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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
A BELLE ÉPOQUE CARIOCA:
Imagens da modernidade na obra de Augusto Malta.
(1900-1920).
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em História como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre em História por
Fernando Gralha de Souza. Orientadora: Profª Drª
Sônia Cristina da Fonseca Machado Lino.
Juiz de Fora
2008
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Dissertação defendida e aprovada, em 23 de outubro de 2008 pela Banca constituída por:
________________________________________________________
Presidente: Prof. Dr. Fernando Sergio Dumas dos Santos
_______________________________________________________
Titular: Profª Drª Claudia Maria Ribeiro Viscardi
_________________________________________________________
Orientador: Profª Drª Sônia Cristina da Fonseca Machado Lino
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AGRADECIMENTOS
Gostaria de começar os agradecimentos pela minha Orientadora Professora Sônia
Lino, pela dedicação, pelas preciosas indicações de leitura, pela confiança em meu trabalho e
pelas “dicas” e “toques” sem os quais não seria possível a realização desta tarefa. Não posso
deixar de agradecer também às secretárias do programa Nilcimara Bertolino e Ana Mendes,
que sempre me atenderam com simpatia e prontidão em todos os trâmites burocráticos de
meus estudos na UFJF; aos meus amigos de jornada Erik, Marília, Ísis, Keila e Alex pela
amizade, companheirismo e troca de idéias durante as aulas e fora delas.
A realização desta pesquisa não se daria sem as instituições que proporcionaram as
condições necessárias para tanto, portanto fica aqui meu agradecimento à Universidade
Federal de Juiz de Fora e ao Instituto de Ciências Humanas e Letras e do Programa de pós-
graduação em História, à Biblioteca Nacional e fundamentalmente ao Museu da Imagem e do
Som do Rio de Janeiro que nas pessoas da coordenadora do acervo Elenir Aguiar e da
estagiária Maria Isabela sempre disponibilizaram as pastas com as fotografias (em um eterno
ir e vir de pastas e fotos) com a maior presteza e simpatia.
Deixo meus eternos agradecimentos às pessoas que fazem parte de minha vida desde
antes da jornada do mestrado, aos meus grandes amigos e professores, Maria das Graças e
Marcus Cruz que sempre acreditaram mais em mim do que eu mesmo, aos meus pais, seu
Sérgio e Dona Magda, pela “corujice”, apoio, compreensão e carinho de sempre. E por fim
agradeço de todo meu coração à pessoa que mais torceu, sofreu, alegrou-se, incentivou,
ajudou e acreditou neste este projeto, Mônica você foi, é e será meu céu e meu chão, sem você
nada disso teria acontecido e nem teria valor, obrigado.
Ao seu Sérgio, à dona Magda e à Mônica, que me ensinaram
tudo.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...........................................................................................................1
CAPÍTULO 1:
1. MALTA E FOTOGRAFIA ....................................................................................5
1.1. A fotografia na passagem do séc. XIX ao XX: a democratização da imagem.
........................................................................................................................5
1.2. Augusto César Malta de Campos ..........................................................8
1.3. A pesquisa e os arquivos.......................................................................3
1.3.1. O MIS-RJ e o acervo particular de Malta....................................14
1.4. Fotografia e História...........................................................................20
1.4.1. A fotografia como representação ................................................26
1.4.2. Fotografia e Documento .............................................................30
1.4.3. A imagem fotográfica enquanto momento...................................41
1.4.4. Olhar, ver e pensar......................................................................46
CAPÍTULO 2:
2. A ÉPOCA, A CIDADE E O FOTÓGRAFO.............................................52
2.1. A belle époque carioca........................................................................53
2.2. Ser “moderno”: conflitos, contradições e o eterno vir-a-ser.................62
2.2.1. Ser “moderno” no Rio de Janeiro da belle époque.......................67
2.3. O fotógrafo e a cidade.........................................................................79
2.3.1. “Quero lá saber de passado?”......................................................82
2.3.2. Malta e a rua, uma escrita...........................................................84
CAPÍTULO 3:
3. NOSSO FOTÓGRAFO FOCA NO QUE VÊ E MOSTRA O QUE NÃO QUER
VER ...........................................................................................................89
3.1. O futuro desejado: o carioca ideal.......................................................94
3.1.1. Assemelhando-se a um ideal.......................................................95
3.1.2. Ensinando divertimentos...........................................................103
3.1.3. A arte do aparecer e do bem freqüentar: a cena final.................113
3.2. O futuro alcançado: o carioca real.....................................................118
3.2.1. O Vestir e o habitar errados......................................................120
3.2.2. O freqüentar e o trabalhar errados.............................................126
CONCLUSÃO...............................................................................................134
BIBLIOGRAFIA ..........................................................................................139
ANEXOS.......................................................................................................146
RESUMO
O objetivo deste trabalho é perceber o modo como, no Rio de Janeiro da belle
époque, a idéia de carioca, de modernidade e seus contrapontos são construídos, pensados,
dados a ver através da fotografia de Augusto Malta. Procuramos, portanto, compreender como
Malta, enquanto sujeito social, apresenta a sociedade carioca elaborando representações
através de imagens fotográficas. Mostrar como estas imagens descrevem a realidade da belle
époque carioca não como um espelho, mas como uma “visão de mundo” entre outras
possíveis, como uma interpretação daquilo que a sociedade era no momento do click do
fotógrafo ou, daquilo que ela poderia vir a ser no futuro. Entendemos, portanto, a obra do
fotógrafo Augusto Malta como uma determinada “prova visual” do contexto de belle époque
carioca, que sempre encontrou-se entre dois modos de existência: como mensagem direta,
objetiva, culturalmente consagrada pela sua origem de tecnologia aplicada e aparentemente
sem necessidade de decodificações, e como uma mensagem polissêmica, dúbia, refratora da
realidade.
ABSTRACT
The objective of this paper is to perceive the way as, in Rio de Janeiro of belle
époque, the idea of Carioca, the modernity and its counterpoints are constructed, thought and
given to understand through the photography of Augusto Malta. We aim, therefore, to
understand as Malta, while social person, presents the Carioca society elaborating
representations through photographic images. We intend to show as these images describe the
reality of belle époque Carioca, not as a mirror, but as a “vision of world”, among other
possibilities as an interpretation of what the society was at the moment of click of the
photographer or, of what it could be in the future. We understand, thus, the workmanship of
the photographer Augusto Malta as one particular “visual proof” of the Carioca context of
belle époque, which was be always between two ways of existence: as direct, objective
message, culturally established by its origin of applied technology and, apparently, without
necessity of decodings, and as a polissemic message, ambiguous, that give us the refraction of
the reality.
INTRODÃO
Se de início a obsessão parecia francesa, pois desde a frustrada experiência da França
Antártica de Villegagnon
1
no século XVI, passando pelas invasões de Jean-François Duclerc e
René Duguay-Trouin
2
no culo XVIII, o Rio de Janeiro era objeto de desejo dos franceses,
no período da belle époque no Brasil a situação se encontrava invertida, era a cidade do Rio
de Janeiro que ambicionava a França. Ou melhor dizendo, ser como a França.
Nos tempos coloniais o grande fluxo de escravos africanos que aportaram aqui não
com sua força de trabalho, mas também com seus pensamentos, músicas, religiões, anseios
e idéias que foram inevitavelmente misturadas a dos portugueses e índios que aqui se
encontravam. Foi o início de um processo de hibridação cultural que de certa forma seria
catalisado e ampliado pela chegada da família real em 1808, pelo inchaço populacional
provocado, entre outras condições, pela abolição da escravatura em 1888, e pela não menos
importante condição de cidade portuária sempre recebendo em seus portos todo o tipo de
imigrantes e viajantes, ingleses, franceses, holandeses, alemães e outros povos além dos
europeus que por aqui passavam deixando e levando impressões da cidade destinada a ser a
cosmopolita “cidade maravilhosa”.
Destino que só seria cumprido a partir do estabelecimento da República em 1889. Na
virada do XIX para o XX, o Brasil e sua capital encheram-se de esperanças, dúvidas e
expectativas, gerando um clima de mudanças iminentes na cidade de São Sebastião. No início
1
Para maior aprofundamento do tema sugerimos ver: MARIZ, Vasco e PROVENÇAL, Lucien. Villegagnon e a
França Antártica – Uma Reavaliação. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2005.
2
Para maior aprofundamento do tema sugerimos ver: BICALHO, M. Fernanda. A cidade e o Império. Tese de
doutorado. USP, 1997. E CAVALCANTI, Nireu. O Rio de Janeiro Setecentista. A vida e a construção da cidade
do Rio de Janeiro da invasão francesa até a chegada da corte. Jorge Zahar, Rio de Janeiro, 2004.
2
do século XX, Rodrigues Alves assume a presidência do país e sai das expectativas para
entrar na ação de transformar a cidade em um grande centro urbano, inicia um processo de
reformas cujo intento é inserir o Brasil, através de sua capital, no cenário mundial. É esse
processo, na ambiência da belle époque, que transformaria a cidade e o cidadão carioca não só
arquitetonicamente, mas também todo o modo de vida da população.
Foi esse contexto que a República brasileira e sua capital encontraram como palco
para disseminar os novos ideais de país, cidade e cidadão.
É dessa tentativa de disseminação de ideais e de seu resultado, que trata nosso
trabalho, de como a partir da cidade do Rio de Janeiro, a Capital Federal, tentou-se
reformular, além do espaço físico, também a imagem dos habitantes desta cidade, dando-lhes
uma nova face, orientando condutas e implementando uma visão de mundo modernizante para
a cidade que, naquele momento era o “cartão-postal” do país.
Quando se fala em cartão-postal, imediatamente, se estabelece uma relação com
fotografia. E foi precisamente este tipo de fonte que inspirou este trabalho.
O objetivo principal deste trabalho é entender o processo de modernização da cidade
do Rio de Janeiro nos primeiros anos do século XX, bem como a construção de um
estereótipo para seus cidadãos tomando como referência as fotografias de Augusto Malta,
então, fotografo oficial da cidade. Para tal, além das fotografias foram utilizados depoimentos
orais
3
que se encontram no Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro, bem como a
imprensa da época e algumas crônicas sobre o Rio de janeiro.
As fotografias foram tratadas como uma mensagem que configuram um discurso
visual que, cruzadas com jornais e periódicos cariocas da época, complementaram o conjunto
de documentos permitindo através da intertextualidade uma interpretação dos modos de ser e
3
Nos referimos ao depoimento da Amaltéa Carlini Malta, filha de Augusto Malta, dado ao MIS/RJ em 1980. Ver
Fontes.
3
agir da sociedade carioca da belle époque. Além do que, na intenção de empregar a fotografia
para além de sua característica ilustrativa nos utilizamos de uma ampla série
4
com certa
homogeneidade, proporcionando-nos dar conta das similaridades e diferenças próprias dos
grupos de imagens que nos propusemos analisar.
5
A partir destes elementos e princípios básicos o texto foi assim organizado:
No Capítulo 1 tratamos de elaborar uma discussão teórica das relações entre
fotografia e História, situando nesta relação tanto o fotógrafo Augusto Malta e sua obra como
a condição da fotografia no início do século XX. Desta forma realizamos uma análise da
fotografia enquanto documento a partir de autores como Ana Maria Mauad, Boris Kossoy,
Roland Barthes, Annateresa Fabris e Maria Inez Turazzi entre outros. É preciso frisar que
essas discussões orientaram as idéias discutidas em nosso trabalho tanto no que se alude à
fotografia como documento, à dinâmica de produção de Augusto Malta quanto à imagem do
cidadão carioca resultante dessa produção.
No segundo Capítulo tratamos de contextualizar o fotógrafo Augusto Malta e sua
obra na Cidade do Rio de Janeiro da belle époque, para tanto, traçamos um panorama da
cidade e do imaginário da belle époque tendo como parâmetros tanto obras de caráter
Historiográfico como obras com o cunho jornalístico e da literatura. Logo após adentramos o
campo do pensar a modernidade por meio das obras de Marshall Berman e do poeta e crítico
francês Charle-Pierre Baudelaire. Enceramos o capítulo mostrando como estes fatores
confluem na relação de Augusto Malta e sua obra com a cidade e cidadãos retratados, e é
dessa relação que surge a escrita imagética, o discurso do fotógrafo a partir do qual
estruturamos o Capítulo 3.
4
Ver Capítulo 1, item 1.3
5
MAUAD, Ana Maria. Fotografia e História – possibilidades de análise. In: CIAVATA & ALVES, 2004.
4
É no Capítulo 3 que finalmente partimos para a análise de como Malta enquanto
sujeito social, apresenta a sociedade carioca da belle époque, elaborando representações
através de fotografias, de como estas delineiam uma “visão de mundo”, como uma
interpretação daquilo que a sociedade era no momento do click do fotógrafo ou, daquilo que
poderia vir a ser no futuro.
É disso que trata nosso trabalho, de como é possível “identificar o modo como em
diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada e dada
a ler”.
6
6
CHARTIER, 1990, p. 76.
5
Catulo 1. MALTA E FOTOGRAFIA.
1.1. A fotografia na passagem do séc. XIX ao XX: a democratização da
imagem.
Em uma conjugação de engenho, técnica e oportunidade a fotografia surgiu em
meados do século XIX e modificou o mundo, causou grande impacto na forma de produção e
circulação cultural, alterando por completo o ambiente visual e os meios de intercâmbio de
informação da maioria dos habitantes do planeta. Atualmente são raros os que não fazem uso
freqüente da fotografia, seja como ilustração, auxílio à memória ou representação artística.
7
A máquina de fotografar e seu produto, a fotografia, compuseram o novo
equipamento/elemento tecnológico que possibilitava registrar o cotidiano de uma sociedade
em processo de transformação, foram e são fundamentais para a construção das memórias da
belle époque européia e especialmente parisiense. Abriram para o mundo um novo modo de
vida e uma nova idéia de cidade. Ajudaram a transformar Paris em capital do século XIX e
fizeram com que os críticos e avaliadores desse período a tomassem como referência para a
interpretação da passagem do século XIX para o século XX.
Walter Benjamin, se inspirando nas caminhadas de Baudelaire pela Cidade Luz,
colocou a fotografia num primeiro plano, como um dos mais importantes elementos da
modernidade por esta se consistir, simultaneamente, em conseqüência do processo de
desenvolvimento técnico e testemunha do novo tempo.
7
GASKELL, Ivan. História das imagens. In: BURKE, Peter. A escrita da História: Novas perspectivas. São
Paulo: UNESP, 1992. p. 241.
6
Iniciada pelos daguerreótipos, ampliada pelas carte-de-visite
8
e definitivamente
conquistada pelos cartões postais, a utilização da fotografia não se restringiu apenas ao prazer
da contemplação de imagens, uma ampla diversificação de serviços ofertados, como a
fotografia de cidades, aspectos da natureza, construções (prédios, escolas, estradas de ferro,
pontes, etc.), expedições científicas e militares, documentação de empresas e governos, etc.
emprestaram à imagem fotográfica o caráter prático e documental que contribuíram para a
popularização da fotografia.
Antes reservada às elites, a fotografia na passagem do século XIX para o XX, passou
por um processo de ampliação de seu alcance com a chegada no mercado de novas e mais
simples técnicas fotográficas, baseadas no princípio do negativo-positivo, que ao diminuir os
custos de produção, tornaram a fotografia acessível a um público maior.
9
No Brasil, o efetivo
crescimento da classe média, particularmente no Rio de Janeiro, resultou em uma crescente
demanda do mercado consumidor de imagens. O novo modo de expressão e registro chegou
ao alcance de novos usuários, como comerciantes urbanos, professores, profissionais liberais,
funcionários públicos, artistas, entre outros que almejavam ter sua imagem eternizada pela
fotografia. Desta forma o perfil da clientela sofreu uma transformação que a diferiu da dos
tempos do daguerreótipo, quando o retratado era, quase sempre, um representante da elite
agrária ou da nobreza oficial.
10
Este alargamento do alcance das técnicas de reprodutibilidade impulsionou
principalmente o fotomadorismo, cujo emblema inicial foi a introdução, em 1888 pela
Eastman Kodak da câmera portátil, seu slogan publicitário – “You press the Button, we do the
rest”, em último caso, sugere que a produção de imagens prescindia da figura do fotógrafo
8
“Tratava-se uma fotografia copiada sobre papel albuminado e colada sobre cartão-suporte no formato de um
cartão de visita. (...) eram oferecidas como sinal de amizade e afeto a amigos, parentes e amadas e colecionadas
em álbuns”. Apud. KOSSOY, 2002, p. 34.
9
BOSSY, 2002, p.12.
10
Idem.
7
profissional nos registros mais comuns, segundo George Eastman “qualquer pessoa com
mediana inteligência pode aprender a tirar boas fotos em dez minutos.”
11
No alvorecer do século XX a fotografia já apresentava todos os quesitos
imprescindíveis para a realização do registro de imagens de alta qualidade de exposição e
reprodução, os principais progressos foram de ordem mecânica, na construção de lentes cada
vez mais precisas e nítidas, e câmeras portáteis de diversos tamanhos e formatos. A Eastman
lançou, por exemplo, em 1900, a câmera Brownie, ao custo de somente 1 dólar, e que
transformou radicalmente a fotografia em uma arte popular, passando às outras empresas a
preeminência por uma qualidade técnica profissional.
12
Com a popularização da fotografia a imprensa a incorporou aos principais
almanaques, revistas e jornais. Seu emprego, a princípio, tinha como função ilustrar
reportagens e artigos ratificando o acontecimento narrado, ou mesmo de forma casual, sem
nenhuma conexão com o texto publicado. Portanto, é importante atentar ao novo papel da
fotografia no início do século XX no Brasil explicitado em publicações como a Revista
“Kósmos” e periódico “O Commentário” entre outros –, o de se constituir como um
elemento do cotidiano da população, consecutivamente conexo não somente ao
desenvolvimento científico e à verdade da reprodução dos fatos, mas igualmente ao registro, à
documentação do momento especial vivido.
O novo equipamento e o olhar do fotógrafo transformaram o cotidiano em nova
expressão estética, ao registrar tipos, costumes e hábitos, moda e ao atribuir à imagem
fotográfica a condição de representação das inovações e da curiosidade do homem moderno.
11
Após utilizar o rolo de filme com até cem fotos que vinha junto com a mera, o fotógrafo amador enviava
pelo correio a máquina para a fábrica (em Nova York) onde o filme era revelado e copiado. Em seguida o cliente
recebia em casa as fotos montadas e a câmera municiada com um novo filme pronto para ser usado. Ibidem, p.
42.
12
SALLES, 2004.
8
1.2. Augusto César Malta de Campos
“Daí por diante, transformei-me em fotógrafo oficial (...). Passos foi um
grande animador da minha arte, dava-me conselhos e protegia-me (...). Cedo
compreendi o valor desse trabalho para a história do Rio (...)”.
13
Augusto César Malta de Campos nasceu em Paulo Afonso, na província de Alagoas
em 14 de maio de 1864. De família tradicional na política alagoana, chegou ao Rio de Janeiro
por volta de 1889, e segundo suas netas
14
, veio para escapar de uma carreira religiosa que o
pai lhe impunha e já estava apaixonado pela prima Laura, com quem se casou e fugiu.
Tiveram cinco filhos
15
, quatro meninas: Luttgardes, Arethusa, Callestenis, Aristocléa e um
menino, Aristógiton, que mais tarde seguiria a carreira do pai.
Desde sua chegada ao Rio até 1902 exerceu várias atividades (guarda municipal,
vendedor ambulante, guarda-livros, entre outros) antes de descobrir a fotografia. Sua clientela
na venda ambulante de tecidos era a elite carioca,
16
quando tomou a decisão que mudaria sua
vida: resolveu trocar sua bicicleta (seu meio de transporte e que na época era uma inovação
13
Manuscrito de Augusto Malta datado 29 de agosto de 1936. Apud, CAMPOS, 1987.
14
http://www.atelierimaginarte.com.br. Site mantido pelas irmãs Lucca e Anna Gabriela Malta, netas de
Augusto Malta.
15
Com a morte da esposa em 1904, Malta Casou pela segunda vez com Verschueren Malta Campos e teve mais
quatro filhos: Eglé, Dirce, Amaltea e Uriel. CARLINI, 1980.
16
No decorrer de nosso trabalho, em vários momentos, utilizamos o termo “carioca” para denominar o habitante
da cidade do Rio de Janeiro com base em definição dada pela academia brasileira de letras: No séc. XIX e início
do XX, o etnônimo a um tempo da província ou estado e da cidade; mas os habitantes desta, por contraste,
devem ter sido chamados, informalmente, cariocas, a partir de 1736, a princípio pejorativamente, pejoração que
se esbateu lentamente, como se depreende da resistência de fluminense na linguagem formal. Com a curta
existência do Estado da Guanabara, carioca retomou seu valor etnonímico cabal; extinto o estado, os habitantes
da cidade continuam a dizer-se cariocas, e fluminenses, quando relacionados com a unidade da federação.
Etimologia: Do tupi kari'oca, prov. do tupi kara'ïwa "homem branco" oka "casa": a palavra tem emprego inicial
como topônimo , a Carioca, mais tarde, Largo da Carioca, local em que havia uma fonte para provisão de água
pública e de embarcações na cidade do RJ; esta acepção perdura no Centro-Oeste do país; observa-se que na
top. brasileira lago da Carioca (Pará), rio e serra da Carioca (RJ), serra da Carioca (MG); quer
contemporâneos, quer posteriores à Carioca da cidade do RJ (documentado em 1560). Esses top. permitem
supor que o étimo, em vez de estar ligado ao significado proposto: casa de homem branco seja conexo com
água, fonte, córrego, rio. Nascentes registra 'casa de branco', ressalvando que a identidade desse homem
branco e o local exato da casa ainda são problemas”. Ver anexo I.
9
geralmente importada) por uma máquina fotográfica. A partir daí passou a registrar não
amigos e parentes, mas também aspectos daquela que seria seu principal alvo: a cidade do Rio
de Janeiro. Tornou-se um dos grandes mestres da fotografia do início do século XX.
Fotografava de tudo: amigos, paisagens, pessoas. Rompeu com tradições estéticas e
ideológicas, pois além de mostrar personagens e paisagens das elites locais, apresentava aos
apreciadores de suas obras o “populacho”, seus lazeres, ofícios e o dia-a-dia. Produziu
imagens capturadas nas ruas, invadindo a intimidade destas pessoas quase sempre com
flagrantes que evidenciavam a dinâmica cotidiana dos habitantes da cidade.
No início do século XX, Pereira Passos - diplomado em Matemática pela Escola
Militar e com curso de Engenharia na França - assume a prefeitura, requisita carta branca
17
para governar o município, e desencadeia o processo de reurbanização da cidade. Tinha por
objetivo transformar o Rio de Janeiro em uma cidade moderna e virtuosa, como se tratava de
um grande projeto, precisava ser registrado. Mas se em outros tempos este dado oficial seria
eternizado apenas através de escritos e no máximo em pinturas e desenhos, com a recente
tecnologia da fotografia, esta condição mudou.
Malta foi indicado a Pereira Passos por Antônio Alves da Silva Júnior, um amigo
fornecedor da prefeitura, para fotografar algumas das primeiras obras do prefeito. Passos
apreciou o trabalho e o convidou para assumir o cargo de fotógrafo documentarista, cargo que
até aquela data não existia na administração da cidade.
18
O fotógrafo foi contratado em junho
de 1903, e assumiu seu cargo no dia 23 subordinado à Diretoria geral de Obras e Viação da
Prefeitura. Sua função era a de registrar os eventos oficiais, como execução e inauguração de
obras públicas, estabelecimentos ligados ao município (hospitais, escolas, asilos, etc.), posses,
17
Durante os primeiros seis meses de seu mandato, governa com o Legislativo municipal suspenso. Nesse
período, legisla por decretos, muitos dos quais alteram diversos costumes da cidade, como o comércio
ambulante, a mendicância, a criação de cães domésticos e outros.
18
Decreto 445, de Junho de 1903 (Arquivo, 1994, p 16). Ap. CIAVATTA, 2002, p. 90.
10
encontros políticos, assim como ruas e edifícios que seriam arrasados com as reformas
urbanas e flagrantes em geral como enchentes, desabamentos, ressacas, etc.
Malta ganhou tanto a confiança e admiração de Passos que passou a registrar todas as
atividades do prefeito, desde o trabalho na prefeitura assim como sua vida privada em
almoços, passeios pela floresta da Tijuca, reuniões de família e amigos e fotos de estúdio de
Passos e seu filho Francisco de Oliveira Passos.
Segundo Amaltéa Malta, a proximidade e convivência de Malta com Passos foi de
fundamental importância para o acesso do pai à nata da sociedade”, pois quando, mais tarde,
abriu seu próprio estúdio, essa ligação lhe serviu de carta de apresentação, garantindo-lhe
vários convites para fotografar casamentos, batizados e festas em geral, assim como o
contrato com várias grandes empresas como a Light e a Cia. de seguros Sul América.
Apesar de ter recebido parte de seu aprendizado inicial de Marc Ferrez,
19
Malta não
apresentou em toda a sua obra, o mesmo refinamento e o virtuosismo técnico de Ferrez -
fotógrafo que, além de sólida formação artística, era possuidor de conhecimentos de química
fotográfica, o que contribuiu para o tratamento primoroso de suas imagens -, mas apresentou
um caráter evidentemente inovador ao construir um trabalho que foi além da sua incumbência
oficial de documentar casas e quarteirões condenados pela prefeitura, festas oficiais, prédios
públicos, museus, ministérios etc. Segundo sua filha Amaltéa, a fotografia além de ser a
profissão que lhe dava sustento, era uma atividade que exercia por gosto.
20
Através de suas
imagens, oficiais ou não, Malta dissecou a cidade em todas as suas faces e personagens,
registrou operários, prostitutas, crianças, pobres e ricos, famosos e anônimos, compondo um
verdadeiro painel de personagens típicos da vida carioca no período. Engendrou uma rede de
fotografias sobre a capital federal, captando suas várias nuances, através de hábitos e
19
KOSSOY, 2002, p. 98.
20
“O interesse pela fotografia começou com uma pequena máquina que ele trocou por uma bicicleta (...) daí ele
começou a tirar fotos e tomou gosto” – Amaltéa Malta Carlini, filha de Malta, em entrevista ao MIS, 1980.
11
costumes de sua gente (fotos 1, 2 e 3), possibilitando, através das imagens fixadas em suas
chapas fotográficas, percebermos a evolução histórica, social, cultural, arquitetônica, artística,
urbanística da cidade carioca.
Foto 1 - MIS/RJ
Foto 2 - MIS/RJ
Foto 3 - MIS/RJ
O pequeno jornaleiro (1914), a corista (1904) e o “Homem-reclame” (1905), faziam parte da ala
menos nobre da sociedade carioca, mas não escaparam do intenso exercício visual diário que Malta
executava sobre a cidade.
21
A crônica visual desenvolvida por Malta o habilitou a ser considerado por vários
autores
22
como o primeiro fotojornalista brasileiro. Suas fotos eram constantemente
publicadas em revistas ilustradas como Kosmos, Fon-Fon, Careta entre outras, além dos
cartões-postais - naquele momento no auge da moda, foi inclusive sócio fundador, 148, da
“Sociedade Cartófila Emanuel Hermann, em 1904,
23
com especial destaque para a sua
produção na Exposição Nacional de 1908.
Observou e registrou tudo que julgou interessante ou relevante, não só para o seu uso
e deleite, mas também para futuras gerações. Era muito metódico na identificação do material
produzido, sempre “assinava” na treva (parte escura) dos negativos, assim como colocava a
data e alguma referência ao assunto registrado.
21
As fotografias 1, 2 e 3, são componentes da pasta “Prostitutas, aspectos sociais, festas juninas, festas em
praças públicas” do índice “Logradouros” do acervo do MIS.
22
CIAVATTA, 2002; MOREIRA, 1996; HOLLANDA, 1996; KOSSOY, 2002.
23
OLIVEIRA, Jr., 1998, p. 82
12
Da cobertura do desmonte do Morro do Castelo ao carnaval carioca, da própria
cidade, no registro de personalidades, incluindo artistas, políticos, comerciantes, profissionais
autônomos, artesãos e trabalhadores, entre outros temas, percebe-se a grandiosidade da obra
de Augusto Malta. Esta grandiosidade poderia ser ainda maior se, infelizmente, grande parte
de sua produção não tivesse se perdido ou sido danificada por falta de cuidado (chapas de
vidro quebradas, ataques de fungos por conservação, etc.). Hoje seu acervo está espalhado
entre o Arquivo Nacional, o Museu da Imagem e do Som, da Light, do Instituto Moreira
Salles e em coleções particulares, atestando sua relevância para a memória da cidade do Rio
de Janeiro durante as três primeiras décadas do século XX.
Sua filha Amaltéa, afirmava que o pai era muito discreto e fechado quanto suas
opiniões, sobre política não se pronunciou, nem sobre a revolta da vacina, nem sobre a
revolução de 30, não discutia assuntos delicados como o nazismo, por exemplo –, e não
tinha assistentes por preferir trabalhar sozinho,
24
além disso, não revelava nem mesmo a seus
familiares em quem votava nas eleições.
25
Malta se aposentou em 25 de Agosto de 1936, ano
em que foi comemorado o centenário de Pereira Passos, foi então substituído no cargo por seu
filho Aristóginton, mas continuou fazendo da fotografia parte integrante de seu cotidiano,
fotografou até poucos anos antes de sua morte em 30 de junho de 1957, aos 93 anos.
24
Com exceção de 1922, quando com muito trabalho devido à Exposição do Centenário da Independência,
contratou seu irmão Teófilo para ajudá-lo. Idem.
25
Ibidem.
13
1.3. A pesquisa e os arquivos
O número de chapas e as cópias destas produzidos por Malta são extremamente
significativos, o que nos obrigou a percorrer várias das instituições de arquivos, museus e
bibliotecas que guardam originais e reproduções da obra do fotógrafo em questão, como o
Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro (AGCRJ), a Biblioteca Nacional (BN), o Museu
da Imagem e do Som do Rio de Janeiro (MIS/RJ) e o Museu Histórico Nacional (MHN). O
objetivo era, em um primeiro momento, fazer um mapa da localização do acervo de Malta,
para posteriormente analisá-lo de forma delimitada de acordo com a ou as instituições que
melhor se adequassem aos objetivos iniciais da pesquisa, que devido a extensão da obra
seria impossível, por questão de prazo, analisar todas as chapas produzidas por Malta.
Uma das instituições escolhidas para serem visitadas foi o AGCRJ, a amplidão do
acervo e, em um primeiro momento, o vínculo da obra de Malta com a prefeitura da cidade do
Rio de Janeiro, foi o fator principal que nos motivou a começar por esta instituição. O
conjunto da obra pode ser acessado por meio de um catálogo em ordem alfabética, no qual
podemos encontrar pastas com temas como automóvel”, “bonde”, “enchentes”, “escolas”,
“logradouros”, “prefeito”, entre várias outras além da série “negativos em vidro” que pode ser
consultada via terminal de computador (esta série tem por volta de 5.300 fotografias
reproduzidas digitalmente), durante as visitas foi possível perceber que o principal objetivo do
acervo foi o de registrar logradouros e prédios municipais.
Outra instituição visitada foi a BN, esta possui um acervo relativamente pequeno de
fotografias de Augusto Malta, em comparação com o AGCRJ. As fotografias ficam na Seção
de Iconografia e Obras Raras divididas em séries: Igrejas” (4 fotos); “Quiosques” (75 fotos);
“Avenida Central” (1 foto); “Igreja N.S. Do Loreto” (1 foto) e “Exposição do Centenário do
Brasil” (130 fotos). Porém, a instituição tem o maior potencial de pesquisa para o nosso
14
trabalho no campo da contextualização da obra de Malta, que é significativo o acervo de
periódicos digitalizados ou microfilmados, como “a Semana” e a “Gazeta de Notícias”, Fon-
Fon”, “Careta”, entre vários outros que foram de vital importância para o desenvolvimento
do trabalho.
Foram visitados também o Museu da República (MR), que guarda o acervo pessoal
de Pereira Passos, e o Centro Cultural Light (CCL) cujo acervo tem sempre como tema as
atividades principais da empresa: geração, transmissão e distribuição de energia elétrica,
iluminação pública, fornecimento de gás, telefonia, serviços de transportes urbanos de bondes,
construção de usinas e subestações, até singelos trilhos de bondes ou postes e
transformadores, etc.
Como é possível perceber, é enorme a extensão da obra de Augusto Malta e farta a
sua distribuição por várias instituições de arquivo na cidade do Rio de Janeiro, além das já
citadas é necessário mencionar a existência de imagens fotográficas de Malta que estão
guardadas no Museu de Arte Moderna (MAM) e na Casa de Rui Barbosa (CRB). Este cenário
nos levou a necessidade de delimitar o universo da pesquisa, para isso optamos por centralizar
nossa pesquisa em três acervos documentais: (1) nosso acervo pessoal - que é composto de
391 reproduções obtidas em sites da Internet e fotografias “escaneadas” de publicações
diversas como livros e revistas -; (2) na BN, com o intuito de contextualizar a obra de Malta
através dos periódicos depositados ou reproduzidos; (3) no acervo do MIS/RJ, por possuir
uma característica bastante interessante que é o fato de ser uma coleção resultante de uma
seleção pessoal e particular do próprio Malta e, portanto merece um item mais elucidativo que
segue abaixo.
15
1.3.1. O MIS-RJ e o acervo particular de Malta
Em vista do tamanho e qualidade do acervo, é impossível questionar a capacidade de
produção de Malta, segundo Amaltéa Carlini, Malta “não chegava antes da 10:00 horas
(22:00h), (...) chegava em casa (...) mudava de roupa e não ia dormir não. Primeiro ele ia ver
as fotografias. (...) estava sempre mexendo em chapas, mexendo em fotografias. E isso era
toda a noite. Acho que quando ele ficava cansado, ia deitar. (...) Pegava um caderno, fazia
anotações (...). Era isso a vida toda”
26
.
Malta parecia saber que sua obra teria grande importância no conjunto da
documentação histórica brasileira, o cuidado com cada fotograma seu e por conseqüência com
cada informação que cada um poderia conter é perceptível em sua dedicação ao trabalho, e
principalmente na organização de seu acervo. O fotógrafo criou um sistema em que
combinava uma numeração seqüencial juntamente com o local e data do registro escrito
diretamente nas partes escuras das chapas, na “treva” (uma curiosidade, este registro era
escrito de trás para frente devido ao fato de se tratarem de negativos), além é claro das
anotações e comentários que fazia e refazia, complementando o texto fotográfico.
No início de sua carreira de fotógrafo e desse trabalho de arquivo, o gabinete
fotográfico - assim como o local de residência - de Augusto Malta era localizado no próprio
Palácio Municipal,
27
posteriormente se mudou para seu próprio estúdio, no Teatro Éden na
Rua do Lavradio, 96,
28
mas antes disso, prevendo a mudança, separou minuciosamente
seu acervo particular do da prefeitura. Para tal tarefa, contou com a ajuda do historiador e seu
26
Carlini, 1980.
27
O Palácio da Prefeitura ficava na Rua General Câmara, no centro da cidade, que posteriormente foi demolido
para a construção da Avenida Presidente Vargas.
28
Este estúdio pegou fogo em 1905, e Malta precisou da ajuda de amigos para conseguir cópias de seus trabalhos
e assim reconstituir seu arquivo.
16
amigo próximo Noronha Santos, além da própria Amaltéa, isto talvez justifique a existência
de fotografias com o número original de registro rasurado, com outro sobreposto.
Malta durante sua carreira de fotógrafo, ocupou diversos endereços comerciais, além
dos já citados acima, instalou-se na Rua do Riachuelo, n° 22, perto dos Arcos da Lapa; na Rua
Frei Caneca, defronte ao Hospital da Polícia; nos jardins do Passeio Público; na Rua
Camerino; e seu último estúdio ficava na Praça Tiradentes, 35. Os cuidados que o acervo
do fotógrafo exigia, transformaram cada uma destas várias mudanças de endereço em um
verdadeiro transtorno para a família.
Mas o que antes era um transtorno, com a morte de Malta em 30 de junho de 1957,
acabou por tornar-se uma fonte de lucro para a família. Conforme o testamento do fotógrafo,
seu acervo particular foi divido entre seus herdeiros da seguinte forma: metade à sua mulher,
Verschueren Malta Campos e a outra metade dividida em partes iguais entre os filhos. Porém,
ainda segundo Amaltéa, apesar do acervo ter ficado em sua totalidade na casa da viúva em
Jacarepaguá, logo após a divisão, os herdeiros fizeram pressão para a sua venda, o que acabou
acontecendo em 16 de abril de 1964. O governador Carlos Lacerda, do então recém-criado
estado da Guanabara, adquiriu o acervo junto à família Malta por Cr$ 12.000.000,00 (doze
milhões de cruzeiros),
29
destinando-o ao Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro
30
, na
época administrado pela fundação Vieira Fazenda.
O Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro tem por característica ser uma das
primeiras instituições a manter uma relação mais estreita com a memória estadual do que com
a nacional, ou seja, seu recorte é o estado do Rio de Janeiro, mais precisamente o antigo
estado da Guanabara, além de ser o pioneiro no gênero de acervo áudio-visual. Estes fatos e a
29
O pagamento ficou assim dividido: Cr$ 5.700.000,00 pagos em moeda corrente e o saldo, Cr$ 6.300.000,00
em “Títulos progressivos do Estado da Guanabara”, conforme documento de compra da obra. (Ver anexo III).
30
Que viria a ser inaugurado em 3 de setembro de 1965, como parte das comemorações do centenário da
cidade do Rio de Janeiro.
17
dimensão do conteúdo de imagens de Augusto Malta que o museu possui, foram
fundamentais na escolha desta instituição como base de nossa pesquisa.
A Coleção Augusto Malta do MIS-RJ, além das reproduções, é composta por
negativos de vidro e negativos panorâmicos, que são divididos em três índices: “pessoas”
(refere-se a prefeitos e presidentes) “logradouros” (a de maior quantidade) e “diversos” que se
agrupam em pastas separadas por temas como “aspectos sociais”, “assuntos
religiosos/igrejas”, “bandas”, “banhos de mar”, “batalha das flores”, “bondes”, “carnaval”,
“casamentos”, “comércio”, “congresso Pan-Americano”, “crianças”, “cinemas”, “escolas”,
“esportes”, “festas populares”, “indumentária”, “limpeza pública”, “medicina e saúde”,
“prédios públicos” e “prostitutas” entre várias outras.
31
O acesso às fotografias é feito através
de um funcionário que traz uma pasta de cada vez quando solicitado, o que torna o trabalho
um tanto quanto lento. algum tempo o arquivo está em fase de digitalização, onde as fotos
originais são convertidas em arquivos eletrônicos e organizadas em um banco de imagens, o
que vem melhorando a velocidade de acesso ao acervo além de diminuir a precariedade dos
instrumentos de pesquisa oferecidos pela instituição, porém a consulta digital ainda carece de
uma classificação por temas, assim como acontece com as pastas com os originais, segundo a
responsável pelo acervo Sra. Elenir Aguiar a classificação no sistema digital de consulta será
iniciada em breve, mas ainda sem data prevista.
Como dito antes, é expressivo o número de registros realizados por Augusto Malta
existentes não nas instituições de memória da cidade do Rio de Janeiro, como no próprio
MIS-RJ. Isto nos levou a definir um critério de pesquisa que seria o de analisar somente as
fotografias que se enquadrassem dentro do recorte temporal proposto pela pesquisa, 1903-
1920, que por sua vez nos obrigou a limitar a analise às fotografias que fossem possíveis
determinar a sua datação, seja pelo próprio Malta, pela instituição ou por outro meio como o
31
Para lista completa do acervo do MIS-RJ ver anexo II.
18
confrontamento com outra fonte. Além do que, como nossa pesquisa tem por interesse a
população da cidade do Rio de Janeiro como um todo e não uma personalidade específica,
excetuando-se o próprio Malta, excluímos da pesquisa o índice “pessoas” por se tratar de
personalidades políticas do período.
Para o cumprimento da análise propriamente dita de cada fotograma, definimos uma
planilha básica (vide abaixo), por meio da qual cada fotografia pudesse ser descrita, e
posteriormente identificada.
Meu número
Origem
Pasta/Número da instituição de origem
Data
Título
Local retratado
Tema
Pessoas registradas
Atributos/pessoas
Atributos/objetos
Tempo ( ) dia ( ) noite
Dados diversos Pose ( ) Instantâneo ( )
Popular ( ) Elite ( )
Cotidiano ( ) Cerimônia ( )
Observações:
19
Durante os dois anos de pesquisa, foram observados 13.175 registros fotográficos de
Augusto Malta, que se encontram assim distribuídos:
ORIGEM Nº DE FOTOS
Acervo pessoal 391
MIS-RJ 12784
32
Como dissemos anteriormente, a coleção do MIS-RJ guarda o conjunto de
imagens que resulta de uma escolha pessoal de Malta, ou seja, as fotos que ele por algum
motivo achou importante conservar consigo, e posteriormente deixar de herança à família. É
no acervo do MIS-RJ que encontramos tanto pastas da Avenida Central, emblema da
modernidade e espaço dos comportamentos “civilizados” e “modernos”, como a pasta
“aspectos sociais” com imagens de favelas, acendedores de lampião, mendigos, a lavadeira, o
jornaleiro, o homem-reclame, a corista, os vendedores ambulantes, entre outras figuras do
cotidiano da cidade. Estes registros não teriam sentido dentro da esfera da oficialidade da
prefeitura, onde seu trabalho era voltado mais para o acompanhamento das obras municipais e
da agenda social e política dos prefeitos, nem no comprometimento profissional dos serviços
prestados à Light ou à Sul América dentre as demais para as quais prestou serviços.
São estes aspectos que tornaram o referido acervo caro ao nosso trabalho, é ele que
ao nosso ver, retrata mais eficientemente o trânsito de Malta entre a elite e o populacho, a sua
capacidade de mesmo trabalhando e se esforçando para retratar os efeitos e benefícios da
cidade e de posturas novas e modernas, mostrou também a cidade velha, colonial e suas
usanças e costumes antigos que teimavam em aparecer em suas chapas.
32
Este é o montante de fotos digitalizadas até o dia 30 de setembro de 2008,
20
1.4. Fotografia e História
Paralelo a seu caráter de inovação tecnológica, a fotografia carrega em sua história a
marca da polêmica em relação aos seus usos e funções.
33
Desde a comoção provocada no
meio artístico, que entendia a fotografia como um elemento ofuscante de qualquer outro tipo
de ilustração, até seu caráter de prova irrefutável dos fatos, a fotografia foi, e é, alvo de
debates entre aqueles que lançam mão deste recurso para refletir acerca de seus objetos de
análise.
No caso específico da sua relação com a História, pode-se dizer que tal debate deu-
se, dentre outros aspectos, sobre o reconhecimento do papel desempenhado pela cultura nos
diferentes campos do contexto social. Foi dessa forma que a fotografia, ao lado de outras
imagens, se incluiu nos campos da pesquisa em História.
34
Entre os anos setenta e oitenta do culo XX, as fontes imagéticas, até então
relegadas a um plano ilustrativo, contribuíram para fertilizar os debates teórico-metodológicos
responsáveis pela proposição de “novos problemas, novos objetos e novas abordagens” aos
territórios dos historiadores.
35
Debates estes, que foram responsáveis pelo esclarecimento da
natureza discursiva e brida da fotografia, das mudanças da percepção de suas imagens e
especialmente dos filtros culturais, ideológicos e políticos que sempre conduzem os padrões
historiográficos predominantes, os quais, por sua vez, influenciam modos de ver e de olhar as
imagens.
Ao considerar questões como estas, alguns autores propõem um repensar sobre os
modos de trabalhar as relações entre fotografia e História. Apenas a título de exemplo,
33
MAUAD, 2004, P.119.
34
BORGES, 2003, p. 75-79
35
Referência à obra coletiva organizada por LE GOFF, Jacques e NORA, Pierre, traduzida no Brasil com o título
de História: novos objetos, novos problemas, novas abordagens. 3v. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1976.
21
citemos algumas obras cuja alta constância nas notas de rodapé de dissertações e teses de
diferentes historiadores, pesquisadores e outros estudiosos da fotografia ratificam a aceitação
da, como dissemos, natureza discursiva e híbrida da fotografia, o que permite fazer desta
fonte iconográfica um documento histórico recheado de informações sobre a sociedade
congelada naquela imagem.
Annateresa Fabris em Fotografia: usos e funções no século XIX”,
36
ressalta que a
fotografia é orientada pelas convenções de um novo binômio: o da automatização/criação,
subverte a tradição das pinturas, estas baseadas no binômio manualidade/criação. A cargo
disso, o retrato fotográfico rompe com a perspectiva renascentista e instaura uma outra forma
de arte,
37
é uma construção artificial, na qual se encontram as normas sociais correntes e
diferentes estratégias mobilizadas pelos fotógrafos/artistas. Faz surgir uma cultura visual
célere e fragmentada, apesar de compromissada com a preservação da memória individual e
coletiva.
Outro trabalho que merece destaque é a tese de doutoramento da Professora Ana
Maria Mauad.
38
Ao optar por uma abordagem histórico-semiótica e detendo-se em dois
diferentes tipos de agentes produtores de registro (as revistas “Careta” e O Cruzeiro” e
fotografias de famílias) analisa a característica tipicamente burguesa dos comportamentos e
das representações sociais da classe dominante no Rio de Janeiro da primeira metade do
século XX. Traz importante contribuição para a discussão com seu trabalho (entre outros),
onde busca “chegar àquilo que não foi revelado pelo olhar fotográfico”. Entende que para
chegar àquilo que não foi de imediato revelado, é preciso “perceber as relações entre signo e
imagem, aspectos da mensagem que a imagem fotográfica elabora e, principalmente, inserir a
36
FABRIS, 1998.
37
Idem, p. 8-9
38
MAUAD, 1990.
22
fotografia no panorama cultural no qual foi produzida”.
39
Para tanto a autora transita por
diversos autores que tratam de lingüística e de semiótica,
40
e partindo da acepção de que “a
semiótica é uma nova ciência que tem por objetivo qualquer sistema sígnico usado na
sociedade humana (...)”,
41
chama a atenção para o fato de que para o historiador ampliar sua
capacidade de análise e esclarecimento dos acontecimentos passados é necessário levar em
conta a interdisciplinaridade e a aceitação da abordagem semiótica. Nessa abordagem
histórico-semiótica a autora propõe “analisar a mensagem fotográfica como um fenômeno de
produção de sentido” para tanto utiliza os conceitos básicos de cultura e ideologia que
“tudo nas sociedades humanas é constituído segundo códigos e convenções simbólicas que
denominamos cultura”. É nesta conjuntura teórica que a autora compreende a fotografia como
“1°, enquanto artefato produzido pelo homem e possui uma existência autônoma, quer seja
como relíquia, lembrança etc.” e “2°, enquanto mensagem que transmite significados relativos
à própria composição da imagem fotográfica”.
A mesma autora em outro trabalho de 1996
42
comenta a noção de intertextualidade e
da relação entre quem produz e quem lê o artefato imagético, da dependência da aproximação
com outros textos do período para uma leitura da imagem. Para Mauad, “à competência do
autor corresponde a do leitor”, pois “é a competência de quem olha que fornece significados à
imagem. Essa compreensão se dá a partir de regras culturais, que fornecem a garantia de que a
leitura da imagem não se limite a um sujeito individual, mas que acima de tudo seja coletiva.”
A compreensão do texto fotográfico se nos planos internos e externos à superfície do texto
39
Idem, p. 1.
40
A autora discute as posições e contribuições tanto de teóricos da lingüística e da semiótica da comunicação
(Saussurre e Roland Barthes) como os da semiótica da significação (Julia Kristeva, Peirce, Umberto Eco e Rosi-
Landi).
41
“Introdução ao estudo estrutural dos sistemas de signos”. In: Ivanov, V.V. et alii. A Linguagem e os Signos.
Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, n° 29, 1972, p. 9. Apud MAUAD, 1990, p. 2.
42
MAUAD, 1996.
23
visual, é um ato tanto conceitual quanto pragmático onde se pressupõe a aplicação de regras
culturalmente aceitas e convencionalizadas na dinâmica social.
43
Mauad agrega às categorias fundamentais de análise semiótica o destaque aos
elementos históricos na acepção de que é no processo de sua produção que a fotografia, como
produto cultural, deve ser analisada para que se passe do aspecto superficial da imagem à
apreensão de seu sentido social. Ao mesmo tempo, consistindo a imagem em um meio de
comunicação humano, há códigos e convenções a partir das quais elas o produzidas e que
nos remetem ao contexto cultural no qual se situam.
A noção de cultura fotográfica ainda é uma discussão relativamente recente no
Brasil, tanto entre os historiadores quanto entre os demais cientistas sociais que trabalham
com imagens fotográficas. Uma das primeiras discussões, começadas por Maria Inez
Turazzi
44
asseguram que a cultura fotográfica é uma das formas de cultura, justificada pelo
valor da fotografia como recurso visual de suma importância para a formação do sentimento
de identidade, seja individual ou coletivo. Turazzi constata que a cultura fotográfica é uma
das formas de cultura arraigada em uma extensão maior do universo cultural, entende que esta
se constitui em dimensões diversas e complexas. Começando pelos próprios produtores de
imagens, a autora assegura que a cultura traz à baila todo cabedal profissional dos fotógrafos,
ou seja, desde seu equipamento fotográfico e diferentes tecnologias (câmeras, lentes, chapas,
etc.) até suas escolhas estéticas e formais que utilizam em sua produção. Daí podemos
ressaltar a necessidade de se realizar uma arqueologia da obra do autor fotográfico dispondo-a
em um determinado tempo e espaço.
43
Idem, p. 9.
44
TURAZZI, 1998.
24
Turazzi salienta ainda que uma cultura fotográfica se expressa nos usos e funções da
fotografia em uma sociedade e na construção das representações imaginárias integradas ao
conteúdo das imagens produzidas desta sociedade.
O teórico francês Philippe Dubois, um dos principais pesquisadores da atualidade no
campo da estética das imagens com contribuições decisivas na reflexão sobre a fotografia, o
cinema, o vídeo e o domínio digital, fundamenta sua análise
45
na crença de que, embora
ocorra a premissa da existência de uma significação per si, a fotografia é percebida como uma
imagem coligada a uma ação inseparável de sua enunciação e de sua recepção.
O autor baseia-se em três categorias básicas: o índice como representação por
imediação física com seu referente; o ícone como representação por similaridade; e o símbolo
como representação por convenção geral. Essa forma de abordagem aproxima as imagens
técnicas de Augusto Malta com as características indiciais da singularidade, da denominação
do período e do seu testemunho. A singularidade, como prova da unicidade do referente em
que a imediação referencial é a própria projeção metonímica; o testemunho, porque por sua
origem, a fotografia necessariamente testemunha, certifica ainda que às vezes não signifique e
a denominação, característica de indicar a singuralidade exclusiva do referente. Portanto, a
primeira qualidade existencial das imagens fotográficas é ser inicialmente na sua origem um
índice, podendo assemelhar-se e tornar-se um ícone, para finalmente adquirir sentido e ser um
símbolo.
46
Boris Kossoy, um dos pioneiros no trabalhar as relações entre fotografia e
História, em seu livro Fotografia & História”
47
analisa o valor documental da fotografia
como informação historiográfica, propõe uma metodologia para a pesquisa e análise deste
suporte. O livro é considerado um clássico utilizado por historiadores, sociólogos e
45
DUBOIS, 1990.
46
Idem.
47
KOSSOY, 2001.
25
profissionais de comunicação. Kossoy acrescenta à discussão, entre outros fundamentos
teóricos, uma análise do fotógrafo como um filtro cultural,
48
nela destaca que “o registro
visual documenta (...) a própria atitude do fotógrafo diante da realidade; seu estado de espírito
e sua ideologia acabam transparecendo em suas imagens” e, portanto, a opção por um
determinado aspecto do real, a disposição visual dos detalhes que compõem a cena, assim
como o uso que o fotógrafo faz dos vários recursos oferecidos pela tecnologia, são elementos
que influirão decisivamente no resultado final e configuram a atuação do fotógrafo enquanto
filtro cultural.
Respeitadas suas especificidades, podemos dizer que nos trabalhos aqui citados, os
autores proclamam a fotografia não apenas como uma expressão da realidade, mas também
interpretação deste mesmo real, que deve ser buscada nas efígies através da leitura cuidadosa
e subjetiva, neles a fotografia exibe suas múltiplas faces; ostenta seu status de técnica, arte e
documento sócio-cultural.
O que nos importa inteiramente chamar a atenção é que o ato de reproduzir frações
do real não é um processo passivo, asséptico, pois o fotógrafo, seja ele autônomo ou ligado a
ações públicas, atua sobre o real impregnado e sabedor dos códigos sociais, políticos,
ideológicos, comerciais e estéticos. De outra forma, a “composição” da imagem produzida
seria passível de não ser compreendida por sua clientela.
Portanto, a visualidade determinada pela fotografia é constituída, ao mesmo tempo,
por sua geração automática assim como pelas subordinações sócio-culturais que norteiam o
olhar e as opções do fotógrafo, pelos intermediadores culturais responsáveis pela circulação
das imagens além do gosto e intentos dos consumidores.
Dessa forma, podemos dizer que Malta, sua câmera, a paisagem carioca e seus
habitantes e, por fim, nós espectadores, fazemos parte do processo de significação. Podemos
48
Idem, p. 42.
26
então, entender seu acervo fotográfico como um sistema de comunicação e, portanto, portador
de uma mensagem e de um emissor com intenção de transmitir algo. Os códigos de
representação e comportamento de um indivíduo ou grupo a que ele pertence, estão presentes
numa imagem fotográfica, e como esta é passível a processos de manipulação, é comum que
este tipo de conduta ocorra em regimes que procuram legitimar-se.
Partindo do ponto de que a fotografia traz em si uma série de referências do
indivíduo, grupo ou sociedade a que representa, como imagem, ela está carregada de valor
cultural. Segundo Arnal
49
, esse “estar carregado de valor cultural” acontece quando a imagem
se insere no contexto sociocultural de um determinado grupo. Essa inserção ocorre se, e
quando, os atores sociais mantêm os ritos comuns que reforçam e estruturam esse grupo.
A fotografia ganha então um caráter ambíguo, enquanto é definitivamente um
documento, consiste ao mesmo tempo em uma representação.
1.4.1. A fotografia como representação
Etimologicamente, “representação” provém da forma latina repraesentare” - fazer
presente ou apresentar de novo. Fazer presente alguém ou alguma coisa ausente, inclusive
uma idéia, por intermédio da presença de um objeto.
Trabalhar a questão da representação na fotografia nos remete à noção clássica de
representação, ou seja, à noção de que a mesma pode ser entendida como o “relacionamento
de uma imagem presente e um objeto ausente”, esta por sua vez nos remete ao trabalho de
49
ARNAL, 1998.
27
Roger Chartier,
50
seu trabalho nos é caro por sua aplicação ao estudo da fotografia como uma
forma de representação da realidade e fonte histórica.
Para Chartier as estruturas do mundo social são historicamente produzidas por
práticas discursivas, políticas e sociais, que articuladas constroem suas imagens. Nele o
trabalho de representação é um trabalho de classificação e de exclusões que constituem as
configurações sociais e conceituais próprias de um tempo ou de um espaço.
51
Portanto estas
estruturas não se constituem a partir de um dado objetivo no sentido de uma externalidade
material, de onde podemos deduzir que as representações não seriam um mero reflexo da
realidade.
Chartier articula três noções: representação, prática e apropriação. Segundo ele, as
práticas de apropriação cultural são formas diferenciadas de interpretação, ou seja, de
representação da realidade. Desta forma, ele põe em destaque a pluralidade dos modos de
emprego das apropriações e a diversidade de leituras inclusive, do ato concreto da leitura,
silenciosa ou oral, pública ou privada etc.
Todas as representações visam fazer com que a identidade do ser não seja outra
coisa senão a aparência da representação, isto é, que a coisa não exista a não ser no signo que
exibe”, sendo que, a relação de representação é assim confundida pela ação da imaginação,
que faz tomar o logro pela verdade, que ostenta os signos visíveis como provas de uma
realidade que não o é”.
52
Ao adotarmos por objeto as representações da belle époque carioca realizadas por
Augusto Malta podemos compreender a disposição e interesses de determinados grupos
sociais da população da cidade do Rio de Janeiro do início do século XX. Seguindo o
pensamento de Chartier as imagens, as representações elaboradas pelo fotógrafo,
50
CHARTIER, 1990.
51
idem, p. 27
52
Ibdem, p. 21-22
28
principalmente as da elite, “descrevem a sociedade tal como pensam que ela é ou, como
gostariam que ela fosse”. Portanto, compreender como Malta, enquanto sujeito social,
apresenta a sociedade carioca elaborando representações através de imagens fotográficas é
nosso trabalho. Estas descrevem a realidade da belle époque carioca não como um espelho,
mas como uma “visão de mundo” entre outras possíveis, como uma interpretação daquilo que
a sociedade era no momento do click do fotógrafo ou, daquilo que ela poderia vir a ser no
futuro.
Antônio de Oliveira Jr. em seu excelente trabalho,
53
que nos é particularmente
interessante por além de tratar de uma análise da obra de Malta entre 1902 e 1936, também
trabalha o conceito de representação, e apesar de um ponto de vista diferente, não é
necessariamente contrário ao de Chartier. Partindo da noção de “verdade ótica fotográfica” o
autor trata, percorrendo vários autores da comunicação, as noções de representação e de
significação da imagem fotográfica. Oliveira estabelece historicamente a perspectiva
artificialis renascentista, assinalando sua função social. Deste modo, a partir deste ponto de
vista, a fotografia elaborada pode ser considerada análoga ao seu referente por satisfazer a
um tipo de código de representação técnico vigente na sociedade ocidental, situado no tempo
e espaço de sua gênese.
Assim sendo, a fotografia é mais do que a conseqüência de um procedimento físico-
químico entre imagem e referente, realizada mediante o desenvolvimento técnico, é uma
construção histórica. O autor acredita que a “verdade empírica do processo fotográfico”
ocorre, sobretudo, a partir de estratégias e convenções que normatizam a produção e a
recepção da imagem, por meio de formas de diálogo e de estética, codificadas social e
historicamente.
53
OLIVEIRA Jr., 1994.
29
Oliveira define a fotografia, constituída pelo fotógrafo enquanto sujeito histórico
portador de uma ideologia e de uma cultura, como sendo um espaço bidimensional, onde
afluem sistemas de representações ou signos, constituída a partir de formas expressivas
peculiares.
Nesta intricada representação da realidade, o autor aponta os seguintes efeitos óticos:
a reflexão, a seleção e a reorientação da luz. Chama a atenção para a existência de formas
expressivas com a capacidade de se comunicar sem depender da linguagem verbal, que é o
caso da fotografia, sendo que, nem sempre a mensagem é explícita. Oliveira entende que o
sentido da fotografia situa-se no limite entre sua própria estrutura significante, por ele
definida como sendo “um conjunto de códigos organizados de forma não aparente, possuindo
uma lógica interna não explicitada”, de acordo com o modo de produção e o contexto social
ou pessoal do fotógrafo.
54
Assim sendo, a construção de uma representação, resultada de uma intenção,
fundamentada em uma dada realidade (referente) se mescla com o ato fotográfico que tem
como etapa essencial
(...) selecionar e destacar um campo significante, limitá-lo pelas bordas
do quadro, isolá-lo da zona circunvizinha que é a sua continuidade censurada. O
quadro da câmera é uma espécie de tesoura que recorta aquilo que deve ser
valorizado, que separa o que é importante para os interesses da enunciação do que
é acessório (...)
55
54
OLIVEIRA, 1994, p. 47
55
MACHADO, 1984, p. 76.
30
Ao optar por um determinado fragmento da realidade em detrimento de um outro que
não atraiu seu olhar, o fotógrafo-sujeito estará sendo dirigido pela mentalidade coletiva de seu
tempo, pois (...) quem quer que seja, não pode subtrair-se às determinações que regulam as
maneiras de pensar e de agir de seus contemporâneos.
56
O pensamento de Chartier aliado ao de Oliveira nos permite observar e pensar na
obra de Augusto Malta a “teatralização” e a “realidade” do vivido da sociedade carioca do
início do séc. XX, alcançar a distinção entre representação e representado, entre signo e
significado. Permite “identificar o modo como em diferentes lugares e momentos, uma
determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler”,
57
nos agrega ao objetivo da
pesquisa, de perceber o modo como, no Rio de Janeiro da belle époque, a idéia de carioca, de
modernidade e seus contrapontos são construídos, pensados, dados a ver através da fotografia
de Augusto Malta.
1.4.2. Fotografia e documento
Augusto Malta achou que seria “uma falta de respeito, (...) uma tapeação” com
Pereira Passos, não dedicar-se de corpo e alma à nova função”, “uma obra como aquella,
um homem como aquelle”, foram motivos de muito esforço para obter “uma documentação
fiel e indiscutível que só as boas fotografias poderiam proporcionar”.
58
56
CHARTIER, 1990, p. 76.
57
Idem, p. 16-17
58
Augusto Malta em entrevista para o jornal “O Globo”, em 1 de agosto de 1936.
31
Quando se fala em documento, se fala em evidência, prova, comprovação oficial.
Segundo o dicionário Houaiss da língua portuguesa
59
documento é “qualquer objeto de valor
documental (fotografias, peças, papéis, filmes, construções etc.) que sirva de prova ou
testemunho, elucide, instrua, prove ou comprove cientificamente algum fato, acontecimento,
dito, etc.”
O primeiro efeito que a fotografia causou foi o despertar de grande admiração pelo
novo meio de expressão, em virtude de suas realizações, de sua perfeição e rapidez. Esse
deslumbramento com a invenção de Niépce e Daguérre e suas possibilidades de representação
geraram a necessidade de definir a essência da fotografia. Esta, primeiramente, se constituiu
em oposição à pintura. O esforço neste sentido se deu diante da capacidade da fotografia de
reproduzir, como até então, nenhum mestre da pintura houvera conseguido, um “espelho do
real”. Foi o recurso mecânico encontrado pela ciência para reprodução do fato, cópia fiel
dessa mesma realidade.
60
Desde seu surgimento em 1839 até meados do século XX, a fotografia se constituiu
nas relações entre documento, prova e memória, carregando em si o status de “olho da
História”, no Brasil sustentou-se a idéia. A partir da nota dada pelo Jornal do Comércio em
1840
61
da chegada do daguerreótipo,
62
(...) Em menos de nove minutos o chafariz do Largo
do Paço, a praça do peixe, o mosteiro de São Bento, e todos os outros objetos circunstantes
se acharam reproduzidos com tal fidelidade, precisão e minuciosidade, que bem se via que a
cousa tinha sido feita pela própria mão da natureza, e quase sem a intervenção do artista”
passando pelo citado depoimento de Malta, pela sua associação como identificação através
do uso em documentações pessoais como passaportes, identidades, e outros tipos de carteiras
59
http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm?verbete=documento&stype=k
60
ARNAL, 1998.
61
Jornal do Comércio, 17/01/1840.
62
Aparelho fotográfico inventado por Mandé Daguerre (1787-1851), físico e pintor francês, que fixava as
imagens obtidas na câmara escura numa folha de prata sobre uma placa de cobre.
32
de reconhecimento social, dos retratos de família,
63
o registro fotográfico tinha em si a certeza
da isenção de intervenção à natureza do fato. Esta suposta vocação que a fotografia tem para
reproduzir o real garantiu-lhe desde sua invenção uma posição de destaque no campo das
ciências e da comunicação. A informação visual contida na imagem nunca era contestada, seu
nível de autenticidade garantia seu aceitamento prévio como prova de um determinado
episódio, estado de coisas, aparência ou comportamento.
Esta aceitação de antemão do fato através da imagem fotográfica tem um bom
exemplo nos álbuns compostos pelas fotografias de Augusto Malta para o Prefeito Pereira
Passos. Ao assumir o cargo de fotógrafo oficial da Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro,
Malta tinha como uma de suas incumbências registrar as moradias do centro da cidade que
seriam demolidas durante as reformas urbanas, estas fotos eram agrupadas em álbuns e
enviadas ao prefeito, que negociava com os proprietários os valores de indenização pela
desapropriação dos imóveis. As imagens geradas pela câmera do fotógrafo da prefeitura
serviam como prova irrefutável da situação precária das habitações e, justificavam os valores
estabelecidos como compensação pela perda das antigas casas e sobrados. Quando um
proprietário marcava audiência na prefeitura para reclamar um valor maior para a
indenização, muitas vezes ele se via em “maus lençóis”, pois não supunham que a prefeitura
estivesse “tão minuciosamente informada acerca das más condições da cidade”.
64
Se a
localização central garantiria aos prédios um alto valor comercial, as evidências fotográficas
de sua conservação e de sua má utilização encerravam as discussões. A objetividade
positivista atribuída à fotografia era parte de uma instituição alicerçada no iconográfico, na
aparência como expressão da verdade.
65
63
MAUAD, 1996, p. 3.
64
Manuscrito de Augusto Malta datado 29 de agosto de 1936. Apud, CAMPOS, 1987.
65
KOSSOY, 2001, p. 102.
33
Antes de qualquer coisa devemos deixar claro que a teoria do “olhar inocente”
caiu por terra algum tempo, historiadores e teóricos da imagem como Boris Kossoy, Ana
Maria Mauad, Ariel Arnal, Alfredo Bosi entre outros, comprovam que entre a ação de
fotografar e a imagem resultante existe toda uma gama de subjetividades concernentes tanto
ao fotógrafo quanto a sociedade do contexto deste mesmo fotógrafo, além das expectativas e
desejos do fotografado.
Além de que, não podemos desconsiderar que boa parte da obra aqui discutida é fruto
de uma relação comercial entre o fotógrafo e o governo da cidade. Malta prestava um serviço
a um cliente, e o sucesso desta relação estava diretamente ligado à satisfação deste cliente,
cliente este que lhe garantiu inclusive moradia Augusto Malta e família, no início de sua
vida como fotógrafo profissional residiram no Palácio da Prefeitura (Rua General Câmara),
onde contava com laboratório, arquivo, gabinete de análise, gabinete fotográfico (atelier) e
acomodações para a família
66
ou seja, não podemos esquecer que era a fotografia “oficial”
que garantia o sustento de Malta e família, de onde podemos concluir que o fotógrafo usava
de todos os recursos para satisfazer as expectativas de seu(s)
67
clientes.
Assim, podemos dizer que a obra de Malta e sua relação com o registro do “fato” se
encontram no centro do debate que é o conceito da fotografia como fonte histórica e sua
respectiva discussão teórica, envolvendo questões como o realismo fotográfico, a
ambigüidade relativa a informação e desinformação que existem na imagem fotográfica, a
subjetividade e a objetividade que ela possui, a questão do olhar, da interpretação e da busca
da natureza do documento fotográfico.
68
Como dissemos acima, os álbuns de Pereira Passos eram, no período estudado,
tidos como provas incontestáveis de uma realidade congelada, de um estado de coisas e
66
apud CAMPOS, 1987.
67
Dentre as empresas para as quais Malta prestou serviço estão a Light, Cia Telefônica Brasileira, Fabrica de
Tecidos Corcovado, Serraria Trajano, Fabrica Aliança, Cia. Medeiros, Fábrica Carioca e Sul América.
68
CIAVATTA, 2002. p. 18
34
pessoas, originadas pelo olhar “inocente” do fotógrafo, um olhar que apenas observa e
registra, sem juízo de valor, sem ideologia, sem compromisso, a não ser com a verdade.
Seria possível, o registro visual não documentar a atitude do fotógrafo frente à
realidade? Seu estado de espírito e sua ideologia não transparecerem em suas imagens?
Segundo Kossoy
69
não, principalmente nas chapas que realiza de forma independente, onde
trabalha mais “solto”, aliás, Malta é um exemplo claro do produtor de imagens que transita
bem entre o oficial, ou seja, seu trabalho para um cliente, e o não oficial, as chapas que “tirava
por gosto”.
70
Malta deixou pistas de suas opiniões em fontes verbais, parte delas estão nas
legendas que fez em grande parte de sua obra. Elas podem ser entendidas como a assinatura
do fotógrafo que nelas registrava, data e local, e muitas vezes o número do fotograma
correspondente ao arquivamento do material acompanhados de comentários sobre o assunto
fotografado (fig. 4):
69
KOSSOY, 2001, p. 42.
70
“O interesse pela fotografia começou com uma pequena máquina que ele trocou por uma bicicleta (...) daí ele
começou a tirar fotos e tomou gosto” – Amaltéa Malta Carlini, filha de Malta, em entrevista ao MIS, 1980.
35
Foto 4 - MIS/RJ
71
- Rua dos Andradas com Alfândega
DetalheD
“Ainda o vejo quando (...) lia as indicações e sugestões com que me atrevia marginar as fotografias
que lhe enviava, escrevendo ao pé das fotos dos pardieiros: Está pedindo picareta.” (detalhe)
72
As legendas-comentário, gravadas com uma pena na “treva”
73
com nanquim branco
importado, serviram também para uma espécie de diálogo entre Malta e Pereira Passos, a este
que demos como exemplo acima, Passos respondeu: “Malta, você tem razão, amanhã
teremos picareta”.
74
As legendas são exemplo claro de complementação verbal à mensagem
imagética, onde o vinculo entre mensagem escrita e mensagem visual, faz com se relacionem,
reafirmem e auto completem.
75
Existem também, algumas entrevistas, como a que deu à “Revista da Semana”,
edição de Natal, 1945, ao “Diário de Notícias” em 29/08/1936 e ao Jornal O Globo” de
1936, em que o fotógrafo mais algumas pistas de suas idéias a respeito de seu trabalho e
conduta pessoal.
71
A foto 4 é integrante da pasta “Ruas do centro do Rio de Janeiro 3” do índice “Logradouros” do acervo do
MIS –. Esta foto é apenas um exemplo do grande número de registros fotográficos que continham algum tipo de
mensagem extra além da assinalação da numeração das construções, sinal que caracterizava o interesse da
Prefeitura na sua demolição.
72
Apud CAMPOS, 1987.
73
Parte escura da matriz.
74
Idem.
75
CIAVATTA, 2002, p. 44.
36
Para uma confiável análise de sua obra e de seus processos de realização, optamos
por seguir a metodologia de situar as fotografias de Malta no contexto de sua produção, no
seu tempo e condições político-sociais, foi o caminho para articular dinamicamente a
percepção dos vestígios detectados e a visão geral que se tem sobre a realidade social
estudada.
Porém, o simples “cercar” as fotografias de Augusto Malta através das fontes
produzidas pelo fotógrafo, não foi suficiente para dar conta da sua expressão do universo da
sociedade da cidade do Rio de Janeiro no período da belle époque. A interpretação de uma
única fotografia ou de uma série como texto, exigiu o conhecimento de diferentes textos que
os antecederam ou que lhes fossem contemporâneos na produção da textualidade de um
período.
76
Assim sendo, o entrecruzamento e a interseção de fontes como jornais, ofícios,
crônicas, literatura, etc. se tornaram de essencial importância na construção de um conjunto
de referências mais extenso, que por sua vez, proporcionaram uma maior possibilidade de
compreensão do sentido do teor das imagens, a fim de que elas adquirissem um sentido não
em si, mas em seu contexto.
Desconsiderar outras fontes, sejam elas quais forem, ao ler e entender o Rio de
Janeiro da belle époque através das fotografias de Augusto Malta seria um trabalho infactível
e sem sentido. A imagem fotográfica, não fala por si, somente pode ser compreendida quando
contextualizada no próprio universo interpretativo do autor e do receptor, entendemos que
somente nesse universo ela se decompôs em testemunho e mensagem de uma pessoa,
sociedade, circunstância ou de um acontecimento sucedido.
No caso de Malta, fotógrafo profissional quase sempre vinculado a alguma
instituição, empresa ou mesmo particular, este manuseio dos meios de produção cultural
76
MAUAD, 2005, p. 140.
37
envolveu tanto aquele que detém este meio, no caso Augusto Malta, quanto aquele ao qual
serviu, como a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro e seus vários prefeitos no período
estudado, além é claro, das várias outras empresas privadas em que prestou serviços. Outra
informação que levamos em conta é o fato de que o controle dos meios técnicos de produção
cultural, até meados de 1950, foi prerrogativa das elites.
77
Quanto ao fato de Malta e sua produção imagética serem frutos de um determinado
contexto e época não dúvidas, o caminho percorrido por toda teoria e prática da utilização
da fotografia como fonte historiográfica apontam que seria impossível a ele manter total
isenção. No início de sua carreira na prefeitura era clara sua admiração pelo Prefeito e pelas
reformas urbanas,
78
todos os indícios nos levaram a crer que Malta, como entusiasta das
transformações da belle époque, apoiou as transformações promovidas pelos poderes públicos
municipal e federal na capital da República, que viriam a transformar o cenário da cidade e,
conseqüentemente, a relação de seus habitantes com ela. Consciente de suas atribuições como
fotógrafo oficial da cidade-capital em processo de modernização, foi responsável pelo registro
de imagens de uma paisagem que se modificou rapidamente, de um mundo que se despedia
enquanto outro se anunciava. Suas fotografias construíram álbuns que preservaram uma
determinada memória do antes, durante e depois, e que tinham por objetivo a construção de
um registro fiel das mudanças empreendidas.
Na maioria das vezes Malta optou, para suas fotos oficiais, por utilizar os planos
médio e geral,
79
estes expressam uma intenção de neutralidade, de distanciamento, bem
diferente de quando fotografava por “gosto” ou em situações menos formais, como no
carnaval, em que encurtava a distância, se aproximava das pessoas nas ruas e executava closes
77
Idem, p. 141.
78
(...) uma obra como aquella, um homem como aquelle, não mereciam a falta de respeito de uma tapeação’
(...)”. Malta ao jornal “O Globo” de 1936.
79
A tradição teórica e a prática do cinema estabeleceram uma codificação dos planos: plano geral, plano de
conjunto, plano médio, plano americano, primeiro plano, primeiríssimo plano ou plano detalhe. Apud
CIAVATTA, 2002, p. 60.
38
e imagens em primeiro plano. Embora almejasse à universalidade de uma produção calcada
na razão, percebemos que suas imagens oficiais ou não, são sempre reguladas sobre códigos
convencionalizados social e culturalmente, motivados pelos interesses dos grupos que os
tecem, daí foi imprescindível o relacionamento dos discursos proferidos com a posição de
quem se utiliza deles.
80
Fez-se necessário, também, entender o fotógrafo como autor, em qualquer instância
em que atuava, autônomo ou servidor, sua obra é marcada pela competência com que
dominou a tecnologia e a estética fotográfica de seu tempo, que por sua vez estavam
diretamente conectadas ao manuseio de códigos convencionados social e historicamente
objetivando a fabricação de uma imagem crível e inteligível. Logo, as imagens produzidas por
Malta são um documento não apenas pelo que mostram de um passado congelado nas efígies,
mas porque permitem também o conhecimento de seu autor, o fotógrafo e cidadão, do
procedimento e tecnologia empregados por ele e que proporcionaram a imagem e seu
conteúdo.
81
O produto final na obra de Augusto Malta, suas fotografias, se constituiu em
decorrência da ação do homem, que dentre outras escolhas possíveis, optou por um ponto de
vista em particular: o entusiasmo e otimismo advindos das idéias de modernidade. E que
utilizou toda a tecnologia a ele oferecida por esta modernidade e, não menos relevante, por
seus “patrocinadores”. Sua narrativa fotográfica nasceu a partir de um desejo individual
permeado por desejos de um lugar e de uma época, que o motivaram a petrificar em imagens
determinados aspectos do real.
Desde o surgimento da fotografia, existe a possibilidade de interferir na sua
confecção, da existência de um “discurso humano”, construído através da codificação da
80
CHARTIER, 1990, P. 17.
81
KOSSOY, 2001, p. 75.
39
imagem - a pose por exemplo. Dirigindo a cena, organizando a composição, se aproveitando
de um ângulo mais favorável, alterando para melhor ou para pior a aparência de seus
retratados, introduzindo ou excluindo detalhes, o autor fotográfico sempre, de uma forma ou
de outra, manipula seus registros técnica, ideológica ou esteticamente.
82
Desta forma, a
singularidade daquilo que se apresenta ganha similaridade com uma categoria universalizante:
o rico, o pobre, o patrão, o empregado, ou a festa, o desastre, o protesto, a modernidade, o
atraso...
Assim sendo, a fotografia de Malta apresenta, por um lado, algumas pistas muito
claras, e de outro carrega alguns vestígios, de acesso mais difícil, pois são fundamentados em
modelos previamente elaborados da perspectiva, do enquadramento, da composição, da pose,
etc. Estas condições são de grande relevância, porque mostram não apenas que tal evento
realmente existiu, mas também, através da composição da imagem, uma certa representação
que foi social e/ou culturalmente conferida ao sujeito.
A fotografias de Malta foram usadas para atestar as condições precárias das
construções desapropriadas, de um certo estilo de vida da elite carioca, dos maus hábitos dos
freqüentadores dos quiosques, da elegância dos corsos carnavalescos, do carnaval de rua, dos
cafés de inspiração parisiense, e tantos outros eventos e personagens do cotidiano carioca da
belle époque, representados por meio de objetos, poses e olhares, são fruto de um processo
que vai além de sua gênese automática, que vai além de a idéia de analogon da realidade, são
decorrentes de uma elaboração do vivido, de uma ação de investimento de sentido, ou seja,
uma leitura do real concretizada pelo fotógrafo oficial da prefeitura e amante da fotografia
mediante um conjunto de normas que envolvem, inclusive, o domínio de um determinado
conhecimento e tecnologia.
83
82
Idem, p. 108.
83
MAUAD, 2005.
40
A obra de Augusto Malta no período analisado é um meio de informação pelo qual
visualizamos microcenários da belle époque carioca; entretanto ela não agrupa em si a
totalidade do conhecimento, mas evidencia sim uma implícita relação de “cumplicidade”
entre o fotógrafo e a cidade. Não pode ser percebida e analisada como um registro simples e
imaculado de uma imanência do objeto retratado. Como produto humano, ela indica também,
com sua escrita luminosa, uma realidade que não existe fora dela, nem antes dela, mas
precisamente nela.
84
Seguindo o viés de análise de Boris Kossoy,
85
afirmamos que a História das efígies
executadas por Malta vistas tanto pelo fotógrafo como pelos retratados, nos traz indícios de
um passado. É preciso ter consciência de que, ao analisarmos estas fotografias, nossa
compreensão deste passado será, sem dúvida, influenciada por uma ou mais interpretações
anteriores. Por mais isenta que seja à interpretação do teor fotográfico da obra analisada, a
belle époque carioca será vista continuamente conforme a interpretação primeira de Malta,
que optou por aspectos determinados, os quais foram objetos de manipulação desde o
momento da tomada dos registros e durante todo o processamento, até a obtenção das imagens
derradeiras. Entre o objeto e sua imagem materializada incidiram uma seqüência de
intervenções ao nível da expressão que modificaram a informação inicial: um exemplo de tal
ocorrência é particularmente notada nas fotografias com as citadas legendas-comentário,
imagens que, uma vez associadas ao signo escrito, passam a “orientar” a leitura do receptor
com objetivos quase nunca inocentes.
Retomando então a questão do documento, a fotografia serve ao historiador como
fonte de conhecimento das múltiplas atividades do homem e de seu atuar sobre outros homens
e sobre a natureza, porém sempre se prestando aos mais diferentes interesses, ideologias e
culturas, agregando ao status de documento a característica de representação.
84
MACHADO, 1984, p. 40.
85
KOSSOY, 2001.
41
Entendemos, portanto, a obra do fotógrafo Augusto Malta como uma determinada
“prova visual” do contexto da belle époque carioca, que sempre encontrou-se entre dois
modos de existência: como mensagem direta, objetiva, culturalmente consagrada pela sua
origem de tecnologia aplicada e aparentemente sem necessidade de decodificações, e como
uma mensagem polissêmica, dúbia, refratora da realidade. Se nesta permite uma aproximação
estética da virtualidade do ato fotográfico à sua materialização, do fazer fotográfico ao refletir
sobre o produto codificado, transformador do real, naquela, a estética fotográfica é imposta ao
real como mimeses, arquétipo visual ou o “espelho do mundo”, o código absoluto. Ou seja,
prova conformada pelo testemunho e pelo olhar de um cidadão de seu tempo, que transitou
entre a elite e o populacho com grande desembaraço, tão grande que é perfeitamente possível
fazer uma analogia com o termo tão usado por João do Rio: o epíteto de “flaneur visual”
talvez seja a melhor forma de definir a atitude de Malta diante da cidade do Rio de Janeiro.
1.4.3. A imagem fotográfica enquanto monumento.
“(...) Por isso folgamos de ver que no Arquivo Municipal, d’aqui a anos,
quem nos suceder e tiver curiosidade, poderá encontrar os elementos que o
habitam a recordar o passado do Rio de Janeiro em suas ruas e edificações.
(...)”
86
86
Photografia Municipal. O Comentário, 27/01/1904, p. 37-38, ap. CIAVATTA, 2002, p. 90
42
“(...) o monumentum é um sinal do passado. Atendendo à suas origens
filológicas, o monumento é tudo aquilo que pode evocar o passado, perpetuar a
recordação (...)”
87
Segundo Le Goff,
88
dois tipos de materiais são aplicados à memória coletiva: os
documentos e os monumentos. Seguindo ainda o mesmo viés de análise, de que “não
história sem documentos” e que que tomar a palavra ‘documento’ no sentido mais
amplo, documento escrito, ilustrado, transmitido pelo som, a imagem, ou de qualquer outra
maneira”,
89
entendemos que a fotografia abrange tanto o conceito de documento como
monumento, principalmente dentro da idéia de “novo documento” que transcendendo para
além dos textos tradicionais, carece ser tratada como um documento/monumento. A fotografia
de fato, oscila entre documento e monumento, entre memória e História, ora serve de índice,
como marca de uma materialidade passada, na qual objetos, pessoas e lugares nos dizem
sobre determinadas feições desse passado modismos, condições de vida, arquitetura, festas,
solenidades, etc. Por outro lado, é um símbolo, daquilo que no passado, a sociedade
determinou como imagem a ser perpetuada no futuro.
90
Por meio da conservação das imagens fotográficas, que por sua vez, apresentam o
instante real e vivido, porém congelado como partícula de uma memória, podemos entender a
referida oscilação da fotografia entre os conceitos de documento e monumento.
O novo documentarismo produzido por Malta, patrocinado pelo Estado e idealizado
como um serviço público, pretendeu produzir uma antologia da visão pública. A fotografia do
artista organizou uma memória, uma lembrança não de fatos históricos, mas também de
figurantes anônimos com os quais o espectador podia facilmente se reconhecer, além de
87
LE GOFF, 1985, p. 535-536.
88
Idem.
89
Ibdem, p. 531.
90
MAUAD, 2005, p. 141.
43
provocar emoções específicas. Estas imagens eram as do fato, da coisa concluída
definitivamente, elas expunham o tempo, o sentimento do irreparável e, em relação dialética
engendravam uma aguda vontade de adotar um determinado futuro que se encontrava
invariavelmente enfraquecido por toda encenação aparente, todo discurso estetizante.
A nova noção de cultura foi utilizada por um determinado grupo, no caso a elite
social e política, para dar conta da ambiciosa idéia de projetar uma totalidade homogênea de
usos, hábitos, costumes e ideário que pretendia compor uma identidade comum ao povo
carioca. O Rio de Janeiro e sua população, no início do século XX, segundo as ambições e
padrões modernistas, era deficitário de saúde, modernidade e funcionalidade, para solucionar
este problema foi desencadeado o processo conhecido como reformas urbanas”, nele
estavam depositadas todas as esperanças de um futuro melhor para o Rio de Janeiro e por
conseqüência o Brasil.
A aspiração a uma equivalência com as cidades européias foi então o ponto de
partida, o motor inicial da produção de Malta, que mergulhou na nova “realidade” sócio-
político-cultural, com o intuito de captá-la e registrá-la. Adicionar ao novo cenário cultural da
cidade e, por extensão, do país, imagens fotográficas está diretamente ligado à confecção de
um projeto de herança material, cujo destino era demarcar e naturalizar um domínio subjetivo,
concebido com o objetivo de suplantar o legado colonial.
A fotografia, composta por signos sociais, políticos e estéticos e de sua relação
simbólica com seu exterior, institui, sob o enfoque da produção de significados sócio-
culturais, um “espaço histórico” legitimado. Através de sua condição legitimadora e dialógica,
o modo de representar da fotografia atualizou-se enquanto “gênero de discurso”. Tal
44
significação encontra-se bem encaixada nestas características e condições na medida em que,
de acordo com o pensamento de José R. S. Gonçalves,
91
“os ‘discursos do patrimônio cultural’, presentes em todas as
modernas sociedades nacionais, florescem nos meios intelectuais e são
produzidos e disseminados por empreendimentos políticos e ideológicos de
construção de ‘identidades’ e ‘memórias’, sejam de sociedades nacionais,
sejam de grupos étnicos, ou de outras coletividades.”
Na cidade do Rio de Janeiro o futuro que o movimento das elites governistas inventa,
cristalizado em algumas imagens, se torna o objetivo. Nele estava o que se acreditava ser a
verdadeira essência do brasileiro: íntimo da modernidade, longe de seu passado colonial e
atrasado. Nesse sentido, a obra imagética de Augusto Malta conformava uma memória de um
tempo presente com vista para o futuro. Uma obra que seria e está mantida nos arquivos
sempre aguardando por releituras e por conseqüência, por reconstruções, como um tempo
revivido em sintonia com a firme vontade de progresso e modernização.
É nesta escolha de narrativa, inspirada pela noção de documento-monumento, onde
Goff sugere que o documento enquanto monumento é fruto do empenho das sociedades
históricas para estabelecer voluntária ou involuntariamente determinada imagem de si
mesmos, e que a fotografia age como um ponto de partida da memória, apta a resumir o
sentimento de pertencimento a um grupo e/ou a um determinado passado, que,
fundamentalmente, nos leva a considerar as imagens de Malta como fonte historiográfica,
como documento e monumento.
91
GONÇALVES, 2002.
45
Logo, apresentamos a fotografia como uma mensagem que se elabora através do
tempo, tanto como imagem/monumento quanto como imagem/documento.
92
É uma forma de
demarcação que faz uma ponte entre passado e presente, de natureza fundamentalmente
comunicativa e que reúne uma série de componentes dialéticos, compostos de resistências e
acordos, oposições e homogeneidades, que por sua vez lhe impedem de ser neutra. É
carregada de valores, objetos, mensagens, lugares e imagens constituindo documento e
monumento cheios de eloqüência, reflexões, técnica e simbolismos impregnados de passado e
presente, de testemunho e objetividade, de lembranças e esquecimentos.
A fonte visual tem uma natureza discursiva, que produz sentido - sentido dialógico -
socialmente construído e mutável e não imanente à fonte visual. A visualidade é algo que vai
além de observar o visível e dele inferir o não-visível. É “tirar” da fonte visual um ou vários
discursos.
Assim sendo, a fotografia de Augusto Malta se estabelece como mediadora e reflexo
de um momento crítico da sociedade carioca do início do século XX, permeada pelo
movimento progressista e modernizante, empreendido pelas elites com o objetivo de pouco a
pouco, construir um caminho de emancipação e inclusão no mundo moderno. A coleção de
imagens geradas pelas lentes de Malta, tentaram captar em instantâneos a substituição do
antigo pelo novo, potencializar a absorção do modo de vida estrangeiro e a construção de uma
nova autonomia identitária do carioca que se forjava naquele momento, explicitando em suas
chapas sua íntima relação com o projeto de mobilização nacional, um Brasil pujante e até
então excluído do mundo moderno, metonimizado na figura da sua capital, porém sem deixar
escapar de suas imagens, de sua narrativa fotográfica, além do citado projeto de futuro, a
presença recorrente de contradições, resistências e hibridações, principalmente culturais como
componentes inevitáveis do contexto social e político.
92
Apud CARDOSO & MAUAD, 1997
.
46
1.4.4. Olhar, ver e pensar.
“Sabe-se que a relação do olho com o cérebro é íntima, estrutural.
Sistema nervoso central e órgãos visuais externos estão ligados pelos nervos
ópticos de tal sorte que a estrutura celular da retina nada mais é que a expansão
da estrutura celular do cérebro. O anatomista norte americano Stephen Poliak
chegou a admitir a hipótese revolucionária de que o tecido cerebral resultou de
uma evolução dos olhos em pequenos organismos aquáticos que viveram a mais de
um bilhão de anos atrás. Quer dizer: não foi o cérebro que se estendeu até a
formação do órgão visual, mas, ao contrário, foi o olho que se complicou
extraordinariamente dando origem ao córtex onde, supõe-se, estaria a sede da
visualidade.” (Alfredo Bosi)
93
“(...) Confesso que sentia grande sensação quando via surgirem no papel
as belas e surpreendentes imagens que o sal de prata revelava e o hiposulfito
fixava a meus olhos, na câmara escura improvisada em minha casa. E vivia assim
nesse ingênuo amadorismo (...)” (Augusto Malta)
94
Roland Barthes em “A Câmara Clara”
95
afirma que a foto fala, que induz, vagamente
a pensar. Cita o exemplo das fotos de Kertész para a revista Life em 1937, que foram
recusadas por “falar demais”. Segundo os redatores da revista elas faziam refletir, sugeriam
um sentido outro que não a letra. Ainda segundo Barthes a fotografia é subversiva, não
quando aterroriza, perturba, mas quando é pensativa.
93
BOSI, 1989.
94
Revista da Semana, edição de Natal, 1945. p.9
95
BARTHES, 1984, p. 62.
47
Enquanto o viés da análise de Bosi (1988) sobre uma fenomenologia do olhar está
em que, olhar, ver e pensar são ações intrínseca e historicamente inseparáveis, Barthes divide
a linguagem fotográfica em duas categorias: uma denotativa, é o óbvio, é tudo o que se na
fotografia, tudo que está evidente; a outra é conotativa, é o obtuso, é informação implícita na
fotografia. Através desta análise estabelece a sua célebre distinção entre o studium e o
punctum da fotografia. Trata-se por um lado da condição da imagem fotográfica enquanto
algo que se presta ao intelecto como objeto e campo de estudo, como área de uma cultura e de
um saber perceptível, revelado e proclamado nos padrões da ciência - o óbvio da fotografia.
Por outro lado, entende a imagem fotográfica enquanto algo que se proporciona ao afeto,
como um detalhe, uma experiência pessoal que perpassa existencialmente, que fere, anima ou
comove, como um silêncio que, ao mesmo tempo enleva e perturba - o obtuso da fotografia.
Barthes se mostra insatisfeito com o conjunto de conceitos empregados no trato da
fotografia e opta por abordá-la no nível pleno da subjetividade, dos sentimentos causados
diante sua experiência individual como espectador. Em suas palavras:
“(...) a resistência apaixonada a qualquer sistema redutor. Pois
toda vez, tendo recorrido um pouco a algum, sentia uma linguagem adquirir
consistência, e assim reprimenda, eu a abandonava tranqüilamente e
procurava em outra parte: punha-me a falar de outro modo. Mais valia, de
uma vez por todas, transformar em razão minha declaração de
singularidade e tentar fazer da ‘antiga soberania do eu’ (Nietzsche) um
princípio heurístico.”
96
É fácil perceber em “A câmara clara” certa tensão entre uma demanda referencial e
uma aspiração formal, em que transparece o desapego pelo studium, ou seja, pelo óbvio, em
favor do punctum. A proposta de exame do “obtuso”, do “detalhe” e especialmente do
96
BARTHES, 1984, p. 19.
48
“tempo” é executada com uma observada tendência à dicotomia e oposição de valores de
análise. Barthes discute a fotografia além da intermediação dos indicadores culturais,
chamando a atenção para o fato de que não trata de outra imagem que não a fotográfica.
O autor trata a fotografia a partir de um ponto de vista situado no campo das
sensações que a sua experiência visual provoca, fora da mediação dos códigos culturais, e ao
fazer isso, mais uma vez, com atenção para o fato de que se trata de uma fotografia e não de
qualquer outro tipo de imagem, proclama um certo tipo de entusiasmo que se conecta à
essência particular da imagem fotográfica, ao sentimento pungente do realismo fotográfico
que desfaz a fronteira atribuída pelo tempo, para colocar o espectador face a face com o
passado e com o que há de terrível em toda fotografia: o retorno do morto.
97
É preciso deixar claro que não intenção alguma de crítica ao trabalho de Barthes,
muito ao contrário, entendemos sua obra como um referencial ímpar aos estudos da fotografia
ao alçar para o campo da discussão teórica a distinção entre o óbvio e o obtuso na fotografia.
Porém, neste trabalho, a noção de olhar esclarecida por Alfredo Bosi em seu artigo “A
fenomenologia do olhar”
98
e em “Machado de Assis O enigma do olhar”
99
, ao nosso
entender, é mais eficiente para perceber o efeito causado pelas fotografias de Augusto Malta
tanto para si como para seus “espectadores”. Segundo Bosi, o olhar tem sobre a noção de
ponto de vista a vantagem de ser móvel”, ora é abrangente, e em outro momento
contundente. O olhar é simultaneamente cognitivo e passional. O olho que explora e quer
saber objetivamente das coisas pode ser também o olho que ri ou chora, ama ou detesta,
admira ou despreza. Quem diz olhar diz, implicitamente, tanto inteligência quanto
sentimento.
100
97
Idem, p. 20.
98
BOSI, 1998.
99
___________, 1999.
100
Idem. p. 10
49
Bosi esclarece que o olho é um limite móvel e aberto entre o ambiente externo e o
sujeito, ao mesmo tempo em que se movimenta no ato da procura, recebe estímulos luminosos
que tornam o ato de enxergar involuntário, e é nestes atos que o sujeito vai “distinguir,
conhecer ou reconhecer, recortar do contínuo das imagens, medir, definir, caracterizar,
interpretar, em suma, pensar".
101
Continuando com o pensamento de Bosi, concordamos que os “(...) valores culturais
e estilos de pensar configuram a visão do mundo do romancista (e no nosso caso do
retratista), e esta pode ora coincidir com a ideologia dominante no seu meio, ora afastar-se
dela e julgá-la. Objeto do olhar e modo de ver são fenômenos de qualidade diversa; é o
segundo que dá forma e sentido ao primeiro”.
102
Para encontrar a estrutura que liga o cognitivo ao afetivo na obra de Malta e em sua
representação do carioca na belle époque, buscamos na contemplação e análise das fotografias
a aliança, o entrelaçamento da natureza destes, que por sua vez constituem a estrutura
subjacente das fotografias.
Para tanto, utilizamos as fotografias produzidas por Augusto Malta no período
citado, sejam elas oficiais ou não, posadas ou não. Por entender que o acervo em questão
retrata, visual e historicamente o discurso não do fotógrafo, mas de parte considerável da
sociedade carioca do início do século XX, acreditamos encontrar a densa estrutura, que
extrapola e transcende o limite do plano das próprias fotografias, uma vez que está ligada a
outras estruturas externas a ela, como por exemplo, ao que a produz e o que a observa (ao
operator e o spectator), ao comprador, aos que não puderam vê-la, aos que não aprenderam a
vê-la, à história das representações, à história das imagens, à História brasileira e mais
precisamente à História do Rio de Janeiro.
101
BOSI,1988, p. 65-87.
102
BOSI, 1999, p. 12.
50
A análise dos discursos fundidos na experiência intelectual e visual presentes nas
fotografias nos possibilitou descobrir associações e significados que talvez fossem
impossíveis realizar na época de sua execução. As memórias que as imagens de Malta nos
trazem não são simples reminiscências, são memórias e lembranças que ao transcorrer as
camadas de um conhecimento adquirido, no nosso caso o saber histórico, chegam
impregnadas de novos sentidos, de outros entrelaçamentos cognitivos e culturais que
compõem esta estrutura que liga, permitindo-nos ressuscitar, refletir, e principalmente, olhar,
ver e pensar um passado em particular a partir de fragmentos desconectados de um instante de
vida das pessoas, objetos, natureza e paisagens, do conhecimento obtido com a participação
dos conhecimentos, adquiridos no tempo que vivemos e apreendemos nossa memória coletiva
e individual.
Ainda que apregoemos o vasto potencial de informação contido na imagem, ela não
substitui a realidade tal como se deu no passado. Ela apenas traz informações visuais de
frações do real, selecionado e organizado estética e ideologicamente.
103
Onde se faz
necessário estudar o conjunto dos três elementos expressos no conceito de visualidade: a
visão, aquele que produz as fontes visuais; o visual, a fonte como parte do observável na
sociedade observada; e o visível, a interação entre observador e observado, ou seja, sistemas
de controle e relações que produzem o sentido.
104
Entendemos, então, que é papel do historiador interpretar e tentar compreender a
fotografia como informação incontínua da existência passada, além de perceber que a reunião
e a apreciação dos documentos não substituem a atividade criadora do historiador, que é de
103
KOSSOY, 2001, p. 114.
104
MENESES, 2003, p. 17.
51
tentar reconstituir a vida passada interpretando o pensamento, os sentimentos e as ações do
homem, personagem principal da História que se procura compreender.
105
Toda História é produzida a partir de um lugar, o lugar de memória de Malta foi sua
fotografia.
105
KOSSOY, 2001, p. 138.
52
Catulo 2. A ÉPOCA, A CIDADE E O FOTÓGRAFO
O século XX se apresentou para os brasileiros, e com redobrada intensidade para a
então capital federal, como um período de rápidas e decisivas transformações nas instituições
e no estilo de vida da população. A ocorrência de modificações como o término da
escravidão, a derrocada da monarquia e o surgimento de novas formas de autoridade civil, o
boom do consumo de artigos europeus e norte-americanos, juntamente com o ainda
principiante aparecimento de um parque industrial interno, estabeleceram na cidade uma
dinâmica de políticas, conflitos, culturas e modismos que deram novos valores à sociedade
brasileira.
A cidade do Rio de Janeiro do início do culo XX nos permite estabelecer uma
delimitação espaço-temporal bem definida em nosso trabalho, o espaço é a própria cidade do
Rio de Janeiro registrada por Augusto Malta, mais precisamente o centro da cidade, e o tempo
é o da belle époque brasileira, recorte cronológico assinalado pelo historiador Nicolau
Sevcenko como compreendendo, grosso modo, o período de 1900 a 1920.
106
Período este que
marca a importação no país - começando mais precisamente na Capital Federal - de novos
moldes de consumo, estimulados por uma nascente, porém enérgica onda publicitária, além
do respeitável catalisador cultural representado pelo intercâmbio entre as modernas revistas
ilustradas.
A cidade tinha o status de pólo irradiador de cultura para as outras cidades do país,
centro político, ponto de instalação das indústrias mais modernas e vértice de ligação entre o
Brasil e o mundo.
106
SEVCENKO, Nicolau. 1998. p. 37
53
O Rio de Janeiro assistiu ao fluxo de correntes migratórias nacionais e estrangeiras
fomentarem o rápido crescimento de sua população. Os novos tempos trouxeram consigo a
electricidade, o automóvel e o telephone, os tecidos finos, os boulevards, o calçamento das
ruas e os palacetes, o aeroplano, o poudre de riz, o theatro e o cinematographo, a propagação
de práticas desportivas, o surgimento do mercado fonográfico e a popularização da fotografia
entre outras novidades.
107
Eram definitivamente tempos modernos.
Nesse tempo, ser moderno, cosmopolita e civilizado no Brasil, era viver no Rio de
Janeiro e, para conseguir êxito em campos, como por exemplo, da vida intelectual ou
científica, o aspirante a uma carreira de sucesso deveria estar em terras cariocas. Este era o
tempo e o espaço da belle époque carioca que Augusto César Malta de Campos, retratou.
2.1. A belle époque carioca
No Brasil, a belle époque caracterizou-se pelo fortalecimento político da República,
o crescimento econômico e a expansão dos centros urbanos, em especial, o Rio de Janeiro. No
começo do século XX, a então capital da república, mimetizava a belle époque parisiense,
nela se festejavam as atrizes francesas (Sarah Bernardt), a vida mundana das confeitarias e
cafés (Confeitaria Colombo, Cave, entre outras menos famosas), a moda parisiense (em lojas
como a Parc Royal”, templo da moda na “belle époque” carioca). A cultura predominante
no período era a da modernidade, eminentemente urbana, que tornou a cidade do Rio de
Janeiro um arquétipo de uma nova ordem mundial e se torna, ela própria, tema e sujeito das
manifestações culturais e artísticas.
107
Idem.
54
Em um período de transformações drásticas no modo de vida do cidadão da Cidade
do Rio de Janeiro, a imagem sugerida pelo termo belle époque evoca abundância de riquezas,
beleza arquitetônica à européia, pessoas finas e bem-vestidas freqüentando salas de baile e
óperas, uma sociedade glamourosa habitando uma cidade moderna, republicana e ligada nos
gritos da moda parisiense. A atmosfera francesa era tão impregnante que às vésperas da
Guerra Mundial os cidadãos da cidade ao se cruzarem se cumprimentavam à francesa: Vive
la France”.
108
Importaram-se modos de festejar europeus, como a tentativa de civilizar o carnaval
através dos corsos de carros abertos, das batalhas das flores e das fantasias de pierrôs e
colombinas, picos do carnaval veneziano. As revistas e os colunistas sociais, através da
imprensa, incentivavam a população afluente para o desfile de modas na moderna, chic e
larga passarela da Avenida Central, sem dúvida, principal palco de encenação do carioca
moderno e atento às novas usanças. Nela os rapazes no rigor smart dos trajes ingleses, as
damas exibindo as últimas extravagâncias dos tecidos, cortes e chapéus franceses
freqüentavam lojas de artigos importados, modernos restaurantes, cafés, confeitarias, livrarias
e jardins. O novo boulevard tropical era o espaço principal da cidade, e além de ser o local
para se consumir artigos importados em lojas luxuosas e elegantes e exibir vestuários à moda
francesa ou inglesa, a nova avenida era também um convite para que os habitantes fugissem
do inevitável e implacável calor do verão brasileiro:
“A bárbara temperatura senegalesca de ontem durante todo o dia levou à
tarde uma grande parte da nossa população para o carinhoso aconchego da
Avenida Central. se podia respirar à vontade, uma brisa suave abrandava a
108
SEVCENKO,1989, p. 52.
55
atmosfera e de alguma forma indenizava da exaustiva canícula que houveram de
suportar durante o dia inteiro.”
109
Mas o calor não era a única contradição à nossa “vocação européia”, o período da
belle époque é repleto de incoerências e paradoxos. São vários os exemplos, podemos citar a
exclusão social e a insegurança de um poder público municipal que custava a se impor; a
insistente permanência dos que não tinham condição de acompanhar o rigor das regras de
elegância que os novos tempos e espaços exigiam e que nem a aura de progresso e civilização
e nem a obrigatoriedade do uso de colarinho, casaco, chapéu, sapatos e meias não conseguiam
afastar.
110
As camadas mais pobres da população tiveram suas tradicionais festas, fantasias,
brincadeiras, determinados tipos de comércio e costumes reprimidos, revoltaram-se contra a
vacina obrigatória, criaram artifícios de resistência e contestação aos novos tempos e
costumes, buscaram novos espaços, e insistiram em circular mesmo onde tinham seu acesso
vetado ou dificultado, como a principal avenida do centro da cidade. Foram, enfim elemento
de fundamental relevância nos estudos da dinâmica das transformações promovidas pela elite
social e política do Brasil.
A rica historiografia brasileira não deixa dúvidas quanto às evidentes contradições do
período. Sidney Chalhoub
111
trata bem do tema em trabalho de 1986, em Trabalho, lar e
botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da belle époque”, o autor, por
meio da análise de processos criminais de homicídios ocorridos no Rio de Janeiro do começo
do século XX, nos coloca no âmago de uma briga de bar entre trabalhadores do porto, que
109
O Paiz, 9-12-1905, p. 2.
110
Demonstração do delírio autoritário das elites no período “(...) foi a criação de uma lei de obrigatoriedade do
uso do paletó e sapatos para todas as pessoas, sem distinção, no Município Neutro. O objetivo do regulamento
era por termo a vergonha e a imundície injustificáveis dos em mangas-de-camisa e descalços nas ruas da cidade.
O projeto de lei chegou a passar em segunda discussão no Conselho Municipal e um cidadão, para o assombro
dos mais céticos, chegou a ser preso ‘pelo crime de andar sem colarinho’.” (SEVCENKO, 1989, p. 33).
111
CHALHOUB, 1986.
56
resulta no assassinato de um deles por causa de uma querela amorosa; Chalhoub expõe as
contradições de um período em que o surgimento de prédios modernos conviveu com as
favelas e que o surgimento de um ideal de “civilidade” não eliminou do Rio de Janeiro os
problemas mais básicos de uma cidade grande, como a miséria, a violência e a injustiça
social.
Essas contradições estão evidentes não só na obra de Chalhoub, mas também em várias
outras da historiografia brasileira, uma delas é o tomo de número três da emblemática coleção
“História da vida privada no Brasil”,
112
onde se discute basicamente o período da belle
époque evidenciando-se contrapontos como, tradição e modernidade, liberdade e escravidão,
penúria e riqueza, rural e urbano, ou seja, apresenta um período em que a crença e as
tentativas de implementação dos ideais e práticas da modernidade, mais do que solucionar,
expuseram os problemas de um Brasil conflitante e de várias faces, convivendo com um
processo de criação e apreensão de novas tradições, que os modernistas ambicionavam.
Outra importante obra que trata do assunto é o trabalho do historiador estadunidense
Jeffrey D. Needell, Belle Époque Tropical: Sociedade e cultura de elite no Rio de Janeiro na
virada do século” de 1997,
113
amparado em um intenso trabalho de pesquisa e uma extensa
bibliografia Needell analisa, sob vários aspectos, o processo de colonização cultural da elite
carioca durante a belle époque do fim do século XIX às primeiras décadas do século XX.
Ao discutir do ambiente familiar à prostituição, passando pela arquitetura e
urbanização, literatura, salões, clubes e escola secundária reconstrói muitas das relações
sociais, culturais e políticas da elite carioca da belle époque. Além disso, expõe como uma
112
A coleção “História privada no Brasil”, composta de ensaios de 32 historiadores, dirigida por Fernando A.
Novais, descreve e analisa cinco séculos de costumes brasileiros. Obra de fôlego, a coleção se tornou um marco
editorial no país. Dividida em quatro volumes, enfoca temas como a religiosidade, violência, preconceito racial,
comunidades imigrantes, formas de sociabilidade, entre outros, sempre abordando os contornos da intimidade e
suas relações com o contexto político, social e cultural. O volume número três, que aqui em nosso trabalho nos é
mais caro, é organizado pelo historiador Nicolau Sevcenko.
113
NEEDEL, 1997.
57
elite dominante e urbana tenta reproduzir de maneira acrítica ideais e valores franceses e
ingleses. Através de um estudo abrangente dos costumes e noções de personagens muito
comuns em obras como a de Machado de Assis - ele próprio presente no livro -, que aparecem
no cotidiano da cidade do Rio de Janeiro que, como Capital Federal, vivia os impasses e
incoerências de um Brasil que, ao mesmo tempo em que modernizava sua república, não
conseguia se desvencilhar das reminiscências do Segundo Império.
Needel apresenta o habitante da cidade em seus passeios ao entardecer pela estreita,
fétida e elegante Rua do Ouvidor trajando, apesar do mencionado tradicional calor carioca,
suas casacas de lã e colete, muitas vezes buscando uma prostituta francesa (que em boa parte
eram na verdade polonesas, as conhecidas “polacas”), para logo após voltar ao santificado lar
sonhando com uma cidade de avenidas largas, modernas e de arquitetura européia.
Utilizando-se do conceito de flaneur e do fetiche das mercadorias de Walter Benjamin,
Needel delineia um panorama da reforma urbana da cidade, da construção da Avenida Central
e seus prédios de fachadas art-nouveu de inspiração francesa, dos clubes e cafés da moda, dos
laços de amizade e favorecimento das famílias abastadas, de suas habitações, escolas, lazeres
e trajes. Traça o quadro de uma elite urbana quantitativamente inferior, no entanto abastada e
influente, principalmente no sentido de evidenciar as marcantes contradições do período.
Outro estudo que merece uma referência é o trabalho de Rachel Soihet em A
subversão pelo riso: o carnaval carioca da belle époque ao tempo de Vargas”.
114
A autora
utiliza o carnaval e a festa da Penha para enfocar os segmentos subalternos da sociedade
carioca desde a belle époque até o fim da ditadura de Getulio Vargas. Trafegando pelo terreno
da etnografia a autora contextualiza rituais, normas e valores da população e de sua presença
nas festas religiosas e carnavalescas. Em uma perspectiva de recuperação e reconstituição de
aspectos significativos do universo cultural predominante, imbricados em elementos
114
SOIHET, 1998.
58
pertencentes à cultura popular, com suas tradições, seus símbolos e suas práticas a autora
trabalha conceitos como cultura, circularidade cultural e cotidiano. A partir daí Soihet percebe
e analisa a dialética dominação-resistência presente no período, traça um viés seguindo a idéia
de que as manifestações culturais de procedência negra podem ser lidas como produto de
trocas culturais entre os distintos segmentos da sociedade brasileira, produto da resistência
desenvolvida pelos populares e\ou de alterações na posição das elites dominantes num dado
contexto histórico.
Rachel Soihet faz uma reflexão sobre as manifestações populares, visita o carnaval
carioca a partir de 1890 até os tempos de Vargas, passando pelo sempre polêmico entrudo,
pelo “moderno” carnaval de máscaras, oriundos de Veneza e Paris de ricas fantasias; os
organizados e disciplinados ranchos; os debochados e irreverentes clubes e blocos; e sem
deixar de perceber nos cordões um certo “sentimento de hierarquia e ordem”.
Utiliza-se também da popular Festa da Penha e do carnaval para configurar uma
conjuntura na qual se trocam idéias e valores por meio de estruturas sociais de comunicação
informal. Em um contexto de definição, idealizadores do controle social e da disciplina
(juristas, chefes de polícia, etc.) que seguiam as transformações implementadas pelas
reformas urbanas, componentes do contexto do ideário republicano recém-inaugurado de
ordem e progresso, demarcaram novos espaços que proporcionariam o aburguesamento da
cidade do Rio de Janeiro.
O parecer da autora é de que estas manifestações culturais não foram sinais de
pacificidade, e sim de que constituíram cenários de intensos combates, onde a população
desfavorecida, mesmo que limitada em termos de ocupação espacial e excluída de
participação política, trouxe à superfície suas tensões e insatisfações contra o preconceito
legitimado pela repressão policial e intolerância disseminada nos mais diversos âmbitos, além
de sua indesejável presença física nos locais pretensamente destinados a elite carioca. Soihet
59
mostra como a população proclamou também suas vontades e necessidades, utilizando-se de
formas alternativas de organização atreladas ao terreno da cultura, elemento de coesão e de
construção de sua identidade, por meio do qual construíram uma cidadania alternativa. O
processo foi de constante luta, com avanços e retrocessos, mas que garantiram, deste modo, a
persistência de suas formas de expressão cultural, bem como sua propagação e entrelaçamento
com a cultura das demais fatias da sociedade. Assim sendo, segundo a autora, a população
menos favorecida, através do carnaval, valendo-se de metáforas, tendo o riso como arma,
desempenhou um papel ativo na criação de sua própria história e na definição de sua
identidade cultural.
Além da produção historiográfica, outros elementos vêm para ratificar as polissêmicas
contradições da belle époque, mesmo que recebam críticas quanto a sua “parcialidade”, pois
sendo produções mais “romanceadas” como as obras de literatura ou mais impregnadas pela
emoção da hora que a contemporaneidade confere às notícias e crônicas diárias da imprensa e
outros periódicos, são produções que seguramente também expõem a dinâmica das
desigualdades sociais presentes na sociedade carioca. Lima Barreto,
115
por exemplo, grande
escritor do período, penetrou fundo na ambiência da época, revelando sua mentalidade, o seu
substrato social e humano. Para citarmos apenas uma de suas obras, podemos trazer a baila o
romance “Clara dos Anjos”, concluído em 1922, o mesmo constituiu-se em uma denúncia
enérgica do preconceito social e racial, vivenciando por uma jovem mulher negra do subúrbio
carioca.
O historiador e crítico literário Sérgio Buarque de Holanda, é quem melhor resume
como essa temática se apresenta na obra de Lima Barreto:
115
É interessante notar que a produção intelectual de Lima Barreto coincide quase totalmente como o nosso
recorte temporal (1900-1920), pois em 1905 passa a trabalhar como jornalista profissional, escrevendo uma série
de reportagens para o jornal “Correio da Manhã” e em 1922 morre em sua casa, no Rio de Janeiro, de colapso
cardíaco.
60
“Em Clara dos Anjos relata-se a estória de uma pobre mulata, filha de um
carteiro de subúrbio, que apesar das cautelas excessivas da família, é iludida,
seduzida e, como tantas outras, desprezada, enfim, por um rapaz de condição
social menos humilde do que a sua. É uma estória onde se tenta pintar em cores
ásperas o drama de tantas outras raparigas da mesma cor e do mesmo ambiente.
O romancista procurou fazer de sua personagem uma figura apagada, de natureza
‘amorfa e pastosa’, como se nela quisesse resumir a fatalidade que persegue
tantas criaturas de sua casta: ‘A priori’, diz, ‘estão condenadas, e tudo e todos
parecem condenar os seus esforços e os dos seus para elevar a sua condição moral
e social’. É claro que os traços singulares, capazes de formar um verdadeiro
‘caráter’ romanesco, dando-lhe relevo próprio e nitidez hão de esbater-se aqui
para melhor se ajustarem à regra genérica. E Clara dos Anjos torna-se, assim,
menos uma personagem do que um argumento vivo e um elemento para a
denúncia.”
116
Lima Barreto, considerado um autor pré-modernista por razão da forma com que
encara os verdadeiros problemas do Brasil, criticou o nacionalismo ufanista surgido no final
do séc. XIX e início do XX. Apesar do escritor carioca não ter sido reconhecido, em seu
tempo, como um grande escritor, é inegável que sua obra é um dos retratos mais instigantes e
contemporâneos da belle époque carioca.
É impossível não citar o cronista João do Rio (1891-1921), pseudônimo do jornalista
Paulo Barreto, que tinha na alcunha e na alma o Rio de Janeiro de seu tempo. Segundo Raul
Antelo
117
João do Rio “fez da crônica jornalística uma janela através da qual contemplava as
glórias e misérias do Brasil republicano. Em ‘A alma encantadora das ruas’ (...) ele percorre
as ruas do Rio de Janeiro para reter a ‘cosmópolis num caleidoscópio’”. Assim, era mais um
entre outros, a perceber com grande sensibilidade o Rio como uma cidade multifacetada,
116
Apud, TEIXEIRA, 1980, p. 41.
117
Raul Antelo é Doutor em letras pela USP, organizou e prefaciou o volume 11 da coleção “Retratos do
Brasil” da Cia. das Letras: A alma encantadora das ruas de João do Rio. Publicou, entre outros, “João do Rio, o
dândi e a especulação”.
61
sedutora e efervescente na dinâmica das novas relações sociais que se desenhavam nas ruas
daquela que viria a ser a “Cidade Maravilhosa”.
Deste modo percebemos que tanto a produção historiográfica como a literária e
jornalística do período apresentam uma época bela, porém cheia de contrastes, onde a
dinâmica do jogo entre o moderno e antigo, entre a elegância e a falta dela, os bons modos e a
espontaneidade do carioca eram muito mais ativos do que gostariam os idealistas do Brasil
moderno.
Nesse ambiente é evidente a habilidade da população em criar recursos de
sobrevivência, a riqueza do imaginário social, a paixão pela música, a naturalidade das
misturas culturais que constituem hoje uma das maiores riquezas não apenas da cidade do Rio
de Janeiro, mas de todo o Brasil. A essência da identidade carioca da belle époque está
presente tanto nas linhas críticas e bem-humoradas deste João e no amargo realismo de Lima
Barreto, como nas imparciais analises historiográficas de Sidney Chalhoub e Nicolau
Sevcenko.
Foi neste contexto de polaridades diversas que Augusto Malta, o fotógrafo oficial,
retratou não apenas o progresso, o dândi
118
, o smart
119
a dama da sociedade, as exposições, as
batalhas das flores, mas também o “atraso”, o maltrapilho, a prostituta e o carnaval de rua, e
tantas outras atividades e costumes da sociedade carioca, não dissimulando um olhar mais
atento à verdadeira formação heterogênea, pobre e mestiça da população carioca, que ali
continuou a interagir com a “modernidade” e, como bem demonstrou Malta, ainda ficava à
mostra de quem por ali passava.
118
Etimologia: ing. dandy (c1780) “homem que tem preocupação exagerada com a aparência pessoal”, de
orig.obsc.; us. inicialmente na fronteira entre Inglaterra e Escócia, para fazer referência aos jovens que se
vestiam de modo excêntrico; adotado em Londres (1813-1819), para designar 'homens elegantes', esp. G.B.
Brummel (1778-1844); prov. chega ao port. através do fr. dandy (1813-14) (fonte: Dicionário Houaiss da Língua
Portuguesa).
119
adj 1 agudo, severo, forte, ardente, pungente. 2 vivo, ativo, esperto. 3 sensível à dor. 4 inteligente, talentoso,
espirituoso. 5 vistoso, em boa ordem. 6 elegante, moderno. 7 coll considerável, relativamente grande. (fonte:
Michaelis, moderno dicionário de inglês).
62
2.2. Ser moderno: conflitos, contradições e o eterno vir-a-ser
Pensar a modernidade é apontar para formas de pensar e de viver. O livro Tudo que
é sólido desmancha no ar, a aventura da modernidade”
120
do filósofo norte-americano
Marshall Berman pode ser considerado um clássico na área das ciências humanas. Berman
trabalha em seu texto duas noções muito caras para quem se dispõe a analisar a sociedade
contemporânea: modernidade e revolução. Segundo o autor a modernidade poderia ser
pensada e entendida como um turbilhão, utiliza-se do termo cunhado por Jean-Jacques
Rousseau “le tourbillon social”
121
para descrever um ambiente “de unidade paradoxal, uma
unidade de desunidade, de permanente desintegração e mudança, de luta e contradição, de
ambigüidade e angústia, um fenômeno que por sua própria constituição teria o fim de
derrocar as chamadas antigas tradições em nome do novo. Porém, ainda segundo Berman, a
própria modernidade desenvolveu uma rica e variada história de tradições, que começou
cinco séculos. Essa tradição de modernidade tem sido sustentada, principalmente a partir da
passagem do século XIX para o XX, por muitas fontes: descobertas nas ciências,
industrialização da produção, explosão demográfica e crescimento urbano, sistemas de
comunicação de massa, Estados nacionais cada vez mais poderosos e movimentos sociais de
massa. Essas fontes por sua vez vêm influenciando não o modo de viver do homem como
principalmente sua visão de mundo, o ser humano passou e repensar seu papel no universo, se
deparou com o surgimento de novos ambientes e a destruição dos antigos, acelerou seu ritmo
de vida, ou seja, o fenômeno da modernização deu novas noções de “tempo e espaço, de si
mesmo e dos outros, das possibilidades e perigos da vida” à processos a que Berman atribui
120
BERMAN, 1986.
121
Berman afirma que Rousseau foi o primeiro a utilizar a palavra moderniste no sentido que os séculos XIX e
XX usarão. (Idem, p. 17).
63
um “perpétuo estado de vir-a-ser”. Ser moderno é fazer parte do universo no qual, como
disse Marx, “tudo que é sólido desmancha no ar”.
122
Aos processos sociais de mudança, em meio a eles às formas de expansão urbana
estimulados pelos mercados capitalistas, dá-se o nome de “modernização”, e à visão cultural
concebida pelos atores sociais, “modernismo”, entre esses dois termos encontra-se a idéia-
chave, “modernidade”, a experiência histórica, que é sentida tanto em termos de
transformação no mundo material como na personalidade das pessoas, que estão em constante
estado de tensão frente a essas imensas transformações que passam a acontecer.
Esse processo expressa uma grandiosa emancipação das possibilidades e da
sensibilidade da personalidade individual, que se emancipa da impossibilidade da rígida
hierarquia de papéis das sociedades pré-capitalistas, entretanto, esse progresso do
desenvolvimento econômico capitalista faz surgir uma sociedade alienada e fragmentada,
capaz de apagar valores culturais e políticos que ela mesma construiu, despedaçada pela
exploração econômica e pela indiferença social. No vel psicológico essas condições
provocam profunda desorientação e insegurança, frustração e desesperança, contrastando com
um senso de júbilo e expansão, novas capacidades e sentimentos liberados ao mesmo tempo.
Para Berman: esta atmosfera de agitação e turbulência, vertigem e embriaguez psíquica,
expansão das possibilidades da experiência e destruição das fronteiras morais e dos laços
pessoais, auto-expansão e autoperturbação, fantasmas na rua e na alma”
123
é a atmosfera em
que brota a sensibilidade moderna.
Metodologicamente, Berman se utiliza da literatura como fonte, “Fausto” de Goethe
a visão da dualidade da tragédia moderna: “abrir as comportas do eu, à custa de represar
122
A frase-título do livro foi extraída do “Manifesto Comunista” de Marx e Engels e significa o arrasamento do
confinamento ancestral e toda restrição feudal, uma “limpeza” nos entulhos culturais do mundo.
123
BERMAN, 1986, p. 18.
64
o oceano.” O “Manifesto” de Marx e “Fleurs du Mal” de Baudelaire são vistos como
precursores da descoberta da modernidade.
Uma boa idéia de modernidade em Baudelaire pode ser encontrada no ensaio “O
pintor da vida moderna”, dedicado ao pintor Constantin Guys: “Modernidade é o transitório,
o efêmero, o contingente; é uma metade da arte, sendo a outra o eterno e o imutável”.
124
Na
visão do poeta, a arte era de certa forma portadora de uma qualidade universal que, para ser
atraente, devia ser coberta por uma casca de contemporaneidade. Essa definição poderia ser
analisada como uma anti-definição, que coloca o fenômeno da modernidade em qualquer
período da história. Todos os tempos seriam tempos modernos.
Qual seria então a modernidade do tempo do poeta? A cobertura que fariam atraentes
os seus próprios poemas? A resposta é evidente tanto em suas obras poéticas quanto em seus
ensaios: para Baudelaire, nada é mais moderno do que a vida nas grandes cidades. Contudo,
não é clara a sua posição sobre essa nova vida. Como assegura Marshall Berman, seus ensaios
proporcionam ora visões pastorais ora anti-pastorais
125
sobre as características da cidade
moderna.
Essas contradições inerentes na obra do poeta não impedem o reconhecimento do seu
conceito de modernidade. Muito ao contrário, elas estabelecem argumentos que possibilitam
defender que a modernidade para Baudelaire está profundamente atrelada à noção de conflito
e contradição. O conflito configura-se como o centro da vida quotidiana moderna, ou seja, da
vida nas grandes cidades.
Paris nos tempos de Baudelaire era uma cidade mergulhada em conflitos. Ao mesmo
tempo em que o poeta a (d)escrevia, Haussmann a destruía e reconstruía, as grandes avenidas
surgiram e funcionavam como artérias do novo sistema circulatório urbano. Nestas avenidas
124
BAUDELAIRE,1996, p. 25
125
BERMAN, 1986, p. 131.
65
surgiram também, atrelados a um amplo projeto de urbanização, os cafés, mercados, teatros,
parques, passeios públicos e palácios dedicados à cultura.
Dessa forma, o convívio se transferiu dos domicílios às próprias vias públicas, onde
acontecia o inevitável encontro da aristocracia com a classe social mais baixa, e os habitantes
da capital francesa não tiveram como fechar os olhos ao profundo contraste social que até
então não adentrava seus salões. Marshall Berman enfatiza notadamente essa nova
característica de Paris ao fazer referência ao poema em prosa “Os olhos dos Pobres”:
“Esta cena primordial revela algumas das mais profundas ironias e
contradições na vida da cidade moderna. O empreendimento que torna toda essa
humanidade urbana uma grande ‘família de olhos’, em expansão, também põe à
mostra as crianças enjeitadas dessa família. As transformações físicas e sociais
que haviam tirado os pobres do alcance da visão, agora os trazem de volta
diretamente à vista de cada um.”
126
As novas avenidas não deixavam a mostra apenas o conflito entre as classes sociais
diferentes, também expunham o contraste entre o indivíduo e a multidão. Enquanto
permanecia na rua, o indivíduo transformava-se em apenas mais um componente do sistema
circulatório urbano, deixava de ser ele mesmo. ao retornar ao seu domicílio, ele tornava a
ser ele mesmo e a ter que resolver o que fazer com sua vida. Essa nova separação trazia em si,
mais uma vez, a impressão de permanente conflito, uma vez que se por um lado provocava
angústia pela perda de controle, por outro provocava conforto pela alienação.
Sobre as contradições dessa sensação, a sensação do flanêur, não análise mais
respeitável que a compilação de ensaios de Walter Benjamin: “Baudelaire, um lírico no auge
do capitalismo”, na qual afirma:
126
Idem, p. 148.
66
“(...) é precisamente a imagem da multidão das metrópoles que se tornou
determinante para Baudelaire. Se sucumbia à violência com a que ela o atraía
para si, convertendo-o, enquanto flanêur em um dos seus, mesmo assim não o
abandonava a sensação de sua natureza inumana. Ele se faz seu cúmplice para,
quase no mesmo instante, isolar-se dela. Mistura-se a ela intimamente, para,
inopinadamente, arremessá-la no vazio com um olhar de desprezo (...)”.
127
Nos passeios pela nova cidade, o cidadão parisiense, inevitavelmente, conheceu uma
das mais novas formas de comércio: as galerias, onde os artigos modernos estavam
permanentemente expostos. Durante o curto espaço de tempo em que o caminhante passava
pela vitrine, ele idealizava a si mesmo possuidor da mercadoria exposta, e deste modo
desligava-se tanto de sua própria classe social, quanto de sua identidade. Segundo Benjamin,
o fascínio pelas vitrines funcionaria como um verdadeiro entorpecente, que faria o próprio
sujeito, se ver, durante um lapso, como a própria mercadoria.
128
No ambiente de sua casa, afastado da multidão e das vitrines, o habitante da cidade
se veria confrontado à sua própria condição de isolamento. Portanto, ao pensar a modernidade
de Baudelaire, não estamos trazendo à baila somente o apontamento dos conflitos da
coexistência urbana. Além de apontar, Baudelaire estava introduzindo uma nova forma de
participação na sociedade, tão presente na vida intelectual do século XX. Nesses “tempos
modernos” a civilização e o progresso seriam ao mesmo tempo veneno e antídoto, onde
apesar das contradições e ambigüidades, representavam o momento triunfal de um certo
futuro que não podia esperar e que viria a ser.
127
BENJAMIN, 1989, p. 121.
128
Idem. p. 53
67
2.2.1. Ser moderno no Rio de Janeiro da belle époque
Talvez o principal sentimento que pairava no ar do Rio de Janeiro na belle époque
era justamente o de que não se podia mais esperar; a modernidade e suas benesses eram
urgentes. Era imperativo equiparar o Brasil aos novos padrões de civilização, assimilar os
hábitos europeus era imprescindível. Assim sendo, a cidade do Rio de Janeiro, capital e
vitrine da recente República se transforma em um espaço de novas práticas e modismos que
serviriam de paradigma ao restante do Brasil e de cartão de visitas para o resto do mundo,
capaz de atrair trabalhadores e capital europeu. O Distrito Federal era um pólo exportador de
cultura para as outras cidades do país, era no Rio de Janeiro que as novidades vindas da
Europa chegavam primeiro, para a seguir serem adotadas em outras localidades do Brasil. A
cidade era o que pode ser considerada a porta de entrada do país, além de ser o mbolo da
brasilidade, tanto no âmbito interno do país, quanto para o resto do mundo.
O Rio estava em uma situação excepcional, além de ser a maior cidade do Brasil, era
o centro da maior rede ferroviária do país, portanto a cidade com maior capacidade de
oferecer mercado consumidor e mão-de-obra às indústrias. Junte-se a isso o fato de ser, na
virada do século XIX para o XX o terceiro maior porto em volume de comércio do continente
americano, sendo superado apenas pelos de Nova York e Buenos Aires, além de ser a cidade
que abrigava as sedes de várias instituições de grande importância, como o Banco do Brasil,
além de outros bancos nacionais ou estrangeiros, a Bolsa de Valores e ainda, o Distrito
Federal centralizava as finanças nacionais.
129
Todas essas condições amoldavam o Rio de Janeiro à conjuntura da belle époque,
condições estas que a fez influenciar várias cidades brasileiras, como por exemplo, Fortaleza,
Manaus, Recife e São Paulo. Tal influência advinha especialmente através do apreço e
129
SEVCENKO, 1989, p. 39.
68
absorção de valores da cultura européia, sobretudo a francesa, em detrimento da nacional,
como demonstra o texto do cronista Luiz Edmundo:
“Sobre o livro francês, porém, continua imoderado e incondicional. Com
que avidez os lemos! Nos colégios, ainda se estuda o novo idioma pelas obras dos
clássicos portugueses. Não biblioteca sem o seu João de Barros encadernado
em carneira, as obras de Gil Vicente e de outros marechais das letras lusas, velhos
e novos, o infalível busto de Camões em terracota, com uma coroa da mesma
massa na cabeça... Contudo, persistimos franceses, pelo espírito, e, mais do que
nunca, a diminuir pelo esnobismo tudo o que seja nosso. Tudo, sem a menor
exceção. O que temos, não presta: a natureza, o céu, o clima, o amor, o café. Bom,
só o que vem de fora. E ótimo, só o que vem da França.”
130
A crônica foi o gênero literário que se impôs no período da belle époque, veiculada
pelos jornais e tendo como seu maior nome o jornalista Paulo Barreto de codinome João do
Rio, foi um dos espaços de discussão da relação entre progresso e tradição. O progresso é
percebido como inevitável, já a tradição é o elemento que serve de alerta à consciência
nacional para a preservação do passado, da memória e do patrimônio cultural da cidade.
As tentativas de ajustar os valores que representavam o passado e aqueles que
sinalizavam o futuro, ou seja, de modernizar o Rio de Janeiro, era uma discussão travada no
coração das elites cariocas. A República brasileira surgiu de uma minoria vaga, imprecisa,
sem ideologia clara
131
que se aglomeravam em torno de uma instituição que não sabiam
precisar, mas, que mantinham um aspecto fundamental em relação ao regime antecedente,
apartava a maioria da população dos centros de decisão. Sob esse ponto de vista, a República
representava mais uma reacomodação de forças que uma ruptura, onde a população pobre não
130
Apud PESAVENTO, 1999, p. 191-2
131
Para um melhor panorama desta questão ver: A formação das almas o imaginário da república no Brasil”.
Cia. das Letras, São Paulo, 1990.
69
participou do processo, além de ter consciência de que aquela República não era a delas,
132
como nao eram os modelos de modernidade e o conceito de regeneração estabelecido e
empregado nas reformas.
Deste modo, a implantação do modelo de civilização moderna tropeçava na carência
de correspondência com uma identidade existente, em que a nova visão de mundo tentava dar
vida a um mundo desejável, porém fora do alcance de boa parcela da população brasileira. De
acordo com Sevcenko,
133
assistia-se à mutação do espaço público, do estilo de vida e da
mentalidade do carioca, tendo por base a condenação dos hábitos e costumes, ligados pela
memória, da sociedade tradicional; a negação de qualquer elemento da cultura popular que
pudesse manchar a imagem de civilizada da sociedade dominante; a saída forçada da
população pobre do centro da cidade; e em cosmopolitismo agressivo e identificado com a
vida parisiense. Tem-se assim lançado, especialmente pela ação de uma elite desejosa de
modernizar-se e amparada na legitimidade de um discurso constituído a partir da significação
social positiva atribuída ao moderno, as bases de uma modernização forçada do Rio de
Janeiro, que serviu de modelo para o restante do país.
O Rio de Janeiro da belle èpoque, a então capital da recém-fundada república
brasileira, foi uma das cidades latino-americanas onde a elite dirigente melhor incorporou a
urbanização como uma necessidade urgente de uma sociedade que precisava “civilizar-se”.
As reformas, que em poucos anos redefiniram funções para as áreas centrais da cidade,
criaram condições para um novo ordenamento espacial com o surgimento de novas zonas de
elite na parte sul da cidade.
Como já dissemos, nesse período, ser moderno é encontrar-se na então capital federal
e, para alcançar o sucesso em vários campos, como na vida científica ou intelectual por
132
CARVALHO, 1987.
133
SEVCENKO, 1989.
70
exemplo, o pretendente a uma carreira de êxito precisaria estar no Rio de Janeiro. Era
fundamental também, mais do que ser moderno, parecer moderno. Espalhou-se como rastro
de pólvora toda uma gama de regras de conduta e aparência cujo cumprimento capacitaria o
cidadão a circular e habitar os novos e “chics” espaços modernos.
Enquanto boa parcela da população precisou recompor sua vida nos subúrbios e
morros, espaços onde efervescia a cultura popular, a fina flor carioca, tentando reproduzir o
estilo francês, aumentaram intensamente a freqüência das ruas do centro da cidade. A nova
avenida e suas lojas de artigos importados, seus cafés e restaurantes e principalmente seu
charme, trouxeram os ares da Europa para o tropical Rio de Janeiro, o novo boulevard sem
dúvida, era o emblema dos novos tempos, palco perfeito para as novas práticas nele
encenadas. Neste contexto, adquiriu muita importância o “culto da aparência exterior, com
vistas a qualificar de antemão cada indivíduo”,
134
Lima Barreto, como citamos aqui, um
escritor mais reticente quanto a modernização da cidade percebia a teatralidade da coisa:
“De uma hora para outra, a antiga cidade desapareceu e outra surgiu como se fosse obtida
por uma mutação de teatro. Havia mesmo na cousa muito de cenografia”
135
.
A invenção de um moderno cenário urbano, cosmopolita e moldado pelo exemplo
parisiense, ordenava novos figurinos que rompessem com os antiquados costumes coloniais.
A determinação da moda pelas elites foi tão autoritária que levou à criação de uma lei em que
era obrigatório o uso de paletó e sapatos para todas as pessoas, sem distinção.
136
“O objetivo
do regulamento era pôr termo à vergonha e à imundície injustificáveis dos mangas-de-camisa
e descalços nas ruas da cidade”.
137
Apesar da lei ter entrado para o rol de leis brasileiras que
134
SEVCENKO, 1998, p. 440.
135
Apud, SEVCENKO, 1989, p. 36.
136
Os setores populares não ficariam de fora do processo civilizatório, no que diz respeito à utilização do
vestuário considerado adequado, daí a lei de obrigatoriedade do uso de sapatos e paletós imposta pela república
nascente. A este respeito ver VELLOSO, 1988, p. 62 e SEVCENKO, 1989, p. 46.
137
SEVCENKO, 1989, p. 46.
71
não “pegam” é um claro sinal da intervenção de uma elite, no caso a governante, na tentativa
de hierarquizar os espaços da cidade.
“Uma verdadeira febre de consumo tomou conta da cidade, toda ela voltada para a
‘novidade’, a ‘última moda’ e os artigos dernier bateau”.
139
A premente necessidade de estar
sempre na moda fomentava o comércio da cidade. As lojas de luxo da Avenida Central,
amplas e espaçosas, muito diferentes das acanhadas salas da rua do Ouvidor, ofereciam
grande variedade de artigos geralmente importados para homens e mulheres, comprar em
estabelecimentos como a Casa Colombo e a loja Parc Royal era garantia de beleza e
elegância.
140
138
Foto n° 5 é componente da pasta “Indumentárias 2” do índice “Diversos” do acervo do MIS.
139
Idem, p. 40.
140
NOSSO SÉCULO, 1900/1910, Vol. I, p. 42.
Foto 5 - MIS/RJ.
138
- Loja de moda na Avenida Central (1906): Nas amplas lojas da Avenida Central as
damas da sociedade eram atendidas com esmero e requinte por bem trajados caixeiros.
72
Foto 6 - MIS/RJ
Foto 7 - MIS/RJ
Sócios do clube de equitação (1912) e Inauguração do Café do Rio (1911)
141
- Os quiosques e
botequins foram substituídos pelos requintados clubes e cafés, onde jornalistas, escritores e
intelectuais iam “usufruir a civilização” tal como em Paris.
141
As fotos n° 6 e 7 são componentes da pasta “Comércio 4” do índice “Diversos” do acervo do MIS.
73
No imaginário da modernização, além dos novos hábitos e vestuários, outros objetos
também são investidos de um valor simbólico considerável. É o que ocorre com o grande
volume de produtos voltados para o uso cotidiano que surgem na passagem do século XIX
para o XX, quando ciência e tecnologia tornam-se extremamente atrativas para grandes
investimentos industriais. A ciência e suas invenções são um dos maiores ícones dessa época
em que o otimismo social tornava-se uma espécie de utopia acalentada e o futuro prometia um
destino civilizado. As novidades tecnológicas revolucionaram o transporte, a agricultura, a
higiene, e o próprio cotidiano. Estes novos produtos, o automóvel, a eletricidade, o avião, o
cinematógrafo, o telégrafo, etc., estabeleceram-se como forma de expiar as incertezas e tendo
como função primeira a busca da eficiência e do aperfeiçoamento contínuo do ser humano
além de auxiliarem a compor um cenário de mudanças em que o capitalismo se expande
tornando-se um sistema de proporções mundiais. As noções de progresso e de civilização
foram fundamentais na constituição de uma “modernidade messiânica” que se estendesse aos
mais variados cantos do mundo.
142
142
COSTA & SCHWARCZ, 2000.
74
Podemos dizer que o lema da passagem do século XIX para o XX era: “Esses
homens incríveis e suas máquinas maravilhosas”. Notório como a “era da sciencia”, o fim do
século XIX além de representar o tempo do triunfo de uma certa modernidade que não podia
esperar, representa também o tempo em que se acreditou cegamente na capacidade do homem
de dominar o céu, os mares, a terra e os próprios homens. Mais do que o ato de sonhar, o
progresso prometia paz e prosperidade. Este ingênuo e exagerado otimismo em relação às
possibilidades da ciência em benefício do homem, de certa forma tinha justificativa, afinal
surgiram engenhos extraordinários para a época: um carro que se locomove sem o auxílio de
cavalos, a luz gerada sem gás nem pavios, o aparelho que possibilitava conversar com outras
pessoas a longa distância, um fio que transmite mensagens de um continente ao outro, um
143
Foto n° 8 é componente da pasta “Carnaval” do índice “Diversos” do acervo do MIS. Apud MALTA:
fotógrafo do Rio antigo. Rio de Janeiro: Rio Gráfica Editora Ltda, 1983.
Foto 8 - MIS/RJ.
143
- Carnaval (1917): Mesmo nos momentos onde se pressupunha maior descontração o
teatro do moderno era encenado com convicção.
75
aparelho que permite gravar e reproduzir todos os sons do mundo, uma tela mágica que
projeta, como na vida real, todo o tipo de movimento e para coroar o maior sonho do homem
se torna realidade através do brasileiro Santos Dumont: voar.
É o momento, portanto, de uma determinada classe: a burguesia industrial, que
orgulhosa de seu progresso, enxergou na ciência a possibilidade de expressão de suas mais
elevadas aspirações. Através de homens que passaram a dominar a natureza a partir de um
sem número de invenções sucessivas. Cada novo invento levava a uma nova série de
inovações, que por sua vez abria perspectivas e projeções inéditas de usos, novos hábitos,
modas e padrões. Dos inventos fundamentais aos mais surpreendentes, uma miríade de
novidades cobria os olhos desses homens, estupefatos com suas máquinas maravilhosas.
O grau de habilidade e naturalidade demonstrados no uso e freqüência dos novos
aparatos da modernidade, além da vestimenta adequada, denotava ao cidadão uma condição
de pertencimento a uma determinada classe, como dissemos, além de ser moderno era
preciso parecer moderno. A relação com a tecnologia moderna era intrínseca a uma elite, e
por conta disto o anseio de apropriação por quem a conseguisse alcançar, mesmo que essa
apropriação fosse meramente simbólica. Ir ao cinema por exemplo, virou uma febre no início
do século XX, a partir de 1907 quando da inauguração da usina de Ribeirão das Lajes, a
energia elétrica passou a ser fornecida pela “The Rio de Janeiro Tramway Light and Powewr
Co. Ltd.”, que encheu a cidade de energia e modificou completamente o panorama do acesso
ao cinema, no mesmo ano, de agosto a dezembro foram inauguradas 18 salas de projeção,
dentre as quais os luxuosos cinematographos Pathé na Avenida Central, o Rio Branco na
Visconde de Rio Branco, o Palace na rua do Ouvidor além do Grande Cinematógrafo Popular
na Praça da República.
144
Ver e ser visto nas ante-salas dos cinemas era essencial, era uma
prática codificada que traduzia não apenas um hábito, mas revelava o acesso a determinado
144
NOSSO SÉCULO, 1900/1910, Vol. I, p. 74.
76
espaço e distinção social, de aparentar uma estética fundamentada em padrões estrangeiros,
indo além da freqüência pela simples diversão e cultura, significava fazer da atividade de ir ao
cinema um acontecimento social, como o bom teatro e a ópera.
145
Foto n° 9 é componente da pasta “Cinema/Circo 3” do índice “Diversos” do acervo do MIS. Apud
Enciclopédia “Nosso Século 1900/1910, vol 1”, pág. 75.
146
Gazeta de Notícias, seção “Cinematographo”, 1907.
Foto 9 - MIS/RJ.
145
- Cinematographo Rio branco (1907): “Cinematógrafos (...) É o delírio atual. Toda a
cidade quer ver os cinematógrafos. (...) Na Avenida Central, com entrada paga, há dois, três, e a
concorrência é tão grande que a polícia dirige a entrada e fica a gente esperando um tempo infinito na
calçada” (João do Rio, 1907) .
146
77
A cosmopolita cidade do Rio de Janeiro adotou rapidamente as novidades européias
e ir ao cinema era apenas uma das várias novidades, tecnologias e modismos que
emblematizaram o cotidiano das elites da cidade nas primeiras décadas do século XX, assim
como usar o telefone, freqüentar os cafés e confeitarias, “flanar” pela Avenida Central, posar
para fotografias, ir ao recém inaugurado teatro municipal
147
, e para os mais abastados
financeiramente, possuir um automóvel.
Foto 10 - MIS/RJ.
148
- Dama da sociedade em seu automóvel (1905): Com o preço equivalente ao de uma
casa, o automóvel e o “chauffeur” a postos atestavam a posição social de sua proprietária.
147
Inaugurado em 14 de julho de 1909, foi construído com base no projeto arquitetônico de Francisco de
Oliveira Passos. Inspirado no da Ópera de Paris, todo o material usado na construção foi importado da Europa:
mármores, ônix, bronze, cristais, espelhos, mosaicos, vitrais, maquinaria de palco, etc. Os maiores artistas
brasileiros da época – Eliseu Visconti, Rodolfo Amoedo e Rodolfo Bernardelli – criaram as pinturas e as
esculturas que adornam a sala de espetáculos, a fachada e as áreas de circulação do Teatro.
148
Foto 10 é componente da pasta “Bondes, ônibus, viaturas diversas-2” do índice “Diversos” do acervo do
MIS. Apud MALTA: fotógrafo do Rio antigo. Rio de Janeiro: Rio Gráfica Editora Ltda, 1983.
78
Mesmo causando uma certa confusão pelas ruas da cidade, pois o equipamento
chegou antes das necessárias regras de utilização, o uso do automóvel teve um crescimento
exponencial na belle époque, desde que José do Patrocínio inaugurou o automobilismo com
seu aeróstato Santa Cruz no final do século XIX, o número de automóveis na cidade passou
de seis em 1903 para 615 em 1910.
149
O automóvel passou a ser um componente do luxo e do
glamour almejados pela elite, sua utilização ia das mais óbvia, ou seja, o transporte mais
veloz de seus passageiros até o mais prosaico desfile pela cidade no carnaval. Os badalados
corsos se tornaram motorizados a partir de fevereiro de 1907, quando as filhas do
presidente Afonso Pena entraram pela Avenida Central em um veículo de capotas arriadas,
percorrendo toda a avenida e parando em frente ao edifício da comissão fiscal das obras do
porto, de cujas janelas a família do presidente assistia à folia carnavalesca. O ato empolgou
aos que possuíam carros, e em seguida vários deles começaram a movimentar suas máquinas
indo e vindo pela avenida enquanto seus ocupantes jogavam de um para o outro, serpentinas,
confetes e esguichos de lança-perfume. Estava criado mais um ato de glamour e
modernidade.
150
As novas usanças muitas vezes não evidenciavam tanto os progressos tecnológicos, e
sim mais a que se depositavam neles, a certeza de que sua simples presença combinada
com o modo “correto” de suas utilizações, com o vestuário adequado e o estabelecimento de
normas de freqüentação encenados no palco da Capital Federal reformada, seria o bastante
para elevar o status da cidade ao nível das mais “evoluídas” capitais européias, decretando
assim a modernidade que se desejava.
151
Portanto, ser moderno no Rio de Janeiro da belle époque constituiu-se primeiramente
no nível do discurso, que foi articulado em distintas dimensões simbólicas. Toda ação que
149
COSTA, & SCHWARCZ, 2000. p. 82.
150
ARAUJO, 2000.
151
ENTLER, & OLIVEIRA Jr, 2003, p. 8.
79
girava em torno da renovação da cidade - dos personagens políticos, passando pelas reformas
arquitetônicas e saneadoras, até o dossiê iconográfico produzido por Malta - organizaram
parte deste discurso.
2.3. O fografo e a cidade
A relação da fotografia com a cidade decorre de uma convergência subentendida, é a
de ligação com uma modernidade. Uma das “obsessões” mais típicas do foto-documentarismo
é a cidade, mote privilegiado, recorrente a ponto de ser considerada como um estilo
fotográfico propriamente dito. Seguindo este pensamento, é certo afirmarmos que dentre os
vários nomes significativos na fotografia do Rio de Janeiro, o nome de Augusto Malta se
destaca como o mais importante fotógrafo de seu tempo.
A afinidade entre Augusto Malta e a cidade do Rio de Janeiro foi significativamente
singular, segundo as duas instituições que detêm a maior parte das fotos do fotógrafo, o
Museu da Imagem e do Som e o Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, foi Malta quem
mais produziu fotografias sobre a cidade. Por mais de trinta anos
152
enquadrou a cidade em
seus fotogramas, registrando seus mais variados tipos e paisagens, seu trabalho deu novo
sentido à construção da memória carioca, foi o primeiro fotógrafo brasileiro a ter uma visão
jornalística dos acontecimentos,
153
exerceu uma função político-social ao inserir suas imagens
no contexto de um projeto politicamente bem marcado: o da transformação da antiga cidade
colonial em uma capital moderna. Porém fez mais, pouco a pouco foi indo além de sua
incumbência oficial, ampliou com o passar do tempo seu universo de trabalho, e mais do que
152
Contratado pela Prefeitura na administração de Pereira Passos, em 1903, registrou oficialmente em imagens o
Rio de Janeiro até se aposentar em 1936.
153
MOREIRA,1996
80
documentar, dissecou a cidade, expôs todas suas nuances não através de suas
transformações arquitetônicas, registrou também o comércio, a indústria, os bailes e festas
populares, costumes, e principalmente os habitantes da cidade, produziu enquadramentos
quase sempre informais, captados nas ruas, dando visualidade ao espaço urbano, ao espaço
determinado e suas relações de convivências cotidianas do povo da cidade.
Nosso fotógrafo distinguiu-se de seus pares da fotografia documental, principalmente
em função de sua obsessão pelos flagrantes emblemáticos das mudanças urbanas,
arquitetônicas e culturais que a cidade apresentava, seu registro da cidade em situações e
atividades diversas resultaram em uma perspicaz descrição visual onde as implicações
humanas surgiam espontaneamente, permitindo-nos uma interpretação sócio-cultural do
período.
Nas ruas, nos becos e ladeiras, nos largos, praças e escolas, nas fábricas, em frente às
lojas comerciais e quiosques, nos cafés e confeitarias, todos posavam para o fotógrafo, adultos
e crianças, os que queriam ficar e os que deveriam desaparecer, Malta e sua câmera
perpetuaram os privilegiados e os marginalizados, as permanências e as mudanças, o que se
desejava e o que se rejeitava na cidade. Sua narrativa visual era precisa. Soube como poucos,
transmitir, com amplo domínio, o cotidiano urbano, principalmente.
Em 1910 a Revista da Semana chama a atenção para a importância de Malta e seu
registro ao escrever em suas páginas: “este homem conhece toda a história da República, não
por ouvir dizer, mas por ser testemunha vista dos acontecimentos”.
154
Entre os vários registros, um dos mais curiosos e divulgados, existe uma seqüência
produzida durante a vinda da esquadra estadunidense, em 1908. Augusto Malta documenta no
antigo Beco da Pouca Vergonha (atual rua Vinte de Abril) marinheiros americanos
conversando com prostitutas, através de venezianas nas janelas. Um dos marinheiros, flagrado
154
Revista da Semana, 1910, p. 6.
81
pela câmera do fotógrafo, investe contra ele que, mesmo assim, continua fotografando. Esta
seqüência é famosa e, certamente, inaugura o foto-jornalísmo, pelo seu senso de oportunidade
em criar o fato-notícia.
A velocidade e o senso de oportunidade de Malta ao fotografar enquanto um dos
marinheiros avança contra ele tentando impedir o registro, denotam o seu diferencial, que
faria sua obra contrastar com os retratos de então, estáticos e sem emoção. Fariam também
ser, segundo alguns autores,
155
considerado como o primeiro fotojornalista brasileiro, que ao
observar e registrar tudo que julgou interessante ou relevante, fez imagens da cidade e seus
habitantes não só para o seu uso e deleite, mas para futuras gerações.
Fig. 11 e 12 – MIS/RJ
156
- Marinheiros, 1907 Por entre as venezianas das janelas marinheiros e prostitutas
tratam de amor e negócios.
A partir destas características é que percebemos a extrema proximidade e intimidade
da relação da Cidade do Rio de Janeiro com a obra de Augusto Malta, relação evidenciada por
155
CIAVATTA, 2002; MOREIRA, 1996; HOLLANDA, 1996.
156
As fotos 11 e 12 são componentes da pasta “Pasta Prostitutas, aspectos sociais, festas juninas, festas em
praças públicas” do índice “Logradouros” Acervo do MIS – Museu da Imagem e do Som.
82
meio da farta documentação gerada no processo, e é através desta documentação que
podemos perceber toda a dinâmica da cidade conformada em um mundo de informações
único, constituída de fotografias oficiais e não-oficiais, compondo uma imagem
representativa, da expressão e da estética da belle époque carioca.
157
2.3.1. “Quero lá saber de passado?”
dissemos anteriormente que ser moderno era estar no Rio de Janeiro, que todo
profissional que almejasse o sucesso deveria sintonizar-se com os ideais e aparatos da
modernidade, ou seja, aparentar modernidade, e nosso fotógrafo em um determinado
momento de sua vida, percebeu ou foi despertado para isto, quando entendeu as vantagens de
se usar uma bicicleta em seu trabalho de vendedor ambulante de tecidos, no tempo que
poucas, geralmente importadas, circulavam pela cidade e também quando não hesitou em
trocá-la por uma máquina fotográfica - fato que modificaria sua vida completamente e que
demonstra a relação de sintonia de Malta com seu tempo. Uma das pastas do acervo do MIS é
voltada ao próprio Augusto Malta, nela entre fotos do fotógrafo com a família, amigos, e em
diversas situações de informalidade, uma de 1911 com o fotógrafo ao volante de um
automóvel,
158
um dos mbolos do progresso e da modernidade. Estas informações, mais uma
vez, nos mostram como Malta era um homem de seu tempo, atento às inovações da ciência e
tecnologia e de sua utilização no cotidiano, ou seja, um homem adepto ao ritmo veloz da belle
époque.
157
HOLLANDA, 2003, p. 142
158
Pasta 42 do MIS do índice “Pessoas” .
83
Outra característica que uma idéia de como Malta era atento à sua bela época é o
fato de manter em sua rotina o hábito da leitura, que ia desde clássicos da literatura mundial,
passando por enciclopédias, com especial interesse por astronomia, até a leitura mais voltada
ao seu campo profissional que compreendia revistas, geralmente francesas, sobre
fotografia.
159
Importante chamar a atenção também à participação de Malta em um evento
chave no processo de modernização do país: os acontecimentos de 15 de novembro de 1889,
quando foi como porta-estandarte do Centro Republicano Lopes Trovão, seguindo à frente
dos populares em direção ao paço Municipal - onde hoje fica a Praça da República - para
assinar a ata da Proclamação da República.
Um fato interessante comentado por Amaltéa Carlini em sua citada entrevista ao
MIS, diz respeito a um convite feito certo dia pelo amigo Noronha Santos ao ouvirem pela
rádio músicas de carnavais passados, ao qual Malta respondeu: “O que é isso Noronha?
Quero lá saber de passado?”, a resposta do fotógrafo, aliada à mencionada afinidade com
os aparatos modernos, ganha contornos interessantes quando percebemos alguém que tem
entre suas incumbências preservar em imagens o passado da cidade, ao mesmo tempo mostrar
uma certa aversão ao passado de uma forma geral.
A própria relação de fidelidade e admiração dedicada ao prefeito Pereira Passos, a
quem Malta considerava “um grande animador de minha arte” e de quem recebia “conselhos
e proteção”,
160
- relação tão próxima que o fotógrafo convidou o Prefeito, e o convite foi
aceito, a batizar uma de suas filhas, Aristocléa - é um elemento que juntamente com sua
“aversão” ao passado, o gosto pelo que era novidade e representava progresso como sua
bicicleta e a própria quina fotográfica, demonstram até que ponto a sua sintonia com um
modo de vida e uma visão de mundo, com determinado nível de especificidade, implicou em
uma adesão e no significado de seu trabalho para a demarcação de fronteiras e elaboração de
159
MOREIRA, 1996, p. 61.
160
Revista da Semana – RJ, natal de 1945, p. 19.
84
identidades sociais. Entendemos que a relação entre Malta, a cidade, a modernidade,
explicitada em sua obra, assinala a dinâmica entre a identidade socialmente dada (étnica,
familiar, etc.) e a identidade adquirida em função de um caminho com opções e escolhas, que
por sua vez evidenciam o apreço e o comprometimento de Malta com o ideário mental
republicano e moderno.
2.3.2. Malta e a rua, uma escrita
Como foi citado aqui, uma das primeiras incumbências recebidas por Malta da
prefeitura, foi a de fotografar as construções a serem demolidas pelas reformas urbanas de
Passos, e nesta tarefa, em pelo menos um ponto podemos dizer que Malta não teve
dificuldades, o de localizar os logradouros e imóveis a serem registrados, o fotógrafo já
conhecia as ruas da cidade, como ele mesmo disse: “Justamente quando me encontrava
identificado com minha nova profissão (vendedor ambulante de tecidos) e apenas um ligeiro
conhecimento (de fotografia) fui levado ao cargo de photographo da Prefeitura.”
161
A visão e
o extenso conhecimento das ruas da cidade que a profissão de vendedor deu ao fotógrafo, não
eram os de quem anda de automóvel ou bonde, veículos cuja velocidade impossibilitam a
pausa na visão e a escolha do percurso, e sim os de quem anda a pé, enxergando os olhos das
pessoas, sentindo os caminhos, os limites, os bairros, os cruzamentos, os pontos de referência,
conhecimento que o permitiu perceber e moldar os espaços a percorrer, definindo seu trajeto
com seus próprios passos.
161
Diário de Notícias, edição especial do centenário de Pereira Passos, 29/08/1936. Grifo meu.
85
A mobilidade de Malta pelas ruas
162
do Rio de Janeiro e o resultado de sua obra nos
permite recorrer a um conceito de Roland Barthes em
A aventura semiológica,
163
o autor
utiliza “uma velha intuição de Victor Hugo”
164
para entender a cidade como uma escrita,
onde o leitor, o habitante e usuário da cidade - no nosso caso, Malta - faz sua leitura ao
percorrê-la e nos seus deslocamentos, recolhe fragmentos do enunciado para atualizá-los
em segredo”.
Partindo dessa premissa, é possível pensar na
elaboração de um discurso imagético
construído por Malta,
leitor, habitante e usuário da cidade do Rio de Janeiro, perceber uma
fala através de suas imagens. O fotógrafo
leu e conheceu a fundo o local preferido pela
modernidade, o território da novidade, da ação, do movimento”,
165
a rua, e a partir desta
leitura “reescreveu”, por meio de suas imagens, um novo texto a respeito da cidade. É uma
idéia semelhante à de Paul Virilio em “A Máquina de Visão”,
166
o autor entende que quando
a fotografia tornou-se instantânea, além de dar-lhes a velocidade da luz, reduziu a alguns
signos as mensagens e palavras. Essa “simbiose” entre o textual e o visual é que nos a
certeza de que a cidade do Rio de Janeiro falou a Augusto Malta, que por sua vez a partir da
leitura de um mundo visível, elaborou expressivamente seu testemunho, um documento que
revela essa fala em imagens, criando uma chave de leitura possível desse material a partir de
suas opções de registro de determinadas pessoas e lugares por onde percorreu e olhou, e de
como essas opções condicionaram suas escolhas técnicas e estéticas através da “linguagem da
cidade”.
162
Malta não se limitava à rua. Usando provavelmente a habilidade adquirida na época em que vendia tecidos
de porta em porta, mas também se aproveitando da autoridade de fotógrafo oficial, não raramente ele
conseguia entrar nas casas para ampliar o alcance da visão pública sobre a insalubridade do centro. aqui
uma tentativa de “obscenização” da vida privada. Não porque as imagens mostrassem situações efetivamente
imorais, mas destacada e exposta pelas imagens, a intimidade da camada mais pobre da população passa a ser
vista como um problema de interesse público.” Apud ENTLER, & OLIVEIRA Jr, 2003.
163
BARTHES, 1987, p. 228.
164
Idem.
165
FABRIS, 1992, p. 32.
166
VIRILIO, 1994, p. 21.
86
O testemunho de Malta, entendido por nós como uma “crônica imagética”, ainda que
registre em sua substância uma dada situação real - o referente - sempre se estabelece como
uma elaboração, na conseqüência final de um processo criativo, de um modo de ver e
compreender particular, de uma visão de mundo característica sua; é ele que, na sua
mediação, cria/constrói a representação.
167
Seu registro, apesar de em sua maioria ser
encomendado, se prestar a uma demarcação de memória e ter por intento a promoção e
propaganda de um determinado projeto, sempre financiado por instituições oficiais ou
privadas interessadas em propalar certo tipo de progresso, não escondeu o social, não se
restringiu a atender as perspectivas do governo ou empresas privadas, ganhou discurso e vida
próprios.
Mesmo trabalhando metodicamente, batendo chapas de construção em construção
que seriam afetadas pelas reformas, Malta em seu caminhar, em sua leitura, mostrou mais,
mostrou
homens e mulheres captados no meio do cotidiano, transitando com seus chapéus,
leques, bengalas e sombrinhas em frente às vitrines, saindo e entrando em automóveis e
bondes, freqüentando os locais de símbolos de transformações do século XX, nos cafés
tipicamente europeus com mesas nas calçadas, em frente às fachadas de cinemas, embaixo
dos letreiros de tipologia moderna, nas elegantes e civilizadas batalhas das flores, enfim
mostrou o carioca que tentava integrar-se aos novos tempos.
Mostrou mais, mostrou o outro
lado, mostrou condutas e costumes dos cidadãos que não harmonizavam com o projeto de
modernidade idealizado,
cidadãos desocupados perambulando pelas ruas, grande parte em
trajes simples e/ou descalços, freqüentando quiosques e botequins, crianças vagando pelas
ruas com excessiva liberdade, além dos muitos curiosos que se intrometiam no seu
caminhar/registrar, maravilhados com a atuação do fotógrafo.
167
KOSSOY, 1999, p. 58.
87
Foram estes elementos, entre outros, que permitiram a Malta gerar uma
documentação urbana, de uma inovadora e rica linguagem, oriunda de experiência técnica
com a câmera fotográfica, e sobretudo realizar um trabalho de linguagem, de forte abstração e
eloqüência.
A simplicidade das imagens de Malta condensam diferentes fisionomias urbanas, em
um primeiro momento, aparentemente não nos contam muita coisa, mas ao redor de cada
imagem é possível perceber outras, abre-se um campo de analogias, simetrias, composições e
contraposições, nota-se a construção de uma representação, uma recriação do mundo físico ou
imaginado, tangível ou intangível onde o tema registrado é produto de um elaborado processo
de criação por parte do fotógrafo
168
e é onde a cidade e seus habitantes se deixam perceber.
Seguindo o viés de análise de Kossoy,
169
na construção da imagem e representação
do carioca elaborada por Malta, ocorre uma transposição de dimensões e realidades que
transcendem à existência/ocorrência do assunto, que são apresentados como um novo real,
interpretado e idealizado, ou seja, ideologizado, uma segunda realidade.
170
Essa segunda
realidade elaborada por Malta, especialmente para nós, a representação do habitante e/ou
freqüentador do centro da cidade do Rio de Janeiro, é resultado de um processo interno de
construção e interpretação baseado em seus repertórios e filtros culturais, seus conhecimentos,
seus pontos de vista ideológicos/estéticos, suas convicções morais, éticas, religiosas,
profissionais, suas fantasias. Malta ao perambular pelas ruas da antiga Capital Federal
materializou suas imagens sobre aquelas que o olho via, ao projetar suas impressões,
fantasias, críticas e esperanças, além é claro de suas incumbências, escreveu um rico e valioso
documento ao mesmo tempo pessoal e público sobre a cidade do Rio de Janeiro.
168
Idem, p. 43.
169
Idem, ibidem.
170
O conceito de segunda realidade é explicitado por Kossoy como (...) a realidade do assunto representado,
contido nos limites bidimensionais da imagem fotográfica, não importando qual seja o suporte no qual esta
imagem se encontre gravada. O assunto representado é, pois, este fato definitivo que ocorre na dimensão da
imagem fotográfica, imutável documento visual da aparência do assunto selecionado no espaço e no tempo.”
(KOSSOY, 1999, p. 37).
88
O que temos aqui é aquiescência do próprio caráter simbólico como informação
histórica, na medida em que é simultaneamente causa e conseqüência de muitas ações reais,
concretas, transformadoras do mundo material. Assim, paralelo às imagens visíveis da
modernidade carioca, está o seu imaginário, ambos compõem partes diretamente imbricadas
de uma única realidade histórica.
171
A realidade capturada pelo senhor das imagens cariocas
nas ruas da cidade do Rio de Janeiro da belle époque: Augusto Cesar Malta de Campos.
171
Esse conceito é trabalhado por Sandra Pesavento (PESAVENTO, 1994), quando depois de conjeturar sobre
diversas metodologias históricas, sugere, por meio da chamada História Cultural, uma abordagem das
representações e do imaginário social ligadas à transformação do espaço urbano.
89
Catulo 3. NOSSO FOGRAFO FOCA NO QUE VÊ E MOSTRA O
QUE NÃO QUER VER.
“Os olhos não vêem coisas, mas figuras de coisas que significam outras
coisas (...). Mesmo as mercadorias que os vendedores expõem em suas bancas
valem não por si próprias, mas como símbolos de outras coisas.”
172
“De fato, todos os que amam o belo e o compreendem; todos os que
sentem necessidade de fixar as formas plásticas de sua fantasia (...); todos os que
querem conservar visíveis até mesmo suas saudades encontrarão na fotografia o
verdadeiro auxiliar que necessitam”.
173
A vasta obra de Malta nos permitiria cogitar vários recortes de análise em seu
discurso, poderíamos trabalhar com o mais óbvio, ou seja, as mudanças arquitetônicas
ocorridas na cidade durante a belle époque, poderíamos nos concentrar nas fotografias de
prefeitos e presidentes e pensar a imagem política do período, ou analisar o fenômeno do
carnaval, as representações do trabalho e trabalhadores,
174
as questões de gênero, as imagens
do subúrbio carioca até mesmo um estudo sobre a imagem da morte através das mais de cem
fotos de túmulos fotografados por Malta e disponíveis para consulta no MIS-RJ. Enfim, nossa
escolha, entre um sem número de abordagens que o conjunto fotográfico de Malta nos
possibilita, foi apenas uma dentre tantas outras possíveis. Assim sendo optamos por perceber
a imagem do carioca constituída em seu discurso imagético e a existência de um modelo de
carioca considerado ideal no período em que tem início as reformas de Passos.
172
CALVINO, 1990.
173
Revista Kosmos, 1904. Apud. NOSSO SÉCULO, Vol. 1, pág. 56.
174
Trabalho inclusive já realizado com mestria por Maria Ciavatta em 2002, ver bibliografia.
90
O conceito de ideal é eminentemente histórico e, portanto, assim como a História, é
“filho de seu tempo”, cada povo, cada cultura tem seu conjunto
de valores que determinam
padrões morais, políticos, econômicos, estéticos e etc., e a população da cidade do Rio de
Janeiro do início do século XX não foi diferente.
A partir da Nova República o carioca, tem seu espaço deslocado do privado para o
público. Este novo cidadão se re-inventa através de manifestações públicas; ir ao cinema, por
exemplo, era mais importante do que ver o filme, andar de automóvel era mais importante que
o destino do trajeto, melhor dizendo, aparentar e representar era mais importante do que ser.
Um dos “construtores” dos conceitos de comportamento e aparência considerados
ideais do período foi o titular da coluna “Binóculo”, do Jornal Gazeta de Notícias: Figueiredo
Pimentel que - além do cargo de principal responsável pela coluna era também poeta e
escritor de livros para adultos e crianças - fazia a crônica diária da moda e dos modismos da
cidade. Carlos Maul escreveu que “o Binóculo proferia a palavra de ordem que era
rigorosamente obedecida. Damas e cavalheiros submetiam-se ao que essa coluna da Gazeta
lhes dizia em matéria de vestir como em matéria de comportamento público e privado”.
175
Figueiredo através de sua coluna determinou o conceito de smartismo, do chá das cinco, e de
como se vestir comme Il faut na belle époque carioca. Conceitos seguidos fielmente pelos
praticantes do footing da Avenida Central e Ouvidor.
A revista Fon-Fon, outro grande regulador da moda e dos costumes, no quinto
aniversário da coluna saudou Figueiredo e sua coluna como o “Aqui está uma data que deve
ser grata à elegância nacional, pois o Binóculo desde seu início é o reflexo e o conselho para
aquelles e aquellas que se preoccupam seriamente com a face elegante da vida”.
176
175
MAUL, 1967, p. 26.
176
Revista Fon-Fon, nº 12, Rio de Janeiro, 23-03-1912, pág. 22.
91
Figueiredo e sua coluna foram juntamente com Luís Edmundo e outros escritores
smarts, patrocinadores da “Liga contra o feio” em 1908 e da “Liga da Defesa da Estética”
em 1915,
177
da campanha contra o shake-hands - “Fundou-se a liga contra o shake-ands, o
anti-higiênico, o incômodo aperto de mão. Num clima como o nosso é um horror o shake-
hand contínuo (...)”-
178
da sugestão, em 1909, de transferir o carnaval para as Avenidas
Central e Beira-Mar, por conta da falta de espaço e do péssimo estado das estreitas ruas que
afetavam o desfile dos carros,
179
ou seja, a coluna “Binóculo” fazia jus ao apelo publicado na
Gazeta de Notícias em 1901: “O Rio civiliza-se! (...) faça isso o Binóculo. Aponte os defeitos
que nos envergonham; indique ao Prefeito o perfeito que se precisa; asseste para tudo o
Binóculo e teremos a seção mais importante, a Gazeta mais querida e a cidade mais
smartizada comme il faut,a seus esforços.”
180
Os anúncios publicados regularmente nas revistas também davam uma idéia dos
anseios e variedades de usanças relativas à almejada elegância. Na Revista Careta, por
exemplo, era muito comum encontrar em suas páginas anúncios como o da “Casa das
Fazendas Pretas” (Avenida Central, 141/143) que anunciava “Lutos elegantes e completos em
12 horas” a “preços módicos”,
181
além de em muitos deles constar a sempre citada origem ou
ligação francesa, como os das lojas “Maison Pompadour” e “Maison Blanche”:
182
177
SEVCENKO, 1989, p.28.
178
Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 15-08-1908.
179
Idem, 26-02-1909.
180
Ibid, 02-08-1901.
181
Revista Careta, nº 1, Rio de Janeiro, 06-06-1908, pág. 6
182
Revista Careta, nº 1, Rio de Janeiro, 25-07-1908, pág. 13 e 20 respectivamente.
92
Das questões mais fúteis como usar chapéus até as questões mais sérias e pessoais
como a morte, as elites
183
tinham fé que, aliadas às reformas urbanas, atendendo aos requisitos
estéticos e de etiqueta da moda, elaborados e propagados através de textos e imagens
embarcariam na tão almejada modernidade. A estratégia de inserção na nova ordem mundial
passava pela absorção e utilização de mbolos carregados de sentidos, por fazer desaparecer
dos olhares estrangeiros a cidade de ares coloniais, por transformar o carioca real no carioca
ideal e como conseqüência, alcançar o futuro desejado.
183
O que entendemos aqui por elite é uma referência genérica aos grupos posicionados em locais hierárquicos de
instituições públicas, partidos ou organizações de classe da sociedade carioca, ou seja, entendemos elite como
aqueles que na sociedade carioca tinham a capacidade de tomas decisões políticas ou econômicas, além daquelas
pessoas ou grupos capazes de formar e difundir opiniões que serviam como referência para os demais membros
da sociedade. Neste caso, elite seria um sinônimo tanto para liderança quanto para formadores de opinião.
93
Foto 13 - MIS/RJ.
184
- Chapéu, o protagonista da moda (1906): Os longos cabelos enrodilhados no alto da
cabeça eram uma obrigação, e para ser “chic” o visual deveria ser complementado com um chapéu
comprado em lojas finas, geralmente importados da França e confeccionados em tafetá, feltro, veludo e
plumas.
184
Foto n° 13 é componente da pasta “Indumentárias 2” do índice “Diversos” do acervo do MIS.
94
3.1. O futuro desejado: o carioca ideal.
“(...) Vem, ó velho Malta / saca-me uma foto / pulvicinza efialta / desse
pouso ignoto. / Junta-lhe uns quiosques / mil e novecentos / nem iaras nem bosques
/ mas pobres piolhentos (...) / velho Malta please, bate-me outra chapa: / Hotel de
Marquise maior que o Rio ‘Apa’ / do assento etéreo Malta, / sub-répticio inda
não te fere / o super edifício? / Que deste chão, surge? / Dá-me seu retrato futuro,
/ pois urge (...)”.
(Hotel Avenida - Carlos Drumond de Andrade)
185
Malta e sua obra faziam com imagens o que a coluna “Binóculo” e as revistas como
a Fon-Fon e a Careta, entre outros periódicos, faziam com as palavras, configuraram um
conjunto de valores e práticas que deveria portar o carioca idealizado, marcaram pontos e
contrapontos bem delimitados que condicionavam e legitimavam o cidadão inseridos no
contexto da belle époque, um conjunto fundamentado na aparência, era preciso aparentar
modernidade.
Na Nova República o mais importante era se livrar do aspecto provinciano e assumir
uma mentalidade e aparência européia, buscar uma nova construção ideológica, uma nova
idéia do que se aspirava, o combate à mentalidade colonial ocupou a cena. E a fotografia se
tornou uma nova arma deste projeto, capaz de engendrar e refletir um novo pensamento do
que deveríamos ser, através dela buscou-se criar um espelho desta nova mentalidade,
almejou-se mostrar as mudanças e o índice civilizatório europeu que possuíamos e que
poderíamos obter, ou seja, na fotografia se encenava e se concebia uma aguda vontade de
185
Apud. CAMPOS, 1987, p. 7.
95
assumir um futuro que estava logo ali ao nosso alcance. Dessa forma a fotografia de Malta
contribuiu para retratar o cotidiano da cidade os tipos que desapareciam e os que surgiam.
3.1.1. Assemelhando-se a um ideal
“(...) A idéia que o homem faz do belo imprime-se em todo o seu vestuário,
franze ou estria sua roupa, arredonda ou enrijece o seu gesto e impregna
sutilmente, com o passar do tempo, inclusive os traços e seu rosto. O homem acaba
por se assemelhar àquilo que gostaria de ser. (...)
186
“Novinha em folha, catita e limpa, toda garrida, como está bela, guapa e
supimpa essa Avenida! Calçada a asphalto de lado a lado, toda varrida. Vai ser o
ponto mais freqüentado essa Avenida! Bebês, meninos, rapazes, moços, gozando a
vida, farão namoros com alvoroços pela Avenida. (...)”
187
A indumentária é item de relevância fundamental na construção de qualquer
personagem, e a elaboração do carioca ideal da belle époque não fugiu à regra, compor o
vestuário fazia parte de um ritual que ultrapassava a premissa básica de cobrir o corpo para
um modo de informar e legitimar uma determinada posição social. Era um jogo entre o
potencial de consumo, ou seja, a condição financeira que possibilitava a aquisição do
vestuário e o dito “bom gosto” para a montagem do enxoval que garantia o “flanar com
elegância”, porém este “bom gosto” nada tinha a ver com a lógica, por exemplo, do clima da
cidade, ou de uma tendência da moda surgida os trópicos, muito ao contrário, a idéia de “bom
gosto” era justamente negar essas e outras características da cidade e do país, era ir contra as
186
BAUDELAIRE, 1993.
187
“Jornal do Brasil”, 15-11-1905, p. 1.
96
idéias de atraso, falta de higiene e saúde, que não por acaso eram as frente atacadas pelo
governo a partir do governo de Pereira Passos, era a experiência de vestir-se de beleza e
modernidade, da idéia que se tinha da Europa, mais precisamente da capital francesa.
Neste contexto, ao lermos as fotos de Malta entendemos a Avenida Central como
principal índice simbólico da cidade naquele período. A mais famosa alameda da belle époque
carioca irradiava de suas fachadas de mármore e vitrines de cristal cintilante, da moderna
iluminação pública, dos faróis dos velozes carros, de seus inéditos espaços abertos e do
suntuoso vestuário dos transeuntes a mais legítima ambiência moderna que o carioca poderia
desejar.
O traçado amplo (inclusive com uns metros a mais de largura, 33 no total, que certa
via de Buenos Aires, apenas para bradar que a avenida brasileira era mais espaçosa),
188
o
arranjo espacial e os prédios dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Teatro Municipal,
Escola de Belas Artes, Biblioteca Nacional, além de seus jardins e outras igualmente belas
edificações, deram importância e caracterizaram a Avenida Central como marco respeitável
da belle époque na Capital Federal. Além disso, propiciaram e emolduraram um verdadeiro
desfile de modas, com a população exibindo indumentárias de estilo europeu.
As pastas “27, 27.1, 27.2: Avenida Rio Branco” do acervo do MIS apresentam um
cenário em que a elite carioca respira a tão ansiada atmosfera cosmopolita. As monumentais
reformas arquitetônicas implementadas na Capital Federal, sem dúvida, elevaram a cidade a
outro patamar de beleza e modernidade, mas estas qualidades transcenderam a si mesmas e
impregnaram os freqüentadores dos novos espaços. As imagens mostram “cariocas novos”,
188
O projetista Morales de Los Rios queria a Avenida Central com pelo menos 50 metros de largura, tendo no
entroncamento com a 7 de Setembro um rond point de 120 metros de diâmetro de onde haveria de partir até a
praça da República outra larga Avenida de 40 m que no extremo oposto atingiria o Calabouço, ao invés foi
traçada sem o round point e sem a avenida transversal e, a imitação dos boulevards de Haussman, com apenas 33
metros de largura. A mesma época outros projetos de avenidas semelhantes apresentavam larguras bem mais
avantajadas: Av. Waterloo, Bruxelas com 84 metros; Av. des Arts, Antuérpia com 60 m, Av. Afonso Pena, Belo
Horizonte com 50 m, Champ Elisées, Paris com 77m. Apud: http://www.fau.ufrj.br/prourb/
cidades/avcentral/cap_3.html
97
indivíduos que assumem a cena histórica a partir de determinadas regras de estilo, beleza e
elegância, são grupos favorecidos com a “regeneração” que não delongaram em tomar a
recém-inaugurada avenida como passarela urbana para o desfile dessa nova sociedade.
Malta apresenta uma alta sociedade constituindo como cartão de apresentação sua
aparência, que por sua vez legitimam suas aspirações aos bens e às posições. Foi o consumo
dos produtos expostos nas vitrines da Avenida, via de regra franceses, que aparelharam e
animaram o ostensivo desfile da nova sociedade, aliados a esta prática elegante, estavam o
gestual, as roupas e os modos adequados dos consumidores, fechando um círculo de relações
entre o consumo em si e a circulação que exigia esse consumo, ou seja, o “desfile” para se
chegar às lojas e a aquisição dos produtos desta se auto justificavam.
Foto 14 - Avenida Central (190?) - MIS/RJ
98
Foto 15 - Avenida Central (1906) - MIS/RJ
189
Circular devidamente trajado por frente às vitrines da nova Avenida, como a da nova filial da loja Parc Royal, para
apreciar e consumir seus produtos fazia parte do teatro da freqüentação da belle époque.
O Rio de Janeiro virou outro depois da Avenida Central, a via tornou-se um pedaço
marcante, definidor de “uma Metrópole que mais parecia um pedaço da Europa”.
190
Cenário
urbano, cosmopolita e modelar da vida parisiense, demandava novos figurinos que
rescindissem com as tradições coloniais e fortalecessem o domínio do individualismo e da
ambição de enriquecimento. Nessa conjuntura, adquiriu ainda mais a importância do “culto
da aparência exterior, com vistas a qualificar de antemão cada indivíduo”.
191
Lemos, portanto, nas fotografias da Avenida a necessidade da elite carioca de estar
em dia com a moda, onde “uma verdadeira febre de consumo tomou conta da cidade, toda
ela voltada para a ‘novidade’, a ‘última moda’ e os artigos dernier bateau”,
192
casas de
189
As Fotos n° 14 e 15 são componente da pasta “Avenida Rio Branco” 27.2 do índice “Logradouros” do acervo
do MIS.
190
Apud NOSSO SÉCULO, 1900/1910, Vol. I, p. 41.
191
SEVCENKO, 1989, p.46.
192
Idem, p.40.
99
comércio como a Parc Royal
193
e a Casa Colombo garantiam “tudo que se faz mister para que
elas (as mulheres) possam, de plena conformidade com a sua conveniência, cumprir os
decretos imperativos da moda”.
194
Em termos de “decretos imperativos da moda”, as imagens que Malta faz das
mulheres da elite na Avenida tem um discurso condizente com a fala de Sevcenko
195
quanto
ao uso dos chapéus, nelas é nítida a importância do acessório feminino como símbolo de
ingresso na “civilização”, a variedade de tipos é impressionante, e mais ainda é a finalidade
desta variedade, ainda segundo Sevcenko, o chapéu deveria ser usado pela dama de acordo
com sua “idade, estado civil, condição social, posição do pai ou marido, estação, ambiente,
hora do dia, características dos vestidos e jóias em uso, as modas das companhias teatrais
parisienses e os últimos lançamentos das butiques francesas”,
196
ou seja, o chapéu apresenta-
se como muito mais do que um simples complemento às elegantes toaletes que as cariocas
abastadas financeiramente desfilavam pela Avenida Central, denotavam toda uma regra de
conduta e pertencimento a um seleto grupo social.
Neste mundo de aparências, segmentado e hierarquizado nos seus espaços de
representação, a imagem da mulher era sempre associada à função de espectadora e modelo
exemplar de comportamento que tinha por objetivo conseguir um bom casamento. O pilar de
sustentação desse sistema era honra baseada na honestidade sexual feminina, que de uma
193
Fundado em 1875, o grande magazine de Vasco Ortigão e Cia., que se autodenominava de “Templo da
Moda”, começou sua existência numa pequena loja na Praça Coronel Tamarindo 12 (hoje Largo de São
Francisco), foi uma casa modelo no comércio de tecidos, modas e confecções diversas e precursora, no Rio de
Janeiro, do sistema de preços fixos, marcados por meio de algarismos bem visíveis em todas as mercadorias. A
Parc Royal vendia de tudo, como um shopping atual: “Stocks comprados em dinheiro... notadamente em Paris,
pela casa que ali possuímos e onde se acha constantemente um dos nossos sócios”. Mantinha seções de luxo,
passava sofisticação, mas também vendia ao povo. Daí o merchandising nas plataformas de bondes e bancos de
jardins. (http://www.almanaquedacomunicacao.com.br /artigos/888.html).
194
Apud. KOK, 2005, p. 88.
195
SEVCENKO, 1989, p.534.
196
Idem.
100
forma geral, tinha como fundamento as diferenças “naturais” entre homens e mulheres e que,
portanto, prescreviam relações desiguais em termos de gênero.
197
Enquanto a imagem ideal feminina estava associada à frivolidade e aos modelos de
honra vigentes, a masculina associava-se à ação, inteligência e ao poder. No ato de combinar
a pose do retratado com o evento registrado, Malta quase sempre confirmava os padrões
elitistas do período.
Foto 16 - Flagrante na Avenida (1905) - MIS/RJ
Foto 17 - Moças com bandolim (1905) - MIS/RJ
198
Mulher distinta só saía de casa acompanhada da mãe, da tia, do irmão ou do marido, era educada para a maternidade e
matrimônio, e a moça casadoira costumeiramente completava seu “dote” estudando um instrumento.
As fotos acima são um bom exemplo da mulher elegante e “correta” da elite retratada por Malta, em ambas as fotos estão
bem representadas as formas apropriadas de vestir, na rua (foto 16), o chapéu adequado à faixa etária, a fisionomia mais
fechada, o vestido escuro e mais comprido da senhora, contrapondo ao olhar curioso da jovem de blusa clara e saia
mostrando os tornozelos, mostram, juntamente com as mãos dadas a hierarquia familiar ao mesmo tempo em que as
enquadram no padrão moral e estético exigido.
Na foto 17, chamamos atenção ao padrão, o mesmo tipo de vestido, o mesmo instrumento, os pés apoiados da mesma
forma, o mesmo penteado, dão às moças (com exceção talvez do vestido um pouco mais curto da moça aparentemente
mais jovem) uma aparência homogeneizada, despersonalizada, porém enquadrada nos moldes desejados de uma “boa e
elegante” esposa.
197
CAULFIELD, 2000, p. 247
198
Foto n° 16 e 17 são componentes da pasta “Indumentárias 1” do índice “Diversos” do acervo do MIS.
101
O gênero masculino também foi influenciado pelos novos tempos e os cavalheiros
cariocas foram aos poucos abandonando a cartola e a sobrecasaca, as vestimentas escuras do
tempo do Império. No começo dos anos 1910, moldado pelos figurinos europeus, o dandy
carioca passou a não dispensar os paletós de casimira clara, camisas de tecido inglês, roupas
de linho, gravatas inglesas, luvas, bengalas, polainas, chapéus de feltro e guarda-chuvas.
Porém nas ocasiões de maior solenidade ainda predominavam o fraque e a cartola, nos quais
eram obrigatórios os punhos independentes de linho engomado, abotoaduras, que apesar de
não nos ser possível perceber nas fotos, deveriam ser de ouro ou madrepérola, e
complementando o elegante visual, um dos símbolos de autoridade: o colarinho duro, de linho
e importado da Inglaterra a 14.000 réis a dúzia, além do indefectível bigode, pois até o início
dos anos 1910, homem que se prezasse usava bigode.
Foto 18 – Laranjeiras, Cia de Tecidos Aliança, Diretoria (1909) - MIS/RJ
199
199
Foto n° 18 é componente da pasta “Indústria 3” do índice “Diversos” do acervo do MIS.
102
Andar na moda não era para qualquer um, em 1912 o homem elegante pagava aos
mais tradicionais alfaiates cariocas os seguintes preços: um terno 38.000 réis, se preferisse a
casimira superior; 35.000, o cheviots (preto ou azul); 29.000, o brim tussor nacional; e
17.000, o brim “de lona” nacional. Um sobretudo de casimira dupla custava 26.000.
200
Personagens constantes do registro feito por Malta da Avenida Central, os “janotas”
com seus sapatos italianos “chaleira” ou “viúva alegre”
201
eram os novos personagens da
cidade, para eles “o importante era ser ‘chic’ ou ‘smart’ conforme a procedência do tecido
ou do modelo”.
202
Vale aqui, citar mais uma análise feita por Nicolau Sevcenko, essa a respeito do uso
do sapato como símbolo:
“(...). Se, como era o caso, muitos vinham de uma área rural habituados a
andar descalços, ou de ambientes rústicos que obrigassem ao uso da bota, ou
ainda de atividades exercidas com tamancos ou chinelas, adaptar-se aos sapatos
era um martírio, imediatamente revelado pelo ridículo do andar claudicante. No
caso das moças essa complicação era acrescida pela exigência elegante dos saltos
altos. Esse seria mesmo um efeito cômico largamente utilizado no circo, no teatro
de revista e no cinema popular brasileiros. O andar não nega a origem se os
sapatos renegam os pés que os calçam. Dai porque os calçados finos adquirem um
valor simbólico muito especial, ficando o toque de classe final (...) nos “sapatos de
verniz”, sempre muito brilhantes, muito estreitos e denotando a mais completa
auto-confiança. Essa é também a origem do jeito de “pisar macio”, destacando a
plástica do sapato branco ou de duas cores, (...).
203
As imagens saídas da câmera de Malta não apenas exportam, como também
universalizam modos de vestir, de olhar e enxergar, de valorizar e desvalorizar, mostram uma
200
Apud NOSSO SÉCULO, 1980. Vol.II. pág. 121.
201
COSTA & SCHWARCZ, 2000, 71.
202
SEVCENKO, 1989, p. 44.
203
SEVCENKO, 1998, p. 556.
103
sociedade cuja aparência e acesso às mercadorias importadas da alta moda européia por
homens e mulheres, dependia menos do gosto do que de um padrão estético importado e do
esforço dos cariocas abastados em aproveitar as vantagens do consumo, mostram uma classe
preocupada em se distinguir e se distanciar dos menos afortunados e despossuídos, de se
assemelhar a um ideal desenhado nos trópicos mas pintado com tintas européias.
3.1.2. Ensinando divertimentos.
“Sabem todos que essas batalhas (...) são divertimento de ricos com o qual
tem o povo a ganhar: o gosto visual do luxo em exibição e a emoção artística nos
aspectos dos ornamentos das carruagens. É portanto, um meio de educar
esteticamente os rudes e os pobres (...)”.
204
Uma das séries mais emblemáticas analisadas em nossa pesquisa que retratam esse
anseio de “ensinar” elegância é a pasta “Batalha das Flores 1”, nas fotos que compõem a
referida pasta é constante a presença de determinados elementos e a ausência de outros.
A batalha das flores foi uma das mais interessantes medidas que visavam à criação e
o estabelecimento de novos e modernos hábitos na belle époque. Organizada pela prefeitura a
partir de 1903, era uma clara tentativa de “civilizar” e se constituir em uma alternativa ao
carnaval e de criar novos hábitos de lazer condizentes com os ditames da civilização moderna.
A festa era realizada geralmente nos meses de agosto e setembro (meses e
temperatura mais amena), e consistia no desfile de charretes, automóveis e embarcações a
remo luxuosamente enfeitadas com flores, nos quais desfilavam a nata da sociedade, e as
204
“A Batalha das Flores”, O Comentário, set. 1903.
104
famílias mais importantes concorriam a prêmios, além de participarem dos projetos
específicos de ornamentação e barracas que davam todo um clima de quermesse ao evento.
Nas fotos analisadas é possível ler o caráter “pedagógico” da festa, podemos
perceber os “atores” da festa portando vários dos símbolos de pertencimento da belle époque;
estão todos lá, as bengalas, os corretos chapéus masculinos e os femininos encimando os
longos cabelos enrodilhados, as sombrinhas e guarda-chuvas, os vestidos compridos, amplos e
cheios de subsaias e os homens em seus trajes a rigor de acabamento aprimorado adquiridos
em grandes magazines como o Parc Royal.
Foto 19 - Batalha das Flores (1909) - MIS/RJ
105
Foto 20- Batalha das Flores (1909) - MIS/RJ
205
O que nos chama mais atenção na rie Batalha das Flores” e confirma a leitura de
uma idéia de pedagogia, é a presença constante da população menos favorecida, ou que pelo
menos não tinha acesso ao cenário da festa, apresentada e configurada realmente como uma
assistência, ou seja, com a única função de assistir.
Em nossa leitura das fotografias da referida série é clara a demarcação dos limites
espaciais entre quem “ensina” o divertimento e quem “aprende” a se divertir, é possível
perceber a diferença por conta de alguns fatores: enquanto a elite ou está desfilando ou
sentada nos palanques cobertos e elevados, a população assiste o evento em pé, ao nível do
chão e separada por um cordão; enquanto os carros e os personagens principais são
enquadrados no centro das imagens, a assistência geralmente é retratada às margens das fotos,
muitas vezes de costas, assistindo a um espetáculo cujo grau de beleza independia do sujeito
que o observa, já era pré-determinado pela norma estética da modernidade, achar ou não belo
e elegante era revelar a classe social a que pertencia, e fundamentalmente aparentar ou o o
205
As fotos n° 19 e 20 são componentes da pasta “Batalha das Flores 1” do índice “Diversos” do acervo do MIS.
106
estabelecido padrão de beleza e elegância, era estar apto ou não a freqüentar determinado
espaço.
Logo, o que se percebe é a distinção das categorias de pertencimento e a intenção de
representação das batalhas feitas em cidades como Paris, Nice e Veneza com o objetivo de
“educar” e “regenerar” a população. As imagens denotam um desejo de dotar a população de
“novas prendas morais”, se constituindo em “verdadeiras escolas de bom gosto artístico e de
alto senso esthetico, promovendo concertos musicaes e festas públicas que constituem um
ensinamento aos povos desta Sebastianópolis (...)”.
206
Ensinamento este que dava idéia da amplidão do projeto civilizatório, que na batalha
das flores, colocava o povo carioca no papel de espectador, em uma das tentativas de mudar
inúmeros indesejáveis hábitos da população, e principalmente das camadas de baixa renda de
conhecerem uma alternativa mais “civilizada” ao carnaval.
Para a Revista “O Malho” de agosto de 1903 “A batalha de flores foi uma
experiência assás animadora, e naturalmente será a porta aberta ao renascimento de nossa
vida social, o ponto de partida para outras festas (...) saneadoras do nosso espírito e bem
dizentes da nossa cultura intelectual”.
207
Porém, o semanário ilustrado “A Avenida” deu bem
o tom da participação popular na batalha das flores de 15 de agosto de 1903: “De que o Rio se
civilisa (sic) tivemos uma prova no sábado - último (...). Sentimos entretanto que a batalha
não se houvesse generalizado entre os assistentes, e que não passasse de uma manifestação a
flores ao Presidente da República e a Comissão julgadora (...).”
208
206
“Na Batalha das Flores”, O Malho, 22-08-1903.
207
Idem.
208
“A Avenida”, Ano 1,nº1, 22-08-1903.
107
Foto 21 - Batalha das Flores (1902) - MIS/RJ
209
Foto 22 - Batalha das Flores (s/d) - MIS/RJ
209
As fotos n° 21 e 22 são componentes da pasta “Batalha das Flores 1” do índice “Diversos” do acervo do MIS.
108
Foto 23 - Batalha das Flores (data ilegível) - MIS/RJ
210
Fazendo coro com as atividades pedagógicas que visavam educar o carioca estavam
as tentativas de coibir e/ou modificar as práticas do carnaval propriamente dito, de proibir o
entrudo, de transferir o evento popular para o inverno devido às elevadas temperaturas dos
primeiros meses do ano, e a providência mais exótica, sucedida em 1909, quando acontece a
proibição da fantasia de índio, muito usada pelas já citadas camadas menos favorecidas
economicamente da Cidade. Para servir de modelo a elite carioca importou práticas
consideradas mais refinadas pelas classes dominantes, trazidas do carnaval de Veneza e da
“commédia dell’arte” italiana, como as fantasias de dominó, pierrô, arlequim e colombina, as
de batalhas de confetes e indivíduos nos automóveis desfilando pelas ruas da cidade.
Na pasta “Carnaval”, apesar de não em sua totalidade, podemos ler uma forma
“correta” de brincar os dias de Momo. A série de fotos dos corsos é a que consideramos que
210
A foto n° 23 é componente da pasta “Batalha das Flores 1” do índice “Diversos” do acervo do MIS.
109
melhor simboliza a idéia da dinâmica entre modernidade, civilização e diversão, nela a
presença das já citadas fantasias importadas da Europa é uma constante na grande maioria das
fotografias relativas ao tema.
O desfile dos corsos teve sua origem em 1º de Fevereiro de 1907, quando as filhas do
Pres. Afonso Pena entraram na Avenida Central em carro do palácio. O automóvel oficial
percorreu a Avenida com as capotas arriadas, parou em frente ao edifício da comissão fiscal
das obras do porto, de cujas janelas a família do presidente assistia à folia carnavalesca. O ato
contagiou aos outros possuidores de automóveis e logo em seguida vários deles começaram a
transitar com suas máquinas pela Avenida, subiam e desciam a moderna alameda enquanto
seus ocupantes jogavam confetes, serpentinas e esguichavam seus lança-perfumes uns nos
outros e nos pedestres que se aglomeravam nas calçadas para vê-los passar. Estava criado o
corso.
As fotografias que Malta fez desta nova e elegante atividade de lazer guardam
interessantes semelhanças com a série “Batalha das Flores”, o modus operandi era quase o
mesmo, um grupo privilegiado possuidor de automóveis, desfilava com as fantasias corretas
ou em trajes elegantes da moda enquanto uma “assistência” os via passar ostentando sua
condição social elevada. Mais uma vez a separação entre ambos é nítida mesmo em meio à
batalha de confetes e serpentinas quase sempre regadas” pelas lança-perfumes. Assim como
nas Batalhas das Flores o automóvel emprestava ao ato uma aura incontestável de
modernidade e civilização, a bordo dos elegantes, modernos e caros veículos os grupos eram
constituídos sobretudo de familiares, senhoras e cavalheiros que tentavam encher de graça e
luxo principalmente a Av. Rio Branco, tendo como ponto de encontro a galeria Cruzeiro, atual
edifício Central. Posteriormente o trajeto dos corsos se prolongou até a Av. Beira Mar,
atingindo o Flamengo e Botafogo, no final da praia até o pavilhão Mourisco. No palco do
corso a idéia de padrão e de organização fica clara ao observarmos que em 100% das fotos
110
analisadas, no quesito fantasias, respeitando as diferenças de gênero, todos os ocupantes do
automóvel mantinham o tema, todos vestidos com a mesma fantasia, os carros ou tinham
palhaços, ou só colombinas, ou só marinheiros e assim por diante, com algumas exceções para
os motoristas ou chauffeurs, que neste caso não dispensavam o chapéu, paletó e gravata.
O carnaval dos corsos de Malta era o de um grupo adepto de um carnaval cavalheiro
e polido, que preferia a pompa às práticas que lembravam o indesejado jogo do entrudo,
antiga forma de carnaval.
Foto 24 - Carnaval (1919) - MIS/RJ
111
Foto 25 - Carnaval (1919) - MIS/RJ
211
Corso: “Por ser um luxo reservado a poucas famílias, os automóveis enfeitados que tomavam conta da avenida eram o
ponto menos democrático do carnaval da belle époque”.
212
O entrudo,
213
por sinal, era um dos costumes considerados com maior potencial de
macular a imagem de sociedade civilizada da elite. Combatido pelos novos tempos, tem em
Pereira Passos um dos seus algozes, logo após a posse, o prefeito comunica que a portaria de
1891 que proibia o entrudo seria severamente cumprida no carnaval de 1904, paralelamente
fez uma recomendação aos diretores do Ensino Primário e do Secundário para que
persuadissem seus alunos a desistirem da prática do entrudo, que além de se tratar de uma
brincadeira de mau gosto, era uma atividade insalubre já que poderia causar uma série de
moléstias. De fato o carnaval de 1904 foi o primeiro, após muitos anos, em que nao aconteceu
211
As fotos n° 24 e 25 são componentes da pasta “Carnaval” do índice “Diversos” do acervo do MIS.
212
Apud MALTA: fotógrafo do Rio antigo. Rio de Janeiro: Rio Gráfica Editora Ltda, 1983, pág. 20.
213
Para um maior aprofundamento do tema ver CUNHA, 2001.
112
o entrudo. Foi neste ano também que a designação “sujo” passou a ser usada para nomear os
fantasiados maltrapilhos, e que o “Zé Pereira”
214
começou a cair em desuso.
215
As imagens de Malta dos corsos e das batalhas das flores descrevem um momento
em que a mais popular manifestação de diversão do carioca, o carnaval, é alvo de tentativas
de mudanças culturais, caracterizadas por determinados tipos de vestimentas,
comportamentos, equipamentos e delimitações espaciais que construíam o cenário onde os
atores e espectadores dos eventos representavam e ensinavam um modelo de diversão
controlada e civilizada e, portanto ajustada aos tempos modernos.
Foto 26 - Carnaval (1914) - MIS/RJ
216
Não é possível saber se o senhor está fantasiado de cavalheiro ou apenas está acompanhando as crianças,
mas é certo que estas estão aprendendo diversão.
214
Atribui-se a origem do nome Pereira, dado aos foliões que percorriam as ruas da cidade tocando bumbos,
num barulho ensurdecedor, ao sapateiro português José Nogueira de Azevedo Paredes. No Carnaval de 1846,
saudoso de sua terra, ele teria reunido amigos e agitado as ruas do Rio de Janeiro com zabumbas e tambores. No
ano seguinte já havia vários novos Pereira nas ruas. As primeiras sociedades carnavalescas também abriram
as portas para o novo costume, que acabou se extinguindo no começo do século. (Portal Multirio)
215
MOREIRA, 1996, pág. 133.
216
A foto n° 24 é componente da pasta “Carnaval” do índice “Diversos” do acervo do MIS.
113
3.1.3. A arte do aparecer e do bem freqüentar: a cena final
“(...) Novas correntes imigratórias para se orientaram (...)
aumentando, de modo considerável, a nossa população e, sobretudo, enormemente
diminuindo o número de pretos (...). Transformações até de usos e costumes (...)
Mudamos tudo, chegando até o ponto de mudar, por completo, a nossa
mentalidade, peada por longos anos de casmurrice e de rotina. Razão, portanto,
havia quando (...) as gazetas da terra (...) gritavam: O Rio civiliza-se! Civilizava-
se, com efeito! O Progresso, que havia muito nos rondava a porta, sem licença de
entrar, foi recebido alegremente.”
217
A Avenida Central, apesar de ter sido talvez o maior símbolo do ideal de ambiência e
beleza da belle époque carioca, não era o único espaço que proporcionava aos seus
freqüentadores a admissão e o alinhamento com a produção e consumo de um vasto repertório
de objetos e hábitos totalmente novos” da inventada metrópole moderna. Os cafés,
confeitarias, restaurantes, as salas de espera dos cinemas, o teatro, entre outros também
integraram o conjunto de espaços/palcos de encenação da belle époque carioca. Estes espaços
enquadrados por Malta mostram locais onde a encenação deveria ser definitiva, não cabiam
mais ensaios e ensinamentos, os cafés, confeitarias, restaurantes, salas de espera dos cinemas,
entre outros, eram locais perfeitos para “(...) ignorar o Brasil e delirar por Paris”.
218
Estes espaços de encenação na obra de Malta,
219
se mostram mais adequados e
legítimos do que a rua, porque por maior que fosse o controle e o sentimento de inadequação
217
EDMUNDO, Luís. De um livro de memórias, v. 1. pp.162-3. Apud. NEEDELL, 1997, pp. 72 e 73.
218
BROCA, Brito. A vida literária no Brasil, 1900, p. 92. Apud. KOK, 2005, p. 90.
219
Na análise deste tema utilizamos pastas diversas, pois a forma de organização e classificação das pastas de
fotos do acervo do MIS nem sempre atenderam à nossa necessidade, que é o caso aqui, não uma pasta
específica para locais freqüentados pelas elites, com exceção das pastas “Jockey Clube” 1, 2 e 3, todas tem uma
classificação que impossibilita esta delimitação, portanto além das citadas pastas “Jockey Clube”, voltamos a
114
que os despossuídos por ventura sofressem, de uma forma ou de outra, sempre encontravam
um meio de se misturar à elite em seus espaços abertos e, utilizando o termo higienista em
voga na época, “contaminavam” a almejada “pureza” da beleza e do sentido de civilidade que
se tentava encenar. Restava então à classe superior a freqüência de locais menos acessíveis,
lugares cuja possibilidade de acesso, além da aparência, dependia de um item mais prático e
mundano, mas não menos importante nesta dinâmica de pertencimento: dinheiro. Portanto,
neles não se percebe a presença do populacho da mesma forma que nas imagens de acesso
livre como a rua, parques e exposições, nesses espaços a classe menos favorecida aparece
justamente como contraponto que ratifica uma condição, ou seja, quando aparecem, surgem
como empregados ou serviçais desta elite.
Nesse sentido eram nos locais que exigiam um maior poder financeiro que a alta
sociedade da belle époque dramatizava o seu estar no mundo e seu mundanismo, mundanismo
este que, junto ao esteticismo se tornaram uma legítima maneira de ser, comandada pelo signo
da futilidade social, constituindo título e prestígio. Foram lugares estratégicos em que o
resultado da experiência de modernização do carioca se comprovava, nele personagens quase
teatrais encenavam suas performances do novo décor da urbe que se transformava, mas
acenava para poucos a vida renovada, tecida na ostentação e no deleite, e a freqüentação, mais
que um prazer era quase um compromisso que estruturava as relações deste grupo e,
conseqüentemente, a hierarquia social. Idealizavam as regras de elegância e pertencimento,
demonstravam como seria possível transformar o cotidiano apagado de uma elite tropical em
um viver de luxo e gozo, repleto de bom gosto, encantos e emoções. Espaços calcados em
arquétipos, distinguiam de forma insofismável o certo e o errado.
Os ambientes de requinte, perpetuados pelo fotógrafo oficial e ao mesmo tempo
“oficioso” do Rio de Janeiro, dos personagens da elite carioca em seu novo “habitat”,
utilizar as pastas “Indumentária 1 e 2” e “Batalha das Flores”, das até aqui não utilizadas “Comércio”, “Avenida
Rio Branco”, “Cinemas/ circo 3”, “Exposição 1908 1, 2, 3, 4, 5, 6”, além de nosso acervo pessoal. Ver Anexo II.
115
apresentam a cena final, ou seja, o que se queria do novo carioca, a pose, os gestos, o
vestuário e a mimetização com a decoração dos espaços de pertencimento inventavam e
disseminavam uma versão aperfeiçoada da imagem almejada. Nas imagens codificadas em
signos a belle époque carioca se mostra como se dava o jogo social que privilegiava locais e
personagens considerados de acordo com as normas da modernidade.
Foto 27 - Presidente Epitácio Pessoa na inauguração do Jockey Club do Rio de Janeiro- 1922 - MIS/RJ
220
220
A foto n° 27 é componentes da pasta “Jockey Clube 2” do índice “Diversos” do acervo do MIS.
116
Foto 28 - Almoço oferecido a Pereira Passos - 1906 - MIS/RJ
221
Foto 29 - Batalha das flores - 1909 - MIS/RJ
222
221
A foto 28 é componente da pasta “Prefeitura 1” do índice “Diversos” do acervo do MIS, onde pode-se ver
também Machado de Assis e Joaquim Nabuco.
222
A foto n° 29 é componente da pasta “Batalha das Flores 1” do índice “Diversos” do acervo do MIS.
117
Foto 30 - Evento social na Quinta da Boa Vista – 1920 - MIS/RJ
223
Foto 31 - s/d - MIS/RJ
224
Quarteto de senhoritas e outros transeuntes em pleno exercício do flanar com elegância pelo centro da
cidade.
223
A foto n° 30 é componente da pasta “Quinta da Boa Vista” do índice “Logradouros” do acervo do MIS.
224
A foto n° 31 é componente da pasta “Avenida Rio Branco” 27.2 do índice “Logradouros” do acervo do MIS.
118
3.2. O futuro alcançado: o carioca real.
Se Augusto Malta tivesse realmente sido apenas o fotógrafo “oficial” talvez tivesse
conseguido passar a mensagem de que a cidade tinha conseguido domesticar o futuro, mas os
estudos historiográficos a respeito de Malta
225
são unânimes em apontá-lo como um fotógrafo
que transitou e registrou, com igual desenvoltura outros aspectos “não-oficiais” da cidade e de
seus habitantes.
Segundo o dicionário Houaiss
226
de Língua Portuguesa “realidade” é: 1: qualidade
ou característica do que é real ; 2: o que realmente existe; fato real; verdade; 3: o conjunto
das coisas e fatos reais. O que estamos chamando aqui de realidade está diretamente
relacionado ao seu contraponto, ou seja, àquilo que é imaginado, ao carioca pensado como
projeto, o carioca ideal, o personagem que almejou ignorar o calor dos trópicos e a forte
tradição híbrida de nossa cultura além de confirmar suas certezas. É justamente tentar mostrar
a outra face do discurso da obra de Malta, perceber como na Capital Federal o mundo dos
cafés e restaurantes chiques, das lojas da moda francesa, da batalha das flores, conviviam da
mesma forma, com um mundo completamente distinto: do carnaval, dos quiosques, das
carroças, das vestes e dos costumes inadequados. Na leitura que realizamos, inadequada
talvez seja a palavra mais apropriada para, na visão do governo e da elite, definir estes
personagens, habitantes de territórios deslocados do Centro da Cidade. Grupo que teimava em
figurar na cidade mesmo diante de todo o discurso modernizante, das restrições de acesso e de
todas as críticas feitas pela mídia em geral do período. Pessoas que se recusaram a participar
de um estilo de vida e de uma visão de mundo imposta, no qual o pertencimento se através
de uma elaboração de identidades sociais construídas e pela demarcação de fronteiras.
225
CAMPOS, 1987; CARRILHO, 2000; CIAVATTA, 2002; HOLLANDA, 1996; KOSSOY, 2002; MOREIRA,
1996; OLIVEIRA JUNIOR, 1994; entre outros.
226
http://houaiss.uol.com.br
119
O que acontecia é que a cosmopolita cidade do Rio de Janeiro parecia se dividir em
duas cidades, enquanto em uma, da Avenida Central, cafés, restaurantes e etc., a festa e
glamour eram constantes, na outra, dos cortiços, estalagens e favelas, existia uma população
praticamente analfabeta que lutava de sol a sol, com pés descalços, freqüentava os quiosques,
cuspia no chão, cantava e fazia samba, jogava no bicho, e principalmente, segundo a classe de
cima, enfeava a cidade. Dois mundos, o da elite moderna e civilizada e o da plebe atrasada,
pareciam bem apartados, mas isso era mais um desejo do que propriamente um fato, na
verdade são um mundo só, a multifacetada Cidade do Rio de Janeiro.
Malta nos mostra uma febril disputa pela visibilidade entre as duas cidades, registra e
nomeia adversários e aliados perpetuando o cotidiano carioca com suas imprecisões,
disparidades e exclusões sociais; é preciso destacar que o que aqui chamamos de imprecisões,
disparidades e exclusões sociais, nas imagens de nosso fotógrafo - em sintonia fina com os
processos civilizatórios -, era um discurso sobre ausência de higiene, promiscuidade e falta
de compromisso com o trabalho organizado e lógico. Na cidade do Rio de Janeiro como em
outras capitais do país, juízos como estes eram firmemente reforçados pelas revistas ilustradas
e a grande imprensa. Era desta forma que se apresentava uma parcela considerável da
sociedade carioca, apartada da imagem de modernidade que se achava que a Capital Federal
tinha em potência.
É preciso deixar claro aqui também que o discurso de Malta não fala em eliminação
das classes populares, de extinguir ambigüidades ou contrastes sociais, mas sim em uma nova
distribuição territorial onde “zonas altas e baixas, o centro e os bairros, o ‘perto’ e o ‘longe’
atestam o aburguesamento e a pauperização como duas facetas da transformação capitalista
que se operava na urbe.”
227
Vemos uma cidade garantindo alguns e afastando outros de
determinados espaços, ou seja, mesmo que possibilitasse o acesso dos trabalhadores ao centro
227
PESAVENTO, 1994, p. 131.
120
afastava suas moradias. Assim, a cidade que agora arejada pela passagem de ar pelas largas
vias estaria livre das epidemias, devia se livrar também do proletariado, dos vagabundos, dos
mestiços, dos ambulantes, e de outros rostos considerados inadequados à imagem de uma
cidade moderna, pelo menos essa era a intenção.
3.2.1. O Vestir e o habitar errados.
(...) Fujam os vagabundos e os madraços!
Fujam turcos com fitas e com rendas!
No ponto aberto já não quer mais tendas
O prefeito doutor Passos! (...)
228
Como já dissemos, o primeiro ato de Malta como fotógrafo oficial foi o de fotografar
as moradias a serem demolidas pelas reformas de Passos, porém as fotos de Malta registraram
não o lugar dos moradores, mas também os próprios moradores, e com isto revelou o lado
perverso das reformas: junto com os cerca de 1.600 velhos prédios residenciais que seriam
demolidos, iram juntos, atingidos como por um terremoto, a população de baixa renda que ali
se concentrava. Para abrigar essa população foi sugerida a criação e adaptação de bairros
operários mais afastados, assim como ocorrera em Paris. É evidente que os investimentos
destinados a esse empreendimento foram bem mais modestos do que os reservados para a
reurbanização do centro. E, devido às peculiaridades geográficas da Capital federal, retirar
essas pessoas das habitações do centro constituiu, nesse momento, uma ocupação ainda
mais desordenada dos morros.
228
Trecho de poesia publicada no O Malho de 18-04-1903.
121
Nesse contexto de necessidade da proximidade entre a residência e o local de
trabalho, surgiu na paisagem do Rio, juntamente com as tradicionais habitações coletivas que
se espalharam nas áreas junto ao centro (Saúde, Gamboa e Cidade Nova), uma nova
modalidade de habitação popular: a favela,
229
que apesar de não ter se originado naquele
momento, teve seu período de expansão a partir de então, concentrando-se nos morros da área
portuária.
Assim, uma parcela considerável da enorme massa atingida pela remodelação
continuava no centro, pois, apesar do acelerado crescimento da zona norte e dos subúrbios,
essas áreas não se constituíram em uma alternativa viável de moradia para os que ganhavam
diárias irrisórias ou tinham como modo de sobrevivência os biscates. Serviam somente aos
que recebiam uma remuneração estável e suficiente para as despesas de transporte, aquisição
de terreno, construção ou aluguel de uma casa.
E é no silêncio do anonimato e do congelamento das imagens de Malta, que a
princípio serviriam apenas para auxiliar a determinar um valor de indenização, que os
habitantes e freqüentadores das quitandas, armazéns, casebres e cortiços se revelam, mostram
a classe a que pertenciam, a diferenciação social e o desamparo a que estavam relegados.
Voluntaria ou involuntariamente, consciente ou inconscientemente, Augusto Malta legou um
discurso expressivo sobre a relação da população de baixa renda com a aparência de suas
habitações. Nas séries do índice Logradouros” nas pastas “1, 2, 3, 4, 5: Ruas do centro do
Rio de Janeiro”; “6, 7, 8, 9, 10, 11: Morro do Castelo (1905-1929)”; “17, 17.1, 18, 19, 20, 21,
22, 22.1, 23, 24, 24.1, 25, 26: Praças e ruas do Rio de Janeiro e Cais do Porto”; e “11.1:
Morros de Santo Antônio, São Carlos, São Diogo”, as imagens sugerem uma clara “simbiose”
entre moradias e moradores, ou seja, as poses, as vestimentas, as linhas feitas a lápis
229
O morro da Providência na Gamboa foi a primeira favela carioca, o termo foi trazido por seus primeiros
habitantes, soldados chegados à cidade da Guerra de Canudos, remetendo-se a uma serra chamada Favela, no
município de Monte Santo, na Bahia. Apud CIAVATTA, 2002, p. 86.
122
demarcando os imóveis a serem demolidos, mostram a parcela da população que a partir
daquele momento deveria se deslocar para os espaços condizentes com sua condição, situam
determinado grupo de pessoas como um exemplo do que não se queria na cidade,
mimetizando-os com a aparência decrépita dos casebres.
As reformas de Passos sustentavam-se no tripé: saneamento, abertura de ruas e
embelezamento. No que tange a saneamento e abertura de ruas, ficava claro onde as
intervenções iriam ocorrer e a explicação dos higienistas dava o respaldo científico às obras
segundo os higienistas, as epidemias de doenças pestilenciais tinham dois agentes básicos: as
“causas naturais”, relacionadas com as características geográficas da cidade (o calor, a
umidade, o mar, os ventos, morros e elevações que dificultavam a renovação do ar, as chuvas,
os pântanos), e as “causas urbanas”, associadas às más condições de vida (cortiços, casebres,
quiosques, quarteirões de ruas estreitas e tortuosas) da população pobre.
230
Portanto, estavam
justificadas intervenções mais ou menos enérgicas para restabelecer o equilíbrio daquele
“organismo” doente, e para isso as ruas além de serem essencialmente mais largas, criando
melhores condições de ventilação, arejamento e iluminação que levariam a eliminação das
“causas naturais”, deveriam se ver livres também dos agentes das causas urbanas”, as
moradias e população pobres.
A prefeitura que procurava embelezar a cidade, exigiu dos proprietários a pintura,
caiação, conserto e limpeza de seus imóveis, principalmente das fachadas, proibiu a exposição
nas ruas de artigos vendidos nos estabelecimentos comerciais, demoliu o antigo mercado
municipal, construiu um matadouro-modelo, um coreto, para apresentações musicais na Praça
Quinze, e ainda water-closets e mictórios no Passeio Público e na Praça da República.
231
230
Apud. KOK, 2005, p. 60.
231
BRENNA, Giovanna R. Del (org.). O Rio de Janeiro de Pereira Passos: uma cidade em questão II. São
Paulo: Index, 1985, pp. 28 e 101.
123
As séries de fotos que originalmente compunham os álbuns das construções a serem
demolidas, e que eram remetidos ao prefeito para utilizá-las nas justificativas para as
desapropriações e negociações das indenizações com os proprietários dos imóveis -
comprovavam o estado precário das velhas casas e sobrados; demonstravam os “maus
hábitos dos freqüentadores dos quiosques, dos ambulantes – trazem a vista personagens
trajando uma “moda” bem distinta da selecionada pela elite: camisas e calças largas, claras ou
brancas, muitas amarradas na cintura, chapéus desabados, muitos pés descalços, poucas
gravatas, nenhuma bengala ou sombrinha, nenhuma senhora de chapéu, além das poses,
geralmente agrupados em frente às construções denotando uma atitude passiva, reservada ou
submissa. Alguns, após a lei de Pereira Passos que obrigava o uso do paletó e do chapéu,
tentam mimetizar a aparência das elites, porém, sem ostentar a pose e a elegância desejada e
legitimada pelas mesmas.
O fato de estarem tão próximos uns aos outros ali em frente aos velhos casebres,
armazéns e depósitos que em um futuro próximo seriam demolidos para dar lugar ao novo nos
faz pensar. São indivíduos que sabem que aquele espaço está condenado e em breve não será
mais daquela forma, pelo menos não como era conhecida e experimentada até então. “Entrar”
na foto seria também uma maneira de perpetuar sua imagem junto à paisagem condenada. Era
não se esconder das lentes do poder municipal, mostrar-se e coadjuvar aquela fotografia seria
estar inexoravelmente colado àquela imagem, que era oficial, mas que legaria para o futuro a
marca de sua presença.
Mas ante esse espaço e habitantes, avaliados pelas elites como degradados, sujos,
feios, ameaçadores e desordenados, a identidade urbana do Rio de Janeiro e do carioca não
poderia ser construída. Era a cidade imaginada negando a cidade real, onde o Distrito Federal
e seus habitantes deveriam refletir a imagem de uma urbe higiênica, bela e ordenada.
124
Foto 32 - 190? - MIS/RJ
Foto 33 - 190?- MIS/RJ
232
232
A foto 32, 33 e 34 são componentes da pasta “Ruas do centro do Rio de Janeiro” 1 do índice
“Logradouros” do acervo do MIS.
125
Foto 34 - 190?- MIS/RJ
Foto 35 - 190? - MIS/RJ
233
233
A foto n° 35 é componente da pasta “Ruas do centro do Rio de Janeiro” 2 do índice “Logradouros” do acervo
do MIS.
126
O que chamamos a atenção aqui é para a
idéia de que a fotografia de Malta por ser
parte do real, parte construída, produto de um processo de elaboração coletiva, nos diz menos
sobre si mesma do que sobre a sociedade que a produziu. Traz em seu discurso a idéia de que
o projeto de saneamento presente nas imagens nunca deixou de incorporar a ambição de uma
assepsia de comportamentos sociais e ideologias, que se consolidariam através da força da
imagem e da hierarquização dos espaços públicos.
3.2.2. O freqüentar e o trabalhar errados.
Estimaríamos que o fotógrafo Municipal dispusesse de tempo, ou de
recurso para andar surpreendendo os nossos maus costumes: indivíduos deitados
pelo chão, caídos, bêbados; (...) e tantas outras coisas ridículas que infestam esta
capital e que o tempo e a vontade enérgica do prefeito se incumbiram de destruir
para dar lugar à civilização em todas as suas maneiras de melhorar e
aperfeiçoar”
234
O vínculo entre a estética das ruas e a estética da população era evidenciado de várias
formas. Um exemplo emblemático da “feiúra” e da relação entre a edificação e o freqüentador
eram os quiosques: pequenas construções de madeira em estilo oriental, localizadas em
praças, largos e ruas da cidade como as do Ouvidor, do Ourives, Uruguaiana e Primeiro de
Março. No início do século XX, eram freqüentados apenas pela gente pobre, que neles
tomavam café e cachaça, comiam broas de milho ou compravam fumo. Segundo o cronista
234
Photografia Municipal. O Comentário, 27/01/1904, p. 37-38, ap. CIAVATTA, 2002, p. 90
127
Luís Edmundo (1878-1961), um defensor das mudanças, era um dos males a serem
extirpados:
“Em todo o Rio de Janeiro (...) o kiosque affrontoso, ennodando a
paizagem, (...). Cada qual mais sórdido.(...). Ignóbeis todos. Fallemos. Porém, dos
outros, dos peiores. Estão os freguezes do antro em derredor, recostados à
vontade, os braços na platinbanda de madeira, que sugere um balcão; os chapéus
derrubados sobre os olhos, fumando e cuspindo o solo(...) o kiosque é uma
improvisação achamboada e vulgar de madeiras e zinco, espelunca fecal,
empestando à distância e em cujo bojo vil um homem se engaiola, vendendo ao
rapado vinhos, broas, café, sardinha frita, codias de pão dormido, fumo, lascas
de porco, queijo e bacalháo”
235
O registro dos quiosques foi uma das primeiras documentações de Malta, resultando
em cerca de um pouco mais de cem fotos, totalizando em um significativo registro visual de
conteúdo social e antropológico.
Estas pequenas construções resistiram por pouco tempo às reformas no centro da
cidade, mas Malta fez um importante registro, principalmente para nós, dos freqüentadores,
captou um público essencialmente masculino, comendo e bebendo com fisionomias um pouco
mais alegres e poses mais descontraídas, diferente do clima apático das fotos das fachadas dos
imóveis citados acima. Observando as imagens podemos ver que os freqüentadores se
reuniam em grupos, que sorriam, vemos os que cruzaram os braços assumindo uma postura
séria, vemos os ambulantes exibindo suas mercadorias. Também os que, ou por não terem
vontade, ou por talvez por não terem notado a presença do fotógrafo, não olham para a
câmara, mas o importante é que fazem parte do todo da cena, posam ou não para a foto, e
dessa maneira têm movimento e vida próprias no conjunto da imagem. Malta permite que os
235
EDMUNDO, 1938. p. 117-118.
128
fotografados façam a escolha. Não produz os gestos. Não prepara as poses. Cada um posa e é
sujeito de sua própria imagem.
É possível perceber também que boa parte dos freqüentadores não era apenas de
desocupados e mendigos, ao contrário compunham-se de todo o tipo de trabalhadores
informais e de baixos salários, como vendedores ambulantes, biscateiros e operários, são
identificados basicamente por suas indumentárias que repetem os padrões da classe menos
favorecida moradora dos imóveis condenados, e por objetos que carregavam como caixas,
embrulhos, cestas, tabuleiros, além das várias fotos em que aparecem carroças de tração
animal e os carinhos dos “burros sem rabo” aguardando seus condutores acabarem de “fumar
e cuspir no solo”, sempre servidos pelo indefectível cidadão “engaiolado” de calças seguras
por suspensórios e fartos bigodes.
Lemos na série “Quiosques” a definição de um grupo de cariocas que tinha aquele
espaço como lugar de “alívio” das agruras do trabalho duro, um lugar de lazer desajustado aos
ideais estéticos, higiênicos e comportamentais, porém perfeitamente condizentes com suas
realidades de vida, tempo e noções de lazer.
129
Foto 36 – s/d - MIS/RJ
Foto 37 - 1911 - MIS/RJ
Foto 38 - 1911 - MIS/RJ
236
236
A foto n° 36, 37 e 38 são componentes da pasta “Quiosques” do índice “Logradouros” do acervo do MIS.
130
Tanto as imagens que Malta fez dos imóveis a serem demolidos assim como os dos
quiosques têm uma característica interessante, foram realizadas durante sua incumbência
principal, que era a de registrar os imóveis condenados, e acabou por registrar também um
universo social que estava fatalmente ligado à sua arquitetura.
Durante o governo de Pereira Passos foram estabelecidas as chamadas leis
civilizatórias: foram proibidos os antigos quiosques de madeira que vendiam alimentos e a
exposição de artigos em umbrais e vãos de portas em vias públicas, admitidos apenas em
vitrines. A Prefeitura reprimiu também o que avaliou como maus hábitos e costumes: a
boêmia e a serenata, sendo o violão associado com a vagabundagem, urinar e cuspir nas ruas,
embaralhar cabos de energia elétrica, acender fogueiras, soltar fogos de artifícios, pipas e
balões, festas populares, sagradas e profanas, como: carnaval, batuque, serenata,
curandeirismo, cultos afro-brasileiros (havendo tolerância com o kardecismo basta lembrar
as origens francesas de Kardec ) e bumba-meu-boi, além de proibir a circulação de
ambulantes sem licença pelas ruas da cidade e a presença de “tiradores de esmola e
mendigos”. O projeto de lei encaminhado ao Conselho Municipal visava acabar “a vergonha
e a imundície injustificáveis dos em mangas-de-camisa e descalços nas ruas da cidade”.
O fotógrafo fez um amplo registro de um grupo que mesmo durante a aplicação das
leis civilizatórias, viveram das profissões da rua, mantiveram suas práticas e continuaram a
dedicar-se à venda e distribuição de leite, galinhas em pé, hortigranjeiros, panelas, lenha, etc.
e a utilizar os espaços públicos, mostrando a si mesmos e seus indesejados e atrasados ofícios
e práticas. A enorme quantidade de ambulantes nas ruas sempre fez parte da paisagem
carioca, mas foram vistos com mais intensidade na belle époque como exemplos de nossa
herança colonial escravista e da miséria urbana, foram alvos também, voluntários ou não, da
objetiva de Malta como integrantes ativos do conjunto populacional que configurava o
carioca.
131
Outro fator interessante observado na leitura que realizamos, é que não percebemos
da parte de Malta nenhuma intenção de denúncia social, ele parece intervir muito pouco na
composição das poses, denota maior preocupação em enquadrar os imóveis e quiosques do
que a população, até porque era esta a motivação profissional para a realização das imagens, a
única intervenção de Malta está na distância em que retrata as pessoas nas imagens, enquanto
nas fotos dos imóveis os populares são retratados mais afastados, impossibilitando muitas
vezes não distinguir suas fisionomias, nos quiosques uma maior proximidade dos
populares nos possibilitando definir melhor a expressão fisionômica dos anônimos retratados.
Mas mesmo assim podemos intuir que sua intenção estava mais no enquadramento do imóvel
ou da construção do que nas pessoas, e ficam claros os planos gerais para os imóveis e os
planos médios para os quiosques, uma simples questão de enquadramento. Nosso fotógrafo,
ao mesmo tempo, utilizou nessas fotografias o tipo de angulação frontal, um enquadramento
centralizado que obedece ao modo como enxergamos com nossos olhos, o que às imagens
um ambiente de objetividade e naturalidade entre a cidade e a população, ou seja, a sua
obra um alto efeito de realidade.
237
A obsessão de Malta por eficiência e fidelidade do registro permitiu que produzisse
imagens que asseguravam as contradições impregnadas na cidade, contradições explícitas no
dia a dia das ruas da Capital Federal. A sua extrema vontade de realizar o registro fiel da urbe
carioca, mesmo sendo ele um entusiasta das reformas, proporcionou a elaboração de imagens
carregadas de informações tanto pelo olhar oficial, seu principal objetivo, como pelo olhar
social da população desfavorecida e esquecida pela modernidade.
237
Em relação às margens do retângulo fotográfico, o enquadramento pode ser centralizado, descentralizado e
oblíquo, proporcionando diferentes percepções do objeto, a exemplo do centralizado que valoriza o aspecto
descritivo e tende a limitar a interpretação da imagem, que o leitor não percorre com o olhar todo o espaço
representado. Idem.
132
É preciso ressaltar que Malta poderia ter realizado seu trabalho sem registrar os
populares, ou pelo menos registrá-los sob outro ângulo, o que proporcionaria uma outra
imagem e por conseqüência uma outra leitura, mas escolheu a naturalidade do cenário, e a
idéia de neutralidade da informação que lhe garantia a credibilidade desejada, e assim
evidenciou de modo incisivo os hábitos, poses e vestuários não civilizados e toda a
contradição que aqueles personagens impunham ao novo tempo e espaço.
Mas, se por um lado, a “naturalidade” com que estes personagens foram retratados
enfatiza sua inadequação aos novos ideais, tão evidenciada pela elite moderna, por outro,
possibilitou que estas pessoas fossem sujeitos de sua própria imagem. O que nos consente ter
uma idéia de como enxergavam a si mesmas, ou como gostariam de ser vistas.
238
Gente pobre, habitantes dos prédios e calçadas, que como dizia o próprio fotógrafo,
pediam picareta,
239
submetidas a uma política de segregação, ao trabalho duro e a luta por um
teto, mas que ao mesmo tempo se juntavam aos mendigos e outros trabalhadores ao redor dos
também indesejados quiosques para suavizar a vida através da conversa e bebida com os seus
pares, portanto não são nem malandros nem pobres coitados, são parte integrante da realidade,
do espaço do atraso no tempo da belle époque carioca.
Dessa forma entendemos que Malta produziu imagens que mostram muito mais do
que as ruas que seriam reconstruídas e os prédios que viriam abaixo, fez mais do que auxiliar
na construção de um mapeamento para demolições, permitiu que os cariocas passassem como
sujeitos à cena, devolvendo seus olhares para a câmara e assegurando sua presença na imagem
e na memória que se constituía. Mais ainda, involuntariamente mostrou que a construção de
um carioca idealizado pela modernidade era um processo muito mais complexo do que
territorializar e hierarquizar espaços, e que a elaboração da imagem deste carioca fugiu ao
238
“diante da objetiva sou, ao mesmo tempo: aquele que eu me julgo, aquele que eu gostaria que me julgassem,
aquele que o fotógrafo me julga e aquele de que ele se serve para exibir sua arte” . BARTHES, 1984, p. 27.
239
Ver foto 4, Capítulo 1.
133
controle das mentes formadoras de opinião e que no fim como percebeu sabiamente Lima
Barreto, “havia mesmo na cousa muito de cenografia”,
240
e por fim, o carioca e a cidade do
Rio de Janeiro eram, e são, personagens de múltiplas facetas e infinitas imagens, entrelaçando
mundos que se pretendiam paralelos, resultados de muitas influências, experiências e
fundamentalmente, querências, que se confundem em realidades e ficções.
240
SEVCENKO, 1989, p. 36.
134
CONCLUSÃO
Ao iniciar nosso trabalho propomos como objetivo realizar uma leitura das
fotografias de Augusto Malta no período considerado como a bele époque carioca (1900-
1920), o intuito foi o de ler a partir delas o discurso imagético da composição do carioca do
período. Resolvemos para tanto, iniciar nossa escrita traçando um arcabouço teórico que nos
sustentaria a realização desta tarefa. Autores como Boris Kossoy, Ana Maria Mauad, Antônio
e Oliveira Júnior, Annateresa Fabris, Philippe Dubois, Ariel Arnal, Maria Ciavatta, Alfredo
Bosi e Roland Barthes, discutidos no primeiro capítulo deste trabalho, permitiram-nos tratar a
fotografia como discurso e principalmente a possibilidade de lê-la.
Além do conjunto teórico que nos deu base para a argumentação, foi possível
realizar esta leitura por conta do indispensável diálogo de nossa fonte principal, as fotografias
de Malta, com outras fontes produzidas no período analisado, e nesta função, entre outras
escolhas possíveis, optamos pelos jornais cariocas e outros periódicos, entendemos que eles
também eram “retratos” da época, também cheios de mensagens, intenções e representações, e
portanto, excelentes interlocutores de nosso diálogo com o fotógrafo oficial da cidade. Foram
estas publicações, junto com outros estudos históricos do período
241
apresentados no segundo
capítulo que nos ajudaram a situar a produção de Augusto Malta em relação às condições
culturais, sociais e econômicas da sociedade em que vivia, foi nesse diálogo que pudemos
perceber sua intensa criatividade, calcada na intuição, espontaneidade e na vontade de “não
fazer uma tapeação”.
242
241
Ver Capítulo 2, item 2.1 A belle époque carioca.
242
Augusto Malta em entrevista para o jornal “O Globo”, em 1 de agosto de 1936.
135
Chegamos então à conclusão de que realmente nosso fotógrafo não tapeou ninguém,
nem a Prefeitura que o contratou, e a quem devia fidelidade, e esta diga-se de passagem,
irrepreensível. O homem foi fiel não a Pereira Passos, que foi segundo palavras do próprio
Malta,
243
seu principal incentivador e protetor, mas a todos para quem trabalhou, fossem
empregos públicos ou privados, desempenhou com mestria a função de fotógrafo. Mas
principalmente não tapeou a si mesmo e à memória do Rio de Janeiro.
Malta a partir da “naturalidade” de suas fotografias, voluntariamente ou não, nos
deixou uma imagem ímpar do carioca da belle époque, o fotógrafo que transitou com grande
desembaraço por entre as ruas e calçadas da cidade, integrou e registrou a paisagem social
carioca, deu visualidade a todos os segmentos desta sociedade e deixou um testemunho
expressivo de um período em que a euforia das elites e as certezas do progresso encontraram a
presença, os desejos e as tradições do populacho. Deixou fundamentalmente um relato de
como esse embate produziu um carioca que não conseguiu ser o ideal das elites, mas também
não era mais o carioca dos tempos do Império, que não conseguiu ser francês, mas que
também não se manteve colono, mostrou a produção do carioca e de sua Cidade, agora
Maravilhosa, como uma criatura brida, resultado de apropriações e práticas que resultaram
em uma representação única, de uma cidade feita de pessoas, a cidade do carioca real.
Entretanto não ressaltamos apenas o aspecto testemunhal da fotografia de Malta,
porque foi precisamente ele que, selecionando culturalmente e organizando esteticamente o
fragmento do mundo visível para o registro, tornou o seu testemunho fotográfico o produto de
um ato criativo e individual. O testemunho que conseguimos é, assim, marcado pela visão de
mundo de Malta, nela o binômio testemunho/criação encontra-se indivisivelmente
amalgamado na imagem, condição essencial da representação fotográfica.
244
243
Revista da Semana – RJ, natal de 1945, p. 19.
244
KOSSOY, 2001, 131.
136
A obra de Malta mostra como é possível construir cidades distintas (mas que no
fundo é apenas uma) conforme se privilegiem certos aspectos. Desta forma, ele “constrói”
cidades diferentes a partir do olhar que recai sobre o traçado das ruas. Foi o que tentamos
mostrar na primeira parte do terceiro capítulo, o discurso de uma cidade de elite européia, de
ruas e cariocas remodelados, bem vestidos, “bem comportados”, elegantes, cultos,
freqüentando espaços civilizados dentro da dinâmica da modernidade, utilizando automóveis,
indo ao cinema, tomando café nas elegantes calçadas, se divertindo à moda de Veneza e Paris,
e fundamentalmente tendo como contraponto, a população pobre, em seu lugar, ou assistindo
e aprendendo os “bons modos” e o “bom gosto”, ou servindo à classe merecedora das
benesses do progresso, ou seja, a vida moderna é fortemente destacada, mas sem qualquer
sensação de contrariedade, uma harmonia quase perfeita entre toda a população carioca. Sob
esse prisma Malta apresenta quase um discurso civilizador, uma orientação de conduta de
como o carioca deveria ser, mas com certeza apresenta um carioca e uma cidade apenas
imaginados. Um carioca resultado de todos os avanços técnicos da fotografia que municiava
provas todos os dias. Podemos chegar à conclusão de que cada objeto é para nós nada mais do
que o conjunto das qualidades que lhes conferimos, é a totalização das informações que
alcançamos em um momento ou outro, e este mundo objetivo só existe tal como o re-
presentamos e como uma construção mais ou menos constante em nosso espírito.
245
Pois, ao
ampliarmos o olhar, o nosso e o de Malta, compreendemos que a cidade existe na relação
entre os diferentes grupos que interagem em um determinado sistema social. Assim nosso
fotógrafo captou não apenas um grupo, mas vários, cada um com seu modo de ver o mundo
ou com interesses voltados para aspectos específicos, construindo e reconstruindo a cidade
criativamente, a partir de elementos selecionados no amplo leque de opções disponíveis na
cultura de uma cidade múltipla como a Capital Federal da jovem República do Brasil.
245
VIRÍLIO, 1994, p. 42.
137
Malta voltou seu olhar perscrutador para o novo e o belo, para a Avenida Central
iluminada de calçadas largas e vitrines cintilantes, para seus bem trajados transeuntes, que
desfilavam nos velozes automóveis, mas esse não foi o único foco do flaneur mecânico.
246
Seu olhar foi enxergar outros personagens, foi olhar o que de mais popular na cidade.
Percorreu vielas e becos, foi aos quiosques, aos prostíbulos, às favelas, aos cordões
carnavalescos, e por conta disto podemos afirmar que seu olhar e por conseqüência seu
discurso são ambíguos, assim como a cidade e seus cidadãos. E é essa ambigüidade que à
sua obra a legitimidade do seu discurso, que nos possibilitou pensar o carioca e sua cidade
como construção simbólica de determinados grupos, que além das trocas materiais esses
grupos efetuaram também trocas simbólicas,
247
e que são nessas trocas que a cidade e seus
habitantes se desintegram e se reconstroem. É esse mercado de trocas que nos permite
pronunciar que o carioca da belle époque afirmou sua existência empírica somente enquanto
sistema no qual atuam um determinado número de grupos de interesse, de referência, de
diversos tipos, dimensões e filiações, que competem entre si, se confrontam, reúnem-se,
aliam-se, misturam-se e interpenetram-se com o intuito de resguardar, aumentar ou legitimar
aquilo que consideram seu patrimônio, seja este cultural, histórico, ideológico ou outros.
Para finalizar, afirmamos que o carioca real é o que está na obra de Malta em sua
totalidade, é ao mesmo tempo a moça casadoira cheia de prendas e a prostituta, o janota e o
ambulante, o freqüentador dos cafés chiques assim como o dos quiosques, o que no carnaval
brinca de pierrô no corso e o que sai de diabo no cordão, é o carioca moderno da Avenida Rio
Branco e o “favelado” da Gamboa, é o carioca da Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.
246
HOLLANDA, 2003.
247
BOURDIEU, 1989.
138
Foto 35 – Auto- retrato, s/d – Acervo Pessoal
248
Augusto Cesar Malta de Campos (1864-1957): O senhor das imagens cariocas
248
A foto n° 35 é componente do acervo pessoal do autor retirada de CIAVATTA, 2002, P. 91.
139
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146
ANEXOS
147
Anexo I
ABL RESPONDE
Enviada: sexta-feira, 11 de abril de 2008 12:57:53
ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS
ABL RESPONDE
Pergunta : Bom dia, sou mestrando em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora, e gostaria de saber da origem da palavra
"carioca" e de quando a população do Rio de Janeiro passou a ser denominada com este termo. Desde já agradeço. Fernando Gralha.
Resposta :
CARIOCA- No séc. XIX e início do XX, o etnônimo a um tempo da província ou estado e da cidade; mas os habitantes desta, por
contraste, devem ter sido chamados, informalmente, cariocas, a partir de 1736, a princípio pejorativamente, pejoração que se
esbateu
lentamente, como se depreende da resistência de fluminense na linguagem formal. Com a curta existência do Estado da Guanabara,
carioca retomou seu valor etnonímico cabal; extinto o estado, os habitantes da cidade continuam a dizer-se cariocas, e fluminenses ,
quando relacionados com a unidade da federação. Etimolog
ia: Do tupi kari'oca, prov. do tupi kara'ïwa "homem branco" oka "casa": a
palavra tem emprego inicial como topônimo , a Carioca, mais tarde, Largo da Carioca, local em que havia uma fonte para provisão
de água pública e de embarcações na cidade do RJ; esta acepção perdura no Centro-Oeste do país; observa-se que na top. brasileira
há lago da Carioca (Pará), rio e serra da Carioca(RJ), serra da Carioca (MG); quer contemporâneos, quer posterioresà Carioca da
cidade do RJ (documentado em 1560). Esses top. permitem supor que o étimo, em vez de estar ligado ao significado proposto: casa
de homem branco seja conexo com água, fonte, córrego, rio. Nascentes registra 'casa de branco', ressalvando que a identidade desse
homem branco e o local exato da casa ainda são problemas
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148
Anexo II
ACERVO DO MUSEU DA IMAGEM E DO SOM: COLEÇÃO AUGUSTO MALTA
Índice de Logradouros
1) Pastas 1, 2, 3, 4, 5: Ruas do centro do Rio de Janeiro
2) Pasta 5.1: Caju
3) Pastas 6, 7, 8, 9, 10, 11: Morro do Castelo (1905-1929)
4)Pasta 11.1: Morros de Santo Antônio, São Carlos, São Diogo
5) Pastas 12, 13, 13.1, 14, 15, 15.1, 15.2, 16: Ruas, Praças e becos do Rio de Janeiro
6) Pasta 16.1, 16.2, 16.3: Canal do Mangue
7) Pastas 17, 17.1, 18, 19, 20, 21, 22, 22.1, 23, 24, 24.1, 25, 26: Praças e ruas do Rio de
Janeiro e Cais do Porto
8) Pastas 26.1, 26.2, 26.3: Praça da República
9) Pastas 27, 27.1, 27.2: Avenida Rio Branco
10) Pastas 27.3, 28, 29, 29.1, 29.2, 29.3, 29.4, 29.5: Travessas, praças, ruas e largos do Rio de
Janeiro
11) Pastas 30, 30.1: Praça Tiradentes
12) Pasta 30.2, 30.3, 31, 32: Ruas, becos e avenidas do Rio de Janeiro
13) Pasta 33: Estácio
14) Pasta 34: Estácio e ruas do Rio de Janeiro
15) Pasta 35: Gamboa
16) Pasta 36: Santo Cristo
17) Pasta 37: Ruas do Rio de Janeiro
18) Pastas Santa Tereza I e II
19) Pastas Botafogo I, II, III e IV
20) Pasta Catete e Largo do Machado I
21) Pasta Catete
22) Pastas Copacabana I, II, 2.1 e III
23) Pasta Cosme Velho
24) Pastas Flamengo I, II, 2.1 e III
25) Pastas Glória 1, 2, 3, 4
26) Pastas Gávea 1 e 2
27) Pastas Lagoa 1, 2, 3
28) Pasta Ipanema
29) Pasta Urca
30) Pasta Leblon
31) Pasta Praia Vermelha
32) Pasta Leme
33) Pasta Laranjeiras
34) Pasta Jardim Botânico
35) Pasta Barra da Tijuca
36) Pasta São Cristóvão 1
37) Pasta Quinta da Boa Vista
38) Pasta Tijuca 1
39) Pastas Alto da Boa Vista 1 e 2
40) Pasta Maracanã
41) Pasta Vila Isabel
42) Pasta Grajaú, Aldeia Campista, Água Santa, Andaraí e Abolição
149
43) Pastas Triagem e Benfica
44) Pastas Rio Comprido 1 e 2
45) Pastas Méier e Todos os Santos
46) Pasta Lins de Vasconcelos
47) Pastas Madureira e Mangabeira
48) Pasta Deodoro, Encantado, Engenho de Dentro e Engenho Novo
49) Pastas Barra de Guaratiba e Pedra de Guaratiba
50) Pastas Quintino e Rocha Miranda
51) Pastas Ramos, Realengo, Ricardo de Albuquerque e Riachuelo
52) Pastas Brás de Pina, Irajá e Bonsucesso
53) Pastas Pavuna, Penha e Pilares
54) Pasta Campo Grande
55) Pastas Jacarepaguá e Jacaré
56) Pasta Jacarepaguá
57) Pasta Ilha do Governador 1
58) Pastas Bangu e Inhaúma
59) Pastas Santa Cruz, Sampaio e Sepetiba
60) Pasta Campinho, Cascadura e Cachambi
61) Pastas Olaria e Piedade
62) Pasta Monumentos- Centro/ Zona Sul
63) Pasta Monumentos Zona Sul
64) Pasta Monumentos- Centro/ Zona Sul/ Subúrbio
65) Pasta Monumento Centro
66) Pasta Quiosque
67) Pasta Panoramas- Zona Sul
68) Pasta Panorama- Centro
69) Pasta Panorama- Zona Norte
70) Pasta Prostitutas , aspectos sociais, festas juninas, festas em praças públicas
71) Fachadas residenciais
72) Interiores residenciais I e II
73) Pastas Estado do Rio de Janeiro 1, 2 e 3
74) Pasta Petrópolis
75) Pastas Niterói 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7
Índice de Diversos
1) Pastas Comércio 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8
2) Pastas Indústria 1, 2, 3, 4, 5, 6
3) Pastas Medicina e Saúde 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11
4) Estradas de Ferro 1 e 2
5) Estradas de Rodagem
6) Transportes Marítimos 1 e 2
7) Transportes Aéreos
8) Bondes 1
9) Bondes, ônibus, viaturas, diversas-2
10) Bondes (estações) - 3
11) Viaturas
12) Pastas Banhos de Mar (1912-1936)
13) Pastas Indumentária 1 e 2
150
14) Pasta Polícia Civil
15) Pasta Exército 1 e 2
16) Pastas Marinha 1
17) Pastas Assuntos Religiosos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10
18) Pasta Túneis
19) Pasta Imprensa 1 e 2
20) Pastas Esportes 1, 2, 3, 4, 5
21) Pastas Prefeitura 1 e 2
22) Pastas Estados 1, 2 e 3
23) Ilhas
24) Pasta Prédios públicos
25) Pasta Instituições 1
26) Pastas rios 1, 2, 3, 4
27) Pasta Instituto Histórico
28) Pastas Jockey Clube 1, 2, 3
29) Pastas crianças 1 e 2
30) Pasta banda e centros culturais
31) Pastas Escolas 1, 2, 3, 5, 6, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 25, 26, 27
32) Pastas Escolas e Asilos 4
33) Pastas Asilos 7 e 8
34) Pastas Exposição 1908 1, 2, 3, 4, 5, 6
35) Pastas Exposição 1922 1, 2, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15
36) Pastas Feira de Amostras 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7
37) Pasta Batalha das Flores 1
38) Pastas Carnaval
39) Pasta Limpeza Pública
40) Pasta Câmara Municipal
41) Pastas Escola de Belas Artes 1, 2
42) Pastas Congresso Pan- Americano 1, 2
43) Pasta Casamentos 1,2
44) Pasta Teatros 1,2
45) Pasta Cinemas/ circo 3
46) Pastas Palácios 1 e 2
Índice de Pessoas
Prefeitos:
1) Pastas 1 e 2: Pereira Passos
2) Pasta 3: Souza Aguiar, Serzedêlo Correa
3) Pasta 4: Serzedêlo Correa
4) Pastas 5 e 6: Bento Ribeiro
5) Pasta 7: Rivadávia Correa, Augusto Sodré, Amaro Cavalcanti
6) Pastas 8 e 9: Paulo de Frontin
7) Pasta 10: Sá Freire, Carlos Sampaio, Alaor Prata
8) Pasta 11: Alaor Prata, Prado Júnior, Adolfo Berganini
9) Pasta 12: Pedro Ernesto, Julião Esteves, Olímpio de Melo, Henrique Dodsworth
10) Pasta 13: Barata Ribeiro, Henrique Valadares, Xavier da Silveira, Antônio Rodrigues,
Furquim Werneck, Cesário Alvim, Dias Ferreira, Ubaldino do Amaral, Van Erven, João
Pereira, Carlos Ribeiro, Mendes de Morais e João Carlos Vital.
11) Pasta 13-A: Sá Freire, Sá Lessa, Mendes de Morais e Cônego Olímpio de Melo
151
Presidentes:
1) Pasta 14: Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto, Campos Sales e Prudente de Morais
2) Pasta 15: Rodrigues Alves, Afonso Pena
3) Pasta 16: Nilo Peçanha
4) Pasta 18: Wenceslau Brás
6) Pasta 19: Washington Luís
7) Pasta 20: Delfim Moreira, Epitácio Pessoa
8) Pasta 21: Arthur Bernardes
9) Pasta 22: Getúlio Vargas, Gaspar Dutra, José Linhares
10) Pastas 23 e 24: Família Imperial
11) Pasta 25 e 26: Visconde e Barão do Rio Branco
152
Anexo III
153
154
Anexo IV
Lista de imagens:
Foto nº Origem Pasta Índice
1 MIS/RJ
Prostitutas, aspectos sociais, festas
juninas, festas em praças públicas
Logradouros
2 MIS/RJ
Prostitutas, aspectos sociais, festas
juninas, festas em praças públicas
Logradouros
3 MIS/RJ
Prostitutas, aspectos sociais, festas
juninas, festas em praças públicas
Logradouros
4 MIS/RJ
Ruas do centro do Rio de Janeiro 3 Logradouros
5 MIS/RJ
Indumentárias 2 Diversos
6 MIS/RJ
Comércio 4 Diversos
7 MIS/RJ
Comércio 4 Diversos
8 MIS/RJ
Carnaval Diversos
9 MIS/RJ
Cinema/Circo 3 Diversos
10 MIS/RJ
Bondes, ônibus, viaturas diversas-2 Diversos
11 MIS/RJ
Prostitutas, aspectos sociais, festas
juninas, festas em praças públicas
Logradouros
12 MIS/RJ
Prostitutas, aspectos sociais, festas
juninas, festas em praças públicas
Logradouros
13 MIS/RJ
Indumentárias 2 Diversos
14 MIS/RJ
Avenida Rio Branco Logradouros
15 MIS/RJ
Avenida Rio Branco Logradouros
16 MIS/RJ
Indumentárias 1 Diversos
17 MIS/RJ
Indumentárias 1 Diversos
18 MIS/RJ
Indústria 3 Diversos
19 MIS/RJ
Batalha das Flores 1 Diversos
20 MIS/RJ
Batalha das Flores 1 Diversos
155
21 MIS/RJ
Batalha das Flores 1 Diversos
22 MIS/RJ
Batalha das Flores 1 Diversos
23 MIS/RJ
Batalha das Flores 1 Diversos
24 MIS/RJ
Carnaval Diversos
25 MIS/RJ
Carnaval Diversos
26 MIS/RJ
Carnaval Diversos
27 MIS/RJ
Jockey Clube 2 Diversos
28 MIS/RJ
Prefeitura 1 Diversos
29 MIS/RJ
Batalha das Flores 1 Diversos
30 MIS/RJ
Quinta da Boa Vista Logradouros
31 MIS/RJ
Avenida Rio Branco Logradouros
32 MIS/RJ
Ruas do centro do Rio de Janeiro 1 Logradouros
33 MIS/RJ
Ruas do centro do Rio de Janeiro 1 Logradouros
34 MIS/RJ
Ruas do centro do Rio de Janeiro 1 Logradouros
35 MIS/RJ
Ruas do centro do Rio de Janeiro 2 Logradouros
36 MIS/RJ
Quiosques Logradouros
37 MIS/RJ
Quiosques Logradouros
38 MIS/RJ
Quiosques Logradouros
39
Acervo
pessoal
CIAVATTA, 2002, P. 91.
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