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Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
DA ACUSAÇÃO ÀS PROFESSORAS PELO APRISIONAMENTO
DO SUJEITO EM UM DIAGNÓSTICO A UMA INTERROGAÇÃO
ACERCA DA POSIÇÃO DO ANALISTA
Beethoven Hortencio Rodrigues da Costa
Natal
2008
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Beethoven Hortencio Rodrigues da Costa
DA ACUSAÇÃO ÀS PROFESSORAS PELO APRISIONAMENTO
DO SUJEITO EM UM DIAGNÓSTICO A UMA INTERROGAÇÃO
ACERCA DA POSIÇÃO DO ANALISTA
Dissertação elaborada sob a orientação da Prof.ª
Dr.ª Cynthia Pereira de Medeiros e apresentada ao
Programa de Pós-Graduão em Psicologia da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
como requisito parcial à obtenção do tulo de
Mestre em Psicologia.
Natal
2008
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Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
A dissertação “DA ACUSÃO ÀS PROFESSORAS PELO APRISIONAMENTO
DO SUJEITO EM UM DIAGNÓSTICO A UMA INTERROGAÇÃO ACERCA DA
POSIÇÃO DO ANALISTA”, elaborada por Beethoven Hortencio Rodrigues da Costa,
foi considerada aprovada por todos os membros da Banca Examinadora e aceita pelo
Programa de Pós-Graduação em Psicologia, como requisito parcial à obtenção do título
de MESTRE EM PSICOLOGIA.
Natal, 23 de maio de 2008.
BANCA EXAMINADORA
Prof.ª Dr.ª Cynthia Pereira de Medeiros ________________________
Prof.ª Dr.ª Maria Cristina Machado Kupfer ________________________
Dr.ª Jailma Souto Oliveira da Silva ________________________
Dedico à princesinha luz da manhã.
À minha sobrinha Ana Larissa.
Agradecimentos
À professora Dr.ª Cynthia Medeiros, pela paciente leitura e orientação que
empreendeu neste trabalho. Pelos momentos em que eu tendia a escapar do foco e ela
delicadamente apontava a direção.
À professora Suely Holanda, pela transmissão da psicanálise. Pela supervisão de
projetos em extensão, monitoria e docência assistida. Pelo desejo que me fisgou a pegar
o bonde da psicanálise.
À professora Dr.ª Elza Dutra, pela orientação da minha iniciação à pesquisa
acadêmica. Pelo incentivo em continuar na pesquisa, quando não mais
compartilvamos a mesma orientação epistemológica.
À Juliana Lima, pela supervisão de campo exigida no meu percurso pela escola.
À Andréia Clara Galvão, pelos apontamentos e leitura, no seminário de
dissertação, que me forçaram a trabalhar.
À Maria Cristina Kupfer e Jailma Silva, pela aceitação em participar da banca
examinadora desta dissertação.
Aos meus amigos, Hugo Juliano e Laiane, pelas leituras dos meus rascunhos no
momento em que não mais conseguia ler.
Aos meus amigos, Lara, Diógenes, Fernanda e Hugo Marcus, pela escolha de
participar de um cartel proposto inicialmente por mim, mas tornado de cada um em suas
questões singulares a respeito da psicanálise.
Aos meus amigos, Sânzia, Anaxsandra e Hugo, pelos momentos de
descontração, apoio e partilha de um momento em que cada um de nós estava envolvido
com a tarefa de fazer uma dissertação.
Aos meus pais, Ana e Nazareno, pela crença nos meus esforços, pela sustentação
apesar das dificuldades nesses últimos tempos.
Aos meus irmãos, Rafaela, Jamile, Juanito e Rafael, por todos os momentos em
que a lembrança insiste em recordar, pelo apoio quando eu estava ausente.
Às minhas tias, Marta, Terezinha, Rosana e Margarida, pelo abrigo nesses
últimos tempos de finalização do trabalho.
Às minhas amigas de graduação Vanessa, Sheila, Melina, Aline, Isabelly e
Heloiza, pelos anos que convivemos e os momentos que relembramos.
À Universidade Federal do Rio Grande do Norte, por viabilizar os meus estudos
s-graduados.
Aos funcionários e professores do Instituto Educacional Casa Escola (IECE),
pela oportunidade de trabalho e demandas fundamentais à construção desta dissertação.
Aos professores e colegas do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da
UFRN, pelo apoio e aprendizagem com cada um.
Ao CNPq, pela concessão da bolsa de estudos.
Catalogação da Publicação na Fonte.
Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
(CCHLA).
Costa, Beethoven Hortencio Rodrigues da.
Da acusação às professoras pelo aprisionamento do sujeito em um
diagnóstico a uma interrogação acerca da posição do analista. / Beethoven
Hortencio Rodrigues da Costa. - Natal, 2008.
84 f.
Orientador: Profª.
Drª. Cynthia Pereira de Medeiros.
Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Universidade Federal do Rio
Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-
Graduação em Psicologia.
1. Psicologia educacional – Dissertação. 2. Diagnóstico – Uso –
Interpretação – Dissertação. 3. Psicanálise – Dissertação. I. Medeiros, Cynthia
Pereira de (Orient.). II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.
RN/BSE-CCHLA CDU 159.9.075
Sumário
Resumo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . viii
Abstract. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ix
Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
1. A História do diagnóstico: da Babilônia aos dias de hoje. . . . . . . . . . . . . . . . . 14
2. Diagnósticos atuais e psicanálise: meninos sem história. . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
3. Pesquisa em psicanálise: reviravoltas no percurso. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
3.1. A pesquisa em psicanálise. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
3.2. A reviravolta. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
4. A construção dos casos: considerações de um resultado. . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
4.1. A professora Cândida e o menino que é um sucesso. . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
4.2. Marlene e Paula: entre a metáfora do mar e a metonímia do desejo. . . . . . 64
4.3. Reminiscências: os resíduos da História e de uma denúncia. . . . . . . . . . . . 69
5. Conclues: Cheherazade ensina uma posição a Chahriar. . . . . . . . . . . . . . . . . 74
6. Referências bibliográficas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
viii
Resumo
Este estudo surge a partir de duas indagações: qual a utilidade de um diagstico na
escola? E o que move essa demanda por diagnóstico? Tais questionamentos foram
elaborados em resposta a demanda diagnóstica produzida no contexto do nosso estágio
em Psicologia Escolar/Educacional. Na perspectiva de trabalhar tais questões,
realizamos uma pesquisa bibliográfica acerca do diagnóstico, no que se refere à sua
História, bem como uma revisão da literatura psicanalítica acerca do tema. Tal
empreendimento nos levou a uma nova interrogação: quais as elaborações que as
professoras produzem a partir do diagnóstico da criança, que situem esta como
apresentando necessidades educativas especiais? A necessidade de decidirmos o método
que nos levasse a responder tal questão, tomando como referência a teoria psicanalítica,
nos levou a uma incursão ao tema da pesquisa em psicanálise. Este trilhamento nos
aponta que, seguindo Freud, em psicanálise, teoria e pesquisa andam juntas e que a
psicanálise não se pretende uma visão de mundo totalizadora. Em Lacan, a pesquisa é a
do analisante, pesquisa que implica sempre o analista e sua práxis. Tal percurso nos
obrigou a uma mudança de posição para questionar as posições que ocupamos, nessa
experiência, orientados por uma escuta anatica. Para discutir nossa posição, partimos
de dois casos e os submetemos à construção e análise. Como resultado, encontramos
queo como saber no a priori o que será feito de um diagnóstico, quais serão seus
usos. Ponto que considerávamos devastador para uma criança. Logo, para nós, todas as
crianças que recebessem um diagnóstico estariam destinadas a uma tragédia e o que a
pesquisa nos mostrou é que nem sempre, nem todas. Assim, mais do que saber o que
move a demanda, o importanteo os usos do sujeito e a nossa posição frente à mesma
para que eles possam engendrar um trabalho.
(299 palavras, 1572 caracteres)
Palavras-chave: diagnóstico; educação; psicanálise.
ix
Abstract
This study arises with two questionings: what is the usefulness of a diagnosis in school?
And what moves that demand for diagnosis? Such questions were drawn up in answer
to a diagnostic demand produced in the context of our internship in Scholar/Educational
Psychology. On the perspective of working these issues, we conducted a literature
research on diagnosis, with regard to its history, as a review of the psychoanalytic
literature about the subject. This venture led us to a new interrogation: what are the
elaborations that teachers produce from the child diagnosis, which place her as having
special educational needs? The need of deciding the method that would lead us to
answer such question, taking as reference the psychoanalytic theory, led us to an
incursion to the subject research in psychoanalysis. This tracking points us that,
according to Freud, on what comes to psychoanalysis, theory and research go together
and that psychoanalysis is not a totalitarian world vision. On Lacan, the research is from
the analysand, research that always implies the analyst and its praxis. Such path forced
us to position a change to question the positions we occupy, in this experience, guided
by an analytical listening. To discuss our position, we started from two cases and
submitted them to construction and analysis. As a result, we found out that there is no
way to know in advance what will be done from a diagnosis, which will be its uses.
Point we used to considerate devastating to a child. So, to us, all children that received a
diagnosis would be destined to a tragedy and what the research has shown us is that not
always, not all of them. Thus, more than knowing what moves the demand, the
important is the subject uses and our position towards it so they can generate a work.
(303 words, 1494 characters)
Key-words: diagnosis; education; psychoanalysis.
10
Introdução.
Esta pesquisa teórica se inicia no contexto do nosso estágio curricular em
psicologia escolar/educacional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN). Tal estágio ocorreu no ano de 2006, no Instituto Educacional Casa Escola
(IECE), instituição privada considerada modelo no que diz respeito ao trabalho
inclusivo na capital do estado do Rio Grande do Norte, cidade de Natal. Nesse contexto,
a primeira reunião com os educadores da escola tinha, como um dos objetivos, a
apresentação dos estagiários de psicologia à equipe. Naquela situação, o pedido de uma
professora se constituiu endereçado aos profissionais psi
1
: a oferta de um diagnóstico
de todas as crianças acompanhadas por esses profissionais.
Referidos desde a graduação ao saber da psicalise, acreditávamos que, em
certa medida, como situa Untoiglich (2005), ali se esquecia que cada história possui
uma trama singular, cada criança que nasce traz suas próprias marcas, sua bagagem
biológica, o momento particular em que nasceu, a situação que atravessava sua família,
os desejos, de ambos os pais, assim como uma sociedade que realiza sua própria aposta
sobre este sujeito.
Movidos por esta análise crítica a respeito do lugar que os diagnósticos ocupam
na vida das crianças, rotulando-as, nos perguntamos: qual a utilidade de um
diagnóstico na escola? Mais ainda: o que move essa demanda por diagnóstico? Na
perspectiva de trabalhar tais questões, realizamos uma pesquisa bibliográfica acerca do
1
Demanda aos profissionais “psi”, que consideramos como se referindo tanto aos profissionais que
atendiam as crianças nos consultórios, quanto a nós que fazíamos parte da equipe de psicologia
escolar/educacional. Não no sentido de que nós pudéssemos responder à demanda de diagnosticar as
crianças, mas que esse pedido era dirigido a nós como profissionais “psi”.
11
diagnóstico, no que se refere à sua História, bem como uma revio da literatura
produzida por autores sustentados teoricamente pela psicalise acerca do tema.
Quanto à História, descrevemos um recorte do percurso que vai da Babilônia,
com a prática diagnóstica do asû (médico) ou âchipu (exorcista), passando pela escola
médica grega de Hipócrates (460 a.C. - 377 a.C.), pela medicina árabe (séc. X d.C.),
pela retomada das idéias de Hipócrates no Ocidente (séc. XV d.C.), e pela medicina
Ocidental da Idade Moderna. Por fim, chegando até os dias de hoje com a prática
diagstica embasada na quarta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais (DSM-IV) e na décima edição da Classificação Estatística
Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10).
Quanto à revisão da literatura produzida por autores sustentados teoricamente
pela psicanálise, encontramos posições diversas. De um lado, a denúncia de que os
destinos dos diagnósticos atuais muitas vezes servem para imprimir, tanto para os pais,
como para os outros, um sentido pleno, único em relação ao sujeito, cuja descrição é o
que importa. Por outro lado, tal revisão de literatura nos mostrou também a necessidade
estrutural do humano de ordenar o seu mundo, revelando o quanto esse ato de classificar
pode ser tranqüilizador para ele.
Tal diversidade de posições nos levou a uma nova interrogação. Se de um lado a
hipótese diagnóstica pode encapsular a criança delineando uma tragédia, mas, de outro,
ela pode ser organizadora tanto para a criança quanto para os outros a sua volta, nos
interrogamos: o que faz com que, a partir do diagnóstico, outras elaborações sejam
feitas? E, acerca da criança, o que faz com que, a partir de uma tragédia possamos
elaborar um drama com um final imprevisível? Na perspectiva de darmos tratamento a
este problema, produzimos a seguinte interrogação: quais as elaborações que as
12
professoras produzem a partir do diagnóstico da criança, que situem esta como
apresentando necessidades educativas especiais
2
?
A necessidade de decidirmos o método que nos levasse a responder tal questão,
tomando como referência a teoria psicanalítica, nos levou a uma incursão ao tema da
pesquisa em psicanálise. Este trilhamento nos aponta que, seguindo Freud, em
psicanálise, teoria e pesquisa andam juntas e que a psicanálise não se pretende uma
visão de mundo totalizadora. Em Lacan, a pesquisa é a do analisante, pesquisa que
implica sempre o analista e sua práxis
3
.
Tal percurso nos mostra que a referência à psicanálise, bem como o objetivo de
utilizá-la como marco teórico do trabalho nos obriga a uma mudança de posição para
questionar, agora, quais as posições que ocupamos, nessa experiência, orientados por
uma escuta analítica, frente à demanda de diagnóstico de todas as crianças. Essa
pergunta enfatiza a experiência em sua lógica subjacente, meio de transmissão da
psicanálise, permitindo analisar suas conseqüências do interior da própria psicanálise.
Para discuti-la, partimos de dois casos e os submetemos à construção e análise.
Este trabalho, portanto, se constitui de cinco catulos. No primeiro catulo, “A
História do diagnóstico: breve incursão da Babilônia aos dias de hoje”, realizamos uma
pesquisa bibliográfica acerca do diagnóstico, no que se refere à sua História. No
segundo capítulo, “Diagnósticos atuais e psicanálise: meninos sem história”,
trabalhamos a denúncia dos autores analistas a respeito dos diagsticos atuais. No
2
De acordo com as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (2001), os
alunos atendidos pela educação especial, portanto, aqueles com necessidades educativas especiais
“apresentam deficiências (...); condutas típicas de síndromes e quadros psicológicos, neurológicos ou
psiqutricos, bem como de alunos que apresentam altas habilidades/superdotação (...) Hoje, (...) passando
a abranger (...) as dificuldades de aprendizagem (...) não vinculadas a uma causa orgânica” (p. 43). Nessa
segunda categoria, se apresentam as dificuldades de aprendizagem como a dislexia, problemas de
atenção, perceptivo, emocionais, de memória, cognitivos, psicolingüísticos, psicomotores, motores, de
comportamento, e ainda as privações socioculturais e nutricionais.
3
Nas palavras de Lacan (1964/1991), práxis é “o termo mais amplo para designar uma ação realizada
pelo homem, qualquer que ela seja, que o põe em condição de tratar o real pelo simbólico” (p. 14).
13
terceiro capítulo, “Pesquisa em psicanálise: reviravoltas no percurso”, discutimos o
tema da pesquisa em psicanálise para darmos um tratamento analítico à questão que
formulamos em uma pretensa operacionalização “empírica” das nossas questões
principais sobre o que move a demanda diagnóstica das professoras e qual a utilidade do
diagstico na escola. No quarto capítulo,Construção dos casos: considerações de um
resultado”, constrmos dois casos da experiência de estágio, com o intuito de
enfatizarmos sua lógica subjacente em resposta ao questionamento sobre nosso
posicionamento na escola e, conseqüentemente, possibilitarmos a transmissão do que
encontramos como resultado dos nossos problemas sobre o uso de um diagstico na
escola e o que move a demanda por este. No quinto capítulo, “Conclusões: Cheherazade
ensina uma posição a Chahriar.”, enfatizamos o percurso a partir dos nossos resultados.
14
1. A História do diagnóstico: breve incursão da Babilônia aos dias de
hoje.
Na perspectiva de trabalhar as primeiras questões formuladas nesta pesquisa –
qual a utilidade de um diagnóstico na escola? Mais ainda: o que move essa
demanda por diagnóstico? – realizamos uma pesquisa bibliográfica acerca do
diagstico, no que se refere à sua História. Não temos nenhuma pretensão de abarcar
toda a trama de reviravoltas que constitui a História do diagnóstico, mas um extrato de
certos trechos que, por ora, achamos relevantes. Além disso, trata-se de uma análise
particular que empreendemos, em resposta aos questionamentos que surgiram no início
da pesquisa, acima formulados.
Uma das justificativas em relação à escolha pela História, no que concerne à
questão diagnóstica, é a consideração de Le Goff (1997) sobre a doença. Este autor
acredita que a doença pertence à História, porque não é mais do que uma idéia (um
certo abstrato) e porque as doenças são consideradas mortais. Ao lermos essas
afirmações, o que permanece é a idéia de que as doenças, portanto, os diversos modos
de sua classificação, são historicamente datadas e, por vezes, destinadas à própria
extinção. Aceitando essa premissa, partimos para uma análise dos usos de um
diagstico, suas modificações e princípios. Para tanto, achamos conveniente partir de
um ponto demarcado, o icio da História, a Antiguidade
4
.
Nesse período, mais precisamente na Babilônia entre os séculos XVIII e VI a.C.,
as atitudes face às doenças dependiam do sistema que o médico seguia: a medicina dos
4
Escolhemos a Antiguidade por ser o período em que os primeiros registros escritos sobre as descrições
da doença tiveram lugar.
15
médicos ou a medicina dos magos. Ambos os sistemas conviviam nessa civilização: o
asû (médico) ou âchipu (exorcista). Percebemos, assim, que se aprendeu muito cedo a
combater o mal físico com os meios disponíveis. Desse modo, os “asû serviam-se antes
de qualquer coisa de remédios (bultu: 'o que dá a vida'), extraídos de todos os elementos
da natureza, mas principalmente das plantas” (Botero, 1997, p. 12). As drogas estavam
descritas em intermináveis catálogos:
Métodos, receitas e tratamentos eram apontados em
verdadeiros “tratados” mais ou menos
desenvolvidos, mais ou menos especializados:
contra a “tosse”, a “febre”, as “dores de cabeça”, as
“doenças dos olhos” oudos dentes”, as doenças
internas... Neles se enumeravam e descreviam os
diferentes males estudados, alinhando-se para cada
um fórmulas, por vezes numerosas, entre as quais o
médico teria que escolher. (Botero, 1997, p. 13-14)
Antes de receitar” o remédio, o asû procurava identificar a “natureza do mal”.
Depois agia por conta própria e diretamente sobre o doente, utilizando drogas
escolhidas, preparadas e combinadas por ele mesmo. Algumas vezes, quando se sentia
bastante seguro nos seus procedimentos, pedia para o doente que obtivesse uma contra
prova junto ao oráculo (Aríspice), talvez para reafirmar tal segurança. No entanto, por
vezes o asû não julgava necessário precisar o nome do mal, nem explicar a natureza
desse ao seu “paciente”. Ele contentava-se com o essencial: “a receita” (Botero, 1997).
Os habitantes da Mesopotâmia acreditavam que as doenças eram apenas
manifestações do que Botero (1997) nomeia como “mal de sofrimento” (p. 16). Assim,
a atitude do asû a respeito do diagnóstico pode ser descrita como uma posição que
aglutinava o “racional” e o “irracional”, além disso, a responsabilidade do diagstico
recaia sobre ele.
16
Nesse cenário, os sumérios e os babilônios acreditavam em deuses que eram à
sua imagem, pom mais fortes que eles. Nesse sentido, omal do sofrimento” seria
atribuído às personalidades inferiores aos deuses, mas superiores às suas timas – os
demônios. As ofensas aos deuses eram reprimidas com castigos que eles impunham, que
ardilosamente deixavam o caminho livre para os demônios. Contra os seus ataques, os
homens criaram técnicas – entre estas, a “medicina exorcista”. Assim, o médico já não
era o asû, mas o exorcista (em acadiano chamava-se âchipu), “algo como o
‘esconjurador’ (dos males), ou o ‘purificador’ (das máculas responsáveis pelo
aparecimento dos ditos males)” (Botero, 1997, p. 21).
As técnicas do âchipu se configuravam em um ritual previamente estabelecido,
por cuja execução apagava-se diante dos deuses, ou seja, os deuses agiam através dele.
Em outras palavras, quem operava eram os deuses através do âchipu. Diferente de uma
iniciativa deixada a cargo do operador, que como situamos acima, era o caso do médico
asû, responvel pelo diagnóstico. As práticas do âchipu respondiam a um “mal de
sofrimento originário das ofensas aos deuses, que, por essas ofensas, deixavam livres
os demônios:
o mal é aqui considerado como uma realidade
material, trazida de fora (“o Inferno”) pelos
demônios” e colocado no corpo do doente, o qual
se encontrava exposto sem defesa, a semelhante
perigo pelo seu deus, a quem ofendera e que o
abandonava assim aos executores de sua vingança.
(Botero, 1997, p. 23)
Por fim, as posições diagnósticas das terapêuticas do asû e do âchipu podem ser
encontradas no Tratado de Diagnósticos e de Prognósticos Médicos. Distribuído em 40
tábuas e, atualmente, com mais de trinta e cinco séculos, o seu objetivo era reunir todos
17
os “sinais” e “sintomas” observados, para tirar conclusões relativas à natureza do mal e
à sua evolução. Estes sintomas eram classificados da cabeça aos pés do doente e tinham
em conta as características médicas como: cor, volume, aspecto, temperatura,
sensibilidade, atitudes do doente, etc. (Botero, 1997). Cada observação era seguida do
prognóstico: “favorável” ou “fatal”, ou ainda: “estará doente x dias antes de melhorar”,
ou “... de morrer”. Tanto no que diz respeito a esses diagsticos, como a esses
prognósticos, existe no Tratado uma preocupação de verossimilhança, de análise factual
dos dados. Paradoxalmente, engloba ao mesmo tempo traços surgidos do exorcismo, da
posição do âchipu a respeito do diagnóstico.
Na Grécia, esse mesmo arranjo entre o “racional” e o “divino” podia ser
encontrado. Ao considerar os poemas homéricos – a Ilíada e a Odisséia –, Sousa (1981)
nos permite o encontro com a repetição deste arranjo – entre a medicina do asû
(médico) e a do âchipu (exorcista). No que lhe concerne, o autor considera que “a
medicina é apresentada na Ilíada como uma arte natural, sem caráter mágico ou
sacerdotal, exercida por pessoas conhecidas pelo seu saber e pela atuação como médicos
e cujos serviços eram tidos em grande apreço” (Sousa, 1981, p. 28). Enquanto que na
Odisséia que é posterior à Ilíada, aparecem referências a remédios e práticas mágicas,
provenientes do Egipto” (Sousa, 1981, p. 28).
Ora, ao situar a Ilíada, poderíamos considerar que a medicina desconsiderava o
apelo à magia e esta configuração estaria dissipada, porém o próprio Homero, ao
escrever a Odisséia, não nos deixa esquecer o lugar da magia na medicina praticada
entre os gregos. Por outro lado, na Ilíada, estão relacionados o médico e o paciente
ferido de guerra, não há a consideração pelo “mal de sofrimento” como castigo dos
deuses, mas doenças que naquela época teriam uma causa próxima, como é o caso de
um ferimento de guerra. Por conseguinte, não podemos afirmar que o médico da Ilíada
18
não se referia aos deuses gregos, ao mágico, apenas a especificidade do mal parecia
referido as “causas acidentais”.
O primeiro personagem, que, digamos, encarna esta configuração entre o
racional” e o “mágico” é Asclépio. De acordo com Sousa (1981), Asclépio é
mencionado na Ilíada como tendo sido um médico da Tessália, de extraordinário saber.
Entretanto, a lenda se apoderou desse personagem – ele passou de médico a deus. A
prática médica de Asclépio se tornou tão admirável que chegou a ponto de ser imputada
à sua pessoa a ressuscitação dos mortos. Segundo a lenda, essa prática teve
conseqüências dramáticas para Asclépio:
A pedido de Plutão, senhor dos infernos, que via o
seu reino desfalcado pela audácia de um mortal, o
que de resto também não agradava aos outros
deuses por afrontar uma das prerrogativas de que
eram mais ciosos, Zeus fulminou-o com um raio.
Logo, porém, se arrependeu do gesto irrefletido e
ASCLÉPIO foi admitido na categoria dos deuses e
venerado como tal. A lenda continua exaltando a
sua ascendência até ao nível dos ‘imortais’, tornado
filho de Apolo, o inventor da Medicina e da ninfa
Coronis. (Sousa, 1981, p. 30)
Desse modo, foram erguidos templos em seu nome, onde aquele que demandava
a cura, depois de uma purificação, por meio de sacrifícios, abluções
5
e jejuns, era
admitido no templo e, por fim, passava uma ou mais noites no abaton
6
, onde, mediante
o sonho profético, esperava que o próprio Asclépio viesse, em pessoa, cu-lo, ou pelo
menos lhe dar as instruções que, interpretadas pelos sacerdotes, lhe permitiriam
recuperar a saúde.
5
Ritual de purificação e expurgação por meio de lavagem.
6
Lugar de repouso e espera pelos deuses.
19
Conforme Sousa (1981), aqueles que, porventura, obtivessem o alívio de seu
mal de sofrimento, cumpririam um ritual de seu reconhecimento com ofertas e
dádivas. Estas ofertas consistiam em baixos relevos com as figuras de Asclépio e seus
filhos e, por vezes, as dos pacientes. Além disso, consistiam também em representações
das partes do corpo ou dos órgãos afetados, feitas de mármore ou de terracota ou ainda,
de tábuas com a descrição das moléstias e da cura alcançada. Assim, estas figuras
possibilitaram a transmissão da história desses personagens.
Também na Grécia, havia uma rivalidade entre duas tradições – as escolas
médicas gregas de Cnide e Cós –, as quais sustentavam configurações opostas para a
relação entre a doença e o doente. Segundo Sousa (1981), na escola de Cnide,
procurava-se reconhecer e distinguir as doenças uma das outras pelos sintomas
apresentados e relacioná-las com os órgãos atingidos. Conseqüentemente, esta
orientação conduzia à formação de “especialistas”, de cirurgiões, de ginecologistas, etc.
Já na escola de s, dominava o conceito de doença como afecção geral do
organismo. Seria em o procurar distinguir as “doenças” uma das outras pelos
sintomas, porque estes viriam constantemente no decorrer da mesma doença. Cada dia o
paciente teria uma “nova doença” e o número de doenças seria infinito. A doença é uma
abstração e o doente o problema real. De acordo com essa orientação, a medicina não
pode deixar de ser a arte de tratar o homem enfermo segundo as normas ditadas pela
experiência e guiadas pela observação minuciosa e esclarecida. Assim, esta orientação
formaria “generalistas”, mais ocupados com o “doente” que com a “doença”.
Nesse contexto, Sousa (1981) considera que a escola grega de Hipócrates (460
a.C. - 377 a.C.) opera uma mudança de posicionamento no que se refere à questão da
racionalidade, à preocupação com o saber do médico e o modo como ele age para se
afirmar junto ao seu paciente oferecendoconselhos” a partir dos seus tratados. Os
20
seguidores desta orientação almejavam “elaborar uma medicina racional, a partir de um
duplo procedimento: procurar as causas das doenças com a ajuda de múltiplas
observações e depois aplicar os redios apropriados” (Mossé, 1997, p. 40). Nesse
sentido, o “mal de sofrimento”, considerado pelos babilônios um castigo dos deuses,
passou a ser concebido como um desregramento, um desequilíbrio (doença).
Na perspectiva de elaborar uma medicina racional, a consideração da separação
entre o “ócio filofico” e a arte médica propriamente dita ganha importância, e a
passagem descrita por Sousa (1981) do texto de Hicrates é esclarecedora:
Alguns dizem, tanto médicos como filósofos, que é
impossível compreender a medicina sem saber o
que o Homem é, como apareceu e como, no
princípio, se tornou um ser. Por mim penso que
todos estes discursos dos sofistas e dos médicos e
tudo o que escreveram sobre a natureza está mais
relacionado com o seu ofício de escrever do que
com a medicina propriamente dita. (Hipócrates
citado por Sousa, p. 57)
Em contrapartida, Mossé (1997) acredita que a medicina refletida pelo
pensamento hipocrático consiste na consideração de que o médico precisa estabelecer
uma verdadeira colaboração com o doente para poder fazer o diagnóstico: “cada doente
(...) é um caso especial, (...); e, se a atitude do dico consiste em descobrir as leis
gerais da evolução das doenças, é-lhe também necessário ter em conta os seus aspectos
específicos” (Mossé, 1997, p. 44). Podemos asseverar que a doença” é o que importa
tanto nos aspectos gerais como nos específicos, e “o doente” é o auxiliar para atingir tais
objetivos. Desse modo, a consideração crítica pelo “ser do Homem” ser conseqüência
do ocio de escrever, como o próprio Hicrates sustentava, é a marca de uma medicina
21
distinta da dele. Acentua-se, assim, o aspecto “racional” que a medicina hipocrática traz
em seu bojo.
Assim, como sustenta Sousa (1981), Hicrates reconheceu que todas as
doenças têm uma causa natural sem a qual não poderiam surgir, combatendo com
elevação os ritos mágicos. As causas seriam procuradas na influência de fatores de
ambiente e também na transmissão hereditária. Ainda de acordo com Sousa (1981), para
Hipócrates o conhecimento da causa permitiria encontrar o remédio apropriado, e a
função do médico é auxiliar, por todos os meios ao seu alcance, a força natural a vencer
a situação mórbida, abstendo-se de perturbar esta força.
Muitos séculos depois (séc. X d. C.), a herança de Hicrates ainda era marcante
na medicina árabe, segundo a qual todas as substâncias terrestres derivam de quatro
elementos essenciais e a doença tem uma causa que deve ser atacada para se obter uma
cura. Os médicos árabes desta época não desamparam a medicina sem uma herança. No
Livro que Contêm Tudo, uma enciclopédia com 23 volumes, as doenças estão repartidas
em 12 capítulos, estes começam por aquelas que se localizam na cabeça e acabam nas
que afetam os pés. O que é mais interessante é que graças às traduções feitas pelos
árabes, para cada caso, estão descritas as opiniões dos autores gregos, sírios, indianos,
persas e árabes (Micheau, 1997). Além disso, a medicina árabe difere da medicina
Ocidental da mesma época, pois esta permanece alimentando a crença no divino, ou
seja, estão mais apoiados na tradição babilônica dos médicos exorcistas (âchipu).
Apenas no século XV a medicina Ocidental sofreu uma mudança, e se ligou à
tradição hipocrática, dando lugar à descrição de casos concretos capazes de servirem de
exemplo. A questão sobre como estabelecer um diagnóstico de doenças sem
manifestação externa se tornou um problema, pois não havia métodos ou instrumentos
para explorar o interior do corpo. Este problema foi solucionado com o apoio da
22
“razão”, pelo “racional”. Novamente, os tratados ajudaram a estabelecer o diagnóstico,
só que agora “fundamentando-se em dois sinais principais: o ritmo do pulso e a cor ou a
consistência das urinas” (Jacquart, 1997, p. 79).
O que foi fundamental nessa época foi o pensamento de que nenhuma
classificação podia dar conta das múltiplas variações que oferece a natureza. Além
disso, como afirma Jacquart (1997) o tratamento com a doença, a passagem da teoria
para a prática, se dava à cabeceira do doente, quando o diagnóstico repousava sobre a
única observação dos sintomas mais manifestos.
Da Babilônia à Idade Média, a doença passou de um “mal de sofrimento”, ou
seja, algo atribuído ao divino, a um desequilíbrio dos temperamentos (humores) do
corpo, voltando a ser concebida como um castigo divino, mas agora obra de um único
Deus. Encontramos, assim, mais uma vez a referência a um mal e a um desregramento.
As posturas do médico em direção ao diagnóstico passaram, portanto, pela sua crença
nos deuses, pela classificação dos sinais e sintomas da cabeça aos pés e pela razão
sustentada por tratados milenares.
A partir da Idade Moderna, século XVII, na análise de Figueiredo (1999), houve
redefinições nas relações entre sujeito e objeto, as quais já vinham sendo constrdas
desde o Renascimento. A razão cada vez mais deixava de ser contemplativa e passava a
ter um caráter instrumental. O empirismo de Bacon via o sujeito como senhor de direito
da natureza, cabendo ao conhecimento transformá-lo em senhor de fato. A existência é
prático-teórica, com o caráter operante entre o homem e o mundo. E em seu
racionalismo, Descartes compartilha com Bacon o interesse utilitário, concebendo uma
filosofia prática em que os homens são senhores e possuidores da natureza. Desde
então, a subordinação do conhecimento científico à utilidade, à adaptação e ao controle,
bem como à modelação da prática científica pela ação instrumental, alcançam realce
23
cada vez maior. A aplicação prática do conhecimento passava a justificar e motivar a
pesquisa. Na prática científica e na reflexão epistemológica, a instrumentalidade do
conhecimento era uma das determinações internas da ciência, cujos procedimentos e
técnicas definiam-se nos termos de controle,lculo e teste. O real, a natureza, objeto
dessa ciência, era apenas o real tecnicamente manipulável.
De acordo com Figueiredo (1999), o cientificismo busca a inteligibilidade dos
fenômenos naturais a partir da crença em uma ordem natural (ordem independente dos
sujeitos que a experimentam). O ideal de previsão e cálculo exatos é condicionado por
uma abstração que exclui o sensível, para trabalhar apenas com o inteligível, com o
puramente racional. Quem alavancou esse pensamento, conforme Figueiredo (1991), foi
Newton, no século XVIII, que sistematizou uma síntese explicativa dos femenos
físicos, dedutíveis a partir de uns poucos axiomas. Ocorreu, então, uma ruptura
epistemológica – abstração do objeto para que a previsão fosse eficaz. A previsão
sempre tem uma margem de erro, mas não se compara com o cálculo que precisava ser
feito antes, pois tinha que ser feito em cada caso (ad hoc) e assim a generalização não
era possível.
Dessa forma, o Projeto Epistemológico da Modernidade instaurou-se em um
contexto de falência das tradições históricas e das formas de vida coletiva reguladas
pelas tradições e pela obediência a autoridades intangíveis, perda de raízes e referenciais
estáveis a servirem de base para existências relativamente apaziguadas e protegidas de
episódios catastróficos (ameaçadores à identidade e continuidade) (Figueiredo, 1991).
Assim, com a Idade Moderna, a medicina deixou de ser uma ciência
classificatória – em cujo espaço de localização a doença era livre –, e passou a ser
anátomo-clínica – cujo processo de classificação de sintomas se atrelou à localização
anatômica da doença. A respeito disso, Foucault (1998) afirma:
24
O espaço de configuração da doença e o espaço de
localização do mal no corpo foram superpostos,
na experiência médica, durante curto período: o
que coincide com a medicina do século XIX e os
privilégios concedidos à anatomia patológica. (p.
1-2)
Para a medicina classificatória, o fato de se atingir um órgão não é
absolutamente necessário para definir uma doença, ou seja, o órgão poderia estar
lesionado sem constituir uma doença que afligisse o sujeito ou o mantivesse em risco de
morte. Com a ruptura epistemológica, apontada por Figueiredo (1991), a cnica se
tornou, ao mesmo tempo, um novo recorte das coisas e o princípio de sua articulação
em uma linguagem reconhecidamente de uma ciência positiva. Nesse sentido, nas
palavras de Foucault (1998), a clínica apareceu:
para a experiência do médico como um novo perfil
do percepvel e do enunciável: nova distribuição
dos elementos discretos do espaço corporal
(isolamento, por exemplo, do tecido, região
funcional de duas dimensões, que se opõe à massa,
em funcionamento, do órgão e constitui o paradoxo
de uma superfície interna), reorganização dos
elementos que constituem o fenômeno patológico
(uma gramática dos signos substitui uma botânica
dos sintomas), definição das séries lineares de
acontecimentos mórbidos (por oposição ao
emaranhado das escies nosológicas), articulão
da doença com o organismo (desaparecimento das
entidades mórbidas gerais que agrupavam os
sintomas em uma figura lógica, em proveito de um
estatuto local que situa o ser da doença, com suas
causas e seus efeitos, em um espaço
tridimensional
7
). (p. XVII)
7
Grifo nosso. A entidade nosográfica, a entidade mórbida, é concernida por três elementos, que
configuram um espaço tridimensional: quadro descritivo da doença, substrato anatômico, e agente
etiológico das lesões (Priszkulnik, 2000).
25
Nessa clínica moderna, a pergunta se deslocou de “o que é que você tem?”, para
onde lhe dói?”. Houve uma mudança de paradigma na medicina, que se inseriu na
lógica do tratamento e diagnóstico. De acordo com Priszkulnik (2000), a Medicina
antes do século XIX levava em conta um conjunto de qualidades que a distanciava da
lógica científica. No século XIX, a cena era outra: a Medicina passou a se vincular a
uma “cncia positiva”, na qual foram associadas lees dos órgãos (anatomia) a
sintomas bem definidos.
Como aponta Canguilhem (1982), Morgagni criou a anatomia patológica, que
permitiu que se associasse às lesões de órgão definidas, grupos de sintomas estáveis.
Assim, a classificação nosográfica encontrava um substrato na decomposição
anatômica. O sujeito foi expurgado. Em uma primeira etapa o que interessa é o corpo do
doente, mas através do corpo morto (autopsia). Em uma segunda etapa, com os avanços
da fisiologia, esse corpo se tornou funcional (biopsia) (Priszkulnik, 2000).
Entrou em cena o discurso científico sobre a doença. O discurso sobre os
homens se transformou em um discurso sobre seus corpos doentes. Priszkulnik (2000)
chama atenção para o modo como se passou a realizar o diagnóstico: de forma
objetiva” em relação ao paciente, a partir da perspectiva do médico. O médico escuta
seletivamente as palavras do paciente para formular um diagnóstico, ou seja, o médico
só reconhece o que está inscrito no seu “olhar”. Preconiza-se, aqui, que o sujeito não
possa interferir no diagnóstico sendo um empecilho para que este alcance o caráter
científico. Ao mesmo tempo, ele não deixa de se inscrever, já que no corte feito nas
palavras do doente está o sujeito do médico.
A respeito do pensamento do século XIX, quanto às relações entre o normal e o
patológico, Canguilhem (1982) se pergunta se equivaleria ao estado patológico uma
modificação quantitativa do estado normal, pois a tese que regeu esse período consistia
26
em que os fenômenos patológicos eram idênticos aos femenos normais
correspondentes, salvo pela variação quantitativa. O pensamento que se contrapunha a
essa tese era aquele cuja tese estabelece que doença difere da saúde, o patológico do
normal, como uma qualidade difere de outra, quer pela presença ou ausência de um
princípio definido, quer pela reestruturação da totalidade orgânica” (Canguilhem, 1982,
p. 21).
Dessa forma, os avanços da fisiologia contribuíram para a possibilidade de
afirmar que, conhecendo um fenômeno fisiológico, estaamos em condições de avaliar
as perturbações que ele poderia sofrer no estado patológico. O doente deixou de ser
configurado por sua doença enquanto uma entidade de anatomista, ou seja, a doença
tinha sua etiologia orgânica com um correlato anatômico, porém continuou sendo uma
entidade de fisiologista, ou seja, a etiologia da doença continuou orgânica, mas com um
correlato fisiológico. Por fim, Canguilhem (1982) afirma sua posição:
Achamos, assim como Leriche, que a saúde é a
vida no silêncio dos óros; (...) que o normal
biológico só é revelado (...) por infrações à norma,
e que não consciência (...) da vida a não ser pela
doença. Achamos, como Sigerist, que a doença
isola, (...) nenhum doente perspicaz pode ignorar as
renúncias e limitações que os homens sãos impõem
a si mesmos. (...) Achamos, como Goldstein, (...) a
norma é (...) individual. Achamos, em resumo, que
considerar a vida uma potência dinâmica de
superação, como Minkowski, (...) é obrigar-se a
tratar do modo idêntico a anomalia somática e
anomalia psíquica. (p. 90)
A partir desses pensamentos diversos acerca do que é o diagnóstico, a doença, o
normal, o patológico, a clínica, etc., se alicerçam as bases do pensamento e imaginário
sobre o que é um diagnóstico nos dias de hoje. Dos jardins suspensos da Babilônia aos
27
dias atuais várias coisas mudaram, mas alguns pensamentos se fazem tão atuais como se
estissemos no tempo de Nabucodonosor. Pensamentos que podemos ver refletidos na
quarta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV) e
na décima edição da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas
Relacionados à Saúde (CID-10), que demarcam a posição atual frente às questões
diagnósticas.
Assim como na Babinia, com seu Tratado de Diagnósticos e de Prognósticos
Médicos, os médicos ainda hoje necessitam de um artifício, seja para guardar suas
observações clínicas, os diagnósticos e os prognósticos, seja para ter uma linguagem
comum entre eles que pudesse ser utilizada por todos. Porém, os principais tratados dos
dias atuais (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas
Relacionados à Saúde – CID-10 e o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais – DSM-IV) guardam a preocupação estatística, conseqüência do pensamento
nomotético-quantificador da ciência positivista. Isso reflete a crença em um nomos, um
mesmo que se repete e que pode ser generalizado para prever e controlar o objeto dessa
ciência. Tudo com a justificativa de uma linguagem comum entre os profissionais da
saúde mental. Am de centrar suas forças no diagstico, esses tratados não dão tanta
importância aos prognósticos e à preocupação, tanto da escola de Cós e da medicina
medieval, de que nenhuma classificação daria conta da singularidade do caso.
Iremos centrar nossa discussão na quarta edição do Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais
8
(DSM-IV), por ser a fonte principal tanto para a
realização de um diagnóstico atual no campo “psi”, quanto de críticas no que diz
respeito à questão do diagnóstico. É importante registrarmos que a primeira edição do
DSM era uma variação da sexta revisão da CID. A versão atual continua
8
Manual estatístico da Associação Americana de Psiquiatria (American Psychiatric Association -APA)
28
correlacionando-se com a Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento
da CID-10, da Organização Mundial da Saúde (OMS). Portanto, quando apresentamos o
DSM estamos, em certo sentido, apresentando, tamm, a classificação de transtornos
mentais da CID.
O DSM-IV está agrupado em 16 classes diagnósticas distintas, que recebem
digos numéricos específicos e se distribuem por cinco grandes eixos, que são os
seguintes: Eixo I: Apresenta os transtornos clínicos propriamente ditos; Eixo II:
Descreve o retardo mental e transtornos de personalidade, reunidos em três grandes
agrupamentos; Eixo III: Descreve as condições médicas gerais; Eixo IV: Aborda os
problemas psicossociais e ambientais associados com o transtorno mental; Eixo V:
Constitui-se por uma escala de avaliação global de funcionamento.
O DSM-IV possui finalidades clínicas, educacionais e de pesquisa. Justificado
em sua base empírica, que se esforça por obter brevidade nos conjuntos de critérios,
clareza de linguagem e relatos explícitos dos construtos incorporados nos critérios
diagnósticos (APA, 1995). O seu uso na clínica é recomendado para qualquer
profissional do campo, qualquer que seja a teoria que embasa sua clínica, seu uso na
pesquisa serve ao interesse de aperfeiçoamento da coleta de informações clínicas, e o
uso na educação se dá como instrumento didático para o ensino de psicopatologia.
Quanto à justificativa de ser aplicado entre diferentes culturas, o DSM-IV (APA, 1995)
aponta que o envolvimento com muitos especialistas internacionais é o que garante esta
aplicação.
O texto do DSM-IV (APA, 1995) afirma que é um engano comum pensar que
uma classificação de transtornos mentais classifica pessoas. Segundo ele, o que se
classificam são os transtornos que as pessoas apresentam. Essa questão é ressaltada na
seguinte afirmação:
29
Por esse motivo, o texto do DSM-IV (assim como
o texto do DSM-III-R) evita o uso de expressões
tais comoum esquizofrênico” ou “um alcoólico”,
e ao invés disso, usa a expressão, ainda que
claramente mais incômoda
9
, “um indiduo com
Esquizofrenia” ou “um indivíduo com
Dependência de Álcool”. (APA, p. xxi, 1995)
Essa questão aparece como resposta às críticas das classificações de pessoas. No
entanto, ao afirmar o inmodo com o uso de tais expressões revela outra posição. Será
que a mudança é apenas uma resposta às críticas?
A inclusão de um transtorno na classificação do DSM-IV (como na medicina
geral) não exige que exista o conhecimento sobre sua etiologia. Diferente dos médicos
da Babilônia que tinham a preocupação em saber a “natureza do mal”, o que importa à
classificação atual são os sinais e os sintomas. Mas, ao contrário da medicina
classificatória de outras épocas, sobre esse novo tratado paira sempre a suspeita da
etiologia orgânica ou genética da doença.
De tudo isso, o que se pode afirmar é que há uma diferença crucial entre os
médicos da Babilônia e os médicos nos dias de hoje. Os da Babilônia eram falíveis: “o
asû era falível, como toda gente, ele podia (...) hesitar, até enganar-se. Quanto aos
exorcismos, os deuses eram livres de não escutar as orações que lhes eram dirigidas”
(Botero, 1997, p. 27). Já os médicos de hoje não podem errar, pois “a medicina hoje
aparece mais do que nunca como um produto da conjunção da ciência com o discurso
capitalista” (Quinet, 2003, p. 150). Em outras palavras, o importante é que tudo
funcione para que os consumidores consumam seus gadgets
10
, o erro é perda de mais-
9
Grifo nosso.
10
Objetos de consumo.
30
valia
11
. O mercado controla a marcha dos médicos, os quais precisam cada vez mais se
especializar e ser mais rápidos.
Sob a vigência dessas transformações, desde as quais o erro não pode ser
cometido, e tudo ocorre com maior rapidez,o seria legítimo exigir um diagnóstico
para que tudo funcione conforme a marcha? Não seria legítima a demanda de
diagnóstico das professoras? Assim, em certo sentido, este trilhamento pela História
responde ao questionamento sobre o que move a demanda diagnóstica. Voltaremos a
esta afirmação em capítulo subseqüente para extrair algumas conseqüências.
Além da História do diagnóstico, na perspectiva de trabalhar as primeiras
questões formuladas nesta pesquisa – qual a utilidade de um diagnóstico na escola?
Mais ainda: o que move essa demanda por diagnóstico?, tomando como referência
a teoria psicanalítica, realizamos uma revisão da literatura produzida por autores,
sustentados teoricamente pela psicanálise, acerca desse tema.
Essa revisão, bem como suas conseqüências, são objetos do capítulo a seguir.
11
Termo oriundo da teoria marxista que Lacan (1969-70/1992) comenta em seu seminário intitulado O
avesso da psicanálise, com o intuito de situar os discursos que ele propõe.
31
2. Diagnósticos atuais e psicanálise: meninos sem história.
Discutindo acerca da questão diagnóstica, alguns psicanalistas, como Janin
(2005), Jerusalinsky (2005) e Levin (2005), acreditam que nomear e classificar são atos
tranqüilizadores para o humano. Algo deixa de ser inominável, estranho, e passa a ter
um nome, isso dá a certeza de que já se sabe do que se trata. O intuito desses autores é
denunciar, em primeiro lugar, para que serve o diagnóstico e, em segundo lugar, alertar
para a lógica classificatória embutida nos diagnósticos, atrelada à medicação e a
etiologia orgânica. Nessa perspectiva, esses autores acreditam que é necessário
dialetizar a questão do diagnóstico, encontrar questões e não “verdades” ou
significações cristalizadas. Abordam a classificação diagnóstica, nesse caso específico,
como uma tentativa de enquadrar o sofrimento, descontextualizando o que aquele
sujeito produz, em certo sentido, produzindo “meninos sem história”
12
.
Nesse contexto, alguns psicanalistas sustentam essa denúncia a respeito dos
diagnósticos. Bernardino (2004), Jerusalinsky (2005), Kupfer (2000), Levin (2005) e
Priszkulnik (2000) denunciam que os destinos dos diagnósticos atuais muitas vezes
servem para a impressão de um sentido pleno, único, cuja descrição é o que importa,
tanto para os pais, como para os outros em relação ao sujeito. A criança fica aderida à
significação, cristalizada, a partir de seu “sintoma”. Nesse sentido, os outros não se
em implicados naquilo de que se queixam.
Para tais autores há, atualmente, uma excessiva presença de diagnósticos em
nossa sociedade, ou seja, para que tudo funcione é necessário que todos sejam
12
Termo tomado de empréstimo a Jerusalinsky (2005), mas reafirmado por diversos outros autores. Para
apontar a posição na qual a criança é interpelada no discurso do outro: fora da história, marcada por um
selo, por um rótulo.
32
diagnosticados. Como afirma Levin (2005), essa tendência abarca as crianças desde o
nascimento, classificando-as dentro de parâmetros fixos, estáticos e
descontextualizados. O diagnóstico enunciado assenta de uma só vez e para sempre um
rótulo com um sentido imutável. A partir dessa significação plena de sentido, se
compreende tudo que se passa com a criança, portanto,
los diagnósticos considerados de este modo
delinean en el niño una experiencia sin
pensamiento ni resignificación. Fijan y pronostican
su futuro. El diagnóstico actual, transformado y
decodificado en el futuro del niño, es el fiel reflejo
siniestro de una ciencia sin sujeto y sin infancia.
(Levin, 2005, p. 55 – 56)
Esquecem a provisoriedade da subjetividade na infância. Vorcaro (2004) propõe
que seja preservada a dignidade de enigma que o tempo de criança nos ime. Ela
aponta que é necessário que uma estrutura tenha se constitdo para que a criança possa
ser diagnosticada, a história deve ser contada. Nessa perspectiva, Bernardino (2004),
assim como outros autores psicanalistas, pressupõe uma maleabilidade das estruturas
psíquicas da criança. Porém, sustenta que mesmo entre os psicanalistas, há uma
divergência quanto à questão de uma possível mudança de rumo na definição da
estrutura.
Segundo Bernardino (2004), a psicanálise descobriu que a estrutura é obra das
palavras. Desse modo, se as psicoses no período da infância são consideradas na sua
maioria como “não-decididas”, quais seriam as conseqüências da transmissão de um
diagstico às professoras? Questão fundamental ao nosso trabalho, que perpassa
também o trabalho de Janin (2005), quando se questiona sobre o enquadramento do
sofrimento:
33
Considero que una de las dificultades que tenemos
hoy para la comprensión de la psicopatologia
infantil es la invasion de diagnósticos que no son
más que un conjunto de enunciados descriptivos
que se terminan transformando em enunciados
identificatorios, diagnósticos que llevan a que un
niño sea catalogado por los síntomas que presenta
perdiendo así su identidad. Así, se pás de “tiene
tics” a “es um Gilles de la Tourette”; o de “tiene
conductas compulsivas y reiteradas” a “es um
TOC
13
”. (p. 96)
A respeito do que um dizer pode produzir, Ângela Vorcaro (2004), na
apresentação do livro de Bernardino (2004), lembra que:
uma criança não é sem o que é dito dela, não
sendo somente o que é dito dela. O que é dito da
criança comporta muito mais do que quer se dizer.
O que é dito dela também diz menos do que ela é,
pois, por ser um dito, ou seja, submetido à
impotência da língua em tudo dizer, se organiza em
torno de um cristal sempre insistente, mas fugaz e
inapreensível, que chega a se distinguir no
testemunho de uma discordância que fundamenta
qualquer possibilidade subjetiva. (p. 11-12)
Nesse sentido, como afirma Janin (2005), nos dias atuais, os diagnósticos não
são mais do que um conjugado de descrições tornadas identificações, diagnósticos que
trazem como conseqüência a nomeação da criança não por sua singularidade, mas pelo
nome do diagnóstico: “tu és o transtorno.
Na esteira dessa discussão, Untoiglich (2005), afirmando que as crianças que
chegam ao consultório, na maioria das vezes, foram encaminhadas pelos professores,
assevera que as escolas que aceitam o desafio de incluir as crianças com dificuldades
13
Sigla em espanhol para Transtorno Obsessivo Compulsivo.
34
terão que pensar em quais são as necessidades de cada um, pois o que funciona com um,
pode não ter efeito com outro. Assim, a autora indica que devemos sair das paredes do
consultório para trabalhar junto com os profissionais que trabalham com a criança e sua
família.
No contexto da denúncia do enlaçamento do diagstico a uma causa orgânica, a
crítica ao DSM-IV, feita por alguns autores psicanalistas, denuncia a sua tentativa de
neutralidade teórica ou, mais precisamente, de uma posição ateórica com relação à
etiologia.
Untoiglich (2005) evoca a difusão, na Argentina, do diagnóstico de Transtorno
de Déficit de Atenção com/sem Hiperatividade (TDAH), que descrevia, então, mais de
250.000 crianças. Tal diagnóstico é indicado como motivo mais freqüente do fracasso
escolar. A autora alerta para os perigos encontrados depois da divulgação dessa
estatística: “antes teniamos 250.000 niños inquietos, desatentos, impulsivos o
movedizos que nos hacian cuestionar qué estaba sucedendo com la institución escolar,
las familias y las crisis sociales, y ahora pasamos a tener 250.000 ADD
14
que debemos
medicar” (Untoiglich, 2005, p. 10 – 11).
Nesse mesmo trilhamento, Jerusalinsky (2005) denuncia a fama dos remédios
como viagra, prozac e ritalina. Discorrendo sobre este último, inventado há dez anos,
época do “aparecimento” do Transtorno por Déficit de Atenção com ou sem
Hiperatividade, questiona: como se explica o grande aumento recente da incidência de
TDAH, tendo em conta a existência de um remédio que o cura há dez anos? De acordo
com este autor, precisa ser enfatizado e repetido que antes o TDAH era denominado
disfunção cerebral nima, sua incidência aumentou nos últimos dez anos, justamente
quando se dispõe da ritalina para curá-lo. Segundo ele, esse alerta não pode passar
14
Sigla em inglês para Transtorno por Déficit de Atenção (Attentional Déficit Disorder).
35
despercebido. A indústria farmacêutica tem um ganho relevante no aumento desses
diagnósticos. Nesse aspecto, um diagnóstico pode ser produzido em uma lógica de
responder à demanda de tal instria.
Ainda quanto à perspectiva etiológica, o DSM-IV, por definição, afirma não
abordar a etiologia, mas acaba relatando em suas categorias nosográficas que a causa é
neurológica, orgânica. Sobre esta denúncia, Jerusalinsky (2005) afirma:
Veamos lo que se dice acerca de estas cosas: en las
primeras páginas del DSM IV, en el apartado que
dice Plano Organizacional, está escrito que “la
expresión trastorno mental orgánico ya no se usa
más” (me puse contento…). Sigo: “no es usada
pues implica incorrectamente que los otros
trastornos mentales no tienen una base
orgánica…”, por lo tanto, todos la tienen, lo que no
estaría mal si eso no fuese colocado en el lugar de
la causa. Convengamos que no es lo mismo decir
expresión” o “correlato orgánico” que decir “base
orgánica”. (Jerusalinsky, 2005, p. 80)
Assim, este autor alerta para uma transformão epistemológica, na qual os
problemas deixam de ser problemas para se tornarem transtornos. Dessa forma, afirma:
Un problema es algo a ser descifrado, a ser interpretado, a ser resuelto; um transtorno
es algo a ser eliminado, suprimido, porque molesta” (p. 88).
A categoria nosográfica “Sem Outra Especificação”, que fica para os
inclassificáveis da clínica, coincide com este alerta sobre a consideração de um
transtorno. Algo que seria um problema a ser interpretado ganha o estatuto de transtorno
a ser eliminado. Quanto a essa questão o próprio DSM-IV (APA, p. xx, 1995) revela:
Não há classificação de transtornos mentais capaz
de ter um número suficiente de categorias
específicas para abranger cada apresentação cnica
36
concebível. As categorias “Sem Outra
Especificação” servem para cobrir as não-raras
15
apresentações que se encontram nos limites das
definições de categorias.
Se não são raras as presenças da categoria “Sem Outra Especificação”, o que fica
implícito é que nenhuma classificação pode dar conta das múltiplas variações que
oferece a natureza, como já afirmado na escola médica de s e na medicina do século
XV (Sousa, 1981; Jacquart, 1997). Há um resto que não é contabilizado, mas como bem
afirma o DSM-IV não é raro aparecer na clínica.
As denúncias acerca do aprisionamento do sujeito em um diagnóstico, no
entanto, não são as únicas considerações desses psicanalistas. Embasando suas idéias na
leitura do texto De una tragedia a la construcción del destino (País, 2000)
16
, Lerner
(1997) aponta que o aprisionamento do sujeito ao diagnóstico é apenas uma tendência.
A partir do diagnóstico, pode ser constituída a impossibilidade de construção de uma
história que insira a criança na ordem familiar e a confirmação por parte das professoras
da incapacidade da criança, mas essa não é a única história que pode ser contada, pois
há a escolha dos pais e da criança de “aceitarem” esse “selo”. A cada um cabe a
responsabilidade pelos destinos possíveis. Acerca da reiterada queixa dos pais, no que
concerne ao maltrato que recebem na devolução diagnóstica, País (2000) afirma:
Cuando algo se repite de un modo tan mecánico y
prácticamente sin excepciones, podemos afirmar
que estamos en presencia de uno de esos
femenos a los que acostumbramos llamar
“humanos”. Dicho con mayor precisión, nos
15
Grifo nosso.
16
Essa data é a da publicação na apostila do curso Clínica com bebês: uma abordagem interdisciplinar
oferecido pelo Lugar de Vida – USP em 2000. Não encontramos a publicação original: País, A. (1995) De
una tragedia a la construcción del destino. Revista Escritos de la Infância, ano 3, n. 5, Buenos Aires:
FEPI.
37
referimos a un efecto inherente a la estructura
misma del sujeto. (p. 21)
Essa afirmação remete às considerações já colocadas de autores psicanalistas,
como Janin (2005), Jerusalinsky (2005) e Levin (2005), que acreditam que nomear e
classificar são atos tranqüilizadores para o humano, na medida em que algo deixa de ser
inomivel, estranho e passa a ter um nome. Dessa forma, as ações de nomear e
classificar são atos humanos, de caráter humano, como também afirmou Lacan (1969-
70/1992): seres de fragilidade, seres que demandam um sentido. Assim, quando País
(2000) nos anuncia que o diagnóstico pode delinear uma tragédia com um destino
funesto, mas por outro lado, a elaboração diagnóstica pode constituir, para a criança, um
drama com possibilidade de construção de uma história que a insira na ordem familiar,
consideramos que a hipótese diagnóstica pode organizar e estruturar a criança. Isso
significa que, o diagnóstico da criança, por si, não nos diz do significado que entra
nessa história, nem para criança, nem para os outros em relação a esta.
Portanto, se de um lado a hipótese diagnóstica pode encapsular a criança
delineando uma tragédia, mas, de outro, pode ser organizadora, nos interrogamos agora:
o que faz com que, a partir do diagnóstico, outras elaborações sejam feitas e,
acerca da criança, de uma tragédia possamos elaborar um drama com um final
imprevisível? Em outras palavras, o que faz com que as professoras possam sair do
lugar de considerar o diagnóstico como última palavra sobre a criança, com o sentido
per si? O que delinearia uma cristalização do sujeito em um selo, para considerar o
diagstico apenas mais um significante
17
que se alia aos outros? Na perspectiva de
17
Segundo Andrès (1996), quando comenta as formulações de Saussure, o significante “é a representação
psíquica do som tal como nossos sentidos o percebem, ao passo que o significado é o conceito a que ele
corresponde” (p. 472). Nesse sentido, como Lacan (1972-73/1985) aponta o “significante como tal não se
refere a nada, a não ser que se refira a um discurso, quer dizer, a um modo de funcionamento, a uma
utilização da linguagem como liame” (p. 43).
38
darmos tratamento a essa interrogação, produzimos a seguinte questão: quais as
elaborações que as professoras produzem a partir do diagnóstico da criança, que
situem esta como apresentando necessidades educativas especiais?
Em um primeiro momento consideramos a possibilidade de tratar
metodologicamente esta questão através da análise do discurso das professoras da
instituição em questão, embasada nas idéias de Freud e Lacan.
No entanto, uma preocupação com a coerência teórico-epistemológica da
pesquisa, mais precisamente, um questionamento acerca da especificidade da pesquisa
em psicanálise, nos levou a empreender um percurso teórico em torno do tema.
Esse percurso constitui o objeto do catulo subseqüente.
39
3. Pesquisa em psicanálise: reviravoltas no percurso.
Para Lacan não há uma teoria do inconsciente
enquanto tal. Há, sobretudo, uma teoria da prática
analítica e, em última instância é sempre a estrutura
que é reconhecida na própria experiência analítica,
que se supõe ser a estrutura do inconsciente.
(Miller, 2002, p. 13)
3.1. A pesquisa em psicanálise.
No início do texto Uma breve descrição da psicanálise, Freud (1924/1999)
18
relata que no começo de sua práxis tinha um único objetivo: “compreender algo da
natureza daquilo que era conhecido como doenças nervosas ‘funcionais’, com vistas a
superar a impotência que até então caracterizava seu tratamento médico”. Esse artigo
diz da impotência dos médicos de sua época em relão ao fator psíquico. Segundo ele,
os médicos estavam centrados nos fatores químico-físicos e patogico-anatômicos das
doenças e vinculavam certas funções a partes específicas do cérebro. Menciona, ainda,
que esse fator psíquico era relegado aos filósofos, místicos e charlatães. Portanto, do
refugo do saber médico, que não podia encontrar qualquer abordagem para o tratamento
das neuroses, Freud escolheu fazer o centro da sua investigação.
Retiramos desse artigo um achado no que concerne à idéia de pesquisa em
psicanálise. Segundo Freud (1924/1999), “um só e mesmo procedimento servia
simultaneamente aos prositos de investigar o mal e livrar-se dele, e essa conjuão
18
Os textos de Freud não possuem paginação, visto que foram retirados do CD-ROM com as Obras
Psicológicas Completas de Sigmund Freud, produzido pela Editora Imago. Os trechos citados podem ser
recuperados pela ferramenta de busca do referido CD-ROM.
40
fora do comum foi posteriormente conservada pela psicanálise”. Sugere, aqui, a
associação livre como principal procedimento de investigação no tratamento analítico.
Desse modo, no texto Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise,
Freud (1912/1999) afirma que na execução de uma psicanálise, tratamento e pesquisa
coincidem. A indissociabilidade entre prática e pesquisa, portanto, demarca o corte que
a pesquisa psicanalítica desfere em relação ao saber médico. Ressalta, ainda, que é bom
trabalhar cientificamente em um caso quando esse está terminado. Sobre isso afirma:
casos queo dedicados, desde o princípio, a
propósitos científicos, e assim tratados, sofrem em
seu resultado; enquanto os casos mais bem
sucedidos são aqueles em que se avança, por assim
dizer, sem qualquer intuito em vista, em que se
permite ser tomado de surpresa por qualquer nova
reviravolta neles, e sempre se o enfrenta com
liberalidade, sem quaisquer pressuposições. A
conduta correta para um analista reside em oscilar,
de acordo com a necessidade, de uma atitude
mental para outra, em evitar especulação ou
meditação sobre os casos, enquanto eles estão em
análise, e em somente submeter o material obtido a
um processo sintético de pensamento após a
análise ter sido concluída. (Freud, 1912/1999)
Embora ao iniciar sua pesquisa os ideais cientificistas fossem uma marca
significativa no posicionamento e ideais freudianos, mesmo questionado pelo furo no
saber que os femenos histéricos lhe impunham, esses ideais não o impediram de calar
quando Frau Emmy von N. assim o exigiu, para que ela continuasse falando do que lhe
afligia (Quinet, 2000). No instante em que Freud, sem qualquer objetivo de investigar
cientificamente a experiência, ratificou o ato histérico de Frau Emmy von N. se deixou
levar pelo achado. Conseqüentemente, começou o trabalho anatico de Emmy no que a
41
ratificação de Freud foi um ato, o ato analítico. Somente após o término do caso, ele
pesquisou cientificamente sobre tal experiência.
Evidenciamos, assim, os dois momentos da pesquisa em psicanálise: a pesquisa
na situação analítica e a pesquisa teórica (Pinto, 1999; Elia, 2000; Nogueira, 2004). No
primeiro tempo, a investigação é a do analisante, na qual o analisante ‘associa
livremente’ para tornar-se analista de si próprio (Nogueira, 2004). No segundo, a
investigação é a do analista, na qual o analista constrói o caso a partir da sua relação
com o analisante em transferência aos textos de outros psicanalistas (Pinto, 1999;
Nogueira, 2004).
A disjunção desses dois momentos da pesquisa pode parecer à primeira vista
meramente didática. Porém, consideramos tal distinção essencial para a prática
analítica, visto que a primeira pesquisa é do analisante e possui um lugar específico para
sua transmissão e avaliação: o passe
19
. Já a segunda pesquisa, longe de coincidir com a
realidade da primeira, é a construção do caso para possibilitar a transmissão do
tratamento analítico somente após o término deste (Nogueira, 2004).
Além disso, se consideramos a disjunção dos dois tempos da pesquisa em
psicanálise é porque a sua conjunção é bastante evidente, visto que a indissociabilidade
entre prática e pesquisa é a característica essencial da pesquisa psicanalítica. Assim, seja
do analisante, seja do analista, a investigação em psicanálise coloca em jogo e evidencia
os fundamentos da psicanálise, pois isso é a argamassa que o analista utiliza para
sustentar a sua práxis.
A questão sobre os fundamentos era cara a Lacan. Desde o primeiro seminário,
Lacan (1953-54/1996) questionava: “o que fazemos quando fazemos análise?” (p. 19).
Nocimo primeiro seminário, retoma mais claramente: “o que são os fundamentos, no
19
O passe é a forma de investigar (avaliar) a passagem do analisante a analista, o que seria o fim da
análise (Nogueira, 2004).
42
sentido mais amplo do termo, da psicanálise? O que quer dizer – o que é que a funda
como práxis?” (Lacan, 1964/1991, p. 14). Nesse sentido, como já situamos, o método
da psicanálise é a associação livre e para que o analisante continue no seu trabalho de
dizer qualquer coisa é imprescindível a contrapartida do analista.
Segundo Freud (1912/1999), tal contrapartida é a de prestar igual reparo em
tudo, (...) manter a mesma ‘atenção uniformemente suspensa’ em face de tudo o que se
escuta”. Assim, o analista não mais focaliza as situações que haviam ocasionado a
formação do sintoma, o que importa é o que vem à tona pela associão livre; o analista
contenta-se em estudar tudo o que se ache presente de momento na superfície da
mente” (Freud, 1914/1999). A sustentação dessa posição, no entanto, só é possível a
partir da formação do analista.
A esse respeito, em Análise terminável e interminável, Freud (1937b/1999) se
questiona sobre o lugar em que o analista pode adquirir a qualificação para sua
profissão. Sua resposta consiste em afirmar que essa qualificação apenas pode ser
adquirida na própria análise daquele que está em formação:essa análise terá realizado
seu intuito se fornecer àquele que aprende uma convicção firme da existência do
inconsciente” (Freud, 1937b/1999). Esse limite que Freud atribui como princípio da sua
prática é novamente descrito no prefácio de Esboço de Psicanálise. Tal limitação
consiste no problema em que: “os ensinamentos da Psicalise baseiam-se em número
incalculável de observações e experiências e somente alguém que tenha repetido essas
observações em si próprio e em outras pessoas acha-se em posição de chegar a um
julgamento próprio sobre ela” (Freud, 1938/1999). Somente alguém que encontrou a
convicção da existência do inconsciente pode supor esse saber que não se sabe como
hipótese.
43
Assim, ao tratar do desenvolvimento da psicanálise que se tornava uma prática
bem definida e delicada, exigindo para a formação do analista uma análise pessoal,
Freud (1924/1999) afirma:
uma falha na compreensão desse fato levou a
muitos abusos (particularmente na Inglaterra e nos
Estados Unidos), porquanto pessoas que
adquiriram apenas um conhecimento literário
20
da
psicanálise a partir de leituras se consideram
capazes de empreender tratamentos anaticos sem
ter recebido qualquer formação especial.
Esse achado de que apenas com o conhecimento literário o que ocorre são
desvios no tratamento, aponta a importância da análise na formação do analista. Além
disso, podemos pensar que tal desvio atinge a formulação posterior da pesquisa analítica
– a construção do caso. Já que o que ocorre são abusos no tratamento, podemos inferir
que apenas a descrição de tais abusos será relatada.
Freud (1912/1999) insiste que o analista passe por uma alise antes de conduzir
um tratamento. Para que, por exemplo, se coloque em posição de fazer uso de tudo que
lhe foi dito sem a ambição de curar (furor sanadi). Segundo ele, quem não tomar esse
cuidado de passar por uma análise corre o perigo de projetar para fora alguma
peculiaridade de sua própria personalidade, que indistintamente percebeu, no campo da
ciência, como uma teoria de validade universal, levará o método psicanatico ao
descrédito e desencaminhará os inexperientes” (Freud, 1912/1999).
Ainda, de acordo com Freud (1912/1999), a ambição terapêutica, o anseio de
curar, é desfavorável ao trabalho analítico. Ao citar as palavras atribuídas ao cirurgião
Ambroise Paré, quando escreve Je le pansai, Dieu le guérit
21
, diz que o analista deve
20
Grifo nosso.
21
Eu o tratei, Deus o curou.
44
contentar-se com algo semelhante. Em outras palavras, sugere que a cura não está
totalmente nas mãos do analista, mais precisamente, que o analista ao demandar esse
poder de curar engendra uma sugestão, não uma alise.
Ressaltando a posição de Freud sobre o furor curandis, Lacan (1959-60/1991)
evidencia que a
cada instante temos de saber qual deve ser nossa
relação efetiva com o desejo de fazer o bem, o
desejo de curar. Temos de contar com ele como
algo suscetível de desencaminhar-nos, e, em
muitos casos, instantaneamente. Diria mais –
poder-se-ia de maneira paradoxal, ou até mesmo
decisiva, designar nosso desejo como um não-
desejo de curar
22
. Essa expressão não tem outro
sentido senão o de nos alertar contra as vias
vulgares do bem, tal como elas se oferecem a nós
tão facilmente em seu pendor, contra a falcatrua
benéfica do querer-o-bem-do-sujeito. (p. 267)
Assim como o anseio de curar, há outros riscos implicados na práxis e
investigação analítica. Entre estes, Freud (1912/1999) menciona a atividade educativa
que surge no tratamento psicanatico, sem que o analista possua a intenção consciente
de que ela ocorra. Para ele, tal atividade surge da ambição de transformar o analisando
em uma pessoa sublime. Em contrapartida, o método que sugere é aquele em que o
analista deve guiar-se pelas capacidades do analisando ao invés de por seus próprios
desejos. Conclui que a ambão educativa tem tão pouca utilidade quanto a ambição
terapêutica. Sobre a posição freudiana a respeito da atividade educativa que surge na
análise, Lacan (1959-60/1991) declara: “somos levados, e mais especialmente os
22
Grifo nosso.
45
psicanalistas de criança, a invadir esse domínio, a operar na dimensão do que chamei,
em outro lugar, num sentido etimológico, de uma ortopedia
23
” (p. 20).
Seguindo a mesma consideração sobre a necessidade da análise pessoal na
formação do analista, e interessado em discutir a maneira pela qual o analista deve
utilizar a interpretação dos sonhos em uma psicanálise, Freud (1911/1999) escreve o
artigo O manejo das interpretações de sonhos na psicanálise. Nesse trabalho, diferencia
a arte da interpretação dos sonhos da interpretação situada na clínica psicanalítica.
Revela que se um intérprete de sonhos passar a atuar na clínica psicanalítica, sem ter se
formado na sua própria análise, tenderá a interpretar cada sonho do analisando até sua
pretensa compreensão total. Desse modo, tal intérprete entrará em conflito com as
tarefas do tratamento analítico, pois interpretará e selecionará a partir dos seus preceitos.
Além disso, Freud afirma que tal empreendimento se afastará bastante do presente e
perderá o contato com a atualidade.
Desse modo, questiona-se a atitude do analista ao interpretar os sonhos na
análise. Freud propõe:
a interpretação que possa ser realizada em uma
sessão deve ser aceita como suficiente e não se
deve considerar prejuízo que o conteúdo do sonho
não seja inteiramente descoberto. (...) Desse modo,
nenhuma exceção, em favor de uma interpretação
de sonhos interrompida, deve ser feita à regra de
que a primeira coisa que vem à cabeça do paciente
é a primeira coisa a ser tratada. Se novos sonhos
ocorrem antes que os anteriores tenham sido
examinados, as produções mais recentes devem ser
atendidas e nenhum constrangimento se precisa
sentir por negligenciar as mais antigas. (...)
Devemos em geral evitar demonstrar interesse
muito especial na interpretação de sonhos, ou
despertar no paciente a idéia de que o trabalho se
23
Grifo nosso.
46
interromperia se eleo apresentasse sonhos; (...)
Pelo contrário, o paciente deve ser levado a crer
que a análise invariavelmente encontra material
para sua continuação, independentemente de ele
apresentar ou não sonhos, ou da atenção que lhes é
dedicada. (Freud, 1911/1999)
Nesse caso, a consideração de Freud (1911/1999) – de que todo impulso de
desejo que cria na atualidade um sonho reaparecerá noutros sonhos –, leva-o a concluir
que a melhor forma de completar a interpretação de um sonho, geralmente, é abandoná-
lo e direcionar o foco a um novo sonho. Logo, Freud (1911/1999) pede tanto ao
analisando quanto ao analista que abandonem seus propósitos conscientes durante uma
psicanálise. Além disso, que o manejo do analista na interpretação dos sonhos deve se
submeter às regras técnicas que direcionam o tratamento.
Ainda nesse texto, ele distingue que “não é a mesma coisa se o analista sabe de
algo ou se o paciente o sabe” (Freud, 1911/1999). Distinção fundamental para as
considerações ao que concerne à interpretação, visto que o próprio sonhador é que
interpreta seu sonho. É ele que deve construir um saber sobre isso. Tal distinção é
relevante para a condução de uma análise.
A respeito da interpretação, Lacan (1969-70/1992) faz questão de diferenciar o
significado comum dado a esse termo – que é o de engendrar um sentido – do
significado que interpretação tem para a análise. Podemos dizer que a interpretação é
uma construção que não possui sentido per si, o que importa é a sua construção. Sobre
isso, Freud afirma:
o analista completa um fragmento da construção e
o comunica ao sujeito da análise, de maneira a que
possa agir sobre ele; constrói então um outro
fragmento a partir do novo material que sobre ele
se derrama, lida com este da mesma maneira e
47
prossegue, desse modo alternado, até o fim. Se nas
descrições da técnica analítica se fala tão pouco
sobre ‘construções’, isso se deve ao fato de que, em
troca, se fala nas ‘interpretações’ e em seus efeitos.
Mas acho que ‘construção’ é de longe a descrição
mais apropriada. ‘Interpretação’ aplica-se a algo
que se faz a algum elemento isolado do material,
tal como uma associação ou uma parapraxia.
(Freud, 1937a/1999)
Análoga a essa posição de Freud, Lacan (1969-70/1992) sugere a citação e o
enigma como as duas faces da interpretação analítica, do saber funcionando como
verdade. Nesse caso, a interpretação,
aqueles que a usam se dão conta – é com
freqüência estabelecida por um enigma. Enigma
colhido, tanto quanto possível, na trama do
discurso do psicanalisante, e que você, o intérprete,
de modo algum pode completar por si mesmo, nem
considerar, sem mentir, por confissão. Citação, por
outro lado, às vezes tirada do mesmo texto, tal
como foi enunciado. Que é aquele que pode ser
considerado uma confissão, desde que o ajuntem a
todo o contexto. Mas recorrendo, então, àquele que
é seu autor. (Lacan, 1969-70/1992, p. 35)
Até esse ponto consideramos a análise pessoal que ao analista é exigido
percorrer para que o analisante possa associar livremente. Para que o analisante fale “o
que foi esquecido, sob a condição do ‘ouvir’ específico do analista para que o
analisando também ‘ouça’ o que fala” (Celes, 2005, p. 29). Um exemplo da “escuta” é a
interpretação do modo como a situamos acima. Consideramos também algumas
tendências que a não passagem pela análise pessoal pode trazer como efeito ao
tratamento, efeitos que podem ser subsumidos na tendência de fazer da psicanálise uma
Weltanschauung.
48
Dessa forma, o questionamento de Freud (1932/1999) em relação à psicanálise:
a psicanálise conduz a uma determinada Weltanschauung e, em caso afirmativo, a
qual?” não foi formulado de modo despropositado. A própria forma de sistematizar a
doutrina a partir dos seus achados pode servir para considerar a psicanálise um dogma.
Freud estava sempre imbuído de escrever suas descobertas de forma clara a partir de um
ideal científico. Revia suas formulações para dar consistência aos seus achados, mas
também aos seus furos. Consciente que seus construtos poderiam ser considerados uma
vio de mundo totalizante, resolve elaborar teoricamente o porquê da psicanálise o
ser uma verdade totalizadora.
Nesse texto de 1932, A questão de uma Weltanschauung, Freud se arrisca a
responder tal pergunta feita em outros setores de saber. Afirma, ainda, que este conceito
é especificamente alemão, e que sua tradução para outras línguas apresenta dificuldades.
Nas palavras dele:
Weltanschauung é uma construção intelectual que
soluciona todos os problemas de nossa existência,
uniformemente, com base em uma hitese
superior dominante, a qual, por conseguinte, não
deixa nenhuma pergunta sem resposta e na qual
tudo o que nos interessa encontra seu lugar fixo.
(Freud, 1932/1999)
Conseqüentemente assegura: a Weltanschauung tem seu lugar nos desejos ideais
dos seres humanos. Esse lugar de idealismo é contrário a toda uma experiência
psicanalítica – nada mais na contramão. Porém, como Freud denuncia, esses desejos
ideaiso humanos,o há como escapar do seu brilho, temos sempre uma tendência
para esse lugar ideal. Acreditando-se nesse lugar poderíamos ter segurança na vida
pensam os que almejam uma Weltanschauung.
49
Sugere, assim, que a psicanálise é incapaz de construir uma Weltanschauung. A
psicanálise não precisa de uma cosmovisão, “faz parte da ciência e pode aderir à
Weltanschauung científica. Esta, porém, dificilmente merece um nome tão
grandiloqüente, pois não é capaz de abranger tudo” (Freud, 1932/1999). Mesmo no seu
ideal científico, Freud diz que nada é tudo, que não há um saber todo, uma verdade
completa que solucione todos os problemas de nossa existência. Consideramos esse
ponto no que diz respeito à construção teórica embasada no tratamento analítico, um dos
eixos da pesquisa em psicanálise.
A construção do caso ganha consistência central para tal pesquisa, pois somente
a posteriori de uma situação específica poderemos dizer se ela é analítica (Pinto, 1999).
A posteriori que é levado até as últimas conseqüências por Jéferson Machado Pinto
(1999), ao afirmar ser necessário que alguém se coloque na posição de escuta para criar
a realidade do inconsciente. Em outras palavras, reafirmar a idéia de considerar o
inconsciente uma hipótese de trabalho (Nogueira, 2004).
Quando o analista constrói o caso a partir do tratamento, da investigação
empreendida pelo analisante, está também construindo a realidade do inconsciente. O
intuito de que essa hipótese possa ser transmitida impõe a responsabilização do analista
quanto ao seu ato e quanto à transmissão de sua prática. Isso obriga, segundo Vorcaro
(2003), cada analista, em cada caso, a recriar o método, compondo um estilo.
Ângela Vorcaro sustenta que há uma impossibilidade imanente em tornar o
método freudiano explicitamente disponível, visto que esse estilo “não equivale nem se
limita às balizas técnicas esboçadas por Freud” (Vorcaro, 2003, p.90). Ela diferencia o
método da técnica, pois esta última exige uma aplicação que pressupõe a detenção de
um saber universal. Aplicar um saber a um objeto igualmente universal, o que é
contrário ao pensamento psicanalítico de que o inconsciente se manifesta singularmente.
50
Após o encontro analítico ter ocorrido, o caso é constrdo e sua transcrição delimita a
posição de quem lê, o do primeiro investigador, no caso, o analisante. Sobre isso
afirma:
é na literalidade da narrativa escrita do caso que
poderemos reconhecer e distinguir o que de
singular na clínica. Tal literalidade é cara à
psicanálise porque o que o analista grafa e apaga da
clínica é o que concebe como relevante ou
desnecessário, evidenciando que seu ato de
escrever está regulado pela responsabilização
quanto ao seu ato clínico. Dizer da regulação do
escrito pela clínica é dizer que o escrito submete-
se, queira ou não, saiba ou não, às mesmas regras
estruturais do que faz ato clínico. Nesta medida, a
transmiso da clínica psicanalítica pelo que dela
se escreve constringe o que há de singular no
encontro desencontrado desta experiência. O real
ou singular da clínica, que o clínico
necessariamente desconhece, só pode ser abordado
depois de ter sido transposto para outro sistema de
registro antes de ser localizado, antes de tornar-se
legível. (Vorcaro, 2003, p. 110)
Nesse caso, o impasse se torna central, pois a pesquisa implica que o analista
fale da sua posição a partir do tratamento de outrem. Tal posição, como situa Elia
(2000), não é outra senão a do analisante. Posição que considera o impasse como ponto
de apoio à produção de saber (Pinto, 2001), que questiona o estabelecido, análoga ao
trabalho analisante que se lança no contingente:
como não é possível nenhuma forma de saber sobre
o contingente, a psicanálise torna-se uma prática
que se justifica na própria impossibilidade de
antecipar o efeito de seu ato. E é aqui que reside o
obstáculo para a explicitação do método. (Pinto,
2001, p. 83)
51
Podemos dizer que em última instância a pesquisa é sempre feita do lugar de
analisante. Em que consiste esse lugar? Segundo Ângela Bernardes (2003), lugar de
trabalho (perlaboração) contra e por causa da repetição como resistência. Trabalho que
causa desejo, que produz um saber-fazer ao se encontrar com a impossibilidade, ou seja,
trabalho que proporciona àquele que se envolve com a análise, o encontro com soluções
na vida menos custosas ao topar com a falta constitutiva, com o que não funciona.
Sobre esse lugar, sua posição enquanto aquele que transmite a psicanálise,
Jacques Lacan (1975/1985) – no início de O seminário, livro 20: mais, ainda – declara:
percebi que o que constituía meu caminhar era da
ordem do não quero saber nada disso. (...) O não
quero saber nada disso de vocês, de um certo saber
que lhes é transmitido por migalhas, será disso que
se trata em mim? Eu não creio, e por me suporem
partir de outro lugar, que não o de vocês, nesse não
quero saber nada disso, que vocês se encontram
ligados a mim. De sorte que, se é verdade que, em
relação a vocês, só posso estar aqui em posição de
analisando do meu não quero saber de nada disso,
daqui até que vocês atinjam o mesmo, haverá um
pagamento. (p. 9)
Ora, como ele afirma, as posições em relação ao não quero saber nada disso são
diversas. Cada um, portanto, precisa inventar a forma como construir sua pesquisa, a
partir de uma invenção singular. Desse modo, “a escrita do caso mostra que o analista
está submetido à cnica, sendo falado pelo seu escrito muito mais do que saberia dizer”
(Vorcaro, 2003, p. 111). Ao construir o caso da experiência enquanto analistas, apenas
podemos formalizar essa no lugar de analisante. Se pensarmos que estamos em
formação, enquanto não se constitui o passe, nossa posição é de analisante, porém,
mesmo que o passe se verifique, ao tentarmos dar testemunho da experiência o que se
presentifica é a posição de analisante.
52
O que embasa essa última idéia é a consideração de Miller (2002) sobre o caso
em psicalise. Ele afirma que a escrita do caso é difícil porque é uma análise do
próprio analista, portanto, enquanto analisantes escrevemos o caso. Sobre isso, Miller
(2002) declara:
Freud é, talvez, o melhor exemplo, precisamente
no caso Dora. Vocês sabem que, uma vez
terminada a cura de Dora, ou melhor, interrompida
a cura, pois ela o abandonou, Freud reanalisou sua
própria posição com relação a ela, e concluiu que
se tinha equivocado fundamentalmente quanto ao
objeto de interesse de Dora: tinha acreditado que
seu interesse principal era o homem, o Sr. K., e não
percebeu, como ele mesmo diz, que o interesse
fundamental de Dora, a histérica, era a Sra. K.
Dora só se interessava pelo Sr. K. como mediação
para se aproximar do mistério essencial que ocupa
a histérica, a saber: que é uma mulher? E se Freud
cometeu esse equívoco, foi por preconceito, pois
estava convencido de que o que tinha que
interessar às moças eram os homens. Nesse
sentido, o caso Dora é também o caso Freud. E o
que dá a grandeza das Cinco Psicanálises é que o
caso que está em seu centro é o caso do próprio
Freud. (Miller, 2002, p. 60)
Esse argumento serve de base para a consideração de que não se fala em nome
da psicanálise como se esta pudesse configurar um corpus, uma pessoa, ou um ente, que
possui certa verdade sobre o assunto de que se trata, mas que um praticante da análise
pode dar testemunho do que é uma experiência de análise, mais ainda, pode tentar dizer
do que é a experiência do inconsciente. Toda teoria da psicanálise é sobre essa tentativa.
Seja em Freud ou Lacan, esse percurso pode ser extrdo. Ambos procuraram construir
com os meios que lhes foram possíveis e de uma posição possível naquele momento.
Ambos deram testemunho do que foi sua busca pelo saber, saber inconsciente e até onde
com isso puderam chegar.
53
Neste ponto, podemos enunciar algumas diferenças marcantes no que tange ao
campo da pesquisa em psicanálise. A primeira delas, que quem faz a pesquisa pura em
psicanálise é o analisante. Segunda, o praticante da análise que sustenta a função de
analista não faz sua pesquisa no momento que está com o analisante, ela é feita no a
posteriori para extrair a razão dos efeitos dessa experiência. Terceira, no momento da
construção do caso
24
o analista o faz do lugar do seu não quero saber nada disso,
justificativa para a análise pessoal. Quarta, a única hipótese que pode sustentar o
analista no momento da sua atuação é a hitese do inconsciente.
O que queremos extrair desse breve percurso sobre a pesquisa é que dizer da
pesquisa em psicanálise exige dizer o que delimita essa práxis, o que é específico da
clínica
25
. Dizer da dimensão de inacabamento e renovação constante do edifício teórico
da psicanálise. Em suma, que em sua estrutura metodológica, a clínica não é lugar de
aplicação de saber mas de sua produção (Elia, 2000, p. 32).
3.2. A reviravolta.
Retomemos nosso intuito antes da escrita deste capítulo. Pretendíamos fazer uma
pesquisa nos parâmetros comuns da academia, na qual a pesquisa delimita um a priori.
Considerávamos a possibilidade de tratar metodologicamente a questão – quais as
elaborações que as professoras produzem a partir do diagnóstico da criança, que situem
esta como apresentando necessidades educativas especiais? – através da análise do
discurso das professoras da instituição em questão, embasada nas idéias de Freud e
Lacan. Desse modo, utilizaríamos a psicanálise enquanto teoria para ler alguns
24
Ver o artigo de Luis Carlos Nogueira intitulado Pesquisa em Psicanálise referenciado nesse texto sobre
a constrão do caso.
25
Clínica, que no pensamento de Elia (2000), não se restringe ao local de atuação. Podemos inferir,
portanto, que clínica é o adjetivo de uma postura, de uma escuta, de um estilo.
54
fenômenos, sustentados por uma lógica na qual as hipóteses exigem confirmação, as
pesquisas necessitam de um caráter de refutabilidade, os resultados precisam ser
generalizados e se busca incessantemente o método que sirva para tudo e para todos.
A partir do percurso teórico realizado acerca da pesquisa em psicanálise, tal
questão e empreendimento metodológico se destituem, pois como nos mostrou Freud
(1932/1999), a psicanálise não é uma Weltanschauung, não pode ser tomada como uma
cosmologia. Escolhemos este caminho de destituição, pois entendemos que essa
pergunta nos levava a considerar a psicanálise como ideal. Destituição que
consideramos produto da mudança no modo de posicionamento que a pesquisa nos
proporcionou.
No ponto em que estamos, trata-se de encontrar no a posteriori a rao dos
efeitos encontrados na nossa atuação na escola. Não sem o lembrete de que a construção
feita aqui é a construção possível do nosso não quero saber nada disso. Quanto mais
produzirmos hipóteses (verdades formalizadas) para nos agarrarmos a elas, mais elas
serão jogadas, pois elas retornam para dizer que a verdade é sempre um semi-dizer;
quando dizemos algo deixamos de afirmar todo o resto. É como afirma Lacan
(1967/2003) sobre sua Escola Freudiana, que não pode cair no tough sem humor de um
psicanalista que ele conheceu em uma viagem aos EUA. Disse esse analista a Lacan: “A
razão por que jamais atacarei as formas instituídas (...) é que elas me asseguram sem
problemas uma rotina que gera minha comodidade” (Lacan, 1967/2003, p. 264).
Dessa forma, voltamos às questões inicialmente elaboradas, isto é, qual a
utilidade do diagnóstico na escola e o que move a demanda diagnóstica por parte das
professoras, e encontramos como resultado que, a partir do que consideramos aqui como
pesquisa em psicanálise, essas perguntas só poderiam ser respondidas caso a caso, no a
posteriori, a partir do encontro com um analista. Frente à questão diagnóstica no campo
55
educativo escolar, uma pergunta que agora podemos formular é aquela que implica um
psicanalista e sua práxis.
Assim, tomamos a experncia de estágio onde surgiram as nossas questões, e
nos perguntamos: quais as posições que ocupamos, nessa experiência, orientados
por uma escuta analítica, frente à demanda de diagnóstico de todas as crianças? A
formulação dessa questão enfatiza a experiência em sua lógica subjacente, meio de
transmissão da psicanálise, permitindo-nos analisar a experiência no só-depois, e suas
conseqüências do interior da própria psicanálise. Questão ética que traz como
conseqüência nos interrogarmos de que lugar propomos as primeiras questões deste
estudo.
Na seqüência, apresentaremos a construção de dois casos para extrairmos as
conseqüências desse último problema.
56
4. A construção dos casos: considerações de um resultado.
Por maior que seja a inclinação do analista a se
converter em educador, em modelo e em ideal para
outros, a criar homens à sua imagem, nunca deve
esquecer que essa não é sua tarefa na relação
analítica. (Miller, 2002, p. 85)
Os casos que se seguem são produto do nosso estágio curricular em Psicologia
Escolar/Educacional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Tal estágio,
como afirmamos anteriormente, ocorreu no Instituto Educacional Casa Escola,
referência em educação inclusiva na cidade de Natal-RN. Um trabalho
26
, no que
concerne à entrada de um analista nesta escola, já fora formulado. Tal trabalho
empreendido pela nossa supervisora de campo Juliana Lima – foi o ponto crucial para a
escolha da referida instituição. Nesse estágio, contávamos com a supervisão de campo
supracitada e a supervisão da orientadora desta dissertação.
Nessa escola, como antecipamos, a primeira reuno suscitou os primeiros
questionamentos que empreendemos neste trabalho. As orientações iniciais da
supervisora de campo se constitram na apresentação dos alunos por sala. Nesta
apresentação as principais queixas escolares foram apresentadas, bem como o trabalho
realizado em relação às mesmas e as expectativas acerca do trabalho dos estagiários.
Além disso, sua expectativa de que a escuta analítica às queixas escolares tivesse lugar.
Nesta perspectiva, os momentos de escuta aos pais, professores, funcionários e
alunos já era lugar comum na prática cotidiana da escola. Este lugar é chamado de
26
Lima, J. R. C. (2005) A inclusão escolar: da subjetividade do professor à constituição de um lugar de
aluno. Dissertação de mestrado não publicada. Programa de Pós-Graduação em Psicologia, UFRN, Natal,
162 p.
57
“espaço de escuta”. Contudo, nossa intervenção na escola sustentava-se
fundamentalmente na escuta às professoras. Em alguns momentos, pronhamos a
conversa entre as antigas professoras de uma turma específica com as que eram
responsáveis no corrente ano. Em outros, quando a turma possuía mais de uma
professora, o espaço de escuta era entre elas.
Os casos que se seguem são de duas professoras cujo estatuto da nossa escuta
divergiu, quanto aos seus efeitos sobre os alunos que se “destacavam” na demanda
dessas professoras, e sobre os produtos que nossa intervenção pôde produzir.
Portanto, este capítulo tem como objetivo a construção de dois casos da
experiência de estágio curricular. Enfatizamos, aqui, a lógica subjacente desses casos
em resposta à interrogação sobre o nosso posicionamento na escola. Conseqüentemente,
possibilitamos a transmissão do que encontramos como resultado dos nossos
questionamentos sobre o uso de um diagnóstico na escola e o que move a demanda por
este. Além disso, possibilitamos uma relação desses casos com o que encontramos na
excursão à História e na revisão bibliográfica aos autores praticantes da análise.
4.1. A professora Cândida
27
e o menino que é um sucesso.
No nosso primeiro encontro, Cândida se queixou de Sílvio, nomeando-o: “o
sucesso da turma”. Ela relatou sua preocupação por Sílvio não prestar atenção à aula,
por ele estar sempre inquieto.o sabia o que fazer com Sílvio para que ele aprendesse,
para que prestasse atenção à aula. No final, perguntou: o que eu faço com esse menino
impossível? Por que Sílvio é como é?
27
Os nomes utilizados neste trabalho são fictícios para preservar o sigilo.
58
Em resposta a tal demanda, propusemos outra reunião com Cândida junto à
professora de Sílvio do ano anterior. A nossa proposta era discutir, à luz do que esta
última reconstituísse da história de Sílvio, as estratégias que Cândida poderia construir.
O relato daquela professora consistiu em dizer sobre uma pesquisa em que Sílvio
descobriu ser adotado. Depois deste ocorrido, ele não quis mais saber da escola, e sua
agitação aumentou. A partir do conhecimento de tal fato, toda a nossa intervenção junto
a Cândida se dirigia para sentenciar que ela não poderia esquecer a história de Sílvio.
Em reunião junto à supervisora de campo, nos foi informado que Sílvio foi
diagnosticado com Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH).
Nessa reunião, a supervisora relatava que a transmissão do diagnóstico à mãe por um
neurologista lhe permitiu dizer de um alívio, por saber a causa de Sílvio ser como é,
que, portanto, a culpa não foi sua.
A partir desse outro conhecimento sobre a história de Sílvio, nos posicionamos
de forma a relatar para a professora que ela não poderia cair no mesmo álibi da mãe em
se contentar com um diagnóstico aprisionador. Utilivamos o dizer da psicóloga a
respeito do alívio que a mãe sentiu. Claramente, nosso intuito era fazer com que
Cândida mudasse sua demanda.
Em que consistia a nossa intervenção? Relatávamos a nossa compreensão da
denúncia dos autores psicanalistas aos diagnósticos atuais. Informávamos que o
diagstico apenas servia para a impressão de um sentido único, um sentido descritivo,
que engendrava a aderência da criança a tal significação, cristalizada, a partir do seu
sintoma. Alertávamos para a lógica classificatória atrelada à medicação e a etiologia
orgânica, bem como ao fato de que tal lógica foi construída historicamente, não sendo
essa sua verdade última.
59
Em um primeiro momento, Cândida afirmava um consentimento com o que
diamos, porém sua fala sempre girava em torno de um significante: hiperativo.
Retomávamos, embasados pelo saber produzido pelos psicanalistas, a história de Sílvio,
que essa não poderia ser esquecida, visto que o diagnóstico não dizia do seu ser. Dessa
forma, ela apenas estaria aprisionando Sílvio pelo diagnóstico de TDAH.
À nossa intervenção, ela respondia com a demanda por um controle dos
remédios que Sílvio “necessitava”. Não conseguimos, portanto, uma mudança
significativa na posição da professora frente àquilo de que se queixava. O que se
produziu a partir desta intervenção foi que Sílvio permaneceu sobre a alcunha de
hiperativo, sem querer saber e inquieto com tudo ao seu redor. Na mesma medida,
Cândida figurava entre uma concordância “consciente” e uma discordância demonstrada
em sua demanda por remédios.
Portanto, de um lugar de saber, partíamos para escutar a professora Cândida.
Lugar de saber sustentado pelas estórias
28
dos outros (a psicóloga e a professora) e pelo
escrito dos autores psicanalistas (mestres).
Diante da demanda da professora Cândida, apenas conseguíamos dizer da nossa
teoria sobre a questão diagnóstica, conseqüentemente, não escutávamos o que se
articulava em sua demanda, que poderia ser descrita como: o que eu faço com esse
menino impossível? Por que Sílvio é como é? Além disso, achávamos necessário que a
professora Cândida estivesse a par das estórias de Sílvio, pois segundo a denúncia dos
autores psicanalistas, o diagnóstico atual engendra o esquecimento de tais estórias,
elevando o diagnóstico à nomeação do sujeito. Nossa intervenção se movia, portanto,
28
Escolhemos o termo “estória” em contraposição ao termo “menino sem história”, com o intuito de
frisarmos que tanto a História quanto a estória que é contada pelos outros, semelhantes, sobre os meninos
o ficções necessárias. Nesse aspecto,o temos como saber anteriormente como estas ficções marcam o
sujeito.
60
em um saber sistematizado – a psicanálise – sobre como um diagnóstico pode ser
prejudicial ao sujeito.
O que se produziu a partir dessa intervenção? Tempos depois, Cândida nos falou
da sua angústia ao ver que Sílvio piorou. Ela afirmou que ele fazia uso de alguns
remédios, mas que naquele momentolvio disse ter esquecido de usar os comprimidos.
O que ela demandava? Que Sílvio retomasse o aprendizado ou os remédios? O que se
produziu a partir do lugar de saber foi uma professora que, ora, concordava com nossa
teoria ao afirmar que a estória de Sílvio e ele próprio precisavam de atenção, e, ora,
exigia que Sílvio retomasse os remédios para deixar a agitão.
As leituras dos autores psicanalistas produziam em nós a crença na
desresponsabilização do sujeito por aquilo de que se queixa, o que afirmávamos com
veemência. Quais seriam os efeitos se, ao invés de tentar ensinar, perguntássemos o que
ela demandava? Em outras palavras, Cândida precisava desdobrar a demanda numa
construção produzida em suas associações, e não imposta por aquele que ensina, pois
dessa forma o efeito é uma sugestão, não uma construção do sujeito.
s fizemos uma aposta, no sentido de considerar que, ao transmitirmos as
formulações tricas que nos embasavam, conseguiríamos tirar a professora do lugar de
aprisionadora dos sujeitos. Dessa forma, o que depreendemos da nossa primeira
intervenção como sua lógica subjacente é que do lugar de saber, ao explicarmos uma
teoria, inevitavelmente colocamos o outro no lugar de objeto de nossas elucubrações e o
que se produziu não foi o que “conscientemente” almejávamos. A verdade que nos
sustentava pode ser enunciada pela escrita de uma denúncia por alguns autores
psicanalistas, de que os diagnósticos atuais apenas serviriam para aprisionar o sujeito
em um selo. Conseqüentemente, o referente (S
1
) da nossa intervenção era “menino sem
história”, significante sem sentido, mas que encadeava nossas idéias. Portanto, várias
61
hipóteses nos sustentavam, mais que hipóteses, certezas que se configuravam como um
mandamento. O que poderia fazer com que isso falhasse seria a consideração de que
fale o que falar, qualquer humano é o sujeito efeito da articulação significante, e é aí que
devemos escutar.
Seguimos uma lógica de tudo-saber, com o intuito de fazer o bem às crianças.
Este laço social que enfatiza o saber formalizado coloca o Outro como objeto de
elucubrações cujo resultado esperado é a produção de um homem eduvel. Queríamos
que se produzisse um bem do sujeito, o bem da criança
29
. Por isso nos posicionávamos
no lugar de saber, saber sobre o bem da criança. O produto não é o que queríamos, pois
não houve trabalho de escuta, não houve trabalho subjetivo, apenas a confirmação de
que um diagnóstico aprisiona a criança em um rótulo. Portanto, não visávamos o sujeito
do inconsciente, produto da fala de Cândida.
Desse modo, a afirmação de Lacan (1967-68/2006) acerca de Jean Piaget, no
sentido de que este buscava como bom lógico, uma lógica formal nas construções e
pensamentos das crianças e foi exatamente o que encontrou, nos leva a inferir que em
nossa intervenção o que buscávamos, mesmo inconscientemente, era a confirmação que
se Cândida agisse de forma a sustentar que o diagnóstico encadeava a maneira de Sílvio
ser, ela o aprisionaria em um selo. Segundo Lacan (1967-68/2006), Piaget interrogou as
crianças no registro da lógica e elas o respondiam neste registro, “deduzir daí que é o
desenvolvimento da criança que constrói as categorias lógicas é uma pura e simples
petição de princípio” (Lacan, 1967-68/2006, p. 43). Análogo a Piaget, encontramos as
nossas teorizações sobre o aprisionamento do sujeito a partir de um diagnóstico. Sílvio
permaneceu preso ao diagnóstico, um menino sem estória, nomeado pela alcunha de
29
Confundíamos o sujeito com a criança, equívoco que como vemos traz conseqüências indesejáveis. O
sujeito segundo Lacan (1972-73/1985) “não é outra coisa – quer ele tenha ou não consciência de que
significante ele é efeito – senão o que desliza numa cadeia de significantes” (p. 68).
62
hiperativo, ou seja, do lugar em que nos encontrávamos, confirmamos o aprisionamento
de Sílvio em um rótulo.
Porém, como Freud afirmou que quando um caso fracassa é aí que ele ensina,
abordamos este fracasso no que ele nos ensinou. Em primeiro lugar, nos ensinou a
questão da causa para a psicanálise ser sempre perdida. No sentido de que a lógica do
que nos causa é a lógica do Nachträglich, o que vem depois re-significa o que vem
antes. Em segundo, que o saber que opera em uma intervenção analítica não é o saber
formalizado. Em terceiro, que o sujeito visado é sempre aquele produzido por aquele
que nos fala. E por último, que desejar o bem do Outro leva ao pior.
Quando formulamos que precisávamos transmitir a ndida nossa teoria,
estávamos fomentando uma nova causa para ela. Em sua divisão, Cândida tende a
atribuir um sentido ao significante hiperativo. À custa do que fomentávamos, ela
encontrou uma via para escapar do que não funcionava em sua relação com Sílvio.
Podemos afirmar que nossa intervenção serviu para que o que veio antes, que era
causa de mal-estar àquela professora, se re-significou, e ela apenas pôde partir desse
lugar para dizer e agir em sua relação com Sílvio.
O que operava nessa intervenção era um saber (S
2
) formalizado, saber sustentado
pelo mestre, teoria de que o diagnóstico apenas serviria para o aprisionamento do
sujeito. Com esse saber sistemático, interrogamos Cândida para explicar, racionalizar e
justificar o que não funcionava, o que era excedente na sua relação com Sílvio. Quando
agíamos nesse caso, o que nos sustentava também era a crença de que não haveria
diferenciação na transmissão da psicanálise àqueles que não passaram por esta
experiência. Crença que está atrelada menos à ação de analisar do que à ação de educar.
Desse modo, procurávamos ensinar a Cândida que ela não poderia cair no álibi
de demandar um diagnóstico, lugar que levou ao pior. Nesse sentido, ignorávamos a
63
reserva de Freud e Lacan com relação à atividade educativa que nos encaminha para
uma ortopedia, como discutido em capítulo anterior.
Assim, era para o domínio da ortopedia que estávamos nos dirigindo, quando
queríamos o bem da criança. Esquecíamos, portanto, o aviso de Freud e Lacan quando
afirmam que querer o bem do outro, se desviar pela ambição de curar, engendra uma
sugestão, um caminho pelas vias vulgares do bem que leva ao pior. Se admitirmos com
Lacan (1958/2003) que nossa mensagem vem do Outro sob forma invertida, podemos
inferir que, ao situarmos o outro como despossuído de escolhas, de poder, que é mais
infeliz que nós, nos colocamos como possuidores de um poder. Essa é a falcatrua
benéfica de querer-o-bem-do-outro enfatizada por Lacan (1959-60/1991). Demarcamos,
assim, uma posição frente à demanda de Cândida.
Do mesmo modo, esquecíamos das palavras de cuidado de Lacan (1959-
60/1991), que afirma que a verdade que buscamos “numa experiência concreta não é a
de uma lei superior. Se a verdade que procuramos é uma verdade libertadora, trata-se de
uma verdade que vamos procurar num ponto de sonegação de nosso sujeito. É uma
verdade particular” (p. 35). Quando afirmamos anteriormente que agimos embasados na
crença dos autores praticantes da análise, de que os diagnósticos atuais aprisionam o
sujeito em uma marca, e das estórias que nos foram contadas no caso de Sílvio, dizemos
uma verdade, a verdade que nos sustentava. Nós recuperamos isso como verdade, o
senhor da nossa verdade, mas quando afirmamos isso deixamos de fora todo o resto.
Como declara Lacan (1969-70/1992) acerca do que ele tenta transmitir: “é metade da
história de um sujeito”. Isso foi negado, na nossa posição, pois procurávamos atribuir à
denúncia de que os diagnósticos aprisionam para todos os casos, uma verdade universal,
que relegava a verdade singular a um estatuto de exclusão.
64
Portanto, nós já tínhamos um “diagnósticofrente às professoras, qual seja,
culpabilizávamos todas as professoras por qualquer fracasso escolar. Para nós, as
professoras não contabilizavam a história das crianças diagnosticadas, o que os torna
“meninos sem história”. Parece aqui que, a partir do significante-mestre “meninos sem
história”, fundamos uma categoria nosológica, em que todas as professoras caberiam:
professoras que prendem o sujeito.
Quando acreditávamos que o sujeito visado era a criança, em um tremendo
equívoco, o que se produziu foi que aquele à nossa frente, em relação de discurso
conosco, não encontrou outra saída que afirmar sua crença na nossa sugestão, e negar
em ato tal afirmativa.
4.2. Marlene e Paula: entre a metáfora do mar e a metonímia do desejo.
No primeiro “espo de escuta” com a professora Marlene, ela não parecia
apresentar queixa alguma sobre sua turma. Seu discurso era homogêneo, falava de
todos. No entanto, ressaltou que “possuía” uma aluna especial: “uma menina que por
fora é normal...”. Além disso, dizia não saber o porquê de Paula o ter estudado os
livros do ano passado. Nessa reunião, nossa preocupação era fazer um mapeamento das
principais queixas escolares, com o objetivo, já afirmado anteriormente, de oferecer
uma escuta às professoras.
Poucos dias após este episódio, chegou-nos um relatório sobre aquela aluna
especial: Avaliação Específica de Paula. A primeira sentença de Marlene nesse relatório
dizia: “nem sempre o que é nos permitido ver, tem um certo grau de veracidade...”.
Questionávamos-nos, na leitura do texto de Marlene, se a continuação desse primeiro
enunciado não diria respeito à sua primeira fala sobre Paula:por fora ela é normal”.
65
Ainda no relatório, Marlene escreve:Paula é uma aluna calma. Em certos momentos
demonstra impaciência com barulho, ou seja, grita por silêncio e bate na mesa”.
Marlene escreveu que, ao questionar Paula sobre a necessidade de gritar e bater no
móvel, Paula respondeu: “às vezes pedir apenas silêncio não basta”. Diante de tal
resposta, Marlene conclui em seu escrito:a menina aparentemente calma explode com
os colegas por motivos insignificantes”.
Na leitura desse relatório, alguns lapsos de escrita foram produzidos. Tais lapsos
foram sublinhados no texto do relatório e, num segundo momento, discutidos com a
professora. Em um trecho do relatório Marlene escreveu: Paula é uma espécie de café-
com-leite. Noutra parte, afirmou: consegue interpretar metáforas e de uma acerta forma
até em um tom irônico (em se tratando dos outros alunos), quando ditas pela
professora, ela apenas sorri.
Em reunião subseqüente com a professora, enfatizamos tais lapsos e
“nomeações”. Quanto à nomeação de Paula como café-com-leite, perguntamos: o que é
regra para os outros não vale para ela? Do que Marlene se defendeu dizendo que teve
muito pouco tempo para fazer uma avaliação sobre Paula. Para nós, a metáfora do café-
com-leite retratava claramente uma não valia de Paula em relação às outras crianças,
visto que, em brincadeiras, o adjetivo café-com-leite significa que não importa o que a
criança faça ou lhe inflijam, isso não terá valor, pois a criança não entende as regras do
jogo. O que é norma para outros não vale para ela. Novamente, movidos pelo saber,
intervimos.
No entanto, no mesmo caso foi posvel uma intervenção com efeito de
interpretação. No lapso de escrita do acerta forma, perguntamos à professora se não
seria de uma acertada forma que Paula conseguia interpretar metáforas. Ao que ela
retrucou: é engraçado... Agora que você disse, eu me lembrei que quando perguntei
66
para a turma sobre a forma de uma poesia concreta que versava sobre o mar, apenas
Paula respondeu que a forma da poesia era por causa do balanço do mar, por causa
das ondas, que a poesia tinha a forma das ondas...
Isso produziu em Marlene uma surpresa, uma lembrança de um acontecimento,
que modalizou seu posicionamento anterior em relação a Paula. Nessa pontuação
conseguiu produzir um saber inédito sobre Paula, onde antes havia uma resposta – por
fora ela é normal, se construiu uma nova associação. Mesmo na nossa intenção
educativa, em nosso furor sanadis, o dizer pôde se equivocar, foi tomado como
equivocação, pois surpreendentemente não foi desse lugar que Marlene escutou,
confirmando em elaboração discursiva a interpretação. Dessa forma, como afirma Lacan
(1953-54/1996), o sentido não deve ser revelado, mas assumido por quem demanda.
Além disso, que o sujeito saia do estado nebuloso, após a intervenção do analista, não
comprova categoricamente que tal intervenção tenha sido eficaz, ou seja, não podemos
considerar a mudança de estilo como justeza da interpretação, mas que o sujeito traga
um material confirmativo, mesmo que isso precise ser nuançado (Lacan, 1953-54/1996).
Acompanhamos o trabalho de Paula e Marlene, as soluções encontradas
produziram o avanço no que concerne ao aprendizado da primeira. Este avanço, e o
trabalho que nos foi relatado com entusiasmo, nos remetia sempre ao fato de a nossa
escuta ter proporcionado a Marlene sua mudança de posição frente à aluna especial.
Esta se tornou especial, não porque por fora era normal, como afirmara Marlene
inicialmente, mas porque era a única que sabia dar forma à poesia. Isso nos permitiu
inferir que a mudança de posição a respeito de Paula teve uma relação intrínseca com a
reunião na qual nossa posição, apesar de educadora, pôde produzir algo que teve efeito
de escuta, de interpretação, como situamos no capítulo anterior.
67
Ao enfatizarmos os lapsos e “nomeações” de Marlene, mesmo em uma posição
educativa, esse dizer pôde se equivocar, conseqüentemente uma surpresa, uma
lembrança de um acontecimento, modalizou o posicionamento da professora em relação
a Paula.
Aqui se localiza outra diferença em relação ao caso anterior. Este momento de
surpresa de Marlene, instante em que as associações significantes dela mudaram de
razão, pôde sustentar um trabalho. Ao sublinharmos o seu texto, não esperávamos que
esta produção fosse possível. Asseveramos que este ponto de surpresa, de achado, é que
faz com que Lacan (1964/1991) cite Picasso, quando afirma: Eu não procuro, acho.
Logo, a posição que empreendemos nesse caso e suas conseqüências são achados que
nos remeteram ao trabalho.
Nesta perspectiva, a leitura da “Avaliação Específica de Paula permitiu o uso
de várias sentenças de Marlene para questioná-la em sua posição em relação a Paula.
Mesmo que naquele momento nosso ideal fosse o de que Paula viesse a ser percebida
por Marlene como uma pessoa sublime (ambição de curar), algo na maneira de citar o
texto de Marlene pôde se equivocar para ela. Nesta leitura, o que fizemos foi sublinhar
as sentenças que nos questionavam. Porém, somente em um desses sublinhados – acerta
forma – um efeito surpreendente foi produzido. Algo tropeçou, a afirmação de que por
fora ela é normal rateou. A citação do texto de Marlene, apesar da atividade educativa
que prevalecia em nossa posição, possibilitou a interpretação em construção sobre
Paula: ela é a única que conseguiu dizer sobre a forma da poesia.
Marlene, conseqüentemente, começou um trabalho com afinco, que lhe
proporcionou novas descobertas e produziu em Paula um avanço na escola. Na
penúltima reunião com a professora, ela nos contou: Paula tem seu próprio tempo...
68
Disse do avanço que Paula obteve, das suas surpresas e descobertas, fruto do trabalho
que ambas empreenderam.
Tal enunciado retornou na fala da mãe, ao afirmar que agora sabe: Paula tem seu
próprio tempo... A mãe disse que os avanços de Paula a fizeram não estar tão em cima
de sua filha, o que, conseqüentemente, proporcionou ao seu marido uma maior
aproximação de Paula. Permitiu à mãe de Paula sair do lugar de acusação ao Outro, uma
vez que era sempre ao Outro que ela imputava a razão por Paula não avançar nos
saberes formalizados.
Podemos dizer que quando Paula avança na escola, a mãe (d)escola de Paula,
como bem disse em reunião conosco: hoje eu não fico tão em cima de Paula, pois sei
que ela tem seu próprio tempo, e ela pode sentir falta do pai...
É importante frisarmos que quem escreveu o relario foi Marlene, nós apenas
sublinhamos, essa foi nossa intervenção: citação do texto de Marlene. A partir da sua
própria escrita sublinhada, do seu texto, esta professora conseguiu produzir um saber
totalmente novo sobre Paula, que a colocou em posição de trabalho. A professora
encontrou um saber na sua própria escrita que produziu uma retirada de Paula daquele
primeiro lugar no qual havia sido colocada: por fora ela é normal... Do trabalho que
ambas empreenderam, a partir desta nova posição de Marlene frente a Paula, o que se
produziu foi o avanço de Paula nos saberes constituídos e um dizer novo: Paula tem o
seu próprio tempo...
Assim, a substituição metonímica produzida por Marlene de por fora ela é
normal, para ela é a que interpreta metáforas, e, em seguida, ela é a única que sabe
sobre a forma da poesia, permitiu a Paula se mover no desejo de Marlene de um lugar
no qual se delimitava uma tragédia – ela é café-com-leite –, para um drama com final
imprevisível: ela tem seu próprio tempo.
69
4.3. Reminiscências: os resíduos da História e de uma denúncia.
Retomemos o que encontramos na História. Obviamente a História afeta os
sujeitos envolvidos e de alguma maneira suas demandas, mas apenas como estória,
como ficção para cada sujeito. Não possuímos nenhuma fórmula de antemão sobre
como cada um vai responder às exigências para que tudo funcione, para que se consuma
cada vez mais. Cada um responde como pode para contar suas esrias. Mesmo quando
os outros mais próximos falam sobre o sujeito, isso ainda é estória, estória que i
compor a rede significante que encadeia o sujeito nessa trama.
Em O seminário, livro 20: mais, ainda, Lacan (1975/1985) sustenta que a
História é uma construção que concerne menos aos fatos concretos, a uma verdade das
origens do que a quem construiu. Ela, segundo Lacan, diz da tentativa de construir um
sentido para aquele que demanda. Da mesma forma, ele afirma em O semirio, livro
17: o avesso da psicanálise, que de fatos se faz o factício, o fato fictício (Lacan, 1969-
70/1992). Desse modo, quando recuperamos os “fatos históricos”, dizemos de uma
busca que expõe o nosso posicionamento, mais do que uma verdade sobre os eventos.
Dessa forma, podemos pensar que, como o âchipu (médico exorcista), em
resposta aos ataques dos demônios (DSM-IV), buscávamos esconjurar os males em um
ritual previamente estabelecido pelos deuses (autores psicanalistas). Despossessão do
nosso ato (ato analítico), pois considerávamos a psicanálise uma Weltanschauung. A
recompensa que pretensamente esperávamos, ou seja, o alívio do mal não ocorreu, pois
querer-o-bem-do-outro engendra uma falcatrua benéfica
30
na qual nos situamos como
30
Falcatrua benéfica a nós, pois querer-o-bem-do-outro expõe que quem possui o bem é aquele que
oferece, aquele que tem para dar. Portanto, esse termo denuncia a nossa posição ao sustentar que sabemos
qual é o bem das crianças.
70
possuidores de um bem a ser doado. Em outras palavras, ser elevado como Asclépio
que, de simples mortal, se tornou deus.
Quando situamos, no capítulo sobre a História do diagnóstico, que no caso de
Hipócrates, o “o mal de sofrimento” dos babilônios, de castigo divino passou a um
desregramento e desequilíbrio. Poderíamos, ao invés de acusar subliminarmente, forçar
outros sentidos com os mesmos significantes. Se a doença é desregramento e
desequilíbrio, ou seja, sem regra e sem equilíbrio, como medir, como regrar, como
manter o equilíbrio frente a elas? Como encontrar as leis gerais tão enfatizadas na Era
Moderna? Perguntas que poderiam ser feitas a Cândida, que poderiam fazer equivocar-
se a nossa posição, o nosso dizer, fazerndida construir uma interpretação e deslocar
sua atenção do menino de quem a atenção faz falta.
Do mesmo modo, sustentamos no percurso histórico que, a partir da Idade
Moderna, os homens passaram a senhores e possuidores da natureza. Poderíamos, ao
invés de ensinar que nenhuma classificação pode dar conta das múltiplas variações da
natureza, questionar o caráter utilitário de prever e controlar, não como se Cândida
agisse cegamente respondendo a esta exigência, mas naquele caso, naquele momento
ouvir o que ela demandava em resposta a esta exigência.
Quando acusávamos o DSM-IV de situar um pensamento nomotético-
quantificador, no qual a instrumentalidade do conhecimento com o controle, cálculo e
teste ganham evidência, ou seja, uma crença em uma ordem natural, podeamos nos
questionar como essa crença nos afeta. Não estamos vacinados contra tal pensamento, a
maneira como respondemos a isso também demanda uma investigação. Quando
ensinávamos a Cândida, lhe posicionávamos como objeto de nossas elucubrações, ou
seja, acreditávamos que o real é o que é tecnicamente manipulável. Dessa forma,
agíamos como alguém que
71
procura fazer do sujeito o seu objeto, a sua coisa,
torná-lo maleável como uma luva para lhe dar a
forma que quer, para tirar dele o que quer, (...)
impelido por uma necessidade de dominar e de
exercer o seu poder. (Lacan, 1953-54/1996, p. 38)
Atuávamos como se houvesse uma ordem natural, pois se ensinamos a Cândida
a maneira certa, ela se aproxima da ordem que acreditamos ser a natural: nosso ideal,
nosso sistema. Ao invés de considerar este um caso singular, ou seja, fazer o sujeito
reintegrar sua história “até os seus últimos limites sensíveis, isto é, até uma dimensão
que ultrapassa de muitos os limites individuais” (Lacan, 1953-54/1996, p. 21). Agíamos
de maneira a sustentar uma readaptação de Cândida a um real, como se o conjunto do
sistema do mundo que nos concerne servisse de medida para ela.
Quanto ao que encontramos no capítulo sobre os diagnósticos atuais, a denúncia
dos autores psicanalistas pôde ser relativizada”. Visto que encontramos a demanda
diagstica como solução para a inerente tendência humana de demandar um sentido, e
a possibilidade da hitese diagnóstica organizar e estruturar a criança e os outros em
relação com esta. O que pôde ser ressaltado com o caso de Marlene e Paula, para quem
o diagstico serviu lhes permitindo contar uma estória de avanços com um final
imprevisível. Não temos como saber no a priori o que será feito de um diagnóstico,
quais serão seus usos. Ponto que antes considerávamos devastador para uma criança.
Logo, para nós, todas as crianças que recebessem um diagnóstico estariam destinadas a
uma tragédia e o que a pesquisa nos mostrou é que nem sempre, nem todas.
Acreditávamos que o diagnóstico servia para imprimir um único sentido
descritivo, portanto, a criança permaneceria aderida a tal sentido. Dessa forma, os outros
72
em relação a essa criança não se veriam implicados naquilo que se queixavam, apenas
necessitam se livrar, eliminar, suprimir o transtorno que os molestava.
O que podemos extrair disso é que na origem das formulações sobre para que
serve um diagnóstico na escola e o que move a demanda por este diagnóstico houve
uma culpabilização às professoras. Para nos afastarmos desta culpabilização,
formulamos a questão sobre quais as elaborações que as professoras produzem a partir
do diagnóstico da criança, que a situassem como apresentando necessidades educativas
especiais. Esforço de trabalho das primeiras questões que se configurou como um
equívoco, pois iríamos construir uma pesquisa qualitativa, portanto na lógica do a
priori. As conseqüências de se construir uma pesquisa com essas características em
psicanálise é fazer da psicanálise um ideal, um dogma. Portanto, tanto o que “causava”
esses questionamentos – a culpabilização às professoras – quanto o caminho que
trilvamos em uma pesquisa qualitativa, ambos os movimentos estavam atrelados a um
ideal de fazer da psicanálise uma Weltanschauung. Porém, a busca pelos fundamentos
da práxis analítica e a busca pelo afastamento da culpabilização, nos permitiu a
descoberta que não seria por esse caminho que responderíamos às primeiras questões. A
consideração para nos voltarmos às situações que ocorreram na nossa experiência nos
permitiu tanto o afastamento da culpabilização, quanto o caminho que devíamos seguir.
A implicação disso nas primeiras questões foi que só poderíamos respondê-las
no encontro com cada sujeito, isto é, no um a um que se poderia dizer algo acerca do
uso do diagnóstico na escola e da causa de demanda que ele constituiria.
Dessa forma, sobre a questão do que move a demanda por diagnóstico, pudemos
formular que no caso de Sílvio e Cândida, esta demandava um sentido para o que não
funcionava na sua ação de educar aquele. Isso causava Cândida, mas como afirmamos
antes, a causa é perdida, sua verdade é um semi-dizer. Portanto, o que mais importa é
73
que as conseqüências desse trilhamento nos fazem retornar às primeiras questões a
partir da nossa experiência na escola. O que nos aponta para a nossa responsabilidade
no manejo, ou seja, no tratamento dado à demanda diagstica. Mais do que saber o que
move a demanda, o importante são os usos que o sujeito pode fazer disso e a nossa
posição frente à mesma para que os sujeitos possam engendrar um trabalho. Assim,
apontamos para uma reflexão ética contínua, para que o rigor do que nos propomos
fazer, enquanto praticantes da análise, não se perca.
74
5. Conclusões: Cheherazade ensina uma posição a Chahriar.
No início do trabalho, considerávamos que quando alguém demandava um
diagstico isso delimitava uma tragédia: todos responderiam de maneira igual ao
mesmo gesto, as mesmas situações, apagaria-se o sujeito, o idiossincrático, o singular.
Esqueceriam da história, pois o que é patológico em uma época pode ser normal em
outra, do mesmo modo, esqueceriam da história desses meninos com diagnóstico. Além
do sujeito, esqueceriam o sofrimento – quais os recursos que a criança tem para dizer da
angústia?
Agora, claramente percebemos que essas considerações serviam também a nós,
mais especificamente em relação às professoras. Não considerávamos sua demanda, seu
particular, seu sujeito e seu sofrimento frente às crianças. Estas últimas, por algum
motivo, causavam mal-estar. Apontávamos para uma responsabilização das professoras,
mesmo que considerássemos, naquele tempo, que isso não poderia ser visto como uma
moral delineada pela afirmação de que todos devem se responsabilizar, esse era o
estatuto de nossas considerações, estatuto de ideal.
Asseverávamos ainda, que não poderíamos prever o que ocorreria, que
poderíamos falar de certa tendência e que em alguns casos poderíamos encontrar essa
configuração. Porém, o que os casos nos ensinaram foi que não podemos afirmar a
priori que essa configuração ocorra. É necessário ver caso a caso o que o diagnóstico
proporcionará em cada situação específica.
Consentíamos que essas formulações e questionamentos ressoassem nos casos
da escola, em que crianças receberam um diagnóstico. Que as mães e a escola se
queixassem constantemente da indisciplina, agitação, apatia, problemas de
75
aprendizagem, etc. Após o diagnóstico ser transmitido, somente conseguíamos escutar o
alívio por parte dos pais e das professoras. Acreditávamos que o diagnóstico prenderia o
sujeito em uma marca, produzindo um “menino sem história”. Assim, tentávamos
ensinar a contabilização da história de meninos que receberam diagnósticos.
Nesse sentido, quando nos posicionávamos como cientes de que as professoras
poderiam se esconder por trás do mesmo álibi e se desresponsabilizar, e transmitíamos
de um lugar de que tínhamos a dizer alguma coisa para elas, isso surtia um efeito
diferente do que espevamos. Contávamos, ou melhor, tentávamos transmitir a
contabilização da história dos “meninos sem história” às professoras. O que ficava
interceptado no nosso discurso era a falta de consideração para a imprevisibilidade de
um destino.
Na transmissão às professoras foi que nos questionamos de que lugar
interpevamos este sujeito. Elas afirmavam, naquele momento, algo que delimitava
uma concordância com o nosso discurso. Agora, fica claro que, naquele momento,
quando tentávamos explicar a nossa teoria sobre o diagstico, estávamos no lugar de
saber, colocando o outro como um objeto desse saber, na vã tentativa de concernir um
lugar de sujeito para aquelas crianças e o que se produzia era o contrário.
Ora, muitas justificativas serviam de embasamento para nossa acusão.
Principalmente justificativas que partiam da nossa leitura da revisão da literatura
acerca dessa questão diagnóstica, produzida por autores sustentados teoricamente pela
psicanálise, aqueles que apontavam para uma destituição do trabalho diagnóstico. Dessa
forma, além das justificativas já descritas nesse trabalho, outras considerações foram
produzidas sobre a questão do diagnóstico, onde considerávamos a psicanálise como um
corpus teórico, mais que isso, um ideal.
76
No sentido precedente, para justificar nossa teoria às professoras, nosso ideal,
comparávamos as clínicas médica e psicanalítica, cujas clínicas consideram, cada uma,
o diagnóstico a partir de um referencial muito próprio como bem diferencia Priszkulnik
(2000). Porém já naquele tempo, estava presente para nós, mas ausente na nossa
significação, uma chave para desembotar nossa consideração da psicanálise como um
ideal. Afirvamos que ambas, a clínica médica e a psicanalítica, produzem um
diagnóstico sobre o que elas concebem como patológico no tempo da infância, e
aludíamos que o diagnóstico psiquiátrico era o aprisionador.
A chave que anunciamos acima seria que, em certo sentido, não há como prever
o destino de todas – nem de todas as crianças, nem de todas as professoras. O que há é a
continncia de um encontro de um diagnóstico, produzido que fosse por qualquer
clínica, que só poderíamos encontrar caso a caso. Atualmente, estamos avisados que a
demanda ou a transmiso do diagstico não garantem nada, nem o aprisionamento do
sujeito, nem sua soltura.
Mais uma vez, considerávamos o geral – todas as professoras, todas as crianças
– para formular a questão que serviu como desvio desse estudo, qual seja, quais as
elaborações que as professoras (no geral) produzem a partir do diagnóstico da criança,
que situe esta como apresentando necessidades educativas especiais? Mesmo que nas
reuniões de supervisão fosse apontado que essa questão não caberia à psicanálise, fomos
em frente, pois da posição em que nos encontrávamos conseguíamos encontrar diversas
justificativas para nossa acusação.
Mesmo que acreditássemos na ressalva de que essa acusação deveria ser
considerada apenas como possibilidade, que supuséssemos que o aprisionamento do
sujeito em uma categoria dependeria: primeiro, da forma como esse diagnóstico é
transmitido; segundo, de como os pais escutam o diagnóstico; terceiro, de como os
77
outros
31
confirmam esse diagnóstico; e quarto, de como o sujeito que recebe o
diagnóstico se posiciona frente a ele; além, é claro, das possibilidades não vislumbradas
por nós, esta ressalva não pareceu desvincular-nos da acusação de que cada um
envolvido com uma criança diagnosticada teria uma responsabilidade no destino que
poderia ser traçado para aquela. Esta leitura do nosso posicionamento frente à demanda
diagstica como uma acusação foi possível pelo trabalho dos capítulos sobre
pesquisa em psicanálise, bem como com os casos.
Outrora, considerávamos uma tentativa de responsabilizar as professoras, pelo
aprisionamento do sujeito em uma marca. Portanto, quando nós enunciávamos que
tínhamos a dizer alguma coisa para as professoras, o que ocorria era um efeito diferente
do que esperávamos. Em nome de um bem, o bem dos alunos, teorivamos para que
elas compreendessem que o diagnóstico não tem utilidade na escola. Nesse momento,
negávamos os furos dessa teorização.
Ao contrário, quando nos posicionávamos de maneira a pontuar o discurso, com
a direção de, na transferência, conseguirmos ouvir algo que fazia ruído, ou melhor,
quando fazíamos uma questão para que elas produzissem uma resposta possível sobre a
educação, lançávamos as professoras em um percurso de elaborar suas respostas
realizáveis em um campo do impossível que é a educação.
Podemos afirmar, assim, que deixamos de procurar culpados – posição muitas
vezes imputada à psicanálise – pelo fracasso da educação para reafirmar que a única
hipótese da psicanálise é a do inconsciente, mas mesmo esta é incompletude. Isso
justifica que a posição de um profissional orientado pela psicanálise seja a de escuta, o
que pode permitir que os ideais sejam re-significados no a posteriori da experiência.
Uma experiência que passa necessariamente por um trabalho que envolva a supervisão,
31
Incluindo as professoras.
78
estudo teórico e análise pessoal. Portanto, da acusação às professoras, passamos ao
questionamento do nosso posicionamento, acreditamos ser esta uma posição ética.
Consideramos, agora, que apenas a partir do percurso sobre pesquisa em
psicanálise e a construção dos casos houve uma mudança efetiva em nosso
posicionamento.
Assim, para discorrermos sobre o percurso do trabalho que vai da problemática
da pesquisa até os dias de hoje, fazemos uma alusão a As mil e uma Noites
32
. Segundo
Malba Tahan (2004), nessas histórias chamadas pelos árabes “histórias em cadeia”, em
que cada conto se encerra com uma deixa para o conto seguinte, existe a problemática
inicial que funda o percurso das mil e uma noites. No trilhamento dessas histórias, essa
problemática vai tomando novas características: muda sua relevância e posição.
Assim como Chahriar, nós possuíamos uma certeza íntima que parecia
inabalável e que nos posicionava em um tom acusativo. Enquanto a certeza de Chahriar
era a de que todas as mulheres tinham uma tendência à traição, acreditávamos que o
32
As crônicas se iniciam com a história de dois irmãos – Chahzenã e Chahriar – que foram traídos por
suas esposas. O primeiro, após matar a esposa e o seu amante, vai para o pacio do segundo, que é o
sultão e descobre que a sultana, mulher do seu irmão, traiu Chahriar. Após esse acontecimento, Chahriar
sai com seu irmão até o mar e encontra um gênio maligno e uma mulher que fora raptada por ele na noite
de núpcias, para se tornar, desde eno, sua amante. A mulher vê os iros e os ameaça dizendo que irá
acordar o gênio se eles não satisfizerem seus desejos. Depois de dormir com os dois irmãos, a mulher
pede para eles seus anéis e, assim, completa a centena de amantes que possuiu desde que o gênio a
raptara. Após esse acontecimento, o sultão tem a certeza de que todas as mulheres são inclinadas à traição
e que o gênio é mais infeliz que eles.
Quando retorna para o pacio, Chahriar ordena ao grão-vizir que mate a sultana e seus amantes. Após a
partida de Chahzenã, Chahriar pede ao grão-vizir que traga a filha de um dos seus generais, com quem
dorme. No dia seguinte entrega-a para morrer, e ordena ao grão-vizir que procure outra mulher. Essa
história acontece várias vezes, o que deixa todos da Índia muito tristes e assustados com a escolha do
sultão.
O grão-vizir tinha duas filhas, a mais velha, chamada Cheherazade, a mais nova, Dinarzade. Cheherazade
tem uma idéia para deter as maldades do sultão: entregar-se ao seu leito para poder dissuadi-lo com suas
histórias. Cheherazade fala para sua irmã, que uma hora antes do nascer do sol, implore-a para contar
histórias. Após as núpcias, Cheherazade pede ao sultão a última noite junto à irmã. Esta dorme aos pés da
cama do sultão e uma hora antes do sol nascer pede para Cheherazade contar suas histórias maravilhosas.
Quando o sol nasce, a história permanece sem um fim e o sultão, muito ocupado com suas tarefas, poupa
a noiva para que continue a história na próxima noite.
Por mil e uma noites Cheherazade conta histórias para o sultão, o que impede seu sacrifício a cada dia,
sempre com novos personagens que apareciam modificando o sentido anterior da história. Passadas as mil
e uma noites, a cólera de Chahriar se evade e o sulo retira a lei que foi por ele imposta. Cheherazade
consegue salvar as mulheres da morte e os cortesãos saúdam o sulo e a sultana com suas bênçãos.
79
diagnóstico enunciado para a escola, fazia com que as professoras aprisionassem o
sujeito num discurso que as fazia contabilizá-los como “meninos sem história”. Cabe
esclarecer que esse termo – “meninos sem história” – configura muito da nossa primeira
posição, onde ficamos atrelados a um bem das crianças, como se conseguíssemos com
nossa pesquisa que esse tal bem fosse atingido. Mesmo quando afirvamos, como
Chahriar deixava eclipsado, sem se dar conta, que isso era apenas uma tendência, o que
ficava evidenciado na nossa posição era uma acusação às professoras. Desconfiamos
que naquele momento – do nosso lado –, o significante professora se atrelava ao
significado de que é aquela que tem o poder de prender o sujeito em um
diagnóstico, além de mobilizar pais e escola para darem conta desse outro
diagnosticado.
Consideramos que naquele momento da primeira reunião na escola, nós já
nhamos um diagnóstico frente às professoras, qual seja, culpabilizávamos todas as
professoras por qualquer fracasso escolar. Talvez, por causa de uma professora que
encontramos em experiência anterior ao estágio, a tendência tenha se tornado a regra
sem exceção: as professoras não contabilizam a história das crianças diagnosticadas o
que os torna “meninos sem história”. Parece, aqui, que fundamos uma nova categoria
nosológica, em que todas ou nenhuma professora caberiam: professoras que prendem
o sujeito.
Desse modo, podemos pensar que, nesse caso, estávamos em um lugar análogo
ao de Chahriar, enquanto que a pesquisa se tornou a nossa Cheherazade. Além disso,
podemos pensar que, como o gênio em relação a Chahriar, as crianças eram mais
infelizes que nós, o que engendrava a falcatrua benéfica: querer-o-bem-do-outro. Assim,
como em “As mil e uma Noites”, vários personagens comem essa história, em que o
que é contado depois re-significa o que veio antes: nem todas as mulheres traem, nem
80
todas as professoras e nem todo diagnóstico aprisionam o sujeito em um rótulo. Os
casos que descrevemos nos ensinaram essa posição.
81
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