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UFRRJ
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DE CIÊNCIAS SOCIAIS EM
DESENVOLVIMENTO AGRICULTURA E SOCIEDADE – CPDA
DISSERTAÇÃO
A Caminho do Campo:
As Relações entre Reforma Agrária e Migrações rural-urbano-rural e
urbano-rural. Um Estudo de Caso em Campos dos Goytacazes - RJ
Silvia Lima de Aquino
2008
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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DE CIÊNCIAS SOCIAIS EM
DESENVOLVIMENTO AGRICULTURA E SOCIEDADE – CPDA
A CAMINHO DO CAMPO:
AS RELAÇÕES ENTRE REFORMA AGRÁRIA E MIGRAÇÕES
RURAL-URBANO-RURAL E URBANO-RURAL. UM ESTUDO DE
CASO EM CAMPOS DOS GOYTACAZES - RJ
SILVIA LIMA DE AQUINO
Sob a Orientação do Professor
Dr. Canrobert Penn Lopes Costa Neto
Dissertação submetida ao curso de
Pós-Graduação de Ciências Sociais em
Desenvolvimento, Agricultura e
Sociedade, como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre, de
Ciências Sociais em
Desenvolvimento Agricultura e
Sociedade.
Rio de Janeiro, RJ
Agosto de 2008
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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO DE CIÊNCIAS SOCIAIS EM
DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA E SOCIEDADE
SILVIA LIMA DE AQUINO
Dissertação submetida ao curso de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento,
Agricultura e Sociedade, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre, de
Ciências Sociais, em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade - Área de concentração
Movimentos Sociais.
DISSERTAÇÃO APROVADA EM -----/-----/------
_______________________________________________
Dr. Canrobert Penn Lopes Costa Neto – CPDA/UFRRJ
(Orientador)
_____________________________________________
Dr. John Cunha Comerford – CPDA/UFRRJ
_________________________________________
Dr. Paulo Roberto Raposo Alentejano - UERJ
Para Maria de Lourdes, Nercy,
Vagner e Eliane, minha família,
meu porto seguro, sem o qual
nada na minha vida faria sentido
ou seria possível.
AGRADECIMENTOS
Estas páginas iniciais são as últimas que escrevo neste trabalho. São as primeiras
porque antes de tudo é preciso demonstrar que sem determinadas pessoas esta dissertação
não seria, de forma, alguma possível. Últimas porque é no fim da jornada que a gente olha
para trás e tem a dimensão real do quanto várias pessoas perpassaram nosso caminho e
assim, deixaram um pouco de si, que agora percorrem aqui nas entrelinhas. Apesar do
trabalho receber apenas um nome, o esforço aqui, de certo modo, foi algo coletivo. Espero,
para além deste momento, poder demonstrar a todos o quão foram importantes nesta minha
caminhada. Meus agradecimentos não são formais, porque os agradecimentos escritos já são
suficientemente frios e distantes.
Sei que agradecer é tarefa complicada. Posso cometer deslizes, correndo o risco de
esquecer-me de algumas pessoas. Há também o risco de que, se o resultado do que agradeço
for ruim, passar a impressão de que a culpa encontra-se também entre os que foram
agradecidos. Não. De forma alguma quero isso. Ainda que eu deva muito disso tudo a todas
as pessoas que agradeço, as idéias aqui contidas são de minha total responsabilidade. Assim,
meus agradecimentos vão para todos listados abaixo.
Aos meus pais Nercy e Maria de Lourdes, que na simplicidade que lhes é peculiar e
no amor incondicional aos seus filhos, sempre me apoiaram e me incentivaram a estudar, a
despeito de todas as dificuldades que atravesso e que hei de atravessar, nesse caminho
sinuoso em que consiste a vida acadêmica. Sem o seu amor e sacrifício, dedicado a minha
formação, nada disso seria possível. Para mim, vocês são exemplos de luta, de honestidade,
de vida.
Aos meus irmãos Vaguinho e Eliane, que mais que irmãos, são meus melhores
amigos. Só tenho a agradecer o bem que possuo... Privilégio de poucos.
Aos meus avós Natalina e Zé, que sempre me acolheram carinhosamente nas minhas
esporádicas visitas. E a minha avó Bela, minha amiga, presença constante nas várias etapas
da minha vida. Agradeço também a todos os meus familiares, pela amizade e carinho.
Ao meu orientador Canrobert Costa Neto, faço um agradecimento especial, pela
confiança, dedicação, paciência e orientação ao longo de todo o mestrado.
A todos os professores do Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em
Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, pelos valiosos ensinamentos, pela interação e
pelos conhecimentos compartilhados, não só ao longo da realização das disciplinas, mas nos
diversos momentos que não se resumem as salas de aula.
Aos professores John Comerford e Paulo Alentejano, integrantes da Comissão
Examinadora, pelas importantes observações e sugestões dadas ao desenvolvimento desta
dissertação, tanto na Banca de Qualificação quanto na de Defesa da Dissertação.
A todos os funcionários do CPDA, responsáveis pelos serviços que tanto utilizei
durante a realização do curso.
Ao Ilson, sempre de bom humor e muito prestativo e paciente ao atender todos os
alunos na mecanografia.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelo
auxílio financeiro concedido por meio da bolsa, fundamental para a minha manutenção
durante a realização do curso e sem a qual a concretização deste trabalho não seria possível.
Ao Programa de Apoio à Pesquisa Discente 2007 - CPDA/UFRRJ / Nead/MDA /
ActionAid, pelo financiamento concedido para a realização do trabalho de campo destinado
a coletar as informações para esta dissertação.
Aos meus amigos que percorrem comigo esta trajetória, alguns há mais tempo e
outros que conheci recentemente: Aos amigos que fiz na UENF, pessoas que durante a
minha primeira graduação ensinam-me a crescer e que até hoje me acompanham, ainda que
tenhamos nos distanciado em virtude dos diversos caminhos tomados. Ao pessoal da
Geografia do CEFET, que nos momentos mais penosos e solitários da minha vida em
Campos, me animaram e arejaram minha cabeça para novos conhecimentos e perspectivas.
Sinto-me imensamente orgulhosa por ter podido fazer parte da turma do CPDA de
2006. Lá encontrei bons amigos, que quero que permaneçam, ainda que as trajetórias se
dispersem. A riqueza das nossas discussões certamente contribuiu muito para a minha
formação não só acadêmica, mas como pessoa. Cada qual, a sua maneira, foi muito
importante. Como esquecer os almoços, as reuniões, os encontros pela Lapa, os bate-papos
nos intervalos das aulas, os congressos?
Algumas pessoas são muito especiais. São aquelas que eu sei que posso contar
sempre. Portanto, desejo que se façam presentes sempre na minha vida, mesmo mediante a
teimosia da distância e do tempo, que muitas vezes insiste em nos afastar: Agradeço então, a
Camila, amiga que encontrei durante a graduação, que muitos acreditavam ser minha irmã,
tamanha a nossa cumplicidade. Se houvesse palavra maior que amiga para defini-la, com
certeza, eu a usaria.
Agradeço também a Bonnie, Mari, Tanize, Manu, Carol, pessoas maravilhosas que as
Ciências Sociais me proporcionaram conhecer. Ao Júlio, que talvez nem mais se lembre,
mas que me deu a maior força para participar do processo seletivo do mestrado. Ao Klenio,
pelos devaneios sociológicos compartilhados durante estes três anos de vida de república. A
Juliana, amiga querida, que me ajudou a segurar a barra nos momentos mais difíceis no Rio.
Como fazem falta os nossos fins de semana na minha cobertura na Lapa...
A Maíra, Carol, Daniel, João, Ana, Mary, amigos sempre próximos, compartilhando
alegrias, desesperos e traumas surgidos durante a realização do mestrado.
Aos meus grandes companheiros do “Berro da Riachuelo”: Vivian, Juciano, Léo e
Felipe, que com sua amizade conseguiram modificar todas as minhas expectativas sobre o
Rio, e me fizeram apaixonar por esta capital. Sinto saudades.
A Dona Tânia, mãe de Camila, que me recebeu como filha em sua casa até que eu
conseguisse um local para ficar no Rio.
Aos assentados, pela paciência com que me receberam em suas casas, uma estranha
querendo saber de suas vidas. Sem eles, este trabalho não seria possível.
E, finalmente as bênçãos de Deus – responsáveis por me dar força e ânimo quando a
vontade era a de abandonar tudo –, graças que muitos preferem atribuir ao acaso ou ao
destino.
A todos, meu muito obrigado, serei eternamente grata.
RESUMO
AQUINO, Silvia Lima de. A Caminho do Campo: As Relações entre Reforma Agrária e
Migrações rural-urbano-rural e urbano-rural. Um Estudo de Caso em Campos dos
Goytacazes – RJ. 2008.169p. Dissertação (Mestrado de Ciências Sociais em
Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade). Instituto de Ciências Humanas e Sociais,
Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento Agricultura E
Sociedade – CPDA. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, 2008.
Esta dissertação teve por objetivo examinar a relação existente entre o estabelecimento de assentamentos de
reforma agrária e as migrações rural-urbano-rural, urbano-rural, bem como a permanência de indivíduos no
campo. Para tanto, optou-se por uma análise qualitativa, fundamentada no ponto de vista dos próprios
assentados a respeito de suas trajetórias migratórias. Desta forma, empreendemos, inicialmente, uma discussão
cujas temáticas principais foram o par rural-urbano e as migrações e, assumimos como referenciais teórico-
conceituais a categoria identidade, bem como os conceitos de trajetória e habitus, formulados por Pierre
Bourdieu. O trabalho de campo foi realizado nos Assentamentos Che Guevara e Ilha Grande, ambos situados
em Campos dos Goytacazes, município pertencente à região Norte Fluminense. Por meio de entrevistas semi-
estruturadas e da observação participante, foram colhidos depoimentos dos assentados, o que permitiu a
reconstituição de suas trajetórias e, ao mesmo tempo, a avaliação de percepções, significados e representações
que envolvem os itinerários descritos. Assim, constatamos que para os assentados existe uma estreita relação
entre a conformação dos assentamentos estudados e a migração para o campo a partir de 1998. Ao descreverem
suas trajetórias, os assentados tomam o trabalho como um referencial. Deste modo, concepções sobre o rural e
o urbano são explicitadas e diferenciações são estabelecidas. A cidade é então caracterizada como um espaço
em que prevalece o controle do tempo e a agitação, ao passo que o campo é adjetivado como um local de
liberdade, ainda que relativa, e tranqüilidade, apesar do trabalho ali ser considerado muito mais exaustivo. Este
atributo conferido ao campo relaciona-se, em certa medida, com a oportunidade econômica de manter-se por
meio do trabalho na agricultura e, com o peso simbólico de ser proprietário de um pedaço de terra. Por isso,
embora existam vertentes teóricas que apregoam o fim das fronteiras entre campo e cidade, para os assentados,
estas são manifestas, o que evidencia a permanência de relações peculiares a cada um destes espaços, ainda que
sejam reatualizadas.
Palavras-chave: Migrações; Reforma Agrária; Trajetórias.
ABSTRACT
AQUINO, Silvia Lima de. On the way to the countryside: the relations between the
agrarian reform and rural-urban-rural, urban-rural migrations. A study case in
Campos dos Goytacazes – RJ. 2008.169 p. Dissertação (Mestrado de Ciências Sociais em
Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade). Instituto de Ciências Humanas e Sociais,
Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e
Sociedade – CPDA. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, 2008.
This dissertation had as objective to examine the existing relation between the establishment of agrarian reform
settlements and rural-urban-rural, urban-rural migrations, and the permanence of individuals on the
countryside. It was selected a qualitative analysis, based on the settlers own point of view, about their
migratory trajectories. Therefore, we firstly undertook a discussion which main themes were the pair urban-
rural and migrations, and we assumed as conceptual-theoretic references the category identity, trajectory and
habitus concepts, formulated by Pierre Bourdieu. The field work took place in Che Guevera and Ilha Grande
settlements, both located in Campos dos Goytacazes, a city that belongs to the North region of Rio de Janeiro
state. Depositions were collected utilizing semi-structured interview and participant observation, which
permitted the reconstitution of their trajectories and, at the same time, evaluate perceptions, meanings and
representation that evolves the described itineraries. Thus, we found that, according to the settlers, there is a
close relation between the studied settlement conformation and migration to the countryside, starting in 1998.
When they describe their trajectory, the settlers take work as a referential. In this way, conceptions of rural and
urban were explicated and differences were established. The city is characterized as a space where time control
and agitation prevails, while the countryside is described as a place of freedom, but relative, and tranquility,
even though work is considered much more exhausting. This countryside conferred attribute is related, in
certain a way, to the economic opportunity of supporting one’s self with agricultural work, and, to the symbolic
charge of being the proprietor of a piece of land. Therefore, even though there are theoretic branches claiming
the end of the frontiers between city and countryside, to settlers, such frontiers are revealed, which shows the
permanence of peculiar relations to each one of them, even when they are renewed.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Mesorregiões do Estado do Rio de Janeiro de acordo com o IBGE (1990). 44
Figura 2- Mapa Municípios da Região Norte Fluminense 45
Figura 3 - População residente por situação de domicílio em Campos dos
Goytacazes, 1940-2000 48
Figura 4 - Assentamentos Rurais e Acampamentos de trabalhadores rurais no
Estado do Rio de Janeiro – 2005. 67
Figura 5 - Mapa do Assentamento Ilha Grande mostrando a divisão dos lotes 78
Figura 6 - Croqui do Assentamento Che Guevara feito por um assentado. 79
Figura 7 - População dos P. A. Che Guevara e Ilha Grande, distribuição sexo por faixa
etária 80
Figura 8 - Nível de Escolaridade nos Assentamentos Che Guevara e Ilha Grande 81
Figura 9 - Exemplo das casas dos assentamentos 82
Figura 10 - Visão interna de uma casa localizada no Assentamento Che Guevara 83
Figura 11 - Prédio construído pela Companhia Agrícola Baixa Grande 84
Figura 12 – Casa destinada ao administrador da fazenda, construída pela Companhia
Agrícola Baixa Grande 84
Figura 13- Casas que eram destinadas ao sistema de morada, construídas pela
Companhia Agrícola Baixa Grande 85
Figura 14 - Lavoura de Quiabo- Assentamento Che Guevara 87
Figura 15 - Assentado colhendo quiabo no Assentamento Ilha Grande 87
Figura 16- Colheita da cana-de-açúcar realizada por uma usina no Assentamento Che
Guevara 88
Figura 17- Taboa colhida no assentamento Che Guevara em processo de secagem para a
confecção de esteiras. 89
Figura 18 - Assentada do Assentamento Ilha Grande 164
Figura 19 - Assentada do Assentamento Che Guevara 164
Figura 20 - Assentado do Assentamento Che Guevara 165
Figura 21- Fotografias antigas de um assentado apresentadas no momento da entrevista 165
Figura 22- Fotografias antigas de um assentado apresentadas no momento da entrevista 166
Figura 23 - Fotografias antigas de um assentado apresentadas no momento da entrevista 166
Figura 24 - Assentado do Assentamento Che Guevara 167
Figura 25 - Assentado do Assentamento Ilha Grande 167
Figura 26 - Caminhão transportando a cana-de-açúcar do assentamento para uma usina 168
Figura 27 - Assentado do Assentamento Ilha Grande 168
Figura 28 - Assentada do Assentamento Che Guevara 169
Figura 29 - Assentada do Assentamento Che Guevara 169
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Evolução da atividade Sucroalcooleira na Região Norte Fluminense 45
Tabela 2- População residente no Estado do Rio de Janeiro, Região Norte
Fluminense e Campos dos Goytacazes 1940-2000 46
Tabela 3 - Distritos de Campos dos Goytacazes 47
Tabela 4 - População Residente por situação de domicílio; Estado, Região
Norte Fluminense, Campos dos Goytacazes – 1940-2000 (continua). 47
Tabela 5 - Quantidade produzida, Valor da produção, Área plantada e Área colhida
da lavoura temporária de cana-de-açúcar. 49
Tabela 6 - Ranking dos dez primeiros municípios brasileiros produtores de cana-
de-açúcar 50
Tabela 7 - Comparação entre os orçamentos de Municípios receptores de royalties
no Estado do Rio de Janeiro e IDH 51
Tabela 8 - Nível de escolaridade dos titulares dos assentamentos no Brasil 81
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 1
CAPÍTULO I – Migrações: Panorama Geral 10
1.1. O par rural-urbano: Situando o debate 11
1.2. Identidades, trajetórias e o conceito de habitus: aportes teóricos para análise das
migrações. 15
1.3. Migrações: Algumas considerações 21
1.4. As migrações de retorno 29
1.5. Migrações e Assentamentos de Reforma Agrária 34
CAPÍTULO II - Contexto local: Informações sobre a região do trabalho de Campo 42
2.1. Campos dos Goytacazes e Norte Fluminense: Breve Panorama 42
2.2 A Região Norte Fluminense, Campos dos Goytacazes: Algumas considerações sobre
a trajetória da atividade sucroalcooleira 52
2.3. A chegada do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra no Norte Fluminense e
Campos dos Goytacazes 62
CAPÍTULO III - Caminhos Metodológicos 69
3.1. Construção do problema da pesquisa 71
3.2. As áreas de estudo de caso 75
3.2. A inserção no campo 90
3.3. Entrevistas 93
CAPÍTULO IV – Migrações e Reforma agrária: com a palavra, os assentados 97
4.1. Retomando conceitos para estabelecer perfis de acordo com análise das trajetórias 98
4.2. As principais trajetórias dos assentados 102
4.2.1. Aqueles que permaneceram no campo após a crise na atividade canavieira 103
4.2.2. Da cidade para o campo por meio dos assentamentos de reforma agrária:
Migrações urbano-rural e rural-urbano-rural 109
4.3. Campo e cidade: as impressões dos assentados 125
CONSIDERAÇÕES FINAIS 144
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 152
ANEXOS 164
Os Assentados, os assentamentos, as trajetórias 164
1
INTRODUÇÃO
A visível disparidade de distribuição de terras no Brasil tem intensificado a luta de
diversos segmentos desfavorecidos presentes na sociedade pela fixação no território, dentre os
quais se destacam os trabalhadores rurais. O resultado é que este ramo da população,
organizado através de movimentos sociais, cujo principal e de maior visibilidade é o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, vem demonstrando uma negação à
estratégia da migração rural-urbana, como solução única e inexorável para a má distribuição
de terras e todos os problemas dela decorrentes.
Neste sentido, as sucessivas ocupações de terras e os assentamentos constituídos,
geralmente, depois de muitos anos de batalhas travadas, emergem como evidência empírica
desta negação. Portanto, apresentam-se como um mecanismo potencializador das migrações
para o campo, seja daqueles que nunca tiveram uma experiência concreta neste espaço
(migração urbano-rural), ou daqueles que por certo tempo viveram e trabalharam no campo,
mas que por diversos fatores migraram para cidade e, diante da reforma agrária, abraçaram a
oportunidade do retorno ao campo (migração rural-urbano-rural). Além disso, a criação dos
assentamentos evidencia uma resistência e combate ao êxodo rural, bem como uma opção
pela vida e trabalho neste espaço.
Se, como aponta Evelyn (1988), entendermos os movimentos migratórios como um
processo complexo, em que estão em jogo, não apenas os deslocamentos entre fronteiras
geográficas, mas ao mesmo tempo, entre as fronteiras políticas, culturais, lingüísticas, etc.,
constataremos a importância de avaliarmos estes fenômenos também por meio de uma matriz
qualitativa. Isto sugere a necessidade de se propor análises a respeito das migrações, que
considerem os aspectos subjetivos que permeiam tais deslocamentos.
Estudar as relações entre a reforma agrária e a motivação das migrações de retorno ou
entrada no campo, representadas pelas modalidades de migração rural-urbano-rural e urbano-
rural, e as percepções e significados constituídos em função destes itinerários, foi a proposta
inicial deste trabalho. Com o desdobramento da pesquisa, principalmente a empírica, –
realizada por meio da aplicação de entrevistas semi-estruturadas e da observação participante
–, que fundamentou as considerações que serão apresentadas nos capítulos a seguir, insurge
também a importância de se considerar o papel essencial da reforma agrária no favorecimento
da manutenção e permanência dos indivíduos que já estão no campo.
2
De certa forma colocando-se na contramão dos estudos migratórios tradicionais, o
desafio aqui assumido é o de analisar a mobilidade espacial dos assentados, dado o processo
de reforma agrária implementado, não sob o prisma das informações quantitativas, – ainda
que estas tenham servido de aporte para o trabalho, principalmente no que concerne à
apresentação da região de estudo – mas, a partir dos significados destes deslocamentos,
atribuídos por estes indivíduos.
Assim, o que o leitor encontrará nesta dissertação não é um estudo clássico a respeito
das migrações, cuja essência fundamenta-se na análise de informações estatísticas, tampouco,
uma teoria geral referente ao tema. Mas, uma tentativa de se empreender uma reflexão sobre
como estes processos ocorrem, em uma perspectiva em que a reforma agrária é entendida
também como motivadora da mobilidade espacial dos indivíduos. Esta questão é evidenciada
pelos próprios assentados durante a exposição de seus pontos de vista no que concerne a seus
itinerários. Estes, majoritariamente, destacam a importância possuída pela reforma agrária,
que ao fomentar estes processos migratórios, favorece a sua presença no campo. Para cumprir
os objetivos então propostos, retomar as trajetórias ocupacionais e, sobretudo, migracionais de
assentados até a sua chegada ao assentamento, tornou-se essencial.
Todavia, antes da realização do trabalho empírico propriamente dito, foi necessário
empreender um levantamento teórico acerca da temática “migração”, bem como uma reflexão
sobre o instrumental conceitual mais pertinente para a sua análise, tendo em vista o objeto de
estudo proposto. Assim, ao realizarmos este levantamento observamos que as migrações em
suas mais variadas nuances apresentam certos desafios no que diz respeito a sua compreensão
teórica. Isto porque implicam não só em deslocamentos físicos, mas na promoção de uma
diversidade de relações sociais, ao longo das trajetórias construídas em função dos
deslocamentos. Aliás, trajetórias e identidades, ao lado do conceito de habitus de Pierre
Bourdieu, apresentam-se como categorias importantes para a compreensão e interpretação dos
significados que ultrapassam os números, quando pensamos a temática das migrações.
Neste trabalho, considerando as observações de Bourdieu (1998; 2007), definimos
então as trajetórias, como biografias conformadas pelos indivíduos ao longo dos caminhos
percorridos durante as migrações e/ou seus ciclos de vida. As experiências vividas nestes
itinerários, tanto no que se refere aos deslocamentos quanto às modalidades de trabalho
assumidas, são então responsáveis por organizar o material a partir do qual os indivíduos
conformam, para si, identidades.
3
Assim, fundamentando-se em autores como Hall (1999; 2003), Woodward (2003),
Castells (1999), e Silva (2003), a noção de identidade adotada neste trabalho remete a um
aspecto passível de mudanças, fragmentado e múltiplo, construído e reconstruído de forma
ininterrupta, a partir de percepções e visões de mundo, por sua vez influenciadas pelo lugar
ocupado pelo indivíduo no mundo social. As posições ocupadas na sociedade são
organizadas pelos indivíduos a partir de suas trajetórias e compreendem uma série de
disposições, capazes de orientar as suas ações na vida cotidiana. Este arranjo remete-nos
então, à noção de habitus estabelecida por Bourdieu (2005; 2007), um sistema de esquemas
individuais portadores de disposições estruturadas coletivamente, e estruturantes de forma
individual, adquirido nas e pelas experiências práticas.
Estabelecer um sobrevôo sobre as principais concepções a respeito dos conceitos de
campo e cidade na literatura brasileira especializada também se fez importante,
principalmente para dialogar e contrapor estas perspectivas com as surgidas nos pontos de
vista dos assentados. Apesar dos debates acerca das correntes que abordam a relação campo-
cidade não serem o objetivo primeiro da dissertação, integram a discussão. Ora, muitos
indivíduos que hoje habitam os assentamentos estudados, passaram pelo perímetro urbano
e/ou se relacionam cotidianamente com a cidade. Assim, grosso modo, de maneira
simplificada, dividimos estas posições teóricas em dois principais olhares: Um que afirma
existir uma tendência de homogeneização do campo e pasteurização de suas diferenças em
relação à cidade, a partir da sobreposição do urbano sobre o rural; e outro que assegura a
conservação de relações peculiares e características a cada um destes espaços, mesmo diante
do processo de Globalização econômica em curso.
Foi fundamental, também, analisar como a migração é definida nas ciências sociais, e
quais foram os principais avanços e retrocessos em seu estudo. Para Becker (2003) este
fenômeno pode ser deliberado, resumidamente, como a mobilidade espacial da população.
Estudiosos como Arango (1985) e Peixoto (2004) acreditam que o tema migrações manteve-
se por muito tempo, na melhor das hipóteses, à margem nos estudos empreendidos pelos
autores clássicos das principais ciências sociais, quando não foi simplesmente ignorado.
Ainda hoje, nos estudos sociológicos, esta temática surge, rotineiramente, a reboque de outros
temas considerados clássicos, como gênero, trabalho, educação, etc. Por isso, para estes dois
autores, embora tenha ocorrido um refinamento analítico no que concerne aos estudos dos
processos migratórios, o estágio de desenvolvimento teórico ainda não corresponde à
importância do fenômeno.
4
Deste modo, mesmo que haja uma diversidade de possibilidades de análise a respeito
da migração, em regra os estudos sobre esta questão são essencialmente estatísticos e, ao
definirem suas causas e conseqüências, o cerne do debate, na maioria das vezes, limita as
justificativas aos fatores econômicos arrolados nestes processos. Observa-se, então, que a
exemplo de outros conceitos presentes nas Ciências Sociais, a delimitação da migração
aparece acompanhada da clássica dualidade a respeito da unidade de análise que seria mais
pertinente: o indivíduo ou a sociedade. Neste caso, o migrante ou o processo em que se dá a
migração.
Dito isto, como veremos adiante, o debate acerca das migrações pode ser dividido em
duas principais abordagens, de cunho micro ou macrossociológico. A primeira fundamenta-se
na crença da capacidade de racionalidade individual do sujeito, a partir da realização dos
cálculos dos custos e benefícios de se aderir ou não à estratégia da migração, dadas as
condições objetivas do local de partida e chegada. A segunda explica as migrações como
fenômenos decorrentes de fatores histórico-estruturais, conseqüência da situação econômica,
política e social de um determinado momento, portanto, capazes de suprimir os interesses
individuais dentro do processo decisório (Matos, 2003); (Peixoto, 2004).
Ambas, comumente, buscam explicar as migrações a partir do trabalho empírico
baseado na coleta de informações, convertidas em estatísticas, principalmente através da
aplicação de questionários. Deste modo, Muniz (2002) acredita que, apesar destas explicações
serem válidas para questionarmos o fenômeno das migrações, não são, por si só, satisfatórias.
Isto porque os migrantes não respondem de forma automática às variadas crises, têm
prioridades e agem de formas distintas e, nem sempre são capazes de empreender cálculos
perfeitos.
É neste contexto que ganham espaço e importância as análises qualitativas a respeito
das migrações, cujo intuito é responder a algumas limitações e preencher lacunas colocadas
pelos exames especialmente quantitativos. Portanto, a preocupação não se concentra
exclusivamente nos elementos passíveis de quantificação, fundamentados somente em
aspectos econômicos, mas passa a considerar, principalmente, os fatores subjetivos
relacionados a estes fenômenos.
Tomando como pressuposto empreender uma análise qualitativa das migrações, o
trabalho de campo que subsidiou esta dissertação foi realizado em dois assentamentos rurais
denominados Che Guevara e Ilha Grande, situados no Norte Fluminense, mais precisamente,
em Campos dos Goytacazes. O Norte Fluminense é historicamente caracterizado por ter sido
5
uma das regiões brasileiras mais proeminentes no cultivo e beneficiamento da cana-de-açúcar,
o que tornou a produção de derivados deste artigo uma das atividades econômicas de maior
expressão na região.
Neste contexto, destacam-se o município de Campos dos Goytacazes e seu entorno,
localidade que concentrou e, de forma incipiente ainda concentra, a atividade canavieira
regional. No auge da atividade canavieira, Campos dos Goytacazes contou com inúmeras
fazendas produtoras de cana-de-açúcar e, aproximadamente, vinte e quatro usinas
responsáveis pelo beneficiamento deste produto, o que possibilitava ao município distribuir
sua produção pelo país inteiro (Carvalho e Silva, 2004).
Dada a intensidade da produção e os vultosos capitais que envolviam a atividade, já
que o açúcar constituía-se em um artigo fundamental de exportação brasileira, os produtores
(usineiros e fazendeiros), gozavam de forte influência no governo federal, a ponto de
pressionarem-no exigindo o fornecimento de subsídios para possibilitar a manutenção e
expansão da atividade canavieira. O marco central desta conjuntura foi a criação do Instituto
do Açúcar e do Álcool (IAA) em 1933. O papel principal deste Instituto era o de controlar a
produção sucroalcooleira por meio da determinação de cotas de produção (Carvalho e Silva,
2004); (Neves, 1997a).
Apesar da pressão exercida pelos produtores, a política do IAA não foi homogênea.
Conciliou o atraso tecnológico atravessado pela região Norte Fluminense com a modernidade
das usinas de São Paulo, tornando este Estado o maior fabricante de açúcar do país e um dos
maiores do mundo, ao mesmo tempo em que Campos dos Goytacazes perdia mercado, dada a
defasagem na tecnologia utilizada, cujo resultado foi a venda ou falência de diversas usinas
(Barbosa, 2003).
Diante desta defasagem tecnológica, nos anos 1970, há um processo de reestruturação
do padrão produtivo das usinas sucroalcooleiras campistas, no entanto, desacompanhado do
aumento da produção de matéria-prima na mesma magnitude. Faltava cana-de-açúcar para as
indústrias que operavam de forma ociosa. Sem matéria-prima para trabalhar, muitas usinas
entraram em falência, ocasionando o desemprego e, conseqüentemente, contribuindo para o
êxodo rural (Neves, 1997b).
Esta crise é abrandada na segunda metade dos anos 1970 com a criação do Programa
Nacional do Álcool (PROALCOOL), que tinha por objetivo o aumento da produção de safras
de cana-de-açúcar a fim de produzir o álcool, cujo papel era o de substituir os derivados do
petróleo, principalmente a gasolina, dado o alto preço do produto no mercado internacional.
6
Apesar de um reaquecimento no setor sucroalcooleiro promovido pelo PRÓALCOOL, a partir
de 1980 o país atravessa uma grave recessão econômica, que comprometeu a continuidade do
programa. Nos anos 1990, em virtude, em parte, das conseqüências da crise, o IAA foi extinto
(Azevedo, 2004). (Neves, 1997a).
Desta forma, o fim dos investimentos massivos no setor sucroalcooleiro, atrelado à
tensão anterior da década de 1970, resultou em um colapso das usinas beneficiadoras da cana-
de-açúcar, entre 1980 e 1990 e, por conseguinte, acarretou uma sucessão de falências. As
falências, obviamente, contribuíram mais uma vez, para o aumento do desemprego no campo,
elevando a ocorrência do êxodo rural, que já vinha acontecendo de forma expressiva desde os
anos 1970. Ao chegar à cidade, sem qualificação profissional, grande parte dos indivíduos que
migrou continuou desempregada, agravando ainda mais os problemas sociais comuns às
periferias urbanas.
É neste cenário que o MST retoma, a partir dos anos 1990, suas ações no Estado do
Rio de Janeiro e volta sua atenção para a região Norte Fluminense. Havia ali uma vasta
extensão de terras improdutivas em função das sucessivas falências ocorridas (Macedo, 2006).
Sob a bandeira da luta pela terra e contra a situação de pobreza provocada pela atividade
canavieira no Norte Fluminense, o MST passa então a generalizar as ocupações de terras nesta
região, incentivando o retorno de indivíduos ao campo (migração rural-urbano-rural) e,
conseqüentemente, motivando também o processo de migração urbano-rural. Portanto, o MST
abriu a possibilidade de incorporação ao movimento tanto daqueles que se tornaram órfãos
das atividades que envolviam a cana-de-açúcar, como de indivíduos de origem urbana.
A partir dessa visível retomada das ações no MST no Rio de Janeiro, nos anos 1990, é
que são também estabelecidos os assentamentos que se constituíram como local de estudo
empírico deste trabalho e que são denominados Ilha Grande e Che Guevara. Estes se
originaram a partir da ocupação empreendia pelo MST em janeiro de 1998, em duas fazendas
produtoras de cana-de-açúcar, pertencentes à Companhia Agrícola Baixa Grande. As fazendas
chamavam-se, respectivamente, “Ilha Grande” e “Marrecas”, ambas situadas na localidade de
Marrecas que dista, aproximadamente, 48 quilômetros do perímetro urbano de Campos dos
Goytacazes (PDA Che Guevara, 2001; PDA Ilha Grande, 2002).
Embora o trabalho de campo desta dissertação tenha ocorrido nestes assentamentos, no
momento da coleta de dados a atenção foi centrada não nestes espaços em si, considerados
como casos específicos, mas nos assentados que deles fazem parte e nas suas trajetórias
migratórias. Como anteriormente mencionado, a estratégia principal adotada para angariar os
7
dados foi a realização de entrevistas semi-estruturadas e a observação participante. Neste
momento, procurou-se compreender como os assentados vivenciaram os deslocamentos
(físicos e sociais) empreendidos até a chegada aos assentamentos e a influência das posições
sociais, que ocuparam e ocupam, na elaboração dos significados e representações sobre sua
atual situação.
Por isso, valorizou-se, nos diálogos travados no momento da realização das entrevistas,
a trajetória migratória dos assentados, as atividades realizadas antes e depois da entrada no
assentamento, as habilidades de trabalho adquiridas ao longo destas trajetórias, os valores que
orientam o cotidiano do assentamento, principalmente no que tange à caracterização da vida
no campo e na cidade pelos próprios assentados. Os depoimentos concedidos foram então o
eixo orientador desta dissertação.
A partir das considerações esboçadas surge o desafio: observar os processos
migratórios sob a ótica daqueles que migram. Nestes termos, é que emerge a proposta deste
trabalho. Ao mesmo tempo em que objetiva, como já foi explicitado, compreender e
problematizar a relação entre reforma agrária e migrações, bem como as percepções em jogo
nestes processos, é também, de certo modo um convite a estabelecermos um exercício de
pensar as migrações através de uma reflexão qualitativa.
Diante disso, como motes para analisarmos estas questões, foram estabelecidas
algumas hipóteses que, por sua vez, nortearam todo o trabalho. Assim, nossa primeira
proposição é a de que a reforma agrária pode ser tomada como elemento motivador de
deslocamentos populacionais em direção ao campo, favorecendo, de certo modo a melhoria
da qualidade de vida dos indivíduos. Desta forma, a partir deste pressuposto inicial, podemos
inferir que a migração em geral, ultimamente tomada como um fator cujos resultados são em
sua maioria, negativos, quando relacionadas ao mundo rural, em função de ser estritamente
analisada apenas sob a ótica do êxodo rural, nem sempre pode ser assim considerada, se
observarmos também suas outras facetas, a exemplo das migrações de retorno. Dito isto, para
além dos aspectos objetivos ligados ao ramo econômico, aspectos simbólicos e subjetivos
envolvem os processos migratórios.
Assim, apoiando-se no conceito de habitus, acreditamos na pertinência de
considerarmos que o processo migratório até a chegada ao acampamento e/ou assentamento
rural, proporciona aos indivíduos a aquisição de muitos aprendizados, favorecendo o
estabelecimento de percepções específicas sobre o rural, que passam então a orientar as suas
condutas. Esta proposição nos direciona conseqüentemente, a entender que retorno ou
8
entrada de indivíduos no campo por meio do estabelecimento dos assentamentos promove a
emergência de novas relações sociais, e a construção de novos saberes, que unidos aos saberes
pretéritos, conformam um estilo de vida particular.
A reunião destes conhecimentos adquiridos ao longo das trajetórias de vida, e sua
incorporação como um habitus, certamente interfere sobre o modo de gerir o lote; na maneira
de garantir a reprodução social da família; na construção das relações sociais, o que inclui
formação de grupos, as afinidades, os laços de solidariedade, conflitos, etc., fatores que
refletem na constituição do assentamento como local de vida e trabalho, bem como na
concepção de identidades.
Todavia, se por um lado, as alterações no mundo do trabalho e as influências do
mundo urbano repercutem no campo e, por conseguinte, nos assentamentos rurais, –
facilitadas em parte, pela diversidade de trajetórias e pela proximidade destes espaços a
cidade –, por outro lado, tais alterações, como em qualquer outra conjuntura, são traduzidas
para a ordem local e inseridas nas relações sociais, no sistema de representações, e nas
percepções dos indivíduos. Isto demonstra que os assentamentos possuem particularidades
relacionadas a um estilo de vida rural. Portanto, reforça a necessidade de questionarmos a
hipótese do desaparecimento do rural em virtude da expansão do mundo urbano.
Para descartar ou ratificar as proposições levantadas, esta dissertação foi estruturada
em quatro capítulos. O primeiro capítulo contém uma discussão do ponto de vista teórico,
cujo intuito foi o de situar o debate sobre as migrações, relacionando-o com a Reforma
Agrária. Além disso, buscou-se explicitar os conceitos eleitos como norteadores da análise
destes fenômenos. Assim, o capítulo apresenta de forma sucinta algumas considerações sobre
o debate acerca do par rural/urbano, além de propor uma análise das migrações entrecruzada
com ferramentas conceituais como identidade, habitus e trajetória.
O segundo capítulo ocupou-se da apresentação das regiões que abrigam os
assentamentos que consistiram na área de estudo, o Norte Fluminense e o município de
Campos dos Goytacazes, em que pese seus aspectos históricos e sócio-econômicos,
diretamente relacionados à sua estrutura fundiária, a fim de auxiliar a compreensão da
organização do espaço do local. Isto suscitou a necessidade de destacar fatores ligados à
atividade canavieira, bem como aqueles relacionados à ascensão da luta pela terra na região.
Portanto, bancos de dados de instituições como do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE); Atlas de Desenvolvimento Humano do Brasil (2003); Centro de
9
Informações e Dados do Rio de Janeiro (CIDE); Anuário do Perfil Sócio-econômico do
Município de Campos dos Goytacazes 2005 (2006) serviram de alicerces.
No terceiro capítulo são organizados e explicitados os instrumentos e referenciais
metodológicos utilizados, principalmente para a coleta dos dados empíricos. Não obstante,
neste capítulo também são abordadas a construção do problema de pesquisa e a apresentação
das áreas de estudo, isto é, os assentamentos Che Guevara e Ilha Grande, por meio de
aspectos históricos e de um material iconográfico. Há também neste capítulo, um debate sobre
a inserção da pesquisadora no campo de pesquisa, além de uma discussão acerca da entrevista
como ferramenta metodológica do trabalho de campo.
O quarto capítulo é dedicado à retomada das discussões das questões até então
levantadas. A estas questões, porém, são acrescidos os pontos de vista dos assentados, que
foram extraídos a partir dos depoimentos concedidos no momento do trabalho empírico.
Entendemos que, para além da discussão a respeito da fundamentação teórica, tem papel
central a visão do sujeito do estudo acerca das questões abordadas. Assim, este capítulo,
consiste em um esforço de apresentar tais relatos sob o pano de fundo dos debates teóricos
explicitados nos capítulos anteriores. Nesta relação entre as informações colhidas e as
questões teóricas, resgatamos então os conceitos de identidade, trajetória e habitus, além das
considerações sobre migrações, o debate sobre o rural e o urbano, confrontando este
arcabouço teórico com os olhares externados pelos assentados.
10
CAPÍTULO I – Migrações: Panorama Geral
As migrações em suas mais variadas expressões apresentam certos desafios no que diz
respeito a sua compreensão, uma vez que, referindo-se genericamente aos fenômenos de
mobilidade espacial, isto é, aos deslocamentos de contingentes populacionais de uma região
para outra, trazem à baila diversos sujeitos portadores de diferentes visões de mundo. Partir e
chegar, dois lados da migração, implicam então, em rearranjos que envolvem fatores como
trajetórias e identidades.
Não obstante, quando o assunto abordado refere-se às migrações desencadeadas por
acontecimentos no campo, emergem as novas modalidades de deslocamentos populacionais
que, por sua vez, promovem alterações tanto nas relações presentes no meio rural quanto no
perímetro urbano, repercutindo, de certa forma, na organização da população inserida e que
transita nestes espaços.
Tais fatores alteram então, as percepções cristalizadas ao longo do tempo, acerca das
concepções do que poderia ser deliberado como rural e urbano. Isto impõe rediscussões no
que tange as definições fundamentadas pela clássica oposição destes conceitos em dois pólos.
Assim, este capítulo tem o objetivo de pontuar alguns aspectos teóricos de modo a nortear as
questões empíricas apontadas no trabalho.
1
Deste modo, torna-se interessante situar o debate
acerca do par rural/urbano, bem como propor um entrecruzamento do tema migração, com
conceitos como identidade, habitus e trajetória, cujo intuito é auxiliar uma investigação
especialmente qualitativa de tal temática. Para tanto, aspirou-se a princípio, empreender a
iniciativa de não polarização do debate sobre migrações. Isto significa tomar a precaução de
não assumir uma postura que resultasse em uma análise que privilegiasse apenas o migrante,
ou somente o processo migratório.
2
1
De acordo com Bourdieu (2007:15): “Não podemos capturar a lógica mais profunda do mundo social a não
ser submergindo na particularidade de uma realidade empírica, historicamente situada e datada, para construí-
la, porém, como caso particular do possível (...), isto é, como uma figura em um universo de configurações
possíveis.”
2
Faz-se importante observar as considerações de Pierre Bourdieu (2007) acerca de uma proposta do exercício de
uma ciência relacional, que atribui primazia às relações; e ao mesmo tempo disposicional, que atualiza as
potencialidades inscritas nos corpos dos agentes, e nas estruturas das situações nas quais eles atuam. Isto nos
permite uma prática sociológica que observe as ações centradas nas relações objetivas entre as potencialidades
inscritas nos agentes, bem como a estrutura das situações nas quais eles agem. Desta forma, segundo este ponto
de vista, tanto o indivíduo quanto a estrutura social têm de ser levados em conta quando se faz pesquisa em
Sociologia. Assim, as concepções dos indivíduos são tão importantes quanto às condições objetivas.
11
1.1. O par rural-urbano: Situando o debate
“A ordem da cidade sempre se alimentou da ordem rural, e a
ordem da fábrica (ou do canteiro de obras) sempre se alimentou
da ordem dos campos (SAYAD, 2000:7).”
A acepção de qualquer conceito é influenciada pelas diversas representações existentes
sobre o aspecto da realidade que se pretende delimitar. Neste sentido, a definição do espaço
rural depende de particularidades históricas, institucionais e regionais. Para Martins (1986) a
noção de rural é elaborada a partir de determinadas condições e circunstâncias sociais.
Carneiro (1998) assevera que em virtude do ritmo das transformações das relações sociais no
campo, as demarcações do que vem a ser rural e urbano são construídas a partir de
representações sociais, tratando-se de noções simbólicas.
Assim, Reis (2006), afirma que são inúmeras as dificuldades conceituais e
metodológicas impostas no que se refere às definições do que seja rural e urbano no Brasil.
Portanto, nem sempre as delimitações, ainda que oficiais, conseguem corresponder às
especificidades e realidades díspares que integram o rural. Diante das dificuldades de
definição do que vem a ser o rural, insurge a necessidade de pontuar a discussão acerca das
relações entre o par rural-urbano, cujo intuito é contribuir para o debate sobre as migrações de
entrada ou retorno ao campo. Desta forma, a grosso modo, o que estão em jogo,
principalmente, são pontos de vista que de um lado, defendem uma tendência de
homogeneização, a partir da sobreposição do urbano sobre o rural, e de outro, reflexões que
asseguram a manutenção de relações peculiares e características a cada um destes espaços.
De acordo com Ferreira (2002) no final dos anos 1960, nos países de capitalismo
avançado, e no início da década de 1980 no Brasil, correntes teóricas que abordavam as
relações campo-cidade apontavam para o fim do rural, dado o processo de urbanização em
curso, a integração da indústria a agricultura, acompanhada pela exacerbação do êxodo rural.
Desta forma, o declínio da população no campo era diretamente associado ao esmorecimento
do que então era considerado rural a partir de diversas teorias. Segundo Giuliani (1990), na
Europa tudo parecia indicar então, que o urbano iria se sobrepujar rapidamente ao rural,
diante das aparentes conveniências que a cidade tinha a oferecer. A agricultura se tornaria
apenas mais um ramo da indústria, e os agricultores seriam os funcionários suburbanos.
A cidade, no contexto destas análises, consistia no lócus do desenvolvimento
econômico e da modernização, enquanto o campo era entendido como um espaço arcaico, por
12
isso em declínio. Segundo Sauer (2003) esta visão dicotômica, ora contrapõe os dois pólos, ora
subordina, incondicionalmente, o rural ao urbano “através do estabelecimento de uma estreita
identificação entre urbano e moderno, de um lado, em oposição ao rural e tradicional de outro
(Sauer, 2003:2).” Obedecendo esta lógica, o que teríamos seria a preponderância do urbano
sobre o rural, ocasionando a diluição das contradições e diferenças entre estes dois espaços.
3
Esta percepção do imaginário espacial no que tange ao rural e urbano prevaleceu durante
muito tempo. Contudo, a partir dos anos 1990 de acordo com Wanderley (1999:3):
A crise do modelo de sociedade (desemprego, violência urbana, etc.), a
redução dos fluxos migratórios para as cidades, as novas demandas no que se
refere à modernização da agricultura (no sentido da chamada
“sustentabilidade” social), a referência explicita a uma identidade que se
pretende rural e as novas exigências a respeito da cidadania rural, trazem à
ordem do dia a preocupação com o desenvolvimento rural e impõem a
reflexão sobre o que vem a ser o “rural” na atualidade brasileira e quem é (ou
se identifica como) rural no Brasil de hoje.
Surgem então teorias que passam a discutir as potencialidades do rural enquanto
espaço de reformas sociais, procurando evidenciar a existência de uma realidade mais
complexa. Para tanto, de modo a empreender uma tentativa de superar o debate que preconiza
esta dicotomia, questiona-se até que ponto a dualidade rural-urbana apresenta-se como um
referencial teórico pertinente para entender esses espaços.
4
No Brasil, Wanderley (1999)
afirma que tal fato foi impulsionado, sobretudo, pela ascensão de movimentos sociais no
campo. O mais expressivo é o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, que
recentemente, apresentou como um dos elementos da sua pauta de reivindicações, apesar de
não constituir-se em uma característica geral, a demanda pela volta ao campo, para surpresa
de muitos, que anteviam o fim do rural e, por isso, interpretavam as migrações para as cidades
como fato inexorável, significando uma espécie de libertação da dependência tradicional
presente no campo.
Para Sauer (2003), a reivindicação destes movimentos promove a ascensão de valores
que perpassam os itinerários de vida, e influenciam a reconstrução da identidade das pessoas
que lutam pelo acesso à terra. Soma-se a isto o fato de que, em diversos países, registravam-se
processos de recomposição do campo, representado por aspectos como a retomada do
3
Um dos maiores expoentes desta vertente teórica é o estudioso Henri Lefebvre, que defende em suas teorias a
hipótese de completa urbanização. Para maiores detalhes ver: LEFEBVRE, Henri. A Revolução Urbana. Belo
Horizonte, Editora UFMG, 2002.
4
De acordo com Ferreira (2002:30-31) “As ciências sociais passaram a analisar o rural por meio de correntes
teóricas que introduziram questões como novas ruralidades, renascimento rural, reconstrução da ruralidade,
novo rural, etc.”
13
crescimento demográfico, diversificação das ocupações, etc. (Ferreira, 2002). Tais fatores,
atrelados a reflexões teóricas recentes, questionam o suposto fenecimento do rural, na medida
em que recolocam importância do mesmo tanto na agenda política brasileira, bem como nas
reflexões acerca da sociedade ocidental contemporânea (Sauer, 2003).
Dito isto, de forma simplificada, podemos destacar dois olhares acerca do rural no
cenário brasileiro. O primeiro aponta para a existência de um “novo rural” no país. Deste
modo, José Graziano da Silva (1999), fundamentado no projeto que coordena com auxílio de
outros pesquisadores, denominado Caracterização do Novo Rural Brasileiro, sinteticamente
chamado de Projeto Rurbano, afirma que atualmente o rural brasileiro deve ser definido
levando-se em conta um mundo urbano em expansão, haja vista a industrialização da
agricultura, a racionalidade econômica das empresas rurais e do atual padrão técnico-
produtivo agrícola. De acordo com esta análise, o rural está assistindo ao crescimento
acelerado de atividades não agrícolas, por isso, a tendência é que este se transforme em uma
espécie de continnum do urbano, do ponto de vista espacial.
Ao rural não caberia mais delimitações baseadas em atividades estritamente agrícolas.
De acordo com Ferreira (2002), dentro deste contexto, a tese do continnum rural-urbano é
retomada, de modo a dar sentido à urbanização geral em um território concreto. Para
Wanderley (2000), sob esta ótica, a agricultura se tornaria apenas mais um campo de
aplicação do capital, como qualquer outro setor passível de investimento. O rural, não
desapareceria por completo, porém, estaria vivenciando uma crescente diminuição de suas
particularidades diante do considerado urbano, o que desembocaria na homogeneização, onde
o urbano prevaleceria.
A partir deste ponto de vista, a idéia de uma concepção dual do rural e do urbano é
reatualizada. Assim, de acordo com Wanderley (2001) apud Sauer (2003) o principal
problema desta análise, repousa no fato de privilegiar uma visão direcionada ao urbano,
considerado então como a fonte do progresso e dos valores dominantes, que se impõem ao
conjunto da sociedade. Ora, focando-se no contraste entre estes dois espaços, o rural mais
uma vez assume o pólo atrasado em uma escala de gradação. Todavia, o outro olhar acerca
do par rural-urbano prioriza uma análise que aproxima os dois pólos. De acordo com esta
vertente, o rural está integrado ao urbano, porém, mantém suas especificidades, assim:
Mesmo ressaltando-se as semelhanças entre os dois extremos e a
continuidade entre o rural e o urbano, as relações entre o campo e a cidade
não destroem as particularidades dos dois pólos e, por conseguinte, não
14
representam o fim do rural; o continuum se desenha entre um pólo urbano e
um pólo rural, distintos entre si e em intenso processo de mudança em suas
relações (WANDERLEY 2001:33).
De forma semelhante, Carneiro (1998) afirma que o abrandamento das fronteiras entre
o rural e o urbano não pressupõe uma homogeneização, capaz de reduzir a distinção entre
estes espaços. Para a autora, a modernização repercute em cada local de forma diferenciada.
Deste modo, as transformações observadas no rural advindas das trocas, sejam elas
simbólicas, materiais ou pessoais, com o mundo urbano, não acarretam necessariamente na
descaracterização do sistema cultural e social vigente no rural. Mas, podem promover o
reforço de identidades ligadas ao pertencimento a uma localidade, bem como uma
reorientação da capacidade produtiva da sua população, apresentando-se com uma alternativa
a fatores como o êxodo rural, desemprego urbano e o padrão agrícola dominante.
Neste sentido, para Wanderley (2001:33), mesmo que as fronteiras entre o rural e o
urbano sejam tênues, “as representações sociais dos espaços rurais e urbanos reiteram
diferenças significativas, que têm repercussão direta sobre as identidades sociais, os direitos
e as posições sociais de indivíduos e grupos, tanto no campo quanto na cidade.” Contudo, a
autora assinala ainda que, as diferenças entre o rural e o urbano não mais se manifestam a
partir do acesso a bens materiais e sociais. Estas, atualmente, se dão no plano da elaboração
de identidades e das reivindicações do espaço rural como local de vida e trabalho,
principalmente a partir das ações de movimentos sociais, que recolocam a importância e
vitalidade do rural na sociedade contemporânea. As especificidades por um lado, podem
significar fontes de integração, e de outro, dar origem a embates e tensões entre estes espaços.
Para Sauer (2003) é imperativo, ao invés da busca de delimitação de fronteiras para o
rural e urbano, investigar os significados que os indivíduos atribuem às práticas sociais que
compõem as interações entre estes espaços. Deste modo, para Carneiro (1998) é preciso, pois,
rejeitar trabalhar com oposições binárias do rural e urbano, de modo a apreender as visões de
mundo que integram estes espaços. Assim, consta-se que é infactível a pretensão de elaborar
uma definição ampla e universal seja do rural ou mesmo do urbano, uma vez que em cada um
destes espaços são encontradas as mais diversas realidades sociais e espaciais.
Neste contexto, campo e cidade apresentam-se como realidades diferenciadas, mas não
como espaços antagônicos. Ora, acredita-se aqui que nem tudo o que existe no campo é
estritamente rural e, por conseguinte, nem tudo o que é verificado na cidade é urbano.
Entende-se que as diferenças evidenciadas nestes espaços são, justamente, as que promovem a
15
complementaridade existente entre os mesmos, transformando-os em partes de um mesmo
todo. Neste sentido, Carneiro (1988, 6-7) assevera ainda, ao falar em ruralidade, que:
(...) não podemos entender a ruralidade hoje somente a partir da penetração
do mundo urbano-industrial no que era definido tradicionalmente como
"rural", mas também do consumo pela sociedade urbano-industrial, de bens
simbólicos e materiais (a natureza como valor e os produtos "naturais", por
exemplo) e de práticas culturais que são reconhecidos como sendo próprios
do chamado mundo rural. Nesse sentido, importa mais do que tentarmos
redefinir as fronteiras entre o "rural" e o "urbano", ou simplesmente ignorar
as diferenças culturais contidas nessas representações sociais, buscar, a partir
do ponto de vista dos agentes sociais, os significados das práticas sociais que
operacionalizam essa interação e que proliferam tanto no campo como nos
grandes centros urbanos, tais como a pluriatividade , os neo-rurais, a cultura
country etc.
1.2. Identidades, trajetórias e o conceito de habitus: aportes teóricos para análise das
migrações.
Além do debate sobre a definição do par rural-urbano, como acima apontado, três
conceitos são evocados, de modo a auxiliar posteriormente a análise das migrações. Assim, a
decisão de não polarização do debate sobre estes fenômenos, de um lado no indivíduo
migrante ou de outro, no processo migratório, bem como, a proposta do estabelecimento de
uma reflexão fundamentalmente qualitativa, aponta para a análise das migrações de forma
articulada ao conceito de habitus desenvolvido por Pierre Bourdieu (2005; 2007), e as
categorias identidade e trajetória. Deste modo, faz-se mister, situarmos, ainda que de forma
breve, considerações a respeito do conceito de identidade aqui aludido.
Assim, ao buscarmos definições para a categoria identidade no âmbito das Ciências
Sociais, – o que nos ajudará, posteriormente, a refletir e relacionar esta questão com o
fenômeno das migrações – nos deparamos com a análise empreendida por Max Weber (1994),
acerca do que denominou identidade étnica, conceito que pode nos fornece indicações iniciais
para pensarmos a temática identidade. O ponto principal da teoria weberiana, que pode
contribuir para a análise de tal categoria, encontra-se na relevância dada pelo autor à idéia do
pertencimento subjetivamente definido a um grupo. Este pertencimento poderia ocorrer de
modo temporário ou permanente, o que conformaria um “sentimento de vida em comum” e
culminaria no estabelecimento de identidades. A idéia de coletividade e dos processos capazes
de promover a criação de comunidades de intercâmbio social adquire, então, papel central.
Deste modo, para Weber (1994), a identidade seria parte de uma tentativa de
generalização de processos de formação de grupos e ação política, cuja objetividade não pode
16
ser avaliada independentemente da significação que lhes atribuem os indivíduos no decorrer
de suas relações sociais. De acordo com o autor, é de fundamental importância neste contexto
o compartilhamento de valores e costumes, pois toda espécie de comunidade, desde a
doméstica e de vizinhos até a política e religiosa, é geralmente portadora de costumes em
comum.
Autores como Hall (1999; 2003), Woodward (2003), Castells (1999) e Silva (2003b),
também têm se debruçado sobre a questão da identidade e destacado a relevância dos
significados, costumes e aspectos culturais para a construção destas categorias. Eles
consideram que as identidades são construídas a partir de discursos e atribuições de
significados. Portanto, estas estão em constante alteração, tornando-se cada vez mais
fragmentadas e múltiplas (Silva, 2003b; Hall, 2003).
Dentre os estudos a respeito da questão da identidade, merecem destaque as reflexões
de Stuart Hall (1999; 2003). Para o autor, a identidade deve ser pensada como algo em
constante movimento e, em função disso, trata-se de um processo historicamente definido e
que se modifica de acordo com o contexto. Portanto, identidades são formadas e
transformadas de maneira contínua em relação às percepções e visões de mundo que nos
rodeiam, culminando em posições que o sujeito é obrigado a assumir. Neste sentido, na
conformação da identidade há uma troca entre o que está dentro e o que está fora, entre o
mundo pessoal e o mundo público, ou seja, assimilamos os valores culturais do ambiente no
qual vivemos, ao mesmo tempo em que projetamos a nós próprios neste mesmo ambiente.
De acordo com Hall (2003), as identidades são então, construídas dentro dos diversos
discursos, emergindo das relações de poder, o que lhes confere o status de produto da
marcação de diferença e exclusão. Ora, é apenas a partir da relação com o outro – aquilo que
não o é – que o significado de qualquer termo, dentre eles o de identidade pode ser instituído.
A identidade é então algo móvel, múltiplo, pessoal, auto-reflexivo e sujeito a mudanças, o que
faz dela um processo inacabado, sempre em construção e permeado por tensões.
Para Woodward (2003), a identidade é relacional e marcada por símbolos cuja função
é demonstrar a diferença, a distinção em relação a outras identidades. Todavia, “a identidade
não é o oposto da diferença, a identidade depende da diferença (Woodward, 2003:40).Não
obstante, está vinculada não apenas a condições simbólicas, mas também a condições sociais
e materiais. Deste modo, a marcação simbólica é o meio pelo qual organizamos as práticas e
relações sociais, que são vividas através do processo de diferenciação social. A autora
sublinha a importância das percepções e representações na conformação das identidades, em
17
virtude de abrigarem práticas de significação e sistemas simbólicos que proporcionam a
elaboração de significados, o que nos permite nos posicionarmos como sujeitos.
Silva (2003b), aproximando-se das análises de Woodward e Hall, considera a
identidade como o fator que proporciona o estabelecimento da diferença, isto é, a identidade
constitui-se em uma norma pela qual avaliamos aquilo que não somos. Porém, como fruto de
relações culturais e sociais, identidades e diferenças são produzidas constantemente através
dos discursos, e não podem ser compreendidas fora do sistema de significação construído
pelos sujeitos.
Em uma linha de pensamento semelhante à desenvolvida por Hall, Castells (1999:22),
ao ressaltar também a influência dos fatores culturais, define identidade como a “fonte de
significados e experiências de um povo, com base em atributos culturais relacionados que
prevalecem sobre outras fontes”.
5
Para o autor, um determinado indivíduo ou ator coletivo
pode possuir identidades múltiplas. Todavia, ele assinala que não se devem confundir
identidades com papéis, pois estes determinam funções e as identidades organizam
significados. Portanto, a construção da identidade depende da matéria-prima proveniente da
cultura obtida, processada e reorganizada de acordo com a sociedade.
Embora não compartilhem exatamente a mesma definição a respeito do conceito de
identidade, é possível constatar que a análise empreendida pelos autores acima aludidos
converge em vários pontos. Todos situam a demarcação de tal conceito dentro dos sistemas de
significação e postulam o aspecto fluido inerente às identidades, em que o plano objetivo tem
papel importante. Neste sentido, demonstram que as identidades não consistem em algo
estático, inerte, mas, ao contrário, se impõem por meio da influência de aspectos sociais,
simbólicos e ao mesmo tempo materiais.
Na construção de identidades há então, uma mediação entre arranjos internos aos
indivíduos, e arranjos externos estabelecidos entre os indivíduos a partir da interação. Isto
significa dizer que as identidades são construídas sim, por meio de aspectos simbólicos,
5
Ao abordar o conceito de identidade Castells (1999) estabelece três formas e origens de construção da mesma:
Identidade legitimadora, introduzida pelas instituições dominantes da sociedade no intuito de expandir e
racionalizar sua dominação em relação aos atores sociais; Identidade de resistência, criada por atores que se
encontram em posições desvalorizadas e estigmatizadas pela lógica da dominação, construindo, assim,
trincheiras de resistência e sobrevivência com base em princípios diferentes dos que permeiam as instituições da
sociedade; e Identidade de projeto, que consiste na busca da conquista de uma nova identidade através de
aparatos culturais, cujo objetivo é o de promover uma redefinição das posições na sociedade.
18
contudo, esta construção corresponde às posições objetivas ocupadas pelos indivíduos nesse
espaço de produção simbólica. Deste modo, a constituição de uma identidade é realizada:
A partir de um ponto situado no espaço social, ou seja, através de uma
perspectiva definida em sua forma e em seu conteúdo, pela posição objetiva a
partir da qual é assumida. Assim, o espaço social comanda as representações
que os agentes sociais podem ter dele (BOURDIEU, 2007:27).
Partindo do pressuposto de que as identidades são então construídas por meio das
experiências e situações vivenciadas pelos indivíduos ao longo de seus itinerários, emerge a
questão da categoria trajetória. Para Bourdieu (1998), trajetória refere-se a acontecimentos
biográficos constituídos por meio da junção de ações realizadas pelo indivíduo ao longo de
seu ciclo de vida. Assim, segundo Bourdieu (1998:189-190) podemos compreender o
conceito de trajetória como:
Uma série de posições sucessivamente ocupadas por um mesmo agente (ou
um mesmo grupo) num espaço que é ele próprio um devir, estando sujeito a
incessantes transformações. Tentar compreender uma vida como uma série
única e por si suficiente de acontecimentos sucessivos, sem outro vínculo que
não a associação a um "sujeito" cuja constância certamente não é senão
aquela de um nome próprio é quase tão absurdo quanto tentar explicar a
razão de um trajeto no metrô sem levar em conta a estrutura da rede, isto é, a
matriz das relações objetivas entre as diferentes estações. (...). O sentido dos
movimentos que conduzem [o indivíduo] de uma posição a outra (de um
posto profissional a outro, de uma editora a outra, de uma diocese a outra
etc.) evidentemente se define na relação objetiva entre o sentido e o valor, no
momento considerado, dessas posições num espaço orientado. O que
equivale a dizer que não podemos compreender uma trajetória (...) sem que
tenhamos previamente construído os estados sucessivos do campo no qual ela
se desenrolou e, logo, o conjunto das relações objetivas que uniram o agente
considerado - pelo menos em certo número de estados pertinentes - ao
conjunto dos outros agentes envolvidos no mesmo campo e confrontados
com o mesmo espaço dos possíveis.
Bourdieu (1996) apud Montagner (2007:14) afirma ainda que:
Toda trajetória social deve ser compreendida como uma maneira singular de
percorrer o espaço social, onde se exprimem as disposições do habitus e
reconstitui a série das posições sucessivamente ocupadas por um mesmo
agente ou por um mesmo grupo de agentes em espaços sucessivos.
Dessa forma, constata-se que as experiências vivenciadas e internalizadas por um
indivíduo e a série de posições ocupadas dentro das diversas instituições sociais, no itinerário
de um ciclo de vida, fundamentam a conformação de trajetórias. Estas, por sua vez,
constituem-se no material a partir do qual o indivíduo constrói para si identidades. É então, a
19
trajetória social "objetiva", categorizada pelas instituições, que permite as identificações
subjetivas. Por conseguinte, o indivíduo não existe de fato, fora destes itinerários.
Para Mills (1965), todo indivíduo que vive de uma geração até a seguinte, em uma
determinada sociedade, vive uma biografia, dentro de uma seqüência histórica. Este fato
contribui, por menos que seja, para o condicionamento dessa sociedade e para o curso de sua
história, ao mesmo tempo em que o indivíduo é condicionado pela sociedade e pelo seu
processo histórico. Neste sentido, Velho (2006:4) reitera que, de acordo com as colocações de
Mills, percebe-se que “os indivíduos são condicionados pela vida social, mas não são
passivos e objetos inertes. Não são simples produtos, mas sim seres atuantes que através de
sua ação social e de suas biografias reinterpretam e transformam as instituições sociais.”
O termo identidade refere-se, a partir deste ponto de vista, a uma articulação entre um
tipo de espaço significativo de investimento de si com uma forma de temporalidade
considerada como estruturante de um ciclo de vida (Dubar, 1998). Dito isto, a análise das
trajetórias pode nos auxiliar a compreender como são produzidas e transformadas as
identidades sociais, bem como os processos de socialização pelos quais as identidades se
constroem e se reconstroem ao longo da vida.
Deste modo, a noção de habitus de Pierre Bourdieu pode auxiliar a formulação de uma
análise que apreenda as nuances das construções relacionais das identidades. Assim, podemos
considerar que a partir das trajetórias há também a conformação de uma matriz de
disposições, relacionadas a posições sociais que, por sua vez, estruturam as práticas sociais e
subsidiam cumprimento de papéis. Este arranjo, à luz de Pierre Bourdieu, pode ser definido
como habitus. Assim, de acordo com este autor, a noção de habitus refere-se a: “um princípio
gerador e unificador que retraduz as características intrínsecas e relacionais de uma posição
em um estilo de vida unívoco, isto é, um conjunto unívoco de escolhas de pessoas, de bens, de
práticas (Bourdieu, 2007:22)”.
Neste contexto, o habitus é uma forma de subjetivação das estruturas. Ora, o conceito
de habitus assume o papel de vincular às percepções e visões de mundo às condições e
relações objetivas, que dão origem ao que Bourdieu chama de campo, demonstrando o modo
pelo qual um processo continuado de sociabilidade propicia a incorporação da sociedade no
indivíduo, permitindo-lhe a conformação de identidades.
6
Não obstante, quando exteriorizado
6
Para Bourdieu (2005; 2007) a noção de campo corresponde ao espaço onde se dão as relações objetivas entre
os indivíduos, por isso trata-se de um espaço de disputa e jogo de poder entre grupos com distintos
20
no campo, o habitus funciona como elemento de distinção, ou seja, é responsável por gerar
práticas distintas e distintivas, peculiares a um indivíduo, ou a um grupo de indivíduos. Deste
modo, “diferenças nas práticas, nos bens possuídos, nas opiniões expressas tornam-se
diferenças simbólicas e constituem uma verdadeira linguagem (Bourdieu. 2007:22)”, o que
também pode ser vinculado à noção de identidade.
Assim, de acordo com Setton (2002), o habitus deve então ser concebido como um
sistema de esquemas individuais, socialmente constituído de disposições estruturadas (no
social) e estruturantes (nas mentes), adquirido nas e pelas experiências práticas (em condições
sociais específicas de existência), constantemente orientadas para funções e ações do agir
cotidiano. Isto evidencia a dinâmica existente entre o plano objetivo e o plano subjetivo das
individualidades, colocando a necessidade de uma análise relacional entre indivíduo e
sociedade. Neste sentido, nas palavras de Bourdieu, o habitus pode ser observado como:
(...) Produto de uma aquisição histórica que permite a apropriação do
adquirido histórico. A história no sentido de res gestae constitui a história
feita coisa a qual é levada, reativada pela história feita corpo e que não só
atua como traz de volta aquilo que a leva (...) (BOURDIEU, 2005: 83).
Diante disso, noção de habitus torna-se um referencial teórico pertinente, na medida
em que esta ferramenta analítica permite examinar as trajetórias como processos que
envolvem mediações entre os condicionamentos sociais exteriores e a subjetividade. Isto, de
certa forma, nos ajuda na tentativa de romper com a dualidade entre indivíduo e sociedade, no
que se refere à análise das migrações, bem como a captar a “interiorização da exterioridade e
a exteriorização da interioridade (Wacquant, 2004:2). Ou seja, nos possibilita apreender o
modo como a sociedade se torna depositada nos indivíduos durante os processos migratórios,
que então os guiam nas suas respostas criativas aos constrangimentos e solicitações do seu
meio social (Wacquant, 2004).
posicionamentos sociais. Há na sociedade diversos campos, dotados de regras próprias. Deste modo, enquanto o
habitus permite a subjetivação das estruturas, o campo é espaço no qual o habitus pode ser exteriorizado.
21
1.3. Migrações: Algumas considerações
Ao buscarmos definições para o termo migração constatamos que a etimologia desta
palavra origina-se do latim migrare, que significa deslocar-se de um lugar para outro (Matos,
1993). Embora possua significado aparentemente simples para todos que dominam a Língua
Portuguesa, se abandonarmos a esfera lingüística e tomarmos tal denominação sob a ótica das
ciências sociais, nos deparamos com a complexidade que este termo assume. Assim, de
acordo com Cunha (2005:4), “tratando-se de um fenômeno com múltiplas expressões
espaciais e temporais, a migração não possui uma única definição – fato que dificulta
qualquer tentativa de sistematização e levantamento de dados e estimativas”, pois ao mesmo
tempo em que um fluxo migratório possui características universais e estruturalmente
semelhantes a outros fluxos, ele desenvolve histórica e socialmente sua singularidade, já que
cada deslocamento é permeado por série de relações, políticas, econômicas e sociais e,
portanto, pode ser observado sob diferentes aspectos (Davis 1989 apud Fazito 2005).
Neste sentido, Becker (2003) concorda que a categoria migração diz respeito à
mobilidade espacial da população, e acrescenta que tal fenômeno provoca alterações nas
relações entre as pessoas, nas relações de produção e entre estas e seu ambiente físico. Desse
modo, interpretando as migrações como um processo enredado por uma série de arranjos – o
que significa que envolve deslocamentos de indivíduos não apenas entre fronteiras
geográficas, mas também entre as fronteiras políticas, culturais, lingüísticas, etc. –,
constataremos que tais fenômenos pressupõem uma ampla gama de significados, tanto para os
que partem quanto para os que ficam, bem como para os locais de origem e chegada do grupo
ou indivíduo migrante (Evelyn, 1988). Isto favorece então, a produção de diversas correntes
de pensamento, nas quais os migrantes são classificados.
Assim sendo, do ponto de vista sociológico, desta substancial definição emergem
diversas questões que demonstram a complexidade que tal conceito carrega, dentre elas: Por
que as pessoas migram? Quais os fatores que desencadeiam este movimento? Como ele se dá?
A partir de onde se dá? Quais as relações que o atravessam? As respostas surgem
principalmente de dois lados: uma, sugerindo que as migrações envolvem decisões
individuais racionais e outra que denota que os movimentos migratórios são causa e efeito das
estruturas sociais. Novamente nos deparamos com a clássica discussão dual presente na
22
Sociologia: A unidade de análise mais adequada para o estudo destes fenômenos deve
privilegiar o indivíduo ou a sociedade? O migrante ou o processo em que se dá a migração?
Para Peixoto (2004) o tema migrações foi largamente ignorado pelos autores clássicos
das principais ciências sociais, no período histórico em que estas se constituíram e se
consolidaram. Neste sentido, segundo este autor, habitualmente, na Sociologia contemporânea
a temática das migrações não surge como algo dotado de autonomia, ao contrário de temas
clássicos como o trabalho, a educação ou as questões territoriais, acontecendo o mesmo em
outras ciências sociais.
Arango (1985) assinala que embora tenha ocorrido um refinamento analítico ao longo
dos anos no que se refere à análise das migrações, o grau de desenvolvimento teórico ainda
não corresponde à importância deste fenômeno. Para o autor, a prova é que recorrentemente
nos estudos acerca das migrações, são feitas considerações sobre os obstáculos que se
colocam na compreensão desta temática. Tais obstáculos são oriundos de fatores como a
ambigüidade conceitual do fenômeno, das dificuldades de medição e do seu caráter
interdisciplinar e multifacetado. Deste modo, Oliveira (2007) enfatiza que apesar das diversas
possibilidades de olhares a respeito dos movimentos migratórios, em geral, os estudos sobre
esta temática são balizados por enfoques advindos e justificados apenas pelo viés econômico.
Segundo Alves e Mattei (2006), se remontarmos ao passado sobre o estudo das
migrações – tema cuja magnitude extrapola o escopo deste trabalho–, constataremos que um
dos primeiros teóricos a dedicar especial atenção a este fenômeno foi o E.G. Ravenstein.
7
Uma primeira abordagem está calcada na valorização do indivíduo no processo migratório.
Com o objetivo de analisar os movimentos migratórios na Grã-Bretanha, o referido estudioso
utilizou os dados estatísticos concernentes ao Censo Populacional do Reino Unido de 1881,
para estabelecer o que denominou “Leis da Migração
8
, que foram publicadas em duas obras
7
De acordo com Arango (1985) os artigos elaborados por Ravenstein entre os anos de 1885 e 1889 representam,
provavelmente, a primeira manifestação do moderno pensamento cinetífico-social sobre as migrações, por isso,
inauguram uma linha de reflexão que se estende até os dias atuais, cujo objetivo principal é encontrar
regularidades nos processos migratórios. Para maiores detalhes ver: RAVENSTEIN, E. G. (1885). As leis da
migração. Traduzido de RAVENSTEIN, E. G. The laws of migration Journal of the statistical society, 47(1):
167-227. In: MOURA, H. A. (org.). Migração interna, textos selecionados: teorias e modelos de análise. Tomo
1: 19-88. Fortaleza: BNB, 1980.
8
As leis da migração são as seguintes: (1) A maioria dos migrantes apenas percorre uma curta distância, e as
correntes de migração dirigem-se para os centros de comércio [e da indústria]. (2) O processo de atração para
uma cidade em rápido crescimento começa pelas suas zonas circundantes, e gradualmente estende-se para
lugares mais remotos. (3) O processo de dispersão é o inverso do de atração. (4) Cada corrente principal de
migração produz uma contra-corrente compensadora. (5) Os migrantes provenientes de longas distâncias
preferem os grandes centros de comércio [e da indústria]. (6) Os nativos das cidades migram menos do que os
das zonas rurais do país. (7) As mulheres migram mais do que os homens (Ravenstein apud Peixoto, 2006:4).
23
no final do século XIX, entre os anos de 1885 e 1889. Tais leis consistem em tipologias sobre
as formas mais freqüentes de fluxos populacionais, que descrevem relações migratórias entre
origens e destinos, em que se considerou que a mola propulsora das migrações seriam os
fatores econômicos (Arango, 1985).
Se a partir da literatura sobre o tema migrações empreendermos uma tentativa de
enumerar as teorias que têm procurado analisar os processos migratórios em uma perspectiva
sociológica, encontraremos várias correntes. No entanto, para efeito de análise, podemos
situar o debate acerca das migrações em duas principais abordagens de cunho micro ou
macrossociológico (Peixoto, 2006).
9
A primeira, largamente influenciada pelos escritos de Ravenstein, bem como pelas
teorias da modernização dos anos 1960, se concentra em um enfoque que considera a
migração como um movimento proveniente do comportamento individual, fundamentado na
livre escolha, através dos cálculos dos custos e benefícios, dadas as condições objetivas dos
locais de partida e de destino do migrante. Por direcionar a análise para as ações do indivíduo,
e por tomar a racionalidade individual como promotora da mobilidade, pode ser considerada
uma abordagem microssociológica. A segunda situa as migrações como resultantes de fatores
histórico-estruturais, em que o processo migratório é visto como conseqüência da situação
econômica, social e política vigente, capaz de suplantar os interesses individuais dentro do
processo de decisão. Deste modo, ao aludir que as migrações devem-se às estruturas sociais
nas quais o indivíduo está inserido, tal abordagem o desloca do centro decisório do fenômeno,
o que permite que sejam enquadradas na perspectiva macrossociológica (Matos, 2003);
(Muniz 2002); (Peixoto, 2004).
Para Matos (2003) tomando as duas abordagens isoladamente temos, de um lado, um
exagero que considera o indivíduo livre e racional e de outro, a imagem de um indivíduo
imobilizado, cujas ações são geradas apenas por meio de uma estrutura que o domina. Desta
forma, Muniz (2002) pondera que embora as duas abordagens aqui mencionadas sejam
bastante úteis para pensarmos os movimentos migratórios, os pressupostos adotados por estes
modelos nem sempre são totalmente passíveis de aceitação. Isto porque, em primeiro lugar, os
migrantes não respondem mecanicamente aos diferenciais de renda ou emprego. Em segundo
lugar, porque os indivíduos são heterogêneos quanto às suas preferências e motivações, agem
9
Os termos microssociológio e macrossociológico referem-se aqui ao foco de análise, ou seja, o ator social,
como sujeito capaz de agir racionalmente ou como um repositório de estruturas.
24
em conjunturas distintas e nem sempre são capazes de elaborar e maximizar de forma precisa
suas expectativas do retorno esperado, para então estimarem quais seriam os benefícios da
migração. Dito isto, são evidentes as influências exercidas pelos fatores econômicos nas
abordagens mencionadas acerca das migrações.
Em se tratando das análises dos movimentos migratórios no Brasil, Galizoni (2000)
afirma que a concepção de migração variou consideravelmente na história contemporânea.
Para a autora, entre as décadas de 1950 e 1960, os movimentos migratórios, principalmente de
trabalhadores rurais para os grandes centros urbanos, eram freqüentemente interpretados
como forma de melhoria das condições de vida do trabalhador migrante. Outro critério de
interpretação seria também a oferta de mão-de-obra barata ao mercado de trabalho urbano,
além da integração de populações rurais marginais na vida nacional. Estes aspectos estão
ligados diretamente ao campo da economia.
Não obstante, Galizoni (2000) ressalta ainda que esta visão creditava aos movimentos
migratórios a faculdade de propiciar uma “força libertadora”, capaz de emancipar os
indivíduos das relações de dependência pessoal presentes no meio rural.
10
Desenvolvidas em
um momento de intensificação do processo de industrialização nacional, tais concepções
apóiam-se na interpretação destes acontecimentos como expressão do declínio atravessado
pelo meio rural, concomitante à ascensão da urbanidade no país. O campo então,
corresponderia ao espaço de relações atrasadas, como as de dominação. Daí deriva a idéia de
libertação, supostamente desencadeada pelas migrações para os grandes centros urbanos em
desenvolvimento.
As mencionadas análises relacionam-se também, em certa medida, com o fato do
Brasil até o começo da década de 1970 ter atingido o auge do fenômeno do êxodo rural,
decorrente, em grande parte, do processo de modernização da agricultura, experimentado a
partir dos anos 1960. Esses fluxos se direcionaram, basicamente, para as grandes cidades,
aprofundando uma tendência de migração rural-urbana que já vinha se manifestando desde os
anos 1930, provocada pela crise da economia do café, que foi posteriormente fomentada pelas
características do processo de industrialização, a partir dos anos 1950 (Barcellos 2000).
No que se refere a estas análises, podemos encontrar evidências empíricas para a
avaliação, de certo modo positiva, dos movimentos migratórios entre as décadas de 1950 e
10
Podemos constatar tal afirmação através da citação de Martins (1988:7): “Se a migração temporária acentua a
exploração do cortador de cana no canavial de São Paulo (...), criando uma nova miséria em que empobrece o
trabalhador como pessoa, ao submetê-lo a formas coercitivas e temporárias de trabalho, por outro lado o liberta
da coerção permanente, das relações de dependência pessoal com o fazendeiro vizinho ou proprietário da terra.”
25
início de 1970 em alguns estudos, como por exemplo, o de Garcia Jr. (1989). Este autor
realizou um denso trabalho de campo no estado da Paraíba. A pesquisa de Garcia Jr. teve
como objetivo o exame das transformações sociais ocorridas no Nordeste brasileiro, bem
como das modalidades de inserção dos nordestinos em um mercado de trabalho distante, em
virtude das migrações para a região Sudeste. Este tipo de deslocamento populacional,
chamado pelos próprios migrantes nordestinos de migração para o “Sul”, revela que, para
eles, a migração para o Sudeste do país nem sempre significou abandonar definitivamente o
lugar de origem. Como no caso estudado, tal fato apresentou-se como uma estratégia
complexa de reprodução da sua condição camponesa. Isto é, os deslocamentos para o Sul
puderam proporcionar em médio prazo, o retorno destes indivíduos ao campo, porém em
outro patamar social, em virtude da aquisição de terras com os rendimentos adquiridos
durante as atividades realizadas no Sudeste. Assim como Garcia Jr, Menezes (2002:75)
também observa que entre os anos 1950 e 1970 a migração dos nordestinos para a região
Sudeste “representava uma possibilidade real de acumulação de recursos para comprar
terra, garantindo, assim, a reprodução da condição camponesa.”
Podemos ainda destacar os estudos de George Martine acerca das migrações no Brasil,
por meio da obra “Migrações Internas e Alternativas de Fixação Produtiva” que, datada de
1978, radica o papel central dos fatores econômicos nos deslocamentos populacionais.
Valorizando em sua análise o papel das estruturas, Martine (1978) defende que os
deslocamentos da população ocorrem em virtude da desigualdade econômica entre as regiões.
Por esta interpretação, as migrações seriam determinadas, principalmente, pela forma de
organização da produção, pelas alterações na alocação setorial e espacial de recursos e pela
distribuição díspar das oportunidades econômicas. Para este autor, sua perspectiva pode ser
correspondida pela evidência empírica de que a busca por emprego e melhor renda constituem
a motivação principal para migrar. Em outras palavras, sob a ótica de Martine (1978) a
migração seria causada pelo diferencial de oferta e demanda existente no mercado de
trabalho. Reflexões deste tipo, ao assumir o motivo econômico como os determinantes das
migrações, apóiam-se freqüentemente em análises quantitativas, alicerçadas principalmente
por dados estatísticos.
Segundo Cavignac (2001), a partir de meados dos anos 1970, com o fim do “milagre
econômico”, percebe-se uma mudança na configuração das migrações no Brasil, onde o
Sudeste do país conhece um início de recessão e começa a rejeitar os seus migrantes. De
26
acordo com Sauer (2003: 6-7), diante de um processo de urbanização e de “deterioração” da
cidade,
o deslocamento forçado de milhões de pessoas do campo para as cidades
gerou um crescimento artificial dos grandes centros urbanos, praticamente
inviabilizando qualquer possibilidade de fornecimento de serviços básicos
como infra-estrutura (asfalto, energia elétrica, sistema de esgoto, etc.), saúde,
educação, etc. Um dos resultados é a condição subumana de existência nas
periferias urbanas, contradizendo inclusive a lógica de que o êxodo rural
deveria libertar as pessoas das amarras comunitárias.
Assim, há uma inversão na avaliação da migração (principalmente de tipo rural-
urbana), que adquire então uma conotação negativa, passando a apresentar-se como uma
situação problemática (Galizoni, 2000). Isto porque, para Menezes (2002):
Se entre as décadas de 1950 e início dos anos 1970 a reprodução da condição
camponesa poderia ser garantida através da migração de parte dos membros
da unidade familiar, desde meados da década de 1970, notam-se diferenças
significativas nas condições de reprodução social dos camponeses-
trabalhadores migrantes. Para aqueles que começaram a migrar na década de
1970, a possibilidade de comprar terra com economias enviadas ou trazidas
por migrantes tem se tornado mais remota.
Deste modo, de acordo com Galizoni, (2000), com o intuito de superar algumas
limitações colocadas pelas análises essencialmente quantitativas, bem como propiciar uma
compreensão mais ampla e abrangente de tal fenômeno – que mesmo diante da crise,
continuou a manifestar-se – surge a necessidade da construção de uma perspectiva distinta de
reflexão sobre os movimentos migratórios e que, portanto, transcenda às explicações calcadas
em elementos exclusivamente econômicos, explicitadas por meio apenas de análises
estatísticas. Conseqüentemente, ganham espaço as reflexões qualitativas a respeito dos
deslocamentos populacionais que, relacionadas ao campo simbólico, preocupam-se não
apenas com os fatores econômicos descritos nestes processos, mas voltam-se também para os
aspectos subjetivos que permeiam e estruturam as migrações, haja vista a grande
heterogeneidade das estratégias dos migrantes e seus projetos de deslocamento.
Para Martins (1988) a consciência social que temos acerca das migrações ainda hoje é
tributária de um ponto de vista que não é o dos migrantes, em que o problema real, isto é,
aquilo que a migração representa para o migrante, geralmente fica de fora das análises.
Menezes enfatiza (2002) que as fontes tradicionais de informações, como o Censo ou
questionários já não são suficientes para explicar diversos aspectos dos movimentos
27
migratórios, em virtude de sua generalização. Por isso, para compreender a história migratória
de indivíduos ou grupos, que passam grande parte de suas vidas migrando, são necessários
outros instrumentos de pesquisa.
Em uma linha de pensamento semelhante à de Menezes (2002) e à de Martins (1988),
Esterci (1985), faz uma crítica às interpretações dos fenômenos migracionais limitados aos
aspectos econômicos e estatísticos. Esta autora afirma que os conceitos pelos quais
rotineiramente pensamos migração causam problemas para a compreensão teórica de
fenômenos sociais, além de colocarem obstáculos para os que buscam medidas práticas. Esse
é o caso de instituições que se propõem a dar assistência a qualquer grupo migrante. Para
Esterci, a migração, por mais significativa que seja em termos estatísticos, deve ser vista
como uma contingência de um determinado grupo. Isto porque, antes de migrar e ser
migrante, o grupo ou o indivíduo é portador de um passado que precisa ser considerado. Ora,
estes sujeitos pré-existem à migração e, portanto, compõem uma determinada organização por
meio da qual desenvolvem estratégias de sobrevivência.
Garcia Júnior (1989), também problematiza a análise dos movimentos migratórios
fundamentada apenas pela vertente econômica e, em particular, as interpretações que
associam os deslocamentos populacionais a uma relação de causa e conseqüência da expansão
industrial. Para o autor, reflexões deste tipo cerceiam questionamentos acerca dos efeitos
múltiplos dos deslocamentos, tanto sobre os que partem como sobre os que ficam no campo, e
sobre as relações que os indivíduos mantêm com o espaço de origem e de chegada.
Um ponto interessante da obra de Garcia Júnior (1989) é a crítica às análises,
recorrentes na teoria sociológica, que o autor considera até certo ponto evolucionistas, por
associar, de forma automática, o crescimento do trabalho nas indústrias ao fim de diversas
modalidades de trabalho no campo. O resultado disso seria a generalização do trabalho
assalariado. A crítica de Garcia Jr. às perspectivas evolucionistas que tomam os processos de
transição como algo automático e previsível, aproxima-se das reflexões de Sahlins (2004) e
Bourdieu (1997). Estes autores condenam a idéia de um evolucionismo capitalista, bem como
de um economicismo marxista ou neo-marginalista, que descarta qualquer tipo de economia
que não funcione de acordo com o interesse pela maximização dos lucros.
Bourdieu (2005:34) adverte que “a linguagem levanta um problema particularmente
dramático para o sociólogo: ela é, com efeito, um enorme depósito de pré-construções
naturalizadas, portanto ignoradas como tal, que funcionam como instrumentos inconscientes
de construção.” Neste sentido, para Almeida e Palmeira (1977), a concepção de migração
28
cristalizada nas ciências sociais é envolta por uma espécie de neutralidade, o que lhe confere a
falsa aparência de ser um conceito estanque. As conseqüências disso são interpretações das
migrações como algo dado, designativo, portanto pouco questionado, culminando em um
senso comum acadêmico a respeito do tema. Segundo Comerford (2006), à medida que
tomamos a migração como um conceito apenas designativo, cria-se uma espécie de barreira
epistemológica, que não permite uma reflexão que ultrapasse as análises estatísticas de tais
fenômenos. De certa forma, isso impede que compreendamos o modo pelo qual certas ações
se configuram, são concebidas e vividas pelos sujeitos durante os processos migratórios. Por
isso, para o autor, é preciso problematizar e questionar a categoria migração, a fim de
desnaturalizá-la, para permitir então, pensar a complexidade própria deste conceito, e assim,
possibilitar um avanço nas análises.
11
Conforme Júnior (2002), esta sofisticação da análise, desvinculada do privilégio dado à
justificativa da escolha racional, ao mesmo tempo em que não se restringe unicamente à
explicação via fatores estruturais, tem corroborado com um olhar mais sociológico sobre os
esquemas de percepção, relações sociais, valores, e modelos culturais subjacentes às
migrações. O que coloca a necessidade de se considerar também aspectos como contestação,
negociação, relocalização e novas buscas de pertencimento nos estudos migratórios,
dimensões que por sua vez, têm se traduzido em conquistas teóricas para o fazer sociológico.
Neste sentido, Sayad (1998), ao abordar o tema migrações através de um estudo sobre os
imigrantes de origem argelina na França, enfatiza a relevância de se interrogar as condições
sociais que engendram este fenômeno. Por conseguinte, endossa a idéia de estudar os
deslocamentos populacionais não apenas por um viés quantitativo, de modo que destaca a
importância de analisar estes fenômenos também por meio de uma visão sociológica e
qualitativa. De acordo com o autor:
(...) Todo itinerário do imigrante é, pode-se dizer, um itinerário
epistemológico, um itinerário que se dá de certa forma, no cruzamento das
ciências sociais com um ponto de encontro com inúmeras disciplinas,
história, geografia, demografia, direito, sociologia, psicologia (...)
antropologia em suas diversas formas, lingüística, ciência política, etc. Por
certo, a migração é, em primeiro lugar, um deslocamento de pessoas no
espaço, e antes de mais nada, no espaço físico, nisto encontra-se relacionada,
prioritariamente, com as ciências que buscam conhecer a população e o
11
A este respeito, Bourdieu (2005:49) enfatiza ainda que: “a força do pré-construído está em que, achando-se
inscrito ao mesmo tempo nas coisas e nos cérebros, ele se apresenta com as aparências da evidência, que passa
despercebida porque é perfeitamente natural. A ruptura é, com efeito, a conversão do olhar (...). Trata-se de
produzir, senão um homem novo, pelo menos um novo olhar, um olhar sociológico.”
29
espaço, a demografia e a geografia (...). Mas o espaço dos deslocamentos não
é apenas um espaço físico, ele é também um espaço qualificado em muitos
sentidos, socialmente, economicamente, politicamente culturalmente (...)
(SAYAD, 1998:15).
Contudo, isto não quer dizer que os aspectos econômicos não exerçam influência nos
movimentos migratórios, tampouco significa menosprezar a importância das informações
estatísticas acerca destes fenômenos, mas sim coloca a necessidade de se propor análises a
respeito das migrações que considerem também a subjetividade presente nestes processos.
Subjetividade esta que pode ser apreendida quando tomamos como ponto primordial de
partida, a investigação dos deslocamentos populacionais por meio das formulações dos
próprios migrantes
12
. Tal estratégia pode nos possibilitar examinar como os deslocamentos
repercutem nas percepções, visões de mundo e relações sociais construídas por aqueles que
migram.
Deste modo, surge a necessidade de se empreender uma tentativa de pensar os
movimentos migratórios por meio de uma análise primordialmente qualitativa, que se esforce
em não privilegiar uma ou outra abordagem. Esta análise deve direcionar um olhar para as
migrações considerando o ponto de vista do próprio migrante, sem, no entanto, descartar a
importância dos elementos estruturais no processo. Ora, se por um lado, a decisão de migrar
depende da percepção e avaliação que o indivíduo tem dos fatores objetivos de expulsão e
atração, por outro lado, tais fatores afetam diretamente os indivíduos segundo o seu modo de
inserção na estrutura social e econômica (Oliveira 2007).
1.4. As migrações de retorno
Segundo Pacheco & Patarra (1997) a questão migratória, nos últimos anos, tem
ganhado maior vulto na agenda de pesquisas e produções acadêmicas de estudiosos de
populações e áreas afins, uma vez que se acentuam as disparidades da alocação da população
no espaço em função da diversidade e intensidade das migrações. Isto denota a necessidade da
reflexão acerca das relações entre população, desenvolvimento econômico e desenvolvimento
social no novo contexto nacional.
12
Para Esterci (1985:1) “De fato, se quiséssemos considerar o ponto de vista do migrante, teríamos que nos
perguntar como as características específicas, tais como organização do grupo doméstico, formas de
cooperação e divisão do trabalho, relação com os meios de produção, afetam as decisões de migrar. E, se além
das características que identificam o grupo como tal, atentássemos para sua heterogeneidade interna, teríamos
elementos para qualificar melhor os processos em jogo.”
30
Os autores afirmam ainda que os resultados do Censo Demográfico de 1991, realizado
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, apontam transformações consideráveis nos
volumes e características dos movimentos migratórios no Brasil, a partir de 1980, indicando
tratar-se de um fenômeno oriundo das alterações ocorridas na sociedade no mesmo período.
Este fato suscitou a afirmação, por parte de alguns especialistas, de tratar-se do surgimento de
um novo padrão migratório no país.
13
Em outro artigo, Patarra (2003) adverte que esta década
representaria então, um período de inflexão nas características e tendências dos movimentos
migratórios e na distribuição espacial da população brasileira, indicando o início de uma nova
etapa na sua dinâmica.
Para Brito et al (2002), este fato relaciona-se à crise econômica e social vivenciada
pelo Brasil, que nas duas últimas décadas do século XX ocasionou uma redução na
capacidade de inserção da população no mercado de trabalho urbano, bem como ampliou a
seletividade no mercado imobiliário, servindo ambas como freio à tendência que se anunciava
até os anos 1970, de uma “hipermetropolização”
Deste modo, compartilhando com o ponto de vista de Pacheco & Patarra e Brito et al,
Barcellos (2000) afirma que, a partir da década de 1980 surgem, no cenário brasileiro, novos
aspectos que se referem às migrações. Os deslocamentos no sentido rural-urbano, que
marcaram o período de industrialização, já não figuram como explicação suficiente para
abordar os movimentos migratórios no país. A autora destaca ainda que esta transformação é
resultado de um conjunto de mudanças que se intensificaram nas duas últimas décadas,
quando além do declínio da fecundidade, a crise econômica opera como fator responsável
pela queda no poder de atração das cidades. O resultado é uma diminuição das possibilidades
de emprego urbano para as classes mais baixas e desqualificadas profissionalmente.
A partir desta mudança, Cunha (2005) assinala então, que a questão migratória no
Brasil deixou de concentrar-se apenas no clássico movimento rural-urbano que, nos anos 1950
e 1960, como antes mencionado, orientou a maioria dos estudos. Da mesma forma, a temática
da urbanização, até então concebida como algo irresistível e inexorável passou a sofrer
questionamentos quanto ao seu real significado, em virtude do surgimento de novas formas de
13
Pacheco e Patarra (1997) defendem que as mudanças no padrão migratório brasileiro a partir dos anos 1980
devem-se principalmente a desaceleração do crescimento das metrópoles; a maior predominância de migrações
de curta distância e intra-regionais; uma incidência acentuada de migrações de retorno, sugerindo uma
circularidade de movimentos; a tendência a um crescimento de cidades de porte médio; a configuração
generalizada de periferias no entorno dos centros urbanos maiores.
31
assentamentos humanos, como fruto de alterações nas relações econômicas e sociais entre o
campo e a cidade. Para o autor:
Tais transformações dizem respeito não apenas às tendências históricas, mas
também à emergência e/ou intensificação de certos processos que, mesmo
presentes, até a década de 1970 eram encobertos pela grande importância dos
movimentos migratórios interestaduais e, em particular, aqueles do tipo
rural/urbano. Tal é o caso da migração de retorno, que se intensificou
significativamente a partir dos anos 1980; dos movimentos intra-regionais
que afloraram nesse período, revelando novas lógicas e espaços de migração
(CUNHA, 2005:5).
A análise atual das migrações no Brasil tem como fonte principal os dados dos censos
demográficos. Entretanto, Patarra (2003) ressalta que, embora os censos constituam fontes
básicas de informações a respeito dos deslocamentos populacionais, se considerarmos o
caráter eminentemente social destes fenômenos, constataremos que o levantamento dos
mesmos é atravessado por inúmeras dificuldades no que concerne à recuperação de diversos
movimentos, que podem ocorrer, por exemplo, entre a realização de um censo e outro.
No contexto das transformações nos padrões migratórios no Brasil, sobressai um tipo
específico de deslocamento populacional: as migrações de retorno. Por migrante de retorno
entende-se o indivíduo que deixa seu local de origem para residir algum tempo em outra
localidade e depois regressa ao seu lugar inicial de origem (Siqueira, et al, 2006). Este
fenômeno chama a atenção nas análises dos dados dos Censos Demográficos de 1991 e 2000,
e figura como tema importante para a
compreensão dos movimentos migratórios
desencadeados de forma mais intensa de 1980 em diante, momento em que o país vivência
uma das mais graves crises econômicas de sua história, sendo que a partir de 1990 as
migrações de retorno têm se tornado fortemente expressivas (Cunha, 2005); (Golgher e
Marques, 2006); (Siqueira et al, 2006).
Podemos inferir que as migrações de retorno a partir de meados de 1970 e
principalmente nos anos 1980, estavam relacionadas em parte com a crise econômica
vivenciada pelo país, sobretudo, na década de 1980. Diferentemente da situação apontada por
Garcia Jr (1989) para região Nordeste principalmente até os anos 1970, quando se verificou
que o retorno dos nordestinos para sua região de origem estava estreitamente relacionado à
possibilidade de acumulo de capital financeiro, através de atividades desempenhadas no
mercado de trabalho urbano no Sudeste. Ora, a partir de meados de 1970 e, sobretudo, nos
anos 1980, as possibilidades de sucesso nos movimentos migratórios em direção às grandes
32
cidades, principalmente dos indivíduos oriundos do interior do país, tornaram-se cada vez
mais difíceis. Contudo, é preciso, pois, ir além das análises estatísticas e econômicas sobre
estes fenômenos. Por isso, a reflexão deste tipo de migração suscita um debate alternativo,
em que pese questões subjetivas, o que nos sugere indagar qual é o significado do retorno para
o migrante e quais as condições sociais que o engendram.
Diante da ascensão de novos movimentos migratórios, dentre os quais a mencionada
constatação do retorno ao campo, ou mesmo a entrada de indivíduos de origem urbana no
meio rural, coloca-se mais uma vez a necessidade de rever as teorias que acentuam o
desaparecimento do rural em virtude da expansão das atividades urbanas. Ora, embora
existam visíveis modificações nas relações presentes no campo, bem como em seu território,
dado o processo de expansão do mundo urbano-industrial, o rural ainda reserva
particularidades.
Se ao campo restasse apenas incipientes características urbanas, provavelmente não
atrairia o movimento de indivíduos em sua direção. É por isso que Carneiro (1998) defende
que é precipitado concluir que a modernização e a urbanização resultariam na dissolução do
agrário, e na homogeneização das suas condições. Para a autora, a modernização não modifica
o campo de maneira uniforme, mas igualmente ao ocorrido nos centros urbanos, as medidas
modernizadoras são apropriadas e reisignificadas de diversas formas, expressando-se de
modos diferentes em universos sociais, econômicos e culturais díspares. De acordo com a
referida autora, a conexão do rural à economia global, ao invés de dissolver as diferenças
entre e campo e cidade, podem dar origem à construção ou reforço de identidades apoiadas no
pertencimento ao campo (Carneiro, 2000 apud Sauer 2003).
Ao propor uma abordagem das migrações de retorno e seus inúmeros significados, nos
deparamos com as reflexões de Abdelmalek Sayad, pesquisador que tomou esta modalidade
de migração como objeto de estudo sociológico e antropológico, empreendendo uma análise
teórica sobre tais processos, em que dados estatísticos têm posição secundária. Assim, para
Sayad (2000), as migrações de retorno podem constituir-se em um verdadeiro objeto de
estudo, em virtude de representar uma das dimensões sociais da antropologia, e nos
arriscaríamos a dizer, da sociologia, por pressupor várias modalidades de relações. Deste
modo, o autor afirma que:
A migração de retorno pressupõe (...) uma relação com o tempo, o tempo de
ontem e o tempo do futuro, a representação de uma projeção do outro, sendo
estritamente dependentes do domínio que se tem do tempo presente, isto é, do
33
tempo cotidiano da migração; uma relação com a terra em todas as suas
formas e valores, inicialmente em suas dimensões físicas e geográficas e, em
seguida, em suas outras qualificações sociais, o espaço físico sendo, em suma
apenas metáfora do espaço social; uma relação com o grupo, aquele que se
deixou fisicamente, mas que continua a carregar de uma maneira ou de outra,
e aquele no qual se entrou e ao qual é preciso se impor, aprender a conhecer e
dominar (SAYAD 2000:12).
As considerações de Sayad (2000) remetem aos aspectos simbólicos que o retorno
adquire. Para Fazito (2005), estes aspectos se relacionam e se exercem por meio das
condições estruturais concretas que constituem um sistema de migração, fator observado
pelos autores mencionados, no momento em que abordam as crises econômicas e seus efeitos
nas migrações. Entretanto, o retorno não depende somente do sucesso ou fracasso econômico
do migrante, ainda que estes sejam fatores consideráveis. É, porém, reflexo também de um
plano de vida. Sayad (2000) constata que o retorno representa para o migrante não só
regressar ao espaço geográfico, mas diz respeito a um retorno no sentido de uma
retrospectiva, a fim de sanar a nostalgia impregnada na memória de quem decide voltar a um
período vivido anteriormente.
Contudo, verdadeiramente, o retorno como retrospectiva não existe. Ao retornar, o
indivíduo não mais encontra as pessoas e o espaço tal qual deixou, pois “se por um lado pode-
se sempre voltar ao ponto de partida, o espaço se presta bem a esse ir e vir, de outro não se
pode voltar ao tempo de partida (...) (Sayad, 2000:12)”. Isto porque o espaço não é apenas
físico, mas um espaço vivido carregado de sentimentos, o que lhe confere a característica de
ser também socialmente construído. Não obstante, além dos lugares deixados não serem os
mesmos, o próprio migrante já não mais o é, haja vista a conformação de um habitus
específico, produto de uma experiência biográfica, ou seja, oriundo da interiorização das
experiências adquiridas ao longo da trajetória construída, que por sua vez, pode divergir
daquele característico do lugar retornado. É neste sentido, que Bourdieu (2007) defende que o
habitus adquire também a função de classificação e diferenciação, que no caso do migrante
retornado, funciona como uma marcação simbólica, capaz de distingui-lo dos demais.
34
1.5. Migrações e Assentamentos de Reforma Agrária
Giuliani (1990) observa que no Brasil em várias etapas históricas, ocorreram processos
importantes de migrações para o campo. Para o autor, estes fenômenos ora se relacionavam
aos ciclos econômicos de certos produtos de exportação, como a borracha, o algodão, o café, a
soja; ora foram desencadeados pelas políticas migratórias dos governos, como nos casos da
importação de mão-de-obra européia destinada ao trabalho nas fazendas de café, ou também
nos casos da ocupação das fronteiras do Oeste e da Amazônia. Todavia, como outrora
mencionado, o período adverso vivenciado pelo Brasil a partir de 1980, repercutiu nas
migrações, fazendo com que diferentemente das décadas anteriores, a população migrante
encontrasse severas restrições no que concerne a geração de renda durante os processos
migratórios.
Assim, a disparidade de distribuição de terras no Brasil estimulou a luta de diversos
segmentos desfavorecidos presentes na sociedade pela fixação no território, processo que se
acentuou nos anos 1990, juntamente com a emergência e intensificação das ações de inúmeros
atores sociais, dentre os quais se destacam os trabalhadores rurais. O resultado é que tais
indivíduos, a partir do estabelecimento de identidades coletivas, por sua vez, construídas
através de negociações, decisões, conflitos, resolveram então, agir em conjunto (Melucci,
2001).
Organizados através de movimentos sociais, cujo principal é o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra, estes indivíduos vem demonstrando uma negação à
estratégia da migração rural-urbana, como solução para a má distribuição de terras e todos os
problemas dela decorrentes. (Souza et al, 2001). Nestes termos, coloca-se novamente o
conceito de habitus. Apesar de não haver trajetórias individuais idênticas e por isso habitus
totalmente iguais, podem-se estabelecer classes de experiências ou classes de habitus, às quais
pertencem determinados indivíduos, o que os possibilita orientar suas ações para o mesmo
sentido, cujo exemplo repousa nas negociações de luta pela terra no país (Silva, 2005b).
Deste modo, Furtado (1997) apud Alentejano (1997), defende que atualmente o
cenário mundial experimenta um novo fenômeno em que, parte da população anseia voltar
para o campo, em um contexto em que acreditava-se que os deslocamentos populacionais
eram exclusivamente do campo para a cidade. Alentejano (1997) acrescenta ainda que, não
são apenas os trabalhadores expulsos do campo que desejam retornar ao mesmo, mas – diante
35
de todas as dificuldades e problemas vivenciados nos centros urbanos –, indivíduos que nunca
trabalharam ou viveram no meio rural, engrossam o movimento contrário de retorno ou
entrada no campo.
Neste sentido, as sucessivas ocupações e os assentamentos constituídos, geralmente
depois de muitos anos de batalhas travadas, emergem como evidência empírica da negação ao
êxodo rural, apresentando-se como um mecanismo potencializador das migrações de retorno
ou entrada de indivíduos no campo, bem como denota uma opção de vida e trabalho nesta
área (Souza et al, 2001). A decisão de retornar ou entrar ou se manter no campo, por meio da
ação dos movimentos sociais, e a resistência de alguns segmentos da população ao êxodo
rural, oferecem subsídios para que seja questionada, a concepção de diluição do rural pelos
processos urbanos.
Assim, para Sauer (2003), a modernidade – tradicionalmente relacionada à noção de
urbanidade –, é capaz de produzir relações sociais e valores responsáveis por influenciar a
constante construção de identidades dos indivíduos que lutam pelo acesso à terra, propiciando
dessa forma, releituras e a consolidação de novos valores no meio rural, fundamentados em um
desejo comum de vida em um espaço que diverge da cidade: o campo.
Apesar da relativa variação na orientação dos estudos acerca dos movimentos
migratórios, ainda hoje quando fala-se em migração no Brasil, parte majoritária dos trabalhos
acadêmicos realizados concentra-se no estudo das causas das migrações do campo para a
cidade. Embora seja vasta a literatura sobre os movimentos migratórios, poucas obras
abordam diretamente as migrações de retorno ou entrada no campo, bem como estes
processos a partir do ponto de vista dos migrantes. Portanto, qualquer pesquisa que tenha
estes fenômenos como objeto, se deparará com certa dificuldade de encontrar estudos
referentes ao tema.
14
Neste sentido, Barcellos (2001) ressalta a importância de estudar as migrações de
retorno ao meio rural, e por isso defende que os movimentos sociais no campo tornaram-se
fenômenos relevantes na composição da dinâmica demográfica atual, em função das
alterações que provocam em áreas rurais em sua maioria, escassamente povoadas. Também
para esta autora, a ação destes movimentos sociais, destacando-se o MST, pode contribuir
para manutenção da população rural e, principalmente, constituir-se em um elemento de
14
Para Esterci (1985) pode-se dizer que não existe um número considerável de trabalhos científicos que
analisem os movimentos migratórios tendo como base as formulações dos próprios migrantes. Portanto, o grupo
social ao qual pertence o migrante nunca chega a ser suficientemente conhecido.
36
atração para o regresso e/ou entrada de indivíduos no campo. A repercussão deste fato não se
resume somente a fatores econômicos, mas envolvem ao mesmo tempo, aspectos sociais,
políticos e culturais, no momento em que por meio de enfrentamentos, acampamentos e
posteriormente, assentamentos rurais são instituídos.
Deste modo, Becker (2003) constata a presença migrações de retorno e entrada no
campo a partir de 1990, no Norte do Rio de Janeiro, por meio de ocupações de terras
pertencentes a fazendas falidas que no passado eram destinadas a atividade canavieira. Assim
como Alentejano (1997), esta autora acredita que estas migrações, apresentam-se como saída
encontrada pelos trabalhadores agrícolas residentes na periferia urbana e, pelos trabalhadores
urbanos crescentemente excluídos pelo processo de modernização em curso, para superação
do problema do desemprego. Não obstante, assevera que se o caráter migratório pode ser
definido como um processo de mobilidade espacial da população, a tentativa de retorno à
zona rural por meio da reforma agrária, pode ser definida como contra-mobilidade. Neste
sentido, torna-se relevante o papel dos movimentos sociais, em que sobressai o MST.
Targino e Moreira (2000), ao estudarem os movimentos migratórios no campo, no
Estado da Paraíba, também se deparam com a entrada ou retorno de indivíduos ao campo
nesta região a partir da década de 1990, por meio de assentamentos de reforma agrária,
processo ao qual denominaram de ruralização. Para os autores, este fato certamente foi
impulsionado na Paraíba pela crise atravessada pela atividade canavieira em finais de 1980,
reflexo da conjuntura econômica vivenciada pelo país, e principalmente na década de 1990,
associada ao empobrecimento da classe patronal deste setor, bem como a força do Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. De acordo com os autores, a partir deste período, o
MST passou a ocupar as terras das usinas falidas na região, cujo resultado tem sido a
multiplicação de casos de desapropriação/aquisição de terras pelo INCRA e na sua
transformação em Projetos de Assentamento.
Na tentativa de abordar as novas configurações dos fenômenos migratórios no Rio
Grande do Sul, Barcellos (2001), assim como Becker (2000) e Targino e Moreira (2003),
observa uma tendência de inversão das migrações com sentido rural-urbano na região, em
função do estabelecimento de assentamentos de reforma agrária a partir de 1989. A autora
acredita que este fato pode ser interpretado como uma resposta as crises econômicas, bem
como uma recriação da opção pelo rural, conquistada a partir da luta social. Isto implica em
rupturas em estruturas sociais consolidadas, que marcaram a formação do local estudado,
sugerindo a emergência de novas relações sociais neste espaço. Assim, se empreendermos
37
uma analise por meio do conceito de habitus, o que temos é a interiorização das estruturas
objetivas (nesse caso os efeitos advindos das mencionadas crises), cujo resultado são as
representações sobre o campo, que também conformam as estruturas estruturantes, porque
tendem a orientar as práticas dos indivíduos e, portanto, a reestruturar as estruturas subjetivas
(Silva, 2005b).
Dito isto, Medeiros e Leite et al (2004), ao desenvolverem uma pesquisa em diversos
assentamentos rurais no Brasil, o que resultou na obra “Assentamentos Rurais: Mudança
Social e Dinâmica Regional” afirmam que neste estudo chamaram atenção as alterações
demográficas no plano local e municipal, produzidas pela criação de assentamentos. Não
obstante, os autores destacam a forte presença dos assentados nos números que representam a
população rural destas áreas. Assim observam que:
(...) Mantidas todas as ressalvas, os projetos de assentamentos representam
uma parcela não desprezível da população rural dos municípios estudados,
ainda que este mesmo resultado não se aplique à comparação com a
população total. Pode-se inferir que tais resultados geram desdobramentos
sobre o contexto político, uma vez que tendem a gerar um acréscimo na
pressão das demandas por infra-estrutura e equipamentos sociais (...). Em
algumas situações, torna-se possível falar que a criação de assentamentos
rurais provocou uma reversão no fluxo demográfico (MEDEIROS & LEITE
et al, 2004: 31/32).
Sigaud (2005), ao elaborar um estudo acerca das ocupações de terras no Estado de
Pernambuco, também se depara com o estabelecimento de acampamentos a partir de meados
da década de 1990, em terras pertencentes a engenhos de cana-de-açúcar falidos que,
conforme critérios do INCRA poderiam ser considerados improdutivos. Segundo a autora, a
maioria dos participantes dos acampamentos onde a pesquisa foi empreendida era originária
da própria região canavieira. Os adultos tinham uma história de trabalho e de vida nos
canaviais. Muitos haviam exercido outras ocupações, como pedreiros, serventes, condutores
de caminhões e tratores, vigias, vendedores ambulantes e domésticas, por isso registravam
uma passagem pelo perímetro urbano. Contudo, a autora afirma que:
Não há elementos na história recente da região [de Pernambuco] que nos
autorizem a supor que o território dos engenhos, tradicionalmente sob o
controle estrito dos patrões, viesse a ser ocupado com acampamentos; que o
MST viesse a agir junto à massa de trabalhadores ali onde os sindicatos
tinham uma hegemonia incontestável; que os sindicalistas passassem a
ocupar terras; e que os trabalhadores se dispusessem a ocupar propriedades
de outrem. Para entender como tais desdobramentos se tornaram possíveis é
38
preciso examinar as ocupações e os acampamentos a partir de quadros sociais
e históricos mais amplos (SIGAUD, 2005:260).
Nestes termos, a autora coloca a necessidade de relacionar estes fenômenos com o
período histórico vivenciado pelo país e, de certa forma, diferenciando-se de outros autores,
não justifica a intensificação da formação de acampamentos em terras de usinas falidas apenas
pela situação de desemprego resultante da crise da agroindústria açucareira. O que nos alerta
para a importância de não limitarmos a explicação das causas das migrações de retorno e/ou
entrada no campo via assentamentos rurais, simplesmente por meio de crises econômicas.
Isto, de certa forma, sugere análises mais cuidadosas acerca dos demais aspectos que
permeiam os deslocamentos. É por isso que tendo em vista o que foi constatado em
Pernambuco, Sigaud (2005) defende que a situação de desemprego é uma das condições, mas
não a única suficientemente capaz de explicar, por si só, a formação de acampamentos, assim,
adverte que:
Milhares de trabalhadores sem emprego preferiam continuar fazendo biscates
a ir instalar-se sob a lona preta, e recusavam os convites com o argumento de
que não queriam a terra. Por outro lado, outros trabalhadores com um
contrato de trabalho em vigor participavam das ocupações e montavam suas
barracas, tratando de conciliar a presença no acampamento com o trabalho
formal para o patrão (SIGAUD, 2005: 263).
Ao abordar as implicações dos deslocamentos nas trajetórias e experiências dos
agricultores, Borges (1989) apud Curado (1999), aponta que as migrações dos agricultores em
direção à cidade – o que muitas vezes implica em sair da terra e tornar-se trabalhador
assalariado – são situações que resultam na perda do saber lidar com a terra em processo
integral. Neste caso, a condição de assalariamento, trabalho doméstico ou no setor informal
ou ainda como bóia-fria, transforma o agricultor num trabalhador de tarefas, demandando
com a conquista da terra um novo aprendizado que se materialize. Neste sentido, diante da
possibilidade de retornar ao campo, coloca-se a importância de se recuperar um passado de
agricultor, muitas vezes distante, porém não inteiramente esquecido. Daí deriva a necessidade
de um reaprendizado do trabalho na lavoura e um exercício de construção e reconstrução de
subjetividades.
Para Menezes (1991), a luta dos trabalhadores que fizeram o movimento de ida e volta
para se estabelecer em assentamentos rurais poderia ser encarada como uma tentativa de se
obter uma nova identidade, finalmente após contínuos processos de exclusão a que se
39
submeteram durante os deslocamentos. Esta recuperação nos remete então, possibilidade da
construção e reconstrução de identidades. Daí a importância da identidade apresentar-se como
algo flexível e inacabado, portanto inserido em um processo de contínua construção, dadas as
alterações nas percepções e visões de mundo, influenciadas também pelas condições objetivas
experimentadas pelos sujeitos.
Ao analisar a origem dos integrantes dos assentamentos de reforma agrária do Rio de
Janeiro, Castro (1995) considera que o perfil dos assentados situados no Estado é ainda
motivo de polêmica, uma vez que muitos são procedentes da zona urbana, e têm percorrido a
trajetória rural-urbano-rural. Para a autora, vários são os fatores que ocasionam a ida ou
retorno destes indivíduos ao campo após certo tempo de vida na cidade, dentre os quais se
encontra a solução de problemas de moradia e de custo de sobrevivência, onde a terra carrega
o ideal da autonomia, com melhores condições de vida frente ao desemprego. Além disso, de
acordo com a autora, é recorrente entre os assentados a afirmação de busca por uma vida mais
tranqüila, quando comparada com a vida na cidade. Assim, constatamos que, como para
Sigaud (2005), de certa forma também para Castro (1995), não é somente o desemprego que
fomenta os deslocamentos para os assentamentos, apesar de exercer forte influência.
Para Ferreira (2002) as migrações retorno e/ou entrada de indivíduos no campo a partir
de 1990, por meio de assentamentos rurais, bem como a relação deste fenômeno com as
passagens que estes indivíduos tiveram pelo mundo urbano, influenciou as ciências sociais
especializadas nas questões agrárias. Estas passaram a apontar as potencialidades do rural
como espaços para reformas societárias e como fundamento para se pensar a qualidade de
vida, dadas as ações de diversos movimentos sociais que propunham uma crítica às políticas
públicas governamentais para a agricultura. Deste modo, mais uma vez somos convidados a
refletirmos acerca da real validade da concepção de fim do rural.
Relacionando o que até aqui foi abordado, questiona-se até que ponto as definições
pré-estabelecidas acerca do que vem a ser urbano e rural conseguem dar conta das múltiplas
relações presentes nestes espaços, principalmente diante dos processos migratórios rural-
urbano-rural e urbano-rural, acentuados pela ação dos movimentos sociais e, por conseguinte,
pelas políticas de reforma agrária. Neste sentido, quem migra para a cidade perde uma suposta
identidade influenciada pelo rural? Ou incorpora novos valores e ressignifica outros, através
de uma identidade em contínua construção? Até que ponto as migrações de retorno ou entrada
no campo, alteram as relações presentes nas unidades familiares? Para responder estas
questões colocam-se as hipóteses de que:
40
A reforma agrária pode ser tomada como elemento motivador de deslocamentos
populacionais em direção ao campo, favorecendo, de certo modo a melhoria da qualidade
de vida dos indivíduos. Desta forma, podemos inferir que a migração, nos dias atuais,
quando referida ao campo, freqüentemente, caracterizada como um fenômeno negativo,
em função de ser imediatamente relacionada ao êxodo rural e todos os problemas dele
decorrentes, pode possuir uma faceta positiva, ao considerar-se o fenômeno do retorno.
Considerando o conceito de habitus, como outrora analisado, é possível inferir que dentro
do processo migratório até a chegada ao acampamento e/ou assentamento rural, os
indivíduos adquirem muitos aprendizados, seja por meio de atividades urbanas ou através
do próprio trabalho e vida pretérita no campo, dando origem a visões de mundo e
percepções específicas sobre o rural. Assim, estes passam a orientar suas condutas
conforme as determinações das estruturas objetivas atreladas às percepções, às visões de
mundo e concepções que adquirem ao longo das suas trajetórias sociais.
A partir da entrada ou retorno ao campo, no espaço do assentamento, novas formas de
socialização e novos saberes também foram adquiridos, conformando um estilo de vida
específico. A reunião destes conhecimentos adquiridos ao longo das trajetórias de vida, e
sua incorporação como habitus certamente interfere sobre o modo de gerir o lote; na
maneira de garantir a reprodução social da família; na construção das relações sociais, o
que inclui formação de grupos, as afinidades, os laços de solidariedade, conflitos, etc.,
fatores que repercutem na constituição do assentamento como local de vida e trabalho e na
formação de identidades.
As alterações no mundo do trabalho e a influência do mundo urbano certamente
repercutem no campo e, conseqüentemente nos assentamentos, bem como no estilo de
vida dos assentados, porém, tais alterações, como em qualquer outro contexto, são
traduzidas para a ordem local e inseridas nas relações sociais, no sistema de
representações, e nas percepções dos indivíduos. Assim, apesar da proximidade com a
cidade e da trajetória dos assentados, em que muitos são oriundos do perímetro urbano, os
assentamentos possuem particularidades relacionadas a um estilo de vida rural. Neste
contexto, para os próprios assentados há visíveis diferenças que separam campo e cidade.
As próprias migrações de retorno ou entrada no campo evidenciam as diferenças
creditadas a este espaço, quando comparado ao urbano pelos assentados. Isto ratifica a
necessidade de questionar a hipótese do desaparecimento do rural em virtude da expansão
do mundo urbano.
41
Estas colocações suscitam discussões que destacam o processo migratório rural-urbano-
rural e urbano-rural, como uma forma relevante de abordagem das relações presentes no
campo brasileiro, sobretudo, nos novos espaços estabelecidos por meio da instituição de
assentamentos de Reforma Agrária. Assim foi preciso pois, investigar neste trabalho, a partir
do ponto de vista dos próprios assentados, quais as condições e fatores que impulsionam os
indivíduos a integrarem os acampamentos e/ou assentamentos de reforma agrária,
particularmente situados em terras de usinas falidas, no caso do Norte Fluminense.
Daí colocou-se novamente a necessidade do estabelecimento das trajetórias pessoais e
ocupacionais dos integrantes dos assentamentos. O intuito foi examinar, principalmente
através de análises qualitativas, “em que condições indivíduos de carne e osso”
15
fazem os
investimentos materiais e constroem os significados, percepções e relações sociais que tais
deslocamentos exigem, para então compreender qual a repercussão das experiências
adquiridas em virtude destes deslocamentos na conformação dos assentamentos de reforma
agrária instituídos no Norte Fluminense.
15
Garcia Júnior (1989).
42
CAPÍTULO II - Contexto local: Informações sobre a região do
trabalho de Campo
2.1. Campos dos Goytacazes e Norte Fluminense: Breve Panorama
Para auxiliar a análise das relações travadas na área de estudo deste trabalho, dois
assentamentos de Reforma Agrária situados no Norte Fluminense, mais precisamente em
Campos dos Goytacazes, faz-se necessário destacar ainda que de forma breve, algumas
considerações gerais a fim auxiliar a compreensão da organização do espaço destas regiões.
Assim, pretende-se aqui, pontuar alguns aspectos sócio-econômicos locais, principalmente a
partir dos bancos de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
16
; Atlas
de Desenvolvimento Humano do Brasil (2003)
17
; Centro de Informações e Dados do Rio de
Janeiro (CIDE)
18
; Anuário do Perfil Sócio-econômico do Município de Campos dos
Goytacazes 2005 (2006)
19
.
O Estado do Rio de Janeiro possui distintas divisões regionais, tendo em vista o
planejamento e gestão das suas atividades. Neste sentido, destacam-se duas divisões, a
instituída pelo Governo do Estado e a estabelecida pelo Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE). De acordo com o IBGE (2005), estas definições auxiliam o sistema
de decies no que concerne à localização de atividades econômicas, sociais e tributárias,
bem como o planejamento, estudos e identificação de estruturas espaciais de regiões
metropolitanas e outras formas de agrupamentos rurais e urbanos. Para Silva (2006), tais
divisões denotam a necessidade de instauração de uma escala que possibilite observar
múltiplos processos ocorridos, e em curso – como a emancipação de municípios, possíveis
reestruturações produtivas –, e verificar como tais processos são refletidos na economia
regional e nacional.
O Governo Estadual, segundo informações do CIDE (2007), fundamentado na Lei nº
1.227, dividiu o território fluminense em oito Regiões de Governo: Metropolitana, Noroeste
Fluminense, Norte Fluminense, Baixadas Litorâneas, Serrana, Centro-Sul Fluminense, Médio
Paraíba e Baía da Ilha Grande. Posteriormente, houve alterações tanto na denominação quanto
na composição de algumas regiões. Uma das alterações ocorreu na região da Baía da Ilha
16
www.ibge.gov.br
17
www.pnud.org.br/atlas
18
www.cide.rj.gov.br
19
http://www.campos.rj.gov.br/Perfil-2005/index.htm
43
Grande, que devido o aumento do número de municípios, passou a denominar-se Região da
Costa Verde.
O IBGE em 1990 também estabeleceu uma estratégia de divisão regional, porém
fundamentada em Meso e Microrregiões Geográficas, definição que será utilizada neste
trabalho. A Microrregião Geogfica expressa eno, em nível local, a realidade do espaço
geográfico resultante de elementos característicos, seja do quadro natural, seja das relações
sociais e econômicas ou da associação de ambos. (CIDE, 2007).
20
Ao passo que as
Mesorregiões Geográficas correspondem a conjuntos de munipios conguos, pertencentes
à mesma Unidade da Federação (Lima et al 2002). Portanto, apresentam:
Formas de organização do espaço geográfico definidas pelas seguintes
dimensões: o processo social, como determinante, o quadro natural, como
condicionante, e a rede de comunicação e de lugares, como elemento de
articulação espacial. Essas três dimensões possibilitam que o espaço
delimitado como mesorregião tenha uma identidade regional. Esta identidade
é uma realidade construída [e em construção] ao longo do tempo pela
sociedade que aí se formou (IBGE, 1990:8).
Observando esta estratégia, o Estado do Rio de Janeiro foi dividido geograficamente
pelo IBGE em seis Mesorregiões: Baixadas, Centro Fluminense, Metropolitana do Rio de
Janeiro, Noroeste Fluminense, Norte Fluminense, Sul Fluminense (Figura 1). E nas
Microrregiões: Bacia de São João, Baía da Ilha Grande, Barra do Piraí, Campos dos
Goytacazes, Cantagalo-Cordeiro, Itaguaí, Itaperuna, Lagos, Macacu-Caceribu, Macaé, Nova
Friburgo, Rio de Janeiro, Santa Maria Madalena, Santo Antônio de Pádua, Serrana, Três Rios,
Vale do Paraíba Fluminense e Vassouras.
20
http://sites.internit.com.br/cide/banco_municipais. php
44
Figura 1 - Mesorregiões do Estado do Rio de Janeiro de acordo com o IBGE (1990).
Fonte: IBGE
Elaboração própria.
O Norte Fluminense, Mesorregião do Estado do Rio de Janeiro, atualmente comporta
os municípios de: Campos dos Goytacazes, São Francisco do Itabapoana, Cardoso Moreira,
São João da Barra, São Fidélis, Carapebus, Quissamã, Conceição de Macabu e Macaé (Figura
2). Possui uma população de aproximadamente 698.783 habitantes (CIDE, 2007). É
historicamente caracterizado como uma das regiões brasileiras mais importantes no cultivo e
beneficiamento da cana-de-açúcar, o que tornou a produção de derivados da cana uma das
atividades econômicas de maior expressão na região. Assim, é patente o papel do cultivo e
beneficiamento desta commodity na ocupação e desenvolvimento deste território, bem como
na conformação de identidades regionais.
21
21
Santos (2005:235) defende que “é o uso do território, e não o território em si mesmo, que faz dele objeto de
análise social. Já para Haesbaert (2005:6774), “o território etimologicamente aparece tão próximo de terra-
territorium quanto de terreo-territor (terror, aterrorizar), ou seja, tem a ver com dominação (jurídico-política)
da terra e com a inspiração do terror, do medo – especialmente para aqueles que, com esta dominação, ficam
alijados da terra, ou no ‘territorium’ são impedidos de entrar. O território (...) possui uma dupla conotação
material e simbólica. Território, assim, em qualquer acepção, tem a ver com poder, mas não apenas com o
tradicional ‘poder político’. Ele diz respeito tanto ao poder no sentido mais concreto, de dominação, quanto ao
poder no sentido mais simbólico, de apropriação.
45
Figura 2- Mapa Municípios da Região Norte Fluminense
Fonte: IBGE apud Silva (2006).
Durante muitas décadas, dependendo essencialmente da cana-de-açúcar, a economia
norte fluminense foi caracterizada pela baixa diversificação produtiva. Deste modo, seus
ciclos econômicos, ocorridos nos períodos de 1850-1950 e 1950-1980, estão atrelados aos
processos de expansão e crise da atividade canavieira. São vários os exemplos e
acontecimentos históricos que atestam a importância da cana-de-açúcar para esta economia.
Um deles é período do Proálcool, momento em que a indústria da cana-de-açúcar chegou a ser
responsável por cerca de 70% da renda total gerada na região. Apesar das diversas tensões
atravessadas pelo setor sucroalcooleiro, principalmente nos anos 1970 e 1980, a produção de
cana-de-açúcar ainda domina a atividade agrícola norte fluminense, ocupando 81% da área
agrícola e 71% dos estabelecimentos rurais da região (Tabela 1) (Carvalho, 2005).
Tabela 1: Evolução da atividade Sucroalcooleira na Região Norte Fluminense
Ano 1965 1970 1980 1990
Área colhida em milhares de hectares
136 144 198 137
Produção de cana de açúcar em milhares de toneladas
5.269 5.398 7.191 5.234
Número de usinas em atividade
26 18 17 15
Fonte: Carvalho (2005:23).
Contudo, a atividade canavieira concentra-se até os dias de hoje, principalmente na
cidade de Campos dos Goytacazes e seu entorno. Tal atividade foi responsável por
transformar este município em um tradicional centro interiorano (Rovere e Carvalho, 2005).
Ainda hoje Campos dos Goytacazes se mantém como principal centro urbano desta região. De
46
acordo com os dados do Censo realizado em 2000 pelo IBGE e informações da PNUD
(2003), Campos dos Goytacazes é uma microrregião que conta com uma área total de 4.040,6
Km
2
, correspondentes a 41,4% da área do Norte Fluminense e possui uma população de
406.989 mil habitantes, referentes a 58,2% do contingente populacional desta região.
22
Sua
densidade demográfica é de 100,6 hab./km
2
. Desta forma, ocupa a 8ª posição em densidade
demográfica e representa a maior população localizada fora da região metropolitana do Rio de
Janeiro (Tabela 2).
Tabela 2- População residente no Estado do Rio de Janeiro, Região Norte Fluminense e Campos dos Goytacazes
1940-2000
.
Ano Estado Norte
Fluminense
Campos dos
Goytacazes
1940
3.611.998 344.053 180.677
1950
4.674.645 365.809 200.327
1960
6.709.891 431.424 246.865
1970
8.994.802 471.038 285.440
1980
11.291.520 514.644 320.868
1991
12.807.706 611.576 376.290
2000
14.391.282 698.783 406.989
Fonte: IBGE, Censos Demográficos-1940-2000 apud Anuário de Campos dos Goytacazes (2006).
Campos dos Goytacazes possui oficialmente 15 distritos e 102 bairros. Estes bairros
são assim distribuídos: 34 bairros localizam-se na Zona Norte (Guarus); 35 bairros na Zona
Leste (Lapa até Donana); 13 bairros na Zona Sul (IPS até Tarcísio Miranda) e 20 bairros na
Zona Oeste (Pelinca até Esplanada). Alguns de seus distritos foram emancipados e
transformados em cidades ou passaram a integrar outros municípios, a exemplo de Italva que
fora o 8° distrito de Campos dos Goytacazes, com 294,8 Km² e Cardoso Moreira, que era o
14° distrito, que ao emancipar-se incorporou São Joaquim, o 16° distrito, somando 517,3
Km². Antes das emancipações Campos dos Goytacazes possuía aproximadamente 4.852 Km²
(Pessanha, 2004) (Tabela 3).
22
http://www.ibge.gov.br/cidadesat/default.php
47
Tabela 3 - Distritos de Campos dos Goytacazes
Fonte: Pessanha (2004)
Ainda no que concerne a aspectos populacionais, de acordo com Lewin (2005 et al),
Campos dos Goytacazes apresentou um acentuado processo de urbanização entre os anos de
1970 e 1996, quando a população residente no perímetro considerado urbano obteve um salto:
de 55,1% em 1970 passou para 85,6% em 1996. Não obstante, o crescimento da população
urbana deu-se de forma mais intensa entre os anos de 1980 e 1991, contrariando o cenário do
restante do Estado, que experimentou este crescimento em um momento anterior,
compreendido entre os anos de 1970 e 1980. As informações oriundas dos censos realizados
pelo IBGE, explicitados no Anuário do Município de Campos dos Goytacazes 2005 (2006),
permite-nos analisar a distribuição de sua população ao longo dos anos, de acordo com a
localização de seus domicílios comparando-as ao movimento da distribuição populacional do
Estado e da Mesorregião Norte Fluminense (Tabela 4):
Tabela 4 - População Residente por situação de domicílio; Estado, Região Norte Fluminense, Campos dos
Goytacazes – 1940-2000 (continua).
Distrito N° Domicílios População Pop/domicílio
Dores de Macabu 1.945 7.439 3,82
Ibitioca 788 3.034 3,85
Morangaba 805 3.259 4,05
Morro do Coco 1.246 4.411 3,54
Mussurepe 2.966 10.066 3,39
Santa Maria 1.199 3.974 3,31
Santo Amaro de Campos 2.167 7.140 3,29
Santo Eduardo 1.291 4.266 3,30
São Sebastião de Campos 3.911 14.116 3,61
Serrinha 353 1.150 3,26
Tocos 2.140 7.597 3,55
Travessão 4.722 17.941 3,80
Vila Nova de Campos 1.404 5.163 3,68
Estado do Rio de Janeiro
Ano Total Urbana Rural
1940
3.611.998 2.212.211 1.399.787
1950
4.674.645 3.392.591 1.282.054
1960
6.649.646 5.252.631 1.397.015
1970
8.994.802 7.906.146 1.088.656
1980
11.291.520 10.368.191 923.329
1991
12.807.706 12.199.641 608.065
2000
14.391.282 13.821.466 569.816
Região Norte Fluminense
Ano Total Urbana Rural
1940
344.053 92.199 251.854
1950
365.809 109.969 255.840
1960
431.424 174.247 257.177
1970
471.038 240.452 230.586
1980
514.644 300.555 214.089
1991
611.576 484.346 127.230
2000
698.783 594.713 104.070
48
Fonte: IBGE, Censos Demográficos-1940-2000 apud Anuário Estatístico de Campos dos Goytacazes (2006:54)
Assim, percebemos um visível declínio da população rural de Campos dos
Goytacazes, sobretudo, a partir dos anos 1980, concomitantemente ao crescimento da
população urbana. Este período coincide com o fechamento de diversas usinas
sucroalcooleiras locais, o que nos possibilita inferir que tal acontecimento apresentou-se como
um dos fatores que contribuiu para o aceleramento e intensificação do fluxo migratório rural-
urbano na região. De acordo com dados da PNUD (2003) a taxa de urbanização de Campos
dos Goytacazes cresceu 5,89 %, passando de 84,50% em 1991 para 89,48% em 2000. Em
2000, a população do município representava 2,83% da população do Estado, e 0,24% da
população do País.
Figura 3 - População residente por situação de domicílio em Campos dos Goytacazes, 1940-2000
Fonte: Dados - Anúario Perfil/2005 de Campos dos Goytacazes (2006)
Elaboração da autora.
Contudo, embora assista a um decréscimo de sua população rural, Campos dos
Goytacazes abriga o maior contingente deste segmento no Estado, o que denota a importância
que a agricultura ainda assume para o município. Visivelmente, o cultivo de cana-de-açúcar se
mantém como a principal atividade agrícola. Assim, Alentejano (2003) ressalta que embora a
Campos dos Goytacazes
Ano Total Urbana Rural
1940
180.677 63.782 116.895
1950
200.327 79.790 120.537
1960
246.865 124.768 122.097
1970
285.440 167.330 118.110
1980
320.868 195.391 125.477
1991
376.290 317.981 58.309
2000
406.985 364.177 42.808
49
urbanização seja marcante no Estado do Rio de Janeiro, esta não consegue suprimir as
contradições presentes na região, especialmente a que diz respeito à resistência dos
trabalhadores rurais, que ainda desejam residir no campo, o que é evidenciado pelos inúmeros
conflitos agrários ocorridos no Estado, bem como pelos acampamentos e assentamentos
espalhados por seu território.
Podemos observar que ao longo dos anos a cana-de-açúcar ocupou a maior parte das
áreas agriculturáveis de Campos dos Goytacazes, afirmação que pode ser constatada quando
analisamos, por exemplo, o ano de 2006, quando a cultura de cana-de-açúcar foi empreendida
em aproximadamente 98% da área destinada a lavouras temporárias no município (IBGE,
2006) (Tabela 5).
Tabela 5 - Quantidade produzida, Valor da produção, Área plantada e Área colhida da lavoura temporária de
cana-de-açúcar.
Brasil,
Unidade da
Federação,
Mesorregião
Geográfica,
Microrre
g
ião
Geográfica e
Município
Lavoura
temporária
Área plantada (Hectare) Área colhida (Hectare)
1990 1995 2000 2006 1990 1995 2000 2006
Brasil
Total
45.980.738 45.960.271 45.573.754 55.858.771 43.497.198 45.068.169 44.022.212 54.796.077
Cana-de-
açúcar
4.322.299 4.638.281 4.879.841 6.179.262 4.272.602 4.559.062 4.804.511 6.144.286
Rio de
Janeiro
Total
297.303 230.435 206.389 201.816 276.295 224.119 206.301 189.336
Cana-de-
açúcar
206.786 161.787 158.824 164.290 204.802 161.787 158.824 151.816
Norte
Fluminense -
RJ
Total 203.607 167.886 157.885 159.920 200.776 167.616 157.885 147.446
Cana-de-
açúcar
186.520 149.615 144.245 149.730 184.880 149.615 144.245 137.256
Campos dos
Goytacazes -
RJ
Total
172.452 137.712 133.591 137.997 171.547 137.712 133.591 125.523
Cana-de-
açúcar
160.200 123.415 122.310 129.466 160.200 123.415 122.310 116.992
Campos dos
Goytacazes -
RJ
Total
120.011 97.280 94.766 95.799 119.516 97.280 94.766 86.379
Cana-de-
açúcar
116.100 93.125 91.150 94.201 116.100 93.125 91.150 84.781
Fonte: IBGE - Produção Agrícola Municipal 2006
Ademais, de acordo com a pesquisa Produção Agrícola Municipal 2006 (PAM)
realizada pelo IBGE, Campos dos Goytacazes ocupou no ano de 2005 a segunda posição no
ranking dos municípios produtores de cana-de-açúcar do país, sendo que Morro Agudo e
Jaboticabal, ambos paulistas, ocuparam no mesmo período, respectivamente, a primeira e
terceira posições (Tabela 6).
50
Tabela 6 - Ranking dos dez primeiros municípios brasileiros produtores de cana-de-açúcar
Fonte: Pesquisa Produção Agrícola Municipal 2006 (PAM) - IBGE
A expressiva produção cana-de-açúcar em Campos dos Goytacazes tem atraído um
grande número de migrantes, principalmente do Nordeste e da região do Vale do
Jequitinhonha, em Minas Gerais, para o trabalho sazonal no corte da cana-de-açúcar, que em
algumas propriedades ainda é feito de forma manual. Contudo, em muitos casos, quando estes
trabalhadores chegam às usinas e fazendas de cana-de-açúcar do município, se deparam com a
super-exploração do trabalho, e baixos salários. Ademais, Campos dos Goytacazes foi palco
nos últimos anos de denúncias de trabalho análogo ao escravo na atividade canavieira.
Apesar do lugar e importância das atividades agropecuárias para o município, é
necessário ressaltar que atualmente Campos dos Goytacazes destaca-se especialmente, no
âmbito nacional e internacional, pela sua bacia de petróleo. Esta é responsável por
aproximadamente 81% da produção nacional desse recurso. Tal fato possibilitou a Campos
dos Goytacazes transformar-se em um dos maiores receptadores de royalties e participações
especiais do país (Pessanha 2004).
Embora a sede dos empreendimentos da Bacia de Campos esteja localizada na cidade
de Macaé, o impacto dos royalties tornou-se notadamente importante para o município,
sobretudo, em virtude das coordenadas geográficas do seu litoral e do aumento da produção
da Petrobrás, incrementada pela extinção do monopólio da exploração de petróleo no país.
Não obstante, Pessanha (2004) ressalta ainda que a Lei do Petróleo N.° 9.478/97 possibilitou
a entrada de novas empresas na disputa pelas descobertas de jazidas deste recurso na região.
23
23
A LEI Nº 9.478, DE 6 DE AGOSTO DE 1997 dispõe sobre a política energética nacional, as atividades
relativas ao monopólio do petróleo. http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L9478.htm.
51
Aliado a estes fatores, a alteração da metodologia de cálculo para remuneração dos royalties
tornou o município de Campos dos Goytacazes, desde 1999, o líder nessa receita. Assim, se
em 1995, Campos dos Goytacazes possuía um orçamento médio per capta anual de R$ 98,00
(R$ 37,2 milhões para uma população de 376 mil – IBGE, 1991), no ano de 2004, o
orçamento tornou-se quinze vezes superior ao de 1995, contando com cerca de R$ 1.474,00
por habitante (R$ 600 milhões em 2004 para uma população de 406.989- IBGE, 2000)
(Pessanha 2004), (Tabela 7).
Tabela 7 - Comparação entre os orçamentos de Municípios receptores de royalties no Estado do Rio de Janeiro e
IDH
* Comparação utilizando os orçamentos do ano de 2003.
* Índice de Desenvolvimento Humano Municipal
Fonte: Pessanha (2004)
Embora possua um orçamento de R$ 1.144,00 por habitante, de acordo com dados do
Atlas da PNUD (2003)
24
, Campos dos Goytacazes ocupa a 54ª posição no ranking do IDH -
M no estado e a 1.818ª colocação dentre os municípios do Brasil, sendo que 1817 (32,8%)
municípios brasileiros apresentaram situação melhor do que a de Campos dos Goytacazes.
25
Estes dados nos permitem inferir que apesar da considerável disponibilidade de recursos
financeiros, a desigualdade provocada pela má distribuição de renda neste município é
acentuada.
24
O Atlas da PNUD (2003) apresenta o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de todos os municípios
brasileiros, com base no banco de dados do IBGE do ano de 2000.
Cidades
Orçamento
(milhões)
População
Orçamento /
Habitante
IDH-M*
2000
Posição Ranking
IDH-M
Campos dos
Goytacazes*
465 406.989 R$ 1.144,00 0, 752 1.818°
Cabo Frio 170 126.894 R$ 1.339,00 0, 792 751°
São João da Barra* 53,2 27.503 R$ 1.934,00 0, 723 2.573°
Macaé 372 131.550 R$ 2.829,00 0, 790 815°
Casimiro de Abreu 66,0 22.052 R$ 2.992,00 0, 781 1.020°
Armação de Búzios 59,5 18.179 R$ 3.273,00 0, 791 785°
Rio das Ostras 193 36.769 R$ 5.248,00 0, 775 1.188°
Quissamã 90 13.668 R$ 6.584,00 0, 732 2.374°
Carapebus 60,8 8.651 R$ 7.028,00 0, 741 2.134°
52
2.2 A Região Norte Fluminense, Campos dos Goytacazes: Algumas considerações sobre
a trajetória da atividade sucroalcooleira
Tamanha é a fertilidade da planície goitacá que rapidamente se
povoou, e toda sua história econômico-social resume-se na luta
pela posse do solo fértil, das aluviões fecundas, do cobiçado
‘massapê’(...). Complexa de interesses egoísticos de
latifundiários, de juristas cínicos, de sentenças de juízes
inescrupulosos, toda ela, por um século é uma seqüência de
repressões à liberdade (LAMEGO, 1974).
Dada à dimensão e importância da atividade sucroalcooleira no Norte Fluminense,
bem como em Campos dos Goytacazes, regiões de vanguarda da produção de açúcar do país,
qualquer trabalho que tenha por objetivo discutir as relações no campo desta região se
deparará com os arranjos desencadeados por tal atividade. Não é diferente quando o que está
em jogo é o processo de Reforma Agrária no município; haja vista a concentração fundiária
promovida pelas lavouras de cana-de-açúcar, cultivo que demanda grandes extensões de terra.
Neste sentido, os assentamentos rurais da região, em sua maioria, são oriundos de ocupações
realizadas em fazendas pertencentes a antigas usinas de cana-de-açúcar, que vivenciaram um
processo falimentar a partir da década de 1980.
Para Lewin et al (2005) a análise do complexo agroindustrial do açúcar torna-se
importante para a compreensão das relações políticas na estrutura produtiva e fundiária de
Campos dos Goytacazes. Assim, de modo a auxiliar o entendimento de questões relacionadas
à constituição de assentamentos de Reforma Agrária neste município, torna-se imperativo
recuar e pontuar alguns marcos da história de produção local. Isto permite uma análise, ainda
que superficial, das repercussões da agroindústria sucroalcooleira no tecido social, o que
envolve setores importantes como economia, cultura, política, aspectos que se refletem
diretamente na concentração fundiária e na institucionalização dos assentamentos rurais da
região.
O cultivo de cana-de-açúcar no Norte Fluminense relacionou-se diretamente com o
projeto colonizador do país. Remonta ao século XV, quando esta região integrava a Capitania
Hereditária de São Tomé, também conhecida como Capitania de Paraíba do Sul, de
administração do donatário Pero Góis. Assim, as primeiras mudas de cana-de-açúcar foram
introduzidas na região a partir de 1538, em uma localidade habitada por indígenas goitacás e
puris, território que compreende atualmente o município de São João da Barra. Para o
53
trabalho na plantation da cana-de-açúcar importaram-se escravos africanos e foram
construídos engenhos movidos à água. No entanto, tal empreitada pouco durou, em virtude
dos sucessivos ataques indígenas aos povoados da capitania. Esta situação culminou no
abandono do projeto colonizador de Pero Góis. Posteriormente, seu filho, Gil de Góis,
renunciaria aos direitos hereditários que possuía junto à capitania (Paranhos, 2000).
Em uma segunda tentativa de colonizar a região, em 1627, a Coroa Portuguesa
ordenara a divisão da Capitania de São Tomé em glebas, doadas a sete capitães portugueses,
alguns deles donos de engenho na localidade de Guanabara, efetivando a ocupação.
26
Os
novos donatários introduziram a pecuária na região. Esta atividade tinha a função de atender a
demanda dos senhores de engenho da Guanabara que além da alimentação, utilizavam o gado
no transporte e moagem de cana-de-açúcar (Lamego, 1974); (Carvalho & Silva, 2004). Para
Marafon (2003) apud Francisco (2006) a pecuária teria sido o primeiro marco histórico-
geográfico gerador de uma ocupação mais efetiva da região. Assim, a retomada da capitania
culminou em 1667, na fundação da Vila de São Salvador, atual município de Campos dos
Goytacazes. No mesmo ano também é fundado o município de São João da Barra.
Somente no século XVIII a atividade canavieira se consolida no atual Norte
Fluminense. Em virtude da demanda internacional por açúcar, as lavouras de cana se
sobrepõem à pecuária. A criação de gado é impelida para o interior da região (Paranhos,
2000). O Cultivo de cana-de-açúcar foi então favorecido pelas condições ambientais da área,
principalmente no que tange ao solo de massapê encontrado na baixada campista, abundante
em matéria orgânica e constantemente fertilizado pelo rio Paraíba do Sul (Carvalho & Silva,
2004). Neste sentido Barbosa (2003) enfatiza que a introdução da cana-de-açúcar, a partir do
século XVIII, estabeleceu uma estrutura que ainda hoje manifesta alguns de seus traços no
Norte Fluminense. Assim, a partir de então, foi possível observar na região:
A constituição de distintos grupos sociais tendo em conta o modo de
produção mercantil exportador, fundamentado na produção açucareira. A
saber: uma aristocracia rural (os senhores de engenho e mais tarde, no
período imperial, os chamados barões do açúcar); uma nova burguesia
mercantil, responsável por intermediações comerciais e financeiras dos
povoados do Norte Fluminense (...) envolvendo o comércio de açúcar e o
tráfico de escravos (...); o clero, que exerceu uma forte influencia
socioeconômica na região por também produzir açúcar; os negros africanos,
mão-de-obra empregada no processo produtivo, até o final do século XIX
26
De acordo com Lamego (1974) Os Sete Capitães vindos de Portugal se chamavam: Miguel Ayres Maldonado,
Gonçalo Corrêa de Sá, Manuel Corrêa, Duarte Corrêa, Antonio Pinto Pereira, João de Castilho e Miguel da
Silva Riscado. Pereira Pinto, J. R., 1995, p. 41.
54
(...). A articulação dos grupos sociais acima descritos, em torno da produção
de açúcar, iria definir a base da formação social e econômica do Norte
Fluminense (CARVALHO & SILVA, 2004:35).
A partir do século XIX, a agroindústria açucareira Norte Fluminense atravessa um
processo de modernização de suas atividades que até então eram realizadas de forma
praticamente artesanal, nos engenhos a tração animal (Paes, 1999). Este processo integrava
um projeto nacional de fortalecimento da posição do Brasil no mercado internacional. Assim,
o governo por meio de incentivos concedidos por lei, estimulou capitais nacionais e
estrangeiros à implantação dos chamados engenhos centrais (Godoy, 2007).
Desta forma, em 1877, é criado o Engenho Central de Quissamã, o primeiro da
América Latina. Neste período, Campos dos Goytacazes desponta no cenário nacional como
importante produtor de açúcar. Com o surgimento dos engenhos centrais se estabelece um
novo conceito de produtividade na região (Teixeira et al, 2007). Para Eisenberg, (1977), apud
Godoy (2007) a introdução dos engenhos centrais na agroindústria canavieira resultou na
redução do preço da matéria-prima e na melhoria da qualidade do produto, que se tornou mais
competitivo. O mercado de trabalho também sofreu alterações, uma vez que a modernização
extinguiu postos de trabalho, ampliou a oferta de mão-de-obra, o que repercutiu em uma
redução dos salários. Lewin et al (2005) ressaltam que neste momento, Campos dos
Goytacazes conhece a figura do senhor de engenho, grande proprietário de terras e escravos.
Contudo, a experiência dos engenhos centrais foi paulatinamente substituída pela
instalação das usinas, dados os problemas com o fornecimento de matéria-prima.
27
Assim, em
1879 é instituída em Campos dos Goytacazes a Usina do Limão, a primeira destinada ao
processamento de cana-de-açúcar instalada no Brasil.
Segundo Paes (1999), no final do século
XIX, a indústria do açúcar se encontrava bastante desenvolvida, principalmente em Campos
dos Goytacazes. Esta fase da história, conhecida como a primeira modernização, tem como
característica o surgimento da figura do usineiro. Este passou a exercer grande controle sobre
processo produtivo da cana-de-açúcar. Conforme ressalta Neves:
27
De acordo com Andrade (1994) apud Barbosa (2003), a principal diferença entre os engenhos centrais e as
usinas repousa no fato de que nos primeiros era proibida a existência de terras próprias cultivadas. Portanto aos
engenhos cabia somente o beneficiamento da matéria-prima de fornecedores, numa nítida separação entre a
atividade agrícola e a industrial, que fracassou porque o segmento industrial funcionava com grande capacidade
ociosa. As usinas, além de beneficiarem a cana-de-açúcar, possuíam terras cultiváveis, o que garantia o
fornecimento da matéria-prima.
55
A transformação técnica dos engenhos centrais em usinas fez-se acompanhar
de um controle mais amplo do usineiro sobre os agricultores que ofereciam
matéria-prima. Ampliando as áreas de terra voltadas para a atividade agrícola
e explorando-as através de colonos e arrendatários, os usineiros podiam
prescindir de boa parte da matéria-prima oferecida pelos agricultores
(NEVES, 1997:66).
O resultado desta transformação é a consolidação da penetração do capital financeiro e
industrial no campo, que passa então a controlar toda a cadeia produtiva açucareira, desde o
cultivo até a sua distribuição comercial. Ora, as usinas ao mesmo tempo em que possuíam
fábricas, eram proprietárias de grandes extensões de terra, além de controlarem a mão-de-
obra. Deste modo, a industrialização da produção do açúcar contribuiu para o surgimento de
novas relações econômicas e de trabalho na região Norte Fluminense, por sua vez, calcadas
nos moldes capitalistas, imprimindo uma dinâmica econômica concentradora de terras e
capital. De acordo com Barbosa (2003), a partir desta transição:
Identifica-se um novo período, em que há concentração industrial;
transformações tardias nas relações de trabalho (da escravatura passou-se às
parcerias e à predominância do trabalho assalariado); aprofundamento da
divisão social do trabalho; reconfiguração dos atores no processo produtivo,
com o empobrecimento dos antigos senhores de engenho que agora passam a
serem fornecedores (...). Paralelamente a esta ampliação do número de
fornecedores e de área plantada, se desenvolve a concentração de capitais. As
áreas em torno da usina foram sendo adquiridas pelos usineiros numa fase
marcante de territorialização do capital (BARBOSA, 2003:113).
Já no início do século XX a produção de açúcar era bastante expressiva na região,
concentrando-se em Campos dos Goytacazes, cidade que possuía neste período vinte e seis
usinas em funcionamento, cujas cinco maiores eram pela ordem: Cupim, Mineiros, Santa
Cruz, Tocos e Barcelos (Pereira Pinto, 1987). Como o açúcar era um importante produto para
a agricultura, por consistir em um dos itens fundamentais na pauta das exportações brasileiras,
em períodos de crise o setor sucroalcooleiro demandava apoio federal, o que culminou na sua
organização para melhor exigir intervenções do governo.
Em 1929, diante do momento de crise atravessado pelo país, e em virtude das
oscilações da produção, da demanda e do preço do açúcar; juntamente com a necessidade de
grandes investimentos em infra-estrutura, a indústria sucroalcooleira vivencia uma tensão.
Deste modo, iniciam-se as ações do estado intervencionista dirigido por Getúlio Vargas, o que
ocasionou a introdução dos subsídios estatais junto à política para o setor sucroalcooleiro. O
Estado passou então a intervir de forma direta na economia açucareira, visando à expansão e
56
modernização de suas atividades. Para tanto, criou o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA)
em 1933. Dentre as principais atribuições do IAA destacavam-se a de estabelecer regras para
o relacionamento entre fornecedores e industriais do setor canavieiro; e a de controlar a
produção açucareira e de álcool, por meio da imposição de cotas de produção (Alves, 1998);
(Neves, 1997a). Este controle possibilitou que Campos dos Goytacazes se tornasse o
município de maior fabricação de açúcar cristal do Brasil, além de ter incentivado a produção
de álcool, em virtude de ter introduzido a mistura deste produto na gasolina (Carvalho &
Silva, 2004).
A partir de meados da década de 1960 o IAA propõe o Plano de Expansão da Indústria
Açucareira Nacional. Este plano preconizava a mudança da base técnica da produção agrícola,
fundamentado na mecanização de todo processo produtivo, o que compreendia desde a
introdução de insumos importados ao carregamento e transporte automotrizes do produto
(Alves 1998). Em 1971 é instituído o Programa de Racionalização da Agroindústria
Canavieira, que visava à modernização das usinas, de forma a aumentar a escala de produção,
reduzindo os custos de fabricação (Neves e Batalha, 1997)
A modernização do complexo agroindustrial canavieiro implementada pelo IAA
refletiu de forma negativa nas atividades de muitas usinas em Campos dos Goytacazes. Nesta
região o processo de reestruturação industrial não foi acompanhado das necessárias
transformações da base produtiva da cana-de-açúcar que, por sua vez, deveria ocorrer na
mesma intensidade.
28
Ademais, as lavouras de cana-de-açúcar foram expandidas para regiões
acidentadas, de baixa produtividade. Deste modo, o parque industrial sucroalcooleiro
campista cresceu em uma proporção muito superior à capacidade de expansão da cultura de
cana-de-açúcar, fazendo com que muitas usinas operassem na maioria das vezes, com ampla
capacidade ociosa. (Neves, 1997a).
Neves, (1997b) ressalta ainda para este período, a ocorrência de um processo de
concentração industrial no setor sucroalcooleiro de Campos, tendência coincidente com a
elaboração de um novo modelo de desenvolvimento para a agricultura, que se esboçava no
início da década de 1970. Para a autora, as dificuldades ocasionadas pela competitividade
com as condições produtivas das usinas de São Paulo, levaram os usineiros campistas a obter
28
A modernização do parque industrial açucareiro do Rio de Janeiro, destacadamente o do Norte Fluminense, foi
realizada no início dos anos 1970, por meio do Decreto Lei 1186 de 27/08/1971. A partir deste decreto, o
governo concedeu estímulo a processos de fusão, incorporação e relocalização de usinas. Na ocasião muitas
usinas então, se reestruturaram, por meio de projetos parciais. Contudo, a modernização não se entendeu as áreas
de cultivo (Azevedo, 2002).
57
aumento de ganho em escala. Isto pressupôs a eliminação das unidades de menor capacidade
produtiva. De acordo com Francisco (2006) a forma de administração das indústrias
sucroalcooleiras foi profundamente alterada. A gerência das usinas deixou de ser comandada
segundo um modelo tradicional, no qual a família exercia um papel central, para seguir um
modelo de empresas ministradas por grupos que inclusive, possuíam investimentos em outros
ramos da economia. Para Alentejano (2003), a conseqüência é a diminuição do poder local e a
articulação da agricultura com o setor industrial, culminando na fusão entre capital agrário e
urbano-industrial.
Segundo Barbosa (2003), soma-se a estes aspectos o fato de a política desenvolvida
pelo IAA não ter sido aplicada de forma homogênea nas regiões canavieiras brasileiras. Deste
modo, o autor observa que o IAA dedicou maior atenção ao Estado de São Paulo, por isto
conciliou o atraso tecnológico atravessado pela região Norte Fluminense com a modernidade
das usinas paulistas. Isso permitiu a São Paulo despontar como o maior produtor de açúcar
refinado do país e um dos maiores do mundo. Gradativamente, Campos dos Goytacazes foi
perdendo mercados em virtude de sua defasagem tecnológica. As usinas do Norte Fluminense
se especializaram na fabricação de açúcar cristal, produto com baixo valor agregado, portanto,
incapaz de concorrer com o açúcar refinado produzido pelas usinas paulistas.
O resultado da articulação dos fatores descritos acima foi o início do fim, ou seja, o
começo do processo falimentar de diversas indústrias tradicionais na zona canavieira
campista. Nesta ocasião, os problemas do setor sucroalcooleiros já estavam claros e impostos,
no entanto, só viriam à tona, ganhando maior proeminência no cenário nacional, quando os
investimentos na lavoura canavieira foram extintos juntamente com o IAA, em um momento
posterior.
Szmrecsányi e Moreira (1991) apontam que os problemas atravessados pela atividade
canavieira não eram exclusivos a Campos dos Goytacazes. Em grande parte do país a
atividade canavieira atravessava severas tensões. Neste sentido, por volta de 1975 o açúcar
brasileiro experimentou um declínio de seu papel no mercado internacional. O preço do
produto caiu repentinamente, e o valor das exportações brasileiras de açúcar estava sujeito a
um declínio nos anos seguintes. Deste modo, para estes autores, uma crise nacional no setor
sucroalcooleiro só não eclodiu neste período devido aos choques no mercado internacional de
petróleo e a decisão do governo federal de promover um aumento da produção de álcool
combustível. Todavia, os efeitos dessa crítica situação da agroindústria canavieira brasileira
foram apenas adiados, mas não evitados ou superados.
58
A crise no setor sucroalcooleiro campista, oriunda do processo de reestruturação do
seu parque produtivo, repercutiu diretamente no sistema de mão-de-obra empregado na
lavoura canavieira. Antigas relações de trabalho foram redefinidas. Antes da modernização
iniciada em meados da década de 1960 e intensificada na década de 1970, a usina e seus
fornecedores tinham grande interesse em manter trabalhadores em seu território através do
sistema conhecido como morada, que consistia:
“(...) Numa modalidade de vinculação do trabalhador que supunha a venda da
força de trabalho para o fazendeiro por um salário de menor valor, acrescido
pela complementação oferecida pelo acesso às lavouras de subsistência, casa
de morada, criação de pequenos animais, direito a utilização de lenha. Os
trabalhadores tinham acesso a esta condição pelo reconhecimento de sua
dedicação, enquanto diarista ou alugado ao fazendeiro, ou de sua imagem de
bom trabalhador (...) (NEVES, 1997a: 51).
Herédia (1988) ressalta que nesta modalidade de trabalho a concessão do usineiro que
fornecia a casa e roçado, e o reconhecimento a que se obrigava o morador que recebia estes
“benefícios”, constituíam-se em elementos de um sistema único de dominação. Para Garcia
Júnior (1989:38) “ser morador ou tornar-se morador significava se ligar ao senhor do
domínio de uma maneira específica, numa relação que supunha residência e trabalho
simultaneamente.”
De acordo com Neves (1997b) o processo de mecanização da agricultura, intensificado
na década de 1970 pelo aumento do número de tratores e introdução das plantadeiras em
embarcadeiras, proporcionou a Campos dos Goytacazes, imprimir um ritmo mais acelerado ao
plantio e colheitas, diminuindo o número de horas de trabalho e de empregados permanentes
nas usinas. Deste modo, a nova ordenação da produção acarretou a expulsão dos trabalhadores
das fazendas de cana-de-açúcar e, portanto, desmantelou esse universo de pequenos
produtores, transformando grande parte em proletários (Grabois, 1999). Lewin et al (2005)
asseveram que foram inúmeras as denúncias e ações trabalhistas contra as usinas em Campos
dos Goytacazes, que abrangiam desde a falta de pagamentos até a expulsão dos trabalhadores
das casas de morada.
Ocorreu uma na ruptura das formas de dominação tradicionalmente colocadas em
prática pelos usineiros, até então reconhecidos pelo papel de provedor e patrão dos
trabalhadores, por sua vez vinculados por subordinação legal e pessoal, através da condição
de morador, nas terras pertencentes à agroindústria (Neves, 1997b). Deste modo, desde
meados dos anos 1960 Campos dos Goytacazes assistia um processo intenso de migração de
59
trabalhadores da atividade canavieira, residentes no campo, para as periferias – acentuando o
processo de favelização da cidade–, ou mesmo para as regiões metropolitanas do Rio de
Janeiro (Lewin et al 2005).
Em algumas localidades de Campos dos Goytacazes, formaram-se áreas periféricas em
regiões próximas às usinas de cana-de-açúcar, caso observado, por exemplo, nas imediações
do Distrito de Guarus, região que possui uma parte contígua a Usina São João. Todavia, os
moradores expulsos das fazendas, mesmo alojados na zona urbana continuariam integrando as
atividades ligadas à cana-de-açúcar, através do trabalho volante, favorecido pela realização de
migrações pendulares.
29
Desta forma, Campos dos Goytacazes, na década de 1970 assistiu à
generalização do trabalho tipo bóia-fria (Lewin et al, 2005).
Grabois (1999) assinala que tal situação culminou na reorganização dos espaços rural
e urbano, fazendo com que o perímetro urbano assumisse a característica de um repositório de
mão-de-obra, onde vive uma população proletária que trabalha fundamentalmente no meio
rural. Isto só tornou-se possível porque a modernização na agroindústria canavieira foi
parcial. Houve a mecanização do plantio, porém manteve-se o corte manual do produto, por
meio da instauração do trabalho temporário.
A despeito do momento adverso para a atividade canavieira de Campos dos
Goytacazes e do Norte Fluminense como um todo, na segunda metade da década de 1970, um
evento atenuaria aparentemente a crise desencadeada pelo mencionado processo de
reestruturação do parque industrial sucroalcooleiro: A criação do Programa Nacional do
Álcool (PROALCOOL), uma experiência do governo brasileiro, cujo objetivo era
desenvolver fontes alternativas para geração de energia líquida, em que se pretendia diminuir
a dependência que o país tinha de combustíveis fósseis (Alves, 1998).
Para tanto, seria necessário promover o aumento da produção de safras de cana-de-
açúcar, bem como expandir a capacidade industrial de beneficiamento desta matéria-prima,
visando à obtenção de álcool para substituir o petróleo e seus derivados, em especial a
gasolina. A justificativa oficial para o aumento da produção de álcool era a necessidade do
país encontrar um sucessor para a gasolina, e com isso atenuar os impactos negativos
produzidos pelos choques provocados pela crise da Organização dos Países Exportadores de
29
De acordo com Baptistella et al (1994) característica fundamental do trabalhador volante é que este é um
assalariado rural, porém o seu custo de reprodução está determinado no setor urbano. Popularmente conhecidos
como bóias-frias, são trabalhadores que, devido à instabilidade de emprego e à inexistência de um vínculo
empregatício formal, atuam tanto no trabalho rural como buscam alternativas de trabalho no mercado urbano.
60
Petróleo (OPEP), e pela queda de preços do açúcar no mercado internacional (Azevedo,
2002); (Szmrecsányi e Moreira, 1999).
De acordo com Szmrecsányi e Moreira (1999) várias matérias-primas (como a
mandioca, a madeira, o babaçu e a batata-doce) foram cogitadas na época, para esse
propósito, todavia, a cana-de-açúcar conseguiu manter-se como elemento privilegiado. Tal
fato leva os autores a inferir que o PROÁLCOOL foi formulado e estabelecido menos como
uma solução para a "crise energética" do Brasil, do que como uma alternativa para a
capacidade ociosa da sua agroindústria canavieira. Junto ao estímulo financeiro do governo
para a produção de álcool oriundo da cana-de-açúcar, emergiu o interesse das indústrias
automobilísticas em produzir modelos de automóveis movidos por este combustível, o que
também contribuiu para a expansão das atividades produtivas do setor agroindustrial
sucroalcooleiro (Neves, 1997a); (Azevedo, 2002).
Deste modo, segundo Alves (1998), de forma simplificada, podemos dividir o
PROÁLCOOL basicamente em três fases. A primeira é marcada pelo incentivo à utilização
do álcool anidro como aditivo à gasolina e pela implantação de destinarias anexas a usinas de
açúcar.
30
A fase seguinte foi balizada pelo segundo choque do petróleo, em 1979, quando os
preços deste produto, mais uma vez dispararam no mercado mundial. Nesse período houve a
massificação de incentivos por parte do governo federal, para construção de destilarias
autônomas voltadas à produção de álcool hidratado para uso direto nos veículos. Este é
considerado o ápice do programa, em que a produção nacional de álcool atingiu cerca de 15
milhões de litros anuais. A partir destes estímulos, neste período, a produção fluminense
alcançou a capacidade de moagem de 16 milhões de toneladas (Neves, 1997a). Lewin et al
(2005) asseveram que a política de auto-suficiência energética posta pelo governo brasileiro
por meio da produção do álcool proveniente da cana-de-açúcar, converteu as usinas em
demandadoras de grandes quantidades de matéria-prima, o que fez com que estas investissem
na aquisição de vastas extensões de terra. Para Szmrecsányi e Moreira (1999:73) os incentivos
oriundos do governo:
30
O álcool anidro possui características de pureza na ordem de 99,95%, com 0,05% de água, ou seja, é
considerado isento de água. É miscível com a gasolina e tem como resultado, um combustível com
características antidetonantes. Para cada 5% de álcool consegue-se um aumento de octanagem (compostos
oxigenados que possuem características de aumentar à resistência do combustível a detonação), em
aproximadamente 2 pontos percentuais, sem os problemas decorrentes da adição de chumbo tetraetila (CTE),
que é bastante poluente. O Brasil foi um dos primeiros países e a banir o chumbo tetraetila da gasolina, passando
a incorporar o álcool anidro como aumentador de octanagem. Isso elevou a gasolina do país ao patamar das de
boa qualidade vendidas na Europa (Poydo, 1999:1).
61
(...) Capacitaram a agroindústria canavieira do Brasil a rapidamente alcançar
e ultrapassar as metas de produção governamentais. Nos primeiros dez anos
de existência do PROÁLCOOL, a produção brasileira de álcool aumentou a
uma taxa média de 35% ao ano, sem que o setor deixasse de produzir
volumosas quantidades de açúcar, tanto para a exportação como para o
mercado interno. Uma tão rápida expansão só era possível à custa de grandes
e graves distorções. No plano agrícola, ela provocou o excessivo crescimento
de uma monocultura cheia de riscos, bem como uma exagerada concentração
fundiária, extremamente deletéria do ponto de vista social.
A terceira fase é caracterizada pela crise do PROÁLCOOL. A partir de meados de
1980, o programa assistiu à queda do preço do petróleo no mercado internacional. Ao mesmo
tempo, o país foi se tornando cada vez mais auto-suficiente nesse produto, em virtude da
descoberta de bacias petrolíferas submarinas na costa brasileira, reduzindo as suas
importações para menos que 40% do seu consumo. Uma das conseqüências foi a diminuição
da participação de veículos movidos a álcool no setor automobilístico brasileiro. Com isso, o
PROÁLCOOL foi se tornando cada vez mais oneroso e menos necessário para o país (Alves,
1998); (Szmrecsányi e Moreira, 1999).
Simultaneamente aos acontecimentos mencionados acima, emergiu a tensão
econômica que assolou o país em 1980. Este período, popularmente conhecido como a
década perdida da economia brasileira, tratou-se de uma conjuntura marcada pela
desorganização econômica, e de um intenso processo inflacionário. O Brasil vivenciou então,
uma das suas mais graves crises, o que levou a recessão e o desemprego a assumirem uma
expressão até então desconhecida. A sucessão destes fatores abalou o setor canavieiro,
repercutindo diretamente em Campos dos Goytacazes, uma vez que inviabilizou a
continuidade da produção de álcool e comprometeu a viabilidade do PROÁLCOOL. Assim,
após sessenta e quatro anos de intervenções do governo federal, a atividade canavieira
experimenta, a partir de 1989, uma retração nos recursos governamentais injetados na
indústria sucroalcooleira e, no início no da década de 1990 se depara com o desmonte do IAA
bem como a extinção do PROÁLCOOL, pelo governo de Fernando Collor de Mello
(Azevedo, 2002), (Szmrecsányi e Moreira, 1999).
De acordo com Lewin et al (2005), o IAA apresentou-se como um pilar importante da
agroindústria canavieira campista, de modo que a partir da extinção deste órgão, é possível
observar um visível declínio da produção açucareira na região. Portanto, o fim do IAA e a
crise do PROÁLCOOL desencadeados, em parte, pelo período de recessão ocorrido nos anos
1980, atrelados à tensão anterior da década de 1970 provocada pela reestruturação da usinas,
62
como antes mencionado, culminou em um colapso no setor sucroalcooleiro entre 1980 e 1990
no Norte Fluminense. Neste período se observa então, uma concentração de falências de
usinas sucroalcooleiras, principalmente em Campos dos Goytacazes, (de 26 restaram apenas
8) o que resultou no desemprego em massa e na formação de diversos latifúndios
improdutivos na região.
Deste modo, se no momento de reestruturação das usinas nos anos 1960 e 1970, parte
considerável dos trabalhadores da agroindústria canavieira conseguiu manter-se nos seus
postos de trabalho, por meio da estratégia do trabalho volante como bóias-frias – mediante a
precarização de suas atividades e expulsão das casas de morada , com a crise do início dos
anos 1990, a situação de desemprego se coloca em um patamar mais grave. Assim, em
conseqüência das falências das usinas, estes indivíduos, se vêem obrigados a ajustar-se
improvisadamente aos tipos de trabalhos requeridos na zona urbana. Entretanto,
desqualificados profissionalmente, muitos apenas engrossaram as filas de desempregados que
já existia na cidade, agudizando o problema da pobreza nas periferias.
2.3. A chegada do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra no Norte Fluminense e
Campos dos Goytacazes
Diante da falência das usinas sucroalcooleiras, bem como da reestruturação do seu
complexo produtivo, o Norte Fluminense a partir da década de 1990, torna-se palco de
rearranjos territoriais. É neste contexto de desarticulação econômica e crise do setor
canavieiro, que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) retoma suas
atividades no Estado do Rio de Janeiro, e chega a esta região, que detém a maior parte as
atividades agrícolas, abriga a maioria dos latifúndios e concentra a maior parte dos
trabalhadores rurais do Estado (Alentejano 2005).
Deste modo, a Baixada Fluminense, local que anteriormente se constituiu na área foco
das ações do MST no Estado do Rio de Janeiro, cede lugar ao Norte Fluminense, que passou a
receber maior atenção. Tal região se tornou o epicentro das ações do MST no Estado a partir
da mencionada década, quando Campos dos Goytacazes se destaca, dado o elevado número
de fazendas e usinas de cana-de-açúcar desmanteladas, a concentração de terras improdutivas,
e o cenário de desemprego e pobreza desencadeado pelas sucessivas falências das usinas
(Macedo, 2006).
63
Para Gonçalves (2004), o aumento dos desempregados da cana-de-açúcar, a falta de
alternativas aos trabalhadores urbanos, além do enfraquecimento do poder do usineiro,
possibilitou ao MST, por meio de uma identidade em construção, desencadear a partir de
1990, a luta pela terra e contra a subordinação econômica e social, cristalizada pela atividade
canavieira no Norte Fluminense. Alentejano (2005:7) ressalta então, que “pela primeira vez o
enorme e secular poderio dos latifundiários da cana-de-açúcar era colocado em questão”.
Deste modo, a chegada o MST nesta região, atesta a inauguração de uma nova fase história do
Movimento no Rio de Janeiro. Novas demandas passam a integrar a estratégia do MST/RJ,
cujas principais são o caráter rural-urbano e a política de interiorização da luta pela terra no
Estado (Gonçalves, 2004).
Assim, a maioria das primeiras ocupações de terra realizadas pelo MST na região
Norte Fluminense, foram empreendidas em terras pertencentes a usinas sucroalcooleiras
falidas. Algumas propriedades se encontravam sob domínio do Banco do Brasil, em função
das dívidas contraídas no momento da crise. A primeira ocupação, datada de 1996, ocorreu na
fazenda Capelinha em Conceição de Macabu, município cuja principal atividade econômica
fundamentava-se na agroindústria açucareira (Zinga, 2004). Diante da falência da Usina
Victor Sence, que não conseguiu adaptar-se às reestruturações técnicas e econômicas do setor
sucroalcooleiro, e do não pagamento dos devidos direitos trabalhistas, ex-trabalhadores desta
usina e trabalhadores sem-terra da região organizaram-se e ocuparam tal fazenda. Em 1997, a
fazenda Capelinha foi desapropriada, sob a pressão dos trabalhadores organizados pelo MST
(Gonçalves, 2004).
A partir desta primeira ocupação, membros da organização nacional do MST,
representados por um pequeno quadro de militantes oriundos dos estados de São Paulo e
Paraná, se instalaram no Norte Fluminense, a fim de organizar o Movimento na região e,
iniciar um amplo processo de ocupação de terras, de forma similar ao que havia ocorrido
Pontal do Paranapanema, juntamente com militantes da própria região que, em um duplo
intercâmbio, realizaram cursos de formação oferecidos pelo movimento, fora de Campos dos
Goytacazes. Um dos fatores que alimentava a motivação das lideranças do MST para a
realização de ocupações nesta região era a existência de inúmeras fazendas pertencentes às
usinas de cana-de-açúcar, falidas desde meados de 1980 (Pedlowski et al, 2007); (Zinga,
2004).
Assim, a chegada do MST à região e sua aliança com os sindicatos e organizações, tais
como a Comissão Pastoral da Terra, provocou a generalização das ocupações como
64
instrumento de luta pelo retorno à terra e, abriu a possibilidade de incorporação de ex-
trabalhadores da cana-de-açúcar e desempregados que viviam nas pequenas cidades das
redondezas no Movimento, a partir da segunda metade da década de 1990. Integrantes do
MST passaram então a ocupar as antigas fazendas produtoras de cana-de-açúcar que se
localizavam em terras consideradas improdutivas. Entraram nos latifúndios falidos, montaram
barracas e ergueram a bandeira. Enfraquecidos, muitos latifundiários não tiveram como
preservar a inviolabilidade do território de suas usinas. Houve os que preferiram tê-los
desapropriados para se beneficiar com as indenizações do governo e houve os que resistiram
com violência às ocupações.
31
Desta forma, a partir de 12 de abril de 1997, o MST ganha maior visibilidade no Norte
do Estado, uma vez que empreende sua primeira ocupação no centro econômico da região:
Campos dos Goytacazes. Esta ocupação, que posteriormente deu origem ao Assentamento
Zumbi dos Palmares, foi realizada nas terras da Usina São João, situada dentro dos
municípios de Campos dos Goytacazes e São Francisco do Itabapoana, distando 7 km do
centro de Campos. Contudo, o planejamento desta ação iniciou-se quatro meses antes, quando
membros do MST, instalaram-se em Campos dos Goytacazes, mapearam a localidade que
seria ocupada e realizaram cadastramentos de famílias para a ocupação. Para tanto,
percorreram toda a área urbana e rural da cidade contactando, principalmente, associações de
moradores rurais ou das periferias urbanas, a fim de explicar a proposta do Movimento para
ao município (Lewin et al, 2005).
Alentejano (2005) observa que a partir destas ações, percebe-se uma nova orientação
nas atuações do MST/RJ que, situado em um Estado caracterizado por ampla taxa de
urbanização, apenas 4% da população do Rio de Janeiro encontram-se no campo , se
depara com a necessidade de incluir em seus processos reivindicativos de luta pela terra,
moradores das periferias urbanas. O autor pontua ainda que esta situação é expressiva na
região Norte Fluminense, onde a maior parte dos empregados, subempregados e
desempregados do setor canavieiro habita as periferias das cidade. Por isso, afirma que o
cenário encontrado pelo MST em Campos dos Goytacazes no que concerne, principalmente,
ao perfil de seus trabalhadores rurais, distancia-se do que seria a realidade da base original
preconizada pelo MST, os pequenos produtores pauperizados ou expropriados (Alentejano
2005).
31
www.lonasebandeiras.com.br.
65
Para Lewin et al (2005), importância da ocupação na Usina São João repousa no fato
de que esta significou uma relativa alteração da forma de realização das ocupações pelo MST,
que antes se encontrava afastado do Estado do Rio de Janeiro. Em virtude de Campos dos
Goytacazes configurar-se em uma região cujas raízes históricas apontam para a dominação do
espaço e poder por um pequeno grupo, os usineiros e seus descendentes, além de abrigar uma
vertente católica tradicionalista, traduzida na organização Tradicão Família e Propriedade
(TFP), o Movimento encontrou diversas resistências, a partir da ocupação das terras
pertencentes à Usina São João.
Em seu início, esta ocupação contou com aproximadamente setecentas e trinta
famílias, que se distribuíram no complexo de nove fazendas da extinta Usina São João, que
somavam um total de 8.500 hectares. A desapropriação da Usina São João foi concluída em
outubro de 1997, e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) começou
a cadastrar os futuros assentados em novembro do mesmo ano. Com isso, novas famílias
entraram no assentamento, juntando-se às famílias trazidas pelo MST. Dentre as famílias que
formaram o contingente inicial de ocupantes se encontravam também membros do Sindicato
de Trabalhadores Rurais do município de São Francisco de Itabapoana. (Zinga, 2004; Aquino,
2006). Um terceiro grupo de ocupantes era formado por ex-trabalhadores da Usina São João
(muitos já residindo previamente na área), que foram orientados por seus advogados a se
juntarem aos novos ocupantes. (Zinga, 2004).
Em 1998, por orientação do MST e de acordo com a decisão de uma assembléia geral dos
assentados, a área foi dividida em cinco núcleos, para acomodar um número estimado de
quinhentas e quatro famílias (Aquino, 2006), (Zinga, 2004). Contudo, Pedlowski et al (2007),
ressaltam que o processo de parcelamento da área não ocorreu de forma passiva. Devido à
experiência acumulada na conformação de assentamentos em outras partes do país, o MST
defendia a adoção de modelos coletivos de utilização da terra. Porém, mais uma vez o
Movimento se esbarrou na peculiaridade dos integrantes dos acampamentos da região, cuja
maioria, habituada ao uso, bem como à propriedade individual dos recursos, opôs-se ao
sistema de cooperação simbolizado pela proposta das agrovilas. Diante disso, alterando sua
estratégia inicial, o MST direcionou suas ações para a demarcação e localização espacial dos
lotes.
Neste sentido, Giuliani e Castro (1996) observam que é fundamental refletir acerca dos
tensionamentos e limites da ação dos indivíduos no interior dos assentamentos, cujo objetivo
é perceber em que sentido as estratégias coletivas inspiradas pelos Movimentos Sociais ou
66
pelos programas do Estado podem entrar em conflito com formas anteriores de organização
inspiradas na posse da terra, como no caso observado. Assim, é preciso considerar a
possibilidade do desejo por parte dos indivíduos de aderir a novas formas de cooperação ou
mesmo atuar individualmente no mercado, bem como a proximidade das áreas de
assentamentos com os núcleos urbanos.
Diante do que foi dito, percebe-se que a despeito do êxodo rural decorrido das tensões na
atividade sucroalcooleira, curiosamente, as sucessivas crises deste setor, a partir de meados de
1990, provocará também um efeito contrário no Norte Fluminense: um relativo processo de
ruralização.
32
Em outras palavras, tal crise desencadeou o retorno ou entrada de indivíduos no
campo, embora este não represente ainda um fenômeno de grande expressão no âmbito da
demografia. Ora, o latifúndio é uma modalidade de propriedade que geralmente emprega
pouca mão-de-obra, portanto, partir da ocupação e posteriormente, criação de um
assentamento há uma alteração visível, em termos da inclusão de pessoas naquele espaço
Assim, em virtude do insucesso na experiência migratória principalmente para os centros
urbanos, provenientes das dificuldades atravessadas no campo proporcionado pelo declínio da
atividade sucroalcooleira, freqüentemente, uma das saídas encontradas pelos trabalhadores
agrícolas residentes na periferia urbana para enfrentar o desemprego no setor sucroalcooleiro
e a falta de alternativa de emprego na zona urbana – problemas que perduram até os dias de
hoje – tem sido a ocupação de terras pertencentes a fornecedores ou a usinas falidas. A estes
trabalhadores juntam-se muitos desempregados que também vivem na periferia urbana. Após
a primeira ocupação descrita acima, marco central para o início das ações do MST em
Campos dos Goytacazes, outros acampamentos surgiram, e deles, depois de anos de luta e
negociações, derivaram alguns assentamentos (Figura 4).
32
Maiores detalhes ver Targino e Moreira (2000).
67
Figura 4 - Assentamentos Rurais e Acampamentos de trabalhadores rurais no Estado do Rio de Janeiro – 2005.
Fonte:
http://www.geocities.com/bibpopulares/index.html / (Diniz & Alentejano 2005).
Adaptado pela autora.
Diante dos debates sobre a atualidade da reforma agrária, um ponto de confluência
analítico tem sido a discussão do lugar e papel do Estado na sua viabilização (Pedlowski et al,
2007). Autores como Sigaud (2005) e Fernandes (2000) apontam uma ligação direta entre a
formação de acampamentos e, posteriormente, instauração de assentamentos rurais pelas
instâncias governamentais, o que pode ser observado empiricamente, quando analisamos as
relações que estão em jogo no estabelecimento dos assentamentos de reforma agrária
localizados na região Norte Fluminense.
De acordo com Sigaud (2005), o Estado brasileiro ainda não desenvolveu uma política
própria de desapropriação de imóveis improdutivos. Desta forma, para a desapropriação de
estabelecimentos rurais e, conformação de assentamentos de Reforma Agrária, o Estado
depende diretamente das indicações fornecidas pelos movimentos sociais, a partir das
ocupações por estes empreendidas em áreas improdutivas. Para a autora, a conseqüência é a
criação de um laço de dependência e cooperação tácita entre o órgão de governo responsável
pelas desapropriações, o INCRA, e os movimentos sociais. Em linha de pensamento
semelhante, Fernandes (2000; 2004), afirma que a luta política desenvolvida por meio das
68
ocupações, se tornou a principal forma de acesso à terra, o que para o autor é evidenciado pela
constatação de que a maior parte dos assentamentos rurais instituídos é fruto das ocupações de
terra empreendidas por movimentos sociais.
69
CAPÍTULO III - Caminhos Metodológicos
“(...) As situações empíricas observadas, por serem históricas,
são ambíguas. De fato, pode-se perceber a história como uma
contínua produção e resolução de ambigüidades. Modelos
nunca são iguais à realidade, se por esta última se entende a
concretude histórica que é, essencialmente, movimento
(WOORTMAN, 1990:13).”
A proposta deste capítulo é reunir e apresentar os instrumentos e referenciais
metodológicos utilizados, principalmente para a coleta dos dados empíricos. Isto pressupõe
como indica Demo (1989) apud Martins (2004), a compreensão da metodologia como uma
espécie de conhecimento crítico dos caminhos do processo científico, o que denota também a
necessidade de questioná-la quanto a seus limites e possibilidades.
Segundo Weber (1986) é por meio dos procedimentos metodológicos fornecidos pela
ciência, que o pesquisador torna-se capaz de interpretar a realidade. Todavia, os resultados
alcançados por alguns pesquisadores nem sempre coincidem com os resultados obtidos por
outros, ao estudarem o mesmo assunto. De acordo com o autor, tal variação deve-se ao fato
do conhecimento ser historicamente demarcado e, também em função dos métodos, teorias ou
recortes empregados. Isto demonstra a existência de diversas possibilidades que podem ser
utilizadas no estudo de um determinado assunto.
Deste modo, de acordo com Becker (1994) apud Boni e Quaresma (2005), por mais
simples que possam ser as aspirações do pesquisador acerca de qualquer estudo da realidade
social, além de fundamentar-se em um arcabouço teórico, é importante que o mesmo aponte
os motivos correlacionados à escolha do objeto bem como, os caminhos teóricos e práticos
percorridos na realização da pesquisa. Para Duarte (2002), isto se torna essencial, pois se as
conclusões só são formuladas mediante os procedimentos de pesquisa que utilizamos para
apreensão dos dados e análise dos resultados, mais que cumprir mera formalidade, explicitá-
los pode oferecer a outros a possibilidade de refazer o caminho e, desta maneira, analisar com
mais segurança as afirmações que fazemos. Deste modo, em linha de pensamento semelhante
à de Becker (1994) e Duarte (2002), também para Sampaio (2001) é fundamental evidenciar a
forma como a pesquisa foi elaborada, os procedimentos metodológicos e os recursos técnicos
utilizados, para inclusive justificar os resultados obtidos, permitindo então, uma relativização
das realidades apreendidas.
70
Assim, em um momento posterior, papel central tem análise das informações coletadas
ao longo do trabalho de campo, tendo como suporte de sustentação os conceitos teóricos até
aqui abordados. Contudo, é preciso ressaltar que tais informações não se tratam da realidade
transportada para o trabalho, tal como ela se apresenta. Mas, refletem as interpretações da
pesquisadora acerca dos dados, uma vez que estes “não são objetivos, peças da verdade, mas
antes, socialmente construídos (Menezes, 2003:30)”, através das relações sociais
desencadeadas durante o contato entre pesquisadora e informantes. O que temos então são
interpretações das interpretações (Geertz, 1989). Entretanto, como defende Bourdieu (2005):
(...) Construir um objeto científico é, antes de mais nada e, sobretudo, romper
com o senso comum, quer dizer, com as representações partilhadas por todos,
quer se trate de simples lugares, comuns da existência vulgar, quer se trate
das representações oficiais, freqüentemente inscritas nas instituições, logo ao
mesmo tempo, na objetividade das organizações sociais e nos cérebros. O
pré-construído está em toda parte. O sociólogo está literalmente cercado por
ele, como está qualquer pessoa. O sociólogo tem um objeto a conhecer, o
mundo social de que ele próprio é produto e, deste modo, há todas as
probabilidades de os problemas que põe em si mesmo acerca desse mundo,
os conceitos (...) seja produto deste mesmo objeto (BOURDIEU, 2005:26-7).
Apesar de investigador e investigados integrarem o mesmo universo de experiências
humanas, o relacionamento no trabalho de campo apresenta-se como um processo de
constante negociação, abalizado pelas diferenças sociais entre estes dois lados, bem como
pelos interesses que permeiam ambas as partes (DaMatta, 1991); (Menezes, 2002). Pouco
importa a duração do trabalho de campo, bem como a proximidade do pesquisador com as
pessoas estudadas, diferenças sempre existirão, sejam elas de classe, gênero, idade, cultura,
poder (Menezes, 2002). Por isso, as construções elaboradas pelo pesquisador são sempre
parciais, dependendo de documentos, observações, sensibilidades e perspectivas (Martins,
2004).
Apoiada em DaMatta (1991), Martins (2004) assevera que tal constatação não
inviabiliza o trabalho, mas nos alerta para a importância de se reconhecer que na pesquisa
sociológica não é possível ignorar a influência da posição, da história biográfica, da educação,
interesses e preconceitos do pesquisador. A diversidade fundada nos múltiplos
relacionamentos existentes no trabalho de campo deve ser encarada não como obstáculo, mas
como base para a compreensão dos conteúdos, estratégias e narrativas produzidos (Menezes,
2002).
71
Assim, o que se pretendeu aqui foi analisar as interpretações e significações
estabelecidas pelos assentados rurais a respeito de suas trajetórias ocupacionais e migracionais
até a chegada ao assentamento, expressas, sobretudo, em seus diálogos travados nas
entrevistas realizadas. Neste sentido, apreender as trajetórias destes assentados contribuiu
também para entender o sentido de suas práticas cotidianas, bem como as percepções
construídas acerca das dimensões urbana e rural, espaços transitados pelos assentados
freqüentemente. Neste contexto, a noção de habitus serviu como instrumento de análise, já
que de acordo com Bourdieu (2007) podemos encontrar no habitus, o princípio ativo que
favorece a unificação das práticas e das percepções. O autor ainda adverte que a única forma
de aprendermos tais percepções consiste, talvez, em tentar apanhá-las na unidade de uma
narrativa, como as presentes nas histórias de vida, entrevistas, etc.
Em virtude de se tratar de um estudo de caso, o que se buscou a partir da coleta de
dados, não foi elaborar uma teoria geral sobre as migrações de retorno ou entrada no campo.
Mas sim, a partir do conhecimento já produzido, articulado às informações apreendidas,
compreender por meio dos relatos de assentados, como se deu o processo das migrações rural-
urbano-rural e urbano-rural, resultantes da implementação de assentamentos de reforma
agrária, em uma região historicamente fundamentada em propriedades destinadas a plantation
de cana-de-açúcar. Localidade onde o processo de desapropriação de terras de usinas para
reforma agrária desencadeando a partir dos anos 1990, colocou não só para os assentados,
mas para os habitantes da região, novos embates e desafios, causando uma ruptura, quando
não, abalos em relações e sistemas de regras aparentemente consolidados.
3.1. Construção do problema da pesquisa
(...) A construção do objeto não é um plano que se desenha
antecipadamente, à maneira de um engenheiro: É um trabalho
de grande fôlego, que se realiza pouco a pouco, por retoques
sucessivos, por toda uma série de correções, de emendas, de
segredos por o que se chama de ofício, que dizer, esse conjunto
de princípios práticos que orientam as opções ao mesmo tempo
menores e decisivas (BOURDIEU, 2005:26-7)
Como enfatizam Menezes (2002) e Sayad (1998), a temática das migrações é abordada
pelos mais diversos ramos da ciência como a demografia, geografia, sociologia, antropologia,
72
política, direito, etc. Em geral, as análises centram-se no tratamento quantitativo do assunto.
Todavia, a proposta presente neste trabalho, de estabelecer uma reflexão acerca das migrações
rural-urbano-rural e urbano-rural alternativa aos estudos quantitativos sugeriu, imediatamente,
análises qualitativas.
33
Para Cavignac (2001), o método biográfico parece ser o mais indicado
para um estudo sobre os migrantes.
Não se tratou, porém, de considerar aqui, unicamente o âmbito subjetivo (uma vez que
se observou também informações quantitativas)
34
, mas foi despendida uma atenção maior às
experiências vivenciadas e explicitadas pelo grupo estudado ao longo dos deslocamentos até a
chegada e vida nos assentamentos rurais. Menezes (1992) apud Cavignac (2001) observa que
a partir de estratégias metodológicas subjetivas o pesquisador possibilita ao migrante avaliar a
sua trajetória de vida, isto nos permite então, resgatar fatos, percepções, visões do mundo,
perspectivas de vida, e opções do migrante. Assim, na contramão da tendência clássica da
abordagem sobre a questão migratória, o que se buscou aqui foi empreender uma reflexão
especialmente qualitativa acerca das migrações de retorno ou entrada no campo, motivadas
pela constituição de assentamentos de reforma agrária, em Campos dos Goytacazes.
Acredita-se que as vivências e conhecimentos que deram origem às trajetórias dos
assentados influenciam na conformação de um habitus específico, a partir da internalização e
externalização de experiências, bem como por meio da construção e reconstrução de
identidades. Estes fatores, por seu turno, orientam as ações cotidianas dos indivíduos no
espaço dos assentamentos. Daí emergiu a proposta de apreender, através do ponto de vista
destes migrantes, agora assentados, aspectos que os números por si só não podem abarcar,
como os significados, as percepções e as relações sociais que envolvem as migrações em
direção ao campo, por meio do estabelecimento do processo de Reforma Agrária.
Deste modo, diferentemente da abordagem estatística que agrupa indivíduos e os
traduzem em números para estabelecer uma análise mais abrangente e generalizada, aqui os
mesmos foram tomados como agentes portadores de expectativas, valores e projetos de vida,
33
De acordo com Demo (2001) quando uma pesquisa centra-se na análise da realidade dinâmica não-linear,
principalmente se há a exigência de uma contextualização histórica, interpretação e reinterpretação, o método
qualitativo torna-se pertinente.
34
Bourdieu (2005) destaca que as opções técnicas empíricas são indissociáveis das opções mais teóricas.
Segundo o autor, pode-se seguramente combinar a mais clássica análise estatística com um conjunto de
entrevistas em profundidade ou de observações etnográficas. Contudo, ao enfatizar a importância da combinação
de métodos qualitativos e quantitativos o autor ressalta a necessidade de uma extrema vigilância das condições
de utilização das técnicas, da sua adequação ao problema posto e às condições de seu emprego.
73
nem sempre coincidentes, dada a origem e vivências de cada um.
35
Por isso, apoiando-se em
Neves (1997) foi preciso observar os discursos dos assentados, de modo a entender certas
implicações do processo de mudança social por qual passaram, até o ingresso em um
assentamento de reforma agrária.
Embora o exame das percepções e visões de mundo dos assentados seja a estratégia
fundamental, é necessário atentar-se para o fato de que esta proposta também apresenta
dificuldades. Uma das principais dificuldades repousa no fato de que freqüentemente, em seus
discursos, os assentados remontam seu passado como uma situação caótica, a fim de enfatizar
a importância que o assentamento, como espaço de residência e reprodução social, representa
para os mesmos. Neste sentido Neves (1997), adverte que:
Se é fundamental o entendimento do processo de mudança social pelo como
ele se dá à consciência por aqueles que o vivem, isto não significa que o
pesquisador deva ter a ingenuidade de entender este ponto de vista no seu
sentido estrito. Através do aguçamento da situação definida por crise ou
desnaturalização de modos de vida anteriores, fundamentais a própria
mudança, o pesquisador pode, por um lado, explorar as regras e valores
fundamentais à organização do discurso sobre o caos. Por outro lado, revelar
os princípios e os valores estruturantes de um grupo (NEVES, 1997b:22).
Não obstante, como as posições do pesquisador e pesquisados não são fixas, podem
ser freqüentemente manipuladas, dependendo do informante bem como de situações
específicas (Menezes, 2002). Deste modo, por vezes fez-se necessário problematizar as
estratégias utilizadas bem como as informações delas emanadas, cujo intuito foi o de não
priorizar nas análises apenas as informações sobre um passado caótico, reveladas pelos
assentados.
Neste sentido, emergem as colocações de Geertz (1989) que, desenvolvendo um
ensaio crítico dos métodos modernos de coleta de dados aplicados às ciências sociais, e a
35
De acordo com Minayo (1996) apud Boni e Quaresma (2002) “as pesquisas qualitativas na Sociologia
trabalham com: significados, motivações, valores e crenças e estes não podem ser simplesmente reduzidos às
questões quantitativas, pois respondem a noções muito particulares. Entretanto, os dados quantitativos e os
qualitativos acabam se complementando dentro de uma pesquisa.” Deste modo, não se tratou aqui de interpretar
a metodologia qualitativa como instrumental superior ao método quantitativo, mas sim, partiu-se do pressuposto
de que uso de uma ou outra metodologia depende diretamente do tipo de problema colocado e dos objetivos da
pesquisa (Martins, 2004).
74
partir do exemplo da conhecida metáfora da piscadela
36
, defende que a pesquisa, (neste caso
Geertz fala diretamente da etnografia, mas acreditamos que seus pressupostos também podem
ser estendidos a sociologia), não se configura apenas em uma questão de metodologia, ou
seja, não se resume a técnicas ou procedimentos. Pesquisar pressupõe, sobretudo, um esforço
intelectual para a elaboração do que este autor denomina “descrição densa”, que por sua vez,
significa não apenas observar e recolher dados, mas sim percebê-los e interpretá-los,
considerando o significado das ações humanas e como as pessoas interpretam seus atos.
Igualmente, para Ginsburg (1989), a partir do momento em que percebemos os dados
como construções de outras pessoas – o que de forma alguma os desvalorizam –, é importante
não tomar as informações como algo dado, designativo. Ou seja, é imprescindível empreender
um olhar mais cuidadoso diante das fontes e sobre os dados obtidos. Daí emerge a idéia da
análise minuciosa de cada detalhe, pois para este autor, é exatamente nos fatos mais
negligenciáveis que se encontram as respostas mais abrangentes.
Demo (2001) sugere então, a realização do que chama de standpoint epistemology,
diretriz que defende que o cientista social deve sempre empreender o exercício de tentar se
colocar no lugar do entrevistado. Para Gonçalves (2007), embora essa tentativa se esbarre na
limitação e impossibilidade de um sujeito pensar dentro da cultura do outro, tal entrave serve
ao menos, como um desafio capaz de cooperar com uma melhor compreensão desse outro,
através da busca de sinais que auxiliem na sua interpretação, por meio de aspectos como
cultura, história, maneira de expressar-se, entre outras. No entanto, Geertz (1989) nos adverte
que não cabe ao pesquisador imitar ou mesmo transformar-se no outro. Conversa-se com ele
visando alargar o universo humano.
Diante das dificuldades e propósitos acima evidenciados, para tornar a presente
proposta de pesquisa viável, como grande parte das pesquisas em Ciências Sociais, fez-se
necessário um recorte analítico, em função do considerável número de assentamentos rurais
localizados na região Norte Fluminense. Por isto, optou-se aqui por estabelecer a pesquisa
entre os assentados dos assentamentos rurais Ilha Grande e Che Guevara. Como é sabido,
estes assentamentos, apesar de configurarem espaços heterogêneos, compartilham de alguns
36
Geertz (1989) exemplifica a importância da interpretação para as reflexões de uma pesquisa, por meio do
trabalho de Gilbert Ryle, onde analisa sob várias situações as contrações de uma pálpebra, a linguagem, a
comunicação, a informação, o entendimento estabelecido a partir de piscadelas e os efeitos diante dos seus
significados apreendidos, conforme códigos (culturais) fixados. Para maiores detalhes ver Geertz (1989:17).
75
aspectos similares a outros localizados no Norte Fluminense
37
, portanto, o foco principal da
análise se concentrou não nestes espaços em si, mas nos integrantes que os compõem.
Deste modo, embora o trabalho de campo tenha sido sediado nestes assentamentos, a
atenção foi centrada mais nos assentados, – em que pese aspectos como suas trajetórias
ocupacionais e migracionais, as percepções sobre campo e cidade, as funções exercidas no
contexto da produção açucareira, – que nos assentamentos, considerados como casos
específicos, de modo a observar as afirmações de Geertz (1998:13) que defende que:
O lócus do estudo não é o objeto do estudo. Os antropólogos não estudam as
aldeias (tribos, cidades, vizinhanças...), eles estudam nas aldeias. Você pode
estudar coisas em diferentes locais, e algumas coisas (...) podem ser melhor
estudadas em localidades isoladas. Isso não faz do lugar o que você está
estudando. (GEERTZ, 1989:32).
Temos ciência de que é preciso relativizar as conclusões edificadas por meio desta
pesquisa, por tratar-se de um recorte da realidade. No entanto, isto não desvaloriza o trabalho,
posto que o mesmo coloca mais uma vez o debate acerca de questões concernentes ao
processo de reforma agrária implementado no Rio de Janeiro
38
.
3.2. As áreas de estudo de caso
Os assentamentos Ilha Grande e Che Guevara, locais onde o trabalho de campo para este
estudo foi empreendido, situam-se na região Norte Fluminense, no município de Campos dos
Goytacazes. A escolha destes assentamentos para a realização da pesquisa deveu-se por um
lado ao passado da utilização das terras que hoje os abrigam, destinadas ao cultivo de cana-
37
Assim como outros assentamentos rurais localizados na região Norte Fluminense, os assentamentos Che
Guevara e Ilha Grande foram constituídos na segunda metade da década de 1990, por meio de ocupações
empreendidas pelo MST aliado a outras instituições, em terras anteriormente pertencentes a usinas
sucroalcooleiras falidas. O ponto fundamental considerado nos assentamentos foi o de se localizarem numa
região cuja economia fundamentou-se, num passado recente, na monocultura da cana-de-açúcar. Característica
que contribuiu para o amoldamento do território local, bem como com a formação de sua estrutura fundiária
.
38
De acordo com Bourdieu (2005: 32-33): “é necessário interrogar sistematicamente o caso particular, para
retirar dele as propriedades gerais ou invariantes que só se denunciam mediante uma interrogação assim
conduzida. Assim, é preciso mergulhar completamente na particularidade do caso estudado sem que nela nos
afoguemos (...) e realizarmos a intenção de generalização, que é a própria ciência, não pela aplicação de
grandes construções formais e vazias, mas por essa maneira particular de pensar o caso particular que consiste
em pensá-lo verdadeiramente como tal”.
38
Ver item 3.2. A inserção no campo.
76
de-açúcar, aspecto comum a muitas regiões de Campos dos Goytacazes, e por outro a
realização pretérita de uma pesquisa de iniciação científica nestes assentamentos.
39
Tais assentamentos foram resultantes de uma ocupação organizada e realizada pelo
MST, em janeiro de 1998, em duas fazendas do Conjunto Marrecas, pertencentes à
Companhia Agrícola Baixa Grande, também proprietária da Usina Santo Amaro, e de uma
ampla extensão de terras na região da baixada Norte Fluminense. Tais fazendas eram
denominadas, respectivamente, “Fazenda Ilha Grande” e “Fazenda Marrecas”. Ambas são
situadas na localidade de Marrecas que dista, aproximadamente, 48 quilômetros da cidade de
Campos dos Goytacazes e, foram obtidas pelo Banco do Brasil através de leilão (PDA Che
Guevara, 2001; PDA Ilha Grande, 2002).
Os proprietários da Companhia e, portanto, da fazenda, segundo relatos dos próprios
assentados, eram cubanos. A fazenda pertencia inicialmente a um cubano, que quando faleceu
deixou as terras para seu filho. O primeiro é comumente lembrado por alguns assentados
como um homem justo e honrado, que mantinha os diversos compromissos da fazenda, bem
como os pagamentos em dia. Já o segundo, o filho, é referenciado como um indivíduo
inconseqüente, que não assumia corretamente os compromissos oriundos da fazenda e do
trabalho com a cana-de-açúcar:
A história que eu sei é que eles eram cubanos e vieram explorar trabalhador
aqui. Já eram usineiros lá. E o filho do usineiro, o Fernando Delarriba, o pai
morreu, o filho assumiu a fazenda e se envolveu com crime (...). A fazenda
praticamente faliu e mais uma vez o Che Guevara veio revolucionar aqui,
então a gente colocou o nome aqui em homenagem ao Che Guevara (D.).
Mas a gente já sabia que ele ia pro brejo, ele era meio louco. Porque o pai
dele botou [as fazendas] na mão dele duas ou três vezes pra tomar conta (...).
Ele tinha os cavalos pra jogar pólo então ele ligava pouco pra muita coisa. Às
vezes ele vinha ali pra cima, ali tem um galpão (...), vinha pra ali, chegava ali
era um tiroteio pra cima. (...) Era cubano, aí parece, dizem, não tô afirmando
não, dizem que ele veio de lá fugido. Aí veio parar aqui. O pai dele deixou
[as fazendas] pra ele e aí ele foi pro fundo. Não tinha administração (Seu J.
Q.).
Na época do pai dele não era assim não. Na época do pai dele, menina! Era
tudo em dia (Seu J. A.).
Aí faliu, faliu foi porque quando o pai do cubano novo era vivo né, era um
homem assim que andava com as coisas direito, pagava direitinho. Não fazia
doideiras. Aí depois que o homem morreu o filho começou fazendo
39
Ver item 3.2. A inserção no campo.
77
doideiras. É... Andava com cavalos em corridas pra fora, quase toda semana
ele vinha a fazer essa viagem. Aí botou muita gente também que roubava ele
(S. J).
Com o fechamento da usina, em meados da década de 1990, as terras das fazendas
deixaram de cumprir sua função social. Assim, antes mesmo da ocupação, mais precisamente
em 28 de outubro de 1997 a área que hoje comporta os dois assentamentos, já havia sido
declarada como improdutiva por técnicos do INCRA, e pertencia ao Banco do Brasil, o que
pode ter sido responsável por diminuir a intensidade dos conflitos, conforme afirmam Seu J.Q
e Dona D. :
(...) O assentamento daqui faz de conta que foi um monte de irmão que o pai
chegou e dividiu um pedaço de terra pra cada filho. Não teve quizumba, não
teve nada. E lá pra fora você vê o pau comer, vê morte. (...) Porque aqui [a
fazenda] já não era do cubano, era do banco. (Seu J. Q.).
Muitas vezes o oficial de justiça veio, mandou todo mundo embora, mas a
gente resistia. Mas polícia vinha não para atacar a gente. Vinha porque o cara
chamava, mas chegava aqui e não fazia nada com a gente não. Foi uma
ocupação muito respeitosa com a gente. (...) Da parte dos policiais foi (Dona
D. ).
O Assentamento Ilha Grande possui uma área de 1.181,440 hectares e comporta
atualmente cinqüenta e oito famílias cujo lote tem em média 11,03 hectares (Figura 5). (PDA
Ilha Grande, 2002).
78
Figura 5 - Mapa do Assentamento Ilha Grande mostrando a divisão dos lotes
Fonte: PDA Ilha Grande, 2002.
Já o Assentamento Che Guevara situa-se em uma área de 1.244,7446 hectares dividida
entre setenta e quatro famílias que possuem em média um lote de 16,82 hectares (Figura 6) (PDA
Che Guevara, 2001).
79
Figura 6 - Croqui do Assentamento Che Guevara feito por um assentado.
Originalmente, as ocupações das Fazendas Ilha Grande e Marrecas foram realizadas pele
mesmo grupo. Apesar disso, segundo informações provenientes dos próprios assentados, no
momento da conformação do assentamento, a Fazenda Marrecas foi desapropriada primeiro,
por isso o INCRA decidiu dividir o grupo. Muitos moradores ainda hoje questionam esta
divisão, que para alguns foi arbitrária. As fazendas são adjacentes, de modo que ao caminhar
nos espaços dos dois assentamentos, o transeunte inicialmente, não consegue distingui-los,
uma vez que os lotes são contíguos.
Situados relativamente próximos a Campos dos Goytacazes, a principal via de acesso
aos assentamentos é a BR-101. Desta forma, chega-se aos assentamentos percorrendo oito
quilômetros de estrada de chão a partir da Estrada Babosa (PDA Che Guevara, 2001; PDA
Ilha Grande, 2002). Em virtude de terem opções de transporte que possibilitam o acesso ao
centro da cidade, como vans e ônibus pertencentes a duas empresas de transporte coletivo,
muitos assentados têm um contato freqüente com o cotidiano urbano. O acesso por meio do
80
transporte coletivo a algumas áreas dos assentamentos durante o dia é facilitado, já que há no
terminal Rodoviário Roberto Silveira, localizado no centro de Campos dos Goytacazes,
popularmente conhecido como Rodoviária Velha, linhas de ônibus que circulam em diversos
horários no período diurno, entre Campos e Marrecas. Porém, alguns lotes dos assentamentos
são distantes da estrada principal que corta a área, exigindo que o assentado percorra
consideráveis distâncias a pé, até chegar ao ponto de ônibus mais próximo.
A população dos dois assentamentos é composta predominantemente por adultos, em
sua maioria do sexo masculino, entretanto, o grupo etário que comporta o maior número de
indivíduos é o de jovens entre 9 e 17 anos (Figura 7).
0
2
4
6
8
10
12
14
16
0 a 8 9 a 17 18 a 25 26 a 33 34 a 41 42 a 49 50 a 57 58 a 65 66 a 74 acima
de 75
Idades
N.º de Pessoas
Masculino
Feminino
total
Figura 7 - População dos P. A. Che Guevara e Ilha Grande, distribuição sexo por faixa etária
Fonte: Aquino (2006)
De acordo com Andrade e Pierro (2004) nos assentamentos da Reforma Agrária
situados no Brasil, vivem hoje mais de quinhentas mil famílias que demandam a efetivação do
direito constitucional a uma educação básica. No entanto, na prática, o nível de escolaridade
no campo e, conseqüentemente, entre os assentados é visivelmente baixo em todo país
(Tabela 8):
81
Tabela 8 - Nível de escolaridade dos titulares dos assentamentos no Brasil.
Nível de escolaridade Número absoluto
Analfabetos 46.577
Alfabetizado incompleto 15.600
1a. a 4a. séries EF 61.689
5a. a 8a. séries EF 16.490
Ensino Médio 3720
Ensino Superior 295
Fonte: Censo da Reforma Agrária, 1996 apud Andrade e Pierro (2004)
Esta condição é reflexo do reduzido investimento realizado na educação rural, por isso,
geralmente quando existe, a escola do campo é de difícil acesso, circunscrita a uma única sala
de aula e apenas um professor que ministra aulas para as quatro séries iniciais do ensino
fundamental simultaneamente, sem supervisão pedagógica, seguindo um currículo que
privilegia uma visão urbana da realidade (Andrade e Pierro, 2004). O resultado é que a má
qualidade da educação produzida nessas condições reforça o imaginário social segundo o qual
a população do campo não precisa possuir uma formação geral básica para desempenhar o
trabalho na terra. Uma situação semelhante a do cenário nacional – no que se refere ao nível
de escolaridade entre os assentados – é encontrada nos assentamentos Che Guevara e Ilha
Grande, onde aproximadamente 58% dos assentados afirmaram terem cursado apenas os
primeiros anos escolares (Figura 8).
Figura 8 - Nível de Escolaridade nos Assentamentos Che Guevara e Ilha Grande
Fonte: Aquino (2006).
82
No momento do estabelecimento dos assentamentos foi fornecido aos assentados cerca
de R$ 2.500,00 para a construção, no entanto, este recurso não foi suficiente, por isso a
maioria das casas dos dois assentamentos, feitas de alvenaria e coberta por telhas de cerâmica,
estão inacabadas. A dimensão das residências varia, mas a maioria não tem mais que dois
quartos, um banheiro, uma sala e uma cozinha. Alguns assentados afirmaram que receberam a
visita de funcionários da Caixa Econômica Federal, que apresentaram um plano de
empréstimo para o término das residências, entretanto, este projeto ainda não foi fomentado
(Figura 9; 10).
Figura 9 - Exemplo das casas dos assentamentos
Foto: Aquino (2007).
83
Figura 10 - Visão interna de uma casa localizada no Assentamento Che Guevara
Foto: Aquino (2007).
Além das residências que foram construídas pelos assentados, há nos assentamentos
vários imóveis erguidos no passado pela Companhia Agrícola Baixa Grande, quando esta era
proprietária das fazendas. Dentre estes imóveis se encontram casas que antes serviam ao
sistema de morada e por isso, abrigavam os cortadores de cana-de-açúcar da Companhia,
galpões que eram destinados ao armazenamento da cana-de-açúcar, ferramentas e alguns
pertences das fazendas e, antigos canais de irrigação e drenagem. Em geral, a maioria dos
assentados que eram funcionários da Companhia, ou parentes destes funcionários, foram os
que receberam as casas que já se encontravam nas fazendas. (Figura 11; 12; 13).
84
Figura 11 - Prédio construído pela Companhia Agrícola Baixa Grande
Foto: Aquino (2007).
Figura 12 – Casa destinada ao administrador da fazenda, construída pela Companhia Agrícola Baixa
Grande
Foto: Aquino (2007)
85
Figura 13- Casas que eram destinadas ao sistema de morada, construídas pela Companhia Agrícola Baixa
Grande
Foto: Aquino (2007).
Integrando a Baixada Campista, o relevo dos assentamentos é predominantemente
plano, com a incidência de diversas áreas pantanosas. A baixa declividade compromete o
escoamento das águas, por isso enchentes e alagamentos são comuns a estas áreas. A
sustentabilidade dos solos dos assentamentos é relativamente baixa, em virtude de terem sido
exaustivamente utilizados para o manejo inadequado da monocultura de cana-de-açúcar,
principalmente por meio do sistema de queimadas, além de sua própria formação, composta
por sedimentos desgastados (PDA Che Guevara, 2001; PDA Ilha Grande, 2002).
Não obstante, o lençol freático é raso, e na maioria dos lotes a água encontrada tem
alto teor de salinidade. Esta situação dificulta a agricultura no local, levando muitos
assentados a afirmar que naquelas terras só é possível o cultivo de cana-de-açúcar e a
pecuária.
Que queria negócio de frutas, mas aqui não dá pra isso né. A terra é muito
ruim. Aqui é gado e cana. Assim mesmo eu tava com dois hectares de cana aí
que eu tirei mais pra gado, tirei três carretinha. Assim, pra pessoa viver é
difícil né. (S.P.)
Todavia, ao percorrer o assentamento é possível encontrar pomares de frutas,
principalmente de coco e goiaba, e o cultivo de outras lavouras, o que demonstra que
realizando as devidas correções por meio de calagem e adubação, é possível desenvolver
outras culturas, além da cana-de-açúcar, na região.
86
Quando veio o primeiro PRONAF é que a gente tomou iniciativa de plantar.
Aí foi que e plantei cana, plantei coco, plantei uns pés de goiaba, plantei uns
pés de laranja. E foi assim que eu comecei (Dona E.).
Lá no meu lote tem muita coisa, tá tudo plantado. Tem um pedacinho só
separado pra os boizinhos que tem que colocar, mas tem muita coisa, banana,
quiabo (Dona D.).
(...) Se você diversificar sua cultura né, uma hora você faz uma experiência
com milho, com abóbora, você faz com aipim, aí você desmistifica e essa
questão de que a terra só dá cana. Eu acho que esse é um desafio. Todo
pequeno agricultor deveria partir para essas iniciativas. Deveria ser um
pesquisador também. Então, assim, eu acho que falta nos agricultores
principalmente da baixada é isso, ficar atento a isso, mas com a cultura
imposta da cana-de-açúcar e a pessoa não teve oportunidade e teve
dificuldade de se abrir para outras culturas, dificulta muito. Por isso que a
maioria às vezes trabalha fora, e tem o lote como um complemento da renda
externa (D.).
Os principais órgãos públicos que fiscalizam e/ou prestam assistência técnica nos
assentamentos são a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA); a Empresa
de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER), o INCRA, e a Cooperativa de Trabalho
Estruturar. No que tange às atividades agrícolas, dois cultivos se destacam nos assentamentos:
as lavouras de quiabo e cana-de-açúcar (Figura 14; 15). O quiabo produzido tanto no
assentamento Che Guevara quanto no assentamento Ilha Grande, por meio da utilização
intensa de agrotóxicos, é vendido para atravessadores que comercializam o produto no
CEASA do Rio de Janeiro.
87
Figura 14 - Lavoura de Quiabo- Assentamento Che Guevara
Aquino (2007)
Figura 15 - Assentado colhendo quiabo no Assentamento Ilha Grande
Foto: LEEA (2005).
Já a cana-de-açúcar, resquício da antiga atividade econômica realizadas nas fazendas,
é destinada principalmente às usinas sucroalcooleiras do município, que compram o produto a
preços baixos, geralmente, só após processar toda a matéria-prima produzida em suas terras.
Alguns assentados conseguem vender a cana-de-açúcar que produzem no comércio,
88
principalmente em lanchonetes de Campos dos Goytacazes ou São João da Barra, para a
produção de caldo, assim obtêm melhor remuneração pelo produto (Figura 16).
Figura 16- Colheita da cana-de-açúcar realizada por uma usina no Assentamento Che Guevara
Foto: Aquino (2007)
Além da cana-de-açúcar e quiabo, são produzidas no assentamento lavouras de
subsistência como feijão e aipim e frutas, como goiaba, banana e coco. Há também a criação
de gado e de pequenos animais. Alguns assentados têm aproveitado a taboa, espécie de planta
encontrada freqüentemente na região, que possui muitos brejos, para a confecção de esteiras,
que são comercializadas até mesmo fora do Estado (Figura 17)
40
.
40
A taboa, cujo nome científico é Typha domingensis é planta uma aquática típica de brejos, manguezais,
várzeas e outros espelhos de águas. Mede cerca de dois metros, é altamente adaptável. A sua fibra, durável e
resistente, pode ser utilizada como matéria-prima para papel, esteiras, cartões, pastas, envelopes, cestas, bolsas e
outros itens de artesanato. (http://plantamed.com.br)
89
Figura 17- Taboa colhida no assentamento Che Guevara em processo de secagem para a confecção de
esteiras.
Foto: Aquino (2007).
Cada assentamento possui a sua associação de moradores e produtores registrada, cujas
eleições são realizadas de quatro em quatro anos. A infra-estrutura dos assentamentos
pesquisados é visivelmente deficiente, falta telefonia pública, existe uma considerável
distância até o posto médico mais próximo, e algumas crianças têm que percorrer a pé um
longo trajeto, até a chegar ao ponto de ônibus para ir à escola. Em períodos chuvosos, a
dificuldade de circulação nos assentamentos se intensifica, devido à deterioração da estrada de
chão que leva até a localidade, o que compromete o escoamento da produção e o acesso a
serviços educacionais e de saúde pública.
No entanto, diante de um quadro nacional que apresenta dificuldades no que se refere ao
mercado de trabalho e habitação, percebe-se que estes assentamentos configuraram-se para
muitos assentados em uma oportunidade de trabalho. Portanto, apesar de todas as dificuldades
encontradas, principalmente no diz respeito infra-estrutura e produção, haja vista a
precariedade da qualidade dos solos encontradas no momento do estabelecimento dos
assentamentos, constata-se que estes assentados estão constantemente buscando alternativas,
de modo a garantir atividades agropecuárias em seus lotes, permitindo-lhes transpor ou
amenizar os obstáculos enfrentados.
90
3.2. A inserção no campo
A minha inserção no trabalho de campo em assentamentos de reforma agrária em
Campos dos Goytacazes se deu logo no início do curso de Ciências Sociais, no ano de 2002,
quando pude participar como voluntária, da realização de um censo demográfico no
Assentamento Zumbi dos Palmares, promovido por alguns professores da Universidade
Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF). Deste modo, percorrendo o
assentamento nos finais de semana com o intuito de aplicar os questionários, pude conhecer
melhor a dinâmica deste espaço e começar a observar as relações sociais que ali eram
empreendidas.
A participação no censo contribuiu para fomentar meu interesse a respeito das
discussões sobre as relações sociais presentes no campo, particularmente no Norte
Fluminense.
41
Assim, logo após esta atividade no ano de 2003, passei a freqüentar o
Laboratório de Estudo do Espaço Antrópico (LEEA) da UENF, onde uma das temáticas de
investigação é o processo de Reforma Agrária implementado em Campos dos Goytacazes.
Esta vivência orientou então, meu interesse em desenvolver uma pesquisa cujo tema fosse
relacionado à questão agrária no Norte Fluminense.
Assim, já em de 2003, comecei uma pesquisa de Iniciação Científica, financiada pela
Fundação Carlos Chagas de Apoio à Pesquisa e, posteriormente pelo Programa Institucional
de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC/UENF). O estudo versava sobre utilização de
agrotóxicos na produção agrícola no assentamento que, anteriormente havia sido alvo do
censo. No ano de 2004, a pesquisa foi estendida aos assentamentos Che Guevara e Ilha
Grande, e os resultados subsidiaram meu trabalho de conclusão de curso.
No momento da aplicação dos questionários, pude perceber que em geral, os
assentados antes de responder uma série de perguntas fechadas que ali se encontravam
41
De acordo com Weber (1995) são as preocupações do cientista que o levam a escolher um determinado objeto
de pesquisa (portanto existe uma parcialidade na escolha). Apoiando-se de certa forma, em Weber (1995),
Martins (2004) também defende que, comumente, a escolha do objeto pelo pesquisador está relacionada a certas
a convicções de ordem política, social, ideológica, etc. Neste sentido, para esta autora, a aproximação do
pesquisador em relação a seu objeto de pesquisa atende, antes de tudo, à necessidade de ele se colocar ao lado
dos movimentos sociais, realizando pesquisas que lhes sejam úteis. Tal compromisso, entretanto, não significa
que o pesquisador não tenha que preconizar o caráter científico de sua produção intelectual. Assim, segundo
Weber (1986), apesar da escolha do tema da pesquisa ser mediada pelos valores, à consecução da pesquisa
empírica deve apoiar-se em critérios científicos, portanto, não pode mais sofrer interferências de julgamentos de
valor.
91
queriam dar seus depoimentos. Talvez por acharem que eu poderia levar suas reivindicações a
órgãos competentes, ou mesmo pela necessidade de desabafar, ou mostrar-me o quanto foi
difícil obter o lote, e muitas vezes, o quão complicado era levar a vida naquele espaço, dada a
ausência de condições de infra-estrutura. Por isso, sempre que havia um espaço entre um
assunto ou outro, desencadeado pelas perguntas do questionário, os assentados aproveitavam
para conversar, falar das suas vidas, do trabalho no assentamento, da falta da atuação do
governo naquele espaço, dos problemas atravessados. Estes assuntos por vezes eram
“amarrados” a uma história principal: a de como chegaram ao assentamento e por onde
passaram antes de ali se instalarem, o que freqüentemente os levavam a estabelecer
comparações entre a vida e o labor no campo e na cidade.
42
A partir destas conversas, sobressaia freqüentemente, a diversidade das trajetórias dos
entrevistados. Pude perceber inicialmente, que alguns haviam se deslocado de locais distantes
até chegar ao assentamento, outros tinham uma trajetória ocupacional tipicamente urbana,
tendo residido antes nas periferias da região e alguns, ex-cortadores de cana-de-açúcar, viram
como única solução para obter seus direitos negados no momento da falência das usinas, a
ocupação de terras pertencentes a antigas fazendas de cana.
Sendo assim, levando-se em conta a firmação de Boni e Quaresma (2002:70) para
quem “a escolha do objeto revela as preocupações científicas do pesquisador que seleciona
os fatos a serem coletados, bem como o modo de recolhê-los”, o debate acerca da capacidade
da reforma agrária propiciar o deslocamento de indivíduos para o campo apresentou-se para
mim como algo pertinente, o que me conduziu a transformá-lo no projeto de mestrado do qual
resultou esta dissertação. Porém, era visível que os assentados já estavam “treinados” a
responder questionários, em função dos diversos levantamentos de informações aos quais são
submetidos freqüentemente, seja por órgãos de assistência técnica como a EMATER,
EMBRAPA, PESAGRO, ou instituições fiscalizadoras como o INCRA, e até mesmo das
pesquisas acadêmicas. Não obstante, muitos achavam cansativo responder tantas perguntas
fechadas em um considerável espaço de tempo.
Portanto, somando estes fatores à constatação de que os assentados apresentavam-se
mais à vontade nas conversas aparentemente informais, tornou-se premente a necessidade da
42
Neste sentido, Bourdieu (1999), a partir da sua experiência de pesquisa que resultou na obra “A Miséria do
Mundo”, observa que é comum que informantes, principalmente os mais carentes, aproveitem a situação de
pesquisas para se fazerem ouvir, manifestando o desejo de apresentar para os outros suas experiências ou mesmo
se explicarem, construindo assim, seu próprio ponto de vista sobre eles mesmos e sobre o mundo.
92
mudança da estratégia de coleta de informações. Neste contexto, as entrevistas figuraram
como a ferramenta mais eficaz, atreladas à observação participante, e a registros feitos em um
caderno de campo. Estas estratégias resultaram em dados sobre itinerários migratórios e
mobilidade ocupacional dos assentados. Dessa forma, foi importante considerar as
observações de autores como Duarte (2002) e Bourdieu (1999). O primeiro defende que a
construção do objeto refere-se, dentre outras questões, a capacidade de se optar pela
alternativa metodológica mais adequada à análise daquele objeto. Já Bourdieu (1999),
assevera que a metodologia não deve ser algo estanque, posto que, na maioria nas vezes, não é
possível eleger apenas um método de pesquisa, mas um conjunto de estratégias que, no
entanto, deve obedecer igualmente, um rigor científico. É por isso que Martins (2004)
observa que mediante à variedade de perspectivas metodológicas, a pesquisa não obedece a
um único modelo ou padrão de trabalho científico.
Todavia, diferentemente das possibilidades emanadas do questionário, que permite
abranger um grande número de indivíduos em um curto espaço de tempo, com a estratégia de
entrevistas e da observação participante, foi preciso diminuir o raio de alcance da pesquisa, no
que se refere à quantidade de entrevistados. Em um momento anterior às entrevistas, foi
também necessária a realização de uma pesquisa bibliográfica e documental, através da
consulta de diversas bases de dados, como bibliotecas, periódicos publicados na internet,
dados do IBGE, CIDE (Centro de Informação de Dados do Rio de Janeiro), bem como os
Planos de Desenvolvimento Sustentável dos dois assentamentos. Ponto de partida de qualquer
investigação científica, este levantamento de dados possibilitou conhecer melhor a área onde
o estudo foi desenvolvido, além de ter permitido o acesso a informações a respeito do atual
estágio do conhecimento sobre a área de estudo.
Como o objetivo da etapa de levantamento bibliográfico foi o de obter um
conhecimento prévio sobre o assunto, foram estabelecidos alguns pontos principais de
pesquisa, como um breve histórico do município de Campos dos Goytacazes, destacando-se a
importância do cultivo de cana-de-açúcar para a economia e conformação da agricultura da
região, bem como as implicações da decadência desta atividade; a introdução das ações do
MST no Norte Fluminense; informações estatísticas sobre a região de estudo, as discussões
teóricas acerca dos significados das migrações, habitus, identidades e trajetórias, além do
debate em torno da dicotomia rural-urbano.
93
3.3. Entrevistas
Na medida em que existem dados que a observação participante por si só não é capaz de
revelar, a realização de entrevistas torna-se pertinente. Segundo Minayo (1993), tal estratégia
auxilia o pesquisador a obter informações detalhadas sobre determinado tema, por intermédio
da visão dos próprios entrevistados. Para Boni e Quaresma (2005), as entrevistas têm como
vantagem a sua elasticidade quanto à duração. Proporcionam também uma cobertura mais
profunda sobre o assunto em voga, e a interação direta entre entrevistado e entrevistador.
Deste modo, por meio da indução do ato de lembrar, permitem a abordagem de assuntos mais
complexos, envolvendo arranjos afetivos e valorativos, fatores fundamentais para a
categorização de significados pessoais de atitudes e comportamentos, de onde emergem
questões inesperadas que podem ser de grande valia para a pesquisa.
Neste sentido, há uma diversidade de modalidades de entrevistas, contudo aqui se
privilegiou as entrevistas semi-estruturadas. Este tipo de entrevistas é composto por uma
combinação de perguntas abertas e fechadas, em que o entrevistado tem a possibilidade de
discorrer sobre um assunto. Para tanto, é preciso que o pesquisador elabore um conjunto de
questões, a fim de orientar a entrevista, todavia a mesma ocorre de forma similar a uma
conversa informal (Boni e Quaresma, 2005). Cabe também ao pesquisador a destreza para
dirigir a discussão, sempre fazendo perguntas adicionais para que o assunto principal não seja
desviado.
Para Menezes (2002), esta estratégia é muito próxima da história oral e, permite ao
pesquisador o acesso a um depoimento primário envolvendo as visões dos informantes.
Porém, segundo a autora, não existe uma maneira única e certa de entrevistar, antes de tudo,
esta estratégia trata-se de um encontro demasiadamente íntimo, que traz à tona hierarquias
locais, diferenças sociais, de idade, gênero, classe e formas de narrativas.
No que se refere ao número ideal de entrevistas a serem realizadas, Duarte (2002) afirma
que em uma metodologia de base qualitativa, dificilmente o número de entrevistados pode ser
definido a priori. Para o autor, a melhor estratégia é estabelecer a quantia necessária de
entrevistados a partir das informações iniciais colhidas nas primeiras entrevistas. Assim, este
número irá depender da qualidade das informações obtidas em cada depoimento, bem como
da profundidade e do grau de recorrência e divergência destas informações.
No momento em que já é possível identificar padrões simbólicos, práticas, sistemas
classificatórios, categorias de análise da realidade e visões de mundo do universo em questão,
94
temos o que Duarte (2002) define como ponto de saturação, em que se pode então, finalizar o
trabalho de campo. Entretanto, sabe-se que eventualmente é necessário um retorno ao campo
para esclarecer dúvidas, recolher novos dados a respeito de acontecimentos e circunstâncias
relevantes que foram pouco explorados nas entrevistas.
Dito isto, a pesquisa de campo que deu origem a este trabalho foi desempenhada por meio
da observação participante, como antes mencionado, e da realização de vinte entrevistas semi-
estruturadas com assentados, que foram escolhidos aleatoriamente durante as visitas aos
assentamentos nos meses de junho, julho, agosto, outubro e dezembro de 2007. As
entrevistas, em tom informal, se tornaram verdadeiras conversas
43
de natureza biográfica,
algumas longas, outras mais curtas, em que os assentados contaram abertamente suas histórias
a partir dos seus próprios termos, delineadas pelas lutas travadas antes e depois de obterem
um pedaço de terra e pelas experiências proporcionadas pelos deslocamentos.
As entrevistas foram gravadas com o auxílio de um MP4 e, por precaução, também foram
feitos registros escritos no caderno de campo, no momento em que foram realizadas.
Posteriormente as entrevistas foram transcritas.
44
Por meio das entrevistas e das conversas
através da observação participante, procurou-se compreender como os assentados
vivenciaram os deslocamentos (físicos e sociais) até a chegada aos assentamentos e o papel da
percepção destes deslocamentos para a elaboração das representações sobre sua atual
situação. De um modo geral, valorizou-se nos diálogos, a trajetória migratória dos assentados,
as atividades realizadas antes da entrada no assentamento, as habilidades de trabalho
adquiridas ao longo desta trajetória, o papel dos vizinhos, bem como os valores que orientam
o cotidiano do assentamento principalmente no que tange a caracterização da vida no campo e
na cidade pelos próprios assentados.
45
Para tanto, optou-se por estabelecer uma abordagem qualitativa, norteada por lembranças
presentes nas memórias dos assentados e explicitada por meio dos relatos construídos nas
entrevistas. Neste sentido, Cavignac (2001) adverte que um trabalho cuja fonte de
informações principal seja a memória dos migrantes, muitas vezes é dificultado por fatores
como desintegração do grupo familiar, dos laços com a comunidade de origem ou até mesmo
43
Ver Comerford (2006).
44
A grafia de algumas palavras pronunciadas de forma equivocada no que tange as regras gramaticais da Língua
Portuguesa foi corrigida no momento da transcrição, já que de acordo com Bourdieu (1999), no momento das
transcrições de entrevistas, cabe ao pesquisador dar legibilidade as falas dos entrevistados, porém, de forma
cuidadosa, para não alterar o sentido dos depoimentos. Ou seja, é preciso aliviar o texto de certas frases confusas
de redundâncias verbais ou tiques de linguagem sem, todavia, alterar seus significados.
45
Obviamente, mesmo que as entrevistas sejam informais não excluem o direcionamento que o impacto causado
pela presença do pesquisador tenciona. Ver Neves (1997b).
95
pela mudança acontecida na identidade pessoal do locutor. Contudo, apesar destes
empecilhos, recorrer à memória dos indivíduos e à narração subjetiva dos fatos para apreender
aspectos de suas trajetórias, permite resgatar a versão da migração no olhar do falante.
Portanto, a memória não se limita à reprodução de fatos tal como eles se deram, mas
representa um produto de uma elaboração singular de um indivíduo sobre a sua própria
experiência. Consiste em uma estratégia que permite que o indivíduo reelabore seu passado,
sua trajetória, por meio da sua visão presente. Neste sentido, Cavignac (2001) ressalta ainda
que, a partir do resgate dos fatos por meio de entrevistas emergem marcos de memória, por
sua vez, fundados em eventos importantes como casamento, morte, nascimento dos filhos,
mudança de local de residência e/ou trabalho. Por conseguinte, tendo em vista as
considerações de Cavignac (2001), em que observamos que nem sempre é possível organizar
de forma cronológica a seqüência dos fatos presentes nestas trajetórias de vida, e como o
objetivo deste trabalho não reside em produzir informações numéricas, não foram
quantificados dados como, por exemplo, renda, número de bens, etc., dos assentados.
46
Menezes (2002) enfatiza que ser entrevistado não é algo comum na vida das pessoas. Por
isso, tal acontecimento envolve sentimentos como ansiedade e constrangimentos. Deste
modo, alguns assentados revelaram certo incômodo em virtude da possibilidade de se registrar
as conversas num gravador. Assim, três entrevistas não puderam ser gravadas, porém foram
transcritas no caderno de campo.
As entrevistas ocorreram sempre no espaço dos assentamentos. Algumas nas casas dos
assentados e outras no lote, enquanto estes trabalhavam. Foi possível então observar como os
espaços interferem nos depoimentos. As entrevistas realizadas nas casas sempre expõem o
pesquisador à condição social do entrevistado, o que o leva por meio de gestos e atitudes
demonstrar ou tentar ocultar, certos aspectos de suas vidas particulares que são materializados
nas suas residências.
Quando as entrevistas ocorriam nos lotes, os assentados comumente faziam questão de
apresentar suas lavouras, criações de animais, de modo a valorizar suas atividades no
assentamento. Não obstante, seguindo as indicações de Menezes (2002), por vezes, foi
interessante durante as entrevistas, observar como o pesquisador é visto pelos entrevistados, e
como essas percepções são capazes de influenciar o que as pessoas estão preparadas para
46
De acordo com Bourdieu (2007:75), “a narrativa biográfica como a do entrevistado que se entrega ao
entrevistador propõe eventos que apesar de não se desenrolarem todos, sempre, na sua estrita sucessão
cronológica (quem quer tenha recolhido histórias de vida sabem que os entrevistados perdem o fio da estrita
sucessão cronológica), tendem a, ou pretendem, organizar-se em seqüências ordenadas (...)”.
96
contar sobre si mesmas e seus universos. Neste sentido, para Bourdieu (2007), além das
situações oficiais, existem pressupostos inconscientes nas entrevistas:
A preocupação com a cronologia, e com tudo que seja inerente à
representação da vida como história e (...), conforme a distância objetiva
entre entrevistador e entrevistado e, conforme a capacidade do primeiro em
“manipular” essa relação, a entrevista pode variar desde a forma suave de um
interrogatório oficial, sem que o sociólogo perceba, até a confidência e, por
último, através da representação mais ou menos consciente que o
entrevistado se faz da situação de entrevista, em função da sua experiência
direta ou mediada de situações equivalentes (...) e que orientará o seu esforço
de apresentação de si, ou melhor, de produção de si (BOURDIEU, 2007:81).
Assim, o capítulo que é explanado a seguir, representa um esforço de reunir e analisar
os relatos e depoimentos extraídos a partir das entrevistas realizadas bem como as
informações colhidas através do trabalho de observação, tendo em vista as discussões teóricas
aqui travadas. O que se pretende é então compreender como os indivíduos de carne e osso
47
realizaram os deslocamentos, as funções ocupadas até a obtenção de um lote de terra em um
assentamento de reforma agrária, e como estes assentados interpretam suas posições sociais e
suas relações produtivas, o que envolve diretamente percepções sobre campo e cidade, bem
como, as atividades exercidas nestes espaços.
47
Garcia Jr (1989).
97
CAPÍTULO IV – Migrações e Reforma agrária: com a palavra, os
assentados
“(...) Eu disse (...): vocês ficam aí e eu vou andar, vou no mundo
de novo. Aí apareceu esse MST lá e eu pensei: eu vou
acompanhar essa turma (Seu M.).
“É isso aí, como se diz, a gente não pode ficar só num lugar só.
A gente tem que ficar de vez enquanto trocando de gosto um
cadinho, porque senão não agüenta (Seu A.).”
“Resolvi correr chão (Seu P.).
“Ah, eu passei de tudo nessa vida, se você for anotar aí você vai
encher o caderno (Seu J. Q.).”
Até aqui muito se falou sobre questões teóricas a respeito das migrações, os possíveis
embates e relações causados pelos deslocamentos, as identidades arroladas nestes processos,
bem como a construção de trajetórias a partir destes fatores. Contudo, é preciso entender
como os assentados observam tais aspectos. Assim, este capítulo, o último do trabalho, tem a
finalidade de expor os relatos colhidos, subsidiados e analisados por meio dos debates
teóricos apresentados nos capítulos anteriores, bem como, confrontar as hipóteses da pesquisa
com as informações apreendidas no trabalho de campo.
Entende-se que, para além da discussão a respeito da fundamentação teórica, é preciso
situar a visão do sujeito de estudo desta pesquisa sobre as questões abordadas. Todavia, como
no capítulo anterior foi enfatizado, tal empreendimento apóia-se nas reflexões da autora.
Estas, por sua vez, estão abalizadas pelas posições teóricas discutidas, em que se destacam: a
questão das migrações; os conceitos de identidade, trajetória e habitus; as interpretações dos
assentados sobre os acontecimentos vivenciados antes e após a chegada ao assentamento,
principalmente no que se referem às suas trajetórias ocupacionais, migracionais; as relações e
percepções sobre campo e cidade.
Em virtude de terem sido extraídos a partir da realização de entrevistas semi-
estruturadas, embora as entrevistas apresentem-se como estratégias de pesquisa mais abertas,
os relatos colhidos obedecem a certos padrões em que, propositalmente, as questões
levantadas a cada assentado integravam um roteiro, portanto giravam, fundamentalmente, em
torno dos mesmos temas. Isso nos permite dividir a apresentação e análise dos dados por
98
subitens, cuja finalidade é facilitar o entendimento e organizar os depoimentos de forma
pertinente a cada assunto abordado.
Deste modo, com o intuito de apresentar a população assentada, por meio da
interpretação das entrevistas, primeiramente serão retomadas brevemente, algumas
considerações teóricas. Posteriormente, traçaremos um perfil dos habitantes dos
assentamentos que consistiram na área de estudo. O objetivo é situar de forma geral as
simetrias presentes nos relatos dos assentados, quanto à classificação de sua trajetória
migratória até a chegada ao acampamento e/ou assentamento e, também, avaliar em que
medida tais aspectos relacionam-se com a dinâmica daquele espaço.
Tomando como principal referencial o ponto de vista dos entrevistados, faz-se
necessário também, debater a capacidade que o processo de ocupação e reforma agrária na
região teve e tem de motivar as migrações dos indivíduos para o campo, por meio dos
assentamentos. O que pressupõe analisar através dos relatos a percepção dos assentados sobre
os aspectos relacionados aos deslocamentos e sobre o ato de acampar, o processo de reforma
agrária empreendido e os motivos e significados atribuídos ao retorno, entrada e possibilidade
de manter-se no campo por meio dos assentamentos rurais.
Finalmente, torna-se importante compreender como os assentados entrevistados
vislumbram as aproximações e diferenças entre campo e cidade, tendo em vista suas
experiências migratórias e de trabalho, em ambos os espaços, pois se observou que embora
uma parte da literatura especializada apregoe o esmorecimento das fronteiras entre o rural e o
urbano, para os assentados, entrevistados neste trabalho, estas ainda estão postas e, portanto,
existem. Tal fato desemborca então, na construção verificada nas entrevistas concedidas, de
visíveis distinções entre estes espaços, que culminam no estabelecimento de projeções de
campo e cidade. Tais projeções passam a habitar o imaginário dos assentados e, por isso,
condicionam suas percepções e avaliações acerca de vantagens e desvantagens da vivência e
trabalho em cada um destes locais.
4.1. Retomando conceitos para estabelecer perfis de acordo com
análise das trajetórias
No capítulo anterior, apresentamos e destacamos alguns aspectos que julgamos
basilares, a respeito do lócus de estudo deste trabalho, que consiste em dois assentamentos
rurais situados na região Norte Fluminense, no município de Campos dos Goytacazes,
99
denominados Ilha Grande e Che Guevara. Com isto, o que se buscou foi a exposição e análise
das principais características dos locais em questão. Constatou-se então, a importância de se
avaliar as trajetórias explicitadas nas entrevistas, para dar conta da multiplicidade dos perfis
dos assentados, relacionando-os com seus deslocamentos e funções exercidas no mercado de
trabalho urbano ou rural. Deste modo, é preciso ressaltar que falar em trajetória significa
pensar em partida, estada e retorno, porém não como movimentos únicos, estanques, mas sim
como fatores relacionados e variados, uma vez que pode haver muitas partidas, a estada pode
ser também viagem e o retorno pode não ser algo definitivo (Augé, 1994 apud Loera, 2004).
Por isso, ao falarmos de trajetória estamos abordando, especialmente, o percurso e suas
implicações, dentre elas o confronto de relações e a construção e reconstrução do habitus.
A despeito das particularidades de cada caso a partir dos relatos colhidos, por meio das
entrevistas realizadas no momento do trabalhado de campo e, sem menosprezar a trajetória de
cada um, que será analisada de acordo com suas relações com as questões antes mencionadas,
é possível traçarmos um panorama geral a respeito da classificação do processo migratório
empreendido pelos assentados.
Apesar da multiplicidade de percursos, das peculiaridades presentes nos movimentos
migratórios realizados por cada indivíduo e das dificuldades em encontramos uma regra para
as migrações, existem características comuns ao grupo de entrevistados, o que nos permite
estabelecer regularidades temáticas. Isto pode contribuir para um entendimento de fatores
semelhantes, responsáveis por motivar as migrações, que podem estar associadas a
circunstâncias mais amplas, tanto subjetivas quanto objetivas, e de como as representações
criadas, acerca destes deslocamentos e trajetórias, cooperam para a elaboração de percepções
sobre campo e cidade e sobre o assentamento, bem como colaboram com a conformação de
um habitus específico.
As similitudes presentes na maioria das trajetórias puderam ser observadas ao longo
dos relatos dos assentados, estruturados muitas vezes de forma bastante parecida. De certo
modo, isto corroborou para compreendermos melhor como a trajetória dos assentados e as
razões dos deslocamentos empreendidos até sua instalação nos assentamentos, relacionam-se
com determinadas conjunturas como, por exemplo, o trabalho no corte de cana-de-açúcar,
vivência nos arredores das usinas, origem rural, busca pela tranqüilidade autonomia e
reconhecimento social, e as condições precárias de vida atribuídas às periferias urbanas.
Ao abordamos o campo por intermédio dos assentamentos de reforma agrária, é preciso
ter em mente que estes se tratam de espaços específicos, portanto, dotados de características
100
particulares quando comparados a outros espaços que integram o rural. Deste modo, quando
se retorna ao campo, ou nele se ingressa, ou mesmo se tem a possibilidade de manter-se no
meio rural, em virtude da oportunidade criada pela reforma agrária, os indivíduos passam a
integrar um novo espaço. De acordo com Loera (2004), neste contexto, passado, presente e
futuro estão interligados, assim, “o tempo forma uma grande espiral que se cruza com outra
formada pelo espaço (Loera, 2004:114).”
O espaço então, neste caso o dos assentamentos, relaciona-se não somente com as
expectativas futuras, mas com as experiências vivenciadas anteriormente. Ora, como podemos
observar utilizando o conceito de habitus, existe uma dimensão (estruturada), resultante da
experiência acumulada historicamente que, por sua vez, é acionada, e que se reproduz a partir
da incorporação de novos fatores (estruturante) (Bourdieu, 2005). Desta forma, há um
encontro da história objetivada com a história incorporada. Nos assentamentos os indivíduos
experimentam um processo de mudança social, permeado por reordenações em termos de
identidades, posições, reivindicações, que muitas vezes são expressas através de divergências
e reciprocidades (Neves 1997b).
O assentamento apresenta-se para os indivíduos como uma estrutura demandante de
relações diferentes das encontradas tanto no perímetro urbano, quanto nas propriedades
privadas situadas no campo, onde muitos eram empregados. Diante desta nova realidade que
se anuncia, surge a necessidade do domínio e utilização de novos códigos pelo indivíduo
assentando, de modo a permitir-lhe a compreensão de fatores como a linguagem e ações das
instituições governamentais de assistência técnica; a maneira mais eficiente e adequada de
comercializar a produção; além de possibilitar a interação com as mais diversas esferas da
vida cotidiana no assentamento, como por exemplo, os órgãos fornecedores de crédito e
fiscalizadores; os vizinhos; as instituições de pesquisa; etc. Estes fatores sugerem e, ao mesmo
tempo permitem a conformação de um novo habitus.
Deste modo, torna-se pertinente definirmos a que tipo de espaço nos remetemos,
quando debatemos a inserção de indivíduos nos assentamentos rurais. Ao buscar um
significado para assentamento rural, Turatti (2001) o define como um organismo social fixo,
isto é, dotado de território determinado, organização político-social estruturada e também uma
realidade produtiva, apresentando-se então, como um tipo específico de unidade social
pertencente ao rural brasileiro. Para Neves (1999:6) o processo de assentamento configura-se
como uma “situação empírica que permite tantos olhares quanto desejados”. Neste sentido a
autora estabelece algumas definições para este espaço, que afirma tratar-se de uma unidade
101
territorial, um espaço de reorganização dramática das relações e de constituição ou de
reconversão de posições.
Portanto, Neves (1999) assevera que o assentamento deve ser concebido como um
processo que ancora mudanças sociais desejadas, organizadas, por sua vez, pela mobilização
dos aspirantes à posição de produtores agrícolas autônomos, cujo objetivo é obter a
interferência do Estado na gerência de conflitos e na reforma da estrutura fundiária, assim:
O assentamento constitui uma unidade social local de construção de
identidades de pertencimento, a partir da vivência de experiências comuns.
Sua especificidade decorre do fato de que, neste espaço, se objetivam
rupturas nas posições sociais e, por conseqüência, nas relações de poder e na
visão de mundo, cujos desdobramentos são de diversas ordens. A
organização social revela a constituição ou a reconstituição de posições
sociais mediante jogo de forças em que se destacam as demandas e as
pressões dos que se desejam beneficiários da propriedade da terra. Expressa
ainda efeitos que tal aquisição assegura. Benefício cuja possibilidade depende
de intervenções imediatas ou anunciadas por uma autoridade estatal, de rede
de relações onde interagem seus demandantes, opositores, apoiadores e
mediadores (NEVES, 1999:7).
Giuliani e Castro (1996) acrescentam que os assentamentos apresentam-se como
realidades complexas que adquirem especificidades, não apenas em virtude do modelo de
organização do movimento de luta pela terra em um momento anterior, mas são igualmente
moldados a partir de uma série de elementos socioculturais das famílias, atrelados ao contexto
regional em que estão localizados.
Ultrapassando a definição de assentamentos, Medeiros e Leite (1998) refletem acerca
das conseqüências promovidas pelo estabelecimento destes espaços. Para estes autores, a
constituição de um assentamento (em muitos casos, de diversos assentamentos no âmbito de
um mesmo município ou região), acarreta a introdução de novos elementos e sujeitos que, por
seu turno, provocam alterações nas relações locais, principalmente quando estes
assentamentos são derivados de um processo de luta intenso, sedimentado por meio de
ocupações e acampamentos, caso observado em Campos dos Goytacazes.
Não obstante, os autores pontuam ainda que a implantação de assentamentos rurais
afeta a demografia de certas áreas, na medida em que atrai populações de fora das regiões, ou
quando representa o deslocamento de populações urbanas para áreas rurais, cujo resultado é
um aumento populacional ou alterações na relação população rural/população urbana. Por
isso, a instituição de assentamentos tende a promover também um aumento nas pressões por
102
demanda de infra-estrutura e equipamentos sociais como escolas, postos médicos, estradas,
transporte, etc.
Tendo em vista as considerações dos autores acima mencionados, sobre as
características e delimitações do que vem a ser um assentamento, é preciso apresentar, ainda
que de forma geral, quem são aqueles que compõem e dão contorno a estes espaços, neste
caso os assentamentos onde o estudo foi desenvolvido. Ou seja, faz-se interessante evidenciar
quais são os sujeitos que, conforme as observações de Bourdieu (2007) produzem e ao mesmo
tempo são produtos daquele espaço.
48
Para que posteriormente, seja possível analisar a partir
dos pontos de vista dos assentados, observados em suas falas, em que medida a reforma
agrária pode ser considerada uma ação tributária da motivação da migração destes para o
campo, ou mesmo responsável por favorecer a manutenção de alguns neste espaço; as
condições sociais que contribuíram para as ocupações e as implicações derivadas do processo
de transformação social proporcionado pela reforma agrária na vida dos assentados.
4.2. As principais trajetórias dos assentados
A partir da retomada de alguns conceitos expostos acima, vinculados às entrevistas
realizadas e, considerando as trajetórias relatadas, podemos dividir os integrantes dos
assentamentos Che Guevara e Ilha Grande, que foram entrevistados, segundo o
compartilhamento de características comuns. Deste modo, classificamos os assentados em
dois grupos principais. O primeiro é formado por aqueles indivíduos, – em sua maioria, ex-
trabalhadores do setor sucroalcooleiro –, que se mantiveram no campo, a despeito das crises
na atividade canavieira. Assim, para estes indivíduos a constituição dos assentamentos, antes
de significar um deslocamento do ponto de vista espacial, representou uma mobilidade social.
O outro grupo é composto por indivíduos que no momento das ocupações viviam na
cidade e, pode ser dividido em dois subgrupos, apesar do último local residido antes do
ingresso no processo de reforma agrária ser o mesmo: O grupo dos indivíduos criados nas
cidades, portanto, que nunca trabalharam no perímetro rural e, com a anunciação de
acampamentos e/ou assentamentos (sejam os locais aqui estudados ou ocupações anteriores),
se depararam com a oportunidade de entrar no campo; e o grupo cujos integrantes,
igualmente, habitavam a zona urbana antes de entrar no assentamento, mas que nasceram,
48
Neste podemos observar as colocações de Bourdieu (2007:27): “Para resumir essa relação complexa entre
estruturas objetivas e as construções subjetivas (...), costumo citar, deformando-a ligeiramente, uma fórmula
célebre de Pascal: O mundo me contém e me engole como um ponto, mas eu o contenho” .
103
residiram e, tiveram uma experiência de vida e de trabalho no campo antes de migrarem para
a cidade. Para estes, a reforma agrária significou então, a oportunidade de retorno ao meio
rural. Deste modo, a partir do destaque de alguns depoimentos presentes nas entrevistas,
analisaremos a seguir, estes grupos.
4.2.1. Aqueles que permaneceram no campo após a crise na atividade canavieira
Sabe-se que antes do advento da atividade petrolífera, a mola propulsora da economia
campista derivava, especialmente, das atividades desenvolvidas nas fazendas e usinas
processadoras de cana-de-açúcar que, até os dias de hoje, desempenham importante papel na
economia local. Deste modo, ao redor das fazendas e usinas, dado o ajuntamento de
indivíduos, cujo sustento dependia diretamente da atividade canavieira, aos poucos foram se
desenhando pequenos aglomerados, que colaboraram para o surgimento de certos distritos,
comunidades e vilas da região.
Assim como Sigaud (2004) observou em Pernambuco, também em Campos dos
Goytacazes, a partir do domínio econômico da atividade canavieira, estruturou-se uma
sociedade altamente hierarquizada, gerida pelos grandes proprietários, comumente chamados
de usineiros que, para desenvolverem suas atividades, contavam com exploração de uma
massa de trabalhadores assalariados.
Alguns destes indivíduos, atualmente integram os assentamentos Ilha Grande e Che
Guevara. Residiam anteriormente nas localidades pertencentes à Baixada Campista, que
foram formadas principalmente em virtude do aporte da lavoura canavieira
49
. Estes
indivíduos, mesmo não habitando as terras das fazendas da Companhia Agrícola Baixa
Grande, estavam diretamente ligados a elas, por meio do trabalho tanto no corte da cana-de-
açúcar, quanto na própria planta industrial da usina, ou mesmo no setor de serviços, nos
pequenos comércios formados ao longo da localidade para atender a população local.
Portanto, estes acompanharam de perto o declínio da atividade canavieira e todas as
conseqüências dele decorrentes, cujo problema mais evidenciado nas entrevistas é a falta de
emprego gerada pela falência das usinas e fazendas, principalmente em função do fechamento
da Companhia Agrícola Baixa Grande
50
, que os atingiu mais diretamente. Para muitos, a
49
Os distritos pertencentes ao município de Campos dos Goytacazes foram listados no capítulo II deste trabalho.
50
Os assentados referem-se a Companhia Agrícola Baixa Grande como Usina Baixa Grande.
104
solução foi tentar ingressar no mercado de trabalho urbano, no setor informal, mesmo
residindo no campo.
Os indivíduos que viviam nestas localidades e não trabalharam diretamente na
atividade canavieira, geralmente possuem parentes próximos que exerceram funções nas
fazendas de cana-de-açúcar, como cortadores de cana, administradores, fiscais, estivadores,
etc. Conseqüentemente, foram recorrentes nas entrevistas, lembranças relacionadas à vida
nestas localidades, sempre associadas ao trabalho desempenhado por eles ou familiares, na
atividade canavieira.
Seu A., atualmente com 63 anos, é um representante deste grupo. Apesar de ter tido
passagem pelo mercado de trabalho urbano de Campos dos Goytacazes, nunca deixou de
morar no campo. Nascido na localidade de Saturnino Braga, este assentado tem sua história
de vida intimamente ligada à atividade sucroalcooleira. Trabalhou nas fazendas cuidando de
gado e, tanto no corte de cana-de-açúcar, como no interior da indústria canavieira, onde
exerceu a função de estivador, ensacando açúcar e carregando caminhões com o artigo
produzido pela usina Santo Amaro
51
:
Eu nasci lá em Saturnino Braga, em Mineiros. Mineiros e Saturnino Braga é
tudo uma coisa só. (...) Fui trabalhar nas lavouras de fazendeiros, depois parei
de trabalhar pra fazendeiros e praticamente trabalhava em usinas. (...)
Cortando cana, trabalhando em enxada, em armazém de açúcar. (...) Eu
trabalhei na São José, trabalhei lá na Santo Antônio, trabalhei lá em
Saturnino Braga, trabalhei em Baixa Grande (...). Aí depois que eu parei com
o corte de cana, aí que eu entrei pra dentro da usina (Seu A.).
Do mesmo modo que Seu A., Seu M. V. também habitava as proximidades das
fazendas de cana-de-açúcar, que deram origem aos assentamentos Che Guevara e Ilha Grande
e trabalhava na atividade canavieira. Seu pai era funcionário da usina, e sua mãe morava nas
redondezas, na localidade de Baixa Grande. Depois de casados seus pais passaram a integrar o
sistema de morada, por isso residiram dentro das fazendas:
Eu morava lá em Baixa Grande (...). Na época que a Usina Baixa Grande
moía né, meu pai aposentou. Minha mãe morou aqui muitos anos. Olha, eu
fui criado aqui, aqui mesmo. Nós moramos aqui vinte e cinco anos (...). Mas
ele trabalhava mais dentro da usina do que cortar cana. (...) Meu pai morava
na usina, naquele rolamento do fundo ali. Na casa da usina (...) (Seu M.V.).
51
Lopes (1976) desenvolveu um estudo sobre a mão-de-obra industrial da atividade canavieira. De acordo com
este autor, a literatura especializada sobre o trabalho na plantation açucareira possui uma lacuna, pois em geral,
não menciona estes trabalhadores, em virtude da sua menor importância numérica e, principalmente, porque
estes não produziram um movimento social de envergadura, como os diversos grupos de trabalhadores rurais da
preferia e do centro da plantation.
105
Além dos indivíduos que viviam nos arredores das usinas, há entre o grupo de
assentados, aqueles que moravam no interior das fazendas que deram origem aos
assentamentos. Estes indivíduos, herdeiros do sistema de morada, mesmo ante o processo de
falência da usina, nunca saíram da área. Uns ali ficaram com o intuito de receber, de alguma
forma, os direitos trabalhistas a eles negados no momento da falência. Outros chegaram a
receber seus direitos, mas acreditavam que por trabalharem na área há muito tempo e pela
dedicação empreendida àquele espaço, deveriam ser os privilegiados na divisão da fazenda.
Este é o caso, por exemplo, de Seu J.Q. Assentado atualmente com 64 anos de idade,
foi morar com os pais dentro das terras da Fazenda Marrecas aos quatro meses de nascido.
Conhece muito bem cada área da fazenda. Aponta com propriedade as partes da região onde
as terras são mais férteis e onde sofrem alagamentos. Trabalhou durante 40 anos para os
proprietários das fazendas, dez anos como o que chama de clandestino, isto é, sem carteira
assinada e trinta anos de forma regularizada junto ao Ministério do Trabalho. Durante todo
este tempo passou pelas mais diversas funções na atividade canavieira, desde cortador de
cana, fiscal, apontador a administrador, função que descreve com muito orgulho, em virtude
da confiança que afirma ter-lhe sido creditada pelo fazendeiro, a quem se refere como o
cubano velho.
Seu J. Q.: Ah, eu passei de tudo nessa vida, se você for anotar aí você vai
encher o caderno. Olha eu trabalhei por muita raça de anos na usina, mas
assim, eu vou explicar, eu trabalhei dez anos clandestino. Agora dos trinta
anos pra cá eu fui fiscal...
Silvia: O que o fiscal faz?
Seu J. Q.: É olhar, ver o que tá precisando, o que tá faltando, e pra
comunicar pra gerência. Fui encarregado, depois administrador. (...) Aí eu
tomei conta da fazenda em geral. (...) Os donos mesmo e as gerências que
eram verdadeiras, passaram a confiar mais em mim (...). Eu conhecia muito.
Silvia: E o administrador faz o quê?
Seu J. Q.: O administrador minha filha, faz o seguinte, eu vou lá naquele
lugar ali, encontro um pouco de animal ali, então eu apanho um cavalo e
recolho aqueles animais da roça. Aí eu chego “fulano, vai lá endireitar a
cerca”. Aí demora e vem a hora da moagem, aí eu digo qual canavial é o
próximo pra cortar. É assim.
Em virtude de ter uma trajetória de vida que se confunde com a história da própria
fazenda, Seu J. Q. acredita ter mais direitos sobre as terras das fazendas que os indivíduos
vindos de fora da região para a ocupação. Por isso, ao contar como e porque resolveu se juntar
ao Movimento que promoveu a ocupação faz questão de destacar essa crença, diferenciando-
se dos integrantes do MST:
106
Sabe que quando o sem terra chegou aqui eu trabalhava aqui ainda, não era
aposentado não, com mais um ano, um ano e pouco foi à hora que eu
aposentei. Quer dizer, aposentei, mas largaram eu, não deram baixa na
carteira não. Aí quando eu fui lá dar baixa, a terra já tinha sido repartida. Aí
foi a hora que eu ia ter o direito, depois que desse baixa na carteira. Aí bem,
aí eu fiquei sem terra. (...) Quando o acampamento chegou aqui eu era
empregado, eu não podia sair porque faltava ano pra eu me aposentar. Não
podia, eu perdia. E outra coisa, eu ganhava doze horas do pé a ponta, de
segunda a domingo, então eu aposentei até com um salário melhor, por causa
das horas-extras. Eu disse: “daqui eu não saio não. De jeito nenhum. Só quem
me tira daqui é o INCRA. Esse monte de ganha-pão que tem por aí não me
tira não.” Mas eu ouvi o chefe do INCRA, o chefe do INCRA veio dizer
comigo na frente de todo mundo aí, que o primeiro direito era do cubano e o
segundo era dos operários. Eu que sou um operário que eles acharam aqui
dentro, como é que eles iriam me arrancar? (...) Aí quiseram engrossar, mas
eu disse: “Não vou sair daqui, vocês não vão me arrancar daqui. Só quem me
arranca daqui é o INCRA. Eu ouvi o que o chefe falou aqui dentro, o que
explicou a verdade e vocês tão escondendo tudo. Quer dizer, pra quê? Pra
apanhar uns lotes de terra bons lá, dar seu fulano e apanhar aí quinhentos,
seiscentos reais na mão, e vocês se vendendo. Só que eu não vou comprar de
vocês porque eu vou apanhar aqui com o meu direito.” (...) Aí bem, viram
que ia entornar a água toda, você sabe que nesse lugar sempre tem os
interesseiros, não é assim mesmo? Aí entregaram o lote (Seu J. Q.).
A partir do depoimento de Seu J. Q. constatamos a percepção elaborada por este
assentado acerca da legitimidade que cada indivíduo tem de reivindicar um pedaço de terra
nas fazendas que comportam os dois assentamentos. Esta legitimidade, no imaginário deste
assentado, esta diretamente relacionada à vivência e história de trabalho na atividade
canavieira daquele local. Assim, se analisarmos os relatos acima sob a ótica do da noção de
habitus de Bourdieu (2007), constataremos que o depoente recorre ao que chamamos de
habitus, para demonstrar que no momento da ocupação diferenciava-se dos demais
acampados, dada a sua história de trabalho no local do acampamento. É neste sentido que se
verifica que os habitus além de serem diferenciados, são diferenciadores, isto é, põem em
prática princípios de distinção. “Os habitus então são fundadores de diferenças entre o que é
bom e mau, entre o bem e o mal, entre o que é distinto e o que é vulgar. É por meio do habitus
que diferenças nas práticas, nos bens possuídos, nas opiniões, tornam-se diferenças simbólicas
(Bourdieu, 2007:22).
Neste sentido, Medeiros e Leite (1998) observam que a entrada de novos sujeitos,
muitas vezes, oriundos de outros municípios em acampamentos rurais é capaz de criar
disputas como estas, cujo debate remete a quem deve ou não ser assentado, ou mesmo à
prioridade no processo. Os autores pontuam que são comuns as situações em que na ocasião
da desapropriação de terras para a constituição de assentamentos rurais, prefeitos, secretários
107
locais, etc., solicitem prioridade no assentamento de pessoas do município. Isto provoca
contendas, rupturas, bem como a conformação de novos laços.
Analisando ainda o relato de Seu J. Q. podemos perceber que o habitus adquirido junto
ao trabalho na lavoura canavieira, ao mesmo tempo em que permitem os ex-cortadores de
cana-de-açúcar conservarem e reproduzirem relações adquiridas durante esta atividade sugere
a construção do novo. Ou seja, supõe a criação de novas relações, com os novos sujeitos que
passam a fazer parte do cotidiano dos seus espaços, como os demais acampados, agora
assentados e como os representantes de órgãos como o INCRA, EMBRAPA, EMATER, etc.
Seu J. Q., por exemplo, incorporou em suas ações a necessidade de assim como os
integrantes do MST, estabelecer um diálogo com o INCRA, a fim de garantir seu lote na
constituição do assentamento. Para Almeida (2006), reações como a de Seu J. Q. se explicam
porque nos campos onde se constitui o habitus, o conflito apresenta-se como o modo
constante de relacionamento entre os sujeitos. Por conseguinte, toda vez que as condições
objetivas da situação não permitem a realização do habitus, este dá lugar a forças explosivas
que tanto podem ser de mudança como de acomodação.
Seu F. A. que tem 50 anos de idade é mais um dentre os assentados que havia sido
funcionário da Companhia Agrícola Baixa Grande. Morava na localidade de Marrecas, e
sempre trabalhara como lavrador. Durante quinze anos cortou cana-de-açúcar para a
companhia. Com a falência da empresa ficou desempregado. Logo depois, soube da ocupação
das terras da Fazenda Ilha Grande, e decidiu ingressar no acampamento do MST. Assim como
muitos outros assentados, apesar de afirmar ter sido um dos poucos a ter conseguido receber
seus direitos trabalhistas, Seu F. A. acredita que acampar e obter o lote foram as únicas
formas encontradas pelos trabalhadores da Companhia para fazer valer os seus direitos junto
aos seus empregadores:
Eu vim morar no assentamento pra ter algo que é meu, ser dono de alguma
coisa, o trabalho na usina? Ah, o trabalho na usina é pesado demais, o sujeito
trabalha de sol a sol, é muito cansativo e o ganho é pouco, pouco mesmo. (...)
O filho do dono achava que o trabalhador não precisava receber seu direito
não, e muitos não receberam até hoje. Se têm alguma coisinha aí é porque
vieram pra cá. Eu, graças a Deus recebi meus direitos pelo Sindicato do
Açúcar que pegou muito dinheiro meu nessa jogada (Seu F. A.).
Verifica-se então que alguns assentados anteriormente trabalhadores diretamente
envolvidos na atividade canavieira encontraram na situação de falência da Companhia
Agrícola Baixa Grande, por meio da motivação incitada pelo MST as ocupações na região a
108
partir da década de 1990, a oportunidade de possuírem a própria terra. Neste contexto,
descobriram na lona preta uma das soluções possíveis para seus problemas (Sigaud, 2004).
Assim sendo, para alguns assentados, a justificativa imediata de terem ingressado no
acampamento foi a de que com o lote, se sentiriam em parte ressarcidos pelos trabalhos que
desempenharam nas fazendas, já que muitos não receberam os direitos trabalhistas em função
da falência.
Outros chegaram a recebê-los, porém em virtude do tempo em que exerceram funções
nas fazendas, no momento da ocupação e da divulgação da notícia da transformação das
fazendas em assentamentos acreditavam serem os primeiros a terem direito ao pedaço de terra
naquele lugar. Isto pôde ser evidenciado nas falas de assentados como Seu F. A. e Seu J. Q.,
cujos trechos foram reproduzidos anteriormente: “(...) O primeiro direito era do cubano e o
segundo era dos operários. Eu que sou um operário que eles acharam aqui dentro, como é
que eles iriam me arrancar? (Seu J. Q.);” “O filho do dono achava que o trabalhador não
precisava receber seu direito não, e muitos não receberam até hoje. “Se têm alguma coisinha
aí é porque vieram pra cá (Seu F. A.).”
Por conseguinte, foi possível perceber por meio das entrevistas realizadas que, a
despeito da ação do MST na região, muitos destes indivíduos, hoje assentados, que
trabalharam diretamente ligados à Companhia Agrícola Baixa Grande, não se reconheceram
no momento da ocupação como membros do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra, tampouco se identificaram com o Movimento. Portanto, ao se remeterem ao momento
das ocupações, abordam o MST como um agente externo, cujos integrantes geralmente são
referidos como o pessoal do MST. Curiosamente, o MST é tratado por alguns destes
assentados como elemento por vezes contrário aos seus interesses, como transparece no
depoimento de Seu J. Q.
Estas evidências atestam uma das dificuldades encontradas pelo MST na região. Na
localidade de Baixa Grande, assim como praticamente em todo município de Campos dos
Goytacazes, o MST se deparou com uma sociedade fortemente marcada pela hierarquia
advinda do mundo do açúcar, onde cada um tinha seu papel muito bem definido. Nela, as
figuras dos usineiros e grandes fazendeiros eram vistas como autoridades, respeitosamente
chamados de doutores, assim como o ex-proprietário da Companhia Agrícola Baixa Grande,
designado até hoje por alguns assentados que trabalharam na fazenda, como Doutor
Fernando. Daí derivava o receio do engajamento explícito nas ocupações e ações
empreendidas pelo MST. Além disso, havia o medo, entre alguns assentados, de sofrerem
109
retaliações por parte do ex-patrão, e da crença de que a decisão de se juntar ao Movimento
prejudicaria àqueles que ainda reivindicavam seus direitos trabalhistas junto à Companhia.
Aconteceu uma coisa muito engraçada, que foi bom, por essa questão de
gênero. Tem muita mulher hoje que tem a documentação da terra. Mas não
foi porque os homens queriam que elas ficassem com o documento não. Foi o
medo, ficaram com medo. Foi medo, porque muitos tinham processo
trabalhista contra a usina, né, e com medo de que saísse no nome deles e
perdesse os direitos trabalhistas, resolveram por no nome das mulheres. Isso
foi muito bom, entendeu, porque as mulheres conseguiram conquistar
também a terra (D.).
Apesar de ser patente a presença de ex-trabalhadores da atividade canavieira nos
assentamentos, estes não foram os únicos a ingressarem nestes espaços. A partir do trabalho
de campo realizado, foi possível perceber que as ocupações e ingresso nos assentamentos não
fizeram parte apenas do repertório de estratégias dos sujeitos assalariados que trabalhavam na
indústria do açúcar, portanto, diretamente atingidos pela crise da atividade canavieira. As
terras improdutivas oriundas da falência do setor sucroalcooleiro favoreceram a atuação do
MST na região, que através das suas mobilizações, proporcionou que indivíduos que
habitavam o perímetro urbano, no início das ações do Movimento pudessem ter acesso ao
campo. Deste modo, os processos migratórios rural-urbano-rural e urbano-rural passaram a
compor também a pauta de alternativas das populações residentes nas periferias urbanas da
cidade e de outras regiões mais distantes.
4.2.2. Da cidade para o campo por meio dos assentamentos de
reforma agrária: Migrações urbano-rural e rural-urbano-rural
Embora os assentamentos, onde este estudo foi desenvolvido, abrigarem indivíduos
oriundos da própria região, como foi mencionado acima, é notória a presença daqueles que
antes da realização das ocupações e da constituição dos assentamentos, habitavam a zona
urbana. Alguns migraram das periferias de Campos dos Goytacazes para o assentamento,
outros chegaram naqueles espaços vindos de cidades maiores, como o Rio de Janeiro. Há
ainda aqueles que tiveram uma passagem pelo campo onde cultivaram uma experiência de
vida e trabalho neste espaço, migraram para a cidade e, com a possibilidade de obter um lote
de terra decidiram retornar ao campo.
Em meio à precariedade da habitação e o desemprego crescente nas áreas urbanas, a
possibilidade de residência e trabalho no campo, apresenta-se como uma opção atrativa aos
110
olhos de quem já não vislumbra oportunidade de ascensão social na cidade. Expectativas
econômicas também são convertidas para o plano simbólico em virtude das percepções sobre
as peculiaridades do campo, principalmente, quando comparado com a cidade.
Neste sentido, mesmo não possuindo experiência de trabalho no meio rural, as
ocupações realizadas por movimentos como o MST, tornam as migrações para o campo uma
alternativa viável para os indivíduos considerados urbanos. Apesar de todos os problemas
atravessados pelo processo de reforma agrária, já conhecidos no país, além da habitação, no
assentamento o indivíduo terá a oportunidade de trabalhar. Diferentemente da cidade, o
trabalho no campo não demanda obrigatoriamente especialização formal no que se refere à
educação e qualificação profissional, apesar destas formações serem importantes para
qualquer indivíduo. Por isso, o indivíduo ousa, mesmo sem experiência alguma, migrar para o
campo por meio do assentamento, pois sabe que lá terá a oportunidade de aprender a lidar
com a terra, seja por meio das trocas de saberes adquiridos junto aos vizinhos, ou mesmo
através das experiências que lá serão realizadas. O assentamento foi considerado, então, como
uma oportunidade singular de melhorias sociais, ou nas palavras dos assentados, como uma
“chance de mudar de vida”, concretizada nas migrações urbano-rural, já que a cidade não os
integrou em sua classe média assalariada, restando-lhes neste espaço, apenas os setores mais
baixos e desprezados nos processos produtivos, em que se destaca a economia informal.
Dentre aqueles que optaram por subverter a ordem considerada como a mais freqüente
das migrações, a rural-urbana, também conhecida como êxodo rural, encontra-se Dona D.F.,
atualmente com 49 anos de idade. Nascida em Cangoera, localidade que diz situar-se no
Estado do Rio, mudou-se quando criança para Conselheiro Josino juntamente com os pais.
Trabalhava como babá na cidade. Mudou-se novamente, ainda muito jovem, para Estácio de
Sá, bairro de classe baixa e média-baixa da zona central da cidade do Rio de Janeiro. Foi
morar com uma vizinha que havia montado uma fábrica de costura. Lá cresceu, aprendeu um
ofício, por isso trabalhou como costureira. Casou-se, aos 20 anos. Permaneceu na localidade
por mais dez anos, quando se mudou para São João de Meriti, na Baixada Fluminense.
Depois de mais de dez anos residindo na Baixada Fluminense, decidiu, juntamente
com o marido e os dois filhos, mudar-se para Campos dos Goytacazes à procura de melhores
condições de vida, se instalando em Ururaí, periferia situada às margens da BR 101 e ao
longo da linha férrea da cidade. Divorciou-se logo em seguida, mas manteve-se na localidade
por três anos, até o dia em que militantes do MST passaram pela comunidade, visitando cada
111
casa, a fim de convidar os moradores a participar da ocupação nas terras em que hoje
constituem os assentamentos Ilha Grande e Che Guevara:
Passou alguém do MST lá, um representante. E de imediato eu não vim né,
uns parentes nossos vieram, uns colegas, uns conhecido veio pra ali, depois
nós viemos, quando deu condição de vir eu vim. (...). Eles [os integrantes do
MST] batiam nas portas das pessoas e perguntava: Vai ter uma ocupação
assim, dos sem terra e você se interessa participar? Aí a gente ia, dava o
nome: Tal hora tem que tá em tal lugar porque nós vamos passar pra apanhar
você. Mas aonde era a ocupação, nós não sabia não (Dona D. F.).
Dona D.F decidiu então acampar e, levou consigo seu filho, na época com 10 anos.
Sua filha, V. F., que tinha 17 anos de idade, continuou morando em Ururaí com o pai, em
virtude da faculdade de Comunicação Social que estava cursando. Estagiária do jornal O
Monitor Campista, V. F. foi ao acampamento para fazer uma matéria sobre a ocupação e, ao
chegar ao local, resolveu ficar: “Ela veio uns dias depois. Aí veio fazer a matéria pro jornal.
Ela veio coisa de 5 dias depois. (...) Fez uma barraca pra ela, foi ficando, gostou (Dona
D.F.).” Tempos depois, casou-se com um assentado, e hoje vive no assentamento Ilha Grande,
no lote pertencente ao marido. Mesmo residindo no assentamento e com dificuldades no que
concerne ao transporte, V. F. conseguiu terminar o curso de Comunicação Social, porém em
função da dificuldade de deslocamento e por ter que cuidar dos dois filhos, abandonou a
profissão. Atualmente, junto com o marido, dedica-se à agricultura.
A maneira como Dona. D. F. teve acesso à ocupação e assim pôde migrar da cidade
para o campo, reafirmam observações como a de Alentejano (2003) que, por sua vez, assevera
que o MST, a partir da retomada de suas ações no Rio de Janeiro, nos anos 1990 teve que
considerar a realidade urbana da luta pela terra no Estado. Retoma também as considerações
de Gonçalves (2004), autor que afirma que o MST ao incluir em sua pauta de atuação o Rio
de Janeiro, cujo foco principal voltou-se para o Norte Fluminense, teve que adaptar suas
estratégias ao contexto local. Dentre estas adaptações encontram-se a inclusão de novas
demandas junto às ações do Movimento, como a convocação de indivíduos residentes nas
periferias urbanas para realizarem também as ocupações.
Do mesmo modo que Dona D. F., D. também realizou a migração urbano-rural.
Nasceu na cidade do Rio de Janeiro. É filho de nordestinos, oriundos do Estado do Rio
Grande do Norte que na década de 1970 migraram para o Sudeste a procura de emprego,
assim como muitos nordestinos cujos processos de êxodo rural foram abordados por autores
como Garcia Júnior (1989), Menezes (2002), dentre outros. Teve uma rápida passagem pelo
112
Rio Grande do Norte quando em um momento de crise econômica, seus pais decidiram voltar
ao Estado em que nasceram e cresceram, porém, não obtiveram sucesso na migração de
retorno ao Nordeste. De acordo com D., ao voltar para seu Estado de origem, seus pais não
encontraram as condições que acreditavam ter para garantir a reprodução social de sua
família.
Para Sayad (2000) o retorno, como o experimentado pelos pais de D., é o anseio de
qualquer migrante. Deseja-se retornar para o local de origem e encontrá-lo tal como foi
deixado. Então, o retorno, neste sentido, significa não apenas regressar ao espaço físico, mas
há um tempo anterior que, diante dos percalços atravessados no local de destino, estrutura-se
de forma nostálgica na memória do migrante, cuja representação é de uma vida menos
penosa. Todavia, assim como o observado na trajetória de D. e sua família, uma vez realizado
o retorno, o migrante descobre que por vezes, quando o que se tem é a idealização do local de
origem, ele não é a solução, pois se pode voltar ao ponto de partida, mas não ao tempo em que
se partiu. Assim, após o retorno frustrado ao Rio Grande do Norte, a família de D. decidiu
mais uma vez migrar para o Rio de Janeiro, onde D. cresceu, estudou e trabalhou:
Na verdade eu não sou rural né. Eu sou nascido no Rio (...). Sou carioca, eu
morei em vários lugares. Eu morei em Caxias, morei na Rocinha, morei no
Catete. Como a minha família, é uma família assim do Nordeste, meus pais
são do Rio Grande do Norte, o nordestino sempre tem essa coisa né, de
migração, sempre buscando. Meu pai saiu de lá, veio trabalhar no Rio de
Janeiro e, depois se acidentou, perdeu uma perna, aquela história toda. Eu
tive pouco tempo no Rio Norte, mas morei pouco tempo lá, uns dois anos ou
um ano e pouco, e depois voltamos para o Rio de novo. Chegamos aqui,
moramos no Caju. Depois do Caju a gente foi viver uma experiência em
Italva.
Aos 11 anos de idade, D. teve sua primeira passagem pelo campo, quando seus pais
decidiram integrar uma ocupação de terras em uma fazenda experimental pertencente ao
estado, localizada no atual município de Italva, denominada Campo Alegre, por volta da
década de 1980:
Em Italva houve uma ocupação, uma das primeiras ocupações do Estado foi
em Campo Alegre. Foi à ocupação mais antiga. Você vê que o MST foi
criado em 1984, e em 1982 teve ocupação em Campo Alegre. Minha família,
meus irmãos e meus pais, eles acabaram acampando em Campo Alegre. E
como tinham muitas famílias em Campo Alegre, eram muitas famílias, muita
gente acampada, aí não tinha lugar pra minha gente ser assentada. (...). Eu era
pequeno (...). Aí meu pai veio e gostou de Italva, e depois de alguns dias
vieram pra cá ocupar a fazenda em Italva. Não foi uma ocupação como as de
hoje, a fazenda era do Estado, o que era mais tranqüilo. Mas tivemos
113
resistência em Italva. (...) Mas aí não deu certo e meus pais voltaram para o
Rio de Janeiro.
Entretanto, como relata este assentado, a experiência não deu certo. A solução
encontrada por sua família foi a de retornar mais uma vez à cidade do Rio de Janeiro. Após
retornar ao Rio de Janeiro, D. ingressou no mercado de trabalho urbano, exercendo as mais
variadas funções, principalmente no comércio. Trabalhou também em olaria, e no Aeroporto
Tom Jobim, como auxiliar de pistas. Foi quando, por coincidência, na rodoviária Novo Rio,
encontrou um tio que estava mudando-se para o acampamento da Fazenda Marrecas em
Campos dos Goytacazes. Decidiu então, acompanhar o tio na empreitada:
(...) Eu ia passear em Italva e chego na rodoviária Novo Rio e encontro o meu
tio (...), cheio de bolsas, sacolas, muambas, na mesma plataforma 35-36, e ele
disse oh, tô indo pra um acampamento sem terra. (...) Já tinha vindo pra cá
(...) e agora tinha ido buscar umas bolsas e roupas. Eu tava indo pra Italva,
mas aí eu falei com ele: “tio, eu tenho a maior vontade de conhecer um
acampamento, mas eu tô indo pra Italva passar um tempo lá. O senhor deixa
o endereço que eu volto para visitar o senhor.” Ele disse: “não rapaz,
conversa com motorista, troca a passagem, e me ajuda a levar as bolsas”. (...)
Aí eu conversei com o motorista e ele disse: “oh, eu te dou cinco minutos pra
você trocar a passagem. Aí eu corri e fui trocar a passagem e vim pra cá com
ele. Cheguei aqui e decidi: Eu não vou mais, vou ficar por aqui. (...) A partir
daí eu vim e não voltei mais. E a partir daí que eu fui conhecer mais o MST,
participar de marchas (D.).
O tio de D., desistiu da ocupação, mas o sobrinho resolveu ficar. D. que havia tido a
experiência anterior da ocupação da fazenda experimental em Italva, logo que ingressou no
acampamento, aproximou-se das lideranças do MST da região. Tornou-se militante, através
da participação nos cursos de formação e eventos promovidos pelo MST e passou a
acompanhar o Movimento nas marchas, reuniões e outras atividades. Viajou por muitos
lugares do Brasil, participando das mais variadas manifestações do Movimento. Visitou
diversos assentamentos e, atualmente, integra a Comissão Pastoral da Terra.
Inicialmente seus pais não aprovaram seu ingresso no acampamento, mas de acordo
com D., mediante a situação de desemprego vivenciada pelos familiares no Rio de Janeiro e,
tendo como referência a sua experiência e a vivência que tiveram em Italva, aos poucos seus
parentes mais próximos decidiram migrar para o campo por meio do assentamento. De início
residiram no lote de D., mas depois os irmãos e os pais conseguiram cada qual seu lote. As
irmãs foram morar no lote dos pais:
114
Ai você vê como é que são as coisas né, meus irmãos ficaram
desempregados, deu baixa do quartel (...). Aí, veio chegando um irmão,
outro, com o intuito de me ajudar, e acabaram ficando também aqui. Depois
meus pais, toda minha família veio, meus pais também vieram (D.).
Para D., ingressar no acampamento foi uma decisão pessoal. Era jovem na época da
ocupação, e grande parte do seu discurso está pautada na aventura que simbolizava entrar no
acampamento. Aventurar-se, neste caso significava assumir uma luta e uma bandeira na qual
acreditava ser justa. A vivência anterior na ocupação que realizou na fazenda experimental de
Italva, motivou sua entrada no acampamento e, principalmente sua vinculação direta ao MST.
Foi uma decisão pessoal, a primeira coisa que eu falei, oh, eu não sou casado,
não tenho filho, e eu acho que tenho que tomar uma decisão na minha vida, e
o melhor lugar pra tomar uma decisão na minha vida é esse aqui, é ajudar o
pessoal aqui na reforma agrária, e decidi ficar. Aí fui ficando, ficando, depois
participei da caminhada, saí daqui com o pessoal de Campos e fui até o Rio
de Janeiro a pé, marchando (D.).
Assim, diferentemente da maioria dos assentados dos locais em que o trabalho de
campo foi realizado, o assentamento não significa para D. apenas local de moradia e
reprodução social, mas simboliza fazer parte de uma instituição muito maior que é o
movimento de luta pela reforma agrária no país. Contudo, trajetórias como a de D., cujo
ingresso no acampamento significava algo para além de viver no campo, são exceções nos
assentamentos estudados. O que pode ser verificado no próprio diálogo de D., ao descrever o
motivo de seu pai te decidido, posteriormente, migrar junto com sua família da cidade do Rio
de Janeiro também para o assentamento:
Ele veio pra cá, acho que o motivo que trouxe ele pra cá foi porque o Rio de
Janeiro ficou insuportável pra você morar né, e ele também ficou fragilizado
de saúde, ficou frágil. E a situação também começou a ficar complicada,
concorrência. Não dava mais, Naquela época, que ele foi camelô, não tinha
tanto camelô como é hoje, então as coisas, economicamente foram ficando
inviáveis. E o lugar que ele jamais esperava que o filho dele fosse assentado,
foi o melhor lugar hoje que... Veio todo mundo pra cá (D.).
A partir de trajetórias como as de D. e e Dona D., constatamos, mais uma vez, como
as ocupações e, posteriormente, os assentamentos funcionam como alternativas a problemas
de ordem macroestruturais como a crise econômica que prevalece nas periferias de regiões
como a cidade do Rio de Janeiro e Campos dos Goytacazes, local que muitos acreditavam ser
propício a oportunidades de trabalho, principalmente em virtude da ascensão da atividade
115
petrolífera. Em um contexto de desemprego em função da falta de qualificação profissional
para ocupar postos de trabalho é que muitos destes indivíduos justificam sua entrada no
assentamento e ratificam a importância da política de reforma agrária para a continuidade de
sua reprodução social. Ao mesmo tempo, aspectos simbólicos, como a tranqüilidade creditada
ao campo, também são aclamados.
Como avaliamos no início, os assentamentos apresentam-se como alternativa viável
não só para aqueles que eram oriundos das proximidades das fazendas de cana-de-açúcar,
tampouco apenas para os indivíduos de origem essencialmente urbana, que viram na política
de reforma agrária uma possibilidade de melhorias das condições de vida. Além dos
indivíduos que empreenderam a trajetória migratória urbano-rural como acabamos de
verificar, há aqueles que tiveram a oportunidade de construir uma experiência de vida e
trabalho no campo em um momento pretérito. Não no campo fundamentado nos assentamos
de reforma agrária, mas num mundo rural em que eram bóias-frias, colonos, meeiros, na
maioria das vezes, trabalhadores ligados à atividade canavieira, e que no momento da crise do
setor, entre os anos 1970 e 1980, decidiram migrar para a cidade em busca de melhoria das
condições de vida.
Assim, a partir da conformação dos acampamentos e assentamentos, estes indivíduos
decidiram retornar ao campo. Porém, tendo em vista as observações de Sayad (2000),
percebemos que o retorno não é, neste caso, um regresso para o mesmo espaço rural de
origem. Mas significa voltar a um espaço idealizado, simbolicamente referenciado e
nostalgicamente definido, um local específico onde anteriormente tiveram a oportunidade de
viver. No entanto, a partir da chegada percebe-se que na maioria das vezes, este espaço não
coincide com todas as representações que lhes foram atribuídas, o que pode ser examinado
nos próprios discursos dos assentados acerca das dificuldades que atravessaram no momento
da ocupação e que atravessam nos assentamentos. Neste sentido, como afirma Sayad (2000):
(...) Mudar de espaço – deslocar-se no espaço que é sempre um espaço
qualificado – é descobrir e aprender simultaneamente que o espaço é por
definição um espaço nostálgico, um lugar aberto a todas as nostalgias, isto é,
carregado de afetividade. O espaço não é, portanto, esse espaço abstrato,
contínuo e homogêneo dos matemáticos, este conjunto de lugares indiferentes
e intercambiáveis entre os quais se pode ir e vir em espírito, e, com toda a
liberdade, como postula a geometria. Se existe uma nostalgia agarrada ao
espaço, e se este é no fundo de si mesmo um local de nostalgia, como se
experimenta em todos os deslocamentos, é porque se trata de um espaço vivo,
concreto, quantitativa, emocional, e até mesmo apaixonadamente distinto
(SAYAD, 2000:11).
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Os migrantes que deixam o campo, geralmente, partem do seu local de origem
portando uma qualificação distinta da exigida no lugar de destino, dificultando o seu ingresso
no mercado de trabalho urbano. Quando este ingresso acontece, os salários são geralmente
baixos (Durham, 1978). De acordo com Pacheco e Patarra (1997), a partir dos anos 1980, há
uma mudança na dinâmica migratória do Brasil. Assim, a migração de retorno como
observamos nos capítulos anteriores, começa a se destacar. É dentro deste contexto migratório
que, após experimentarem a vida na cidade, estes sujeitos decidiram então, voltar ao campo,
porém, no caso estudado, eles retornam na condição de proprietários, possibilitada pelo
processo de reforma agrária, em que a oportunidade de morar no que é seu, como
analisaremos adiante, possui um significado importante na motivação deste retorno.
Seu M., 74 anos, residente no assentamento Che Guevara é um exemplo dos
indivíduos que realizaram a trajetória migratória rural-urbano-rural. Nascido em Minas
Gerais, na zona rural do município de Resplendor, – que se situa a 445 km de Belo Horizonte
e 250 km de Vitória, fazendo então, divisa com o Estado do Espírito Santo –, até a
adolescência, teve uma história de vida e labor no campo, ligada à agricultura. Trabalhou
como colono junto com seus pais e irmãos, em propriedades de fazendeiros.
Aos 18 anos, mediante a necessidade de ajudar a família, decidiu migrar, foi então
trabalhar em fazendas no Estado do Paraná. Lá conseguiu emprego em uma instaladora de
rede de energia elétrica e, em virtude deste trabalho, em que era responsável por erguer as
fiações, começou a percorrer o país, e a habitar a zona urbana, passando por cidades como
Curitiba, São Paulo, Belo Horizonte e Vitória, sendo que nesta última cidade, possuía alguns
familiares, dada a proximidade do município de Resplendor à capital capixaba.
Posteriormente, mudou-se para a periferia da cidade do Rio de Janeiro, onde exerceu a função
de servente de obras:
Toda vida eu trabalhava na roça, trabalhava na lavoura, plantando, colhendo
(...). Ah menina, eu fui criado na roça em Minas. (...) Andei muito lugar. Fui
no Paraná, só no Paraná eu fiquei seis anos. Trabalhei no Rio lá de servente
de pedreiro (...). Sempre parei em Vitória por causa que meu pessoal tudo
mora lá, meu pessoal de família tudo mora lá. Trabalhei, trabalhei muito lá.
Trabalhei e depois fui pra Belo Horizonte, fiquei lá um ano e três meses. De
Belo Horizonte eu fui pro Paraná, do Paraná eu fui pra São Paulo, pro Rio. Ih,
eu vou dizer, eu conheço muitos lugares minha filha. (...) (Seu M).
Depois de viver alguns anos no Rio de Janeiro, Seu M. migrou mais uma vez com a
família. O destino foi a área urbana do município de São Fidélis, localizado na região Norte
Fluminense. Lá construiu uma casa onde residiu, abrigou os doze filhos e a esposa. De São
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Fidélis, quando soube da ocupação das terras que deram origem ao Assentamento Zumbi dos
Palmares, decidiu acompanhar o MST. Contudo, naquele acampamento já havia inúmeras
famílias, por isso, Seu M. decidiu regressar a São Fidélis e, pouco tempo depois, recebeu o
convite de militantes do MST e ingressou no acampamento nas terras que deram origem aos
Assentamentos Ilha Grande e Che Guevara. Como muitos outros assentados, Seu M. atribui a
formação do assentamento à oportunidade que teve de retornar ao campo e, com isso, realizar
seu sonho de morar na roça e trabalhar no que é seu.
Disseram “ah, nós estamos precisando de gente pra modo de apanhar terra
aí”, eu disse “vamos embora”, Aí minha mulher aposentou e eu falei “oh,
você já tem pra você comer. Tá aí, a casa tá aí, fica aí junto com os filhos aí,
que eu vou ganhar o mundo” aí vim pra aqui, oh, sozinho, no meio da turma
aí (Seu M).
Com trajetória similar à de Seu M., Seu P., 64 anos, atual presidente da associação dos
assentados do assentamento Che Guevara, também está entre aqueles que realizaram a
trajetória migratória rural-urbano-rural. Nasceu no Estado do Espírito Santo, em um distrito
próximo ao município de Bom Jesus do Norte. Neste local, localizava-se uma usina
denominada Santa Isabel, onde seu pai trabalhava e onde também começou a trabalhar aos 12
anos de idade, como plantador de mudas de cana-de-açúcar. Posteriormente, passou a exercer
outras funções na atividade canavieira. Segundo Seu P., a Usina Santa Isabel, onde trabalhara
faliu em 1959 e para ele, o motivo repousa no fato do governo brasileiro ter priorizado
investimentos em rodovias, ao invés de privilegiar as ferrovias, provocando problemas no
escoamento da produção da usina. Seu pai, então ferroviário, mudou-se para a localidade de
Paineiras, no Estado do Espírito Santo.
Mediante a situação de desemprego provocada pela quebra da usina, Seu P., aos 18
anos, foi convidado por seu irmão, a mudar-se para a cidade do Rio de Janeiro. Lá trabalhou
como atendente em guichês de vendas de passagens, na rodoviária Novo Rio, que segundo
ele, na época localizava-se na Praça Mauá. Passou a residir na zona norte da cidade, em
Deodoro, subúrbio do Rio de Janeiro. Exerceu essa função por um ano, e sua memória desta
época está associada à grande movimentação característica daquela rodoviária. Após um ano
no Rio de Janeiro, decidiu voltar para o campo e foi morar com os pais no Espírito Santo,
onde passou a trabalhar como apontador da Usina Paineiras S.A.
No mesmo ano, recebeu a notícia de que havia saído sua incorporação na Academia
Militar das Agulhas Negras, por isso foi morar em na cidade de Resende, no Estado do Rio de
118
Janeiro, para servir ao exército. Integrou esta corporação, onde era corneteiro, por um ano,
deixando a AMAN um mês antes do golpe militar, em 1964. Ainda em 1964 foi aprovado em
um concurso público para o setor de Rádio Patrulha da Polícia Militar do Estado do Rio de
Janeiro. Em 1968, foi dispensado desta função, pelos militares. Trabalhou como servente em
lojas, e depois passou a trabalhar para prestadoras de serviços de estaleiros, primeiro como
vigia e depois como eletricista, profissão aprendida durante sua trajetória em empresas de
estaleiros e serviços marítimos.
Casou-se e teve seis filhos. Morou em São Gonçalo. No ano de 1993, pelo que seu
relato indica, já estava separado da esposa e decidiu migrar para a periferia de Campos dos
Goytacazes, para morar com a mãe que se mudou para esta cidade devido a morte do pai. No
ano de 1997 soube de uma ocupação do MST em São Francisco do Itabapoana, cujas terras
hoje abriga, parte do Assentamento Zumbi dos Palmares. No entanto, do mesmo modo que
Seu M., não integrou o acampamento, por causa do grande contingente de pessoas que lá já se
encontravam:
Eu soube da ocupação pela notícia, queria ir lá pra ver. Mas não fui por conta
que vi na notícia que a polícia tinha cercado tudo. Decidi esperar, daí depois
fui ver se tinha vaga lá. Todo mundo ficava desconfiado lá quando chegava
assim, uma pessoa diferente. Tinha umas mil barracas lá, não pude ficar lá.
Mas fiquei sempre em contato com o pessoal. Ia sempre lá no fim de semana,
fiz amizade lá, tinha uma amiga a dona Moreninha (Seu P.).
Em virtude das amizades e contados estabelecidos, Seu P. não se distanciou do
Movimento, assim no dia 04 de janeiro de 1998, entrou para o acampamento nas terras da
Fazenda Marrecas, onde hoje é o assentamento em que reside:
No dia 03 de janeiro eu tava desempregado, e sentado em frente à casa da
minha mãe, e vi um carro preto parado com um cara com um boné vermelho.
Logo fiquei de pé. Era o Zé Elias do Movimento. Ele me perguntou: Você tá
pronto? Eu digo claro, tô. Aí ele disse: Você não vai hoje não, mas fica
preparado que amanhã vai vir um ônibus aqui e vamos pegar você. No dia 04
de janeiro de 1998 o ônibus veio me pegar. Cheguei lá, montei minha
barraca, foi tranqüilo. Fiquei um ano na lona, mas a Fazenda Marrecas já era
do banco, o dono fez uma hipoteca e não pagou.
Seu P. C. também tem uma trajetória similar às descritas acima. Atualmente tem 65
anos de idade. Nasceu na localidade de Mussurepe, na Baixada Campista. Começou a
trabalhar como cortador de cana-de-açúcar na região aos 7 anos de idade. Trabalhou também
como estivador na Companhia Agrícola Baixa Grande e, aos 31 anos, em meados da década
119
de 1970, quando a atividade canavieira já apontava indícios de crise na região, decidiu migrar
para o Rio de Janeiro à procura de emprego. Passou a residir então no bairro Catete, e
conseguiu emprego como copeiro em um hotel chamado Leme Plaza Hotel, localizado no
Leme. Foi lá que aprendeu o ofício de cozinheiro, tendo sido promovido a auxiliar de cozinha
do hotel.
Após cinco anos de trabalho, mudou de emprego e passou a trabalhar no hotel
Copacabana Palace, também como auxiliar de cozinha. Foi convidado então por um amigo a
abandonar este emprego para assumir a função de cozinheiro em uma plataforma de petróleo
da Petrobrás, e aceitou o convite. Porém Seu P. C. afirma não ter se adaptado ao trabalho em
alto mar, por isso pediu demissão:
Aí me tiraram de lá do Leblon pra plataforma. Naquela viagem de barco
faltava botar as tripas pra fora. Só viajei bem uma vez que eu fui por cima.
Por baixo faltava morrer. Aí eu pedi demissão (Seu P. C.).
Logo depois, voltou a trabalhar em terra, em uma prestadora de serviços chamada
Orestes Brasil, também exercendo o ofício de cozinheiro. Por esta firma trabalhou na IBM e
em Furnas Centrais Elétricas S.A. Migrou então para São Paulo, em função do trabalho nesta
prestadora de serviços, porém também não se adaptou à vida na capital paulista. Pediu
demissão e retornou ao Catete, onde morou e trabalhou com a irmã por alguns anos, vendendo
quentinhas. Quando soube da ocupação por meio de parentes que havia deixado na Baixada
Campista, decidiu voltar para o campo após vinte e quatro anos residindo na cidade:
Fui pra São Paulo com essa firma e depois voltei. Aí trabalhei uns tempos no
Rio, lá em Barra Seca, também pedi demissão e saí. Não tava mais gostando
de cozinha não. Aí trabalhei com a minha irmã (...), lá ela vendia quentinha,
mas sem nada assinado, no Catete. Daí disso eu vim embora. (...) Só vim pra
cá quando saiu esse negócio das terras. Deixei tudo lá em vim pra cá.
S. também pertence ao grupo de assentados que realizaram a trajetória migratória
rural-urbano-rural. Em uma situação economicamente muito vulnerável, para S., o
assentamento representou a possibilidade de se alimentar e alimentar a seus seis filhos. Em
sua entrevista afirmou ter saído de uma situação de extrema miséria na cidade. Nasceu no
município de São Fidélis onde trabalhou em fazendas de café e, posteriormente em uma
fábrica de bananada. Casou-se e mudou-se para Campos dos Goytacazes com seu marido. Lá
passou a habitar a favela conhecida como Chatuba. Dentro do programa municipal de
120
urbanização da favela, recebeu uma casa popular da prefeitura na mesma localidade. Contudo,
em virtude da violência doméstica que afirmou sofrer por parte do seu marido, o abandou e,
juntamente com seus filhos, passou a residir em um abrigo para mulheres vítimas de violência
doméstica, localizado em Campos dos Goytacazes. Tempos depois, o ex-marido fez-lhe a
proposta de reatarem o casamento e integrarem o acampamento. S. então decidiu ir, uma vez
que a proposta pareceu-lhe uma alternativa às dificuldades que estava atravessando na cidade,
assim participou da ocupação e foi assentada.
Sua casa localiza-se no Assentamento Ilha Grande, à beira da estrada principal que
corta o assentamento, e destaca-se dentre as outras residências em virtude ser a única naquela
área a ter as janelas com vidros, estar rebocada e pintada. À primeira vista, um transeunte
qualquer poderia julgar, pela aparência da casa de S., que ali residiria uma família bem
sucedida no assentamento. No entanto, os relatos dos vizinhos obtidos durante o trabalho de
campo, e da própria assentada, revelam que naquela casa mora uma família que atravessa
graves problemas financeiros, por isso, viver no assentamento significa para S. a possibilidade
de alimentar os filhos em virtude da solidariedade dos vizinhos, o que na cidade não
encontrara:
Lá tinha que pagar. Tinha que sair pra trabalhar na fábrica de bananada pra
pagar a conta de luz, e a conta de água. (...) Aqui os outro ajuda a dar umas
coisa pras criança. Aqui os outro dá umas coisa, aí quando chega pão aí, que
o homem também dá pão [o vizinho], eu reparto dois pão pra cada um.
Biscoito eu pego, ganho uns quatro pacotes de biscoito e guardo lá no
armário e deixo guardado pra eles tomar café de manhã. Na cidade eu morava
numa casa na Chatuba, e tinha que pagar conta de luz ainda
De acordo com Almeida (2006), as percepções e visões de mundo ligadas ao rural
ainda perduram, mesmo nas situações em que a terra deixou de ser uma realidade objetiva,
podendo então ser acionadas nos momentos de crise social ou individual. Assim, para estes
indivíduos cujos alguns aspectos de suas trajetórias foram descritos acima, há um habitus,
uma história incorporada ligada ao rural que persiste, mesmo quando a história objetivada,
neste caso a terra (para aqueles que residiram um período de tempo na cidade), já não existia.
Daí deriva um sentimento de pertencimento ao campo, e a construção de uma identidade, que
apesar de moldada pelas experiências urbanas, ainda é fundamentada nas lembranças
relacionadas ao rural. Segundo Bourdieu (2005:83) isto é possível porque:
121
(...) A história feita coisa a qual é levada, reactivada pela história feita corpo
e que não só actua como traz de volta aquilo que se leva. (...) É uma relação
de pertença e de posse na qual o corpo apropriado pela história se apropria,
de maneira absoluta e imediata, das coisas habitadas por essa história.
Entende-se que as situações objetivas ligadas a problemas de ordem econômica como
habitação e trabalho estão diretamente relacionadas a estes deslocamentos e tendem a se
destacar nas justificativas para o retorno ao campo. Sem dúvida é preciso considerar tais
explicações como fortes motivos para o deslocamento destes indivíduos para o campo e/ou
entrada nos assentamentos. No entanto, Neves (1997b) adverte que o termo assentado por
vezes é acompanhado por um significado que remonta uma situação de reestruturação do
padrão de vida anterior, ou seja, representa habitualmente um momento de transição, de
liminaridade. Por isso, quando os indivíduos retomam o passado para explicar como e porque
resolveram fazer parte desta categoria, é comum fazerem referências que enfatizem a situação
caótica que passaram, e a sua superação em virtude do recebimento do lote.
Para Neves (1997b), a partir da entrada no assentamento, há realmente uma
reestruturação dos modos de vida dos indivíduos. Porém, de acordo com a autora, é preciso
uma análise para além destas justificavas, ou seja, torna-se importante não naturalizá-las, para
que seja possível entender não apenas as descontinuidades presentes neste momento de
transição, mas também as continuidades que a instauração dos assentamentos favorece. Já que
“a incorporação e recriação de novas condições de vida vêm sendo estruturadas a partir de
reelaboração ou da reorganização das condições sociais vigentes no passado (Neves 1997b:
2002).” Poderíamos dizer então, apoiando-se do conceito de habitus que, a partir de
disposições duráveis, interiorizadas pelos agentes, estruturadas (no social) e estruturantes (nas
mentes), durante as experiências vivenciadas nas suas trajetórias, as “condições sociais
vigentes no passado” abordadas por Neves (1997b), são constantemente reordenadas para as
ações no presente.
Almeida (2006) observa ainda que a noção de habitus nos permite compreender que
existe para aqueles que residiram muito tempo na cidade, tanto a dimensão da continuidade,
em que se verifica a retomada de percepções e disposições ligadas ao campo, quanto à
dimensão da mudança, dada a necessidade no momento do retorno ao campo, por meio dos
assentamentos, de adaptar-se a situações e novos acontecimentos. Ambas as dimensões
obedecem à mesma lógica. Em virtude da oportunidade do retorno ao campo, há também a
reconstrução de identidades. Para Souza et al (2001), o fator migratório normalmente
122
fragmenta e distancia os indivíduos das práticas culturais agrícolas. Neste sentido, Borges
(1989) apud Curado (1999), sugere que nesta conjuntura há a necessidade por parte dos
indivíduos assentados, da retomada de um passado distante, ligado ao trabalho e vida no rural
que, porém, na maioria das vezes, não foi perdido.
Para Sigaud (2004), o desemprego resultante da crise econômica no mundo do açúcar
de Pernambuco na década de 1990, cuja situação é muito semelhante à encontrada na região
Norte Fluminense no mesmo período, bem como a dificuldade relacionada à vida nas
periferias urbanas pode ser uma explicação atraente para os deslocamentos para o campo a
partir dos acampamentos e assentamentos. Entretanto, a autora acredita que estar
desempregado é condição integrante, da motivação das ocupações, porém não é a única. Ora,
há milhares de trabalhadores desempregados, tanto no campo quanto na cidade, que recusam
o convite de participar dos acampamentos e, por outro lado, há aqueles com emprego e que,
mesmo assim decidem participar das ocupações, como é o caso de D. e Seu J.A.. Ambos
abandonaram o trabalho no Rio de Janeiro para ingressar no acampamento.
Neste sentido, Sigaud (2004:18) afiança que para além das situações objetivas
advindas das crises e dificuldades econômicas, há aspectos subjetivos relacionados à
motivação para entrada ou retorno ao campo por meio das ocupações, em que “a crença de
que um futuro melhor passa pela lona preta” constitui-se assim em elemento decisivo para
explicar as ocupações:
O que é novo neste momento é a crença de que debaixo da lona preta
poderiam almejar a um futuro melhor. A migração, a mudança de emprego e
de patrão, a assinatura da carteira de trabalho figuravam no repertório dos
possíveis para “melhorar de vida”. Na década de 90, a lona preta passa a
fazer parte deste repertório. Tratava-se de uma alternativa nova, mas, nem
por isso, deixava de ser uma alternativa como qualquer outra (SIGAUD,
2004:178).
Percebe-se então que para estas autoras, a situação em que as crises econômicas são
utilizadas para justificar a entrada ou retorno ao campo meio das ocupações são também
acompanhadas por outras motivações, cuja justificativa repousa também em aspectos
subjetivos. Diante disso, Castro e Giuliani (1996) observam que apesar de algumas variações,
o motivo para o ingresso em acampamentos e/ou assentamentos rurais praticamente é o
mesmo de todos os trabalhadores que ainda não desfizeram com o vínculo a terra, cujo pano
de fundo relaciona-se com o desejo da busca da autonomia e da independência.
Para estes autores, além disso, os indivíduos ponderam que possuir um lote de terra
própria pode até não proporcionar riqueza, mas simboliza uma perspectiva de estabilidade no
123
presente e de tranqüilidade para o futuro, tanto no que se refere às estruturas objetivas, isto é,
a sua reprodução social, quanto às dimensões simbólicas, como ser proprietário de algo, viver
em um lugar que consideram sossegado, poder ter controle sobre seu tempo. Deste modo, foi
comum também a referência a aspectos de ordem subjetiva para a entrada, retorno ou
permanência no campo.
Aqueles que já viveram outrora no campo, carregam consigo a memória deste espaço
como um lugar de fartura. Há também as idealizações do campo como um local de
tranqüilidade e segurança. Além disso, existe o peso simbólico que repousa nas afirmações
cujo cerne é morar no que é seu, o que significa ser proprietário de algo. Essas justificativas
subjetivas emergem quando os assentados pontuam os trabalhos realizados na cidade e no
campo e, principalmente quando abordam as diferenças e similitudes entre a vida nestes dois
espaços, como veremos a seguir.
Assim, foi freqüente entre os depoimentos dos assentados retornados ao campo em
função dos assentamentos, a expressão “nascido e criado na roça”, cujo intuito é demonstrar
que apesar da passagem pelo perímetro urbano, são plenos conhecedores da dinâmica
concernente ao campo. Tal fato pode ser ilustrado a partir dos depoimentos descritos abaixo:
Eu nasci em São Luis de Mutuca, vim pra Campos (...). Mas a gente sabe
muita coisa de roça. A gente nasceu na roça, foi criado na roça. Apesar de ter
vindo novinha, mas meu pai botava a gente pra trabalhar na roça. Capinar,
apanhar café (Dona E.).
Eu gosto de roça, fui nascido em criado em roça né (Seu M).
Poderíamos mencionar e analisar aqui vários exemplos de trajetórias similares as
expostas acima, a fim de auxiliar o estabelecimento dos principais perfis dos assentados no
que tange as migrações, porém aqui foi feita a opção de destacar apenas alguns relatos, de
modo a não tornar a leitura exaustiva, já que as trajetórias se repetem dentro destes perfis. Os
detalhes podem ser diferentes, mas o enredo basicamente é o mesmo para cada grupo
apresentado, e sintetiza parte importante das histórias de vida dos assentados entrevistados.
Retomando o que foi dito, observamos então, dois principais grupos: Um formado
pelos assentados que antes das ocupações e/ou estabelecimento do processo de reforma
agrária residiam nas redondezas da área que hoje abriga os assentamentos, ou na própria
fazenda. Estes na maioria das vezes, de alguma forma têm suas trajetórias de vida vinculadas
à atividade canavieira. Deste modo, o assentamento significou um deslocamento no quadro de
124
posições sociais. Há também os indivíduos que no momento da constituição dos
assentamentos residiam no perímetro urbano. Estes são representados pelos que estabeleceram
uma trajetória ligada ao processo de migração rural-urbano-rural, isto é, aqueles que viveram
e trabalharam no campo, tiveram uma longa experiência de vida e trabalho urbana e, com a
possibilidade da reforma agrária, optaram por retornar ao meio rural. E por aqueles que, – na
contramão da tendência de êxodo rural, freqüentemente identificado no Brasil–,
estabeleceram um processo de migração urbano-rural, sujeitos que antes habitavam a cidade,
oriundos principalmente das periferias de Campos dos Goytacazes e do Rio de Janeiro, tendo
como única vivência e experiência concreta de trabalho no campo, as obtidas a partir das
ocupações e assentamentos.
Comumente as migrações são vistas como rupturas, em que a partir das mobilizações
geográficas deixa-se um local para ingressar em outro. Neste contexto, as migrações de saída
do campo são por vezes avaliadas, como rompimento nas relações dos indivíduos com este
espaço e, muitas vezes, com os que ali ficaram. Contudo, em um momento posterior constata-
se que laços não foram dissolvidos. Há uma série de mecanismos que garantem a
continuidade das relações, como observou Garcia Junior (1989), que verificou que os
migrantes oriundos do Nordeste, mesmo residindo em regiões como São Paulo e Rio de
Janeiro, conservavam as relações com o lugar de origem, a fim de retornar ao mesmo após
acumular certo capital e lá adquirir terras. Percebe-se também que muitas vezes, esses laços
não estão claros e, portanto, só aparecem no momento de crise.
Assim, a partir da análise das trajetórias dos assentados entrevistados, podemos
perceber a importância dos laços familiares na efetivação dos deslocamentos. Em alguns
momentos a família serviu para estes indivíduos como suporte à sua fixação no espaço
urbano, este é o caso, por exemplo, de Seu P. C., que migrou da região rural da Baixada
Campista para o Rio de Janeiro, onde morou com a irmã. Situação também de Seu M, que em
seus relatos evidencia que sempre teve a família como uma espécie de porto seguro em
Vitória, para onde voltava nos momentos de crises. Neste sentido, para Durham (1978) os
processos migratórios possuem um aspecto calcado na família, em que o apoio de parentes e
amigos recebido pelos migrantes que deixam o campo em direção às cidades, como no caso
de Seu P. C. e Seu M, é essencial para o ajustamento dos mesmos no meio urbano, já que:
O migrante rural que chega pela primeira vez numa cidade grande encontra
uma situação completamente diferente, ante a qual os padrões de
comportamento que constituem o seu equipamento cultural tradicional se
125
revelam inadequados. Faz-se necessário um ajustamento inicial que se
apresenta como reconstituição do seu universo (Durham, 1978: 184).
Em outros casos, a família e amigos mais próximos foram o que serviram como
suporte e incentivo para as migrações de retorno ou entrada no campo, como no exemplo de
Dona D., em que parentes e amigos entraram primeiro na ocupação, e depois favoreceram a
sua entrada, ou então D., que migrou para o campo através da ocupação, foi assentado e
posteriormente recebeu no assentamento, seus familiares que moravam na cidade do Rio de
Janeiro. Portanto, o migrante não se faz sozinho.
Compreende-se então que as pessoas se deslocam com o apoio de uma instituição por
vezes invisível: a rede de familiares, que serve também para ligar os indivíduos a outros
espaços, como por exemplo, na mediação das relações entre campo e cidade, unindo os
migrantes àqueles que não migraram cujas relações são intercedidas por expectativas e papéis
sociais. Todavia, “(...) esses laços sociais não são criados pelo processo migratório, mas
antes adaptados a ele, sendo reforçados, ao longo do tempo, através da experiência comum
dos migrantes (Massey, 1987:139 apud Fazito, 2002:9).”
Dessa forma, do mesmo modo que Ribeiro (2001) observou junto aos trabalhadores
rurais do Nordeste mineiro que migravam em direção à região Sudeste, podemos constatar
que os destinos dos migrantes não são individuais. Eles são construídos em família e em
comunidade. Portanto, em geral, escolhe-se migrar para onde há possibilidade de apoio de um
parente, amigo ou conhecido que já se estabelecera antes, ou a eles se recorrem em
determinados momentos da trajetória.
Os relatos revelam que nos assentamentos, trajetórias múltiplas se encontram.
Juntamente com estas trajetórias, há um confronto de visões de mundo, dada a diversidade de
sujeitos que na maioria das vezes sequer se conheciam, e que passam dividir um espaço. E é
neste momento que novos pontos de vista e percepções são elaborados, e experiências
anteriores têm também papel fundamental na relação com o novo. Daí há também uma
concepção de campo, cuja lógica se difere de outros espaços situados no rural brasileiro.
4.3. Campo e cidade: as impressões dos assentados
Ao falar em trajetória migratória, o trabalho quase sempre emerge como ponto de
partida para recordar os caminhos e descaminhos vividos pelos indivíduos até a chegada ao
assentamento. Por isso, a lembrança e reconstituição da trajetória, por parte dos mesmos,
126
estão freqüentemente associadas às situações de trabalho, ou são recordadas de forma mais
linear por este vínculo, tanto para aqueles cuja origem é a cidade, quanto para os indivíduos
que permaneceram no campo, bem como para aqueles que nasceram no campo, migraram
para a cidade e retornaram ao campo.
Para muitos indivíduos que compõem a população rural, o trabalho se confunde com a
própria vida e, para alguns, por vezes casa e trabalho ocupam o mesmo espaço. Assim,
observou-se a partir dos relatos que, aqueles que residiram no campo por algum tempo antes
de migrar para a cidade e, aqueles que permaneceram no campo, tanto meninos e meninas aos
7 ou 8 anos de idade, já eram familiarizados com o trabalho na agricultura:
Por ser o filho mais velho comecei a trabalhar desde cedo com meu pai.
Tirava leite, amansava burro bravo, fazia carreiro (Seu N.)
(...) Nós somos família grande, minha mãe tem vinte filhos, ela criou
dezesseis. Então os meninos, os filhos dela casaram e ficou nós, mulher, aí
meu pai ia cortar cana e botava nós pra ajudar, (...), desde pequena. Aí
juntava cana, entendeu? Juntava aqueles montinhos de cana pra aproveitar
(Dona S. P.).
Ah sim... Desde pequena eu ajudava papai na roça. Ajudava ele a encher a
carreta com a mão. Naquele tempo era com a mão. Não tinha máquina. Que
eu trabalho desde quantos anos? Ah, isso aí, desde que eu comecei a andar.
Eu nem tinha força pra segurar as crianças, mamãe já botava eu pra segurar
as crianças (Dona S. F.).
Diante do cotidiano mediado pelo trabalho na agricultura, grande parte destes
indivíduos freqüentou pouco tempo os bancos escolares, geralmente, sendo apenas
alfabetizados, alguns se consideram analfabetos.
52
Além da necessidade do trabalho na
agricultura, as distâncias dos estabelecimentos de ensino e a dificuldade de locomoção para
neles chegar, corroboravam com a insuficiente freqüência escolar. Cabe ressaltar que
comumente, as mulheres eram impedidas de freqüentar a escola. A elas eram destinadas a
tarefas domésticas e, também o trabalho na roça, cujo exemplo podemos verificar no relato
abaixo:
Os meninos estudavam e iam a cavalo pro colégio, porque a gente morava
muito pra dentro e não tinha asfalto e não tinha nada, eles atravessam ponte e
mais ponte. E mamãe não deixava a gente atravessar nem de bicicleta nem de
cavalo, porque a gente era mulher, aí foi então que nós viemos pra Baixa
Grande. Nesse período meu pai trabalhou na usina (Dona S. P.).
52
Ver capítulo III.
127
Por conseguinte, os relatos dos assentados atestam que a vida e trabalho no campo
demandavam saberes e valores que, em suas infâncias, colocaram a escolarização em segundo
plano. Ora, ser da roça e estar na roça pressupunha naquela época um cotidiano organizado
por diversas tarefas desde o alvorecer até o anoitecer, momento de descanso da jornada no
campo. Daí a exigência do desenvolvimento de capacidades específicas, que envolviam antes
dos conhecimentos ensinados pela escola, o manejo de ferramentas como a foice, enxada,
facão, arado, bem como a compreensão das linguagens da natureza, como cores, cheiros,
formas e sons (Capelo, 2007).
De acordo com as observações de Capelo (2007), ratificadas pelas declarações
presentes nos relatos dos assentados que habitavam as redondezas das fazendas que deram
origem aos assentamentos onde este estudo foi realizado, ou empreenderam a migração rural-
urbano-rural, viver e trabalhar na roça exige habilidades peculiares como saber os significados
das diferentes direções dos ventos; interpretar os sons e comportamentos dos animais;
reconhecer períodos de semear e de colher; identificar as fases da Lua que sugerem
mudanças; compreender iminência de chuvas ou de estiagem; calcular quantas sacas, caixas,
quilos ou toneladas serão colhidos em cada safra, dada a extensão da lavoura, etc. Assim,
socializar-se no campo engendra saberes e fazeres muito próprios que marcam as
trajetórias de vida das pessoas (Capelo, 2007:3).” Estes saberes podem, portanto, ser
apreendidos sem a necessidade de uma especialização adquirida nos estabelecimentos de
ensino.
(...) O chefe daqui de dentro [Técnico do INCRA], correu isso tudinho
comigo, tudinho, marcamos tudinho. Parece que ele me parou porque tava
caçando alguma coisa de mim, (...) Eu tenho pouco estudo. Sei escrever
alguma coisinha. [Estudei] até a terceira série. (...) Quando eu era moleque
ligava pouco pro colégio, me escondia no mato. Quando eu ia fazia hora, a
professora colocava aquela criançada pra me pegar, eu fugia até em casa, me
escondia no mato. E quando eu ia embora do colégio não marcava a lição. Eu
fui um moleque atravessado. Então quando terminou de fazer tudinho aqui o
tal do Sávio [Técnico do INCRA mencionado no início da fala] disse “Seu J.
Q. o estudo meu é muito grande, mas a experiência do senhor aqui dentro é
mais que a minha.
Como percebemos no depoimento acima, é a partir da marcação de diferença entre as
atividades empreendidas no campo e na cidade que os assentados constroem os relatos a
respeito de suas migrações e explicitam as identidades em jogo nestes processos. Para
Dornellas (2001:3) “migração e trabalho permanecem possuindo uma imbricação
128
fundamental, cujo significado vai além da constatação mais superficial do fator migração.”
Até mesmo aqueles que empreenderam a trajetória urbano-rural, têm nessa diferenciação um
marco a partir do qual retornam ao passado urbano, para explicar o presente no assentamento,
as identidades (re) construídas através destas relações, e suas perspectivas futuras de vida
naquele espaço. Verifica-se então, a relevância que o passado possui sobre o agir cotidiano,
ou seja, os indivíduos classificam a realidade da qual fazem parte e constroem identidades,
observando as disposições que foram conformadas a partir das suas experiências.
Assim, há entre passado, presente e futuro, uma relação dialética cingida por meio do
habitus, que também serve de fio condutor para um futuro almejado. De acordo com Setton
(2002), embora o habitus seja visto como um sistema concebido no passado e direcionado
para uma ação no presente, é também um sistema em constante reformulação. Deste modo, a
noção de habitus serve, neste contexto, para pensarmos características de identidades sociais e
de trajetórias orientadas de forma ora consciente, ora inconsciente, como foi evidenciado
pelos relatos dos assentados.
Para Giuliani e Castro (1996) as dimensões culturais são elementos importantes a
serem observados nos assentamentos. Assim, para os autores, após mais de dez anos de
funcionamento é oportuno analisar as dinâmicas internas geradas pela convivência das
famílias que passaram por períodos de atuação comunitária (como a organização da luta nos
acampamentos), mas que levaram consigo elementos apreendidos durante suas trajetórias,
como origem, cultura, disponibilidade patrimonial, composição familiar, motivações,
aspirações, etc., bastante distintas.
Neste sentido, entender a trajetória migratória dos assentados significou, diretamente,
observar em seus discursos as percepções ligadas à cultura, procedência e ao trabalho que, por
sua vez, denotavam as representações sobre campo e cidade. As diversas trajetórias
percorridas por estes indivíduos, atualmente assentados e suas experiências de trabalho
anteriores, são questões relevantes na conformação de um modelo de organização social e
produtiva dos assentamentos. Alguns exemplos encontram-se no cultivo da cana-de-açúcar,
prática que marcou a trajetória de muitos assentados, no trabalho assalariado, como forma de
complementação da renda gerada no assentamento, ou mesmo a fim de produzir divisas para o
investimento no lote, na opção pelo trabalho individual e não pela organização de
cooperativas. É a partir de referências ligadas ao trabalho que Seu J.A., por exemplo, descreve
sua trajetória rural-urbano-rural.
129
Antes eu trabalhava de empregado pro povo, trabalhava aqui e ali. (...)
Trabalhei na [usina] Agrísio e Santa Cruz. (...) Eu morei no Rio durante vinte
e poucos anos. No Rio trabalhei muitos anos. Trabalhei em feira, vinte e dois
anos, (...) feira livre, vendendo frango, carne de porco. (...) Todas as feiras da
zona norte, zona sul, na Penha, na Glória, Catete, Copacabana. (...) Aí eu vim
pra aqui. Me falaram que o negócio dessas terra ia sair. Vazei pra cá. (...) Aí
com trinta eu fiquei por aqui, aí cheguei aqui e me falaram que essas terras
estavam abandonadas, mais não saiu nada, aí nós ficamos tudo aguardando
com medo, quando foi em 98 nós entremos pra cá. Aí todo mundo entrou e
eu corri junto. (...) E na cidade eu morei Rio, mas não gostava não. No Rio eu
morava lá na Taquara, que vai pra Barra, na Curicica. Muito calor, muito
mosquito, e muito barulho, e muito perigoso também né. Agora bom de
ganhar um dinheirinho era lá. Menina, minha filha, lá era uma coisa de louco.
Era muito bom, pra ganhar dinheiro era bom. Pra moradia não prestava não
(Seu J. A.).
Na trajetória descrita por Seu J.A. observamos uma constituição laboral urbana,
seguida pela reconstituição laboral agrícola, impulsionada pelo processo de reforma agrária
empreendido. Constata-se então, a partir do relato descrito acima, a importância que a reforma
agrária teve no favorecimento do retorno de Seu J.A. ao campo, o que fica evidenciado na
seguinte passagem de seu depoimento: “Aí eu vim pra aqui. Me falaram que o negócio dessas
terra ia sair. Vazei pra cá.” Para Dona S.P., a única forma de continuar residindo no campo
foi por meio da sua entrada e permanência no acampamento, ação que descreve como
barracar e, por conseguinte, em virtude do recebimento do lote:
Olha, foi uma experiência e tanto sabe, porque me deu bom resultado, hoje eu
tenho minha terrinha, valeu a pena eu barracar, apesar de muito sacrifício né
(Dona S. P.).
Assim como os depoentes acima, vários outros assentados (alguns depoimentos
observamos anteriormente) apontaram a instauração dos assentamentos como fator crucial
para que pudessem entrar ou retornar ao campo, política sem a qual continuariam habitando as
periferias urbanas. Aqueles que já habitavam o meio rural, afirmaram que se não houvesse a
reforma agrária, estariam vivendo como prestadores de pequenos serviços no campo:
Engraçado que a mulher minha quando eu fui pra pegar a terra, que todo
mundo ficava com medo do homem, né, achando que o homem ia matar o
povo, ia jogar bomba. Por ela eu não tinha apanhado não. Não ia ter [casa]
não. Assim, eu tinha e não tinha, acabou que eu não tinha nada. Hoje eu
agradeço depois que veio, assim, o assentamento né, senão eu não tinha, não
tinha não. Tava aí trabalhando aí, assim, para os outros (Seu J.).
Deus me livre, sem comparação. Se eu tivesse hoje lá no lugar que eu morava
e sem ele [o marido, já falecido], a minha vida tava muito pior (Dona R. C.).
130
Olha só, talvez se você me colocar de cabeça pra baixo, não vai achar um
centavo no meu bolso, mas eu digo assim, mas se você ver o que eu tenho
hoje, se eu tivesse empregado na cidade, eu trabalharia vinte anos e não ia
conquistar o que eu tenho aqui hoje, entendeu? Tem esse barraco aqui que eu
to terminando, e ainda não pude fazer ele, mas modéstia a parte isso aqui era
um curral que eu transformei numa casa. Era um curral, então essa casa
maravilhosa que eu tenho hoje. E eu acho que isso é gratificante pra mim,
porque se eu tivesse na cidade ia tá trabalhando e meu dinheiro ia todo para
pagar aluguel, pra pagar, sei lá, outros tipos de coisas, e eu não teria esse
espaço, aqui pra tá morando, aonde eu recebo os amigos (D.).
Contudo, os assentados fazem questão de enfatizar em seus discursos que o retorno, à
entrada ou permanência no campo se fez por meio de muito sacrifício. A cidade aparece nos
relatos como uma espécie de contraponto para explicitar as adversidades vividas. Deste modo,
recorrentemente em seus depoimentos evocam o passado recente em que precisaram ficar no
barraco de lona preta para conseguir seus lotes de terra, comparando-os com as casas no
perímetro urbano. Alguns assentados declaram abertamente que não ficaram em tempo
integral no acampamento e atribuem a justificativa às condições precárias presentes naquele
espaço, aos compromissos e vínculos que ainda tinham com a cidade, haja vista que
precisavam garantir a manutenção da família, ou mesmo porque já residiam nas casas que
existiam dentro das fazendas, destinadas ao sistema de morada.
Eu trabalhava de acompanhante numa casa e dormia na outra. E ajudava o
pessoal do acampamento a sobreviver com sacolão, pra eu poder arrumar um
lotezinho pra mim. (...) Nos fins de semana, tirava serviço no acampamento,
ficava, lá. Minha luta foi grande. Cozinhar eu não cozinhava não, mas eu
ficava lá, porque a gente às vezes, de noite tinha que tirar vigia, vigiar o
acampamento. Eu ajudava as pessoas, comprava leite pra criança, ajudava na
limpeza. Porque eu tava trabalhando nessa época, cozinhava numa casa e
servia de acompanhante na outra. E aí chegava fim de semana, vinha pra cá.
Aí, quando saiu separaram um lote pra mim (Dona E.).
Vim [para o acampamento], mas no caso eu não acampei não. (...) É que meu
sogro morava aqui, aí ele comentou com a gente, aí a gente veio pra cá, mas
não acampou não. Ele morava aqui, mas não acampou também não (...).
Morava na outra casa ali, na casa da usina (Dona L.).
(...) Eu tô dizendo a você que fiquei na barraca, mas não vou dizer a você que
eu, que a gente ficou assim todo dia não. A gente revezava, dia sim, dia não
porque meus filhos eram pequenos ainda. Aí o que aconteceu? Quando tava
um tempo fresco a gente ficava, e quando chove? É lama, entendeu? Aqui
ficava úmido, mosquito, essas coisas todinhas (Dona S. P.)
As mudanças climáticas, principalmente a ação da chuva e dos ventos são referidas
como as piores dificuldades passadas no local, já que a maioria dos assentados afirma que a
131
ocupação ocorreu praticamente de forma pacífica. Como observamos em depoimentos
anteriores, as fazendas já estavam de posse do Banco do Brasil e tinham sido declaradas
improdutivas, o que pôde ter diminuído a incidência de conflitos mais diretos.
Nós dormia assim no seco e acordava debaixo d’água. Foi brabo, foi triste
(Seu J.A.).
Foi muito difícil! Sair de dentro de casa com tudo, com luz elétrica, televisão,
geladeira, tudo direitinho, móveis, e vir acampar numa barraca de palha, foi
muito difícil. Cobra dentro de casa, o vento era esse tipo aqui, só que
derrubava tudo. (...) às vezes à noite a gente ficava no relento. (...) Tinha
época que a gente não podia dormir não. Botava as crianças tudo em cima da
mesa, fazia buraco no chão pra água ir descendo, fazia um buraco aí descia
um pouco de água (Dona D. F.).
Você, não compara uma barraquinha de lona com um teto né, que fiquei no
caso. Bate uma chuvada, a terra fica úmida, os filhos dormindo e coisa, mas
me deu oportunidade (Dona S. P.).
De acordo com Turatti (2001) o acampamento é uma passagem adaptatória. Trata-se
de um momento intersticial, de uma multiplicidade de processos, em que os indivíduos foram
separados de seu universo social anterior e passam a ingressar outro espaço, cuja dinâmica
difere-se daquela presente em seus cotidianos. No acampamento, os indivíduos recebem
também uma nova condição, a de serem sem-terra. Neste momento há, então, uma re-
significação de valores, que observando experiências anteriores, são moldados a partir de uma
nova realidade da qual compartilham, o que dá origem a expectativas para a estabilidade no
local. No momento do acampamento realidades díspares se encontram e são ladeadas por
conflitos e confluências, dando origem à construção de um novo processo de sociabilidade.
As circunstâncias proporcionadas pela situação de acampamento são freqüentemente
lembradas pelos assentados:
Minha filha, o acampamento aqui entrou os empregados porque o primeiro
direito é dos empregados (Seu J).
[O acampamento] Era bom também né. Estando junto com os outros,
brincando conversando. Comendo ou bem ou mal, mas não passava fome,
também. Quanto não tinha traíra pra comer, comia sassá mutema [nome dado
a um peixe] (Seu A.)
Todos são ótimos. Meus vizinhos todos aqui são da época do acampamento
(Dona D. F.).
132
No acampamento é preciso também aderir a acordos e assimilar novas normas. A
vigília que acontecia nos assentamentos em questão é um exemplo de normas com as quais os
indivíduos tiveram que se familiarizar e aceder no momento do acampamento. Este
compromisso é sempre relembrado pelos assentados, principalmente por aqueles que ainda
possuíam vínculos diretos com o perímetro urbano, como observamos no relato de Dona E.,
descrito acima e, como podemos verificar no depoimento de Dona D.F., que se recorda da
responsabilidade que filha tinha de se deslocar da cidade para cumprir sua escala na vigilância
no acampamento:
Às vezes ela fazia assim, ficava lá na casa do pai, e sexta-feira ela vinha.
Quando era noite de tirar vigia, ela tinha que vir tirar vigia. Ela saia da
faculdade, vinha. Às vezes ela vinha sozinha, às vezes a gente pegava ela lá.
[A vigília] era em grupo, cada dia tinha um grupo que tirava a vigia do
acampamento todo. Aí dividia assim, de tal hora até tal hora as mulheres
tiram. Depois as mulheres se recolhem e os homens vêm terminar a noite. (...)
Chovendo, e como fosse. Tinha que tirar (Dona D.F.).
Neste sentido, ao definir o conceito forma acampamento, Sigaud (2005) reitera que
este consiste em algo para além do mero ajuntamento de pessoas em um determinado espaço,
cujo intuito é reivindicar a desapropriação de terras das fazendas de lavouras de cana-de-
açúcar. Para a autora, o acampamento compreende, portanto, uma organização espacial, um
protocolo para entrar e nele se alojar, regras para ali conviver, um vocabulário próprio e
elementos dotados de forte simbolismo, como a bandeira e a lona preta.
Quando questionados a respeito das diferenças entre condições de vida antes e depois
da entrada no assentamento, os assentados são enfáticos em dizer que apesar de todas as
dificuldades a vida melhorou após o recebimento do lote. O que demonstra o significado que
migrar para o assentamento possui para estas pessoas, no sentido da promoção de alterações
das condições de vida e mobilidade também social.
Pra falar a verdade eu acho que se eu tivesse em Campos minha visa não
estaria tão boa quanto tá aqui. Tão encaminhada como tá. (...) Lá o dinheiro
do serviço que o ajudante ganha é a continha, não dá nem pra comprar um
remédio. Se você pensar direitinho é muito pouco. (...). O que eu tenho a
dizer pra você é que eu tô satisfeito aqui. Olha a moitinha de cana que eu
plantei ali ó, deu seiscentas dúzias de cana. Eu tirei R$ 705,00. Na cidade eu
não tiraria (Seu M Venâncio).
Olha, hoje eu posso dizer a você que eu sou mais isso aqui que eu tô vivendo
hoje. Eu tô trabalhando no caso pra mim, entendeu? Tô trabalhando pra mim,
dentro do que é meu. Agora eu não vou dizer a você que eu vou gostar se eu
133
trabalhar pra fora. Eu vou ter meu ganho, mas trabalhando para os outros
você pode ver que o salariozinho é miseravelzinho, é um salariozinho muito
mizeravelzinho (Dona S.P.).
Geralmente, após externarem as dificuldades atravessadas em função das ocupações,
cujo intuito é também demonstrar a legitimidade que tem de estar naquele espaço, lavrada
pelo sacrifício e percalços atravessados na situação de acampamento, os assentados,
descrevem além da visível importância econômica, o significado simbólico que paira no fato
de terem se tornado proprietários de algo. Ora, migrar para o campo ou nele permanecer por
meio dos assentamentos e, portanto, ingressar nos programas de reforma agrária, não significa
apenas melhoria da qualidade de vida em termos estritamente econômicos, mas também
representa estar inserido dentro de um projeto do Estado, de onde deriva uma mudança
significativa na posição dos indivíduos, enquanto membros de uma sociedade cuja
propriedade possui papel fundamental. Desta forma, os indivíduos revelaram que antes de
receberem o lote possuíam o desejo de serem proprietários de algo, em que o “morar no que é
seu” e todos os aspectos simbólicos que esta expressão carrega, assumem um papel essencial
na justificativa das migrações para o assentamento.
(...) Aqui é meu. Eu tô trabalhando pra mim. Entendeu? (Dona S.P.)
Eu vou dizer, na cidade não arrumei nada né, aqui, por exemplo, eu tenho
essa terra que por enquanto eu to nela, e ninguém tem nada, eu tenho esse
pedaço de terra pra segurar. Tenho dezoito cabeças de gado. Já é alguma
coisa, porque eu não tinha nada mesmo (Seu P.C.).
Agora se eu tivesse trabalhando de empregado, eu não teria isso. Por
exemplo, algumas coisas que eu consegui; alguns animais, a cana para caldo,
entendeu. Eu consegui, com todas essas dificuldades, eu consegui (D.).
Aqueles que eram proprietários de algo no perímetro urbano, comumente afirmam que
o recebimento de um lote de terra apresentou-se como uma chance de adquirir uma melhor
posição no trabalho, ou mesmo como uma oportunidade de residir num lugar mais tranqüilo,
arejado, longe da agitação pela qual caracterizam o espaço urbano. A partir do momento em
que os assentamos concluem que suas vidas melhoraram após a migração para o campo e/ou
entrada no assentamento, surgem as percepções acerca dos marcos que delimitam as
diferenças entre o campo e a cidade. Nos diálogos acima já podemos perceber indicações a
respeito das diferenciações estabelecidas entre estes espaços. Quando perguntamos
diretamente se tais diferenças realmente existem, novos aspectos emergem. Assim, apesar da
tendência de alguns estudos no ramo da Sociologia Rural apontarem para a diluição das
134
fronteiras entre o urbano e o rural, foi possível observar que, para os assentados desta
pesquisa, estas fronteiras ainda são bastante claras.
O primeiro aspecto externado acerca do que os assentados pensam sobre campo e
cidade, e que deixam transparecer suas percepções sobre tais espaços, refere-se especialmente
ao trabalho, às atividades realizadas ao longo de suas trajetórias tanto no meio rural quando
no perímetro urbano. Para os assentados, diante das experiências vivenciadas, o trabalho no
campo é muito mais pesado e difícil quando comparado às funções exercidas na cidade, em
virtude dos investimentos que têm que ser despendidos e da necessidade do esforço físico
direto empreendido na agricultura e pecuária, na maioria das vezes, contando apenas com a
ajuda dos familiares. O que podemos ver em diversos depoimentos.
O trabalho de roça é mais pesado. (...) Porque ó, você vai pegar enxada, é um
corte de cana, é uma capinagem que é doído mesmo. Pega e encara aí uma
terra dura pra você ver. Eu já passei por isso. Foi até uns tempo atrás, essa
aliança minha aqui afundou pra dentro, porque eu tava sem água pra colocar
pro gado, com muita água ali mas a vala esvaziou e o gado ia ficar sem
assim, aí eu tive que pegar o enxadão e abrir o poço pra eles tomarem água,
isso aqui meu inflamou tudo. Isso é pesado, serviço de enxada é pesado, mas
a gente não mora na roça? Quem mora na roça tá sujeito a isso tudo né.
Quem mora em roça tá sujeito a isso tudo (Dona S. P.).
Eu trabalhava (na cidade) de acompanhante numa casa e dormia na outra.
Mas aqui, isso aqui a gente vive, mas numa luta. É muito trabalho, é muita
coisa. (...) Mas eu gosto, eu tô aqui mais também porque eu gosto, eu podia
ter vivido lá (na cidade). Meu filho mora lá, mas a minha opção foi vir pra cá.
Ah, aqui é brabo. O serviço aqui é brabo (...). É porque é um calorão. Eu tava
limpando a beira do aipim, olha lá, aí devido ao sol quente eu dei uma parada
né, pra deixar refresca (Seu J.).
Olha só, na roça não tem verão, não tem inverno, todo dia é dia, toda hora é
hora de trabalho. Olha esse sol, trabalhar com esse sol queimando as costas
da gente não é fácil não, na cidade não tem isso não. Aqui é pra quem gosta
mesmo (Seu A. R.).
Para os indivíduos que passaram pelo processo de migração urbano-rural ou rural-
urbano-rural, ou mesmo aqueles que habitavam o campo, mas exerceram funções no
perímetro urbano, as comparações entre a cidade e o campo por meio do trabalho são
diretamente relacionadas às profissões que exerceram na cidade. As mulheres geralmente
trabalham como empregadas domésticas e os homens como estivadores, ou serventes na
construção civil. Daí a memória que têm do trabalho na cidade é de uma atividade penosa,
cansativa e reguladora. Por isso muitos comparam o passado no mercado de trabalho urbano a
uma prisão, onde tempo era controlado, e às horas marcadas.
135
Você vai trabalhar em casa de família você é castigado, você tem que ter hora
e tem que tá ali, oh, é muita coisa pra gente fazer. E eu no caso dona de casa,
vou ter que dar conta do serviço da minha casa e vou ter que dar serviço pra
aquilo que eu peguei né. Quem pega o serviço pra fazer tem que prestar conta
né. Mas aqui no caso, tá cansado? Você pode parar um pouquinho pra
descansar. E você trabalhando fora? Você não pode parar. Tem que ficar
igual a um relógio ali. (...) Eu penso assim né. Porque quem pega um serviço,
você tem que ter compromisso com aquilo. Você tem que dar conta também
né. Pra você começar a fazer e largar no meado do caminho, nem é
conveniente você pegar um serviço desse (S. P.).
A pessoa trabalha numa casa de família, ele não pode faltar um serviço. Aqui
eu não tô faltando porque tem que vir. (...) Trabalhar em casa de família é
muito enjoado. (...) Lavar janela, limpar chão, fazer comida. Você morre
fazendo as coisas e nunca tá bom. E se você trabalha numa fábrica, num lugar
grande, e o dia que você faltar um serviço fica outro no lugar né. Agora você
trabalha numa casa de família só você ali, o dia que você sair não tem outro
pra botar no seu lugar. Pode tá doente tem que ir. (...) Eu não gosto, me sinto
mal, eu tá trabalhando na casa de uma pessoa e a pessoa chama gente de fora.
Tem quer botar cafezinho na mesa, tem que botar comida na mesa. Mas eu
não gosto mesmo. (...) Ah, eu não gosto não. Eu tenho vergonha. Empregada
doméstica, eu tenho vergonha disso. (...) Eu acho melhor tirar leite da vaca.
Muito melhor, mais tranqüilo. Pra mim é ótimo. Eu faço o que eu gosto
(Dona S.F.).
Por meio da diferenciação entre campo e cidade através das modalidades de trabalho,
um aspecto interessante emerge nos depoimentos dos assentados: A discussão acerca do grau
de liberdade que acreditam que as pessoas possuem segundo cada um destes espaços.
Liberdade que consideram ter de plantar, colher, morar no que é seu, se vestir do jeito que
mais lhe convém, viver com tranqüilidade. A cidade é sempre vista como o espaço da
agitação, da correria. Alguns assentados creditaram à cidade a característica de ser portadora
de lazer, isto é, de proporcionar diversão.
Contudo, para os assentados, o lazer não substitui a liberdade de que tanto falam e que
atribuem como a principal característica portada pelo campo, ou como costumam dizer, pela
roça. Contrastando com o controle do tempo atribuído a cidade, a liberdade do campo
também é referenciada a partir do tempo. O tempo naquele espaço não é controlado por um
agente externo, isto é, pela figura de um patrão, um gerente, mas sim pelo próprio assentado.
Este atributo conferido ao campo está diretamente relacionado com os depoimentos sobre a
importância delegada a propriedade de um pedaço de terra que passaram a ter no
assentamento, daí a ênfase dada nos relatos, mencionadas acima de que aqui eu trabalho no
que é meu. Poder trabalhar no que é seu e assim ter controle sobre seu tempo, sobre seu corpo.
Na cidade o sujeito tem lazer, mas não tem liberdade. Na roça tem liberdade
(...) Ah, lazer é se divertir, fazer um passeio, a liberdade da roça é não ter
horário, ter tranqüilidade, isso é liberdade. (Seu A.R.).
136
Olha, eu digo a verdade a você, na roça a gente tinha mais uma liberdade
porque trabalhava mais sabia que de noite tava em casa. E já na cidade,
quantos dias eu saia de madrugada pra ir trabalhar já com caminhão cheio
carregado, não sabia a hora de voltar. Saía de madrugada, no outro dia saía
meia noite, uma ora da madrugada pra ir para os sertãos brabos fazendo
entrega. Quando voltava ainda ia carregar o carro de novo, já de noite.
Chegava em casa eram onze horas, meia-noite. (...) Aqui já é mais um
sossego, trabalha o dia todo mais a noite você sabe que de noite tá em casa. É
outra tranqüilidade né (Seu A.).
Para os assentados, da possibilidade do controle do próprio tempo no campo,
favorecido por possuírem o seu lote e trabalharem para si, deriva a tranqüilidade, o sossego,
características igualmente atribuídas ao rural. Segundo os depoimentos coletados, no
assentamento em virtude controle do próprio tempo pelo indivíduo, é possível parar,
descansar e trabalhar nos momentos que lhes são mais oportunos, ao passo que na cidade é
preciso correr sempre, porque tudo tem hora marcada. A cidade é então adjetivada pela
agitação e ao campo é atribuída a característica do sossego.
(...) Eu sempre foi adepto da tranqüilidade, sempre gostei de ter uma vida
tranqüila, agora é lógico a gente não é de ferro. Se eu ficar aqui 30 dias só
escutando esse vento soprar eu fico maluco também. Mas é isso que eu falo, a
relação que eu tenho com vários amigos aqui supera essas coisas, supera.
Tem a galera do MST, tem o pessoal da CPT, tem os universitários que são
um apoio, que a gente consegue às vezes as quintas-feiras dá uma paradinha
lá naquela padaria, no Braseirinho, o pessoal da agronomia da UENF. E às
vezes quando eu to aqui muito sozinho, eu do uma paradinha lá, tomo um
“soro” com o pessoal (D.) (...).
Eu acho que na roça é melhor. Eu acho na roça melhor, a tranqüilidade é
outra. Eu acho. (...) A pessoa tá despreocupada. Eu venho pra aqui e fico aqui
ó, não tenho nada a pensar, só trabalhar, olhar o que tem e acabou. (...) Nada,
aqui empata, paga a mesma coisa e eu ainda acho lá pior ainda do que ai. (...)
Porque a cidade agora tem pouco serviço, e na roça sempre tem. (...) Eu aqui
não trabalho porque não quero trabalhar. Já trabalhei muito, agora é vive o
resto da minha vida, o que eu tenho dá pra mim viver (Seu M).
Isto nos leva a inferir que, se antes, acreditava-se que, migrar para a cidade, de certa
forma, consistiria em uma maneira de libertar-se das amarras presentes no campo, para os
assentados entrevistados, hoje, voltar ao campo por meio dos assentamentos – apesar de todas
as dificuldades enfrentadas e decorrentes dos problemas da implantação da modalidade de
reforma agrária preconizada pelos últimos governos –, significa adquirir uma liberdade
perdida no momento em que de lá foram expulsos, e tiveram que alojar-se nas periferias
urbanas. Daí emerge a constante comparação entre cidade e campo por meio dos quesitos
sossego e tranqüilidade.
137
E para aqueles que pela primeira vez experimentam a oportunidade de viver e
trabalhar no meio rural surge a possibilidade de libertar-se ou pelo menos atenuar os efeitos
das privações sofridas nas áreas mais carentes das cidades, locais onde reside a maioria dos
brasileiros que não têm a qualificação exigida para atuar no mercado de trabalho urbano
contemporâneo. Além do peso simbólico de morar no que é seu, ter sua casa, seu espaço de
trabalho e sentir-se valorizado pelos resultados do empenho na lavoura, situação bem
diferente de quando residiam nas periferias da cidade, como foi discutido anteriormente.
Isto demonstra que a migração quando relacionada a fatores sediados no campo, nem
sempre pode ser considerada um fenômeno negativo, já que neste caso emerge como uma
oportunidade de melhoria na condição de vida destas pessoas e de autonomia. Todavia,
Oliveira (2002:131) pondera que esta autonomia e por conseqüência a liberdade proferida
pelos assentados é relativa, uma vez que “o assentado se encontra, de certa forma,
subordinado às normas “impostas” pelo INCRA, no que se refere, por exemplo, à
formalização das próprias relações interpessoais no assentamento.” Não obstante, ao
ingressar num assentamento de reforma agrária, o indivíduo passa a ser controlado não só
pelo INCRA, mas pelas agências de assistência técnica como a EMATER, EMBRAPA, etc.,
em função dos projetos estabelecidos, além de submeter-se a compromissos financeiros, como
os empréstimos assumidos junto a bancos, por meio de programas como o Programa Nacional
de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF).
As diferenciações entre campo e cidade, favorecem, sobretudo, a construção e
reconstrução de identidades peculiares ao assentamento, firmadas mesmo para aqueles que
efetuaram a migração urbano-rural. Assim, a despeito da heterogeneidade presente nos
assentamentos há a formação de identidades que são compartilhadas pelos indivíduos,
fundamentadas em aspectos como trajetórias semelhantes, no processo de luta pela terra e
pela convivência no acampamento, e a própria formação do assentamento. Por isso o
assentamento pode reordenar as diferentes trajetórias ali encontradas, em virtude da
convivência engendrada naquele espaço (Giuliani e Castro, 1996).
A construção de identidades pode ser verificada principalmente nas expressões “eu
sou da roça”, “sou nascido e criado na roça”, “eu gosto de sossego”, freqüentemente
acionadas pelos assentados, cujo objetivo é também demonstrar aos indivíduos externos como
pesquisadores, técnicos extensionistas, etc., que são agricultores, preferem viver e trabalhar na
roça e, portanto, que é legitimo que tenham recebido o pedaço de terra. É por isso que Hall
(2003) assevera que as identidades são constituídas de forma ininterrupta a partir das visões
138
do mundo e eventos que circundam os indivíduos, e de suas vivências precedentes. Ora, como
afirma Woodward (2003), a identidade é algo relacional, e uma de suas funções é demonstrar
distinções.
Porque eu sou da roça. Não sei, eu nasci e me criei na roça. E aqui a gente
vive sossegado. Na realidade, eu vou a Campos, a gente que é acostumado
com lugar sossegado, é muito movimento, e eu não sou acostumado com
isso. Eu sou igual a bicho do mato (Seu J. Q.).
Outro aspecto que emergiu nas conversas e que para os assentados retrata a diferença
entre campo e cidade refere-se ao provimento de bens de consumo alimentar, como frutas e
verduras. Foi recorrente entre os assentados a afirmação de que na cidade tudo tem que ser
comprado, ao passo que no campo há a possibilidade de plantar ou mesmo contar com a
generosidade do vizinho para obter alimentos como banana, aipim, milho, etc.:
Porque vamos fizer assim, não repara o modo de eu falar, você é minha
esposa, nós cheguemos em casa, eu chego em casa, aí você fala “Zé, nós
tamo sem carne aí.” Precisava comprar uma abobrinha, e eu digo “fulana,
agüenta aí”. Eu vou ali embaixo e apanho um peixe, dá pra cumprir o lugar
da carne. Precisava comprar uma abobrinha, eu vou na roça e apanho,
entende? Se o gás acabou, “Ah Zé, o gás acabou”, eu digo, “oh tô sem
dinheiro agora”, não tem problema não, eu vou ali e apanho um feixe de
lenha e fogão a lenha, tudo de graça. E a vida na cidade é no pão seco, se
você não tiver, você não come, entendeu? Então, embora você ganhe melhor
lá um cadinho, mas se eu for botar tudo em conta aqui, na roça ganha mais
(Seu J.Q.).
Ah, na cidade a gente gasta, lá tudo a gente compra, aqui não. Às vezes o
vizinho traz uma verdura, uma coisa assim, aqui gasta menos do que lá. Lá
não, lá tudo é comprado, tudo tem que ser comprado. Aqui tem sempre tem
um vizinho que traz abóbora, milho verde, aipim. De um jeito ou de outro
eles tão trazendo. Lá é difícil um vizinho ter uma moitinha de aipim, quando
tem assim mesmo é pouquinho (Dona R. C).
Na cidade não há tempo para gente fazer o que gosta de fazer. Ali tudo é
pago. Aqui não, eu como banana figo frita e até hoje nunca paguei um
centavo, os vizinhos sempre me dão (Seu P.).
(...) Na roça a gente quer comer uma carne fresquinha, quer comer uma
galinha fresquinha e tem (Seu J.A.).
Eu sou pedreiro sabe, só que a vocação minha, eu acostumei já na roça. É
costume. Criar leitoinha, criar uns franguinhos que tão presos ali. Vai na roça
e lida um cadinho, leva um cachinho de banana pra casa, leva um aipim. É
isso aí. Na cidade é aquela merreca por dia né? Uma mixaria que os patrões
da gente pagam a pessoa hoje (Seu M. V.).
139
Além disso, para os assentados a cidade pressupõe uma indumentária mais sofisticada,
daí emerge entre eles a percepção de que a aparência tem uma importância fundamental para
aqueles que vivem e freqüentam o perímetro urbano. Assim, concluem que somente é possível
ser bem atendido e bem recebido nos estabelecimentos urbanos, se estiverem bem vestidos, ao
contrário do que acreditam acontecer no campo, onde as pessoas são livres para trajar-se de
forma mais simples.
A vida da cidade a diferença é que pra mim, tudo bonitinho, calçadinho,
cabelinho penteado jogado pra trás, vivendo na banha, mas com o que tá no
bolso não dá pra comprar um guaraná, concordou comigo? (...). É bonito né,
com roupinha limpinha, bem trajado, calçadinho no pé, né. E aqui na roça
não tem. Aqui você tem que jogar o pé no chão, e bem, se você quiser vir
com uma roupinha melhor você pode vir, mas chega ali você troca, apanha a
inferior e joga no batente, de tarde você larga a inferior ali, bota a limpinha e
aí acabou (Seu J.Q.).
Por que. Eu vou dizer por quê. Bota eu pertinho, pega uma pessoa de Campos
lá e bota eu pertinho e vê. Posso até ter a mesma idade, você vê que a
diferença é muita. O maltrato, eu no caso aqui trabalhando no sol. Lá eles tão
lá, tão em casas, trabalhando em casas assim de doméstica, não é como a
gente. A gente fica trabalhando aqui, a gente fica maltratado, o meu cabelo,
você vê é queimado, oh, é queimado, tadinho do meu cabelinho. Olha só que
tristeza, áspero. A gente recebe, entendeu, mas eu prefiro aqui. Se eu tivesse
financeiro melhor, eu acho que minha vida era outra, mas eu não tenho e o
que me pertence tá aqui, então eu tenho que encarar isso aqui mesmo
(Solange).
Tem que melhorar a aparência um cadim né minha filha, porque senão
ninguém atende a gente na rua (Dona E.).
Nem aqui vou muito na cidade. Vou muito pouco na cidade, quem vai é a
mulher. Não gosto de ir na cidade não, tem que trocar roupa, colocar sapato
(...). (Seu P.).
Para Sayad (2000:14-15), as migrações não acontecem sem deixar suas marcas,
mesmo que não as reconheçamos. Para o autor, não se habita impunemente outro local, outra
sociedade, sem que algo permaneça desta presença, sem que os indivíduos sofram
experiências e sensibilidades individuais. O fato de não percebermos estas mudanças advindas
do contato com os outros, nos meio em que vivemos e por quais passamos, é, antes de tudo,
um sinal e a garantida da eficácia e solidez das mudanças sociais e culturais e, portanto, atesta
a apropriação daquilo que interiorizamos e incorporamos.
140
Apesar das diferenças estabelecidas os assentados estão em contato contínuo com a
cidade. Como fora mencionado no capítulo III, os assentamentos que consistiram no local
onde esta pesquisa foi realizada, estão localizados relativamente próximos ao perímetro
urbano. São ligados diretamente à cidade pela presença do transporte urbano e pela atuação do
transporte alternativo, representado pelas vans que cortam os assentamentos e que conduzem
as pessoas para o centro de Campos dos Goytacazes. Devido ao contato direto com o
perímetro urbano, dada a passagem dos indivíduos por este espaço durante o processo de
migração rural-urbano-rural e urbano-rural, bem como por meio da experiência de trabalho
nas cidades, tendo em vista as observações de Sayad (2000), verifica-se que características
consideradas oriundas da vivência urbana estão incutidas em seus habitus e, também
contribuem para a conformação das identidades presentes naquele espaço.
Tais fatos colaboram para que os assentados busquem aproximar suas formas de vida
no assentamento à vida na cidade. Assim as diferenças entre o rural e o urbano e as fronteiras
estabelecidas para estes dois espaços de fato existem para os assentados, mas estão mais
ligadas aos aspectos anteriormente mencionados – como às modalidades de trabalho
empreendido em cada local, ao menor ou maior trânsito de pessoas naqueles espaços, ao
controle do tempo e a tranqüilidade atribuída aos assentamentos, ao modo de trajar-se –, que a
forma de vida no que tange a aspectos como desejo de uma renda fixa e aspirações por
serviços essenciais como saúde e educação, melhoria na estrutura das casas, aquisição de
eletrodomésticos, etc.
Ainda que em seus discursos seja possível observar que os assentados sempre fazem
menção às características tradicionalmente atribuídas ao campo e, as suas vantagens e relação
à vida no perímetro urbano, as experiências de trabalho durante a passagem pelas cidades não
são de forma alguma descartadas pelos assentados. Muitos ainda têm o trabalho urbano como
uma salvaguarda em momentos de crise. Deste modo, dado os processos migratórios urbano-
rural e rural-urbano-rural foi possível aos assentados comporem alternativas, que são
comumente utilizadas no momento de estagnação e crise no trabalho agrícola, principalmente
em conseqüência das intempéries climáticas bem como da baixa dos preços decorrentes da
superprodução, o que foi constatado no momento da pesquisa para este trabalho. Dado o
período de queda no preço da cana-de-açúcar no mercado em virtude da superprodução,
ocorrida no momento da coleta de dados para este trabalho, os assentados acionaram suas
experiências de trabalho pretéritas e, passaram a realizar o que chamam de bicos nos centros
urbanos mais próximos dos assentamentos, para garantirem sua sobrevivência.
141
Deste modo, de acordo com Souza et al (2001), a conformação desses afazeres
representa um meio encontrado de sustentabilidade econômica, tratando-se de estratégias de
sobrevivência decorrentes das interrupções das atividades agrícolas. Assim, as experiências
laborais urbanas em funções como pedreiro, doméstica, eletricista, motorista, etc., compõem
um novo mecanismo de sobrevivência utilizado nos assentamentos e que colaboram com a
renda familiar. Consistem, portanto, num mecanismo de burlar, por vezes, a miséria
proveniente da ausência de políticas públicas efetivas no campo, principalmente em
momentos de colapsos como o mencionado acima.
Por conseguinte, verifica-se que as experiências de trabalho assalariado, mesmo que
de forma precária no mercado de trabalho urbano, incutiu nos assentados o anseio por uma
renda fixa, aspecto nem sempre encontrado no trabalho agrícola, em que o indivíduo tem que
promover um investimento inicial para eno, depois muitas vezes, de um longo período,
colher e assim receber pelo produto cultivado, como observamos no depoimento abaixo:
(...) Uma coisa que eu não sabia, mas a prática foi me mostrando isso, é que o
campo exige um investimento maior para você viver (...) (D.).
Isto faz com que muitas famílias de assentados incentivem a que pelo menos um
indivíduo do núcleo familiar excerça uma atividade assalariada, a fim de garantir alguma
renda à família em momentos de crises. Desta forma, relatos colhidos entre os assentados
atestam a valorização dada ao exercício de uma atividade remunerada de forma fixa.
Ele trabalha na prefeitura, meu marido. (...) Ele trabalha em caminhão de
fossa. (...) É como eu falei com você, ele tava pescando no mar, aí ele largou
porque a distância é muito longe, aí foi onde ele pegou esse serviço. Então
todo mês ele recebe o dinheirinho dele, mas já vem descontando, aí é onde
que a gente aqui, eu, meus filhos pra roça faz um biscatezinho (Dona S.P.).
E na cidade eu morei, morei no Rio, mas não gostava não. (...) Muito calor,
muito mosquito, e muito barulho, e muito perigoso também né. Agora bom
de ganhar um dinheirinho era lá. (...) Menina, minha filha, lá era uma coisa
de louco. Era muito bom, pra ganhar dinheiro era bom. (Seu J.A.).
Dadas as crises e a demanda por uma renda fixa, alguns assentados dos assentamentos
estudados estão incluindo em suas estratégias de sobrevivência, o trabalho assalariado nas
olarias destinadas a produção de tijolos e telhas, que se localizam nas proximidades dos
assentamentos. Trabalham como estivadores, carregando caminhões com tijolos e telhas ou
fazendo o que chamam de queimar tijolo, que é a atividade de com o auxílio de um carrinho
de mão, transportar e colocar os tijolos ainda frescos nos fornos de carvão para serem
142
queimados. Estas funções apesar de exaustivas são vistas pelos assentados como vantajosas
em virtude de não precisaram se deslocar até a cidade ou para locais mais longínquos para
trabalhar.
Portanto, trabalhando nas olarias, mantêm-se no campo e próximos aos assentamentos,
ao mesmo tempo em que garantem uma renda fixa. Esta renda, na maioria das vezes, é
investida na produção agrícola, como por exemplo, na compra de sementes, animais,
pagamento de mão-de-obra para ajudar na plantação e colheita dos produtos, limpeza dos
terrenos, etc. Ou então é destinada ao pagamento de prestações de móveis e eletrodomésticos
que foram adquiridos e financiados nas lojas pertencentes ao comércio urbano. Assim é
comum encontrar entre os assentados aqueles que trabalharam, trabalham ou possuem algum
parente nas olarias da região.
Aqui o serviço que tem é em olaria, mais. Aqui se a pessoa for botar o cara
pra trabalhar pro sujeito, o negócio também fica ruim. Aí o que e que eu
faço? Aí o sujeito tem que pegar até com a mulher mesmo pra ajudar. [Os
filhos] não ajudam não, porque eles estudam. Os dois mais novos estudam, e
o outro não quis estudar, tá com dezesseis anos, aí tá trabalhando aqui mesmo
né, pegou olaria. (...) Cada um quer ter o seu dinheirinho né (Seu J.).
Eu trabalhei em olaria, eu enchia caminhão de tijolo, caminhão de lenha. Era
pesado, mas eles pagavam bem. (...) A olaria era em Babosa. Mas lá não
tinha carteira assinada. Mas depois eles queriam assinar a carteira, mas eu
não quis não porque o serviço era muito pesado. Ficar presa num serviço
pesado daquele? Aí eu comprei umas coisas que eu quis. O que eu queria
comprar eu comprei, aí saí. (...) Comprei cama, comprei bicicleta, comprava
as coisas para as crianças, comprei colchão. Tudo o que eu precisava eu
comprei (Dona S.F.).
Mas aí Silvia, eu não tenho vergonha de dizer não, às vezes o povo fala assim
“ah os filhos dela tão tudo trabalhando”, mas raciocina comigo: Eu tenho
quatro filhos, tenho esse mais velho aí que trabalha em olaria. (...) O mais
velho, o outrozinho meu que tem dezesseis também trabalha em olaria, é de
menor também, eu sei que é de menor, mas trabalha. E os meus doizinhos
gêmeos que é essezinho que tá aqui e outrozinho, que tá catando até quiabo,
então veja bem, tão tudo rapazinho, você já pensou,parou pra pensar como é
a vida minha, de eu ter que dar dinheiro aos quatro pra eles saírem e se
arrumar? Então é onde que eles trabalham praticamente pra eles, mas eles me
dão uma ajudazinha, compra um gás, pagam uma luz. Mas tem os estudos
deles que é eles que compram as coisinhas pra eles, tá entendendo? É uma
roupinha pra eles, é eles que compram. Já parou pra pensar como é que eu ia
me arrumar pra dar dinheiro aos quatro pra sair? (Dona S.P.).
Diante das experiências urbanas e da grande proximidade e interlocução com a cidade,
os assentados além de desejosos de uma renda fixa, passaram a aspirar ao consumo de
produtos caracterizados por eles como típicos da cidade, como DVDs, aparelhos de som, etc.
143
Internalizaram as experiências vividas ao longo das suas trajetórias e conformaram um
habitus também fundamentado nas disposições formadas a partir do ideal de consumo.
Tornaram-se deste modo, consumidores dos produtos disponíveis no mercado urbano. Desta
forma, emerge um intricado jogo de interpretações acerca da vida no campo e na cidade, fruto
do encontro das várias trajetórias que são reunidas no espaço do assentamento, e da sua
incorporação no mercado consumidor, favorecida pela renda obtida após o recebimento do
pedaço de terra.
Assim, conforme já foi observado por Medeiros e Leite (1998), ao serem instaurados,
os assentamentos exercem uma pressão nos poderes locais por demandas de melhor infra-
estrutura o que incluem aspectos como luz elétrica, saúde, transporte, escolas, atenuando sua
dependência com a cidade. Como foi aventado em uma das hipóteses deste trabalho e,
comprovado a partir da pesquisa empírica, estas alterações realmente repercutem no campo e,
por conseguinte, nos assentamentos, modificando o estilo de vida concebido tradicionalmente
para as pessoas daqueles espaços. Estas alterações correspondem ao inexorável e constante
processo de transformação cultural a que qualquer sociedade está sujeita, já que aspectos
como identidade e habitus estão sempre em processo de reconstrução e reelaboração.
Todavia, cada grupo absorve tais alterações a sua maneira, resignificando-as. Neste
sentido, para Turatti (2001) as migrações, ou seja, as idas e vindas entre cidades e estados
diferentes e os sucessivos e descontínuos empregos rurais e urbanos exercidos durante os
deslocamentos, desencadeiam um desapego a valores únicos, dando origem a um ethos
específico característico aos assentamentos, que não pode ser classificado dentro de uma
tradição camponesa, há muito convencionada pela literatura especializada, mas que também
não significa uma urbanização do campo.
144
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta dissertação concentrou-se em analisar as migrações rural-urbano-rural e urbano-
rural, bem como a oportunidade da permanência de indivíduos no campo, vinculadas ao
processo de reforma agrária. Para tanto, foi proposto um estudo de caso nos assentamentos
Ilha Grande e Che Guevara, situados no município de Campos dos Goytacazes, na região
Norte do Estado do Rio de Janeiro. Estes assentamentos foram estabelecidos no contexto da
retomada das ações do MST neste Estado, a partir da década de 1990. Neste momento,
visivelmente, observa-se em Campos dos Goytacazes a existência de vastas extensões de
terras improdutivas, resultantes da falência da atividade canavieira, que durante séculos
concentrou a estrutura fundiária e, por conseguinte, recursos econômicos e poder político
neste município.
Assim, tomando a reforma agrária como motivadora das migrações de retorno ou
entrada no campo, bem como, um processo que contribui para a manutenção da presença dos
indivíduos no meio rural, – na medida em que permite a diversas famílias a oportunidade da
propriedade de um pedaço de terra –, nos apoiamos na descrição e análise das trajetórias
migracionais e ocupacionais de habitantes dos assentamentos Che Guevara e Ilha Grande para
a realização deste estudo. Verificar por onde estes indivíduos passaram, o que fizeram em
termos de trabalho, os significados construídos durante o percurso e após a entrada no
assentamento e/ou acampamento, por meio dos depoimentos colhidos através da realização de
entrevistas, atreladas a observação participante, consistiu na estratégia adotada.
Uma revisão teórica no capítulo inicial, acerca de questões como a dicotomia
rural/urbana e o tratamento da temática das migrações nas ciências sociais, bem como a
definição dos instrumentais conceituais a serem utilizados, também foram necessários. Neste
momento, assumimos então, junto ao suporte da teoria, a relevância de abordarmos as
migrações por uma perspectiva qualitativa. Por isso, sua relação com a reforma agrária
apresentou-se como interessante e pertinente para pensar o fenômeno. Assim, dentre as várias
possibilidades de análise, acreditamos que observar os deslocamentos populacionais sob uma
ótica qualitativa tornar-se-ia conveniente tendo como referencial as categorias identidade,
trajetória e habitus, que foram definidas no primeiro capítulo e retomadas no decorrer da
dissertação, sobretudo no capítulo IV, a fim de interpretar e compreender as informações
colhidas.
145
O conceito de identidade adotado apoiou-se, principalmente, nas reflexões elaboradas
por Hall (1999; 2003), Woodward (2003), Castells (1999), e Silva (2003), que apesar de
divergirem em alguns pontos, compartilham da afirmação de que um único indivíduo pode ser
portador das mais variadas identidades e que estas, não consistem em algo estático, mas ao
contrário, são continuamente construídas e reconstruídas e, se impõem por meio da influência
de aspectos sociais, simbólicos e ao mesmo tempo materiais.
A partir desta definição, através do trabalho de campo, observamos como as
identidades existentes entre os assentados são o tempo todo negociadas e reconstruídas, tendo
como pano de fundo as diversas experiências vivenciadas, e as posições ocupadas pelos
indivíduos na sociedade ao longo de seus itinerários. Ora, como verificamos, quando o
indivíduo, mesmo tendo origem urbana, afirma que é rural, é da roça, gosta de sossego, ou
então remonta seu passado para dizer que sempre trabalhou como cortador de cana-de-açúcar
nas terras que deram origem aos assentamentos, não está fazendo mais do que apoiado no
habitus, reivindicar para si identidades, cuja finalidade é distinguir-se de outros sujeitos, como
por exemplo, os que habitam as cidades, ou os que não tiveram uma história de vida
diretamente ligada àqueles espaços.
Para efeito da análise das trajetórias dos assentados, nos apoiamos na delimitação
desta categoria realizada por Pierre Bourdieu (1998; 2007). Este autor define o conceito de
trajetória como o agrupamento das ações realizadas e das posições ocupadas pelos indivíduos
ao longo dos seus deslocamentos, o que de certo modo, compreende um ciclo de vida. As
experiências conformadas durante estes itinerários, como observamos, dão suporte então, ao
estabelecimento das múltiplas identidades. Foi ainda nas reflexões de Bourdieu (2005; 2007),
também interpretadas e analisadas por autores como Setton (2002) e Wacquant (2004), que
buscamos o conceito de habitus, princípio que ao mesmo tempo em que permite a
coletivização a partir do compartilhamento de valores, significados e percepções, favorece a
individuação, já que cada sujeito internaliza de forma particular estes fatores.
Munidos destes instrumentos teórico-conceituais, realizamos, no segundo capítulo,
uma apresentação da região de estudo, o Norte Fluminense e Campos dos Goytacazes,
destacando aspectos sócio-econômicos e culturais responsáveis por organizar os territórios
locais que, por sua vez, repercutem diretamente nas relações existentes nos assentamentos
estudados. Em seguida, no terceiro capítulo, empreendemos uma discussão acerca da
metodologia de coleta de dados que seria mais pertinente, suas vantagens e limitações.
Justificamos como se deu a inserção no campo, e problematizamos a construção do objeto.
146
Concluímos então, por meio desta discussão, apoiando-nos em experiências acadêmicas
pretéritas, e a partir da leitura sobre o tema, que a observação participante e a realização de
entrevistas semi-estruturadas seriam as opções metodológicas mais apropriadas, diante da
necessidade de apreensão de aspectos qualitativos.
Desta forma, foram aplicadas vinte entrevistas e realizadas inúmeras visitas aos
assentamentos que serviram de recorte para o estudo. Algumas entrevistas se tornaram
verdadeiras conversas, em que o entrevistado sentiu-se a vontade para expor a sua biografia,
outras foram mais curtas, porém, todas seguiram um mesmo roteiro. Cabe ressaltar que como
nem sempre é possível organizar de forma cronológica a seqüência dos fatos presentes nestas
trajetórias de vida, e como o objetivo deste trabalho não repousou em produzir informações
numéricas, não quantificamos dados como, por exemplo, renda, número de bens, etc.
A apreensão das trajetórias destes assentados, permeadas pelos significados e
percepções construídos sobre si e sobre o mundo, revelados através das entrevistas e
conversas, foram apresentadas ao longo do último capítulo deste trabalho. A análise destas
trajetórias permitiu que observássemos os caminhos percorridos e as motivações que
perpassaram estes deslocamentos, arranjos capazes de estimular os indivíduos a resistirem a
situações mesmo por eles consideradas precárias, a exemplo da vida nas periferias urbanas, os
trabalhos extenuantes e as adversidades enfrentadas durante o acampamento. A partir da
observação das trajetórias migratórias que foram externadas, com o intuito de facilitar a
análise, decidimos então classificá-las em dois principais grupos, em função de características
comuns ao entrevistados.
Dito isto, destacamos um grupo formado pelos assentados que antes das ocupações
e/ou estabelecimento do processo de reforma agrária residiam nas redondezas da área que
hoje abriga os assentamentos, ou na própria fazenda. Verificamos que estes indivíduos, em
geral, de alguma forma têm suas trajetórias de vida atreladas à atividade canavieira. Deste
modo, o assentamento antes de significar mobilidade espacial, significou um deslocamento no
quadro de posições sociais, ao permitir-lhes tornarem-se proprietários de uma extensão de
terra.
O segundo grupo foi composto pelos indivíduos que antes de entrar nos
assentamentos, residiam no perímetro urbano. Todavia, este grupo pôde ser desdobrado em
dois segmentos, dada a natureza do processo migratório empreendido. Por um lado,
localizamos nos assentamentos indivíduos que tiveram a oportunidade de construir uma
experiência concreta de vida e trabalho no campo, antes de migrarem para a cidade. Tal
147
condição, atrelada ao processo de reforma agrária, fomenta o desejo de retorno. Deste modo, a
partir de uma representação do campo como local de sossego, fartura, liberdade, retorna-se ao
campo, por meio dos assentamentos, almejando resgatar parte de um passado, porém sob
outras condições, cuja principal é a de morar no que é seu. Estes indivíduos são aqueles que
efetuaram a trajetória rural-urbano-rural.
Por outro lado, há também aqueles que nunca tiveram uma experiência concreta de
vida e trabalho no campo, mas que com a oportunidade da reforma agrária anunciada, pela
instituição dos assentamentos e/ou acampamentos, decidem migrar para o campo e nele
trabalhar, aventurando-se neste espaço, mesmo sem nunca ter lidado com a terra, realizando,
portanto, a migração urbano-rural.
A partir da classificação destes grupos, a análise teve prosseguimento. Assim, as
anotações do caderno de campo provenientes da observação participante, bem como as
informações coletadas pelas entrevistas, confrontadas com as observações acerca da história
fundiária da região, nos permitiram observar para além das hipóteses levantadas, que a
instauração dos assentamentos rurais estudados, de certo modo, promoveu alterações na
dinâmica populacional daquele local, ainda que não representem um fenômeno de grande
expressão no âmbito da demografia.
O latifúndio, modalidade de propriedade que comumente emprega pouca mão-de-obra,
no período da ocupação já havia falido, isto sugere a alteração que a criação dos
assentamentos rurais proporcionou em termos da inclusão de pessoas naquele espaço. Logo,
como observamos no decorrer do capítulo 4, a análise dos depoimentos coletados pelas
entrevistas, permitiu a constatação de que, para a maioria dos entrevistados, há uma relação
direta entre a formação dos acampamentos e a migração para o campo a partir de 1998, o que
atesta o pressuposto de que a reforma agrária pode ser tomada como elemento motivador de
deslocamentos populacionais em direção ao campo.
Tal constatação também reforça nossas proposições iniciais acerca das singularidades
mantidas pelo rural. Isto nos leva a nos alinharmos aos debates que asseveram que ante as
alterações advindas do processo de globalização, há a manutenção de relações peculiares e
características ao campo, embora existam algumas vertentes teóricas que apontam para a
homogeneização deste espaço, dada a crença da prevalência e expansão das características
urbanas. Ora, se o campo estivesse mesmo atravessando um processo similar a este, não
haveria motivos para os indivíduos abandonarem suas vidas no perímetro urbano e,
retornarem ou entrarem, ou mesmo se manterem neste espaço. Mudam-se as relações, as
148
influências do mundo urbano são inegavelmente sentidas, mas são traduzidas e situadas na
ordem local, daí o surgimento de relações díspares no que concerne tanto ao mundo rural
quanto ao mundo urbano.
Ao confirmarmos a potencialidade da reforma agrária resultar na promoção de
deslocamentos populacionais para o campo entendemos que, de certa forma, tal fato coincide
com as observações de autores, como Brito (1996), Pacheco & Patarra (1997) e Barcellos
(2000). Como examinamos no capítulo primeiro, estes estudiosos identificaram o surgimento,
a partir de meados de 1980 em diante, de novos aspectos referentes às migrações no Brasil,
onde deslocamentos no sentido rural-urbano, que marcaram o período de industrialização, já
não figuram como explicação satisfatória para abordar a totalidade das migrações no país.
Diante disso, Cunha (2005) assevera que verifica-se então, a maior incidência das migrações
de retorno também a partir dos anos 1980. Observações deste tipo atestam a importância de
viabilizarmos análises dos processos migratórios pra além do êxodo rural, em virtude da
emergência de novos processos sociais, cuja reforma agrária é um exemplo.
Neste cenário de migrações urbano-rural, rural-urbano-rural e de permanência no
campo por meio dos assentamentos rurais, emerge um fator importante: o papel das redes de
parentesco como alicerce para quem está acampado em busca de um lote. Apesar deste fator
não ter sido levantado diretamente como uma hipótese, verificamos que as trajetórias
evidenciadas no caso estudado atestaram a função de parentes e amigos no favorecimento dos
deslocamentos, seja acompanhando o migrante ou contribuindo para a sua manutenção até
que o mesmo pudesse se estabelecer. Deste modo, constatamos que o destino do migrante não
é individual, mas, na maioria das vezes, é tencionado pelas possibilidades e expectativas dos
familiares.
As trajetórias descritas revelaram também, a importância e valorização do trabalho
para os assentados, por isso sempre tomado como marco e referencial das suas histórias de
vida. Para descrever algum fato remetido ao passado, todos os assentados entrevistados
recorreram à função por ele ocupada ou por familiares na ocasião do evento contado. Por
conseguinte, os assentados buscaram na diferenciação entre o trabalho realizado no campo e
na cidade, uma maneira de estruturarem seus depoimentos, de onde emergiram as trajetórias.
A relevância do passado sobre o agir do presente é igualmente evidenciada.
É a partir desta distinção entre os trabalhos executados em determinados momentos
das suas trajetórias, que aparecem as percepções acerca das relações entre o rural e o urbano.
Neste sentido, diferenças entre estes dois espaços são estabelecidas. Conseqüentemente, a
149
despeito de alguns estudos no Ramo da Sociologia Rural apontarem para o esmorecimento
das fronteiras que dividem estes dois espaços, para os assentados elas estão postas de maneira
contundente, ratificando mais uma vez a hipótese da permanência das peculiaridades
reservadas ao rural tendo em vista o mundo urbano. Assim, uma percepção que marca esta
distinção refere-se às atividades realizadas no campo e às atividades empreendidas na cidade.
Os assentados classificaram imediatamente a vida e o trabalho no campo como muito mais
pesados, portanto, mais difíceis que as funções e o modo de viver urbano.
Outro aspecto surgido nos depoimentos, e que para os assentados retrata a diferença
entre campo e cidade, remonta ao provimento de mantimentos, como frutas, legumes e
verduras. Foi recorrente entre os assentados a afirmação de que na cidade tudo tem que ser
comprado, ao passo que no campo há a possibilidade de plantar ou mesmo contar com a
generosidade do vizinho para obter alimentos. O controle sobre tempo, de acordo com a
análise efetuada sobre os relatos dos assentados, apresentou-se como um aspecto
diferenciador fundamental entre campo e cidade, cujo mote foi a discussão acerca do grau de
liberdade que se acredita que os indivíduos gozam em cada um destes espaços.
Neste contexto, a cidade é sempre idealizada pelos assentados como o local da
correria, da agitação e do controle sobre o tempo e ações, por parte dos empregadores, ao
passo que o campo é concebido como lugar de tranqüilidade, onde o indivíduo tem uma maior
autonomia sobre si, representada pelo domínio do seu tempo e de seu corpo, principalmente
no momento do trabalho. Junta-se a estes marcos de diferenciação calcados na idéia de
liberdade, a crença, fundamentada e exemplificada por meio de experiências vividas, de que
a cidade pressupõe um vestuário mais sofisticado, em que somente é possível ser notado,
ouvido e respeitado, se obedecerem a sua lógica, trajando-se de uma forma que consideram
desconfortável. No campo, ao contrário, acreditam que as pessoas são livres para trajar-se de
forma mais simples.
Diante das considerações e discussões travadas ao longo deste trabalho, aqui
recolocadas de forma breve e sucinta, percebemos que diferentemente das teorias que
sobressaiam nos anos 1950 e 1960, como aponta Galizoni (2000), que consideravam de certo
modo, as migrações para a cidade como a oportunidade de livrar-se das mazelas presentes no
campo, nos dias atuais, diante dos relatos colhidos entre os assentados, podemos afirmar que,
migrar para o campo tendo em vista o recebimento de um lote de terra em um assentamento
de reforma agrária, – embora existam problemas quando as políticas públicas direcionadas
para estes espaços – podem representar uma oportunidade real de melhoria de vida, por meio
150
da recuperação de uma liberdade, ainda que relativa. O que corrobora com a pertinência da
hipótese de que as migrações, geralmente tratadas como um problema, nem sempre o são.
Assim, observamos que em uma conjuntura onde o êxodo rural, freqüentemente, ainda
é apontado como inexorável, a realização de políticas públicas cujo intuito é o de pelo menos
amenizar a disparidade de renda, como a promoção da reforma agrária, embora sejam
necessários questionamentos quanto aos modelos preconizados, é capaz de provocar, mesmo
que de forma tênue, não consistindo ainda num fenômeno expressivo do ponto de vista
demográfico, dada talvez a intensidade da sua implementação, um movimento contrário: a
entrada ou retorno de populações ao meio rural.
Dentre inúmeros fatores tributários deste movimento contrário, verificamos que a falta
de oportunidades no mercado de trabalho urbano, a idealização e atribuição dos conceitos de
liberdade e tranqüilidade a vida no campo, bem como o desejo de possuir, morar e trabalhar
no que é seu e, assim adquirir autonomia financeira e reconhecimento social, figuram como
algumas das principais justificativas. Estas justificativas, de certo modo, demonstram a
validade da proposição levantada que assevera que as migrações de retorno ou entrada de
indivíduos no campo envolvem além de aspectos objetivos ligados ao ramo econômico,
aspectos simbólicos e subjetivos.
Deste modo, o Norte Fluminense, mais especificamente o município de Campos dos
Goytacazes, configura-se em um cenário capaz de ilustrar de maneira contundente o
fenômeno das migrações rural-urbano-rural e urbano-rural, tendo em vista a mencionada
atuação do MST, a partir do início dos anos 1990 na região. Isto indica que os assentamentos
de reforma agrária constituem importante panorama para analisarmos os processos de
migrações de retorno ou entrada no campo no país, ao mesmo tempo em que as migrações
podem ser um mote para pensarmos as novas relações existentes no rural brasileiro.
Finalmente, a análise destes processos migratórios, que visivelmente manifestam o
desejo de retorno, entrada ou manutenção de indivíduos na zona rural, confirma nossa
hipótese inicial. Se por um lado, as mudanças no mundo do trabalho e a influência do setor
urbano refletem no campo, conseqüentemente, nos assentamentos, – destacando-se alterações
no modo de vida tradicionalmente concebido para os indivíduos que residem neste espaço –,
por outro lado, sinaliza que tais alterações são traduzidas e inseridas nas relações sociais, no
sistema de representações, e nas percepções dos indivíduos.
Deste modo, apesar da proximidade da cidade e da trajetória migratória de muitos
assentados, cuja maioria durante o processo de migração, teve pelo menos uma breve
151
passagem pelo mundo urbano, os assentamentos possuem particularidades relacionadas a um
estilo de vida rural, que diverge das relações empreendidas no espaço urbano, mas que não
coincidem com as definições tradicionalmente cunhadas para o campo. Isto demonstra que é
preciso relativizar e estabelecer questionamentos às teorias que prenunciam o
desaparecimento ou então submersão do rural pelos processos urbanos e, direcionar a
discussão para um patamar capaz de considerar, dentre as possibilidades, que assim como a
dinâmica urbana sofre alterações constantes, o campo também não é algo estático, o que, no
entanto não implica simplesmente na sua submersão, mas no surgimento de relações
atualizadas e complexas.
152
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2004. 117f.
164
ANEXOS
Os Assentados, os assentamentos, as trajetórias
Figura 18 - Assentada do Assentamento Ilha Grande
Figura 19 - Assentada do Assentamento Che Guevara
165
Figura 20 - Assentado do Assentamento Che Guevara
Figura 21- Fotografias antigas de um assentado apresentadas no momento da entrevista
166
Figura 22- Fotografias antigas de um assentado apresentadas no momento da entrevista
Figura 23 - Fotografias antigas de um assentado apresentadas no momento da entrevista
167
Figura 24 - Assentado do Assentamento Che Guevara
Figura 25 - Assentado do Assentamento Ilha Grande
168
Figura 26 - Caminhão transportando a cana-de-açúcar do assentamento para uma usina
Figura 27 - Assentado do Assentamento Ilha Grande
169
Figura 28 - Assentada do Assentamento Che Guevara
Figura 29 - Assentada do Assentamento Che Guevara
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