Download PDF
ads:
UFRRJ
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DE CIÊNCIAS SOCIAIS EM
DESENVOLVIMENTO AGRICULTURA E SOCIEDADE – CPDA
DISSERTAÇÃO
A natureza na Representação Social de produtores de Soja
no Mato Grosso
Maryanne Rizzo Correa da Costa Galvão
2008
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PÓS-GRADUAÇÃO DE CIÊNCIAS SOCIAIS EM DESENVOLVIMENTO,
AGRICULTURA E SOCIEDADE
A natureza na Representação Social de produtores de Soja
no Mato Grosso
Maryanne Rizzo Correa da Costa Galvão
Sob a Orientação do Professor
Maria Verónica Sécreto
Dissertação submetida ao curso de Pós-
Graduação de Ciências Sociais em
Desenvolvimento, Agricultura e
Sociedade, como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre, de Ciências
Sociais em Desenvolvimento Agricultura
e Sociedade.
Rio de Janeiro, RJ
Setembro de 2008
2
ads:
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PÓS-GRADUAÇÃO DE CIÊNCIAS SOCIAIS EM DESENVOLVIMENTO,
AGRICULTURA E SOCIEDADE
MARYANNE RIZZO CORREA da COSTA GALVÃO
Dissertação submetida como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Ciências
Sociais Desenvolvimento Agricultura e Sociedade área de concentração Natureza, ciência e
saberes no Curso de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e
Sociedade.
DISSERTAÇÃO APROVADA EM / /
Maria Verónica Secreto (Drª.) UFRRJ
(Orientador)
Gian Mario Giuliani (Dr.) IFCS/UFRJ
Hector Alimonda (Dr.) UFRRJ
3
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos funcionários da Secretaria do Programa de Pós graduação em
Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, sem
a ajuda dos quais essa dissertação não teria sido possível.
Agradeço aos meus colegas Klenio, Silvinha, Janaína, Maíra, Olavo, Mariza, Daniel,
Juliana, e todos os demais colegas da turma de 2006, pelo prazeroso tempo compartilhado.
À Ana e João pelo carinho e amizade construída. Ao João, agradeço por trazer meus pés
para o chão e focar”, e à Ana, por delicadamente me censurar nos momentos de insegurança. E
também por compartilharem comigo suas inquietações.
Agradeço à Maria pelas respostas amáveis nos momentos de tensão.
À Joana e Alexandre por me receberem carinhosamente em sua casa num domingo à
noite, pela leitura minuciosa e pelas ricas sugestões.
Ao Zé, agradeço pela paciência no convívio diário e por estar sempre disposto a ajudar.
Aos professores Regina Bruno, John Comerford, Hector Alimonda e demais professores
do CPDA agradeço por tudo o que aprendi.
Ao professor José Marta do Departamento de Economia da UFMT pela gentileza em me
receber e pela grande ajuda com meus primeiros contatos.
À Gian Mario Giuliani e Paola Cappelin agradeço pelo carinho e por me fazerem querer
fazer da sociologia um instrumento de defesa da natureza e dos humanos.
À minha orientadora, Verónica, agradeço imensamente por tudo o que aprendi. Agradeço
também pelo carinho, pela compreensão, e acima de tudo, por me incentivar ao acreditar em
mim.
À minha família agradeço pelo suporte e estímulo. E, acima de tudo, agradeço, à minha
mãe, por resistir sempre sem perder a ternura, e a quem dedico essa dissertação.
4
RESUMO
GALVÃO, Maryanne Rizzo C. da C. A natureza nas representações sociais de produtores de
soja no Mato Grosso. 2008. 116 p. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais em
Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade) Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Programa
de Pós Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade,
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Rio de janeiro, 2008.
A soja é considerada atualmente a grande fronteira agrícola do estado do Mato Grosso e
tem impulsionado os atores sociais, envolvidos na sua cultura, a ampliar cada vez mais a área
cultivada e promover o crescente desmatamento na região. A presente dissertação buscou
compreender, através de pesquisa de campo e bibliográfica, como a natureza é percebida e
representada socialmente pelos produtores de soja do estado de Mato Grosso, principais atores
sociais envolvidos no processo de produção da soja e também os principais responsáveis pelo
desmatamento no estado.
Palavras-chave: representação social de natureza, agricultura moderna, soja.
5
ABSTRACT
GALVAO, Maryanne Rizzo C. da C. The nature in the social representations of the
soybean producers in the state of Mato Grosso. 2008. 116 p. Dissertation (Master os Sciences
in Development, Agriculture and Society) Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Programa de
Pós Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro, Rio de janeiro, 2008.
The soybean is considered at the present the great agricultural frontier of the Brazilian
state of Mato Grosso and has been driving the social actors, wrapped in its culture, to enlarge
further more the cultivated area, being thought, in this form, as the main responsible for the
growing deforestation in the region. The present dissertation intended to understand, through
field work and bibliographical research how nature is viewed and represented socially by the
soybean producers of the state of Mato Grosso, the main social actors envolved in the process of
production of the soy bean and also the main responsible for the deforestation in the state.
Key words: social representation of nature, modern agriculture, soybean.
6
SUMÁRIO
SUMÁRIO..................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................9
O TRABALHO DE CAMPO: UMA BREVE ETNOGRAFIA................................................................14
1.1– DO PRIMEIRO CONTATO AO CAMPO ................................................................................................................................... 14
1.2- A BIENAL DOS NEGÓCIOS DA AGRICULTURA ......................................................................................................................... 18
1.3 – O ENCERRAMENTO DA BIENAL ....................................................................................................................................... 21
1.4– AS CIDADES PESQUISADAS EM NÚMEROS .............................................................................................................................. 21
ALGUMAS CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS SOBRE A FRONTEIRA E A CRÍTICA DA AGRICULTURA CAPITALISTA
.............................................................................................................................................................25
I.1 – A FRONTEIRA AGRÍCOLA: UMA EXPERIÊNCIA RECORRENTE DE DEGRADAÇÃO ........................................................................................ 25
I.2 – MARX, A NATUREZA E A CRÍTICA DA AGRICULTURA CAPITALISTA ................................................................................................. 37
OS PRODUTORES DE SOJA........................................................................................................43
3.1 – PERFIL DO PRODUTOR .................................................................................................................................................. 43
3.2– A PRODUÇÃO ............................................................................................................................................................ 46
3.3 – AS REPRESENTAÇÕES DA NATUREZA ................................................................................................................................... 53
CAPÍTULO IV - UM ECOLOGISMO DOS RICOS? ..........................................................................66
4.1 - INSTITUTO AÇÃO VERDE ............................................................................................................................................... 66
4.2 – O AMBIENTALISMO COMO UM COLONIALISMO: UMA IDEOLOGIA ANTICIVILIZATÓRIA E ANTINATURAL? ......................................................... 76
CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................................86
ANEXOS...................................................................................................................................91
ANEXO I - ROTEIRO DAS ENTREVISTAS ....................................................................................................................................... 91
ANEXO II ........................................................................................................................................................................ 93
ANEXO III - ENTREVISTA COM O SENHOR PAULO BORGES, ENGENHEIRO FLORESTAL, RESPONSÁVEL PELO INSTITUTO AÇÃO VERDE. REALIZADA DIA
11/01/2008 NA SEDE DO INSTITUTO NA FIEMT (FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DE MATO GROSSO). ......................................................... 106
7
“O agricultor é ambientalista nato” (senhor Marcos da Rosa, de
Canarana, em entrevista a revista DBO Agrotecnologia, de maio/junho de
2007.
“Sou tataraneto de agricultor. Vim aqui (Mato Grosso) por causa da
agricultura não por causa da natureza” (Governador Blairo maggi, em
entrevist a revista carta Capital de 4 de junho de 2008).
“A agricultura é a salvação da natureza, porque tudo verde... tudo
verde, bonito...ajuda a natureza. Quanto oxigênio vai produzir?Agride
coisa nenhuma, acho que é a salvação da natureza. A gente tira esse
cerrado velho todo seco, né? e, tudo verde, bonito. Aí, daqui
dezembro, janeiro fica todo verde, bonito... É uma natureza beleza...
(seu Ricardo, de Sapezal).
8
Introdução
A modernização conservadora do setor agrícola brasileiro ocasionou a formação de duas
lógicas distintas e desiguais de organização da produção: de um lado, o modelo químico-
mecanizado, em geral formado por agricultores empresariais médios e grandes proprietários -
que utilizam alta tecnologia e buscam uma simplificação do meio natural (monocultura),
contando com mão de obra assalariada e voltando sua produção especializada para o mercado
externo; e de outro lado, os agricultores familiares pequenos proprietários
1
que, em geral,
utilizam poucos insumos externos à propriedade rural e constroem estratégias para conviver com
as limitações ambientais no processo produtivo.
Ainda que haja hoje um crescimento da percepção da necessidade da sustentabilidade
2
agrícola, podem ser indicados, na agricultura brasileira, alguns fatores tradicionais que
demonstram sua insustentabilidade
3
. A concentração fundiária
4
é um dos indicadores que mais se
destacam. Além disso, outro fator causador de desequilíbrios na agricultura brasileira é o
contínuo desgaste ecológico das áreas sob exploração, especialmente no que se refere à perda de
solos, ao desperdício da água, e à contaminação por agrotóxicos.
A degradação ecológica do território se expressa pela conversão de biomas nativos. De
acordo com Pádua
1
Pode-se verificar que pequenos produtores inseridos na cultura da soja utilizam crescentemente recursos
tecnológicos no processo produtivo, embora ainda não possam ser comparados com os níveis de mecanização
utilizados pelos grandes produtores.
2
Na década de 80, devido à continuação de inúmeros fenômenos de degradação ecológica e o agravamento da
situação econômica das populações de grande parte do mundo, é introduzido nos debates acerca do Meio Ambiente o
conceito de “desenvolvimento sustentável”, sendo um marco o relatório Brundtland (1987), resultante da Comissão
Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas (1983). Conforme a definição mais
conhecida, citada no relatório, “o desenvolvimento sustentável é o que responde às necessidades do presente sem
comprometer a capacidade das gerações futuras de responder às suas próprias necessidades” (Godard, 1997). Uma
agricultura sustentável seria produtiva sem destruir as bases naturais de produção, geradora de mais e melhores
empregos e aquela que promoveria uma distribuição mais justa e equilibrada do território.
3
Cabe destacar aqui que qualquer lógica de produção causa alteração na terra, no solo, entretanto, é o modelo
químico-mecanizado, com sua lógica industrial, muito mais insustentável que outro processo produtivo tal como a
agricultura familiar.
4
Nas décadas de 50 e 60 estabeleceu-se um debate nacional acerca da reforma agrária. Esta seria não somente uma
forma de se fazer uma reforma social nacional (de redistribuição de renda), mas também política (de democratização)
e acarretaria a formação de um mercado interno (industrialização). Entretanto, com a revolução agrícola e a
introdução da tecnologia no campo (e formação de um mercado interno) a chamada modernização conservadora
a idéia de reforma agrária se enfraquece. È interessante verificar a discussão realizada em Leite, Sergio. Palmeira,
Moacir (1998).
9
A incorporação de novas áreas na exploração agropecuária tem sido um componente
básico do modelo agrícola brasileiro, renovando o avanço horizontal e extensivo que
caracterizou a formação histórica do setor. O caso mais grave, pois certo é o do Cerrado.
Esse bioma, cuja importância pra a manutenção da diversidade e do equilíbrio
hidrográfico do território nacional vem sendo reconhecida, tornou-se uma grande
fronteira para a produção de grãos para exportação, principalmente o milho, o arroz e
nos últimos anos, a soja (Pádua, 2002, p.198).
Segundo Schlesinger (2006) o grão de soja, apesar de conhecido milênios pela
humanidade, adquiriu grandes proporções significativas na produção e comercialização de
alimentos no mundo há cerca de meio século. Foi após a segunda Guerra Mundial que os Estados
Unidos se consolidaram no mercado internacional da soja como predominantes (principalmente
devido ao Plano Marshall, supostamente criado para recuperação da Europa pós-guerra) passando
a partir de então a exportar não somente sua produção de soja, mas também tecnologias (através
de suas multinacionais) e novos padrões de consumo de alimentos. Na década de 70 devido à
imposição pelos Estados Unidos de uma moratória às suas exportações de soja em função de
limitações à produção, decorrentes de problemas climáticos, a soja chega aos países da América
do Sul que expandem suas produções para o mercado externo (primeiramente Brasil, Argentina e
Paraguai, e posteriormente Bolívia e Uruguai).
No Brasil, até a década de 1950 a soja no estado do Rio Grande do Sul era utilizada por
pequenos criadores como alimentação de suínos e como adubo. Posteriormente, a partir da
década de 70, com a grande euforia e incentivo governamental expande-se para outros estados do
Sul, Minas Gerais e para o Centro Oeste. Assim, o governo brasileiro passa apoiar o avanço da
soja através de créditos subsidiados e da prática de juros abaixo da inflação, além de investir em
infra-estrutura e pesquisa, com a criação da Embrapa, em 1973, e da Embrapa Soja e Embrapa
Cerrados, em 1975. Se até os anos 80 o Rio Grande do Sul era responsável por 38% da produção
brasileira de soja, em 1989 é ultrapassado por Mato Grosso e Paraná, que passam a ser os maiores
produtores. Hoje, o Brasil é o segundo maior produtor de soja do mundo, perdendo apenas para
os Estados Unidos, mas a previsão é de que o setor volte a ocupar a posição de primeiro lugar
alcançada em 2003/2004, devido à tendência crescente de ampliação da produção.
10
Atualmente a soja é considerada pela ABIOVE
5
a principal cultura agrícola do Brasil em
volume e em geração de renda”, “uma das principais fontes de divisas do país (cerca de 10% das
exportações totais)” sendo fundamental para a produção de carne no Brasil e no mundo”. Além
disso, consideram que “a soja exerce um papel importante no desenvolvimento social e
econômico nos países em desenvolvimento”, sendo “a fonte de proteína mais barata do mundo
6
(Documento Abiove, 2006).
De acordo com o Relatório FBOMS
7
, uma das conseqüências do processo de expansão da
fronteira agrícola na região Centro Oeste e Norte seria a reprodução do modelo da concentração
fundiária, de renda e dos sistemas produtivos grandes fazendas de gado e monoculturas
mecanizadas (no caso da soja) com a subordinação dos padrões culturais e produtivos das
comunidades locais e regionais ao padrão conduzido pelos novos atores sociais, de modo geral
imigrantes de outras regiões, com acesso a capital e tecnologia
8
. Este processo tem levado ao
aumento de deslocamentos de pequenos colonos
9
, em razão dos conflitos sociais ou da compra de
lotes, resultando em novas fronteiras locais e crescente desmatamento.
È possível observar ainda através desses dados recentes divulgados sobre o desmatamento
na região da expansão da fronteira agrícola no Mato Grosso, a estreita relação entre a
monocultura de soja (e de outros gêneros agrícolas como o algodão) e a destruição ambiental
10
.
5
Estudo “Sustentabilidade na Amazônia Legal”, 2006 Abiove - Associação Brasileira das indústrias de óleos
vegetais (www.abiobe.com.br).
6
Segundo Schlesinger (2006) a produção mundial de soja que 2005 foi superior a 215 milhões de toneladas,
absorveu cerca de 90% do volume colhido para a transformação do grão em óleo de soja bruto e em farelo. Apesar
da grande importância do óleo de soja, que responde por mais de 30% de todo o óleo vegetal produzido no mundo, o
farelo, usado na alimentação de animais “é o fator determinante do volume da demanda pela soja” (2006).
7
Relatório “Relação entre o cultivo da soja e o desmatamento – compreendendo a dinâmica”, realizado por iniciativa
do Grupo de Trabalho de Florestas, do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais e Desenvolvimento
(FBOMS), 2004.
8
O resultado das eleições para o governo do estado de MT em 2002, em que venceu o empresário agrícola Blairo
Borges Maggi (até então do PPS), demonstra a nova face do estado: a de uma agricultura moderna desenvolvida nos
últimos 20 anos. A saga da família se iniciou nos anos 80 quando o pai do atual governador veio do Paraná para o
norte do estado e começou a plantar em terras onde remanescia o cerrado virgem. Hoje, o governador planta soja em
cerca de 100 mil hectares, entre terras próprias e arrendadas, ganhando o título de maior produtor individual de soja
do mundo (Dados retirados da reportagem do Estado de São Paulo, do dia 07/10/2002). Sobre a migração da região
sul para o Mato Grosso ver a dissertação de Rocha, Betty Nogueira (2006) “Em qualquer chão sempre gaúcho a
multiterritorialidade do migrante gaúcho no Mato Grosso”.
9
O professor de Geografia Agrária da USP, Ariovaldo Umbelino de Oliveira, afirma que o problema fundiário no
MT não só continua em aberto como também segue influenciando de forma decisiva a dinâmica do desmatamento no
Estado - campeão nacional no corte indiscriminado da floresta. Além disso, Umbelino aponta que cerca de 90% dos
títulos de terra na região não resistiriam a uma investigação jurídica mais aprofundada (ver artigo “Grilagem
também é fator de desmatamento no Mato Grosso”, no site de notícias “Adital” www.adital.org.br em
16/06/2005).
10
Ver entre outros, o relatório FBOMS, 2004.
11
Além disso, a recente crise
11
da soja no Mato Grosso que acarretou protestos do setor agrícola do
estado desde o começo de 2006, demonstrou que apesar dos imensos lucros dos primeiros anos
de expansão do agronegócio, está ocorrendo uma crise de produção com sinais de crise
ecológica (Relatório FBOMS, 2004).
Em janeiro de 2008 o Ministério do Meio Ambiente, com apoio dos dados do Sistema
DETER (Detecção de Desmatamento em Tempo Real) do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais), divulgaram os últimos dados sobre o desmatamento na Amazônia
12
. Segundo as
imagens captadas por satélites, divulgadas pelo INPE, no último trimestre de 2007 a derrubada de
matas cresceu em ritmo acelerado, numa média de mais de 1.000 quilômetros quadrados por
mês
13
. De acordo com uma reportagem do jornal Folha de São Paulo “em Mato Grosso, novos
focos de desmatamento estariam próximos a áreas de cultivo da soja, grão que registrou aumento
de preços no ano passado”
14
.
Além disso, o Ministério do Meio Ambiente também divulgou uma lista com os 36
municípios que mais desmataram de acordo com o levantamento dos últimos meses de 2007. Dos
36 municípios, 19 são localizados no estado do Mato Grosso, ou seja, 52,7% dos municípios os
outros estão no Pará (12), Rondônia (4) e Amazonas (1). Os 36 municípios são responsáveis por
50% do desmatamento total do bioma Amazônia
15
.
Assim, a monocultura associada à alta tecnologia é o modelo de agricultura dominante e
privilegiada pelo mercado, pelo Estado e pela maioria dos profissionais da agronomia, ainda que
ela não seja a única forma de agricultura existente e possível.
Neste sentido, a presente pesquisa busca compreender como a natureza é representada
socialmente por alguns dos agricultores plantadores de soja ligados a esta lógica dominante de
produção agrícola no estado do Mato Grosso. Uma lógica de produção em que a articulação
11
A crise da produção agrícola no Mato Grosso - principalmente da soja - se mostrou através da alta nos custos de
produção e problemas climáticos que provocaram quebra de safra e favoreceram a disseminação da ferrugem
asiática, queda do dólar e queda do preço da soja “Dados retirados da reportagem Blairo Maggi pede estado de
emergência em Mato Grosso” - 24/03/2006, do Estado de São Paulo.
12
Desde que divulgados pelo INPE os dados sobre o desmatamento no estado têm sido questionados pelo governo
estadual. O governador Blairo Maggi possuindo um relatório da SEMA (Secretaria estadual de meio anbiente)
contesta 90% dos dados do relatório do INPE. Informações retiradas das reportagens “Blairo reafirma: 90% dos
dados de desmates do INPE estão errados” - 20/03/2008 em www.sonoticias.com.br e “Inpe recebe 2ª relatório da
Sema contestando dados de desmates em MT” - 21/03/2008 em http://www.agazeta-acre.com.br.
13
Informações retiradas da reportagem da folha online “Cresce derrubada na Amazônia, diz INPE” – dia 18/01/2008,
no site www.folha.uol.com.br
14
Ibid.
15
Notícia retirada do site do Ministério do Meio Ambiente – www.mma.gov.br. Dia 24/01/2008 “MMA divulga lista
dos municípios que mais desmataram em 2007”.
12
histórica homem natureza, mediada pelo trabalho, quase não existe (ou se existe é
transformada); em que os valores são outros; e onde o trabalho é altamente tecnificado.
É fundamental entendermos como estes atores sociais representam a naturezajá que são
responsáveis pelo maior desmatamento na história do estado - se quisermos no futuro construir (e
privilegiar) um tipo de agricultura menos predatória, que, ainda que vise o lucro, valorize as
relações sociais humanas e culturais que no meio rural se constroem.
A presente pesquisa realizou-se através de análise bibliográfica e documental, incluindo o
exame de notícias de jornais e revistas da região e sobre a região. Além disso, foram realizadas
entrevistas com nove produtores de três cidades diferentes e conhecidas produtoras de soja do
estado Campo Verde, Canarana e Sapezal. A pesquisadora ainda participou da Bienal dos
Negócios da Agricultura” que se realizou em agosto de 2007 em Cuiabá, onde, além das palestras
e debates, aconteceu o lançamento da ONG Instituto Ação Verde. Ainda, uma décima entrevista
realizou-se em janeiro de 2008, com o gerente técnico Paulo Borges, responsável pelo Instituto
Ação Verde.
No capítulo I descrevo, de maneira breve, o trabalho de campo no Mato Grosso. Trato do
contato com as primeiras fontes, da relação com os produtores entrevistados, da participação na
Bienal dos Negócios da Agricultura. O capítulo II trato da questão da fronteira, faço uma pequena
discussão teórica com autores que trataram do tema tentando mostrar também que, no Brasil, a
fronteira (e principalmente a fronteira agrícola capitalista) tem tido historicamente um caráter
devastador. No Capítulo III tento expor os resultados das entrevistas com os produtores de soja
do Mato Grosso, dividindo-os em três temas, conforme o roteiro das entrevistas: o perfil do
produtor, a produção e a representação da natureza. No capítulo IV trato de duas questões
importantes e fundamentais para se compreender a representação da natureza dos sojicultores
entrevistados no Mato Grosso. Primeiramente, analiso a criação (pelo setor produtivo do estado)
do Instituto Ação Verde (criado durante a Bienal da Agricultura) através do que pude observar
durante seu lançamento e, posteriormente, através de uma entrevista realizada com o gerente
técnico da ONG. Além disso, analiso o discurso presente no livroMafia verde 2: ambientalismo
como um colonialismo”, distribuído pela FAMATO a alguns produtores do estado, e cujo
discurso conservador em relação à natureza muitas vezes é semelhante aquele obtido nas
entrevistas com os produtores.
13
O trabalho de campo: uma breve etnografia
Este breve capítulo constitui-se uma tentativa de esboçar a chegada no campo, como se
deram os primeiros contatos e impressões, ou seja, trata-se de uma breve etnografia de pesquisa.
Além disso, ainda, trago algumas informações sobre a produção de soja nas cidades utilizadas na
pesquisa.
1.1– Do primeiro contato ao campo
Ao chegar a Cuiabá para iniciar o trabalho de campo, para minha pesquisa de mestrado
sobre produtores de soja, procurei primeiramente o senhor Amado de Oliveira
16
economista e
assessor do deputado Homero Pereira (PR-MT)
17
.
Fui recebida na manhã do dia 20 de julho pelo senhor Amado no escritório do Deputado
Homero Pereira (que na época estava de licença médica). Conversamos longamente sobre minha
pesquisa e sobre a soja na região. O senhor Oliveira me deu uma verdadeira “aula” sobre a soja.
Consegui, através dele, conversar com o senhor José Puppin
18
, que é um grande produtor
conhecido do Estado de Mato Grosso (principalmente de algodão e soja), e atualmente preside a
AMPA (Associação mato-grossense de produtores de algodão); e, além disso, alguns contatos na
Aprosoja (Associação dos produtores de soja do Mato Grosso) e no sindicato rural de Campo
Verde.
Durante a conversa com o senhor Amado de Oliveira observei um livro interessante sobre
sua mesa e pedi para ver. Ele disse que se eu quisesse poderia ficar com ele, pois a Federação
(FAMATO) havia comprado vários exemplares para distribuir entre os produtores. O livro se
16
O senhor Amado foi aluno do Professor Dr. Jose Martha do Departamento de economia da UFMT com quem eu
tinha conversado anteriormente (abril 2007) e que passou seu contato.
17
O deputado Homero Pereira (PR-MT ex - PFL) além de conhecido produtor de soja e de ser um grande símbolo de
liderança e representação da classe produtora, é membro de várias comissões do congresso relacionadas com
agricultura e natureza: Comissão de Desenvolvimento e Meio Ambiente (CMADS); Subcomissão especial para tratar
de agroenergia e meio ambiente (SUBAGROE); além de outras comissões. O deputado foi presidente da Famato
(Federação de agricultura e pecuária de MT).
18
Senhor José Puppin foi o meu primeiro entrevistado, nossa conversa ocorreu no seu escritório em Cuiabá.
14
chamava “Mafia Verde 2 Ambientalisto, novo colonialismo”
19
. Que não haja dúvidas de que
aceitei a oferta e fiquei com o livro.
As entrevistas fora de Cuiabá foram realizadas nas cidades de Campo Verde e Sapezal. E
em Cuiabá, pude entrevistar produtores de Canarana que vieram a Cuiabá para participar da
Bienal dos negócios da Agricultura.
Mapa do MT
19
O livro apresenta um discurso, com relação à natureza, que se assemelha muito ao discurso demonstrado pelos
produtores de soja e na relação da natureza e agricultura. O livro é um dos temas do capítulo IV.
15
Figura 1 - Mapa do estado de Mato Grosso (em amarelo - Cuiabá; vermelho - Campo Verde; Cinza -
Canarana; e Roxo - Sapezal) - Fonte: IBGE Cidades
Fonte: Censo Agropecuário 2006. IBGE
16
A cidade de Campo Verde foi escolhida por ser bastante próxima de Cuiabá - mais ou
menos 150 km – e pelo fato de ter adquirido contatos no sindicato rural daquela cidade.
Através do sindicato rural de Campo Verde, consegui realizar duas entrevistas.
Primeiramente com o senhor Jader Bergamasco que possui 2000 hectares e depois com o senhor
Giovane, agrônomo, produtor rural de 300 hectares de terra em Campo Verde.
a cidade de Sapezal - onde fui poucas semanas antes de retornar ao Rio de janeiro é
bastante longe de Cuiabá, sendo localizada cerca de 810km daquela.
A cidade, com pouco mais de 14 mil habitantes, foi escolhida primeiramente porque gira
em torno da soja e tem como um de seus fundadores o pai do atual governador do Mato Grosso
Blairo Maggi, e tendo conhecido por acaso um contato de
20
, achei fundamental aproveitar a
oportunidade. Dos aproximadamente 380 mil hectares de terra usada para agricultura em Sapezal,
140 mil são do Grupo Amaggi, da família do atual governador.
Antes da viagem consegui fazer contato com o sindicato rural de Sapezal. Quando
cheguei fui muito bem recebida. Acredito que todos estavam curiosos com a minha presença,
mas bastante dispostos a ajudar.
Das quatro entrevistas
21
que consegui fazer em Sapezal, apenas uma não foi através do
sindicato (eu havia feito contato com esse produtor anteriormente).
Percebi que muitas vezes ao longo do dia os produtores passavam no sindicato para
conversar, ver as novidades (entre as novidades, desta vez estava eu). Eu aproveitava a
oportunidade e perguntava se aceitavam participar da minha pesquisa. Alguns, desconfiados
perguntavam se eu fazia parte de alguma ONG, talvez prevendo a falta de simpatia daqueles por
essas organizações (como se poderá notar ao longo da pesquisa) e, porque se tratava de uma
pesquisa acadêmica, eu dizia que era da universidade.
Além das duas cidades já citadas, outra grande oportunidade para entrevistas e observação
participante foi a Bienal dos Negócios da Agricultura que aconteceu em Cuiabá e cujo tema era
“Produção sustentável: o caminho para o futuro do agronegócio”.
20
Uma conhecida da minha família tinha uma amiga que era dona de um cartório em Sapezal. Esta me recebeu e me
levou para o sindicato rural da cidade.
21
Infelizmente ao começar a transcrição das entrevistas constatei que uma das quatro entrevistas realizadas em
Sapezal por algum erro ou defeito não gravaram.
17
1.2- A Bienal dos Negócios da Agricultura
A Bienal da Agricultura aconteceu no centro de Eventos do Senar-MT (Serviço Nacional
de Aprendizado Rural) - e reuniu durante três dias, em Cuiabá, agricultores de todo o estado de
Mato Grosso, do Brasil todo e, ainda, parceiros internacionais.
Segundo o material impresso divulgado no início do evento o tema central e aglutinador
da Bienal era “a sustentabilidade da produção, pensada em todas as frentes: econômica, social e
ambiental”. O então presidente da FAMATO, Normando Corral, também agradece pelo apoio,
“às entidades co-irmãs, AMPA, APROSOJA e Senar/MT, ao governo do Estado e ao (Governo
Federal?)”. O coordenador da Bienal, o senhor Ricardo Arioli Silva, salienta a importância do
evento já que no final será assinado um Pacto Ambiental entre as associações de classe
produtivas e o governo do Estado, “que nos colocará na vanguarda da Preservação do Meio
Ambiente Rural, algo pela qual somos injustamente criticados”. Ainda nota que o produtor de
Mato Grosso quando entra numa briga é para ganhar”, e o fato do estado ter se tornado uma
liderança na produção de soja, algodão, pecuária e corte demonstra que também liderará a
produção sustentável, pois “podemos e devemos virar o jogo, divulgando nossas boas ações”.
Aproveitei a vinda de vários produtores à Cuiabá para usar alguns contatos que obtive
com a Aprosoja e agendar algumas entrevistas. No dia anterior ao início da bienal consegui
entrevistar dois produtores do Município de Canarana (cerca de 800 km de Cuiabá), o senhor
Marcos da Roza e o senhor Paulo (compadre do primeiro), ambos faziam parte do sindicato rural
de Canarana.
O primeiro dia da bienal foi bastante curioso. Primeiramente, me senti bastante deslocada.
Como um “peixe fora d´agua”, como se diz . O lugar era bastante amplo, lotado de gente, mas
mesmo assim sem ninguém com quem eu pudesse interagir. Havia muitos estandes espalhadas no
primeiro pátio, logo na entrada: Banco da Amazônia (BASA), TNC (The Nature Conservancy),
Banco do Brasil, etc.
Havia ainda mesas com sucos e cafés e na hora no coffee break essas mesas eram servidas
com bolos e biscoitos, pãezinhos, inclusive alguns de soja.
Não pude participar de todos os seminários que aconteceram durante a bienal, devido ao
seu grande número. Portanto, descreverei alguns acontecimentos que considerei de maior
importância.
18
O primeiro seminário da bienal em que participei se chamava “Como as mudanças no
mercado consumidor afetam o agronegócio”. Participaram deste seminário o pesquisador do
CPTEC/INPE, Doutor Gilvan Sampaio de Oliveira que falaria sobre o desmatamento e as
mudanças climáticas e o senhor Frans Claassen, porta voz do Dutch Task Force Sustainable
Soy
22
, falando da visão e das exigências do consumidor europeu. A mediação entre os
participantes foi feita pelo secretário para assuntos estratégicos do estado, Clovis Vettorato
23
.
A primeira palestra, do pesquisador do INPE, foi bastante interessante. Através de mapas
e gráficos (obtidos por meio de sensoriamento remoto) ele demonstrou o avanço da fronteira
agrícola na Amazônia, inclusive da soja, causando grande desmatamento. Disse ainda que esse
avanço da fronteira agrícola pode levar à savanização, a curto prazo, dessa região
24
.
A segunda apresentação foi a do senhor Claassen, da Product Board for margarine, fats,
and oil (MVO), uma empresa holandesa que representa os interesses das empresas de margarina,
gorduras e óleos. Mais especificamente, ele é o responsável pelo Dutch Task Force Sustainable
Soy uma força tarefa para a soja sustentável criada em 2006, tendo como participantes
empresas de ração animal, de carne, assim como as de gorduras, margarinas e óleos.
Os temas de interesse da força tarefa incluem os efeitos do aumento do cultivo de soja na
biodiversidade, as conseqüências sociais para a população indígena, e a sustentabilidade das
próprias formas de cultivo (uso de pesticidas, suscetibilidade a erosão, etc.).
É interessante notar que a Força Tarefa para a soja sustentável surgiu a partir da percepção
pelos seus membros do aumento significativo da importação da soja da América do Sul (85% da
soja que a União Européia importa vem da América do sul, sendo 60% do Brasil).
Depois do sucesso da Força Tarefa na Holanda, criou-se a Mesa Redonda para a Soja
Responsável (Round Table Responsible Soy - RTRS), que, contando com produtores, empresas,
instituições financeiras, seria uma plataforma internacional para a criação e implantação de
critérios para a soja responsável / sustentável. Dentre os membros da mesa estão:
22
Força tarefa holandesa para Soja Sustentável
23
Nota-se que seis meses antes eu tentei marcar uma audiência com o Governador Blairo Maggi. Por estar com a
agenda cheia de compromissos, o meu pedido foi mandado para a Secretaria de Assuntos Estratégicos do estado, que
solicitou que eu encaminhasse as perguntas por e-mail para o secretário Vettorato responder. Infelizmente, nunca
obtive resposta.
24
Fiquei bastante curiosa e preocupada com a reação de todos aqueles produtores assistindo a apresentação. Seria
que aquele pesquisador do INPE sabia onde estava pisando?
19
AAPRESID - ABIOVE - ABN AMRO - Ahold - Aprosoja (MT -Brasil) Bunge
Cefetra - Cehave Landbouwbelang - Coop - Fediol - Fefac - Friesland Foods Fundapaz -
Fundacion Vida Silvestre Argentina (FVSA) - Glencore Grain - Guyrá Paraguay -
International Finance Corporation (IFC) - Grupo André Maggi (MT-Brasil) Imcopa -
IPAM - Moore Foundation - Neste Oil - Nevedi - Nutreco - Product Board MVO -
Rabobank - Solidaridad - Unilever - WWF - VION
Observers: American Soybean Association US Soybean Export Council
Cabe destacar ainda que os critérios estabelecidos e que deveriam ser respeitados para
haver a soja sustentável são: respeito aos direitos trabalhistas; aos direito de propriedade, respeito
ao uso da terra em pequena escala e ao uso tradicional da terra, respeito à população indígena,
proteção à biodiversidade, ao uso da água, à fertilidade do solo, uso de pesticidas e herbicidas;
impacto na infra-estrutura.
Ao final da exposição não havia tempo para debates ou perguntas. Entretanto, o
mediador Clóvis Vettorato (Secretaria Extraordinária de Assuntos Estratégicos), passou a palavra
para o Deputado federal Homero Pereira que claramente respondeu aos dados demonstrados pelo
pesquisador do INPE:
Você sabe quantos por cento de soja se planta na Amazônia?
Soja plantada... quero que vocês tenham consciência de que a soja não está causando a
substituição da floresta pela savana. Não existe essa experiência no mundo... Aliás, hoje
exatamente neste momento, estamos fazendo essa experiência no Xingu, queimando a
floresta, tentando reconsiderar esse processo de savanização.
E qual a região da Amazônia que não podemos mexer... obviamente que pelas condições
climáticas, chuva, etc...a soja nunca vai invadir a Amazônia (Deputado Federal Homero
Pereira).
Um auditório repleto de produtores entusiasmados aplaudiu de o deputado federal.
Enquanto isso, o pesquisador do INPE pediu a palavra ao mediador, que lhe respondeu que o
tempo estava esgotado.
20
1.3 – O Encerramento da Bienal
O encerramento da Bienal da agricultura certamente merece destaque nesta breve
descrição.
No encerramento reuniram-se no palco do auditório diferentes lideranças políticas tais
como o governador Blairo Maggi (atualmente no PR ex-PPS), o deputado Federal Homero
Pereira, outros políticos (inclusive do PT), lideranças das associações de classe (FAMATO e
Aprosoja) e representantes de organizações não governamentais ambientalistas (TNC The
Nature Conservancy
25
e ICV - Instituto Centro vida) para assinatura de um pacto ambiental e para
o lançamento do Instituto Ação Verde. Além disso, o final da bienal contou com um coquetel
organizado para os participantes, e estes, ao irem embora eram presenteados com mudas de
planta: Ipê, marmelo, cajá-manga, etc.
1.4– As cidades pesquisadas em números
As três cidades usadas para a pesquisa, onde os produtores entrevistados mantinham sua
propriedade rural, têm sua economia girando em torno da agropecuária, sendo que a soja
desempenha importante papel no total dos bens produzidos nos municípios. Conforme podemos
observar na Tabela 1.
25
Fiquei me perguntando a razão de uma organização ambientalista conhecida mundialmente de unir e apoiar uma
ONG idealizada e fundada por produtores de soja. De acordo com Martinez Alier, “às vezes aqueles cujo interesse
pelo meio ambiente associa-se exclusivamente à esfera da preservação da vida selvagem exageram sobre a suposta
facilidade com que se poderia se desmaterializar a economia, terminando em se converterem em apóstolos
oportunistas do evangelho da ecoeficiência. (...) Porque ao afirmar que as mudanças tecnológicas tornarão
compatível a produção de bens com a sustentabilidade ecológica, enfatizam a preservação daquela parte da natureza
que, ainda, se mantivera fora da economia” (2007).
21
Tabela 1 - Área de soja (valores absolutos e relativos)
Campo verde Caranana Sapezal
ha % % %
Área de soja
2005
161.206 56,3 110.117 85,18 376.877 71,28
2006
147.200 53,78 89.759 91,03 367.350 76,23
Fonte: IBGE/SIDRA.
Conforme publicado no jornal A Gazeta, de Cuiabá, de 18/07/2008, segundo os dados da
Pesquisa Agrícola Municipal Cereais, Leguminosas e Oleaginosas (PAMCLO, 2007), recém
divulgados pelo IBGE, cinco dos maiores municípios produtores do país são de Mato Grosso,
sendo que Sapezal
26
aparece em segundo lugar. Além disso, a pesquisa apontou o Mato Grosso
como o maior produtor de soja do país do ano de 2007, com 26,3% do total da produção
brasileira.
Ao analisarmos o total de área plantada de soja durante o ano 2000 até o ano de 2006
podemos verificar uma tendência sempre crescente da soja, resultado da expansão da fronteira
agrícola desde o ano 2000. Contudo, observa se também tanto que em Sapezal (onde a expansão
da área plantada dói maior), quanto em Campo Verde e Canarana a área plantada teve uma queda
acentuada durante 2005 (provavelmente devido à fatores climáticos/ seca, e à ferrugem asiática).
Em Campo Verde no ano de 2001, a área também decresceu.
26
O primeiro lugar é do município mato-grossense de Sorriso (área plantada: 809,3 mil ha; produção: 2,503 milhões
de toneladas; valor da produção: R$896,2 milhões); seguido por Sapezal (área plantada: 518, 6 mil ha; produção:
1,596 milhões de toneladas; valor da produção: R$858,9 milhões).
22
Gráfico 1
Fonte de dados: IBGE.
Além disso, apresento abaixo algumas informações gerais sobre as cidades onde se
realizou a presente pesquisa
23
Tabela 2 – Informação geral sobre as cidades pesquisadas
Campo Verde Canarana Sapezal
População (2007) 25.924 habitantes 17.183 habitantes 14.254 habitantes
Área da unidade
territorial (km²)
4.795
10.834
13.598
Número de
estabelecimentos
agropecuários
875 797 96
Área dos
estabelecimentos
agropecuários (hectares)
343.815 hectares 712.995 hectares 464.184 hectares
No. Estabelecimentos
com lavoura temporária
563 308 84
Área da Lavoura
Temporária
207.560 83.246 hectares 291.172 hectares
Número de
estabelecimentos com
matas e florestas
594
estabelecimentos
598
estabelecimentos
70
Área das matas e
florestas
67.378 hectares 258.319 hectares 128.701 hectares
24
Algumas contribuições teóricas sobre a fronteira e a crítica da
agricultura capitalista
No Mato Grosso a área plantada com soja cresceu 400% nos últimos 10 anos (...).
Simetricamente, no mesmo período a área desmatada no estado aumentou em dimensões
semelhantes e de forma progressiva até chegar ao aumento de 133% apontados pelos
dados do governo estadual entre 2002 e 2003” (Relatório FBOMS Relação entre soja e o
desmatamento, 2004).
Para refletir a produção da soja no Mato Grosso consideramos necessário lançar o de
algumas contribuições teóricas sobre o conceito de fronteira - pois o Brasil agrícola tem
expandido historicamente sua produção de forma extensiva - e, além disso, acerca da crítica
marxista da agricultura capitalista que estabelece uma relação entre a destruição da natureza e a
prática industrial da agricultura.
I.1 – A Fronteira agrícola: uma experiência recorrente de degradação
Ao se falar de fronteira o nome do historiador J.F. Turner logo aparece. A teoria de
Turner do avanço da fronteira norte americana como explicação para o desenvolvimento
nacional, segundo Clementi
27
, se tornou a “versão ortodoxa nacional que todos repetiam que se
ensinava nas escolas”.
Segundo Velho (1979) o que é chamado de a “Tese de Turner” trata não somente da
fronteira, mas sim de uma “tese geral sobre a sociedade norte americana vista a partir da
perspectiva da influência da fronteira sobre essa sociedade”. Nas palavras de Turner: A
existência de uma área de terras livres, o seu recuo contínuo e o avanço do povoamento
americano em direção ao Oeste explicam o desenvolvimento americano” (Turner opud Velho,
1979). A “tese” de Turner é sintetizada por Velho em alguns pontos principais tais como: a
fronteira permitiu uma recorrência do processo de evolução a cada nova área do Oeste alcançada;
houve um distanciamento cada vez maior entre o Oeste e o Leste; o avanço da fronteira
promoveu a formação de uma nacionalidade para o povo americano e, além do crescimento do
nacionalismo, favoreceu a evolução das instituições políticas americanas; as características
27
Clementi apud Secreto, 2006.
25
econômicas e sociais da fronteira influenciaram negativamente o secionalismo (“morte do
localismo”), mas ao mesmo tempo produziu o individualismo; o surgimento da democracia como
uma força efetiva da nação, vinda do Oeste; a fronteira agiu como uma “válvula de segurança” de
oportunidades, mas que impediu o desenvolvimento da consciência de classe e luta de classe nos
Estados Unidos; o fechamento da fronteira no fim do século XIX faz com que termine a era da
livre competição entre os indivíduos pelos recursos não apropriados da nação cedendo lugar ao
monopólio dos processos industriais fundamentais através de enormes agregações de capital
(Velho; 1979).
De acordo com Secreto (2006), o sucesso de Turner e de sua teoria pode ser explicado
pela situação através da qual passava os Estados Unidos, pois no ano em que Turner publica o
seu ensaio sobre o significado de fronteira, 1893, o país passava por uma crise econômica,
momento de pânico financeiro e desajustes sociais. A historiadora ainda observa que a crise era o
resultado do fim do processo de avanço de fronteira. Acrescenta que o momento em que passava
os estados Unidos “converteu a hipótese do historiador norte americano em aval de teses
expansionistas, nas quais estavam comprometidas as grandes forças financeiras e políticas do
país” (Secreto; 2006 p.242-243).
Conforme explica Silva (2007) a dimensão cultural e ideológica da fronteira de Turner era
identificada na figura do pioneiro, “homem chamado a dominar a terra e a barbárie” (2007
p.284), que levava o avanço da sociedade capitalista para novas áreas, limites entre a civilização
e a selvageria. Essa integração do território através do avanço de fronteira continua Silva,
significava “civilização, urbanização e formação de uma nova zona produtiva a partir de um
espírito empreendedor do pioneiro sobre as terras consideradas livres (...)” (Silva; 2007 p.284).
Ainda que tenha-se partido das idéias de Turner, principalmente ao considerar a existência
na fronteira, em muitos aspectos, da disponibilidade de terras, tem que se considerar também
essa enorme disponibilidade gerou formas de apropriação peculiares, que ocorreram de formas
diferente no Brasil e nos Estados Unidos. Enquanto nesse último, conforme salienta Secreto, a
abundância relativa de terras contribuiu fortemente para gerar um tipo específico de sociedade,
mais democrática, inclusive por causa do mecanismo de “válvula de segurança” embora esse
mecanismo não tenha “poupado” os Estados Unidos dos conflitos sociais como propunha Turner
Brasil, ao contrário, a fronteira, e a sua disponibilidade de terras gerou, através de uma série de
mecanismos de monopólio da terra por parte da classe dominante, uma acentuação das
26
desigualdades sociais, o agravamento da situação dos despossuídos e excluídos “sobre os quais se
estendeu um severo dispositivo de controle social” (Secreto; 2001 p.2).
Segundo Silva (2007) a fronteira pode ser entendida como um processo social de
integração de áreas num modelo de desenvolvimento dominante. Assim a fronteira:
Constitui um recorte analítico e espacial da problemática da mobilidade do capital e das
relações de produção pelo território nacional. Além disso, é palco para conflitos
transculturais e identitários. Em termos gerais revela interações entre o homem, a terra e
a natureza. Em função do modo de produção e das representações simbólicas,
ideológicas e culturais esses elementos se transformam e se condicionam mutuamente
(Silva, 2007 p.282).
Com relação à dimensão cultural, a fronteira possui representações e práticas coletivas de
apreensão do mundo social que, sendo dominantes, acabam sendo impostas por determinados
grupos
28
. Na verdade, como ressalta Silva, a dimensão do simbólico se afirma na fronteira, ao
mesmo tempo em que a fronteira se projeta de forma simbólica” (2007 p.286).
Podemos pensar a fronteira no Brasil como parte do imaginário coletivo em torno do
desenvolvimento social e econômico de áreas que são atingidas pelo avanço da soja em direção a
Amazônia, que começou cerca de três décadas. Ao considerar a contribuição de vários autores
que estudaram a fronteira Silva (Monbeig, Waibel, Velho, Martins, Becker opud Silva; 2007)
afirma que:
a fronteira agrícola capitalista brasileira é um processo social que reflete e condiciona a
(re) produção de um espaço geográfico mediante a incorporação de terras e mão de obra
em áreas selecionadas pelas forças socais representantes do processo de reprodução do
capital em direção a espaços até então periféricos ou marginalizados (Silva, p.292).
Na análise de Silva (2007) a fronteira capitalista que se apresenta em grandes áreas do
cerrado brasileiro é o resultado de uma ordem territorial nacional/global relacionada, entre outras
coisas, a práticas de fragmentação política local / regional atendendo a interesses nacionais e
internacionais. O autor citado afirma que a fronteira é um determinado tipo de ordenamento
28
A historiadora Mary Louise Pratt chama de zonas de contato “os espaços sociais onde culturas díspares se
encontram, se chocam, se entrelaçam uma com a outra, freqüentemente em relações extremamente assimétricas de
dominação e subordinação”. A fronteira poderia se constituir em uma “zona de contato”.
27
territorial
29
e analisa o avanço da fronteira agrícola no cerrado sob essa ótica. Assim, observa que
o ordenamento territorial iniciado pela abertura e avanço da lavoura de soja, em áreas de cerrado,
estrutura-se primeiramente pela substituição das estruturas produtivas existentes e pela ocupação
da mata virgem, pela posterior incorporação da técnica e tecnologia disponíveis, e intensa
migração (principalmente de sulistas)
30
, que se deslocam para áreas já desmatadas para pecuária
ou ainda fechadas. É interessante notar que na fronteira da soja encontram-se além dos produtores
migrantes de outras regiões do país, as corporações que se inserem no processo agrícola, com a
aquisição de terras e a participação dos processos mercantis
31
(Silva; 2007).
Devido às grandes possibilidades do mercado da soja e o baixo peço das terras,
inevitavelmente, a fronteira agrícola vem sendo empurrada até a Amazônia. Nessa “promissora”
fronteirada da soja, a natureza é refuncionalizada e adquire novas dimensões simbólicas e
culturais para atender as funções de acumulação do capital e se adequar aos ditames da
revolução tecnico-científico-informacional” (Silva; 2007 p.305).
As contribuições teóricas que poderíamos ter utilizado para falar em fronteira são
inúmeras e não foi nossa intenção encerrar uma discussão tão rica nesta breve exposição sobre o
tema da fronteira. Podemos por hora considerar que a fronteira é um processo social em si,
contínuo, e que agrega e confronta diferenças econômicas, sociais, culturais, assim como
identidades e modos de vida. A fronteira é, portanto, instável, conflituosa, justamente pelo fato de
estar “sempre por se fazer”.
A breve discussão anterior sobre fronteira foi necessária para introduzir a relação entre o
avanço o da fronteira agrícola no Brasil (incluindo o da soja, mas não somente ela) e a destruição
ambiental.
Alguns trabalhos de Pádua (1998, 2002), e de outros autores (Dean, 1996; Stein, 1990),
tratam da crise do café no Vale do Paraíba no final do século XIX mostrando como os estudiosos
29
Para o autor “ordenamento territorial é uma forma singular de uso do território que apresenta um arranjo de objetos
sociais, naturais e culturais historicamente estabelecidos”. Esse ordenamento não é apenas condição social, mas
também um reflexo da significação funcional e simbólica da acumulação capitalista (Silva, 2007).
30
Com relação à migração de sulistas para o Mato Grosso é interessante ver a dissertação de mestrado de ROCHA,
Betty Nogueira. “Em qualquer chão: sempre gaúcho!” A multiterritorialidade do migrante “gaúcho” no
Mato Grosso (Mestrado em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade - Instituto de Ciências Humanas e Sociais,
Departamento de Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro,
Seropédica, RJ, 2006). A pesquisadora investiga o processo de migração do gaúcho que ao migrar leva consigo
tradições e representações simbólicas que facilitam a coesão do grupo e adaptação social.
31
Na Cidade de Sapezal (14 mil habitantes) pude observar a presença de várias corporações que participam
ativamente da vida na cidade, que gira em torno da soja, um das quais a Syngenta. Além disso, na cidade está uma
das plantações de um dos dois grandes grupos que dominam o cenário da soja no Mato Grosso o Grupo Andre
Maggi – que possui 120 mil hectares de soja plantados somente no município de Sapezal.
28
e intelectuais da época
32
- os pioneiros de um pensamento ecológico brasileiro nos séculos XVIII
e XIX - mesmo com uma postura antropocêntrica, cientificista e progressista, avaliaram a crise
do café como uma crise ambiental, ecológica, e não somente econômica. Nestes trabalhos
também não está ausente o conceito de fronteira agrícola.
No último quarto do século XIX a grande lavoura de exportação brasileira, baseada na
produção do café no Vale do Paraíba (principalmente no interior do Rio de Janeiro), depois de
um período razoavelmente longo de crescimento contínuo, começa a apresentar sinais evidentes
de que estava vivendo uma crise profunda. Segundo Pádua (1998) “uma atmosfera de temor
quanto ao futuro disseminou-se entre os políticos, os proprietários e publicistas, pois o edifício
social da Monarquia erguia-se sobre aquela atividade econômica”.
De acordo com Stein (1990) “o fim da auto-suficiência das fazendas teve origem no
crescente e flagrante desaparecimento da mata virgem e na redução da força de trabalho”.
Conforme explicou Dean (1996) o cultivo do café não era feito mediante princípios de
conservação de recursos, de modo que apesar do café ser “uma planta cujas safras e qualidade
podem ser aumentadas através do tratamento cuidadoso que a propriedade familiar e os
incentivos salariais podem suscitar, no Brasil seria cultivado e comercializado nas mesmas
condições aplicadas à cana de açúcar” (Dean, 1996 p. 195). Havia ainda a crença de que o café
deveria ser plantado em solo coberto por floresta virgem o que causava ainda mais devastação
pois, apesar de ser uma planta perene (que leva quatro anos para atingir a maturidade e podendo
se manter produtiva por até trinta anos com perspectivas de produtividade a longo prazo) - nas
fazendas do Rio de janeiro as plantações velhas eram abandonadas e novas faixas de floresta
eram então derrubadas e queimadas para nova produção
33
(Dean, 1996 p.196)
32
Na época, entretanto, “o impacto histórico concreto destas reflexões em termos de influenciar uma mudança
efetiva nas práticas agrícolas da época, foi praticamente inexistente” (Pádua, 1998:147). A cultura predatória no vale
do Paraíba, por exemplo, continuou a ser feita a despeito das advertências quanto a sua insustentabilidade.Para estes
intelectuais, crise do café no Vale do Paraíba, que era ambiental, seria solucionada com mudanças no padrão de
exploração vigente. Tais mudanças como a reforma agrária, adoção da pequena propriedade, incluíam uma crença na
modernização tecnológica como um meio para superar os desastres ecológicos. A introdução da moderna tecnologia
na agricultura não era considerada uma fonte de destruição ambiental, pelo contrário, eram as práticas atrasadas e
rudimentares que eram perigosas.
33
Conforme observa Dean(1996), enquanto no Brasil florestas inteiras eram derrubadas para se plantar o café, no seu
habitat natural ele era cultivado na sombra, técnica que aparentemente melhora sua qualidade. Não se sabe ao certo
porque não se considerou a técnica de sombreamento. Talvez pelo pouco conhecimento, os primeiros fazendeiros
que se entregaram a esse cultivo se voltaram às técnicas tradicionais (e baratas) da derrubada e queima. O fato é que
muito depois da decadência do Vale do Paraíba é que se levantou a questão se o sombreamento não seria uma técnica
superior de cultivo (1996).
29
Além disso, a retirada do capim que nascia no lugar da antiga floresta, nos novos cafezais,
era feita a base de enxada de ferro - o que cortava as raízes superficiais do de café
responsáveis pelo fornecimento de considerável parcela dos nutrientes que a planta necessitava.
“Os nutrientes do solo quase nunca se reciclavam e jamais eram substituídos. A expectativa era
que as cinzas e a camada de húmus fornecessem tudo o que a planta pudesse precisar, por toda a
sua vida” (Dean, 1996 p.201). Dessa maneira, os pés de café assim plantados e cuidados
começavam a decair no prazo de vinte anos.
Diante da situação de crise o Ministério de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio
e Obras Públicas, decidiu convocar um “Congresso Agrícola para ajudar o governo a obter
informações seguras, esclarecimentos indispensáveis para firmar opinião que seja o móvel de
suas deliberações” (Pádua, 1998). As informações seriam obtidas dos próprios agricultores que
eram convidados a examinar e discutir os problemas da agricultura.
O Congresso Agrícola de 1878 resumia a essência dos problemas agrícolas no binômio
“braços e capitais conforme indicava nas próprias perguntas formuladas pelo seu programa
convocatório. Primeiramente o programa indagava se existia falta de mão de obra no país, e caso
houvesse, qual o melhor mecanismo para enfrentá-la (já se sabia que a escravidão vivia seus
momentos finais no país principalmente depois da Lei do Ventre Livre em 1870); em segundo
lugar, referia-se ao crédito, ou seja, se havia falta de capitais na grande lavoura; e por último, o
programa perguntava sobre os “melhoramentos” a serem introduzidos na lavoura, ou seja,
mudanças técnicas que contribuiriam para ultrapassar a tecnologia rudimentar e a baixa
produtividade da lavoura escravista brasileira e que poderiam tornar o país mais competitivo
diante de uma agricultura internacional que cada vez mais incorporava o uso de máquinas e
química aplicada” (Pádua, 2002).
Foi no cenário do debate destas três questões temáticas centrais durante o Congresso
Agrícola que o depoimento de um proprietário - Manuel Ribeiro do Val se destacou por
contrariar a maioria dos proprietários presentes - que acreditavam na potencial continuidade do
seu sistema extensivo de produção, desde que dispusessem de crédito barato e mão de obra
abundante. Val acreditava que a crise agrícola era uma crise essencialmente ecológica, derivada
dos “efeitos negativos da nossa plantação”
34
.
34
Manuel Ribeiro do Val apud Pádua, 1998 p. 253.
30
Segundo Val, a destruição causada pela produção agrícola estava causando irregularidade
das estações, ausência de chuva, aumento da temporada da seca, empobrecimento biológico dos
cafezais, as pragas, as formigas e a “degeneração das plantas, dos animais e da nossa própria
raça” (Val apud Pádua, 2002 p.254). Pra ele, de nada adiantava o governo aumentar o
fornecimento de capitais e de mão de obra se não mudasse o sistema de exploração vigente, pois
os recursos serviriam para explorar as matas restantes. O sistema de exploração da natureza era a
causa central do problema agrícola. O agricultor cita como exemplo o município de Vassouras
35
que antes fora o mais rico produtor de café, mas que na época vivia em plena decadência devido
ao “exaurimento do terreno e não a falta de braços e capitais”. Além disso, as grandes cidades
produtoras do Vale do Paraíba decaíam “conforme a maior ou menos quantidade ainda existentes
de suas matas, e a natureza fria ou quente de seus terrenos” (Val apud Pádua, 2002 p. 254).
A solução para a recuperação da agricultura brasileira viria, de acordo com seu
argumento, através da “promoção de um conjunto de transformações tecnológicas que poderiam
ser realizadas a partir de uma combinação entre reforma agrária e colonização européia” (Pádua,
1998). A grande propriedade era uma das responsáveis para o atraso do setor agrícola e industrial
do país, devendo ser substituída pela pequena propriedade. Com o retalhamento da grande
propriedade seriam estabelecidos “núcleos de colonização” (com colonos “anglo-saxões” ou
“centro-europeus”) e neles seria introduzida a “ciência agrícola”, o “arado”, a “estrumação”, a
“poda”, e outras práticas semelhantes.
36
È interessante salientar que, conforme nos explicitou Pádua (1998), apesar da eloqüência
do discurso de Val durante o Congresso Agrícola relacionando diretamente a crise produtiva e a
degradação ambiental, este quase não provocou nenhuma reação dos demais participantes. Ou
estes não estavam interessados em discutir tais questões ou então, as evitavam discutir, pois
sabiam que seu real enfrentamento implicaria mudanças profundas nas práticas e estruturas
agrícolas estabelecidas.
A preocupação ecológica de Val, ainda que fosse uma voz isolada no Congresso Agrícola,
se insere numa tradição de intelectuais brasileiros do século XIX, uma vertente intelectual
minoritária que estudou na Universidade de Coimbra e era formada por discípulos do naturalista
35
De Acordo com Stein a terrível situação do município fez com que os membros da Câmara de Vassouras
escrevessem à Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional em 1862 dizendo que “os cafeeiros substituíram as
árvores antigas da floresta e hoje em dia não há o menos vestígio da floresta ou do café”, sendo que trinta anos antes
a mata virgem cobria a região (Seção da Agricultura da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional ao Ministério
da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, 1862 apud Stein, 1990).
36
Manuel Ribeiro do Val apud Pádua, 2002 p. 255.
31
Domingos Vandelli (dentre os quais se destaca José Bonifácio de Andrada e Silva) - “cujas lições
incluíam uma crítica da destruição ambiental em Portugal e suas colônias” (Pádua, 1998). Entre
os eixos desta tradição esteve presente à crítica das práticas agrícolas brasileiras consideradas
uma herança da mentalidade colonial
37
.
Vários intelectuais e agricultores foram citados por Pádua (1998, 2002) por sua crítica a
irracionalidade e ineficiência a lavoura praticada no vale do Paraíba e principalmente pelo seu
potencial destrutivo. Nomes como o do grande proprietário Francisco Peixoto de Lacerda
Werneck, o barão de Pati de Alferes; Guilherme Capanema e o do agrônomo Caetano da Rocha
Pacova. Neste trabalho tratarei brevemente das idéias de Pacova que, por sua independência
política e social, produziu um conjunto de propostas abrangentes em favor de uma mudança na
economia rural do Brasil, inclusive no aspecto ambiental.
Em seus Apontamentos sobre a necessidade de uma escola de agricultura, de 1859,
Pacova descreve uma combinação de fatores que, na sua opinião, eram os responsáveis pelo
definhamento da agricultura brasileira: falta de instrução profissional (o que impedia que
máquinas modernas fossem introduzidas), falta de tecnologias modernas; falta de crédito;
dificuldade de transporte; escassez de braços; grande destruição ambiental (Pádua, 2002). De
acordo com ele todos esses fatores eram interdependentes: o crédito, por exemplo, era escasso
porque as “propriedades não ofereciam a necessária estabilidade de valor, uma vez que os
capitais estavam comprometidos em escravos e os recursos naturais das fazendas estavam cada
vez mais destruídos” (2002). Recomendava que a colonização substituísse o trabalho escravo,
mas não o modelo de colonização do sistema agrícola dominante que constantemente demandava
terras virgens, “onde o machado e o fogo vão exercer sua ação devastadora”
38
. A colonização
deveria se concentrar inicialmente na recuperação das terras cansadas. Era necessária ainda, a
diversificação das culturas combinando o café, o açúcar o algodão com gêneros de consumo
popular tais como a mandioca, o feijão e o milho; a educação rural e a necessidade da
conservação das florestas.
Segundo Pádua, Pacova foi um dos poucos a perceber a dimensão social e ambiental da
crise da agricultura brasileira e propôs uma mudança substantiva e profunda nas mentalidades e
nas práticas agrícolas dominantes, antes mesmo da brande crise do café.
37
Nota-se que as primeiras críticas do modelo implantado para o cultivo do café no Vale do Paraíba surgiram nas
décadas de 40 e 50 quando se vivia ainda uma expansão eufórica do seu cultivo no interior do vale e não na década
de 70, quando a percepção da crise já era bastante evidente (Pádua, 1998).
38
Pacova apud Pádua, 2002.
32
A crise do café em fins do século XIX pode ser comparada com uma crise agrícola
recente no estado de Mato Grosso, que também pode ser vista como uma crise ecológica. O
primeiro semestre de 2006 foi marcado por um protesto de produtores rurais do Estado de Mato
Grosso que, para chamar a atenção do governo federal e da sociedade em geral para a crise que se
encontra o setor agrícola, bloquearam estradas, paralisaram prefeituras e atearam fogo em
tratores.
O então presidente da Famato (Federação de Agricultura e Pecuária de Mato Grosso)
Homero Pereira percorreu diversos municípios do norte e médio norte do estado para garantir a
adesão e o apoio dos produtores ao movimento de resistência chamado “Grito do Ipiranga” (o
movimento recebeu este nome por ter iniciado na cidade Ipiranga do Norte) com o objetivo deste
ganhar caráter nacional.
Algumas das reivindicações do setor agrícola são: pacto de 180 dias com todos os
credores sejam eles empresas ou instituições financeiras; desoneração do óleo diesel (não foi
atendido pelo governo); cumprimento da Política Agrícola prevista na legislação vigente;
alocação de recursos suficientes para sustentação de preços; apoio efetivo para a agricultura
familiar; refinanciamento de todas as dívidas vencidas oriundas de financiamentos desde as
Safra2004/2005; criação de um câmbio fixo de exportação de produtos agropecuários (não
atendida pelo governo); FAT GIRO RURAL, liberado diretamente ao produtor e cooperativas de
crédito, com recursos a serem liberados pelas diversas instituições financeiras para a
renegociação das dívidas com o setor privado; seguro rural; agilidade no registro dos genéricos e
de novos produtos para agropecuária; liberação de recursos para a conclusão e manutenção de
todas as rodovias federais e estaduais utilizadas no escoamento da produção agrícola (não
atendido); entre outras
39
.
De acordo com O Estado de São Paulo os problemas responsáveis pelo pior momento da
cultura da soja no estado, que é o maior produtor desta cultura no país, são “a alta nos custos da
produção, problemas climáticos que provocam a quebra da safra e favorecem a disseminação da
ferrugem asiática, queda do dólar e a queda do preço da soja”, podem levar o Governador Blairo
Maggi a decretar estado de emergência na região
40
. Segundo as estimativas oficiais o resultado da
39
Informações retiradas do artigo “BR-163 está bloqueada em Lucas R. Verde e Sorriso” de 30/05/2006 do
portal Só Notícias.
40
Informações retiradas da reportagem “Blairo Maggi pede estado de emergência em Mato Grosso” retirada do
Estado de São Paulo de 24/03/2006.
33
quebra da safra, por causa do clima irregular e da ferrugem, foi a queda da arrecadação do Estado
e das prefeituras que pode chegar aos R$ 100 milhões.
Além disso, muitos produtores, que estão endividados, não conseguem saldar suas dívidas
- mesmo produtores que não tiveram muito prejuízo com a ferrugem enfrentam o dilema de
vender ou não o produto neste momento de baixo preço. “Nildo José Peccin, gaúcho de Três de
Maio e há 22 anos na região, é um exemplo. Ele comercializou antecipadamente 40% das 220 mil
sacas que estão sendo colhidas em 5 mil hectares plantados. Conseguiu US$ 9 por saca. Agora,
o preço na região está em US$ 7 a saca. Embora tenha estrutura para armazenar cerca de 40 mil
toneladas, o produtor não pensa em esperar um preço melhor. "Tenho que pagar as dívidas que
estão vencidas e as que estão vencendo". Segundo O Estado de São Paulo (em reportagem
citada) Peccin é um dos 2 mil produtores de Mato Grosso que estão inadimplentes com o Banco
do Brasil e que tentam uma renegociação da dívida, cujo valor não revela. No Estado, o débito
total dos produtores é de cerca de R$ 950 milhões.
Uma expedição Rally da Safra coordenada pela empresa de consultoria Agroconsult
percorreu várias lavouras de soja do médio norte de Mato Grosso para avaliar a situação da
produção. De acordo com André Pessoa (sócio diretor da Agroconsult) uma grande
disparidade na produtividade das lavouras: locais em que a produção supera as 60 sacas por
hectare; em outros, não chega a 30 sacas o que confirma, além do clima irregular, o baixo uso
de tecnologia (insumos, defensivos e sementes) empregado por uma parcela dos produtores, que
estão descapitalizados. Segundo Pessoa “o baixo uso da tecnologia permitiu o aparecimento de
pragas e doenças em níveis muito mais altos do que vimos nos anos anteriores"
41
.
Por outro lado, algumas áreas do estado onde a infestação pela ferrugem está fora de
controle como a cidade de Primavera do Leste a situação ficou tão crítica que obrigou os
produtores a fazer inúmeras aplicações de fungicidas, elevando ainda mais o custo da lavoura. O
vice-prefeito de Primavera do Leste (acredita-se que a cidade seja o foco de ferrugem mais
intenso do mundo) estima que a região, que semeou nesta safra 600 mil hectares, deverá fechar a
colheita com 4,5 aplicações de fungicida em média. Alguns produtores relataram ter aplicado o
produto, cuja aplicação custa entre 15 a 20 dólares por hectare, até seis vezes devido à alta
incidência do fungo
42
.
41
Estado de São Paulo, 24/03/06 “Blairo pede estado de emergência em Mato Grosso”.
42
Reportagem “Endêmica, ferrugem ataca soja em MT e reduz produtividade média” - 22/03/2006, 24 Horas News.
34
Conforme ressalta a reportagem “Especulação e crédito exagerado marcaram anos
dourados” (16/05/2006) da Agência Carta Maior, os produtores poderiam ter minimizado ou
evitado a crise com um pouco de precaução e planejamento. Segundo o artigo citado, de 2002 a
2004, as exportações rurais cresceram quase 60% em moeda nacional, gerando ganho extra de R$
42 bilhões; o PIB agropecuário engordou R$ 55 bilhões (dados do IBGE citados no artigo) e,
além disso, no mesmo período, os empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES) para investimentos rurais dobraram. O Estado não parava de
contabilizar superávits, crescimento e atrair investidores estrangeiros. “A principal justificativa
para este crescimento foram as exportações do complexo soja, que aproveitando o bom preço do
grão no mercado externo, somou sozinho durante o ano passado US$ 1,5 bilhão, 30% superior
aos índices de 2001. Comparado ao saldo de exportações de 2001, o óleo e o farelo,
respectivamente acumularam um crescimento 144% e 45%”
43
.
Quando os recursos entravam sem parar, os produtores, entusiasmados, ao invés de
poupar o dinheiro para honrar suas dívidas de mais de uma década com o governo federal,
pediram mais créditos, para buscando mais lucros
44
. Conseqüentemente, a área ocupada pela soja
no Mato Grosso duplicou entre 2001 e 2005.
De acordo com o relatório “Relação entre o cultivo de soja e o desmatamento -
entendendo a dinâmica” (FBOMS, 2004) no Mato Grosso
A área plantada com soja cresceu 400% nos últimos 10 anos. O plantio se iniciou pelos
cerrados centrais e migrou para o norte cerca de 500 km deslocando a fronteira agrícola.
Simetricamente, no mesmo período a área desmatada no estado aumentou em dimensões
semelhantes e de forma progressiva até chegar ao aumento de 133% apontados pelos
dados do governo estadual entre 2002 e 2003.
O relatório informa ainda que no estado a duração do ciclo de culturas nas áreas recém
desmatadas está cada vez mais curto, diminuindo de cinco para 2-3 anos.
Segundo o artigo “Império da Devastação”
45
motivos não faltam para o Mato Grosso ser
campeão em desmatamento
46
: o estado é o recordista nacional de produção de soja, de produção
43
Dados da reportagem “Complexo Soja: empresários conhecem o potencial do Mato Grosso” retiradas do Diário de
Cuiabá de 01/04/2003.
44
È interessante lembrar que isso também aconteceu com os agricultores do Vale do Paraíba no auge da expansão do
café, que preferiram gastar seus lucros importando luxos valorizados da época (Dean, 1996; Stein,1990).
45
“Império da devastação” - 08/05/2005, retirado de O Eco: www.oeco.org.br
46
No dia 29/04/05, a Fundação Estadual de Meio Ambiente (FEMA) divulgou o índice de desmatamento de 2004
calculado pelo próprio governo mato-grossense: 1.814.312 hectares – “O Eco”.
35
ilegal de madeira e possui o maior rebanho bovino do país. Além disso, o atual governador - o
empresário Blairo Maggi além de ser o maior produtor individual de soja do mundo é um dos
sócios da empresa André Maggi que tem um faturamento anual de 1 bilhão e 300 milhões de
reais com atividades agrícolas. Finalmente, para transmitir a preocupação do governo estadual
com o meio ambiente o artigo conta que durante “uma reunião com o governo federal no ano
passado para discutir a gestão da floresta, Maggi foi curto e grosso: “esse negócio de floresta não
tem o menor futuro”. Pelo menos no seu Mato Grosso”.
Assim como a crise do no vale do Paraíba no século XIX, a recente crise “agrícola” do
Mato Grosso pode ser um indício de uma crise ecológica que põe em dúvida todo um modo de
praticar agricultura no Brasil, que tem como expansão da fronteira um dos pressupostos. Apesar
do uso de moderna tecnologia - insumos químicos, herbicidas, irrigação, maquinaria,
melhoramento genético os agricultores do estado não estão imunes a crises. Dependem ainda
essencialmente da natureza para exercer sua atividade.
Ao analisar os artigos de jornais pode-se perceber que na opinião dos agricultores a crise é
econômica: alta do dólar, endividamento, baixa do preço da soja, falta de crédito, etc. As
reivindicações ao governo federal giram em torno de capital assim como durante a crise do
Vale do Paraíba no século XIX.
Os produtores parecem não estabelecer nenhuma relação entre as mudanças do clima, a
intensificação da doença ferrugem da soja (fatores que diminuíram a produtividade), e geraram a
crise da produção, e a degradação ambiental que vem ocorrendo com a expansão da fronteira
agrícola da soja. Além disso, a despeito das críticas ambientais dos intelectuais do século XIX, a
grande propriedade e a monocultura que facilita o empobrecimento e perda da fertilidade do
solo devido à simplificação da cultura - ainda são realidades brasileiras.
Conforme explicou Worster (2003), a era capitalista introduziu na produção uma nova e
distinta relação dos indivíduos com o mundo natural uma reorganização da natureza visando o
lucro. Em função disso, a diversidade de ecossistemas é diminuída em favor da máxima produção
agrícola; adubos químicos a base de combustíveis fósseis são introduzidos para adiar o
empobrecimento do solo, etc. Não se pode esperar, entretanto, que a natureza não reaja de volta.
A crise recente no Mato Grosso (assim como a do café no Vale do Paraíba no século XIX) é um
sinal de que a natureza responde ao homem é um indício de uma crise ambiental conseqüência
do sistema de exploração da natureza que ainda utilizamos.
36
I.2 – Marx, a Natureza e a Crítica da Agricultura Capitalista
Ainda que existam muitas críticas (inclusive ecológicas) que chamam o pensamento
marxista de progressista” ou “produtivista” e que, de certa maneira, opõe o homem à natureza,
podemos buscar algumas contribuições em Marx acerca da relação homem-natureza,
principalmente através da sua crítica da agricultura capitalista.
Segundo Michael Löwy ainda que os temas ecológicos não ocupem lugar central no
dispositivo teórico marxista - e que os escritos de Marx e Engels sobre a relação entre as
sociedades humanas e a natureza possam ser objeto de diferentes interpretações a crítica do
capitalismo de Marx e Engels “é o fundamento indispensável de uma premissa ecológica radical”
(Löwy; 2005 p. 20).
Para Löwy (2005) é surpreendente o fato de existir desde os primeiros escritos de Marx
“um naturalismo patente”, uma visão do ser humano como ser natural, inseparável do ambiente
natural. Nos Manuscritos de 1844, Marx diz que
A natureza é o corpo inorgânico do homem (...), na medida em que ela mesma não é
corpo humano. O homem vive da natureza, significa: a natureza é o seu corpo, com o
qual tem que permanecer em constante processo para não morrer. Que a vida física e
mental do homem está interligada com a natureza não tem outro sentido senão que a
natureza está interligada consigo mesma, pois o homem é uma parte da natureza (Marx,
2001 p.155).
De acordo com Löwy, algumas das críticas dos ecologistas a Marx não se justificam.
Primeiramente, conforme explica o autor citado, os ecologistas acusam Marx de, seguindo
Ricardo, atribuir a origem de todo o valor e de toda a riqueza ao trabalho humano, sem dar valor
à contribuição da natureza. Löwy afirma que esta crítica constitui um mal entendido” que a
teoria do valor-trabalho é utilizada por Marx para explicar a origem do valor de troca no sistema
capitalista, e a natureza participaria da formação dos verdadeiros valores que são os valores de
uso (Löwy; 2005). Como aparece explicitado por Marx na “Crítica do programa de Gotha”:
O trabalho não é a fonte de toda riqueza. A natureza é fonte dos valores de uso (que são,
de qualquer forma, a riqueza real!) tanto quanto o trabalho, que não é em si nada além na
37
expressão de uma força natural, a força de trabalho do homem (Marx, Engels, 1950;
opud Löwy 2005 p. 23).
Quanto ao fato dos ecologistas acusarem Marx de produtivismo, Löwy explica que
ninguém mais denunciou tanto quanto Marx a lógica capitalista de produção pela produção, de
acumulação de capital, de riquezas e de mercadorias como um fim em si. Acrescenta que a
própria idéia do socialismo é a de produção de valores de uso, de bens necessários à satisfação
das necessidades humanas e que o objetivo do progresso técnico para Marx “não é o crescimento
infinito de bens (o ter), mas a redução da jornada de trabalho e o crescimento do tempo livre (o
ser)” (Löwy; 2005 p.24).
Contudo, Löwy admite que exista uma postura pouco crítica de Marx e Engels em relação
ao sistema de produção industrial capitalista e uma tendência a ver “desenvolvimento das forças
produtivas” como um sinônimo de progresso
47
. Segundo Löwy, falta a Marx e Engels uma idéia
geral dos limites naturais do desenvolvimento das forças produtivas, ainda que, possa-se
encontrar em algumas passagens de suas obras a “intuição do potencial destrutivo que elasm”,
como no trecho abaixo:
No desenvolvimento das forças produtivas atinge-se um estado onde surgem forças
produtivas e meios de circulação que podem ser nefastos no âmbito das relações
existentes e não são forças produtivas, mas sim forças destrutivas (o maquinismo e o
dinheiro) (Marx, A Ideologia Alemã apud Löwy, 2005 p. 26).
A idéia presente na passagem citada não é desenvolvida pelos autores, ou seja, não se
pode saber se tal destruição se refere à natureza. Entretanto, outras passagens encontradas em
Marx configuram-se como verdadeiras críticas ecológicas, como às relativas à agricultura
capitalista encontradas em O capital.
De acordo com John Bellamy Foster (2005) foi no Capital que a concepção materialista
de natureza de Marx alcançou plena integração com a sua concepção materialista de história. Ao
escrever O Capital, Marx enfatiza sua crítica a três aspectos da economia política burguesa: a
análise da extração da mais valia do produtor direto; a teoria correlata da renda fundiária
capitalista; e a teoria malthusiana da população. Segundo Bellamy Foster (2005), em termos
analíticos, podemos destacar que a crítica da agricultura capitalista em Marx possui duas fases:
47
Para Löwy um dos escritos de Marx mais marcados por um evolucionismo, pelo ideal de progresso, cientificismo e
por uma visão pouco problematizadas das forças produtivas é “Prefácio à contribuição à crítica da economia
política”, de 1859.
38
1)a crítica a Malthus e Ricardo; 2) a consideração dasegunda revolução agrícola” (Foster; 2005
p. 202) e das implicações químicas do solo de Justus Von Liebig (que muito influenciou Marx).
Quanto às críticas de Marx à teoria de superpopulação de Malthus e à falta de alimentos, o
autor dizia que Malthus havia cometido tantos erros lógicos quanto históricos, pois afirmava que
a população humana crescia geometricamente até sofrer limitações externas (tais como
mortalidade infantil, doenças, etc.) não reconhecendo o caráter histórico e social da reprodução
humana. Ao mesmo tempo, escrevia como se as plantas e os animais tivessem uma tendência
inerente ao crescimento populacional limitado (Foster; 2005). Além disso, com relação à
existência da superpopulação, ou de miseráveis, Marx concordava com a crítica desenvolvida por
Ricardo a Malthus, que consistia no fato de que não era a quantidade de grãos que era
significativa na determinação da superpopulação, mas a quantidade de emprego. No capitalismo,
as relações de produção tornam a existência da população excedente relativa necessária ao
sistema.
Com relação às críticas de Marx à teoria do arrendamento de Ricardo, o primeiro a via
como uma teoria incapaz de entender e incorporar o desenvolvimento histórico do cultivo da terra
ou solo
48
. Tanto Malthus quanto Ricardo passaram a ver, posteriormente, questão da fertilidade
da terra quase que inteiramente em termos das condições naturais de produtividade, independente
dos seres humanos.
Revendo as teorias econômicas clássicas, Marx entendeu que todas sofriam de uma falta
de entendimento científico sobre o solo. Marx foi extremamente influenciado por Justus von
Liebig, (“Organic Chemistry in its application to agriculture and physiology”) cuja obra tratava
do estado do conhecimento agrícola antes de 1840. Segundo Liebig, nessa época as propriedades
químicas do solo eram desconhecidas, assim com a natureza da nutrição das plantas. Portanto, o
poder latente atribuído ao solo era visto como “inerentemente limitado e ao mesmo tempo
indestrutível. Os problemas reais da agricultura não eram passíveis de verificação” (Foster;
2005).
As análises de Liebig afetaram profundamente Marx ao escrever O Capital, pois este
estudou atentamente o químico e copiou extensas passagens de sua obra em seus cadernos de
apontamento. Foi a partir dessa influência, conforme explica Bellamy Foster, (2005) que Marx
48
Para Marx, foi James Anderson (1739-1808), um economista político e agricultor escocês que criou a teoria
clássica do arrendamento.
39
desenvolveu a crítica sistemática da exploração (“no sentido de roubo ou a incapacidade de
manter os meios de reprodução”) capitalista do solo.
A principal categoria conceitual usada por Marx em sua análise teórica da agricultura
capitalista é o conceito de “metabolismo” ou “troca material” (Stoffwechsel)
49
. A centralidade do
conceito pode ser evidenciada quando, “na sua definição de processo de trabalho, Marx utiliza o
conceito de metabolismo para descrever a relação do homem com a natureza através do trabalho”
(2005), enraizando, assim, a sua compreensão de processo de trabalho:
O trabalho é, antes de qualquer outra coisa, o processo entre homem e a natureza, um
processo pelo qual o homem, através de suas próprias ações, medeia, regula e controla o
metabolismo entre ele mesmo e a natureza. Ele encara os materiais da natureza como
uma força da natureza. Ele põe em movimento as forças naturais que pertencem ao seu
próprio corpo, aos braços, pernas, cabeça e mãos, a fim de apropriar os materiais da
natureza de uma forma adaptada às suas próprias necessidades. Através desse
movimento, ele atua sobre a natureza externa e a modifica, e assim simultaneamente
altera sua própria natureza... Ele (o processo de trabalho) é a condição universal da
interação metabólica (Stoffwechsel) entre o homem e a natureza, a perpétua condição da
existência humana imposta pela natureza
50
.
Entretanto, com o crescimento cada vez maior da indústria de larga escala e da agricultura
de larga escala sob o capitalismo, e com a primeira oferecendo a agricultura os meios de
exploração intensiva do solo, ocorre uma “falha” na interação metabólica entre homem e
natureza, entre o homem e a terra (Riss des Stofwechsels). Na agricultura capitalista os recursos
são extraídos do solo sem ocorrer uma “restauração sistemática” destes recursos, comprometendo
sua futura fertilidade o solo se torna uma mercadoria como outra qualquer. Como Marx
demonstra na parte denominada Indústria Moderna e Agricultura” no final do volume I de O
Capital:
Com a preponderância cada vez maior crescente da população urbana que se amontoa
nos grandes centros, a produção capitalista, de um lado, concentra a força motriz
histórica da sociedade, e de outro, perturba o intercâmbio material entre o homem e a
terra, isto é, à volta à terra dos elementos do solo consumidos pelo ser humano sob a
forma do alimento e do vestuário, violando assim a eterna condição natural de fertilidade
permanente do solo. Com isso, destrói a saúde física do trabalhador urbano e a vida
mental do trabalhador do campo. Mas, ao destruir as condições desse metabolismo,
49
Nos Manuscritos Econômicos Filosóficos de 1844 podemos encontrar um “rascunho” do que mais tarde, no
Capital, seria o conceito de metabolismo que expressaria de forma mais completa a interação metabólica entre os
seres humanos e a natureza (Foster; 2005).
50
Em algumas traduções de O Capital a palavra alemã Stoffwechsel vem traduzida como “intercâmbio material”
optei aqui pelo trecho citado da obra de Foster; 2005p. 221.
40
desenvolvidas espontaneamente, obriga-o simultaneamente, a restaurá-lo de maneira
sistemática, como lei reguladora da produção social e numa forma adequada ao pleno
desenvolvimento humano (...). E cada progresso da agricultura capitalista não é um
progresso da arte de saquear o solo, pois cada progresso no aumento da fertilidade por
certo período é simultaneamente um progresso na ruína das fontes permanentes dessa
fertilidade (...). Por isso, a produção capitalista desenvolve a técnica e a combinação
do processo de produção social ao minar simultaneamente as fontes originais de toda
riqueza: o solo e o trabalhador (Marx; 1998 p. 570).
È interessante observar na passagem citada como Marx coloca de forma explícita a
relação entre o capital e a devastação da natureza. Através do exemplo da degradação do solo, o
autor mostra que o progresso pode ser destrutivo, podendo acabar com “as condições naturais
eternas”. Pode-se notar também que no processo de ruptura do metabolismo homem-natureza, ou
seja, na ruptura do sistema de trocas materiais entre as sociedades humanas e a natureza,
essencialmente uma cooperação entre indústria e agricultura.
Além disso, observa-se também que da mesma forma que o capital provoca essa ruptura
metabólica, através da apropriação e exploração irracional da natureza, ele também provoca a
exploração dos trabalhadores tanto o homem quanto a natureza são explorados a despeito dos
seus limites (Löwy; 2005). Nos Manuscritos Econômicos e Filosóficos de 1844, Marx teoriza
sobre o trabalho alienado que ocorre quando, na sociedade capitalista, o objeto do trabalho, o
seu produto, não pertence mais ao trabalhador, mas se apresenta a ele como um objeto alheio; e
quando o próprio trabalho torna-se externo ao trabalhador, não mais voluntário, mas compulsório,
forçado (Marx, 2001). Essa alienação do trabalhador e da natureza resulta em uma
“desumanização do homem e a uma desnaturalização da natureza”, sem a qual os homens não
podem obter os seus meios de vida
51
, e que é concebida na sociedade industrial como um
reservatório ilimitado de bens econômicos (Giuliani, 1999).
O exemplo da exploração do solo e seu esgotamento pelas práticas agrícolas capitalistas
(mencionados acima), estão intrinsecamente relacionados nas análises de Marx e Engels a um
segundo exemplo de degradação ecológica - o da destruição das florestas. Na Dialética da
Natureza, Engels exemplifica a destruição das florestas de Cuba por grandes produtores de café
espanhóis
Que queimaram as matas nas encostas das montanhas (tendo conseguido, com as cinzas
daí resultantes o adubo suficiente para uma geração (...), que lhes importava o fato de
51
“O trabalhador nada pode criar sem a natureza, sem o mundo exterior sensorial. Ela é o material na qual o seu
trabalho se realiza efetivamente, no qual é ativo, a partir do qual e mediante o qual produz” (Marx, 2001).
41
que, mais tarde, os aguaceiros tropicais provocassem a erosão das terras que, sem
defesas naturais, transformaram-se em rocha nua? (Engels; 2000 p. 226).
O autor acrescenta ainda que tanto
Em face da Natureza, como em face da Sociedade, o modo atual de produção leva
em conta o êxito inicial e mais palpável; e, no entanto, (...) as conseqüências remotas das
atividades assim orientadas sejam inteiramente diferentes e, quase sempre, contrárias ao
objetivo visado (...) (Engels; 2000 p. 226).
Ainda na Dialética da Natureza, ao criticar o impacto negativo das atividades humanas
sobre a natureza, Engels afirma que a cada vitória do ser humano sobre a natureza, ela “exerce a
sua vingança” (Engels; 2000 p. 224), trazendo conseqüências previstas e não previstas. Ao
analisar o impacto negativo das atividades produtivas nas civilizações antigas (Mesopotâmia,
Ásia Menor, Grécia) o autor ressalta que
E assim, somos a cada passo advertidos de que não podemos dominar a Natureza como
um conquistador domina um povo estrangeiro, como alguém situado fora da natureza;
mas sim que lhe pertencemos, com a nossa carne, nosso sangue, nosso cérebro; que
estamos no meio dela; e que todo nosso domínio sobre ela consiste na vantagem que
levamos sobre os demais seres de poder chegar a conhecer suas leis e aplicá-las
corretamente (Engels; 2000 p. 224).
Assim, ainda que falte a Marx e Engels uma perspectiva ecológica de conjunto”, para
Lowy é “impossível pensar em uma ecologia crítica à altura dos desafios contemporâneos sem ter
em conta a crítica marxiana da economia política, o questionamento da lógica destrutiva induzida
pela acumulação limitada de capital” (Löwy, 2005 p.37). O autor citando Daniel Bensaid (1995)
reconhece que não se pode exonerar Marx das “ilusões progressistas” de seu tempo e muito
menos fazer dele a voz a favor da industrialização desmedida; ao invés disso, propõe “instalar-se
nas contradições Marx e tomá-las a sério”, ou seja, instalar-se entre a crença produtivista de
alguns textos de Marx e a sua intuição de que o progresso pode ser uma fonte de destruição
irreversível da natureza.
É importante termos em mente a contribuição da crítica da agricultura capitalista
marxiana para analisarmos a representação de natureza dos produtores de soja do Mato Grosso,
que será tratado no capítulo a seguir.
42
Os produtores de soja
O conteúdo das entrevistas realizadas com os produtores de soja no Mato Grosso pode ser
dividido em três partes. A primeira parte enfatiza a trajetória e história de vida de cada um dos
produtores. A segunda parte procura focar na produção em si, o uso de tecnologias, os custos de
produção, opiniões sobre as ações do estado para o setor produtivo, etc. Finalmente, a terceira
parte entra no ponto chave da pesquisa, que é a relação entre agricultura e natureza e as posições
dos produtores sobre isso. As divisões estabelecidas no capítulo III correspondem às três partes
do roteiro das entrevistas (ver em anexo).
Cada produtor de soja entrevistado possui uma história de vida única, entretanto, pode-se
verificar a existência de muitas semelhanças entre os produtores, suas trajetórias de vida, seus
pontos de vista acerca da agricultura, do processo produtivo e da relação entre agricultura e
natureza.
3.1– Perfil do produtor
Os nove produtores entrevistados dos quais três possuíam produção em Campo Verde,
dois em Canarana e quatro em Sapezal se diferenciam muito em relação à extensão da área de
soja, que variava de 350 hectares até uma área superior a 2.500 hectares plantados.
Primeiramente, com relação à origem e trajetória de vida dos produtores, observa-se que
todos os noves entrevistados originavam-se de regiões de fora do Estado de Mato Grosso: Paraná
(3), Rio Grande do Sul (4), Minas Gerais (1), interior de São Paulo (1). Em Campo Verde, dois
dos três produtores entrevistados vinham do Paraná, sendo o terceiro de Minas Gerais. Os dois
produtores de Canarana eram do Rio Grande do sul; em Sapezal, dois dos produtores
entrevistados eram do Rio Grande do sul, um do Paraná e um do interior de São Paulo. Todos os
produtores de soja entrevistados migraram para o Mato Grosso entre meados da década de 70 e
meados da década de 80.
Quase todos os entrevistados (com exceção de seu Paulo, de Canarana, cujos pais eram
operários) vêm de famílias que tinham tradição na agricultura (seja agricultura familiar ou em
larga escala). Conforme explicita o senhor Marcos da Rosa:
43
A minha família é do Rio Grande do Sul (...) trabalhava com as culturas de inverno e
verão soja, milho, trigo, arroz - e meu pai comprou a propriedade no Mato Grosso em
74, quando a gente ainda era menino. A intenção de comprar propriedade no Mato
Grosso era sair da agricultura e ir para a pecuária, trabalhar só com a pecuária A tradição
da família é a agricultura desde os antepassados (MR).
Além disso, é algo notório entre os produtores a ênfase que dão no fato de que
trabalharam muito para chegar onde estão: tanto os pequenos quanto os grandes. Um bom
exemplo é o senhor J.P. que, vindo do Paraná no início da década de 80, é hoje um grande
produtor de soja e algodão do Mato Grosso:
(...) tudo aqui no Mato Grosso foi muito difícil muito oneroso, a estrutura para os
empreendedores era muito precária, quer seja na mão de obra, quer seja nos
maquinários, oficina...e tudo foi conseguido com muito trabalho, dedicação, muito suor,
e a razão dos meus 33 anos, que eu cheguei aqui (idade de Cristo) e hoje eu com 57
anos dedicados intensamente a essa atividade.
Eu consegui meus êxitos graças ao meu pai falecido 2 meses, a minha
determinação em vencer esses propósitos e a ajuda da minha esposa que me deu suporte
(JP).
Todos os produtores entrevistados são membros associados dos sindicatos rurais de suas
cidades e, além disso, da Aprosoja (Associação dos Produtores de Soja). Pode-se verificar que
três dos entrevistados exercem um papel atuante nas associações de classe: o senhor Guarino, é o
presidente do sindicato rural de Sapezal e o senhor M.R. é atualmente o vice- presidente da
Aprosoja para a região Leste do estado, e presidente do sindicato rural de Canarana. Dois outros
produtores entrevistados - o senhor Escariote e o senhor Paulo - exerceram funções
administrativas nos sindicatos rurais de suas respectivas cidades
A tabela abaixo mostra algumas características dos nove produtores entrevistados.
44
Observar Tabela:
Tabela 3 – Quadro geral dos produtores de soja entrevistados.
Produtores Ano de
chegada
Origem Escolaridade/
Formação
Área
plantada
(hectares)
Região onde
planta
Outra
atividade
agrícola
1 – J.Puppin 1981 PR Engenheiro
industrial
Superior a
8000
Campo Verde Algodão/
Pecuária/
biodiesel
2 – Giovane ---------- Interior
de MG
Agrônomo 350(soja 120) Campo Verde algodão
3- Jader B. PR ---------------- 2000 Campo Verde algodão
4- M.Roza 1975 RS Engenheiro
Agrônomo
800 Canarana Arroz, milho,
pecuária
5 – Paulo 1979 RS 800 Canarana Arroz, milho,
pecuária
6- Guarino _______ Interior
de São
Paulo
Técnico
agrícola
350 Sapezal ____________
7- Scariote 1978 RS 4000 Sapezal
8- Alceu 1982 PR ---------- 2600 soja e
200 algodão
Sapezal Girassol, milho,
algodão
9-seu
Ricardo
1980 RS Técnico
agrícola
1000 Sapezal Milho safrinha,
(tentou feijão e
arroz)
45
3.2– A produção
Quando perguntados sobre a razão da escolha e da vinda para o estado de Mato Grosso é
significativo para os produtores o fato de que na época da mudança para a região esta era
considerada um atrativo pela sua extensão territorial e pelo baixo custo das terras em comparação
com os custos destas em outras regiões, como o sul do Brasil e o interior de São Paulo. Foram
justificativas usadas também o grande potencial hidroviário do estado, e a construção de Brasília
que constitui um marco simbólico do estímulo para a colonização do interior do Brasil dos anos
70
52
. Conforme explica seu Ricardo, produtor em Sapezal:
Naquela época no sul terra era caro (...) e aqui comprava bastante terra. Nosso objetivo
era ter terra para expandir e crescer. Compramos 2000 hectares de terra. Sofremos e
ficamos 4 anos sem plantar nada pois o banco em Diamantino não financiava pois dizia
que aqui era longe para ele financiar e que aqui ninguém ia plantar e ninguém ia
colher.Temos que dar muito valor pro Incra e pro governo militar. O governo abria
estradas. Se você entrava numa terra do governo, devoluta, você podia abrir e vinha o
Incra media e te dava o documento (seu Ricardo).
Outra explicação pode ser encontrada na fala de seu Paulo:
O Mato Grosso apresentava na época perspectivas melhores para a realização de alguns
sonhos, a concorrência era menor e o valor para se chegar aqui também, e o mercado
propiciava algumas alternativas conduzidas pela necessidade do mercado que era gado e
soja, proteína vegetal e animal, foi o estado que permitiu que a gente começasse alguma
coisa nesse sentido (Paulo).
Quanto razão da escolha da cultura da soja nota-se que entre os motivos usados para
justificar a escolha está o fato de que na época da vinda para o estado a soja era uma
“commodity” de alto valor no mercado. Ou, de acordo com Marcos da Rosa:
A soja é uma necessidade em áreas novas colonizações no Brasil por ser uma cultura que
tem uma alta demanda mundial e é uma cultura que responde rapidamente a tecnologia
adotada: adubação, correção de acidez do solo, e a infra estrutura que se estabelece
nessas regiões de fronteira agrícola é facilitada pela cultura da soja, se for outra cultura
é problema, embora estando longe dos portos, mas como a demanda é grande é o que
essas regiões de fronteira agrícola oferecem, não tem como sair fora enquanto não
chegar energia, asfalto, não chegar outras indústrias de transformação e isso é
demorado(...). A soja é mais resistente ao sol (...) sua raiz é mais profunda e permite que
52
Na década de 30 o presidente Getúlio Vargas implantou uma campanha nacional chamada “Marcha para o Oeste”
cujo objetivo era ocupar e desenvolver o interior do Brasil. A migração dos produtores de soja entrevistados para o
Mato Grosso em meados da década de 70/80 pode ser interpretado como a continuação do movimento da marcha
para o oeste.
46
você tenha uma maior estabilidade da relação custo benefícios que as outras culturas não
permitem (MR).
De acordo com Seu Ricardo, ao responder a mesma questão:
Eu queria criar gado, mas gado não deu... A soja porque é onde se tem recursos ...as
trade, são multinacionais, dão muito dinheiro pra se plantar a Bungee, Cargil, a Amagi
hoje ...elas precisam da soja e nos precisamos do dinheiro para plantar.
Observa-se a que, de certo modo, a escolha da soja para os produtores é encarada como
uma necessidade” (seja por causa dos preços ou porque acreditam que a região demanda uma
cultura “resistente”, etc.), ou seja, a idéia da “inevitalibidade” da soja para a região, como se
esse fosse seu destino. Parece claro para os produtores também que a expansão da fronteira
agrícola da soja nos anos 70, ainda que tenha dado origem a cidades, não foi originalmente uma
fronteira de povoamento.
Outro produtor de Sapezal, seu Alceu, que veio para o Mato Grosso em 1982 “enfrentar o
cerrado”, esclareceu que escolheu a soja porque era a cultura mais viável de trabalhar, pois ele
tinha tido contato e aprendido a lidar com ela no Paraná, onde era comum as trades emprestarem
dinheiro para se plantar soja “como uma moeda de negócios”. Entretanto, seu Alceu acrescenta
que hoje “tem que se fazer uma diversificação de cultura porque a soja não esta muito
atrativa não...”, e por isso vem plantando além da soja, o girassol, o milho e o algodão. Em sua
opinião, a soja não esta mais sendo tão rentável quanto era por causa da alta dos preços dos
insumos usados na produção.
Ao serem perguntados se quando chegaram ao estado tiveram muito trabalho com a terra,
a maioria dos entrevistados disseram que sim, que tiveram que “abrir a terra”, que encontraram
“mato e cerrado” ou “chapadão” e que a dificuldade existia, pois na época tudo era muito
precário: faltavam estradas, infra-estrutura, as localidades próximas ficavam a muitos
quilômetros de distância e “o cara saía preparado com alguma coisa para comer na estrada”, pois
não se sabia ao certo a que hora chegaria ao destino. Nas palavras de seu Paulo:
Muito trabalho (para trabalhar a terra). Isso era um estado virgem ainda. Você teve que
praticamente criar tudo. E isso envolve custos e você tem que ter uma força de vontade
muito grande para permanecer num lugar inóspito. Se não for a intenção de realizar um
sonho não se ficaria no local (Seu Paulo).
47
Por outro lado, outros iniciaram sua propriedade em áreas onde a terra estava aberta.
Como o senhor J.P.
Quando cheguei aqui na região encontrei a propriedade aberta, uma propriedade que
tinha começado uma propriedade de 8.500 hectares, que estava plantando 2.000.
Pessoal da região, pessoal ribeirinhos, cuiabanos, como os natos assim dizem, não havia
nessa localidade, não havia... Regiões aonde eu tive conhecimento haver essa população
elas foram remanejadas, saíram dessas atividades, vieram para a cidade onde os
familiares estavam. tinham uma vida subumana com a pecuária muito rudimentar...
não cortavam a grama correta, e sim jogavam o cerrado...e a limpeza, pra conservar o
gado, colocavam fogo, sistema muito arcaico e que não sobreviviam a esses parâmetros
e critérios de produtividade
53
. Na minha vinda pra essas áreas haviam sido
ocupadas pelos meus antecessores.
Percebe-se através da fala dos produtores que, por um lado, alguns afirmaram a existência
de um “vazio demográfico”, de um “estado virgem”, “lugar inóspito”, ou seja, reproduzem o
discurso característico do pioneiro que vem “desbravar a terra”. Por outro lado, encontra-se um
discurso de que a terra estava aberta, confirmando que esta não era desabitada e que existia
população anterior. Entretanto, essa população tinha uma “vida subumana com a pecuária
rudimentar”, considerada inferior pela posterior forma de produção, capitalista. Conforme explica
José de Souza Martins
Do lado das grandes empresas e dos grandes proprietários de terra tem prevalecido a
suposição de que o capitalismo e sua expansão justificam tudo: o ilegal é legítimo e
legitimado pela espécie de redenção histórica que a expansão capitalista parece
representar na mentalidade dos “pioneiros”, dos técnicos e dos funcionários dos Estado e
dos próprios governantes. A forma econômica supostamente superior apoiada na
racionalidade do capital, é apresentada como precedente às formas primitivas de uso da
terra, no âmbito da chamada agricultura familiar e, privilegiada em relação a elas
(Martins, 1998)
54
.
Com relação ao uso de tecnologias na produção, os entrevistados afirmaram que toda a
tecnologia acessível e disponível hoje é utilizada: máquinas, colheitadeiras, fungicidas,
fertilizantes, adubos, correção de solos, e alguns, ainda possuem assistência agronômica. Uma
prática bastante citada entre eles é a do o plantio direto, técnica considerada ambientalmente
sustentável
55
. De acordo com a Embrapa o plantio direto
53
Nota-se na fala do senhor JP o ideal de progresso associado à alta tecnologia e índices de produtividade, sendo
considerada “arcaica” uma cultura que não se adéqua a esses padrões.
54
Ver José de Souza Martins “A vida privada nas áreas de expansão da sociedade brasileira”, em: História da vida
privada no Brasil: contraste de intimidade contemporânea/ coordenador-geral da coleção Fernando A. Novais;
organizadora do volume Lilia Moritz Schwarcz, São Paulo, Companhia das Letras, 1998, págs. 659-726.
55
De acordo com a Embrapa “a adoção do Plantio Direto expressa a perfeita harmonia do homem com a natureza e
proporciona economias significativas para a sociedade como um todo. Torna-se possível, assim, a minimização de
48
Compreende um conjunto de técnicas integradas que visam melhorar as condições
ambientais (água-solo-clima) para explorar da melhor forma possível o potencial
genético de produção das culturas. Respeitando os três requisitos mínimos - não
revolvimento do solo, rotação de culturas e uso de culturas de cobertura para formação
de palhada, associada ao manejo integrado de pragas, doenças e plantas daninhas - o
Plantio Direto não deve ser visto como uma receita universal, mas como um sistema que
exige adaptações locais. Essas têm sido executadas por iniciativa dos próprios
agricultores, por meio da integração contínua de esforços com pesquisadores e técnicos,
possibilitando avanços palpáveis no desenvolvimento e na transferência de tecnologias
(Embrapa)
56
.
Na explicação de M.Rosa o uso de tecnologia é imprescindível e necessária para se
praticar agricultura:
Na atualidade não utilizar a tecnologia disponível tem resultado no custo benefício. Se
você não tiver boas máquinas... tem que ter um parque de maquinas, novas e eficiente,
pois o prazo de plantio e curto chega a treze dias(...).Uma atitude que o Mato Grosso
utiliza hoje 90% da soja é o plantio direto, você revolve o solo pela primeira vez após o
arroz ou após o cerrado e você põe o calcário necessário, faz cobertura desse calcário e
partir daí você nunca mais revolve o solo. E o mundo, por outro lado, o cliente, exige
que você tenha tecnologia, que você não danifique o meio ambiente . Ou você esta na
tecnologia ou você esta fora deste negócio.
A semente transgênica, enquanto uma nova tecnologia, de um modo geral, é considerada
“uma realidade” pelos produtores, e algo que com o tempo terá que ser usado. Os produtores de
Sapezal realizaram alguns testes para avaliar o desempenho das sementes de soja transgênica
(chamado “dia de campo”) para compará-la com a convencional. Apesar de afirmarem que esta
possui um bom desempenho, e que seria mais barata que a convencional, ainda não a plantam,
pois os grãos da região são escoados por Porto Velho e exportados para União Européia e China,
que preferem semente convencional
57
. Um dos dois produtores de Canarana está plantando a
semente transgênica, pois acredita que ela está vindo “com força total” e que, de certa maneira, é
custos por unidade produzida a partir da maximização da produtividade de insumos e de mão-de-obra. Associa-se a
isto a diminuição significativa de consumo de petróleo (60 a 70 % a menos de óleo diesel), o aumento do seqüestro
de carbono (aumento do estoque no solo e da matéria orgânica em decomposição na superfície), a diminuição
expressiva da perda de solo por erosão (90 % de diminuição nas perdas estimadas em 10 t solo/t de grão produzido),
que evidenciam a possibilidade de se obter uma agricultura sustentável e limpa, produzindo alimentos de qualidade,
com o menor impacto negativo sobre o meio ambiente e o homem”. E, além disso, através dos resultados das
pesquisas agropecuárias vê-se o Plantio Direto como “a mais importante ação ambiental brasileira em atendimento
às recomendações da conferência da Organização das Nações Unidas (Eco-92) e da Agenda 21 brasileira, indo ao
encontro do que foi acordado na assinatura do Protocolo Verde”.
56
Definição encontrada no site da Embrapa: http://www22.sede.embrapa.br/plantiodireto
57
Um dos produtores de Sapezal também falou do aspecto negativo da semente transgênica estar nas mãos de uma
trade, de uma compradora. Em sapezal as trades mais fortes são a Bungee, a Cargil e a Amaggi.
49
uma tecnologia “imposta ao produtor”. Outro produtor de Canarana, o senhor M. da Rosa, apesar
de ainda não estar plantando este tipo de semente afirma que:
Não problema em consumir transgênico. Transgênico é um benefício esta vindo
para o mundo que ele vai eliminar alguns defensivos agrícolas em detrimento do
faturamento de algumas empresas multinacionais, e existe uma guerra que utiliza o
produtor no meio dessa brincadeira. Mas é uma realidade. O Mato Grosso hoje deve
estar usando ao redor 40% cresceu na safra de 2007-2008 (...). (MR).
O senhor J.P., que além de soja produz algodão, afirma que além de utilizar as sementes
convencionais certificadas, planta “alguma coisa de soja transgênica”, e acrescenta que, com
relação à cultura do algodão a transgenia ainda esta muito fraca.
Ao serem perguntados se estão satisfeitos com as ações do governo federal para o setor,
os produtores, de modo geral, responderam que não se encontram muito satisfeitos com suas
ações, principalmente por causa do câmbio, ou seja, a alta do dólar que prejudica as exportações
da soja, mas também falaram da falta de “logística do estado e da falta de infra-estrutura. Um dos
produtores afirmou que o problema não é o governo federal atual, ainda que este tenha vindo “do
povo, e criou uma nova oligarquia”, mas o problema de todos os governos é o fato de que não
criaram uma política agrícola. Outro acrescentou que é contra a multa imposta pelos órgãos do
governo ao produtor, sendo a favor desta desde que se faça um trabalho de conscientização:
“agora chegar multando como faz a FEMA e o Ibama sou contra, pois eles mandam gente que
não conhece nada da realidade(...)”.
Os entrevistados disseram que não existe no governo hoje um órgão que represente o
setor. Um dos sojicultores acrescentou que os órgãos do governo (ministérios, etc.) transmitem
uma “imagem negativa para o grande empreendedor” e que isso “uma sensação que nós
incomodamos o desenvolvimento do Mato Grosso e o desenvolvimento do Brasil” (J.P.). Ele
ressaltou a importância das entidades de classe para defender os interesses do setor:
Para nós produtores o que tem nos auxiliado são nossas associações de classe, a Famato
que é um poder representativo, nos representa com grande significado; a associação dos
produtores de algodão, a Associação dos produtores de soja, são os que têm falado e nos
dado suporte nesses nossos questionamentos de preço, incentivo, enfim, nesse conjunto
todo, porque outros órgãos não estão favorecendo o grande produtor. E logicamente
como o cenário é estruturado no grande produtor, os menores são menos ainda, ou seja,
não há clima para que isso aconteça... favorável aos pequenos também.
50
Muitos questionaram as ações do governo estadual e federal para a agricultura,
justificando que no Mato Grosso somente os grandes produtores são favorecidos
58
e reafirmaram
o papel político e atuante das entidades de classe e cooperativas:
O Lula falou que ia dar prioridade a agricultura familiar, mas ele se esqueceu do
pequeno produtor do Mato Grosso, pois no MT não adianta plantar 600, 800 hectares...
ele compara esses pequenos agricultores aos grande grupos e isso é mentira...o governo
se baseia pelos grupos grandes (seu Escariote).
Aqui na nossa região virou tipo monopólio, são grupos grandes que estão estruturados e
estabilizados porque conseguem recursos financeiros baratos. Então compram melhor e
vendem melhor. O médio (produtor) que era considerado grande, hoje esta sendo médio,
ele busca recursos precários, corre atrás vende carro, vende mal, etc. Os grandes aqui
estão querendo engolir os pequenos. Estamos nos precavendo, eu sou presidente da
Comase (Cooperativa de Sapezal) estamos fortalecendo o grupo para tomar uma direção,
acompanhar isso aí; para conseguir buscar recursos, comprar mais barato, vender em
conjunto, pois individual como estavam fazendo os médios (que eu nem considero mais
médio) cada vez fica mais difícil. Tem muita gente que era grande, médio e hoje
arrendou para os grupos, não esta mais plantando, ganha arrendamento da área e não esta
mais fazendo nada. Com isso ele vai ficar como está ou para menos e o grande cada vez
vai subir mais (seu Alceu, Sapezal).
59
É interessante notar através das diferentes respostas a questões que mencionaram papel do
Estado que os produtores entrevistados percebem no como divido em dois momentos distintos.
Primeiramente, alguns produtores, de maneira bastante clara, vêem o Estado como um órgão
facilitador, que permitiu e “ida” para o Mato Grosso através das políticas dos anos 70 de
incentivo a “ocupação de espaços vazios” no interior do Brasil através da migração, e do
incentivo ao plantio da soja. Num segundo momento, que seria o atual, percebemos que tais
produtores não vêem o Estado como aliado ou facilitador, mas um órgão que impõe sua presença,
por exemplo, através de ações de fiscalização ambiental que consideram como imposições
arbitrárias como a questão da multa ambiental mencionada pelo senhor Escariote num
depoimento acima –, dando a impressão de que os produtores incomodam” e atrapalham o
“desenvolvimento do Brasil” (conforme a fala do senhor José Puppin).
58
Durante a entrevista com os senhores Marcos da Rosa e seu Paulo, de Canarana, quando questionados sobre as
ações do governo federal e estadual eles pediram para desligar o gravador para poderem falar do governo do estado.
Por ter apoiado o Lula e por ser um dos maiores produtores de soja do mundo o governador Blairo Maggi sobre
críticas de outros produtores por apoiar uma política agrícola que favorece os grandes produtores. Como o Senhor
MR é um representante de classe pediu para não se expor e para desligar o gravador. A maioria dos produtores
entrevistados que não são grandes exceção o senhor JP que é um grande produtor também criticaram a política
agrícola que favorece os grandes produtores.
59
A Cooperativa presidida por seu Alceu tenta unir os médios produtores para buscar novas alternativas viáveis de
produção e diversificação. Na época da entrevista ele teria uma reunião para discutir a possibilidade de criar frango.
51
A opinião dos produtores quanto a uma próxima “fronteira agrícola brasileira” e, sobre
qual seria essa fronteira, varia bastante: a maioria dos produtores acredita que a cana de açúcar “é
a bola da vez” por causa do biodiesel (seu Paulo, seu Giovane, seu Ricardo, seu Escariote, seu
Alceu), o algodão (seu Alceu). Houve também quem respondesse “floresta, madeira”, explicando
que grande parte das indústrias da Europa é movida a carvão, que está ficando difícil e caro, e
que seria impossível substituir carvão por álcool (M.R.); e a pecuária que na explicação do senhor
JP se configuraria
um dos grandes desafios que esta pra acontecer porque esta mudando de mão. Esta
mudando para o agricultor. Então ele tem toda a sistemática de ração, de proteína, e
outro desafio que é a rotação de cultura nas suas atividades. E a pecuária é um modelo
econômico que se encaixa perfeitamente.
Finalmente, ao serem perguntados se se consideram pioneiros, alguns responderam que
não, ainda que tenham chegado à região onde estabeleceram a produção quando esta ainda era
“vazia e não tinha nada”. Outros disseram que sim, dependendo da interpretação que se a esta
palavra:
Na concepção atual somos pioneiros, uma concepção criada para aquele que chega em
determinado local ou que inicia alguma coisa um pioneiro. Isso serve também como
manobra. Assim também serve essa história de pioneiro para alegrar o coitado, aquele
que vem na frente, endurecido pela vida, que não sente carrapato, não sente nada e que
tem que vencer todas essas barreiras. (seu Paulo)
Na concepção da palavra nós somos pioneiros, pois não existia estrada, pontes, presunto
no mercado, não existia maçã... aqui não tinha telefone, a energia era de
termoelétrica...nessa concepção somos pioneiros. Mas na concepção do início do mundo
habitado pelo ser humano somos como qualquer ser humano que foram descobrindo
países, continentes, a população foi aumentando e pela evolução como ser humano e
material você teve que ir criando novos espaços, e a terra esta para ser utilizada, claro
que de maneira sustentável (MR)
Não digo que sou pioneiro. Eu sou trabalhador nato nesses processos desafiantes. Tudo o
que é um desafio nós temos que ser enobrecido. Todos os desafios são trampolins para
nossa eficiência. O desafio quando você tem ele em mente esse trampolim, você busca a
eficiência e vira um guerreiro, um batalhador. (JP).
A resposta do senhor Puppin é bastante interessante. Ele, por um lado, não se considera
um pioneiro, e, apesar disso, se diz umtrabalhador nato”, “um guerreiro”, “um batalhador”, que
chegou ao Mato Grosso em 1981 mais ao menos na época em que os outros entrevistados
também foram para o estado em busca de terras baratas onde pudessem praticar agricultura e
tentar a vida, reproduzindo, em muitos casos, tradições familiares.
52
De acordo com Pierre Monbeig (1984), ainda hoje um mito do bandeirante”, cujas
narrativas dos empreendimentos audazes provoca entusiasmos e cuja “eficácia psicológica é
incontestável”. Monbeig acrescenta que tanto a ânsia pela solidão ou a vocação de luta podem
ser satisfeitos pela “vastidão de terras desocupadas”, ainda que, para o autor, o nomadismo
pioneiro seja movido pela estrutura econômica. Além disso, acrescenta que
No dinamismo fazendeiro - pioneiro, a massa popular encontra a lembrança do
bandeirismo: a penetração do sertão adentro (....). Nos heróis de outrora, como no grande
homem do momento, admira-se a mesma temeridade, a mesma sede de aventura, a
mesma paixão pela riqueza. Perpetua uma tradição aquele que “abre” uma fazenda e sua
ação direta suscita vocações. (...) Fazendeiros, pequenos sitiantes assalariados, estão
sujeitos ao mesmo mecanismo psicológico, em que a força da tradição e a do exemplo, o
gosto pela novidade e a atração da sorte se combinavam e exerciam poderosa sedução
sobre as massas incrédulas e facilmente impressionáveis (Monbeig; 1984 p.121-122).
É importante notar que as representações que os produtores de soja entrevistados têm da
produção e de si mesmos vinculam-se com as representações que possuem da natureza e da
relação estabelecida entre a agricultura e a natureza, conforme veremos a seguir.
3.3 – As representações da natureza
Nesse terceiro item do capítulo 3 trato especificamente da relação entre agricultura e
natureza. As perguntas usadas durante a entrevista foram direcionadas para conseguir obter as
percepções e representações sociais dos produtores sobre a natureza. Inicio perguntando se os
entrevistados tiveram problemas com ambientalistas. Apenas um, o mais bem sucedido de
todos (senhor JP produtor em Campo Verde) respondeu que: todo mato-grossense teve
problema com ambientalista, se não teve problema não é mato-grossense
60
. Nota-se que apesar
de ser um migrante do Paraná o entrevistado já se considera um nativo – “um mato-grossense”.
Outro produtor, respondendo a mesma questão, afirmou que “os ambientalistas são pagos
pelos americanos para nós não aumentarmos a produção de soja...” (Seu Ricardo, produtor de
Sapezal). Seguindo esta mesma direção temos a resposta do Sr. Marcos da Rosa:
Eu convivo com os ambientalistas, convivo com o mercado mundial da soja, participo de
uma executiva internacional da qual eu sou o único produtor do Brasil que participa
dessa executiva, discutindo os critérios da soja sustentável. A questão dos
ambientalistas, o problema para mim é muito claro, são as sanções comerciais, e as
60
Interessante notar que o produtor incorporou a identidade mato-grossense.
53
sanções comerciais elas vão até onde a oferta for maior que a demanda. A partir do
momento que a demanda for maior que a oferta acaba o problema dos
ambientalistas porque eles não estão trabalhando e lutando por um desenvolvimento
digno do ser humano, eles estão sendo financiados por um poder econômico que esta
atrás deles para eles fazerem barulho e realmente, principalmente na Europa, o
consumidor final dos nossos produtos do Brasil (não soja), existe uma propaganda
negativa de que no Mato Grosso nós estamos desflorestando a Amazônia. E é mentira.
Eles nem sabem que nós não estamos na floresta amazônica e muito menos no
bioma amazônico. No Mato Grosso a soja no bioma amazônico é irrelevante”. (...) Os
ambientalistas não produzem nada só o berro.
Alguns dos produtores de soja responderam que nunca tiveram problemas com
ambientalistas. Entretanto, pôde-se observar no discurso dos atores sociais expostos acima, a
crença na existência de certa “conspiração” de ordem econômica internacional, sendo as ONGs,
as maiores representantes
61
.
Um dos produtores de Sapezal, seu Escariote, afirmou que na sua propriedade nunca
tiveram problemas com ambientalistas, pois sempre trabalharam de maneira correra. Na sua
explicação nota-se a maneira negativa com que percebe o bioma cerrado (“chapadão”) e sua
necessária incorporação pela agricultura.
A gente desde que chegou no Mato grosso... a maior preocupação minha eram os rios.
Eu acho que essas áreas de chapadão, áreas boas de ser usada tem que ser plantada,
desde que se preserve a natureza. Porque o cerrado brasileiro quando eu conheci em 78
estava tudo queimado. Eu cheguei aqui era o maior desespero. Isso aqui sempre
queimou na vida. Os índios mesmo tocaram fogo...você ter uma idéia , o cerrado aqui se
fica uns 5 ou 6 anos sem queimar cai um raio começa o fogo e a chuva não apaga. O
cerrado sempre queimou. Mas vamos plantar, e deixar um metro na beira do Rio, vamos
cuidar dos defensivos... Mas não concordo de ter que parar um país por causa dos
ambientalistas. Esta se destruindo a Amazonia...mas não é o pequeno de 100,200
hectares ...é os grandes grupos. Se faz um trabalho proibindo os grandes grupos. O
pequeno que está la dentro querendo educar sua família e criar seus filhos eu te garanto
que ele preserva. Mas os grandes empresários que moram em São Paulo, eles não estão
nem aí, mandam o peão fazer, taca fogo, derruba cerrado, mato, porque querem boi,
querem lucro (Escariote).
Nota-se que se anteriormente alguns produtores afirmaram a ausência de população
tradicional/indígena na região onde se estabeleceram, através desse depoimento observamos que
havia população indígena em certas regiões de chegada. Talvez se possa interpretar essa
“ausência” dos índios, através de Martins, quando o autor diz que os relacionamentos com os
índios ainda hoje se dão como se estes fossem gentios e por isso mesmo animais”. Portanto,
61
Ver o segundo item do capítulo 4 onde exponho certas ideais presentes no livro “Máfia Verde 2: O Ambientalismo
como um colonialismo” , de caráter conspiratório, e que foram distribuídos a alguns produtores associados a
FAMATO.
54
ainda permanece hoje a concepção de ausência de humanidade do índio, a mesma concepção “de
que o humano é unicamente o branco e cristão” (Martins, 2006 ???). Por isso ao perguntar se
havia população tradicional/indígena no momento da chegada dos migrantes no Mato Grosso,
mesmo nos casos em que havia essa população, esta não é considerada.
Existe atualmente no senado um projeto de lei, de autoria do Senador Jonas Pinheiro
62
(DEM-MT/ ex-PFL) propondo a exclusão do Mato Grosso da Amazônia Legal (assim como
Tocantins e Maranhão), criando ao mesmo tempo, “brechas para ampliar a derrubada da floresta
amazônica e para regulamentar propriedades rurais, de produção de soja ou usadas na pecuária,
com desmatamento acima dos 20% permitidos pela legislação”
63
. O senador alega que 60 % do
Mato Grosso não pertencem ao bioma Amazônia – contestando as informações do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) devendo ser reconhecido como cerrado. Mesmo
ciente de que o Estado de Mato Grosso é o campeão de desmatamento dos últimos quatro
levantamentos do Ministério do Meio Ambiente; de que o Estado concentra 98 % de toda a soja
plantada na Amazônia Legal (sete milhões de hectares) de acordo com a Confederação
Agricultura e Pecuária do Brasil, o Senador discorda que o projeto abre brechas para o
desmatamento e para a regularização de desmatamentos ilegais.
Quando perguntados se conheciam e concordavam com o projeto de lei proposto pelo
senador Jonas Pinheiro de retirada do Mato Grosso da Amazônia Legal, um único produtor, seu
Giovane, que teve formação superior em agronomia, respondeu que não concordava justificando
que “boa parte de Mato Grosso é dentro da Amazônia, que é área de influencia da Amazônia”.
Outro produtor decidiu não manifestar opinião por desconhecer o projeto
64
. Todos os outros sete
produtores apóiam o projeto do senador, alguns se baseando no mesmo argumento e justificativa
usados pelo senador: a de que o Mato Grosso não pertence ao bioma Amazônia e sim ao cerrado,
sendo visto pela grande maioria dos produtores como um “mato” não valioso para ser preservado.
De acordo com o Produtor J.P.:
62
Durante o processo de finalização da dissertação fui informada do falecimento do senador Jonas Pinheiro em
20/02/2008. Por ser um defensor dos produtores rurais do Mato Grosso, (estava presente na Bienal dos Negócios da
Agricultura em agosto de 2007), o governador declarou luto oficial de três dias. Informação retirada “Jonas Pinheiro
é enterrado em Mato Grosso”, dia 20/02/2008, no www.oglobo.com.br.
63
Informação retirada do Estado de São Paulo Projeto exclui da Amazônia Legal Mato Grosso, Tocantins e
Maranhão” - 22/04/2007.
64
Eu tenho minhas dúvidas se ele realmente não conhece o projeto, pois nas próximas eleições seu Guarino pretende
se candidatar a prefeitura de Sapezal pelo DEM, mesmo partido do senador Jonas Pinheiro.
55
(...) Nós praticamente não estamos na Amazônia... Eu concordo plenamente com o
senador e dei votos para que isso acontecesse. Nós estamos mais alinhados com Goiás,
com Mato Grosso do sul, com a Bahia, que são nossas realidades...
Além disso, segundo seu Ricardo:
È ótimo tem que tirar. Amazônia legal é o Estado do Amazonas, e nós não somos
Amazônia. Somos parte da bacia amazônica, mas não somos parte do mesmo
ecossistema, florestas, é outro mundo... Mato Grosso é outro mundo do Amazonas, tem
que tirar porque senão essas ONGs... apesar de que hoje elas estão se unindo com a
Aprosoja. Quem não pode ir contra se alia...
Essas coisas que dizem contra a soja daqui uns 4 ou 5 anos não vai mais existir. A
Aprosoja quer reorganizar o MT a plantar soja e todo mundo preserva os rios. Esses
negócios que os caras falam em cima de que a soja destrói é mentira não é
verdade.
O senhor Marcos da Rosa também afirmou sua concordância com o projeto do senador
Acho que eu e o Jonas Pinheiro somos os únicos que concordamos com isso! que
existe dois aspectos. Primeiro, através do nome Amazônia legal nós podemos
conseguir recursos para recuperação de algumas áreas de APP que foram
desmatadas a mais, recursos no sentido de recuperação florestal que o mundo quer.
Pois o mundo não tem mais floresta e nem água potável e nós temos os dois(...). Tirando
o nome Amazônia legal que é o que eu acho que é ideal, nós vamos falar em biomas:
bioma amazônico, bioma cerrado, bioma pantanal, o mundo vai nos enxergar sob um
aspecto diferente que não floresta Amazônica. Aparentemente, pelos contatos que a
gente tem, tem pessoas que têm grandes vantagens econômicas com o nome
Amazônia legal, e uma barreira política nesse sentido. Como representante de classe
eu sempre falei abertamente que tinha que tirar o Mato Grosso e outros estados da
Amazônia legal e criar os biomas.Não dá pra se discutir isso no palanque político.
Conforme podemos verificar através dos depoimentos acima, a maioria dos produtores
entrevistados acredita e defende peremptoriamente que o Mato Grosso não “se alinha”
65
, não
pertence à Amazônia, mas sim a outro bioma que seria o cerrado. Desse modo não compartilham
da idéia, expressa por Eduardo Viveiros de Castro, de que haveria não uma única Amazônia,
“um” eco-sistema amazônico, mas sim Amazônias, muitos eco-sistemas dentro de “um só”
66
.
65
Em entrevista no programa Canal Livre (rede Bandeirantes de televisão) exibido dia 28/07/2008, o Ministro da
Agricultura, Reinhold Stephanes (Deputado Federal pelo PMDB-PR) afirmou que a Amazônia legal era uma “ficção
geográfica, pois existe Amazônia legal que é cerrado” e o fato do Mato Grosso pertencer a essa região era um erro,
assim como Tocantins e Maranhão. O ministro ressaltou que hoje em dia se pode produzir e “não é preciso derrubar
nenhuma árvore no bioma amazônico”, mas que devido às inúmeras reservar indígenas, áreas de preservação federais
e estaduais sobra-se muito pouca área para se plantar legalmente. Ainda salientou existem municípios no Mato
Grosso onde produzem se carne 200 anos e “hoje essa área está com restrições de crédito. Todos os créditos do
Mato Grosso estão parados”.
66
Ver artigo “O Brasil é grande, mas o mundo é pequeno”, de Eduardo Viveiros de Castro, em www.isa.org.br, dia
27/06/2008.
56
Nota-se que, através do depoimento de seu Ricardo, existe a idéia de certa “conspiração”
de ONGs, e, por causa disso, seria importante tirar o Mato Grosso da Amazônia Legal. De acordo
com seu Ricardo, algumas ONGs estariam se unindo com entidades de classe do estado (“quem
não pode ir contra, se alia”), como a Aprosoja, se referindo, talvez, a criação, do Instituto Ação
Verde, resultado da união do setor produtivo do estado com ONGs tais como o ICV e TNC
67
.
Quando perguntados o que seria uma agricultura moderna os agricultores ressaltaram a
questão do planejamento agrícola e da tecnologia, ou seja, “usar tecnologia e fazer produzir em
menos áreas mais quantidade de produção”. Algumas das respostas sobre o que é uma
“agricultura moderna” foram:
Uma agricultura de alta eficiência nos moldes que se trata máquinas modernas,
profissionais competentes, sementes de qualidade, transgenia que é uma prática que
devemos adotar, seguir, introduzir com maior brevidade... já estamos com atraso em
relações a nossos amigos de outras localidades os argentinos, americanos, europeus,
indianos, chineses ...devemos trazer com brevidade essa prática da transgenia e
deixar as picuinhas e certas reservas para traz.E, além disso, os herbicidas, toda essa
tecnologia é bem vinda e devemos abraçar. (JP)
Agricultura moderna. Diversificação esta na hora, né? Qualidade de serviço e você
saber que esta plantando um produto e saber que vai ter um retorno. Não adianta s
continuar trabalhando do jeito dos últimos dois anos que você acaba produzindo uma
safra boa em termos de produção que o preço não te retorno. Não adianta, temos
que partir para esse lado. Começar a diversificar e começar a ver: soja está ruim então
vamos plantar outro produto... Falta uma política do governo que alinha esse tipo de
coisa (seu Alceu).
Nos depoimentos acima constatamos duas opiniões distintas do que é agricultura
moderna. Na primeira, destacamos seu Alceu de Sapezal, que foi o único produtor de soja (de
tamanho médio) a salientar a necessidade de diversificação
68
da produção justificando que a soja
“está ruim”, expondo, dessa forma, a dificuldade de se plantar soja, comercializá-la e sobreviver
à competição com grandes produtores de soja capitalizados (em Sapezal grandes produtores
chegam a ter 120 mil hectares de soja). Depois, temos a opinião do senhor J.P., que, refletindo a
opinião da maioria dos produtores, expõe a crença de que existe uma identificação ou uma
relação estreita entre a agricultura moderna e a tecnologia. Assim, segunda a sua opinião, seria
necessário usar a tecnologia de ponta disponível para aumentar a produtividade, ou, conforme
explica seu Ricardo “usar tecnologia e fazer produzir em menos áreas mais quantidade de
67
Instituto Centro Vida (ICV) e The Nature Conservancy (TNC).
68
Durante a entrevista o senhor Alceu mencionou que além da soja e do algodão, está plantando girassol e que
pretende entrar no ramo de criação de frangos.
57
produção. Com tecnologia numa mesma área e aumentar a produção em 20% ou 10%”. Essa
visão privilegia uma maior produtividade a qualquer custo, mesmo ambiental.
A visão de uma agricultura moderna, de alta eficiência da produção que levaria a um
aumento da produtividade, é uma idéia que vem de encontro com um modelo de
desenvolvimento
69
econômico que tem sido privilegiado pelos governos, pelos bancos de
financiamento e pelo mercado. De acordo com Sérgio Schlesinger (2006), é a constante presença
do agronegócio (principalmente o da soja) na pauta das exportações brasileiras e a necessidade de
gerar saldos comerciais positivosface às dificuldades decorrentes do endividamento externo e à
crença de que o aumento das exportações é a principal mola propulsora do desenvolvimento” que
explica o grande estímulo governamental ao crescimento das atividades desse setor
70
.
No artigo em que propõe refletir sobre o(s) sentido(s) do desenvolvimento, Renato Maluf
(2000) argumenta que a necessidade de se repensar o desenvolvimento pode ser justificada no
mínimo, como contraposição a idéia convencional (aceita pela teoria econômica geral e pela
maioria dos modelos de desenvolvimento) de que o crescimento econômico geraria “efeitos
benéficos para todas as camadas da população”. O autor esclarece que o crescimento econômico
nem sempre beneficia os mais pobres, pois o modo como se organizam socialmente as
atividades produtivas”, ou seja, o padrão de desenvolvimento econômico traz consigo
embutida “a apropriação da renda”. Ainda salienta que
O fato de que o crescimento econômico não ser receita suficiente para enfrentar a
desigualdade e a pobreza é amplamente confirmado por pesquisas que, pelo método das
correlações estatísticas, revelam, de um lado, não ser possível estabelecer um claro
impacto (positivo ou negativo) sistemático, no tempo, do crescimento econômico no
grau de equidade (Maluf, 2000 p.56).
No artigo referido Maluf (2000) mostra algumas experiências latino-americanas de
desenvolvimento e acrescenta que uma característica comum na experiência desses países (mas
69
Para uma visão alternativa de desenvolvimento ver Sen, Amartya (2000) “O desenvolvimento como liberdade”,
obra em que autor propõe o desenvolvimento como uma fonte de expansão das liberdades humanas em contraste
com visão em que o desenvolvimento é identificado com o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), com o
aumento das rendas pessoais, industrialização, avanço tecnológico e modernização social.
70
Ainda segundo Schlesinger (2006), toda a atenção dada ao agronegócio deixa de ser dedicada “ao elo mais frágil
da cadeia”, pois apesar do crescimento da monocultura da soja em grandes propriedades é a agricultura familiar a
responsável por quase um terço da produção de grãos de soja.
58
não somente neles) foi “a ênfase na industrialização como vetor quase exclusivo de
desenvolvimento”
71
. Assim, conforme explica Maluf
Desenvolvimento era sinônimo de industrialização que, por sua vez, seria o instrumento
principal da modernização das sociedades porque portadora de avanços materiais e
indutora de transformações nas relações sociais, ambas sob o dinamismo das inovações
tecnológicas (Maluf, 2000 p.57).
Outra questão levantada durante as entrevistas indagava se, para os produtores, existiriam
áreas ou biomas que consideravam melhores para se praticar agricultura e quais deveriam ser
preservadas, ou seja, se na sua representação, existiria uma hierarquia de ecossistemas. Quanto às
melhores áreas para a agricultura consideravam que:
Onde tem floresta a terra é boa (...), pois a terra esta nutrindo bem essa vegetação,
mas hoje com a tecnologia o cerrado que era improdutivo, de terras imprestáveis é
altamente produtivo inclusive gerando pânico no setor produtivo que quer abafar
isso de toda maneira (seu Paulo).
Eu falo muito em cerrado. O cerrado tem que ser aproveitado porque ele não da
madeira, ele não tem nem casca. Tem as áreas de preservação, mas onde é para
produzir é pra produzir. O Mato grosso tem áreas que deixam para pasto, para parque e
tem áreas onde é para produzir. A região de Sapezal, o chapadão dos parecis... uma área
de cerrado então vamos fazer produzir (seu Escariote).
Com relação ás áreas que deveriam ser preservadas, obteve-se essa resposta de seu
Escariote:
Uma área dobrada... tirando cerrado onde é chapadão. Onde tem um mato bonito e que
tu faz um estudo e se vê que não é viável para se derrubar pois não vai conseguir manter
as águas, essa deveria ser preservada. Agora deu agricultura, tem condição de fazer um
estudo agrícola, se faz agricultura.
Além disso, conforme explica J.P:
“Sim, os ecossistemas que deveríamos proteger são aqueles que não cultivamos para a
agricultura, não está apto para esse fim. No caso aqui do MT o que deveria ser
respeitado seria o Pantanal, um lugar muito prazeroso, bonito, gratificante, tem uma
fauna e uma flora bem adequada. E as montanhas essa parte que não tem utilidade
prática de mecanização, tem que ser conservadas.
71
Maluf destaca que a América Latina (incluindo o Brasil) seria um exemplo do que Arrighi (1998) “ilusão
desenvolvimentista”.
59
Pode-se perceber que os produtores, de um modo geral, não consideram o cerrado um
ecossistema importante e valioso de ser preservado, mas sim os lugares “bonitos e prazerosos”
como o Pantanal mato-grossense. O cerrado, por um lado, é considerado um bioma “feio”, com
árvores tortas e retorcidas, e o “feio” não merece ser mantido ou preservado, sendo apto para a
agricultura. O Pantanal, por outro lado, conforme foi dito acima, é bonito e prazeroso, cumprindo
uma função social para o homem, sendo assim digno de ser preservado.
Em “O Homem e o mundo Natural” (1988), o historiador Keith Thomas procura, através
de um estudo bastante detalhado, compreender as transformações dos valores e sentimentos
humanos para com os seres do mundo natural, na Inglaterra, entre os anos de 1500 a 1800. De
acordo com Thomas, enquanto nos séculos XVI e XVII o predomínio do homem sobre o mundo
natural era a meta incontestável do esforço humano, por volta de 1800, ainda que este ainda fosse
o objetivo para a maioria das pessoas, passou a ser alvo de controvérsias, pois começavam a
surgir dúvidas sobre o lugar do homem na natureza e seu relacionamento com outras espécies.
Segundo o historiador, o estudo cuidadoso da história natural fez cair em descrédito muitas
percepções antropocêntricas dos tempos anteriores e, além disso,
Um senso maior de afinidade com a criação animal debilitara as velhas convicções de
que o homem era um ser único. Uma nova preocupação com o sofrimento dos animais
viera à luz e, ao invés de continuarem destruindo as florestas e derrubando toda a árvore
sem valor prático, um número cada vez maior de pessoas passava a plantar árvores e
cultivar flores para pura satisfação emocional (Thomas, 1988 p.289).
Conforme explicita Thomas, a transformação da relação dos ingleses com a natureza era
parte de um complexo de mudança ocorridas em fins do século XVIII que contribuíram para
destruir algumas concepções estabelecidas e criar novas sensibilidades. A primeira grande
mudança destacada pelo autor foi o crescimento das cidades (e o conseqüente aumento
populacional) e “a rígida distinção entre a vida urbana e vida rural”. Se durante a Renascença as
cidades eram sinônimo de civilidade das boas maneiras, do aprendizado, do gosto e da
sofisticação - e o campo era de rudeza e rusticidade, com o crescimento das cidades, problemas
tais como a poluição e a deterioração do ambiente urbano se tornaram evidentes, refletindo “o
desconforto gerado pelo progresso da civilização humana; e uma relutância a aceitar a realidade
urbana e industrial que caracterizava a vida moderna”(Thomas; 1988 p. 302).
60
Uma segunda indicação de mudança, destacada por Thomas, foi uma crescente reação das
pessoas contra o ininterrupto avanço das fronteiras agrícolas. O historiador explica que nos
séculos XVI e XVII os defensores da agricultura inglesa diziam que “as charnecas, montanhas e
pântanos não lavrados eram o símbolo vivo do que merece ser condenado”, que o solo limpo e
conquistado “às duras penas” era preferível à mata, aos arbustos e tufos; e que os parques de
cervo e as reservas florestais eram considerados um desperdício. Além disso, enquanto que uma
paisagem habitada e produtiva (ordenada segundo rígidos padrões formais de simetria,
regularidade e uniformização) era considerada bela, as vastidões incultas e incivilizadas eram
deploradas, como as montanhas “vistas como desprovidas de atrativos físicos” (Thomas; 1988
p. 302-303).
A exploração agrícola e seu aprimoramento eram considerados também como um
imperativo moral: Deus criara a terra “para que ela pudesse por meio do cultivo e da lavoura, dar
coisas necessárias à vida dos homens”. Desse ponto de vista “um terreno não cultivado era a
suma exata da natureza degenerada” (Thomas; 1988 p. 303). Contudo, em fins do século XVIII
os gostos mudaram radicalmente: as paisagens estéreis, agrestes, não cultivadas se tornaram fonte
de renovação espiritual para o homem; o apreço pela natureza se convertera num ato religioso
72
transformando a visão das montanhas, consideradas “deformidades”, para objeto de admiração
estética e atrativo de alpinistas; o jardim formal e metodicamente “separado”
73
cedeu lugar a um
estilo inglês de “jardinagem paisagística”, radicalmente informal, se opondo, assim, às paisagens
agrícolas
74
com seus cercamentos e divisões geométricas. Assim,
Nos países altamente cultivados, como a Inglaterra, onde a propriedade fundiária é toda
alinhada além de limitada e estremeada de muros e sebes, esforçamo-nos por dar a
nossos jardins (...) o encanto da variedade e da novidade, imitando o caráter rústico da
natureza em irregularidades estudadas. Caminhos sinuosos, matas íngremes, rochas
escarpadas, quedas d`água: tudo isso é visto como melhoramentos; e as majestosas
alamedas, os canais, os prados de nossos ancestrais, que permitiam a beleza do contraste,
em tempos mais rudes, hoje estão desacreditados. Esses gostos diferentes não são mero
72
Thomas explica que essa nova atitude religiosa frente à natureza selvagem surge quando o clérigo George
Hakewill refuta a tese de que a Terra degenerara desde a Criação e defendeu as montanhas por sua utilidade e
“agradável diversidade”, mostrando que a obra de Deus obedecia a um propósito.
73
De acordo com Thomas “esmero, simetria e padrões formais sempre foram a maneira caracteristicamente humana
de indicar a separação entre cultura e natureza” (Thomas; 1988 p.305).
74
O historiador explica que aqueles que precisavam “trabalhar arduamente para ganhar a vida” não adotaram uma
atitude mítica face às terras não cultivadas. A preferência pelas terras selvagens ou pelos “jardins paisagísticos”
exigia uma educação clássica, conhecimentos de história e etc. Havia diferenças sociais de percepção do espaço e as
classes educadas, por não estarem envolvidas nos processos agrícolas, contribuíram para essa nova percepção da
paisagem.
61
esforço do capricho (...) mas resultam da mudança das circunstâncias (Marsden, 1783
p.312)
75
.
Ainda que se tenha recorrido ao exemplo inglês (uma realidade diferente da brasileira),
num momento histórico específico (início do período moderno), o estudo de Thomas é
fundamental aqui para se compreender como o período moderno originou algumas das visões de
natureza ainda presentes hoje como, por exemplo, o fato de os produtores do Mato Grosso
perceberem o cerrado como “sujo” ou um “mato” e qualquer área que não for floresta, ou bela,
apto para a agricultura. O historiador afirma que ao mesmo tempo em que o período moderno
possibilitou significativo aumento do conforto, bem estar e felicidade material dos seres
humanos, também fez com que os mesmo humanos se dessem conta das explorações e maus
tratos para com outras formas de vida, que garantiram a dominação da espécie humana. O
conflito gerado entre as novas “sensibilidades” e os fundamentos materiais das sociedades
humanas é uma das contradições, segundo Thomas, sobre as quais se assenta a civilização
moderna.
As diversas visões de natureza (em diferentes sociedades e em momentos históricos
distintos) estão associadas a diferentes matrizes de valores culturais. Assim, os conflitos sobre o
que são as representações e as relações com a natureza seriam, na realidade, conflitos entre
distintos sistemas de valores (Florit, 2005). Destarte, os diferentes atores sociais estabelecem uma
distinta relação e uma prática com a natureza que pode variar, dependendo da representação, da
cosmologia que o grupo de indivíduos faz dela. No caso dos produtores de soja estudados pode se
compreender que a natureza é, para eles, algo externo ao ser humano e que tem que ser
dominado. A agricultura, considerada como um bem para a humanidade, é vista pelos produtores
como um meio indispensável para se substituir o “mato”, “feio” e “seco” que é o cerrado, pelo
“verde” da soja.
Quando perguntados qual seria a função da agricultura, tanto a fome quanto a questão
econômica foram ressaltadas pelos produtores, como se pode verificar através de algumas das
respostas expostas abaixo:
É a fome do mundo. Uma coisa que nós sempre fala é que um povo de barriga cheia
não briga. Agora pega um povo que não tem o que comer pra tu ver... Agricultura no
mundo, pra nós é importante isso: que um povo com fome briga... a coisa triste é você
ter fome ....você rouba, mata (Escariote).
75
Apud Keith Thomas, 1988.
62
agricultura como a alavanca principal do país, toda região aqui é agrícola... o estilo
de vida o sistema do povo é diferente... tem regiões por ai onde eu fui que são carentes,
com dificuldade de trabalho, uma serie de problemas. A agricultura hoje é a alavanca do
nosso país, então aquela intenção do Jonas Pinheiro eu avalio ela assim, todos os
estados que tem áreas produtivas, pode ver que o desempenho daqueles municípios que
arrecadação é onde sustenta outros municípios que não tem arrecadação. (o governo)
tem que tirar dos municípios que arrecada para ajudar os que não arrecada. (Alceu).
A função que ela tem é a de produção de alimentos a preços que satisfaçam o
consumidor, a qualidade que satisfaça o consumidor, e se tratar de uma commodity ela
tem um preço globalizado e que tem que remunerar os investidores que estão na
atividade, por se tratar de propriedades grandes, elas que alavancam toda a economia
agrícola. A agricultura de subsistência não traz resultados significativos nesse cenário.
A agricultura é muito positiva nesse sentido, e o agricultor tem que trabalhar muito,
hoje tem que muito eficiente, então a agricultura esta direcionada hoje a tecnologia de
ponta e eficiência (JP).
Convém ressaltar que apesar de utilizarem o argumento da necessidade da agricultura para
saciar a “fome do mundo”, apenas um dos produtores entrevistados disse consumir a soja nas
suas refeições. Além disso, ignoram o fato de que se realmente consomem a soja, esta estaria na
forma de proteína animal, que 85% do total da soja produzida no mundo é destinada a ração
animal.
A última questão que fiz aos produtores foi: “Em sua opinião a agricultura agride a
natureza?” Reproduzimos aqui a resposta de seu Alceu, de Sapezal:
Se for olhar no âmbito geral das aplicações dos insumos que hoje nós temos pra
agricultura que ela atinge um pouco a natureza ela atinge... não adianta tentar esconder.
Mas por isso é que se esta fazendo esse controle, hoje tem muito produto pra ser
usado na lavoura e que não tem um efeito tão agressivo quanto tinha. E preservando,
fazendo dentro dos limites que pode ser feito, não tem problema nenhum. Aqui na nossa
região não teve o problema que teve no sul de se contaminar os riachos, córregos, aqui é
tudo longe, a maioria não usa água de rios, quando usa é tanque especial pra água, e
não tem problema de contaminação nenhuma (Alceu).
De um modo geral, todos acreditavam que se fosse feita de modo correto a agricultura não
agrediria a natureza. Os modos considerados corretos de se fazer agricultura mais citados eram a
preservação das matas próximas às margens dos rios e o manuseio correto de embalagens dos
defensivos agrícolas.
Ao responderem essa pergunta, alguns produtores reafirmam sua crença de que o cerrado
não é considerado uma área que tem valor em si (apesar de ser um bioma endêmico na região),
que valesse ser preservado, sendo, ao contrário, visto como “seco” que devem ser “limpa” para se
63
praticar agricultura e expandir sua produtividade. Percebe-se na fala de seu Escariote, sua
representação do cerrado:
Tem uns que agride... mas se for feita certinha não, principalmente na nossa região, que
isso fique bem claro, porque o cerrado nessa época era tudo seco e tudo queimado (...).
Agora, tem região que sem planejamento agride mesmo, mais uma vez falo que falta
planejamento agrícola, planejamento é tudo. No Brasil se fala muito daquele dia em que
mataram a irmã Dorothy, demoraram pra matar...tem gente que estava que tinha um
pedacinho de terra desde que abriram a BR 163...se não fosse uma ONG, eu ate
concordava , se fosse trabalho de igreja...mas a igreja não chega tomando terra de
ninguém. (Mataram ela), pois ela estava tirando terra dos outros. (...) O amazonas
mesmo, onde se falam de grandes destruições, tudo bem onde se tem agricultura (destrói
um pouco), mas na região do amazonas tem muita região de cerrado que pode
servir sim (para produção) pode não... deve, agora a mata onde tem cinco, seis
metros acima do nível do mar aí vocês não vão mexer....
Essa representação social do cerrado demonstrada pelos produtores, principalmente como
uma área de potencial expansão agrícola, é notavelmente semelhante ao discurso presente no
livro anteriormente citado “Máfia Verde 2: Ambientalismo novo colonialismo”
76
. Uma passagem
do livro diz que:
De acordo com a Embrapa, os cerrados dispõem de 127 milhões de hectares de terras
agriculturáveis, das quais 61 milhões estão sendo utilizados, restando, portanto 66
milhões de hectares disponíveis para novos cultivos. (...) verifica-se que o Cerrado reúne
todas as condições necessárias para replicar no interior brasileiro o célebre “Cinturão
verde” dos EUA, tornando-se um pólo agropecuário industrial de expressão
internacional bem maior que a já demonstrada atualmente.
Se usássemos todos os 127 milhões de área de cerrado existente para agricultura, como
sugerem os autores do livro, não existiria mais cerrado, nem todo sistema ecológico que nele
vivem e dele dependem, além de outros atores sociais, tais como indígenas e população
tradicional, que nessa região residem.
Finalmente, voltando a minha última pergunta aos produtores se a agricultura agride ou
não a natureza é muito importante e esclarecedora a fala de um dos entrevistados que na sua
simplicidade respondeu:
Não, a agricultura é a salvação da natureza, porque tudo verde... tudo verde,
bonito...ajuda a natureza. Quanto oxigênio vai produzir?Agride coisa nenhuma, acho que
é a salvação da natureza. A gente tira esse cerrado velho todo seco, né? e, tudo verde,
bonito. Aí, daqui dezembro, janeiro fica todo verde, bonito...É uma natureza beleza...
(seu Ricardo).
76
Ver o item 4.2 do capítulo IV
64
Através da fala do seu Ricardo constatamos uma contradição. Ao mesmo tempo em que a
natureza e a cultura, na representação dos atores sociais entrevistados, são esferas distintas
sendo que a agricultura é vista como uma maneira de impor uma cultura ao que é incivilizado e
inculto, de “limpar uma área suja” –, a cultura torna-se uma extensão da natureza (do “verde”),
legitimando o padrão vigente de intervenção na natureza.
Assim, existiria uma visão dupla de natureza. A primeira é aquela que deve ser preservada
por ter alguma utilidade (áreas de beleza natural, de lazer e de produção). A outra não deveria ser
preservada por não possuir utilidade para o homem (nem estética), onde, portanto, se deveria
praticar agricultura. A transformação da natureza em cultura, desta vez, originaria uma natureza
ordenada, ligada a noção de utilidade e produtividade.
Essa concepção utilitária de natureza é expressa através de uma visão ambientalista,
compartilhada pelos produtores de soja do Mato Grosso, concretizada com o lançamento do
Instituto Ação Verde, a ser tratado no capítulo seguinte.
65
CAPÍTULO IV - Um Ecologismo dos ricos?
Neste capítulo trata, primeiramente, do Instituto Ação Verde lançado durante a Bienal dos
Negócios da Agricultura, em Cuiabá, por diversas organizações patronais do estado. Além disso,
analiso o discurso presente no livro “Mafia Verde 2: ambientalismo como novo colonialismo”,
foi distribuído pela FAMATO a alguns produtores do estado. Pode-se perceber semelhanças entre
os discursos dos produtores de soja entrevistados e o que é afirmado no livro, principalmente com
relação às representações da natureza.
4.1 - Instituto Ação Verde
77
Em janeiro de 2008 tive a oportunidade de conversar com o responsável técnico do
Instituto Ação Verde, o engenheiro florestal Paulo Borges, na sede da ONG na Federação das
Indústrias do estado de Mato Grosso (FIEMT).
Segundo o senhor Borges, a Ação Verde é o resultado da união de todo o setor produtivo
do estado de Mato Grosso, ou seja, da união de oito entidades produtivas do estado: a FIEMT
(Federação das Indústrias), a FAMATO (Federação agropecuária de Mato Grosso), a Aprosoja
(Associação dos produtores de soja), a AMPA (Associação mato-grossense dos produtores de
algodão), o Sindalcool (Sindicato das Indústrias Sucroalcooleiras de Mato Grosso), Sipem
(Sindicato dos produtores de madeira), Sincremat (Sindicato da Construção, Geração,
Transmissão e Distribuição de Energia Elétrica e Gás de Mato Grosso) e a Acrimat (Associação
dos criadores de Mato grosso). Cada instituição cedeu um membro para fazer parte da diretoria
da Ação Verde. Atualmente, o presidente da federação das Indústrias é o presidente da ONG, e
um dos diretores é o senhor Glauber Leite, que é o presidente da Aprosoja, as duas entidades
precursoras da ONG.
Tais entidades observam com muito cuidado seus respectivos produtos e o peso que o
estado de mato Grosso tem na produção de alimentos para o mundo. As associações produtivas
resolveram se unir ao notarem o surgimento de inúmeras barreiras internacionais contra os
produtos do estado. De acordo com Borges, essas barreiras, impostas principalmente pelos países
europeus, foram estabelecidas “com base em informações distorcidas principalmente por algumas
77
Organização não governamental lançada durante a Bienal da Agricultura, em agosto de 2007, em Cuiabá.
66
ONGs internacionais, de que tudo o que se é produzido aqui vem de uma fonte ambientalmente
incorreta. Que o gado que se produz aqui é oriundo de um desmatamento clandestino, que a soja
também, enfim...”. A criação do Instituto Ação Verde seria, assim, uma resposta, um contraponto
do setor produtivo do estado as ongs internacionais, pois, “já que existem ONGs internacionais
que vem aqui falar do que estamos fazendo de errado, vamos criar uma ONG para saber o que
estamos fazendo de bom, de certo”.
Conforme explicitado por Borges, o contraponto é realizado “com ações práticas, com
projetos, buscando nossa sustentabilidade e fazendo com que Mato Grosso torne-se um estado,
com o grande potencial que tem, um Estado que produza sim. A busca de tudo é pelo
desenvolvimento sustentável”.
Cada instituição constituinte está fazendo sua parte na ONG. A Aprosoja (Associação dos
produtores de soja do estado de Mato Grosso) lançou, segundo Borges, na última conferência das
Nações Unidas, em Bali (2007), o projeto “Soja mais Verde”.
O que é esse projeto? Está sendo feito um levantamento e se tem dados preliminares
de todas as propriedades dento do Mato Grosso que se produz soja. A situação atual de
cada propriedade dessa com relação ao passivo ambiental. Através disso, desse censo,
via imagem de satélite, vamos ter em mãos algo em torno de 50 mil hectares ou 50
milhões, acho que é 50 mil hectares de APP (área de preservação permanente)
degradadas dentro das áreas que se produzem soja. Então com o “Soja mais verde” o
objetivo final é fazer com que toda soja produzida dentro do estado de Mato Grosso seja
oriunda de áreas sem passivo ambiental, áreas que estejam de acordo com a legislação
ambiental vigente no estado, com relação principalmente as áreas de reserva legal, que
todas devem ter, e as APP (áreas de preservação permanente) que não podem ser de
forma alguma compensada, têm que ser recuperadas.
Além do Instituto Ação Verde e da Aprosoja, o projeto “Soja mais Verde” ainda está
sendo apoiado pela organização não governamental internacional The Nature Conservancy
(TNC) e pela ONG brasileira Instituto Centro Vida (ICV).
Conforme explica Borges, realizou-se uma avaliação e catalogação das Áreas de Proteção
Permanente degradadas (APP) dentro de propriedades agrícolas produtoras de soja da através da
SEMA (Secretaria Estadual de meio Ambiente) conjuntamente com uma empresa de consultoria
chamada Tecnomapas. Uma das conclusões é de que 30% das propriedades agrícolas do estado
estão licenciadas ou em processo de licenciamento.
Ao mencionar a necessidade de licenciamento ambiental de todas as propriedades
agrícolas do estado, Borges explica que a obrigatoriedade da licença ambiental foi conseqüência
67
de uma lei estadual que estabelece que todo imóvel rural dentro do estado do Mato Grosso,
independentemente de produzir soja, cana de açúcar ou de explorar madeira, precisa possuir a
licença.
O que é o licenciamento? È um inventário da sua propriedade... nós vamos levantar
através de carta imagem tudo o que encontra-se dentro da sua propriedade. Vamos supor
que eu tenha uma área de 1000 hectares na região norte do estado, que pelo
zoneamento está depois do paralelo13 e é considerado Amazônia Legal. Hoje a lei diz
que as áreas de floresta têm que ter 80 % de reserva legal e 20% apenas de produção. Eu,
proprietário dessa área planto soja em 400 hectares da minha área. Nessa minha área
correm alguns rios, alguns córregos e na hora em que eu contrato um profissional, um
engenheiro florestal para elaborar a minha LAU, ele pega as coordenadas geográficas da
minha propriedade, joga dentro de uma base imagem fornecida pelo INPE (Instituto
Nacional de pesquisas espaciais) atualizada, e essa imagem de satélite vai me passar
todo o retrato da minha propriedade... “Seu Paulo o senhor tem uma área de 1000 e
poderia derrubar 200ha, o senhor tem 400 abertos...então 200ha esta com problema.
Dentro da mata ciliar a área de preservação permanente (APP) que é em torno dos rios,
córregos, nascentes o senhor desmatou o senhor não protegeu... Então o senhor tem x
áreas de APP degradadas...
A partir do diagnóstico da propriedade rural realizado pelo engenheiro florestal o
proprietário tem que dar entrada na SEMA com um projeto de licenciamento, que somente se
concretizará se o proprietário se enquadrar na legislação. Aqueles que apresentaram
desmatamento além do permitido pela legislação têm que apresentar um PRADE (Projeto de
recuperação de área degradada). Segundo Borges é exatamente isso (PRADE) que os produtores
de soja vão fazer no projeto “Soja Mais Verde” em suas propriedades.
A recuperação pode ocorrer simplesmente com regeneração natural ou com plantio (que é
mais indicado para acelerar o processo de recuperação).
É interessante notar que existe um impasse no estado destacado pelo próprio Borges -
que pode ser elucidado no exemplo citado acima (dos hipotéticos 1000 hectares de propriedade
onde foram derrubados 200 a mais). Até o ano de 1999 se podia derrubar até 50% de uma área. A
mudança do código ambiental estadual depois de 1999 criou uma briga com aqueles proprietários
que alegam ter desmatado anteriormente à mudança da lei. Segundo Borges:
(...) “se eu derrubei depois disso (depois de 1999) existe duas formas de resolver o
problema. Ou eu planto em 200 hectares, coisa que ninguém faz (a minha área é
pequena...) ou então eu compenso essa reserva em uma outra área dentro da mesma
microbacia (uma região próxima com as mesmas características de vegetação). Essas
áreas podem ser dentro de unidades de conservação, que o estado demarca, e eu pago
para o estado, o valor que eles cobram por hectares, para ele me ceder 200 hectares dessa
unidade de conservação para eu compensar a minha área, ou eu posso comprar de um
68
particular que usa sua área para manejo, não derruba nada... Pode vender pra eu
compensar”
Ao falar do importante papel desempenhado pelo estado e do seu potencial para a
agricultura, Borges enfatiza que Mato Grosso “é um dos poucos estados que tem os três biomas
dentro dele, tanto pantanal, quanto cerrado como Amazônia”. Se dividirmos isso “42% dos
estado é de floresta amazônica, é considerado Amazônia legal, e os outros 52% é de cerrado e
pantanal”.
É interessante notar que apenas um produtor de soja entrevistado
78
reconhecia a existência
de floresta amazônica no estado, sendo a maioria a favor da retirada do Mato Grosso da
Amazônia Legal, alegando que o estado não possuía o bioma amazônico. Ao ter sua opinião
sobre a existência do bioma Amazônia no Mato Grosso comparada com a dos produtores
entrevistados Borges disse acreditar que a opinião dos agricultores não seria em função destes
quererem aumentar a área produzida, mas sim para tirar o foco mundial que existe em torno do
Mato Grosso por este fazer parte da Amazônia legal:
Eu fui engenheiro florestal e existe sim grande área de floresta. Mas o que acontece...
Onde colocaram o paralelo 13 ainda existe muita coisa de cerrado pra frente. O fato de
tirar MT da Amazônia legal é justamente uma forma de fazer com que o mundo fora
não enxergue o MT todo como sendo Amazônia. Este seria o objetivo, tirar o foco, não
que deixe fazermos o que queremos aqui.
(...) esta é uma opinião minha como profissional da área eu vejo e defendo esta tese de
que a idéia de tirar o MT da Amazônia legal é tirar esse foco todo, essa represália que
nós temos.
Pode-se analisar a criação do Instituto Ação Verde lançando mão do “novo espírito do
capitalismo” de Luc Boltansky. Segundo Boltansky, existe uma fórmula mínima para definir o
capitalismo: “la exigencia de acumulacion ilimitada de capital mediante medios formalmente
pacíficos”. O que caracterizaria o capitalismo, segundo o autor, seria a perpétua circulação do
capital dentro do circuito econômico com o objetivo de extrair benefícios, de incrementar o
capital que será, por sua vez, reinvestido.
Além disso, Boltansky (2002) acrescenta que a acumulação de capital não consiste em um
armazenamento de riquezas ou de objetos desejados por seu valor de uso, de sua função
ostentatória ou signos de poder. Para o autor, as formas concretas de riqueza (tais como a
78
Sete produtores não reconheceram e um se absteve pois a pergunta se referia ao projeto do Senador Jonas Pinheiro
para a retirada do Mato Grosso da Amazônia Legal com a justificativa deste estado não possuir o bioma Amazônia.
69
imobiliária, moeda, etc.) não são de interesse em si e podem ser, por sua falta de liquidez, um
obstáculo para o principal objetivo do capital a transformação permanente do capital “en
produccion, la produccion en dinero y el dinero en nuevas inversiones”.
Citando Fernand Braudel, Boltansky(2002) distingue o capitalismo da economia de
mercado. Se por um lado, a economia de mercado foi se constituindo passo a passo e é anterior a
norma de acumulação ilimitada do capitalismo (Braudel, 1979)
79
, por outro lado,
La acumulacion capitalista solo se pliega a la regulacion del mercado cuando se le
cierran los caminos mas directos para la obtencion de beneficios, de tal forma que el
reconocimiento de las cualidades beneficiosas del mercado y la aceptacion de las reglas
y las obligaciones de las que depende su funcionamiento “armonioso” (libre
intercambio, prohibicion de las alianzas y de los monopolios, etc.) pueden ser
considerados como uma forma de autolimitacion del capitalismo(Braudel, 1979 apud
Boltansky, 2002 p. 263).
Apesar da definição de capitalismo abarcar uma enorme quantidade de atores sociais que
poderiam ser classificados como “capitalistas”, na introdução de “El nuevo espírito del
capitalismo” Boltansky explica que a definição utilizada engloba como “capitalistas” os
principais atores sociais responsáveis pela acumulação e pelo crescimento de capital, isto é,
aqueles que pressionam diretamente as empresas para que obtenham o máximo de benefícios.
Sendo assim um número muito reduzidos de atores
Reagrupan no solamente a los grandes accionistas, personas particulares que por su
propio peso son susceptibles de influir en la marcha de los negocios, sino también a las
personas morales (representadas por algunos indivíduos influyentes, ante todo, los
directores de empresa) que detentan o controlan mediante su acción la mayor parte del
capital mundial (holdings y multinacionales –incluidas las bancarias– a través de filiales
y participaciones, o fondos de inversión, fondos de pensiones). Las figuras de los
grandes patrones, de los directores asalariados de las grandes empresas, de los gestores
de fondos o de los grandes inversores en acciones, detentan una influencia evidente
sobre el proceso capitalista, sobre las prácticas de las empresas y las tasas de beneficios
extraídas, a diferencia de lo que ocurre con los peque˜nos inversores evocados más
arriba. A pesar de que constituya una población atravesada a su vez por grandes
desigualdades patrimoniales –partiendo siempre, no obstante, de una situación favorable
en general–, este grupo merece recibir el nombre de capitalistas en la medida en que
asume como propia la exigência de maximización de los beneficios, que a su vez es
trasladada a las personas, físicas o morales, sobre las que ejercen un poder de control
(p.5-6).
79
Fernand Braudel, 1979, “Les jeux de l’echange” p.263 apud Luc Boltansky.
70
De acordo com Boltansky (2002) o capitalismo se apresenta em muitos aspectos como um
sistema absurdo. Se por um lado, os trabalhadores assalariados perdem a propriedade sobre os
resultados do seu trabalho (trabalho alienado), por outro lado, os capitalistas se encontram em um
processo sem fim e insaciável de acumulação que é totalmente dissociado da satisfação das
necessidades de consumo (ainda que sejam consumos de luxo). Diante do absurdo do sistema,
esclarece o autor, para aderirem ele, os dois atores sociais citados acima precisam de certa
justificativa, que não se apresenta apenas através dos argumentos a favor dos benefícios
individuais da participação nos processos capitalistas, mas também se mostra através das
vantagens coletivas ou o “bem comum”. Essa justificativa, essa ideologia (podendo ser razões
morais, retomando Weber) que justifica o compromisso com o capitalismo é chamada por
Boltansky de “espírito do capitalismo”. Assim:
Si el capitalismo no solo ha sobrevivido –contra todos los pronosticos de quienes habýan
anunciado regularmente su hundimiento–, sino que tampoco ha dejado de extender su
imperio, se debe a que ha podido apoyarse en um cierto numero de representaciones
susceptibles de guiar la accion– y de justificaciones compartidas, que han hecho de ´el
un orden aceptable e incluso deseable, el ´unico posible o, al menos, el mejor de los
´ordenes posibles. Estas justificaciones deben apoyarse en argumentos lo
suficientemente robustos como para ser aceptados como evidentes por un n´umero lo
suficientemente grande de gente, de manera que pueda contenerse o superarse la
desesperanza o el nihilismo que el orden capitalista no deja de inspirar igualmente, no s
´olo entre quienes oprime, sino tambi´en, a veces, entre quienes tienen la tarea de
mantenerlo y, a trav´es de la educaci´on, transmitir sus valores.(pag 13)
Portanto, para Boltanky o “espírito do capitalismo é precisamente
Este conjunto de creencias asociadas al orden capitalista que contribuyen a justificar
dicho orden y a mantener, legitimandolos, los modos de acción y las disposiciones que
soncoherentes con el. Estas justificaciones –ya sean generales o pr´acticas, locales o
globales, expresadas en t´erminos de virtud o en t´erminos de justicia– posibilitan el
cumplimiento de tareas mas o menos penosas y, de forma mas general, la adhesion a un
estilo de vida favorable al orden capitalista (pag 13)
No seu estudo sobre o espírito do capitalismo, Boltansky se desprende dos componentes
weberianos que explicam o espírito do capitalismo em termos de ethos, de vocação, para abordá-
lo dentro de distintos momentos da evolução “de los modos de organización de las empresas y de
los procesos de extracción del beneficio capitalista”. Assim, o autor integra dentro de um mesmo
marco teórico, distintas formas históricas do espírito do capitalismo e sua transformação ao longo
71
do tempo, verificando como o capital adota uma determinada existência harmônica com sua
exigência de acumulação que possibilita que um grande número de atores sociais acredite que
valha a pena vivê-lo. Por outro lado, para recorrer às variações históricas do espírito capitalista
Boltansky permanece fiel ao conceito weberiano dos tipos ideais que lhe permitem sistematizar e
destacar as características específicas de uma época, as variações e as características estáveis do
capitalismo.
Segundo Boltansky (2002), o capitalismo enquanto um modo de coordenação das ações e
modo de vida, só pode ser entendido se tivermos em conta as ideologias que ao justificá-lo
também o conferem um sentido, contribuindo para gerar uma “boa vontade” naqueles que exerce
influência e garantir sua adesão ao sistema.
Uma das justificativas de maior importância destacada por Boltansky, a primeira delas, é a
Ciência econômica. Para o autor, seguindo L. Dumont (1977), o surgimento da ciência
econômica, seja a economia clássica ou o marxismo, contribuiu para o surgimento de uma
representação do mundo totalmente nova em relação do pensamento tradicional merecendo
destaque pelo autor “la separación radical de los aspectos económicos del tejido social y su
constitución como ambito autônomo”(Dumont, 1977 p.15). Segundo Boltansky essa concepção
contribuiu enormemente para a crença de que a economia constitui uma esfera autônoma,
independente da ideologia e da moral que
Obedece a leyes positivas, dejando de lado el hecho de que semejante convicción es el
resultado de un trabajo ideológico que sólo ha podido ser llevado a cabo tras incorporar
justificaciones, parcialmente recubiertas después por el discurso científico, según las
cuales las leyes positivas de la economia estarían al servicio del bien común
(Boltansky,2002, p15).
A idéia de que a busca pelo interesse individual contribui para o interesse geral, segundo o
autor,tem sido um construída ao longo de toda a história da economia clássica. O autor acrescenta
que a dissociação entre a moral e a economia, e a incorporação pela economia de uma moral
baseada no cálculo da utilidade, deram uma garantia moral às atividades econômicas pelo fato de
serem lucrativas. Portanto, a incorporação do utilitarismo pela ciência econômica tem permitido
que se assuma como “natural” que “todo lo que es beneficioso para el individuo lo es también
para la sociedad. Y por analogía, todo lo que engendre beneficios (y sirva, por lo tanto, al
capitalismo) sirve también a la sociedad (Heilbroner opud Boltansky, 1986,p. 95). Esta
72
perspectiva salienta Boltansky, permite que o crescimento da riqueza seja considerado como um
critério de bem comum, ou seja, permite sustentar a idéia de que o crescimento global de riqueza
(não importando o beneficiário) seja determinante para o bem comum
(...) De lo cual da fe todos los días el hecho de presentar la salud de las empresas de un
país medida por sus tasas de beneficio, su nivel de actividad y de crecimiento– como
un criterio de medida del bienestar social. Este inmenso trabajo social llevado a cabo
para instaurar el progreso material individual como un –si no el– criterio del bienestar
social, ha permitido al capitalismo adquirir una legitimidad sin precedentes,logrando
legitimar al mismo tiempo sus objetivos y su motor(Boltansky, 2002 p.17).
Além disso, para Boltansky a ciência econômica com seus trabalhos também tem
sustentado a crença de que entre duas organizações econômicas diferentes, ambas orientadas para
o bem estar material, sempre serão mais eficazes as organizações capitalistas, pois a liberdade da
empresa e a propriedade privada dos meios de produção introduzem no sistema a possibilidade de
“competência”. Assim, como bem explicita o autor la privatizacíon y la mercantilizacíon
máxima de todos los servicios son, de este modo, vistas socialmente como las mejores
soluciones, ya que reducen el despilfarro de recursos y obligan a anticiparse a lo que esperan los
clientes”(p.18).
Um terceiro ponto destacado pelo autor como um dos três pilares de justificação centrais
do capitalismo (progresso material, eficácia e eficiência na satisfação das necessidades) está o
que justifica o capitalismo como um modo de organização favorável ao exercício das liberdades
econômicas e compatível com regimes políticos liberais, ou seja, “a referência aos poderes
liberadores do capitalismo e à liberdade política como um efeito colateral da liberdade
econômica”.
Os três pilares do capitalismo referidos acima estão vinculados ao que o autor chama de
espírito do capitalismo, entretanto, por causa do caráter geral e estável estes elementos não
bastam para obter o compromisso das pessoas nas situações concretas da vida e na vida do
trabalho. As expressões do espírito do capitalismo destacadas por Boltansky, devem ser
suficientemente consistentes e detalhadas para sensibilizar (sem coação) aqueles a quem se
dirige, de aproximar sua experiência moral da vida cotidiana e propor modelos de ação em que
estes possam se apoiar. O autor afirma que o discurso da gestão empresarial, discurso que
pretende ser ao mesmo tempo formal e histórico, global y situado, que mezcla preceptos
73
generales y ejemplos paradigmáticos” pode ser considerado hoje a forma por excelência “en la
que el espíritu del capitalismo se materializa y se comparte”.
De maneira bastante esquemática Boltansky (2002) descreve dois tipos de espírito do
capitalismo que ocorreram ao longo da história. O primeiro tipo descrito pelo autor ocorre no
final do século XIX e tem como figura principal o burguês empreendedor e os valores burgueses.
Merece destaque as figuras do empreendedor, do “capitão de indústria”, do conquistador voltado
para o jogo, a especulação o risco e a inovação. Enquanto num nível mais geral esta fase a
“aventura capitalista” significa a liberação - espacial e geográfica possibilitada pelo
desenvolvimento dos meios de comunicação e o avanço do trabalho assalariado que por sua vez
permitiram a emancipação e jovens das comunidades locais, do submetimento à terra e à família.
Ao mesmo tempo, a figura do burguês e da moral burguesa fazem com que apareçam os
elementos de segurança social, graças a sua “disposições econômicas inovadoras - avaricia,
espíritu de ahorro, tendencia a racionalizar la vida cotidiana en todos sus aspectos, desarrollo de
las capacidades necesarias para la contabilidad, el cálculo y la previsión” - e ainda disposições
domesticas tradicionais tais como a importância da família, da linhagem, do patrimônio, da
castidade das filhas para evitar uniões desfavoráveis e a depilação do capital, além do caráter
familiar ou patriarcal nas relações com os empregados, relações de subordinação de tipo
paternalista. As justificativas relativas ao bem comum usadas por este primeiro tipo de espírito do
capitalismo não tem a ver com o liberalismo econômico de mercado, mais sim com a crença no
progresso, no futuro, na ciência da técnica e as vantagens da indústria “un utilitarismo vulgar
que pretendía justificar los sacrificios que exigía el avance del progreso”. Finalmente, para o
autor este primeiro espírito era
Esta amalgama de disposiciones y valores muy diferentes e incluso incompatibles –sed
de beneficios y moralismo, avaricia y caridad, cientificismo y tradicionalismo familiar
(...), explica lo que será denunciado más unánime y duraderamente en el espíritu
burgués: su hipocresía(Boltansky,2002 p.24).
O segundo tipo de espírito do capitalismo descrito por Boltansky se desenvolve entre as
décadas de 1930 a 1960 e nesse caso a ênfase é dada não no indivíduo, mas na organização e sua
caracterização gira em torno do desenvolvimento da grande empresa industrial centralizada e
burocratizada, sendo assim, a figura central e heróica deste segundo tipo é a do diretor (aquele
que diferentemente do acionista que busca aumentar sua riqueza pessoal, apresenta a vontade
de fazer crescer sem limites a empresa que tem a seu cargo). O crescimento da empresa
74
estimulado pelo diretor pode se tornar uma realidade com a produção em massa de mercadorias,
produção de larga escala, naestandarización dos produtos, na organização racional do trabalho
e nas novas técnicas de extensão dos mercados (marketing). Além disso, nesta versão, a
segurança é garantida pela fé na racionalidade e pelo próprio gigantismo das organizações que, de
certa forma, se tornam ambiente protetores oferecendo oportunidades para se fazer carreira, mas
também interferindo na vida cotidiana. Neste segundo tipo, “o bem comum” é assegurado através
do ideal de ordem industrial (“encarnado por los ingenieros”), a crença no progresso, na ciência
e técnica, na produtividade e eficácia e também através de um “ideal cívico”, na medida em que
“hace hincapié la solidaridad institucional, la socialización de la producción, de la distribución
y del consumo, así como en la colaboración entre las grandes firmas y del Estado en una
perspectiva de justicia social”.
Assim, enquanto o primeiro tipo de espírito do capitalismo tem como figura central o
burguês, e as relações entre os patrões e empregados eram de tipo familiar, o destino e futuro da
empresa estavam diretamente relacionados com a família; o segundo espírito se organiza em
torno da figura central do diretor (dirigente assalariado) e dos quadros das empresas, estando
ligado a um capital de grandes empresas. Boltansky destaca ainda o que poderia ser um “terceiro”
espírito do capitalismo “debería ser isomorfo a un capitalismo mundializado” que se sirve de
nuevas tecnologias”.
O espírito do capitalismo precisa incorporar outras estratégias, além das herdadas da
teoria econômica, que dêem conta, que possuem o poder de mobilizar o próprio processo de
acumulação de capital. Entretanto, por não possuir em si mesmo estes recursos ou estratégias de
mobilização, o capital incorpora determinadas ideologias presentes no contexto cultural do
período em que se desenvolve – mesmo aquelas ideologias hostis a ele.
De acordo com Boltanski, “o espírito que, em um momento determinado da história,
possibilita o processo de acumulação está impregnado por produções culturais contemporâneas a
ele, mas que foram desenvolvidas, na maioria dos casos, com objetivos totalmente alheios a
justificação do capitalismo”. Assim, acrescenta Boltanski, o capitalismo necessitando justificação
“mobiliza algo ‘que já esta aí’, algo cuja legitimidade já se encontra garantida e que passará a dar
um novo sentido, associando-o a exigência de acumulação de capital” (Boltanski, 2006:27).
Assim, o Instituto Ação Verde pode ser compreendido como o resultado de um “novo
espírito capitalista”. A valorização da natureza, das atitudes, dos produtos e empresas sócio-
75
ambientalmente responsáveis foi o “algo que está aí”, legitimado socialmente, e que serve para
garantir a acumulação de capital. Nesse sentido, enquanto alguns elementos do discurso
ambientalista são apropriados para a preservação dos próprios interesses dos produtores, outros
são desqualificados sob diferentes pretextos, como veremos a seguir.
4.2 O ambientalismo como um colonialismo: uma ideologia anticivilizatória e
antinatural?
Alguns dos produtores de soja entrevistados, ao responderem os questionamentos
relacionando agricultura e natureza, apresentaram um discurso em relação ao meio ambiente que
poderíamos chamar de conservador.
Segundo Carrasco et all (2006), o ambientalismo e seu discurso de proteção da natureza
contra a as atividades humanas se tornou um dos fatores de uma “crise civilizatória” em curso.
Ao considerar o ser humano apenas como mais uma das espécies da biosfera “o rebaixa ao nível
dos demais seres vivos e lhe nega qualquer primazia de um papel protagonista no presente estágio
da evolução universal”, e transforma o meio ambiente em uma entidade de direito próprio,
condicionando “o progresso e o bem estar das comunidades humanas a um conjunto de requisitos
para a proteção do mesmo, geralmente definidos com escasso rigor científico, quando deveria
dar-se o contrário”. A tese central da agenda ambientalista, que é “biocêntrica”, seria
A falaciosa, cientificamente insustentável e moralmente inaceitável idéia (...) de que as
limitações de recursos naturais e da “capacidade de suporte” do planeta impediriam a
plena extensão dos benefícios da sociedade industrial a todos os povos e países do
mundo (Carrasco et al.;2006 p.23).
Os autores citados recorrem às grandes religiões monoteístas (judaico-cristã) e à
própria ciência, para afirmar que o paradigma ambientalista “induzido” contraria tais preceitos
éticos e morais e que, portanto, seria uma “ideologia obscurantista, anticivilizatória e
ironicamente, antinatural” (Carrasco et al.;2006 p.23).
De acordo com os autores de Máfia Verde 2, desde o livro do Gêneses do Velho
Testamento, as religiões judaico-cristãs, especialmente a igreja de Roma, tem contribuído para
situar o “primado” das leis naturais nas relações entre o homem e a natureza. Assim, temos a
constituição pastoral Gaudium et spes (Alegria e esperança), aprovada no Concílio Vaticano II
76
(1967) que enfatiza que o homem “irredutível... a uma simples parcela de natureza” é a “única
criatura sobre a terra a ser querida por Deus por si mesma” (Carrasco et al.;2006 p.26-27).
É interessante acrescentar aqui que essa visão religiosa do propósito da natureza
apresentada pelos autores citados são as mesmas que o historiador Keith Thomas descreve em
seu livro como dominantes na Inglaterra nos períodos Tudor e Stuart: o mundo fora criado para o
bem homem; e a tarefa dele era “encher a terra e submetê-la” (Gênesis I)
80
: derrubar matas,
lavrar o solo, eliminar predadores, matar insetos nocivos, arrancar fetos, drenar pântanos”. A
agricultura “convertia natureza em cultura. Terra não cultivada significava homens incultos”
(Thomas, 1988 p. 22).
Assim, o ideal ambientalista teria como objetivo uma tentativa de ressacralização da
natureza - e “dessacralização do ser humano” retornando ao conceito panteísta pré-cristão de
que Deus es em todas as coisas, ou à heresia de Pelágio (século IV) segundo a qual a natureza
seria suficiente para a salvação do homem” (Carrasco et al.;2006 p.26-27).
De acordo com Carrasco um dos autores do livro “Máfia Verde 2 ambientalismo: Novo
Colonialismo” (2005) o movimento ambientalista não seria um “fenômeno espontâneo”, de maior
conscientização da população a respeito dos problemas ambientais, mas “trata-se de um engendro
ideológico e político especifica e habilmente planejado, criado e mantido por poderosos grupos
hegemônicos internacionalistas, com o propósito de conter a expansão dos benefícios da
sociedade industrial tecnológica a todos os povos e países do planeta e manter o processo de
desenvolvimento sob seu controle” (Carrasco et al.;2006 p.11).
Segundo os autores do livro, a motivação para a criação do movimento ambientalista foi o
impulso desenvolvimentista cuja palavra de ordem era a industrialização - que ocorreu nas
primeiras décadas posteriores à Segunda Guerra mundial, projeto oriundo das políticas do New
Deal, de Franklin Roosevelt.
Os autores afirmam que em meados da década de 60, quando ocorriam intensos avanços
científico-tecnológicos, tais como a Revolução Verde, “os centros de poder da oligarquia anglo-
80
Gênesis Cap.I 26-31 : E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e domine
sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo réptil que se move
{ou roja} sobre a terra. E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; macho e fêmea os criou.
E Deus os abençoou e Deus lhes disse: Frutificai, e multiplicai-vos, e enchei a terra, e sujeitai-a; e dominai sobre
os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre todo o animal que se move sobre a terra. E disse Deus: Eis
que vos tenho dado toda erva que dá semente e que está sobre a face de toda a terra e toda árvore em que fruto de
árvore que semente; ser-vos-ão para mantimento. E a todo animal da terra, e a toda ave dos céus, e a todo réptil
da terra, em que alma vivente, toda a erva verde lhes será para mantimento. E assim foi. E viu Deus tudo quanto
tinha feito, e eis que era muito bom; e foi a tarde e a manhã: o dia sexto
77
americana” se prepararam para reorientar as tendências globais de acordo com seus interesses,
revertendo à tendência ao progresso (...) e recriando um sistema colonialista sob nova roupagem”.
O movimento ambientalista teria sido, portanto, criado pelos “engenheiros sociais” do
Establishment oligárquico para “impor a falaciosa idéia da impossibilidade física de todos os
países do mundo de desfrutar elevados níveis de desenvolvimento e justiça social
81
(Carrasco et
al.;2006 p.12-13).
Destaca-se o fato de que o “colonialismo ambientalista” não pôde ser imposto pela força
física, mas foi internalizado ideologicamente pelos indivíduos, sendo, portanto “mais eficiente
que o modelo tradicional que força os indivíduos subjugados a organizar-se contra os
interesses da própria nação, bastando ao novo poder colonial difundir e canalizar os conceitos e
crenças que alimentam as mentes colonizadas” (Carrasco et al.;2006 p.13).
A grande primeira vítima do ambientalismo, segundo os autores, foi o DDT, “um dos
mais versáteis, eficientes e baratos pesticidas inventados” (Carrasco et al.;2006 p.13-14), que
evitou a morte de milhares de pessoas por malária ou febre amarela ao ser introduzido em
campanhas de saúde pública. Outra forma de atuação do Establishment” foi a criação de uma
série de instituições (tais como IPCC – Painel Intergovernamental sobre Mudanças climáticas das
Nações Unidas e o Protocolo de Kyoto) para transmitir ao mundo um “consenso científico” a
respeito de questões decididas por interesses políticos e econômicos tais como inibir a
expansão do consumo mundial de energia (petróleo, gás natural e carvão), e promover “a grande
negociata do mercado de créditos de carbono que oferece aos países subdesenvolvidos a
oportunidade de faturar uma certa quantidade de dólares, em troca de evitar os investimentos em
geração de energia e desenvolvimento”. O colonialismo ressaltado pelos autores estaria no fato
dos países ganharem “esmolas ambientais para não se desenvolver”.
Conforme explicam os autores do livro, os poderes oligárquicos, principalmente os anglo-
americanos
82
criaram e fomentaram uma quantidade enorme de ONGs atuantes em vários países
(como o Brasil) como “um verdadeiro exército irregular de intervenção”. Além disso,
argumentam que a “estratégia” usada por essas organizações ambientalistas - indigenistas
81
É interessante observar que “progresso” e “desenvolvimento” para os autores citados pode ser equivalente a
avanços científicos que levam a um desenvolvimento econômico. Entretanto, aumento de PIB ou geração de riqueza
de um país não necessariamente quer dizer distribuição da riqueza, ou maior equidade social.
82
Para os autores são famílias e Fundações do Establishment oligárquico” que estão por trás desse movimento. Um
exemplo citado no livro é intrigante, pois trata de um escândalo envolvendo o Banco Opportunity, do banqueiro
Daniel Dantas (recentemente preso numa grande operação da Polícia Federal), e suas supostas ligações (e a de outros
bancos) com a WWF-Brasil.
78
internacionais podem ser chamadas de umaguerra de quarta geração”, na medida em que atuam
em países “em que o Estado nacional sofre o fustigamento de agentes não estatais, que podem ou
não estar a serviço de potências estrangeiras”. Assim:
Os propósitos dessa nova forma de colonialismo são os mesmos de antes: o controle das
fontes de recursos naturais estratégicos, como minerais, fontes de energia e alimentos, e
o bloqueio do crescimento populacional e do desenvolvimento dos povos submetidos ao
processo, impedindo-os de competir pelo uso de seus próprios recursos naturais
limitados, dentro do conceito malthusiano de escassez, que está na raiz do
ambientalismo (Carrasco et al.; 2006 p.16).
Umas das maneiras de se atingir tais objetivos colonialistas seria, por exemplo, o
estabelecimento de grandes reservas naturais ou indígenas que muitas vezes impossibilitam tanto
a exploração dos recursos ali existentes quanto à implementação de projetos de infra-estrutura
importantes. Dessa forma, ainda que essas reservas pertençam formalmente ao Estado nacional
onde se situam, “na prática, seu destino fica atrelado a desígnios exógenos de entidades
supranacionais” (Carrasco et al.; 2006 p.16).
Assim, em lugar de tropas de ocupação, de manutenção onerosa e politicamente
insustentável, os velhos centros coloniais passaram a mobilizar uma série de “forças
irregulares”, como fundações e ONGs engajadas em causas tornadas populares, como o
planejamento familiar (disfarce para o controle demográfico), proteção ambiental,
direitos humanos, direitos dos indígenas (...), promoção da “democracia”, combate à
corrupção (...). Em vez de militares, um exército de aguerridos militantes, tanto
profissionais quanto voluntários que encontram um sucedâneo para as disputas
ideológicas da Guerra Fria ou estão majoritariamente convencidos de estarem a serviço
de causas de grande relevância para a sociedade (Carrasco et al.; 2006 p.17).
Outra maneira desse mesmo processo, afirmam os autores, é o controle dos setores
produtivos, por exemplo, os “selos verdes” “dispositivos que condicionam o comércio
internacional de uma série de produtos a fatores ambientais determinados e supervisionados por
entidades privadas geralmente ligadas a ONGs internacionais. Salientam ainda que no Brasil, “a
investida ambientalista-indigenista tem se transformado em um dos principais entraves para um
número crescente de empreendimentos e atividades produtivas atingindo os mais diversos
setores” (Carrasco et al.; 2006 p.21). Alguns setores atingidos e destacados pelos autores: a IRSA
(Infra-estrutura Regional Sul-americana) um ambicioso e crucial” programa de infra-estrutura
para a integração física da América do Sul; ações que se concentram para a criação no “corredor
Cerrado - Amazônia”, ou seja, de um “arco de reservas” impedindo o avanço da fronteira agrícola
79
e projetos de infra-estrutura na região; a indústria madeireira; os organismos geneticamente
modificados ou transgênicos.
Com relação à ponte cerrado - Amazônia os autores esclarecem que o Cerrado tem
sofrido uma transformação tecnológica nas últimas quatro décadas que fez com áreas “inóspitas”
e “inadequadas a agricultura moderna” se tornassem um potencial celeiro do mundo” (Carrasco
et al.;2006 p.113). Uma das culturas destacadas pelos autores com alto potencial é a soja.
Enquanto o cerrado e as áreas de transição de floresta amazônica vivem um período de
expansão e progresso, os autores afirmam que o mesmo não ocorre com a região Amazônica, que
ainda necessita de um “processo de desenvolvimento” moderno que a integre ao resto do país.
Esse desenvolvimento se baseará “na exploração científica dos seus enormes potenciais de
recursos biológicos, minerais e energéticos (...) (Carrasco et al.; 2006 p.114). Conforme
enfatizam os autores do citado livro, “o desenvolvimento dessas regiões não responde somente às
necessidades de progresso do Brasil ou mesmo da América do Sul, mas a um requisito
civilizatório para toda a humanidade (...)” (Carrasco et al.; 2006 p. 114).
O grande potencial agrícola do Cerrado brasileiro (ver página 57, capítulo III) é muito
ressaltado, podendo ultrapassar o potencial americano de produção de alimentos. Os autores
chegam a comparar o avanço da fronteira e do seu “processo civilizatório” no Cerrado e a
conquista do Oeste norte-americano
83
pois ambos teriam em comum
Uma forte expansão econômica gerada pela produção agropecuária baseada na utilização
de altas técnicas produtivas. Este processo, por sua vez, enseja a construção de novas
cidades com altos padrões de qualidade de vida, que, num ciclo virtuoso, acabam por
atrair novos contingentes de migrantes para a região
84
(Carrasco et al.;2006 p.116).
Segundo os autores, o Departamento de Agricultura dos EUA possui relatórios sobre o
grande potencial do Cerrado brasileiro e dessa forma, encaram a região como uma potencial
ameaça aos grãos produzidos naquele país, “principalmente se o Brasil conseguir viabilizar o
transporte barato entre as áreas de produção e os portos”. Um desses relatórios, intitulado Brasil:
Subestimado o potencial de expansão agrícola futura, estima que o Brasil poderia aumentar sua
área cultivada em 170 milhões de hectares(maior que a cultivada nos EUA), incluindo a
conversão de 40-50% de áreas de pastagens (177 milhões de hectares) em plantações de grãos e
83
Ver capítulo 2.
84
Conforme explicitado no Capitulo 2 enquanto a abundância de terras nos Estados Unidos propiciou a criação de
uma sociedade mais democrática, no Brasil tal abundância fez aumentar as desigualdades sociais, a concentração
fundiária, o monopólio da terra, etc.
80
soja, e ainda trata as novas variedades de soja desenvolvidas pela Embrapa (e as transgênicas)
como verdadeiras “mudanças revolucionárias” . Entretanto, o relatório também destaca eventuais
problemas que poderiam reduzir tal potencial agrícola: a paralisação da implantação de obras de
infra-estrutura por todo o país (especialmente no Cerrado), e “o surgimento de novas leis
ambientais que aumentam as áreas de preservação” (Carrasco et al.;2006 p.116).
Esse processo civilizatório “que deve ter o homem, e não a natureza, como prioridade”
tem sido atrapalhado pelo “aparato ambientalista”. Uma das estratégias utilizadas pelas ONGs,
segundo Carrasco et all, é
Confundir a ocorrência da floresta tropical úmida com os limites geográficos da
instituição jurídica denominada Amazônia Legal, que inclui os estados do Amazonas,
Roraima, Pará, Amapá, Rondônia, Mato Grosso, Tocantins e parte do Maranhão,
cobrindo uma área de 5,2 milhões de quilômetros quadrados, cerca de 61% do território
brasileiro. Ocorre que a floresta tropical úmida da Amazônia -confundida com a
Amazônia Legal em numerosos estudos pseudo científicos ainda mantém cerca de
90% da sua cobertura vegetal primitiva e apresenta grandes áreas de savanas, sem falar
nas igualmente significativas e férteis regiões das várgeas ribeirinhas, que podem e
devem ser utilizadas para a produção de alimentos”
85
(Carrasco et al.;2006 p.121).
Um dos estudos “pseudocientíficos” destacado no livro foi o chamado “Avança Brasil: os
custos ambientais da Amazônia”, escrito em 2000, de autoria de uma coalização de ONGs:
Instituto Socioambiental (ISA), Woods Hole Research Center (WHRC) dos EUA e sua filial
brasileira Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM). De acordo com os autores de
Mafia Verde 2, esse estudo, assim como inúmeros outros desse tipo citados, tinha como objetivo
central paralisar os grandes projetos de infra-estrutura do Cerrado - Amazônia tais como a
pavimentação de 4000 km de estradas - a Rodovia Cuiabá-Santarém (BR 163), o trecho da
Transamazônica entre Marabá e Rurópolis (BR – 230), a Humaitá-Manaus (BR- 319) e a Manaus
- Boa Vista (BR-174) que acarretaria, contrariamente à opinião de Carrasco et all, um “vasto
desmatamento da região”.
Na “ofensiva vede”, desempenhando um papel fundamental, juntamente com as ONGs,
estaria também a imprensa - principalmente a anglo americana” que tem feito ecoar
internacionalmente “os relatos ecoapocalípticos sobre o Brasil”. Conforme afirmam os autores,
85
É interessante lembrar através desse discurso, utilizado pelos autores do livro, uma grande semelhança com as
respostas e argumentos dos produtores de soja entrevistados (capítulo III) quando questionados se concordavam ou
não com a proposta do senador Jonas Pinheiro de retirada do Mato Grosso da Amazônia Legal.
81
nos últimos anos a expansão da fronteira agrícola na região dos cerrados e nas áreas de transição
para a floresta Amazônica tem sido alvo da mídia internacional.
Algumas das reportagens citadas no livro destacam o crescente desmatamento no estado
de Mato Grosso devido a expansão da cultura da soja. Umas delas foi um artigo publicado no
jornal norte americano The New York Times, em 17 de setembro de 2003, intitulado “Plantações
de soja cortam fundo a floresta Amazônica”
86
, que atacava o governador Blairo Maggi “por
defender a soja como um motor para o crescimento e desenvolvimento da Amazônia” e por
querer “quase triplicar a área plantada de soja, nos próximos dez anos, no Mato Grosso”. Na
opinião dos autores de Máfia Verde 2, além do artigo ter uma “linguagem arrogante que
caracteriza os porta vozes dos grupos hegemônicos internacionais” (utilizada pelo autor do artigo,
o jornalista Larry Rohter), o momento de sua publicação deve ser analisado no contexto da
reunião da OMC (Organização Mundial do Comércio), no México, onde o Brasil em conjunto
com outros 20 países se opôs as políticas de subsídios agrícolas dos Estados Unidos e da União
Européia. Enfatizam ainda que o governador Blairo Maggi afirmou em resposta ao artigo que o
havia interpretado como um “reflexo da concorrência” entre os produtores norte americanos e os
brasileiros: “Eles têm de usar desses recursos para frear a produção do Brasil, que é o maior
exportador mundial de soja e será o maior produtor”
87
(Carrasco et al.;2006 p.125).
Outro artigo destacado como exemplo da “ofensiva midiática” (e que usou o governador
Blairo Maggi como um “bode expiatório”) foi publicado na primeira página do jornal inglês The
Independent, em 20/05/2005, com o título “O estupro da floresta...o homem por detrás disso”.
Esse artigo teria sido uma resposta à divulgação pelo INPE (Instituto brasileiro de pesquisas
espaciais), dos dados (2003-2004) sobre o aumento de desmatamento em maio daquele ano, que
representava um aumento de 6,23% em relação ao período anterior, e na época
88
, o segundo
maior índice registrado desde o primeiro monitoramento, em 1988.
Ainda com relação aos dados sobre o desmatamento divulgados vários outros jornais
internacionais se manifestaram. A BBC Brasil, por exemplo, lamentou que apesar dos altos
índices de desmatamento a prioridade do governo continue a ser “o asfaltamento da rodovia que
corta a Amazônia” (BR-163) com a justificativa de que a melhora da estrada “facilitará o
escoamento da soja produzida no Mato Grosso, o principal produtor do cereal que impulsionou o
86
Reportagem retirada do livro “Mafia verde 2: o ambientalismo como um novo colonialismo”
87
O Estado de São Paulo, 22/09/2003 apud Carrasco et al 2006.
88
Desde então Mato Grosso tem acumulado os maiores índices de desmatamento do país.
82
Brasil a se tornar um dos maiores exportadores e produtores mundiais de soja”. Dizem ainda que
a estrada, no Mato Grosso, corta essencialmente fazendas, sendo muito mais fácil ver vacas do
que macacos-aranha de cara branca ou capivaras”. A respeito desse artigo Carrasco et all enfatiza
que com todo o apreço pelos macacos aranha e capivaras, a conclusão de uma artéria de tal
importância para o desenvolvimento da região não pode ficar condicionada por considerações
ideológicas – ou zoológicas” (Carrasco et al.;2006 p.129).
Por último destacam o editorial do indefectível” The New York Times, do dia
31/05/2005, “Amazônia em risco” que mais uma vez coloca na posição de “Judas ambiental” o
governador-sojicultor Maggi. No artigo o jornal incita o governo Lula a se convencer e convencer
“à oligarquia agrícola de seu país de que a floresta tropical não é uma commodity para ser
explorada para o benefício privado” e que a solução para o problema ambiental estaria nas
agências multilaterais de empréstimo que poderiam “condicionar futuros investimentos a práticas
ambientais corretas” e na contínua pressão pública das organizações ambientalistas. Lamentando,
Carrasco et al. afirma a respeito desse artigo que “para o NYT, assim como para a grande maioria
dos iludidos pelo discurso verde, o crescimento econômico não pode estar acima da
intocabilidade das matas, dos macacos-aranha e das capivaras. Tanto pior para o ser humano”
(Carrasco et al.;2006 p.129).
É interessante notar que apesar dos autores do livro em questão classificarem inúmeros
estudos, que chamam a atenção para o grande avanço da fronteira agrícola na região do cerrado e
da Amazônia e o conseqüente aumento do desmatamento nessa região, de pseudocientíficos (tais
como relatórios elaborados por ONGs citados no livro, os dados divulgados pelo INPE, etc.), os
autores do livro Máfia Verde 2 recorrem a “estudos científicos” para sustentarem a sua opinião de
que não há uma relação direta entre a expansão da cultura da soja e o desmatamento.
Assim, de acordo com um estudo divulgado em 2005 pelo “insuspeito” IPEA (Instituto de
Pesquisas Econômicas Aplicadas), o rápido crescimento da cultura da soja não se dava à custa do
desmatamento do Cerrado e da região Amazônica, pois segundo o estudo, a expansão da soja se
daria em áreas de “pastagens degradadas”, anteriormente abertas e que “tendem a ser muito
bem situadas do ponto de vista logístico”, e não em áreas virgens onde não havia infra-estrutura
necessária para tal cultivo. Conforme afirmou Gervásio Castro de Rezende, um dos autores do
estudo, “É fácil demonizar a soja, mas três anos não seriam suficientes para todo esse protesto de
83
desmatamento. Isso é ignorância”
89
. O pesquisador acrescentou que a pesquisa não excluiu a
possibilidade de uso de áreas virgens, mas que em “escala modesta”, não justifica o forte
crescimento da soja. Ainda segundo Rezende, o avanço da soja tem ocorrido principalmente no
“nortão do Mato Grosso”, (área de atuação de muitas das ONGs tratadas por Carrasco et all),
região que teria começado a ser desmatada desde a década de 70, com objetivo do governo
militar de ocupar a região, e que agora ocorre “uma simbiose entre lavoura e pecuária”. Com
relação à crença de que a expansão da soja contribuiria para a destruição da floresta amazônica
Rezende diz que
É com base nesse receio que tem havido tanta resistência contra as melhorias de infra-
estrutura de acesso a áreas envolvendo a floresta amazônica e outras regiões sensíveis do
ponto de vista ambiental. (...) É uma grande ilusão achar que, ao não se asfaltar a
BR-163 está se preservando a floresta amazônica... Ao se procurar impedir o
asfaltamento da BR-163, devido ao receio da expansão da soja, tudo o que se está
conseguindo é, de fato, continuar viabilizando o atual uso predatório da terra
90
, deixando
de valer-se, essa política ambiental, de um importante aliado (Carrasco et al.; 2006
p.131-132).
Finalmente, como pode-se constatar através da análise de algumas das idéias presentes no
livro Máfia Verde 2, os autores defendem arduamente a necessidade do progresso e
desenvolvimento” de todos os países, e este é visto como uma estágio “natural” no processo
evolutivo da humanidade (tal desenvolvimento se daria através do crescimento da economia).
Além disso, a crença (que, pode-se dizer, é compartilhada pelos produtores de soja
entrevistados no Mato Grosso) de que por trás das ONGs ambientalistas e dos seus propósitos de
defender nossas florestas da “destruição”, um interesse protecionista dos países ricos. Diante
disso, todas as atitudes para a proteção do meio ambiente, vindo dessas organizações e dos seus
“estudos científicos”, são desacreditadas e explicadas como defesa de interesses econômicos
internacionais.
89
Gazeta Mercantil, dia 8/03/2005. Retirado do livro Máfia Verde 2.
90
Para o pesquisador agricultura predatória seria a “agricultura itinerante em pequena escala e na base do fogo, de
baixo nível tecnológico, extração predatória de madeira e pastagens de baixa produtividade”.
84
85
Considerações Finais
Pretendo aqui apresentar algumas considerações finais a respeito da presente pesquisa. Não
tenho a intenção de apresentar uma conclusão final, que acredito que a presente pesquisa pode
ser continuada e aprofundada em diferentes direções, mas sim quis introduzir alguns
apontamentos que puderam ser obtidos com o andamento da pesquisa.
Primeiramente, pudemos verificar que a expansão da fronteira agrícola no Mato Grosso,
especialmente a da soja, vem crescendo rapidamente nos últimos anos, e que, acompanhando esse
crescimento tem se observado, através de estudos de órgãos oficiais como o INPE e o IBGE e de
ONGs, um crescimento do desmatamento na região do cerrado e da floresta amazônica.
Através das entrevistas realizadas e das informações retiradas de pesquisas (IBGE) e de
artigos em revistas e jornais notou-se que no Mato Grosso a agricultura da soja é realizada,
mesmo por pequenos agricultores (300 ou 350 hectares), através do uso de tecnologia de ponta,
mecanização, insumos e todos os demais recursos externos necessários para ampliar a
produtividade.
Pudemos contatar através de Marx e de toda uma discussão traçada em torno da utilização da
agricultura capitalista e da expansão das fronteiras, no capítulo II, que a agricultura moderna
foi amplamente criticada, principalmente por sua característica destruidora do solo. O
crescimento dessa “agricultura moderna” no Mato Grosso, mesmo a altos custos ambientais, é
justificado pelos produtores, pelo Estado e por simpatizantes defensores (ver capítulo IV) por
causa da sua contribuição para o crescimento econômico e para o desenvolvimento do país ao
contribuir para o aumento do PIB, devido às exportações, e com relação aos municípios em
questão, aumentando o IDH e a qualidade de vida da população. Entretanto, os atores sociais
envolvidos possuem um ideal de crescimento econômico concentrado, ou seja, que não leva à
distribuição, ou redistribuição da riqueza e da renda.
Através de Keith Thomas (1988) e seu amplo estudo das percepções de natureza na Inglaterra
do início do período moderno, e de outros autores citados, pode-se notar que ao longo do tempo
as representações sociais ou os “sentimentos” do homem com relação à natureza e aos seres do
mundo Natural vão se transformando. Com relação às representações sociais de natureza obtidas
através das entrevistas dos produtores de soja no Mato Grosso pode-se verificar que os atores
sociais envolvidos percebem o bioma cerrado como um “mato”, de árvores “retorcidas”, um lugar
86
esteticamente feio e, portanto não digno de ser preservado. Dessa forma, a agricultura no cerrado
que “abre o mato”, “limpa o mato”, é considerada por eles como uma atividade que beneficia a
sociedade, ou conforme afirmou Boltansky, contribui para “bem comum”.
Assim, as áreas destinadas a serem preservadas devem ser aquelas onde as arvores são
grandes e bonitas ou florestas, como na região Amazônica, região que, para aos produtores, não
faz parte do Mato Grosso. Constata-se que a relação estabelecida entre a natureza e sua
preservação (ou destruição) e um modo de se praticar a agricultura está diretamente relacionada
com a percepção social que tais atores sociais possuem da natureza em que vivem se ela é feia
não é válida a preservação.
Pode-se observar que em resposta aos questionamentos de organizações nacionais e
internacionais sobre a razão do desmatamento no estado, todo o setor produtivo mato-grossense
se uniu e fundou uma ONG - chamada Instituto Ação Verde - tratado no primeiro item do
capítulo IV. A organização é responsável por ações no sentido de “mostrar ao mundo” o que o
“setor produtivo” do estado es fazendo pela natureza e, para amenizar o desmatamento, como
por exemplo, a recuperação de margens de rios. A lógica de produção não é questionada, mas
continuada pelos setores por ela responsáveis. Assim como verificado através de Boltansky, o
capitalismo sempre encontra formas socialmente ou culturalmente criadas e legitimadas (algumas
vezes, como neste caso, que é das organizações ambientalistas, criadas “contra” ele) para a
continuação do seu eterno processo de acumulação. Ele não cria, ele se apropria de algo já criado.
O Instituto Ação Verde pode, assim, ser compreendido sob a luz desse pensamento de Boltansky.
A agricultura moderna adotada como modelo de agricultura, no Mato Grosso, e a
representação social de natureza apresentada pelos produtores pesquisados - ambos contribuindo
para o desmedido aumento no desmatamento no estado - são corroborados e legitimados por um
“novo” tipo de discurso que poderia ser chamado de anti-ambientalista. O discurso em questão,
abordado no capítulo IV
91
, está presente no livro “Mafia Verde 2: ambientalismo como novo
colonialismo”. O discurso apresentado no livro nos chama a atenção por ser um tipo de ideologia
em que o homem aparece claramente separado da natureza, até mesmo opondo-se a ela, para
dominá-la.
91
Os itens do capítulo IV que trataram diretamente do discurso apresentado no livro não esgotam a interessante
discussão que futuramente poderá ser abordada em torno do livro referido. Tratamos apenas de questões relacionadas
a presente pesquisa, tais como: o ambientalismo, agricultura e soja no Mato Grosso. O livro possui capítulos que
abordam outras questões (tais como as reservas indigenistas, biotecnologia, infra-estrutura) sempre sob a perspectiva
da ação de uma suposta “Mafia Verde”.
87
Segundo Carlos Walter Porto Gonçalves (2006) nem sempre a natureza foi representada
dessa maneira como é nas sociedades modernas e contemporâneas, ou seja, dicotomizada e
externa ao homem, pois para os pensadores gregos pré-socráticos, que criaram o conceito de
physis, a natureza não se opõe “ao psíquico, ao anímico, ao espiritual”, mas é a
Totalidade do que se é. Ela pode ser apreendida em tudo o que acontece: na aurora, no
crescimento das plantas, no nascimento de animais e homens (...) à physis pertencem o
céu e a terra, a pedra, a planta, o animal e o homem, o acontecer humano como obra do
homem e dos deuses e, sobretudo, pertencem à physis os próprios deuses. (...) Vale dizer
que na base do conceito physis não está nossa experiência da natureza, pois a physis
possibilita ao homem uma experiência totalmente outra que não a que temos face à
natureza. Assim a physis compreende a totalidade daquilo que é; além dela nada que
possa merecer a investigação humana
92
(Bornheim, G.; 1985 apud Gonçalves; 2006
p.29-31)
Conforme explica Gonçalves (2006), a idéia atual que temos de natureza começa a se
afirmar com Platão e Aristóteles que passam a desprivilegiar “as pedras e animais” e a privilegiar
“as idéias e os homens”, iniciando um processo de mudança do conceito da physis, de natureza,
que foi acompanhado pela desqualificação dos pensadores anteriores, cujo pensamento passa a
ser qualificado como “mítico e não filosófico”. Uma segunda influência destacada por Gonçalves
como influenciadora do atual conceito de natureza foi a doutrina judaico- cristã (como bem
podemos ter notado no discurso apresentado no Capítulo IV) ao dar grande dimensão à oposição
homem-natureza e espírito-matéria um Deus (em oposição aos vários deuses pré-socráticos)
onipresente e onipotente cria o homem a sua imagem e semelhança. Esta criação o homem
passa a ter o privilégio sobre todas as demais criaturas.
A oposição homem-natureza e espírito-matéria se completa, segundo Gonçalves (2006)
com Descartes tornando-se central no pensamento moderno: o conhecimento adquire um aspecto
cada vez mais pragmático (e utilitarista), e assim, a natureza passa a ser vista como um recurso; o
homem passa a ser visto como o centro do mundo, “sujeito em oposição ao objeto, à natureza”.
Esse homem “instrumentalizado” pela ciência “pode penetrar os mistérios da natureza e, assim
torna-se senhor e possuidor na natureza” (Gonçalves; 2006 p. 33).
Finalmente, Gonçalves nos atenta para o fato que a idéia de uma natureza objetiva e
exterior ao homem, que pressupõe uma idéia de homem não-natural e fora da natureza, cristaliza-
se com a civilização industrial inaugurada pelo capitalismo”, pois encontra nesse cenário a
conjuntura ideal para o desenvolvimento prático da filosofia pragmática cartesiana: o homem
92
Bornheim, G.(1985) Os filósofos Pré-Socráticos. São Paulo: Cultrix opud Gonçalves, 2006.
88
como “senhor e possuidor” do mundo e capacitado pela técnica (ciência) a dominar a natureza (e
outros homens).
Voltando ao pensamento tratado no capítulo IV, pode-se, em certa medida, chamá-lo de
um discurso evolucionista, pois pressupõe a existência de uma linha de desenvolvimento/
evolução para o homem e a necessidade desse desenvolvimento. Dentro dessa perspectiva, o que
não corresponde a esse desenvolvimento é visto como “primitivo”. Além disso, tal discurso é
cartesiano, na medida em que acredita em um sistema científico por meio do qual se dará o
desenvolvimento, sendo que os homens conseguirão se desenvolver se dominarem a natureza
(através da técnica).
Contata-se também que a agricultura sempre causou e sempre vai causar alguma
transformação na terra, na natureza. O que tem que ser destacado é o fato de que com a moderna
agricultura capitalista e seus recursos tecnológicos, a instrumentalização e a transformação da
terra e da natureza alcançaram sua radicalização, podendo ocasionar modificações irreversíveis.
A cultura da soja, produto que no mercado mundial se tornou uma importante commodity,
reforça a estratégia do capital do uso de diversos recursos tecnológicos e “modernos” para o
aumento da produtividade, além da perpétua extensão da área produzida. O resultado disso é o
aumento significativo das áreas desmatadas no Mato Grosso.
Assim como afirma Martins, a ocupação territorial no Brasil atual é, para os ricos, um
“território da conquista”, ou seja, ela se faz “em nome da propriedade privada, da relevância
econômica da propriedade fundiária como fonte de renda territorial e como instrumento para
obtenção de incentivos fiscais e subsídios públicos” (Martins, 2006). Tal afirmação pode ser
considerada verdadeira no Mato Grosso ao avaliarmos a crescente expansão da fronteira agrícola
para uma nova área “a ser conquistada” e através dos contínuos incentivos do Estado, mesmo à
custa do desmatamento. Associado a isso temos ainda no Mato Grosso, contribuindo
significativamente para a intensificação e agravamento do desmatamento no estado, a
representação social que os produtores de soja possuem da natureza.
Tendo em vista que o fortalecimento do discurso apresentado pelos produtores de soja
poderia legitimar um aumento da devastação ambiental e a desqualificar a atuação de grupos
ambientalistas, a presente dissertação teve como propósito investigar tal discurso e suas
repercussões práticas, assim como, a lógica, as contradições e as motivações que o fundamentam.
89
Espera-se com isso proporcionar mais elementos para futuras análises e suscitar novas reflexões
acerca dessa importante temática.
90
ANEXOS
Anexo I - Roteiro das Entrevistas
1- Perfis e Trajetórias
a) nome
b) estrutura familiar
c) região de origem
d) Exercia alguma produção rural anterior? Se sim, que tipo de cultivo? Onde?
e) Rede de relações (banco, produtores, associações).
2 - Lugar e Produção
a) Porque a escolha do MT como lugar de cultivo e pelo produto cultivado (soja)?
b)Quando começou a cultivar a terra estava preparada ou teve muito trabalho no
preparo? Que tipo de mão de obra utilizou nesse momento?
c) Uso de tecnologias. Quais as tecnologias adotadas?O que motivou a escolha destas
e não de outras?
d) Quais os custos de produção?
e)Relação com Estado. Você está satisfeito com as ações do Estado para o setor?
f) Motivo de ter entrado para política e sua relação com a agricultura.
g) Porque escolheu a agricultura e não a indústria?
h) Você se considera um pioneiro?
3- A natureza
a)Vocês já tiveram problemas com ambientalistas? Quais?
b) Existe um projeto no senado, proposto pelo Senador Jonas Pinheiro, para retirar
Mato Grosso da Amazônia Legal. Você acha o projeto consistente? Concorda com ele?
c) Que implicações práticas a retirada do Mato Grosso da Amazônia Legal teria?
d) Que tipos de solo ou ecossistema você considera mais férteis e próprios para a
agricultura?
91
e) Que tipo de semente você utiliza e considera mais adequada ao plantio?
f) Existe uma hierarquia de ecossistemas? Se sim, quais são mais dignos de se
preservar e quais não?
g) Qual é a função da agricultura?
h) O que acha do artigo 5º(parágrafo XXIII) da Constituição Federal que define a
função social da propriedade rural?
92
Anexo II
Entrevistas: José Puppin (20/07/2007).
2- Perfil e Trajetórias
“Meu nome é José Puppin minha empresa agrícola é uma empresa familiar sou eu o
detentor.
Minha região de origem é Maringá, Paraná. Minha formação é a de engenheiro
industrial, cursei em São Paulo e vim pro MT, chegando aqui em 1981 embora com um
histórico em Maringá onde toquei propriedades agrícolas junto com meus pais, antes exercia
atividade de engenharia em São Paulo. Trabalhei, bati cartão uma história muito bonita e
envolvente que eu tenho muito orgulho.
Exerci então, como acabei de relatar essa atividade no Paraná, e que lá o cultivo era de
soja, cultivo de café, cultivo de menta, hortelã, e nas regiões circunvizinhas de Maringá,
Itambé, Campo mourão, Guaraçu, e hoje é considerado referencial nesses segmentos. Além
de soja, eu exerci a pecuária no Paraná iniciando, e aqui no MT em seguida, onde eu
trabalhando com muito desafio, porque é uma atividade desafiante mesmo, e será elevada
se nós mudarmos a sistemática, que é uma raridade no MT, mas que estamos mudando este
cenário como vou relatar adiante nos itens que estão assim enumerados.
A filiação que eu possuo. Tem uma cooperativa que sou sócio, e que me dedico
intensamente– a Cooperfibra – localizada em Campo verde, e também temos a Cooperbio que
agora vai produzir o biodiesel e a entidade que nos cobertura.. no segmento ... a AMPA
que todos os produtores do algodão estão assim filiados e que significa associação mato-
grossense de produtores de algodão e, aliado a ela está o Instituto Algodão Social, que sou o
presidente e que tem a finalidade de dar cobertura, orientação, dar normativas, ensinamentos
e todo suporte necessário para que o agricultor, o empreendedor tenha um suporte e um
entendimento das normativas do ministério do trabalho e envolvendo, nessa segunda etapa os
ensinamentos básicos do meio ambiente e onde vai dar o selo “algodão social” às atividades
que assim procederam corretamente com as orientações”.
93
2- Produção
“Mato Grosso na época de 1981 que vim pra cá, após uma peregrinação nos EUA. Antes
de me casar, era engenheiro industrial trabalhei em São Paulo e fui para os Estados Unidos onde
me estruturei nas minhas diferenças e nos meus questionamentos sobre a agricultura e vi um
cenário muito positivo das grandes propriedades em destaque o milho e a soja. Me dediquei a
soja pra essa região, região vasta, que foi minha referência, e não ao milho, pois se tratava de
uma commodity que não tinha seu valor significativo aqui na região, e o transporte já era oneroso
na época(milho).
Quando cheguei aqui na região encontrei a propriedade aberta, uma propriedade que
tinha começado, uma propriedade de 8.500 hectares, que já estava plantando 2.000.
Pessoal da região, pessoal ribeirinhos, cuiabanos, como os natos assim dizem, não havia
nessa localidade, não havia... Regiões aonde eu tive conhecimento haver essa população elas
foram remanejadas, saíram dessas atividades, vieram para a cidade onde os familiares estavam.
tinham uma vida sub humana com a pecuária muito rudimentar... não cortavam a grama
correta, e sim jogavam o cerrado...e a limpeza, pra conservar o gado, colocavam fogo, sistema
muito arcaico e que não sobreviviam a esses parâmetros e critérios de produtividade. Na minha
vinda pra cá essas áreas já haviam sido ocupadas pelos meus antecessores.
Quando vim pra se a terra estava preparada e se tive muito trabalho? Sim,
realmente... tudo aqui no Mato Grosso foi muito difícil muito oneroso, a estrutura para os
empreendedores era muito precária, quer seja na mão de obra, quer seja nos maquinários,
oficina...e tudo foi conseguido com muito trabalho, dedicação, muito suor, e a razão dos meus 33
anos, que eu cheguei aqui (idade de Cristo) e hoje eu com 57 anos dedicados intensamente a essa
atividade.
Eu só consegui meus êxitos graças ao meu pai falecido 2 meses, a minha determinação
em vencer esses propósitos e a ajuda da minha esposa que me deu suporte.
Uso de tecnologias. O Uso de tecnologias é um fato consumado na nossa atividade, que
a gente consegue sobreviver se usar tecnologia, por se tratar de uma commodity, que é
globalizada, é regida pelos mercados internacionais, e para você estar inserido neste mercado
você tem que estar com tecnologia de ponta, e assim terá condições de competir com nossos
94
amigos americanos, os argentinos e de outras localidades, caso contrário pereceremos
seguramente”.
Custo de produção. “Hoje é muito complicado. Os custos de produção praticamente
estão empatando... nossos níveis estão empatando pra trabalhar, entende, se você tiver um deslize
seu número fica negativo. Trabalhando bem... como nos tivemos uma ferrugem, um fungo, teve
um impacto significativo nas nossas contas, finanças....o custo da soja se elevou
significativamente comprometendo nossa produtividade e logicamente o custo de produção.
Anteriormente estávamos mais confortáveis, hoje temos que ser muito bons para nos empatarmos
nesses desafios. Esperamos as pesquisas que falam pra mim sobre uma nova variedade que pode
nos dar uma margem, uma segurança nesses custos.”
Relação com estado. “Sim, o estado poderia fazer muito mais pra nós, nossa logística
atual esta altamente comprometedora, pois nossos produtos são relevantes. Reconheçamos o
esforço que nosso governador Blairo esta fazendo, mas o conjunto esta prejudicando muito
produtor. Por mais criativo que ele, seja o Estado poderia favorecer e dar mais subsídios para que
o lucro seja inserido nesse processo do produtor”.
Organismos do Estado. “Para nós produtores o que tem nos auxiliado... são nossas
associações de classe, a Famato que é um poder representativo, nos representa com grande
significado; a associação dos produtores de algodão, a Associação dos produtores de soja, são os
que tem falado e nos dado suporte nesses nossos questionamentos de preço, incentivo, enfim,
nesse conjunto todo, porque outros órgãos não estão favorecendo o grande produtor. E
lógicamente como o cenário é estruturado no grande produtor, os menores são menos ainda, ou
seja, não há clima para que isso aconteça... favorável aos pequenos também”.
Pergunta: Então você não se sente representado por nenhum órgão do governo,
nenhum ministério?
JP: “Nenhum ministério. Todos esses ministérios eles são assim... não sei...dão um a
imagem negativa para o grande empreendedor...da um sensação que nós incomodamos o
desenvolvimento do MT e o desenvolvimento do Brasil.
entendimento talvez também até que o grande produtor do MT seja um problema para
o Estado, embora provocamos situações de serviço social, envolvimento, tudo para que isso seja
fortalecido... e ficamos até triste porque nos entregamos ao processo produtivo e queremos que
95
todos sejam ganhadores...quer sejam os trabalhadores, quer seja o Estado, todo o conjunto. Que
se assim for, todos nós seremos grandes”.
Porque a agricultura e não a indústria?
JP: “Eu tenho formação em engenharia industrial, conhecedor da indústria, sei suas
limitações. Tenho formação na agricultura, meus pais foram agricultores fui criado dentro da
fazenda. Na época falavam sítio...minha mãe muito trabalhadora, criava galinhas...até hoje tem
essa tradição. Então, meu berço é a agricultura, a gente tem uma afinidade, a gente adora, a gente
gosta, a gente vibra com aquela planta crescendo, e na hora da colheita. Até hoje os ensinamentos
que eu prego aos meus comandados, a orientação, pois eu sou responsável por todas as ações que
ali acontecem, é que a contemplação daquela planta que é o desafio que eu tenho com a fundação
no MT que esta dando uma assessoria numa fazenda em Jacyara...
È uma mensagem que eu assino, pronuncio, e que é referencial...eu quero contemplar, eu
quero ver, quero entender essa planta...porque que ela produziu pouco, porque ela produziu
muito, eu quero entender. E isso é tão gratificante, tão enobrecedor, que contagia todos que estão
no processo”.
Pioneiro. “Não digo que sou pioneiro. Eu sou trabalhador nato nesses processos
desafiantes. Tudo o que é um desafio nós temos que ser enobrecido. Todos os desafios são
trampolins para nossa eficiência. O desafio quando você tem ele em mente esse trampolim, você
busca a eficiência e vira um guerreiro, um batalhador”.
O MT hoje esta numa mudança significativa no que era para as novas realidades, então
todos os meus colegas são pioneiros...
Novas Fronteiras. A pecuária é um dos grandes desafios que esta pra acontecer
porque esta mudando de mão. Esta mudando para o agricultor. Então ele tem toda a sistemática
de ração, de proteína, e outro desafio que é a rotação de cultura nas suas atividades. E a pecuária
é um modelo econômico que se encaixa perfeitamente.
O algodão, por exemplo. Você tira a pluma e fica o caroço. Esse caroço, num processo
que está inserido no nosso segmento, se prensa - faz a prensagem - e retira-se o óleo.
Tecnologias modernas retorno significativo em torno de 15% e esse óleo será transferido para um
a indústria que recém implantamos que será inaugurada em outubro Coperbio que será onde
96
faremos o biodiesel usaremos em nossas máquinas.Teremos nesse processo produtivo o
combustível que hoje esta muito caro, em torno de um dólar.
Esse desafio da pecuária o produtor irá constituir o frigorífico... e vender o produto pronto
para a comunidade européia, sem intermediação. E nós com o algodão, os resíduos da soja (etc.)
tudo isso será transformado em proteína vegetal, em proteína animal e será direcionado ao
mercado consumidor europeu logicamente certificado... a procedência desse animal, então vamos
ter um diferencial significativo”.
3- Agricultura e natureza
a)Vocês já tiveram problemas com ambientalistas? Quais?
“Sim, todo mato-grossense teve problema com ambientalista, se não teve problema
não é mato-grossense”.
b) Existe um projeto no Senado, proposto pelo Senador Jonas Pinheiro, para
retirar o Mato Grosso da Amazônia Legal. Você acha o projeto consistente? Concorda
com ele?
Sim é uma realidade, nos praticamente não estamos na Amazônia isto é um
entendimento segundo os ambientalistas. Eu concordo plenamente com o senador e dei votos
para que isso acontecesse. Nós estamos mais alinhados com Goiás, com Mato Grosso do sul, com
a Bahia, que são nossas realidades.”
c) Que implicações práticas a retirada do Mato Grosso da Amazônia Legal teria?
“Nada implicaria...”
d) Que tipos de solo ou ecossistema você considera mais férteis e próprios para a
agricultura?
“Os solos mais apropriados à agricultura são os solos argilosos, (...) a razão de que
eles são abertos numa primeira instância, num primeiro momento, ficando os arenosos para
uma segunda fase, a valorização da terra. È sabido que esses solos arenosos tem uma boa
utilização para a pecuária embora tenha que ser muito bem o preparado e sofre limitações na
época de seca”.
e) Que tipo de semente você utiliza e considera mais adequada ao plantio?
97
“Hoje plantamos alguma coisa de semente transgênica de soja, o algodão ainda é
muito fraco em transgenia, e plantamos as sementes normais que são variedades tem boa
produtividade, boa performance, um resultado positivo”.
f) Existe uma hierarquia de ecossistemas? Se sim, quais são mais dignos de se
preservar e quais não?
“Sim, os ecossistemas que deveríamos proteger são aqueles que não cultivamos para a
agricultura, não está apto para esse fim. No caso aqui do MT o que deveria ser respeitado
seria o Pantanal, um lugar muito prazeroso, bonito, gratificante, tem uma fauna e uma flora
bem adequada. E as montanhas essa parte que não tem utilidade prática de mecanização, tem
que ser conservadas”.
g) Qual é a função da agricultura?
A função que ela tem é a de produção de alimentos a preços que satisfaçam o
consumidor, a qualidade que satisfaça o consumidor, e se tratar de uma commodity ela tem
um preço globalizado e que tem que remunerar os investidores que estão na atividade, por se
tratar de propriedades grandes, elas que alavancam toda a economia agrícola. A agricultura de
subsistência não traz resultados significativos nesse cenário.
A agricultura é muito positiva nesse sentido, e o agricultor tem que trabalhar muito,
hoje tem que muito eficiente, então a agricultura esta direcionada hoje a tecnologia de ponta e
eficiência.
h) O que entende por uma agricultura moderna?
È uma agricultura como acabei de relatar. Uma agricultura de alta eficiência nos
moldes que se trata máquinas modernas, profissionais competentes, sementes de qualidade,
transgenia que é uma pratica que devemos adotar, seguir, introduzir com maior brevidade...já
estamos com atraso em relações a nossos amigos de outras localidades os argentinos,
americanos, europeus, indianos, chineses ...devemos trazer com brevidade essa prática da
transgenia e deixar as picuinhas e certas reservas para traz.E, além disso, os herbicidas, toda
essa tecnologia é bem vinda e devemos abraçar.
i) Em sua opinião a agricultura “agride” a natureza? Pode justificar a resposta?
Ela agride a natureza se não for tratada nos moldes econômicos respeitando as
limitações que são impostas. Você trabalhando dentro dos parâmetros, ela é uma agricultura
98
sadia, saudável. E que seria bem vinda a biotecnologia que daria resultados significativos a
nossa propriedade, os defensivos seriam diminuídos significativamente”.
j) O que acha do artigo 5º(parágrafo XXIII) da Constituição Federal que define a
função social da propriedade rural?
“Uma realidade.Toda propriedade rural, toda indústria, toda propriedade ela é sócio
econômica, isso só nãoquem não quiser ver. Ela tem a função social, mas ela não é social.
Ela é socioeconômica porque quem esta quer ganhar dinheiro. Quem é que vai pagar?o
governo? a Igreja? não vai pagar, não tem significativo nenhum função social... não existe...
ela é socioeconômica...porque ela tem que trazer resultados pra depositar o fundo de garantia,
para pagar salário do funcionário, tem que remunerar o investidor, o banco que financiou que
acreditou nessa atividade...então ela é socioeconômica”.
Entrevista com Seu Giovane - Campo Verde (14/08/2007).
1-Perfis e Trajetórias
“Eu sou nascido em Minas, criado em Goiás e vim pro MT pra estudar, daí minha
família ficou por aqui mesmo. A minha família é tradicional do meio rural, em Minas é assim.
Tivemos esta tradição na nossa criação.
Lá era totalmente diferente, Eram pequenas áreas. Agricultura de subsistência.
Eu escolhi a soja porque foi à cultura que entrou primeiro no cerrado, né?Entrou em
larga escala no estado. Talvez nem tanto por opção mais por necessidade de momento da
economia e de mercado.
2 - Lugar e Produção
Custos. Na soja se tem mais ou menos uns 40% dos custos, uns 20% de insumos e o
restante ficaria em mão de obra, colheita...
Eu planto 300 hectares, mas de soja mesmo 120 hectares. O resto é de algodão.”
Tecnologias. Plantio Direto, e plantio com plantadeiras, colheitas mecanizadas, que é
a tecnologia que se usa para o cerrado.
Você está satisfeito com as ações do Estado para o setor?
Eu acho que esta ruim. Acho que tem que melhorar em termos de política agrícola
99
Fronteira. Cana de açúcar
3- A natureza
a)Você já teve problemas com ambientalistas? Quais?
Não.
b) Existe um projeto no senado, proposto pelo Senador Jonas Pinheiro, para
retirar Mato Grosso da Amazônia Legal. Você acha o projeto consistente? Concorda
com ele? Que implicações práticas a retirada do Mato Grosso da Amazônia Legal teria?
Não concordo. Acredito que boa parte de MT é dentro da Amazônia que é área de
influencia da Amazônia.
d) Que tipos de solo ou ecossistema você considera mais férteis e próprios para a
agricultura?
“Seria, na verdade, o solo de mata. O solo do cerrado é um solo que produz, mas você
tem que trabalhar muito ele. O tipo que solo mais apropriado seria aquele solo do Paraná,
de terra Roxa, bastante argilosa de fertilidade natural boa. Não é o caso nosso aqui do
cerrado... Tem que trabalhar o solo, investir nele para que ele produza. De imediato você teria
um solo produtivo nessas áreas de mata sem muito investimento, a não ser o desmate”.
e) Que tipo de semente você utiliza e considera mais adequada ao plantio?
“A semente de boa qualidade é a semente que vem certificada do laboratório,
semente fiscalizada...que agente chama...com poder de germinação bom, vigor bom
A gente procura semente nesse padrão aí, que seja fiscalizada pelo laboratório de
análises de semente e também com bom poder de germinação”.
f) Existe uma hierarquia de ecossistemas? Se sim, quais são mais dignos de se
preservar e quais não?
“Existe. As matas ciliares que são pequenos ecossistemas para nós aqui tem que ser
preservadas. Apesar de que já tem muitos que foras desmatados ate chegar no leito do Rio.
Mas a gente acha que esses ecossistemas tem que ser preservados. As áreas que não plantam
tem que atentar para que venham abrigar a fauna e a flora diversificada e a nossa Amazônia.
São ecossistemas que vem a ajudar nós. Se nos preservarmos as nascentes, as matas ciliares
100
que tem muito ainda - e recuperar as que foram desbravadas, a gente tem ainda um clima
saudável para nós todos.”
g) Qual é a função da agricultura?
“A função da agricultura é produzir alimentos para o mundo, matar a fome do mundo.
Essa é a grande tacada da agricultura é manter a sobrevivência do mundo. Sem ela nos não
vamos sobreviver. Se está agredindo o meio ambiente ou não cabe a s agricultores sermos
conscientes e fiscalizarmos para que o mundo tenha alimento adequado mas que não agrida o
meio ambiente.”
A agricultura agride a natureza?
Às vezes eu acredito que sim, Mas na maioria das áreas não agride, pelo contrário ela
mantém a natureza. Nós estamos desenvolvendo o plantio direto...e isso já mudou demais...
Plantio direto é você não gradear a terra, voce usa
Isso vem ajudar na as raízes... esta destruindo o sôlo
Antes se gradeada, com grade, expõem o solo aos interperies do clima, e mata a
microfauna do solo...melhora as condições do solo
Se bem plantado pelo contrário, não agride, preserva o meio ambiente.
O que é agricultura moderna?
“É uma agricultura que trabalha com tecnologia de produção, usando plantio direto,
sem agredir o meio ambiente, produzindo de variedades produtivas, em pequenas áreas, e
você condições as vezes dobrar sua produção utilizando tecnologia de produção, ou seja, com
variedades produtivas, adubação mais equilibrada, plantio na época certa, colheita na época
certa...então você teria uma agricultura bastante moderna em relação aquilo que se
cultivava antes, manualmente, sem visar produtividade. Porque hoje se visa muito a
produtividade, então por isso se está modernizando a cada dia as máquinas...”.
h)O que acha do artigo 5º(parágrafo XXIII) da Constituição Federal que define a
função social da propriedade rural?
“Eu já ouvi falar desse artigo.
Mesmo produzindo você esta preservando a terra, pois você esta melhorando ela. No
nosso caso então, que é cerrado, você pega um cerrado improdutivo e ele passa a ser
produtivo. Então se você cultivar nele 10, 20, 50 anos a cada ano você estará acrescentando
um pouco mais de matéria orgânica, de adubo, de nutrientes no solo, eu considero que você
101
estará preservando a terra e não destruindo...desde que utilize essa tecnologia que utilizamos
hoje, que é o plantio direto sem agressão ao meio ambiente.
No geral, preservar ela é dar condições de produção sem destruí-la. É a cada ano você
melhorar a terra”.
Transcrição da entrevista Seu Ricardo Roberto (Sapezal ).
Trajetória
“Sou de família de agricultor, meu pai era analfabeto e queria dar colégio para os filhos.
Meu pai saiu do Uruguai e vinha pra cidade comprar sal, comida, etc.
Largou tudo que tinha ali porco, casa, chiqueiro e foi para no Rio grande do sul, perto da
cidade, entrou no mato com a ajuda do governo e deu estudo para os filhos. Meu pai teve 14
filhos e nos fomos crescendo e um tomando conta do outro, nós íamos pra roça como pai carpir,
desmatar, e fazer comida para os outros, pão.
Eu queria estudar para padre, mas era gago, então fiquei na roça mesmo.
Mas pedi pra ele e fui, mas fiquei três anos lá, fui embora, e voltei pra casa do pai.
Depois fui fazer admissão para escola rural e passei com 18 anos. Eu passava na beira da estrada
e via aquelas fazendas bonitas e pensava que um dia eu ia ter uma fazenda.
Me formei professor rural, dei aula no primário, depois comecei faculdade de estudos
socais, ms não terminei pois não agüentava mais dar aula(...).Me formei técnico agrícola. Depois
dei aula no ginásio.
Depois me casei (que é minha esposa ate hoje) e como eu tinha aquela ambição de ter uma
fazenda vim pro Mato Grosso. Aqui no MT foi governo militar que desenvolveu o Mato
Grosso, não vamos tirar o mérito de ninguém, mas no tempo dos militares se dizia assim: Ocupar
para não entregar.Não entregar para os americanos...
Meu sogro faleceu no sul e nós herdamos uma terra, nós vendemos aquela terra no RS e
viemos para o MT, eu vim na frente com dois meninos, em 1980.
Eu calculo que sou o décimo morador de Sapezal que entrou naquela época. Meu vizinho
mais próximo pro lado norte era 90 km, e era o primeiro e último vizinho pro norte.
102
Isso aqui era tudo cerrado, cidade ainda não existia, não tinha nada. Mas eu vim pra
com aquela esperança de ter uma fazenda um dia, dar estudo pros filhos e no fim da vida ter um
recurso sem depender de muito, não passar miséria.
Então, eu e minha esposa lutamos toda essa vida pra ter na velhice um recurso. Hoje tenho
62 anos, 26 que estou aqui em Sapezal. Cheguei aqui dia 7 de setembro às cinco horas da tarde
trouxe cinco peão, para abrir e formar a fazenda.A terra aqui era tudo cerrado.
Porque escolha do MT?
Naquela época no sul terra era caro (...) e aqui comprava bastante terra. Nosso objetivo era
ter terra para expandir e crescer. Compramos 2000 hectares de terra. Sofremos e ficamos 4 anos
sem plantar nada pois o banco em Diamantino não financiava pois dizia que aqui era longe para
ele financiar e que aqui ninguém ia plantar e ninguém ia colher.
Temos que dar muito valor pro Incra e pro governo militar. O governo abria estradas. Se
você entrava numa terra do governo, devoluta, você podia abrir e vinha o Incra media e te tava o
documento.
A minha mulher dava aula em Diamantino e, um dos chefes de Diamantino, a mulher dele
era secretária de educação. E nós conversando um dia dizemos que não temos tíítulo, não tinha
nada e o Incra ligou pra Brasília e mandou despachar naquele dia. Falaram com Brasília com
radio amador. Não tinha telefone.
Então eu tive muita sorte.
O que o senhor planta hoje?
Eu planto soja (1000 ha), milho safrinha, arroz, feijão.
Que tecnologia que o senhor usa na produção?
Bom, eu tenho assistência agronômica e planto conforme a instrução do agrônomo.
Adubo, semente, correção do solo, fungicidas, preservando o meio ambiente, reserva legal tem.
Tem mais área ainda pra abrir mas nos não vamos abrir, vamos preservar. tem porco do mato,
veado, onça, paca, cutia, lagartão, jacaré, sucuri, etc.E nós não caçamos.
Ações do governo federal.
103
È o cambio que nos esta matando, esta acabando com nós, esta apertando (...).Dinheiro
para financiar tem, as regras são muito boas, mas na hora de vender não vale nada.
E nós não temos esperança no governo do Lula.
Algum órgão do governo.
O governo mais atrapalha que ajuda.
Fronteiras agrícolas. Vai perdurar a soja, não vai acabar nunca, o algodão não vai
acabar, mas ó algodão quem tem muito recurso para plantar; está vindo à cana novamente, e
esta voltando pra ficar pro resto da vida por causa do álcool, do meio ambiente.
Por que a Soja
Eu queria criar gado, mas gado não deu... A soja porque é onde se tem recursos ...as trade,
são multinacionais, dão muito dinheiro pra se plantar a Bungee, Cargil, a Amagi hoje ...elas
precisam da soja e nos precisamos do dinheiro para plantar.
E o senhor já esta usando a semente trangênica?
Hoje eu ainda não estou usando, mas futuramente a gente vai ter que plantar... eu plantei o
ano passado, é muito boa de trabalhar que hoje aqui ninguém compra soja trangênica. Nós
vendemos aqui para a Europa e eles preferem a soja convencional.
Agricultura e natureza
O senhor já teve problemas com ambientalistas?
Não. Não tem, isso não tem...os ambientalistas são pagos pelos americanos para nós
não aumentarmos nossa produção de soja.
Existe um projeto no Senado, proposto pelo Senador Jonas Pinheiro, para
retirar o Mato Grosso da Amazônia Legal. Você acha o projeto consistente? Concorda
com ele?
È ótimo tem que tirar. Amazônia legal é o Estado do Amazonas, e nós não somos
Amazônia. Somos parte da bacia amazônica, mas não somos parte do mesmo ecossistema,
florestas, é outro mundo, Mato Grosso é outro mundo do Amazonas, tem que tirar porque senão
essas ONGs....apesar de que hoje elas estão se unindo com a Aprosoja. Quem não pode ir contra
se alia.
104
Essas coisas que dizem contra a soja daqui uns 4 ou 5 anos não vai mais existir. A
Aprosoja quer reorganizar o MT a plantar soja e todo mundo preserva os rios. Esse negócios que
os caras falam lá em cima de que a soja destrói é mentira não é verdade
d) Que tipos de solo ou ecossistema você considera mais férteis e próprios para a
agricultura?
Os melhores solos são os argilosos, que tem mais argila. O mato grosso não
É terra de agricultura, é mista, arenosa, mas tem que cuidar dela.
f) Existe uma hierarquia de ecossistemas? Se sim, quais são mais dignos de se
preservar e quais não?
Bom, em MT tem que preservar as margens do rio, conservar os rios limpos, em
Sapezal a maior parte preserva a reserva legal e a APP (área de preservação permanente).
Deixar as áreas obrigatórias os 20% e respeitar isso aí. Se alguém desmatar um pouquinho
mais, vamos reflorestar, essa é a obrigação nossa. Pois o MT todo é bom para plantar...
g) Qual é a função da agricultura?
È produzir alimento pro mundo. O mundo passa fome. Só que no caso da soja nós não
comemos muita soja, não fomos educados pra isso. E também é erro do próprio governo,
porque se quiser dar comida barata pra o povo manda estalar fabricas de transformação de
soja. Esse mundo de soja vai pro estrangeiro...ninguém como soja com arroz...mas o governo
deveria ter fabricas pra produzir comida pra esse povo aí comer.
h) O que entende por uma agricultura moderna?
È usar tecnologia e fazer produzir em menos áreas mais quantidade de produção. Com
tecnologia numa mesma área e aumentar a produção em 20% ou 10%.
i) Na sua opinião a agricultura “agride” a natureza? Pode justificar a resposta?
Não, agricultura é a salvação da natureza. Agricultura está tudo verde, tudo verde,
bonito, verde e ajuda a natureza, olha quanto oxigênio produz nesse mundo de verde.
Agride coisa nenhuma. Agricultura é a salvação da natureza você tira aquele cerrado velho e
seco, né?E esta tudo verde bonito, até dezembro, janeiro, uma exuberância...é uma beleza
pra natureza.
105
Anexo III - Entrevista com o senhor Paulo Borges, engenheiro florestal,
responsável pelo Instituto Ação Verde. Realizada dia 11/01/2008 na sede
do Instituto na FIEMT (Federação das Indústrias de Mato Grosso).
Queria se o senhor falasse um pouco como surgiu a idéia de criação e idealização do
Instituto Ação Verde.
O setor produtivo do estado tem uma grande preocupação com os produtos que estão
sendo produzidos no estado, não a soja, mas o Biodiesel, algodão, energia, carne, enfim, tudo
o que se produz no Mato Grosso hoje, e MT é um dos maiores produtores do mundo em relação a
alimentos, tem um peso muito grande.
Começaram a criar barreiras...Qual a forma que eles acharam para barrar isso?
Começaram a criar algumas barreiras, principalmente nos países europeus, restrições aos
produtos produzidos no Mato Grosso alegando, com base em informações distorcidas
principalmente por algumas ONGs internacionais, de que tudo o que se é produzido aqui vem de
uma fonte ambientalmente incorreta. Que o gado que se produz aqui é oriundo de um
desmatamento clandestino, que a soja também, enfim... Qual foi o grande motivo que levou a
constituição da ação desta ong? Bom, quer existem ongs internacionais que vem aqui falar do
que estamos falando de errado, vamos criar uma ong para saber o que estamos fazendo de bom,
de certo.
Na realidade o Instituto Ação Verde nasceu como um contraponto às informações
distorcidas que levam do Estado de Mato Grosso, e do país a respeito do que esta sendo feito
aqui. Mas este contraponto não é simplesmente do boca a boca, mas com ações práticas, com
projetos, buscando nossa sustentabilidade e fazendo com que Mato Grosso torne-se um estado,
com o grande potencial que tem, um Estado que produza sim. A busca de tudo é pelo
desenvolvimento sustentável. A nossa riqueza é enorme, (MT) é um dos poucos estados que tem
os três biomas dentro dele, tanto pantanal, quanto cerrado como Amazônia. Se formos dividir isso
42% dos estado é de floresta amazônica, é considerado Amazônia legal, e os outros 52% é de
cerrado e pantanal.
pra você ter uma idéia, Mato Grosso hoje com tudo o que ele produz, sendo o maior
produtor em quase tudo, ele utiliza apenas 34% da área territorial do estado, dos 9 milhões e
106
poucos mil hectares que nós temos apenas 34 % encontra-se usados na produção. Nós temos 66%
reservados no nosso estado, então é muito inconveniente o que se fala do nosso estado. Também
Não podemos ser hipócritas a ponto de falar que não existe desmatamento ilegal, crimes
ambientais absurdos, a ONG é contra tudo isso e vamos defender isso.
As oito instituições encabeçadas pela Aposoja, pela Federação das Indústrias, que
são talvez os dois maiores pesos no Instituto, resolveram se unir e chamaram as outras partes do
setor produtivo (por exemplo, hoje, a nossa preocupação é com a madeira, a FIEMT absorve
praticamente todos os sindicatos do setor florestal).
Eles se reuniram, entraram em contato com as outras instituições formadoras da Ação
Verde: a FIEMT (federação das Indústrias), a FAMATO (Federação agropecuária de Mato
Grosso), a Aprosoja (associação dos produtores de soja), a AMPA (do algodão), o Sindalcol (do
álcool), Sipem (da madeira), Sincremat (geração,comercio e construção de energia) e a Acrimat
(pecuária). Toda a diretoria da Ação verde é composta por um representante de cada instituição, o
presidente da federação das Industrias é o presidente da ONG, um dos diretores é o Glauber
Leite, que é o presidente da Aprosoja, etc.
Enfim, cada instituição cedeu um membro para a diretoria da ONG. Eu sou o responsável
técnico da instituição.
Essa diretoria se reúne sempre?
Se reúne uma vez por mês para traçarmos as diretrizes...vai ter agora no início de
fevereiro a primeira reunião do ano, que o instituto esta desenvolvendo seus primeiros projetos.
Nós temos um muito projeto ousado, um grande desafio que é recuperar e preservar 100% das
matas ciliares dos principais rios do estado de Mato Grosso até 2020. Estamos começando agora
com o rio Cuiabá, e nesse rio vão ser plantados algo e torno de 10 milhões de mudas de
árvores nativas. O objetivo é recuperar nas margens do Rio Cuiabá cerca de 2 mil hectares que
encontra-se em áreas de preservação permanente degradadas. Todos esses projetos estão sendo
apoiados com projetos de educação ambiental, por exemplo o Rio Cuiabá, são oito os municípios
que utilizam diretamente a água do rio Cuiabá, então escolas destes oito municípios e
empresários destes oito municípios vão fazer parte desse projeto de recuperação. Nós vamos
envolver toda a comunidade desses municípios por que a idéia não é plantar a arvore, vários
exemplos mostram que não surte resultado esperado, mas é mudar um pouco a consciência
107
ambiental dessas pessoas dizendo que é possível sim continuar produzindo, continuar crescendo
mas com sustentabilidade.
Vou falar um pouquinho da Aprosoja que talvez seja seu maior foco.
Cada instituição se preocupa além das ONG e se unir e criar essa ong, cada instituição
esta fazendo a sua parte.Um exemplo é a Aprosoja lançou agora na última Conferencia das
Nações Unidas, em Bali, o projeto “Soja mais Verde”. O que é esse projeto? Esta sendo feito um
levantamento e já se tem dados preliminares de todas as propriedades dento do MT que se produz
soja. A situação atual de cada propriedade dessa com relação ao passivo ambiental. Através disso,
desse censo, via imagem de satélite vamos ter em mãos algo em torno de 50 mil hectares ou 50
milhões, acho que é 50 mil hectares de APP (área de preservação permanente) degradadas dentro
das áreas que se produzem soja.
Então a Soja mais verde” o objetivo final fazer com que toda soja produzida dentro do
estado de Mato Grosso seja oriunda de áreas sem passivo ambiental, áreas que estejam de acordo
com a legislação ambiental vigente no estado, com relação principalmente as áreas de reserva
legal, que todas devem ter, e as APP (áreas de preservação permanente) que não podem ser de
forma alguma compensada, têm que ser recuperadas.
Muito interessante esse levantamento...
Então, hoje nós já temos catalogados todas as areas que produzem soja, todos os
produtores de soja do estado de MT.
As outras instituições nesse projeto da “Soja mais Verde “...estão o pessoal da Aprosoja,
a TNC (The Nature Conservation) e a Ação Verde, nós três estamos desenvolvendo este projeto,
então o Instituto vai ser o porta voz de todas essas instituições, cada qual dentro da sua área...e
fazendo um trabalho todos juntos pelo bem estar social da população mato-grossense...e esta
levando a informação às pessoas que vêem o MT apenas como destruidor.
No caso desse levantamento por satélite, os produtores que chegaram a desmatar
APP, é o Instituto Ação Verde que chega até eles e explica a situação?
Esse levantamento foi feito através de dados da Secretaria estadual de meio ambiente
(SEMA). Aqui dentro do MT todas as áreas têm que ser licenciadas tem que fazer a LAU
(Licenciamento ambiental único). Hoje 30% do estado, 30% das propriedades do MT se
108
encontram licenciadas ou em processo de licenciamento, então esses dados preliminares são
extraídos da SEMA e de uma empresa terceirizada a Tecnomapas, que fez o levantamento.
Queria que você me explicasse melhor essa questão da licença ambiental...
O que é a licença ambiental? È uma lei estadual que todo imóvel rural dentro do estado do
MT independente de soja, ou se você planta cana, ou explora madeira...ou que você faz...essa
propriedade tem que estar licenciada dentro do estado. O que é o licenciamento? È um inventário
da sua propriedade...nós vamos levantar através de carta imagem tudo o que encontra-se dentro
da sua propriedade.
Vamos supor que eu tenha uma área de 1000 hectares na região norte do estado, que
pelo zoneamento está depois do paralelo13 e é considerado Amazônia Legal. Hoje a lei diz que as
áreas de floresta têm que ter 80 % de reserva legal e 20% apenas de produção.
Eu, proprietário dessa área, (1000 hectares) planto soja em 400 hectares da minha área.
Nessa minha área correm alguns rios, alguns córregos e na hora em que eu contrato um
profissional, um engenheiro florestal para elaborar a minha LAU, ele pega as coordenadas
geográficas da minha propriedade, joga dentro de uma base imagem fornecida pelo INPE
(Instituto Nacional de pesquisas espaciais) atualizada, e essa imagem de satélite vai me passar
todo o retrato da minha propriedade... “Seu Paulo o senhor tem uma área de 1000 e poderia
derrubar 200ha, o senhor tem 400 abertos...então 200ha esta com problema. Dentro da mata ciliar
as áreas de preservação permanente (APP) que é em torno dos rios, córregos, nascentes o senhor
desmatou o senhor não protegeu...então o senhor tem x áreas de APP degradadas...”
Então esta bom, eu protocolo um projeto dentro da SEMA (de licenciamento). Para ela me
fornecer o licenciamento eu tenho que me enquadrar na legislação atual. Então vou ter que fazer
um PRADE (Projeto de recuperação de área degradada) que é o que os produtores de soja vão
fazer nesse projeto “Soja Mais Verde”, em todas as propriedades...
A recuperação pode ocorrer simplesmente com regeneração natural ou com plantio (que é
mais indicado para acelerar o processo de recuperação).
Com relação aos 200 hectares a mais que “eu” derrubei existe um impasse nisso tudo...até
1999 eu podia derrubar 50 % da minha área. A constituição mudou ou o código ambiental
estadual mudou depois disso, então, existe uma briga com quem derrubou antes disso...
109
Mas enfim, se eu derrubei depois disso (depois de 1999) existe duas formas de resolver o
problema. Ou eu planto em 200 hectares, coisa que ninguém faz (a minha área é pequena...) ou
então eu compenso essa reserva em uma outra área dentro da mesma microbacia (uma região
próxima com as mesmas características de vegetação). Essas áreas podem ser dentro de unidades
de conservação, que o estado demarca, e eu pago para o estado, o valor que eles cobram por
hectares, para ele me ceder 200 hectares dessa unidade de conservação para eu compensar a
minha área, ou eu posso comprar de um particular que usa sua área para manejo, não derruba
nada...pode vender pra eu compensar.
Existem produtores que não são cadastrados na APROSOJA....
Infelizmente, esse é um problema que nós vamos enfrentar pois existem muitos
produtores não cadastrados na Aprosoja.
A nossa briga é que os países compradores não tenham restrições ao nosso produto. Nós
vamos querer depois que o produto exportado ganhe um selo, uma certificação...e que esse
produto seja bem aceito onde quer que ele vá...que é oriundo de uma área (ambientalmente
correta).Agora, aqueles produtores que não se enquadrarem e que não quiserem se juntar a nós, e
quiserem se manter na ilegalidade, não vão ter o selo...
Não tem como forçar a todos...um grande problema do estado também, que é uma
preocupação e que nós vamos disseminar através de alguns projetos de educação ambiental a
nível empresarial, é que nós estamos como uma consciência ambiental...mas tem gente muito
longe pois o estado é muito grande, que não tem essa sensibilização. Nós somos sim capazes de
dobrar a nossa produção com o que nós temos abertos, desde que investimos em tecnologia,
em pesquisa. Esse é o nosso grande desafio.
Você falou algo muito interessante, mas que contradiz o que os produtores que
entrevistei falaram. Você falou que MT tem os três biomas...mas dos 9 produtores que
entrevistei 8 são a favor de um projeto do Senador Jonas Pinheiro pra tirar o MT da
Amazônia Legal. Eles não acreditam que existe o bioma Amazônia...
Eu fui engenheiro florestal e existe sim grande área de floresta. Mas o que acontece.Onde
colocaram o paralelo 13 ainda existe muita coisa de cerrado pra frente. O fato de tirar MT da
Amazônia legal é justamente uma forma de fazer com que o mundo fora não enxergue o MT
110
todo como sendo Amazônia. Este seria o objetivo, tirar o foco, não que deixe fazermos o que
queremos aqui.
Existe talvez no nosso entendimento uma outra forma de você mudar esse foco com as
ações que a Aprosoja esta fazendo.
(...) esta é uma opinião minha como profissional da área eu vejo e defendo esta tese de
que a idéia de tirar o MT da Amazônia legal é tirar esse foco todo, essa represália que nós temos.
Mas se tirar vai aumentar a área aberta....
Teria que mudar toda a legislação. Mas eu não acredito nessa possibilidade de tirar a
responsabilidade ambiental que cada um tem...Talvez essa porcentagem de 80% de reserva legal
seja um grande entrave nisso tudo, porque hoje economicamente não é viável, vamos supor, se
você comprar uma área de 1000 hectares de mato pra você simplesmente abrir 200 hectares pra
produzir seja o que for, você não vai ter um retorno tão cedo, ou se vai ter esse retorno algum
dia.
Então talvez essa porcentagem de 80% é excessiva. Foi criada para conter o
desmatamento, mas isso é uma faca de dois gumes, pois a partir do momento em que eles
proibiram aumentou o índice de desmatamento ilegal porque as pessoas deixaram de procurar os
órgãos competentes para elaborar seus projetos... e eles não admitiam e não admitem que 80% da
sua área tem que ser preservada. Então, essa tentativa do governo federal em frear o
desmatamento no estado fez com que instigasse o desmatamento ilegal. Grandes partes do
desmatamento no estado do MT são legais e são autorizados pelos órgãos competentes...existe
sim desmatamento ilegal e gente desmatando porque o problema fundiário no estado é muito
grande. Existem muitas áreas de posse, muitas áreas com documentos com problema, e as
pessoas não procuram os órgãos sabem que não vão ser aprovados e desmatam. Esse
desmatamento uma vez não autorizado é ilegal.
A porcentagem de preservação de 80 % é para os três biomas?
Não, 80% são para área de floresta amazônica. No Cerrado você pode derrubar 65%, 35%
tem que ser reserva.
Então só no norte (do MT) mesmo é que são 80%...
111
a briga pra tirar MT da Amazônia Legal, pois existem muitas áreas de cerrado além...e
as pessoas se sentem prejudicadas...por exemplo, Lucas do rio verde, Sorriso, Nova mutum, que
são grandes produtoras de soja, praticamente tudo ali era cerrado.
Então com esse paralelo 13, com essa Amazônia legal muitas áreas que eram cerrado ou
matas de transição, que é um cerradinho um pouco mais alto, eles embargaram como floresta.
Então essa é a briga, que se tire MT da Amazônia para que essas áreas possam ter o mesmo
direito que as áreas de cerrado mesmo, que possam derrubar um pouco mais.
Os projetos parecem ser bastante consistentes...
Os projetos estão surgindo de pessoas diretamente ligadas ao problema, não é
simplesmente uma ong formada por um grupo de ambientalistas que olha só um lado da moeda...
a natureza ela é sim renovável desde que explorada corretamente dentro de técnicas, da legislação
atual que existe dentro do país. A ação Verde se difere por ser uma ONG do setor produtivo do
estado de MT. E ela vai mostrar que é possível sim continuar produzindo, MT além de ser agora
o maior vamos tentar ser o melhor produtor de tudo, investindo sim em tecnologias, em educação
ambiental e vamos em pouco tempo dobrar nossa capacidade de produção e tudo sendo
produzido de uma fonte ecologicamente correta, sustentável e renovável.
São 50 mil hectares que estão dento de APP, se cada um fizer a sua parte....mas nos
vamos além disso. E depois sim, depois de tudo pronto nos vamos desafiar quem falar mal do
MT...então, são com ações práticas que nos vamos ser contraponto a tudo o que se vem falando
do estado.
112
BIBLIOGRAFIA
AZEVEDO, Rodrigo A. B. (2003). “Os Agricultores tradicionais e a agronomia: a difícil
compatibilidade dos modelos conceituais”. IN: COELHO, Maria de Fátima B; JÚNIOR, Plácido
C; DOMBROSKI, Jéferson L. D. (Org). Diversos olhares em Etnobiologia, Etnoecologia e
Plantas Medicinais. Cuiabá: Unicen.
BOLTANSKI, Luc; CHIAPELLO, Éve (2002). El nuevo espíritu del capitalismo. Akal
Ediciones. Disponível em: http://www.sindominio.net/unomada/boltanski/
BOURDIEU, Pierre; CHAMBOREDON, Jean Claude; PASSERON, Jean Claude. (2004)
O ofício do Sociólogo. Editora Vozes.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues.(1999) O afeto da terra. Brasília: Editora UNB.
CARRASCO, Lorenzo;COSTA,Nilder; PALACIOS, Silvia; LINO, GERALDO L.(2005)
Máfia Verde 2: Ambientalismo Novo Colonialismo. Capax Dei: Rio de Janeiro.
DEAN, Warren (1996). A ferro e fogo: A história da devastação da Mata Atlântica
brasileira.Companhia das Letras:São Paulo.
DELGADO, Guilherme. (2003) Questão agrária n Brasil: perspectivas históricas e
configuração atual. INCRA: São Paulo.
ESCOBAR, ARTURO. (2005) Depois da natureza passos para uma Ecologia Política
Antiessencialista. In: ALIMONDA, Hector; PARREIRA, Clélia (org) Políticas Públicas
Ambientais Latino Americanas. Brasília: Flacso-Brasil, Editorial Abaré.
FLORIT, Luciano. (2004) A Reinvenção Social do natural Natureza e Agricultura
no mundo contemporâneo. Blumenau: Edifurb.
FOSTER, John Bellamy (2005). Ecologia de Marx materialismo e natureza.
Civilização Brasileira: Rio de Janeiro.
113
GIULIANI, Gian Mario. (1999) A questão ecológica a indústria e o capitalismo.
Revista Raízes, Ano XVIII, No 19. Campina Grande: UFPB.
GLIESSMAN, Stephen R. (2001) Agroecologia: processos ecológicos em agricultura
sustentável. Editora Universidade/ UFRGS.
GONÇALVES, CARLOS WALTER PORTO. (2006) Os (des) caminhos do meio
ambiente. São Paulo: Editora Contexto.
GUANZIROLI, C; ROMEIRO, A; BUAINAIN, A.M; DI SABBATO A;
BITTENCOURT, G. (2001) Agricultura familiar e Reforma Agrária no Século XXI. Editora
Garamond; FAO; MDA. Rio de Janeiro.
LEITE, SERGIO; PALMEIRA, MOACIR (1998). Debates econômicos, processos sociais
e lutas políticas. In: Santos, Raimundo; Costa, Luís Flavio Carvalho (orgs.). Política e Reforma
Agrária. Mauad: Rio de Janeiro.
MALUF, R. S. Atribuindo sentido(s) ao desenvolvimento econômico. Rev. Estudos
Sociedade e Agricultura: Rio de Janeiro. Nº 15, Out., 2000. p. 36-58.
MARTINS, José de Souza Martins “A vida privada nas áreas de expansão da sociedade
brasileira”, In: NOVAIS, Fernando A; Schwarcz, Lilia Moritz (1998) História da vida privada
no Brasil: contraste de intimidade contemporânea. São Paulo, Companhia das Letras.
MARX, KARL. (2006) O Capital: crítica da economia política. Volume 1, tomo I.
Civilização Brasileira: Rio de Janeiro.
MARX, KARL. (2001) In: Coleção Grandes Cientistas Sociais. Org: Florestan
Fernandes. Editora Ática: São Paulo.
MAZOYER, MARCEL; ROUDART, LAURENCE.(1998) História das Agriculturas do
mundo – do neolítico às crises contemporâneas. Instituto Piaget.
MARTINEZ ALIER, Joan. (2007) O Ecologismo dos Pobres. São Paulo: Contexto.
114
MONBEIG, Pierre. (1984) Pioneiros e fazendeiros de São Paulo. São Paulo: Hucitec
PÁDUA, José Augusto. (2002) “Artigo Base sobre a agricultura brasileira”. In: CAMARGO,
Aspásia. CAPOBIANCO, João Paulo. OLIVEIRA, José Antônio Puppim (Organizadores). “Meio
Ambiente Brasil avanços, obstáculos pós Rio 92”. São Paulo: Estação Liberdade: Instituto
Socioambiental; Rio de janeiro: Fundação Getúlio Vargas.
PÁDUA, José Augusto. (2002) Um sopro de Destruição Pensamento político e
Crítica Ambiental no Brasil Escravagista (1786-1888). Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor.
PÀDUA, José Audusto. (1998), “Cultura Esgotadora: agricultura e destruição ambiental
nas últimas décadas do Império”. Estudos Sociedade e Agricultura, n0 11, pp.134-161.
Relatório Relação entre o cultivo da soja e o desmatamento compreendendo a
dinâmica”, realizado por iniciativa do Grupo de Trabalho de Florestas, do Fórum Brasileiro de
ONGs e Movimentos Sociais e Desenvolvimento (FBOMS), 2004.
ROCHA, Betty Nogueira. (2006) “Em qualquer chão sempre gaúcho a
multiterritorialidade do migrante gaúcho no Mato Grosso” (dissertação de mestrado).
SAHLINS, Marshall.(2003) Cultura e Razão Prática. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor.
SCHLESINGER, SERGIO (2006) O grão que cresceu demais a soja e seus impactos
sobre a sociedade e o meio ambiente. FASE: Rio de janeiro.
SEN, Amartya (2000) O desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das
Letras.
SECRETO, Verónica. (2006). Capistrano de Abreu e J.F.Turner: a historiografia
nacional e a história ambiental. In: Estudos Sociedade e Agricultura. Vol.14, n.2.
115
SECRETO, Verónica. (2001) Fronteiras em Movimento: o sudeste bonaerense e o
oeste paulista na segunda metade do século XIX. História Comparada. Tese Doutorado:
Campinas.
SILVA, Carlos Alberto Franco da. Fronteira agrícola capitalista e ordenamento territorial.
In: Santos, Milton; Becker, Bertha (2007) Território e Territórios: ensaios sobre o
ordenamento territorial. Rio de Janeiro: Lamparina.
TEIXEIRA, Carlos Correa. (1999) Visões da Natureza seringueiros e colonos em
Rondônia. São Paulo: Educ/ Fapesp.
TOMAS, Keith. (1988) O Homem e o Mundo Natural mudanças de atitude em
relação às plantas e aos animais (1500-1800). São Paulo: Companhia das Letras.
VELHO, Otávio. (1979) O capitalismo autoritário e campesinato. São Paulo: Difel.
STEIN, Stanley J. (1990) Vassouras Um município brasileiro do café, 1850 -1900.
Editora Nova Fronteira.
WORSTER, Donald. (2003) Transformações da terra: para uma perspectiva
agroecológica na história. Ambiente e Sociedade, Vol. VI pp.23-44.
116
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo