goiás.
[...] Japonês, Holandês, multinacionais, estão a fim de erguer usinas de
álcool em Mato Grosso do Sul e Paraná. (VASCONCELOS, 2007b, p. 34).
Podemos ter a certeza de que tanto a burguesia dos países imperialistas como
a burguesia nacional não estão preocupados em preservar a nossa sociobiodiversidade, pois o
que interessa para estes é o lucro a qualquer custo. Para eles, os fins justificam os meios. Por
isso, é nosso dever zelar pela sociobiodiversidade presente em nosso território, pois não serão
eles que irão fazer isso por nós. Visto que para eles, os trabalhadores e a natureza são
mercadorias a serem compradas e usufruídas para aumentar os lucros e garantir a vitória na
concorrência do mercado internacional. O Sol e a Água deixam de ser elementos naturais e,
passam a ser agora, objetos de apropriação. Transformam-se, então, na única coisa
importante para a burguesia internacional e nacional em nosso território. E a população, dessa
maneira, se torna elemento residual. Nas palavras de Vasconcelos:
Os gringos estão interessados apenas no sol e na água dos trópicos, mas não
estão nem para a existência do povo brasileiro. A dádiva geográfica do
sol e da água será um infortúnio coletivo. Não haverá necessidade nem de
explorar a mão-de-obra local. É o genocídio. Mate o brasileiro, preserve a
floresta. Chegaremos logo nessa loucura. Os interesses das multinacionais
cobiçam a floresta. Dane-se o território povoado por gente brasileira. Um
território sem população, com um Estado alquebrado e Forças Armadas
desprovidas de defesas. [...]. (2007b, p. 34-35).
Questão importante a ser discutida é a dos trabalhadores assalariados do
campo, os bóias-frias, empregados principalmente na produção de cana, tendo em vista que já
foram registrados inclusive casos de morte por exaustão. Foram registrados, também,
incidência de trabalho escravo e semi-escravo, além da degradação ambiental que sempre
acompanhou a produção da monocultura para a exportação. Os trabalhadores, na maioria das
vezes, são submetidos a uma jornada fatigante, que quando não leva a morte, causa sérios
problemas de saúde. Poucos têm os seus direitos trabalhistas regulamentados:
A produção de cana no Brasil é historicamente conhecida pela
superexploração do trabalho, destruição do meio ambiente e apropriação
71
indevida de recursos públicos. As usinas se caracterizam pela
concentração de terras para o monocultivo voltado à exportação. Utilizam
em geral mão-de-obra migrante, os bóias-frias, sem direitos trabalhistas
regulamentados. Os trabalhadores são (mal) remunerados pela quantidade
de cana cortada, e não pelo número de horas trabalhadas. E ainda assim
não têm controle sobre a pesagem do que produzem.
Alguns chegam a cortar, obrigados, 15 toneladas por dia. Tamanho esforço
causa sérios problemas de saúde, como câimbras e tendinites, afetando a
coluna e os s. A maioria das contratações se por
intermediários (trabalho terceirizado) ou “gatos”, arregimentadores de
trabalho escravo ou semi-escravo. Após 1850, um escravo costumava
trabalhar no corte de cana por 15 a 20 anos. Hoje, o trabalho excessivo
reduziu este tempo médio para 12 anos. (BETTO, 2007, Não paginado).
Essa migração de mão-de-obra para os canaviais representa “[...] 20 mil
bóias-frias por ano - produz, além do aumento de favelas, o de assassinatos, tráfico de drogas,
comércio de crianças e de adolescentes destinados à prostituição”. (
BETTO, 2007, Não
paginado).
Outra problemática que se coloca com relação aos agrocombustíveis é o
encarecimento dos alimentos
20
. A respeito desse assunto vejamos o que diz Frei Betto:
Estudo da OCDE e da FAO, divulgado a 4 de julho, indica que “os
biocombustíveis terão forte impacto na agricultura entre 2007 e 2016.” Os
preços agrícolas ficarão acima da média dos últimos dez anos. Os grãos
deverão custar de 20 a 50% mais. No Brasil, a população pagou três vezes
mais pelos alimentos no primeiro semestre deste ano, se comparado ao
mesmo período de 2006. (2007, Não paginado).
O aumento do preço dos alimentos não é uma característica apenas do Brasil,
mas é um fenômeno que vem causando transtornos tanto nos países desenvolvidos quanto nos
países subdesenvolvidos. Vejamos o que está acontecendo no mundo:
Os preços dos alimentos já sobem em ritmo acelerado na Europa, na
China, na Índia e nos EUA. A agflação a inflação dos produtos agrícolas
deve chegar, este ano, a 4% nos EUA, comparada ao aumento de 2,5%
em 2006. Lá, como o milho está quase todo destinado à produção de
etanol, o preço do frango subiu 30% nos últimos doze meses. E o leite
deve subir 14% este ano. Na Europa, a manteiga já está 40% mais cara. No
20
Temos que considerar que existem inúmeros fatores que levaram ao aumento do preço dos alimentos, sendo
assim, o aumento da produção dos agrocombustíveis é apenas um deles. Dentre esses fatores podemos sintetizá-
los, segundo Stedile (2008), em uma causa estrutural e outra causa conjuntural. Estrutural: o modelo predador e
o comércio oligopólico que concentra o controle da produção e a propriedade das terras, o resultado é que
algumas empresas
controlam todo o comércio mundial de alimentos e impõem os preços que querem. O fator
conjuntural é a crise do capitalismo nos Estados Unidos e na Europa.
72
México, houve mobilização popular contra o aumento de 60% no preço
das tortillas, feitas de milho. (BETTO, 2007, Não paginado).
O que está em jogo nessa oposição de produção entre alimentos e
agrocombustíveis é a valorização da produção de energia em oposição à produção de
alimentos que é a necessidade básica do ser humano. Ou seja, a fome e a desnutrição têm uma
importância menor do que a energia que alimenta os carros. Os objetos passam a ter mais
valor que o ser humano.
Vamos alimentar carros e desnutrir pessoas. 800 milhões de veículos
automotores no mundo. O mesmo número de pessoas sobrevive em
desnutrição crônica. O que inquieta é que nenhum dos governos
entusiasmados com os agrocombustíveis questiona o modelo de transporte
individual, como se os lucros da indústria automobilística fossem
intocáveis. (BETTO, 2007, Não paginado).
Dessa forma, Frei Betto nos aponta que uma das opções seria investir em
fontes de energia alternativa e priorizar a alimentação ao invés do enriquecimento dos
usineiros:
O governo brasileiro precisa livrar-se da sua síndrome de Colosso (a
famosa tela de Goya). Antes de transformar o país num imenso canavial e
sonhar com a energia atômica deveria priorizar fontes de energia
alternativa abundantes no Brasil, como hidráulica, solar e eólica. E cuidar
de alimentar os sofridos famintos, antes de enriquecer os “heróicos”
usineiros. (2007, Não paginado).
2.4 A agricultura dos povos do campo: garantia de soberania alimentar e de
preservação da sociobiodiversidade nacional
Se planta o arroz aqui
Se planta o milho acolá
Um jeito de produzir
Pra gente se alimentar
Primeiro cantar do galo
Já se levanta da cama
E o camponês se mistura
A terra que tanto ama
Amar o campo ao fazer a plantação
Não envenenar o campo é purificar o pão
Amar a terra e nela botar semente
A gente cultiva ela, e ela cultiva a gente
73
A gente cultiva ela, e ela cultiva a gente
Choro virou alegria
A fome virou fartura
E na festa da colheita
Viola e noite de lua
Mutirão é a harmonia
Com cheiro de natureza
O sol se esconde na serra
E a gente acende a fogueira
Quando se envenena a terra
A chuva leva pro rio
Nossa poesia chora
Se a vida tá por um fio
E ela é pra ser vivida
Com sonho arte e beleza
Caminhos alternativos
E alimentação na mesa
Zé Pinto
21
Em uma reportagem o jornal “O Estado de São Paulo” diz que os
assentamentos e, conseqüentemente, a reforma agrária são os principais responsáveis pelo
desmatamento da Amazônia. Distorcendo, dessa forma, a verdade sobre os fatos, pois os
verdadeiros responsáveis pela destruição ambiental da Floresta Amazônica são os latifúndios
do agronegócio, as empresas de madeira, e o latifúndio grilado. Logo, o que se mascara, nos
veículos de comunicação dominantes, é a realidade e a luta de classes em torno de projetos
distintos de agricultura.
[...] a reforma agrária é responsável por apenas 15 por cento do
desmatamento e, em sete anos, os assentamentos destruíram apenas 10 por
cento da mata remanescente. A matéria não diz que os outros 85 por cento
do desmatamento foram causados pelos latifundiários, pelos grileiros e
pelas madeireiras, ilegais que atuam na Amazônia. Já imaginaram o Estadão
admitir que a reforma agrária é uma boa!? (SOUZA, 2006, p. 9).
É no sentido do contraponto a ordem vigente que Stedile (2006a) apresenta
uma concepção alternativa acerca da questão agrária proposta pelos movimentos sociais do
campo, as pastorais das igrejas, os ambientalistas, as 45 entidades que compõem o Fórum
Nacional de Reforma Agrária, e as mais diferentes representações de trabalhadores rurais do
povo que vive no meio rural.
21
Música: Caminhos Alternativos. Cantares da Educação do Campo.
74
A alternativa que essas organizações defendem é, pois, a que busca um
equilíbrio entre homem e a natureza. Onde a transformação da natureza tenha o objetivo
principal de satisfazer as necessidades básicas do ser humano, ao contrário, do atual processo
globalitário de mercantilização da natureza que acarreta, conseqüentemente, um desequilíbrio
ambiental. Também, entendem que o campo pertence aos seus povos e comunidades que
foram, por sua vez, excluídas no processo de globalização capitalista, do qual faz parte o
agronegócio latifundiário.
Neste sentido, está entre as prioridades alternativas da produção no campo, a
fim de assegurar a sociobiodiversidade, a delimitação do tamanho das propriedades, a
policultura e a produção de alimentos sem transgênicos e agrotóxicos. Portanto, de forma
geral, essas são as características de produção da agricultura camponesa e dos povos
tradicionais do campo.
Com essa forma de produção no campo, acreditamos que seja possível
construir outra realidade onde não se degrade o meio-ambiente preservando- o para as futuras
gerações. Entendemos também a partir desta perspectiva é possível garantir condições de vida
digna no campo para seus habitantes, desterritorializando o capital e territorializando os
camponeses. Evitando, dessa maneira, que os detentores do agronegócio explorem os
camponeses sem-terra e produzam a expulsão e proletarização do campesinato, gerando a
miséria e a exclusão social.
Defendemos utilizar as terras e os recursos naturais de nossa sociedade de
outra forma. Defendemos organizar em pequenas e médias unidades de
produção (poderiam ser até 1.000 hectares, mas precisam ter um limite),
defendemos a policultura como forma de aproveitar melhor o potencial do
solo, do clima e a preservação da biodiversidade. Queremos priorizar a
produção de alimentos, e alimentos saudáveis, sem agrotóxicos. Queremos
uma agricultura que absorva mão-de-obra, gere trabalho. Garantia renda a
todos os que trabalham no meio rural e não apenas aos grandes
proprietários, que em geral moram nas capitais. Queremos estimular o uso
de técnicas agrícolas que respeitem o meio ambiente e o preservem para as
gerações futuras. Queremos a adoção e multiplicação de sementes
convencionais, adaptadas à nossa natureza, e contra os transgênicos, que
são apenas uma forma de as transnacionais nos explorarem com royalties.
(STEDILE, 2006a, p. 17).
Nesta perspectiva, os camponeses, quilombolas, indígenas, seringueiros,
pescadores e, enfim, todos os povos do campo e da floresta continuam produzindo sua
subsistência numa relação equilibrada com a natureza de maneira diametralmente oposta ao
agronegócio predador de recursos naturais e de cultura.
75
[...] as populações indígenas, afrodescendentes e camponesas que, mais do
que quaisquer outros segmentos sociais, têm conseguido se inserir no debate
globalizado chamando a atenção para o fato de suas práticas culturais
específicas serem aquelas que mais se coadunam com os interesses da
humanidade e da ecologia do planeta e, por isso, devem ser respeitada
enquanto tais. (GONÇALVES, 2004, p.208).
No entanto, o capitalismo segue sua lógica perversa no campo, tendo como
características essenciais: o consumismo desenfreado e a exploração descomedida da
natureza. Exploração da natureza combinada com a exploração das pessoas, pois este
processo gera mais-valia, permitindo a acumulação/reprodução do capital. É, por isso, que
esse processo de desenvolvimento capitalista no campo é responsável pela exclusão e
marginalização dos povos, além da destruição da biodiversidade, colocando em risco toda a
humanidade. Logo, o que temos é a destruição da sociobiodiversidade, visto que toda a
humanidade necessita dessa biodiversidade para continuar vivendo:
O custo dessa exploração da natureza e das pessoas junto ao consumismo
desenfreado foi pago pelo sacrifício de milhões de trabalhadores pobres,
camponeses, indígenas, pastores, pescadores, e outras pessoas pobres da
sociedade, que entregam suas vidas a cada dia. E pela agressão permanente
da natureza que foi e continua sendo sistematicamente devastada. Sua
integridade e a diversidade de formas de vida, que são o sustento da
biodiversidade, estão ameaçadas. E, se a natureza de nosso planeta está
ameaçada, está ameaçada a própria vida humana, que depende dela. [...].
(STEDILE et al., 2006b, p. 40).
Essa destruição biológica e cultural e, portanto da sociobiodiversidade,
efetuada pela territorialização do capital no campo e seu agroecossistema tem como uma de
suas causas à homogeneização/simplificação dos ecossistemas que por isso necessitam de
uma grande quantidade de insumos industrializados para manter sua reprodução. O emprego
desses insumos tem como conseqüência a poluição dos rios e dos solos, causando a morte de
peixes e comprometendo a reprodução das comunidades ribeirinhas que tem na pesca uma
atividade principal ou complementar de sua subsistência.
Assim, salta à vista a limitação ecológica desses agroecossistemas, posto
que, sendo extremamente simplificados, tornam-se por isso mesmo,
dependente de insumos externos para manter seu equilíbrio dinâmico. A
contaminação das águas dos rios e do lençol freático tem levado à
diminuição das espécies e do número de peixes e, com isso, trazido
prejuízos às populações ribeirinhas e à diversidade biológica e cultural.
76
Afinal, a pesca uma atividade historicamente complementar à agricultura
em muitas regiões, fica, desse modo, prejudicada. (GONÇALVES, 2004,
p.225).
Entendemos que a sobrevivência dos povos do campo e a reprodução das
suas relações de trabalho com a terra são, portanto, condição essencial para a manutenção da
existência da nossa biodiversidade, tendo em vista que esses povos possuem uma relação com
a natureza de respeito e preservação. Pois a vêem como parte inerente de sua sobrevivência e,
ao contrário da burguesia, não enxergam a natureza como fonte de exploração para o lucro e,
sobretudo, não a transformam em mercadoria.
Sendo assim, podemos afirmar que durante, até, milênios de anos, esses
povos, como os índios, mantiveram uma relação equilibrada com a natureza. Contudo, essa
relação foi rompida com os modelos de produção eurocêntricos, desde o período colonial, e,
mais recente, com as formas estadunidenses de produção agrícola para exportação, como a
revolução verde. Por isso, é necessário que seja reconhecido o direito dos povos do campo ao
seu território, para que estes povos ajudem a humanidade a prosseguir com um maior
equilíbrio socioambiental, por meio do cultivo de alimentos sem agrotóxicos, com sementes
naturais e não transgeneticamente modificadas. Logo, concordamos com Stedile et al. (2006b,
p. 40) quando escreve:
Manifestamos nosso apoio e a necessidade de reconhecer os povos e
comunidades que durante séculos e milênios têm desenvolvido a
biodiversidade agrícola, através da adaptação e criação de sementes que
constituem as bases de toda a agricultura e alimentação da humanidade.
Para manter essas bases de sustentação e essa enorme riqueza de
biodiversidade agrícola e alimentar, é preciso reconhecer e afirmar os
direitos dos camponeses, indígenas, pastores, pescadores, quilombolas, a
terra, ao território e aos recursos naturais, para que possam prosseguir essa
tarefa crucial para a humanidade de conservação das sementes crioulas e
nativas [...].
Devido a grande incidência atual de alimentos transgeneticamente
modificados se faz necessário refletirmos a respeito da importância de preservarmos e de
reproduzirmos essas sementes crioulas, pois a extinção dessas sementes acarretará fatalmente,
a extinção de espécies milenares necessárias à sobrevivência humana e preservadas durante
várias gerações pelos povos do campo.
Quanto aos OTMs (organismos transgeneticamente modificados), Gonçalves
nos faz um alerta sobre a diferença destes para os OGMs (organismos geneticamente
77
modificados). Pois, todas as espécies se modificam geneticamente ao longo do tempo e por
intervenção dos diversos povos em sua relação com a natureza. Os produtos inserem-se na
cultura desses povos, ou seja, ocorre a humanização do processo da produção de alimentos.
Do outro lado, os transgênicos são produzidos artificialmente em laboratórios. Vejamos essa
explicação em suas palavras:
[...] a expressão OGM organismo geneticamente modificado é genérica
e imprecisa. Rigorosamente falando, toda a evolução das espécies se por
modificação genética, que, assim, é um fenômeno natural. As invenções de
espécie cultivadas trigo, milho, arroz, mandioca, pupunha são invenções
culturais, cultivares e se fizeram enquanto modificação genética
desenvolvida por diferentes povos e suas culturas em íntima relação com a
natureza. São, assim, um produto cultural e natural. Já os OTMs são,
criações laboratoriais e, portanto, não foram tecidos e experimentados em
convivência com a natureza. (2004, p. 234).
É imprescindível pensarmos a respeito da contaminação genética que está
ocorrendo, pois as culturas transgênicas misturam-se facilmente às produções orgânicas por
meio dos ventos, das chuvas, dos animais etc., contaminando-as. Hoje é muito difícil
conseguirmos separar os alimentos orgânicos dos transgeneticamente modificados, devido a
essa poluição genética. O que pode acarretar a extinção de diversas espécies, além do que não
sabemos certamente ainda quais são seus efeitos para o ser humano.
A introdução de organismos transgeneticamente modificados (OTMS) na
natureza exige, assim, tempo para saber seus efeitos. Entretanto, a questão
da possibilidade de separar ou não os organismos transgeneticamente
modificados da dinâmica do fluxo de matéria e energia natural e
culturalmente existente se coloca como de extrema relevância de imediato,
aqui e agora, independentemente dos seus efeitos na natureza, inclusive para
a saúde humana [...]. (GONÇALVES, 2004, p.236).
Estamos observando no mundo inteiro a extinção de diversas espécies em
nome da uniformização comercial. É a chamada erosão genética que extingue espécies. E os
resultados negativos dessa uniformização da agricultura mundial podem ser confirmados
pelas perdas de colheitas em diversas épocas porque suas culturas ficaram mais vulneráveis as
pragas:
90% de nossa alimentação procede de apenas quinze espécie de plantas e de
oito espécie de animais. [...]. As novas espécie de cultivares substituem as
nativas, uniformizando a agricultura e destruindo a diversidade genética.
78
na Indonésia formam extintas 1500 variedades de arroz nos últimos quinze
anos. A medida que cresce a uniformidade, aumenta a vulnerabilidade. A
perda da colheita da batata na Irlanda em 1846, a do milho nos Estados
Unidos em 1970 ou a do trigo na Rússia em 1972 são exemplos dos perigos
da erosão genética e mostram a necessidade de preservar variedades nativas
das plantas, inclusive para criar novas variedades melhoradas e resistentes
às pragas.
A engenharia genética levará à perda de milhares de variedades de plantas,
ao se cultivar algumas poucas com alta produtividade [...]
(SANTAMARTA apud GONÇALVES, 2004, p. 209).
O monopólio das sementes por parte das grandes corporações
multi/transnacionais tendem a aumentar a insegurança alimentar, pois a principal necessidade
humana, alimentação, perseguida em todo o nosso processo de hominização, passa a fazer
parte agora de um ciclo econômico mundial, cujo principal objetivo é satisfazer as
necessidades de lucro dessas empresas. Essa relação apesar de atingir de forma mais intensa
os países subdesenvolvidos, atingem também os países desenvolvidos.
Com o monopólio das sementes [...] a produção tende a dissociar da
reprodução (SHIVA, 2001) e, a segurança alimentar perseguida por cada
agrupamento humano durante todo o processo de hominização vai então
depender de algumas poucas corporações que passam a deter uma posição
privilegiada nas novas relações sociais e de poder que se configuram. A
insegurança alimentar passa a ser, paradoxalmente cada vez mais a regra e
não somente entre os países e povos coloniais e semicoloniais. Agricultura
inglesa, por exemplo, importa cada vez mais. De cada cinco frutos
vendidos, quatro vem do exterior e não dos pomares domésticos, antes o
numerosos do campo inglês. [...]. (GONÇALVES, 2004, p. 210).
Nessa direção, uma questão de relevante importância para refletirmos é a
soberania alimentar, ou seja, a necessidade que um povo tem de produzir seus próprios
alimentos, de maneira suficiente para toda a população. Dito de outra maneira: “a soberania
alimentar é entendida como um princípio que define o direito e até o dever que cada povo tem
de produzir os alimentos de que necessita para sua sobrevivência [...]”. (STEDILE, 2007, p.
42). Essa questão se mostra fundamental, principalmente na atualidade em que começa a ficar
mais rentável plantar os agrocombustíveis, ao invés de alimentos.
Essa inversão de prioridades ocorre porque a produção agrícola para o
capitalismo e, consequentemente, para o agronegócio não passa de mais uma mercadoria,
onde o alimento também se torna mercadoria, cuja produção depende do retorno financeiro
que esse “negócio” dará. Porém, a alimentação é a primeira necessidade humana, e, logo, é a
primeira função do trabalho na transformação da natureza, por isso deve ser a prioridade a ser
79
produzida independente do retorno financeiro. Portanto, é a agricultura camponesa que deve
ser a prioridade das políticas públicas e não o agronegócio. Corroborando com nossa análise,
Stedile afirma: “o alimento é um direito de todos os seres humanos e não mera mercadoria da
qual busca extrair lucros [...]”. Logo, a produção agrícola camponesa baseada na policultura, é
essencial para manter a soberania alimentar. (2007, p. 42).
Podemos sintetizar as marcantes diferenças entre a agricultura camponesa e o
agronegócio por meio das diferenças existentes entre o campo diversificado e ambientalmente
saudável onde predomina a agricultura camponesa e o campo vazio e ambientalmente em
risco onde predomina o agronegócio.
Com o objetivo de marcar as diferenças, entre essas duas formas de produzir
no campo, temos de um lado a agricultura camponesa que constrói um campo de inclusão
social e de preservação da sociobiodiversidade. Devido à numerosa população existente no
campo, este é um território de vida e produção material e simbólica de seus habitantes.
Inclusive possibilitando a construção da Educação do Campo, dos movimentos sociais, das
festas e dos cultos camponeses.
Do outro lado, antagonicamente, o agronegócio com a produção da
monocultura em latifúndios para a exportação, tecnificada e que, com o uso abusivo de
agrotóxicos e de transgênicos, coloca em risco a soberania alimentar, destrói a
sociobiodiversidade, expropria o camponês gerando a miséria e a exclusão social.
Transformam o espaço rural em uma mercadoria útil para o negócio, ou seja, no agronegócio
o meio rural não passa de um espaço de negócio, onde a vida não se reproduz nesse espaço,
nele o único ganhador é o capitalista latifundiário em detrimento do restante da sociedade.
Dessa forma, vejamos o quadro abaixo que nos mostra esses antagonismos existentes no
campo, descritos por Fernandes e Molina (2004, p. 85):
CAMPO
DO
AGRONEGÓCIO
CAMPO
DA
AGRICULTURA
CAMPONESA
22
M
ONOCULTURA
C
OMMODITIES
P
OLICULTURA
USO LTIPLO DOS RECURSOS
NATURAIS
P
AISAGEM HOMOGÊNEA E SIMPLIFICADA
P
AISAGEM HETEROGÊNEA E COMPLEXA
P
RODUÇÃO PARA EXPORTAÇÃO
(
PREFERENCIALMENTE
)
P
RODUÇÃO PARA O MERCADO INTERNO E PARA
EXPORTAÇÃO
C
ULTIVO E CRIAÇÃO ONDE PREDOMINA AS ESPÉCIES
EXÓTICAS
C
ULTIVO E CRIAÇÃO ONDE PREDOMINA AS
ESPÉCIES NATIVAS E DA CULTURA LOCAL
22
Todavia, não podemos generalizar as análises acerca da agricultura camponesa, tratando essa problemática a
partir de uma análise idealista e simplista, pois a própria gica de mercado impõe a produção em escala aos
camponeses como uma das únicas alternativas para que essa produção chegue ao mercado consumidor. Por isso,
não é raro ver os camponeses ocupados com uma única atividade comercial. Confirmando a necessidade de luta
contra o capital, a fim de libertar o campesinato dessa sujeição imposta pelo capital.
80
E
ROSÃO GENÉTICA
C
ONSERVAÇÃO E ENRIQUECIMENTO DA
DIVERSIDADE BIOLÓGICA
T
ECNOLOGIA DE EXCEÇÃO COM ELEVADOS NÍVEL DE
INSUMOS EXTERNOS
T
ECNOLOGIA APROPRIADA
,
APOIADA NO SABER
LOCAL COM BASE NO USO DA PRODUTIVIDADE
BIOLÓGICA PRIMÁRIA DA NATUREZA
.
C
OMPETITIVIDADE E ELIMINAÇÃO DE EMPREGOS
T
RABALHO FAMILIAR E GERAÇÃO DE EMPREGOS
C
ONCENTRAÇÃO DE RIQUEZAS
,
AUMENTO DA
MISÉRIA E DA INJUSTIÇA SOCIAL
.
D
EMOCRATIZAÇÃO DAS RIQUEZAS
DESENVOLVIMENTO LOCAL
Ê
XODO RURAL E PERIFERIAS URBANAS INCHADAS
P
ERMANÊNCIA
,
RESISTÊNCIA NA TERRA E
MIGRAÇÃO URBANO
-
RURAL
.
C
AMPO COM POUCA GENTE
C
AMPO COM MUITA GENTE
,
COM CASA
,
COM
ESCOLA
...
C
AMPO DO TRABALHO ASSALARIADO
(
EM
DECRÉSCIMO
)
C
AMPO DO TRABALHO FAMILIAR E DA
RECIPROCIDADE
P
ARADIGMA DA EDUCAÇÃO RURAL
P
ARADIGMAS DA
E
DUCAÇÃO DO
C
AMPO
P
ERDA DA DIVERSIDADE CULTURAL
R
IQUEZA CULTURAL DIVERSIFICADA
FESTAS
,
DANÇAS
,
POESIAS
MUSICA
EXEMPLO
:
O
M
ATO
G
ROSSO É O MAIOR PRODUTOR BRASILEIRO DE
MILHO E NÃO COMEMORA AS FESTAS JUNINAS
.
J
Á
NO
N
ORDESTE
...
AGRO-NEGÓCIO
AGRI-CULTURA
Neste sentido, para Gonçalves a cultura “[...] está associada à distribuição da
riqueza no sentido forte da palavra e não necessariamente ao negócio! Eis o contraste entre a
agricultura e o agrinegócio!” (2004, p. 245, grifo do autor).
Quanto à diferenciação da produção cultural entre a agricultura camponesa e
o agronegócio, Gonçalves faz uma comparação sobre as diferenças de relações que ocorrem
nos territórios onde predomina a agricultura camponesa e nos territórios do agronegócio.
Como sabemos a agricultura é produzida por pessoas que, por sua vez, produzem cultura a
partir de suas relações socioespaciais e históricas vivenciadas nesse processo. Todavia, no
agronegócio a produção agrícola não está relacionada à produção cultural, tendo em vista que
não é uma produção que envolve os sujeitos territorializados no processo, pois a importância
do agronegócio, como diz o próprio nome, é o negócio, ou seja, o lucro. Que faz desse
território, onde o capital se territorializou, o local da expropriação camponesa, de poucos
trabalhadores assalariados e de muitas máquinas.
Faz parte da tradição popular brasileira no mês de junho a comemoração da
festa junina que está relacionada ao fim das colheitas. Neste sentido, Gonçalves compara o
que ocorre na mesma data no Centro-Oeste - território do Blairo Maggi, maior produtor de
soja do mundo, e maior região produtora de milho do Brasil - com o Nordeste e Minas Gerais,
onde se predomina a agricultura camponesa:
81
[...] Talvez a própria mudança de nome, de agricultura para agronegócio,
como gostam de chamar o setor, os seus próprios protagonistas, indique
onde está o problema. No Brasil, durante o mês de junho ocorrem festas
religiosas geralmente associadas à colheita, sobretudo a do milho. A
expansão do agronegócio pelo Centro-Oeste, ocupando suas chapadas, tem
feito dessa região a maior produtora de milho do Brasil. Entretanto,
milhares de sertanejos no Nordeste e em Minas Gerais festejam
efusivamente São João e São Pedro, sejam Caruaru, Campina Grande,
Sobral, Crato, Feira de Santana, Jequié, Montes Claros, entre tantos arraiais
onde se come canjica, bolo de milho, curau, quindim, pamonha, milho
cozido que se misturam na alegria de tantas barraquinhas, tantos
empregos, namoros, danças e distribuição de renda e, ao que se sabe,
nenhuma dessas festas está associada a colheitas feitas com grandes
máquinas e com tão pouco empregos no Centro-Oeste brasileiro, onde vêm
sendo jogadas todas as fichas de um modelo de desenvolvimento no mais
tradicionalestilo moderno. [...].
(2004, p. 245, grifo do autor).
Essa descrição emocionante
feita por Gonçalves nos confirma a ambigüidade
inerente ao agronegócio já afirmada por Oliveira: “Barbárie e modernidade
23
”. Outro exemplo
que podemos resgatar é a da substituição das festas populares tradicionais do interior do
Estado de São Paulo pelos agrishows, principalmente em Ribeirão Preto e em Barretos. Onde
se importa uma cultura estadunidense em oposição à cultura popular paulista. Além da
destruição cultural, este fato expõe a territorialização do capital, principalmente pelas usinas
destiladoras de álcool. O capital retira do camponês a possibilidade que no passado tinha de
ser sujeito e não espectador das festas paulistas.
[...] Está aberto o espaço, pois, para a realização de uma festa-espetáculo
para qual uma empresa de eventos contrate artistas do showbusiness, como
se faz em, Ribeirão Preto com o Agrishow; ou em Barretos com a festa
do Peão Boiadeiro, onde se uma enorme concessão simbólica à cultura
dos EUA (na primeira, até mesmo pelo nome que se dá à festa – Agrishow).
Ali, muitos espectadores se farão presentes aplaudindo o que se passa no
palco, não necessariamente tão ativos como montando barraquinhas,
fazendo bandeirinhas, preparando seus doces e salgados ou dançando uma
quadrilha. Com certeza em Ribeirão Preto e Barretos sempre há espaço para
montar uma barraca de cachorro-quente e para vender cerveja, por aqueles
que têm que reinventar a vida nas circunstancias possíveis.
(GONÇALVES, 2004, p. 244-245, grifo do autor).
23
[...]. Dados recentes divulgados pela CPT dão conta de que os Estados brasileiros por onde se expande o
agronegócio são aqueles em que é maior o número de lideranças de trabalhadores rurais assassinadas e de
famílias despejadas. [...] o Mato Grosso, governado
pelo maior produtor de soja do mundo, Blairo Maggi,
somente no ano 2003 o equivale a 6,2% da população rural foi simplesmente despejada de suas terras ou das
terras que reivindicam. [...]. Nem no período colonial se conseguiu tal façanha (GONÇALVES, 2004, p.224).
82
Dessa forma, com a territorialização do capital no campo, ou seja, com o
processo de expansão do agronegócio, “[...] não só se perde diversidade biológica, mas
também diversidade cultural e múltiplas formas de propriedade distintas da propriedade
privada [...]”. (GONÇALVES, 2004, p.224).
2.5 - Concepções teóricas acerca do estudo da questão agrária no Brasil
É preciso na construção do conhecimento, confrontar a nossa leitura da
realidade com as diversas outras formas de conceber o mundo atual, visto que “[...] o debate e
o confronto das idéias são também função básica da produção acadêmica e da reflexão
intelectual [...]”. (OLIVEIRA, 2004, p. 27). Por isso, fazer “[...] as análises sobre o campo
significa mergulhar no debate político, ideológico e teórico. [...]”. (OLIVEIRA, 2004, p. 27).
Sem, no entanto, tentar buscar as verdades absolutas dessa realidade, mas
sim, construindo reflexões que ultrapassem a “aparência”
24
da realidade, a fim de romper
com a neutralidade científica. Produzindo um conhecimento que auxilie na evolução do
processo de humanização. Portanto, a construção do conhecimento, não deve ser feito “[...] de
forma maniqueísta o que está certo ou errado. Trata-se, isso sim, de construir as explicações
das diferenças, demarcá-las e revelá-las por inteiro [...]”. (OLIVEIRA, 2004, p. 27).
Partindo da concepção de que “o método é a nossa leitura da realidade”
(STRAFORINI, 2004), ao longo do desenvolvimento da geografia enquanto ciência houve
várias correntes de pensamento que, de certa forma, dominaram os trabalhos científicos de
determinado período histórico. Esse fato ocorre não na geografia, mas nas ciências de
maneira geral. E, em se tratando mais especificamente da área da geografia agrária, não foi
diferente. Por isso, vamos fazer uma reflexão a partir, principalmente, das análises do
geógrafo Ariovaldo Umbelino de Oliveira acerca da construção do pensamento da geografia
agrária no Brasil.
Neste sentido, segundo Oliveira, inicialmente, “[...] a história do pensamento
na Geografia Agrária também foi fortemente influenciada pelo historicismo [...]”. (2004, p.
32). Dessa maneira, nos primórdios tivemos Orlando Valverde, como “[...] talvez uma espécie
de marco histórico na história da Geografia Agrária no Brasil [...]”. (OLIVEIRA, 2004, p. 32).
Contudo, hoje, a produção do conhecimento da geografia agrária no Brasil
tem sido influenciada, principalmente, por duas correntes que são o neo-historicismo e a
24
No capítulo IV discutiremos aparência e essência.
83
fenomenologia. As pesquisas, a partir dessas concepções teóricas, se dedicam principalmente
a estudar a percepção e o modo de vida dos povos do campo. Nesta perspectiva, Oliveira nos
explica que “[...] talvez duas correntes, neo-historicismo e fenomenologia, estejam se
constituindo na base do maior número de trabalhos em desenvolvimento na Geografia na
atualidade. Pesquisas sobre percepção e modo de vida das populações do campo estão se
tornando prática usual na Geografia Agrária”. (2004, p. 32).
Pensando a dialética como pressuposto metodológico do qual fazemos a
nossa leitura da realidade e que constrói a corrente que ficou conhecida como Geografia
Crítica destacamos que ela nasceu “[...] das obras de Elisée Reclus e Piotr Alekseievitch
Kropotkin [e] permaneceu praticamente no interior do movimento anarquista do século XIX e
início do século XX. [...]”. (OLIVEIRA, 2004, p. 32). Depois este debate foi retomado no
“[...] final da década de 30 e início da década de 40 do século XX, por um grupo de geógrafos
franceses
25
[...]”. (OLIVEIRA, 2004, p. 32).
A dialética é um pressuposto metodológico que foi trazido à geografia pela
influência marxista e, como corrente na geografia agrária, é marcada pelo fim do discurso
ideológico de neutralidade científica presente, até então, sobretudo, na Geografia Tradicional
positivista. Por isso, possui um caráter ideológico de classe, ou seja, mostra-se como sendo a
antítese do pensamento científico burguês dominante. Neste sentido, Oliveira escreve:
Trazida pela influência marxista, a dialética como corrente na Geografia
Agrária está na base de um conjunto de trabalhos de Orlando Valverde,
Manuel Correia de Andrade, Pasquale Petrone, Lea Goldenstein, Manuel
Seabra, entre outros. Tal influência tem sido marcada por princípios que
sustentam essa escola do pensamento. Pode-se destacar entre eles o
condicionamento histórico e social do pensamento, portanto o seu caráter
ideológico de classe. Com o marxismo, começou a batalha pelo
desmascaramento do discurso pretensamente neutro e objetivo presente no
positivismo e no empirismo lógico, e mesmo no historicismo. (OLIVEIRA,
2004, p. 33).
Todavia, no interior dos pressupostos teórico-metodológicos marxistas houve
várias subdivisões em correntes que tentaram explicar a questão agrária no Brasil. Cada
corrente à sua maneira desenvolveu “marxismos” de “[...] influência positivista, historicista
ou mesmo racionalista [...]”. (OLIVEIRA, 2004, p. 34). Por isso, “o estudo da agricultura
25
Vamos expor mais sobre o assunto quando estivermos falando a respeito dos pressupostos teóricos-
metodológicos da geografia.
84
brasileira tem sido feito por muitos autores que expressam diferentes vertentes do marxismo.
[...]”. (OLIVEIRA, 2004, p. 34).
Uma dessas correntes ao conceber que no Brasil houve feudalismo, ou
mesmo relações semifeudais de produção, acredita que somente acabando com esses
resquícios semifeudais é que pode ser feita a revolução. Esta interpretação parte do
pressuposto marxista mecanicista que para se atingir o socialismo precisa-se,
necessariamente, eliminar totalmente qualquer resíduo feudal presente em nosso território.
Visto que o socialismo poderá vir depois do capitalismo consolidado e este, por sua vez,
depende da extinção do feudalismo, onde os modos de produção aparecem de forma linear.
Logo, o avanço do trabalho assalariado no campo e, conseqüentemente, a
proletarização do campesinato e o desenvolvimento da agricultura capitalista, ou seja, o
agronegócio - seriam, assim, transformações necessárias para que desaparecessem os
resquícios feudais no Brasil e, dessa maneira, o capitalismo se desenvolvesse plenamente.
São, pois, adeptos dessa corrente importantes pensadores brasileiros
26
como explica Oliveira:
[...] Por exemplo, autores que defendem o ponto de vista de que no
Brasil houve feudalismo, ou mesmo relações semifeudais de produção. Por
isso eles advogam a seguinte tese: “para que o campo se desenvolva, seria
preciso acabar com essas relações feudais ou semifeudais e ampliar o
trabalho assalariado no campo”. Para esses autores, a luta dos camponeses
contra os latifundiários exprimiria o avanço da sociedade na extinção do
feudalismo. Portanto, a luta pela reforma agrária seria um instrumento que
faria avançar o capitalismo no campo. [...] Nessa concepção estão os
trabalhos de Maurice Dobb, Nelson Wernck Sodré, Alberto Passos
Guimarães, Inácio Rangel etc. O livro, Estudos de Geografia Agrária
Brasileira, de Orlando Valverde, apresenta essa interpretação [...].
(OLIVEIRA, 2004, p. 34).
Corroborando nesta análise, Gorender explica que esses pesquisadores, que
concebem que ainda existem resquícios feudais no Brasil, partem do pressuposto que o
capitalismo no Brasil se desenvolveu também como na Europa, a partir do feudalismo. Nesse
caso, essa lógica seria, mecanicamente, um modelo universal. Por isso, haveria ainda resíduos
semifeudais no Brasil, que seriam, então, empecilho para o desenvolvimento capitalista no
campo. Deste modo, a reforma agrária teria a função de abrir caminho à entrada do
capitalismo no campo.
26
Essa também era tese do PCB para se poder fazer a reforma agrária e a revolução socialista, neste caso
propunham uma aliança com a burguesia nacional para eliminar os resquícios feudais do campo.
85
[...] o capitalismo no Brasil se formou a partir do feudalismo, reproduzindo-
se aproximadamente o processo europeu, convertido em esquema universal;
haveria então, até hoje, sobrevivências feudais ou simifeudais no campo
brasileiro, as quais seriam obstáculos econômicos e institucionais à
penetração do capitalismo na agropecuária nacional. Em conseqüências,
postula-se uma reforma agrária que desimpeça o caminho ao livre
desenvolvimento do capitalismo na agropecuária e reforce um regime
democrático-burguês no Brasil. (2002, p. 20).
Todavia, entendemos que esse processo clássico, de construção do
capitalismo na Inglaterra, explicado por Marx, não é um modelo “cartesianamente” universal.
Por isso, em cada espaço houve condições diferenciadas que fizeram o capitalismo evoluir de
uma forma distinta, principalmente quando comparado aos países desenvolvidos. Neste
sentido, Gorender explica que o próprio Marx destacou a limitação desse modelo como
premissa universal:
O processo clássico de origem do capitalismo, estudado por Marx, não pode
ser considerado um processo universal, mas foi típico da Europa Ocidental,
principalmente na Inglaterra. O próprio Marx enfatizou, e muito claramente,
a limitação desse processo histórico no qual o capitalismo se originou das
entranhas do feudalismo e se beneficiou de meios peculiares de acumulação
de capital inclusive, embora não unicamente, do colonialismo e do tráfico
de escravos. (2002, p.20).
Dando continuidade a nossa reflexão sobre as correntes teóricas que
perpassam as pesquisas acerca da questão agrária no Brasil, temos que revelar qual é o nosso
posicionamento sobre o mesmo. E, demarcar, assim, as diferenças do ponto de vista teórico,
político e ideológico, com relação a outros posicionamentos de interpretação dessa realidade.
Em primeiro lugar, discordamos das vertentes que afirmam a inevitável extinção do
campesinato, tendo em vista que esse posicionamento mecanicista é a negação do sujeito
histórico que produz suas relações sociais e supera seus condicionantes estruturais.
Dentre essas correntes, a mais difundida é a que afirma que o
desenvolvimento do campo do ponto vista capitalista levará ao inevitável desaparecimento do
campesinato via territorialização do capital. Neste caso, o camponês é tratado como um
resíduo social ainda não eliminado e não, como acreditamos, uma classe social inerente ao
modo de produção capitalista.
Esta análise tem como base a crença na determinação estrutural como uma
característica máxima do capitalismo, ou seja, o capitalismo tem o poder de eliminar todas as
formas de produção que não forem totalmente capitalistas, isto é, que não se baseie na lógica:
86
proletariado versus burguesia. Por conseguinte, o trabalho assalariado a todos trabalhadores é
um fim inevitável. Logo, somente essas duas classes existirão quando o modo de produção
capitalista estiver consolidado plenamente.
Segundo essa concepção teórica, a proletarização do campesinato seria
inevitável, visto que em determinado momento, ao tentarem produzir ao mercado, os
camponeses acabariam falindo, devido à competição com as empresas capitalistas, pois se
trata de uma competição absolutamente desigual. Acabariam vendendo suas terras para as
empresas capitalistas e, então, se proletarizando.
Entre os adeptos dessa concepção, estão alguns dos grandes pensadores
marxistas mundiais e brasileiros como Lênin, Kautsky, Prado Junior, entre outros. Segundo
Oliveira, é a corrente teórica da maioria dos trabalhos de geografia agrária brasileira. Dentre
os grandes geógrafos brasileiros se destaca Ruy Moreira como adepto dessa concepção teórica
marxista-leninista. E também, as produções de teóricos importantes atualmente como Ricardo
Abramovay e José Eli da Veiga. Vejamos as explicações de Oliveira:
Outra vertente entende que “o campo brasileiro já está se desenvolvendo do
ponto de vista capitalista, e que os camponeses inevitavelmente irão
desaparecer, pois eles seriam uma espécie de ‘resíduo’ social que o
progresso capitalista extinguiria”. Ou seja, os camponeses, ao tentarem
produzir para o mercado, acabariam indo à falência e perderiam suas terras
para os bancos, ou mesmo teriam de vendê-las para saldar as dívidas. Com
isso, “os camponeses tornam-se iam proletários”. Entre os principais
pensadores dessa corrente estão Karl Kautsky, Vladimir I. Lênin, [...] Caio
Prado Jr., Maria Isaura Pereira de Queiroz, José Graziano da Silva, Ricardo
Abramovay, José Eli da Veiga etc. A maior parte dos trabalhos em
Geografia Agrária tem por base essa concepção. São exemplos dessa
corrente a maioria dos artigos publicados nos Anais dos Encontros de
Geografia e a maior parte das teses e dissertações defendidas na Geografia
da UNESP - Rio Claro-SP e na UFRJ no Rio de Janeiro. Mas, talvez pelo
seu caráter emblemático, o trabalho de Ruy Moreira “O desenvolvimento do
capitalismo e o lugar do campo no processo”, publicado na revista Terra
Livre nº. 1, seja um dos melhores exemplos na Geografia Agrária. [...].
(OLIVEIRA, 1999, p.71; 2004, p. 34).
Todavia, devemos esclarecer que todos esses teóricos foram importantes para
o desenvolvimento da ciência, com destaque ao teórico brasileiro Caio Prado Júnior que
apesar de negligenciar a importância camponesa ao longo do processo histórico, teve o mérito
de romper com a linearidade histórica, ou seja, com a afirmação mecânica de que o
capitalismo nasceria necessariamente do modo de produção feudal em qualquer espaço. Dessa
87
forma, rompeu com a tese da necessidade de união com a burguesia nacional para acabar com
os resquícios feudais no campo...
[...] fazendo uma análise de que as relações de produção e sociais,
tipicamente capitalistas, já eram predominantes no campo e, portanto, se
houvesse uma reforma agrária, deveria ter um caráter anticapitalista. Por
outro lado, em sua avaliação, considerava que a burguesia nacional já estava
aliada ao capital estrangeiro e que uma revolução brasileira aconteceria com
outro tipo de aliança, diferente do que estava pregando seu ex-partido e as
forças tradicionais de esquerda. Essas idéias foram defendidas no livro a
Revolução brasileira e representaram um marco na história do pensamento
sobre a questão agrária [...]. (STEDILE, 2002, p.309-310).
Por conseguinte, Prado Jr. descarta qualquer possibilidade da existência de
resquícios feudais na estrutura agrária nacional, pois o que teríamos eram restos escravistas,
por isso havia necessidade da luta por melhores condições aos trabalhadores rurais
assalariados. Isto quer dizer que Prado Jr. concebe o campo brasileiro incluso em relações
capitalistas de produção (ALMEIDA; PAULINO, 2000).
Kautsky, um dos primeiros teóricos marxistas a estudar o campesinato,
partia da concepção de que o desenvolvimento capitalista não poderia comportar outras
classes além do proletariado e da burguesia, opondo-se, portanto, a teoria da agricultura
familiar camponesa. Neste caso, a proletarização camponesa seria um processo irreversível e
irrestrito (ALMEIDA; PAULINO, 2000).
O autor em questão concebia o campesinato como uma classe reacionária e
em vias de extinção, considerava o proletariado urbano como a única classe capaz de construir
a revolução. Neste caso, ao contrário de considerar a potencialidade camponesa, Kautsky
considerava o campesinato como um empecilho para a construção do socialismo como
explica Almeida e Paulino: “sua visão sobre o campesinato era altamente depreciativa: essa
seria uma classe miserável, retrógrada e vacilante, um entrave à superação do modo capitalista
de produção. [...]. Reservava ao operariado urbano o papel supremo de conduzir o processo
revolucionário”. (2000, p. 14).
Essa visão mecanicista da história e depreciativa do campesinato fez com
que teóricos como Chayanov que defendiam a agricultura familiar camponesa fosse acusado
pelos marxista-leninistas (ou marxista-leninista-kautskystas) de estar defendendo os interesses
conservadores em oposição à revolução socialista. E, mais, passaram a considerar sua obra
sem importância científica.
88
Teóricos defensores da tese de que o capitalismo estava prestes a suprimir o
campesinato da história, fizeram severas críticas à chayanov, alegando ser
uma obra obsoleta, por dedicar-se a uma classe social em vias de
desaparecimento. Acusaram-no também de estar politicamente voltado à
defesa de interesses burgueses, ao valorizar essa classe, tida como
reacionária, contrária aos interesses da revolução socialista. (ALMEIDA;
PAULINO, 2000, p. 118).
Todavia, o que Chayanov acreditava, assim como outros marxistas, era na
construção do socialismo, mas ao contrário de Kautsky concebia a possibilidade de
construção de uma sociedade planificada de iguais com a participação ativa do campesinato
(ALMEIDA; PAULINO, 2000).
Para Paulino (2006), a base de sustentação do paradigma da agricultura
familiar de Abramovay, teórico com produção bastante atual, é a compreensão de que o
desenvolvimento do capitalismo na agricultura culminaria em sua divisão inexorável entre
capital e trabalho, por isso, restaria aos camponeses a proletarização ou o aburguesamento
(p.32). Ou seja, a tese defendida por Abramovay tem como fundamento principal a crença na
inevitável extinção do campesinato. Pois para ele ou os camponeses acabam expropriados
pelo capital devido a sua incapacidade de competir no mercado com os capitalistas do
agronegócio ou se transformam, também, em capitalistas para continuarem existindo. Isto
significa que em nenhuma das alternativas o campesinato continuaria existindo. Na sua
concepção: “as sociedade camponesas são incompatíveis com o ambiente econômico onde
imperam relações claramente mercantis [...]”. (ABRAMOVAY apud PAULINO, 2006, p. 32).
Isto é, no capitalismo não espaço para o campesinato. Vejamos o que Paulino escreve
sobre o assunto:
Assim, o limiar continua sendo o do desaparecimento desses sujeitos,
embora o critério seja o da eficiência produtiva ante o mercado: aos
ineficientes, porque tecnicamente defasados, a expropriação. Aos eficientes,
o aprofundamento das trocas o que, em tese, responderia pela desintegração
da condição camponesa. (2006, p.32).
Para abramovay, esse aperfeiçoamento do campesinato, que está relacionado
a sua integração no mercado, seria a única forma de manter sua reprodução, porém como
agricultores familiares. Formariam, então, unidades de produção familiar como qualquer
outra, e não uma classe. Vejamos em suas próprias palavras:
89
Uma agricultura familiar, altamente integrada ao mercado, capaz de
incorporar os principais avanços técnicos e de responder às políticas
governamentais o pode ser nem de longe caracterizada como
camponesa... [Teríamos assim] unidades produtivas que são familiares, mas
não camponesas. (ABRAMOVAY apud PAULINO, 2006, p. 32).
Daí vem à crítica de autores como Paulino ao termo agricultura familiar em
substituição ao termo camponês, uma vez que este último está ancorado em uma delimitação
de classe. Ou seja, o campesinato tem como características que o definem enquanto classe
social o tripé: terra, trabalho e família. Porém, o conceito de agricultura familiar retira o
caráter classista do campesinato. Em outras palavras o conceito agricultura familiar...
[...] é a negação do caráter de classe, posto que a unidade passa a se
estabelecer no plano do mercado, o que daria sentido à transformação de
camponeses em agricultores familiares.
Em outras, palavras, embora os sujeitos em questão sejam rigorosamente os
mesmos, o conceito de camponês designa um sentido próprio à
organicidade interna, que tem no tripé terra, e família o seu sustentáculo.
[...]. (PAULINO, 2006, p. 31).
Deste modo, o que em comum entre essas duas grandes vertentes, é que
estes teóricos, equivocadamente, partem da concepção de que o desenvolvimento do
capitalismo extinguirá o campesinato. No caso dos clássicos da primeira vertente
representados por Caio Prado Junior, o desaparecimento do campesinato estava ligado à
crença de que este era o caminho para se chegar ao socialismo. Essa concepção equivocada
trás conseqüências negativas para os camponeses, pois faz com que estes, além serem
marginalizados pelo próprio sistema, sejam também excluídos das produções científicas
marxistas e da contribuição dos partidos de esquerda.
Sendo, por isso, tratados, por esta vertente como reacionários. Pois, sendo os
camponeses são proprietários de terra, entendem esses teóricos que eles estão do lado dos
latifundiários e não dos trabalhadores. Este fato demonstra a superficialidade com que é
discutido o campesinato, cuja reflexão requer um entendimento profundo de suas relações
materiais e simbólicas, que os diferenciam, de maneira antagônica, do latifundiário do
agronegócio.
Assim, para essas duas vertentes, na sociedade capitalista avançada não
lugar histórico para os camponeses no futuro dessa sociedade. Isso porque a
sociedade capitalista é pensada por esses autores como sendo composta por
90
apenas duas classes sociais: a burguesia (os capitalistas) e o proletariado (os
trabalhadores assalariados). É por isso que muitos autores e mesmo partidos
políticos não assumem a defesa dos camponeses. Muitos acham, inclusive,
que os camponeses são reacionários, que “sempre ficam do lado dos
latifundiários” etc. [...] eles “não fazem parte da sociedade” para esses
autores e partidos. (OLIVEIRA, 1999, p.71; 2004, p. 34-35).
Logo, concordamos com Oliveira que essas correntes teóricas, “[...] em vez
de explicar o que está realmente acontecendo no campo, passam apenas uma visão teórica’
do que ‘acham’ que está ocorrendo”. (2004, p. 35). Por isso, se faz necessário analisar essa
questão como parte inerente ao processo de desenvolvimento do capitalismo monopolista no
campo brasileiro e, também analisarmos o processo de lutas do campesinato brasileiro, pois
estes, por meio da luta pela terra, estão conseguindo retornar ao campo. Ou seja, “[...] ou
entende-se a questão no interior do processo de desenvolvimento do capitalismo no campo, ou
então continuar-se-à a ver muitos autores afirmam que os camponeses, estão desaparecendo,
mas, entretanto, eles continuam lutando para conquistar o acesso às terras em muitas partes do
Brasil. [...]”. (OLIVEIRA, 2004, p. 35).
2.5.1 A tese do movimento desigual e contraditório no desenvolvimento capitalista no
campo brasileiro
Para contestarmos as concepções teóricas que afirmam a extinção do
campesinato, temos a realidade em dados que confirmam que houve desde 1965 um aumento
do número de estabelecimentos controlados por posseiros no Brasil. Mesmo sendo esse
período marcado pela expansão do processo de desenvolvimento capitalista no Brasil,
principalmente pela urbanização e pela industrialização nacional. Vejamos os dados nas
palavras de Oliveira (2004, p. 35):
[...] Um bom exemplo para esclarecer essa questão é o aumento do número
de posseiros no Brasil. Em 1960 existiam 356.502 estabelecimentos
agropecuários controlados por posseiros. em 1985, eles passaram para
1054.542 estabelecimentos, e em 1995 eram 709.710. Ou seja, ocorreu
exatamente, nesse período de grande desenvolvimento do capitalismo
(sobretudo industrial) no Brasil, um aumento dos estabelecimentos
ocupados por posseiros a1985, e a sua redução em 1995 foi provocada
pela regulação fundiária realizada no governo FHC. [...].
Por isso, se essas concepções teóricas, que insistem na imutável e inflexível
lógica do capitalismo proletarizando os camponeses, estivessem conseguindo explicar a
91
realidade concreta, o correto uma diminuição no número de camponeses e não um aumento
desses, uma vez que houve neste período um avanço do capitalismo no campo brasileiro.
Logo, estes dados da realidade confirmam a inviabilidade explicativa destas teses.
Deste modo, para que possamos explicar o que está ocorrendo no campo
atualmente, temos que entender como é o desenvolvimento do capitalismo no Brasil e quais
são suas estratégias para a acumulação do capital. Por isso, acreditamos na tese de que o
processo de desenvolvimento do modo de produção capitalista no território brasileiro é
contraditório e combinado e /ou desigual e contraditório.
Isso quer dizer que o capitalismo avança produzindo/reproduzindo relações
especificamente capitalistas, ou seja, proletarizando os camponeses, transformando-os em
bóias-frias, no caso do agronegócio, ou em empregados dos capitalistas urbanos, industriais,
comerciais ou financeiros. Todavia, contraditoriamente, o capitalismo avança produzindo,
também, relações não capitalistas de produção, como as relações camponesas de trabalho
familiar no campo. A comprovação desse fato está no aumento do número de camponeses,
como vimos anteriormente.
Dentre os adeptos dessa tese estão grandes pensadores mundiais como Rosa
Luxemburgo e, também, importantes pesquisadores brasileiros como Carlos Rodrigues
Brandão e José de Souza Martins. Na geografia Agrária, temos como grande defensor dessa
corrente de análise marxista, Oliveira e seus orientandos da UNESP e da USP.
[...] o processo de desenvolvimento do modo capitalista de produção no
território brasileiro é contraditório e combinado [e / ou desigual e
contraditório]. Isso quer dizer que, ao mesmo tempo em que esse
desenvolvimento avança produzindo relações especificamente capitalistas
(implantando o trabalho assalariado através da presença no campo do “bóia-
fria”), o capitalismo produz também, igual e contraditoriamente, relações
camponesas de produção (através da presença e do aumento do trabalho
familiar no campo). Entre os mais importantes pensadores dessa corrente
estão Rosa Luxemburgo, Teodor Shanin, Samir Amim e Kostas
Vergopoulos, e no Brasil, José de Souza Martins, Margarida Maria Moura,
José Vicente Tavares da Silva, Carlos Rodrigues Brandão, Alfredo Wagner,
Ellen Woortmann etc. Na Geografia Agrária, seguindo essa concepção,
os trabalhos de Regina Sader, Iraci Palheta, Rosa Ester Rossini, os meus
próprios, e as dissertações e teses de grandes partes de meus orientandos.
[...]. (OLIVEIRA, 2004, p. 36).
Dentre as teses orientadas pelo professor Ariovaldo de Oliveira, está à tese
da orientadora dessa pesquisa, professora Rosemeire Aparecida de Almeida, intitulada:
“Identidade, distinção e territorialização: o processo de (re)criação camponesa no Mato
92
Grosso do Sul”. Concordando, portanto, com a tese do campesinato como uma classe do
modo de produção capitalista, contradizendo as teses de sua extinção e explicando as
possibilidades concretas de sua (re)criação, Rosemeire de Almeida vai mergulhar
profundamente na discussão da complexidade dessa classe que possui um caráter dúplice e
distinto: o camponês é ao mesmo tempo trabalhador e proprietário dos meios de produção.
Neste sentido, Oliveira faz a seguinte observação a respeito da tese de Almeida:
Buscando um recorde temático diferente, Rosemeire Aparecida de Almeida
analisa com profundidade os processos internos e suas conexões no interior
dos movimentos sociais no Estado de Mato Grosso do Sul. Essa análise
feita por dentro dos movimentos sociais abre a possibilidade da
compreensão de suas virtudes e fragilidades e, particularmente, dos avanços
alcançados pelos sujeitos sociais que os formam. A incorporação dos
conceitos de Pierre Bourdieu abre um diálogo interessante com essa
corrente da antropologia. (OLIVEIRA, 2004, p. 37).
Esta tese interpretativa, a respeito do desenvolvimento do capitalismo no
campo, tem origem marxista a partir da “[...] lei do desenvolvimento desigual e combinado
proposto por Trotsky”. (CORRÊA, 1986, p.43). Essa concepção está assentada na
interpretação dialética da realidade a partir de suas contradições, ou seja, “[...] refere-se ao
fato de ser cada aspecto da realidade constituído de dois processos que se acham relacionados
e interpenetrados, apesar de serem diferentes e opostos”. (CORRÊA, 1986, p.43).
Entretanto, isto quer dizer, também, que existe um processo histórico
dinâmico ocorrendo, cuja superação dessas contradições é inerente a esse processo, ou seja,
“[...] a concepção dialética implica compreender o desenvolvimento histórico sendo efetuado
por contradições e movimentos de superação destas contradições. [...]”. (LOUREIRO, 2004,
p.111).
É dessa forma que podemos entender, também, seu movimento desigual e
contraditório, pois o capitalismo necessita, para a sua reprodução, do desenvolvimento de
aspectos que tem uma aparência contraditória. Ou seja, “o desenvolvimento capitalista se faz
movido pelas suas contradições. Ele é, portanto, em si, contraditório e desigual. Isso significa
dizer que para que seu desenvolvimento seja possível, ele tem que desenvolver aqueles
aspectos aparentemente contraditórios”. (OLIVEIRA, 2002, p. 46, grifo nosso).
Dizer que existe um desenvolvimento contraditório do capitalismo significa,
portanto, afirmar que para que o capitalismo se desenvolva é necessário que este se alimente
de relações sociais não-capitalistas, como as relações camponesas. Logo,
93
[...] o desenvolvimento do capitalismo tem que ser entendido como
processo (contraditório) de reprodução capitalista ampliada do capital. E
esta como reprodução de formas sociais não-capitalistas, embora a lógica, a
dinâmica, seja plenamente capitalista; neste sentido o capitalismo se nutre
de realidades não-capitalistas, e essas desigualdades não aparecem como
incapacidades históricas de superação, mas mostram as condições recriadas
pelo desenvolvimento capitalista. (OLIVEIRA apud ALMEIDA, 2003, p.
75).
Isso explica porque existem dois processos contraditórios ocorrendo no
campo brasileiro, isto é, ao mesmo tempo em que aumenta o agronegócio, e, logo a
proletarização do campesinato, também, do outro lado, aumenta-se as relações camponesas de
produção. Ou seja, “[...] vamos encontrar no campo brasileiro, junto com o processo geral de
desenvolvimento capitalista que se caracteriza pela implantação das relações de trabalho
assalariado, os bóias-frias, por exemplo, a presença das relações de trabalho não-capitalistas
como, por exemplo, a parceria, o trabalho familiar camponês, etc.”. (OLIVEIRA, 2002, p.
46).
Por isso, esse desenvolvimento aparentemente contraditório tem uma lógica,
uma vez que os capitalistas agroindustriais utilizam do trabalho camponês não precisando
investir em contratação de mão-de-obra. Dessa forma, economizando de um lado, e
favorecendo a obtenção de mais lucros, de outro conseguem competir de forma mais vigorosa
no mercado internacional. Pois, não precisam se preocupar com gastos de salários e de
direitos trabalhistas.
Além disso, o proprietário agroindustrial se apropria de parte do trabalho
desses camponeses, ou seja, estes são obrigados a venderem o produto de seu trabalho para os
capitalistas, para que assim consigam continuar se reproduzindo como camponês. Neste
sentido, os capitalistas transformam o produto do trabalho camponês em mercadorias, para
que com a venda consiga dinheiro, que nessa relação, é transformado em capital,
reproduzindo, então, essa lógica.
Este desenvolvimento contraditório ocorre através de formas articuladas
pelos próprios capitalistas que se utilizam dessas relações de trabalho para
não terem que investir na contratação de mão-de-obra uma parte do seu
capital. Ao mesmo tempo em que, utilizando-se dessa relação sem
remunerá-la, recebem uma parte do fruto do trabalho desses trabalhadores
parceiros ou camponeses, convertendo-a em mercadoria, vendendo-a,
portanto, e ficando com o dinheiro, ou seja, transformando-a em capital.
(OLIVEIRA, 2002, p. 46).
94
Portanto, existe uma lógica na ação contraditória desse processo, é que o
capitalista se utiliza de formas não-capitalistas de produção para acumular capital, gastando
menos em mão-de-obra e aumentando, assim, a sua taxa de lucro. Podemos afirmar que existe
uma lógica capitalista de produção de capital por meio de relações não capitalistas. Isto quer
dizer que o lucro obtido nessa relação pode ser utilizado para a implantação de trabalho
assalariado no campo, transformando-se, assim, em capital a renda camponesa da terra.
Esse processo nada mais é do que o processo de produção do capital, que se
faz através de relações não-capitalistas. Uma vez acumulado, esse capital
poderá numa próxima etapa do processo de produção ser destinado à
contratação de bóias-frias, por exemplo, e então se estará implantando o
trabalho assalariado na agricultura. (OLIVEIRA, 2002, p. 46).
Além da agroindústria, as formas de subtrair a renda camponesa pelo
capital são: por meio de créditos bancários, ou seja, o camponês necessita de empréstimos
para produzir, nesse caso sua renda se transfere para o capital financeiro; pela compra de
insumos agrícolas, onde o capital industrial se apropria da renda camponesa; e na compra de
alimentos baratos pelas grandes redes de supermercados, nesse caso é o capital comercial que
extrai parte da renda camponesa. Por isso, a renda camponesa pode ser usada para produzir
capital industrial, financeiro e comercial. Em todos esses casos, a renda camponesa “[...]
estaria oculta na circulação das mercadorias, no crédito bancário, na transferência de renda
para as empresas urbanas, através da produção de alimentos a baixo custo”. (ALMEIDA;
PAULINO, 2000, p. 122).
O que estamos afirmando é que o capitalismo, contraditoriamente, ao
mesmo tempo em que expropria o trabalhador rural, também permite sua reprodução para
explorar a renda camponesa da terra. É isso que Oliveira denominou de desenvolvimento
contraditório e desigual do capital, pois, são duas relações que apesar de antagônicas, - uma
de expropriação do campesinato e produção de trabalhadores assalariados e outra relação que
depende da reprodução do camponês sem expropriá-lo - fazem parte da mesma lógica
combinada de produção e reprodução do capital. Em função desta lógica contraditória do
capitalismo, muitos autores tendem a interpretar a realidade de maneira equivocada.
O desenvolvimento das forças produtivas quer na direção da lógica do
capital que produz o trabalhador nu, o assalariado, o volante, o “bóia-fria”,
etc., quer na contradição intrínseca dessa lógica produzindo e reproduzindo
o camponês, reflete, concretamente, o seu desenvolvimento desigual. E esse
95
desenvolvimento desigual das forças produtivas, na formação social
capitalista tem elevado muitos autores a interpretações equivocadas.
(OLIVEIRA, 1997, p. 13).
Reiteramos que no Brasil temos um movimento contraditório, ou seja, ao
mesmo tempo em que cresce o trabalho assalariado no campo, cresce também,
simultaneamente e contraditoriamente, o trabalho familiar. Temos um crescimento do
trabalho assalariado nos latifúndios e, todavia, temos um crescimento do trabalho familiar
camponês nas pequenas propriedades
27
.
Assiste-se hoje, no Brasil, simultaneamente, o aumento do trabalho
assalariado e do trabalho familiar no campo. Contraditoriamente, são as
duas faces estruturais do campo no país, pois nele se encontra não o
aumento, como também o predomínio quase que absoluto do trabalho
assalariado (permanente ou temporário) nos estabelecimentos agrícolas com
mais de 1.000 ha. Inversamente a esse processo, tem-se aumento e o
predomínio do trabalho familiar camponês nos estabelecimentos com área
inferior 100 há. (OLIVEIRA, 1999, p.83).
Corroborando neste sentido, Almeida reforça o caráter contraditório do
capitalismo no campo brasileiro quando aponta para a expansão do agronegócio latifundiário
de um lado e, do outro lado, a recriação dos camponeses. Isso se explica pelo caráter rentista
do capitalismo nacional que permite, através da especulação, produzir capital fora dos
circuitos produtivos. Em suas palavras:
Ressaltamos que, para reafirmar a importância do conceito de camponês,
partimos do pressuposto de que o processo de desenvolvimento do
capitalismo no campo está marcado pela intensa relação entre a indústria e a
agricultura. No entanto, ao contrário de presenciarmos o desaparecimento
das explorações familiares camponesas, o que vemos é o seu contraditório
crescimento. O capital expande a produção capitalista no campo, mas gera
também o latifúndio e a reprodução dos camponeses. Esta lógica de
desenvolvimento é explicada por uma característica que o capitalismo
assumiu no Brasil: o predomínio dos latifúndios não representa, em
momento algum, entrave para o capital. É assim, a possibilidade, através da
especulação, de se produzir capital fora dos circuitos produtivos, o que nos
revela a face rentista deste capitalismo. (2003, p.79).
27
Esta realidade é resultante, além do processo desigual e contraditório do capital, do processo de luta
camponesa, do qual vamos explicar ainda nesse capítulo. Pois, se retirarmos a luta dos sujeitos estaríamos
afirmando uma determinação absoluta e mecânica do capital sobre os sujeitos. Afirmando assim, um
estruturalismo pretensamente marxista, onde o sujeito fica invisível diante á lógica de reprodução do capital.
Daí a importância da luta de resistência dos camponeses para entrar e ficar na terra nesta recriação.
96
Por conseguinte, reafirmamos nossa leitura dos processos de transformação
no campo no século XXI, ou seja, devemos analisar a agricultura nacional dentro de um
contexto de desenvolvimento capitalista em nível de globalizado. Nessa perspectiva, esse
desenvolvimento se faz de modo contraditório e combinado, ou seja, avança desenvolvendo
relações capitalistas e, contraditoriamente, relações não-capitalistas, isto é, relações
camponesas de produção, que propiciam a sua continuidade enquanto modo de produção
vigente e o campesinato como uma classe. Nas palavras de Oliveira:
A análise da agricultura, especificamente a brasileira, neste final de século e
milênio deve ser feita no bojo da compreensão do desenvolvimento
capitalista em nível mundial. Isso passa, sempre pela compreensão desse
desenvolvimento como sendo contraditório e combinado, ou seja, ao mesmo
tempo em que avança reproduzindo relações especificamente capitalistas
mais avançadas geram também, iguais e contraditoriamente, relações
camponesa, a peonagem etc., todas necessárias à sua lógica de
desenvolvimento. (2004, p. 40).
2.6 - O campesinato: uma classe em movimento
Madrugada camponesa
Madrugada camponesa
Faz escuro ainda no chão
Mas é preciso plantar.
A noite já foi mais noite,
A manhã já vai chegar.
Não vale mais a canção
Feito de medo e arremedo
Para enganar solidão.
Agora vale a verdade
Cantada simples e sempre,
Agora vale a alegria
Que se constrói dia-a-dia
Feita de canto e de pão.
Breve há de ser (sinto no ar)
Tempo de trigo maduro
Vai ser tempo de ceifar.
Já se levantam prodígios,
Chuva azul no milharal,
Estala em flor o feijão,
Um leite novo minando
No meu longe seringal.
Já é quase tempo de amor.
97
Colho um sol que arde no chão,
Lavro a luz dentro da cana,
minha alma no seu pendão.
Madrugada camponesa.
Faz escuro (já nem tanto)
Vale a pena trabalhar,
Faz escuro, mas eu canto
Porque a manhã vai chegar.
Thiago de Mello
Discordamos das afirmações teóricas que dizem que o campesinato é um
resíduo social a ser extinto pelo capitalismo. Acreditamos que o campesinato é uma classe
fruto da contradição do modo de produção capitalista. Para confirmarmos nossa análise vamos
recorrer a Marx, que vai nos explicar na sua obra principal, “O Capital”, que temos três
classes fundamentais que formam o sistema capitalista. De acordo com as suas fontes de
rendimento, podemos classificar essas classes da seguinte forma: os assalariados
(Proletariado), que vivem de salário e não detém os meios de produção; os capitalistas
(Burguesia), que vivem da mais-valia transformada em capital; e por último os proprietários
de terra, que vivem da renda da terra, e detém seus meios de produção, mas não vivem do
capital e, logo, se diferenciam da Burguesia. Isto quer dizer que o proprietário fundiário, cuja
fonte de rendimento vem do capital, é um Capitalista proprietário fundiário e não apenas um
proprietário fundiário, que é o que ocorre, na maioria das vezes, no agronegócio. Nas
palavras de Marx:
Os proprietários de mera força de trabalho, os proprietários de capital e os
proprietários da terra, cujas respectivas fontes de rendimentos são o salário,
o lucro e a renda fundiária, portanto, assalariados, capitalistas e
proprietários da terra, constituem as três classes da sociedade moderna,
que se baseia no modo de produção capitalista. (apud OLIVEIRA, 1999,
p.72; 2004, p. 35, grifo do autor).
Confirmando nossa análise, Almeida vai nos expor a importância do
entendimento da renda fundiária para entendermos a formação das classes sociais, pois a
partir dela podemos delimitar a respectiva fonte de remuneração dos proprietários de terra
com relação às demais classes sociais, ou seja, eles vivem da renda fundiária:
A discussão da renda fundaria é importante porque permite entendermos a
formação das classes sociais a partir da identidade da remuneração com sua
98
respectiva fonte. Assim para Marx, as três classes fundamentais do modo
capitalista de produção são os assalariados, os capitalistas e os proprietários
da terra, que vivem respectivamente de salário, lucro e renda fundiária.
(2003, p.80).
Faz-se necessário, contudo, enfatizar que apesar da classe camponesa não
aparecer entre as classes fundamentais do sistema capitalista, na observação de Marx, isto se
deve ao fato do camponês não ser uma classe “pura” com relação à fonte de sua remuneração.
Pois, ele é um trabalhador, mas não vive do salário, pois é dono de seus meios de produção, e
da mesma forma, é um proprietário fundiário, mas vive do fruto de seu trabalho, e não da
renda capitalizada da terra. Por isso, o campesinato possui inerente a sua existência o
imbricamento de duas identidades: proprietário fundiário (dono de seus meios de produção) e
trabalhador (dono de sua própria força de trabalho) simultaneamente. Ou seja, “o camponês
é proprietário livre da terra, que se patenteia instrumento principal de produção, o
indispensável campo de ação de seu trabalho e de seu capital” (MARX apud ALMEIDA,
2003, p. 81). Logo, na concepção de Almeida, o campesinato é a classe suí generis do
capitalismo.
É mister percebemos que Marx não coloca a classe camponesa neste
esquema das classes fundamentais, no entanto, mais importante que essa
omissão é o fato de que ela revela a separação que ele faz entre a classe dos
camponeses em relação as demais classes. No nosso entender, Marx não
coloca o campesinato como uma das classes fundamentais no modo de
produção capitalista porque sua construção de classe fundamental passa
primeiramente pela busca da identidade “pura” entre remuneração e sua
fonte, por exemplo: a classe dos assalariados vive do salário que provém do
seu trabalho; classe dos capitalistas vive do lucro, fruto da exploração do
trabalho; e, a classe dos proprietários da terra vive da renda paga pela
sociedade derivada da propriedade fundiária. E, no caso do camponês,
um imbricamento de posição no processo produtivo, ou seja, ele é, ao
mesmo tempo, proprietário de terra e trabalhador e, sobretudo, um
trabalhador que não vive de salário porque o trabalho a ele pertence. Daí a
consideração como classe suí generis do capitalismo. (2003, p.80).
O campesinato possui especificidades que fazem deste uma classe
diferenciada tanto dos trabalhadores assalariados, quanto dos proprietários de terra. Pois, sua
propriedade é sinônima de “terra de trabalho” e não de “terra de exploração”. E seu trabalho
não sofre a alienação nas quais os assalariados se encontram submetido. Nas palavras de
Paulino:
99
[...] a singularidade é a marca do campesinato: embora tenha o controle
sobre os meios de produção, a exemplo dos capitalistas, nega a propriedade
como condição de extração da mais valia. Por outro lado, ainda que
sobreviva do próprio trabalho, a exemplo do proletariado, nega o trabalho
como fundamento da alienação. (2006, p.33).
Sua diferença com relação ao trabalhador assalariado, no modo de produção
capitalista, está no fato de que o assalariado vende sua força de trabalho ao capital e, por isso,
o operário se situa no mundo através do seu trabalho. Mas “[...] o camponês se situa no
mundo através do seu produto. Seu trabalho se oculta no seu produto. [...]”. (MARTINS apud
PAULINO, 2006, p. 33).
Por isso, o que está na essência da existência da classe assalariada é a
necessidade de ter que vender sua força trabalho ao capitalista para sobreviver, que não é
dono dos meios de produção. Com isso, vivencia a contradição da relação capital e trabalho
que está na essência do modo de produção capitalista. Isto é, a produção é coletiva, mas a
apropriação é individualizada pelo capital. Daí a alienação do trabalho decorrente do produto
do trabalho não pertencer ao trabalhador.
[...] o proletariado apenas se por inserido na sociedade se estiver
desempenhando papéis produtivos. Em outras palavras, vive a imposição de
ter que vender sua força de trabalho para se realizar como ser social, o que
confirma sua condição de alienação, derivada de uma lógica produtiva
coletiva, em que individualmente não consegue se reconhecer nos
resultados concretos do trabalho realizado. (PAULINO, 2006, p.34).
Diferentemente do proletariado, o campesinato não precisa da subordinação
do seu trabalho
28
ao capital para se reproduzir, por isso o produto do seu trabalho lhe
pertence. Este fato faz com que a classe camponesa não sofra a alienação do trabalho, ou seja,
o produto de seu trabalho é algo concreto, é parte inerente da produção por meio do seu
trabalho, não havendo o divórcio entre produtor e produto. Esse é o trabalho criador de que
nos fala Marx.
Por não viver o processo de alienação do trabalho, o camponês se coloca no
mundo como indivíduo, que não necessita da mediação do mercado de
trabalho para se constituir como tal, porque do seu trabalho resultam
28
O que ocorre com o campesinato no modo de produção capitalista é a subordinação do produto de
seu trabalho ao capital, ou seja, o campesinato é obrigado a vender o produto de seu trabalho ao capital
para se reproduzir.
100
produtos concretos, palpáveis, que o permitem reconhecê-los como parte de
seu esforço criador. (PAULINO, 2006, p.34).
Estas especificidades trazem a classe camponesa uma autonomia
29
que
nenhuma outra classe possui, pois é a única que não depende de nenhuma outra classe para
sobreviver, por serem donos dos meios de produção e de sua força de trabalho. Enquanto que,
ao contrário, a burguesia depende do proletariado para se reproduzir e o proletariado, também,
depende da burguesia para comprar sua força de trabalho.
O campesinato é a única classe que pode sobreviver por si, porque dispõe,
ao mesmo tempo, dos meios de produção e da força de trabalho. Já os
capitalistas somente podem se reproduzir como tal se tiverem a seu dispor
força de trabalho proveniente do proletariado. Ao mesmo tempo, o
proletariado tem sua reprodução condicionada à existência de capitalistas
dispostos a comprarem sua força de trabalho. (PAULINO, 2006, p.34).
Entendemos, também, que o campesinato se diferencia dos proprietários
fundiários, ou seja, da classe que vive da renda fundiária, porque o campesinato tem sua
produção como seu meio de subsistência principal, por isso, apenas o excedente de seu
trabalho se transforma em mercadoria. Sendo que a renda dessa mercadoria acaba sendo
apropriada pelo capitalista intermediário. Por conseguinte, apenas em condições excepcionais
o camponês consegue receber renda, entretanto, essa renda nunca é a renda capitalizada da
terra, ou seja, adquirida através da exploração do trabalho alheio como é o caso dos
capitalistas proprietários de terras em sua terra de negócio. Dessa maneira, a renda conseguida
pelo camponês com o fruto de seu trabalho na terra, é o que podemos denominar, de acordo
com Almeida, de “renda camponesa da terra”. Em suas palavras:
[...] no caso do campesinato, essa separação dos instrumentos de produção
não é pura como o das outras três classes. O campesinato não vive
exclusivamente da renda fundiária, porque a produção é seu meio de
subsistência imediato, logo, apenas uma parte do produto de seu trabalho
(excedente) assume a forma de mercadoria. Primeiro, para que houvesse
apropriação da renda por parte do campesinato, este teria que produzir para
os mercados e, sobretudo, conseguir escapar da sujeição da renda. Contudo,
neste caso, temos dois problemas: parte do que o camponês produz fica para
o consumo interno e, quando consegue, em conjunturas favoráveis, produzir
para o mercado, o capitalista intermediário fica com a renda.
29
Porém, é preciso salientar que essa autonomia camponesa não é absoluta, nem tampouco pressupõe a
independência em relação às condições econômicas, sociais e políticas e culturais circundantes. [...]. (PAULINO,
2006, p.34).
101
Depreendemos, portanto, como advertia Marx, que o camponês, em
situações excepcionais, consegue auferir renda. Mesmo assim, nesses casos,
é renda não-capitalista, ou melhor, renda camponesa. (2003, p.80).
Em nossa análise, os proprietários de terra são camponeses quando se
utilizam de mão-de-obra familiar para sua reprodução enquanto classe camponesa. E são
capitalistas quando se dedicam ao agronegócio, pois neste caso vivem da exploração do
trabalho para acumular/reproduzir o capital, como qualquer capitalista, seja ele industrial,
financeiro ou comercial. Em síntese, o camponês vive do trabalho no seu meio de produção; o
proprietário fundiário retira sua renda da terra (por exemplo, quando arrenda ou aluga a sua
terra tendo sua remuneração sem precisar trabalhar na terra); e o capitalista proprietário
fundiário, tem como fonte de renda a exploração do trabalho alheio (mais-valia) que gera a
renda capitalista da terra com a venda das mercadorias produzidas. Essa é a diferença
primordial entre terra de negócio (capitalista) e terra de trabalho (campesinato).
Se acrescentarmos a nossa análise os trabalhadores assalariados (por
exemplo, os bóias-frias) que vivem apenas do seu trabalho temos, então, no campo a presença
de 4 classes sociais objetivas: os capitalistas proprietários de terra, os assalariados, os
proprietários de terra e os camponeses.
As teses que tentam explicar a extinção do campesinato não conseguem
explicar a realidade, principalmente porque não inclui em sua gica explicativa a dinâmica
das relações sociais em constante mudança e, logo, os sujeitos que podem lutar contra o
capitalismo a fim de resistirem para continuarem mantendo sua condição camponesa. Por
isso,
[...] Se as teses da extinção do campesinato de fato tivessem capacidade
explicativa, esses posseiros deveriam ter se tornado proletários. Mas não foi
isso o que ocorreu. Os camponeses, em vez de se proletarizarem, passaram
a lutar para continuar sendo camponeses. [...]. (OLIVEIRA, 1999, p. 72;
2004, p. 35).
Nessa perspectiva, reafirmamos que os camponeses ao contrário de estarem
desaparecendo, estão lutando pelo direito do acesso a terra e, por isso, o número de
propriedades camponesas tem aumentado. Assim sendo, para entendermos a questão agrária
no Brasil temos que conceber o camponês enquanto classe. Dito de outra forma:
Portanto, a compreensão do papel e do lugar dos camponeses na sociedade
capitalista e no Brasil, em particular, é fundamental. Ou entende-se a
102
questão no interior do processo de desenvolvimento do capitalismo no
campo, ou então continuar-se-á a ver muitos autores afirmarem que os
camponeses estão desaparecendo; entretanto, camponeses continuam
lutando para conquistar o acesso às terras em muitas partes do Brasil. [...]
Exatamente neste período de grande desenvolvimento do capitalismo
(sobretudo industrial) ocorreu no Brasil um aumento de mais de 196% dos
estabelecimentos ocupados por posseiros. (OLIVEIRA, 1999, p. 72).
Corroborando com essa análise, Rosemeire de Almeida vem nos trazer a
discussão de que o campesinato continua se mantendo enquanto classe porque continua
lutando para conquistar o acesso a terra. Dessa forma, não podemos fazer uma leitura
estruturalista da realidade se quisermos explicar o campesinato brasileiro, pois sua reprodução
não pode ser explicada apenas por meio do entendimento economicista do desenvolvimento
capitalista. Sendo assim, temos que entendê-los como sujeitos que produzem sua
territorialidade na luta contra o capital que, por sua vez, tenta expropriá-los. Por isso, muitos
camponeses expulsos do campo retornam a sua condição de classe, isto explica o grande
aumento de estabelecimentos ocupados por camponeses. Em suas palavras:
[...] assumimos o pressuposto de que o não desaparecimento da classe
camponesa se faz contraditoriamente como uma relação não-capitalista. Por
sua vez, (re) criação não pode ser entendida pela unilateralidade do capital,
é na luta cotidiana pela terra e na terra que o camponês tem garantido sua
permanência como classe peculiar. Insistindo em perpassar diferentes
sociedades vão mantendo sua situação econômica social dúplice: são, ao
mesmo tempo, proprietários de terra e trabalhadores. (2003, p.73).
Essa característica de luta pelo retorno a terra, portanto, que a
especificidade ao campesinato brasileiro, diferenciando-o do campesinato europeu estudado
por Marx
30
no século XIX, pois este se trata de um campesinato que tem origem no
feudalismo. O campesinato brasileiro é de caráter migratório e teve o acesso negado à terra de
trabalho, isto explica sua luta e o desejo de retornar a terra.
A formação do campesinato brasileiro é marcada pela mobilidade espacial,
isto é, por um intenso caráter migratório. Desse modo é um campesinato
que teve o acesso a terra, historicamente, bloqueado, portanto sua luta para
entrar na terra, seu desejo de enraizamento, tem sido a marca de sua
diferença em relação ao Campesinato de origem no feudalismo, portanto,
parcelar, do tipo europeu. (ALMEIDA, 2003, p.74).
30
Marx estudou apenas o campesinato europeu.
103
Neste sentido, a luta pela permanência na terra, e pela manutenção de suas
relações materiais e simbólicas especificas, é uma característica marcante do campesinato
brasileiro. Logo, “[...] é a própria tentativa de manter a tradição camponesa que torna o
camponês um revolucionário”. (ALMEIDA, 2003, p.74).
Partimos da concepção do camponês enquanto uma classe específica do
modo de produção capitalista, mas não o concebemos como um modo de produção específico,
tendo em vista que o campesinato não possui uma estrutura econômica própria, ou seja, auto -
suficiente ao do modo de produção capitalista. Também, não o consideramos como resquício
do sistema feudal a ser eliminado, como dissemos anteriormente, basicamente porque o
campesinato é produto do movimento contraditório e desigual do capitalismo.
Assim, cumpre ressaltar que a especificidade do campesinato não se
relaciona ao fato de ele representar um modo de produção e muito menos
ser uma transferência “intermodos” ou um resquício feudal, como pensou
Guimarães (1989) e que dispensa comentário. Ainda que os camponeses
convivam com desigualdade/diferenciação interna de classe, elas não são
maiores que as externas. [...]. (ALMEIDA, 2003, p.74).
Por conseguinte, o campesinato é classe inerente ao processo contraditório e
desigual do desenvolvimento capitalista, ou seja, “a produção camponesa expressa-se
enquanto produto e contradição da expansão/desenvolvimento capitalista e, portanto, ao
contrário do que pensava Chayanov (1974), o camponês é parte inseparável do modo de
produção capitalista”. (ALMEIDA, 2003, p.76).
A especificidade do campesinato, não faz desses um modo de produção
específico, entretanto, sua especificidade, essencialmente, diz respeito ao fato de que o
campesinato não pode ser considerado uma classe “pura”
31
, como são as classes antagônicas:
o proletariado e a burguesia onde existe, marcadamente, de um lado o proprietário dos meios
de produção e, do outro lado, os trabalhadores. Pois, o camponês é ao mesmo tempo
proprietário e trabalhador. A outra especificidade dessa classe é o fato de sua reprodução se
definir a partir da lógica desigual e contraditória do desenvolvimento capitalista onde sua
organização e reprodução se fundamentam sob uma lógica não-capitalista
32
.
31
Essa concepção de “classe pura” deve ser pensada de maneira relativa, pois o conceito de classe, bem como
todos os conceitos científicos sociais, são abstrações/generalizações da realidade, sendo que esta é dinâmica e
contraditória (SHANIN, 2007, informação verbal).
32
[...] dizer que o campesinato é uma relação não-capitalista significa avançar na teoria de Chayanov, ou melhor,
acrescentar a lógica camponesa por ele desvendada o lugar a ela reservada na dinâmica de reprodução do capital.
[...]. (ALMEIDA, 2003, p. 75).
104
Desse modo, podemos dizer que o âmago da especificidade camponesa
reside no fato de os camponeses não constituírem uma classe “pura” do
modo capitalista de produção, já que são, ao mesmo tempo, proprietários de
terra e trabalhadores, acrescido ao fato de que a organização do campesinato
se funda numa relação não-capitalista. Aceitar tal assertiva implica em
trabalhar com a noção de formação econômico social na concepção
marxista, que a emprega para explicar a totalidade do processo do capital,
cujo núcleo é seu desenvolvimento desigual. Portanto, apesar de o
campesinato ser uma relação não-capitalista, sua reprodução deve ser
entendida a partir das diversas contradições do desenvolvimento desigual do
capital e, por isso, trata-se de uma contradição e não de uma articulação de
modos de produção. (ALMEIDA, 2003, p.74 -75).
É necessário ressaltarmos que apesar de concebermos a lógica do
desenvolvimento capitalista como contraditória, do processo de recriação de relações não-
capitalistas para a sua própria reprodução, isto não explica a totalidade das relações
envolvidas nesse processo de reprodução camponesa. Ou seja, seria uma concepção
mecanicista afirmar que é o capital que determina unilateralmente a sobrevivência ou não do
campesinato enquanto classe, pois esta afirmativa retira a capacidade dos sujeitos de
superarem os seus condicionantes estruturais econômicos. Entendemos que os sujeitos não
estão condenados a ficarem passivamente subdimensionados as estruturas sociais. Neste
sentido, é necessário entender o campesinato enquanto classe revolucionária, pois resiste a
fim de reproduzir-se materialmente e culturalmente. Logo, entendemos o campesinato como
uma classe em movimento, que se define enquanto tal na luta:
[...] Todavia, é insuficiente dizer que o capitalismo, ao se reproduzir,
reproduz relações não-capitalistas, seja como contradição ou
funcionalidade, porque poderia indicar um determinismo do capital.
Portanto, é preciso considerar a luta dos homens, suas utopias, desejos,
tradições, não esquecendo que os camponeses são revolucionários por
princípio. (ALMEIDA, 2003, p.75).
Nesta perspectiva, se assumimos a posição do camponês enquanto classe
revolucionária
33
discordamos então de concepções marxistas, a nosso ver equivocadas, que
ainda concebem o camponês como apenas uma “classe em si”. Segundo Marx, o motor da
história social, que é a luta de classes, ocorre a partir do momento que os sujeitos de uma
33
Mesmo que seja apenas para continuar reproduzindo-se enquanto classe.
105
determinada classe se reconhecem enquanto classe e passam, então, a lutar contra a classe
oposta, na qual existe um antagonismo de interesses. Nesse momento, a “classe em si”, ou
seja, a existência de uma classe, mas sem reconhecimento dos sujeitos, se transforma em
“classe para si”, ou seja, ocorre a construção de uma consciência de classe. Isto é, os sujeitos
criam uma identidade de interesses comuns a todos os membros. Pois, “[...] os indivíduos
isolados apenas formam uma classe na medida em que têm que manter uma luta comum
contra outra classe; no restante, eles mesmos defrontam-se uns com outros na concorrência”
(MARX; ENGELS apud ALMEIDA, 2003, p. 76). Confirmando nossa análise, novamente
Almeida nos explica:
[...] para Marx, a grande lei da marcha da história era a luta entre classe em
que uma classe em si pode transformar-se em uma classe para si (ter
consciência de classe) a partir do momento em que os membros dela estão
comprometidos numa luta contra outra classe, isto é, quando criam
identidade de interesses e consciência do antagonismo de interesses em
relação à classe oposta. (2003, p. 76).
Dessa maneira, Marx concebeu o campesinato europeu como “classe em si”,
todavia sua interpretação dialética da realidade fez com que não retirasse a possibilidade de
um dia o campesinato se transformar em classe para si”. Ou seja, “[...] isso significa dizer
que, em relação às contribuições de Marx acerca do campesinato, depreendemos duas
questões básicas: Marx o reconheceu como “classe em si”, e não decretou a sua
impossibilidade histórica como ‘classe para si’”. (ALMEIDA, 2003, p.76).
Todavia, se faz necessário ressaltar que o campesinato não possui
historicamente as condições ideais para ser a classe revolucionária pensada por Marx, pois
quando luta, na maioria das vezes, é apenas para se manter enquanto classe. Ou seja, luta
quando corre o risco iminente da expropriação ou quando foi expropriado, sendo assim ele
tem limitações inerentes a sua condição de classe. O campesinato possui limitações
revolucionárias por ter uma consciência ambígua de ser trabalhador e proprietário de terra ao
mesmo tempo e, por isso, sendo dono de seu trabalho não sofre a alienação/exploração direta
do trabalho por parte do capital como os assalariados.
No entanto, no caso brasileiro, a realidade nos mostra o campesinato como
uma classe mais ativa e organizada que os trabalhadores assalariados no momento atual.
Portanto, apesar das limitações revolucionárias, ele possui alguns trunfos devido a sua
natureza de classe, visto que por não necessitar diretamente do capitalista para sua
106
sobrevivência, como é o caso dos assalariados, acaba tendo maior poder de atuação e
resistência.
Podemos exemplificar esta questão com o caso recente dos funcionários da
empresa automobilística multinacional Volkswagen em São Bernardo do Campo, onde o
sindicato no embate com a empresa pode no máximo fazer um acordo para que não
despedissem a quantidade de funcionários anunciada pela empresa. Ou seja, o proletariado
depende do salário por não ser dono de seus meios de produção e isso ao mesmo tempo em
que o faz perceber a exploração direta do capital, também o torna mais frágil. Atualmente,
presenciamos os sindicatos com pouco poder de atuação e transformação, ao contrário dos
movimentos sociais do campo que se fazem ser bastante percebidos, principalmente pelos
proprietários de terra e os capitalistas proprietários de terra. Logo, se por um lado sua
condição camponesa dúplice de ser dono do meio de produção pode torná-lo conservador, por
outro, pode torná-lo revolucionário. A construção dessa relação é sempre uma possibilidade e
não pode ser definida a priori.
Neste sentido, Almeida nos explica que muitas vezes os camponeses que
lutam pela terra não estão lutando, necessariamente, contra o capital (apesar do MST
proclamar essa luta também contra o capital), pois o campesinato não vivencia diretamente
esta dicotomia da relação capital e trabalho diretamente, como os trabalhadores assalariados.
Mas, Isso “[...] não significa que o campesinato não pode ser o protagonista de conflitos
abrangentes e anticapitalistas”. (ALMEIDA, 2006a, p.357).
Ao afirmarmos que o campesinato, ao lutar por terra, não está lutando
necessariamente pela destruição do capitalismo, estamos querendo dizer que
a situação econômica e histórico-social da classe camponesa não permite
que se atinja de forma clara, por esse caminho, a resolução da contradição
maior do capital que se centra na produção coletiva da riqueza versus sua
apropriação individual, basicamente porque esse embate é típico do
enfrentamento entre capital e trabalho. (2006a, p.352).
Somente com a invasão da capital que tenta ou consegue expropriar o
camponês de sua condição de “classe em si ambígua” para transformá-lo em assalariado é que
ele se percebe enquanto classe e constrói uma “classe para si” na luta em busca de retornar ou
manter a sua condição social. Portanto, apenas sua condição social de proprietário de terra e
trabalhador não lhe basta para perceber a ação do capital.
107
A união e a força dos lavradores do campo o vêm de dentro da sua
condição social. O lavrador que trabalha isoladamente com a sua família
não tem possibilidade de perceber a extensão social e a força política de
todos os lavradores da sua sociedade. Somente quando o capital, de fora da
sua existência, invade o seu mundo, procura arrancá-lo da terra, procura
transformá-lo num trabalhador que não seja propriedade de nada além da
força dos braços, somente e que as vitimas dessa invasão, dessa
expropriação, podem se descobrir como membros de uma classe. Essa
descoberta se pela mediação do capital. É o que está acontecendo em
nosso país. (MARTINS apud ALMEIDA, 2006a, p.349).
É a própria condição de não vivenciar a dicotomia capital e trabalho e,
portanto ser dono de sua terra e de seu trabalho, que propicia a construção da consciência ao
camponês de que o trabalho e o seu produto pertencem ao trabalhador e não ao capitalista. Daí
nasce sua concepção contrária ao capital e, principalmente aos capitalistas proprietários de
terra. Dito de outra forma: “[...] o camponês sabe que o trabalho pertence ao próprio
trabalhador, e é nesse saber que se funda sua autonomia e, contraditoriamente, sua oposição à
propriedade capitalista”. (ALMEIDA, 2006a, p. 351). Isso significa que o campesinato [...]
por ser, ao mesmo tempo, conservador e radical, ele cria a possibilidade, ao ser radical, de
abrir brechas de enfrentamento ao capital e a seu processo de desumanização. (ALMEIDA,
2006a, p. 357).
O camponês tem consciência de que a propriedade privada capitalista priva
os sujeitos de seu trabalho e dicotomiza essa relação. Por isso, não aceitam esse modelo
imposto. Em outras palavras: “[...]. Nos movimentos sociais dos últimos anos, a condenação
da propriedade, que excede as necessidades de quem a tem, derivada da privação de trabalho
que ele impõe aos que dela precisam para trabalhar. Privação do direito à vida. (MARTINS
apud ALMEIDA, 2006a, p. 351).
Portanto, é justamente sua condição ambígua de classe que o faz perceber
que o capital é responsável por contrariar o direito ao trabalho, a vida e a liberdade. Daí nasce
as potencialidades da luta contra o capital. Sendo assim, seus limites podem se transformar
em potencialidades. Ou seja, o fato de não querer se transformar em um assalariado o torna,
pelo menos parcialmente, revolucionário:
[...] É somente quando o capital procura transformá-lo num trabalhador para
o capital, expropriado da terra e vendedor apenas da força de trabalho que
ele pode desnudar sua consciência ambígua e se ver plenamente como
classe para si. Assim, o anticapitalismo do camponês nasce
contraditoriamente da sua própria dubiedade como classe; portanto, se a
ambigüidade tem sido o limite da consciência de classe, ela também é
prenhe de potencialidades. (ALMEIDA, 2006a, p.354).
108
Essa relação torna o camponês “[...] uma classe que ainda pode lutar para não
viver a expropriação, ou seja, não experimentar a desumanização do capital em sua
totalidade”. (ALMEIDA, 2006a, p.357).
Entendemos que a luta camponesa deve fazer-se contra a territorialização do
capital e contra a sujeição de sua renda ao capital.
Ou seja, o camponês deve lutar para não ser
expropriado e para não ter a sua renda subordinada ao capital. Isso quer dizer que a luta
contra o capital permite que o campesinato se reproduza de forma plena, superando seu estado
de precariedade imposto pelo capital.
Se os camponeses se distinguem dos trabalhadores por serem donos de seus
meios produção, por outro lado, se identificam com os trabalhadores porque vivem do seu
trabalho e não da mais-valia, transformada em capital, vinda da exploração do trabalho alheio
e nem da renda capitalizada da terra paga pela sociedade. Ou seja, a identidade entre estas
classes está no fato de que ambas necessitam do trabalho para sobreviver. Tendo, portanto,
interesses distintos em relação à burguesia.
Neste sentido, podemos dividir a sociedade capitalista em dois grupos de
classes, de um lado podemos identificar a classe camponesa e a classe trabalhadora como as
“classes que vivem do trabalho”
34
e, de outro lado, os capitalistas e os proprietários de terra
como sendo as classes que não vivem do trabalho. Neste sentido, entendemos que a mudança
social pode ser feita pelas classes que vivem do trabalho. Realidade esta demonstrada em
todas as revoluções mundiais de esquerda, como na União Soviética, em Cuba, na China etc.
Nesta perspectiva, não podemos desconsiderar as diferenças e as identidades
entre assalariados e camponeses na construção de uma luta conjunta para uma transformação
social. E muito menos impor uma hierarquia entre os mesmos:
A aliança política entre trabalhadores assalariados e camponeses não pode
mais ser pensada na perspectiva da hegemonia política para e simples dos
primeiros sobre os segundos, e muito menos no sentido inverso. Ela deve
nascer da compreensão de suas diferenças, e do direito mútuo de cultivá-las.
(OLIVEIRA apud ALMEIDA, 2006a, p.349).
34
Conceito utilizado por Ricardo Antunes (1999).
109
2.6.1 - Os movimentos sociais do campo: o MST e a luta pela terra e na terra
Posso sair daqui para me organizar
Posso sair daqui para desorganizar
Posso sair daqui para me organizar
Posso sair daqui para desorganizar
[...]
E com o bucho mais cheio comecei a pensar
Que eu me organizando posso desorganizar
Que eu desorganizando posso me organizar
Que eu me organizando posso desorganizar.
[...]
Chico Science
35
Partindo-se do princípio que o campesinato é uma classe em movimento
lutando para retornar a terra ou/e para se manterem na terra, se torna extremamente
importante entender de maneira plena e crítica a questão dos movimentos sociais no campo
brasileiro no século XXI. Neste sentido, temos que entender que esse avanço político dos
movimentos sociais do campo, se faz sob uma lógica de avanço de vários movimentos sociais
em vel mundial. Movimentos esses que, seja no campo ou na cidade, estão reivindicando
seus direitos negados historicamente. Dito de outra maneira:
Com a democratização, o campo dos movimentos populares tornou-se mais
aberto e diluído. Isto ocorreu no Brasil, na América Latina e no mundo
todo. Muitos movimentos que antes não eram ouvidos são hoje emergentes
e importantes, cobrindo áreas que antes não eram cobertas. São casos dos
movimentos de mulheres, da ecologia, negros e povos indígenas.
(CASALDÁLIGA, 2004, p.7).
Sendo assim, este é um período histórico de mobilizações dos povos do
campo e das demais comunidades em toda a América Latina. Por isso, “[...] múltiplos povos e
culturas se [apresentam] à cena política como se pode ver por meio da mobilização de
populações camponesas, indígenas ou comunidades negras em amplas regiões da América
Latina [...]”. (GONÇALVES, [200?], p. 31).
Destacando-se, nesta perspectiva, o Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra no Brasil que resignifica sua luta numa perspectiva socioambiental, ou seja, “[...] o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra no Brasil resignifica suas lutas
35
Banda Nação Zumbi. Música: “Da lama ao caos”.
110
incorporando-se de modo próprio ao campo ambiental reforçando a perspectiva
socioambiental”. (GONÇALVES, [200?], p. 31).
Estes movimentos sociais representam, com sua capacidade organizativa
autônoma, o questionamento as estruturas dominantes vigentes, a potencialidade de conduzir
à transformações sociais, tendo em vista a construção democrática de novas relações sociais.
Dito de outra maneira:
Estes movimentos sociais surgem como novos atores do cenário político e
são apresentados como fonte de possíveis transformações na sociedade e de
questionamentos à estrutura de dominações vigentes.
Demonstraram capacidade de auto-organização, participação e encontraram
na sociedade civil o melhor local de fazer política, o primeiro passo dado
em direção à democracia. (LISBOA, 1988, p. 20-21).
Por isso, neste período histórico, devemos estar atentos à evolução dos
movimentos sociais que aparecem cada vez mais fortes no cenário político mundial, e
principalmente na América Latina, reivindicando direitos e exigindo mudanças. Pretendendo
por meio de novas práticas romper com a alienação ideológica neoliberal, a fim de serem
sujeitos de sua própria história. Sendo assim, [...] esta ruptura propicia condições para os
indivíduos se tornarem sujeitos de sua própria história tendo como objetivos: IDENTIDADE -
AUTONOMIA - EMANCIPAÇÃO”. (LISBOA, 1988, p. 21).
Nesta perspectiva, hoje, segundo Lisboa, os movimentos sociais possuem
uma visão avançada a respeito do poder na sociedade, isto é, concebem que além do poder
econômico capitalista e do poder jurídico-político do Estado, o poder circula por todas as
esferas das relações sociais. Por isso, se faz necessário à construção de novas relações de
poder:
[...] Entendem que o poder o está concentrado apenas num determinado
ponto (O ESTADO), mas presente em todo o tecido social, em todas as
relações que as pessoas estabelecem entre si. Para transformar profunda e
radicalmente a sociedade é necessário construir um poder novo, antes de
tomá-lo. (1988, p. 21).
Os novos movimentos sociais não podem ser mais analisados a partir do viés
unilateral reducionista classista
36
, pois estes movimentos construíram novas relações com o
36
Concordamos parcialmente com essa afirmação, pois não estamos retirando a importância de conceber a
necessidade de construção de uma consciência de classe para a construção da luta. Visto que a ruptura desse
modelo pode se dá no embate contra o capital. O que afirmamos é a possibilidade de existência de uma
111
marxismo, inclusive incorporando a religiosidade como característica cultural de resistência à
opressão capitalista. Como é o caso da CPT (Comissão Pastoral da Terra), que faz uma leitura
do cristianismo a partir da teologia da libertação, e luta ao lado do MST e de outros
movimentos sociais do campo pela Reforma Agrária:
Assim, neste contexto de insuficiência do reducionismo classista
37
para
compreender o significado dos Novos Movimentos Sociais, da afirmação da
democracia como valor fundamental, de uma nova prática política fundada
numa nova concepção de poder, de reconhecimento da identidade num
espaço político, onde a presença da religião é profunda, os movimentos
sociais passam a redefinir suas relações com o marxismo. (LISBOA, 1988,
p. 22).
Possuem também, a concepção da necessidade da coletivização das decisões,
ou seja, a necessidade de que todos participem das tomadas de decisões e, também, da
efetivação dessas decisões. Evitando, dessa maneira, que somente as lideranças respondam
pelo grupo. Dito de outra forma: “[...] os Novos Movimentos Sociais por sua vez enfatizam a
organização comunitária, evitando a institucionalização de representação e exigindo uma
participação permanente de todos, tanto no processo de tomada de decisões como na própria
execução”. (LISBOA, 1988, p. 25).
Fazem, dessa forma, com que a política se efetive nas camadas subalternas
da sociedade civil, buscando o desenvolvimento de relações sociais mais igualitárias. Ou seja,
“[...] buscam sua legitimidade na força do próprio movimento. A sociedade civil passa a ser
um novo local de se fazer política e proporciona espaço para criar e experimentar formas
diferentes de relações sociais cotidianas, mais democráticas”. (LISBOA, 1988, p. 25).
Neste sentido, em se tratando especificamente dos movimentos sociais do
campo, o fator predominante para o aumento desses movimentos sociais, nas últimas décadas,
são as próprias estruturas capitalistas historicamente existentes no Brasil. Essas estruturas
excludentes acarretam, conseqüentemente, uma luta por mudanças, seja pelo acesso a terra ou
relação além da unidimensionalidade da luta assalariados versus capitalistas. Ou seja, uma análise da realidade
que não se faz pelo viés do marxismo Ortodoxo, pois a construção da luta deve respeitar as diferentes
temporalidades e espacialidades envolvidas no processo. Numa perspectiva do marxismo ortodoxo seria
impossível a construção de uma luta que envolvesse religiosos e camponeses, por exemplo.
37
Sobre esse ponto, Sader acrescenta que “a análise de classes é um método que decompõe a sociedade nos seus
vetores básicos para compreender melhor sua dinâmica. Porém, um classismo reducionista não consegue
incorporar categorias como nação, povo, democracia (e eu diria movimentos sociais), permanecendo num ponto
de vista crítico, impotente para servir de instrumento à organização de uma hegemonia na sociedade construída
em torno dos trabalhadores e do povo”. (LISBOA, 1988, p. 19).
112
por melhores condições de trabalho. Lutas e reivindicações que possuem um caráter
historicamente classista
38
no campo brasileiro. Neste sentido, tivemos lutas que marcaram as
contradições de classe no campo brasileiro em diferentes épocas. Podemos sintetizá-las,
historicamente, segundo Oliveira, da seguinte maneira: os quilombos, Canudos, Contestado,
Trombas, Formosa, Porecatu, movimentos grevistas nas fazendas paulistas de café, as Ligas
camponesas e, atualmente, o MST:
As transformações profundas pelas quais tem passado o campo nas últimas
décadas têm gerado um aumento significativo dos movimentos sociais
rurais, em luta pela terra ou por melhores condições de trabalho. Esse
processo não é recente e tem suas raízes na própria história do Brasil. As
lutas dos escravos negros contra a escravidão redundaram na formação dos
quilombos, muitas vezes destruídos pelos bandeirantes, esses jagunços dos
senhores de escravos. No século passado, a luta de Canudos: neste século, o
Contestado, Trombas e Formosa, Porecatu, entre tantas outras, além dos
inúmeros movimentos grevistas de colonos nas fazendas paulistas de café,
são exemplos desses traços históricos das lutas no campo brasileiro.
(OLIVEIRA, 1999, p. 98).
Das lutas no campo acima citadas, destaca-se, anteriormente ao MST, o
Movimento das Ligas Camponesas, que ocorreu no nordeste brasileiro, nas décadas de 1950 e
1960, e pode ser considerada como a primeira forma mais ampla de movimento social do
campo. As ligas camponesas lutavam contra o processo de expropriação e de exploração por
parte dos latifundiários, principalmente, da Zona da Mata nordestina:
Entretanto foi o Movimento das Ligas Camponesas que nas décadas de 50 e
60 agitou o campo brasileiro, a primeira forma mais ampla de movimento
social rural. Fundadas como sociedades beneficentes dos defuntos, elas
organizaram as lutas dos foreiros, moradores, arrendatários, pequenos
proprietários e trabalhadores em geral na Zona da Mata nordestina, bem
como a luta contra a expropriação e a exploração causadas pelo avanço dos
latifúndios na região. [...]. (OLIVEIRA, 1999, p. 98).
Neste sentido, podemos dizer que o maior movimento social do campo
brasileiro, hoje, é o MST. Este movimento social que nasce na década de 1980, no Rio
Grande do Sul, luta pelo direito de acesso a terra por meio de ocupações nos latifúndios
38
Por isso, precisamos relativizar o que disse Lisboa, pois no Brasil (ao contrário da Europa) os movimentos
sociais são historicamente classistas o que reforça a teoria marxista.
113
improdutivos, em forma de acampamentos
39
, e luta também pela permanência na terra
conquistada nos assentamentos
40
. Nos acampamentos, o MST pressiona o governo para fazer
a reforma agrária. Além disso, se utilizam de caminhadas até as capitais e de ocupações de
repartições públicas, como o INCRA, numa forma de pressão ao governo. Sua maior atuação
é no Centro-Sul do Brasil. Com relação à luta pela permanência na terra, após a conquista dos
assentamentos, sua essência está na compreensão de que a luta não termina. No assentamento
inicia-se a luta pela construção de cooperativas e de associação de produtores rurais, a fim de
que consigam resistir enquanto camponeses no modo capitalista de produção, que busca
sempre expropriá-los. Dessa forma, o MST significa tanto a luta pela conquista da terra, como
a luta pela resistência a reprodução do campesinato enquanto classe. Neste sentido, Oliveira
afirma:
Em meio a essa diversidade de movimentos sociais no campo brasileiro, na
década de 1980 nasceu e se expandiu rapidamente o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra. Esse movimento, iniciado no Rio Grande
do Sul, tem atualmente nos acampamentos a estratégia de luta para
pressionar o governo brasileiro a efetuar a reforma agrária. Organizado
nacionalmente, ele se constitui no principal movimento social no campo e
busca, pela ocupação de terras, criar fatos políticos que mobilizem e
sensibilizem os governantes para a necessidade da implantação da reforma
agrária. Esse movimento também se utiliza das caminhadas pelas estradas
até as capitais, onde são realizadas manifestações e ocupações de
repartições públicas (Incra, por exemplo) para pressionar governo. Embora
organizado nacionalmente, o movimento tem sua maior base de penetração
nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo e
Mato Grosso do Sul. Como resultado dessas pressões políticas, o
movimento tem conquistado assentamentos em todos os estados onde atua,
com a criação de pequenas cooperativas ou associações de produtores.
(1999, p.101).
Sendo assim, o MST é um marco de luta política para o Brasil e, de maneira
geral, para a América Latina, sendo lembrado por Chomsky como uma das novidades de luta
política na América Latina, ao lado dos zapatistas do México. Por isso, hoje no Brasil, a
discussão acerca da reforma agrária passa necessariamente pela ação do MST. Ao contrário
39
“Acampamento Sem Terra Corresponde a uma forma de luta dos movimentos sociais (MST, CONTAG,
CUT), visualizadas nos barracos construídos nas margens de uma estrada ou dentro de uma fazenda. Portanto, o
acampamento tem sido a fase anterior à constituição do assentamento”. (ALMEIDA, 2004, p. 3).
40
“Assentamento - Ato de fornecer para um lavrador um lote de terra onde ele irá fixar residência e cultivar”.
(ALMEIDA, 2004, p. 3).
114
do que prega a ideologia dominante, a reforma agrária sem luta nunca foi possível no Brasil,
daí a importância dos movimentos sociais neste sentido.
Dessa forma, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra é o mais
organizado e combativo no campo brasileiro, constituindo um novo marco
na luta política dos trabalhadores brasileiros pela reforma agrária. É
importante lembrar que para Alain Touraine, “sem a ação do MST, o
reforma agrária”, ou seja, nada se fará sobre a reforma agrária de agora em
diante, no Brasil, sem passar pelo MST. Lembramos também Chomsky, que
afirmou que as duas novidades pós-90 são os sem-terras, no Brasil, e os
zapatistas, México. (OLIVEIRA, 1999, p.101).
Dessa maneira, torna-se impossível falar em questão agrária no Brasil, sem
ter uma concepção formada a respeito do Movimento Social dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra. Corroborando neste sentido, Dom Pedro Casaldáliga afirma que o MST e a CPT tem
sido fundamentais para a luta do campesinato brasileiro:
A luta pela terra tem sido a mais organizada e efetivamente popular no
Brasil e na América Latina e, no caso brasileiro, o apoio do Movimento dos
Sem terra e da Comissão Pastoral da Terra tem sido fundamental. É uma
luta camponesa que está presente com muita força na história da América
Latina e cuja riqueza é expressa em obras importantes do cinema e da
literatura. (CASALDÁLIGA, 2004, p.7).
O MST constrói a luta da classe camponesa pela/na terra em busca de seu
processo de recriação e de reprodução. Pois, além da luta pelo retorno a terra dos sem terra,
existe a luta contra a territorialização do capital no campo, porque este processo expropria o
campesinato, proletarizando-os. E a luta contra a monopolização do capital no campo, que
permite a reprodução camponesa, mas subordina a renda impondo a família camponesa uma
reprodução precarizada. Por isso, a luta pela terra/na terra do MST, se trata de uma luta do
campesinato contra o capital que o expropria, principalmente o agronegócio-latifundiário, ou
quando não o expropria, sujeita sua renda.
2.6.2 - O MST e a reforma agrária: os camponeses versus os latifundiários do
agronegócio e o poder ideológico da mídia burguesa
Quem você pensa que eu sou
aquele que você viu na TV
115
o que te faz pensar que sou tão diferente de vo
pois eu tenho família e também meus filhos pra criar
e sou eu que estou aqui
lutando porque é meu por direito
Devo ocupar
Devo produzir
Devo resistir
Pouco me importa se você não gosta
da cor da minha bandeira
Pois sou eu que estou aqui
e sou eu que tomo bala dos que
deviam me defender
falsos amigos de uma nação não querem ensinar
o que é um cidadão
“O campo brasileiro, continua produzindo sangue
e assistindo como no passado ao desfile de bandeiras
vermelhas, entre multidões de miseráveis
sob o comando do MST. Combater o latifúndio,
desapropriar, ocupar e distribuir. As palavras de ordem
resistem ao tempo como resistem à concentração fundiária
0,9% dos produtores detém mais de 35% das terras...”
A ganância dessa elite já foi demais
400 anos de massacre também já é demais
Vou ocupar
Vou produzir
Vou resistir
Poder ao povo!
Dead Fish
41
A maior batalha dos movimentos sociais do campo na atualidade é a
conquista da reforma agrária. Sendo que esta se tornou um símbolo de luta desses
movimentos, pois a reforma agrária significa a inclusão socioeconômica do campesinato:
A Reforma Agrária se tornou o símbolo de luta, a identidade social dos
movimentos sociais no campo. “Como expressão carregada de conteúdo
simbólico, a Reforma Agrária está incorporada à prática política destes
movimentos, pois, dela depende a ampliação da participação econômica-
social dos trabalhadores rurais”. (LISBOA, 1988, p.31).
Acreditamos na força dos movimentos sociais para a realização da reforma
agrária para, dessa maneira, revertermos o quadro de concentração fundiária
42
brasileira. É
41
Música: MST. Banda: Dead Fish.
42
Tratamos deste assunto no item “concentração fundiária brasileira, um problema histórico”.
116
nesta perspectiva que os movimentos sociais ganham importância a fim de romper com esta
estrutura vigente, tendo em vista que a reforma significa a melhoria da qualidade de vida da
população, não do campo, mas da cidade também, pois a reforma agrária traz a produção
de alimentos e empregos. Nas palavras de Oliveira:
Assim, o debate sobre a reforma agrária continua sendo uma questão aberta
na sociedade brasileira, e o aumento dos conflitos no campo e o crescimento
dos movimentos sociais revelam que, mais cedo ou mais tarde, o país terá
que fazer uma ampla e profunda reforma agrária ou então terá que conviver
com uma das estruturas fundiárias mais concentradas do mundo e com os
maiores latifúndios que a história da humanidade registrou. A reforma
agrária, além de resolver a maior parte dos problemas estruturais que
existem no campo brasileiro, permitirá ampliar a oferta de alimentos e
resolver o problema crônico da fome e do desemprego, enfim, da miséria
que envolve milhões de brasileiros. (1999, p.103).
Do outro lado, entretanto, contra os movimentos sociais e a reforma agrária,
estão às elites do agronegócio brasileiro (os grandes latifundiários, empresários do
agronegócio) que sabem de sua importância e, por isso, tentam destruir os movimentos sociais
camponeses, seja ideologicamente ou através da repressão armada. Ideologicamente, usando
argumentos intoleráveis na mídia contra os movimentos sociais, principalmente o discurso da
falta de “vocação na terra”, sendo que, contraditoriamente, esse argumento questiona a
própria elite que criou o discurso. Esse discurso da vocação, diz respeito à afirmação de que
os integrantes dos movimentos sociais do campo não possuem vocação para trabalharem no
campo, que muitos são moradores urbanos. Porém, contrariando esse discurso, muitos dos
moradores urbanos hoje, são trabalhadores rurais, ou seja, os bóias-frias.
Neste sentido, de acordo com Stedile, podemos dizer que se o critério da
vocação para a agricultura fosse medido pelo fato de se residir no meio rural, e se esse mesmo
critério fosse condição determinante do direito à posse da terra, então os latifundiários não
teriam direito a propriedade da terra. Pois 90% desses não são moradores do campo, mas, sim,
moradores urbanos de médias ou grandes cidades. Além do mais, é muito mais fácil ser um
trabalhador rural, do que um operário urbano-industrial que requer especialização e, mesmo
assim, muitos camponeses se tornaram trabalhadores urbanos, mesmo sem ter “vocação”.
Mas, quanto a isso, nunca houve nenhuma resistência da elite capitalista urbano-industrial,
pois a expropriação e proletarização camponesa interessam a ela. Afirmam ideologicamente
os capitalistas que...
117
[...] não vale a pena promover assentamentos de reforma agrária porque as
famílias que acampam ou ocupam fazendas não têm vocação agrícola;
muitas delas, inclusive, já vivem na cidade. Não se diz, porém, que a
maioria dos Sem-Terra que trabalham como assalariados arrendatários e
meeiros nunca tiveram de responder se tinha vocação agrícola para
desempenhar essas funções. Ou seja, para trabalhar na terra para os outros
não é necessário vocação ou preparo, mas para ter o seu pedaço de chão,
sim! O fato de muitos sem-terra já viverem nas pequenas cidades do
interior, nos povoados ou nas periferias não significa que deixaram de ser
trabalhadores rurais. [...], no entanto, se o critério da vocação agrícola fosse
medido pelo fato de se residir na terra ou no meio rural, e se esse mesmo
critério fosse condição para se determinar o direito á sua posse, certamente
os latifundiários não seriam aprovados, pois mais de 90% dos grandes
proprietários não vivem em suas fazendas, mas nas médias e grandes
cidades, e muitos deles não têm na agropecuária sua principal fonte de
renda. [...]. (STEDILE, 1998, p. 52-53).
Com relação à dominação do poder político, o processo de reforma agrária
fica mais difícil de acontecer quando verificamos o fato de existirem movimentos direitistas
comandados por latifundiários
43
que dominam o poder político. Estes formam a chamada
bancada ruralista no Congresso, que consegue atrasar a aprovação de leis que beneficiem o
processo de reforma agrária no Brasil.
Temos também a repressão armada como outra forma utilizada pelos
latifundiários para tentar destruir os movimentos sociais e interromper o processo de
desenvolvimento da reforma agrária. Dentre as organizações de latifundiários, a mais famosa
foi a UDR. Esta organização se utilizava, de maneira declarada, do uso da violência para
continuarem se mantendo no poder e conservando, assim, a concentração fundiária atual. Dito
de outra forma, “[...] durante as décadas de 80 e 90, a União Democrática Ruralista (UDR) se
posiciona como uma entidade abertamente favorável à violência como meio de solução das
questões que envolvessem a reforma agrária [...]”. (HENRY apud SILVA, 2005, p. 10).
Apesar de o discurso ter mudado atualmente, a fim de manter uma boa imagem perante a
sociedade, a opressão continua sendo a mesma.
43
Entre os membros dessa organização, temos vários latifundiários responsáveis por assassinatos, o modus
operandi mais comum é o envio de capangas para assassinar cruelmente às lideranças de movimentos sociais do
campo. Entre esses casos comprovados, está o do assassinato de Chico Mendes, cujos assassinos eram membros
da UDR. E o seu assassinato, envolveu uma decisão tomada em conjunto pelos membros da organização.
Todavia, atualmente (2007) já temos movimentos de latifundiários organizados com o nome “movimento paz no
campo”, justamente para tentarem retirar do movimento esse estigma do uso da violência, tentando conseguir um
respaldo por parte da sociedade. Porém, os conflitos na realidade continuam, foram apenas revestidos
ideologicamente por um discurso de legalidade nas ações por parte dos latifundiários. Estes movimentos de
direita tentam criminalizar os movimentos sociais de esquerda e afirmam que organizações como o MST, CPT,
CIMI etc., são organizações criminosas que pregam a desobediência civil e agem fora da lei.
118
Sendo que esta violência aumenta na medida em que os movimentos sociais
do campo aumentam a sua força de resistência frente às diversas tentativas de sua destruição
por parte dos grandes proprietários de terra e, na mesma perspectiva, quando pressionam o
governo a fim de conseguirem a realização da reforma agrária. Alguns desses episódios de
violência física contra os integrantes do MST ficarão marcados para sempre na história do
Brasil, como foram os casos do massacre de Eldorado dos Carajás e o massacre de
Corumbiara.
Nesse contexto de violência praticada pelas oligarquias rurais podemos
destacar duas formas de poder utilizadas por estes a fim de disseminar a violência contra os
camponeses. É o que Nascimento denominou de poder coercitivo e de poder de direito. O
poder coercitivo é o uso da violência pela via ilegal, por meio dos jagunços ou capangas,
funcionários do proprietário de latifúndio, estes andam armados a fim de cumprir as ordens do
patrão, que na maioria das vezes é o extermínio de lideranças de movimentos sociais do
campo
44
. Com relação ao poder de direito, significa a prática da violência amparada pela lei,
ou seja, “legalmente”. Nesse caso, as oligarquias controlam o poder judiciário e, logo, a
polícia atua a favor dos fazendeiros e contra os camponeses.
Quando resistência por parte dos camponeses/as em relação à lógica do
mandonismo realizado pelas oligarquias rurais do Brasil, os mesmos
enfrentam vários tipos de violência, seja a física, como as que ocorreram no
Pontal do Paranapanema, Eldorado dos Carajás e Corumbiara. A lógica
moralista destas oligarquias locais se evidencia por meio do poder coercitivo e
o poder de direito. O poder coercitivo se mostra por meio da contratação de
guarda-costas ou mais conhecidos como jagunços que são espécies de cães de
guarda, armados com rifles a espera de camponeses/as que são seus alvos
prediletos. o poder de direito é exercido quando determinadas oligarquias
detém o poder local de controle sobre o judiciário que coloca a polícia a
disposição para salvaguardar suas propriedades. (NASCIMENTO, 2003, p. 4).
Deste modo, a violência no campo também é uma questão que deve ser
discutida nas escolas para além das informações da mídia, pois esta esconde a violência
provocada pelos latifundiários porque estão do lado deles à mascarar a verdade no campo cuja
essência tem sido “[...] um grande número de conflitos, em geral sangrentos [...]. Lideranças
44
O caso mais recente foi o que ocorreu no dia 8 de julho de 2007 onde “[...] foi assassinado o líder indígena
Ortiz Lopes, 46 anos. Liderança do povo Guarani-Kaiowá, Ortiz sempre esteve à frente das lutas pela
recuperação de suas terras, havia sobrevivido a outro atentado e vivia sob fortes ameaças de morte. Segundo
depoimento da esposa de Ortiz Lopes, por volta das 18h30 do domingo, quando estava escuro, um homem se
aproximou da frente de sua casa, desejou boa noite e chamou por Ortiz. Ao perguntar quem era, a vítima se
dirigiu à porta e foi recebida por tiros. Enquanto disparava sua arma, o assassino informou: “os fazendeiros
mandaram acertar contas com você”. (CIMI, 2007).
119
sindicais de trabalhadores, religiosos, advogados entre outros, têm sido cruelmente
assassinados ao arrepio da lei. A justiça continua ser a única ausente do campo nos dias de
hoje”. (OLIVEIRA, 2004, p.7).
Esses conflitos, não cessarão enquanto não for feita a reforma agrária, pois
temos uma contradição inerente à concentração fundiária brasileira: grande quantidade de
terras inaproveitadas ou capturadas pelo agronegócio, enquanto um enorme contingente
populacional de excluídos, no campo ou na cidade, deseja trabalhar na terra, mas são
impedidos devido à permanência do latifúndio atrelado ao agronegócio. Dito de outra
maneira:
Os conflitos sociais no campo tendem a aumentar, como conseqüência
natural da enorme contradição que existe em nosso país: de um lado, vastas
extensões de terras inaproveitadas e apropriadas por latifundiário; de outro,
enormes contingentes populacionais de trabalhadores que sabem e podem
trabalhar na terra, mas são impedidos de fazê-lo. (STEDILE, 1998, p. 29).
Todavia, essas informações acerca da violência no campo, arquitetada pelos
latifundiários, acabam não chegando até nós, pois são desviadas pela mídia. Lembrando que
todos nós somos diariamente manipulados pelas informações distorcidas da dia a respeito
do assunto, que tenta esconder a verdade em favor de uma minoria privilegiada. É interessante
lembrar quanto os veículos de comunicação modificam a essência dos fatos em favor de uma
minoria privilegiada, principalmente os fatos referentes a vida nos acampamentos e
assentamentos. Isso torna a questão agrária ainda mais complexa “[...] tendo em vista a força
com que a ideologia tem sido escoada a cada dia pelos meios de comunicação”.
(FELICIANO; BOMBARDI, 2003, p. 32).
Dentre os principais veículos de comunicação de massa que manipulam a
informação em detrimento dos movimentos sociais do campo e, principalmente, contra o
MST, podemos citar a rede Globo de televisão e, sobretudo, o Jornal Nacional. É notória a
campanha que este vem fazendo a fim de criminalizar os movimentos sociais, sempre
enfatizando o discurso ideológico neoliberal de que esses movimentos colocam em risco a
democracia e o direito a propriedade privada. Esses telejornais escondem a barbárie
provocada pelos latifundiários no Brasil. Foram 1280 assassinatos que ocorreram no campo
brasileiro em um período de um pouco mais de 15 anos. Dos 121 acusados de mandantes dos
crimes, apenas sete foram condenados até hoje. Da mesma forma também, essa mídia tenta
120
esconder a concentração fundiária brasileira, a segunda maior do mundo, que deixa milhões
de trabalhadores sem ter terra para trabalhar como explica Santiago:
[...] a TV Globo tem levado ao ar uma sistemática campanha de
criminalização dos movimentos sociais, sobretudo do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST. Em seus telejornais diários, as
imagens são sempre editadas tendo como pano de fundo um texto carregado
de bordões conservadores, como: “colocar em risco o Estado Democrático de
Direito” ou “ataque violento à propriedade”. O que nunca assistiremos nos
telejornais da Globo é que, entre 1985 e 2002, foram registrados 1.280
assassinatos de trabalhadores rurais, advogados, técnicos, lideranças religiosas
e sindicais ligados à luta pela terra. Desse total, somente 121 acusados foram
levados a julgamento. Entre os mandantes dos crimes, apenas catorze foram
julgados, sendo sete condenados. Também não veremos na Globo que a
concentração de terras no Brasil é uma das maiores do mundo, e
aproximadamente 1 por cento dos proprietários detêm 46 por cento de todas
as terras agrícolas. [...] milhões de famílias não tem um palmo de terra para
trabalhar. [...]. (2006, p.6).
Com certeza, não veremos nos telejornais da rede Globo uma reportagem
positiva acerca da Educação do Campo e, portanto, contrária à marginalização que as políticas
públicas de educação produziram aos habitantes do campo. É por isso também que não
veiculam notícias positivas com relação ao trabalho do MST nos assentamentos, e a respeito
das possibilidades de mudança de vida de pessoas que se encontravam marginalizadas antes
de conseguirem o acesso a terra e, agora, conseguem viver de maneira digna. Por isso, a
democracia pregada pela rede Globo é, pois, a democracia de direita, que privilegia o
capitalista latifundiário em detrimento do trabalhador rural.
[...] Alguém já viu nos telejornais da Globo alguma reportagem sobre as
centenas de escolas dos assentamentos do MST, onde praticamente se
erradicou o analfabetismo? Alguma vez se viu William Bonner anunciar
que as cooperativas dos assentamentos do MST deram oportunidades a
famílias que viviam jogadas às margens das estradas de levar uma vida
digna e garantir seu sustento? O “Estado democrático de direito” que essa
emissora defende é na verdade um Estado democrático de direita, uma
democracia para poucos, para o latifúndio e o capital. (SANTIAGO, 2006,
p.6).
Neste sentido, entendemos que os fatos ocorridos no Brasil envolvendo os
movimentos sociais são sempre manipulados pela mídia a fim de denegrir a imagem desses
movimentos. Podemos citar como exemplo, o caso da Aracruz Celulose, onde as mulheres do
MST e Via Campesina participaram de um protesto no dia das mulheres em 2006, este fato foi
121
abordado pela mídia com intensa ênfase, a fim de colocar a sociedade contra os movimentos
sociais. Em nenhum momento se relatou os impactos causados ao meio ambiente devido à
monocultura latifundiária dos eucaliptos. Corroborando com esta análise Hamilton Souza nos
afirma:
O protesto das mulheres camponesa no viveiro de eucalipto da Aracruz
Celulose, no Rio Grande do Sul, foi amplamente explorado pela imprensa
empresarial para atacar os movimentos sociais do campo, em especial o
MST e a Via Campesina. A mídia destacou a “invasão” da propriedade
privada e o risco de afugentar o “investimento estrangeiro”; mas deixou de
lado o desastre ambiental provocado pelas florestas de eucaliptos e as
fábricas de celulose do grupo Aracruz. Mas grave ainda foi a ação da polícia
gaúcha, que pressionou os jornalistas do Correio do Povo a revelar as fontes
das notícias sobre o protesto. Para quem não sabe, o sigilo da fonte é direito
previsto no artigo 5º, inciso XIV, da Constituição Federal. Justamente para
evitar a truculência e o abuso de autoridade. (2006, p.9).
Arbex Junior também vai apresentar sua análise a respeito desse episódio da
Aracruz Celulose, afirmando que o discurso ideológico da mídia, após este ocorrido, é o de
acusar os integrantes dos movimentos sociais, além das incriminações habituais, de bárbaros e
de inimigos da ciência, entre outras acusações:
A mesma mídia que, em janeiro, notificou de forma bastante rápida,
superficial e corriqueira a ação ilegal da Polícia Federal subsidiada pela
Aracruz Celulose agora monta um estardalhaço imenso contra o MST. Às já
tradicionais e cansadas acusações de “subversão” e “violência”. Somam-se
agora as de “barbarismo”, “inimigos da ciência”, “anacrônicos” e
“absoletos” - semelhantes aos argumentos utilizados pelos defensores dos
transgênicos. As mulheres do MST são descritas como uma espécie
reedição do movimento Ludita. Curiosamente, tal discurso pretensamente
favorável ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia chega a seduzir
uma parte importante da classe média, incluindo muitos que, normalmente,
são simpáticos ao movimento. (2006, p.10).
Os veículos de comunicação nacionais são, portanto, instrumentos
ideológicos da democracia neoliberal capitalista. Constituem-se, assim, em uma forma de
legitimar a reprodução da burguesia no poder. Mascarando, dessa maneira, a realidade e a
essência do capitalismo produtor de desigualdade e exploração. Construindo uma realidade
fatalista e ilusória, de naturalização das desigualdades e de extermínio das possibilidades de
mudanças. Tentando soterrar, então, com seus discursos, a dialética da realidade. Neste caso,
os alvos mais constantes da mídia são os movimentos sociais. A respeito do assunto,
Marilene Felinto afirma que:
122
Os veículos de comunicação se estruturam, segundo o princípio de
concentração de poderes. [...] A mídia, legitimadora da economia de
mercado, tornou-se fonte da retórica do embelezamento da desigualdade e
da dependência. [...] Com a sua aparência multívoca, escamoteia a realidade
e oferece um mundo ilusório em cores. Tornou-se uma técnica da exclusão
cognoscitiva diante do processo de exploração. Instaura a cegueira
conformista, fazendo da consciência ingênua ancila da consciência contábil.
(2006, p.9).
Assim a mídia contribui, de maneira ideológica, para que o problema da
concentração fundiária e a violência no campo continuem se reproduzindo na “[...] barbárie
que deriva da ação dos latifundiários contra os Sem Terra [...]”. (OLIVEIRA, 2004, p. 113).
Deste modo, em se tratando da questão da reforma agrária no Brasil, o que prevalece é o
discurso fatalista da elite agrária, que busca através desta ideologia manter-se no poder.
Tentando, por meio da dia neoliberal, infamar a imagem dos movimentos sociais do
campo, que tentam, por sua vez, construir um projeto mais igualitário para o Brasil, por meio
da reforma agrária. Transformam, assim, por meio de seus discursos, os movimentos sociais
em quadrilhas organizadas. Colaborando com isso temos intelectuais do capitalismo que
trabalham com a idéia fragilizada teoricamente, mas extremante forte ideologicamente, de que
não existe latifúndio no Brasil e, logo, a reforma agrária é uma invenção de oportunistas.
Vejamos o que pensa Paulo Freire sobre o assunto:
No caso da reforma agrária entre nós, a disciplina de que se precisa,
segundo os donos do mundo, é a que amacie a custo de qualquer meio, os
turbulentos e arruaceiros, “sem terra”. A reforma agrária tampouco vira
fatalidade. Sua necessidade é uma invencionice absurda de falsos
brasileiros, proclamam os cobiçosos senhores das terras. (FREIRE, 1999, p.
63).
Outro discurso ideológico elitista burguês está em afirmar que para se fazer
uma reforma agrária o custo é muito grande. Porém, em comparação com a instalação de uma
indústria multinacional no Brasil o custo da reforma agrária é irrisório devido aos incentivos
fiscais doados pelos governos a essas indústrias, como a isenção do pagamento de impostos e
do pagamento do terreno. Além do mais, o lucro que essas indústrias extraem do Brasil é feito
pela exploração da mão-de-obra do nosso proletariado, apropriando-se da mais-valia,
pagando, assim, salários baixíssimos. Além da exploração dos nossos recursos naturais e os
impactos ambientais causados por esta exploração.
123
Temos que destacar, ainda, que os assentamentos de famílias no campo vão
diminuir o número de desempregados; diminuir também, a carência alimentar que o Brasil
tem sofrido nos últimos tempos; e melhorar, dessa maneira, a própria economia brasileira
como um todo. Tudo isso sem precisar da exploração do capital privado. Por isso, podemos
afirmar que os assentamentos são, portanto, a melhor forma de gerar empregos e renda, pois,
não existe exploração humana ou da natureza de forma degradante como no capital industrial.
É nesta direção que Stedile vai assinalar que um emprego na indústria custa 6 vezes mais do
que assentar uma família em um assentamento, além deste primeiro necessitar da instalação
de toda a infra-estrutura urbana. Em suas palavras:
Os fazendeiros reclamam que o assentamento de uma família de
trabalhadores rurais Sem-Terra custa muito dinheiro aos cofres públicos.
Argumentam que é um desperdício gastar tão mal o dinheiro público, os
recursos do povo. Os custos médios para assentamento de uma família no
campo, de acordo com a região e as condições existentes, giram em torno de
R$ 15 mil, incluindo-se investimentos em benfeitorias, créditos para
habitação, escola, etc. em contrapartida, nos demais setores da economia
brasileira os custos são muito mais elevados. Como vimos, apenas um
emprego no comércio custa quase três vezes e meia o valor do assentamento
de uma família, enquanto na indústria o custo é seis vezes e meia mais
elevado. O assentamento de uma família no campo representa o emprego de
2,3 pessoas. A criação de um emprego na cidade não resolve todo o
problema social. E o governo precisa investir ainda em casas, escolas, ruas,
calçadas, energia elétrica, água encanada, etc. para se ter uma idéia, a casa
popular mais barata do sistema BNH no Brasil tem um custo médio de R$
20 mil. (1998, p. 52-53).
A cada dia que passa, percebemos que apesar dos esforços contrários da elite
burguesa, os movimentos sociais têm intensificado suas forças, protestando na cidade e no
campo. No campo temos a resistência feita nos acampamentos e as marchas nas estradas.
nas cidades, temos as ocupações de prédios públicos e as manifestações nas capitais, visto que
o poder público se localiza na cidade.
As greves no campo e nas cidades mostram que cidades e campo não
podem ser separados: estamos diante de greve de trabalhadores do campo
que são feitas nas cidades. Movimentos de trabalhadores rurais sem-terra
caminham pelas estradas, acampam e lutam no campo, e na cidade
marcham pela reforma agrária. A luta pela terra no campo poderá ser
feita na cidade. (OLIVEIRA, 1997, p.7).
124
Percebemos também, no campo, a força do MST nos acampamentos, pois
estes se tornam espaços de conscientização política, onde se discute as formas de produção
mais viáveis nos assentamentos, após a conquista da reforma agrária:
O movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra tem feito da luta pela
terra uma bandeira de defesa e de conquista da reforma agrária. Os
acampamentos são verdadeiras escolas onde se discute a necessidade a
produção coletiva nos assentamentos. (OLIVEIRA, 1997, p.15).
2.6.3 – O processo de espacialização e de territorialização da luta pela/na terra do MST
Quando ocorre o processo de territorialização do capital monopolista, existe
a luta para o retorno do campesinato ao campo que se faz, principalmente, pelo MST. Por
isso, “[...] os sem-terra ocupam terras, predominantemente, em regiões onde o capital se
territorializou. Ocupam latifúndios, propriedades capitalistas, terras de negócio e exploração,
terras devolutas e ou griladas. [...]”. (FERNANDES, 2000, p. 286).
Fazendo desse modo a espacialização e territorialização da luta. É por esse
motivo que o MST desde a década de 1980 se territorializou pelo Brasil intensificando o
processo de formação do campesinato brasileiro (FERNANDES, 2000). Podemos afirmar que
o MST faz parte dos movimentos socioterritoriais
45
que definem suas lutas na territorialização
e espacialização de suas ações. Neste sentido, o processo de luta do MST pela reforma
agrária, constrói o que podemos denominar de espacialização do movimento. Ou seja, “[...] as
caminhadas e marchas são formadas de manifestação política produzidas na espacialização e
produtoras de espacialidades”. (FERNANDES, 2000, p. 291).
Ainda para Fernandes, os movimentos socioterritoriais como o MST,
produzem a sua territorialização a partir da espacialização de suas ações. Construindo, assim,
uma relação interativa de espacialização e territorialização. Em suas palavras:
Os movimentos socioterritoriais realizam a ocupação através do
desenvolvimento dos processos de espacialização e territorialização da luta
pela terra. Ao espacializarem o movimento, territorializam a luta e o
movimento. Esses processos são interativos, de modo que espacialização
cria a territorialização e é reproduzida por esta. (2000, p. 290).
45
Movimentos socioterritoriais são todos os que têm o território como triunfo. (FERNANDES apud ALMEIDA,
2006a, p.162). São considerados socioterritoriais, também, pela capacidade de territorialização em rede.
125
Nesta perspectiva, da fase do acampamento até a conquista do assentamento,
onde ocorrem às marchas pelas estradas, marchas nas cidades, e ocupações de prédios
públicos, temos a espacialização das lutas, que culmina, por sua vez, na conquista do
assentamento. O assentamento, então, resulta na territorialização do campesinato. É nesse
momento que o campesinato tem a possibilidade de construir um espaço com a sua
identidade, que vise a sua produção/reprodução material e simbólica. Nas palavras de
Fernandes, (2000, p. 296, grifo nosso): “[...] o acampamento
46
é a luta pela terra. Entre o
tempo de acampamento e a conquista do assentamento (que configura a territorialização),
desenvolve-se a espacialização. Uma forma é por meio das romarias e ou das marchas”.
Segundo Almeida “o processo de territorialização do MST acaba por
diferenciá-lo de outros movimentos e organizações [...]”. (2006, p. 143). Neste sentido,
Almeida nos explica cada uma das formas de luta do MST que compõe o seu processo de
espacialização.
O acampamento/ocupação é organizado em regiões de imóveis com indícios
de devolutividade e de improdutividade. A organização para a ocupação é feita da seguinte
maneira pelo movimento:
[...] de forma geral, a direção estadual faz o levantamento da matrícula dos
imóveis da região com indícios de devolutividade e também de
improdutividade, em seguida, os dados são repassados aos setores, para que
seja feita a vistoria, isto é, a verificação em lócus. Por sua vez, um grupo de
militantes, geralmente o setor da Frente de Massa, percorre a região,
contatando trabalhadores rurais sem terra. O passo seguinte é organizá-los
em grupo, visando à criação de um espaço de diálogo a fim de prepará-los
para as regiões de ocupação. (ALMEIDA, 2006a, p.143).
Quando ocorre um despejo as famílias ficam organizadas em grupo as
margens das rodovias. O importante nesse momento é a organização das equipes de trabalho:
Após uma ação de despejo pela qual as famílias, na maioria das vezes,
ficam às margens das rodovias ou próximas de alguma cidade, a orientação
46
Para Comerford (1999), o acampamento na beira da estrada [...] insere-se num conjunto de formas coletivas de
mobilização e manifestação estabelecidas pelo MST, tais como: ocupações de propriedade rurais, públicas ou
privadas; romarias e caminhadas; bloqueio de estradas, passeatas; acampamentos em locais públicos, ocupações
de órgãos públicos; grandes celebrações religiosas; assembléia em locais públicos; e festas comemorativas de
eventos. Para o autor, essas formas, coletivas de ação “por vezes se ‘misturam’, quando, por exemplo, uma
passeata termina na ocupação de um órgão publico ou no acampamento em uma praça”. (apud ALMEIDA,
2006a, p. 155).
126
a ser seguida é a seguinte: manter as famílias em grupo com seu respectivo
coordenador e imediatamente escolher, por meios de assembléia, um
membro de cada grupo para formar a coordenação geral do acampamento e
este irá então organizar as equipes de trabalho, a saber: finanças, educação,
saúde e higiene, animação, segurança etc. (ALMEIDA, 2006a, p. 143).
Quanto à ocupação de prédios públicos: “[...] o principal objetivo dessa ação
é criar um fato político. Às vezes, essa ação é realizada de forma articulada envolvendo vários
Estados simultaneamente”. (ALMEIDA, 2006a, p. 143).
Uma forma de luta bastante conhecida, pois tem como objetivo chamar a
atenção da sociedade como um todo pela causa da luta pela/na terra, são as caminhadas,
passeatas e atos públicos: [...] essas ações objetivam consolidar a aliança campo-cidade e
ganhar apoio da sociedade
47
. (ALMEIDA, 2006a, p.144). Visto que a luta pela/na terra, que é
do campo, deve encontrar parte de sua solução na cidade, pois é na cidade que se encontra o
poder público.
Outra prática que é noticiada na mídia como saqueamento de caminhões é
denominada pelo MST como Recuperação de alimentos, esta é uma “[...] ação que visa matar
a fome dos acampados e aumentar a pressão ao governo. Ela é feita contra caminhões que
transportam alimentos e trafegam nas rodovias próximas aos acampamentos. [...]”.
(ALMEIDA, 2006a, p.144).
Temos também como prática de luta do MST a obstrução das rodovias, que
“[...] é uma atividade de impactos, que visa freqüentemente obter a solução imediata para
determinada solicitação, como a liberação de trabalhadores rurais presos. Geralmente, são
escolhidos rodovias de tráficos intenso”. (ALMEIDA, 2006a, p.144).
Temos que destacar que o acampamento é um momento de extrema
importância para o MST, visto que ele não significa apenas um símbolo de resistência e uma
forma de mostrar a sociedade a sua luta, mas é também um período de aprendizado. É uma
etapa inerente ao processo de recriação do campesinato. Se observarmos apenas sua forma
pode parecer um “aglomerado de exclusão”
48
como outro qualquer, no entanto sua
especificidade se pelos objetivos a serem alcançados nesse período de vivência dos sem
terra que antecede a sua territorialização. Neste sentido, Almeida nos afirma que não podemos
47
Como exemplo, citamos a realização, em 2001, de uma marcha foram 32 dias percorrendo 470 quilômetros
entre Baytaporã e Campo Grande. Um dos objetivos dessa marcha era lembrar o Dia Internacional da Luta
Camponesa e o massacre de dezenove trabalhadores rurais em Eldorado dos Carajás/PA (ALMEIDA, 2006a).
48
Expressão utilizada por Rogério Haesbaert (2002; 2006).
127
fazer uma análise do acampamento “[...] levando em conta tão-somente a forma, o que não
permite a análise de usa essência, a qual, no caso do MST, tem sido a de explicitar para a
sociedade o conflito de classe, bem como ‘gestar’, na perspectiva do Movimento, um
‘camponês de novo tipo’”. (2006a, p.158).
A essência do acampamento está em mostrar a sociedade o conflito de
classes e ir construindo, durante o período de permanência conjunta no acampamento, a
identidade de sem terra. Ou seja, é o processo de construção de um novo sujeito:
[...] a forma-conteúdo acampamento cumpre para o MST o objetivo
primeiro de desafiar o poder das cercas e expor à sociedade o conflito de
classes. Num segundo momento, ela assume outros significados [...] que são
basicamente de construção daquilo que o movimento designa como
“identidade sem terra”. (ALMEIDA,
2006a, p.159).
Segundo Almeida (2006) é esse processo de gestação de um novo sujeito que
diferenciam a luta do MST da luta das outras organizações de trabalhadores rurais, como a
luta organizada pelos sindicatos de trabalhadores rurais Fetagri e CUT. Pois, apesar dos
acampamentos apresentarem a mesma forma/aparência, seu conteúdo/essência se diferencia,
tendo em vista que a CUT e a Fetagri, utiliza o acampamento apenas como forma de pressão
para a conquista da terra. Quanto ao MST, seu mérito se deve ao fato de sua luta pela terra ter
ultrapassado a idéia reducionista de acampamento apenas como mecanismo de pressão e ter
um projeto mais ousado
49
. Logo, somente o MST possui um conteúdo novo para a forma
acampamento.
49
Para Caldart esse projeto sustenta-se no seguinte tripé: educar e manter mobilizada a base sem terra,
sensibilizar a opinião pública para a causa da luta pela terra e fazer pressão sobre as autoridades responsáveis
pela realização da reforma agrária. (apud ALMEIDA, 2006a, p.169).
128
3- POR UMA EDUCAÇÃO TRANSFORMADORA PARA A EMANCIPAÇÃO DAS
CAMADAS SUBALTERNAS
3.1 - Educação: uma produção inerente ao ser humano
Tendo em vista, a busca de uma reflexão com relação à prática educativa no
nosso período histórico atual, se faz necessário entender o significado de educação como algo
intrínseco a humanidade. A produção da educação é mais uma das criações humanas, que nos
diferenciam de outros animais, e que está relacionada à cultura do grupo social que a
construiu. Por isso, concordamos com Brandão (1988, p. 10), que “a educação é, como outras,
uma fração do modo de vida dos grupos sociais que a criam e recriam, entre tantas outras
invenções de sua cultura, em sua sociedade [...]”.
Nessa concepção, a educação faz parte de nossa vida desde que nascemos,
pois todo o meio que nos rodeia está inserido num contexto educativo. Começando pela nossa
casa e nossa família e integrando todos os locais nos quais nos relacionamos com outras
pessoas. O fato de estarmos vivos é o bastante para que possamos nos educar. Logo, ninguém
escapa do processo educativo, fazendo com que nossa vida combine-se, funda-se e confunda-
se a esse processo:
Ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja ou na escola, de um
modo ou de muitos todos nós envolvemos pedaços da vida com ela: para
aprender, para ensinar, para aprender-ensinar. Para saber, para fazer, para ser
ou para conviver, todos os dias misturamos a vida com a educação. Com
uma ou com várias: educação? Educações. [...]. (BRANDÃO, 1988, p. 7).
Essa fusão, portanto, do ser humano com a educação, é um processo tão
mútuo que refletir acerca da educação requer refletir inevitavelmente sobre o próprio ser
humano. Dito de outra forma, “não é possível fazer uma reflexão sobre o que é a educação,
sem refletir sobre o próprio homem”. (FREIRE, 1981a, p.27).
Para Freire (1981a, p.27), “a educação é uma resposta da finitude da
infinitude. A educação é possível para o homem, porque este é inacabado e sabe-se inacabado.
[...]”. É a própria consciência humana da necessidade de se educar e de refletir sobre si
mesmo, que o diferencia dos outros seres do planeta. Esta reflexão do ser humano, a respeito
dele mesmo e da natureza, é que faz com que a educação exista. Somente o ser humano é
129
capaz de entender que é um ser em construção, ainda inacabado, é o que o faz buscar a
educação e, é, por isso, que o ser humano a constrói, porque está sempre em busca de algo:
O cão e a árvore também são inacabados, mas o homem se sabe inacabado e
por isso se educa. [...]. O homem pode refletir sobre si mesmo e colocar-se
num determinado momento, numa certa realidade: é um ser na busca
constante de ser mais e, como pode fazer esta auto-reflexão, pode descobrir-
se como um ser inacabado, que está em constante busca. Eis aqui a raiz da
educação. (FREIRE, 1981a, p.27).
A educação é fruto do próprio desenvolvimento da humanidade e que
comprova a existência do ser humano como ser histórico, com necessidade e capacidade de
resolver seus problemas. Dentro desse contexto, a educação passa a estar inserida num
conjunto de relações características da produção humana. Nas palavras de Brandão (1988, p.
14): “[...] ela se instala dentro de um domínio propriamente humano de trocas: de símbolos,
de intenções, de padrões de cultura e de relações de poder [...]”.
Podemos dizer, então, que o homem é sujeito e não objeto da educação, ou
seja, é o ser humano que define as formas de educação que deseja, a partir das necessidades
de sua organização social. É ele também, que atua sobre o meio construindo seu processo
educativo. Nesse caso, ele é um ser ativo do processo. Nas palavras de Freire: “[...] o homem
deve ser o sujeito de sua própria educação. Não pode ser o objeto dela. Por isso, ninguém
educa ninguém”. (1981a, p. 27-18).
Neste sentido, temos que pensar que não existe um único modelo de
educação. A educação formal, isto é, o ensino escolar, não é a única forma de educação que
temos, e talvez nem seja a melhor maneira de se educar a humanidade, se compararmos com
outras formas de produzir educação fora do ensino escolar. E, apesar de o professor ser o
único profissional habilitado para gerir o processo de ensino-aprendizagem, dentro da sala de
aula, ele não é o único agente social com capacidade de educar, tendo em vista que todos nós
participamos desse processo, no nosso cotidiano, de maneira mútua. Dito de outra maneira:
“[...] não uma forma única, nem um único modelo de educação; a escola não é o único
lugar onde ela acontece e talvez nem seja o melhor; o ensino escolar não é a sua única prática
e o professor profissional não é o seu único praticante [...]”. (BRANDÃO, 1988, p. 9).
O que estamos afirmando, é que a educação existe sem escola ou sem
organização social complexa, pois, todos os povos até hoje, independente do lugar onde
vivem ou viveram, independente do período histórico no qual viveram, sempre produziram a
sua educação a partir de suas necessidades, ou seja, a partir de sua realidade concreta vivida.
130
Por isso, as comunidades nativas, como os indígenas, possuem sua própria
concepção de educação, que garanta a satisfação de suas necessidades materiais e construções
simbólicas. Em todas as comunidades humanas, sempre a educação fez parte do processo de
construção de suas relações.
Neste sentido, a educação existe em sociedades estratificadas ou sem divisão
social do trabalho; em sociedades com Estado ou sem Estado; onde existe um sistema de
ensino ou onde a educação ocorre somente de maneira informal. Nas palavras de Brandão
(1988, p. 32), a educação existe...
Em todo o tipo de comunidade humana onde ainda não uma rigorosa
divisão social do trabalho entre classes desiguais, e onde o exercício social do
poder ainda não foi centralizado por uma classe como um Estado, existe a
educação sem haver a escola e existe a aprendizagem sem haver o ensino
especializado e formal, como um tipo de prática social separada das outras. E
da vida.
Dessa maneira, independente do espaço-tempo e das diferenças
socioeconômico-culturais, a educação sempre existiu, entretanto em diferentes formatos e
intenções de acordo com o modelo de sociedade na qual se encontra inserida
.
Auxiliando na
mudança ou reforçando
a organização social que a produziu.
Cada construção social possui sua educação correspondente. Por isso, a
educação esteve presente em todos os modos de produção: primitivo, feudal, capitalista e
socialista, e em cada um deles possuiu objetivos e interesses diferenciados. Dito de outra
maneira:
Em mundos diversos a educação existe diferente: em pequenas sociedades
tribais de povos caçadores, agricultores ou pastores nômades; em sociedades
camponesas, em países desenvolvidos e industrializados; em mundos sociais
sem classes, com este ou aquele tipo de conflito entre as suas classes; em tipos
de sociedades e culturas sem Estado, com um Estado em formação ou com ele
consolidado entre e sobre as pessoas. (BRANDÃO, 1988, p. 9).
Dessa forma, à medida que se mudam as formas de organização social,
muda-se também a maneira de pensar o processo educativo. Por exemplo, no caso de nossa
sociedade que se encontra inserida numa divisão socioterritorial do trabalho, logo se constrói
uma sociedade estratificada e marcada territorialmente por relações de poder, principalmente
dominada pelo poder econômico e político-jurídico do Estado. Por conseguinte, essas relações
131
interferem nas formas de se conceber e construir o processo educativo no interior de um
sistema de educação formal:
Quando um povo alcança um estágio complexo de organização da sua
sociedade e de sua cultura; quando ele enfrenta, por exemplo, a questão da
divisão social do trabalho e, portanto, do poder, é que ele começa a viver e a
pensar como problemas, as formas e os processos de transmissão do saber
[...]. (BRANDÃO, 1988, p. 16).
Tendo em vista a diversidade de modelos de educação produzida a partir da
organização diferenciada de diferentes sociedades, em diversos espaços e suas
temporalidades, se faz necessário refletir sobre qual modelo de educação que pretendemos
construir, e qual modelo social queremos alcançar auxiliados por essa educação.
Neste sentido, a educação pode servir para reproduzir a desigualdade, ou
pelo contrário, auxiliar no processo de transformação da realidade. Sendo que, com o objetivo
de reprodução da desigualdade, existem povos que utilizam a educação como um recurso a
mais de manutenção de sua dominação, reforçando assim a desigualdade entre os homens
(BRANDÃO, 1988).
Por isso, a educação pode existir livre, produzida socialmente para o bem
comum, a fim de socializar as crenças, as idéias e as aprendizagens, onde todos participam do
processo, sendo sujeitos dessa construção (BRANDÃO, 1988). Mas também, a educação pode
ser construída “de cima para baixo” a fim de reproduzir a lógica dominante. Neste caso, “[...]
ela [a educação] pode existir imposta por um sistema centralizado de poder, que usa o saber e
o controle sobre o saber como armas que reforçam a desigualdade entre os homens, na divisão
dos bens, do trabalho, dos direitos e dos símbolos”. (BRANDÃO, 1988, p. 10).
3.2 - A educação formal e suas implicações reprodutoras
...Nós não precisamos de nenhuma educação
50
,
Nós não precisamos de nenhum controle de pensamento,
Nenhum sarcasmo sombrio na sala de aula,
Professores, deixem as crianças em paz.
Ei! Professor! Deixe as crianças em paz!...
50
Consideramos que a crítica contida na letra refere-se à educação
reprodutora/alienante/massificadora/domesticadora que temos na sociedade capitalista que visa transformar os
educandos em um exército de mão-obra-obra para o capital.
132
Pink Floyd
51
O ensino formal é, pois, a sujeição do processo educativo a um sistema de
ensino. É quando se estabelece a escola como instituição responsável pelo processo educativo
e instituem-se profissionais para a responsabilidade de gerir esse processo a partir de normas e
tempos pré-estabelecidos. É no ensino formal, que aparecem os alunos e professores. Nas
palavras de Brandão (1988, p. 26):
O ensino formal é o momento em que a educação se sujeita à pedagogia (a
teoria da educação), cria situações próprias para o seu exercício, produz os
seus métodos, estabelece suas regras e tempos, e constitui executores
especializados. É quando aparecem à escola, o aluno e o professor.
(BRANDÃO, 1988, p. 26).
A educação formal, institucionalizada, ganha um enorme impulso na
modernidade pós-revolução industrial. Estando intrinsecamente ligada ao desenvolvimento do
capitalismo industrial e a urbanização, tendo em vista a necessidade da reprodução da nova
ordem vigente, que, cada sociedade organiza a sua educação a partir de suas necessidades e
interesses. No modo de produção capitalista, a educação não visa atender o bem-estar
coletivo, mas sim, as necessidades do capital:
[...] a chamada “escolarização da sociedade”, ou expansão notável do ensino
público, dá-se a partir do desenvolvimento do capitalismo, do grande impulso
da industrialização original, urbanização e concentração populacional nas
cidades. Mas o que significa a ingênua frase: “necessidade de cuidar de sua
educação?” Sabemos que se educa para alguma coisa, que cada sociedade
concreta estrutura seu sistema de ensino em função de suas necessidades; mas
que numa sociedade de classes não existem “necessidades coletivas” e nem
“comunidades”. (VESENTINI, 1992, p. 16).
Nessa perspectiva, a educação formal ganha a função de auxiliar a
reprodução da ordem da nova etapa de desenvolvimento do modo de produção capitalista. E,
ainda hoje, desempenha papel fundamental de auxiliar na reprodução da ordem econômica
vigente, ou seja, na manutenção do funcionamento do modo de produção capitalista e sua
sociedade estratificada/classista. Nas palavras de Bourdieu e Passeron (1975, p.213): “[...] tal
sistema (o escolar) contribui de maneira insubstituível para perpetuar a estrutura das relações
51
Música: Another brick in the wall. (Mais um tijolo na parede). Banda: Pink Floyd.
133
de classe e ao mesmo tempo para legitimá–la ao dissimular que as hierarquias escolares que
ele produz reproduzem hierarquias sociais”.
Dessa maneira, a educação formal, garantiria a legitimação do poder
hegemônico da nova classe dominante ascendente, ou seja, a burguesia, por meio do diploma.
Substituindo pelo diploma a legitimidade do poder que era dado à nobreza, através da
hereditariedade do sobrenome, o direito divino de governar e o “sangue azul” da nobreza,
pois, o burguês não possuía nenhum desses requisitos e, logo, encontra no diploma mais um
modo de autenticar, com o discurso de seus méritos, o seu poder como classe dominante.
Corroborando com esta exposição, Vesentini, a partir das análises também de Bourdieu e
Passeron, afirma:
Em outros termos, diferentemente da nobreza que se legitimava pelas suas
raízes pretensamente biológicas (o “sangue”) e criadas “por Deus“, a
burguesia, que durante muito tempo combateu os privilégios do clero e dos
senhores feudais, ridicularizando sua “origem divina”, teve que criar uma
nova forma de legitimidade: o estatuto, o mérito escolar, o diploma. [...].
(VESENTINI, 1992, p. 16).
É dessa forma, que a educação vai reproduzindo a ordem desigual vigente,
permitindo a manutenção da elite no poder. Logo, a educação, não produz a desigualdade,
mas a reproduz de uma maneira ideológica mais eficaz do que as formas anteriores. Dito de
outra maneira, “[...] é evidente que a escola não produz, mas apenas reproduz as
desigualdades sociais; mas sua função ideológica parece ser bem mais eficaz que as formas
anteriores de legitimar privilégios de estamentos ou ordens.
[...]”.
(VESENTINI, 1992, p. 16-
17).
Na sociedade formada pós-revolução industrial, a escola cumpre o dever de
legitimar os privilégios da burguesia pelo diploma, assim como para a nobreza essa
manutenção dos privilégios se fazia através da hereditariedade. Então, também por meio do
sistema de ensino, que lhes legitima o poder, as elites se perpetuam enquanto classe
dominante. Há, portanto, por meio desse discurso ideológico da autenticação dos dons da
elite, por meio do diploma, a mascaração da desigual possibilidade de acesso à educação e a
desigualdade de oportunidades, por exemplo, como no caso do acesso ao Ensino Superior
52
.
Por isso, os dons, são ideologicamente construídos pela desigual estrutura social que
52
Neste sentido, podemos usar como exemplo os moradores do campo, eles não são menos capazes do que os
moradores da cidade, todavia tem menos oportunidades para estudar e obter um diploma. Logo, tem menos
pessoas do campo com títulos e, portanto, essas pessoas acabam tendo menos acesso a alguns bens de consumo e
ao status e privilégios que os títulos podem ofecerer em nossa sociedade.
134
possuímos no modo de produção capitalista e, logo, à escola cabe a função de tornar legítima
essa desigualdade, transformada em mérito pela obtenção do diploma. É o que nos confirma
Bourdieu e Passeron (1975, p.218):
[...] Assim, o sistema escolar, com as ideologias e os efeitos gerados pela
sua autonomia relativa, é para a sociedade burguesa em sua fase atual o que
outras formas de legitimação da ordem social e de transmissão hereditária
dos privilégios foram para formações sociais que diferiam tanto pela forma
específica das relações e dos antagonismos entre as classes quanto pela
natureza do privilégio transmitido: [...] o herdeiro dos privilégios burgueses
deve apelar hoje para a certificação escolar que atesta simultaneamente seus
dons e seus méritos. A idéia contra a natureza de uma cultura de nascimento
supõe e produz a cegueira face às funções da instituição escolar que
assegura a rentabilidade do capital e legitima a sua transmissão dissimulada
ao mesmo tempo em que preenche essa função. [...].
Como já havíamos afirmado anteriormente, a função ideológica da escola,
na perpetuação do poder da burguesia, parece ser bem mais eficaz que as formas ideológicas
anteriores de perpetuação da ordem vigente. Isto se justifica pelo fato do discurso ideológico
da conquista ser mais eficaz que o discurso da sucessão hereditária. Isto é, o fato do
certificado escolar ser algo conquistado e, portanto, não herdado, faz com que seja bem mais
discreta essa sucessão do poder. Essa forma de reprodução da ordem vigente passa de
maneira imperceptível pelas camadas subalternas, que não tem a mesma possibilidade de
acesso à educação, e acabam concordando com essa legitimação ao não perceber que estão
sendo vítimas de um dos aparelhos ideológicos do Estado capitalista, o sistema educacional.
Dessa forma, no sistema capitalista, a obtenção de títulos escolares leva à
possibilidade a burguesia de gozar de privilégios que aqueles que não tiveram o acesso à
educação, não terão. Entretanto, esses privilégios passam despercebidos devido ao discurso do
mérito, que camufla a exclusão dos desprivilegiados e assegura com discrição esses
privilégios à burguesia, reproduzindo o discurso que a exclusão social se deve a falta de dons
e méritos das camadas subalternas. Daí a construção daquela frase ideológica: “quem mandou
não estudar?”. Confirmando essa reflexão:
[...] numa sociedade em que a obtenção dos privilégios sociais depende
cada vez mais estreitamente da posse de títulos escolares, a Escola tem
apenas por função assegurar a sucessão discreta a direitos de burguesias que
não poderiam mais se transmitir de uma maneira direta e declarada.
Instrumento privilegiado da sociodicéia burguesa que confere aos
privilegiados os privilégios supremos de não aparecer como privilegiados,
ela consegue tanto mais facilmente convencer os desertados que eles devem
135
seu destino escolar e social à sua ausência de dons ou de méritos [...]
(BOURDIEU; PASSERON, 1975, p.218).
Sendo assim, muitas vezes, a própria exclusão leva as camadas subalternas
a admitirem a superioridade burguesa legitimada no diploma, devido ao poder que os títulos
dão à burguesia e a privação do acesso a informações à que estão submetidos os excluídos,
fazendo com que não se percebam como vítimas dessa exclusão. Ou seja, “[...] à absoluta
privação de posse exclui a consciência da privação de posse”. (BOURDIEU; PASSERON,
1975, p.218)
53
.
Ainda, neste sentido, fazendo uma crítica também a reprodução dos
privilégios da burguesia por meio do diploma, Renato Russo,
54
traz em uma de suas letras a
discussão do vestibular como imposição da sociedade moderna. Em nossa sociedade, todas as
pessoas têm que ter um título, se quiser ter acesso às necessidades materiais produzidas pela
nossa sociedade capitalista atual. Relata-nos, por meio dessa letra, que o diploma nos
transforma em um cidadão modelo, burguês padrão e até, ironicamente, em cristãos convictos,
padrões desejados por todos para terem status no mundo atual. Dessa forma, o acesso a esses
privilégios depende do acesso aos títulos escolares:
[...] Ter carro do ano, TV à cores, pagar imposto, ter pistolão
Ter filho na escola, férias na Europa, conta bancária, comprar feijão
Ser responsável, cristão convicto, cidadão modelo, burguês padrão
Você tem que passar no vestibular [...].
Outra função primordial da educação formal, que se inicia na revolução
industrial e se perpetua até hoje, é a garantia de mão-de-obra especializada para o capital
industrial. Por conseguinte, a escola “domestica” as pessoas para o trabalho industrial, a fim
de que saiam da escola pessoas prontas para serem subordinadas e submissas as ordens de
hierarquia superior. Prepara pessoas sempre submissas ao capital, prontas e prestativas para
atender ao capital nas horas necessárias, seja ele industrial, financeiro, comercial etc.:
[...] a escola contribui para a reprodução do capital: habitua os alunos à
disciplina necessária ao trabalho na indústria moderna, a realizar sempre
53
Entretanto, concordamos parcialmente com essa afirmação, pois, essa não é uma regra rígida porque muitas
vezes, contraditoriamente, é a própria privação da posse que leva os indivíduos a se conscientizarem sobre sua
exclusão e lutarem para reverter esse quadro, pois os condicionantes sociais são passíveis de superação. E a
construção dessa conscientização pode vir via uma educação transformadora e os movimentos sociais.
54
Música: Química. Legião Urbana. Álbum: “Que país é esse”, 1987.
136
tarefas novas sem discutir para que servem; a respeitar a hierarquia; e serve
para absorver para o exército de reserva, segurando contingentes humanos ou
jogando-os no mercado de trabalho, de acordo com as necessidades do
momento. (VESENTINI, 1992, p. 16-17).
Por isso, o próprio espaço pedagógico reflete uma sociedade de dominação
burguesa expressa na própria passividade imposta aos alunos pelo sistema escolar:
O espaço pedagógico é repressivo, mas esta ‘estrutura’ tem um significado
mais vasto do que a repressão local: o saber imposto, ‘engolido’ pelos alunos,
‘vomitado’ nos exames, corresponde à divisão do trabalho na sociedade
burguesa, serve-lhe, portanto, de suporte. (LEFEBVRE apud VESENTINI,
1992, p. 17).
Por conseguinte, podemos afirmar que a escola reproduz as relações de
classe e às legitima através de uma prática pedagógica conservadora se utilizando para isso de
sua relativa autonomia e construindo normas que contribuam para a manutenção da ordem
vigente. Nas palavras de Bourdieu e Passeron:
[...] É, com efeito, à sua autonomia relativa que o sistema de ensino
tradicional deve o fato de poder trazer uma contribuição específica à
reprodução da estrutura das relações de classe que lhe é suficiente
obedecer às suas regras próprias para obedecer ao mesmo tempo aos
imperativos externos que definem sua função de legitimação da ordem
estabelecida, isto é, para preencher simultaneamente sua função social de
reprodução das relações de classes [...]. (1975, p.208).
Portanto, a aparente neutralidade do sistema de ensino e sua relativa
autonomia, escondem em sua essência a conservação da ordem estabelecida, reproduzindo e
distribuindo o capital cultural aos educandos de maneira desigual, de acordo com a classe de
origem dos alunos. Ou seja, a escola, que detém o monopólio da socialização do capital
cultural
55
produzido pela humanidade, admite o acesso diferenciado a esse capital,
possibilitando o crescimento da obtenção da cultura formal pela elite e a estagnação do acesso
a esse capital pelas camadas subalternas. Reproduzindo a distribuição desigual do capital
cultural em nossa sociedade, auxiliando a manutenção do status da burguesia que tem a
possibilidade de acesso a esse capital cultural.
55 Capital cultural é um conceito construído por Bordieu (1975), pois na sua concepção a palavra capital não
serve apenas para denominar o capital econômico, visto que o acesso diferenciado a esse bem social, assim como
no caso da diferenciação de acesso ao capital econômico, também acarreta uma diferenciação na hierarquia
social, auxiliando na reprodução das estruturas vigentes.
137
Esse processo, portanto, auxilia na manutenção das estruturas de classes
sociais e permite a repetição do discurso dominante, de que cada um tem as condições, fruto
de seu esforço e mérito, de desenvolver-se economicamente e intelectualmente, mascarando
além da distribuição desigual da renda, a desigualdade de acesso ao capital cultural produzido
pela humanidade. Corroborando com esta questão, Bourdieu e Passeron afirmam:
[...] deve sempre levar em conta os serviços específicos que essa autonomia
relativa presta à perpetuação das relações de classe: é, com efeito, à sua
aptidão particular para autonomizar seu funcionamento e obter o
reconhecimento de sua legitimidade garantindo a representação de sua
neutralidade que o sistema escolar deve sua aptidão particular para
dissimular a contribuição que ele traz à reprodução da distribuição do
capital cultural entre as classes, à dissimulação desse serviço não sendo o
menor dos serviços que sua autonomia relativa lhe permite prestar à
conservação da ordem estabelecida. (1975, p.211, grifo nosso).
3.3 - Educação e ideologia neoliberal: as tendências pedagógicas conservadoras
Não podemos pensar a educação moderna externa às determinações do
capital e do Estado, pois “[...] todos conhecemos o papel da escola como aparelho ideológico
a formar/fazer ‘as cabeças das crianças’”. (OLIVEIRA, 1994b, p.135).
Nesta concepção, o ensino feito no Brasil tem como base o modelo social
neoliberal que, por sua vez, sustenta o funcionamento do modo de produção capitalista e
legitima o direito a exploração e a desigualdade social, através do discurso da livre
concorrência e igualdade de oportunidades.
Temos uma pedagogia dominante que serve a um modelo social dominante,
denominado liberal conservador. Esse modelo social nasceu da “[...] estratificação dos
empreendimentos transformadores que culminaram na Revolução Francesa”. (LUCKESI,
2003, p. 29).
A revolução francesa, enquanto revolução burguesa inicialmente
revolucionária, no processo se tornou conservadora:
A burguesia fora revolucionária em sua fase constitutiva e de ascensão, na
medida em que se unira às camadas populares na luta contra os privilégios
da nobreza e do clero feudal; porém, desde que se instalara vitoriosamente
no poder, com o movimento de 1789, na França, tornara-se reacionária e
conservadora, tendo em vista garantir e aprofundar os benefícios
econômicos e sociais que havia adquirido. (POLITZER apud LUCKESI,
2003, p. 29).
138
Apesar da distância temporal são as idéias da revolução francesa que
permeiam a nossa sociedade atual e, conseqüentemente, a nossa educação: “[...] os
entendimentos, os idéias e os caracteres do entendimento liberal que nortearam as ações
revolucionárias da burguesia, com vistas à transformação do modelo social vigente na época,
permaneceram e hoje definem formalmente a sociedade que vivemos [...]”. (LUCKESI, 2003,
p. 29).
Este modelo usa como discurso ideológico a liberdade, onde cada indivíduo
(categoria fundamental do pensamento liberal) tem o direito com esforço próprio, livremente
e sob a lei, de buscar sua auto-realização por meio da conquista de bens e da propriedade
privada (LUCKESI, 2003). Assim, a nossa sociedade prevê e garante aos cidadãos os direitos
de igualdade, liberdade e fraternidade perante a lei.
Portanto, nessa concepção, as oportunidades seriam iguais a todos, bastando
o esforço e o mérito de cada um para conseguir desenvolver-se economicamente e
intelectualmente. É baseada nessa liberdade neoliberal que se sustenta nossa prática educativa
formal ainda no século XXI.
Neste contexto, esse modelo econômico-social, originou três tendências
pedagógicas hegemônicas e todas com a mesma intenção de manter a reprodução da ordem do
sistema vigente: “[...] Simplificando, podemos dizer que o modelo liberal conservador da
sociedade produziu três pedagogias diferentes, mas relacionadas entre si e com um mesmo
objetivo: conservar a sociedade na sua configuração. [...]”. (LUCKESI, 2003, p. 30). Essas
três tendências pedagógicas hegemônicas foram: a Pedagogia Tradicional, a Pedagogia
Renovada ou Escolanovista e a Pedagogia Tecnicista.
A Pedagogia Tradicional é “[...] centrada no intelecto, na transmissão de
conteúdo e na pessoa do professor. [...]”. (LUCKESI, 2003, p. 30). Visa apenas transmitir os
conteúdos por meio da memorização de conceitos descontextualizados. É a mais conhecida de
todas as tendências, a mais praticada e a que mais tempo perpetuou e, de certa forma, sempre
manteve forte influência na educação.
Tem como pressuposto teórico-metodológico o positivismo/empirismo: “[...]
essa concepção é a de que o aluno precisa memorizar e fixar informações - as mais simples e
parciais possíveis e que devem ir se acumulando com o tempo [...]”. (SÃO PAULO.
SEE/CENP, 2005, Paginação irregular). E como a aprendizagem se pelo acúmulo de
informações, o ensino deve investir na memorização (SÃO PAULO. SEE/CENP, 2005).
139
Segundo Gadotti, o pensamento pedagógico positivista é responsável pela
consolidação da educação burguesa. Este pensamento está relacionado ao movimento elitista
burguês que é a antítese do movimento popular e do pensamento marxista. Em suas palavras:
O pensamento pedagógico positivista consolidou a concepção burguesa da
educação. No interior do iluminismo e da sociedade burguesa duas forças
antagônicas tomaram forma desde o final do século XVIII. De um lado, o
movimento popular e socialista; de outro, o movimento elitista burguês.
Essas duas correntes opostas chegaram ao século XIX sob os nomes de
marxismo e de positivismo, representadas por seus dois expoentes
máximos: Augusto Comte (1798-1857) e Karl Marx (1818-1883). (2003,
p.107).
O positivismo se concretizou enquanto uma doutrina que pregava a
manutenção da ordem, logo a cristalização do status quo vigente. Seu lema principal pode ser
identificado na nossa bandeira: “ordem e progresso”. Por isso, podemos dizer que o
positivismo é uma ideologia reacionária, que prega o conformismo e a resignação. Sua
concepção empirista da realidade se opõe à dialética, ou seja, retira a dinâmica, as
contradições, o movimento constante da realidade/sociedade. Sua base explicativa centra-se
no observável e se interessa pelo adaptável, por conseguinte tenta explicar a sociedade a partir
de uma metodologia das ciências naturais.
O positivismo, cuja doutrina visava à substituição da manipulação mítica e
mágica do real pela visão científica, acabou estabelecendo uma nova fé, a fé
na ciência, que subordinou a imaginação científica, à pura a observação
empírica. Seu lema sempre foi “ordem e progresso”. Acreditou que para
progredir é preciso ordem e que a pior ordem é sempre melhor do que
qualquer desordem. Portanto, o positivismo, tornou-se uma ideologia da
ordem, da resignação e, contraditoriamente, da estagnação social.
(GADOTTI, 2003, p. 110).
Podemos considerar o positivismo como concepção que nasce como
filosofia, mas afirma-se como ideologia por ter como fundamento principal a manutenção das
elites no poder.
Para os pensadores positivistas, a libertação social e política passava pelo
desenvolvimento da ciência e da tecnologia, sob o controle das elites. O
positivismo nasceu como filosofia, portanto interrogando-se o real e a
ordem existente; mas, ao dar uma resposta ao social, afirmou-se como
ideologia. (GADOTTI, 2003, p. 110).
140
Na educação o positivismo se caracterizou pelo imediatismo: “O pensamento
positivista caminhou, na pedagogia, para o pragmatismo que considerava válida a
formação utilizada praticamente na vida presente, imediata. [...]”. (GADOTTI, 2003, p. 110).
A Pedagogia Renovada ou Escolanovista é centrada nos sentimentos, na
espontaneidade da produção do conhecimento e no aluno em sua individualidade (LUCKESI,
2003). Ou seja, “[...] o ideal da escola ativa é a atividade espontânea, pessoal e produtiva. [...]
a Educação Nova seria integral (intelectual, moral e física); ativa; prática (com trabalhos
manuais obrigatórios, individualizada); autônoma. [...]”.(GADOTTI, 2003, p. 143).
Segundo Gadotti: “A Escola Nova representa o mais vigoroso movimento de
renovação de educação depois da criação da escola pública burguesa. [...]”. (2003, p. 110).
Esse movimento por centrar-se na espontaneidade, sentimentos e individualidade “[...]
criticava a escola tradicional afirmando que ela havia substituído a alegria de viver pela
inquietude, o regozijo pela gravidade, o movimento espontâneo pela imobilidade, as risadas
pelo silêncio”. (GADOTTI, 2003, p. 143, grifo do autor).
Por se tratar de um movimento de renovação, foi reconhecida mundialmente.
Dito de outra maneira: A teoria e a prática escolanovistas se disseminaram em muitas partes
do mundo, fruto certamente de uma renovação geral que valoriza a autoformação e a atividade
espontânea da criança. [...]”. (GADOTTI, 2003, p. 142).
O primeiro teórico do movimento escolanovista foi Dewey, ele concebia a
sociedade a partir da leitura pragmática da realidade, idealizando uma democracia burguesa,
ou seja, não questionava a sociedade classista capitalista. A respeito desse assunto Gadotti nos
explica:
O educador norte-americano JOHN DEWEY (1859-1952) foi o primeiro a
formular o novo ideal pedagógico, afirmando que o ensino deveria dar-se
pela ação (“learning by doing”) e não pela instrução [...].
A educação preconizada por Dewey era essencialmente pragmática,
instrumentalista. Buscava a convivência democrática sem, porém, pôr em
questão a sociedade de classes. (GADOTTI, 2003, p. 143, grifo do autor).
Esse modelo educacional tinha o objetivo de servir aos interesses da
sociedade capitalista formando mão-de-obra para o capital. Constituindo-se então como mais
um procedimento ideológico capitalista a fim de manter a reprodução da sociedade classista.
Sua metodologia de privilegiar as atividades práticas e os exercícios de competição servia ao
interesse das elites dominantes. Vejamos a explicação de Gadotti:
141
Tratava-se de aumentar o rendimento da criança, seguindo os próprios
interesses vitais dela. Essa rentabilidade servia, acima de tudo, aos
interesses da nova sociedade burguesa: a escola deveria preparar os jovens
para o trabalho, parta a atividade prática, para os exercícios da competição.
Neste sentido, a Escola Nova, sob muitos aspectos, acompanhou o
desenvolvimento e o progresso capitalistas. Representou uma exigência
desse desenvolvimento. Propunha a construção de um homem novo dentro
do projeto burguês de sociedade. Poucos foram os pedagogos
escolanovistas que ultrapassaram o pensamento política, próprias da
sociedade de classes. (2003, p. 144).
Todavia, apesar de suas intencionalidades ideológicas/reprodutivistas é
preciso considerar os avanços que os escolanovistas trouxeram para educação. A partir deles o
aluno passa a ser sujeito de sua aprendizagem e as aulas passam a ser cada vez mais
diversificadas, desvinculando-se do modelo de memorização da escola tradicional
positivista/empirista. Por isso, apesar de reacionário esse modelo trouxe avanço nos métodos
de ensino. Segundo Gadotti na Escola Nova:
o aluno poderia ser autor de sua própria experiência. Daí o
paidocentrismo (o aluno como centro) da Escola Nova. [...] os métodos de
ensino significaram o maior avanço da Escola Nova. [...]. Os projetos
poderiam ser manuais, como uma construção; de descoberta, como uma
excursão; de competição, como um jogo; de comunicação, como a narração
de um conto, etc. [...]. (2003, p. 144, grifo do autor).
Igualmente importante para o desenvolvimento de métodos de ensino foi a
contribuição da médica Maria Montessori (1870-1952),
que trouxe para a sala de aula uma
variedade de jogos e materiais pedagógicos transpondo para crianças normais seu método de
recuperação de crianças deficientes (GADOTTI, 2003). Outra grande contribuição é o
entendimento das etapas de desenvolvimento da criança teorizadas por Piaget que influenciou
pesquisadores como Emília Ferreiro, uma das principais teóricas do Construtivismo
introduzido no Brasil. Ferreiro entende o educando como um construtor de sua própria
aprendizagem.
Piaget propôs o método da observação para a educação da criança. Daí a
necessidade de uma pedagogia experimental que colocasse claramente
como a criança organiza o real. Criticou a escola tradicional que ensina a
copiar e não a pensar. Para obter bons resultados, o professor devia respeitar
as leis e as etapas do desenvolvimento da criança. O objetivo da educação
não deveria ser de repetir ou conservar verdades acabadas, mas aprender por
142
si próprio a conquista do verdadeiro. Sua teoria epistemológica influenciou
outros pesquisadores, como a psicóloga argentina Emilia Ferreiro, cujo,
pensamento é muito difundido hoje nas escolas de Grau [Ensino
Fundamental] no Brasil. (GADOTTI, 2003, p. 146, grifo do autor).
Contudo, apesar das contribuições construídas pela educação escolanovista,
na segunda metade do século XX alguns educadores começaram a questionar os limites
dessas contribuições. Esses educadores assumem uma posição crítica e afirmam que não
existe neutralidade na educação, pois esta é ato político, logo há sempre interesses que
permeiam sua produção. Sendo, assim, entendem que a educação praticada até então
funcionava como um mecanismo ideológico de reprodução da sociedade classista. A respeito
desse assunto Gadotti escreve:
Na segunda metade deste século [século XX] uma visão crítica a respeito
da educação escolanovista vem desmistificar o otimismo dos educadores
novos. Esses educadores mais recentes afirmam que toda educação é
política e que ela, na maioria das vezes, constitui-se, em função dos
sistemas de educação implantados pelos Estados modernos, num processo
através do qual as classes dominantes preparam a mentalidade, a ideologia,
a conduta das crianças para reproduzirem a mesma sociedade e não para
transformá-la. (2003, p.147, grifo do autor).
Um desses educadores críticos é o brasileiro Paulo Freire, que apesar de ter
sido influenciado pelas contribuições escolanovistas e de admitir sua importância para o
avanço do pensamento pedagógico, começa a desmistificar a característica ideológica e
reacionária desse movimento educativo. Passa então a pensar a educação a partir de duas
lógicas antagônicas: um modelo que funciona como instrumento de domínio para as elites se
perpetuarem no poder ou, de outro lado, uma educação que possa servir como um instrumento
de liberdade aos oprimidos da sociedade capitalista.
O educador brasileiro PAULO FREIRE (1921), herdeiro de muitas
conquistas da Escola Nova, denunciou o caráter conservador dessa visão
pedagógica e observou corretamente que a escola podia servir tanto para a
educação como prática da dominação quanto para a educação como prática
da liberdade. Entretanto, como ele mesmo afirma, a educação nova não foi
um mal em si, como sustentam alguns educadores “conteudistas”. Ela
representou na história das idéias e práticas pedagógicas, um considerável
avanço. (GADOTTI, 2003, p. 147-148, grifo do autor).
143
Dessa maneira, podemos considerar o movimento da Escola Nova como um
movimento contraditório, pois tenta construir um ecletismo teórico utilizando duas correntes
antagônicas: marxismo e positivismo. Por isso, não é possível rotulá-lo como um movimento
unicamente liberal, pois influenciou muitos educadores críticos. Nas palavras de Gadotti:
O movimento da Escola Nova foi se construindo junto com a própria escola
moderna, cientifica e pública. Os escolanovistas, não puderam negar as
contribuições do positivismo e do marxismo. Daí constituir-se num
movimento complexo e contraditório. Não podemos confundi-lo apenas
com um movimento liberal. Seus desdobramentos foram inevitáveis.
Mesmo alguns educadores socialistas foram influenciados pela Escola Nova
[...]. (2003, p. 148).
A Pedagogia Tecnicista, segundo Luckesi, é “[...] centrada na exacerbação
dos meios técnicos de transmissão e apreensão dos conteúdos e no princípio do rendimento.
[...]”. (2003, p. 30). É importante destacar que não existe nenhuma relação entre
escolanovistas e tecnicistas, até porque a Escola Nova não tem como característica principal a
apreensão de conteúdos, porém, é a partir da Escola Nova que se começa a desenvolver as
tecnologias no ensino, tendo como um de seus principais teóricos Skinner. Essa
supervalorização dos meios técnicos em sala de aula acarreta, muitas vezes, um descontrole
teórico-metodológico por parte do professor. Neste sentido, Gadotti esclarece que:
Embora não haja uma relação direta entre a Escola Nova e o tecnicismo
pedagógico, o desenvolvimento das tecnologias do ensino deve muito à
preocupação escolanovista com os meios e as técnicas educacionais. A
contribuição, nesse sentido, de BURRHUS FREDERICK SKINNER (1904-
1990) foi considerado pelas suas técnicas psicológicas do condicionamento
humano, aplicáveis ao ensino-aprendizagem.
Os métodos, centro de interesse da Escola Nova, se aperfeiçoaram e
levaram para a sala de aula o rádio, o cinema, a televisão, o vídeo, o
computador e as máquinas de ensinar – inovações que atingem, de múltiplas
maneiras, nossos educadores, muito deles perdendo-se diante de tantos
meios de técnicas propostas. [...]. (2003, p.147).
Esta tendência tecnicista-liberal é introduzida no Brasil entre 1960 e 1970. A
prática escolar nessa pedagogia tem como função primordial adequar o sistema educacional
com a proposta econômica e política do regime militar, preparando, dessa forma, mão-de-obra
para ser aproveitada pelo mercado de trabalho. Baseava-se no aperfeiçoamento da ordem
social vigente (o sistema capitalista), dedicando-se a preparar indivíduos competentes para o
mercado de trabalho, através da transmissão eficiente de informações. Alicerçada no princípio
144
da otimização: racionalidade, eficiência e produtividade, com sua organização racional e
mecânica, esta corrente visava corresponder aos interesses da sociedade industrial capitalista
(PEDAGOGIA Liberal Tecnicista, 2007). Sendo assim, uma corrente teórica que visa
preparar os educandos para a subordinação ao capital.
Se estivermos partindo do pressuposto que “[...] educar não é ser omisso, ser
indiferente, ser neutro diante da sociedade atual. [...] O papel do educador é intervir,
posicionar-se, mostrar um caminho, e não se omitir. A omissão também é uma forma de
intervenção”. (GADOTTI, 2003, p. 148), todas essas tendências pedagógicas apresentadas
têm como semelhança principal a omissão, pois, consciente ou inconsciente, pensavam a
educação como algo neutro.
Por isso, nenhuma dessas tendências pode fomentar uma transformação
social, pois nenhuma delas pretendia romper com o modelo socioeconômico vigente. Neste
sentido, concordamos com Luckesi (2003) que a equalização social poderá ocorrer num
outro modelo social. Logo, há necessidade de romper com esse modelo socioeconômico
vigente.
Por conseguinte, todas essas três tendências pedagógicas integram a gica
desse modelo social estratificado/classista, daí a impossibilidade dessas correntes de auxiliar
na transcendência para outro modelo socioeconômico. O máximo que essas tendências
pedagógicas possibilitam são acomodações internas, que permitem com que a gica
capitalista continue a se perpetuar. Da mesma forma, as relações internas da escola no
processo ensino-aprendizagem passam a ser definidas a partir dessa lógica conservadora.
Vejamos o que Luckesi escreve a respeito dessa questão:
[...] A desejada e legalmente definida equalização social não pode ser
atingida, porque o modelo social não permite. [...] Então, as três pedagogias
anteriormente citadas, movendo-se dentro deste modelo social conservador,
não poderia propor nem exercitar tentativas para transcendê-lo. O modelo
social conservador e suas pedagogias respectivas permitem e precedem
renovações internas ao sistema, mas não propõem e nem permitem
propostas para sua superação, o que, de certa forma, seria um contra-senso.
Nessa perspectiva, os elementos dessas três pedagogias pretendem garantir
o sistema social na sua integridade. Daí decorrem as definições
pedagógicas, ou seja, como deve se dar a relação educador e educando,
como deve executado o processo de ensino e de aprendizagem, como deve
proceder a avaliação etc. [...]. (2003, p.30).
Poderíamos dizer que essas tendências pedagógicas integram o grupo
daquelas que objetivam a domesticação ao invés da humanização dos educandos. Ou seja,
145
essas tendências estão entre aquelas que concebem a educação como mecanismo de
conservação e reprodução do modelo societário capitalista, pois sua lógica final é adaptar os
indivíduos a sociedade (LUCKESI, 2003).
Por outro lado, buscamos as “[...] pedagogias que pretendem oferecer ao
educando meios pelos quais possam ser sujeito desse processo e não objeto de ajustamento.
[...]”. (LUCKESI, 2003, p. 32). Assim, uma das práticas pedagógicas que busca romper com a
ideologia neoliberal e com o modelo de sociedade classista capitalista, construindo
perspectivas e possibilidades de transformação social, é a Pedagogia Libertadora teorizada
pelo professor Paulo Freire.
A educação se quiser ser transformadora, deve estar distante de qualquer
tendência neoliberal, uma vez que o neoliberalismo não considera a realidade mutável e prega
que as desigualdades e a barbárie da sociedade moderna não passam de uma fatalidade do
nosso século XXI. Logo, necessidade de se romper com a ideologia neoliberal na
educação. Nas palavras de Freire (1999, p.15): [...] daí a crítica permanentemente constante
em mim à malvadez neoliberal, ao cinismo de sua ideologia fatalista e sua recusa inflexível ao
sonho e a utopia”.
As tendências pedagógicas que seguem o modelo social neoliberal têm,
portanto, o objetivo de manter a ordem social vigente, afirmando a naturalização da nossa
realidade e, ideologicamente, pregando, de forma fatalista, que nada poderemos fazer a não
ser nos adaptarmos a essa realidade impossível de ser transformada:
A ideologia fatalista, imobilizante, que anima o discurso neoliberal anda solto
no mundo. Com ares de pós-modernidade, insiste em convencer-nos de que
nada podemos contra a realidade social que, de histórica e cultural, passa a ser
ou virar 'quase natural'. [...] Do ponto de vista de tal ideologia, uma
saída para a prática educativa: adaptar o educando a essa realidade que não
pode ser mudada [...]. (FREIRE, 1999, p. 21-22).
Essas práticas educativas internalizaram o discurso neoliberal reproduzindo
essa ideologia na escola. Por conseguinte, essas práticas reproduzem a lógica estabelecida
como afirma Humberto Gessinger
56
: “[...] enterra todos na vala comum de um discurso
liberal [...]”.
Dessa forma, não temos como conceber a educação imune das determinações
do modo de produção vigente. Portanto, temos que entender a educação nesse contexto de
56
Engenheiros do Hawaii. Música: “A violência travestida faz seu trottoir”. Álbum: O papa é pop.
146
globalização neoliberal do século XXI e nesse momento histórico de uma etapa de
desenvolvimento do modo de produção capitalista de produção mundializada. (OLIVEIRA,
1994a). Logo, possuímos uma educação no Brasil historicamente subordinada às necessidades
e anseios do capital globalizado.
Estamos em uma sociedade de classes, nesta sociedade não existem
interesses coletivos, logo “[...] a socialização se faz sob interesses antagônicos, opondo
sempre uma ideologia dominante à outra dominada [...]”. (OLIVEIRA, 1994a, p. 11).
Por conseguinte, em uma sociedade capitalista, a educação visa reproduzir os
valores dominantes, a fim de auxiliar na reprodução da burguesia como classe dominante,
servindo dessa forma como sistema ideológico do Estado capitalista. Dito de outra forma,
“[...] numa sociedade capitalista, a educação busca sempre inculcar valores que sirvam para
afirmar a dominação burguesa, mesmo que sob os princípios de liberdade e igualdade [...]”.
(OLIVEIRA, 1994a, p. 11).
Dessa maneira, a educação formal serve ao capital e faz parte do aparelho
ideológico
57
do sistema capitalista visando manter os privilégios das elites dominantes e a
reprodução do sistema capitalista. Por meio do modelo neoliberal, educa-se de uma forma que
não traga “perigo” de mudanças, mantendo a classe oprimida obediente e submissa para
vender a sua mão-de-obra. Esta é a marca do neoliberalismo na educação formal:
[...] as velhas e ultrapassadas práticas, hoje hegemônicas, as do
neoliberalismo na educação, das classes dominantes que sempre pensaram
que tipo de educação oferecer-se-ia aos pobres e miseráveis, uma forma de
torná-los presos à coleira, obedientes, submissos, humildes e prestativos nas
horas necessárias. (NASCIMENTO, 2003, p. 6).
Neste sentido, concordamos com Freire (1999) que um dos saberes
indispensável à prática educativa do professor/a é o que diz respeito ao poder, maior do que
pensamos, da ideologia.
A ideologia tem a função de tornar a realidade não-translúcida, obscura a -
transparente, pois desvirtua os acontecimentos tentando fazer com que não vejamos a essência
dos fatos. Nas palavras de Freire (1999, p. 142): “[...] a ideologia tem que ver diretamente
com a ocultação dos fatos, com o uso da linguagem para penumbrar ou opacizar a realidade
ao mesmo tempo em que nos torna ‘míopes’”.
57
O termo ideologia é marcado por inúmeras definições, no entanto, para nossa pesquisa, tentaremos analisá-lo
tendo como base a perspectiva marxista que concebe o termo ideologia como sendo um conjunto de idéias,
intenções e práticas sociais que sustentam a reprodução do modo capitalista de produção.
147
Por isso, o poder da ideologia nos traz uma realidade “mascarada” por um
discurso neoliberal, que tenta naturalizar as injustiças sociais, distorcendo a realidade por
meio de seus aparelhos ideológicos, entre eles a mídia e o sistema educacional. Através desses
sistemas de reprodução ideológica, não conseguimos entender a essência da realidade, pois
estamos absorvendo informações deturpadas para que aceitemos sem reflexões a realidade
como imutável. Tenta-se, neste sentido, inculcar-nos a idéia de que toda a barbárie moderna
não passa de uma fatalidade.
De uma maneira poética, Freire nos descreve a ão do poder da ideologia,
comparando-a ao nevoeiro que oculta à paisagem nas manhãs de orvalho. Assim como esse
nevoeiro penumbra a nossa visão, dificultando enxergar o que está em nossa frente, a
ideologia também dificulta uma percepção mais nítida da realidade.
O poder ideológico, portanto, ensurdece-nos e nos torna míopes. Por isso,
Freire chama-nos atenção para a necessidade de não aceitarmos docilmente essa verdade
distorcida pelo poder da ideologia. Uma verdade imposta pelos detentores do poder, que quer
nos fazer acreditar que o ‘fatalismo do século XXI’ é o que causa a barbárie da modernidade,
inocentando os detentores do poder e encobrindo a luta de classes. Em suas palavras:
O poder da ideologia me faz pensar nessas manhãs orvalhadas de nevoeiro em
que mal vemos o perfil dos cipestres como sombras que parecem muito mais
manchas das sombras mesmas. Sabemos que algo metido na penumbra,
mas não o divisamos bem. A própria ‘miopia’ que nos acomete dificulta a
percepção mais clara, mais nítida da sombra. Mais sério ainda é a
possibilidade que temos de docilmente aceitar que o que vemos e ouvimos é o
que na verdade é, e não a verdade distorcida. A capacidade de penumbrar a
realidade, de nos miopizar’, de nos ensurdecer, que tem a ideologia, faz, por
exemplo, a muitos de nós, aceitar docilmente o discurso cinicamente fatalista
neoliberal que proclama ser o desemprego no mundo uma desgraça do fim de
século. Ou que os sonhos morreram e que o válido hoje é o ‘pragmatismo’
pedagógico, é o treino técnico-científico do educando e o sua formação de
que já não se fala [...]. (FREIRE, 1999, p. 142).
A ideologia tenta nos fazer acreditar que as relações sociais caminham sem
conflitos, de forma homogênea, e que não existem interesses antagônicos em nossa sociedade
como “se o mundo fosse perfeito e todas as pessoas fossem felizes”. Neste sentido, Renato
Russo, nos diz:
Quem me dera, ao menos uma vez,
Acreditar por um instante em tudo que existe
E acreditar que o mundo é perfeito
148
E que todas as pessoas são felizes
58
.
Neste sentido, a ideologia esconde a luta de classes através de um conjunto
de artifícios e práticas sociais, inclusive por meio de procedimentos pedagógicos, com a
intenção de manter a dominação da elite dominante. Na verdade, a ideologia existe para
esconder e manter a luta de classes, portanto, a luta de classes origina a ideologia. Logo, todas
as formas de conhecimento como: a ciência, a arte, a filosofia, e a teologia, e formatos
institucionais como: a política, a mídia, o sistema de ensino, a legislação etc., podem ser
usadas pela classe dominante a fim de manter a dominação:
Esta [a luta de classe] não deve ser entendida apenas como os momentos de
confronto armado entre as classes, mas como o conjunto de procedimentos
institucionais, jurídicos, políticos, policiais, pedagógicos (...) usados pela
classe do dominante para manter a dominação. E como todos os
procedimentos dos dominados para diminuir ou destruir essa dominação (...).
A ideologia nunca pode explicitar sua própria origem, pois, se o fizesse, faria
vir à tona divisão social em classes e perceberia, assim, sua razão de ser, que é
de dar explicações racionais e universais que devam esconder as diferenças e
particularidades reais. Ou seja, nascida por causa da luta de classe e nascida
da luta de classes, a ideologia é corpo teórico (religioso, filosófico ou
científico) que não pode pensar realmente a luta de classes que lhe deu
origem. (CHAUÍ apud VESENTINI, 1992, p. 24).
Por conseguinte, podemos afirmar que a educação serve como aparelho
ideológico para o Estado capitalista, cabendo ao professor, através de sua prática, auxiliar no
desvendamento da realidade por meio de procedimentos pedagógicos que auxiliem na
construção de outra realidade. A opção do professor, em transformar ou reproduzir a
realidade, se faz de importância primordial no tocante a essa questão. Corroborando nesse
sentido, Batista (1995, p. 5) afirma:
[...] A escola decantada como aparelho ideológico de Estado, tem também
importância relativa que atende ou não os interesses do Estado, o que
dependerá da consciência educacional de cada responsável pelos setores
educacionais. Compete ao educador, procurar socializar sua tarefa através de
iniciativa própria, integrada no princípio de conscientização do saber como
um direito de qualquer indivíduo [...].
O professor deve estar consciente de sua função social, tendo em vista a
necessidade de tentar impedir uma reprodução do modelo dominante por meio da educação
58
Música: Índios. Legião Urbana. Álbum: Dois, 1985.
149
formal, pois, o educador, segundo Gramsci, difunde à sociedade: idéias, valores e crenças que
podem ser alienantes ou conscientizadoras dependendo da opção
teórica/metodológica/ideológica do professor. Isto porque, o professor, possui o poder de
dominação do capital cultural, de forma consciente ou inconsciente. Corroborando nesta
análise, Callai (2001, p.139) escreve que:
O conceito de hegemonia ideológica, de acordo com Gramsci, pode muito
bem ser referido ao professor como educador, pois é a partir deste que se
difundem na sociedade, para toda uma parcela da população, idéias, valores,
crenças. Vai daí que o poder que o professor possui é exercido por ele como
uma forma de dominação cultural. Na concepção gramsciana de hegemonia,
ela se manifesta de dois modos: “um pelo domínio; outro pela direção
intelectual e moral” [...] Consciente ou inconscientemente, o professor
realiza esta tarefa de direção para a qual possui inúmeras estratégias.
Nessa perspectiva, concordamos com Oliveira (1994a, p. 11) que “[...]
desconhecer esta realidade é ter o ‘rabo preso’ com o passado e com a dominação neste
existente [...]”. Por isso, o professor deve ter consciência de seu papel de romper com a
dominação do passado e contribuir para construir um presente livre da dominação do poder
econômico e ideológico do modo de produção capitalista.
3.4 - Educação e transformação social: Paulo Freire e sua Pedagogia Libertadora
“Não há utopia verdadeira fora da tensão entre a
denuncia de um presente tornando-se cada vez mais
intolerável e o anúncio de um futuro a ser criado,
construído, política, estética, e eticamente, por nós,
mulheres e homens”.
Paulo Freire
[...] Ser consciente não é [...] uma simples fórmula ou um mero “slogan”. É
a forma radical de ser dos seres humanos enquanto seres que, refazendo o
mundo que não fizeram, fazem o seu mundo e neste fazer e re-fazer se re-
fazem. São porque estão sendo. (FREIRE, 2000, p.254).
Concordamos com Loureiro que uma educação transformadora se realiza de
maneira a viabilizar mudanças nas relações construídas pelo ser humano. Essas mudanças
podem acontecer em todas as instâncias da vida humana, podendo catalisar transformações
150
tanto econômicas, como culturais, em micro, ou macro escala geográfica. Enfim, mudanças
substantivas que aprimorem as condições de existência humana. A educação transformadora,
[...] é aquela que possui um conteúdo emancipatório, que a dialética entre
forma e conteúdo se realiza de tal maneira que as alterações da atividade
humana; vinculadas ao fazer educativo, impliquem mudanças individuais e
coletivas, locais e globais, estruturais, econômicas e culturais. [...].
Em que o sentido de revolucionar se concretiza como sendo a
transformação integral do ser e das condições objetivas de existência.
(2004, p.89).
Entretanto, a educação, hoje, ainda está muito longe de se tornar libertadora,
pois “[...] o saber ensinado está longe de permitir aos jovens sequer entender o mundo, quanto
mais transformá-lo”. (OLIVEIRA, 1994a, p. 11).
Dessa maneira, acreditamos na necessidade da mudança desta educação
conservadora para uma Educação Libertadora, tendo em vista a transformação social. No
entanto, a prática escolar vigente, hoje, se realiza dentro de procedimentos teórico-
metodológicos que pressupõe a educação como um mecanismo de conservação e reprodução
da sociedade. Por isso, é preciso construir uma pedagogia que entenda a educação como
instrumento de transformação social e não mais de reprodução (LUCKESI, 2003).
Apesar de termos ainda uma prática educativa baseada na reprodução da
ideologia neoliberal, e de possuirmos condicionantes sociais nos quais se encontram
submetidos todos os seres humanos, acreditamos na possibilidade da mudança social e na
capacidade de superação destes condicionantes como uma condição objetiva e concreta da
humanidade, visto que “[...] esta é uma das mais significativas vantagens dos seres humanos
a de se tornarem capazes de ir mais além de seus condicionantes [...]”. (FREIRE, 1999, p.28).
Por conseguinte, outra pedagogia surge com a intenção de romper e
transformar a ordem vigente. E nessa crença nas possibilidades do ser humano superar os seus
condicionantes que se afirma a Pedagogia Libertadora fundada e representada pelo
pensamento e pela prática pedagógica inspirada nas atividades do professor Paulo Freire. Sua
Pedagogia visa à emancipação das camadas populares através de um processo de
conscientização a fim de que a igualdade entre os homens e sua liberdade se traduza em
concretude histórica e não apenas se mantenha ao nível da formalidade da lei. Acreditando,
assim, que a transformação virá pela emancipação das camadas populares, em um processo de
conscientização cultural e política que ultrapassa os muros da escola (LUCKESI, 2003).
151
O professor Paulo Freire revolucionou o pensamento acerca da educação, e
é tido por alguns teóricos, entre eles Moacir Gadotti, como o maior pedagogo do nosso tempo
por ter construído uma prática educativa que entende a existência da luta de classes e por
conceber a educação como uma prática social que não é neutra, desmascarando o discurso
ideológico neoliberal. Nas palavras de Gadotti (1981, p.11):
[...] ele [Paulo Freire] tem o mérito não apenas de denunciar uma educação
supostamente neutra, como o de distinguir claramente a pedagogia das
classes dominantes, da pedagogia das classes oprimidas. Depois de Paulo
Freire não é mais possível pensar a educação como um universo preservado,
como não foi mais possível pensar a sociedade sem a luta de classes após a
dialética de Marx. Muito se tem escrito sobre o pensamento do “maior
pedagogo do nosso tempo” [...].
Nesta perspectiva, Gadotti destaca duas contribuições principais do professor
Paulo Freire para o avanço do pensamento pedagógico crítico. A primeira é a necessidade de
se refletir a partir da realidade concreta tendo em vista uma transformação de nossa prática
docente. A segunda contribuição é a construção do conceito de conscientização na educação
com a finalidade de possibilitar ao individuo autonomia para a intervenção na realidade. Com
esta análise ele desmistifica a neutralidade do processo educativo e concebe a educação, bem
como as outras práticas sociais, como um ato político. Nas palavras de Gadotti, podemos
destacar como contribuições de Paulo Freire:
a ) sua contribuição à teoria dialética do conhecimento, para a qual a melhor
maneira de refletir é pensar a prática e retornar a ela para transformá-la.
Portanto, pensar o concreto, a realidade, e não pensar pensamentos;
b) a categoria pedagógica da conscientização”, criada por ele, visando,
através da educação, a formação da autonomia intelectual do cidadão para
intervir sobre a realidade. Por isso, para ele, a educação não é neutra. É
sempre um ato político. (2003, p.253-254).
Ao romper com a neutralidade do processo educativo supera as contribuições
pedagógicas dos movimentos existentes até então. Pois, considera que o ato de alfabetizar
deve estar relacionado à atitude política de desvendar a essência da realidade, rompendo com
o caráter ideológico do processo educativo neoliberal. Usa para exemplificar sua análise a
alfabetização mecânica positivista/empirista presente na famosa “cartilha caminho suave”:
“Não basta saber ler mecanicamente que “Eva viu a uva”. É necessário compreender qual a
152
posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir uvas e que lucra
com esse trabalho”. (FREIRE, 2003, p.255).
Afirma que as tendências pedagógicas conservadoras ao se autodenominarem
como neutras não assumem o seu caráter ideológico de ocultação da realidade como sendo
também um ato político, da mesma forma que o processo de desvendamento da essência da
realidade também é um ato político. A questão é assumir o caráter de classe do processo
educativo. Vejamos em suas palavras: “Os defensores da neutralidade da alfabetização não
mentem quando dizem que a clarificação da realidade simultaneamente com a alfabetização é
um ato político. Falseiam, porém, quando negam o mesmo caráter político à ocultação que
fazem da realidade”. (FREIRE, 2003, p.255).
O diálogo proposto por Paulo Freire, em sua pedagogia, não é, entretanto,
um diálogo passivo, mas, sim, um diálogo conflituoso, pois a sociedade é contraditória e
desigual, construída pelo interesse antagônico de suas classes. Logo, pode haver mudança
integral de nossa sociedade com a superação das contradições de classe. Portanto, o diálogo
pedagógico freireano se faz na luta do oprimido contra o opressor a fim de superar sua
condição subalterna:
[...] O diálogo de que nos fala Paulo Freire, não é o dialogo romântico, mas
o diálogo entre os oprimidos para a superação da sua condição de oprimido.
Esse diálogo supõe e se completa, ao mesmo tempo, na organização de
classe, na luta comum contra o opressor, portanto, no conflito. (GADOTTI,
1981, p.13).
Ao contrário das práticas pedagógicas conservadoras, a Pedagogia
Libertadora tem o objetivo de humanizar o educando ao invés de domesticá-lo como nas
práticas anteriores que sempre prepararam o educando para a subordinação ao capital. Ao
contrário, essa concepção pedagógica está preocupada em fazer com que o educando se
aproprie criticamente dos conhecimentos necessários à sua realização como sujeito crítico do
mundo a sua volta (LUCKESI, 2003).
Sendo assim, é a consciência crítica que permite ao ser humano construir a
mudança e fazer/desfazer, criar/recriar a história. É, dessa maneira, ao responder aos desafios
do mundo que o ser humano, a partir de suas relações de trabalho, que produzem
transformações materiais e culturais, “historiciza” a natureza, temporalizando o espaço
geográfico, fazendo/refazendo sua territorialização como uma capacidade criadora própria.
153
Logo, essa consciência crítica que move os sujeitos para a criação do novo, se faz necessária
com urgência:
O desenvolvimento de uma consciência crítica que permite ao homem
transformar a realidade se faz cada vez mais urgente. Na medida em que os
homens, dentro de sua sociedade, vão respondendo aos desafios do mundo,
vão temporalizando os espaços geográficos e vão fazendo história pela
própria atividade criadora. (FREIRE, 1981a, p.33).
A Pedagogia Libertadora é, por conseguinte, uma pedagogia que assume sua
posição de classe, desmascarando a neutralidade afirmada pela pedagogia tradicional.
Construída a partir das necessidades dos excluídos do sistema capitalista de produção,
auxiliando, por isso, na possibilidade de superação da sua condição de subordinação ao
capital. Nas palavras de Freire, (1999, p.16), “o meu ponto de vista é dos ‘condenados da
Terra’, o dos excluídos [...]”.
Nesse sentido, podemos afirmar que as bases fundamentais do pensamento
pedagógico freireano são: a crença na possibilidade e na necessidade da mudança de nosso
modelo socioeconômico. Isto é, a necessidade de transformação de uma sociedade
estratificada, excludente e alienadora, que coisifica e mercantiliza as relações humanas, para a
construção de uma sociedade que supere as contradições de classes. Possibilitando termos
interesses coletivos entre os seres humanos, bem como a socialização da produção material do
trabalho humano, ao contrário, portanto, da apropriação privada/particular/individual de hoje.
Enfim, visa à construção de uma sociedade de iguais, justa e democrática. Não estamos
falando dessa democracia neoliberal, e, sim, a democratização das condições essenciais de
vida a todos e, também, o mesmo direito de acesso as produções materiais e a cultura formal
construída pela humanidade.
Por conseguinte, a educação para Paulo Freire deve cumprir papel
fundamental de conscientização e, não, de alienação para auxiliar nesse processo de mudança
social, instrumentalizando o oprimido a superar sua condição de dependência ao capital.
Corroborando com essas considerações Gadotti (1981, p.10) afirma: “[...] a mudança de uma
sociedade de oprimidos para uma sociedade de iguais e o papel da educação - da
conscientização - nesse processo de mudança é a preocupação básica da pedagogia de Paulo
Freire. [...]”.
Essa prática pedagógica visa, pois, à difusão de uma ética oposta à ética
mercadológica. É o que Paulo Freire denominou de ética universal do ser humano. Ética essa,
154
contrária à exploração e a opressão das camadas mais pobres e a favor do ser humano em sua
plenitude. Por isso, função primordial do professor é auxiliar na construção e na defesa dessa
ética universal do ser humano, que é antítese da ética de mercado porque visa auxiliar no
processo humanização do ser humano. Nas palavras de Freire (1999):
[...] Educadores e educandos não podemos, na verdade, escapar à
rigorosidade ética. Mas, é preciso deixar claro que a ética de que falo não é a
ética menor, restrita e do mercado, que se curva obediente aos interesses do
lucro. [...] Não falo obviamente dessa ética. Falo, pelo contrário, da ética
universal do ser humano. Da ética que [...] condena a exploração da força de
trabalho do ser humano, [...] golpear o fraco e indefeso, soterrar o sonho e a
utopia, prometer sabendo que não vai cumprir a promessa [...]. A ética de
que falo é a que se sabe afrontada na manifestação discriminatória de raça,
gênero, de classe. [...]. (p.16-17, grifo nosso).
Portanto, entendemos que a “ética mercadológicanão permite que sejamos
sujeitos éticos e históricos, em busca da transformação, pois encontramo-nos mergulhados em
valores cujo “ter” é maior do que o “ser”. Por isso, precisamos nos recuperar enquanto
sujeitos éticos para assim romperemos com a ordem vigente e conseguiremos nos livrar da
malvadez da ética de mercado. enquanto sujeitos éticos seremos também sujeitos
históricos, capazes de construir e desconstruir a realidade, guiados pela necessidade humana,
e não do capital. Dito de outra maneira:
[...] nos achamos ao nível do mundo e não apenas do Brasil, de tal maneira
submetidos ao comando da malvadez da ética do mercado, que parece ser
pouco tudo o que façamos na defesa e na prática da ética universal do ser
humano. Não podemos nos assumir como sujeitos da procura, da decisão, da
ruptura, da opção, como sujeitos históricos, transformadores, a não ser
assumindo-nos como sujeitos éticos. [...]. (FREIRE, 1999, p.19).
Neste sentido, o educador Paulo Freire propõe uma pedagogia progressista-
libertadora em oposição à concepção reacionária de educação praticada no Brasil. Rompendo,
dessa forma, com a educação bancária-passiva
59
que é responsável pela reprodução da ordem
vigente. Pois, apesar de termos avançado bastante com as técnicas de aprendizagem, como o
Construtivismo, por exemplo, se a nossa prática continuar reacionária, no sentido de não
desejar romper com as estruturas vigentes, continuaremos mantedores do status quo.
Corroborando com esta análise,
Oliveira (1994a, p. 12) afirma que:
59
Educação Bancária é um termo utilizado por Paulo Freire para denominar a educação positivista/empirista que
concebe o aluno como passivo e, por isso, o professor precisa “depositar” as informações nesse aluno para
depois “sacar” na avaliação.
155
Paulo Freire de há muito chamou atenção para este desvio na educação onde
a ‘concepção bancária’ não permite que nada de novo seja criado, ao
contrário, contribui para reforçar o status quo. De nada adianta, pois,
inovar as técnicas de aprendizado, se a didática continua profundamente
reacionária.
Nesta perspectiva, uma educação voltada para a transformação social, só
pode ser feita desvinculada dos instrumentos de dominação, portanto apenas a ruptura pode
catalisar uma transformação social. Para isso acontecer, também a pedagogia deve ter esse
objetivo de transformação/ruptura com a ordem vigente buscando recriar valores na nossa
sociedade para, inclusive, pensar na reformulação de conceitos científicos criados a partir de
uma lógica de dominação. Vejamos a questão nas palavras de Oliveira (1994a, p. 12):
Assim, uma escola comprometida com a transformação da sociedade, ao
contrário da ordem vigente, requer uma pedagogia que recrie os valores
submersos em nossa ordem social, com objetivos explícitos de uma
igualmente nova proposta educacional; uma proposta que permita fazer uma
reformulação de conceitos científicos, não mais na ótica da dominação, mas
naquela que propõe uma história viva do homem e da sua criação.
3.5 - Por uma educação formal transformadora: instrumentalizando os sujeitos para a
mudança social
Entendemos, pois, que uma educação transformadora deve ser construída sob
os pressupostos teórico-metodológicos do materialismo histórico e dialético de Marx, que
entende que o ser humano é um produto da realidade social na qual se encontra inserido, e da
própria educação. Porém, o ser humano também é o produtor dessa realidade e dessa
educação, portanto, agente ativo do processo, ou seja, sujeito de sua própria educação e não
objeto dela. Logo, a educação é, ao mesmo tempo, reflexo (produto) e, também,
produtora/reprodutora da ordem social vigente. Essa é, pois, a contradição inerente à educação
e ao professor, que igualmente ao se educar e participar do processo de mediação da educação
de outros sujeitos, se inclui como parte do processo social. São sujeitos ativos, professores e
alunos. Nas palavras de Marx apud Loureiro:
A doutrina materialista de que os homens são produto das circunstâncias e
da educação, que homens diferentes são, portanto, produto de outras
circunstâncias e de uma educação diferente, esquece que as circunstâncias
156
são, na verdade, modificadas pelos homens e que o próprio educador deve
ser educado. [...]. (2004, p. 89-90).
Uma educação transformadora pode ser compreendida a partir da prática
docente revolucionária, pois a atividade humana só tem capacidade de mudança quando se faz
de forma revolucionária. Dito de outra forma: “[...] a coincidência da modificação das
circunstâncias com a atividade humana ou alteração de si próprio pode ser apreendida e
compreendida condicionalmente como práxis revolucionária [...]” (MARX apud LOUREIRO,
2004, p. 89-90).
Entendemos que a educação é um instrumento de compreensão e
participação da sociedade em que vivemos, por isso o acesso ao conhecimento deve ser feito
de forma crítica, democratizado-a a fim de que todos entendam e participem de forma ativa da
realidade social da qual estamos inseridos. A escolarização é um instrumental necessário para
se chegar a um patamar de compreensão da realidade para ampliar a capacidade de ação dos
sujeitos. Por conseguinte, o acesso universal ao ensino é um elemento essencial da
democratização e a porta de entrada para a construção de uma sociedade livre dos
mecanismos de opressão (LUCKESI, 2003).
Estamos “concebendo a nossa sociedade como dinâmica e contraditória,
portanto, com possibilidades de transformação, e acreditando que a educação escolar é
determinada pela estrutura social na qual está inserida” (SAVIANI apud VIEIRA, 2004, p.
30). E acreditamos que a educação formal pode ser uma catalisadora de mudanças que
auxiliem na construção de uma sociedade mais justa. Deste modo, a educação “[...] muito
tem a contribuir para impulsionar a tendência de transformação da realidade social vivida
pelos homens e de aprimoramento da qualidade de vida de cada indivíduo”. (VIEIRA, 2004,
p. 30).
É, dessa maneira, através dos indivíduos que conseguem entender-se
enquanto sujeitos históricos, que acontecerá a construção do processo de transformação
social. A educação tem um papel fundamental nesse processo, o de oferecer condições para
que os educandos possam refletir e repensar a realidade na qual estão inseridos, na perspectiva
da luta de classes. Assim, a construção da conscientização do oprimido de suas condições e o
entendimento das estratégias de seus opressores se faz necessária na educação.
Dessa forma, a educação participa do processo de transformação social de
forma indireta, isto quer dizer que a educação auxilia na consciência dos indivíduos a respeito
das contradições presentes na realidade na qual estão inseridos, instrumentaliza-os a pensarem
157
formas concretas de superação dessas contradições. Portanto, partindo do pressuposto que
refletir acerca da educação é refletir sobre os próprios indivíduos, podemos dizer que a
educação auxiliará no processo de transformação dos indivíduos, para que esses desenvolvam
as condições concretas da transformação social. Corroborando nessa análise, Vieira (2004, p.
30) afirma:
A participação da educação escolar no processo de transformação social se
fará de forma indireta e imediata. O que significa dizer que, de modo
específico, ela irá atuar junto à consciência dos indivíduos que atua na prática
social, para que esses consigam encontrar, nas contradições presentes em sua
realidade social vivida, as possibilidades histórico-concretas existentes e as
condições necessárias para a superação de tais contradições. Sendo assim, a
transformação social da qual participará a educação, far-se-á pela
transformação do indivíduo.
Nessa perspectiva, podemos afirmar que o principal papel da educação
escolar, dentro do processo de formação do indivíduo, é o de instrumentalização. Ou seja, a
construção juntamente com os educandos de condições para que possam compreender que sua
existência, humana, vai além de sua existência empírica, adquirindo assim a concepção que
sua existência é determinada historicamente (VIEIRA, 2004).
A mudança ocorrerá a partir da participação dos sujeitos históricos, que
não se trata da elite, mas das próprias vítimas da alienação/exploração/coisificação capitalista.
Entendemos que não existe transformação sem ruptura e resistência; Não existe passagem
automática a um outro modelo social sem ação humana; Não existe transformação sem
participação popular.
Por conseguinte, estamos afirmando que não existe movimento histórico,
sem que este tenha sido feito pelos sujeitos que vivenciam as contradições de sua realidade.
Por isso, não são os intelectuais que levam a “luz” aos alienados para que ocorra a
transformação social. Neste sentido, não existe a passagem direta, mecânica, de um modelo
sócio-econômico para outro, como se fossem as estruturas que movem as pessoas e não o
contrário.
Na leitura mecanicista da realidade, o poder estrutural econômico comanda
de forma absoluta a realidade, não tendo possibilidade para a construção de uma Educação
Dialética/Dialógica que parte da crença nos sujeitos como agentes da mudança. Confirmando
esta análise, Loureiro (2004, p.96) escreve:
158
É importante ressaltar que, no processo de superação de formas de
alienação, não ocorre revolução de estruturas sem sujeitos, uma vez que isso
levaria à crença de que existem elites intelectuais ou religiosas capazes de
conduzir uma população vista como inconsciente à “salvação” ou de que a
mecânica modificação estrutural levaria à mudança plena dos indivíduos. A
negação dessas possibilidades reducionistas e simplificadoras da realidade
sugere afirmar a pertinência de uma educação dialógica, em que o
movimento de mudança da condição humana alienada no capitalismo deve
ser complexo, integral e simultâneo.
Entretanto, não podemos fazer exposições ingênuas e acreditar que a única
via de “salvação da humanidade” é a educação. A educação não é apenas um reflexo da
sociedade, porém, não é também o único determinante social. Ela está, pois, em uma relação
dialética entre reflexo e determinação, sendo ao mesmo tempo produto e
produtora/reprodutora da sociedade. Neste sentido, são os sujeitos sociais que definirão a sua
contribuição na transformação social, sujeitos esses ativos e históricos.
Não podemos concordar que o modelo socioeconômico vigente não pode ser
modificado pelos sujeitos, ou que este movimento de mudança se faz automaticamente, este
tipo de interpretação da realidade é baseado no paradigma do materialismo estruturalista
vulgar e mecanicista. Nesta concepção, a educação é determinada pela estrutura econômica e,
por isso, não teria poder de ação nenhuma contra o capitalismo. Por sua vez, o capitalismo se
extingüiria por si próprio, em determinado momento, por suas próprias contradições, bastando
esperarmos passivamente.
Sabemos que o sistema se extingüe a partir de contradições internas, porém
isso acontece incitado pelos agentes da mudança. Assim como foram revolucionários os
burgueses e romperam com o modo de produção feudal a partir de suas contradições internas,
neste momento histórico entendemos haver também a possibilidade concreta dos oprimidos
impulsionarem o fim do sistema. Por outro lado, a educação isoladamente, longe de outras
esferas sociais, fica impossibilitada de catalisar uma transformação social, pois a educação
possui limites. E, neste sentido, para se ter uma práxis educativa crítica e transformadora esta
precisa estar relacionada diretamente com outras esferas da vida social como a família, a
comunidade etc. Por isso, não podemos ser simplistas, temos que perceber as limitações do
processo educativo frente a todas as esferas da vida social. Entretanto, não podemos nos
enganar pensando na passividade humana frente às estruturas econômicas. Nesta direção,
Loureiro (2004, p.97) escreve:
159
[...] Nunca é demais destacar que a ação transformadora da educação possui
limites, ou seja, não é suficiente em si realizar uma práxis educativa cidadã
e participativa, se isso não se relacionar diretamente com outras esferas da
vida (família, trabalho, instituições políticas, modo de produção, interações
ecossistêmicas etc.), vendo a educação como um processo global, para além
do ensino formal. Do contrário, se perderia sua dimensão revolucionária. É
idealismo ingênuo e simplista creditar à educação a “salvação do planeta”.
Por ser um processo de aprendizagem com o outro e pelo outro, mediado
pelo mundo, e, portanto, algo intrínseco à realização da natureza humana, é
fundamental e primordial, no entanto, sua centralidade ganha concretude
à medida que a entendemos no seu movimento de definição e objetivação
na história. Por outro lado, é mecanismo estruturalista vulgar
subdimensionar a ação humana nas estruturas sociais e a potencialidade
transformadora da educação, como se fôssemos seres passivos e totalmente
sobredeterminados por essas estruturas - o que seria a negação do sujeito
histórico e da práxis, portanto, do próprio sentido que a educação assume na
constituição da cidadania e da democracia.
Paulo Freire, em suas análises, contesta tanto a ingenuidade pedagógica,
que concebe a educação como o principal propulsor da emancipação das camadas subalternas,
como também a análise sociológica mecanicista/pessimista que entende que a educação, e as
outras esferas da sociedade como a política, a religião etc., condenadas a serem eternamente
reprodutoras. Negando a dialética da realidade, isto é, o movimento histórico-social e a ação
transformadora dos sujeitos. Nas palavras de Gadotti (1981, p. 10): “Paulo Freire combate à
concepção ingênua da pedagogia que se crê motor ou alavanca da transformação social e
política. Combate igualmente à concepção oposta, o pessimismo sociólogo que consiste em
dizer que a educação reproduz mecanicamente a sociedade
60
. [...]”.
Dessa forma, entendemos que uma educação transformadora é aquela que
oferece as condições para que ocorra a emancipação das camadas subalternas. Trabalhando,
junto com os grupos sociais, para romper com as estruturas de dominação que são produtos do
modo de produção capitalista globalizado.
Construir uma educação transformadora significa pensar que nossa realidade
é conflituosa porque existe uma apropriação da natureza, material e simbólica, de forma
desigual, visto que os atores sociais que compõem nossa sociedade são formados por classes
diferentes e, tem por isso, interesses diferentes e, logo, práticas sociais diferenciadas. Neste
sentido, se faz necessário conhecer as especificidades dos sujeitos sociais, saber com quem
60
Lembrando que essa concepção mecanicista da sociedade não se aplica à análise que fazemos do sociólogo
Pierre Bordieu que, apesar de afirmar que a escola foi impulsionada a reproduzir as desigualdades, e que ainda o
faz em determinadas proporções, considerou o poder de transformação contida no ser humano e a partir disso a
possibilidade de ruptura com essa mesma educação, saindo de uma educação de reprodutivista para uma
emancipatória.
160
estamos nos relacionando no processo educativo, para que possamos construir uma prática
social educativa a partir da realidade desses sujeitos, isto é, de acordo com suas necessidades
e vontades. Dito de outra maneira:
[...] Educar para transformar é agir conscientemente em processos sociais
que se constituem conflitivamente por atores sociais que possuem projetos
distintos de sociedade, que se apropriam material e simbolicamente da
natureza de modo desigual. Educar para emancipar é reconhecer os sujeitos
sociais e trabalhar com estes em suas especificidades. A práxis educativa
transformadora é, portanto, aquela que fornece ao processo educativo as
condições para a ação modificadora e simultânea dos indivíduos e dos
grupos sociais; que trabalha a partir da realidade cotidiana visando à
superação das relações de dominação e de exclusão que caracterizam e
definem a sociedade capitalista globalizada. (LOUREIRO, 2004, p.131).
3.6 - A possibilidade e a necessidade da mudança social
...Nem sempre foi asssim
Outro mundo é possível
Pode até ser o fim
Mas será que é inevitável?...
Humberto Gessinger
61
- Tudo passa, tudo passará...
E nossa história não estará pelo avesso
Assim, sem final feliz.
Teremos coisas bonitas pra contar.
E até lá, vamos viver
Temos muito ainda por fazer
Não olhe para trás
Apenas começamos.
O mundo começa agora
Apenas começamos
62
.
Renato Russo
Entendemos que a cada dia o mundo vem sendo construído e reconstruído
pelos seus sujeitos, em um constante movimento. Neste sentido, Renato Russo, em sua
composição “Metal contra as nuvens”, apresenta na frase “o mundo começa agora; apenas
61
Música: Eu não consigo odiar ninguém. Engenheiros do Hawaii. Álbum: Novos Horizontes, 2007.
62
Música: Metal contra as nuvens. Legião Urbana. Álbum: V, 1991.
161
começamos” sua crença na possibilidade da mudança histórica, contrária ao fatalismo
neoliberal. Apresenta ainda, a utopia de construção de uma realidade mais condizente com os
anseios da humanidade, quando diz: “e nossa história, não estará, pelo avesso assim, sem final
feliz, teremos coisas bonitas pra contar”.
Por conseguinte, acreditamos como Santos (2001, p. 147) que “[...] a história
não acabou; ela apenas começa [...]”, pois estamos no mundo das possibilidades e das ações
humanas transformadoras, isto confirma que a globalização capitalista não é irreversível
(SANTOS, 2001).
Acreditamos na educação transformadora e na ação humana como
transformadora do mundo. O homem produz o mundo através das relações de trabalho, o
reproduz ou o transforma de acordo com seus interesses e necessidades. Por isso, acreditamos
que a realidade é mutável e não estática e que, ao contrário do materialismo mecanicista/
estruturalista/vulgar e da ideologia neoliberal, o ser humano tem o poder da mudança.
E que nos diferenciamos de outros animais pela nossa capacidade de
controlar a nossa própria realidade. Realidade esta que, depois de alterada, condiciona as
novas ações humanas, em um movimento dialético construído historicamente. Dito de outra
forma:
Assim, como não homem sem mundo, nem mundo sem homem, não
pode haver reflexão e ação fora da relação homem - realidade. Esta relação
homem - realidade, homem-mundo, ao contrário do contato animal com o
mundo, [...] implica a transformação do mundo, cujo produto, por sua vez,
condiciona ambas, ação e reflexão.
[...]. Os homens que a criam são os mesmos que podem prosseguir
transformando-a. (FREIRE, 1981a, p.17-18).
A realidade está sempre sendo construída por seus sujeitos, por isso vivemos
em um mundo em construção/mudança constante. Assim é possível a construção de outra
realidade contrária ao processo atual de globalização capitalista, centrado no lucro e na
exploração. Tendo em vista que nesse modelo socioeconômico atual, o ser humano perde sua
importância e como nos diz Santos (2001, p. 147) “[...] o homem acaba por ser considerado
um elemento residual [...]”.
Para compreendermos a mudança, temos que estar conscientes de que a
realidade é formada pelo que pode concretamente estar sendo construído, ou seja, “o vir a
ser”. Neste sentido, o mundo presente nos traz as possibilidades reais do surgimento “do
162
novo” no futuro, devido ao nosso constante movimento histórico - social. Nas palavras de
Santos (2001, p. 147):
[...] devemos considerar que o mundo é formado não apenas pelo que
existe (aqui, ali, em toda parte), mas pelo que pode efetivamente existir
(aqui, ali, em toda a parte). O mundo datado de hoje deve ser enxergado
como o que na verdade ele nos traz, isto é, um conjunto presente de
possibilidades reais, concretas, todas factíveis sob determinadas condições.
Discordamos, por isso, do que prega a ideologia neoliberal que naturaliza as
desigualdades sociais e tenta nos fazer acreditar que esse modelo sócio econômico é imutável.
E que nada podemos fazer para reverter esse processo, mascarando a essência exploradora da
lógica perversa da globalização capitalista, e transformando a realidade concreta em
metafísica (FREIRE, 1999).
A necessidade da mudança fica evidenciada quando identificamos no modelo
socioeconômico vigente, ou seja, o modo de produção capitalista, a coisificação e alienação
humana fruto da exploração do trabalho humano, com objetivo do acúmulo de capital pela
camada dominante de nossa sociedade.
Neste sentido, acreditamos como Loureiro que as contradições internas do
modo de produção capitalista comprovam a possibilidade e a necessidade de sua superação.
A demonstração das contradições internas ao capitalismo, de seus
antagonismos, e de suas implicações sobre a coisificação da vida e a
alienação humana, evidencia a possibilidade histórica de superação desse
sistema que define as relações nas sociedades contemporâneas.
(LOUREIRO, 2004, p.111).
Nesta perspectiva, entendemos que somente com a ruptura desse modelo
econômico-social e a construção de outro modelo, poderá ocorrer à abolição da
coisificação/mercantilização e da alienação das relações sociais e do ser humano. É por isso
que Cazuza
63
nos fala em sua canção: “Enquanto houver burguesia, não vai haver poesia”.
Para afirmarmos a necessidade de transformação da nossa realidade, estamos
partindo do pressuposto que as condições mínimas de sobrevivência não foram alcançadas por
uma grande parcela da população brasileira, ou seja, são milhões de brasileiros excluídos,
faltando-lhes o direito de acesso à saúde, a educação, entre outros serviços indispensáveis a
63
Música: “A burguesia fede”.
163
vida de hoje, pois, como nos afirma os Titãs
64
: “a gente não quer comida; a gente quer:
comida, diversão e arte”. Dito de outra forma: [...] são milhões de brasileiros que apenas
sonham com as condições básicas e indispensáveis à vida: educação, saúde, lazer, enfim, o
bem-estar social”. (BATISTA, 1995, p.3).
Por conseguinte, o desenvolvimento capitalista no Brasil tem provocado,
historicamente, a exclusão social fruto da distribuição de renda e terra. A cada dia,
portanto, cresce o número de excluídos que não tem direito ao exercício de sua cidadania
plena. Nos grandes centros urbanos, a situação é deplorável, pois, o aumento da miséria, gera
a violência que causa o pânico à população.
Os rumos atuais do desenvolvimento brasileiro vêm acentuando o intenso
processo de exclusão social, característico da natureza histórica das
estruturas econômica e social do país. As altas taxas de desemprego,
miséria, violência e marginalidade dos grandes e médios centros urbanos
apontam para a exclusão, cada vez maior, de parcelas da população que já
possuem condições mínimas de trabalho e, portanto, de cidadania.
(WIZNIEWSKY; LUCAS, [200?], p.2).
3.7 - A educação e a produção do espaço geográfico
Entendemos que a escola é tanto um produto da sociedade, na qual está
inserida, como também um mecanismo de produção/reprodução, ou transformação, dessa
sociedade.
O espaço geográfico é onde a sociedade estabelece todas as suas
manifestações materiais e simbólicas no decorrer das relações que estabelece com a natureza,
e entre os homens, formando uma totalidade de relações, que está na origem do espaço
geográfico.
Relações essas que, na história, encontra-se ligada à primeira necessidade de
suprir os requisitos básicos de existência material do ser humano, através das relações de
trabalho. Essas relações, conseqüentemente, se dão condicionadas pelo modo de produção
vigente, na qual a educação vai se integrar ao quadro da super-estrutura, podendo ser
aparelho ideológico de reprodução da estrutura vigente ou agente transformador auxiliando
para romper com a estrutura.
64
Música: Comida. Composição: Arnaldo Antunes / Marcelo Fromer / Sérgio Britto.
164
Sendo assim, a produção/reprodução ou transformação do espaço geográfico
depende das finalidades na qual estão sendo utilizados os conhecimentos historicamente
acumulados pela humanidade tanto na educação formal como na educação informal, ou seja,
na família, na rua, na comunidade, na igreja etc.
Partindo da concepção de que vivemos sob um modo de produção
contraditório e desigual, por isso excludente, vemos a importância de se utilizar a educação
como um instrumento de transformação social, para a produção de um espaço geográfico com
maior igualdade social.
Construindo um espaço geográfico não mais produzido por uma sociedade
estratificada, que produz/reproduz a lógica dominante do capital, formado de espaços dos
dominantes e espaços dos dominados, mas sim, um espaço produzido por seres humanos
diferentes nas suas particularidades, mas iguais em condições e oportunidades.
Por conseguinte, a educação passa a ser decisiva nesse momento de
globalização para acentuar as desigualdades entre países ricos e países pobres, na medida em
que a terceira revolução industrial
65
depende da educação para avançar no nível da ciência,
técnica e informação. Isso porque, esse modelo neoliberal de globalização atual “[...] tem
trazido como conseqüência para todos os países, uma baixa de qualidade de vida para a
maioria da população e a ampliação do número de pobres em todos os continentes, pois, com
a globalização atual, deixaram-se de lado políticas sociais [...]”. (SANTOS, 2001, p. 149).
Visualizamos assim a presença de espaços que se diferenciam pelo nível de
educação formal que a sociedade apresenta. Por isso, na fase atual capitalista, a educação
passa a ser cada vez mais decisiva na produção de espaços diferenciados que são, na verdade,
o aspecto visível da desigualdade social. Originando o que Santos apud Correa (1986)
denominou de inércia dinâmica”, ou seja, devido à falta de condições e oportunidades os
espaços excluídos tendem a reproduzir também os excluídos do sistema capitalista, a mão-de-
obra barata, os marginalizados etc. Em contrapartida, nos espaços dominantes, devido às
condições de infra-estrutura, dentre elas a educacional, esses espaços tendem a reproduzir os
detentores do poder, de geração para geração. Se perpetuando assim como elites. Logicamente
que, neste sentido, o espaço agrário está nos espaços de exclusão que com uma educação
precária, reproduz os excluídos da sociedade.
65
Podemos conceber a terceira revolução industrial como sendo o momento histórico da globalização atual.
Período em que ocorreu o ápice da internacionalização do capital propiciado, segundo Santos (2001), pelo
desenvolvimento da ciência, técnica e informação.
165
Entretanto, essa relação é dinâmica podendo ser modificada com os sujeitos
construindo outra relação histórica - espacial, se rebelando contra a dominação. Essa
consciência para a mudança pode vir por meio da educação. Portanto, temos que mudar os
aspectos que caracterizam o nosso espaço geográfico na atualidade, auxiliados pelo processo
educativo emancipatório.
166
4 - POR UMA EDUCAÇÃO DO CAMPO: UMA PERSPECTIVA EMANCIPATÓRIA
“Certa vez uma caneta foi passear lá no sertão
Encontrou-se com uma enxada, fazendo a plantação.
A enxada muito humilde foi lhe fazer saudação,
Mas a caneta soberba não quis pegar sua mão.
E ainda por desaforo lhe passou uma repreensão.”
Disse a caneta pra enxada não vem perto de mim, não
Você está suja de terra, de terra suja do chão
Sabe com quem está falando, veja sua posição
E não se esqueça à distância da nossa separação.
Eu sou a caneta soberba que escreve nos tabelião
Eu escrevo pros governos as leis da constituição
Escrevi em papel de linho, pros ricaços e barão
Só ando na mão dos mestres, dos homens de posição.
A enxada respondeu: que bateu vivo no chão,
Pra poder dar o que comer e vestir o seu patrão
Eu vim no mundo primeiro quase no tempo de adão
Se não fosse o meu sustento não tinha instrução.
Vai-te caneta orgulhosa, vergonha da geração
A tua alta nobreza não passa de pretensão
Você diz que escreve tudo, tem uma coisa que não
É a palavra bonita que se chama.... educação!
Zico e Zeca
66
A educação do campo
do povo agricultor
precisa de uma enxada
de um lápis, de um trator
precisa educador
pra tocar conhecimento
o maior ensinamento
é a vida e seu valor...
Gilvan Santos
67
66
Música: A Caneta e a Enxada.
67
Música: A Educação do Campo. Cantares da Educação do Campo.
167
4.1 - Por uma reterritorialização do saber: a necessidade de construção de uma
Educação do Campo
[...] a educação está à margem dos excluídos como os sem-terras e sem
empregos, pois lhes faltam condições mínimas de sobrevivência, as
esperanças de receber a educação formal atinge no máximo a alfabetização
das primeiras séries iniciais. [...]. (BATISTA, 1995, p.3).
É complicado vislumbrar aquilo a que se o nome de escola, em uma
região rural onde um pouco mais de chuva no domingo impede o exercício
das aulas na segunda-feira. [...] tudo o que há são pequenas construções de
uma ou duas salas, encravadas em terras cedidas de sítios e fazendas:
escolas isoladas e escolas de emergência, onde o qualificador dos próprios
nomes oficiais dispensa qualquer outro adjetivo. Difícil vê-las e ao poder
do seu sistema, operantes ali, onde parece que as suas carências são tais e
tantas, há tanto tempo, que a diferença entre passar por elas e nunca
estudar ali poderia ser desprezível. Mas ela é muito importante. Ou melhor,
ela é ambivalentemente importante. (BRANDÃO, 1999, p.18, grifo do
autor)
68
.
Reterritorializar o saber no campo é, pois, trazer o conhecimento numa
perspectiva de produção territorial a partir da “lógica camponesa” para que eles sejam os
sujeitos da produção de seu espaço geográfico/território construindo sua territorialidade
69
como sinônimo de suas vontades, capacidades, emoções, necessidades etc.
Essa construção territorial implica, necessariamente, em romper com a lógica
capitalista de produção e de territorialização do capital monopolista. Onde o capital se
apropria da terra, concentrando a em detrimento dos camponeses, que são, por esse motivo,
expropriados de suas terras.
Reterritorializar o saber é, pois, construir um conhecimento dialogicamente
com “os de baixo” numa concepção de libertação e resistência adequando esse conhecimento
à realidade camponesa. Reestruturando esse saber ao território no qual ele pertence, ou seja, o
“território camponês”. A fim de que a educação seja compatível com as necessidades exigidas
no decorrer do seu processo de produção/reprodução material e subjetiva da existência
68
Pesquisa realizada por Carlos Rodrigues Brandão (1999) na região do Alto Paraíba.
69
“[...] a vida é tecida por relações, e da territorialidade pode ser definida como um conjunto de relações que
originam um sistema tridimensional sociedade espaço tempo [...]”. (RAFFESTIN, 1993, p.160). Podemos
também entender “A territorialidade sendo a “soma” das relações mantidas por um sujeito com o seu meio. Isso
dito, não se trata de uma soma matemática, mas de uma totalidade de ações biossociais em interação”.
(RAFFESTIN, 1993, p.160).
168
camponesa, ou seja, permitindo a produção e reprodução de seu modo de vida, enquanto
camponês.
Esses sujeitos vão geografando
70
/territorializando e
historicizando/temporalizando as relações socioespaciais a partir de suas
identidades/territorialidades. Criando/recriando essas relações humanizadoras/socializadoras
num processo dialético/dinâmico e, portanto, inacabável.
Para defendermos a necessidade da construção de uma Educação do Campo
estamos partindo do pressuposto que é alto o número de analfabetos do campo, pois nunca
houve realmente uma política pública direcionada a atender as necessidades educacionais dos
moradores do campo. Dessa forma, a maioria tem conseguido chegar apenas às séries iniciais
do Ensino Fundamental.
A situação se torna mais difícil quando verificamos que pelo fato do trabalho
camponês ser um trabalho essencialmente familiar, os menores começam a trabalhar desde
cedo. Como temos um ensino que não contempla as necessidades dos moradores do campo e,
também, por não possuir um calendário adequado ao trabalho no campo, muitos alunos
desistem dos estudos, por isso a evasão escolar é muito alta com relação aos moradores do
campo. Dito de outra maneira: “a educação escolar para áreas rurais no Brasil, tem atingido na
maioria dos casos o ensino primário, [séries/anos iniciais do Ensino Fundamental], utilizando-
se de mão-de-obra familiar, o menor é incorporado cedo ao trabalho. É alto o número de
analfabetos no campo [...]”. (BATISTA, 1995, p.4).
Até hoje persiste um quadro de completa desconsideração com relação aos
habitantes do campo com relação à educação, bem como com relação a outros serviços
essenciais do mundo atual. Por outro lado, a produção científica a respeito do rural ainda é
algo precário, mas, agora, essa posição começa a ser questionada pelos movimentos sociais e
por intelectuais que se preocupam em colocar o conhecimento científico e a educação, a
serviço da justiça social, formando o movimento “Por Uma Educação do Campo”. Este nasce,
exatamente, para denunciar esse esquecimento por parte do Estado com relação às políticas
públicas, e por parte dos órgãos de pesquisa, com relação à produção científica acerca do
espaço rural e da Educação do Campo. Dito de outra forma:
O silenciamento, esquecimento e até o desinteresse sobre o rural nas
pesquisas sociais e educacionais é um dado histórico que se tornava
preocupante. Por que a educação da população do campo foi esquecida? Um
70
Escrevendo/grafando no espaço suas marcas de classe e grupo social.
169
dado que exige explicação: “somente 2% das pesquisas dizem respeito a
questões do campo, não chega a 1% as que tratam especificamente da
educação escolar no meio rural”. O movimento Por Uma Educação do
Campo nasceu para denunciar esse silenciamento e esquecimento por parte
dos órgãos governamentais, dos núcleos de financiamento e estímulo à
pesquisa, dos centros de pós-graduação e dos estudiosos das questões
sociais e educacionais. (ARROYO; CALDART; MOLINA, 2004, p.8).
Faz-se necessário à efetivação de políticas públicas que elevem o capital
social das comunidades pertencentes ao espaço rural, nesse sentido a educação é um desses
elementos cuja presença no campo é essencial para que os camponeses possam desenvolver
seu território de maneira a não permanecerem excluídos ou precariamente incluídos na
sociedade atual:
As políticas públicas para o meio rural, entre elas a educação, devem
contribuir com a formação de redes territoriais densas e diversificadas,
ampliando o capital social das comunidades locais a partir da criação e do
fortalecimento das instituições, da participação dos agricultores na definição
e na execução das políticas públicas [...]. (WIZNIEWSKY; LUCAS, [200?],
p. 5).
Este quadro de exclusão social dos moradores do campo deve ser entendido
como historicamente relacionado à forma como as oligarquias agrárias conceberam a
educação no campo desde o Brasil colonial. Isso quer dizer que a elite agrária impôs, desde a
colonização do Brasil, o discurso ideológico de que aprender a ler e a escrever para os
camponeses seria inútil e desnecessário. Situação que era justificada pela própria natureza do
seu trabalho entendido como restrito a condição do manejo com a terra para a produção de
alimentos para sua subsistência e de excedentes para a população urbana.
Dessa forma, pensar, ler, escrever e refletir seria necessário somente aos
habitantes do espaço urbano. Nesse caso, a própria condição de “ser” camponês já justificaria
o atraso intelectual como condição natural e inerente a sua classe social. Naturalizando, dessa
maneira, as diferenças de acesso à educação produto da hierarquia social. Vejamos o
comentário de Nascimento (2003, p. 2) acerca do assunto:
A situação da educação no meio rural brasileiro sempre foi tratada com
descaso pelas oligarquias rurais que se constituíram como força hegemônica
na sociedade desde as Capitanias Hereditárias [...]. Não se pode negar uma
dura realidade de exclusão historicamente formada pelas classes dominantes
ligadas ao meio rural. Neste sentido, torna-se necessário desvendar as
representações simbólicas de cunho ideológico que foi se formando na
consciência dos camponeses/as onde a educação foi vista como um
170
processo desnecessário para aqueles/as que estavam emergidos num mundo
onde ler, escrever, pensar e refletir não tinha nenhuma utilidade e serventia.
Assim, trabalhar na roça, criar cultura a partir do manejo com a terra, estar
inteiramente ligado ao ecossistema do mundo campesino, era condição, sine
qua non para não se ter acessibilidade ao mundo do conhecimento
.
Nessa perspectiva, podemos afirmar que, na realidade, desde a colonização
do Brasil, vivemos uma educação manipulada pelas elites, cujo interesse é continuar se
perpetuando no poder, reproduzindo, assim, a desigualdade social. Fazendo, dessa maneira,
os oprimidos pensarem, ao longo desse tempo, que o poder de decisão sobre suas vidas não
estavam com eles, mas na classe dominante. Foi assim que os primeiros missionários
católicos pensaram a educação para os indígenas, tentando adestrá-los para que se tornassem
mais dóceis e passivos, facilitando sua escravização. O Deus, na qual, defendiam, era um
Deus eurocêntrico que, por isso, defendia o direito do mais forte, direito esse de dominação
do imperialismo europeu. Nas palavras de Nascimento:
[...] pode-se perceber que a lógica mercantilista utilizada primeiro pelos
portugueses e os missionários defensores da cristã para adestrar e
domesticar os povos indígenas tinha uma finalidade não somente em fazê-
los novos cristãos convertidos ao catolicismo, bem como, utilizar sua mão-
de-obra como uma espécie de exploração trabalhista que o Deus a quem
obedecia pregava determinados valores que favoreciam os interesses
europeus. [...]. (2003, p. 3).
Neste sentido, a educação, desde o Brasil colonial, foi pensada pela classe
dominante a partir da lógica capitalista mercantilista/imperialista. Desde então, até os dias de
hoje, o poder ideológico tem a força de fazer com que muitas pessoas não se percebam como
sujeitos capazes de transformar a realidade, aceitando que os detentores do poder pensem a
educação que as classes subalternas devem ter. Dito de outra forma:
A educação brasileira, desde o princípio, deteve-se em valorizar os
interesses da classe dominante que pensavam o mundo a partir da lógica do
lucro e não a partir da lógica comunal. Estes fatores penetram no universo
simbólico das pessoas excluídas que aceitavam e ainda aceitam,
passivamente, com que os detentores do poder tenham o poder de decidir o
que pensar, para que pensar, como pensar e o porquê pensar a cultura, a
educação e todas as atividades por eles, excluídos/as, desenvolvidas.
(NASCIMENTO, 2003, p. 3).
Dessa maneira, a elite dominante passou a conceber o camponês como:
inocente, ignorante da cultura formal, manipulável etc., fazendo com que esta classe fosse
171
colocada à margem da sociedade moderna capitalista. Por isso, para Nascimento, a elite
conseguiu construir uma ideologia que faz com que o próprio camponês se sinta deslocado,
inferior, menos importante que o trabalhador urbano, isto significa que com essa
representação ideológica, construída pela classe dominante, o camponês se torna mais
facilmente dependente do capital. Cria-se, então, uma imagem do camponês como sendo o
“Jeca Tatu”. Em suas palavras:
[...] Os camponeses/as fazem parte deste processo marginal criado pela
ideologia dominante que criou determinadas representações simbólicas na
consciência destas populações rurais a fim de minimizá-las e atrelá-las ao
poder de classe. Para isso, utilizaram-se sempre arquétipos onde a figura do
homem e da mulher campesina era (se ainda não são?) os atrasados, os “fora
de lugar” Wanderley, (1997), os “Jeca Tatus” (Martins, 1975).
(NASCIMENTO, 2003, p. 3).
Esta trajetória de exclusão social que as populações moradoras do campo têm
vivenciado acaba por moldar a estrutura educacional, logo a escola para o campo não
consegue atender de maneira plena as necessidades de seus moradores, pois sempre foi uma
escola subordinada aos interesses dominantes. Uma escola adestradora e nunca emancipatória.
Vejamos nas palavras do autor: “[...] sempre se teve uma visão utilitarista da educação rural
reduzida à escolinha da roça isolada, [sempre] a serviço da classe dominante numa classe
multiseriada. [...]”. (NASCIMENTO, 2003, p. 4).
Por conseguinte, se faz necessário à construção de uma nova visão cerca do
ensino no campo, tendo em vista a necessidade de superação de um preconceito,
ideologicamente formalizado, de que a educação para as populações rurais não precisa ser de
boa qualidade, bastando às “primeiras letras”. Esta ideologia foi concebida a partir do
discurso dominante de que o camponês não necessita de saber ler, escrever, pensar ou refletir,
devido à natureza de seu trabalho “braçal”, logo, o pouco oferecido pelo Estado, aos
camponeses, é o suficiente. É, pois, este pensamento que domina os governos e a própria
produção acadêmica. Neste sentido, Arroyo (2004a, p.71) acrescenta:
[...] A imagem que sempre temos na academia, na política, nos governos é
que para a escolinha rural qualquer coisa serve. Para mexer com a enxada
não necessidades de muitas letras. Para sobreviver com uns trocados,
para não levar manta na feira, não necessidade de muitas letras. Em
nossa história domina a imagem de que a escola no campo tem que ser
apenas a escolinha rural das primeiras letras. A escolinha cai não cai, onde
uma professora que quase não sabe ler ensina alguém a não saber quase ler.
172
Apesar de todos os direitos educacionais conquistados, como “o direito de
todo cidadão a educação e o dever do Estado em ofertá-la”, o campo sempre esteve à margem
desses direitos, que ficaram apenas no nível abstrato, não alcançando às especificidades
necessárias a realidade do campo. É notável o avanço, a partir da cada de 1980, dos
investimentos em políticas públicas no setor educacional, contudo a educação oferecida aos
habitantes do campo continua se mostrando alheia a essas mudanças.
É curioso constatar que desde o início da década de 80 foi se afirmando na
sociedade brasileira o reconhecimento da educação como direito humano.
“Educação, direito de todo cidadão, dever do Estado” [...]. Entretanto, esse
grito não chegou ao campo. Os homens e as mulheres, as crianças, os
adolescentes ou jovens do campo não estavam excluídos desse grito, porém
não foram incluídos nele com sua especificidade. Conseqüentemente,
ficaram à margem. O direito à educação foi vinculado a uma concepção
abstrata de cidadania, e não fomos capazes de chegar à concretude humana
e social em que os direitos se tornam realidade. (ARROYO; CALDART;
MOLINA, 2004, p.10).
Concordamos com Arroyo, Caldart e Molina,
que persistem os problemas
educacionais no campo, situação que confirma a marginalização que continua sofrendo essa
parcela da sociedade. Persistem, atualmente, problemas educacionais seculares no campo
como...
[...] analfabetismo, crianças, adolescentes e jovens fora da escola, sem
escolas, defasagem idade-série, repetência e reprovação, conteúdos
inadequados, problemas de titulação, salários e carreira dos seus mestres. E
mostram um atendimento escolar reduzido a quatro primeiras séries do
ensino fundamental. Hoje temos ainda mais dados sobre esta realidade, e
eles apenas confirmam um tratamento desigual e discriminatório da
população do campo e a ausência de políticas públicas que alterem esta
situação perversa. (2004, p.10).
Por isso, nem os avanços das políticas públicas, nem os avanços científicos
pedagógicos, foram capazes de tirar o campo da exclusão educacional, pois as escolas do
meio rural continuam à margem do sistema educacional formal. Essas escolas sempre foram
tratadas como um elemento residual, não havendo, por isso, políticas que definissem os rumos
da construção de um sistema educacional no campo. A conseqüência dessa realidade é a
negação do direito ao acesso a uma Educação Básica pelos povos do campo. Segundo Arroyo,
Caldart e Molina, nem mesmo a pedagogia progressista conseguiu incluir os povos do campo
em sua especificidade territorial:
173
As políticas educacionais no Brasil padecem de uma indefinição de rumos.
E as políticas para campo ainda mais. A escola no meio rural passou a ser
tratada como resíduo do sistema educacional brasileiro e,
conseqüentemente, à população do campo foi negado o acesso aos avanços
havidos nas duas últimas décadas no reconhecimento e garantia do direito à
educação básica. O que acontece para que nem sequer o movimento
pedagógico progressista e o movimento docente tão politizado e as políticas
sociais mais inclusivas tenham chegado a incluir o povo do campo como
sujeito de direitos? (2004, p.10).
4.2 - A Educação do Campo: um projeto emancipatório construído em conjunto com os
sujeitos do campo
Lutar pela igualdade
sempre que as diferenças nos discriminem;
Lutar pelas diferenças
sempre que a igualdade nos descaracterize.
Boaventura de Souza Santos
...Dessa história
nós somos sujeitos
lutamos pela vida
pelo que é de direito
as nossas marcas
se espalham pelo chão
a nossa escola
ela vem do coração...
Gilvan Santos
71
[...] A Educação do Campo precisa pensar a educação do conjunto da
população do campo, mas seu projeto educativo está sendo construído
desde uma perspectiva de classe e desde a experiência política e
pedagógica dos movimentos sociais camponeses. Isso também é algo
inédito na história de nosso país, e é um traço de nossa identidade a ser
cultivado com muito cuidado. [...]. (CALDART, 2004, p.30).
Enquanto saber emancipatório, temos como nova linguagem educacional: a
“Educação do Campo”. Buscando superar as condições precárias educacionais, nas quais se
encontra o campo na atualidade “[...] os Movimentos Sociais do Campo inauguram uma nova
referência para o debate e a mobilização popular: Educação do Campo e não mais educação
rural ou educação para o meio rural”. (CALDART, 2005, p. 1, grifo nosso). uma grande
71
Música: A Educação do Campo. Cantares da Educação do Campo.
174
diferença ideológica presentes nestes dois projetos, que visam, assim, objetivos antagônicos,
ou seja, enquanto a Educação do Campo é um projeto que visa à emancipação, do outro lado,
a educação rural visa à domesticação.
A construção, desse novo projeto, está vinculada a entidades que desde 1998
se empenham na busca da construção e desenvolvimento desse projeto educacional
emancipatório:
[...] Surge assim, a Articulação Nacional Por Uma Educação Básica do
Campo, tendo como entidades promotoras a CNBB, o MST, a Unicef, a
Unesco e a UNB através do Grupo de Trabalho e Apoio à Reforma Agrária
(GTRA). Realizou-se em 1998, a conferência Nacional Por uma
Educação Básica do Campo, na cidade de Luziânia - GO. [...].
(NASCIMENTO, 2003, p. 6).
A Educação do Campo tem origem nos problemas enfrentados pelos
camponeses e, conseqüentemente, na busca de soluções por parte dos movimentos sociais do
campo para impedir que o capitalismo destrua o campesinato ou mantenha-os a margem da
sociedade. Possuímos uma realidade, hoje, de exclusão social dos moradores do espaço rural,
onde a prioridade dada ao agronegócio latifundiário exportador tem levado ao aumento da
pobreza das populações rurais.
Nesta perspectiva, existe uma carência de políticas públicas no espaço rural
que favoreçam seus moradores, entre elas, a educação. No entanto, os camponeses, por meio
dos movimentos sociais, estão lutando para garantir seus direitos e conseguir uma distribuição
de renda e terra mais justas. Lutando, também, por um novo projeto de campo que garanta
melhor qualidade de vida para seus moradores.
É nesse contexto de contradições e lutas para a superação dessas
contradições vividas no campo, que a educação origina-se como um fator de resistência para
auxiliar na luta de permanência e manutenção da reprodução do camponês enquanto classe
social.
Neste sentido, corroborando com nossa reflexão, buscamos em Caldart os
pontos principais que sustentam o nascimento desse projeto de luta Por Uma Educação do
Campo”:
Em resumo podemos dizer que no contexto originário da Educação do
Campo há como elementos principais: - o campo e a situação social objetiva
das famílias trabalhadoras nessa época: o aumento da pobreza, a degradação
da qualidade de vida, o aumento da desigualdade social, da exclusão; a
175
barbárie provocada pela implantação violenta do modelo, capitalista de
agricultura; - neste mesmo contexto a situação em relação à educação:
ausência de políticas públicas que garantam o direito à educação e à escola
para os Camponeses/trabalhadores do campo; - ao mesmo tempo
emergência de lutas e de sujeitos coletivos reagindo a esta situação social;
especialmente as lutas camponesas, e entre elas, a luta pela terra e pela
Reforma Agrária; - também o debate de uma outra concepção de campo e
de projeto de desenvolvimento que sustenta uma nova qualidade de vida
para a população que vive e trabalha no campo; - vinculadas ou não a estas
lutas sociais, a presença significativa de experiências educativas que
expressam a resistência cultural e política do povo camponês frente a
diferentes tentativas de sua destruição. (CALDART, 2005, p. 2).
A construção desse projeto educativo no campo nos faz perceber que o
campo está vivo e em constante movimento e que, dessa forma, além das reivindicações, por
parte dos movimentos sociais, por uma distribuição de terra e renda mais justa, existe uma
produção pedagógica, também, por parte destes sujeitos. Logo, o que se observa, hoje, é que
“[...] não no campo uma dinâmica social, ou movimentos sociais no campo, também há
um movimento pedagógico. [...]”. (ARROYO, 2004a, p. 68).
Por isso, a Educação do Campo parte da realidade, na qual os camponeses
estão inseridos, sendo que estes não são vistos como sujeitos passivos, mas como sujeitos
concreto-ativos que intervêm e modificam a realidade. Para que, dessa forma, auxiliem na
construção de uma educação voltada para a formação de seres humanos respeitando as
especificidades do campo. Segundo Caldart:
Nossa proposta é pensar a Educação do Campo como processo de
construção de um projeto de educação dos trabalhadores e das trabalhadoras
do campo, gestado desde o ponto de vista dos camponeses e da trajetória de
luta de suas organizações. Isto quer dizer que se trata de pensar a educação
(que é um processo universal) desde uma particularidade, ou seja, desde
sujeitos concretos que se movimentam dentro de determinadas condições
sociais de existência em um dado tempo histórico [...]. (2005, p. 1).
Trata-se de um projeto elaborado do ponto de vista dos povos do campo,
mais especificamente dos camponeses, mas que abrange todos os trabalhadores do campo. Por
isso, se faz necessário a participação política dos movimentos sociais, que constroem a
consciência política dos trabalhadores (sem terras, camponeses, assalariados do campo etc.).
Fazendo, segundo Caldart, um recorte de classe, contudo, sem esquecer-se da diversidade de
sujeitos e da universalidade da formação humana do projeto educativo:
176
A Educação do Campo assume sua particularidade, que é o vínculo com
sujeitos sociais concretos, e com um recorte específico de classe, mas sem
deixar de considerar a dimensão da universalidade: antes (durante e depois)
de tudo ela é educação, formação de seres humanos. Ou seja, a Educação do
Campo faz o diálogo com a teoria pedagógica desde a realidade particular
dos camponeses, mas preocupada com a educação do conjunto da
população trabalhadora do campo e, mais amplamente, com a formação
humana. [...]. (CALDART, 2005, p. 1).
Dessa forma, trata-se de “[...] construir uma educação do povo do campo e
não apenas com ele, nem muito menos para ele”. (CALDART, 2005, p. 1). Nesta concepção,
concordamos com Therrien apud Wizniewsky e Lucas, ([200?], p. 1) que a “[...] educação na
realidade camponesa se expressa não apenas no espaço escolar, mas nas diversas formas de
manifestação do movimento camponês”.
Podemos identificar as especificidades envolvidas na construção da educação
do povo do campo, descrita por Caldart, na canção composta por Gilvan Santos chamada
“Construtores do Futuro”:
Eu quero uma escola do campo
que tenha a ver com a vida, com a gente
querida e organizada
e conduzida coletivamente
Eu quero uma escola do campo
que não enxergue apenas equações
que tenha como “chave mestra”
o trabalho e os mutirões
Eu quero uma escola do campo
que não tenha cercas que não tenha muros
onde iremos aprender
a sermos construtores do futuro
Eu quero uma escola do campo
onde o saber não seja limitado
que a gente possa ver o todo
e possa compreender os lados
eu quero uma escola do campo
onde esteja o ciclo da nossa semeia
que seja como a nossa casa
que não seja como a casa alheia
72
A proposta dos trabalhadores rurais é de educar sujeitos históricos para
transformar a realidade, nesta direção o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra
apresenta uma proposta que se concretiza “na perspectiva ideológica dos trabalhadores rurais”
72
Cantares da Educação do Campo.
177
(BATISTA, 1995). Ou seja, da classe camponesa e dos assalariados do campo. Pois, a
intenção da Escola do Campo é educar para a emancipação.
Sendo assim, concordamos com Arroyo quando diz que a Educação do
Campo deve vir atrelada aos movimentos sociais, que por si já realizam um processo
educativo, pois constroem cultura, valores, atitudes, conscientização política etc., auxiliando
no processo de humanização desde a infância:
Estamos querendo vincular educação com o movimento social, o que
significa isso? Significa que acreditamos que a educação se tornará
realidade no campo somente se ela ficar colada ao movimento social. Mais
ainda, acreditamos que o próprio movimento social é educativo, forma
novos valores, nova cultura, provoca processos, em que, desde a criança ao
adulto, novos seres humanos vão se constituindo. (2004a, p.69).
Entendemos que os movimentos sociais estão construindo uma educação que
é o resultado de seu histórico de lutas, tendo como bandeira principal a conscientização
política, em oposição à prisão do pensamento hegemônico neoliberal. Construindo, assim, à
libertação de seus sujeitos e uma alternativa para a nossa sociedade, que não seja a economia
de mercado capitalista. Dito de outra forma:
[...] movimentos sociais do campo [...] estão construindo a história, a
memória e a educação a partir das experiências de lutas e a partir da
conscientização como ato de libertação desse cativeiro imposto pela
hegemonia neoliberal que apresenta o deus mercado como única via, única
alternativa. (NASCIMENTO, 2003, p. 7-8).
Isto que dizer que é necessário pensar que chegou a hora de ouvir os
habitantes do campo, que por muito tempo permaneceram no esquecimento por parte Estado e
da produção acadêmica. Por conseguinte, “[...] podemos perceber que o silenciamento e
esquecimento não têm mais sentido, e se torna urgente ouvir e entender a dinâmica social,
cultural e educativa dos diferentes grupos que formam o povo do campo [...]”. (ARROYO;
CALDART; MOLINA, 2004, p.8).
Dessa maneira, acreditamos que os camponeses possuem recursos importantes
para a construção do ensino rural, todavia esses recursos não são econômicos, são capitais de
outra natureza: humano, cultural e social. Neste sentido, como nos afirma Durston, a pobreza
material das comunidades do campo é superada pela riqueza de seus conhecimentos
empíricos, sua cultura e suas concepções paradigmáticas opostas a matriz
178
capitalista/moderna/eurocêntrica, por isso predomina na comunidade rural as relações de
cooperação em grupo, em oposição a competição e a exploração visando o acúmulo de
capital. Em suas palavras:
As comunidades rurais contam com importantes recursos, que podem ser à
base de aportes chaves para a melhoria do ensino rural, elas podem ser
pobres em capital material, mas dispõem de capital humano (como
conhecimentos formais e informais), de capital cultural (normas e visões de
mundo em constante evolução) e de capital social (relação social, relações
grupais de confiança e cooperação). Essas três formas de capital não
material podem apoiar a acumulação de capital humano formal no campo
pedagógico e na gestão, visando a uma comunidade educacional ampliada
(apud WIZNIEWSKY; LUCAS, [200?], p. 3-4).
Nesta direção, a Educação do Campo parte do princípio que o campo, mais
do que um espaço de produção, é, pois, um espaço de vida e que a melhoria na qualidade da
educação se faz de extrema importância. É importante destacar a ausência do Estado na
tentativa de resolver a precariedade educacional, na qual o campo esteve submetido. Nesta
perspectiva, Caldart (2005, p. 1) afirma que:
[...] o campo é espaço de vida digna e que é legítima a luta por políticas
específicas e por um projeto educativo próprio para seus sujeitos. Também
foram denunciados os graves problemas de falta de acesso e de baixa
qualidade da educação pública destinada à população trabalhadora do
campo. [...].
O objetivo será mais fácil de ser alcançado quando o educador pensar a
respeito do assunto e se inserir nesse processo de transformação, para que este não seja apenas
um ideário de educação, mas algo construído na prática coletiva. Pois, para Caldart, criar um
ideário de Educação do Campo não resolve os problemas da nossa realidade, contudo, o
projeto pode se tornar realidade quando os sujeitos, principalmente os educadores, entendem a
necessidade de mudança e, se dispõem a construir esse projeto, juntamente com os sujeitos do
campo. Em suas palavras:
Não se trata de “inventar” um ideário para a Educação do Campo; isso não
repercutiria na realidade concreta, que é a que nos interessa transformar, e
nem seria uma verdadeira teoria. O desafio que temos, enquanto sujeitos
que colocaram esta ‘bandeira em marcha’, é de abstrair das experiências,
dos debates, das disputas em cursos, em conjunto de idéias que possam
orientar o pensar (especialmente dos educadores) sobre a prática de
educação da classe trabalhadora do campo; e, sobretudo, possam orientar e
179
projetar outras práticas e políticas de educação. Por isso esse é um trabalho
que será tanto mais legítimo quanto realizado de modo coletivo [...].
(CALDART, 2005, p. 1).
É exatamente em função deste projeto que existe uma mobilização nas
diversas instâncias sociais para que esse problema se transforme em preocupação de todos
envolvidos no processo de ensino e aprendizagem. Para, deste modo, evidenciar que nos
últimos 20 anos o campo está se mobilizando e junto com ele também educadores se
sensibilizam e se juntam as causas camponesas nas diversas esferas, que é uma causa comum
a todos que desejam uma sociedade longe dos mecanismos de opressão.
Na verdade, a Educação do Campo é o resultado da construção de um “Novo
Campo” que apesar de se encontrar ainda excluído de políticas públicas que contemplem seus
moradores, está em constante movimento e esse movimento traz em sua trajetória a
consciência política de seus habitantes. Continuam, dessa maneira, produzindo cultura e
necessitando de uma escola que reflita essa nova dinâmica social produzida no campo
brasileiro. Dito de outra maneira: “[...] uma história tensa ainda a ser melhor contada. Nos
últimos vinte anos a sociedade aprendeu que o campo está vivo. Seus sujeitos se mobilizam e
produzem uma dinâmica social e cultural. A educação e a escola são interrogadas por essa
dinâmica. [...]”. (ARROYO; CALDART; MOLINA, 2004, p.9).
Por conseguinte, se faz necessário a produção de um novo referencial teórico
que compreenda esta nova dinâmica social produzida pelos povos do campo. Neste sentido,
ao professor responsável pelo trabalho de dirigir o processo de aprendizagem em sala de aula
deve estar integrado a essa nova maneira de conceber o ensino no campo, refazendo antigas
práticas e colocando-as em concordância com o momento atual vivido no campo:
[...] As universidades, os centros de pesquisa, se voltam sensibilizados para
produzir referenciais teóricos capazes de compreender a nova dinâmica do
campo brasileiro. Milhares de educadoras e educadores se mobilizam, se
reúnem, debatem, estudam e refazem concepções e práticas educativas em
escolas de comunidades camponesas, em escolas de família agrícolas, em
escolas dos assentamentos do Movimento dos Atingidos Pelas Barragens,
em escolas de assentamentos e de acampamentos do Movimento dos Sem
Terra, ou em escolas de comunidades indígenas e quilombolas. (ARROYO;
CALDART; MOLINA, 2004, p.9).
Com o objetivo de promover a cidadania dos moradores do campo, a
Educação do Campo, representa melhorias na qualidade de vida dos seus habitantes, tendo
como pressuposto o ideário da igualdade a partir da distribuição de terras e renda visando
180
auxiliar num desenvolvimento sustentável no campo. Nas palavras de Wizniewsky e Lucas
([200?], p. 1), a Educação do Campo, “[...] representa a plena cidadania, direito dos
camponeses e seus descendentes, que é fundamental para o desenvolvimento sustentável, uma
vez que prega a igualdade de direitos e a regular distribuição de riquezas e renda. [...]”.
Isto porque, a escola, envolve a família e a comunidade, podendo ser um
instrumento que aumente a qualidade de vida das comunidades rurais, fazendo com que o
educando, que vive nessa comunidade, se sinta valorizado e passe a dar maior importância na
sua relação com a terra:
[...] O ambiente escolar tem uma grande responsabilidade com o educando,
a família e a comunidade como um todo, que esta pode ser um veículo
fundamental para a melhoria da qualidade de vida das comunidades rurais.
Além disso, pode ser uma proposta de construção coletiva que aproxime o
homem da terra, incluindo-o em um projeto social, no qual o educando,
filho de agricultor, sinta-se valorizado e projete na sua vivência comunitária
um novo olhar sobre a terra - o desenvolvimento sustentável.
(WIZNIEWSKY; LUCAS [200?], p. 1).
A Educação do Campo, também, está relacionada com a busca do retorno a
original racionalidade produtiva camponesa, pois, esta foi substituída por uma matriz
dominante advinda da Revolução Verde que, por sua vez, intensificou o padrão tecnológico
em oposição à cultura camponesa, levando a exclusão social e a mercantilização das relações.
Além, dos impactos ambientais causados por esse modelo de produção importado que
provocou a degradação da nossa sociobiodiversidade no campo.
Isso acontece porque, sempre tivemos, no Brasil, um processo de
modernização do campo que ocorre de forma conservadora e excludente, desrespeitando a
história dos seus sujeitos e concebendo o espaço rural como se fosse apenas espaço de
produção e não como espaço de vida. Neste sentido, a hegemonia neoliberal e o padrão
produtivo da Revolução Verde tentaram destruir as formas tradicionais de produção dos
povos do campo que, por sua vez, tem como matriz das suas relações sociais a cooperação
entre as pessoas, ao invés da exploração visando o lucro e o acúmulo de capital.
O processo de modernização da agricultura brasileiro-conservadora, parcial,
excludente e insustentável, genericamente, chamado de “Revolução Verde”,
acelerou a exclusão social e a degradação ambiental no campo. Utilizou-se
do padrão tecnológico para romper com a cultura organizativa dos
agricultores. As famílias rurais integraram-se às novas formas de
racionalidade produtiva, por sua vez, mercantilizando a vida social e
181
fragilizando os processos cooperativos e solidários existentes no campo.
(WIZNIEWSKY; LUCAS, [200?], p. 2).
Este ideário conservador foi também a base na qual se desenvolveu a
educação do período colonial até hoje que, por sua vez, sempre sustentou a dominância da
elite, marcando a luta de classes no campo.
Por isso, a Educação do Campo é construída como uma forma de combate à
invasão do modo de produção capitalista no campo, pois o capitalismo, territorializado no
campo, significa o fim do campesinato enquanto classe e, logo, a sua proletarização. Dessa
maneira, a Educação do Campo é a oposição ao agronegócio, pois é formada pelos sujeitos da
resistência que esse modelo de desenvolvimento capitalista no campo quer expropriar.
A Educação do Campo se constitui a partir de uma contradição que é a
própria contradição de classe no campo: existe uma incompatibilidade de
origem entre a agricultura capitalista e a Educação do Campo, exatamente
porque a primeira sobrevive da exclusão e morte dos camponeses, que são
os sujeitos principais da segunda. [...]. (CALDART, 2005, p. 2).
4.3 - Pressupostos teórico-metodológicos que constroem a Educação do Campo
Assim como na proposta freireana de educação, busca-se uma metodologia
na Educação do Campo que seja construída a partir da realidade do aluno, desenvolvendo um
conhecimento “[...] onde todo o processo parte da realidade do educando/a, a fim de que se
possa construir uma educação realmente condizente com o mundo no qual estão inseridos”.
(NASCIMENTO, 2003, p. 1).
Segundo Miguel Arroyo (2004a, p.71), o que essa educação específica
pretende é “[...] captar a escola, a educação que está brotando, captar o que há de educativo no
conjunto de ações, gestos, lutas do movimento social do campo [...]”.
Como nos explica Caldart, para cumprir esse objetivo a Educação do Campo
tem como arcabouço teórico-pedagógico três bases principais, todas elas fundamentadas na
“[...] tradição pedagógica crítica, vinculada a objetivos políticos de emancipação e de luta por
justiça e igualdade social [...]”. (CALDART, 2005, p. 2).
A autora nos diz que a primeira concepção teórica, que fundamenta a
Educação do Campo, é o pensamento pedagógico socialista, este, baseia-se na crença da
possibilidade de construção de uma organização produtiva coletiva e, com isto, a edificação
do fim da exploração do ser humano e da acumulação do capital. Estabelece-se, dessa forma,
182
a relação entre educação e produção na perspectiva da organização do trabalho camponês.
Este pensamento apóia-se, também, nos estudos da psicologia sócio-cultural e de outras
ciências que buscam interpretar a realidade sob uma perspectiva crítica-humanística:
[...] a tradição do pensamento pedagógico socialista, que pode nos ajudar a
pensar a relação entre educação e produção desde a realidade particular dos
sujeitos do campo; também nos traz a dimensão pedagógica do trabalho e
da organização coletiva, e a reflexão sobre a dimensão da cultura no
processo histórico, e que podemos hoje combinar com algumas questões
específicas dos processos de aprendizagem e ensino que nos vêm de estudos
mais recentes da psicologia sociocultural e de outras ciências que buscam
compreender mais a fundo a arte de educar, dede uma perspectiva
humanista e crítica. (CALDART, 2005, p. 2).
A segunda referência teórica está fundamentada na Pedagogia Libertadora,
cujo principal teórico é Paulo Freire. Nesta perspectiva, a Educação do Campo procura
construir, na prática dos sujeitos do campo, a Pedagogia Libertadora como um processo
emancipatório das camadas populares, tendo os camponeses como sujeitos dessa
transformação. Pois, para Paulo Freire, o processo emancipatório deve ser construído pela
classe subalterna num processo de conscientização política, que transpõe os muros da escola.
Logo, Caldart, considera a Educação do Campo como a realização prática da Pedagogia
Libertadora. Em suas palavras:
A segunda referência para esta interlocução é a Pedagogia do Oprimido
[Libertadora] e toda a tradição pedagógica decorrente das experiências da
Educação Popular, que incluem o diálogo com as matrizes pedagógicas da
opressão (a dimensão educativa da própria condição de oprimido) e da
cultura (cultura como formadora do ser humano), especialmente em Paulo
Freire. A Educação do Campo talvez possa ser considerada uma das
realizações práticas da pedagogia do oprimido, à medida que afirma os
pobres do campo como sujeitos legítimos de um projeto emancipatório, e
por isso mesmo, educativo. (CALDART, 2005, p. 2).
A terceira referência teórica é a Pedagogia do Movimento, que está inter-
relacionada com as propostas anteriores, porém caminha junto com os movimentos sociais e
nasce junto com a Educação do Campo. Seria um diálogo com as duas possibilidades
anteriores, mas já acontecendo na prática com os sujeitos do campo, nos movimentos sociais.
Ou seja, é um referencial que surge inerente a Educação do Campo, construída por essa
educação e, ao mesmo tempo, para essa educação e, dessa maneira, sua construção se dá no
mesmo tempo histórico da Educação do Campo. É a primeira vez que ocorre a concepção
183
formal das experiências dos movimentos sociais como sendo experiências educativas, com
possibilidades de serem inseridas na educação formal. Neste sentido, Caldart afirma:
E a terceira referência pedagógica para a Educação do Campo vem de uma
reflexão teórica mais recente, que estamos chamando de Pedagogia do
Movimento, e que também dialoga com as tradições anteriores, mas se
produz desde as experiências educativas dos próprios Movimentos Sociais,
e em especial dos Movimentos Sociais do Campo. Trata-se de uma matriz
pedagógica cuja constituição teórica se no mesmo tempo histórico da
Educação do Campo. Podemos dizer então que se trata de um diálogo que
ao mesmo tempo será formulação de suas concepções e de seus
desdobramentos práticos. (CALDART, 2005, p. 2).
Para Nascimento, podemos nomear a pedagogia que oferece sustentação
teórica à proposta de Educação do Campo de Pedagogia da Resistência, pois tem como
concepção teórica a necessidade de resistência a hegemonia neoliberal que a educação
brasileira reproduz:
[...] uma proposta diferenciada e alternativa que se constitui no universo
pedagógico como sendo uma pedagogia da resistência cultural em relação à
forte hegemonia neoliberal presente na educação brasileira, principalmente,
a partir da década de 90 em diante. (NASCIMENTO, 2003, p. 1).
Nessa perceptiva, Nascimento explica que essa intencionalidade de se
produzir uma Educação do Campo possui raízes antigas, pois, desde 1935, na França, busca-
se relacionar a realidade do campo, na qual os educandos estavam inseridos, com os
conhecimentos pedagógicos e científicos. Essa tentativa resultou em uma concepção
pedagógica denominada de Pedagogia da Alternância. Neste sentido, Nascimento conta como
foi construída essa concepção pedagógica, que alterna entre dias de família e propriedade e
dias de escola e aprendizagem:
A Pedagogia da Alternância surge na França em 1935 a partir do encontro
de um agricultor com um padre que veio a se comover com a falta de
condições dos jovens e crianças da roça sem poderem estudar já que o
Estado não tinha política voltada para esta especificidade. Ocorreu que se
pensou em formar uma escola que viesse ligar o trabalho, a vida e a cultura
do campo como conhecimento científico e escolar. Com isso, nasce a
Pedagogia da Alternância que como o próprio nome diz, alternam-se os
dias família e propriedade e os dias escola e aprendizado. [...]
(NASCIMENTO, 2003, p. 8, grifo nosso).
184
Por isso, a Pedagogia da Alternância conseguiu unir a vida com a educação,
que são duas concepções inerentes ao ser humano, mas que encontra-se dicotomizada em
nossa sociedade atual pela elite que pensa a educação formal. Logo, esse é o mérito dessa
concepção pedagógica, relacionar a ciência com as relações sociais produzidas pelos
educandos. Dito de outra maneira:
Unem-se assim dois universos que até hoje estão separados e antagonizados
pelos tecnocratas das secretarias de educação que pensam o sistema de
ensino. O universo de trabalho, da família, da comunidade, da prática, dos
costumes, da realidade, do ethos e da moral local com o universo do
conhecimento, da ciência, da teoria. (NASCIMENTO, 2003, p. 8).
Atualmente, existem várias escolas que funcionam tendo como
pressupostos teóricos a Pedagogia da Alternância, são...
[...] os CEFFAs (Centros de Formação Familiares em Alternância) que
compreendem, no Brasil, três experiências significativas, que são: as EFAs
(Escolas Familiares Agrícolas), as CFR (Casas Familiares Rurais) e as ECR
(Escolas Comunitárias Rurais) que estão unidos em torno de uma mesma
pedagogia, a saber: a Pedagogia da Alternância. (NASCIMENTO, 2003, p.
8).
Dessa forma, as EFAs vêm contribuindo para uma transformação social
através da educação, partindo-se da realidade na qual estão inseridos os camponeses, ou seja,
sua vida na família e na comunidade. Buscando construir nos educandos o processo dialético
de reflexão - ação - transformação. Procuram, dessa maneira, combater o empobrecimento a
que está submetido os moradores do campo e, logo, diminuir o êxodo rural:
[...] As EFAs querem proporcionar aos jovens do meio rural uma
possibilidade de educação a partir da sua realidade, da sua vida familiar e
comunitária e das suas atividades. Isto é feito procurando desencadear junto
aos jovens um processo de reflexão e ação que possa transformar essa
mesma realidade.
[...] as EFAs pretendem formar lideranças para o meio rural, contribuindo
para a diminuição do empobrecimento da população rural e, assim, diminuir
o êxodo rural. (NASCIMENTO, 2003, p. 9).
Essas escolas têm como pressupostos teórico-metodológicos a Pedagogia da
Alternância que, por sua vez, usa como metodologia o concreto e a realidade local como
ponto de partida. Utiliza-se ainda do método indutivo, todavia tendo em vista uma
185
transformação global, isto é, visa à transformação da sociedade como um todo apesar de
começar pela reflexão e ação na sua realidade local:
O objetivo das EFAs é proporcionar aos jovens do meio rural uma educação
a partir da sua realidade, da sua vida familiar e comunitária e das suas
atividades. Isso se faz possível através da Pedagogia da Alternância. Esse
projeto educativo contribui para uma experiência pessoal, proporcionando
uma base de informação, partindo sempre do concreto para o abstrato
(método indutivo), do prático para o teórico, do contexto sócio-político,
econômico e cultural, do local para o global. O partir da realidade não
significa apenas método entre as quatro paredes das Escolas, mas uma
opção política, um compromisso de transformação do meio e da sociedade
como um todo. (NASCIMENTO, 2003, p. 9-10).
Portanto, com base no que já discutimos anteriormente, a educação não
ocorre apenas dentro da escola, primeiramente ela parte, de maneira informal, do meio onde o
educando se relaciona. Isto quer dizer que, ela acontece antes, durante e depois de sua
passagem pela educação formal, pois a construção do processo educativo começa a partir do
relacionamento com sua família e com sua comunidade.
Sendo assim, a alternância tem como significado principal, a rotatividade
entre os territórios, onde o processo educativo se desenvolve, isto é, inicia-se na família e na
comunidade, que representa a realidade nas quais os educandos estão inseridos. Passa, num
segundo período, pela educação formal, onde se realiza a reflexão e instrumentalização
científica do aluno, para que possa pensar a sua realidade. E, termina, em sua práxis na
comunidade como agricultor e/ou membro dos movimentos sociais. Nas palavras de
Nascimento:
Alternância significa o processo de ensino-aprendizagem que acontece em
espaços e territórios diferenciados e alternados. O primeiro é o espaço
familiar e a comunidade de origem (realidade); em segundo, a escola onde o
educando/a partilha os diversos saberes que possui com os outros atores/as e
reflete-se sobre eles em base científicas (reflexão); e, por fim, retorna-se a
família e a comunidade a fim de continuar a práxis (prática + teoria) seja na
comunidade, na propriedade (atividades de técnicas agrícolas) ou na
inserção em determinados movimentos sociais. (NASCIMENTO, 2003, p.
1-2).
186
4.4 - Educação do Campo: um direito assegurado pela lei
Não vou sair do campo
Pra poder ir pra escola
Educação do campo
É direito e não esmola
O povo camponês
O homem e a mulher
O negro quilombola
Com seu canto de afoxé
Ticuna, Caeté
Castanheiros, serigueiros
Pescadores, posseiros
Nesta luta estão de pé
Cultura e produção
Sujeitos da cultura
Nossa agricultura
Pro bem da população
Construir soberania
Pra viver o novo dia
Com mais humanização.
Quem vive na floresta
Dos rios e dos mares
De todos os lugares
Onde o sol faz uma fresta
Quem a sua força empresta
Nos quilombos nas aldeias
E quem na terra semeia
Venha aqui fazer a festa
Gilvan Santos
73
Falar em política pública da Educação do Campo é equacionar novas
posturas, novas estratégias, novas diretrizes e, sobretudo, novas bases
capazes de alicerçar o que o velho tratamento nunca garantiu: a educação
como direito dos povos do campo. (ARROYO, 2004b, p.100).
Podemos notar que, teoricamente, no nível das políticas públicas, houve
avanços importantes com relação à Educação do Campo, isto porque “Com a aprovação do
texto final da LDB (Lei nº. 9.294/96), a educação rural, ganhou um artigo especial que
deveria ser transformado nas diversas realidades [...]”. (NASCIMENTO, 2003, p. 4).
Nesta direção, nessa luta por políticas públicas específicas para a Educação
do Campo e por um projeto educativo próprio, ocorreram alguns avanços conquistados
73
Música: Não vou sair do campo. Cantares da Educação do Campo.
187
pelos movimentos sociais do campo, tais como: “[...] a aprovação das “Diretrizes
Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo” (Parecer no 36/2001 e
Resolução 1/2002 do Conselho Nacional de Educação)”. [...]. (CALDART, 2005, p. 1).
Os movimentos sociais e sindicais do campo vêm aumentando as
reivindicações acerca da necessidade da criação de políticas públicas para a construção de
uma educação que satisfaça as reais necessidades dos habitantes do campo, pressionando,
assim, por ações nas esferas municipais, estaduais e, até mesmo, no governo federal.
[...] Outra conquista importante está sendo à entrada da Questão da Educação
do Campo na agenda de luta e de trabalho de um número cada vez maior de
movimentos sociais e sindicais de trabalhadores e trabalhadoras do campo, o
que vem pressionando sua inclusão na agenda de alguns governos municipais,
estaduais e também na agenda do governo federal. (CALDART, 2005, p. 1).
Nesta perspectiva, entendemos como parte importante desse processo de
construção de uma Educação do Campo, a necessidade de luta para que a lei das
especificidades do ensino rural seja cumprida, e que a educação seja sinônima de
transformação social por meio de políticas públicas. Pois, segundo a LDB (Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional), Art. 28:
Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de ensino
promoverão as adaptações necessárias às sua adequação às peculiaridades
da vida rural e de cada região, especialmente:
I - conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades
e interesses da zona rural;
II - organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar,
às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas;
III - adequação a natureza do trabalho rural.
A importância dessa lei está relacionada a uma questão fundamental que é a
existência de uma enorme diferença entre as atividades econômicas rurais e as atividades
econômicas urbanas, pois estas não acompanham o mesmo calendário. Logo, quando os
alunos da área rural estudam na área urbana, eles são prejudicados. É preciso de uma
educação que respeite essas diferenças, pois na agricultura familiar “[...] os trabalhadores
rurais necessitam dos filhos nas safras, momento em que os retiram da escola, sendo um dos
itens causadores da evasão escolar no campo”. (BATISTA, 1995, p.6).
Por isso, existe a necessidade na Educação do Campo de obedecer a um
calendário específico, visto que o trabalho agrícola é sazonal e necessita de “[...] um
188
calendário especial diferente do calendário urbano. Pois, no meio rural, a criança é solicitada a
esta necessidade econômica específica do campo; a lei prevê férias concomitantes com as
safras para não haver prejuízo de nenhuma parte. Isso se explica por ser o trabalho agrícola
sazonal”. (BATISTA, 1995, p. 6).
Quanto ao cumprimento da lei, no que diz respeito aos “conteúdos
curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses da zona rural”, se
faz necessário que façam parte do currículo do ensino rural conteúdos com “[...] exercícios
práticos nas áreas de conhecimentos necessários ao meio rural como a agricultura, a
administração, a contabilidade e outros” (MORISSAWA apud WIZNIEWSKY; LUCAS,
[200?], p. 6).
Tendo em vista que na área rural existem particularidades e leis próprias nas
suas relações de trabalho, além de valores culturais diferenciados. Nas palavras de
Wizniewsky e Lucas: “[...] particularidades que a envolvem, bem como a sua dinâmica
peculiar; considerando que o universo rural possui ‘Leis’ próprias na conjugação do trabalho e
da produção, além da coexistência de valores culturais e de competências específicas dos seus
membros [...]”. ([200?], p. 5).
Portanto, o currículo deve apresentar conteúdos que façam com que esses
agricultores saibam: Onde é melhor para plantar? Quanto gastará para produzir? Quanto
ganhará com resultado das produções? Quanto lhes sobrará efetivamente? (LIMA apud
WIZNIEWSKY; LUCAS, [200?]). Para que possam fazer de sua vida cotidiana, elemento de
aprendizagem.
Dessa forma, a proposta de Educação do Campo é de um ensino que
contenha “[...] conteúdos gerais, trabalhados com a realidade rural, não contendo somente
conteúdos urbanos, que acabam estimulando à cidade, pois enfatizam que na cidade é melhor
de se viver e de conseguir emprego, moradia, meios de transporte, saúde e escola”. (LUCAS
apud WIZNIEWSKY; LUCAS, [200?], p. 6).
Contudo, apesar dos avanços da lei, detectamos nesse discurso algumas
limitações. Exemplo disto é a desconsideração existente em relação à educação informal,
afirmando que a única forma de educação que existe é aquela praticada na escola, por um
sistema formal de ensino. Porém, como vimos anteriormente, essa não é a única forma de
produção de educação e, segundo Brandão (1988), talvez nem seja a melhor. Corroborando
neste sentido, Nascimento nos afirma que as construções simbólicas dos habitantes do campo
devem ser consideradas no processo educativo:
189
O Art. 28 da LDB apresenta um tom limitado. O primeiro problema a ser
detectado refere-se à concepção de educação reduzida à escola. O discurso
da LDB limita a educação aos espaços do Muro escolar, ou seja, se a
criança/adolescente/jovem está dentro dos muros é um ser que aprende já se
estiver fora dele estará condenado a um processo de deseducação. No meio
rural existem apresentações simbólicas incutidas na memória coletiva das
comunidades que deveriam ser respeitadas e entendidas como processos de
construção de saberes cuja forma está intrinsecamente, associada à
educação. (2003, p. 5).
Outra questão a ser mencionada, no qual nos encontramos incluídos porque
a escola onde nossa pesquisa foi realizada é uma escola municipalizada, diz respeito à
crescente desarticulação da educação com a realidade camponesa, após a municipalização das
escolas. As secretarias municipais não entendem o processo de resistência cultural como
importantes no processo educativo e optam em transportar os alunos da área rural para a
cidade. São viagens, na maioria das vezes, cansativas que acabam desestimulando o aluno a
aprender. Pois, o aluno, além de trabalhar com a família, ainda tem que enfrentar a jornada da
viagem para a escola
74
.
Com a LDB, as responsabilidades da educação, em nível Fundamental e, são
divididas, cabendo ao município a responsabilidade do Ensino Fundamental. Dessa forma, as
secretarias municipais encontram uma facilidade maior de organização, concentrando todos os
alunos do município no espaço urbano, negando, dessa maneira, o direito desses alunos as
especificidades territoriais/educacionais garantidas pela lei. Portanto, nega-se, assim, a
possibilidade de construção de uma identidade de classe, material e simbólica, que permita a
produção/reprodução do espaço camponês. Nas palavras de Nascimento:
No texto apresenta-se somente a oferta de educação básica, ou seja, ensino
fundamental e ensino médio. O problema se encontra no fato de que depois
da municipalização do ensino fundamental houve uma espécie de ruptura
das ações conjuntas entre Estado, agora responsável pelo ensino médio, e o
município. Assim, com a municipalização do ensino fundamental fica mais
claro o processo de extinção das escolas no campo. As Secretarias
Municipais de Educação preferem transportar as crianças e adolescentes
para a cidade do que criar e pensar uma política educacional que venha fixar
a criança em seu meio para assim assimilar os votos, a memória e a cultura
da qual pertence. Com a municipalização a velha prática de adestramento e
domesticação retorna como catequização forçada para impedir com que os
camponeses/as criem uma identidade de classe.
(2003, p. 5).
74
Poderemos confirmar essa questão, quando tivermos contato com as falas dos sujeitos/educandos do campo.
190
4.5 – A Educação do Campo: uma forma de resistência do campesinato à expropriação e
ao êxodo rural
Figura 01 - Charge sobre o êxodo rural
Fonte: BERALDI, Márcio apud LUCCI, E.A.; BRANCO, A. L., 2003, p.201.
A cada dia as antigas e rígidas características utilizadas para diferenciar o
rural e o urbano vêm diminuindo, pois a indústria está presente nos dois espaços. Da mesma
forma, o trabalhador assalariado reside na cidade, mas, muitas vezes, trabalha como bóia-fria
no campo. Essas novas relações dão origem ao que Oliveira vai denominar de unidade
dialética ou contraditória, entre o rural e o urbano. Isto quer dizer que as diferenças das
atividades econômicas existentes entre a cidade e o campo, ou seja, indústria e agricultura,
hoje estão sendo superadas. É uma ligação dialética, portanto, combinada e contraditória. Em
suas palavras:
O processo contraditório e desigual de desenvolvimento da agricultura,
sobretudo pela via da industrialização, tem eliminado gradativamente a
separação entre a cidade e o campo, entre o rural e o urbano, unificando-os
numa unidade dialética. Isto quer dizer que campo e cidade, cidade e
campo, formam uma unidade contraditória. Uma unidade em que a
diferença entre os setores da atividade econômica (a agricultura, a pecuária
e outros, de um lado, a indústria, o comércio etc. do outro) vai sendo
soldada pela presença, na cidade, do trabalhador assalariado (bóia-fria) do
campo. Aliás, as greves dos trabalhadores do campo são feitas nas cidades.
Pode-se verificar também que a industrialização dos produtos agrícolas
pode ser feita no campo com os trabalhadores das cidades. reside um
ponto importante nas contradições do desenvolvimento do capitalismo, tudo
indicando que ele mesmo está soldando a união contraditória que separou
no início de sua expansão: a agricultura e a indústria; a cidade e o campo.
(OLIVEIRA, 1999, p. 103-104).
Este processo pode dar-se de duas formas: quando o agronegócio invade o
espaço rural, ele pode monopolizar o território, sem expropriar o camponês, ou pode, por
outro lado, territorializar-se no espaço rural, expropriando o camponês e expulsando-o para a
191
cidade
75
. É, pois, na territorialização do capital que ocorre o êxodo rural. Sendo assim, a
territorialização do capital monopolista ocorre quando na usina, por exemplo, de açúcar ou
álcool, o capitalista é proprietário da indústria, da terra e da produção agrícola
simultaneamente. Ou seja, “[...] capitalista da indústria, proprietário de terra e capitalista da
agricultura têm um nome, são uma só pessoa ou uma só empresa. Para produzir, utilizam o
trabalho assalariado dos bóias-frias que moram nas cidades”. (OLIVEIRA, 1999, p. 105).
Esse processo de expropriação camponesa e territorialização do capital no
campo têm levado a um aumento populacional nas cidades e um esvaziamento do campo. Isto
quer dizer que hoje a maioria da população brasileira reside no espaço urbano. “[...] Conforme
[IBGE, 2000], aproximadamente 82% dos brasileiros vivem em cidades e outros núcleos
urbanos (povoados e vilas). [...]”. (LUCCI; BRANCO, 2003, p.96).
Dois fatores combinados simultaneamente, a partir da década de 1960, foram
responsáveis para que o processo de êxodo rural se desencadeasse: “ao mesmo tempo, o
processo de mecanização e a concentração da propriedade rural nas mãos de poucas pessoas
contribuíram para a diminuição das oportunidades de trabalho no campo, ocasionando a
expulsão do trabalhador rural”. (LUCCI; BRANCO, 2003, p.97).
O processo de mecanização do campo, que se inicia na década de 1960, obteve
o nome de revolução verde. Um modelo “estadunidense” de produção agrícola que prometia
um novo modo de produção de alimentos e, que, essa nova forma de produzir, acabaria com a
fome no planeta terra (GORGEN, 2004).
Este processo veio aliado a um processo de industrialização brasileira, a partir
dos anos 1940, onde houve, num primeiro momento, um crescimento da oferta de trabalho nas
cidades. (LUCCI; BRANCO, 2003). Todavia, essa urbanização capitalista acelerada
desencadeou vários problemas urbanos como desemprego, violência e favelização, entre
outros problemas. Contando com uma quantidade exorbitante de pessoas sem acesso a
moradia por falta de recursos financeiros e que não são atendiadas pelo Estado capitalista
76
.
A terra como mercadoria, a concentração fundiária negando o acesso do
camponês a “terra de trabalho”, associada à constante mecanização do campo, se constituem
em um modelo de capitalismo excludente, provocador do êxodo rural, que tem seu ápice em
dois períodos.
75
Discutimos esse assunto no capítulo a respeito da questão agrária.
76
Como é o caso, por exemplo, de São Jodos Pinhais, no estado do Paraná, onde sua população em 30 anos
passou de 21 mil para 200 mil habitantes (1999), tendo 5.800 famílias cadastradas na Prefeitura aguardando uma
casa. Além da violência e os problemas ambientais que surgiram na cidade (LUCCI; BRANCO, 2003).
192
O primeiro período é com lei de terras de 1850
77
que torna a terra mercadoria
e impede o acesso expulsando os pobres, sobretudo imigrantes, e os negros libertos para as
cidades. Nesse período, começa a se desenvolver as periferias e as favelas nas principais
capitais da época.
O segundo período excludente é a partir do processo de industrialização
nacional, sobretudo nas décadas de 1950 e 1960, depois reforçados com a revolução verde,
que trazia o mito do desenvolvimentismo. Este processo de industrialização/urbanização
trouxe camponeses de diversas regiões, mas principalmente da região Nordeste para a região
Sudeste. Estes sonhavam com novas perspectivas de vida, visto que à agricultura camponesa
não havia nenhum incentivo do Estado, pois sempre foi importante para o governo brasileiro a
produção latifundiária de monoculturas ou de pastagens para o gado. Na região Nordeste
dominava as oligarquias rurais, que sempre impuseram seu poder coercitivo ou poder de
direito
78
sobre os povos do campo. Tudo isso fez com que o êxodo rural aumentasse.
Corroborando com essa análise, Nascimento (2003, p. 4) escreve:
[...]. Dois períodos marcam o êxodo rural no Brasil, que são: o primeiro,
com a Lei de Terras de 1850 que serviu para impedir com que os pobres e,
em 1888, os negros libertados tivessem acesso a terra o que originou uma
grande massificação e o surgimento das primeiras periferias nas cidades
como Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, São Luís e Recife; o segundo
momento se deu na década de 50 e 60 com o famoso mito do
desenvolvimento econômico. Baseando-se na categoria do progresso e no
desenvolvimento sócio-econômico do país, buscou-se nos interiores a mão-
de-obra tão necessária para a construção civil (como por exemplo, a
construção de Brasília), as indústrias e o comércio. Muitos/as
desembarcaram nas grandes cidades provenientes do sul e do norte, mas
principalmente, do nordeste brasileiro com o sonho de melhorar as
perspectiva de vida, que no campo as condições eram subumanas porque
o sistema de agricultura se baseava no paradigma patronal e capitalista onde
só sobrevivem os que têm grandes extensões de terra. Este capitalismo
chamado por alguns de selvagem gerou conseqüências para o homem e
mulher proveniente do campo.
Segundo Wizniewsky e Lucas, a partir da concretização da proposta de uma
Educação do Campo é possível superar, parcialmente, a desigualdade existente entre espaço
rural versus espaço urbano. Pois, com a construção de um equilíbrio socioeconômico entre
esses dois espaços e, em conjunto com uma educação que trabalhe as especificidades do
77
Discutimos esse assunto no capítulo a respeito da questão agrária.
78
Discutimos este assunto no capítulo a respeito da questão agrária.
193
campo auxiliando na construção da valorização desse espaço, é possível superar as
disparidades socioeconômicas e extinguir os preconceitos existentes em nossa sociedade
capitalista:
[...] trabalhar com as suas especificidades. O rural e o urbano possuem
formas de vida diferenciadas, à medida que essas forem sendo trabalhadas,
a tendência de superar as diferenças entre o campo e a cidade,
extinguindo as discriminações e preconceitos próprios do tipo de estrutura
social capitalista, vigente, entre nós [...]. ([200?], p. 5, grifo nosso).
Nesta direção, concordamos com Wizniewsky e Lucas ([200?], p. 6) quando
afirmam que “[...] a construção dialógica não valorizará a cultura da zona rural como
também possibilitará o aprofundamento das relações locais e globais”. Logo, a Educação do
Campo não significa o isolamento dos seus sujeitos, mas a valorização do seu território e do
seu modo de vida, para que possa se relacionar em igualdade com outros territórios e outras
territorialidades
79
. Estabelecendo, assim, com esses territórios relações que auxiliem em seu
desenvolvimento, ao contrário do que acontece atualmente na relação campo-cidade, que leva
a destruição de sua vida e de sua cultura, em nome do desenvolvimento urbano-capitalista e
do agronegócio. Atualmente, o urbano ocupa uma posição privilegiada em detrimento do rural
e, conseqüentemente, o espaço rural acaba ocupando uma posição de inferioridade e
subordinação material e cultural com relação ao urbano.
Neste sentido, a proposta de Educação do Campo não é a de esquecer os
problemas urbanos que, em sua essência, se relacionam com os problemas rurais, haja vista
que o espaço é uma totalidade e, conseqüentemente, está subordinado a mesma estrutura
econômico-social, ou seja, o modo de produção capitalista. Mas, é preciso superar “[...]
aquela visão de jeca, aquela visão que o livro didático e as escolas urbanas reproduzem
quando celebram as festas juninas [...]”. (ARROYO, 2004a, p.81).
É necessário construir outra imagem dos moradores rurais, pois infelizmente
apesar destes se encontrarem em uma fase extremamente desenvolvida de consciência
política, continuam sendo vistos como “inocentes”, despolitizados, alienados etc., pela
população urbana e, conseqüentemente, pela escola urbana.
79
[...] a territorialidade adquire um valor bem particular, pois reflete a multidimensionalidade do “vivido”
territorial pelos membros de uma coletividade, pelas sociedades em geral. Os homens vivem, ao mesmo tempo, o
processo territorial e o produto territorial por intermédio de um sistema de relações existenciais e/ou
produtivistas. [...]. (RAFFESTIN, 1993, p. 159).
194
O que vemos acontecendo, hoje, é uma escola, mesmo que seja no campo,
trabalhando a partir de uma lógica de dominação do espaço rural pelo espaço urbano e,
conseqüentemente, não relaciona a educação com a vivência do aluno. Dito de outra maneira,
“[...] a escola do campo hoje é um espaço onde se reproduzem na maioria das vezes dinâmicas
mais próximas das vivências e ambiências urbanas, o que leva o ensino rural ao desencontro
dos anseios e necessidades das comunidades escolares”. (WIZNIEWSKY; LUCAS, [200?], p.
1).
Para Arroyo, muitos dos conteúdos ensinados na escola urbana são inúteis e
alienantes, sem função social nenhuma, principalmente, aos camponeses. Segundo Arroyo,
nem todos os saberes sociais existentes se encontram vinculados ao sistema de ensino formal.
Ou seja, pensando a educação como um processo de humanização, muitas das práticas
existentes nos movimentos sociais podem ser considerados saberes sociais, pois visam à
democratização das relações existentes, enquanto que muitos dos conteúdos curriculares,
presentes no sistema de ensino formal, estão relacionados à reprodução do discurso
neoliberal. Em suas palavras:
[...] Alerto a vocês para uma coisa: nem todos os saberes sociais estão no
saber da escola, nem tudo que está no currículo urbano é saber social. Logo,
não tem que chegar à escola do campo. Cuidado, muitos saberes
escolares nos programas que são inúteis! Totalmente inúteis, alienantes, que
não acrescentam nada em termos de democratizar os saberes socialmente
construídos. [...]. (2004a, p.81).
Segundo Wizniewsky e Lucas, essa educação reprodutora, e ideologicamente
valorizadora do espaço urbano, em oposição ao espaço rural, possui essas características
porque a educação formal, após a revolução industrial, sempre esteve voltada para atender as
necessidades de mão-de-obra do capital urbano. Por isso, não se tem uma preocupação, por
parte das autoridades competentes, em se pensar uma educação do ponto de vista dos povos
do campo. Pois essa concepção pedagógica não é, mercadologicamente, interessante ao
capital, ou seja, construir uma educação que atenda as necessidades do camponês e que
contribua para a reprodução do campesinato enquanto classe não favorece ao capitalismo,
uma vez que este necessita do ser humano como mão-de-obra para o capital
80
.
80
A não ser nos casos em que o capitalista se apropria de sua renda e do produto do seu trabalho, sendo este
processo denominado por Oliveira (1999) de monopolização do território pelo capital monopolista, assunto que
explicamos no capítulo acerca da questão agrária.
195
O Brasil sempre preparou o educando para ser um trabalhador urbano, seja
ele um morador do campo ou da cidade, isto explica a grande quantidade de cursos
profissionalizantes no período da segunda revolução industrial. E, hoje, na terceira revolução
industrial, não é diferente haja vista o grande número de cursos superiores que visam apenas à
reposição de mão-de-obra qualificada no mercado. Portanto, todo sistema educacional
brasileiro se construiu com a intenção de propagação da ideologia do capital urbano-
industrial.
O sistema educacional nunca teve como preocupação fomentar políticas
educacionais humanizadoras que atendessem as necessidades do campo.
Não obstante, a escola brasileira desenvolveu-se voltada ao sistema como
um todo, tendo em sua base uma estrutura urbana. Os objetivos dessa
educação estavam baseados no atendimento ao mercado, com a criação de
cursos profissionalizantes com formação técnica, visando atender as
necessidades do capital. (WIZNIEWSKY; LUCAS [200?], p. 3).
Batista, corroborando nessa análise, afirma que por causa dessa concepção de
educação sempre se produziu uma educação voltada para preparar pessoas úteis ao modelo de
produção industrial urbano, ou seja, mão-de-obra qualificada para a cidade. O resultado dessa
pedagogia ideológica urbana é que a educação foi auxiliar nesse processo de expropriação do
camponês e, conseqüentemente, sua proletarização, situação que contribuiu para a segregação
socioespacial urbana, pois os camponeses expropriados residem, na maioria das vezes, nas
áreas periféricas das cidades
81
.
É nessa perspectiva que foi construída a educação rural, que é a antítese da
Educação do Campo proposta aqui. A educação rural é comprometida com as classes
dominantes, o latifúndio, a revolução verde
82
, as oligarquias rurais, o agronegócio exportador
etc. Preparou o camponês de uma forma domesticadora, alienante e ensinou a subordinação ao
capital, pois nunca o instrumentalizou para a libertação deste modelo socioeconômico de
produção.
A educação rural preparou os camponeses para o processo de subordinação
ao modelo capitalista adotado no país, ou expulsou os trabalhadores rurais
81
Tendo em vista que nestes locais, os terrenos e as casas são mais baratos e, muitas vezes, são casas construídas
pelo Estado em projetos como o CDHU, onde o Estado se torna um promotor imobiliário.
82
Modelo capitalista estadunidense de desenvolvimento no campo. Este modelo privilegia o agronegócio
latifundiário exportador, foi implantado no Brasil, violentamente, no período da ditadura militar. Como já
expomos a respeito desse assunto no capítulo acerca da questão agrária.
196
através da modernização e expropriação camponesa, fazendo-os buscarem
novas fronteiras agrícolas ou participaram do êxodo para áreas suburbanas
das cidades, constituindo-se em bóias-frias. (BATISTA, 1995, p.13).
Por isso, apesar de no Brasil desenvolver-se muito tempo reflexões a
respeito da educação no meio rural, esta não era pensada a partir do ponto de vista do
campesinato e dos seus movimentos sociais. Logo, essas práticas nunca demonstraram “[...]
uma contribuição para diminuir o êxodo rural, porque não considera a prática dos agricultores
como um valor cultural do local [...]”. (SACHS apud WIZNIEWSKY; LUCAS, [200?], p. 3).
Essa educação feita na cidade e no campo que valoriza o urbano em detrimento
do rural é observada também nos livros didáticos e avaliações externas estaduais e nacionais.
A pedagogia escolar de hoje ainda é urbanizada, neoliberal, ideológica e incute nos alunos
valores urbanos que podem levar estes a se desvincularem de seu universo camponês e
assimilarem a cultura urbana, pois esta é tratada como desenvolvida e superior. Esta situação
é fruto de uma ideologia capitalista de valorização do urbano, tendo em vista a busca da
proletarização do camponês como mão-de-obra barata, e, também, a formação de um exército
de reserva de trabalho para o mercado, a fim de controlar os salários.
Neste sentido, Nascimento afirma que esta situação é responsável por fazer
com que os jovens que moram no campo, inclusive em assentamentos, comecem a perder a
sua identidade de classe e passem a negar a luta pela terra construída pelos seus pais:
A cidade se tornou o lugar próspero e almejado pelas crianças e
adolescentes dos assentamentos, das comunidades em geral
83
. Por quê?
Porque a pedagogia escolar é urbana, bancarista, adestradora que apresenta
a cidade como algo supremo. os meninos e meninas do meio rural vão
aos poucos se desligando do universo simbólico cultural ao qual pertenciam
e passam a assimilar os valores obtidos na escola da cidade, criam novas
concepções e adotam novas posturas em relação ao mundo camponês. [...]
perdem a identidade e passam a negar a luta pela terra e a própria cultura
existente em seu universo. Mesmo as escolas que ainda se encontram no
meio rural apresentam uma pedagogia escolar voltada a identificar a cidade
como algo superior. (NASCIMENTO, 2003, p. 5).
83
Concordamos parcialmente com a afirmação de que a cidade é um lugar almejado pelas crianças, isso acontece
em algumas situações, não é uma regra geral, pois temos que ressaltar que apesar da existência dessa ideologia
que constrói a imagem do espaço urbano como sendo um lugar superior/vencedor, mesmo assim, a maioria das
crianças ainda prefere permanecer no campo, como mostra a nossa pesquisa, e apenas o para a cidade quando
as condições socioeconômicas levam a sua expulsão na idade adulta. Todavia, essa ideologia interfere na
construção de uma identidade camponesa.
197
Podemos afirmar que se perpetuou um pensamento do campo como sendo o
sinônimo do atraso e, conseqüentemente, a urbanização e a industrialização como sendo
sinônimos de desenvolvimento e de modernidade. A cidade como o “local dos vencedores”,
logo, o campo seria, assim, o “local dos perdedores e atrasados”. Tudo isso, fruto de um
pensamento ideológico neoliberal, desencadeado na sociedade pós-revolução industrial.
Devido a essa dicotomia construída por essa ideologia neoliberal, que
concebe a relação campo/cidade como uma relação de arcaico/moderno, superior/inferior,
cristalizou-se o pensamento de que o único caminho natural para a evolução da humanidade
está no espaço urbano e no agronegócio.
[...] Por muito tempo a visão que prevaleceu na sociedade, continuadamente
majoritária em muitos setores, é a que considera o campo como lugar
atrasado, do inferior, do arcaico. Nas últimas décadas consolidou-se um
imaginário que projetou o espaço urbano como caminho natural único do
desenvolvimento, do progresso, do sucesso econômico, tanto para
indivíduos como para sociedade. [...]. (ARROYO; CALDART; MOLINA,
2004, p.11).
Na verdade, apesar do êxodo rural fazer parte de um processo capitalista de
expulsão do camponês de sua terra para servir de mão-de-obra barata ao capital urbano ou
rural - visto que uma condição ideológica essencial do modo de produção capitalista é a do
indivíduo ser livre para vender sua mão-de-obra, despossuído de seu meio de produção - e,
para formação de um exército de reserva (desempregados), a ideologia, enquanto poder que
auxilia a reprodução do modo de produção capitalista, mascara isso por meio do discurso de
valorização da cidade como local dos vencedores, do progresso e da modernidade, apontando
urbanização como única via de desenvolvimento para a humanidade.
Esta ideologia, que é parte inerente do processo de expulsão do campesinato
de sua terra, tenta legitimar o êxodo rural via educação, meios de comunicação, sistema
jurídico etc. Essa ideologia de superioridade urbana trás conseqüências negativas aos
moradores do campo e da cidade. (BATISTA, 1995, p.7). A própria expressão: “citadino”
84
·,
leva ao entendimento destes como sendo sujeitos superiores/vencedores.
Corroborando também neste sentido Nascimento explica que o êxodo rural
faz com que a questão agrária não seja apenas um problema dos habitantes do campo, mas
também da cidade, pois o camponês expropriado do campo é o trabalhador ou desempregado
84
Palavra essa, com funcionalidade ideológica, cujo significado remete a condições desejadas por todos, pois é
sinônimo de cidadania, afável, educado, civilizado, fino, cortês etc., por isso não ser um morador da cidade, pode
significar ser o contrário de tudo isso, nesse caso, ser camponês significaria estar atrasado “civilizatoriamente”.
198
urbano, na maioria dos casos. Sendo assim, o caos urbano que inclui o processo de
favelização, o tráfico de drogas, desemprego e subemprego, são efeitos do êxodo rural.
[...] a violenta concentração urbana sem planejamento, o crescimento
acelerado do desemprego e do subemprego, a intensificação da violência e o
fator determinado desta nova cultura foi o crescimento do narcotráfico
como alternativa de vida para a juventude sem sonhos e perspectivas e a
forte tendência maliciosa de se caracterizar o urbano como superior ao rural.
(NASCIMENTO, 2003, p. 4).
Essa valorização do espaço urbano nasce na revolução industrial, que
dicotomiza espaço rural e espaço urbano, em detrimento do espaço rural. Essa dicotomia se
perpetua até hoje é, na maioria das vezes, conduzida pela reprodução que a escola faz desse
pensamento de superioridade urbana. Daí, a importância da Educação do Campo como um
meio de resistência de classe e, como um instrumento de ruptura com a ideologia neoliberal.
A dissociação entre o meio rural e o urbano, proveniente da Revolução
Industrial, representa outro fator prejudicial à educação, que atingiu
sobremaneira os países periféricos na medida em que a educação revestiu-se
características eminentemente urbanas, voltando-se tendenciosamente para
uma educação técnica no sentido de atender a burguesia industrial.
(BATISTA, 1995, p.6).
199
5 - A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO GEOGRÁFICO E O ENSINO DA
GEOGRAFIA NO SÉCULO XXI: A GEOGRAFIA NA ESCOLA COMO
INSTRUMENTO DE TRANSFORMAÇÃO SOCIAL
5.1 - Crise de paradigmas no século XXI: em busca da totalidade e da construção de um
novo projeto civilizacional
Podemos afirmar que estamos em um período de transição e crises de
paradigmas no conhecimento, sendo que esta crise não é profunda, como é irreversível
(SANTOS, B., 1988). Boaventura de Souza Santos vai dizer que os teóricos que
estabeleceram as bases para o conhecimento científico atual viveram do século XVII até o
começo do século XX, ou seja, com relação ao conhecimento científico, vivemos ainda no
século XIX! Todavia, ao analisarmos do ponto de vista do desenvolvimento técnico, o século
XXI iniciou-se antes da sua data cronológica. Temos, hoje, como novidade para a
humanidade, os perigos de ameaça de uma terceira guerra mundial, tendo em vista as armas
nucleares que as potências possuem, além do risco das catástrofes ambientais. Essas
peculiaridades mostram-nos que o atual período é bem diferente de outros períodos históricos.
Portanto, vivemos em um período de complexa transição.
[...] Os grandes cientistas que estabeleceram e mapearam o campo teórico
em que ainda hoje nos movemos viveram ou trabalharam entre o século
XVII e os primeiros anos do século XX [...] E de tal modo é assim que é
possível dizer que em termos científicos vivemos ainda no século XIX e
que o século XX ainda não começou, nem talvez comece antes de terminar.
E se em vez de no passado, centrarmos o nosso olhar no futuro, do mesmo
modo duas imagens contraditórias nos ocorrem alternadamente. Por um
lado, as potencialidades da tradução tecnológica dos conhecimentos
acumulados fazem-nos crer [...]: o século XXI a começar antes de começar.
[...]. Com os perigos [...] da catástrofe ecológica ou da guerra nuclear,
fazem-nos temer que o século XXI termine antes de começar. [...] É esta a
ambigüidade e a complexidade da situação do tempo presente, um tempo de
transição, [...]. (SANTOS, B., 1988, p. 5-6).
O século XXI teve início na década de 1990, segundo o historiador Eric
Hobsbawn: “[...] o ‘século XX curto iniciou-se em 1914-17 e terminou em 1989-91’ [...]”.
(apud VESENTINI, 1995, p. 06). Neste sentido, este século vem marcado por mudanças
globais que singularizam esse período. Dessa forma, surgem algumas denominações que
tentam explicar e melhor “ilustrar” o período histórico no qual estamos vivendo: “Nova
200
ordem mundial, globalização, terceira revolução industrial ou revolução técnico-científico,
multipolaridade, sociedade pós-capitalista [...]”. (VESENTINI, 1995, p. 06).
Segundo Festa, podemos afirmar que vivemos em um período histórico
“multi”, ou seja, sempre interligado pela complexidade de múltiplas relações. Isso quer dizer
que passamos por um período novo, diferente de tudo que a humanidade vivenciou. Por
isso, se tornou um período de reflexão acerca do ser humano:
Um tempo multi: multicultural, multinacional, multiétnico, multiartístico,
de múltiplas éticas multiteorias, multiciências, multieconomia e de
multicentros. Strict sensu, é um período novo, de mudanças radicais e
diferentes de tudo o que a humanidade experimentou, que se abre para
um novo horizonte a respeito de quem é o ser humano, do que somos ou
não capazes em nossa crescente percepção de interdependência. (FESTA,
2002, p. 45).
Trata-se, pois, de um período de crise de paradigmas, onde os limites ficam
cada vez mais difíceis de serem identificados. Neste sentido, com relação aos limites do
conhecimento, a fragmentação cartesiana não é mais sólida como nos períodos anteriores, daí
a importância que damos à interdisciplinaridade na educação. Com relação ao espaço
geográfico mundial, os limites entre os países são descartados pelo capital monopolista
mundializado e suas empresas “inter/multi/trans/nacioanais”. Corroborando com nossa
análise, Gonçalves afirma:
Limite entre saberes, limite entre disciplinas, limite entre países. Por todo
lado se fala que os limites já não são rígidos, que os entes não são tão
“claros, distintos e definidos” como recomendara René Descartes. Cada vez
mais se fala de empresas internacionais, ou transnacionais ou
multinacionais, assim como se fala de interdisciplinaridade,
transdisciplinaridade ou multidisciplinaridade. Enfim, por todo lado são
usados os prefixos inter, trans ou multi indicando que as fronteiras, sejam
elas epistêmicas, sociológicas ou geográfico-políticas, se é que podemos
separá-las, são mais porosas do que se acreditava. (GONÇALVES, [200?],
p. 01).
Temos um pensamento moderno em crise que nos leva a repensar a própria
base na qual estão assentados os nossos conhecimentos científicos, pois “[...] estamos no fim,
de um ciclo de hegemonia, de uma certa ordem científica. [...]”. (SANTOS, B., 1988, p.9).
Por isso, a ciência começa a pensar a realidade como uma totalidade não mais
compartimentada, por isso “[...] começa a deixar de fazer sentido a distinção entre ciências
naturais e ciências sociais [...]”. (SANTOS, B., 1988, p.9).
201
Nesta direção, o que está em crise, atualmente, é a matriz eurocêntrica do
pensamento científico moderno. Pois, este pensamento científico se desenvolveu baseado em
uma ideologia de dominação da natureza pelo europeu, concebido como superior a tudo que
existisse em nosso planeta. A lógica era: “conhecer para dominar”. O próprio homem deixou
de ser natureza e se tornou apenas um observador de fora. Nesta concepção, constroem-se as
dicotomias que são inerentes ao pensamento cientifico moderno, como explica Boaventura de
Souza Santos:
Esse pensamento moderno europeu, hoje em crise, na sua busca de uma
verdade objetiva distinguiu objetos “claros e definidos”, retirou o sujeito da
relação que, assim, de fora, pelo método científico, isto é, racional,
desvendaria os mistérios da natureza para melhor dominá-la. Assim, se
ergue todo um conjunto de categorias dualistas características do
pensamento moderno europeu – natureza e cultura; sujeito e objeto; matéria
e espírito; corpo e mente; razão e emoção; indivíduo e sociedade; ser e
pensamento [...]. (1988, p. 39).
Nesta perspectiva, buscamos trabalhar com a totalidade das relações, a fim
de superarmos as dicotomias existentes. É o que Boaventura Santos denominou de paradigma
emergente, ou seja, é a construção de um pensamento científico novo que busca a superação
dos dualismos presentes no pensamento europeu moderno. Em suas palavras:
O conhecimento do paradigma emergente tende assim a ser um
conhecimento não dualista, um conhecimento que se funda na superação
das distinções tão familiares e óbvias que até pouco considerávamos
insubstituíveis, tais como natureza/cultura, natural/artificial,
vivo/inanimado, matéria/mente, observador/observado, subjetivo/objetivo,
coletivo/individual, animal/pessoa. (1988, p.39).
Essa nova abordagem do conhecimento como totalidade (o conhecimento
holístico) busca trazer de volta o equilíbrio na relação sociedade-natureza, dicotomizada,
ideologicamente, pelo pensamento dominante europeu. Neste sentido, Boff explica que esse
novo paradigma não significa a soma das partes, mas significa buscar a compreensão da
unidade na diversidade, pois a totalidade possui todas as partes inter-relacionadas. Isso
significa que o ser humano passa a entender que é parte inerente dessa totalidade e, não mais,
um observador separado e superior, como ocorria no pensamento ideológico dominante
europeu. Com isso, passa a se sentir responsável por ser uma parte fundamental integrante
202
dessa totalidade, a qual, todos pertencem. Desenvolvendo-se como um ser ético, começa a
cuidar daquilo que lhe pertence, e que é sua morada no universo, ou seja, o planeta Terra.
[...] O holismo não significa a soma das partes, mas captação totalidade
orgânica, una e diversa em suas partes, mas sempre articuladas entre si
dentro da totalidade e constituindo esta totalidade. Esta cosmovisão
desperta no ser humano a consciência de sua funcionalidade dentro desta
imensa totalidade. Ele é um ser que pode captar todas essas dimensões,
alegrar-se com elas, louvar e, agradecer aquela inteligência que tudo ordena
e aquele Amor que tudo move, sentir -se um ser ético, responsável pela
parte do universo que lhe cabe habitar, a Terra. (BOFF, 2006, Não
paginado).
Dessa maneira, por meio da abordagem holística, é tarefa dos geógrafos
dialéticos buscarem o entendimento dos processos gerados por este novo período histórico,
numa perspectiva transformadora. E tentando na “[...] análise, apreender objetos e relações
como um todo [...] perto de ser holistas, isto é, gente preocupada com a totalidade”.
(SANTOS, 1988, p. 58).
Compartilhando da mesma concepção, temos pesquisadores mundialmente
importantes, entre eles podemos citar pesquisadores como “[...] Edgar Morin, Leonardo Boff,
Milton Santos, Stephen Jay Gould, Jean Delumeau, Jean-Claude Carriére, Umberto Eco,
Gregg Braden, Julian Barbour, Juliet Mitchell, Naomi Wolf e outros [...]” (FESTA, 2002, p.
45). Segundo estes pesquisadores, o que está sendo construído é uma grande mudança de
consciência das pessoas numa perspectiva de um “novo projeto civilizacional” (FESTA,
2002).
Este novo projeto civilizacional está centrado no ser humano e, não mais, no
capital. Por isso, devemos repensar a compreensão sobre o ser humano, bem como sua relação
com a natureza e com os outros seres humanos, para construirmos uma nova consciência a
respeito da vida no planeta. Ou seja, esse processo...
[...] holístico de integração da modernidade com a pós-modernidade, o
mundo caminha para uma outra compreensão do ser humano, a respeito de
si mesmo e da relação dele com o outro e com a vida. Nessa perspectiva,
está a realização completa da modernidade, ou a última conseqüência da
“virada do sujeito”. Ou seja, das contradições desse novo momento
emergem, em escala planetária, grupos, tribos, estamentos, com uma outra
consciência a respeito da vida humana e dos direitos naturais para o novo
projeto civilizacional. (FESTA, 2002, p. 46).
203
Inerentes a lógica desse novo projeto civilizacional está inserida a construção
da consciência coletiva de que a Terra está viva e tem uma história de bilhões de anos, na qual
somos uma pequena fração de tempo. A história da Terra representa, por sua vez, uma parte
da história do Universo. Sendo assim, a vida humana é uma parte inerente à história da Terra
e do Universo, formando uma totalidade orgânica indissociável. Dito de outra maneira, esse
novo projeto civilizacional conta com a...
[...] adesão na consciência coletiva que a Terra é um superorganismo vivo
que tem bilhões de anos de evolução e de história. A terra é a parte da
história do universo; vida é parte da história da Terra e a vida humana é
parte da história da vida. Cosmos, Terra, vida e humanidade não são
realidades justapostas, mas formam um todo orgânico. (BOFF, 2006, Não
paginado).
Ao lado desse novo projeto civilizacional, nasce também um novo sujeito
histórico. Sujeito este livre e plural que, por isso, “[...] goza de plena liberdade e de
possibilidade de escolha ilimitada. O indivíduo estabelece seus valores. Cada forma de vida
tem seu direito. Nada deve ser normativo ou proibido. espaço para todas as expressões,
por mais antagônicas que sejam”. (BOFF apud FESTA, 2002, p.47). Nesse novo paradigma,
temos a pluralidade de concepções como a base fundamental para o respeito às diferenças. Ou
seja, [...] “ela reafirma a diferença, o direito de existência do outro, a alteridade, a
singularidade e, com base nela nenhum tipo de racionalidade tem mais o monopólio da razão
[...]”. (FESTA, 2002, p.47).
Desse modo, o monopólio da razão passa o pertencer mais a ciência
moderna, possibilitando a compreensão das relações por meio de outras formas de
conhecimento. Isso quer dizer que “[...] a ciência moderna não é a única explicação possível
da realidade e não há sequer qualquer razão científica para a considerar melhor que as
explicações alternativas da metafísica, da astrologia, da religião, da arte ou da poesia. [...]”.
(SANTOS, B., 1988, p. 52).
Neste sentido, nessa nova concepção, o conhecimento passa a ser relativo, e
o saber não é mais privilégio apenas da elite científica. Assim “[...] ficam indefinidos não
os limites entre as ciências, mas, também, entre diferentes modos de conhecer, já não sendo
possível traçar com tanta certeza o limite entre quem sabe e quem não sabe”. (GONÇALVES,
[200?], p. 04).
Faz-se necessário desconstruirmos as análises baseadas em verdades/certezas
absolutas e, logo, não eliminarmos “[...] a incerteza e o imprevisível, vamos aprender a
204
melhor trabalhar e jogar com eles. Nós não tornaremos, de repente, ‘sábios’ [...]. Nada é certo,
principalmente o melhor, mas inclusive o pior. É dentro da noite e do nevoeiro que
precisamos jogar”. (MORIN, 1986, Não paginado).
Nesta perspectiva, segundo Frei Beto, “o grande equívoco da modernidade
foi achar que a razão humana resolveria todos os problemas. [...]”. (2001, p.11). Muitos
equívocos fizeram da modernidade o lócus da injustiça e da tragédia universal. O
conhecimento humano produzido se transformou em mercadoria e foi usado como fonte de
poder, dominação e extermínio de culturas menos avançadas tecnologicamente. O resultado
disso é a fome e a violência como fenômenos mundiais. Além do temor constante com relação
a bombas nucleares e catástrofes ambientais que podem chegar a exterminar a vida no Planeta
Terra:
Passando cinco séculos, qual, o saldo da modernidade? Somos 6 bilhões de
habitantes no planeta. Metade vive entre a miséria e a pobreza, sendo que
2/3 vivem no limite de suas necessidades, sem direito ao supérfluo. Graças
à razão, à evolução da ciência e da tecnologia, construímos uma capacidade
bélica - que é o atual potencial dos arsenais nucleares - com o poder de
destruir este planeta 36 vezes. E não fomos capazes de construir recursos
para que uma geração pudesse dizer no futuro: “Na nossa época, ninguém
passava fome”. (BETTO, 2001, p.11).
5.2 – Globalização e mundialização do capital: característica básica do espaço geográfico
no século XXI
Filho de imigrantes russos casado na Argentina
Com uma pintora judia,
Casou-se pela segunda vez
Com uma princesa africana no México
Música hindu contrabandeada por ciganos poloneses faz sucesso
No interior da Bolívia zebras africanas
E cangurus australianos no zoológico de Londres.
Múmias egípcias e artefatos Íncas no museu de Nova York
Lanternas japonesas e chicletes americanos
Nos bazares coreanos de São Paulo.
Imagens de um vulcão nas Filipinas
Passam na rede de televisão em Moçambique
Armênios naturalizados no Chile
Procuram familiares na Etiópia,
Casas pré-fabricadas canadenses
Feitas com madeira colombiana
Multinacionais japonesas
205
Instalam empresas em Hong-Kong
E produzem com matéria prima brasileira
Para competir no mercado americano
Literatura grega adaptada
Para crianças chinesas da comunidade européia.
Relógios suíços falsificados no Paraguai
Vendidos por camelôs no bairro mexicano de Los Angeles.
Turista francesa fotografada semi-nua com o namorado árabe
Na baixada fluminense
Filmes italianos dublados em inglês
Com legendas em espanhol nos cinemas da Turquia
Pilhas americanas alimentam eletrodomésticos ingleses na Nova Guiné
Gasolina árabe alimenta automóveis americanos na África do Sul.
Pizza italiana alimenta italianos na Itália
Crianças iraquianas fugidas da guerra
Não obtém visto no consulado americano do Egito
Para entrarem na Disneylândia
Titãs
85
O processo de globalização pode ser concebido como uma totalidade
desigual e combinada. Devido ao desenvolvimento da técnica, da ciência e da informação,
esse processo produz um período histórico diferente de tudo que a humanidade vivenciou,
pois, pela primeira vez, temos relações socioeconômicas unificadas mundialmente. Isso quer
dizer que o sistema capitalista é o primeiro sistema global. Uma de suas características é a
simultaneidade das relações, ou seja, os fenômenos socioeconômicos mundiais atingem todos
os países instantaneamente. Corroborando nesse sentido,
Straforini afirma:
[...] a globalização no atual período histórico é uma realidade para todo o
mundo. A globalização é entendida como um todo sistêmico, desigual e
combinado. Pela primeira vez na história da humanidade temos os
fenômenos sociais, políticos e econômicos unificados planetariamente
graças aos imperativos técnicos, científicos e informacionais. [...]. (2004, p.
30).
Logo, processo importante e imprescindível de explicação geográfica e, no
nosso caso, de explicação da questão agrária no Brasil, é a globalização. Este processo afeta,
direta ou indiretamente, todos os seres humanos sejam estes habitantes do campo ou da
cidade, morando em países desenvolvidos ou em países subdesenvolvidos. A diferença está
no nível e na profundidade deste impacto. Corroborando nesta perspectiva, Boff (2006, Não
85
Música: Disneylândia.
206
paginado), nos afirma que “a característica básica do século XXI será a consolidação do
processo de globalização. Esse fenômeno deve ser corretamente entendido. Ele não é apenas
um dado econômico, político e cultural, [ele afeta] os seres humanos [...]”.
Nesse sentido, a globalização é um processo que interfere até na
subjetividade das pessoas, pois afeta todas as instâncias da vida social, ou seja, desde os
aspectos econômicos até as produções culturais dos povos. Por isso, segundo Santos, (2001, p.
142): “para a maior parte da humanidade, o processo de globalização acaba tendo, direta ou
indiretamente, influência sobre todos os aspectos da existência: a vida econômica, a vida
cultural, as relações interpessoais e a própria subjetividade [...]”.
Inerente a esse processo de mudanças socioeconômicas do capitalismo, em
sua atual etapa de globalização, é a restrição cada vez maior ao exercício das liberdades
públicas e, também privadas, da maioria da população mundial, em benefício da liberdade
privada daqueles que dispõem de capital (DUPAS, 1999).
Para Corrêa apud Straforini “[...] a globalização é o estágio mais avançado da
espacialização capitalista [...]”. (2004, p.30). Nesse sentido, a globalização é um processo que
marca nosso período histórico pela internacionalização das relações socioeconômicas
capitalistas em nível global, ou seja, é a internacionalização do capitalismo que começa no
capitalismo mercantilista e avança, após a revolução industrial, chegando ao século XXI ao
seu ápice de internacionalização. Isto acontece porque, segundo o geógrafo Milton Santos, os
níveis de desenvolvimento técnico, científico e informacional, chegaram a um patamar que
permitiu a difusão do capital em escala global, como em nenhum outro período da história da
humanidade. Isso quer dizer que a exploração capitalista também alcança o seu ápice de
internacionalização e se torna universal. Dito de outra maneira:
A força motriz da globalização no período recente do capitalismo está na
sua busca desenfreada pelo lucro. [...] O período atual é, assim, o ápice da
internacionalização do capitalismo, [...] se diferencia dos demais porque as
possibilidades dadas pelas técnicas são universais em virtude da informação
e da comunicação [...]. (STRAFORINI, 2004, p. 30).
Essa atual fase da globalização e, conseqüentemente, de desenvolvimento do
capitalismo em escala global é identificado por Vesentini (1995, p. 8) como “terceira
revolução industrial” ou “revolução técnico-científica”. Principalmente, devido ao nível
tecnológico que a diferencia da segunda revolução industrial, por exemplo, hoje “[...] a
207
produção de softwares para computadores torna-se mais importante que a fabricação de
hardwares [...]”. (VESENTINI, 1995, p. 9).
Existe, assim, uma produção diferencial das técnicas que se destacam no
período atual do capitalismo e, demonstra, por isso, a importância maior dada à tecnologia no
período atual se compararmos aos períodos anteriores:
[...] a robótica, a biotecnologia (em especial a engenharia genética), a
microeletrônica, a química fina, as telecomunicações e as indústrias de
novos materiais. São setores que utilizam muito mais - e dependem - (d) a
ciência e (d) a tecnologia que aqueles outros, típicos da primeira ou da
segunda revolução industrial. [...]. (VESENTINI, 1995, p. 9).
Acompanhando as mudanças tecnológicas, muda-se também, o perfil dos
funcionários, pois, os empregos exigem maior qualificação, a fim de controlar estes novos
setores de produção. E, por sua vez, esses novos setores produtivos acabam modificando os
valores e os comportamentos da nossa sociedade, exige-se cada vez mais pesquisa e
criatividade nas atividades produtivas:
[...] São setores onde o fundamental são as idéias, as pesquisas, o trabalho
cerebral e criativo, ficando a mão-de-obra barata e mesmo a especializada
em segundo plano. E são setores que revolucionam mais uma vez toda a
sociedade [...] radicalmente, modificam os valores e comportamentos
básicos da sociedade moderna. (VESENTINI, 1995, p. 9-10).
Devido ao avanço técnico-científico-informacional dos meios de transporte,
principalmente os aviões que permite o deslocamento físico rápido, e no sistema
informacional, sobretudo a internet, que trouxe a instantaneidade na comunicação global, as
distâncias se encurtam, ficando mesmo a impressão que o mundo possa “[...] ter
substancialmente ‘encolhido’. Desenha-se assim um mundo ‘sem fronteiras’, onde foi
decretado o ‘fim das distâncias’, tanto pela velocidade permitida ao nosso deslocamento físico
pelos transportes quanto pela instantaneidade proporcionada pelas comunicações,
especialmente a Internet
86
”. (HAESBAERT, 2006, p. 20).
Portanto, devido ao avanço informacional, na atual fase da globalização,
assistimos a “[...] formação de um planeta-mídia para toda a humanidade. [...]”. (FESTA,
2002, p.49). Nessa direção, segundo Jameson, esta fase atual de globalização está produzindo
86
É importante salientar nesse debate que não são todas as pessoas que tem as mesmas possibilidades de acesso
aos meios técnico-científico-informacionais e, por isso, as distâncias terminam, principalmente, para as classes
dominantes que usufruem constantemente da tecnologia de ponta.
208
um modelo de sociedade que pode ser denominada de “sociedade da imagem”. Em suas
palavras: “estamos vivendo uma euforia da alta tecnologia, dos computadores, do espaço
cibernético, celebrada, diariamente, pelas empresas de comunicação. Este é o verdadeiro
momento da sociedade da imagem [...]”. (apud FESTA, 2002, p.51).
Com essa difusão das empresas de comunicação muda-se, portanto, a
concepção de acesso à informação, abrindo uma diversidade de opções para poder adquiri-la.
Ao contrário, então, do modelo anterior, onde havia poucos canais de televisão que davam
acesso às informações, hoje, existem milhares de canais por assinatura, além de uma enorme
variedade de jornais e revistas. Com a Internet, a televisão deixa de ser a detentora da
informação:
Os computadores junto com as fibras óticas e as telecomunicações em geral
estão transformando profundamente os escritórios, os bancos, as residências
e os próprios meios de comunicações, que se tomam cada vez mais
segmentados e interativos (no lugar de uma grande rede de TV ou um jornal
nacional de imensa tiragem, a tendência agora são centenas ou milhares de
canais por assinatura ou por segmentos sociais, milhares de jornais ou
revistas locais voltados para um público específico, que inclusive contribui
ativamente para a sua linha editorial, etc.). (VESENTINI, 1995, p. 11).
Sabemos, todavia, que esse sistema de informações, comandado pela
burguesia em escala mundial, reforça a desigualdade, pois, os empresários, que são partners
dos sistemas econômicos e financeiros, detêm, também, a infra-estrutura, os meios de
comunicação, a Internet e a informática integradas num complexo sistema satelital (FESTA,
2002, p.50).
Dessa forma, o que vemos surgir é um sofisticado sistema de reprodução
ideológica globalizado, hoje, muito mais complexo e eficiente, do que nos períodos
anteriores. Dessa maneira, a implantação do “planeta-mídia” e a expansão mediática, em seu
conjunto, constituem-se em aparatos ideológicos da globalização e, sobretudo, representa,
simbolicamente, o projeto expansionista da economia global (FESTA, 2002).
Nessa direção, os detentores do poder econômico e financeiro que, por sua
vez, são os donos das empresas de comunicação, difundem sua ideologia e produzem, por
meio das propagandas, as necessidades do mundo atual a fim de reproduzir o seu capital e
cristalizar a ordem vigente, modificando o comportamento das pessoas. Por isso, segundo
Gonçalves, o capitalismo, hoje, através da mídia, produz não mercadorias, mas, sobretudo,
subjetividades, comportamentos, modos de vida etc. Em suas palavras: “[...] as grandes
209
potências industriais e financeiras produzem, desse modo, não apenas mercadorias, mas
também subjetividades [...] produzem necessidades, relações sociais, corpos e mentes [...]”.
([200?], p. 30).
Os meios de comunicação desempenham a função de aparelho ideológico do
sistema capitalista globalizado, sendo um dos responsáveis pela manutenção e reprodução da
ordem desigual vigente. Acostumamos enxergar o mundo por meio dos “olhos” dos meios de
comunicação, por isso, existe uma resistência por parte da maioria da população com relação
aos movimentos sociais, reflexo da imagem denegrida pelos meios de comunicação. É, pois,
essa ideologia, de que nos fala Paulo Freire (1999), que tenta penumbrar a realidade e, assim,
nos ‘miopizar’ e nos ensurdecer para que aceitemos docilmente o discurso cinicamente
fatalista neoliberal.
Logo, o que temos é um sistema de comunicação que, além de ser
responsável por auxiliar na organização da produção em escala global, cumpre a função de
auxiliar na reprodução do modelo socioeconômico vigente, justificando a acumulação do
capital e, conseqüentemente, exploração em escala global. É, por isso, que podemos
considerá-lo como um dos poderes que exercem influência na sociedade, condicionando as
ralações sociais. Dito de outra maneira:
A síntese política do espaço social é fixada no espaço de comunicação. É
por isso que as indústrias de comunicação assumiram posição tão central.
Elas não apenas organizam a produção numa nova escala e impõem uma
nova estrutura adequada ao espaço global, mas também tornam imanente
sua justificação. O poder, enquanto produz, organiza; enquanto organiza
fala e se expressa como autoridade. (GONÇALVES, [200?], p. 30).
A expressão "globalização" tem sido utilizada, mais recentemente, num
sentido marcadamente ideológico, enquanto assistimos no mundo inteiro a um processo de
integração econômica sob a égide do neoliberalismo. Esse processo possui como
características principais: o predomínio dos interesses financeiros, a desregulamentação dos
mercados, as privatizações das empresas estatais, e o abandono do estado de bem-estar social.
Percebemos, pois, que as medidas liberais adotadas não reduziram o desemprego e, ainda,
aumentaram as desigualdades sociais existentes (DUPAS, 1999).
Estas mudanças globais, conduzidas pela globalização neoliberal, atingem
todos os países, no entanto, sem dúvida, suas conseqüências negativas são mais avassaladoras
nos países subdesenvolvidos como o Brasil e outros países da América Latina. Contudo, além
de nós, ainda temos a situação de miséria e estagnação dos países do continente africano, além
210
de uma grande parcela do continente asiático. Todos esses países possuem em comum o fato
de terem sido explorados e arrasados pelas potências imperialistas européias e, atualmente,
esse processo de globalização vem a intensificar a exploração desses países por parte da
burguesia local e, também, por parte da burguesia dos países desenvolvidos.
Segundo Cano, devido a essa situação deplorável na qual vivemos na
sociedade atual, é possível afirmar que estamos diante de uma verdadeira “desordem
mundial” cujo catalisador não é apenas a terceira revolução industrial, mas também a
globalização financeira que é uma das marcas desse processo na busca de maior acumulação
de capital:
Na verdade, estamos diante de uma nova desordem internacional, não
gerada por essa nova revolução industrial, mas também pela globalização
financeira. Os efeitos imediatos disso podem ser constados pelo verdadeiro
abandono em que se encontra o continente africano; pela estagnação e
miséria em que se encontram amplas áreas asiáticas, pela ausência da
prometida ajuda cooperação ao ex-bloco socialista, relegado ao abandono; e
pelo destino da maioria dos países da América Latina. (CANO, 1995, p.
125).
O resultado desse modelo neoliberal de globalização atual para as camadas
subalternas, de todos os países do mundo, é a miséria e a exclusão social, pois a cada dia o
número de pobres e de miseráveis aumenta. Um fator que explica, pelo menos parcialmente,
a causa desse aumento da exclusão social no mundo inteiro é que na fase atual de acumulação
capitalista, as políticas sociais foram trocadas pelo lucro desenfreado, a fim de vencer a
concorrência do mercado. Por isso, Santos (2001, p. 149) afirma que esse modelo de
globalização atual “[...] tem trazido como conseqüência para todos os países, uma baixa de
qualidade de vida para a maioria da população e a ampliação do número de pobres em todos
os continentes, pois, com a globalização atual, deixaram-se de lado políticas sociais [...]”.
Esse quadro acerca da globalização nos aponta a necessidade da mudança e
acreditamos que a educação e os movimentos sociais podem ser os provocadores dessa
mudança. Nesta perspectiva, não podemos nos deixar enganar pela ideologia neoliberal que
esconde a essência dos acontecimentos por trás de aparências fatalistas, onde tudo é imutável,
transformando esse processo em uma “entidade metafísica” (FREIRE, 1999): “[...] é muito
difundido a idéia segundo a qual o processo e a forma atuais da globalização seriam
irreversíveis [...]”. (SANTOS, 2001, p. 160).
A ideologia neoliberal, muitas vezes, consegue convencer os excluídos (ou
precariamente incluídos) do sistema que tudo é natural e, portanto, nada poderemos fazer para
211
mudar o que está estabelecido. A respeito disso Freire (1999, p. 143-144) nos diz que “[...]
uma das eficácias de sua ideologia fatalista é convencer os prejudicados das economias
submetidas de que a realidade é assim mesmo, de que não nada fazer, mas seguir a ordem
natural dos fatos. [...]”.
É, portanto, por meio desse discurso, que a elite capitalista que comanda esse
processo busca camuflar a barbárie provocada pelo modelo socioeconômico vigente, tentando
inocentar-se da culpa por provocar a miséria de milhões de pessoas. Dito de outra maneira:
“[...] o discurso ideológico da globalização, procura disfarçar que ela vem robustecendo a
riqueza de uns poucos e verticalizando a pobreza e a miséria de milhões. [...]”. (FREIRE,
1999, p. 144).
Corroborando neste sentido, Santos (2001, p. 159) afirma que “[...] a
globalização atual é muito menos um produto das idéias atualmente possíveis e, mais, o
resultado de uma ideologia restritiva adrede estabelecida [...]”.
Contraditoriamente assistimos neste momento, também, a outra face dessa
desumana realidade que desponta enquanto força de mudança, ou seja, da mesma forma que a
evolução das técnicas permitiu ao capitalismo sua expansão em escala global, permitiu
também ao ser humano que utilizasse da técnica e da informação em busca de uma
transformação social. Por exemplo, vemos nos meios de comunicação o anúncio da origem de
inúmeros movimentos caracterizados como sendo, segundo Gonçalves, movimentos “anti-
globalização” e suas reivindicações são percebidas em nível mundial. Em suas palavras:
“esses mesmos meios de comunicação vêm caracterizando como movimentos ‘anti-
globalização’ todo o conjunto de manifestações que vem se fazendo à escala global e que traz
em seu bojo movimentos que comportam múltiplas dimensões [...]”. (GONÇALVES, [200?],
p. 30).
Neste sentido, devemos estar atentos à evolução dos movimentos sociais que
aparecem cada vez mais fortes no cenário político, principalmente na América Latina
reivindicando direitos e exigindo mudanças: “[...] múltiplos povos e culturas se [apresentam]
à cena política como se pode ver por meio da mobilização de populações camponesas,
indígenas ou comunidades negras em amplas regiões da América Latina [...]”.
(GONÇALVES, [200?], p. 31). Dentre esses movimentos, se destaca na luta camponesa o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, no Brasil.
É necessário então percebermos de maneira crítica a territorialidade dos
grupos subordinados ou precariamente incluídos na dinâmica globalizadora (HAESBAERT,
2006). Dentre esses grupos estão os sem terra, marginalizados pela expulsão do campo, que
212
passam a lutar pelos seus direitos. Sendo que nesse espaço globalizado “[...] os múltiplos
territórios que nos evolvem incluem esses territórios precários que abrigam sem-tetos, sem
terras e os tantos grupos minoritários que parecem não ter lugar numa des-ordem de
‘aglomerados humanos’”. (HAESBAERT, 2006, p.17).
Estes movimentos têm construído uma fase de lutas por um projeto libertador
por meio da “[...] rejeição de todas as formas de exclusões de povos, culturas inteiras, países e
regiões, e anuncia a emancipação da diversidade humana e da biodiversidade, como
patrimônio da humanidade e não apenas da sociedade de mercado”. (SANTOS apud FESTA,
2002, p. 49).
Esta luta pode ser auxiliada pelo acesso global dos povos aos sistemas de
comunicação e informação. Ou seja, inicia-se um período histórico em que se inaugura “[...]
novo mundo, de diversidades, contradições e outra percepção - ou não - da responsabilidade
com o todo, está particularmente espelhado nos sistemas de comunicação e informação e no
acesso global de todos os povos ao que chamamos de planeta-mídia”. (FESTA, 2002, p. 45).
Nesta concepção, segundo Leonardo Boff, podemos afirmar, de maneira
dialética e acreditando na possibilidade das mudanças, que a globalização inaugura uma nova
forma de pensar da humanidade, sendo por isso um novo momento para a história da espécie
humana. Começamos a construir a concepção de que todos s somos pertencentes à mesma
espécie, ou seja, a espécie humana e, também, habitamos o mesmo planeta, que deve
pertencer igualmente a todos. Portanto, para Boff, juntamente ao processo de globalização
existe um processo de unificação/fusão da história humanidade e a história do planeta terra:
A globalização representa esse momento novo da Terra e da espécie
humana. Todos se encontram como num único lugar: no Planeta Terra. A
partir de agora não haverá tanto a história da Alemanha ou do Brasil, mas a
história da humanidade unificada e globalizada, unida com a história da
Terra. (BOFF, 2006, Não paginado).
De acordo com Milton Santos, há sinais de mudanças a partir da “[...]
mistura intercontinental e intranacional de povos, raças, religiões, gostos, assim como a
tendência crescente à aglomeração da população em alguns lugares [...]”. (2001, p. 145). Estas
fusões culturais acarretam a produção de um território caracterizado por lutas e
reivindicações.
É nessa contradição que a globalização, ao mostrar sua face perversa, produz
a consciência da necessidade de construção de uma outra realidade. Portanto, “[...] graças à
213
globalização, está ressurgindo algo muito forte: a história da maioria da humanidade conduz à
consciência da sobrevivência dessa tercermundização [...]”. (SANTOS, 2001, p. 151).
Dessa maneira, concordamos com Milton Santos quando assevera sobre a
necessidade/possibilidade de construção de uma “outra globalização”, onde o ser humano seja
o centro das ações e não mais o mercado, isto pressupõe uma mudança radical das estruturas
que comandam a lógica atual da globalização, “[...] supõe uma mudança radical das condições
atuais, de modo que a centralidade de todas as ações seja localizada no homem. [...]”.
(SANTOS, 2001, p. 147).
Construir outra globalização significa, portanto, uma ruptura com processo
neoliberal de globalização atual, centralizado na maximização dos lucros e exploração do ser
humano pelo capital. Nesse processo perverso, tudo, com exceção do mercado, se transforma
em resquício, sem importância, até o próprio homem e, também, “[...] dessa forma, o
território, o Estado-nação e a solidariedade social também se tornam residuais”. (SANTOS,
2001, p. 147). Por conseguinte, nesse novo modelo societário o interesse social suplantaria o
interesse econômico e “[...] seria abolida a regra da competitividade como padrão essencial de
relacionamento [...]”. (SANTOS, 2001, p. 148).
5.3 - O campo: uma totalidade inclusa em relações globais
O campo é parte inerente do espaço que é uma totalidade, entretanto para
desvendar essa totalidade se faz necessário entender que “[...] os recortes, analíticos podem
ser feitos a partir de uma diversidade de leitura e abordagens e correntes de pensamento [...]
(FAJARDO, [200?], p.1).
Partindo-se da concepção de que o método é nossa leitura de mundo,
podemos dizer que a realidade pode ser vista de diferentes formas dependendo da concepção
teórica, político e ideológica do pesquisador. Assim sendo, precisamos conhecer as diferentes
formas de interpretar a realidade para que possamos comparar e definir as diferenças
existentes nas leituras da realidade. Por conseguinte, “[...] há necessidade, por parte do
intelectual, de ler não apenas uma, mas as várias versões sobre um fato, para que possa ter
uma outra visão do mundo, uma visão real dos fatos concretos, que o mundo pode ser visto
com muitas lentes distintas”. (SANTOS, [199?], p. 57-58).
Partimos do pressuposto que o espaço é uma totalidade e, logo, não existe
isolamento numa relação social por menor que pareça, ou seja, não existe a possibilidade de
que uma relação não esteja incluída em relações globais porque qualquer relação social por
214
mais isolada que seja em sua aparência, contém partes de relações globais. Por isso, as
relações sociais que envolvem uma comunidade camponesa, em qualquer lugar do Brasil, não
se restringem ao entorno territorial de onde vive esta comunidade, mas, sim, envolve
processos mais abrangentes que ultrapassam os “muros” invisíveis desse território
87
.
Corroborando neste sentido, Santos afirma:
A relação social, por mais parcial ou mais pequena que pareça, contém
partes das relações que são globais [...] Por exemplo, a história que passa,
neste exato instante, em um lugarejo qualquer, não se restringe, aos limites
desse lugarejo, ela vai muito além. A história da produção de um fato
desencadeia um processo bem mais abrangente [...]. ([199?], p.57-58).
Este fenômeno é possível porque numa economia globalizada, o processo
econômico fica cada vez mais evidenciado nas transformações territoriais. Neste processo, as
lógicas externas é que passam a comandar (SANTOS, 2001). E são essas lógicas globais de
maneira desigual e combinada que passam a orientar as modificações do campo em todo o
território nacional
88
. Onde se observa que a perda da autonomia local também reflete na perda
da autonomia socioeconômica e cultural das parcelas territoriais do campo, ou seja, ocorre a
perca da autonomia da territorialidade desses povos.
Quanto a essa interferência externa na territorialidade dos povos, Raffestin
exemplificou com o embate de territorialidades contraditórias entre Sicilianos e o norte da
Itália. A territorialidade dos povos é construída no dia-a-dia no processo de produção de suas
relações matérias e simbólicas. Todavia, estas dependem, para a sua
manutenção/transformação, do embate com as territorialidades impostas externamente,
principalmente pelo capital. No caso do campo a racionalidade do agronegócio coloca em
risco a reprodução das territorialidades dos povos do campo.
A territorialidade de um siciliano, por exemplo, é bem constituída pelo
conjunto daquilo que ele vive cotidianamente: relações com o trabalho, com
o não-trabalho, com a família, a mulher, a autoridade política etc.
Entretanto, o é possível compreender essa territorialidade se o se
considerar aquilo que a construiu, os lugares em que ela se desenvolve e os
ritmos que ela implica. Há a parte interna da territorialidade, o núcleo
denso, em certo sentido, e a parte externa, aquela imposta pelos atores não
sicilianos. A territorialidade siciliana é uma longa luta para preservar uma
87
Por exemplo, o leite produzido pelos assentados em Paulicéia, é vendido para a toda a região com a marca de
leite Brancão.
88
Um exemplo é com relação a produção do biodiesel visando o mercado externo, esta lógica está modificando
a paisagem rural em diversas regiões do país.
215
identidade, uma diferença, mas é uma luta esgotante contra o norte da Itália.
O poder piemontês não obliterou a identidade siciliana, também não
modificou sensivelmente as relações ancestrais, mas, ao contrário, bloqueou
a evolução da territorialidade e, ao mesmo tempo, foi modificado por essa
relação exaustiva. Se o norte impôs à Sicília uma relação dissimétrica no
plano econômico, a Sicília, em contraposição, impôs ao norte uma relação
conflitual no plano político. A relação Itália–Sicília é a história do choque
de duas territorialidades contraditórias, caracterizadas, respectivamente, por
uma racionalidade econômica capitalista e uma racionalidade política
“feudal” [...]. (1993, p.162).
A presença do agronegócio no campo, que não segue a lógica territorial
camponesa, mas, sim, a lógica capitalista global, pode significar a perda da identidade local.
Nesta perspectiva, refletiremos a respeito do campo numa perspectiva dialética, a partir da
categoria território, buscando apreender no local às determinações econômicas e políticas
globais.
Podemos conceber o campo, enquanto território, como uma produção
humana, ou seja, dos povos do campo. Neste sentido, podemos identificar os camponeses
produzindo suas relações sociais nesse espaço e transformando-o por meio do trabalho em um
território de reprodução da vida. Entretanto, o campo também é produzido pela burguesia,
capitalistas do agronegócio, que se utilizam deste território enquanto território de negócio
para a reprodução de sua classe, sendo que, na maioria das vezes, esta classe vive nas grandes
cidades, mas exerce seu poder econômico-político no campo.
Mas, temos ainda que incluir nessa totalidade, as condições naturais
presentes no território do espaço agrário que dão a possibilidade ao homem de sua existência,
ou seja, é a partir da natureza que as modificações nesse espaço se constroem. Sendo assim,
segundo Passos:
[...] o espaço rural [território rural], sendo uma criação humana permanente,
é dependente das populações campesinas que nele vivem e cultivam, e
também de uma parte da burguesia urbana que detém seu domínio
imobiliário e político, mas ele não pode existir fora das condições naturais,
por também ser uma realidade ecológica. (apud FAJARDO, [200?], p. 1- 2).
216
5.4 Produção do espaço social/geográfico e das relações socioespaciais: relações de
trabalho sociedade
89
/natureza.
Como o espaço geográfico é uma totalidade que envolve sociedade e
natureza, é função da ciência geográfica interpretar a produção do espaço pela sociedade
capitalista, com suas desigualdades, contradições e luta de classes. Além do que devemos
entender o processo de apropriação da natureza pela sociedade por meio do trabalho sob o
modo de produção capitalista. Nas palavras de Oliveira espaço:
[...] é uma totalidade que envolve sociedade e natureza. Cabe à geografia
levar a compreender o espaço produzido pela sociedade em que vivemos
hoje, suas desigualdades e contradições, as relações de produção que nela se
desenvolvem e a apropriação que essa sociedade faz da natureza. (1994b,
p.142).
Segundo Moreira, “[...] a essência da aparência estará ditada pelo caráter
histórico que o trabalho adquire em cada sociedade”. (1994, p.68). Por isso, temos que
entender a relação de trabalho como um dos temas centrais da geografia para se entender a
produção do espaço social/geográfico ou das relações socioespaciais, pois sociedade e espaço
social são dimensões gêmeas (HAESBAERT, 2006). Neste sentido, a “[...] ‘relação do
homem-meio’ é uma relação de trabalho. Logo o que se tem na forma da organização espacial
é a própria sociedade”. (MOREIRA, 1994, p.68).
Podemos explicar essa relação, segundo Moreira, da seguinte forma: a
existência do ser humano é garantida por meio das relações de trabalho. Isso quer dizer que é
por meio do trabalho que o ser humano transforma a natureza em objetos que satisfaçam suas
necessidades e garantam a sua reprodução. Daí a relação homem-meio ser uma relação de
trabalho que propicia a produção das relações socioespaciais. Em suas palavras:
A configuração da geografia como mundo circundante decorre do fato de que
a existência humana é garantida pelo trabalho dos homens. Pelo seu trabalho
os homens transformam a natureza em objetos para consumo e para lhes
aumentar a sua capacidade de trabalho. A natureza fornece o material, que o
trabalho do homem transformará nos objetos com os quais satisfará a suas
necessidades variadas. (MOREIRA, 1994, p.68).
89
Não existe ser humano que não esteja inserido em uma sociedade e que esta não esteja inserida num contexto
geográfico ou, mais especificamente, territorial.
217
Por isso, concordamos com Engels que o trabalho criou o próprio ser
humano. Sendo assim, ele é responsável por atribuir valor as coisas e, assim, criar
mercadorias por meio da transformação da natureza, produzindo toda a riqueza existente.
Mas, não é apenas isso, concebemos que o trabalho tem uma importância maior, a ponto de
podermos afirmar que o trabalho é a condição de existência da vida humana, ou seja, é a
essência que garante a nossa reprodução enquanto seres sociais. Nas palavras de Engels:
O trabalho é a fonte de toda riqueza, afirmam os economistas. Assim é, com
efeito, ao lado da natureza, encarregada de fornecer os materiais que ele
converte em riqueza. O trabalho, porém, é muitíssimo mais do que isso. É a
condição básica e fundamental de toda a vida humana. E em tal grau que,
até certo ponto, podemos afirmar que o trabalho criou o próprio homem.
(1977, p.63).
Nesta perspectiva, Engels vai explicar que essa relação foi um processo
que nasceu simples, visando apenas atender as necessidades básicas de sobrevivência do ser
humano, e se transforma em um processo complexo com o passar do tempo. O trabalho surgiu
para atender as necessidades mais básicas do ser humano, sobretudo, de alimentação, por
meio, primordialmente, da caça e da pesca e, mais tarde, da agricultura e da pecuária.
Entretanto, com o passar do tempo, e com o desenvolvimento de todo o corpo do ser humano,
fomos aprendendo operações mais complexas, visando atingir, cada vez mais, objetivos mais
difíceis. Então, cria-se o comércio, a navegação, a ciência e a arte. As tribos se transformam
em nações e com elas surgem o Estado, o direito e a política. Até chegar ao ápice da criação
humana, a religião. Em suas palavras:
Graças à cooperação da mão, dos órgãos da linguagem e do cérebro, não
em cada indivíduo, mas também na sociedade, os homens foram
aprendendo a executar operações cada vez mais complexas, a propor-se e
alcançar objetivos cada vez mais elevados. O trabalho mesmo se
diversificava e aperfeiçoava de geração em geração, estendendo-se cada vez
a novas atividades. À caça e à pesca veio juntar-se a agricultura, e mais
tarde a fiação e a tecelagem, a elaboração de metais, a olaria e a navegação.
Ao lado do comércio e dos ofícios apareceram, finalmente, as artes e as
ciências; das tribos saíram as nações e os Estados. Apareceram o direito e a
política, e com eles o reflexo fantástico das coisas no cérebro do homem: a
religião. [...]. (1977, p.69).
Entendemos que as relações de trabalho se originam das próprias
necessidades materiais humanas de sobrevivência. Ou seja, o ser humano ao sentir fome, sede
e frio passa a intervir na natureza a fim de suprir essas necessidades. Sendo assim, é por meio
218
do trabalho que os homens estabelecem relações entre si e com a natureza, pois se faz
necessário definir socialmente o modo de produção e a forma de distribuição dessa produção.
Daí surge os sistemas socioeconômicos e as relações socioespaciais.
A partir das necessidades do homem em termos de forme, sede e frio
verifica-se uma ação de intervenção na natureza. Do caráter social,
envolvendo um trabalho organizado coletivamente, implica uma certa
divisão do trabalho e a definição do quê, quanto e como será a produção. E
ainda de que jeito repartí-la. Surgem então relações sociais que têm sua
essência na produção. É no trabalho social que os homens estabelecem
relações entre si e, a partir destas, com a natureza. (CORRÊA, 1986, p.54).
Logo, em síntese, o que temos nessa relação de trabalho é a “[...] natureza
primitiva transformada em segunda natureza, para empregar uma expressão de Marx”.
(CORRÊA, 1986, p.54). O espaço social/geográfico ou “[...] a organização espacial é a
segunda natureza, ou seja, a natureza primitiva transformada pelo trabalho social”.
(CORRÊA, 1986, p.54).
A segunda natureza, portanto, seriam todas as formas espaciais ou os fixos
e fluxos distribuídos sobre a superfície da terra. É, portanto, toda a produção social da
natureza, ou seja, todas as construções humanas, desde a nossa casa, a cidade que moramos, o
campo onde produzimos a agricultura, as pontes, as estradas etc. Tudo isso é a segunda
natureza, que é organizada espacialmente pela sociedade. Dito de outra forma:
Os campos cultivados, os caminhos, os moinhos e as casas, entre outros, são
exemplos de segunda natureza. Estes objetos fixos ou formas dispostas
espacialmente (formas espaciais) estão distribuídos e/ou organizados sobre
a superfície da Terra de acordo com alguma lógica. O conjunto de todas
essas formas configura a organização espacial da sociedade. (CORRÊA,
1986, p.54, grifo nosso).
No interior dessa relação de trabalho está o espaço social/geográfico, ou seja,
“se considerado no seu plano mais geral a geografia é o que Karl Marx (1818-1883) disse
sobre o processo do trabalho: historicização da natureza e naturização da história [...]”.
(MOREIRA, 1994, p.74). É por meio desse processo que ocorre a fusão entre a história dos
homens e a história natural. Dessa maneira, Diz Marx que, desde o aparecimento do homem
na face da Terra a história dos homens e história da natureza confunde-se e se fundem em um
só e mesmo plano”. (MOREIRA, 1994, p.74).
219
Neste processo de historicização da natureza, por meio das relações de
trabalho, é produzida a sociedade. Assim podemos dizer que, da mesma forma que as outras
ciências sociais, o: “[...] objeto da geografia é a sociedade, e não a paisagem, a região, o
espaço ou outra coisa qualquer”. (CORRÊA, 1986, p.52). Todavia, a geografia a estuda por
meio de suas categorias como o espaço, território, paisagem, região e lugar, ou seja, “[...] a
geografia representa um modo particular de se estudar a sociedade”. (CORRÊA, 1986, p.53).
Sendo assim, “[...] a organização espacial é a própria sociedade espacializada”. (CORRÊA,
1986, p.53, grifo nosso).
A organização espacial é, para Corrêa, fruto da própria necessidade de
reprodução da sociedade, visto que o espaço social/geográfico
90
é formado pelos objetos
produzidos pelo trabalho social, e estes, por sua vez, viabilizam a reprodução da sociedade.
Dito de outra maneira:
A organização espacial é assim constituída pelo conjunto das inúmeras
cristalizações criadas pelo trabalho social. A sociedade concreta cria seu
espaço geográfico para nele se realizar e reproduzir, para ela própria se
repetir. Para isto, cria formas duradouras que se cristalizam sobre a
superfície da Terra. Caso contrário, insistimos, a sociedade se extinguiria.
(CORRÊA, 1986, p.57, grifo nosso).
Para entendermos melhor porque a organização espacial ou o espaço
social/geográfico é a sociedade espacializada, vamos transcrever uma metáfora onde Ruy
Moreira compara o espaço a um ginásio esportivo polivalente, ou seja, onde se realizam
inúmeras atividades, cada qual com suas relações produzidas pelos sujeitos que participam do
jogo:
Imagine um ginásio esportivo polivalente. A quadra está organizada para ali
realizarem-se jogos de vôlei, basquete e futebol de salão. Para cada esporte
(atividade), a quadra (superfície da Terra) tem um zoneamento específico
(regiões), áreas limitadas por linhas onde regras (leis, códigos morais) e
um juiz (aparelho repressor). Cada jogador (agente realizador de uma
atividade) tem uma posição dentro da quadra (localização da atividade) e há
caminhos a serem percorridos pelo jogador e a bola (fluxos, materiais ou
90
Espaço geográfico para Corrêa e Moreira é o espaço já humanizado/historicizado/geograficizado. Ele é
produzido e organizado pelo ser humano, ou seja, não é o espaço natural, anterior as ações humanas, é o espaço
socializado. No entanto, sem deixarmos de incluir as contribuições desses autores para nossa pesquisa, vamos
optar por privilegiar o uso do conceito de território em nossa pesquisa. Vamos explicar esse tema no item: “O
território como categoria de análise geográfica”.
220
não). Em outras palavras, para cada esporte existe uma organização espacial
específica. (apud CORRÊA, 1986, p.59).
5.5 - O trabalho e a produção/organização espacial no modo de produção capitalista:
espaço de reprodução do capital
Tendo em vista que “[...] as sociedades produzem o espaço, conforme seus
interesses em determinados momentos históricos [...]” (OLIVEIRA, 1994b, p.142), a
produção/organização espacial não se faz aleatoriamente, fatores determinantes que devem
ser enfatizados na construção de uma Geografia Crítica. Neste sentido, se é o trabalho
humano o responsável pela produção do espaço social/geográfico, logo, não podemos deixar
de considerar que no modo de produção capitalista o trabalho acontece subordinado ao
capital, ou seja, a burguesia é quem dita às regras do trabalho: o que, como, para quem
produzir. E os trabalhadores apenas obedecem às ordens
91
. Temos ainda o Estado capitalista
que legitima as ações do capital. Sendo assim, o poder econômico e o poder jurídico-político
são os principais agentes produtores/organizadores do espaço social/geográfico no modo de
produção capitalista.
Organização espacial é o resultado do trabalho humano acumulado ao longo
do tempo. No capitalismo, este trabalho realiza-se sob o comando do
capital, quer dizer, dos diferentes proprietários dos diversos tipos de capital.
Também é realizado através da ação do Estado capitalista. Isto quer dizer
que o capital e seu Estado são os agentes da organização do espaço. Daí
falar-se em espaço do capital. (CORRÊA, 1986, p.61).
Deste modo, a “[...] reprodução ampliada do espaço é uma expressão
espacializada do processo da reprodução ampliada do capital”. (CORRÊA, 1986, p.61).
Portanto, não podemos pensar em produzir ciência ou construir um ensino de geografia
voltado para a transformação social sem entender como as relações socioespaciais são
produzidas e, conseqüentemente, sem entender a subordinação dessas relações ao modo
capitalista de produção. Em uma sociedade de classes, o espaço social/geográfico refletirá a
natureza classista dessa sociedade, bem como sua forma de produção e o consumo dos bens
materiais. Visto que o espaço social/geográfico reflete as características do grupo que o criou.
Dito de outra maneira:
91
Não estamos aqui retirando a capacidade transformadora dos sujeitos, estamos apenas esclarecendo como as
relações ocorrem no capitalismo de cima para baixo, desde que não haja um processo de resistência/mudança
social.
221
[...] a organização espacial é, como vimos, expressão da produção
material do homem, resultado de seu trabalho social. Como tal, refletirá as
características do grupo que a criou. Em uma sociedade de classes, a
organização espacial refletirá tanto a natureza classista da produção e do
consumo de bens materiais, como o controle exercido sobre as relações
entre as classes sociais que emergiram das relações sociais ligadas à
produção. (CORRÊA, 1986, p.56).
Devido a esse processo de produção/organização do espaço social/geográfico
pelo capitalismo, possuímos uma realidade brasileira que é marcada pela desigualdade e
exploração, logo estes temas têm que ser parte integrante do currículo escolar para serem
trabalhados de maneira crítica, longe da neutralidade. Temos que compreender essas questões
de maneira plena, num contexto de internacionalização da economia num mundo capitalista
globalizado. Entendemos que a nossa interpretação do espaço social/geográfico (ou do
território para Oliveira, 2004) se faz de forma a entender como que os processos
contraditórios do capitalismo mundializado interferem nas relações socioespaciais e, logo, na
vida das pessoas.
Nesta perspectiva, entendemos que, no Brasil, o fenômeno de
internacionalização da economia está no cerne das explicações acerca da reprodução das
desigualdades socioespaciais. Uma das causas dessas desigualdades está na própria relação da
elite com o Estado e na relação dos países subdesenvolvidos com os países desenvolvidos,
pois os primeiros têm que pagar uma vida impagável para os segundos, agravando a
desigualdade interna. Isso ocorre porque possuímos um capital nacional explorador e unido
ao capital internacional, além de um Estado capitalista que legitima essas ações. Os grandes
grupos econômicos, no campo ou na cidade, exploram a natureza e os trabalhadores que são,
por sua vez, transformados em mercadoria em nome do desenvolvimento.
Nessa lógica de internacionalização da economia, uma questão que marca
esse debate é a produção nacional para o consumo internacional, ou seja, produzimos para as
outras nações consumirem. Por isso, a produção agrícola se limita ao agronegócio exportador
e produtor de grãos e de biodiesel. Nas palavras de Oliveira:
A sociedade se move, se agita. Os grandes grupos econômicos vão
implantando seus grandes projetos de exploração/expropriação das riquezas
naturais do país. E em nome do “exportar é o que importa”, a riqueza
produzida no Brasil não tem conseguido pagar a impagável dívida externa
que estes mesmos trabalhadores não fizeram.
222
O lugar do Brasil no contexto do capitalismo monopolista se redefiniu,
redefinindo o lugar internacional do trabalho dos trabalhadores brasileiros.
O país produz para as nações avançadas consumirem. E objetivando
produzir para exportar, o país endividou-se e foi endividado. A lógica da
dívida não é e é, ao mesmo tempo, nacional. A economia brasileira
internacionalizou-se, mundializou-se no seio do capitalismo mundial.
(OLIVEIRA, 1994b, p.136).
Também entendemos que inerentes a esse processo de produção/organização
do espaço social/geográfico pelo capitalismo, estão às questões ambientais, tão importantes
para o mundo atual e de grande relevância para a formação de um cidadão crítico-reflexivo.
Por isso, não podemos pensar este processo externo a relação capital-trabalho. Pois, se as
relações de trabalho no capitalismo ocorrem visando lucro, então, a natureza se transforma em
mercadoria, logo, a destruição da natureza é parte integrante desse processo que se intensifica
na medida em que o capital se internacionaliza. Dito de outra maneira:
[...] Como o processo de trabalho é uma relação homem-meio apontada para o
lucro pela via da produção de mercadorias de baixo custo, a relação é de
depredação. A destruição e degradação da natureza que realiza o trabalho
capitalizado intensificam-se com o aprofundamento da divisão capitalista de
trabalho e sua internacionalização. (MOREIRA, 1994, p. 77).
A alienação, também, está inserida nessa relação de trabalho capitalista. Pois,
a fim de aumentar a produtividade aumenta-se, então, a exploração do homem e da natureza.
Esta relação é responsável pelo processo de alienação do trabalho por meio da intensificação
das dicotomias entre homem e natureza, entre produtores e produto, entre trabalho intelectual
e trabalho manual. Sendo que o aumento da alienação significa, proporcionalmente, aumento
do poder do capital. Nas palavras de Moreira:
Perseguindo a elevação da produtividade do trabalho como forma de elevação
da taxa da exploração do trabalho e da natureza o capital dicotomiza a sociedade
ilimitadamente, e amplia a base da alienação do trabalho e da natureza:
intensifica a separação entre o homem e a natureza, entre produtores e produtos,
entre trabalho de direção intelectual e trabalho manual. [...] Quanto mais
alienação integraliza-se na sociedade, maior o poder do capital sobre o conjunto
da sociedade. (1994, p. 77-78).
A escola, quando atua como aparelho ideológico do Estado, não permite ao
indivíduo entender o trabalho no capitalismo como uma forma de alienação. O conceito de
alienação foi criado por Marx para explicar que, no modo de produção capitalista o produto
223
do trabalho não pertence ao trabalhador, sendo apropriado pela burguesia, servindo apenas
para reprodução do capital e, conseqüentemente, aumentando a desigualdade. O resultado é o
estranhamento entre o produtor e a sua obra produzida. Por isso, o trabalho perde seu caráter
emancipatório e inerente ao ser humano e torna-se, então, instrumento de reprodução do
capital. Neste sentido, Neves afirma:
Alienação é um conceito clássico utilizado por Marx e tendências
influenciadas por este, cuja formulação se baseia, inicialmente, nas
implicações decorrentes do fato de que no capitalismo o produto do trabalho
torna-se um poder independente e estranho ao trabalhador. Em outras
palavras, significa que os progressos obtidos nos últimos séculos não
favorecem a emancipação, mas ampliação do poder objetivo do capital
sobre o trabalho, do ter sobre o ser. [...]. (apud LOUREIRO, 2004, p. 95).
No capitalismo, o trabalho além de alienar é produtor das próprias
contradições nas quais se encontra inserido. Ou seja, a produção no capitalismo não é
apropriada pela classe que a produziu, assim, contraditoriamente, quanto mais se produz, mais
aumentam as disparidades sociais. Então, se aumenta a acumulação de poucos e a exclusão
de muitos. Pois, a produção de mercadorias o possibilita a melhoria de acesso aos bens
produzidos socialmente, pois estes são apropriados individualmente, aumentando ainda mais a
distância entre o produtor (trabalhador) e o dono da produção (capitalista). O próprio avanço
da ciência e da tecnologia não significa melhorias de vida para a população, mas sim, fontes
de acumulação por parte dos detentores dos meios de produção, reproduzindo, e, até mesmo,
intensificando a estratificação social. Logo, o trabalho alienado no capitalismo significa a
coisificação das relações sociais e o aumento das diferenças sociais. Dito de outra maneira:
[...] Assim, quanto mais se produz, mais as classes populares se vêem
privadas dos objetos necessários à sua sobrevivência e mais se coisifica a
vida e se reedifica a dimensão econômica na lógica do livre mercado.
Quanto mais se desenvolve científica e tecnologicamente, mais se
aprofundam a miséria e a falta de acesso aos bens materiais que permitem
objetivamente uma vida digna. [...]. (NEVES apud LOUREIRO, 2004, p.
95).
Nessa relação, segundo Marx, o trabalho e o trabalhador se transformam em
mercadoria a produzir mercadorias. Tendo em vista que com a coisificação das relações,
aumenta-se a valorização das mercadorias e diminui-se, proporcionalmente, a valorização do
ser humano. É a inversão dos valores do “ter” sobre o “ser”. Em suas palavras:
224
Com a valorização do mundo das coisas, aumenta em proporção direta a
desvalorização do mundo dos homens. O trabalho não produz apenas
mercadorias; produz-se também a si mesmo e ao trabalhador como uma
mercadoria, e justamente na mesma proporção com que produz bens. (apud
LOUREIRO, 2004, p.95).
Podemos refletir a respeito da deformação do sentido “criador” que o
trabalho adquiriu sob o modo de produção capitalista, na canção “Música de trabalho”,
composta por Renato Russo. Por meio dela o compositor diz que apesar do ser humano
necessitar do trabalho para conseguir a dignidade cobrada pela sociedade moderna, o máximo
que o trabalhador consegue é um emprego para ser explorado seguindo de forma submissa as
ordens do patrão e ganhando o suficiente para, apenas, se reproduzir enquanto trabalhador,
vivendo, por isso, na miséria. Essa relação é fruto de uma desigualdade que faz com que
muitos não tenham “nada”, enquanto alguns, os detentores dos meios de produção, tenham
mais do que precisam. Todavia, apesar de sabermos que é isso o que acontece, não podemos
aceitar, visto que não existe fatalidade nessa relação, pois as relações são dinâmicas e
mutáveis. Por isso, partindo do princípio que o conhecimento, a educação, a ciência, a arte, a
teologia etc., não são neutras, devemos, pois, demonstrar a nossa posição frente à realidade
contraditória e desigual capitalista. Dessa maneira, como fez Renato Russo, na música, nós
professores de geografia temos que definir nossa posição em nossa atuação em sala de aula.
Em suas palavras:
Sem trabalho eu não sou nada
Não tenho dignidade
Não sinto o meu valor
Não tenho identidade
Mas o que eu tenho
É só um emprego
E um salário miserável
Eu tenho o meu ofício
Que me cansa de verdade
Tem gente que não tem nada
E outros que têm mais do que precisam...
Eu sei o que acontece
Se você não segue as ordens
Se você não obedece
E não suporta o sofrimento
Está destinado à miséria
Mas isso eu não aceito
Eu sei o que acontece
Mas isso eu não aceito
225
Eu sei o que acontece
Renato Russo
92
Na mesma perspectiva, a banda Paralamas do Sucesso, e seu compositor
Herbert Vianna, pensam e cantam acerca de como atualmente os seres humanos se tornaram
escravos do trabalho. Ou seja, devido a uma superexploração por parte do capitalista que não
pode interromper a produção a fim de manter o acúmulo de capital, o trabalhador vive em prol
do trabalho sem, no entanto, se apropriar do que é fruto dele. Se transformando, pois, em
mais uma mercadoria para o capitalista, útil apenas enquanto mão-de-obra:
Eu às vezes fico a pensar
Em outra vida ou lugar
Estou cansado demais
Eu não tenho tempo de ter
O tempo livre de ser
De nada ter que fazer
É quando eu me encontro perdido
Nas coisas que eu criei
E eu não sei
Eu não vejo além de fumaça
O amor e as coisas livres, coloridas
Nada poluídas
Ah, Eu acordo prá trabalhar
Eu durmo prá trabalhar
Eu corro prá trabalhar
Paralamas do sucesso
93
Se o emprego leva a exploração e subordinação, sua ausência leva a perda da
dignidade e a humilhação, em muitos casos. Para viver, muitos desempregados (ou integrantes
do exército de reserva) necessitam fazer serviços considerados informais, pois não possuem
nenhuma forma de legalização de seu trabalho, são: engraxates, coletores de materiais
recicláveis, vigilantes de carros, flanelinhas, vendedores ambulantes de faróis, camelôs, dentre
outros. Sendo que esses serviços, normalmente, são prestados pelos marginalizados do
sistema a fim de atender as necessidades da classe que possui maior abastança em nossa
sociedade. Quando não conseguem nem esse tipo de ocupação para fazer, são obrigados a
92
Legião Urbana. Música: “Música de trabalho”. Álbum: A tempestade, 1996.
93
Música: Capitão de Indústria.
226
pedir esmolas. É nesta perspectiva, que a banda Plebe Rude fala a respeito escrevendo o
seguinte:
...Posso
Vigiar teu carro
Te pedir trocados
Engraxar seus sapatos...
Plebe Rude
94
A exclusão e o desemprego provocados pela lógica perversa do capitalismo
conduzem à proliferação de uma multidão de miseráveis, mendigos, pedintes, indigentes etc.
Termos usados para classificar os marginalizados/desumanizados pelo sistema, a eles é
negado inclusive o acesso ao trabalho. Partindo do princípio que o trabalho criou o homem, o
desemprego leva a desumanização do ser humano. A banda Skank narra essa questão em sua
música “esmola
95
”:
Uma esmola pelo amor de Deus
Uma esmola, dê, por caridade
Uma esmola pro ceguinho, pro menino
Em toda esquina, tem gente só pedindo
Uma esmola pro desempregado
Uma esmolinha pro preto pobre doente
Uma esmola pro que resta do Brasil
Pro mendigo, pro indigente...
Eu tô cansado, de dar esmola
Essa quota miserável da avareza
Se o país não for pra cada um
Pode estar certo
Não vai ser pra nenhum...
5.6 - O território como categoria de análise geográfica
Da mesma maneira que as outras ciências sociais “a sociedade é o tema
verdadeiro da geografia [...]” (MOREIRA, 1994, p.68). Entretanto, a geografia possui um
modo particular de estudar a sociedade (CORRÊA, 1986), visto que a reprodução da
sociedade é analisada pela ciência geografia por meio de suas categorias de análise que são:
94
Composição: André X/Gutje/Philippe Seabra. Música: “Até Quando Esperar”.
95
Álbum: Calango (1994). Composição: Samuel Rosa e Chico Amaral.
227
espaço, paisagem, lugar, região e território. Neste sentido, alguns pesquisadores da geografia
entendem o território como tema central da investigação geográfica, como é o caso de
Oliveira (2004, p. 40)
96
que segue autores como Lefebvre, Raffestin, Quaini, Lacoste, entre
outros.
Diferentemente de alguns geógrafos, Raffestin faz distinção entre o que é o
espaço e o que é o território explicando que: “Espaço e território não são termos equivalentes.
Por tê-los usados sem critério, os geógrafos criaram grandes confusões em suas análises, ao
mesmo tempo em que, justamente por isso, se privavam de distinções úteis e necessárias.
[...]”. (RAFFESTIN, 1993, p. 143).
Segundo Raffestin o espaço antecede ao território. É a partir do espaço que o
território é produzido, ou seja, o espaço se transforma em território na medida em que ocorre
a apropriação (material e/ou simbólica) do espaço pelos sujeitos. Este processo pode ser
denominado de territorialização do espaço. Neste caso, para Raffestin a humanização da
natureza não cria um espaço geográfico/social ou uma organização espacial e, sim, um
território
97
. Vejamos em suas palavras:
É essencial compreender bem que o espaço é anterior ao território. O
território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida
por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível.
Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente (por exemplo,
pela representação), o ator “territorializa” o espaço. [...] (1993, p. 143).
Para Lefebvre apud Raffestin, a territorialização do espaço ocorre na medida
em que esse espaço é humanizado/historicizado, ou seja, é modificado pelas relações de
trabalho e contém, por isso, relações de poder. Isto significa que as instalações dos fixos e
fluxos no espaço, bem como todas as modificações no processo de organização espacial como
96
Oliveira, apesar de enfatizar o uso do conceito de território para explicar os fenômenos geográficos, admite a
existência de um espaço como sendo uma totalidade produzida na relação entre sociedade e natureza. Portanto,
não se limita a descrever o espaço apenas enquanto espaço natural. A respeito de esta discussão conceitual ver o
item “Produção do espaço social/geográfico”.
97
Daí a diferença do conceito utilizado por Raffestin de “território” e o conceito de espaço geográfico utilizado
por Ruy Moreira e Lobato Corrêa para denominarem o mesmo objeto de estudo, pois para esses últimos o
processo de humanização da natureza cria a sociedade e sua espacialização é o espaço geográfico, ou
“organização espacial”, que seria a forma geográfica de estudar a sociedade. Essa organização espacial para
Raffestin é o território e não mais o espaço, pois o espaço desaparece com a ação humana. Para Moreira e
Corrêa este espaço que antecede uma ação humana não é objeto de estudo da geografia, pois não possui relações
sociais.
228
a agricultura, pecuária, indústrias, rodovias etc., são produções do trabalho humano que
transformam o espaço em território.
[...] Lefebvre mostra muito bem como é o mecanismo para passar do espaço
ao território: “A produção de um espaço, o território nacional, espaço físico,
balizado, modificado, transformado pelas redes, circuitos e fluxos aí se
instalam: rodovias, canais, estradas de ferro, circuitos comerciais e
bancários, auto-estradas e rotas aéreas etc.”. O território, nessa perspectiva,
é um espaço onde se projetou um trabalho, seja energia e informação, e que,
por conseqüência, revela relações marcadas pelo poder. [...]. (1993, p. 144).
O espaço no entendimento de Raffestin é como se fosse a natureza
primitiva/natural, de que nos fala Marx. Essa natureza ao entrar em contato com o ser
humano, por meio das relações de trabalho, transforma-se de natureza ou espaço natural em
sociedade que, por sua vez, ao se apropriar deste espaço o transforma em território. Neste
caso, o território é o processo de espacialização da sociedade. Vejamos suas explicações:
Para um marxista, o espaço não tem valor de troca, mas somente valor de
uso, uma utilidade. O espaço é, portanto anterior, preexistente a qualquer
ação. O espaço é, de certa forma, “dado” como se fosse uma matéria-prima.
Preexiste a qualquer ação. “Local” de possibilidades é a realidade material
preexistente a qualquer conhecimento e a qualquer prática dos quais será o
objeto a partir do momento em que um ator manifeste a intenção de dele se
apoderar. Evidentemente, o território se apóia no espaço, mas não é o
espaço. É uma produção, a partir do espaço. [...]. (1993, p. 144).
De forma geral, podemos dizer que [...] o território é entendido como um
espaço constituído de um conjunto de relações entre os homens e entre os homens e seu
ambiente material [...]”. (CREVOISIER, 2003).
Portanto, podemos dizer que todas as relações humanas acontecem no
território, por isso entendemos a territorialização como uma relação inerente ao ser humano.
Ou seja, à dimensão espacial e a territorialidade são componentes indissociáveis da condição
humana (HAESBAERT, 2006, p. 16).
Isso quer dizer que “[...] o território não é apenas o conjunto dos sistemas
naturais e de sistemas de coisas superpostas [...]”. (SANTOS, [199?], p. 9). Para Santos
98
, o
98
Temos que fazer algumas ponderações ao uso do conceito de território produzido por Milton Santos, tendo em
vista que nosso referencial principal é Ariovaldo de Oliveira que discute o processo de
construção/produção/apropriação do território, diferentemente da discussão de Santos cuja ênfase está no uso do
território. Em suas palavras: “O território tem que ser entendido como o território usado, não o território em si. O
território usado é o chão mais a identidade. A identidade é o sentimento de pertencer aquilo que nos pertence. O
229
território é o espaço onde todas as ações humanas acontecem, ou seja, é o espaço onde ocorre
a reprodução material e simbólica do ser humano. Dessa forma, “[...] o Território é o lugar em
que se desembocam todas as ações, todas as paixões, todos os poderes, todas as forças, todas
as fraquezas, isto é, onde a história do homem plenamente se realiza a partir das
manifestações da sua existência. [...]”. (SANTOS, [199?], p. 9). Sendo assim, é o espaço de
todas as produções humanas, é o lugar de todos os homens, de todas as empresas e de todas as
instituições (SANTOS, [199?]).
Nesta concepção, o território é entendido em todas as suas dimensões que
envolvem desde a materialidade à subjetividade humana. Pensando a partir desta concepção o
território passa a ser uma categoria geográfica que representa a totalidade, por isso as
concepções acerca do território devem sempre ser integradoras, tentando “[...] buscar superar
a dicotomia material/ideal, o território envolvendo, ao mesmo tempo, a dimensão espacial
material das relações sociais e o conjunto de representações sobre o espaço ou o ‘imaginário
geográfico’ que não apenas move como integra ou é parte indissociável destas relações”.
(HAESBAERT, 2006, p. 42).
Neste sentido, todas as relações humanas fazem parte do território porque
todos nós necessitamos nos territorializar, pois este processo envolve desde o domínio
político-econômico à apropriação simbólico-cultural do espaço pelas pessoas. Por isso,
segundo Haesbaert, podemos conceber a territorialização ...
[...] como o processo de domínio (político-econômico) e/ou de apropriação
(simbólico-cultural) do espaço pelos grupos humanos. Cada um de nós
necessita, como um “recurso” básico, territorializar-se. Não nos moldes de
um “espaço vital” darwinista-ratzeliano, que impõe o solo como um
determinante da vida humana, mas num sentido muito mais múltiplo e
relacional, mergulhado na diversidade e na dinâmica temporal do mundo.
(2006, p. 16).
Dessa forma, concebemos que não existe sociedade sem território, pois o ser
humano, necessariamente, vive em um território onde realiza todas as suas relações, por isso a
sociedade está inserida em um território. Sendo assim, fundamentalmente, o conceito de
sociedade implica em espacialização ou territorialização. Logo, espaço social e sociedade
formam uma totalidade indissociável, tendo as mesmas características/qualidades, pois são
território é o fundamento do trabalho, o lugar da residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da
vida”. ([199?], p. 10).
230
frutos da mesma construção histórica. Sendo ao mesmo tempo a condição que possibilita essa
construção e o resultado dessa construção. Nas palavras de Haesbaert:
A começar pelo simples fato de que o próprio conceito de sociedade
implica, de qualquer modo, sua espacialização ou, num sentido mais
restrito, sua territorialização. Sociedade e espaço social são dimensões
gêmeas. Não como definir o indivíduo, o grupo, a comunidade, a
sociedade, sem ao mesmo tempo inseri-los num determinado contexto
geográfico, “territorial”. (2006, p. 20).
Pensando o território nessa concepção, não devemos negligenciar a
importância dos sujeitos que o produzem, ou seja, “[...] homens concretos (os homens em suas
conformações de classe social) travando relações concretas (contradições de classes)”
(MOREIRA
99
, 1994, p.70). Dessa forma, a construção do território se faz, em nosso período
histórico, por uma sociedade sob o modo de produção capitalista. Logo, sociedade “[...] não é
uma sociedade de homens iguais: é uma sociedade de classes sociais”. (MOREIRA, 1994,
p.68).
Sendo assim, inerentes ao processo de territorialização está a sociedade de
classes. Sociedade esta marcada pela luta de classes, ou seja, uma sociedade
estratificada/classista formada de quatro classes fundamentais: de um lado proletariado e
campesinato, do outro lado burguesia e proprietários de terra. Cujo produto dessa sociedade é
um território construído, conflituosamente, nessa luta mediada por um Estado capitalista.
Neste sentido, o território é uma totalidade dinâmica/contraditória produzida no processo
material de produção/reprodução do capital mediada pela super-estrutura, ou seja, os poderes
simbólicos, políticos, ideológicos, jurídicos etc. Sendo assim, ao reproduzir sua existência
material, por meio das relações de trabalho, a humanidade produz a sociedade. A sociedade
classista ao reproduzir-se, produz o território. Nas palavras de Oliveira:
[...] o território deve ser apreendido como síntese contraditória, como
totalidade concreta do modo de produção/distribuição/circulação/consumo e
suas articulações e mediações supra-estruturais (políticas, ideológicas,
simbólicas etc.), em que o Estado desempenha a função de regulação. O
território é, assim, efeito material da luta de classes travadas pela
sociedade na produção de sua existência. Sociedade capitalista que está
99
Estamos utilizando Moreira, apesar de este autor trabalhar com o conceito de espaço, e com a existência de
apenas duas classes antagônicas na sociedade capitalista, a saber: “Burguesia e Proletariado”, negando deste
modo a existência do campesinato. “[...] uma parte dos homens somente possui sua própria força de trabalho (o
proletariado) e a outra parte possui o conjunto das condições materiais do trabalho (a burguesia) [...]”.
(MOREIRA, 1994, p.71). Portanto, ao contrário do que pensamos, pois entendemos que existem mais duas
classes no capitalismo: os proprietários de terra e os camponeses.
231
assentada em três classes sociais fundamentais: proletariado, burguesia e
proprietários de terra
100
. (2004, p. 40, grifo nosso).
Dessa maneira, o território não existe “em si”, mas ele é produzido
historicamente pelas relações sociais de produção no interior da lógica, dinâmica e
contraditória, do modo de produção vigente. Por isso, concordamos com Oliveira (2004, p.
40) que: “[...] são as relações sociais de produção e a lógica contínua/contraditória de
desenvolvimento das forças produtivas que dão a configuração histórica específica ao
território. Logo, o território não é um prius ou um a priori, mas a contínua luta da
socialização contínua da natureza”.
Dessa forma, passam a ser características inerentes ao território os processos
dinâmicos/dialéticos simultâneos de “[...] construção/destruição/manutenção/transformação
[...]”. (OLIVEIRA, 2004, p. 40). Por conseguinte, o território tem por característica essencial
ser dinâmico e contraditório e, logo, em constante movimento. Sendo assim, podemos
sintetizar o território como “[...] a unidade dialética, portanto contraditória, da espacialidade
que a sociedade tem e desenvolve [...]”. (OLIVEIRA, 2004, p. 40, grifo nosso).
Podemos dizer, ainda, que o território configura-se como produto e condição
da reprodução da sociedade, que sob o modo de produção capitalista pode significar
reprodução ampliada do capital e da força de trabalho, bem como reprodução simbólica da
cultura dos povos inserida na sua territorialidade. Visto que não existe subjetividade separada
da materialidade, o território é, pois, formado por essa totalidade de relações humanas.
Entendemos, então, o espaço geográfico numa perspectiva territorial, como
um produto relacional, ou seja, construído na totalidade das relações sociais que envolvem
múltiplas formas de poder. Porém, de forma geral, um predomínio do poder econômico e
político como “motor” condicionante principal dessas relações. Dessa maneira, apesar de
sabermos que o poder está impregnado no tecido social, perpassando todas as relações
humanas, a conexão entre o poder econômico e o político é a essência da produção territorial
sob o modo de produção capitalista. Nas palavras de Damiani:
Dividir o significado do poder pode significar diluí-lo. Sabemos da
importância de toda e qualquer vontade de poder; sabemos da existência de
uma multiplicidade de poderes - econômicos, políticos, sociais, que definem
territorialidades. Mas a essência do processo, que demarca todas as demais
100
Para Oliveira o campesinato é uma fração da classe dos proprietários de terra. Daí sua afirmação de três
classes fundamentais do sistema capitalista.
232
circunstâncias, é o atrelamento entre o político e o econômico [...]. (2002, p.
19).
5.7 - A geografia escolar: um instrumento de transformação social
Um dia me disseram
Que as nuvens não eram de algodão
Um dia me disseram
Que os ventos às vezes erram a direção
E tudo ficou tão claro
Um intervalo na escuridão
Uma estrela de brilho raro
Um disparo para um coração...
Um dia me disseram
Quem eram os donos da situação
Sem querer eles me deram
As chaves que abrem esta prisão
E tudo ficou tão claro
O que era raro ficou comum
Como um dia depois do outro
Como um dia, um dia comum ...
101
Humberto Gessinger
[...] desde o momento em que foram rompidas as bases comuns de
cooperação, sendo instaurados preceitos de diferenciação social, toda a
produção humana, seja material ou imaterial, tem revelado ações que
reforçam ou dilapidam as bases de sustentação de estruturas sociais
consolidadas. Em outras palavras, advogam a mudança ou a manutenção
do status quo. Daí concluir-se que somos sujeitos políticos, pois
inelutavelmente adotamos posturas que, dentro de uma sociedade desigual,
manifestam posicionamentos favoráveis ou contrários à ordem vigente.
(ALMEIDA; PAULINO, 2000, p. 113).
Vamos iniciar a discussão explicitando algumas questões que para nós são
fundamentais: “[...] qual é o papel da geografia nas escolas? A quem serve seus conteúdos e
sua forma de ensinar? Qual é a função e o papel da escola na sociedade? [...]”. (OLIVEIRA,
1994b, p.139). Com essas questões acreditamos ser possível problematizar o ensino
reprodutivista a fim superá-lo como caminho necessário na construção de um ensino de
geografia transformador.
101
Engenheiros do Hawaii. Música: “Somos Quem Podemos Ser”. Álbum: Ouça o que eu digo: não ouça
ninguém.
233
Na mesma perspectiva, entendemos que nossas indagações visam a
formação de um cidadão crítico diante da sociedade organizada sob o modo de produção
capitalista. Dessa forma, para construirmos nossa posição diante da realidade, temos que fazer
mais indagações: “[...] deve a sociedade ser mudada ou deixada como está? O que a escola
quer e o que almejam com o seu trabalho os professores de Geografia? [...]” (CALLAI, 2001,
p.139). A reflexão da autora referente à mudança da sociedade é para nós o tema central desta
discussão, haja vista que à coisificação das relações sociais e a exclusão social, provocada
pela exploração capitalista, demonstram a necessidade de ruptura com este modelo
socioeconômico vigente.
Pensamos que a postura do professor, na mediação do processo de ensino-
aprendizagem, é essencial na formação dos conceitos geográficos, pois estas questões estão
intrinsecamente relacionadas com a ideologia de classe dos educadores. Ou seja, a geografia
que se pretende ensinar na escola passa, necessariamente, pela postura do professor diante à
realidade. Por isso, temos duas posturas ideológicas antagônicas do professor de geografia
em sala de aula: uma domesticadora e outra libertadora. A postura domesticadora é a que está
relacionada com a reprodução da ideologia neoliberal e que auxilia desde o início na
formação de mão-de-obra submissa ao capital urbano, legitimando, dessa maneira, o papel da
escola enquanto mecanismo ideológico reprodutivista da sociedade classista capitalista. Do
lado oposto, o professor pode optar pela formação libertadora do aluno, auxiliando na
formação de um cidadão crítico diante da realidade que se encontra subordinada ao modo de
produção capitalista. Neste caso, geografia e educação formam um processo emancipatório
que visa à humanização. Visto que são os alunos do Ensino Fundamental e Médio que serão
os futuros trabalhadores, governantes, professores, enfim, sujeitos produtores das relações
socioespaciais. A respeito disso Oliveira afirma:
[...] a transmissão/formação desses conceitos passa necessariamente pela
questão ideológica, da ideologia de classe que ele, professor, professa. Esta
ideologia é que parâmetros para a definição e escolha da geografia que
ele ensina. Nos dia de hoje tem havido lugar para duas grandes vertentes
ideológicas no ensino de geografia, ensinar uma geografia que cria desde o
início trabalhadores ainda que crianças, ordeiros para o capital. Ou ensinar
uma geografia crítica, que forma criticamente a criança, voltada, portanto,
para seu desenvolvimento e sua formação como cidadão. Uma geografia
preocupada desde cedo com o papel que estas crianças/trabalhadores terão
no futuro deste país. Uma geografia que possibilite às crianças, no processo
de amadurecimento físico e intelectual, irem formando/criando um universo
crítico que lhes permita se posicionar em relação ao futuro, que lhes permita
finalmente construir o futuro. (OLIVEIRA, 1994b, p. 143-144).
234
Por isso, entendemos que a geografia, e as outras ciências que estão na
educação formal como disciplina escolar, devem instrumentalizar os alunos para que possam
pensar criticamente a realidade, possibilitando um processo de mudança social. A geografia
escolar deve “[...] procurar desenvolver no aluno a capacidade de observar, analisar,
interpretar e pensar criticamente a realidade tendo em vista a sua transformação”.
(OLIVEIRA, 1994b, p.141).
Tendo em vista que a escola tem a capacidade de desempenhar um
importante papel na construção da conscientização acerca da necessidade de mudança da
realidade, a geografia pelo seu caráter de disciplina que trabalha a sociedade e a natureza
pode, então, auxiliar de maneira extraordinária. Pois, “[...] é na escola que uma parte do
processo de conscientização e/ou não conscientização se desenvolve. Todas as disciplinas têm
um papel a desempenhar nesse processo. À geografia cabe papel singular nesta questão”.
(OLIVEIRA, 1994b, p.143).
Com relação ao ensino da geografia, acreditamos que podemos contribuir
na tarefa de desenvolver na criança a capacidade de conceber a visão holística da realidade,
ou seja, a sociedade como uma totalidade dinâmica e contraditória, fruto de multiplicas
relações. Para conseguir tal objetivo, devemos utilizar de conceitos das ciências humanas e da
natureza. Neste sentido, a geografia na escola tem...
[...] a tarefa de desenvolver na criança e com ela a visão de totalidade da
sociedade brasileira. E esta totalidade é produto da unidade na diversidade,
logo, síntese de múltiplas determinações. A ele cabe a tarefa de ensinar os
conceitos elementares da geografia, economia, política, sociologia,
antropologia, e outras ciências humanas e da natureza: geologia,
geomorfologia, climatologia, astronomia, etc. (OLIVEIRA, 1994b, p.143).
Dessa forma, concebendo o espaço como uma totalidade contraditória que
envolve sociedade e natureza, a geografia deve auxiliar na compreensão do espaço produzido
pela nossa sociedade capitalista, classista, globalizada, desigual e contraditória do século XXI.
Da mesma forma também, é dever da geografia auxiliar na compreensão da apropriação que
essa sociedade faz da natureza de maneira predatória. Corroborando neste sentido, Oliveira
nos afirma que se o espaço...
[...] é uma totalidade que envolve sociedade e natureza. Cabe à geografia
levar a compreender o espaço produzido pela sociedade em que vivemos
hoje, suas desigualdades e contradições, as relações de produção que nela se
235
desenvolvem e a apropriação que essa sociedade faz da natureza.
(OLIVEIRA, 1994b, p.142).
Totalidade essa inserida em uma lógica de produção espacial da sociedade
por meio da transformação da natureza. Conceber o espaço como totalidade é, pois, entender
o espaço geográfico como um conjunto híbrido formado por “um indissociável sistema de
objetos e sistema de ações” (SANTOS, 1997). Ou seja, objetos naturais e objetos sociais em
relação dinâmica com a sociedade. Por isso, na escola o espaço geográfico deve ser
compreendido como uma totalidade fruto de ltiplas relações. Corroborando nesse sentido,
Straforini afirma que:
[...] o ensino de Geografia para crianças, e em qualquer outro nível, deve
buscar a compreensão do espaço geográfico, esse entendido como um
sistema indissociável de sistema de objetos e sistema de ações. Para que os
objetos e ações permaneçam indissociáveis o espaço não pode perder o
sentido de totalidade-mundo. (2004, p. 175).
A Geografia Crítica, por isso, está comprometida com a totalidade, ou seja,
busca não fragmentar as relações para a compreensão do espaço, de uma forma geral tendo
em vista que o avanço das técnicas trouxe a possibilidade da construção de um espaço global.
Não existem mais espaços isolados, logo, o espaço deve ser concebido, sempre, como uma
totalidade desigual e combinada:
Na Geografia não espaços estanques, separados e fragmentados. O
espaço é sempre uma totalidade. A compreensão do espaço geográfico
enquanto uma totalidade tornou-se mais evidente em virtude de uma maior
densificação das técnicas, da ciência e, sobretudo, da informação no
momento histórico atual. (STRAFORINI, 2004, p.22).
Entretanto, se pensarmos que a realidade é uma totalidade, fruto de múltiplas
determinações, não faz parte, apenas, da geografia sua interpretação, por isso a
interdisciplinaridade é o caminho para se atingir nossos objetivos, visto que a
totalidade/realidade também é objeto de estudo das outras disciplinas. Entendemos que não é
possível trabalhar tudo com nossos alunos, pois “tudo” existe enquanto abstração. Sendo
assim, temos que fazer um recorte geográfico significativo, de acordo com a realidade de cada
escola, para trabalharmos em sala de aula. Como, por exemplo, no caso de nossa pesquisa,
optamos por um recorte geográfico articulado com a temática da questão agrária, devido a
realidade camponesa vivenciada pelos nossos alunos. Dito de outra maneira:
236
Se a realidade é o ponto de partida, o que da realidade deve ser trabalhado
com os alunos? Tudo? Sabemos que isso é impossível, pois a realidade, que
também é um sinônimo para a totalidade, existe como abstração.
Devemos encontrar na totalidade os eventos, ou melhor, a situação
geográfica para extrair dela o que realmente é significativo como conteúdo
geográfico, pois na totalidade também estão os conteúdos de todas as outras
disciplinas. A situação geográfica é um recorte da história, ou do processo
no presente. Para cada realidade educacional o projeto pedagógico deve
buscar a situação geográfica que lhe pertença. (STRAFORINI, 2004,
p.174).
Neste sentido, pensamos que a geografia, apesar de compartilhar com
outras ciências sociais o objeto sociedade, tem como particularidade estudá-la a partir de suas
categorias analíticas. Sendo assim: “A sociedade é o tema verdadeiro da geografia. E ela
estuda-la-á a partir daquilo que é a expressão material visível da sociedade: o espaço. [...]”.
(MOREIRA, 1994, p.68). Daí, a necessidade da geografia em analisar criticamente a
realidade, visto que esta sociedade se encontra inserida no modo de produção capitalista e,
logo, se trata de uma sociedade estratificada.
Neste sentido, a geografia vai explicar que o espaço é produzido pela
sociedade continuamente/dinamicamente/historicamente, por isso, estamos em um constante
movimento. A geografia vai esclarecer “[...] como as sociedades produzem o espaço,
conforme seus interesses em determinados momentos históricos e que esse processo implica
uma transformação contínua”. (OLIVEIRA, 1994b, p.142). A fim de construir uma outra
realidade, a geografia mostra-se direcionada a explicar as contradições e denunciar as
desigualdades presentes nas formações socioespaciais. “[...] Fato este que poderá contribuir
para possíveis modificações e aprimoramento da nossa sociedade”. (VIEIRA, 2004, p. 29).
Partimos, portanto, do princípio de que a geografia escolar pode ser um dos
instrumentos da educação capaz de proporcionar conscientização do indivíduo e uma
conseqüente transformação social. Principalmente, devido ao seu objeto de estudo, qual seja,
a sociedade por meio do espaço. Pois, não há como considerar o indivíduo, o grupo, a
comunidade, a sociedade, sem ao mesmo tempo inseri-los num determinado contexto
geográfico, ou mais especificamente, “territorial” (HAESBAERT, 2006, p. 20)
.
Por
conseguinte, a Geografia Crítica tem a capacidade de orientar a “[...] conscientização do
indivíduo acerca de sua realidade espacial e de seu papel social dentro dessa realidade [...]”.
(VIEIRA, 2004, p. 29).
237
Entendemos que a ciência geográfica permite o entendimento do espaço,
este fato transforma a geografia em uma disciplina essencial para a instrumentalização do
aluno para que exerça a cidadania de maneira crítica e transformadora, pois “[...] as questões
da sociedade, com uma ‘visão espacial’, é por excelência uma disciplina formativa, capaz de
instrumentalizar o aluno para que exerça de fato a sua cidadania”. (CALLAI, 2001, p. 134).
No entanto, para que essa instrumentalização
102
transformadora do aluno
seja possível, se faz necessário que a geografia se torne uma disciplina contextualizada, a fim
de que o aluno consiga perceber sua relação com a realidade na qual esinserido. “[...] é
preciso que tomemos nas mãos a tarefa de construir o ensino de uma geografia viva,
participante”. (OLIVEIRA, 1994b, p.139).
Nesta perspectiva, o conhecimento da geografia para a classe subalterna
deve servir para que sejam capazes de perceber as formas de opressão na qual estão sendo
submetidos e quem são os responsáveis pela exploração. Devem compreender como diz na
música de Gessinger
103
: “Quem são eles? Quem eles pensam que são?Ou ainda: Um dia
me disseram quem eram os donos da situação / Sem querer eles me deram as chaves que
abrem essa prisão”
104
. Ou seja, o oprimido deve entender quais são as estratégias utilizadas
pelos detentores do poder para sustentar a dominação, proporcionando, assim, uma tomada de
consciência coletiva, a fim de tentar conseguir buscar um rompimento das estruturas
dominantes.
O conhecimento da geografia deve servir como instrumentalização dos
oprimidos para que sejam capazes de perceber a exploração capitalista da qual são vítimas,
bem como, entender quem são os responsáveis por essa exploração e quais as estratégias que
podemos nos utilizar a fim de rompermos com essa lógica dominante. Isto é, a geografia deve
proporcionar aos oprimidos o acesso às “chaves que abrem à prisão do sistema”, para que
alcancem à liberdade. Logo, concordamos com Batista (1995, p.14) quando diz que a
geografia deve servir para que os oprimidos percebam “[...] as estratégias daqueles que
dominam e usam o poder em escala mundializada, [e que] a tomada de consciência passa por
uma análise global da crise para possibilitar a compreensão coletiva de problemas”.
102
Estamos pensando em instrumentalização como forma de mediação do professor no processo ensino-
aprendizagem, não de uma maneira técnica, mas de maneira que faça com que o conhecimento seja uma
ferramenta que auxilie no entendimento da realidade. Permitindo que os sujeitos alcancem a autonomia
intelectual que lhes permitam ler a realidade de maneira crítica, ou seja, atingindo a consciência crítica de que
nos fala Paulo Freire, que nos permite fazer e re-fazer as relações sociais como sujeitos histórico-geográficos.
103
Engenheiros do Hawaii. Música: 3ª pessoa do plural. Álbum: Surfando Karmas e DNA.
104
Engenheiros do Hawaii: Música: Somos quem podemos ser. Álbum: Ouça o que eu digo: não ouça ninguém.
238
Apesar de atualmente a geografia não ser concebida desta forma nas escolas,
é necessário destacar que no século XXI, globalizado, a geografia deveria ser uma das
disciplinas mais interessantes para auxiliar a compreensão da realidade vivida pelo aluno,
possibilitando uma contextualização desta realidade. Pois, além de possuirmos uma produção
teórica bastante fecunda acerca da globalização, a geografia faz parte da vida de todos nós. É
por isso que Brabant considera que “na época da abertura da escola para o mundo
contemporâneo, a geografia deveria ser uma das disciplinas melhor equipadas para despertar o
interesse dos alunos [...] devia, pois, se centralizar sobre a utilização do vivido no quadro de
ensino”. (1994, p. 15). Transformando, assim, o educando não em “[...] um revoltado, mas, ao
contrário, um cidadão ligado à comunidade a que pertence”. (BRABANT, 1994, p. 15).
Neste sentido, a capacidade de transformação da geografia se deve ao fato de
possuir uma relação intrínseca com a realidade. Daí, a facilidade de contextualização com a
realidade vivida pelo aluno. Pois, no próprio caminho do aluno para a escola, ele está
vivenciando o espaço geográfico, ou da mesma forma, ao falar a respeito do local onde mora,
está descrevendo seu território. Sendo assim, sua importância está relacionada ao “[...] fato de
a geografia fazer parte da vida humana, a partir do próprio fato de que todo dia fazemos nosso
‘percurso geográfico’, de casa para o trabalho, do trabalho para a escola, da escola para o
trabalho”. Por isso, o conhecimento geográfico não é privilegio da escola, pois está presente
no dia-a-dia de todos. Logo, “[...] não precisamos freqüentar a escola para comungar com a
geografia. Nós a percebemos e a aprendemos por força do nosso próprio cotidiano”.
(MOREIRA, 1994, p.55-56).
Nesta perspectiva, é no próprio cotidiano que o ser humano edifica o espaço
geográfico, que é o espaço de reprodução do ser humano, por meio de “[...] uma combinação
de lugares e de relações entre lugares tece uma unidade de espaço geográfico, constituindo o
espaço de existência dos homens. Este espaço pode ser a residência, a fábrica ou próprio
mundo [...]”. (MOREIRA, 1994, p.55-56).
Entretanto, para que a geografia se torne viva para o aluno é necessário que o
professor se utilize de vários recursos didáticos que auxiliem na compreensão do conteúdo
estudado como: música, teatro, filmes, mapas, fotos, textos, pesquisas de campo, entrevista
com os pais etc. Não tem como se construir um ensino instigante de geografia se o professor
continuar a utilizar apenas o livro didático, lousa e giz para ensinar.
[...] deve realizar constantemente estudos do meio (para que o conteúdo
ensinado não seja meramente teórico ou ‘livresco’ e sim real, ligado à vida
239
cotidiana das pessoas) e deve levar os educandos a interpretar textos, fotos,
mapas, paisagens. É por esse caminho, e somente por ele, que a geografia
escolar vai sobrevivendo e até mesmo ganhando novos espaços nos
melhores sistemas educacionais. (VESENTINI, 1995, p. 16).
Dessa forma, o ensino de geografia do século XXI não pode ser aquele do
modelo tradicional, baseado na memorização de informações fragmentadas e,
ideologicamente, afirmadas sobre o princípio da neutralidade. Todavia, não basta apenas
substituir os conteúdos tradicionais por conteúdos críticos, se continuar tendo como base um
método de ensino tradicional baseado na memorização de conceitos. Nas palavras de
Vesentini, o ensino da geografia não pode ser...
[...] aquele tradicional baseada no modelo: ‘a Terra e o Homem’, onde se
memorizava informações sobrepostas (do relevo, clima, fusos horários,
agricultura, cidades, etc.) a respeito de alguns aspectos pré-definidos dos
países ou continentes. [...] [Também] [...] o é a que meramente substitui
um conteúdo tradicional por um outro esquematizado e pretensamente
revolucionário [...]. (VESENTINI, 1995, p. 15).
Pelo contrário, o ensino de geografia no século XXI deve possibilitar que o
aluno seja instigado a pensar a realidade. O professor deve mediar o processo de ensino-
aprendizagem para que o educando construa seu conhecimento de maneira autônoma e
dinâmica acerca do espaço geográfico capitalista globalizado. Dito de outra forma:
[...] o ensino da geografia no século XXI, portanto, deve ensinar - ou
melhor, deixar o aluno descobrir - o mundo em que vivemos, com especial
atenção para a globalização e as escalas local e nacional, deve enfocar
criticamente a questão ambiental e as relações sociedade/natureza [...].
(VESENTINI, 1995, p. 15-16).
Segundo Straforini, o desinteresse dos alunos com relação à disciplina de
geografia se deve ao fato de não termos conseguido, ainda, discutir em sala de aula o espaço
em toda a sua complexidade, por isso os alunos não se sentem inseridos no mundo enquanto
sujeitos que atuam no espaço que lhes pertence e que pode ser por eles criado/recriado.
[...] o desinteresse dos alunos para com à disciplina, conseqüência direta de
um conceito de espaço geográfico que só existe em nossas cabeças. Quando
conseguirmos vislumbrá-lo como realmente é – dinâmico, contraditório,
múltiplo, complexo e relacional, nossos alunos se identificarão com a
disciplina, porque, antes estarão identificando-se como cidadãos “no e do”
mundo. (2004, p.73).
240
5.7.1 - O materialismo histórico e dialético como pressuposto teórico-metodológico do
ensino da geografia: a Geografia Crítica/Dialética em sala de aula
Acreditamos que o ensino da geografia deve proporcionar aos alunos não
apenas a interpretação dos fenômenos geográficos, mas, sobretudo, despertar neles a
necessidade de mudança da realidade. Dessa maneira, “[...] precisamos formar cidadãos que
sejam capazes de ler os fenômenos geográficos de forma crítica e agir sobre eles, e,
sobretudo, que o conceito de Geografia seja construído”. (SANTOS, R., 2003, p. 492).
Somente a geografia sob o paradigma do materialismo histórico e dialético,
que foi denominada de Geografia Crítica, é capaz de analisar de maneira crítica essas relações
socioespaciais. Defendemos então a necessidade de se fazer uma Geografia Crítica/Dialética
na escola, a fim de explicarmos as contradições socioeconômicas produzidas pelo capitalismo
nas relações socioespaciais.
[...] significativas contribuições podem ser oferecidas pelo conhecimento
geográfico construído sob os pressupostos teórico-metodológicos do
materialismo histórico e dialético, pois se trata de uma corrente do
pensamento geográfico que trouxe importantes elementos para o
desvendamento das contradições socioeconômicas existentes na sociedade
capitalista. Cabe lembrar que essa corrente ficou conhecida no Brasil como
Geografia Crítica. (VIEIRA, 2004, p. 31).
Vamos procurar explicar com foi sendo construído esse pensamento na
geografia. O que se denominou de Geografia Crítica, é uma corrente da geografia “[...] cujo
vetor mais significativo é aquele calcado no materialismo histórico e na dialética marxista”.
(CORRÊA, 1986, p.19). De acordo com Corrêa e Oliveira, essa tendência na geografia teve
sua origem quando ainda se predominava o pensamento tradicional/positivista no final do
século XIX, por isso permaneceu, por motivos ideológicos, na marginalidade. Ela nasce
efetivamente da proposta dos “[...] anarquistas Elisée Reclus e Piotr Kropotkin. Ela não fez
escola, submergida pela geografia ‘oficial’, vinculada aos interesses dominantes”. (CORRÊA,
1986, p.19).
Para Oliveira, a dialética na geografia foi marginalizada intencionalmente,
pois inserida no movimento anarquista não se tornou instrumento de dominação da burguesia.
Seus principais teóricos foram Reclus e Kropotkin:
241
A dialética, por sua vez, como corrente filosófica na Geografia, a meu ver,
constitui-se em uma espécie de raiz, propositadamente esquecida. Nascida
das obras de Elisée Reclus e Piorr Alekseievitch Kropotkin, permaneceu
praticamente no interior do movimento anarquista do século XIX e início do
século XX. [...]. (1999; 2004, p.32).
Entretanto, oficialmente, esse movimento da geografia começou a se
formar na década de 1940, com geógrafos que eram adeptos da “[...] nova geografia como
William Bunge e David Harvey, ou que tinham uma posição política de esquerda na geografia
herdeira das tradições Vidalianas, a exemplo de Yves Lacoste”. (CORRÊA, 1986, p.20).
Esses adeptos da dialética marxista eram, na sua maioria, professores das
universidades francesas (OLIVEIRA, 1994c). Muitas vezes, os trabalhos desses geógrafos
mesclavam as concepções filosóficas da dialética e do historicismo. Mas, possuíam em
comum as discussões acerca da transformação da sociedade capitalista:
[...] Contemporâneos de Karl Marx discutiram profundamente as
concepções de Hegel sobre a dialética e a transformação da sociedade
capitalista. Esse debate foi retomado depois, final da década de 30 e início
da década de 40 do século XX, por um grupo de geógrafos franceses (Pierre
George, Yyes Lacoste, Raymond Guglielmo, Bernard Kayser, Jean Dresch
Tricart, entre outros). Muitas vezes, a influência historicista mesclava
também os trabalhos dessa corrente, como é o caso de trabalhos de Pierre
George. (OLIVEIRA, 2004, p.32-33).
No entanto, em se tratando especificamente do Brasil, o movimento
demorou muito mais tempo para chegar, seu início tem como marco o ano de 1978 como nos
explica Corrêa: “No caso do Brasil, a Geografia Crítica nasce no final da década de 70, cujo
marco foi o 3.º Encontro Nacional de Geógrafos, realizado em julho de 1978 em Fortaleza,
sob os auspícios da Associação dos Geógrafos Brasileiros”. (1986, p.20).
Essa concepção filosófica, na geografia, tem sido marcada por destacar o
condicionamento sócio-histórico da ciência e a sua natureza ideológica de classe. Com o
marxismo rompe-se com o discurso ideológico/positivista de ciência neutra e passa-se a ter
como concepção científica a transformação da realidade a fim de alcançarmos um maior
equilíbrio socioambiental. Em outras palavras:
[...] Essa influência tem sido marcada por princípios que sustentam esta
escola de pensamento. Pode-se destacar, entre os mesmos, o
condicionamento histórico e social do pensamento, portanto o seu caráter
ideológico de classe. Com o marxismo, começa-se a batalhar pelo
desmascaramento do discurso pretensamente neutro e objetivo presente no
242
positivismo e no empirismo lógico, e mesmo no historicismo. (OLIVEIRA,
2004, p. 33).
A Geografia Crítica incorpora em suas discussões temas relacionados com
a questão sociedade-natureza, até então pouco valorizadas, mas que se faz de fundamental
importância para explicar o espaço geográfico capitalista de maneira crítica, por exemplo:
“[...] a questão da jornada de trabalho, da terra urbana, habitação, dos transportes regionais e
da localização industrial. [...] o Estado e os demais agentes da organização espacial: os
proprietários fundiários, os industriais, os incorporadores imobiliários etc.”. (CORRÊA, 1986,
p.20).
A análise geográfica por meio da Geografia Dialética Marxista se faz
partindo da realidade. Então para concebê-la é preciso compreender o processo histórico
envolvido na construção das relações socioespaciais dessa realidade, encontrando a origem
dessas relações e o que as mantém funcionando, ou seja, tentando-se chegar à essência dessas
relações. Dessa maneira, “[...] partimos da realidade, claro, mas submetemos à nossa
elaboração crítica, na seqüência, procurando ir além da sua apreensão em bases puramente
sensoriais. Procuramos captar a gênese, a evolução e o significado do objeto [...]”. (CORRÊA,
1986, p.20-21).
Também, é inerente a análise do espaço concebê-lo como uma totalidade
desigual e combinada, baseando-se, assim, na “[...] lei do desenvolvimento desigual e
combinado proposto por Trotsky”. (CORRÊA, 1986, p.43). Esta lógica explicativa do espaço
“[...] refere-se ao fato de ser cada aspecto da realidade constituído de dois processos que se
acham relacionados e interpenetrados, apesar de serem diferentes e opostos”. (CORRÊA,
1986, p.43).
Isso quer dizer que a realidade é formada de contradições que geram as
diferenças nas formações socioespaciais, em diferentes momentos da história da humanidade.
Essa produção desigual do espaço resulta em grupos diferenciados que produzem, então, seus
diferentes modos de vida, nas diversas partes do espaço terrestre. Dessa forma, a produção da
diversidade sociocultural não se faz independente das contradições da realidade:
As desigualdades que aparecem caracterizam-se pela combinação de
aspectos distintos dos diversos momentos da história do homem. Isto resulta
no aparecimento de grupos também, distintos ocupando específicas parcelas
da superfície da Terra, a imprimindo suas próprias marcas, a paisagem,
que nada mais é que uma expressão de seus modos de vida. (CORRÊA,
1986, p.43).
243
É baseando-se nessa concepção, do movimento capitalista desigual e
combinado, que podemos entender porque o espaço, apesar de constituir-se articulado
globalmente, é produzido desigualmente. Sendo que podemos perceber essas diferenças de
desenvolvimento entre os países do mundo, ou mesmo, no interior do próprio país. Ou seja,
podemos compreender o “[...] processo de regionalização que diferencia não países entre si
como, em cada um deles, suas partes componentes, originando regiões desigualmente
desenvolvidas mais articuladas”.
(CORRÊA, 1986, p.43).
Nesta perspectiva, podemos entender a produção desigual do espaço
partido da concepção de que o espaço é construído por sociedades desiguais, logo “[...] os
espaços também são desiguais: campo/cidade, regiões metropolitanas/cidades médias/cidades
pequenas etc.”. (OLIVEIRA, 1994b, p. 142).
Podemos entender, também, esse processo de produção desigual do espaço
a partir de Milton Santos, pois ele nos diz que apesar do mundo ser uma totalidade, ele é
desigual e combinado porque o uso da ciência/técnica/informação ocorre de modo desigual
neste modo de produção. Em suas palavras: “[...] o mundo para nós é um todo sistêmico,
desigual e combinado. Ele é um todo sistêmico em virtude da técnica, da ciência e da
informação que permitem a unicidade da técnica, a convergência dos momentos e a
cognoscibilidade do planeta”. (apud STRAFORINI, 2004). Mas ele é desigual e combinado
porque o uso político das técnicas, da ciência e da informação é diferenciado (STRAFORINI,
2004).
Sendo assim, com base na exposição anterior a respeito da análise dialética
do espaço, afirmamos que esse pressuposto teórico, que é incorporado ao ensino da geografia
na década de 1980, tinha o objetivo de formar um cidadão que interagisse, criticamente, sobre
sua realidade espacial. Esta corrente incorpora, nessa cada, temas importantes e este fato
fez com que a geografia se aperfeiçoasse enquanto disciplina curricular. Entendemos que
esses temas foram decisivos basicamente porque passaram a conceber as relações de trabalho
e as relações socioeconômicas como importantes determinantes para a produção espacial.
Segundo Vieira, o entendimento dessas relações...
[...] conduzem os alunos a uma visão crítica da organização espacial da
sociedade, à medida que os levam a considerar as relações sociais (de
trabalho, políticas e econômicas), existentes entre as pessoas e entre os
lugares, como determinações importantes da produção do espaço
geográfico. (2004, p. 31).
244
Reafirmamos que o entendimento das relações de trabalho se faz de extrema
importância se tivermos como proposta que o educando se posicione criticamente frente à
realidade. Tendo em vista que as relações sociedade-natureza se fazem, historicamente, por
meio das relações de trabalho, ou seja, o ser humano se apropria da natureza a partir das
relações de trabalho. Por isso, se esta relação estiver subordinada aos interesses do capital, o
resultado será a depredação da natureza. Logo, fundamental se faz o entendimento destas
questões no Ensino Fundamental para que o educando possa ler a realidade e produzir seu
posicionamento de classe. Dito de outra maneira:
A apropriação da natureza se pelo processo de trabalho, que é um ato
social. Portanto, dado que é pelo trabalho social que se estabelece a relação
sociedade-natureza, é fundamental o entendimento da sociedade para
entender a natureza, já que esta é apropriada historicamente.
[...] O entendimento do seu processo de formação e transformação é
importante para fundamentação científica que permitirá um posicionamento
crítico frente aos processos de apropriação da natureza que acabam levando
à sua degradação. (OLIVEIRA, 1994b, p.142-143).
Dessa maneira, concordamos com Straforini que sob os pressupostos teórico-
metodológicos do materialismo histórico e dialético é possível construir um ensino de
geografia que consiga entender a realidade e a ação humana no espaço. Ainda segundo
Straforini, o entendimento do espaço como totalidade e como construção histórica permite aos
alunos entenderem as relações de espaço-tempo e, também, a ruptura com a dicotomia entre
geografia física e geografia humana.
Sob a luz da Geografia Crítica é possível que realmente se possa
desenvolver um ensino que favoreça o entendimento real e concreto da ação
humana através da relação espaço-tempo - e de suas múltiplas relações e
determinações -, procurando compreender o movimento da sociedade sobre
o espaço ao longo do tempo, o que poderá ocorrer através de uma visão de
totalidade, e não fragmentada, descritiva e superficial da sociedade. (2004,
p.68).
Todavia, para se conseguir implantar a Geografia Crítica na escola se faz
necessário rompermos com o positivismo presente na educação, pois se isso não ocorrer
haverá uma contradição paradigmática que levará, inevitavelmente, ao impedimento da
construção de uma geografia transformadora. Nesse sentido, entendemos que o educando
deve ser concebido como o sujeito de sua aprendizagem e não como objeto, necessitando para
245
isso de uma educação que conceba o processo de aprendizagem como dinâmico. Rompendo
com a fragmentação do conhecimento e a ideologia de neutralidade contida na educação
tradicional. Dito de outra maneira:
Para que os ideais da Geografia Crítica tenham sucesso na escola,
precisamos romper com a estabilidade, a fragmentação e a neutralidade da
Educação Tradicional. O aluno precisa ser inserido na Educação não como
uma “tábua rasa” ou como um elemento que simplesmente reage a
estímulos vindos de fora. A idéia de dinâmica e movimento da Geografia
Crítica necessita da ão. Nesse sentido, o aluno deve executar a ação.
Pensando no processo de ensino-aprendizagem a ação do aluno sobre o
objeto do conhecimento é a chave para sua construção. (2004, p.69).
Por isso, com o Construtivismo, enquanto uma concepção teórica de
aprendizagem, que também é dialética, foi criada as condições para se implantar a Geografia
Crítica na Educação Básica. De acordo com Straforini, aconteceu o “casamento” entre
Geografia Crítica e Ensino Construtivista. E a isso acrescentamos à Pedagogia
emancipatória Freireana e a Pedagogia do Movimento. Que, no nosso entender, são
concepções teórico-metodológicas que podem dialogar para a construção de um ensino
emancipatório. Este “casamento” possibilita a formação de cidadãos críticos e participativos,
visto que possibilidade dos alunos construírem seu conhecimento com autonomia e
reflexão crítica a partir da realidade em que estão inseridos, se transformando em sujeitos
ativos para a transformação da sociedade. No entanto, essa relação ainda está por ser
construída porque temos muitos resquícios do positivismo na educação e no ensino da
geografia. Pois, durante muito tempo, ocorreu o “casamento”, na escola, da Educação
Positivista e a Geografia Positivista, sem questionamentos. Nas palavras de Straforini:
Enquanto o positivismo foi o seu pressuposto teórico-metodológico e
filosófico, a Geografia não apresentou o menor problema em se instalar nas
salas de aula, pois esta também era positivista. Na verdade tínhamos um
casamento entre a Geografia Tradicional com a Educação Tradicional.
Quando, no seu processo de desenvolvimento, a Geografia lança mão do
positivismo e toma o materialismo histórico como método, a sua relação
com a Educação começa a se distanciar. Esse distanciamento, porém, é
superado com o aparecimento do construtivismo na Educação. Estava dada,
assim, a condição para que a Geografia e a Educação pudessem caminhar
juntas num processo de ensino aprendizagem significativo para os alunos,
voltada para a formação de cidadãos críticos e participativos no processo de
transformação da realidade. (STRAFORINI, 2004, p. 23).
246
Concordamos com Straforini (2004) que a opção pelo Construtivismo
Sociointeracionista de Vigotski é o caminho necessário, pois esta concepção é a que melhor
entende que na formação do conhecimento as relações sociais são mais importantes do que as
influências biológicas/hereditárias/naturais. Opondo-se, assim, em alguns aspectos, ao
Construtivismo de Piaget, pois este por ser biólogo acabou valorizando a maturação biológica
como mais importante do que as relações sociais na formação do ser humano. Vigotski,
soviético, pelo contrário, tinha uma concepção marxista acerca da construção da consciência
humana, ele entendia que ela se desenvolve a partir das relações do homem com seu meio a
fim de suprir suas necessidades de sobrevivência.
Entretanto, é preciso lembrar que o Construtivismo é uma concepção
psicogenética ou psicopedagógica que trata apenas de como ocorre o processo de construção
do conhecimento humano, não tratando, portanto, das relações de poder e ideológicas que
envolvem a sociedade e a educação formal. Por isso, não substitui a Pedagogia Libertadora de
Paulo Freire que concebe a construção do conhecimento de maneira construtivista/dialógica,
mas trata, também, a educação como processo de libertação/humanização/emancipação,
relacionando assim educação e sociedade. Portanto, Paulo Freire avança com relação às
concepções construtivistas quando insere como parte inerente do processo educativo a
conscientização política e a desmistificação da neutralidade. Todavia, é clara a possibilidade
de diálogo entre essas concepções teórico-metodológicas, não havendo contradição como
ocorria na Educação Tradicional/Positivista.
Logo, não existe condições da dialética e do positivismo coexistirem como
pressupostos teórico-metodológicos na Educação Básica no sentido de juntos construírem
uma consciência de transformação social, pois são métodos antagônicos de interpretação da
realidade. Então, concordamos com Straforini quando escreve que...
[...] não acreditamos que a coexistência de métodos tão díspares possa
produzir idéias e a coexistência da necessidade de superação das
desigualdades sociais brasileiras. [...]. Somente com a união da Geografia
Crítica com o Construtivismo
105
poderemos fazer da Geografia uma
disciplina forte e transformadora. (2004, p. 24).
105
Como já dissemos anteriormente acrescentamos às análises de Straforini a Pedagogia Freireana e a Pedagogia
do Movimento, pois entendemos que o Construtivismo, mesmo aquele Vigotskiano, não tem a conscientização
política como parte inerente do processo de ensino e não trabalha as especificidades do campo. Por meio dessa
junção na análise entendemos estar dando a nossa contribuição no avanço da proposta educativa emancipatória.
247
Faz-se necessário esclarecer que esse “casamento” diz respeito ao método,
pois o Construtivismo Sociointeracionista, a Pedagogia Freireana e a Pedagogia do
Movimento, assim como a Geografia Crítica, incorporam a dialética marxista que prima pela
idéia de movimento, dinâmica e contradição no processo. Essas concepções teórico-
metodológicas também concebem o indivíduo como ativo, ou seja, sujeito do processo de
construção do conhecimento. Por isso, se trata de uma experiência diferente daquela ocorrida
na década de 1980, quando a Geografia Crítica tentou penetrar na escola, mas sua efetivação
foi impedida pela Educação Tradicional. Pois, nessa fase, incorporou-se apenas a categoria
marxista “Formação Econômica e Social” ao conteúdo de geografia. Ou seja, apenas os
conteúdos se tornaram críticos, mas o aluno continuava passivo no processo, apenas
memorizando conceitos fragmentados e, por isso, não ocorrem mudanças efetivas. Não houve,
então, uma relação entre o conteúdo estudado e a realidade do aluno. Dito de outra maneira:
A defesa do casamento da Geografia Crítica com o Construtivismo não
significa a retomada unilateral do que se fez nos anos oitenta e noventa a
partir da categoria marxista Formação Econômica e Social. Isso seria
defender o produto, ou seja, o seu resultado. O que está em discussão é o
meio, isto é, o método. Tanto o Construtivismo quanto o materialismo
histórico incorporam a idéia de processo, ou seja, de movimento, dinâmica
e contradição. Logo não podemos pensar que a ação da Geografia Crítica
Escolar no presente seja a mesma daquele momento de surgimento, pois as
condições históricas do presente estão completamente diferenciadas. (2004,
p.73).
Por isso, não se trata de uma discussão ultrapassada, pois as condições para a
efetivação dessa educação transformadora aconteceu, está faltando, agora, conseguirmos
efetivá-la na prática em sala de aula. Portanto, os desafios não acabaram. Segundo Straforini,
o que está faltando é a “festa de comemoração de casamento” entre essas tendências
emancipatórias na escola. E acrescentamos à análise de Straforini, que no campo esse
casamento e a necessária festa incluem ainda a Pedagogia Freireana e a Pedagogia do
Movimento.
A Geografia Crítica e o Construtivismo não estão ultrapassados. Na
verdade, poucas foram as suas experiências reais, o que nos permite dizer
que ainda tem muito a fazer e a desvendar. Historicamente, as condições
para o casamento da Geografia Crítica com o Construtivismo já foram
dadas. O que ainda não aconteceu foi a sua festa. Esse é o nosso desafio.
(2004, p.73).
248
Concordamos com Pontuschka que o método dialético, por ser
revolucionário, é capaz de questionar a realidade. E no processo de ensino-aprendizagem
pode possibilitar a construção de conceitos de forma conjunta, professores e alunos, partindo
da realidade do sujeito-estudante:
[...] Somente o método dialético por ser inquietante, poderia colocar em
xeque a realidade presente e a que seria herdada pelas futuras gerações e
refletir sobre qual o futuro que queremos. Através desse método, não se
transmitia o conceito ao aluno, a partir da realidade concreta de sua vida, o
conceito seria construído. (PONTUSCHKA, 1999a, p.129).
Defendemos a dialética por ser um método essencialmente crítico, daí a
geografia, sob sua influência, também ser crítica. Essa crítica se faz no sentido da produção de
uma ciência viva, que está em constante movimento. E que, por sua vez, entende o espaço,
também, como dinâmico.
Além disso, diferentemente dos demais métodos, o método dialético traz
consigo a recuperação de um espaço crítico que a geografia precisa ter.
Portanto, esta geografia que se incorpora à dialética é uma geografia
essencialmente crítica. Sendo que, através da crítica, é que se produz e
reproduz uma ciência viva. Pois ciência que não se renova, não se
transforma, é ciência morta, é droga. (OLIVEIRA, 1994b, p.140).
A proposta dialética na geografia é, dessa maneira, contrária ao ensino
“bancário” e a favor da proposta emancipatória/dialógica/libertadora/humanizadora de Paulo
Freire. Nesta concepção, o educando como sujeito de sua aprendizagem, não se torna um
depósito de informações, mas, sim, um construtor do conhecimento a partir de sua realidade.
E, também, o professor deixa de ser o dono do saber e passa ser um mediador do processo de
ensino-aprendizagem. Por isso, “[...] o professor deve deixar de dar os conceitos prontos para
os alunos, e sim, juntos, professores e alunos participarem de um processo de construção de
conceitos e de saber”. (OLIVEIRA, 1994b, p.140). Por conseguinte, “[...] neste processo, o
professor deixa de ser um mero transmissor de conhecimentos e o aluno mero receptáculo do
saber”. (OLIVEIRA, 1994b, p.140).
Dessa forma, temos que possibilitar a transformação do educando em um
ser ativo/dinâmico capaz de construir, juntamente com o professor, o seu conhecimento. Por
conseguinte, consideramos importante no ensino da geografia se ter o “[...] objetivo de
transformar o aluno de receptáculo de informação em um ser crítico, capaz, desde o início do
249
processo de aprendizagem, de criar/construir o saber. Ao mesmo tempo, o professor vai se
transformando de transmissor em criador deste mesmo saber”. (OLIVEIRA, 1994b, p.141).
A nossa proposta é educar para a cidadania e, para tanto, temos que entender
o aluno de forma plena. A educação para a cidadania é obrigação da educação como um todo.
E a geografia escolar também cabe esse papel fundamental. Todavia, apesar dos inúmeros
discursos atuais acerca da importância do ensino para a cidadania, na maioria das vezes, a
questão é tratada de forma superficial e não se considera o educando como um sujeito ativo
no processo histórico, capaz de se tornar um agente transformador de sua realidade. Pois,
além de estudante ele é um sujeito que intervém na realidade e será futuro trabalhador, eleitor,
político, cientista, professor etc. Daí a responsabilidade da educação formal em sua formação
crítica.
A educação para a cidadania é um desafio para o ensino e a Geografia é a
uma das disciplinas fundamentais para tanto. O conteúdo das aulas de
Geografia deve ser trabalhado de forma que o aluno construa a sua
cidadania. E muito se tem falado em educação para a cidadania, mas de
maneira, muitas vezes, irreal e inalcançável, burocrática, ligada ao
positivismo e com soluções técnicas, definida num ou em vários objetivos,
que no mais das vezes consideram o sujeito-estudante deslocado do mundo
em que vive, como se fosse um ser neutro e abstrato. (CALLAI, 2001,
p.136).
Reiteramos então a necessidade de se fazer uma Geografia Crítica na escola,
sob os pressupostos teóricos e metodológicos do materialismo histórico e dialético, por se
tratar uma geografia comprometida com a transformação social. No processo educativo,
portanto, a geografia tem que servir como instrumento de transformação para libertação das
camadas oprimidas, por isso “[...] de agora em diante é preciso aprender a ensinar uma
geografia da libertação”. (WETTSEIN, 1994, p.134).
Sendo, assim, de maneira sintética, defendemos como concepções teóricas
necessárias para a construção de uma educação transformadora: a Geografia Crítica
(materialismo histórico e dialético), o Construtivismo
106
(sociointeracionista de Vigotski) e a
Pedagogia Libertadora (Paulo Freire). E acrescentamos, com relação à Educação do Campo, a
Pedagogia do Movimento (Caldart/MST).
106
Vamos discutir a respeito do Construtivismo no próximo capítulo.
250
5.7.2 - O ensino da geografia nas séries
107
/anos iniciais do Ensino Fundamental
Assim como Straforini, enxergamos a possibilidade concreta de se realizar
um ensino de geografia nas séries/anos iniciais do Ensino Fundamental numa perspectiva de
construir uma compreensão acerca da realidade vivida, fazendo da geografia uma disciplina
interessante, onde as crianças por meio dela possam entender melhor o mundo.
A possibilidade de fazer do ensino de Geografia nos anos iniciais como um
caminho para compreender a realidade em que se vive, é bastante concreta
[...] também neste nível de ensino é possível ensinar Geografia e torná-la
interessante, despertando nas crianças um interesse maior de procurar
entender o mundo em que vivemos. (2004, p.18).
Para conseguirmos nosso objetivo, se faz necessário produzirmos um ensino
de geografia que esteja vinculado com a realidade local dos educandos. Dessa forma, o estudo
do lugar onde o aluno mora significa a construção de valores de identidade e pertencimento,
por parte dos estudantes, com esse lugar. Fazendo um contraponto com a lógica do
capitalismo globalizado que tende a homogeneizar todos os lugares transformando-os em
espaços de produção/reprodução do capital monopolista mundializado. Neste sentido,
vejamos as contribuições de Straforini:
E, acima de tudo, considero que estudar o lugar para compreender o mundo
significa para o aluno a possibilidade de trilhar no caminho de construir a
sua identidade e reconhecer o seu pertencimento. Faltam-nos muito esses
valores de identidade e pertencimento num mundo que se pretende
homogêneo, mas que é contraditório e diverso tanto nas relações entre os
homens, e destes com a natureza, assim como no espaço que estamos
construindo no cotidiano de nossas vidas. (2004, p.18).
Destacamos, porém que não consideramos o local como um espaço isolado
constituído de relações autônomas/independentes do espaço global, pois, dessa maneira,
estaríamos construindo uma fragmentação espacial. Quando afirmamos que o lugar deve ser o
ponto de partida para o ensino da geografia nas séries/anos iniciais do Ensino Fundamental
estamos considerando-o como um espaço onde atuam lógicas locais e globais. Isto quer dizer
que quando “Assumimos o lugar como sendo o ponto de partida para o ensino de Geografia
107
Apesar de tentarmos abolir a fragmentação em séries da Educação Básica transformando em anos de um
mesmo ciclo, as séries ainda estão presentes na Educação Básica, sendo assim vamos tratar as séries como sendo
sinônimo de anos dos ciclos. No nosso caso série ou ano, é ano do ciclo do Ensino Fundamental,
que na escola pesquisada o Ensino Fundamental de 9 anos não se implantou em todas as séries/anos.
251
para as séries iniciais do Ensino Fundamental. Todavia, esse lugar tem que ser entendido
como o ponto de encontro de gicas locais e globais, próximas e longínquas [...]
(STRAFORINI, 2004, p. 3).
Entendemos que desde as séries/anos iniciais do Ensino Fundamental, já
necessitamos de instrumentalizar o educando, por meio da geografia, para que reflita a
respeito da necessidade/possibilidade de construção de outra realidade, que seja centrada no
ser humano e, não mais, no capital. Sendo assim, concordamos com Straforini que o estudo do
espaço geográfico, permite-nos, pois, a construção dessa reflexão. Em suas palavras:
Ensinar Geografia para as séries iniciais do Ensino Fundamental significa a
possibilidade de construirmos um outro mundo, uma outra possibilidade
para a existência que não seja centrada na mercadoria e no dinheiro.
Acreditamos que o espaço como uma categoria filosófica, permite esse
deslumbramento. (2004, p.23).
Se partirmos da concepção de que devemos produzir o conhecimento a
serviço da justiça social, tendo em vista que a escola não é neutra, não importa qual é o nível
de escolaridade. Temos que pensar, sempre, o ensino como um instrumento de superação das
estruturas vigentes. Por isso, concordamos com Castrogiovanni quando diz que: “[...] se o
norte da Geografia Crítica é a busca da superação das desigualdades, o ensino de Geografia
nas séries iniciais não pode negar as diferenças e a busca constante de sua superação. [...]”.
(apud STRAFORINI, 2004, p.68).
O entendimento das relações espaciais, através da dialética materialista,
deve acontecer a partir das séries/anos iniciais do Ensino Fundamental, partindo de sua
realidade e respeitando sua etapa de desenvolvimento, sendo efetivada como uma proposta
interdisciplinar. Possibilitando assim “[...] a construção do espaço geográfico pela criança [...]
de 1ª a 4ª série [...]”. (PAGANELLI, 1987, p.129).
Tendo em vista uma proposta interdisciplinar, Oliveira nos afirma que
precisamos de uma integração entre as áreas de ensino para que possamos romper com a
fragmentação do saber existente atualmente, e construir, dessa maneira, o conceito de
totalidade numa perspectiva emancipatória. Neste sentido, temos a necessidade e...
[...] a possibilidade da efetiva integração metodológica entre as diferentes
áreas do ensino, de modo a destruir a compartimentação do saber imposta
pelos currículos atuais e construir/reconstruir o conceito de totalidade, de
modo que o aluno possa, simultaneamente, pensar o presente/passado e
252
discutir o futuro, que, antes de tudo, lhe pertence. (OLIVEIRA, 1994b,
p.141).
A nossa preocupação com o ensino de geografia nas séries/anos iniciais do
Ensino Fundamental está justificada no PCN de geografia. O documento afirma que os
professores dessa etapa escolar, estão despreparados para trabalhar a disciplina de
geografia
108
. Concordamos com o documento que as mudanças de concepções produzidas na
academia não atingiram quem deveria, ou seja, o professor do Ensino Fundamental. Sendo
assim, os professores, por não terem suporte técnico e teórico, continuaram ensinando a
geografia descritivamente, descontextualizada, apoiada apenas no livro didático. Todavia,
cabe ressaltar que entendemos que se o PCN de geografia for utilizado como principal base
teórico-metodológica do professor, este também se torna insuficiente para construir uma
mudança social. Vejamos o que o PCN de geografia fala a respeito do assunto:
[...] a rápida incorporação das mudanças produzidas pelo meio acadêmico
provocou a produção de inúmeras propostas didáticas, descartadas a cada
inovação conceitual e, principalmente, em que existissem ações concretas
para que realmente atingissem o professor em sala de aula, sobretudo o
professor das séries iniciais que, sem apoio técnico e teórico, continuou e
continua, de modo geral, a ensinar Geografia apoiando-se apenas na
descrição dos fatos e ancorando-se quase que exclusivamente no livro
didático. (BRASIL. MEC/SEF, 2001b, p.106).
Entendemos que o professor das séries/anos iniciais tem que ter
conhecimento do espaço geográfico para lecionar geografia. Ou seja, não se trata de
transformar o professor das séries/anos iniciais em um pesquisador especialista da área de
geografia, mas que, pelo menos, domine os conceitos básicos da área e que acompanhe os
avanços teóricos produzidos na ciência geográfica, juntamente com os avanços na área da
educação, para que assim consiga relacionar teoria e prática em sala de aula. Em outras
palavras:
[...] Não se trata de fazer do professor de primário [das séries/anos iniciais
do Ensino Fundamental] de geografia um pesquisador teórico numa área
especializada de ponta nesta disciplina. Mas de tentar aproximar teoria e
prática no plano do ensino de geografia, estimulando uma reflexão
pedagógica que assimile os avanços teóricos da geografia nas últimas
décadas. (MORAES, 1994, p.122).
108
Em função desta afirmação vamos conhecer, num capítulo específico, a opinião dos professores em nossa
pesquisa na escola Raquiel Jane Miranda.
253
5.8 – Geografia e ideologia: aparência e essência
O fato de a geografia nos colocar em contato direto com o mundo, a partir de
nossa própria experiência cotidiana, nos leva a refletir sobre essa experiência particular que
transforma a geografia em um saber de significado político:
A geografia é um saber vivido e apreendido pela própria vivência. Um saber
que nos põe em contato direto com nosso mundo exterior, com o seu todo e
com cada um de seus elementos, a um tempo. Se nisso reside sua
peculiaridade, da qual deriva sua natural popularidade, reside nisto igualmente
seu amplo significado político. (MOREIRA, 1994, p.58).
No entanto, este significado político na essência é a possibilidade do ensino
da geografia ser instrumento de conscientização ou de alienação dependendo da tendência
pedagógica empregada pelo professor. Visto que é na escola que ocorre, parcialmente, a
construção da percepção das pessoas acerca da realidade e, logo, o processo de
conscientização, ou não, do aluno. Dessa forma, na escola podemos auxiliar na formação de
cidadãos críticos, comprometidos com o processo emancipatório ou, pelo contrário, formar
pessoas passivas ao discurso ideológico neoliberal. Portanto, na escola “[...] a geografia pode
servir para tornar os homens cidadãos esclarecidos. [ou] Poderá servir para aliená-los”.
(MOREIRA, 1994, p.58).
Nesta concepção, devido ao poder ideológico do sistema capitalista, a
realidade percebida por todos nós nem sempre é a verdadeira porque a nossa percepção
empírica permitiu, na maioria das vezes, conhecermos apenas a aparência da realidade. Neste
sentido, a geografia não deve ficar submetida a esse nível de compreensão, devendo, então,
explicar a realidade para além da ideologia neoliberal:
[...] Nossa percepção, todavia, não é capaz de nos pôr em contato com a
realidade. nos permite o contato com o que ela aparenta. A percepção dá-
nos um conhecimento empírico, que em si mesmo não é ainda conhecimento.
[...] A geografia não pode manter-se neste nível do conhecimento.
(MOREIRA, 1994, p.58-59).
Por isso, no caso da análise da ciência geográfica, a forma dos objetos
espaciais não é capaz de fazer com que entendamos a essência da organização espacial, mas
apenas a aparência. É como diz o ditado popular: “as aparências enganam”: É neste sentido
254
que Santos vai dizer que o aspecto visível do espaço é o que podemos chamar de forma, ou
seja, a paisagem que observamos como uma casa, um bairro, uma cidade etc., são as formas
espaciais existentes em escalas diferentes. Todavia, se considerarmos que essas formas
espaciais “por si só” são capazes de explicar a realidade, estaríamos, pois, tratando a
aparência como se fosse à essência. Pois, além das formas espaciais temos que compreender a
função que desempenham essas formas, fruto de um processo histórico de produção que
envolve os sujeitos em luta de classes, condicionado pelas estruturas econômicas do modo de
produção vigente. Só assim poderemos compreender a realidade do espaço geográfico.
Segundo Santos, forma é o aspecto visível, exterior, de um objeto,
referindo-se ainda ao arranjo deles, que passam a constituir um padrão
espacial. Uma casa, um bairro, uma cidade e uma rede urbana são formas,
formas espaciais de diferentes escalas. [...].
[...] se considerássemos que a partir da forma seria possível apreender a
realidade em sua essência, incorreríamos em um grave erro. Tratar-se-ia da
apreensão de um aspecto da realidade, a sua aparência, incapaz de permitir
vê-la em sua concretização, porque sua essência aparece nos processos e
funções que emanam da estrutura. [...]. (CORRÊA 1986, p.76).
Neste sentido, entendemos que para conseguir interpretar a realidade
precisamos desmascarar a ideologia que se encontra impregnada na aparência, pois “a
realidade esconde-se por trás da aparência, sobretudo porque possui forte carga ideológica.
Cabe torná-la revelada”. (MOREIRA, 1994, p.59). Isso ocorre porque “[...] as ideologias
burguesas estão eivadas de elevado grau de mistificação, o que contribui substancialmente
para diluir o significado real da verdade” (GOMES, 1991, p.47).
A aparência é a realidade “mascarada” pela ideologia neoliberal que, em se
tratando de nossa prática educativa, visa somente à subordinação do aluno às estruturas
dominantes porque, segundo esta ideologia, estas estruturas serão infinitas. Por isso, “[...] do
ponto de vista de tal ideologia, só há uma saída para a prática educativa: adaptar o educando a
esta realidade que não pode ser mudada [...]”. (FREIRE, 1999, p.22). Sendo assim, cabe ao
professor progressista, embasado nos pressupostos teórico-metodológicos da Geografia
Crítica, e da Educação Libertadora, desmascarar a ideologia neoliberal e apresentar a
verdadeira (relativa) realidade ao aluno.
Para Marx, a função principal da ciência é entender a essência da realidade,
visto que tudo que visualizamos, empiricamente na aparência, fosse à essência da realidade
não necessitaríamos da ciência, pois bastava apenas a percepção para encontrarmos todas as
respostas que explicam o mundo em que vivemos. Por isso, “[...] toda ciência seria supérflua
255
se a forma fenomênica e a essência coincidissem diretamente” (MARX apud GONÇALVES,
2000, p. 53). Ou seja, ”[...] a ciência seria desnecessária se toda essência coincidisse com a
sua aparência”. (MARX apud MOREIRA, 1994, p.59).
A geografia escolar, no entanto, ainda está, na maioria das vezes, centrada
apenas na aparência” da realidade: “[...] mostra a aparência, isto é: relações entre coisas
ou entre sistemas de coisas. [...]”. (MOREIRA, 1994, p.70). Isso ocorre porque sempre
tivemos uma prática educativa com a intenção de mascarar a realidade, sempre então se
escondeu os sujeitos do processo socioespacial, explicando apenas as relações entre os lugares
e os objetos. Tendo em vista que se falarmos dos sujeitos, termos que falar também da luta de
classes e da inviabilidade do modo de produção vigente. Por isso, a geografia escolar, que
funciona como mecanismo de reprodução ideológica neoliberal, “[...] não falade homens
concretos (os homens em suas conformações de classe social) travando relações concretas
(contradições de classes)”. (MOREIRA, 1994, p.70). Pois, inerente a essência da realidade
está inserida a sociedade de classes
109
.
Contribuindo com nossa discussão acerca da aparência e essência da
realidade, Vesentini vai explicar que para o pensamento dialético, a aparência é apenas a
forma com que as relações se apresentam. Por exemplo, o êxodo rural é aparentemente uma
opção do camponês de sair do campo e ir morar na cidade, mas esta aparência esconde a
determinação destas relações pelo movimento desigual e contraditório do capitalismo
mundializado. Por isso, a essência é aquilo que determina as relações na realidade, que
permite a existência dessas relações. Sendo assim, a ruptura da essência significa o fim,
também, dessas relações, pois a continuidade de existência dessas relações é, pois,
determinada pela essência. Dito de outra maneira, o capitalismo necessita para a
continuidade/reprodução de determinadas relações que são a sua essência, principalmente a
mais-valia, a dicotomia capital/trabalho, a acumulação e a concentração de capital etc. Além
disso, segundo Gomes, “[...] a essência do capitalismo está na propriedade dos meios de
produção”. (1991, p. 44). Isso quer dizer que a ruptura dessas relações que dão a “vida” ao
capitalismo, significaria também sua “morte”. Por isso, a essência é a verdade, pelo menos
109
Como dissemos anteriormente, segundo Moreira na sociedade capitalista “[...] uma parte dos homens
somente possui sua própria força de trabalho (o proletariado) e a outra parte possui o conjunto das condições
materiais do trabalho (a burguesia) [...]”. (1994, p.71). Todavia, por entendermos que a sociedade capitalista é
formada de um lado pelos capitalistas e proprietários de terra e, do outro lado, pelos operários e camponeses,
vamos discordar desta concepção marxista-leninista de Ruy Moreira que acredita que na sociedade capitalista
pode haver duas classes antagônicas. Nós, ao contrário, concebemos a realidade de forma “multidimensional”
uma vez que é formada por essas 4 classes sociais.
256
relativa, dos eventos existentes na realidade, ou seja, é a verdade relativa a respeito da
realidade do mundo em que vivemos. Nas palavras de Vesentini:
O que é aparência e essência no pensamento dialético? Aparência é a forma
de aparecer do ser, a sua expressão fenomênica: a dívida externa do Brasil ou
o trabalho escravo na Amazônia, por exemplo, são aparências ou forma
fenomênicas do surgimento histórico de certos seres (o desenvolvimento
desigual e combinado do capitalismo, a transferência internacional de valor, a
superexploração da força de trabalho na periferia, etc.). E essência significa
aquilo que determina, que significado à existência, que permanece mesmo
com as modificações fenomênicas: a essência de um ser consiste nas
determinações ou pressupostos cuja reposição contínua é condição sine qua
non para a continuidade desse ser: por exemplo, a essência do capitalismo
nada mais é do que aquele conjunto de determinações que esse modo de
produção tem constantemente que repor para continuar existindo (o valor e a
mais-valia, a relação capital/trabalho assalariado, a produção de mercadorias,
a tendência à concentração e centralização do capital, etc.). A essência, por
tanto, consiste no meio alto grau de abstração ela é “a verdade do ser”.
(VESENTINI, 1992, p. 59).
Contribuindo nesta reflexão, Konstantinov diz que “a essência de um
objeto significa compreender a causa do seu aparecimento, as leis de sua vida, as contradições
internas que lhes são específicas, as tendências do desenvolvimento e a suas propriedades
determinantes” (apud GOMES, 1991, p. 44).
Dessa maneira, segundo Gomes, a aparência não só se diferencia da essência
como chega, muitas vezes, a deturpar a realidade. Exemplifica-nos como esse fato pode
ocorrer, por exemplo, ao analisarmos a água. Empiricamente, ela pode nos parecer potável,
pois, sem uma análise científica, não podemos saber se em sua essência existem micro-
organismos. É o mesmo caso do salário pago pelo patrão ao empregado que parece ser justo,
mas esconde, ideologicamente, que o trabalhador recebe apenas parcialmente o que lhe é de
direito, sendo que o restante é apropriado pelo capitalista sob a forma de mais-valia.
Mascarando, assim, a essência da exploração do capital. Em suas palavras:
[...] o fenômeno - forma de ser da essência - pelo fato de expressar o
singular, não coincide com a essência, inversamente, distingue-se dela e
chega, às vezes, a deformá-la. Por exemplo: a água colocada num vasilhame
de cristal revela ser pura (fenômeno), no entanto submetida à análise
química, sua essência revela milhares de micro-organismos. Outro exemplo
reside no salário do trabalhador, que parece ser justo e corresponde ao
pagamento do seu trabalho efetuado, mas, na realidade, sabemos que
corresponde a apenas uma parte dele, apropriando-se o capitalista da outra,
sob a forma de mais-valia. (GOMES, 1991, p. 45).
257
Isso quer dizer que devemos em nossa prática em sala de aula auxiliar no
desmascarando do poder ideológico para chegar à essência
da realidade.
Para isso, deveremos
partir da realidade concreta dos alunos e de sua necessidade de resolução dos problemas.
Buscando a discussão radical, ou seja, chegar à raiz dos problemas e ajudar a construir
soluções para esses problemas. Edificando uma geografia escolar que desenvolva a crítica e a
cidadania dos alunos para que possam interpretar os fenômenos e interagir com a realidade de
maneira plena.
Nesta perspectiva, o ensino de geografia que se limita à aparência está
comprometido com o discurso neoliberal e a manutenção da ordem vigente, pois esconde a
essência do capitalismo: a subordinação do trabalho ao capital; a propriedade privada dos
meios de produção; a apropriação pelo capitalista do produto do trabalho dos trabalhadores; a
mercantilização da natureza e das relações sociais em geral; a transformação do homem em
mercadoria pelo capital; a produção de mais-valia e a acumulação de capital. Corroborando
neste sentido, Moreira afirma que a geografia que se limita à aparência...
Esconde que sob o capitalismo o trabalho subordina-se ao capital. Que o
homem que transforma a natureza com o seu trabalho não é dono do seu
trabalho, pelo simples fato de antecipadamente ter vendido ao capital sua
força de trabalho. Que a relação homem-meio é processo de produção de
mercadorias. Que o homem e a natureza só existem enquanto existam para o
capital e sua acumulação. Que o trabalho é produção de mais-valia. Que o
desenvolvimento é acumulação de capital. (1994, p.69).
5.9 - O ensino da geografia e a questão agrária em sala de aula: por uma geografia
escolar dos camponeses
É pensando na necessidade de se reterritorializar o saber que a geografia,
enquanto disciplina, precisa estar diretamente relacionada com o espaço produzido pelo
camponês. Mostrando-se assim uma disciplina capaz de compreender a realidade camponesa
e produzir o conhecimento geográfico a partir dessa realidade. Por isso, precisamos fazer
uma geografia que entenda e atenda as necessidades do morador da área rural e valorize o seu
conhecimento popular, numa perspectiva relacional com o conhecimento científico.
Partindo-se do princípio que educação não significa apenas a educação formal,
temos que entender que a análise territorial não pertence à ciência geográfica, pois todos
nós antes mesmo de sabermos geografia escolar nos localizávamos e produzíamos nossa
territorialidade. O camponês, também, mesmo que nunca tenha ido a escola conhece seu
258
território. Por isso, o conhecimento popular também é conhecimento geográfico, que podemos
chamar empiricamente de “geografia do pé”. Vejamos essa questão nas palavras de Oliveira,
em uma entrevista com o um camponês na região do “Bico do papagaio”:
Eu perguntei se não aprendiam nada de Geografia. Não precisa, disse um
deles, isso a gente aprende é no pé. Os igarapés vão pro Tocantins. Desce
pro mar, é olhá, né? No topo daquele monte não serve plantá. A terra é
ruim. No baixo é boa. É no pé mesmo, andando e olhando. (1994b, p.135).
Nesse sentido, Gonçalves ([200?], p. 6) destaca o...
[...] enorme interesse que instituições de pesquisa de ponta, como a NASA,
vêm manifestando pelo elevadíssimo índice de acerto na previsão do tempo
meteorológico que fazem peritos das populações tradicionais do sertão
semi-árido do nordeste brasileiro, peritos esses que nunca entraram numa
escola formal [...].
Isso quer dizer que os povos conhecem os territórios onde vivem, pois é uma
realidade inerente a sua vida. Para o camponês, o contato com a terra e sua fertilidade são
partes integrantes de sua vida, pois é o trabalho com a terra que permite sua sobrevivência. Os
rios, também, são partes integrantes do território onde esses povos vivem, por isso, todos
sabem sua localização. Para o camponês nordestino, a previsão do tempo é uma necessidade
de sobrevivência, pois as chuvas dão as condições para poder se plantar, ou não. Portanto
desde pequenos todos aprendem a observar o tempo, juntamente com seus pais, se
transformando em “peritos”, mesmo sem ter tido contato com nenhuma teoria acerca do
assunto. Neste sentido, o conhecimento popular, muitas vezes, é um conhecimento
geográfico. Por conseguinte, a escola não pode ignorar esse conhecimento, e deve auxiliar na
construção do conhecimento científico, a partir dos conhecimentos prévios trazidos pelos
alunos à sala de aula.
No entanto, apesar da necessidade de reflexão em torno da problemática
envolvendo a questão agrária, para grande parte dos professores “[...] o ensino da geografia
que tiveram nas escolas transmitia listas de informações descontextualizadas e passíveis de
esquecimento [...]”. (PINESO, 2003, p. 21). Mostrando assim, uma necessidade de
transformação da geografia ainda ensinada nas escolas, em busca de uma geografia
crítica/transformadora, visto que é através da crítica que se produz/reproduz uma ciência viva,
pois a ciência que não se renova e não se transforma, não serve para nada (OLIVEIRA,
1994b).
259
Por isso, com a intencionalidade de produzir uma ciência e uma educação
viva, nos propusemos a estudar a questão agrária dentro da sala de aula. Visto que esta é uma
questão que está presente, sobretudo, na vivência do aluno oriundo das áreas rurais, bem
como daqueles que mesmo distante da área rural, está em contato com seus colegas de sala
que vivenciam essa realidade, ou acompanham pela televisão.
Devido à crescente democratização do acesso dos alunos à Educação
Básica, a escola pública conta hoje com uma clientela extremamente diversificada, com
alunos que provém de diferentes realidades. Por isso, na perspectiva de construção da
cidadania na educação, o professor deve saber como construir o projeto de ensino-
aprendizagem respeitando as diferenças socioculturais, a fim de superar ideologias e
preconceitos estabelecidos em nossa sociedade e que, muitas vezes, são reproduzidos na
escola. Dito de outra maneira:
A construção da cidadania como grande meta é extremamente difícil de ser
realizada, pois na escola pública temos uma população numerosa,
heterogênea do ponto de vista escolar e sociocultural - diferença de idade,
de valores, de hábitos, de origens sociais e culturais, em que os preconceitos
e as ideologias somente são superados com muito trabalho por parte do
conjunto dos professores. (PONTUSCHKA, 1999, p. 112).
Por isso, devemos estar sempre atentos à realidade dos nossos educandos,
visto que para a construção de um ensino crítico de geografia devemos partir da realidade de
nossos alunos. Neste sentido, essa realidade pode variar dependendo o local onde o aluno
mora, pois este local pode ser um bairro violento da periferia da grande São Paulo, ou um
assentamento muitos quilômetros da área urbana, no interior do país, muito distante da
capital. Por isso, se faz de extrema importância discutir a questão agrária com mais
profundidade se estamos lecionando para alunos que vivenciam uma realidade camponesa. Da
mesma forma que, se nós estivéssemos lecionando para alunos de uma periferia de uma
grande metrópole, iríamos enfocar a questão da segregação socioespacial e da violência
urbana. Pois, sempre a geografia deve estar relacionada à realidade socioespacial do aluno.
Corroborando neste sentido, Vesentini afirma:
E o outro elemento importantíssimo é a realidade social do aluno, os seus
interesses existenciais. Por exemplo, não devemos deixar de enfocar a questão
agrária quando estamos lecionando para filhos de acampados ou de “bóias-
260
frias
110
”. Não podemos deixar de trabalhar a questão da violência policial para
alunos da periferia dos grandes centros urbanos. (1992, p. 58).
Todavia, apesar das diferenças socioespaciais, tanto filhos de camponeses
como filhos de trabalhadores da indústria das grandes cidades, têm algo em comum: a
marginalização provocada pelo capitalismo. Todos são filhos de trabalhadores pobres e não
dos detentores do capital. Por isso, necessidade da compreensão da essência dessas
realidades, por parte dos professores e dos alunos.
A educação formal desempenha uma função importante, que é a de
possibilitar o entendimento crítico por parte do aluno acerca da sua própria realidade,
construindo uma compreensão da essência dos processos socioespaciais. Dessa maneira, “[...]
acreditamos que é a partir do contato com o conhecimento científico construído sobre sua
realidade que o aluno adquire a capacidade de conhecê-la e compreendê-la criticamente”.
(VIEIRA, 2004, p. 30).
O professor crítico estabelece um diálogo entre o conhecimento científico
acadêmico e o conhecimento trazido pelo aluno à sala de aula. Nessa perspectiva, uma das
funções do educador é fazer o aluno refletir sobre sua realidade, permitindo que sua
curiosidade seja parte integrante do processo educativo. Por isso, a memorização de conceitos
fragmentados, não permite que o educando reflita acerca de sua realidade. Comprometendo
deste modo a aprendizagem da geografia de maneira crítica. A respeito deste assunto Paulo
Freire afirma:
Educador que, ensinando geografia, “castra” a curiosidade do educando em
nome da eficácia da memorização mecânica do ensino dos conteúdos tolhe
a liberdade do educando, a sua capacidade de aventurar-se. Tal qual quem
assume a ideologia fatalista embutida no discurso neoliberal. (FREIRE,
1999, p. 63).
Com o intuito de construirmos um ensino de geografia que seja a antítese
do discurso neoliberal, apoiados nos paradigmas da dialética materialista, temos que nos
preocupar se estamos realmente construindo um ensino de geografia que propicie aos
educandos pensarem as relações socioespaciais e as suas contradições de classe, inerentes a
sua realidade. Nesta perspectiva, Batista afirma:
110
“Bóia Fria – Trabalhador rural que presta serviços eventuais e/ou por safra. Chamado assim por comer fria a
comida que leva de casa”. (ALMEIDA, 2004, p. 2).
261
Muitos geógrafos não estão preocupados se aquilo que fazem é realmente
geografia, mais complicado ainda é tratar de geografia como modo de
pensar o espaço, por onde passa a necessidade de uma educação refletida a
partir do espaço e das contradições de classes. (1995, p.14).
A fim de partimos da realidade concreta dos alunos do campo, utilizando as
categorias de análise da geografia, faremos a discussão envolvendo tempo e espaço, que são
dimensões inseparáveis, acrescentando a realidade sociocultural camponesa. Pois, o camponês
possui uma relação com o calendário diferente do homem urbano porque seu trabalho é
sazonal, seguindo o ciclo produtivo da terra. Este ciclo está relacionado, temporalmente, com
as estações do ano e, espacialmente, com a cultura agrícola predominante na região onde
mora. Essa produção regional é influenciada, além da questão econômica, pela realidade de
solo e clima da região. Sua relação temporal, também, é influenciada pelas datas de alguns
santos que marcam as festividades, por isso é um tempo diferenciado do tempo
fordista/taylorista/keynesiano do capital urbano. Em outras palavras:
Na relação de tempo e espaço, temos que dimensionar para os fatores
culturais, quando se trata da escola rural, fundamentada na vida camponesa.
O tempo obedece ao ciclo produtivo da terra, ou é marcado por datas de
alguns santos, e a sazonalidade é registrada e regulada pelas estações do ano
que proporcionam condições para desenvolver o ciclo produtivo, de acordo
com os produtos cultivados em diversas regiões do país. (BATISTA, 1995,
p.14).
Portanto, para construirmos um ensino de geografia camponesa, é preciso
considerarmos a realidade sociocultural do camponês. Compreender que suas festividades,
parte integrante de sua cultura, são influenciadas pelas datas santas e pelos ciclos produtivos.
Por conseguinte, “As festas juninas constituem-se num exemplo de comemorações e festas em
homenagem a alguns santos como Santo Antonio, São João e São Pedro, mas que também
marcam o final de um ciclo produtivo [...]”. (BATISTA, 1995, p.14).
Na verdade, a festa junina, nada mais é do que uma festa que se origina em
comemoração/agradecimento ao fim do ciclo produtivo. Logo, é a época em que os
camponeses possuem dinheiro para poder fazer a festa de casamento, pois venderam a
colheita da safra, ou venderam os animais que criaram. Daí a origem dos santos
casamenteiros. É nessa época, também, que os camponeses fazem as compras de móveis,
262
roupas, reformas na casa etc. Dessa maneira, a realidade sociocultural camponesa não se
separa da sua realidade socioeconômica.
[...] onde são reformadas as casas compram-se móveis e roupas novas,
derivadas dos negócios com o comércio da colheita do feijão, milho e da
engorda dos porcos ou da criação de galinhas caipiras. O mês de junho,
também é o mês dos casamentos, em homenagem aos santos
“casamenteiros”. Essa relação é econômica, devido às condições oferecidas
pelos resultados das vendas das safras, onde a família do noivo possui
dinheiro para realizar o casamento e os pais da noiva podem oferecer-lhe o
enxoval. (BATISTA, 1995, p.15).
Entendemos que as questões culturais não podem se desvincular das
relações econômicas, sob o risco de se fazer uma análise superficial da realidade. É a própria
necessidade de sobrevivência do camponês, em seu trabalho com a terra, que propicia a
produção cultural do campo que é diferenciada da cidade. Ou seja, o trabalho sazonal, trás,
também, uma comemoração sazonal e uma relação diferenciada com o tempo, comparado aos
habitantes da cidade.
Não podemos deixar de esclarecer que os condicionantes estruturais
econômicos capitalistas influenciam no cotidiano camponês, por isso, a discussão da lutas de
classes e de distribuição de riquezas se faz presente, também, no campo. Portanto, ao
pensarmos a Educação do Campo não basta pensar apenas a questão sociocultural, mas, sim, a
cultura contextualizada com o trabalho e a distribuição de renda como formas de combate à
ideologia neoliberal. Haja vista que propomos uma educação que possibilite a reprodução
material e cultural do campesinato numa perspectiva emancipatória, lembrando que o
agronegócio latifundiário capitalista é a antítese da reprodução camponesa. Por isso, a
necessidade da luta na terra deve ser parte integrante do ensino de geografia do campo. Dito
de outra maneira:
Considerando as questões econômicas impostas pela sociedade capitalista, o
processo educacional deve reconhecer questões de ordem cultural
contextualizadas na consciência na redistribuição das riquezas, de modo a
não permitir que apenas as questões culturais impliquem a resistência
camponesa. (BATISTA, 1995, p.15).
Assim, a nossa análise não se restringe ao nível econômico, abrangendo
também as relações culturais do campo, porém sem esquecer que essas relações se fazem
subordinadas ao modo de produção vigente. Pois, a reprodução do campesinato e sua
263
resistência não se desvinculam da necessidade de ruptura com as estruturas econômicas
capitalistas:
Como pode-se notar, as questões que tem conotações culturais, retratam
essencialmente as implicações do poder econômico, motivando migrações
de trabalhadores rurais, que sem terra, buscam realizar as aspirações
econômicas nas condições da reprodução camponesa. (BATISTA, 1995,
p.15).
Com relação à cultura camponesa, é, pois, uma característica tão marcante
que mesmo com a expulsão do homem do campo, o camponês não perde a sua cultura, ainda
que distante da terra: “[...] do migrante arrancam a terra, o convívio com seus familiares, mas
sua cultura caminha consigo para onde quer que se destine”. (TRAVESSIA apud BATISTA,
1995, p.15).
Essa produção cultural da família camponesa, que continua existindo
mesmo com a expropriação dos sujeitos de sua condição de classe camponesa, é o que Klass
Woortmann denomina de “campesinidade
111
”. Ou seja, esses valores camponeses que formam
a campesinidade (família, terra, trabalho) podem continuar existindo mesmo quando o
camponês já foi expropriado e se tornou um proletário. É por isso que a campesinidade pode
ser encontrada ...
[...] em grupos e pessoas que muito tempo deixaram o campo, inclusive
morando e trabalhando na cidade. Assim, a explicação da permanência de
traços camponeses em populações vivendo em cidades, para Woortmann
(1990), estaria relacionada à campesinidade que seria então a responsável
para continuidade do campesinato. (ALMEIDA, 2006, p. 298).
No campo, atualmente, temos uma série de questões que devem ser tratadas
na escola, pois esta não poderá ficar indiferente a esses acontecimentos. E cabe a geografia
um papel singular na discussão dessas questões em sala de aula. Dentre essas questões
destacamos: os movimentos sociais do campo questionando a ordem econômica vigente,
lutando pela conquista da terra de trabalho e lutando para se manter na terra dos
assentamentos.
111
Nas palavras de Woortmann (1990, p. 13) campesinidade é: “[...] uma qualidade presente em maior ou menor
grau em distintos grupos específicos. [...]”. Segundo Almeida (2006, p. 298): “Essa campesinidade e a ética na
qual se sustenta teriam como núcleo algumas categorias, como trabalho, família, terra, liberdade, comida etc.
[...]”.
264
Entretanto, seus integrantes ao ocuparem terras ociosas são reprimidos e,
muitas vezes, mortos por capangas de latifundiários, infelizmente a lei tem absolvido os
culpados, pois está a serviço da elite dominante. As ocupações do MST demonstram a
espacialização do movimento na forma de acampamentos, que é o símbolo de luta dos sem
terra. Temos ainda no campo brasileiro muitos casos de trabalho escravo, inclusive
envolvendo trabalho indígena. Os indígenas, “filhos do sol”, sofrem violência do capital que
concebe a terra como mercadoria e não respeitam o direito da terra coletivizada dos
verdadeiros “donos”. Nas palavras de Oliveira:
E isto não pode permanecer imutável quando a nação assiste
impacientemente a movimentos sociais crescentes que questionam a ordem
econômica, social e política vigente.
Os “sem terra” acampam e ocupam terras ociosas. São expulsos e
reprimidos. Reagem, lutam, resistem. O acampamento de “sem terra” é
uma das faces novas da luta pela terra no campo brasileiro. São os peões
escravizados nos campos brasileiros de São Paulo à Amazônia.
Os posseiros na luta sangrenta pela terra de trabalho são assassinados por
jagunços e pistoleiros organizados nos porões da repressão oficial, ou no
mínimo aos olhos dela. Os povos indígenas são vítimas da violência do
grande capital na sanha pela propriedade da terra e pelas riquezas naturais
da “terras sem males” dos “filhos do Sol”.
Os que trabalham e produzem no campo não têm tido o direito ao trabalho
livre, comunitário ou coletivizado. (1994b, p.136).
Essas são questões a serem tratadas na escola na busca de um saber
emancipatório que parta da realidade dos alunos, que morando na área rural ou urbana
convivem com essa problemática, pelo menos, pela televisão. E temos a proposta de construir
esse debate por meio da geografia escolar.
6 - OS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL: UM DEBATE TEÓRICO/IDEOLÓGICO/UTÓPICO
265
[...] a discussão sobre a produção de conhecimento e o ensino de geografia
tem que passar pelo debate teórico, filosófico e utópico. Não se pode
separar a ciência do cientista, o sujeito do objeto, o criador da criatura.
(OLIVEIRA, 1999b, p.48).
...a tua piscina está cheia de ratos
tuas idéias não correspondem aos fatos
o tempo não para
eu vejo um futuro repetir o passado
eu vejo um museu de grandes novidades
o tempo não para
não para não
não para...
Cazuza
112
6.1 - Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental: necessidades
de superação
De acordo com Pontuschka, a geografia se encontra submetida a quatro
pilares principais de interferência na sua reprodução enquanto disciplina escolar: a realidade
da sala de aula; a produção científica acadêmica; as ações governamentais, como os PCNs
(Parâmetros Curriculares Nacionais); e a dicotomia entre escola pública e escola privada. Em
suas palavras:
A disciplina escolar geografia, está no jogo dialético entre a realidade da
sala de aula e da escola, entre as transformações históricas da produção
geográfica na academia e as várias ações governamentais representada hoje
pelos guias, propostas curriculares, parâmetros curriculares nacionais de
geografia; avaliações impostas aos professores, sem mudanças radicais na
estrutura da escola e na organização pedagógica global e pelo embate
acirrado entre escola pública e privada. (1999, p.111).
Neste sentido, a primeira reflexão a fazer é a de ter consciente que a
geografia acadêmica cumpre função diferente da geografia escolar. Ou seja, enquanto a
geografia acadêmica tem obrigação de formar um profissional (geógrafo ou professor de
geografia), do outro lado, a geografia escolar tem a responsabilidade de formar um cidadão
reflexivo, flexível, crítico e criativo. Por isso, a disciplina de geografia deve se comprometer
em formar um cidadão que consiga compreender um mundo em constante transformação.
112
Música: “O tempo não para”.
266
Desse modo, a escola não pode mais formar, hoje, apenas um trabalhador capacitado para
atender ao capital urbano-industrial, como se fez ao longo de todo o século XX. Todavia, esse
pensamento tradicional ainda existe na educação formal e, por isso, se faz necessária uma
ruptura rumo à outra postura diante do processo educativo.
[...] enquanto a universidade tem como preocupação, em nosso caso
específico, formar o profissional de geografia, seja ele geógrafo ou
professor de geografia, essa disciplina escolar no ensino fundamental e
médio precisa formar uma criança e um jovem que deverão se movimentar
bem no mundo de hoje, com a complexa realidade deste final de milênio, e
ainda prepará-los para enfrentar outras transformações que estão por vir. A
escola da fábrica do século passado ainda está aí e não dá conta da formação
desse jovem. que se pensar em um ensino que forme o aluno do ponto
de vista reflexivo, flexível, crítico e criativo. Não é uma formação para o
mercado de trabalho apenas, mas um jovem preparado para enfrentar as
transformações cada vez mais céleres que certamente virão. A escola,
particular ou pública, precisa ser repensada para a formação desse novo
jovem. Pesquisas devem ser realizadas com urgência. (PONTUSCHKA,
1999, p.112).
Tendo em vista a influência das políticas públicas na formação do
professor e dos alunos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, urgente se faz analisar os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Hoje, esse documento é o principal referencial do
professor em sala de aula. Por isso, iremos observar os avanços e retrocessos desse
documento em relação ao ensino da geografia nas séries iniciais do Ensino Fundamental e,
principalmente, com relação à temática de agrária.
Vamos, primeiramente, entender o que eles significam segundo o próprio
documento de introdução:
Os Parâmetros Curriculares Nacionais constituem um referencial de
qualidade para a educação no Ensino Fundamental em todo o País. Sua
função é orientar e garantir a coerência dos investimentos no sistema
educacional, socializando discussões, pesquisas e recomendações,
subsidiando a participação de técnicos e professores brasileiros,
principalmente daqueles que se encontram mais isolados, com menos
contato com a produção pedagógica atual. (BRASIL. MEC/SEF, 2001a,
p.13).
Neste sentido, percebemos, então, que os PCNs se denominam como um
“referencial de qualidade para a educação” e, também, tem a função de socializar as
discussões e pesquisas para que os professores conheçam a produção pedagógica atual. Dessa
267
forma, se trata de um documento para contribuir na qualidade de educação se tornando, além
disso, um referencial teórico para o professor.
Porém, os programas oficiais do governo têm deficiências que precisam ser
analisadas criticamente, pois, de acordo com Callai, as propostas curriculares concebem a
sociedade como harmônica e homogênea, desconsiderando as contradições e as diferenças
regionais. Por isso, é um instrumento de poder e um mecanismo ideológico que não considera
a realidade concreta. Sendo assim, temos que discutir essas propostas do ponto de vista
político, pedagógico e ideológico:
[...] Supõe uma sociedade harmônica e homogênea e desconhece/despreza
as contradições regionalizadas e localizadas. É, sem dúvida, um instrumento
de poder e como funciona ideologicamente no sentido de se
perceber/reconhecer apenas os problemas mais gerais, sem considerar a
realidade concreta em que vivem os alunos e mesmo os professores.
A questão da definição de uma proposta curricular não é técnica, mas
fundamentalmente política e pedagógica. [...]. (CALLAI, 2001, p. 135).
Para continuarmos a nossa reflexão, vamos entender como se deu o
processo de idealização e elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais:
[...] a intenção do Ministério da Educação e do Desporto de definir os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para o ensino fundamental, a serem
implantados, inicialmente, para as quatro primeiras séries. Três razões têm
sido invocadas para justificar tal propósito. Em primeiro lugar, a iniciativa
pretende cumprir o artigo 210 da constituição de 1988, que determina a
fixação de conteúdos mínimos para o ensino fundamental, a fim de assegurar
formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais
e regionais. Em segundo lugar, busca-se promover o aumento da qualidade do
ensino fundamental, cuja necessidade foi enfatizada no Plano Decenal de
Educação para Todos (1993-2003). Em terceiro lugar, quer-se articular os
diferentes esforços de reformulação curricular que vem sendo desenvolvidos
nos diferentes estados e municípios. (CURRÍCULO e política de identidade,
1996, p. 10).
Percebemos então que houve três razões principais para a formulação dos
PCNs: a primeira razão era cumprir o artigo 210 da constituição de 1988, que exige a
existência de conteúdos mínimos para o Ensino Fundamental; a segunda, era promover a
melhoria da qualidade da educação; e o terceiro motivo, era a reformulação dos currículos
existentes nos estados e municípios.
Outra característica significativa, é que a sua existência está atrelada a uma
exigência da LDB, que no seu art. 22 exige um núcleo comum de conteúdos no Ensino
268
Fundamental que permita formar: para o exercício da cidadania
113
, para o trabalho e para dar
continuidade em seus estudos. Neste sentido, vamos ler o que diz o PCN na introdução:
A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei Federal n.
9.394), aprovada em 20 de dezembro de 1996, consolida e amplia o dever
do poder público para com a educação em geral e em particular para com o
ensino fundamental. Assim, vê-se no art. 22 dessa lei que a educação
básica, da qual o ensino fundamental é parte integrante, deve assegurar a
todos “a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e
fornecer-lhes meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores”,
fato que confere ao ensino fundamental, ao mesmo tempo, um caráter de
terminalidade e de continuidade. (BRASIL. MEC/SEF, 2001a, p.15).
A proposta de elaboração dos PCNs teve início em 1994 e contou com 60
estudiosos da educação brasileira e Latino Americana, a fim de discutir as experiências desses
países latinos que já haviam passado por mudanças e que, por sua vez, seguiam um padrão de
consolidação do neoliberalismo na América Latina:
O processo que originou a versão preliminar dos PCN iniciou-se no final do
ano de 1994. A equipe que iria trabalhar na Secretaria de Educação
Fundamental do Mec convocou cerca de 60 estudiosos da educação
brasileira e mais representantes da Argentina, Colômbia, Chile e Espanha,
países nos quais foram recentemente promovidas mudanças curriculares,
para discutir a idéia de instituir um currículo nacional no Brasil. [...].
(CURRÍCULO e política de identidade, 1996, p. 10).
Prosseguindo nossa análise ao documento, vamos citar algumas passagens
que consideramos importante. O PCN na Introdução justifica que em uma sociedade
democrática, o Estado deve oferecer uma educação que “[...] garanta as aprendizagens
essenciais para a formação de cidadãos autônomos, críticos e participativos, capazes de atuar
com competência, dignidade e responsabilidade na sociedade em que vivem”. (BRASIL.
MEC/SEF, 2001a, p.33). Os PCNs, deste modo, confirmam que o conhecimento deve estar
vinculado as questões sociais e ao momento histórico: “[...] os conteúdos escolares que são
ensinados devem, portanto, estar em consonância com as questões sociais que marcam cada
momento histórico. (BRASIL. MEC/SEF, 2001a, p.45).
113
[...] muito se tem falado em educação para a cidadania, mas de maneira, muitas vezes, irreal e inalcançável,
burocrática, ligada ao positivismo e com soluções técnicas, definida num ou em vários objetivos, que no mais
das vezes consideram o sujeito-estudante deslocado do mundo em que vive como se fosse um ser neutro e
abstrato. (CALLAI, 2001, p.136). Por isso, a cidadania pode ser conquistada a partir de uma leitura crítica da
realidade, longe da ideologia neoliberal.
269
Propõe, também, que o conhecimento deve favorecer a compreensão e
intervenção na realidade: “[...] deve propiciar o desenvolvimento de capacidades, de modo a
favorecer a compreensão e a intervenção nos fenômenos sociais e culturais, assim como
possibilitar aos alunos usufruir das manifestações culturais nacionais e universais”. (BRASIL.
MEC/SEF, 2001a, p.45).
Afirmam que a educação deve contribuir: “[...] para o exercício da
cidadania na construção de uma sociedade democrática e não excludente”. (BRASIL.
MEC/SEF, 2001a, p.45). Defendem, também, a importância da interferência do cidadão para
transformação social, afirmando que necessitamos de: “um ensino de qualidade, que busca
formar cidadãos capazes de interferir criticamente na realidade para transformá-la [...]”.
(BRASIL. MEC/SEF, 2001a, p.45).
Concordamos, portanto, com as concepções acerca da função social que a
educação deve desempenhar, principalmente, a afirmação de que a educação deve buscar “[...]
formar cidadãos capazes de interferir criticamente na realidade para transformá-la [...]”.
(BRASIL. MEC/SEF, 2001a, p.45). Todavia, concebemos que é possível interferir
criticamente na realidade para transformá-la se buscarmos o questionamento do modelo
econômico neoliberal e do modo de produção capitalista. Dessa forma, encontramos uma
contradição presente nos PCNs, visto que os PCNs são o resultado de políticas educacionais
associados ao financiamento do banco mundial, por isso se enquadra num contexto de
iniciativas neoliberais no campo da educação. Mostrando, assim, obediência às determinações
do modelo prescrito pelos organismos internacionais (CACETE, 1999).
Logo, os PCNs passam a ter um discurso contraditório, porque na prática
são incapazes de construir relações realmente emancipatórias. Visto que as propostas “[...]
são políticas compensatórias no campo da educação para mitigar os impactos sobre a
população mais empobrecida [...]”. (CACETE, 1999, p. 38). Portanto, os PCNs fazem parte
de um conjunto de reformas educacionais tutelada pelos países dominantes a fim de suavizar a
lógica perversa de exploração e de produção de desigualdades provocas pelo modelo
econômico vigente. Não se trata então de uma proposta autônoma/libertadora/revolucionária,
capaz de possibilitar mudanças significativas em nossa sociedade, pois não é capaz de
proporcionar a emancipação das camadas populares.
Quanto “[...] a formação de cidadãos autônomos, críticos e participativos
[...]”. (BRASIL. MEC/SEF, 2001a, p.45), concebemos que, primeiramente, precisamos de
professores autônomos, críticos e participativos para que consigamos o desenvolvimento
dessas capacidades em nossos alunos. Todavia, são poucos os professores com a capacidade
270
de construir tais mudanças, visto que a maioria se formou sob a lógica de um discurso
neoliberal, principalmente porque grande parte destes professores que lecionam na rede
pública da Educação Básica são formados em faculdades particulares
114
que, em sua maioria,
não se preocupam com uma formação direcionada à ruptura com o modelo socioeconômico
vigente.
Outra incoerência nesse discurso remete ao fato de que os professores o
participaram do debate de elaboração dos PCNs, logo não tiveram oportunidade de exercer a
postura crítica cobrada, então, pelo documento. Dessa maneira, como vão auxiliar na
construção de um cidadão autônomo, participativo e criativo, sem executar essas concepções
na prática?
Nesta direção, outra contradição ideológica presente nos PCNs diz respeito
a sua afirmação quanto à necessidade de formação de um cidadão autônomo, crítico e
participativo, pois não existe a possibilidade disso acontecer sem que se coloque como ponto
fundamental a necessidade de romper com as estruturas dominantes. Porém, em nenhum
momento essa preocupação revolucionária é colocada pelos PCNs. Que cidadão crítico e
autônomo pretende-se formar se continuamos subordinados ao capital internacional? Que
transformação social é essa pregada pelos PCNs? Não existe possibilidade de transformação
social e formação de um sujeito autônomo se nós continuarmos subordinados ao capital.
Como disse Cazuza: “enquanto houver burguesia não vai haver poesia”.
Dessa forma, concordamos com Oliveira (1999b) que os PCNs fazem parte
de um conjunto de políticas que visam implementar o neoliberalismo no Brasil. Por isso,
apesar da intenção educativa transformadora, descrita no documento, seja do aumento da
qualidade do ensino, seja da transformação social, está, mesmo assim, relacionado com o
neoliberalismo. Então, [...] os princípios neoliberais que vêm informando a proposta dos
Parâmetros não constituem nem a melhor nem a única perspectiva de construção de uma
escola de qualidade no Brasil”. (
CURRÍCULO
e política de identidade, 1996, p. 11).
Introduzindo o modelo neoliberal na educação, como quer os PCNs, o que se
verifica é o comprometimento da formação dos educandos por causa da valorização que se
ao: “[...] espírito de competitividade. Deseja-se formar, em síntese, uma mentalidade
econômica, pragmática e realizadora, orientada para a produtividade, para o lucro e para o
consumo”. (LATAPI apud
CURRÍCULO
e política de identidade, 1996, p.12). Por isso, se
queremos construir uma sociedade mais justa e ambientalmente saudável, temos que eliminar
114
Por exemplo, no estado de São Paulo 95% dos professores que atuam no Ensino Fundamental e Ensino Médio
da rede pública são formados em faculdades privadas.
271
as ideologias neoliberais que defendem o lucro e o consumo para a manutenção da ordem
vigente. Pois, estes geram a exploração do homem e da natureza, transformando-os em
mercadoria.
A escola que internaliza o discurso da ideologia neoliberal é a antítese da
escola comprometida com a transformação social e a construção da verdadeira democracia, ou
seja, não existe possibilidade de diálogo entre a ideologia conservadora e o processo
emancipatório. Por isso, “[...] a intenção de produzir escolas, mestres e estudantes
comprometidos com a emancipação de indivíduos e grupos oprimidos e com o
desenvolvimento de uma sociedade verdadeiramente democrática não se afina com o discurso
neoliberal”. (
CURRÍCULO
e política de identidade, 1996, p. 12).
Tendo em vista que as relações sociais se encontram inseridas nas relações
capitalistas de produção, a escola deve assumir sua posição esclarecendo de que lado está,
rompendo com o discurso de neutralidade, pois “[...] entendemos que a conscientização do
indivíduo sobre a realidade vivida deve necessariamente passar pela análise crítica do modo
de viver capitalista [...]”. (VIEIRA, 2004, p. 31). Por conseguinte, se verificamos que não
existe essa posição definida nos PCNs, logo estes se tornam reprodutores da lógica dominante
estabelecida e, por isso, surge então a necessidade de sua superação.
Para que ocorra uma ruptura com as estruturas dominantes é necessário que a
escola auxilie no processo de conscientização dos sujeitos acerca de sua realidade, para que
entendam a necessidade e a possibilidade de superação dessas contradições. A escola precisa
“[...] formar indivíduos que sejam capazes de detectar as possibilidades históricas de
superação das contradições sociais existentes em sua realidade e de impulsionar o processo de
transformação social em direção a uma sociedade mais humana [...]”. (VIEIRA, 2004, p. 31).
Por isso, entendemos que os PCNs ao não assumir sua posição nessa
perspectiva, e por serem o maior referencial teórico que os professores da Educação Básica
possuem, interferem na construção de uma prática educativa transformadora, pois para se
alcançar tais objetivos “[...] é preciso que os conteúdos programáticos que comporão o
currículo de Geografia do ensino básico sejam selecionados de forma estratégica e
intencionalmente. [...]”. (VIEIRA, 2004, p. 31).
É notório que os Parâmetros Curriculares Nacionais não conseguem
entender essa problemática de maneira plena porque entendem o espaço, primordialmente,
construído pelos “[...] laços afetivos das pessoas com o lugar que habitam, bem como as
relações sócio-culturais das pessoas com a paisagem, [...] excluindo as determinações
econômicas, as relações de poder e de trabalho das pessoas que vivem em sociedade”.
272
(VIEIRA, 2004, p. 29). Logo, há necessidade de fazermos uma análise consistente dos PCNs,
pois não para pensarmos a produção do espaço sem refletirmos a respeito das relações de
trabalho que transformam a natureza e constroem as relações sociais. Da mesma forma, não
podemos conceber o espaço geográfico desvinculado das relações capitalistas de produção e
da sua sociedade classista, visto que a organização espacial se faz seguindo a lógica do
capital. Também, não podemos conceber o território desvinculado das relações de poder,
principalmente, do poder econômico e jurídico-político.
Em se tratando, especificamente, da abordagem dada à questão agrária no
PCN de geografia, seu conteúdo possui para Vieira equívocos que podem dificultar a
possibilidade de interpretação da realidade, pelos alunos e professores, de maneira crítica. O
“[...] conhecimento geográfico existente nos PCNs para o ensino de geografia levou-nos a
detectar que o modo como o espaço agrário brasileiro foi caracterizado no referido documento
poderá comprometer a formação da consciência crítica do aluno sobre a realidade [...]”.
(VIEIRA, 2004, p. 29).
6.2 - Os PCNs e o Construtivismo: discutindo o paradigma pedagógico
Justificamos nossa discussão acerca do assunto tendo em vista que se
tratando de ensino “[...] não como perder a dimensão pedagógica, e o ensino da Geografia
requer um professor que conheça a sua ciência e que conheça também as teorias da
educação”. (STRAFORINI, 2004, p.17).
Neste sentido, os PCNs assumem como concepção teórica de ensino-
aprendizagem o Construtivismo:
A perspectiva construtivista na educação é configurada por uma série de
princípios explicativos do desenvolvimento e da aprendizagem humana que se
complementam, integrando um conjunto orientado a analisar, compreender e
explicar os processos escolares de ensino e aprendizagem. (BRASIL.
MEC/SEF, 2001a, p. 50).
Afirmam que: “A abordagem construtivista integra, num único esquema
explicativo, questões relativas ao desenvolvimento individual e à pertinência cultural, à
construção de conhecimentos e à interação social [...]”. (BRASIL. MEC/SEF, 2001a, p. 50).
Concordamos com a necessidade de superação da abordagem de
aprendizagem tradicional/positivista, baseada na memorização por repetição de conceitos
273
fragmentados, por uma concepção de aprendizagem que conceba o educando como ser capaz
de construir seus conhecimentos. A Educação Tradicional baseava-se (ou ainda se baseia) na
teoria empirista de aprendizagem, que por sua vez, se fundamenta no paradigma de
aprendizagem baseado no binômio “estímulo-resposta”. Neste modelo de aprendizagem para
se aprender se faz necessário fixar e memorizar informações das mais simples até chegar as
mais complexas:
A teoria empirista - que teoricamente é a que mais vem influenciando as
representações sobre o que é ensinar; quem é o aluno, como ele aprende e o
que e como se deve ensinar - se expressa em um modelo da aprendizagem
conhecido como de “estímulo-resposta”. “Esse modelo define a
aprendizagem como a substituição de respostas erradas por respostas
certas”. A hipótese subjacente a essa concepção é a de que o aluno precisa
memorizar e fixar informações - as mais simples e parciais possíveis e que
devem ir se acumulando com o tempo. O modelo típico de cartilha está
baseado nisso. (SÃO PAULO. SEE/CENP, 2005, Paginação irregular).
Essa concepção empirista de aprendizagem parte do pressuposto que o ser
humano é “vazio” de conhecimento e, por isso, a escola teria a função de “encher” esse aluno
com informações. Desse modo, o aluno aprenderia aquilo que os professores
“depositassem” nele. Neste sentido, Paulo Freire denomina essa concepção pedagógica de
“educação bancária”, pois depois nas avaliações os professores “sacavam” aquilo que haviam
“depositado” no aluno. É uma concepção que trata o educando como “objeto” e não como
“sujeito” do processo de ensino-aprendizagem, retirando-lhe, então, a autonomia:
Poderíamos dizer em poucas palavras, que na concepção empirista o
conhecimento está “fora” do sujeito e é internalizado através dos sentidos,
ativados pela ação física e perceptual. O sujeito da aprendizagem seria
“vazio” na sua origem, sendo “preenchido” pelas experiências que tem com
o mundo. Criticando essa idéia de um ensino que se “deposita” na mente do
aluno, Paulo Freire usava uma metáfora - educação bancária” - para falar
de uma escola em que se pretende “sacar” exatamente aquilo que se
“depositou” na cabeça do aluno. (SÃO PAULO. SEE/CENP, 2005,
Paginação irregular).
Por isso, a memorização e o acúmulo de informações, marcam o modelo
pedagógico empirista: “[...] a aprendizagem se pelo acúmulo de informações e o ensino
deve investir na memorização. Na verdade, qualquer prática pedagógica, qualquer que seja o
conteúdo, em qualquer área, pode ser analisada a partir deste trio: conteúdo, aprendizagem e
ensino.” (SÃO PAULO.
SEE/CENP
, 2005, Paginação irregular).
274
No entanto, para o paradigma construtivista o educando é o sujeito da
aprendizagem, por isso ele deixa de ser um “coadjuvante” e passa a ser “protagonista” do seu
processo ensino-aprendizagem. Ou seja, é ele quem converte a informação em conhecimento
próprio a partir da reflexão, agindo sobre o objeto de seu conhecimento quando é desafiado a
pensar acerca de determinada situação e/ou na interação com meio e as outras pessoas. Dito
de outra maneira:
Para os construtivistas - diferentemente dos empiristas, para quem a
informação deveria ser oferecida da forma mais simples possível, uma de
cada vez, para não confundir aquele que aprende - o aprendiz é um sujeito,
protagonista do seu próprio processo de aprendizagem, alguém que vai
produzir, a transformação que converte informação em conhecimento
próprio. Essa construção, pelo aprendiz, não se por si mesma e no vazio,
mais a partir de situações nas quais ele possa agir sobre o que é objeto de
seu conhecimento, pensar sobre ele, recebendo ajuda, sendo desafiado a
refletir, interagindo com outras pessoas. (SÃO PAULO. SEE/CENP, 2005,
Paginação irregular).
É importante marcar as diferenças entre essas duas concepções teórico-
metodológicas, pois a partir da concepção teórico-metodológica escolhida pelo professor vão
se desenvolver, também, práticas pedagógicas bem diferenciadas em sala de aula. Pois, no
Construtivismo é o esforço do sujeito, em transformar a informação em conhecimento, que
move o processo de ensino-aprendizagem. Dando, assim, um papel ativo ao sujeito, isto é, de
ação sobre o meio para adquirir conhecimento, diferente da passividade do paradigma
empirista:
Quando se acredita que o motor da aprendizagem é o esforço do sujeito para
dar sentido à informação que esdisponível, tem-se uma situação bastante
diferente daquela em que o aprendiz teria de permanecer tranqüilo e com os
sentidos abertos para introjetar a informação que lhe é oferecida, na maneira
como é oferecida. Num modelo empirista a informação é introjetada ou não.
Num modelo construtivista, o aprendiz tem de transformar a informação
para poder assimilá-la. Concepções tão diferentes dão origem,
necessariamente, a práticas pedagógicas muito diferentes. (SÃO PAULO.
SEE/CENP, 2005, Paginação irregular).
Neste sentido, concordamos com Straforini (2004) que o Construtivismo
Sociointeracionista de Vigotski
115
é a nossa melhor opção teórica acerca da aprendizagem.
115
Reiteramos que essa nossa opção pelo Construtivismo Sociointeracionista de Vigotski se explica
pelo fato de que esta concepção entende que na formação do conhecimento as relações sociais são
mais importantes do que as influências biológicas/hereditárias/naturais. Opondo-se, assim, ao
275
Pois, ela permite a construção do ensino de geografia dialético, sem incoerências teórico-
metodológicas, possibilitando um “casamento” sem conflitos de base. O que não acontecia
com relação à educação positivista/empirista.
Todavia, devemos ser cautelosos a respeito da introdução do Construtivismo
como paradigma teórico da educação, visto que apenas o Construtivismo não sustentação
teórico-metodológica para entender a relação da escola com a sociedade. Ou seja, o
Construtivismo por si mesmo não consegue explicar as relações de poder envolvidas no
sistema de ensino formal, a subordinação da escola às estruturas dominantes, sua capacidade
de reproduzir e legitimar a estratificação social e conservar a desigualdade, dentre outras
questões
116
.
É por isso que apesar de entendermos a importância da superação da
Educação Tradicional por meio do Construtivismo, temos que esclarecer suas limitações.
Segundo Fernando Hernandez (1998), atualmente escolas, professores, livros didáticos, quase
que em sua totalidade se identificam como Construtivistas. E apesar da
interpretação/aplicação do Construtivismo em relação a alguns processos de construção do
conhecimento ser adequada, se faz necessário transgredir essa lógica simplificadora da auto-
identificação Construtivista. Pois, do contrário acaba-se por se desvirtuar a complexidade de
relações que envolvem a instituição escolar.
O autor nos esclarece que o Construtivismo não diz quase nada a respeito
dos valores promovidos ou excluídos pelos professores em sala de aula e a serviço de quem
esses valores são retirados ou incluídos; não consegue explicar sobre as relações de poder
produzidas e/ou reproduzidas na escola, entre outras questões que não podem ser reduzidas a
uma explicação psicológica a respeito de como os indivíduos se apropriam do conhecimento.
Neste sentido, concordamos com Oliveira (1999b) que nossa concepção
teórico-pedagógica está em Paulo Freire, pois além de conceber o processo construtivista pelo
qual o ser humano aprende, acredita na educação como um processo de libertação do capital,
construído por meio da conscientização na educação junto às camadas subalternas. Sendo
assim, a adoção apenas do Construtivismo como paradigma teórico-pedagógico é incompleto
para analisarmos o processo educativo. Visto que temos que refletir acerca da questão
ideológica presente na educação formal, pois a educação não é neutra.
Construtivismo de Piaget que, como biólogo, valoriza a maturação biológica como mais importante na
formação do conhecimento do que as relações sociais.
116
Que já discutimos no primeiro capítulo.
276
Por isso, com relação ao ensino da geografia, concordamos com o
Construtivismo, mas compreendemos, também, a necessidade na Educação Básica da
Pedagogia Libertadora/Freireana, uma concepção teórico-metodológica que nega a
neutralidade na educação assumindo sua posição de classe. Defendemos também, a
necessidade do paradigma do materialismo histórico e dialético na produção da geografia
escolar.
Não podemos deixar de lembrar que existem ainda as diferenças quanto à
construção do conhecimento no campo ou na cidade. Consideramos que com relação à
Educação do Campo devemos acrescentar a Pedagogia da Alternância e a Pedagogia do
Movimento discutida pela Roseli Caldart junto ao MST, pois assim estaremos inserindo na
educação a realidade camponesa e os movimentos sociais do campo. Por isso, afirmarmos que
os PCNs são incompletos com relação a opção teórico-metodológica, logo a convicção de
que devemos acrescentar a Pedagogia Freireana/Libertadora e a Pedagogia do Movimento a
nossa prática educativa.
6.3 – Os pressupostos teórico-metodológicos presentes no PCN de geografia
De acordo com os geógrafos Oliveira (1999b); Pontuschka (1999b) e
Sposito (1999), o PCN de geografia está escrito sob as bases de um ecletismo teórico. Essa
posição deu origem a algumas contradições teórico-metodológicas, as quais teceremos
algumas considerações.
Apesar de encontrarmos ecletismo na produção dos PCN, o objetivo dos
autores, segundo eles mesmos, não foi gerar ecletismo, mas, sim, valorizar a pluralidade de
concepções. Entretanto, o resultado veio de forma a “misturar diversas contribuições”
criando, assim, contradições que mais dificultam o entendimento dos professores do que os
auxiliam em sua busca por uma referência.
Se o PCN de geografia fosse baseado realmente na pluralidade teórico-
metodológica, o correto seria então descrever todas as concepções existentes acerca do
conceito a ser discutido, evidenciando por inteiro as concepções referentes a cada corrente
teórica e deixar ao professor o critério de escolha. Entretanto, o que ocorreu foi uma mistura
que consegue explicar superficialmente a produção científica em geografia. Segundo Oliveira
(1999b), os autores fizeram um verdadeiro “samba do crioulo doido”, confundindo, então, a
todos. Pois, esse ecletismo revela mais ausência do que presença de uma concepção filosófica.
277
Neste sentido, devido ao momento atual, cuja ideologia neoliberal fatalista
está propondo o fim do movimento histórico, é necessário definirmos uma corrente filosófica
de combate ao neoliberalismo. Por isso, concordamos com Straforini (2004) que “[...] no
contexto neoliberal, onde sua cultura propõe o fim da história, da Geografia, da
heterogeneidade, da filosofia, etc., é preciso, antes de tudo, procurarmos os argumentos
filosóficos que permitem continuar o movimento da história”. (p.72).
No entanto, apesar do documento ter assumido uma posição de
pluralidade/ecletismo teórico-metodológico, seus autores adotam, sim, a opção por um
paradigma teórico-metodológico fazendo com que este se sobressaia em relação às outras
concepções trabalhadas. E apontam, nesse sentido, rupturas com outras concepções teóricas,
como o marxismo e o positivismo. Mas, contraditoriamente, se utilizam dessas concepções,
também, ao longo do texto e na escolha de conteúdos. Podemos evidenciar a contradição
filosófica em seu discurso ao incorporarem ao documento tanto o positivismo quanto o
marxismo, como explicam Oliveira (1999b), Sposito (1999), Pontuschka (1999b). Em seguida
extraímos um trecho onde é possível observar a leitura marxista que eles incorporaram ao
documento, mesclada ao subjetivismo fenomenológico:
O espaço geográfico é historicamente produzido pelo homem enquanto
organiza econômica e socialmente sua sociedade. A percepção espacial de
cada indivíduo ou sociedade é também marcada por laços afetivos e
referências socioculturais. Nessa perspectiva, a historicidade enfoca o
homem como sujeito construtor do espaço geográfico, um homem social e
cultural, situado para além e através da perspectiva econômica e política,
que imprime seus valores no processo de construção de seu espaço.
Assim, o estudo de uma totalidade, isto é, da paisagem como síntese de
múltiplos espaços e tempos deve considerar o espaço topológico - o espaço
vivido e o percebido - e o espaço produzido economicamente como algumas
das noções de espaço dentre as tantas que povoam o discurso da Geografia.
(BRASIL. MEC/SEF, 2001b, p.110, grifo nosso).
Podemos perceber nesta passagem a intenção dos autores em misturar essas
duas tendências de maneira a construir um ecletismo metodológico. Todavia, entendemos que
ao considerarem o espaço como construído historicamente pelo homem, resultado da
organização econômica e social, temos que considerar a luta de classes e a necessidade de
superação das contradições do modo de produção de capitalista como um tema central no
ensino de geografia. Todavia, ideologicamente, seus autores optam por querer neutralizar a
abordagem marxista, tendo em vista que o documento segue uma lógica neoliberal.
278
Quanto à presença do positivismo no PCN de geografia, Oliveira (1999b) diz
que por meio do discurso da lógica própria que a natureza possui, seus autores fazem a
compartimentação dos estudos dos elementos da natureza. Apresentando uma seqüência de
conteúdos baseada no positivismo clássico, criticado, contraditoriamente, pelos próprios
autores.
Apesar do discurso de pluralidade metodológica, segundo Sposito (1999) a
posição dos autores do PCN de geografia foi o de analisar o espaço geográfico enfatizando
mais a perspectiva sociocultural do que a via socioeconômica. Destacando, portanto, as
dimensões subjetivas e singulares dos homens com relação ao espaço.
Na mesma perspectiva, em relação ao debate filosófico, Oliveira (1999)
afirma que os autores do PCN em geografia enfatizam, na análise espacial, a subjetividade
chegando mesmo a defender um “subjetivismo radical”. Contudo, a abordagem central, pela
qual os autores optaram, foi a abordagem fenomenológica. Não obstante, de acordo com
Oliveira (1999), em muitas passagens os autores se contradizem e transitam mais por um
“psicologismo” do que por uma concepção fenomenológica.
Neste sentido, tendo em vista que a principal corrente teórico-metodológica
na qual se encontra submetido o PCN de geografia, chama-se fenomenologia, vamos discutir
a respeito da presença dessa abordagem na geografia. As geografias influenciadas pelo
paradigma da fenomenologia receberam a denominação de geografia cultural, geografia
humanística e geografia da percepção. Segundo Lencione (1999), para essa concepção
teórico-metodológica o espaço que é o objeto de estudo da geografia, é o espaço vivido. Esse
espaço não é construído a partir das relações de trabalho, mas, sim, por meio da percepção das
pessoas. Ou seja, “[...] o espaço, devido a sua dimensão abstrata, deixou de ser a referência
central, que passou a ser o espaço vivido, aquele que é construído a partir da percepção das
pessoas. Espaço vivido e, mais do que isso, interpretado pelos indivíduos” [...]. (LENCIONE,
1999, p. 194, grifo nosso).
Ainda, segundo Lencione, esta corrente teórica busca entender o espaço
através da subjetividade, ou seja, o sentimento das pessoas de pertencer a uma região, por
isso, os laços afetivos e a sua identidade, se tornaram a temática central dessa corrente
geográfica. Em suas palavras: “[...] compreender o sentimento que os homens têm de
pertencer a uma região. Assim, procurou-se apreender os laços afetivos que criam uma
identidade regional. A identidade dos homens com a região se tornou então um problema
central [...]”. (1999, p. 194).
279
Percebemos, também, a ênfase dada à individualidade, ou seja, não é
analisada a sociedade de classes em sua relação com o espaço, mas, sim, o sentimento de cada
um dos indivíduos. Dito de outra maneira: “[...] procurou-se compreender como se constitui o
sentimento que os homens têm de pertencer a uma determinada região. Sentimento que emana
do interior e do íntimo das pessoas [...]”. (LENCIONE, 1999, p. 194, grifo nosso).
Prosseguindo nossa análise, a geografia cultural, segundo Mcdowell, se
preocupa mais com a percepção da paisagem do que com o processo de sua construção. Em
suas palavras: “[...] para os ‘novos geógrafos culturais’, ‘as paisagens não são apenas
construídas, são também percebidas através da representação de versões ideais, na pintura e
na poesia, como também no discurso científico e nos escritos acadêmicos’” (apud MAIA,
2001, p. 90).
Vemos nessa abordagem, então, a ênfase dada à percepção individual das
pessoas e, portanto, a subjetividade. Nota-se, então, a diferença de concepções, pois o espaço
concebido na dialética materialista é o espaço social/territorial, que por ter vida permite que as
pessoas o transformem pelas relações de trabalho a fim de sua apropriação. E nessa relação,
produzem o espaço e as relações socioculturais. Mas, para a fenomenologia, o importante não
é entender o processo de produção e organização espacial, mas o sentimento individual com
relação ao espaço, ou seja, a forma de percebê-lo diferentemente pelas pessoas.
Por isso, a respeito da geografia da percepção, em 1978 Santos (1980, p.69)
alertava que, em primeiro lugar, a percepção individual não é um conhecimento científico,
ou seja, não é um dado objetivo, visto que a realidade é fruto de múltiplas determinações
paralelas. Sendo assim, a apreensão da forma nos fornece apenas a informação do que o
objeto aparenta (aparência) e não o que ele representa (função/essência). Pois, temos como
determinações, que precisam ser consideradas ao analisar o espaço, as relações de poder
(principalmente os poderes econômico e jurídico/político do Estado) e, também, a ideologia
que deturpa a realidade. Além do mais, o que vemos, hoje, de imediato, é resultado de um
longo processo histórico.
Logo, devido às estruturas econômicas, ao processo histórico, e a existência
da ideologia, podemos dizer, dando continuidade ao alerta de Santos, que em segundo lugar a
liberdade humana não é absoluta, mas condicionada. Por isso, apesar de termos práxis
individuais que influenciam no movimento espacial, entretanto, se estamos em uma
sociedade, logo, a práxis individual é, conseqüentemente, limitada e subordinada à práxis
coletiva (SANTOS, 1980, p. 70-71). Portanto, não é a junção de práxis individuais que
280
constrói o todo - pois esta concepção fragmentaria a concepção de espaço, como no
positivismo – mas, sim, a práxis coletiva dos sujeitos interconectadas.
Com relação ao PCN de geografia, vamos citar algumas passagens do
documento para visualizarmos essa influência da subjetividade na interpretação do espaço
geográfico. O PCN afirma que o aluno deve entender “[...] as singularidades do lugar em que
vivemos, o que diferencia e o aproxima de outros lugares e, assim, adquirimos uma
consciência maior dos vínculos afetivos e de identidade que estabelecemos com ele. [...]”.
(2001b, p.99, grifo nosso). Percebemos, então, nessa passagem a ênfase dada aos vínculos
afetivos e a identidade, situação que Lencione havia destacado quando explicou a respeito
da abordagem fenomenológica na geografia.
Os autores do PCN afirmam que a sua proposta paradigmática de geografia
está relacionado às tendências do conhecimento produzido na década de 1990. Essa proposta
enfoca a subjetividade da relação do homem com a natureza. Afirmam que as experiências
individuais são influenciadas socialmente pela cultura, na qual os indivíduos estão inseridos.
Logo, essas experiências resultam em percepções diferentes do espaço geográfico e da sua
construção. Nota-se assim a ênfase dada à abordagem da produção espacial por meio da
análise sociocultural, ao invés da abordagem socioeconômica marxista como alertou Sposito
(1999). Ou seja, o maior determinante na produção do espaço são as relações culturais e
afetivas, não as relações de trabalho e socioeconômicas:
Uma das características fundamentais da produção acadêmica da Geografia
desta última década é justamente a definição de abordagens que considerem
as dimensões subjetivas e, portanto, singulares que os homens em
sociedade estabelecem com a natureza. Essas dimensões são socialmente
elaboradas - fruto das experiências individuais marcadas pela cultura na
qual se encontram inseridas - e resultam em diferentes percepções do
espaço geográfico e sua construção. (BRASIL. MEC/SEF, 2001b, p.104-
105, grifo nosso).
E, nessa perspectiva, criticam o positivismo empirista e o marxismo,
afirmando a importância de enfatizar mais os aspectos socioculturais da paisagem do que os
aspectos políticos e econômicos. Segundo Oliveira (1999b), em algumas passagens os autores
tentam induzir o leitor a uma aproximação com a fenomenologia:
Uma Geografia que não seja apenas centrada na descrição empírica das
paisagens, tampouco pautada exclusivamente na interpretação política e
econômica do mundo; que trabalhe tanto as relações socioculturais da
paisagem como os elementos físicos e biológicos que dela fazem parte,
281
investigando as múltiplas interações entre eles estabelecidas na constituição
de um espaço: o espaço geográfico. (BRASIL. MEC/SEF, 2001b, p.106,
grifo nosso).
Esta abordagem culturalista do PCN de geografia, em detrimento da análise
socioeconômica, encontra problemas na medida em que foi inserida no documento de maneira
superficial, uma vez que concebem uma sociedade sem conflitos, homogênea. Todavia, as
relações socioculturais não são construídas de forma harmônica. E, logo, esse fato deve ser
levado em consideração ao discutir essas questões:
[...] incorporada de forma superficial e ingênua no documento. O convívio
entre hábitos, valores e crenças populares locais, ou de grupos sociais
minoritários, e o conhecimento transmitido pela escola nem sempre ocorre
sem conflitos. Não basta propor o respeito às diferenças: é preciso fazer os
alunos refletirem sobre elas, é preciso que seus conhecimentos sejam
construídos a partir da análise crítica e informada sobre a natureza dessas
diferenças. (CURRÍCULO e política de identidade, 1996, p. 7).
Nessa perspectiva, colaborando com nossa discussão, Eliseu Sposito vai
dizer que a geografia humanística, adepta do paradigma fenomenológico, tem significativa
contribuição quando utilizada para a investigação de manifestações culturais específicas. No
entanto, quando esse paradigma passa ser a principal vertente teórica para a formação de
professores e de cidadãos na Educação Básica - devido à complexidade da nossa realidade,
visto que o espaço é produto de múltiplas determinações - demonstra fragilidade, pois não
consegue explicar a complexidade da realidade:
Essa tendência, que podemos chamar de fenomenológica, tem sido
utilizada, com reconhecida consistência, na Geografia Humanística para
interpretação das manifestações culturais de grupos específicos e do
cotidiano urbano. No entanto, quando ela está na base teórica de
instrumentos fundamentais para orientar o ensino de Geografia no Brasil,
como os Parâmetros Curriculares Nacionais, [...] [que desempenham um]
papel político na formação de professores dos ensinos fundamental e médio
e dos futuros cidadãos, demonstra sua fragilidade na sua relação com a
complexidade da realidade, principalmente por suas dificuldades em tratar a
escala, na perspectiva epistemológica. (2001, p.106).
Na passagem a seguir os autores do PCN de geografia concebem o espaço a
partir da percepção subjetiva da paisagem, caracterizando esta categoria como central nas
preocupações geográficas. E expressam uma frase contraditória: “[...]
essas noções de espaço
pressupõe considerar a compreensão subjetiva das paisagens como lugar
[...]”. (2001b, p.110, grifo
282
nosso). Nela afirmam que a paisagem é o sinônimo de lugar. E que para compreender o
espaço é necessário conceber a paisagem como lugar, a partir da percepção:
Pensar sobre essas noções de espaço pressupõe considerar a compreensão
subjetiva das paisagens como lugar: a paisagem ganhando significados para
aqueles que a vivem e a constroem. As percepções que os indivíduos,
grupos ou sociedades têm do lugar nos quais se encontram e as relações
singulares que com ele estabelecem fazem parte do processo de construção
das representações de imagens do mundo e do espaço geográfico. As
percepções, as vivências e a memória dos indivíduos e dos grupos sociais
são, portanto, elementos importantes na constituição do saber geográfico.
(2001b, p.110, grifo nosso).
Com relação à abordagem dos conteúdos presentes no PCN de geografia, o
documento chama a atenção para o estudo das categorias de paisagem, lugar e território nas
séries/anos iniciais do Ensino Fundamental, pois, segundo os autores, essas categorias são
mais acessíveis aos alunos por causa de suas características afetivas. Vejamos essa passagem
no documento:
[...] Embora o espaço geográfico deva ser o objeto central de estudo, as
categorias paisagem, território e lugar devem também ser abordadas,
principalmente nos ciclos iniciais, quando se mostram mais acessíveis aos
alunos, tendo em vista suas características cognitivas e afetivas. (2001b,
p.110).
Todavia, apesar de entendermos que o território e o lugar são categorias
que tem como característica fundamental a identidade e o sentimento de pertencimento, esta
particularidade não retira da análise a discussão acerca da produção desses espaços por meio
das relações de trabalho e das relações socioeconômicas. Por isso, apesar de concebermos o
território e o lugar como espaço vivido, todavia se faz necessário mencionar que eles não
podem ser considerados espaços isolados, ou seja, como se fosse produzido a partir de
relações autônomas/independentes do espaço global, sob o risco de construirmos uma
fragmentação espacial. Logo, quando afirmamos que o lugar e o território devem ser
categorias privilegiadas nas discussões do ensino da geografia nas séries/anos iniciais do
Ensino Fundamental, estamos considerando-os como espaços onde atuam lógicas locais, mas
também, lógicas globais. Por conseguinte, estamos dizendo que, independente da categoria da
geografia investigada, sempre partiremos da realidade concreta como síntese contraditória de
múltiplas determinações.
283
Com relação ao conteúdo a ser trabalhado a respeito da relação campo-
cidade, para o ciclo das séries/anos iniciais, o documento aponta a necessidade de se
trabalhar às relações entre cidade-campo em todas as esferas: social, cultural e ambiental.
Vejamos o que diz o PCN de geografia:
No segundo ciclo, o estudo da Geografia deve abordar principalmente as
diferentes relações entre as cidades e o campo em suas dimensões sociais,
culturais e ambientais e considerando o papel do trabalho, das tecnologias,
da informação, da comunicação e do transporte. O objetivo central é que os
alunos construam conhecimentos a respeito das categorias de paisagens
urbanas e paisagem rural, como foram constituídas ao longo do tempo e
ainda o são, e como sintetizam múltiplos espaços geográficos.
Atualmente, o urbano e o rural são compreendidos para além de seus
aspectos econômicos ou da descrição compartimentada dos fenômenos
sociais e naturais que os caracterizam. As múltiplas dinâmicas existentes
entre as cidades e o campo; as semelhanças e diferenças entre os modos de
vida que se constituem; as formas de trabalho e a produção e percepção
do espaço e da paisagem; os relógios naturais e mecânicos que controlam a
vida nas cidades e no campo e impõem ritmos de vida diferentes tornaram-
se temas de investigação da própria geografia e, na escola, se mostram
interessantes e pertinentes de serem trabalhados, inclusive ao longo do
segundo ciclo.
A configuração territorial igualmente pode ser tratada, pois as relações
entre as paisagens urbanas e rurais estão permeadas por decisões político-
administrativas promovidas não apenas por instâncias regionais, mas,
sobretudo, federais, explicando-se a predominância do urbano sobre o rural.
[...]. (2001b, p.139-140, grifo nosso).
Notamos nessa passagem, a presença da ênfase dada à categoria paisagem,
neste caso ela aparece como paisagem rural e paisagem urbana, mostrando assim a opção
teórica de seus autores. Quando enfocam o papel do trabalho nessa relação, que entendemos
se tratar de uma categoria de análise marxista, explicitam o ecletismo de concepções presente
no documento. Acrescenta-se ainda que para eles essa discussão não é tida como central, mas
como secundária, ou seja, o trabalho não é a principal relação na produção dos espaços rural
e urbano.
No trecho: “A configuração territorial igualmente pode ser tratada, pois as
relações entre as paisagens urbanas e rurais estão permeadas por decisões político-
administrativas [...]”. (BRASIL.
MEC/SEF
, 2001a, p.140), é possível apreender que existe
uma concepção territorial submetida apenas aos poderes jurídico-políticos, pois em nenhum
momento mencionam a influência do capital na produção desses espaços. Neste sentido,
negligenciam uma questão básica da produção do campo no século XXI, ou seja, que
possuímos de um lado o capital internacionalizado na forma do agronegócio exportador e, do
284
outro lado, os camponeses (assentados, acampados, sem terra, assalariados etc.), formando os
movimentos sociais do campo na luta pela/na terra.
Também não mencionam a relação dialética existente entre campo-cidade
produto da gica desigual e contraditória/combinada que nos fala Oliveira (1999a), ou seja,
campo-cidade formam uma totalidade na diversidade. Assim, a junção desses espaços
antagônicos se faz a partir da existência de trabalhadores urbanos trabalhando na indústria no
campo e, do outro lado, das lutas pela/na terra empreendidas na cidade.
Ainda, na discussão a respeito da relação campo-cidade, é evidente, como
Sposito (1999) destacou, que apesar da pluralidade de paradigmas assumida pelos autores,
clara opção pela abordagem sociocultural, logo o enfoque voltado a necessidade de que os
alunos entendam as diferenças culturais nas relações campo-cidade. Neste sentido, a questão
da subordinação dessas relações ao modo de produção capitalista e as estratégias de ruptura
com essa lógica, acabam ficando em segundo plano. Vejamos essa passagem do PCN de
geografia: “[...] reconhecer semelhanças e diferenças entre os modos de vida das cidades e do
campo, relativas ao trabalho, às construções e moradias, aos hábitos cotidianos, às expressões
de lazer e de cultura;”. (2001b, p.143).
Na temática relação campo-cidade”, entendemos que é de fundamental
importância trabalharmos de maneira crítica e transformadora, no Ensino Fundamental, as
seguintes questões: o processo de exploração e de expropriação do camponês; a subordinação
das relações campo-cidade ao capital monopolista; os problemas causados pela expulsão do
camponês de sua terra; os movimentos sociais do campo; o agronegócio latifundiário e seus
impactos socioambientais; a violência no campo; o papel do capital e do Estado na
produção/organização espacial; agricultura camponesa: respeito a sociobiodiversidade; a
produção dos bio-agro-combustíveis; o processo de territorialização do capital monopolista
entre outros temas, além da abordagrm de diferenças culturais.
Consideramos, então, que na relação cidade-campo deve-se enfocar a ação
do capital na produção do espaço agrário, tendo como objetivo da discussão o entendimento
dessas relações por meio de uma postura crítica. Colaborando nessa discussão, da produção
espaço agrário no capitalismo, Corrêa vai nos dizer que a invasão das corporações
econômicas no campo leva, conseqüentemente, a mudanças nas relações socioespaciais ali
existentes. Assim, quando o capital se territorializa no campo passam a ser características da
realidade do espaço agrário: concentração fundiária, êxodo rural, trabalho assalariado,
impactos ambientais etc. Por isso, não conceber a análise socioeconômica da subordinação do
285
campo ao capital como um tema primordial de discussão no Ensino Fundamental, é não
permitir a leitura e, muito menos, a transformação da realidade. Em suas palavras:
Ao introduzirem um novo produto agrícola e a modernização tecnológica
em uma área rural, as grandes corporações podem, direta ou indiretamente,
alterar sua estrutura agrária: concentração fundiária, mudanças nas relações
de produção com uma nova força de trabalho constituída por bóias-frias,
emigração do excedente demográfico etc. Aceleram ainda, o processo de
exaustão dos solos [...]. (CORRÊA, 1986, p.64).
Concordamos com Corrêa quando diz que no capitalismo a reprodução do
espaço é uma expressão espacializada do processo da reprodução do capital. (1986, p.61). Por
isso, para entender o espaço temos que entender os processos de produção e reprodução do
capital.
Nesta perspectiva, Oliveira afirma que para entendermos a produção espacial
se faz necessário entender as relações sociais, ou seja, como a sociedade se organiza para
produção e distribuição dos bens materiais, pois os espaços produzidos por este sistema de
produção adquirem formas que significam a materialização dessa organização social. Logo, a
produção espacial é a materialização da organização social. Sendo assim, como a nossa
produção/distribuição/circulação/consumo de mercadorias se faz sob uma lógica do capital,
logo entender essas relações está na essência da produção espacial e, portanto, devem ser
discutidas em sala de aula. Em suas palavras:
Para entender esse espaço produzido, é necessário entender as relações entre
os homens, pois dependendo da forma como eles se organizam para a
produção e distribuição dos bens materiais, os espaços que produzem vão
adquirindo determinadas formas que materializam essa organização social.
(1994b, p.142).
Por isso, a geografia produzida sob a concepção teórico-metodológica do
materialismo histórico e dialético, se preocupa, predominantemente, com as questões
socioeconômicas na produção/reprodução do espaço capitalista globalizado. Nesta
perspectiva, são questões importantes para análise do espaço: a divisão internacional do
trabalho e os fluxos de riqueza entre países, grupos de países, empresas e grupos de empresas,
que têm como motivação básica à expropriação da mais-valia dos assalariados em diferentes
áreas do mundo (SPOSITO, 2001).
286
Não discordamos da necessidade de se trabalhar os aspectos socioculturais e
as relações afetivas do ser humano com o espaço, porém não podemos esquecer que o espaço
é construído a partir das relações materiais de trabalho, que são subordinadas ao modo de
produção econômico-social capitalista que, por sua vez, produz uma sociedade
estratificada/classista. Portanto, não separamos a subjetividade da materialidade.
Neste sentido, não podemos conceber a realidade socioespacial construída a
partir da subjetividade individual ou das relações culturais de forma dissociada da produção
material e coletiva do mundo. Por estarmos inseridos em uma sociedade, as práticas
individuais, apesar de influenciarem na realidade, se encontram subordinada a totalidade, ou
seja, são práticas sociais coletivas. Portanto, não é a junção de cada uma das práticas
individuais que constrói o todo, visto que a realidade é fruto de múltiplas determinações
paralelas, resultado de um longo processo histórico.
A natureza humana não é uma qualidade definida a priori, mas é adquirida
de forma integrada a um processo histórico de produção que é responsável pela própria
transformação dos indivíduos e da sociedade. E as relações socioculturais não estão
dissociadas desse processo. Tanto as relações materiais como as relações subjetivas/culturais
são resultantes desse processo histórico. Da mesma forma, não podemos pensar a super-
estrutura (política, jurídica, ideológica, cultural) desvinculada da infra-estrutura do modo de
produção vigente. Todavia, temos que estar cientes de que a super-estrutura após produzida
passa a influenciar nas relações sociais. Isto porque “[...] essas realidades produzidas pelo
conjunto dos homens, repercutem sobre o indivíduo, desenvolvendo-o, bloqueiam seus
passos, abrem espaços, transformam, causam discussões, animosidades, invejas e alegrias”.
(SILVA, 2007, Não paginado).
Uma abordagem que enfatiza a subjetividade e a individualidade, dissociada
do processo histórico, das relações materiais de trabalho, que não assume a necessidade da
ruptura com as estruturas dominantes e nega a existência da luta de classes, não pode ser
precursora de um processo emancipatório, mas apenas de uma manutenção das relações
neoliberais.
Sendo assim, os conteúdos dos PCNs não podem ser abordados fora dessa
dinâmica. Se seus autores consideram, que o espaço é construído historicamente e
economicamente, logo, necessidade de se entender o modo de produção capitalista e a luta
de classes. Por isso, esse discurso de neutralidade presente nos PCNs é uma posição incapaz
de auxiliar na formação de um verdadeiro cidadão crítico.
287
Consideramos negligência discutir relações socioeconômicas e afetivas do
espaço de maneira mesclada, como se tivessem o mesmo poder de influência na produção do
espaço e não houvesse, então, uma relação determinante. As relações espaciais não são
homogêneas, são desiguais e contraditórias. Se os autores do PCN de geografia admitem que
o espaço é construído historicamente, é contraditório não discutir que a produção do espaço
se a partir das relações de trabalho por meio das classes antagônicas, pois esses são os
sujeitos concretos da história. Sendo assim, os PCNs passam a ser instrumentos de reprodução
do sistema.
Dessa forma, a análise espacial incorporada ao PCN de geografia como
sendo a base teórica dos professores, a fim de auxiliar na transformação de alunos em
cidadãos críticos, reflexivos e autônomos, é limitada. Ou seja, a abordagem presente no PCN
de geografia busca apenas interpretar o espaço - aliás, de forma bem superficial -, porém não
pressupõe a necessidade e a possibilidade de ação sobre o espaço a fim de transformá-lo em
um espaço do ser humano e não do capital, com vistas a um espaço de liberdade e não de
escravidão ao capital monopolista globalizado:
[...] os PCN’s abordam a Geografia como ciência que busca apenas interpretar
o espaço, mas não uma Geografia que instrumentalize o indivíduo a interagir
sobre ele (práxis). Os conceitos geográficos, na maior parte do texto, são
apresentados situando o indivíduo como se ele não pudesse agir e interagir
sobre a realidade transformando-a. (SANTOS, R., 2003, p. 492).
6.4 A concepção histórico-social numa perspectiva dialética: entendendo a
interpretação marxista da realidade
De acordo com Marx, as relações sociais se originam da primeira
necessidade humana, que é a necessidade de sobrevivência por meio da alimentação. Portanto,
se trata de uma relação material e a partir dsão construídas todas as outras relações sociais
de acordo com a realidade na qual o indivíduo se encontra inserido. Dessa forma é que vamos
construindo a nossa consciência, ou seja, o ideal é o material/real transposto e representado na
cabeça do homem (MARX apud OLIVEIRA, 2004).
Por isso, a essência do processo de construção do pensamento são as relações
materiais. Isso porque para a dialética materialista, as nossas idéias são reflexos da nossa
realidade objetiva, ou seja, a produção da consciência humana está, estreitamente, relacionada
288
com a produção material da vida. Isto é, com as nossas experiências vividas na realidade ao
nos relacionamos com o meio em que vivemos e com as pessoas desse meio. Parafraseando
Frei Beto e Leonardo Boff: “a cabeça pensa de acordo com onde os pés pisam”. Deste modo,
a construção do pensamento está relacionada, diretamente, com as nossas ações materiais.
Dito de outra maneira:
A produção de idéias, de representações, da consciência, está de início,
diretamente entrelaçada com a atividade material e com o intercâmbio
material dos homens, como a linguagem da vida real. O representar, o
pensar, o intercâmbio espiritual dos homens, aparecem aqui como
emanação direta de seu comportamento material. [...]. (MARX; ENGELS,
1984, p.36-37).
Por conseguinte, é a nossa vida material/social que produz a nossa
consciência e, não o contrário, como pensavam os teóricos idealistas anteriores a Marx. Dessa
maneira, a nossa consciência é construída nas relações da vida real/material. Ou seja, a
essência da nossa consciência está nas nossas relações sociais/materiais. Sendo que essas
relações sociais envolvem as contradições e conflitos provocados pelo modo de produção
vigente. Vejamos o que Marx ensina: “[...] não é a consciência dos homens que determina o
seu ser, mas, ao contrário, é o seu ser social que determina a sua consciência. [...] É preciso
explicar essa consciência a partir das contradições da vida material, a partir do conflito
existente entre as forças produtivas sociais e as relações de produção”. (apud OLIVEIRA,
2004, p. 33).
Por isso, a dialética materialista parte da realidade para construir as reflexões
teóricas, ou seja, parte da vida real do ser humano em seu processo de reprodução da vida
material. Concebendo, assim, o ser humano como sujeito ativo no processo de sua existência,
que age sobre o meio reproduzindo-se biologicamente e socialmente. Ser humano esse feito
de carne e osso, que se alimenta e se protege do frio e, por isso, trabalha para transformar a
natureza a partir de suas necessidades. E, também, produzem a cultura, a arte, a ciência etc.,
nessa relação. Logo, não podemos construir as nossas reflexões a partir da imaginação, do que
seja humano, pois as construções simbólicas são resultado das relações materiais, por isso não
se separa real/imaginário ou material/simbólico, visto que a essência da representação
simbólica está no processo de vida material. Por isso, “[...] a consciência jamais pode ser
outra coisa do que o ser consciente, e o ser dos homens é o seu processo de vida real. [...]”.
(MARX; ENGELS, 1984, p.36-37).
289
Não chegaremos ao real se partimos do imaginário, pois não é o imaginário
que constrói a vida real, mas o contrário. Por conseguinte, “[...] não se parte daquilo que os
homens dizem, imaginam ou representam, e tampouco dos homens pensados, imaginados e
representados para, a partir daí, chegar aos homens em carne e osso; parte-se dos homens
realmente ativos e, a partir de seu processo de vida real [...]”. (MARX; ENGELS, 1984, p.36-
37). Logo, a consciência humana não existe sem a nossa vida material, isto é, o que pensamos
é representação/reflexo do que vivemos materialmente.
Por conseguinte, de maneira sintética, podemos considerar que a construção
da consciência é o processo de “imaterialização” da realidade, ou seja, “[...] a consciência é a
natureza imaterial, traduzida em imagens abstratas configuradas em pensamentos,
sentimentos, emoções... etc.”. (GOMES, 1991, p.32).
A fim de explicar que a construção dessa relação materialidade/subjetividade
é um processo indissociável que emana das relações materiais de trabalho, Silva (2007) diz:
É o trabalho que produz realidades, coisas, mercadorias, imagens, palavras,
metáforas, piadas, parábolas, ou então, a carteira da sala, o tecido, a
lâmpada, e a bola do futebol brasileiro. Tudo passa a fazer parte do universo
social no qual vive o indivíduo. Também modifica o indivíduo.
[...] Até mesmo o desenvolvimento dos sentidos físicos e espirituais
humanos (ver, ouvir, olhar, sentir, afetividade, as faculdades intelectuais,
etc.) são desenvolvimentos resultantes do trabalho. (Não paginado).
Devemos partir das condições e necessidades da vida material e concreta
para evitarmos a idealização do mundo de “cima” para “baixo”. Por conseguinte, “totalmente
ao contrário do que ocorre na filosofia alemã, que desce do céu á terra, aqui se ascende da
terra ao céu. [...]”. (MARX; ENGELS, 1984, p.36-37). Nessa passagem, Marx e Engels
demonstram claramente a ruptura com a filosofia idealista alemã, cuja concepção filosófica
não permitia interpretar e, muito menos, modificar a realidade, pois esta concepção não partia
da realidade concreta. Ao contrário do que os idealistas pensavam: “[...] não é a consciência
que determina a vida, mas a vida que determina a consciência. [...]”. (MARX; ENGELS,
1984, p.37). Ou seja, “pensamos” aquilo que construímos, em nossas relações materiais,
durante a nossa existência histórica. Portanto, “[...] são as condições históricas que
determinam as idéias, e não o seu contrário [...]”. (ALMEIDA, 2006a, p. 58-59).
Assim sendo, a dialética marxista se diferencia da dialética de Hegel. Para o
materialismo dialético, a idéia é a tradução do real na mente humana, já para Hegel o
290
pensamento é autônomo, ou seja, não depende do real para se constituir. Dessa forma, a
realidade de Hegel é uma ficção, apenas representação do real. Neste sentido, Marx afirma:
Por sua fundamentação, meu método dialético não difere do hegeliano,
mas é também a sua síntese direta. Para Hegel, o processo de pensamento,
que ele, sob o nome de idéia, transforma num sujeito autônomo, é o
demiurgo do real, real que constitui apenas a sua manifestação externa. Para
mim, pelo contrário, o ideal não é nada mais que o material, transposto e
traduzido na cabeça do homem. (apud OLIVEIRA, 1999, p.70).
Andrey vai explicar que, para Marx e Engels, a produção de nossas
idéias/representações/consciência é a conseqüência das relações que o ser humano tem
durante sua vida real, enquanto reproduz sua existência. As idéias representam a maneira com
que o ser humano vive o seu tempo-espaço, ou seja, a forma como se relaciona em sociedade
e o que ele faz em geral. Em suas palavras:
[...] As idéias são a expressão das relações e atividades reais do homem,
estabelecidas no processo de produção de sua existência. Elas são a
representação daquilo que o homem faz, da sua maneira de viver, da forma
como se relaciona com outros homens, do mundo que o circunda e das suas
próprias necessidades. Marx e Engels afirmam: “A produção de idéias, de
representações e da consciência está em primeiro lugar direta e intimamente
ligada à atividade material e ao comércio material dos homens; é a
linguagem da vida real. [...]”. (1988, p.14).
De acordo com Gomes é na prática que o ser humano cria a condição
material para a reprodução de sua existência. É pela nossa ação, agindo sobre o meio, que
estabelecemos uma relação concreta com o mundo exterior. Dessa relação concreta resultam
as nossas sensações, percepções e representações, elas, por sua vez, fazem a conexão entre os
conhecimentos: sensorial e conceitual. Logo, é na prática, ao exercer a ação, experimentar
etc., que testamos a essência do nosso saber. Dito de outra maneira:
É prática que o ser humano cria as condições materiais de sua existência na
sociedade. É pela prática que estabelecemos a nossa união concreta com o
mundo exterior, revelando-nos as sensações, as percepções, as
representações, as quais funcionam como nexos entre os conhecimentos
(sensorial e conceitual). É pelo mecanismo da prática - produção,
experimentação, luta de classes - que testamos a veracidade de nosso saber.
(1991, p.19).
291
Nesta perspectiva, o materialismo dialético contesta as interpretações que
atribuem à construção da realidade à consciência e, assim, não consideram a consciência
como uma construção determinada/refletida pela realidade. Esses teóricos constroem essa
concepção tendo como base o fato de o homem transformar o mundo através de sua opção
prática sobre ele, como também por sua ação interpretativa e explicativa da realidade. Sendo
assim, a interpretação da realidade acarretaria, automaticamente, em transformação social.
Todavia, Gomes vai explicar que se trata de uma interpretação errônea, visto que a tomada de
posição requer, primeiramente, a produção da consciência que é, por sua vez, construída na
reflexão a partir da realidade objetiva.
O materialismo dialético também refuta aqueles que não consideram a
consciência como reflexo da realidade objetiva, mas sim como “criação”
desta mesma realidade. São os que fundamentam tal proposição no fato de
o homem transformar o mundo através de sua opção prática sobre ele, como
também por sua ação interpretativa e explicativa. Assim, uma interpretação
do mundo desprovida de transformação deste mundo seria impossível.
Trata-se de uma formulação errônea em virtude de que a criação
encaminhada pelo homem em qualquer espaço concreto de análise só pode
advir se a sua consciência refletir os valores contidos no mencionado
espaço. Para tanto, necessidade de o homem, em decorrência de sua
atividade criadora mental, submeter-se às leis objetivas existentes fora e
independentes de sua consciência. (1991, p.32, grifo do autor).
Colaborando com nossa reflexão, Loureiro vai dizer que para o marxismo as
relações sociais são construídas historicamente por meio de uma dinâmica realizada por
contradições e, por sua vez, superação dessas contradições. Logo, são as contradições
inerentes ao capitalismo com a produção da mercantilização e alienação humana, que
comprovam a possibilidade de superação desse modo de produção.
A concepção dialética implica compreender o desenvolvimento histórico
sendo efetuado por contradições e movimentos de superação destas
contradições. [...].
A demonstração das contradições internas ao capitalismo, seus
antagonismos, e de suas implicações sobre a coisificação da vida e a
alienação humana evidencia a possibilidade histórica de superação desse
sistema que define as relações nas sociedades contemporâneas.
(LOUREIRO, 2004, p.111).
Concordamos com Hobsbawn que o marxismo é o paradigma teórico que
teve a maior aplicação prática, possibilitando, além de interpretar o mundo, construir sua
mudança. Em suas palavras: “[...] a tradição iniciada em Marx representa ‘a escola teórica que
292
teve a maior influência prática (e as mais profundas raízes práticas) na história do mundo
moderno, é um método para, ao mesmo tempo, interpretar e mudar o mundo’”. (apud
LOUREIRO, 2004, p.111).
Faz-se necessário, portanto, refletirmos acerca da importância do caráter
científico revolucionário construído por Marx, tendo em vista que não havia essa concepção
de classe, antes de Marx. É ele, portanto, quem rompe com o caráter neutro da ciência e
concebe a ciência como instrumento de transformação social. Neste sentido, colaborando com
a nossa reflexão, Almeida (2006a) vai dizer que quando Marx e Engels afirmam que são as
condições materiais que condicionam o ser social, ele nos aponta a possibilidade da mudança,
a partir da práxis dos sujeitos. Desconstruindo, assim, a concepção mecanicista (que não
possui a concepção de dinâmica da realidade), pois a ação sobre a realidade material pode
significar superação. Nas palavras da autora:
Quando afirmam que as condições materiais condicionam o ser social, Marx
& Engels (1982, p.107-8) escapam do pessimismo, do materialismo
“vulgar”, explicando que o conhecimento das condições dessa determinação
por meio da práxis pode levar aos homens, seja por meio da evolução seja
pela ruptura, à superação do status quo; por conseguinte, a ação da matéria
sobre a idéia não é estática nem linear. (p.60).
Neste sentido, o materialismo histórico e dialético rompe com a concepção
da produção histórica linear/mecânica, construída por um pensamento autônomo
independente da práxis dos sujeitos. Passa-se a conceber, a partir do marxismo, que são as
relações sociais concretas que passam a condicionar a produção da razão. Logo, são os
sujeitos constituídos em sociedade, por um antagonismo de classes, que comandam o
processo histórico, ou seja, o motor da história é a luta de classes, por isso nossa vida é parte
intrínseca da história. Podemos dizer então que é a luta de classes que, historicamente, produz
a consciência.
O Marxismo histórico dialético introduz a concepção do desenvolvimento
histórico como processo que revoluciona a vida, rompendo, desse modo,
com a história vista como processo linear, etapista, comandada por uma
razão/pensamento autônomo, independentemente das ações do homem.
Nessa perspectiva, a razão passa a ser condicionada pela sociedade
(relações sociais); ela deixa de ser a história como anteriormente se
postulava. Por conseguinte, como dizia Marx (1986), a história da sociedade
passa a se confundir com a história das lutas de classe. (ALMEIDA, 2006a,
p.59).
293
É necessário ressaltar que apesar dos seres humanos produzirem a história,
eles possuem uma prática social condicionada pelas estruturas dominantes devido a alienação
e a coisificação provocada pela subordinação das relações de trabalho ao domínio do capital e
a legitimação dessas relações pelo poder ideológico, situação que faz com que a aparência da
realidade seja diferente da essência.
Dessa forma, somente pela consciência construída a partir da práxis dos
sujeitos é que o ser humano pode se libertar. Tendo em vista que é por meio da ação histórica
que os indivíduos produzem/reproduzem as relações sociais, podendo, por isso, construir
outra realidade. Logo, a transformação histórica não se faz pelo pensamento, mas pela práxis.
Também, não são os intelectuais que produzem sozinhos a história, mas, sim, os oprimidos
coletivamente. Por isso, Marx convida a todos os explorados do capitalismo para lutarem
coletivamente pela libertação do capital. Dito de outra maneira:
Embora Marx tenha afirmado que são os homens que fazem a história por
meio do conflito entre as classes, ele ressaltou, todavia, que, em razão do
processo de alienação a qual faz com que a aparência dos fatos não coincida
com a sua essência, os homens acabam não fazendo a história como
querem. Dessa forma, somente por meio de uma racionalidade advinda da
práxis os homens poderão emancipar-se. E essa libertação da ideologia será
produto da ação dos trabalhadores, pois “a libertação é um ato histórico e
não um ato de pensamento”. Destarte, ninguém fará isso por ele, daí sua
assertiva “Proletários de todos os países, uni-vos!”. (ALMEIDA, 2006a,
p.59).
Para Marx, o potencial concreto para a revolução encontra-se no paradoxo
da realidade, sendo que esta realidade é constituída pelo capital de um lado e pelos
trabalhadores do outro. Formando, assim, uma massa revolucionária.
Os elementos materiais de uma subversão total são, de um lado, as forças
produtivas existentes, e, de outro, a formação de uma massa revolucionária
que se revolte, não contra as condições particulares da sociedade
existente até então, mas também contra a própria produção da vida vigente,
contra a atividade total sobre a qual se baseia. [...]. (apud ALMEIDA,
2006a, p.59-60).
Outra contribuição do materialismo dialético para a ciência, especialmente
para a geografia, diz respeito à concepção da relação tempo-espaço. Segundo Gomes, nessa
294
concepção filosófica espaço-tempo forma uma totalidade inseparável
117
, constituindo as duas
dimensões nas quais está submetida a nossa realidade material, pois a matéria existe
inerente ao tempo-espaço e vice-versa. O tempo-espaço é responsável pela dinâmica do
processo de reprodução da matéria. Rompe-se, dessa maneira, com a afirmação de Kant que a
história é a ciência do tempo e a geografia é a ciência do espaço, afirmação que dicotomizava
a relação tempo-espaço. Em suas palavras:
Na concepção filosófica do materialismo dialético, espaço e tempo são duas
dimensões de uma mesma realidade: a materialidade do mundo. Não
matéria fora do espaço e do tempo, como também não espaço e tempo
fora da matéria. Eles são inseparáveis e, pelo fato de não existir matéria sem
movimento, fazem parte da dinâmica da matéria. O espaço se reproduz
indefinidamente como novo espaço e o tempo como novo tempo. (1991, p.
52).
6.5 - Questão ideológica: respondendo as críticas negativas que estão no PCN de
geografia acerca do marxismo
É preciso lembrar que nenhum conhecimento é neutro, como já se tem
amplamente demonstrado no profícuo debate teórico sobre a filosofia da
ciência, sendo igualmente necessário advertir que os argumentos e até
mesmo as palavras que utilizamos para publicizar o conhecimento que
acionamos para desvendar a realidade nada têm de inocentes. Em outras
palavras, estamos explicitando que as considerações aqui tecidas são
coerentes com uma orientação filosófica, teórica, que decorrem exatamente
do lugar político que queremos ocupar no mundo das classes. [...].
(PAULINO, 2006, p. 27).
Partindo do pressuposto de que o conhecimento não é neutro, concordamos
com Oliveira (1999b) que o debate científico do PCN de geografia não deve ser feito de
forma imparcial, tendo que passar pela análise teórica, filosófica, ideológica e utópica
(OLIVEIRA, 1999b). Por isso, vamos refletir acerca dessas questões presentes no PCN de
geografia e responder às críticas negativas à teoria marxista presentes no documento.
Iniciamos com aquela que pode ser considerada a crítica mais contundente
ao marxismo feita pelos autores do PCN de geografia. Ela diz respeito à afirmação de que o
materialismo histórico e dialético é um paradigma que é inadequado para o Ensino
Fundamental devido a sua complexidade. Pois, quando foi incorporado ao Ensino
117
Einstein, também, comprova com a teoria da relatividade a relação intrínseca entre tempo e espaço (Gomes,
1991).
295
Fundamental centrou-se em questões acerca das relações econômicas e das relações de
trabalho. Também criticam o método pedagógico utilizado pelos professores, bem como os
livros didáticos que conservaram o método positivista, herança da Educação Tradicional.
Vejamos o que o PCN de geografia fala a respeito disso:
Para o ensino, essa perspectiva trouxe uma nova forma de se interpretar as
categorias de espaço geográfico, território e paisagem, e influenciou, a
partir dos anos 80, uma série de propostas curriculares voltadas para o
segmento de quinta a oitava séries.
Essas propostas, no entanto, foram centradas em questões referentes a
explicações econômicas e a relações de trabalho que se mostraram, no geral,
inadequadas para os alunos dessa etapa da escolaridade, devido a sua
complexidade. Além disso, a prática da maioria dos professores e de muitos
livros didáticos conservaram a linha tradicional, descritiva e
descontextualizada herdada da Geografia Tradicional, mesmo quando o
enfoque dos assuntos estudados era marcado pela Geografia Marxista.
(2001b, p.104-105).
De acordo com Oliveira, essa passagem do documento, além de criticar o
marxismo, desconsidera as propostas curriculares elaboradas nos Estados brasileiros,
ignorando seu processo de construção. Em suas palavras:
[...] Certamente aqui uma intenção manifesta da crítica ao marxismo.
Além dessa posição os autores procuram tratar as propostas curriculares de
geografia elaboradas por diferentes estados brasileiros de forma a ignorar os
processos profundos que envolveram suas construções, como foi o caso da
proposta curricular de geografia do Estado de São Paulo. (1999b, p.56).
Neste sentido, para respondermos a esses questionamentos, e entendermos o
que realmente aconteceu com a proposta marxista nos anos 1980, vamos acompanhar a
construção teórica de Straforini. Ele vai nos explicar que ocorreu, na verdade, um grande
equívoco quando, na cada de 1980, tentou-se implantar na Educação Básica a Geografia
Crítica numa perspectiva economicista. Nessa fase, o materialismo histórico se limitou a uma
explicação econômica do espaço, tanto em sala de aula como nos livros didáticos.
Desaparecendo, assim, as categorias de investigação geográfica como território e espaço,
essenciais para interpretação do espaço geográfico. A conseqüência foi que as aulas de
geografia se tornaram mais parecidas com sociologia ou história:
[...] na Geografia, o materialismo histórico foi tomado a partir da categoria
econômica, formação socioeconômica, valorizando, em primeiro plano, os
296
modos de produção e relações de trabalho. As categorias/conceitos
geográficos lugar, região, território e paisagem pouco foram utilizadas nos
estudos geográficos e nos manuais didáticos, tornando as aulas mais
parecidas com História e Sociologia, à Geografia propriamente dita.
(STRAFORINI, 2004, p. 22).
Quanto às críticas a respeito da conservação da linha pedagógica tradicional
por parte dos professores e livros didáticos, Straforini (2004) explica que ocorreu uma
contradição teórico-metodológica, ou seja, tentou-se implantar a Geografia Dialética num
momento em que a educação ainda era tradicional/positivista. Por isso, a geografia não
conseguiu deixar de ser tradicional, criando uma geografia escolar mecânica, empirista,
baseada na descrição e memorização de informações fragmentadas. Como houve mudança
apenas dos conteúdos, a situação era insuficiente para acarretar mudanças qualitativas na
escola e na sociedade.
Por isso, concordamos com Straforini (2004) que para conseguirmos
implantar a Geografia Crítica na escola, se faz necessário rompermos com o positivismo
presente na educação, pois se isso não ocorrer haverá uma incoerência paradigmática.
Precisamos, portanto, de uma educação que conceba o processo de aprendizagem como
dinâmico. Por isso, é com o Construtivismo, enquanto uma concepção teórica de
aprendizagem, que também é dialética, que foram criadas as condições para se implantar a
Geografia Crítica na Educação Básica. Entendemos, como Straforini, que nesse caso a
questão estava em aperfeiçoar essa relação entre Geografia Dialética e Educação Dialética na
Educação Básica. No entanto, o que os autores do PCN de geografia optaram foi por
proclamar a ruptura com o marxismo.
Os autores do PCN de geografia criticam, também, o marxismo ortodoxo e o
positivismo, acusando-os de negligenciarem a subjetividade: “[...] dimensão sensível de
percepção do mundo [...]”; “[...] subjetividade do imaginário [...]”:
Tanto a Geografia Tradicional quanto a Geografia Marxista ortodoxa
negligenciaram a relação do homem e da sociedade com a natureza em sua
dimensão sensível de percepção do mundo: o cientificismo positivista da
Geografia Tradicional, por negar ao homem a possibilidade de um
conhecimento que passasse pela subjetividade do imaginário; o marxismo
ortodoxo, por tachar de idealismo alienante qualquer explicação subjetiva
e afetiva da relação da sociedade com a natureza. (BRASIL. MEC/SEF,
2001b, p.105, grifo nosso).
297
Podemos dizer, por outro lado, que a posição defendida pelos autores do
PCN é individualista, retirando, ideologicamente, a condição de classe dos indivíduos,
interferindo assim na formação de uma consciência de classe. Com relação a negligencia dos
aspectos “subjetivos do imaginário” por parte do marxismo, segundo Oliveira (1999b), a
subjetividade na qual defendem os autores do PCN é uma “subjetividade radical”. Sendo que
a dialética materialista também trabalha com a subjetividade, no entanto, não a separa da
materialidade.
Essa subjetividade da relação da sociedade com a natureza não se faz de
maneira neutra e individual, mas, sim, historicamente, coletivamente, de maneira
contraditória, conflituosa e de forma inerente a produção material do mundo. Ou seja, incluem
nessa relação às de trabalho, as socioeconômicas, as de poder (ideológico, político, jurídico
etc.) e a luta de classes.
Para Gonçalves, é preciso recuperar a dimensão material da realidade, visto
que esta dimensão está sendo substituída de forma dual e unilateral pela subjetividade. Não
existe na realidade a oposição cartesiana e positivista: material versus simbólico. Mas uma
inter-relação formando uma totalidade, visto que a apropriação humana da materialidade do
mundo tem sempre uma significação/subjetividade e, portanto, tais relações se encontram
interligadas.
É preciso recuperar essa dimensão material, sobretudo nesse momento
como o que vivemos em que se cada vez mais importância à dimensão
simbólica, quase sempre de modo unilateral, como se o simbólico se
opusesse ao material. É preciso considerar aqui que a geograficidade vai
além das condições naturais, como é aceito nas ciências sociais. Com
certeza, a natureza faz parte da materialidade que constitui o espaço
geográfico. E aqui não se admite uma distinção, tão cara ao pensamento
dualista dicotomizante, entre o material e o simbólico. Consideramos, ao
contrário, que os homens e mulheres só se apropriam daquilo que faz
sentido; se apropriam daquilo a que atribuem uma significação e, assim,
toda apropriação material é, ao mesmo tempo, simbólica. (GONÇALVES,
[200?], Não paginado).
Concebemos que a subjetividade existe integrada a materialidade, ou seja,
a materialidade do mundo é uma condição essencial para a existência dos valores simbólicos.
Sem materialidade não existe subjetividade. Neste sentido, Gonçalves nos dá alguns exemplos
de como esse processo totalitário e conflituoso ocorre na prática por meio da integração
material/simbólica da água, do capital financeiro/volátil e do petróleo. Afirmando-nos que por
298
maior valor simbólico/subjetivo que possam ter no período histórico atual não se desvinculam
de sua produção material.
No caso da água e do petróleo, não se desvinculam de um processo natural
de produção, cujo domínio político-jurídico-ideológico (simbólico) desses bens naturais, ou
do território onde se encontram esses recursos naturais, não poderá nunca servir para a sua
produção. Mesmo o desenvolvimento técnico e científico serve apenas para aumentar a
capacidade humana de domínio e exploração, mas nunca para a produção desses recursos. Da
mesma forma, o discurso ideológico oculta a dimensão material do trabalho e sua exploração
para a transformação em mais-valia como um processo que antecede a produção do capital
financeiro/volátil.
[...] a palavra água que, enquanto palavra, é o duplo (simbólico) da
(matéria) água. Embora a palavra seja fundamental para nos relacionarmos
socialmente, a palavra água enquanto tal o pode nos saciar a sede.
uma dimensão da matéria que é irredutível ao simbólico.
Por mais que o capital financeiro, dito volátil, queira impor sua lógica
simbólica matemática e abstrata ao mundo uma materialidade que
concerne à produção da vida que é irredutível à lógica financeira. O Oriente
Médio e, se vê agora, a Ásia Central, são disso a maior expressão na medida
que ali dormem as principais reservas mundiais de petróleo. Numa outra
linguagem, talvez mais esclarecedora, há ali concentração de energia e,
portanto, concentração de capacidade de trabalho como nos ensinam os
físicos. O conhecimento científico e a tecnologia para explorar o petróleo,
como conhecimento científico e tecnológico enquanto tais, não produzem o
petróleo na sua materialidade. Na verdade o extrai e somente na medida que
tenha o controle jurídico e político das jazidas e, assim, controle e mobilize
o trabalho necessário para isso e, por aí, é diante de toda uma
territorialidade (no atual contexto, capitalista) que nos encontramos. O
conhecimento acerca da molécula de carbono não produz o petróleo que,
nas proporções existentes nas regiões indicadas, foi produzido num tempo
geológico que mineralizou matéria viva fotossintetizada há milhões de anos
atrás (daí dizer-se recurso não-renovável). Aqueles que detêm o
conhecimento e o poder econômico de exploração desta riqueza, por mais
poder que detenham, e detêm bem o sabemos, não têm o poder de produzir
o petróleo enquanto tal, nem sua localização [...]. (GONÇALVES, [200?],
Não paginado).
A respeito do marxismo, os autores do PCN de geografia afirmam que foi a
partir da década de 1960 que o marxismo surge como tendência na geografia com o objetivo
de romper com a Geografia Tradicional, construindo, então, o que eles denominam como
Geografia Marxista. Relatam que essa tendência propôs uma geografia das lutas sociais, por
meio da explicação da forma de apropriação da natureza pela sociedade. Vejamos o
documento:
299
A partir dos anos 60, sob influência das teorias marxistas, surge uma
tendência crítica à Geografia Tradicional, cujo centro de preocupações
passa a ser as relações entre a sociedade, o trabalho e a natureza na
produção do espaço geográfico. Ou seja, os geógrafos procuram estudar a
sociedade por meio das relações de trabalho e da apropriação humana da
natureza para produzir e distribuir os bens necessários às condições
materiais que a garantem. Critica-se a Geografia Tradicional, do Estado e
das classes sociais dominantes, propondo-se uma Geografia das lutas
sociais. Num processo quase militante de importantes geógrafos brasileiros,
difunde-se a Geografia Marxista. (2001b, p. 104-105).
Nessa passagem, fica evidenciada a contradição no combate ao marxismo no
PCN de geografia, para Oliveira (1999b) é quase um pedido de desculpas pela crítica que
fazem, apesar de a terem feito. Os autores demonstram que não são a favor do movimento
marxista, porém esta posição aparece de forma camuflada no documento. Situação que não
resiste a uma análise mais consistente e que nos permite afirmar que, conscientemente, ou
não, os autores aderem ao modelo socioeconômico neoliberal.
E como parte desta opção neoliberal nomeiam a produção do conhecimento
científico que se declara a serviço da justiça social, de militância. É como se a denúncia e a
ética fossem, então, algo à parte da produção da ciência, ou seja, a neutralidade seria então a
característica natural da produção científica. Entendimento que atinge, de forma contundente,
importantes geógrafos mundiais.
Na opinião de Oliveira, os autores do PCN, nesta passagem em especial,
deixaram seduzir-se pela busca da ascensão ao poder esquecendo para isso até mesmo de suas
próprias trajetórias intelectuais. Situação muito parecida com o caso de FHC, presidente da
república na época em que foi produzido o documento, certamente deve ser por isso que os
PCNs têm essa lógica política do PSDB presente no texto. Sendo que a principal meta por
parte desses políticos era a de combate a oposição de esquerda, a fim de reproduzirem o
neoliberalismo no Brasil. Logo, o PCN vem a reforçar essa concepção.
Aqui os autores do texto sobre a geografia nos PCNs revelam de quem estão
a serviço. Revelam que não concordam com o movimento crítico que
dominou a geografia mundial deste final de século XX e, muito mais que
isso, revelam sua adesão a uma ideologia capitalista individualista,
conscientes ou não, aliás, não importa. A última frase da citação acima é
contundente. Procura atingir, de forma leviana, importantes nomes da
geografia mundial; em troca do que?, poderia perguntar-se. Talvez da
vingança sádica para quem o poder é tudo. Esqueceram-se, os autores, suas
origens, suas trajetórias intelectuais, para falarem a linguagem do poder.
300
Poder que o governo FHC bem conhece e cultua. Tinha, pois, que haver
coerência entre a concepção de geografia dos PCNs e a lógica interna do
governo FHC: pau na oposição e na esquerda. (OLIVEIRA, 1999b, p.55).
Contraditoriamente, é bom lembrar, o PCN de geografia tem algumas
explicações positivas acerca da influência marxista na geografia. Escrita que acaba gerando
um entendimento dúbio do documento, pois apesar das posições positivas acerca do
marxismo, incluídas no documento, seus autores optam por uma ruptura com o marxismo,
substituindo-o pelo subjetivismo fenomenológico. Isso fica evidente quando afirmam que no
marxismo é inerente a concepção de transformação da sociedade, mas a posição que adotam
no PCN é aquela em que a luta pela transformação social não é uma necessidade para a
ciência. Com relação a essa passagem, Oliveira (1999b) vai dizer que é a parte do texto onde
ocorre a maior atitude de contestação ao marxismo, isto é, onde os autores “destilam sua bílis
em relação ao marxismo”:
Essa nova perspectiva considera que não basta explicar o mundo, é preciso
transformá-lo. Assim a Geografia ganha conteúdos políticos que são
significativos na formação do cidadão. As transformações teóricas e
metodológicas dessa Geografia tiveram grandes influências na produção
científica das últimas décadas [...]. (BRASIL. MEC/SEF, 2001b, p. 104-
105, grifo nosso).
Para Oliveira, a narração é ambígua propositalmente para confundir o leitor,
deixando ocultada a proposta ideológica de “neutralidade”, dando assim duplo sentido ao
texto. Apreendemos que a narrativa é feita dando a impressão de passado, demonstrando a
posição dos autores que é a de que atualmente a concepção de transformação social não é
mais necessária. Ou seja, para os autores, é necessário retirar da educação e da ciência a
necessidade/possibilidade de conscientização para transformação do mundo (OLIVEIRA,
1999b). Visto que, para eles essa concepção de necessidade de mudança é “coisa de marxista
ortodoxo militante”.
Dando continuidade às respostas a respeito das críticas elaboradas pelos
autores do PCN de geografia ao marxismo, afirmamos que as críticas negativas são, em sua
maioria, superficiais. Fazem afirmações simplistas de um pensamento marxista cujas linhas
são várias e complexas, precisando, portanto, de um estudo mais aprofundado. Sendo que o
documento em questão expõe a respeito do marxismo ortodoxo, e a esse respeito
poderíamos dizer, também, que essas críticas são válidas ao que denominamos de
materialismo mecanicista/vulgar e, não, ao materialismo dialético. Portanto, são afirmativas
301
tendenciosas, ideologicamente neoliberais, pois faz com que, conscientemente ou
inconscientemente, se reproduza um repúdio teórico ao marxismo e sua característica
revolucionária.
Nesta perspectiva, segundo Loureiro muitos autores usam o marxismo como
sinônimo de “ideologia de ditadura socialista”, ignorando o conjunto complexo e importante
da obra de Marx e Engels, desconsiderando a importância do avanço científico construído
pelo marxismo. Negligenciam também a pluralidade de tendências marxistas. Neste sentido,
Loureiro apresenta 16 tendências diferentes do marxismo.
[...] são absolutamente tendenciosas as afirmativas simplificadoras feitas no
questionamento a esse autor que, para ratificar a negação do seu
pensamento, utilizam como exemplo o sectarismo inserido em grupos
políticos identificados como marxistas e seu uso como ideologia oficial de
Estados totalitários. Ao se fazerem tais afirmações ignoram-se
(intencionalmente ou não) o conjunto da obra, as críticas contundentes ao
que foi feito em nome do marxismo a partir da própria tradição dialética
histórica, e a densidade das formulações construídas por suas múltiplas
tendências, estando estas mais próximas ou não, num diálogo construtivo de
aprimoramento da perspectiva emancipatória - ecomarxistas e
ecossocialistas; frankfurtianos; habermarxianos; neomarxistas; marxistas
ortodoxos e heterodoxos; setores do existencialismo francês; historicistas;
estruturalistas; analíticos; euromarxistas; lukacsianos; gramscianos;
maoístas; leninistas; trotskistas; e mais um elevado mero de
possibilidades que poderiam ser aqui elencadas. (LOUREIRO, 2004, p.108-
109).
Quando os autores do PCN (2001b) afirmam que o marxismo é responsável
“[...] por tachar de idealismo alienante qualquer explicação subjetiva e afetiva da relação da
sociedade com a natureza [...]”, entendemos que se trata de uma acusação ao marxismo como
um paradigma conservador e dogmático. Discordamos dessa posição, pois a concepção
dialética é, indiscutivelmente, exatamente o contrário, ela tem como característica
fundamental um método cuja natureza é a dinâmica da realidade, sendo a superação e a
mudança partes inerentes dessa concepção metodológica.
Por isso, a palavra “marxismo” sempre deve ser entendida como uma
expressão que sintetiza o paradigma do materialismo histórico e dialético construído por Marx
e Engels. Nunca pode ser entendido como verdade absoluta/doutrina/dogmas/leis/, visto que
as concepções rígidas/estáticas/lineares etc., são a antítese da concepção de
dinâmica/movimento/relatividade inerentes a dialética.
No entanto, sabemos que, muitas vezes, o marxismo não foi concebido
dialeticamente, mas, sim, doutrinariamente, principalmente nas ditaduras socialistas como foi
302
o caso do Stalinismo soviético. Os autores que militam a favor do neoliberalismo se utilizam
dessas deformações do método de Marx e Engels para ofuscar a verdade e, assim, tentar
aniquilar o marxismo. Inclusive, contra essa tendência de dogmatização de sua teoria, Marx se
expressava contrário já em sua época, dizendo que não era Marxista! Em outras palavras:
[...] Lembramos aqui que o próprio Marx jamais foi partidário do uso do
termo marxismo, exatamente por dar margem a doutrinações, verdades
absolutas, dogmas e crenças que ferem o profundo sentido revolucionário
de sua teoria e a tese de que a verdade se constrói no movimento da história.
É famosa sua irritação, manifesta em carta, diante das inconseqüências ditas
e feitas em nome do método e em seu nome já em sua época, quando
declara: “a única coisa que sei é que não sou marxista”. (LOUREIRO, 2004,
p.108-109).
A respeito da afirmação de que o marxismo desconsidera as relações
subjetivas do ser humano, concordamos com Gomes quando critica essas declarações, como
ele entendemos que essas posições são construídas por idealistas, que estão, ideologicamente,
comprometidos com a conservação do sistema capitalista. Pois, entendemos que a dialética
materialista não reduz o que é imaterial, presente na consciência humana como os
pensamentos, sentimentos, emoções etc., à categoria de conteúdo substancial. Isso é discurso
dos ideólogos do capitalismo que tentam difundir a concepção de que os marxistas são
desprovidos de sentimentos, de valores simbólicos e espirituais inerentes aos seres humanos.
Podemos dizer que os aspectos subjetivos/simbólicos humanos são
supervalorizados na medida em que construímos o processo de humanização da sociedade,
principalmente, com a efetivação dos laços de solidariedade global entre os povos. Pois, o
processo de humanização/libertação da alienação e coisificação humana se faz,
necessariamente, inter-relacionados a produção de novos valores humanos contrários aos do
capitalismo. Todavia, entendemos que não existe subjetividade separada da materialidade,
separação essa feita pela ciência positivista/cartesiana que dicotomizou/fragmentou a
realidade. Logo, a subjetividade humana é inerente ao processo histórico/dialético de
desenvolvimento material/objetivo da humanidade.
A dialética materialista não reduz os processos espirituais existentes na
consciência do ser humano (pensamentos, sentimentos, aspirações, estados
de ânimo, emoções etc.) à condição de substância, como querem fazer crer
os “idealistas”, notadamente os compromissados ideologicamente com o
sistema de dominação reinante. Querem fazer crer perante a sociedade que
os materialistas dialéticos são desprovidos de sentimentos, emoções, enfim
dos valores espirituais que os seres humanos possuem. Muito pelo
303
contrário, os aspectos subjetivos do homem são, em ordem crescente, no dia
a dia, valorizados pelos povos que imprimiram uma nova construção da
sociedade humana, regido pelas leis objetivas do desenvolvimento dialético
e histórico da humanidade. (GOMES, 1991, p.31).
Entendemos que a subjetividade humana é construída na relação com a
realidade material da natureza. Por isso, se trata de um processo de construção cognoscível e
não de uma relação mecânica como se fosse um processo passivo de transformação da
materialidade em consciência, como defendem os materialistas vulgares. É o ser humano, que,
ativamente, interage com o seu meio transformando as informações da realidade em
conhecimento. Não se trata, portanto, de um simples processo mecânico de funcionamento
fisiológico cerebral, mas de uma relação cognitiva entre o ser humano e o seu meio material.
E para que esse processo seja possível o ser humano possui a estrutura cerebral que lhe
possibilita fazer a transformação da realidade objetiva em representação subjetiva. Dito de
outra maneira:
A dialética materialista não reduz o mundo da consciência a produto, isto é,
a resultado da matéria, como fazem os materialistas vulgares”. Estes
reduzem mecanicamente a elaboração da consciência ao simples
funcionamento fisiológico do cérebro, quando, na realidade, o conteúdo da
consciência como base espiritual do ser humano é formado, como já
mencionamos, pela relação cognitiva do homem com o seu mundo objetivo
e tendo na estrutura cerebral o seu substratum especializado capaz de
refletir (imagem subjetiva) o mundo exterior (realidade objetiva). (GOMES,
1991, p.32, grifo do autor).
Com relação a essa estrutura cerebral humana que permite a construção do
pensamento, temos as ciências dedicadas a esse estudo como a neuropsicologia,
neurofisiologia, psicologia
118
, psiquiatria etc., que comprovam que a construção da
consciência humana é, pois, um reflexo de sua realidade objetiva:
Utilizando-se das ciências que se preocupam em conhecer o mundo do
consciente e do inconsciente do homem - neuropsicologia, neurofisiologia,
psicologia, psiquiatria etc., a dialética materialista comprova
cientificamente que as “emanações espirituais” do homem são reflexos da
realidade objetiva, isto é, do mundo circundante ao homem, de um
complexo material - a estrutura cerebral. [...]. (GOMES, 1991, p.31-32).
118
Vigotski, sobretudo em sua obra: “A formação social da mente”, vai explicar como é que esse
processo cognitivo ocorre.
304
Concordamos, portanto, com Oliveira (1999b) que as críticas presentes no
PCN de geografia ao marxismo são, essencialmente, ideológicas, negando a expressividade
alcançada pela dialética na geografia. Os seus autores demonstram uma concepção de
geografia e de educação voltada para a reprodução do modelo do neoliberalismo e,
conseqüentemente, da estratificação social do capitalismo. Não buscam construir uma
consciência de classe, mas, sim, valores individualistas contrariando a necessidade de ser
fazer um ensino de geografia libertador:
Muitas são passagens onde os autores dos Parâmetros procuram registrar
sua posição contrária a uma concepção dialética na geografia. Procurando
assim revelar o outro lado de sua posição ideológica, qual seja aquele que
defende uma geografia e uma educação voltada para os valores individuais
e individualistas, contra uma posição classe, baseada na consciência de
classe e na necessidade de luta para transformar a desigualdade da
sociedade brasileira. (p. 56-57).
Outro discurso contraditório presente no PCN de geografia é produzido pelo
fato de que, apesar de chamar a Geografia Crítica como “marxismo ortodoxo e militante”,
possui em sua referência bibliográfica um grande número de autores representantes do
marxismo. Situação que não poderia ser diferente, visto que é o movimento que mais tem
produção científica no Brasil.
Seria conveniente também enfatizar que os autores dos Parâmetros
demonstraram nos textos profundas contradições de natureza ideológica
quando, criticam o “marxismo ortodoxo e militante” presente na geografia e
no ensino, relacionaram como bibliografia no final do texto a maioria de
autores geógrafos que se enquadram nesta condição. Talvez isto tenha sido
feito porque na realidade os autores tiveram que reconhecer que o que há de
sério e conseqüente na geografia brasileira vem dessa corrente criticada,
enquanto aquela corrente seguida pelos autores não tem produção
acadêmica e científica capaz de dar sustentação à proposta. (OLIVEIRA,
1999b, p.57).
305
7 - PESQUISA REALIZADA NA ESCOLA RAQUIEL JANE MIRANDA NO
MUNICÍPIO DE PAULICÉIA-SP
Nossa pesquisa contou com a participação de três categorias de sujeitos que
fazem a escola, a saber: pais, alunos e professores. Para obtermos as informações fizemos o
306
uso de um questionário estruturado aplicado aos pais, aos alunos e aos professores das
séries/anos iniciais da rede pública municipal do município de Paulicéia/SP. Sendo que com
relação aos alunos da série do Ensino Fundamental foi realizada entrevista oral. Essas
pesquisas foram feitas em 2005, 2006 e 2007.
7.1-O Município de Paulicéia
Figura - 02 - Localização de Paulicéia no Estado de São Paulo
Fonte: http://pt.wikibooks.org/wiki/Imagem:SaoPaulo Municipio de Pauliceia.svg
307
Figura 03 - Mapa de localização da área de estudo
308
Partindo do princípio que é necessário contextualizar a realidade do aluno,
temos que entender então como é o espaço em que estão inseridos estes sujeitos. Logo, é
fundamental entender a realidade socioespacial do aluno, para que assim possamos pensar o
processo de ensino-aprendizagem. Dessa maneira, o local escolhido para fazermos a nossa
pesquisa, é o município de Paulicéia/SP.
Nesta perspectiva, qual seja de que o espaço é construído historicamente,
vamos entender como se deu o desenvolvimento histórico do município de Paulicéia e a sua
estrutura fundiária. Sendo que para fazer essa construção histórica do município, utilizamos
um texto organizado por Torcato (2001) a respeito do assunto, lembrando que é escassa a
bibliografia sobre o assunto. Usamos também, dados do IBGE (2006).
De acordo com o IBGE (01.07.2006), o município de Paulicéia possui uma
população estimada em 6.148 habitantes. E sua área da unidade territorial é de 374 km².
O município é formado de relevo plano e o solo é, predominantemente,
arenoso. Fica localizado no oeste paulista na micro-região de Dracena, integrada também
pelos municípios de: Junqueirópolis, Monte Castelo, Nova Guataporanga, Ouro Verde,
Panorama, Santa Mercedes, São João do Pau D’Alho e Tupi Paulista. Suas coordenadas
geográficas são 21º 18’ em latitude sul e 51º 50’ em longitude W. GR. O município se
encontra a uma distância de 680 km da capital-SP fazendo limite a oeste com Brasilândia
(MS), onde o rio Paraná se torna uma divisa natural.
Por este motivo, o município é uma das portas de entrada para o Estado de
Mato Grosso do Sul, que faz fronteira com esse Estado por meio do município de
Brasilândia. Em seu porto, às margens do Rio Paraná, funciona uma balsa
119
para transporte
de passageiros e veículos que deixam o Estado de São Paulo com destino às regiões Centro
Oeste e Norte do Brasil. O rio Paraná serve também como demarcação de fuso horário.
A palavra Paulicéia era utilizada como um dos cognomes da cidade de São
Paulo. Esse nome foi popularizado por Mário de Andrade, quando publicou seu livro
intitulado “Paulicéia Desvairada”, marco inicial do movimento modernista da literatura
brasileira. Esse livro é uma homenagem a São Paulo, sua cidade natal. Os primeiros
moradores do município, liderados por Ezequiel Joaquim de Oliveira, tinham como objetivo
fundar uma verdadeira metrópole as margens do Rio Paraná. Daí a adoção do cognome
famoso da capital para denominar o nascente povoado: Paulicéia (TORCATO, 2001).
119
Está sendo construída uma ponte entre Paulicéia e Brasilândia a fim de ligar os dois Estados.
309
Os primeiros habitantes dessa terra começaram a chegar por volta de 1935,
utilizando-se do Rio Paraná através de pequenas embarcações. Algumas fazendas e pequenas
propriedades começaram a ser formadas nessa época. Na década de quarenta chega o senhor
Ezequiel Joaquim de Oliveira, fazendeiro que tinha propriedades em Marília, tomando posse
das terras, onde mais tarde foi projetada a cidade. Então em 1947, no dia 29 de junho, um
grupo de moradores locais, liderados por Ezequiel Joaquim de Oliveira, funda o povoado
Paulicéia (TORCATO, 2001).
Situada à margem esquerda do Rio Paraná, queria o povoado ser semente de
uma grande cidade que pudesse ter um papel econômico ativo no intercâmbio entre os dois
Estados da União, a saber: São Paulo e Mato Grosso. Foi elevada a categoria de município
pela Lei Estadual 233 de 24 de dezembro de 1948, o novo município se formou a partir de
terras desmembradas de Gracianópolis (atual Tupi Paulista). Segundo Torcato (2001), duas
causas contribuíram para a criação do município: a primeira era a nova carta constitucional do
estado de São Paulo que liberava a criação de novos municípios; a segunda, era a expansão
cafeeira que na época era uma das principais fontes de riqueza nacional motivando a
construção da Estrada de Ferro Paulista (Paulista S/A) que, depois, passou a chamar-se
FEPASA.
O projeto do engenheiro Dr. Lélio de Toledo Pizza, para a nova cidade
paulista, era gigantesco. Previa avenidas largas, aeroporto, estação ferroviária, área para
indústria, praças e jardins em vários pontos da cidade. No total a área urbana e suburbana
media 10.345.481m². Mais tarde, no início da década de 1970, o perímetro urbano da cidade
foi reduzido ao nível da realidade do município. De 751 quarteirões previstos, houve uma
queda para pouco mais de 100 quarteirões (TORCATO, 2001).
De acordo com Torcato, a economia do município passou por três diferentes
fases, ele descreve essas fases da seguinte forma:
Fase: (1947 a 1970): os primeiros anos do município foram de grande
progresso. A agricultura era administrada por pequenos proprietários, parceiros, e meeiros e
arrendatários
120
, destacavam-se principalmente as lavouras de café. Nessa fase a economia
local dependia ainda do cultivo do arroz, algodão, feijão e milho. Nesse período, o comércio
da cidade contava com vinte estabelecimentos varejistas. Havia na área industrial fabricação
de tijolos, atividades de beneficiamentos de pesca e conservas de peixes. Iniciava-se a
120
Daí concluirmos a importância da pequena propriedade e da agricultura camponesa para o desenvolvimento
regional mais igualitário. Visto que a fase em que predominou, essencialmente, a pequena propriedade foi
também o período econômico mais próspero de todo o Oeste paulista.
310
extração de areia e pedregulho. O rio Paraná assume desde o princípio grande importância
para a cidade como meio de transporte, pesca, lazer, extração de areia e pedregulho, extração
de argila e turismo.
Na área educacional, o censo de 1950 apontava um índice de alfabetização
de 57%. Havia um grupo escolar na zona urbana e três unidades escolares na zona rural
121
.
Em 1970 a população do município estava em torno de 9.190 habitantes, sendo 2.647 na zona
urbana e 6.543 na zona rural
122
, conforme dados do IBGE (Censo Demográfico de São Paulo,
1970). Embora houvesse grande prosperidade no município, foi uma época tumultuada no
campo devido a disputas pela posse das terras. Houve inclusive muitas mortes, segundo
depoimento de moradores.
2ª Fase: (1970 a 1986): Em 1971 era instalado o antigo curso ginasial.
Entretanto, ao longo da década de 1970 e até meados da década de 80, o município passou por
muitas dificuldades. Após o golpe militar em 1964 o governo federal passou a priorizar a
industrialização e a agricultura para a exportação (monoculturas extensivas como soja, trigo e
milho)
123
. O estimulo a esse tipo de agricultura contribuiu para a mecanização das áreas rurais
que passaram a liberar mão-de-obra para a implantação das indústrias das cidades grandes. No
período de uma década e meia, grande parte da população passou a deslocar-se para outros
municípios, sobretudo os da região de Campinas e da grande São Paulo.
Ainda nesta época as propriedades sofreram grandes transformações, ou seja,
os grandes proprietários conseguiram sobreviver através da mecanização agrícola enquanto
que aos pequenos proprietários restou como solução a venda de suas terras para os
latifundiários. Segundo o CAT, neste período houve um aumento dos latifúndios e uma
queda sensível das pequenas propriedades em cerca de 73%. (Tabela 01).
121
Atualmente não existe mais nenhuma escola na área rural, ou seja, todos os alunos que são moradores do
campo estudam na cidade.
122
Observe que há uma diferença de 3.896 habitantes a mais na área rural.
123
Este período é o que denominamos de Revolução Verde.
311
Tabela 01 - Número de estabelecimentos
124
até 20 hectares no município de Paulicéia
em 1970, 1980, 1985.
Anos
1.970
1980
1985
Número de estabelecimentos até 20 hectares.
505 138 103
Fonte: IBGE – Censo Agropecuário de São Paulo – 1970, 1980 e 1985 apud Torcato, 2000.
Org.: CAMACHO, Rodrigo S.
Mesmo a predominância territorial das grandes propriedades, alguns
arrendatários ainda praticaram cultivo do algodão, arroz, feijão e milho, mas aos poucos o
espaço foi sendo dominado pela criação e engorda de bovinos. Devido a essas dificuldades,
em 1980 a população de Paulicéia caia para 2.343 habitantes: 928 na zona urbana e 1471 na
zona rural
125
, segundo dados do IBGE.
Fase: (1986 a 2000): Em 1986 o plano cruzado do governo federal
determinou o congelamento dos preços e a estabilidade da moeda, com isso incentivou os
investidores da época para implantação de novas empresas. Então vários investidores do
município se lançaram ao setor secundário da economia. A abundância de argila à margem do
rio Paraná propiciou a criação de indústrias de cerâmicas, ou seja, de produção de tijolos.
Com isso o comércio também foi se estruturando e crescendo.
No setor rural permaneceu o predomínio dos latifúndios, onde a atividade era
quase exclusivamente pecuária. Entretanto, a formação de dois assentamentos no município,
marcou a possibilidade de reativação da agricultura.
O primeiro projeto é o assentamento Santo Antônio, sua conquista aconteceu
quando um grupo de trabalhadores rurais, no ano de 1993, ligados ao MST, ocupou a fazenda
Santo Antônio, lutando por espaço para poder trabalhar e sobreviver. No final dessa fase, a
luta pela terra ainda permanecia, mas já havia esperança de solução.
124
Propriedade (termo usado pelo INCRA) refere-se ao domínio jurídico,
ou seja, ao dono do imóvel. estabelecimento (termo do IBGE) refere-se ao uso da
terra, ou seja, uma propriedade arrendada para cinco pesssoas, para o IBGE significa cinco
estabelecimentos (ALMEIDA, 2008, informação verbal).
125
Nota-se que o número de habitantes do município em uma década diminuiu em 6.847 habitantes, ou seja,
mais da metade da população evadiu-se para os grandes centros urbanos. Na área rural, a população ainda é
maior do que na área urbana, porém, com uma queda de 5.072 habitantes em relação ao período anterior.
Podemos considerar que esses sujeitos são os camponeses expropriados pelo processo da revolução verde
instalada no Brasil no regime militar e que atinge profundamente a região do oeste paulista. Concluímos então
com estes dados que a substituição de um modelo de pequenas propriedades para um modelo de grandes
propriedades causou a expulsão do homem do campo em todo o oeste paulista.
312
Com relação à formação do assentamento Buritis, ele é resultado da
formação do lago da hidrelétrica Sérgio Motta que provocou a inundação de propriedades
ribeirinhas junto ao rio Paraná. Muitos desses proprietários foram assentados na antiga
fazenda Buritis. Dessa maneira, esses assentados, aliados aos pequenos proprietários que
restaram, estão provocando um aumento na produção de arroz e melancia.
Quanto à economia (2001) do município obtivemos os seguintes dados: o
município de Paulicéia, por estar próximo ao rio Paraná, recebe uma grande quantidade de
turistas nos finais de semana e feriados; na área industrial destaca-se a produção de tijolos
(blocos com oito furos), com a produção anual de 42 milhões de unidades; no setor da
agropecuária destaca-se a criação de gado de corte com abate de 8.550 cabeças de bovinos; a
produção anual de leite é da ordem de 1.640.000 litros; a cultura de algodão herbáceo
representa uma produção de 62.000 arrobas do produto em caroços;
Na Tabela 02, podemos verificar o PIB do município em 2004:
Tabela 02- Produto Interno Bruto do município de Paulicéia
Valor adicionado na indústria 8.341mil reais
Valor adicionado na agropecuária 4.684 mil reais
Valor adicionado no serviço 15.717 mil reais
Impostos 708 mil reais
PIB 29.207 mil reais
População 5.889 habitantes
PIB per capita 4.959 reais
Fonte: IBGE, 2004. Org.: CAMACHO, R.S.
7.2 – A estrutura fundiária do município de Paulicéia atualmente
Com relação à estrutura fundiária do município, de acordo com a CATI de
Paulicéia, vamos ter a seguinte configuração. (Tabela 03)
Tabela 03- Estrutura fundiária de Paulicéia
Modalidade da propriedade Nome da propriedade Área (ha)
Propriedade particular C. Viana 1,20
Propriedade particular C. São Jorge 12,10
Propriedade particular F. Paulicéia 519,90
Propriedade particular C. Nossa Senhora Aparecida 4,80
Propriedade particular F. Guarita 648,10
Propriedade particular F. Princesa D’Oeste 392,00
313
Propriedade particular S. Arapuá 21,40
Propriedade particular C. Nossa Senhora Aparecida 15,70
Propriedade particular F. Sagrado Coração de Jesus 106,50
Propriedade particular S. Santa Maria 20,50
Propriedade particular C. Paulista 4,80
Propriedade particular S. São José 26,70
Propriedade particular S. São José 19,30
Propriedade particular F. Buritis 126,00
Propriedade particular F. Santa Luzia 108,90
Propriedade particular S. São Pedro 9,40
Propriedade particular Passou p/ Área urbana 314,60
Propriedade particular F. Ovídio 290,40
Propriedade particular F. Boa Esperança 137,90
Propriedade particular S. São Pedro 13,30
Propriedade particular C. Vista Alegre 2,40
Propriedade particular S. Bela Vista 9,70
Propriedade particular E. São Cristóvão 44,70
Propriedade particular C. São Manoel 9,60
Propriedade particular C. Nossa Senhora Aparecida 13,90
Propriedade particular S. Monte Alto 16,90
Propriedade particular S. Dois Unidos II 104,00
Propriedade particular S. Dois Unidos I 72,60
Propriedade particular Rancho do Trevo 129,40
Propriedade particular S. São José 12,00
Propriedade particular F. Santa Tereza 464,60
Propriedade particular C. Boa Esperança 29,00
Propriedade particular F. Santana 257,60
Propriedade particular C. São Paulo 10,90
Propriedade particular C. São José 4,80
Propriedade particular F. O 402,40
Propriedade particular C. Santa Maria 4,80
Propriedade particular C. Jatobá 5,10
Propriedade particular C. Santa Maria 5,80
Propriedade particular C. Teodoro 1,00
Propriedade particular C. Mercedes 7,20
Propriedade particular C. São Domingos 4,80
Propriedade particular S. São João 33,90
Propriedade particular E. Kubera 86,00
Propriedade particular Rancho Nova Era 10,10
Propriedade particular S. Boa Vista 18,90
Propriedade particular Rancho São Paulo 7,50
Propriedade particular C. Barbosa 1,50
Propriedade particular F. Santa Terezinha 180,30
Propriedade particular C. Salustiano 4,80
Propriedade particular Rancho Alegre 1,20
Propriedade particular C. Santa Maria 6,00
Propriedade particular F. Pacuruxu
1.452,00
314
Propriedade particular C. Aspaproin
2,10
Propriedade particular C. Takayama
24,20
Propriedade particular C. São Manoel
8,40
Propriedade particular F. Bom Jesus
611,10
Propriedade particular C.Cestari
4,80
Propriedade particular C. Diomero
2,40
Propriedade particular S. São Pedro II
13,50
Propriedade particular S. São Pedro I
16,40
Propriedade particular F. Santo André
713,90
Propriedade particular S. Mundo Novo
96,80
Propriedade particular C. Bela Vista
4,80
Propriedade particular C. Morada do Sol 4,80
Propriedade particular F. Santa Lúcia 164,30
Propriedade particular F. São José 332,50
Propriedade particular F. Bandeirantes 1.602,04
Propriedade particular C. Soares 11,50
Propriedade particular F. Santa Helena 671,50
Propriedade particular S. Alvorada 13,31
Propriedade particular C. Jaira II 19,30
Propriedade particular E. Beira Rio 55,66
Propriedade particular C. Modelo 5,50
Propriedade particular F. São Vicente 960,90
Propriedade particular C. São Vicente 6,90
Propriedade particular F. São Manoel 436,80
Propriedade particular C. São Cristóvão 3,20
Propriedade particular F. Santa Maria II 179,10
Propriedade particular F. Santa Maria I 278,20
Propriedade particular F. Santa Maria III 143,30
Propriedade particular S. Bom Jesus 103,90
Propriedade particular E. Primavera 31,00
Propriedade particular Sítio Boa Esperança 19,30
Propriedade particular C. São Vicente 2,50
Propriedade particular Estância T J Na. Sra.
Aparecida
11,13
Propriedade particular C. Nossa Senhora Aparecida 4,80
Propriedade particular F. Iracema 395,10
Propriedade particular F. Santo Antonio 131,90
Propriedade particular F. Santa Luzia 169,40
Propriedade particular F. Igaraçú 96,80
Propriedade particular C. Paulista 7,20
Propriedade particular R. São Pedro 4,60
Propriedade particular Rancho Tambiú 25,30
Propriedade particular Rancho Alvorada 12,00
Propriedade particular R. da Figueira 4,20
Propriedade particular F. Santa Izabel 513,36
Propriedade particular F. Corpus Christi 2.250,60
Propriedade particular F. Santa Rosa
675,00
Propriedade particular F. Boa Esperança 205,70
315
Propriedade particular F. São Francisco 305,10
Propriedade particular F. Boa Esperança 169,40
Propriedade particular F. Batistela 363,00
Propriedade particular S. Omenaria 26,60
Propriedade particular Rancho São Pedro 2,50
Propriedade particular S. Bom Retiro 101,10
Propriedade particular S. Santa Lucia 16,90
Propriedade particular R. Dracena 7,00
Propriedade particular C. Santa Maria 1,20
Propriedade particular R. 5 Estrelas 1,00
Propriedade particular S. Santo Antonio 48,40
Propriedade particular S. Hasegawa 27,20
Propriedade particular S. Vallezi 16,90
Propriedade particular C. S. Severino 1,00
Propriedade particular R. Boa Esperança 5,00
Propriedade particular C. Rocha 1,20
Propriedade particular C. Dois Companheiros 2,20
Propriedade particular F. Santa Cândida 981,00
Propriedade particular F. Nossa Senhora Aparecida 1.861,70
Propriedade particular Sítio Santa Tereza 24,20
Propriedade particular Cerâmica Tapajós Ltda 2,50
Propriedade particular Cerâmica Santa Rita 2,40
Propriedade particular Colônia de Férias de
Paulicéia
2,50
Propriedade particular Recanto Caiu do Céu 4,80
Propriedade particular Estância Camila 7,20
Propriedade particular F. Polezini 998,06
Propriedade particular F. Marambaia 994,07
Propriedade particular F. Guardalupe 1.006,70
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) S. Nossa Senhora Aparecida
(PO4)
40,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) S. Aguapeí (PO3) 40,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) S. Bandeirantes (A-48) 23,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) (RA- 19) 23,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) S. Santo Expedito (RA-17) 23,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) S. Boa Esperança (P.05) 40,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) Ilha Redonda (P-01) 40,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) S. Asa Branca ( RA-43) 23,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) S. Bom Jesus (A-47) 23,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) S. Nossa Sra. Aparecida (A-
04)
23,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) S. Macaúba (A-21) 23,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) (A-01) 23,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) (A-12) 23,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) S. Nossa Senhora de Fátima
(A-02)
23,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) S. Santa Luzia (A-03) 23,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) S. Terra Nova (A-05) 23,00
316
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) (A-09) 23,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) S. Canaã (A-08) 23,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) S. Bom Jesus (A-07) 23,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) (A-06) 23,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) S. São João (P-08) 40,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) S. Bom Jesus (P-07) 40,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) S. Três Meninas (P-06) 40,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) S. Sossego (P-02) 23,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) S. Boa Vista (A-35) 23,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) (RA-46) 23,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) S. Vitória Luan (RA-45) 23,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) S. Novo Horizonte (RA-44) 23,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) S. Santa Terezinha (RA-42) 23,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) S. Anga (A-27) 23,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) S. Três Irmãos (A-26) 23,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) S. Primavera (A-25) 23,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) S. Laranjal (A-22) 23,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) S. Bela Vista (A-24) 23,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) S. Nossa Senhora Aparecida
(A-20)
23,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) (RA-11) 23,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) (RA-18) 23,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) S. São José (A-16) 23,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) S. Nova Vida (A-15) 23,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) (A-14) 23,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) S. Pássaro Preto (A-13) 23,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) Estância Sonho Meu (RA-10)
23,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) S. Paraíso (A-31) 23,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) (RA-40) 23,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) (RA-39) 23,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) S. Igreja Nova (A-38) 23,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) S. Três Irmãos (A-28) 23,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) S. Paraná (A-29) 23,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) (A-30) 23,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) S. Palmital (A-23) 23,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) (RA-41) 23,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) S. São João (A-37) 23,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) S. São José (A-36) 23,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) S. São Lázaro (A-34) 23,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) S. São Joaquim (A-33) 23,00
Reassentamento Fazenda Buritis (CESP) S. Estrela D’Oeste (A-32) 23,00
Propriedade particular S.Menino Jesus 12,10
Propriedade particular F. Dondoca 410,00
Propriedade particular (RA-13) 5,00
Propriedade particular (RA-11 e 12) 10,00
Propriedade particular F. Canaã 195,64
Propriedade particular C. Boa Esperança 12,10
317
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. Santa Maria (Sto A. 09) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. das Palmeiras (Sto A.01) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. São Sebastião (Sto A.29) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. Santo Expedito (Sto A.16) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. Na. Sra. Aparecida (Sto
A.30)
10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. Boa Esperança (Sto A.05) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. Boa Esperança (Sto A.18) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. Três Figueiras (Sto A.28) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. Na. Sra. Aparecida (Sto
A.11)
10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. São José (Sto A.24) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. Santo Antonio (Sto A.23) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. Santo Amaro (Sto A.17) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
Sto A.13 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. Santa Maria (Sto A.10) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. São José (Sto A.04) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. dos Vaqueiros (Sto A.02) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. das Araras (Sto A.03) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. Conquista (Sto A.14) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. Renovo (Sto A.08) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. da Paz (Sto A.07) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. Romero (Sto A.22) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. São João Batista (Sto
A.12)
10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. Monteiro (Sto A.19) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. Santo Antonio (Sto A.27) 10,40
318
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. das Crianças (Sto A.25) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. Cinco Estrela (Sto A.15) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. Três Irmãos (Sto A.06) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
C. Estrela Dalva (Sto A.21) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. Montepolo (Sto A.20) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. Santa Irene (Sto A.26) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. Dois Irmãos (R 20) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. Salto das Nuvens (R 08) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S.Juliana (R 09) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. Santo Amaro (R 15) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. Nossa Senhora Aparecida
(R 21)
10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. São Judas Tadeu (R 31) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. São Bento (R 19) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
(R 10) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. Santo Antonio da B. Vista
(R 24)
10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. Sto. Antonio (R 29) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. Ouro Verde 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. Santa Inês (R 13) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. Delzalina (R 12) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. São Jorge (R 02) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. Cinco Irmãos (R 33) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. Três Irmãs ( R 06) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. Vista Alegre (R 28) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. Santa Rita (R 22) 10,40
319
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. Alvorada II (R 11) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. Nossa Senhora Aparecida
(R 26)
10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
E. MZ (R 14) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. Nova Vida 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. Bom Jesus (R 17) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
(R 18) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. Sete Irmãos (R 30) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S.da Débora (R 03) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
Sítio Bom Sucesso (R 05) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
Sítio Coringão (R 25) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. Na. Sra. Aparecida (R 04) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
S. Seja Bem-vindo (R 11) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
(R 32) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
Sítio União (R 07) 10,40
Assentamento Regência e Santo Antônio
(INCRA)
Sítio São Luís (R 01) 10,40
Propriedade particular Chácara São Joaquim 7,26
Propriedade particular Sítio Aranega 38,11
Fonte: CATI
126
de Paulicéia, 2007. Org.: CAMACHO, Rodrigo S.
Analisando a estrutura fundiária do município de Paulicéia, verificamos que
do total do espaço rural do município que é de 25.993,04 hectares (ha), temos 137
propriedades particulares que totalizam 23.930,84
hectares (ha); 56 propriedades do
reassentamento da CESP, Buritis, totalizando
1.407,00 hectares (ha); 62 propriedades do
assentamento Regência e Santo Antônio, totalizando 655,20 hectares (ha). Situação
evidenciada na Tabela 04 a seguir:
126
Coordenadoria de Assistência Técnica Integral.
320
Tabela 04 – Soma total da estrutura fundiária do município de Paulicéia
Modalidade das
propriedades
Soma total da área ocupada
pelas propriedades (ha)
Total da área ocupada
pelas propriedades
(porcentagem)
Propriedades particulares 23.930,84 92%
Reassentamento da CESP 1.407,00 5%
Assentamento do INCRA 655,20 3%
Total do espaço rural do
município
25.993,04 100%
Fonte: CATI de Paulicéia, 2007. Org.: CAMACHO, Rodrigo S.
Gráfico - 01 - Soma total da estrutura fundiária do município de Paulicéia
(em porcentagem)
92%
5%
3%
Propriedades particulares Reassentamento da CESP
Assentamento do INCRA
Fonte: CATI de Paulicéia, 2007. Org.: CAMACHO, Rodrigo S.
Observando os dados presentes no Gráfico 01, percebemos que os
assentamentos da CESP e do INCRA juntos representam apenas 8% de área total ocupada,
contra 92% de área ocupada por propriedades particulares.
Tabela 05 - Soma total das fazendas com mais de 1000 hectares no município de Paulicéia
Nome da fazenda Área (ha)
F. Guardalupe 1.006,70
F. Nossa Senhora Aparecida 1.861,70
F. Corpus Christi 2.250,60
F. Bandeirantes 1.602,04
F. Pacuruxu 1.452,00
Total 8173, 04
Fonte: CATI de Paulicéia, 2007. Org.: CAMACHO, Rodrigo S.
Na Tabela 05, notamos a concentração fundiária existente no município de
Paulicéia. Constata-se isso quando analisamos na Tabela 04 os dados do total ocupado em
321
área pelos assentamentos do INCRA, são 62 lotes, onde moram no mínimo 62 famílias
ocupando uma área que é apenas de 655,20 ha. Por outro lado, a soma das cinco maiores
propriedades no município de Paulicéia, ou seja, dos latifúndios acima de 1000 ha, ocupam
uma área de 8.173, 04 ha.
Da mesma forma, a diferença é grande quando comparamos essas cinco
maiores propriedades com as 56 propriedades do reassentamento da CESP. Isto quer dizer que
mesmo os lotes do reassentamento da CESP que tem área de 23,00 ha, mais que o dobro da
área ocupada pelos lotes do INCRA, e somam juntos uma área de 1.407,00 ha, perto das
grandes propriedades do município, é pouco significativo.
Tabela 06 - Área ocupada pelas maiores propriedades em Paulicéia em porcentagem
Modalidade das
propriedades
Soma total da área
ocupada pelas
propriedades (ha.)
Soma total da área ocupada
pelas propriedades (%)
Propriedades particulares
acima de 1000 ha.
8173,04 31%
Propriedades particulares
abaixo de 1000 ha.
15.757,80
61%
Reassentamento da CESP 1.407,00 5%
Assentamento do INCRA 655,20 3%
Total do espaço rural do
município
25.993,04 100%
Fonte: CATI de Paulicéia, 2007. Org.: CAMACHO, Rodrigo S.
Gráfico - 02 - Área ocupada pelas maiores propriedades em Paulicéia
(em porcentagem).
31%
61%
5%
3%
Propriedades particulares acima de 1000 ha.
Propriedades particulares a baixo de 1000 ha.
Reassentamento da CESP
Assentamento do INCRA
Fonte: CATI de Paulicéia, 2007. Org.: CAMACHO, Rodrigo S.
322
Seguindo nesta direção, por meio da Tabela 06 e do Gráfico 02 podemos
perceber a diferença em porcentagem da área ocupada pelas propriedades no município de
Paulicéia. Verificamos que as cinco maiores propriedades ocupam uma área de 31% do
espaço rural do município. Por outro lado, as 118 propriedades dos dois assentamentos juntos
ocupam apenas 8% da área total do espaço rural do município. E se juntarmos todas as
propriedades com menos de 1000 hectares, incluindo assentamentos e propriedades
particulares, chegamos a um total de 250 propriedades que ficam com os 69% do espaço rural,
enquanto as cinco maiores propriedades ficam com 31%.
Tabela 07 - Número de propriedades em Paulicéia em porcentagem
Modalidade das propriedades Número de
propriedades
Porcentagem de
representação
Propriedades particulares acima de
1000 ha.
5 2%
Propriedades particulares abaixo de
1000 ha.
132 52%
Reassentamento da CESP 56 22%
Assentamento do INCRA 62 24%
Total 255 100%
Fonte: CATI de Paulicéia, 2007. Org.: CAMACHO, Rodrigo S.
Gráfico - 03 - Número de propriedades em Paulicéia
(em porcentagem)
2%
52%
22%
24%
Propriedades particulares acima de 1000 ha.
Propriedades particulares abaixo de 1000 ha.
Reassentamento da CESP
Assentamento do INCRA
Fonte: CATI de Paulicéia, 2007. Org.: CAMACHO, Rodrigo S.
Nesta perspectiva, a partir das análises da Tabela 07 e do Gráfico 03, e das
discussões anteriores, verificamos que 2% dos proprietários (cinco
323
proprietários/latifundiários) detém 31% da área total do espaço rural de Paulicéia. Enquanto
que os assentamentos, que juntos representam 46% das propriedades de Paulicéia, ocupam
apenas 8% do espaço rural. A maior disparidade está com relação aos assentamentos do
INCRA, que representa 24% do total de propriedades e ocupam apenas 3% da área total do
espaço rural de Paulicéia. Logo, a regra brasileira também vale para Paulicéia, ou seja,
“poucos tem muita terra e muitos têm pouca terra”. Em números gerais, verificamos que 98%
das propriedades são inferiores a 1000 hectares e representam 70% do espaço rural.
O fato de determinarmos o limite de 1000 hectares como referência aceitável
e a partir daí classificarmos os imóveis como grande propriedade/latifúndio, se explica pelo
reconhecimento das reivindicações dos movimentos sociais quanto à aprovação da lei que
limita o tamanho da propriedade no Brasil em 1000 hectares, por entender ser este o tamanho
ideal para utilização e eficiência da terra.
7.3 - A escola EMEF Raquiel Jane Miranda
A Escola Municipal de Ensino Fundamental Raquiel Jane Miranda (escola
envolvida na pesquisa), é a única que atende alunos de a séries em todo o município de
Paulicéia. Fica situada na Avenida Paulista número 1059. Foi criada no dia 18 de novembro
de 1991. “[...] Era uma escola estadual que foi municipalizada a partir de dois de agosto de
1999, através da lei municipal 021/99 [...]”. (TORCATO, 2001, p. 5). O total de alunos
atendidos nesta unidade escolar em 2001 era de 518 alunos. no ano de 2006 constatamos
em nossa pesquisa, junto à secretaria da escola, que o número de alunos era de 451, um
decréscimo relacionado à própria diminuição da população do município.
Dentre as diferentes realidades que a escola comporta, destacam-se os
alunos oriundos de acampamentos e assentamentos que partilham suas experiências com os
alunos da área urbana.
7.4 - Entrevistando os sujeitos-estudantes da 4ª série do Ensino Fundamental:
conhecendo suas opiniões
127
127
É necessário esclarecermos que em nossa pesquisa temos uma particularidade, pois pesquisador e professor é
o mesmo sujeito. Por isso, temos dois momentos em nossa pesquisa, um primeiro momento, é a reflexão a
respeito do trabalho em sala de aula com relação ao assunto da Questão Agrária. Em outro momento estamos
analisando a realidade dos estudantes-camponeses do município de Paulicéia/SP.
324
A pesquisa foi realizada em novembro de 2005 com 29 alunos da série
C
128
da EMEF Raquiel Jane Miranda, no município de Paulicéia/SP. Por meio de um
questionário estruturado, fizemos perguntas relacionadas à realidade dos alunos buscando
apreender a leitura deles acerca do cotidiano casa-escola. Isso ocorreu depois das atividades
que haviam sido trabalhadas no decorrer do ano letivo. As idades variavam de 10 a 12 anos. A
clientela da escola é formada de alunos que pertencem, em sua maioria, às camadas populares.
O resultado obtido nas entrevistas segue exposto em Gráficos e Tabelas.
De acordo com a Tabela 08 e o Gráfico 04, podemos perceber que se trata
de uma sala heterogênea e, por isso, tentamos durante as perguntas do questionário
estruturado, atender de, alguma maneira, essa diversidade, ouvindo a opinião dos dois grupos.
Apesar de haver uma quantidade maior de alunos provenientes da área urbana, percebemos
pela Tabela 08 e pelo Gráfico 04, certo equilíbrio entre os mesmos. Ou seja, 60% da área
urbana e 40% da área rural, o que confirma a necessidade de se ter escolas na área rural para
suprir a demanda. Evidenciando assim que o argumento de que a escola deve estar na área
urbana pelo fato de que a maioria absoluta da demanda se encontra na cidade, não é
necessariamente uma regra.
Tabela 08– Lugar onde moram os alunos da 4ª série C -2005
Local Quantidade de alunos
Área urbana 17
Área rural 12
Fonte: Pesquisa realizada em sala de aula, 2005. Org.: CAMACHO, Rodrigo Simão.
Gráfico - 04 - Lugar onde moram os alunos da 4ª série C – 2005
(em porcentagem)
60%
40%
Área urbana
Área rural
Fonte: Pesquisa realizada em sala de aula, 2005. Org.: CAMACHO, Rodrigo Simão.
A Tabela 09 e o Gráfico 05 representam, de maneira mais específica, o
lugar onde cada aluno mora. A maioria dos alunos da área rural mora em assentamentos,
128
Que representa 100% dos alunos da sala de aula.
325
sendo um total de 11 alunos dos 12 que moram na área rural. Sendo que seis alunos moram no
assentamento da CESP (fazenda Buritis), são filhos de camponeses atingidos por barragem.
Este processo se deu por conta do aumento do nível do rio Paraná devido à construção da
represa Porto Primavera. Os outros cinco alunos de assentamentos são filhos de posseiros e
estão em assentamentos do INCRA, conquistado nas lutas do MST. É o Assentamento Santo
Antônio, que se dividiu em Assentamento Regência e Assentamento Boa Esperança. O aluno
que está relacionado como fazendas, é morador da área rural, filho de empregado de fazenda
que reside na propriedade, do qual não é dono. Não temos nenhuma pequena propriedade
adquirida pela compra, ou seja, pequenos sitiantes ou camponeses tradicionais.
Fica evidente pelos resultados que a grande maioria dos alunos são
assentados, isso quer dizer que se não fossem os assentamentos teríamos um campo em
Paulicéia desabitado, sem possibilidade da reprodução camponesa nesse espaço.
Tabela 09 - Lugar onde moram os alunos entrevistados da 4ª série C - 2005
Local Total
Área urbana 17
Assentamento (CESP) 6
Assentamento (INCRA) 5
Fazendas 1
Fonte: Pesquisa realizada em sala de aula, 2005. Org.: CAMACHO, Rodrigo Simão.
Gráfico - 05 - Lugar onde moram os alunos entrevistados da 4ª série C - 2005
0
5
10
15
20
Total
Área urbana
Assentamento
(CESP)
Assentamento
(INCRA)
Fazendas
Fonte: Pesquisa realizada em sala de aula, 2005. Org.: CAMACHO, Rodrigo S.
Nossa segunda análise está relacionada com o desejo de permanecer no lugar
onde mora. Questão importante porque a ideologia, que escoa na mídia, coloca o urbano como
sendo superior ao rural, por isso objetivamos conhecer qual é a influência dessa ideologia nas
crianças, visto que trabalhamos para romper com essa ideologia. A questão era: “Você gosta
326
do lugar onde mora?Os resultados estão nas Tabelas 10 e 11. A pergunta foi direcionada
aos dois grupos existentes na sala de aula.
Tabela 10 - Resposta dos alunos a respeito de que se gostam ou não do lugar onde moram
(alunos da área urbana)
Resposta Total
Sim 13
Não 4
Fonte: Pesquisa realizada em sala de aula, 2005. Org.: CAMACHO, Rodrigo Simão.
Tabela 11 - Resposta dos alunos a respeito de que se gostam ou não do lugar onde moram
(alunos da área rural)
Área rural Total
Sim 8
Não 4
Fonte: Pesquisa realizada em sala de aula, 2005. Org.: CAMACHO, Rodrigo Simão.
Gráfico - 06 - Resposta dos alunos a respeito de que se gostam ou não do lugar onde moram
(alunos da área urbana)
76%
24%
Sim o
Fonte: Pesquisa realizada em sala de aula, 2005. Org.: CAMACHO, R. S.
327
Gráfico - 07 - Resposta dos alunos a respeito de que se gostam ou não do lugar onde moram
(alunos da área rural)
67%
33%
Sim Não
Fonte: Pesquisa realizada em sala de aula, 2005. Org.: CAMACHO, R. S.
Percebemos pelos dados apresentados nas Tabelas 10 e 11 e nos Gráficos 06
e 07, que em relação aos alunos da área urbana, 76% deles gostam do lugar onde moram,
enquanto que 24% dos alunos não gostam. Já os alunos da área rural, uma menor quantidade
gosta do lugar onde mora, ou seja, 67% gostam do lugar onde moram e 33% não gostam.
Percebemos então que a diferença é pequena entre os dois grupos, mostrando que nessa etapa
escolar os alunos da área rural não têm o desejo de morar na cidade. Isso demonstra a
importância de se começar a partir das séries/anos iniciais a trabalhar a questão agrária e a
realidade camponesa em sala de aula.
Os dados a seguir dizem respeito à questão: “Em que lugar você gostaria de
morar?” Fizemos com a intenção de comparar em termos de preferência a área urbana com a
área rural. Os dados estão expressos nas Tabelas 12 e 13 e nos Gráficos 08 e 09:
Tabela 12 - Resposta dos alunos a respeito do lugar onde gostariam de morar
(Alunos da área urbana)
Local Total
Área urbana 11
Área rural 6
Fonte: Pesquisa realizada em sala de aula, 2005. Org.: CAMACHO, Rodrigo Simão.
328
Tabela 13 - Resposta dos alunos a respeito do lugar onde gostariam de morar
(Alunos da área rural)
Local Total
Área urbana 3
Área rural 9
Fonte: Pesquisa realizada em sala de aula, 2005. Org.: CAMACHO, Rodrigo Simão.
Gráfico - 08 - Resposta dos alunos a respeito do lugar onde gostariam de morar
(Alunos da área urbana)
Área urbana
65%
Área rural
35%
Área urbana Área rural
Fonte: Pesquisa realizada em sala de aula, 2005. Org.: CAMACHO, Rodrigo Simão.
Gráfico - 09 - Resposta dos alunos a respeito do lugar onde gostariam de morar
(Alunos da área rural)
Área urbana
25%
Área rural
75%
Área urbana Área rural
Fonte: Pesquisa realizada em sala de aula, 2005. Org.: CAMACHO, Rodrigo Simão.
Percebemos nas Tabelas 12 e 13 e nos Gráficos 08 e 09 que a preferência,
seja na cidade ou no campo, vai aparecer relacionada com a área de residência atual, pois 65%
dos alunos da área urbana gostam de estar morando na cidade e 35% querem ir para área
rural. Dos alunos da área rural, 75% querem continuar morando no campo e apenas 25%
gostariam de mudar para a cidade. Sendo assim, existe um nível de aceitação maior com
relação ao campo do que com relação à cidade. Confirmando que nesta etapa escolar não
existe interesse dos alunos do campo em mudar-se para cidade
129
. Dessa forma, um bom
129
Penso que para entender este desejo de viver no campo por parte das crianças é preciso considerar algumas
mudanças. A primeira é que na atualidade vem ocorrendo uma romantização da vida no campo, exemplo é o
turismo rural que inverte completamente aquela imagem do “jeca tatu” e vende no lugar uma imagem do campo
que todos desejam, é uma abstração completa. A segunda, que considero mais significativa, é que a rejeição ao
329
trabalho nas séries/anos seguintes ajudará a manter essa posição. Tendo em vista que a
consciência se forma parcialmente na escola, logo ao chegar à fase do trabalho, que é a fase
de atração da cidade, o sujeito possa ter condições de ler a realidade de forma a conseguir
romper com a ideologia neoliberal/urbana/desenvolvimentista dominante e tomar suas
próprias posições a respeito do trabalho e do lugar onde morar. Essa é a autonomia que a
consciência crítica nos dá e que se baseia a Pedagogia Freireana/Libertadora.
Por conseguinte, nas Tabelas 14 e 15 e nos Gráficos 10 e 11 os alunos vão
justificar porque preferem morar na área urbana ou na área rural. Começando pelos alunos da
área rural.
Tabela 14 - Justificativa dos moradores da área rural que querem continuar morando no campo
Motivos Total
Porque é uma melhor área de lazer 6
Porque é mais tranqüilo 1
Porque não tem poluição 1
Fonte: Pesquisa realizada em sala de aula, 2005. Org.: CAMACHO, Rodrigo Simão.
Gráfico - 10 - Justificativa dos moradores da área rural que querem continuar morando no
campo
6
1 1
0
5
10
Total
Porque é uma
melhor área de
lazer
Porque é mais
tranquilo
Porque não
tem poluição
Fonte: Pesquisa realizada em sala de aula, 2005. Org.: CAMACHO, Rodrigo Simão.
Percebemos pela Tabela 14 e pelo Gráfico 10, que os alunos da área rural
que querem continuar morando no campo justificam esta preferência pela disponibilidade de
práticas de lazer que o campo oferece, tais como: cavalgar, andar pelos pastos, participar de
festas juninas, nadar nos córregos etc. Enquanto um aluno prefere por causa da tranqüilidade
e outro pelo ar puro do campo.
campo começa em outro momento da vida camponesa, qual seja na fase do trabalho. É nela que o adolescente
começa a aprender que tem que ir para a cidade arrumar emprego. Eu não encontro crianças no assentamento
querendo viver na cidade. (ALMEIDA, 2007, informação verbal).
330
Tabela 15 - Justificativa dos alunos da área rural que gostariam de morar na área urbana
Motivos Total
Acesso mais fácil a serviços públicos e comércio 2
Acesso mais fácil a áreas de lazer 2
Fonte: Pesquisa realizada em sala de aula, 2005. Org.: CAMACHO, Rodrigo Simão.
Com relação aos dois alunos da área rural que desejam mudar para a área
urbana, de acordo com os dados da Tabela 15 a justificativa aponta a facilidade de acesso aos
serviços públicos, principalmente hospitais e escolas, e também ao comércio. Pois, para fazer
compras, vir ao hospital ou a escola, crianças e pais utilizam os ônibus escolares. Enquanto os
outros dois alunos preferem as atividades de lazer oferecidas pela área urbana como a praça e
as comemorações de aniversário da cidade.
A Tabela 16 apresenta a justificativa dos alunos da área urbana:
Tabela 16 - Justificativa dos alunos da área urbana que querem continuar morando na cidade.
Motivos Total
Acesso mais fácil às áreas de lazer 2
Acesso mais fácil aos serviços públicos e comércio 5
Não souberam justificar o porquê 8
Fonte: Pesquisa realizada em sala de aula, 2005. Org.: CAMACHO, Rodrigo Simão.
Gráfico - 11 - Justificativa dos alunos da área urbana que querem continuar morando na cidade.
0
5
10
Total
2
5
8
Acesso mais fácil às áreas
de lazer
Acesso mais fácil aos
serviços públicos e comércio
o soube justificar o porquê
Fonte: Pesquisa realizada em sala de aula, 2005. Org.: CAMACHO, Rodrigo Simão.
Segundo os dados da Tabela 16, a maioria dos alunos não sabe justificar o
porquê de gostar mais de morar na cidade, respondem que nasceram ali e lá querem continuar,
essa é a posição de oito dos 15 alunos. Dentre os que responderam, cinco têm a mesma
posição dos alunos da área rural que querem vir para a cidade, ou seja, o acesso mais fácil a
hospital e escola, além do comércio. dois alunos acham que as melhores formas de lazer
estão na cidade, e apesar de Paulicéia ser um município pequeno e não contar com shopping e
331
cinema esta situação é compensada com festas de aniversário do município, festa do dia das
crianças, parquinho, circo, balneário, lanchonetes etc., formas de diversão que certamente
atraem os jovens. Essas respostas demonstram a importância de se investir em políticas
públicas no campo para que seus moradores tenham acesso às infra-estruturas que a cidade
oferece e, assim, não se sintam atraídos pelo acesso aos bens materiais que a cidade propicia.
Principalmente com relação às escolas e hospitais, que são necessidades básicas do ser
humano.
Percebemos pela Tabela 17 e Gráfico 12 que dos quatro alunos da área
urbana que gostariam de morar na área rural, as justificativas são: o campo dispõe de melhor
área de lazer (dois alunos); o campo é mais tranqüilo (um aluno); no campo moram pessoas
da família (um aluno).
Tabela 17 - Justificativa dos alunos da área urbana que gostariam de morar na área rural.
Motivos Total
Melhor área de lazer 2
Maior tranqüilidade 1
Por razões familiares 1
Fonte: Pesquisa realizada em sala de aula, 2005. Org.: CAMACHO, Rodrigo Simão.
Gráfico - 12 -Justificativa dos alunos da área urbana que gostariam de morar na área rural.
0
1
2
Total
2
1 1
Melhor área de laser
Maior tranquilidade
Por razões familiares
Fonte: Pesquisa realizada em sala de aula, 2005. Org.: CAMACHO, Rodrigo Simão.
Percebemos que a tranqüilidade do campo aparece como um importante
motivo na preferência dos alunos. E quanto ao lazer, este se mostrou bastante subjetivo, pois
alguns preferem o lazer que a cidade propicia e, outros, já preferem o lazer do campo, embora
as festas tradicionais da cidade ocupem lugar de destaque no imaginário de alguns. A próxima
questão diz respeito à opinião dos alunos com relação ao MST. Nesta questão, pretendíamos
identificar se as aulas no decorrer do ano letivo haviam atingido algum resultado ou se ainda
prevalecia à informação divulgada pela mídia. Subsídio que serve para refletiremos se é
conveniente tratar essa questão nas séries/anos iniciais. O aluno teria que responder a seguinte
332
questão: “O que pensa sobre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST)?”. E
decidir entre duas idéias antagônicas sobre o MST, sendo um pensamento progressista e um
conservador. São as opções: o MST é “Um movimento social importante, pois luta pelos seus
direitos exercendo a cidadania” ou o MST são “Um bando de baderneiros que invadem a
propriedade das pessoas de bem”.
Para os alunos da área urbana as respostas estão na Tabela 18 e no Gráfico
13:
Tabela 18 - Resposta dos alunos a respeito do que pensam sobre o MST
(alunos da área urbana)
Respostas Total
Um movimento social importante, pois luta pelos seus direitos exercendo a cidadania.
15
Um bando de baderneiros que invadem a propriedade das pessoas de bem. 2
Fonte: Pesquisa realizada em sala de aula, 2005. Org.: CAMACHO, Rodrigo Simão.
Gráfico - 13 - Resposta dos alunos a respeito do que pensam sobre o MST
(alunos da área urbana)
88%
12%
Um movimento social importante, pois
luta pelos seus direitos exercendo a
cidadania.
Um bando de baderneiros que invadem
a propriedade das pessoas de bem.
Fonte: Pesquisa realizada em sala de aula, 2005. Org.: CAMACHO, Rodrigo S.
Como podemos perceber pelos dados da Tabela 18 e do Gráfico 13, a
grande maioria, ou seja, 88% dos alunos da área urbana têm uma posição favorável com
relação ao MST. Contra apenas 12% dos alunos que continuam tendo a mesma posição dos
veículos de comunicação, seja por concordarem com eles ou porque não conseguiram
entender o assunto tratado. Isso confirma que o ensino da questão agrária nas séries/anos
iniciais do Ensino Fundamental é de extrema importância para a formação de um cidadão
crítico. E quando essa questão é trabalhada, os resultados aparecem.
Vamos verificar os resultados obtidos com os alunos da área rural, para a
mesma questão. As repostas estão na Tabela 19 e no Gráfico 14:
333
Tabela 19 - Resposta dos alunos a respeito do que pensam sobre o MST
Respostas Total
Um movimento social importante, pois luta pelos seus direitos exercendo a
cidadania. 11
Um bando de baderneiros que invadem a propriedade das pessoas de bem. 1
Fonte: Pesquisa realizada em sala de aula, 2005. Org.: CAMACHO, Rodrigo Simão.
Gráfico - 14 - Resposta dos alunos a respeito do que pensam sobre o MST
(alunos da área rural)
92%
8%
Um movimento social importante, pois luta
pelos seus direitos exercendo a cidadania.
Um bando de baderneiros que invadem a
propriedade das pessoas de bem.
Fonte: Pesquisa realizada em sala de aula, 2005. Org.: CAMACHO, Rodrigo Simão.
Percebemos pelos dados da Tabela 19 e do Gráfico 14, que a aceitação do
MST é ainda maior entre os alunos da área rural, sendo que 92% são a favor do movimento.
Ou seja, 11 alunos favoráveis e apenas 8% contra (um aluno). Reiterando a necessidade de se
entender essas questões desde as séries/anos iniciais do Ensino Fundamental. Pois se o
trabalho com eles persistir as chances destes alunos continuarem pensando dessa forma são
grandes e assim conseguirão resistir à manipulação da mídia, e teremos sujeitos mais
conscientes.
A próxima questão pedia o seguinte: “Escreva o que você sabe sobre o
MST”. Essa questão tinha o objetivo de saber o que conseguiram absorver sobre o assunto na
aula, que vivemos bombardeados de informações que, ideologicamente, deturpam as
informações a respeito da essência dos movimentos sociais. As respostas dos alunos da área
urbana estão na Tabela 20:
Tabela 20 - Resposta dos alunos a respeito do que sabem sobre o MST (alunos as área urbana )
Respostas Total
É o movimento dos trabalhadores rurais sem terra. 9
É um movimento que quer um pedaço de terra, que está improdutiva, para trabalhar.
2
É um movimento que pressiona o governo para dividir as terras improdutivas. 2
É um movimento em que as pessoas invadem as terras à procura de moradia. 2
É quando as pessoas acampam perto das fazendas para conseguirem terra. 1
Fonte: Pesquisa realizada em sala de aula, 2005. Org.: CAMACHO, Rodrigo Simão.
334
Da mesma forma, na Tabela 21 vamos ter as respostas dos alunos da área
rural:
Tabela 21 - Resposta dos alunos a respeito do que sabem sobre o MST
(alunos da área rural).
Respostas Total
São pessoas que querem terra para morar e trabalhar. 4
São pessoas que não tem terra e moram em propriedades que não são
deles. 3
É um movimento que tenta fazer a reforma agrária. 2
É o movimento dos trabalhadores rurais sem-terra. 2
É um movimento que luta pelos seus direitos 1
Fonte: Pesquisa realizada em sala de aula, 2005. Org.: CAMACHO, Rodrigo Simão.
Percebemos pelos dados das Tabelas 20 e 21, que tanto os alunos da área
rural como os alunos da área urbana, têm uma noção bastante desenvolvida sobre o que é o
MST. Confirmando que o aluno, desde as séries/anos iniciais do Ensino Fundamental, tem
condições de assimilar esse tipo de conteúdo, que deve ser trabalhado de forma
interdisciplinar respeitando a sua etapa de aprendizagem. Apesar de algumas respostas
parecerem “simples”, porém é grande o avanço para essa fase escolar, tendo em vista que o
poder ideológico dos meios de comunicação ofusca a realidade e nesta idade a capacidade de
resistir a ideologia é mais difícil, pois “a realidade esconde-se por trás da aparência,
sobretudo porque possui forte carga ideológica. Cabe torná-la revelada”. (MOREIRA, 1985,
p. 59).
A pesquisa busca revelar, pelo menos parcialmente, como pensam os alunos
das séries/anos iniciais do Ensino Fundamental, para assim avançarmos na compreensão do
tipo de cidadão que está sendo formando na Educação Básica. E que, ao contrário do que
prega o PCN de geografia, é possível na prática trabalharmos com a Geografia Crítica e a
questão agrária desde as séries/anos iniciais do Ensino Fundamental. Objetivando com isso
formar um sujeito pensante, agente da transformação social e construtor da sua própria
história, visto que “[...] esta é uma das significativas vantagens dos seres humanos - a de se
terem tornado capazes de ir mais além de seus condicionantes [...]”. (FREIRE, 1999, p.28).
335
7.5 - Pesquisa com os sujeitos-estudantes da escola EMEF Raquiel Jane Miranda em
2006
No ano de 2006, a escola contava com 105 alunos
130
oriundos da área rural,
no total estudavam 411 crianças
131
na escola, o número de alunos do campo representa então,
25 % do total de alunos. Ou seja, ¼ dos alunos que estudam nessa escola são do campo. Isso
mostra-nos a relevância de se trabalhar com a realidade do campo. E se considerarmos apenas
o período da tarde, que é o único período em que os alunos do campo estudam na escola,
chegaremos a um número onde quase metade dos alunos é do campo. Vejamos essas
informações na Tabela 22 e na Tabela 23:
Tabela 22– Número de alunos provenientes da área rural, segundo a rota de transporte - 2006.
Nome do local Número de alunos
Bairro Itaí 28 alunos
Assentamento Buritis 21 alunos
Fazenda Bandeirantes 18 alunos
Bairro Porto 35 alunos
Vicinal de Santa Mercedes 03 alunos
Total 105
Fonte: Secretaria da EMEF Raquiel Jane Miranda, agos. 2006.
Org.: CAMACHO, Rodrigo S.
Tabela 23 - Quantidade de alunos da escola em porcentagem - 2006.
Local Quantidade de alunos Porcentagem
Campo 105 25%
Cidade 306 75%
Total 411 100%
Fonte: Secretaria da EMEF Raquiel Jane Miranda, agos. 2006.
Org.: CAMACHO, Rodrigo S.
Tendo em vista que os alunos que participaram da pesquisa são da 4ª série C,
2006, é possível saber por meio da Tabela 23 a localidade de origem deles:
130
Existem alguns alunos que moram nos limites entre a área urbana e área rural e, por isso, se utilizam dos
ônibus escolares para vir para escola, contudo estamos considerando todos os alunos que vem de ônibus como
sendo oriundos do campo, até porque vivencia situações diferentes de quem mora próxima a escola que é no
centro da cidade.
131
Não estamos contando com os alunos do EJA, que são em 40 e moram na cidade.
336
Tabela 24 - Lugar onde moram os alunos da área rural - 4ª série C - 2006.
Nome Local onde moram
André Faz. Santa Ana
Tainara Assentamento Regência
Darlei Assentamento Buritis
Janaina M. Assentamento Regência
Igor Assentamento Buritis
Renan Faz. Santa Rosa
Matheus Assentamento Boa Esperança
Danilo Faz. Batistela
Isabela Assentamento Santo Antônio
Bruno R. Assentamento Boa Esperança
Gabriel Assentamento Buritis
Willian Assentamento Regência
Jaine Faz. Batistela
Clistiano Assentamento Regência
Ana A. Sitio São Cristóvão
Èrique Assentamento Buritis
Gislainy Assentamento Buritis
Flávio Faz. Santa Tereza
Leonardo Assentamento Buritis
Everton Assentamento Buritis
Bruno P. Assentamento Regência
Marcos Assentamento Buritis
Verônica Assentamento Santo Antônio
Adriano Assentamento Buritis
Josiane Assentamento Buritis
Thahirone
Assentamento Santo Antônio
Fonte: Pesquisa feita em sala de aula, 2006. Org.: CAMACHO, Rodrigo Simão.
Por meio da Tabela 24, verificamos que dos 40 alunos da sala de aula da
série C, no ano de 2006, 26 alunos
132
são oriundos da área rural, ou seja, 65% dos alunos da
sala de aula são moradores do campo. Podemos visualizar melhor essa informação através do
Gráfico 15. Esses dados comprovam a necessidade de se ter um ensino diferenciado no
período da tarde, visto que existe uma grande quantidade de alunos
do campo presentes em
sala de aula.
132
Todos os alunos da 4ª série que são moradores do campo foram entrevistados, tendo em vista que só a 4ª série
C atendia alunos oriundos da área rural no ano de 2006. Neste caso, a nossa pesquisa conta com 100% de alunos
entrevistados que são moradores do campo e estudavam na 4ª série no município de Paulicéia. Visto que
somente a escola Raquiel Jane Miranda atende alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental.
337
Gráfico - 15 - Quantidade de alunos da 4ª série C em 2006
0
5
10
15
20
25
30
NÚMERO DE ALUNOS
ALUNOS DA ÁREA RURAL ALUNOS DA ÁREA URBANA
Fonte: Pesquisa feita em sala de aula, 2006. Org.: CAMACHO, R. S.
Podemos notar por meio da Tabela 24, que dos 26 alunos moradores do
campo, 10 alunos são moradores do assentamento do INCRA, ou seja, assentamento Santo
Antônio, que se divide em Assentamento Regência e Boa Esperança. Temos também 10
alunos moradores do Assentamento da CESP, Buritis. Totalizando assim, 20 alunos de
assentamentos. Dos seis alunos restantes, cinco são filhos de pais empregados de fazendas e
apenas uma aluna é filha de pequeno proprietário, é o que denominamos popularmente de
sitiante. Esses dados mostram a relevância de se trabalhar a respeito dos movimentos sociais
do campo em sala de aula, visto que muitos desses alunos moram em assentamentos, como
vamos ver em suas falas, e os pais são militantes do MST. Portanto, a escola que quer ser
transformadora deve incorporar a discussão da questão agrária no Brasil, desde as séries/anos
iniciais. Vamos visualizar esses dados em porcentagem no Gráfico16:
338
Gráfico - 16 - Lugar de origem dos alunos do campo na 4ª série C – 2006
(em porcentagem)
39%
38%
19%
4%
Filhos de assentados do INCRA
Filhos de assentados da CESP
Filhos de empregados de fazenda
Filhos de pequenos proprietários
Fonte: Pesquisa feita em sala de aula, 2006.
Org.: CAMACHO, Rodrigo
No Gráfico 16, percebemos que 77% dos alunos do campo são moradores de
assentamentos, isso significa pensar que se não fosse os assentamentos o campo seria
extremamente desabitado e, por isso, a reprodução do campesinato enquanto classe não se
faria no espaço rural de Paulicéia. Comprovamos também, que diferentemente de algumas
regiões, onde os filhos dos fazendeiros estudam na própria cidade, em Paulicéia, isso não
ocorre, ou seja, dos alunos que vem do campo para cidade para estudarem nenhum é filho de
fazendeiro. Dessa forma, podemos levantar algumas hipóteses para explicar a situação, pois
provavelmente esses alunos não residem nessas fazendas e nem mesmo no município de
Paulicéia, devendo ser então, moradores de outros municípios e estudam em escolas
particulares, visto que no município de Paulicéia não existe o funcionamento de escolas
particulares. Isso mostra que o fazendeiro não tem, na maioria das vezes, uma relação de vida
com a terra que é o proprietário, mas apenas, uma relação de negócio. Pois, normalmente são
moradores urbanos de médias e grandes cidades. Neste caso é o funcionário que estabelece
uma relação de vivência com a terra e, conseqüentemente, seus filhos. Mesmo que esses não
sejam donos da terra.
339
7.6 - Trabalho em sala de aula no ano de 2006
133
7.6.1 - O filme: “Os dois filhos de Francisco”
Possuímos uma educação ideologicamente urbanizada e neoliberal, que trata
o urbano como o “local dos vencedores” e como a única via de desenvolvimento para a
humanidade. Desrespeitado os saberes dos povos do campo, tratando-os como atrasados e
“perdedores”, desta forma incentivando o êxodo rural e a proletarização do campesinato. Por
isso, a fim de rompermos com esse imaginário ideológico de superioridade do urbano sobre o
rural e, conseqüentemente, desestimularmos o êxodo ao revelar por inteiro a realidade,
assistimos ao filme: “Os dois filhos de Francisco”. O objetivo era perceber o processo de
êxodo rural e a diferença entre campo e cidade, pois no filme seu Francisco, trabalhador rural
do interior do estado de Goiás, muda-se com seus filhos para Goiânia, onde se transforma de
camponês (já sem terra) em operário urbano da construção civil, profissão da qual não tinha a
menor habilidade. Assim, as dificuldades tornam-se ainda maiores, pois na cidade tinha que
pagar aluguel e toda a alimentação era comprada.
Após uma discussão do filme, pedimos uma produção de texto de forma
interdisciplinar nas disciplinas de Língua Portuguesa e Geografia, cujo tema era: “Quais
foram às mudanças na vida de seu Francisco ao se mudar para Goiânia?” E “Quais foram às
diferenças entre o rural e o urbano percebidas através do filme”.
Podemos observar o resultado da atividade por meio das produções escritas
pelos alunos que, agora, aparecem digitadas e reproduzidas em nosso texto.
O aluno Renan percebe a fartura de comida existente no campo, ou seja, que
o trabalho no campo garantia a subsistência de seu Francisco. E escreve que “Francisco
quando morava no campo fazia plantações, queijo, criava porco, ou seja, agricultura ou
pecuária, e comida era o que não faltava” [...]. (2006).
A aluna Roberta também percebe que a sobrevivência na cidade se torna
muito mais difícil, pois no campo eles tinham o suficiente para sobreviver, na cidade
precisava de um emprego que não era muito fácil de conseguir.
Em suas palavras: “Na área
rural Francisco e sua família podia viver em paz porque tinha o que precisavam como
133
A transcrição e/ou digitação foi fiel ao relato, ou seja, manteve os “erros” de ortografia. Foi uma forma de
manter a fidelidade do texto original, isto é, de não fazer “arrumações” que poderiam sugerir uma interferência
no relato escrito, tendo em vista que se trata de uma pesquisa com alunos das séries/anos iniciais, que ainda estão
sendo alfabetizados. Demarcamos com itálico algumas expressões escritas incorretamente. s
interferimos/corrigimos algumas pontuações e parágrafos.
340
alimento, terra para plantar e leite. Mais [mas] na cidade era muito difícil porque não tinha
muito serviço e era dificio [difícil] para sobreviver!”. (2006).
O aluno Thahirone, entende que seu Francisco não possuía terra e, por isso,
teve que sair do campo, logo não foi uma escolha individual, mas uma necessidade: “Eles
morava no sitio e plantava colia [colhia] e tinha o que comer que a terra não era dele
poriso [por isso] que eles queria [queriam] se mudar [...]. (2006).
Da mesma forma, a aluna Janaina fala a respeito do motivo pelo qual seu
Francisco saiu do campo: “Francisco e D. Helena morava na área rural, eles moravam lá, mas
não era deles o lugar”. (2006). Relata também, a dificuldade de acesso a tecnologia
desenvolvida pela humanidade naquele espaço-tempo: “A onde eles moravam não tinha luz
nem energia apenas ele tinha um radio com pilha que nem pegava direito”. (2006).
Entretanto, apesar do acesso a energia elétrica, a aluna Gislaine compara as
diferenças entre a vida de seu Francisco no campo e depois na cidade e conclui que no campo
a sua subsistência estava garantida, pois nunca passariam fome, como ocorreu na cidade.
Logo, não houve uma melhora em sua vida ao sair do campo, ao contrário. Também, observa
a diferença de trabalho que ele teve que enfrentar na cidade, pois havia trabalhado toda a vida
na roça, encontrando, por isso, dificuldades em se adaptar aos empregos urbanos:
Seu Francisco se mudou para a cidade e ficou feliz por ter morado em uma
casa com luz elétrica, mas surgiram muitas dificuldades como não tinha
comida para todo mundo.
Era muito melhor eles ter ficado no campo por que no campo eles podiam
plantar para comer e na cidade eles não podiam plantar.
No campo o seu Francisco carpia plantava colhia e a vida era muito melhor,
mas eles foram para a cidade e a vida ficou pior.
Frâncisco sofria muito porque seus filhos passavam fome e ele trabalhava
construindo prédios, mas ele não sabia fazer esse serviço porque era muito
difícil, o serviço mesmo era trabalhar no campo. (2006).
Da mesma forma Josiane (2006) conclui ao estabelecer comparações entre o
campo e a cidade, que o campo propicia melhores condições de sobrevivência aos seus
moradores. Enfocando principalmente, a possibilidade de produção de alimentos no campo e
as melhores condições de moradia e, do outro lado, percebe a violência e exclusão social da
cidade, por meio da presença de policiais e mendigos:
No campo tinha muitas coisas, no campo não precizava comprar frutas,
legumes.
Na cidade tinha que comprar coisas para sobreviverem.
341
Por que se eles não compra as frutas, legumes, eles ião morre de fome.
No campo a casa era muito grande.
Na cidade a casa era muito pequena e por isso os filhos de Francisco tinha
que dormir no chão.
No campo não tinha mendingo na rua, não tinha polícia na rua.
Na cidade tinha muita briga, muito mendingo tinha muita polícia.
Nesta perspectiva, a aluna Jaine (2006) também relata que no campo não
existia a violência que seu Francisco encontrou ao chegar à cidade grande e, ainda, que não
existia a exclusão social simbolizada visualmente pela presença dos mendigos. Percebe
também, a dificuldade de Seu Francisco em trabalhar em um serviço que é diferente do que
ele fez a vida inteira, correndo o risco de ainda ser despedido, o que não aconteceria no
campo. Em suas palavras:
Seu Francisco mudou para a cidade e ele não conhecia nada por que ele
morava na fazenda e na fazenda não tinha mendigos, ladrões.
No campo ele plantava, carpia e na cidade não porque na cidade ele
trabalhava de pedreiro ele não sabia trabalhar de pedreiro e se ele não
trabalhase direito ele ia ser despedido.
A respeito da violência urbana, Thahirone percebe que houve uma radical
mudança do campo para cidade, ou seja, “eles foram pra cidade e eles chegaram à rodoviária
e tava um barulho e os garda prendendo os bandidos e batendo neles”. (2006). A respeito do
assunto Marcos que diz: “depois eles foram para a área urbana, a cidade, quando eles
chegaram eles viram a violência: a cigurança catando os mendingos e jogando para fora da
Rodoviária”. (2006).
A respeito do aluguel pago na cidade, ou seja, da renda da terra urbana,
comparada à vida de seu Francisco no campo onde não pagava aluguel, Janaina sintetiza,
brilhantemente, da seguinte maneira: “Francisco arrumou lugar para morar. E todo mês ele
tinha que pagar uma quantia para poder ficar na casa”. (2006).
7.6.2 - Os bóias-frias dos canaviais em Paulicéia
Sabemos que o modelo agrário/agrícola de produção brasileira segue a lógica
do capital internacional, e hoje este capital devido a mudança da matriz energética necessita
da produção do bio-agro-combustível, principalmente, da produção da cana-de-açúcar. Por
isso, a nossa região, Oeste Paulista, conhecida por Alta Paulista, está sendo “invadida” pelas
342
usinas de açúcar e álcool e, logo, o campo está se tornando um “mar” de cana. Em Paulicéia, a
usina se chama Caeté, e é do Estado de Alagoas. Após a chegada da usina, os ônibus que
levam os moradores urbanos para o campo para trabalharem na colheita da cana, bem como
os moradores do campo que plantam cana ou trabalham como bóias-frias, passam a ser uma
realidade na vida dos alunos de Paulicéia, tanto do campo como da cidade.
Dessa forma, pedi para que os alunos relatassem em forma de texto o que
sabem a respeito do trabalho dos bóias-frias em Paulicéia. E o resultado foi o seguinte:
Segundo Josiane (2006), o trabalho no canavial é difícil e perigoso, pois “a
vida dos canavieiro é ruim, por que na cana a gente pode cortar pernas, braços, dedos com a
foice”. No caso de Isabel (2006), o relato fala da experiência de vida da sua mãe, ela diz:
“minha mãe trabalhou na cana, mas é ruim por que dói as costa”.
A aluna Ana A., também, acha o serviço difícil e perigoso, principalmente
devido a acidentes e relata uma experiência com o irmão. Em suas palavras: “a vida dos
canavieiros é muito difisio porque tem que vistir camizeta de manga comprida e tem que ter
cuidado com o facom e com cobra. Uma vez meu irmão cortou a perna quando estava
cortando cana e deu 8 ponto”. Para o aluno Thahirone, eles “[...] podem até sofre um asidente
com o facão e a foise e o dono da usina eles não paga muito bem para as pessoas [...]”.
7.7 – Pesquisa e atividades desenvolvidas em sala de aula em 2007
Tabela 25 - Lugar onde moram os alunos da área rural na 4ª série C - 2007.
Nome dos alunos Local onde moram
Stefani Fazenda Santa Cândida
Bruna L. Fazenda Santa Helena
Hélton Assentamento Santo Antônio
Gabriela Assentamento Santo Antônio
Natália Sítio Santa Maria
Joisse Ass. Regência; sítio Santo Amaro
Victor Fazenda Paulicéia
Queren Assentamento Buritis
Aline Fazenda Bom Jesus
Leonardo Assentamento Buritis
Dione Assentamento Buritis
Tatiane Assentamento Santo Antônio
Nayara Assentamento Santo Antônio
Thaís *
Fonte: Pesquisa feita em sala de aula, 2007. Org.: CAMACHO, Rodrigo Simão.
343
Na Tabela 25 estão os alunos da 4ª série C, envolvidos na pesquisa em 2007.
Dos 29 alunos
134
da sala de aula, 14 alunos são moradores do campo, ou seja, 48% dos alunos
da classe são oriundos da área rural, um número bastante significativo, praticamente a metade
dos alunos. Sendo que desses 14 alunos, cinco são moradores do assentamento do INCRA,
três são moradores do assentamento da CESP e cinco são filhos de funcionários de fazendas.
Diferentemente do ano de 2006, onde na sala de aula grande parte dos alunos eram moradores
de assentamentos, em 2007 é uma sala bastante heterogênea quanto à origem dos alunos do
campo, porém, quase todos (oito alunos) são moradores de assentamento e, desses, cinco são
assentados pelo INCRA. Sendo que eles participaram, em sua maioria, da luta pela terra junto
com seus pais mesmo que ainda muito pequenos. Então temos oito alunos de assentamentos e
cinco alunos filhos de trabalhadores rurais assalariados.
Para sabermos a idade dos alunos construímos a Tabela 26 que mostra que a
maioria nasceu em 1997 e tem, portanto, 10 anos.
Tabela 26 - Data de nascimento dos alunos da 4ª série C por ano - 2007.
Data de nascimento dos alunos por ano Número de alunos
1997 21
1996 04
Fonte: Atividade realizada em sala de aula, 2007. Org.: Camacho, R.S.
7.7.1 Entrevistando pais e alunos: conhecendo sua realidade e compreendendo o
espaço como uma totalidade construída pelos sujeitos.
A fim de compreendermos melhor quem são os alunos que estamos
trabalhando, fizemos um questionário estruturado para que entrevistassem seus pais a fim de
obter informações que retratassem eles mesmos e os pais. O questionário tinha também o
objetivo de dar informações necessárias ao processo de ensino-aprendizagem, para que eles
compreendam que estão inseridos num processo de relações sociais histórico-espaciais e, com
isso, passem a conhecer mais sobre sua própria história.
Essas atividades têm como base o trabalho desenvolvido por Rafael
Straforini (2004), lembrando que autor também objetivava construir uma noção geográfica do
espaço enquanto uma totalidade junto aos alunos das séries/anos iniciais. A fim de que estes
134
21 alunos participaram da pesquisa, ou seja, 72% da sala de aula.
344
compreendessem que as relações estabelecidas no local onde moram não se desvinculam do
espaço global.
Voltando a nossa pesquisa, é importante destacar que o objetivo tem dupla
face, de um lado é para que possamos conhecer mais a respeito do nosso aluno, de outro, para
que eles percebam o espaço como uma totalidade, ou seja, as relações em Paulicéia estão
influenciadas pelas relações estabelecidas em outros locais. E que, portanto, sua realidade se
relaciona também com a realidade de outros locais.
A fim de estabelecermos relações com o seu local de origem construímos em
sala de aula a Tabela 27. Estas atividades propiciam entender que as relações espaciais não se
estabelecem de forma fragmentada, como na lógica tradicional: Município, Estado, Região,
País, Continente e Mundo. Situação que mais confunde do que explica as relações espaciais
estabelecidas na realidade, pois estas não se estabelecem nesta hierarquia. Ou seja, como se
fosse preciso para analisar o espaço local e o global se hierarquizar em escalas, em uma
ordem, partindo-se do local e terminando no global de forma linear.
Tabela 27 - Lugar de origem dos alunos da 4ª série C - 2007
Município Estado Número de alunos
Tupi Paulista SP 01
Panorama SP 13
Andradina SP 01
Pacaembu SP 01
Dracena SP 02
Atibaia SP 01
Catanduva SP 01
Três Lagoas MS 01
Fonte: Atividade realizada em sala de aula, 2007. Org.: Camacho, R.S.
Gráfico - 17 - Lugar de origem dos alunos da 4ª série C - 2007
0
2
4
6
8
10
12
14
Tupi Paulista
Panorama
Andradina
Pacaembu
Dracena
Atibaia
Catanduva
Três Lagoas
Fonte: Atividade realizada em sala de aula, 2007. Org.: Camacho, R.S.
345
Percebemos pela Tabela 27, que apenas um aluno não é do Estado de São
Paulo, pois veio de Três Lagoas/MS. Neste sentido, Mato Grosso do Sul deixa ser uma
realidade distante dos alunos, pois um de seus colegas da sala de aula morou em Mato Grosso
do Sul, então este Estado passa a existir mais concretamente para eles, do que outros locais
como, por exemplo, a cidade de São Paulo. Os alunos que vieram de mais longe foram os
alunos que nasceram em Atibaia e Catanduva. O fato de existir uma grande quantidade de
alunos que nasceram em Panorama e não existir nenhum aluno que nasceu em Paulicéia, se
deve a inexistência de hospital no município de Paulicéia, logo os alunos nascem na
maternidade de Panorama, que é a mais próxima dali.
Com a mesma intencionalidade didática, construímos junto com os alunos a
Tabela 28 que nos permite obter mais informações a respeito da história dos alunos, bem
como permite aos alunos estabelecer relações com outros locais partindo de sua própria
realidade, sem fazer uma fragmentação do espaço.
Tabela 28 - Lugar onde os alunos da 4ª série C já moraram
Município Estado Número de alunos
Dracena SP 01
Atibaia SP 01
Paulicéia SP 09
Panorama SP 04
Presidente Epitácio SP 01
Andradina SP 01
Americana SP 01
Bataguassu MS 01
Fonte: Atividade desenvolvida em sala de aula, 2007. Org.: Camacho, R.S.
Percebemos pela Tabela 28 que 11 alunos moravam em outras
localidades, sendo que um morou em Bataguassu, município de Mato Grosso do Sul. Ou seja,
11 alunos moraram em outros locais e nove sempre moraram em Paulicéia. O passo
seguinte é permitir a troca onde esses 11 alunos trazem costumes e conhecimentos,
vivenciados em outro local, e passam a compartilhá-los com seus colegas, construindo um
processo educativo socioespacial entre os sujeitos.
A fim de que compreendam que o espaço é construído historicamente pelos
seus sujeitos, os alunos perguntaram quando foi que os pais chegaram ao município de
Paulicéia. E com os dados construímos a Tabela 29:
346
Tabela 29 - Ano em que os pais dos alunos vieram morar em Paulicéia - 2007
Ano Número de pais (pai e mãe)
1980 01
1996 02
1997 09
1998 02
1999 02
2006 02
2007 01
Nasceu em Paulicéia 02
Fonte: Atividade desenvolvida em sala de aula, 2007. Org.: Camacho, R.S.
Pela Tabela 29, averiguamos que a maioria dos pais veio para Paulicéia na
década de 1990, principalmente em 1997, data que está relacionada com a ocupação da
fazenda Santo Antônio pelo MST.
Com a intenção ainda de entendermos o espaço como totalidade, ou seja,
estabelecendo relações com outros locais sem gerar fragmentação, construímos a Tabela 30
onde aparecem os municípios de origem dos pais. A Tabela 31 e o Gráfico 18 trazem os
Estados de origem dos pais.
Tabela 30 - Lugar de origem dos pais dos alunos da 4ª série C - 2007.
Município Estado Número de pais
Panorama SP 02
Paulicéia SP 02
Andradina SP 01
Jaciporã/Dracena SP 01
São João do Pau D’alho SP 02
Dracena SP 02
São Caetano do Sul SP 01
Tupi Paulista SP 01
São Paulo SP 01
Pacaembu SP 01
Limeira SP 01
Presidente Epitácio SP 01
Emilionópolis SP 01
Monte Castelo SP 01
Santa Rita do Rio Pardo MS 01
Três Lagoas MS 01
João Pessoa PB 01
Fonte: Atividade desenvolvida em sala de aula, 2007. Org.: Camacho, R.S.
347
Tabela 31 - Lugar de origem dos pais dos alunos da 4ª série C por Estado – 2007.
Fonte: Atividade desenvolvida em sala de aula, 2007. Org.: Camacho, R.S.
Gráfico - 18 - Lugar de origem dos pais dos alunos da 4ª série C por Estado - 2007
0
5
10
15
20
SP
MS
PB
Fonte: Atividade desenvolvida em sala de aula, 2007. Org.: Camacho, R.S.
Pelos resultados constatamos que a grande maioria dos pais nasceu no Estado
de São Paulo, ou seja, 18 pais. Todavia, existem três pais que não são deste Estado, sendo que
dois pais são de Mato Grosso do Sul e um pai é de Pernambuco. Através dessa atividade,
começamos a estabelecer relações com outros locais que, apesar de distantes, passam a fazer
parte da realidade de Paulicéia. Lembrando que esta relação ocorre sem que haja
fragmentação hierárquica do espaço.
Fizemos a mesma análise agora com relação às mães dos alunos, o resultado
está nas Tabelas 32 e 33, e no Gráfico 19:
Estados Número de pais
SP 18
MS 02
PB 01
348
Tabela 32 - Lugar de origem das mães dos alunos da 4ª série C - 2007
Municípios Estados Número de mães
Paulicéia SP 02
Campinas SP 01
Tupi Paulista SP 04
São Paulo SP 02
Presidente Epitácio SP 02
Junqueirópolis SP 01
Mirante do Paranapanema SP 01
São João do Pau D’alho SP 01
Nossa Senhora da Glória SP 01
Panorama SP 01
Dracena SP 01
Brasilândia MS 01
Três Lagoas MS 01
Rondonópolis MT 01
Mantovani MG 01
Fonte: Atividade desenvolvida em sala de aula, 2007. Org.: Camacho, R.S.
Tabela 33 - Lugar de origem das mães dos alunos da 4ª série C por Estado - 2007
Estados Número de mães
SP 17
MS 02
MT 01
MG 01
Fonte: Atividade desenvolvida em sala de aula, 2007. Org.: Camacho, R.S.
Gráfico - 19 - Lugar de origem das mães dos alunos da 4ª C por Estado - 2007
0
5
10
15
20
Número de mães
SP
MS
MT
MG
Fonte: Atividade desenvolvida em sala de aula, 2007. Org.: Camacho, R.S.
A atividade também foi repetida com as mães e podemos verificar que a
maioria (17 mães) nasceu no Estado de São Paulo, todavia, assim como no caso dos pais,
encontramos mães que nasceram em outros Estados, a saber: duas em Mato Grosso do Sul,
uma em Mato Grosso e uma em Minas Gerais. Para que nós e os alunos compreendamos o
motivo pelos quais os pais vieram para Paulicéia, os alunos investigaram o assunto e o
resultado está na Tabela 34:
349
Tabela 34 - Motivos pelos quais os pais dos alunos da 4ª série C mudaram - se para Paulicéia
Motivos
Em busca de trabalho
Tranqüilidade
Para ficar perto dos pais
Vieram quando era criança
Porque conseguiram a terra
Sempre moraram em Paulicéia
Fonte: Atividade desenvolvida em sala de aula, 2007. Org.: Camacho, R. S.
Com esta atividade os alunos começam a entender que as pessoas têm
necessidades - muitas vezes condicionadas pela estrutura econômica, como é o caso da busca
de trabalho - e desejos que fazem com que se mude para outros lugares construindo, assim,
novas relações socioespaciais.
E a fim de que compreendamos a construção do espaço como sendo histórica
e dinâmica os alunos perguntaram aos pais quais foram as mudanças que ocorreram em
Paulicéia, desde a chegada deles no município. E as respostas estão sintetizadas na Tabela
35:
Tabela 35 – Mudanças que aconteceram em Paulicéia desde a chegada dos pais dos alunos
Principais mudanças
Aumento de ruas asfaltadas
Aumento de postos de saúde
Chegada da usina
Instalação de energia elétrica
Instalação de água encanada
A cidade se desenvolveu no geral
Não sei, mudei a pouco tempo
Não mudou quase nada
Fonte: Atividade desenvolvida em sala de aula, 2007. Org.: Camacho, R. S.
Notamos que a maior parte das respostas diz respeito à instalação de infra–
estrutura, o que demonstra a grande preocupação dos pais com relação a isso. Todavia, para
alguns pais não houve mudanças significativas.
Por meio da Tabela 36, vamos conhecer o nível socioeconômico dos alunos
que estão sendo entrevistados, bem como as relações de trabalho vivenciadas diariamente
pelos pais e que são a realidade destes alunos.
350
Tabela 36– Profissões dos pais dos alunos da sala de aula – 2007
Profissões
Lavrador/agricultor
Ajudante geral
Oleiro (trabalha nas cerâmicas/fábrica de tijolos)
Adestrador de cavalo
Pedreiro
Pintor de casa
Administrador de fazenda
Açougueiro
Fonte: Atividade desenvolvida em sala de aula, 2007. Org.: Camacho, R. S.
Pelas profissões dos pais, verificamos que se trata de alunos que são pobres
e, logo, o processo educativo deve conhecer e valorizar as condições sociais desses alunos.
Temos a presença de camponeses e de assalariados entre os pais dos alunos.
O mesmo ocorre com as mães desses alunos, elas também possuem
profissões cuja renda é baixa. Essas informações devem ser levadas em consideração ao se
planejar o conteúdo e a metodologia a ser utilizada em sala de aula. Vejamos a Tabela 37:
Tabela 37 - Profissão das mães dos alunos da sala de aula – 2007
Fonte: Atividade desenvolvida em sala de aula, 2007. Org.: Camacho, R. S.
7.8 - Geografia Agrária e Educação Artística: ilustrações 2006-2007
A fim de trabalharmos a questão agrária de forma interdisciplinar em sala de
aula, desenvolvemos uma atividade que era a ilustração do poema: “Morte e Vida Severina”,
e do poema “Madrugada Camponesa”. Após a leitura dos poemas, os alunos fizeram suas
ilustrações. A escolha dos dois poemas está relacionada ao fato de que apesar dos dois
poemas tratarem da vida no campo, os dois demonstram situações antagônicas, ou seja, de um
lado os conflitos e mortes provocadas pelo latifúndio e, do outro lado, a vida produzida pela
agricultura camponesa.
Profissões
Lavradora
Auxiliar administrativa
Doméstica
Dona de casa
Manicure
Costureira
351
As ilustrações escolhidas estão nas Figuras 04, 05 e 06. Apreendemos nessas
ilustrações a presença da vida de um lado, com a paisagem alegre da policultura, típica da
agricultura camponesa com plantação de milho, café e o pasto para o gado, mas, do outro
lado, temos a paisagem triste, sem vida, da morte. Nelas é possível interpretar na seguinte
perspectiva: o latifúndio de um lado e a agricultura camponesa, do outro. Inclusive na figura
05 temos um diálogo do conflito entre um latifundiário e um camponês sem terra, onde o
latifundiário afirma que a terra não vai ser dividida e o resultado acaba sendo a morte do
camponês sem terra.
Figura 04 – Ilustração do Poema “Morte e Vida Severina” e “Madrugada Camponesa”
Fonte: Atividade realizada em sala de aula, 2007. Autora Fabiana.
352
Figura 05 – Ilustração do Poema “Morte e Vida Severina” e “Madrugada Camponesa”
Fonte: Atividade realizada em sala de aula, 2007
135
.
Figura 06 - Ilustração do Poema “Morte e Vida Severina” e “Madrugada Camponesa”
Fonte: Atividade realizada em sala de aula, 2006. Autora: Josiane.
A segunda atividade, Figura 07 é a ilustração de um livro cujo assunto é o
trabalho escravo infantil. O objetivo da atividade foi diferenciar a agricultura camponesa da
exploração do trabalho infantil. O livro tem o título: “Serafina e a criança que trabalha”
136
.
Dessa maneira, a ilustração diz respeito ao trabalho escravo infantil no campo. Sendo que
135
O autor não escreveu o nome.
136
Autores: AZEVEDO, Jô; HUZAK, Iolanda; PORTO, Cristina. Ed. Ática, 1999.
353
nesse caso foram retratados pela aluna quatro tipos de produções no campo, a saber: 1-
laranjal, 2- carvoaria, 3- canavial e 4- sisal. No quadro 1, sobre o trabalho nos laranjais, a
aluna coloca o detalhe do preço pago a cada 30 Kg., que é de R$ 0,10.
Figura 07 - Ilustração a respeito do trabalho escravo infantil no campo: laranjal, carvoaria,
canavial e sisal.
Fonte: Atividade realizada em sala de aula, 2007. Autora: Araissa
Fonte: Atividade realizada em sala de aula, 2007. Autora: Araissa.
Da mesma maneira que eles relataram em produção de texto como era o
lugar onde moravam também foi solicitado que fizessem uma ilustração desta realidade. A
Figura 08 tráz a ilustração do aluno Leonardo, morador do assentamento Buritis. Sua
ilustração retrata o seu trabalho, no seu cotidiano com o gado, mostrando que os animais têm
um significado especial para ele. Por se tratar de um aluno com dificuldades de escrita, o
desenho abre a possibilidade para se expressar.
354
Figura 08 - Ilustração do lugar onde moro
Fonte: Atividade realizada em sala de aula, 2007. Autor: Leonardo.
7.9 - Conhecendo os estudantes do campo do município de Paulicéia/SP: trabalho, lazer
e escola.
Nenhum pensamento revolucionário nos fornece a descrição concreta dos
sofrimentos dos trabalhadores a não ser que eles mesmos tomem a palavra.
(BÓSI apud BORGES, 2006, p.135).
As fontes orais são instrumentos de reflexão muito mais interessantes para
ciência geográfica do que os tradicionais/positivistas questionários estruturados que não dão
oportunidade de entender a dinâmica da realidade e as resignificações dos eventos construídas
de acordo com o narrador. Corroborando neste sentido, Almeida afirma:
A decisão por trabalhar com fontes orais na produção do conhecimento
geográfico se colocou como caminho diante da riqueza das narrativas que,
em muito, superam os questionários rigidamente estruturados, os quais,
comumente, partem de uma interpretação prévia da realidade e, na maioria
das vezes, deixam de contemplar a imprevisibilidade do concreto, do real, e
das significações que os eventos têm, de acordo com o narrador. [...].
(2006b, p.158).
As fontes orais têm uma importância muito grande para uma ciência que quer
se transformar em instrumento de mudança social, pois permite que ouçamos o que os sujeitos
das classes subalternas têm a dizer, ou seja, é a realidade social contada pelos “de baixo”.
Tendo em vista que na sociedade capitalista a leitura e a escrita são instrumentos de
355
status/poder, por isso quase sempre considerada um privilégio da elite burguesa,
conseqüentemente a camada oprimida tem poucas oportunidades de dominar os códigos da
cultura letrada, ou seja, ficam submetidos a “[...] privação absoluta ou quase absoluta de
símbolos e objetos da cultura letrada [...]”. (BRANDÃO, 1999, p. 35).
Esse fato fez com que as classes dominantes deixassem um vasto registro
teórico, político e ideológico, enquanto que a classe oprimida não tem a possibilidade de
escrever a sua história. Logo, as fontes orais marcam a possibilidade de ouvir as “pessoas
comuns”, ou seja, que não pertençam à elite econômica ou a elite intelectual do Brasil. Essa
concepção possibilita a construção de uma ciência que opte pelos desfavorecidos. Dito de
outra maneira:
Uma das premissas importantes no trabalho com fontes orais é a de que
estas têm ainda se constituído no caminho por excelência da história das
classes oprimidas, logo que as entrevistas permitem às “pessoas comuns
contarem sobre o fato que, na maioria das vezes, são inéditos no tocante a
história das classes não-hegemônicas, verdadeiras “áreas inexploradas”. Isto
significa dizer que as classes dominantes têm uma tradição escrita que
permite deixar um abundante registro, ao contrário das demais classes.
Entendermos ainda que, embora o trabalho com fontes orais não seja para
nós um instrumento de conscientização política”, ele permite a superação
da pretensa prática da neutralidade na pesquisa. (ALMEIDA, 2006b, p.159).
No entanto, é preciso a compreensão de que, apesar de serem os sujeitos que
falam, a pesquisa oral não é neutra visto que é o pesquisador que direciona as perguntas para
atingir seus objetivos e, da mesma maneira, é também o pesquisador que escolhe os
depoimentos e o interpreta a partir do pressuposto teórico-metodológico que trabalha. Por
isso...
Como já dissemos anteriormente, o depoimento oral não é algo neutro,
desprovido de interesses do entrevistador e do entrevistado, sendo que a
participação ativa do pesquisador se tanto no momento da entrevista,
estimulando o “fluxo rememorativo” e, posteriormente selecionando os
fragmentos a serem discutidos à luz da teoria. (ALMEIDA, 2006b, p.161).
É com este significado de ouvir as pessoas comuns que vamos expor aqui o
resultado de nossa entrevista oral realizada em 2006 com os alunos da escola EMEF Raquiel
Jane Miranda no município de Paulicéia. Na entrevista oral os alunos falaram a respeito do
local onde moram e sobre o seu cotidiano.
356
Assim como Straforini (2004), optamos em utilizar a categoria lugar com os
alunos em nossa pesquisa, visto que este é um espaço concreto ao aluno, pois é o espaço de
sua vivência. Além do que o lugar é onde as relações globais se tornam concretas, ou seja, a
totalidade, enquanto abstração, empiriza-se no local. Daí o local ser um produto de múltiplas
determinações locais e globais. Nas palavras de Straforini (2004, p.24):
[...] optamos em utilizar a categoria lugar, uma vez que ao trabalhamos com
crianças é sempre necessário ter como referência o próximo e o vivido. [...]
O lugar é, para nós, a possibilidade da empiricização do mundo, ou seja, é
no lugar que o mundo - a totalidade - se faz sentir.
Para refletirmos a respeito do ensino de geografia e da Educação do Campo,
no Ensino Fundamental, temos que entender: quem são esses sujeitos e qual é a sua realidade.
E para que isso seja possível, se faz necessário que os próprios sujeitos se expressem dizendo
como é sua vida cotidiana e descrevendo como é o lugar em que eles moram. Logo, fizemos
uma entrevista oral com os alunos e, também, desenvolvemos em sala de aula atividades de
produção de texto integrando de forma interdisciplinar a geografia e a língua portuguesa.
Nestas atividades os alunos da série, da escola EMEF Raquiel Jane Miranda, nos anos de
2006 e 2007, falam de sua vida e do lugar onde moram. Vamos por meio destas falas buscar
entender: Quem são os educandos do campo? Que relações participam em seu cotidiano?O
que pensam a respeito de onde moram? O que gostam, ou não, do lugar onde moram?
Buscamos refletir a respeito dessas falas a partir das concepções desenvolvidas por Carlos
Rodrigues Brandão (1999), acerca do estudante-camponês.
Neste sentido, é importante entender que esses alunos estão inclusos em
relações camponesas, que envolve o trabalho doméstico ou familiar, isto quer dizer que
nossos alunos são, ao mesmo tempo, estudantes e trabalhadores. Por isso, vamos entender por
meio da fala das crianças que o seu cotidiano envolve o trabalho familiar diário; o lazer no
campo, que envolve os animais da propriedade, os vizinhos e os passeios pela redondeza,
onde ocorre a visita a córregos, para nadar ou pescar; e o tempo na escola. É neste sentido que
Carlos Rodrigues Brandão (1999) confirma essas três faces como sendo a essência do
processo de reprodução material e simbólica do camponês-estudante. Ou seja, o cotidiano do
aluno morador do campo se divide, basicamente, nesses três pilares de ações: trabalho
familiar; lazer e escola.
O primeiro pilar é o trabalho familiar, são tarefas cotidianas cuja obrigação
avança proporcionalmente com a idade; o segundo pilar é o lazer no campo, este pode ocorrer
357
mesmo quando existe um isolamento e não se tem vizinhos por perto para participar dos
momentos de lazer, neste caso essas atividades de lazer ficam restritas à família. Mas quando
existem vizinhos próximos, como no caso dos assentamentos, existe uma troca de
experiências entre os moradores de mesma idade que compartilham da mesma realidade
socioespacial; o terceiro pilar é o tempo que se passa na escola e, acrescentaríamos, no caso
dos alunos envolvidos em nossa pesquisa, o tempo que se gasta no deslocamento de cada
aluno de sua casa para a escola, que pode atingir mais de três horas diária. Neste sentido
Brandão (1999) explica:
A “ajuda” é o trabalho ou é o serviço dos filhos. A vida cotidiana de uma
criança em idade escolar divide-se entre: a) os cuidados caseiros, as
pequenas tarefas pelas quais se obrigada cada vez mais, à medida em que
avança em idade; b) os tempos de lazer roceiro divido com os outros
irmãos, quando a família vive isolada o bastante para que vizinhos sejam
assunto e presença de fim de semana, ou com os outros meninos e meninas
de seus grupos de idade, quando a proximidade de casas e famílias de um
bairro pode facultar a formação desta pequenas e tão importantes unidades
de experiência de vida e aquisição do saber; c) o tempo de estudo na escola.
(p.71-72).
Dessa forma, o trabalho familiar é uma necessidade, que apesar de ocupar
um tempo do lazer e dos estudos, se faz necessária, todavia o trabalho não pode chegar a
comprometer sua formação escolar. Os camponeses “[...] aceitam que premidos por
necessidades rigorosas de trabalho familiar os pais possam, recrutar filhos para a sua “ajuda”,
mesmo com prejuízo provisório do seu desempenho escolar. Acreditam que o trabalho
obrigatório na empresa familiar não deva, no entanto, comprometer a carreira escolar [...]”.
(BRANDÃO, 1999, p. 71).
Nessa divisão de tempo entre a escola e o trabalho, sabemos, entretanto, que
o estudo, muitas vezes, fica comprometido, em alguns casos, quando a família não foi
alfabetizada, costuma-se deixar a responsabilidade da tarefa de casa por encargo da própria
criança. Da mesma forma, a interação de lazer com o grupo da mesma idade, também, acaba
ficando reduzida. Ou seja, “o estudo escolar, cujo tempo de exercício rivaliza com o do
trabalho e concorre com o das atividades culturais dos grupos de idade, é um problema da
própria criança. [...]”. (BRANDÃO, 1999, p. 85, grifo do autor).
Concordamos com Carlos Rodrigues Brandão (1999) que o cotidiano do
aluno camponês se divide em três bases principais: o tempo dedicado ao trabalho familiar, o
tempo de lazer e o tempo dedicado a escola. Por isso, a partir da descrição dos alunos sobre
358
como foram as suas férias, podemos compreender, pelo menos parcialmente, como é a vida
dos alunos que moram na área rural, ou seja, o que fazem diariamente, como se divertem e
quais são as atividades preferidas. Para atingir estes objetivos utilizamos como foi dito da
produção de um texto sobre as férias, também a produção de um texto em que se pedia para
que contassem como é a vida e como é o lugar onde moram
137
e, por fim, uma entrevista oral
onde eles contam sobre a vida em geral.
Os alunos ao descreverem como foram as férias no local onde moram
podemos perceber que as diversões estão relacionadas ao seu território, ou seja, estão
relacionadas ao local onde vivenciam suas experiências. Suas ações estão sempre relacionadas
ao seu ambiente de vida, ou seja, estão relacionadas aos animais do dia-a-dia, aos córregos, as
plantações, ou mesmo ao trabalho diário, onde ajudam os pais nas tarefas. Mostrando, dessa
forma, estarem inseridos em relações que são bem diferentes das que vivenciam os alunos da
cidade. É esse universo dos alunos que vamos procurar compreender a partir de suas próprias
falas.
A aluna Gislaine (2006) conta o que aconteceu nas férias. Sendo que suas
experiências estão relacionadas aos animais cuja convivência é diária, no caso, o gado.
Também fala a respeito de um lazer que costumam praticar no campo, que é a pescaria. Em
suas palavras:
Minhas férias foi muito legal as minhas primas foi na minha casa e foram
embora ontem de carro. Ontem também a minha prima de 18 anos caiu do
boi, mas era manso foi assim meu primo montou no boi depois minha prima
montou e depois o meu irmão aí o boi virou o rosto e meu irmão pulou para
um lado meu primo para o outro e ela ficou sem saber para onde ir então ela
caiu no chão deitada.
Depois nós fomos pescar estava muito frio mais meu pai, meu primo
pegaram peixes depois quando nós tavamos indo embora meu primo gritou:
- Peguei, peguei um peixe e nos damos tanta risada dele e meus primos
foram embora e essa é a história das minhas férias.
No caso de Leonardo, as brincadeiras não se separam do trabalho, sendo
assim nas férias suas brincadeiras se misturam ao trabalho diário. Por isso, ele diz: “minhas
férias eu fui trabalhar eu fui rãocar [arrancar] feijão e brinquei e tirei leite e tocava gado”.
Notamos o mesmo na fala do Bruno P. (2006) que diz: “[...] eu gosto de
montar em bezerro, soutar pipa, andar de cavalo, de tirar leite [...]”. Ou seja, suas atividades
137
Algumas produções de texto feitas pelos alunos falando sobre o lugar onde moram estão escaneadas nos
anexos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8. A partir desses anexos podemos entender melhor como se deu o processo de
transcrição do material escrito pelos alunos.
359
de lazer estão relacionadas ao seu ambiente do campo, seu contato com os animais, e se
misturam com o seu trabalho de tirar o leite.
É bastante sintomático que na fala dos alunos apareça sempre à questão do
trabalho familiar. Nos seus relatos constatamos que, em sua maioria, são alunos de
assentamentos e que esses sujeitos estão inclusos em relações camponesas de produção,
ajudando seus pais nas tarefas diárias e demonstrando grande satisfação nessa relação. Como
grande parte das propriedades é dedicada à criação de gado, os alunos ajudam seus pais a
“tocar” o gado ou retirar o leite, sendo que para isso é necessário acordar muito cedo como
podemos observar na fala de Leonardo:
Lá na omde [onde] eu moro tem gado e pretação [plantação] de canas e tem
gado para o figurifo [frigorífico] e tem gado de leite e eu acordo 5 horas da
mainhã [manhã] e atodo [todo] dia eu vol [vou] ver o gado. (Leonardo,
11anos, aluno da 4ª série, morador do assentamento Buritis, 2007
).
Neste sentido também, o aluno Thahirone conta, na entrevista oral, como é o
local onde mora e o trabalho no assentamento destacando, por exemplo, que levanta 5 horas
da manhã, pois caso contrário não terá tempo de terminar o que tem para fazer, pois às 10: 30
horas é preciso pegar o ônibus para ir à escola. Apreendemos assim, que o tempo em seu
cotidiano se divide entre o tempo do trabalho familiar e o tempo da escola, que envolve o
trajeto do deslocamento casa-escola:
Onde eu moro tem a casa tem um de manga, mangueira, assim do lado.
nóis ajuda com as vaca lá, tira leite da vaca também.
Nóis levanta quase cinco horas da manhã pra não acumulá, por que se não...
não... dá tempo.
Pego o ônibus 10:30. [...]
(Thahirone, 10 anos, aluno da série, morador do assentamento Santo
Antônio, 2006).
Contribuindo para nossa reflexão, o aluno Mateus em entrevista oral conta
que gosta muito do lugar onde mora. Porém, deixa entrever a dificuldade de dividir o tempo
entre o trabalho e o estudo, o que acarreta prejuízos ao desempenho escolar. Segundo Mateus,
o trabalho de tirar leite é muito demorado. Relata que às vezes fica até as 22h.00min.
trabalhando e chega a acordar 04h.00min. da manhã para ajudar a tirar o leite. Mas afirma
também que gosta muito de trabalhar com o gado e, por isso, quer ser veterinário. Diz ainda,
que apesar da vida “puxada” não gostaria de trabalhar na cidade, mostrando que nessa idade
360
os laços territoriais são muito fortes e, por isso, o urbano não desempenha nenhum fascínio
para os estudantes. E como já escrevemos a rejeição ao campo começa em outro momento da
vida do camponês, na adolescência, que é a fase do trabalho. É nessa fase que o sujeito
começa a aprender que tem que ir para a cidade arrumar emprego.
Com relação ao seu lazer está relacionado às atividades praticadas no seu
ambiente de vida e confunde-se com o seu trabalho, por exemplo: andar a cavalo e tocar as
vacas. Apesar de se tratar de um aluno com dificuldades de aprendizagem e com problemas
de comportamento, mostra-se um trabalhador dedicado e disciplinado. Essa diferença de
comportamento pode indicar uma compreensão em que o trabalho aparece como mais
importante do que a escola, logo sua opção ainda precoce pela vida camponesa em oposição à
vida na cidade, entendida como local do estudo e do trabalho, neste caso diferente do que
ocorre no espaço urbano. Em suas palavras:
Eu gosto de lá, por que tem muita vaca. A gente tira leite, anda de égua,
de cavalo. A gente às vezes vai tocá boiada. Ás vezes eu vou lá pro meio da
fazenda, porque o homem plantou algodão [...] a gente vai lá, tem um
pedaço do varjão... a gente fica cuidando das vacas pra não deixa ela
subi lá em cima.
também é legal, porque pega bicicleta vai pra casa do amigo e a gente
anda tudinho e vai do outro lado, a gente anda de égua lá, e vai na
casa dos amigos, lá é bom. Lá é mais legal, menos barulho [...].
[...] A gente acaba de tirá leite, pega nus cadernu, vai estudá. Tem vez que
nem pra gente estudá, porque às vez quando chega lá, tem que lá buscá
bizerro e fechá cedo tem que i [ir] tirá leite e nem da pegá nos
caderno, porque demora demais pra tirá leite.
Que horas você começa a tirar leite?
R: Cinco, quatro da manhã.
Eu pego o ônibus 10 hora, e quando chego [da escola] tem um monti di
vaca lá, pego bizerro pra mamá, ai eu fico lá ... ajudo minha mãe, lavo loça
pra ela até escurecer, ai quando escurece a gente ainda fica trabalhando com
esterco pra jogá fora. Ai deu uns vinte carrinho de esterco quase cheio, ai
eu fui leva lá, fiquei até dez horas da noite.
Você gosta de fazer isso:
R: Gosto.
Se fosse para trabalhar na cidade você gostaria?
R: Não, aqui [na cidade] não tem jeito de mexê com gado [...]. Aqui não.
O que você quer ser quando crescer?
R: Veterinário.
Pra mexer com gado?
R: é, ah é né.
(Matheus, 10 anos, morador do Assentamento Boa Esperança, 2006).
Para refletirmos a respeito da fala dos alunos, temos que aprofundar nosso
entendimento de qual é o significado que tem o trabalho para o campesinato, logo este é parte
361
integrante da realidade camponesa. Neste sentido, o trabalho camponês é um processo
educativo (é o saber-fazer) para a vida como um todo. Porém, seu objetivo está sempre
relacionado à necessidade coletiva de sobrevivência da família, sendo assim a ajuda dos filhos
seria, na cultura camponesa, uma obrigação destes para com a família e um direito de
exigência dos pais. Tendo em vista que os membros adultos do grupo familiar, pais e irmãos
mais velhos, são os responsáveis pelas tarefas que garantem a reprodução do grupo, a
retribuição das crianças entra por meio da ajuda doméstica. Logo, a reprodução do
campesinato depende em primeira instância, do trabalho familiar. Daí, o trabalho vir como
uma necessidade que antecede ao ensino formal. Dessa forma, ele é, ao mesmo tempo, um
processo obrigatório de sobrevivência e um processo educativo, cujo responsável por esta
educação informal são os próprios pais
138
. Nas palavras de Brandão (1999):
[...] Aqui a diferença entre trabalho e o estudo é fundamental. Ainda que o
exercício do trabalho precoce, sob controle dos pais e irmãos mais velhos,
seja sempre definido como um ensino através do trabalho dos princípios
éticos e técnicos para o próprio trabalho e para a vida da pessoa,
individualmente, ele, é na realização cotidiana do exercício, uma questão da
família. É uma necessidade diretamente ligada às condições de reprodução
da vida física da família. Filhos e filhas têm que “ajudar” com seu trabalho,
mesmo que não aprendam com ele, no interior da unidade doméstica efetiva
e produtiva da ordem camponesa. Ele é, portanto, um direito dos pais sobre
os filhos e um dever dos filhos para com os pais. Na linguagem do lugar, ele
é uma “obrigação” por meio da qual o pequeno trabalhador retribui o que
recebe através do trabalho dos outros integrantes do grupo. Mais do que
isto, os próprios pais, educadores quase exclusivos da socialização primária
são obrigados a responder pela formação de seus filhos e, vimos o lugar
excelente de sua realização é o trabalho. Que outro tempo e lugar haveria?
Assim, visto como um dever dos filhos para com os pais, o exercício do
trabalho reveste-se de uma função pedagógica indispensável a que os pais
se obrigam, como um dever essencial que possuem para com os seus filhos.
(p. 84-85).
É nesta perspectiva de análise que Chayanov explica a importância da
relação número de braços versus número de bocas para o equilíbrio da unidade de produção
familiar camponesa, ou seja, a famosa teoria do balanço entre trabalho e consumo. Assim, o
equilíbrio da unidade de produção está relacionado com o número de membros capacitados
para o trabalho na família (ALMEIDA; PAULINO, 2000).
138
Daí também a importância de não confundir a unidade familiar camponesa onde o filho desde cedo aprende
com o pai, com a exploração do trabalho infantil. Mesmo que, muitas vezes, a linha de separação seja tênue.
362
Portanto, existe uma relação intrínseca entre a produção/consumo e as fases
da família. Daí a importância que tem a composição etária e de gênero da família camponesa,
pois quando os filhos estão novos a produção é menor, pois tem menos força de trabalho, o
mesmo ocorre quando os filhos casam-se e saem de casa. Mas, o equilíbrio vai sendo
estabelecido quando os mais jovens começam a ajudar os pais. Vejamos a explicação deste
delicado balanço chayanoviano nas palavras de Almeida e Paulino:
[...] no início da composição familiar, a partir do matrimônio, haveria uma
sobrecarga de consumidores (os filhos pequenos) sobre os trabalhadores.
À medida em que os filhos cresciam, passando a trabalhar, a unidade
caminhava para um estado de equilíbrio entre o número de consumidores e
o número de trabalhadores, sendo esse novamente desfeito à medida em que
avançava a idade dos pais e os filhos contraíam matrimônio. Nessa fase,
declinaria novamente o número de trabalhadores, aumentando o número de
consumidores sobre esses. (2000, p. 117).
Assim, enquanto não tiverem seu próprio trabalho, ou seja, enquanto
estiverem sob a responsabilidade dos pais, o estudante-camponês terá que dividir seu tempo
entre a escola e o trabalho. Pois...
[...] independentemente da condição de classe a regra é a de que crianças,
adolescentes e jovens julgados aptos para serviços, sejam inevitavelmente
recrutados como trabalhadores auxiliares do grupo doméstico, até quando
migrem, não tanto para o estudo, com quem dividem o trabalho de ajudar,
mas para o seu próprio trabalho. (BRANDÃO, 1999, p. 85).
Constatamos em suas falas que os alunos demonstram uma grande alegria em
morar no assentamento e poder ajudar os pais. Declaram o campo como sendo um ambiente
de trabalho e diversão ao mesmo tempo, pois é o lugar onde se empina pipa e, também, onde
se retira leite, ou seja, todas as atividades diárias em sua vida se realizam nesse território.
Neste sentido, alguns alunos demonstram grande alegria em morar no campo, e mostram que
nessa fase escolar o urbano não aparece como lugar de desejo, atração. Vejamos o que diz
aluno Thahirone em sua produção de texto:
Aonde [A onde] que eu moro é muito legal nós podemos princar [brincar]
andar de cavalo ou tirar leite.
O nome do sitio é chácara monteiro [Monteiro].
O nome da fazenda é Asentamento Santo Antoin [Antônio].
La no sitio não tem nada para muda e é susegado muito bonito la é gostoso
la nos podemos sorta pipa não tem ninguém para atrapalhar.
363
Lá é minha vida porque eu gosto de lá.
Se fose para mim escolher a morar na cidade ou no sitio eu preferia morar
no sitio.
Eu nunca vou sair de lá.
Lá nós podemos tocar vaca prender bisero [bezerro] tirar leite.
E no fim do mês lá pra [para o] dia 20 nós ganhamos dinheiro do nosso pai.
[...]. (Thahirone, 10 anos, aluno da 4ª série, morador do assentamento Santo
Antônio, 2006).
Dessa forma, essas propriedades “[...] são unidades familiares onde todos os
integrantes em idade e com condições de fazê-lo exercem algum tipo de trabalho”.
(BRANDÃO, 1999, p. 37). Por isso, com algumas exceções, todos trabalham, seja ajudando a
mãe em casa, normalmente a filha, seja ajudando o pai na roça, neste caso o filho. Pois, “[...] a
norma é a de que desde cedo todos trabalhem, em torno e sob as ordens do pai ou da mãe, seja
nos serviços caseiros e do quintal, seja no trabalho produtivo da lavoura ou da pecuária”.
(BRANDÃO, 1999, p. 37).
Essa diferenciação do trabalho por sexo vai variar de acordo com as
condições econômicas e com a necessidade do processo produtivo, ou seja, principalmente na
época da colheita é quando se necessita de mais pessoas para ajudar no trabalho, nesta fase as
mulheres podem realizar serviços que são tidos como exclusivos de responsabilidade dos
homens. É por isso que...
[...] Filhas de lavradores assalariados e/ou parceiros pobres, ou de sitiantes
igualmente empobrecidos, cujo orçamento pesa ao recrutar força de trabalho
paga “ao dia”, costumam ser requisitadas com maior freqüência, juntamente
com suas mães e outras mulheres adultas do grupo doméstico, para
atividades de trabalho “na roça” ou “no mangueiro”, ao lado dos homens. A
intensidade da ocupação sazonal de trabalho feminino em atividades
definidas como masculinas aumenta muito nos períodos de preparo do
terreno, plantio, limpa e, principalmente, colheita [...]. (BRANDÃO, 1999,
p. 38).
No caso de nossa pesquisa, como os camponeses se dedicam, principalmente,
a criação do gado leiteiro, as tarefas de auxílio estão sempre associadas ao gado. Existem
casos em que as meninas também ajudam os pais nessas tarefas, mesmo que de forma
superficial/simbólica. Podemos conferir este fato na fala da Janaina que escreve a respeito das
características que ela mais gosta do local onde mora, na escrita ela destaca o prazer em
auxiliar o pai nas atividades com o gado. Mostrando a nós que o processo educativo por meio
do trabalho está presente tanto para os meninos como para as meninas. E que, neste caso, as
tarefas não se dividem por sexo, pelo menos não de forma rígida.
364
A onde eu moro tem muitas árvores o meu pai tem um piquete para as vacas
comer para dar o leite.
O que eu mais gosto é pasear [passear] de cavalo toca o gado junto com
o meu pai (Janaina, 10 anos, aluna da série, moradora do assentamento
Regência, 2006).
Constatamos que até mesmo quando não é necessária à ajuda na roça,
também assim os filhos ajudam os pais, pois o trabalho é por si uma atividade educativa e
socializadora. Ele é tão importante, que é tido como a situação mais adequada de
aprendizagem para o campesinato. Neste sentido, é uma forma de ensino que propicia o
entendimento de relações que, normalmente, não ocorrerem na educação formal.
Ensinamentos que propiciam a reprodução material e simbólica do campesinato, ou seja, para
que as futuras gerações continuem existindo como camponeses. Nas palavras de Brandão:
De modo equivalente, desde cedo um filho homem ajuda os seus pais;
primeiro mais próximo ao círculo doméstico feminino; depois, nos serviços
de trabalho, como o levar a comida ao pai e aos irmãos mais velhos “na
roça”; depois, ainda, no próprio trabalho. Da mesma maneira como
acontece com as filhas, mesmo quando a “ajuda” de um filho não é
necessária ao andamento do trabalho dos homens adultos da família, ele é
convocado a participar, porque assim como se reconhece que o principal
sujeito socializador de um filho é o seu pai, assim também se reconhece que
não há, em hipótese alguma, situação mais adequada para essa
aprendizagem essencial realizada como um ensino, mas fora do estudo, do
que a do trabalho, que ao mesmo tempo inculca saberes de ofícios e os do
habitus do ethos camponês; que vai desde a sagaz esperteza nos negócios da
produção até uma generosa honestidade que deve regrar as relações entre
produtores considerados como próximos e iguais. (1999, p. 39, grifo do
autor).
Neste sentido, o Leonardo que mora no projeto Buritis, que é um
assentamento dos trabalhadores rurais (camponeses/pescadores/ribeirinhos) atingidos por
barragem, escreve sobre as atividades desenvolvidas na propriedade de seu pai e a satisfação
em auxiliar o pai. Em sua fala descreve que a mãe também auxilia nas atividades diárias, e
demonstra que faz parte de sua rotina os serviços desenvolvidos na roça associados ao
trabalho com o gado:
na onde eu moro tem gado e plantas e cabritas e eu tiro leite com a
minha mãe e aparto os bezerro e prendo gados com meu pai. Eu gosto de
momtar [montar] em bezerro e estou amansando o bezerro eu não gosto de
365
ficar em casa sem fazer nada. (Leonardo, 11anos, aluno da 4ª série, morador
do assentamento Buritis, 2007).
Da mesma forma, Adriano (2006), morador do assentamento Buritis, explica
o trabalho realizado com gado afirmando: “eu trabalho mechendo com gado para vacinar o
gado leiteiro e de corte [...]”
.
Por isso, o trabalho
139
é sempre uma forma de ensino que merece a maior
atenção, pois para o campesinato, “[...] invariavelmente o trabalho precoce e obrigatório dos
filhos, sob a tutela dos pais, é definido como um ensino. Um aprendizado de um saber, entre
todos, o mais necessário, mesmo que não seja por todos considerado como o mais importante,
hoje em dia” . (BRANDÃO, 1999, p. 39).
O campesinato é construído a partir de uma combinação de elementos que se
aprende com a família (informação verbal)
140
. Dentre esses elementos, o principal é o
trabalho.
Essa relação intrínseca do trabalho com a vida, como forma primeira de
subsistência desalienada, é uma das causas da economia familiar ser para Shanin mais
eficiente do que a economia estatal ou capitalista. Sua criatividade e flexibilidade garantem a
reprodução do campesinato, mesmo em épocas de crises econômicas que aparentemente
levariam ao fim o campesinato (informação verbal)
141
.
Apesar de não existir um modelo do que seja o campesinato, pois a
flexibilidade é um mecanismo de reprodução importante, a economia doméstica/trabalho
familiar é uma característica fundamental para definirmos o campesinato, talvez a categoria
mais importante para identificá-los. Pois, é o trabalho familiar que define o modo de viver
camponês, ou seja, o trabalho representa o que eles fazem (informação verbal)
142
.
É, portanto, esse trabalho familiar que veremos incluídos em quase todas as
falas dos alunos. Os estudantes-camponeses sentem a importância do trabalho na reprodução
da família, percebem que o trabalho e o produto do trabalho a eles pertencem. Do trabalho
não se transformar em uma tarefa árdua, onde o seu produto é alheio/estranho àquele que o
produziu, se misturando, muitas vezes, às atividades de lazer desses sujeitos-estudantes. É a
139
Aqui o trabalho toma outro sentido porque ele não está divorciado da figura do trabalhador, inclusive que
questiona a leitura marxista de trabalho alienado, visto que se trata de um trabalho cujo produto pertence ao
trabalhador.
140
Shanin, palestra proferida no III SINGA em Londrina, setembro de 2007.
141
Shanin, palestra proferida no III SINGA em Londrina, setembro de 2007.
142
Shanin, palestra proferida no III SINGA em Londrina, setembro de 2007.
366
autonomia e liberdade deste trabalho que propicia essa fusão indissociável de vida, trabalho,
terra, subsistência, lazer etc.
Para Almeida, esse trabalho familiar, e o direito da posse ao produto desse
trabalho, traz autonomia ao grupo, muitas vezes, incompreendida historicamente pelo restante
da sociedade que não vivencia essas relações.
Os camponeses, de forma geral, vivem uma situação de autonomia em
relação à forma organizacional de diferentes sociedades, expressa,
sobretudo, na capacidade para suprir suas necessidades alimentares, o que
tem despertado histórica incompreensão e intolerância, particularmente dos
Estados capitalistas e das recentes experiências socialistas. (2006, p.354).
Portanto, o campesinato possui uma autonomia do trabalho oriunda da sua
condição social. É dotado, também, por um conjunto de aprendizagens diversas ensinadas por
seus pais, ou seja, possui habilidades de desenvolver diferenciadas tarefas (antítese do
funcionário modelo fordista/taylorista, por exemplo) que permite sua reprodução,
principalmente aquelas ligadas a relação roça-criação. A incompreensão da complexidade
destas relações foi o que levou o socialismo soviético, segundo Shanin, a fazer com que os
camponeses desaprendessem as suas técnicas seculares. Pois, ao coletivizar a produção cada
um se especializou em uma tarefa: dirigir trator, plantar, colher etc., isso com o passar do
tempo foi responsável pelo desaparecimento do conhecimento plural do campesinato, ou seja,
houve uma especialização das funções que é contrária a lógica de reprodução camponesa
(informação verbal)
143
.
Essa “multifuncionalidade” camponesa está intrinsecamente ligada à prática
da policultura. Prática essa importante para toda a sociedade e para o meio-ambiente num
momento histórico brasileiro em que a monocultura dos agrocombustíveis cultivados pelos
latifundiários capitalistas do agronegócio domina a maior parte do campo.
Essas características de autonomia, de pluralidade de funções
(multifuncionalidade) do campesinato juntamente com a policultura, podem ser observadas na
fala do aluno Clistiano (2006), morador do assentamento Regência, quando conta que
trabalha, com seu irmão, em todos os serviços necessários em seu lote/sítio, ou seja, tira leite,
alimenta o gado, planta, carpina e faz cerca. E conta que gosta do assentamento porque pode
utilizar a terra de acordo com suas vontades, ou seja, não são empregados de ninguém.
143
Shanin, palestra proferida no III SINGA em Londrina, setembro de 2007.
367
Quanto a estudar na cidade, diz que apesar de gostar da viajem para a cidade, prefere ficar no
campo mesmo:
pisor, onde eu moro, lá eu ando à cavalo lá, lá tiro leite, eu e meu irmão,
mas também nóis põe a cana po gado, é ... Planta algumas coisas de comê,
assim, abóbora, ai também, tem que ajudá a carpi, tirá o mato, fazê cerca
[...].
Você gosta de lá?
[balança a cabeça afirmando] a gente tira leite, pode fazê o que nóis qué
na terra, planta muitas coisas [...]
Você acorda que horas?
Quatro horas da manhã, eu e meu irmão.
Acorda pra tirar o leite?
É, mas só que não tira leite da mesma vaca, eu tiro de um lugar, e ele tira de
outra, e eu ajudo meu irmão.
Quando você chega da escola ainda vai ajudar?
Ajudo a tirá cana, à tarde, e buscá vaca, de vez em quando.
Você prefere estudar na cidade? Por quê?
Porque é melhor, aqui [cidade], aqui pode viajar, mas eu não gostaria
de viajá, de saí e vim aqui. Eu gostaria de estudá lá.
Por conseguinte, o trabalho representa a necessidade econômico-social do
campesinato, bem como a reprodução dos valores simbólicos e afetivos da classe camponesa.
Significa o aprendizado da lógica que defini o seu processo de reprodução, que nada mais são
do que as práticas do cotidiano do lugar onde vivem. Sendo que, estas práticas, são, por sua
vez, inerentes ao trabalho doméstico. Elas ocorrem mesmo quando os pais acham que os
filhos vão trabalhar na cidade, ainda assim o trabalho doméstico sob a tutela dos pais continua
tendo significado de aprendizagem para a vida. Dito de outra maneira:
Mas o trabalho não é apenas a situação primordial do exercício do ensino da
criança camponesa. Ele é tanto o horizonte social e econômico para o qual
“se ensina”, quanto o valor simbólico e afetivo da vida camponesa. A
socialização primária das crianças e adolescentes não é mais do que um
lento aprendizado do repertório e da lógica das regras da vida cotidiana do
lugar, e a matriz das afeições de tais regras passam invariavelmente pelo
desejo do trabalho. Mesmo quando no imaginário de um número grande de
pais é crescente a desconfiança às vezes, as esperanças de que o futuro
dos filhos será cumprido na cidade, longe da “labuta da roça” e como
emprego ou negócio, pais e mães entendem invariavelmente que, em termos
imediatos, é para e através do trabalho camponês, submetido à fração adulta
do grupo doméstico, que todos devem participar do trabalho e aprender com
ele. (BRANDÃO, 1999, p. 39, grifo do autor).
368
Devemos entender, então, o campesinato subdividido em pequenos grupos
domésticos/familiares, no qual as relações sociais são construídas. Que precisam, por isso,
suprir as suas necessidades de subsistência por meio do trabalho praticado pelo próprio grupo.
Sendo assim, o melhor período para o grupo é quando os filhos alcançam uma idade em que
conseguem trabalhar na mesma proporção que seus pais. Ou seja, quando os filhos deixam de
serem “bocas” para serem “braços” e conseguem dividir por igual à responsabilidade da
reprodução do grupo familiar, conseguindo realizar as tarefas diárias em sua plenitude, tanto
os meninos que ficam responsáveis pelo trabalho na roça de plantar, de colher e de cuidar do
gado, quanto às meninas que cuidam dos afazeres em casa e no quintal.
Para o grupo doméstico que são também, ao longo de seu ciclo de vida
pequenas equipes corporadas cujo trabalho deve a cada ano produzir pelo
menos para o consumo familiar e a cota de excedentes cuja comercialização
complementa a sua própria subsistência [...]. Melhores os períodos em que
os filhos e filhas podem começar a ser convocados ao trabalho doméstico e
dividem com os pais os encargos da reprodução da vida do grupo. Melhores
ainda os tempos em que, entre adolescentes e jovens solteiros, os filhos não
apenas ajudam os pais, mas realizam com eles a plenitude do próprio
trabalho; filhas beneficiam alimentos, cozinham, lavam roupas, cuidam de
irmãos menores, limpam a casa e cuidam das alquimias do quintal; filhos
ordenham vacas, tratam do gado, lavram a terra, semeiam, fazem à limpa,
colhem e participam também dos muitos e não raros difíceis serviços de
reparos de material de trabalho ou da própria residência. (BRANDÃO,
1999, p. 43-44).
Com relação aos nossos alunos, por estarem com 10 anos, e serem pré-
adolescentes, ainda não estão nessa fase de conseguirem desenvolver o trabalho em sua
plenitude, mas estão nessa fase de transição, assumindo, parcialmente, as tarefas com
autonomia. Por isso, nesta idade, alguns meninos ajudam mais a mãe em casa do que o pai na
roça: “não nada que eu não goste no lugar onde eu moro, eu rego as plantas, varo o
jardim, varo a casa, enxugo a louça, arumo a cama e limpo os moveis ao sábado”. (Renan,
2006, morador da fazenda Santa Rosa).
Com relação à divisão de tarefas por sexo, existem casos em que as mulheres
não precisam fazer o trabalho dos homens, ou seja, “[...] filhas de sitiantes com o orçamento
doméstico e a demografia sexual da família em melhores condições de equilíbrio costumam
ser dispensadas do trabalho realizado fora dos limites da casa e do quintal”. (BRANDÃO,
1999, p. 39).
Por isso, a divisão do trabalho por sexo não é uma regra, visto que a
socialização por meio do trabalho ocorre tanto para os meninos como para as meninas. Como
369
disse a Josiane (2006): “eu gosto de fazer muitas coisas como: Mecher com o gado, prender
os bizero”. Ou seja, nesse caso ela ajuda o pai em suas tarefas.
Entretanto, com relação à aluna Jaine (2006), mesmo sua família não sendo
proprietária da terra em que mora, ela ajuda no trabalho familiar. Todavia, diferentemente da
Josiane, descreve que sua participação já não ultrapassa os limites do quintal, ficando
responsável por ajudar a mãe em suas atividades diárias. Visto que o quintal da casa possui
animais e plantações que pertencem à família e não ao patrão, como a horta e os coelhos.
Relata que gosta dos animais da propriedade e que não gosta do patrão do seu pai:
Eu moro numa fazenda que se chama fazenda Batistela [...].
O que eu não gosto de lá é do dono da fazenda por que ele é muito chato.
[...] tem muitos animais como porco, carneiro, cavalo, gado, galinha e
muitos outros animais.
E que eu faço é brincar, ajudar minha mãe nas coisas, tratar dos coelho e
aguar a orta que tem em minha casa.
Na fala da aluna Isabela (2006), moradora do assentamento Santo Antônio,
além do pasto e da cana para o gado, ela conta que tem plantação de milho e algodão no
assentamento, demonstrando, assim, a policultura. Ela nos conta, também, que ajuda tanto o
pai quanto a mãe. Parece ser uma característica dos camponeses de Paulicéia, não dividir,
rigidamente, o trabalho por sexo. Porém, diferente dos meninos, ela não precisa acordar de
madrugada, ou seja, não uma obrigatoriedade como no caso dos meninos. Em sua opinião
a viagem até a escola atrapalha, pois se perde muito tempo.
Onde eu moro, tem muitas casas, têm pasto e tem muitas plantações,
também.
Plantação do que?
Vão plantá na fazenda cana, já plantaram milho e algodão.
Quanto de gado tem lá?
Quantos de gado? Ai! Eu não sei direito.
Mais de 10, mais de 100? Faz idéia?
Não
Você falou que gostaria de estudar lá?
Porque lá é mais legal e tem mais coisa pra gente brincá.
Você não gosta de viajar?
Não
Por quê?
Porque a gente perde muito tempo
É... E o que você faz lá pra ajudar?
Ajudo minha mãe dentro de casa e a prendê os bezerros.
Acorda cedo pra fazer isso?
Não.
370
Podemos perceber na fala da aluna Ana A., que ela ajuda os pais inclusive
nas tarefas associadas apenas aos homens, mostrando que essa divisão varia de família para
família, seu trabalho é “tocar” as vacas e tirar o leite. A aluna Ana A., é a única que o pai é
um pequeno proprietário e não é assentado, o que mostra a raridade dessa modalidade de
propriedade em Paulicéia. É uma propriedade de 12 alqueires.
Esta aluna declara, em sua produção de texto, que gosta do sossego do local e
se diverte andando a cavalo. Mostra uma ligação afetiva muito grande com os animais de sua
propriedade e principalmente com relação ao ciclo de suas vidas desde o nascimento até a
morte. Por isso, é grande também a felicidade em morar ali e não querer sair. Tem uma
preocupação com relação ao período da seca, que ocorre no período de inverno tropical,
secando o capim e dificultando alimentação do gado, fazendo com que as vacas produzam
muito pouco leite, onde muitas vezes dificulta a manutenção da família. Faz também uma
reivindicação que é o aumento do preço do leite, o que mostra conhecer muito bem a fonte de
renda de seus pais, apesar de ter apenas 10 anos. Relata-nos ainda um acidente que ocorreu no
sítio. Em suas palavras:
Eu moro em um Sitio que chama Sitio São Cristóvão.
Eu gosto muito de porque é susegado eu posso andar de cavalo e me
dar com os animais e etc. Eu gosto de tudo lá.
Eu acho interesante ver as vacas criar ver os bizerro mamar e de mecher
com eles e etc. Lá eu fasso, e gosto, de tirar leite, fechar os bizerro, tocar as
vacas, tratar dela e ajudo minha mãe e meu pai.
Eu gostaria que molhorase a seca e o preso [preço] das coisas e etc.
Eu não gostaria de morar em outro lugar, lá é muito gostoso.
Eu sei muitas coisas de onde eu moro só que já esqueci um pouco.
No sitio que eu moro tem 12 auquere. Um dia eu fui colocar fogo atraz de
casa e vuou uma faísca para a cana e pegou fogo na cana, eu fiquei um
pouco triste, mas depois nós plantamos mais cana ainda. (Ana A., 10 anos,
2006, moradora do sítio São Cristóvão).
Colaborando com a discussão acerca da relação afetiva do camponês com os
animais de seu território, revelada na fala da Ana A., Brandão vai dizer que o nascimento,
crescimento e morte dos animais é uma experiência do cotidiano do morador do campo, pois
estão freqüentemente em contato com essas relações em seu dia-a-dia. Diferente do homem
urbano, o homem do campo assiste aos ciclos da vida dos animais durante sua vida inteira.
Presenciam o nascimento, por meio dos ovos das aves e, muitas vezes, ajudam no parto, no
caso de mamíferos como vacas e éguas. Nesse relacionamento, os animais passam a ter
371
valores diferentes, ou seja, existem os animais que são de estimação como gatos, cachorros,
cavalos e os bois carreiros e de arado. Por esses animais todos revelam um carinho muito
grande, tem nomes, é como se fossem da família. Já existem aqueles animais que têm valor
apenas de troca ou para a subsistência como galinhas, porcos, novilhos, gado de corte etc.,
estes são vendidos e/ou mortos quando é o momento certo. Neste sentido, existe um controle
da vida dos animais de acordo com o seu valor de troca ou valor subjetivo/afetivo.
Crescer é um acontecimento da natureza e a experiência cotidiana do
campesinato é muito mais do que a nossa, a de homens urbanos, um
interminável assistir ao drama da trajetória de diferentes ciclos de vida. As
aves do quintal, chocadas em casa, as ninhadas de porcos, cães e gatos; a
previsão de tempo de vida de cada ser animal que habita a casa, o quintal, o
pasto, a mata. Aves que morrem quando frango, ou que são deixadas viver
numa fração de vida adulta, como uma galinha poedeira ou um galo, macho
e bom reprodutor. O cachorro que não se mata, a não ser por doença e
acidente, e que se envelhecer entre as pessoas e os objetos do sítio.
Porcos mortos em tempo de leitão, ou castrados, “capados” que o milho e as
sobras de comida caseira engordam. O gado que vive também, como
espécie e como indivíduo, carreiras desiguais: os que são mortos cedo,
novilhas dadas pelo criador a alguma Festa do Divino Espírito Santo, bois
mortos adultos e vacas deixadas parindo e produzindo leite até irem “pro
corte” já na velhice. Mais tarde ainda são mortos os velhos bois carreiros ou
puxadores de arado, que possuem nomes como as vacas e cuja longa
convivência com as pessoas da fazenda cria, não raro, laços de afeição
equivalentes apenas aos que ligam um dono a um velho e fiel cavalo de
sela, ser que nunca se mata e que quando morre velho, entre os verdes do
pasto, é enterrado com pesar. (BRANDÃO, 1999, p.53).
Com relação aos bois carreiros existe uma canção chamada boi-de-carro que
conta a história de um boi–carreiro, o boi Malhado, que estava velho e tinha que ser morto,
pois não servia mais para a sua função. Na letra compara-se o boi ao próprio homem que
trabalhava com o boi e também estava velho, mas quando eram jovens os dois formavam uma
dupla bastante eficiente. Ao ficar velho o boi perde a utilidade e é vendido para o abate, mas
seu companheiro de trabalho, empregado da fazenda, não se conforma com o fim trágico que
levará o boi e diz: “[...] essa magoa vou levando dos homens sem coração”. Essa
campesinidade, que cria laços afetivos com os animais, está presente também nos
trabalhadores assalariados do campo.
Essa comparação é bastante crítica tendo em vista que demonstra que para o
capitalista (ou mais especificamente, o fazendeiro pecuarista ou capitalista proprietário de
terras) tanto as pessoas quanto os animais tem valor enquanto puderem servir para
reprodução do capital, depois são descartados como objetos que perderam a validade. A
372
canção nos relata que essa lógica capitalista “do ter sobre o ser” contraria a lógica camponesa
“do ter como forma de reprodução da vida”.
Por isso, podemos considerar duas reflexões principais acerca dessa canção.
A primeira é que a campesinidade dos trabalhadores rurais criam laços afetivos significativos
com alguns animais que os citadinos desconhecem. Pois, alguns animais são como
companheiros de trabalho que ajudam no processo de reprodução da vida. A segunda
reflexão é que existe um antagonismo claro entre a gica capitalista despreocupada com a
vida e preocupada com o capital e os camponeses preocupados com a vida. Vejamos o que
diz a canção na íntegra:
Na manguera
Da fazenda do Lajado
Conheci um boi maiado
Descaído como quê
Tempo de moço
Quando eu era candiero
Boi Maiado era ligero
Trabaiava com você.
Boi de carro
Hoje véio rejeitado
Seu congote calejado
Da canga que te prendeu
Boi de carro
Eu ainda sô teu cumpanheiro
Eu to véio sem dinheiro
Teu destino é iguá o meu
Boi de carro
Sem valia tá afrontado
De puxá carro pesado
Costume que os patrão fais
Eu trabaiei
Trinta ano e fui quebrado
Do lugá foi despachado
Diz que eu já não presto mais.
Boi de carro
Seu oiá triste parado
Ruminando já cansado
Cô desprezo do patrão
Boi de carro
Eu também to ruminando
Essa mágoa vô levando
Dos home sem coração.
Boi de carro
O seu dia tá marcado
373
Pro corte foi negociado
P'rá mata no fim do méis
Adeus maiado
Meu sentimento é profundo
Vou andando pelo mundo
Esperando a minha veis
144
.
Quanto à relação trabalho e lazer, observamos na fala dos alunos que não
existe o divórcio entre trabalho e lazer no campo, como ocorre na cidade. Pois, na cidade o
trabalho alienado e o lazer praticado, normalmente em lugares privados, colaboram para que
essa relação de trabalho e lazer seja uma relação antagônica.
O aluno Willian (2006) conta, em sua produção de texto, um incidente
engraçado, ocorrido no assentamento Regência, onde mora. Este fato aconteceu enquanto
retirava o leite da vaca. No texto fica evidente o fato de que suas experiências vividas
relacionam-se ao seu trabalho diário:
Na fazenda eu tava tirando leite, quando eu tirei a lata a vaca deramou o
leite, o bisero escapou, a vaca ficou andando e tirou a peia, ela pulou da
mangueira e saiu correndo para a pasto.
Minutos de depois [...] quando eu abri a porteira as outras vacas saíram.
Depois tranquei as 3 vacas para a mangueira, ai eu tirei o leite e fui
trabalhar com a minha vó.
O aluno Gabriel (2006), do reassentamento Buritis, ex-ribeirinho, demonstra
em sua produção de texto conhecimento profundo de localização, bem como da história do
local. Conta que antes de serem assentados na Fazenda Buritis, moravam na ilha
Bandeirantes. Também, como seus colegas, têm como diversões: andar a cavalo, “mexer”
com gado, tomar banho no córrego etc. E o seu trabalho diário é tirar o leite e tocar o gado.
Afirma que gosta muito de onde mora e pretende ser veterinário para cuidar do gado do seu
pai. Acha o lugar onde mora muito bonito, pois tem ar puro e fica às margens do rio Paraná.
Só não gosta da poeira da estrada de terra, como muitos outros também:
Eu moro na fazenda buritis na quadra A Lote G, eu gosto de andar a
cavalo e montar em bezerro, ir tomar banho no córrego e mecher com o
gado, lacar [laçar] na pista de laço. E eu não gosto quando roubam gado da
fazenda. La na fazenda eu tiro leite, prendo bezerro, toco as vacas etc.
144
Música: Boi de Carro. Autores: Tonico, Tinoco e Anacleto Rosas Jr.
374
Eu não quero morar em outro lugar pretendo quando eu crescer si formar
para veterinário para cuidar do gado do meu pai. Gosto do ar puro e do rio
paraná, a nossa fazenda fica as margens do rio paraná. Que é muito bonito.
Eu gostaria que asfaltasse as ruas por que [quando] passa um carro vem
muita poeira.
E eu sei que a fazenda saiu por que nós morava em uma inha [ilha] que se
chamava inha [ilha] bandeirantes.
Da mesma forma, o aluno André (2006) em sua produção de texto associa
sua vida às atividades que realiza no campo, ou seja, ele não consegue conceber a vida
dissociada dessas relações, que são relações de trabalho no campo. Todas as suas atividades
de trabalho e lazer estão relacionadas com os animais, como: montar em cavalos e bezerros,
retirar o leite, cuidar dos animais e vaciná-los. Afirma ser essa a profissão que quer seguir, ou
seja, de camponês que sobrevive da criação de animais. E nos diz:
A minha vida é morar na fazenda para muntar em boi, morar na fazenda
para muntar em bizerro e andar a cavalo, vacinar gado, tirar leite, ajudar o
meu pai, curar carneiro, corta cana, olhar o gado para não morrer. Eu quero
morar na fazenda para ter trabalho [...] Para termos profição, para ter
fazenda com gado carneiro e criar galinha, pavão angola, cavalo, burros,
égua, jumento, pássaro e peixes.
Nesta perspectiva, verificamos a fusão entre o tempo de lazer e o tempo de
trabalho na fala do aluno Érique (2006), morador do assentamento Buritis, ou seja, tanto andar
de bicicleta e brincar como retirar o leite e dar ração para o gado, está entre suas atividades
preferidas. Logo, não uma rígida separação entre lazer e trabalho. Mostra-se integrado aos
assuntos de subsistência da família, pois afirma como algo importante o pagamento do leite
todo dia 20 de cada mês. Relata que ajuda tanto seu pai como sua mãe não havendo uma
rígida separação de trabalho por sexo. E mostra-se preocupado também com seca do inverno
que interfere na plantação. Afirma que não gostaria de morar na cidade, pois além de ter
muitos carros, não para criar animais. Confirmando que nessa idade a maioria dos alunos
não tem vontade de mudar para cidade. Em suas palavras:
Aonde eu moro tem árvore, plantações etc.
O que eu mais gosto de é tirar leite, cortar cana para fazer ração para o
gado, brincar, andar de bicicleta etc.! [...]
O que tem de interessante é pagamento do leite que apanhamos todo o dia
20.
Eu ajudo meu pai no serviço e minha mãe.
Eu gostaria que melhorase as plantações por que a terra está seca e não
para plantar só quando chover. Eu não gostaria de morar em outro lugar por
375
que na fazenda da para criar gado, peixe, cachorros, gato, galinha, cavalo
etc.
O nome da fazenda é Buritis e o nome da casa é Sitio Estrela D’oeste.
Eu não gostaria de morar na cidade porque lá tem muitos carros. [...].
Com relação ao lazer no campo, o aluno Darlei (2006) morador do
assentamento Buritis, descreve entre suas atividades favoritas: ir ao córrego e ir à prova de
laço, onde eles mesmos são os organizadores. Ele diz, vou “[...] para o córgo [córrego] de
cavalo todo sábado, para o rio no domigo e fol [vou] para a prova de laços. Lá na fazenda tem
uma lagoa, tem jacaré coba [cobra] dágua, tem mutaria [montaria] de boi [...] nois fais prova
de laso, prova de tabor [tambor], corida de bastão [...]”.
A aluna Gislaine (2006), moradora do assentamento Buritis, relata que seu
lazer é ir ao córrego para tomar banho e andar a cavalo. Faz uma reivindicação: gostaria que
melhorasse a estrada de terra, mostrando que a falta de investimentos no campo leva ao
êxodo, pois diz que gostaria de morar em outro lugar. Em suas atividades diárias, ajuda seu
pai com as vacas. Mostrou-se também interessada nos assuntos relacionados à produção de
leite:
O local onde eu moro tem muitas árvores.
Eu gosto mais do córgo lá eu posso tomar banho.
Lá tem muitas coisas de interessante como o plantio de eucalipto.
eu faço muitas coisas como eu ando de cavalo, prendo os bezerros para o
meu pai.
Eu queria que melhorasse a rua porque está cheio de areia e não da nem para
andar de bicicleta de tanta areia.
Eu gostaria de morar em outro lugar como aqui em Paulicéia [cidade].
[...] Eu moro na fazenda Buritis.
Foi interessante quando construíram o tanque de leite, Isso para mim foi muito
interessante.
Com relação à Educação do Campo sua necessidade se faz para todos os
povos e classes que vivem na área rural. Pois, a campesinidade, ou seja, as qualidades
camponesas são características inerentes aos moradores do campo, mesmo depois de
expropriados retornando como trabalhadores assalariados, ou ainda, assalariados da cidade.
As características, que compõe a sua identidade, podem ser percebidas tanto nos filhos de
assentados como dos trabalhadores assalariados. Daí a importância de se entender as
produções simbólicas existentes nas relações camponesas para a construção da Educação do
Campo.
376
Estamos querendo dizer que os filhos dos trabalhadores rurais assalariados
que moram no campo também vivenciam estas situações familiares de produção, tendo um
pertencimento parcial ao lugar onde vivem. Logo, a importância de incluí-los na Educação do
Campo, mesmo os que já perderam sua condição de classe camponesa. Com os estudantes
filhos de trabalhadores rurais assalariados é importante a construção da consciência crítica
que lhes permita entender que o trabalho deve pertencer aos sujeitos e não ao capital e que,
por isso, devem lutar contra o capital que invade seu território e o expropria de sua condição
social. Essa é a característica revolucionária camponesa, o entendimento de que o capital
priva os sujeitos do direito ao trabalho autônomo e, da vida, pois o trabalho e a terra não se
desvinculam da vida.
Podemos observar como acontecem essas relações da família assalariada no
campo na fala de Flávio, que mora com seu avô e ajuda-o nas atividades diárias na fazenda
onde mora e onde o seu avô é empregado. Dentre as tarefas diárias que realiza estão às
atividades com o gado e o concerto de cercas. Isso quer dizer que os trabalhadores rurais,
mesmo quando não são donos da propriedade, continuam mantendo uma relação de trabalho
familiar, pois todos se sentem responsáveis pelo serviço no local. Além do que possuem
animais e plantações no quintal que pertence à família, logo vivenciam uma relação, mesmo
que parcial, de pertencimento ao local. Suas atividades de lazer não se separam de suas
atividades de trabalho, como andar a cavalo ou “tirar leite”. Relata gostar muito do local por
ser grande, bonito e sossegado. Faz uma reivindicação que é o aumento no preço do leite e
acredita que se morassem no Mato Grosso do Sul teriam a oportunidade de receber mais.
Conta-nos, também, que o patrão arrendou a terra para a Usina Caeté
145
e, por isso, terão que
sair do local. Em suas palavras:
Professor lá onde eu moro é grande bonito.
Eu gosto de porque é queto espaçoso da pa brincar porque não tem carro
para fazer barulho é também sucegado.
[...] tem muitos serviços como fazer cerca etc.
Lá tem bastante coisa de interessante como anda de cavalo, mexe com gado,
tira leite, eu ajudo todo mundo que eu ajudo mais meu porque tem
muito serviço.
Eu quiria que melhorace o dinheiro do leite ta muito poço [pouco] e o
pagamento também. Eu quiria muda para o mato grosso do sul porque as
fazendas, são mais grande [tem] mais dinheiro [...].
145
A propriedade em que moram é a fazenda Santa Tereza, o arrendamento para a usina Caeté significa que
serão 464, 60 hectares de cana-de-açúcar. O valor recebido pela renda da terra por mês é muito alto o que faz
com que esses proprietários troquem a criação de gado pela plantação de cana-de-açúcar.
377
Nunca ninguém robou gado lá o. né, nóis tem uma garage que tem
trator grade [grande], carinho, trole. Agora que ta plantando cana e o patrão
arendo [arrendou] e nois vai te que sai [...]. (Flávio, 10 anos, morador da
Fazenda Santa Tereza).
O avô de Flávio é empregado da fazenda Santa Tereza, que tem 464,60
hectares, ele trabalha ajudando seu avô nas tarefas diárias com o gado, acorda 3 horas da
manhã para ajudar na retirada do leite. Seu tempo diário fica dividido entre a escola e o
trabalho, pois 10 horas da manhã tem que ir para o ponto de ônibus e vir para a escola, e
antes das 21 horas tem que dormir. Mesmo assim, diz que não se cansa, pois gosta de fazer
isso, e continua querendo viajar todos os dias para a cidade, pois é onde encontra os amigos
para brincar. Ao que tudo indica, onde mora não deve ter muito contato com crianças de sua
idade. Mas, mesmo assim, afirma que não moraria na cidade por causa do barulho e porque
gosta de “mexer” com gado.
Onde eu moro tem plantação de abóbra pisor, melancia pisor, machice
pisor e lá onde eu moro pisor... Eu prefiro estudá aqui pisor, que lá pisor, lá
é muito ruim, aqui é meior pisor. Pisor também pisor, lá na minha casa, lá é
muito silêncio, não tem barulho de carro e outra coisa pisor, eu gosto de
estudá aqui, porque aqui é meior tem mais gente pra nóis brincá.
Você ajuda lá?
Ajudo pisor, tirá leite pisor, prendê os bizerros, mexê com gado.
Que horas você acorda?
Pisor, três horas da manhã pisor, o meu tira leite.
Você não cansa não?
Não pisor! Eu gosto!
Levanta as três e ainda prefere viajar pra estudar?
Han han! [balança a cabeça afirmando]
[...] é pisor eu vou dormir e acordo com o meu . E ai quando 10 e
pouco eu vou pra casa. Ai eu tomo banho pisor. Pisor pego a bolsa e vo
ponto.
Que horas você vai dormir?
pras umas oito e pouco.
Você prefere fazer isso do que morar na cidade? Por quê?
Porque pisor, no sítio tem mais silêncio, não tem muito barulho de carro.
Eu gosto mesmo é de mexê com gado pisor.
Quanto tem de gado lá?
Pisor, uns 200 e pouco pisor.
Seu avô é empregado lá?
Han han! [balança a cabeça afirmando].
Quantos que cuidam lá?
Em quatro, mas pisor, um machucô a mão e agora tem três.
Machucou fazendo o quê?
Laçando boi, pisor, ai cortô aqui [pulso] o boi puxô [...].
Machucou e não pode mais trabalhar?
Não, se pegá pisor, o patrão dá um fumo.
Ele encostado, então?
378
É.
Você trocaria a sua vida no campo pela da cidade?
Hun hun! [balança a cabeça negando].
Com relação ao trabalho familiar, como dissemos anteriormente, ele se
realiza mesmo quando a família não é proprietária do local. É o caso do aluno André (2006),
cujos pais são empregados da fazenda Santa Ana, ele trabalha junto com pai nas tarefas
diárias de cuidar do gado e ajuda a mãe também em casa. Para cumprir suas obrigações,
levanta 4 horas da manhã, pois afirma que na fazenda aproximadamente 400 cabeças de
gado. Ele também não quer mudar para cidade e alega como motivo principal da recusa, o
barulho. As plantações nessa propriedade são apenas os alimentos para o gado, ou seja, cana
e napiê. Mostrando que a paisagem rural em Paulicéia, até 2006
146
, é constituída, sobretudo,
de pastagens para o gado.
[...] Eu ajudo meu pai tirá leite, prendê os bizerros e tem dia de sábado
assim que eu olho o gado.
O que tem lá onde mora?
Tem plantação de cana, napier, gado também.
Quanto de gado?
O máximo umas 400 cabeças.
Seu pai é empregado?
É... Esses dias ele tava tombando terra. Ele tira leite.
Você ajuda a tirar leite?
Ajudo.
Que horas você levanta para fazer isso?
No máximo umas quatro horas da manhã, porque tem bastante vaca pra tirá
leite.
Quando você chega da escola ainda vai trabalhar?
Han han! [balança a cabeça afirmando]. Ajudo lavá loça, ajudo ele [pai],
tem dia que ele pega o cavalo, ai eu ajudo ele.
Você não trocaria o lugar onde você mora pela cidade?
Não.
Por quê?
Porque lá é mais legal, lá tem menos barulho.
Gosta de pescar?
Pescá! (balança a cabeça afirmando).
Uma das questões fundamentais presentes na fala dos estudantes do campo é
a constatação que nessa idade a maioria não está interessada em se mudar para a cidade. Pois,
o campo é o território deles, lugar onde construíram uma identidade. Da importância de
uma educação que não seja responsável pela destruição dessa identidade. Que não imponha
146
Visto que em 2007 já começa a predominar na paisagem os canaviais das terras arrendadas pela usina Caeté.
379
valores que sejam movidos pelo pensamento que se quer fazer como único, o da ideologia
neoliberal.
Quando o assunto é a escolha do local onde gostaria de estudar, as opiniões
já apresentam divergências. Vejamos essas observações na fala desses sujeitos-estudantes.
A aluna Janaina (2006), moradora do assentamento Regência, conta que
gosta de morar no campo, pois na cidade muito barulho. Essa vai ser a resposta da maioria
dos alunos, pois deve ser a mesma opinião de seus pais que, logicamente, tem uma influência
decisiva na opinião deles nessa idade. Conta também que ajuda seu pai e sua mãe nos serviços
diários. Em sua opinião, prefere estudar no campo, pois a viagem do campo para a cidade é
muito longa e atrapalha nos estudos:
Na onde eu moro é muito grande, né! Cada um tem o seu sítio, cada um
planta o que quiser lá.
Por que você gosta de lá?
Aqui [cidade] tem muito barulho, não. Eu gosto de ficar lá para brincar
com meus amigos.
Você faz alguma coisa para ajudar lá?
Faço. Ajudo meu pai e minha mãe.
Fazendo o quê?
É, é, é... Ajudo meu pai com as vacas e minha mãe em casa. Ajudo a
arrumá a casa.
Você prefere estudar aqui [cidade] ou lá [campo]?
Estudá lá.
Por que você prefere estudar lá?
Para não fazer uma viagem longa.
Você acha que o tempo perdido atrapalha?
Janaina: ah, atrapalha, ?
Da mesma forma a Gislaine (2006), moradora do assentamento Buritis, ela
prefere estudar no campo, pois como muitos não se sentem bem na viagem diária. Alega, por
exemplo, que chega à escola com dores de cabeça. Afirma que não gostaria de morar na
cidade, por causa do barulho dos carros e porque no campo tem ar puro. Esta preferência pelo
campo abre a possibilidade de construção de uma consciência crítica contra a expropriação do
capital e a ideologia neoliberal “urbanóide” da cidade como sendo a única via de
desenvolvimento da humanidade.
Eu moro na fazenda Buritis, lá cada um coloca o nome do seu sítio. Lá onde
eu moro tem um monte de eucalipto plantado em volta. Antes quando eu
morava lá não tinha área, agora meu pai fez uma área lá, e ele falou pro meu
tio construir pra ele, e ele construiu.
Você gosta de lá?
380
Eu prefiro, porque lá o ar é mais puro.
Prefere mais lá do que a cidade? Por quê?
Hán, hán... Eu prefiro, porque sim, porque na cidade faz muito barulho, o
barulho dos carros.
Você tinha falado que prefere estudar lá. Por quê?
Porque eu não gosto de fazer viagem não. Porque dentro do ônibus eu passo
mal.
Você faz alguma coisa pra ajudar lá?
Faço. Ajudo meu pai prender os bezerros, ajudo minha mãe com o serviço
de casa.
Você mudaria para a cidade? Por quê?
Não. Porque... Ai, ai... A cidade é muito ruim!
O que você acha de ruim na cidade?
Aqui faz muito barulho de carro. Ai, assim eu não gosto... É...
Com relação ao aluno Bruno P. (2006) que trabalha ajudando seu avô no
assentamento Regência e que não gosta do barulho da cidade, quando o assunto é a escola sua
opinião é diferente. Quando indagado sobre aonde gostaria de estudar ele mostra preferência
pela cidade, pois afirma que gosta da viagem diária porque vem brincando no ônibus:
Lá onde eu moro, lá é mais gostoso que aqui na cidade, lá eu ajudo meu avô
com o gado, com o boi...
tem plantação de cana, mandioca. tem as árvores lá, de de manga.
É isso!
Você gosta de lá? Por que gosta de lá?
Lá é bom! Lá não tem barulho!
Você prefere estudar lá [campo] ou aqui [cidade]?
Aqui [cidade]. Por causa da viagem. Eu gosto de viajá. Porque... Vem
brincando no ônibus.
Na opinião do aluno Thahirone (2006), existe um lado bom e um lado ruim
de morar no campo. O lado bom para ele são as vacas e o trabalho que desenvolve no
assentamento Santo Antônio, o lado ruim é a lama, onde inclusive levou um escorregão.
Podemos notar que essa é a reclamação da maioria: poeira e lama. E da mesma forma que o
seu colega Bruno P., gosta de viajar todos os dias para vir à cidade estudar, pois observa a
paisagem no caminho. Porém, não gostaria de mudar para a cidade, porque o campo é mais
sossegado:
Onde eu moro, tem a casa, tem um pé de manga, mangueira, assim do lado.
nóis ajuda com as vaca lá, tirá leite da vaca também, professor.
Mesmo assim você prefere estudar na cidade?
Prefiro sim. Porque aqui é mais legal, você viaja todo dia, fica olhando a
paisagem pra vê como é que acontecendo.
Você gosta do lugar onde mora?
381
Mais ou menos, fessor. Porque é meio chato, tem que coisá na lama...
Levei um escorregão hoje, fessor. De legal tem as vaca, é... Ajudo
também, né.
Você queria morar lá mesmo?
É... Sim!
Por quê?
Porque lá é mais sossegado, aqui já tem o barulho.
Também, por causa da fruta e leite que tem lá também?
É...
Igualmente o aluno Matheus (2006), morador do assentamento Boa
Esperança, embora queira morar no campo, prefere estudar na cidade, pois gosta de observar a
paisagem do caminho durante a viagem:
[...] eu gosto de estudar mais aqui porque viajando a gente muita coisa
legal! A gente vê onça no meio do caminho, cobra...
Então você prefere estudar aqui [cidade], mas prefere morar lá?
É lá é mais legal, menos barulho, e a gente estuda mais lá. [...].
Na tentativa de compreender porque esses alunos apesar de trabalharem,
estudarem, terem que enfrentar uma viagem cansativa todos os dias, ainda assim gostariam
de continuar viajando para a cidade, vamos buscar as contribuições de Carlos Rodrigues
Brandão (1999). O autor em questão vai explicar o significado que tem essas viagens de casa
para a escola para os alunos do campo.
Esses alunos enfrentam da poeira na seca à lama nos dias chuvosos para
chegar até a escola: “[...] vê-los aos pares, em trincas, em pequenos bandos, às vezes alegres e
vagarosos, às vezes apressados, não raro enfrentando os meses “das águas”, trilhas molhadas
e enlameadas para chegarem à escola [...]” (BRANDÃO, 1999, p. 128).
Para ajudar na compreensão deste paradoxo vamos também fazer uso da fala
do Bruno, principalmente quando diz que vem brincando no caminho para escola no ônibus.
Juntando a declaração do aluno com a explicação de Brandão, podemos concluir que os
alunos, durante a viagem, por estarem dispensados de seus encargos diários e da disciplina
obrigatória da escola, aproveitam para conversar e se divertir. Por isso, existe a vontade de
continuar viajando.
Especialmente quando em pequenos grupos estáveis, as viagens de ida e a
de volta são momentos do grupo de idade. Em nada elas antecipam na vinda
a intenção do estudo. Ao contrário evadidos dos encargos caseiros do
trabalho e ainda não submetidos às disciplinas da escola, os pequenos
alegres bandos de meninos e meninas prolongam na viagem o prazer da
382
convivência dos adultos e a alegria de compartir por momento as falas
soltas e as diversões apressadas que o ritual da viagem faculta.
(BRANDÃO, 1999, p.128).
Da mesma forma quando os alunos Thahirone e Matheus dizem que vem
observando a paisagem pelo caminho para ver o que está acontecendo e que observam os
animais que encontram isto talvez queira dizer que “[...] crianças e, principalmente,
adolescentes, são capazes de reconhecerem pelo caminho cada boi ou vaca de cada “dono”, os
cachorros, os cavalos. Não há nunca tempo para entender as horas de lazer e dever da viagem.
[...]”. (BRANDÃO, 1999, p.128-129).
Por isso, durante o caminho, conversam sobre assuntos que nunca estão
relacionados com os estudos, juntamente com seus colegas que são vizinhos, parentes,
moradores da mesma fazenda ou do mesmo assentamento. E se tornam também,
companheiros de viagem diária. Portanto, essas viagens têm um valor de socialização para
alguns alunos que transformam a viagem, de cansativa e obrigatória, em festiva.
As crianças conversam e nunca é sobre as aulas, mas muitas vezes sobre o
que aconteceu na escola. Irmãos, primos, vizinhos de sítios, moradores de
uma mesma fazenda, os meninos e meninas, companheiros de uma mesma
viagem, sabem aproveitá-la para fazer, ali, a crônica de suas vidas. Apenas
o reconhecimento do valor da socialização de tais grupos de idade permite
compreender de perto como todos estes momentos que tornam festivamente
importante um trajeto obrigatório, são aproveitados para retraduzir, na
lógica da criança e do adolescente, as vivências individuais e coletivas de
estudantes precários e trabalhadores precoces. (BRANDÃO, 1999, p.128-
129).
Essas viagens tornam-se, portanto, um momento de descontração e
“bagunça”. Da vontade de parte dos alunos de continuar viajando todos os dias. Mais uma
vez a fala dos alunos na pesquisa se coloca como fundamental porque ela lança luzes sobre
algo que parecia uma verdade absoluta, qual seja a idéia generalizada de que o trajeto casa-
escola era um infortúnio, um trauma. Ou seja, é preciso investigar para entender as diversas
nuanças que constroem a realidade e as potencialidades que isso traz para o trabalho em sala
de aula, principalmente com relação ao método. Pois, ver a realidade como um feixe de
possibilidades, marcada por nuanças, rompe com os esquemas/modelos de
interpretações/respostas prontas.
[...] os rapazes, as moças fazem também da viagem um momento de
descontraída algazarra. [...] “farra”, que consiste em cantar juntos, ou em
383
“mexer” com os colegas. Mas é também nesta viagem o único momento
durante os dias úteis da semana em que um razoável grupo de jovens [...] se
reúne [...]. (BRANDÃO, 1999, p.130).
7.10 - Experiências vividas em acampamentos e assentamentos do INCRA pelos
camponeses-estudantes
147
·: entendendo as relações da recriação camponesa.
O acampamento/ocupação é organizado em regiões com presença de
imóveis com indícios de devolutividade e de improdutividade. É uma das práticas
fundamentais de luta pela terra do MST, integrando o processo de espacialização do
movimento. Práticas estas que juntamente com as caminhadas, marchas e ocupações de
prédios públicos tende a culminar na conquista do assentamento, ou seja, ocorre a
territorialização do campesinato. Para Caldart, o acampamento representa um espaço de
socialização dos sem terra, sendo por isso um espaço de aprendizagem e de construção de
significados:
Do ponto de vista pedagógico, o acampamento pode ser olhado como um
grande espaço de socialização dos sem terra que passam a viver um tempo
significativo de suas vidas em uma coletividade cujas regras e jeito de
funcionar, embora tão diferente da sua experiência anterior, foram eles
mesmos que ajudaram a constituir. (apud ALMEIDA, p.172, grifo da autora).
O aluno Thahirone relata, em sua produção de texto, a experiência de
ocupação de uma fazenda:
[...] Quando nós chegamos lá na fazenda nois quebramos a serca e entramos
para dentro, ai no outro dia estava tudo pronto as baracas, e nós está na
luta até oje. Nossa vida foi muita dificio. (Thahirone, 10 anos, aluno da
série, morador do assentamento Santo Antônio, 2006).
Como os alunos têm 10 anos, muitos estiveram na fase do acampamento,
antes de conseguirem ser assentados, todavia lembram poucas coisas da época. O eixo da
investigação é a vida desses educandos antes no acampamento e depois no assentamento.
A aluna Janaina, conta a respeito da época que morava no acampamento,
lembra, por exemplo, que alguns não conseguiram terra. Fala que hoje moram 33 famílias no
147
Relato em produção de texto e por meio de fontes orais/ 2006. Todos os alunos da série oriundos de
assentamentos do INCRA participaram.
384
assentamento. Faz também uma reivindicação, que é a vontade de ter uma escola perto de sua
casa, visto que nos dias de chuva a viagem torna-se difícil por causa das condições da estrada.
E dá o nome de seu sítio
148
, é Coringão:
O que eu gostaria que mudasse que a escola fosse mais perto da minha casa
porque quando chove é dificio [difícil] o ônibus passar pela estrada de chão.
O meu sitio a onde eu moro se chama Curimgão [Coringão] [...].
E onde eu moro tem cada um o seu tanto de terra para cada um é 10
equitares [hectares].
E quando a gente morava em acampamento sem terra tinha muita pessoa, e
tem gente que foi embora de lá porque não tinha terra para todo mundo.
Do meu lado a onde eu moro tem 33 família. O nome do assentamento
inteiro é assentamento regência. (Janaina, 10 anos, aluna da série,
moradora do assentamento Regência, 2006).
É importante frisar que a maioria dos sujeitos-estudantes entrevistados
utilizou a expressão “sítio” ao invés de lote e a expressão “criação” e “plantação” no lugar de
agricultura e pecuária que são conceitos técnico-científicos. Isso acontece porque com a
territorialização os sujeitos passam a construir sua própria linguagem que possui um
significado próprio do seu modo de vida. A simbologia da materialidade de seu espaço é
construída no processo de socialização do assentamento, substituindo as denominações
colocadas pelo Estado.
[...] à medida que os camponeses assentados vão consolidando a teia de
relações, na qual sustentam sua sociabilidade, outros termos diretamente
relacionados a seu habitus de classe são acionados em substituição à
linguagem oficial do Estado. Desse modo, não raro, o sítio toma lugar do
lote e o nome toma lugar do número; a agrovila passa a ser apenas a vila ou
centro do bairro rural, um ponto de encontro. Lugar para onde se vai pouco,
apenas em caso de precisão e de festa. (ALMEIDA, 2006a, p.358).
A estudante assentada Isabela, na produção de texto, diz que acha muito
bonito o assentamento, porém, reclama de ter que vir de ônibus para a escola, pois a poeira no
ônibus acaba sujando seu uniforme:
148
Autores, como Woortmann (1983), acreditam que atualmente a categoria sítio encontra-se em oposição à
propriedade não apenas no sentido de se ter ou não a propriedade jurídica da terra, já que muitos sítios m, mas
principalmente como contradição, uma vez que a propriedade teria seu significado diferencial ligado à
acumulação do capital enquanto o sítio, à reprodução da vida. [...]. (ALMEIDA, 2006a, p.281).
385
Eu morro [moro] num lugar bonito, tem muitas casas, principalmente morro
[moro] perto das minhas amigas.
Lá onde eu morro [moro] tem 30 familia.
Eu gosto de morrar no assentamento, mas é ruim para pegar o ônibus
quando a gente vai para o ponto suja os pés e la dentro do ônibus suja
uniforme.
[...] as minhas outras colegas como a Janaina e o Tainara morra la também.
(Isabela, 10 anos, aluna da série, moradora do assentamento Regência,
2006).
Thahirone relata o que pensa a respeito das pessoas que moram no
assentamento. Demonstra em sua fala que os moradores desenvolvem laços de amizade com
outras famílias que moram no local como parte de um processo de efetivação dos laços de
solidariedade e coletividade que são ideais do MST. Por isso, notamos que uma grande
satisfação, de sua parte, por estar participando dessa comunidade:
[...] Agora vamos falar do povo de lá.
As pessoas de são muito legais. Quando você vai na casa deles é tudo
limpinho.
Eu amo o povo de lá, não tem briga é susegado [sossegado] as pessoas
não singa [xingam] não rouba nada dos outros.
Eles são muitos educados quando eles chegam na casa da outra pessoa eles
pede licensa [licença], aquele povo é legal.
Empresta as coisas para as outras pessoa e depois eles devorve [devolvem].
(Thahirone, 10 anos, aluno da série, morador do assentamento Santo
Antônio, 2006).
Para entendermos a fala de Thahirone, Almeida nos explica que no território
camponês existe uma socialização muito importante entre os moradores. As relações
construídas nesse processo de recriação do campesinato são parte da história dos
assentamentos. Em suas palavras:
[...] Nessa unidade territorial, todos se conhecem, do vizinho mais próximo
ao mais distante se tem sempre uma história para contar e um apelido a
revelar, sabem também daqueles que partiram para outros assentamentos na
busca por terra, são seus filhos, são filhos do vizinho, o sem terra do
acampamento que a fome ajudou a matar. Dizer aqui e ali um
assentamento conta muito pouco dessa história de reciprocidade e de
desencontro, de libertação e de aprisionamento, dessa consciência
conservadora e radical que, na luta pela (re)criação camponesa, resiste a
tudo que nega o o-camponês e que, por isso, coloca em questão a
sociedade inteira. (ALMEIDA, 2006a, p.358).
386
Dessa maneira, na perspectiva de conhecer como esses sujeitos participaram
da luta pela terra junto com seus pais, vamos refletir a respeito da fala desses alunos sobre
como era a vida no acampamento e o que mudou agora que vivem no assentamento.
A aluna Tainara (2006), conta que hoje, no assentamento, seu pai planta
cana, arroz, algodão e colorau, e que a casa é de tijolo, mas que antes, no acampamento,
morava em um barraco e tinha que buscar água longe.
Onde eu moro meu pai planta cana e arroz e algodão e colorau e, depois,
tem cana desse lado e colorau do outro, que plantou.
Você já morou em acampamento? Como é que era?
Era duro! Porque era de barraquinho de lona e tem que buscá água lá longe.
Você não gostava?
Não!
Passou quanto tempo lá? Você sabe?
Não.
Você ficou muito feliz quando conseguiu assentamento?
Sim.
Qual foi a diferença do assentamento para o acampamento?
Porque, [agora no assentamento], tinha casa de bloco, tinha porco e o
precisava ir buscá água longe.
A Janaina (2006) também falou sobre a casa de tijolo e a criação de porcos
que tem hoje no assentamento, e acrescentou a energia elétrica e a água encanada. Disse
ainda que, às vezes, não ficava no acampamento, vinha para a cidade. Pois, as crianças, em
certas ocasiões, ficam com as avós enquanto os pais estão no acampamento.
Porque tinha casa de bloco, tinha porco e não precisava i buscá água longe.
Ai... Porque né, não tinha muitas coisas que tem hoje, por exemplo, era
casa de barraco de lona, de pau. Também, lá não tinha água encanada e nem
luz elétrica.
Você gostava de morar no acampamento?
Eu não! Tinha vez que eu nem ficava lá, ficava aqui [cidade].
Tinha dificuldade para tomar banho?
Não.
Onde vocês buscavam água?
No poço.
Tinha poço?
Tinha.
Você sentiu que melhorou no assentamento? Por quê?
Porque agora tem casa de tijolo, né, e nóis têm água encanada.
387
A aluna Isabela (2006), acrescenta em relação às mudanças/conquistas do
assentamento, além da energia elétrica e a água encanada, a importância do chuveiro para
tomar banho.
Porque lá no acampamento o tinha energia, água encanada, mas agora
onde eu moro, tem água encanada, tem energia elétrica, e a gente pode tomá
banho, e ai a gente pode tomá banho direito, tem chuveiro.
Você gostava de morar no acampamento?
Não.
Você estava com muita expectativa para conseguir o assentamento?
Tava.
Seus pais também?
Tava.
A aluna Verônica confirma a importância das conquistas relativas a infra-
estrutura apontadas nas respostas das colegas: “porque era barraco e agora não é mais,
agora é casa, e lá [acampamento] não tinha energia, e agora tem. Lá não tinha luz e agora tem,
não tinha água e ia buscá água lá no poço e agora tem água encanada”.
O aluno Matheus (2006), não consegue se expressar muito bem na escrita,
pois tem sérias dificuldades de aprendizagem, mas por ser um aluno repetente e, por isso, ter
um ano a mais que os demais alunos, ele lembra mais detalhes sobre o acampamento e, por
isso, relata detalhes da história de vida de seu pai. Vamos perceber no seu depoimento que
Matheus realiza quase que com plena autonomia o trabalho no assentamento. Recorda-se que
as roupas eram lavadas, no acampamento, em um córrego e esfregadas em uma tábua. Conta
que assistia televisão de bateria e em preto e branco, mas que hoje, com a energia elétrica, tem
geladeira, televisão em cores, tanquinho e parabólica. Lembra que uma vez uma cascavel
entrou no barraco de lona no acampamento, e que eles tinham medo, mas que hoje a casa é de
tijolo e não entra mais bicho nenhum. Conta que começaram com três vacas, mas que hoje,
com o dinheiro do PRONAF, seu pai tem mais de duzentas cabeças de gado.
A diferença do acampamento pro assentamento, [é] que antigamente o
assentamento [acampamento] era feito de lona e quando as meninas ia lavá
roupa, tinha um córgo perto de casa, bem no meio da fazenda, tem o
córgo, e, geralmente, ia lá, tinha pedra lá e lavava as roupa.
Lavava roupa no rio?
É.
No córrego?
É, porque se não as mulheres pegava um pau assim, a tábua assim, e ficava
esfregando a roupa.
A tábua era o tanque?
388
É, ai também, era barraco de lona. Uma vez uma cascavel dormiu enrolada
na cabeceira da cama do meu pai.
O que ele fez?
Ele pegou né, quando ele levantou , tirou leite e a cascavel ficou enrolada,
ai deu o dia e ele viu a cascavel, ele tirou a cascavel, deu uma paulada na
cascavel no chão, e ele foi empurrando ela com o até lá fora, e pegou um
pedaço de pau e matô ela.
E agora no assentamento? Qual foi a mudança?
Agora tem energia pra lavá roupa, tirá leite, luz, porque, antigamente, era
na vela, e a gente lavava roupa na tábua, e agora é no tanquinho. Tem
geladeira, tem prateleira, cama e também a casa, que agora é casa de tijolo,
e agora não tem mais perigo de entrá cobra, nem rato, nem sapo e nem
nada.
Você gostava de morar no acampamento?
Gostava, mas que a gente ficava com medo de entrá cobra, sapo, coisa
assim, e picá, porque era escuro também. Tinha aquelas televisãozinhas,
porque a gente assistia na bateria.
Pegava mal?
Pegava, era preta e agora é televisão normal, tem antena parabólica e
televisão de cor.
Você queria ir muito para o assentamento? E seus pais?
Antigamente meu pai não tinha nada, ele montava no rodeio e ganhava
dinheiro montando no rodeio né, ganhava camionete, carro, moto e
dinheiro. Ele quebrou a costela, quebrou a perna e fraturou o braço, e ai
uma vez, ele ficou sabendo que tinha um assentamento [acampamento] e
meu avô falô pra ele, ai ele entrou, e deu umas cinco vacas pra ele, ai nóis
tirô leite. E agora entrou a terra e saiu dinheiro do PRONAF, e ai meu pai
foi trabalhando, trabalhando, e agora tem porco, tem mais de duzentas
cabeças de gado, tem uns quarenta cavalos, carrinho, porco e também já tem
água encanada lá. que meu pai também tem uma bomba, que
antigamente, a gente puxava é no braço.
Você sabe o tamanho de lá?
Sei, quatro alqueires para cada um.
E seu pai criando quantas cabeças de bois lá?
Duzentas, mas só que umas 50 cabeças de gado fica na fazenda [...]
O gado fica espalhado em outros locais?
É. Ai né, quando as vacas desmama, meu pai pede um carreto.... Carreto, é
R$50,00, o carreto e leva pra lá. Meu pai comprou uma mangueira, agora
fazendo a mangueira bem grandona, pra tirá leite, mas que é grande,
tem brete pra muntá, tem um calçador pra andá de cavalo, pra levá os
bezerro, pos bezerro mamá, porque senão no outro dia não leite. Ai, no
outro dia, nóis levanta, tira o leite e solta o gado. Ai, eu vou na escola, e dia
de sábado, sábado fica pastorando o dia inteiro, até seis hora da noite, e
domingo sou eu que fico, e no meio do dia, assim, e de segunda até quinta,
vai eu e outra gente.
Da mesma forma, temos o aluno Clistiano (2006), morador do assentamento
Regência, com grandes dificuldades de escrita e que por ser repetente recorda-se de muitos
fatos que ocorreram no acampamento e das mudanças para o assentamento. De forma
interessante ele conta que seu pai era empregado da fazenda Santo Antônio, que foi ocupada
pelo MST. Em sua fala aparece uma controvérsia, pois ele pensa que a ocupação significa que
389
o MST comprou aquela parte da fazenda. Ou seja, estar acampado para ele não é uma
ocupação para conquista da fazenda, mas para compra. Relata-nos ainda que quando chovia,
molhavam seus móveis e que tinham alguns barracos que chegavam a cair. Um detalhe
importante é a dificuldade de estudar que alunos acampados possuem, pois tem somente a luz
da vela para poder fazer sua tarefa. Isso significa que cabe a escola e ao professor entender a
realidade desses alunos antes cobrar um uniforme limpo e a tarefa feita.
Quando nóis morava lá [acampamento] meu pai trabalhava na fazenda que a
gente tava acampado, ai depois foi vendeu a fazenda, ai o MST comprou
uma parte, e nóis acampamos e assentamos agora, e agora começô a fazê
casa, tem quatro alqueires cada um.
Você tinha muita vontade de ir para o assentamento?
Tinha.
Era ruim o acampamento? Por quê?
Porque chovia, e quando chovia molhava os barracos né, e chovia muito,
chovia e molhava tudo os móveis, porque os barracos eram fininhos
assim, mas o barraco do meu pai era feito de pau.
Não caia?
Não, nóis, mas tinha alguns que caia.
O que mudou para o assentamento?
Mudou muita coisa fessor, casa de material [tijolo], energia também.
Como era para fazer tarefa no acampamento?
Era muito ruim, era... A luz de vela.
Com a luz melhorou? Agora dá pra estudar melhor?
É.
Como falamos, constatamos por meio das falas dos alunos que predomina
em Paulicéia a criação de gado. No caso dos assentamentos, vemos que domina, sobretudo, o
gado leiteiro, cuja produção é vendida, principalmente para a indústria de leite pasteurizado
Brancão localizada em Tupi Paulista, aproximadamente 40 km de Paulicéia, que é vendido em
toda a região
149
. Porém, apesar do predomínio da criação, percebemos também a presença da
agricultura diversificada (a policultura), ou seja, o binômio gado-roçado.
Este aumento da presença do gado na agricultura camponesa se deve ao fato
de que para garantir a estabilidade do plano real, o presidente FHC lançou um controle de
preços sobre a cesta sica e como são os camponeses que produzem a maior parte dos
149
Neste caso, notamos a subordinação da renda camponesa ao capital nacional, mesmo que seja um capitalista
que também teme as gandes corporações do setor alimentício como a Parmalat, a Nestlé etc., se reproduz devido
a capturação de parte da renda camponesa. Como discutimos anteriormente é o mecanismo de produção de
capital por meio de relações não capitalistas e significa a monopolização do território pelo capital. É este
processo contraditório do capital, sem excluir a luta pela/na terra dos sujeitos, que permite a reprodução do
campesinato em Paulicéia.
390
alimentos que consumimos, eles foram os mais atingidos. Daí a necessidade de terem-se
fontes alternativas de produção.
É interessante lembrar que parte significativa da estabilidade do Plano Real,
no governo FHC, se deveu à chamada âncora verde que basicamente
restringiu controle da inflação à cesta básica. Sabendo-se que os
camponeses são os principais produtores de alimentos, pode-se ter uma
noção de quanto formam afetados por essa situação de controle de preço.
(ALMEIDA, 2006a, p.283).
Para Almeida, é na busca da manutenção de sua reprodução, funcionando
como mecanismo de defesa e reserva que está a explicação do aumento da criação do gado e
diminuição da lavoura nos assentamentos. Portanto, é mais uma das estratégias que a
criatividade camponesa construiu com seus saberes para permitir que classe camponesa
continue existindo. Neste sentido, não tem a intenção de reprodução de capital, mas de
reprodução de sua condição social de camponês. Garantindo que nas épocas de crise a venda
do gado consiga fazer com que eles paguem as dívidas e, assim, não seja expropriado. Nesta
lógica, a criação do gado é uma defesa contra a expropriação do capital.
[...] A presença do gado nos assentamentos e, em muitos casos, a
diminuição da lavoura comercial são algo crescente e irreversível, apesar de
entendermos que essa estratégia se inscreve na lógica da busca de equilíbrio
da unidade de produção camponesa, agindo muitas vezes como mecanismo
de defesa/reserva.
[...] o gado funcionava como mecanismo de reserva, como estratégias para
melhoria das condições de existência da unidade familiar [...] para o
campesinato o gado tem função de garantir a reprodução do grupo familiar,
porque, para ele, acumulação tem sentido de melhoria das condições de
vida, situação esperada por qualquer grupo social, caso contrário, seria
idealismo. (ALMEIDA, 2006a, p.284-285).
Portanto, o gado e a lavoura formariam o binômio roça-criação no qual se
caracteriza a produção camponesa. Essa relação é tão estreita que não há como separar
agricultores e criadores, pois a produção camponesa é a união dessa relação. Dessa forma, o
gado seria uma espécie de poupança a ser usada nos momentos de crise. Tendo dupla função:
podendo ser usado como forma de renda ou como alimentação.
A criação tem como função garantir a reprodução do grupo familiar e o
propiciar a acumulação capitalista (aprovação do sobre-trabalho de outrem).
É também uma espécie de poupança para os dias menos afortunados, pois
391
ela permite uma certa garantia de consumo e renda monetária. Ela teria, por
essa perspectiva, um papel complementar à lavoura, tanto no sentido do
consumo direto como de renda monetária para a família, derivando dessa
lógica a não-classificação, ou melhor, a não-separação agricultores e
criadores. [...] o estranhamento em relação ao termo pecuária não se trata de
uma irracionalidade, mas dá-se pelo fato de que a atividade pecuária se liga
a idéia da grande propriedade, enquanto a criação é um componente básico
da reprodução camponesa, espécie de binômio roça-criação.
(WOORTMANN apud ALMEIDA, 2006a, p.285-286).
Por isso, para Almeida “[...] é necessário discutirmos outra distinção presente
na fala dos assentados: o uso do termo criação no lugar de pecuária”. (2006a, p.285). Isto
porque para o camponês a palavra criação tem um significado diferente daquele usado pelos
técnicos do Estado, para estes últimos a criação é sinônima de pecuária leiteira e, portanto, de
reprodução do capital. Logo, por não entender os mecanismos de reprodução camponesa
tentam impor a racionalidade capitalista ao campesinato.
[...] por parte dos assentados entrevistados, é constante o uso do termo
criação para referir-se à aquisição de gado leiteiro, situação inversa quando
a questão é o preenchimento do PSA pelos técnicos, porque se utiliza
pecuária leiteira. [...] muitas vezes escondidas no slogan da viabilização da
“reforma agrária”, em que a pecuária tem aparecido como a possibilidade de
aumento da renda familiar por parte dos assentados; logo, o termo tem sido
empregado como possibilidade de acumulação. Mas não é este
necessariamente o conteúdo que orienta os assentados quando fazem
“opção” pelo financiamento para aquisição de vacas leiteiras ou na compra
do gado branco. Podemos dizer que os relatos têm revelado outra função
para a criação, a de reprodução camponesa. (ALMEIDA, 2006a, p.284).
Inerente ao binômio roça-criação está à prática da policultura, como aparece
na fala da aluna Tainara (2006), ela revela que hoje no assentamento Regência seu pai planta
cana, arroz, algodão e colorau. Com a chegada da usina, são os assentamentos que resistem na
prática da policultura. Em suas palavras: “Onde eu moro meu pai planta cana e arroz e
algodão e colorau, e depois tem cana desse lado, e colorau do outro, que plantou. [...]”.
A policultura aparece de forma incontestável nessa redação do estudante-
camponês Hélton: tem árvores, flores, tem de manga, caju, coco, siringuela, pocam,
romã, amora, mamão, milho, cana, napie, coloral, castanheira, mandioca e canilha do brego
[caninha do brejo] [...]”. (morador do assentamento Santo Antônio, 10 anos, 2007).
Veja também o que a estudante-camponesa nos escreve a respeito da
heterogeneidade da paisagem em seu território: “Lá tem árvores, flores, tem pé de goiaba e de
392
coloral, seriquela, jabuticaba, laranja, limão, mandioca, caninha do trejo [brejo] [...].
(Tatiane, moradora do assentamento Santo Antônio, 10anos, 2007).
Com a instalação da usina Caeté no município de Paulicéia, o campo está se
transformando num “mar” de cana. Sendo assim, é a produção diversificada camponesa que
resiste a monocultura e a homogeneização da paisagem. Os agroecossistemas simplificados
não servem para a reprodução camponesa, pois não possui a pluralidade de elementos que
permitem ao camponês a defesa, a reserva, a subsistência etc., fundamentais ao equilíbrio da
unidade familiar camponesa. Daí a diferença dos camponeses em relação ao agronegócio
latifundiário que produz a destruição da sociobiodiversidade, enquanto a produção camponesa
propicia a sua reprodução. Nessa policultura camponesa sempre observamos a presença de
milho, mandioca, cana e napier, pois com estes produtos para alimentar o gado e, com
exceção do napier, se alimentar.
7.11 Ouvindo os docentes da escola EMEF Raquiel Jane Miranda no município de
Paulicéia em 2005
Para Miguel Arroyo (2000) os professores são portadores de um ofício que é
um saber-fazer específico, relacionado a um saber profissional qualificado que engloba um
conjunto de segredos e saberes, logo somente com o aprendizado destes saberes o trabalho em
sala de aula pode ser realizado. Por isso, o ofício de mestre deve ser carregado de uma
identidade de orgulho, como os artesões do passado. Tendo em vista que a tecnologia e o livro
didático não superam a artesanalidade inerente as relações educativas de acompanhamento e
condução dos processos de socialização, formação e aprendizagem dos educandos. A
tecnologia não é capaz de superar a perícia dos mestres de ofício
Nesta perspectiva, segundo Fernando Hernandes (1998) não ocorrerá
mudanças significativas no ensino se não houver o reconhecimento da importância do
professor e se não forem modificadas as suas condições de trabalho, pois estas condições
atuais não são motivos de orgulho e comemoração, mas sim de raiva, lamento e pena.
Esta mudança com relação aos professores é um aspecto imprescindível,
tendo em vista que os professores são os profissionais responsáveis por dirigir o processo de
ensino-aprendizagem em sala de aula, isto quer dizer que possuem uma extraordinária
responsabilidade na produção de uma educação transformadora que trabalhe com realidade de
seus educandos.
393
Precisamos, por isso, de professores comprometidos com o processo de
humanização de camponeses, trabalhadores, oprimidos, excluídos, crianças e jovens. É o
olhar pedagógico sobre os seres humanos se tornando sujeitos sociais. É o que Arroyo (2000)
denominou de “humana docência”, ou seja, “precisamos ensinar e aprender a ser humanos”.
Uma proposta freireana de considerar o educando bem mais que um simples aluno, mas um
ser humano inserido em uma comunidade escolar.
Daí a importância da nossa prática docente não reproduzir a sociedade
estratificada/injusta/discriminatória capitalista, nem para os trabalhadores da educação e nem
para os educandos das camadas subalternas (ARROYO, 2000). Entretanto, para atingir os
nossos objetivos, precisamos ter lecionando na Educação Básica professores envolvidos com
o processo de transformação social e que não sejam manipulados pelos meios de
comunicação. Se o contrário ocorrer, não como a escola formar um cidadão crítico,
porque...
O educador democrático não pode negar-se o dever de, na sua prática docente,
reforçar, capacidade crítica do educando, sua curiosidade, sua insubmissão.
[...].
Faz parte de sua tarefa docente não apenas ensinar os conteúdos, mas também
ensinar a pensar certo. (FREIRE, 1999, p.28-29).
Paralelo a este envolvimento com a transformação social, o professor
necessita ter uma formação de qualidade para que possa dirigir, de maneira adequada, o
processo de ensino-aprendizagem. No entanto, a realidade não é esta, visto que os professores,
normalmente, possuem uma formação acadêmica deficiente nas disciplinas específicas.
Situação muito bem retratada por Straforini: “Sabemos que grandes lacunas na formação
dos professores primários dentre as quais se destacam a quase nula formação teórico-
conceitual das disciplinas de História, Ciências (Biologia, Física e Química) e, [que] nos
interessa, na Geografia. [...]”. (2004, p.78).
Concordamos com Straforini que na educação o professor deve ter o domínio
dos paradigmas teórico-metodológicos das disciplinas específicas, além do domínio das
teorias pedagógicas. Pois, assim, uma ciência pode se sustentar, de maneira plena, como
disciplina. Logo, é fundamental que os professores das séries/anos iniciais dominem as
concepções teóricas da geografia para que possa lecioná-la às crianças de maneira satisfatória.
Isso quer dizer que as universidades e o poder público precisam refletir acerca dessa questão.
Em suas palavras:
394
Acreditamos que uma disciplina escolar só se sustenta e toma corpo quando
ele se fundamenta teórica-metodológica e epistemologicamente na própria
disciplina e nas teorias educacionais, ou seja, na psicologia da
aprendizagem e do desenvolvimento. A busca dessa fundamentação exigirá
um grande esforço dos professores das séries iniciais, das escolas,
faculdades públicas e particulares e do Estado, nos seus níveis federal,
estadual e municipal, representado pelas secretarias de educação e suas
repartições. (2004, p.78).
Neste sentido, precisamos compreender a realidade do professor que, no
caso de nossa pesquisa, leciona no Ensino Fundamental. Antes de discutirmos a nossa
pesquisa, vamos às insatisfações registradas por Pontuschka (1999, p.128) nos encontros com
professores da rede: a ineficácia do ensino da geografia na formação do estudante, o livro
didático como única fonte de estudo e livros didáticos produzidos para atender os interesses e
lucros das editoras levando os alunos a formar conceitos não compatíveis com as
transformações que se davam na ciência geográfica.
Por isso, “a grande maioria dos professores da rede de ensino sabe muito
bem que o ensino atual da geografia não satisfaz nem ao aluno e nem mesmo ao professor que
ministra”. (OLIVEIRA, 1994b, p. 137).
Quanto ao livro didático, na qual é uma das reclamações dos professores da
Educação Básica, este se tornou uma grande fonte comercial, pois se criou a chamada
“indústria do livro didático”. Devido a este fato, quem se tornou a maior vítima foram os
professores, visto que estes livros didáticos, devido à formação dos professores, e a carga
horária “sufocante” que subtrai boa parte do tempo do professor, se tornaram a única fonte de
informação para o professor lecionar, ou seja, a sua “bíblia”. Todavia, como estes livros
didáticos possuem um forte caráter comercial, o uma preocupação em se produzir algo,
cientificamente, consistente. Abarrotado de erros e, portanto, sem qualidade, este passou a
caracterizar, infelizmente, a geografia que se ensina hoje.
Esse quadro abriu espaço para que a chamada “indústria do livro didático”
ganhasse terreno. Foram, seguramente, os professores as vítimas deste
processo. O livro didático tornou-se a “bíblia” dos professores e nem
sempre as editoras colocaram no mercado livros com um mínimo de
seriedade e veracidade científicas. A grande maioria contém erros
grosseiros, cuja identificação certamente daria para escrever um livro. É
este material, sem qualidade aferida ou ratificada pelos círculos acadêmicos
das universidades e pelos professores da rede oficial, que se tem
transformado no definidor da “geografia que se ensina”. É ele que tem sido
caracterizado e caracteriza o que é geografia. (OLIVEIRA, 1994b, p. 137).
395
Por conseguinte, é a deficiente qualidade da formação do professor que tem
levado este não ter condições de refletir criticamente acerca do livro didático, acreditando ser
responsabilidade dos órgãos competentes a aprovação dos livros didáticos, ou seja, confiando
que se o livro foi aprovado é porque o material possui condições científicas e didáticas para
ser utilizado em sala de aula:
O professor de geografia (ou de estudos sociais) não tem tido condições, na
maioria das vezes, para se formar dentro de um processo crítico que lhe
permita também tornar-se um verdadeiro “juiz crítico” do livro didático.
Passou, portanto, a ser vítima deste, partindo de uma premissa nem sempre
verdadeira: “Se está publicado é bom, e está correto o que aí aparece
escrito”. [...]. (OLIVEIRA, 1994b, p. 138).
Neste sentido, vamos procurar refletir a respeito do que pensam os
professores das séries/anos iniciais do Ensino Fundamental no município de Paulicéia a
respeito do ensino da geografia e da questão agrária, bem como procurar compreender como
foi a sua formação inicial e como está sendo a sua formação continuada, ou seja, suas fontes
de informações atuais. Sendo assim, por meio de um questionário semi-estruturado
entrevistamos seis professores, dos 13 professores
150
efetivos que estão lecionando nas séries
iniciais do Ensino Fundamental na escola Raquiel Jane Miranda. Realizamos com eles um
questionário composto com 17 questões em novembro de 2005. O resultado destas entrevistas
será apresentado por meio de tabelas.
A fim de sabermos a opinião dos professores a respeito do ensino da questão
agrária nas séries inicias, perguntamos: “Qual é a importância do ensino da geografia agrária
para os alunos do 2º ciclo das séries iniciais?”. Percebemos pela Tabela 38 que os professores
admitem a importância do estudo da questão agrária nas séries iniciais. Apenas uma resposta
não condiz, especificamente, com o estudo da questão agrária, é aquela que aponta para o
entendimento do presente, passado e futuro.
150
Esse total dá uma média de 46% dos professores efetivos entrevistados. Lembrando que não estamos
contando com os professores da EJA e nem com os professores afastados do cargo.
396
Tabela 38 - A importância do ensino da geografia agrária para os alunos do 2º ciclo das
séries/anos iniciais
Respostas Total
Compreensão do meio em que vivem e suas transformações 2
Entender as questões sócio-econômicas 1
Conhecer a questão agrária e desde as séries iniciais 2
Entender o presente, o passado e o futuro 1
Fonte: Pesquisa com os professores da EMEF Raquiel Jane Miranda, 2005. Org.: Camacho, R.S.
Para que os professores diga qual é a dificuldade de estar ensinando esse
conteúdo em sala de aula, perguntamos: “Quais são as dificuldades encontradas para que
ocorra a aprendizagem desse conteúdo no ciclo das séries iniciais (3ª e série)?”.
Percebemos pela Tabela 39 que eles reconhecem como maior dificuldade para o ensino deste
conteúdo o despreparo do professor durante sua formação acadêmica. Em segundo lugar, a
falta de material didático adequado. Isso confirma a nossa análise de que os professores não
estão recebendo uma boa formação e que os livros didáticos não conseguem auxiliá-los nesta
tarefa. Pois em se tratando da questão agrária e da Educação do Campo os livros didáticos
aprovados pelo MEC, e a formação inicial dos professores, ainda deixam a desejar quanto à
possibilidade de instrumentalizar o professor para o seu trabalho em sala de aula. Somente
uma professora considera que esse conteúdo se torna difícil de ser ensinado devido à
imaturidade dos alunos, o restante dos professores considera que o problema principal não é
esse.
Tabela 39– As dificuldades encontradas para que ocorra a aprendizagem da questão agrária no
2º ciclo das séries iniciais
Resultados Total
Falta de conhecimento dos professores, sobre o assunto, em sua formação
acadêmica
3
Falta de preparo dos professores e de material didático que facilite o trabalho
docente
2
Falta de maturidade dos alunos 1
Fonte: Pesquisa com os professores da EMEF Raquiel Jane Miranda, 2005. Org.: Camacho, R.S.
Na Geografia Tradicional a questão agrária nunca teve a importância
merecida e sempre foi tratada, ideologicamente, de maneira supostamente “neutra” porque na
essência era reprodutora dos mecanismos de opressão. Por isso, perguntamos aos professores:
“Atualmente, o conteúdo de geografia agrária permite a formação de um aluno crítico?”. A
397
Tabela 40 mostra que a maioria dos professores acredita que a principal questão para se
realizar um ensino de geografia agrária que permita a reflexão crítica está na metodologia
utilizada pelo professor em sala de aula e não no conteúdo. Concordamos parcialmente com
esta afirmativa, tendo em vista que um conteúdo crítico com uma metodologia de ensino-
aprendizagem tradicional/positivista não traz mudanças efetivas na sociedade, pois não passa
da memorização de conceitos, sem significados na prática cotidiana do aluno. Entretanto, uma
metodologia progressista, construtivista, emancipatória que permita ao aluno construir o seu
conhecimento com autonomia, tendo, do outro lado, uma abordagem de conteúdo tradicional,
ideologicamente neoliberal, não consegue explicar a realidade de maneira plena para
instrumentalizar o aluno a agir na sua realidade socioespacial de forma emancipatória. Não
permite que o oprimido compreenda quem são os opressores e suas estratégias de opressão
para a construção de uma ruptura estrutural, de maneira coletiva, por intermédio da educação.
Tabela 40– Opinião dos professores se atualmente o conteúdo de geografia agrária permite a
formação de um aluno crítico
Respostas Total
A questão principal não está no conteúdo e, sim, na metodologia
aplicada pelo professor
4
Com certeza 1
Não 1
Fonte: Pesquisa com os professores da EMEF Raquiel Jane Miranda, 2005. Org.: Camacho, R.S.
Sabendo que não nenhum professor das séries/anos iniciais do Ensino
Fundamental no município de Paulicéia que tem formação em geografia, se faz necessário
entender qual é a visão destes profissionais formados em pedagogia e em outras áreas acerca
do objeto de estudo da geografia. Por isso, perguntamos aos professores: “Na sua concepção
qual é o objeto de estudo da ciência geográfica?”. Pelas respostas apresentadas na Tabela 41,
podemos dizer que existe, de forma geral, um conhecimento razoável em todas as respostas.
Notamos que são conceitos que tem como pressuposto teórico os PCN’s, daí a importância
que esses documentos adquiriram como principal referência teórica do professor.
398
Tabela 41 - O objeto de estudo da ciência geográfica segundo os professores
Respostas Total
As mudanças que acontecem na paisagem, resultantes das ações humanas; as
modificações do ser humano na natureza e no espaço; a interação do homem
no espaço geográfico, as relações sociais e econômicas
4
O espaço físico e a relação do meio natural com os grupos sociais
1
Estudo do espaço, território e paisagem 1
Fonte: Pesquisa com os professores da EMEF Raquiel Jane Miranda, 2005. Org.: Camacho, R.S.
Concebemos que hoje no Brasil não podemos discutir a questão agrária sem
refletirmos a respeito dos movimentos sociais do campo. Por isso, entendemos ser
fundamental para construirmos uma educação transformadora que os professores conheçam a
essência dos movimentos sociais do campo que, na verdade, é a antítese do que apresenta o
discurso ideológico neoliberal dos meios de comunicação de massa. Neste sentido, é mister
que os professores tenham acesso a informações acerca dos movimentos sociais para além
desses discursos ideológicos que tentam destruir os movimentos sociais. Pois, é preciso, em
sala de aula, desconstruir esses discursos da mídia para a construção de uma consciência
libertadora por meio da educação. Por isso, a fim de sabermos de onde vem a fonte de
informação dos professores a respeito dos movimentos sociais, perguntamos: “Que
informações você possui a respeito dos movimentos sociais do campo?”. Infelizmente, como
percebemos pela Tabela 42, é unânime a posição de que as únicas informações que os
professores têm a respeito dos movimentos sociais são as informações divulgadas pela mídia.
Podemos então levantar a séria hipótese de que os professores não conhecem na essência a
realidade dos fatos. Logo, o ensino crítico, nesse caso, acaba limitado, principalmente, devido
à realidade socioespacial na qual os alunos da escola pública estão inseridos, qual seja a vida
em acampamento e assentamentos.
Todavia, é necessário ressaltar que o professor não é o único culpado pela
desinformação, é necessário que os cursos superiores, principalmente na área de pedagogia
que prepara para a atuação do professor nas séries/anos iniciais, e os cursos de licenciaturas
em geral, comecem a repensar seu currículo, adequando-o a realidade local. Para que os
professores entendam a importância de construir, junto com os alunos-sujeitos do campo, uma
reflexão acerca da questão agrária no Brasil. Comecem a pensar, também, a respeito da
necessidade de efetivação em sala de aula da Educação do Campo. É imperativo que os
professores tenham condições de ter acesso a informações alternativas às que são impostas
pelo modelo socioeconômico capitalista. Caso contrário, os professores continuarão sendo
399
vítimas bombardeadas pelas informações dessa mídia burguesa, sem chances de se defender,
visto que não tiveram uma construção teórica sólida a respeito do assunto.
Tabela 42 - Informações que os professores possuem a respeito dos movimentos sociais do campo
Respostas Total
Pouco, apenas as informações divulgadas pelos meios de
comunicação
6
Fonte: Pesquisa com os professores da EMEF Raquiel J. Miranda, 2005. Org.: Camacho, R.S.
Concebemos que a Geografia Crítica foi o nome dado à construção de uma
geografia fundada por geógrafos, principalmente marxistas, que se iniciou simbolicamente em
1978. Logo teria que haver, por parte dos professores, o conhecimento a respeito dessa
corrente da geografia. Por entendermos ser essa a corrente teórica que consegue explicar o
real - pois a dialética materialista é um método revolucionário, capaz de auxiliar na
construção de outra realidade - resolvemos perguntar aos professores: “Qual é o seu
conhecimento a respeito da Geografia Crítica?”. Com essa pergunta queríamos saber o que os
professores das séries iniciais conheciam a respeito do assunto. Percebemos por meio da
Tabela 43 que os professores nunca ouviram falar, ou nunca leram, nada sobre a Geografia
Crítica. Apenas uma professora respondeu, parcialmente, sobre o assunto, deduzindo que a
Geografia Crítica se opõe à Geografia Tradicional.
Isto significa que os professores conhecem apenas a geografia descrita no
PCN, e como foi discutido anteriormente, este documento comete uma série de equívocos
teórico-metodológicos, pois, apesar da opção pelo subjetivismo e a fenomenologia, os autores
utilizam vários métodos, inclusive o positivismo e o marxismo, fazendo na verdade um
ecletismo que mais atrapalha do que ajuda o entendimento da geografia. Desta forma,
constatamos o tamanho do desencontro, pois o debate da Geografia Crítica apesar de estar
consolidado na academia, inclusive para alguns teóricos já ultrapassado, sequer chegou aos
professores da Educação Básica. É fundamental então pensar formas do conhecimento acerca
da Geografia Crítica chegar aos professores do Ensino Fundamental, para que esta discussão
não fique “aprisionada” somente com os intelectuais e pesquisadores da academia.
400
Tabela 43 – O conhecimento dos professores a respeito da Geografia Crítica
Respostas Total
Pouco 3
Nenhum 1
Que crítica e aponta soluções 1
É a geografia num enfoque diferente do tradicional 1
Fonte: Pesquisa com os professores da EMEF Raquiel J. Miranda, 2005. Org.: Camacho, R.S.
Como a proposta de se trabalhar o ensino da geografia agrária nas séries
iniciais não é de fazê-la de maneira isolada, e sim, de maneira interdisciplinar - pois temos
que conceber o conhecimento como uma totalidade, pois a realidade é uma totalidade, fruto
de múltiplas relações - por isso, perguntamos aos professores: “Como pode ser trabalhada a
interdisciplinaridade a partir do conteúdo de geografia agrária?”. Como o assunto é
pedagógico, e não específico da geografia, os professores demonstraram maior domínio do
assunto como podemos ver na Tabela 44. E concordam que há possibilidade e necessidade
do trabalho integrado a outras disciplinas, sempre partindo da realidade concreta desses
alunos.
Tabela 44 - Como trabalhar a interdisciplinaridade a partir do conteúdo de geografia agrária
Respostas Total
Relacionando a geografia com as outras disciplinas, sempre
partindo do concreto
5
Através de projetos, envolvendo: textos informativos,
teatralizações, maquetes etc.
1
Fonte: Pesquisa com os professores da EMEF Raquiel Jane Miranda, 2005. Org.: Camacho, R.S.
Segundo algumas pesquisas a geografia ainda continua sendo ensinada em
sala de aula de maneira descontextualizada e de maneira insatisfatória. Neste sentido,
decidimos ouvir à opinião dos professores a respeito dessa afirmação. Assim, perguntamos:
“Você concorda com a afirmação: a geografia agrária está sendo ensinada nas escolas de
maneira descontextualiza e insatisfatoriamente’? Justifique”. Tendo em vista os resultados
contidos na Tabela 45, podemos refletir acerca das respostas concluindo que, para a maioria,
os professores não estão realmente preparados para ensinar este conteúdo, como havíamos
relatado. Para alguns, esta afirmação varia dependendo a escola, ou seja, diferenças e elas
estão ligadas às condições de trabalho dos professores. Logo, devemos pensar formas de
instrumentalizar os professores para que se sintam preparados para trabalhar a questão agrária
em sala de aula, de maneira contextualizada e completa.
401
Tabela 45 - A opinião dos professores a respeito da descontextualização da geografia agrária
ensinada nas escolas
Respostas Total
Sim, pois os professores não estão preparados para ensinar este
conteúdo
4
Parcialmente, pois isto depende da escola. Porém, cada dia que passa
se trabalha mais com a realidade do aluno
2
Fonte: Pesquisa com os professores da EMEF Raquiel Jane Miranda, 2005. Org.: Camacho, R.S.
A partir da Tabela 46, podemos confirmar a idéia de que os professores
sabem a origem dos alunos, faltando talvez entender que é possível ensinar geografia a partir
desta realidade. Vejamos a opinião dos professores quando perguntarmos: “Podemos afirmar
que a questão agrária faz parte da realidade dos nossos alunos?” Notamos que todos os
professores concordam que a questão agrária faz parte da realidade dos alunos da escola. Falta
então entender que a geografia que se ensina pode e deve trabalhar de forma diferenciada e
contextualizada a realidade desses alunos.
Tabela 46 - Quantidade de professores que acreditam que a questão agrária faz parte da
realidade dos alunos de Paulicéia.
Respostas Total
Sim 6
Fonte: Pesquisa com os professores da EMEF Raquiel Jane Miranda, 2005. Org.: Camacho, R.S.
Para investigar a afirmação de que os professores não estão recebendo a
formação necessária para trabalhar a questão agrária em sala de aula, perguntamos aos
professores: “O que aprendeu sobre a questão agrária em sua formação acadêmica?”.
Concluímos, observando a Tabela 47, que nenhum professor aprendeu realmente o necessário
sobre a questão agrária em sua formação universitária. Sendo que para alguns essa questão
nem foi abordada. Dessa maneira, o professor fica impossibilitado de trabalhar esse tema em
sala de aula de maneira plena. Mostrando que a questão agrária está sendo ensinada a-
criticamente e de forma superficial, num momento tão importante da vida das crianças,
principalmente as crianças oriundas do campo onde o lugar de morada é seu ponto de
referência. Evidenciando que precisa haver uma mudança no Ensino Superior para que ocorra
uma mudança, também, na Educação Básica.
402
Tabela 47 - O que os professores aprenderam sobre a questão agrária em sua formação
acadêmica
Respostas Total
Muito pouco 3
Essa questão não foi abordada 1
Nada, só aprendi sobre paisagens e cartografia 1
Agricultura como fonte de riqueza para o país 1
Fonte: Pesquisa com os professores da EMEF Raquiel Jane Miranda, 2005. Org.: Camacho, R.S.
Tendo em vista que os ciclos iniciais visam, sobretudo, a alfabetização e o
ensino das quatro operações fundamentais, muitos professores consideram as outras
disciplinas como menos importantes, por isso a fim de conhecermos a opinião dos professores
a respeito desse assunto, perguntamos: “Você considera esse conteúdo menos importante do
que os outros conteúdos ensinados em língua portuguesa e em matemática? Por quê?”.
Felizmente percebemos que todos professores acham o conteúdo de geografia tão importante
quanto os outros conteúdos, mas quando trabalhado de forma interdisciplinar (Tabela 48). O
que concordamos plenamente.
Tabela 48 - A opinião dos professores a respeito da importância do conteúdo de geografia,
comparado com o de língua portuguesa e o de matemática
Respostas Total
Não, porque se trabalhada de forma interdisciplinar,
elas se completam
6
Fonte: Pesquisa com os professores da EMEF Raquiel Jane Miranda, 2005. Org.: Camacho, R.S.
Sendo os PCN’s a principal fundamentação teórica dos professores, e sendo,
também, os PCN’s e a LDB os documentos oficias da nossa educação, a fim de saber o
conhecimento dos professores acerca de como os PCN’s e a LDB tratam a questão agrária,
perguntamos: “Você conhece como é tratado esse assunto pelos PCN’s e pela LDB?”. A
Tabela 49 indica que a maioria dos professores sabe superficialmente como a questão agrária
é tratada nos PCN’s e na LDB, ou seja, não o suficiente para que possa refletir criticamente
sobre o assunto.
Tabela 49 - Conhecimento dos professores de como é tratada a questão agrária pelos PCN’s e
pela LDB
Respostas Total
Sim 1
Não 1
Superficialmente 4
Fonte: Pesquisa com os professores da EMEF Raquiel Jane Miranda, 2005. Org.: Camacho, R.S.
403
Com o intuito de aprofundarmos a opinião dos professores a respeito do PCN
de geografia perguntamos: “Que pontos positivos e que pontos negativos você pode apontar
na abordagem do PCN sobre a questão agrária?”. A Tabela 50 mostra que dois professores
não quiseram responder por desconhecer o assunto. Em relação aos pontos positivos, a
maioria dos professores acredita que o PCN trata essa questão de maneira crítica e a partir da
realidade do aluno. Quanto aos pontos negativos, um professor acha que, ao contrário, o
conteúdo não é adequado a realidade dos alunos. Porém, nenhuma resposta tocou na questão
teórico-metodológica presente no PCN. Mostrando que os professores não tem tido contato
com reflexões acerca das críticas ao PCN de geografia, por exemplo.
Tabela 50 - Pontos positivos e pontos negativos da abordagem dos PCN’s acerca da questão
agrária
Pontos
Positivos
Total Pontos
Negativos
Total Respostas
(Abstenções)
Total
Enfoca a
realidade do
aluno com
uma
abordagem
crítica.
3
Está fora da realidade do
aluno.
1
Não conheço
suficientemente o
assunto para
expressar minha
opinião.
2
Serve como
Parâmetro.
1 Muitos tópicos para um
curto espaço de tempo.
1
Falta suporte técnico para
trabalhar de forma
interdisciplinar.
2
Fonte: Pesquisa com os professores da EMEF Raquiel Jane Miranda, 2005. Org.: Camacho, R.S.
Para sabermos a opinião dos professores sobre como aprimorar seu
trabalho em sala de aula, perguntamos: Como voavalia sua prática docente? Pela Tabela
51 avaliamos que a maioria dos professores acredita que sua prática docente é boa, mas
concordam que é preciso ler mais e se aperfeiçoar para conseguir trabalhar melhor e de forma
interdisciplinar.
404
Tabela 51 - Como os professores avaliam sua prática docente
Respostas Total
Ainda falta aprimorar mais meus conhecimentos, mas estou
sempre lendo e buscando trabalhar com a realidade do aluno de
forma interdisciplinar
2
Boa, busco sempre me aperfeiçoar e trabalhar de forma
interdisciplinar
4
Fonte: Pesquisa com os professores da EMEF Raquiel Jane Miranda, 2005. Org.: Camacho, R.S.
Um dos problemas educacionais brasileiros é a falta de formação dos
professores, a fim de analisar se existe esta problemática no município de Paulicéia
indagamos: “Quais cursos você concluiu?”. E podemos avaliar, analisando a Tabela 52, que
não existe esse problema em Paulicéia, pois todos os professores possuem uma formação
específica para trabalhar com os ciclos iniciais e possuem nível superior
151
. Isso quer dizer
que se existe um problema de compreensão a respeito da questão agrária, este problema está
na própria formação dos professores
152
, aqui a questão parece ser mais de qualidade do que de
oportunidade de fazer cursos. Esse resultado mostra à necessidade de se repensar a formação
acadêmica dos professores.
Tabela 52 - Cursos concluídos pelos professores
Cursos Total
Magistério e pedagogia 2
Magistério e ciências contábeis 1
Magistério e economia 1
Magistério; normal superior; ciências e matemática; especialização
em didática
1
Magistério; normal superior e educação artística 1
Fonte: Pesquisa com os professores da EMEF Raquiel Jane Miranda, 2005. Org.: Camacho, R.S.
A fim de ouvir a opinião dos professores a respeito da pesquisa que
desenvolvemos pedimos a eles: “Escreva sugestões e críticas a respeito da pesquisa
elaborada”. Por meio da Tabela 53, observamos que 50% dos professores acharam as
151
Apesar de haver dois professores que não tem formação em nível superior específica para os anos iniciais do
Ensino Fundamental, se contarmos apenas com os quatro professores formados em pedagogia teremos uma
amostra de 30% dos professores efetivos da escola.
152
Todavia, não podemos deixar de considerar a formação continuada e as condições salariais e de trabalho, em
geral precárias, nas quais se encontram submetidos os professores do Brasil inteiro, situação que diminui a
possibilidade de continuarem se atualizando.
405
perguntas difíceis, pois não conheciam o assunto. Os outros 50%, acharam as questões bem
elaboradas e de acordo com a realidade dos professores.
Tabela 53 - Sugestões e críticas dos professores a respeito da pesquisa elaborada
Respostas Total
Achei complicada e difícil, pois não tinha conhecimento sobre o assunto 3
Achei interessante, as questões foram bem elaboradas, de modo a proporcionar
um retrato claro do pensamento e ação docente
3
Fonte: Pesquisa com os professores da EMEF Raquiel Jane Miranda, 2005. Org.: Camacho, R.S.
Em relação ao grau de dificuldade das questões, na opinião dos
professores, como podemos observar na Tabela 54, a maioria dos professores avaliaram as
questões como difíceis.
Tabela 54 - Opinião dos professores a respeito do grau de dificuldade das perguntas
Respostas Total
Fáceis 2
Difíceis 4
Fonte: Pesquisa com os professores da EMEF Raquiel Jane Miranda, 2005. Org.: Camacho, R.S.
Entretanto, apesar da maioria dos professores acharem as questões difíceis,
como podemos perceber na Tabela 54, todos também consideraram as questões significativas.
Mostrando assim, a importância da pesquisa na opinião dos sujeitos-professores entrevistados
(Tabela 55).
Tabela 55 - Opinião dos professores a respeito da importância das perguntas do questionário
estruturado
Resposta Total
Significativas 6
Sem-importância 0
Fonte: Pesquisa com os professores da EMEF Raquiel Jane Miranda, 2005. Org.: Camacho. R. S.
406
7.12 Ouvindo os docentes da escola EMEF Raquiel Jane Miranda no município de
Paulicéia em 2006
A intenção dessa pesquisa é reforçar alguns pontos questionados na
entrevista de 2005, sendo que nesta investigação de 2006 estamos contando com uma
porcentagem maior de entrevistas. Nesta segunda fase, decidimos por entrevistar professores
efetivos e contratados que lecionam nas séries iniciais do Ensino Fundamental na escola
Raquiel Jane Miranda. Dos 17 professores da escola, entrevistamos 14 docentes, ou seja, 82%
dos professores da escola. Outro objetivo é levantar algumas questões que não foram
contempladas na pesquisa de 2005, como as informações que os professores possuem a
respeito da Educação do Campo.
Vamos aproveitar para lançar algumas reflexões acerca da formação dos
professores em faculdades particulares, tendo em vista que quase todos os professores
entrevistados são formados em instituições privadas. Isto é o retrato no Brasil, de forma geral,
a maioria dos professores que lecionam na Educação Básica tem uma formação superior em
instituições privadas.
Segundo o professor Roberto Leher, se calcularmos o gasto com educação no
Brasil desde a Educação Infantil ao Ensino Superior, não se gasta 3,5% do PIB nacional, ou
seja, um gasto bem inferior do que a Unesco recomenda que é de 6% do PIB nacional. Por
isso, nós nunca chegamos a ter um projeto importante de escola pública, logo 78% de nossas
instituições de ensino são privadas. É necessário pensarmos na desmercantilização de nosso
ensino (informação verbal)
153
.
Necessitamos urgentemente de mais investimentos na educação, com
professores melhores remunerados, pois a somatória de remuneração baixa com carga horária
excessiva são limitadores do processo de aperfeiçoamento profissional dos professores.
Precisamos de mais vagas nas instituições públicas e que estes profissionais formados em
universidades públicas lecionem na Educação Básica pública. No estado de São Paulo 95%
dos professores que atuam no Ensino Médio e Ensino Fundamental da rede pública são
formados em instituições privadas.
Outra conseqüência negativa da falta de investimentos na Educação Básica
são as salas superlotadas. Todos nós sabemos que se torna extremamente difícil lecionar em
uma sala de aula superlotada, com crianças e adolescentes que necessitam de um ambiente
que permita concentração para que o processo de ensino-aprendizagem ocorra. Por isso, a
153
Roberto Leher, palestra proferida na XV Semana de educação da UFMS, novembro de 2007.
407
APEOESP (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) tem como
uma de suas pautas principais a reivindicação de uma lei que limita a quantidade de alunos
por sala de aula.
Neste sentido, além do processo de desumanização imenso sofrido pelos
efeitos da alienação e coisificação do capitalismo, professores e alunos tem que enfrentar a
falta de investimentos e incentivos em sala de aula, tornando o ato de lecionar quase que uma
atitude “heróica” por parte de quem ensina e também o ato de aprender, por parte dos
educandos, pois o capital lhes impõe como necessidade o consumo de mercadorias como mais
importante do que o processo educativo. É o retrato da necesidade construção de um novo
projeto civilizacional integrado ao processo educativo, assim teremos mestres e educandos
conscientes de seu papel social, satisfeitos com a educação e produtores do processo histórico.
Por isso, queremos ressaltar de forma veemente que nossa intenção nessa
pesquisa não foi a de reprovar os professores por causa de seu despreparo, pois os professores,
na maioria dos casos, são vítimas de uma formação inicial e continuada precária, da
remuneração baixa e de uma carga de trabalho excessiva que não permite o seu
aprimoramento e nem a produção de pesquisa. Isto faz com que o docente e o pesquisador
dificilmente sejam os mesmos sujeitos. Transformando os docentes em reprodutores de um
saber que deveriam estar auxiliando na sua produção, visto que vivenciam as relações
socioeducativas em sua base.
Este quadro de despreparo por parte dos professores os torna vulneráveis à
ideologia dominante. Encontrando, por isso, vasta dificuldade em compreender a essência da
realidade. Este fato cria um bloqueio a impedir que estes profissionais auxiliem no processo
de desvendamento da realidade, tendo em vista uma mudança social. Visto que se o professor
não consegue ler a realidade de maneira crítica e emancipatória, não é possível auxiliar na
instrumentalização de seu aluno para que leia a realidade em sua essência. São essas questões
que vamos tentar compreender na fala dos professores.
É importante focarmos na análise da Tabela 56 e do Gráfico 20 o fato de
que 93% dos professores entrevistados possuem, ou estão estudando, para obterem uma
formação superior específica para lecionar nas séries/anos iniciais do Ensino Fundamental.
Neste caso, não falta formação superior específica aos professores da escola.
408
Tabela 56 - Curso superior que os professores fizeram ou estão fazendo
Pedagogia 8
Normal Superior 3
Ciências/Matemática, Normal Superior e Especialização em Didática 1
Letras e Normal Superior 1
Enfermagem 1
Total: 14
Fonte: Pesquisa realizada em Paulicéia, 2006. Org.: CAMACHO, R.S.
Gráfico - 20 - Curso superior que os professores fizeram ou estão fazendo
(em porcentagem)
93%
7%
Professores que tem formação superior específica para
trabalhar com alunos das séries iniciais do ensino
fundamental
Professores queo tem formão superior específica para
trabalhar com alunos das séries iniciais do ensino
fundamental
Fonte: Pesquisa realizada em Paulicéia, 2006. Org.: CAMACHO, R.S.
Os dados presentes na Tabela 57 e no Gráfico 21, confirmam a realidade
nacional, ou seja, que grande parte dos docentes que lecionam na Educação Básica pública,
são formados em instituições privadas. Ou seja, isto ocorre, também, em Paulicéia, pois 93%
dos professores entrevistados não são formados em universidades públicas. Daí a necessidade
de pensarmos se estas instituições privadas têm como preocupação central a formação para
um processo emancipatório. Situação que acreditamos difícil de acontecer, pois estas
instituições estão inseridas nesse ciclo de produção de capital, pois são empresas que vendem
uma formação profissional e tem como intenção principal, como qualquer empresa,
produzir/reproduzir/acumular/concentrar capital. Ficando por conta do trabalho individual dos
professores, a partir de sua concepção teórico-metodológica, construir com seus educandos
uma leitura crítica da realidade.
409
Tabela 57 – Quantidade de professores que estudaram/estudam em instituições públicas ou
privadas
Privada 13
Pública 1
Total: 14
Fonte: Pesquisa realizada em Paulicéia, 2006. Org.: CAMACHO, R.S.
Gráfico - 21 - Quantidade de professores que estudaram/estudam em instituições públicas ou
privadas (em porcentagem)
93%
7%
Privada Pública
Fonte: Pesquisa realizada em Paulicéia, 2006. Org.: CAMACHO, R.S.
As respostas dos professores na Tabela 58 são muito relevantes para
confirmarmos a importância da nossa pesquisa, pois todos os professores concordam que a
questão agrária faz parte da realidade dos educandos da escola pesquisada. Afirmando que
existe uma grande quantidade de alunos do campo que estudam na escola, sendo que muitos
são oriundos de assentamentos
154
.
Tabela 58 - Opinião dos professores se a questão agrária faz parte da realidade dos nossos
alunos da escola
Sim, pois temos alunos da área rural, de assentamentos e acampamentos 14
Total: 14
Fonte: Pesquisa realizada em Paulicéia, 2006. Org.: CAMACHO, R.S.
Quando comparamos as respostas da Tabela 58 com as respostas da Tabela
58 e do Gráfico 22 notamos que existe uma contradição nas respostas, pois apesar de todos os
professores concordarem que a questão agrária é parte inerente da realidade dos alunos da
escola pesquisada, 43% dos professores não trabalham a respeito dessa questão em sala de
154
Atualmente, não mais alunos oriundos de acampamentos na escola, pois estas famílias foram assentadas
em Paulicéia e em Caiuá, mas até 2005 havia na escola muitos alunos de acampamentos.
410
aula e 36% trabalham superficialmente. Sendo que apenas 21% dos professores afirmam que
trabalham essa questão em sala de aula.
Tabela 59 - Quantidade de professores que trabalham a respeito da questão agrária
e dos movimentos sociais em sala de aula
Fonte: Pesquisa realizada em Paulicéia, 2006. Org.: CAMACHO, R.S.
Gráfico - 22 - Quantidade de professores que trabalham a respeito da questão agrária e dos
movimentos sociais em sala de aula (em porcentagem)
21%
43%
36%
Sim Não Superficialmente
Fonte: Pesquisa realizada em Paulicéia, 2006. Org.: CAMACHO, R.S.
Logo, por meio da Tabela 59, vamos conhecer quais são os motivos pelos
quais os professores não trabalham a respeito da questão agrária em sala de aula, mesmo
concordando que faz parte da realidade dos alunos.
Sim 3
Não 6
Superficialmente 5
Total: 14
411
Tabela 60 - Dificuldades encontradas para que ocorra a aprendizagem da questão agrária
Fonte: Pesquisa realizada em Paulicéia, 2006. Org.: CAMACHO, R.S.
Notamos que uma pluralidade de questões que os professores colocam
para explicar as dificuldades do ensino em sala de aula. Concordamos com as respostas dos
professores que afirmam que a dificuldade está na formação do professor. Quanto à
dificuldade de assimilação dos alunos e a complexidade do assunto, discordamos
parcialmente, pois todo tema em profundidade é complexo e, logicamente, alunos com menor
idade podem apresentar maior dificuldade de assimilação. Porém, o assunto deixa de ser
complexo se trabalhamos a partir da realidade desses alunos e de acordo com a sua etapa de
desenvolvimento. Daí discordarmos que seja um tema abstrato, pois os próprios professores
reconheceram que esse tema faz parte da realidade dos alunos.
Concordamos que a geografia deve ser mais valorizada nas séries/anos
iniciais do Ensino Fundamental, porém como a principal função dessa etapa escolar é
alfabetizar, se faz fundamental o trabalho interdisciplinar. Quanto à falta de recursos
didáticos, entendemos que esta limitação atrapalha o processo, mas não se trata de um fator
determinante, como já tivemos a oportunidade de constatar, uma vez que a própria realidade
dos alunos pode fornecer material rico e diversificado.
A Tabela 61 mostra as informações que os professores têm a respeito dos
movimentos sociais do campo.
Falta de preparo/capacitação dos professores para trabalhar os conteúdos 2
Falta de preparo dos professores e dificuldades de assimilação dos alunos 1
Dificuldades de assimilação dos alunos 2
Não sei por que não trabalho o tema em sala de aula 2
Tema abstrato, difícil e complexo 2
Formação inicial do professor, recursos didáticos e clientela 1
Pela geografia não ser valorizada pelo sistema educacional nas séries
iniciais e a falta de livros didáticos adequados
1
Conhecer bem a localização e a realidade em que vivem os alunos 1
Sem resposta 2
Total: 14
412
Tabela 61 - Informações que os professores possuem a respeito dos movimentos sociais do campo
Informações pela mídia 4
Pouca informação sobre o assunto 1
Não consigo me expressar 2
Lutam para melhorar a situação de vida das pessoas 1
MST, Sem terra, Assentamentos, Conflitos com fazendeiros 3
Conseguir o direito de posse das terras na nossa região 1
Desorganizados e baderneiros 1
Questão campo/cidade, a falta de investimentos no campo, o abandono do
campo e a luta pela terra
1
Total: 14
Fonte: Pesquisa realizada em Paulicéia, 2006. Org.: CAMACHO, R.S.
Podemos verificar que se juntarmos os professores que tem as
informações da mídia aos que possuem pouca informação e ainda os que não conseguem se
expressar sobre o assunto, teremos 7 respostas, ou seja, 50% dos professores entrevistados
não tem possibilidade de discutir o assunto de maneira satisfatória. E ainda temos uma
resposta que corresponde ao que a mídia burguesa tenta incutir nas pessoas, de que são
baderneiros e desorganizados. Tendo em vista que estas questões fazem parte da realidade dos
alunos dessa escola, e que de forma geral de toda a região do Oeste Paulista, os professores
deveriam estar preparados para trabalhar a temática dos movimentos sociais.
A Tabela 62 e o Gráfico 23 servem como pistas para esclarecer porque a
maioria dos professores não consegue discutir de maneira satisfatória a temática da questão
agrária e movimentos sociais.
Tabela 62 - Quantidade de professores que aprenderam a respeito da questão agrária e os
movimentos sociais em sua formação acadêmica
Não aprendi 12
Sim, aprendi que nossas terras são mal divididas 1
Superficialmente, apenas questões que estava em foco no momento 1
Total: 14
Fonte: Pesquisa realizada em Paulicéia, 2006. Org.: CAMACHO, R.S.
413
Gráfico - 23 - Quantidade de professores que aprenderam a respeito da questão agrária e os
movimentos sociais em sua formação acadêmica (em porcentagem)
Fonte: Pesquisa realizada em Paulicéia, 2006. Org.: CAMACHO, R.S.
Como podemos verificar 86% dos professores não tiveram nenhuma
discussão a respeito desse assunto na sua formação acadêmica e os 14% restantes aprenderam
superficialmente a respeito dessa questão. Demonstrando, então, que esses cursos superiores,
principalmente os cursos de formação de professores dos ciclos iniciais do Ensino
Fundamental (Normal Superior e Pedagogia), onde a maioria dos professores é formada ou
está cursando, não entendem como importante esse debate, apesar da realidade demonstrar o
contrário. Ou então, não tem professores capacitados para fazer essa discussão. Logo, é
complicado para os professores que não têm em sua formação acadêmica esclarecimento
acerca, por exemplo, dos movimentos sociais conseguirem construir a efetivação de uma
Educação Emancipatória e condizente com a realidade dos educandos do campo, sobretudo,
dos educandos oriundos de assentamentos e acampamentos.
Daí a importância dos professores expressarem sua opinião a fim de
avaliarem se estão ou não preparados para trabalhar a respeito da questão agrária e dos
movimentos sociais em sala de aula. É o que veremos na Tabela 63 e no Gráfico 24:
86%
7%
7%
Não
Sim, aprendi que nossas terras são mal divididas
Superficialmente, apenas questões que estava em foco no
momento
414
Tabela 63 - Opinião dos professores sobre se consideram estar preparados para trabalhar a
respeito da questão agrária em sala de aula
Acho que sim, devido aos cursos de educação continuada 1
Não 2
Não, pois a prioridade foi alfabetização e matemática deixando para segundo
plano os outros assuntos
3
Não, pois pouco ou nada é falado nos cursos de formação docente 1
Não, pois o assunto é muito complexo e foi aprendido de forma superficial no
Ensino Superior
3
Não, porque está muito difícil de responder estas questões 1
Não, porque a questão agrária faz mais parte da política (governo) do que da
educação
1
Não, porque não foi ensinada nem nos cursos de educação continuada e nem na
faculdade
1
Não, pois não me sinto preparada para trabalhar o assunto 1
Total: 14
Fonte: Pesquisa realizada em Paulicéia, 2006. Org.: CAMACHO, R.S.
Gráfico - 24 - Opinião dos professores sobre se consideram estar preparados para trabalhar a
respeito da questão agrária em sala de aula (em porcentagem)
7%
93%
Sim Não
Fonte: Pesquisa realizada em Paulicéia, 2006. Org.: CAMACHO, R.S.
As respostas da maioria dos professores confirmam a nossa análise de que os
professores estão saindo despreparados tanto em relação à formação acadêmica como dos
cursos de educação continuada. Pois, 93% dos professores admitem não estarem preparados
para trabalhar com essa questão em sala de aula. A prioridade dada aos conteúdos de língua
portuguesa e de matemática entendidos como conteúdos centrais no processo de alfabetização
acabam colocando os outros conteúdos, dentre eles os de geografia, em segundo plano, como
respondeu um professor.
Tivemos também a afirmação de um professor no sentido de que a questão
agrária é um assunto que pertence ao governo e não a educação. Esta resposta demonstra a
superficialidade com as quais os professores estão sendo formados, pois encontram
415
dificuldade em entender as relações ente sociedade e educação e, neste sentido, a importância
da posição política do professor frente ao processo de mudança social ou, pelo contrário, de
reprodução do status quo.
Como os professores encontram dificuldades em trabalhar questão agrária e
movimentos sociais em sala de aula, vamos verificar na Tabela 64 se os professores
acreditam que esses conteúdos são menos importante em relação aos conteúdos de língua
portuguesa ou de matemática.
Tabela 64 - Opinião dos professores sobre se consideram esse conteúdo menos importante do
que os outros conteúdos ensinados, como em língua portuguesa e em matemática.
Não acho porque aprender geografia é saber o mundo em que estamos
inseridos
1
Não consideraria menos importante, por fazer parte da precária realidade de
nosso país
3
Não, acho muito importante e gostaria de aprender mais sobre o assunto para
trabalhar de forma interdisciplinar
1
Não, considero muito importante, apesar de ter menos tempo destinado a essas
aulas
1
Não, porque a geografia faz parte da realidade de muitos alunos da escola 2
Não, ele também é de suma importância para a vida de nossos alunos 1
Não, mas no meu caso meus alunos não presenciam essa realidade 1
Não, porque todas as disciplinas são igualmente importantes 2
Não, porque precisamos saber nos localizar, conhecer a vegetação, tipos de
terrenos etc.
1
No segundo ciclo este conteúdo é tão importante quanto o de outras
disciplinas
1
Total: 14
Fonte: Pesquisa realizada em Paulicéia, 2006. Org.: CAMACHO, R.S.
Verificamos pelas respostas que todos os professores têm a consciência de
que os conteúdos trabalhados de forma interdisciplinar perdem a hierarquia de importância
entre eles, mesmo quando o foco principal é a alfabetização. A maioria concorda que ensinar
geografia faz parte da nossa realidade, daí sua importância. Isso significa que os professores
entendem este conteúdo como essencial e se preocupam em trabalhar com a realidade dos
alunos, falta então formação com qualidade para que o processo se realize.
Quando um professor responde que acha o assunto importante, mas que não
faz parte da realidade de seus alunos é porque, neste caso, ele leciona de manhã onde estudam
apenas alunos da cidade. Mesmo com esta justificativa é preciso fazer uma ressalva, pois a
Educação do Campo não deve ser pensada como paradigma que sirva apenas aos alunos do
campo, basta pensarmos que os assentamentos estão territorializados no município de
416
Paulicéia, que é o lugar onde os alunos moram, logo esta realidade atinge o campo e a cidade,
ou seja, atinge a todos mesmo que de diferentes formas. Além do mais a dia transmite
notícias acerca dessa questão de maneira distorcida e cabe ao professor discuti-las. Daí a
necessidade de se trabalhar o assunto, por exemplo, relacionado com o êxodo rural,
problemática que envolve campo-cidade enquanto totalidade.
Para investigarmos se os professores das séries/anos iniciais do Ensino
Fundamental têm consciência da importância de se ter conhecimento sobre a questão agrária e
os movimentos sociais, perguntamos se eles acreditam que os professores devem saber essas
questões. Vamos ver o que eles responderam na Tabela 65:
Tabela 65 - Opinião dos professores se os educadores das séries/anos iniciais do Ensino
Fundamental devem saber estas questões
Sim, podemos introduzir essas informações na interdisciplinaridade 1
Sim, as crianças assistem TV, elas ouvem as pessoas falarem sobre ao assunto e
muitos vivenciam esta situação
1
Sim, para não ficar sem ter o conhecimento dos problemas atuais 2
Sim, é importante saber como funcionam os movimentos de luta pela terra 1
Sim, seria muito bom se todos tivessem mais informações sobre estas questões 1
Sim, todo professor deve estar bem informado, mas infelizmente não é o meu
caso no momento
1
Sim, porque corresponde a realidade da maioria dos alunos 2
Sim, principalmente em nossa região devido o grande número de acampamentos
do MST e assentamentos
1
Sim, porque conhecimento nunca é demais, porém acabamos fragmentando o
conhecimento demais
1
Sim, porque para ensinar aos alunos deve-se saber o que se está ensinando 2
Sim, para ensinar melhor e para compreender melhor a realidade dos alunos 1
Total: 14
Fonte: Pesquisa realizada em Paulicéia, 2006. Org.: CAMACHO, R.S.
Todos os professores concordam com a importância dos profissionais da
educação saberem sobre a questão agrária pelo fato deste assunto fazer parte da realidade dos
alunos. É unânime entre eles a compreensão de que é preciso conhecer melhor a realidade
agrária do Brasil e dos alunos para poder lecionar. Inclusive um professor declara que todos
os professores deveriam conhecer melhor os problemas do campo, mas que infelizmente não é
o seu caso. Ratificando que os professores reconhecem a importância do assunto e que
gostariam de saber mais para poder discuti-lo em sala de aula. Portanto, parece não haver falta
de vontade de aprender e consciência da importância deste conteúdo, o que falta ao professor
417
é o conhecimento a respeito do assunto, pois não o tiveram nem em sua formação acadêmica
e, também, não foi suprida nos cursos de educação continuada.
Tendo em vista que a fonte de informação da maioria dos professores a
respeito dos movimentos sociais está na dia, vamos conhecer por meio da Tabela 66 quais
são as revistas e jornais que lêem ou assistem:
Tabela 66 - Resposta dos professores a respeito das revistas que lêem ou jornais que lêem ou
assistem
Revista Nova Escola e Jornal Nacional 3
Revista Nova Escola, Jornal Nacional e jornais regionais 1
Assisto Jornal Nacional 1
Revista Nova Escola, Veja e Jornal Nacional 2
Jornal Regional, Revista Nova Escola e programa Nosso Campo 1
Caros Amigos e Nova Escola 1
Revista Nova Escola, Jornais da região e Jornal da Globo 1
Jornal Nacional e Folha de São Paulo 1
Profissão Mestre, Revista Nova Escola, Revista do Professor e Jornal Nacional 1
Revista Veja, Revista Nova Escola, Jornal Nacional e SP/TV 1
Jornal Nacional e Jornal Regional: Fronteira Notícias 1
Total: 14
Fonte: Pesquisa realizada em Paulicéia, 2006. Org.: CAMACHO, R.S.
Notamos pelas respostas que muitos professores lêem a revista Nova Escola
especializada em educação que é de extrema relevância ao educador, mas não é o suficiente
para entender a questão agrária no Brasil. O programa “Nosso Campo”, também, não discute
a questão agrária de forma emancipatória, pelo contrário, enfatiza o agronegócio.
A única fonte de informação que aparece nas respostas e que tem condições
de propiciar informações alternativas às da mídia hegemôncia é a revista Caros Amigos, na
qual escrevem importantes teóricos como Frei Betto, João Pedro Stedile, Vasconcelos, José
Arbex Júnior, Emir Sader dentre outros
155
. Mas ela aparece indicada, infelizmente, por apenas
um professor.
Por outro lado, notamos a grande influência do Jornal Nacional, ele aparece
como opção para 11 professores e, soma-se, ainda, aos telejornais da rede Globo não
indicados por apenas um professor. Os jornais regionais, na sua maioria, são da rede Globo
também. Sendo assim, a rede Globo tem sido a maior fonte de informações entre os
professores da escola pública pesquisada, ou seja, a maior representante da mídia burguesa da
América Latina é, infelizmente, a maior fonte de informação dos professores das séries/anos
155
Na edição de novembro de 2007 saiu um texto dos geógrafos Fernandes e Thomáz Júnior, docentes da
Unesp/campus de Presidente Prudente/SP.
418
iniciais do Ensino Fundamental da rede pública. Isso significa que se o professor não
conseguir ler a realidade de maneira crítica por meio de uma formação sólida, será facilmente
influenciado pela ideologia neoliberal catequizada pela rede Globo. Daí a dificuldade em se
construir uma Educação Emancipatória.
E temos, também, uma das maiores inimigas dos movimentos sociais, a
revista Veja, felizmente, indicada por apenas dois professores. Isso significa que a falta de
recursos financeiros do professor faz com que ele não assine revistas, por isso assiste mais aos
telejornais.
A Tabela 67 revela a opinião dos professores acerca da credibilidade das
fontes de informações que eles têm disponíveis.
Tabela 67 - Resposta dos professores se eles confiam nas informações que esses jornais ou
revistas trazem
Sim, porque eles estão em contato com o que acontece no mundo 1
Sim, porque são renomados 1
Sim, porque parecem verídicas 1
Sim, porque acredito que eles não dariam informações erradas 1
Parcialmente, porque alguns são sensacionalistas 1
Acredito na revista Nova Escola, porque é especializada, nas outras
parcialmente, pois podem ser sensacionalistas
1
Nem sempre 1
Às vezes, porque existem nas revistas exemplos difíceis de serem aplicados na
prática
1
Parcialmente, porque muitas vezes não é minha opinião 1
Às vezes, algumas coisas precisam ser vivenciadas e praticadas 1
Procuro ter uma opinião em cima do que está sendo noticiado 1
Não cegamente, pois sempre há interesses por trás que desconhecemos 1
Não totalmente, principalmente os televisionados, por causa da ideologia das
mensagens subliminares
1
Tenho dúvidas, mas acredito que sim 1
Total: 14
Fonte: Pesquisa realizada em Paulicéia, 2006. Org.: CAMACHO, R.S.
Apenas cinco professores acreditam que as informações transmitidas por
estes meios de comunicação são confiáveis, a maioria, nove professores, acreditam
parcialmente. Isso quer dizer que grande parte dos professores tem consciência de que as
notícias não são neutras, interesses de grupos específicos. Todavia, a questão que se
coloca é que os professores devem ter formação suficiente para separar o que é aparência e o
que é essência nos fatos divulgados pela mídia. Dito de outra maneira, eles devem ser capazes
de identificar quando um conhecimento serve como opção política emancipatória podendo
419
propiciar uma leitura crítica da realidade. No entanto, não é isso que temos verificado nas
respostas dos professores.
A fim de especificarmos nosso assunto, vamos saber qual é a opinião dos
professores a respeito das notícias divulgadas pela mídia acerca dos movimentos sociais,
tendo em vista que partimos do pressuposto que a mídia burguesa tenta destruir os
movimentos sociais denegrindo sua imagem perante a sociedade. Vejamos a resposta na
Tabela 68:
Tabela 68 - Opinião dos professores a respeito do que esses jornais ou revistas falam acerca dos
movimentos sociais
Relatam apenas quando acontecem invasões significativas 1
Mostram pessoas sendo presas, desacato a autoridades etc. 1
Tudo, mas sobre a visão dos seus interesses 1
Não sei 1
Luta pela terra 1
Sobre ocupações, conquistas e ações do movimento sem-terra 3
Geralmente criticam, pode não ser diretamente, mas podemos observar a
desaprovação
1
Muito pouca informação 2
Suas lutas, suas mudanças, seus meios de lutas e de sobrevivência 1
Sobre o Movimento dos Sem – Terras e outros 1
O que eles acham que deve falar e o que convém falar 1
Total: 14
Fonte: Pesquisa realizada em Paulicéia, 2006. Org.: CAMACHO, R.S.
Constatamos que três professores conseguiram captar a intencionalidade
manipuladora da mídia, afirmando que a mídia desaprova os movimentos sociais e transmitem
a notícia de acordo com os seus interesses.
Entrando de forma mais específica no assunto, vamos saber qual é a opinião
dos professores a respeito do MST (Tabela 69):
420
Tabela 69 - Opinião dos professores a respeito do MST (a favor ou contra)
Não tenho conhecimento ou argumento suficiente para responder esta questão 2
Sou a favor, desde que não sejam baderneiros e assassinos 1
Contra 3
Parcialmente, porque tem pessoas que realmente merecem ganhar um pedaço de
terra, mas têm outras que se aproveitam da situação e vendem a terra em seguida
2
Sou contra o movimento devido a suas ações de ocupações e brigas 1
Sou a favor, porque existem muitas terras improdutivas 1
Contra, não aprovo os métodos do MST, apesar de ser a favor da divisão de terras 1
Parcialmente, pois acho que deveria haver uma melhor distribuição, porém, não sou
a favor da invasão
1
Contra, porque a maioria das pessoas para conseguir um pedaço de terra trabalha a
vida inteira, enquanto eles têm “uso capião”
1
É uma questão social e política que precisa ser estudada e organizada para ser feito
de forma justa
1
Total: 14
Fonte: Pesquisa realizada em Paulicéia, 2006. Org.: CAMACHO, R.S.
Se partirmos da perspectiva que a Educação do Campo busca a construção de
uma educação em conjunto com os movimentos sociais, numa escola inserida em relações
camponesas de luta pela/na terra, o fato dos professores continuarem tendo opiniões
distorcidas e insuficientes a respeito dos movimentos sociais é muito preocupante, pois
compromete as possibilidades de mudança. A maioria das respostas confirma que os
professores apesar de saberem que existem interesses que se escondem por detrás das notícias,
não conseguem separar a realidade do discurso ideológico dominante. Acreditamos que isso
ocorre porque não tiveram uma formação que lhes propiciasse ler a realidade de maneira
crítica numa perspectiva de busca por um processo emancipatório.
Temos dois professores que admitiram não ter conhecimento suficiente
acerca do MST para expressar sua opinião, dos outros 12 que responderam apenas um
confirma a sua posição favorável ao MST. O restante, dez professores, mesmo os que se
julgam a favor, tem uma interpretação equivocada da realidade. Sendo que três professores se
posicionaram literalmente contra o MST.
Paradoxalmente dois professores dizem ser favoráveis à reforma agrária, mas
contra os métodos do MST. Esses professores estão partindo do princípio de que o MST não é
necessário para se fazer a reforma agrária, pois desconhecem a informação de que todos os
assentamentos foram conquistados na luta. E mais, desconhecem que pelo MST passa um
projeto educacional, socioambiental, emancipatório, humanizador etc., de resistência cultural
e política ao capital, que a mídia faz questão de esconder e, por isso, as pessoas desconhecem.
421
Termos como baderneiros e assassinos, que apareceram nas respostas, demonstram a
influência da mídia junto aos professores mesmo estes estando tão perto da realidade agrária
do município expressa na presença de alunos oriundos do campo.
Definitivamente a construção de uma Educação do Campo emancipatória,
passa necessariamente pela conscientização do professor a respeito da questão agrária e da
importância dos movimentos sociais.
Pensando na construção desse projeto emancipatório de Educação do Campo,
vamos saber por meio da Tabela 70 se os professores conhecem esse projeto e se
discutiram essa proposta em sua formação acadêmica.
Tabela 70 - Respostas dos professores se conheceram a discussão acerca da Educação do Campo
na sua formação acadêmica
Não 11
Não aprendi, mas pesquisei sobre sem – terra e a má divisão de nossas terras
para aplicar em sala de aula
1
Aprendi sobre transformações da paisagem por meio do homem e da sociedade 2
Total: 14
Fonte: Pesquisa realizada em Paulicéia, 2006. Org.: CAMACHO, R.S.
Pelas respostas fica evidente que as instituições privadas devem adequar seu
currículo a realidade na qual estão inseridas, pois se a questão agrária é parte inerente dos
alunos dessa região, os professores deveriam ser preparados para trabalhar com as
especificidades dos educandos do campo. Todavia, o que identificamos é que os professores
desconhecem essa discussão, pois ainda pedomina uma educação superior ideologicamente
urbanizada e neoliberal. Nas respostas, 11 professores admitem que desconhecem essa
discussão, as outras respostas dizem respeito a geografia agrária e não a Educação do Campo.
Mostrando que essa discussão está ainda muito restrita a grupos no interior da academia e não
chegou aos professores da Educação Básica.
Pressupondo que o livro didático, apesar de ter sua importância reduzida
atualmente, ainda é uma fonte importante de conhecimento e de recurso didático para o
professor, vamos conhecer a opinião dos professores a respeito do livro didático que usa e se
este traz discussões referentes à questão agrária. Como podemos verificar na Tabela 71:
422
Tabela 71 - Resposta dos professores sobre qual é seu livro didático de geografia preferido e se
este livro traz discussões referentes à questão agrária
Não me lembro de nenhum livro que trata desse assunto 2
Nenhum 1
O que adotamos na primeira série não aborda o assunto 1
Não me lembro de nenhum livro didático de geografia 1
O mundo em movimento, mas não trata do assunto 1
Viver e aprender, mas não trata da questão agrária 3
Estudos sociais, porém não trata da questão agrária 3
Não respondeu 1
Não trabalho com livro de geografia, trabalho com coleções 1
Total: 14
Fonte: Pesquisa realizada em Paulicéia, 2006. Org.: CAMACHO, R.S.
Na opinião dos professores não existe nenhum livro didático de geografia de
sua preferência que trata a questão agrária. O que mostra a desimportância dada à questão nos
livros didáticos. Entre as coleções preferidas pelos professores aparece: O mundo em
movimento; Estudos Sociais e Viver e Aprender
156
.
Como o PCN atualmente tem sido a maior fonte de informação dos
professores a respeito da ciência geográfica, vamos verificar por meio da Tabela 72 o que os
professores conhecem de geografia agrária fruto do PCN.
Tabela 72 - Respostas dos professores se sabem a respeito de como o PCN trata a questão
agrária.
Não 10
Não lembro com clareza 1
Não, vi muito pouco sobre geografia nos PCNs e nunca foi enfocada a questão
agrária
1
Sim, mas há necessidade de melhorar a capacitação do professor com relação a
esse assunto
1
Sim, é necessário melhorar a forma como ocorre a Reforma Agrária no Brasil 1
Total: 14
Fonte: Pesquisa realizada em Paulicéia, 2006. Org.: CAMACHO, R.S.
Apenas dois professores afirmam saber como o PCN de geografia trata a
questão agrária, sendo que um deles confirma a necessidade de melhorar a capacitação dos
professores com relação ao entendimento desta questão. E outro afirma ter aprendido pouco
sobre geografia e muito menos sobre a questão agrária. O restante, ou seja, 86% dos
156
Porém, temos que fazer uma ressalva: o livro didático de geografia da série da coleção “Viver e Aprender
aborda o assunto, mesmo que de forma sintética.
423
professores pesquisados afirmam não saber, ou não se lembrar, de como o PCN de geografia
trata essa questão. Isso significa que esse documento é, na maioria dos casos, discutido de
maneira superficial ou que, por causa de seu ecletismo, problema que abordamos em outra
ocasião, atinge pouco seus objetivos.
A Tabela 73 tem como objetivo apreender o nível de conhecimento que os
professores tiveram em sua formação acadêmica e continuada a respeito dos pressupostos
teórico-metodológicos presentes no PCN de geografia.
Tabela 73 - Quantidade de professores que aprenderam a respeito dos pressupostos teórico-
metodológicos presentes no PCN de geografia
Não aprendi 10
Não aprendi ainda 1
Sim 1
Não, no Ensino Superior, mas no curso e educação continuada. 1
Sem resposta 1
Total: 14
Fonte: Pesquisa realizada em Paulicéia, 2006. Org.: CAMACHO, R.S.
Como é possível verificar, apenas dois professores dizem ter aprendido a
respeito desse assunto, ou seja, 14% dos professores entrevistados. Temos 72% dos
professores entrevistados que afirmaram não terem conhecimento algum desta discussão. Isso
indica que esse tema não está sendo debatido, ou seja, a maioria dos cursos de educação
continuada e do Ensino Superior tentam, na melhor das hipóteses, debater a geografia por
meio do PCN, mas não discute seus pressupostos teórico-metodológicos, seus avanços e
retrocessos, suas ideologias e contradições
157
. Ou seja, não se faz discussão para além dos
PCNs de maneira a contribuir para sua superação, logo se ensina a pensar a geografia a partir
e apenas do PCN. A única concepção teórica progressista e coerente discutida nos PCNs é o
Construtivismo.
157
Mesmo os cursos de licenciatura em geografia não discutem de maneira satisfatória esse documento.
424
Gráfico - 25 - Quantidade de professores que aprenderam a respeito dos pressupostos teórico-
metodológicos presentes no PCN de geografia (em porcentagem)
Fonte: Pesquisa realizada em Paulicéia, 2006. Org.: CAMACHO, R.S.
Entendemos que para o professor discutir a ciência geográfica em sala de
aula, se faz necessário conhecer seus conceitos e objetivações que a caracterizam como
ciência, bem como, as problemáticas relacionadas ao seu objeto de estudo. Isso é possível
de ser alcançado por meio do conhecimento das pesquisas dos geógrafos que discutem as
problemáticas de nossa realidade do ponto vista geográfico, ou seja, se faz necessário
conhecer as pesquisas dos geógrafos. Por meio da Tabela 74 vamos buscar conhecer quais
são os geógrafos conhecidos pelos professores das séries/anos iniciais do Ensino Fundamental
e se eles já leram algum livro destes autores citados.
Tabela 74 - Respostas dos professores se eles leram algum autor da geografia durante sua
formação acadêmica
Não 10
Paulo Freire 1
Não me lembro 2
Sim, alguns textos, mas não me lembro o autor 1
Total: 14
Fonte: Pesquisa realizada em Paulicéia, 2006. Org.: CAMACHO, R.S.
Como vemos o resultado é desanimador, pois realmente a única fonte de
conhecimento da ciência geográfica pelos professores está no PCN de geografia. Isso quer
dizer que certamente enquanto essa situação persisitir o ensino de uma geografia
72%
7%
7%
7%
7%
Não
Não aprendi ainda
Sim
Não, no ensino superior, mas no curso e educão continuada
Sem resposta
425
emancipatória será difícil de ser efetivado na prática. Nenhum dos professores entrevistados
lembrou o nome de autores da geografia. E dez deles, ou seja, 71% afirmam não terem lido
nenhum autor da geografia em sua formação acadêmica. O que demonstra como o professor
está saindo despreparado para lecionar. Inclusive um professor confundiu Paulo Freire como
sendo um autor da geografia. Nem os geógrafos mais conhecidos como Milton Santos ou Azis
Ab' Saber foram lembrados pelos professores. Essa circunstância indica uma situação
incontestável: é preciso aprofundarmos a discussão acerca do PCN de geografia e verificar
qual está sendo as influências positivas negativas junto aos professores.
Partindo do princípio defendido no início desta dissertação de que
acreditamos que o materialismo histórico e dialético é o pressuposto teórico-metodológico
capaz de ler a realidade em sua essência, investigamos o conhecimento que os professores têm
a respeito do assunto. Situação que apresentamos na Tabela 75:
Tabela 75 - O que os professores aprenderam sobre o materialismo histórico e dialético em sua
formação acadêmica
Não aprendi 8
Não me lembro 3
Não aprendi ainda 2
Aprendi em um semestre do primeiro ano 1
Total: 14
Fonte: Pesquisa realizada em Paulicéia, 2006. Org.: CAMACHO, R.S.
Como vemos somente um professor aprendeu, superficialmente, sobre o
assunto na sua formação acadêmica, o que demonstra mais uma vez que as instituições
privadas não estão preocupadas com a formação crítica do professor. Obstacularizando a
construção de uma educação e de um ensino de geografia emancipatórios.
Pensando na construção de uma educação e de um ensino de geografia
emancipatórios, é de importância imprescindível (outro pressuposto de nossa Dissertação) que
os professores formados em cursos de licenciatura e, sobretudo, de pedagogia leiam Paulo
Freire. Nesta perspectiva, vamos saber por meio da Tabela 76 quais são os livros de Paulo
Freire conhecidos pelos professores.
426
Tabela 76 - Respostas dos professores a respeito dos livros do Paulo Freire que leram durante a
formação acadêmica
Não li nenhum livro do Paulo Freire 4
Li alguns capítulos 2
Li, mas não me lembro o nome 1
Não respondeu 1
Pedagogia da Autonomia 5
Pedagogia da Autonomia e Pedagogia do Oprimido 1
Total: 14
Fonte: Pesquisa realizada em Paulicéia, 2006. Org.: CAMACHO, R.S.
O ideal seria que todos os professores tivessem lido algumas obras de Paulo
Freire, mas como vemos não é isso o que ocorre na prática. Pois quatro professores nunca
leram Paulo Freire e cinco deles conhecem apenas uma obra. Todavia, o mais relevante é a
forma como se pensa a concepção freireana de educação, pois, muitas vezes, tem se feito,
ideologicamente, uma leitura neutra de seu pensamento, tentando reduzir seu pensamento ao
dos construtivistas. No entanto, a postura política freireana é o que de essencial em sua
obra, ou seja, para os leitores de Paulo Freire se torna compatível a construção de uma
Educação do Campo emancipatória em conjunto com os movimentos sociais, pois para ele o
MST e outros movimentos sociais cumprem função de extrema importância no auxílio à
construção de uma sociedade libertada da opressão/exploração/alienação/coisificação do
capital.
A questão política em Paulo Freire, que é o grande avanço de sua obra,
parece incomodar os educadores, logo tudo indica ser intencional o movimento que busca
esvaziar de significados políticos sua Teoria, assim ela passa a ser aceita na atualidade,
quando perde seu caráter de classe, se tornando neutra. Num passado não muito distante, na
ditadura militar, foi justamenente o contrário, Paulo Freire foi criticado e desautorizado
porque, segundo seus críticos, tinha construído uma concepção de alfabetização que mais se
aproximava de um foletim revolucionário do que de uma Teoria. Portanto, a crítica manipula,
de acordo com o momento, a questão política presente na obra de Paulo Freire, ora dando
revelo, ora esvaziando.
Nesta perspectiva de construção de uma Educação Libertadora, vamos
conhecer através da Tabela 77 qual é a opinião dos professores a respeito da função que
desempenha a educação formal na sociedade.
427
Tabela 77 - Opinião dos professores a respeito da função que desempenha a educação formal na
sociedade
Formar cidadãos reflexivos para enfrentar a sociedade e suas mudanças 1
Orientar o cidadão em todos os aspectos 2
Educar para passar nas provas 1
Ensinar a ler, escrever, contar, conhecer o espaço onde vive e as
transformações ocorridas durante os tempos
1
Ela possibilita o aperfeiçoamento das idéias (mentalidade) 1
Formar, informar, transformar e criar cidadãos conscientes 1
Preparar o indivíduo para atuar em seu meio social, consciente de seus diretos
e deveres
1
A cidadania, ética, compromisso e amor ao próximo 1
Instruir e educar 1
Tem a função moral de formar cidadãos conscientes, mas infelizmente isso não
acontece
1
Preparar o ser humano para saber viver no meio social 1
Tem a função de transformar, porém na realidade está reproduzindo a
sociedade
1
Formar alunos pensantes, críticos e ativos, tarefa alcançada por poucos 1
Total: 14
Fonte: Pesquisa realizada em Paulicéia, 2006. Org.: CAMACHO, R.S.
Podemos notar que, com exceção de algumas respostas como “educar para
passar nas provas”, que demonstra uma influência positivista de educação, a maioria dos
professores tem a consciência de que a educação interfere na sociedade. Por isso, para a
maioria a educação tem a função de formar cidadãos conscientes/críticos mesmo que para
alguns professores a escola não esteja conseguindo cumprir essa função.
Aproveitamos para indagar a respeito dessa concepção de formação de
cidadãos conscientes/críticos tão presente nos PCNs, pois na nossa concepção um modelo
neoliberal de educação não permite a formação de sujeitos conscientes/críticos, logo, o
discurso não corresponde ao que se deseja na prática. Pois, consideramos indivíduos
conscientes, aqueles que conseguem pensar a realidade para além do discurso fatalista
neoliberal e que entenda a necessidade e a possibilidade de superação de nosso modelo
socioeconômico capitalista. Todavia, não é essa a concepção de que nos tráz o PCN. Dessa
forma, esse cidadão crítico de que nos fala o PCN de geografia continua sofrendo a alienação
capitalista, logo temos que superar essas concepções conservadoras e pensarmos na formação
da consciência crítica em sua essência, como teorizou Paulo Freire.
Para investigar essa necessária posição crítica que deve ter os professores
com relação à educação apresentamos a Tabela 78, nela é possível entender se eles
consideram que a educação tem a função de transformar a sociedade.
428
Tabela 78 - Opinião dos professores se a educação formal tem a função de transformar a
sociedade
Sim 14
Total: 14
Fonte: Pesquisa realizada em Paulicéia, 2006. Org.: CAMACHO, R.S.
Nessa questão como pudemos observar é unânime a posição dos professores
de que a educação tem a função de transformar a sociedade. Mostrando que o professor tem
consciência da função escolar, mas falta-lhe acesso ao conhecimento crítico para que possa
realizar essa função. Porque o que podemos notar é uma contradição no discurso de alguns
professores, pois os mesmos que desconhecem ou são contra o MST, são a favor de uma
educação transformadora. Isso significa que a ideologia tem influenciado o professor devido
seu contato insuficiente com o conhecimento crítico/emancipatório.
Continuando nossa análise a respeito da função transformadora ou
reprodutora produzida pela escola, vamos saber por meio da Tabela 79 a opinião dos
professores acerca do papel da educação, de forma específica perguntamos a eles se a
educação atualmente está sendo transformadora ou reprodutora.
Tabela 79 - Opinião dos professores se a educação atualmente está sendo reprodutora ou
transformadora
A educação será transformadora quando acontecer de forma democrática, mas
formadora do ensinar-pensar do que ensinar-fazer
1
Em muitos lugares do nosso país ela somente reproduz devido à falta de projetos
de capacitação para professores e da valorização dessa classe
1
Faz um pouco de cada uma delas, pois isso varia de pessoa para pessoa 1
Está sendo mais reprodutora, porque apenas reproduz o que está feito 1
Reprodutora, porque não consegue formar cidadãos críticos 1
Infelizmente a educação não consegue abranger a todos 1
Sem resposta 1
Reprodutora, porque não chega a formar a consciência individual 1
Transformadora, porque há movimentos (lutas) pela conquista de um espaço da
terra
1
Apesar do discurso de se formar cidadãos críticos e reflexivos, isso não ocorre
por falta de conhecimento do professor
1
Ainda não estou vendo os resultados, mas acredito no futuro de nossas crianças 1
Ainda não está transformando a sociedade por vários motivos 1
Não está conseguindo bons resultados pela falta de conscientização dos pais que
não tiveram uma formação educacional
1
Ainda temos muito que aprender e caminhar para uma educação plena e de
qualidade
1
Total: 14
Fonte: Pesquisa realizada em Paulicéia, 2006. Org.: CAMACHO, R.S.
429
Na opinião da maioria dos professores, nove deles, a escola não está
conseguindo ser transformadora. Dois professores acreditam que um dos motivos desta
incapacidade da escola de ser transformadora está na capacitação/conhecimento do professor
e de sua valorização profissional. A esta opinião acrescentamos que o professor necessita do
contato com o conhecimento emancipatório, pois este é fundamental para a construção de
uma educação também libertadora. Ou seja, não se trata de qualquer curso, pois existem
cursos de capacitação subordinados a ideologia neoliberal do Estado, não surtindo, portanto,
efeitos revolucionários.
A opinião de que a educação ainda é reprodutora devido à falta de
conscientização dos pais que não tiveram uma formação educacional, é preocupante. Essa
resposta se baseia na perspectiva de que alunos criados em um ambiente letrado tendem a ter
maior facilidade de aprendizagem, o que é verídico, mas não podemos tratar essa questão de
forma absoluta fazendo uma análise reducionista sobre um problema que é mais abrangente.
Por exemplo, muitos militantes dos movimentos sociais não tiveram acesso adequado a
educação formal, todavia possui uma capacidade de leitura da realidade bastante crítica,
entendendo a educação como um processo de suma importância para a construção de uma
ação humanizadora, tendo em vista a construção de uma sociedade mais justa.
Para finalizarmos, buscamos saber a opinião dos professores a respeito das
questões que responderam. Vejamos a Tabela 80:
430
Tabela 80 - Opinião dos professores a respeito das questões respondidas
Foram boas para quem entende muito bem de geografia, para quem não tem o
domínio fica em dúvida
1
Complicados para um leigo como eu 1
As questões cumpriram seu objetivo de conhecer a capacitação profissional do
professor das séries iniciais, principalmente em geografia
1
Muito bem elaboradas, através delas percebo que preciso estar mais informada 1
Difíceis de responder 1
Complexas 1
Gostei das questões, apesar de ter tido algumas dúvidas 1
Este é um assunto que não tenho conhecimento, por isso me senti um pouco
despreparada para respondê-las
1
Bem elaboradas 2
Tem expressões que não conheço 1
As questões foram muitas 1
Difícil, pois meu conhecimento foi insuficiente para responder. Não estudo sobre
o assunto
1
Complicadas, porque não conheço bem o assunto 1
Total: 14
Fonte: Pesquisa realizada em Paulicéia, 2006. Org.: CAMACHO, R.S.
Muitos acharam as questões bem elaboradas, todavia a opinião quase geral
foi no sentido de enquadrálas como sendo de difícil coompreensão, o que indica que o
conhecimento que possuem do debate é superficial, inclusive muitos admitiram isso. É
necessário pensar que não se trata de cobrar destes profissionais da educação um
conhecimento de “especialistas em geografia e em questão agrária”. Mas entendemos que eles
precisam em sua formação ter contato com questões fundamentais da ciência geográfica,
inclusive os professores admitiram a necessidade de saber essas questões, por isso as
afirmações de que não estudaram sobre o assunto é a prova da necessidade do
aprofundamento desse debate na formação acadêmica, principalmente nas instituições
privadas de Ensino Superior e nos cursos de educação continuada. assim vamos superar a
idéia corrente de que esse assunto pertence apenas aos “especialistas”. Acreditamos, por
exemplo, que todos os professores deveriam conhecer as problemáticas discutidas no
questionário porque lecionam, também geografia, e trabalham com educandos do campo.
Desse modo, reafirmamos que não estamos culpando o professor pela
formação, mas os cursos responsáveis pela formação do professor que não tem envolvimento
com a produção do conhecimento emancipatório.
431
8 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
“O mundo não é assim
O mundo está sendo assim.”
Paulo Freire
“A história
como um conjunto
de possibilidades,
é um dado a priori.”
Milton Santos
Não transição que não implique um ponto de partida, um processo e um
ponto de chegada. Todo amanhã se cria num ontem, através de um hoje. De
modo que o nosso futuro baseia-se no passado e se corporifica no presente.
Temos de saber o que fomos e o que somos, para saber o que seremos.
(FREIRE, 1981a, p.33).
Paulo Freire explica que o que somos tem razões históricas e que o futuro
nós construímos com nossas ações no presente. Nesta perspectiva, o futuro é construído por
nós, seres humanos, nas nossas ações políticas, daí a possibilidade da mudança. Estamos nos
posicionando contra o fatalismo neoliberal, de que tudo está perdido, e o que resta é se
adaptar a essa realidade imóvel. Por isso, precisamos de uma educação que extinga a
adaptação do processo educativo.
Entendemos que a educação formal, atualmente, se por um lado está sendo
reprodutora do discurso ideológico fatalista neoliberal mantendo relação estreita com a
manutenção do status quo dominante. Por outro, existe uma potencialidade e uma
possibilidade de vir a ser libertadora que é inerente a sua condição, pois a educação é
construída historicamente pelos e para os homens concretos, aqueles de “carne e osso” que
podem reconstruir a história, como já ensinou o sempre otimista Paulo Freire. É a capacidade
humana de superação dos condicionantes socioeconômicos que faz com que a realidade
continue possibilitando a criação/recriação constante do novo e que nos faz otimista.
A crença na capacidade de mudança do ser humano é justamente o centro da
proposta da Educação do Campo na busca do projeto emancipatório/humanizador de
educação. Concebemos a educação como um instrumento de transformação social que junto
com os movimentos sociais e demais instituições, que buscam a modificação da realidade
432
atual, formam um conjunto de ações importantes para a desestruturação da ordem
estabelecida.
Ordem essa globalizada onde o ser humano perde a sua importância frente à
produção material do capital. Produção material que, por sua vez, é construída coletivamente
e apropriada individualmente. Nesta lógica capitalista mundializada o “ter” está acima do
“ser”. E o ser humano se transforma em elemento residual. Daí a importância das propostas
educativas que se constituem enquanto formas de resistência ao capital e aos seus valores
ideológicos inculcados nos indivíduos desde a mais tenra idade na educação formal ou fora
dela.
Os problemas e os processos de educação que estão acontecendo como
forma de resistência pedagógica cultural simbolizam que um movimento se
constrói a fim de minimizar as investidas da hegemonia dominante que se
baseia no lucro, na eficácia, nos discursos da qualidade total e na busca pelo
capital. Hoje, para ser é necessário ter. Ter acesso ao mercado, ao consumo,
ao status. Isto significa que o homem se reduziu ao poder de compra. [...].
(NASCIMENTO, 2003, p. 10).
Acreditamos que “um outro mundo é possível”, porque a história não
acabou, pois vivemos no mundo das possibilidades, logo a sociedade pode deixar de ser
estratificada e passar a ser mais igualitária e democrática. Podemos construir uma sociedade
em que os valores humanos possam ser maiores que os valores do lucro e do mercado. Para
isso existem as resistências à opressão das classes dominantes nos movimentos sociais e na
educação, dentro e fora da escola, seja formal e/ou informal. Neste sentido, Nascimento
escreve a respeito de sua posição favorável a construção da humanização da sociedade e a
confiança nesse projeto educativo de oposição ao modelo hegemônico em busca de...
[...] uma sociedade mais justa, fraterna e humanizada. Apesar de tais termos
sejam usados como verbetes pelo lado oposto das resistências. O importante
é saber que existem alternativas de educação acontecendo. E aqui entende
educação não somente como espaço escolar, mas como práticas de
transformação e de recriação da cultura [...]. A resposta mais adequada que
se poderia dar para a existência desses movimentos contra-hegemônicos
seria a partir do questionamento levantando no último Fórum Social
Mundial: Um outro mundo é possível? (NASCIMENTO, 2003, p. 10).
Uma educação transformadora se faz necessária para que busquemos
mudanças positivas no ser humano e na sociedade de uma forma integral, numa perspectiva
humanizadora/libertadora, a fim de construirmos uma sociedade mais justa e igualitária. Desta
433
maneira, necessitamos construir uma educação cujo sentido emancipatório se concretize como
sendo uma mutação integral do ser humano e das condições objetivas de sua existência
(LOUREIRO, 2004).
O potencial emancipatório da educação se faz na opção por desvendar a
essência da realidade que se encontra ocultada pelos aparelhos ideológicos controlados pelo
capital e pelo Estado capitalista. Sendo assim, é o compromisso com o desvendamento da
verdade (relativa) que torna a educação importante instrumento de mutação social. Este
desvendamento da realidade propicia as condições para que sejamos sujeitos históricos.
É função de uma Educação Emancipatória orientar um posicionamento
político que instrumentalize os educandos para a leitura crítica da realidade. Para que os
indivíduos adquiram autonomia intelectual e se entendam enquanto seres históricos capazes
de interpretar/questionar/transformar a realidade.
É tarefa específica da escola, ajudar a construir um ideário que orienta a
vida das pessoas e incluir também as ferramentas culturais de uma leitura
mais precisa da realidade em que vivem. [...]; significa também enraizar as
pessoas na história, para que se compreendam como parte de um processo
histórico. E isso tudo para tornar consciente, explicar, interpretar,
questionar, organizar, firmar ou revisar idéias e convicções sobre o mundo,
sobre a história, sobre a realidade mais próxima, sobre si mesmos.
(CALDART, 2004, p.41).
A educação alcança seus objetivos emancipatórios na medida em que
possibilita a construção da consciência crítica que autonomia ao indivíduo de ler a
realidade para além do discurso ideológico dominante. Forma, assim, valores e pensamentos
que são antagônicos ao modo de viver e de entender a realidade do ponto de vista hegemônico
do capital. Fundamenta com isto a opção política pela construção coletiva de alternativas para
a oposição à lógica excludente do capital.
[...] é possível afirmar que, o potencial crítico e transformador da educação
está no desvelamento da realidade, na ação política coletiva e na garantia da
autonomia individual, na formulação de valores e pensamentos. [...].
(LOUREIRO, 2004, p.131).
A educação permite a construção de alternativas para a modificação da
maneira como vivemos e nos organizamos socioespacialmente no modo de produção
434
capitalista. Isto permite a realização do ser humano enquanto seres que
constroem/reconstroem ou criam/recriam a realidade.
[...] A educação é um dos meios humanos que garantem aos sujeitos, por
maior que seja o estado de miséria material e espiritual, e os limites de
opções dados pelas condições de vida, o sentido de realização ao atuar na
história modificando no processo de busca de construção de alternativas ao
modo como nos organizamos e vivemos em sociedade. (LOUREIRO, 2004,
p.131).
É nessa perspectiva que pensamos o ensino de geografia, ou seja, uma
geografia capaz de revelar a essência dos fatos e que auxilie na mudança social por meio da
conscientização dos sujeitos-estudantes a respeito das contradições do capitalismo e de sua
natureza classista e exploradora. Incutindo nos educandos a postura crítica necessária a
construção do comprometimento social do indivíduo diante da sociedade. Entendemos,
portanto, que a conscientização política dos alunos passa necessariamente pela reflexão a
respeito do modelo de globalização capitalista, suas contradições e a luta de classes presente
em seu interior.
É nesses termos que a geografia hoje se coloca. É nesses termos que seu
ensino adquire dimensão fundamental no currículo: um ensino que busque
incutir nos alunos uma postura crítica diante da realidade, comprometida
com o homem e a sociedade; não com o homem abstrato, mas com o
homem concreto, com a sociedade tal qual ela se apresenta, dividida em
classes com conflitos e contradições. E contribua para a sua transformação.
(OLIVEIRA, 1994b, p.143).
Concebemos a geografia escolar como uma disciplina capaz de auxiliar no
processo de formação de sujeitos autônomos, ou seja, sujeitos que constroem sua própria
história e são capazes de transformar a realidade na qual estão inseridos. Pois, entendemos
que a realidade é dialética, ou seja, contraditória e mutável. E que vivemos no “mundo das
possibilidades”, onde a realidade é formada também pelo que pode ser ainda (vir a ser)
construído pelos sujeitos.
Por isso, concebemos a necessidade da prática da Geografia Dialética ou
Geografia Crítica. Visto que somente o materialismo histórico e dialético como paradigma
teórico-metodológico é capaz de entender a realidade como uma totalidade contraditória
produzida historicamente e territorialmente num permanente/constante processo de
construção/desconstrução/recriação. É o materialismo histórico e dialético, também, que
435
entende a possibilidade e a necessidade de mutação social devido à
exploração/alienação/coisificação humana causada pelo modo de produção capitalista.
Entende o ser humano como ser concreto que transforma a natureza com suas relações de
trabalho e modifica a realidade com suas opções/ações políticas. Um ser humano inserido em
uma sociedade de classes.
Dessa forma, acreditamos que a Geografia Crítica/Dialética/Marxista e a
educação formal, mais especificamente, a Educação do Campo deve servir como instrumento
de mudança para emancipação das camadas subalternas. Nesta perspectiva, “[...] de agora em
diante é preciso aprender a ensinar uma geografia da libertação”. (WETTSEIN, 1994, p.134).
Daí a nossa crítica aos pressupostos teórico-metodológicos que negam o
caráter classista/explorador da sociedade capitalista e prega a neutralidade no processo de
produção científica e no processo de ensino-aprendizagem, corroborando, dessa maneira, com
a reprodução da ideologia neoliberal.
É nesta perspectiva que compreendemos que a concepção geográfica
presente no PCN não permite a formação da postura crítica necessária para o entendimento
das relações socioespaciais numa perspectiva emancipatória. Pois, não existe uma crítica ao
modo de viver capitalista presente no PCN de geografia.
A opção dos autores por um ecletismo teórico confuso e pelo subjetivismo
extremo não permite a compreensão da essência da realidade. Suas críticas superficiais e
contraditórias ao marxismo na geografia nos revelam o comprometimento com a manutenção
do status quo dominante. As idéias dos autores correspondem ao reflexo dos ideais do
governo que foi responsável pela elaboração das propostas, ou seja, o governo FHC. Logo, se
trata de reformas neoliberais que ocorrem no mundo capitalista globalizado e, no Brasil, essas
reformas adquirem um caráter “PSDBista/tucanista”.
Quanto ao Construtivismo, concordamos com sua importância enquanto
concepção teórico-metodológica que rompe com o positivismo/empirismo no processo de
ensino-aprendizagem, pois passa a conceber o educando como sujeito ativo nesse processo.
Porém, o Construtivismo não superou o discurso de neutralidade presente no processo
educativo. Por isso, necessitamos da conscientização política e da opção de classe feita pela
Pedagogia Libertadora/Freireana.
O Construtivismo é incompleto para fomentar, isoladamente, um processo
libertador por meio da educação. Desse modo, um projeto educativo baseado apenas no
Construtivismo não está, necessariamente, relacionado à construção de um processo educativo
libertador/emancipatório que busque romper com as estruturas vigentes.
436
É por isso que apesar de entendermos a importância da superação da
educação tradicional por meio do Construtivismo, temos que esclarecer suas limitações. Pois,
existe atualmente uma espécie de “modismo” em se intitular como “Construtivistas” desde
professores, escolas, livros didáticos, propostas curriculares etc. É necessário esclarecermos
que o Construtivismo é uma teoria psicopedagógica que explica como acontece o processo de
construção da aprendizagem pelo ser humano, sendo de extrema utilidade para a superação da
visão empirista/positivista do processo educativo como, por exemplo, a concepção “bancária”
de educação criticada por Paulo Freire.
Segundo Hernandez (1998), se faz necessário transgredir essa lógica
simplificadora da auto-identificação Construtivista. Esclarece-nos que o processo educativo
não pode se reduzir a uma explicação psicológica de como os indivíduos se apropriam do
conhecimento, pois é necessário discutir as relações de reprodução social ou transformação
social presente no processo educativo, ou seja, a questão político-ideológica inerente ao
sistema de educação formal.
Desse modo, afirmarmos que o PCN de geografia é incompleto com
relação à opção teórico-metodológica, logo a convicção de que devemos acrescentar a
Pedagogia Freireana/Libertadora e a Pedagogia do Movimento (MST) a nossa prática
educativa do campo, a fim de rompermos com a ideologia dominante e o discurso de
neutralidade do processo de produção/reprodução do conhecimento.
Como forma de desmistificarmos a neutralidade presente no processo de
produção do conhecimento concebemos que a discussão a respeito da reforma agrária no
Brasil deve ser entendida inerente ao contexto de luta de classes travadas no interior do
processo do capitalismo globalizado no campo brasileiro. Daí a necessidade de assumirmos o
caráter de classe da Reforma Agrária, isto é, o enfrentamento entre terra de trabalho/vida
(camponeses) versus terra de negócio/exploração (capitalistas). Por isso, questionamos a
estrutura vigente do poder econômico onde se encontra estabelecido o pacto terra-capital
(ALMEIDA, 2003).
Daí, a necessidade de pensarmos que a reforma tem que ser uma luta contra o
capital. Por isso, o MST constrói a luta da classe camponesa pela/na terra em busca de seu
processo de recriação e de reprodução. Pois, além da luta pelo retorno a terra dos sem terra,
existe a luta contra a territorialização do capital no campo, porque este processo expropria o
campesinato, e a luta contra a monopolização do capital no campo, que subordina a renda
camponesa lhe impondo um estado de reprodução na precariedade. Por outro lado, o MST
437
conquista seus objetivos por meio de suas estratégias de espacialização e de territorialização
da luta.
Entendemos que existe uma questão agrária no Brasil desde o período
colonial e que atualmente está relacionada com a internacionalização da economia brasileira.
Situação que envolve o agronegócio de um lado e o campesinato de outro. Por isso, a reforma
agrária se faz de extrema necessidade para acabar com a concentração fundiária e distribuir
renda a partir do retorno ao campo dos camponeses expropriados.
Com a internacionalização da economia brasileira, a elite agrária passou a
dedicar-se ao agronegócio, baseado no latifúndio e na monocultura para a exportação. Mas,
esse modelo agrícola onde “muitos têm pouca terra e poucos têm muita terra” (OLIVEIRA,
2003), acirra a luta dos movimentos sociais do campo, tendo em vista o retorno do
campesinato ao campo e a sua permanência. Essa luta se faz necessária quando ocorre a
territorialização do capital e a conseqüente expulsão do camponês para a cidade. Os
camponeses lutam para retornarem ao campo por meio de movimentos, como o MST,
principal movimento de luta pela/na terra no Brasil. O retorno desses camponeses demonstra
que o campesinato é uma classe em movimento que continua lutando para se reproduzir
negando o fatalismo neoliberal.
Dessa forma, discordamos do que prega algumas teses marxistas-leninistas-
kautskystas de que o campesinato é uma classe em vias de extinção, um empecilho para a
superação do capitalismo. O campesinato continua resistindo na luta para se reproduzir e
apesar de ser uma classe ambígua, possui consciência de trabalhador e de proprietário de
terra, sua lógica da terra como sinônimo de “terra de trabalho
158
e de trabalho como sendo
sinônimo de “trabalho autônomo/familiar”, diverge da lógica da terra como
mercadoria/exploração do capitalismo e da venda da força de trabalho ao capital.
Por isso, sua luta para se reproduzir enquanto classe passa a ser uma luta
contra o capital, pois este avança a fim de expropriá-los e proletarizá-los. Então, quando o
capital invade o território do campesinato este passa a lutar contra o capital a fim de continuar
se reproduzindo como classe por meio de relações não-capitalistas baseadas no trabalho, na
família e na terra. Logo, a produção camponesa é a antítese da produção capitalista do
agronegócio. Nesta concepção “[...] a luta do posseiro seria anti-capitalista, por tratar-se de
uma tentativa de impedir que a terra-trabalho se transforme em terra-especulação/exploração
do trabalho [...]”. (ALMEIDA; PAULINO, 2000, p. 121). A interpretação da realidade
158
Conceito teorizado por Martins (1991).
438
construída pelo campesinato difere da interpretação ideológica do capital, pois para este
primeiro a terra e o trabalho são sinônimos de meios de reprodução da vida e não do capital.
O agronegócio tem se constituído como as plantations no Brasil colonial,
num conjunto predador da sociobiodiversidade, tendo como características principais: a
monocultura, o latifúndio e a exportação. Pois, além de expulsar os camponeses e causar o
êxodo rural, principal responsável pelos problemas urbanos, seus agroecossistemas
simplificados da monocultura exigem o uso de agroquímicos que degradam o meio ambiente
desestruturando o equilíbrio ambiental.
Acreditamos que os trabalhadores assalariados e os camponeses são as
classes que podem fomentar uma ruptura com o modelo socioeconômico atual, pois são
classes que vivem do trabalho e não da exploração do trabalho alheio e da
acumulação/reprodução de capital. Se ambas as classes tem diferenças que devem ser
explicitadas, também tem semelhanças que os fazem serem classes cujos interesses são
antagônicos aos do capital diretamente, no caso dos trabalhadores assalariados, ou
indiretamente, no caso dos camponeses.
Neste sentido, acreditamos na sociedade construída além da dicotomia
unilateral entre assalariados e capitalistas
159
. E que, por isso, lugar para o campesinato na
superação do capitalismo, pois estes não são nem um empecilho à revolução e nem são uma
classe condenada à extinção, como tem demonstrado a realidade.
Na perspectiva de auxiliar nesse projeto emancipatório para os camponeses
existe a construção da Educação do Campo. Partimos da concepção de que a educação é
instrumento de reprodução ou de transformação socioespacial, dependendo da opção teórica -
metodológica que se faz. Acreditamos na necessidade de uma Educação do Campo para
trabalhar as especificidades dos moradores do campo, respeitando seu saber popular e
proporcionando a cidadania aos habitantes do campo.
Os camponeses sempre estiveram excluídos do sistema educacional, cujas
políticas públicas sempre valorizaram o urbano, nunca houve uma educação que se
preocupasse com a identidade camponesa. Visto que as oligarquias rurais sempre difundiram
a ideologia de que ler e escrever para os habitantes do campo seria desnecessário e o resultado
disso é um grande número de analfabetos no campo.
A educação rural sempre foi desterritorializada, ou seja, não tinha relação
com o modo de vida camponês e sua territorialidade. Além disso, sempre esteve
159
Para Bordieu apud Almeida (2006a) esta interpretação da realidade é limitada porque concebe uma realidade
unidimensional, mas a realidade é multidimensional.
439
comprometida com o capital, buscando formar mão-de-obra barata para o capital urbano,
reproduzindo, assim, as relações socioeconômicas vigentes. Reforçando ideologicamente a
expulsão do campesinato e, conseqüentemente, o êxodo rural. Dessa maneira, sempre foi uma
educação que tinha a função de domesticação. Daí a necessidade de ser fazer a
reterritorialização dessa educação que forme um conjunto de ações que auxiliem na
resistência cultural e política do campesinato frente às tentativas de sua destruição.
Essa nova prática educativa do campo não pretende dicotomizar a relação
rural/urbano, mas trabalhar com as sua especificidades. Pois, o resultado ideológico dessa
lógica urbano/industrial capitalista, e de sua educação adestradora, é a manutenção da
reprodução do processo de expropriação do camponês, sua proletarização, o êxodo rural e a
segregação socioespacial urbana. Visto que a educação rural, até então, preparou os
indivíduos apenas para a subordinação ao capital e nunca para a emancipação, auxiliando na
sua transformação em operários urbanos ou bóias-frias.
Dessa forma, não podemos desconsiderar o caráter
revolucionário/emancipatório que está presente na proposta de Educação do Campo, pois esta
se integra aos movimentos sociais do campo com o objetivo de auxiliar na formação de
trabalhadores do campo militantes de causas sociais, preocupados com os problemas coletivos
e que lutem pela transformação social. Visto que a superação dos condicionantes sociais é
algo inerente ao nosso processo de humanização.
O Vínculo da Educação do Campo com os movimentos sociais aponta, além
disso, para algumas dimensões da formação humana que não podem ser
esquecidas em seu projeto político e pedagógico: pensar que precisamos
ajudar a educar não apenas trabalhadores do campo, mas também lutadores
sociais, militantes de causas coletivas e cultivadores de utopias sociais
libertárias. [...]. (CALDART, 2004, p.31).
Nesta perspectiva, a Educação do Campo deve assumir um caráter de luta
contra o capital, visto que a territorialização do agronegócio significa expropriação
camponesa que, conseqüentemente, afeta o processo educativo. Pois, a Educação do Campo
necessita de um campo onde os povos do campo se reproduzam, porque o agronegócio
expulsa os moradores para a cidade e as máquinas tomam o lugar das pessoas.
Por isso, a Educação do Campo deve se posicionar politicamente a favor dos
oprimidos do campo, dos camponeses e das populações tradicionais e contra o agronegócio.
Esta educação tem relação estreita com o processo de humanização e reprodução da vida e
440
não com o processo de reprodução do capital, daí o antagonismo entre a Educação do Campo
e o agronegócio-capitalista.
O agronegócio, a expulsão da terra aumentam a tradicional precarização da
força humana que trabalha e a degradação crescente das formas de produção
da existência. A educação é diretamente afetada na medida em que se
desenraizam os povos da terra, da cultura e das formas de produção.
(ARROYO, 2004b, p.96).
De acordo com Gonçalves (2004), nos territórios onde impera o agronegócio
é maior o número de conflitos no campo, marcados por trabalho escravo, super-exploração e
demais precarizações do trabalho e da vida
160
. São os territórios onde não existe a produção
da cultura, que a agri-cultura camponesa propicia, como as festas juninas que comemoram
tradicionalmente as colheitas como, por exemplo, no Nordeste a colheita do milho. Mas, o
agri-negócio não produz cultura, somente capital, por isso que não existem festas populares
onde o capital se territorializou, como no Mato Grosso, onde “reina” Blairo Maggi um dos
maiores produtores de grãos do mundo (GONÇALVES, 2004). Por isso, o agronegócio é
predador da sociobiodiversidade.
Neste sentido, a Educação do Campo busca a construção de uma nova
consciência política: “A nova consciência política carrega uma orientação humana nova, que
se contrapôs ao esvaziamento humano do agronegócio. [...]. O reconhecimento dessa nova
dinâmica humana que se revela no campo poderá ser o alicerce de novas políticas educativas”.
(ARROYO, 2004b, p.97).
Entendemos que com nossa pesquisa pudemos contribuir auxiliando no
processo de construção de outra prática educativa, ou seja, de uma outra geografia escolar e
de uma Educação do Campo com forte caráter emancipatório porque é centrada no sujeito.
Procuramos em nossa pesquisa conhecer quem são os sujeitos-estudantes do campo e qual é a
sua realidade, ou seja, buscamos entender a realidade dos estudantes-camponeses. Dessa
160 Recentemente (em novembro de 2007), foi interditada a unidade da Companhia Brasileira de Açúcar e
Álcool/Agrisul (DEBRASA) que se territorializou no município de Brasilândia-MS. No local, cerca de 800
trabalhadores indígenas foram flagrados em condições degradantes. Os alojamentos foram encontrados sem
condições de habitabilidade, higiene e conforto, com muito lixo espalhado pelo chão, moscas e outros insetos e
restos de comida por todo o local. O esgoto corria a céu aberto, além de estarem superlotados, com homens
amontoados, sem armários ou locais para guardar seus pertences e objetos de uso pessoal, em desacordo com as
normas de segurança e saúde do trabalhador (
GRUPO...
, 2007).
441
maneira, foram os próprios sujeitos que se expressaram dizendo como é sua vida cotidiana, e
descrevendo como é o lugar em que eles moram.
Por meio das atividades desenvolvidas em sala de aula e das entrevistas com
os estudantes da série da escola EMEF Raquiel Jane Miranda, nos anos de 2005, 2006 e
2007, pudemos conhecer um pouco da vida e do lugar onde moram, além de ouvir suas
opiniões sobre o que pensam a respeito de onde moram.
A partir de autores que tratam a respeito do campesinato como produção
familiar que resiste ao capitalismo e, principalmente, das contribuições da pesquisa
desenvolvida por Carlos Rodrigues Brandão (1999) acerca do estudante-camponês, buscamos
interpretar a fala desses sujeitos. Buscando refletir a respeito de seus relatos na perspectiva de
poder construir uma educação que entenda os sujeitos do campo e suas especificidades.
Entendemos que o universo da realidade do estudante-camponês, se reproduz
no tripé: trabalho, lazer e escola. Essas são as três faces principais que envolvem o processo
de produção/reprodução material e simbólica do camponês-estudante. Primeira característica
inerente a esses estudantes-camponeses é a vivência do trabalho familiar, pois terra, trabalho e
família constituem o tripé que compõe o campesinato. Isto quer dizer que esses estudantes são
ao mesmo tempo estudantes e trabalhadores.
O trabalho familiar constitui em tarefas cotidianas cuja obrigação avança
proporcionalmente com a idade. Esse trabalho familiar tem característica socioeducativa e de
subsistência obrigatória. Dessa forma, não se trata do trabalho capitalista exploratório, que
separa o trabalhador e o produto do trabalho. Não sendo, portanto, trabalho alienado,
subordinado ao capitalismo, mas, sim, trabalho autônomo/familiar visando à reprodução da
classe camponesa. Sendo diferente de exploração de trabalho infantil. O entendimento dessa
característica inerente ao campesinato se faz de extrema importância para que possamos
pensar em um projeto educativo dos sujeitos do campo considerando esta especificidade.
Com nossa pesquisa constatamos que as ações dos camponeses-estudantes
estão sempre relacionadas ao seu ambiente de vida, ou seja, sua realidade é tecida nos espaços
de trabalho e lazer, na presença dos animais que ora cuidam, ora brincam, nos córregos, nas
plantações, ou mesmo, no trabalho diário, onde ajudam seus pais. Mostrando, dessa forma,
estarem inseridos em relações de trabalho (autônomo) que são bem diferentes das que
vivenciam os alunos da cidade. Daí a confirmação da especificidade necessária para o
trabalho pedagógico com esses educandos do campo.
Notamos que suas atividades de lazer também se misturam ao trabalho
familiar, não existindo uma dicotomia entre trabalho e lazer como ocorre na cidade. O lazer
442
no campo envolve os animais da propriedade, os vizinhos e os passeios pela redondeza, onde
ocorre a visita a córregos, para nadar ou pescar, além das próprias atividades de trabalho
familiar. Notamos a ocorrência deste fato quando a estudante coloca atividades como tirar
leite na lista de atividades que faz para se divertir: “[...] Eu toco vaca, toco bezerro, trato das
galinhas. Eu gosto de brincar de pular corda, e de assistir. Eu trato do meu cachorro e dos
porco [...]”. (TATIANE, moradora do assentamento Santo Antônio, 10 anos, 2007).
A policultura e o trabalho familiar, características típicas do campesinato,
aparecem de forma bastante ilustrativa nessa fala do estudante-camponês Hélton
161
:
tem árvores, flores, tem de manga, caju, coco, siringuela, pocam,
romã, amora, mamão, milho, cana, anapiê, coloral, castanheira, mandioca e
canilha do brego [caninha do brejo]. Eu toco vaca, toco bizero. Gosto dos
porcos e das galinha. Eu separo as vacas com a minha mãe e levo a vaca
para dar de mamar [...]. (morador do assentamento Santo Antônio, 10 anos,
2007).
Apreendemos também essacampesinidade” nos filhos dos trabalhadores
rurais assalariados que moram nas fazendas. Ou seja, apesar de não pertencerem à classe
camponesa, pois não o donos da terra, continuam mantendo uma relação de trabalho
familiar e de lazer no campo como características de sua vivência, assim como a classe
camponesa, mesmo estando em terra de outrem. Demonstrando que a campesinidade não se
extingue com a expropriação do campesinato. Por isso, a Educação do Campo deve abranger
esses filhos de trabalhadores rurais assalariados de fazendas. Esta questão pode ser melhor
compreendida no relato que segue:
Onde eu moro é muito legal.
O nome da fazenda é fazenda Santa Elena.
tem cachoeira, eu tomo banho quase todo dia. Tem pavão eu corro atrás
dos pavão para pegar as penas. [...].
Eu só ando de cavalo com o meu pai.
Quando eu volto [da escola] eu fico com a minha mamãe ajudando ela
limpar a casa e o terreiro.
E depois eu vou salgar cocho com o meu pai, tem vez que a minha mãe
também vai. (BRUNA, 10 anos, 2007).
A casa e o terreiro são territórios de trabalho predominantemente femininos,
como notamos pela fala da Bruna. Todavia, isso não impede das mulheres ajudarem nas
161
Relato parcialmente transcrito no decorrer do texto.
443
atividades consideradas masculinas, como o trabalho com a agricultura ou com a criação.
Notamos que suas atividades de lazer estão relacionadas aos objetos naturais e objetos
sociais
162
existentes em seu espaço de vivência como o cavalo, o pavão, a cachoeira e o
cuidado com os animais.
A mesma relação unitária podemos notar também na fala da estudante Aline:
Eu moro na fazenda, onde eu moro se chama fazenda Bom Jesus.
Eu adoro morar lá, gosto dos cavalos, das árvores, gosto da lagoa, do rio,
das matas.
Lá na fazenda eu ando de cavalo e de bicicleta na estrada. [...]. (10 anos,
2007).
Com relação à pesquisa realizada com os professores das séries/anos iniciais,
ouvimos suas opiniões a respeito da questão agrária, da Educação do Campo e do ensino de
geografia, tendo em vista que os professores são peças fundamentais para a construção de um
processo educativo transformador.
Conseguimos apreender, por meio de um questionário semi-estruturado, que
o professor que não tem uma formação específica para trabalhar com os alunos do campo, não
conseguiu durante seu curso universitário, e nem durante a educação continuada, apreender a
complexidade das relações construídas no campo e as especificidades dessas relações
estabelecidas pelos sujeitos. Portanto, eles têm sido incapazes de construir uma educação
adequada aos educandos do campo.
Nas respostas dos professores, estes admitem não terem tido formação inicial
e continuada adequada para trabalhar com alunos do campo e trabalhar com a questão agrária
em sala de aula. É necessário, por isso, repensar a formação inicial, principalmente das
instituições privadas, visto que a maioria dos professores são formados nestas instituições, e a
formação continuada. Para que assim possamos construir um projeto de educação
transformador e adequado a realidade dos educandos do campo.
A maioria dos professores também não conhece nenhum autor da geografia e
nem os pressupostos teórico-metodológicos do materialismo histórico e dialético, situação que
pensamos como essencial para a construção de uma educação e de um ensino de geografia
transformador. Porque o principal referencial teórico do professor tem sido o PCN de
geografia que por seu ecletismo teórico-metodológico e comprometimento neoliberal mais
compromete do que ajuda a compreeensão da geografia.
162
Conceitos utilizados por Santos apud Henrique (2003).
444
Por outro lado, o principal referencial dos professores para o conhecimento a
respeito dos movimentos sociais está na mídia, por isso a maioria dos professores
desconhecem os objetivos dos movimentos sociais e, conseqüentemente, grande parte se
posiciona contra esses movimentos. Daí a necessidade de se ter uma formação inicial e
continuada que discuta esse assunto de maneira satisfatória.
Nossa intenção nessa pesquisa não foi a de condenar os professores por causa
de seu despreparo, pois os professores, na maioria dos casos, são vítimas de uma formação
inicial e continuada precária, uma remuneração baixa e uma carga de trabalho sufocante que
não permite o seu aprimoramento e a produção de pesquisa, separando docente e pesquisador.
Este quadro torna os professores vulneráveis à ideologia dominante, encontrando vasta
dificuldade em compreender a essência da realidade. Este fato cria um forte obstáculo para
que os professores auxiliem no processo de desvendamento da realidade, tendo em vista uma
mudança social.
Acreditamos que desde o problema da insatisfatória formação de professores
e alunos até o problema da exclusão social dos moradores do campo e da cidade fazem parte
de uma mesma totalidade de relações inclusas/subordinadas ao modo capitalista de produção,
ou seja, nada é por acaso. Por isso, somente a ruptura pode sanar os problemas pela raiz, daí a
radicalidade do nosso entendimento sobre a questão. Dessa forma, confirmamos nossa
posição de que produzimos ciência e trabalhamos com educação e ensino de geografia para a
transformação social, a fim de questionar a desigualdade e opressão existente na essência do
modo de produção capitalista. Combatendo, assim, o discurso neoliberal que naturaliza a
opressão e a desigualdade que é produzida em nossa sociedade classista.
Produzimos uma dissertação que procurou ser, ao mesmo tempo, teoria e
prática. Buscamos pensar os problemas e na prática operalizar soluções. Fomos sujeito e
objeto desta pesquisa, e aproveitando a condição privilegiada de ser professor e pesquisador
testamos o limite como possibilidade. Fizemos da sala de aula, nosso lugar de trabalho e de
esperança, a oficina onde ensaiamos aquilo que pensamos fora dela. O resultado está nesta
longa e interminável escrita, que não poderia ser diferente, pois juntar teoria e prática não
permite reducionismo. Se fomos prolixos, perdoem os leitores. Foi a ânsia de mostrar os
problemas, o abismo, e não terminar nele, ser capaz de voltar e buscar o caminho.
445
Pra vida continuar
...Que Paulo Freire nos ilumine de lá,
De onde ele deve estar com sua pedagogia.
Aqui na terra vamos lutando por ela.
Aprendendo nesta guerra, soletrar cidadania.
Já que você decidiu
dê as mãos, vamos simbora
porque pela estrada a fora,
vamos juntar muita gente,
pois no campo vai florir
uma educação decente.
Pra começar quando vi o sol raiar,
vi que soletrar a vida é bem mais que o B, A, B
é só contar, subtrair ou somar,
dividir felicidade pra vida multiplicar.
Zé Pinto
163
163
Cantares da Educação do Campo.
446
9 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, Rosemeire Aparecida de (Org.). Pequeno glossário da questão agrária. Três
Lagoas, 2004. Mimeografado.
ALMEIDA, Rosemeire Aparecida de. (Re) criação do campesinato, identidade e distinção: a
luta pela terra e o habitus de classe. São Paulo: UNESP, 2006a.
ALMEIDA, Rosemeire Aparecida de. A herança da terra no trabalho com fontes orais. In:
BORGES, Maria Celma; OLIVEIRA, Vitor Wagner Neto de. (Org.). Cultura, trabalho e
memória: faces da pesquisa em Mato Grosso do Sul. Campo Grande: UFMS, 2006b. p.155-
187.
ALMEIDA, Rosemeire Aparecida de. O conceito de classe camponesa em questão. Revista
Terra Livre, São Paulo: AGB, ano 19, v. 2, n.21, p. 73-88, jul./dez. 2003.
ALMEIDA, Rosemeire Aparecida de; PAULINO, Eliane Tomiasi. Fundamentos teóricos para
o entendimento da questão agrária: breves considerações. In: Geografia, Londrina, v.9, n.2, p.
113-127, jul./dez. 2000. Mimeografado.
ANDREY, M. A. et al. Para compreender a ciência numa perspectiva histórica. São Paulo:
EDUC, 1988.
ANTUNES, Ricardo. Fordismo, toyotismo e acumulação flexível. In: Adeus ao trabalho? .6.
ed. São Paulo: Cortez, 1999. p.13-38.
ARBEX JUNIOR, José. Haja Cruz. Revista Caros Amigos, São Paulo: Casa Amarela, ano 10,
n. 109, p.10, abr. 2006.
ARROYO, Miguel Gonzalez. A educação básica e o movimento social do campo. In:
ARROYO, Miguel G.; CALDART, Roseli S.; MOLINA, Mônica C. (Org.). Por uma
educação do campo. Petrópolis: Vozes, 2004a. p. 67-86.
ARROYO, Miguel Gonzalez. Por um tratamento público da educação do campo. In:
MOLINA, Mônica Castagna; JESUS, Sonia M. S. A. de (Org.). Por uma educação do campo:
contribuições para a construção de um projeto de educação do campo. Brasília, DF:
Articulação Nacional: “Por Uma Educação do Campo”, 2004b. p. 91-109. (Por uma Educação
do Campo, 5).
447
ARROYO, Miguel. Ofício de mestre. Petrópolis: Vozes, 2000.
ARROYO, Miguel G.; CALDART, Roseli S.; MOLINA, Mônica C. Apresentação. In:
______ (org.). Por uma educação do campo. Petrópolis: Vozes, 2004. p. 7-18.
BALDUÍNO, Dom Tomás. O campo no culo XXI: território de vida de luta e de
construção da justiça social. In: OLIVEIRA, Ariovaldo U. de; MARQUES, Marta Inês
Medeiros (Org.). O campo no século XXI: território de vida, de luta e de construção da justiça
social. São Paulo: Casa amarela; Paz e Terra, 2004. p. 19-29.
BATISTA, Luiz Carlos. Cadernos de formação: uma contribuição à formação do professor de
geografia e a sua atuação em zona rural. Aquidauana: UFMS, 1995.
BETTO, Frei. Crise da modernidade e da espiritualidade. Presidente Prudente: UNESP, 2001.
BETTO, Frei. Necrocombustíveis. Disponível em: <http://amaivos.uol.com.br/>. Acesso em:
out. 2007.
BOFF, Leonardo. Século XXI: século da espiritualidade? Disponível em:
<http/www.dhnet.org.br/diretos/militantes/boffespiritalidade.html>. Acesso em: ago. 2006.
BORDIEU, Pierre; PASSERON, Jean C. A reprodução: elemento para uma teoria do sistema
de ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975. (Educação em questão).
BORGES, Maria Celma. História e memória dos ribeirinhos de ilha cumprida: a luta contra o
desenraizamento. In: BORGES, Maria Celma; OLIVEIRA, Vitor Wagner Neto de. (Org.).
Cultura, trabalho e memória: faces da pesquisa em Mato Grosso do Sul. Campo Grande:
UFMS, 2006. p. 135-154.
BRABANT, Jean-Michel. Crise da geografia, crise da escola. In: OLIVEIRA, Ariovaldo U.
de (Org.). Para onde vai o ensino da geografia? .4. ed. São Paulo: Pinski, 1994. p. 15-23.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. 22. ed. São Paulo: Brasiliense, 1988.
(Primeiros Passos, 20).
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O trabalho de saber: cultura camponesa e escola rural. Porto
Alegre: Sulina, 1999.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases Educação Nacional
. Lei n. 9394/96, Brasília, DF: MEC.
448
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros
Curriculares Nacionais: Introdução - a séries do Ensino Fundamental. 3. ed. Brasília:
MEC/SEF, v. 1, 2001a.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros
Curriculares Nacionais: História e Geografia - a séries do Ensino Fundamental. 3. ed.
Brasília: MEC/SEF, v. 5, 2001b.
CACETE, Núria Hanglei. A AGB, os PCNs e os professores. In: CARLOS A. F.;
OLIVEIRA, Ariovaldo U. (Org.). Reformas no mundo da educação: parâmetros curriculares e
geografia. São Paulo: Contexto, 1999. p. 36-43.
CALDART, Roseli Salete. Elementos para a construção de um projeto político e pedagógico
da educação do campo. In: MOLINA, Mônica Castagna; JESUS, Sonia M. S. A. de (Org.).
Por uma educação do campo: contribuições para a construção de um projeto de educação do
campo. Brasília, DF: Articulação Nacional: “Por Uma Educação do Campo”, 2004. p. 13-53.
(Por uma Educação do Campo, 5).
CALDART, Roseli Salete. Momento atual da educação do campo. Disponível em:
<http://www.nead.org.br/artigodomes/imprime.php?id=27>. Acesso em: 1 set. 2005.
CALLAI, Helena Copetti. A geografia e a escola: muda a geografia? Muda o ensino? Revista
Terra Livre, São Paulo: AGB, n. 16, p.133-152,1º semestre/2001.
CANO, Wilson. Algumas implicações espaciais da terceira revolução industrial no Brasil. In:
GONÇALVES, M. Flora. O novo Brasil urbano. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1995. p. 123-
132.
CASALDÁLIGA, Dom Pedro. Luta pela terra é a mais organizada. MARTINS, José P.
Soares (Org.). Terra nossa prometida: os vinte anos de assentamento Sumaré. Campinas:
Komedi, 2004.
CIMI. Conselho Indigenista Missionário. Publicação eletrônica [mensagem pessoal].
Mensagem recebida por <[email protected]> em: 15 jul. 2007.
CORRÊA, Roberto Lobato. Região e organização espacial. São Paulo: Ática, 1986.
(Princípios, 53).
449
CREVOISIER, Oliver. A abordagem dos meios inovadores: avanços e perspectivas. Rev.
Interações: Revista internacional de desenvolvimento local, [S. L: s.n.], n. 7, v. 4, p. 15-26,
set. 2003. Mimeografado.
CURRÍCULO e política de identidade: os parâmetros curriculares nacionais em questão.
Revista Educação e Realidade, [S. L: s.n.], n. 1, p. 10-20, jan./jun. 1996. Mimeografado.
DUPAS, Gilberto. Economia global e exclusão social: Pobreza, emprego, estado e o futuro do
capitalismo. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
ENGELS, Friedrich. Sobre o papel do trabalho na transformação do macaco em homem. In:
Textos. São Paulo: [s.n], 1977. Mimeografado.
FAJARDO, Sérgio. Paisagem rural e território econômico: algumas considerações sobre essas
possibilidades de leitura do espaço agrário. [S. L: s.n.], [200?]. Mimeografado.
FELICIANO, Carlos Alberto; BOMBARDI, Larissa Mies. A questão agrária em sala de aula.
In: ENCONTRO NACIONAL DE ENSINO DE GEOGRAFIA, 5, 2003, Presidente Prudente.
Contribuições científicas e resumos. Presidente Prudente: AGB, 2003. p. 33-34.
FELINTO, Marilene. Normal teria sido a guerra. Revista Caros Amigos, Casa Amarela: São
Paulo, ano 10, n. 111, p.9, jun. 2006.
FERNANDES, Bernardo Mançano. A ocupação como forma de acesso à terra. In: ______. A
formação do MST no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 279-301.
FERNANDES, Bernardo Mançano; MOLINA, Mônica Castagna. O campo da educação do
campo. In: MOLINA, Mônica Castagna; JESUS, Sonia Meire Santos Azevedo de (Org.). Por
uma educação do campo: contribuições para a construção de um projeto de educação do
campo. Brasília: Articulação Nacional “Por Uma Educação do Campo”, 2004. p. 53-91. (Por
Uma Educação do Campo, 5).
FESTA, Regina. Notas para um novo milênio: questões de gênero sistemas de comunicação e
informação. In: OLIVEIRA, Ariovaldo U. de; PONTUSCHKA, Nídia Nacib (Org.).
Geografia em perspectiva. São Paulo: Contexto, 2002. p. 45-53.
FREIRE, Paulo. A educação é um quefazer neutro? In: GADOTTI, Moacir. História das
idéias pedagógicas. 8. ed. São Paulo: Ática, 2003. p. 254-255.
450
FREIRE, Paulo. Educação e mudança. 4.ed. Rio Janeiro: Paz e Terra, 1981a.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à pratica educativa. 12. ed. São
Paulo: Paz e Terra, 1999.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 10. ed. Rio Janeiro: Paz e Terra, 1981b.
GADOTTI, Moacir. Educação e ordem classista. In: FREIRE, Paulo. Educação e mudança.
4. ed. Rio Janeiro: Paz e Terra, 1981. p. 9-14.
GADOTTI, Moacir. História das idéias pedagógicas. 8. ed. São Paulo: Ática, 2003.
GOMES, Horieste. Reflexões sobre teoria e crítica em geografia. Goiânia: CEGRAF; UFG,
1991.
GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Da geografia às geo - grafias: um mundo em busca de
novas territorialidades. Buenos Aires: Clacso, [200?]. Mimeografado.
GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Geografia da riqueza, fome e meio ambiente: pequena
contribuição crítica ao atual modelo agrário/agrícola de uso dos recursos naturais. In:
OLIVEIRA, Ariovaldo U. de; MARQUES, Marta Inês Medeiros (Org.). O campo no século
XXI: território de vida, de luta e de construção da justiça social. São Paulo: Casa amarela; Paz
e Terra, 2004. p.27-64.
GONÇALVES, Carlos Walter Porto. O espaço geográfico como condição de (re) produção da
sociedade. In: SANTOS, Milton (Org.). Cidadania e globalização. Bauru: Saraiva, 2000. p.
53-57.
GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Reformas no mundo da educação. In: CARLOS A. F.;
OLIVEIRA, Ariovaldo U. (Org.). Reformas no mundo da Educação: parâmetros curriculares
e geografia. São Paulo: Contexto, 1999. p. 68-91.
GORENDER, Jacob. Gênese e desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro. In:
STEDILE, João Pedro (Org.). A questão agrária hoje. 2. ed. Porto Alegre: UFRGS, 2002. p.
16-45.
GRUPO móvel de fiscalização interdita a Usina Debrasa. Jornal Popular de Três Lagoas
.
Disponível em: <http://www.jptl.com.br>. Acesso em: 21 nov. 2007.
451
HAESBAERT, Rogério. A multiterritorialidade do mundo e o exemplo
da Al Qaeda. In: Revista Terra Livre, São Paulo: AGB, ano18, v. 1, n.18, p. 37- 46, jan./jun.
2002.
HAESBAERT, Rogério. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” a
multiterritorialidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006.
HENRIQUE, Wendel. A natureza nos interstícios do social: uma leitura das idéias de natureza
nas obras de Milton Santos. Revista Terra Livre, São Paulo: AGB, ano19, v. 2, n.21, p. 249-
262, jul./ dez. 2003.
HERNANDES, Fernando. Transgressão e mudança na educação: os projetos de trabalho.
Porto Alegre: Artmed, 1998.
LENCIONI, Sandra. Região e geografia: a noção de região no pensamento geográfico. In:
Novos caminhos da geografia. CARLOS, Ana F. A. (Org.). São Paulo: Contexto, 1999.
p.187-204.
LISBOA, Teresa K. Referencial teórico. In: A luta dos sem terra no oeste catarinense.
Florianópolis: UFSC, 1988. p. 17-37.
LOUREIRO, Carlos Frederico B. Por uma educação ambiental transformadora. In:______.
Trajetórias e fundamentos da educação ambiental. São Paulo: Cortez, 2004.
LUCCI, Elian Alabi; BRANCO, Ancelmo Lázaro. Viver e aprender geografia. 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 2003. (Viver e Aprender, 4).
LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e proposições. 15.
ed. São Paulo: Cortez, 2003.
MAIA, Sátyro Doralice. A geografia e o estudo dos costumes e das tradições. Revista Terra
Livre, São Paulo: AGB, n. 16, p. 71-98, 1º semestre/2001.
MARTINS, José de Souza. Expropriação e Violência: a questão política no campo. 3.ed. São
Paulo: Hucitec, 1991.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã
(Feurbach). 4. ed. São Paulo: Hucitec,
1984. p. 17-39.
452
MAURO, Gilmar; PERICÁS, Luiz B. Capitalismo e luta política no Brasil: na virada do
milênio. São Paulo: Xama, 2001.
MORAES. Antonio Carlos R. Renovação da geografia e filosofia da educação. In:
OLIVEIRA, Ariovaldo U. de (Org.). Para onde vai o ensino da geografia? . 4. ed. São Paulo:
Pinski, 1994. p. 118-124.
MOREIRA, Ruy. O que é geografia. 5. ed. São Paulo: Brasiliense, 1985. (Primeiros Passos,
48).
MORIN, Edgar. Semear; se amar. In:______. Para sair do século XX. Rio de janeiro: Nova
Fronteira, 1986. p. 360-361.
MST-ITERRA. Setor de educação. Cantares da Educação do Campo. 2. ed. São Paulo, 2007.
NASCIMENTO, Claudemiro Godoy do. Pedagogia da resistência cultural: um pensar a
educação a partir da realidade campesina. In: ENCONTRO REGIONAL DE GEOGRAFIA,
8, 2003, Goiás. [Trabalhos apresentados], [S.L: s.n.], p. 1-11. Mimeografado.
OLIVEIRA, Ariovaldo U. de. A agricultura camponesa no Brasil. 3. ed. São Paulo: Contexto,
1997.
OLIVEIRA, Ariovaldo U. de. Apresentação. In: ______ (Org.). Para onde vai o ensino da
geografia? .4. ed. São Paulo: Pinski, 1994a. p. 11-14.
OLIVEIRA, Ariovaldo U. de. A geografia agrária e as transformações territoriais recentes no
campo brasileiro. In: CARLOS, Ana F. A. (Org.). Novos caminhos da geografia. São Paulo:
Contexto, 1999a. p.63-137.
OLIVEIRA, Ariovaldo U. de. As relações de produção na agricultura sob o capitalismo.
In:______. Modo capitalista de produção e agricultura. São Paulo: Ática, 1986. p. 61-78.
OLIVEIRA, Ariovaldo U. de. Barbárie e modernidade: as transformações no campo e o
agronegócio no Brasil. Revista Terra Livre, São Paulo: AGB, ano 19, v. 2, n. 21, p. 113-156,
jul./dez. 2003.
OLIVEIRA, Ariovaldo U. de. Educação e ensino de geografia na realidade brasileira. In:
______ (Org.). Para onde vai o ensino da geografia?
.4. ed. São Paulo: Pinski, 1994b. p. 135-
144b.
453
OLIVEIRA, Ariovaldo U. de. Geografia agrária: perspectivas no início do século XXI. In:
OLIVEIRA, Ariovaldo U. de; MARQUES, Marta Inês Medeiros (Org.). O campo no século
XXI: território de vida, de luta e de construção da justiça social. São Paulo: Casa amarela; Paz
e Terra, 2004. p.27-64.
OLIVEIRA, Ariovaldo U. de. Geografia das lutas no campo. 8. ed. São Paulo: Contexto,
2001.
OLIVEIRA, Ariovaldo U. de. Geografia e ensino: os Parâmetros Curriculares Nacionais em
discussão. In: CARLOS Ana F. A.; OLIVEIRA, Ariovaldo U. de (Org.). Reformas no mundo
da Educação: parâmetros curriculares e geografia. São Paulo: Contexto, 1999b. p. 43-68.
OLIVEIRA, Ariovaldo U. de. Situação e Tendências da geografia. In: ______ (Org.). Para
onde vai o ensino da geografia? .4. ed. São Paulo: Pinski, 1994. p. 24-29c.
PAGANELLI, Tomoko I. Para a construção do espaço geográfico na criança. In: O ensino da
geografia em questão e outros temas. Revista Terra Livre, São Paulo: AGB, n. 2, p. 129-148,
jul.1987.
PAULINO, Eliane Tomiasi. A diversidade das lutas na luta pela terra. In: Revista eletrônica
da Associação dos Geógrafos Brasileiros: seção Três Lagoas, Três Lagoas, v. 1, ano 3, p.28-
47, nov. 2006.
PEDAGOGIA Liberal Tecnicista. Wikipédia. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Pedagogia_Tecnicista>. Acesso em: 10 nov. 2007.
PINESSO, Denise Christov. Ensino de geografia: o que pensam os professores das séries
iniciais. In: ENCONTRO NACIONAL DE ENSINO DE GEOGRAFIA, 5, 2003, Presidente
Prudente. Contribuições científicas e resumos. Presidente Prudente: AGB, 2003. p. 21-22.
PONTUSCHKA, Nídia Nacib. A geografia: pesquisa e ensino. In: CARLOS, Ana F. A.
(Org.). Novos caminhos da geografia. São Paulo: Contexto, 1999a. p. 111-137.
PONTUSCHKA, Nídia Nacib. Parâmetros Curriculares Nacionais: tensão entre Estado e
escola. In: CARLOS, Ana F. A.; OLIVEIRA, Ariovaldo U. (Org.). Reformas no mundo da
Educação: parâmetros curriculares e geografia. São Paulo: Contexto, 1999b. p. 11-19.
454
RAFFESTIN, Claude. O que é o território. In:______. Por uma geografia do poder. São
Paulo: Ática, 1993. p. 143-158.
RODRIGUES, Arlete Moisés. Moradia nas cidades brasileiras. 3. ed. o Paulo: Contexto,
1990.
ROMEIRO, Ademar Ribeiro. Reforma agrária e distribuição de renda. In: STEDILE, João
Pedro (Org.). A questão agrária hoje. 2. ed. Porto Alegre: UFRGS, 2002.
SANTIAGO, Fred. MST na mídia. Revista Caros Amigos, São Paulo: Casa Amarela, ano 10,
n. 109, p.6, abr. 2006.
SANTOS, Boaventura de Souza. Um discurso sobre as ciências. 2. ed. Porto: Afrontamento,
1988.
SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. 3.ed. São Paulo:
Hucitec, 1999.
SANTOS, Milton. A transição em marcha. In:______. Por uma outra globalização. 6. ed. Rio
de Janeiro: Record, 2001. p. 141-174.
SANTOS, Milton. O dinheiro e o território. [S.L: s.n.], [199?]. p. 9- 15. Mimeografado.
SANTOS, Milton. O presente e a totalidade. In:______. Metamorfoses do Espaço Habitado.
São Paulo: Hucitec, 1988. p. 56-59.
SANTOS, Milton. Por uma geografia nova: da crítica da geografia a uma geografia crítica.
2.ed. São Paulo: Hucitec, 1980.
SANTOS, R. et al. Ensino de geografia: o que pensam os professores das séries iniciais. In:
ENCONTRO NACIONAL DE ENSINO DE GEOGRAFIA, 5, 2003, Presidente Prudente.
Contribuições científicas e resumos. Presidente Prudente: AGB, 2003. p. 492-493.
SÃO PAULO. (Estado). Secretaria de Estado da Educação. Coordenadoria de Estudos e
Normas Pedagógicas. Letra e Vida: Programa de Formação de Professores alfabetizadores.
São Paulo: SEE/CENP, 2005. (Módulo 1).
455
SEVERIANO, Mylton. Enfermaria: Reforma Agrária já! (um século atrás). Revista Caros
Amigos, São Paulo: Casa Amarela, ano 11, n. 130, p. 11, jan. 2008.
SILVA, Emerson Lopes. Terra. Revista Fórum: outro mundo em debate, São Paulo: Publicher
Brasil, n. 25, p. 8-11, abr. 2005.
SILVA, José Carlos. Relações sociais, escola e a formação dos professores em tempos
neoliberais. [S.L: s.n.], 2007. Mimeografado.
SINGER, Paul. Globalização, precarização do trabalho e exclusão social. In: ______.
Globalização e desemprego-diagnóstico e alternativas. São Paulo: Contexto, 1998. p. 11-33.
SOUZA, Hamilton Octavio de. Entrelinhas - a mídia como ela é: inversão de relevância.
Revista Caros Amigos, São Paulo: Casa Amarela, ano 10, n.109, p. 9, abr. 2006.
SOUZA, Hamilton Octavio de. Entrelinhas - a mídia como ela é: truculência policial no caso
Aracruz. Revista Caros Amigos, São Paulo: Casa Amarela, ano 10, n. 109, p.9, abr. 2006.
SPOSITO, Eliseu Saveiro. A vida nas cidades. 2. ed. São Paulo: Contexto, 1996.
SPOSITO, Eliseu Savério. A propósito dos paradigmas de orientações teóricas -
metodológicas na geografia contemporânea. Revista Terra Livre, São Paulo: AGB, n. 16, p.
99-112, 1º semestre/ 2001.
SPOSITO, Maria Encarnação B. Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino de
geografia: pontos e contrapontos para uma análise. In: CARLOS A. F. A.; OLIVEIRA,
Ariovaldo U. (Org.). Reformas no mundo da Educação: parâmetros curriculares e geografia.
São Paulo: Contexto, 1999. p. 19-36.
STEDILE, João Pedro. A questão agrária e o socialismo. In:______. (Org.) A questão agrária
hoje. 2. ed. Porto Alegre: UFRGS, 2002.
STEDILE, João Pedro. A sociedade deve decidir o modelo agrícola para o país. Revista Caros
Amigos, São Paulo: Casa Amarela, ano 10, n.109, p. 17, abr. 2006a.
STEDILE, João Pedro. Por que o preço dos alimentos disparou? Revista Caros Amigos, São
Paulo: Casa Amarela, ano12, n.135, p.37, jun.2008.
456
STEDILE, João Pedro. Questão agrária no Brasil. São Paulo: Atual, 1998.
STEDILE, João Pedro. Soberania alimentar, o que é isso? Revista Caros Amigos, São Paulo:
Casa Amarela, ano 11, n. 120, p. 42, mar. 2007.
STEDILE, João Pedro et al. Manifesto das Américas em defesa da natureza e da diversidade
biológica e cultural. Revista Caros Amigos, São Paulo: Casa Amarela, ano 10, n. 112, p.40,
jul. 2006b.
STRAFORINI, Rafael. Ensinar geografia: o desafio da totalidade-mundo nas séries iniciais. 2.
ed. São Paulo: Annablume, 2004.
TORCATO, Fernando Vieira (Org.). Paulicéia: uma história de 54 anos, [S.L: s.n], 2001.
Mimeografado.
VASCONCELOS, Gilberto Felisberto. Darcy Ribeiro é o socialismo moreno bolivariano.
Revista Caros Amigos, São Paulo: Casa Amarela, ano 10, n. 120, p. 15, mar. 2007a.
VASCONCELOS, Gilberto Felisberto. Latifúndios no Brasil, o objetivo de Bush. Revista
Caros Amigos, São Paulo: Casa Amarela, ano 10, n. 120, p.34, mar. 2007b.
VESENTINI, José Willian. O ensino da geografia no século XXI. Caderno prudentino de
geografia: geografia e ensino, Presidente Prudente: AGB, n. 17, p. 05-19, 1995.
VESENTINI, José Willian. Por uma geografia crítica na escola. São Paulo: Ática, 1992.
VIDAL, J.W. Bautista. Sem competir com o petróleo. Revista Caros Amigos, São Paulo: Casa
Amarela, ano 10, n. 120, p. 36, mar. 2007.
VIEIRA, Noemia Ramos. O conhecimento geográfico veiculado pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais de geografia e o espaço agrário brasileiro: reflexões para uma
geografia crítica em sala de aula. Revista Nera, Presidente Prudente, ano7, n. 4, p. 29-41, jan./
jul., 2004.
WETTSTEIN, Germán. O que deveria ensinar hoje em geografia. In: OLIVEIRA, Ariovaldo
U. de (Org.). Para onde vai o ensino da geografia? .4. ed. São Paulo: Pinski, 1994. p. 125-135.
457
WIZNIEWSKY, Carmen Rejane Flores; LUCAS, Rosa Elane Antoria. Universidade e
professores descobrindo novas realidades do espaço agrário. [S.L: s.n.], [200?].
Mimeografado.
WOORTMANN, Klaas. Com parente não se negoceia: o campesinato como ordem moral.
Anuário antropológico, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, n. 87, p. 11-73, 1990.
458
ANEXOS
ANEXO 1- Redação: falando sobre o lugar onde moro (Hélton)
Fonte: atividade desenvolvida em sala de aula, 2007. Autor: Hélton.
ANEXO 2 – Redação: falando sobre o lugar onde moro (Victor)
Fonte: Atividade desenvolvida em sala de aula, 2007. Autor: Vitctor
459
ANEXO 3 – Redação: falando sobre o lugar onde moro (Stefani)
Fonte: atividade desenvolvida em sala de aula, 2007.
Autora: Stefani, (moradora da fazenda Santa Cândida).
460
ANEXO 4 – Redação: falando sobre o lugar onde moro (Joisse)
Fonte: atividade desenvolvida em sala de aula, 2007. Autora: Joisse.
ANEXO 5 – Redação: falando sobre o lugar onde moro (Leonardo)
Fonte: Atividade desenvolvida em sala de aula, 2007. Autor: Leonardo.
461
ANEXO 6 - Redação: falando sobre o lugar onde moro (Aline)
Fonte: Atividade desenvolvida em sala de aula, 2007. Autora: Aline.
ANEXO 7 - Redação: falando sobre o lugar onde moro (Tatiane)
Fonte: atividade desenvolvida em sala de aula, 2007. Autora: Tatiane.
462
ANEXO 8 - Redação: falando sobre o lugar onde moro (Marcos)
Fonte: Atividade realizada em sala de aula, 2006. Autor: Marcos
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo