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Não se pode compactuar da lição de Darcy Bessone, haja vista que, de rigor
doutrinário, a causa que se afigura importante à teoria contratual, aferida na gênese da relação
contratual, não gera problema no âmbito da existência, mas no plano da validade. Não há que
se falar em causa como acontecimento que ocorre no mundo da natureza, efeito naturalístico
que se dá por relação de causa e efeito, mas sim, no sentido de justificação da autonomia
privada
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, cujos efeitos igualmente estejam conformados a este ordenamento (a causa final
típica). Pode-se, ainda, falar em causa como a finalidade que integra concretamente o
conteúdo do contrato, representada pelo interesse, o resultado prático ou a função que se
extrai do negócio, preferencialmente relevante e conhecida por ambos contratantes ou, se não,
identificada segundo um juízo de boa-fé (a causa final concreta). O negócio despido de causa
final será nulo e sofrerá efeitos no plano da validade.
Entretanto, Darcy Bessone não está sozinho. Paulo Barbosa de Campos Filho
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também sustenta a não inclusão da causa como condição de validade, afirmando que estão
com a razão “os que entendem não comportar nosso Código inteligência que faça da causa
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De modo sintético, a autonomia privada é a potestade de ajustar um acordo negocial adequado ao sistema
jurídico. Luigi Ferri afirma que a autonomia privada não é apenas nem principalmente liberdade e suas
manifestações não são mero exercício de um direito subjetivo. Para ele, a autonomia privada é, antes de tudo,
poder de disposição (limitado a uma esfera dentro da qual se pode obrar livremente), e os negócios jurídicos,
manifestações de poder. Ele esclarece, ainda, que os limites da atividade privada autônoma têm sempre caráter
negativo, por não haver predeterminação legal de um fim. Para ele, o requisito da causa do negócio não se traduz
em um limite finalista ou funcional da autonomia privada, visto que esta é limitada de modo externo. Ele afirma
que os limites positivos em matéria de autonomia privada, quando existem, se referem a um ato determinado (ou
a atos determinados) de exercício da autonomia privada e não a esta, que segue caracterizada por sua intolerância
em relação a estes tipos de limites (La Autonomia Privada. Madrid: Ed. Revista de Derecho Privado, 1969, p.
350-360). Não obstante, as conclusões de Ana Prata revelam como ocorreu, na história, o fenômeno da
funcionalização dos negócios jurídicos e uma verdadeira mudança conceitual da autonomia privada. Ela afirma
que as limitações à autonomia privada colocavam-se como um elemento externo, alheio ao conceito de
autonomia e de negócio. Entretanto, “à verificação do não preenchimento automático e acessório da satisfação
do interesse geral através do puro exercício da autonomia privada – e até da freqüente inaptidão do negócio,
mesmo para salvaguardar em casos concretos a justiça na composição intersubjetiva dos interesses - sucedeu,
pois, a idéia de que a funcionalização do negócio tem de ser encarada não numa perspectiva global e alheia à
configuração do conceito, mas integrada na própria estrutura conceitual”. Por isso, afirma a autora, “a juricidade
do ato ou da relação afere-se pela dignidade do interesse em causa, e o juízo sob essa dignidade é um juízo
normativo informado por critérios supraindividuais. Autonomia privada e negócio jurídico são hoje, como
sempre, meio e instrumento de composição jurídica de interesses de natureza essencialmente privada, mas,
diferentemente do que antes acontecia, não são um meio e um instrumento deixados na exclusiva disponibilidade
das partes. Ao Estado incumbem deveres que ele há de prosseguir (também) através deste meio e deste
instrumento” (A Tutela Constitucional da Autonomia Privada. Coimbra: Livraria Almedina, 1982, p. 23).
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CAMPOS FILHO, Paulo Barbosa de. O problema da causa no Código Civil brasileiro. São Paulo: Max
Limonad, p. 68.